T e o l o g ia S is t e m á t ic a Pe c a d o ■ Salvação
A IGREJA
AS ÚLT1 MAS COISAS
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I a Edição Rio de Janeiro - 2010
TEOLOGIA S is t e m á t ic a Pe c a d o • Salvação
A IGREJA
AS ÚLTI MAS COISAS
Todos os direitos reservados. C o p y rig h t © 2010 para a língua p ortu g u esa da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Título do original em inglês: Systematic Theology, Volume One and Two Beth any H ouse Publishers, G rand Rapids, M ichigan, EUA P rim eira edição e m inglês: 2003 Prep aração dos originais: Esdras B en th o e A nd erson G ran geão Revisão: Esdras B en th o e G u n ar Berg T radutores: M arcelo Gonçalves e D egm ar Ribas Capa: A lexand er Diniz A daptação de p ro je to gráfico e E d itoração: Oséas F. M aciel CD D: 2 3 0 -Teologia Sistem ática ISBN: 978-85-263-0980-7 As citações bíblicas fo ram extraídas da versão A lm eida Revista e Corrigida, edição de 1995, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em co n trário . As citações bíblicas assinaladas pela sigla AEC referem -se a A lm eida Edição Contemporânea (São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil/Vida, 1990). As citações bíblicas assinaladas pela sigla BJ referem -se a A B íblia de Jeru salém , N ova Edição, Revista e A m pliada (São Paulo: Paulus, 2010; T erceira Im pressão, 2004). As citações bíblicas assinaladas pela sigla NTLH referem -se a N ova Tradução na Linguagem de H oje (B aru eri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000). As citações bíblicas assinaladas pela sigla NVI referem -se a N ova Versão Internacional (São Paulo: Vida,
2001). As citações bíblicas assinaladas pela sigla RA referem -se a A lm eida Revista e A tualizada (B arueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002). Para m aiores inform ações sobre livros, revistas, periódicos e os últim os lançam entos da CPAD, visite nosso site: h ttp :w w w .cpad.com .br. SAC — Serviço de A tend im ento ao Cliente: 0800-701-7373 Casa Publicadora das Assembleias de Deus Caixa Postal 331 20001-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Ia edição: 2010
“C o m o o clím ax e a síntese de décadas de ensino e escritos de N orm an Geisler, esta obra inestim ável despertará o interesse de todos que apreciam abordagens filosóficas, históricas e apologéticas da Teologia. Explicações e definições de term os-ch ave to rn a m esse texto acessível para u m a am pla gam a de leitores, com eçand o pelos estudantes que iniciam na Teologia. Im pressionante no seu fôlego e nos detalhes, os tópicos são apresentados de m an eira lógica que estim ula tan to o aprendizado quanto à dissem inação do con h ecim en to adquirido. Estam os diante de u m a obra enciclopédica, que contém pérolas incontáveis escondidas em u m texto agradável. E tu do isso reunido em u m a só capa.” G ary R. Haberm as M estre da Universidade Liberty
“Em nossa época, são raros os estudiosos que respondem às objeções de críticos e céticos co m a perícia do Dr. N orm an Geisler. Para nós, felizm ente, ele apresenta as evidências bíblicas e a análise lógica dos tem as de m aneira clara e precisa, que lh e ajudará m u ito bem no seu estudo das doutrinas bíblicas.” D r. Jo h n F. A nkerberg Presidente do In stitu to de Pesquisas Teológicas A nkerberg
“Os m elh ores teólogos são aqueles que tam bém se destacam na Filosofia. Só que neste caso, logicam ente, n em sem pre conseguim os com preend er exatam ente o que eles estão querendo dizer. N orm an G eisler tem o dom singular de ser ao m esm o tem po um filósofo e u m teólogo que lida com conceitos profundos n u m a m aneira que o h om em simples consegue com preend er com facilidade. C onseqüentem en te, esta teologia sistem ática não ficará som ente n a escrivaninha dos estudiosos, mas tam bém na do pastor, e freqüentará tam bém a m esa de café de m u itos leitores leigos.” Dr. Paige Patterson Presidente do Sem inário Teológico Batista do Sudeste dos E.U.A.
“Em u m a era que co lo ca a sua ênfase na especialização, N orm al G eisler é u m exem plo de pessoa que apresenta a rara e preciosa habilidade de reun ir as três áreas necessárias para se exercer a Teologia Sistem ática: form ação filosófica m inuciosa, facilidade nas diversas categorias de teologia, e a capacidade de fazer a exegese do texto bíblico. Não con h eço n in g u ém que reú na estas três capacidades m e lh o r do que ele, e o V olum e 1, ju n ta m en te com os demais, é fru to de u m a vida de labor nestes cam pos. E, quando estas habilidades se com binam co m a excelência que G eisler apresenta co m o u m com unicad or, o resultado é verdadeiram ente m arcan te. Estou m u ito feliz em , finalm en te, ver esta Teologia Sistemática ser colocada à disposição da igreja. J. P. M oreland D istinto M estre em Filosofia, Faculdade de Teologia Talbot, Universidade de Biola “Tendo sido grand em ente beneficiado com o estudo da Teologia sob a orientação do Professor N orm an G eisler há cerca de vinte anos, desejei por algum tem po ver sua vasta
pesquisa teológica com pilada n a fo rm a de u m a Teologia Sistem ática. C o m a publicação deste prim eiro volu m e, o m eu desejo está se torn and o realidade! Para as pessoas que valorizam o pensar m inucioso, a lógica firm e, a ju sta ponderação e as perspectivas teológicas aguçadas, esta teologia sistem ática se con stitu i em ‘leitu ra indispensável.’ “ D r. R on Rhodes Presidente do M inistério “R easoning F rom S crip tu res”
SUMÁRIO VOLUME TRÊS: “PECADO” E “SALVAÇÃO”
P a rte I: H u m a n id a d e e P eca d o (A n tr o p o lo g ia e H a m a r tio lo g ia ) Capítulo Capítulo C apítulo C apítulo
U m : A O rigem dos Seres H um anos ............................................................................... 11 Dois: A N atureza dos Seres H u m a n o s............................ ............................................... 37 Três: A Origem do P eca d o ................................................................................................... 65 Q uatro: A N atureza do P e c a d o ......................................................................................... 83
C apítulo Cinco: Os Efeitos do P e c a d o ..............................................................................................103 C apítulo Seis: A D errota do Pecado ..................................................................................................131 P a rte II: S a lv a ç ã o (S o te r io lo g ia ) C apítulo C apítulo C apítulo C apítulo C apítulo
Sete: A Origem da S alv ação ...............................................................................................157 Oito: As Teorias da Salvação .............................................................................................177 Nove: A N atureza da S a lv a çã o .........................................................................................195 Dez: As Evidências da S a lv a ç ã o ....................................................................................... 229 Onze: O A lcance da Salvação (Expiação Lim itada ou Ilim itada) ...................... 263
C apítulo Capítulo C apítulo Capítulo Capítulo
D oze: O A lcance da Salvação (U n iv ersa lism o )......................................................... 301 Treze: A Exclusividade da Salvação (Pluralism o) .....................................................321 Q uatorze: Os Efeitos da Salvação (Infantes e Pagãos) ............................................339 Q uinze: A Condição para a Salvação ........................................................................... 375 Dezesseis: O Teor da S a lv a ç ã o ..........................................................................................427
A p ên d ices Apêndice Apêndice Apêndice Apêndice Apêndice
U m : A vida hu m ana com eça m esm o na concepção? ...........................................453 Dois: Será que a vida hu m ana com eça na fixação do óvulo no ú te r o ? .........459 Três: A D upla P red estin a çã o ...........................................................................................465 Quatro: Será que Jesus era descendente físico de A dão?....................................... 469 Cinco: O Perfeccionism o W esleyano ............................................................................473
B ib li o g r a f ia ...............................................................................................................................................487
PARTE
UM
HUMANIDADE E PECADO (ANTROPOLOGIA E HAMARTIOLOGIA)
A ORIGEM DOS SERES HUMANOS
C
on form e analisam os no V olum e 2, todos os teólogos evangélicos crêem que os prim eiros seres hu m anos foram criados d iretam ente por Deus. Tendo isto em m ente, con cen trar-n o s-em os nas condições originalm ente criadas para Adão e Eva, nas quais oco rreram tan to a tentação com o a Queda. Tudo isso servirá com o preparação do cenário para um a abordagem da origem da alm a de cada ser h u m an o segundo Adão, bem co m o servirá com o con texto para a com preensão da depravação in eren te herdada pela hum anidade, desde a época da Criação.
AS CONDIÇÕES ORIGINAIS NA CRIAÇÃO Deus é absolutam ente p erfeito1e, conseqüentem ente, sua criação tam b ém foi perfeita. Moisés declarou: “Ele é a R o ch a cu ja obra é perfeita” (D t 32.4). Davi acrescentou: “O cam in h o de D eus é p erfeito” (2 Sm 22.31). Jesus disse: “Sede vós, pois, perfeitos, com o é perfeito o vosso Pai” (M t 5.48). Nada m enos do que a perfeição pode vir de u m Ser absolutam ente perfeito, e é próprio de u m ser perfeito criar som en te coisas perfeitas, já que os efeitos carregam a im agem da sua Causa.2
A BASE BÍBLICA PARA O ESTADO ORIGINAL DE INOCÊNCIA E PERFEIÇÃO D e acordo com Gênesis 1-2, Adão e Eva foram criados em to tal inocência. Não havia n e n h u m tipo de m alícia na sua natu reza ou no am biente onde eles foram inseridos. Eles “não se envergonhavam ” (G n 2.25), e ainda não con h eciam o “bem e o m a l” (3.5). Em sum a, além de não con h ecerem n e n h u m tipo de culpa por qualquer tipo de pecado, eles tam b ém eram inocentes co m relação ao pecado. A lém disso, m esm o a tentação do “sereis co m o Deus, sabendo o b em e o m a l” (G n 3.5) im plica que eles não con h eciam o m al antes de caírem . N a verdade, foi som ente ao degustarem o fru to proibido que: “foram abertos os olhos de am bos, e co n h eceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais” (3.7). De acordo com o Novo Testam ento, pela desobediência, Adão e Eva se to rn aram pecadores (R m 5.12; 1 T m 2.14) e tro u xeram condenação sobre si m esm os e sobre toda a sua posteridade: 1 Vide volume 2, capítulo 4. da Humanidade.”
2 Cf. Tiago 1.17; vide também volume 2, capítulo 18, sob o título “A Natureza
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“Por u m a só ofensa veio o ju ízo sobre todos os h om ens para cond enação” (R m 5.18).3 Antes disso eles eram ilibados.
Um Estado de Virtude e Retidão A lém de serem inocentes, sem m alícia, Adão e Eva eram m o ra lm en te virtuosos em fu n ção do estado em que foram criados, pois D eus os dotou de perfeição m oral. Salom ão escreveu: “Vede, isto tão -som en te achei: que Deus fez ao homem reto, mas ele buscou m uitas invenções” (Ec 7.29).4 A palavra hebraica para designar “r e to ” éyashar, e significa “retidão,” “honestidade,” ou “integridade”; ela é a m esm a palavra utilizada em conexão co m “ju s to ” (D t 32.4), “re to ” (Jó 1.1), e “p u ro ” (Jó 8.6). C onseqüen tem ente, yashar não d enota m eram en te a ausência de maldade, mas tam bém a presença da bondade — não se trata, sim plesm ente, da ausência de vício, m as a presença real da virtude. Existem duas visões básicas a respeito da origem deste estado de pureza na criação. A Visão Sobrenatural Jo n ath an Edwards (1703-1758) sustentou que este estado original teria sido u m estado de graça sobrenatural no qual Adão foi criado antes da Queda, m as que em função do pecado foi perdido: A história [de Gênesis 1-3] nos leva a su por que o pecado de A dão, no que diz respeito ao fru to proibido, foi o primeiro pecado co m etid o . E este n ão p od eria ter o co rrid o , caso, até aquele m o m e n to , ele n ão tivesse sem pre sido perfeitam en te íntegro — íntegro desde o prim eiro m o m e n to da sua existência; e, co n seq ü en tem en te, n ão tivesse sido criado, ou trazido à existência, de fo rm a íntegra. [A lém disso], em u m agente m o ral, sujeito às obrigações m orais, é a m esm a coisa, ser perfeitam en te inocente e ser perfeitam en te integro. Precisa ser a m e sm a coisa, p orq u e n ão p od e m ais haver u m m e io -te rm o en tre p ecad o e integridade, ou en tre estar certo e estar errado, n u m sentido m o ral, da m esm a fo rm a que n ão pode h aver tam b ém u m m e io -te rm o en tre ser re to e ser to r to , n u m sentido n a tu ra l. ( W JE , 1.178)
Tom ás de A quino (1225-1274) e os seus seguidores na Igreja católica tam bém sustentavam o m esm o p o n to de vista, ou seja, que a retidão original não era natu ral, mas sobrenatural. U m erudito católico afirm ou que foi necessário que D eus transm itisse a 3Como já vimos, a palavra antropologia, que significa “estudo dos seres humanos,” vem, em parte, do vocábulo grego anthropos, que normalmente ocorre (na Bíblia) nas suas formas original ou derivativa. Apesar de algumas traduções coloquem unilateralmente as variações de anthropos como “hom em” ou “homens” (por exemplo, em Romanos 5.18, conforme acima), existem outros exemplos bíblicos onde anthropos se refere a “um ser humano” (independente do gênero) ou a “pessoas” (de ambos os gêneros). Nos léxicos especializados, isto é amplamente confirmado; por exemplo, Harold K. Moulton define anthr—pos como “um ser humano,” “um indivíduo” [metaforicamente], “o homem interior” (Analytical Greek Lexicon Revised {léxico Grego Analítico Revisado} (Grand Rapids.- Zondervan, 1993, 77-78). Com relação aos usos soteriológicos de anthropos, as pessoas que defendem que esta palavra, em todas as suas formas, sempre e somente significa “homens” ficam obrigados a sustentar que Deus deseja salvar somente indivíduos do sexo masculino. passagens foram acrescentados pelo autor.
4Todos os grifos nas
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Adão esta retidão sobrenatural na criação “a fim de proporcionar u m rem édio para esta doença ou langor da natu reza hu m ana, que surge da natu reza da organização m aterial” (citado por Shedd, H CC, 1.143). O conh ecid o teólogo reform ad o W illíam G. T. Shedd (1820-1894) criticou esta visão com o u m a “relíquia da idéia gnóstica acerca da m atéria” (ibid., 1.147), e a rejeitou pois, “se assim o fosse, D eus teria criado o h o m em já em estado de pecado” (ibid., 1.148).5 A Visão Natural Shedd argum entava que este estado de perfeição n a criação era natural, ou seja, a própria natu reza com a qual D eus criara Adão era m o ra lm en te reta e perfeita. Ele observou que a m esm a palavra (hebraico: yashar) é utilizada por D eus para se referir a Jó: “Este era h o m em sincero, reto e tem en te a Deus; e desviava-se do m a l” (Jó l . l ) . 6 A ju stiça original está contida n a própria idéia de u m h o m em que foi criado pelas m ãos do Criador. Ela é parte do seu dote de criação, e de nada precisa ser acrescentada. A obra do Criador é perfeita, e não precisa de n e n h u m a espécie de aperfeiçoam ento, (op. Cit. 1.145) Em sum a, de acordo com a visão natu ral, com o Deus é perfeito, Ele é incapaz de criar um a criatura im perfeita. Logo, o estado natu ral de Adão e Eva, desde o m o m en to da criação, era, necessariam ente, de perfeição.
Um Ambiente Perfeito A lém de um a natu reza perfeita, Adão tam bém recebeu u m am biente perfeito. No Éden não havia pecado, aquele lugar era u m paraíso de bondade. D eus o havia criado (G n . 2.8ss), e tudo o que D eus criou era “m u ito b o m ” (G n 1.31). No Éden não havia n e n h u m a im perfeição m o ral (ou m etafísica); em todos os sentidos aquele era um lugar, sem m áculas. Não havia n e n h u m a tendência ao m al por parte de Adão, e nada de ru im acerca do am biente ao seu redor. A criação não estava su jeito à corru p ção, da fo rm a co m o ficou depois da Q ueda (R m 8.22). Não havia m o rte no gênero h u m an o (R m 5.12) e tan to a natu reza in tern a quanto extern a eram absolutam ente perfeitas.
Um Estado de Domínio No estado original da criação, a hum anidade não era serva da natu reza, mas exercia seu sen horio sobre ela. O h o m em n ão era escravo do seu braço forte; ao contrário, a natu reza lhe servia, pois ela estava su jeito à hum anidade. D eus disse aos seres hum anos: “Enchei a terra, e sujeitai-a; e dom inai sobre os peixes do m ar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o anim al que se m ove sobre a te rra ” (G n 1.28).
5 É contraditório se propor que Deus deu a Adão a retidão sobrenatural na criação e ao mesmo tempo sugerir que havia uma “doença ou langor da natureza humana.” 6Entretanto, a justiça de Adão era original; Jó, apesar de ser reto e sincero, viveu depois da Queda. O fato de Jó “se desviar do m al” demonstra que ele tinha consciência do mal, o que Adão, de acordo com Gênesis, não tinha.
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Um Estado de Responsabilidade Moral Tudo isso não significa que Adão não precisaria prestar contas a nin g u ém que estivesse acim a dele. Na verdade, ele estava em estado de subordinação, pois “E ordenou o SEN H O R Deus ao h om em , dizendo: De toda árvore do jardim com erás livrem ente, mas da árvore da ciência do bem e do m al, dela não com erás; porque, no dia em que dela com eres, certam en te m o rrerá s” (G n 2.16-17). D eus lh e havia dado u m a ordem , e Adão tin h a a responsabilidade de obedecer ao Criador. C o m o sabem os, foi exatam ente neste ponto que Adão falhou, de m aneira m iserável (G n 3.1ss; cf. R m 5.12-21; lT m 2.14). Adão estava livre no sentido em que suas ações fo ram autodeterm inadas;7 D eus falou de m aneira bastante específica: “De toda árvore do jardim com erás livremente” (G n 2.16). Quando Adão escolheu desobedecer esta ordem , D eus o considerou culpado, com a seguinte pergunta: “C om este tu da árvore de que te ordenei que não comessesl” (3.11). As palavras grifadas claram ente indicam que houve um ato de autod eterm inação (cf. v. 13). Tu fizeste isso, disse Deus. P ortan to, tu tam bém serás responsável pelo teu ato, sustentou o Criador. N inguém m ais fez com que Adão e Eva com etessem o pecado, n e m m esm o o próprio Diabo, que foi o au to r da tentação. Assim é a natu reza autod eterm inad a da liberdade.8 O bviam ente, estas pessoas perfeitas em u m paraíso perfeito não estavam livres de um intru so im perfeito. Satanás, u m arcan jo decaído, havia se rebelado con tra o Criador, levando consigo u m terço dos anjos do céu (Ap 12.4, 9). Através do engano astuto, o grande enganador persuadiu Eva e, por seu interm édio, Adão à desobediência contra D eus (R m 5.19; 1 T m 2.14). Por u m a decisão livre e não-coagida das suas vontades, o casal perfeito no paraíso perfeito caiu n a im perfeição — e ju n to co m eles todo o m undo veio tam bém abaixo. A sua desobediência gerou a m o rte e a destruição (R m 5.12-21; 8.20-23). E im p ortan te salientarm os que Adão e Eva não fo ram seduzidos a m en tir, a fraudar, a roubar ou a am aldiçoar. Na verdade, a sua natu reza m o ral era perfeita; logo, eles não eram vulneráveis a este tipo de tentação. O mandamento que Deus lhes deu para não comerem do fruto proibido não fo i uma ordem para se afastarem daquilo que fosse intrinsecamente mau. Eles não tin h am qualquer problem a com este tipo de coisa, pois estavam protegidos pelo seu estado íntegro e virtuoso. A sua vulnerabilidade estava no teste que teriam de enfrentar: Será que eles obedeceriam simplesmente porque aquilo lhes havia sido dito? “É assim que Deus disse?” foi u m a das arm adilhas que eles en fren taram por parte do Diabo (G n 3.1). A sua responsabilidade m o ral para com D eus dizia respeito a u m ob jeto que era m o ralm en te n eu tro. Deus poderia ter dito, por exem plo: “Não co lh a n en h u m a m argarida do jard im .” P ortanto, co m o já estudam os, a questão não era do pecado ser in eren te à substância que eles to caram ; a ten tação do pecado foi no sentido de seduzilos a desafiar D eus e, p o steriorm en te, to rn arem -se conscientes do m al que representa u m a escolh a feita em oposição à sua vontade. Nenhum mal interior ou exterior os levou a transgredir. Som en te u m uso grosseiro da liberdade, erron eam ente exercido, desencadeou a obediência e as suas lúgubres conseqüências. Aqui, talvez, esteja a solução de u m p roblem a espinhoso: Se Adão e Eva tivessem com etid o ou tros pecados antes de co m er o fru to proibido, será que estas outras transgressões teriam antecipado a Queda? A resposta para isso pode m u ito bem estar no 7Vide capítulo 3, adiante.
8 Ibid.
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fato de lhes ser im possível pecar em outras questões, ju stam en te por terem sido criados perfeitos. C ertam en te Satanás tam bém lhes teria tentado nestas outras questões, se isto lhes fosse possível, m as não existe qualquer indicação de que isto te n h a ocorrido. E m u ito mais provável que som en te a desobediência àquele com ando específico de Deus desencadearia a Q ueda e precipitaria toda a criação na m o rte e no desastre.
A BASE TEOLÓGICA PARA O ESTADO ORIGINAL DE INOCÊNCIA E PERFEIÇÃO A condição perfeita do estado originalm ente criado deriva da natu reza de D eus com o um ser absolutam ente perfeito. O argu m ento segue a seguinte linha: (1) D eus é um ser absolutam ente perfeito. (2) U m ser absolutam ente perfeito é incapaz de produzir um a criação im perfeita. (3) Logo, a criação original foi feita n a perfeição.
Deus É um Ser absolutamente Perfeito C om o está questão j á foi dem onstrada em ou tra parte desta obra,9som ente reverem os o esboço da idéia. A base bíblica para a perfeição m o ral de D eus pode ser encontrada em diversas passagens. “Ele é a R o ch a cu ja obra é perfeita, porque todos os seus cam inhos ju ízo são; Deus é a verdade, e não há nele in ju stiça; ju sto e reto é ” (D t 32.4). “O cam in h o de Deus é perfeito [...] D eus é a m in h a fortaleza e a m in h a força, e ele perfeitam ente desem baraça o m eu cam in h o ” (2 Sm 22.31). “Tens tu notícia do equilíbrio das grossas nuvens e das m aravilhas daquele que é perfeito nos con h ecim entos?” (Jó 37.16). “O cam in h o de Deus é perfeito; a palavra do SEN H O R é provada” (SI 18.30). “A lei do SEN H O R é perfeita e refrigera a alm a” (SI 19.7). “O SEN H O R, tu és o m eu Deus; exaltar-te-ei e louvarei o teu nom e, porque fizeste m aravilhas; os teus conselhos antigos são verdade e firm eza” (Is 25.1). “Sede vós, pois, perfeitos, co m o é perfeito o vosso Pai, que está nos céus” (M t 5.48). “Q uando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte será aniquilado” (IC o 13.10). “[Aquele] a quem anunciam os, adm oestando a todo h o m em e ensinando a todo h om em em toda a sabedoria; para que apresentem os todo h o m em perfeito em Jesus C risto” (C l 1.28). “Toda boa dádiva e todo d om perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há m udança, n em som bra de variação” (T g 1.17). “Na caridade, não há tem or; antes, a perfeita caridade lança fo ra o te m o r” (1 Jo 4.18). A base teológica para a perfeição de D eus tam b ém pode ser fundam entada por outro raciocínio. Por um lado, o nosso co n h ecim en to do im perfeito im plica u m parâm etro daquilo que é “Perfeito” por excelência; porque não se pode saber o que não é perfeito se não souberm os o que é “Perfeito,” é preciso haver u m Perfeito (D eus). D a m esm a form a com o não se pode saber se u m círcu lo é falho, a não ser que se saiba o que é u m círculo preciso, as im perfeições m orais tam bém não podem ser detectadas se não possuirm os algum conceito de perfeição m oral. A lém disso, sendo Deus u m Ser m o ral, conclui-se, a partir de três dos seus atributos m etafísicos, que Ele precisa ser m o ra lm en te perfeito. O raciocínio apresenta a seguinte conclusão: 9 Vide volume 2, capítulo 14.
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(1) A natureza de Deus é moralmente perfeita. (2) Deus é infinito, imutável e necessário pela sua própria natureza.10 (3) Logo, Deus é moralmente perfeito de forma infinita, imutável e necessária.
Um Ser absolutamente Perfeito É Incapaz de Produzir uma Criação Imperfeita Como já verificamos, esta premissa está fundamentada em princípios de analogia e causalidade, que já foram defendidos anteriormente.11 De forma breve, o efeito precisa guardar semelhança com a causa na sua atualidade, mas não na potencialidade.12Assim, se o Criador faz algo com perfeição moral, Ele também precisa apresentar as mesmas características que transmitiu à coisa criada, pois uma causa não pode transmitir uma perfeição que não possui, nem pode compartilhar daquilo que não tem para compartilhar. Contudo, ao contrário da Causa de todas as coisas, o efeito precisa ser limitado — ele precisa ter potencialidade para ser/ou não ser algo diferente do que ele é, seja de forma acidental ou substancial.13 Assim, apesar do efeito ser similar à sua causa no que tange à sua atualidade, ele pode ser divergente nas suas potencialidades e limitações, já que Deus é Pura Atualidade.
A BASE HISTÓRICA DO ESTADO ORIGINAL DE INOCÊNCIA E PERFEIÇÃO Os Pais da Igreja Primitiva Ireneu (c. 125-c. 202 d. C.)
Ireneu defendia que Deus não concedeu a perfeição absoluta à humanidade — somente Deus seria absolutamente perfeito. Adão era finitamente perfeito, entretanto ele não foi testado nesse respeito. Dessa forma, Se [...] qualquer pessoa disser: “Qual o problema? Será que Deus não poderia ter apresentado o homem como um ser perfeito desde o princípio?” Que esta pessoa saiba que como Deus é, na verdade, não gerado e imutável no que diz respeito a si mesmo, todas as coisas lhes são possíveis. Mas as coisas criadas precisam ser inferiores àquele que as criou, a partir do simples fato da sua origem posterior; pois não é possível que coisas recentemente criadas não tenham sido criadas. Todavia, justamente por terem sido criadas, elas não atingem um estado de perfeição [absoluta]. (AH, 1.4.38.2). No princípio, Deus tinha o poder de conceder perfeição [absoluta] ao homem; mas como este último havia somente sido criado recentemente, não existe a possibilidade de ele a ter recebido, ou mesmo que a tivesse recebido, não a poderia ter contido, ou se a contivesse, não poderia tê-la retido, (ibid.)
10 V id e v o l u m e 2 , c a p í t u l o s 3 - 5 . c a p í t u l o 2.
11 V id e v o l u m e 1, c a p í t u l o 7 - 9 p a r a m a i o r e s d e t a l h e s .
12 V id e v o l u m e 2 ,
13 U m ser que se torna a lg o d ife re n te daquilo que é e x e m p lifica u m a m u d a n ça su b sta n cia l; u m ser q u e rece b e algo
d iferen te d aq u ilo q ue te m é u m e x e m p lo de m u d a n ça acid en tal. V id e ta m b é m o v o lu m e 2, c a p ítu lo 4, sob os a rg u m e n to s de T om ás de A q u in o e m defesa da im u ta b ilid a d e d e D eus.
A ORIGEM DOS SERES HUMANOS
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Teófilo (c. 130-190d.C.) Tendo Deus completa a criação dos céus, da terra, do mar e de tudo o que neles há, no sexto dia, Ele descansou no sétimo dia, de todas as obras que havia feito [...] e depois de formar o homem, Deus separou para ele um local situado na região do Oriente, com excelente luminosidade, com uma atmosfera viva, com uma rica variedade das melhores plantas; e ali o colocou. (TA in Robert e Donaldson, ANF, II.2.19)
Os Pais Eclesiásticos Medievais Os grandes teólogos da Idade Média corroboravam com a idéia da perfeição de Adão a partir do momento da criação. Agostinho se apresenta como um caso marcante: Agostinho (354-430 d. C.) A natureza humana, na verdade, foi primeiramente criada sem mácula e sem pecado; mas esta natureza de homem, da qual todos nascem a partir de Adão, agora, deseja um médico, porque não está mais sã. (ONG, 3) Da mesma forma, afirmamos que não existe um bem imutável além do verdadeiro e bendito Deus; que as coisas feitas por Ele são, na verdade, boas por sua causa, porém mutáveis porque não feitas a partir dele, mas a partir do nada. (CG, 12.1) Anselmo (1033-1109 d. C.) O homem tendo sido feito em santidade e foi colocado no paraíso [...] por assim dizer, no lugar de Deus, entre Deus e o Diabo, para conquistar o Diabo por meio da resistência à tentação, e assim vingar a honra de Deus e envergonhar o Tentador, porque este homem, mesmo sendo mais fraco e habitando neste mundo, não deveria pecar, mesmo diante da tentação do Maligno. (CDH, LXXII) Tomás de Aquino (1225-1274) Isto também fica claro a partir da própria integridade do estado original, em virtude do qual, apesar de continuar em sujeição a Deus, as forças inferiores do homem estavam sujeitas às superiores, e não se constituíam em impedimento à sua ação. E a partir daquelas que precediam, fica claro que, no que concerne ao seu próprio objeto, o intelecto é sempre verdadeiro [...] Portanto, fica claro que a retidão do estado original era incompatível com qualquer fraudulência do intelecto. O paraíso era um lugar adequado para o homem no que diz respeito à incorruptibilidade do estado original. Só que esta incorruptibilidade foi concedida ao homem, não de forma natural, mas por um dom sobrenatural da parte de Deus. Portanto, para que ela pudesse ser atribuída à graça de Deus, e não à natureza humana, Deus criou o homem fora do paraíso, e só depois ali o colocou para viver o período completo da sua vida terrenal; para, depois de alcançar a vida espiritual, ser transferido dali para o céu. (ibid., Ia. 102.4)
Os Líderes da Reforma Martinho Lutero (1483-1546) A imagem de Deus, na qual Adão foi criado possuía uma beleza e uma nobreza supremas. A lepra do pecado não contaminava nem a sua razão, nem a sua vontade, mas todos os
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seus sentidos eram puros, interior e exteriormente. O seu intelecto era muito claro, sua memória muito boa e a sua vontade muito sincera. A sua consciência era tranqüila e segura, sem nenhum medo da morte e sem preocupações. Somando-se a estas perfeições interiores, estava também a força corporal bela e suprema em todos os seus membros, com a qual ele sobrepujava todas as outras criaturas viventes na natureza. Pois, creio firmemente que antes do pecado, os olhos de Adão eram tão nítidos e sua visão tão aguçada que ele superava o lince e a águia. Adão também superava em força os leões e os ursos, que são animais fortes, da mesma forma que lidamos hoje em dia com pequenos cães. (WLS, 878) Se quisermos falar de filósofos de destaque, falemos então dos nossos primeiros pais enquanto eram puros e não-contaminados pelo pecado. Pois eles tinham o conhecimento mais perfeito de Deus. E, na verdade, como eles não conheceriam aquele cuja imagem eles já tinham sentido em si mesmos? (ibid., 1046-47) João Calvino (1509-1564) A nossa definição de imagem para ser incompleta fique bem claro em quais faculdades o homem atinge excelência, e em quais ele deve ser considerado como espelho da glória divina. Isto, entretanto, não pode ser conhecido de melhor forma do que se fazendo o uso do remédio providenciado para a corrupção da natureza. Não se pode duvidar que quando Adão perdeu o seu estado original, ele se tomou alienado de Deus. Portanto, embora saibamos que a imagem de Deus não foi completamente erradicada, nem completamente destruída no ser humano, ela foi, contudo, tão corrompida, que tudo o que restou não passa de uma terrível deformação; e, dessa forma, a nossa libertação se inicia com esta renovação que é obtida por intermédio de Cristo, que é, portanto, chamado de segundo Adão, porque é Ele quem nos restaura para a integridade substancial e verdadeira. (ICR, LXVV)
Os Mestres Pós-Reforma Ja có Armínio (1560-1609) O homem, tendo sido posto em um estado deintegridade, caminhava em passos confiantes no caminho dos mandamentos de Deus; por este ato desagradável ele colidiu ou ofendeu a própria lei, e decaiu do seu estado de inocência (Rm 5.15-18) [...] o homem cometeu este crime, depois de ter sido ali colocado em um estado de inocência e adornado por Deus com dons tão excelentes quanto o “conhecimento de Deus,” a “justiça e a verdadeira santidade”. [Gn 1.26-27; Cl 3.10; EÍ4.24] (WJA, 1.485) “Apesar de haver tantas condições para não se pecar, especialmente no ato em si, o homem não se absteve deste pecado” [Gn 2.16-17], (ibid.) Charles Hodge (1797-1878) Na imagem moral de Deus, está incluída na justiça original: (1) a harmonia perfeita e a subordinação devida de tudo aquilo que constitui a sua razão; suas afeições e apetites à sua vontade; o corpo era o órgão obediente da alma. Não havia rebelião da parte sensual contra a parte racional da sua natureza, tampouco qualquer tipo de desproporção
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entre ambas que demandasse um controle ou equilíbrio por parte de outros dons ou influências; (2) E além deste equilíbrio e harmonia da constituição original do homem, a perfeição moral na qual ele se assemelhava a Deus, incluía também o conhecimento, a justiça e a santidade. (ST, 11.99) Shubert Ogden (1928j [...]) Em certo sentido, é claro, a Teologia protestante sempre foi crítica acerca desta distinção, da forma como ela é compreendida e empregada pelos teólogos católicos. A Ortodoxia luterana e a reformada rejeitaram a doutrina da “justiça original” como um donum superadditum. Os reformadores alegavam que se afirmássemos que o nosso estado natural era imperfeito, entraríamos em choque com Gênesis 1.31 (Schmid: 158; Heppe: 190-191). Contudo, o entendimento dos teólogos católicos acerca dos dons originais é que Deus os concedeu aos seres humanos; eram naturais e não excluíam a possibilidade de se tratar a revelação de Deus em Jesus como sobrenatural. Pois mesmo estes dons naturais podem ser chamados de sobrenaturais, à medida que estão “acima da natureza corrompida pelo pecado e não são restaurados, salvo pela graça sobrenatural” [Heppe: 191] (OT, 33).
TRÊS PONTOS DE VISTA ACERCA DA ORIGEM DA ALMA HUMANA Os cristãos têm tido três pontos de vista básicos acerca da origem da alma. O prim eiro, a visão da pré-existência, a qual foi, subseqüentem ente, considerada herética, u m a vez que contradiz o ensinam ento claro das Sagradas Escrituras acerca da criação dos seres h u m an o s.14O ponto de vista da pré-existência apresenta duas variantes: a platônica (não criada) e a cristã (criada). A prim eira serve co m o pano de fundo para a com preensão da segunda.
Duas Formas de Perspectiva da Pré-existência A Visão da Pré-existência Não-criada De acordo com Platão (c. 427-347 a.C .), a alm a do ser h u m an o não é intrinsecam ente im ortal, contu d o ela tam bém é etern a (vide P); ela nu nca foi criada, mas é parte integrante do m u nd o etern o que existe à parte de D eus (os D em iurgos). T al qual o co rre com o m u nd o das Form as eternas (das Idéias) proposto por Platão, tam bém existem , segundo o m esm o filósofo, alm as eternas que existem em virtude da A lm a Cósm ica, a qual anim a todas as coisas. Antes do nascim en to, supostam ente, estas alm as entrariam em u m corpo (n o ventre de u m a m u lh e r) e se “en ca rn a m ” em u m corpo h u m an o. Assim, os seres hum anos são, essencialm ente, alm as eternas que habitam tem p orariam en te em corpos físicos. Assim se apresenta a visão da pré-existência, e os problem as co m ela se agrupam em três categorias: (1) ela não é bíblica, (2) ela não é científica e (3) tam bém não é filosoficam ente consistente. Primeiro, a Bíblia declara de fo rm a clara que os seres hum anos foram criados, tan to o corpo, quanto a alm a.15 E, se foram trazidos à existência em u m determ inado m o m en to no tem po, pode-se afirm ar que não existiam na eternidade passada.
14 O s o u tro s são: o p o n to de vista da criação e o traduciano, os quais serã o d ora v a n te exp licad os. 18-19.
15 V id e v o lu m e 2, ca p ítu lo s
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as evidências científicas indicam que a vida individual se inicia na concepção.16 Terceiro, um número infinito de momentos é algo impossível, já que o momento presente é o final de todos os momentos que o antecederam, e uma série infinita de momentos não pode apresentar fim (vide Craig, K C A ). Assim, nenhum ser humano (temporal) pode ser eterno. Segunda,
A Visão da Pré-existência Criada A visão da pré-existência criada, sustentada por alguns pais da igreja pós-apostólica, apresenta muitas semelhanças com o ponto de vista de Platão. Orígenes (c. 185-C.254 d.C.) e até mesmo Agostinho (na sua juventude) acreditavam que a alma existia antes do nascimento, com a diferença de que em vez de possuir existência independente da sua criação na eternidade, ela teria sido criada por Deus, desde a eternidade. Ao insistir na criação, os aderentes da visão da pré-existência criada esperavam preservar a dimensão cristã da visão platônica, mas, apesar disso, foram condenados como hereges. Agostinho corretamente reverteu esta ligação errônea com o Pré-encarnacionismo na sua obra Retractions (Retrações); pois a Bíblia declara que os seres humanos tiveram um começo (cf. Gn 1.27; Mt 19.4).
A Perspectiva da Criação: A Alma Foi Criada Diretamente por Deus Depois de abordarmos as duas formas insustentáveis de visão da pré-existência, restamnos ainda duas outras perspectivas básicas, defendidas pelos teólogos ortodoxos, acerca da origem da alma humana depois da criação original. A primeira é o Criacionismo, ao qual examinaremos neste momento, e a segunda é o Traducionismo, que veremos mais adiante. A essência do Criacionismo, a respeito da alma humana, é que Deus cria diretamente um novo indivíduo para todas as pessoas que nascem neste mundo. Apesar do corpo de cada novo ser humano ser gerado pelos seus pais por intermédio de um processo natural, a alma é sobrenaturalmente criada por Deus. Vários autores cristãos têm defendido o momento desta criação direta da alma em diferentes pontos do desenvolvimento do corpo humano. Existem várias vertentes acerca deste tema: A Criação da A lm a na Concepção
A maior parte dos cristãos evangélicos que defendem a visão criacionista sustenta que a criação da alma por Deus ocorre no momento da concepção. Existem evidências bíblicas e científicas a favor desta posição.
As Evidências Bíblicas Davi escreveu: “Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe” (SI 51.5). Jesus foi o Deus-homem a partir do momento da concepção, pois o anjo declarou: “José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo”. 16 V id e apên d ice 1.
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As Evidências Científicas A ciência m o d ern a nos proporcionou u m a jan ela para o ventre fem inin o. C om o resultado, h oje em dia as evidências são mais claras do que nunca: o início da vida individual (da alm a h u m ana) dar-se no exato m o m en to da concepção (fertilização). Primeiro, constitu i-se n u m fato genético o fato de um óvulo h u m an o fertilizado ser cem por cento hu m ano. A partir daquele exato m o m en to , toda a inform ação genética já está presente naquela vida, e nada mais se acrescenta do m o m en to da concepção até a m o rte do indivíduo. Segundo, todas as características físicas daquela vida já estão contidas n o código genético presente n a concepção. Terceiro, o sexo daquela criança já é determ inado no m o m en to da concepção. Quarto, u m óvulo fem inin o apresenta vinte e três crom ossom os; u m esperm atozóide m ascu lino, ou tro vinte e três; u m ser h u m an o n o rm al apresenta quarenta e seis crom ossom os. No exato m o m en to da concepção, quando o esperm atozóide m asculino se un e com o óvulo fem inin o, surge u m novo ser h u m an o m in ú scu lo com quarenta e seis crom ossom os. Quinto, do m o m en to da concepção até a m o rte, nada mais é acrescentado, salvo alim ento, ar e água. Sexto, e ú ltim o, Jerom e Lejeune, geneticista m u nd ialm en te renom ado (1925/[...]) declarou: Aceitar o fato de que depois da fertilização ocorrer, um novo ser humano é formado, não é mais uma questão de gosto ou opinião. A natureza do ser humano, a partir da concepção até a idade avançada, não se trata de controvérsia metafísica, mas sim, fruto de evidências claras experimentais. (Conforme citado por Geisler e Beckwith, MLD, 16) Criação da Alma na Fixação do Óvulo O utros escritores cristãos sustentam que a alm a é criada n o m o m en to em que o óvulo fertilizado se fixa ao útero. A base para isto é, supostam ente, o fato de que gêm eos idênticos podem oco rrer até o estágio em brionário (duas sem anas ou quatorze dias depois da concepção); logo, parece não ser plausível se falar de u m indivíduo h u m an o onde existe a possibilidade de se haver dois. Neste caso, teríam os que considerar, por exem plo, que o indivíduo original (o zigoto) m o rre quando ele se to rn a dois gêm eos. A lém disso, argum enta-se que experim entos em ovelhas e cam undongos, os quais, a exem plo dos seres hu m anos, tam bém têm gestações intra-u terin as, m ostram que não existe u m ser individual antes do térm in o da fixação do óvulo n o ú tero .17Todavia, existem boas razões para se rejeitar esta conclu são.18 Criação da Alma depois da Implantação Tomás de Aquino, seguindo os passos de Aristóteles (384-322 a.C.), colocou a criação da alma logo após à concepção. Ele argumentou que apesar da alma animal ter sido gerada pelos pais, a alma racional,19 na qual reside a humanidade da pessoa, não se forma antes dos quarenta dias para os indivíduos do sexo masculino e dos noventa dias para os do sexo feminino (CSPI, Dist. III, Art. II). 17 C o m o já v im os, n o s seres h u m a n o s is to se dá q u a to rz e dias depois da c o n c ep çã o . 18 V id e a p ên d ice 2 p a ra m a io res exp licações.
19 R e je ita m o s esta d iferen cia çã o .
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Esta visão se baseava em um modelo aristotélico antiquado da biologia. Este conceito não tinha qualquer base científica, tampouco escriturística. Ele é motivo de constrangimento tanto para os católicos como para o movimento a favor da vida em geral, já que se fosse verdadeiro, um óvulo fertilizado, inicialmente, não seria verdadeiramente humano e estaria, portanto, sujeito ao aborto nas primeiras semanas depois da concepção. A maior parte dos teólogos católicos está convencida de que Tomás de Aquino teria repudiado esta visão pós-fixação se tivesse tido contato com os fatos científicos que hoje nos estão disponíveis (vide Heaney, “AHC” in H LR , 63-74). A Criação da Alma no Momento da Animação
Alguns teólogos especulam que Deus não cria a alma humana até momentos antes de um bebê começar a se mexer no útero da mãe. Isto, entretanto, baseia-se em uma teoria científica desatualizada bem como em um entendimento inadequado da alma. (A alma era considerada o “princípio do automovimento”; logo, quando a vida começava a se mexer no útero, a mãe considerava que Deus havia colocado uma alma nela.) A Criação da Alma no Nascimento
Por último, alguns cristãos argumentam em defesa da visão de que as almas humanas individuais são criadas no nascimento. Para isso, eles apresentam dois argumentos principais: Primeiro, a vida humana é designada biblicamente a partir do nascimento (cf. Gn 5.1ss). Segundo, Adão não era humano até que começou a respirar, como declara Gênesis 2.7: “E formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e [então] o homem foi feito alma vivente” (grifo acrescentado). Respondendo a estes argumentos em ordem invertida, Adão foi, na verdade, um caso atípico, já que foi criado diretamente por Deus. Contudo o fato de ele não ter se tornado humano antes de respirar, não é decisivo para concluirmos quando a vida de um indivíduo inicia-se, isto, pelas várias razões a seguir: Primeiro, Adão não foi concebido, nem nasceu como os outros seres humanos; como já observamos, ele foi criado diretamente por Deus. Segundo, o fato de Adão não ter sido humano antes de começar a respirar não serve de prova para o momento em que a vida humana inicia-se, da mesma forma que o fato dele ter sido criado já adulto não prova também que a vida humana não começa enquanto não atingimos a idade adulta. Terceiro, a respiração em Gênesis 2.7 (hebraico: ruach) denota a origem da “vida” (cf. Jó 33.4). Isto indica, portanto, que a vida começou quando Deus concedeu a vida a Adão, e não simplesmente porque Adão começou a respirar. A vida humana foi mais tarde concedida à sua posteridade na fertilização ou concepção (Gn 4.1). Quarto, os animais apesar de respirarem, não são pessoas (Gn 7.21-22). Obviamente, a respiração, por si mesma, não era o fator determinante da humanidade de Adão. Quinto, falando pela ótica da medicina, muitas pessoas que, em algum momento da vida, deixam de respirar mais tarde, são reanimados e retornam à vida (ou acabam vivendo com o auxílio de equipamentos). O ser humano não nascido não pode ser visto (sem o uso de instrumentos) no útero e, portanto, não faz parte da cena social até o nascimento.
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Sexto, se a “respiração” fo r equiparada à “presença da vida h u m an a,” então, a perda da respiração significaria a perda da hum anidade. Todavia, a Palavra de D eus ensina que o ser h u m an o continu a a existir m esm o depois que a respiração esvaice (Fp 1.23; 2C o 5.6-8; Ap 6.9). Sétimo, e por ú ltim o, as Sagradas Escrituras já falam da existência de vida h u m an a no útero m u ito antes da respiração iniciar, ou seja, desde o m o m en to da concepção (SI 51.5; M t 1.20). C o m relação ao argu m ento de que a vida hu m an a é designada na Bíblia a partir do n ascim ento [Gn 5.1ss], deve-se observar que os versículos que tratam da respiração não falam do início da vida hu m an a, mas sim plesm ente da ocorrência da prim eira manifestação do ser (quando o ser h u m an o com eça a respirar). Estas passagens tratam do início da vida observável, não do início da vida em si m esm a. M esm o nos tem pos bíblicos, as pessoas sabiam que um bebê já estava vivo no útero da m ãe (cf. Lucas 1.44). O nascim ento não era visto com o o co m eço da vida hu m an a, m as sim plesm ente co m o o com eço ou o surgim ento — a estréia h u m ana — da vida neste m u nd o n atu ral visível.
A Visão Traducionista: A Alma E Criada indiretamente por Intermédio dos Pais O term o traducionista te m sua origem no vocábulo latino tradux, que significa “ram o de um a videira.” Ao ser aplicado à origem da alm a, segundo os traducionistas, a palavra significa que cada novo ser h u m an o é u m ram o que sai dos seus pais, isto é, tan to a alm a, quanto o corpo são gerados pelo pai e pela m ãe. Em resposta à visão criacionista (a qual defende que D eus cria cada vida nova diretam ente no ú tero), os traducionistas (ou traducianos) observam , prim eiram ente, que a criação só foi com pletada no sexto dia (G n 2.2; D t 4.32; M t 13.35) e que D eus agora está em descanso e nada m ais criou depois daquele m o m en to (Hb 4.4). A lém disso, os traducionistas observam que as evidências científicas indicativas do início da vida h u m an a (da alm a) são claras: a vida surge na união en tre o esperm atozóide e do óvulo dos pais, sendo prim eiram en te concebida no útero, fo rm and o u m indivíduo com p leto. Por fim , o Traducianism o aponta que a visão criacionista não explica a herança do pecado original.20 C ertam ente, u m Deus perfeito não criaria u m a alm a decaída, tam p ou co podem os aceitar a idéia gnóstica21 de que o con tato de u m a alm a pu ra co m o corpo m aterial (no ventre m a tern o ) precipita a sua Queda. A explicação mais razoável é que tan to a alm a quanto o corp o decaídos são gerados n atu ralm en te a partir dos nossos pais.
RESUMO E CONTRASTE DOS TRÊS PONTOS DE VISTA BÁSICOS Apesar de tanto os criacionistas quanto os traducionistas acreditarem que é Deus quem cria todas as almas, os criacionistas afirm am que Ele faz isto d iretam ente no útero m atern o , ao passo que os traducionistas insistem que Ele faz isto de fo rm a indireta por interm édio dos pais. Especificam ente falando, o Criacionism o defende que apesar de cada novo corpo h u m an o ser gerado pelos pais, cada nova alm a hu m an a é diretam ente criada por Deus. A visão da pré-existência, originada em Platão, declara que todas as almas existiam antes do m u nd o ser criado — que elas são eternas e não-criadas. N um a variante deste 20 Para saber m ais a resp eito da h e ra n ç a do p eca d o o rig in a l, vide ca p ítu lo s 3 e 5. e rr ô n e a d e q u e to d a a m a té ria seria in e re n te m e n te m á.
21 O G n o s ticis m o defen d ia a c re n ça
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modelo ideológico, alguns pais da igreja acreditavam que cada alma havia sido criada por Deus antes do início deste mundo e, mais tarde, antes do nascimento, entrava em um corpo. Todavia, diferentemente da visão platônica e das outras visões nãocristãs, Orígenes e o “Agostinho inicial,”22 por exemplo, não acreditavam que havia a reencarnação da alma depois da morte (vide Geisler e Amano, RS). As três concepções básicas podem ser resumidas conforme a tabela a seguir: TRÊS PONTOS DE VISTA ACERCA DA ORIGEM DA ALMA HUMANA Pré-existência
Criacionismo
Traducionismo
Desde a eternidade (Platão)
(í) Na concepção (2) Na fixação do óvulo fecundado (3) Depois da
Antes da criação do mundo (Orígenes)
fixação23 (4) Na animação
Originalmente em Adão, instrumentalmente por intermédio dos pais.
Papel de Deus
Nenhum (Platão)
Ele cria cada alma, individualmente.
Ele cria corpo e alma por intermédio dos pais
Papel dos Pais
Nenhum papel na criação da alma Causa eficiente do
Causa ocasional da alma Causa eficiente do corpo
Causa instrumental tanto da alma quanto do corpo
Momento da Criação
corpo
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(5 ) No nascimento
0 homem é uma alma. 0 homem tem um corpo.
0 Homem
é uma alma. 0 homem tem um corpo.
0 homem é uma unidade de
Natureza da Alma Humana
Simples/ Indivisível (não-regenerável)
Simples/ Indivisível (não-regenerável)
Unificada (regenerável)
Imagem de Deus
Somente na alma
Somente na alma
Na alma e no
Imortalidade
Somente da alma
Natureza do Homem
alma+corpo.25
corpo26 Somente da alma
Da alma e do corpo27
22 A lg u m a s das idéias p o sterio re s de A g o stin h o c o n tra r ia m as suas p o siçõ es iniciais. Isto será m ais e x te n s a m e n te e sclarecid o e m c a p ítu lo s su b seq ü en tes. os tip os de “c au sas.” de vista,
23 Q u an d o a a lm a ra c io n a l é criada.
24 V e ja v o lu m e 1, c a p ítu lo s 6 e 10 p a ra saber m ais sob re
25 A lgu n s tra d u cio n ista s são in co n siste n tes e n ã o p e rc e b e m estas im p lic a ç õ e s ló gicas n o seu p o n to
26 Ibid. 27 Ibid.
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Proponentes cristãos
Justino Mártir Orígenes Agostinho Inicial
Tomás de Aquino Charles Hodge
ü
25
W. G. T. Shedd Agostinho Posterior Lewis S. Chafer
EVIDÊNCIAS A FAVOR DO PONTO DE VISTA TRADUCIONISTA As evidências a favor da concepção traducionista da origem da alm a é bíblica, teológica e científica. O cen tro do ponto de vista traducionista é que a vida h u m an a (a alm a) pode ser transm itida pelos pais aos seus filhos.
As Evidências Bíblicas a Favor do Traducionismo28 Primeiro, desde o princípio, m ach o e fêm ea são considerados um a só espécie, os dois com partilhavam da “vida h u m a n a ” (G n 1.26). Segundo, tanto o m ach o quanto a fêm ea, e não só o m ach o , ambos foram cham ados genericam ente de “A dão” (5.1-2). Terceiro, Eva foi criada a partir de Adão, e não de fo rm a separada (2.21-22). Quarto, a criação estava com p leta desde o princípio (2.1-3), e Deus entro u em descanso daquele m o m en to em diante ('Hb 4.4). Quinto, a Bíblia fala da unidade entre m ach o e fêm ea (1 C o 11.8), com o u m tendo vindo do outro. Sexto, Eva é cham ada de “m ãe de todos os viventes” (G n 3.20) — u m títu lo adequado, som en te se todo o restante da vida h u m an a tiver sido gerado a partir dela. Sétimo, Adão teve filhos conform e a sua im agem (5.3, cf. 1.26)—o que faz sentido som ente se a sua vida tiver sido verdadeiramente transm itida a eles por geração natural. Oitavo, a palavra carne (em grego: sarx) pode significar “pessoa inteira co m u m co rp o ” (Jo 3.6; cf. 1.14; A t 2.17; R m 3.20) e não som ente a transm issão de u m corpo físico (co m o argu m enta a visão criacionista da origem da alm a). Nono, de fo rm a sem elhante, em R om anos 1.3, carne, que vem da geração física, som ente se refere à toda a nossa hum anidade e não som en te ao corpo. Décimo, Atos 17.26 nos in form a que todos são descendência de D eus a partir de Adão, feitos à sua im agem , e tornados “u m m esm o sangue”, por interm édio dos processos naturais de procriação.” Décimo-primeiro, Hebreus 7.10 nos ensina que Levi estava nos “lom b os” de Abraão e veio a existir co m o descendente de Abraão por interm édio da procriação de seus antecedentes abraâm icos. 29 Décimo-segundo, o Salm o 139.13-16 nos revela que a nossa substância pessoal, a qual transcende o cam po físico, foi gerada no útero m atern o , por interm édio de um processo n atu ral e ordenado por Deus. Décimo-terceiro, o corpo dentro do ú tero é d enom inado de “pessoa” em muitas passagens (por exem plo, Jó 10.10; SI 22.9-10; Jr 1.5). A lém disso, pessoa é mais do que o aspecto físico da hum anidade.30 Décimo-quarto, R om an os 5.12 diz que “por u m h o m e m ” [Adão] todos pecaram . Isto sugere que os descendentes de Adão herdaram a m esm a natu reza pecam inosa de seu ancestro. 28A m a io r p a rte deste a rg u m e n to pode ta m b é m ser e n co n tra d a n a o b ra D o g m a tic T h e o lo g y [Teologia D o gm ática] de W illiam G . T . S h ed d (N ew York: C h arles S c rib n e r’s S o n s, 1894, 2 .19ss.
29A brão fo i u m an cestral de Levi.
30V ide c a p ítu lo 2.
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Décinuhquinto,
1 Coríntios 15.22-27 afirma que todos os seres humanos eram um “em
Adão.” Décimo-sexto, Efésios 2.3 deixa claro que todos nascemos com uma natureza pecaminosa, e corpos desprovidos de alma não podem pecar. Décimo-sétimo, o Salmo 51.5 declara que fomos concebidos em pecado, algo impossível sem a existência de uma alma humana no momento da concepção. Décimo-oitavo, e por último, Jesus é considerado como aquele que saiu “das entranhas” de Davi (1 Rs 8.19 BJ)31, indicando uma ligação genética por intermédio da sua mãe.32
Evidências Teológicas a Favor do Traducionismo Existem várias verdades teológicas que são bem explicadas pela visão traducionista da origem da alma. Primeiro, a Bíblia fala da imputação (atribuição) de pecados de Adão para toda a sua posteridade (Rm 5.13,18). É extremamente difícil interpretar isto em qualquer sentido real do termo se a natureza pecaminosa não for transmitida por meio de algum processo natural.33 Segundo, o fato de sermos nascidos com uma inclinação natural para o pecado (Ef 2.3; Jo 3.6) favorece a visão traducionista. Terceiro, a universalidade do pecado apóia o Traducionismo, pois se o pecado não for herdado por todos no nascimento, por que a Bíblia afirmaria que todos nascemos em pecado? Quarto, e por último, a unidade corpórea e incorpórea da natureza humana34 também favorece o Traducionismo, já que faz sentido se pensar que corpo e alma, juntos, são transmitidos dos pais para os filhos através da concepção.
Evidências Científicas a Favor do Traducionismo Lembrando que alma (hebraico: nephesh e grego: psychE) significa “vida,” e que uma vida humanaé uma alma humana, as evidências científicas de que uma vida humana (uma alma) começa no momento da concepção são sólidas.35 Primeiro, é fato científico que a vida humana individual (com um DNA exclusivo) é passada adiante pela geração natural, dos pais para o filho. Segundo, a clonagem produz o mesmo tipo de vida sem uma nova criação. Logo, a possibilidade da clonagem humana serve de apoio ao Traducionismo. Terceiro, por analogia, as almas humanas, como a “alma dos animais”,36 também são passadas adiante, da parte dos pais, para a sua descendência. Quarto e último, como os seres humanos representam uma unidade psicossomática,37 o corpo não passa de uma parte, e não representa a totalidade da pessoa. Como já vimos, faz sentido que ambos sejam passados adiante em conjunto, dos pais para os filhos.
RESPONDENDO ÀS OBJEÇÕES AO PONTO DE VISTA TRADUCIONISTA Muitos questionamentos já foram feitos contra o paradigma traducionista. Contudo, como veremos, nenhum deles representa uma refutação definitiva.
Objeção Número Um —Baseada em Deus como o Pai dos Espíritos Esta objeção está fundamentada em Hebreus 12.9, que diz: “Não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos?” Considera-se que esta expressão, “Pai 31 C o n fo rm e a B íb lia de Jeru sa lém . ex p lica çã o e a nálise d etalh ad as.
32 V id e ap ên dice 4.
33 V id e ca p ítu lo s 3 e 5.
^Vide c a p ítu lo 3 p a ra u m a defin ição ,
35V id e ap ên d ice 1. 36V id e c a p ítu lo 2, sob o títu lo “A A n a lo g ia c o m os A n im a is.” L em b re-
se q u e (a cim a ) nós n e g a m o s a su p o sta d iferen ça e n tre “a lm a a n im a l” e “a lm a r a c io n a l.”
37 V id e c a p ítu lo 3.
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dos Espíritos,” significa que o próprio D eus é quem cria, d iretam ente, todos os espíritos hu m anos.38
Resposta à Objeção Número Um Em resposta, o texto não diz que Deus criou o nosso espírito na concepção ou que Ele criou todos os espíritos hum anos diretam ente (em contraponto a um a criação indireta, por interm édio dos pais). Deus tam bém é considerado (em Gênesis) o Criador de todos os animais, contudo ele criou som ente o prim eiro par e, por m eio da sua intervenção direta, os demais surgiram por processo divinam ente concedido, cham ado de concepção natural. A lém disso, m esm o que o term o Pai im plique criação, ele não indica co m o ou quando Deus nos produziu. Ele certam en te poderia ter nos criado por interm édio de u m processo indireto nas gerações hum anas. E tam bém , o term o Pai em Hebreus 12.9 pode não ser u m a referência à geração de seres hu m anos, mas sim , um a descrição do cuidado a eles dispensado por parte do S en h or Deus, depois de eles terem sido concebidos. Isto se encaixa no con tex to im ediato de u m Deus, o nosso Pai, que nos disciplina, co m o seus filhos (cf. 12.3ss).
Objeção Número Dois —Baseada em Deus com o Sendo o Criador das Almas D e acordo co m este argu m ento, Isaías afirm ou que D eus criou as almas, ao declarar: “Porque para sem pre não contenderei, nem con tinu am ente m e indignarei; porque o espírito perante a m in h a face se enfraqueceria, e as alm as que eu fiz” (Is 57.16).
Resposta à Objeção Número Dois S em elh an te ao que ocorre co m a prim eira objeção, a passagem não diz porque, com o ou quando Deus criou todas as almas. Não há dúvida de que Ele é a causa eficiente final de todas as alm as39 a questão é se Ele fez uso de causas intermediárias (ou in stru m entais) — tais co m o os pais — para criá-las. A lém disso, a palavra alma (hebraico: nephesh e grego: psyche) n o rm a lm en te é utilizada na Bíblia para designar a pessoa co m o u m todo40 inclusive o seu corp o, o qual, com o sabem os, é gerado p o r m eio de processos naturais. Por fim , o verbo fazer ( “fiz”) (hebraico: asah) e não criar (hebraico: bara), é utilizado neste versículo;.asah n o rm a lm en te significa “criar a partir do nada.”
Objeção Número Três — Com Base no Fato de Deus Ter Criado as Pessoas desde o Tempo de Adão T am b ém se alega que a Bíblia apresenta D eus criando as pessoas desde o tem p o de Adão. Zacarias afirma: “o SEN HOR, o que estende o céu, e que funda a terra, e que fo rm a o espírito do h o m em den tro d ele” (Z c 12.1). Malaquias lança o desafio: “Não tem os nós todos u m m esm o Pai? Não nos criou um mesmo Deusl” (M l 2.10).25
Resposta à Objeção Número Três N ovam ente, não é dito co m o D eus criou a alm a. O verbo criar às vezes pode até se referir a “u m processo n atu ral no presen te” (por exem plo, no Salm o 104.30), e ele nem 38 V id e c a p ítu lo 2, p ara s aber m ais a c e rc a do sign ificad o de a lm a e esp írito .
39 C o m o já v im o s, c o n s u lte o v o lu m e 1, nos
cap ítu lo s 6 e 10 p ara saber m ais a ce rca de d efin ições e e xp lica çõ e s p a ra o s d iferen tes tip os de “c au sas.”
40 O p . C it.
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sempre significa “criar algo a partir do nada.” Mesmo em Gênesis, quando Deus criou Adão (1.27), Ele fez uso do barro para a constituição do primeiro homem (2.7).
Objeção Número Quatro — Com Base na Dependência que toda a Criação Tem da Necessidade de Deus Tomás de Aquino se opunha ao Traducionismo alegando que somente Deus poderia criar e que todos os atos criativos são diretos e imediatos (vide ST, la.44.1).41Nenhuma criatura tem a capacidade de criar, porque todas dependem, para a sua própria existência, de uma Causa que não é uma criatura. Todo ser contingente é dependente de um Ser necessário para a sua existência, em cada momento da sua existência, pois o ser contingente jamais deixa de ser um ser contingente.42Assim, para Tomás de Aquino, os pais não poderiam ser a causa da existência dos seus filhos.
Resposta à Objeção Número Quatro O Traducionismo não apregoa que os pais são a causa eficiente da existência dos seus filhos, mas tão somente a causa instrumental. Os pais causam o tomar-se dos seus filhos, mas somente Deus pode causar o se tonar ser. Todavia, como causas instrumentais, os pais passam à sua posteridade a alma, a qual somente pode ser criada por Deus, e que somente Deus pode manter, e de fato mantém, em existência. A questão não se refere à origem e à continuidade da alma humana, a qual, claramente, somente Deus pode executar e sustentar. Mas, a questão diz respeito à transmissão da alma, a qual é feita pelos pais, na qualidade de causas instrumentais.
O TESTEMUNHO HISTÓRICO ACERCA DA ORIGEM DA ALMA Muito tempo antes dos teólogos cristãos filosofarem a respeito da alma, dois pensadores brilhantes da Antigüidade, Platão e Aristóteles, proporcionaram um fundamento para as perspectivas divergentes entre os cristãos, dependendo da linha que estes seguiam: a visão dualista de Platão43 como fez Agostinho, ou a visão hilomórfica de Aristóteles44 como fez Tomás de Aquino.
Os Filósofos Gregos da Antigüidade Aristóteles (384-322 a. C .)
Pode-se também questionar quais são as partes da alma: qual é o papel separado de cada uma delas em relação ao corpo? Pois, se a alma completa mantém a coesão do corpo como um todo, poderíamos esperar que cada parte da alma fosse responsável pela coesão de uma parte do corpo. Mas isto parece ser uma impossibilidade; é difícil até mesmo imaginar que tipo de parte do corpo a mente manteria unida, ou como ela faria isto. (C, 1.5) “A alma, portanto, é o ato primário de um corpo físico que, potencialmente, possui vida” (DA, II. 1.412). “A alm aé o meio pelo qual, primariamente, vivemos, percebemos, movemo-nos e compreendemos”, (ibid., II.2.414) Platão (c. 427 -3 4 7 a. C .)
A nossa alma também existe antes de nascermos; e se não existissem, será que o argumento não seria diferente? Portanto é assim, e é igualmente necessário que estas 41 E m o p o s i ç ã o a c e rto s ato s c riativ o s seres in d ireto s e in te rm e d ia d o s. m ú tu a o p o sição .
41 A lm a e co rp o e m un id ade. V id e c a p ítu lo 2.
42 V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 3.
43 A lm a e co rp o e m
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coisas existam e que as nossas almas tam bém ten h am existido antes do nosso nascim ento. (P, 4.76d) — Então responde — disse [Sócrates] — o que dá vida ao corpo? — A alm a — disse [Cébes]. — Então este é sem pre o caso? — E claro — disse ele. — Então a alm a to m a posse dele, mas será que ela sem pre vem trazer vida a ele? — Sim — disse ele. — E, antes de tudo, existe algo que se op onh a a vida ou não existe? — Existe — disse ele. — O quê? — A m orte. — Então, será que a alm a aceitaria o oposto daquilo que ela sem pre traz, tal qual concordam os an teriorm en te45 — C ertam ente não — disse Cébes. — Então a alm a não aceita a m orte? — Não. — Então a alm a é im ortal. — Im ortal. — B em , — disse ele — então devem os dizer que isto está dem onstrado; pelo que nos parece? — Mais do que suficientem ente, Sócrates (ibid., 13.105e). Portanto, “Se aquilo que é im ortal tam bém é indestrutível, é im possível que a alm a pereça, quando a m o rte vier sobre ela; pois co m base na declaração de que ela não aceitaria a m o rte, tam bém se pode dizer que ela não m o rre rá ” (ibid., 13.106b). [Sócrates perguntou,] — “Q uando foi que as nossas almas adquiriram o co n h ecim e n to 46 Pois isto não oco rreu depois de terem nascido co m o seres hum anos. [Símias respondeu,] — D efinitivam ente não. — Então foi antes. — Sim. — Então, Símias, as almas existiam an teriorm ente, antes de nascerem em form a hu m ana, sem os seus corpos, mas já tin h am o seu con h ecim en to. — A m enos que recebam os este con h ecim en to ao nascerm os, Sócrates; pois este tem po ainda prossegue, (ibid., 4.72e-77d)
Os Pais da Igreja Primitiva Tertuliano (c. 155-C.225 d. C.) Já decidimos um ponto na nossa controvérsia com Hermógenes, como dissemos no início deste tratado, ao afirmarmos que a alma foi formada pelo fôlego de Deus, e não a partir da matéria. Mesmo nisto, confiamos na direção clara da declaração inspirada que nos 45 R eferin d o -se à co n clu são d o diálogo a n te rio r, cita d o im e d ia ta m e n te a cim a n a o b ra -fo n te . ao n a s cim e n to .
46 C o n h e c im e n to a n te rio r
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informa ter o Senhor “soprado no rosto do homem o fôlego da vida, para que o homem se tornasse uma alma vivente” — pela inspiração de Deus, obviamente. Neste ponto, portanto, nada mais precisa ser investigado ou acrescentado por nós. (TS in Roberts e Donaldson, ANF, III. 1.9.3-4)
Além disso: Quando reconhecemos que a alma tem a sua origem no sopro de Deus, conclui-se que atribuímos um começo para ela. Isto Platão se recusa a aceitar, pois para ele a alma não é nascida, nem criada. Nós, entretanto, a partir do simples fato dela ter tido um começo, bem como a partir da sua própria natureza, ensinamos que ela teve tanto um nascimento, quanto uma criação. E quando lhe atribuímos tanto um nascimento como uma criação, não estamos cometendo'nenhum erro: pois ter nascido, na verdade, é uma coisa, e ser criado, é outra— sendo que a primeira expressão é amais adequada para os seres víventes [...] Assim, o “ser criado” admite o “ser tomado” no sentido de “gerar;” visto que tudo o que recebe o ser ou a existência, de uma forma ou de outra, é, de fato, gerado. Pois o criador pode, na verdade, ser chamado de pai do objeto criado: neste sentido Platão também utiliza sua fraseologia. De momento, portanto, no que diz respeito à nossa fé nas almas terem sido criadas ou nascidas, a opinião do filósofo é destruída justamente pela autoridade da profecia. (TS, in ibid., IH.1.9.3-4) Como, então, um ser vivente é concebido? Será que as substâncias do corpo e da alma são formadas em um só, e ao mesmo, tempo? Ou será que uma delas assume a precedência sobre a outra na formação natural? Na verdade, sustentamos que ambos são concebidos, e formados, em perfeita simultaneidade, bem como nascem juntos; e nenhum lapso de tempo ocorre entre a concepção de ambos, para que se pudesse atribuir a primazia para qualquer um dos dois. (TS in ibid., III. 1.9.27) Concordamos que a vida comece na concepção, porque argumentamos que a alma também começa na concepção; a vida tem o seu princípio no exato momento em que a alma tem o seu. Assim, portanto, os processos agem em conjunto a fim de produzir a separação na morte. (TS in ibid.) Portanto, visto que estas duas substâncias, o barro e o fôlego, embora diferentes e separadas, combinadas na primeira criação para a formação individual do homem, amalgamaram-se e, então, misturaram os seus rudimentos seminais adequados em um, e depois sempre comunicaram à raça humana o modo normal para a sua propagação, de forma que mesmo agora, as duas substâncias, embora diferentes uma da outra, fluem simultaneamente em um único canal, e buscando juntas o seu caminho rumo à sementeira designada, fertilizam com o seu vigor conjunto o fruto humano a partir das suas naturezas respectivas. E inerente a este produto humano é a sua própria semente, de acordo com o processo que foi ordenado para cada criatura dotada com as funções de reprodução. Dessa forma, do homem original (primevo) jorra todo o fluxo e redundância da alma dos homens — assim, a natureza prova por si mesma a veracidade do mandamento de Deus: “Crescei e multiplicai-vos.” (TS in ibid.)
A ORIGEM DOS SERES HUMANOS
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Justino M ártir (c. 100- c. 165)
Agora precisamos falar com respeito àqueles que pensam desdenhosamente acerca da carne, e dizer que ela não é digna da ressurreição, tampouco da economia celestial, porque, em primeiro lugar, a sua substância é terra; e além disso, porque ela é cheia de impiedade, fazendo com que a alma peque junto com ela. Só que essas pessoas parecem ser ignorantes a respeito da obra completa de Deus, tanto a de gênesis e da formação do homem no princípio, e a razão das coisas no mundo terem sido criadas. Afinal, não foi a palavra que disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”? Que tipo de homem? Certamente, Ele se refere ao homem carnal, pois a palavra diz: “E Deus tomou o pó da terra e dele fez o homem.” E evidente, portanto, que o homem feito à imagem de Deus era composto de carne. Portanto, não é absurdo dizer que a carne feita por Deus à sua própria imagem é contenciosa e nada vale? Mas o fato da carne ser criada por Deus faz dela um elemento precioso, primeiramente, por ela ter sido formada por Ele, já que, no mínimo,, a imagem criada é do agrado do seu formador e artista; e, além disso, o seu valor pode ser reunido a partir da criação do resto do mundo. Pois o que de mais precioso há é aquilo que foi utilizado pelo Criador para fazer todo o resto. (FLWJin ibid., 1.1.7) Orígenes
(c. 185-c. 254)
A alma, quando implantada no corpo, movimenta todas as suas partes, e exerce a sua força sobre tudo aquilo que opera. (DP in ibid., IV.2.8.1). Mas, no que diz respeito à alma, se ela deriva de uma semente por um processo traducionista, de forma que a sua razão ou substância possa ser considerada como algo colocado nas próprias partículas seminais do corpo, ou se ela apresenta outro começo; e este começo, por si mesmo, seja ele um nascimento ou não, é ou não é concedido ao corpo a partir do exterior, nada disso fica distinto com suficiente clareza no ensino da Igreja, (ibid., IV, prefácio, 5)
Os Pais da Igreja Medieval Tomás de Aquino (1225-1274 d. C .)
Agora que ela é, na verdade, um tipo de corpo, ele está subordinada a algum princípio, que é chamado de ‘ato.’ Portanto, a alma, que é o princípio inicial da vida, não é um corpo, mas o ato de um corpo. (ST, 1.75.1). Está claro que a primeira coisa pela qual o corpo vive é a alma. E à medida que a vida aparece através de vários processos em graus diferentes das coisas viventes, e o que proporciona primariamente a execução de todas estas ações vitais é a alma. Pois a alma é o princípio inicial de nossa nutrição, sensação e movimento local; e, de modo semelhante, do nosso entendimento. Portanto, este princípio pelo qual nós, primariamente, atingimos o entendimento, seja ele chamado de intelecto ou de alma intelectual, é a forma do corpo. Esta é a demonstração utilizada por Aristóteles. [De Anima, ii.2] (ibid., 1.76.1)
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Os Líderes da Reforma Jo ã o Calvino (1509-1564)
Assim vemos que a impureza dos pais é transmitida aos filhos, de forma que todos, sem exceção, são originalmente depravados. O início desta depravação não será encontrado enquanto não voltarmos até o nosso primeiro pai, como a fonte original de tudo. Portanto, precisamos ter a certeza de que, no que diz respeito à natureza humana, Adão não foi meramente um progenitor, mas, por assim dizer, a raiz, e que, dessa forma, pela sua corrupção, toda a raça humana foi merecidamente viciada. Isto fica claro a partir do contraste que o apóstolo faz entre Adão e Cristo: “Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos. Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou à graça; para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor” [Rxn 5.19-21], (ICR, I.2.1.6) Para o entendimento deste assunto, não há necessidade de um debate ansioso (o qual, de forma alguma, chocava os doutores da antigüidade) acerca da alma da criança ser transmitida pela alma dos pais. Basta-nos saber que Adão foi tornado depositário dos dotes que Deus desejou outorgar à natureza humana e que, portanto, quando perdeu o que havia recebido, a perda não foi só sua, mas de nós todos, (ibid., 1.2.1.7) Os filhos, por serem viciados já da parte dos pais, transmitiram a mácula aos netos; em outras palavras, a corrupção que começou em Adão é, por descendência perpétua, transmitida dos que nos antecedem, aos que nos sucedem. A causa do contágio não está na substância da carne, tampouco na alma, mas aprouve a Deus ordenar que os dons que Ele havia outorgado ao primeiro homem, fossem dele e de seus descendentes retirados, (ibid.)
Teólogos Pós-Reforma Ja c ó Armínio (1560-1609)
A origem [da alma] [...] é apartir do nada, criada por infusão, e infundida por criação, com um corpo sendo devidamente preparado para recebê-la, a fim de que possa se moldar à forma da matéria, e, depois de unida ao corpo por um elo nativo, possa também, formar uma unidade com ele. Criada, ao meu ver, por Deus no tempo, da mesma forma que ele continua a criar uma nova alma para cada corpo. A substância [da alma] [...] é simples, imaterial e imortal. Simples, ao meu ver, não no que diz respeito a Deus; pois ela consiste de ato e poder (ou capacidade), de ser e essência, de sujeito e acidentes; mas é simples no que diz respeito a coisas materiais e componentes. Ela é imaterial, porque pode subsistir por si mesma, e, ao se separar do corpo, pode operar por si própria. Ela é imortal, na verdade, não por si própria, mas pela graça sustentadora de Deus. ( W J A , 11.26.63) Willtam G. T. Shedd (1820-1894)
O corpo é de uma natureza e substância diferente da alma: em Gênesis 2.7: “formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida;
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e o homem foi feito alma vivente,” um fôlego, ou alma da vida. De acordo com esta afirmação, o homem é composto de uma parte material, resultante da vivificação do pó da terra por parte da energia criativa, e de uma parte imaterial resultante do fôlego ou sopro de Deus. O Criador primeiramente anima a matéria inorgânica em um corpo e, depois, cria um espírito racional que lhe é infundido. (DT, II.II.5) Shedd sustentava que “a ‘alm a da vida’ no exem plo do h o m em é u m princípio mais elevado, a alm a racional, que lhe foi soprada pelo Criador, e feita à sua im agem ” (ibid. II.II.6). Todavia, no que diz respeito à posteridade de Adão, Shedd defendeu o Traducionism o, ao afirm ar que: Existem três bases principais de apoio ao Traducionismo: (1) As Escrituras; (2) a Teologia Sistemática; [e] (3) a Fisiologia. A predominância das representações bíblicas estão a seu favor. A Bíblia ensina que o homem é uma espécie, e a idéia de espécie implica propagação do indivíduo inteiro para fora de si. (ibid., 11.18) Karl Barth (1886-1968)
A Teologia da Igreja Primitiva, mesmo insistindo de forma acertada no abismo entre Criador e criatura, considerava que o problema da origem da alma e, portanto, da vida humana, poderia ser resolvido de várias formas. Alguns, seguindo as idéias de Platão, e nas fileiras da Igreja (Orígenes), falavam da pré-existência das almas criadas. Estas [almas] eram [...] representadas como um reino de espíritos, os quais precisavam estar em conexão com os corpos materiais a eles atribuídos [...] A teoria de uma Queda pré-temporal ou, pelo menos, pré-histórica, defendida principalmente por Julius Miller, nos tempos modernos, poderia perfeitamente ser adaptada a esta visão — ou se considerava que ao criar o primeiro homem, Deus havia também soprado nele todos os espíritos, por isso haviam sido criados com Adão e nele também haviam sido incluídos para, posteriormente, serem distribuídos a toda a sua posteridade. Nas duas visões era possível sustentar a doutrina específica da migração das almas (metempsychosis ou reencarnação), isto é, que as mesmas almas poderiam entrar em muitas associações com diferentes corpos. Parcialmente em oposição à doutrina da pré-existência, mas inevitavelmente ligada a ela, e representada especificamente por Tertuliano nos tempos primitivos, e mais tarde (para nossa surpresa!) por Lutero e pela teologia luterana, estava a doutrina traducionista de que a alma tem sua origem no ato da concepção [é gerada pelo pai e pala mãe]. Uma alma-semente, distinta do corpo-semente, seria, supostamente, desligada da alma dos pais, tornando-se, assim, a alma independente da criança. A doutrina predominante na Igreja de Roma, a qual, novamente para nossa surpresa, foi seguida pela Teologia Reformada tradicional, é o Criacionismo. Nesta visão cada alma individual tem a sua origem em um ato divino criativo, um ex nihilo [“a partir do nada”] imediato. Este ato criativo supostamente ocorreria (cf. F. Diekamp, Kath. Dogmatik, Vol. II, 1930, P. 119f.) no momento da concepção, quando os pais as condições fisiológicas que são o pré-requisito para a existência de um ser humano. Os pais são, obviamente, somente a causae secundae, a causa prima é o próprio Deus. E, simultaneamente, Deus no céu, desta vez como a causa única, cria a alma e a associa com este novo corpo humano. (CD, II.II.573).
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CONCLUSÃO As condições originalmente criadas eram perfeitas e também incluía o chamado livre-arbítrio que, apesar de bom, fez com que o mal se tornasse possível. Originalmente, o ser humano foi criado por Deus. Com relação ao debate acerca de como as almas individuais passaram a existir depois de Adão, parece-nos que o Traducionismo, e não o Criacionismo direto, acomoda melhor todas as informações. Na verdade, como vimos, é difícil compreender como cada ser humano poderia ter nascido em pecado sem que almas decaídas sejam geradas a partir dos seus pais, pois Deus, seguramente, não cria uma alma decaída cada vez que um novo ser humano é concebido.
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A ORIGEM DOS SERES HUMANOS
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C A P Í T U L O
DOI S
A NATUREZA DOS SERES HUMANOS
ara a com preensão das doutrinas do pecado e da salvação, a natu reza dos seres
P
hum anos é de sum a im portância, atrás, som ente, da natu reza de Deus, que é a sua o rig em .1 A natu reza h u m an a será analisada tanto no seu estado original criado, quanto na sua condição posterior à Queda.
VÁRIOS TERMOS BÍBLICOS UTILIZADOS PARA DESCREVER OS SERES HUMANOS Os seres hu m anos são descritos por diversos term o s na Bíblia. Alguns se referem à dim ensão espiritual, outros à física, e outros, ainda, às duas.
Termos Utilizados para Designar a Dimensão Imaterial dos Seres Humanos Os seres hum anos apresentam u m a dim ensão in terio r (im aterial) e u m a exterior (m aterial). A prim eira é n o rm alm en te denom inada de alma (ou espírito),2 e a segunda é n o rm alm en te denom inada de corpo. Alma Ao contrário do uso popular, o term o alma (hebraico: nephesh e grego: psuche) é n o rm alm en te utilizado na Bíblia para se referir a mais de u m a dim ensão espiritual dos seres hum anos; e, às vezes o corpo chega a estar incluído nele (por exem plo, G n 2.7; SI 16.10). Todavia, existem tam bém referências bíblicas à alm a co m o sendo algo distinto do corpo. Gênesis 35.18 fala da alm a deixando o corpo no m o m en to da m o rte: “E aconteceu que, saindo-se-lhe a alm a [de Raquel] (porque m o rre u ), cham ou o seu n o m e B en oni.” A Prim eira C arta aos Tessalonicenses 5.23 diferencia a alm a do corpo, dizendo: “E o m esm o D eus de paz vos santifique em tüdo; e todo o vosso espírito, e alm a, e corpo sejam plen am en te conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso S en h o r Jesus C risto.” Apocalipse 6.9 fala das almas co m o to ta lm en te separadas dos seus corpos no céu: “E, havendo aberto o quinto selo, vi debaixo do altar as alm as dos que foram m o rtos por am or da palavra de Deus e por am or do testem u n h o que deram .” 1 V id e v o lu m e 2.
2 Os te rm o s alma e espírito são co m p a ra d o s e co n tra sta d o s lo g o abaixo.
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Basicamente, a palavra alma significa “vida”; ela se refere ao princípio da vida em um ser humano, ou àquilo que anima o corpo. As vezes a palavra chega a se referir a um corpo falecido (por exemplo, Lv 19.28; 21.1; 23.4), da mesma forma que falamos de um ente querido que faleceu como tendo sido uma “boa alma.” O significado básico de alma, na maioria das vezes, pode ser melhor compreendido ao traduzirmos esta palavra por pessoa, o que normalmente implica a existência de um corpo físico, mas nem sempre é o caso. Espírito
A palavra espírito (hebraico: ruach e grego: pneuma) quase sempre se refere à “dimensão imaterial do ser humano.” Ela é, normalmente, utilizada de forma intercambiável com a palavra alma, conforme vemos em vários versículos (por exemplo, em Lucas 1.46). O corpo sem a alma está morto (Tiago 2.26); no momento da sua morte, Jesus “inclinou a cabeça, entregou o espírito” (cf. Jo 19.30). O Espírito é imaterial, pois Jesus disse aos discípulos: “E ele lhes disse: Por que estais perturbados, e por que sobem tais pensamentos ao vosso coração? Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; tocai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lucas 24.38-39). Na verdade, o Deus invisível “é espírito” e deve ser adorado “em espírito e em verdade” (João 4.24). Coração
O termo coração (hebraico: leb e grego: kardia) apresenta um significado mais amplo do que o entendimento comum, às vezes incluindo a mente. Provérbios, por exemplo, fala de uma pessoa que "imagina em sua alma" (ARC), literalmente, "pensa em seu coração" (23.7). Essencialmente, coração se refere à totalidade do ser interior; e dele que brota a fé verdadeira, pois, para ser salvo precisamos “crer no nosso coração” (cf. Rm 10.9).3 O coração é o instrumento com o qual adoramos a Deus, conforme a seguinte exortação que recebemos: “Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder” (Dt 6.5). O coração é também a sede da maldade humana. O próprio Jesus confirmou que “Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca” (Mt 12.34). O profeta disse: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 18.9). Em suma, de uma forma ou de outra, o coração é o reflexo da totalidade do nosso ser interior. M ente
A mente (grego: nous) diz respeito à dimensão imaterial de um ser humano pela qual ele pensa e faz uso da imaginação. Jesus a incluiu no grande mandamento, ao declarar: “Amarás, pois, ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças” (Mc 12.30). Paulo incluiu a mente dentre as coisas que precisam ser renovadas pelo poder santificador de Deus, nas seguintes palavras: “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento [ou, mente]” (Rm 12.2). Isto ocorre porque “a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em 3 V id e c a p ítu lo 15.
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verdade, o pode ser” (R m 8.6-7). Logo, sua missão era seguir “destruindo os conselhos e toda altivez que se levanta con tra o co n h ecim en to de Deus, e levando cativo todo entendim ento à obediência de C risto” (2 Co 10.5). Homem Interior A dim ensão espiritual dos seres hum anos é tam bém cham ada de homem interior, “ainda que o nosso h om em exterior se corrom pa, o interior, contud o, se renova de dia em dia” (2 Co 4.16). O “h o m em in terio r” diz respeito às “coisas que não se vêem ,” as coisas “eternas” e que não passarão (v. 18). T e r m o s U tiliz a d o s p a ra D e s ig n a r a D im e n s ã o M a te ria l d o s S e re s H u m a n o s Corpo A palavra bíblica corpo (h e b ra ico : basar e grego: soma) é n o rm a lm e n te utilizad a para o aspecto e x te rio r (m a te ria l) da n a tu re z a h u m a n a . Jesus disse: “Não tem ais os que m a ta m o co rp o e n ão p o d em m a ta r a alm a; tem ei, antes, aq u ele que pode fazer p e re cer no in fe rn o a alm a e o c o r p o ” (M t 10.28). O co rp o , p o rta n to , pode d eco m p o r-se e ser d estru íd o; n a verdade, o co rp o que é consid erad o “m o r to ” quando o esp írito o deixa (T g 2.26). C o n tu d o , o corp o pode ser re c o n stitu íd o por D eu s, e ele será ressu scitado: Assim também a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo em corrupção, ressuscitará incorruptível. Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em traqueza, ressuscitará com vigor. Semeia-se corpo animal, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo animal, há também corpo espiritual [...] convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é mortal se revista da imortalidade. (1 Co 15.42-44, 53) Carne A palavra carne (hebraico: basar e grego: sarx),4 ao se referir a u m ser h u m an o físico, quase sem pre inclui a sua dim ensão exterior, feita de m atéria. C o m o já vim os, Jesus disse: “Vede as m inhas m ãos e os m eus pés, que sou eu m esm o; to cai-m e e vede, pois u m espírito não tem carne n em ossos, com o vedes que eu te n h o ” (Lc 24.39). A m esm a palavra é tam bém utilizada para descrever à ressurreição do corpo em Atos 2.31: “Nesta previsão, [Davi] disse da ressurreição de Cristo [no Salm o 16], que a sua alm a não foi deixada no Hades, n em a sua carne viu a corru p ção .”5 Vaso de Barro Paulo apresenta u m a analogia entre um vaso de barro e um corpo hu m an o: “Tem os, porém , esse tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de n ós” (2 Co 4.7). Vaso de barro é um a ilustração apropriada do corpo hu m ano, já que ele 4 O s a u to re s d o A n tig o T e s ta m e n to u tiliz a v a m a m e sm a p alavra para d esign ar corpo e carne (h e b ra ico : basar), a o passo que os a u to re s d o N o v o T e s ta m e n to u tiliz a v a m ta n to soma ( c o rp o ), c o m o sarx (c a r n e ). O s a u to res dos te x to s g rego s u tilizav am duas palavras p o rq u e elas e sta v a m le x ic a m e n te disponíveis e p ro p o rc io n a v a m e sc la re c im e n to s ad icion ais. carne e sangue é u tilizad a p a ra d esign ar os seres h u m a n o s m o rta is (cf. M t 16.17; 1 C o 15.50).
5 A exp ressão
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é uma estrutura externa que contém algo no seu interior (uma alma). O mesmo ocorre com o exemplo seguinte, uma figura de linguagem que apresenta o corpo como uma tenda ou casa. Casa Terrestre
Paulo, como construtor de tendas, compreendia o propósito do corpo humano: “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus” (2 Co 5.1). Na verdade, quando Jesus assumiu um corpo na Encarnação, ele habitou, literalmente, “levantou a sua tenda no meio de nós”: “EoVerbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14). Da mesma forma, o corpo é a carapaça material que, neste mundo, dá abrigo à presença da alma imaterial. Homem Exterior
Se a alma é o “homem interior,” o corpo é, por sua vez, o “homem exterior.” Como também já vimos, Paulo escreveu: “Por isso, não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia” (2 Co 4.16). A pessoa exterior é visível, material, tangível; e, como vimos, está sujeita à decomposição e à destruição, já que é propensa à destruição. Concluindo esta breve descrição bíblica das duas dimensões básicas do ser humano, passaremos agora a ver a forma como corpo e alma se inter-relacionam. Existem muitas visões acerca deste tema, várias delas defendidas pelos cristãos.
VÁRIAS PERSPECTIVAS ACERCA DA NATUREZA HUMANA: A RELAÇÃO ENTRE ALMA E CORPO Há um debate importante entre os cristãos acerca da relação entre as duas dimensões humanas. Obviamente, em um aspecto mais amplo (não-cristão), existe um número ainda maior de pontos de vista. Analisá-los-emos neste espaço.
O Materialismo Antropológico 6 O Materialismo afirma que os seres humanos têm um corpo, mas nega que eles tenham uma alma imaterial. Esta visão sustenta que somente o corpo existe; o que se costuma denominar de alma racional, na verdade, não existe. Portanto, de acordo com o Materialismo, o corpo está para a mente (alma) assim como o cérebro está para um sonho; a mente é simplesmente uma manifestação da matéria. Thomas Hobbes [1588-1679], por exemplo, foi um dos que abraçaram esta idéia.
O Epifenomenalismo Antropológico Uma forma modificada de Materialismo é chamada de Epifenomenalismo. O pensador francês Pierre-Jean Georges Cabanis (1757-1808) propôs que a alma não passava de uma silhueta do corpo; ou seja, o corpo está para a alma, assim como a árvore está para a sua sombra. A mente é simplesmente um subproduto dependente da matéria; ela é meramente um sinal da matéria e não algo separado dela, ou mesmo a causa dela. A 6 L e m b re q u e Antropologia é o “e stu d o dos seres h u m a n o s .”
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alma é como uma imagem em um espelho; ela somente reflete o corpo. Assim, apesar da alm a não ser equivalente ao corpo, ela é reduzível a ele.
O Idealismo Antropológico No ou tro extrem o da teoria não-teísta do M aterialism o está o Idealism o, o qual afirm a que os seres h u m anos têm u m a alm a, mas não u m corpo. O Bispo inglês G eorge B erkeley (1685-1753) era adepto deste p onto de vista, alegando que enquanto a alma existe, o corpo não existe. O corpo estaria, supostam ente, para a alm a com o u m a m iragem está para a m ente. O corpo é m eram en te um a ilusão; ele sim plesm ente não existe. S om en te a m en te existe.
O Monismo Antropológico (A Visão de Duplo Aspecto) B en to (B aru ch ) Spinoza (1632-1677) defendeu a visão de duplo aspecto (tam bém cham ada de “M onism o A n trop ológico”), segundo a qual alma e corpo são dois lados (interno e externo) da mesma coisa. A alm a e o corpo são substâncias; ou seja, a alm a está para o corp o co m o u m lado de u m prato está para ou tro, isto é, ela é som ente ou tro aspecto da m esm a entidade. Apesar de ser um panteísta7 que defendia que todas as coisas são com postas da m esm a substância, houve cristãos que tam bém aderiram ao M onism o A n tropológico. As criaturas, supostam ente, diferenciam -se de Deus som en te com o m odos ou m o m en tos da ún ica e m esm a coisa.
O Dualismo Antropológico/D icotom ia8 De acordo com o D ualism o, alma e corpo são entidades separadas eparalelas; co m o os trilhos de u m a ferrovia, que co rrem lado a lado, sem jam ais se en contrarem . O problem a com o D ualism o é a falta de qualquer tipo de contato, unidade ou interação en tre alm a e corpo, o qual, n a realidade, parece ocorrer. Esta visão é atribuída a Platão (c. 427-347 a.C .) e a alguns dos seus discípulos. Platão com parou a relação da alm a com o corpo com um cavaleiro e o seu cavalo, alegando que a alm a influenciaria o corpo, mas a recíproca não seria verdadeira. Na verdade, Platão defendia u m a fo rm a de O casionalism o,9 o que significava que diante de u m a experiência sensorial, a m en te se recordaria do que havia aprendido em vidas anteriores, onde teria observado as Idéias reais de todas as coisas. Assim co m o o M onism o A ntropológico, os elem entos diferentes do D ualism o tam bém já fo ram defendidos por alguns cristãos.10
O Interacionismo Antropológico R ené D escartes (1596-1650) afirm ava que o corpo e a alma seriam duas substâncias diferentes: A alm a intelectual (m en te ) é u m a entidade pensante e não-estendida, e o corpo físico é um a entidade não-pensante, espacialm ente estendida. Estas duas substâncias diferentes, alm a e corpo, som ente interagem en tre si da fo rm a co m o dois boxeadores interagem en tre si, em bo ra não necessariam ente de fo rm a antagônica. Os oponentes desta visão a descrevem com o a visão do “fantasm a dentro de um a m áquina.”
7 O u u m “m o n is ta m e ta fís ico ” — vide v o lu m e 1, c a p ítu lo 2.
s E sta visão ta m b é m é c o n h e cid a c o m o “Paralelism o
A n tro p o ló g ic o .” 9V id e abaixo; ta m b é m c h a m a d o de “R e c o rd a c io n ism o .” 10As três visões se g u in te s — o In te ra c io n ism o , o O casio n alism o e a H a rm o n ia A n tro p o ló g ic a P ré-E sta b elecid a — são fo rm a s varian tes do D u a lism o .
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Ocasionalismo Antropológico (Recordacionismo) Agostinho (354-430) defendia um dualismo platônico de alma e corpo, mas acrescentou uma dimensão ao paradigma de Platão, na qual a alma racional se relaciona com o corpo através de ação divina direta. O corpo se liga à mente da mesma forma que um bilhete se comunica com a nossa memória, o que significa que ao ver o bilhete físico (porjneio da percepção sensorial), Deus gera a idéia nas nossas mentes. De acordo com o Ocasionalismo, o corpo, que é inferior, não consegue impactar diretamente a alma, que é mais elevada. Esta visão também é chamada de “Iluminacionismo,” já que se considera que Deus ilumina a mente (ou alma) acerca do que está ocorrendo no corpo.
A Harmonia Antropológica Pré-Estabelecida Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) tentou explicar a relação entre alma e corpo de forma alternativa. Ele percebeu uma harmonia pré-estabelecida entre ambos, como se fossem dois relógios que receberam corda por parte de Deus e trabalham paralelamente, um ao outro. Portanto, mente e corpo, apesar de não terem consciência direta uma da outra, estão sincronizadas por Deus e, portanto, conectadas. Deus é a Super Mônada que mantém o relacionamento adequado e mútuo entre todas as mônadas criadas, incluindo aqui as suas almas e os seus corpos11.
O Hilomorfismo Antropológico O termo Hilomorfismo vem de duas palavras gregas.12 A teoria propõe que existe uma unidade de forma/matéria entre a alma e o corpo, da mesma forma que existe uma unidade entre o formato de uma estátua e a rocha (o material) da qual ela foi criada. O Elilomorfismo afirma que a alma (mente) está para o corpo como as idéias estão para as palavras: Ambos formam uma unidade, uma sendo a dimensão interior, a outra, a exterior da sua unidade holística. A alma anima o corpo e forma uma substância hilomórfica (forma/matéria) chamada de ser humano. O filósofo grego Aristóteles (384322 a.C.) e o pensador cristão Tomás de Aquino (1225-1274) abraçavam estaidéia.
ESBOÇO DAS VISÕES BÁSICAS DE CORPO/ALMA Visão
Principal
Corpo/Alma
Proponente
Ilu stração
E x p lic a ç ã o
(Alm a /Corpo C om o [...])
Materialismo
Thomas Hobbes
Somente Corpo Como o sonho para o cérebro
Somente o corpo existe; a mente (alma) não passa de uma manifestação da matéria.
1
1
..............
1
11 U m a m ô n a d a é u m a en tid ad e m eta física sin g u la r en ten d id a c o m o u m e le m e n to b ásico e p rim á rio da realidad e. Para s aber m ais sob re o M o n ism o , vide v o lu m e 1, c a p ítu lo 2.
12 H ulo (o u hulas) sig n ifica m a té ria e m— rphos, fo rm a .
A NATUREZA DOS SERES HUMANOS
Epifenomenalismo
Pierre-Jean Georges Cabanis
Idealismo
George Barkeley
ff
Alma é subproduto do corpo
Como sombra para a árvore
Corpo causa a mente; a mente é somente um sinal (e não uma causa) da matéria.
Somente a alma
Como a mente Somente a mente para a miragem (alma) existe; o corpo não passa de uma mera ilusão.
Monismo (Visão do Duplo Aspecto)
Bento Spinoza
Dois aspectos da mesma coisa
Como o interior para o exterior
Mente (alma) e corpo são dois lados da mesma substância.
Dualismo (Dicotomia ou Paralelismo)
Platão
Duas realidades diferentes, mas paralelas
Como trilhos de uma ferrovia
Interacionismo
René Descartes
Duas
Como dois boxeadores
Alma e corpo nunca interagem; elas somente existem simultaneamente. Mente e corpo interagem mutuamente.
substâncias diferentes que interagem mutuamente Ocasionalismo Agostinho (Recordacionismo)
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Duas substâncias diferentes coordenadas por Deus
Como a memória para o bilhete
Deus causa as idéias na mente mediante uma percepção sensorial. -
Harmonia PréEstabelecida
Gottfried Wilhelm Leibniz
Duas substâncias diferentes e sincronizadas
Como dois relógios
Hilomorfismo
Tomás de
Alma anima o corpo
Como as idéias Mente e corpo para as palavras forma uma unidade holística.
Aquino
Mente e corpo são sincronizados por Deus.
D estas diversas visões antropológicas, os dados bíblicos acim a pesquisados13 exclu em aqueles que negam u m a das duas dim ensões básicas do ser h u m a n o . Por exem p lo, ficam excluídos ta n to o M aterialism o co m o o E p ifen om en alism o, que negam a existência de qualquer tipo de alm a im aterial real, b em co m o o Idealism o, que re je ita qualqu er tipo de corp o m aterial real. C o m o o Paralelism o, a H arm onia P ré-estabelecida, o In teracio n ism o e o O casion alism o são todos m od elos de D ualism o. Estes fo ram tratados co m o subtipos do “D u alism o ” (D ico to m ia ) n a seção abaixo. 13V id e s e ç õ e s sob o títu lo “V ários T e m o s B íb lico s U tilizad o s p a ra D e screv er os S eres H u m a n o s ” .
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As outras duas perspectivas são o Monismo Antropológico e o Hilomorfismo. Agora, passaremos a examinar, com maior minúcia, as cinco primeiras categorias de modelos para a relação entre corpo e alma: (1) Materialismo/Epifenomenalismo; (2) Idealismo; (3) Monismo; (4) Dualismo/Dicotomia (incluindo o Paralelismo, a Harmonia Pré-estabelecida, o Interacionismo e o Ocasionalismo); e (5) O Hilomorfismo.
UMA ANÁLISE DO MATERIALISMO ANTROPOLÓGICO14 O Materialismo Antropológico não apresenta qualquer tipo de fundamento bíblico ou filosófico.
Argumentos Bíblicos em Oposição ao Materialismo Antropológico A Bíblia não somente afirma que tanto a alma quanto o corpo existem, como também faz distinção entre os dois, de várias maneiras. Primeiro, até mesmo nesta vida ambos são distintos: O corpo perecerá, mas a alma não (por exemplo, 2 Co 4.16; 5.1); a alma deixa o corpo na morte (Gn 35.18). Segundo, as Escrituras descrevem a alma e o espírito como estando separada do corpo e consciente depois da morte.15 Terceiro, e por último, em toda parte a Bíblia se refere ao corpo e ao mundo material como coisas que são tangivelmente existentes, separadas da alma.
Argumentos Filosóficos Contrários ao Materialismo Antropológico 0 Materialismo E Autodestrutivo
Como observou o ex-ateu C. S. Lewis (1898-1963), a visão materialista, isto é, de que a matéria existe, mas a mente não, claramente é autodestrutiva, pois a teoria do Materialismo não é composta de matéria. A teoria sobre a matéria não é constituída de matéria. A idéia de que tudo é feito de moléculas não é, em si mesma, constituída de moléculas — o pensamento acerca da matéria precisa existir e permanecer acima da matéria da qual ele mesmo trata.16 Se o pensamento acerca da matéria for parte da matéria, ele não poderá ser um pensamento acerca de toda a matéria, pois sendo uma parte da matéria, o pensamento não poderá transcender a si mesmo e fazer uma declaração sobre toda a matéria. A única maneira da mente (ou os seus pensamentos) transcender a matéria é sendo mais do que a matéria. E se ela for mais do que a matéria, então a matéria não é tudo o que existe.
14 O E p ife n o m e n a lism o A n tro p o ló g ic o é tra ta d o aq u i c o m o u m a fo rm a m o d ifica d a de M a te ria lism o . Fp 1.23; 2 C o 5.8; H b 12.23.
16V id e M ira cles [M ilagres] (N ew Y ork, M a c m illa n , 1947), c a p ítu lo 3.
15 Ap. 6.9; T g 2.26;
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0 Materialismo Modificado também É Autodestrutivo C om o ficou im plícito an teriorm ente, alguns m aterialistas não são rigidam ente m aterialistas. Os epifenom enalistas, por exem plo, adm item que à m en te seja mais do que a m atéria, en tretan to , negam que a m en te possa existir de m aneira independente da m atéria. Eles argu m entam que a m en te não passa de u m reflexo da m atéria, sendo, p o rtan to , reduzível a ela. Insistem ainda que a m en te som ente é mais do que a m atéria n o sentido em que o todo é mais do que a som a das suas partes. M esm o assim, o “to d o ” deixa de existir quando as suas partes tam bém cessam ; quando o corpo expira, a alm a tam bém cessa. Basicam ente, apesar dos epifenom enalistas adm itirem que a m en te é m ais do que a m atéria, eles insistem que a m en te é m eram en te u m a silhueta que som e quando as partes m ateriais do ser h u m an o se dissolvem. Apesar deste argu m ento ap arentem ente ser m enos autod estrutivo que o prim eiro, ele não deixa de estar errado. O E pifenom enalism o afirm a que a m en te é, em ú ltim a instância, dependente da m atéria, só que a declaração: “A m ente é dependente da m atéria”, não alega depender da m atéria para postular a sua verdade — de fato, ela alega ser uma verdade acerca da mente e de toda a matéria. N en h u m a verdade acerca de toda a m en te e toda a m atéria pode depender da m atéria para ser verdadeira, pois não podem os sair de toda a m atéria para fazerm os u m a afirm ação acerca de toda a m atéria e, sim ultaneam ente, alegarm os que estam os dentro da m atéria, enquanto dependem os som en te dela e nada mais. Se a m in h a m en te fo r com p letam en te dependente da (e fo r som ente um reflexo da) m atéria, ela não poderá fazer declarações a partir de u m a posição estratégica que é independente da m atéria, e se estas declarações não fo rem feitas a partir de u m a posição estratégica que seja independente da m atéria, elas não serão, de fato, declarações sobre toda a m atéria: Precisam os dar u m passo para fora de algo para poder enxergar o todo (im plicando, obviam ente, que a m en te, p o rtan to , vai além da m atéria). Em sum a, o E pifenom enalism o alega possuir u m a base tran scen d en te17 de co n h ecim en to partindo de u m a base de operação estritam en te im an en te.18 O que o E pifenom enalism o ten ta fazer é transcend er a m atéria (co m a m en te), a fim de fazer declarações da verdade acerca de toda a m ente e de toda a m atéria, procurando provar co m isto, que a m en te está contida (e, p o rtan to , é dependente) na m atéria. Para que u m epifenom enalista pudesse obter êxito na sua em preitada (e não in co rrer na autod estruição do seu arg u m ento), a m en te teria que ser independente da m atéria. Mas se a m en te é para o corpo, o que u m a som bra é para a árvore (co m o argu m enta u m epifenom enalista), co m o u m m ero reflexo (o qual, supostam ente, depende da m atéria que o p ro je ta para a sua existência) ser independente da sua origem? De acordo com os epifenom enalistas, a m ente não é independente da m atéria. Se isto estiver correto, então as “declarações de verdade” de u m epifenom enalista não são verdadeiras, pois não tem qualquer fu nd am ento. Se isto estiver incorreto, então o alicerce principal do E pifenom enalism o vem abaixo. De u m a fo rm a ou de outra, o raciocínio se m o stra autodestrutivo. Um Argumento Transcendental contra o Materialismo O M aterialism o ten ta reduzir tudo à m atéria, fazendo a exclusão da m e n te .19 Esta proposta é autodestrutiva porque independente da análise que façam os da m atéria, sem pre haverá um “e u ” que fica do lado de fora do ob jeto da m in h a análise. M esm o 17 O u , “o p e ran d o acima da e x istê n cia m a te ria l.” o p o s to — vide abaixo.
18 O u , “o p e ra n d o dentro da e x istê n cia m a te ria l.”
19 O s idealistas te n ta m o
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quando analiso a mim mesmo, existe um “eu” que transcende a “mim.” Jamais consigo capturar o meu “eu” transcendental (o ego); somente consigo pegá-lo, por assim dizer, a partir do “canto do meu olho.” Se eu tentar colocar o meu “eu” no tubo de ensaio, surgirá um “mim,” para o qual o “eu” inapreensível estará olhando. Sempre haverá mais do que “mim”; existe o “eu” que não é meramente o “mim.” Ao contrário do materialismo, portanto, nem tudo é reduzível ao “eu.” A mente antecede e é independente da matéria. 0 Universo Tem Origem N ão-M aterial Como já demonstramos anteriormente,20 existe uma causa sobrenatural e imaterial para o universo. Como as evidências científicas demonstram que o universo material, como um todo, surgiu a partir do nada,21 a Causa do universo não pode ser algo material; portanto, existe algo mais do que a matéria. Como declarou o materialista Karl Marx (1818-1883), ou bem amatériaproduziu amente, ou a mente produziu a matéria. E como a matéria foi produzida, deduz-se que ela deve ser produto da Mente. Conseqüentemente, a “sobrematéria” que existe é a mente. 0 Legislador M oral não E M aterial Outra forma de demonstrarmos que existe algo que transcende a matéria pode ser denominado de argumento moral em defesa da existência de D eus22Ele pode ser exposto da seguinte forma: (1) Existe uma lei moral objetiva.23 (2) A lei moral é prescritiva (ela nos diz o que deveríamos fazer e o que não deveríamos fazer). (3)Aquilo que é prescritivo não é parte do mundo material descritivo. (4) Logo, existe uma realidade objetiva que não é material; ou seja, existe algo que vai além da matéria.24
UMA ANÁLISE DO IDEALISMO ANTROPOLÓGICO O Idealismo Antropológico também é contrariado tanto por evidências bíblicas, quanto filosóficas.
Argumentos Bíblicos Contrários ao Idealismo Antropológico Primeiro, a Bíblia ensina de forma clara que Deus criou um universo material (Gn 1-2), e que a matéria é verdadeiramente diferente de Deus, que é puramente Espírito (João 4.24). Segundo, a matéria é finita e destrutível (1 Co 15.42), ao passo que Deus é infinito e indestrutível (1 Tm 6.16). Terceiro, e último, a alma humana, como já declaramos, é apresentada como algo distinto do corpo (por exemplo, Lc 24.39) no sentido em que ambos são separados na morte (por exemplo, Tg 2.26).
20 N o v o lu m e 1, c a p ítu lo 2. 21 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 2; e v o lu m e 2, ca p ítu lo s 1 8 -1 9 ,2 1 , apên dices 3, 6. 22 O p . C it. 23Ibid. 24Vide C . S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples, 17-19.
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Argumentos Filosóficos Apresentados em Defesa do Idealismo Antropológico G eorge B erkeley insistia que so m en te a m e n te e as idéias existiam , pois, su p o stam en te, ser significaria “p erceb er” (latim : esse est percipi) ou “ser p ercebid o” (latim : esse estpercipere). O Idealism o alega, por vários m otivos, que n ão existe qualquer tipo de m atéria.25 P rim eiram en te, considera-se im possível separarm os o ser do ser percebido. A lém disso, os arg u m en tos con trários à existência de qualidades secundárias (co m o a cor) tam b ém se aplicam às qualidades prim árias (c o m o a quantidade e a exten são). Por exem p lo, co n fo rm e o Idealism o, a extensão não pode ser con h ecid a sep arad am en te da co r e do v o lu m e; a quantidade é baseada n a unidade, que não pode ser percebida; a. figura se m odifica de acordo co m a nossa perspectiva dela; o movimento é relativo. As coisas (a m atéria ), tam b ém não p od em ser con h ecid as à p arte do p en sam en to; p o rta n to , elas existem so m e n te no p en sam en to. A lém de tu do, cre r n a m a téria é acusar D eus de ter feito u m a criação in ú til, já que som os capazes de fazer idéia sobre ela, sem que ela, na verdade, exista. Em sum a, o Idealism o su sten ta que é im possível se con ceb êr que qualqu er coisa exista fo ra da m en te. A “con cep ção de alg o” é u m poder que a mente tem de fo rm a r um a idéia na mente (e não fo ra dela). Nada pode ser concebido co m o existindo sem ser concebido. O u seja, não se pode pensar n a existên cia de algo que n ão esteja contid o no nosso p en sam en to.
Resposta aos Argum entos Filosóficos Em Defesa do Idealismo Antropológico Apesar de B arkeley te r sido u m cristão teísta, o seu Idealism o A n tro p o ló g ico é co n trário à posição teísta clássica co m o u m todo. Várias críticas são dignas de nota. A Suposição Básica do Idealismo se Constitui em Argumentação Viciada26 A prem issa fu n d am en tal do Idealism o é que so m en te a m e n te e as idéias existem ; se isto fo r aceito, to d o o restan te da teo ria se encaixa. T o r é m não existe u m a razão” conv in cente para que isto seja aceito. N a verdade, a arg u m en tação fica co m p le ta m e n te viciada se consid erarm os que, apriori, so m en te a m e n te e as idéias existem . C ertam en te, n ão ficam os surpresos ao d escobrir que a conclusão de Barkeley é que nada m ais existe além disso. A existência da realidade extra m e n ta l e n ã o -m e n ta l não é elim inada por n e n h u m destes argu m entos. A s Premissas Básicas do Idealismo São Falhas Os argu m entos de B erk eley em defesa do Idealism o, na sua origem , estão alicerçados sobre a n o ção errô n ea de que o “c o n h e c e r” envolve “uma sensação de idéias” e não u m a “sensação de coisas por intermédio de idéias.” Isto, n ov am en te, co n stitu i-se em arg u m en to viciado, pois se as idéias n ão são o objeto formal do co n h ecim e n to , m as m e ra m e n te os
25 In c lu in d o seres e x tra m e n ta is.
26 A rg u m e n ta ç ã o viciad a (la tim : petito prindpii) é a fa lá cia ló g ic a c o m e tid a q u an d o se
c o n sid era, p o r p rem issa, a m e sm a co n clu sã o q u e o a rg u m e n to p r o c u ra d e m o n stra r.
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pelos quais o conhecimento do mundo exterior nos é transmitido,27 então o Idealismo vem abaixo.
instrumentos
0 Idealismo E Contrário à Experiência
Falar, como Barkeley afirmou, dos corpos, da matéria e da natureza— dos quais todos nós temos experiências sensoriais — como meras idéias que Deus regularmente incita em nós, é até possível, mas não realmente digno de crédito. Quando consumimos os alimentos, não estamos consumindo a idéia de comida, ou tendo uma idéia de estar consumindo a idéia de comida. Além do mais, a implicação de que Deus somente ressuscitou um agrupamento de idéias, colocaria abaixo a própria Ressurreição de Cristo. 0 Idealismo Acusa Deus de Falsário Ao argumentar que o mundo exterior não existe, Berkeley acaba acusando Deus de fraude. Certamente Deus tem poder suficiente para criar em nós a idéia de coisas que não existem; apesar disso, Deus não é somente Todo-Poderoso — Ele também é Todo-Perfeito, e não pode enganar. Criar em todos os seres humanos a vivida percepção de que existe um mundo extramental e material, sem que este mundo realmente exista, seria uma desonestidade.28
UMA ANÁLISE DO MONISMO ANTROPOLÓGICO Ao contrário do Materialismo ou do Idealismo, o Monismo Antropológico,29 que é a primeira das quatro posições que têm sido defendidas por alguns cristãos professos, bem como por seitas (as outras três serão examinadas abaixo), não nega nem a mente, nem a matéria.30 Ao contrário, ele afirma ambos ao mesmo tempo em que os identifica como uma unidade. Como já mencionamos anteriormente, Bento Spinoza defendeu esta idéia (vide E ), como também o fazem as Testemunhas de Jeová nos nossos dias. Muitos argumentos são propostos em defesa deste ponto de vista, tanto do campo bíblico, quanto do filosófico.
Argumentos Bíblicos Apresentados em Defesa do Monismo Antropológico Os argumentos básicos em defesa do Monismo Antropológico tirados das Sagradas Escrituras são (1) a partir da natureza dos seres humanos e (2) a partir da suposta unidade entre alma e corpo. O Monismo sustenta que os seres humanos apresentam somente uma natureza— uma natureza humana: “De um só fez toda a geração dos homens para habitar sobre toda a face da terra” (At 17.26). Esta natureza original do ser humano é igualmente compartilhada por todos; conseqüentemente, ela deve ser uma natureza única, e não diversa. Outro argumento que se apresenta é tirado de 2 Coríntios 5.1. Este texto parece afirmar que o corpo ressurreto é recebido no momento da morte física.31 “Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus.” 27 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 10.
28 V id e v o lu m e 2, ca p ítu lo s 7 e 14.
29 P erceb a q u e o rad ical “m o n ” da p alavra Monismo
significa a idéia de q u e o ser h u m a n o é c o m p o s to de so m e n te u m a p a rte . D u a lis m o ) p o stu la duas partes, ao passo q u e “tr i” de Tricotomia in d ica três.
O “di” da p a la v ra Dicotomia (o u “d u a l” de 30 C o m o já vim o s, apesar d o Id e a lism o (vide
acim a ) te r sido p ro p o sto p o r u m te ísta c ristã o (G eo rg e B e rk e le y ), e le n ã o se en c a ix a n a e s tr u tu r a te ísta cristã . 31 E m c o n tra s te c o m o fa lecid o passar p a ra a vida f u tu r a so m e n te c o m o u m a alm a.
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Respostas aos Argumentos Bíblicos Apresentados em Defesa do Monismo Antropológico As passagens bíblicas propostas para fundam entar o M onism o — tais com o Atos 17.26 — tam bém podem ser interpretadas de ou tra form a.32As Sagradas Escrituras dem onstram a unidade das duas dimensões hum anas, porém não a sua identidade. Por exem plo, existe um a unidade entre as palavras desta frase e as idéias por detrás dela, mas as palavras e as idéias não são idênticas. A lém disso, é verdade que tem os umar-única natureza, porém esta natureza apresenta duas dimensões, com o vimos acima. As duas dimensões não podem ser idênticas, porque um a é m aterial, e a ou tra im aterialru m a é perecível, e a outra imperecível. C o m relação ao uso de 2 Coríntios 5.1, com o fundam entação do M onism o, existem , pelo m enos, duas outras interpretações. Primeiro, alguns sustentam que, n a m o rte , recebem os um corpo espiritual intermediário, de form a que a alm a jamais fica sem u m corpo (por exem plo, vide Chafer, ST, 2.506-07). Segundo, outros alegam que Paulo (em 2 Co 5.1) não ensina que um a pessoa recebe o corpo eterno no instante da m orte, mas que ele m eram ente considera a ressurreição final com o segura e garantida. Esta idéia se coaduna m elh or com as declarações de Paulo acerca da ressurreição final do corpo em 1 Coríntios 15.42-44.33 Terceiro, o M onism o contradiz as referências claras que a Bíblia faz a u m estado em que a alm a e o espírito separam-se do corpo no m o m en to da m o rte.34 Assim, em 2 Coríntios 5.1, Paulo está sim plesm ente falando que depois da m o rte existe a expectativa final da ressurreição perm anente do corpo. Isto tam bém guarda um a correlação com o que ele afirma a respeito da m o rte e da ressurreição em 1 Coríntios 15.50-54.33
Argumentos Filosóficos Favoráveis e Contrários ao Monismo Antropológico O Paradoxo de Parmênides No nível do ser, Parmênides, filósofo grego da Antigüidade (que despontou por volta do ano 485 a.C.) propôs u m forte argum ento a favor do M onism o Metafísico,36 a saber, que todo o ser é um . O raciocínio pode ser construído desta maneira: (1) É impossível haver duas coisas (seres), pois para serem dois, eles precisariam se diferenciar u m do outro. (2) As coisas som en te podem se diferenciar pelo seu “ser” ou pelo seu “n ã o -ser”, porém , se diferenciar pelo não-ser (ou, diferenciar-se pelo nada) não é, de form a algum a, diferenciar-se. 32V id e abaixo, sob o títu lo “U m a A n álise d o H ilo m o rfism o A n tro p o ló g ic o .” 33 “A ssim ta m b é m a re ssu rreiçã o dos m o r to s. S em eia -se o co rp o e m c o rr u p ç ã o , ressu scita rá in c o rru p tív e l. S em eia -se e m ig n o m ín ia , re ssu scita rá e m g ló ria . S em eia se e m fraq ueza, re ssu scitará c o m vigor. S em eia -se c o rp o a n im a l, re ssu scita rá c o rp o esp iritu al. S e h á co rp o a n im a l, h á ta m b é m co rp o esp iritu al.
34 E sta re sp o sta está m ais b e m d e ta lh a d a n o v o lu m e 4, c a p ítu lo 8. 35 “E, agora, digo isto ,
irm ã o s: que c a rn e e san g u e n ã o p o d e m h e rd a r o R e in o de D e u s, n e m a c o rr u p ç ã o h e rd a r a in c o rr u p ç ã o . Eis aq u i vos digo u m m istério : N a v erdad e, n e m to d o s d o rm ire m o s , m a s to d o s serem o s tra n sfo rm a d o s, n u m m o m e n to , n u m a b rir e fe c h a r de o lh o s, an te a ú ltim a tro m b e ta ; p o rq u e a tro m b e ta soará, e os m o r to s ressu scita rã o in c o rru p tív e is, e n ó s s erem o s tra n sfo rm a d o s. P orq u e c o n v é m q u e isto q u e é c o rru p tív e l se re v ista da in co rru p tib ilid a d e e q u e isto q u e é m o r ta l se rev ista da im o rta lid a d e . E, q u a n d o isto q u e é c o rru p tív e l se re v e stir da in co rru p tib ilid a d e , e isto q u e é m o r ta l se re v e stir da im o rta lid a d e , e n tã o , c u m p r ir-s e -á a p alavra q u e está e scrita : T ragad a fo i a m o r te n a v itó ria .” q u e é físico.
36 Acim a e além d aquilo
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(3) A diferenciação pelo ser não é possível, já que o ser é a única coisa que todos os seres têm em comum. (4) As coisas não podem se diferenciar por aquilo que têm em comum; ou seja, elas não podem se diferenciar exatamente pelo mesmo quesito no qual são idênticas. Resposta
Já vimos37 que este argumento, embora pareça inatacável, na verdade se constitui numa argumentação viciada, pois parte daquilo que pretendo provar, qual seja: que todas as coisas são idênticas no seu ser (Monismo). Se, por outro lado, postularmos e, a seguir, demonstrarmos que todas as coisas são similares no seu ser, o Monismo não será conclusivo. Somente se considerarmos que o ser é unívoco (inteiramente o mesmo) em vez de analógico (similar) é que chegaremos à conclusão de que o Monismo é real.38Se o termo ser for predicado de (atribuído a) Deus de maneira análoga (similar), então todas as coisas não serão idênticas, e o argumento a favor do Monismo M etafísico não se sustenta. O Monismo Antropológico, como derivado do Monismo Metafísico, padece do mesmo destino. A menos que consideremos que os termos corpo e alma são unívocos (idênticos) no que diz respeito ao mesmo ser humano, não podemos concluir que corpo e alma são a mesma coisa. Pode haver diferentes verdades acerca da única e mesma coisa, sem que estas verdades diferentes sejam a mesma coisa. Por exemplo, uma e a mesma rocha pode ser tanto redonda (que é um adjetivo que não necessariamente se refere ao material em si) e dura (que é um adjetivo que se aplica unicamente a coisas materiais). De modo semelhante, uma e a mesma essência humana pode ser tanto material, quanto imaterial sem precisar ter duas essências diferentes, desde que uma seja a forma (alma) e a outra a matéria (corpo). 0 Ataque ao Dualismo Antropológico Outro argumento apresentado em defesa do Monismo Antropológico é que a visão dualista (dicotômica), que se opõe ao Monismo, é grega (e não hebraica) na sua origem; ou seja, o Dualismo Antropológico (vide abaixo) traça as suas origens na filosofia helênica, e não na Teologia judaica. Resposta
Em resposta, existem vários problemas sérios com esta objeção. Primeiro, este é um caso clássico de envenenamento de poço. A questão não é se o Dualismo vem da filosofia grega (como vem); uma idéia não deveria ser julgada falsa (ou verdadeira!) em função da sua origem cultural, mas sim, pelas evidências a favor ou contra. Segundo, é inútil e incorreto colocar um grande rótulo que diz “grego” no Dualismo, muito embora ser grego signifique “ser dualista.” Aristóteles, por exemplo, era grego e rejeitava o Dualismo Antropológico. E mais exato chamar o Dualismo de platônico. Ainda assim, mesmo que o Dualismo a ser analisado seja o platônico, ele não deve ser rejeitado simplesmente" porque Platão o defendia. Os cristãos (mesmo muitos monistas antropológicos) concordam com um grande número de idéias de Platão, inclusive a objetividade da moralidade, do significado e da verdade, bem como na crença em Deus e na vida futura. Platão, tal qual qualquer outra pessoa, não criou estas idéias, simplesmente as descobriu. 37 V o lu m e 1, c a p ítu lo 2.
38 E n tr e ta n to , esta co n c lu sã o já fo i d ev id a m en te re fu ta d a (vide v o lu m e 1, c a p ítu lo 9).
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Terceiro, este argum ento em defesa do M onism o está baseado em um a falsa disjunção. O bjetivam ente falando, ele falha em notar que n em todos os não-m onism os são dualismos. Aristóteles e Tom ás de Aquino, por exem plo, opunham -se ao Dualism o Platônico, contudo não aderiam ao M onism o Antropológico; em vez disso, eles abraçaram o H ilom orfirm o, que defende a unidade (e não a identidade) entre alm a e corpo.
Outra Evidência contra o Monismo Antropológico A lém da falha dos argum entos filosóficos a favor do M onism o, existem m uitos argum entos contrários a ele.39 Primeiro, o M onism o nega a existência de duas dim ensões n a natu reza hu m ana, as quais são afirmadas pela Bíblia'10 Segundo, o M onism o não explica as passagens bíblicas nas quais a alm a (o u o espírito) sobrevive à m o rte 41 Se alm a e corpo fossem uma, e a mesma coisa; então a alm a m orreria ju n to co m o corpo. Mas n ão é isso o que acontece. Terceiro, o M onism o não explica o fato de Jesus ter estado espiritualm ente vivo entre a sua m o rte e a sua ressurreição (Lc 24.46; Jo 19.30). Ele é a Segunda Pessoa da Trindade e jam ais deixa de existir. Quarto, o M onism o necessita ou do A niquilacionism o ou da ressurreição im ediata no m o m en to da m o rte — estas duas posições n ão são ortodoxas e são, tam bém , inaceitáveis. Se o corpo e a alm a fo rem a m esm a coisa, co m o alegam os m onistas, então ou (1) ambos deixam de existir, sim u ltaneam ente na m o rte (o que seria A niquilacionism o), ou (2) a alm a recebe u m novo corpo no m o m en to da m o rte (o que seria a ressurreição im ediata). C o m relação ao prim eiro caso, o A niquilacionism o é to ta lm en te antibíblico,42 e com relação ao segundo, o recebim en to de novos corpos para as alm as dos crentes no m o m en to da m o rte to rn aria a ressurreição u m evento passado, um a idéia que o Novo Testam ento condena com o herética (cf. 2 T m 2.18). Não pode haver ressurreição do corpo enqu anto ele ainda estiver n a sepultura, já que u m a ressurreição envolve a saída do corpo m o rto do tú m u lo (Jo 5.28-29), do m esm o m odo que se deu com Jesus, no m esm o corpo, m anten d o as m arcas da crucificação e tudo o mais (Lc 24.39; Jo 20.27). A lém disso, a ressurreição do corpo é apresentada (por exem plo, em 1 Ts 4.13-18), com o u m evento fu tu ro que o co rrerá no reto rn o de Jesus a este m undo. Quinto, o M onism o é contrário ao que sentim os: tem os a consciência de ter estas duas dim ensões, u m corpo e um a m ente (alm a). Os m eus pensam entos são, claram ente, diferentes do m eu corpo. Sexto, e ú ltim o, todos os argum entos e textos utilizados para m o strar a tal identidade entre o corpo e a alm a podem ser explicados de o u tra form a: com o referências à unidade psicossom ática.43
UMA ANÁLISE DO DUALISMO ANTROPOLÓGICO (DICOTOMIA) O Dualismo Antropológico, que se origina em Platão, é a concepção de que a alm a e o corpo são com postos de duas substâncias diferentes u m ser hum ano é um a alm a e m eram ente 39 E sta é u m a lista p arcial q u e a p rese n ta os m a io res p ro b le m a s d o M o n is m o A n tro p o ló g ic o . 40V id e a cim a , nas seçõ es sob o títu lo “V ários T e rm o s B íb lico s U tilizad os p a ra D e screv er os S eres H u m a n o s .” aos c re n te s — p o r e x e m p lo , Ec 12.6,7; Lc 23.43; Fp 1.23; 2 C o 5.8; A p 6.9.
41 R e ferin d o -se ta n to a Jesus, q u a n to
42V ide v o lu m e 4.
"R esp ostas aos A rg u m e n to s B íb lico s A p resen ta d o s e m D efesa do M o n is m o A n tr o p o ló g ic o ”.
43 V id e a cim a , so b o títu lo :
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tem um corpo. A analogia primária coloca a alm a na posição de u m cavaleiro e o corpo na de cavalo; outros dualistas não-cristãos se referem à alm a com o sendo um pássaro em um a gaiola, ou um a pessoa em um a cela de prisão — quando a alm a é liberta do corpo (na m orte), ela passa a estar perm anentem ente livre dos grilhões do encarceram ento terreno. Apesar dos dualistas cristãos sustentarem que a alm a voltará a se reu n ir ao corpo da ressurreição, todavia eles afirm am u m dualism o psicossom ático, que se to rn a evidente no O casionalism o (R ecord acion ism o) de A gostinho e de m u itos outros n a tradição reform ada até os nossos dias.41
Dois Argumentos Apresentados em Defesa do Dualismo Antropológico (Dicotomia) 0 Argumento da A lm a que Sobrevive à Morte
C o ntrariam ente aos m onistas, os dualistas defendem que co m o a alm a sobrevive à m o rte, ela não pode ser da m esm a substância que o corpo. Se assim o fosse, ela tam bém m o rreria ju n to co m ele, mas isto não ocorre, co m o ad m item os dois lados. O problem a com este argu m ento é que ele se trata de u m a falsa disjunção, que erron eam ente considera m onista todo ponto de vista que foge ao dualism o.45 C o m o já foi observado, existe, pelo m enos, um a o u tra alternativa viável, a saber, a unidade corpo/alma (sem a identidade) conhecid a co m o H ilom orfism o A ntropológico (vide abaixo). 0 Argumento de que a Intercambialidade dos Vocábulos “A lm a" e “Espírito” Provaria a sua Identidade
C ontrariando os tricotom istas,46 os quais defendem que o ser h u m an o é tripartido (ou seja, é constituído de três partes), os dualistas (ou “d icotom istas”) argu m entam que co m o os term os alma e espirito são usados de fo rm a intercam biável em várias passagens,47o ser h u m an o teria som en te duas partes (corp o e alma/espírito). Dessa form a, alma e espírito se refeririam à m esm a substância. A lém disso, observam os dualistas, alm a e espírito tam bém são utilizados com o sinônim os em paralelism os poéticos (cf. Lc 1.46,47), e n o rm a lm en te apresentam as m esm as funções (o suspirar, o entristecer-se e o acalm ar-se).48 Em resposta, devem os observar que se este argu m ento estiver correto, na melhor das hipóteses, ele som en te provaria que a T ricoto m ia está errada, e não que o D ualism o está correto. A lém disso, éom o já observam os, estas m esm as funções tam b ém podem ser explicadas por interm édio do H ilom orfism o (vide abaixo).
Outras Evidências Contrárias ao Dualismo Antropológico (Dicotomia) A lém da inviabilidade destes argum entos n o apoio ao D ualism o, existem ainda várias razões significativas para que este seja rejeitado, dentre elas, as seguintes: Primeiro, o D ualism o nega o ensino bíblico acerca da unidade essencial do ser h u m an o .49 Segundo, o D ualism o confund e as dimensões co m as partes. D o m esm o m odo que um a obra de arte tem duas dim ensões — a fo rm a e o m eio — a natu reza h u m an a tam bém tem tan to a in terio r (a alm a) e a exterior (o corpo). 44 C o m o já v im o s, o P aralelism o, a H a rm o n ia P ré-esta b elerid a , o In te ra c io n is m o e o O ca sio n a lism o estã o in clu íd o s nas fo rm a s de D u a lism o A n tro p o ló g ic o (D ic o to m ia ). M o n is m o , c o n tra o D u a lism o .
45 N a v erdad e, esta é a in v ersão da fa lá cia da falsa d is ju n ç ã o d e n tro do
16A T r ic o to m ia A n tro p o ló g ic a será tra ta d a m ais adian te.
M a te u s 10.28; A to s 2.31; 2 Pedro 2.11.
48 C f. M a rco s 8.12; Jo ã o 11.33; 12.27; M a te u s 26.38.
A n álise d o H ilo m o rfism o A n tro p o ló g ic o .
47 C f. 1 C o rín tio s 5.3; 6.20; 7.34;
49V id e adian te, sob o títu lo “U m a
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Terceiro, o dualism o desm erece o corpo a retirar dele a im agem de Deus, ao passo que a Bíblia o apresenta co m o parte da sua sem elhança.50 Quarto, o D ualism o leva a um A scetism o insustentável e à alienação, pois propõe que a essência da hum anidade é p u ram ente espiritual e exclui a dim ensão m aterial. Quinto e último, a representação da natu reza h u m an a feita pelo D ualism o platônico, m esm o se excluirm os os aspectos reencarnacionais (ren ascim en to) e soteriológicos (salvíficos), não é bíblica (vide Ladd, “G V H V M ” in P N T T).51
UMA ANÁLISE DO HILOMORFISMO ANTROPOLÓGICO (UNIDADE CORPO/ALMA) A ú ltim a posição sustentada pelos cristãos é cham ada de H ilom orfism o32 que, con form e vim os an teriorm en te, defende a existência de u m a unidade en tre forma/ m atéria entre a alm a e o corpo. As raízes desta posição são encontradas nas crenças de A ristóteles, apesar dela apresentar um a base no A ntigo Testam ento, e foi, posteriorm ente, corroborad a por Tom ás de Aquino. As evidências a favor do H ilom orfism o podem ser divididas em dois grupos: as bíblicas e as filosóficas.
A Base Bíblica em Defesa do Hilomorfismo Antropológico Os seres hum anos são descritos com o um a unidade entre alma/corpo desde os primórdios da criação. C om o já vimos, Gênesis declara: “E form ou o SENHOR Deus o hom em do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o hom em foi feito alm a vivente” (2.7). Ou seja, a unidade com pleta do pó (m atéria) e o sopro (vida) formavam u m ser vivo. Além disso, a palavra alma significa “pessoa,” e ela norm alm ente inclui o corpo. Por exemplo, no Salmo 16.10, Davi registra: “Pois não deixarás a m inha alma no inferno, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção”. Obviamente, alma aqui inclui o corpo, o qual, conform e profetizado (acerca de Cristo), não viu a corrupção, mas foi ressuscitado (cf. At 2.30,31). C om o tam bém analisam os, a palavra alma às vezes pode até se referir a um corpo já falecido (por exem plo, Lv 19.28; 21.1; 23.4). P ortanto, se tanto o corpo quanto a alm a não fossem criados co m o um a unidade, o assassinato de u m corpo não seria errado. Só que não é assim, pois Deus declarou: “Q uem derram ar o sangue do h om em , pelo h o m em o seu sangue será derram ado; porque D eus fez o h o m em co n fo rm e a sua im ag em ” (G n 9.6). Isto, novam ente, im plica que a im agem de Deus inclui o corpo, de ou tro m od o a proibição con tra o assassinato do corpo físico não poderia ser aplicada. A lém do mais, a Bíblia declara que a alm a sem o corpo é nua e incom p leta (2 C o 5.14). Isto não seria possível, caso não houvesse u m a poderosa unidade entre os dois. Por ú ltim o, a ressurreição não faz qualquer sentido ao m enos que estejam os incom pletos sem u m corpo, e a Palavra de D eus declara que todos os seres hum anos, salvos ou perdidos, serão ressuscitados (Jo 5.25-29). Sem o corp o som os incom pletos na nossa própria natu reza co m o seres hum anos.
A Base Filosófica/Psicológica em Defesa do Hilomorfismo Antropológico A lém das referências bíblicas, existem razões psicológicas e filosóficas em apoio à unidade form a/m atéria de corp o e alm a. Considere os seguintes argum entos: 50Estes e n sin os ta m b é m s erão e xp o sto s ad ian te, sob o títu lo “U m a A n á lise d o H ilo m o rfism o A n tr o p o ló g ic o .” 51 Para u m a c o m p a ra çã o su c in ta das visões bíb lica e p la tô n ic a a c e rc a de co rpo/ alm a, vide a tab ela a segu ir: “D uas Visões C o n tra sta n tes A ce rca da N a tu re z a H u m a n a .”
52 C o m o já v im o s, o te r m o te m a sua o rig em n as p alavras gregas h y lo (o u h y las), que
sig n ifica “m a té ria ,” e m o rp h o s, q u e sign ifica “fo rm a .”
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A Analogia com os Animais As form as m ais elevadas de anim ais têm alm a. A m esm a palavra hebraica utilizada para designar a alm a dos seres hu m anos (nephesh) é tam bém utilizada para designar a alm a dos animais. Na verdade, até m esm o a palavra espirito é utilizada para u m anim al (vide Ec 3.21). P ortanto, enquanto os animais vivem , existe u m a unidade de fo rm a/ m atéria en tre a alm a e corpo deles. O m esm o o co rre com os seres hu m anos, sendo que a ún ica diferença está na alm a hu m ana, que sobrevive à m o rte e contin u a a viver de fo rm a consciente entre a m o rte e a ressurreição (por exem plo, Fp 1.23; 2 C o 5.8; Ap 6.9). A Interpenetração Psicológica A lém disso, existe claram ente u m a interp enetração m ú tu a de alm a e corpo, a qual é própria da unidade forma/matéria. In terp enetração significa que a alm a influencia o corpo e vice-versa.53Por exem plo, a aflição da alm a afeta o corpo, e a dor n o corpo afeta a m ente. Esta ligação psicossom ática é u m indicativo de unidade, e n ão de identidade.
Uma Objeção ao Hilomorfismo Antropológico A exem plo de todas as outras visões, o H ilom orfism o tam b ém está su jeito às críticas. O prim eiro ataque relaciona-se no intervalo entre a m o rte e a ressurreição. Objeção Levantada contra a Sobrevivência da Alma Este argu m ento defende que, caso a alm a e o corp o sejam u m a unidade n esta vida, aparentem ente, a alm a não poderia existir em u m estado “d esencarnado.” Se a en carnação é u m veículo necessário para a alm a, co m o a alm a poderia sobreviver sozinha? Resposta Em resposta, co m o já foi dem onstrado, alm a e corpo são u m a unidade, e não um a identidade. Se elas fossem idênticas então, obviam ente, um a n ão poderia sobreviver sem a outra. C o m o já vim os, por força de analogia, a alm a está para o corpo com o o p ensam ento (n a m en te) está para as palavras n o papel; o conceito perm anece quando o m aterial perece.54 A B íblia nos in fo rm a que a alm a, de fato, sobrevive à m o r te do co rp o . Para serm o s claros, a alm a é in co m p le ta sem o c o rp o , e ela aguarda a ressu rreiçã o do co rp o , para, n o v a m e n te , to rn a r-s e co m p le ta (2 C o 5.1), m as a sobreviv ência de u m a a lm a sem um co rp o n ão é im p ossível, n e m co n tra d itó ria . T a n to D eu s, q u an to os a n jo s são seres p u ra m e n te esp iritu ais (Jo 4.24; Hb 1.14), c o n tu d o eles existem sem fo rm a to físico. C o n sid era-se, p o rta n to , que no estado in te rm e d iá rio , n o in te rv a lo e n tre a m o rte e a ressu rreição , os seres h u m a n o s exista m c o m o os a n jo s p re sen tem en te e x iste m .55 George Eldon Ladd (1911-1982) escreveu u m a exím ia análise do contraste entre a visão dualista e a visão hilo m órfica (da unidade) entre alm a e corpo; a tabela a seguir resum e (co m a m odificação de u m a palavra — grega para platônica)56
53 L e m b re -se q u e o O casio n alism o de A g o stin h o (R e c o rd a c io n is m o e Ilu m in a c io n is m o ) im p lic a a c o n e x ã o e n tre a m a té ria e a fo rm a é de m ã o -ú n ic a ; o in fe r io r (o c o rp o ) n ã o p o d e im p a c ta r d ire ta m e n te o m a is elev ado (a a lm a ). D eu s, su p o sta m e n te , ilu m in a a m e n te (o u a a lm a ) p a ra a e xp eriên cia c o rp ó re a . 2, c a p ítu lo 20.
54 V ide v o lu m e 1, c a p ítu lo 9.
55 V ide v o lu m e
56 G e o rg e E ld o n Ladd: “ The Greek Versus the Hebrew View o f M an” [A V isão G re g a V ersus a V isão H eb réia do
H o m em ] in The Pattem o /N e w Testament Truth [O Pad rão da Verdade N e o te sta m e n tá ria J.
A NATUREZA DOS SERES HUMANOS
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Duas Visões Contrastantes acerca da Natureza Humana: a platônica versus a cristã.57 Visão Platônica acerca da Natureza Humana
Visão Cristã acerca da Natureza Humana
Dualista
Unidade
E uma alma (a alma está completa com o
E Corpo/Alma (a Alma está incompleta sem
corpo)
o corpo)
A matéria não é boa
A matéria é boa
Reencarnação em outro corpo
Ressurreição no mesmo corpo
Corpo como prisão/túmulo
Corpo como expressão da alma
Corpo como inimigo da alma
Corpo como amigo da alma
A alma é simples
A alma é composta
A alma é indestrutível
A alma é destrutível
Salvação a partir do corpo
Salvação no corpo
Salvação através do conhecimento
Salvação pela fé
A alma é divina
A alma é humana
A alma é eterna
A alma teve um início
A alma tem uma pré-existência
A alma foi criada
Este mundo é um lugar estranho
Este mundo é um lugar agradável
Os seres humanos são tripartidos (corpo, alma e espírito)58
Os seres humanos têm duas dimensões (interior e exterior)
0 pecado é resultado das cargas que o corpo impõe sobre a alma
O pecado é resultado da rebelião da vontade
Redenção da alma
Redenção da pessoa como um todo
O conhecimento de Deus vem com a fuga deste mundo
O conhecimento de Deus vem neste mundo e por intermédio dele
A salvação vem pelo esforço humano
A salvação ocorre pela visitação divina
A realidade está no reino invisível
A realidade inclui o reino visível59
O TESTEMUNHO HISTÓRICO ACERCA DA NATUREZA DOS SERES HUMANOS Dos Pais Eclesiásticos Teófilo (c. 130-190 d. C .)
Alguém nos dirá: “Será que o homem foi criado mortal por natureza?” Certamente que não. “Será que ele era, então, imortal?” Tampouco afirmamos isto. Mas diremos: “Mas será que ele não era ‘um nada’?” Isto ainda não acerta o alvo. Por natureza, ele não era nem mortal, nem imortal. Pois se [Deus] lhe houvesse criado imortal desde o princípio, Ele teria criado um outro Deus. Repito, se Ele lhe tivesse criado mortal, Deus pareceria ser a causa 57 P o r cristã se e n ten d e a visão da un id ad e, c o n fo rm e e sta é exp ressa n a Bíb lia, e sp e c ia lm e n te n o A n tig o T e s ta m e n to h e b re u .
58 P latão, A R e p ú b lica , Livro I.
59 V im o s, a cim a , q u e o D u a lism o faz u m a d ife re n cia çã o e n tre a lm a e c o rp o , já a
T r ic o to m ia ta m b é m p o stu la u m d u alism o d e n tro d a p ró p ria alm a.
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da sua morte. Portanto, Deus não criou o homem mortal, tampouco imortal, mas [...] com a capacidade de ser as duas coisas; de forma que, caso se inclinasse para as coisas próprias à imortalidade, por meio da obediência aos mandamentos de Deus, receberia a imortalidade como recompensa [...] mas, por outro lado, caso se volte para as coisas mortais, em desobediência a Deus, ele mesmo passaria a ser a causa da sua própria morte. Pois Deus criou o homem livre, e com poder sobre si mesmo. Portanto, aquilo que o homem trouxer sobre si mesmo por causa do seu descuido e desobediência, Deus agora lhe concede como dom, por intermédio da sua própria filantropia e piedade, quando o homem lhe obedece (TA, xxvii in Roberts e Donaldson, ANF, H2.27). Ireneu (c. 125-c. 2 0 2 d.C.) Se, por natureza, alguns tivessem sido criados maus, e outros bons, os últimos não seriam merecedores dos louvores por serem bons, pois já teriam sido assim criados; tampouco os primeiros mereceriam reprimenda, pois também já teriam sido assim [originalmente] criados. Entretanto, como todos os homens possuem a mesma natureza, sendo capazes de se manterem firmes e fazerem o bem — e, por outro lado, tendo o poder de lançar tudo fora e não fazer o bem — alguns recebem os louvores de forma merecida mesmo entre homens que estão sob o controle de boas leis (e ainda mais da parte de Deus), o alcançam um testemunho merecido das suas boas escolhas, no geral, e da sua perseverança nelas; mas outros são culpados, e recebem a justa condenação, por causa da sua rejeição daquilo que é justo e bom. E, por isso os profetas costumavam exortar os homens a fazerem o que é bom, a agirem de forma j usta e a praticarem a retidão [...] porque temos o poder de assim fazer, e porque, pela negligência excessiva, podemos acabar nos esquecendo e, assim, acabar necessitando daqueles bons conselhos que o bom Deus nos fez conhecer por intermédio dos profetas. (AH in ibid., 1.4.37.2) Tertulíano (c. 155-C.225 d.C.) Nós atribuímos, portanto, à alma, simultaneamente [...] liberdade da vontade [...] e o seu domínio sobre as obras da natureza, além de um dom ocasional de conhecimento, independentemente daquele dote profético que deriva expressamente da graça de Deus. (TSin ibid., III. 1.9.22) “Esta posição de Platão também está de acordo com a fé, pois ele divide a alma em duas partes — a racional e a irracional”. (TS, IILXVI in ibid., 194) “Vinde agora, vós que negais a salvação da carne, e que, sempre que ouvis a menção da palavra corpo em uma situação semelhante, interpretam-na com significado diferente de substância da carne, (dizei-me) como pode o apóstolo ter atribuído certos nomes distintos a todas (as faculdades), e as abrangeu em uma única oração pela sua segurança, desejando que o nosso “espírito, alma e corpo pudessem ser mantidos inculpáveis até a volta do nosso Senhor e Salvador (Jesus) Cristo”?60
Pais Eclesiásticos do Período Medieval Agostinho (354-430 d. C.) Com o já vimos, se tiverm os que definir o hom em , por assim dizer, com o um a substância racional que consiste em m ente e corpo, então, sem dúvida ele possuirá um a alm a diferente de um corpo, e um corpo que é diferente de uma alm a. (OT, 15.7)
6,11 T s 5.23.
A NATUREZA DOS SERES HUMANOS
É com referência à natureza [humana], portanto, e não à impiedade do Diabo, que compreendemos estas palavras “Este é o princípio das obras feitas pelas mãos de Deus”; pois, sem sombra de dúvida, aimpiedade pode ser uma falha ou um vício somente onde a natureza não era originalmente viciada. O vício, também, é tão estranho à natureza humana, que não pode causar nada nela que não seja destruição. E, portanto, o afastamento de Deus não seria um vício, salvo em uma natureza que tivesse por propriedade o habitar com Deus. Dessa forma, até mesmo a vontade ímpia é uma prova consistente da bondade da natureza. Deus, porém, por ser o bondoso Criador das naturezas boas, também é o Justíssimo Regente das vontades distorcidas; de forma que, apesar deles fazerem um mau uso das suas naturezas boas, Ele faz um bom uso das suas vontades distorcidas. Assim sendo, Ele fez com que o Diabo (que era originalmente bom pela criação de Deus, mas ímpio por seguir a sua própria vontade) fosse precipitado da sua posição de destaque, para ser objeto de injúria por parte dos seus próprios anjos — ou seja, Ele fez com que a sua tentação acabasse por beneficiar aqueles que o Diabo intentava ferir com elas. E como Deus, ao criá-lo, certamente não ignorava a sua malignidade futura, e já antevia o bem que ele mesmo tiraria desta malignidade, é por isso que o Salmo diz: “O leviatã que formaste para nele folgar,”61para que possamos compreender que, apesar de Deus, na sua bondade tê-lo criado bom, Ele também já havia previsto e planejado como Ele faria uso dele, quando ele se tornou ímpio. (CG, 11.17) Tomás de Aquino (1225-1274 d.C.) O estado da alma humana pode ser diferenciado de duas formas. A primeira, a partir de uma diversidade de modos na sua existência natural; e neste ponto o estado da alma separada é distinto do estado da alma enquanto parte do corpo. A segunda, o estado da alma é distinto em relação à integridade e corrupção, sendo que o estado de existência natural permanece o mesmo: e, assim, o estado de inocência é distinto do estado do homem depois do pecado. Pois a alma humana, no estado de inocência, era adaptada ao governo perfeito do corpo; portanto o primeiro homem é considerado criado com uma “alma vivente”; ou seja, uma alma que dava vida ao corpo — a saber, vida animal. Mas ele era dotado de integridade no que diz respeito a esta vida, no sentido de que o seu corpo era inteiramente sujeito à alma, e de forma alguma sobre ela tinha precedência [...] Com a alma é adaptada ao governo perfeito e ao corpo, no que diz respeito à vida animal, pode ser dizer que a alma deva ter dito um modo de entendimento que admita o contato com espectros. Portanto, este modo de entendimento também era próprio da alma do primeiro homem. (ST, 1.94.4) Na ordem natural, a perfeição precede a imperfeição, do mesmo modo que o ato precede a potencialidade; pois tudo o que esteja contido na potencialidade somente é tornado “atual”62 por algo que já é atual. E como Deus criou as coisas não somente para a sua própria existência, como também para que elas pudessem ser os princípios das outras coisas; as criaturas também foram feitas no seu estado perfeito para servirem de princípio às outras. Dessa forma, o homem pôde ser o princípio de outros homens, não somente no que tange à reprodução do corpo físico, como também por instrução e governo. Portanto, da mesma forma que o primeiro homem foi criado em estado de perfeição, no que diz respeito ao seu corpo, para a tarefa de gerar outros seres semelhantes a ele, a alma também foi feita em estado de perfeição para instruir e governar as outras, (ibid., 1.94.3) Algumas virtudes da sua própria natureza, como a caridade e a justiça, não envolvem imperfeições; e estas existiam de forma absoluta no estado original, tanto no hábito, 61 N . d o T .: SI 104.26.
62 N . d o T .: N o sen tid o to m is ta ("a q u ilo q u e p o ssu i a to , a ç ã o ").
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quanto no ato. Mas, outras virtudes são de uma natureza tal que implicam imperfeição no seu ato, ou da parte da matéria. Se uma imperfeição assim for consistente com a perfeição do estado original, tais virtudes necessariamente existiram naquele estado; como a fé, que diz respeito às coisas que não se vêem, e a esperança que diz respeito às coisas ainda não possuídas por nós. Pois a perfeição daquele estado não abrangia a visão da Essência Divina, nem a posse de Deus, com o desfrute da beatitude final. Dessa forma, fé e esperança poderiam existir no estado original, tanto na forma de habito, como na de ato. Todavia, qualquer virtude que implique imperfeição incompatível com a perfeição do estado original, poderia ter existido naquele estado na forma de hábito, mas não na de ato; por exemplo, a penitência, que é a dor sentida diante do pecado cometido; e a misericórdia, que é a dor pela infelicidade alheia; porque a dor, a culpa e a felicidade são incompatíveis com a perfeição do estado original. Portanto, tais virtudes existiam com hábito no homem original, mas não como ato; pois ela era de uma constituição tal que se arrependeria, caso houvesse necessidade de arrependimento; e caso tivesse visto o seu próximo em necessidade, ele daria o melhor de si para remediar a sua dor. (ibid. 1.95.3)
Os Líderes da Reforma João Calvino (1509-1564) Em geral, eles® estão habituados a colocador debaixo do livre-arbítrio do homem somente as coisas intermediárias, ou seja, aquelas que não pertencem ao reino de Deus, ao passo que situam a justiça à graça especial de Deus e à regeneração espiritual. O autor de [Do Chamado dos Gentios64}, no desejo de demonstrar isto, descreve a vontade (ou “arbítrio”) como tríplice, a saber, sensível, animal e espiritual. As duas primeiras — diz ele — são livres ao homem, mas a última é obra do Espírito Santo. (ICR, I.2.2.5) Portanto, Deus proveu a alma do homem com um intelecto, pelo qual este poderia discernir o bom do mau, o justo do injusto, e poderia saber que o que seguir e do que deveria se desviar, tendo como lâmpada a razão; de onde os filósofos, numa referência ao seu poder direto, passaram a chamar de “to hegemonikon.” A isto juntou Deus a vontade ( “arbítrio”), ao qual pertence a escolha. Na sua condição original o homem era exímio nestes nobres dons, condição na qual a razão, a inteligência, a prudência e o juízo, além de seres suficientes para o governo da sua vida terrestre, também faziam com que ele se elevasse até Deus, à felicidade eterna. Por conseguinte, a escolha foi acrescentada aos apetites diretos, e passou a moderar todos os movimentos orgânicos e, dessa maneira, a vontade estava perfeitamente submissa à autoridade da razão, (ibid., I.XV)
Calvino prosseguiu: Neste estado retidão, o homem possuía livre-arbítrio, por intermédio do qual, se assim o desejasse, poderia obter as coisas, (ibid.) Filipe Melanditon (1497-1560) Originalmente, o homem foi assim criado para ser a imagem de Deus; ou seja, o seu entendimento [Verstand] era dotado de grande clareza. Ele tinha conhecimento de números, tinha conhecimento de Deus e das leis divinas, e era capaz de fazer distinção 63 pecJro Lombardo (1100-1160) e os estudiosos. original.
54 N. do T.: On the Calling o f the Gentües, no
A NATUREZA DOS SERES HUMANOS
entre virtude e vício. Com esta luz no coração, o desejo do seu coração, e a sua vontade não tinham hipocrisia. O seu coração foi criado cheio do amor de Deus, livre de todos os maus desejos. A sua vontade (ou “arbítrio”) era livre, de forma que ele poderia escolher a observância da lei de Deus, e tanto o seu coração, quanto os seus membros externos eram capazes de prestar obediência plena, sem nenhum tipo de impedimento. Também era possível tanto ao seu entendimento, quanto à sua vontade optar por algo diferente, conforme ocorreu mais tarde. Assim, quando mencionamos o livre-arbítrio, referimo-nos ao entendimento e à vontade, ao coração e ã vontade; e ambos estão interligados, sem hipocrisia. O homem foi criado em sabedoria e retidão e, antes da Queda, ele possuía livre e desimpedido arbítrio. Contudo, como Adão e Eva caíram e foram alvos da ira de Deus, Deus se retirou da presença deles e os poderes naturais do homem foram enfraquecidos. A clareza do seu entendimento foi ficando pálida, apesar de não ter se extinguido por completo, pois o homem ainda é capaz de fazer uso dos números e fazer distinção entre as boas e as más obras, bem como reconhecer os ensinamentos da Lei. Deus deseja que todos os homens reconheçam o pecado; ele deseja nos punir por intermédio da nossa própria consciência; ele deseja que todos os homens guardem a disciplina exterior. Por este motivo, o conhecimento permanece nesta natureza corrompida, apesar dele ser obscuro e cheio de dúvidas e incertezas acerca de Deus, sem saber se Deus deseja ser o juiz ou auxiliador do homem, ou se Ele deseja recebê-lo e ouvi-lo [...] Além disso, todas as boas virtudes para com Deus no coração e na vontade também foram, igualmente, perdidas — o amor de Deus, a confiança em Deus, e o temor real a Deus. Deus não é recebido onde o Espírito Santo não tenha, primeiramente, iluminado e despertado o entendimento, a vontade e o coração. Sem o Espírito Santo os homens são incapazes de realizar obras virtuosas como a fé verdadeira, o amor de Deus e o temor real a Deus, por suas próprias forças. E, por isso, o' coração miserável do homem permanece tal qual uma casa desolada, deserta, velha e decadente, sem abrigar Deus e com o vento soprando através das suas janelas. Ou seja, todos os tipos de tendências conflitantes e cobiças arrastam o coração rumo aos mais variados pecados que envolvem o amor, o ódio, a inveja e o orgulho fora de controle. Os demônios também espalharam o seu veneno. Quando falamos acerca desta grande ruína dos poderes humanos, estamos falando sobre o livre-arbítrio, pois a vontade e o coração do homem estão.miseravelmente aprisionados, afetados e arruinados, de forma que, interiormente, o coração e a vontade do homem são, diferentemente da lei divina, ofensivos e hostis a este, e o homem, por suas forças interiores naturais, não é capaz de ser obediente. Isto é dito a respeito da obediência interior real, aquela sem hipocrisia. Agora, com respeito ao movimento e ao agir dos membros externos do corpo. Apesar do coração e da vontade interior, como nós mesmo sabemos, não oyyirem nem obedecerem interiormente a lei sem hipocrisia, Deus, mesmo assim, deixou o entendimento livre para governar, no sentido de que ele é capaz de movimentar e controlar os membros externos do corpo. O entendimento pode dizer a uma pessoa, que está com febre e com muita sede para que não estenda a sua mão a fim de apanhar um copo d’água para beber, e esta pessoa não movimenta o braço a fim de apanhar a caneca. Mesmo nesta natureza corrompida, Deus permitiu esta liberdade com respeito aos movimentos externos do corpo. O desejo dele é que todos os homens apresentem uma moralidade exterior [Zucht], e assim aprendam a diferença entre as forças que são livres e as forças que são
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subjugadas; dessa forma podemos pensar, em certo grau, que Deus age livremente e não é um prisioneiro ou um Senhor subjugado, como os estóicos o tem apresentado no que diz respeito à natureza por Ele criada.65 ( OCD, 5 1 -5 2 )
Os Teólogos do Período Posterior à Reforma J a c ó Armínio (1560-1609)
Assim co m o as faculdades [da alma] são duas, o enten dim en to e a vontade, assim tam bém o ob jeto da alm a tam bém é duplo. Pois o en ten d im en to apreende a eternidade e a verdade, tanto no sentido universal, com o n o específico, por interm édio de um ato natu ral e necessário o qual é, destarte, un ifo rm e. A vontade, en tretan to , te m um a inclinação para o bem . C ontu do, isto está ou de acordo co m o m odo da sua natureza, para o bem universal e para aquele que é o bem m aior; ou de acordo co m o m od o de liberdade, para todos os ou tros [m odos de] bem . (W JA , 11.63) K arl Barth (1886-1968)
Nestas circunstâncias, co m o seria possível alcançar um a dou trin a do h o m em no sentido desta ser u m a dou trina da sua essência co m o criatura, m ostrado a sua natureza h u m an a neste m odo? Pois o que recon h ecem os co m o sendo n atu reza hu m an a não passa da desgraça que cobre esta; a sua falta de hum anidade, a sua perversão e a sua corrupção. Se tentarm os negar ou dim inuir isto, é porque ainda não com preend em os a to tal im portância da verdade de que, para a reconciliação do h o m em com Deus, nada m aior n e m m en or do que a m o rte do Filho de Deus e que, para a m anifestação desta reconciliação, nada m aior n em m en o r do que a ressurreição do Filho do H om em , Jesus Cristo. Mas se con h ecerm o s o h o m em som ente n a sua corrupção e distorção do seu ser, co m o poderíam os com eçar a responder a pergunta acerca da sua natu reza com o criatura? (CD, II) Friedrich Schleiermacher (1768-1834)
A plenitu de da experiência n a esfera da fé é devida ao desenvolvim ento individual, .e m virtude da perfeição original da natu reza h u m an a, de cada vida trazida à existência por interm édio d ap rocriação . (O CF, 247). William G. T. Shedd (1820-1894)
O h o m em é u m a espécie, e a idéia de espécie im plica a propagação do indivíduo por com p leto a partir de si [...] Os indivíduos não são propagados em partes. (D T , 2.19).
VÁRIOS ELEMENTOS DA PERSONALIDADE HUMANA Os seres hu m anos, a exem plo do que o co rre com D eus e co m os anjos, não são andróides, ou au tôm ato s em fo rm ato h u m an o. Eles são pessoas, c o m in telecto (m en te), 65 C o m re sp e ito à “n a tu r e z a p o r E le cria d a ,” M e la n c h to n e stá sim p le sm e n te c o m u n ic a n d o q u e os e stó ico s acred itavam que E le p o ssu ía u m a n a tu r e z a assim .
A NATUREZA DOS SERES HUMANOS
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em oções (sentim entos), vontade (capacidade de escolha), e consciência (capacidade m oral). A Bíblia expõe todos estes aspectos da personalidade hum ana.
O Intelecto (a mente) Os seres hum anos foram criados em m entes auto-reflexivas que possuem o poder do raciocínio silogístico.66 Salom ão adm oestou: “C om p ra a verdade e não a vendas; sim, a sabedoria, e a disciplina, e a p ru d ência” (Pv 23.23); O poder do raciocínio hu m an o tam bém eleva as pessoas acim a dos “anim ais irracionais” (Jd v. 10). Enquanto o in telecto capacita os seres hum anos a adorar D eus (M t 22.37), sua inventividade tam b ém os to rn a capazes de operar grandes maldades (Ec 7.25). Porém , pela redenção, o nosso in telecto é renovado “para o con h ecim en to, segundo a im agem daquele que o crio u ” (C l 3.10; cf. R m 12.2).
As emoções (os Sentimentos) A lém do pensam ento racional, os seres hu m anos são capazes de expressar em oções e sentim entos profundos, tais co m o a alegria e o pesar. Ao contrário dos andróides m íticos, os seres hu m anos são m u ito m ais do que “m entes e vontades” — eles possuem u m coração.
A Vontade (a Capacidade de Escolher) Ao contrário dó que oco rre com os anim ais, os seres hu m anos foram criados com a capacidade m o ral (vide abaixo) de discernir o certo do errado e com a vontade de escolh er u m em vez do ou tro. Esta responsabilidade estava im plícita no m and am en to de Deus a Adão: “De toda árvore do jardim com erás livrem ente, mas da árvore da ciência do bem e do m al, dela não com erás; porque, no dia em que dela com eres, certam en te m o rrerás” (G n 2.16-17). O estado original da vontade já foi previam ente analisado67 e o seu estado decaído será analisado mais adiante.68
A Consciência (a Capacidade Moral) Os seres hu m anos são únicos e distintos de todas as outras criaturas sobre a terra, no sentido em que n a sua própria n atu reza eles receberam de D eus u m a capacidade m oral cham ada consciência. M esm o no nosso estado decaído, D eus nos considera responsáveis por fugir do mal. Paulo declara: Porque todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram pela lei serão julgados. Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados. Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os. (Rm 2.12-15) E claro que, u m a consciência decaída é falível, pois, apesar dela refletir u m a capacidade inata de discernir o certo do errado, ela não nos garante que esta distinção sem pre será “ V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 5, n a s eçã o q u e tr a ta d o ra c io c ín io ló g ic o .
67V id e c a p ítu lo 1.
68 V id e c a p ítu lo 5.
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exata; ou seja, ela poderá tam bém estar distorcida (R m 2.15) pela cu ltu ra, pelas nossas escolhas e, às vezes, até m esm o “cauterizada” pela freqüência do m al (I T m 4.2). Existe, en tretan to , u m a lei m o ral objetiva,69 m esm o que o nosso en tend im ento a seu respeito te n h a sido obscurecido pelo pecado. A lei m o ral de D eus é reflexiva a partir da sua própria natu reza: Ela é prescritiva ( “N ão m atarás [•••]”), perfeita (SI 19.7), objetiva (não subjetiva) e universal (destinada a todas as pessoas, em todos os lugares — cf. R m 2.15).
As evidências a favor desta lei moral objetiva são encontradas: (1) n a universalidade das crenças m orais básicas; (2) na inevitabilidade dos juízos m orais por nossa parte; (3) n a inevitabilidade da existência de u m padrão perfeito pelo qual ju lg am os as im perfeições do m u nd o (não som os capazes de recon h ecer a inju stiça, se não con h ecerm o s o que é ju sto); (4) na impossibilidade de juízos m orais acerca do avanço (o u retrocesso) da hum anidade se não existir um padrão m o ral objetivo exterior pelo qual ju lgam os a hum anidade co m o u m todo; (5) no fato de inventarm os desculpas para nós m esm os, quando quebram os a lei m oral; (6) na culpa m o ral que sentim os ao transgredirm os a lei m oral; (7) no fato da lei m oral, a exem plo das leis da M atem ática, te re m sido descobertas e não inventadas; (8) n a realidade de que nós, às vezes, agimos a partir de u m a sensação de obrigação (por exem plo, ao salvar um a vida), m esm o quando os nossos instintos mais fortes de sobrevivência nos dizem para não arriscarm os as nossas vidas, n em a nossa segurança neste ato; (9) na verdade de que en con tram os algum as coisas em todas as cu ltu ras (co m o genocídios ou estupros) que todos entendem os co m o ruins e más; (10) no fato de não desejarm os que nos façam algum as coisas que fazem os para os outros (tal co m o m atar, m en tir, roubar ou ser infiéis). O bviam ente, os seres hu m anos tam bém apresentam outras capacidades; u m a delas é a capacidade de rir (risibilidade). C ontu do, a risibilidade surge a partir da nossa racionalidade, a qual nos dá a capacidade de perceber aquilo que é incon g ru en te — que é o coração de todo o hu m or. A lém disso, existe a capacidade de valorizar a m ú sica e a arte, que tam bém são exclusivas dos seres racionais. A capacidade in eren te de apreciar a beleza é u m d om divino que faz parte da natu reza hu m ana, o qual, por sua vez, faz parte da sua revelação universal a toda a hum anidade.70
FONTES A rm ínio Jacó. Private Disputations.
-------. The
Writings o f Jam es Arminius.
A gostinho. A Cidade de Deus.
-------. Cartas. 69 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 2. E sp e cial".
70 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 4, n a seção q u e t r a ta da "R e v e la ç ã o G e ra l" e d a "R e v e la ç ã o
A NATUREZA DOS SERES HUMANOS
63
--------. On the Trinity. B arth, Karl. Church Dogmatics. Berkeley, George. A Treatise Concermng the Principies o f Human Knowledge. Calvin, Jo h n . Institutes o f Chnstian Religion. Chafer, Lewis Sperry. Systematic Theology. C lem en t o f Alexandria. Recognitions o f Clement. -------- . Stromata. Hobbes, Thom as. Leviathan. Ireneu. Against Herestes. Ladd, G eorge Eldon. “T h e G reek Versus th e H ebrew View o f M a n ” in The Pattern o f the New Testament Truth. Lewis, C. S. Mere Christianity. -------- . Miracles. M elanchton, Filipe. On Christian Doctrine. Roberts, Alexander, e Jam es D onaldson. The Ante-Nicene Fathers. Sagan, Carl. Cosmos. Schaff, Philip. History o f the Christian Doctrine. Schleierm acher, Friedrich. On the Christian Faith. Shedd, W illiam G. T. Dogmatic Theology. Spinoza, B en to (B aru ch ). Ethics. Tertuliano. Five Books Against Marcion. --------. Treatise on the Soul. Teófilo. To Autolycus. Tom ás de A quino. On the Soul. -------- . Surnma Theologica.
C A P I T U L O
T R E S
A ORIGEM DO PECADO
A PERMISSÃO DIVINA PARA O PECADO
A
origem do pecado é u m a dificuldade em qualquer cosm ovisão, no entanto, representa u m p roblem a ainda mais agudo para aTeologia cristã. As três perspectivas básicas sobre o m al trazem à to n a os seguintes debates: o A teísm o afirm a o m al, mas nega a Deus; o Panteísm o afirm a a existência de Deus, mas nega o m al; e o Teísm o afirm a ambos, o que parece incom patível. Eis o d ilem a.1 Para piorar u m pouco mais a situação, dentre os paradigmas que, à sem elhança do Teísm o, re co n h ecem tanto Deus quanto o m al — - o D eísm o, o D eísm o Finito e o Panenteísm o (o u Teologia do Processo) — o Teísm o é o ún ico que sustenta a cren ça em u m Deus in fin itam en te poderoso que é capaz, e realiza m ilagres!2 P ortan to, de acordo co m o Teísm o, som ente Ele seria capaz de intervir e destruir o m al, só que não foi isso o que aconteceu. Por isso vem os que o Teísm o, na realidade, enfrenta a m aior de todas as dificuldades: Ele postula u m Deus que, sim ultaneam ente, poderia e deveria ser capaz de evitar e/ou erradicar o m al; en tretan to , o m al continu a ao nosso redor. Mas, por que isto é assim? O u tra questão vai ainda mais além , e diz respeito à origem do próprio m al. De acordo co m o Teísm o, D eus é absolutam ente perfeito, e criou livrem ente o m u nd o; tendo ciência de que o m al haveria de surgir, Ele insistiu em levar adiante a sua criação. Mas, se Deus é perfeito e, se o m u nd o que Ele criou, apesar de não ser etern o, foi criado perfeito, de onde, afirtal, surgiu o mal? A resposta do Teísm o consiste em indicar vários fatos básicos. Deus não pode produzir, n em prom over o m al; Ele pode, n o m áxim o, p erm iti-lo . Todavia, p o r ser on ip oten te,3 Ele pode tan to vencer o m al, quanto fazer surgir u m bem ainda m aior, quando Ele o perm itir.
Deus não Pode Produzir o Pecado D eus é absolutam ente perfeito (cf. D t 32.4; 2 Sm 22.31; SI 18.30), e, sendo assim, Ele não pode nem realizar, n em produzir o pecado. Jesus declarou: “Sede vós, pois, perfeitos,
1Para m aio res in fo rm a ç õ e s a resp eito das várias co sm o v isões, vide v o lu m e 1, c a p ítu lo 2. 2, c a p ítu lo 7.
2 Ibid., c a p ítu lo 3.
3V id e v o lu m e
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co m o é perfeito o vosso Pai, que está nos céus” (M t 5.48).4 U m Ser absolutam ente im p olu to não pode agir de fo rm a im perfeita; o m u nd o que Deus criou , e tu do o que ele con tin h a, era “m u ito b o m ” (G n 1.31).5
Deus não Pode Promover o Pecado A lém disso, D eus não pode estim ular o pecado; Ele é com p letam en te santo e não pode endossar o pecado de fo rm a algum a.6 O p rofeta escreveu: “Tu és tão pu ro de olhos, que não podes ver o m al e a vexação não podes con tem p lar” (H c 1.13). Na verdade, D eus não pode nos ten tar a pecar: “N inguém , sendo tentad o, diga: De Deus sou tentado; porque D eus não pode ser tentado pelo m al e a ninguém te n ta ” (T g 1.13). Na oração do S en h o r (o “Pai-nosso”), a frase “não nos deixe cair em ten ta çã o ” não im plica que é D eus o au tor da tentação. Na verdade, a oração pede para que Deus não p erm ita que sejam os levados pela tentação. Ele proporciona a libertação do pecado, com o afirm a a frase “livra-nos do m a l” (M t 6.13).7
Deus Pode Permitir o Pecado Apesar dele não poder produzir, n em prom over o pecado, D eus pode perm iti-lo, e isto o faz. Ao p erm itir a oco rrên cia do pecado, D eus cu m p re o mais elevado dos seus propósitos.8 Por exem plo, D eus p erm itiu que os irm ãos de José, ao lhe vender com o escravo, pecassem a fim de que todo o Israel fosse salvo, bem co m o de cu m p rir a sua prom essa de trazer o Messias por interm édio do seu povo escolhido para proporcionar a salvação para a hum anidade (G n 12.3). José recon h eceu isto quando disse aos seus irm ãos: “Vós bem intentastes m al con tra m im , p o rém D eus o to rn o u em bem , para fazer com o se vê neste dia, para conservar em vida a u m povo grande” (G n 50.20). Q uando, nos Estados Unidos, os pais p erm item que u m filho adolescente use o carro da fam ília, eles estão dando vazão a u m m au potencial (o da desgraça), m as é necessário fazer concessões à possibilidade da transgressão para o bem m aior do adolescente, a fim de que aprenda a ser responsável e adquira habilidades ao volante. Deus, o nosso Pai celestial, tam bém nos dá a liberdade — perm itindo que tam bém ten h am o s o potencial de fazer o m al — de fo rm a a poderm os crescer e aprender a responsabilidade. Q uando fazem os as escolhas erradas e falham os, enfrentam os as conseqüências dos nossos erros; Deus utiliza as nossas falhas para nos fo rtalecer e nos levar da im aturidade e da deficiência até a nossa m aturidade espiritual. O au to r de Hebreus utiliza estas palavras: “E, na verdade, toda correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas, depois, produz u m fru to pacífico de ju stiça nos exercitados por ela” (12.11).
1 1bid., c a p ítu lo 14.
5 Q u an d o Isaías c ito u D e u s d izen do: “E u fa ço a paz e c rio o m a l” (Is 4 5 .7 ), ele n ã o estava su gerin d o
q u e D e u s fazia q u a lq u e r coisa q u e fosse moralmente m á . E m vez disso, ele estava se re ferin d o ao mal físico o u às calam idades. A N V I tra d u z este v e rsíc u lo de fo rm a m ais aprop riad a: “P ro m o v o a paz e ca u so a d esgraça.” Para o b te r u m a e x c e le n te d e fin ição e e x p lica çã o a esse resp eito , v e ja a c ita ç ã o d e T e rtu lia n o , n o c a p ítu lo 4.
6V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 13.
7D e fo rm a
s e m e lh a n te , q u an d o D e u s p e rm itiu aos esp írito s m e n tiro s o s q u e fo sse m e n g a n a r ao R ei A cab e (e m 1 R s 2 2 ), E le n ã o estava p e can d o , ta m p o u c o in ce n tiv a n d o o p eca d o . Ele sim p le sm e n te p e rm itiu q u e os esp íritos m a lig n o s fizessem o que E le já sabia q u e eles, c o m o segu id ores d o pai da m e n tira , fa ria m q u a n d o tivessem a lib erdade p a ra agir. D e u s c u m p riu os seus p ro p ó sito s so b eran o s p o r in te rm é d io destas m e n tira s , da m e s m a fo rm a q u e fez p o r m e io d o p eca d o dos irm ã o s de José (vide G n 50.20).
8 A d iante, e n o c a p ítu lo 5, a n a lisa re m o s c o m o a p e rm issã o q u e D e u s co n c e d e u ao p eca d o além de realizar
u m b e m ainda m a io r, também p reserv a o a m o r d e m o n s tra d o n o a to de c o n c ed er a lib erdade às suas cria tu ra s.
A ORIGEM DO PECADO
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Deus Pode Gerar um Bem ainda Maior ao Permitir o Pecado O apóstolo Paulo considerava que D eus p erm ite o m al a fim de produzir resultados: E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência; e a paciência, a experiência; e a experiência, a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado. (Rm 5.3-5) Tiago teve a m esm a perspectiva: Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias tentações, sabendo que a prova da vossa fé produz a paciência. Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma. (Tg 1.2-4)
A ORIGEM DO PECADO DAS CRIATURAS Entendem os que a origem do pecado é encontrada em nosso livre-arbítrio.9 Deus nos deu o poder de esco lh er aquilo que é bom . Tragicam ente, os seres hu m anos fazem u m m au uso da liberdade que lhes foi concedida por Deus.
A Origem do Pecado dos Anjos Celestiais Na verdade, antes de acontecer na terra, o m al se originou no céu. O m al nasceu no seio de u m arcanjo que vivia n a presença de Deus. Isto é u m grande m istério, todavia, continu a sendo a essência do ensino cristão acerca da raiz do m al. 0 Pecado de Lúcifer O n o m e tradicional dado a este arcan jo é tirado de Isaías 14.12, co m o a expressão “estrela da m a n h ã ” feita n a Vulgata Latina: Como caíste do céu, ó estrela da manhã [Lúcifer, na Vulgata Latina], filha da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, e, acima das estrelas de Deus, exaltarei o meu trono, e, no monte da congregação, me assentarei, da banda dos lados do Norte. Subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo. (Is 14.12-14) Apesar de a m aioria dos estudiosos da Bíblia acreditarem que esta passagem, no seu con texto, refira-se ao “rei da B abilônia” (v. 4), o orgulho e a queda deste h o m em são u m a representação das escolhas feitas pelo prim eiro arcanjo, o qual se rebelou contra Deus p o r interm édio de u m orgulho similar, p o rém prim itivo e anterior. Paulo falou sobre co m o deveria ser u m líder da igreja: “não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia n a condenação do D iabo” (1 T m 3.6).
9 “L iv re-a rb ítrio ” ou “L iv re-e sc o lh a ” são aqui utilizad os de fo rm a s in ô n im a .
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Outros Anjos também se Rebelaram
De acordo com o livro de Apocalipse, outros anjos também seguiram o mesmo caminho. Um terço deles aderiu ao motim de Lúcifer e se transformaram em demônios (já que ele havia se tornado o Diabo). João escreveu: E viu-se outro sinal no céu, e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres e, sobre as cabeças, sete diademas. E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu e lançou-as sobre a terra [...] E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele. (Ap 12.3-9)
De forma clara, portanto, vemos que o pecado já havia ocorrido fora deste nosso mundo; houve pecado no céu, antes dele ocorrer na terra. Isto fica evidente pela presença do tentador (Satanás) no Jardim do Éden (Gn 3.1ss.). A Origem do Pecado dos Seres Humanos neste Mundo A história do pecado de Adão e Eva é infame, pois o casal perfeito foi o responsável pela entrada da imperfeição no paraíso perfeito. A Origem do M al: A s Seis Causas
Para melhorar a nossa compreensão da natureza do pecado humano, ser-nos-á útil implementarmos uma análise dos seus tipos de causas.10 Tendo sido, inicialmente, propostas por Aristóteles (384-322 a.C.) e, posteriormente, expandidas pelos escolásticos,11 as seis causas são definidas (e ilustrativamente aplicadas ao processo de construção de uma casa), como veremos aqui; • Causa eficiente — aquela pela qual algo vem à existência (o carpinteiro); • Causa final — aquela para a qual algo vem à existência (a habitação da casa); • Causa formal — aquela da qual algo vem à existência (a estrutura ou forma da casa); • Causa material — aquela a partir da qual algo vem à existência (os materiais de construção); • Causa exemplar — aquela conforme a qual algo vem à existência (a planta da casa); • Causa instrumental — aquela através da qual algo vem à existência (as ferramentas); • A aplicação destas seis causas ao pecado de Adão e Eva nos levará aos seguintes resultados: • Causa Eficiente — uma pessoa (aquela pela qual o pecado veio à existência); • Causa Final — o orgulho (aquele para o qual o pecado veio à existência); 10V id e ta m b é m v o lu m e 1, c a p ítu lo 10, p a ra m a io res d e ta lh es a resp eito . le cio n a v a m e m escolas, d aí a sua d e n o m in a ç ã o .
11 Os “e sc o lá stic o s” e ra m e ru d ito s m edievais que
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• Causa Formal — a desobediência (aquela da qual o pecado veio à existência); • Causa Material — o consumo do fruto proibido (aquele a partir do qual o pecado veio à existência); • Causa Exemplar — não houve; tratava-se do primeiro pecado da humanidade (conforme o qual, os demais pecados haveriam de ser); • Causa Instrumental — a capacidade de livre-escolha (aquela através da qual o pecado veio à existência). A NATUREZA DO LIVRE-ARBÍTRIO HUMANO Existem três possibilidades lógicas acerca da natureza da liberdade de escolha inerente aos seres humanos: o Determinismo, o Indeterminismo e o Autodeterminismo. O Determinismo é a visão de que todas as ações humanas são causadas por outra parte, e não pela pessoa em si. O Determinismo Radical não abre espaço para nenhum tipo de liberdade de escolha (livre-arbítrio). O Determinismo Moderado postula a liberdade de escolha, porém a vê como totalmente controlada pelo poder soberano de Deus. O indeterminismo é a visão de que as ações humanas não são causadas por coisa alguma. Elas simplesmente são indeterminadas. O Autodeterminismo é a doutrina que postula as ações humanas como autocausadas, ou seja, causadas por nós mesmos.12
T R Ê S PONTOS D E V ISTA A CERC A DO L IV R E -A R B ÍT R IO Determinismo
Indeterminismo
Autodeterminismo
Causa
As nossas escolhas são causadas por outra parte
As nossas escolhas não são causadas (provocadas)
As nossas escolhas são causadas por nós mesmos
Modelo
Marionete
Elétron desordenado
Agente livre
Ato contrário
Não poderia ser feito de outra maneira
Poderia ter sido de outra maneira
Poderia ter sido de outra maneira
Ilustração
Determinismo Radical: Ser carregado (como alguém que é levado contra a sua própria vontade). Determinismo Moderado: Ser forçado a se mover (como alguém que é intimidado por um revólver).
Ser impulsionado aleatoriamente (como que soprado pelo vento)
Ser seduzido (como que por uma pessoa atraente)
Condições Prévias
Causais
Não-causais
Não causais
12Vide tam bém o capítulo 5.
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ü
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Futuro
Determinado (como peças de dominó)
Não-determinado (como um lance de dados)
Determinado do ponto de vista de Deus, livre do ponto de vista humano (como um acidente que pudesse ser previsto).
Mente Onisciente
Conhece todos os atos futuros
Conhece todos os atos, menos os livres
Conhece todos os atos futuros
A ORIGEM DO MAL DO MUNDO POR INTERMÉDIO DO LIVRE-ARBÍTRIO HUMANO A desobediência de Adão e Eva levanta sérias questões a respeito do livre- arbítrio humano. Será que o primeiro casal era realmente livre? Se era, do que consistia esta liberdade? Será que também somos livres no mesmo sentido?13 Será que Deus é livre? Se for, então por que não pode pecar? Mas se Deus for livre e não puder pecar, então por que podemos ser livres e não podemos pecar? Em resposta a estes questionamentos, existem diferenças teológicas consideráveis. Todavia, algumas respostas parecem claras e, conseqüentemente, outras soluções parecem razoavelmente dedutíveis a partir delas.
A Liberdade de Adão Envolvia a Autodeterminação Em primeiro lugar, Adão era livre no sentido de que o seu ato foi autodeterminado. Na verdade, ao permitir que o homem comesse de todos os frutos (“De toda árvore do jardim [tu] comerás livremente” — Gn. 2.16), Deus estava dizendo ao homem que ele era livre. Quando Adão escolheu desobedecer, Deus o chamou à responsabilidade, perguntando: “Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses?” (Gn 3.11). As palavras destacadas, conforme mencionamos anteriormente, indicam especificamente um ato autodeterminado executado por parte de Adão e Eva (cf. v. 13). “Por que [tu] fizeste isso”? — disse Deus. Logicamente, existem somente três possibilidades. Ou a ação de Adão foi causada por outra parte (o que seria “Determinismo”), ou não foi causada (o que seria “Indeterminismo”), ou foi causada por ele mesmo (o que seria “Autodeterminismo”). No que diz respeito ao Determinismo, Deus não fez com que Adão pecasse, pois, como já analisamos, Deus não pode pecar, nem tentar ninguém nessa direção. Tampouco Satanás fez com que Adão pecasse, pois o tentador fez somente aquilo que o seu nome sugere, ele não o forçou, nem fez nada no seu lugar. No que diz respeito ao Indeterminismo, não havia nenhum tipo de malícia (nem falta de integridade) na natureza de Adão que o levasse a pecar, pois ele não sabia o que era isso — Deus o havia criado em perfeição.14 Além do mais, não existem ações nãocausadas; isto violaria o princípio da causalidade. Não existe evento sem causa, e não havia nada no céu ou na terra, fora do próprio Adão, que o fizesse pecar; ele deve ter causado a sua própria escolha ; a escolha de Adão foi autodeterminado.. Este é o coração da liberdade humana; ou seja, a capacidade de sermos a 13 E sta o b je ç ã o , b e m c o m o o u tra s, será analisad a n o c a p ítu lo 5.
MV id e c a p ítu lo 1, so b o títu lo “A B ase B íb lica do E stado
O rig in al de In o c ê n c ia e P e rfe içã o ,” e m especial a seção “U m E stad o de R esp o n sabilid ad e M o r a l” e “A P resen ça do T e n ta d o r.”
A ORIGEM DO PECADO
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causa eficiente das nossas próprias ações m o rais.15 Atos dos quais nós não som os a “causa eficiente”, mas que, em vez disso, são-nos im postos, não são atos m orais livres.
A Liberdade de Adão Envolvia uma Escolha acerca do Mal A lém disso, o ato de Adão envolveu u m a decisão entre o bem e o m al, e foi um a decisão livre, à medida que ele foi livre para to m ar a decisão errada. Se ele não fosse livre para optar pelo m al acim a do bem , ele não poderia ter tom ad o a decisão errada. Mas ele tin h a o poder de obedecer ou desobedecer — o que ele achasse m elh or.
A Escolha que Adão Fez pelo Mal Poderia Ter Sido Evitada A lém disso, o m al não era inevitável para Adão. Isto fica claro a partir do fato de Deus ter dito para Adão “não comerás” (cf. G n 2.17). A fo rm a verbal im plica que Adão tinha tanto a possibilidade, quanto a capacidade de pecar. E mais, com o já vim os, o próprio D eus ch am o u Adão à responsabilidade pela decisão que ele, soberanam ente, havia tom ad o, p u nind o -o por ter feito a escolh a errada. N ão existe responsabilidade que não surja da capacidade que temos por respondermos por algo, e as conseqüências que se seguiram a escolh a do m al indicam que tudo poderia ter sido evitado.
A NATUREZA DO LIVRE-ARBÍTRIO DE DEUS O prim eiro casal foi livre para pecar ou não pecar. Deus é livre, contud o não lhe é possível pecar (Hc 1.13; Hb 6.18). Na verdade, com o já observam os, Deus não pode n em ao
m enos ser tentado a pecar (T g 1.13) — Ele é absolutam ente im u n e ao m al. C o m o, então, D eus pode ser livre se não existe a possibilidade dele fazer a escolha errada? A resposta é que D eus é livre n o sentido de ter o poder de au tod eterm in ação ,16 mas no sentido libertário de ter a capacidade de escolher fazer algo diferente do b em ,17 tanto o bem quanto o m al, pois Ele, n a sua própria essência, é Todo-bondade18 e, p o rtan to , Ele som ente pode fazer o bem , e estar su jeito à sua própria natureza.
A Natureza da Liberdade Humana no Céu No que diz respeito à liberdade e ao livre-arbítrio, parece que o estado dos santos aperfeiçoados no céu é sem elhante ao de Deus. Enquanto ainda estiverm os neste m u nd o, as escolhas livres hum anas envolvem não som ente o au tod eterm inism o (ou seja, serm os a causa eficiente das nossas próprias escolhas) co m o tam b ém a capacidade de fazer algo diferente do bem (isto é, o m al). Este sentido de liberdade, entretan to, som ente é passageiro; pois é para este propósito que estam os sendo testados: Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias tentações, sabendo que a prova da vossa fé produz a paciência.Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma [...] Bem-aventurado o varão 15 C o m o já v erificam o s, u m a ca u sa e fic ie n te é u m a ca u sa p ela qual algo v e m a ser. V id e v o lu m e 1, ca p ítu lo s 6 a 10, para o u tra s ilu stra ç õ e s do p rin cíp io da causalidade.
16 S ig n ifica n d o q ue D e u s é a cau sa e ficie n te das suas próp rias e sco lh a s.
17 O u seja, de a c o rd o c o m a visão do a u to d e te rm in is m o , D eu s é d ife re n te dos seres h u m a n o s n a ca teg o ria d o “ato c o n trá r io ” (vide “L iv re-A rb ítrio H u m a n o : T rês Persp ectiv as,” tab ela a cim a ).
18 Para u m a ex p lica çã o m ais d e ta lh a d a da
b on d ad e to ta l de D eu s (su a o n ib e n e v o lê n c ia ) e suas im p lic a ç õ e s, vide v o lu m e 2, c a p ítu lo 15.
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que sofre a tentaçao; porque, quando for provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam. (Tg 1.2-4, 12)
Esta é a razão porque, antes do céu, os homens não são, simultaneamente, livres e incapazes de pecar. Quando o teste estiver terminado — quando a nossa “corrida” neste mundo tiver terminado — então o livre-arbítrio se tornará o que ele é, desde toda a eternidade, para o próprio Deus: a capacidade autodeterminada de escolher somente o que é bom. A Liberdade de Fazer somente o Bem não Significa a Perda da Liberdade Real É importante notar que o céu não representa a destruiç ão da nossa verdadeira liberdade, mas o cumprimento dela. Neste mundo podemos optar entre fazer a vontade de Deus ou não; depois que a escolha é feita, o nosso destino está selado até à morte (Hb 9.27). Portanto, se escolhemos fazer a vontade de Deus, em vez na nossa própria vontade, a liberdade de fazermos o mal desaparece e somos livres para fazer somente o bem. E como a liberdade de fazer o mal é também a liberdade que temos para destruirmos a nós mesmos, ela não é uma liberdade perfeita (completa). A essência da liberdade real é a autodeterminação; a liberdade real é o tipo de liberdade que Deus possui (e que, na eternidade, os crentes possuirão), a saber, a capacidade autodeterminada de escolher somente o bem. De forma semelhante, no inferno,19 os ímpios, agora sem sofrer mais a influência da graça de Deus serão enrijecidos na sua vontade de fazer o mal. O céu, portanto, é a totalização da nossa liberdade, e não a sua negação. Todos os crentes verdadeiros anseiam pelo cumprimento final do que oramos na Oração do Senhor (o “Pai Nosso”): “Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” e “não nos deixe cair em tentação” (vide Mateus 6 e Lucas 11). Por conseguinte, quando Deus nos levar para o céu, onde tudo isso será real, Ele não terá eliminado a nossa liberdade, mas sim, cumprido-a. Em suma, a perda da capacidade de se fazer o mal não é, de forma alguma, um mal; mas, muito pelo contrário, será um bem majestoso que receberemos. O conceito cristão de casamento vitalício e monogâmico é um exemplo disso. Quando uma noiva e um noivo juram, diante de Deus, e pela vida inteira: “Abandonar todos(as) os(as) demais, até que a morte nos separe,” estão fazendo uma livre-escolha — a de ter, pela vida toda, relações íntimas do tipo que somente terão com aquela pessoa. De certa forma, poder-se-ia argumentar que isto limita a liberdade individual, já que escolheram, enquanto o compromisso durar, seguir numa só direção e não nas outras. Todavia, esta decisão não erradica a liberdade individual; na verdade, ela é o cumprimento do desejo real e divino de ter um laço com uma, e somente uma pessoa, até o céu. De maneira semelhante, na continuação desta analogia, nem no casamento, nem no céu, Deus nos dá a “liberdade” de quebrar os nossos votos; isto não seria liberdade, no final das contas, mas, geraria o potencial (e a realidade) do mal (a escravidão ao pecado). Somente somos livres para guardar a aliança, à medida que este é o bem maior, tanto para nós, quanto para àqueles a quem juramos o nosso amor.
19Vide volum e 4, capítulo 9.
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RESPONDENDO ÀS OBJEÇOES FEITAS AO LIVRE-ARBÍTRIO As dificuldades que exigem u m a resposta neste con texto podem ser separadas em u m co n ju n to de várias perguntas e respostas:
Objeção Número Um — Baseada na Causalidade Se toda ação necessita de um a causa eficiente — com o reza o princípio da causalidade — então quem , ou o que, foi a causa do pecado de Adão? Cada u m a das possíveis respostas apresenta deficiências.
Resposta à Objeção Número Um Farem os o escrutínio de várias respostas potenciais a esta objeção. 0 Diabo não Fez com que Adão Pecasse Desde o tem po de Adão, as pessoas fazem uso da conhecid a desculpa: “O Diabo m e fez fazer isto !” Alguns crentes são conhecidos por usar este tipo de expressão para justificar suas atitudes erradas, da m esm a fo rm a que Adão e Eva o fizeram . Adão cu lpou Eva, e Eva transferiu a culpa para Satanás. Mas, co m o já analisam os, Satanás não forçou n in guém a pecar; Ele som ente tentou Adão. Adão não foi forçado, mas som en te seduzido.20 De fo rm a sem elhante, o Diabo iludiu Judas a trair Jesus: “E, acabada a ceia, tendo já o Diabo posto no coração21 de Judas Iscariotes, filho de Sim ão, que o traísse
(João 13.2).
Deus não Fez com que Adão Pecasse De m aneira sem elhante, Deus não coloco u o desejo pela desobediência no coração de Adão, n em o instigou a pecar. Alguns se aventuram intencional ou abertam en te neste terren o, m as algum as pessoas têm um a idéia de liberdade que, pela lógica, leva a isto. Se a soberania de Deus fo r verdadeiram ente da m aneira co m que estas pessoas a entendem — isto é, se D eus for o soberano direto no con trole de todas as coisas, inclusive das escolhas humanas — pareceria m esm o que D eus teria forçado Adão a pecar. Na verdade, na esteira de Jo nathan Edwards (1703-1758), alguns calvinistas radicais alegam que o livre-arbítrio é sim plesm ente fazer o que desejam os, mas que n in guém , em tem po algum , deseja fazer qualquer coisa boa, se não receber de Deus, o desejo de fazer esta coisa boa. Se este fo r o caso, aparentem ente, D eus seria o responsável por todas as ações hum anas; ninguém consegue desejar fazer o m al sem que a sua n atu reza m aligna lhe dê o desejo de fazer isto. E já que n em Lúcifer, n em Adão, antes das suas respectivas Quedas, tin h a m um a n atu reza m aligna, de onde, afinal, vem o desejo de pecar? A té m esm o os defensores de Edwards adm item que este é um ponto obscuro da sua teologia. R. C. Sproul (1939/ [...]), por exem plo, ch am a isso de um “p roblem a excru cian te,” e ainda acrescenta: “U m a 20 A idéia de q u e D e u s o u o D iab o são a cau sa d o p eca d o h u m a n o é determinista.
21 É im p o r ta n te n o ta rm o s q u e Jo ã o u tiliz a
a exp ressão “p o r n o c o ra ç ã o ,” e n ã o “f o rç a r” p a ra se re ferir à decisão de Judas. O fa to d o a to de Judas te r sido livre e n ã o -c o a g id o fica c la ro a p a rtir d o uso da exp ressão tra ir (M t 26.16, 21, 23), q u e sign ifica u m a to d elib erad o (cf. Lc 6 .1 6 ). E, m e sm o q u e Satan ás t e n h a c o lo c a d o esta idéia n o co ra ç ã o de Judas (Jo ã o 13.2), Judas e x e c u to u o a to de m a n e ira livre — e le, p o s te r io rm e n te , ad m itiu h avia “p e c a d o ” (M t 27.4). Jesu s disse a e le: “O q u e fazes, fa z e-o d epressa” (Jo 13.27). M a rco s ch e g a a d izer q u e Judas fez “e m oca siã o o p o r tu n a ” (M c 14.10-11).
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coisa é absolutamente impensável: Que Deus seja ou possa ser o autor ou executor do pecado.”22Todavia, este parece ser o resultado aparente desta lógica determinista. Portanto, o argumento de que Deus mantém todo o poder em suas próprias mãos está recheado de sérias implicações. Indo a fundo na questão, o Determinismo fa z de Deus o responsável por todo o mal. Abertamente falando, isto significa que quando ocorrem assassinatos, a responsabilidade daquelas mortes é de Deus, e quando um assalto ocorre, ele também foi causado por Deus.23 Algumas idéias nem precisam de refutação, mas simplesmente requerem alguns esclarecimentos simples para que se chegue à conclusão de que elas não resistem a um exame mais minucioso. Deus é absolutamente bom e, como tal, não pode praticar o (tampouco ser responsável pelo) mal. E ponto final.
Não Havia uma Natureza Imperfeita em Adão que o Fizesse Pecar Uma segunda alternativa é o argumento de que Adão não era perfeito; a sua natureza frágil e imperfeita teria sido a causa do seu pecado.24 Contudo, aqui novamente, isto significa lançar a culpa do pecado às portas do céu, para Deus, já que, desta forma, Deus teria criado Adão imperfeito e frágil. Ao contrário das teorias anteriores (ambas deterministas), no Indeterminismo a culpa não é direta, mas indireta; entretanto, o pecado humano continua sendo culpa de Deus. A Bíblia, ao contrário, afirma que Deus fez somente criaturas boas. Ao fim de, praticamente, todos os dias da criação, conforme lemos no livro de Gênesis, que Deus considerava as suas obras “muito boas” (1.4, 10, 18, 21, 25), e depois do sexto dia: “E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom” (1.31). Salomão acrescentou: “Vede, isto tão-somente achei: que Deus fez ao homem reto” (Ec 7.29). Somos explicitamente informados que “toda criatura de Deus é boa” (1 Tm 4.4). Como já vimos, onibenevolência (bondade absoluta) de Deus é incapaz de criar algo mau; somente criaturas perfeitas podem surgir das mãos de um Criador perfeito.23 A dão Pecou por sua Livre-Vontade
A resposta real é que Adão pecou por sua livre-escolha própria.26 O raciocínio segue a seguinte linha: (1) Uma das coisas que Deus deu às suas criaturas foi um uma “boa” capacidade chamada de livre-arbítrio. (2) Até mesmo os descrentes entendem que a liberdade é boa. Alguém já viu alguém protestando contra a liberdade? Nunca se viu uma multidão empunhando cartazes com frases de efeito do tipo: “Abaixo a Liberdade!” ou “Restaurem a Repressão Sobre Nós!” (3) Mesmo que alguém falasse contra a liberdade, essa pessoa acabaria sendo um testemunho real a favor da liberdade, já que ela claramente valorizaria a liberdade ao fazer uso dela, para expressar a sua discordância. (4) Em suma, a livre-escolha é um bem inegável. 22 Chosen by Goá [E scolh id os p o r D eus], 31.
23 A n a tu r e z a “to ta lm e n te d eprav ad a” do c rim in o s o — c o n fo rm e p o stu la d o
do C alv in ísm o R ad ical — n ã o p o d e ria te r cau sad o as suas a ções, pois se o fizesse, e le n ã o te ria sido livre, e n e ste caso, n ã o d everia ser co n sid erad o resp o n sável, p o r p a rte de D eu s, pelas e sco lh a s (m a s, o b v ia m e n te, o c rim in o s o é resp o n sáv el!). A c o m p re e n s ã o d a d ep rav ação to ta l n a ó tic a do C a lv in ism o R a d ica l e d o C a lv in ism o M o d e ra d o é d e scrita n o c a p ítu lo 5. 24 A idéia de q u e a fa lta de in teg rid a d e n o p rim e iro casal é a ca u sa d o p e ca d o n a h u m a n id a d e é indeterminista. c a p ítu lo 2.
26 O c o n c e ito do p eca d o h u m a n o c o m o re s u lta d o d a livre v o n ta d e h u m a n a é autodetermimsta.
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M esm o assim , o p od er das esco lh as m o rais livres im p lica a capacidade de aderir ou re je ita r o b em p la n e ja d o p o r D eus — sen d o que a segunda possibilidade é ch am ad a de “m a l.” D eu s rev elo u que a liberdade é boa — n a verdade, tão b oa que ele n o -la co n ced eu — e n tre m e n te s, a liberdade ta m b ém to rn a possível o m a l.27 Se D eu s criou criatu ra s livres, e se é b o m que seja m o s livres, en tã o a origem do mal é o mal-uso da liberdade. Isto n ão é difícil de co m p re en d e r. A m a io ria de nós, p o r e x e m p lo , ap recia a liberdade de dirigir u m ca rro , m as m u ito s abusam desta liberdade e dirigem de fo rm a irresp onsável. Nós n ão cu lp a m o s (n e m d evem os c u lp a r) o g o v ern o p o r c o n tin u a r nos co n ced en d o a h ab ilitação , apesar de tod os os danos causados p o r m o to rista s im p ru d en tes. S o m e n te as pessoas que dirigem de fo rm a irresp on sáv el e crim in o sa, e que m u tila m ou m a ta m o u tras pessoas, são responsáveis pelos resu ltad os das suas ações. A pesar do m a l p o d er re su lta r em abuso de liberdade ou m alan d rag en s, o g o v ern o en te n d e que é m ais p ro v e ito so que os indivíd uos da sociedade possam u tilizar v e ícu lo s do que te r que fazer tod os os nossos afazeres a pé. D e igual m a n eira , D eus ta m b é m d em o n stro u que é m e lh o r te rm o s liberdade — m e sm o que co m ela v e n h a a possibilidade do abuso — do que n ão te rm o s liberdade alg u m a. A pesar de D eu s ser m o ra lm e n te responsável p o r nos dar esta coisa b oa ch am ad a liv re-a rb ítrio , Ele n ã o respond e p o r todas as m ald ades que c o m e te m o s quando fazem o s u m m au uso da nossa liberdade. C o m o já vim o s, S a lo m ã o resu m iu m u ito b em : “D eu s fez ao h o m e m re to , m as ele b u sco u m u itas in v e n çõ e s” (E c 7.29). Em su m a, D eu s criou o fa to da liberd ad e, m e sm o que alg u n s atos de liberdade possam ser ru in s. D eu s é a cau sa do fato, e nós so m o s as causas do ato.
Objeção Número Dois — Baseada na Necessidade de uma Causa A “solu ção da a u to d eterm in a çã o ” nos leva a u m o u tro p roblem a: Se todos os eventos p ossu em u m a causa, então qual foi a causa do exercício da liberdade feito por Adão no m o m e n to de pecar? A liv re-esco lh a é u m a ação, e to d a ação, m esm o a ação do liv re-arbítrio , precisa de u m a causa eficiente. Se p o stu larm o s a orig em do pecado co m o sendo o liv re-arbítrio con tin u arem o s co m a questão m a io r ainda sem solução; u m a gera a ou tra.
Resposta à Objeção Número Dois Esta ob jeção está baseada em u m a m á com p reen são do problem a. Primeiro, todos ad m item que tod o evento n ecessita de u m a causa; ou seja, todo efeito te m u m a causa. C o n tu d o , n em toda causa tem u m a causa. Por exem p lo, todo quadro te m u m p in tor, m as n e m tod o p in to r é pintado. Se toda causa tivesse u m a causa, D eus deixaria de ser a caúsa prim eira, a Causa N ão-causada que Ele é. E absurdo pergu n tar: “Q u em criou D eus?” pois isto eqüivale a p erg u n tar “Q u em criou o C riad or N ãocriado?” Na m esm a lin h a, p erg u n tar “Q u em foi a causa do pecad o de Adão?” é co m o insistir que precisa haver u m a resposta para a p erg u n ta “Q u em é a m u lh e r do padre?” O padre não te m m u lh e r, da m esm a fo rm a que u m Ser N ão-causado tam b ém n ão
27Vide volum e 2, capitulo 9, sob o título “Objeções à Sabedoria de Deus.”
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tem uma causa.28 De modo semelhante, se a escolha que Adão fez pelo mal (o seu mau uso do livre-arbítrio) é a causa primeira do pecado da humanidade, então não é preciso buscarmos nenhuma outra causa. Segundo, esta objeção erroneamente está baseada em uma falsa disjunção — a de que uma ação precisa ser, ou não-causada, ou causadapor alguém diferente de nós mesmos, já que todo evento é, ou causado, ou não-causado (não havendo aparentemente nenhuma outra alternativa lógica). Mas este não é o caso, pois existe uma terceira opção: Uma ação pode ser (1) Não-causada, (2) Causada por alguém (ou algo) diferente de mim, ou (3) Causada por mim.29 A terceira alternativa é que nos referimos como sendo a liberdade ou o livre-arbítrio; um ato livre é um ato autodeterminado. Como já analisamos e continuaremos observando, existem várias razões que corroboram com este último ponto de vista.
Objeção Número Três — Baseada em uma Suposta Impossibilidade Lógica Como já vimos, estamos novamente diante de uma confusão: é impossível haver um ser autocausado, pela razão que acabamos de ver, mas não há nada de contraditório em uma ação autocausada. Certamente não podemos existir antes de existirmos ou ser antes de sermos, mas podemos ser antes de fa z er — ou seja, precisamos existir antes de agir. Ações autocausadas, portanto, não são impossíveis; se o fossem, até mesmo Deus, que não pode fazer as coisas que lhe são impossíveis (cf. Hb 6.18), não teria conseguido criar o mundo (pois não havia ninguém, ou nada, além dele, para causar a existência do mundo). Se o ato da Criação não foi autocausado, então Deus pode tê-lo executado. De modo semelhante, se ações autocausadas não são possíveis, também não existe uma explicação para o pecado de Lúcifer. Um Deus imaculado e perfeito, não poderia ter sido a causa do pecado de Lúcifer, e como esta criatura foi o primeiro ser a pecar, a sua ação precisa ter sido autocausada; de outro modo ele jamais teria conseguido (isto é, não teria tido a liberdade para) pecar. Conseqüentemente, concluímos que ações autocausadas são possíveis, mesmo que um ser autocausado ser impossível. Talvez a razão porque muito pensam que ações autocausadas são impossíveis vêm da própria expressão “ação autocausada." Tudo ficaria mais claro se falássemos, por exemplo, que sou eu quem causa as minhas próprias ações (em oposição a elas terem sido causadas por
18 N ão deve ser difícil, até m e sm o p a ra u m a te u , a cred ita r que algo deve ser n ã o -c a u sa d o , já q u e m u ito s deles su ste n ta m que o u n iv erso é n ã o -c a u sa d o . S e o u n iv erso p ode s er n ã o -c a u sa d o p o rq u e sem p re esteve aí, c o m o alega o a te u , D eu s ta m b é m p o d e s er n ã o -c a u sa d o p o rq u e ta m b é m estev e s e m p re aí. É cla ro q u e o p rim e iro p r o b le m a q u e o a te u e n fre n ta são as evidências m aciças a resp eito d o u n iv erso te r tid o u m c o m e ç o , já q u e ele está e m d e sa celera çã o e, dessa fo rm a , teve u m a cau sa o rig in al. V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 18, e W illia m Lane C raig , The Kalam Cosmological Argument (L o n d o n : M a c m illa n ,
1979). 29 O b v iam en te , p od e h a v e r u m a c o o p e ra ç ã o e n tr e a m in h a v o n ta d e e a de o u tra p essoa (p o r e x e m p lo , a de D e u s), p o r in te rm é d io da qual a pessoa é u m a cau sa livre, m a s c o o p e ra d o ra . N este sen tid o , D eu s p o d e ser a ca u sa p rim á ria e a c ria tu r a a cau sa s ecu n d ária. Tod avia, esta cau sa secu n d á ria (o a g en te liv re) n ã o é u m m e ro in s tru m e n to p o r m e io d o qual a cau sa p rim á ria o p era; m as sim , n a qualidade de cau sa secu n d á ria , ele é u m a ca u sa e ficie n te, q u e teve, s im p le sm e n te , os p od eres causais receb id os da p a rte da C a u sa p rim á ria (D eu s), e q u e e x e rce liv re m e n te o seu p o d er de decisão.
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outra pessoa), ou, melhor ainda, que as ações são causadas por mim mesmo?0 Este linguajar elimina a ambigüidade da linguagem, a qual dá margem para a falsa crença de que uma ação autocausada é impossível. OUTRAS QUESTÕES ACERCA DA LIBERDADE E DO MAL Existem, obviamente, outras perguntas acerca do livre-arbítrio, tais como, “Em que sentido, se é que em algum, os seres humanos são livres depois da Queda?” “Será que ainda temos liberdade no sentido de autodeterminação?” “E será que temos no sentido libertário?” Estas questões serão tratadas no capítulo 5. A BASE HISTÓRICA PARA O LIVRE-ARBÍTRIO DE ADÃO A origem do pecado a partir de uma decisão livre e autodeterminada de Adão (e de lúcifer, antes dele) tem sido uma marca do pensamento cristão desde os primórdios da igreja. As citações a seguir são uma amostragem com objetivo de ilustrar este tópico.31 Justino Mártir (c. 100-c. 1 6 5 d.C.) Deus, desejando que tanto homens quanto anjos seguissem a sua vontade, resolveu criálos livres para fazer a justiça. Mas se a Palavra de Deus prediz que certos anjos e certos homens serão certamente castigados, ela fez isso porque sabia previamente que eles seriam irremediavelmente [ímpios], mas não por terem sido criados assim. (DJ, 1.142) Ireneu (c. 125-c. 202 d.C.) Esta expressão: “Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (Mt 23.37), lançou as bases da antiga lei da liberdade humana, porque Deus fez o homem (agente) livre desde o princípio, possuindo uma alma própria para obedecer aos mandamentos de Deus de maneira voluntária, e não por compulsão da parte de Deus. Pois não existe nenhum tipo de coação em Deus, somente uma boa vontade [para conosco] está presente continuamente nele. (AH, 1.4.36.8) Atenágoras (falecido no século II) Tal qual acontece com os homens que têm liberdade de escolha tanto para a virtude, quanto para o vício (pois não honraríamos o bem, nem castigaríamos o mal; se estas duas coisas não fossem do nosso domínio, e alguns são diligentes nas questões que lhes são confiadas, já outros infiéis), o mesmo se dá com os anjos. (PC, 11.24).
* (N . d o T .) O u seja, e m vez de a çã o “a u to ca u sa d a ,” fa la r-se e m "a ç ã o causada p e lo p ró p rio in d iv íd u o .” ' 3! O s ú n ico s desvios significativos, até a R e fo rm a , v ê m d o “A g o stin h o P o ste rio r” (354 -4 3 0 d .C .), c u ja visão so b re as e sco lh a s h u m a n a s (fo rm u la d a s e m resp o sta à c o n tro v é rsia d o n a tista ) e ra m c o n trá ria s ao p ad rão d a H istó ria E clesiástica, ta n to a n tes, q u a n to depois dele, até o te m p o de M a rtin h o L u te ro (1483-1546). O te ó lo g o s iste m á tic o de L u te ro , Filipe M e la n c h to n (1497-1560), in v e rte u este p o n to de vista, tal q u al fa z em os lu te ra n o s desde e n tã o . Isto deixa a e sc o la d o C a lv in ism o R ad ical, a que segu e a lin h a de Jo n a th a n Edw ards, isolad a da p rin cip al c o r r e n te o r to d o x a d a Ig reja , n o q u e diz re sp e ito à n a tu re z a do liv re- arb ítrio n o s seres h u m a n o s d ecaíd o s (vide c a p ítu lo 5).
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Teófilo (c. 1 3 0 -1 9 0 d.C .)
Pois Deus criou o homem livre, e com poder sobre si mesmo [...] Deus agora lhe concede como dom, por intermédio da sua própria filantropia e piedade, quando o homem lhe obedece. Pois da mesma forma que o homem trouxe a morte sobre si mesmo ao desobedecer a vontade de Deus, aquele que desejar pode alcançar para si a vida eterna. (TA, 11.27) Taciano (120-173 d.C .)
O nosso livre-arbítrio nos destruiu; nós que éramos livres acabamos por nos tornar escravos; fomos vendidos por intermédio do pecado. Nada de mal foi criado por Deus; nós mesmos manifestamos a impiedade; mas nós, que a manifestamos, também somos capazes de rejeitá-la. (ATG, 11.11) Bardesanes (c. 154-222 d.C .)
Por que será que Deus não nos fez sem a possibilidade de pecar e cair em condenação? Se o homem tivesse sido assim criado, ele não teria pertencido a si mesmo, mas o seu instrumento é que o movimentaria [...] E como, neste caso, um homem se diferenciaria de uma harpa, que é tocada por outra pessoa; ou de um navio, que também é guiado por outra pessoa: nos quais os elogios ou a culpa residem nas mãos do músico ou do timoneiro [...] sendo que estas coisas não passam de instrumentos feitos para o uso daqueles que têm a habilidade de utilizá-los? (£, VII) Clemente de Alexandria ( 150-c. 2 1 5 d. C .)
Nós que ouvimos pelas Sagradas Escrituras que a escolha autodeterminada e a recusa foram dadas pelo Senhor aos homens, descansamos no critério infalível da fé, manifestando um espírito desejoso, já que escolhemos a vida e cremos em Deus por intermédio da sua voz. (S, H2.4) Tertuliano (c. 155-c. 225 d. C .)
Percebo, portanto, que o homem foi constituído livre por Deus, senhor da sua própria vontade e poder; sendo que nada indica tão bem a presença da imagem e semelhança de Deus nele, quanto este traço de constituição da sua natureza [...] Portanto, tanto a bondade quanto o propósito de Deus são descobertos no dom recebido da liberdade da sua vontade. (FBAM, III.2.5) Novaciano (c. 200-c. 2 5 8 d: C .)
Ele também colocou o homem como o cabeça deste mundo, e o homem, igualmente, feito à imagem de Deus, a quem ele comunicou a mente, a razão e a antevisão, de forma que ele pudesse imitar a Deus [...] E quando ele deu a ele todas as coisas para o seu serviço, Ele desejou que somente ele fosse livre. E, repito, para que uma liberdade assim ilimitada não fosse ameaçada, Ele passou um mandamento, no qual o homem foi instruído que não havia mal algum no fruto da árvore; porém foi previamente alertado de que o mal surgiria se o homem insistisse em exercer a sua livre-escolha em conflito com a lei que lhe fora passada. (CT, V.l)
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Orígenes (c. 185-c. 254 d.C .)
Isto também está claramente definido nos ensinamentos da igreja: que toda alma racional possui livre-arbítrio e volição (D P, IV, prefácio). “Existem, na verdade, inúmeras passagens nas Sagradas Escrituras que estabelecem com excessiva clareza a existência da liberdade da vontade, (ibid., IV.3.1) M etódio (c. 260-311 d .C .)
Agora aqueles que decidem que o homem não possui livre-arbítrio e afirmam que ele é governado pelas necessidades inevitáveis do destino [...] são culpados de impiedade para com o próprio Deus, fazendo dele o causador e o autor dos males humanos. (B T V , VI.8.16) Declaro que o homem foi criado com livre-arbítrio, não no sentido de que já houvesse algum tipo de mal, sobre o qual ele teria o poder de decidir ou não a sua aceitação [...] mas no sentido de um poder de obedecer e desobedecer a Deus como a única causa. (C FW , 362) Cirüo de Jerusalém (c. 315-C.387 d.C .)
Sabe também que tu tens uma alma autogovernada, a mais nobre das obras de Deus, feita segundo a imagem do seu Criador, imortal por causa do Deus que dá a imortalidade, um ser vivo racional e imperecível, por causa daquele que concedeu estes dons: com livre poder para fazer o que ela quiser. (CL, II.VII.IV.18) Gregário de Nissa (c. 335-c. 395 d. C .)
Como imagem e semelhança [...] do Poder que governa sobre todas as coisas, o homem guardou também no tema do livre-arbítrio esta semelhança com aquele cuja vontade é sobre tudo. (OV, II. V. 12) Jerônimo (c. 340-420 d. C .)
Em vão me deturpas e tentas convencer os ignorantes que eu condeno o livre-arbítrio. Que aquele que condena, seja por si mesmo condenado, pois fomos criados com o dom do livre-arbítrio [...] E verdade que a liberdade da vontade traz consigo a liberdade de decisão. Contudo o homem não age imediatamente a partir do seu livre-arbítrio, mas precisa da ajuda de Deus, que é o único que não precisa ser ajudado. (LSJ, II.VI. 1.33.10) João Crisóstomo (3 4 7 -4 0 7 d. C .)
Deus, por ter colocado tanto o bem, quanto o mal sob o nosso poder, nos deu plena liberdade de escolha; ele não segura para si ninguém contra a sua vontade, mas abraça todos os que voluntariamente o recebem. (HG, 19.1) Tudo está debaixo do poder de Deus, mas de forma que o nosso livre-arbítrio não é perdido [...] Ele depende, portanto, de nós e dele. Precisamos primeiramente escolher o bem, e Ele, depois, acrescenta o que a Ele pertence. Ele não se sobrepõe à nossa vontade, para que o nosso livre-arbítrio não seja ofendido. Mas quando tomamos a decisão, ele nos
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presta um grande auxílio [...] É nossa parte o escolher previamente e o desejar, e é parte de Deus o aperfeiçoar e o completar a obra. (HEH, I2)32 Agostinho Anterior (354-430 d. C .)
O livre-arbítrio, naturalmente concedido pelo Criador à nossa alma racional, é uma força tão neutra, que pode tanto se inclinar em direção à fé, quanto à incredulidade (OSL, 58). Na verdade, o pecado é de tal maneira um mal voluntário, que não seria pecado caso não fosse voluntário. (OTR, 14) Ou, então, apropria vontade é a primeira causa do pecado, ou a primeira causa é sem pecado. (OGFW, 3.49) Agostinho, ainda, acrescentou:
O pecado não está em lugar algum que não seja a vontade, e como esta consideração também teria me ajudado, que a justiça considera culpados aqueles que pecam somente por vontade maligna, apesar deles não terem conseguido realizar o que desejavam. (TSAM, 10.12) Todo aquele que, também, faz algo contra a sua vontade é forçado a fazer isto, e todo aquele que é forçado, se fizer algo, o faz contra a sua vontade. Conclui-se que todo aquele que tem vontade de fazer algo, está livre de qualquer coação, mesmo que se possa pensar que ele é forçado a fazer tal coisa, (ibid., 10.14) Anselmo (1 0 3 3 -1 1 0 9 d.C .)
Ninguém abandona a retidão se não desejar fazer isto. Se “contrário à nossa vontade” significar “não querer fazer,” então ninguém abandona a retidão contra a sua própria vontade [...] Mas um homem não pode desejar contra o seu desejo porque não pode desejar sem querer desejar. Por todo aquele que deseja, o faz por vontade própria. (TFE, 130) Apesar deles [Adão e Eva] terem se entregado a si mesmos ao pecado, eles não conseguiram abolir neles mesmos a sua liberdade natural de escolha. Todavia, eles poderiam alterar o seu estado de tal maneira que não foram capazes de utilizar esta liberdade, salvo por uma graça diferente daquela que tinham antes da Queda, (ibid., 125) Não devemos dizer que eles [Adão e Eva] tinham liberdade para o propósito de receber, de uma parte que lhes concedesse, a retidão que não possuíam, porque precisamos crer que eles foram criados com vontades retas — apesar de não podermos negar que eles tinham a liberdade de receber novamente esta mesma retidão, caso viessem a abandonála e a recebessem novamente daquele que originalmente a concedeu, (ibid., 126) Não percebes que a partir destas considerações se conclui que nenhuma tentação é capaz de conquistar uma vontade reta? Pois, se a tentação pudesse conquistar a vontade, seria 32 Jo ã o C alv in o (1509-1564) o p ô s-se c o n s c ie n te m e n te a C ris ó s to m o e ao re s ta n te dos Pais d a Ig re ja ao d e cla ra r: “Precisamos, portanto, repudiar o sentimento de Crisóstomo comumente repetido de que ‘A queles que ele atrai, o fa z a partir da vontade deles’; o qual insinua que o Senhor somente estende a sua mão, e aguarda para ver se estaremos felizes em aceitar a sua ajuda. Admitimos que, da form a como fo i originalmente constituído, o homem poderia ter se inclinado para ambos os lados, m as c o m o ele n os e n sin o u , p o r seu e x e m p lo , quão m iserá v el é o liv re -a rb ítrio q u an d o D e u s n ã o o p e ra e m n ó s o d esejo de fazer algo , q u e u tilid ad e te ria u m a g ra ça c o m u n ic a d a e m m ed id a tã o ín fim a?” (ÍC R , 1 .2 .3 .1 0 ,2 6 0 -6 1 , g rifo a cre sce n ta d o ).
A ORIGEM DO PECADO
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pelo seu próprio poder de conquistá-la. Só que a tentação é incapaz disso, porque a vontade somente pode ser subjugada pelo seu próprio poder, (ibid., 132) Tomás de Aquino (1225-1274 d.C.) A necessidade vem do agente quando este último coage de tal forma algo que este algo não lhe pode mais contrariar [...] Tal necessidade por coação é contrária à vontade. [Assim,] uma coisa não pode ser absolutamente coagida ou imposta com violência e, simultaneamente ser voluntária [...] Conseqüentemente o homem toma decisões de forma não necessária, mas de forma livre, (in Clark, AR, 291-92) Portanto, o homem tem liberdade de escolha, de outro modo, todos os conselhos, exortações, preceitos, proibições, recompensas e castigos seriam sem sentido. Conseqüentemente, uma livre decisão deixa intacto o poder de ser capaz de optar por outro caminho, (ibid., 259) Com exceção do Agostinho “posterior”, esta visão de livre-arbítrio autodeterminado foi, praticamente, a visão unânime dos Pais Eclesiásticos até o tempo da Reforma e, com exceção de Calvino e Lutero, ela continuou sendo a visão consistente desde a época da Reforma.33
CONCLUSÃO A origem do mal é um problema para qualquer cosmovisão, mas este problema se torna particularmente agudo no Teísmo, pois este precisa explicar como o mal surgiu, se tudo o que Deus criou era perfeitamente bom. A resposta está em um dos dons divinos: o livre-arbítrio. Apesar de a liberdade ser boa em si mesma, ela também proporcionou o potencial para fazermos o mal. Assim, o livre-arbítrio tornou possível o mal. Porém, apesar de Deus ser responsável pela liberdade (o qual tornou possível o surgimento do mal), as criaturas livres são, por si mesmas (por exemplo, Lúcifer e Adão), responsáveis pelos seus atos de liberdade (os quais tornam o mal algo real). Deus deu a elas o poder de escolher, e em vez de escolher obedecer a Deus e seguir o bem, elas desobedeceram e utilizaram a liberdade de escolha para dar vazão ao pecado. Como vemos, o mal surgiu do livre-arbítrio das boas criaturas que Deus havia criado. FONTES Anselmo. Truth, Freedom, and Evil. Atenágoras. Pleafor the Christians. Agostinho. OfTrue Religion. -------- . On Grace and Free Will. -------- . On the Spirit and the Letter. -------- . Two Souls, Against the Manichaens
Bardesanes, Fragments. Calvino, João. Institutas da Religião Cristã. Clark, Mary T., ed. An Aquinas Reader.
j3 P o n to s de vista adicionais e esp ecíficos de L u te ro , C a lv in o e o u tro s serão an alisados n o s ca p ítu lo s p o sterio re s.
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Clemente de Alexandria. Stromata. Craig, William Lane. The Kalam Cosmological Argument. Cirilo de Jerusalém. Catechegical Lectures. Edwards, Jonathan. The Works o f Jonathan Edwards. Geisler, Norman L. Chosen But Free. ------- . The Reincarnation Sensation. Geisler, Norman e Francis J. Beckwith. Matters o f Life and Death. Gregório de Nissa. On Virgimty. Heaney, Stephen J. “Aquinas and the Humanity of the Conceptus” in Human Life Review. Ireneu. Against líeresies. Jerônimo. Letterj ó f Saint ferom e. João Crisóstomo. Homilies on the Epistole to the Hebrews. ------- . Homilies dn Gênesis. Justino Mártir.?-Dialogue o f Justin. Metódio. The Bqnquet o f the Ten Virgins. ------- . Concerniríg Free Will. Novaciano. Concerning Trinity. Origens. D e Principiis. Platão. Phaedo. Shedd, William G. T. The History o f the Christian Church. Sproul, R. C. Chosen by G o d . Taciano. Address to the Greeks. Tertuliano. Five Books Agains Marcion. Teófilo. To Autolycus. Tomás de Aquino. Commentary on the Sentences o f Peter Lombard.
CAPÍTULO
QUATRO
A NATUREZA DO PECADO
s cond ições o rig in a lm en te criadas eram perfeitas, e u m D eus p erfeito não pode fazer nada d iferente de u m m u n d o p e rfe ito .1 Num dado momento, entretanto, por um mau-uso do livre-arbítrio,2 o pecado en tro u no m u n d o e viciou a criação p erfeita de D eus. A isto, seguiu-se u m estado de pecam inosidade no ser h u m an o — no qual h o je nos en co n tra m o s — que é h u m a n a m e n te irreparável. A nossa im p erfeição é com p reend id a à luz do Padrão final de perfeição, que é o próprio D eus. Este vivido co n traste revela u m a im agem deplorável da n a tu rez a e depravação hu m anas.
A
A BASE BÍBLICA DA NATUREZA DA PECAMINOSIDADE HUMANA O pecado é u m a triste realidade, especialm ente quando visto da perspectiva divina. Na fam osa passagem de R om an os 3 (baseada no Salm o 14), Paulo descreveu a depravação to tal da hum anidade de m aneira m arcante: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. A sua garganta é um sepulcro aberto; com a língua tratam enganosamente; peçonha de áspides está debaixo de seus lábios; cuja boca está cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. Em seus caminhos há destruição e miséria; e não conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos. (vv. 10-18) O que lem os aqui é, no m ín im o, u m a descrição horrenda.
Dois Tipos Básicos de Pecado Todos os pecados podem ser classificados em duas categorias gerais: os pecados de com issão e os de om issão. Isto significa que alguns pecados o co rrem quando fazem os o que não deveríam os, e outros quando não fazem os o que deveríamos.
1Vide capítulo 2.
2Vide capítulo 3.
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Os Pecados de Comissão Os pecados de comissão, isto é, quando fazem os o que não deveríamos fazer, são descritos pelo apóstolo João neste versículo: “Qualquer que comete o pecado também comete iniqüidade, porque o pecado é iniqüidade” (1 Jo 3.4). A lei de Moisés foi registrada no Antigo Testamento, e os seus princípios morais básicos são repetidos no Novo Testamento.
Os Pecados de Omissão Os pecados de omissão são a nossafa lta de ação naquilo que deveríamos agir. Como Tiago colocou: “Aquele, pois, que sabe fazer o bem e o não faz comete pecado” (Tg 4.17). Talvez esta última categoria contenha ainda mais pecados do que a primeira.
Sete Pecados Detestáveis Deus explicitou sete pecados específicos que Ele não consegue tolerar: Estas seis coisas aborrece o SENHOR, e a sétima a sua alma abomina: [1] olhos altivos, e [2] língua mentirosa, e [3] mãos que derramam sangue inocente, e [4] coração que maquina pensamentos viciosos, e [5] pés que se apressam a correr para o mal, e [6] testemunha falsa que profere mentiras, e [7] o que semeia contendas entre irmãos. (Pv 6.16-19)
Ditos de forma simples, eles são: o orgulho, e engano, o assassinato, a premeditação de maldades, apressa em fazer o mal, o falso testemunho e a geração de conflitos.
Os Principais Termos para Designar o Pecado Existem várias designações bíblicas para o pecado, muito mais do que há para o bem. Cada palavra apresenta a sua contribuição para formar a descrição completa desta ação horrenda contra um Deus santo. Pecado
A palavra hebraica normalmente traduzida por pecado é chata, que significa “errar,” “ser confiscado” ou “estar em falta.” O uso de chata no Salmo 51.4 captura a idéia por detrás deste termo. Depois de cometer adultério e planejar um assassinato, Davi confessou a Deus: “Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que a teus olhos é mal”. A palavra grega básica para pecado é hamartia, que significa “errar o alvo” ( “e não participar da premiação”), “errar” e “pecar.” Hamartia é utilizada em Romanos 3.23: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.” Prevaricação (Transgressão)
O radical hebraico que dá origem à palavra prevaricação é maal, que significa “cobrir,” “agir de forma acobertada, ou seja, traiçoeiramente, ofensivamente.” Números 31.16 declara: “Eis que estas foram as que, por conselho de Balaão, deram ocasião aos filhos de Israel de prevaricar contra o SENHOR, no negócio de Peor, pelo que houve aquela praga entre a congregação do SENHOR”. A palavra grega para prevaricação éparaptom a, que significa “escorregar,” “cair,” “tropeçar de lado,” “ofender,” ou “pecar.” Paulo utilizou paraptoma em Gálatas 6.1: “Irmãos,
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se algum h o m em chegar a ser surpreendido nalgu m a ofensa, vós, que sois espirituais, encam inhai o tal com espírito de m ansidão, olhando por ti m esm o, para que não sejas tam bém tentad o.” Iniqüidade O utro term o utilizado n a violação da lei de Deus é iniqüidade. A palavra hebraico básica para ele é avon, que significa “perversidade,” “falh a”, “iniqüidade.” Em Isaías (53.11) Deus declara: “O m eu servo, o ju sto , justificará a m uitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si.” A palavra grega para designar iniqüidade é adikia, que significa “m o ra lm en te errad o,” “in ju sto ,” Tiago disse: “A língua tam bém é u m fogo; co m o m u nd o de iniqüidade, a língua está posta entre os nossos m em bros, e con tam in a todo o corpo, e inflam a o curso da natureza, e é inflam ada pelo in fe rn o ” (T g 3.6). Mal (como substantivo ou na sua forma adjetivada:“mau”) U m term o hebraico co m u m para pecado é ra, que significa “ru im ,” “danoso,” “m a l,” e até m esm o “calam idade.” Por exem plo, Isaías falou da capacidade de “rejeitar o m al e escolh er o b em ” (Is 7.15). D entre as palavras gregas com u ns para mal encontram os poneros, que significa “efetivam ente m a u ” — Jesus falou que os seres h u m anos eram maus (M t 7.11) — e kakos, d enotando u m “m a u -ca rá ter.” Paulo disse: “quando quero fazer o bem , o mal está com ig o” (R m 7.21). O que o apóstolo quis dizer é que dentro dele havia u m a natureza, depravada (m á), degenerada e indigna. Impiedade O utro term o bíblico para pecado é impiedade. No A ntigo T estam ento, a im piedade é n o rm alm en te u m a tradução do term o hebraico rasha, que significa “m o ra lm en te ru im ” ou “ím pio.” O salm ista disse: “B em -aventu rad o o varão que não anda segundo o conselho dos ímpios” (SI 1.1). O term o grego utilizado no N ovo Testam ento é anomia, que tam bém é traduzido com o iniqüidade (cf. M t 23.28; 24.12; R m 6.19; 2Co 6.14).
Outros Termos para o Pecado Existem m uitas outras designações e descrições do m al. Ao descrever o m undo pagão, Paulo lista, pelo m enos, quarenta e três designações e caracterizações diferentes para o pecado em R om an os 1:
Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda impiedade [1] e injustiça [2] dos homens que detêm a verdade [3] em injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram [4] como Deus, nem lhe deram graças; antes, em seus discursos se desvaneceram, [5] e o seu coração insensato [6] se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem
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[7] de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis. Pelo que também Deus os entregou às concupiscências [8] do seu coração, à imunâicía [9], para desonrarem [10] o seu corpo entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira [11] e honraram e serviram mais a criatura
[12] do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém! Pelo que Deus os
abandonou i s paixões infames [13]. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza [14], E, semelhantemente, também os varões, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade [15] uns para com os outros, varão com varão, cometendo torpeza [16] e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro
[17], E, como eles se não importaram de ter conhecimento de Deus [18], assim Deus os entregou
a um sentimento perverso [19], para fazerem coisas que não convém [20]; estando cheios de toda iniqüidade [21], prostituição [22], m alícia [23], avareza [24], m aldade [25]; cheios de inveja [26], homicídio [27], contenda [28], engano [29], malignidade [30]; sendo murmuradores [31], detratores [32], aborrecedores de Deus ao p a i
[33], injuriadores [34], soberbos [35], presunçosos [36], inventores de m ales [37], desobedientes
e à mãe [38]; néscios [39], infiéis [40] nos contratos, sem afeição natural [41], irreconciliáveis [42],
sem m isericórdia
[43]. (vv. 18-31)
Uma lista mais sucinta, mais igualmente temível (de dezesseis designações diferentes para o pecado) pode ser encontrada nas “obras da carne” de Gálatas 5: Porque as obras da carne são manifestas, as quais são -.prostituição [1], impureza [2], lascívia [3], [4}, feitiça rias [5], inimizades [6}, p o rfa s [7], emulações [8], iras [9], p elejas [10], dissensões [11], heresias [12], invejas [13], homicídios [14], bebedices [15], glutonarias [16] e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o Reino de Deus. (vv. 19-21)
idolatria
A Natureza do Pecado em Relação a Deus Ao ser cometido contra Deus, o pecado é descrito de várias formas. Ele pode ser incredulidade para com o Senhor, rebelião contra Deus, transgressão da sua lei, ou orgulho que se eleva acima do Senhor. O Pecado como Incredulidade
Paulo declarou claramente: “Tudo o que não é de fé é pecado” (Rm 14.23). Assim, de acordo com Jesus: “Quem crê nele [em Jesus] não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (Jo 3.18). E, portanto, “Ora, sem fé é impossível agradar-lhe, porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam” (Hb 11.6). O Pecado como Rebelião
Samuel afirmou de forma franca: “Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniqüidade e idolatria” (1 Sm 15.23). Salomão acrescentou: “O rebelde não busca senão o mal” (Pv 17.11). Neemias descreveu Israel com as seguintes palavras: “Endureceram a sua cerviz, e na sua rebelião levantaram um chefe, a fim de voltarem para a sua servidão” (Ne 9.17). Deus é Rei, e nós, como seus súditos, acabamos por nos rebelar contra o seu domínio sobre as nossas vidas.
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0 Pecado como Transgressão C om o Soberano, Deus revelou diretrizes invioláveis pelas quais os seus servos deveriam viver. C ontudo, Adão transgrediu a sua lei, da m esm a form a que fizeram todos os “adam itas” desde aquela época. Estas transgressões estão no cern e do pecado; a Bíblia afirma: “No entanto, a m o rte reinou desde Adão até M oisés3, até sobre aqueles que não pecaram à sem elhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir [ou seja, Jesus].” (R m 5.14). Na verdade, “o pecado é a transgressão da lei” (1 Jo 3.4 NVI). C om o já vimos, m esm o quando o pecado de Davi foi claram ente direcionado co n tra a m u lh er e con tra a vida de o u tra pessoa, ele clam ou a Deus confessando que tin h a pecado con tra o Altíssim o: “C o n tra ti, con tra ti som ente pequei, e fiz o que a teus olhos é m al, para que sejas justificado quando falares e puro quando ju lg ares” (SI 51.4).4 0 Pecado como Orgulho Na raiz de todo pecado está o orgulho, que foi o m al que incitou a rebelião de Lúcifer contra Deus. Vejam os a fo rm a com o Paulo deixou instruções a respeito de com o deveria ser um presbítero: “não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do D iabo” (1 T m 3.6). C om o aquele que inspirou o pecado do Rei de Tiro, a impiedade de Satanás é igualada e repetida nestas palavras: “Elevou-se o teu coração por causa da tua form osu ra, corrom p este a tua sabedoria por causa do teu resplend or” (Ez 28.17). João lista o orgulho com o u m dos três pecados básicos, ao declarar: “Porque tudo o que há no m undo, a concupiscência da carne, a concupiscència dos olhos e a soberba [orgulho] da vida, não é do Pai, mas do m u n d o ” (1 Jo 2.16, grifo acrescentado).1
A Graduação do Pecado Ao contrário da opinião largam ente aceita, n em todos os pecados são vistos de igual fo rm a p o r Deus. Jesus declarou haver questões que eram consideradas “mais im p ortan tes” na lei (cf. M t 23.23), com o, por exem plo, a m isericórdia e a ju stiça acim a do dízimo. Ele tam bém declarou que o nosso am or por Deus deveria ser um a obrigação acim a do nosso am or pelos seres hu m anos, cham ando este de “primeiro e grande m a n d am en to” (M t 22.38). Ele disse a Pilatos que “mas aquele que m e entregou a ti maior pecado tem” (Jo 19.11). Algum as pessoas receberão u m castigo mais severo, em função da m aior gravidade dos pecados que co m eteram (Ap 20.12). João falou de um pecado tão m o n stru o so que chegou a tirar a vida de u m a pessoa (1 Jo 5.16). Paulo disse que alguns foram disciplinados com a m o rte por parte de Deus, por to m a r parte na Ceia do Sen h or de form a indigna (1 C o 11.29-30), n u m a indicação de que este é u m pecado p articu larm en te grave. Não som ente existem pecados mais fortes, co m o tam bém existe o mais grave de todos os pecados: a blasfêm ia contra o Espírito Santo (M t 12.32).6
3 D esd e o te m p o da Q u ed a a té a e n tre g a da Lei. 4 A pesar d o p eca d o de D avi te r a feta d o c la ra m e n te m u ita s o u tra s p essoas, a lé m d ele m e sm o , e le r e c o n h e c e u q u e a tra n sg ressã o d a Lei de D e u s é u m pecad o c o n tra o p ró p rio D e u s.
5 Isto sign ifica
d izer q u e os d esejos ilícito s d o c o rp o ( “co n c u p isc ên c ia d a c a rn e ”) , d e sejo s de c o b iç a ( “c o n c u p is c ê n c ia dos o lh o s ”), e v a n g lo ria a c e rc a d o que te m o s o u fa z em o s ( “so b erb a da vid a”) n ã o são de D eus. d este p ecad o , vide c a p ítu lo 11, e sp e c ia lm e n te sob o títu lo “M a te u s 12.31-32.”
6 Para u m a d e fin içã o , ex p lica çã o e an álise
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A Natureza Metafísica do Pecado Uma das dificuldades acerca do pecado pode ser ilustrada pela objeção de que Deus criou tudo, e se o pecado é real, ele também deve ter sido criado; por Ele, Como o Teísmo cristão nega esta conclusão (de que "Deus deve ter criado o pecado”), parece-nos necessário, portanto, que, para a negação de uma ou de ambas as premissas por parte do Teísmo cristão (de que “Deus criou tudo” e que “o pecado é real”). Contudo, não podemos negar que Deus criou tudo, já que somente Ele existia antes de tudo o mais vir à existência,7 e tudo o mais que existe foi por Ele criado.8 Com relação à oura premissa, negar que o pecado é real é reduzi-lo à ilusão ou à não-realidade.9 Em suma, negar que Deus criou tudo é admitir o Materialismo e rejeitar o Teísmo, e negar que o pecado existe (como uma realidade) é rejeitar o Teísmo e abraçar o Panteísmo. Portanto, como esta conclusão (de que “Deus deve ter criado o pecado”) pode estar errada? Por mais que este dilema pareça se insolúvel, o Teísmo cristão apresenta uma resposta franca. Deus criou tudo (todas as substâncias), ocorre que o pecado não é uma coisa ou uma substância: 0 pecado é a privação ou a falta de uma boa substância, uma distorção de algo puro. O pecado é um parasita ontológico — ele existe somente em algo bom, na form a de uma corrupção da bondade. Por exemplo, o mal é como a putrefação de uma árvore ou a ferrugem de um carro; tanto a putrefação, quanto a ferrugem corroem a boa sustância (no caso, uma árvore ou um carro), mas nenhuma das duas existe por si mesma.10
A BASE TEOLÓGICA DA NATUREZA DA PECAMINOSIDADE HUMANA A partir de um ponto de vista teológico, o pecado é tudo aquilo que não atinja a natureza moral perfeita de Deus. Paulo escreveu que “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3.23). Deus disse: “Eu sou o SENHOR, que vos faço subir da terra do Egito, para que eu seja vosso Deus, e para que sejais santos; porque eu sou santo” (Lv 11.45). Fica claro, portanto, que padrão objetivo final é a perfeição moral absoluta de Deus, e tudo aquilo que fuja disso será pecado. Conforme já demonstramos anteriormente, Deus possui tanto atributos não-morais (metafísicos), quanto morais.11 Os atributos morais são o padrão final para aquilo que é certo ou errado. Como Deus tem, pelo menos, seis atributos morais básicos — a santidade, a justiça, a perfeição, o zelo, a bondade (ou amor), e a honestidade — uma breve descrição de cada um faz-se necessária para esclarecer o que é o pecado e como ele deixa a desejar em relação ao padrão objetivo final de Deus, o qual é a sua própria natureza moral.
Deus É Santo As palavras bíblicas do hebraico para santo são godesh, que significa “separação” ou “sacralidade”, e gadosh, que é traduzida como “sacro” ou “santo.” A palavra grega hosios significa "santo", "pio" e, por extensão, "justo". No sentido moral, o “ser santo” 7 V ide v o lu m e 2, c a p ítu lo 4.
8V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo s 18-21.
9 Já fico u d e m o n s tra d o q u e e sta co n c lu sã o é in d efen sável:
vide v o lu m e 1, c a p ítu lo 2 e v o lu m e 2, c a p ítu lo 18. V id e ta m b é m v o lu m e 2, c a p ítu lo 9, sob o títu lo “O b je ç õ es à S ab ed o ria de D e u s .”
10 V id e A g o stin h o , Two Souls Against the Manichaeans.
11 V ide v o lu m e 2, ca p ítu lo s 1-12 e ca p ítu lo s 13-17,
resp e ctiv a m en te . V id e, e sp e c ia lm e n te, o v o lu m e 2, c a p ítu lo 1 on d e e stá situ ad a u m a lista g em dos a trib u to s e c a ra cte rística s divinas.
A NATUREZA DO PECADO
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para D eus significa que Ele está total e com p letam en te separado de todo o m al. A sua santidade está associada com o seu zelo (Js 24.19), sua exaltação (SI 99.9), sua ju stiça (Is 5.16; Lc 1.75), sua onipotência (Ap 4.8), sua singularidade absoluta (Ex 15.11), sua pureza m o ral (2 C o 7.1), e sua ojeriza ao m al (SI 78.41). Deus é santo por sua própria natureza. Êxodo 15.11 questiona: “Q uem é com o tu entre os deuses? Q uem é co m o tu , glorificado em santidade, terrível em louvores, operando maravilhas?” Em Levítico 11.44,45 D eus afirma: Porque eu sou o SENHOR, vosso Deus; portanto, vós vos santificareis e sereis santos, porque eu sou santo; e não contaminareis a vossa alma por nenhum réptil que se arrasta sobre a terra. Porque eu sou o SENHOR, que vos faço subir da terra do Egito, para que eu seja vosso Deus, e para que sejais santos; porque eu sou santo. Em Josué 24.19 o povo recebeu a seguinte orientação: “Não podereis servir ao SENHOR, porquanto é Deus santo, é Deus zeloso.” No livro de 1 Sam uel 2.2 confirm a que “Não há santo como é o SENHOR; porque não há outro fora de ti; e rocha nenhuma há como o nosso Deus.” Em 1 Sam uel 6.20 acrescenta: “Q uem poderia estar em pé perante o SENHOR, este Deus santo?” O Salm o 78.41 lam enta: “Voltaram atrás, e tentaram a Deus, e duvidaram do Santo de Israel.” Várias passagens bíblicas falam de D eus co m o sendo “O Santo.”'1 O profeta Isaías declarou: “Mas o SEN H O R dos Exércitos será exaltado em juízo, e Deus, o Santo, será santificado em justiça” (Is 5.16). Paulo exorta: Ora, amados, pois que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus. (2 Co 7.1) João nos inform a: E os quatro animais tinham, cada um, respectivamente, seis asas e, ao redor e por dentro, estavam cheios de olhos; e não descansam nem de dia nem de noite, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-podemo, que era, e que é, e que há de vir. (Ap 4.8)
Deus fez um juramento irrevogável com base na sua própria santidade (SI 89.35), Deus tem um braço santo (1 C r 6.35; Is 52.10), Deus está sentado em um trono santo (SI 47.8), o trono de Deus é um monte santo (Ez 28.14), Deus tem anjos santos,13 e Deus tem um santo lugar (o céu) onde Ele habita.14
O Pecado É a Falta de Santidade Se a natu reza m o ral de D eus é o padrão final acerca daquilo que é co rreto , e se Deus é absolutam ente santo, conclui-se que o pecado é a ausência de santidade. Na verdade, a Bíblia utiliza um a term inologia que vai nesta lin h a para se referir ao pecado; p o r exem plo, Paulo disse: “Sabendo isto: que a lei não é feita para o ju sto, mas para os in ju stos e obstinados, para os ím pios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e m atricidas, para os hom icidas” (1 T m 1.9). E tam bém :
- P or e x e m p lo : o S a lm o 71.22; 78.41; Is 5.19; 29.23; 43.3; Jr 51.5; Os 11.9, 12; H c 1.12; 3.3; M c 1.24; Lc 1.35; 4.34; Jo 6.69. J D t 32.2; Jó 15.15; A t 10.22.
M2 C r 30.27; SI 46.4; 68.5; A p 21.2,10,19.
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Porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te. (2T m 3.2-5)
Deus E Justo Ser justo significa ser “reto” ou “correto.” Quando utilizado para se referir a Deus o termo justo diz respeito à característica intrínseca pela qual Ele é absolutamente justo ou reto e que é o padrão final de justiça e retidão. A base bíblica para a justiça de Deus pode ser encontrada nas várias formas como as palavras ( tsadaqah do hebraico e dikaío, díkaiosune do grego) são utilizadas. Primeiro, a justiça envolve as ordenanças verdadeiras de Deus (SI 19.9): “O temor do SENHOR é limpo e permanece eternamente; os juízos do SENHOR são verdadeiros e justos juntamente.” Segundo, a justiça é a base do trono de Deus (SI 89.14): “Justiça e juízo são a base do teu trono; misericórdia e verdade vão adiante do teu rosto.” Terceiro, a justiça é o “poder de majestade” do domínio de Deus (Hb 1.8): “Cetro de eqüidade é o cetro do teu reino.” Quarto, a justiça não faz injustiça (Sf 3.5): “O SENHOR é justo, no meio dela; ele não comete iniqüidade; cada manhã traz o seu juízo à luz; nunca falta.” Quinto, a justiça sempre permanecerá (2 Co 9.9): “Conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres, a sua justiça permanece para sempre.” Sexto, a justiça é o padrão final de julgamento (Atos 17.31): “Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do varão que destinou.” Sétimo, a justiça recompensa a todos de acordo com as suas obras (Rm 2.6): “[Deus] O qual recompensará cada um segundo as suas obras.” Oitavo, a justiça é a base para os galardões dos crentes (2Tm 4.8): “Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda.” Nono, e por fim, a justiça é revelada na lei de Deus (Rm 10.5): “Moisés descreve a justiça que é pela lei, dizendo: O homem que fizer estas coisas viverá por elas.”
O Pecado É Injustiça Mesmo sendo a justiça um atributo moral de Deus, ela é também uma das suas características comunicáveis e que pode ser possuída pelas suas criaturas. Logo, a justiça é algo no qual podemos ser instruídos (2 Tm 3.17); ou ainda, algo que devemos buscar (Mt 6.33); perseguir (2Tm 2.2); ter sede (Mt 5.6); sofrer (1 Pe 3.14; 2Tm 3.12); nos submeter (Rm 10.3); ser escravos (Rm 6.18); e, por fim, algo que devemos praticar (ljo 3.7). Paulo escreveu a respeito dos seus irmãos judeus: “Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus” (Rm 10.3). A Bíblia fala do pecado como maldade ou injustiça, ao declarar: “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno, os seus pensamentos” (Is 55.7). Paulo, ainda, acrescenta:
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Não sabeis que os in justos não hão de herdar o Reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o Reino de Deus. (1 Co 6.9,10) Esta lista m o stra explicitam ente o que Deus, pela sua própria natu reza, considera com o inju stiça: tu do aquilo que não atinge a sua retidão absoluta.
Deus E Perfeito Deus é to talm en te perfeito em m oralidade — im pecável. Esta excelência ilibada de D eus é expressa por interm édio de várias palavras hebraicas que são traduzidas para o português com o perfeito ou perfeita: tamim, significa “co m p le to ,” “são,” “inculpável,” “perfeito,” “sem m an ch a”; shaletn, que significa “co m p leto ,” “seguro,” “inculpável”; tam, que é traduzido com o “co m p le to ,” “inculpável,” “p erfeito;” ornen, traduzido com o "p erfeito” e “fiel”; kalil, que significa “in teiro,” “ínteg ro,” “p erfeito”; e tamam, que é expresso por palavras co m o completo, acabado e inculpável. As palavras gregas para perfeito são teleios, que significa “co m p le to ,” “perfeito,” “m ad u ro”; teleioo, que carrega a idéia de “levar a u m fim ,” “co m p letar,” “aperfeiçoar”; teleiotes, u m conceito sim ilar que pode ser traduzido p o r “integralidade” e “perfeição”; e katartizo, que significa “co m p letar,” “aperfeiçoar,” “preparar.” Deus é perfeito em todos os sentidos (D t 32.4; 2 Sm 22.31). “Tens tu n otícia do equilíbrio das grossas nuvens e das m aravilhas daquele que é perfeito nos conhecimentos”? (Jó 37.16). “A lei do SENHOR éperfeita e refrigera a alm a” (SI 19.7). “O SENHOR aperfeiçoará o que me concerne; a tua benignidade, ó SEN HOR, é para sem pre; não desampares as obras das tuas m ão s” (SI 138.8). “O SEN H OR, tu és o m eu Deus; exaltar-te-ei e louvarei o teu nom e, porque fizeste maravilhas; os teus conselhos antigos são verdade e firmeza” (Is 25.1). “Sede vós, pois, perfeitos, co m o é perfeito o vosso Pai, que está nos céu s” (M t 5.48). “Para que experim enteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus" (R m 12.2). “Mas, quando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte será aniquilado” (1 C o 13.10). “[Ele] a quem anunciam os, adm oestando a todo h o m em e ensinando a todo h o m em em toda a sabedoria; para que apresentem os todo h o m em perfeito em Jesus Cristo” (C l 1.28). “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, e m q u e m não há m udança, n em som bra de variação” (Tiago 1.17). “Aquele, p o rém , que atenta bem para a lei perfeita da liberdade e nisso persevera [...] este tal será bem -aventurado no seu feito ” (T g 1.25). “Na caridade, não ha tem or; antes, a perfeita caridade lança fora o te m o r” (1 Jo 4.18).
O Pecado É Imperfeição Moral C o m o a natu reza m o ral de Deus é o padrão da perfeição, conclui-se que tudo aquilo que é im perfeito é pecam inoso por natureza. Assim, a Bíblia exo rta os crentes à perfeição (M t 5.48) por m eio da busca da sua vontade perfeita (R m 12.2): “Pelo que, deixando os ru dim entos da dou trin a de C risto, prossigamos até a perfeição” (Hb 6.1). A lém disso, devem os nos conservar “firm es, perfeitos e consum ados em toda a vontade de D eu s” (C l 4.12). E m sum a, pensam entos, intenções ou ações im perfeitas são pecam inosos, e o padrão ilibado de perfeição absoluta do D eus Santo claram ente não poderá ser atingido
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pela carne humana, mas somente pela capacitação quem vem de Deus (Fp 2.13).15 Os seres humanos são totalmente depravados.
Deus É Zeloso Esta palavra fala de uma característica essencial, e até mesmo reveladora que faz parte do seu nome (Ex 34.14). Deus é zeloso por tudo aquilo que lhe pertença de direito, ou seja, tudo aquilo que Ele criou. A palavra bíblica equivalente a zeloso ( kannaw) significa “ser desejoso de,” “ter zelo por,” “ficar irado a respeito de,” “exercer juízo em função de.” O termo básico no grego (zeloo) significa “ter uma grande afeição para com,” “ser ardentemente devotado a,” “desejar seriamente,” “ser fervoroso.” O zelo, ou cuidado, de Deus sempre é bem direcionado porque sempre se trata de algo que lhe pertence (SI 24.1).16 O zelo de Deus tem uma conotação de ira (Dt 29.20), indignação (Zc 8.2) e fúria (Is 42.13); o seu zelo se levanta contra o pecado, que é uma violação da sua natureza perfeita. A Bíblia descreve a oposição séria que Deus faz aos ídolos (1 Co 10.19-22), às imagens (SI 78.58), a outros deuses (Dt 32.16) e a outros pecados (1 Rs 14.22). Deus é zeloso pelo seu santo nome (Ez 39.25), pelo seu povo santo (Zc 8.2), pela sua terra santa (Jl 2.18) e pela sua cidade santa (Zc 1.14). Acima de tudo, Deus é zeloso pela sua natureza santa, pela sua singularidade: (1) Deus é único e supremo. (2) Deus é santo, amoroso e moralmente perfeito. (3) Assim, Deus é unicamente e supremamente santo, amoroso e moralmente perfeito. (4) Tudo o que é supremamente santo, amoroso e perfeito deve ser preservado com o mais elevado dos zelos. (5) O zelo de Deus é o seu zelo no sentido de preservar a sua própria santa supremacia. (6) Portanto, Deus está totalmente justificado no seu zelo (cf. Ex 34.14).
Pecado É a Ausência do Zelo Divino e a Presença do Zelo ímpio (a Inveja) Com relação aos seres humanos, as Escrituras falam tanto do zelo correto, quanto do incorreto; precisamos cultivar o primeiro e abandonar o segundo. O zelo correto é a valorização e a preservação daquilo que nos pertence, ao passo que o zelo incorreto é ser exigente e assumir uma atitude de possessividade para com aquilo que não nos pertence. E pecado não cuidarmos daquilo que Deus nos confiou; e é igualmente pecado sermos invejosos ou cobiçosos com aquilo que Ele não nos deu. Este cuidado protetor (o zelo, que chega a se confundir com um ciúme) não é um mal inerente. Deus é zeloso por tudo aquilo que é certo, verdadeiro e imutável — da mesma forma que deveríamos ser. Por exemplo, Paulo era zelosamente apaixonado pela Igreja: “Porque estou zeloso de vós com zelo de Deus; porque vos tenho preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo” (2 Co 11.2). De maneira semelhante, como o casamento é ordenado por Deus, o marido e a mulher pertencem um ao outro de tal maneira (cf. Nm 5.14; 1 Co 7.4) e estão corretos em zelarem na proteção do seu amor. 15V id e p a rte 2, “S alv ação .” lh e p e rte n c en d o .
16 M e sm o a q u ilo q u e D eu s co n fia ao cu id ad o de o u tr a p essoa, e m ú ltim a in stâ n cia , co n tin u a
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Deus É Amor A Bíblia fala que “Deus é a m o r” (1 Jo 4.16). Se o am or fo r definido co m o “aquele que deseja o bem para o seu depositário,” então D eus é bom . Na verdade, Ele é a própria bondade; Deus, verdadeiram ente, éTodo-bondade (ou “o nibenevolente”). Biblicam ente, o term o hebraico básico para “a m o r” ( chesed), utilizado para Deus, significa “amável benignidade” ou “suave e am ável benignidade.” A palavra grega agape, utilizada para se referir ao am or divino, significa am or “n ão-egoísta” ou “sacrifical.” “Há m u ito que o SEN H O R m e apareceu, dizendo: Com amor eterno te amei; também com amável benignidade te atra í” (Jr 31.3). “O SEN H O R, teu D eus, está n o m eio de ti, poderoso para te salvar; ele se d eleitará em ti co m alegria; calar-se-á por seu amor, reg ozijar-se-á em ti co m jú b ilo (S f 3.17). “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho umgênito, para que todo aquele que n ele crê não pereça, m as te n h a a vida e te r n a ” (Jo 3.16). “Porquanto o amor de Deus está derramado em nosso coração p elo Espírito S an to que nos foi d ado” (R m 5.5). “Mas Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (R m 5.8). “Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda m ortos em nossas ofensas, nos vivificou ju n tam en te com Cristo (E f 2.4-5). “[Quero que vocês venham a] conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de D eus” (E f 3.19). “E andai em am or, com o tam bém Cristo vos amou e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave” (E f 5.2). “ Vede quão grande caridade nos tem concedido o Pai: que fôssemos cham ados filhos de D eus” (1 Jo 3.1). “Conhecemos a caridade nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irm ãos” (1 Jo 3.16). Amados, amemo-nos uns aos outros, porque a caridade é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é caridade. Nisto se manifestou a caridade de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivamos. Nisto está a caridade: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados. (1 Jo 4.7-10) A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa; a caridade não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade nunca falha [...] Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três; mas a maior destas é a caridade. (1 Co 13.4-8,13)
Pecado É Falta de Amor Se Deus, que é o nosso padrão final de moral, é amor, então faltar com amor é pecado. Na verdade, Jesus disse que o am o r seria o m a io r b em m o ra l (M t 22.37), e ainda acrescen tou : “O uvistes que foi dito: A m arás o teu p ró xim o e aborrecerás o teu inim igo. Eu, p o rém , vos digo: A m ai a vossos inim igos, bendizei os que vos m ald izem , fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos m a ltra ta m e vos p erseg u em ” (M t 5.43-44). A lei disse: “N ão aborrecerás a teu irm ão n o teu c o ra ç ã o ” (Lv 19.17). Q u em n ão am a os seus irm ãos cren tes não am a a D eus, porqu e “Se alguém diz: Eu am o a D eus e aborrece a seu irm ão, é m en tiroso. Pois quem não am a seú irm ã o , ao qual viu, co m o pode am ar a D eus, a qu em não viu?” (1 Jo 4.20).
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Deus É Verdade A palavra hebraica para verdade ( emeth) significa “firme,” “estável,” “fiel,” “confiável,” “correto.” A palavra grega para verdade ( aletheia ) significa “verdadeiro,” “confiável,” “correto,” “real.” A verdade, conforme ensinada pelas Sagradas Escrituras, significa “aquilo que, por corresponder à realidade (aos fatos, ao original), é confiável, fiel e estável.” Quando utilizada a respeito das palavras, a verdade está dizendo que elas são o que são. Afirmações verdadeiras são aquelas que correspondem à realidade e, portanto, são dignas de confiança.17 Em contraste, a mentira é dizer as coisas de forma que não corresponda à realidade (1 Jo 2.21) a qual, portanto, não é digna de confiaça. Falsas expressões não correspondem à realidade. O Diabo é o pai de todas as mentiras (Jo 8.44); já Deus, por outro lado, não pode mentir (2 Co 1.18; Tt 1.2; Hb 6.18), e a sua palavra não poderá passar (Mc 13.3; cf. SI 117.2). Pela sua própria natureza, Deus é verdadeiro. As criaturas têm a verdade, mas Deus é apropria verdade: “Deus é a verdade” (Dt 32.4). “Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para que se arrependa; porventura, diria ele e não o faria? Ou falaria e não o confirmaria?” (Nm 23.19). “Tu me remiste, SENHOR, Deus da verdade” (SI 31.5). “Porque a palavra do SENHOR é reta, e todas as suas obras são fiéis (SI 33.4). “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). “Aquele Espírito da verdade, que procede do Pai, testificará de mim” (Jo 15.26). “E como dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir ao Deus vivo e verdadeiro” (1 Ts 1.9). “Para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta” (Hb 6.18). “Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e o espírito do erro” (1 Jo 4.6). Como Deus é fiel, podemos confiar nas suas promessas (SI 89.35), podemos ter a segurança da nossa salvação (2 Tm 2.13), de que estamos protegidos (SI 91.4), de que somos salvos (Ef 1.13), santificados (2 Ts 2.13), libertos (Jo 8.32), e que estamos firmados para todo o sempre (SI 117.2).
Pecado É a Falta da Verdade Como já vimos, se a natureza de Deus como sendo a própria verdade é o padrão final da justiça, Assim, a Bíblia nos exorta a sempre falar a verdade (Ef 4.25), a caminhar na sua verdade (SI 86.11), a servi-Lo em verdade (ISm 12.24), a estudar diligentemente a sua verdade (2Tm 2.15; Jo 17.17), a adorá-Lo em verdade (Jo 4.24), e a orarmos para sermos guiados pela verdade (SI 25.5). A mentira é pecaminosa e é claramente proibida nos Dez Mandamentos: “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Ex 20.16).18A Bíblia nos ordena a: “Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos” (Cl 3.9). Os mentirosos incorrem em juízo eterno: “Mas, quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos fornicadores, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre, o que é a segunda morte” (Ap 21.8). então faltar com a verdade é pecar.
17V ide v o lu m e 1, ca p ítu lo 7.
18 O p eca d o da m e n tira p ode ser c o m e tid o p o r a ção ou p o r om issão.
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UMA OBJEÇÃO À DOUTRINA DA PECAMINOSIDADE HUMANA Existe u m a objeção significativa a esta dou trin a da pecam inosidade hu m ana: alega-se que u m padrão tão elevado e m ajestoso é im praticável aos seres hum anos.
O Conteúdo da Objeção — Parece Impossível Escapar do Pecado A luz do padrão absoluto de perfeição divina, argum enta-se que é irracional exigirm os que seres hu m anos m ortais sejam capazes de alcançá-lo. Afinal, Deus está ordenando o impossível e, depois, culpando os seres h u m anos por não conseguirem se adequar.
Resposta a esta Objeção Em prim eiro lugar, Adão fo i criado com a capacidade de aderir a este padrão de perfeição absoluta quando foi divinam ente agraciado com a justiça original.19 C om o já ficou dem onstrado, ele não foi tentado em questões m orais corriqueiras, mas na possibilidade de obedecer ou desobedecer a Deus naquilo que o Criador já lhe havia determ inado para fazer.20 Antes da Queda, de fato, os seres hum anos eram capazes, em si, e por si m esm o, de atingir ao padrão absoluto de perfeição estabelecido por Deus. Se não tivessem recebido esta capacidade, Deus poderia ser acusado de ter criado criaturas im perfeitas.21 A lém disso, m esm o depois da Queda, D eus não poderia ter rebaixado ou dim inuído o seu padrão m o ral final — que é a sua própria natureza, a qual não pode ser m odificada Hb 6.18, 2 T m 2.13). C o m o Ele é a personificação da própria santidade, Ele é incapaz de olhar para o pecado (Hc 1.13), à medida que isso violaria a sua própria essência de realidade e verdade, o pecado, de fo rm a algum a, pode passar despercebido ou im pun e diante do Criador. Com o, então, pode ser ju sto que Deus exija de nós, em nosso estado decaído e pecador, aquilo que é impossível? A resposta está na sua graça capacitadora. Sim , é impossível conseguirm os agradar a Deus em nossa carnepecaminosa. “Mas todos nós somos com o o im undo, e todas as nossas justiças, com o trapo da im undícia” (Is 64.6), e “Deus, nosso Salvador, para com os hom ens, não pelas obras de justiça que houvéssem os feito, mas, segundo a sua m isericórdia” (T t 3.5). Paulo declarou: “Porque eu sei que em m im , isto é, n a m inh a carne, não habita bem algum ; e, com efeito, o querer está em m im , mas não consigo realizar o bem” R m 7.18). Na verdade, Jesus disse: “Sem m im nada podeis fazer” (Jo 15.5). Aquilo que não podem os fazer por m eio de nossa própria força, poderem os realizar pela graça de Deus: “Porque D eus é o que opera em vós tan to o querer co m o o efetuar, segundo a sua boa vontad e” (Fp 2.13). Paulo disse: “Posso todas as coisas naquele que m e iDrtalece” (Fp 4.13). Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima do que podeis; antes, com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar. (1 Co 10.13) C onseqüentem ente, m esm o em nosso estado decaído é possível levarm os um a vida ianta — a qual se desenvolve em nós quando aceitam os a graça salvadora e capacitadora 5 V ide c a p ítu lo 3.
20 V id e c a p ítu lo 1, sob o títu lo “As C o n d iço e s O r ig in a lm e n te C riad as.”
N atu reza M etafísica d o P ecad o ” b e m c o m o n o V o lu m e 2, c a p ítu lo 19.
21 V ide a cim a , sob o títu lo “A
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de Deus. Deus jamais nos ordena a fazer o que é impossível de se fazer; sugerir algo diferente seria atribuir irracionalidade àquele que é a Fonte última da própria racionalidade. Como já vimos, dever implica poder — e nós podemos, não pelas nossas próprias forças, mas pela sua graça.22
A BASE HISTÓRICA ACERCA DA NATUREZA DA PECAMINOSIDADE HUMANA Ao longo da história da igreja cristã, os seus maiores mestres têm afirmado a natureza terrível do pecado humano em contraste com a maravilhosa perfeição de Deus. As citações a seguir ilustram a unidade e continuidade desta convicção a respeito da depravação humana, com ênfase na sua natureza originada nas ações livres, e na sua corrupção (ou privação) do bem perfeito que Deus criou.
Os Pais Pós-Apostólicos O ensino bíblico acerca da natureza do pecado está presente nos escritos dos Pais do período primitivo da Igreja. Clemente de Alexandria (150-C .215d.C .)
O homem dirige os movimentos voluntários da suas próprias ações. E, dessa forma, existem certas coisas que foram criadas para este fim, para que, no seu serviço, elas estejam sujeitas à necessidade, e não sejam capazes de executar algo diferente daquilo que lhes foi designado; e quando elas cumprirem este serviço, o Criador de todas as coisas, que [...] organizou-as de acordo com a sua vontade, preserva-as. Existem outras coisas, porém, nas quais existe o poder do arbítrio, e que tem a livre-escolha de fazer o que bem entenderem. Estas, como já disse, não permanecem sempre na ordem como foram criadas, mas de acordo com a direção que a sua própria vontade lhe dá, e com o juízo que a sua mente lhes inclina, elas realizam tanto o bem, quanto o mal e; portanto, Ele propôs recompensas para aqueles que procederem bem, e castigos aos que procederem mal. (KOC in Robertus e Donaldson, ANF, VIII. 3.24) Algumas coisas, como já disse, Ele [Deus] assim o quis, de forma que não podem ser diferentes da forma com que as ordenou; e para estas Ele não atribuiu nem recompensas, nem punições; mas àquelas que ele desejou atribuir o pode de fazer o que desejarem, Ele destinou, de acordo com as ações que executarem com base na sua vontade, receberem recompensas ou punições. Portanto, como já lhes havia informado, todas as coisas que se movem são divididas em duas partes, de acordo com a distinção que lhes apresentei anteriormente, tudo o que Deus deseja é, e o que Ele não deseja, não é. (ROC in ibid., Vm.3.25) Vós me confrontareis dizendo: “Mas mesmo que cheguemos a esta conclusão por meio do livre-arbítrio, será que o Criador não sabia previamente que aqueles a quem criaria haveriam de cair na maldade?” Ora, por que Ele haveria de criar seres que, conforme ele mesmo poderia antever, desviar-se-iam do caminho da justiça?
22V id e p a rte 2, so b re “ju stific a ç ã o , sa n tifica çã o e g lo rifica çã o .”
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Portanto, o que dizemos às pessoas que fazem este tipo de pergunta é que este tipo de afirmação da nossa parte serve para mostrar porque a impiedade daqueles que foram criados de outra forma, não prevaleceu sobre a bondade do Criador. Pois se Ele, no desejo de completar o número e a medida da sua criação, tivesse tido medo da impiedade daqueles que seriam criados e, a exemplo de alguém que não conseguisse encontrar outra forma de remédio ou cura, preferisse, então, desistir do propósito de criar por medo que a impiedade dos futuros seres fossem a Ele atribuídas; o que isto denotaria, senão um sofrimento indigno e uma fragilidade incomparável da parte do Criador, que deveria, dessa forma, temer os atos dos seres ainda não criados, a ponto de desistir do seu intento de criar? (ROC in ibid.) Pela liberdade da vontade, todo homem, apesar de ser incrédulo quanto as coisas do porvir, pelas suas obras más acaba cometendo males. E estas são as coisas no mundo que parecem ser feitas em oposição à ordem, que devem a sua existência à incredulidade. Portanto a dispensação da divina providência, que foi concedido aos homens no princípio, para caminhar no bom caminho da vida, para desfrutar as coisas boas e incorruptíveis, deve [além disso] ser admirada; só que ao pecar, eles acabaram por proporcionar o surgimento do mal, por meio do pecado. (ROC in ibid., VIII.8.51) Tertuliano (c. 155-c. 225 d.C .) Eles [os hereges] dizem: “Olhai como Ele reconhece a Si mesmo como sendo o Criador do mal na passagem E u faço a paz e crio o mal’ (Is 45.7)”. Eles tomam uma palavra que num sentido único reduz à confusão e à ambigüidade duas formas de males (porque tanto o pecado quanto o castigo são chamados de males), e consideram que em cada passagem ele deve ser considerado como o Criador de todas as coisas ruins, a fim de que possa ser considerado o próprio autor do mal. Nós, por outro lado, fazemos uma distinção entre os dois significados da palavra em questão e, por meio da separação dos males do pecado dos males penais, os mala culpae dos mala poenae, confinamos cada uma das categorias ao seu devido autor — o Diabo como autor dos males do pecado (culpae) e Deus como o criador dos males penais (poenae); de forma que uma classe deve ser considerada como moralmente ruim, e a outra como sendo parte do agir da justiça ao passar sentenças penais contra os males do pecado. Da última classe de males que são compatíveis com a justiça, Deus é, formalmente, declarado como o Criador. (FBAM in ibid., 1II.2.2.2.14).
Os Pais da Igreja Medieval Começando por Agostinho e finalizando com Tomás de Aquino, os grandes teólogos da Idade Média enfatizaram os mesmos temas da natureza do mal como uma privação das boas naturezas que Deus havia proporcionado ao conceder o livre-arbítrio às suas criaturas. Agostinho (354-430d.C.) Que a raça humana inteira foi condenada na sua primeira origem, isto é a própria vida, se é que isto deve ser chamado de vida, fica claro pelo testemunho dos diversos males
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cruéis com os quais esta vida está repleta. Será que isto não fica provado pela ignorância profunda e terrível que gera todos os erros que envolvem os filhos de Adão, e dos quais nenhum homem consegue se libertar sem penas, dores e medo? Não fica provado pelo amor que o homem tem por tantas coisas fúteis e nocivas, que produzem cuidados distorcidos, preocupações, sofrimentos, medos, prazeres dissolutos, intrigas, processos judiciais, guerras, traições, iras, ódios, enganos, lisonjas, fraudes, roubos, assaltos, perfídias, orgulhos, ambições, invejas, assassinatos, parricídios, crueldades, ferocidades, impiedades, luxúrias, insolências, impudências, falta de vergonha, fornicações, adultérios, incestos e inumeráveis impurezas e atos não naturais de ambos os sexos? (C, 22.22) Tampouco devemos supor que em função do pecado não ter mais poder de nos proporcionar deleite [...] [que] o livre-arbítrio deva ser eliminado. Pelo contrário, ele será ainda mais verdadeiramente livre, porque [eles serão] libertos do deleite no pecado para ter um deleite inabalável [na bondade de Deus] na abstinência do pecado. Pois a primeira liberdade de arbítrio que o homem recebeu ao ser criado íntegro consistia na capacidade de não pecar, mas, além disso, em uma capacidade de exercitar o pecado; visto que esta última liberdade de arbítrio deve prevalecer, já que ele não será capaz de pecar.23 Isto, na verdade, não deve ser uma capacidade natural, mas sim um dom de Deus. Pois uma é coisa é ser Deus, [e é] outra coisa ser um participante de Deus. Deus, por natureza, não pode pecar, mas aquele que partilha dele não recebe dele esta capacidade. (CG, XXII, 30) Os nossos primeiros pais caíram em desobediência aberta porque j á estavam secretamente corrompidos; por o ato mau jamais teria sido executado, caso uma vontade maligna não o tivesse precedido. E qual é a origem da nossa vontade maligna, se não for o orgulho? Pois “o orgulho é o princípio do pecado” (C, 14.13). A vontade que dá passagem ao bem imutável que é comum a todos, obtém as primeiras e melhores coisas do homem, apesar de ser, por si mesma, somente um bem intermediário. Entretanto, a vontade que passa do bem imutável e comum para o seu próprio bem particular ou para qualquer coisa que seja externa ou inferior, é pecado. ( OFW, 2.53) Que causa do querer poderia preceder o próprio querer? Ou é uma vontade, e neste caso não saímos da raiz do mal, ou não é, e neste caso não há pecado nela. Logo, Ou, a vontade é, por si mesma, a causa original do pecado; ou a causa original existe sem o pecado, (ibid., 3.49) Tomás de Aquino (1225-1274) “A ausência do bem, considerada em um sentido particular [negativo], é um mal; como, por exemplo, a privação da visão causada pela cegueira” (ST, 48.3). O mal [...] é a privação do bem, o qual, por si mesmo e principalmente, consiste em uma perfeição e um ato. O Ato, entretanto, é duplo: o primeiro e o segundo. O primeiro ato é a forma e a integridade de algo; o segundo ato é a sua operação. Portanto o mal também será duplo. Por um lado ele ocorre pela subtração da forma, ou de qualquer 23 Para u m a ex p lica çã o d a razão da su p eriorid ad e d esta liberdade, vide c a p ítu lo 3, sob o títu lo “A N a tu re z a d a Liberdade H u m a n a n o C é u ” e a “Liberdade Para Se F azer S o m e n te o B e m N ão S ig n ifica U m a P erda d a Liberdade R e a l.”
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parte solicitada na integridade deste algo, tal qual a cegueira é um mal, ou como também é um mal estar na falta de algum membro do corpo, (ibid., 48.4)
Os Líderes da Reforma Apesar de os Reformadores terem enfatizado a abrangência e a profundidade da depravação humana, bem como a impossibilidade da sua redenção sem a graça de Deus, as raízes desta ênfase foram tomadas dos grandes mestres medievais que os antecederam, dos quais se destaca Agostinho. Martirtho Lutero (1483-1546) Nenhum sofrimento na experiência de um homem, mesmo que não seja tão intenso, pode ser maior que os males que já estão no seu íntimo. Dentro do homem existem muito mais males, e males ainda maiores do que aqueles que ele consegue sentir. E se ele tivesse que sentir estes males, ele teria uma experiência do que é o inferno, pois há um inferno dentro dele próprio. Você me pergunta como isto pode ser assim? O profeta diz: “Todos os homens são mentirosos”; e mais uma vez, “Todo homem no melhor do seu estado não passa de vaidade.” Mas ser um mentiroso e um poço de vaidade significa viver na mentira e fora da realidade; viver na mentira e fora da realidade é viver separado de Deus e ser nada; e é exatamente isso que é estar no inferno e condenado. Portanto, quando Deus na sua misericórdia nos castiga, Ele nos revela e derrama sobre nós somente os males menores; pois se tivesse que nos levar ao pleno conhecimento do nosso mal, cairíamos instantaneamente fulminados. (WL, 1.115) João Calvino (1509-1564) O pecado original, portanto, pode ser definido como uma corrupção hereditária e uma depravação da nossa natureza, que se estendem a todas as partes da alma, as quais, num primeiro momento, fazem-nos arredios à ira de Deus e, em um segundo momento, produzem em nós obras que as Escrituras denominam de obras da carne. Esta corrupção é repetidamente designada por Paulo pelo termo “pecado” (G15.19), ao passo que as obras que dela procedem, tais como o adultério, afornicação, o roubo, o ódio, o assassinato, as orgias, Paulo denomina, igualmente, de frutos do pecado, apesar de em várias passagens das Sagradas Escrituras, e até mesmo pelo próprio Paulo, estas também sejam designadas como “pecados.” (ICR, II. 1.8) Filipe Melanchton (1497-1560)
É muito necessário reconhecermos que o pecado não é causado por Deus. Deus não tem qualquer prazer nele, não o deseja, nada faz para que ele seja cometido; tampouco impele ou leva alguém a pecar. Ao contrário, Deus é um inimigo implacável e um castigador de qualquer tipo de pecado. As fontes do pecado são a vontade do homem e a vontade do Diabo! Primeiramente os Diabos e depois os próprios homens, por sua livre-vontade, sem qualquer tipo de coação por parte de Deus, abandonaram Deus e se entregaram ao pecado. (OCD, 45)
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Os Mestres do Período Pós-Reforma Os resultados dos ensinamentos do período pós-reforma continuam a reverberar até o período contemporâneo, enfatizando a natureza hedionda do pecado que é resultado do mau-uso da liberdade por parte de Adão, o qual contaminou toda a humanidade. Charles Hodge (1797-1878)
Os efeitos do pecado sobre os nossos primeiros pais, foram: (1) a vergonha, uma sensação de degradação e poluição; (2) Um pavor da desaprovação de Deus; ou uma sensação de culpa, e o conseqüente desejo de se esconder da presença de Deus. Estes efeitos foram inevitáveis. Eles provam não somente a perda da inocência como também da justiça original, e com ela a perda do favor e da comunhão com Deus. Portanto, o estado ao qual Adão foi reduzido em função da sua desobediência, no que diz respeito à sua condição subjetiva, era análogo ao dos anjos decaídos. Ele ficou total e absolutamente arruinado. Diz-se que homem algum se torna completamente depravado por uma transgressão somente. Num sentido isto é verdade, porém uma transgressão que desperta a ira e a maldição de Deus e que gera a perda da comunhão com Ele, levando-nos à morte espiritual, é equivalente a um ferimento no coração que causa a morte do corpo; ou a uma perfuração nos olhos, que representa para nós a escuridão eterna. (ST, II.VII) William G. T. Shedd (1820-1894)
A tendência ao pecado implica que a origem ou o poder autodeterminante foi internamente exercido, embora talvez não tenha sido exteriormente exercido. Uma tendência ao pecado é uma inclinação ao pecado. Trata-se de uma propensão do coração, e uma disposição da vontade. A possibilidade de pecar é inocente; a tendência ao pecado é pecaminosa. (DT, II.IV.150n) M illard Erickson (nascido em 1 9 3 2 /[...].)
A nossa natureza pecaminosa não somente nos afeta como indivíduos, como também os nossos relacionamentos. Tornamo-nos competitivos, desejamos o carro, a esposa ou o marido, ou a casa de outra pessoa. Chegamos ao ponto de não conseguirmos mais empatizar com os outros porque a única coisa com a qual nos preocupamos somos nós mesmos. Rejeitamos a autoridade, porque precisamos ser livres para fazer tudo aquilo que desejamos. Tornamo-nos incapazes de amar ao próximo, porque se tudo o que somos visa a auto-satisfação, até mesmo o nosso altruísmo passa a ser feito com o objetivo de fazer com que nos sintamos bem. (CT, 615-19)
CONCLUSÃO As condições originalmente criadas para a humanidade, bem como as criadas na humanidade, tendo sido obra de Deus, eram perfeitas. Contudo, por causa do uso ilícito do livre-arbítrio,24 o pecado teve o seu lugar neste nosso mundo, manchando terrivelmente a criação imaculada de Deus. O estado posterior de pecaminosidade, no qual a humanidade foi introduzida, tornou a posteridade de Adão humanamente (mas não divinamente) irrecuperável. Quando esta condição decaída é vista à luz da natureza 24Vide capítulo 3.
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absolutam ente perfeita de D eus — que é o padrão final de pureza e santidade — o contraste m arcan te revela a im agem horrível da depravação hum ana. Os seres hu m anos são to ta lm en te depravados; ou seja, o pecado se estende a todas as partes da natu reza hu m ana, incluindo-se aqui a m en te, a vontade e as em oções. X en h u m a faceta do nosso ser está im u n e à influência difusa do pecado. Todavia, apesar da depravação total ser abrangente, estendendo-se a todas as partes do ser hu m ano, ela não é intensiva, pois não chega a aniquilar a hum anidade de u m a pessoa. Se este aniqu ilam ento fosse possível, esta pessoa não seria capaz de pensar, de sentir ou de fazer as suas escolhas; e sem a capacidade racional e volitiva, a pessoa não poderia pecar. Os seres hu m anos decaídos foram claram ente criados à im agem de D eus (G n 9.6; Tg 3.9), u m a im agem que foi obscurecida, mas não erradicada pelo pecado. Apesar de os seres hu m anos serem to ta lm en te incapazes, por suas próprias forças, de dar início, ou de alcançar a salvação, eles têm a capacidade de rejeitá-la (Jo 3.18, 36; cf. R m 1.18). E, com o verem os adiante, são tam bém capazes de aceitar o evangelho e serem salvos, sob a sutil influência do Espírito San to .25
FONTES A gostinho. A Cidade de Deus. -------- . Confissões. -------- . On Free Will. -------- . Two Souls, Against the Manichaeans. Calvino, João. Institutas da Religião Cristã. C lem ente de Alexandria. Recognitions o f Clement. Erickson, M illard. Christian Theology. Hodge Charles. Systematic Theology. Luther, M artin. The Works o f Luther. M elanchton, Philip. On Christian Doctrine. R oberts, Alexander e Jam es D onaldson. The Ante-Nicene Fathers. Schaff, Philip. History o f the Christian Church. Shedd, W illiam G. T. Dogmatic Theology. -------- . The History o f the Christian Church. Tertu liano. Five Books Against Marcion. Tomás de Aquino. Summa Theologica.
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CAPÍTULO
CINCO
OS EFEITOS DO PECADO
OS EFEITOS DO PECADO SOBRE ADÃO E EVA
D
eus criou os prim eiros seres hu m anos em u m estado de perfeição (vide capítulo 1). U m a das perfeições que Deus nos concedeu foi o poder do livre-arbítrio (vide capítulo 2). Adão e Eva fizeram uso desta liberdade para desobedecer a D eus (vide capítulo 3). O que seguiu-se a este m au uso da liberdade hu m an a (o livre-arbítrio) foi um estado de pecam inosidade, do qual não podem os escapar e reverter sem o auxílio divino (vide capítu lo 4). C o m o verem os neste capítulo, a desobediência do casal original trouxe a m o rte ao m undo. Existem três tipos de m o rte: a espiritual, a física e a eterna. Adão e Eva m o rreram espiritualmente no m o m en to em que pecaram . Eles tam bém com eçaram a m o rre r fisicamente naquele m esm o dia.1 Caso Adão e Eva não tivessem aceitado a provisão de salvação oferecida por D eus,2 teriam tam bém , em algum m o m en to , m orrid o eternamente, o que significaria u m a separação perpétua de D eus.3
A Morte Espiritual A m o rte é a separação de Deus, e a m o rte espiritual é a separação espiritual de Deus. Isaías declarou: “Mas as vossas iniqüidades fazem divisão en tre vós e o vosso Deus, e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não o u ça” (Is 59.2). No instante em que Adão pecou, ele experim entou o isolam ento espiritual de Deus; isto fica evidenciado pela vergonha que ele sentiu a ponto de se esconder do seu Criador. Então, foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais. E ouviram a voz do SENHOR Deus, que passeava no jardim pela viração do dia; e escondeu-se Adão e sua mulher da presença do SENHOR Deus, entre as árvores do jardim. (Gn 3.7,8)
A dão veio a fa le c e r fisica m e n te c o m idade de 930 an os (G n 5 .5). -
1 Eles, a p a re n te m e n te , a ce ita ra m
já q u e
D e u s c o b riu
ua n u d ez c o m p ele de an im a is (G n 3 .2 1 ), os quais, in d u b ita v e lm e n te , h aviam sido sacrificad os p o r ca u sa d o p eca d o do
:is a l. A lém disso, n u m a to de fé, A dão ch a m o u Eva de “m ã e de to d o s os v iv en tes” (G n 3.20). F in a lm e n te , Eva exp resso u a -u a fé a sua fé n a p ro m essa m essiâ n ica da s e m e n te da m u lh e r (G n 3.15), ao d ecla ra r, n o n a s cim e n to de S ete , que ele era u m a s e m e n te do S e n h o r (G n 4 .2 5 ).
3 E m A p o calip se 20.14, is to é c h a m a d o de “seg u n d a m o r te .”
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Todo descendente de Adão — toda pessoa nascida de pais naturais desde o tempo da Queda — também está espiritualmente morto. E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados [...] Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos). (Ef 2.1, 4-5)
Jesus também disse a Nicodemos: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus [...] aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo. (Jo 3.3, 5-7)
O novo nascimento do que Jesus falava é o ato da regeneração, pelo qual Deus transmite a vida espiritual para a alma do crente (1 Pe 1.23). Paulo também toca no assunto: [Ele] nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo, que abundantemente ele derramou sobre nós por Jesus Cristo, nosso Salvador, para que, sendo justificados pela sua graça, sejamos feitos herdeiros, segundo a esperança da vida eterna. (Tt 3.5-7) Sem esta regeneração, todo ser humano está espiritualmente morto nos seus pecados.
A Morte Física Depois de criar Adão: “E ordenou o SENHOR Deus ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.16-17). No exato momento em que Adão tomou parte no fruto proibido, ele começou a morrer fisicamente, apesar da mentira de Satanás de que ele não morreria (cf. 3.4).4 A morte física é o resultado inevitável do pecado de Adão não somente para si mesmo, como também para todos os seus descendentes naturais (à exceção de Cristo).5 Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram. Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado não havendo lei. No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir [Jesus]. (Rm 5.12-14)
4 N a verdad e, alg u m as p essoas su g e re m q u e se “u m dia” fo r co n sid era d o c o m o m il an o s (vide, p o r e x e m p lo , o SI 90.4; 2 Pe 3 .8), A dão lite ra lm e n te m o r re u d e n tro d este in te rv a lo de te m p o (930 a n o s).
5 A m o r te física d e C risto n ã o foi re su lta d o
do seu n a s cim e n to n a tu r a l, m as sim d ele te r se ofere cid o a S i m e sm o c o m o n o sso su b stitu to .
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A Morte Eterna Se Adão não tivesse aceitado a provisão de salvação feita p o r Deus (G n 3.15-24), ele teria, em algum m o m en to , experim entado o que a Bíblia cham a de “segunda m o rte ,” que é a separação etern a de D eus.6 João escreveu sobre ela nas seguintes palavras: “E a m o rte e o inferno foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda m o rte. E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fo g o ” (Ap 20.14-15). Todos os que nascerem som ente u m a vez (fisicam en te), haverão de m o rre r duas vezes (física e etern am en te).7 C ontu do, todos os que nascem duas vezes (física e espiritualm ente) m o rrerão som en te u m a vez (fisicam ente). Jesus disse: “Todo aquele que vive e crê em m im n u n ca m o rre rá ” (Jo 11.26).
OS EFEITOS DO PECADO SOBRE A DESCENDÊNCIA DE ADÃO O pecado de Adão afetou não som ente a si m esm o, co m o tam bém toda a sua d escendência— todos nós pecam os “por u m h o m e m ” (R m 5.12). E todos os descendentes de Adão estavam presentes nele, potencial e seminalmente,8 e/ou legalmente (juridicamente), já que, com o o cabeça da raça hu m ana, ele era o nosso representante legal (R m 5.18-21).
Os Efeitos Jurídicos (Legais) do Pecado de Adão C om o o nosso representante legal,9 Adão, pecou em nosso lugar, recebem os as conseqüências legais das suas escolhas. Em outras palavras, Adão tinha uma procuração passada por Deus com poderes sobre toda a humanidade, e quando ele fez uso dela para o m al, as conseqüências do seu pecado foram diretam ente im putadas para todos os m em bros da sua posteridade — que som os todos nós. Paulo declara: Pois assim com oporum asó ofensa [o pecado de Adão] veio o j uízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça [a morte de Cristo] veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem [Adão], muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos. (Rm . , )
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C o m o, legal ou ju d icialm ente, as conseqüências do pecado de Adão foram imputadas para toda a sua descendência natu ral, verem os p osteriorm en te, que C risto, o “ú ltim o Adão” (1 C o 15.45), revogou o ato do prim eiro Adão, tornand o todos os seres hum anos legal e p o ten cialm en te salváveis.10 Dessa form a, todos nós p erm anecem os culpados diante de Deus p o r causa do que Adão fez em nosso lugar. O seu pecado no lugar da hum anidade co m o u m todo foi im putado sobre nós todos. E claro que o conjunto da humanidade (ou os muitos)" não foi * Q u e é c h a m a d a de “segu n d a m o r te ” p o r ser a segu n d a m o r te d o c o rp o .
7 P orq u e to d o s os seres h u m a n o s j á estão
e sp iritu a lm e n te m o r to s q u an d o n a s ce m fisica m e n te, eles so m e n te e n fr e n ta m a m o r te física e a e te r n a , n a verdad e, em te rm o s de e x p eriên c ia (im p lic a n d o , e n tã o , q u e a m o r te esp iritu a l de tod as as pessoas o c o rr e u no pecado de Adão. n a f o rm a de s e m e n te (cf. H eb reu s 7 .9 -1 0 ).
9 O u “ca b eça fed era l”; vide c a p ítu lo 9.
da salvação, e c a p ítu lo 12, so b re a a b ra n g ên cia d a salvação.
8 O u seja,
10 V id e c a p ítu lo 9 so b re a n a tu re z a
11 O fa to dos “muitos” (g re g o : hoi polloi) sig n ificar “to d o s ” e m
rvom anos 5.18-19 fica claro p e lo fa to de, e m p rim e iro lu g a r, muitos é u tiliz a d o e m c o n tra s te c o m u m (g re g o : enos, c o m rrig e m e m heis), e n ã o e m c o n tra s te c o m p o u co s, e p o rq u e, e m seg u n d o lug ar, “m u ito s ” e “t o d o s ” são u tilizad o s de m a n e ira in te rca m b iá v e l (vide c a p ítu lo 11, p a ra v e r u m a an álise m ais d etalh ad a).
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tornad o verdadeiram ente pecador, já que eles, n a verdade, n ão existiam naquela época. C ontudo, eles estavam presentes legal e p o ten cialm en te em Adão e, com o tais, receberam a im putação das conseqüências dos pecados dele.
Os Efeitos Transmissionais do Pecado de Adão Não foi som en te o efeito do pecado de Adão (a nossa decadência ou depravação) que foi im putado aos descendentes de fo rm a direta e im ediata, m as este efeito tam bém foi transm itid o aos h om ens de fo rm a indireta e mediada. Toda pessoa que é n atu ralm en te gerada a partir de Adão — isto é, cada u m dos seres hu m anos — acaba por herdar u m a natu reza pecam inosa deste nosso ancestral prim itivo. Isto é, às vezes, cham ado de d ou trina do “pecado origin al” (o u “pecado herd ado” [vide Sl 51.5]). C om o já observam os, Paulo confirm a: E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados [...] entre os quais todos nós também, antes, andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também. (Ef 2.1,3) Som os pecadores não som ente porque pecam os, m as tam bém porque já nascem os em pecado. E, sendo pecadores por natu reza, afastados e desprovidos da salvação,12 inevitavelm ente, som os e fazem os aquilo que nos é natu ral: o pecado. D a m esm a fo rm a que esta natu reza pecam inosa que é transm itid a dos pais para os filhos é ob jeto de debates teológicos substanciais, inquestionável, en tretan to , é o ensinam ento bíblico que nos é transm itido. A m e lh o r explicação parece surgir a partir de u m a visão trad u cionista acerca da origem da alm a h u m a n a .13 (1) Desde a criação direta de Adão por parte de Deus, cada alm a que vem a este m u nd o chega por interm édio de ação n atu ral a partir dos seus pais. (2) D eus certam en te não cria as alm as decaídas. (3) Igualm ente certo é o fato de a alm a h u m an a não ser criada sem pecado; ela p o rém se to rn a m isteriosam ente pecam inosa na concepção, na geração de u m novo ser através da h eran ça pecam inosa herdada de seus genitores. A conclusão mais razoável parece ser que u m a alm a pecadora é transm itida por interm édio de pais pecadores no processo n atu ral de con cep ção .14
Os Efeitos Relacionais do Pecado de Adão O pecado de Adão tam bém teve u m efeito im ediato sobre o seu relacionam ento co m Deus, co m os ou tros seres hu m anos e co m o m eio-am biente no qual ele estava inserido. Os Efeitos do Pecado sobre o seu Relacionamento com Deus
A Q ueda de Adão afetou o seu relacionam ento co m D eus de diversas form as.
A Separação Espiritual A m o rte é u m a separação, e a m o rte espiritual é u m a separação espiritual de Deus. C onseqüentem ente, em função da m o rte espiritual que oco rreu no exato m o m en to em 12Vide parte 2.
13Vide capítulo 1.
14Vide capítulo 3, para obter um a análise mais detalhada do Traducionism o.
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que ele pecou. Adão perdeu o seu relacion am ento co m o Criador. De igual m odo, com o já vim os, todos os seus descendentes estão n a tu ra lm en te “m o rto s em ofensas e pecados” (Ef. 2.1). Assim, se não houver u m novo nascim en to (Jo 3.3), tam bém conh ecid o com o “regen eração” (T t 3.5), n in g u ém poderá se salvar. Todavia, a morte espiritual não deve ser m al-com preen d id a co m o guardando relação com , por exem plo, a noção dos seres hu m anos serem tão depravados a p o n to de terem perdido a capacidade de com preend er e responder à m ensagem de Deus. No próprio con texto da carta aos Efésios, con form e vim os acim a, Paulo fala da salvação da m o rte espiritual co m o algo que vem “por m eio da fé ” (2.8-9).15 O utras figuras de linguagem que descrevem a depravação to tal, de igual m odo, sugerem que o pecador não está morto no sentido de não ser capaz de com preend er e aceitar a salvação, pela graça de Deus. Por exem plo, o pecador está: (1) S u jo , ou seja, precisa de purificação/lim peza;16 (2) D oente, precisa de cu ra ;17 (3) Na escuridão, precisa de lu z.18 E óbvio que um a pessoa en ferm a é capaz de receber a cura, da m esm a fo rm a que u m a pessoa su ja pode aceitar ser lim pa e o u tra que esteja na escuridão pode aceitar que as luzes sejam acesas. Em cada u m dos casos, o pecador é incapaz de fazer estas coisas por si mesmo (por suas próprias forças); por ter perdido a sua vida espiritual, ele necessita da aju d a da graça de D eus que age em cooperação com a vontade do pecador em aceitar a Cristo. A depravação total, p o rtan to , significa a “to tal incapacidade de alcançar/obter a solução para os nossos pecados por nós m esm os,” e não a “to tal incapacidade de aceitá-la da parte de D eu s.”19
A Culpa e a Vergonha De acordo com R om an os 5, o ato de desobediência de Adão foi um “pecado,” um a “ofensa,” que resu ltou em “cond enação” (vv. 12,17, 18). E com base na lei que se declara que “toda boca esteja fechada e tod o o m u nd o seja condenável diante de D eus” (R m 3.19). P ortanto, o pecado de Adão trouxe a culpa sobre ele, bem com o a vergonha que ele expressou por conseqüência dela (G n 3.7).20
A Perda da Com unhão Adão não perdeu som en te o seu relacion am en to com D eus, mas tam bém a sua comunhão com o Criador. Adão não queria mais conversar com Ele, preferindo se esconder no Jardim . João nos faz lem brar: Se dissermos que temos comunhão com ele e andarmos em trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado. (1 Jo 1.6,7)
13 A lé m disso, a morte esp iritu a l (ta n to aqui, q u a n to e m o u tra s passagen s, p o r e x e m p lo , A p 20 .1 4 ), n ã o sign ifica “a n iq u ila m e n to ” (o u “n ã o -e x is tê n c ia ”) — vide ad ian te n o c a p ítu lo 12) m a s sim a “sep a ra çã o de D e u s ” e a “fa lta de vida esp iritu al.”
16 T t 2.14; H b 1.3; 9.14; 10.22.
17Is 53.5; M c 2.17; 1 Pe 2.24.
18 Jo ã o 8.12; 12.36; 2 C o 4.4-6.
20 Culpa q u e v eio da realid ad e d esta fa lh a e vergonha q u e v eio d o re c o n h e c im e n to da falh a.
19V id e c a p ítu lo 15.
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Os Efeitos do Pecado no Relacionamento com outros Seres Humanos Ju n to co m ap erd a do relacion am ento (e da co m u n h ã o ) com D eus, o relacionam ento entre Adão e outras pessoas tam bém foi afetado; o pecado teve u m efeito horizontal, bem com u m vertical, que fica evidente nos dois eventos que se seguiram . Primeiro, Adão culpou Eva pela situação em que se encontrava. A o responder ao q u estionam ento feito por D eus sobre o fru to proibido, ele disse; “A m u lh e r que m e deste p or com panheira, ela m e deu da árvore, e co m i” (G n 3.12). Segundo, o relacion am en to en tre irm ãos tam b ém foi afetado pelo pecado, pois, nu m ataque de ira, Caim m ato u o seu irm ão Abel (G n 4.1-8). Os Efeitos do Pecado no Relacionamento com o Meio-Ambiente O pecado de Adão afetou o seu relacionam ento com D eus, co m outros seres hu m anos e com o m eio-am bíen te. Antes da Queda, Adão e Eva haviam sido designados para “su jeitar” a terra (G n 1.28); eles deveriam “lavrar” (trabalh ar) e “guardar” (cuidar) o Jardim (G n 2.15), e não destruí-lo; d om inar sobre ele, m as não arru in á-lo; cu ltivá-lo, mas não poluí-lo. C ontu do, depois da Queda, a ligação que Adão m a n tin h a com o seu m eio-am bien te tam bém foi rom pida. Surgiram os “espinhos” e os “cardos.” D oravante, ele precisaria trabalhar exaustivam ente e obter o seu sustento com o “suor do ro sto.” A m o rte se to rn o u u m fato da vida. Na verdade, em função do seu pecado, toda a natu reza to rn o u se cativa. Paulo escreve: Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. (Rm 8.20,21)
Os Efeitos Volitivos do Pecado de Adão A lém de afetar o seu relacionam ento com Deus, co m os ou tros seres hu m an os e com o m eio-am biente, o pecado de Adão tam bém teve o seu efeito sobre a sua própria vontade (ou arbítrio). 0 Livre-Arbítrio antes da Queda O poder da livre-escolh a faz parte do desígnio de Deus para a hum anidade, com o sendo a sua im agem e sem elhança (G n 1.27). Adão e Eva receberam o m and am ento para m u ltiplicarem a espécie h u m an a (1.28) e se absterem de co m er do fru to proibido (2.1617). Estas duas responsabilidade implicam na capacidade de respostas. C o m o já analisam os, o fato deles deverem fazer estas coisas, im plicava que ele s poderiam fazê-las. O texto n arra a decisão deles, ao dizer: “E, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela” (G n 3.6). A condenação de Deus para a atitude deles deixa claro que am bos eram m o ra lm en te livres para to m ar a sua decisão (G n 3.11,13). As referências que o Novo Testam ento faz à decisão de Adão deixam claro que ele fez u m a escolh a livre, pela qual seria responsabilizado. C om o observam os, R om anos 5 cham a isto de “pecad o” (v. 16); “ofensa” (v. 15); e “desobediência” (v. 19). A Prim eira C arta de Paulo a T im ó teo 2.14 se refere a Eva com o alguém que “caiu em transgressão,” atribuindo a ela a culpa pelo ato.
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O Livre-Arbítrio depois da Queda M esm o depois de haver pecado e se tornad o espiritualm ente “m o rto ”21 (G n 2.17; cf. E f2 .1 ) e, p o rtan to , u m pecador, em fu nção da sua natu reza pecam inosa” (E f 2.3), Adão não se to rn o u tão co m p letam en te depravado a p onto de não mais ouvir a voz de D eus e poder responder de m aneira livre: “E ch am o u o SEN H O R D eus a Adão e disse-lhe: Onde estás? E ele disse: Ouvi a tua voz soar no jardim, e tem i, porque estava nu, e escondi-me” (G n 3.910).22 A im agem de D eus foi obscurecida, mas não co m p letam en te erradicada pela Queda; ela foi corrom p id a (afetada), mas não elim inada (aniquilada). Na verdade, a im agem de Deus (que inclui o livre-arbítrio) ainda perm anece nos seres hu m anos — é por isso que o assassinato ou o ato de p ronunciar m aldição sobre qualquer pessoa, seja ele cristã ou não, é pecado, “porque Deus fez o h o m em con form e a sua im ag em ” (G n 9.6).23 Os Descendentes Decaídos de Adão Continuam Tendo Lme-Arbítrio Tanto as Sagradas Escrituras, quanto a boa razão nos inform am que os seres hum anos depravados continu am tendo o poder do livre-arbítrio. A Bíblia diz que os seres hum anos decaídos são ignorantes, depravados e escravos do pecado — e tudo isso envolve escolhas. Pedro fala da ignorância depravada co m o sendo “volu ntária” (cf. 2 Pe 3.5). Paulo ensina que as pessoas não-salvas percebem a verdade, mas volu ntariam en te a detêm (R m 1.1819),24 de fo rm a que ficam , em função disso, “indesculpáveis” (v. 20). Paulo acrescenta: “Não sabeis vós que a quem vos apresentardes p o r servos para lh e obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a m o rte, ou da obediência para a justiça?” (R m 6.16). A té mesmo a nossa cegueira espiritual é resultado da nossa decisão de não acreditar. C om relação ao iniciar ou ao alcançar a salvação, tanto M artin h o Lutero, quanto João Calvino estavam corretos — os seres hu m anos decaídos não são livres n o que concerne às “coisas do alto .”25 A salvação é recebida por u m livre ato de fé (Jo 1.12; E f 2.8-9), mas não en con tra a sua fonte na nossa vontade, mas sim n a de D eus (João 1.13; R m 9.16). C om relação à liberdade de aceitarmos o d om da salvação oferecido por Deus, a Bíblia é clara: os seres decaídos preservam a capacidade de fazer isto, já que a Palavra de Deus insistentem ente nos alerta a receberm os a salvação pelo exercício da fé (cf. Atos 16.31; 17.30; 20.21). Dessa form a, o livre-arbítrio dos seres hu m anos decaídos é, sim ultaneam ente, "h orizon tal” (social) no que diz respeito a este m u nd o, e “vertical” (espiritual) n o que diz respeito a Deus. A liberdade horizontal é evidente, por exem plo, quando tem os que fazer a escolha de u m a com p anheira(o): “A m u lh er casada está ligada pela lei todo o tem po em que o seu m arido vive; m as, se falecer o seu m arido, fica livre para casar com quem quiser, con tan to que seja n o S e n h o r” (1 C o 7.39). Esta liberdade é descrita com o “não tendo necessidade,” u m a liberdade onde a pessoa tem “poder sobre a sua própria vontade” e onde ela “se resolveu n o seu coração” (v. 37). Este tem a tam bém é tratado em u m a ocasião onde a igreja levantou u m a oferta “v o lu n tariam en te” (2 C o 8.3), ou quando
~ C o m o já v im o s, a morte esp iritu al n a B íb lia n ã o sig n ifica “a n iq u ila m e n to ,” m as tã o so m e n te “sep a ra çã o ”: “As vossas iniq üid ad es fa z em divisão e n tre vós e o v osso D e u s ” (Is 59.2). D e m o d o s e m e lh a n te , a “seg u n d a m o r te ” (A p 20.14; cf. 19.20; 20.10) n ão é a n ã o -e x is tê n c ia p e rm a n e n te , m a s a sep a ra çã o c o n s cie n te e e te r n a de D eu s. q u e G ênesis 9 tra ta de u m c o n te x to p ó s-Q u e d a ; vide ta m b é m T ia g o 3.9.
22 V id e c a p ítu lo 4.
23 Perceba
24 O u seja , eles v o lu n ta ria m e n te a s u p rim em .
~ V id e a o b ra Bondade o f the Will de M a rtin h o L u tero , às páginas 75-76; 126-28; 198; 216; 316-18; e C a lv in o n a o b ra Institutes o f ú e Christian Religion, e sp e c ia lm e n te 1.1.15; 1.1.18; 1.2.4.
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Paulo fala em se fazer algo que “não fosse co m o por força, mas vo lu n tário”, conform e lem os em F ilem om 14. A liberdade vertical de fé está im plícita no cham ado do evangelho (por exem plo, cf. João 3.16; Atos 16.31; 17.30). Isto é, os seres hu m anos recebem a salvação com o u m presente (R m 6.23) e são convidados a crer n ele e aceitá-lo (Jo 1.12). A Bíblia jam ais diz: “Seja salvo para cre r”; m as sim, insistentem ente, “creiam para serem salvos.”26 Pedro descreve o significado do livre-arbítrio ao declarar a fo rm a co m que o rebanho de D eus deve ser apascentado: “não por força, mas volu n tariam en te” (1 Pe 5.2). Paulo ilustra a natu reza da liberdade com u m ato onde agimos “segundo propusem os no nosso co ração ” e “não por necessidade” (cf. 2 Co 9.7). Em F ilem om 14 ele tam bém diz que a decisão é u m ato de “co n sen tim en to” e que u m ato deve ser feito “não [...] por força, m as vo lu n tário”. As pessoas que ainda não são salvas têm u m a liberdade de escolh a com relação ao receber ou rejeitar o dom da salvação oferecido p o r D eus (R m 6.23). Jesus lam en tou o estado daqueles que o rejeitavam : “Jerusalém , Jeru salém [...] Quantas vezes quis eu aju ntar os teus filhos, co m o a galinha aju n ta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (M t 23.37) João afirm ou: “Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de D eu s” (Jo 1.12). Na verdade, co m o tem os observado freq ü entem ente, o desejo de D eus é que todas as pessoas que ainda não foram salvas m u d em a sua m en te (isto é, arrependam -se), afinal “m as é long ânim o para convosco, não querendo que alguns se percam , senão que todos venham a arrepender-se” (2 Pe 3.9) A exem plo das alternativas de vida e m o rte que M oisés apresentou a Israel, Deus tam bém nos instiga: “E scolh am a vida” (cf. D t 30.19). Josué disse ao seu povo: “Escolhei ho je a quem sirvais” (Js 24.15). D eus co lo ca alternativas m orais e espiritualm ente responsáveis diante dos seres hu m anos, deixando a decisão e a responsabilidade para eles. Jesus disse para os incrédulos da sua época: “Se não crerdes que eu sou, m orrereis em vossos pecados” (Jo 8.24), o que im plica tan to que eles poderiam ter crido, quanto que deveriam ter crido. Repetidas vezes, o “c re r” é considerado co m o algo pelo que responderem os: “Nós tem os crido e conh ecid o que tu és o Cristo, o Filho de D eu s” (Jo 6.69); “Q u em é ele, Senhor, para que nele creia?” (Jo 9.36); “Ele disse: Creio, Sen h or. E o adorou.” (Jo 9.38); “Respondeu-lhes Jesus: Já vo -lo ten h o dito, e n ão o credes” (Jo 10.25). E por isso que Jesus disse: “Q uem crê nele não é condenado; mas quem não crê j á está condenado, porquanto não crê no n o m e do unigênito Filho de D eu s” (Jo 3.18)
Os Efeitos Gerais do Pecado sobré a Graça Comum Os efeitos do pecado sobre a hum anidade decaída são tão devastadores que sem a graça co m u m de Deus (isto é, a sua graça não-salvífica que está disponível a toda a hum anidade), a existência da sociedade ficaria inviabilizada e a salvação seria inatingível. Sem a graça com u m : (1) Os efeitos legais do pecado (R m 5.12-21) produziriam u m a culpa insuperável. (2) Os efeitos obscurecedores do pecado (2 C o 4.4) nos im possibilitaria de discernir o m al com o m al. (3) Os efeitos enganosos do pecado (Jr 17.9) to rn ariam o pensam ento e as ações racionais p raticam ente impossíveis. (4) Os efeitos aviltantes do pecado (R m 1.21-32) seriam destrutivos tan to para nós, quanto para os outros. ~ Vide capítulos 12 e 16.
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5) Os efeitos corru p tores do pecado (E f 2.1-3) produziriam um a decadência m oral que dom inaria a sociedade indistintam ente, sem qualquer ética, respeito e evidências da bondade e m oralidade. 16) Os efeitos debilitantes do pecado (R m 3.10-18) to rn ariam inviável a realização do bem social, (cf. Radm acher, S, 80) E a graça com u m de D eus para com as pessoas ainda não salvas que to rn a possível 2 vida neste m u nd o corru p to. Esta graça co m u m é proporcionada por m eio da sua
revelação natu ral (R m 1.19,20), da lei m o ral escrita no coração dos h om ens (R m 2.1215 ), da sua im agem (G n 9.6; T g 3.9), do casam ento (Hb 13.4), da estru tu ra fam iliar (E f 6.1-4), do governo h u m an o (R m 13.1-7), e de m u itos outros m eios não-redentores.
A BASE HISTÓRICA DO PECADO HUMANO E DO LIVRE-ARBÍTRIO HUMANO Os Pais Pós-Apostólicos da Primitiva Os ilustres Pais Eclesiásticos defendiam o ponto de vista do livre-arbítrio hu m ano. Ireneu (c. 125-C.202 d.C.) Vão, também, é Marcião e seus seguidores, ao buscarem excluir Abraão da herança, para a qual o Espírito, por intermédio de muitos homens, e agora também por intermédio de Paulo, presta testemunho, de que “Ele creu em Deus e isto lhe foi imputado por justiça” (AH, 1.4.8.1 in Roberts e Donaldson, ANF, 1.470). Orígenes (c. 185-c. 254 d.C .)
Defendemos que o homem é justificado pela fé, independente das obras da lei [...] Se um exemplo for solicitado, penso que deve ser suficiente mencionarmos o ladrão na cruz, que pediu a Cristo para lhe salvar e recebeu como resposta: Em verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso [Lc 23.43], (CR, 3.28) G rilo de Jerusalém (c. 315-c. 3 8 7 d.C .)
Tal qual uma pena utilizada para escrever, ou uma flecha precisa de um agente que dela faça uso, também a graça de Deus tem a necessidade de corações crentes [...] A parte de Deus é derramar a graça, mas a vossa é aceitá-la e guardá-la. (CL, 1.1) Ambrósio (3 3 9 -3 9 7 d .C .)
“Pois o que dizem as Escrituras? Que Abraão creu em Deus, e que isto lhe foi computado como justiça”. Abraão creu em Deus. Portanto, creiamos também nós, para que nós, que somos os herdeiros da sua graça possamos, igualmente, ser herdeiros da sua fé. (ODHBS, 2.89 in Oden, FC, 22:236, conforme citação feita em ACCS, 6:111) foão Crisóstomo (3 4 7 -4 0 7 d. C.)
Para respondermos a todos os que insistem em perguntar: “Como podemos ser salvos sem contribuir com nada nessa salvação?” Paulo nos mostra que, de fato, temos uma
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grande dose de contribuição nela — entramos com a nossa fé! (HE in Schaff, NPNF, 1.11.377, conforme citação feita in ibid, 6:100) Para que nenhum de vós seja exaltado pela magnitude destes benefícios, vede como Paulo vos coloca no vosso devido lugar. Pois “pela graça sois salvos,” diz ele, “pela fé,” portanto, de forma a não causar qualquer mácula ao livre-arbítrio, ele nos designa um papel, a seguir, retira-o novamente, dizendo “e isto não vem de vós” (HE, 2:8 in IOEP, 2:160, co n fo rm e citação feita em Oden, JR , 44). Ambrosiastro (c. Século IV )
Eles são justificados de forma graciosa, porque nada fizeram ou nada deram em troca, mas pela fé somente foram tornados santos pelo dom de Deus. (CSEL, 81 ad loc in Oden, ACCSNT, 6:101, conforme citação feita em ibid., 108)
Os Pais Eclesiásticos do Período da Reforma Os m estres da Idade Média continuaram sendo m uito claros na sua m ensagem , levando adiante tanto a tradição salvífica dos apóstolos, quanto da patrística. Jerônimo (c. 340-420 d. C.)
Paulo nos mostra claramente que a justiça não depende do mérito humano, mas da graça de Deus, que aceita a fé daqueles que crêem, independente das obras da Lei. (EG, 1.2.16 in Oden, FC, 53:306, conforme citação feita em ibid., 6:106). Agostinho (3 5 4 -4 3 0 d.C.)
Deus é considerado o “nosso Ajudador”; mas ninguém pode ser ajudado sem fazer algum tipo de esforço voluntário. Pois Deus não opera a salvação em nós como se estivesse lidando com pedras irracionais, ou com criaturas que não tenham recebido nem razão, nem vontade própria. (OFSB, 2.28) Teodoreto de Cirro (c. 393-c. 4 6 6 d.C .)
“O Senhor Cristo é, simultaneamente, Deus e o trono da misericórdia, sacerdote e cordeiro, e realizou a obra da nossa salvação por intermédio do seu próprio sangue, exigindo de nós somente a fé”. (ILR, 82, ad loc conforme citação feita em Oden, ACCS, 6:102) Anselmo (1033-1109)
Esta é a pergunta27 que deveis fazer àqueles por quem falais, que não têm fé alguma na necessidade do Cristo para a salvação do homem, e devíeis também pedir-lhes para vos informar como o homem pode ser salvo sem o Cristo [...] E se isto lhes horrorizar, que creiam no Cristo tal qual o fazemos, para que também possam ser salvos. (CDH, I.XXIV) Tomás de Aqumo (1225-1274)
Esta salvação da graça é pela fé em Cristo. Na justificação de um adulto que tenha pecado, o movimento da fé em direção a Deus coincide com a infusão da graça. “A tua fé te curou; vai em paz” [Lucas 8.48]. (CE, 95) 11 R e ferin d o -se a “C o m o p o d e m o s n os salvar?”
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Obviamente, a graça é necessária como auxilio à vontade. Dessa forma, todo ato humano, portanto, que está sob o controle do livre-arbítrio, pode ser meritório, conquanto seja direcionado a Deus. Entretanto, o crer é um ato da mente que consente à verdade divina em virtude do comando da vontade à medida que esta é movida por Deus por meio da sua graça; desta forma o ato permanece sob o controle do livre-arbítrio e é direcionado a Deus. (ST, 2a2ae.2, 9)
Os Líderes da Reforma A ênfase principal da R eform a foi, no seu cerne, que “o ju sto viverá por f é — e som ente por ela.” P ortanto, o exercício da fé é a condição (ação) necessária para que a pessoa receba a justificação diante de D eus.28 Todavia, de form a tanto irônica, quanto contraditória, M artinh o Lutero (1483-1546) insistia, contrariando o veio principal do ensino e da história do Cristianism o ao longo de 1500 anos, que u m ato livre de fé não é. de fo rm a algum a, condição para se receber a salvação. Em vez disso — argum entava Lutero — “isto é claram ente a atribuição de divindade ao ‘livre-arbítrio,’ pois o desejo de abraçar a Lei e o Evangelho [...] pertence ao poder de Deus so m en te” ( B W, seção 44, ênfase final no original). Q uando se referiu à declaração de João de que o h o m em precisa “receber” Cristo João 1.12), Lutero questionou: Este homem é meramente passivo (como o termo é utilizado), tampouco exerce qualquer papel, mas é completamente louco; e João está falando do ser feito; ele diz que somos feitos filhos de Deus por um poder que recebemos do alto, não pelo poder do “livre-arbítrio” que nos é inerente, (ibid., 74) Ele, ainda, acrescenta: Como a razão poderia então pensar que a fé em Jesus como o Filho de Deus e como homem seria necessária, se mesmo nos nossos dias ele ainda não é capaz recebê-la ou crer nela? [...] portanto, está longe a possibilidade de que ela possa desejar ou crer nisso, (ibid.) Lutero não foi n em um pouco tím ido ao levar o seu ponto de vista à sua conclusão lógica, ou seja, a afirm ar que os homens maus agem por determinação divina: Ele faz uso de instrumentos malignos, os quais não podem fugir do seu domínio e dos movimentos da sua onipotência [...] Logo, assim é que, os ímpios nada podem fazer senão errar e pecar sempre; porque, sendo levados por este mover da onipotência divina, ele não tem permissão para ficar imóvel, mas precisa querer, desejar e agir de acordo com a sua natureza. Tudo isso é certeza fixa, se é que cremos que Deus é Onipotente, (ibid., 84) João Calvino (1509-1564)
Calvino tam bém nadou con tra a m aré da H istória Eclesiástica quando argum entou que a fé é u m dom de Deus som en te para os eleitos, os quais não to m am decisões livres tanto para aceitarem , quanto para rejeitarem a Jesus. Ele recon h eceu a m esm a coisa ao escrever acerca da suposta influência de D eus sobre a vontade hum ana: 3 Vide capítulo 15.
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Este mover da vontade não segue a descrição que foi, por muito tempo, ensinada e crida — ou seja, um mover que posteriormente nos deixa a opção de obedecer ou resistir a ele — mas é de uma natureza que nos afeta de maneira eficaz.29 Precisamos, portanto, repudiar o sentimento de Crisóstomo comumente repetido de que ‘Aqueles que ele atrai, o faz a partir da vontade deles’; o qual insinua que o Senhor somente estende a sua mão, e aguarda para ver se estaremos felizes em aceitar a sua ajuda. Admitimos que, da forma como foi originalmente constituído, o homem poderia ter se inclinado para ambos os lados, mas como ele nos ensinou, por seu exemplo, quão miserável é o livrearbítrio quando Deus não opera em nos o desejo de fazer algo, que utilidade teria uma graça comunicada em medida tão ínfima? (ICR, 260-61) E interessante n otar que tanto Calvino, quanto Lutero adm itiram que os seus pontos de vista suscitavam algum as perguntas incôm odas. Calvino escreveu; A perseverança é dom de Deus, o qual Ele não esbanja de forma promíscua sobre todos, mas transmite àqueles a quem lhe apraz. Se alguém perguntar como surge a diferença — por que alguns perseveram firmes e outros se mostram deficientes na sua estabilidade — não podemos apresentar nenhuma outra razão senão que o Senhor, pelo seu grande poder, fortalece e sustenta [aqueles que perseveram], de forma que não venham a perecer, ao passo que não proporciona a mesma assistência àqueles que não perseveram, mas os deixa como monumentos à instabilidade, (ibid., 275) Lutero confessou: Por que Ele, então, não m uda, no seu m over, aquelas vontades m alignas que Ele m esm o move? Isto p erten ce àqueles segredos da M ajestade, dos quais sabem os que “os seus juízos vão além do nosso en ten d im en to .” Não nos cabe ficar perscru tand o isto, mas adorar estes m istérios. (BW , 88) A resposta, na realidade, é que não há necessidade de se fazer estas perguntas. Tudo o que Deus faz é, por definição, co rreto .30 As próprias palavras de Lutero, entretanto, contradizem esta verdade: “O que Deus deseja, p o rtan to , não é certo porque Ele precisaria, ou sem pre esteve assim preso à vontade; m as, ao contrário, o que acontece é, p o rtan to , correto, porque Ele assim o deseja” (ibid., grifo acrescentado). E steV oluntarism o radical (em oposição ao Essencialism o) será abordado no capítulo 12 .
RESPOSTA AO CALVINISMO RADICAL ACERCA DO LIVRE-ARBÍTRIO Será que alguém E Capaz de Crer? Ao contrário da concepção defendida pelo U ltracalvinism o, a fé não é u m dom que Deus oferece a alguns ( “os eleitos”). Todos são responsáveis por crer, e toda pessoa
29 Eficaz significa “que p ro d u z (o u é capaz de p ro d u z ir) o e fe ito d eseja d o .”
30 C o m o já fo i d e m o n stra d o , o p ad rão fin a l da
verdad e é a p ró p ria n a tu r e z a de D eu s, à q u al Ele, d e fin itiv a m en te , p resta c o n ta s e, p o r ta n to , é o p a d rã o d o seu agir. V ide c a p ítu lo 11, a ce rca do V o lu n tarism o e d o E ssencialism o .
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:u e decidir crer tem a capacidade de crer:31 Jesus disse que “Todo aquele que nele crê não re re ce, mas tem a vida e tern a ” (cf. Jo 3.16). Ele acrescentou: “Q uem crê nele [no Filho do H om em ] não é cond enad o” (v. 18). Algum as pessoas, en tretan to , argu m entam que se todos (ou qualquer u m ) puder acreditar, co m o se poderia explicar João 12.37-40? E, ainda que tivesse feito tantos sinais diante deles, não criam nele, para que se cumprisse a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor?32 Por isso, não podiam crer, pelo que Isaías disse outra vez: Cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, a fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração, e se convertam, e eu os cure.33 A resposta vem do próprio contexto. Primeiro, a fé era, obviam ente, responsabilidade deles, já que D eus o considerou responsáveis pela sua incredulidade. C o m o o próprio evangelista João registra: “não :riam n ele.” Segundo, Jesus estava se referindo aos judeus endurecidos em seus corações, ressoas que havia presenciado m ilagres indiscutíveis34 e que haviam sido repetidam ente : envidados, antes deste m o m en to , a crer (cf. Jo 8.24-26). Isto deixa m anifesto o fato de que eles tin h am a capacidade de fazer isto. Terceiro, e ú ltim o, foi a sua incredulidade teim osa que causou a sua cegueira. Jesus já havia dito a eles: “Se não crerdes que eu sou, m orrereis em vossos pecados” (8.24). Assim, i cegueira deles foi escolhida e era evitável.
Será que alguém Pode Chegar a Crer para a Salvação sem a Graça Especial de Deus? Apesar de a f é ser possível para as pessoas não-salvas, todavia, nin g u ém pode crer para - salvação31 sem a ajuda da graça especial de Deus. Jesus diz: “N inguém pode vir a m im , se : Pai, que m e enviou, o não trouxer; e eu o ressuscitarei no ú ltim o D ia” (Jo 6.44). Paulo acrescenta: “Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça para com igo não foi 1" (1 C o 15.10). Jesus p rom ete: “A m in h a graça te basta” (2 C o 12.9). Paulo confessou: 'Posso todas as coisas naquele que m e fo rta lece ” (Fp 4.13). Na verdade, Davi recon h eceu diante de Deus: “Porque tudo vem de ti, e da tua m ão to dam os” (1 C r 29.14). Contudo, em bora ninguém possa crer para a salvação sem a ajuda da graça salvífica ae Deus, o ato gracioso pelo qual som os salvos n ão é m onergista (u m ato solitário da rarte de D eus), mas sinergista (u m ato de D eus e da nossa livre-escolha). A salvação vem de Deus, mas se com p leta com a nossa cooperação; co m o já vim os, a sua graça não 1 0 fa to da fé salvífica é ou n ã o s er u m d o m de D eu s, tra ta -se de u m debate in te r n o e n tre aq u eles q u e se o p õ e m ao L ltra ca lv in ism o . C e rta m e n te a B íb lia n ã o a p rese n ta v e rsícu lo s cla ro s q u e d e m o n s tre m isso (vide c a p ítu lo 16). Todavia, züesm o que a fé salvífica p ara c re rm o s fo r u m d o m , e ste d o m é o fere cid o a todos e p od e s er liv re m e n te a c e ito ou re je ita d o Tsde cap ítu lo s 7 e 10). Jacó A rm ín io (15 6 0 -1 6 0 9 ) ta m b é m fa lo u do “d o m da fé,” m as a c re s ce n to u q u e ele p recisa ser 're c e b id o ” p o r u m liv re-e x e rcíc io da v o n ta d e (liv re -a rb ítrio ). ( W JA , 2.52.27). Q u a n d o P au lo se re fere ao “d o m da fé ” cL 1 C o 12.9), ele n ã o está fala n d o de u m d o m d estin ad o a fazer c o m q u e os in c ré d u lo s s e ja m salvos (p e lo e x e rcíc io da üé salvífica), m as de u m d o m esp iritu a l d estin a d o a a lg u n s cre n te s q u e os fo rta le c e n a c o n fia n ça e m D e u s p a ra o b e m r£?mum do c o rp o (cf. vv. 7, 12). A gran de m a io ria dos Pais Eclesiástico s c o n c o rd a c o m isto . “ A p a r tir de Isaías 6.10.
34 In clu sive a re ssu rreiçã o de Lázaro — vide Jo ã o 11.
32 A p a r tir de Isaías 53.1.
35 Isto é, te r a fé salvífica.
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é exercida sobre u m o b jeto passivo, mas sobre u m agente ativo. C o m o já observam os, A gostinho escreveu: Deus é considerado o “nosso Ajudador”; mas ninguém pode ser ajudado sem fazer algum tipo de esforço voluntário. Pois Deus não opera a salvação em nós como se estivesse lidando com pedras irracionais, ou com criaturas que não tenham recebido nem razão, nem vontade própria. (OFSB, 2.28) A diferença en tre o U ltracalvinism o e o Calvinism o M oderado acerca da necessidade pela graça de D eus na nossa salvação pode ser resum ida desta form a:
A RELAÇÃO ENTRE GRAÇA E LIVRE-ARBÍTRIO Posição
Ultracalvinismo
Calvinismo Moderado
Graça
Operativa
Cooperativa
Ação
Monergista
Sinergista
Recipiente
Objeto passivo
Agente ativo
Ato livre
Não
Sim
Resistibilidade
Irresistível contra a vontade
Irresistível debaixo da vontade.
SOBERANIA E LIVRE-ARBÍTRIO? A so b eran ia de D eu s e a liberdade h u m a n a : S eria o caso de te rm o s que e sco lh er e n tre u m a e o u tra , ou das duas e outra? A B íblia afirm a as duas coisas. Já vim os que, p o r u m lado, D eus é so b eran o sobre todas as coisas, inclu sive sobre os even tos e as esco lh as h u m a n a s.36 D eu s n u n ca é ap anhad o de su rp resa, e n ad a escapa ao seu co n tro le . Por o u tro lado, n e ste ca p ítu lo vim os que os seres h u m a n o s p o ssu em um po d er, con ced id o p o r D eu s, de ex e rce r o liv re -a rb ítrio .37 Isto se ap lica a m u ito s ele m e n to s te rre n o s aqui “e m b a ix o ”, da m e sm a fo rm a q ue a alg u n s e le m e n to s celestiais “do a lto ,” e e sp ecifica m en te à n ossa recep çã o da m a g n ífica salvação p ro p o rcio n ad a p o r D eus. O m istério da relação en tre a soberania divina e o liv re-arbítrio -h u m an o tem desafiado os m aiores pensadores cristãos ao longo dos séculos. Infelizm ente, alguns acabaram por elim inar a responsabilidade h u m an a para, aparentem ente, preservar a prerrogativa divina. De m od o sem elhante, ou tros sacrificaram a soberania divina a fim de defender a liberdade de escolh a da hum anidade. As duas alternativas estão erradas, e ambas levam a erros subseqüentes.38
OS EFEITOS DO PECADO SOBRE OS ANJOS M e sm o n ã o sen d o re s u lta d o do p e ca d o de A d ão, o m a l ta m b é m teve u m e fe ito sob re os a n jo s . C o m o já vim o s a n te r io r m e n te ,39 os a n jo s p e c a ra m an tes da 36Vide volum e 2, capítulo 22.
37Vide tam bém o capítulo 3.
38Vide volum e 2, capítulo 8.
39 No volum e 2, capítulo 20.
OS EFEITOS DO PECADO
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cria çã o da h u m a n id a d e — S a ta n á s, o a n jo d ecaíd o (L ú c ife r), já estava e m cen a e crista liz a d o n a sua im p ied ad e q u an d o A dão fo ra cria d o (G n 3.1; cf. Ap 12 .9 ).40 A pesar de o pecad o dos a n jo s te r afetad o diretamente s o m e n te a eles m e sm o s, em v irtu d e da sua p re se n ça n o m u n d o p a ra te n ta r os seres h u m a n o s, S a ta n á s e to d o s os seus d e m ô n io s41 ta m b é m tiv e ra m u m e fe ito indireto sob re o p ecad o dos seres h u m a n o s.
Os Anjos São Irredimíveis por Escolha Própria Paulo, ao falar sobre Satan ás, que fez sua op ção p o r se reb elar c o n tra D eus, ord en a que u m p resb ítero n ão seja “n e ó fito , p ara que, en so b e rb ece n d o -se , n ão caia n a condenação do Diabo” (1 T m 3.6). Judas v. 6 acrescen ta ; “E aos a n jo s q ue n ão gu ard aram o seu p rin cip ad o, m as d eixaram a sua p ró p ria h ab itação , reservou na escu rid ão e em prisões etern a s até ao ju íz o d aqu ele grand e D ia”. P ed ro n o t a q u e “D eu s n ã o p e rd o o u aos a n jo s q u e p e c a r a m , m a s, h a v e n d o os la n ç a d o n o in fe r n o , os e n tr e g o u às ca d eia s da e s c u rid ã o , fic a n d o re se rv a d o s p ara o J u íz o ” (2 Pe 2 .4 ). C o n fo r m e já d e m o n s tr a m o s ,42 os a n jo s n u n c a são c h a m a d o s n a B íb lia ao a r r e p e n d im e n to , ta m p o u c o m a n ife s ta m q u a lq u e r d e s e jo de fa z e r is to . C o m o d e c la r o u C . S . L ew is, a c e r c a d os a n jo s : “E les somente têm a liberdade de fa z e r uma escolha muito clara — de a m a r a D e u s m a is do q u e a si m e s m o s ou de a m a r a si m e s m o s m a is do q u e a D e u s ” (PP, 18, g rifo a c r e s c e n ta d o ). A ssim , p e la p ró p ria n a tu r e z a da su a lib e rd a d e , os a n jo s são ir r e d im ív e is , d ep o is de te r e m to m a d o a su a d e c isã o .
Os Anjos São Irredimíveis por Natureza Tal qual o co rre c o m D eu s,43 os a n jo s são im ateriais; ou seja, são esp íritos pu ros. P o rta n to , eles tê m u m a n a tu re z a invisível, e m b o ra alg u n s possam assu m ir fo rm a física e ap arecer aos h o m e n s (cf. G n 18; Js 5.13-15). C o lo ssen ses 1.16 d eclara: “P orque n e le fo ra m criadas todas as coisas que h á nos céus e n a te rra , visíveis e invisíveis, íe ja m tro n o s, sejam d o m in açõ es, seja m prin cipad os, seja m p o testad es; tu d o foi criado p o r ele e para e le ” (H b 1.14 ch a m a os a n jo s de “e sp íritos m in istra d o re s,” e em -u c a s 24.39 Jesus disse que esp íritos n ão tê m “c a rn e n e m ossos.”) A lém disso, cad a a n jo é de u m a esp écie p ró p ria — cad a u m de u m a d ifere n te n a tu re z a h av en d o g ru p o s ou ca te g o ria s (ta l c o m o os querubins ou serafins). Ao : o n trário da esp écie h u m a n a , c u jo s m e m b ro s p o d e m se m u ltip lic a r , os a n jo s são, r or n a tu re z a , sim p les, criad os e indivisíveis. E les ta m b é m n ã o são seres sexu ad os, c e m se dão em c a s a m e n to ; lo g o , n ã o p o d e m g era r d esce n d ên cia (M t 2 2 .3 0 ). Em -u c a s 20.35-36, Jesus disse:
c x s t e j o b v iam e n te, o caso c u rio so dos “filh os de D e u s ” (h e b ra ico : nephilim, e m G n 6 .1 -4 ), q u e m u ito s a c re d ita m se tra ta r je
m - o s p e can d o c o m seres h u m a n o s (cf. Jó 1.6; 2.1; 38.7; 2 Pe 2.4; Jd v. 6). M e sm o assim , apesar do fa to de m u ito s ou tro s
^ rjiiã o s o s c re re m q u e os “filh os de D e u s ” n ã o e ra m a n jo s, n ã o existe u m a in d ica çã o b íb lica cla ra a c e rc a de q u a lq u e r e feito «■neto q u e t e n h a sed uzid o os seres h u m a n o s a p ecar.
41 O p. cit.
42 Ibid.
43 V ide v o lu m e 2, c a p ítu lo 6.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Mas os que forem havidos por dignos de alcançar o mundo vindouro e a ressurreição dos mortos nem hão de casar, nem ser dados em casamento; porque já não podem mais morrer, pois são iguais aos anjos e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição. C o m o apresentam u m a natu reza fixa desde o m o m en to da sua criação, os anjos não m udam . Ao contrário dos seres hu m anos, eles não crescem , n em envelhecem ; eles não têm idade, n em estão sujeitos a qualquer ou tra espécie de alteração n atu ral. Dessa form a, eles tam b ém não sofrem acidentes,45 e, p o rtan to , não podem m udar acidentalmente. A ú n ica m u dança essencial a que podem se su bm eter é a criação ou o aniquilam ento por parte de D eus (se Ele decidir fazer isto).46 C om o os anjos não têm corpos, tam bém não estão sujeitos à decom posição ou à m orte; eles são im ortais (M t 25.41). C om o eles não podem mudar, apresentam um a natureza fixa; conseqüentem ente, depois de u m anjo pecar, o seu destino está eternam ente selado (2 Pe 2.4; Jd v. 6). Na verdade, a Bíblia diz explicitam ente que Cristo não m orreu para redimir os anjos; “Porque, na verdade, ele não to m ou os anjos, mas to m o u a descendência de Abraão” (Hb 2.16). C om o já vimos, os anjos que pecaram jam ais foram cham ados ao arrependim ento, n em poderiam sê-lo.47 A m o rte de Cristo jam ais foi apresentada com o u m m eio para a sua salvação, som ente com o um a form a de condená-los: Jesus “havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de algum a m aneira nos era contrária, e a tirou do m eio de nós, cravando-a na cruz. “E, despojando os principados e potestades, os expôs pu blicam ente e deles triun fou em si m esm o ” (Hb 2.15-16). A exem plo de todas as criaturas de Deus que possuem tan to racionalidade quanto m oralidade, os anjos foram colocados diante de u m a escolha. E, da m esm a fo rm a que os seres hu m anos no m o m en to da m o rte (Hb 9.27), depois de to m arem a sua decisão final, nada mais poderá ser m udado pelo restante da eternidade. Já que, por natu reza, eles não podem m udar, depois de to m a rem a sua decisão. U m a vez decidido, esta decisão é definitiva, e eles sabem disso (M t 8.29).
Os Pais Eclesiásticos e a Queda dos Anjos Os grandes m estres eclesiásticos, em especial A gostinho, A nselm o e Tom ás de A quino, falaram de fo rm a prolixa acerca do pecado angelical. Agostinho e a Queda dos Anjos Como estas coisas assim se dão, aqueles espíritos que chamamos de anjos jamais estiveram, em momento algum, ou de forma alguma na escuridão, mas, tão logo foram 44 A lg u m as pessoas a rg u m e n ta m que os a n jo s p o d e m se casar, c o m base e m G ên esis 6.1,2, on d e os “filh os de D e u s” (qu e c o n fo rm e Jó 1.6, 2.1 e 38.7 são a n jo s ) se d e ra m e m ca sa m e n to c o m as “filhas dos h o m e n s .” O A n tig o T e s ta m e n to grego (A S ep tu a g in ta ) tra d u z este v e rsíc u lo (G n 6.2) c o m o “a n jo s ,” e o N o v o T e s ta m e n to p a rece ta m b é m se re ferir a estes seres c o m o a n jo s (2 Pe 2.4; Jd 6,7). E n tr e ta n to , e x iste m o u tra s in te rp re ta ç õ e s possíveis das passagens de G ên esis 6 (ta l c o m o os “filh os de D e u s ” sen d o c re n te s ou h o m e n s ilu stre s da é p o ca ). A lém d o m ais, mesmo que se trate de u m a re fe rê n cia a a n jo s, eles p o d e m m u ito b e m te r sido a n jo s decaídos q u e p o ssu íra m os co rp o s de seres h u m a n o s, os quais, e n tã o , ca saram -se. D e q u a lq u e r fo rm a , p a rec e m ais s en sa to , e m fu n ç ã o da a firm a çã o in e q u ív o c a de Jesus de q u e os a n jo s n ã o se c a sa m (M t 22.30; Lc 20.35,36), re je ita r m o s a idéia de q u e os a n jo s, ta l c o m o são, d e ra m -se e m c a sa m e n to físico c o m seres h u m a n o s. 45Estas c aracte rísticas n ão lh e s são essenciais. 46 O “a n iq u ila m e n to ” dos a n jo s sen d o p o s tu la d o de í o r m z potencial e n ã o atual. 47 V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 20, n a seção “O b je ç õ e s .”
OS EFEITOS DO PECADO
criados, foram tornados luz; contudo não foram criados de forma a existir e viver de qualquer modo, mas foram iluminados para viver de forma sábia e bendita. Alguns deles, por terem abandonado esta luz, não alcançaram esta vida sábia e bendita, a qual é, certamente, eterna, e acompanhada da plena confiança da eternidade; mas continuam tendo a vida da razão, embora esta esteja obscurecida pela loucura, e isto não podem perder mesmo que o quisessem [o desejassem ou o aspirassem], (CG, 11) Não se pode duvidar que as propensões contrárias nos anjos bons e nos maus surgiram não a partir de uma diferença na sua natureza ou na sua origem, já que Deus, o bom Autor e Criador de todas as essências, a ambos criou, mas a partir de uma diferença nas suas vontades e desejos unidos ao próprio Deus, e à sua eternidade, verdade e amor; outros se enamoraram do seu próprio poder, como se pudessem ser bons por si mesmos, caíram neste “bem particular” deles mesmos, e se separaram daquele bem beatífico e mais elevado, que era comum a todos, e, trocando a majestosa dignidade da eternidade pela insuflação do próprio orgulho, a verdade mais segura pela astúcia da vaidade, j untando a isso o amor pelo partidarismo faccioso, tornaram-se orgulhosos, enganosos e invejosos, (ibid., 12.1) Não existe, portanto, nenhuma causa eficiente ou, se permitirem que eu faça uso dessa expressão, nenhuma causa essencial, da má vontade, já que [...] a vontade se torna má por nada mais que a apostasia de Deus, uma apostasia cuja causa, também, é certamente deficiente, (ibid., 12.9) A n selm o e a Q u ed a dos A n jo s
Assim como os homens não podem ser restaurados por um homem de uma raça diferente, senão por um homem da mesma natureza, os anjos também não podem ser salvos por qualquer outro anjo, apesar de todos compartilharem a mesma natureza, pois não são semelhantes aos homens, todos da mesma raça. Pois a multidão de anjos não se multiplicou a partir de um exemplar inicial, tal qual ocorreu com os homens. (CDH, 2.21)
Além disso, Existe outra objeção à sua restauração, ou seja, a de que como eles não caíram por trama de outrem, eles também precisam se reerguer sem a ajuda de ninguém; só que isto é impossível, [pois] caso não tivessem pecado, teriam sido confirmados em virtude sem qualquer ajuda externa, simplesmente pelo poder que lhe foi entregue daquele que é a origem, (ibid.) T om ás d e A q u in o e a Q u ed a dos A n jo s
Um anjo, ou qualquer outra criatura racional, considerada na sua própria natureza, pode pecar [...] o pecado mortal ocorre de duas maneiras no ato da livre-escolha. Em primeiro lugar, quando algo maligno é escolhido [...] E, de outro modo, o pecado vem da decisão livre de eleger algo bom em si mesmo, porém que não está de acordo com a medida ou norma apropriada [como fizeram os anjos]. (ST, la.63.1)
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Uma natureza espiritual não pode ser afetada por tais prazeres próprios do corpo, mas somente por aqueles que podem ser encontrados nos seres espirituais [...] Mas não pode haver pecado quando uma pessoa é incitada a um bem de ordem espiritual, a menos que nessa afeição, a regra do seu superior não seja guardada. Este é precisamente o pecado do orgulho — não se sujeitar ao superior quando a sujeição é devida. Conseqüentemente o primeiro pecado de um anjo só pode ser o orgulho, (ibid., Ia63.2)
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES ACERCA DOS EFEITOS DO PECADO ANGELICAL M uitos protestos foram feitos con tra as conclusões acim a. O prim eiro, e u m dos mais preocupantes, trata de co m o pôde ter surgido de u m a criatura perfeita.
Objeção Número Um -— Baseada na Natureza Perfeita de Lúcifer A Bíblia declara que Deus criou todas as coisas perfeitas (G n 1.31; 1 T m 4.11), o que incluiria o anjo Lúcifer, que passou a ser conhecido com o Satanás. Tanto em Deus, quanto no céu, não existe pecado (Hc 1.13; T g 1.13), m esm o assim Lúcifer pecou e se rebelou contra Deus (1 T m 3.6), levando consigo um terço de todos os anjos (Ap 12.4). C om o um a criatura perfeita, criada por um Deus perfeito e colocada em um am biente perfeito (o céu), poderia com eter um pecado? O pecado não poderia ter em anado de um Deus perfeito, n em do am biente perfeito onde Lúcifer habitava, tam pouco da sua natureza perfeita. De onde, afinal, veio o pecado então?
Resposta à Objeção Número Um O pecado surgiu, prim eiram en te, no universo a partir do livre-arbítrio de Lúcifer. C o n fo rm e já expusem os, D eus criou criaturas perfeitas e deu-lhes tanto u m a natu reza quanto u m a liberdade perfeitas. C o m a liberdade, em bo ra esta seja in eren tem en te boa, vem a capacidade de pecar. A liberdade das criaturas é boa, mas ela, pela sua própria natureza, é portad ora da possibilidade do m al. Deus criou Lúcifer perfeitam ente bom ; Lúcifer se to rn o u m al por opção própria. Deus lhe concedeu o bom/ato da liberdade; Lúcifer execu tou u m ato m au de liberdade. D eus proporcionou o bom poder de livre-escolha, só que Lúcifer executou u m a ação m á de livre-escolha. Até m esm o a Confissão de Westminster (1648) — que é calvinista — reconhece que algumas ações não são necessárias ou inevitáveis,48 mas surgem a partir de um a causa secundária conhecida com o vontade-livre (ou livre-arbítrio): “Deus não é o autor do pecado, nem a violência é feita sobre a vontade das criaturas, n em a liberdade ou a contingência das segundas causas removida, mas são, ao contrário, aqui estabelecidas” (3.1). Portanto, “Deus dotou a vontade do hom em com a liberdade natural que não é imposta, bem com o nenhu m a necessidade absoluta da natureza é determinada, para o bem ou para o m al” (9.1).
Objeção Número Dois — Baseada na Irredimibilidade dos Anjos U m terço dos anjos pecou e se to rn o u u m a hoste de dem ônios (Ap 12.4). Q uando Adão pecou, tanto ele quanto a sua esposa receberam a oferta da salvação (G n 3.15). Mas o que dizer dos anjos? Será que eles podem ser salvos? 48 O u seja, estas ações são evitáveis.
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inteira, para um a n jo leva u m m o m en to . Depois que a sua m en te está convencida, ele perm anece n atu ralm en te im utável e, com o por natu reza, eles não podem m udar, não existe possibilidade de redenção para eles. C o n h eced or disto, D eus não precisou prover para eles u m m eio de salvação.
A ABRANGÊNCIA DO PECADO (DEPRAVAÇÃO): PERSPECTIVAS DIVERSAS C o n fo rm e visto acim a, os seres hu m anos — Adão e Eva depois da Queda, bem co m o todos os seus descendentes naturais — são to tal e com p letam en te depravados. A extensão desta depravação (e, p o rtan to , o entend im ento que se tem acerca da expressão “depravação to ta l”) tem sido m otivo de acaloradas discussões teológicas ao lon go dos séculos. U m a breve pesquisa a respeito dos vários pontos de vista acerca da depravação to tal ser-nos-á ú til antes de form arm os u m a opinião.
O Pelagianismo A perspectiva pelagiana acerca da depravação h u m a n a e m an a de u m m o n g e b ritân ico cham ad o Pelágio (c. 354-c. 420 d .C .), cu jas supostas idéias (e/ou dos seus seguidores) sobre o assunto fo ram condenadas p elo C o ncilio de C ártago (416-418 d.C .). Ele e/ou os seus seguidores sustentavam que os seres h u m an os n ascem n a inocên cia, tal qual Adão foi criado. N este estado eles tê m a capacidade de obedecer a D eus, já que não herd am n e n h u m tipo de pecado de Adão e não pecam “em A dão” (cf. R m 5), m as sim pecam como Adão. P ortan to, o ún ico legado de Adão aos seus descendentes foi o seu m au exem p lo. De acordo com o Pelagianism o, som en te os nossos próprios pecados nos são im putados (em vez dos pecados nossos ju n to s co m os de Adão). A m o rte espiritual e etern a som ente pode ser ativada pelos nossos pecados pessoais. N em a nossa m o rte física é resultado do pecado de Adão, já que o seu pecado não nos foi transm itido. Sup ostam ente, os seres hu m anos fo ram sim plesm ente criados m ortais; a im agem original de D eus não foi em baçada desde a época da Criação, e n ão existe a necessidade de graça para a salvação, pois ela pode ser alcançada por m eio da nossa livre-escolha, independente de auxílio externo.
O Arminianismo Esta perspectiva recebe o seu n o m e de seu p ro p o n en te principal, Jacó A rm ín io (1560-1609), u m teó lo g o reform ad o da H olanda —apesar do “A rm in ia n ism o ” tam b ém guardar sem elh an ças co m u m a visão cham ad a de “Sem ip elag ian ism o”. Todavia, a versão p o p u lar do que co n h ece m o s a tu a lm en te co m o “A rm in ia n ism o ” surge a partir de Jo h n Wesley (1703-1791), e seria m ais apropriadam ente d en om inad a de “W esleyanism o.” C o m o as variantes n o cam p o do A rm in ian ism o geral apresen tam diferenças significativas, é difícil indicar u m a ú n ica pessoa que defenda todos os elem en to s aqui listados. M esm o assim , u m a visão a rm in ian a geral acerca da depravação, em con traste co m o Pelagianism o, su sten ta que todas as pessoas n ascem depravadas e não po d em , p o r forças próprias, ob ed ecerem a D eus. Cada ser h u m a n o esteve p resen te, de fo rm a p o ten cial ou sem inal, em Adão quando ele esco lh eu o m al, e, p o rta n to , cada u m nasce co m u m a n atu reza co rru p ta , sob o estigm a do pecado de Adão.
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Resposta à Objeção Número Dois A resposta bíblica é “n ão.” Primeiro, as Sagradas Escrituras declaram enfaticam ente: “Porque, na verdade, ele não to m o u os anjos, mas to m o u a descendência de A braão” (Hb 2.16). O u seja, C risto assum iu a natu reza hu m an a (v. 14), não a natu reza angelical, a fim de rem ir os seres hum anos, não os anjos Segundo, a cruz de Cristo, que é declaradam ente a fonte da salvação h u m an a é tam bém , em contraste, proclam ada co m o a fonte da condenação dos dem ônios (C l 2.14-15). Terceiro, o estado de perdição dos dem ônios é sem pre retratad o na Bíblia com o definitivo e etern o (2 Pe 2.4; cf. Jd v.6). Até m esm o eles parecem reco n h ecer o seu destino eterno; com o u m deles que questionou jesus: “Vieste aqui ato rm en tar-n os antes do tem po?” (M t 8.29). Satanás, na verdade, sabe “que já tem p ouco tem p o ” (Ap 12.12). Quarto, e por ú ltim o, Tom ás de A quino apresentou um a explicação para a irredim ibilidade dos anjos: A apreensão dos anjos difere da humana neste respeito, pois em seu intelecto o anjo apreende de forma imóvel [...] ao passo que o homem, pela sua razão, apreende de forma móvel, avançando discursivamente de uma coisa para outra, e tendo o caminho aberto pelo qual ele possa avançar até dois opostos; enquanto o arbítrio do anjo permanece fixo e imóvel. [Em suma,] como nos informa Damasceno [c. século VIII]: “A morte está para o homem o que a Queda está para os anjos.” Agora, está claro que todos os pecados mortais dos homens, sejam eles graves ou mais amenos, são perdoáveis antes da morte; ao passo que, depois da morte, não são mais remíveis e perduram para todo o sempre. (ST, la.64.2)
Objeção Número Três — Baseada na Justiça da Condenação Angelical Parece in ju sto para algum as pessoas que os seres hum anos ten h am recebido um a oportunidade de redenção depois da Queda, e os anjos não. Por que D eus não ofereceu a salvação tam bém para eles?
Resposta à Objeção Número Três Em resposta, precisarem os observar vários fatos im portantes. Primeiro, os anjos, a exem plo dos seres hu m anos, d etém a possibilidade de escolh a do seu destino. Eles esco lh em livrem ente se rebelar co n tra Deus. Eles não foram forçados a isto; n em foram levados a u m destino lúgubre contra a sua vontade, m as, pelo contrário, tudo se deu de acordo com ela. Segundo, tam bém a exem plo dos seres hu m anos, os anjos foram condenados con form e a sua definitiva decisão. A ún ica diferença é que a sua prim eira decisão foi tam bém a últim a. D o m esm o m odo que os seres hum anos tam bém têm o seu ponto de ru p tu ra (Hb 9.27), os anjos tam bém to m a m u m a decisão definitiva. Terceiro, con form e observam os acim a (nas palavras de Tom ás de A quino), a própria natu reza dos anjos to rn a definitiva a sua prim eira escolha, pois eles são criados com o seres sim ples que, pela sua própria natu reza, são im utáveis (salvo por aniquilam ento). Logo, depois de fazerem um a opção de servir ou se rebelar con tra Deus, esta passa a ser perm anente, seja ela qual for. Quarto, e por fim, ao contrário dos seres hu m anos, os anjos jam ais são cham ados ao arrepend im ento (A t 17.30; 2 Pe 3.9). Em sum a, aquilo que para nós leva u m a vida
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inteira, para u m an jo leva u m m o m en to . Depois que a sua m en te está convencida, ele p erm anece n atu ralm en te im utável e, co m o por natu reza, eles não podem m udar, não existe possibilidade de redenção para eles. C on h eced or disto, D eus não precisou prover para eles u m m eio de salvação.
A ABRANGÊNCIA DO PECADO (DEPRAVAÇÃO): PERSPECTIVAS DIVERSAS C o n fo rm e visto acim a, os seres hu m anos — Adão e Eva depois da Queda, bem co m o todos os seus descendentes naturais — são to ta l e com p letam en te depravados. A extensão desta depravação (e, p o rtan to , o en tend im ento que se te m acerca da expressão “depravação to ta l”) tem sido m otivo de acaloradas discussões teológicas ao longo dos séculos. U m a breve pesquisa a respeito dos vários pontos de vista acerca da depravação to tal ser-nos-á útil antes de fo rm arm os u m a opinião.
O Pelagianismo A perspectiva pelagiana acerca da depravação h u m a n a e m an a de u m m o n g e b ritân ico cham ad o Pelágio (c. 354-c. 420 d .C .), cu jas supostas idéias (e/ou dos seus seguidores) sobre o assunto fo ra m condenadas pelo C o ncilio de C ártago (416-418 d.C .). Ele e/ou os seus seguidores sustentavam que os seres h u m an os nascem n a in ocên cia, tal qual Adão foi criado. N este estado eles tê m a capacidade de obedecer a D eus, já que não herd am n e n h u m tipo de pecado de Adão e n ão p ecam “em A dão” (cf. R m 5), m as sim p ecam como Adão. P o rtan to , o ú n ico legado de Adão aos seus d escendentes foi o seu m au exem p lo. D e acordo co m o Pelagianism o, som ente os nossos próprios pecados nos são im putados (em vez dos pecados nossos ju n to s com os de Adão). A m o rte espiritual e etern a som ente pode ser ativada pelos nossos pecados pessoais. N em a nossa m o rte física é resultado do pecado de Adão, já que o seu pecado não nos foi transm itid o. Su p ostam ente, os seres hu m anos fo ram sim plesm ente criados m ortais; a im agem original de D eus não foi em baçada desde a época da Criação, e não existe a necessidade de graça para a salvação, pois ela pode ser alcançada por m eio da nossa livre-escolha, independente de auxílio externo.
O Arminianismo Esta perspectiva recebe o seu n o m e de seu p ro p o n en te principal, Jacó A rm ínio (1560-1609), u m teó lo g o reform ad o da H olanda — apesar do “A rm in ian ism o ” tam b ém guardar sem elhanças co m u m a visão ch am ad a de “Sem ip elag ian ism o”. Todavia, a versão p o p u lar do que co n h ece m o s a tu a lm en te co m o “A rm in ia n ism o ” surge a p artir de Jo h n W esley (1703-1791), e seria m ais apropriadam ente d en om inad a de “W esleyanism o.” C o m o as variantes n o cam po do A rm in ian ism o geral apresen tam diferenças significativas, é difícil indicar u m a ú n ica pessoa que defenda todos os elem en tos aqui listados. M esm o assim, u m a visão arm in ian a geral acerca da depravação, em con traste co m o Pelagianism o, su sten ta que todas as pessoas nascem depravadas e não podem , p o r forças próprias, ob ed ecerem a D eus. Cada ser h u m an o esteve p resen te, de fo rm a p o ten cial ou sem inal, em Adão quando ele esco lh eu o m al, e, p o rta n to , cada u m nasce co m u m a n atu reza co rru p ta , sob o estigm a do pecado de Adão.
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O Arminianismo (Wesleyanismo) acredita que todos os seres hum anos nascem tanto com a propensão ao pecado, quanto com a inevitabilidade da m orte física; e, caso não se irrependam de seus pecados, m orrerão eternam ente. A imagem de Deus nos seres humanos está tão obscurecida que eles precisam da sua graça para superar isto e se m overem na sua direção, já que Ele é o único que lhes pode salvar. Em contraste com o que insiste o Calvinismo Radical, entretanto, a graça de Deus não opera de form a irresistível sobre todos (ou somente sobre os eleitos). Ao contrário, a graça de Deus opera deforma suficiente sobre todos, aguardando a sua livre-cooperação antes de se tornar salvificamente efetiva. As teorias wesleyanas foram apresentadas pelos teólogos H. O rton Wiley (1877-1961) —um teólogo de tradição Arm iniana (Wesleyana) —e, Richard Watson (1781-1833), seu antecessor.
O Calvinismo Moderado D iferentem ente do A rm inianism o, o Calvinism o M oderado defende que herdam os u m a culpa legal do pecado de Adão e que som os legalm ente (e/ou n a tu ra lm en te) ligados a ele. C o m o resultado da opção que Adão fez pelo m al, todos os seres hu m anos, salvo quando são salvos, sofrem a m o rte espiritual e enfrentarão tanto a m o rte física, quanto à eterna. A lém disso, a graça de D eus não é m eram en te suficiente para todos; ela é eficiente para os eleitos. Para ser efetiva, a graça de Deus precisa con tar com a cooperação por parte do destinatário sobre o qual ela foi m anifestada. Em co m u m com o Calvinism o Firm e,49 o Calvinism o M oderado sustenta que todos os seres hum anos pecaram em Adão, tanto de form a legal, quanto natural, e que todos, sem exceção, herdam os a natureza pecam inosa — a culpa de Adão é im putada para toda a sua posteridade. Esta culpa som ente pode ser sobrepujada pela graça salvífica de Deus, a qual, de acordo com o Calvinism o M oderado, é irresistível som ente debaixo da vontade do destinatário.
O Calvinismo Firme O Calvinism o Firm e está na extrem idade oposta do Pelagianism o. Esta visão afirm a que não som ente nascem os depravados, mas que som os totalmente depravados.50 De acordo com o Calvinism o firm e, a im agem espiritual de D eus51 nos seres hum anos não foi som ente m anchada, mas co m p letam en te d estruíd a— não som en te obscurecida, mas extinta para todos os propósitos práticos. A pessoa n atu ral é incapaz de com preend er ou de reagir ao evangelho; D eus precisa, por m eio da sua graça irresistível, regenerar o pecador (co n tra a sua própria vontade) antes deste ser salvo. O pecado de Adão foi im putado a toda a raça hu m ana, e o pecador, p o r estar co m p letam en te m o rto nas suas transgressões e nas suas ofensas (to ta lm en te depravado), é incapaz até m esm o de cooperar com a graça salvífica de Deus. Tal qual oco rre no Calvinism o M oderado, todas as pessoas nascidas a partir de Adão, salvo Cristo, estão m ortas; aquelas que não são 49 O “C alv in ism o F irm e ”, c o m o títu lo , é u tiliz a d o p ara m a r c a r alg u m a s d istin ções e n tre e ste g ru p o e o C a lv in ism o R ad ical (o u “U ltr a c a lv in is m o ”), ou seja, e n tre o g ru p o q u e a c re d ita n a d u p la p red e stin a çã o , e o q u e n ã o a cred ita .
50 Para u m a
e x p lica çã o ac e rc a de c o m o os calvin istas m o d e ra d o s e os calvin istas firm es fa z em uso d a m e sm a exp ressão “dep rav ação t o t a l” a trib u in d o a e la significad os diferen tes, vide co n tin u a ç ã o d o te x to , sob o títu lo “A Im a g e m de D e u s n o s Seres H u m an o s F oi O b scu recid a, M as N ão E x tin ta ” e “A D e p ra v a çã o T o ta l é E xten siva, e N ão In te n siv a .”
51 A lg u n s calvin istas
firm es falam e m u m a “se m e lh a n ç a n a t u r a l” c o m D e u s q u e te ria re sta d o n o s seres h u m a n o s decaíd o s, ao passo q u e a im a g e m esp iritu al teria, s u p o s ta m e n te , sido extin ta , e n tre ta n to a B íb lia n ã o faz esta d istin ção. A im a g e m ú n ic a de D eu s c la ra m e n te p e rm a n e c e n o s seres h u m a n o s decaídos (p o r e x e m p lo , G n 9 .6; T g 3.9).
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resgatadas enfrentarão tanto a morte física quanto a eterna. Todavia, para o Calvinismo Firme, somente um número reduzido de pessoas selecionadas (os eleitos) a quem Deus regenera de maneira irresistível— o que significa que estes não tem outra opção— serão capazes de compreender e crer no evangelho. As raízes do Calvinismo Firme remontam aTheodore Beza (1519-1605), e teve o seu auge com Jonathan Edwards (1703-1758). Estas diferentes perspectivas podem ser resumidas na tabela a seguir: VÁRIAS PERSPECTIVAS A RESPEITO DA DEPRAVAÇÃO HUMANA
Estado ao
Pelagianismo
Arminianismo
Calvinismo Moderado
Calvinismo Firme
Inocente
Depravado
Totalmente
Totalmente
Depravado (Extensivamente)
Depravado (Intensivamente)
Capaz de
Incapaz de cooperar com Deus
Nascimento Capacidade
Capaz de obedecer a Deus
Capaz de cooperar com Deus
cooperar com Deus
Culpa
Nenhuma
Potencial
Legal (e/ou real)
Real (e/ou legal)
“Em Adão” (Rm5.12)
De maneira nenhuma (mas pecamos à semelhança de
Potencialmente (ou seminalmente)
Legalmente (e/ou
Naturalmente (e/ ou legalmente)
Herança de
Seu mau exemplo
Propensão ao pecado;
Propensão ao pecado; necessidade da morte
Necessidade
naturalmente)
Adão) Adão
necessidade da morte
do pecado; necessidade da morte
Morte Gerada
Espiritual e eterna
Física e Espiritual
Física, espiritual e eterna
Física, espiritual e eterna
O queé imputado
O nosso próprio pecado
O nosso próprio pecado (ratijicanws o pecado de Adão)
0 nosso próprio pecado, junto com o de Adão
O nosso próprio pecado, junto com o de Adão
Imagem Espiritual de Deus
Mantida
Obscurecida
Obscurecida
Extinta*
Efeito da Graça
Nenhum
Suficiente para
Irresistível debaixo da vontade
Irresistível contra a vontade.
todos
* Muitos calvinistas firmes negam este princípio, mas, na prática, sua visão remonta a este princípio, já que negam até mesmo a possibilidade dos não-salvos terem a capacidade de compreender e/ou aceitar o evangelho.
E claro que existem outras nuances e variações destas posições, entretanto, o Pelagianismo, o Arminianismo (Wesleyanismo), o Calvinismo Moderado e o Calvinismo
OS EFEITOS DO PECADO
|§) 125
Firm e representam as quatro posições mais m arcantes. C o m o as análises anteriores e r isteriores d em onstram , as evidências bíblicas, teológicas e históricas favorecem a visão calvinista m oderada. A B A SE B ÍB L IC A P A R A O S E F E IT O S D O P E C A D O H U M A N O D e acordo com a Bíblia, os efeitos do pecado sobre os seres h u m anos são vastos e ditusos. O pecado atingiu o cerne real do nosso ser, corrom p end o a totalidade da nossa natu reza — nada foi poupado. O s E fe ito s d o P eca d o S o b r e a Im a g e m de D e u s n o s S e res H u m a n o s Várias passagens falam que os seres hum anos foram criados à im agem de Deus, a com eçar por Gênesis 1.27 (cf. 5.1; 9.6, Cl 3.10). A relação en tre o pecado e esta im agem é teologicam ente im portante, e pode ser resum ida em dos tópicos principais. A Imagem de Deus nos Seres Humanos Foi Obscurecida. mas não Extinta
M esm o no seu estado d ecaíd o, os seres h u m a n o s co n tin u a m sendo a im agem de D eu s; a im ag em de D eus nas pessoas foi d anificada, m as n ão foi co m p le ta m e n te d estruíd a p elo pecad o. C o m o já expend id o, é p o r este m o tiv o que som o s proibidos de assassinar q u alqu er pessoa, seja ela salva ou n ão-salv a: “Q u em d erra m a r o sangue do h o m e m , p elo h o m e m o seu sangu e será d erram ad o; p o rq u e D eus fez o h o m em c o n fo rm e a sua im a g e m ” (G n 9.6). Se as pessoas n âo-salv as n ão co n tin u a ssem sendo a im ag em de D eu s, esta p ro ib ição (c o n tra o seu assassinato) não faria q u alqu er sentid o. De fo rm a sem elhante, tam bém tem os o m an d am ento para não am aldiçoar outras pessoas, pois elas tam bém foram criadas à im agem de Deus, e isto seria o m esm o que am aldiçoar a representação do próprio Deus: “C o m ela bendizem os a D eus e Pai, e com ela am aldiçoam os os hom ens, feitos à sem elh ança de Deus: de u m a m esm a boca procede bênção e m aldição. M eus irm ãos, não convém que isto se faça assim ” (T g 3.9,10). Em sum a, o pecado obscurece, m as não extin g u e a im agem de D eus nos seres hu m anos; a sua im agem está m anch ada, m as não elim inada. Até m esm o o m ais vil dos seres h u m an os re té m algo da im agem de D eus, apesar dela em m u ito s casos estar bastante afetada. A Depravação Total E Extensiva, não Intensiva
C om o o ser hu m ano foi feito à im agem de Deus, e com o o pecado afeta a pessoa n a sua totalidade, a prim eira coisa a ser dita é que o efeito do pecado sobre a im agem de Deus nos seres hum anos decaídos é difusa, estendendo-se a todas as dim ensões do nosso s e r .52 P ortanto, é neste sentido que a hum anidade pecam inosa é apropriadam ente descrita pelo Calvinism o m oderado com o “to talm en te depravada.” Isto não significa que os seres hu m anos decaídos sejam pecadores no m áxim o da sua potencialidade, mas sim que, separados de Cristo, não som os tão bons quanto deveríam os ser (de acordo com a natu reza perfeita de D eus e co m a perfeição co m a qual fom os criados). O pecad o p e n e tra e p erm eia o nosso ser co m o u m to d o . Os seres h u m a n o s nascem c o m p le ta m e n te , e n ão p a rcia lm en te depravados; ou seja, tod os os aspectos do nosso Vide capítulo 2
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ser são afetados p elo pecad o. N e n h u m e le m e n to da n a tu re z a h u m a n a fica de fo ra p elo m al que herd am os, apesar de sem pre nos restar algo da perfeição original. A pesar d esta d epravação difusa ser extensiva, ela n ão é intensiva. Isto sign ifica dizer q ue, apesar do nosso estado decaído afetar todas as d im en sões da n ossa n a tu re z a h u m a n a , ele n ão d estrói a nossa n a tu re z a h u m a n a p o r co m p le to , n e m q u alqu er u m a das suas p o ten cialid ad es essenciais. Por e x e m p lo , os seres h u m a n o s decaídos co n tin u a m capazes de ra cio cin a r, de sen tir e de to m a r decisões (vide abaixo); em fu n çã o do pecad o, eles n ão p erd eram q u alqu er das suas capacidades in eren te s à p ersonalid ad e. Se h ou vessem perd id o, d eixariam de ser pessoas. M as, eles continuam h u m an o s e, p o rta n to , co n tin u a m sen d o a im a g em e se m e lh a n ç a divina, apesar de serem decaídos e, p o r co n seq ü ên cia , incapazes de in icia r ou a lca n ça r a sua p ró p ria salvação. Iro n ica m e n te , se lev arm o s a depravação to ta l ao seu e x tre m o , acab arem os p o r d estru ir a capacidade da p ró p ria pessoa em ser depravada. Pois se a depravação total significar “a d estru ição da nossa capacidade de c o n h e c e r e e sc o lh e r o b em sobre o m a l,” en tão a pessoa que teve o seu c o n h e c im e n to e v o liçã o elim in ad o s n ão será m ais capaz de p ecar, pois, dessa fo rm a , ela n ã o te ria acesso ao b em (já que só o m al lh e estaria d isponível). E x istem cria tu ra s sem esta capacidade, m as estas são anim ais su b u m an o s e p lan tas q ue n ão p o d em p ecar. N e n h u m a responsabilid ad e m o ra l pode ser atribu íd a a u m ser que n ão te m n e m capacidade, n e m habilidade m o ra l.
Os Efeitos Noéticojis do Pecado Humano O pecado tam bém tem efeitos n oéticos53 sobre os seres hu m anos. Q uando Adão escolheu o m al, a sua m en te foi obscurecida pelo pecado, do m esm o m od o que foram as m entes dos seus descendentes. A depravação trouxe escuridão espiritual e cegueira para os incrédulos. Paulo coloco u nas seguintes palavras o que o co rre com a m en te pagã: “E, co m o eles se não im p ortaram de ter co n h ecim en to de Deus, assim Deus os entregou a u m sen tim ento perverso, para fazerem coisas que não conv ém ” (R m 1.28). Ele disse aos C oríntios que “o deus deste século cegou os entendim entos dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a im agem de D eu s” (2C o 4.4). Jesus disse: “Eu sou a luz que vim ao m u nd o, para que todo aquele que crê em m im não perm aneça nas trevas” (Jo 12.46). Paulo fez lem brar à igreja de Efeso: “Porque, n ou tro tem po, éreis trevas, mas, agora, sois luz no S e n h o r” (E f 5.8). O objetivo da salvação é “abrir os olhos e converter as pessoas das trevas à luz e do poder de Satanás para D eu s” (cf. A t 26.18).
Os Efeitos Volitivos do Pecado Humano O pecado deixa a sua m arca inconfundível não som ente sobre a m en te hu m ana, mas tam bém sobre a vontade dos h om ens. O resultado é que existem várias ações que a vontade hu m an a é incapaz de produzir sem o auxílio externo. Por u m lado, a vontade h u m an a não é capaz, sem o im pulso da graça divina, de buscar a Deus. Paulo declarou: “Não há n in g u ém que entenda; não há nin g u ém que busque a D eu s” (R m 3.11).
53 D erivad o do te r m o G re g o nous, "m e n te ".
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A lém disso, a vontade hu m ana não é capaz de iniciar a nossa salvação. João declarou ; -m iticam ente que os crentes são “filhos de Deus [...] os quais não nasceram do sangue, da vontade da carne, n em da vontade do varão, mas de D eu s” (Jo 1.12,13). I im b é m não podem os, pela vontade hu m ana, alcançar a nossa própria salvação: ‘Assim, pois, isto não depende do que quer, n e m do que corre, mas de Deus, que se : : m padece” (R m 9.16). Todavia, apesar da vontade hum ana ser incapaz de desejar as coisas do alto, existem certas cocas que, pela graça de Deus, os seres hum anos, em bora decaídos, são capazes de fazer. Primeiro, tanto Lutero, quanto Calvino reconheceram que a vontade hum ana é livre nas : : isas “terrenas”; isto é , existe liberdade em questões sociais e morais. Por exem plo, som os -r.Tes para escolherm os um a escola, u m em prego, u m com panheiro para dividirmos a n : ?sa vida; tam bém som os livres para cuidar ou descuidar de nossos filhos. Além do mais, somos livres para decidirmos se recebemos ou rejeitamos o dom da salvação (R m 6.23). Deus não deseja som ente que todos se salvem (1 T m 2.4; 2 Pe 3.9) com o : im bém dá a todos a capacidade de se decidirem pela fé 0 o 1.12). D a m esm a form a que somos incapazes de crer sem a graça de Deus, tam bém não podemos receber a graça da salvação de I\ rU S sem crer. Com o analisamos, João Crisóstomo assim colocou esta situação: Para respondermos a todos os que insistem em perguntar: “Como podemos ser salvos sem contribuir com nada nessa salvação?” Paulo nos mostra que, de fato, temos uma grande dose de contribuição nela — entramos com a nossa fé! (in Schaff, NPNF, 1.11:377) E claro que o nosso ato de fé é im pulsionado e auxiliado por Deus “E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias co m o se não o houveras recebido?” (1 Co 4.7). C o m o tam b ém já vim os, “não que sejam os capazes, por nós, de pensar algum a coisa, co m o de nós m esm os; mas a nossa capacidade vem de D eu s” (2 Co : 5 . M esm o sendo D eus quem impulsiona o nosso ato de fé, não é Ele quem a to rn a real — n final das contas, ela é um a deliberação nossa. Apesar de Deus ajudar na nossa escolha, Ele não to m a a decisão por nós. Ele proporciona o ím peto e a assistência, mas precisam os : ?m ar a decisão de crer por nós m esm os. C o m relação à acusação de que até m esm o o ato de receber a salvação com u m dom de Deus seria considerado m e ritó rio .54 Um homem rico entrega esmolas a um mendigo faminto e miserável, com as quais ele poderá manter-se a si mesmo e à sua família. Será que isto deixa de ser umpresentepuropelo simplesfato do mendigo estender a sua mão para recebê-lo? Será que poderíamos dizer com propriedade que “as esmolas dependem, em parte, da liberalidade do Doador e, em parte, da liberdade do recebedor,” apesar de não ser possível ao segundo a posse dela não fosse pelo estender da sua mão? [...] Se estas afirmações não puderem ser verdadeiramente feitas acerca de um mendigo que recebe esmolas, de que forma poderiam ser feitas acerca do dom da fé, cujo recebimento exige atos muito maiores da Graça Divina! (Armínio, TVJA, 1.365-66, grifo acrescentado)
Os Efeitos do Pecado sobre a Natureza Humana A pessoa hu m an a apresenta u m a natu reza hu m ana; logo, se a pessoa é decaída, a sua ~ -tu reza tam bém é decaída. Mas o que exatam ente significa o fato de possuirm os um a r_itu reza decaída? Iniciarem os vendo o que isto, de fato, significa. - ^creditado a n ós.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Primeiro, possuir u m a natu reza decaída significa que nascem os desta fo rm a (SI 51.5). O salm ista diz: “A lienam -se os ím pios desde a m adre; andam errados desde que nasceram , proferindo m entiras” (SI 58.3; cf. E f 2.3). Segundo, possuir u m a natu reza decaída significa que o pecado é natu ral para nós. O pecado não é m eram en te u m hábito adquirido; ele é u m a inclinação básica. N inguém precisa ser ensinado a pecar. Terceiro, possuir u m a natu reza decaída significa que, inevitavelm ente, pecarem os. Na ocasião op ortu na, o pecado m anifestar-se-á. Quarto, e por fim, possuir u m a natu reza decaída significa que som os incapazes de salvarm os a nós m esm os. Não im p orta o quanto ten tem os ser bons, continu arem os a ser pecadores por natu reza e por prática e, desse m odo, não som os capazes de m erecer um lugar no céu perfeito de Deus, sem a m ediação de Jesus Cristo. Em sum a, possuir um a natu reza decaída significa que não som os sim plesm ente pecadores por que pecam os; m as que pecam os porque som os pecadores. C ontu do, existem tam bém várias coisas que a posse da natu reza pecam inosa não significam: Primeiro, com o até m esm o os calvinistas firm es concordariam , possuir um a natu reza decaída não significa que sejam os n o m áxim o da nossa potencialidade, m as que, co n fo rm e já vimos, não som os tão bons quanto deveríam os ser. Segundo, possuir u m a natu reza decaída não significa que o pecado seja algo desculpável. Som os responsáveis por todos os pecados que com etem os. Terceiro, possuir u m a natu reza decaída não significa que não sejam os capazes de evitar o pecado: se n ão fôssem os, tam bém não seriam os responsáveis p o r eles — m as o fato é que som os. Na verdade: “cada u m de nós dará con ta de si m esm o a D eu s” (R m 14.12), e “os m o rto s [serão] julgados pelas coisas que [serão]escritas nos livros, segundo as suas
obras” (cf. Ap 20.12). Quarto, possuir u m a n atu reza decaída n ão significa que algum tipo específico de pecado seja inevitável. Apesar do pecado, num sentido geral, não poder ser evitado, pecado específicos são evitáveis. A graça de D eus sem pre está disponível para que possam os resistir ao pecado, tanto ao crente (1 C o 10.13), quanto ao descrente (T t 2.11-13). C o m o Calvino co rretam en te observou: “E inquestionável que o livre-arbítrio não capacita qualquer h o m em a executar boas obras, se não for assistido pela graça” ( IC R , 1.2.2.6). Quinto, e por fim, co m o já foi dem onstrado, possuir u m a natu reza decaída não significa que não ten h am o s opção n o caso da nossa salvação. Apesar de a vontade h u m an a ser incapaz de crer por si m esm a na salvação, todavia, todos os que têm vontade de receber o dom de Deus, fazem -n o sob o auxílio da sua graça. Ele não som ente deseja que todos se salvem , co m o tam bém proporciona esta capacidade para todos que isto desejarem (Fp 2.13). A nossa liberdade de decisão não inicia (1 Jo 3.19), n em é capaz de alcançar (Jo 1.13) o dom im erecido da salvação, en tretan to , pela graça de Deus (E f 2.8-9) a nossa vontade torna-se capaz de recebê-la (Jo 1.12; 3.16-18).
CONCLUSÃO Os efeitos do pecado são extensivos, tan to a respeito da hum anidade com o u m todo, quanto sobre cada indivíduo em particu lar (R m 3.23). A hum anidade inteira é decaída e irredim ível, salvo pela graça de D eus (T t 3.5-7; E f 2.8,9). A lém disso, cada indivíduo é to talm en te depravado, pois o pecado se espalhou por todas as partes do nosso ser.
OS EFEITOS DO PECADO
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Som os pessoas decaídas, e isto inclui a nossa m en te, as nossas em oções, a nossa vontade e o nosso corpo. Apesar dessa depravação não significar que todos os seres hu m anos sejam potencial e extrem am en te m aus, ela significa que eles não são tão bons quanto precisariam ser. P ortanto, a graça de D eus é a ú n ica força no universo que pode transp or airredim ibilidade natu ral dos seres hu m anos. “S om en te a graça” (n o latim : sola gratia) é a ún ica cu ra para a depravação to tal da hum anidade. A graça, e som en te a graça, pode superar os efeitos graves e devastadores do pecado (T t 2.11-13).
FONTES A m brósio. On the Death o f His Brother Satyrus in Jerom e, Fathers o f the Church con form e citação feita por Thom as Oden, ed., Andent Christian Commentary on Scripture. Am brosiastro. C o n fo rm e citação feita em CSEL in Oden, ACCSNT. A nselm o. Cur Deus Homo. A rm ínio, Jacó. The Writings o f fames Arminius. A gostinho. A Cidade de Deus. -------- . On Forgiveness o f Sins, and Baptism. Calvino, João. Institutos da Religião Cristã. Clem ente de Alexandria, Stromata. Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum. Cirilo de Jerusalém . Catechetical lectures. Ireneu. Against Heresies. Jerônim o. Epistle to the Galatians in Fathers o f the Church con form e citação feita por Oden, ACCSNT. João C risóstom o. Homilies on Ephesians in Schaff, NPNF, con form e citação feita por O den, ACCSNT. --------. F. Field, ed. Interpretatio Omnium Epistolarum Paulinarumper Homilas Facta in O d en .JR . Lewis, C. S. The Problem o f Pain. Lutero, M artin h o. Bondage o f the Will. Oden, Thom as, ed. Ancient Christian Commentary on Scripture: New Testament. --------. Thefustifcation Reader. Orígenes. Commentary on Romans. Radm acher, Earl. Salvation. Roberts, Alexander e Jam es D onaldson. The Ante-Nicene Fathers. Schaff, Philip. The Nicene and Post-Nicene Fathers. Teodoreto de C irro. Interpretation o f the Letter to the Romans in Patrolia Graeca con form e citação feita por Oden, ACCSNT. Tom ás de A quino. Commentary on Ephesians. --------. Summa Theologica. Confissão de Fé de Westminster, 1648.
CAPÍTULO
SEIS
A DERROTA DO PECADO
D
eus preferiu não aniquilar o pecado, m as d errotá-lo. E preferiu d errotá-lo progressivam ente em vez de fazê-lo de fo rm a instantânea. Há m uitas razões p jssíveis para isto, mas as duas principais envolvem (1) a liberdade que Ele concedeu aos seres hu m anos e (2) o seu desejo de produzir algo que mais se assem elhasse a Si m esm o mais divino) a partir deste processo. O plano de D eus parece ser a d errota do m al sem i destruição da liberdade, p rom ovend o, sim ultaneam ente, o aperfeiçoam ento de suas :riaturas livres.
O PLANO DIVINO PARA A DERROTA DO MAL1 O plano de Deus para d errotar o m al foi elaborado nas câm aras conciliares da eternidade. Para que o m al fosse conquistado, prim eiro ele precisaria ser perm itido. Para perm itir o m al a fim de proporcionar u m bem ainda m aior, Deus precisaria criar criaturas livres. Estas criaturas foram criadas em duas categorias: os anjos (constituídos som ente de espírito) e os seres hum anos (constituíd os de espírito/corpo).2
OS PRÉ-REQUISITOS DO PLANO DIVINO Por ser u m Ser e tern o ,3 o seu plano foi desejado por toda a eternidade, e está calcado em vários outros atributos divinos. Por ser onisciente, Deus sabia com o tudo ocorreria desde o princípio.4A lém disso, por ser T od o-am oroso (oniben evolente), desde o princípio havia a garantia de que Deus honraria o livre-arbítrio que concedeu às suas criaturas.5 E, por ser onipotente, desde o princípio tam b ém era certo que Ele haveria de cu m p rir o seu propósito.6 E, co m o já vim os, o restante não passa de especulação. Por fim , a liberdade de Deus nos garante que Ele não foi forçado a fazer o que fez,7 e a sua onisapiência (sua qualidade de ser Todo-sábio) é a segurança de que Ele optaria pelo m eio mais sábio para cu m prir os seus propósitos.
■ E sta c a p ítu lo fo g e do fo rm a to n o r m a l (d esta série) ao tra ta r das evidências bíblicas, te o ló g ica s e h istó rica s de m a n e ira separada, já q u e se tra ta de u m re s u m o e u m a a m p lia çã o d o tra b a lh o -b a se já e x p o sto n o s o u tro s ca p ítu lo s. D essa fo rm a , p o rta n to , os asp ectos b íb licos e h istó ric o s estã o in terlig ad os, ao passo q u e os a sp ecto s h istó ric o s p o d e m ser e n c o n tra d o s e m outras áreas (qu e serão adiante citadas).
2Vide v o lu m e 2, capítulos 19-20.
c a p ítu lo 8.
6 Vide v o lu m e 2, c a p ítu lo 7.
5 V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 15.
3 Vide v o lu m e 2, capítu lo 4.
7V id e c a p ítu lo 3.
4 Vide v o lu m e 2,
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O PROPÓSITO DO PLANO DE DEUS Se Deus sabia que o m al surgiria, por que Ele insistiu em executar a criação? Ele era livre para criar ou não criar, então por que preferiu criar u m m u nd o que, sabidam ente, cairia sob o poder do pecado? Isto parece se chocar co m o caráter Todo-bondoso e Todosábio do Sen h or, pois, co m o u m Deus Todo-bondoso, o S en h or deve ter tido u m bom propósito para fazer o que fez, e co m o u m D eus Todo-sábio Ele deve te r optado pela m e lh o r fo rm a de fazê-lo. P ortanto, por que Ele criou livrem ente u m m u nd o com criaturas livres que, con form e Ele já sabia, optariam pelo m al, m uitas das quais jam ais se recuperariam ?8 Os críticos n o rm a lm en te alegam que existiriam outras (m elh ores) alternativas para Deus.
Primeira Alternativa: Não Ter Criado Nada Se D eus é onisciente,9 Todo-bondoso e livre — de acordo co m a sua própria n atu reza — , então Ele poderia ter preferido outras opções. C o m o onisciente D eus já havia previsto o m al e, co m o u m Ente livre, Ele poderia não ter criado este m undo. Esta decisão teria im pedido toda a m aldade que existe neste m u nd o e, p o rtan to , seria preferível.
Segunda Alternativa: Ter Criado um Mundo onde não Houvesse Liberdade A lém disso, Deus poderia ter criado u m m u nd o am oral no qual o pecado n ão existiria. U m m undo assim, por não possuir seres livres, estaria isento de qualquer m al m oral. Este tipo de m u nd o parece ser u m aperfeiçoam ento do m u nd o m al onde vivem os.
Terceira Alternativa: Ter Criado um Mundo Livre no qual ninguém Pudesse Optar pelo Pecado Deus tam bém poderia ter criado u m m u nd o no qual nin g u ém jam ais pudesse se decidir pelo m al. O fato de u m a pessoa livre poder pecar10não significa que ela irá p ecar.11 Deus sabia quem pecaria e quem não pecaria, e parece que Ele poderia, sim plesm ente, ter criado aqueles que, segundo o seu con h ecim en to prévio, não optariam pelo m al.
Quarta Alternativa: Ter Criado um Mundo Livre onde ninguém Tivesse a Permissão para Pecar Deus é Todo-poderoso, e poderia ter criado criaturas livres sem a possibilidade de in co rrer em pecado, m esm o que elas tivessem escolhido fazer diferente (e m função do seu livre-arbítrio). C o m o D eus não deseja o m al e tem poder para evitá-lo, o exercício deste poder, a fim de im pedir o m al, parece u m a decisão sensata. Seguram ente, isto teria sido m e lh o r para o m u nd o, principalm ente quando observam os as criaturas livres com perm issão para pecar de fo rm a tão destrutiva.
8 Este p ro b le m a é m a r c a n te p ara u m ev a n g é lico , já q u e a d o u trin a o r to d o x a d o castig o e te r n o (vide v o lu m e 4 ) p o stu la q u e m u ita s pessoas jam ais serão salvas e so frerã o de fo rm a c o n s cie n te u m t o r m e n to e te r n o . (V id e v o lu m e 4, c a p ítu lo 10). 9 C o m o D eu s é o n isc ien te (vide v o lu m e 2, c a p ítu lo 8), E le sabia o q u e a c o n te c e ria caso criasse e ste m u n d o . a possibilidade de p ecar.
11 O u seja, q u e inevitavelmente t e n h a q u e p ecar.
10 O u seja , te m
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Quinta Alternativa: Ter Criado um Mundo Livre onde o Pecado Acontece, mas no qual todos eventualmente se Salvem Por fim, por que Deus não criou um m undo onde todos fossem livres e onde o r e : =do fosse possível, mas no qual todos, eventualm ente, tam bém seriam resgatados ; j pecado? U m m u nd o assim teria a vantagem de p erm itir a liberdade de se fazer o m al, - : m esm o tem po em que incluiria o tem po e as circunstâncias necessárias para que dele i r rendêssem os nossas lições e, dessa form a, optássem os por sua m elh oria. No final, isto r r : porcionaria u m m u nd o livre de maldades. O p roblem a para o teísta cristão pode ser resum ido da seguinte form a: 1) Deus poderia ter escolhido u m a alternativa a este m undo (o qual con tém criaturas livres para pecar) ao: (a) não criar m u nd o algum . (b) não criar u m m undo livre. (c) criar u m m u nd o livre onde não haveria pecado. (d) criar u m m u nd o livre onde não fosse possível se pecar; ou (e) criar u m m undo onde houvesse pecado, mas no qual todos seriam salvos ao final. (2) C ontu do, de acordo com a sua própria Palavra, Deus não escolh eu n en h u m a destas alternativas supostam ente m elh ores. Mas criou u m m u nd o de criaturas livres que pudessem pecar, m uitas das quais não seriam salvas ao final. (3) C o m o Deus não escolheu um a destas opções “ap arentem ente m elh ores,” Ele m erece ser acusado de não ter feito o m elhor. (4) E fazer m enos do que o m elh o r que podem os fazer é u m ato de maldade. (5) Logo, u m Deus Todo-perfeito não existe.
O PLANO DE DEUS AO PERMITIR O MAL Em resposta, precisarem os d em onstrar, a partir de u m a perspectiva evangélica, que n enhu m a destas alternativas teria sido m e lh o r do que a escolhida por Deus: (1) Na sua infinita sabedoria e bondade, D eus op tou por u m plano que proporcionaria o m aior de todos os bens. (2) Deus considerou que o plano que resultaria n o bem m aior seria dar perm issão ao m al, a fim de que este fosse derrotado, sem que o livre-arbítrio fosse destruído nesse processo. (3) Por ser Ele m esm o o m aior B em de todos, D eus desejou o m aior bem possível para as suas criaturas livres. (4) A lém de tudo, Deus fez uso do m aior m eio possível para atingir o m aior bem possível. A com preensão deste plano se descortinará à m edida que cada um a destas alternativas :or sendo abordada por nós. Alguns teólogos questionam a quarta premissa acim a ( “Fazer m enos do que o m elhor que podem os fazer é um ato de m aldade”), argum entando que Deus não é obrigado a fazer : melhor que pode; Ele sim plesm ente precisa fazer o bem . E o que Ele fez ao criar este m undo foi bom , m esm o que algumas coisas pudessem ter sido ainda m elhores.
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Esta possibilidade, contud o, é p roblem ática em função do caráter Todo-bondoso de Deus. C om o o M elh or dos Seres poderia fazer m enos do que o melhor a ser feito? Ficaria a im pressão de que o Ser perfeito deveria, necessariam ente, executar ações perfeitas, pois tudo o que fo r inferior ao m elh o r não atinge o padrão daquele que é o M elhor. Em todo caso, é necessário analisarm os as alternativas, pois u m op onente tam b ém poderia argu m entar que não seria b om que Deus perm itisse o m al no prim eiro m o m en to , já que Ele possuía algum as alternativas que tam bém resultaria na elim inação do m a l.12
Resposta à Primeira Alternativa (Não Ter Criado) Em resposta a estas colocações, a verdade é que a ausência de um m undo não é m o ralm en te m elh o r do que a existência de u m m undo. O nada não é m elh o r do que o algo. Este é um erro de categoria; algo e nada não guardam qualquer tipo de relação, p o rtan to , não podem ser com parados. Este erro é pior do que a com paração de maçãs com laranjas, já que ambas, pelo m enos, pertencem à categoria dos frutos. Ele se aproxim a m ais de um a com paração de m açãs com “n en h u m a m açã,” insistindo que “n en h u m a m açã” tem u m gosto “m e lh o r” ou “p ior” do que u m a m a çã .13 A lém disso, o argum ento do crítico é que a ausência de mundo teria sido m o ralm en te m elh o r do que este m und o. O corre que a ausência de mundo não se constitu i em um m undo m o ral (a ausência de m undo de form a algum a será u m m u nd o!) — ela será a m o ra l.M Aqui, novam ente, vem os u m erro de categorização, pois estaríam os alegando que um m undo am oral é moralmente melhor do que u m m undo m oral. Só que os dois não estão no m esm o plano teológico ou id eológ ico.15 Portanto, criar não foi m elh o r do que não criar. A criação foi u m a livre deliberação; Deus não estava sob qualquer tipo de com pulsão para criar algo. Ele tam bém não criou porque precisava criar (m etafísica ou m o ralm en te falando) — Ele, sim plesm ente, criou porque desejou fazê-lo.
Resposta à Segunda Alternativa (Ter Criado um Mundo sem Liberdade) D a m esm a form a, u m m u nd o sem liberdade não seria m o ralm en te m elh o r do que u m m undo livre, pois um m undo sem liberdade é um m u nd o n ão-m oral — o livrearbítrio é necessário para a existência da m oralidade. C om o já observam os (na resposta à prim eira alternativa), u m m undo n ão-m oral não pode ser m o ralm en te m e lh o r do que u m m undo m oral, independentem ente ou não da ausência de um m u nd o ou se o m undo existente seja u m lugar onde não haja liberdade. C o m o o m u nd o proposto não chega n em a ser u m m u nd o m o ral (seja, com o na prim eira alternativa, com o u m nãom undo; seja, com o na segunda alternativa, com o u m m u nd o sem liberdade), não existe base m oral para a com paração com o m u nd o criado por Deus. Esta alternativa tam bém representa u m erro de categorização.
12S e D e u s p od e fazer m e n o s d o q u e o seu m e lh o r, e n tã o o c rític o p erd e to d a a base p a ra a sua o b je ç ã o de q u e D e u s deveria te r feito m e lh o r. P or q u e Ele d everia t e r “feito m e lh o r ,” se E le n ã o p recisa fa z er o m e lh o r?
13 U m erro de categorização é u m a
falácia q u e o c o r r e q u and o u m a p essoa atrib u i a u m o b je to (o u a u m a idéia) ca ra cte rística s o u pro p ried ad es q u e e le n ã o possu i (o u n ão p o d e p o ssu ir), ta l c o m o se p e rg u n ta r q u al é o “g o s to ” da c o r azu l! m o r a l, n e m im o r a l, m as n ã o p o ssu irá m o r a l.
14 Amoral sig n ifica q u e n ã o será n e m
15 É ta m b é m im p o r ta n te o b serv ar q u e , de m a n e ira o p o sta , o atyo (isto é, o
s e r ) ta m b é m n ã o é m e lh o r d o q u e o n a d a ( o não-ser). O rno-ser n ã o e xiste e, p o r ta n to , n ã o existe u m a base de c o m p a ra çã o e n tre am bos.
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-.esposta à Terceira Alternativa (Ter Criado um Mundo Livre onde ninguém Pudesse Optar pelo Pecado) zsta alternativa im plica na possibilidade da existência de u m m u nd o livre onde ningu ém possa se decidir pelo m al. Esta conclusão é questionável, pois, de fato, envolve equívoco acerca da palavra possível. E claro que, é logicam ente possível que um a m itu r a livre jam ais in co rra em pecado, já que a liberdade hu m an a para o pecado envolve a capacidade de to m ar o ru m o co n trário .16Porém n em tudo o que é logicam ente rossível é verdadeiramente exeqüível. Diante do que conh ecem os acerca da liberdade, u m m undo onde n in guém (jam ais ) i exercesse de m aneira equivocada estaria além do altam ente im provável. Em um a íirnação de onde as duas possibilidades fossem de 50 por cento, se realm ente houve duas r : ssibilidades — por exem plo, cara e coroa — e ao se girar a m oed a ela n u n ca parar na ::r o a , devem os suspeitar que a m oeda esteja adulterada. E, ao contrário do que ocorre : :-m a m oeda, os seres humanos são livres para tomar um rumo adverso. D e qualquer m aneira, m esm o que seja logicam ente possível Deus ter criado um m undo no qual ninguém jam ais tivesse pecado, este m undo teria sido, na verdade, praticável, se considerarm os que, n a sua infalibilidade, D eus já antevia que em cada m undo verdadeiram ente livre Ele poderia ter criado, pelo m enos, alguns incorreriam nvrem ente em pecado. P ortanto, apesar de u m m undo livre no qual n in guém jam ais :p te p e lo pecado seja logicamente possível, ele, na prática, não será verdadeiramente exeqüível. Logo, é possível que Deus não tivesse criado exatam ente as pessoas que optariam pelo recad o, já que Ele sabia, com toda certeza, que em cada agrupam ento de seres, havia criado algum as pessoas que se decidiriam pelo m al. Por exem plo, seria possível que m esm o que Deus tivesse criado u m n ú m ero m en o r de anjos, um terço deste nú m ero :±ria pecado. Além disso, m esm o se Deus tivesse criado um m undo onde todos fossem livres, mas ninguém pecasse, poder-se-ia questionar se isto seria, verdadeiram ente, m elh or. O m elh o r m u nd o possível é aquele que atinge o m aior de todos os bens — o que, de acordo : )m o que está claro nas Sagradas Escrituras, som ente é atingível ao se perm itir os m ales de prim eira ordem (inferiores) a fim de que se possa atingir os bens de segunda ordem superiores). Por exem plo, não se alcança a paciência sem a tribulação, n em o perdão ísm o pecado, nem a coragem sem o m edo, n em a m isericórdia sem a tragédia. Todos estes bens m aiores dependem da perm issão da pré-cond ição para o m al. Se, p o rtan to , o ?em m aior não pode ser alcançado sem que se p erm ita o m al, e se Deus precisa alcançar : bem m aior (porque Ele é o B em M aior), parece lógico que não seria m e lh o r Deus ter :p tad o pela criação de um m u nd o onde o pecado não ocorreria (m esm o que ele fosse “erdadeiram ente possível). Se, com o m encionam os anteriorm ente, argum enta-se que Deus não tem de fazer o _;eu m elh o r e, conseqüentem ente, não precisasse alcançar o bem maior, mas sim plesm ente : mundo bom , então esta objeção, com o um todo, estaria desm oronada. Este m undo presente, criado por Deus com a perm issão ao pecado é um m u nd o bom , e se um m undo bom for suficiente, ele, obviam ente, enquadra-se no critério e a objeção se torna irrelevante.
1Vide capítulo 3.
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Resposta à Quarta Alternativa (Ter Criado um Mundo Livre onde ninguém Tivesse a Permissão para Pecar). No que tange à visão de que D eus poderia te r criado u m m u nd o livre n o qual nin g u ém teria a perm issão para praticar o m al, estam os, aparentem ente, diante de u m a contradição. Deus é onipotente, mas m esm o u m Ser on ip oten te não pode fazer o que é con trad itó rio .17É u m a contradição dizerm os que som os livres para pecar, m as não tem os a perm issão para fazê-lo. A ún ica m aneira lógica pela qual o pecado pode ser evitado é havendo a incapacidade de se escolher ou tra fo rm a de conduta. Se fo rm os obrigados a não pecar, não som os livres; já vim os que a liberdade forçada é um , conceito absurdo. Deus pode, obviam ente, fo rm ar criaturas que não possam pecar; e estas são, p o r exem plo, as rochas e os robôs, que são seres não-m orais. U m a criatura m o ral, por natu reza, é aquela que é livre para fazer as suas escolhas,18 e é contrad itório se afirm ar que som os livres para exercer ou tro tipo de con d u ta e, sim ultaneam ente, não som os livres para exercer outro tipo de conduta.
Resposta à Quinta Alternativa (Ter Criado um Mundo Livre onde o Pecado Acontece, mas no qual todos eventualmente se Salvem). A exem plo do que ocorre n a alternativa três, u m m u nd o livre onde todos pequem e depois se salvem é m esm o concebível, m as pode não ser exeqüível. Se todos forem verdadeiram ente livres, sem pre será possível que em todos os m undos possíveis alguém se recusará a ser salvo.19 E claro que, se D eus forçasse todos a se salvarem , as pessoas não seriam livres — n ão existe u m a realidade onde a liberdade seja imposta. C o m o Deus é am or, Ele não força, n e m pode im por-se a Si m esm o sobre a vontade do indivíduo. Desse m odo, em u m m u nd o pecam inoso onde a salvação universal o co rre em função da coação divina con tra a vontade do indivíduo é insustentável. A lém disso, apesar de u m m u nd o onde todos, eventualm ente, sejam salvos porque, u n ilateralm en te e sem pre, recusar-se-ão a escolher o pecado seja, ao final, livre do m al; todavia, é possível que diante do que Deus anteviu na eternidade acerca do uso do livre-arbítrio, u m m undo nesses term os não seja verdadeiram ente exeqüível. A lém disso, u m m u nd o onde o pecado jam ais se m aterialize pode até ser concebível, m as pode, na verdade, não ser moralmente desejável. Por um lado, se o m al não fo r perm itido, ele não poderá ser derrotado. Tal qual ocorre com os autom óveis, u m m u nd o testado é m elh o r do que u m m u nd o que não sofreu os devidos testes. Ou, em outras palavras, não existe u m boxeador capaz de d errotar um adversário se não subir ao ringue e enfren tá-lo. Deus, p o rtan to , pode ter perm itido o m al ju stam en te para pode derrotá-lo (e, desse m odo, alcançar u m bem ainda m aior). Ademais, se o m al não fosse perm itido, as virtudes mais elevadas não seriam alcançadas. Só reforçando u m exem plo an teriorm en te passado, não existe com o experim entarm os a alegria de serm os perdoados sem que Deus conceda a perm issão para que caiam os n o pecado (por exem plo, Lucas 7.36-48). P ortan to, apesar de ser teoricamente possível, a existência de u m m u nd o onde o pecado ocorra, m as onde todos se salvem ; todavia, parece-nos que u m m u nd o assim seria moralmente inferior. Em sum a, co m o n e n h u m a destas visões alternativas é necessária (e algum as, de fato, são impossíveis), não está dem onstrado que qualquer u m destes m undos hipotéticos 17Vide volum e 2, capítulo 7.
18 Esta é a essência da moralidade, vide capítulo 2.
19Vide tam bém o capítulo 12.
A DERROTA DO PECADO
: í i m elh o r do que o m u nd o onde vivemos. C o m o resultado, os críticos não tiveram èsiTo em m o strar que Deus fez m enos do que o m elh o r ao criar este nosso m und o. Isto, r-la m e n te , não significa que estam os convencidos que este nosso m undo presente seja : m elh or que possam os alcançar, pois Deus ainda não concluiu o seu plano: Este m undo r sim plesm ente a m e lh o r m aneira possível de se chegar ao m elh o r m u nd o que se possa anaginar.20 R E SU M O D O S A R G U M E N T O S A FA V O R D E U M M U N D O A L T E R N A T IV O Analisando todas as possibilidades, pudem os observar que n en h u m outro m undo i.-ternativo se apresentou superior ao m undo que Deus escolheu criar, ou seja, um m undo onde o m al é possível e no qual ele, verdadeiram ente, ocorre. Seguram ente mundos am orais (não -m o rais) — A lternativas u m e dois —^ não podem ser m o ralm en te 5’aperiores que este m u nd o m oral. De igual form a, u m m undo de liberdade fo r ç a d a -^ i-:e m a tiv a quatro — não se m o stra n em com o u m a alternativa logicam ente viável. E a m m undo onde as pessoas são livres, mas o m al jam ais oco rra — alternativa três — é -roricam ente concebível, mas pode não ser verdadeiram ente exeqüível.21 O m esm o é verdade acerca da alternativa cinco, pois pode ser que um m undo onde todos desejassem m.Temente a salvação jam ais se materializasse, ou pudesse de to rn a r real. (E m esm o que ;-osse viável, ele seria m o ralm en te inferior.) Em sum a, poder-se-ia argum entar: (1) Se o M aior de todos os seres (D eus) decide criar um m u nd o m oral, então este m undo será: (a) necessário para que ele atinja o m aior bem possível dentro dele, ou (b) não necessário para que ele atin ja o m aior bem possível dentro dele. (2) Se ele não for necessário para que ele atinja o m aior bem possível dentro dele, então este m undo estará de acordo co m a descrição, e a objeção (de que o m undo poderia ter sido m elh o r caso Deus tivesse escolhido um plano alternativo) perde o sentido. (3) Se e l e fo r necessário para que ele atin ja o m aior bem possível, então a perm issão deste m undo m aligno com o um a pré-condição necessária para que se alcance o m aior bem de todos seria a m elh o r alternativa. (4) Este m u nd o ainda não atingiu o m aior de todos os bens.22 5) Todavia, este m u nd o m aligno atual é a m elh o r form a de se alcançar o objetivo do m aior de todos os bens, o qual não poderia ser alcançado sem que tivéssemos o m al co m o pré-condição. (6) U m Deus Todo-bondoso precisa cu m p rir o m elh o r dos objetivos. (7) U m D eus Todo-sábio precisa escolher a m elh or form a de se chegar ao m elh o r dos objetivos. (8) U m Deus Todo-poderoso pode atingir um objetivo que não envolva qualquer tipo de contradição. 19) É contrad itório forçar a liberdade para se atingir um objetivo m oral. O céu; vide v o lu m e 4, p a rte 2.
21 M e sm o que o fosse, ele n ã o seria u m m u n d o n o q u al o m a io r b e m possível seria
a c ia ç a d o , o q u e p a rec e a ú n ic a coisa a p rop riad a ao M a io r de to d o s os S eres.
22 O u , c o m o já v im o s, se já a tin g iu , o c rític o
perde o apoio p ara o seu a rg u m e n to (d e q u e o m e lh o r m u n d o ain d a n ã o fo i p erceb id o.
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(10) Logo, o U niversalism o,23 que preconiza a salvação de todos (inclusive de alguns co n tra a sua própria vontade), é u m a contradição. (11) P ortanto, é concebível que este m u nd o m aligno atual seja a m elh o r fo rm a possível de se alcançar o m elh o r m undo possível (ou seja [a] u m m u nd o no qual alguns sejam salvos e outros se percam e [b] onde o pecado seja derrotado e o m aior dos bens seja alcançado). De acordo com a Bíblia, o que aqui ficou filosófica e logicam ente possível é, na verdade, aquilo que Deus decidiu fazer. O u seja, Ele decidiu perm itir o m al a fim de d errotá-lo, gerando assim u m bem ainda m aior. Ele decidiu criar u m m u n d o perfeito — e livre — , o qual sabia que se to rn aria im perfeito pelas livres-escolhas, de fo rm a que ele pudesse fazer surgir u m m u nd o ainda mais perfeito. Em outras palavras, Ele escolh eu perm itir u m m u nd o que não seja o m elh o r m undo possível a fim de atingir u m que o seja. Em resum o, apesar do nosso m u nd o não ser o m elh o r m u nd o possível, ou seja, u m m undo onde (1) todos decidam livrem ente acerca do seu próprio destino e (2) onde o pecado seja etern am en te derrotado (n o in fern o) e a ju stiça reine etern am en te (n o céu).
DEUS DESEJA, PODE E IRÁ DERROTAR O MAL A própria natu reza de Deus nos assegura que o m al será, no tem po certo, derrotado. (1) Deus é Tod o-am oroso e deseja d errotar o m al. (2) D eus é Todo-poderoso e tem capacidade de d errotar o m al. (3) O m al ainda não foi derrotado.24 (4) Logo, o m al ainda será derrotado (n o fu tu ro). O fato de D eus se Todo-bondoso e Todo-poderoso é a garantia desta conclusão. A lém disso, com o D eus é Todo-sábio, podem os ter certeza de que Ele escolh eu a m e lh o r form a de chegar àquele objetivo (à d errota do m al). Por conseqüência, apesar deste m u nd o presente ainda não ser o m e lh o r m undo possível, ele é, necessariam ente, o m elh o r m od o de se atingir o m u nd o m elh or. Assim, u m m u nd o n o qual o m al é perm itido é o m elh o r tipo de m u nd o a ser perm itido com o fo rm a de se produzir o m e lh o r tipo possível de m undos — u m m u nd o que não ten h a co n ten h a em si o m al. Este m u nd o é o nosso destino prom etid o.25
O PROCESSO DE DERROTA DO MAL C o n fo rm e d em onstram os, D eus escolh eu não aniquilar todo o m al im ediatam ente, pois se ele assim o fizesse, Ele tam bém teria que destruir todo o bem torn ad o possível pela liberdade. Em vez disso, na sua infinita sabedoria, Deus decidiu d errotar o m al de m aneira gradual, sem destruir a nossa liberdade de decisão (livre-arbítrio). D eus está fazendo isto em estágios ao longo das eras. 23 V ide c a p ítu lo 12.
24 R e fo rç a n d o , se estiver, e n tã o a o b je ç ã o (d e q u e p o d eria te r havid o u m m u n d o m e lh o r caso D eus
tivesse feito o u tr a o p ç ã o ) p erd e o sen tid o.
25 V id e v o lu m e 4, p a rte 2.
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DPapel das Dispensações Dispensação é um term o bíblico (vide volu m e 4, capítulos 13 e 15). Ao falar do reino rndouro de Cristo, Paulo afirm ou que “na dispensação da plenitude dos tem pos, tanto í s que estão nos céus com o as que estão n a terra; n ele [...]” (E f 1 .1 0 -lla ). I m a dispensação é um a “ordem divina das coisas” ou um “período de ad m inistração.” Ela corresponde a u m período específico de tem po no desdobram ento do dram a da rruenção, no qual D eus ordena um encadeam ento específico de eventos e m andam entos : :m u m propósito específico. O seu propósito inclui a subjugação do m al.
1 Número das Dispensações A m aior parte dos estudiosos evangélicos acredita em várias adm inistrações do plano - e Deus, m esm o que eles não façam uso do term o dispensação. Por exem plo, a econom ia - ' i n a que Deus estabeleceu no Éden, sob a qual Adão e Eva foram testados, obviam ente não é a m esm a que esteve vigente entre o Éden e M oisés, ou a que oco rreu depois do empo de Cristo. T am p ou co tem os as m esm as condições que predom inarão quando _r~lsto reto rn ar de fo rm a corpórea a este nosso m u n d o e reinar, depois da sua segunda io d a (vide volu m e 4, capítulo 17).26 Neste sentido, praticam ente, todos os estudiosos . angélicos são “dispensacionalistas,” até m esm o aqueles que dispensam o ró tu lo. A -n ica questão para todos, p o rtan to , é a quantidade de dispensações que existem . No m ínim o, este n ú m ero ap arentem ente de quatro ou cinco. Alguns estudiosos consideram este nú m ero m aior. Seja co m o for, o que im p orta não é o número, mas a natureza e o propósito : as dispensações.
A Natureza e o Propósito das Dispensações Se levarm os em conta o n ú m ero tradicional de sete dispensações, o propósito de Deus : ira derrotar o m al parece ter a seguinte form a: Em cada era ou período, desde Adão a volta de Cristo, D eus orquestra um a condição diferente, co m um teste diferente, a rm de aferir se os seres hu m anos guardariam sua obediência aos seus m andam entos. Em : n a um a destas eras, eles acabam falhando — sob as mais variadas condições. A som a : : ~ú dos exam es das dispensações d em onstra que é sem pre errado desobedecer a D eus e - _r a obediência com p leta a Ele é o ún ico cam inho verdadeiro para a satisfação eterna. As sete dispensações supra m encionadas podem ser delineadas a partir das Sagradas rfrrituras.
DISPENSAÇÕES \
Dispensação da Prova (Inocência)
X o Jardim do Éden, o teste foi em u m estado de pureza inocente, quando as pessoas ■ ão conh eciam o bem e o m al, m as obedeceriam aos m and am entos de D eus (G n 2.16S n a l de u m p e río d o (d isp en sa çã o ) c o m o ju íz o d ivin o n ã o sign ifica q u e a co n d içã o (p a d rã o ) d a q u e la e ra fo i ex tin ta , n a s - sim p le sm e n te q u e o te ste especial q u e D eu s esta b e lece u para o p o v o foi aplicad o e q u e eles n ã o fo ra m aprovados, ^ r r ex e m p lo , os seres h u m a n o s continuam e m prova, apesar d a q u e le p erío d o esp ecial (d e p ro v a ) te r te rm in a d o . A lé m disso, mos co n tin u am o s c o m a c o n sciê n c ia d epois do fim da e ra da co n sciê n cia , da m e sm a fo rm a q u e o g o v e rn o h u m a n o , depois A p eáf p eríod o, se ja s o b re p o sto p e lo p ró x im o , e assim p o r d ian te. O tempo especial de cada p e río d o te rm in a , m as as condições acir 25 quais as p essoas são testadas c o n tin u a m a té o fin al dos te m p o s.
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17). Eles falharam de m aneira vergonhosa e Deus, depois de passar o seu ju ízo (G n 3), deu-lhes o u tra chance para que elas se redim issem , agora sob um a nova condição — a da consciência.27
A Dispensação da Consciência (Senso Moral) Depois da Queda, os seres h u m anos passaram a ter u m a consciência que os alertava acerca do que era certo e do que era errado (R m 2.12-15). Mas aqui tam b ém eles não levaram em conta o m and am ento de D eus para fazer o bem e se refrearem do m al. O período da consciência tam b ém term in ou em tragédia e ju ízo quando D eus enviou o Dilúvio (G n 6.9).
A Dispensação do Governo Humano C om o a violência havia enchido a terra (G n 6.11) no período anterior, Deus estabeleceu o governo sobre o h o m em para que eles o obedecessem , dando a ele a espada para seu uso (G n 9.6). E n tretan to , aqui, novam ente, os seres h u m anos fo ram reprovados no teste e fizeram uso dos poderes do governo para constru ir u m reino que desafiasse Deus. Esta desobediência à ordem estabelecida p o r D eus levou ao desastre; Ele destruiu a to rre construíd a pelos h om en s e os dispersou pela terra, confundindo o seu m odo de falar (G n 11).
A Dispensação da Promessa Assim com eço u o período no qual D eus, depois de ju lgar os povos em Babel, escolheu u m a nação por m eio da qual Ele abençoaria todas as outras (G n 12.1-3). Ele deu a Abraão a Terra Prom etida e lhe ordenou que nela habitasse. Subseqü entem ente, tal co m o nas outras vezes, os seres hu m anos, novam ente, foram reprovados no teste. Abraão e os seus partiram da terra em direção ao Egito, o local do cativeiro.28
A Dispensação da Lei Tal qual ocorreu anteriorm ente, Deus proveu a graça, concedendo aos seres hum anos mais um a oportunidade, m ediante novas condições que eles pudessem provar que não abusariam da sua liberdade. Eles aceitaram a Lei entregue por Deus a Moisés, mas, a seguir, com eçaram a transgredi-la, com etendo idolatrias e imoralidades ao longo dos séculos, até que Deus lhes envia, novam ente, ao cativeiro, prim eiram ente pela m ão forte dos Assírios e, a seguir, pela dos Babilônios. Na verdade, até m esm o quando Ele enviou o seu Messias prom etido, o povo o crucificou (Jo 1.10-12); conseqüentem ente, o seu tem plo foi destruído e Deus os espalhou por toda a terra. Contudo, a Lei, m o ra de Deus, enraizada na Teocracia do Antigo Testam ento não foi anulada, mas teve a sua continuidade em o Novo Testam ento com o um a form a de reflexo do caráter m oral de Deus.
A Dispensação da Graça Apesar de Deus ter sido gracioso em todas as eras anteriores, sem pre oferecendo novas oportunidades para a obediência sob suas novas condições, a sua benevolência ilim itada foi to talm en te derram ada por m eio da C ruz, nos prim órdios desta nova dispensação — 27V id e v o lu m e 4, c a p ítu lo 1. 28 D e m o d o s e m e lh a n te , e sta p ro m essa e n tre g u e d u ra n te a a d m in istra ça o p a tria rca l c o n tin u a v ig en te, apesar d este p erío d o te r te rm in a d o .
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0 cham ado “tem po da graça.” Aqui tam bém a graça de D eus foi rejeitada pelas massas; esta era haverá de term in ar n a tragédia da G rande Tribulação, no final desta era, m esm o a graça de D eus existindo em todas as eras.29
A Dispensação do Reino M esm o sendo D eus soberano e tendo sem pre com andad o os assuntos da num anidade, todavia, o reinado p ro m etid o do Messias na fo rm a de u m reino visível e uteral ainda não o co rre u (M t 19.28; A t 1.5; Ap 19 —20). Esta dispensação p ro p orcion ará um a op ortu nid ad e para que a liberdade h u m a n a seja testada sob u m a nova condição — na qual o D iabo será acorren tad o por “m il an os” (Ap 20.2). Ao co n trário do que : correu nos períodos anteriores, os seres h u m an os não poderão m ais usar a desculpa de que “foi o D iabo qu em m e fez fazer isto .” M esm o assim , depois do rein ado m ilen ar de C risto — de fo rm a pessoal e física, aqui neste m u n d o — haverá u m a rebelião em m assa co n tra D eus (A p 20.7-8), u m lev ante que receberá ju ízo da parte de D eus na 1 )rm a de fogo vindo do céu. (v. 9). Assim se conclui esta série de períodos da história hu m an a na qual as pessoas foram divinam ente testadas sob as mais variadas condições concebíveis: inocência, consciência, governo, prom essa, lei, graça e o reino. Em cada u m destes casos, elas provaram (ou ainda virão a provar) que a liberdade hu m ana, deixada por si m esm a, sem pre acabará se rebelando con tra Deus. Estes casos tam bém dem onstram que Deus sem pre está correto e que a satisfação real som en te é alcançada por m eio da obediência a Ele.30 C om o analisam os, o im p ortan te não é a quantidade de períodos que existiu ou m esm o i fo rm a com o estes devem ser cham ados, m as, que houve u m n ú m ero de condições diferentes em períodos distintos de tem po, sob as quais Deus testou a hum anidade na execução do seu p lano para d errotar o m al. Ao final, D eus terá feito uso da história hum ana, com as suas diversas condições e adm inistrações (dispensações), para m ostrar na eternidade vindoura que (1) o pecado é sem pre errado, (2) que Ele sem pre está certo e : 3) que o m al foi etern am en te elim inado de m aneira justa. M ultidões incontáveis, de todas as eras, poderão testificar, a partir da sua própria experiência, sob as mais variadas condições, que D eus é ju sto, que o pecado é destrutivo, e que a livre subm issão à sua vontade é a ún ica m an eira de se atingir a bênção verdadeira e perm anente. Na verdade, Deus terá derrotado o pecado justamente ao ter lhe dado permissão para existir em, praticamente, todas as formas possíveis. Esta d errota incluirá u m a separação final do joio e do trigo, dos bodes e das ovelhas — sendo que os prim eiros receberão castigo eterno (M t 25.40,41; Ap 20.14,15) e os segundos irão para o gozo etern o (Ap 21.11). O recad o será aprisionado para sem pre, e cada pessoa receberá o seu local perm anente, de acordo com a sua própria escolha. C. S. Lewis (1898-1963) descreve este acontecim ento nas seguintes palavras: Eu daria tudo para poder ouvir que todos serão salvos. Mas a minha razão me retruca: “Por vontade própria ou contra ela?” Se eu disse “contra a sua própria vontade,” imediatamente percebo uma contradição; como o ato voluntário supremo de autoentrega seria involuntário? Se eu disse “por vontade própria,” a minha razão replica: “Mas se eles não quiserem se render?” (PP, 106-07)
5 Vide volum e 4, capítulo 17.
30Vide volum e 4 , capítulo 13.
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Portanto, Existem somente dois tipos de pessoas no final: aquelas que dizem a Deus “seja feita a tua vontade,” e aquelas a quem Ele diz, no final de tudo, “A Tua vontade, então, seja feita.” Todos os que estão no inferno, estão lá por opção própria. (GD, 69) Lewis acreditava que “sem esta possibilidade de escolha, o in ferno não poderia existir. N enhum a alm a que deseje e busque co m seriedade e constância a alegria, deixará de encontrá-la. Q uem procura, acha. A quem bater, a p o rta ser-lh e-á aberta” (ibid.). Deus se determ inou a não roubar a liberdade que Ele m esm o concedeu às suas criaturas e, p o rtan to , a d errotar o pecado sem que houvesse a necessidade de destruir a sua volição.31
A EXECUÇÃO DO PLANO DE DEUS O plano de Deus para d errotar o m al foi, e está (e será) executado de m aneira m inuciosa e gradual em sete estágios básicos: (1) a form ação de criaturas livres; (2) a Queda da hum anidade; (3) a preparação para o Salvador; (4) a E ncarnação do Salvador; (5) a função atual do Salvador (n o céu); (6) o reto rn o e o reinado do Salvador (o ju ízo final); e (7) o novo céu e a nova terra.
A Formação de Criaturas C o m o ser onisciente,32 Deus co n h ece o final desde o co m eço (Is 46.10). A ntes m esm o de criá-la, D eus já anteviu a Q ueda da hum anidade e traçou planos para a nossa salvação. Todavia, D eus criou os seres hu m anos em estado de perfeição e inocência,33 dotandolhes de livre-arbítrio (G n 2.16) e, conseqü entem en te, deixando-lhes responsáveis pelas suas próprias escolhas (G n 2.16-17).
A Queda da Humanidade C o m o já observam os, D eus anteviu a Queda, chegando a inclu í-la no seu plano desde a eternidade. João falou “do Cordeiro que foi m o rto desde a fundação do m u n d o ” (Ap 13.8), e Paulo declarou: “C o m o tam bém [Ele] nos elegeu nele antes da fundação do m undo, para que fôssem os santos e irrepreensíveis diante dele em caridade” (E f 1.4). Nada surpreende a M ente onisciente. A perm issão do pecado de Adão e Eva fazia parte do plano divino para d errotar o m al.
A Preparação para o Salvador Logo após a Queda, Deus anunciou o seu plano eterno de proporcionar a salvação a toda a hum anidade. Ele disse à serpente, a quem havia perm itido que tentasse Adão e Eva: “E porei inim izade entre ti e a m u lh er e en tre a tua sem ente e a sua sem ente; esta 31 Vide volum e 2, capítulo 8.
32Vide volum e 4, capítulos 9-10.
53Vide capítulos 1-2.
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te ferirá a cabeça, e tu lh e ferirás o calcan h ar” (G n 3.15). O Salvador seria a S em ente da m u lh er, e Ele iria ao final — e de m aneira definitiva— esm agar a cabeça da sem ente. Isto foi oficialmente feito por Cristo na cru z (C l 2.14) e será verdadeiramente feito no seu segundo advento (R m 16.20; Ap 20.10). O restante do Antigo Testam ento é a preparação para a vinda do Salvador. Inicialm ente, D eus trou xe à existência um a nação santa por interm édio da qual Ele traria a Sem ente Prom etida. Nos Livros da Lei (Gênesis a D eu teron ô m io), Deus lançou os alicerces de Cristo. Nos Livros Históricos (Josué a N eem ias), ele deu condições para que a nação santa adentrasse a Terra Santa, para que dali surgisse “O S a n to ” (C risto). Vemos, portanto, que em Gênesis D eus escolh eu a nação; em Êxodo Ele a redim iu; em Levítico Ele a santificou; em N úm eros Ele a guiou e em D eu teron ô m io Ele a instruiu para que, com Josué, eles pudessem ser vitoriosos. Em Juizes eles ficaram perturbados sem u m rei, mas em 1 Sam u el a nação já estava estabelecida e em 2 Sam u el eles iniciavam sua expansão. Depois do reinado de Salom ão, a nação entrou em decadência (em 1 Reis) e foi levada ao cativeiro (em 2 Reis — u m a história profética repetida a partir do ponto de vista sacerdotal em 1 e 2 Crônicas). Em Ester a nação, apesar de ainda p erm an ecer no cativeiro, estava protegida e, em Esdras e Neemias, eles já havia retorn ad o à sua terra e deram início à reconstrução. Neste ínterim , os Livros Poéticos expressavam a aspiração por C risto. Jó aspirava à m editação, os Salm os à co m u n h ão com Deus, Provérbios à sabedoria, Eclesiastes ao bem m aior (Latim : summum bonum), e o livro de Cantares de Salom ão à união ín tim a — sendo que todos estes aspectos se cu m p riram , de fo rm a definitiva, em Jesus, o Messias de Israel. Por fim, os Livros Proféticos (Isaías a M alaquias) p roclam am de fo rm a diligente a expectativa por Cristo. Cada livro, da sua própria form a, preconiza a vinda do Salvador,34 concluindo a preparação do A ntigo Testam ento para Aquele que haveria de trazer a salvação.
A Encarnação do Salvador Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. (G14.4-5) A expectativa do Antigo Testam ento se to rn o u realidade nas páginas do Novo T estam ento: o verbo etern o assum iu u m corpo tem poral. Ele encarnou (1) para cu m prir as profecias, (2) para se to rn ar um a m anifestação da divindade e (3) para redim ir a hum anidade. No início de tudo, vejam os o que nos declara João: No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus [...] E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. (Jo 1.1, 14) A lém disso, Jesus disse: “Porque o Filho do H om em tam bém não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de m u ito s” (M c 10.45), e “Porque o Filho do H om em veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lc 19.10). MPara m aiores d etalh es a ce rca da a b ord ag em c ris to c ê n tr ic a do A n tig o T e s ta m e n to , vide To Understand the Bible, Lookfor Jesus e A Popular Survey o f the Old Testament de N o rm a n L. G eisler
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Os evangelhos d etalham a m anifestação histórica de C risto; Atos apresenta u m relato da expansão do testem u n h o de Cristo; as Epístolas estabelecem a interpretação e a aplicação da Palavra de Cristo; e Apocalipse revela a consu m ação final em Cristo. A M orte Substitutiva de Cristo
Jesus não veio sim plesm ente para falar ao seu povo e com o o seu profeta, m as tam bém se em sacrifício por eles co m o o seu Sacerdote (vide M arcos 10.45): “Eu vim para que ten h am vida e a ten h am com abundância [...] e dou a m in h a vida pelas ovelhas” (Jo 10.10, 15). A m o rte expiatória de Cristo não foi m eram en te para nos servir de exem p lo,35 mas foi tam bém sacrifical e substitutiva.36 Ele m o rreu em nosso lugar, co m o u m substituto pelos nossos pecados.37 A Ressurreição Física de Cristo
A ressurreição de Cristo é o ponto central do plano red entor de Deus. Paulo escreveu: “[Cristo] O qual por nossos pecados foi entregue e ressuscitou para nossa ju stificação” (R m 4.25). Quando foi questionado acerca de u m a prova da sua identidade, C risto respondeu: Mas ele lhes respondeu e disse: Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém não se lhe dará outro sinal, senão o do profeta Jonas, pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do Homem três dias e três noites no seio da terra. (Mt 12.39,40) Ao ver que chegava a hora da crucificação Jesus disse, de fo rm a bastante objetiva: “O Filho do H om em será entregue nas m ãos dos hom ens, e m atá-lo -ão, e, ao terceiro dia, ressuscitará. E eles se en tristeceram m u ito ” (M t 17.22,23). A ressurreição de C risto era o tem a d om inante na pregação apostólica prim itiva (por exem plo, em Atos 2; 13). Ela é o ponto cu lm in an te de M ateus, M arcos, Lucas e João, ocupando a últim a porção de cada um destes livros. Na verdade, Paulo p ro clam ou que a ressurreição de Jesus estava no coração do evangelho (1 Co 15.1-8) e que ninguém poderia se salvar sem a sem a fé nesta ressurreição (1 C o 15.14-19; cf. R m 10.9). A Ascensão Corpórea ao Céu A obra salvífica de C risto n ão te rm in o u com a sua m o rte e ressu rreição. Ele disse
à M aria: “N ão m e d etenhas, po rqu e ainda não subi para m e u Pai, m as vai para m eus irm ãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, m eu D eus e vosso D eu s.” (Jo 20.17). Ele disse isto porque ainda não havia com p letad o a sua obra, co m a ascensão ao Pai para que no céu recebesse a con firm ação da aceitação da sua ob ra consu m ad a de salvação. A sua ascensão, tal qual se deu co m a sua ressu rreição, tam b ém foi p reviam ente anunciada.
35Vide volum e 1, capítulo 10.
36Vide capítulo 9.
37 Is 53.4-7; 2 Co 5.21; 1 Pe 2.24; 3.18. Vide capítulo 9.
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Lucas escreveu: “C om pletando-se os dias para a sua assunção, m anifestou o firm e r ::p ó s ito de ir a Jeru salém .”38 Mais tarde, antes da sua ascensão, Ele declarou: E eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder. E levou-os fora, até Betânia; e, levantando as mãos, os abençoou. E aconteceu que, abençoando-os ele, se apartou deles e foi elevado ao céu. (Lc 24.49-51) Em João 14.2,3, Jesus disse aos discípulos: Xa casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós também. Sua ascensão foi necessária para que a obra da salvação fosse com pletada, já que era necessário que u m a m orad a fosse preparada para a sua noiva. Paulo disse: Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível. (Ef 5.25-27) Jesus prom eteu : Xa verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço e as fará maiores do que estas, porque eu vou para meu Pai [...] Ouvistes o que eu vos disse: vou e venho para vós. Se me amásseis, certamente, exultaríeis por ter dito: vou para o Pai, porque o Pai é maior do que eu. (Jo 14.12, 18) Sem a ascensão, o Espírito Santo não teria vindo habitar e fo rtalecer os discípulos. Jesus tam bém declarou: Porque vou para meu Pai, e não me vereis mais [...] Saí do Pai e vim ao mundo; outra vez, deixo o mundo e vou para o Pai. (Jo 16.10, 18) A linguagem é inequívoca: Jesus veio do Pai e para Ele reto rn o u — Ele desceu e subiu novam ente. Ora, isto— ele subiu— que é, senão que também, antes, tinha descido às partes mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas. (Ef 4.9-10) Tal qual, no tem p o da sua hum ilh ação, desceu à sepultura, no tem po da sua exaltação, subiu ao céu. A ascensão está im plícita em Filipenses 2.8-11, que trata da exaltação de Cristo:
* Lc 9.51, on d e Jesus está an sioso para ch e g a r a Jeru sa lém , o n d e será cru cifica d o e, p o s te r io rm e n te , será assu n to aos céus depois da ressu rreição .
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E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. Atos 1.9-11 é a principal passagem a tratar da ascensão corp órea de C risto ao céu. Ela afirm a que a ascensão foi u m a elevação literal e visível do seu corpo ressuscitado. O seu corpo não se to rn o u , com o sugerem alguns, invisível. Em vez disso o que oco rreu foi o desaparecim ento do seu corpo físico diante dos olhos dos discípulos p o r detrás de um a “n u vem .” E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos. E, estando com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram dois varões vestidos de branco, os quais lhes disseram: Varões galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir.39
A Função Atual de Cristo (a Igreja) A lém da m o rte física de Cristo, da ressurreição literal do seu corpo e da ascensão real ao céu, Ele tam bém desem penha um a função sacerdotal indescritivelm ente im p ortante neste m o m en to nos céus em favor dos crentes. Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo. E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo. (1 Jo 2.1-2) De acordo com João, Satanás é o acusador do povo de Deus (Ap 12; cf. Jó 1-2): E ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Agora chegada está a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derribado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite. (Ap 12.10) D iante disto, C risto — o nosso advogado — se opõe ao Diabo intercedendo (diante do Pai) em função da eficácia do seu sangue, vertido pelos nossos pecados. Porque dele assim se testifica: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque [...] de tanto melhor concerto Jesus foi feito fiador. E, na verdade, aqueles foram feitos sacerdotes em grande número, porque, pela morte, foram impedidos de permanecer; mas este, porque permanece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo. Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e feito mais sublime do que os céus. (Hb 7.17, 22-26)
39 C o m re laçao à p e rg u n ta a c e rc o do lo c a l o n d e se e n c o n tr a o c o rp o físico de C risto n o te m p o p rese n te , vide v o lu m e 2, ap ên d ice I.
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E co m o C risto é tan to h u m ano, quanto divino, Ele pode co m p artilh ar das nossas rragilidades humanas:. Aisto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Visto ter Ele m esm o sido tentado de todas as form as que nós tam b ém som os, Ele p : de, por interm édio da sua função atual, suplantar todas estas tentações: Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima do que podeis; antes, com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar. (IC o 10.13) Este “escape” nos é proporcionado pela intercessão que C risto faz por nós, que é o seu m inistério sacerdotal presente a nosso favor.
O Retorno e o Reinado do Salvador C onform e vim os acim a, Jesus retorn ará e cu m prirá o seu papel co m o Rei sobre o seu povo. U m a abordagem com p leta a respeito da Segunda Vinda de Cristo e do seu reinado subseqüente poderá ser encontrada sob o títu lo “Escatologia.”40 Cristo como Rei Jesus não é som ente u m profeta para o seu povo e um sacerdote que intercede pelos seus. U m dia ele tam b ém retorn ará literalm en te (de m an eira física e real) para ser Rei: 'E m verdade vos digo que vós, que m e seguistes, quando, na regeneração, o Filho do H om em se assentar no tro n o da sua glória, tam b ém vos assentareis sobre doze tronos, para ju lgar as doze tribos de Israel” (M t 19.28). João acrescentou: E vi tronos; e assentaram-se sobre eles aqueles a quem foi dado o poder de julgar. E vi as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na testa nem na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. (Ap 20.4) OJuízo Final De acordo co m Apocalipse: E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão e sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo número é como a areia do mar, para as ajuntar em batalha. E subiram sobre a largura da terra e cercaram o arraial dos santos e a cidade amada; mas desceu fogo do céu e os devorou. E o Diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre. (20.7-10) * Ou “Estudo das Ú ltim as Coisas”; vide volum e 4.
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Isto será sucedido pelo ju ízo final diante do G rande Trono Branco: E vi um grande trono branco e o que estava assentado sobre ele, de cuja presença fugiu a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. E vi os m ortos, grandes e pequenos, que estavam diante do trono, e abriram-se os livros. E abriu-se outro livro, que é o da vida. E os m ortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. E deu o mar os m ortos que nele havia; e a m orte e o inferno deram os m ortos que neles havia; e foram julgados cada um segundo as suas obras. E a m orte e o inferno foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte. E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo. (Ap 20.11-15)
O Novo Céu e a Nova Terra Nesta m esm a linha, João declarou: E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. E eu, João, vi a Santa Cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas [...] E veio um dos sete anjos que tinham as sete taças cheias das últimas sete pragas e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei a esposa, a mulher do Cordeiro. E levou-me em espírito a um grande e alto monte e mostrou-me a grande cidade, a santa Jerusalém, que de Deus descia do céu. E tinha a glória de Deus. A sua luz era semelhante a uma pedra preciosíssima, como a pedra de jaspe, como o cristal resplandecente. E tinha um grande e alto muro com doze portas, e, nas portas, doze anjos, e nomes escritos sobre elas, que são os nomes das doze tribos de Israel [...] E a fábrica do seu muro era de jaspe, e a cidade, de ouro puro, semelhante a vidro puro. E os fundamentos do muro da cidade estavam adornados de toda pedra preciosa. O primeiro fundamento era jaspe; o segundo, safira; o terceiro, calcedônia; o quarto, esmeralda; o quinto, sardônica; o sexto, sárdio; o sétimo, crisólito; o oitavo, berilo; o nono, topázio; o décimo, crisópraso; o undécimo, jacinto; o duodécimo, ametista. E as doze portas eram doze pérolas: cada uma das portas era uma pérola; e a praça da cidade, de ouro puro, como vidro transparente. E nela não vi templo, porque o seu templo é o Senhor, Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro. (Ap 21.1-4, 9-12, 18-22) Ao descrever tam bém este m esm o evento, Pedro escreveu: Mas o Dia do Senhor virá como o ladrão de noite, no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra e as obras que nela há se queimarão. Havendo, pois, de perecer todas estas coisas, que pessoas vos convém ser em santo trato e piedade, aguardando e apressando-vos para a vinda do Dia de Deus, em que os céus, em fogo, se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão? Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça. (2 Pe 3.10-13; cf. Is 65.17-25)
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O RESULTADO DO PLANO DE DEUS O plano m agnífico de D eus cu lm in a na d errota to tal e com p leta do m al. O m al foi oficialmente banido na cruz (C l 2.14; Hb 2.14) e será verdadeiramente extinto no Segundo Advento de Cristo.
A Vitória Oficial e a Vitória Definitiva sobre o Pecado Apesar da derrota oficial do pecado ter ocorrido na cruz, é fato que Satanás continua presente e atuante neste planeta. Ele sabe, en tretan to , que o seu destino já está selado (M t 8.29) e que o seu tem po é cu rto (Ap 12.12). O seu dia final está a cam in ho: Depois, virá o fim, quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império e toda potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte. Porque todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés. Mas, quando diz que todas as coisas lhe estão sujeitas, claro está que se excetua aquele que sujeitou todas as coisas. E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos. (1 Co 15.24-28) Vemos, p o rtan to , que a d errota oficial do pecado veio co m o Prim eiro Advento; já a derrota definitiva oco rrerá na Segunda Vinda. São três os estágios da batalha geral para a d errota do pecado n a vida dos filhos de Deus.41 A justificação (libertação da punição do pecado) é u m a ação passada executada p o r todos os crentes, realizada n a cruz. A santificação (libertação do poder do pecado) é u m processo presente e con tín u o por parte dos crentes, a fim de se to rn a rem sem elhantes a Cristo, realizada pelo poder e pela presença do Espírito Santo. E, por fim, a glorificação (libertação da presença do pecado) que o co rrerá n a volta de C risto — no alvorecer do R eino E terno.42
A Vitória Definitiva (Final) sobre o Pecado Falam os de derrota, e não de destruição, do pecado, porque no pecador, o pecado continuará a existir etern am en te no inferno. M esm o assim, Deus derrotará o pecado sem destruir o pecador. Dessa form a, precisam os desvendar o real significado de derrota. O que a derrota do pecado não significa? Por u m lado, ela não significa que D eus aniquilará os pecadores.43Isto seria u m ataque à sua própria im agem im ortal, a qual todos os pecadores, m esm o os que estiverem no inferno, continuarão carregando. A lém disso, o aniqu ilam ento de todos os pecadores não seria u m a punição, já que quem não existe não consegue sentir dor algum a. E mais, existe u m a graduação de castigos no in fern o (Ap 20.12-13), e é obvio que não pode haver “graus de aniqu ilam ento.” Por ú ltim o, é contrário à natu reza de u m D eus T od o-am oroso extinguir as pessoas que não o am am co m o fo rm a de vingança. E m vez disso, no seu in finito am or, Deus ^ Vide parte 2, “Salvaçao,” para um a análise mais aprofundada.
42Vide volum e 4, capítulo 16.
43 Ibid., capítulos 9 e 16.
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perm itirá àqueles que o odiaram que “sigam o seu ca m in h o .” C o m o já vim os nas palavras de C. S. Lewis, que sem recusar a dizer a Deus “S eja feita a tua vontad e”, ouvirá dele: “A Tua vontade, então seja feita.” E o que, afinal, significa a d errota do pecado? Por u m lado, ela significa o to rm e n to etern o. Q u em peca co n tra o E tern o m erece conseqüências eternas. D eus é etern am en te ju sto e, dessa form a, n ão pode desprezar o pecado p o r toda a eternidade. Por outro lado, ela envolve a separação eterna dos salvos e dos perdidos, e da justiça e do pecado. Nos dias de hoje, o bem e o m al existem lado a lado. C om o disse Jesus, o trigo (os salvos) e o joio (os perdidos) precisam viver lado a lado no tem po presente: “Deixai crescer ambos ju ntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: colhei prim eiro o joio e atai-o em m olhos para o queim ar; mas o trigo, ajuntai-o n o m eu celeiro” (M t 13.30). Mandará o Filho do Homem o.s seus anjos, e eles colherão do seu Reino tudo o que causa escândalo e os que cometem iniqüidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali, haverá pranto e ranger de dentes. (Mt 13.41-42) O que fru stra as pessoas boas é o m al, e o que fru stra as pessoas más é o bem . A solução final exigirá u m a separação, depois da qual não haverá mais m al para fru strar os bons n em bem para fru strar os m aus. Cada um receberá de acordo com as suas respectivas vontades: o pecado será derrotado nos salvos, já que estes serão resgatados da sua presença, e o pecado tam bém será derrotado nos não-salvos, já que eles não poderão mais espalhá-lo para as demais pessoas. A infecção do m al será detida para todo o sem pre neste aprisionam ento etern o. P ortanto, os bons serão e tern a m en te preservados dos efeitos m ortais do m al. E, finalm ente, o m al será derrotado porque o bem será verdadeiram ente vitorioso sobre ele. O m al se m o strou errado em todas as épocas e nas suas mais variadas form as. O bem não poderá mais ser contam inado por ele, e os ju stos reinarão, ao passo que os ím pios estarão no sofrim ento. O bem n ão será desatrelado da presença do pecado, e o m al será, para sem pre, acorrentado. Verdadeiram ente, “n ão haverá mais m o rte, n em pranto, n em clam or, n e m dor, porque já as prim eiras coisas são passadas” (Ap 21.4).
A DERROTA DE SATANÁS O pecado não será derrotado de fo rm a definitiva enqu anto Satanás não fo r derrotado. O plano de D eus para d errotar o m al, p o rtan to , é tam bém u m plano para derrotar o D iabo e os seus dem ônios.
A Criação do Diabo Já vim os que D eus não criou o Diabo da fo rm a co m o ele atu alm ente se encontra. Ao contrário, Ele criou seres espirituais puros,44 e alguns deles se rebelaram con tra Ele, tornand o-se “o Diabo e os seus a n jo s” (M t 25.41). D eus criou som en te coisas boas (G n 1.31), pois “porque toda criatura de D eus é b oa” (1 T m 4.4). E D eus criou todas as hostes celestiais: “Louvai-o, todos os seus anjos [...], pois m andou, e logo foram criados” (SI 148.2, 5). Paulo disse: ^ Vide volum e 2, capítulo 20.
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Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e n a terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dom inações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. (C l 1.16)
A Queda do Diabo C om o já foi visto, m esm o que o texto de Ezequiel 28 fale diretam ente a respeito do príncipe de Tiro, a passagem, todavia, expressa de fo rm a eloqüente, verdades acerca daquele que o inspirou, pois Paulo nos faz lem brar que a Queda de Lúcifer oco rreu em fu nção do seu orgulho (cf. 1 T m 3.6). R eferindo-se ao Rei de Tiro, que era u m a representação de Satanás, o S en h o r disse: Tu és o aferidor da medida, cheio de sabedoria e perfeito em formosura. Estavas no Éden, jardim de Deus; toda pedra preciosa era a tua cobertura: a sardônia, o topázio, o diamante, a turquesa, o ônix, o jaspe, a safira, o carbúnculo, a esmeralda e o ouro; a obra dos teus tambores e dos teus pífaros estava em ti; no dia em que foste criado, foram preparados. Tu eras querubim ungido para proteger, e te estabeleci; no monte santo de Deüs estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniqüidade em ti. Na multiplicação do teu comércio, se encheu o teu interior de violência, e pecaste; pelo que te lançarei, profanado, fora do monte de Deus e te farei perecer, ó querubim protetor, entre pedras afogueadas. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; por terra te lancei, diante dos reis te pus, para que olhem para ti. (Ez 28.12-17) R eferindo-se ao Rei da Babilônia, estas palavras de Isaías tam bém descrevem aquele que inspirou e tipificou a sua ruína: Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, e, acima das estrelas de Deus, exaltarei o meu trono, e, no monte da congregação, me assentarei, da banda dos lados do Norte. Subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo. E, contudo, levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo. (Is 14.12-15)
A Queda dos Demônios M uitos anjos bons acom pan haram Satanás na sua rebelião con tra Deus. João escreveu: E viu-se outro sinal no céu, e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres e, sobre as cabeças, sete diademas. E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu e lançou-as sobre a terra [...] E houve batalha no céu: Miguel e os seus anjos batalhavam contra o dragão; e batalhavam o dragão e os seus anjos, mas não prevaleceram; nem mais o seu lugar se achou nos céus. E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele. (Ap 12.3-4, 7-9) Pedro disse: “Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram , mas, havendoos lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o
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Ju ízo” (2 Pe 2.4). C o m o já vim os, Judas acrescenta: “E aos anjos que não guardaram o seu principado, m as deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao ju ízo daquele grande D ia” (Jd v. 6).
O Plano do Diabo e dos seus Demônios O propósito de Satanás pode ser determ inado em grande parte a partir dos seus vários nom es. Ele é “o príncipe deste m u n d o ” (Jo 12.31; 16.11); “o príncipe das potestades do ar” (E f 2.2); “o deus deste sécu lo ” (2 Co 4.4); “Satanás” ( “adversário” — Zc 3.1; Ap 12.9); “D iabo” ( “caluniador” — Lc 4.2; Ap 12.9); “o grande dragão” ( “terrív el” — Ap 12.3, 7, 9); “m align o” (Jo 17.15; 1 Jo 5.18-19); “d estruidor” (Ap 9.11); “ten tad or” (M t 4.3; 1 Ts 3.5); “acusador” (Jó 1.9; Zc 3.1; Ap 12.10); “enganad or” (Ap 12.10; cf. E f 6.11); “espírito que agora opera nos filhos da desobediência” (E f 2.2); “B elzebu” ( “príncipe dos d em ônios” — M ateus 12.25; Lucas 11.15); “Baal-Z ebube” ( “S en h o r dos Lugares A lto s” — 2 Rs 1.3); “A bad om ” ( “A p oliom ,” “d estruidor” — Ap 9.11); “Belial” (2 Co 6.15), e “an jo da lu z” (2 Co 11.14). Em sum a, a exem plo do anticristo a quem ele serve de inspiração, o Diabo “se opõe e se levanta contra tudo o que se cham a D eus ou se adora; de sorte que se assentará, com o Deus, no tem plo de Deus, querendo parecer D eu s” (2 Ts 2.4). A lém de se op or a Deus, Satanás tam bém se opõe ao plano e ao povo de Deus. C o n fo rm e escreveu o A póstolo João ele é aquele que “nos acusa diante do nosso Deus de dia e de noite (cf. Ap 12.10). A tática de Satanás é gerar dúvida, negação, desobediência, engano e destruição tanto ao povo, quanto ao plano de Deus. Paulo declarou: “E não é m aravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em an jo de lu z” (2 Co 11.14).
A Derrota do Diabo e dos seus Demônios A d errota do Diabo, bem co m o a d errota do pecado, não oco rrerá em u m a só pancada. Ela foi prom etid a desde o princípio, quando D eus disse à serpente: “E porei inim izade entre ti e a m u lh e r e en tre a tua sem ente e a sua sem ente; esta te ferirá a cabeça , e tu lh e ferirás o calcan h ar” (G n 3.15). C ontu do, isto não foi oficialmente cum prido até a m o rte e a ressurreição de Cristo: Perdoando-vos todas as ofensas, havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo. (Cl 2.13b-15) Mas co m o foi que isto ocorreu? Enquanto a serpente estava m ordendo o calcanhar do Salvador (n a cru cificação), o Salvador estava esm agando a sua cabeça (n a ressurreição). C o m o disse u m autor, Satanás m ord eu a isca da hum anidade de Cristo e foi pego no anzol da sua divindade. O au tor de Hebreus declarou: “E, visto com o os filhos participam da carne e do sangue, tam bém ele participou das m esm as coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo" (2.14).
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A derrota de Satanás, p o rtan to , o co rre tam bém em três estágios: Deforma oficial, ela oco rreu (co m o os versos acim a indicam ) na cruz. De forma prática, ela está ocorren d o por interm édio da purificação dos crentes. Deforma definitiva, ela som en te oco rrerá no Segundo Advento de Cristo. Estes três estágios, por sua vez, correspondem aos três estágios da salvação na vida do crente, an teriorm en te m encionados: a justificação (a salvação da pu nição do pecado — a forma oficial); a santificação (a salvação do poder do pecado — a forma prática), e a glorificação (a salvação da presença do pecado — a.forma definitiva). Satanás foi derrotado oficialm ente (leg alm en te) pela m o rte de C risto (R m 3-5). Ele é um derrotado de fo rm a prática (aplicada) nas nossas vidas quando resistim os a ele pelo poder da cru z (R m 6-7). E ele será derrotado de m aneira definitiva (final) na segunda vinda de Cristo (R m 8) quando os nossos corpos serão redim idos da m o rte. Tendo isto em m ente, Paulo p ro m eteu aos R om anos: “E o D eus de paz esm agará em breve Satanás debaixo dos vossos pés” (R m 16.20): Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo. (Rm 8.22,23) Neste ú ltim o estágio da salvação, a d errota de Satanás (e dos seus dem ônios) será com posta de dois elem entos. O primeiro, o trigo e o joio, as ovelhas e os bodes, serão separados entre si. E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas. E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda. Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo [...] Então, dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. (Mt 25.32-34, 41) O segundo, além de ser separado dos bons, para que não possa mais corrom p ê-los, Satanás será trancafiado e im pedido de espalhar o m al: E o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre. (Ap 20.10) João escreveu: “Para isto o Filho de Deus se m anifestou: para desfazer as obras do diabo” (1 Jo 3.8). E, por ú ltim o, no final, aquele que foi o grande destruidor será destruído.
CONCLUSÃO D eus perm itiu o m al para que ele fosse derrotado. Ele criou som ente criaturas boas, mas perm itiu o m al a fim de que Ele m esm o pudesse, ao final, subjugá-lo. Satanás, que era o grande enganador, acabou por se enganar a si m esm o; Paulo fala da “sabedoria de
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D eus [...] a qual n e n h u m dos príncipes deste m u nd o con h eceu ; porque, se a conhecessem , nu nca crucificariam ao S en h o r da glória” (1 C o 2.7,8). Enquanto a serpente m ord ia o calcanhar do Salvador, Cristo esm agava a cabeça do Diabo. A d errota de Satanás acontece de fo rm a súbita e im ediata, mas será com p leta e definitiva.
FONTES A gostinho. A Cidade de Deus.
------- . O fTrue Religion. ------- . On The Nature o f the G o od . ------- . Two Souls, Agains the Manicheans. Cam us, A lbert. The Plague. Geisler, N orm an L. A Popular Survey o f the Old Testament.
------- . The Roots ofE vil. ------- . To Understand the Bible, Lookfor Jesus. Geisler, N orm an L. e W infried Corduan. The Philosophy o f Religion. Leibniz, G ottfried. Theodicy. Lewis, C. S. The Great Divorce.
------- . The Problem o f Pain. Plantinga, Alvin. God, Freedom, and E v il. Tom ás de Aquino. Compendium ofTheology .
------- . On Evil. ------- . Summa Theologica. Voltaire, François. Candide.
PARTE DOIS
SALVAÇÃO (SOTERIOLOGIA)
C A P Í T U L O
S E T E
A ORIGEM DA SALVAÇÃO
O pecado é um a pré-cond ição para a salvação;1 e a salvação não é necessária se não houver pecadores que necessitem dela. Q uanto à origem da salvação, existe u m consenso universal en tre os teólogos ortod oxos: D eus é o a u to r da salvação, pois apesar de o pecado h u m an o ter a sua origem nos h om ens, a salvação vem do céu, e tem a sua origem em Deus.
A BASE BÍBLICA DA SALVAÇAO O tópico a seguir será dividido em várias seções soteriológicas: a origem dos decretos divinos,2 a natu reza dos decretos divinos, a ordem dos decretos divinos e os resultados dos decretos divinos.
A Origem dos Decretos Divinos A origem da salvação é a vontade de Deus, que decretou desde a eternidade que providenciaria a salvação àqueles que cressem : “do SENEIOR vem a salvação” (Jn 2.9). C o m o declarou João, os crentes são “filhos [...] os quais não nasceram do sangue, n em da vontade da carne, n em da vontade do varão, mas de Deus” (Jo 1.13). Paulo acrescenta: “Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece” (R m 9.16), pois “nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si m esm o, segundo o beneplácito de sua vontade” (E f 1.5). Em sum a, a salvação se originou em u m a decisão de Deus em nos salvar. De o u tra form a, ning u ém jam ais poderia ser resgatado. C om Deus, tal co m o o co rre com os seres hu m anos feitos à sua im agem e sem elhança, a liberdade de decisão (livre-arbítrio) é au tod eterm in ação ;3 a salvação está fundam entada em um ato livre e autod eterm inad o da parte de Deus. Esta decisão foi tom ad a de acordo com a sua natu reza boa e graciosa, mas a escolh a foi co m p letam en te autod eterm inad a (cf. E f 1.5; 1 Pe 1.2). Não houve n e n h u m tipo de com pulsão extern a ou in tern a sobre Deus, seja no sentido de criar, seja no de salvar. Ele fez estas duas coisas de m aneira livre.4
■V ide p a rte 1. D iv in a.”
2 Decretos sig n ificam decisões eternas.
3V id e c a p ítu lo 3.
4V id e adiante, sob o títu lo “A N a tu re z a d a Liberdade
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A Eleição de Acordo com a Presciência
Pedro falou nos “eleitos segundo a presciência de D eus Pai” (1 Pe 1.2). Dessa form a, por ser am or (1 Jo 4.16), é necessário que D eus aja de m aneira am orosa, m as tam bém , por ser ju sto, faz-se necessário que Ele aja de m aneira ju sta (G n 18.25; R m 2.11; 3.26). E ntretanto , não havia necessidade de D eus fo rm ar criaturas m orais; m as se Deus escolh eu fo rm ar criaturas m orais, é razoável se supor que Ele aja de fo rm a consistente com a sua natu reza im utável de am o r e de ju stiça e com a m esm a liberdade que ele decidiu dar às suas criaturas.5 A Condição do Conceder versus a Condição do Receber
D e igual m odo, é necessário que, diante das condições escolhidas por Deus para criar e salvar estas criaturas m orais, Ele o faça de acordo com a liberdade que as concedeu. Logo, não existe n e n h u m a condição para que Deus conceda a salvação, mas existe um a (e som en te um a) condição proposta para se receber o d om da vida eterna: a fé (A tos 16.31; R m 4.5; E f 2.8-9). Portanto, o recebim en to da salvação está condicionado ao nosso crer.6 A salvação é incondicional da perspectiva daquele que a concede, mas é condicional do p onto de vista daquele que a recebe (pois este precisa crer para recebê-la). Em sum a, a salvação vem de Deus, mas a recebem os por m eio da fé: “Porque pela graça sois salvos, por m eio da fé” (E f 2.8).
A Natureza dos Decretos de Deus Apesar da fonte da salvação ser a decisão divina de nos salvar, a n atu reza da salvação é a graça de Deus. O dom m agnífico da vida etern a som ente chega até nós por interm édio da graça, e som ente por ela: “Mas, se é por graça, já não é pelas obras; de o u tra m aneira, a graça já não é graça” (R m 11.6). Soteriologicamente falando, graça e obras são m u tu am en te excludentes. “Fazer u m a obra para obter a graça” representa u m a contradição term inológica, pois “àquele que faz qualquer obra, não lh e é im putado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida” (R m 4.4). “Mas, àquele que não pratica, porém crê naquele que justifica o ím pio, a sua fé lh e é im putada co m o ju stiça ” (R m 4.5). A Natureza da Graça: Favor Imerecido
A graça, p o rtan to , é u m favor im erecido. Aquilo pelo qual trabalham os é considerado nossa conquista; mas aquilo pelo qual não trabalham os, não é considerado nossa conquista. C o m o a salvação vem até nós sem a necessidade de qualquer tipo de obra da nossa parte, concluím os que não nos cabe qualquer m érito nela: a Salvação é “dom g ratu ito de D eu s” (R m 6.23). A graça salvífica de Deus é o favor im erecido que ele faz por nós. A lgum as pessoas têm contrastado a graça e a m isericórdia ao observar que a graça é dar aquilo que não se m erece (por exem plo, a salvação), ao passo que a m isericórdia é não dar aquilo que se m erece (p o r exem plo, a cond enação). E m bora o uso bíblico destes term os não esteja, necessariam ente, de acordo co m esta distinção, esta observação continu a sendo bíblica. Os atos da graça e da m isericórdia de D eus representam dois lados do seu am o r incondicional p o r nós.
5Vide parte 1.
6Vide tam bém os capítulos 15-16.
A ORIGEM DA SALVAÇÃO
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_ Objeto da Graça: Os Pecadores Arrependidos De acordo com a Bíblia, a graça dasalvação divina não é autom ática ou unilateralm ente concedida a pecadores, mas é recebida som ente por meio da fé .7 Paulo era cuidadoso ao ju alificar a m aneira com o a provisão graciosa da vida etern a de Deus é recebida: “Porque re la graça sois salvos, por meio da fé ; e isso não vem de vós; é d om de D eu s” (E f 2.8). Em : utra parte, ele acrescenta: Mas, agora, se manifestou, sem a lei, a justiça de Deus, tendo o testemunho da Lei e dos Profetas, isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem. (Rm 3.21-22) E, novam ente: Porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus. (Rm 3.22-25)8 M esm o nas palavras enfáticas de R om an os 9, os “vasos da ira” são co m o são porque não se arrependeram: “E que direis se Deus, querendo m o strar a sua ira e dar a co n h ecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição?” (v. 22). Por que Deus é salvificam ente paciente conosco? Porque, co m o disse Pedro, não é seu desejo "que alguns se percam , senão que todos venham a arrepender-se” (2 Pe 3.9). A Relação entre a Graça e a Ira Portanto, a rejeição da graça provoca a ira, e sua aceitação gera a salvação. C om o já vimos, a exem plo de u m a pessoa que se co lo ca debaixo de u m a grande queda d’água com o as de Foz do Iguaçu, ou do M ágara^com u m a xícara virada de cabeça para baixo, o vazio vem da rejeição da graça que é copiosam ente derram ada sobre a pessoa. Por m eio de um sim ples ato de arrepend im ento (do ato de virarm os a “x ícara” da alm a com o lado certo para cim a), poderem os receber as bênçãos que sobre nós são derram adas pelo copioso fluxo do am or de Deus.
A Ordem dos Decretos Divinos M esm o havendo u m consenso geral acerca da origem da salvação, os teólogos há m u ito tem debatido acerca da ordem dos decretos salvíficos de Deus. O fato da eleição divina está nas Sagradas Escrituras; os debates giram em to rn o da progressão das suas escolhas relativas à eleição. 0 debate central sobre a ordem dos decretos divinos segue as linhas gerais indicadas na tabela abaixo, sendo que a prim eira se refere ao fato de Deus ter decretado os eleitos antes ou depois de ter decretado a Q ueda (Latim : lapsus).
\ íd e ca p ítu lo 15.
8 A q u e stão da f é em si mesma ser u m d o m de D eu s é an alisada e m o u tr a p a rte d esta o b ra (vide ca p ítu lo
11). Por o r a é su ficie n te o b serv a rm o s q u e m e sm o q u e a fé salvífica s e ja u m d o m , p o r ser u m d o m re ce b id o p o r u m a criatu ra, ele p recisa ser re ce b id o de fo rm a livre.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A tabela inicia co m os mais calvinistas à esquerda e prossegue até a visão arm iniana (isto é, wesleyana) à direita. Vários term o s constantes desta tabela serão definidos e explicados posteriorm ente.
A ORDEM DOS DECRETOS DIVINOS Supralapsarianismo
Infralapsarianismo
Sublapsarianismo
Wesleyanismo
(1) Elegeu alguns e reprovou outros
(1) Criou todos
(1) Criou todos
(1) Criou todos
(2) Criou tanto os eleitos, quanto os não eleitos (3) Permitiu a Queda
(2) Permitiu a Queda
(2) Permitiu a Queda
(2) Permitiu a Queda
(3) Elegeu alguns e desprezou outros
(3) Proporcionou a
(3) Proporcionou
(4) Proporcionou a salvação somente para os eleitos
(4) Proporcionou a salvação somente para os eleitos
(4) Elegeu os que creram e desprezou os que não creram
(4) Elegeu com base na fé antevista daqueles que creram
(5) Atribuiu a salvação somente aos eleitos
(5) Atribuiu a salvação somente aos eleitos
(5) Atribuiu a
(5) Atribuiu a salvação somente aos crentes (que não podem perdê-la)
salvação a todos
salvação somente aos crentes (que não podem perdêla)
a salvação a todos
O term o supralapsariano deriva do latim supra (acim a) e lapsus (queda), e significa que o d ecreto divino da eleição (predestinação) é considerado pelos supralapsarianos co m o acima do, ou logicam ente anterior ao, d ecreto que p erm itiu a Queda. C o m o infra significa “abaixo,” os infralapsarianos consideram o d ecreto divino da eleição co m o posicionado abaixo do, ou logicam ente posterior ao, seu d ecreto que p erm itiu a Queda. Os sublapsarianos (A m yraldianos)9 são sem elhantes aos infralapsarianos, exceto por co locarem a ordem divina de prover a salvação antes da sua ordem da eleição (vide Chafer, ST, 2.105). Os wesleyanos aderem a esta m esm a ordem básica co m o infralapsarianos, salvo por defenderem que a eleição é baseada na presciência, e não sim plesm ente, de acordo com vez de incondicional (que é a posição sustentada pelas três posições calvinistas). Os supralapsarianos são hipercalvinistas, p o r acreditarem na dupla-predestinação.10 Os infralapsarianos são calvinistas firmes, en tretan to n ão acreditam na dupla predestinação. Os sublapsarianos (am yraldianos) são calvinistas moderados, os quais sustentam um a 9 O Amyraldianismo (o u Calvinismo Amyraldiano) d eriv a de M o isés A m y ra u t (1596-1664), q u e fo i u m te ó lo g o fra n cês. A sua d iferen ça m ais c ritic a c o m re la ç ã o ao C a lv in ism o R a d ica l diz resp eito à e xp iação; o S u p ra la p sa ria n ism o n e cessita da e x p iação lim itad a, já o S u b lap sarian ism o su s te n ta a exp ia çã o ilim ita d a (vide c a p ítu lo 11 ).
10 Predestinação significa que
D e u s e sc o lh e u alg u m as pessoas p ara s erem salvas. A Dupla Predestinação sign ifica que D e u s e sc o lh e u ta n to a lg u m a s pessoas p a ra seres salvas, q u a n to o u tras p ara s erem con d en ad as (vide apên d ice 3).
A ORIGEM DA SALVAÇAO
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expiação ilim itada. C o m o já vim os, os wesleyanos e os arm inianos insistem que a eleição e condicional, e não incondicional. Os wesleyanos tam bém não crêem na segurança eterna, ao passo que os aderentes das outras visões crêem .
A Seqüência dos Decretos Divinos U m dos problem as básicos com esta análise é a fo rm a co m o ela foi estruturada, ou seja, sobre a suposição de que existe u m a ordem nos decretos de Deus. E m vista dos atributos divinos,11 u m a coisa é clara: independ entem ente da ordem que possa haver nas decisões divinas, ela não é cronológica, já que u m Ser eterno não está preso a seqüências cronológicas. Deus é, sim ultaneam ente, simples e etern o e, com o tal, Ele não pensa ou age de m aneira seqüencial. Não Existe uma Ordem Cronológica nos Decretos Divinos Por ser eterno (n ão -tem p o ral), D eus não possui qualquer relação de tem po na seqüência dos seus pensam entos ou das suas decisões. Ind epend entem ente do que Ele pense ou das ações que tom e, Ele pensou nelas e as coloco u em prática de m aneira sim ultânea, a partir da eternidade co m o u m todo. Não Existe uma Ordem Lógica nos Decretos Divinos Mas será que não existe, pelo m enos, u m a ordem lógica nos decretos divinos? X ão do ponto de vista dele. D eus não pensa de m aneira seqüencial (isto é, de m aneira discursiva, co m u m a idéia seguindo a ou tra). Ele co n h ece todas as coisas im ed iatam ente e intuitivam ente em Si m esm o, já que Ele é sim ples, eterno e im utável em seu Ser. E com o tal, tudo o que Ele con h ece e decide é conh ecid o e executado de m aneira im ediata e intuitiva, a partir da eternidade com o u m to d o .12 Existe uma Ordem Operacional nos Decretos Divinos E claro que existe u m a ordem operacional na execução dos decretos de Deus. Deus desejou etern am en te que as coisas acontecessem em u m a d eterm inada seqüência tem poral (u m a após a ou tra), da m esm a fo rm a que u m m éd ico deseja, antecipadam ente, a cura do paciente ao prescrever-lhe, por exem plo, a ingestão de um com prim id o por aía, pelo prazo de u m a sem ana. Desse m od o, D eus desejou, p o r exem plo, que a criação j corresse antes da Queda, e que a salvação fosse proporcionada depois dela. Não faz sentido falar de um a ordem lógica na m ente de Deus, com o se ele tivesse um pensam ento seqüencial a outro. Todos os pensam entos são conhecidos por Deus em -m a “co -in tu ição ” eterna. Na qualidade de Ser sim ples, D eus co n h ece todas as coisas de : nrma sim ples, m otivo pelo qual a Bíblia fala de eleição com o sendo “segundo o beneplácito de : m vontade” (E f 1.5; cf. 1 Pe 1.2) e não baseada em outros atributos, tam p ou co independente -eles. Se fosse assim, haveria u m a seqüência lógica contrad itória em u m D eus que não apresenta m ultiplicidade, n em m esm o nos seus pensam entos.13
Os Resultados dos Decretos Divinos Os resultados dos decretos salvíficos de Deus são duplos: eles proporcionam salvação ra ra todos e aplicam a salvação àqueles que crêem .
Vide volum e 2, parte 1.
12Vide volum e 2, capítulos 2 e 8.
13Vide volum e 2, capítulo 2.
162
H
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A Salvaçao É Proporcionada a todos
A Bíblia é clara e enfática: o desejo de D eus é que todos sejam salvos e, por isso, ele disponibilizou a salvação para toda a hum anidad e.14 “Porque D eus am ou o mundo de tal m aneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, m as te n h a a vida etern a” (Jo 3.16). Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. (Rm 5.18) “Porque o am or de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos m o rre ra m ” (2 Co 5.14). “D eus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes im putando os seus pecados, e pôs em nós a palavra da reconciliação” (2
C o 5.19). D eus “quer que todos os homens se salvem e ven h am ao con h ecim en to da verdade” (1 T m 2.4). “Pois esperam os no D eus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalm ente dos fiéis” (1 T m 4.10). “Porque a. graça de D eus se há m anifestado, trazendo salvação a todos os homens” (T t 2.11). “A quele Jesus que fora feito u m p ou co m e n o r do que os anjos, por causa da paixão da m o rte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” (Hb 2.9). “E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não som ente pelos nossos, mas tam bém pelos de todo o mundo” (1 Jo 2.2). Desde toda a eternidade, p o rtan to , Deus desejou p roporcionar a salvação a toda a hum anidade. Dessa form a, Cristo é “o Cordeiro que foi m o rto desde a fundação do m u n d o ” (Ap 13.8; cf. E f 1.4). A Salvação É A plicada aos que Crêem
E n tretanto, apesar da salvação ter sido proporcionada a todos, ela som ente se aplica àqueles que crêem . A lgum as pessoas fazem a seguinte pergunta: “A quem se destinou a expiação?” Os calvinistasfirmes respondem responderiam com u m “por que”, se a expiação foi direcionada a todos, todos não são salvos. E com o a intenção de u m D eus soberano poderia ser frustrada? (vide capítulo 12). Se, com o argu m enta u m calvinista firm e, a expiação foi direcionada som ente a algum as pessoas (os eleitos), conclu ím os que ela é, p o rtan to , lim itada. Isto nos leva ao aparente dilem a de que (1) ou a expiação foi direcionada a tod os ou (2) ela foi direcionada som ente a u m grupo (o dos eleitos).15 Se a intenção foi que ela abarcasse a todos, então todos serão salvos (já que as intenções soberanas de D eus não podem ser frustradas), e se ela não abarcasse todos, ela, logicam ente, foi direcionada som en te a algum as pessoas (os eleitos). P ortanto, aparentem ente, ficam os com duas opções: ou o “U niversalism o” é verdadeiro ou o é a “expiação lim itad a” (vide Sproul, CG , 205). E claro que, tanto os calvinistas m oderados, quanto os arm inianos tradicionais negam o “U niversalism o.”16 Assim, em resposta ao suposto problem a, basta apontarm os que este argu m ento con tém u m falso dilema. Existe u m a terceira alternativa: a expiação teve a intenção d e proporcionar (o ferecer) a salvação para todos, bem com o aplicar a salvação a todos os que crerem . Em sum a, o p roblem a é u m a falsa d icotom ia, a qual assume, erron eam en te, que (1) houve som ente u m a intenção na expiação, ou (2) que o propósito ún ico da expiação foi MVide capítulo 11.
15Ibid.
16Vide capítulos 12.
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aplicar a salvação aos eleitos. Na verdade, como Deus também queria que todos viessem a crer, Ele também teve intenção de que Cristo morresse para proporcionar a salvação a todas as pessoas. A alternativa — da expiação lim itada — leva à negação de que Deus verdadeiram ente queria que todas as pessoas fossem salvas — um a concepção que contraria a sua onibenevolência,17 tal qual esta é revelada nas páginas das Sagradas Escrituras. A salvação, p o rtan to , foi proporcionada a todos, mas se aplica som ente àqueles que crêem . “Porque pela graça sois salvos, por m eio da fé; e isso não vem de vós; é d om de D eus” (E f2.8). “A ju stiça de D eus pela f é em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem” : R m 3.22). C o m o tam bém já estudam os, nós som os “justificados gratu itam ente pela sua graça, pela redenção que há em C risto Jesus, ao qual D eus propôs para propiciação pela f é n o seu sangue” (R m 3.24,25).
A BASE HISTÓRICO-TEOLÓGICA DA ORIGEM DA SALVAÇÃO A origem da salvação está na natureza de Deus, que é u m Ser am oroso (n a sua onibenevolência), já a base da vontade divina em salvar os seres hum anos pecadores encontra-se na sua onipotência18 e n a capacidade concedida por Deus do livre-arbítrio hu m ano.19 C o m o D eus é am or, e pelo fato do a m o r não p od er ser im p osto sobre a parte am ada ( já que, co m o analisam os, u m “am o r fo rçad o ” seria u m a con trad ição ), foi necessário que, caso D eus desejasse am ar e ser am ado pelas suas criaturas, Ele as criasse livres. T estem u n h o s à d o u trin a do liv re-arbítrio h u m an o (tanto anteriores, quanto posteriores à Q ueda) p od em ser en contrad os ao lon g o da h istória da igreja. Na verdade, com a exceção com p reen sív el de A gostinh o — no período p o sterio r da sua vida — , p raticam en te todos os pais eclesiásticos m ais in flu entes d efenderam que a salvação é recebida p o r u m a livre-decisão da parte dos seres h u m a n o s.20 E co m o D eus é to d o -a m o ro so , Ele, n ecessariam ente, am a a todos. E co m o o am or e n tre D eus e as suas criatu ras é im possível sem u m a livre-decisão (liv re-arb ítrio ), ambas as partes precisam ser livres. Se D eus am a todas as suas criatu ras de fo rm a livre e não pode fo rçar o seu am o r sobre elas, existe, p o rta n to , u m a condição para se receber este am or: o desejo de ser am ado. Em sum a, n em todos serão salvos porqu e n e m todos desejam ser salvos (cf. M t 23.37; 2 Pe 3.9). T eolog icam en te, p o rta n to , a salvação se orig in a na on ib en evo lên cia divina e é recebida m ed iante u m a livre-decisão da parte dos seres h u m an os. A salvação é concedida p or u m ato de liberdade divina, e é recebida p o r u m ato de liberdade. F ran cam en te ralando, este ato de liberdade co n ta co m a aju d a da graça de D eus, m as a sua graça não efetua a salvação sem a coo p eração da vontade h u m a n a .21
A Natureza da Liberdade Divina A Liberdade de Deus significa que Ele é autod eterm inad o, ou seja, não é determ inado por n e n h u m ou tro ser alheio a si m esm o, tam p ou co é determ inado pelos seus próprios ito s (os quais são causados por Ele m esm o ).22
\ ide v o lu m e 2, cap ítu lo 15.
18V ide v o lu m e 2, cap ítu lo 7
19V ide ca p ítu lo s 3 e 5
20 V ide c a p ítu lo 2.
21 V ide c a p ítu lo 5.
~ ^ ide ca p ítu lo 3 p ara o b te r u m a e x p lica çã o a ce rca d o D e te r m in is m o , d o In d e te rm in is m o e d o A u to d e te rm in is m o ; e o TO him e 2, c a p ítu lo 3, p ara c o n h e c e r a d ife re n ça e n tre u m ser autocausado e u m a ação autocausada.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Sem Compulsão Externa
Logicam ente, as ações de Deus precisam ser (1) causadas por o u tra pessoa, (2) nãocausadas, ou (3) causadas por Ele m esm o. As ações não causadas (indeterm inadas) são contrárias ao princípio da causalidade; existe u m a causa para todos os eventos.23 As ações de D eus não podem ser causadas por o u tra parte (determ inadas), já que n ão lh e existe u m a força exterior capaz de d eterm inar as suas ações (o Deus soberano não pode ser forçado a fazer nada por n e n h u m ou tro ser). Apesar de u m ser autocausado contrariar a lei da não-contrad ição,24 as ações de Deus precisam ser causadas por Ele m esm o (ser autode term inad as). Sem Compulsão Interna
De m odo sem elhante, as ações de Deus não podem sofrer de com pulsão interna. “A liberdade forçada” é u m a contradição, independ entem ente da suposta força ser in tern a ou externa. T a l qua\ vem os n a refu tação da ptoposva do Yxx&eísyQO, ■&.decisão de D eu s em criar (e salvar) não foi determ inada pela sua natu reza. A criação flui livremente da vontade divina, e, co m o a vontade de D eus é idêntica à sua natureza, é pela sua n atu reza que D eus é livre para criar ou não criar. C o m o vim os no volu m e 2, Ele não criou porque precisava criar, mas porque desejou criar. A criação não surge de Deus da m esm a fo rm a que u m a flor surge a partir de u m a sem ente; mas, surge com o o am or, em u m h o m em apaixonado — de fo rm a livre. Consistência Interna
Apesar da salvação não fluir de Deus de fo rm a necessária (isto é, por com pulsão), mas de fo rm a livre, ela, todavia, é consistente com a sua natu reza m o ral, à m edida que Deus decidiu disponibilizar a salvação a todos e salvar todos os que cressem . M esm o assim, não era necessário que D eus criasse ou elegesse n in guém ; a eleição é u m ato incondicional. Não existem condições a serem cum pridas para a decisão de D eus em proporcionar a salvação; en tretan to , co m o tam bém já vim os, existe u m a condição para que esta salvação seja recebida — u m ato livre de fé em Deus. Isto é u m a exigência tanto da natu reza de Deus, co m o um ser T od o-am oroso, co m pela natu reza das criaturas livres, que som en te por elas m esm as podem optar pelo seu am or.
A Natureza da Onibenevolência Divina A liberdade de Deus está fundam entada no seu am or im utável; Ele não pode agir de m aneira contrária à sua própria natureza. Por exem plo, co m o Deus é a verdade “é im possível que D eus m in ta ” (Hb 6.18; cf. T t 1.2), e com o D eus é am or, é impossível que Ele não am e tu do aquilo que fo r b o m .25 C o m o a onibenevolência de D eus já foi exaustivam ente analisada,26 som ente farem os aqui um resu m o dos seus pontos principais. D eus disse: “Há m u ito que o SEN H O R m e apareceu, dizendo: C o m am or etern o te am ei; tam bém com am ável benignidade te atraí” (Jr 31.3). “Mas D eus prova o seu am or para conosco em que Cristo m o rreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (R m 5.8). 23 V id e v o lu m e 1, ca p ítu lo s 2 e 10.
24 V ide v o lu m e 1, c a p ítu lo 5. 25 D e m o d o s e m e lh a n te , c o m o é ó bvio, D e u s n ã o p ode
a m ar o m a l (H c 1.13; T g 1.13) — E le a m a os p eca d o res, m as o d eia o p ecad o. A m a r o p e ca d o seria c o n trá r io à sua n a tu re z a c o m o o B e m ab so lu to .
26 V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 15.
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“Porque o am or de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se u m m o rreu por todos, logo, todos m o rre ra m ” (2 Co 5.14). “Mas Deus, que é riquíssim o em m isericórdia, pelo seu m u ito am or com que nos am ou, estando nós ainda m o rtos em nossas ofensas, nos vivificou ju n tam e n te com C risto (pela graça sois salvos)” (E f 2.4-5). “Andai em am or, com o tam bém C risto vos am ou e se entregou a si m esm o por nós, em oferta e sacrifício a D eus” (E f 5.2). “Mas, quando apareceu abenignidade e caridade de Deus, nosso Salvador, para com os hom ens, não pelas obras de ju stiça que houvéssem os feito, mas, segundo a sua m isericórdia” (T t 3.4-5). “Vede quão grande caridade nos tem concedido o Pai: que fôssemos cham ados filhos de D eu s” (1 Jo 3.1). Amados, amemo-nos uns aos outros, porque a caridade é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é caridade. Nisto se manifestou a caridade de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivamos. Nisto está a caridade: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados. (1 Jo 4.7-10) Teologicam ente falando, a onibenevolência de Deus flui a partir de u m a conexão lógica en tre o am or e vários dos seus atributos m etafísicos. A Infmttude e a Simplicidade de Deus Implica a sua Onibenevolência Deus é infinito na sua essência,27 e o am or faz parte da essência de Deus (1 Jo 4.16). Portanto, Deus precisa ser am or infinito. A essência de Deus tam bém e sim ples,28 o que significa que Ele é indivisível, ou seja, não é com p osto de partes. P ortanto, Deus pode ser nada “de fo rm a parcial,” e co m o Deus é am oroso, concluím os que Ele precisa ser total e com p letam en te am oroso. A Necessidade de Deus Implica a sua Onibenevolência Deus é um Ser necessário,29 e Deus é am or; dessa form a, D eus necessariam ente é am or — Ele não é capaz de não amar. Ele precisa am ar a Si m esm o, e se decidiu criar seres sem elhantes a Si. Ele deve, p o rtan to , necessariam ente, am á-los — e am á-los a todos. A lém disso, não existe conflito entre a necessidade e a liberdade em D eus, já que é da sua natureza necessária que toda a criação e salvação fluam livrem ente a partir de Si m esm o. Ademais, em Deus, a liberdade não significa “o poder de u m a decisão contrária em questões m orais” (por exem plo, a capacidade de praticar o m al e não o bem ). A liberdade de Deus em questões m orais, tal co m o a sua liberdade básica em todas as questões, é o poder de ações autodeterm inadas. Neste sentido, não existe n e n h u m a contradição lógica en tre a liberdade e a necessidade de am ar tudo aquilo que Ele criou. As Implicações da Onibenevolência Divina Precisam os observar duas im plicações soteriológicas im portantes, que surgem a partir da onibenevolência de Deus.
Ibid., capítulo 5.
28 Ibid., capítulo 2.
29 Ibid., capítulo 3.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
As Implicações da Doutrina da Graça Irresistível Todos os calvinistas crêem em alg u m tipo de graça irresistível: Os ultracalvinistas e os calvinistas firm es crêem que a graça é irresistível m esm o contra a vontade do recebedor, já os calvinistas m oderad os crêem que a graça é irresistível so m e n te de acordo com a vontade do recebed o r.30 D ian te da on ib en evo lên cia de D eus, con clu ím os que a graça não pode ser irresistível co n tra a vontade das pessoas, pois u m D eus que é todo am o r n ão pode fo rçar n in g u ém a agir c o n tra a sua própria vontade. U m “am o r fo rça d o ” é in trin secam e n te im possível; u m D eus de am o r pode agir co m base n a persuasão, mas n u n ca co m base na coação. C. S. Lewis co m e n ta este p o n to co m propriedade: O irresistível e o incontestável são as duas armas cuja própria natureza do seu plano o proíbe de fazer uso. O mero desprezo da vontade humana [...] ser-Lhe-ia inútil. Ele é incapaz de violentá-la, cabe-lhe simplesmente insistir com o homem. (SL, 38) A s Implicações do Universalismo
C o m o já vim os n o v o lu m e 2 (n o c a p ítu lo 15), a o n ib en e v o lê n cia de D eus to rn a o U n iv ersalism o in su ste n tá v e l.31 A pesar de u m Ser o n ip o te n te te r a capacidade de p od er realizar tu d o que lh e fo r possível, u m D eu s o n ib en e v o le n te so m e n te é capaz de fazer aquilo que é m o ra l, e n ão haveria nad a de m o ra lm e n te c o r re to ao se fo rçar seres m o rais a agir de m a n e ira c o n trá ria à sua vo n tad e. D eus c la ra m e n te d eseja que to d o s se salv em , m as “a g raça irresistív el co n trá ria a vo n tad e do sero b je to dessa g ra ça ” — é u m a co n tra d içã o a liberdade h u m a n a que o p ró p rio D eus co n ced eu . D essa fo rm a , n ão existe q u alq u er garan tia (se m e lh a n te à que é oferecid a p e lo U n iv ersalism o ) de que todas as pessoas serão salvas; a o n ib en e v o lê n cia divina n ão p e rm itirá que Ele faça tu d o o que a sua o n ip o tên cia poderia, de o u tra fo rm a , ex e cu tar. A rg u m e n tar que tod os, e v e n tu a lm e n te , acabarão aceitan d o , co n stitu i-se , sim p le sm e n te , em u m vício de a rg u m e n ta çã o . C o m o isto se daria? Por in te rm é d io do a p risio n am en to da sua vontade? Se assim fo r, estas pessoas n ão seriam , de fo rm a algu m a, v erd ad eiram en te livres. A cred ita r que to d o s, e v e n tu a lm e n te , d ecid ir-seão p o r seguir a D eu s de fo rm a esp o n tâ n ea é c o n trá rio ta n to ao que as Sagradas E scritu ras n os ap resen tam , q u an to ao que sabem os p e la e xp eriên cia .32 A lém disso, se o C alv in ism o F irm e estiv er c o r re to ao su ste n ta r que D eus pode fo rç a r as pessoas (p o r m e io da g raça irre sistív e l) a serem salvas, en tã o a ú n ica fo rm a dos su p ralap sarianos e dos infralap sarian os e v ita rem o U n iv ersalism o (o qual, co m o já vim os, é c la ra m e n te fa lso ) é n eg an d o que D eu s é o n ib en e v o le n te . A razão p ara isso é que, caso D eu s possa salvar a to d o s aqueles d eseja, m e sm o d esconsid erand o a resp osta do seu liv re-a rb ítrio (o p ressu p o sto do C alv in ism o F irm e ), e se D eus re a lm e n te am a a tod os (n a sua o n ib en e v o lê n cia ) e d eseja que tod os se salvem , en tão todos acabarão por se salvar [...] o q ue nad a m ais é do que “U n iv ersa lism o .” P o rta n to , insistim os que se D eus é T o d o -a m o ro so e, co m o ta l, é incapaz de coag ir a liberdade de e sco lh a dos indivíd uos — ser-L h e-ia co n tra d itó rio fazer isto, e D eu s n ão pode in c o rre r em co n trad içõ es.
30Vide capítulo 5.
31 Vide tam bém o capítulo 12, adiante.32Vide capítulo 2.
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M o n e rg is m o versus S in e r g is m o Isto nos encam inha à calorosa disputa teológica travada entre o M onergism o e o Sinergism o. Os calvinistas firm es sustentam que o m o m en to da conversão (regeneração) resulta to talm en te da operação de Deus, e não conta com qualquer tipo de cooperação por parte dos seres hu m anos. Isto, algum as vezes, é cham ado de graça operativa, em oposição à graça cooperativa. A regeneração (conversão) é, dessa form a, considerada u m ato monergista (significando “u m ato executado som en te p o r parte de D eu s”). Porém , de acordo co m os calvinistas firm es, depois da regeneração, em todos os m o m en tos, a nossa vontade coopera com as ações de D eus n o sentido de atingirm os a santificação (purificação); toda estasubseqüente da graça é reconh ecida co m o ato sinérgico (significando “u m ato executado com a nossa coo p eração” (vide Sproul, WB, 119). Ou seja, para o calvinista firm e, os seres hu m anos são co m p letam en te passivos no que diz respeito ao início da sua salvação, mas agem em cooperação ativa com a graça de Deus, daquele ponto em diante. Este ponto de vista foi defendido, por exem plo, por A gostinho (no período posterior da sua vida), por M artin h o Lutero, João Calvino, Jonathan Edwards e Francis T u rretin. O Sínodo de D o rt,33 seguindo a tradição do “A gostinho posterior,” chegou até m esm o a fazer uso da ilustração da “ressurreição dos m o rto s” para se referir à obra de D eus n a vida dos não-regnerados.34 C o n fo rm e já com entam os, o p o n to de vista dos Calvinistas Firm es que preconiza u m M onergism o inicial está baseado na concepção de que Deus exerce sua graça irresistível contrariam ente à vontade da pessoa. O que se constitu iriam em u m a violação da liberdade de decisão dos seres hu m anos, a qual procede do próprio Deus. Há vários m otivos para se rejeitar o M onergism o. 0 Monergismo não E biblicamente Fundamentado A Bíblia não apóia a visão de que a graça irresistível seja exercida con trariam en te à vontade das pessoas; ela afirm a que todos podem , e alguns resistem à graça de Deus. Jesus lam en tou : Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste! (Mt 23.37; cf. 2 Pe 3.9) Estevão se referiu ao orgulho do povo de D eus nas seguintes palavras: “ Vós sempre resistis ao Espírito Santo” (A t 7.51). Ainda nos dias de Noé: “Então, disse o SEN H O R: Não contend erá o m eu Espírito para sem pre com o h o m e m ” (G n 6.3). Na verdade, apesar de ser tarefa do Espírito Santo “convencer o m u nd o do pecado, da ju stiça e do ju íz o ” (cf. Jo 16.8), n em todas as pessoas responderão de m aneira positiva à sua ação. D urante o seu m inistério terren o, apesar das suas obras sobrenaturais, Jesus não convenceu a todos acerca da necessidade da salvação. Ele, n a verdade, chegou a dizer que algum as pessoas rejeitaram de tal fo rm a a obra do Espírito Santo que haviam “blasfem ado co n tra E le” e, p o rtan to , jam ais receberiam o perdão e, por isso, entrariam em “condenação e te rn a ” (cf. M c 3.28,29).
■” 1618-1619; vide capítulo 15.
34 Cânones de D ort, artigos 11-12.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
0 Monergismo nao É Apoiado pelos Pais Eclesiásticos
A exceção do “A gostinho posterior,” que foi convencido na controvérsia donatista, n e n h u m ou tro pai eclesiástico de peso, até o período da R eform a foi sim patizante da dou trina da graça irresistível independente da vontade hu m ana. Por exem plo, o “A gostinho a n terio r” (n o início do seu m in istério) afirm ou corretam en te: Deus é considerado o “nosso Ajudador”; mas ninguém pode ser ajudado sem fazer algum tipo de esforço voluntário. Pois Deus não opera a salvação em nós como se estivesse lidando com pedras irracionais, ou com criaturas que não tenham recebido nem razão, nem vontade própria. ( OFSB, 2.28) Até m esm o a perspectiva de M artin h o L u tero, o prim eiro n o m ed e p e so a se levantar na defesa dessa d outrina, depois do “A gostinho posterior,” foi contrad ito pelo seu discípulo e sistem atizador, Filipe M elan ch ton (1497-1560), a quem , p osteriorm ente, os luteranos passaram a seguir. D e m odo sem elhante, a visão de João Calvino foi questionada por Jacó A rm ínio (1560-1609) e é rejeitada por todos os calvinistas m oderados.35
O Monergismo E contrário ao "Principio Protestante " U m dos princípios fundam entais do Protestantism o é a “salvação som ente pela fé ” (Latim : sola fidet). Se a salvação vem por m eio da fé — o que é claram ente afirm ado pelas Sagradas Escrituras — então a fé é, logicam ente, anterior à regeneração. E, com o já vim os acerca deste assunto, a Bíblia é clara ao afirm ar que esta é m esm a a ordem das coisas. Som os salvos por m eio da fé (E f 2.8,9); som os justificados pela fé (R m 5.1); e precisam os crer em C risto para nos salvarm os (A t 16.61). Em cada u m destes casos, a fé vem , logicam ente, antes da salvação. Nós n ão nos salvamos, para depois passar a crer; mas sim, crem os para que possam os nos salvar.36 O Monergismo E contrário à Onibenevolência de Deus O s calvinistas firm es adm item crer que D eus não é T od o-am oroso no sentido da redenção: Eles afirm am que Ele ama, enviou Jesus e p ro cu ra salvar somente os eleitos. C ontudo, isto é con trário ao que dizem as Sagradas Escrituras;37 u m D eus Todo-am oroso (1 Jo 4.16) am a a todos (Jo 3.16) e deseja que todos ch eguem à salvação (1 T m 2.4-5; cf. 2
Pe 3.9). O Monergismo E contrário ao Livre-arbítrio Concedido por Deus
C o m o é am or e sem pre opera por m eio da persuasão e não pela coação, D eus não pode forçar nin gu ém a am á-lo — e é isso que a “graça irresistível” faria sobre alguém que n ão desejasse se salvar. O am or persuasivo, mas resistível, de D eus cam in h a ju n to co m a liberdade de decisão que Ele m esm o concedeu aos seres hum anos. C o m o já vimos, o livre-arbítrio h u m an o é autod eterm inação, e envolve a capacidade de escolh er seguir u m ru m o contrário. Podem os aceitar ou rejeitar a graça de Deus. Em sum a, a graçasalvífica de D eus opera de fo rm a sinérgica co m o nosso livre-arbítrio; ou seja, ela precisa ser recebida para se to rn ar efetiva. Não existem condições a serem im postas para a concessão da graça por parte de Deus, p o rém existe u m a condição para a 33Vide capítulo 6.
36Vide capítulo 15.
37Vide capítulo 11.
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sua recepção — a fé. Em outras palavras, a graça de Deus fu ncion a de fo rm a cooperativa, não operativa. A fé é a pré-cond ição para se receber o dom divino da salvação, e a fé antecede a regeneração, já que som os “salvos por m eio da fé” (E f 2.8) e “justificados pela fé” (R m 5.1).
RESPOSTAS A OBJEÇÕES LEVANTADAS À ORIGEM DA SALVAÇÃO C om m uitas das objeções a seguir giram em to rn o do am o r de D eus e da liberdade hu m ana, assunto este que já foi detalhado em outras partes desta obra, recapitularem os aqui, de fo rm a breve, som ente as questões mais im p ortantes.3s
Objeção Número Um — Com Base na Idéia de que o Amor Necessário É Contraditório O am or é u m ato livre, que flui da nossa liberdade de decisão, e um a pessoa não pode ser forçada a am ar. Se fo r assim, então o am or não pode fluir da essência de Deus, já que a essência de Deus é necessária.39 Logo, a salvação precisa fluir da vontade de D eus e não da sua natu reza im utável.
Resposta à Objeção Número Um O amor e a necessidade não são contraditórios, mas o amor e a compulsão são.40 O am ar é da natu reza de Deus, e co m o sua n atu reza é necessária, é necessário que Ele am e. A lém disso, com o o am or é u m ato livre, é necessário que Deus am e de fo rm a livre. C onseqüentem ente, não é contrad itório que o am or seja necessário e livre; isto sim plesm ente significa que Deus, pela sua própria natureza, precisa am ar. E com o o am or precisa ser expresso de m aneira livre; porque a sua vontade precisa estar de acordo com a sua natureza, o seu am or livrem ente escolhido está de acordo com a sua essência necessária e im utável.
Objeção Número Dois — Baseada no Amor Singular de Deus pelos Eleitos Os calvinistas firm es alegam que D eus não am a “de m aneira salvífica” a todas as pessoas, insistindo que C risto m o rreu som ente pelos eleitos. Se isto fo r verdade, então Deus deixa de ser onibenevolente. Por exem plo: “[Ele] nos elegeu” (e não “a todos” — Ef 1.4); “C risto m o rreu por nossos pecados” (1 C o 15.3); “dou a m in h a vida pelas ovelhas” (Jo 10.15); “C risto am ou a igreja e a si m esm o se entregou por ela” (E f 5.25).
Resposta à Objeção Número Dois41 O fato de som ente os crentes seres m encionados em algum as passagens com o beneficiários da m o rte de Cristo não prova que a Expiação é lim itada, por várias razões: A primeira, Paulo tam bém disse que Jesus “m e am ou e se entregou a si m esm o por m im ” (G 12.20), n em por isso os proponentes da expiação lim itada apresentam este verso co m o prova de que todas as dem ais pessoas estão excluídas dos benefícios da m o rte de Cristo.
* Para c o n h e c e r o u tra s o b je ç õ e s e respostas, vide v o lu m e 2, c a p ítu lo 15, b e m c o m o o c a p ítu lo 3 d este v o lu m e. v o lu m e 2, c a p ítu lo 3. ® Jo ão C alv in o r e c o n h e c e u isto nas In s titu ta s da R eligião C ristã, I.2 .2 .5 . c o m p le ta à d o u tr in a da E x p iação L im itada, vide c a p ítu lo 11.
39 Vide
41 Para u m a re sp o sta m ais
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A segunda, quando a Bíblia utiliza term os co m o nós, nosso, ou o p ronom e oblíquo nos para se referir à Expiação, ela fala som en te daqueles a quem ela é aplicada, e n ão daqueles a quem ela foi proporcionada. Ao fazer isto, p o rtan to , as Sagradas Escrituras, de fo rm a algum a, lim itam a abrangência da Expiação. A terceira, e últim a razão, é que o fato de Jesus am ar a sua noiva e por ela ter m orrido (E f 5.25) não significa que D eus (o Pai) e Jesus (o Filho) não am em o m u nd o inteiro e não d esejem que as demais pessoas tam bém façam parte da noiva — a igreja. João 3.16 deixa
m u ito claro que não é isso.42
Objeção Número Três — Baseada no Amor de Deus por Jacó e no seu Ódio por Esaú D e acordo co m R om an os 9, D eus am ou Jacó e odiou Esaú (v. 13); Ele teve m isericórdia de uns e não de outros (v. 15); Ele destinou alguns para a destruição e outros não (v. 22); Ele endurece o coração de alguns (incredulidade) e não de outros (v. 18). A partir destes exem plos, parece óbvio que D eus não é onibenevolente, quando o assunto é a salvação.
Resposta à Objeção Número Três Esta é u m a interpretação errôn ea dos textos. Primeiro, a passagem não está se referindo à eleição de indivíduos, mas de nações. Esaú é a nação de Edom que veio dele (cf. M l 1.2), e Ja c ó é a nação de Israel que dele tam bém surgiu (cf. 9.2,3). Segundo, a passagem não está tratando da eleição de indivíduos à salvação, m as de Israel com o nação escolhida para servir de canal pelo qual a bênção etern a da salvação, p or m eio de C risto, chegaria a todos (cf. G n 12.1-3; R m 9.4,5). A lém disso, m esm o a nação de Israel tendo sido escolhida por Deus, n e m todos os indivíduos que dela fazem parte foram eleitos para a salvação (9.6). Terceiro, a palavra odiar (grego: emisesa, do radical miseó), neste caso significa “am ar m e n o s” ou “n u trir m enos afeição”; ela não significa “não am ar de fo rm a algum a” ou “não desejar o bem daquela pessoa.”43 Isto fica evidente, por exem plo, a partir da passagem de Gênesis 29.30,31: A expressão “am ou tam b ém a R aquel mais do que a Léia” é utilizada co m o equivalente a “Léia era odiada” (cf. tam b ém M t 10.37). Quarto, Faraó end ureceu o seu próprio coração co n tra D eus (cf. Ex 7.13,14; 8.15,19, 32) antes de Deus tê-lo endurecido (Ex 9.12). O objetivo das dez pragas sobre o Egito era convencer Faraó a se arrepender; co m o ele insistiu em não se arrepender, o seu coração foi endurecido p o r resultado das suas próprias ações. Repetidas vezes tem os visto que “o m esm o sol que derrete a cera, endurece o b arro”. O p roblem a não está na fonte, m as na receptividade do agente sobre o qual ela está agindo. Quinto, e p o r fim , os “vasos da ira ” (R m 9.22) n ão fo ra m destinados à d estruição c o n tra a sua vontad e. Na verdade, eles assim se to rn a ra m p o r te re m rejeitad o a D eus, m esm o tend o Ele os su p ortad o “co m m u ita p aciên cia,” aguardando o seu arrep en d im en to (2 Pe 3.9).
Objeção Número Quatro — Baseada na Idéia de que a Onibenevolência Leva, necessariamente, ao Universalismo Se D eus am a todas as pessoas e, p o rtan to , deseja que todas se salvem , então, por que todos não se salvam? Se Ele é onipoten te, e u m ser Todo-poderoso Ele, supostam ente, 42 C f. R m 5.6; 2 C o 5.14,19; 1 T m 2.6; H b 2.9; 1 Jo 2.2.
43 C f. Lucas 14.26, on d e Jesus diz: "S e a lg u ém v ier a m im e n ao
a b o rre c e r a seu pai, e m ã e , e filh os, e irm ã o s, e irm ã s, e ainda ta m b é m a sua p ró p ria vida, n ã o p od e ser m e u d iscíp u lo ".
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pode fazer tudo o que bem desejar. A lém disso, D eus d etém o con trole soberano de ::d a s as coisas,44 e a sua vontade não pode ser frustrada — Ele realiza tudo o que e a ;u e se propõe realizar (Is 55.11). Se Deus pode realizar tudo o que deseja fazer, e se o seu aesejo é salvar a todos, parece lógico que todos haverão de se salvar (U niversalism o). R e s p o s ta à O b je ç ã o N ú m e r o Q u a tr o C om o já observam os, a vontade final de Deus sem pre será cum prida, mas a sua vontade imediata não. Isto ocorre porque deseja algum as coisas de fo rm a condicional e outras não. A salvação é desejada sob a condição de lha aceitarm os (Jo 1.12; 3.16). N em a onipotência, tam p ouco a onibenevolência está em questão (2 Pe 3.9; cf. M t 23.37). A lém disso, não é verdade que u m Ser Todo-poderoso pode fazer absolutam ente tudo. C o m o tam bém já foi visto: Ele não pode fazer o que é contrad itório (cf. Hb 6.18; 2 T m 2.13). Portanto, apesar de Deus ser Todo-poderoso (o n ip o ten te) Ele precisa exercer o seu poder de acordo com o seu am or (onibenevolência). O seu am or não pode (e, p o rtan to , não irá) forçar alguém a am á-lo. O b je ç ã o N ú m e r o C in c o — B a sea d a n o S u p o s to F a to d e D e u s T e r u m P o d e r n ã o U tiliz a d o Os ultracalvinistas argu m entam que Deus não é obrigado a exercer o seu am or para com todas as pessoas sim plesm ente por ser Todo-am oroso, da m esm a fo rm a que não precisa exercer todo o seu poder diante de todos sim plesm ente por ser onipotente. D ito de form a sim ples, deste ponto de vista, Deus pode ter mais am or do que Ele dem onstra, tal qual Ele certam en te possui mais poder do que dem onstra. R e s p o s ta à O b je ç ã o N ú m e r o C in c o P rim eiram ente, o am or é um atributo moral de Deus, ao passo que o poder é um atributo não-moral-, confund ir as duas coisas representa u m erro de categorização.45 Os atributos m orais obrigam Deus a agir de certa m aneira porque são atributos m orais; com os atributos isto não ocorre porque eles, ju stam en te, não são m orais.46 Por exem plo, o fato de D eus ter o poder de criar mais m undos não significa que Ele precise fazer isto. A lém disso, é inconsistente argum entar (co m o faz os ultracalvinistas) que Deus precisa sem pre agir de fo rm a ju sta em virtude de Ele ser T od o-ju stiça, enquanto, ao m esm o tem po, sustentam os que Ele n em sem pre precisa agir de fo rm a am orosa em virtude de Ele ser T od o-am oroso.47 Se a onibenevolência de Deus não Lhe levasse a am ar todas as pessoas, então, de igual m odo, a sua ju stiça não lhe obrigaria a condenar todos os pecadores — mas é isto o que acontecesse, tal qual o seu am or o obriga a am ar todos os pecadores. O b je ç ã o N ú m e r o Seis — B a sea d a N a q u ilo q u e o s P e c a d o re s M e re c e m Som os salvos pela graça de Deus, só que esta graça não é m erecida por n en h u m dos pecadores, o que significa “por nenhum de nós.” Pelo contrário, a ju stiça exige que todo pecado seja condenado. 44\ ide v o lu m e 2, c a p ítu lo 23.
45V id e a n o ta so b re erros de categorizaçao n o c a p ítu lo 6.
46V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 1, p a ra o b ter
u m a d e fin ição e u m a e x p lica çã o dos a trib u to s e c a ra cte rística s m o ra is e n ã o -m o ra is de D eu s. d o am o r, a justiça e o a m o r são a trib u to s m o ra is.
47 A o c o n trá rio d o poder e
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Resposta à Objeção Número Seis É verdade que não existe nada nos pecadores que leve D eus a nos salvar. Pelo contrário, com o foi corretam en te argum entado, a ju stiça precisa nos cond enar em nossa pecam inosidade. Todavia, tam bém é verdade que existe algo em Deus que o leve a nos salvar: o seu am or. C o m o Deus é, essencialm ente, onibenevolente, Ele precisa tentar salvar as suas criaturas decaídas. P ortanto, D eus não precisa dem onstrar o seu am or porque o merecemos (n a verdade não m erecem os!), mas porque a sua natureza assim o exige. O am or não é um atributo arbitrário de Deus, mas está alicerçado na sua natu reza necessária. P ortanto, se Ele é T od o-am oroso, ele precisa, necessariam ente, am ar a todos.
Objeção Número Sete — A Partir de uma Perspectiva Monergista O argu m ento central con tra o Sinergism o salvífico im plícito no debate acim a é que ele, supostam ente, to rn a os seres hum anos responsáveis pela sua própria vida eterna. Assim com preendido, o Sinergism o parece sugerir um a fo rm a de obra hu m an a na salvação, retirando a glória que cabe som ente a Deus e tornan d o a salvação dependente (e m parte) da ação dos seres hum anos.
Resposta à Objeção Número Sete Esta crítica desconsidera vários fatores im portantes. Primeiro, na salvação sinérgica a origem e a iniciativa da justificação cabem som ente a D eus. Os seres hum anos sim plesm ente respondem no sentido de receber o dom que Ele oferece. Segundo, a fé não é u m a fo rm a de obra; m as sim u m reco n h ecim en to de que, com o pecadores, som os to talm en te incapazes de nos salvar a nós m esm os e precisam os contar com a graça de Deus para o nosso resgate eterno. C o m o in form a o A p óstolo Paulo, existe u m a grande diferença entre merecer algo que foi conquistado e receber u m presente não m erecido (R m 4.4,5). Tentar dar o crédito da salvação àquele que a recebe e não Aquele que a oferece. Terceiro, e por fim , o m onergista confunde u m a ação (fé) co m um a obra. Todas as obras são ações, mas n em todas as ações são obras. 0 ato de f é , pelo qual recon h ecem os que nada podem os fazer para m erecer a nossa salvação, não é uma obra. C o m o já vim os an teriorm ente, Paulo afirm a de fo rm a veem ente: Ora, àquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. Mas, àquele que não pratica, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça. (Rm 4.4,5)
Objeção Número Oito — A Partir de um Ponto de Vista altamente Determinista Os panteístas e outros determ inistas questionam que se D eus é u m Ser necessário, não é necessário, un icam en te co m base n a sua necessidade, que Ele queira salvar? Não, não é. A ún ica necessidade aplicável a u m Ser necessário é a de ele ser o que Ele é. P ortanto, Deus não pode ser ou tra coisa além de Deus, e n e n h u m ser, n e m algo que seja contingente pode im por qualquer tipo de necessidade sobre Ele.48 C o m o, então, D eus pode ser, sim ultaneam ente, livre e necessário ? C o m o Ele pode ser u m Ser Necessário e p erm an ecer livre para criar e salvar? 48Vide volum e 2, capítulo 3.
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R e sp o sta à O b je ç ã o N ú m e ro O ito Pela sua própria natu reza, com o u m Ser pessoal, é necessário que D eus seja livre no cue tange à sua m oralidade. Ou seja, é de necessidade que, com o u m Ser m oral, Deus seja u m Ser livre. Dessa form a, a vontade de criar e salvar seres livres é um a decisão m o ral livre de u m Ser m o ral livre (D eus). C o m o já verificam os, o ser livre faz parte da rró p ria natu reza de Deus e; desse m odo, Deus é tanto u m Ser necessário quanto livre — é necessário que Ele seja livre. O b je ç ã o N ú m e r o N ov e — A P a rtir de u m a P e rs p e c tiv a N e o te fs ta
Aqueles que são denom inados de “teístas abertos” sugerem que, se Deus originou e d eterm inou (por livre-decisão) aqueles que seriam salvos, desde a eternidade, então, não podem os ser livres. O seu argu m ento pode ser exposto da seguinte form a: (1) (2) (3) (4)
Tudo o que D eus co n h ece infalivelm ente precisa acontecer. Tudo o que precisa acontecer não pode oco rrer de fo rm a adversa. O que é livrem ente decidido poderia ter tido ou tro desfecho. P ortanto, se D eus pré-ord en ou aqueles que seriam salvos, então n e n h u m de nós teve, de fato, liberdade de decisão neste assunto e, conseqüen tem ente, ninguém pode ser livre.
Os neoteístas tam bém argu m entam que se D eus con h ece o fu tu ro de fo rm a infalível, o fu tu ro, então, precisa o co rrer da form a co m o Ele conh ece, caso contrário, Ele poderia estar enganado a respeito do que sabe com antecedência. Se o fu tu ro precisa o co rrer de acordo co m este con h ecim en to, então Deus não é livre para m odificá-lo. Logo, um Deus que co n h ece o fu tu ro de fo rm a infalível não é, de fato, livre (n o sentido de que Ele poderia ter tom ad o o u tra decisão acerca do fu tu ro). O argum ento tam bém pode ser colocad o nos seguintes term os: Se Deus sabia desde a eternidade o que ocorreria n o fu tu ro, então o co n h ecim en to que Deus tem acerca destas coisas é parte do passado e está, neste m o m en to , fixo; sendo impossível a sua m odificação. E, Como Deus é infalível, é completamente impossível que as coisas ocorram de maneira diversa daquela que Ele espera que elas ocorram. [Mas] se Deus sabe que uma pessoa irá realizar [uma certa ação], então é impossível que aquela pessoa deixe de realizar [aquela determinada ação], portanto é impossível que a pessoa deixe de realizá-la — dessa forma, não temos liberdade de decisão na hora de realizar as nossas ações. (Pinnock, OG, 147) R e sp o s ta à O b je ç ã o N ú m e ro N ov e Em resposta, várias coisas poderiam ser observadas. Por um lado, Deus poderia ser livre n o sentido não-libertário de fazer o que bem entendesse.49 C o m o já m encionam os an teriorm ente, esta visão está aberta aos calvinistas firm es n a tradição de Jo nathan Edwards. 49 V id e c a p ítu lo 8, sob o títu lo "A N a tu re z a do Livre A rb ítrio D iv in o ", p ara u m a exp lica çã o a ce rca da liberdade a u to d e te rm in a d a versus a lib ertá ria .
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Todavia, para os calvinistas m oderados e para os arm inianos, existe ainda u m a o u tra alternativa. D eus poderia ser livre para criar em u m sentido libertário (de ter o poder da decisão contrária, isto é, a liberdade de fazer algo diferente), ou até m esm o no sentido mais am plo de ter o poder da escolha autodeterm inada; de qualquer m aneira, Ele poderia, ainda assim, con h ecer o fu tu ro com certeza (im plicando que o fu tu ro é determ inad o). C o m o observou A nselm o, existe u m a diferença en tre necessidade antecedente e necessidade conseqüente.50 Se Deus desejasse que o fu tu ro ocorresse de certa m aneira, então, por necessidade conseqüente, ele precisaria ser daquela m aneira. Mas Deus tam b ém estava livre para não desejar que assim o fosse; sendo assim, Ele teve a liberdade antecedente com respeito à fo rm a co m o o fu tu ro ocorreria. Deus poderia ter escolhido criar u m m undo diferente, contud o quando Ele decide fazer certo m undo, a sua onisciência já sabe com o tudo oco rrerá p o r m eio da necessidade conseqüente. Por ser u m Ser sim ples, tan to a vontade, quanto o co n h ecim en to de Deus são coordenados. Ele co n h ece o que deseja, e deseja o que con h ece. Na verdade, Ele con h ece etern am en te o que deseja etern am en te, e deseja etern am en te o que conh ece etern am en te. U m a coisa não vem depois da outra, seja de fo rm a cronológica (já que Ele não é u m Ser tem p o ral), seja de fo rm a lógica (já que Ele co n h ece de fo rm a intuitiva, e não seqüencial). A lém disso, o argu m ento de que parte o Teísm o A berto, considera erron eam ente que Deus co n h ece da m esm a fo rm a que nós con h ecem o s e tam bém deseja da form a que desejam os — que Deus tem u m co n h ecim en to prévio do que farem os e, dessa fo rm a, reagirá de acordo com este con h ecim en to. Esta percepção é incorreta. U m Ser etern o, na verdade, não con h ece nada antecipadamente com o sendo fu tu ro; Ele conh ece tu do co m o o presente eterno .51 Dessa form a, as decisões de Deus não são determ inadas antes dele to m ar ciência das nossas escolhas livres. Na verdade, D eus con h ecia as nossas escolhas tem porais desde a eternidade, não porque as anteviu fora de Si m esm o, mas p or vê-las dentro de Si m esm o, da m esm a fo rm a que o efeito pré-existe n a Causa. As nossas decisões livres, p o rtan to , n ão são determ inadas “previam en te”; Deus, n a verdade, não prevê o que oco rrerá — Ele sim plesm ente vê, den tro da infinitu d e da sua própria natu reza, tu do o que procederá dela e dela participará. Deus, da sua perspectiva eterna, vê em si m esm o o curso to tal do tem po. Deus éproativo, não reativo, naquilo que deseja, de acordo co m aquilo que conh ece. Dessa form a, n e n h u m a ação livre é previam ente d eterm inada de tal fo rm a que não pudesse ter ocorrido de o u tra m aneira. Se tivéssemos decido de o u tra form a, D eus teria conh ecid o a nossa decisão desde a eternidade. C o m o resultado disso, o ser h u m an o pode ser livre no sentido libertário (o de ter a capacidade de m udar o curso das coisas — optar pelo con trário), e Deus pode co n h ecer etern am en te tudo isto sem violar a nossa liberdade.
CONCLUSÃO A salvação tem a sua origem em Deus, tendo sua base em u m ato incondicional do seu infinito am or e favor im erecid o (graça). Todavia, co m o já foi apresentado, m esm o que D eus não coloq u e ne n h u m tipo de condição para conceder a salvação, existe u m a condição para a receberm os: a fé. D eus soberanam ente desejou que assim o fosse. A salvação é pela graça, p o rém v e m por meio da nossa fé. A fé é u m ato livre da parte daquele que recebe, pois 50Vide volum e 2, capítulo 8.
51 Vide volum e 2, capítulo 4.
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u m Deus onibenevolente, além de am ar a todos, precisa tam bém respeitar a liberdade que Ele livrem ente concedeu às suas criaturas. Para Deus, é necessário agir de acordo co m a natu reza perfeita que Lhe é peculiar, e o am or faz parte da sua própria essência.
FONTES A gostinho. On Forgiveness o f Sins and Baptism. --------. On Grace and Free Will. Calvino, João. Institutas da Religião Cristã. Canons o f D ort, The. Chafer, Lewis Sperry. Systematic Theology. Lewis, C. S. The Screwtape Letters. Pinnock. C lark H. The Openness o f God. Sproul, R. C. Chosen by God. --------. Willing to Believe.
CAPÍTULO
OITO
AS TEORIAS DA SALVAÇÃO
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odos os teólogos evangélicos concord am que C risto m o rreu “por nossos pecados” (1 Co 15.3). Da m esm a form a, todos crêem que Cristo se entregou em expiação pelos nossos pecados. Existe, no entanto, um a divergência considerável entre os teólogos acerca de com o a expiação opera. Isto, n atu ralm en te, fez surgir m uitas teorias acerca do tem a. Lima revisão destes pontos de vista ser-nos-á ú til para alcançarm os um a m elh o r com preensão da salvação nas suas dim ensões mais amplas. A S V Á R IA S T E O R IA S D A E X P IA Ç Ã O N em todas as teorias da expiação podem ser justificadas biblicam ente. A lgum as são incom patíveis com outras, e m uitas, m esm o apresentando u m elem ento de verdade, não representam explicações adequadas a respeito da form a com o a salvação se deu. Todas, en tretan to , lançam luz sobre o tem a e, de certa form a, am pliam o nosso con h ecim en to deste assunto profundo e crucial. U m a breve avaliação se seguirá a cada u m a das teorias, p o rém um a abordagem mais abrangente, biblicam ente embasada, e teologicam ente satisfatória som ente será feia no capítulo 9. No geral, os diferentes pontos de vista serão analisados na ordem cronológica em que surgiram na história. A T e o r ia da R e c a p itu la ç ã o Ireneu (c. 125-c. 202) foi o prim eiro Pai eclesiástico a propor a teoria da recapitulação.1Ele defendeu: O Cristo totalmente divino se tornou totalmente humano, a fim de reunir sobre si toda a humanidade, f) que foi perdido por causa da desobediência do primeiro Adão toi restaurado por intermédio da obediência do segundo Adão. [Ou seja,] Cristo passou por todos os estágios do viver humano, resistiu a todas as tentações, morreu e ressurgiu vitorioso sobre a morte e o Diabo. [Dessa forma,] os benefícios da vitória de Cristo estão disponíveis por intermédio da nossa participação nele. (Elwell, BDT, 569) ■ D e aco rd o c o m o d icio n ário M erriam-W ebster IJnakndatd Dictionary, a Exp iação é “o p ro cesso p e lo qual, de a co rd o co m Ire n e u , o Logos [Jesus] passou p o r todas as fases da e x p eriên cia h u m a n a e, dessa fo rm a , ta n to re v e rte u o m a l cau sad o pelo p ecad o , q u an to c o n q u isto u a salvação c o m p le ta p a ra os h o m e n s .”
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O principal texto utilizado para em basar esta posição se en con tra em R om an os 5.1821, onde Paulo declara: Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos. Nas palavras de Ireneu: [Deus] fez com que a natureza humana se unisse e se tornasse uma só com Deus. Pois se o homem não sobrepujasse o inimigo do homem, este inimigo não teria sido legitimamente conquistado [...] Se o homem não tivesse se juntado a Deus, ele jamais poderia ter se tornado participante da incorruptibilidade [...] por isso também Ele [Cristo] teve que passar por todos os estágios da vida, restaurando todos à comunhão com Deus. [Pois] da mesma forma que pela desobediência de um homem [Adão], que foi originalmente moldado a partir do barro virgem, a multidão foi feita pecadora, e perdeu a vida; também foi necessário que, pela obediência de um homem [Jesus], que foi originalmente formado a partir de uma virgem, muitos fossem j ustificados e recebessem a salvação. [Dessa forma] Deus recapitulou em si mesmo a antiga formação do homem, para que Ele pudesse matar o pecado, destituir a morte do seu poder, e vivificar o homem. (AH, 18.7)
A Teoria da Redenção D iferentes form as da teoria da redenção fo ram largam ente defendidas p o r vários Pais da Igreja, com eçand o por Orígenes (c. 185-c. 254), o qual propôs que a m o rte de C risto foi o p reço pago a Satanás para a com p ra e para a libertação dos seres hu m anos, que estavam cativos no pecado. A passagem bíblica utilizada com o em basam ento é M arcos 10.45, na qual Jesus declara: “Porque o Filho do H om em tam bém não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de m u ito s.” De m aneira sem elhante, Paulo nos fez lem brar: “Porque fostes com prados por bom p re ço ” (1 C o 6.20). Orígenes escreveu: Agora, era o Diabo que nos prendia, pois para o lado dele havíamos sido levados pelos nossos pecados. E ele, portanto, pediu, o sangue de Cristo como o pagamento pelo nosso resgate (CR, 2.13). E claro que Satanás não ficou n o lu cro p o r m u ito tem po, pois, depois de exigir do Pai o sangue de Cristo, o seu próprio destino foi selado pela m o rte e ressurreição vitoriosa do Filho. De acordo com a teoria da redenção, Satanás libertou a hum anidade (em função do pagam ento recebido do Pai, n a fo rm a do sangue do seu Filho), para, a seguir, descobrir que não poderia reter Cristo (que ressuscitou e, dessa form a, d errotou a m o rte). G regório de Nissa (c. 335-c. 395) explicou o plano de redenção desta m aneira: A Divindade [de Cristo] estava escondida debaixo do véu da nossa natureza, de forma que, tal qual ocorre com um peixe voraz, o anzol da divindade podia ser engolido junto com a isca da carne. (C, 22)
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C om o esta idéia parecia, para m u itos cristãos, sugerir um a ação leviana da parte de T eu s, G regório expandiu a teoria n u m a tentativa de d em onstrar com o ela sustentava i justiça de Deus. Ele argu m en tou que o nosso aprisionam ento a Satanás oco rreu de acordo com a nossa própria vontade, assim, seria in ju sto utilizar algum tipo de m étod o questionável para roubar de Satanás os seus cativos (ibid.). Portan to, um pagam ento a Satanás precisava ser feito. Em bora a transação com p leta ten h a parecido ser um a grande farsa, G regório argu m entou que Satanás recebeu aquilo que lhe era devido e que : m otivo de Deus (o seu am or pelos seres hu m an os) era puro. G regório argum entou: Com relação ao objetivo e propósito do que ocorreu, uma mudança em direção ao mais nobre está envolvida [...] o inimigo [Satanás] efetuou a sua fraude para a ruína da nossa natureza [...] Aquele que é, ao mesmo tempo, justo, bom e sábio [Deus], fez uso dos seus recursos, dentre os quais estava a fraude, para a salvação daquele que havia perecido [humanidade], e, destaforma, não trouxe somente benefícios àquele que se haviaperdido, mas também àquele perpetrou a ruína sobre nós. (ibid., 24) A gostinho (354-430), ou tro aderente da teoria da redenção, explicou de fo rm a diferente a tática de Deus ao derrotar Satanás. Apesar dele tam bém ter considerado a cruz com o u m a isca ou u m a arm adilha, ele sustentava que a fraude não é algo que Deus fez, mas sim um a “peça” que Satanás pregou sobre si m esm o — Deus sim plesm ente perm itiu que a autofraude de Satanás servisse ao propósito da nossa salvação (OT, 13.12). Satanás foi vítim a do seu próprio orgulho — a m anch a fatal que ele teve desde o princípio (1 T m 3.6). Depois de A n selm o,2 a teoria da redenção entrou em declínio, mas foi posteriorm ente revivida por G u staf Aulen (1879-1978) com um a nova ênfase — o triun fo de Deus í CV, 26-27). Esta visão é, às vezes, cham ada de teoria da vitória ou teoria do ndram a acerca da expiação, e sustenta que o ponto central da cruz é o triun fo de Deus sobre Satanás. De icord o com Aulen: Acrescente-se, como conclusão, que se a idéia clássica da expiação novamente assume um lugar central na Teologia cristã, não é provável que ela remonte precisamente às mesmas formas de expressão que apresentava no passado; o seu reavivamento não consistirá em um atraso no relógio. E a própria idéia que será essencialmente a mesma: a idéia fundamental de que a expiação é, acima de tudo, um movimento de Deus em direção ao homem, e não, em primeiro lugar, um movimento do homem em direção a Deus. Ouviremos, novamente, os seus tremendos paradoxos: de que Deus, o Senhor de tudo, o Infinito, aceita, contudo, a humilhação da encarnação; ouviremos, novamente, a velha mensagem realista do conflito de Deus com as forças hostis e obscuras do mal, a sua vitória sobre elas pelo auto-sacrifício Divino; acima de tudo, ouviremos novamente a notado triunfo. Da minha parte, estou persuadido que nenhuma forma de ensino cristão terá qualquer futuro diante disto se, de alguma forma, não puder se manter firme diante da realidade do mal neste mundo, e sair para o enfrentamento do mal com um hino de triunfo na batalha. Portanto, acredito que a idéia clássica da expiação e do Cristianismo está de volta — ou seja, a fé cristã genuína e autêntica, (ibid., 158-59)
~\ide abaixo, sob o título “A Teoria da Satisfação Necessária.”
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Ao contrário de outras teorias da expiação, neste caso, a obra de Cristo na cruz não foi direcionada a D eus ou aos seres hu m anos, m as sim à vitória sobre o D iabo: “A expiação é u m a vitória divina que subjuga os poderes destrutivos do in ferno e da m o rte, tornand o o am or reconciliador de D eus visível e disponível.” (Elw ell, B D T , 107).
A Teoria do Exemplo Moral No quarto século, Pelágio (c. 354-c. 420 d.C.) apresentou u m a visão da expiação cham ada de teoria do exemplo moral. D e acordo com esta perspectiva, a m o rte de Cristo nos proporcionava u m exem plo de fé e obediência que inspiraria os ou tros a tam bém obedecerem a Deus. A exortação de 1 Pedro 2.21 é, n o rm alm en te, utilizada para apoiar esta concepção: “Porque para isto sois cham ados, pois tam bém Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exem plo, para que sigais as suas pisadas.” O trad u to r Theod ore De B ru y n declara no Pelagiuss Commentary on St. PauVs Epistle to the Romans:3
Adão e Cristo não são, contudo, equivalentes como se fossem antetipo e tipo. Pelágio, na esteira de Paulo, observa que Cristo deu início a algo imediatamente maior do que Adão. Enquanto Adão somente levou a si e aos seus descendentes à morte, Cristo liberta não somente aqueles que viveram depois dele, mas também aqueles que nasceram antes dele e que estavam vivos durante o seu período de vida (Rm 5.5). Além disso, enquanto Adão destruiu a justiça pelo seu exemplo de pecado, Cristo não somente nos proporcionou um exemplo de justiça, como também tem o poder de perdoar os nossos pecados passados. [Rm 5.16] (ibid., 41) De B ru y n prossegue: Os primeiros versículos de Romanos 8 expandem o que foi anunciado no último versículo do capítulo 7, para nos mostrar como Cristo nos liberta dos pecados e nos capacita a sermos justos — nada disso a lei teve capacidade de fazer (Rm 8.1-4). Pela sua morte Cristo torna possível que os pecados da “pessoa carnal” sejam perdoados, e pela sua vida Cristo nos proporciona um exemplo da forma pela qual o pecado pode ser vencido (Rm 8.3). Como resultado ficamos sob a expectativa de nos abstermos de pecar e a iniciar um processo de crescimento em santificação [...] nos dons do Espírito, (ibid., 44) Fausto Socínio (1539-1604) perpetuou esta visão, que foi, p o steriorm ente, adotada pelos unitaristas. Os seus seguidores (os socinianos) m inim izaram o papel de Cristo co m o Sacerdote a fim de favorecer os seus outros dois m inistérios: o de Profeta e Rei. Eles enfatizavam o seu belo e perfeito exem plo m o ral do am or total de Deus por nós, o qual nos serve de inspiração para viverm os u m a vida em h o n ra a C risto (R m 5.8). Os socinianos tam bém apelavam principalm ente para 1 Pedro 2.21 e, con form e citado pela obra Chrístían Theology [Teologia Cristã] de M illard Erickson:
3 C o m e n tá rio de Pelágio à E p ísto la de S ã o P au lo aos R o m a n o s.
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Outras passagens parecem incluir 1 João 2.6: “Aquele que diz que está nele [em Cristo] também deve andar como ele [Cristo] andou”. Todavia é somente em 1 Pedro 2.21 que descobrimos uma conexão explícita feita entre o exemplo de Cristo e a sua morte. (Socínio, CRBI, 1.667, conforme citação feita por Eríckson, CT, 784)
A Teoria da Satisfação Necessária Nos anos finais da Idade Média, surge ou tra visão acerca da expiação no fam oso escrito de A nselm o (1033-1109), cham ado C u r Deus H om o ( “Por que Deus se fez hom em ?”). Esta posição é cham ada de teoria da satisfação necessária, em função de sua afirm ação de que era necessário que a ju stiça de Deus — que havia sido ofendida — fosse satisfeita por interm édio de u m castigo que som ente C risto poderia pagar. C om o o D eu s-h o m em , a sua m o rte teve u m valor in fin ito e, p o rtan to , pôde restaurar a h on ra devida a u m Deus infinitam ente santo. C om o D eus não pode sim plesm ente rem ir4 os pecados sem que um a reparação seja, necessariamente, feita — esta visão é, às vezes, cham ada de teoria comercial da expiação. A nselm o, ao contrário do que propõe a teoria da redenção de Orígenes, defendia que o pagam ento deveria ser feito a Deus, e não a Satanás, pois o Pai foi a parte ofendida pelo pecado e, p o rtan to , era Ele quem deveria ser com pensado. Os com entários de A nselm o surgiam de fo rm a n atu ral sob vários desdobram entos, quais sejam : O Pecado nos Coloca em Dívida Diante de Deus Qual é a dívida que temos diante de Deus? Todos os desejos de uma criatura racional devem estar sujeitos à vontade de Deus. Nada é mais garantido. Esta é a dívida que tanto os homens, quanto os anjos têm diante de Deus, e ninguém que paga esta dívida comete pecado; mas todos os que não a pagam pecam por isso. Esta é a justiça e a retidão dos desejos, as quais tornam um ser justo e reto no coração, ou seja, na sua vontade. Esta é a dívida de honra única e total que temos diante de Deus. E a única coisa que Ele requer de nós [...] Aquele que não presta esta honra devida a Deus, rouba Deus naquilo que o pertence e o desonra e, portanto, incorre em pecado. ( CDH, I.XI) Na ordem das coisas, a última coisa a ser suportada é a criatura tomar a honra devida ao Criador, e não restaurar o que Lhe foi tomado, (ibid., I.XIII) Consegues imaginar um homem que jamais prestou a devida satisfação a Deus pelo seu pecado, mas somente sofreu para ficar impune, possa se tornar semelhante a um anjo que jamais pecou? (ibid., I.XIX) Deus E Justo e, por isso, não Pode Ignorar o Pecado Volto a dizer, se não há nada maior nem melhor que Deus, não há nada mais justo que a justiça suprema, a qual reafirma a honra de Deus na preparação das coisas, e que nada mais é do que o próprio Deus. (ibid., I.XIII) Portanto, Deus nada afirma com maior justiça do que a honra da sua própria dignidade. Será que te parece que Ele estaria a preservando caso se deixasse defraudar ao ponto de nem receber satisfação, tampouco punir o seu defraudador? (ibid.) 4 Remir é “p e rd o a r,” “c a n c e la r,” o u “d eixar de la d o .”
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Nem mesmo Deus é capaz de trazer à felicidade qualquer um dos seres em função da dívida do pecado, porque não Lhe cabe fazer isto. (ibid., I.XXI) N ão Somos Capazes de Pagar a nossa Dívida de Pecado
Ouve a voz da firme justiça; e julga de acordo com ela se o homem presta a Deus uma satisfação real pelo seu pecado, se não for pela derrota do Diabo, o homem não poderá restaurar a Deus o que ele tomou de Deus ao deixar-se vencer pelo Diabo; de forma que esta vitória sobre o homem, o Diabo roubou aquilo que a Deus pertencia, e Deus foi o perdedor; portanto, na vitória do homem, o Diabo é, então, despojado, e Deus recupera os seus direitos. E certo que nada pode ser concebido de forma mais exata ou justa. Tu pensas que a suprema justiça poderia violar esta justiça? Eu nem ousaria pensar dessa forma, (ibid., I.XXIII) Quando tu entregas a Deus qualquer coisa que Lhe pertença, independentemente do teu pecado passado, não devias considerá-la como a dívida que tens com Ele por causa do teu pecado [...] Mas o que entregas a Deus pela tua obediência, que já não lhe seja devido, já que Ele exige de ti tudo o que és, tudo o que tens e tudo o que podes te tornar? (ibid., I.XX) Se na justiça eu devo a Deus a mim mesmo e todas as minhas forças, mesmo quando não peco, nada mais tenho para lhe entregar pelo meu pecado (ibid.). Portanto tu não prestas satisfação nenhuma se não restaurares algo maior do que o valor desta obrigação, o que deverá lhe impedir de cometer pecado, (ibid., I.XXI) Além do mais, enquanto ele [o homem] não restaurar o que foi roubado, ele permanece em débito; e não será suficiente simplesmente restaurar o que foi roubado, mas, considerando-se a transgressão cometida, ele deverá restaurar além daquilo que foi roubado. Pois, tal qual se dá com alguém que ameaça a segurança de outra pessoa, sem fazer nenhuma compensação pela dor causada, também àquele que viola a honra de outrem não basta simplesmente devolver-lhe a honra, mas' deverá ele, de alguma maneira, fazer uma restituição que seja satisfatória à pessoa que sofreu a desonra, (ibid., IX) Deus não Pode Perdoar sem o Pagamento da Dívida
Voltemos a considerar se é correto Deus desconsiderar os pecados simplesmente por compaixão, sem qualquer tipo de pagamento pela honra que lhe foi tomada [...] Remir o pecado desta maneira nada mais é do que não-punição; e como não é certo se cancelar sem alguma forma de compensação ou punição; não havendo a punição, a dívida permanecerá não saldada. [E] não é próprio de Deus deixar que qualquer coisa passe despercebida no seu reino [...] Existe, também, outra conseqüência, caso o pecado seja punido, isto é, o fato de que, para Deus, não haveria diferença entre o culpado e o inocente; e isto seria impróprio para Deus. (ibid., I.XII) De fato, este tipo de compaixão da parte de Deus seria completamente contrário à justiça divina, que não admite nada além da punição como pagamento pelo pecado.
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Portanto, como Deus não pode ser inconsistente consigo mesmo, a sua compaixao não pode ser desta natureza, (ibid., I.XXIV) Portanto, ou a honra roubada deve ser restituída, ou o castigo deve ser aplicado; do contrário, ou Deus não será justo consigo mesmo, ou Ele será fraco no que diz respeito às duas partes; e a simples consideração desta possibilidade já seria uma impiedade, (ibid.) A satisfação ou o castigo precisam acompanhar todo pecado, (ibid., I.XV) Se não for apropriado a Deus elevar o homem a Si enquanto este tiver algum tipo de mácula, da qual ele já havia lhe livrado, sem deixar a impressão de que Ele se arrependeu das suas boas intenções, ou que foi incapaz de realizar os seus desígnios; não seria preciso uma inadequação muito maior, para fazer com que qualquer ser humano seja exaltado ao estado para o qual foi criado, (ibid., I.XXV) A Divida Somente Pode Ser Paga pelo Deus-Homem Como, então, o homem se salvará, se ele, nem paga o que deve, nem pode ser salvo sem pagar a sua dívida? Ou, de que maneira poderíamos declarar que Deus, cuja misericórdia está acima de tudo aquilo que se possa imaginar, é incapaz de exercer esta compaixão? (ibid., I.XXIV) Dessa form a, A restauração da humanidade não deveria ocorrer, nem poderia ocorrer, sem que o homem pagasse a dívida que tinha diante de Deus pelo seu pecado. E esta dívida era tão grande que, apesar dela ter que ser unicamente saldada pelo homem, unicamente Deus poderia fazê-lo; de forma que aquele que haveria de quitá-la precisaria ser, ao mesmo tempo, Deus e homem. E, assim, surgiu a necessidade de que Deus assumisse o homem em unidade com a sua própria pessoa; para que aquele que, pela sua própria natureza, deveria pagar a dívida, mas não conseguia fazê-lo, pudesse fazê-lo na pessoa de Deus [...] Além disso, [...] a vida daquele homem [era] tão excelente e tão gloriosa que proporcionava uma total satisfação pelos pecados do mundo inteiro, e infinitamente mais. (ibid., I.XVIII.a) Homem algum, salvo este [Cristo] entregou a Deus aquilo que não era obrigado a perder, ou pagou uma dívida que não lhe dizia respeito. Mas, ofereceu [-se] livremente ao Pai aquilo que não precisava perder, e pagou pelos pecadores aquilo que Ele mesmo não devia, (ibid., IXVIII.B) C onseqüentem ente: Está suficientemente provado que o homem pode ser salvo por Cristo [...] Pois Se Cristo, ou outra pessoa não fizer isto, ou nada mais poderá ser feito. Se, portanto, não for verdade que o homem não consegue se salvar, ou que ele possa se salvar de alguma outra forma, a sua salvação precisa ser, necessariamente, por meio de Cristo, (ibid., II.XXV)
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A lém disso: Como Deus nada devia ao Diabo, salvo o seu castigo devido, o homem somente pode proporcionar uma reparação por meio da vitória sobre o Diabo, visto ter ele sido conquistado pelo Diabo anteriormente. Entretanto, tudo o que foi exigido do homem, tratava-se de dívida com Deus e não com o Diabo.
A Teoria da Influência Moral Pedro Abelardo (1079-1141) recebe os créditos pela criação da teoria da influência moral, a qual defende que o efeito principal da m o rte de Cristo não se tratou de u m exem plo m o ral (co m o p ro p u n ha Pelágio), m as era u m a demonstração do grande amor de Deus por nós. Abelardo desenvolveu esta teoria em reação à insistência de A nselm o (n a sua teoria da satisfação necessária) de que algum tipo de pagam ento era exigido por D eus (C E R 3.26; 5.5, con form e citação feita por Erickson, C T , 785). Esta teoria não foi am plam ente aceita enquanto H orace B u sh n ell (1802-1876) e Hastings Rashdall (1858-1924) n ão a abraçaram , no final do século X IX e início do século X X , quando ela se to rn o u o coração da visão liberal acerca da expiação.5 Na visão da influência m oral, D eus é percebido co m o sendo essencialm ente am or, e os seus aspectos de ju stiça e santidade são p raticam ente excluídos. A dificuldade básica do pecado, de acordo com os proponentes, não está na necessidade que Deus tem em castigar o m al ou n a sua necessidade de ser aplacado, mas em nós, à m edida que tem os u m a doença espiritual da qual precisam os ser sarados. Assim: O sacrifício [de Cristo], tomado como um fato no tempo, não estava diante dele com um fim, ou um objeto do seu ministério — isto faria dele um mero espetáculo de sofrimento, sem qualquer dignidade, ou caráter racional — mas, ao chegar a sua hora, ele foi simplesmente a má sorte que uma obra assim, perseguida com tanta devoção, deveria enfrentar no seu caminho. (Rashdall, IACT, 26)
A Teoria da Satisfação Opcional Tom ás de A quino (1225-1274) apresentou a teoria da satisfação opcional da expiação, a qual abria espaço, porém não exigia a satisfação de Deus p o r parte do pecador.6 Tom ás de A quino apresentou três im portantes alegações na questão de C risto ser a satisfação pelos nossos pecados: (1) A paixão de Cristo fez com que Deus ficasse satisfeito co m relação aos nossos pecados. (2) D eus poderia ter nos perdoado sem a m o rte de Cristo. (3) Porém não havia u m a m aneira m elh or, ou mais adequada de satisfazer a Deus do que por m eio da m o rte do Filho. Primeiro, com relação à pergunta: “Será que a paixão de Cristo, por intermédio da satisfação,
foi a causa da nossa salvação”? Tomás de Aquino responde com um “sim” (ST, 3a.48.2): 5 B u sh n e ll, The Vicarious Sacrifice, Grounded in Principies o f Universal Obligation [O S a c rifíc io V icá rio , F u n d a m e n ta d o e m Princípios de O b rig ação U niversal] (N ew Y ork: S crib n e r, 1886) e R a sh d a ll, The Idea o f Atonement in Christian Theology (L o n d o n : M a c m illa n , 1920).
6 V ide S tu m p , “A A A ” in M o rris, PCF.
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Um homem expia, efetivamente, uma ofensa quando oferece à parte ofendida algo que ele aceite como equivalente ou superior à ofensa causada. Cristo, ao sofrer em espírito de amor e obediência, ofereceu a Deus mais do que era exigido como resgate por todos os pecados da humanidade [...] a paixão de Cristo, portanto, não foi somente suficiente, mas superabundante diante dos pecados da humanidade; como declarou João: “Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, como também pelos pecados do mundo inteiro” (ibid.). Segundo, com relação à possibilidade de Deus ter nos perdoado m esm o sem a m o rte de Jesus: “Falando de fo rm a sim ples e absoluta, D eus poderia ter libertado o h om em de ou tra m aneira que não pela paixão de Cristo, pois “nada é impossível a D eus” (ibid., 3a.46.2). Tom ás de A quino explicitam ente rejeitava o argu m ento de que “a ju stiça de Deus exigia que o h o m em fosse liberto do pecado pela paixão expiatória de C risto”: Até mesmo esta justiça depende da vontade divina [...] Pois se Deus tivesse desejado libertar o homem do pecado sem qualquer tipo de satisfação, Ele não estaria agindo de forma contrária à justiça [...] E Deus não tem ninguém acima dele, pois Ele mesmo é o próprio bem comum e supremo do universo inteiro. Se, portanto, ele perdoa o pecado, que é um crime à medida que o pecado é cometido contra Ele, Ele não está violando o direito de ninguém. O homem que prescinde da satisfação e perdoa uma ofensa cometida contra si mesmo age de forma misericordiosa, não injusta, (ibid., 3a.46.2.2,3) Terceiro, pelo raciocínio de Tom ás de A quino, apesar da cru z não ser im prescindível a Deus para o perdão dos pecados, não havia, en tretan to , fo rm a m elh o r ou mais adequada do que ela: Primeiramente, o homem poderia, dessa forma, entender o quanto Deus o amava, e seria despertado para amá-lo também [...] Em segundo lugar, Ele nos deu um exemplo de obediência, humildade, constância, justiça e de outras virtudes reveladas na sua paixão e que são necessárias para a nossa salvação [...] Em terceiro lugar, pela paixão, além de libertar o homem do pecado, Cristo também conquistou para ele a graça da justificação e a glória da beatitude [...] Em quinto lugar, desta maneira uma dignidade ainda maior é conferida ao homem. O homem havia sido vencido e ludibriado pelo Diabo. E foi também um homem [Jesus] que derrotou o Diabo [...] Portanto, foi melhor sermos libertos pela paixão de Cristo do que unicamente pela vontade de Deus. (ibid., 3a.46.3) De acordo co m Tom ás de A quino, D eus não é u m contador que fica som ando o total da dívida de pecado que tem os de pagar, m as sim u m Pai desejoso para nos perdoar, ao m esm o tem p o em que tam b ém quer nos transform ar, para que não optem os mais pelo m al. Dessa form a, na visão da satisfação opcional, qualquer tipo de castigo é, estritam ente, u m m eio para se atingir u m fim , sendo que o fim é a h arm onia do pecador co m Deus. Q uando peca, u m a pessoa n ão e n tra em n e n h u m tipo de débito de cu lp a n a sua conta celestial, que precisa ser quitado de algum a m an eira. Na perspectiva de Tom ás de A quino, D eus não está preocu pad o c o m o equilíbrio da nossa con ta, m as c o m a restauração do pecador. P ortan to, o ob jetivo da satisfação (inclusive da satisfação vícária) n ão é can celar a dívida que co n traím o s co m o pecado, m as restau rar o pecad or à h arm o n ia com Deus.
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Tom ás de A quino via o p roblem a não co m o sendo a ira de D eus co n tra o pecado h u m an o, mas do afastam ento do ser h u m an o da presença de Deus. Dessa form a, a expiação de Cristo prom ov eu a reconciliação co m u m D eus am oroso, e não o apaziguam ento de u m D eus irado. D e acordo co m este argu m ento, D eus não exige u m castigo pelo pecado, seja por parte da hum anidade seja por parte de Jesus, e, p o rtan to , Ele não causou sofrim ento sobre Cristo co m o fo rm a de castigar o pecado; em vez disso, Ele aceitou o sacrifício de Cristo co m o u m a fo rm a de to rn a r a satisfação destinada à restauração do pecador (Lc 19.10). C om o resultado, quando o pecador aceita este sacrifício pelos seus pecados, ele é rem ovido do pecado e vo lta à com p anhia de Deus. C onseqüentem ente, nada obrigou D eus a tratar do pecado por m eio de u m substituto vicário (Jesus), m as existe, todavia, u m m otivo apropriado para a sua opção por agir desta form a. V ejam os quais são as duas razões: (1) Q uando u m a pessoa to m a consciência da sua maldade e percebe que está separada de Deus, ela desejará desfazer aquilo que fez, e (2) ao cham ar o pecador ao arrepend im ento por interm édio da satisfação vicária, a expectativa é que ele não seja mais atraído ao m esm o pecado novam ente.
A Teoria Substitutiva As raízes da teoria da substituição jurídica ou penal da expiação são encontradas nas concepções primitivas de redenção e de satisfação opcional (vide acima), já que ambas contém elementos objetivos com indícios de que u m castigo foi pago. De igual forma, a teoria da substituição é um a expansão feita a partir da visão de Anselmo que preconiza o cum prim ento necessário da satisfação de Deus. Por outro lado, o argumento da substituição insiste que esta necessidade de satisfação não é simplesmente em função da honra perfeita de Deus que foi ofendida, mas tam bém porque a sua justiça absoluta foi violada e, portanto, era preciso fazer um a substituição pelos nossos pecados por parte do imaculado Filho de Deus. João Calvino (15091564) recebe os créditos por levantar esta concepção, a qual, posteriorm ente, passou a ocupar um a posição central e de destaque na soteriologia evangélica. Calvino levantou a seguinte pergunta: “C o m o se pode dizer que Deus, que nos protege co m a sua m isericórdia, era nosso inim igo antes de se reconciliar conosco por m eio de Cristo?” E ele m esm o respondia: “D eus era o inim igo dos h om ens até que estes foram restaurados ao seu favor pela m o rte de C risto (R m 5.10); eles foram am aldiçoados até que a sua iniqüidade foi expiada pelo sacrifício de C risto” [G1 3.10,13] (IC R , 2.16.2). Calvino acrescentou: Mas, de novo, seja dito [ao homem], conforme ensinam as Escrituras, que ele foi separado de Deus pelo pecado, e se tornou herdeiro da ira, exposto ã maldição da morte eterna. Excluído de toda esperança de salvação [...] que, então, Cristo se fez mediador, levou o castigo sobre si mesmo, e suportou aquilo que, pelo justo juízo divino, era iminente sobre todos os pecadores; pois com o seu próprio sangue expiou os pecados que os faziam detestáveis diante de Deus, por meio desta expiação satisfez e devidamente propiciou Deus-Pai, por meio desta intercessão aplacou a sua ira, e sobre esta base fundamentou a paz entre Deus e os homens, e por este laço assegurou a divina benevolência para com eles. (ibid.) Esta é u m a descrição da razão pela qual expiação substitutiva não é m eram en te adequada (co m o declarou Tom ás de A quino), mas essencial. Nas palavras de Calvino:
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Deus, que é perfeito em justiça, não pode amar a iniqüidade que observa em todos. Todos nós, portanto, temos dentro de nós algo que é digno do ódio de Deus. Dessa forma, com respeito, primeiramente, à nossa natureza corrompida; e, em segundo lugar, à nossa conduta depravada que dela deriva, todos somos ofensores diante de Deus, culpados aos olhos dele e, por natureza, filhos do inferno, (ibid., 2.16.3) Mas, em suma, a partir do momento em que Ele [Cristo] assumiu a forma de um servo, ele começou, para que fôssemos redimidos, a pagar o preço da nossa libertação [...] Ele mesmo declara que ele deu a sua vida em resgate de muitos [Mt 20.28]. (ibid., 2.16.5) Além do mais, como a maldição resultante da culpa permanece até o juízo final de Deus, um ponto principal da narrativa [de Hebreus 10.5] é a sua condenação diante de Pôncio Pilatos, governador da fudéia, na qual aprendemos que o castigo por nós merecido foi praticado sobre o Justo, (ibid.) Portanto, A nossa absolvição reside nisto — que a culpa que nos fez merecedores de punição foi transferida para a cabeça do Filho de Deus (Is 53.12). Precisamos lembrar, de forma especial, esta substituição para que não levemos uma vida inteira em instabilidade e ansiedade, como se a vingança justa, a qual o Filho de Deus transferiu para Si próprio, continuasse pendente sobre nós [..,] Portanto, para a realização da plena expiação, ele tornou a sua alma asham, isto é “uma vítima propiciatória pelo pecado” (como declara o profeta em Isaías 53.5, 10), sobre a qual a culpa e o castigo sendo, desta forma, colocados, deixam de ser imputados sobre nós. (ibid., 2.16.6, grifo acrescentado) A partir das palavras grifadas, fica claro que Calvino se referia a um a substituição jurídica pelos nossos pecados. A lém disso, ele deixou m u ito claro que a santidade absoluta de D eus exigia u m substituto desta n atu reza para aplacar a sua ira e liberar a sua m isericórdia (cf. 2 C o 5.21; R m 3.21-25). A T e o ria G o v e r n a m e n ta l Flugo G rócio (1583-1645) respondeu aos radicalism os antinom ianos que ele viu im plícitos na visão sociniana (do exem plo m o ral), que descrevia u m Deus de am or dem asiadam ente to leran te, e com pouca ênfase na ju stiça e n a santidade. C om o advogado, G rócio fo rm u lou a teoria gov ernam ental da expiação ao enfatizar a lei de D eus e fazer lem b rar aos crentes que qualquer violação dela seria u m a questão grave. X a sua santidade, D eus estabeleceu leis as quais o pecado se apresenta em oposição. Estes são os princípios básicos da visão governam ental: Deus, co m o R egente Soberano, tem o direito de p u n ir o pecado, o qual m erece, in eren tem en te, ser punido, mas não é obrigado a fazer isso. O am or é o atributo p red om inante em Deus. Ele deseja perdoar os pecados, mas quer fazer isso de fo rm a a m a n ter o seu governo m o ral (DFCSC, 20). D a m esm a fo rm a que u m cred or pode cancelar um a dívida se assim o desejar, ele precisa fazer isto n o m e lh o r interesse das partes que estão sob a sua autoridade. Assim tam bém se dá com Deus, pois ele, levando em consideração os m elh ores interesses da hum anidade, enviou Cristo para m o rre r pelos nossos pecados. A expiação foi necessária
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para proporcionar o perdão e para, sim ultaneam ente, preservar a estru tu ra m o ral do m undo. Todavia, a m o rte de Cristo não foi oferecida co m o pagamento pelo castigo m erecido pelos nossos pecados; m as que Ele foi u m substituto por este nosso castigo. O sacrifício de Cristo d em onstrou que a ju stiça de Deus exigirá que sofram os se continu arm os em pecado. Ao contrário do que postulava a teoria da satisfação necessária de A nselm o, a m o rte de Cristo, de acordo com a visão g overnam ental de G rócio, não é u m a satisfação pelo nosso pecado em função da quebra da lei de D eus — a pu nição, supostam ente, não pode ser transferida de u m a pessoa para outra. A m o rte de Cristo, p o rtan to , foi um a demonstração do ódio cçue Deus nutre pelo pecado. O pecado não é punido porque ele m erece ser punido, mas sim por causa das exigências do governo m oral. O m otivo do castigo, de acordo com a perspectiva governam ental, não é a vingança, mas a inibição de pecados futuros. G rócio acreditava que se a m o rte de Cristo fosse verdadeiram ente u m castigo pelos pecados da hum anidade, não haveria, então, possibilidade de castigos fu turos sobre nós e, conseqüentem ente, estaríam os livres para fazer tudo o que desejássem os, na certeza de que não haveria castigo sobre nós.7 Assim, de acordo com a visão governam ental, apesar de haver u m elem en to objetivo na expiação — o sofrim ento de C risto com o u m substituto aceitável diante do Soberano m o ral do universo — o principal objetivo é o seu im pacto sobre os seres hu m anos, servindo-lhes de inibidora ao pecado. Pela m o rte de Jesus, Deus foi capaz de perdoar os pecados de tal fo rm a que não haveria mais conseqüências adversas para os seres hum anos. Ela não foi u m pagam ento to tal da dívida do pecado, p o rém foi u m a satisfação suficiente aos olhos de D eus que lhe deu base para perdoar os pecadores, sem , no entanto, estim ular o pecado. G rócio ofereceu pouca base bíblica explícita para apoiar a sua teoria governam ental da expiação, apesar de Isaías 42.21 ser u m a das passagens utilizadas: “O SEN H O R se agradava dele por am or da sua justiça; engrand eceu -o pela lei e o fez glorioso.” O Salm o 2 tam bém é citado, já que se refere a Deus, com o o soberano cu ja ira é acesa diante dos ímpios: Por que se amotinam as nações, e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes juntos se mancomunam contra o SENHOR e contra o seu ungido, dizendo: Rompamos as suas ataduras e sacudamos de nós as suas cordas. Aquele que habita nos céus se rirá; o Senhor zombará deles. (SI 2.1-4)
A Teoria Mística U m a perspectiva final acerca da expiação é a teoria m ística, a qual tem sua origem no “pai do Liberalism o,” Friedrich Sch leierm ach er (1768-1834). Ele propôs que a salvação é alcançada por interm édio de u m a união m ística co m Cristo — nele, o ideal da hum anidade é p len am en te realizado. D e acordo com a teoria m ística, com o C risto era a união absoluta da divindade e da hum anidade, Deus se to rn o u h o m em para que m uitos pudessem se to rn a r Deus. C om o “D eu s-h o m en s,” os rem idos to m a m parte da n atu reza h u m an a divina, ou da vida de C risto. P ortanto, para S chleierm acher, D eus e o h om em se to rn aram m isticam ente unidos na pessoa de Jesus. 7 Logo, esta é a sua re sp o sta à visão (so c in ia n a ) do e x e m p lo m o ra l.
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Esta] apresentação da atividade redentora de Cristo [...] exibe-a como a demonstração de uma nova vida comum a Ele e a nós (original nele, em nós, nova e derivada), [e ela] é normalmente chamada por aqueles que não tiveram a experiência, de “mística.” Esta expressão é tão vaga que parece-nos melhor evitar o seu uso. Contudo, se quisermos nos manter bem próximos ao uso original [do termo] a ponto de entender que por místico se entende aquilo que pertence ao círculo das doutrinas que são partilhadas por um grupo pequeno, mas para outros são um mistério. Então, precisaremos aceitar a definição desde que reconheçamos o fato de sermos recebido neste círculo de maneira arbitrária, porque as doutrinas são somente expressões de experiências interiores, e somente todos os que têm estas experiências pertencem ipsofacto ao círculo. (Cf, 428) A atividade original do Redentor, portanto, e que somente a Ele pertence, e que precede toda a nossa atividade neste desafio, seria que, dessa forma, ele nos assume nesta comunhão da sua atividade e da sua vida. A continuação desta comunhão, assim sendo, constitui a essência do estado de graça; a nova vida corporativa é a esfera dentro da qual Cristo produz este ato; nela é revelada a atividade contínua da sua perfeição isenta de pecado, (ibid., 425) Dessa forma, podemos conhecer a comunhão do Redentor somente na medida em que não estamos conscientes da nossa própria vida individual; como os impulsos fluem dela para nós, descobrimos que Nele — que a fonte de todas as coisas e também a fonte da nossa atividade — existe também uma posse comum, por assim dizer. Este também é o significado de todas aquelas passagens da Bíblia que se referem a Cristo estando e vivendo em nós, de morrermos para o pecado, de abandonarmos o velho e assumirmos o novo homem. Mas Cristo somente pode direcionar a sua consciência divina contra o pecado à medida que Ele entra na vida corporativa do homem e compartilha, de forma empática, a consciência do pecado, porém compartilha dela como algo a ser vencido. Esta mesma consciência do pecado como algo a ser vencido se transforma no princípio da nossa atividade na ação que Ele em nós evoca, (ibid., 425-26) Apesar de Sch leierm ach er com preend er esta união m ística a partir de um contexto panteísta, m u itos dos seus seguidores ten taram traduzi-la para u m a estru tu ra mais teísta. Em todo caso, os aderentes dessa teoria ainda acreditam que a salvação é um a união m ística tornad a possível pelo fato de Deus ter se tornad o h o m em em Cristo, de fo rm a que o h o m em pode chegar a u m a união com D eus em C risto (E f 4.3,4). A expiação, p o rtan to , tem u m a base p u ram ente subjetiva — a teoria m ística alega que não existe u m a base objetiva que to rn e possível a nossa salvação no ato red entor de C risto na cruz (vide Hodge, ST, 3.204-08).
UMA AVALIAÇÃO DAS TEORIAS DA EXPIAÇÃO Existem porções de verdade em todas estas visões. Primeiro, com o afirm a a teoria da recapitulação8: “C risto passou por todos os estágios do viver h u m an o, resistiu a todas as tentações, m o rreu e ressurgiu vitorioso sobre a m o rte e o Diabo,” fazendo assim com que “os benefícios da vitória de C risto [estejam ] disponíveis por interm édio da nossa participação n ele.”
: .re n eu .
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Segundo, com o postula a teoria da redenção,9 C risto pagou o preço para nos resgatar dos grilhões de Satanás, apesar desse preço te r sido pago a Deus, e não ao Diabo. Sem a expiação, ainda estaríam os acorrentados a Satanás e, conseqüentem en te, ao pecado (M c 10.45; 1 C o 6.20). Terceiro, a teoria do exem plo m o ra l10 tam bém co n tém algum a verdade, pois a m o rte de Cristo, proporcionou u m exem plo de fé e obediência que nos inspira a serm os obedientes a Deus (cf.‘ 1 Pe 2.21). Quarto, a teoria da satisfação necessária11 vai exatam ente ao coração da expiação, ao afirm ar que era necessário que a ju stiça e a h o n ra ofendidas de Deus fossem satisfeitas por u m castigo que som ente Jesus poderia pagar. Por ser ele “Deus e h o m em ,” a m o rte de Cristo teve u m valor infinito e, p o rtan to , foi capaz de restaurar a h on ra devida a um Deus infinitam ente santo. E com o Deus não poderia sim plesm ente rem ir os pecados, u m a reparação deveria ser paga, e som ente u m a pessoa to ta lm en te livre de pecado poderia fazer isso em lugar da hum anidade. Quinto, existe verdade até m esm o n a teoria liberal da influência m o ra l.12 D eus é am or, e a sua d em onstração de am or auto-sacrifical n a cru z (R m 5.8) exerce, de fato, um a influência m o ral sobre nós (1 Jo 3.16; 2 Co 5.14,15). Sexto, com o u m a expansão da teoria da satisfação necessária, a teoria da substituição13 acertadam ente afirm a que um a expiação dessa natu reza serviu como um a substituição pelos
pecados de todos os seres h u m an os.14 A ju stiça absoluta havia sido violada e, portanto, seria preciso que fosse providenciada u m a substituição pelos nossos pecados pelo Filho de Deus, que não tin h a pecado. Sétimo, apesar da necessidade pela satisfação de D eus não ser opcional, co m o já vimos, a teoria da satisfação op cion al15 afirm a de fo rm a acertada:
Um homem expia, efetivamente, uma ofensa quando oferece à parte ofendida algo que ele aceite como equivalente ou superior à ofensa causada. Cristo, ao sofrer em espírito de amor e obediência, ofereceu a Deus mais do que era exigido como resgate por todos os pecados da humanidade [...] a paixão de Cristo, portanto, não foi somente suficiente, mas superabundante diante dos pecados da humanidade; como declarou João: Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, como também pelos pecados do mundo inteiro. (ST, 3a. 46, 3) Oitavo, até m esm o a teoria g ov ern am en tal16 co n tém algo de verdadeiro, pois afirm a de fo rm a correta que, na sua santidade, D eus estabeleceu leis, para as quais o pecado representa u m a violação. C o m o o R egente Soberano, Deus, de fato, tem o direito de p u n ir o pecado, o qual m erece pu nição pela sua própria n atu reza inerente. De m odo sem elhante, a teoria g overnam ental acertad am ente enfatiza o am or de D eus e observa que mesmo sendo desejo de Deus o perdão dos pecados, é da sua vontade que este perdão seja feito de fo rm a a preservar o ser governo m oral. Nono, e por fim, por mais inadequada que a teoria m ística17 possa ser no sentido de apresentar u m a explicação com p leta da expiação, nela tam bém existe u m elem en to de verdade, pois a salvação envolve m esm o u m a união espiritual m isteriosa co m Cristo. Na verdade, Ele é a unidade absoluta da divindade co m a hum anidade. E m sum a, Deus se fez h o m em para que o h o m em pudesse se to rn ar semelhante a Deus. O próprio Paulo 9 O rígenes, G reg ó rio de Nissa, A gostin h o . 15T om ás de A qu ino.
16 G rócio.
10 Pelágio, S o cín io .
17 S ch leie rm a ch e r.
11 A n selm o .
12 A belardo.
13 C alvin o.
HVide c a p ítu lo 11.
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:ala deste “m istério” que é a “união de C risto com a Igreja,” utilizando com o m etáfora : Noivo e a noiva (E f 5.32). V Á R IA S C O N C E P Ç O E S D A E X P IA Ç Ã O T eo rias
A tr ib u to de D eu s
O b je tiv o B ásico
O b je to
V ersícu lo schav e
P ro p o n e n te
Recapitu lação
O nipo tência
Reversão da Queda
Satanás
Rom anos 5.15-21
Ireneu
Redenção
Sabedoria
D errota de Satanás
Satanás
Marcos 10.45
Orígenes
Exemplo Moral
A m or
Dem onstração do am or de
H um ani dade
Rom anos 5.8; 5.17-19
Pelágio, Abelardo
Deus por nós Satisfação Necessária
Majestade
Pagamento da dívida do pecado
Deus
1 João 2.1
Anselmo
Satisfação Opcional
Miseri córdia
Restauração do pecador
H um ani dade
Lucas 19.10
Tom ás de Aquino
Justiça
Aplacação da ira divina
Deus
2 Coríntios 5.21;
Calvino
Substi! tuição
e liberação da sua misericórdia
R om anos 3.21-25
Gover nam ental
Soberania
M anutenção da ordem m oral
Deus e a hu m ani dade
Isaías 42.21
Grócio
Mística
Unicidade
União do hom em com Deus
H um ani dade
Efésios 4.34; 5.30-32
Schleierm acher
R E S U M O D A S T E O R IA S A C E R C A D A E X P IA Ç Ã O A com paração e o contraste das principais teorias acerca da expiação não som ente d em onstram as realidades m ultifacetadas contidas neste im p ortan te ato de redenção, com o tam bém as colocam sob os holofotes dos alicerces de toda verdade teológica — os atributos de Deus. Cada um a destas visões acerca da expiação parece estar relacionada a um ou mais atributos divinos, dem onstrando com o os seus atos redentores estão fundam entados na sua própria natu reza e não sim plesm ente na sua vontade arbitrária. A perspectiva da recapitulação enfatiza a onipotência de Deus, à medida que Ele derrota Satanás e reverte os efeitos da Queda. A perspectiva da redenção destaca a sabedoria de Deus à medida que dem onstra com o a estratégia de Deus superou satanás por interm édio da cruz, na qual Satanás m ord eu a isca da hum anidade de C risto e foi apanhado pela sua divindade. A perspectiva do exemplo moral se concentra no am or de Deus, que se revela no am or auto-sacrifical e exem plar de C risto por nós. A perspectiva da satisfação opcional
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apresenta a m isericórdia de D eus no resgate dos pecadores e na restauração deles para Si m esm o. A perspectiva da satisfação necessária d em onstra a m ajestade de Deus, cu ja h on ra foi violada e que precisa ser aplacada pela m o rte do Filho. A perspectiva da substituição enfatiza a ju stiça de D eus, o que precisa ser satisfeito para que a sua m isericórdia seja liberada sobre os pecadores. A perspectiva da influência moral d em onstra o poder m otivador do am or de D eus nos atos redentores de C risto em nosso lugar. A perspectiva governamental é baseada n a soberania de D eus, já que, com o Rei, Ele é o responsável pela ordem m o ral n o universo. Por fim , a perspectiva mística tem por objetivo a união m ística en tre C risto e a Igreja, que é baseada no atribu to divino da unidade. Apesar de cada u m a das teorias acim a m encionadas apresentar a sua contribuição co m algum tipo de verdade para a explicação dos atos redentores de Cristo na expiação, a visão da substituição — a qual significa que a m o rte de C risto trouxe satisfação substitutiva a D eus — explica plen am en te a base objetiva necessária (em D eus) para a expiação: Se Cristo, o D eu s-h o m em , não tivesse feito o pagam ento do preço pelos nossos pecados, D eus não poderia ser ju sto e, sim u ltaneam en te, o Justificador dos inju stos, co m o declarou Paulo (R m 3.21-25).18 Se o ju sto não m orresse pelos inju stos, a ju stiça de D eus não seria satisfeita, e se a ju stiça de D eus não fosse aplacada, a m isericórdia de Deus não poderia ser liberada para que os pecadores in ju stos pudessem ser, então, declarados justificados diante dos olhos de D eus e, p o rtan to , qualificados para o cé u .19A m aior parte das teorias acerca da expiação, em vez de se con centrar em C risto e oferecer u m a resposta objetiva, baseiam-se, preponderantem ente, em elem entos subjetivos e se concen tram , principalm ente, no efeito que a expiação exerceu sobre Satanás (ao d errotá-lo ) ou nos seres hu m anos (libertand o-lhes e apresentando u m exem plo a ser seguido).
FONTES Abelardo, Pedro. Commentary on the Epistle to the Komans. A nselm o. Cur Deus Homo. A gostinho. On the Trinity. A ulen. Gustaf. Christus Victor: A n Historical Study o f the Three M ain Types o f the Idea o f the Atonement.
B u sh n ell, H orace. The Vicarious Sacrifice, Grounded in Principies o f Universal Obligation. C atholic C atechism fo r Adults, A: The C h u rch ’s Confession o f Faith. D e B ru yn , T h eod ore, tradução de Pelagius Commentary on St. PauVs Epistle to the Komans. Elw ell, Walter. Baker Dictionary o f Theology. Erickson, M illard. Christian Theology. G regório de Nissa. Catechism. G rócio, Hugo, Defensio Fidei Catholicae de Satisfactione Christi Adversus Faustum Socinum. H atch, Edwin, e H enry A. R edpath. A Concordance o f the Septuagint. Hodge Charles. Systematic Theology. H oekem a, A n thony A. Saved by Grace. Ireneu . Contra Heresias. Küng, Hans. Justifcation. Ladd, G eorge Eldon. A Theology o f the New Testament. Lom bardo, Pedro. Commentary on the Epistle to the Romans.
------- . Sententiae. 18Vide tam bém a visão da satisfação n ecessária.19Vide capítulo 9, adiante e “Escatologia” no volum e 4.
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M cG rath, Alister E. Iustitia Dei. M orris, T hom as V. Philosophy and the Christian Faith . Orígenes. Commentary on Matthew. -------- . Commentary on Komans. Rashdall, Hastings. The Idea o f Atonement in Christian Theology. R obertson, A. T. Word Pictures in the New Testament. Schleierm acher, Friedrich. The Christian Faith. Socínio, Fausto. Christianae Keligionis Brevíssima Institutio con form e citação feita por Erickson, Christian Theology. -------- .Jesus Christ the Servant. Stum p. Eleonore. “Atonement According to Aquinas” in T hom as V. M orris, Philosophy and the Christian Faith. Tom ás de A quino. Summa Theologica.
C A P I T U L O
N O V E
A NATUREZA DA SALVAÇÃO
C
om o já observam os, existem m uitas teorias acerca da expiação, e todas con tém u m elem ento de verdade. Todavia, som ente as perspectivas da satisfação necessária e da substituição proporcionam um a base para a com preensão e a explicação da obra de Cristo. Neste capítulo, as bases bíblicas, teológicas e históricas da expiação serão exploradas. A B A S E B ÍB L IC A D A N A T U R E Z A D A SALVAÇÃO (A E X P IA Ç Ã O S U B S T IT U T IV A ) A Bíblia é um livro salvífico, e as palavras de Paulo a T im óteo são centrais à sua m ensagem : “E que, desde a tua m eninice, sabes as sagradas letras, que podem lazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus” (2 T m 3.15). A to s D iv in o s A n te r io r e s à S a lv a ç ã o A salvação não se constitu i em ato único, mas é proporcionada aos crentes em três estágios principais.1 A lém disso, existem ainda os atos divinos anteriores à salvação que são im portantes para o nosso entendim ento do processo salvífico. A Eleição
A palavra eleição (ou eleitofs]) ocorre quatorze vezes nas páginas do Novo Testam ento. U m eleito é alguém que foi escolhido. A eleição (ou o adjetivo eleito ) é utilizada para se referir a Israel (R m 9.11; 11.28), aos anjos (1 T m 5.21), e aos crentes.2 C om relação aos crentes, a eleição é a decisão divina, desde a eternidade, pela qual Deus elegeu aqueles que seriam salvos. Paulo escreveu: “Portanto, tudo solro por am or dos escolhidos, para que tam bém eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus com glória etern a ” (2 T m 2.10). Pedro se referiu à fo rm a com o Deus escolhe: “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai” (1 Pe 1.2).
1V id e adiante, sob o títu lo “Os T rê s Estágios d a S a lv a çã o .” 2M t 22.14, 22, 24, 31; cf. M c 13.20, 22, 27; 2 T m 2.10; T t 1.1; 1 Pe 1.2; 2 Pe 1.10.
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Os Escolhidos (ou, na forma verbal, "Escolheu") 3 As palavras escolhido e escolheu são utilizadas várias vezes.4Os term os são usados para se referir a Cristo (Lc 23.35; 1 Pe 1.20; 2.4, 6), a u m discípulo (A t 1.2, 24; 10.41; 22.14; Jo 15.10), e até a Judas (Jo 6.70; 13.18), que foi escolhido para ser u m apóstolo. Soteriologicam ente, u m escolhido é u m a pessoa eleita por Deus para a salvação. Efésios 1.11 é u m a passagem chave: Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade. Os Predestinados D a m esm a fo rm a que Deus p ré-d eterm in ou, desde a eternidade, que daria a sua vida pelos nossos pecados (A t 2.23), Ele tam bém predestinou os que seriam con form e a im agem de Cristo]. C o m o declarou Paulo: “Porque os que dantes con h eceu , tam bém os predestinou para serem conform es à im agem de seu F ilh o ” (R m 8.29). Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em caridade, e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade. (Ef 1.4-5) A Presciência Por ser onisciente, D eus tam bém soube co m antecedência aqueles que seriam salvos: “Porque os que dantes conheceu, tam bém os pred estinou” (R m 8.29). Na verdade, eles foram “eleitos segundo a presciência de Deus Pai” (1 Pe 1.2). C o m o a sua presciência é infalível (já que Ele é onisciente), tudo o que D eus previam ente con h ecer, n a verdade, virá a ocorrer. Logo, o seu co n h ecim en to prévio daqueles que seriam salvos é a segurança de que eles serão m esm o salvos. O Chamado O cham ado de Deus às pessoas para a salvação pode ser visto em várias passagens bíblicas.5 Em R om anos 8.28-30, Paulo resum e o lugar do cham ado na nossa salvação: E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto. Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. O Convencimento Apesar dos atos acim a m encionados serem eternos, os dois atos seguintes são atos anteriores à salvação realizada no tempo. O prim eiro é a obra de Deus em convencer o 3 As tra d u çõ es e m lín g u a p o rtu g u e s a u tiliz a m , m u ita s vezes, os te rm o s “e le ito ” e “e sc o lh id o ” de fo rm a in tercam b iáveis. (N . d o T .)
4 Por e x e m p lo , R m 8.33; 11.5; E f 1.11; C l 3.12; 1 T s 1.4; T g 2.5; 1 Pe 1.2; 2.9; 5.13; 2 Jo 1.1, 13; Ap 17.14.
e x e m p lo , M t 22.14; R m 9.24; 1 C o 1.2, 9, 24; G 1 1.6; E f 1.18, e tc.
3 Por
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pecador do seu pecado (G n 6.3; Jo 8.9; 16.8). Nesta últim a passagem, Jesus p ro m eteu : “E, quando ele [o Espírito Santo] vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça, e do ju ízo .” Este ato de convencim ento, p o rtan to , é aquele pelo qual D eus persuade um a pessoa de que ela é, de fato, pecadora e, dessa form a, tem necessidade de u m Salvador. A Graça Preveniente Preveniente significa “anterior,” e a expressão graça preveniente se refere à obra executada por Deus n o coração dos hom ens — im erecida do lado h u m an o — anterior à salvação, que encam inha as pessoas em direção a este objetivo por interm édio de Cristo. Paulo fala a este respeito em T ito: “Porque a graça de Deus se há m anifestado, trazendo salvação a todos os h o m en s” (2.11). Ele acrescenta em 2 Coríntios 8.9: Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre, para que, pela sua pobreza, enriquecêsseis. Esta graça tam bém é vista no fato de que “a benignidade de D eus te leva ao arrepend im ento” (R m 2.4). Dessa form a, a graça preveniente é a graça de D eus exercida em nosso lugar m esm o antes dele nos conceder a salvação.
Os Nomes Utilizados para nos Referirmos aos Atos Salvíficos de Deus A salvação é descrita p or diferentes term os e expressões n a Bíblia, d entre os mais im portantes destacam -se: A Graça Eficaz A lém de ser preveniente ( “an terior” à salvação), a graça de Deus tam b ém é eficaz ou efetiva na produção da salvação dos eleitos. Ou seja, ela realiza na vida dos crentes a salvação que D eus lhes pré-ord enou e, por m eio desta salvação, Ele realiza o que Ele m esm o ordenou .6 Assim será a palavra que sair da minha boca; ela não voltará para mim vazia; antes, fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a enviei. (Is 55.11) Deus é onisciente e onipotente, p o rtan to , jam ais ten ta realizar aquilo que não esteja de acordo co m sua natu reza santa e perfeita. Dessa form a: “Tendo por certo isto m esm o: que aquele que em vós com eço u a boa obra a aperfeiçoará até ao Dia de Jesus C risto” (Fp 1.6), “porque Deus é o que opera em vós tanto o querer co m o o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13). 0 Selo Paulo fala do fato de sermos selados com o Espírito Santo com o u m ato salvífico e garantia da nossa salvação. Ele disse aos efésios que a presença do Espírito Santo na vida deles “é o p en h or da nossa herança, para redenção da possessão de Deus, para louvor da sua glória” (E f 1.14). Posteriorm ente, ele acrescentou: “Não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o D ia da red enção” (E f 4.30). Este selo do Espírito Santo ! Cf. R m 5.17, 21; 1 Co 15.10; 2 Co 9.14; 12.9; E f 1.5-6; 2.9-10; Fp 1.6; 2.13; T t 2.12; 1 Pe 5.16.
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é recebido no m o m en to da justificação (R m 8.9) e tam bém fu nciona co m o a garantia da nossa glorificação ao final. A Salvação (ou o Salvar) As designações mais com u ns para designar o processo pelo qual D eus qualifica um a pessoa para o céu é salvação ou ser salvo. C o m o observou Earl R adm acher: A palavra salvação tem suas raízes na palavra hebraica yasa, [a qual significa] “ser vasto” ou “ser amplo” em contraste com o ser “estreito ou restrito.” Dessa forma, palavras como libertação, emancipação, preservação, proteção e segurança surgem a partir dela. Ela se refere à libertação de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas da angústia ou do perigo, de uma condição “restrita” na qual elas eram incapazes de agir por si mesmas. (S, 3) Os substantivos gregos correspondentes à salvação são soteria e soterion. O adjetivo é soterios, do qual deriva a palavra soteriologia. O significado de soteria e soterion é “libertação,” “preservação,” ou “salvação.” Salvação é n o rm alm en te usada para se referir à libertação física (cf. Lucas 1.69,71; A t 7.25; 27.37), tal com o o desejo de Paulo em ser liberto ou solto do cárcere: “Porque sei que disto m e resultará salvação, pela vossa oração e pelo socorro do Espírito de Jesus C risto” (Fp 1.19). Espiritualm ente falando, a salvação se refere ao processo pelo qual Deus, p o r interm édio da obra de Cristo, liberta os pecadores da prisão do pecado. Paulo declarou: “Porque não m e envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê, prim eiro do ju d eu e tam bém do grego” (R m 1.16; cf. E f 1.13). P osteriorm ente, Paulo tam bém declarou: “Visto que co m o coração se crê para a justiça, e co m a boca se faz confissão para a salvação” (R m 10.10). Pedro anunciou: “E em n e n h u m ou tro há salvação, porque tam bém debaixo do céu n e n h u m ou tro n om e há, dado en tre os hom ens, pelo qual devam os ser salvos” (A t 4.12). C o n fo rm e m encion am os an teriorm en te,7 a salvação é u m conceito am plo que engloba três estágios: a salvação do castigo passado m erecido pelo nosso pecado, a salvação do poder presente do pecado, e a salvação da presença fu tu ra do pecado. Estes estágios são denom inados, respectivam ente: justificação, santificação e glorificação. A Redenção O u tro term o am plo, n o rm alm en te utilizado co m o equivalente à palavra salvação é redenção. Várias palavras gregas são traduzidas com o redenção; u m a delas é apolytrosis, que significa “redim ir,” “resgatar,” ou “libertar.” Apolytrosis é utilizada dez vezes n o Novo T estam ento, u m a vez para se referir à libertação física (Hb 11.35) e outras nove para se referir principalm ente à libertação espiritual.8 O u tra palavra grega para se referir à redenção é lytron, que é utilizada duas vezes (M t 20.28; M c 10.45). Lytron significa “resgatar,” “redim ir,” ou “com prar nov am en te,” e n a sua aplicação espiritual ilustra os pecadores sendo redim idos (com prad os) com o se fossem escravos em u m m ercado de pecado. U m term o adicional para redenção é antilytron, que significa “preço de readoção” ou “redenção.” Em 1 T im ó teo 2.6, Paulo se refere a Cristo co m o “o qual se deu a si m esm o em preço de redenção por todos, para servir de testem u n h o a seu tem p o .” 7 V id e c a p ítu lo 6, sob o títu lo “Os T rês Estágios da S a lv a çã o ,” e o c a p ítu lo 16. c o rp ó re a ; 1 C o 1.30; E f 1 .7 ,1 4 ; 4.30 — fin al; C l 1.14; H b 9 .1 5 — g eral.
8 Lucas 21.28 — fin a l; R m 3.24; 8.23 —
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O utra palavra, agoradzo, que deriva da palavra grega para m ercado (agora), leva consigo : sentido de “com p rar,” “adquirir,” ou “pagar u m preço p o r” algo. Agoradzo é utilizada :n n ta e u m a vezes (n o rm a lm en te se referindo a algo físico — cf. M t 13.44, 46; 14.15). Espiritualm ente falando, agoradzo significa “redim ir um escravo que está cativo no m ercado do pecado,” “pagar o preço pela nossa salvação” (cf. IC o 6.20; 7.23; 2Pe 2.1; Ap 14.3-4; Ap 5.9). Nesta passagem final lem os: E cantavam um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir os seus selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, e língua, e povo, e nação. Apesar de alguns estudiosos terem argum entado que o preço do resgate foi pago a >atanás,9 já que os pecadores são seus escravos, a m aioria dos estudiosos ortod oxos rejeita esta posição, insistindo que o pagam ento de C risto pelo pecado foi feito a Deus, porque : pecado nos to rn a devedores diante dele.10 Sem este pagam ento, que não poderia ser reito por nós e que Cristo realizou em favor de toda a hum anidade, nós jam ais seriam os saivos. A Mediação C om o Salvador, C risto é o nosso mediador. A palavra hebraicayakach é em pregada um a vez no Antigo Testam ento (Jó 9.33): “Não há entre nós árbitro [mediador] que p onha a m ão sobre nós am bos.” U m a palavra grega utilizada para mediar, mesias, aparece seis vezes (C l 3.19-10 — em referência a Moisés; Hb 8.6; 9.15; 12.24 — em referência a Cristo; e 1 T m 2.5: “Porque há u m só D eus e u m só m ediador en tre D eus e os hom en s, Jesus Cristo, h o m em ” [cf. Jo 10.9]). Existem três aspectos da m ediação de Cristo: (1) com o profeta (Hb 1.2ss), Ele representa D eus aos hom en s; (2) co m o Sacerdote (Hb 9.15), Ele representa o h o m em a Deus e (3) co m o Rei (SI 2), Ele reina sobre os h om en s por parte de Deus. A Regeneração A palavra grega para se referir à regeneração é paliggenesia, que significa “regen eração,” "ren ascim en to,” ou “renovação espiritual.” Paliggenesia é utilizada duas vezes no Novo Testam ento (M t 19.28 — com referência à renovação m essiânica e em T ito 3.5 — para se referir à salvação). Em T ito ela fala da transm issão da vida espiritual à alma: [Deus nos salvou] não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas, segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo. A regeneração é transm issão da vida espiritual, por parte de Deus, às alm as daqueles que estavam “m o rto s em ofensas e pecados” (E f 2.1) e que foram “salvos” — trazidos novam ente à vida — por Deus “pela fé” em Jesus Cristo (E f 2.8). A Fonte da regeneração é Deus, o resultado da regeneração é a filiação; o meio da regeneração é o Espírito Santo; e a duração da regeneração é eterna:
>\ide capítulo 8.
10Vide adiante, sob o título “Expiação Sacrifical (Substitutiva)”.
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Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus. (Jo 1.12-13) “Porque todos sois filhos de Deus pela fé em C risto Jesus” (G1 3.26). Idéias paralelas são expressas em várias passagens bíblicas.11 0 Novo Nascimento Nascer de novo ou nascer do alto são expressões paralelas ã regeneração. O novo n ascim ento é o ponto no qual u m a pessoa “m o rta em ofensas e pecados” (E f 2.1) recebe a vida espiritual. Jesus disse: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espirito é espírito. Não te m aravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de n o v o ” (Jo 3.6,7). Pedro acrescenta que fom os: “De novo gerados, não de sem ente corruptível, mas da incorru ptível, pela palavra de Deus, viva e que p erm anece para sem pre” (1 Pe 1.23; cf. Jo 1.13; 1 Jo 3.9; 4.7, 5.1, 4, 18). Esta idéia foi expressa no A ntigo T estam en to por Ezequiel quando ele falou que Deus daria u m novo coração a Israel, caso o povo se arrependesse (Ez 11.19). A Adoção Adoção (n o grego: huiothesia) significa “colocar co m o filh o”; ela significa, literalm ente, “um filho legal” (Ex 2.10). O term o é utilizado cinco vezes nas páginas do Novo T estam en to.12 Teologicam ente, adoção (G1 4.5) se refere ao ato de Deus que coloca um a pessoa co m o filho, dentro da fam ília de D eu s.13 Adoção é u m term o de posição pelo qual nos to rn am os filhos por interm édio do novo nascim en to (Jo 1.12,13), som os redimidos das am arras da lei (G1 4.1-5) e, em bora sejam os som ente crianças (grego: teknion) som os, por adoção, tornados filhos adultos (grego: huíos), o que ficou m anifesto na ressurreição do corpo (R m 8.23; cf. 1 Jo 3.2). A Reconciliação U m a palavra grega utilizada para reconciliação é katalasso, que significa “recon ciliar” ou “trazer ju n to ” (cf. M t 5.23,24). Katallasso é utilizada cinco outras vezes no Novo T estam en to.14 O utro term o utilizado para expressar a idéia de reconciliação é katallage, que significa “trazer ju n to .” Katallaga é utilizada quatro vezes.15 Por estarem alienados de Deus pelo pecado, os seres hum anos decaídos necessitam de reconciliação com Ele. E tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados, e pôs em nós a palavra da reconciliação. De sorte que 11 T ais c o m o Ez 37.1-10; M t 17.11; Jo 1.13; 3.6-7; A t 3.21; R m 8.21; 1 C o 15.27; 1 Pe 1.3, 23; 1 Jo 2.29; 3.9; 4.7; 5.1, i , 18; A p 21.1. 12 Huiothesia: R m 8.15, 23 — ac e rc a da re ssu rreiçã o ; 9.4 — a ce rca de Israel; G 1 4.5; E f 1.5.
13 Lon ge de ser u m a d ep recia çã o
das m u lh e re s , G álatas é u m a d ecla ra çã o re v o lu c io n á ria d a sua igu aldade e liberdade (cf. 3 .26-29). 1 C o 7.11 -— a c e r c a do c a sa m en to ; 2 C o 5.18-20.
H R m 5.10 [duas vezes];
15 R m 5.11; 11.15 — a ce rca dos g e n tio s; 2 C o 5.18-19.
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somos embaixadores da parte de Cristo, como se Deus por nós rogasse. Rogamos-vos, pois, da parte de Cristo que vos reconcilieis com Deus. (2 Co 5.18-20) Existem dois lados na reconciliação: o lado objetivo, o potencial que Cristo conquistou para toda a hum anidade (v. 19), e o lado subjetivo, pelo qual nós verdadeiram ente nos reconciliam os com D eus (v. 20). E tam bém digno de n o ta que D eus não está reconciliado conosco; nós estam os reconciliados com Ele. D eus não se m ovim en ta em relação ao pecador; mas o pecador se m ovim en ta em relação a Ele. T an to a alienação, quanto a reconciliação são m encionadas em Colossenses 1.20,21, que é u m a fabulosa expressão do significado da salvação: [Era propósito de Deus que], por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus. A vós também, que noutro tempo éreis estranhos e inimigos no entendimento pelas vossas obras más, agora, contudo, vos reconciliou. O Perdão A palavra grega equivalente a perdão é aphesis, que significa “perdoar” ou “re m ir” os pecados de alguém . O livro de Hebreus declara que Deus não pode perdoar sem que h aja expiação, pois “quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derram am ento de sangue não há rem issão” (9.22). Paulo anunciou: “que por este Jesus] se vos anuncia a rem issão dos pecados” (A t 13.38). O perdão não apaga o pecado-, a história não pode ser m odificada. Mas o perdão apaga o registro do pecado. Tal qual ocorre com u m indu lto, o crim e do acusado não é elim inado da história, mas é apagado da sua conta. Logo, é “Em [Cristo Jesus que] tem os a redenção pelo seu sangue, a rem issão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” (E f 1.7; cf. Cl 1.14). A Justificação A justificação é o ato pelo qual som os declarados ju stos diante de Deus, em bora sendo in ju stos por nós m esm os. Várias palavras gregas descrevem o ato da justificação. Dikaios significa “ju s to ” ou “re to ”; ela é utilizada para se referir aos seres h u m anos (M t 1.19; 5.45; 9.13, etc.), a Cristo (A t 3.14; 7.52; 22.4; R m 5.7). a D eus (R m 3.26) e à salvação (R m 1.17; G1 3.11; Hb 10.38). Dikaiosyne (ju stiça) pode se referir à j ustificação prática,16ou a j ustificação posicionai.17 A Teologia Sistem ática se refere a ela neste segundo sentido. Dikaioo significa “ju stificar” ou “justificado.” Esta palavra, às vezes, se refere a Deus (Lc 7.29; R m 3.4), a C risto (1 T m 3.16) ou à salvação.18 R om anos 4.2-5 é um a passagem fundam ental: Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus. Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Ora, àquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. Mas, àquele que não pratica, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça. :e M t 3.15; 5.6, 10; 6.13-10; Fp 1.11. T g 2.23.
17 R m 1.17; 4.3-13, 22; 5.17; 1 C o 1.30; 2 C o 5.21; G1 2.21; 3.6, 21; 5.5; Fp 3 .9; H b 11.7;
18 A t 13.39; R m 2.13; 3 .4 ,2 0 -3 0 ; 4 .2 -5 ; 5.1, 9; 8 .3 0 ,3 3 ; G 1 2.16; 3 .8 ,1 1 , 24; T g 2.21-25.
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Dikaíosis é traduzida com o justificação (R m 5.18). Paulo declara acerca de Cristo: “O qual por nossos pecados foi en tregue e ressuscitou para nossa ju stificação” (R m 4.25). E im p ortan te n otarm os que justificação significa “declarar ju s to ” (e não “fiaier ju s to ”), porque: (1) Ela é feita independ entem ente das obras (R m 1.17; 3.20; 4.2-5); (2) Ela é feita aos pecadores (R m 3.21-23); e (3) Ela é u m ato ju ríd ico (legal) (R m 4.4-6; 5.18). Isto fica evidente a partir das expressões imputar e tomar em conta, que são traduzidas para se referirem à “co n ta” que tem os para com Deus (cf. R m 4.3, 6, 11, 22-24). Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Ora, àquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida [...] Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras [...] Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado [...] Porque dizemos que a fé foi imputada como justiça a Abraão. Como lhe foi, pois, imputada? Estando na circuncisão ou na incircuncisão? Não na circuncisão, mas na incircuncisão [...] para que fosse pai de todos os que crêem (estando eles também na incircuncisão, a fim de que também a justiça lhes seja imputada) [...] Pelo que isso lhe foi também imputado como justiça. Ora, não só por causa dele está escrito que lhe fosse tomado em conta, mas também por nós, a quem será tomado em conta, os que cremos naquele que dos mortos ressuscitou a Jesus, nosso Senhor, A té m esm o Tiago, que enfatizou as obras que surgem n a tu ra lm en te a partir de u m a fé salvífica, fala de ju stiça im putada ou creditada (cham ada de ju stiça forense): “e cu m p riu se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e fo i-lh e isso im putado co m o justiça, e foi cham ado o amigo de D eu s” (T g 2.23). Na fo rte com paração que Paulo faz en tre Adão e Cristo (R m 5), ele utiliza a palavra justificação em duas ocasiões para descrever o que C risto conquistou para os seres hum anos: E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que pecou; porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas para justificação [...] Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. (w . 16, 18)
Observe a seguinte com paração de R om an os 5:
Pessoa
Adão
Cristo
Ato
Pecado (vv. 12, 14, 16) Ofensa (vv. 15-18) Desobediência (v. 19)
Graça (v. 15) Justiça (v. 18) Obediência (v. 19)
A NATUREZA DA SALVAÇÃO
Resultados Físicos
Morte para todos (vv. 12,14-15,17)
Vida para todos (vv. 17-18, 21)
Resultados Morais
O pecado vem sobre todos (v. 12 0 pecado reina sobre todos (v. 21)
A graça vem sobre todos (v. 15) A graça reina sobre todos (v. 21)
Resultados Legais
Todos foram feitos pecadores (v. 19) 0 Juízo veio sobre todos (v. 18) A condenação veio sobre todos
Todos foram feitos justos (v. 19) 0 dom veio sobre todos (v. 18) A justificação veio para todos (16, 18)
(vv. 16,18) Fica claro a partir das Escrituras que n em todas as pessoas, n a prática, serão salvas.19 Paulo não pode estar falando que todos serão, na verdade, justificados em função do sacrifício vicário de Cristo, m as sim que todos são potencialmente justificados, por várias razões. Primeiro, R om an os 5 declara textu alm en te que algum as das conseqüências do pecado de Adão (co m o a m o rte física) foram , na verdade, passadas adiante para todos os seres hum anos (vv. 12-14). Segundo, as expressões “não é assim/não foi assim ” (vv. 15-16) m o stram que o paralelism o não é perfeito. Terceiro, a expressão “os que recebem ” (v. 17) im plica que n em todos recebem o dom da salvação, e que som ente aqueles que o recebem serão salvos. Quarto, isto se encaixa com o con texto de R om an os 4, o qual declara que a salvação som ente vem àqueles que crêem (vv. 3-5; tal qual lem os em R m 5.1). Quinto, e por fim , se a frase “feitos ju sto s” (v. 19) for tom ad a no sentido literal, o U niversalism o será u m conclusão lógica. O U niversalism o não é ensinado n a Bíblia;20 p o rtan to , tudo o que está debaixo da colu n a “C risto” na tabela acim a deve ser considerado com o “p o ten cialm en te” pertencente a todos os seres hum anos. Tudo isso está disponível a todos, m as n em todos se apropriarão destas coisas. Tam bém é im p ortante observarm os nesta conexão que, a partir dos pontos acim a colocados, não se pode concluir, com o sugerem alguns, que tu do o que está listado na colu n a “A dão” tam bém p ertence som en te de m aneira “po ten cial” a todas as pessoas, enquanto elas não as “ativem ” nas suas vidas através do pecado pessoal. Primeiro, co m o já analisam os, as expressões “n ão é assim/não foi assim ” (w . 15,16) diferencia os dois lados da com paração. Segundo, R om anos 5 diz claram en te que algum as das conseqüências do pecado de Adão (tal com o a m o rte física) são autom áticas, independente de qualquer aquiescência da nossa parte (vv. 12-14). Terceiro, e por fim, n e n h u m term o qualificador com o “recebem ” (v. 17) é utilizado para se referir às conseqüências do pecado de Adão, m esm o que estes term os sejam utilizados com respeito à apropriação do dom da salvação que C risto proporcionou a todos.
Propiciação (ou Expiação) A palavra propiciação aparece em m uitas traduções em língua portuguesa (por 19Vide capítulo 12
20 Ibid.
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exem plo, n a Alm eida e na NVI), em bora outras traduções prefiram o term o expiação (por exem plo, a Bíblia de Jerusalém ). Hilasmos, que significa “satisfazer D eus no lugar dos pecadores,” pode ser encontrado em dois textos: “E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não som ente pelos nossos, m as tam bém pelos de todo o m u n d o ” (1 Jo 2.2); “Nisto está a caridade: não em que nós ten h am o s am ado a Deus, mas em que ele nos am ou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 4.10). O utro term o grego utilizado para propiciação, hilasteriom, aparece em duas passagens. Hebreus 9.5 referindo-se ao tro n o de m isericórdia do T abern áculo descrito no A ntigo Testam ento, e R om an os 3.25 que diz: “[Jesus] ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para d em onstrar a sua ju stiça pela rem issão dos pecados dantes com etidos, sob a paciência de D eus.” U m a terceira palavra, hilaskomai, significa “propiciar,” “satisfazer,” ou “expiar.” Hilaskomai é utilizada duas vezes: n a p rim eira ela significa “tem m isericórdia de” (Lc 18.13) e n a o u tra ela aponta para Cristo (Hb 2.17): Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. No A ntigo Testam ento, o trono de m isericórdia era o tro n o da graça, no qual, depois que o sangue do sacrifício era aspergido, Deus se achava satisfeito e liberava a sua m isericórdia e o perdão sobre o pecador. No Novo Testam ento, Cristo, por interm édio do seu sangue, satisfez a ju stiça Deus, em nosso lugar, por toda a eternidade (1 Jo 2.2), e através de apenas u m e definitivo sacrifício (Hb 10.14).
Outras Figuras de Linguagem para se Referir à Salvação Além dos term os e expressões acim a, o N ovo Testam ento fala da salvação por interm édio de m u itos outros term os e expressões. Os crentes são considerados com o pessoas que estão “em C risto” (E f 1.3; 2.6; 2 C o 5.17); “batizadas em u m Espírito” (1 Co 12.13);21 que são u m a “nova criatu ra” (2 C o 5.17; G1 6.15), u m “novo h o m e m ” (E f 2.15; 4.24; C13.10). Os salvos experim entam ap u rificação (ou lim peza — T t2 .1 4 ; Hb 1.3; 9.14; 10.22); identificam -se (u n em -se) com C risto (R m 6.2-4; 1 Co 12.13); experim entam a cu ra (Is 53.5; M c 2.17; 1 Pe 2.24); recebem a ilu m inação (Jo 8.12; 12.36; 2 C o 4.4-6; 1 Ts 5.5); podem viver em paz com Deus (R m 5 .1 ; 12.1; E f 2.14-15 [cf. v. 19, “estrangeiros”]; Cl 1.20); e recebem a vida (E f 2.1; Jo 5.21, 24; 1 Co 15.22; 1 Jo 3.14).22
Expiação U m a das expressões mais im portantes para se referir à salvação é a palavra expiação, traduzida a partir do term o hebraico kaphar. Literalm ente, kaphar significa “cobrir,” mas ele tam bém carrega consigo u m sentido m ais am plo de “expiação,” “perdoar,” “lavar,” “aplacar,” ou “cancelar.” A versão autorizada em língua inglesa traduz kaphar com o “aplacar,” “anular,” “perdoar,” “ser m isericordioso,” “pacificar,” “perdoar,” “purgar,” “deixar de lado,” e “reconciliar.” As idéias-chave são “cobrir aos olhos de D eu s” e/ou “lim par.” Kaphar, na sua fo rm a verbal, é utilizada por volta de cem vezes no Antigo Testam ento.
21 Vide tam bém os capítulos 10 e 15.
22Vide tam bém o subtítulo Regetieraçao, acima.
A NATUREZA DA SALVAÇÃO
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O term o grego utilizado para expiação é hiloskomai, que significa “propiciar,” “expiar,” ou “conciliar.” O vocábulo é utilizado duas vezes: u m a em Lucas 18.13, quando u m pecador penitente pede a Deus “tem m isericórdia de m im ”;2’’ e um a outra vez em Hebreus 2.17, onde lem os, novam ente: Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. U m a passagem didática do A ntigo Testam ento acerca da expiação de pecados se encontra em Levítico 4.13-21: Mas, se toda a congregação de Israel errar, e o negócio for oculto aos olhos da congregação, e se fizerem, contra algum dos mandamentos do SENHOR, aquilo que se não deve fazer, e forem culpados, e o pecado em que pecarem for notório, então, a congregação oferecerá um novilho, por expiação do pecado, e o trará diante da tenda da congregação. E os anciãos da congregação porão as suas mãos sobre a cabeça do novilho perante o SENHOR; e degolar-se-á o novilho perante o SENHOR. Então, o sacerdote ungido trará do sangue do novilho à tenda da congregação. E o sacerdote molhará o seu dedo naquele sangue e o espargirá sete vezes perante o SENHOR, diante do véu. E daquele sangue porá sobre as pontas do altar, que está perante a face do SENHOR, na tenda da congregação; e todo o resto do sangue derramará à base do altar do holocausto, que está diante da porta da tenda da congregação. E tirará dele toda a sua gordura e queimá-la-á sobre o altar; e fará a este novilho como fez ao novilho da expiação; assim lhe fará, e o sacerdote por eles fará propiciação, e lhes será perdoado o pecado. Depois, levará o novilho fora do arraial e o queimará como queimou o primeiro novilho; é expiação do pecado da congregação.
Vários latos são notórios neste protótipo de C risto com o o nosso S u m o Sacerdote, que foi o autor da expiação pelos nossos pecados. Primeiro, a expiação no Antigo Testam ento era m u ito mais do que um simples “passar por cim a dos pecados”, o texto fala que os pecados eram , literalm ente, “perdoados.” Segundo, o perdão no Antigo Testam ento ocorria com o antecipação da cruz (Jo 8.56) com base de que aos olhos de Deus, o Cordeiro (C risto) foi m o rto antes da fundação do m undo (Ap 13.8; Ef 1.4). Abraão foi justificado quando creu (G n 15.6; cf. G1 3.8). Terceiro, e por fim, a expiação envolvia um sacrifício de sangue (Hb 9.22). O utro versículo im p ortante acerca deste tem a é Levítico 17.11: “Porque a alm a da carne está n o sangue, pelo que vo-lo ten h o dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o sangue que fará expiação pela alm a.” Hebreus 10.4, 11-14 nos proporciona um com entário inspirado acerca da expiação veterotestam entária: Porque é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire pecados [...] E assim todo sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar pecados; mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus, daqui em diante esperando até que os seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés. Porque, com uma só oblação, aperfeiçoou para sempre os que são santificados. N u m a alusão à figura v e te ro te s ta m e n tá ria n a qual D eu s se en c o n tra v a co m o p e ca d o r n o tro n o de m isericó rd ia e a exp iação c o m san g u e e ra fe ita e m favo r dos p ecad o res.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Expiação Sacrifical (Substitutiva) Fica m u ito claro, nas diversas passagens que tratam da expiação, o fato dela ser substitutiva: Para nos redim ir do pecado, C risto foi castigado e m o rreu em nosso lugar pelos nossos pecados, a fim de que fôssem os deles libertos. Considere agora os sólidos argum entos a favor da expiação substitutiva. Primeiro, a ju stiça absoluta de D eus exige u m substituto perfeito em nosso lugar, já que não pode sim plesm ente passar por cim a dos nossos pecados. C o m o já observam os, Deus é dem asiadam ente santo e não suporta n e m olh ar para o pecado de fo rm a benevolente (Hc 1.13). D eus é essencialm ente ju sto e não pode ser indiferente, já que Ele é im utável 24 por natureza. Segundo, a nossa depravação to tal25 exigia que u m substituto perfeito fosse apresentado para os nossos pecados, pois nada que façam os por nós m esm os será capaz de atingir o padrão exigido por Deus: “Ora, nós sabemos que tu do o que a lei diz aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda boca esteja fechada e todo o m u nd o seja condenável diante de D eu s” (R m 3.19). A ú n ica m aneira pela qual podem os en trar na presença etern a de u m D eus santo e im utável é por m eio do sacrifício substitutivo da perfeição hu m ana: pelo h o m em cham ado Cristo Jesus. Terceiro, os sacrifícios do A ntigo Testam ento im plicam n a expiação substitutiva, já que no m o m en to do oferecim en to o sacerdote im p u n h a as m ãos sobre o anim al, co m o sím bolo da transferência da culpa: Se a sua oferta for holocausto de gado, oferecerá macho sem mancha; à porta da tenda da congregação a oferecerá, de sua própria vontade, perante o SENHOR. E porá a sua mão sobre a cabeça do holocausto, para que seja aceito por ele, para a sua expiação. (Lv 1.3,4) Quarto, Isaías 53.5,6, por interm édio de várias expressões, fala explicitam ente acerca do sofrim ento substitutivo: [1] Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e [2] moído pelas nossas iniqüidades; [3] o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e, [4] pelas suas pisaduras, fomos sarados. [5] o SENHOR fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos. O ato de C risto foi executado “pelas nossas transgressões,” e o castigo pelos nossos pecados estava “sobre ele” — o que representa u m a expiação substitutiva. Quinto, Jesus foi apresentado co m o o Cordeiro Pascal, u m sacrifício substitutivo. Da m esm a fo rm a que o Cordeiro Pascal veterotestam entário era sacrificado pelos pecados do povo, Jesus, a “nossa páscoa”, foi “sacrificado por n ó s” (1 C o 5.7). João Batista declarou: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do m u n d o.” (Jo 1.29). Sexto, Jesus afirm o u ser Ele m e sm o o c u m p rim e n to de Isaías 53, que é u m a d escrição de u m sacrifício su b stitu tiv o . Ele disse: “P orq u an to vos digo que im p o rta que em m im se cu m p ra aquilo que está escrito : E c o m os m a lfe ito re s foi co n tad o . P orque o que está e scrito de m im te rá c u m p rim e n to ” ( I c 22.37). S é tim o , Jesus ap resen tou a sua m o rte co m o u m resgate (g reg o: ly tro m ), o que n o rm a lm e n te significava (n o A n tigo T e sta m e n to g reg o) “lib erta çã o da servidão em tro ca de p ag am en to de co m p en sa çã o , ou do o fe re c im e n to de u m s u b s titu to .”26 24 Vide volum e 2, capítulo 4. 1.890-91.
25 Vide capítulo 5.
26 Vide Edwin H atch e Henry A. Redpath: A Concordance o f the Septuagint,
A NATUREZA DA SALVAÇAO
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C o m o tam b ém já foi visto, Jesus d eclaro u : “P orque o F ilh o do H o m em tam b ém n ão veio para ser servido, m as para servir e dar a sua vida em resgate de m u ito s ” (M c 10.45). Oitavo, C risto ap resen to u -se a Si m esm o ta n to co m o u m sacerd o te consagrad o, q u an to co m o u m sacrifício con sagrad o: “E p o r eles m e san tifico a m im m esm o, p ara que tam b ém eles seja m santificados n a verd ad e” (Jo 17.19). O te rm o hagiadzo ( “sa n tifica r”), aqui u tilizad o, n o rm a lm e n te carreg a este significad o. M u itas ou tras passagens, de m an eira sem elh a n te , falam de C risto co m o o nosso Sacrifício , o que im p lica u m a su b stitu ição p o r nós. O a u to r de H ebreus d eclara: [Na época do Antigo Testamento] só o sumo sacerdote, uma vez no ano, não sem sangue, que oferecia por si mesmo e pelas culpas do povo [...] quanto mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará a vossa consciência das obras mortas, para servirdes ao Deus vivo? E, por isso, é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento. (9.7,14,15)
De m odo sem elhante, o capítulo seguinte relata: Pelo que, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste; holocaustos e oblações pelo pecado não te agradaram. Então, disse: Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de mim), para fazer, ó Deus, a tua vontade [...] Na qual vontade temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez. E assim todo sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar pecados; mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus, daqui em diante esperando até que os seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés. Porque, com uma só oblação, aperfeiçoou para sempre os que são santificados. (10.5-7, 10-14) Nono, a m o rte de C risto foi “p o r ”, isto é, no lu g ar de o u tra (s) pessoa(s). O te rm o grego eq u iv alen te a “p o r ” ( hyper ) n o rm a lm e n te im p lica su b stitu içã o ; Lucas 22.19-10, p o r exe m p lo , diz:
E, tomando o pão e havendo dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isso em memória de mim. Semelhantemente, tomou o cálice, depois da ceia, dizendo: Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue, que é derramado por vós. De m aneira sem elhante, em João 10.15, a palavra pelas im plica substituição: “dou a m inha vida pelas ovelhas.” M uitas outras passagens tam bém fazem uso da preposição por no sentido de substituição.27 D écim o, na m o rte de C risto por (grego: anti, no sentido de “no lugar de”) nós, a substituição fica explícita. Por exem plo, com o em M arcos 10.45, Jesus declarou em M ateus 20.28: “o Filho do H om em não veio para ser servido, mas para servir e para dar a sua vida em resgate de [anti, no lugar de] m u ito s.” A lém da idéia de resgate, A. T. R obertson (1863-1934), renom ado estudioso do grego, observou que: 17 Por e x e m p lo , R m 5.8; G 1 3.13; 1 T m 2.6; T t 2.14; H b 2.9; 1 Pe 2.21; 3. IS; 4.1.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Aqueles que se recusam a admitir que Jesus sustentava esta noção de morte substitutiva [...] [tomam] um rumo que facilmente os levará à desconsideração das passagens que contradizem a sua opinião teológica”. ( WPNT, 1.163) Décimo-primeiro, a expiação (o u propiciação pelos nossos pecados — A lm eida e N VI), utilizada com referência à m o rte de Cristo, im plica u m sacrifício substitutivo. Por exem plo, em 1 Jo 2.2 lem os: “E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não som ente pelos nossos, mas tam bém pelos de todo o m u n d o .” Esta passagem faria pouco sentido se Cristo não tivesse entregado a sua vida ilibada em substituição pelos nossos pecados. Décimo-segundo, e por fim, a aplacação da ira divina pela m o rte de Cristo im plica um a m o rte substitutiva. Paulo afirma: “[Jesus] o qual D eus propôs para propiciação pela fé no seu sangue” (R m 3.25). O A ntigo Testam ento descreve a m esm a idéia (cf. Z c 7.2; 8.22; M l 1.9), e várias passagens neotestam entárias falam da ira de Deus co n tra o pecado,29 a qual im plica a necessidade de sua aplacação por m eio de u m sacrifício substitutivo. No seu co n ju n to , estes pontos servem de sólida argum entação a favor do conceito o rtod oxo de u m a expiação substitutiva. C risto m o rreu em nosso lugar: “Aquele que não con h eceu pecado, o fez pecado por nós; para que, nele, fôssem os feitos ju stiça de D eus” (2 C o 5.21). “Porque tam bém Cristo padeceu u m a vez pelos pecados, o ju sto pelos inju stos, para levar-nos a D eu s” (1 Pe 3.18).
OS TRÊS ESTÁGIOS DA SALVAÇÃO A salvação com eça com o ato jurídico da justificação, prossegue em u m processo vitalício de santificação e se com p letará quando nos en contrarm os com Cristo em um ato de glorificação.
A Salvação da Punição do Pecado (Justificação) O prim eiro estágio da salvação é cham ado de justificação, que é a libertação da punição, ou do castigo, m erecido pelo pecado. A justificação é u m ato instantân eo e passado da parte de Deus, por m eio do qual som os salvos da culpa advinda do pecado — o registro do pecado é apagado e nos tornam os sem culpa diante do nosso Juiz (R m 8.1). O grande clam or que partiu do coração dos reform adores foi o da “justificação somente p ela fél” Esta fó rm u la sofreu u m a grande oposição por parte do M ovim en to da C on trareform a iniciado dentro da Igreja C atólica R om an a, o qual insistia na justificação pela fé e pelas obras. E interessante n otarm os que alguns católicos, h o je em dia, alegam que “a fam osa fó rm u la de Lutero que preconizava ‘som ente a fé’ [...] pode ter u m b om sentido cató lico ” ( C C A , 199). C ontudo, esta alegação não o co rre no m esm o sentido em que os protestantes com preend em o tem a, pois no C atolicism o a execução de obras progressivas se som a à fé, com o condição para a justificação final. Para apreciarm os esta contribuição significativa dos reform adores, é necessário exam inarm os a base bíblica do term o justificação. C om o verem os adiante, existe u m a sólida base bíblica, nos dois Testam entos, m ostrand o que a dou trina p rotestante da justificação forense está correta, tal qual foi exposta pelos reform adores e seus seguidores. 28 O u so de an ti n o sen tid o de su b stitu içã o ta m b é m p od e ser e n c o n tra d o e m o u tra s passagens — p o r e x e m p lo R m 12.17; H b 12.2; 1 Pe 3.9
2y Cf. R m 1.18; 2.5, 8 ,5 .9 ; 9.22; 12.19; 13.4-5; E f 2.3; 5.6; C l 3.6; 1 T s 1.10; 2.16; 5.9.
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0 Uso Veterotestamentárw da Justificação Forense A origem da d ou trin a da ju stificação fo ren se (ta l qual o co rre co m as outras d ou trinas n e o testam en tárias) está no A ntigo T estam en to. Na m aioria dos casos, o te rm o hebraico hitsdiq, n o rm a lm e n te traduzido por ju stificar, é “u tilizado em u m sentido foren se ou legal, não no sentido de ‘to rn a r ju s to ’, m as n o de ‘declarar ju d icialm en te que se está em h a rm o n ia co m a lei”’ (H oekem a, SBG, 154). G eorge Eldon Ladd (1911-1982) observou: “Ao ju sto ju stificarão e ao in ju sto cond enarão (Ex 23.7; D t 25.1); isto é, q u em fo r ju lgad o in o cen te passa a ter u m rela cio n a m en to co rreto para co m D eu s” ( T N T , 440). A m aior parte dos eruditos reform ados concordaria, com o afirm a Erickson: No Antigo Testamento, o conceito de justiça freqüentemente aparece em um contexto forense ou judicial. Um homem justo é aquele que foi declarado livre da culpa por um juiz. (CT, 955) A idéia da natu reza forense dos term o s veterotestam entários utilizados para a justificação e a justiça não está restrita aos evangélicos. Hans Küng (nascido em 1928) concorda que “de acordo co m o uso bíblico original do term o , a “ju stificação” é definida co m o u m a ‘declaração de justiça por ordem de um tribunal.’” (J, 209). O Uso Neotestamentário da Justificação Forense Passando agora ao N ovo T estam ento, o verbo traduzido co m o “ju stificar” é dikaioó. Esta palavra é usada por Paulo em u m sentido forense ou legal; o pecador é declarado "ju s to ” (cf. R m 3-4). A justificação é o oposto de condenação; con form e observado por Anthony H oekem a (nascido em 1913): “O contrário de condenação, en tretan to , não é 'to rn ar ju sto ,’ mas ‘declarar ju sto .”’ P ortan to, quando faz uso do verbo dikaioó, Paulo se refere à “im putação legal da ju stiça de Cristo ao pecador cre n te ” (SBG, 154, grifo acrescentado). Q uando u m a pessoa é justificada, Deus a declara absolvida -— antes do ju lgam ento final. P ortanto, A justiça resultante não é perfeição ética; ela é “ausência de pecado” no sentido de que Deus não mais atribui o pecado ao homem (2 Co 5.19). [Assim, no Novo Testamento, vemos que] a justificação é o ato declaratório de Deus por meio do qual, com base na suficiência da morte expiatória de Cristo, Ele declara que os crentes preencheram todos os requisitos da lei que lhes diziam respeito. (Erickson, CT, 956) í ma Explicação Teológica da justificação Forense Ao lado de M artin h o Lutero, João Calvino é, n o rm alm en te, considerado co m o um a aas figuras mais im portantes do M ovim ento da R eform a. Calvino declarou acerca do tem a da justificação forense: O homem não é tornado justo na justificação, mas é aceito como justo, não por conta da sua própria justiça, mas por conta da justiça de Cristo que é exterior ao homem. (Conforme citação feita por McGrath, ID, 2.36)
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A razão pela qual os seres hum anos precisam de justificação é que em nosso estado “sem C risto,” som os to ta lm en te depravados.30 Primeiro, a corrupção está presente no cern e do ser hum ano. Segundo, a depravação se estende a todos os aspectos da hum anidade. Terceiro, a depravação im pede os seres hu m anos de agradar a Deus sem o auxílio da graça. Quarto, e por fim , a corrupção abrange todas as partes e cu ltu ras pertencentes à hum anidade (ibid., 2.90). C ontudo, “depravação to ta l” não significa que os seres hum anos estão destituídos de toda espécie de bondade natu ral; com o já vim os, a imago Dei foi afetada, mas não erradicada. Os reform adores recon h eceram que os seres hu m anos podem fazer o bem de fo rm a horizontal (isto é, socialm ente), contud o estão m o rtos “em ofensas e pecados” (E f 2.1) no sentido vertical (isto é, espiritualm ente) e não têm capacidade de dar início a qualquer tipo de ação m eritória em direção a Deus em favor da sua condição pecam inosa; a vida etern a é recebida por fé e som ente por fé. Charles Hodge (1797-1878) declarou que o pecado predispôs a hum anidade a evitar qualquer m o vim en to em direção a Deus e à sua m aravilhosa salvação. Dessa form a: Todo homem deve se curvar diante de Deus humildemente consciente de que ele pertence a uma raça apóstata; filho de pais rebeldes; nascido separado de Deus, e exposto à sua desaprovação. (Conforme citação feita por McGrath, ID, 2.92) D e m od o similar, para Calvino, a necessidade de justificação é conseqüência da realidade espiritual da depravação total, e esta justificação é jurídica, ou forense, na sua natureza. Küng, afirm ara que o “term o justificação significa ‘declarar ju sto .’ Ele, de fato, im plica ‘um a declaração de ju stiça,’ no sentido de ‘não colocar em con ta,’ ‘não im p u tar’ “ (Küng, J, 212). No Antigo T estam ento, o Rei Davi fez a seguinte declaração: “B em -aventu rad o aquele cu ja transgressão é perdoada, e cu jo pecado é coberto. B em -aventu rad o o h o m em a quem o SEN H O R não im p u ta maldade, e em cu jo espírito não há en g an o” (SI 32.1,2). Paulo, nas páginas do Novo T estam ento, afirm a que Deus estava “reconciliando consigo o m und o, não lhes im putand o os seus pecados” (2 Co 5.19). Estas perspectivas preciosas da d outrina bíblica da justificação foram , em grande parte, perdidas ao longo da m aior parte da história da igreja, m as coube aos reform adores a tarefa de resgatar esta verdade paulina. Apesar de alguns católicos, em nossos dias, com eçarem a reco n h ecer a im portância da ênfase protestante n a justificação forense, o Concilio de T rento (1545-1563) — base da C o n tra-reform a — não havia com preendido esta ênfase. Na verdade, apesar de não haver qualquer tipo de incom patibilidade lógica entre a justificação forense e a concepção católica de um a justificação inicial, existem , contud o, outros problem as sérios com relação ao conceito católico de justificação progressiva.31 Em sum a, dentro do C atolicism o, a salvação é u m sistem a de obras baseado em m éritos que tende a negar na prática o que é, em teoria, afirm ado a respeito da justificação pela graça. 30Vide capítulo 5.
MVide capítulo 10.
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A Salvação do Poder do Pecado (Santificação) O segundo estágio da salvação é cham ado de santificação, ou seja, a libertação do poder do pecado. Ao contrário da justificação, a santificação não é um ato pelo qual Deus nos declara justos; mas sim, um processo contínuo, que ocorre no presente, pelo qual Deus está nos tornand o justos. A justificação é o ato pelo qual Deus nos retira (de fo rm a legal) do dom ínio do pecado. A santificação é o processo pelo qual Deus retira de nós o pecado de fo rm a real). Estas são as três áreas de vitória sobre o poder do pecado: (1) Vitória sobre o mundo (1 Jo 5.4); (2) Vitória sobre a carne (R m 7.24,25); e (3) V itória sobre o Diabo (T g 4.7) Os Três Passos para a Santificação O cam inho ru m o à santificação é m ostrado em R om anos 6:
(1) Saber que, por interm édio de Cristo, estam os m o rtos para o pecado (v. 6); (2) Considerar isto com o u m fato (v. 11); e (3) Render-nos às justas exigências de Deus (v. 13). Assim, a purificação não é u m a conseqüência autom ática da justificação. Ela envolve um a cooperação da nossa parte; precisam os nos entregar à graça santificadora de Deus. A Doutrina Wesleyana da Segunda Obra da Graça
Os w esleyanos, ou seguidores de Jo h n W esley (1703-1791), aderem à posição de u m a segunda obra especial da graça cham ad a santificação total, perfeccionismo. Esta visão se baseia na obra Plain Account o f Christian Perfection, n o qual ele arg u m en tou que é possível alcançarm os u m estado de perfeição livre de pecado nesta vida. Este estado, de acordo com Wesley, foi alcançado apenas por algum as pessoas, mas pode, e deve ser alcançado por todos. Uma Resposta ao Perfeccionismo Wesleyano
Em resposta, tecerem os vários com entários. M uitas pessoas experim entam , de fato, um a segunda obra da graça no seu coração; e este segundo toque tem diferentes nom es em diferentes tradições teológicas. A lém dos títulos acim a citados, alguns, por exem plo, ch am am -n a de dedicação ou consagração. C om relação à necessidade de experiência mais profunda, mais elevada que nos to rn e mais sem elhantes a Cristo, as divergências existentes entre a posição wesleyana e as demais tradições não passa de debate sem ântico. Na verdade, o próprio Wesley n orm alm en te descrevia este fen ôm en o em term os aceitáveis para a m aioria dos cristãos, tal com o amar a Deus de todo o nosso coração ou ser crucificado com Cristo.22
Contudo, Wesley foi m u ito além (co m o fez o W esleyanismo posterior a ele), ao ~ Vide apêndice 5 para maiores detalhes.
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descrever esta ocorrência com o um a segunda obra instantânea da graça pela qual alcançam os, nesta vida, u m estado de libertação do pecado. C o m isto, a m aioria dos não-w esleyanos não concorda, por m uitas razões. Primeiro, esta suposta segunda obra da graça não deve ser confundida com o enchim ento do Espírito Santo, que pode ser u m processo contínuo e repetido. O “ench im en to” é, ao m esm o tem po, contínuo e mandamento de Deus. Paulo deixou o seguinte m andam ento aos efésios: “Não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito” (Ef5.18). Esta frase, no original, está no tem po presente, im plicando que devemos nos encher continuam ente do Espírito. Na verdade, no livro de Atos, aqueles que foram enchidos no Dia de Pentecoste (2.4) foram re-enchidos posteriorm ente (4.31). Segundo, os adeptos da tradição wesleyana que alegam ser possível alcançar u m estado de perfeição livre de pecado nesta vida (por m eio de u m a suposta “segunda obra da graça”) não apresentam n em base bíblica, n em base experim ental para tal.33 A té m esm o os santos com m aturidade notável confessam que jam ais venceram o pecado por com p leto. Tom em os por exem plo o A póstolo Paulo: Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado. Porque o que faço, não o aprovo, pois o que quero, isso não faço; mas o que aborreço, isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. De maneira que, agora, já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. (Rm 7.14-18) Os m ais devotos dentre os profetas e os servos de D eus se consideravam m iseravelm ente pecadores quando Deus se revelou a eles (cf. Is 6.1ss). Podem os chegar a u m a situação onde serem os capazes de não pecar mais, mas jam ais chegarem os, nesta vida, a u m ponto onde não serem os capazes de pecar. Q uem alegar que é capaz (e/ou pode ser capaz) n orm alm en te in corre em u m a destas duas coisas: ou redefine o que se com preende por pecado intencional com o sendo erros não-intencionais ou estão iludindo-se a si m esm os. Terceiro, co m o já analisam os, até m esm o o A póstolo Paulo, n o auge da sua vivência espiritual, reconhecia esta profunda falibilidade, afirm ando que ele era o m aior de todos os pecadores (cf. 1 T m 1.15). Na verdade, parece haver u m a relação inversa n a qual “quanto menos pecadores nos consideramos, mais pecadores somos; e quanto mais pecadores nos consideramos, menos pecadores, de fato, somos”. Tal qual u m a pessoa trajand o roupas brancas que cai em u m a poça de lam a no escuro não percebe a situação em que ficou, quanto mais próxim os chegarm os da luz, tan to mais sujos perceberem os que estam os. João adm oesta os crentes de fo rm a enfática: Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. (1 Jo 1.8,9) Quarto, até m esm o os critérios de Wesley para aquilo que qualifica o pecado revelam que as pessoas que alegam ter atingido este estado de perfeição livre do pecado continu am a pecar, no entanto, qualificam de ou tro m odo o pecado com etid o. Por exem plo, Wesley 35 Op. Cit.
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disse que poderíam os atingir este suposto ápice da perfeição e continu arm os com etend o vários “erros,” tendo m uitas “debilidades,” e possuindo “m il outros defeitos não identificados” na nossa vida. E o que seria isso senão u m a redefinição daquilo que é o pecado, a fim de acom od á-lo a u m a concepção de u m suposto estado de ausência de pecado? Quinto, os wesleyanos estão, indubitavelm ente, corretos quando se referem à um a experiência suprem a p o r vias da dedicação, da obediência e da entrega a Deus (cf. R m 12.1-2; E f 5.18), entrem entes nós não recebemos mais do Espirito Santo; o Espírito Santo simplesmente recebe mais de nós. A santificação não é u m ato instantâneo, m as u m processo vitalício (R m 7.13ss). A rendição ao Espírito tam bém é u m a tarefa diária, não u m a ação que se faz um a única vez (cf. R m 6-7). Sexto, Wesley não explica co m o podem os estar em u m estado de ausência de pecado ( que ele, repetidam ente, alega ser possível) e, m esm o assim, co m eter u m pecado tão sério a p onto de nos tirar a salvação (o que ele cria ser possível). No seu Jornal (edição de agosto de 1743), Wesley escreveu: “Não posso crer [...] que exista u m estado em que possam os atingir nesta vida, do qual o h o m em não possa, definitivam ente, cair” (in WJW, 1.427). Mas se atingíssem os um estado no qual o pecado não fosse mais possível, co m o poderíam os co m eter u m pecado que nos levaria a perder a salvação? Sétimo, e por fim, apesar de ser obrigação de todos os crentes se esforçarem para atingir u m relacionam ento m ais elevado, mais profundo e mais íntim o com Deus, a experiência é u m m étod o tristem en te falho para servir de teste para a verdade. A experiência é, isto sim, u m m étod o ordenado por Deus para a expressão da verdade. Precisam os ser sem pre cautelosos para interp retar as nossas experiências à luz da Palavra de Deus, e n u n ca o inverso. M artin h o Lutero escreveu: Os sentimentos vão e vem, E os sentimentos podem ser enganosos, A minha garantia é a Palavra de Deus, Nada mais é digno de crédito. C om o já observamos, a apresentação bíblica da santificação é de um processo vitalício e contínuo no qual crescem os mais e mais ru m o à sem elhança com Cristo, no aguardar da nossa m orte ou do seu retorno; então, e somente então, alcançarem os a verdadeira perfeição. Paulo nos faz lem brar: “Mas, quando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte será aniquilado [...] Porque, agora, vem os por espelho em enigm a; mas, então, verem os face a face” (1 Co 13.10,12). João acrescenta: “Mas sabemos que, quando ele se m anifestar, serem os sem elhantes a ele; porque assim com o é o verem os” (1 Jo 3.2,3). Enquanto isso, Pedro diz que precisamos crescer “na graça e conhecim ento de nosso Senh or e Salvador Jesus Cristo. A ele seja dada a glória, assim agora com o no dia da eternidade” (2 Pe 3.18).34 A Salvação da Presença do Pecado (Glorificação) O terceiro estágio da salvação é cham ado d e glorificação. Ao contrário da. justificação (que nos livrou do castigo passado m erecido pelo nosso pecado) e da santificação (que está nos livrando da poder presente do pecado), a glorificação é o ato fu tu ro que nos livrará até m esm o da presença do pecado. Vide apêndice 5 para um a análise mais aprofundada.
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A lgum as passagens principais nos dão em basam ento para este ponto de vista. Nas Palavras de Paulo: Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada. Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus. Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo. (Rm 8.18-23) A visão de João acerca da nossa salvação fu tu ra inclui esta m aravilhosa descrição: E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. E eu, João, vi a Santa Cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas [...] E levou-me em espírito a um grande e alto monte e mostrou-me a grande cidade, a santa Jerusalém, que de Deus descia do céu. E tinha a glória de Deus. A sua luz era semelhante a uma pedra preciosíssima, como a pedra de jaspe, como o cristal resplandecente [...] E a fábrica do seu muro era de jaspe, e a cidade, de ouro puro, semelhante a vidro puro. E os fundamentos do muro da cidade estavam adornados de toda pedra preciosa. O primeiro fundamento era jaspe; o segundo, safira; o terceiro, calcedônia; o quarto, esmeralda [...] E as doze portas eram doze pérolas: cada uma das portas era uma pérola; e a praça da cidade, de ouro puro, como vidro transparente. E nela não vi templo, porque o seu templo é o Senhor, Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro. (Ap 21.1-4, 10, 11, 18, 19, 21, 22) João tam bém assegura aos crentes: Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifesto o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos. E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro. Qualquer que comete o pecado também comete iniqüidade, porque o pecado é iniqüidade. (1 Jo 3.2-4) Considere, novam ente, a visão que o A póstolo Paulo tin h a a respeito: Mas, quando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte será aniquilado [...] Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, veremos face a face. (1 Co 13.10, 12) Tendo este dia em vista, Charles H. G abriel (1856-1932), escritor de hinos, declarou: Ah, que glória será para mim Que glória para mim, que glória para mim,
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Dia em que, pela sua graça, verei a sua face, Isto será glória, glória para mim Vários eventos im portantes m arcarão este terceira e ú ltim o estágio da salvação. Primeiro, a nossa natu reza pecam inosa será elim inada. No presente, “Se dissermos que não tem os pecado, enganam o-n os a nós m esm os, e não há verdade em n ós” (1 Jo 1.8). Mas, naquele dia, serem os “perfeitos” (1 C o 13.10) — “serem os sem elhantes a ele; porque assim co m o é o verem os” (1 Jo 3.2). N aquele dia, C risto “tran sform ará o nosso corpo abatido, para ser con form e o seu corpo glorioso” (Fp 3.21). Segundo, a visão beatífica será cum prida. V erem os D eus face a face. Isto é algo que n e n h u m m o rtal pode realizar, pois “D eus nu nca foi visto por alguém . O Filho unigênito, que está no seio do Pai, este o fez co n h ece r” (Jo 1.18). Na verdade, até m esm o Moisés, o grande m ediador que falava diretam ente co m Deus, não obteve perm issão para ver o seu rosto. Q uando pediu a Deus para vê-lo, recebeu a seguinte resposta: “Não poderás ver a m in h a face, porquanto h o m em n e n h u m verá a m in h a face e viverá” (Ex 33.20). Todavia, apesar de o h om em m o rtal não poder olh ar para Deus e continuar vivo, o h om em im ortal será capaz de olhar para a face de Deus e viver por toda a eternidade. João diz: “E verão o seu rosto, e n a sua testa estará o seu n o m e ” (Ap 22.4). Jesus p ro m eteu : “B em aventurados os lim pos de coração, porque eles verão a Deus” (M t 5.8). Terceiro, a nossa liberdade será aperfeiçoada. Apesar de toda liberdade envolver a autodeterm inação,35 para que as suas criaturas fossem testadas, Deus tam bém as deu a liberdade para seguirem um ru m o diferente, isto é, o poder (libertário) da decisão contrária. Esta liberdade continua presente nos seres hum anos decaídos; entretanto, ela não estará presente no céu, onde a nossa liberdade será perfeita e tornada mais à sem elhança da liberdade divina. Por ser absolutam ente perfeito, Deus não tem a liberdade de realizar o m al (Hb 6.18; Tg 1.13). De m odo sem elhante, na visão beatífica, quando contem plarm os ao Senhor que é a bondade absoluta, tam bém não serem os mais capazes de com eter pecado. Hoje, pela graça de Deus, somos capazes de não pecar (1 Co 10.13), mas naquele dia não seremos mais capazes de pecar. Isto não significa a perda da liberdade real, mas um aperfeiçoam ento dela.36 A perfeita liberdade não é a liberdade de ficar escravizado pelo pecado; mas sim , é a liberdade de ficar liberto do pecado. C o m o já vim os, o céu, co m o oco rreu no casam ento, não será a privação da liberdade, mas o seu cu m p rim en to .37 U m dia haverem os de ser libertos de todos os tipos de escravidão, inclusive da escravidão a Satanás. C o m o tam bém já foi estudado, em sua prim eira vinda, Jesus derrotou Satanás deforma oficial (C l 2.14; Hb 2.14), m as na sua Segunda Vinda Ele derrotará Satanás deforma real e definitiva (Ap 20.10; M t 25.41).38
A BASE TEOLÓGICA DA NATUREZA DA SALVAÇÃO (EXPIAÇÃO SUBSTITUTIVA) A salvação está fundam entada em diversas realidades, inclusive na natu reza de Deus e na dos seres hum anos. Para que a reconciliação en tre D eus e as suas criaturas fosse possível, era necessário que a salvação ocorresse, já que o S en h o r é absolutam ente santo e os hom ens com p letam en te pecadores. A salvação é possível porque D eus é am oroso e gracioso, e deseja que todos sejam salvos (cf. 1 T m 2.4; 2 Pe 3.9). 36 V id e c a p ítu lo 3.
37 Ibid., sob o títu lo “Liberdade p a ra F azer s o m e n te o B e m n ã o S ig n ifica a Perda da Liberdade R e a l.”
” Vide v olu m e 4, capítu lo 3.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A Salvação É Conseqüência da Natureza completamente Santa de Deus Vários atributos de Deus, tanto m etafísicos, quanto m orais, atuam com o fontes originadoras da salvação. Deus não é som en te santo, ju sto e perfeito,39 m as tam bém infinito e im utável.40 Logo, Ele é absolutam ente santo e im utav elm en te ju sto, e não pode sim plesm ente virar o rosto para o pecado e perdoá-lo de m aneira arbitrária. E necessário que Ele o pu na de fo rm a eterna, do contrário, Ele n ão será etern am en te ju sto.
A Salvação É Conseqüência da Natureza totalmente Imperfeita da Humanidade A lém de Deus ser m o ralm en te perfeito, os seres hum anos são m o ralm en te im perfeitos.41 A lém de Deus ser absolutam ente santo, os seres hum anos decaídos são com p letam en te depravados. Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. (Rm 3.10-12) Dessa form a, o m u nd o todo se m o stra culpado diante do Criador: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de D eu s” (R m 3.23). Todos transgrediram a sua lei e são culpáveis (cf. R m 2.12-15; 3.19). A té m esm o a “ju stiça ” h u m an a é pecam inosa aos olhos de Deus: Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; e todos nós caímos como a folha, e as nossas culpas, como um vento, nos arrebatam. (Is 64.6) Antes disso Moisés já havia escrito: “E viu o SEN H O R que a m aldade do h o m em se m u ltiplicara sobre a terra e que toda im aginação dos pensam entos de seu coração era só m á con tin u am en te” (G n 6.5). Jerem ias proclam ou: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso” (Jr 17.9). Q ualquer tipo de ju stiça da nossa parte será u m a fo rm a de autojustiça, que foi condenada por Jesus (Lc 18.10-14). Paulo esclarece: “Porquanto, não conh ecend o a ju stiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria ju stiça, não se su jeitaram à ju stiça de D eus” (R m 10.3).
A Salvação É Conseqüência da Natureza totalmente Amorosa de Deus Em função da perfeição m o ral im utável de Deus e da im perfeição m o ral com pleta da hum anidade, a salvação é necessária. E, adm itindo que Deus é to tal e im utavelm ente am oroso,42 a salvação se to rn a possível, pois apesar da sua santidade to rn a r necessária a punição do pecado, a sua graça o im pele a tentar salvar todos os pecadores. Na sua infinita sabedoria, D eus descobriu u m a m aneira de fazer as duas coisas — p erm u tar a m o rte substitutiva do seu Filho perfeito pelas nossas im perfeições. D esta form a, Deus foi capaz de perm anecer ju sto, ao m esm o tem po em que tam bém passou a ser o Justificador do in ju sto ; o seu Filho, o D eu s-hom em , m o rreu — o Justo pelos inju stos — para que nós pudéssem os ser levados à presença do Pai.
39Vide capítulo 6.
40Vide volum e 2, capítulo 13-15.
41 Ibid., capítulo 4-5.
42Vide capítulo 4.
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Naquilo que talvez seja o texto com p acto teologicam ente mais significativo da Bíblia, o A póstolo Paulo declara: Mas, agora, se manifestou, sem a lei, a justiça de Deus, tendo o testemunho da Lei e dos Profetas, isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem; porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus. (Rm 3.21-16) Isto não significa que não existem outras dimensões na expiação, das quais, com o já vimos, am aior parte das principais teorias, apresenta u m elem ento de verdade. Contudo, no coração da expiação está a idéia de um substituto sacrifical que pagou o castigo pelos nossos pecados para que pudéssemos ser livres. Ele se fez pecado por nós, para que pudéssemos ser declarados justos. O hino escrito por Alvin Kelly diz: “Eu dei a Ele as m inhas roupas velhas e esfarrapadas; e Ele m e deu em troca um a túnica de branco pu ro.”
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES ACERCA DA EXPIAÇÃO SUBSTITUTIVA M uitas objeções já foram levantadas em oposição à idéia da expiação, mais especificam ente com respeito à expiação substitutiva. As m ais im portantes serão analisadas, de fo rm a breve, neste espaço.
Objeção Número Um — Baseada Na Suposta Injustiça De Se Punir Outra Pessoa Pelos Nossos Pecados A lgum as pessoas questionam que seria in ju sto castigar um a pessoa no lugar de outra. Afinal, o princípio puro da punição ju sta reza que cada pessoa deva arcar co m o seu próprio pecado: A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a maldade do pai, nem o pai levará a maldade do filho; a justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele. (Ez 18.20) C o m o, então, a ju stiça poderia ser satisfeita ao se p u n ir u m a terceira parte — Cristo — no lugar do nosso pecado?
Resposta à Objeção Número Um Em resposta, certam en te é in ju sto p u nir um a pessoa, con tra a sua vontade, pelo pecado de outra. Cristo, en tretan to , se entregou voluntariamente para m o rre r por nós: “Por isso, o Pai m e ama, porque dou a m in h a vida para to rn ar a tom á-la. N inguém m a tira de m im , mas eu de m im m esm o a dou; ten h o poder para a dar e poder para to rn a r a to m á la. Esse m and am ento recebi de m eu Pai” (Jo 10.17-18). A té m esm o n a vida quotidiana, algum as pessoas (co m o, por exem plo, os soldados) se entregam volu ntariam ente à m o rte por outros (co m o , por exem plos, os cidadãos do seu país). A titudes com o essa não som ente é considerada m oral, mas tam bém algo nobre.
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A lém disso, C risto é D eus.43 A quele que exigiu a punição (D eus) foi tam bém Aquele que a pagou. O Juiz pagou a m u lta pelo condenado. Tal qual u m ju iz h u m an o que desça da sua posição de m agistrado, tire suas vestes oficiais, apanhe sua carteira e pague a m u lta no lugar do seu filho acusado que ten h a sido condenado, assim tam bém Deus agiu a nosso favor. N um caso desses, o questionam ento de que é in ju sto pagar a m u lta pela transgressão de o u tra pessoa de dissolve por com pleto. C om o tam bém m encionam os anteriorm ente, é inju sto acusar outra pessoa pelo m eu crim e, mas não é inju sto que ele decida, voluntariam ente, pagar a m u lta no m eu lugar. U m a vez mais, um a expiação voluntariam ente substitutiva é o ponto mais alto da moralidade: Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. (Rm 5.7,8) Em sum a, a ju stiça de D eus exige que todo o tipo de pecado seja pumdo, mas não necessariam ente que todos os pecadores sejam punidos pelo seu pecado. Por fim, existe u m a prioridade dentro da m oralidade: A m isericórdia triun fa sobre a ju stiça. Dessa form a, apesar da ju stiça de Deus exigir a pu nição dos pecadores, na cruz, o seu am or sobrepujou a sua exigência por justiça. Q uando existe u m conflito inevitável entre dois princípios m orais, o mais elevado assum e a precedência sobre m enos elevado. Por exem plo, Jesus ensinou que quando houvesse u m conflito inevitável en tre o nosso am or pelos nossos pais e o nosso am or por Deus, o am or por D eus deveria falar mais alto (M t 10.37). De m aneira sem elhante, apesar da ju stiça de D eus exigir a pu nição de todo pecado, o seu am or o obriga a proporcionar o perdão a todos os pecadores que o desejarem receber. Logo, apesar da ju stiça por si mesma exigir que o culpado pague pelos seus próprios pecados, quando oco rre u m conflito dessa natu reza entre ela e o am or, este ú ltim o assum e a precedência sobre o prim eiro. A títu lo de com paração, u m filho deve sem pre obediência aos seus pais. Quando, en tretan to , ele se depara com u m a situação em que a obediência a D eus seria quebrada ao obedecer aos pais (por exem plo, se u m pai orientasse u m filha a pecar), não estarem os m ais lidando com a obediência aos pais por si mesma — pois, ao ocorrer, u m a divergência en tre com andos, a ordem de Deus vem em prim eiro lugar. Na expiação substitutiva, não estam os lidando somente co m a ju stiça divina, mas também com u m conflito en tre o am or e a ju stiça de Deus. Neste caso, a obrigação de fazer a coisa que, por si mesma, estaria errada (n o caso desta objeção: não pu n ir o culpado) fica suspensa diante da obrigação m aior em se fazer aquilo que sem pre é co rreto (no caso desta objeção: salvar o pecador arrependido).
Objeção Número Dois — Baseada na Suposta Implicação de Universalismo A lgum as pessoas questionam que a expiação substitutiva im plica a salvação de todos (U niversalism o),44 pois nela C risto é considerado o substituto de todos. M uitos calvinistas firm es (particularistas) utilizam este argum ento em defesa da expiação lim itada,45 insistindo que, co m o todos aqueles por quem Jesus m o rreu serão salvos — e, no entanto, nem todos serão salvos — deduzim os que C risto não m o rreu por todos. Os universalistas, por ou tro lado, concord am que todos aqueles por quem Jesus m o rreu serão salvos, só que, de acordo com seu p o n to de vista, Jesus m o rreu por todas as pessoas e, portanto, 43Vide volum e 2, capítulo 12, e o volum e 1, capítulos 16 e 26.
44Vide capítulo 12.
45Vide capítulo 11.
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todas serão salvas. Dessa form a, tanto os universalistas quanto os particularistas concord am que não pode haver expiação substitutiva sem a salvação efetiva de todos os componentes do grupo pelo qual Jesus foi substituto. Os prim eiros sustentam que Cristo m o rreu por todos, e os segundos sustentam que Ele entregou a sua vida som en te por u m grupo restrito (os eleitos). R e s p o s ta à O b je ç ã o N ú m e r o D o is Os calvinistas m oderados e os arm inianos, que defendem a expiação substitutiva, podem responder propondo u m a distinção m arcante: Existe um a diferença entre a conquista da salvação para todos e a sua aplicação para todos. Cristo conquistou a vida eterna para todos; mas ela som ente é aplicada àqueles que crêem . Todas as pessoas são potencialmente salvas por interm édio da m o rte de Cristo, mas som en te algum as são salvas na realidade — aquelas que o recebem na sua vida.46 Da m esm a form a que u m prisioneiro que recebe clem ência está legalm ente livre, no entanto pode m o rrer enquanto ainda estiver na prisão, tam bém a m o rte de Cristo to rn o u todos “ju sto s” (R m 5.19), mas ocorre que nem todos se apropriarão dessa justiça. C om o declara o apóstolo, Cristo “é [potencialm ente] o Salvador de todos os hom ens, [e na realidade] principalm ente dos fiéis” (1 T m 4.10). O b je ç ã o N ú m e ro T rê s — B a sea d a n o S u p o s to C a stig o D o b ra d o A filósofa E leonore Stu m p (nascida em 1947) questiona o m odelo da expiação substitutiva co m base na alegação que o preço pelo pecado foi pago duas vezes por todos os que estão perdidos ("A A A ” in M orris, PCF, 61-91). De acordo com a concepção substitutiva, Cristo pagou a punição to tal para que n en h u m ser h u m an o tivesse que pagá-la. Porém as pessoas que vão para o inferno precisam pagar pelos seus próprios pecados. Se Cristo já pagou este preço, com o poderia ser ju sto exigir que alguém pague tudo novam ente? Isto não se trata de u m castigo duplo? R e s p o s ta à O b je ç ã o N ú m e r o T rê s Esta objeção opera dentro da estru tu ra do U niversalism o47 que, erroneam ente, considera que a expiação se aplica incond icionalm ente a todos os pecadores. M as não é assim que as coisas funcionam na Bíblia. A expiação se aplica unicam ente àqueles que a recebem sobre a sua vida.4S Logo, co m o já abordam os, a substituição está potencialm ente à disposição de todos, mas não é autom aticam en te aplicada a todos. C risto fez um depósito mais do que suficiente na conta para cobrir a dívida que todos os pecadores tinh am com Deus. Por fé, precisam os nos valer deste depósito para que este perdão, de fato, o co rra.49 O b je ç ã o N ú m e ro Q u a tr o — B a sea d a n a C a p a cid a d e D iv in a de P e rd o a r A expiação substitutiva im plica a necessidade da m o rte de C risto para o perdão dos nossos pecados. Todavia, Deus, por ser Deus, tem a capacidade de perdoar os pecados sem a necessidade da m o rte de Cristo no lugar dos transgressores. Afinal de contas, nós m esm os som os capazes e, por vezes, perdoam os pessoas que pecam con tra nós sem que elas precisem m o rre r por causa disso. Por que D eus não poderia ter feito o m esm o, sem o sacrifício do seu Filho?
*V id e capítulo 15.
47Vide capítulo 12.
48Op. Cit.
49 Ou seja, para que ele nos seja válido.
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Resposta à Objeção Número Quatro Por u m lado, esta analogia é falha. A nossa capacidade de perdoar é baseada no perdão de Cristo. C o m o Paulo disse, devem os perdoar uns aos outros “com o C risto vos perd oou” (C l 3.13). N enhu m ser tem a capacidade ineren te de perdoar pecados; com o recon h eceram os fariseus, som ente D eus é capaz de perdoar pecados (cf. M arcos 2.7). A lém disso, até m esm o Deus, sem a expiação, é incapaz de fazer pouco caso ou de aceitar o pecado: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o m al e a vexação não podes con tem p lar” (H c 1.13). T am pouco D eus pode sim plesm ente perdoar arbitrariam ente o pecado, pois, devido ao m al m oral, todos devem os a Deus; e esta dívida precisa ser saldada. Mas Cristo pagou a dívida e nos resgatou. C om o observam os repetidas vezes, Deus não pode desconsiderar o pecado, da m esm a fo rm a que não pode deixar de ser santo, perfeito e absolutam ente im utável. O bjeção N ú m ero C inco — Baseada em u m Suposto C onflito In tern o dos A tributos de Deus A visão da substituição n a expiação, aparentem ente, im plica u m conflito entre os atributos de Deus. O seu am or e ira estão em guerra u m com o outro: a ira exige que o pecador seja punido e o am or insiste que os seres h u m anos sejam perdoados. Logo, aparentem ente, a ira de D eus acabou sendo descarregada sobre Cristo.
Resposta à Objeção Número Cinco Esta o b je çã o envolve u m a co m p re en sã o e rrô n ea do tem a. C risto n ão veio a este m u n d o p o r causa da ira de D eu s, m as em fu n çã o do seu am o r. “Porque D eus am o u o m u n d o de tal m a n e ira que deu o seu F ilh o u n ig ê n ito ” (Jo 3.16; cf. 1 Jo 3.16). C o n seq ü e n te m e n te , as coisas n ão o c o rre ra m dessa fo rm a p ara que a m o rte de C risto servisse de ap azig u am en to para u m D eus irad o; m as sim , p ela expiação su b stitu tiv a de C risto , u m D eus ju sto e a m o ro so ob teve a satisfação para sua ju s tiç a (e la foi prop iciad a) de fo rm a que o seu am o r pôde ser liberad o. A ju s tiç a do Ju stificad o r foi satisfeita p ela m o rte do Ju sto em lu g ar dos in ju sto s , p ara que estes pu d essem ser ju stificad os (cf. R m 3.21-24).
Objeção Número Seis — Baseada em uma Suposta Intransferibilidade da Justiça D e acordo com esta objeção, assim com o a ju stiça não pode ser transferida ou im putada a ou tra pessoa, a culpa, sem elhantem ente, tam bém não (cf. Ez 18.20).
Resposta à Objeção Número Seis Prim eiram ente, apesar de as pessoas não poderem sofrer pela culpa do pecado de ou tra (Ez 18.20), elas podem (e isto o co rre), contud o, sofrer as conseqüências dos pecados dos outros. Êxodo 20.5 O Sen h or afirma: “visito a m aldade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração.” Crianças abusadas, por exem plo, sofrem em conseqüência do pecado dos pais, e a hum anidade com o u m todo sofre em conseqüência do pecado de Adão.50 A lém disso, esta ju stiça perfeita é o que nos to rn am os “em C risto,” e não em nós m esm os (2 Co 5.17): “Àquele que não con h eceu pecado, o fez pecado por nós; para que, 50Todos m orrem os — Rom anos 5.12.
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nele, fôssem os feitos ju stiça de D eus” (2 Co 5.21). Isto é possível porque na salvação som os unidos com Jesus: Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. (Rm 6.3,4) O que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne, para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito. (Rm 8.3,4)
Objeção Número Sete — Baseada em uma Suposta Incompatibilidade entre o Perdão e o Pagamento pelo Pecado E leonore Stu m p argu m enta que a expiação substitutiva contraria aquilo que ela m esm a se propõe a fazer, já que ela não apresenta, de fato, u m D eus que perdoa pecados, m as co m o alguém que exige u m pagam ento por eles. Perdoar u m a dívida não é exigir u m a expiação por ela, mas sim abrir m ão de qualquer tipo de exigência que seja requerida pela justiça. M esm o assim, de acordo com a visão da substituição, D eus exige todas as suas com pensações por cada u m dos pecados com etidos, já que não perm ite que n e n h u m pecado passe em branco. Na verdade, o próprio Deus quita integralm ente a dívida e, dessa form a, não desconsidera n e n h u m a parte dela. Sup ostam ente, então, não existe n e n h u m perdão real na dívida na expiação substitutiva ( “AAA” in M orris, PCF, 62).
Resposta à Objeção Número Sete Esta objeção considera in corretam en te que a dívida to tal de todo pecador é au tom aticam en te cancelada pela expiação. De acordo co m a Bíblia, para ser eficaz, o sacrifício precisa ser recebido. A m o rte de C risto foi suficiente para todos, mas eficiente som ente para aqueles que crêem .51 O cancelam ento real da dívida está condicionado àfé, isto é, à aceitação verdadeira do sacrifício de Cristo. Dessa form a, não existe contradição, já que não existe perdão para aqueles que ten tam pagar a sua própria dívida.52 De m odo sem elhante, aqueles que são perdoados não precisam pagar a sua própria dívida, já que o pagam ento de Cristo foi aplicado a eles. A única incom patibilidade en tre o perdão e a expiação substitutiva, p o rtan to , vem quando a expiação é m al com preendida com o u m pagam ento au tom ático e incondicional destinado ao pecado de todos os seres hum anos. Por exem plo, quando com pram os u m banco, com pram os todas as dívidas a receber daquele banco tam bém . Se decidíssemos cancelar (perdoar) estas dívidas, os devedores não precisariam pagá-las mais ao nosso banco, en tretan to aquelas dívidas, continu am fazendo parte da transação to tal na com p ra que fizem os do banco. Dessa form a, o perdão e o pagam ento da dívida não são contraditórios.
r Vide capítulo 15.
52 Ao escolher o inferno, que é a separação absoluta de Deus.
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Objeção Número Oito— Baseada em uma Suposta Disparidade de Pagamento pelos Pecados A visão substitutiva da expiação afirma que Cristo pagou a punição total pelos pecados de todos os seres humanos, de form a que eles não precisariam mais pagá-la. A visão substitutiva tam bém afirma que apunição pelo pecado é condenação eterna. Todavia, independentemente do tipo de agonia que Cristo tenha passado, ela certam ente não foi equivalente a um a form a de castigo que dure por toda a eternidade, pois o sofrimento de Cristo teve u m fim, já o daqueles que optarem pelo inferno não term inará nunca (vide ibid., 63).
Resposta à Objeção Número Oito Este argum ento erroneam ente postula que a m o rte de Cristo teve som ente u m valor tem poral. Mas o contrário é verdade, com o Cristo é tam bém Deus,53 e com o Ele sofreu sendo o D eus-hom em , a sua m o rte teve valor infinito. Dessa form a, o seu sacrifício foi mais do que suficiente para expiar u m nú m ero finito de pecados. A m o rte de Cristo não pode ser m ensurada sim plesm ente em term os quantitativos e temporais — tais com o “por quanto tem po ele sofreu?” — mas deve ser considerada em term os da infinita qualidade do seu sofrim ento. Desse m odo, a m o rte do infmito-.tem valor infinito, o que é mais do que suficiente para expiar pecados finitos. A lém disso, esta objeção está m al form ulada, à medida que se concentra som ente na dívida e no devedor; ela falha em não observar o valor objetivo da m orte de Cristo para Deus. O sacrifício de Jesus satisfez com pletam ente (propiciou) o Pai, independentem ente da quantidade de pecados envolvida neste perdão. Depois que a justiça de Deus é satisfeita, Ele está livre para m inistrar o seu am or sobre o pecado de todos os pecadores.
Objeção Número Nove — Baseada em uma Suposta Incapacidade de Mudança no Período de Vida de uma Pessoa Alega-se, tam bém , que a expiação substitutiva não realiza aquilo que propõe realizar, ou seja, elim inar a nossa alienação de Deus e, dessa form a, transform ar a vida do pecador. Supostam ente, nada na visão substitutiva fornece um indicativo de com o a obra de Cristo redireciona o com portam en to hu m ano e altera a nossa propensão ao pecado. E este é considerado o tem a central da salvação e, portanto, a expiação substitutiva é totalm ente ineficaz em si m esm a, (vide ibid., 61-91).
Resposta à Objeção Número Nove Primeiro, este q u estionam ento desconsidera o fato de que o principal objetivo da expiação é satisfazer Deus, e não transformar o pecador. Na verdade, o ún ico significado da palavra expiação é “aplacar,” “pacificar,” ou “cob rir” aos olhos de D eus.54 Expiação é um termo dirigido a Deus, pois a propiciação é dirigida a D eus (1 Jo 2.1), de ou tra form a, a sua ju stiça não é satisfeita, o que im pede a liberação da sua m isericórdia (R m 3.21-26). Segundo, a expiação substitutiva leva à transform ação de u m pecador na fo rm a mais eficaz possível; ou seja, pela graça de Deus. O grande am or de D eus m otiva-nos a am á-lo
de fo rm a retribuitiva (1 Jo 4.19): a graça nos ensina a dizer “n ã o ” para a impiedade e para as paixões m undanas (cf. T t 2.12), e, assim, “o am or de Cristo nos con stran g e” (2 C o 5.14). P ortanto, o nosso entendim ento acerca do sacrifício inigualável de Cristo em 53Vide volum e 2, capítulo 12 e volum e 1, capítulos 16 e 26.
MVide acima, sob o titulo Expiação.
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nosso lugar oferece-nos a m aior de todas as m otivações possíveis para m udarm os a nossa vida de pecado.35 Terceiro, e por fim, a fé n om in al56 na expiação não efetuará m udança no pecador: a fé n om inal não é fé salvífica (cf. T g 2). A fé salvífica envolve confiança, dependência e arrependim ento — e todas estas coisas trazem m udança na e da nossa vida.
A B A S E H IS T Ó R IC A D A N A T U R E Z A D A SALVAÇÃO (E X P IA Ç Ã O S U B S T IT U T IV A )57 Destas várias citações, pode ser visto que a necessidade de expiação pelo sangue e sacrifício de Cristo, em favor dos pecados dos hom ens, está profundam ente enraizada na história judaico-cristã. A u to re s B íb lic o s O ensino do Antigo Testam ento acerca do Cordeiro Pascal (Êx 12) se cum priu em Cristo, “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do m u n d o ” (Jo 1.29): “Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por n ós” (1 Co 5.7). Na verdade, “a alm a da carne está no sangue _...] o sangue que fará expiação pela alm a” (Lv 17.11), e “quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derram am ento de sangue não há rem issão” (Hb 9.22). O s Pais da Ig r e ja P ó s -A p o s tó lic a Apesar das m uitas visões diferentes acerca da expiação entre os líderes da Igreja,58 houve, m esm o assim, um a corren te básica, desde os tem pos mais antigos, que preservou elem entos da visão substitutiva. Policarpo (falecido no século II)
Que possamos, portanto, perseverar em nossa esperança, e no zelo da nossa justiça, que é Jesus Cristo, que carregou os nossos pecados sobre o seu próprio corpo no madeiro, que não tinha pecado, nem se podia nele achar qualquer tipo de culpa, tampouco engano nos seus lábios, mas enfrentou todas as coisas por nós, para que nele pudéssemos viver. (EPP in Roberts e Donaldson, ANF, 1.8.) Ireneu (c. 125-c. 202 d. C.)
Assim, portanto, a Palavra de Deus se fez homem Mas se não tivesse se tornado carne, ou Ele aparecesse como se fosse carne, a sua obra não seria verdadeira. Mas aquilo que aparentava, isto também ele o era: Deus reviu em Si mesmo a antiga forma do homem, para que pudesse aniquilar o pecado, destituir a morte do seu poder e vivificar o homem e, portanto, as suas obras são verdadeiras. (AH in ibid., 1.3.18.7)
55 L em b re-se ta m b é m que é in c o rr e to fazer da salvação u m sin ô n im o to ta lm e n te eq u iv a len te a ju stifica çã o pois a salvação ta m b é m in clu i a san tificação e a glo rifica çã o , e a sa n tifica çã o (p u rifica çã o ) é que, n a verdad e, “re d irec io n a o c o m p o r ta m e n to h u m a n o ” e “a lte ra a nossa p ro p en sã o ao p e c a d o .”
56 T e r u m a fé n o m in a l é te r u m a fé so m e n te n o
n o m e sim p le sm e n te , em vez da fé verd ad eira e r e a l .57 V ide ta m b é m c ita çõ es do ca p ítu lo 8 e in fo rm a ç õ e s a n te rio res n e ste m e sm o c ap ítu lo .
v Vide ca p ítu lo 8.
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E não somente pelas coisas anteriormente mencionadas o Senhor se manifestou, mas [Ele fez isto] também por intermédio da sua paixão. Pois removendo os [efeitos] daquela desobediência do homem que ocorreu no princípio por ocasião da árvore: “Ele se tornou obediente até a morte, e morte de cruz;” retificando a desobediência que ocorreu em função de uma árvore, por meio da obediência que foi [exercida] sobre uma outra árvore [a cruz]. (AH in ibid., 1.5.1.36)
Os Pais da Igreja Medieval Agostinho (354-430 d. C) Agora, se os infantes não estão incluídos nesta reconciliação e nesta salvação, quem os desejaria batizar em Cristo? Mas se estão incluídos, então são contados dentre os mortos por quem Ele morreu? [...] Tampouco poderão eles ser reconciliados e salvos por Ele, a menos que Ele faça a remissão deles e não lhes impute os seus pecados. ( OFSB, 1.44) Mas talvez, por intermédio de alguma percepção especial da minha parte eu declarei que o pecado é um sacrifício pelo pecado. Que os leitores estejam livres para reconhecer isto; e que os que não leram não se sintam intimidados; que não se intimide, insisto, em ler que eles podem ser verdadeiros no seu julgamento. Pois quando Deus passou o mandamento acerca da oferta de sacrifícios pelo pecado, nos quais não havia expiação de pecado, mas tão somente a sombra das coisas que viriam, estes mesmos sacrifícios, estas mesmas ofertas, estas mesmas vítimas, estes mesmos animais que eram trazidos ao altar para serem mortos por causa do pecado, em cujo sangue aquele sangue [verdadeiro] era pré-figurado, são chamados de pecado pela lei; e isto ocorria com tal intensidade que, em certas passagens, conforme está escrito, os sacerdotes, antes do momento do sacrifício, deveriam impor as suas mãos sobre a cabeça do pecado, ou seja, sobre a cabeça da vítima que seria sacrificada pelo pecado. Um pecado desta sorte, portanto, ou seja, um sacrifício pelo pecado desta sorte, foi o que se tornou o nosso Senhor Jesus Cristo, “que não conheceu o pecado” ( OGJ, 41.6). Desse modo, o pecado significa uma má ação digna de punição, e a morte é a sua conseqüência. Cristo não tem pecado no sentido de merecer a morte, mas, por nossa causa, Ele carregou o pecado, no sentido de “morte tal qual ela veio sobre a natureza humana pelo pecado” [...] Ao levar sobre si o nosso pecado, neste sentido, a sua condenação é a nossa libertação, ao passo que persistir em sujeição ao pecado é permanecer condenado. (.RFM, 14.3) Anselmo (1033-1109d.C.) Remir o pecado desta maneira nada mais é do que não punição; e como não é certo se cancelar sem alguma forma de compensação ou punição; não havendo a punição, a dívida permanecerá não saldada. (CDH, I.XII) Portanto o nosso pecado é sobremaneira hediondo cada vez que, deliberadamente, opomo-nos à vontade de Deus, mesmo nas coisas mais insignificantes; já que sempre estamos sob o seu olhar, e sempre é do seu agrado que não pequemos [...] Portanto, tu
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nao fazes nenhum tipo de satisfaçao se nao restituíres algo mais valioso do que o valor devido, o que te refreará de cometer novamente o pecado, (ibid., I.XXI) Dessa forma, a restauração da humanidade não deveria ocorrer, nem poderia ocorrer, sem que o homem pagasse a dívida que tinha diante de Deus pelo seu pecado. E esta dívida era tão grande que, apesar dela ter que ser unicamente saldada pelo homem, somente Deus poderia fazê-lo; de forma que aquele que haveria de quitá-la precisaria ser, ao mesmo tempo, Deus e homem. E, assim, surgiu a necessidade de que Deus assumisse o homem em unidade com a sua própria pessoa; para que aquele que, pela sua própria natureza, deveria pagar a dívida, mas não conseguia fazê-lo, pudesse fazê-lo na pessoa de Deus [...] Além disso, tu claramente mostrastes que a vida daquele homem [Jesus ] era tão excelente e tão gloriosa que proporcionava uma total satisfação pelos pecados do mundo inteiro, e infinitamente mais. (ibid., I.XVIII.a) Sim, é a mais apropriada das coisas que um Pai assim deva aquiescer com um Filho assim no seu desejo, se isto for digno de louvores no que diz respeito à honra de Deus, e útil para a salvação do homem, a qual não seria efetuada de outra forma, (ibid., I.X)
Os Líderes da Reforma João Calvino (1509-1564) Portanto, para a realização da plena expiação, ele tornou a sua alma ashatn, isto é “uma vítima propiciatória pelo pecado” (como declara o profeta em Isaías 53.5,10), sobre a qual a culpa e o castigo sendo, desta forma, colocados, deixam de ser imputados sobre nós. O apóstolo declara isto de forma ainda mais clara ao dizer que “Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21). Pois o Filho de Deus, mesmo sendo imaculadamente puro, levou sobre si a desgraça e a ignomínia das nossas iniqüidades e, em troca, revestiu-nos com a sua pureza. (ICR, I.II. XVI. VI) Para satisfazer a nossa redenção era necessário escolher uma forma de morte pela qual Ele pudesse nos libertar, que englobasse tanto a entrega voluntária à condenação, quanto o enfrentamento da nossa expiação. Caso ele tivesse sido exterminado por assassinos, ou morto em um levante, a sua morte não teria representado a satisfação exigida. Mas ao ser pregado em uma tora destinada a criminosos, para onde as testemunhas eram trazidas para apresentar evidências contra Ele, e a boca de um juiz o condena à morte, vemo-lo como que sustentando o caráter de um transgressor e malfeitor, (ibid., I.II.XVI.V) Jmathan Edwards (1703-1758) A necessidade de satisfação pelo pecado e a racionalidade desta doutrina cristã podem ficar evidentes a partir das seguintes considerações: a justiça requer punição para os pecados, porque o pecado merece castigo. ( WJE, 2.565) Logo, a satisfação de Cristo por meio da sua morte é, certamente, algo bastante racional, (ibid, 2.569)
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Cristo é normalmente representado com a pessoa que levou sobre si os nossos pecados: Isaías 53.4 diz “Verdadeiramente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si” (Isaías 53.11), “Porque as iniqüidades deles levará sobre si” (Isaías 53.12): “Ele levou sobre si o pecado de muitos” (ibid., 2.570). Além disso, a imposição das mãos sobre a cabeça do sacrifício era um símbolo da transmissão da culpa do pecado sobre uma pessoa; em linha com o significado costumeiro da imputação de culpa entre os hebreus. (ibid.)
Os Mestres do Período Posterior à Reforma William G. T. Shedd (1820-1894)
E a justiça divina que exige a satisfação, e é a compaixão divina que proporciona a satisfação. Deus é aquele que prende o homem em um justo cativeiro, e Ele é quem paga o resgate que o liberta do pecado. Deus é o Juiz Santo dos homens que requer a satisfação pelos pecados; ao mesmo tempo em que é o Pai misericordioso que proporciona esta satisfação aos homens. (DT, 2.392-93) Enquanto o Santo não tiver sido “propiciado” por meio de uma expiação, a punição não poderá ser “abandonada.” Nenhum destes efeitos poderá existir sem uma causa antecedente. A Bíblia desconhece a remissão do castigo por motivo arbitrário: ou seja sem uma base ou motivo plausível. O sofrimento penal é abdicado, ou deixa de ser aplicado sobre a parte culpada, por ter sido enfrentado por um substituto. Se a punição tiver sido remitida meramente pela soberania, sem que para isto haja qualquer base ou razão; se ela não for perpetrada sobre o pecado, nem sobre o seu substituto, estaríamos diante da abolição do castigo, e não da sua remissão, (ibid., 2.392) Charles Hodge (1797-1878)
De acordo com esta doutrina a obra de Cristo é uma satisfação real, que possui um mérito infinito inerente, à justiça justificadora de Deus; de forma que Ele salva o seu povo ao fazer por ele, e no lugar dele, o que ele não poderia fazer por si mesmo, satisfazendo as exigências da lei no lugar dele, e, ao mesmo tempo, carrega sohre si a punição que lhe era devida; pelo que ele é reconciliado com Deus, recebe o Espírito Santo e passa a ser um partícipe na vida de Cristo para a sua presente santificação e eterna salvação. Esta doutrina proporciona ambas as coisas [isto é, cumpre estes dois objetivos] [...] Ela mostra como a maldição da lei foi removida quando Cristo se fez maldição por nós; e como, em virtude desta reconciliação com Deus, nós nos tornamos, por meio do Espírito, partícipes da vida de Cristo, [e] Ele se torna não somente a nossa justiça, como também a nossa santificação. Somos purificados da culpa pelo seu sangue, e renovados pelo seu Espírito conforme à imagem de Deus. Tendo morrido nele, nele também vivemos. A participação na sua morte é a garantia de que também participaremos na sua vida. (ST, 563-64) Lewis Sperry Chafer (1871-1952)
Em todas estas coberturas passageiras do pecado existe o prenuncio do sacrifício final de Cristo na cruz. Por meio do sacrifício de Cristo na cruz, o conceito de “cobertura de pecados” perde a sua exatidão, e o Novo Testamento passa a fazer uso de outros
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termos. Enquanto os sacrifícios do Antigo Testamento proporcionavam uma satisfação temporária ao juízo divino, a morte de Cristo remove definitivamente o pecado do mundo [Jo 1.29; ljo 3.5]. (ST, 2.83-84) M ãlard Erickson (nascido em 1932) Vimos que a morte de Cristo é interpretada de diversas formas, sendo que cada uma dessas teorias examinadas reúne um aspecto significativo da sua obra. Apesar de podermos ter objeções sérias a algumas destas teorias, reconhecemos que cada uma delas possui uma dimensão da verdade. Na sua morte Cristo (1) nos deixou um exemplo perfeito do tipo de dedicação que Deus deseja da nossa parte, (2) demonstrou a grande vastidão do amor divino, (3) sublinhou a seriedade do pecado e a severidade da justiça de Deus, (4) triunfou sobre as forças do pecado e da morte, libertando-nos do seu poder, e (5) prestou satisfação ao Pai acerca dos nossos pecados. Todas estas coisas nós, como humanos, precisávamos que fossem feitas por nós, e Cristo fê-las todas em nosso lugar. (CT, 799)
CONCLUSÃO A Bíblia é u m livro soteriológico que inicia na eternidade, com os atos divinos de presciência, predestinação e eleição. M esm o antes de serm os salvos, D eus já estava em ação por m eio da sua graça preveniente, operando o convencim ento de que éram os pecadores. Q uando, por m eio da fé, recebem os o ato inicial da salvação (a justificação), neste exato m o m en to som os selados pelo Espírito Santo, batizados no corpo de Cristo, redim idos, regenerados, nascidos de novo, adotados n a fam ília de Deus, reconciliados co m Deus e perdoados dos nossos pecados com base na m ediação e n a expiação realizada por Cristo. Todos estes atos salvíficos tornaram -se possíveis som en te em fu nção da m o rte substitutiva de Jesus pelos nossos pecados, na qual o Justo m o rreu pelos injustos, a fim de que a ju stiça de Deus pudesse ser satisfeita e a sua m isericórdia pudesse justificar os injustos. A salvação não term in a com u m ato ún ico de justificação; este é som en te o prim eiro estágio, pelo qual som os salvos da pu n ição do pecado. A salvação tam bém envolve um processo vitalício de santificação, pelo qual som os salvos do poder do pecado. Na m o rte, a nossa redenção atinge o seu ponto m áxim o com u m ato de glorificação que nos salva, finalm ente, da presença do pecado. Neste ponto passarem os a ver Deus face a face (no que se d en om ina Visão Beatífica) e nos to rn arem os sem elhantes a Ele; naquele m o m en to , O verem os com o Ele realm ente é.
FONTES A nselm o. Cur Deus Homo. Agostinho. On Forgiveness o f Sins, and Baptism. --------. On the Gospel ofJohn. --------. Reply to Faustus the Manichaean. Calvin, Jo h n . Institutas da Religião Cristã Zatholic Catechismfor Adults, A : The Church’s Confession o f Faith. -hafer, Lewis Sperry. Systematic Theology. “dwards, Jonathan. The Works o f Jonathan Edwards.
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Erickson, M illard. Christian Theology, 4a edição. H atch, Edwin e H enry A. Redpath. A Concordance o f the Septuagint. Hodge, Charles. Systematic Theology. H oekem a, A nthony A. Saved by Grace. Ireneu. Against Heresies in R oberts e D onaldson, The A nte-N icene Fathers. Küng, H ans . Justification. Ladd, George Eldon. A Theology o f the New Testament. M cG rath, Alister E. Iustitia Dei. Policarpo. The Epistle o f Polycarp to the Philippians in R oberts e D onaldson, The Ante-N icene Fathers.
R adm acher, Earl. Salvation. R oberts, Alexander e Jam es D onaldson. The A nte-N icene Fathers. R obertson, A. T. Word Pictures in the New Testament. Shedd, W illiam G. T. Dogmatic Theology. Stu m p , Eleonore. “Atonement According to Aquinas” in Philosophy and the Christian Faith, Editado p or T hom as V. M orris. Wesley, Jo hn. Journal (A gosto de 1743). ------- . The M eans o f Grace, Serm ão n° 16.
------- . A Plain Account o f Christian Perfection. ------- . The Works o f John Wesley.
C A P Í T U L O
DEZ
AS EVIDENCIAS DA SALVAÇAO
raticam ente, todos os teólogos cristãos crêem que os salvos precisam m anifestar a sua fé n a fo rm a de boas obras. Todavia, existe u m a significativa controvérsia in tern a a respeito (1) do alcance e das características desta m anifestação e (2) da real conexão entre fé e obras. O debate prim ário o co rre entre as concepções católica e p ro testan te.1 U m a
P
discussão secundária prossegue entre os proponentes da co rren te “sen horio-salvação” e os da “graça-livre”.2
O CONTEXTO HISTÓRICO DO DEBATE ENTRE CATÓLICOS E PROTESTANTES ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE FÉ E OBRAS Apesar do nú cleo co m u m da crença agostiniana na necessidade da graça de Deus para a salvação, católicos e protestantes continu am tendo sérias divergências acerca da relação entre fé e obras. C o m o já analisam os, o clam or central da R eform a Protestante foi a “justificação somente pela fé!” A Igreja C atólica R o m an a respondeu co m a declaração de que “pelas suas boas obras o h o m em justificado adquire, de fato, o direito a galardão sobrenatural da parte de D eu s” (deliberação do Concilio de T rento, con form e citação feita em O tt, FCD, 264). Até m esm o dentro dos círculos protestantes existe u m a discrepância considerável acerca deste tem a. Apesar de a m aioria dos evangélicos considerar que a fé salvífica se revela por interm édio das boas obras, existe divergência a respeito da conexão exata entre estas duas coisas. Alguns sustentam que a realização das obras resulta automaticamente da fé, ao passo que outros afirm am que, às vezes, não existem evidências observáveis para se confirm ar se a pessoa é realm ente salva. Alguns entendem que as boas obras fluem de maneira inevitável, e não autom ática, a partir da fé salvífica, ao passo que outros insistem que a execução das boas obras acom panha, mas não resulta dela, por necessidade. Em contraste com todas estas concepções protestantes, os católicos argu m entam que a realização de boas obras é um a condição para a salvação e não um a conseqüência dela. Os protestantes insistem que apesar de serm os salvos para as obras, não som os salvos pelas obras.3 ' A p rim eira p a rte d este c a p ítu lo é baseada n o deb ate e n c o n tra d o e m Roman Catholics and Evangelicals: Agreements and Differences d e N o rm a n L. G e isle r e R a lp h E. M a cK en z ie (G ra n d Rapids: B a k e r, 1995). le ta lh a d o destas e de o u tra s c o n c ep çõ e s a c e rc a das co n d içõ es d a salvação.
2 V id e ca p ítu lo s 15-16 p a ra u m e x a m e m ais 3 O u seja , apesar de D eu s n ã o n o s salvar c o m o
fo rm a de g alard ão (re c o m p e n sa ) pelas nossas obras, E le n os salva p a ra as boas obras — vide, p o r e x e m p lo , E f 2.10.
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A posição católica acerca da relação en tre justificação e obras foi tornad a u m dogm a infalível no século dezesseis pelo Concilio de T ren to ,4 que foi u m a reação à proclam ação feita por M artin h o Lutero de que "o ju sto viverá por fé, e som ente por fé.” Lutero ficou, inicialm ente, incom odado pela venda de indulgências prom ovida pela igreja rom ana. Na sua região, u m vendedor superzeloso, João Tetzel p rom etia aos fu turos com pradores: “Q uando a m oeda no cofre tilintar, a alm a do purgatório irá saltar.” O clam or levantado p o r Lutero (o seu protesto) foi a faísca inicial da R eform a Protestante.5
A Posição de Lutero Antes de M artinh o Lutero, a dou trina (agostiniana) padrão enfatizava a justificação intrínseca: o cren te era tornado ju sto pela graça de Deus. A justificação extrínseca, pela qual
o pecador é legalm ente declarado ju sto, era m enos notada no Cristianism o anterior à R eform a.6 C o m Lutero, a situação se m odifica dram aticam ente; en tretan to , conform e observou Peter Toon (nascido em 1939): “Lutero não em prega term os forenses [legais] para explicar esta im putação da ju stiça alheia ao pecador. Este desenvolvim ento surge, p osteriorm ente, feito por outras pessoas” (FFJS, 58).7 Lutero foi orientado por João von Staupitz (c. 1460-1524), u m abade que, de certa form a, apoiou-o afazer as preleções (de 1515 a 1517) sobre as cartas de Paulo aos R om anos e aos Gálatas. O resultado deste estudo levou Lutero a u m a nova visão acerca de Deus: o Todo-terrivel é tam bém Todo-misericordioso. Lutero n o to u que no uso que Paulo faz do idiom a grego, a palavra justiça apresenta diferentes significados:
[O primeiro significado é uma rígida afirmação da lei, e o último é] um processo do tipo que às vezes ocorre quando o juiz suspende a sentença [...] e, desse modo, instila a resolução de que o homem [culpado] está recuperado, (in ibid., 49) Este segundo significado da palavra ju stiça é necessário porque: O pecador é completamente incapaz de alcançar por si mesmo qualquer forma de justiça: tudo o que lhe cabe é a condenação [...] [Mas Deus] livremente decidiu receber-nos para Si mesmo [...] a uma comunhão que, pela nossa parte, havia sido desfeita e jamais poderia ser restaurada, (in Atkinson, MLPCC, 133) Ao estudar o significado de R om an os descoberta:
1.16,17, Lutero fez u m a sensacional
4 Este co n c ilio re ce b eu este n o m e e m fu n ç ã o d a cidade o n d e fo i realizad o — T r e n to (n a Itá lia ), que fica a c e rca de 112 k m de V eneza, e m d ireção ao n o rd este . T re n to (1545-1563, e m sessões d esco n tin u a d a s) c o n firm o u e p a d ro n iz o u as d o u trin a s c ató lic a s q ue os seu s p articip an tes ju lg a ra m am eaçad as e/ou negadas p e la R e fo rm a P ro te sta n te . A litu rg ia ali estab elecid a, p ara u so ú n ic o n a Ig reja, fo i ch a m a d a de Missa Tndentina.
5 L u tero fo i u m m o n g e c a tó lic o d e v o to c u ja in te n çã o o rig in a l
e ra p ro m o v e r a re fo rm a da Ig r e ja C a tó lic a R o m a n a , e n ã o c o m e ç a r u m n o v o m o v im e n to fo ra dela. A Ig re ja co n sid ero u e sta in iciativ a c o m o m o tiv o p ara sua e x c o m u n h ã o .
6 E n tr e ta n to , a ju stific a ç ã o e x trín s e c a n ã o estava t o ta lm e n te au sen te,
e sp e cia lm e n te nos e scrito s dos Pais da Ig r e ja P rim itiva. T h o m a s O d en d esco b riu m a te ria l da e ra p a trís tica q u e re v e la q ue os e n sin o s de P au lo a ce rca da “salvação so m e n te p o r g ra ça e u n ic a m e n te p o r fé ” n ã o e ra m , de fo rm a a lg u m a , e stra n h o s o u p o u c o difundid os n a I g re ja (vide sua o b ra Justification Keader [G ran d Rapids: E erd m a n s, 2002]). d estas “o u tras p essoas.”
7Jo ã o C a lv in o e ra u m a
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Noite e dia eu ponderava até que vi uma conexão entre a justiça de Deus e a afirmação de que “o j usto viverá pela fé.” Então percebi que a justiça de Deus é a justiça pela qual, através da graça e da pura misericórdia, Deus nos justifica por meio da fé. Em conseqüência disso senti-me renascido e do lado de dentro dos portais do paraíso. As Sagradas Escrituras ganharam um novo sentido, e apesar de, anteriormente, a “justiça de Deus” sempre ter me enchido com ódio, neste momento, ela passou a ser indescritivelmente doce no seu grande amor. Esta passagem foi para mim a porta do céu. (in Bainton, HISLML , 65) Apesar da descoberta de Lutero, às vezes, esquece-se que ele, a exem plo dos católicos rom anos, cria em u m a definição progressiva de justificação ,8 Por exem plo, Ele disse: “Entendem os que u m h o m em que é justificado ainda não é ju sto, mas está seguindo ru m o à ju stiça” (LW , 34, 152). A lém disso: “A nossa justificação ainda não está term inada ...] Ela continu a em construção. E ntretan to, estará com p leta na ressurreição dos m o rto s” (in A lthaus, TM L, 237). Este senso de “justificação progressiva” é o que m uitos protestantes cham am de “santificação,” o processo pelo qual nos tomamos ju stos (de m aneira intrínseca), que se distingue do ato inicial (de justificação por parte de D eus) pelo qual som os declarados ju stos (de m aneira extrínseca). Toon acrescenta: A justificação pela té é tanto um evento, quanto um processo. Aquilo que os protestantes posteriores haveriam de dividir, Lutero o tinha de forma integrada. Para ele está muito claro que existe um momento em que o pecador é, verdadeiramente, justificado pela fé. [O pecador,] então, passa a possuir a justiça de outrem, a justiça de Cristo que lhe é alheia, que lhe é imputada [...] [Todavia] este é somente o início de uma jornada no tempo (que será seguida pela ressurreição dos mortos no porvir) na qual, de fato, possuirá uma justiça perfeita criada nele pelo Espírito de Deus. ( FFJS, 58-59) A R e s p o s ta C a tó lic a a L u te ro C om o já observam os, foi o Concilio de T rento que se propôs a refu tar a concepção de Lutero acerca da salvação exclusivam ente por m eio da fé, independ entem ente das obras. Trento considerou os seguintes questionam entos acerca da justificação: (1) Seria a justificação som en te um ato j urídico [ou legal] na sua natu reza (extrínseca), ou existe tam bém um a obra intrínseca (santificadora) nela envolvida? (2) Qual a relação entre fé e obras? (3) Será que a vontade h u m ana exerce u m papel ativo na justificação? (4) C o m o a justificação se relaciona com os sacram entos com o a eucaristia, o batism o e a penitência? (5) Seria possível ao crente ter a certeza de que ele está justificado? (6) Seria possível ao h o m em se inclinar em direção à justificação e, caso sim , esta inclinação deve ser com preendida com o m eritória da sua parte? (em ibid., 69) Francam ente, a m aioria destas perguntas trata da relação entre fé o obras. No dia 9 de jan eiro de 1547, os participantes do concilio chegaram a u m a form u lação final acerca da justificação. Exam inarem os a conclusão deles com base nestas seis perguntas acim a m encionadas. O q u e significa q u e a ju stific a ç ã o n a o é c o m p le ta d a o u fin alizada im e d ia ta m e n te , m as segu e u m p ro ce sso de san tificação p u rificação ).
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Primeiro, apesar de vários m em bros reco n h ecerem u m elem en to extrínseco na justificação (p o rtanto, aproxim ando-se da concepção dos reform adores neste ponto), a visão consensual foi de que “a opinião de que u m pecador pode ser justificado un icam en te co m o u m a questão de [...] im putação [...] está rejeitada” (ibid., 72). P ortanto, a justificação é assim definida em term os de u m h o m em se tornar, e não m eram en te ser considerado co m o ju s to ” (ibid., grifo acrescentado).9 Segundo, com isso o Concilio de T rento apresentou a justificação em dois sentidos (o prim eiro sendo o que os Protestantes [os R eform ados] entendiam por justificação e o segundo que correspondia à dou trina protestante da santificação), o segundo sentido (a segunda justificação ) exigia as boas obras: “Dessa form a, tan to é possível, quanto necessário guardar a lei de Deus [para a salvação]” (ibid., 84) Terceiro, T rento, ao levar em consideração o pecado original, afirm ou que o m al afetou toda a hum anidade e, p o rtan to : “o h o m em é incapaz de redim ir-se a si m esm o. O livre-arbítrio não foi destruído, mas foi enfraquecido e debilitado pela Q ueda” (ibid., 81). Lutero rejeitou esta debilitação no seu livro D e Servo-Arbitrio:
Se alguém disser que o livre-arbítrio do ser humano, movido e despertado por Deus não coopera com o seu consentimento a Deus, que é O que desprende e chama [...] que seja anátema [isto é. “seja aqui excomungado, cabendo-lhe duas alternativas: retratar-se ou ir para o inferno”], (in Toon, ibid.) P ortanto, nas palavras de u m au to r católico: “O pecador, na verdade, coopera com esta graça, pelo m enos no sentido de não rejeitá-la de fo rm a pecam inosa” (A nderson, fiF, 34). Apesar da m aioria dos protestantes concordar, os calvinistas se apressariam em acrescentar (bem com o os tom istas cató licos)10 que é Deus, pela sua graça, que opera nos h om ens esta coo p eração.11 Quarto, o te m a dos sacram entos foi analisado na Seção VII (no dia 3 de m arço de 1547). A fim de com preend er estes p ronunciam entos, precisam os lem brar que T rento com preendia a justificação de duas m aneiras: C o m o prim eira e segunda fase.12 O batism o é operativo na prim eira form a, já que a graça para elim inar o pecado original nos é “m ediada” pelo batism o. Tanto a eucaristia, quanto a penitência pertencem ao segundo sentido da justificação, e os católicos sustentam que esta justificação (isto é, a ju stiça) é “aum en tada” (ou “increm en tad a”) pela participação nestes sacram entos. Quinto, em função da ênfase que os reform adores colocaram na segurança da salvação, o concilio de T rento foi forçado a tratar da questão. A lister M cG rath (nascido em 1953) afirm a que o concilio em itiu “u m a condenação explícita à d outrina luteran a da segurança, co m o sendo um a afirm ação contrária à necessária hum ildade cristã” ( ID , 2.78). C ontu do, a “condenação explícita” trata da “certeza infalível” da salvação, a qual m u itos eruditos católicos consideram desnecessária, mas talvez possível. Na verdade, “de várias form as, a dogm ática ro m an a [católica] indicava que a rejeição de R o m a da segurança pessoal da salvação não significa a proclam ação de um a religião de in in terru p ta ansiedade (Berkouw er, C W R , 114). Para o católico, “existe um a posição interm ediária en tre a certeza da fé e a dúvida. Esta posição é a da certeza m o ral que exclui todo tipo de 9 S ign ifican d o, p o r ta n to , q u e a ju stifica çã o n ã o e stá c o m p le ta sem a san tificação . c o m p ê n d io d o u trin á rio e x p o sto p or T o m á s de A qu in o . se m e lim in a r a lib erdade h u m a n a . próp rias obras, resp e ctiv am en te .
10 T o m istas são os a d eren tes ao
11 Isto é v erd ad e, m a s é im p o r ta n te a c re sce n ta r que Ele faz isso
12 A ju stific a ç ã o p e la o b ra de D e u s, segu ida p e la ju stific a ç ã o p o r m e io das nossas
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ansiedade e desespero” (B a rtm a n n , LD , 2.109, citação feita em ibid., 115). Dessa fo rm a, de acordo com o C atolicism o, os cristãos podem ser considerados com o pessoas que têm um a certeza “relativa”, mas não “absoluta” (isto é, “infalível”) da salvação. Sexto, e p o r ú ltim o, T rento afirm ou que a nossa justificação inicial (a prim eira) precisa ser vista com o u m “d om .” P ortanto, é um a grata surpresa para os protestantes o fato de os católicos rom anos acreditarem que “Se alguém disser que o homem pode ser ju stificado diante d e D eus p ela s suas próprias obras [ ...] sem a divina graça, por meio de Jes u s Cristo: que seja anátem a ” (in
D enzinger, S C D , 811, grifo acrescentado). Nada que preceda a justificação, seja a fé ou as obras, merece a graça da justificação. E se é pela graça, não é mais pelas obras; se assim não fosse, nas palavras do apóstolo, a graça não seria mais graça, (in ibid., capítulo 8, grifo acrescentado) Nesta conexão som ente é justo afirmar que quando os estudiosos católicos citam Tiago 2.24 ( “O h om em é justificado pelas obras”), eles não se referem à justificação inicial, à prim eira justificação (via batism o), que ocorre som ente segundo a graça de Deus. Na verdade, eles se referem à segunda justificação, a progressiva (o crescim en to na ju stiça) ao qual os protestantes cham am de santificação. Por ou tro lado, Trento afirm ou que a realização de obras é necessária para a salvação nos sentidos progressivo e eventual. E com isso os protestantes discordam v eem entem en te. Na verdade, co m o já verificam os, trata-se de dogm a católico a afirm ação de que “pelas suas boas obras o h o m em justificado adquire, de fato, o direito a galardão sobrenatural da parte de D eu s” (in O tt, F C D , 264). C om o a defesa da justificação forense (legal ou jurídica) está d iretam ente ligada à rejeição protestante do ensino católico acerca do m érito hu m ano, verem os, em prim eiro lugar, a d outrina católica das boas obras. Tal qual fizem os nos capítulos anteriores, esta análise será dividida em argum entos bíblico-teológicos e históricos. A p e la çõ e s C a tó lic a s à B íb lia a F av o r d a Ju s tific a ç ã o M e ritó ria Ludwig O tt (nascido em 1906), um a autoridade dentro do C atolicism o, argum enta: De acordo com a Santa Escritura, a bênção eterna no céu é uma recompensa pelas boas obras que uma pessoa realizou neste mundo, e a recompensa e o mérito são conceitos que guardam uma correlação entre si. (ibid.) O tt apresenta as seguintes passagens bíblicas com o base para a sua afirm ação: Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me. (Mt 25.34,35) Ele tam bém acrescenta: São Paulo, que enfatiza tanto a graça, também enfatizou, por outro lado, a natureza meritória das boas obras realizadas com a graça, ao ensinar que a recompensa é proporcional às obras: “[Deus] o qual recompensará cada um segundo as suas obras”. [Rm 2.6]
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O tt cita outras passagens sim ilares (1 C o 3.8; C l 3.24; Hb 10.35; 11.6) e conclui; As boas obras do justo estabelecem o seu direito legal (metirum de condigno) à recompensa a parte de Deus [cf. Hb 6.10], (ibid.) O bviam ente, este “d ireito” ( “exigência”) não é intrínseco; o nosso suposto direito a recom p ensa som ente é real porque Deus se coloco u nesta situação por interm édio da sua prom essa em nos com pensar pelas nossas boas obras. Para aqueles que agirem bem “até o fim” [Mt 10.22], e que confiarem em Deus, a vida eterna está proposta, tanto como uma graça misericordiosamente prometida aos filhos de Deus por intermédio de Jesus Cristo, “quanto como recompensa” [...] fielmente entregue pelas suas boas obras e pelos seus méritos, (in Denzinger, SCD, 809.257) Leia novam ente esta afirm ação (da dou trin a de Trento): Se alguém disser que as boas obras do homem justificado são de tal forma dom de Deus que se exclua a possibilidade de haver nesta justificação os bons méritos daquele que é justificado, ou que aquele que é justificado pelas boas obras [...] não mereça verdadeiramente um incremento da sua graça, a vida eterna e a conquista da vida eterna (se morrer na graça), bem como um incremento da glória; que seja anátema. (in ibid., 842.261)
Apelações Católicas à História (Tradição) em Favor da Justificação Meritória A Teologia católica afirma: “Desde a época dos Pais apostólicos, a tradição atesta o m érito das boas obras” (Geisler e M acKenzie, RCE, 228). Por exem plo, Inácio de Antioquia escreveu a Policarpo: “Onde há grande esforço, há tam bém u m rico g anh o” (EP, I.I.3). Justino M ártir tam bém é citado em defesa do m érito; Tertuliano, por sua vez, afirmou: “Pode-se considerar que o h om em que executa boas obras tem Deus com o seu devedor” (OR, 1.323.44-46). Obviam ente, n a concepção católica, estas boas obras surgem da fé, mas a realização de obras é considerada a base do m érito necessário para se obter a vida eterna. O tt declara: A razão natural não é capaz de provar a realidade do mérito sobrenatural já que ele se baseia na livre promessa divina de galardão [...] [Todavia] a consciência geral dos homens presta testemunho à propriedade de uma recompensa sobrenatural pelas boas obras sobrenaturalmente realizadas de maneira livre. (FCD, 265)
UMA CRÍTICA EVANGÉLICA À DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO MERITÓRIA Já estudam os as asseverações católicas de que a execução de boas obras antes da ju stificação13 não é m eritória. Todavia, m esm o reconh ecend o o nú cleo agostiniano que tem os em co m u m no que diz respeito à necessidade da graça, persistem várias 13 Os católicos crê e m que a justificação oco rre n o batism o infantil. Vide Trento : “D ecreto Sobre a Justificação,” n o capítu lo 8.
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diferenças substanciais en tre as posições oficiais da Igreja C atólica R o m an a e a O rtodoxia Protestante acerca da salvação. Antes de apresentarm os as bases da posição Protestante, responderem os aos argum entos católicos a favor da justificação com base nos m éritos. A V isão C a tó lic a C o n fu n d e Recom pensa c o m M érito Infelizm ente n em todos com preend em adequadam ente o sentido da palavra recompensa. Apesar da Teologia católica acertadam ente m o strar que a Bíblia, às vezes,
refere-se à vida etern a com o um a recom pensa (por exem plo, G1 6.8), que ela pode ser herdada (por exem plo, Lc 18.18), o Novo Testam ento tam bém se refere à vida eterna em term os de tipo ou grau de recom p en sa que herdaremos. Isto se baseia nas obras que realizarm os, e Gálatas 6.6-10 parece se encaixar nesta categoria, já que fala da colheita que os crentes farão daquilo que sem earem neste m undo. Neste sentido, a realização de obras não é u m a condição, mas u m a conseqüência da salvação. N inguém trabalha para receber u m a herança; um a herança, por definição, é algo graciosam ente entregue por parte de u m benfeitor. Se u m h o m em é “recom p ensad o” com a salvação pelo seu trabalho, então a vida etern a não vem verdadeiram ente, n em u n icam en te pela graça de Deus, apesar dos protestos que os católicos possam querer levantar neste ponto. Quando som os recom pensados pelas obras, a recom p ensa não é graça — o pagam ento é devido (pelo m enos em p arte) pelos serviços prestados. Desta fo rm a o Novo Testam ento rejeita de m aneira enfática a idéia da salvação com o recom p ensa (u m pagam ento) por u m trabalho executado: “Aquele que faz qualquer obra, não lhe é im putado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida” (R m 4.4). Se o conceito católico de m é rito 14 estivesse correto, a concessão da graça da santificação estaria baseada nas boas obras. Mas, co m o já vim os: “A q u ele que fa z qualquer obra, não lhe é imputado o g alardão segundo a graça, mas segundo a dívida (R m 4.4; E f 2.8,9). A concepção católica do m érito com o um a condição necessária para a vida eterna (ou para a justificação final) é contrária à afirm ação clara da Santa Escritura. A P o siçã o C a tó lic a F a z das O b ra s C o n d iç ã o p a ra a V id a E te r n a Para aqueles que agirem bem “até o fim” [Mt 10.22], e que confiarem em Deus, a vida eterna está proposta, tanto como uma graça misericordiosamente prometida aos filhos de Deus por intermédio de Jesus Cristo, “quanto como recompensa” [...] fielmente entregue pelas suas boas obras e pelos seus méritos, (in Denzinger, 5CD, 809.257) A Bíblia, em contraste, declara: “O salário do pecado é a m o rte, mas o dom gratu ito de Deus é a vida eterna, por C risto Jesus, nosso S e n h o r” (R m 6.23). Além disso, contrariando diretamente aposição católica, as Sagradas Escrituras garantem a vida eterna com o um a posse presente àqueles que crerem. Vejamos as palavras de Jesus: Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida. (Jo 5.24) Esta m esm a verdade — de que a vida etern a é um a posição presente para os crentes — é diversas vezes repetida: “Aquele que crê no Filho tem a vida etern a ” 0 o 3.36); “Estas coisas vos escrevi, para que saibais que tendes a vida etern a ” (1 Jo 5.13). 4 D e que a ju stificação p rogressiva (isto é, a san tificação ) é ob tid a pelas boas obras.
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O dogm a católico im pede qualquer crente de alegar ter certeza, neste m o m en to , de que, caso venha a m o rrer, ten h a a salvação; ele precisará aguardar a sua justificação final na m o rte para ter a certeza de que possui m esm o a vida etern a e que não entrará n a condenação divina. Ao longo de todo o evangelho de João, som en te u m a condição é colocad a para a obtenção da vida eterna: a fé (3.16,36; 5.24; 20.31 [...]).15Se a salvação não fosse u n icam en te por fé, toda m ensagem do evangelho de João seria fraudulenta, pois afirm a que som ente existe u m a condição (a fé) quando, supostam ente, haveria duas (a fé e as obras). Na verdade, João afirm a abertam ente que a ún ica “obra” necessária para a vida etern a é o ato de se crer. Q uando lhe perguntaram : “Q ue farem os para execu tarm os as obras de Deus?”, Jesus respondeu: “A obra de D eus é esta: que creiais naquele que ele enviou” (Jo 6.29). Sim plesm ente falando, não existe mais nada que possam os fazer para a nossa justificação — Jesus já fez tudo (Jo 19.31; cf. Hb 10.14,15).16 E im p ortan te n otarm os que “a fé” e “o cre r” são a m esm a coisa, pois ambas vêm da raiz grega pisteuo.
A Posição Católica Faz das Obras de Santificação Condição para a Salvação O Concilio de T rento tam bém afirm ou: Quando ele [Paulo] caracteriza o galardão eterno como “a coroa da justiça que o Senhor, o juiz justo, nos entregará” (2 Tm 4.8), ele está nos mostrando que as boas obras dos justos lhe proporcionam um direito legal ao galardão divino, (in Ott, FCD, 265) O bviam ente, con form e já ficou dem onstrado, este “direito legal” não é intrínseco a nós, mas é um a realidade em função da promessa de Deus. Todavia, de acordo co m a argum entação católica, esta é u m a prom essa da salvação m ediante as nossas obras; o fato é que, não se pode trabalhar por um dom (que é um presente): Ora, àquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. Mas, àquele que não pratica, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça. (Rm 4.4,5) Nós operam os a partir da nossa salvação, m as jam ais para obtê-la (cf. G1 3.11; E f 2.8-10). M esm o adm itindo (c o m o ensina o C ato licism o ) que, para os infantes batizados, a realização de obras n ão é u m a condição para se receber a ju stiça inicial (a ju stificação ), de acordo co m a Teologia ca tó lica as obras são u m a condição para a ob ten ção da j ustiça progressiva (a santificação). E m ou tras palavras, n ão podem os nos co lo ca r de fo rm a ju sta diante de D eus (esta posição de ju stiça derivaria da própria p rom essa divina da vida e tern a ) sem term o s execu tad o obras de ju stiça. Só que isto é p recisam ente o que as Sagradas E scrituras d eclaram não ser o caso: “N ão pelas obras de ju stiça que houvéssem os feito, m as, segundo a sua misericórdia, nos salvou” (T t 3.5). Isto não pode, co m o afirm am os católicos, ser aplicado so m e n te à ju stificação inicial, porque o tem p o presen te (grego: anakainoseos, renovação ) é utilizado neste versículo. A ju stiça diante de D eus vem p ela graça u n ica m en te por m eio da fé: Ela “não vem das obras, para que n in g u ém se g lo rie” (E f 2.9). A reação exagerada do C atolicism o a M artin h o 15 V id e c a p ítu lo 15. g lorificação.
16 L em b re-se q u e a p alavra salvação diz resp eito a três estágios: a ju stific a ç ã o , a sa n tifica çã o e a
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Lutero ofu scou a p u reza e a clareza do evan gelho e en tro u em con flito c o m ou tro C oncilio tam b ém ca tó lico , o C on cilio de O range II (529 d .C .), que co n trario u o Sem ip elagian ism o.17 A resposta dos cató licos te m sido que n em todos os p ro testan tes con cord am que o cristão te m a prom essa do céu u n ica m e n te baseado na ju stificação — os arm inianos, p or exem p lo, insistem que u m cren te verdadeiro pode perder a salvação. P orém , esta ob jeção está m al elaborada, pois o que está em questão não é co m o se mantém a salvação depois de recebê-la, m as co m o podem os obtê-la, n o p rim eiro m o m en to . C o m o já vim os, a vida e tern a — n ão so m en te a ju stificação inicial (o u , co m o dizem alguns, a perdíveí) — é u m d om e u m a posse já n o presen te para os crentes (cf. Lc 23.42,43; Jo 3.16; 5.24; R m 6.23). Depois que a am bigüidade verbal é desfeita, a posição oficial cató lica to rn a-se claram en te alheia à Palavra de D eus. A sua insistência n a necessidade de obras para a salvação — u m a condição para se receber u m a posição digna diante de D eus que im plique a p rom essa do céu — é p recisam en te o que a R e fo rm a acertad am en te rejeito u .
A Posição Católica Confunde Obras para a Salvação com Obras da Salvação C o lo can d o em term o s que já nos são fam iliares, o C atolicism o falh a em não re co n h e ce r a im p o rta n te diferença en tre obras para a salvação e obras que surgem a partir da nossa salvação. Nós não fazem os nada para obter a salvação; fazem os boas obras porqu e já recebem os a salvação. D eus op era a salvação em nós p o r m eio da sua ju stificação, e nós “operamos a nossa salvação co m te m o r e tre m o r” pela sua graça (cf. Fp 2.12,13). Apesar do e n ten d im en to ca tó lico acerca da salvação, n a realidade, n ão elim in ar de fo rm a lógica a ju stificação fo ren se, o que o co rre é que ele o obscurece. Ao deixar de fazer u m a distinção clara en tre a.justificação foren se (leg al) e a santificação p rática (ap licacio n al), a fé cató lica obscu rece a verdade de que a ú n ica ação necessária, da nossa parte, para a nossa ju stificação é a fé. Talvez seja por isso que cen ten as de m ilh ares de católicos som en te te n h a m chegado a ter u m e n co n tro pessoal co m Jesus C risto fo ra da Ig reja C atólica. Na verdade, esta tam b ém pode ser a razão porqu e o C atolicism o n ão gerou n e n h u m dos grandes evangelistas18 m o d ern o s e não te n h a circulad o ab ertam en te um esboço do processo de salvação.
A Posição Católica Faz uma Falsa Distinção entre Obras e Obras da Lei O en sin o do N ovo T estam en to co n tra o co n ceito da salvação pelas obras é abertam en te op osto à d ou trin a cató lica que advoga a salvação p o r m érito pessoal. Para co n trariar este ensino, os erud itos cató licos criaram u m a distinção artificial en tre O C o n cilio de O ran g e II (529 d .C .) a firm o u : “T a m b é m c re m o s e p ro fessam os, p a ra a n o ssa salvação, q u e e m tod a b o a obra, n ã o s o m o s n ó s os in icia d o res, e q ue, p o s te r io rm e n te , s o m o s auxiliad os p e la m isericó rd ia de D eu s, m a s sim A q u ele q ue, se m n e n h u m tip o de m é rito p rév io da n o ssa p a rte , in s tila in ic ia lm e n te a fé e o a m o r p o r Ele de ta l so rte q u e [...] p o d e m o s, c o m o seu a u x ílio , realizar aq u ilo q ue lh e é agradável. P o rta n to , p recisa m o s c re r c la ra m e n te q u e a fé m ara v ilh o sa d o lad rão a q u e m Jesus c h a m o u para e sta r co n sig o n o Paraíso [Lc 23.43] [...] n ã o veio d a su a n a tu re z a , m a s foi, sim , u m d o m da lib eralid ad e da g ra ça d ivin a.” (V id e N e u n e r e D u p u is, eds. The Christian Faith: Doctnnal Dccumems oj the Catholic ChuTch.
18 P o r e x e m p lo : Jo h n W esley, W illia m C arey, G e o rg e W h itefield , J o n a th a n Edw ards, H u d son T a y lo r. W illia m e
C a th e rin e B o o th , C h arle s F in n e y , B illy Su n d ay, D w ig h t M oo d y , B illy G ra h a m , B ill B rig h t, Luis Palau.
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a guarda das obras da lei (as quais eles ad m item não ser u m a cond ição para a salvação) e a realização de obras (as quais eles insistem ser condição para a salvação). P orém a afirm ação de Paulo co n tra as obras para a salvação n ão pode ser lim itad a so m en te às obras da lei [m osaica] (tais co m o a circu n cisão) — ela se estende, de igual fo rm a , a todo tipo de obra m eritó ria. Toda boa obra, de uma form a ou de outra, está de acordo com a lei de Deus, pois n e n h u m a obra é boa se estiver em desacordo co m o padrão de bondade de D eus (a sua Lei). C o m o D eus é o padrão de toda ju stiça, co n seq ü en tem en te, todas as verdadeiras obras d e justiça serão de acordo co m a sua natu reza. Todavia, a nossa ju stiça (a autojustiça ) é rep u gn an te aos olhos de D eus (cf. Is 64.6; R m 10.3). O C atolicism o defende que a base para a obtenção da vida e te rn a está nas obras m eritórias. Ele não faz qualquer diferença se a obra é induzida pela graça — se a realização das obras m eritórias é u m a cond ição para a vida etern a , en tão a salvação não se baseia exclu sivam ente n a graça de D eus. D e acordo com a Palavra de D eus (R m 4.5), som os salvos u n ica m en te p o r m eio da fé (Latim : solafid e ) e so m en te p ela graça (Latim : sola gratia). A lém disso, ao cond enar a idéia das obras para a salvação, Paulo n ão se lim ita às “obras da lei,” m as, às vezes, sim p lesm ente se refere às “obras” ou “obras de ju s tiç a ” (cf. E f 2.8,9; T t 3.5-7). Ao co n trário da posição cató lica, a passagem de Efésios é claram en te d irecionada aos “g en tios” que eram “separados da com unid ade de Israel” (2.11,12), e não havia ali qualquer sugestão de obras ligadas à lei ju d aica. O con flito en tre ju d eu s e gentios tam b ém não d im inui a realidade de que Paulo está falando aos gentios a respeito das “obras” que não guardavam relação co m obras exclusivas da lei judaica. O argu m en to apresentado por alguns cató licos de que “o g lo ria r” (em Efésios 2.9) se refere à van gloria que os ju d eu s n u tria m p o r co n ta das “obras da lei,” é im plausível p o r diversas razões. Por u m lado, os judeus incrédulos não são os únicos que se gloriam nas suas boas obras. O orgulho é um a condição da qual todas as criaturas decaídas partilh am (cf. 1 Jo 2.15). A lém disso, neste co n tex to específico, Paulo se dirigi exp licitam en te aos gentios alienados (E f 2.11,12) e o tex to de T ito (3.5-7) não indica as “obras da lei,” m as sim , “obras de ju stiça .” O fato do tem p o passado no grego ser aplicado para a “salvação” não reforça a explicação cató lica de que esta passagem se refere so m en te àquilo que os p ro testan tes ch am am d e justificação (e não à santificação ), pois Paulo escreve para pessoas que j á haviam sido salvas — p o rta n to , o uso do tem p o passado é n atu ral. A lém disso, a afirm ação ca tó lica de que “obras” rep resentam u m a abreviação p rática de “obras da lei” (R m 3.27,28) é falha. Primeiro, o fato da expressão “obras da lei” aparecer aqui resum id a co m o “obras” n ão significa que o co n trário seja n ecessariam ente verdadeiro. Todas as obras da lei são obras, mas n e m toda ob ra é obra da lei.19 Segundo, quando Paulo fala aos gentios (que, segundo R m 2.14, “n ão têm lei [m osaica]”), ele não fala n a realização de obras da lei m osaica (p o r exem p lo, E f 2.8,9) — tampouco fala que eles são justificados pelas obras (R m 3.21-24). Para serm os fiéis ao N ovo T estam en to, “obras” n o rm a lm en te surgem no c o n tex to da circu ncisão (cf. R m 4; G1 3). Isto o co rre quando situações específicas levam Paulo a con d en ar todo tipo de obra que, su p ostam ente, seria destinada a gerar a salvação (cf. A t 15.5). Lim itar todas as rejeiçõ es que Paulo faz às “obras da lei de M oisés” é sem elh a n te a lim itar a cond enação que D eus faz do c o m p o rta m en to hom ossexual en tre os israelitas no 19Vide volum e 1, capítulo 5, para um a explicação detalhada dos princípios do pensam ento racional.
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A ntigo T estam en to , porqu e estas passagens o co rre m som en te no P en tateu co, o qual se d estinaria so m en te aos ju d eu s.20 Terceiro, o m esm o é verdade para a rejeição que Paulo faz das “obras” m eritórias co m o sendo um m eio para a salvação. Considerar a condenação de Paulo às “obras de au to ju stiça” em oposição às “obras m eritórias” é u m exem plo de eisegese.21 A lém disso, se as nossas obras desem penhassem um papel, m esm o que ínfim o, na conquista da salvação, nós teríamos, de fato, base para nos vangloriar e, p o rtan to , continuaríam os incorrend o em condenação. Quarto, e ú ltim o, o caráter m o ral básico de D eus expresso nos Dez M andam entos é o m esm o que se expressa na lei n atu ral que está presente em toda a hum anidade: o fato de alguém não realizar de fo rm a consciente ou deliberada, obras que estejam de acordo com a Lei de Moisés não significa que o padrão m o ral básico te n h a m udado. Portan to, neste sentido, toda obra m o ral representa u m a “obra da lei”, pois está de acordo co m os princípios m orais expressos na Lei de Moisés. É por isso que “os gentios, que não têm lei, fazem n atu ralm en te as coisas que são da lei [de Moisés][...] [m ostrando assim] a obra da lei escrita no seu co ração ” (R m 2.14,15). Em últim a análise, quando chegam os às exigências morais da lei, não existe qualquer discrepância substancial entre “obras de ju stiça ” e "obras da lei.” C onseqüentem ente, o questionam ento católico de que Paulo estaria se referindo às obras da lei e não às obras de ju stiça é um a distinção baseada naquilo que não tem diferença. A verdade simples é que n e n h u m tipo de obra nos to rn ará dignos da salvação: a vida etern a é u m dom recebido un icam en te p or fé (cf. Jo 3.16, 36; 5.24; R m 6.23).
A Posição Católica É similar ao Erro dos Gálatas Ao insistir que a realização das obras não é u m a condição para a conquista da justificação (oujustiça inicial), m as som ente para a obtenção dasantificação (justiçaprogressiva), os católicos não escapam da acusação de grave erro soteriológico. A afirm ação de que a santificação ocorre pelas obras parece ser sim ilar ao erro atacado por Paulo na Epístola aos Gálatas. Os gálatas já estavam justificados22 ou, para fazer uso da term inologia católica, já haviam recebido a. justificação inicial. Eles eram “irm ãos” (1.11; 6.1); eles estavam “em C risto” (2.4); logo, eles não corriam perigo em decair da graça (5.4) se já não estivessem nela. Eles estavam seguros n a sua justificação (o u ju stiça inicial), mas estavam em perigo de perder a sua santificação (ju stiça progressiva). A lém disso, defendem os que a exortação apostólica dizia respeito à santificação, porque o m edo de Paulo não era que eles perdessem a sua justificação, mas que eles voltassem às am arras da lei (2.4). A principal alegação de Paulo era: “Tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne?” (3.3). A justiça inicial deles foi entregue pela graça, por m eio da fé, p o rtan to , por que, agora, eles deveriam considerar que poderiam avançar na ju stiça por m eio de algum ou tro m eio que não fosse a graça por m eio da fé? (1.6). Paulo 20 As Sagradas E scritu ras ta m b é m c o n d e n a m os atos h o m o ssex u a is e n tre os pagãos q u e n ã o tin h a m a Lei de M oisés (cf. Lv 18; 20). O fa to da lei m o r a l (p o r e x e m p lo , a lei n a tu r a l) existir in d e p e n d e n te m e n te d a Lei M o sa ica d e m o n s tra ênfase p ro te s ta n te n o fa to das “o b ras’ de R o m a n o s 3 n ã o e sta re m lim itad as às ob ras d a Lei M osaica; as c o n d e n a ç õ es d o pecado são m ais a m p la m e n te aplicáveis d o que o c o n te x to im e d ia to n o q u al elas su rg ira m .
21 Eisegese é a in te rp re ta ç ã o de u m
te x to fazend o uso de idéias p ré-co n ceb id a s — in serir idéias n o te x to , e m vez de tira r idéias d ele (o q u e re p rese n ta a verd ad eira exegese). N este caso, a eisegese é in se rir n o te x to a idéia de u m a d istin ção q u e n ã o e stá p rese n te n e le . (D o grego : eis, em, para dentro e ek, de, desde, a partir de, originário de).
22 O u seja , declarad o s ju ríd ic a o u le g a lm e n te ju sto s.
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não queria que eles decaíssem da graça no seu caminho rumo à santidade e pureza. Em outras palavras,
a m ensagem central de Gálatas é: Vocês não são som ente justificados pela graça, mas tam bém estão sendo santificados pela graça. N em a ju stiça inicial (justificação), n em a ju stiça progressiva (santificação) são recebidas ou condicionadas pelas nossas obras m eritórias. Ambas são recebidas pela graça un icam en te através da fé. Devem os n otar que, a referência que Paulo faz aos “falsos irm ãos” (grego: pseudadelphos), não diz respeito aos crentes da Galácia que haviam adotado o ensino errôneo dos j udaizantes, que preconizavam a guarda da lei mosaica com o m eio de justificação. Na verdade, Paulo estava se referindo aos falsos m estres, que foram “secretam ente introduzidos” na igreja, vindos de fora (2.4). C om o os gálatas já haviam sido justificados pela fé, o perigo do falso ensino era de que os crentes verdadeiros da Galácia pudessem adotar os acréscim os ou suplem entos judaizantes ao evangelho (1-7-9) com o m eio de santificação progressiva. Esta grave distorção foi obscurecendo a pura graça de Deus que era necessária à sua santificação progressiva, com o ocorreu com a sua justificação inicial.
A Posição Católica Confunde Recompensa da Salvação com Recompensa por Serviço Os textos citados pelos católicos acerca das “recom pensas pelas obras” não enfatizam a recom p ensa da salvação (seja ela justificação ou santificação); eles se referem às recom pensas (ou os galardões) por serviço. E verdade que todos os que são salvos pela graça de D eus p o r m eio da fé (E f 2.8,9) serão recom pensados pelas suas obras feitas em h on ra a C risto (1 C o 3.1 lss; 2 Co 5.10). Estas obras, en tretan to , não guardam relação com a nossa ida para o céu — elas dizem respeito ao status que terem os depois de chegar lá (Lc 19.17, 19). Todos os crentes estarão no seu Reino. Contrastando co m isso, na teologia rom ana, a santificação progressiva influenciará positiva ou negativam ente a nossa entrada no céu. Para os católicos, o que recebem os no m o m en to da justificação inicial não nos é suficiente (a não ser que, obviam ente, a pessoa m o rra im ed iatam ente após a conversão). A lém do mais, as obras para galardão o co rrem sob o regim e da santificação, e não da justificação: nós fazem os as obras como resultado da nossa salvação, não para nos salvarmos (isto é, a fim de receberm os a vida eterna). E m outras palavras, o m érito faz sentido se fo r com preendido no con texto de um a pessoa já justificada diante de Deus, e que está “operando” a sua salvação com tem o r e trem o r (Fp 2.12). Mas não no con texto de estar “operando” n o sentido de conquistá-la. M esm o aqui, a prática de obras não é condição para ser santificado, mas u m a m anifestação da santificação. O C atolicism o, p o rtan to , encontra-se em u m a negação real da graça que ele m esm o alega, oficialm ente, ser necessária tan to para a justificação, quanto para a santificação.
A Posição Católica Insere as Obras no seu Conceito de Fé Os eruditos católicos reco n h ecem que “a ausência de qualquer referência aos sacram entos e às boas obras n a tese paulina em [Rm l.lóss.] sem pre é n otada.” Eles respondem a isto fazendo u m a redefinição de fé, que passa a inclu ir as obras: A omissão não causa qualquer dificuldade se a fé for compreendida no sentido de fé dogmática, que aceita todas as doutrinas do evangelho como verdadeiras e obedece a todos os seus preceitos como sendo mandamentos divinos. Pois nesta fé os sacramentos e as boas obras estão inclusos. (Orchard, CCHS , 1049)
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Este é ou tro exem plo claro de eisegese.23 R ecorde-se que Paulo prossegue confirm ando: “Mas, àquele que não pratica, p o rém crê naquele que justifica o ím pio, a sua fé lh e é im putada co m o ju stiça ” (R m 4.5) e “o h o m em é justificado pela fé, sem as obras da LEI” (R m 3.28, grifo acrescentado). Todavia, ao co m en tar este versículo, o com entário católico de nom e A Catholic Commentary on Holy Scripture24 enfaticam ente ensina: Outra conclusão acerca de [Romanos 3.28] que precisou ser rejeitada pelo Concilio de Trento é que antes da justificação somente a fé é necessária [para os adultos] como preparo, sem a necessidade de qualquer outra forma de boas obras. (Orchard, 1055) O com en tário insiste que a fé é som en te a preparação “im ed iata” para a justificação — um a preparação “re m o ta ” tam bém é necessária, inclusive “u m a d eterm inação de receber o sacram ento do batism o e de guardar os mandamentos” (ibid., grifo acrescentado). Nada poderia ser mais contrário ao significado claram ente evidente do texto de R om anos. C onseqüentem ente, apesar da notável ênfase n a necessidade da graça para a salvação e da necessidade de u m a fé explícita co m o pré-requisito para a nossa justificação, os católicos continu am afirm ando que justificação (nos adultos, não batizados com o bebês) está pré-condicionada à fé mais obras. A lém disso, para os católicos rom anos, a salvação final — a glorificação, a vida etern a — tam bém requer tanto a fé, quanto as obras.
A Posição Católica Torna as Obras Necessárias para a Re-justificação A dou trina católica tam b ém deixa claro que a prática das obras é u m a condição para se receber a re-justificação, que é necessária depois que alguém com ete u m pecado mortal (do contrário, a salvação estará perdida). C o m o a Igreja C atólica A postólica R o m an a não acredita no rebatismo, ela precisa oferecer o u tra m aneira de um a alm a teim osa voltar ao seio da igreja. Isto o co rre via penitência. O Concilio de T rento declarou: Além disso, este sacramento da penitência é necessário (normativamente) para a salvação daqueles que caíram depois do batismo, já que o batismo em si é destinado àqueles que ainda não foram regenerados. (Cânon 6, in Denzinger, SCD, 895.273) A penitência é u m a fo rm a de obra; logo, neste sentido, a realização desta obra é um a condição para a re-justificação — a re-salvação daqueles que perderam a sua justificação inicial em função de u m pecado m o rta l.25 Tendo isto em vista, precisam os questionar porque os católicos não acreditam que as obras m eritórias tam bém são necessárias para a justificação inicial. Pelo m enos, parte da resposta se en con tra no ensino de que a justificação (regeneração) ocorre n o batism o, que é realizado nos infantes, que não têm a capacidade de crer. Os bebês não têm n em consciência acerca de si m esm os (isso sem falar na consciência acerca de D eus!), tam p ou co foram capazes de desenvolver o poder de to m ar decisões m orais, já que não possuem ainda consciência m o ral. Precisam os perguntar, portanto: “Se o batism o fosse som ente para adultos, será que as obras (por 23 N este caso, n ão se tra ta sim p le sm e n te de le r n o te x to o q u e n ã o está ali, m as le r e x a ta m e n te o c o n trá r io do q u e e le diz. 24 C o m e n tá rio C a tó lic o A ce rca das Sagradas E scritu ra s.
25 O C a te cism o da Ig re ja C a tó lic a , n o seu e n sin o so b re o pecad o
(m o r ta l e v en ial), in fo rm a : “O p eca d o m o r ta l d estró i a carid ad e n o co ra ç ã o d o h o m e m p o r cau sa d e u m a g rave v io la çã o da lei de D eus; e le desvia c o m p le ta m e n te o h o m e m de D e u s, q u e é o seu o b je tiv o fin al e a sua b e a titu d e . ao a p rese n ta r-lh e u m b e m in ferio r. O p ecad o v en ia l p e rm ite a su b sistên cia da caridad e, apesar de o fen d ê-la e feri-la ."
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exem plo, a penitência) tam bém seria um a pré-condição para a salvação?” A resposta parece ser “sim ,” pois, “fazer penitência” está explicitam ente listado pela Ig reja C atólica co m o um a pré-condição para os adultos que desejam ser salvos. O Concilio de Trento citou tanto Jesus, quanto Pedro para provar este ponto: O Senhor também disse: “Se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo” (Lc 13.3 —Bíblia de Jerusalém26), e o príncipe dos apóstolos, Pedro, recomendando a penitência aos pecadores que estavam prestes a receber o batismo, disse: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado” (At 2.38 —Bíblia de Jerusalém), (in Denzinger, SCD, 894.272)27
A Posição Católica Desqualifica a Graça ao Fazer das Obras uma Condição para a Justificação Progressiva O u tra fo rm a de analisar este te m a é observarm os que apesar de a Teologia católica adm itir que a graçaé necessáriano estágio inicial da salvação (que os protestantes cham am d e justificação), todavia, a prática de obras é u m a condição indispensável para o estágio subseqüente da salvação (que os protestantes ch am am de santificação). H onestam ente, os católicos crêem que esta tran sform ação (que eles cham am de justificação progressiva) não é possível se a pessoa não for m otivada pela graça de Deus. C ontu do, a defesa da necessidade das obras para a justificação nega, na prática, a d outrina da graça que o C atolicism o confessa em princípio. Se a execução de obras é im pelida pela graça (nisto católicos e protestantes estão em acordo) não vem ao caso — quando não podem os nos salvar sem as boas obras m eritórias, estas obras se to rn a m u m a condição para se obter a vida eterna. C o m o já analisam os, a posição protestante defende que a prática de boas obras surge da justificação, m as não é u m a condição para a santificação, apesar de a fé salvífica ser, posteriorm ente, confirm ada pelas boas ações. A té m esm o os protestantes (por exem plo, alguns arm inianos) que crêem na perda da salvação não acreditam que a prática de obras seja necessária para a obtenção da salvação (sej a ela í justificação ou a santificação). A santificação não é conquistada pelas boas obras, ela é m anifesta pelas boas obras; a vida santificada é resultado da fé despertada pela graça (R m 4.4; cf. G1 3.3), e nós n ão trabalh am os para a graça de Deus, m as a partir dela. A apresentação protestante do caminho da salvação, seguindo a distinção bíblica inequívoca entre a justificação (n o sentido foren se) e a santificação (n o sentido prático), é mais convincente, por preservar em grau m u ito m aior a dou trina da graça. Depois que o crente fica ciente de que pode se apresentar de fo rm a íntegra diante de D eus (isto é, justificado) som ente pela fé, a sua m en te não é confundida com obras que ele necessite realizar para obter a certeza de que todos os seus pecados (passados, presentes e fu turos) estão, perdoados, e que ele tem a prom essa da eternidade co m o Senh or. Apesar de os católicos recon h ecerem que existe u m ato inicial de justificação,28 eles sustentam que precisam os fazer as nossas obras com fidelidade para alcançar a justificação final. Isto não é favorecer a segurança salvífica pela qual “sabemos que tem os a vida e tern a ” (cf. 1 Jo 5.13) [em Cristo], e pela qual estam os inseparavelm ente ligados a Deus p o r m eio do seu am or (R m 8.1,36-39).
26 A B íb lia de Jeru sa lém é u m a tra d u ç a o ca tó lica . vide ca p ítu lo s 15 e 16.
27 Para saber m ais a ce rca d o p ap el d o a rre p e n d im e n to n a ju stifica çã o ,
28 C o m o já v im o s, a lg u n s a d m ite m a d ecla ra çã o ju r íd ic a da ju s tiç a d o c re n te p o r p a rte de D eus.
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A P o siçã o C a tó lic a D im in u i a M o tiv a çã o p a ra a E x e c u ç ã o de B o a s O b ra s Ironicam ente, a insistência católica nas boas obras para que se atinja a justificação progressiva e final, não proporciona m otivo para a prática das boas obras. A certeza de que somos justificados som ente pela graça, e som ente por meio da fé, é a m aior m otivação à santificação. Ao reconhecer a graça de Deus, que nos declara justos à parte de nossos m éritos, o crente recebe um grande estím ulo para servir a Deus. O am or de Cristo “nos constrange” (2 Co 5.14), e “nós o am am os porque [percebemos que] ele nos am ou prim eiro” (1 Jo 4.19); a graça de Deus não nos traz som ente a salvação (T t 2.11), mas tam bém “nos ensina a renunciar à impiedade e às concupiscências m undanas” (2.12). A guarda da lei para a obtenção da graça som ente nos conduz de volta à servidão (cf. Cl 2.22; R m 8.2,3; C l 4.3,4). Nas palavras de um hino, aqueles que reconhecem que estão salvos, som ente pela graça podem cantar: Como poderia fazer menos D o que entregar a E le o melhor de m m ? E viver completamente p ara E le D epois de tudo o que por mim E le realizou
A P o siçã o C a tó lic a In s is te n a S a lv a ç ã o S a c ra m e n ta l Apesar dos teólogos católicos alegarem que não existe salvação fora da graça de Deus, a visão sacram ental deles, novam ente, tende a retirar co m a m ão esquerda, na prática, aquilo que foi afirm ado com a m ão direita, em princípio. A visão católica dos sacram entos, intocada pelo C oncilio V aticano II (1962-1965),30 é que ele é dado “não m eram en te com o u m sinal, mas com o um a causa da graça” (in O tt, F C D , 325). O dogm a católico afirma: Se alguém disser que os sacramentos da Nova Lei não contêm a graça que significam, ou que não conferem esta graça sobre aqueles que a ele não se opõem, mesmo sendo eles somente sinais exteriores de graça ou justiça, recebidos por fé [...] que seja anátema. (in Denzinger, SCD, cânon 6, 849.262) Além disso, de acordo com a d outrina católica, tam bém é anátem a crer que “a graça não é conquistada pela obra que foi executada”, mas que vem “som ente pela fé ” (in ibid., cânon 8, 851.263). Sendo este o caso, de acordo com a doutrina católica, a salvação ocorre p o r m eio dos sacram entos — o m étod o norm ativo de Deus para salvar os pecadores é via sistem a sacram ental católico. Esta é, em efeito e na m aioria das vezes, um a salvação in stitu cion alm en te mediada, parte por parte, pelo recebim en to dos sacram entos ao longo da vida das pessoas.31 Os católicos rom anos acreditam que os sacram entos são objetivam ente efetivos independ entem ente da sua eficácia ser experim entada de form a subjetiva: “Os sacram entos conferem graça im ediatam ente, sem a m ediação da fé fid u d al.”32 Para designar isto, a Teologia católica cu n h ou a expressão ex opere operato (Latim : “pela obra que é operada”); que significa, “os Sacram entos operam pelo poder do rito sacram ental ~ " A fter A li H e ’s D on efor M e”, le tr a e m ú sica de B etsy D aasvand e W en d ell P. Loveless. T32K im p o rta n te depois de T r e n to .
30 O V a tica n o II fo i o c o n c ilio c a tó lic o
31 O s s e te sa cra m e n to s a d m in istra d o s p ela Ig r e ja C a tó lic a R o m a n a > 1 :: c batismo, a
uvjxmação, a primeira comunhão (ou Eucaristia),
32 Fé fid u cial é a fé q u e en v o lv e a c o n fia n ça e a s egu ran ça.
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co m p le to ” (in ibid., cânon 8, 851.263). A adoção da fó rm u la ex opere operato p or parte do C oncilio de T rento foi vigorosam ente com batida pelos reform adores, pois a expressão significa que os sacram entos “levam D eus a conceder a graça pelo seu valor objetivo. Tão logo o sinal sacram ental é validam ente executado, Deus concede a graça” (O tt, FCD, 331). Em outras palavras, a salvação depende da execução das obras do sistema sacramental — ela não vem somente pela graça e somente pela fé .
A Posição Católica Sustenta que a Igreja Católica Apostólica Romana É a Instituição Detentora da Salvação Os sacram entos, obviam ente, são m ediados pela Igreja, pela qual se acredita que D eus concede a sua graça para aqueles que os recebem em diferentes estágios, desde o nascim en to (batism o) até a m o rte (ex trem a unção). O C atolicism o recon h ece a validade de dois sacram entos — o batism o e o m atrim ô n io — que são largam ente praticados fo ra da sua jurisdição e que tam bém p erm item que a graça possa ser dispensada por interm édio da Santa Ceia.33 Os sacram entos institucionalizados são necessários para a salvação (D enzinger, cânon 4, 847.262). A Igreja C atólica R o m an a ensina que “exceto para o Batism o e para o M atrim ônio, u m poder sacerdotal ou episcopal especial, conferido pelas Sagradas Ordens, é necessário para a válida adm inistração dos Sacram en to s” (O tt, FCD, 341). Apesar de tan to os leigos católicos (p o r exem plo, enferm eiras e m éd icos) e até m esm o m inistros protestantes poderem adm inistrar o batism o em o n o m e da Trindade, o Concilio de T rento condenou abertam ente a idéia de que “todos os cristãos têm o poder de adm inistrar os sacram entos” (ibid.). Só a Igreja C atólica R om an a tem esse direito. T rento em itiu o dogm a infalível de que o C atolicism o é a organização escolhida p o r Deus para ser a distribuidora da graça sacram ental de Deus, p ouco a pouco, do nascim en to à m o rte. C onseqüentem ente, a Ig reja C atólica R om an a é a instituição da salvação — u m a idéia su m am en te rejeitada pelos protestantes. A eucaristia é um exem plo em blem ático: além de se alegar (por m eio do seu sacerdócio) a ú n ica organização divinam ente designada para adm inistrar estes sacram entos, a Igreja C atólica tam bém insiste em ter recebido poder, da parte de Deus, para, verdadeiram ente, tran sform ar os elem entos físicos do pão e do vinho, de m aneira literal, no corpo e n o sangue de Cristo (a transubstanciação).34 Q uem sabe, seja preciso estar fora do sistem a católico rom ano para ficarm os verdadeiram ente im pressionados com a flagrante descom postura desta presunção acerca da institucionalização da salvação.
A Posição Católica da Eucaristia como Sacrifício Adultera a Salvação pela Graça Os católicos rom anos entendem aFesta daEucaristia com o u m “sacrifício sem sangue,” u m a idéia encontrada nos escritos de alguns dos prim eiros Pais Medievais (vide O tt, ibid., 405-07). G regório, o Grande (c. 540-604), considerado “o Pai do papado m edieval” (Cross, ed. O D CC, 594-95), defendia que em toda missa, C risto era, novam ente, sacrificado, e “esta noção da missa com o u m sacrifício acabou se tornand o a dou trina padrão da Igreja O cidental — até ser rejeitada pelos protestantes no século X V I” (G onzález, SC, 1.247).
33M as n ao d a m e sm a fo rm a que se d aria c o m a E u ca ristia c a tó lic a . M Para u m a exp lica çã o m ais d e ta lh a d a sob re as d iferen tes persp ectiv as ac e rc a deste s a cra m e n to , vide v o lu m e 4.
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Os protestantes rejeitam o “Sacrifício Eucarístico da Missa.” A teologia .u t e r ir .i. por exem plo, declara: “C o m o Cristo m o rreu e expiou o pecado de um a vez p o r todas, e : : m o o crente é justificado pela fé, co m base neste sacrifício único e definitivo, não há neeessidade para sacrifícios repetidos” (lu te ro , BC, 140). O sacerdotalism o35 tam bém é negado: “A presença do corpo e do sangue de Cristo não e resultado da ação do sacerdote, mas um a conseqüência do poder de Jesus C risto” (ibid. i. E claro que os católicos defendem que os sacerdotes não fazem a consagração pelo ieu poder próprio, mas pelo poder de D eus que lhes foi investido. A objeção protestante não provém do fato do padre ser, verdadeiram ente, um a causa eficiente ou m eram en te : casional do poder divino;36 o p roblem a é a concepção católica de que u m poder divino ;e s ta natu reza foi entregue para ser adm inistrado pelo sacerdócio rom ano. Aqui, novam ente, o C atolicism o institu cionalizou a salvação e, dessa form a, corrom p eu a pura graça de Deus ao colocá-la debaixo do con trole de u m a hierarquia hum ana.
RESUMO DAS CONVERGÊNCIAS E DAS DIVERGÊNCIAS Em term o s de justificação (ju stiça), as áreas de convergência e divergência en tre os protestantes e os católicos rom anos podem ser resum idas da seguinte form a:
Justificação Inicial
Justificaçao Progressiva
Justificação Final
Católicos permitem Protestantes afirmam
Católicos permitem Protestantes negam
Católicos afirmam Protestantes negam
Ambos afirmam
Ambos afirmam1
Católicos afirmam Protestantes negam
Mudança 1 comportamental
Ambos afirmam
Ambos afirmam
Ambos afirmam
: Necessidade da graça
Ambos afirmam
Ambos afirmam
Ambos afirmam
Necessidade das 1 obras
Ambos negam
Católicos afirmam Protestantes negam
Católicos afirmam Protestantes negam
S Legal (jurídica)
Real (prática)
A BASE BÍBLICA DA RELAÇÃO ENTRE FÉ E OBRAS Agora que já estudam os a batalha histórica entre católicos e protestantes, exam inarem os o debate in tern o que o co rre entre os protestantes acerca da relação entre re e obras.37 Todos concordam que a prática de obras não é u m a condição para, m as u m resultado da salvação. O que está pendente é a conexão precisa en tre fé e obras. Independentem ente da conexão existente entre a fé e as obras, está claro que a Bíblia repetidam ente enfatiza a necessidade que o crente tem de m anifestar as boas obras:
A n ecessid ade da c o n sag ração d os e le m e n to s feita p o r u m p ad re. : £ diferen tes tip os de causas.
36V id e v o lu m e 1, ca p ítu lo s 6 e 10 p a ra saber m a is so b re
37 P o r in te rm é d io deste p ro ce sso , deb ate in te rn o e n tre os ev a n g élico s fica rá visível.
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“Assim resplandeça a vossa luz diante dos hom en s, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus” (M t 5.16). “E D eus é poderoso para to rn ar abundante em vós toda graça, a fim de que, tendo sem pre, em tudo, toda suficiência, superabundeis em toda boa obra” (2 Co 9.8). “Porque som os feitura sua, criados em C risto Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (E f 2.10). “Tendo p o r certo isto m esm o: que aquele que em vós com eço u a boa obra a aperfeiçoará até ao D ia de Jesus C risto” (Fp 1.6). “[Oramos] para que possais andar dignam ente diante do Sen h or, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda boa obra e crescendo no con h ecim en to de D eu s” (C l 1.10). “Q ue do m esm o m odo as m u lheres se ataviem em tra je honesto, co m pudor e m odéstia, n ão com tranças, ou co m ouro, ou pérolas, ou vestidos preciosos, mas (co m o convém a m u lheres que fazem profissão de servir a D eus) com boas obras” ( l T m 2.9,10). “N unca seja inscrita viúva com m enos de sessenta anos, e só a que [...]praticou toda boa obra" (1 T m 5.9,10). “Assim m esm o tam bém as boas obras são manifestas, e as que são d ou tra m aneira não podem ocu ltar-se” (1 T m 5.25). “Fiel é a palavra, e isto quero que deveras afirmes, para que os que crêem em D eus p ro cu rem aplicar-se às boas obras” (T t 3.8).
Os Crentes Verdadeiros Manifestam a Sua Fé Por Intermédio das Boas Obras Existem diferenças cruciais en tre os proponentes das várias posições protestantes acerca da relação entre fé e obras. M uitos calvinistas firmes sustentam que, co m o o cren te é m ovido pela graça de Deus, a fé salvífica automaticamente produz as boas obras. O utros protestantes sustentam que a prática de boas obras surge, inevitavelmente, da fé salvífica, mas não de fo rm a au tom ática (u m a decisão livre estaria envolvida). O utros, ainda, preferem afirm ar que as obras fluem naturalmente da fé salvífica. Alguns proponentes da graça livre alegam que a prática de boas obras n o rm a lm en te acompanha a fé salvífica, apesar disso não ser u m resultado direto (ou obrigatório). O utros, por sua vez, afirm am que as obras não são nem automáticas, nem necessárias. Porque as Obras não Fluem automaticamente da Fé Salvífica Há m uitas razões para rejeitarm os a posição de que as obras fluem au tom aticam ente da fé salvífica, co m o insistentem ente afirm a o Calvinism o Firm e. Primeiro, a santificação é u m processo que envolve a obediência, e a obediência não é autom ática, mas u m ato da vontade (cf. R m 6.16; E f 6.5; 1 Jo 2.3, 22, 24). A té m esm o os calvinistas firm es reco n h ecem que a graça opera de form a cooperativa (co m o nosso livre-arbítrio) depois da justificação. Sendo assim, as obras não podem surgir de form a autom ática. Segundo, a santificação do nosso am or por Deus, e o am or n ão é au tom ático, mas sim um ato livre (cf, M t 22.37-39; Jo 15.10; 1 Jo 5.3). Terceiro, co m o já foi notado, os calvinistas firm es, adm item que a santificação envolve a graça cooperativa, o que im plica u m ato sinérgico (u m “trabalhar em c o n ju n to ”) da graça de D eus com a vontade hu m ana. Quarto, R om an os 6.16 descreve a santificação com o um a livre-ação n a qual som os direcionados a “nos apresentarm os.” Quinto, outros atos de bondade são descritos co m o “livres” e “sem qualquer tipo de coação” — tal qual pode ser visto pelas expressões “volu ntariam ente” (2 Co 8.3) ou “não fosse co m o por força, mas vo lu n tário” (Fm 1.14; cf. 1 Co 7.37, 39).
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Sexto, a santificação é um a obrigação, e toda responsabilidade im plica na capacidade de responder a ela, se não pelas nossas próprias forças, pela graça de Deus/” Sétimo, receberem os galardões (recom pensas) pelas nossas boas obras t cf. 1 Co 3.1 lss; Ap 22.12), e não faz sentido recom p ensar u m a pessoa por ações que lhes foram autom áticas (isto é, que não envolveram u m a decisão da sua parte neste sen tid o ). Oitavo, e ú ltim o, sofrerem os a perda dos nossos galardões em função de m ás ações (cf. 1 C o 3.1 lss), e não faz sentido castigar alguém por aquilo que poderia ter sido evitado (já que, tudo, supostam ente, foi au tom ático). Porque as Obras Fluem naturalmente da Fé Salvífica
Apesar das obras não fluírem au tom aticam en te da fé salvífica, elas surgem de form a natu ral, tal qual os botões surgem de form a natu ral em u m arbusto vivo. C om o observou, acertadam ente, Charles Ryrie (nascido em 1925): Todo cristão dará fruto [...] do contrário não terá sido um crente de verdade [...] o fruto, portanto, fornece evidências acerca da f é salvífica. As evidências podem ser sólidas ou débeis,
errôneas ou regulares, visíveis ou não, mas uma f é salvífica sempre as gerará. (SGS, 42-43, grifo acrescentado) Primeiro, a fé salvífica é com parada a um a sem ente que cresce n atu ralm en te em terra rértil (Lc 8.11-18; cf. 1 Pe 1.23). Segundo, a atividade é conseqüência n atu ral da nossa natureza, e o crente verdadeiro recebe u m a nova natu reza (2 Co 5.17; Cl 3.10). Terceiro, os crentes verdadeiros são “nascidos de n o v o ” (Jo 3.3,7), e, desta sorte, m anifestam u m desejo de crescer por m eio de um a fom e por alim ento espiritual.39 Quarto, a conexão bíblica inegável entre fé e obras indica que a realização das obras flui natu ralm en te de um a fé salvífica.40 Quinto, é largam ente sabido, até m esm o pelos proponentes da graça livre,41 que a fé salvífica envolve confiança.42 A confiança leva-nos, natu ralm en te, às boas obras para com aquele que n o-la depositou. Sexto, a fé salvífica envolve um arrependim ento genuíno (A t 17.30,31; 20.21; cf. 19.4),43 e o arrependim ento genuíno levará n atu ralm en te às boas obras (M t 3.8; A t 26.20).44 Os “calvinistas firm e s ” in siste m e m a firm a r q u e os ato s sin érg ico s (p elo s quais s o m o s sa n tifica d o s) são atos-livres; em resposta, o b serv am os q u e os eles n ã o q u e re m d izer q u e estes atos são livres n o sen tid o de q ue a p esso a te ria a liberdade de to m a r o u tr a decisão (isto é, n o e n te n d im e n to “lib e rtá rio ” da lib erd ad e); para o ca lv in ista firm e , estas decisões são : :m a d a s a p a rtir de u m d e sejo cria d o p o r D eu s e m n ó s e n ã o p o d e m ser resistidas o u re jeita d a s. Logo, n ã o faz sen tid o u m c a lv in ista firm e c h a m a r estas decisões de “liv res” se d e fen d em o s q u e elas, e m ú ltim a estân cia, são re su lta d o da ‘‘g ra ça irresistível q u e se so b re p õ e à n o ssa v o n ta d e c o n trá ria .” V id e N o rm a n L. G eisler, Eleitos M as Livres, ca p ítu lo s 2 ,6 ; ap ên d ices 1. -?-5.9.
39 A n o v a vida p ode ser atro fiad a se n ã o fo r c u ltiv a d a (cf. Hb 5 .1 2 — 6 .1 ); dessa fo rm a , a B íblia n o s a d m o e sta a saciar
este d esejo n a tu r a l de c re s cim e n to (1 Pe 2 .2). 5 16-18.
41 V id e c a p ítu lo 16.
40 C f. E f 2 .8-10; Fp 2.12,13; T t 2.11-13; 3 .5 -8 ; T g 1.26,27; 2.12,13: 2 P e 1 3 -S : 1 fo
42 P o r e x e m p lo , Z a n o H odges escreve: “A fé q u e receb e u m a salvação tã o m a ra \ il“ : ía :e m
a to ta l e sp on tan eid ad e de u m a confiança in fa n til” ( A F , 60, grifo a c re sce n ta d o ). A lém disso, ao se r e fe rir ao a to de :± sai vinca : ~ r le m e n t a d a p o r A braão: “Este a to de confiança lh e foi im p u ta d o p o r ju s tiç a ” (ibid., 32, g rifo acrescenta.dc -i
- A r t s r c : :c
e do a rre p en d im en to , R y rie faz u m a o b serv ação m u ito c o n s iste n te ao e n sin a r q u e o arrep end i m e n te sem a ié n ã c
salva, já q u e o arrependimento, e m si m e sm o , sim p le sm e n te sign ifica “m u d a n ça de m e n te ” (a re s p e it: de a_a__:_zr j ; : 5 a . - essa fo rm a , “a ú n ic a fo rm a de a rre p e n d im e n to que salva é u m a m u d a n ça n a n o ssa m e n te a c e r :a à c k s k i C M , grifo a c re sce n ta d o ).
SGS,
44 A te n ta tiv a de H odges e m fazer c o m que o “a rre p e n d im e n to ” s o m e n r t >± re z r a a : JT rn re n o
r e n 3do p ó s-co n v e rsã o ( A F , c a p ítu lo 11) n ã o te m fu n d a m e n to . Para d e ta lh es, vide c a p ítu lo 16 r ara u m a visão m ais equ ilib rad a, vide R y rie, So Great Salvation, 82-90.
n e ste m e sm o \ :*lum e.
248 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Sétimo, o fato de a fé verdadeira envolver o am or a Deus (M t 22.37; Jo 4.7), revela-nos que ela redundará em ações. O am or verdadeiro se expressa de m odo natural (1 Co 13.1ss). Oitavo, a fé verdadeira não é u m m ero con sen tim en to m en tal (intelectu al, ou baseado na razão). C o m o ela tam b ém inclui as em oções e a vontade (R yrie, SGS, 110-11), as boas obras fluem da crença genuína da pessoa com o u m todo. Nono, o fato de a fé verdadeira envolver a obediência, d em onstra que a fé se expressa n atu ralm en te na fo rm a de ações.45 Décimo, Tiago declara, de fo rm a explícita: M eus irm ãos, que aproveita se algu ém disser que te m fé e n ão tiver as obras? P orv en tu ra, a fé p od e salvá-lo? [...] [Não] Assim tam b ém a fé, se n ão tiver as obras, é m o r ta em si m esm a [...] B em vês que a fé [de Abraão] co o p ero u co m as suas obras e que, pelas obras, a fé foi aperfeiçoada. (T g 2.14, 17, 22)
Décimo-primeiro, e ú ltim o, som os santificados da m esm a fo rm a que som os justificados — pela fé (vide G1 3.4, 11). Porém , a santificação está condicionada à nossa “obediência para a ju stiça” (R m 6.16; cf. Ef. 6.5; 1 Jo 2.3, 22, 24). A lgum as pessoas questionam que se a prática de boas obras fluísse n atu ralm en te da fé, então a Bíblia não precisaria nos exo rtar a esse respeito (o que o co rre — por exem plo, em T t 3.8). A razão pela qual as Sagradas Escrituras nos incentivam neste sentido é porque apesar da prática das boas obras fluir naturalmente da fé salvífica, ela não surge de forma automática. A lém disso, apesar de algum as ações surgirem natu ralm en te, o fru to adicional som ente vem através de u m árduo trabalho de cultivo, fertilização, rega, e poda (cf. Jo 15.2). C om o já vim os, sem estas ações, a vida espiritual pode ad orm ecer e ficar atrofiada. D e m aneira sim ilar, algum as pessoas já observaram que a graça é considerada com o a nossa in stru to ra da piedade (T t 2.11,12), entretanto, elas argu m entam , se a piedade é conseqüência natu ral da fé salvífica, não há necessidade da graça nos ensinar a praticar as boas obras. Todavia, o ensino ajuda a produzir u m fru to m elh o r (Jo 15.2); assim com o, a natureza produzirá, naturalmente, algum fru to , mas não tan to quanto se ela fosse am orosam ente cuidada (cf. 1 C o 3.6; 2 Pe 3.18). C o m o Ryrie afirma: A fé salvífica é u m a fé atuan te, e estas obras justificam os crentes n o tribunal terren o [em oposição ao céu] [...] U m a fé im p ro d u tiv a é u m a fé espúria. (SG S, 121, grifo acrescen tad o)
Crentes Verdadeiros Podem Cair no Pecado Tudo isso não tem por objetivo afirmar que o crente verdadeiro não pode “se desviar” (cf. Jr 3.14) ou ser “surpreendido nalgum a ofensa” (G1 6.1) ou com eter “pecados” (1 Jo 1.8,9). Davi com eteu (2 Sm 11), e pagou m ansam ente (2 Sm 12). Ló, que viveu em Sodom a, foi um “h om em ju sto ” (cf. 2 Pe 2.7), mas nem por isso escapou de cair em pecado, o m esm o se deu com Noé, um grande h om em de fé (G n 9). De m odo sem elhante, Abraão, “o pai de muitas nações,” tam bém foi assaltado pelo engano e pela descrença (G n 20 —21).
45 Atos 5.32; 2 T s 1.8; cf. R m 15.18; Hb 5.9; 1 Pe 4.7.
AS EVIDÊNCIAS DA SALVAÇÃO
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249
C r e n te s V erd a d e iro s S ã o D is c ip lin a d o s q u a n d o P eca m As vezes a perspectiva da sola gratia é confrontada com a acusação de que ela leva a u m a vida libertina ou licenciosa. O próprio Paulo enfrentou esta acusação e perguntou: Que direm os, pois? Perm anecerem os no pecado, para que a graça seja mais abundante? D e m odo n en h u m ! Nós que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele? (R m 6.1,2). A rraça não opera a impiedade por interm édio da piedade. Por u m lado, com o já foi visto, a graça verdadeira nos forn ece a m otivação para levar um a vida justa. Paulo diz: Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, justa e piamente. (Tt 2.11,12) A lém disso, os crentes que erram na avaliação do que significa estar debaixo da graça _e Deus, recebem a sua disciplina, por serem filhos de Deus. Hebreus afirma que: “O >enhor corrige o que am a e açoita a qualquer que recebe por filh o” (12.6). D eus tam bém raz uso da disciplina con tra os seus filhos rebeldes: “Que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois, então, bastardos e não ~lhos” (vv. 7,8). “O S en h o r con h ece os que são seus,” e, “qualquer que profere o n om e de Cristo aparte-se da iniqüidade” (2 T m 2.19). Em sum a, quando um crente cai em pecado, ele sofre disciplina, e se persiste, Deus ro d e chegar ao ponto de to m ar a sua vida para salvar o seu nom e da desonra. Paulo disse aos Coríntios que o abuso que estava havendo na M esa da Ceia havia gerado a m o rte de algum as pessoas naquela igreja (1 Co 11.30; cf. 15.20). Pode ser que João estivesse se referindo a isso quando declarou: “Existe um pecado que leva à morte.”46 Não estou dizendo que 3 irm ão que intercede] deva orar [em favor do seu irm ão que caiu] (1 Jo 5.16). Talvez a ressoa que pecou ten h a ido tão longe que Deus n em queira que nos distraiam os orando por ela. Isto tam bém pode ser o que Tiago estava alertando quando falou: “Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu cam inh o u m pecador salvará da m o rte um a ilm a e cobrirá u m a m ultidão de pecados” (T g 5.20).47 M ostrando u m dos terríveis pecados dos cristãos de C orinto, Paulo instruiu a :ongregação: “seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espirito seja salvo no D ia do Senhor Jesu s” (1 Co 5.5). Ele deveria receber um a disciplina severa em função do seu recad o (cf. 1 Co 11.30-32). Paulo tam bém estava escrevendo para crentes quando disse: "Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o h o m em sem ear, isso tam bém ceifará” (G 16.7; cf. v. 8). Em sum a, n en h u m crente terá o seu pecado ignorado: “Porque todos devem os : Dmparecer ante o tribu nal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito r or m eio do corpo, ou bem ou m a l” (2 Co 5.10). D iante do tro n o do juízo: A ob ra de cada u m se m a n ife sta rá ; n a verd ad e, o D ia a d ecla ra rá , p o rq u e p elo :3 g o será d esco b e rta; e o fo g o p ro v a rá qual se ja a o b ra de cada u m . Se a ob ra ru e alg u ém ed ifico u nessa p a rte p e rm a n e c e r, esse re ce b e rá g alard ão . Se a o b ra de _ : m o n ão existe a rtig o in d efin id o n o g reg o (um ou uma), a frase p o d e s er m e lh o r tra d u z id a c o m o “E x iste p eca d o q u e jev a à m o r te .”
47 T iag o se dirige a eles c o m o “irm ã o s ” (v. 19); o c o n te x to é ace rca dos irm ã o s q u e p e c a ra m (v. 16) e “te m
desviado da v e rd ad e” (v. 19).
250 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
alg u é m se q u e im ar, so fre rá d e trim e n to ; m as o ta l será salv o, to d av ia c o m o p elo fo g o . (1 C o 3 .13-15)
A BASE TEOLÓGICA PARA A RELAÇÃO ENTRE FÉ E OBRAS Há m uitos argum entos teológicos por baixo da visão evangélica de que a prática das boas obras é a evidência, mas não um a condição para a fé salvífica. Prim eiram ente, analisaremos as três razões teológicas que dem onstram a implausibilidade das obras com o condição para a salvação e, a seguir, apresentaremos duas razões teológicas defendendo que as obras são um resultado natural (u m a evidência ou m anifestação) da fé verdadeira.
A Natureza da Graça de Deus O Deus das Sagradas Escrituras é Causa não-causada, to talm en te auto-su ficiente de todas as coisas."18 Ele é a Fonte e o Sustentad or — Ele criou tudo, e Ele a tudo sustenta.® Nada tem os que dele não ten h am o s recebido, e nada poderem os dá-lo, sem que Ele já não nos te n h a entregado antes. Deus “n em tam p ou co é servido por m ãos de hom ens, co m o que necessitando de algum a coisa; pois ele m esm o é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (A t 17.25). “Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas” (R m 11.36). “Porque quem sou eu, e quem é o m eu povo, que tivéssemos poder para tão volu ntariam ente dar sem elhantes coisas? Porque tudo vem de ti, e da tua m ão to dam os” (1 C r 29.14). A vida eterna, portanto, não pode vir dos nossos esforços; “D o SEN HOR vem a salvação” (Jn 2.9). M esm o que ela deva ser recebida por fé (Ef 2.8; At 16.31; R m 3.25), a salvação não tem origem na vontade hu m ana (cf. Jo 1.13; R m 9.16), mas naquele que é a Fonte de tudo o que foi criado. Sem a graça dar início e executar o plano de salvação, n en h u m h om em jamais seria salvo: a nossa vida eterna encontra a sua origem som ente na graça (sola gratiá).
A Natureza da Depravação Humana A depravação to tal significa (en tre outras coisas) que a hum anidade decaída — com o u m todo — é totalmente incapaz de alcançar a salvação. Se os h om ens devem ser justificados diante de Deus, é Ele quem deve iniciar e com p letar este ato.50
A Natureza da Fé A fé é a ú n ica condição (solafide) para receberm os o d om gracioso da salvação da parte de Deus (R m 4.5; cf. E f 2.8,9; T t 3.3-7).51 A fé salvífica envolve a dependência som ente de Deus para a nossa salvação, reconhecend o que Ele, e som en te Ele, é a Fonte e a Suficiência da vida eterna.
A Natureza dos Resultados da Fé A fé salvífica envolve confiança e com prom isso, p o rtan to , a prática das boas obras é u m a conseqüência natu ral dela. C om o já estudam os, u m ato de confiança ou com prom isso, pela sua própria natureza, é u m ato que tende a resultar em m udança de atitude ( comportamento, ação). As pessoas nas quais confiam os, com as quais agimos de m aneira 48Vide volum e 2, parte 1,
49Vide volum e 2, parte 2.
48Vide capítulos 4-6.
51 Vide capítulo 15.
AS EVIDÊNCIAS DA SALVAÇÃO
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lorop riad a (porque confiam os nelas, respondem os de form as que sinalizam confiança), e para as quais agimos de m aneira benevolente (porque confiam os nelas, agimos de form as ;u e com u n icam e difundem a bondade) são pessoas para com as quais agimos de m aneira positiva e para as quais respondem os de m aneira am orosa e sacrifical.
A Natureza da Salvação A salvação, com o já observam os, é u m ato da graça de Deus, e a graça, pela sua própria natu reza, tende a abrandar o coração e provocar u m a m udança de atitude da parte da pessoa que a recebe. Este “a m o lecim en to ” do coração faz co m que sejam os mais favoravelm ente dispostos — gratos e receptivos — A quele que é a Fonte da graça. "A benignidade de Deus te leva ao arrep end im ento” (R m 2.4), e “o am or de Cristo nos constrange” (2 Co 5.14). O nosso S en h o r disse que aqueles que no m u ito foram perdoados, no m u ito tam b ém am arão: “Mas aquele a quem p ou co é perdoado pouco am a” (Lc 7.47). C onseqüentem ente, o fato da natu reza intrínseca da salvação ser um ato gracioso e am oroso da parte de Deus tende, natu ralm en te, a produzir boas obras n a vida das pessoas que a recebem (cf. T t 1.11-13).
A Relaçao entre Fé, Obras e Salvaçao: Quatro Perspectivas ...
Senhorio
Calvinismo Moderado
Graça Livre
Wesleyanismo
Sim
Não
N ão
Sim
Sim
Sim
N ão
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
N ão
Não
Sim
Não
‘ C re r q ue” pode salvar
Não
Não
Sim
N ão
Fé envolve com p rom isso
Sim
Sim
N ão
Sim
Perseverança em C risto é
Sim
Não
Não
Sim
Sim
Não
Não
Sim
Não
Não
Não
Sim
Sim
Sim
N ão
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Necessidade de aceitação de C risto co m o S en h or p ara a salvação Necessidade de | arrepen d im ento p ara a salvação Obediência é necessária para a salvação 1 "A creditar q ue” e “cre r e m ” 1 são a m e sm a coisa
necessária para a salvação Fidelidade con tínu a é necessária p ara a salvação Necessidade de continuidade n a fé co m o condição p ara a salvação Necessidade de continuidade na fé co m o evidência da salvação ré n atu ra lm e n te produ z j obras
252 $
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Boas obras são conseqüências automáticas da fé
Sim
Não
Não
Não
Todos os salvos devem ser discípulos
Sim
Sim
Sim
Sim
Necessidade de ser um discípulo para ser salvo
Sim
Não
Não
Sim
Todos os regenerados serão salvos
Sim
Sim
Sim
Não
Salvação pode ser perdida
Não
Não
Não
Sim
Possibilidade da salvação mesmo diante da perda total da fé em Cristo
Não
Não
Sim
Não
Fé continuada é uma condição necessária para a salvação
Não
Não
Não
Sim
Prática de boas obras é uma condição necessária para a manutenção da salvação
Não
Não
Não
Sim52
Fé continuada é um sinal
Sim
Sim
Não
Sim
Pessoas que caem em pecado sério continuam salvas
Sim
Sim
Sim
Não
E possível morrer em pecado sério53 e ser salvo
Não
Sim
Sim
Não54
Pessoas que continuarem em pecado podem ser salvas
Não
Não
Sim
Não
Podemos ter certeza da salvação mesmo em pecado sério
Não
Sim
Sim
Não
necessário da salvação
A BASE HISTÓRICA DA RELAÇÃO ENTRE FÉ E OBRAS — OBRAS NAO SENDO C O N D IÇ Ã O PARA A SALVAÇÃO Existe uma tradição firme e contínua desde o início da doutrinação cristã advogando que apesar de a fé verdadeira precisar (e naturalmente) gerar boas obras, a realização das obras não é condição para a salvação. Todas as pessoas que são salvas, o são independentemente das boas obras.
52 A lg u n s w esleyanos se re cu sariam a a c e ita r e sta fo rm a d e exp ressão, eles, p o ré m , a d m ite m q u e c e rta s m á s ob ras p o d e m o c a sio n a r a p e rd a d a salvação.
53 “S é rio ” sign ifica u m p eca d o d elib erad o , m as n ã o a apostasia.
(o s segu id ores de a rm ín io ) d iscord am .
54 Os am in ia n o s clássicos
AS EVIDÊNCIAS DA SALVAÇÃO
#
253
Os Pais da Era Pós-Apostólica De acordo com os nom es mais influentes da era patrística, a salvação não pode ser conquistada por m éritos próprios. Nada do que fizerm os será digno do d om gracioso da salvação de Deus. Clemente de Roma (c. século I d. C.) Nós, portanto, que fomos chamados pela sua vontade em Cristo Jesus, não somos justificados por nós mesmos, nem pela nossa sabedoria, nem pelo nosso entendimento, nem pela nossa piedade, tampouco pelas obras que praticamos em santidade de coração. (IC in FEF, 1.9.16 conforme citação feita em Oden, ACCSNT) Ireneu (c. 125-c. 202 d. C.) Vão, também, é Marcião e seus seguidores, ao buscarem excluir Abraão da herança, para a qual o Espírito, por intermédio de muitos homens, e agora também por intermédio de Paulo, presta testemunho, de que “Ele creu em Deus e isto lhe foi imputado por justiça” (AH, 1.4.8.1 in Roberts e Donaldson, ANF, 1.470). Oríflenes (c. 185-c. 254 d. C.) Defendemos que o homem é justificado pela fé, independente das obras da lei [...] Se um exemplo for solicitado, penso que deve ser suficiente mencionarmos o ladrão na cruz, que pediu a Cristo para lhe salvar e recebeu como resposta: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso” [Lc 23.43] [...] O homem é justificado pela fé. As obras da lei em nada podem contribuir para isto. ( CER, Rm 3.28, 2.132-34 in Oden, ACCSNT, 6:104) Deus é justo e, portanto, não poderia justificar os injustos. Por isso requereu a intervenção de um propiciador, de forma que por intermédio da fé nele, aqueles que não poderiam ser justificados pelas suas próprias obras pudessem ser justificados. (2.112 in ibid., 6.102-03). Cirilode Jerusalém (c. 315-c. 3 8 7 d. C.) Tal qual uma pena utilizada para escrever, ou uma flecha precisa de um agente que dela faça uso, também a graça de Deus tem a necessidade de corações crentes [...] A parte de Deus é derramar a graça, mas a vossa é aceitá-la e guardá-la. (C l, 1.3-1.4 in FEF, 1:348.808; ibid.) João Crisóstomo (c. 347-407 d.C.) O homem que se vangloria nas suas obras está se vangloriando de si mesmo, mas aquele que descobre a sua honra na fé que deposita em Deus tem uma razão muito melhor para se vangloriar, porque está se vangloriando por causa de Deus, e não por causa de si mesmo. (HR in Schaff, NPNF, 1.11:385-86; ibid., 6:110) Para respondermos a todos os que insistem em perguntar: “Como podemos ser salvos sem contribuir com nada nessa salvação?” Paulo nos mostra que, de fato, temos uma grande dose de contribuição nela — entramos com a nossa fé! (ibid., Rm 7 in Schaff, NPNF, 1.11.377, ibid., 6:100)
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Para que nenhum de vós seja exaltado pela magnitude destes benefícios, vede como Paulo vos coloca no vosso devido lugar. Pois “pela graça sois salvos,” diz ele, “pela fé,” portanto, de forma a não causar qualquer mácula ao livre-arbítrio, ele nos designa um papel, a seguir, retira-o novamente, dizendo “e isto não vem de vós” (HE, Ef 2:8 [JOEP 2:160] in ibid., 8.13). Teodoreto de Cirro (c. 393-c. 466 d. C)
Tudo o que trazemos para a graça é a nossa fé [...] Pois Paulo acrescenta “e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9). Não foi por nossa concordância que passamos a crer, mas chegamos à fé depois de termos sido chamados. (CEP conforme citação feita em FEF, 3.248-49.2163) O Senhor Cristo é, simultaneamente, Deus e o trono da misericórdia, sacerdote e cordeiro, e realizou a obra da nossa salvação por intermédio do seu próprio sangue, exigindo de nós somente a fé. (ILR, 82, in Oden, ACCSNT, 6:102) Caio M ário Vitorino (c. século IV )
O fato de vós efésios serem salvos não é nada que venha de vós mesmos, mas dom de Deus. Não se trata de vossa obra, mas graça e dom divino, e vós não tendes nenhum mérito nisso (EE, 1.2.9.152 in ibid., 8:134). Ele não fez com que merecêssemos, pois não recebemos nada por nosso próprio mérito, tão somente pela graça e benignidade de Deus. (1.2.7.152 in ibid., 8:132) Ambrósw (3 3 9 -3 9 7 d. C.)
Pois o que diz a Escritura? “Abraão creu em Deus, e isto lhe foi imputado por justiça”. Abraão creu em Deus. Portanto, creiamos nós também, para que nós, que somos herdeiros da sua raça, também possamos ser herdeiros da sua fé. (ODHBS, 2.89 in FC, 22:236; ibid., 6:111) Ambrosiastro (c. século I V d. C .)
[Deus] justifica aquele que tem fé em Jesus [...] Deus deu o que prometeu para que fosse revelado como justo. Pois ele prometeu que justificaria aqueles que cressem em Cristo, como Ele declarou em Habacuque: “O justo viverá por fé em mim.” Todo aquele que tiver fé em Deus e em Cristo é justo. (CPE in CCL, 81; ibid., 6.103) E, novamente, Eles são justificados de forma graciosa, porque nada fizeram ou nada deram em troca, mas pela fé somente foram tornados santos pelo dom de Deus. (CCL, 74 in ibid., 6:104)
Os Pais da Era Medieval Os Pais medievais não foram menos incisivos acerca da impossibilidade das obras servirem como base para a salvação. Desta forma, eles levaram adiante a tradição salvííica recebida das eras apostólica e patrística.
AS EVIDÊNCIAS DA SALVAÇÃO
®
jerônimo (c. 340-420 d. C.)
Somos salvos pela graçae não pelas obras, pois não tem os nadaparadar aDeus em troca daquilo que ele nos concedeu (EE[PL] 26:468B [574] in ibid., 8:132). [Paulo] diz isto porque podem os seracometidos por u m pensam ento secreto: se não somos salvos pelas nossas próprias obras, pelo m enos somos salvos pela nossa própria fé e, portanto, de u m a ou tra perspectiva, a nossa salvação viria de nós m esm o (26:470A-B in ibid., 8:133). Paulo m ostra claramente que a justiça não depende do m érito do hom em , mas som ente da graça de Deus, que aceita a fé daqueles que crêem, sem as obras da lei. (AP, 2.7 in FC, 53:306; ibid., 6:106) A lguns dizem que se Paulo estava co rreto em afirm ar que n in g u é m é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Cristo, os patriarcas, os profetas e os santos que viveram antes de C risto eram im perfeitos. D everíam os responder a estas pessoas que aqueles que consideram os não terem obtido a justiça são aqueles que creram que poderiam ser justificados som ente pelas obras. Os santos que h á m u ito viveram , en tretan to , foram justificados pela sua fé em Cristo, ao ver (jo 8.56) que Abraão vislum brou os dias de Cristo com antecedência. (EG [PL] 26:343C-D [412] in ibid., 8:30) Agostinho (c. 354-430 d.C .)
A graça é dada, não p orque praticam os boas obras, m as para que ten h am o s o poder de executá-las, não porq ue cu m prim os a Lei, mas para que possam os fazer isto. (OSL in LCC; ibid., 8:206) A intenção de Paulo é perfeitam ente clara — afrontar o org u lh o h u m an o , m o stran d o que n in g u ém deve se vangloriar nas suas obras, e que n e n h u m h o m e m deve se gloriar em si m esm o. (OS, 5.9 in FC , 86:228; ibid, 7:18) N ão se trata da vontade ou da obra não ser nossa, mas sem a sua ajuda não som os capazes n e m de desejar, tam p o u co de fazer qualquer coisa boa. (OGC, 26 in PL, 44.373; ibid., 8:258) É certo que quando praticam os u m a obra, a obra é nossa; m as Ele é q u em faz com que pratiquem os a obra ao nos dar a força suficiente para executar a nossa vontade. (OGFW, 32 in PL, 44:900-01; ibid., 8:258) [Não é da vontade de Deus que] u m a pessoa deva ser forçada co n tra a sua vontade a fazer coisas boas ou ruins, m as que ele prossiga ru m o ao m al, de acordo com os seus próprios desertos, quando D eus o abandona. Pois u m a pessoa não é boa se não desejar ser boa, mas a graça de Deus o assiste até m esm o n o seu desejar. Não é sem causa que está escrito: “Deus é aquele que opera em vós tan to o querer, q u anto o realizar, de acordo com a sua própria vontade”. (T LP , 1.36 in PL, 44:567; ibid., 8:258) Cirilo de Alexandria (375-444 d. C.)
Não afirm am os que C risto se to rn o u u m pecador, longe disso, m as ao se to rn a r justo (ou m elhor, a justiça, porque Ele n em chegou a conhecer o pecado, de form a algum a), o Pai fez dele u m a vítim a pelos pecados do m u n d o . (L, 41:10 in FC , 76:174; ibid., 7.252) Então o que sobra da nossa vangloria? Ela é elim inada. C om base no quê? C om base nas obras? Não, mas com base n a fé [...] Pois quem haverá de se vangloriar, e p o r que m otivo faria isso, quando sabemos que todos se to rn a ra m indignos e abandonaram o reto cam inho, e n e n h u m de nós é capaz de praticar boas obras? Por isso, Ele declara que toda vangloria esta elim inada. (CR, 74 in ibid., 6:104)
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Próspero de Aquitaine (c. 390-c. 463 d. C .)
Da mesma forma que não há crimes tão detestáveis que possam impedir a ação da graça de Deus, também não pode haver obras tão majestosas que gerem débito [...] aquilo que é livremente entregue. Não seria um abalo à redenção no sangue de Cristo, e a misericórdia áèDeus nao se tomaria secundária às oWas humanas, se a justificação, que ocorre por meio da graça, fosse devida em função de méritos precedentes, de forma que não fosse mais o presente de um Doador, mas o salário de um trabalhador? (CAN, 1.17 in FEF, 3:195.2044) Fulgêncio (c. 467-533 d. C .)
O abençoado Paulo argumenta que somos salvos pela fé, à qual ele declara não vir da nossa parte, mas ser um dom de Deus. Dessa forma, não pode haver salvação verdadeira onde não existe fé verdadeira e, como esta fé é divinamente acionada, ela é, sem dúvida, concedida pela sua livre-generosidade. Onde houver uma crença verdadeira por intermédio de uma fé verdadeira, a verdadeira salvação certamente a seguirá. (OI in CCL, 91:313 conforme citação feita em Oden, ACCSNT, 8:133-34) “A lei sem a graça, portanto, pode expor as doenças, mas não as pode curar. Ela pode revelar as feridas, mas não administra o medicamento que levará à cura. Mas para que os preceitos da lei possam ser atendidos, a graça nos proporciona assistência” (OTP, 1.41 in CCL, 91A:485, 980-83; ibid., 8:49). Cesário de A ries
(c. 470-543 d.C .)
Qual o significado de receber a graça de Deus em vão se não for manter o desejo de praticar boas obras a fim de ajudar esta graça? (S, 126.5 in FC, 47:219; ibid., 7:254). Tomás de Aquino (1225-1274 d. C .)
Quando [Paulo], a seguir, fala “e isto não vem de vós,” ele esclarece o que falou antes: Primeiramente, com relação à fé, que é o alicerce de todo o edifício espiritual. Em segundo lugar, a respeito da graça (Ef 2.10) [...] Como ele declarou que somos salvos por fé, qualquer pessoa pode ter a opinião de que a fé em si mesma se origina dentro de nós mesmos e que o crer é determinado pelos nossos desejos. Portanto, é justamente para abolir isto que ele declara “e isto não vem de vós.” O segundo erro rejeitado por ele é que qualquer pessoa pode crer que a fé nos é dada por Deus por mérito do nosso procedimento prévio. Para eliminar também essa possibilidade ele, ainda, acrescenta: “Não foi pelas obras precedentes que passamos a merecer, de uma só vez, sermos salvos; pois esta é a graça,” como acima mencionamos, e de acordo com Romanos 11:6 : “Mas, se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça.” Ele continua a nos dar a razão porque Deus salva o homem pela fé sem qualquer tipo de obra precedente, para que nenhum homem possa por isso se gloriar. (CE, 95-96)
Os Líderes da Reforma Martinho Lutero (1483-1546)
Querer ser digno da graça por causa das obras que precedem a fé é querer aplacar a Deus com os nossos pecados; o que nada mais é do que colocar pecado sobre pecado, rir de Deus e provocar a sua ira. (WLS, 604)
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[iw Cahino (1509-1564) O leitor agora percebe com que justiça os sofistas da nossa época engendram os seus sofismas contra a nossa doutrina, quando afirmamos que o homem é justificado unicamente pela fé (Rm 4.2). (ICR, 3.11.19) "A fé é imputada por justiça,” e, portanto, a justiça não é a recompensa das obras, mas nos é entregue sem que dela fôssemos dignos. Como “somos justificados pela fé,” a vangloria está aniquilada. “Se dada fosse uma lei que pudesse vivificar, a justiça, na verdade, teria sido pela lei. Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos crentes” (Gl 3.21,22). Que continuem sustentando, se é que ousam fazer isto, que estas coisas se aplicam às cerimônias e não à moralidade, e os seus próprios filhos vão rir do seu descaramento. A conclusão verdadeira, portanto, é que a lei como um todo está envolvida quando o poder da justificação é a ela negado, (ibid.) Como grande parte da humanidade imagina uma justiça composta por fé e obras, apresentemos aqui, portanto, que existe uma diferença tão marcante entre a justificação pela fé e pelas obras que o estabelecimento de uma, necessariamente, faz ruir a outra. O apóstolo diz: “Sim, sem dúvida, considero tudo como perda pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”, (ibid., 3.33.13) A conclusão, portanto, é que [Abraão] não foi justificado pelas obras. [Paulo] então emprega outro argumento baseado na antítese, ou seja, quando o pagamento é feito às obras, ele é feito por dívida, não por graça; mas a justiça da fé é de graça: logo, ele não vem pelo mérito de obras. Portanto, fora com o sonho daqueles que inventam uma justiça composta de fé e obras. (ACT) Portanto, homem nenhum é justificado por obras a não ser que tenha atingido o clímax da perfeição, e não possa ser acusado nem mesmo pela mais ínfima transgressão. (ICR, 1.3.15.1) Dessa forma quando a Bíblia declara que o publicano voltou para sua casa “justificado” (Lc 18.14), não se pode dizer que ele obteve a justificação por mérito de qualquer uma de suas obras. Tudo o que é dito é que ele recebeu o perdão dos pecados, ele foi considerado justo aos olhos de Deus. Ele foi, portanto, justificado, não pela aprovação de qualquer uma de suas atitudes, mas por uma absolvição gratuita da parte de Deus. Por isso Ambrósio, de maneira elegante denomina a confissão de pecados como “justificação legal” (Ambrósio sobre o Salmo 118, Sermão 10; ibid., 3.11.1). O evangelho difere da Lei neste aspecto, no fato de não confinar a justificação nas obras, mas de lha colocar inteiramente na misericórdia de Deus. De modo semelhante, Paulo argumenta, naEpístola aos Romanos, que Abraão não tinha motivo parase gloriar, porque a fé lhe havia sido imputada por justiça (Rm 4.2); e, ele acrescenta, em confirmação, que o lugar apropriado da justificação pela fé é onde não existem obras dignas de pagamento. “Àquele que trabalha, o pagamento não é reconhecido como graça, mas como dívida” (ibid., 3.11.18).
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Os Mestres do Período Posterior à Reforma John Wesley (1703-1791)
“Pela graça sois salvos”: Vós sois salvos dos vossos pecados, da sua culpa e do seu poder, vós sois restaurados ao favor e à imagem de Deus, não por causa de qualquer forma de obra, mérito, ou merecimento de vós mesmos, mas pela graça livre, a misericórdia de Deus, por intermédio dos méritos do seu Filho amado. Vós sois, portanto, salvos, não por qualquer poder, sabedoria ou força que esteja em vós, ou em qualquer outra criatura; mas, meramente por intermédio da graça ou poder do Espírito Santo, que em todos opera. (MG, sermão 16) Charles Spurgeon (1834-1892)
Qual é a heresia de Roma, senão o acréscimo de coisas aos méritos perfeitos de Jesus Cristo, a junção de obras da carne para servir de auxílio à nossa justificação? Toda heresia, no fundo, terminará neste mesmo ponto. ( “D C” in CHSA, 5a) Earl Radmacher (nascido em 1933)
Todos acham que podem contribuir com algo para a sua própria salvação. E, depois que a porta se abre para este tipo de idéia, toda a ênfase da salvação como dom de Deus é modificada. Esta forma de pensar explica o fato de que nenhuma das maiores religiões do mundo, com exceção do Cristianismo, oferece a salvação como um dom independente de qualquer tipo de esforço da parte humana. (5, 115) M illard Erichon (nascido em 1932)
Mesmo a fé não é uma forma de boa obra que será recompensada com a salvação. Ela é um dom divino. Ela não é a causa da nossa salvação, mas o meio pelo qual a recebemos. E, ao contrário do que pensam alguns, ela sempre foi o meio de salvação. (CT, 959) Outra dificuldade é que quando os seres humanos aceitam o princípio de que eles não precisam fazer nada para receber a salvação, é comum haver uma tendência exacerbada ao antinomianismo [Rm 6.1,2; G15.13-15] (ibid.). Apesar da opinião muito conhecida de que existe uma tensão entre Paulo e Tiago, ambos fazem essencialmente a mesma afirmação: que a autenticidade da fé que leva à justificação se torna aparente nos resultados que dela surgem. Se não houver boas obras, na verdade, não houve uma fé, nem a justificação daquela pessoa. Encontramos apoio para este questionamento no fato da justificação estar intimamente ligada à união com Cristo. Se nos tornamos um com Cristo, não mais viveremos de acordo com a carne, mas sim, viveremos pelo Espírito. [Rm 8.1-7] (ibid., 960)
A BASE HISTÓRICA DÂ RELAÇÃO ENTRE FÉ E OBRAS — OBRAS COMO M A N IF E S T A Ç Ã O DA SALVAÇÃO Os pais pós-apostólicos da igreja foram unânimes em apoiar a posição de que a fé salvífica se manifestaria em boas obras. Como isto já foi fartamente documentado nesta obra, faremos somente algumas breves citações para reforçar o tema.
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Ixw Crisóstomo (c. 3 4 7 -4 0 7 d. C.)
A missão de Deus não era salvar as pessoas p ara que elas perm anecessem estéreis ou inertes, pois a E scritura diz que fom os salvos pela fé. Em outras palavras: com o foi Deus quem quis isto, a fé nos salvou. Em todo caso, diga-me, será que a fé salva sem que ela m esm a produza algo? As próprias obras da fé são d o m de Deus, para que n in g u ém se glorie. O que, então, Paulo está q u erendo dizer? Não que Deus te n h a proibido as obras, mas que te n h a proibido a justificação pelas obras. N inguém , afirm a Paulo, é justificado pelas obras, precisam ente p ara que a graça e a benevolência de Deus possam se to m a r aparentes! (HE, 4.2.9 [IOEP] 2:140, conform e citação feita em O den, ACCSNT, 8:134) Anselmo (1033-1109 d.C .)
Dessa form a, en tretan to , com grande confiança crem os em u m a verdade tão im p o rtan te, a fé será inútil e, podem os até dizer, será m o rta, se não estiver forte e viva p o r m eio do am or. Pois a fé que é acom panhada p or am o r suficiente, de form a algum a, será inoperante, pois, havendo ocasião para que ela seja posta em prática, ela se m o strará com abundância de obras. (M, LXXVII) Não é absurdo afirm arm os que a fé operante está viva, p orque ela tem a vida do am or sem o qual não poderíam os agir; e que u m a fé in operante não é viva, p orque lhe falta a vida proveniente do am or, com o qual ela não seria inoperante, (ibid.) P ortanto, podem os dizer, com propriedade suficiente, que a fé viva crê naquilo que deveríam os crer; ao passo que a té m o rta sim plesm ente crê que deveríam os crer naquilo, (ibid.) João Cahino (1509-1564 d.C .)
A fé, que é o único m eio, p o r interm édio da m isericórdia de Deus, de obterm os a livre justificação, não é destituída de boas obras; e para tam bém m o strar a verdadeira n atu reza destas boas obras para as quais esta questão parcialm ente se volta [...] o conceito de justificação. (ICR, 1.3.11.1) Do m esm o m odo, dir-se-á que u m h o m e m foi justificado pelas obras, se na sua vida p u d er ser encontrada a pu reza e a santidade que m erecem u m a atestação de justiça diante do tro n o de Deus, ou se pela perfeição das suas obras ele p u d e r responder e satisfazer a justiça divina. Do contrário, o h o m em será justificado pela fé quando, excluído da justiça das obras, ele, p o r fé, apegar-se à justiça de Cristo, e, dela revestido, for visto p or Deus não mais com o u m pecador, mas com o u m justo, (ibid., 1.3.11.2)
Charles Hodye (1797-1878)
Sobre este tem a nun ca houve u m a divergência real de opinião en tre os protestantes, em bora, no início da Igreja L uterana te n h a havido alguns m al-entendidos. Primeiro, adm itiu-se universalm ente que as boas obras não são necessárias para a nossa justificação; que elas são conseqüências e fru to s indiretos da justificação e, que, p o rtan to , não podem servir de base para ela.
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Segundo, também foi consenso que a fé, pela qual o pecador é justificado, não é uma obra, razão pela qual Deus anuncia o pecador como justo. Ela é o ato pelo qual o pecador recebe e descansa na justiça de Cristo, cujaimputação o torna justo aos olhos de Deus. Terceiro, a fé não justifica porque ela inclui ou porque é a raiz ou o princípio das boas obras; não como jides ohsequiosa. Quarto, também houve consenso de que somente uma fé viva, isto é, uma fé que opera por meio do amor e purifica o coração, une a alma a Cristo e assegura a nossa reconciliação com Deus. Quinto, foi universalmente admitido que uma vida imoral é inconsistente com um estado de graça; que aqueles que deliberadamente continuarem na prática do pecado não herdarão o reino de Deus [...] A “Fórmula de Concórdia,” na qual esta e outras controvérsias na Igreja Luterana foram, por fim, ajustadas, representaram a base real para este tema, assumindo uma posição mediana entre as duas posições extremas. Ela rejeita a proposição desqualificada de que as boas obras são necessárias à salvação, já que pessoas foram salvas sem ter tido oportunidade de testificar a sua fé por meio das obras. Por outro lado, ela condena veementemente a declaração infundada de que as boas obras são nocivas à salvação; que é considerada perniciosa e escandalosa. (ST, 3.18.5) Earl Radmacher (nascido em 1933)
Muitos cristãos ou dão uma importância excessiva às obras, afirmando que elas são essenciais para a pessoa ser salva do castigo do pecado, ou acabam por desprezá-las, deixando de perceber que elas mostram as evidências da fé e da salvação contínua do poder do pecado. (S, 172-73) M illard Erickson (nascido em 1932)
As boas obras que fazemos aos outros são representadas como a conseqüência da nossa salvação, não como aquilo que precisamos fazer para recebê-la. (CT, 1013) A fé genuína se mostrará, necessariamente, em obras. Fé e obras são inseparáveis, (ibid., 1014).
RESUMO E CONCLUSÃO O Catolicismo Romano defende que, além da fé, precisamos também trabalhar para a nossa salvação. Todavia, esta afirmação é falsa, pois não podemos fazer nada para a nossa salvação, somente podemos agir a partir dela. Nós não somos salvos pelas obras, mas para as obras. Em outras palavras, é impossível trabalhar no sentido da graça; somente podemos trabalhar a partir dela (Rm 1.16). Quanto ao Protestantismo Ortodoxo, existe um consenso generalizado de que a salvação ocorre somente pela fé, independentemente das obras. Existe, também, um amplo consenso de que apesar de sermos salvos exclusivamente por fé, a f é que nos salva não está sozinha
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ela é acompanhada pelas boas obras.
Apesar de haver uma considerável divergência interna acerca da forma como as obras fluem a partir da fé: se de forma automática, inevitável ou meramente natural; uma análise das evidências bíblicas apóia a visão de que as obras fluem naturalmente de uma fé salvífica.
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C A
P Í T U
L O
O N Z E
O ALCANCE DA SALVAÇÃO (EXPIAÇÃO LIMITADA OU ILIMITADA)
M
esm o havendo u m am plo consenso evangélico acerca da origem , natu reza e propósito da Expiação, existe um a diferença considerável acerca do alcance a ela atribuída. Os calvinistas firm es defendem a expiação lim itada, ao passo que os demais advogam que a expiação não tem lim ites na sua eficácia. Ou seja, os prim eiros crêem que C risto m o rreu som ente pelos eleitos, e os segundos defendem que C risto m o rreu pelos pecados de todos os seres hum anos. C om o esta obra defende a visão ilim itada da expiação, este capítulo iniciará com as evidências a favor desta perspectiva e, a seguir, passará a responder aos argum entos que são levantados para fu nd am entar a posição da expiação lim itada. A B A S E B ÍB L IC A D A E X P IA Ç Ã O IL IM IT A D A A base bíblica para a expiação ilim itada pode ser dividida em três categorias: a bíblica, a teológica e a histórica. Iniciarem os com a base bíblica, abordando ju n ta m e n te com ela o entendim ento textual alternativo dos calvinistas firmes. Isaias 53 .6
Isaías escreveu acerca do Messias: “Todos nós andam os desgarrados co m o ovelhas; cada u m se desviava pelo seu cam in h o, mas o SE N H O R fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos.” 0 significado evidente de “todos” é a totalidade dos seres hum anos, já que no início da frase a m esm a palavra “tod os” é utilizada para qualificar todas as pessoas que se desviaram e necessitam da salvação. De m odo sem elhante, ele tam bém faz uso da palavra muitos, que significa todos aqui e em ou tra passagem (R m 5.19), a afirm ar: “Ele levou sobre si o pecado de m u ito s” (v. 12). A té m esm o João Calvino, ao com en tar este versículo, declarou: “Sou favorável à leitura com u m , na qual vem os que Ele, sozinho, levou o castigo de m uitos, porque sobre E le estava depositada a culpa do mundo todo. E evidente, a partir de outras passagens e, especialm ente a partir do quinto capítulo da epístola aos R om anos, a palavra muitos às vezes d enota “todos.” (C om en tários de Calvino sobre Isaías 53.12, grifo acrescentado). Mateus 22.14
Jesus disse: “Porque m uitos são cham ados, mas poucos, escolh idos”. M esm o Deus sabendo que som ente os eleitos creriam (A t 13.48), o seu desejo era que todos fossem
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salvos (2 Pe 3.9; 1 T m 2.4). Desse m odo: “Porque Deus am ou o m u nd o de tal m aneira que deu o seu Filho u n ig ên ito ” (Jo 3.16) a fim de proporcionar u m sacrifício expiatório pelos pecados “de todo o m u n d o ” (1 Jo 2.2). D eus proporcionou a salvação a todos, m as, para isso, requer o arrependim ento (A t 17.30) e a fé (A t 16.31) de todos. Seria tanto enganoso, quanto absurdo que Deus ordenasse a todos que se arrependessem , mas som ente proporcionasse a salvação para alguns. Em defesa da expiação lim itada, Jo h n Owen (1616-1683) apresentou a seguinte — im provável — sugestão: “Os m and am entos e as promessas de Deus revelaram a nossa obrigação, e não o seu propósito; [ou seja, eles revelaram ] o que nos faria fazer, e não o que Ele faria” ( D D D C , 200). Porém , este trocadilho eloqü ente encerra erros ocu ltos. Por u m lado, ele sugere que D eus ordena o im possível, o que faria do D eus onisciente um ser irracional. De ou tro, ele ignora o óbvio, ou seja, a existência de o u tra alternativa: D eus não som ente ordena o que Ele quer que façam os, com o tam bém o que Ele deseja que façam os.1 Mateus 23.37 Ao ch orar diante da cidade, Jesus lam en tou :
Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste! C om o poderia ficar mais óbvio que a vontade de Deus era que todas aquelas pessoas, inclusive as não-arrependidas, fossem salvas? Jo h n G ill (1697-1771), u m ultracalvinista, alegava que estas palavras de Cristo não deveriam ser entendidas com o se referindo a u m a reunião para a salvação, mas som ente com o u m a reunião para ouvir a sua pregação e, dessa form a, serem trazidos de volta à fé histórica, “a qual lhes seria suficiente para conservá-los da ru ín a tem p o ral.” De m odo sem elhante, o desejo de Cristo para que eles viessem até Ele “não deve ser com preendido com o sua vontade divina [...] m as co m o sua vontade hu m ana, ou co m o sua vontade co m o h om em ; a qual [...] n em sem pre corresponde à [sua vontade divina], e n em sem pre se cu m p re.”2 U m a clara exp o sição desta in te rp re ta çã o desesperada é, talvez, a re fu ta çã o m ais efetiva que se possa fazer dela m esm a : a co n clu são desta idéia nos leva a c re r que a p re o cu p a çã o de D eus p ela nossa con d ição te m p o ra l é m a io r do que a sua p re o cu p a çã o pelas nossas alm as etern as! A lgum as pessoas te n ta m a ten u a r isto afirm an d o que esta visão sim p le sm e n te co n firm a a m á -v o n ta d e de Je ru sa lé m em p e rm itir co m que seus “filh o s ” respond essem de fo rm a positiva, e n tre ta n to , esta sugestão faz m u ito p o u co n o sen tid o de reso lv er o p ro b lem a. A verdade p e rm a n e ce : As pessoas que n ão resp on d em de fo rm a positiva fazem isso em fu n çã o da sua própria m á vo n tad e, e n ão p o rq u e Deus n ão anseia que elas resp on d am de m a n e ira positiva (d e lib e ra d a m e n te ) a Ele.
1 V id e n o s u b títu lo “R e sp o sta à O b je ç ã o N ú m e ro T rê s” (n a seq ü ê n cia deste te x to ) p a ra o b ter m a io res d eta lh es sob re a v o n tad e final de D e u s e sua v o n te d e imediata. 1.87-88, cf. 2.77.
2 Jo h n G ill, The Cause o f God and Truth (G ra n d Rapids: B a k e r, 1980, n o v a e d ição ),
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João 1.29 “No dia seguinte, João viu a Jesus, que vinh a para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” A luz do con texto e de outros usos da palavra mundo n o evangelho de João,3 é evidente que o texto não se refere som ente à igreja ou aos eleitos, mas a toda a '•■.umanidade. C o m o já abordam os, Jesus disse que “D eus am ou o mundo de tal m an eira” que deu o seu Filho unigênito, e Ele deixa m u ito claro a abrangência deste ato fazendo uso da palavra mundo som ente em três outros versículos, daquele ponto em diante: “E a condenação é esta: Q ue a luz veio ao m undo, e os h om en s am aram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más” (3.19). Jesus tam b ém disse (16.8) que “quando ele [o Espírito Santo] vier, convencerá o m u nd o do pecado, e da justiça, e do ju íz o .” A lguns ultracalvinistas já alegaram que “é co m u m a Bíblia utilizar as palavras mrndo e todos em u m sentido re strito e lim itad o [...] fica claro que todos não significa 'to d os’” (vide Palm er, FPC, 52). Na ten tativ a de resistir ao ensino bíblico da expiação ilim itada, eles citam passagens (p o r exem p lo, Lc 2.1,2) de o u tro s livros, utilizadas em outros con tex to s, que em p reg am a palavra mundo em u m sentido geográfico (e não redentor). P orém , se todos não significar “to d o s” quando o assunto é o d esejo de D eus em term o s de salvar as pessoas, então, o que será que R om an os 3.23 significa? “Porque todos p ecaram e destituídos estão da glória de D eu s.” Todos os seres h u m an os pecaram ; é óbvio que o m al não está re strito aos eleitos. João 3.16,17 Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. A afirm ativa clara é que D eus am ou o m u n d o, e a im p licação óbvia é que C risto foi en tregu e à m o rte p elo m u n d o (cf. v. 14). A lém disso, o versícu lo 17 deixa claro que, aqui, o vocábu lo mundo significa a totalidade do m u n d o decaído, pois é este m esm o m u nd o que está debaixo da cond en ação de Deus. Jo h n O w en apresentou u m a nova trad u ção direta su rp reend ente, m as equivocada, que, su p ostam ente, apoiaria a expiação lim itad a: “D eus am ou os seus eleitos de tal m aneira, que deu o seu filh o co m esta in ten ção, para que por Ele os cren tes pudessem ser salvos” (DDDC, 214). Para as pessoas que aceitam o significado claro do te x to , basta sim plesm ente u m sim ples recad o da p arte de D eus: “Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireís dela” (D t 4.2; cf. Ap 22.18,19). foão 12.47 “E, se alguém ouvir as m in h as palavras e não crer, eu n ão o ju lg o , porqu e eu vim não para ju lg ar o m u n d o, m as para salvar o m u n d o .” (v. 48). C om o vim os em ou tra parte, os calvinistas firm es alegam que a palavra mundo é utilizada em um sentido lim itado, referindo-se à “parte do m u n d o,” ou seja, os eleitos. Eles recorrem a João 12.19 co m o fo rm a de ilustração: “Disseram , pois, os fariseus entre si: Vedes que nada aproveitais? Eis que todos [o m u nd o inteiro] vão após ele.” Todavia, esta com paração é falha. "D o term o grego kosmos-, por exem plo, cf. 3.16-19; 6:33; 6.51; 8.12; 8.23-26; 12.46-47; 14.31; 16.8; etc.
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Por u m lado, em João 12.19 o vocábulo mundo (grego kosmos) é utilizado de m aneira geográfica, e não genérica. Por ou tro lado, estas palavras não fo ram pronunciadas por Jesus, mas por seus op onentes.4 A lém disso, as palavras dos irm ãos de Jesus em Jo 7.4 se tratam , obviam ente, de um a hipérbole, e até m esm o os ultracalvinistas ad m item que isto não é verdade no caso de João 12.47; onde a declaração de Jesus é que se refere ao m u nd o inteiro decaído.5 Romanos 5.6
Paulo escreve: “Porque C risto [...] m o rre u a seu te m p o pelos ím p io s,” e no v e rsícu lo 10 ele acrescen ta : “P orque, se nós, sen do in im ig o s, fo m o s recon ciliad os co m D eus p e la m o rte de seu F ilh o .” T a n to os eleitos, c o m o os n ã o -e le ito s eram in im igos ím p ios; p o rta n to , ou C risto deu a sua vida ta n to p elo s n ã o -e le ito s, q u anto p elos eleito s, ou C risto n ão m o rre u p o r tod os os seus in im ig os ím pios. A lém disso, se Paulo quisesse en sin a r que C risto m o rre u so m e n te p elo s eleito s, ele poderia, fa cilm e n te , te r expressado isso de fo rm a clara, a fim de evitar q u alq u er tip o de m a l en te n d id o .6 A resposta dos particu laristas (os p ro p on en tes da expiação lim itad a) é que não se deve con fu n d ir indefinido co m ilimitado (ou universal). Mas isso acaba gerando mais confusão: A questão não é se todas as pessoas serão, na verdade , salvas, m as se o sacrifício de Jesus to rn o u a salvação disponível para todas as pessoas. Por exem p lo, Paulo afirm a que D eus “ju stifica o ím p io ” (R m 4.5), e n tre ta n to n e n h u m a das partes envolvidas neste debate acred ita que todos os ím pios serão, n a verdade, ju stificad os. O co n tex to de R o m an o s 5 indica que Paulo está se referindo a todos e a todos os homens co m o perdidos (5.12) e co m necessidade de salvação (5.18). Romanos 5.18,19
Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos.
4 D e m o d o s e m e lh a n te , n ão fo i [esus, m as os seus irm ã o s d escren tes q u e fiz era m u so de mundo e m u m sen tid o exag erad o q u an d o disseram : “Porq u e n ã o h á n in g u é m q u e p r o c u re ser c o n h e cid o q u e faça coisa a lg u m a e m o c u lto . Se fazes essas coisas, m a n ife s ta -te ao m u n d o .” (Jo 7 .4). N este caso a exp ressão “m a n ife s ta -te ao m u n d o ” é u tiliz a d a c o m o u m a figura de lin g u a g em q u e d e n o ta " o agir e m p ú b lic o e n ã o e m seg re d o .”
5 P au lo u tiliz o u o v o c á b u lo mundo e m R o m a n o s 1.8 e m
u m sen tid o g e n é ric o (ilim ita d o ) e e m C o lo ssen ses 1.5,6 (cf. v. 2 3 ) e m u m sen tid o esp ecífico (lim ita d o ). M e sm o assim , os calvinistas firm es n ã o su g e re m que Pau lo n ã o fa ça u so d a p alavra mundo n o seu sen tid o g e n é ric o ao se re ferir à co n d e n a ç ã o da h u m a n id a d e to d a e m R o m a n o s 3.19; p o rq u e, n e ste caso, será q ue eles ta m b é m n e g a ria m q u e mundo seria utilizad o , de fo rm a g e n é rica, ta m b é m q u an d o se refere à oferta da salvação ao m u n d o e m R o m a n o s 5.18,19? (vide a d ia n te )
6A p alavra
eleito é p a rte in te g ra n te d o v o c a b u lá rio n e o te s ta m e n tá rio (cf. M t 2 4 .2 4 ,3 1 ; Lc 18.7; o que ta m b é m é verd ad e p a ra as palavras algum e poucos, que n ã o são utilizadas p o r Pau lo n e ste caso.
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\ejam os, novam ente, a seguinte com paração:
Pessoa
Adao
Cristo
A to
Pecado (w . 12, 14, 16) O fensa (vv. 15-18) D esobediência (v. 19)
G raça (v. 15) Justiça (v. 18) O bediência (v. 19)
Resultados Físicos
M o rte para todos (vv. 12, 14,15, 17)
Vida para todos (vv. 17,18,21)
Resultados M orais
0 pecado vem sobre todos (v. 12 0 pecado reina sobre todos (v. 21)
A graça vem sobre todos (v. 15) A graça reina sobre todos (v. 21)
R esultados Legais
Todos foram feitos pecadores (v. 19) 0 Juízo veio sobre todos (v. 18) A condenação veio sobre todos (vv. 16,18)
Todos foram feitos justos (v. 19) 0 dom veio sobre todos (v. 18) A justificação veio para todos (16, 18)
O versículo 18 faz um contraste direto en tre aqueles que foram condenados por causa do pecado de Adão e aqueles que receberam a provisão da vida por interm édio da m o rte de Cristo. Em am bos os casos eles são cham ados de todos os homens. Logo, por qualquer regra válida de interp retação de expressões — considerando-se o m esm o autor, o m esm o livro, o m esm o con tex to, na m esm a passagem e em u m paralelism o direto — todos os homens a quem a salvação foi proporcionada p o r C risto refere-se à hum anidade co m o u m todo, a m esm a que recebeu a condenação, co m o resultado da desobediência de Adão. A reiteração que Paulo faz do m esm o ponto n o versículo 19, através do term o muitos claram ente significa “todos,” porque: (1) Ele é utilizado em paralelism o com todos (no v. 18); (2) E o muitos que está em contraste co m poucos, e não em contraste com todos; e (3) É o muitos que é utilizado para se referir a todos no versículo 15 — senão teríam os que concluir que som en te alguns seres hu m anos m o rre m por causa do pecado, o que contraria a afirm ação que Paulo faz nesta m esm a passagem, (cf. v. 12). As tentativas para fugir desta conclusão são ainda m enos convincentes que as utilizadas para outras passagens. O utros, por ou tro lado, argu m entam que os com entaristas não abordam , de fato, o real significado deste vocábulo todo. As afirm ações de Jo h n G ill são contraditórias, já que ele assim se refere: Tanto abrangendo a totalidade da sua descendência respectiva — a condenação por intermédio da transgressão de Adão a toda a sua linhagem direta, quanto à justificação da vida por intermédio da justiça de Cristo para com toda a sua descendência espiritual — o texto não faz este tipo de distinção. (EONT, em Rm 5.18).
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A passagem não diz isto; mas sim que todos os homens, não m eram ente os eleitos, se beneficiaram dam orte de Cristo. A insistência de que som ente algumas pessoas se beneficiaram da obra de Cristo representa claramente a imposição da expiação limitada sobre o texto — todos os homens significa a totalidade da humanidade. Outros, com o o próprio João Calvino, entendiam que estas palavras de Paulo ensinavam a expiação ilimitada:
Paulo torna a graça comum para todos os homens, não porque ela, de fato, estenda-se a todos, mas porque ela é oferecida a todos. Embora Cristo tenha padecido pelos pecados do mundo, e tenha sido oferecido indistintamente a todos os homens, nem todos lhe receberam. (CC, 8.117-18) O
contraste quePaulo faz entre Adão e Cristo revela que a expiação é, sim ultaneam ente,
ilimitada no seu alcance e limitada na sua aplicação. Ou seja, todos podem ser salvos, mas som ente
aqueles que crerem serão salvos.7 Paulo utiliza duas vezes a palavra ju stificação8 para descrever o que C risto proporcionou à todos os seres hum anos:
Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas para justificação. [...] Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. (Rm 5.16,18) Com o é biblicamente evidente que nem todas as pessoas serão salvas,9 Paulo deveria estar se referindo, conform e já demonstramos, à justificação potencial de todas aquelas pessoas em função do que Cristo havia feito por elas, e não à justificação real delas. Primeiro, ele declara claram ente que algumas das conseqüências do pecado de Adão (tal com o a m orte física) foram transmitidas para todos os seres hum anos (5.12-14). Segundo, conform e mencionam os anteriorm ente, as expressões equivalentes “não é assim/ não foi assim” (w . 15,16) dem onstram que o paralelismo não é exato.10 Terceiro, a expressão “os que recebem ” (v. 17) implica que n em todos recebem o dom da salvação e que somente aqueles que o receberem serão salvos. Quarto, tudo isso se encaixa com o contexto do capítulo anterior (cf. 4.3-5), que declara, com o tam bém faz o primeiro versículo deste m esm o capítulo (5.1), que a salvação som ente ocorre com aqueles que crêem. Quinto, e por fim, se a expressão “feitos justos” (v. 19) for tomada com o literal, será inevitável que incorram os no Universalismo. Contudo, o Universalismo não é bíblico;11 e, dessa forma, todas as coisas contidas na coluna da direita da tabela (sob o título “Cristo”) pertencem potencialmente a todas as pessoas: Elas estão disponíveis a (oferecidas a) todos, mas som ente são apropriadas (ou recebidas) por alguns.12
7 V id e cap ítu lo s 15-16. 11 O p. cit.
8 D o grego dikaioma, dikaiosis.
9 V id e c a p ítu lo 12.
10V id e c a p ítu lo 9, sob o s u b títu lo “Ju stifica çã o .”
12 E n tr e ta n to , n ã o p o d e m o s co n clu ir, a p a rtir disso, c o m o fa z em alg u n s a rm in ia n o s, q u e tu d o o que e stiv er n a
c o lu n a o p o sta (so b o títu lo “A d ã o ”) ta m b é m p e rte n ç a potencialmente a todas as pessoas e n q u a n to elas n ã o as d e sp ertem p o r in te rm é d io do seu p ró p rio p ecad o : (1 ) C o m o já v im o s, as exp ressões “n ã o é assim/não foi assim ” (vv. 15,16) d iferen cia m os dois lados da co m p a ra çã o ; (2 ) P au lo d ecla ra q u e algu m as das c o n seq ü ê n cia s do p eca d o de A dão (ta l c o m o a m o r te física) são a u to m á tic a s , e in d e p e n d e m da n ossa e sc o lh a ( w . 12-14); e (3 ) n e n h u m te rm o q u alificad or d o tip o receber (v. 17) são u tilizad os p a ra se re ferir às co n seq ü ên cia s do p e ca d o de A dão (c o m o o c o rr e n a re ferê n cia à a p ro p ria çã o d o dom da salvação q ue C risto p ro v id en cio u p a ra tod os).
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2 Coríntios 5.14-19 De acordo com o A p óstolo Paulo: Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos morreram [...] Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados, e pôs em nós a palavra da reconciliação [...] E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou. Disto parece evidente que esta reconciliação de todos ( “do m u nd o”) não garantiu a salvação, mas &possibilidade da salvação para todos. Paulo prossegue dizendo que, baseado naquilo que Cristo conquistou na cruz, precisam os continuar a insistir com o m undo: “De sorte que somos embaixadores da parte de Cristo, com o se Deus por nós rogasse. Rogamos-vos, pois, da parte de Cristo que vos reconcilieis com Deus.” (2 C o 5.20). Desse m odo, a reconciliação com Cristo torna possível a salvação (v. 14); é a nossa fé que ativa esta reconciliação. Apesar disso, calvinistas firm es, co m o Edwin Palm er (1980) parece ter im posto o seu próprio sistem a teológico sobre o texto: Obviamente, o todos em ambos os casos significa todos os crentes — não o mundo todo, o que englobaria tanto os réprobos, quanto os eleitos [...] O “todos morreram" se refere à morte espiritual do crente [...] [Logo,] o “todos morreram” não pode se referir à morte natural de todos os homens, pois a morte de Cristo não é a causa da morte física dos homens. (FPC, 49) Esta interpretação além de ser “eisegética” é im provável. Primeiro, independ en tem ente do que o “todos m o rre ra m ” signifique em 2 Coríntios 5.14, está claro que Paulo identifica os depositários da reconciliação de Cristo no versículo 19 co m o sendo “o mundo,” e não os som ente os crentes (ou “os eleitos”). Segundo, o versículo 15 faz o contraste en tre “os que vivem ” (os cristãos) com “tod os” — por quem Cristo teria se entregado: “E ele m o rreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si.” Terceiro, a ligação, no versículo 14, en tre o “u m [Cristo] m o rreu por todos” e o “todos [aqueles que] m o rre ra m ”, tem a função de nos m o strar porque o am or de Cristo deve nos im pelir ( “con stran g er”) a levar àquelas pessoas a m ensagem da reconciliação, insistindo com “o m u n d o ” para que ele se reconcilie com Deus (vv. 19,20). Paulo não está nos ensinando a respeito da nossa m o rte espiritual, mas acerca da com paixão que devem os te r pelo “m u n d o,” o qual está espiritualm ente m o rto e necessita ser restaurado a um relacion am en to correto com Deus. 1 Timóteo 2.3,4 “Deus, nosso Salvador [...] quer que todos os homens se salvem e ven h am ao co n h ecim en to da verdade.” A té m esm o Charles Spurgeon (1834-1892), que cria na expiação lim itada, considerava difícil negar o significado claro de 1 T im ó teo 2.3,4. Todavia, esta passagem foi bastante descaracterizada pelos ultracalvinistas, que seguem o pensam ento do “A gostinho posterior.” Spurgeon resum iu a tentativa daqueles ultracalvinistas de evitar o óbvio: [Vejam como] os nossos amigos calvinistas mais velhos tratam esta passagem. “Todos os homens,” dizem eles, “significa, alguns homens”: como se o Espírito Santo não pudesse
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ter dito “alguns homens” caso a sua intenção tivesse mesmo sido esta. “Todos os homens,” dizem eles, significa “todos os tipos de homens”: como se o Senhor não pudesse ter dito “todos os tipos de homens,” se essa também fosse a sua real intenção. O Espírito Santo, por intermédio do apóstolo, escreveu “todos os homens,” e, indubitavelmente, quis dizer “todos os homens” ( “CT” conforme citação feita por Iain Murray, SHC, 150).
Spurgeon ainda acrescentou: Eu acabei de ler a exposição de um doutor muito sagaz que explica o texto de forma a dissuadir o seu real significado: ele coloca dentro do texto pólvora gramatical, e o explode para que, só então, possa explicá-lo. Ao ler esta exposição, pensei que, quem sabe, a passagem não ficaria melhor se dissesse claramente: “E, afinal de contas, quem quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade?” (in ibid., 151).
Obviamente, o problema é que isto é o que o texto deveria dizer se a expiação limitada fosse real — mas este não é o caso. Spurgeon estava ciente da sua aparente inconsistência neste ponto, ao dizer: “Não sei como aquilo se enquadra com isto,” e ainda: “Prefiro cem vezes mais parecer inconsistente comigo mesmo, do que parecer inconsistente com a Palavra de Deus.”13 1 Timóteo 2.6
Paulo afirma que Cristo “se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para servir de testemunho a seu tempo.” Sejam quais forem as dúvidas que possamos ter a respeito de Marcos 10.45,14elas se esclarecem aqui (em 1 Tm 2). Neste texto, vemos que Cristo foi entregue como redenção por todos. Ou seja, Ele pagou o preço com o seu próprio sangue precioso (1 Pe 1.19) pelos pecados de todos. John Owen, que, novamente, apresenta uma posição particularista e padrão, argumentando que todos não significa “todos,” taticamente desviou a questão para outras passagens onde todo é utilizado de forma geográfica ou como hipérbole.15 Ninguém, entretanto, ainda foi capaz de apresentar uma única passagem onde todo ou tudo seja usado de forma restrita quando se aplica a um sentido genérico ou redentor (e não geográfico ou hiperbólico). De qualquer forma, mesmo que isto ocorresse, a interpretação em 1 Timóteo 2, deve ser determinada pelo significado que a passagem tem no seu contexto correto, independentemente do que o vocábulo todo (ou tudo) possa significar em outras passagens. Está suficientemente claro que Paulo se refere à totalidade da humanidade em 1 Timóteo 2.4-6. ele poderia ter escolhido utilizar a palavra alguns, mas não o fez. a sua referência a homens16no versículo 5 é, claramente, genérica— significando “todas as pessoas” — já que ela é utilizada como contraponto de Deus, que o Mediador, Primeiro, Segundo,
13F o n te : “A C ritic a i T e x t — C . H. S p u rg e o n o n 1 T im o th y 2 .3 -4 ”, c o n fo rm e cita ç ã o fe ita p o r Iain M u rra y , Spurgeon vs. Hyper Calvinism: The B attlefor Gospel Preachwg, 15 0 ,1 5 4 .
H “P orq ue o F ilh o do H o m e m ta m b é m n ã o veio p a ra ser servido, m a s p ara
servir e dar a sua vida e m resgate de m u ito s .” A d ú vida está e m se saber se muitos sign ifica “to d o s ” o u “a lg u n s.” a n t e r i o r m e n t e , so b o s u b títu lo “Jo ã o 1.29” e “Jo ã o 12.47.” h u m a n o , in d ivíd u o , p essoa.”
,5 Vide
16 N o g rego : anthropon, derivad o de anthropos, q u e sign ifica “ser
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Jesus Cristo, traz ju n to consigo. Os usos genéricos de todos em u m con texto red entor são n orm alm en te, quando não sem pre, aplicados à hum anidade co m o u m todo. Terceiro, o desejo divino de que “todos” se salvem é u m paralelism o com o m esm o desejo expresso em outras passagens (cf. 2 Pe 3.9). Quarto, e por fim , a Bíblia nos diz que o que atrapalha o cu m p rim en to do desejo de S en h or não é a falta de abrangência universal do am or de Deus (cf. Jo 3.16), mas sim , a rejeição deliberada deste am or por parte de algum as das suas criaturas (M t 22.37). 1 Timóteo 4.10
“Porque para isto trabalham os e lutam os, pois esperam os no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis.” Este versículo não apóia a idéia da expiação
lim itada porque o grupo lim itado é designado pela expressão “principalm ente os fiéis.” Estes são os eleitos, para os quais as bênção são reais, já que estes “cre ra m ” e, portanto, apropriaram -se dos benefícios da m o rte de Cristo. A palavra fiel indica que este texto deve ser com preendido de fo rm a soteriológica; desse m odo, aqueles que são fiéis em C risto são aqueles que são verdadeiramente (e não s ó potencialmente) salvos (cf. A t 16.31).17 O grupo exterior ou mais amplo é cham ado de “todos os h o m en s.” Já que Paulo claram ente se refere a um grupo mais abrangente do que som en te os eleitos, não existe razão para se acreditar que ele não queira ter dito exatam ente o que disse — todos. N um certo sentido, C risto é o Salvador de todos-, en tretan to , com o an teriorm en te expendido, Ele não pode, na verdade, ser o Salvador de todos, já que n em todos se salvam. Na verdade, Paulo acabava de solicitar que as pessoas intercedessem por “todos os h o m en s” (1 T m 2.1), porque Deus “que todos os hom ens se salvem ” (1 T m 2.4). P ortanto, com o Cristo m o rreu por todos, parece razoável concluir que todos são potencialmente salvos. Alguns proponentes da expiação lim itada, de fo rm a algum a, respondem a esta form u lação. Aqueles que o fazem , n o rm alm en te dizem coisas sem elhantes às propostas por Jo h n Gill: “[Jesus] é o ‘Salvador de todos os h o m en s’ de m aneira providencial, dando a eles o ser e o fôlego, sustentando-lhes no seu ser, preservando a sua vida, e dotandolhes com as bênçãos e misericórdias da vida.” G ill acrescentou, sem fund am ento: “A firm ar que Ele é o Salvador de todos os hom ens, proporcionando-lhes a salvação espiritual e eterna, de fato, não é verdade” ( E O N T , sobre lT m 4.10). Esta interpretação sem fu nd am ento está descartada: (1) (2) (3) (4) (5)
Pela sua com paração com aqueles que são “fiéis” na salvação; Pela referência à “prom essa da vida que há de vir” no con texto im ediato (v. 8); Pelo significado padrão aplicado no Novo Testam ento da palavra Salvador; Pela referência anterior para orarm os pela salvação de todos os hom ens (2.1,2); Pela referência a C risto com o o M ediador salvífico (2.5);
(6) Pelo con texto m aior de 1 T im ó teo (por exem plo, 1.1; 2.3-6), que fala da salvação espiritual, e não da preservação social; e (7) Por todos estes versículos (acim a m encionados) que apóiam a provisão ilim itada (não a aplicação ilim itada) da salvação. S om ente u m rude dogm atism o teológico teria a petulância de contradizer o significado direto desta passagem: a obra redentora de C risto foi feita em favor de todos.
Vide capítulos 15 -16, adiante.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Hebreus 2.9
“Vemos, porém , coroado de glória e de hon ra aquele Jesus que fora feito u m pouco m en or do que os anjos, por causa da paixão da m orte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos.” Aqui fica claro que ele m orreu por todos, e não som ente pelos eleitos. As respostas a esta conclusão seguem o m esm o esquem a das anteriorm en te analisadas; basta-nos acrescentar som ente algum as palavras acerca do con texto desta passagem. P rim eiram ente, trata-se de u m uso genérico da palavra todos (indicando a hum anidade), co m o se pode ver tan to no contraste feito entre h u m anos e anjos (2.7), quanto na referência aos seres hum anos com o “carne e sangue” (isto é, a n atu reza h u m ana corpórea — v. 14). A lém disso, co m o o resultado da m o rte (e da ressurreição) de C risto destrói a m o rte e d errota o Diabo (v. 14), devem os estar diante de u m a referência a toda a descendência de Adão; do contrário, Cristo não teria sido eficaz ao desfazer aquilo que Satanás fez. A sua vitória não teria sido com p leta e, p o rtan to , D eus não poderia ter sido propiciado (satisfeito) com a sua entrega — mas Ele está (2.17; cf. R m 3.25; 1 Jo 4.10). 2 Pedro 2.1 Pedro aqui nos fala que Cristo pagou o preço pela redenção de todos, inclusive daqueles que apostataram da fé. C o m o todos os calvinistas concord am que as pessoas realm ente salvas jam ais perderão a sua salvação — e co m o esta passagem fala claram ente de pessoas perdidas — quando Pedro afirm a que Cristo “co m p ro u ” estas alm as perdidas, ele só pode estar querendo dizer que a expiação não se limita aos eleitos :
E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição. Conform e m encionam os anteriorm ente, as palavras utilizadas para descrever estas pessoas deixam pouca dúvida de que se tratam de almas perdidas — e nenhu m a destas expressões serve com o descrição bíblica para o grupo dos “eleitos.”18Além do mais, apesar da “escuridão das trevas” eternam ente se reservar para eles (v. 17), são exatam ente estes apóstatas, réprobos, não-eleitos que foram “com prados” pelo sangue precioso de Cristo! (cf. 1 Pe 1.19). Jo h n O w en de m aneira hábil, em bora infrutífera, ten tou inverter o ônus da prova para aqueles que reco n h ecem que (1) Senhor (grego: despotan) se refere a Cristo e/ou que (2) comprou (grego: agorazo) se refere à nossa redenção salvífica ( D D D C , 250-56). Com relação ao primeiro ponto, Owen adm itiu que Senhor é utilizado em outras passagens para se referir a C risto e, a bem da verdade, diferentem ente das poucas vezes em que é utilizado para os senhores deste m u nd o (cf. 1 T m 6.1,2; T t 2.9; 1 Pe 2.18),19 todos os outros exem plos de despotan se referem a C risto ou a Deus-Pai. Na epístola paralela de Judas (v. 4), esta referência fica clara:
Porque se introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus e negam a Deus, único dominador e Senhor [despotan] nosso, Jesus Cristo. 18 E les são ch a m a d o s de “falsos p ro fe ta s,” “falsos m e stre s ,” “aq u eles q u e n e g a ra m o S e n h o r ” (cf. v. 1), “aqueles que tra z e m sob re si m e sm o s re p e n tin a p e rd iç ã o ” (cf. v. 1) e “ju íz o ” (v. 4 ), “a q u eles q u e são co m p a ra d o s a a n jo s d ecaíd os e irred im íveis que fo ra m lan çad o s n o in fe r n o ” (cf. v. 4 ), “h o m e n s a b o m in á v eis” (v. 7 ), “in ju s to s ” (v. 9 ), “an im ais irra c io n a is” (v. 12), “cãe s” (v. 22) e “servos d a c o rr u p ç ã o ” (v. 19). re fe rir a seres h u m an o s.
19 A p alavra grega kyrws ( S e n h o r ) é ta m b é m u tilizad a, às vezes, p a ra se
O ALCANCE DA SALVAÇÃO (EXPIAÇÃO LIMITADA OU ILIMITADA)
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Duas verdades ficam evidentes: a prim eira, Judas está se referindo a Cristo, e a segunda, Judas está falando no con tex to da redenção, não som en te da libertação terren a da corru p ção e da idolatria (co m o sugere O w en).20 Ao argu m entar que despotan se refere a Jesus em 2 Pedro 2.1, O w en ainda afirm ou que a palavra Senhor é utilizada para se referir a Deus, o que, no final das contas, é a m esm a coisa. A Bíblia tam bém fala do sangue de D eus que foi derram ado para a salvação (A t 20.28),21 e m esm o que tecnicamente isto não esteja correto, com o C risto é D eus,22 o seu sangue é o sangue de Deus n o m esm o sentido em que o sangue de M aria é o sangue da m ãe de D eus (cf. Lc 1.43). O sangue de Cristo é o sangue da pessoa (Jesus) que é Deus, e M aria foi a m ãe h u m an a da pessoa (Jesus) que é Deus. Com relação ao segundo ponto (se comprou [grego: agorazo] se refere à obra red entora de Cristo), p o r que os perdidos estariam perdidos a m enos que negassem o sacrifício expiatório de C risto em favor deles? D iferentem ente de quando significa a aquisição de elem entos físicos (cf. M t 13.44; 21.12), agorazo é quase sem pre utilizado no con tex to red entor em o Novo Testam ento (por exem plo, 1 C o 1.1; 6.20; 7.23; Ap 5.9) e jamais utilizado para se referir à redenção social de u m a pessoa da con tam in ação da idolatria (que é o que Owen sugere ter sido a intenção de Pedro no versículo 1). Em Apocalipse, João registrou: E cantavam um como cântico novo diante do trono e diante dos quatro animais e dos anciãos; e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra. Estes são os que não estão contaminados com mulheres, porque são virgens. Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vai. Estes são os que dentre os homens foram comprados como primícias para Deus e para o Cordeiro. (Ap 14.3,4) C onseqüentem ente, diante deste uso pred om in ante, o ônus da prova de d em onstrar que Pedro, neste caso, não está utilizando agorazo no sentido de redenção está com os ultracalvinistas. 2 Pedro 3.9 Deus é am or e, dessa form a, Ele “não |quer] que alguns se percam , senão que todos venham a arrepender-se.” Na verdade, Ele “quer que todos os hom ens se salvem e venham ao co n h ecim en to da verdade” (1 T m 2.4). Ao con trário da interpretação daqueles que aderem à expiação lim itada, isto não significa “todas as classes de h o m en s” (ou seja, “os eleitos de todas as n ações”). Q ue sentido poderia u m a língua ter, verdadeiram ente, se qualquer, todos os homens e o mundo todo (cf. 1 Jo 2.2) fossem todos entendidos som en te com o fo rm a de representar “alguns”?23 Há pessoas que ten tam evitar o im pacto óbvio destes versículos criando a distinção artificial na qual Cristo teria m orrid o por todas as pessoas sem distinção, m as não todas as pessoas sem exceção (Steele e T hom as, FPC, 46). Isto não passa de u m m ero eufem ism o da sua afirm ação crua de que todos realm ente significa “alguns” — novam ente, um a distorção, que eles não tolerariam nos versículos que falam da condenação e não da salvação, tal com o R om an os 3.23. A lém disso, co m o verem os, nestes textos não h á base para apoiar esta interpretação. ~ Judas, de igu al fo rm a , e stab e lece o c o n te x to s o te rio ló g ic o ao escrev e r so b re a “s a lv a çã o ” e a “g r a ç a ” de D eu s (vv. 3,4). ■ ‘‘O lh ai, p ois, p o r vós e p o r to d o o re b a n h o so b re que o E sp írito S a n to v o s c o n s titu iu bispos, p a ra ap ascen tard es a ig re ja de D eus, que ele resgatou c o m seu p róprio san gue.” 22Vide v olu m e 2, capítu lo 12 e apêndice 1; e v olu m e 1, capítulos 15-16,26. ~ \ ide v o lu m e 1, cap ítu lo 9, acerca do p ressu p osto lin g ü ístico p ara a T e o lo g ia Sistem ática.
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Vários teólogos, co m o R. C. Sproul (nascido em 1939), apresentam u m a sugestão ainda m enos plausível de que “D eus não deseja que n e n h u m de nós (os eleitos) pereça.”24 Deus, o Espírito Santo seria, inqu estionavelm ente, capaz de dizer alguns em vez de todos, se fosse essa realm ente a sua intenção. M as E le não fez isso: “Todas as pessoas, em todos os lugares” são cham adas a se arrepender (A t 17.30). Não é u m absurdo com p leto sugerir que “todas as pessoas em todos os lugares” na verdade significa “algum as pessoas em todos os lugares” ou “algum as pessoas em alguns lugares”? 1 Jo ã o 2.2
“E ele [Cristo] é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.” E difícil de entender co m o alguém , sem que faça uso de u m a Teologia
previam ente d eterm inada em contrário, possa chegar à conclusão de que este versículo não apóie a expiação ilim itada. João C alvino (1509-1564), c u ja afirm ação in su stentável de que o vo cábu lo m u nd o (grego: kosm os) aqui se refere ao “m u n d o cristã o ” (os eleitos), de alg u m a fo rm a chegou à esta posição “eisegética”: “C o m a palavra todos [o A p óstolo João] não inclui os réprobos, m as se refere a todos os que haveriam de crer e a todos os que estavam espalhados pelas várias regiões da te rra ” (C C , 244). C o m o já foi observado, basta co n su ltarm o s o uso gen érico (geral ou ilim itad o ) de kosm os nos escritos de João para co n firm ar que ele fala aqui do m u n d o decaído e p ecad or (cf. Jo 1.10,11; 3.19).25 Na verdade, o próprio João define o seu uso de kosmos, alguns versículos m ais à frente: Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. (1 Jo 2.15,16) Esta descrição transparente da hum anidade decaída e pecadora inclui, de fo rm a clara, os não-eleitos, pelos quais Cristo tam b ém m o rreu (v. 2). Mais adiante, João acrescenta: “Sabem os que som os de Deus e que todo o mundo está no m alig n o” (5.19). A conclusão de que kosmos em 1 João 2 se refere som en te aos eleitos, extrapola o lim ite da nossa com preensão; se esta interpretação estiver correta, som en te aqueles que foram escolhidos por Deus estão sob o poder do Diabo! A dou trina da expiação limitada afirm a que todos por quem Jesus deu a sua vida serão salvos.26 Porém , as passagens acim a e tantas outras revelam , em con traste com a expiação lim itada, que Cristo, de fato, m o rreu por todos, mas que, no entanto , nem todos se salvarão (p o r exem plo, cf. M t 25.41; Ap 20.10). P ortanto, a conseqüência óbvia é que n em todos por quem Cristo m o rreu serão salvos e que a dou trin a da expiação lim itada é, contrad itória aos ensinam entos da Palavra de Deus. 24 V id e R. C . S p ro u l, Chosen by Cod, 197. R. K. M c G re g o r o fe re ce o m e sm o ra c io c ín io e m N o Place o f Sovereignty, 169. 25 P erceb em o s q u e os u ltra -ca lv in ista s te n ta m m a lo g ra d a m e n te e v ita r esta co n clu sã o in d ica n d o os e x e m p lo s geo gráficos de p alavras c o m o mundo, tais c o m o o todo de R o m a n o s 1.8 o u o todas as nações de A to s 2.5. Isto , c o m o já v im o s, é u m desvio da q u e stão c e n tra l. A d e m o n s tra ç ã o de que o uso g e o g rá fico d o te rm o a p rese n ta u m a sp ecto lim ita d o , n ã o in flu e n c ia a un iv ersalid ad e do seu uso g e n é ric o ou salvífico (p o r e x e m p lo , R m 3.19, 23; 5.12).
26 O q u e d eixa os a d eren tes d a d o u trin a
n a situ ação s u p ra -m e c io n a d a o n d e o u (a ) C ris to n ã o m o r r e u p o r to d o s o u (b ) o U n iv ersa lism o é v álido.
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RESPOSTA A SUPOSTAS OBJEÇÕES BÍBLICAS À EXPIAÇÃO ILIMITADA Apesar da firm e e insistente ênfase n eotestam entária de que C risto m o rreu pelos pecados do m u nd o inteiro, os proponentes da expiação lim itada apresentam várias passagens que, no seu entendim ento, apoiariam a sua posição. U m a análise contextu al m inuciosa d em onstra que as evidências são insuficientes.
A Objeção de que Efésios 1.4 Ensina a Expiação Limitada “[Ele] nos elegeu nele antes da fundação do m u nd o, para que fôssem os santos e irrepreensíveis diante dele.” A Bíblia tam bém afirm a que Cristo foi o “Cordeiro que foi m o rto desde a fundação do m u n d o ” (Ap 13.8). A partir destas afirm ações, alega-se que o Cordeiro foi sacrificado som ente pelos eleitos e que se a sua m o rte tivesse ocorrido por qualquer ou tra pessoa, isto representaria u m desperdício do seu precioso sangue, pois som ente os eleitos serão salvos.
Resposta O fato de som ente os crentes terem sido escolhidos em Cristo antes do início dos tem pos, não significa que Jesus não ten h a m orrid o por todos. C o m o já vimos an teriorm ente, D eus sabe de todas as coisas co m antecedência (Is 46.10) e, por isso, sabia quem haveria de crer. Pedro afirm a categoricam en te que som os “eleitos segundo a presciência de D eus Pai” (1 Pe 1.2), e Paulo afirm a que “Porque os que dantes conh eceu , tam bém os pred estinou” (R m 8.29). A expiação é lim itada na sua aplicação, mas ilim itada no seu alcance. Efésios 1.4 não con tém nada que nos leve a u m a conclusão diferente.
A Objeção de que 1 Coríntios 15.3 Ensina a Expiação Limitada “Porque p rim eiram en te vos entreguei o que tam bém recebi: que Cristo m o rreu por nossos pecados, segundo as Escrituras” (cf. Jo 10.11; R m 4.25; 2 Co 5.21). O p on to levantado pelos ultracalvinistas é que quando a Bíblia diz que Cristo m o rreu por alguém , ela esta claram ente lim itando a sua obra na cruz exclusivam ente àquele grupo (o dos crentes): “[...] o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas” (Jo 10.11); “com o tam bém nos elegeu” (E f 1.4). Desse m odo, vem os que os depositários da m o rte de C risto são som ente aqueles que crêem ou que virão a crer nele (cf. Jo 20.29; G1 1.3,4; T t 2.14; 1 Pe 3.18).
Resposta C o m o já foi visto, poucas verdades neotestam entárias são mais evidentes do que o fato de Deus am ar o m u nd o (Jo 3.16), a ponto de C risto ter m orrid o pelos pecados de todos (cf. 1 Jo 2.2; 2 Pe 2.1), e que o desejo de Deus é que todos sejam salvos (lT m 2.4,6; 2 Pe 3.9). O fato de som ente os crentes (os eleitos) serem m encionados em algum as passagens co m o sendo os depositários da m o rte de C risto não prova que a expiação oco rreu para u m grupo lim itado de pessoas. Primeiro, quando a Bíblia utiliza term os co m o nós, nosso, ou nos ao falar da expiação, ela está se referindo àqueles a quem a expiação foi aplicada, e não àqueles a quem a expiação foi disponibilizada. E ao fazer isto, a Escritura, p o rtan to , não lim ita a aplicação potencial da expiação a todas as pessoas.
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Segundo, o fato de Jesus am ar e ter m orrid o pela igreja (E f 5.25) não significa que Deus, em função disso, não am e o m u nd o inteiro (Jo 3.16) e não deseje que o m u nd o todo seja parte da sua noiva (1 T m 4.4-6). Terceiro, este raciocínio deixa de lado as passagens que declaram que a m o rte de Jesus objetivava u m grupo m aior do que o dos eleitos (por exem plo, João 3.16; R m 5.6; 5.18,19; 2 C o 5.19).27
A Objeção de que João 5.21 Ensina a Expiação Limitada “Pois assim co m o o Pai ressuscita os m o rto s e os vivifica, assim tam bém o Filho vivijica aqueles que quer.” A inferência que os ultracalvinistas fazem é que C risto concede a vida espiritual som ente aos eleitos, o que seria u m a prova de que o alcance da expiação seria lim itado (vide Steele e Th om as, FPC, 51).
Resposta Primeiro, João 5.21 não faz qualquer tipo de referência aos eleitos. Segundo, a expressão “aqueles que quer” não significa que Jesus deseja dar a vida som ente para alguns; se fosse assim, estaríamos diante de um a clara contradição com outras declarações joaninas (por exem plo, Jo 3.16; 1 Jo 2.2) e tam bém com cartas de outros autores (por exem plo, Hb 2.9; 2 Pe 2.1). Todos os calvinistas crêem que a Bíblia não se contradiz. Terceiro, se João 5.21 se referisse som ente aos eleitos, a passagem estaria contrariando o seu próprio con texto, já que Jesus disse que ressuscitaria “todos os que estão nos sepulcros” (5.28), tanto os salvos, quanto os não-salvos (v. 29). Quarto lugar, e por fim , m esm o que João 5.21 se refira som en te à regen eração dos eleitos (já que som ente eles crerão), a passagem não m o stra que o alcance da expiação foi lim itado, pois D eus am a a todos (Jo 3.16) e deseja que todos se salvem (M t 23.37). O ponto de passagem não é lim itarm os o am or de Jesus, m as mostrarmos que o poder da sua ressurreição é ilimitado.
A Objeção de que João 6.37 Ensina a Expiação Limitada Jesus disse: “Tudo o que o Pai m e dá virá a m im ; e o que vem a m im de m aneira nenhu m a o lançarei fora.” Os “particularistas” argum entam que este versículo está m al traduzido, que o que vem a mim significa “aqueles que vêm a Cristo,” ou seja, somente aqueles que o Pai lhes deu.
Resposta Primeiro, m esm o adm itindo que este p o n to não determ ina teolog icam ente a visão
particularista; teríam os, sim plesm ente, a afirm ação de que os eleitos virão a Cristo. Nada aqui é dito acerca de Cristo ter m o rrid o p or u m grupo m ais abrangente do que o dos eleitos, n em co m o os eleitos virão até ele, isto é, se virão por im posição da graça irresistível ou de fo rm a volu ntária (livre) por interm édio da graça persuasiva e efetiva de Deus. Bernard de Cairvaux declarou: “Se não houver livre-arbítrio, tam b ém não haverá nada para ser salvo; se não houver graça livre, tam bém não haverá nada que nos proporcione a salvação” (co n form e citação feita em E licott, E C W B , 6.429). Segundo, devem os n otar com cuidado que o texto não diz que Cristo m o rreu som ente
por aqueles que foram entregues pelo Pai ao Filho. Na verdade, se isto fosse dito, ele contradiria João e o restante da Bíblia onde vem os afirm ações de que Deus am a o m undo (cf. Jo 3.16), que C risto m o rreu pelos pecados do m u nd o (cf. Jo 1.29), que o Espírito 27Vide tam bém o capítulo 9, sob o subtítulo “Objeção N úm ero Dois.”
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Santo está convencendo o m u nd o do pecado (cf. Jo 16.7,8), e que Deus deseja que todos se salvem (cf. 1 T m 2.4). Terceiro, o próprio con texto indica que aqueles que virão a Cristo serão aqueles que crêem . O versículo 40 diz: “A vontade daquele que m e enviou [do Pai] é esta: que todo aquele que vê o Filho e crê nele te n h a a vida eterna; e eu o ressuscitarei no ú ltim o Dia.” P ortanto, aqueles a quem o Pai lhe der crerão, e todos os que crerem serão aqueles a quem o Pai lhe dará. C o m o já vim os, a Palavra de Deus in sistentem ente cham a todas as pessoas à fé em Cristo, e não som en te os eleitos (cf. Jo 3.16, 36; A t 16.31; 17.30; etc.). A O b je ç ã o de q u e Jo ã o 17.9 E n s in a a E x p ia ç ã o L im ita d a “Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que m e deste, porque são teus.” O p ronom e “eles” neste versículo é u m a referência clara aos discípulos de Cristo (v. 6), e os ultracalvinistas alegam que esta é u m a negação explícita feita por Jesus de que Ele oraria pelo “m u n d o ” dos descrentes. Se isso fosse verdade, estaríam os diante de um a fo rte apoio ao argu m ento de que a expiação está lim itada aos eleitos (as únicas pessoas que receberam a intercessão de C risto), pois se Ele tivesse orado por um grupo mais abrangente (ou m esm o por todos), conseqüentem ente, este grupo mais abrangente (o u todos) seriam salvos, já que Deus não rejeitaria a oração feita pelo Filho. R e s p o s ta Primeiro, o fato de C risto ter orado som ente pelos eleitos nesta passagem não prova que Ele jam ais te n h a orado pelos não-eleitos. M esm o que, co m o até m esm o os ultracalvinistas aceitam , Jesus pudesse receber respostas negativas para as suas orações (cf. Gill, CGT, 1.87-88,2.77), por que João 17.9 dem onstraria necessariam ente que Ele não orou tam bém por aqueles que n ão creriam ? O próprio João, p o steriorm ente, im plica que os autores bíblicos registraram som en te um a parte das coisas que Jesus fez (21.25). Segundo, há evidências registradas de que C risto orou tam bém pelas pessoas nãoeleitas; por exem plo, n a cru z, ao pedir ao Pai que perdoasse as pessoas por elas não saberem o que estavam fazendo (cf. Lc 23.34), ele provavelm ente se referia aos descrentes envolvidos no ato da crucificação. A lém disso, Lucas inclui a oração indireta que Jesus faz pelo m undo, na qual Ele nos leva a “rogar” para que “o S en h o r da seara [...jenvie obreiros para a sua seara” (10.2), m esm o sabendo que nem todos seriam salvos (M t 13.28-30). Terceiro, m esm o que Jesus orasse pelos não-eleitos, outras passagens do Novo Testam ento revelam que Paulo orava, e ele nos exo rtou a fazerm os o m esm o: “Irm ãos, o b om desejo do m eu coração e a oração a Deus por Israel é para sua salvação” (R m 10.1).28 “A d m oesto-te, pois, antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens” (1 T m 2.1).29 Quarto, e por fim , a oração ou a ausência da oração de Jesus pelos não-eleitos não anula o seu am or por eles, n em a sua m o rte pelos pecados deles. A sua oração específica p or aqueles que ainda haveriam de se converter (v. 20) não significa que ele não am e o m u nd o, da m esm a fo rm a que um a afirm ação da m in h a parte de que “eu oro diariam ente pelos m eus filhos” não significa que eu não am e os filhos das outras pessoas. E claro que os m eus filhos têm um papel especial nas m inhas orações, da m esm a fo rm a que os 28 P au lo tin h a e ste a m o r ap aixon ad o p o r eles, apesar de saber q u e so m e n te u m re m a n e s ce n te deles seria resgatad o (R m 11.1-5).
29 “P or to d o s os h o m e n s ,” e m o p o sição a “so m e n te p elo s eleito s."
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
discípulos de Cristo tin h am u m lugar especial no coração dele. O im p ortan te é que Deus deseja te r a todos co m o seus filhos (cf. M t 23.39; 1 T m 2.4-6; 2 Pe 3.9).
A Objeção de que Efésios 5.25 Ensina a Expiação Limitada “Vós, m aridos, amai vossa m u lh er, co m o tam bém C risto am ou a igreja e a si m esm o se entregou por ela.” O cen tro do am or de Cristo nesta passagem é a igreja, não as pessoas de fora; Paulo não diz que C risto am ou “o m u n d o ” e se entregou por ele.
Resposta Cristo am a a igreja — isso é indiscutível. Todavia, este fato não dem onstra, inversam ente, que Ele não ama o m und o. A títu lo de exem plo lógico, o fato de eu am ar os m eus filhos não significa que eu n ão am e os filhos das outras pessoas. Se eu disser que am o os m eus filhos a ponto de entregar a m in h a vida por eles, co lo ca u m peso m aior no m eu am or por eles, m as, de fo rm a algum a, significa que eu m e fu rtaria a salvar a vida dos filhos das outras pessoas.30 A lém disso, a noiva de C risto — a Igreja — é u m a entidade com p osta por todas as pessoas que o aceitaram (Jo 1.12) e são batizadas pelo Espírito Santo em u m só corpo (1 Co 12.13). A p o rta da verdadeira Ig reja está aberta para todos que quiserem en trar e fazer parte deste grupo especial que tem a experiência deste am or especial: “O Espírito e a esposa dizem: Vem! E quem ouve diga: Vem! E quem tem sede venha; e quem quiser to m e de graça da água da vida” (Ap 22.17).
A Objeção de que Romanos 5.15 Ensina a Expiação Limitada Se, pela ofensa de um, morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos [...] Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos, (w . 15, 19) Os ultracalvinistas argu m entam que em ambos os casos os benefícios da m o rte são som en te para os “m u ito s” [os eleitos], e não para “todos” (cf. Hb 9.28).
Resposta C o m o já vim os, é im p ortan te perceberm os que o term o muitos em R om an os 5 é utilizado em contraste co m um (Adão ou C risto) e não em contraste com todos. O fato de que muitos pode ser utilizado de fo rm a intercambiável co m todos fica evidente porque: (1) O term o todos é utilizado nesta m esm apassagem (vv. 12,18) de fo rm a intercam biável co m muitos; (2) Em um a situação os dois term os se referem à m esm a coisa— o “m orreram m u itos” n o versículo 15 se refere de igual form a à m o rte que “passou a todos os h om ens” no versículo 12; 30 A lé m de Efésios 5, o u tro s v e rsícu lo s ta m b é m re v e la m o a m o r sin g u la r q u e C risto teve p e la sua ig re ja , que é u m a c re n ç a distin ta de tod os os calvinistas (d ife re n te m e n te dos a rm in ia n o s). O q u e sep ara os calvin istas m o d e ra d o s dos u ltracalv in istas é q u e os p rim eiro s a firm a m e os segu n d o s n e g a m q u e C risto ta m b é m te n h a m o rrid o p elo s n ã o -e le ito s e q u e ta m b é m d eseje q u e eles e x p e r im e n te m e ste a m o r sem -ig u a l (d o qual o c a sa m e n to é u m sím b o lo ).
O ALCANCE DA SALVAÇAO (EXPIAÇÃO LIMITADA OU ILIMITADA)
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(3) Vemos o mesmo contraste entre “u m ” e “todos” (v. 18), e entre “u m ” e “muitos” (v. 19). (4) Se m uitos significar som en te “alguns” (de acordo com a concepção da expiação lim itada), então som en te algum as pessoas, não todas, estão condenadas p o r causa do pecado de Adão (v. 19). Todos os calvinistas verdadeiros, p o rém , acreditam na universalidade do pecado. Pela m esm a lógica, com a m esm a palavra, e no m esm o versículo, eles deveriam , de igual form a, acreditar no alcance universal da expiação.31 A O b je ç ã o de q u e M a rco s 10.45 E n s in a a E x p ia ç ã o L im ita d a “Porque o Filho do H om em tam bém não veio para ser servido, m as para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.”32 Os ultracalvinistas insistem que, de m aneira lógica, se Cristo m o rreu por todos, então todos deveriam ser salvos, pois se a m o rte de Cristo foi em substituição dos pecados de todos, então a dívida de todos está paga, e todos estão livres. A Bíblia, en tretan to , ensina que n em todos serão salvos;33 p o rtan to , os ultracalvinistas argu m entam que Cristo, em M arcos 10.45, teria dito “m u ito s” com intenção de m o strar que a sua m o rte não seria u m a redenção substitutiva pelos pecados de toda a hum anidade. R e sp o s ta Primeiro, a conclusão de que C risto não se ofereceu a Si m esm o por todos não representa, de fato, um a exposição com p leta destas passagens (que nada falam acerca da lim itação na expiação), mas sim um a inferência especulativa. Segundo, a inferên cia não é logicam ente necessária. O fato de um benfeitor com prar u m presente e o conceder de fo rm a livre, não significa que a pessoa para a qual ele com prou o presente seja obrigado a aceitá-lo. De m aneira similar, o fato de C risto ter pago pelos nossos pecados não significa que precisam os aceitar este pagam ento em nosso favor, com prado pelo sangue dele. Terceiro, tal qual ocorre com R om anos 5 (vide acim a), a palavra muitos é inclusiva: ele faz um contrapon to co m poucos, e não u m contraste com todos. Jesus disse: “Porque muitos são cham ados, mas poucos, escolh idos” (M t 20.16). Quarto, e por fim, o fato da m o rte de Cristo ter tornado todos os seres hu m anos passíveis de salvação, não significa que todos estão salvos. O sacrifício por todos to rn o u a salvação possível, mas não a to rn o u real para todos — já que recebem os a justificação pela fé.34 Isto não é de difícil com preensão. Apesar de os eleitos terem sido escolhidos em Cristo antes da criação do m u nd o (Ap 13.8; E f 1.4), eles não estavam posicionalm ente salvos até que fossem regenerados e justificados. Antes do m o m en to cronológico da regeneração, os eleitos não eram salvos, mas passíveis de salvação. C om o já vim os, a salvação pode ser proporcionada (ou disponibilizada) a todos, sem que seja aplicada a todos. Jesus coloco u o Pão da Vida na m esa da hum anidade, apesar de algum as pessoas não terem vontade de saciar a sua fom e, tam bém coloco u a Água da Vida à disposição de todo aquele que quiser beber (Jo 4.14), apesar de algum as pessoas não terem vontade de saciar a sua sede.
C o m o já v im o s, a lim ita ç ã o se re strin g e à aplicação, e m fu n ç ã o da v o n ta d e de u m a h u m a n id a d e reb eld e.
32Já o b servam os
q u e m u itas o u tra s p assagens d o N o v o T e s ta m e n to ta m b é m e n sin a m a e xp iação su b stitu tiv a (p o r e x e m p lo , 1 C o 15.3; 2 C o 5.20; 1 Pe 2.22; 3.18).
33 C f. M t 25.40,41; 2 T s 1.7-9; Ap 20.10-15.
34V id e ca p ítu lo s 1 5 - 1 6 .
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A Objeção de que Romanos 9.11-13 Ensina a Expiação Limitada Não tendo eles [Jacó e Esaú] ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama), foi-lhe dito a ela: O maior servirá o menor. Como está escrito: Amei Jacó e aborreci Esaú. Esta passagem parece dizer que Deus não som ente am a os eleitos, m as que tam bém aborrece, ou odeia, os não-eleitos.
Resposta Já analisam os esta passagem quando falam os da onibenevolência de D eus,35 e poucos versículos são mais m al-interpretad os pelos ultracalvinistas (especialm ente os aderentes da dupla predestinação) do que estes.36 Primeiro, co m o já vim os, Deus não está falando de Jacó co m o indivíduo, mas de Jacó co m o nação (Israel). Em Gênesis, ao receber a profecia, R ebeca ouviu: “Duas nações h á no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas: u m povo será mais fo rte do que o o u tro povo, e o m aior servirá ao m e n o r.” A referência não é à eleição individual, m as à eleição coletiva da nação escolhida (Israel). Segundo, apesar da eleição coletiva da nação israelita, cada indivíduo continuava precisando aceitar o Messias, p o r fé, para que pudesse receber a salvação de D eus (cf. R m 11.20). Paulo declarou: “Porque eu m esm o poderia desejar ser separado de Cristo, por am or de m eus irm ãos, que são m eus parentes segundo a carne; que são israelitas” (R m 9.3-4; cf. 10.1). Terceiro, o “a m o r” de Deus por Jacó e o seu repúdio por Esaú era direcionado às nações de Jacó (Israel) e Esaú (E d om ). A lém disso, Paulo, em R om an os 9.13, n ão está falando deles antes do seu nascim ento (c. 2000 a.C.), mas m u ito tem po depois deles terem vivido — a citação não é de Gênesis, m as de M alaquias 1.2,3 (c. 400 a.C .). As obras dos ím pios edom itas que foram perpetradas con tra os israelitas, estão bem docum entadas (por exem plo, em N úm eros 20), e apesar de D eus ter repudiado aquela nação por estes atos, a Bíblia não ensina que n e n h u m edom ita seria salvo. Na verdade, a Bíblia diz que haveria crentes tanto de Edom (cf. A m 9.12), quanto da nação vizinha de M oabe (cf. R t 1), com o haverá pessoas “de todas as nações, tribos, povos, e línguas” (Ap 7.9). Quarto, a palavra que em português fica traduzida co m o aborreci (A lm eida Revista e Corrigida) significa “am ei m en os.”37 C o m o fo rm a de reforço desta idéia, vejam os: a Bíblia diz que Jacó “amou também a Raquel mais do que a Leia [...] Vendo, pois, o SEN H O R que Léia era aborrecida [...]” (G n 29.30,31).38 De m aneira sim ilar, Jesus disse: “Se alguém vier a m im e não aborrecer a seu pai, e m ãe [...] não pode ser m eu discípulo” (Lc 14.26).39 U m a idéia paralela é expressa em M ateus 10.37: “Q uem ama o pai ou a m ãe mais do que a m im não é digno de m im .” 35 V id e c a p ítu lo 7, sob o títu lo “O b je ç ã o N ú m e ro T rê s.” a d u p la p red e stin ação , vide apên d ice 3, n e sta o b ra.
36 Por e x e m p lo , vide R. C. S p ro u l, Chosen by God, 148-50. S o b re
37 C o m o m e n c io n a m o s n o c a p ítu lo 7, a b o rre c e r (g reg o : emisesa,
o riu n d o de miseo), significa m ais p re c is a m e n te “a m a r m e n o s ” ou “co n sid era r c o m m e n o r a feição,” e m vez de “n ã o a m ar de fo rm a a lg u m a ” o u “n ão d esejar o b e m da p essoa.”
38 “O a n te ce sso r [am ou] im p lic a u m a fo rte lig a çã o positiva e o
s u cesso r [odiou], n ã o u m ód io c o n tu m a z , m a s sim p le sm e n te e m a m o r c o m m e n o r in te n sid a d e ” (R o g e r T. F o r ste r e V. Paul M a rs to n , G ods Strate^y in Human History, 60).
39 D ito de fo rm a inversa: “Se a lg u ém m e a m a r m e n o s o u re sp e ita r-m e
c o m m e n o r afeição do que a q u e dedica a seu pai e a sua m ã e, e ste n ã o p od e s er m e u d iscíp u lo .”
O ALCANCE DA SALVAÇÃO (EXPIAÇAO LIMITADA OU ILIMITADA)
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Quinto, e ú ltim o, a afirm ação: “C o m pad ecer-m e-ei de quem m e com pad ecer e terei m isericórdia de quem eu tiver m isericórdia” (R m 9.15; cf. Ex 33.19) deve ser com preendida co m o intensiva, e não co m o lim itadora. Ou seja, a ênfase está na intensidade do ato m isericordioso, e não nos lim ites da parte que o recebe. Está claro que D eus am a a todos cf. Jo 3.16; 1 Jo 2.2; 1 T m 2.4) chegando ao ponto de suportar “com m u ita paciência os vasos da ira” (R m 9.22), aguardando o seu arrependim ento (2 Pe 3.9). R om anos 9, p o rtan to , não ensina que Deus odeia o grupo dos não-eleitos (n em que Ele não o am e), em vez disso, ensina que o seu am or por aqueles que recebem a salvação é tão incrível — tão esplêndido, tão m agnífico — que o seu am or por aqueles que o rejeitam tem a aparência de repulsa, quando com parado a ele. O m esm o acesso de am or que faz co m que o ro n ron ar de u m gatinho se pareça com u m a expressão de repulsa, se ele se virar do lado contrário e sentir que o seu pelo está sendo acariciado do lado errado, o co rre tam bém com a expressão do am or de Deus. Ele é o m esm o tanto para o crente, quanto para o descrente: o crente já está experim entando o seu am or, ao passo que o S en h o r está, p acientem ente, esperando que o descrente se arrependa (isto é, vire a sua vida na direção co rreta — na direção de D eus!) para que Ele possa, por fim, experim entar tam bém . “Deus é am o r” (1 Jo 4.16) e, com o foi exaustivam ente dem onstrado, apesar do am or ter o poder de nos constranger m o ra lm en te (2 C o 5.14), ele não pode nos im pelir fisicam ente. O am or opera de fo rm a persuasiva e jam ais se vale de qualquer fo rm a de coação. C om o já vimos, u m “am or forçad o” é u m a contradição term in ológ ica — am or forçado não é am or, m as invasão. C om o já colocam os, não existem casam entos à bala no céu, n em Deus é u m artista que opera as suas m arionetes, m odificando com p ortam en talm en te seres hu m anos reticentes. Se Ele pudesse fazer isto sem violar tan to a sua própria integridade, quando a liberdade que Ele m esm o nos concedeu, então todas as pessoas seriam salvas (2 Pe 3.9).40 A O b je ç ã o d e q u e 1 C o r ín tio s 15.22 E n s in a a E x p ia ç ã o L im ita d a “Porque, assim co m o todos m o rrem em Adão, assim tam bém todos serão vivificados em C risto.” Alguns ultracalvinistas afirm am que todos neste caso só pode se referir aos eleitos: Apesar de estar claro que todas as pessoas no mundo morreram em Adão (Rm 5.12), está igualmente claro que nem todos no mundo morreram em Cristo. Há muitas pessoas que não foram crucificadas em Cristo. Elas o odeiam. (Palmer, FPC, 53, grifo acrescentado) De algum a form a, “todos serão vivificados,” supostam ente, serviria de base para a expiação lim itada. R e sp o s ta Existem pelo m enos três razões por que 1 C oríntios 15.22 não ensina que o alcance da expiação é lim itado.
40Vide capítulos 3 e 12.
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Primeiro, todos significa “todos.” Todos não significa “alguns.”41 Segundo, existe u m a firm e ligação lógica en tre os dois todos neste versículo, e é geralm ente consensual que o prim eiro todos significa “todos os seres hu m anos decaídos.” Terceiro, o texto n e m ao m enos trata da salvação, m as da ressurreição de todas as pessoas ( “todos serão vivificados em C risto”). A lguns serão ressuscitados para a salvação, e ou tros para a condenação. C o m o disse Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão [...] Não vos maravilheis disso, porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal, para a ressurreição da condenação. (Jo 5.25, 28,29) C o m u m a introd u ção assim, não resta m ais n e n h u m a dúvida de que 1 Coríntios 15.22 está falando da ressurreição: Mas, agora, Cristo ressuscitou dos mortos e foi feito as primícias dos que dormem. Porque, assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem. (vv. 20,21).
A Objeção de que 1 Pedro 3.18 e 2.24 Ensinam a Expiação Limitada Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levarnos a Deus [...] levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados. Isto im plica u m a expiação substitutiva e, co n fo rm e vimos acim a, m u itos defensores da expiação lim itada insistem que se C risto foi u m substituto p o r todos, então todos deveriam se salvar. C o m o todos os calvinistas acreditam que som ente alguns, e não todos serão salvos, conseqüentem ente, para os ultracalvinistas, C risto deve ter m orrid o som ente pelos eleitos (vide M cG regor, NPS, 149ss). Eles n o rm a lm en te indicam a obra The Nature o f the Atonement [A N atureza da Expiação], de Jo h n M cLeod C am pbell (1800-1872), com o u m a d em onstração da incom patibilidade entre a expiação universal e a substitutiva.42
Resposta E m função da sua visão da substituição, esta objeção se apresenta co m o u m a fo rm a de alegação especial.43 E claro que todos aqueles por quem Cristo fo r substituto serão salvos se a aplicação da substituição fo r autom ática, mas isto não precisa oco rrer desta form a. U m a penalidade pode ser paga sem que o pagam ento surta efeito, do m esm o m odo que u m prisioneiro pode receber o perdão da parte de u m governador, e recusar-se a aceitálo, ou ainda, u m h om em falido pode receber u m a oferta de dinheiro por parte dos seus credores e recusar-se a aceitá-la. C o m o já vim os, as pessoas que (co m o eu) são aderentes da expiação substitutiva e rejeitam a expiação lim itada crêem que o sacrifício de Cristo 41 Já d e m o n s tra m o s que e ste é o p ad rão q u a n d o todos é u tilizad o de fo rm a g e n é rica , o u n o c o n te x to da salvação n o N ov o T e s ta m e n to .
42 J o h n M cL eod C a m p b e ll, e n tre ta n to , re je ita v a a exp ia çã o lim ita d a .
“R o m a n o s 8.16” n o c a p ítu lo 2.
4j V ide a n o ta sob o su b títu lo
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pelos pecados de toda a hum anidade não salvou autom aticam en te n inguém , m as, sim, que to rn o u todas as pessoas passíveis de salvação. O sacrifício de Cristo não liberou a graça salvífica de D eus n a vida de n inguém , mas serviu para satisfazer (propiciar) a Deus n o lugar dos pecadores (1 Jo 2.2), na espera de que h aja um a resposta de fé, a qual torn ará possível o dom da salvação por interm édio da obra expiatória de C risto.4'1 A B A S E T E O L Ó G IC A D A E X P IA Ç Ã O IL IM IT A D A A lém da am pla fu nd am entação bíblica, a expiação ilimitada tam b ém está firm em en te baseada nos atributos de Deus, especialm ente na sua onibenevolência. A Bíblia afirm a que Ele é T od o-am oroso, e co m o ser que é Todo-am oroso, Deus, necessariam ente, ama a todos. A expiação limitada (em geral) alega que Deus am a som en te os eleitos de fo rm a salvífica, e a sua ram ificação da dupla predestinação45 afirm a que Ele n ão som en te am a os eleitos, co m o tam bém odeia os não-eleitos. Logo, a onibenevolência de Deus é incompatível com a expiação limitada. A B ase B íb lic a da O n ib e n e v o lê n c ia de D e u s A fu nd am entação bíblica da onibenevolência divina é vasta.46 As passagens a seguir serão sim plesm ente u m a seleção de textos: “Deus am ou o mundo de tal m aneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas te n h a a vida e tern a ” (Jo 3.16). “D eus prova o seu am or para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (R m 5.8). “Quem nos separará do amor de Cristo? [...] Porque estou certo de que n e m a m o rte, n em a vida, nem os anjos, n em os principados, n em as potestades, n em o presente, nem o porvir, n em a altura, n em a profundidade, n em algum a o u tra criatu ra nos poderá separar do am or de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso S e n h o r!” (R m 8.35, 38,39). “Porque o amor de Cristo nos constrange, julgan do nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos m o rre ra m ” (2 C o 5.14). “Mas, quando apareceu a benignidade e caridade de Deus, nosso Salvador, para com os hom ens, não pelas obras de ju stiça que houvéssem os feito, m as, segundo a sua misericórdia” (T t 3.4,5). “Am ados, am em o-nos uns aos outros, porque a caridade é de D eus; e qualquer que am a é nascido de Deus e co n h ece a Deus. Aquele que não am a não con h ece a Deus, porque D eus é caridade [...] Nisto está a caridade: não em que nós ten h am o s amado a Deus, m as em que ele nos am ou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados” (1 Jo 4.7-8,10). A B ase T e o ló g ic a da O n ib e n e v o lê n c ia d e D e u s 47 O am or de D eus é um atributo m oral, mas o fato dele ser onibenevolente é conseqüência de vários dos seus atributos m etafísicos. Os versículos acim a d em onstram de fo rm a am pla que o am or não é som en te u m a característica de Deus, m as que Deus é Todo-amoroso. 44 Para u m a an álise e x c e le n te d esta q u e stã o c o m o u m to d o , vide R o b e r t L ig h tn e r, The Death Christ Died: A Biblical Case f o r Unlimited A to n e m e n t.
45 V id e apên d ice 3.
46 V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 15.
47 C o m o já v im o s, a base essen cial da
o n ib e n ev o lên c ia de D eu s fo i e xp o sta n o v o lu m e 2, n o c a p ítu lo 15, m a s várias delas d iz e m resp eito a e sta análise.
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A Infinitude de Deus Implica a Onibenevolência D eus é infinito na sua essência,48 e com o o am or é da essência de Deus (1 Jo 4.16), Ele é am or infinito. O seu am or não pode ser lim itado, da m esm a fo rm a que a sua natu reza tam bém não pode ser lim itada, por ser infinita. A Simplicidade de Deus Implica a Onibenevolência Deus é simples (indivisível, sem partes) na sua essência;49 portanto, Deus não pode ser parcialm ente nada. Tudo que u m Ser simples é, ele o é de form a total e com pleta. Deus, portanto, é total e com pletam ente am oroso, pois o am or faz parte sua essência simples. A Necessidade de Deus Implica a Onibenevolência A necessidade de D eus50 im plica tam bém a sua onibenevolência. U m Ser necessário é aquilo que é por necessidade, e co m o D eus é am or, D eus é necessariamente am or. É im possível que Deus não ame, pois o am or está n a sua própria essência. Em resum o, tanto as evidências bíblicas, quanto as teológicas claram en te m o stram que D eus é Todo-am oroso; conseqüentem ente, Ele precisa am ar a todos. E co m o nada nele seria contrária à sua própria natureza, a onibenevolência de Deus é contrária à dou trina da expiação lim itada.
RESPOSTAS A OBJEÇÕES LEVANTADAS CONTRA A ONIBENEVOLÊNCIA DE DEUS Objeção Numero Um — Baseada no Argumento de que o Amor Necessário É Contraditório O am o r é u m ato livre que brota da nossa livre-decisão (ou livre-arbítrio). C o m o o am or forçado é contrad itório, podem os dizer que o am or não pode fluir da essência de D eus para todos os seres hum anos, porque a sua essência é necessária. C onseqüentem ente, o argu m ento continua, o am ar a todos não pode fazer parte da essência de Deus, pois, neste caso, Deus seria forçado a am ar, o que é u m absurdo. D ito de ou tra form a, Deus am a porque Ele quer (escolhe, deseja) am ar quem e quando Ele bem entender, não am a porque Ele seja obrigado a amar. P ortanto, a expiação ilim itada não vai con tra à própria n atu reza de u m D eus de amor?
Resposta à Objeção Número Um C o m o já verificam os, am or e necessidade não são opostos, mas o am or e a compulsão são. P ortanto, apesar de ser necessário que D eus am e a todos, tam bém é necessário que Ele faça isso defiorma livre. A vontade de Deus está com p letam en te de acordo co m a sua natureza; logo, o seu am or livrem ente escolhido por todas as pessoas está em harm onia co m a sua natu reza im utável. Não existe conflito no caso do am or de Deus ser, sim ultaneam ente, necessário e livre.
Objeção Número Dois — Baseada no Amor Singular de Deus pelos Eleitos Q uem nega a expiação ilim itada está alegando que não am a de fo rm a salvífica todas as pessoas, apontando para o seu am or especial pelos eleitos (por exem plo, em E f 1.4; 5.25; 1 C o 15.3; Jo 10.11). 48 Ibid., capítulo 5.
49 Ibid., capítulo 2.
50 Ibid., capítulo 3.
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R e s p o s ta à O b je ç ã o N ú m e r o D o is Em resposta, já ficou dem onstrado que o am or sublim e de Cristo pela sua noiva não nega o seu am or pelas demais pessoas. Na verdade, Ele deseja que todos façam parte da sua noiva, a igreja. A lém disso, con form e tam b ém já vim os, quando a Bíblia tala daqueles a quem a expiação foi aplicada, ela não está lim itando a possível aplicação da expiação a todos aqueles a quem ela foi disponibilizada. Ademais, o fato de Jesus am ar a sua noiva e por ela ter m orrid o não significa que Ele odeie aqueles que ainda não crêem . O b je ç ã o N ú m e ro T rê s — B a sea d a n a Id éia de q u e a E x p ia ç ã o Ilim ita d a Leva, n e c e s s a ria m e n te , ao U n iv e rs a lis m o Se u m ser Todo-poderoso pode fazer tudo o que bem entender,51e se u m Deus soberano está no con trole de todas as coisas, então a sua vontade não pode ser impedida: Ele realiza todos os seus propósitos (Is 55.11). E, se Deus cu m pre todos os seus propósitos, e se Deus deseja salvar a todos, não seria verdade que todos serão salvos (U niversalism o); R e s p o s ta à O b je ç ã o N ú m e r o T rê s Apesar da vontade final de Deus ser sem pre cum prida, a sua vontade im ediata não é. Deus deseja algum as coisas de fo rm a condicional e outras de form a incondicional: Ele deseja nos justificar, de acordo com a aceitação do dom que a nós é oferecido (Jo 1.12; R m 3.25; M t 23.37).32 Deus não quer que ninguém pereça, mas que todos se arrependam (2 Pe 3.9); todavia, n em todos se arrependerão e, portan to, n em todos serão salvos (cf. M t 23.37). Além disso, a onipotên cia de Deus não significa que Ele possa fazer tudo. C o m o já vimos, Deus não pode tazer aquilo que é contrad itório, n em pode ir con tra sua própria natu reza (Hb 6.18; 2 T m 2.13). Deus, de acordo com a sua própria essência, não pode forçar nin gu ém a am á-lo; e, apesar de ser Todo-poderoso, exerce o seu poder de acordo com o seu am or. A expiação lim itada não precisa nos levar ao U niversalism o.53 O b je ç ã o N ú m e r o Q u a tr o — B a sea d a n a P rem issa de q u e D e u s T e m P o d e r N ã o u tiliz a d o Os ultracalvinistas ainda insistem que D eus não precisa exercer o seu am or para com todas as pessoas sim plesm ente por Ele ser onibenevolente, da m esm a form a que Ele não precisa exercer o seu poder para com todas as pessoas, sim plesm ente por ser onipotente. Deus, supostam ente, pode ter mais am or do que ele dem onstra, da m esm a fo rm a que tem mais poder do que utiliza. R e s p o s ta à O b je ç ã o N ú m e ro Q u a tr o C om o já foi visto, o amor é um atributo moral de Deus; diferentemente do poder que é um atributo não-moral. Os atributos m orais, ju stam en te por seres m orais, obrigam D eus a agir de certas m aneiras. C om os atributos não-m orais isto não oco rre, e a confusão de am bos se constitui em u m erro de categorização.54 !bid., capítulo 7. 52Vide capítulo 15. capítulo 6.
53Vide capítulo 12.
54Vide n ota sob o subtítulo “Resposta à Alternativa U m ” no
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A lém disso, co n fo rm e afirm ado an teriorm ente, é inconsistente sustentarm os (co m o fazem os ultracalvinistas) que, apesar de D eus precisar sem pre agir de fo rm a ju sta por Ele ser Tod o-ju stiça, Ele não precisar agir de fo rm a am orosa por ser T od o-am oroso. Se ests fosse o caso, a ju stiça de Deus não o obrigaria a cond enar todos os pecados. Mas ela faz isto, da m esm a fo rm a que a sua onibenevolência o im pele a am ar todos os pecadores. O am or é tão essencial para Deus, quanto o é a ju stiça, e, independente dos atributos que Ele possua, Ele sem pre os possuirá de fo rm a com pleta, necessária e infinita.
Objeção Número Cinco — Baseada naquilo que os Pecadores Merecem Som os salvos pela graça de Deus, mas n e n h u m pecador é m ereced or da graça — a ju stiça exige que o pecado seja condenado. P ortanto, a dou trina da expiação ilim itada, a qual afirm a que Deus precisa am ar a todos, parece ser contrária à dou trina da depravação total, a qual sustenta que todos os seres h u m anos m erecem a cond enação de D eus.55
Resposta à Objeção Número Cinco E verdade que nada, em n e n h u m dos pecadores, é digno ou m erece o am or de Deus. Esta não é a questão; a questão é que existe algo em D eus que desperta o seu desejo de salvar todos os pecadores — o seu am or infinito. D eus deseja nos salvar porque Ele é n atu ralm en te (essencialm ente, necessariam ente e n ão-arbitrariam ente) Todo-am oroso, não porque tenham os conquistado a salvação, tam p ou co a sua paixão pela nossa salvação (algo que não fizem os).
ESSENCIALISMO VERSUS VOLUNTARISMO U m a segunda razão teológica para se rejeitar a expiação lim itada é a sua base na prem issa do volu ntarism o teológico. Existem duas visões prim árias acerca da relação entre a natu reza de Deus e a natu reza da vontade de Deus: o V oluntarism o divino e o Essencialism o divino. O Voluntarismo, sobre o qual a d ou trina da expiação lim itada está fundam entada, insiste que algo é correto, por ser o desejo de Deus; ou seja, Deus decide que algo é correto, e então aquilo passa a ser correto. O Essencialism o, p o r ou tro lado, declara que D eus deseja algo porque aquilo é correto; ou seja, aquilo já está de acordo co m a sua natu reza im utável. O V oluntarism o divino não apresenta fu nd am entação filosófica (racion al), bíblica ou prática.
Argumentos Filosóficos a Favor do Essencialismo Divino Os teístas tradicionais susten tam que Deus é im utável n a sua natu reza ( “m o ralm en te im utáv el”).56 Tom ás de A quino apresentou três argum entos básicos em defesa da im utabilidade de Deus. 0 Argumento da Pura Atualidade de Deus O prim eiro argu m ento a favor da im utabilidade é baseado no fato de u m Ser de pura atualidade ( “Sou aquilo que sou”) não apresentar potencialidade.57 S om ente o ser que tem potencialidade pode m udar. Dessa form a, D eus não pode m udar (Ex 3.14), pois Ele, por ser Pura Atualidade, não apresenta potencial para atualização por m eio de m udança. 55Vide parte 1.
56Vide volum e 2, capítulo 4.
57 Ibid., capítulo 2.
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0 Argumento da Perfeição de Deus O segundo argu m ento a favor da im utabilidade divina deriva da sua absoluta perfeição.58Tudo aquilo que m uda, adquire algo novo; m as D eus não pode adquirir nada novo, por ser, em função da sua própria natureza, absolutam ente perfeito (n ão há com o Ele possa ser m elh orad o). Se faltasse algum tipo de perfeição a Deus, Ele deixaria de ser Deus, pois, a conquista de u m a nova perfeição significaria que Ele estivera em falta dela anteriorm ente. 0 Argumento da Simplicidade de Deus O terceiro argu m ento a favor da im utabilidade divina surge da sua sim plicidade.59 Tudo aquilo que m u da é com p osto por partes que m u dam e por partes que não m udam , mas não pode haver este tipo de com posição em u m Ser absolutam ente sim ples. Logo, Deus não pode m udar. Se todas as coisas acerca de u m ser m udassem , ele não seria mais o m esm o ser. Na verdade, não se trataria de m udança, em absoluto, mas do aniqu ilam ento de u m a coisa e da recriação de algo in teiram ente novo. Se, em toda m udança, algo perm an ece igual e algo m uda, a parte que m u dou deve ser com p osta destes dois elem entos. C o m o Deus, que é u m Ser absolutam ente sim ples, não pode ser com p osto por dois elem entos, Ele não pode m udar. A r g u m e n to s B íb lic o s a F a v o r d o E s s e n c ia lis m o D iv in o As passagens bíblicas que apóiam o essencialism o teísta são aquelas que declaram que Deus é im utável na sua n atu reza.60 Evidências Veterotestamentárias a Favor da Imutabilidade Moral de Deus O salm ista declarou: Desde a antiguidade fundaste a terra; e os céus são obra das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permanecerás; todos eles, como uma veste, envelhecerão; como roupa os mudarás, e ficarão mudados. Mas tu és o mesmo, e os teus anos nunca terão fim. (102.25-27) Em 1 Sam uel 15.29 lem os: “E tam bém aquele que é a Força de Israel não m en te nem se arrepende; porquanto não é u m h o m em , para que se arrependa.” D eus confirm ou , por interm édio do profeta: “Porque eu, o SEN HOR, não m u d o ” (M l 3.6). Evidências Neotestamentárias a Favor da Imutabilidade Moral de Deus O N ovo Testam ento é igualm ente enfático acerca da n atu reza im utável de Deus. Hebreus 1.10-12 cita o Salm o 102, confirm and o o seu conteú d o. A lguns capítulos à frente o au to r p rom ete: “E impossível que Deus m in ta ” (Flb 6.18). Paulo acrescenta, em Tito 1.2: “Deus, que não pode m entir, p ro m eteu antes dos tem pos dos sécu los.” Tiago (1.17) nos assegura: “Toda boa dádiva e tod o dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há m udança, n em som bra de variação.” 58 Ibid., c a p itu lo 13.
59 Ibid., c a p ítu lo 2.
60 O c o n tra s te , n o v a m e n te , se d á e n tre o V o lu ta rism o , o qual defen d e q u e algo é
c o r r e to p o rq u e D e u s (v o lu n ta r ia m e n te ) d e seja e ste algo ; e o E ssen cia lism o , o qual defen d e que D e u s deseja algo p orqu e e ste algo é (e s s e n c ia lm e n te ) c o rr e to .
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Se a vontade de Deus está su jeita à sua natureza, e se D eus é im utável na sua natureza, então tudo que D eus desejar será bom e certo de acordo co m ela (e não contrariam ente a ela). C onseqüentem ente, o Essencialism o divino deve estar correto.
Argumentos Práticos a Favor do Essencialismo Divino Dois argu m entos práticos que existem a favor do Essencialism o são: (1) a necessidade da estabilidade m o ral e (2) a repugnância m o ral ao volu ntarism o. Eles são apoiados por aquilo que experim entam os na fidelidade de D eus e no testem u n h o bíblico de que podem os confiar na im utabilidade de Deus. 0 Argumento da Necessidade da Estabilidade Moral Se todos os princípios m orais estiverem baseados na vontade m utável de Deus, não haveria segurança m oral. C o m o alguém poderia estar com p rom etid o com algo, se sem pre houvesse a possibilidade das regras serem alteradas? Na verdade, com o poderíam os am ar e servir a Deus se Ele pudesse desejar, por exem plo, que o nosso destino final não fosse am á-lo, mas odiá-lo? 0 Argumento da Repugnância Moral Os essencialistas insistem que é m o ra lm en te repu gnante considerar, co m o fazem os voluntaristas, que D eus poderia m odificar a sua vontade acerca do seu am or essencialm ente bom e, no lugar disso, decidir que o ódio passe a ser u m a obrigação m o ral universal. É difícil conceber com o u m ser m o ra lm en te perfeito poderia arbitrariam ente determ inar que o estupro, a in ju stiça ou o genocídio são m o ra lm en te corretos. E com o para nós, que som os feitos à sua im agem e sem elhança, já nos parece repugnante só o fato de im aginarm os u m a m udança desta espécie na sua vontade, im agine quanta repugnância isto causaria ao D eus que é a fo nte da nossa m oralidade e em cu ja im agem fom os criados? A Confiabilidade Divina A Bíblia apresenta D eus co m o u m ser suprem am en te fiel: Q uando Ele faz um a prom essa incondicional, Ele jam ais deixa de cu m p ri-la (cf. G n 12.1-3; Hb 6.16-18). Na verdade, não precisam os tem er que tan to os dons quanto os cham ados de D eus estejam dependentes de oscilações na sua m ente (R m 11.29); D eus não é h o m em (1 Sm 15.29), e sem pre podem os confiar que Ele cu m p rirá à sua palavra (Is 55.11). Esta confiabilidade absoluta não seria possível se Deus pudesse m odificar a sua vontade a todo m o m en to acerca das coisas. O que to rn a D eus m o ra lm en te com p rom etid o a cu m p rir a sua Palavra é a sua natu reza im utável; do contrário, Ele poderia decidir a qualquer m o m en to , por exem plo, co lo car todos os crentes no infern o, ou prem iar os ím pios por assassinatos ou por atos de crueldade. U m D eus assim não seria confiável; o Deus da Bíblia é imutavelmente bom.
Objeções ao Essencialismo Divino Os argum entos voluntaristas con tra o Essencialism o, tais co m o aqueles propostos p o r W illiam de O ckham (c. 1285-c. 1349), con centram -se, principalm ente, na suprem acia de Deus:
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(1) Ou Deus deseja algum a coisa porque ela é correta (Essencialism o), ou um a coisa é certa porque Deus a deseja (V oluntarism o). (2) Se Ele deseja u m a coisa porque ela é correta (Essencialism o), então Deus deixou de ser suprem o, já que existe algo fora dele a que Ele está sujeito. (3) Logo, um a coisa é correta porque Deus a deseja (V oluntarism o). Existem , pelo m enos, três problem as neste argum ento. A prim eira prem issa apresenta u m falso dilema. Ela não precisaria estar construída n o sistem a “ou/ou”, mas poderia utilizar a construção “tanto/quanto.” Ou seja, se os princípios m orais fluem da vontade de Deus, que está fundam entada n a sua natureza, n ão chegarem os a u m a conclusão voluntarista. A lém disso, a segunda prem issa erron eam ente considera que o padrão ético suprem o ao qual a vontade de Deus está sujeita está “fo ra” de Deus. Se ele estiver “d en tro ” de D eus — se o padrão for a sua própria natu reza m o ral suprem a — o dilem a se extingue. C oncluindo, a com preensão ultracalvinista acerca da expiação lim itada está claram ente baseada em um a fo rm a de V olu ntarism o,61 um a concepção que não dispõe de fund am entação racional, bíblica ou prática. Deus não pode m udar n a sua natureza, logo, tudo o que Ele desejar deve estar de acordo com a sua natu reza im utável. E, com o a sua natu reza é am ar a todos os seres por Ele criados, Ele não pode lim itar o seu desejo de salvação a um grupo restrito. G ra ç a Irre s is tív e l m a is O n ib e n e v o lê n c ia É ig u a l a o U n iv e rs a lis m o O utro sério problem a teológico para os aderentes da expiação lim itada é a sua idéia da graça irresistível, pois eles defendem as seguintes premissas: (1) Deus pode fazer tudo o que desejar, inclusive salvar a todos os que desejar salvar; (2) Deus deseja salvar som ente algum as pessoas (os eleitos), não todas as pessoas. Existe som ente u m a conclusão lógica: (1) D eus não é Todo-am oroso. Ou seja, Ele não am a a todos. O problem a pode ser reform ulado da seguinte form a: (1) (2) (3) (4)
Se D eus fosse Todo-poderoso, E l t poderia salvar todas as pessoas. Se D eus é T od o-am oroso, Ele salvaria todas as pessoas. Mas n em todas as pessoas serão salvas. Logo, ou Deus não é Todo-poderoso, ou não é T odo-am oroso.
61 Isto lev an ta u m a difícil q u e stã o e n tre os u ltra ca lv in ista s e o T e ísm o a b e rto . S e os a trib u to s divinos não forem essenciais, e n tã o E le n ã o p o d e ria m o d ific á -lo s — p o r e x e m p lo , E le p o d e ria d ecidir, v o lu n ta r ia m e n te , n ã o m ais te r o c o n h e c im e n to dos atos livres d o fu tu r o . M as os calvin istas firm es, a rg u m e n ta n d o c o n tra o T e ísm o a b e rto , in s iste m q ue D e u s não pode fazer isto. S e ria m possíveis as duas coisas? P arece q u e se D e u s pudesse v o lu n ta ris tic a m e n te lim ita r u m dos seus a trib u to s (p o r e x e m p lo , o a m o r ), Ele ta m b é m p o d e ria d ecid ir lim ita r o u tro s a trib u to s (p o r e x e m p lo , o c o n h e c im e n to ). Se assim fo r, os calvin istas firm es p rec isa m : o u desistir d o seu p le ito c o n tra o T e ísm o ab e rto , ou desistir d a sua c re n ç a n a exp iação lim itad a.
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(5) Mas D eus é Todo-poderoso. (6) Logo, D eus não é Todo-am oroso. Se, por u m lado, u m Deus Todo-poderoso pode salvar todos, m as não irá salvar todos, então Ele não am a a todos. Neste caso, a graça irresistível — aquela que é exercida som ente sobre alguns, quando poderia ser usada sobre todos — é u m a negação da onibenevolência divina. Se, por ou tro lado, D eus é Todo-poderoso, incluindo-se aqui a capacidade da graça irresistível sobrepor-se a vontade das pessoas para que estas sejam salvas, e se Ele é Tod o-am oroso ao ponto de desejar que todos se salvem , então a graça irresistível cria a salvação universal. Portanto, o paradigm a do U ltracalvinism o, m ediante um a verificação da sua consistência, ou leva à negação de u m D eus T od o-am oroso, ou à afirm ação do U niversalism o.62
A Expiação Limitada e a Graça Irresistível Negam o Livre-arbítrio A lém disso, a dou trina da expiação lim itada é u m a rejeição da liberdade que Deus nos concedeu. Porque nesta vida o livre-arbítrio dos seres hu m anos im plica o poder da decisão contrária,63 e n em m esm o u m D eus Todo-poderoso pode forçar alguém a agir con tra a sua própria vontade. A liberdade forçada é u m a n oção absurda e a graça irresistível im posta co n tra a vontade das pessoas é exatam ente isto — ela con traria a liberdade que Deus concedeu aos seres hu m anos. Em outras palavras, já que n em m esm o u m ser onip oten te é capaz de fazer aquilo que lhe é contrad itório, Deus não pode exercer a sua graça irresistível con tra a vontade das pessoas. A ún ica solução que conserva a graça irresistível ou persuasiva é postularm os que D eus a exerce som ente sobre aqueles a aceitam .64 Neste p o n to de vista, Deus pode exercer a graça persuasiva sobre todas as pessoas, e som en te aqueles que desejarem recebêla serão salvos. Isto elim inaria a possibilidade do U niversalism o — já que Deus pode am ar a todos, sem que todos estejam dispostos a receber este seu am or ilim itado — e reafirm ar tan to a onipotência, quanto a onibenevolência de D eus, algo inexeqüível para os proponentes da expiação ilim itada. A graça irresistível é contrária tanto ao livre-arbítrio h u m an o quanto à onibenevolência divina. O coração da liberdade é a au tod eterm in ação ,65 e é con trário à autod eterm inação term os as nossas ações determ inadas (causadas) por ou tro ser. Sendo assim, se os seres hum anos são livres, então Deus, que lhes concedeu a liberdade, não é capaz de exercer a graça irresistível sobre eles, pois isto contrariaria a sua capacidade de decisão (ou livrearbítrio). Este é precisam ente o resultado da dou trina ultracalvinistada “graça irresistível que se sobrepõe à vontade h u m an a.”
QUESTIONAMENTOS TEOLÓGICOS LEVANTADOS POR DEFENSORES DA EXPIAÇÃO LIMITADA O Argumento de Spurgeon Charles Spurgeon (1834-1892) defendia a expiação lim itada pela sua insistência em que é o oponente que lim ita a expiação: Em primeiro lugar, os aderentes da expiação ilim itada 62 A m bas são co m p le ta m en te inaceitáveis. Vide v o lu m e 2, cap ítu lo 15, e o cap ítu lo 12, a seguir.
63 Vide cap ítu lo 3.
64 Perceba,
e n tre ta n to , q u e esta o p çã o n ã o e stá d isponível p a ra u m u ltra ca lv in ista , p o rq u e apesar d ela a firm a r a o n ib e n e v o lê n c ia de D eu s, e la in v alidaria a sua visão da o n ip o tê n c ia d ivina.
65 O p. cit.
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não acreditam que C risto m o rreu de fo rm a a assegurar a salvação de todos, e, em segundo lugar, eles não acreditam que Cristo m o rreu para garantir a salvação de qualquer pessoa específica. Spurgeon, então, prosseguiu anunciando veem en tem en te que os adeptos da expiação lim itada crêem que Cristo m o rreu por “m ultidões [os eleitos] que h om em n en h u m seria capaz de e n u m era r” (citado por Steele e T hom as, F PC , 40). Em resposta, esta racionalização invertida é u m a triste ilustração da eloqüência de Spurgeon, utilizada da m aneira errônea: som en te u m a lógica de cabeça-para-baixo poderia forçar u m a pessoa a considerar duas vezes a idéia de que a expiação lim itada é mais ilim itada que a expiação ilim itada! A prim eira afirm ativa — que a expiação ilim itada não ensina que C risto m o rreu de fo rm a a assegurar a salvação de todos — confunde a questão. Não é u m a questão de assegurar a salvação para todos (co m o defendo o U niversalism o), mas de disponibilizá-la para todos e assegurá-la para os eleitos (co m o no Calvinism o m oderado e no A rm inianism o). Só os ultracalvinistas defendem que Cristo m o rreu para disponibilizar e assegurar a salvação exclusivamente para os eleitos. Spurgeon, então, deu a resposta certa para a pergunta errada. C o m relação ao segundo ponto — o de que a expiação ilim itada não ensina que C risto m o rreu para garantir a salvação de qualquer pessoa específica — Spurgeon, novam ente, dá a resposta certa para a pergunta errada. Tanto os oponentes dos calvinistas m oderados, quanto dos arm inianos clássicos, que se opõem à expiação lim itada crêem que Cristo m o rreu , de fato, para assegurar a salvação dos eleitos e que Deus previu, desde a eternidade, exatam ente quem seriam eles. O A r g u m e n to de S p ro u l R. C. Sproul, ou tro defensor da expiação lim itada, acredita que os oponentes caem n u m a arm adilha ao perguntarem : “A quem era destinada a expiação?” (CG, 205). Se a intenção fosse todas as pessoas, com o ocorre na expiação ilim itada, então por que nem todos se salvam? C om o a intenção de Deus poderia ser frustrada? Se ela fosse destinada som ente a alguns (os eleitos), então a expiação lim itada está correta. O dilem a pode ser expresso dessa form a: (1) O u a expiação era destinada a todos ou som ente a alguns (os eleitos). (2) Se a expiação fosse destinada a todos, então todos serão salvos (já que as intenções soberanas de Deus necessariam ente serão cum pridas). (3) Se a expiação não foi destinada a todos, ela, então, foi destinada som ente a algumas pessoas (os eleitos). (4) P ortanto, ou o U niversalism o é verdadeiro ou a expiação lim itada é verdadeira. Aí está a arm adilha: tanto os calvinistas m oderados, quanto os arm inianos tradicionais negam o U niversalism o; p o rtan to , por esta lógica, eles parecem ser levados a aceitar a expiação lim itada. Em resposta, a prim eira prem issa (ou a expiação foi destinada a todos ou som ente a alguns) é mais u m falso dilema. C om o já visto anteriorm en te, existe u m a terceira alternativa: o sacrifício de Cristo foi destinado tanto a disponibilizar a salvação para todos, quanto para conquistar a salvação a todos os que crêem . O falso dilem a erron eam ente assume que som ente poderia haver u m a intenção na expiação. Negar que Deus desejou salvar todas as pessoas que Ele m esm o criou é u m grave erro.
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A B A S E H IS T Ó R IC A D A E X P IA Ç Ã O IL IM IT A D A C om u m a exceção significativa,66 os pais ortod oxos da igreja cristã têm expressado apoio u n ânim e ao am or salvífico de Deus por todos os seres hum anos. O s Pais da Ig r e ja P ó s -A p o s tó lic a Justino Mártir (c. 100-c. 165) Toda a raça humana estará debaixo de maldição [...] O Pai de todos desejou que o seu Cristo, no lugar de toda a família humana, levasse sobre si a maldição de todos, (conforme citação feita em Bercot, DECB, 42). Ireneu (c. 125-c. 202) Ele dotou a obra das suas próprias mãos de salvação, ao destruir o pecado. Pois ele é o santíssimo e misericordiosíssimo Senhor, e Ele ama a raça humana, (in ibid., 43) Nos últimos dias, o Filho foi feito homem entre os homens, e Ele ‘re-formou’ a raça humana. (in ibid.) Orígenes (c. 185-c. 254) Ele tira o pecado até que todos os inimigos sejam destruídos, tendo como último deles a morte — para que o mundo todo possa ser liberto do pecado, (in ibid., 45) O s Pais da E ra M ed iev al 0 Agostinho Anterior” (354-430) Portanto, não há nenhuma causa natural eficiente ou, se me permite fazer uso desta expressão, nenhuma causa essencial, da vontade maligna, já que ela mesma é a origem do mal nos espíritos mutáveis, e por ela o bem da sua natureza é diminuído e corrompido; e a vontade é tornada maligna por nada mais que um afastamento de Deus — cuja causa, outrossim, é certamente deficiente. (CG, 12.9) Sem dúvida, Deus deseja que todos os homens se salvem e ch eguem ao con h ecim en to da verdade. (OSL, 57, grifo acrescentado). C o m o já vimos: Se, na verdade, aconteceu de alguns terem sido retirados da influência desta claríssima luz da verdade, e dos quais a cegueira exige esta iluminação, até mesmo para estes, não temos dúvida de que, a mesma graça haverá de encontrar o seu caminho seguro, mesmo que tardiamente, pelo favor misericordioso daquele Deus “que fará com que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade". ( OPP, 48, xxiv, grifo acrescentado). 0 Agostinho "Posterior" Partindo da concepção de que os infantes poderiam ser salvos, e que os donatistas cismáticos poderiam ser forçados a crer contra a sua própria vontade, Agostinho 66Vide adiante, sob o subtítulo “O Agostinho Posterior”
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desenvolveu a lógica destas proposições nos seus posicionamentos posteriores, que serão apresentados nas citações a seguir.67 “Ele deseja que todos os homens se salvem”, é dito de tal forma que todos os predestinados podem estar aí compreendidos, porque todos os tipos de homens estarão entre eles. yORG, 44). De modo semelhante, quando ouvimos e lemos nas Sagradas Escrituras que Ele “salvará todos os homens,” apesar de sabermos muito bem que nem todos os homens se salvarão, não devemos, em função disso, restringir a onipotência de Deus, mas sim compreender as Sagradas Escrituras: “Aquele que fará com que todos os homens sejam salvos,” significa que nenhum homem é salvo a não ser que Deus assim o deseje: não que Ele não deseje que alguns não se salvem, mas que nenhum homem será salvo à parte da vontade divina; e que, portanto, devemos orar a Ele para que Ele deseje a nossa salvação, porque se Ele a desejar, ela, necessariamente, ocorrerá. (£, 103, grifo acrescentado; cf. 97) O nosso Senhor diz, de forma clara, entretanto, no evangelho, ao repreender a cidade ímpia “Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” como se a vontade de Deus tivesse sido sobrepujada pela vontade dos homens [...] Mas mesmo diante da indisposição da cidade, Ele reuniu dentre ela todos os filhos que desejou: porque não existe coisa que seja por Ele desejada, e não seja realizada, nem pessoas que não sejam desejadas e não sejam para ele atraídas; mas Ele fez tudo o que desejou, tanto no céu, quanto na terra, (ibid., 97, grifo acrescentado). Comparaçao entre as Duas Fases de Agostinho — a Anterior e a Posterior A g o s tin h o A n te r io r
A g o s tin h o P o s te r io r
Deus deseja que todos se salvem
Deus deseja que som ente alguns se salvem
Deus jam ais se sobrepõe ao livre-arbítrio hu m ano
Deus se sobrepõe ao livre-arbítrio hu m ano
Deus am a a todos
Deus ama som ente algum as pessoas
A fé salvífica não é um dom especial de alguns
A fé salvífica é um dom especial de alguns
Pessoas decaídas podem receber a salvação
Pessoas decaídas não podem receber a salvação
6j A m e lh o r re fu ta ç ã o de A g o stin h o v e m dele m e sm o . N o p e río d o in ic ia l da sua vida ele escrev eu : “O pecado é de tal modo um mal voluntário que não será pecado se não fo r voluntário” ( O TR, 14, grifo a c re sce n ta d o ). “O p eca d o , n a verdad e, n ã o está e m o u tro lug ar, sen ão n a v erdade, já q u e e sta co n sid era çã o ta m b é m te ria m e a u x iliad o , de q u e a ju s tiça co n sid era cu lp a d o s aqueles q u e p e c a m so m e n te p o r fa z e re m uso da sua v o n ta d e m a lig n a , m e sm o q u e n ã o te n h a m sido capazes de realizar a q u ilo que d e se ja ra m ” (T S A M , 10.12). “O u , e n tã o , a vontade ép or si mesma a causa primeira do pecado, ou a cau sa p r im e ir a n ã o te m p e c a d o ” (OFW , 3.49, grifo a c re sce n ta d o ). "O livre arbítrio, n a tu r a lm e n te co n ced id o p e lo C ria d o r à nossa a lm a ra c io n a l é, de tal forma, uma força neutra, q u e p ode se in c lin a r ta n to p a ra a fé, q u a n to para a in cre d u lid a d e ” (O SL, 58, grifo a c re sce n ta d o ). “Toda p essoa que tiv er c o m e tid o a lg u m tipo de m a l de fo rm a in c o n s cie n te ou p o r n ã o te r co n seg u id o a ele resistir, este não p od erá, de fo rm a alg u m a, ser co n d e n a d o de fo rm a ju s ta ” (T S A M , 10.12, grifo a cre sce n ta d o ).
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De fo rm a problem ática, a posição posterior de A gostinho envolve a negação da liberdade hu m ana. C o m o ele m esm o afirm ou anteriorm ente: “Aquele que deseja é livre de com p u lsão” (TSA M , 10.14, grifo acrescentado). C o m o já vim os, “D eus não opera a salvação em nós co m o se estivesse lidando com pedras irracionais, ou co m criaturas que não ten h am recebido n e m razão, n em vontade própria” (OFW, 2.6, grifo acrescentado). Ele, ainda, acrescentou de fo rm a perspicaz: “Não devem os defender a graça de tal fo rm a que pareçam os estar anulando o livre-arbítrio, ou, por ou tro lado, afirm ar o livre-arbítrio de fo rm a a serm os julgados ingratos à graça de Deus, em u m a espécie de impiedade arrogante”, (ibid., grifo acrescentado). Anselmo (1033-1109) Além disso, vós claramente mostrastes que a vida deste homem [Jesus] foi tão excelente e tão gloriosa a ponto de proporcionar ampla satisfação pelos pecados do mundo inteiro, e até mesmo infinitamente mais. Portanto, falta-nos, agora, mostrar como este pagamento pelos pecados dos homens é feito a Deus. (CDH, II.XVIII) Tomás de Aquino (1225-1274) Cristo, sofrendo em espírito de amor e obediência, ofereceu mais a Deus do que era exigido como recompensa por todos os pecados da humanidade [...] A paixão de Cristo, portanto, não foi somente suficiente, mas superabundante pelos pecados da humanidade; como disse João: “Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos pecados, mas pelos pecados do mundo inteiro”. (ST, 3a.48.2)
Os Líderes da Reforma Existe u m a interrup ção, iniciando co m os R eform adores, da visão p raticam ente u n ânim e acerca da expiação ilim itada. Todavia, é significativo n otarm os que o próprio “Pai do C alvinism o” não era “calvinista” na dou trin a da expiação lim itada. C om o verem os, João C alvino fez afirm ações inequívocas de que Cristo m o rreu pelos pecados da hum anidade toda. R aram en te outras afirm ações en traram em conflito com estas declarações enfáticas, e quando isto ocorre, elas, n o rm alm en te, são entendidas com o referências à aplicação da expiação aos eleitos e não co m o referências ao alcance da expiação a todas as pessoas. Calvino: O Sangue de Cristo Serviu como Expiação (Satisfação) Diante de Deus por todos os Pecados do Mundo Esta é a nossa liberdade, o nosso gloriar contra a morte, o fato de nossos pecados não nos serem imputados. Ele diz que esta redenção foi obtida pelo sangue de Cristo, pois pelo sacrifício da sua morte todos os pecados do mundoforam expiados. (CC, sobre Cl 1.15)68 Calvino: Cristo Proporcionou a Salvação por toda a Humanidade Agora precisamos ver de que maneira passamos a possuir as bênçãos com as quais Deus derramou sobre o seu Filho Unigênito, não para o seu uso pessoal, mas para enriquecer os pobres e os necessitados. E a primeira coisa a ser abordada é, por estarmos sem Cristo e separados dele, nada daquilo que Ele sofreu e realizou para a salvação da humanidade apresenta o menor dos benefícios para nós. (ICR, 3.1.1) 68 G rifo ac re sce n ta d o n as cita çõ es p o sterio re s.
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Calvino: Os “M u itos” pelos quais Cristo M orreu Significam “Todos"
Precisamos notar, entretanto, que Paulo não faz aqui uma comparação entre o número maior com os muitos, pois ele não está falando do número maior da humanidade, mas está argumentando que como o pecado de Adão destruiu muitos [isto é, todos], a justiça de Cristo será igualmente efetiva para a salvação de muitos [igualmente, todos], (CC, sobre Rm 5.15) Calvino: A Culpa da H um anidade como um todo Foi C olocada sobre Cristo
Aprovo a leitura normal, onde vemos que Ele sozinho levou o castigo de muitos, porque sobre Ele foi colocada a culpa do mundo inteiro. E evidente, a partir de outras passagens, e especialmente a partir do quinto capítulo da epístola aos romanos que “muitos” às vezes denota “todos” (ibid., sobre Is 53.12). Calvino: Os “M u itos" São uma Representação da H um anidade como um Todo
Marcos 14.24 [diz]: “Isto é o meu sangue.” Eu já alertei, quando se diz que o sangue foi derramado (como em Mateus) pela remissão dos pecados, como nestas palavras, somos direcionados ao sacrifício da morte de Cristo, e negligenciar este pensamento torna impossível qualquer celebração apropriada da Ceia. De nenhuma outra forma as almas fiéis poderão ser satisfeitas, se não crerem que Deus é satisfeito deste modo. A palavra “muitos" não significa somente uma parte do mundo, mas a totalidade da raça humana: ele contrasta “muitos” com “um,” como se estivesse dizendo que ele não seria o Redentor de um homem, mas acharia a morte a fim de libertar muitos da sua maldita culpa. E incontestável que Cristo veio para a expiação dos pecados da humanidade como um todo. ( EFG , IX.5) Calvino: A Salvação E Lim itada no seu Efeito, não na sua O ferta
Se for assim (você dirá), diminuta fé pode ser depositada nas promessas do Evangelho, as quais, ao testificar acerca da vontade de Deus, declaram que Ele deseja aquilo que é contrário ao seu decreto inviolável. De maneira nenhuma; pois apesar das promessas de salvação serem universais, não existe discrepância entre elas e a predestinação dos réprobos, desde que atendamos ao seu efeito. Sabemos que as promessas são efetivas somente quando as recebemos por fé, mas, quando o contrário ocorre, no caso de uma fé nula, a promessa não tem efeito. (IC R , 3.24.17) Calvino: A M orte de Cristo E A p licad a somente aos Ju stos (Pela F é)
Dessa forma, Ele é chamado de nosso Cabeça, e o primogênito entre muitos irmãos, ao passo que, por outro lado, a Bíblia diz que somos enxertados nele e dele revestidos, sendo que tudo o que Ele possui, como já disse, não é de nossa posse enquanto não nos tornamos um só com Ele. E embora seja verdade que conquistamos isto pela fé, percebemos que nem todos abraçam indiscriminadamente a oferta de Cristo que é feita pelo evangelho, a própria natureza do argumento nos ensina a olhar para o alto, e procurar a eficácia secreta do Espírito, para o qual é correto que usufruamos de Cristo e todas as suas bênçãos, (ibid., 3.1.1) Calvino: A Salvação E A p lica d a somente aos que Crêem
O apóstolo indica que os frutos dela não vêm para qualquer um, senão para aqueles que são obedientes. Ao dizer isto, ele nos recomenda a fé, pois nem Ele, nem os seus
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benefícios se tornam nossos ao menos que, e à medida que, aceitamo-los e aceitamos a Cristo por fé. Ao mesmo tempo ele inseriu a expressão universal “para todos” para mostrar que ninguém que se mostre receptivo e obediente ao Evangelho de Cristo está excluído desta salvação. (CC, sobre Hb 5.9) Calvino: A té mesmo os Perdidos Foram Comprados pelo Sangue de Cristo Não é uma questão menor vermos perecerem as almas compradas pelo sangue de Cristo. (MG, 83). Calvino: Ninguém E Impedido de se Salvar [Paulo] deu mandamento a Timóteo para que orações fossem regularmente feitas na igrejapelos reis e príncipes; mas como parecia um tanto absurdo que orações fossem feitas por uma classe de homens tão desgraçados (a totalidade deles não era somente alienada do corpo de Cristo, como também faziam tudo o que podiam para derrubar o seu reino), acrescenta ele, que era aceitável a Deus, que deseja que todos os homens se salvem. Dessa forma ele certamente se refere a nada mais do que o caminho da salvação estar aberto a todas as classes de homens; e que, pelo contrário, ele manifestou a sua misericórdia de tal forma, que não impediria ninguém de ser por ela alcançado. (ICR, 3.24.16) Calvino: Cristo Sofreu pelos Pecados do Mundo “Gostaria que eles fossem cortados.” A indignação [de Paulo] aumenta e ele ora pela destruição dos impostores que haviam enganado os Gálatas. A palavra “cortado” parece fazer alusão à circuncisão que eles estavam querendo impor à igreja da Galácia. Crisóstomo se inclina a esta visão: “Eles rasgam a Igreja por causa da circuncisão; gostaria que eles fossem cortados por completo.” Mas uma maldição como esta não parece se coadunar com a mansidão de um apóstolo, que deveria desejar que todos se salvassem e que, portanto, ninguém se perdesse. Respondo que isto é verdade quando temos o homem em mente; pois Deus recomenda a nós a salvação de todos os homens sem exceção, pois Cristo sofreu pelos pecados do munâo inteiro. (CC, sobre G1 5.12) Quando ele diz “o pecado do mundo,” ele estende esta bondade indiscriminadamente a toda a raça humana, para que os judeus não venham a pensar que o Redentor foi enviado a eles somente. A partir disso, inferimos que o mundo inteiro está fadado à mesma condenação; e que como todos os homens, sem exceção, são culpados de injustiça diante de Deus, todos, igualmente, precisam de reconciliação, (ibid., sobre João 1.29) Calvino: A Incredulidade Ê a Razão porque alguns não Recebem os Benefícios da Morte de Cristo Paulo torna a [revelação da] graça de Deus comum a todos os homens, não porque ela de fato se estenda a todos, mas porque ela é oferecida a todos. Mesmo tendo Cristo sofrido pelos pecados do mundo, e ter sido oferecido pela bondade de Deus, sem distinção, a todos 'os homens, nem todos o recebem, (ibid., sobre Rm 5.18) Carregar os pecados significa libertar pela satisfação aqueles que pecaram da sua culpa. Ele diz “muitos” referindo-se a “todos,” como em Romanos 5.15. Obviamente, está claro que nem todos desfrutam os frutos da morte de Cristo, mas isto ocorre porque a sua incredulidade é que os impede, (ibid., em Hb 9.28)
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Calvino: Somente os Crentes Usufruem dos Benefícios da Salvação
"Eu sou a luz que vim ao mundo.” A partícula universal parece ter sido deliberadamente inserida nesta frase, parcialmente, porque todos os crentes, sem exceção, podem desfrutar deste n-nefício comum e, parcialmente, para mostrar que os incrédulos perecem nas trevas por fugirem, por vontade própria, da luz. (ibid., sobre Jo 12.46) Calvino: 0 Universalismo é Insustentável (A Salvação não se Aplica a todos)
João] inseriu isto a título de esclarecimento, para que os descrentes pudessem ser convencidos de que a expiação feita por Cristo abrange a todos os que, por fé, abraçarem o Evangelho. Mas aqui poderíamos fazer uma pergunta: como os pecados do mundo inteiro foram expiados? Ignorarei os delírios dos fanáticos, que fazem disto motivo para estender a salvação a todos os réprobos e mesmo ao próprio Satanás. Essa idéia é tão absurda que nem merece algum tipo de refutação da nossa parte. Quem quis evitar este absurdo declarou que Cristo sofreu “deforma suficiente" pelo mundo todo, mas “deforma efetiva" somente pelos eleitos. Esta solução é a que prevalece nas escolas. Embora eu reconheça que há verdade nisso, não vejo que isto se enquadre com esta passagem.69 Calvino: 0 “Sangue" de Cristo Recebido na Comunhão não Epara os Incrédulos Como os ímpios poderiam beber do sangue de Cristo, que não foi derramado para expiar os pecados deles, e tomar parte no seu corpo, sendo que este não foi entregue por eles? (TT, 285).70 Em sum a, para Calvino, a expiação é ilim itada no seu alcance, m as lim itada n a sua aplicação (restringe-se àqueles que crêem ). Segundo ele, Cristo m o rreu por todos, en tretan to som ente os eleitos receberão a salvação. O s M e stre s d o P e río d o P o s te r io r à R e fo rm a Philip Schaff (1819-1893) Isto está em harmonia com o espírito geral e o objetivo desta Epístola [Romanos]. E mais fácil fazer com que ela prove um sistema de Universalismo condicional do que um sistema de Particularismo dualista. O próprio tema, no versículo 1.16, declara que o evangelho é o poder de Deus para a salvação, não de uma classe particular, mas de “todos” os que crêem. Ao fazer um paralelo entre o primeiro e o segundo Adão (5.1221), [Paulo] representa o efeito deste último como igual no seu alcance, porém maior na sua intensidade do que o efeito da Queda do primeiro; apesar de que no sistema calvinista este efeito seria menor. Não temos direito de limitar “os muitos” (hoipolloí) e o “todos” (pantas) de uma única frase, e transpô-lo, de forma literal, para outra. ® C alv in o prossegu iu d izendo: “O o b je tiv o de Jo ã o e ra so m e n te to r n a r esta b ê n çã o c o m u m â Ig r e ja c o m o u m tod o . P o rta n to , e le n ã o in c lu i os rép ro b o s n a p a la v ra todos, m a s se refere a to d os que h a v eria m de c r e r e àq u eles q ue fo ra m esp alhad os p o r tod as as p arte s d a te r r a ” (C C , sob re 1 Jo 2 .2 )
70 C a lv in o p a rece te r e xag erad o ao q u e re r fu n d a m e n ta r o
seu p o n to de vista n e sta c o lo c a ç ã o n o c a lo r da d isp u ta c o n tra a a firm a çã o h e ré tic a fe ita p o r T ile m a n n H eshusius (15271588) de q u e até m e sm o os ím p ios p o d e ria m re c e b er os b en efício s d a c o m u n h ã o “c o rp o r a lm e n te p e la boca, m e sm o sem ap rese n tar fé .” N o c o n te x to , a in te n çã o de C alv in o foi clara, ou seja , dizer que s o m e n te aq u eles q u e c rê e m , n a verdade, d e sfru ta m dos b en efício s da m o r te de C risto .
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Se, pela transgressão de um [Adão], a morte reinou, muito mais aqueles que recebem a abundância da graça e o dom do reinado da justiça na sua vida por intermédio de uma pessoa, a saber, Jesus Cristo. Dessa forma, portanto, como por uma transgressão o juízo veio sobre todos os homens para a condenação; também por um único ato de justiça, o dom gratuito veio a todos os homens para justificação e para a vida. Pois como pela desobediência de um homem, muitos [isto é, tocbs] foram feitos pecadores, também pela obediência de um único homem, muitos [todos] serão feitos justos. (5.17-19) O mesmo paralelo, sem qualquer tipo de restrição, é mais sucintamente expresso na passagem (1 Co 15.22): “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo”; e de maneira diferente em Romanos 11.32 e Gálatas 3.22 [...] Estas passagens contém, de forma resumida, a teodicéia de Paulo. Elas dissipam as trevas de Romanos 9. Elas excluem todas as limitações do plano divino e uma possível intenção de atingir uma classe em particular; elas não ensinam, na verdade, que todos os homens serão salvos — pois muitos rejeitam a oferta divina, e morrem na impenitência — mas que Deus sinceramente deseja e, verdadeiramente, disponibiliza a salvação para todos. Todo aquele que se salva, salva-se pela graça; e todo aquele que se perde, perde-se por culpa da sua própria incredulidade. (HCC, VII.XIV. 114) Earl Radmacher (nascido em 1933) Esta oferta universal é também uma oferta genuína. A cruz de Cristo é suficientemente larga e suficientemente profunda para cobrir todos os pecados de todas as pessoas que vierem até Ele. Este chamado geral à salvação é uma parte da graça comum. Ele pode, ou não, levar à fé salvífica na poderosa obra que Cristo realizou na cruz em prol da salvação eterna do pecador. Apesar da oferta deste magnífico dom de Deus ser genuína e estar à disposição de todos, muitos não a recebem por não crerem em Jesus Cristo. (5, 92) Millard Erickson (nascido em 1932) Concluímos que a hipótese da expiação universal é capaz de explicar uma porção maior do testemunho bíblico com menos distorção do que a hipótese da expiação limitada. (CT, 835). Os defensores da expiação limitada enfrentam uma situação um tanto incômoda ao defender que, apesar da expiação ter sido suficiente para cobrir os pecados dos não-eleitos, Cristo não teria morrido por eles. E como se Deus, ao oferecer um banquete, tivesse preparado muito mais comida do que fora necessário e se recusasse, depois, a considerar a possibilidade de convidar mais pessoas para o jantar. Os defensores da expiação ilimitada, por outro lado, não têm dificuldade com o fato da morte de Cristo- ter sido suficiente para todos, pois, do seu ponto de vista, Cristo morreu por todas as pessoas, (ibid.) A posição que estamos adotando aqui não deve ser entendida como Arminianismo, mas sim como uma forma moderada de Calvinismo. Nesta concepção Deus, logicamente, decide em primeiro lugar proporcionar a salvação, a seguir, escolhe alguns para recebêla. Esta é, essencialmente, a posição sublapsariana de teólogos como Augustos Strong. As pessoas que considerarem esta posição como arminiana precisam ser lembradas que o que distingue o Calvinismo do Arminianismo não é a visão da relação entre o
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decreto para disponibilizar a salvação e o decreto para outorgar a salvação a alguns e não a outros, mas sim, o ponto decisivo é se o decreto da eleição está baseado na decisão livre e soberana do próprio Deus (Calvinismo), ou baseada também em parte na sua presciência de mérito e té da pessoa eleita [Arminianismo], (ibid.) C O N C LU SÃ O As bases bíblica, teológica e h istórica do alcance universal ( ilimitado) da expiação são incontestáveis. C o m u m a notável exceção do “A gostinho p o sterior” — que é com preensível — , não existe ou tra voz significativa em toda a H istória da Igreja até a época da R eform a que defenda a expiação limitada. Na verdade, a Bíblia é enfática ao declarar que Deus am ou o m u nd o decaído por com p leto e que Cristo se entregou pelo m undo inteiro. Os argum entos teológicos que surgem da onibenevolência de D eus são poderosam ente a favor da expiação ilim itada — a visão de que Cristo deu a sua vida pelos pecados de todos os seres hum anos. Q ualquer negação desta verdade lim ita de form a arbitrária o am or de Deus a som en te algum as pessoas e está baseada em um a form a indefensável de Voluntarism o. FO N TES A nselm o. Cur Deus Homo. A gostinho. A Cidade de Deus. --------. Enchiridion. --------. On Forgiveness o f Sins, and Baptism. --------. On Free Will. -------- . On the Proceedings of Pelagius. -------- . On Rebuke and Grace. -------- . On the Spint and the Letter. -------- . On True Religion. --------. Two Souls, Against the Manichaeans. B ercot, David. A Dictionary o f Early Christian Beliefs. Calvino, João. Calvins Commentaries. -------- . Comments on Isaiah. -------- . Eternal Predestination o f God. --------. Institutos da Religião Cristã. -------- . -The Mystery o f Godliness. --------. Theological Treatises. C am pbell, Jo h n McLeod. The Nature o f the Atonement. E llico tt, Charles Jo hn. Ellicott’s Commentary on the Whole Bible. Erickson, M illard. Christian Theology. Forster, R o g e rT ., e V. Paul M arston. God's Strategy in Human History. Geisler, N orm an L. Baker Encyclopedia oj Christian Apologetics. -------- . Chosen But Free. --------. Christian Ethics. Gill, Jo hn. The Cause o f God and Truth. -------- . Expositions on the Old and New Testaments. Ireneu. In B ercot, DECB. Justino M ártir. In B ercot, DECB.
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Lightner, R ob ert. The Death Christ Died. M cG regor, R. K. No Place o f Sovereignty. M urray, Iain. Spurgeon v. Hyper-Calvinism: The Battlefor Gospel Preaching. O rígenes. In B ercot, DECB. Ow en, Jo hn. The Death o f Death in the Death o f Christ. Palmer, Edwin H. The Tive Points o f Calvinism. R adm acher, Earl. Salvation. Schaff, Philip. History o f the Christian Church. Sproul, R. C. Chosen by God. Spurgeon, Charles. “A C riticai Text — C. H. Spurgeon on 1 T im o th y 2.3-4” in Iain M urray, Spurgeon v. Hyper-Calvinism: The Battlefor Gospel Preaching. Steele, David N., e Curtis C. T hom as. Ftve Points o f Calvinism. Tom ás de A quino. Summa Theologica.
C A P Í T U L O
D O Z E
O ALCANCE DA SALVAÇÃO (UNIVERSALISMO)
assarem os agora de u m ponto ao ou tro. O ú ltim o capítulo exam inou a posição que postula um Deus que deseja salvar e, na verdade, salva som ente algumas pessoas (expiação lim itada). Este capítulo analisará a posição que postula um a atitude diferente: a de que Deus deseja salvar e, na verdade, salvará todas as pessoas (o cham ado “U niversalism o” da salvação). O u tra posição afirma, contrariando estes dois pólos, que Deus deseja salvar a todos, mas que, na verdade, acaba salvando som en te algumas
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pessoas — aquelas que crêem . Ao contrário das outras duas posições, a disponibilização da expiação ilimitada está tanto de acordo com a onibenevolência de Deus (que afirma o desejo divino de salvar todos), quanto com a liberdade hum ana daqueles que rejeitam a oferta de salvação proporcionada por Deus (que torna possível a salvação de todos). Ou seja, a expiação é ilimitada no seu alcance (pois Cristo m orreu por todos), mas é limitada na sua aplicação, já que n em todos crerão, e o desejo de Deus é que som ente aqueles que crêem sejam salvos. D E F IN IÇ Ã O D E U N IV E R S A L IS M O O U niversalism o, derivado da palavra apokatastasis (isto é, “restauração,” em At 3.21), é a idéia de que, ao final, todas as pessoas serão salvas. Ele foi inicialm ente proposto por Orígenes (c. 185-c. 254), u m Pai Eclesiástico parcialm ente n ão-orto d oxo . U m dos teólogos mais fam osos da era m od erna a abraçar o U niversalism o foi o pensador neoortod oxo Karl B arth (1886-1968); o notável filósofo Jo h n Hick (nascido em 1922) tam bém é um proponente desta posição (vide sua obra E G L ). M uitos teólogos liberais, u m grande nú m ero de seitas, e várias religiões extravagantes defendem algum tipo de U niversalism o ou de A niquilacionism o.1 A exem plo dos universalistas, os aniquilacionistas acreditam que ninguém sofrerá o castigo eterno, já que todos os que não crerem serão aniquilados.2 Até m esm o alguns notáveis m estres com o, por exem plo, Clark Pinnock (nascido em 1920), Jo h n W enham (nascido em 1913), e Jo h n S to tt (nascido em 1925) abraçaram certas form as de A niquilacionism o. O U niversalism o, en tretan to , é h erético , tendo sido condenado no Q uinto Concilio E cu m ên ico de C onstantin opla n o ano de 553 d.C.3 1 U m p rim o p ró x im o d o U n iv ersa lism o — vide v o lu m e 4, c a p ítu lo 13. extin ta ,
2 Isto é, te rã o a sua e x istê n c ia d e fin itiv a m en te
j Os e n sin o s de O ríg en e s fo ra m o o b je to d esta c o n d e n a ç ã o . A lg u n s a c re d ita m q u e o “d é c im o p rim e iro a n á te m a ,”
q u e co n d e n o u O ríg en es, fo i u m a in serç ã o p o s te rio r (vide F. L. C ross e E. A . Livin g sto n e, eds., The Oxford Dictionary o f the Christian Church, 2., ed., 340).
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OS ARGUMENTOS BÍBLICOS APRESENTADOS A FAVOR DO UNIVERSALISMO Para sustentar a sua posição, os universalistas geralm ente apelam para u m sen tim ento generalizado a respeito do am or de Deus. Apesar de fazerem uso de diversas passagens das Sagradas Escrituras, co m o verem os, os versículos apresentados em defesa do U niversalism o são rem ovidos do seu con texto. E xam inarem os cada u m deles a seguir.
A Alegação de que o Salmo 110.1 Ensina o Universalismo Davi disse:4 “Disse o SEN H O R ao m eu S en h or: A ssenta-te à m in h a m ão direita, até que p onha os teus inim igos por escabelo dos teus pés.” A inferência feita por alguns universalistas é que se todos os inim igos de C risto estarão, eventualm ente, sujeitos a Ele, eles estariam , então, salvos: já que a salvação representa a sujeição ao senhorio de Cristo.
Resposta Apesar desta alegação feita por parte dos universalistas, esta passagem não apóia a posição deles. Primeiro, os perdidos são cham ados “inim igos,” o que não corresponde a u m a descrição adequada para os salvos, que são cham ados de “am igos” (Jo 15.15) e “filhos” de Deus (Jo
1.12). Segundo, além de serem “inim igos,” a passagem fala que eles foram subjugados e não salvos. Eles são cham ados de “escabelo” (ou “estrad o”) — o que, dificilm ente, seria um a descrição adequada para os santos, que são co-herdeiros do reino com Cristo e que nele são detentores de todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais (E f 1.3; R m 8.17). Terceiro, no con texto, Davi não está falando da salvação dos perdidos, m as da “ira” de D eus que será derram ada sobre os seus “inim igos” (SI 110.1, 5). P ortanto, não se trata das bênçãos do S en h o r destinadas ao seu povo.
A Alegação de que Atos 3.21 Ensina o Universalismo Pedro fala de Jesus, “o qual convém que o céu co n ten h a até aos tem pos da restauração de tudo, dos quais D eus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio.” Esta referência à “restauração de todas as coisas” é considerada pelos universalistas co m o u m a alusão a todas as pessoas que serão, ao final, salvas. Os m ó rm on s dizem (por interm édio de Joseph S m ith ) que esta passagem indica a restauração da igreja, depois de u m a apostasia com pleta.
Resposta O con tex to não apóia este tipo de conclusão. Por u m lado, este versículo não sustenta o U niversalism o. Apesar do m esm o au to r (Pedro) afirm ar que o desejo de Deus é que todos se salvem (2 Pe 3.9), tal qual faz o apóstolo Paulo (cf. 1 T m 2.4), algum as pessoas sim plesm ente não desejarão aceitar a graça de D eus (cf. M t 23.37). C o m o já estudam os, co m o Deus é am or (1 Jo 4.16) e os seres h u m anos são livres, p o rtan to , D eus não pode os forçar a am á-lo livrem ente. D eus perm itirá que os não-arrependidos sigam o destino 4 E Cristo repetiu — vide M ateus 22.44.
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que escolh erem . C om o escreveu C. S. Lewis (1898-1963), aqueles que não dizem a Deus “S eja feita a tua vontad e,” ouvirão, u m dia, de Deus “Então, seja feita a tua vontad e.” Aí está a natu reza do inferno, u m lugar onde a vontade daqueles que rejeitaram é cum prida em oposição à vontade de D eus.5 Em lugar algum , a Bíblia afirm a que há esperança para aqueles que se recusaram a aceitar o am or de D eus.6 A lém disso, Atos 3 n em de longe sugere que haverá u m a apostasia total da igreja inteira, e outras passagens das Sagradas Escrituras, refu tam to ta lm en te esta idéia. Jesus disse que as portas do inferno não prevaleceriam co n tra a igreja (M t 16.18). Ele tam bém pro m eteu aos seus seguidores: “Eis que eu estou convosco todos os dias, até à consum ação dos sécu los” (M t 28.20). Jesus não poderia estar co m os seus seguidores até o final dos tem pos se a igreja toda apostatasse em algum m o m en to depois da sua fundação. Em Efésios 3.21, Paulo diz: “A esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre”. C om o Deus poderia ser glorificado na igreja ao longo de todas as eras se o Corpo de C risto co m o u m todo abandonasse e/ou negasse o seu nom e? Efésios 4.11-16 fala de com o a igreja cresce ru m o à m aturidade espiritual, não ru m o à degeneração espiritual. Mas, afinal de contas, o que significa a “restauração de todas as coisas”? Ao falar desta “restauração de tudo, [da qual] Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio” (A t 3.21) Pedro disse que estava se referindo do “con certo que Deus fez com nossos pais, dizendo a Abraão: Na tua descendência serão benditas todas as fam ílias da te rra ” (v. 25). Esta aliança abraâm ica é incondicional, incluindo as promessas de posse etern a da “Terra Prom etida” (G n 13.15). N aquela passagem, Pedro se refere à restauração de todas as coisas para Israel, e não à salvação de todas as pessoas.7 Esta é a restauração que Jesus e os seus discípulos aguardam. As últim as coisas que os discípulos pergun taram a Cristo antes dele subir ao céu foi: “S enhor, restaurarás tu neste tem po o reino a Israel?”, e a resposta dele pode ser resum ida com o sendo: "Ainda não, mas, enquanto isso, vão e preguem o evangelho até os confins da te rra ” (vide At 1.6,7). Já observam os que, especificam ente aqui, nada é dito sobre a salvação final dos seres hum anos. A firm ar o contrário seria negar com p letam en te o con texto. Jesus tam bém falou desta restauração quando se dirigiu aos doze: Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do Homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel. (Mt 19.28) Isto será cum prido literalm ente no seu reino fu tu ro neste m u n d o .8 A A le g a ç ã o de q u e R o m a n o s 5.18,19 E n s in a m o U n iv e rs a lis m o Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serãofeitos justos. A partir destes versículos m uitos universalistas inferem que a m o rte de Cristo por todos é a garantia da salvação de todos. : \ i d e v o lu m e 4, c a p ítu lo 15. R o m a n o s 11.26.
6 Vide ta m b é m os c o m e n tá rio s sobre Efésios 1.10.
s V ide v o lu m e 4, c a p ítu lo s 4 e 16.
' V ide ta m b é m os c o m e n tá rio s sobre
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Resposta Esta conclusão, en tretan to , é contrária ao con tex to geral de R om an os, bem com o quando consideram os o restante da Palavra de Deus. Prim eiro, até m esm o neste con texto, Paulo fala de serm os “justificados pela fé” (v. 1), e não au tom aticam en te através daquilo que Cristo fez por nós. Ele tam b ém se refere à salvação co m o u m “d o m ” (v. 16), que precisa ser recebido.9 E no versículo anterior ele declara que a salvação vem som ente àqueles “que recebem [...] o d om da ju stiça” (v. 17); n em todos recebem este dom (cf. M t 23.37; 25.40,41). Segundo, o restante da epístola deixa claro de fo rm a inequívoca que n em todos serão salvos. R om an os 1 —2 fala dos pagãos co m o sendo “indesculpáveis” (1.20), co m o sendo objetos da ira de Deus (1.18). Paulo declara que “todos os que sem lei pecaram sem lei tam bém p erecerão” (2.12). Terceiro, quando Paulo fala que m u itos [todos] serão “feitos ju sto s”, ele não está ensinando que eles seriam , de fato, salvos, mas sim , que estariam passíveis de salvação por interm édio da rem oção ju ríd ica da culpa herdada de A dão.10 O u seja, o que foi feito pelo prim eiro Adão ao trazer a condenação legal a toda hum anidade, foi desfeito por aquilo que Cristo, que é o “ú ltim o Adão,” realizou — a possibilidade da salvação (ou a “justificação potencial”) de tod os.11 A salvação real não vem au tom aticam en te, mas por m eio de u m ato de “fé ” (cf. 5.1). Quarto, na idéia cen tral do seu argu m ento, Paulo chega à conclusão de que, separado da justificação pela fé, o m u nd o é “culpado diante de D eu s” (3.19). Mais adiante, ao falar do destino dos salvos e dos perdidos, Paulo afirm a que “o salário do pecado é a m o rte, mas o dom gratu ito de D eus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso S e n h o r” (6.23). De igual form a, o apóstolo recon h ecia que apesar das suas orações, n em todos os seus pares seriam salvos ( l l.l s s ) , mas alguns seriam “separados” do convívio do S en h o r (9.3). Na verdade, o grande tem a de R om an os é m ostrar que som ente aqueles que crerem serão justificados (1.17; cf. 3.21-26). Quinto, R om an os 9 declara que som en te os eleitos (e não todos os seres hu m anos) serão salvos (cf. v. 14ss). Os demais, D eus “suportou co m m u ita paciência”, aguardando u m a atitude de arrepend im ento (v. 22; cf. 2 Pe 3.9) para que não se tornassem “vasos da ira, preparados para a d estruição.” Sexto, e por fim, existem várias passagens das Sagradas Escrituras que falam do destino etern o dos perdidos,12 inclusive a visão clara que João teve no en cerram en to do livro do Apocalipse: E vi um grande trono branco e o que estava assentado sobre ele, de cuja presença fugiu a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante do trono, e abriram-se os livros. E abriu-se outro livro, que é o da vida. E os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. E deu o mar os mortos que nele havia; e a morte e o inferno deram os mortos que neles havia; e foram julgados cada um segundo as suas obras. E a morte e o inferno foram
9 V id e c a p ítu lo 15.
10 V ide c a p ítu lo 9.
11 É possível q u e esta se ja a ca u sa das cria n ça s q u e m o r r e m an tes da idade da
resp onsabilid ad e s e re m passíveis de salvação, já q u e C risto m o r re u p ela c u lp a ju ríd ic a q u e lh e é im p u ta d a p e lo p eca d o de A dão, e elas aind a n ã o atualizaram (isto é, n ã o praticaram) a sua p ró p ria reb eliã o c o n tra D e u s (vide c a p ítu lo 15). v o lu m e 4, c a p ítu lo 11.
12 Vide
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lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte. E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo. Em sum a. R om an os 5 não apresenta evidências favoráveis ao U niversalism o, e este tam bém é contrário ao ensinam ento claro do co n ju n to das Sagradas Escrituras. A lém disso, com o a Bíblia não se contrad iz,13 os versículos que possibilitam m ais de u m a interpretação precisam ser com preendidos à luz daqueles que são claram ente inequívocos no seu significado único.
A Alegação de que 1 Coríntios 15.24,25 Ensinam o Universalismo Depois, virá o fim, quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império e toda potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Os universalistas alegam que isto apóia a sua tese de que, eventualm ente, ao final, todos serão salvos. A cerca desta passagem, vejam os o que disse Orígenes: Se nem mesmo esta declaração irrestrita do apóstolo não nos informar de maneira suficiente o que ele quis dizer com “os inimigos que seriam postos debaixo dos pés de Cristo”, ouçamos o que ele diz nas palavras seguintes: “Pois todas as coisas precisam ser postas debaixo dele.” Portanto, o que significa esta “sujeição que todas as coisas precisam ter a Cristo?” [...] Sou da opinião que se trata da mesma sujeição com a qual todos nós estamos sujeitos a Ele, e pela qual os apóstolos também estiveram sujeitos, bem como todos os santos que foram discípulos de Cristo. (OFP, 1.6.1)
Resposta Está claro, a partir desta passagem, que isto n em passava pela m en te de Paulo. Primeiro, Paulo não está falando da salvação dos perdidos, mas sim da sua condenação. Isto se to rn a evidente nas palavras e expressões co m o destruir , colocar debaixo dos seus p é s , aniquilar o império e inimigos. C om o vim os, em flagrante contraste com isto, os salvos são cham ados de “am igos” de Deus (cf. Jo 15.15). Segundo, com o já foi visto, estes inim igos estão subjugados a Deus, não salvos por Ele. Eles são cham ados de “escabelo” (ou “estrad o”), o que não é u m a descrição m uito adequada para os santos que haverão de reinar com C risto (cf, 2 T m 2.12) — alguns fazendo uso do seu próprio tro n o (cf. M t 19.28; Lc 19.17-19). Terceiro, é a “m o rte ” que será “destruída,” e não a liberdade de escolh a daqueles que se recusarem a crer em Deus (cf. M t 23.37; 2 Pe 3.9). A única form a de garantirm os a salvação final de todos seria se, por acaso, Deus forçasse os im penitentes e réprobos, m esm o contra a vontade deles, a se subm eterem a Ele. Porém , isto não o co rre rá .14 Quarto, o fato de Deus ser “tudo em tod os” (1 Co 15.28) não significa que todos estarão em Deus. Paulo está dizendo que o S en h o r reinará suprem o em todo o universo, seja
para a salvação (daqueles que o aceitarem ), seja para a subjugação (daqueles que o repudiarem ).
13V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 27.
14 D e fa to , Ele não pode fazer isto , já q u e isto seria u m a v io la çã o da sua p ró p ria n a tu re z a . Vide
v o lu m e 2, c a p ítu lo s 7 ,1 5 e 23, b e m c o m o os ca p ítu lo s 3 e 11 d este v o lu m e .
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H
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Quinto, a expressão “todas as coisas” precisa ser com preendida den tro do seu contexto. Ela não significa que todas as coisas serão salvas, mas está apenas afirm ando que “todas as coisas lhe serão sujeitadas” (cf. v .28). Mas, com o tam bém já foi observado, elas lhe serão sujeitadas na condição de “inim igas” (cf. v. 25). Na verdade, a expressão “todas as coisas” é utilizada em paralelism o co m “inim igos” (e m versículos sucessivos, 26 e 27). SextO) nesta m esm a passagem, Paulo declara que somente aqueles que “cre ram ” fo ram “salvos” (15.2). Na verdade, ele diz em 1 C oríntios: “Não saheis que os injustos não hão de herdar o Reino de Deus?” (6.9). Sétimo, e ú ltim o, o céu não é lugar para os inim igos de Deus. Principalm ente das pessoas que o Sen h or supostam ente teria subjugado e forçado a am á-lo con tra sua própria vontade. Isto, precisam ente, é o que o am or de Deus não pode fazer, conform e o próprio Jesus (cf. M t 23.37). Por conseguinte, 1 C oríntios 15, não deixa espaço para conclu irm os que a salvação será destinada aos incrédulos.
A Alegação que 2 Coríntios 5.19 Ensina o Universalismo Paulo disse aos Coríntios “D eus estava em Cristo reconciliando consigo o m undo, não lhes im putand o os seus pecados, e pôs em nós a palavra da reconciliação” (cf. R m 11.15). C o m base nisso, os universalistas argu m entam que “o m u n d o ” foi reconciliado co m Deus por interm édio da obra salvífica de Cristo. Desse m odo, todos são salvos com base no seu sacrifício.
Resposta E m resposta, sim plesm ente precisam os reco rrer ao con tex to a fim de con firm ar que o U niversalism o é infundado. Primeiro, Paulo indica que a reconciliação real o co rre co m aqueles que estão “em C risto”, e não com todos os seres hu m anos (v. 17). Segundo, a reconciliação é considerada u m processo, de acordo com o propósito de D eus, e não u m fato consum ado para o m u nd o inteiro. E desejo de D eus salvar a todos (cf. 2 Pe 3.9), p o rém n em todos serão salvos (cf. M t 7.13,14; Ap 20.11-15). O sentido no qual o m undo todo é reconciliado co m D eus é potencial, não real e consum ad o. Ou seja, a m o rte de C risto em favor de todos os seres hu m anos fez de todos passíveis de reconciliação diante de Deus; do contrário, Paulo não os estaria cham ando para que se “reconciliarem co m D eus” (cf. v. 20). Terceiro, se todos já estivessem salvos por interm édio daquilo que C risto fez, que valor teria a exortação de Paulo para que os crentes fossem “em baixadores de C risto”, ou sua insistência para que o m u nd o “se reconcilie com D eus”? Não faz sentido im plorar para que as pessoas sejam reconciliadas co m Deus se, de fato, elas já estiverem em um relacionam ento co rreto com Ele. Quarto, e ú ltim o, interpretar esta passagem a favor do U niversalism o é o m esm o que dizer que as Sagradas Escrituras se contradizem , já que várias outras passagens ensinam , de fo rm a inequívoca, que n em to d o í serão salvos.15-
A Alegação de que Efésios 1.10 Ensina o Universalismo O u tro versículo descaracterizado pelos universalistas é a afirm ação paulina, aos cristãos de Efeso, de que Deus to rn aria a “congregar em C risto todas as coisas, na 13Vide tam bém “Argum entos Teológicos a Favor do Universalism o,” adiante.
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dispensação da plenitu de dos tem pos, tanto as que estão nos céus co m o as que estão na terra.”
Resposta U m exam e mais atido deste texto revela que Paulo está se referindo aos crentes, e não aos descrentes. Primeiro, o con texto trata daqueles que “elegeu n ele antes da fundação do m u n d o ” (1.4). Segundo, a expressão em Cristo jam ais é utilizada por Paulo, ou em qualquer ou tra parte da Bíblia, para se referir a ou tro grupo que não seja o dos crentes. Terceiro, o fato de os descrentes estarem excluídos, fica n otório ao verm os que Paulo não se refere àqueles “debaixo da te rra ”, co m o ele faz em outras partes da Bíblia, principalm ente quando quer falar dos perdidos (por exem plo, cf. Fp 2.10). Quarto, e ú ltim o, co m o já vim os an teriorm ente, existem fartas evidências em outras partes dos escritos paulinos (cf. 2 T s 1.7-9), bem co m o n o restante das Sagradas Escrituras, m o strand o que alguns ru m arão para o seu destino etern o sem C risto.16
A Alegação de que Filipenses 2.10,11 Ensinam o Universalismo Paulo antevê que no fu turo: [...] ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. Os universalistas insistem que os descrentes estão claram ente incluídos na expressão “debaixo da terra.” E, se assim for, todas as pessoas, até m esm o os ímpios, serão, ao final, salvas.
Resposta Apesar de adm itirm os que todos os descrentes, eventualm ente, haverão de confessar que Jesus é o Sen h or, não existe, todavia, evidências nesta passagem, ou em n e n h u m a outra, para afirm arm os que eles serão salvos. Prim eiram ente, eles confessarão o fato de que Ele é o Sen h or. Não existe aqui um a referência à fé deles em Cristo, que é necessária para a salvação.17 A lém disso, até m esm o os dem ônios acreditam em quem Deus e, sem dem on strar um a f é efetiva e transformadora nele (cf. T g 2.19). De m odo sem elhante, o simples fato de alguém crer que Jesus é S en h o r não o salvará; m as som ente uma f é transformadora em C risto (T g 2.21-26) trará a salvação aos h o m en s.18 Ainda co m relação àqueles que estão “debaixo da te rra ”, m encionados nesta passagem (isto é, os perdidos), o reco n h ecim en to de Jesus será u m a confissão verbal. P orém , para a salvação, Paulo deixa claro que precisam os tanto “confessar com a boca,” quanto “crer com o coração” (R m 10.9). C o m o ficou claro em ou tro m o m en to , os descrentes serão subjugados; o que indica um ato contrário à sua vontade; ao passo que a salvação é um ato livre.
16Vide volum e 4, capítulo 11.
17Vide capítulo 15.
18 Ibid.
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A Alegação de que 1 Pedro 3.18-20 Ensinam o Universalismo Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais em outro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água,
Resposta Considerado o texto dentro de seu verdadeiro con texto, não existe aqui fun d am ento para o U niversalism o. Primeiro, não existe aqui sugestão de que Jesus te n h a oferecido esperança de salvação a estes “espíritos em prisão.” O texto não diz que Cristo os evangelizou,19mas sim plesm ente que proclamou a eles a vitória da sua ressurreição. Esta posição se encaixa n o con tex to (já que o verso anterior fala da m o rte vitoriosa e da ressurreição de C risto) e está de acordo com o ensino de outras passagens do Novo Testam ento (cf. E f 4.8; Cl 2.15). Segundo, Pedro não está falando de todas as pessoas, mas de u m grupo lim itado “os quais em ou tro tem po fo ram rebeldes, quando a longanim idade de D eus esperava nos dias de Noé, enqu anto se preparava a arca” (v. 20). Terceiro, a Bíblia é clara que não existe u m a segunda chance depois da m o rte (cf. Hb 9.27). O livro de Apocalipse fala do ju ízo do Grande T rono B ranco, no qual aqueles que não foram encontrados no Livro da Vida receberão o devido castigo, sendo enviados para o lago de fogo (20.11-15). Lucas tam b ém registra o ensino de C risto a esse respeito. Ele afirm a que depois que u m a pessoa m o rre, ela vai direto para o céu ou para o inferno (16.19-31), e que existe u m grande abismo en tre am bos “de sorte que os que quiserem passar de u m lado para o ou tro ficam im pedidos” (cf. v. 26). A urgência que devem os ter em responder a D eus ainda nesta vida, antes da m o rte , tam b ém serve de fu nd am en to para o fato de não haver mais esperança no a lém -tú m u lo (cf. Pv 29.1; Jo 3.36; 5.24). Quarto, e por ú ltim o, não existem evidências conclusivas de que a expressão “espíritos em prisão”, na verdade, trate-se de um a referência a seres hu m anos. Em n en h u m a ou tra parte esta expressão é utilizada para designar os seres hu m anos no inferno. M uitos estudiosos acreditam que os “espíritos” que invadiram a hum anidade nos “dias de N oé” eram os m esm o “Filhos de D eu s” (expressão utilizada para os anjos em Jó 1.6; 2.1; 38.7). Ind epend entem ente do que sejam estes “espíritos”, hu m anos ou angelicais, não existe fund am ento para a idéia de que Pedro esteja se referindo a toda a hum anidade, n em que todos os seres hu m anos serão salvos.
A Alegação de que 1 Pedro 4.6 Ensina o Universalismo “Por isto, foi pregado o evangelho tam bém aos m o rtos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os hom ens, na carne, mas vivessem segundo Deus, em espírito.” Os universalistas argu m entam que esta passagem está (1) se referindo claram ente à pregação do evangelho e (2) à pregação dele aos m o rtos. Se fo r assim, ela im plica a chance das pessoas se salvarem depois da m o rte , o que é visto pelos universalistas com o u m a necessidade para que se consiga a salvação de todos os seres hum anos.
19T e r m o o riu n d o do grego eua^elizo, “evan gelizar, p reg a r o e v a n g e lh o p a ra .”
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Resposta Todavia, m esm o adm itindo-se que estas duas proposições estivessem corretas, por diversas razões não poderíam os conclu ir que todos serão salvos. Primeiro, Pedro não diz que o evangelho lhes tenha sido pregado depois da morte. Esta é um a suposição sem base no con texto, tam p ouco em outras passagens bíblicas. Na verdade, u m a tradução mais apropriada para esta passagem seria:20 “Por isso m esm o o evangelho foi pregado tam bém a m o rtos, para que eles, m esm o julgados no corpo segundo os hom ens, vivam pelo Espírito segundo D eus.” A favor deste ponto de vista tem os o fato do uso verbal no passado “o evangelho foi pregado” (no passado) àqueles que “estão m o rto s” (agora, no tem po presente). Segundo, em parte algumaPedro diz que estasupostapregação do evangelho tenha resultado na salvação de todos os que a ouviram. Esta é mais um a suposição infundada, sem qualquer confirm ação bíblica. Na verdade, existem várias passagens m ostrando o contrário.21 Terceiro, esta passagem, na verdade, ensina que n em todos serão salvos. A declaração anterior (v. 5) fala do ju lg am en to e da prestação de contas que os m o rto s terão que fazer diante de Deus, e não de u m a salvação unilateral para eles. Quarto, e ú ltim o, aexpressão “vivificado pelo Espírito”, ou “vivam pelo Espírito segundo D eu s”, necessariam ente não d en ota a salvação. Quando expressões neotestam entárias co m o estas são utilizadas, em prega-se com referência à ressurreição. Tão som ente inform am que, tal qual se deu co m Cristo e por causa da sua ressurreição, todos serão ressurretos — e não que todos serão salvos (cf. 1 C o 15.20-22). A bem da verdade, o próprio Jesus declarou: Não vos maravilheis disso, porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal, para a ressurreição da condenação. (Jo 5.28,29) Em resum o, todos os textos apresentados em defesa do U niversalism o se m o stram insuficientes. Q uando cada u m a das passagens é cuidadosa e con textu alm en te exam inada, percebe-se que não existe fu nd am entação para se conclu ir que a salvação universal e final da hum anidade acontecerá. Na verdade, quando outras passagens da Bíblia são apresentadas, n otam os u m apoio co m p leto do ponto de vista que defenda que n em todas as pessoas serão, ao final, salvas. Por mais trágico que isto possa ser, a Bíblia claram ente ensina que algum as pessoas estarão perdidas para sem pre.22
ARGUMENTOS TEOLÓGICOS A FAVOR DO UNIVERSALISMO Os argum entos teológicos usados para se postular o U niversalism o são igualm ente defectivos, pois tam b ém se apresentam im precisos e insuficientes. Cada argu m ento está baseado em u m a concepção errada da natu reza de Deus e/ou da natu reza dos seres hum anos.
O Argum ento da Onibenevolência de Deus O U niversalism o está, n orm alm en te, baseado n a noção de que u m Deus de am or jam ais perm itiria que qualquer um a das suas criaturas perecesse. O am or n u nca falha C o n fo rm e p o s tu la a tra d u ça o New International Version [N ova V ersão In te rn a c io n a l] e m lín g u a inglesa. 21V id e “A rg u m en to s T e o ló g ic o s a F av o r do U n iv ersa lism o ” e “A valiação d o U n iv ersa lism o ,” adiante.
22 V id e v o lu m e 4, c a p ítu lo 10.
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e jam ais desiste. O “Cão do C éu ” jam ais deixa de correr atrás de nós, e n ão sossega enqu anto não nos captu ra co m o seu am or. U m D eus onibenevolente não som ente am a a todos, m as am a a todos o tem po inteiro, tan to nesta vida, co m o n a vida por vir. Não im p orta o tem po que leve para o seu am or alcançar a cada u m a das suas criaturas rebeldes, u m D eus Todo-am oroso, ao final, não falhará em fazer isto. Este é o argu m ento do universalista.
Resposta Todavia, co m o d em onstrou C. S. Lewis,23 acontece que exatam en te o oposto é o caso. Apesar de Deus, de fato, am ar o m u nd o (Jo 3.16) e desejar que ninguém pereça (cf. 2 Pe 3.9), a sua própria natu reza como amor exige que Ele não force o seu am or sobre n in g u ém (cf. M t 23.37). Quando dizemos: “Todos se salvarão,” a minha razão retruca: “Por vontade própria ou não?” Se eu disser: “Independente da sua vontade própria,” percebo que me encontro diante de uma contradição, pois, como o ato supremo de auto-entrega de um ser humano poderia ser involuntário? Se eu disser: “Por vontade própria,” a minha razão responde: “E se eles não se entregarem?” (Lewis, PP, 106-07). N ovam ente, observa Lewis: Há somente dois tipos de pessoas, ao final: Aqueles que dizem a Deus: “Seja feita a tua vontade,” e aquelas a quem Deus dirá: “Então, seja feita a tua vontade” (GD, 69). A lém disso, co m o D eus é onisciente e co n h ece todos os nossos atos livres fu tu ros,24 Ele sabe que algum as pessoas jam ais se arrependerão livrem ente. Por saber que elas são irredim íveis e réprobas, Ele sabe que o seu am or jam ais será suficiente para ganhá-las, independente de quanto tem p o Ele as busque. Logo, o seu Espírito “não contend erá [...] para sem pre co m o h o m e m ” (G n 6.3). Existe u m p onto de onde não há m ais volta, e D eus sabe disso. Por isso, “aos h om ens está ordenado m o rrerem u m a vez, vindo, depois disso, o ju íz o ” (Hb 9.27). Ademais, a Bíblia deixa m u ito claro que haverá u m inferno e tern o 25 e que nele serão lançadas as pessoas ímpias (M t 25.41; 2Ts 1.7-9; Ap 20.11-15). N a verdade, Jesus tin h a m ais a falar sobre o inferno do que falou sobre o céu. Ele alertou as pessoas: “N ão temais os que m atam o corpo e não podem m atar a alm a; tem ei, antes, aquele que pode fazer perecer no in fern o a alm a e o co rp o ” (M t 10.28). Ele ainda acrescentou, acerca daqueles que o rejeitassem : “Assim com o o jo io é colhido e queim ado n o fogo, assim será na consu m ação deste m u n d o ” (M t 13.40). No seu grande serm ão, no M onte das Oliveiras, o nosso Sen h or declarou: “Então, dirá tam bém aos que estiverem à sua esquerda: Apartaivos de m im , m alditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus a n jo s” (M t 25.41). Em o u tra ocasião Ele tam bém afirm ou: “E, se a tua m ão te escandalizar, corta-a; m e lh o r é para ti entrares n a vida aleijado do que, tendo duas m ãos, ires para o inferno, para o fogo que n u n ca se apaga” (M c 9.43). Em u m a história vivida e auto-explicativa que, ao contrário das parábolas, faz uso do n o m e de u m a pessoa real (Lázaro), Jesus disse: 23Vide C. S. Lewis, The Great Divorce.
24Vide volum e 2, capítulo 8.
25Vide volum e 4, capítulo 10.
O ALCANCE DA SALVAÇÃO (UNIVERSALISMO)
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E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio. E, clamando, disse: Abraão, meu pai, tem misericórdia de mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente males; e, agora, este é consolado, e tu, atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá, passar para cá. E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos. (Lc 16.23-29)
O Argumento da Onipotência de Deus A lgum as pessoas, em defesa do U niversalism o, tam bém argu m entam a partir da onipotência divina. O rígenes declarou: “Nada é im possível ao onipoten te, e coisa algum a é impossível de ser restaurada ao seu C riad or” (OFP, 3.6.5). Isto, obviam ente, im plica que Deus deseja, pela sua bondade, fazer m esm o isso, posição esta que é apoiada por várias passagens da Bíblia (p o r exem plo, 1 T m 2.4; 2 Pe 3.9). E, se D eus deseja salvar a todos, e se Ele pode salvar a todos (isto é, já que Ele é onip oten te), parece lógico que Ele, realm ente, haverá de salvar a todos.
Resposta Duas coisas precisam ser ditas, em resposta a esta objeção. Primeiro, os atributos26 de Deus não operam em contradição m útua. C om o já observam os repetidas vezes, D eus é in tern am en te consistente com a sua natu reza. É por isso que a Bíblia insiste que “é im possível que D eus m in ta ” (Hb 6.18). Esta tam bém é a razão pela qual o seu poder precisa ser exercido de acordo co m o seu am or; ou seja, Deus não pode fazer aquilo que não seja am oroso. Segundo, co m o já d em onstram os acim a, forçar as pessoas a am á-lo seria contrad itório e n ão-am oroso da parte de Deus. Pela sua própria natu reza o am or som en te pode operar de form a persuasiva, jam ais por m eio de coação. Se algum as pessoas recusarem à persuasão divina (co m o a Bíblia afirm a que algum as farão), Deus não as coagirá a e n trarem para o seu Reino. Na obra Paradise Lost [Paraíso Perdido] de Jo h n M ilton (16081674), Satanás declara: “E m u ito m e lh o r reinar no inferno do que ser u m servo n o céu .” Apenas acrescentando algum as palavras finais, Deus, responder-lhe-ia: “Q ue assim seja, e n tão.”
O Argum ento da Visão de uma Justiça Reformatória O rígenes tam bém argu m entou que a ju stiça de Deus visa à reform a; e não castigo. Ele alegava que “a fúria da vingança divina é ú til para a purgação das alm as [...] o castigo, tam bém , o qual se diz ser aplicado pelo fogo, é com preendido co m o tendo por objetivo a c u r a ” (OFP, 2.10.6).
26V ide v o lu m e 2, p a r te 1.
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Ele também acrescentou: As pessoas que foram removidas do seu estado primevo de bênção, não o foram de forma irremediável, mas foram colocadas sob o domínio daquelas santas e benditas ordens às quais já descrevemos; e contanto que se coloquem abertas à ajuda daquelas, e se deixem remoldar por princípios salutares e pela disciplina; elas poderão se recuperar e ser restauradas à sua condição de felicidade, (ibid., 1.6.2)
Resposta Há vários problemas em se fazer uso do óbvio desejo divino de que as pessoas “reformem” as suas vidas em defesa da idéia de que todos serão salvos, ao final. Primeiro, contrariando tanto as Sagradas Escrituras, quanto os fatos, a visão de justiça reformatória considera que todas as pessoas escolhem ser reformadas de livre e espontânea vontade (cf. Mt 23.37; Ap 20.10-15). Segundo, novamente contrariando tanto as Sagradas Escrituras, quanto os fatos, a visão de justiça reformatória prega que não existe decisão final. Mas isto é incorreto. Como já analisamos, o suicídio, por exemplo, é tanto unilateral, quanto definitivo. Conforme citamos acima, a Bíblia declara, acerca do porvir, que “aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juízo” (Hb 9.27). Terceiro, a visão de justiça reformatória é contrária à realidade da justiça, que é penal e não reformatória. A justiça absoluta de Deus exige que o pecado seja punido (vide Lv 17.11; Ez 18.20). Quarto, a visão de justiça reformatória é contrária à morte substitutiva de Cristo.27 “Cristo morreu por nossos pecados” (1 Co 15.3). “Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus” (1 Pe 3.18). “Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21). Alegar que Deus somente está interessado em reformar os pecadores e não em punir os pecadores não-arrependidos, é contrário ao próprio conceito da expiação vicária exercida por Cristo. Se o pecado não necessitar de punição, por que Jesus precisou pagar o terrível preço pelos nossos pecados? Quinto, e por fim, Deus está verdadeiramente interessado em reforma: a reforma é o grande tema desta nossa vida. Porém, quando as pessoas se recusam a ser reformadas durante esta vida, o castigo será o grande tema da vida futura. E por isso que Deus é tão paciente conosco, não querendo que nenhum de nós se perca (2 Pe 3.9).
O Argumento da Sabedoria de Deus Orígenes apresentou um argumento em defesa do Universalismo, a partir da sabedoria divina: Deus, pela inefável habilidade da sua sabedoria, a qual transforma e restaura todas as coisas, independentemente da forma com que elas tenham sido criadas, para um fim útil e o proveito comum de todos, reúne estas mesmas criaturas, que tanto diferem entre si na sua conformação mental, para um consenso no labor e no propósito; de tal forma que, apesar delas estarem sob influência de diferentes motivos, completem, mesmo assim, a plenitude e a perfeição do mundo, e a própria diversidade de mentes tende a 27 Vide capítulo S.
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um único fim de perfeição. [Pois] um é o poder que encerra e reúne toda a diversidade do mundo e concentra os diferentes movimentos em uma única obra, a fim de que um empreendimento tão magnífico como este mundo não seja arruinado pela discórdia entre as almas. (Orígenes, OFP, IV.II.I)
Resposta Aqui, mais uma vez, o universalista desconsidera várias verdades importantes. Por um lado, a sabedoria de Deus28 não age em oposição ao seu amor, o qual, por sua vez, não pode forçar ninguém a fazer algo que não seja por livre decisão. Por outro lado, o fato de Deus ser infinitamente sábio faz com que Ele saiba que nem todas as pessoas escolherão livremente servi-lo. E, sendo este o caso, seria contrário à sabedoria divina tentar salvar pessoas que Ele já sabia que jamais o aceitariam, bem como à sua oferta graciosa da salvação. Além disso, neste ponto, tocamos numa contradição interna na posição universalista. Muitos dos seus proponentes, como Orígenes, fazem uso do seguinte argumento: Deus, o Pai de todas as coisas, a fim de assegurar a salvação de todas as suas criaturas por intermédio do plano inefável da sua palavra e da sua sabedoria, ordenou cada uma destas coisas de tal forma que cada espírito, seja ele uma alma ou um ser racional, embora chamado, não seja compelido por força, contra a liberdade da sua própria vontade, a seguir um rumo diferente do que aquele que os motivos da sua própria mente o mandam seguir (a fim de que não pareça que o poder do seu livre-arbítrio tenha sido suprimido, o que certamente produziria uma mudança na natureza do próprio ser). (OFP, 2.1.2, grifo acrescentado)
Mas isto é exatamente o que Deus não pode fazer, ou seja, (1) “assegurar a salvação de todas as suas criaturas” e (2) “compelir por força.” No momento em que alguém se recusar livremente a aceitar o seu amor, um Deus de amor não poderá assegurar que esta pessoa será salva. Neste caso, como C. S. Lewis disse com propriedade, é preciso haver um “grande divórcio.” AVALIAÇÃO DO UNIVERSALISMO Além da falta de fundamentação bíblica e teológica, existem, ainda, muitos argumentos bíblicos e racionais contrários ao Universalismo. O Universalismo É Contrário à Imagem de Deus Deus fez a humanidade à sua imagem e semelhança,29 o que inclui a liberdade de decisão. Para garantir que todos sejam salvos, aqueles que se recusarem a amar a Deus teriam que ser forçados a amá-lo contra a sua própria vontade e uma “liberdade forçada” não seria, de forma alguma, liberdade real. O Universalismo E Contrário ao Amor de Deus O amor forçado não é contrário à liberdade, pois, de forma alguma, poderia ser chamado de amor, seria, isto sim, ódio. Amor forçado é uma espécie de invasão. 28Vide volum e 2, capítulo 9.
25 Cf. G n 1.27; vide volum e 2, capítulo 19.
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Nenhuma pessoa que seja verdadeiramente amorosa forçaria uma relação com outra pessoa.30
O Universalismo É Contrário à Justiça de Deus Deus é absolutamente santo,31 e, dessa forma, Ele precisa punir o pecado. Portanto, enquanto as pessoas estiverem vivendo em pecado e em rebelião contra Deus, é dever do Senhor, conforme sua natureza santa e justa, puni-las.32
O Universalismo É Contrário ao Ensino Bíblico acerca do Inferno Como já verificamos, Jesus não somente ensinou acerca da realidade de um lugar chamado inferno onde habitará Satanás e os seus anjos, mas que este lugar, tragicamente, seria também a morada dos seres humanos ímpios.33
O Universalismo não Tem Fundamentação Bíblica Como vimos anteriormente, o Universalismo (1) está baseado em versículos que são descaracterizados do seu contexto original; e (2) desconsidera outras passagens claras que ensinam o contrário.
O Universalismo Está Baseado em uma Espécie de Ilusão Freudiana Sigmund Freud (1856-1939) ensinou que qualquer crençabaseada em um mero desejo de que algo seja verdadeiro é uma ilusão (vide FI, capítulo 6). Nenhuma pessoa que ama desejaria que qualquer outra pessoa ardesse no inferno por toda a eternidade; entretanto um forte desejo pelo contrário parece ser um impulso primário no pensamento universalista, o qual estabelece um sistema de crenças não-plausíveis e não-bíblicas.
FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA CONTRÁRIA AO UNIVERSALISMO Como vimos anteriormente, com raras exceções (como Orígenes), é difícil encontrarmos Pais Eclesiásticos de peso ao longo dos séculos de história da Igreja cristã, passando inclusive pelo período da Reforma, que abraçassem este ensino não-ortodoxo. Somente depois do surgimento do Liberalismo Moderno34 é que encontramos negações significativas do sofrimento eterno para os ímpios.
Os Pais da Era Primitiva Ao longo dos séculos, os gigantes da Igreja têm demonstrado apoio praticamente universal à posição bíblica que preconiza o castigo eterno e consciente para alguns seres humanos (a saber, os perdidos). Isto vai de encontro ao Universalismo, o qual insiste que, eventualmente, todas as pessoas serão salvas. Como já vimos, os poucos que defenderam este ponto de vista (como, por exemplo, Orígenes), felizmente, foram condenados pelos teólogos e pelos concílios ortodoxos da Igreja.
30 Vide volum e 2, capítulo 15. capítulo 10.
31 Ibid., capítulo 13.
32 Ibid., capítulo 16.
33 Cf. M t 5, 10, 25; vide tam bém volu m e 4,
34 Que tam bém rejeito u outros ensinos fundam entais da Bíblia.
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Justino Mártir (c. 100-c. 165 d. C.) Pois entre nós o príncipe dos espíritos ímpios é chamado de serpente, de Satanás e de Diabo, como podeis ver ao perscrutar os nossos escritos. Também que ele seria lançado no fogo juntam ente com a sua hoste e com a multidão que o seguiu, para lá serem castigados pela eternidade. Foi o que Cristo predisse. (FA, I.XXVIII in Roberts e Donaldson, ANF) Ireneu (c. 125-c. 202 d. C.) “Além disso” — disse ele — “o livro da vida foi aberto e os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, de acordo com as suas obras; e a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo, que é a segunda morte.” Pois isto é o que chamamos de Geena, que foi criado pelo Senhor para ser um fogo eterno. “E se alguém não for achado” — como é dito — “no livro da vida, este será enviado para o lago de fogo” (AH, I.V.XXXV in ibid.). Cipriano (200-258 d. C.) Pois Deus, na sua misericórdia, exige obediência aos seus preceitos e, na verdade, ele exige que sejamos cautelosos nisto; pois, da mesma forma que ele chama ao banquete, o homem que não estiver adequadamente vestido para a festa terá pés e mãos amarradas e será expulso da assembléia dos santos. Ele preparou o céu, mas também preparou o inferno. Ele preparou lugares de tranqüilidade, mas também preparou o castigo eterno. Ele preparou tanto a luz da qual ninguém é capaz de se aproximar, como a vasta e eterna escuridão da noite eterna. (EC, V.XXX.VII in Schaff, NPNF) Lactânáo (c. 240-c. 320 d. C.) Portanto, ambos falaram a verdade, porém de forma incorreta; pois os próprios caminhos deveriam se referir à vida, e o fim deles à morte. Nós, portanto,-que dizemos que os dois caminhos pertencem ao céu e ao inferno, falamos de forma mais correta e verdadeira, porque a imortalidade é prometida aos justos, da mesma forma que a punição eterna é a ameaça que paira sob os injustos. ( OTW, VII.III)
Os Pais da Era Medieval Agostinho (354-430 d. C) Só então ele percebe que a humanidade toda foi condenada na sua cabeça rebelde por um julgamento divino tão justo que, mesmo que ninguém tivesse sido redimido, nenhum de nós teria sido capaz de questionar, de forma justa, a justiça por Deus aplicada; e que foi justo que a redenção dos remidos deva ocorrer de forma a demonstrar, pelo número maior daqueles que não foram remidos e deixados na sua justa condenação, aquilo que a humanidade toda merecia, e para onde quer que o justo juízo de Deus levasse até mesmo os remidos, a sua misericórdia imerecida não se interporia, de forma que toda boca que quisesse se vangloriar dos seus méritos, também seria calada, a fim de que todo aquele que se gloriasse somente se gloriasse no Senhor (£, 99)
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É em vão, portanto, que alguns, na verdade muitos, lamentem-se acerca do castigo eterno, perpétuo e constante dos perdidos, e digam que não acreditam que assim será; não que, na verdade, eles se oponham diretamente às Sagradas Escrituras, mas, por influência dos seus próprios sentimentos, eles suavizam tudo aquilo que pareça duro, e dão uma aparência mais branda às afirmações que, no seu modo de entender, servem mais para aterrorizar do que para serem tomadas como literalmente verdadeiras, (ibid.) Tomás de Aquino (1225-1274) A vontade, por si mesma, pode ter tendências malignas, por intermédio da remoção de algum obstáculo: por exemplo, se um homem for impedido de pecar, não porque o pecado lhe seja repugnante, mas por causa da esperança da vida eterna, ou do temor do inferno, se a esperança der lugar ao desespero, ou o medo à presunção, ele certamente acabará pecando pela malícia, ao se libertar daquilo que o prendia, por assim dizer. (ST, II.78.2) Além disso, um pecado não merece um castigo maior por estar ligado a outro pecado; pois a justiça divina destinou um castigo para cada pecado. Entretanto, um pecado venial merece castigo eterno se estiver unido a um pecado mortal em uma alma perdida, porque no inferno não existe remissão de pecados. Portanto, o pecado venial, por si mesmo, é merecedor de castigo eterno, (ibid., II.87.5)
Os Pais da Reforma João Calvino (1509-1564) Deus uma vez estabeleceu, por intermédio do seu plano eterno e inalterável, aqueles a quem, há muito tempo, havia determinado para receberem a salvação, e aqueles a quem, por outro lado, seriam destinados à destruição [...] Ele cerrou as portas da vida àqueles que foram destinados à perdição. (ICR, III.21.7) Na verdade muitos [...] aceitam a eleição em tais termos que chegam a negar que alguém possa ser condenado, mas fazem isso de forma bastante ignorante e infantil, já que, por si mesma, a eleição não poderia existir, se não fosse baseada na reprovação, (ibid., III.23.1)
O homem cai não de acordo com o que ordena a providência divina, mas cai por culpa própria (ibid., III.23.8)
Os Mestres do Períodos Posterior à Reforma Ja có Armínio (1560-1609) Pois se o pecado for um mal maior do que a perdição [...] já que o primeiro é oposto ao bem divino, e o último ao bem humano, então, verdadeiramente, é mais digno ordenar alguém a pecar do que ordenar que esta pessoa vá para o inferno; criar um homem que possa pecar, do que criar um homem que possa perecer. Todavia, se buscamos a precisão da afirmação, deve ser afirmado que, se o homem for ordenado a cometer pecado, ele não poderá pecar. Pois o pecado é um ato voluntário, e o decreto de Deus em referência ao pecado introduz a necessidade de pecar.
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Além disso, se o homem foi criado com a possibilidade de condenação, ele, então, não pode ser condenado por Deus. Pois a condenação é o ato de um juiz justo. Porém, um juiz justo não condena ninguém sem que este alguém seja ímpio por culpa própria, fora de necessidade; e este alguém não é ímpio, fora de necessidade, e por culpa própria, se for criado com a possibilidade de pecar, e, dessa forma, de perecer. ( WJA, 111.377) Charles Hodge (1797-1878)
Ao abordar a questão: “Alega-se que a aplicação de uma punição realmente infinita sobre uma criatura como o homem não é consistente com a justiça de Deus”, todavia, Hodge escreveu: Nós somos juizes incompetentes para julgar o tipo de punição que o pecado merece. Não temos uma compreensão adequada do que significa a culpa inerente, nem da dignidade da pessoa contra quem o pecado é cometido, tampouco do alcance do dano que ele pode produzir. O objetivo correto da punição é a vingança e a prevenção. O que é necessário para este fim, somente Deus sabe e, portanto, a punição que Ele impõe sobre o pecado é a única medida justa dos seus méritos malignos.
Ele continuou: Normalmente se diz que o pecado é um mal infinito porque é cometido contra uma pessoa de dignidade infinita e, portanto, merece uma punição infinita [...] Se o mal de um único pecado, mesmo sendo o mais pequenino deles, dura para sempre, ele é, em um certo sentido, um mal infinito, embora, em comparação com outros pecados, ou com o conjunto total dos pecados que já foram cometidos ele possa parecer uma mera insignificância. A culpa do pecado é infinita no sentido de que não podemos colocar limites à sua torpeza ou ao mal que ele poderá causar [...] Neste sentido encontramos alívio ao considerar a idéia de que como os perdidos continuarão a pecar pela eternidade, estes também sejam punidos por toda a eternidade. Contra isto, entretanto, alega-se que as vinganças eternas são ameaçadas contra os pecados cometidos no corpo. Isto é verdade; porém, também é verdade, em primeiro lugar, que o pecado na sua natureza é a alienação e a separação de Deus, e por ser o Senhor a fonte de toda a santidade e felicidade, a separação dele é a necessidade da perda de todo o bem; e em segundo lugar, que esta separação é, por sua natureza, final e, conseqüentemente, envolve a pecaminosidade e a miséria infinita. (ST, III.878) William G. T. Shedd (1820-1894) O castigo infringido sobre os perdidos era considerado pelos Pais da Igreja Primitiva, com pouquíssimas exceções, como eterno [...] A Igreja [Medieval] recebeu a doutrina tradicional a respeito da vingança eterna. O céu e o inferno eram separados por um abismo absoluto e intransponível, entretanto o espaço intermediário entre ambos era ocupado pelo purgatório, que fica mais próximo ao inferno [...] A Igreja Contemporânea aceitou a fé tradicional neste assunto. Na proporção em que a inspiração e a infalibilidade da Revelação foram sendo afrouxadas, a doutrina de uma punição absoluta e, portanto, infinita dos pecados tem sido reafirmada, sendo impossível se eliminar este princípio dos Escritos cristãos, salvo pela mutilação do cânon, ou uma exegese flagrantemente viciada.
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A negação da eternidade dos castigos futuros, nos tempos atuais, conseqüentemente, tem sido uma característica dos movimentos e dos indivíduos que rejeitaram, seja de forma total ou parcial, o dogma da inspiração infalível. (HCC, 11.414-19) Millard Erickson (nascido em 1932) Tal qual foi no passado, a questão do estado futuro dos ímpios ainda é motivo de grandes controvérsias em nossa época. A doutrina de uma punição eterna, para muitos, parece ser uma visão sub-cristã fora de moda. Ela é normalmente, juntamente com os anjos e demônios, um dos primeiros temas da fé cristã a ser desmitologizado. Parte do problema deriva daquilo que parece ser uma tensão entre o amor de Deus, uma característica cardeal da sua natureza, e o seu juízo. Contudo, independentemente da forma como entendemos a doutrina do castigo eterno, ela está, claramente, exposta nas Sagradas Escrituras [...] Se existe uma característica básica no inferno ela é, em contraste com o que ocorre no céu, a ausência de Deus ou a retirada da sua presença. E uma experiência de angústia intensa, envolvendo o sofrimento físico, ou a desordem mental ou as duas coisas. Existem outros aspectos da situação da pessoa perdida que contribuem para a sua miséria. Uma é a sensação de solidão, de ter visto a glória e a grandeza de Deus, de ter percebido que Ele é o Senhor de tudo e depois ter sido cortado de tudo isso. Também existe a percepção de que esta separação é permanente. De maneira similar, a condição de um indivíduo moral e espiritual é permanente. Aquilo que formos no final da nossa vida, continuaremos sendo ao longo de toda a eternidade. Não existe base para se esperar uma mudança para melhor. Dessa forma, a desesperança vem sobre a pessoa. (CT, 1234-35) Earl Radmacher (nascido em 1933) Em última instância, todos, tanto os regenerados, quanto os não-regenerados, serão julgados pelas suas obras. Diante do juízo do Grande Trono Branco, os mortos nãoregenerados, “tanto os grandes, quanto os pequenos,” serão ressuscitados para se apresentar diante de Deus a fim de serem julgados “de acordo com as suas obras” (Ap 20.12,13). As suas obras, de fato, demonstrarão que eles são merecedores de condenação eterna (20.15). De alguma forma, na mente infinita de Deus, todas as obras já realizadas por cada um dos ímpios será trazida à memória. As pessoas que tomaram as obras como oportunidade para entrar na presença de Deus descobrirão que elas ficam muito abaixo das exigências justas de Deus para a comunhão eterna com Ele. Quando os “livros” no céu mostrarem que os incrédulos ficam abaixo das exigências divinas, outro livro, o Livro da Vida, será aberto para lhes mostrar que os seus nomes não estão ali registrados. (S, 173)
CONCLUSÃO Em resumo, não existe base escriturística para a esperança ilusória de que todos serão salvos. A razão básica é bastante simples: Deus criou os seres humanos com livre-arbítrio, e aqueles que se decidirem não crer não poderão ser forçados a crer. Déus é amor, e o amor age de forma persuasiva, nunca na base da coação. O inferno existe; vejamos o que nos diz C. S. Lewis:
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Quero crer que os perdidos serão ao final, em certo sentido, rebeldes bem-sucedidos; que as portas do inferno estarão trancadas pelo lado de dentro. Não quero sugerir que os fantasmas não tenham vontade de fugir do inferno [...] mas eles certamente não desejam nem ao menos os estágios preliminares daquele auto-abandono que é a única maneira da alma poder alcançar, de fato, qualquer tipo de bem. Eles desfrutarão ali, para todo o sempre, a horrível liberdade que exigiram para si e serão, portanto, escravos de si mesmos. (PP, 115-16) FO N TES A rm ínio, Jacó. The Writings o f James Arminius. A gostinho, Enchiridion. B ailou, Hosea. Ancient History o f Universalism. B arth , Karl. Church Dogmatics. Bettis, Joseph Dabney. “A C ritique o f th e D octrin e o f Universal Salvation” in Religious Studies. Calvino, João. Institutes o f the Christian Religion. C rockett, W illiam V. “ Will God Save Everone in the End?" in W illiam V. C ro ck ett e Jam es Sigountos, eds. Through No Fault ofTheír Own . Cross, F. L., e E. A. Livingstone, eds. The Oxford Dictionary o f the Christian Church. Cipriano. Epistles o f Cyprian in Schalf, The Nicene and Post-Nicene Fathers. D anielou, Jean. Orígenes. Erickson, M illard. Christian Theology. Fifth Ecumemcal Council o f Constantinople, The. Freud, Sigm und. The Future o f an Illusion. G erstner, Jo h n . Jonathan Edwards on Heaven and Hell. Hick, Jo h n . Evil and the God o f Love. Hodge, Charles. Systematic Theology. Ireneu. Against Heresies. Justino M ártir. First Apology in R oberts e D onaldson, The Ante-Nicene Fathers. Lactâncio. OfTrue Worship. Lewis, C. S. The Great Divorce. -------- . The Prohlem o f Pain. M iller, R. E. The Larger Hope. M oore, David. The Battlefor Hell. Orígenes. On First Principies. Peterson, R ob ert A. Hell on Trial: The Case for Eternal Punishment. Pinnock, Clark. A Wideness in God’s Mercy. R adm acher, Earl. Salvation. Roberts, Alexander, e Jam es D onaldson. The Ante-Nicene Fathers. Russell, Bertrand. Why I am Not a Christian. Sanders, Jo h n . No Other Name. Sartre, Jean-Paul. No Exit. Schalf, Philip. The Nicene and Post-Nicene Fathers. Shedd, W illiam G. T. The Doctrine o f Endless Punishment. -------- . History o f the Christian Church. Tom ás de Aquino. Summa Theologica. Walls, Jerry L. Hell: The Logic o f Damnatwn.
C A P I T U L O
T R E Z E
A EXCLUSIVIDADE DA SALVAÇÃO (PLURALISMO)
Cristianism o afirm a ser a verdadeira fé. Jesus diz que existe som ente u m Deus (M c 12.29), e que Ele m esm o é o ún ico cam inho para a salvação (Jo 14.6; cf. 3.18; 1XI, 9,10). Isto está em desacordo com a tendência dom inan te no cenário com parativo entre as religiões contem porâneas. Alister M cG rath (nascido em 1953) resum e de form a sucinta o protesto levantado co n tra o Pluralism o: Como as afirmações de verdade feitas pelo Cristianismo podem ser levadas a sério, quando vemos tantas alternativas concorrentes a ele e numa época em que a própria “verdade” se tornou um conceito fragmentado? [...] Ninguém [supostamente] pode afirmar ser detentor da verdade. Tudo é uma questão de perspectiva. Todas as afirmações de verdade são igualmente válidas. Não existe um ponto estratégico universal ou privilegiado a partir do qual se possa decidir aquilo que é certo e aquilo que é errado. ( “CPCCC” in JETS, 365). Para a exploração desta questão, vários term os precisam ser definidos.1 (1) O Pluralismo é a crença de que todas as religiões são verdadeiras, e que todas prom ovem u m encontro com a Realidade Final. A lgum as podem até ser m elh ores do que outras, m as todas se prestam a esse fim. (2) O Relativismo é sem elh ante ao Pluralism o, pois alega que todas as religiões são verdadeiras para os indivíduos que a elas são agregam. Os relativistas acreditam que assim com o não existe n e n h u m a verdade objetiva na religião,2 tam bém não existem critérios pelos quais se possam distinguir um a religião verdadeira de um a falsa. (3) O Inclusivismo apregoa que um a religião é “exp licitam en te” verdadeira, e todas as demais são “im p licitam en te” verdadeiras.3 (4) O Exclusivismo é a crença de que som ente um a religião é verdadeira, e que todas as outras que a ela se opõem são falsas.4
P lu ralism o , R ela tiv ism o , In clu siv ism o e E x clu siv ism o são aqui defin id os p a ra fins de ap lica çã o n o debate da verdade religiosa. * M gnificando “a v erd ad e q u e e xiste in d e p e n d e n te m e n te d o (e apesar d o ) n o sso e n te n d im e n to d ela o u d a n o ssa a ce ita çã o i ela.
3 O u seja, ap esar de u m a c o sm o v isã o a p rese n ta r a verdad e de fo rm a c la ra e d istin ta , o u tra s p o s su e m a m e sm a
verdad e, m e sm o q u e e m f o r m a m e n o s d esenvolv ida, s u b ja c e n te ou a té m e s m o n ã o -ex p ressa .
4 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo
S. para m aiores in fo rm a ç õ e s so b re o E x clu siv ism o e so b re o p ressu p o sto o p o sicio n a l da T e o lo g ia S iste m á tic a .
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O fato da obra inigualável de Cristo ser o único meio de salvação é um dos grandes princípios do Protestantismo. Junto com os lemas Sola Scriptura (Somente a Escritura) e Sola Fide (Somente a Fé) —a “salvação exclusivamente pela graça e somente em Cristo” — a obra inigualável de Cristo está no coração da Teologia Evangélica.
A BASE BÍBLICA DA EXCLUSIVIDADE DA OBRA SALVÍFICA DE CRISTO O desenvolvimento completo da doutrina neotestamentária acerca da possibilidade da salvação, unicamente por intermédio de Cristo, tem suas raízes no Antigo Testamento. Desde a primeira predição acerca de Jesus (Gn 3.15), até a profecia final (Ml 4.3, 5), existe um, e somente um, caminho pelo qual os seres humanos podem ser restaurados a um relacionamento com Deus — a morte e ressurreição de Jesus Cristo.
As Afirmações Soteriológicas Exclusivas de Cristo Jesus afirma de maneira inequívoca que Ele é o único caminho para a salvação: “Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (Jo 3.18). “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna, mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece” (3.36). “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador [...] Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens” (10.1,9). E também: “Se não crerdes que eu sou, monereis em vossos pecados” (8.24). Esta declaração de Jesus não poderia ser mais direta: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por m m ” (14.6).
As Afirmações Soteriológicas Exclusivas das Sagradas Escrituras E não foi somente Jesus quem afirmou ser o único caminho para Deus, mas os seus seguidores imediatos também confirmaram a sua mensagem: “E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” (Pedro, em Atos 4.12). Paulo acrescenta: “Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem” (1 Tm 2.5). O autor de Hebreus declara que: “Este [Cristo], havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus [...] Porque, com uma só oblação, aperfeiçoou para sempre os que são santificados” (10.12,14). João conclui: Quem crê no Filho de Deus em si mesmo tem o testemunho; quem em Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu. E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida. (1 Jo 5.10-12)
A Necessidade Soteriológica da Fé em Cristo E notável sabermos que além da obra de Cristo ser necessária para a nossa salvação, também é preciso que creiamos no Cristo que executou esta obra.5Pedro diz que não há salvação fora do seu nome (At 4.12). João enfatiza que afé “no Filho” [em Cristo] é obrigatória 5Vide capítulos 15-16.
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para que se o b ten h a a salvação (Jo 3.18, 36; 1 Jo 5.10-12). C om o já vimos, o próprio Jesus con firm a de fo rm a explícita esta verdade (Jo 8.24), e Paulo fala da necessidade tanto do conhecimento quanto da f é em Cristo-. Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.6 Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? (Rm 10.13,14)
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES LEVANTADAS CONTRA AS ALEGAÇÕES EXCLUSIVAS DE CRISTO M uitos protestos são feitos con tra o Exclusivism o cristológico. A partir de um a perspectiva bíblica, três, em particular, são dignos de análise.
Objeção Número Um — Baseada no Fato de os Santos do Antigo Testamento Não Terem uma Fé Explícita em Cristo Parece evidente que n em todos os crentes do Antigo Testam ento possuíam um con h ecim en to explícito da m o rte e da ressurreição de C risto pelos seus pecados. C ontu do, o Novo Testam en to ensina que este co n h ecim en to é essencial para a salvação (cf. R m 10.9). Na verdade, Paulo alega que este é o coração do evangelho (1 C o 15.16), que é, u n icam ente, o poder de D eus para salvar os perdidos (R m 1.16). Apesar de algum as predições antigas acerca da m o rte (D n 9; Is 53; Zc 12) e da ressurreição de Cristo (SI 2; 16), bem com o de previsões sim ilares a respeito da sua vinda (Jo 8.56), não existem evidências para se defender que todos os crentes pré-cristãos com preendiam e criam abertam ente que Jesus m o rreria pelos seus pecados e seria, p o steriorm ente, ressuscitado dentre os m ortos. Os ninivitas, os quais se arrependeram e creram em resposta à pregação de Jonas, certam en te não tin h am este con h ecim en to (Jn 3), m as, m esm o assim, foram salvos.7 A lém disso, é altam ente im provável que cada israelita que trazia um cordeiro ao tem p lo tin h a o entendim en to de que o sacrifício oferecido preconizava o sacrifício final do Messias e a vinda do Cordeiro de Deus, que tiraria o pecado do m u nd o (cf. Jo 1.29). Hebreus 11.6 indica alguns princípios daquilo que-parece ser suficiente em term os de salvação: “E necessário que aquele que se aproxim a de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam .” O u seja, a necessidade soteriológica parece ser satisfeita quando (1) nós crem os que Deus existe e (2) que irá, graciosam ente, salvar aqueles que nele crerem . Se isto estiver correto, a fé em C risto parece ser desnecessária para a salvação.8
Resposta à Objeção Número Um Primeiro, existe u m a d ifere n ça e n tre aq u ilo que é absolutamente n e cessá rio e aq u ilo que é normativamente n e cessá rio . A p a rtir das Sagrad as E scritu ra s, n ã o p a re ce ser a b so lu ta m e n te n e cessá rio que D eu s e x ija que tod as as pessoas, em tod as as ép ocas, 6 C itan d o Jo el 2.32.
7 T a n to o te x to de Jo n a s, q u a n to as palavras de Jesus im p lic a m q u e a salvação deles foi de algo q u e ia
a lé m de u m m e ro ju íz o te m p o ra l, e q u e, sim , re p rese n ta v a a lib e rta çã o da c o n d e n a ç ã o e te r n a (cf. Jn 3.10; 4.2; M t 12.41). 8 Para u m a análise m ais d e talh ad a a c e rc a dos re q u isito s n ecessário s p a ra a salvação , vide a ab o rd a g em m ais e x te n s a q ue será d ada à sua “c o n d iç ã o ” ( c a p ítu lo 15) e ao seu "c o n te ú d o ” ( c a p ítu lo 16) m ais adian te.
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tenham uma fé explícita na morte e na ressurreição de Cristo para a sua salvação. Todavia, não existe nenhuma razão pela qual Deus não possa ter decretado que aquele tipo de fé seja normativamente necessário depois de Cristo ter vindo e ter se anunciado ao mundo. E exatamente isto que Paulo sugere: “Porquanto [Deus] tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do varão que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dos m ortos” (At 17.31). Aquilo que estava implícito no Antigo Testamento se tornou explícito em o Novo: Jesus de Nazaré, nascido da virgem Maria, era o Cordeiro Pascal aguardado com expectativa (cf. Jo 1.29; 1 Co 5.7). Quando a tipologia veterotestamentária (que era implícita) se tornou realidade (explícita) nas páginas do Novo Testamento — quando aquele que foi profetizado se fez, de fato, presente — Deus, aparentemente, passou a exigir9 que todos agora passassem a “crer no Senhor Jesus” para que pudessem ser “salvos” (cf. At 16.31). Paulo confirmou isto: “[Eu estou] testificando, tanto aos judeus como aos gregos, a conversão a Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At 20.21). Segundo, existe uma progressão bíblica na revelação.10 Com o passar do tempo, Deus, o Criador do tempo, foi revelando gradativamente mais aspectos do seu plano redentor. Por exemplo, inicialmente foi revelado que o Salvador vindouro seria da e a semente da mulher (Gn 3.15), depois, que Ele seria descendente de Sem (9.26), geração de Abraão (12.3), pertencente à tribo de Judá (49.10), filho de Davi (2 Sm 7.12) e assim por diante. Com cada incremento da revelação, surge uma nova obrigação para os crentes, da mesma forma que, quando uma nova lei é aprovada, ela precisa ser, obrigatoriamente, incorporada à vida dos cidadãos. “O desconhecimento da lei” (ou da verdade) não pode ser alegado como uma desculpa válida: “Mas Deus [...] anuncia agora a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam” (At 17.30). De maneira específica, portanto, o cumprimento que Cristo deu às profecias e à tipologia veterotestamentárias obrigam-nos a aceitar esta verdade-divina revelada. Por exemplo, quando os discípulos de João Batista (que conheciam somente João e ainda não tinham ouvido que o Cristo havia enviado o Espírito Santo) ouviram a mensagem de Paulo acerca desta revelação e, subseqüentemente, foram também obrigados a crer nela. E ao fazerem isto foram também agraciados com o Espírito Santo (At 19.1-6). Na verdade, o fato da revelação progressiva trazer responsabilidade progressiva à nossa fé parece ser a ênfase geral do livro de Hebreus. Depois de apresentar aos crentes judeus que Cristo era “superior” aos anjos, a Moisés, a Josué e aos sacerdotes do Antigo Testamento, o autor exorta-os com veemência a crer nisto para não incorrer em juízo divino. Sem deixar dúvida, depois de instruí-los que Cristo ofereceu “um sacrifício pelos pecados para todo o sempre” (cf. Hb 10.12), ele os advertiu de que “se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados” (10.26). Assim, diante da revelação progressiva, apesar de não ser absolutamente necessário que uma pessoa demonstre uma fé explícita na morte e na ressurreição de Jesus Cristo para ser salva, Deus desejou que uma fé desse tipo fosse normativamente necessária.
9 C onform e referências feitas nos versículos acima.
10Vide volum e 1, capítulo 4, acerca da revelação geral e da especial.
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Objeção Número Dois — Baseada na Diferença entre Fato e o Conhecimento do Fato Os inclusivistas argu m entam que o Exclusivism o despreza a diferença entre o jato da obra salvífica de Cristo e o conhecimento do fato. Eles insistem que um a pessoa não pode ser salva sem o prim eiro, mas pode ser salva sem o segundo. Por exem plo, eu posso receber u m par de sapatos de presente, enviado via correio p or u m doador desconhecido (ou, em função disso, não saber qual foi a vaca que fo rn eceu o cou ro para a confecção do sapato). Por que, então, um a pessoa não pode receber o dom da salvação, proporcionado pela m o rte de Cristo, sem to m ar con h ecim en to do seu sacrifício ou por que Ele foi oferecido?
Resposta à Objeção Número Dois Os Exclusivistas não negam a possibilidade lógica da salvação sem o con h ecim en to de co m o esta salvação foi tornad a possível. Na verdade, com o já foi m encionad o, parece que m uitos crentes do A ntigo Testam ento não estavam p len am en te conscientes do sacrifício e da ressurreição que u m dia ocorreria p o r parte de Cristo. Todavia, a questão não é o que é logicamente possível, mas o que é verdade de fato. O que estam os, n a verdade, perguntando é: qual o nível de con h ecim en to do plano de salvação que Deus exige de nós, nesta era presente, co m o condição de receberm os o dom da salvação? A resposta, co m o indicam os
versículos citados acim a, parece incluir o co n h ecim en to explícito do evangelho.11
Objeção Número Três — Baseada na Acusação de que o Exclusivismo E Injusto perante aqueles que não Foram Alcançados Se o co n h ecim en to explícito da obra salvífica de C risto é u m a condição necessária para a salvação, não seria in j usto Deus cond enar as pessoas não-evangelizadas à separação eterna dele? Parece vergonhosam ente in j usto p u n ir as pessoas por um a irresponsabilidade em um a área na qual elas n em sabiam que seriam responsabilizadas.
Resposta à Objeção Número Três U m a resposta mais com p leta a esta objeção será desenvolvida p o sterio rm en te.12 Por ora é suficiente n otarm os que a prem issa desta objeção está errada, pois ela considera que os não-evangelizados não têm consciência daquilo que Deus exige deles. Ao contrário, Ele declara que eles estão.conscientes, e sabem “com clareza,” e, portanto, são “indesculpáveis” (R m 1.19,20). A lém disso, eles têm a verdade “escrita no co ração ” e perecerão d e form a justa caso se recusem a dar a sua resposta (2.12-15). A luz da criação e da consciência é suficiente para a sua condenação, no entanto , a Bíblia p ro m ete que eles tam bém precisam responder à luz que possuem . Deus é capaz de lhes proporcionar con h ecim en to suficiente para a salvação.” C o m o declarou Pedro: “Deus não faz acepção de pessoas; m as que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o tem e e faz o que é ju s to ” (A t 10.34,35). A epístola aos Hebreus acrescenta que “é necessário que aquele que se aproxim a de D eus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam ” (11.6). Abraão nos faz lem brar: “Não faria justiça o Juiz de toda a terra?” (G n 1S.25).
11 C o n fo rm e e x p o sto e m 1 C o 15.1-6.
12 V id e c a p ítu lo 14.
13 D e n tre os vários m eio s q u e D e u s te m à d isposição para
c u m p r ir esta tare fa e stão os m ission ário s, a lite ra tu r a , os a n jo s, as visões, os so n h o s. V id e c a p ítu lo 14.
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UMA ANÁLISE DAS ALEGAÇÕES DO PLURALISMO RELIGIOSO14 Contra o Exclusivismo, o Pluralismo religioso15 alega que todas as religiões são verdadeiras, já que cada uma delas proporciona um encontro genuíno com aquilo que os seus membros consideram a Realidade Final [Deus]. Uma religião pode ser melhor ou pior do que a outra, mas todas são adequadas. Dessa forma, o Pluralismo está diametralmente em oposição ao Exclusivismo bíblico, o qual afirma que o Cristianismo é verdadeiro e que tudo o que a ele se opuser é falso. Como já vimos, aqui jaz o problema levantado por McGrath: Como as afirmações de verdade feitas pelo Cristianismo podem ser levadas a sério, quando vemos tantas alternativas concorrentes a ele e numa época em que a própria “verdade” se tornou um conceito fragmentado? [...] Ninguém [supostamente] pode afirmar ser detentor da verdade. Tudo é uma questão de perspectiva. Todas as afirmações de verdade são igualmente válidas. Não existe um ponto estratégico universal ou privilegiado a partir do qual se possa decidir aquilo que é certo e aquilo que é errado. (“CPCCC” in JETS, 365).
Os pluralistas lançam os seus argumentos a partir de várias posições. Analisaremos cada posição em sua respectiva ordem. Primeiramente, examinaremos a afirmação de que existe uma suposta igualdade moral e espiritual entre todas as religiões.
O Argumento de que todas as Religiões Ensinam Verdades Semelhantes John Hicks (nascido em 1922), defensor do Pluralismo, argumenta: Eu não vejo as pessoas que aderem a outras religiões mundiais, em geral, como se estivessem em um nível moral e espiritual diferente dos cristãos [...] o ideal básico do amor e da preocupação pelo próximo, bem como de tratá-los como gostaria de ser tratado é, de fato, ensinado por todas as grandes tradições religiosas. (“PV” in Ockholm e Phillips, 39)
Hicks defende que isto fica provado a partir de afirmações encontradas em outras religiões que são similares à Regra de Ouro (ibid., 39-40).
Resposta Primeiro, é inquestionável que o “fruto do Espírito” (G15.22) pode verdadeiramente ser encontrado em doutrinas não-cristãs. Apesar de ninguém negar que existem “pessoas boas” que aceitam outras crenças, todavia, a “bondade” destas pessoas não demonstra que elas estejam manifestando o maior de todos os padrões morais de amor (dgape). A generosidade de um homem, a gentileza ou até mesmo a morte de uma pessoa por causa da sua crença não demonstra que ela vive (ou viveu) a sua vida em amor verdadeiro (por exemplo, 1 Co 13.3). A graça comum de Deus, de fato, torna possível que pessoas más pratiquem o bem (por exemplo, Mt 7.11); contudo, é evidente que somente o amor sobrenatural de Deus (o amor ágape ) pode levar uma pessoa a expressá-lo (cf. Jo 15.13; Rm 5.6-8; 1 Jo 4.7). H O m a te ria l a seg u ir foi e x tra íd o do v o lu m e 1, c a p ítu lo 8. religiões.
15 A su p o sta igu aldade m o r a l e esp iritu a l de tod as as
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D e m od o sem elhante, apesar de m uitas pessoas acreditarem que W illiam Jam es (1842-1910) provou a igualdade de todas as form as de bondade na sua obra Vaneties o f Religious Experiência [A Variedade da Experiência Religiosa], Jo n ath an Edwards (17031758), em Religious Affections [Afeições Religiosas], d em onstrou de fo rm a convincente que a piedade cristã se expressa de m an eira única. A m in h a experiência de décadas de observação parece con firm ar que existe u m a diferença entre o nível mais alto de piedade cristã e de piedade não-cristâ a favor do Cristianism o. Por exem plo, n em o Hinduísm o, n e m o Budism o, n em o C onfu cionism o, n em o Taoísm o, tam p ou co o Islã produziram u m a M adre Teresa (1910-1997), n em o am or auto-sacrifical (ágape) de Jesus foi, até hoje, igualado (jo 15.13).16 Segundo, m esm o u m a d em onstração de algum a fo rm a de igualdade m o ral praticada entre a m aioria dos adeptos das m aiores religiões m undiais não dem onstraria n em a igualdade, n em a inferioridade dos ensinos m orais da fé cristã. Por u m lado, um a pessoa que pratique im pecavelm ente u m código m o ral inferior, pode parecer ser “m e lh o r” do que u m a pessoa que viva de fo rm a im perfeita u m código superior. Para se ter um a com paração justa, é preciso que façam os duas coisas: (1) Considerar o mais elevado ensinam ento m o ral de cada religião e (2) com parar a vida dos adeptos que m elh o r exem plificam os padrões de cada um a destas religiões. Por exem plo, fazendo isto entre o Cristianism o e o H induísm o, e com parando as vidas de M adre Teresa e M ah atm a G andhi (1869-1948), fica patente a inigualável com paixão cristã pelos necessitados. A lém disso, precisam os diferenciar aquilo que era inerente às outras religiões antes da influência que o Cristianism o exerceu sobre cada u m a delas, e aquilo que foi incorporado a elas co m o resultado do exem plo cristão. O H induísm o, com o sistema, não gera com paixão social; a beneficência social h o je encontrada em algum as form as atuais de H induísm o é im portada. Este hu m anitarism o foi trazido pela fé e pela prática cristã; na verdade, a form a pela qual o próprio Gandhi dem onstrava a sua com paixão rem on ta ao ensino cristão que ele recebeu e à sua adm iração confessa ao ensino de Jesus expresso no Serm ão do M onte. Ademais, descobrir u m princípio m o ral sim ilar à Regra de O uro ju d aico-cristã (cf. M t 7.12) não dem onstra a igualdade m oral de todas as religiões. Isto é apenas uma manifestação da revelação geral, ou seja, a lei de Deus que está escrita no coração de todos os seres hum anos (R m 2.12-15). Todavia, a revelação geral não contradiz, n em se equipara à revelação especial.17 Enquanto a m oralidade cristã aplicada gerou u m a dinâm ica com paixão social, as religiões orientais produziram sociedades estagnadas, e o Islam ism o criou sociedades abusivas e falhas na dem onstração do a m o r.ls Terceiro, a análise de Hick representa um caso de argum entação viciada: 19 som ente se considerarm os que o denom inad or m o ral com u m de todas as religiões é o padrão pelo qual elas devam ser julgadas faz com que cheguem os à conclusão óbvia de que elas são todas iguais. Seria preciso negar os aspectos diferentes da m oralidade cristã para se d em onstrar que o C ristianism o não é superlativo, o que ele parece reco n h ecer nesta confissão:
16 C o m o fez P au lo n o e n sin o a ce rca d o fr u to s o b re n a tu ra l d o E sp írito ( G 1 5.22,23) e Jo ã o ace rca d o a m o r d e D e u s (1 Jo 4.7). 17V id e v o lu m e 1, ca p ítu lo s 4 e 9.
18V id e ta m b é m C la rk P in n o ck , A Wideness in G od’s Mercy, 61.
19 C o m o v im os n o v o lu m e 2
(e n o c a p ítu lo 2, a n te rio r m e n te ) a a rg u m e n ta çã o viciad a (L a tim : petitioprincipit) é a fa lá cia ló g ica c o m e tid a ao se con sid erar, c o m o p rem issa, a m e sm a co n c lu sã o q u e se d e seja ch e g a r c o m o a rg u m e n to .
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[A] aceitação de alguma forma de visão pluralista nos induz a minorar ou a, eventualmente, eliminar aquele aspecto de autocompreensão que sugira uma alegação de superioridade exclusiva sobre as outras religiões do mundo. ( “PV” in Ockholm e Phillips, FVSPW, 51) Quarto, a manifestação moral de uma crença não resolve a questão da verdade. Por exemplo, o fato dos mórmons serem “bons” não prova que Joseph Smith (1805-1844) foi um profeta verdadeiro.20 Na verdade, é provável que ele não seja, já que, por exemplo, ele entregou profecias que são, reconhecidamente, falsas.21 A forma como os aderentes de uma religião vivem é, na melhor das hipóteses, uma manifestação do seu código moral, o qual pode ou não guardar relação com os ensinamentos centrais desta religião acerca de Deus e da salvação. A verdade é aquilo que corresponde à realidade,21 conseqüentemente, uma cosmovisão somente será verdadeira se os seus princípios fundamentais corresponderem ao mundo real, e não se os seus seguidores levarem “vidas corretas”.23 Quinto, e por último, a proeminência moral do Cristianismo não está fundamentada na imperfeição dos seguidores de Cristo, mas na perfeição do próprio Jesus Cristo. O teste final não é baseado em nossa moralidade falível, mas no caráter ilibado de Jesus.24 Dessa forma, o Cristianismo apresenta uma superioridade moral incontestável, reconhecida até mesmo por teólogos opostos à teologia evangélica, tal como Paul Tillich (1886-1965): Será que Jesus é único somente porque a história ou fatores históricos convergem de certa forma — de uma forma singularmente significativa — na época da sua vida? [...] Não, não, não! Acabo de dar pelo menos três respostas para esta pergunta. A minha primeira resposta seria a falta de qualquer “cicatriz” que demonstraria [em Jesus] qualquer tipo de desavença com Deus [...] Outra seria o total auto-sacrifício daquele que é o Cristo [...] e a terceira resposta seria que Ele demonstra apresentar, no seu martírio na cruz, uma suprema humildade. (UC, 156)
Poderíamos também acrescentar a sua vida cheia de milagres incomparáveis que chegam ao clímax na sua ressurreição dentre os mortos.25
O Argumento a Favor da Suposta Igualdade Redentora de todas as Religiões Outro argumento apresentado pelos pluralistas é que não existe nenhuma diferença salvífica significativa entre as maiores religiões mundiais. Com relação à crença cristã em um modo excepcional de salvação, Hick sugere que se trata ou de uma argumentação viciada por parte dos cristãos, ou que esta afirmação cristã carece de evidências práticas: Se definirmos a salvação como o estado de estarmos perdoados e aceitos por Deus por causa da morte de Jesus na cruz, torna-se uma tautologia26 que o Cristianismo somente conhece e tem a capacidade de pregar a fonte da salvação. [E] Se definirmos a salvação como uma mudança real no ser humano, uma transformação gradual do egoísmo natural (junto com todos os males humanos que dele derivam) para uma orientação radicalmente 20 Este fa to p od e m o s tra r que existe bon d ad e n a vida dos m ó r m o n s , m a s isso n a d a a c re s ce n ta a ce rca das alegações de v erd ad e da sua fé.
21 V id e G e ra ld e S a n d ra T a n n e r, The Changing World o f Mormonism, c a p ítu lo 14.
7 que t r a ta da verd ad e c o m o p ressu p o sto e p iste m o ló g ic o d a T e o lo g ia S iste m á tic a . q u e os a d eren tes de o u tra s religiões.
24 C f. Jo 8.46; 2 C o 5.21; H b 4.15; 1 Jo 3.3.
22V id e v o lu m e 1, ca p ítu lo
:?i O u , até m e sm o vidas “m e lh o re s ” do
25 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 3, e v o lu m e 2,
a p ên d ice 1. 26 “U m a ta u to lo g ia é u m a a firm a tiv a vazia, algo v erd ad eiro n a sua d efin ição , m as q u e n ã o tra n s m ite q u a lq u e r in fo rm a ç ã o a re sp e ito d o m u n d o re a l” (G eisler, B E C A , “Tautology” [Tau tolog ia] ).
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nova centrada em Deus e m anifesta no “fru to do Espírito,” parece claro que a salvação está ocorrendo em todas as religiões m undiais -— e está ocorrendo, até onde sabemos, mais ou m enos no m esm o nível. ( “PV” in O ckholm e Phillips, FV SPW , 43) A lém disso, o que é supostam ente co m u m a todas as religiões é um a resposta adequada à Realidade Final: Todas as religiões] parecem co n stitu ir mais ou m enos de igual form a a au têntica consciência h u m a n a a respeito da Realidade Final, bem com o u m a resposta h u m a n a a esta realidade Real, a base final e a fonte de todas as coisas [...] [Existe] u m a pluralidade de tradições religiosas que co n stitu em diferentes respostas h u m an as à Realidade Final, as quais, apesar das diferenças são mais ou m enos equivalentes n a sua efetividade salvífica. Estas são as grandes crenças m undiais, (ibid., 45, 47).
Resposta U m a análise da argum entação revela vários erros. Primeiro, H ick n ov am en te se serve de arg u m en tação viciada —
toda a sua argu m en tação está baseada na suposição prévia de que todas as religiões apresentam um a relação apropriada (co rre ta , aceitável) co m aquela que seria, verd ad eiram ente, a “Realidade F in al.” Na verdade, talvez elas não sejam apropriadam ente relacionadas, n e m m esm o ligadas àquilo que é, de fato , a Realidade Final. Sigm und Freud (18561939), na sua obra Future o f an Illusion [O F u tu ro de U m a Ilusão], afirm a que é possível estarm os enganados e, Ludwig Feuerbach (1804-1872), observou que a “relig ião” pode ser, p o ten cialm en te, nada mais que u m a sim ples p ro jeção da nossa própria im aginação (E C , cap ítu lo 1). A lém disso, Paul T illich percebeu que u m a pessoa pode m a n ter um com p rom isso definitivo co m algo que seja in ferio r à Realidade Final, ao que ele cham a de “d em on ização.” ( U C, 5). Segundo, FFick in corretam en te pressupõe que todas as religiões não passam de um a resposta h u m ana à Realidade Final. Isto tam bém é argum entação viciada, só que desta vez em favor da perspectiva sob renatu ral.27 Na verdade, ele pressupõe que um a visão panteísta da Realidade Final seja a que, nas várias religiões mundiais, transcenda todas as m anifestações particulares (cu ltu rais) desta Realidade Final.2S Terceiro, a negação da verdade de qualquer religião específica é, por si m esm a, um a fo rm a de Exclusivism o; neste caso, a favor do ponto de vista específico conhecid o com o Panteísm o, a fim de que a particularidade de u m a visão conhecida com o Teísm o Cristão seja negada. Até m esm o os panteístas fazem um a alegação particular (específica, nãogeral, exclusivista) de verdade quando a sua afirm ação se contrapõe aos pontos de vista não-panteístas. Servir-se deste tipo de posicionam ento panteísta com o sendo a base para análise de todas as religiões, inclusive as visões n ãoLpanteístas, novam ente, representa ou tro caso de argum entação viciada. Quando o pluralista nega que qualquer religião específica seja verdadeira — num esforço para refutar o Exclusivismo — ele mesmo acaba fazendo uso de uma afirmação exclusivista da verdade. P ortanto, esta objeção se to rn a auto-anulável. Quarto, o Pluralism o freq ü e n te m e n te se d egenera à posição de que toda cren ça é verdadeira. Todavia, isto significaria, por exem p lo, que não im p o rta se som os 27Vide volum e 1, capítulo 3, acerca da suposta incredibilidade dos milagres. 28Vide ibid., capítulo 2, e volum e 2, capítulos 18 e 24.
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satanistas apaixonados ou adeptos da su p rem acia da raça b ran ca — co n ta n to que sejam os sinceros em nossa crença, ela será verdadeira. C o m o refu tação basta afirm ar que a sinceridade não serve de teste para a realidade. C o m o já foi dito incontáveis vezes, m u itas pessoas sinceras, em m u itas questões, te m se m o strad o sin ceram en te enganadas. Toda verdade é verdadeira, in d ep en d en tem en te da fo rm a que decidam os nos posicionar diante dela. Quinto, e para finalizar, o question am ento de H ick im plica que toda afirm ação de verdade seja u m a questão de “tanto/quanto” e não de “ou/ou.” O fato é que posições opostas não podem ser, sim u ltaneam ente, verdadeiras, pois o oposto do verdadeiro é o falso.29 Por exem plo, o Panteísm o hindu e o Teísm o cristão não podem ser, ao m esm o tem po, verdadeiros, já que am bos afirm am cosm ovisões excludentes.30 D e m odo sem elhante, o Cristianism o, que afirm a a m o rte e a ressurreição literais de Cristo e o Islam ism o que as nega, não podem estar, ao m esm o tem po, corretos.
O Argumento de que Cristo não É Único O u tra objeção pluralista ao Exclusivism o é a alegação de que a excelência de Cristo não sobrepuja a de ou tros líderes de outras religiões. Esta tentativa de destruir a singularidade de C risto é baseada em u m a negação da historicidade do N ovo Testam ento.31 C om relação ao ensino cristão acerca de C risto ser a encarnação de Deus-Pai, H ick argum enta que existem aqui dois problem as básicos. A Primem A legação O p rim eiro problem a é que o Jesus h istórico n ão ensinou esta d o u trin a [...] Existe, hoje em dia, e n tre os estudiosos con servad ores do N ovo T estam en to , u m consenso geral de que estas afirm ações n ão teriam sido feitas pelo Jesus histórico, m as que se tratariam de palavras colocadas n a sua b oca cerca de sessenta ou seten ta anos depois p o r u m escrito r cristão que p ro cu ra v a expressar a Teologia que havia sido desenvolvida n a sua ala da igreja em expansão. ( “PV ” in O ck h o lm e Phillips, F V SP W , 52-53)
Hick então apresenta u m a série de autores cristãos que, supostam ente, concord am que “Jesus n u n ca reivindicou a divindade para Si m esm o .” (ibid., 53).
Resposta Hick está terrivelm ente m al inform ad o acerca deste assunto. A historicidade e a confiabilidade dos d ocu m en tos do N ovo T estam ento estão abund antem ente atestadas.32 Os livros do N ovo Testam ento p o r ele referidos não foram escritos depois da m o rte das testem unhas oculares, mas enqu anto elas ainda estavam vivas. O evangelho de João foi escrito pelo A póstolo João (21.24). O evangelho de Lucas foi escrito pelo Dr. Lucas, um m édico, discípulo con tem p orâneo de Jesus que con h ecia as testem unhas oculares (1.14). A prim eira carta aos C oríntios (que até m esm o os críticos re co n h ecem te r sido escrita em 55-56 d .C .) fala de quinhentas testem unhas (15.5-7), sendo que a m aioria delas ainda vivia quando Paulo escreveu aquela carta, m enos de vinte e cinco anos depois da m o rte de Cristo. A té m esm o o falecido Jo h n A. T. R obinson (1919-1981), u m erudito liberal 2QVide volum e 1, capítulos 5 e 10.
wIbid, capítulo 2.
31 Ibid., capítulo 26.
32 Ibid.
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do X o v o Testam ento, datou alguns dos evangelhos com datas tão anteriores quanto 40-60 d.C.33 Os d ocu m en tos citados, por serem dem asiadam ente antigos, não apóiam a idéia de Hick. A afirm ação de que eles foram escritos por u m a geração posterior, que já havia form u lad o u m a visão contrária a do Jesus histórico, é contrária aos fatos. P ortan to, com o os evangelhos estão relatando, e não recriando as palavras e as obras de Cristo, existe base sólida para as afirm ações únicas e específicas de Cristo a respeito dele ser o próprio D eus encarnado e, dessa form a, incom paravelm ente superior a todos os demais líderes religiosos.34 A Segunda Alegação O segundo p ro b lem a é que ainda não se p ro v o u ser possível, depois de cerca de quinze séculos de esforços incansáveis, dá-se qualquer sentido claro à idéia de que Jesus tin h a duas natu rezas co m p letas, u m a h u m a n a e o u tra divina. [...] Seria realm en te possível que o co n h e cim en to infinito estivesse alojado em u m a m e n te h u m a n a finita? [...] Será que q uerem os m esm o acred itar que Jesus foi literalm en te onip oten te, m as fingiu não ser, c o m o vem os e m M arcos 6.5? [ ...] 35 M esm o sendo ele b om , am o ro so , sábio, justo e m isericordioso, h á u m p rob lem a óbvio: c o m o u m ser h u m an o finito pod eria apresentar estas qualidades em u m grau infinito. [...] U m ser finito n ão pode ter atributos infinitos ( “PV” in O k h o lm e Phillips, FV SP W , 55-56).
Resposta H ick não é convincente em afirm ar que a Encarnação envolve u m a to tal contradição lógica, apesar da sua linguagem tam b ém poder ser igualm ente considerada u m a franca contradição lógica. Apesar disso, se a Encarnação não for u m a contradição lógica, então não existe n e n h u m a incoerência dem onstrada n a posição exclusivista. O próprio Hick adm ite que “é logicam ente perm issível se crer em algo que não seja au tocon trad itó rio” (.M G I, 104). C o m relação à afirm ação de que é difícil dem on strar com o a E ncarnação pode ter sido u m a realidade, podem os afirm ar que, partindo dos m esm os pressupostos, tam bém teríam os que rejeitar a m aior parte da nossa experiência co m u m bem como parte da nossa Ciência m o d ern a que tem dificuldade em explicar co m o a luz pode ser, sim ultaneam ente, com p osta de ondas e partículas. Todavia, apesar da dificuldade, n e n h u m cientista deixou de acreditar que a luz existe por conta deste desafio! A lém disso, Hick parece estar tam bém desinform ado acerca da posição teísta o rtod oxa acerca das duas naturezas de Jesus C risto, apegando-se à visão n ão -o rto d o xa conhecid a co m o M onofisism o,36 a qual confunde as suas naturezas, divina e hu m ana. A sua pergunta: “Seria realm ente possível que o co n h ecim en to infin ito ficasse confinado a u m cérebro h u m an o finito?”, revela u m a trem en d a confusão, pois o Teísm o clássico não alega a existência de con h ecim en to infinito no cérebro finito de Cristo. Mas sim , afirm a que Cristo possuía duas naturezas distintas, u m a infinita e o u tra finita. A pessoa de Jesus, p ortanto, tin h a co n h ecim en to infinito som en te n a sua natu reza infinita. C o m o Deus, Ele con h ecia todas as coisas; com o h o m em , porém , Jesus crescia em con h ecim en to 33 V ide a su a o b ra Redàting the New Testament [N ova D a ta ç ã o Para o N o v o T e s ta m e n to ] (P h ila d elp h ia : W e stm in ste r, 1976). 34 V ide v o lu m e 2, c a p ítu lo 12. im p o n d o -lh e s as m ã o s .”
35 “E n ã o p o d ia fa z er ali ob ras m a rav ilh o sas; so m e n te c u r o u a lg u n s p o u co s e n fe rm o s,
36V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 12, n o s u b títu lo “H eresias A ce rca de D e u s e de C ris to .”
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(Lc 2.52). O m esm o se aplica aos seus outros atributos, p o r exem plo, ao fato dele ser onip oten te co m o Deus, m as lim itado co m o h o m em .37
O Argumento a Favor de uma Suposta Intolerância do Exclusivismo Os pluralistas assum em u m to m mais firm e quando perdem a com postu ra e acusam os não-pluralistas de intolerantes. (Os exclusivistas, por natureza, defendem que um a posição é verdadeira e as posições que a ela se opõem são falsas.) Por que u m paradigma deveria ser o detentor da verdade, enquanto todos os demais seriam considerados falhos?
Resposta Primeiro, se a defesa de u m a visão exclusivista faz de nós pessoas intolerantes, poderíam os dizer que os pluralistas tam bém são intolerantes, pois alegam que o seu ponto de vista é verdadeiro em d etrim ento de todos os outros (da m esm a fo rm a que faz o Exclusivism o). Eles certam en te não tolerariam a posição de que a sua visão pluralista e as outras visões não pluralistas são, ao m esm o tem p o, verdadeiras.38 Segundo, se a acusação de in tolerân cia fo r levantada não em fu nção do con teú d o da posição, m as da m aneira co m o a colocam os, então esta objeção se to rn a irrelevante — não existe u m a visão ú n ica que dom ina a intolerância, e o pluralista pode ser tão in tolerante quanto todos os outros defensores dos ou tros pontos de vista. Dessa form a, pode haver tan to exclusivistas tolerantes, quanto pluralistas intolerantes. C onquanto estas coisas sejam im portantes, a atitude que ensejamos ao defender uma verdade não guarda qualquer tipo de relação com o valor da verdade em si mesma. Ser in toleran te com a verdade não a to rn a falsa, da m esm a fo rm a que a tolerância ao erro não fará dele u m a verdade. Estudar com u m m atem ático d ogm ático não fará com que 7 x 3 seja diferente de 21, tal qual o estudo com u m m atem ático “m en te aberta” não fará co m que 8 x 6 seja quinze. Terceiro, o próprio conceito de tolerância im plica u m a discordância real. N inguém tolera algo co m que não concorda, se concordasse com a idéia não toleraria, m as sim seria u m adepto dela. P ortan to, o conceito de tolerância pressupõe u m a visão não pluralista (isto é, exclusivista) da verdade.
O Argumento da Suposta Limitação Intelectual do Exclusivismo Os pluralistas freq ü entem en te alegam que os não pluralistas são in telectu alm en te lim itados: Eles alegam que a sua posição é co rreta e que tudo que se opõe a ela está errado. C o m o já observam os, isto soa extrem am en te presunçoso: por que som ente os exclusivistas estariam de posse da verdade?
Resposta Tanto os pluralistas (P) quanto o s exclusivistas (E) fazem u m a reivindicação equivalente da verdade e do erro. Ambos alegam que o seu p o n to de vista é o co rrèto e tu do o que a ele se opõe é errado. Por exem plo, Se E fo r verdadeiro, tudo o que fo r não-E será falso. D a m esm a form a, se P fo r verdadeiro, tudo o que fo r não-P será falso. O que os fatos revelam é que tanto os exclusivistas quanto os pluralistas são igualm en te “lim itad os”. A 37 V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 12 e apên d ice 1.
38 O fa to d a verd ad e ser in clu siva, e n tre ta n to , n ã o é d escu lp a fa z erm o s uso
d ela de fo rm a n ã o -a m o ro s a (p o r e x e m p lo , Lucas 11.42; I C o 13.3) — a verdad e é verd ad eira por mérito próprio, e m e sm o que a lg u ém q u e p ossu a a verd ad e a tenha descoberto, n ã o fo i ele q u e m a criou.
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bem da verdade, toda a verdade é m esm o lim itada. Afinal, 2 mais 3 não é 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9 , 10 ou qualquer ou tro n ú m ero ad infinitum, que n ão seja 5. S o m en te existe u m a resposta verdadeira, que apesar de ser limitada, revela a real natu reza da verdade.39
O Argum ento do Suposto Imperialismo Intelectual do Exclusivismo O utra acusação con tra o Exclusivism o é a de que ele exerceria u m im perialism o intelectu al. Os pluralistas alegam que os exclusivistas são totalitários no que se refere à verdade, e que estes deveriam ser mais abertos às contribuições de outras fontes, e não se lim itar a um a só. Na verdade, alguns pluralistas p ós-m od ernos chegam ao ponto de alegar que não som en te a verdade, co m o tam b ém a própria idéia de significado cheira a Fascism o (M cG rath , “C PC CC in JE T S ".).
Resposta Apesar desta alegação ter u m certo apelo, ela é desprovida de m érito n a d eterm inação do que é certo ou errado. Primeiro, n o rm alm en te, a intenção desta alegação é um a fo rm a de falácia lógica ad hominem — pois ataca a pessoa em vez do p o n to de vista proposto. Segundo, esta objeção é de u m a presunção injustificada, ou seja, de que a verdade deveria ser mais d em ocrática. Mas ao tirarm os u m a prova do m u nd o real, verem os que a verdade não é decidida pelo voto da m aioria! C o m o já vim os, a verdade é o que corresponde à realidade, seja ela crida pela m aioria ou não.40 Terceiro, será que os pluralistas realm ente acreditam que todas as visões são igualm ente verdadeiras e boas? Será que o Fascism o e/ou o M arxism o são tão im portantes quanto à preservação da liberdade do ser hum ano? Será que deveríam os ter tolerado a queim a das viúvas que era feita pelos hindus no fu n eral dos seus maridos? N ão, não e não.
A BASE INSTÁVEL DO PLURALISMO O Pluralismo defende várias premissas dúbias, dentre as quais destacaremos as seguintes:
Existem Critérios Morais Trans-religiosos universalmente Aceitos Para to rn ar efetivo o argu m ento da igualdade m o ral, precisam os considerar um co n ju n to de critérios m orais que não seja exclusivo de n e n h u m a das corren tes religiosas em questão, e pelo qual todas possam ser avaliadas. Mas os pluralistas panteístas geralm ente se recusam a aceitar qualquer lei m o ral un iversalm ente vigente. Se existisse u m a m oralidade absoluta dessa espécie, existiria tam bém um Legislador M oral Absoluto. C o m o m encionam os n o vo lu m e 1, som en te as religiões teístas aceitam estes critérios, e m esm o assim, algum as rejeitam a natu reza absoluta e perfeita de D eus.41
Todos os Fenômenos Religiosos Podem Ser Explicados de forma Naturalista Por detrás do ataque pluralista ao Exclusivism o está a prem issa pré-concebida de que todos os fenôm enos podem ser explicados de fo rm a naturalista. P ortan to, não seriam perm itidas ou aceitas explicações sobrenaturais. Só que este natu ralism o presunçoso
39Vide volum e 1, capítulo 5.
40Vide volum e 1, capítulo 7.
41 Por exem plo, certos “deístas finitos” —ibid., capítulo 2.
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é injustificado já que, a priori, os m ilagres não podem ser descartados.42 Os m ilagres tam bém não são inacreditáveis, co m o alegou David H um e (1711-1776 — vide E C H U e T H N ). C o m o observam os n o volu m e 1, não som en te existem evidências a favor dos m ilagres, co m o tam bém existem evidências significativas para o m aior de todos os milagres, a criação do m u nd o ex nihilo ( “a partir do nada”) 43, bem co m o para o estonteante m ilagre da ressurreição de Jesus C risto.44
O Mundo É “Religiosamente Ambíguo” C o m o já foi visto H ick defendia que “o universo, da fo rm a co m o se pode co n h ecê-lo hoje, pode ser interpretad o in telectu al e exp erim entalm en te tan to da fo rm a religiosa, quanto da n atu ralista” (H ick, IR , 129). “O Real é perfeitam ente sem diferenciação; ou seja, ele não apresenta qualquer tipo de propriedade às quais os nossos conceitos veridicam ente [verdadeiram ente] possam ser aplicados” (G eivett, “RJH ” in O k h olm e Phillips, FV SPW , 77). Em resposta a essas afirm ações45, é im p ortan te que se façam algum as observações im portantes. Primeiro, é autodestrutivo alegar que sabemos que não podemos saber a respeito do R eal.46 Segundo, o fato de não con h ecerm o s a realidade deform a exaustiva não significa que não podem os co n h ecê-la deform a verdadeira. C o m o observa G eivett: “Na proporção em que D eus é conh ecid o por nós, ele é verdadeiram ente con h ecid o” (ibid.). Terceiro, a simples noção de u m a Realidade Final (o Real) que não pode ser diferenciada47 é, no m ín im o, insustentável, se não fo r autodestrutiva. A sugestão feita por Hick de que o R eal poder ser sim bolizado pelo conceito de Sunyata48 do Budism o é reveladora, pois se o R eal (a Realidade Final) se apresenta dessa form a — tão difícil de ser diferenciado — co m o pode ele ser representado por algum símbolo? Quarto, o Real tam bém não pode ser m anifesto nas várias tradições, de acordo com Hick. Para que algo possa ser manifesto (m ostrad o, apresentado, d em onstrad o), algum as das suas características, pelo m enos, precisam ser reveladas (ibid.). Só que o Real, por ser to talm en te sem diferenciação, não apresenta características discerníveis. Logo, ele não pode ser m anifesto em nossa experiência de m aneira que apresente qualquer tipo de significado para nós. Quinto, e para encerrar, existe u m tipo de epistem ologia m ística presum ida nesta noção de que “D eus não pode ser con h ecid o.” Ela apresenta u m to m u m tanto im perialista ao querer ditar co m o D eus pode e co m o n ão pode se revelar a nós. Fica a dúvida a respeito de qual corren te de busca da verdade m etafísica pode ter gerado esta in form ação absoluta (ibid.).
42 Ib id ., ca p ítu lo s 1 e 3.
43 V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 18.
44 V id e v o lu m e 1, ca p ítu lo s 3 e 26, e v o lu m e 2, c a p ítu lo 12.
45 Estas q u estões estão abord adas c o m m ais d e ta lh e n o v o lu m e 1. V id e c a p ítu lo 6 so b re S e m â n tic a (e so b re o R e a lism o e m oposição ao Essencialism o e ao C on ven cion alism o) e o cap ítu lo 7 sobre a verdade e a E pistem ologia.
46 Vide N o rm a n L.
G eisler: “A g n o stic ism ” [A gn osticism o] e “T r u th , N a tu re o f ” n a Baker Encyclopedia o f Christian Apologetics (G ra n d Rapids: B ak er, 1999).
47 A idéia de que n ã o e xiste n a d a n o R ea l (o u n a “R ealid ad e F in a l”) q u e se c o rr e la c io n e c o m as nossas idéias
o u c o n ceitu alizaçõ es a seu resp eito .
48 Vácuo ou vazio, n o r m a lm e n te a p licad o ao “e u .”
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O Diálogo Pluralista É o Único Caminho para a Verdade O u tro pressuposto seriam ente falho é a posição de que o diálogo inter-religioso nos m oldes pluralistas é m e lh o r (senão a ún ica) fo rm a válida de se descobrir a verdade. U m a falácia sem elhante é a suposição de que n e n h u m diálogo religioso seria possível se algum a das partes considerasse, antecipadam ente, que a sua religião é verdadeira. Isto é considerado u m a prova cabal de que esta parte não está, verdadeiram ente, “aberta à verdade”. U m diálogo verdadeiro supõe que as partes sejam tolerantes, abertas, hum ildes e que desejam ouvir e aprender, enfim , to m ar parte em u m a busca co m u m da verdade em um am or auto-sacrificador e altruísta (Hick, IR , 239). Em resposta, é necessário que se apresentem algum as coisas. C onsiderem os que o diálogo verdadeiro não depende da adoção de u m a perspectiva pluralista acerca da verdade. Podem os (e, de acordo com a fé cristã, devem os) assum ir u m a atitude de am or, hum ildade, e abertura sem sacrificarm os as nossas convicções. Por exem plo, podem os abrir u m debate filosófico acerca da lei da n ão-con trad ição49 sem abandonarm os a nossa crença de que este preceito é absolutam ente necessário para todo pensam ento convincente em itido em qualquer um dos lados do debate. A lém disso, o pluralista viola o seu próprio im perativo quando não deseja abrir m ão do seu com prom isso co m o Pluralism o co m o condição inicial para este debate. C o m o já foi visto, o próprio conceito de “to lerân cia” im plica o erro em algum as posições — é o m al e o erro que são tolerados. Não faz sentido afirm arm os que “toleram os a verdade,” da m esm a fo rm a que não faz sentido afirm arm os que “toleram os a bondade.”
O Ponto de Vista de Hick É religiosamente Neutro Pluralistas co m o Jo h n H ick n o rm a lm en te estão disfarçados de “neutralid ade religiosa”, porém esta neutralidade não existe. O Plu ralism o n ão é religiosam en te n eu tro , m as segue os m old es do co n ceito H indu de “T ra n scen d en te” e é antag ô nico aos princípios básicos do C ristianism o. A lém disso, o P lu ralism o, n a verdade, n ão estim u la verd ad eiram ente o diálogo g enu íno e n tre as tradições; n a verdade, ele deixa vazia a no ção de fazerm os parte de u m a “trad ição religiosa específica.” D e acordo co m os pluralistas, todas as tradições são, essencialm en te, a m esm a coisa; aceitar o Pluralism o não é “aceitar a ab ertu ra ”, m as re je ita r a própria trad ição e aderir a o u tr a — a tradição pluralista.
Uma Perspectiva Relativista da Verdade Está Correta Por detrás da afirm ação p lu ralista de que todas as grandes religiões apresentam u m a d eclaração sem elh a n te da verdade está a visão de que o p róp rio R elativism o assum e a respeito da verdade. Mas, co m o já analisam os, a negação da verdade absoluta rep resenta u m a atitud e au tod estru tiva. Esse p o n to de vista alega que o relativism o é verdadeiro para todos, em todos os lugares e em todos os tem p os. Todavia, o que é verdadeiro para todos, em todas as partes e em todas as épocas é u m a verdade absoluta. P o rtan to , o relativ ism o afirm a, de m a n eira suicida, que ele (o Relativismo) é ab so lu tam en te verdadeiro.50
49Vide volum e 1, capítulos 5 e 10.
30Vide volum e 1, capítulo 7.
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CONCLUSÃO A proposição pluralista de que todas as religiões são verdadeiras é auto-anulável, pois a lei irrevogável da não-contradição afirm a que os opostos se au to-an u lam , p o rta n to a verdade não pode pertencer ao m esm o tem p o a duas idéias contraditórias.51 Por exem plo, co m o o Islam ism o alega que som en te existe u m a pessoa em Deus, e o Cristianism o afirm a que existem três, as duas religiões não podem estar corretas neste ponto. De m odo sem elhante, co m o o Islam ism o ensina que Jesus não m o rreu n a cru z e não ressuscitou dos m o rto s ao terceiro dia, e o Cristianism o afirm a que estas duas coisas o co rreram , um a das duas posições está errada.52 O m esm o é verdadeiro para todas as crenças básicas de todas as religiões — algum as afirm am que existe u m Deus nos m oldes teístas (por exem plo, o Judaísm o, o C ristianism o e o Islam ism o), ao passo que outras defendem um Deus “panteísta” (por exem plo, o H induísm o, o Z en Budism o e o Taoísm o). D eus não pode ser, ao m esm o tem p o, transcend ente sobre o m u nd o (co m o pressupõe o Teísm o) e não ser transcend ente sobre o m u nd o (co m o pressupõe o Panteísm o). Se o Teísm o for verdadeiro, o Panteísm o será, au tom aticam en te, falso.53 A lém disso, a afirm ação pluralista de que todas as religiões são iguais é infundada, pois para fazer esta afirm ação os pluralistas se baseiam em pressuposições não provadas (tais com o o N aturalism o e o Panteísm o). Eles tam bém argu m entam , n a con tram ão dos fatos, co n tra a historicidade do N ovo T estam en to.54 Não bastasse isso, os pluralistas tam bém reduzem todas as religiões a u m d en om inad or co m u m básico — por eles estipulado — para, a seguir, afirm ar que n e n h u m a delas pode alegar a sua singularidade. Isto representa argum entação viciada, porque n ão podem os determ inar se u m a religião é singular, negligenciando a sua singularidade som ente para fins de com paração com as outras com base naquilo que elas têm em co m u m . Em sum a, o Pluralism o é deficiente tanto nos fatos, quanto n a Filosofia. Por fim, e o que é fatal, o Pluralism o se enforcou na forca que ele m esm o construiu, por negar o Exclusivism o alegando que n e n h u m a posição pode fazer u m a alegação exclusiva da verdade para si, ele, todavia, alega ser exclusivam ente verdadeiro — ou seja, verdadeiro em d etrim ento de todas as form as de não pluralism o (ta l co m o o Exclusivism o). Se o Pluralism o fo r exclusivam ente verdadeiro, ele, de fato, deixa de ser Pluralism o, m as passa a ser u m a fo rm a de exclusivism o.
FONTES Adler, M o rtim er. Truth in Religion. Clark, David e N orm an Geisler. Apologetics in the New Age. Clarke, Andrew D., e B ru ce H unter, eds. One God, One Lord: Christianity in a World o f Religious Pluralism.
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fll V id e v o lu m e 1, ca p ítu lo s 5 e 8.
52 V id e N o rm a n G e isle r e A b d u l S aleeb : Answering Islam: The Crescent in the Light o f the Cross
[R esp ostas ao Islam ism o : A C re sc e n te à Luz d a C ru z], p a rte 3 (G ra n d Rapids: B a k e r, 1993) v o lu m e 2, ca p ítu lo s 18 e 24.
54 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 26.
53 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 1 e
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G eivett, R. Douglas. “Response to Jo h n H ick” in O k h olm e Phillips, eds., Four Views on Salvation in a Pluralistic World. G nanakan, Ken. The Pluralistic Predicament. Hick, Jo h n . An Interpretation o f Religion. ________ . The Metaphor o f God Incamate; Christology in a Pluralistic Age. ________ •“A Pluralist’s View” in O k h olm e Phillips, eds. Four Views on Salvation in a Pluralistic World. H um e, David. An Enquiry Concerning Human Understanding. ________ . A Treatise o f Human Nature. Jam es, W illiam . Varieties o f Religious Experience. M cG rath , Alister. “T h e C h allen ge o f Pluralism fo r th e C on tem p orary C hristian C h u rch ” in fournal o f the Evangelical Theological Society. ________ . “R esponse to Jo h n H ick” in O k h o lm e Phillips, eds., Four Views on Salvation in a Pluralistic World. Nash, Ronald. Is Jesus the Only Saviour?. N etland, Harold. Dissonant Voices: Religious Pluralism and the Question ofTruth . O k h olm , D ennis L. e T im o th y R. Phillips, eds., Four Views on Salvation in a Pluralistic World (títu lo anterior: M ore T h a n O ne Way?). Pinnock, Clark. “Response to Jo h n H ick” in O k h o lm e Phillips, eds., Four Views on Salvation in a Pluralistic World. ________ . A Wideness in God's Mercy. R obinson, Jo h n A. T. Redating the New Testament. T anner, G erald e Sandra. The Changing World o f Mormonism. T illich, Paul. Ultimate Concern.
C A P Í T U L O
Q U A T O R Z E
OS EFEITOS DA SALVAÇÃO (INFANTES E PAGÃOS)
A
salvação afeta tudo, inclusive o passado, o presente e o fu tu ro. Ela tam bém afeta toda
a criação, tanto os salvos, quanto os não-salvos, os seres anim ados e os inanim ados, os hu m anos e os angelicais. Parte deste capítu lo é u m a síntese que tem por objetivo proporcionar um a perspectiva soteriológica mais abrangente e unificada a respeito da salvação dos infantes e dos pagãos. A m aior parte deste capítulo, no entan to, trata de fo rm a direta e mais aprofundada de dois tópicos im portantes: a situação dos seres hum anos não-nascidos co m respeito à sua redenção e o estado dos não-evangelizados (os pagãos).
OS EFEITOS DA SALVAÇÃO SOBRE OS SERES HUMANOS E SOBRE A CRIAÇÃO O ser h u m an o é o principal foco objetivo do m agnífico plano divino de salvação. Todavia, tan to o m u nd o físico, que serve de palco para a saga da salvação, quanto o m u nd o angelical, que o rodeia d esem penham , igualm en te, u m papel decisivo na totalidade da peça.
Os Efeitos da Salvação sobre os Salvos O bviam ente, co n fo rm e ficou d em onstrado na prim eira parte desta obra, a salvação pressupõe a Q u ed a— não haveria necessidade de se restaurar u m a perfeição que não fora perdida. P ortan to, a salvação se inicia onde a Queda term ina; a salvação não é u m evento ú nico, mas u m longo processo que com eça em Gênesis 3 (n o Paraíso perdido) e continua até Apocalipse 22 (n o Paraíso reconquistado). H istoricam ente, a salvação inclui o seu prenúncio no Antigo Testam ento, e a sua consumação nas páginas do Novo T estam ento. A salvação inclui três eventos espetaculares: (1) A vitória oficial sobre o pecado, conquistada na cru z ;1 (2) A vitória prática sobre o pecado n a vida dos crentes;2 (3) A vitória final sobre o pecado na Segunda Vida de C risto.3
1Vide capítulos 8-9.
2Vide capítulo 10.
3Vide capítulo 4.
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C o m o já foi observado n o capítu lo 6, a prim eira etapa proporciona a justificação (pela qual som os salvos da pu nição do pecado), a segunda é o processo de santificação (pelo qual som os libertos do poder do pecado), e a ú ltim a fará co m que atinjam os a glorificação (pela qual som os libertos da própria presença do pecado).
Os Efeitos da Salvação sobre os Perdidos Apesar das pessoas que rejeitam Cristo não terem a possibilidade de se salvar depois da m o rte,4elas tam bém serão afetadas pelo processo de salvação. Todos os seres hum anos, salvos e não-salvos, serão ressuscitados (cf. D n 12.1-3; Jo 5.28,29; Ap 20.1-3). C om o já observamos, todas as pessoas são tornadas justificáveis em virtude da m o rte e da ressurreição de Cristo (cf. R m 5.15-19; 2 Co 5.19; 1 T m 4.10). Até m esm o os anjos são afetados pela m aravilha do plano divino de salvação para este m undo (cf. E f 3.10; 1 Pe 1.12).5 Os anjos perdidos serão julgados pelos seres h u m anos (1 C o 6.3), e os seres hum anos perdidos serão condenados pela sua própria recusa em aceitar o testem u n h o dos salvos (2 T s 1.1-9). Isto oco rrerá “no dia em que D eus há de ju lg ar os segredos dos hom en s, por Jesus C risto ” (R m 2.16). A m esm a palavra de D eus é sabor de vida na vida daqueles que crêem , é tam bém sabor de m o rte na m o rte daqueles que rejeitaram o salvador. Jesus disse: “Q uem m e rejeitar a m im e não receber as m inhas palavras já tem quem o julgu e; a palavra que ten h o pregado, essa o há de ju lg ar no ú ltim o D ia” (Jo 12.48). Em sum a, a obra salvífica de Cristo teve u m a influência extensiva tan to sobre os salvos, quanto sobre os perdidos, positiva ou negativam ente. A Condenação dos Perdidos E Justa
A condenação que Deus im porá aos perdidos servirá de justiça porque a sua m ensagem foi enviada para o m undo inteiro (M t 28.18-20; At 1.8). Paulo disse aos Colossenses: “Se, na verdade, perm anecerdes fundados e firmes na fé e não vos moverdes da esperança do evangelho que tendes ouvido, o qual foi pregado a toda criatura que há debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, estou feito m inistro” (C l 1.23). Jesus tam bém disse aos discípulos: “E este evangelho do R eino será pregado em todo o m undo, em testem unho a todas as gentes, e então virá o fim ” (M t 24.14). Aqueles que não ouviram o evangelho poderiam ter,5 pois Deus “galardoa” aqueles que o buscam (Hb 11.6) e, com o disse Pedro: “R econheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas; mas que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o tem e e faz o que é ju sto ” (A t 10.34,35). Quando as pessoas respondem à luz da criação (R m 1.19,20) e/ou da sua consciência (R m 2.12-15), Deus provê a luz da redenção — Ele sabe exatam ente quem estará lá quando o evangelho for pregado (A t 17.26), e sabe quando alguém que receberia a salvação ainda não teve a oportunidade de fazê-lo.
4V id e c a p ítu lo 4.
5 A o c o m e n ta r a frase “p a ra as quais coisas o s a n jo s d e seja m b e m a te n ta r” — que ap a rece, c u rio sa m e n te ,
e m 1 Pedro 1.12 — C h arle s J o h n H licott (18 1 9 -1 9 0 5 ) escrev eu : “A qu i, p o r ta n to , a in te n çã o é m o s tra r q u e e sta m o s e m u m a situ ação p rivilegiada p ara c o m p re e n d e r os m is té rio s d a re d e n ç ã o [...] e m re la ç ã o aos a n jo s; e eles c o b iç a m [se m o v e r] do p o n to de vista q u e a tu a lm e n te p o ssu em , p a ra o n osso . E p o r q u e isto o c o rre ? N ão é p o r ca u sa d o m is té rio in e re n te [...] m as p o rq u e eles são in capazes de c o m p re e n d e r to ta lm e n te a n a tu r e z a h u m a n a , a c a rn e e o c o rp o , c o m as suas te n ta ç õ e s e so frim e n to s e sua n ecessid ad e de u m Salvad or. N o m a g n ífico q u ad ro de [Francesco ] F ra n cia , dois a n jo s se a jo e lh a m d ian te de M aria, q u e c h o r a in co n so lá v el, ao ver o seu filh o m o r to . O s a n jo s n ã o a p rese n ta m n e n h u m tr a ç o seq u e r de p esar n o seu s e m b la n te ” ( EUicotts Commentary on the Whole Bible, V o lu m e 7, 3 9 3-94).
6 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 4, a c e rc a da rev ela çã o
g e ral e da especial, e adiante, sob o títu lo “O s E feitos da S a lv a çã o so b re os Pagãos”
OS EFEITOS DA SALVAÇÃO (INFANTES E PAGÃOS)
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A Condenação dos Perdidos É Final C om o já estudam os, Hebreus 9.27 ensina que todas as pessoas “estão ordenadas a m o rre r u m a só vez, vindo, depois disso, o ju íz o ”. Em u m a parábola que trata da separação en tre o céu e o inferno, u m a das personagens utilizada por Jesus disse: “Está posto u m grande abism o en tre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam , n em tam p ou co os de lá, passar para cá” (Lc 16.26). Ao refletir sobre o estado etern o, João declara: “Q uem é in ju sto faça in ju stiça ainda; e quem está sujo suje-se ainda; e quem é ju sto faça ju stiça ainda; e quem é santo seja santificado ainda” (Ap 22.11). A m bos os destinos são definitivos — no final o trigo será separado do jo io , os bons dos m aus, e as ovelhas das cabras. A Condenação dos Perdidos E Eterna A situação em que os ím pios ficarão não será som en te definitiva, mas tam bém eterna:7 E todas as nações serão reunidas diante dele, e ap artará uns dos o u tro s, c o m o o p asto r ap arta dos bodes as ovelhas. E p o rá as ovelhas à sua direita, m as os bodes à esquerda. E n tão , dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de m eu Pai, possuí p o r h era n ça o R eino que vos está p rep arad o desde a fu n dação do m u n d o [...] E n tão, dirá tam b ém aos que estiverem à sua esquerda: A partai-vos de m im , m alditos, p ara o fogo e tern o , prep arad o p ara o diabo e seus anjos. (M t 25.32-34,41)
Paulo acrescenta: Q uando se m an ifestar o S en h or Jesus desde o céu , c o m os anjos do seu poder, co m o labareda de fogo, to m an d o vin gança dos que n ão co n h e ce m a D eus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso S en h or Jesus C risto; os quais, p o r castigo, p adecerão ete rn a perdição, ante a face do S en h or e a glória do seu poder. (2 Ts 1.7-9)
Duas outras categorias surgem para debate: os infantes e os pagãos. Am bas m erecem atenção especial em função das dificuldades bastante peculiares que apresentam .
A Questão da Salvação dos Infantes A situação etern a dos infantes sem pre representou u m a questão polêm ica na Teologia cristã ortodoxa. Por u m lado, para m u itos parece co m p letam en te in ju sto condenar bebês ao fogo etern o. Por ou tro, eles são concebidos em pecado (SI 51.5) e, tal qual ocorre co m o restante da descendência de Adão, eles tam bém são “por n atu reza filhos da ira” (E f 2.3). Só que a Bíblia tam bém anuncia que a fé é condição8 para se receber o d om da salvação (Jo 3.16-18; A t 16.31), e os infantes ainda não são capazes de crer. A lém disso, a Bíblia parece ensinar que todas as pessoas precisam to m a r nesta vida a decisão que afetará a vida fu tu ra; e os infantes que m o rre m em ten ra idade nesta vida não têm m aturidade suficiente para apresentar fé. Os prós e contras das diferentes posições serão analisados abaixo, com certa profundidade.
7Vide volum e 4, capítulo 11.
8Vide capítulo 15.
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A Questão da Salvação dos Pagãos A questão da salvação das pessoas não-evangelizadas (pagãs) se apresenta co m o um p roblem a potencial diante da onibenevolência de D eus.9 Se D eus é T od o-am oroso, com o Ele poderia lançar pessoas que jam ais ouviram as Boas Novas da salvação n o inferno? Este dilem a assum e dim ensões ainda mais assustadoras diante de algum as estimativas de que grande parte da população m undial — m ais de seis bilhões de pessoas — n u nca ouviu u m a apresentação clara do evangelho, pelo m enos n u n ca ouviram no seu próprio idiom a. Os apologistas cristãos têm apresentado duas respostas básicas. Alguns acreditam que os pagãos podem ser salvos sem o evangelho, pela sua resposta à luz da revelação geral (a “criação n a tu ra l” e a sua própria “consciência”). O utros acreditam que Deus providencia a verdade do evangelho (a revelação especial) àqueles que o buscarem diligentem ente. Esta questão tam b ém será desenvolvida com m aior m in ú cia adiante.
Os Efeitos da Salvação sobre os Seres Angelicais Os anjos, a exem plo dos seres hu m anos, têm livre-arbítrio.10 Alguns o utilizaram para servir a Deus, e outros se valeram dele para se rebelarem co n tra o Criador. Aqueles que esco lh eram servir a D eus receberam a visão beatífica. C o n fo rm e declarou Jesus, eles “sem pre vêem a face de m eu Pai” (M t 18.10). Aqueles que preferiram seguir Satanás na sua rebelião, deixaram a sua prim eira “h abitação” (cf. Jd v. 6), tran sform aram -se em alvo da ira do Pai e estão condenados ao fogo etern o (M t 25.41). Os dois grupos — os fiéis e os infiéis fo ram afetados pela cruz. Os Efeitos da Salvação sobre os Anjos Bons: A Visão Beatífica
O prêm io dos anjos fiéis será ver Deus face a face. Neste estado beatífico, tendo contem plad o o B em A bsoluto, eles não mais poderão escolh er o m a l.11 Apesar dos anjos que jam ais pecaram não precisarem pessoalm ente da obra da cru z para a sua salvação eles, todavia, alegram -se quando os seres hu m anos são salvos (Lc 15.10), e can tam ju n to quando os hinos de redenção são entoados n o céu (Ap 5.9-11). A salvação que Deus proporciona à lg reia , a noiva de Cristo, é m otivo de curiosidade celestial en tre eles (1 Pe 1.12; E f 3.10). Os Efeitos da Salvação sobre os Anjos Maus: O Castigo Eterno
Apesar de os anjos infiéis serem irredim íveis (Hb 2.16), é pela crucificação e ressurreição de Jesus que a vitória sobre eles é anunciada: H avendo riscado a céd u la que era co n tra nós nas suas ord enan ças, a qual de algu m a m an eira nos era co n trária, e a tirou do m eio de nós, cravan d o-a n a cru z. E, despojando os principados e p otestades, os expôs p ub licam en te e deles triu n fou em si m esm o . (C l
2.14,15) E m virtude da nossa situação com o salvos, até m esm o nós m esm os serem os usados p or D eus para ju lgar os anjos ím pios (1 C o 6.3). 9 V id e v o lu m e 2, cap ítu lo s 15-16, e c a p ítu lo 12, adiante, n o s u b títu lo “A Base T e o ló g ic a e m D efesa da E x p iação Ilim ita d a ” 10V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 20, e o c a p ítu lo 6 d esta o b ra.
11 V id e v o lu m e 4, c a p ítu lo 9.
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Os Efeitos da Salvação sobre a Criação Apesar de os seres hum anos (e som ente os seres hum anos) serem o objeto e o alvo da salvação bíblica (cf. Hb 2.14-16), o m eio-am biente físico tam bém foi afetado pela Queda (cf. R m 8.18ss), e serem os tam bém beneficiados pela sua redenção. Haverá tanto a restauração do paraíso sobre a terra, quanto a renovação total do céu e terra criados (cf. Ap 21). A Restauração do Paraíso De acordo com o livro de Apocalipse, o paraíso perdido se tran sform ará no paraíso reconquistado. Aquilo que foi perdido pelo prim eiro Adão será recuperado pelo U ltim o Adão (1 Co 15.45). A m o rte será anulada, o pecado será derrotado e banido, e o sofrim ento será elim inado. C o m o já pesquisam os, João utilizou as seguintes palavras para descrever o futuro: E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. E eu, João, vi a Santa Cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas. (Ap 21.1-4) Paulo, novam ente, descreve esta realidade em term os de u m a libertação de toda a criação, que fora afetada pela Queda: Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada. Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus. Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo. (Rm 8.18-23) A Renovação do Universo Tom ando por base as predições de Isaías (Is 65.17), Pedro tam b ém registrou o aspecto mais am plo da salvação que abrangia a totalidade do universo criado, o qual havia sido contam inado pelo pecado (cf. Jó 15.15; E f 2.2; D n 8 —9): Mas o Dia do Senhor virá como o ladrão de noite, no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra e as obras que nela há se queimarão. Havendo, pois, de perecer todas estas coisas, que pessoas vos convém ser em santo trato e piedade, aguardando e apressando-vos para a vinda do Dia de Deus, em que os céus, em fogo, se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão? Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça. (2 Pe 3.10-13)
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Esta será a redenção ecológica final, diante da qual os nossos esforços mais nobres e louváveis não passarão de som bra.
OS EFEITOS DA SALVAÇÃO SOBRE OS INFANTES Passaremos, agora, às questões soteriológicas que envolvem tan to os infantes quanto os pagãos. C o m relação aos prim eiros, vários pontos de vistas já fo ram propostos. E xam inarem os, então, os m éritos e as dificuldades de cada u m deles.
A Posição Favorável ao Batismo de Infantes (Deus Salva somente os Infantes Batizados) Esta posição som en te é defendida por sacram entalistas que crêem em dois pontos: (1) que o batism o infantil é eficaz e (2) que o batism o é necessário para a salvação. Alguns católicos rom anos, luteranos e anglicanos advogam esta posição, sendo que ela foi in icialm ente proposta por Am brósio (339-397 d.C.): N in gu ém subirá ao reino dos céus, se n ão passar pelo sacram en to do batism o [...] A lém de tu d o isso, n ão h á exceção , n e m p ara o infante, n em p ara aquele que foi inevitavelm ente im pedido [de ser batizado] [...] Eles têm , en tretan to , im u nidad e dos sofrim entos, (citad o p o r Sanders, NON , 291)
Aqui estão os ru dim entos da d ou trina do lim b o .12 A gostinho (354-430 d .C .) recebeu honrarias dúbias por ter sido o prim eiro a ensinar a perdição dos infantes não batizados — essencialm ente, a ira de D eus está colocad a sobre todos os h om ens (E, 46; 1.28, 33-35). Ele perm itiu, en tretan to , que os infantes não batizados que m o rre m não sofram pu nição tão severa quanto aqueles que vivem até a idade adulta e co m etem pecados reais (ibid. 1.21). O argu m ento a favor da salvação restrita aos infantes batizados é direto e objetivo: o B atism o é essencial para a salvação, p o rtan to , qualquer pessoa que não te n h a recebido o Batism o — inclusive os bebês — não poderá ser salva. Em função da severidade da posição, vieram algum as m odificações posteriores. Pelágio (c. 354-c. 420 d.C .), o op onente sagaz de A gostinho, reagiu con tra o ensino da perdição etern a dos infantes não batizados: “Onde eles não estão, isto sei; onde eles estão, isto não sei” (citado por Sanders, NON, 292).13 Eventu alm ente, foi desenvolvida u m a “via m édia” en tre o céu e o in fern o que recebeu o nom e de limbo. Tom ás de A quino (1225-1274) defendeu a posição agostiniana suavizando-a, porém , ao afirm ar que as crianças não batizadas que m o rriam não experim entavam os to rm en tos do inferno. Isto, n a prática, era o m esm o que o lim bo se p rop u n ha a fazer. O utros teólogos propuseram a idéia católica do “batism o de d esejo” co m o proposta para a solução do p roblem a — ou seja, as pessoas poderiam ser salvas pelo seu desejo de receberem o batism o, se fossem impedidas de recebê-lo. C o m o o conceito de bebês desejando batism o é indefensável, estes apologistas p ro p u n h am , então, que o desejo dos pais ou da igreja seria suficiente. “Esta idéia rem on ta, no m ín im o, a H incm ar de R heim s (860 d .C .)” (Sanders, NON, 293). Todavia, co m o poderia o desejo de alguém ser efetivo, se a salvação individual é u m a questão pessoal? Para m uitos, o batism o desejado por u m 12 Limbo v e m do te r m o la tin o limbus, q u e significa, lite ra lm e n te “f ro n te ira ” ou “bo rd a .” A d o u tr in a d o lim b o será an alisada ad iante.
13 O u seja, ele tin h a c e rte z a de q u e eles n ã o e sta v a m n© in fe rn o , m a s n ã o tin h a c e rte z a de q u e e sta ria m n o cé u .
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substituto da pessoa em questão, em parte parece tão absurdo quanto u m casam ento reito co m u m substituto da pessoa em questão. C r ític a à R e s tr iç ã o da S a lv a ç ã o a o s I n fa n te s B a tiz a d o s Primeiro, o cenário com p leto depende de u m a Teologia sacram ental que exige o batism o infantil co m o u m a condição para a salvação. Os anabatistas14 rejeitam esta idéia em favor da prem issa de que a fé pessoal é a ú n ica condição para a salvação.15 A lém do
mais, o Batism o é u m a obra de “ju stiça” (M t 3.15), e a Bíblia deixa claro que não som os salvos por obras de ju stiça (cf. R m 4.5; E f 2.8-9; T t 3.5-7). P ortanto, se o batism o não salva,16 isto tam bém se aplica ao batism o infantil. Segundo, a posição da “salvação restrita aos infantes batizados” parece severa e cruel pois retrata um Deus im placável. A Bíblia, ao contrário, revela u m Deus que é infinito em am or, em graça e m isericórdia.17 Terceiro, algum as pessoas questionam co m o um a criança inocente (por não ter com etid o pecados intencionais) pode ser im pedida de en trar no céu e ser lançada no
inferno. As pessoas não são consideradas responsáveis som ente pelos seus próprios pecados? Ezequiel escreveu: “A alm a que pecar, essa m o rrerá [...] a ju stiça do ju sto ficará sobre ele, e a impiedade do ím pio cairá sobre ele” (Ez 18.20; cf. R m 2.6; 14.12). Quarto, e para encerrar, a posição da “salvação restrita aos infantes batizados” não explica de form a adequada o c o n ju n to de ensinos bíblicos utilizados para apoiar o ponto de vista de que todos os infantes, independen tem ente do batism o, irão para o cé u .18 A P o siçã o F av o ráv el a o s In fa n te s E le ito s (D e u s S a lv a s o m e n te os In fa n te s E le ito s ) O utra posição defende que os únicos bebês falecidos que vão para o céu são os eleitos. C o m o os Protestantes acreditam em som ente dois destinos possíveis,19 a visão da salvação restrita aos “infantes eleitos” im plica que todos os bebês não-eleitos irão para o inferno. João Calvino (1509-1564), que rejeitava a posição da salvação restrita aos infantes batizados em favor da salvação para os infantes eleitos ( I C R , 4.16.17), argum entava que, apesar da salvação normalmente chegar a nós via pregação da Palavra,20 Deus não está lim itado a esta form a. Os infantes que se salvam não recebem a salvação por serem inocentes — n en h u m ser h u m an o é. Em Adão toda a hum anidade pecou (R m 5.12); alguns dos eleitos m o rrem ainda na infância, já outros crescem e se to rn a m adultos. C om relação ao argu m ento de que a fé é absolutamente necessária para a salvação, Calvino respondia que Paulo (em R m 10.14ss) está “som ente descrevendo a economia normal e a dispensação que o S en h o r está habituado a aplicar ao seu povo e não passando uma regra invariável, que jam ais poderia ser substituída p or ou tro m éto d o ” (IC R , 4.16.19, grifo H O s anab atistas, h is to ric a m e n te , re je ita v a m o b a tism o in fa n til e “re -b a tiz a v a m ” (g re g o : ana e baptizo) os cre n te s ad u lto s. (O s anab atistas ta m b é m re je ita v a m o u tra s d o u trin a s específicas dos c a tó lic o s e lu te ra n o s ). C o n te m p o ra n e a m e n te , o te r m o se aplica, de m a n e ira g e ra l, aos g ru p o s cristão s q u e b a tiz a m os c re n te s depois d a sua decisão p o r C risto . p o r e x e m p lo , Jo 3.16, 36; 5.24; 6.35, 40; 11.25-26; A t 16.31; R m 1.17; 4.5. 15-16.
16 V ide c a p ítu lo 15.
18V id e adiante, n o s u b títu lo “A P osição da S a lv a çã o Ir re str ita aos In fa n te s .”
15 V ide,
17V id e v o lu m e 2, ca p ítu lo s
19 E m te rm o s gerais, os p ro te sta n tes
são os cristão s q u e d efen d em os e n sin o s b ásicos da sa lv a çã o c o n fo rm e p ro p o sto s p e la R e fo rm a P ro te sta n te d o s é c u lo X V I. Os cató lic o s, p o r e x e m p lo , ac re d ita m ta m b é m n o p u rg a tó rio , u m a d o u tr in a q u e deriva, e m p a rte , d o livro a p ó crifo de 2 M acab eu s (cf. 12.43-46).
20 O u seja, p o r in te rm é d io d a “re v e la ç ã o e sp ecia l.”
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acrescentado). Os infantes, bem co m o os adultos, são salvos pela divina regeneração das suas almas, e Calvino ensinava que D eus pode assim fazer te n h a m elas ou não con h ecim en to do seu plano salvífico ou depositado a sua fé consciente em C risto (ibid., 4.16.17, 20-21). A lém disso, Calvino acreditava que Jesus havia assegurado, pessoalm ente, a salvação dos infantes eleitos: “C risto ordenou que as crianças fossem trazidas a Ele. Por que razão? Porque Ele é a vida. P ortan to, para que ele as pudesse vivificar e fazer delas partícipes de Si m e sm o ” (ibid., 4.16.17). A lém disso: Cristo era santificado desde a mais tenra idade, para que pudesse santificar os seus eleitos de qualquer idade em si mesmo, sem distinção [...] Se em Cristo temos um modelo perfeito de todas as graças dispensadas por Deus sobre todos os seus filhos, neste exemplo temos uma prova de que a idade da infância não é impedimento para se receber a santificação, (ibid., 4.16.18) Ao com en tar a passagem de M ateus 19.14,21 Calvino afirm ou: A partir disto concluímos que a sua graça alcança também as crianças desta idade [...] Seria muita crueldade excluir esta idade da graça da redenção [...] A partir disto concluímos que elas também foram regeneradas pelo Espírito, na esperança da salvação. E, por fim, o fato dele as ter abraçado foi um testemunho de que as considerava com parte do seu rebanho. (CC, 2.252) Em parte algum a Calvino afirm ou que esta regen eração se estendia a todas as crianças. Ficam os co m a interpretação lógica de que, tal qual o co rre com os adultos, a salvação som en te é possível aos eleitos: crianças não-eleitas, da m esm a fo rm a que os adultos n ãoeleitos, ao fim, perder-se-ão. Na m esm a linha, os Cânones Calvinistas de D o rt22 apresentavam a confirm ação de que “pais piedosos não devem duvidar da eleição e da salvação dos seus filhos aos quais aprouve a D eus cham ar desta vida ainda na sua infância” (artigo 17). A Confissão de Fé de Westminster (1646-1648), sem elhantem ente, afirm ou que “os infantes eleitos, falecendo na infância, são regenerados e salvos por C risto” (10.3). Isto não necessariam ente restringe os infantes eleitos aos filhos dos pais eleitos, p o rém poderia im plicar, e tem sido considerado com o im plicando a m esm a coisa. M esm o assim, a im plicação direta é que os infantes não-eleitos estão etern am en te perdidos. A fu n d am en tação lógica para a salvação exclusiva dos in fantes eleitos é que, co m o D eus esco lh eu os eleitos antes destes n ascerem , m esm o antes da fu nd ação do m u nd o (E f 1.4; cf. R m 8.29), é razoável in ferirm os que Ele esco lh eu certos infantes para a salvação e o u tro s não. Em ú ltim a instância, a salvação não vem p o r vontade h u m an a (R m 9.16). Na verdade, a m aior parte dos calvinistas crê que o próprio D eus é quem conced e a fé aos eleitos, e para em basar esta idéia eles n o rm a lm e n te citam Efésios 2.8,9 e Filipenses 1.29. Sendo este o caso, n ão im p o rta se as crianças sejam dem asiadam ente jo v en s para crer. 21 Este v e rsíc u lo d escrev e Jesus to m a n d o as cria n cin h a s n os b ra ço s e as a b e n ço a n d o .
22 As D e cla ra çõ e s D o u trin á ria s do
S ín o d o de D o r t (o u “D o r d re c h t,” 1618-1619), o fic ia lm e n te co n h e cid a s c o m o “A D e cisã o d o S ín o d o de D o r t A ce rca dos C in c o P o n to s Principais da D o u tr in a e m D isp u ta n o s Países B a ix o s.” Estes d e cre to s fo ra m e m itid o s e m re sp o sta à c re sce n te in flu ê n c ia do A rm in ia n ism o .
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C o m relação à ju stiça de D eus, de acordo c o m a posição da salvação restrita aos infantes eleitos, D eus con d en a de fo rm a ju sta toda a raça h u m a n a em fu nção do pecado de Adão (R m 5.12ss). Som os todos, desde o m o m e n to da con cep ção (SI 51.5), pecadores p o r n a tu rez a (E f 2.3) e, p o r isso, m ereced ores da separação etern a de D eus. Ele n ão tem obrigação de salvar n in g u ém , e é so m e n te pela sua graça que Ele salva alguns. D en tre estes, D eus decidiu esco lh er alguns que m o rre ria m ainda na infância e o u tro s que atingiriam a idade adulta. Estes eleitos — e so m en te estes — serão recebidos no céu.
Crítica à Posição da Salvação Restrita aos Infantes Eleitos A posição da salvação restrita aos infantes eleitos não recebeu p len a aceitação fora dos círculos ultracalvinistas; na verdade, até m esm o alguns calvinistas firm es se opõem a ela.23 Primeiro, os d efensores da salvação restrita aos infantes eleitos negam a salvação u n iv ersalm en te acessível. C risto não m o rre u so m en te pelos eleitos, m as p o r todas as pessoas,24 e a salvação não é oferecida so m en te aos eleitos, mas a todos. C o m o já asseveram os, João afirm a que C risto “é a p ro p icia çã o pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos [pecados] de todo o mundo” (1 Jo 2.2). No m esm o co n tex to , ele acrescen ta que o m u n d o (do grego: kosmos) significa a totalidade do m u n d o in créd u lo . e decaído (vv. 15-17). Pedro falou acerca dos apóstatas serem “co m p rad o s” pelo sangue de C risto (2 Pe 2.1). Se a salvação é para todos, en tão p o r que p o stu lar a sua disponibilidade so m en te para os infantes eleitos, excluind o a sua aplicação soteriológ ica p o ten cial aos demais? N a verdade, co n fo rm e a n te rio rm en te citad o, o próprio João C alvino, n o rm a lm en te ovacionado co m o o “Pai do C alv in ism o,” insistia que: Agora precisamos ver de que maneira passamos a possuir as bênçãos com as quais Deus derramou sobre o seu Filho unigênito, não para o seu uso pessoal, mas para enriquecer os pobres e os necessitados. E a primeira coisa a ser abordada é, por estarmos sem Cristo e separados dele, nada daquilo que Ele sofreu e realizou para a salvação da humanidade apresenta o menor dos benefícios para nós. (ICR, 3.1.1, grifo acrescentado) A lém disso, Precisamos notar, entretanto, que Paulo não faz aqui uma comparação entre o número maior com os muitos, pois ele não está falando do número maior da humanidade, mas está argumentando que como o pecado de Adão destruiu muitos [isto é, todos], a justiça de Cristo será igualmente efetiva para a salvação de muitos [igualmente, todos], (CC, sobre Rm 5.15, grifo acrescentado). Assim, Aprovo a leitura n orm al, onde vem os que Ele sozinho levou o castigo de m uitos, porque sobre Ele fo i colocada a culpa do mundo inteiro. É evidente, a partir de outras passagens, e especialm ente a partir do quinto capítulo da Epístola aos R om an os que “muitos" às vezes denota “todos”, (ibid., sobre Is 53.12, grifo acrescentado) 23 Por exem plo, vide Ronald Nash, When a Baby Dies (Grand Rapids: Zondervan, 1999).
24Vide capítulo 11.
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Ele tam bém acrescentou, A palavra "muitos" não significa somente uma parte do mundo, mas a totalidade da raça humana: ele contrasta “m u ito s” co m "u m ,” co m o se estivesse dizendo que ele não seria o R eden tor de u m h om em , mas acharia a m o rte a fim de libertar m u itos da sua m aldita culpa. É incontestável que Cristo veio para a expiação dos pecados da humanidade como um todo. (EPG , IX .5, grifo acrescentado) Segundo, Pedro afirm a que o desejo de Deus é que todos se salvem (2 Pe 3.9), e Paulo confirm a que D eus “quer que todos os hom ens se salvem e venham ao con h ecim en to da verdade” (1 T m 2.4). Se D eus deseja que todos recebam a salvação, e se é possível salvar algumas crianças (isto é, as eleitas) independ entem ente da fé pessoal (co n form e ensinado pela posição da salvação restrita aos infantes eleitos), então por que Ele não escolheria todas as crianças para a salvação? Terceiro, fora os pais eleitos, a garantia de que os infantes eleitos serão salvos não é de grande consolo para as demais pessoas. Por exem plo, o ensino de que salvação infantil lim ita-se som ente aos filhos de pais eleitos não oferece n e n h u m tipo de esperança para os ainda não evangelizados.25 Os pagãos ainda não tiveram oportunidade de ouvir o evangelho e, sendo assim, não fazem parte da fam ília da aliança em geral, n em das famílias da aliança em particular. E possível que D eus esteja levantando u m povo para Si — o qual virá “de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas” (Ap 7.9) — tam bém dentre as crianças oriundas de terras pagãs. Quarto, esta visão da restrição da salvação aos infantes eleitos apresenta u m a conceituação indescritivelm ente severa da ju stiça e da m isericórdia divina. Apesar de todos os teólogos ortod oxos aceitarem que os seres hu m anos nascem em pecado, n em todos vêem base suficiente nisso para que se exclua qualquer ser h u m an o do am or de Deus. C om o já verificam os, apesar de os seres hu m anos não apresentarem nada que lhes façam m ereced ores da salvação, existe algo em Deus — a sua onibenevolência — que o im pele a buscar a salvação de todos aqueles que p or Ele foram criados (cf. Jo 3.16; R m 5.6-8). Quinto, a visão da restrição da salvação aos infantes eleitos é falh a em diferenciar a natu reza pecam inosa herdada (co m a qual todos os cristãos ortod oxos concord am ) da rebelião pessoal con tra Deus, que som ente pode ser com etid a co m idade e consciência suficiente para tal (cf. Jo 9.41). O u seja, a inclinação natu ral que todos tem os para o m al é u m a coisa; u m a vida de rejeição e provocação a D eus é outra. C o m o as crianças pequenas ainda não tiveram com o exercer a segunda, elas não estão na m esm a categoria dos adultos que se rebelaram deliberadam ente. Sexto, apesar da nossa definição de “depravação to ta l”26 im plicar que todas as crianças foram nascidas em pecado, a Bíblia ensina que Cristo anu lou esta m aldição (que herdam os de Adão — R m 5.12-19) e que Deus ju lg ará os seres hum anos som en te pelos seus pecados reais, com etidos de fo rm a pessoal nesta vida.27 Infantes não chegaram a co m eter este tipo de pecado; logo, parece lógico con clu irm os que Deus não condena as pessoas que m o rre m antes da vida adulta. Sétimo, e para concluir, é problem ático reconciliar a salvação exclusiva dos infantes eleitos com a exigência ap arentem ente universal da fé co m o condição para a salvação (por 2iVide adiante, no subtítulo “Os Efeitos da Salvação dos Pagãos.” Ap 20.11,12.
26Vide capítulo 5.
27 Cf. Rm 2.6; 1 Co 6.9-19; 2 Co 5.10;
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exem plo, Jo 3.36; A t 16.31; R m 10.17). Parece não haver m aneira de u m bebê expressar um a fé consciente e explícita em D eus.28 Dessa form a, por duas razões, os versículos que supostam ente apoiariam a posição de que a fé salvífica é u m dom de D eus são rejeitados co m o evidência da salvação restrita aos infantes eleitos. Por u m lado, n e n h u m deles ensina de fo rm a clara que a fé salvífica é u m d om que D eus concede som ente a alguns. Por exem plo, em Efésios 2.8,9 não é a f é que é d om de Deus, mas sim a salvação.19 A lém disso, afirm ar que a fé salvífica é u m dom dado som ente a alguns seria um a contradição ao restante das Sagradas Escrituras: a Bíblia conclam a todos a crerem (por exem plo, A t 16.31; 17.30; R m 10.13,14) e condena a todos aqueles que se recusarem a isso (Jo 3.18,19). Este m and am ento bíblico presum e que todos ten h am a capacidade de crer.30 A Posição da Presciência Divina quanto aos Infantes (Deus somente Salva os
Infantes que Creriam em Jesus, de acordo com a sua Presciência) De acordo co m a posição que defende a presciência de Deus quanto aos infantes que creriam em Jesus, Deus, o Ser onisciente, co n h ece previam ente quais bebês creriam se tivessem vivido o suficiente para assum ir u m a posição diante de Jesus Cristo. Dessa form a, Ele salvará somente estas crianças; as demais estarão perdidas, já que não teriam crido m esm o se atingissem a idade adulta. O argum ento em prol da presciência dos infantes apresenta similaridades tanto com a visão dos infantes eleitos (acim a exposta), quanto com a posição dos “infantes evangelizados depois da m o rte ” (vide adiante). Por exem plo, ela afirm a que Deus é onisciente (SI 139.1-6) e, co m o tal, Ele sabe “o fim desde o c o m e ç o ” (Is 46.10). Na verdade, Ele “anteviu” os eleitos (R m 8.29). Os aderentes a essa posição apontam que parece não haver n en h u m a razão lógica pela qual, n o m eio destas pessoas previam ente conhecidas, não pudessem constar tam bém eleitos que m o rreriam em ten ra idade. LTma vantagem que a posição da presciência de Deus, quanto aos infantes crentes, tem sobre a posição dos infantes eleitos é que ela evita a sugestão de que Deus é inju sto ou falho na aplicação de sua m isericórdia.31 O utro ponto a ser considerado é que ele leva a fé em conta co m o sendo um a condição para o recebim en to da salvação (cf. Jo 3.1619) e, p o rtan to , evita a afirm ação (ou im plicação) de que Deus salva algum as pessoas independente da sua própria vontade de receber a vida eterna. O utro ponto positivo da visão da presciência da fé dos infantes é que ela conserva a onibenevolência de Deus, o seu am or universalm ente m anifesto.
Crítica à Posição da Presciência da Fé dos Infantes Apesar das deficiências dessa posição não serem , talvez, instransponíveis, existem , todavia, algum as dificuldades que precisam ser observadas. Primeiro, da perspectiva de u m Calvinista firm e, argum enta-se que na posição da presciência da fé dos infantes o con h ecim en to prévio de D eus está baseado n a liberdade ' U m a fé implícita, m ais ced o ou m ais tard e te ria que, n e cessa ria m e n te, se tra n s fo rm a r e m u m a fé e x p líc ita e c o n s cie n te , do c o n trá rio o in fa n te e staria e te r n a m e n te n o lim b o .
29 O Isso, n a frase “e isso n ã o v e m de v ó s,” é neutro n a sua fo rm a (g ê n e ro ),
m as a f é (g re g o : pisteos) é u m su b sta n tiv o feminino. A f é , p o r ta n to , n ã o p ode ser o d o m de D eus. Para m a io res d e ta lh es, v e ja a cita ç ã o de A. T . R o b e rts o n (e a n o ta s u b se q ü e n te) so b os c o m e n tá rio s de Efésios 2.8,9 n o c a p ítu lo 16. 31 A o n ã o se e sfo rçar parã salvar to d o s q u e E le p od eria.
30 V ide c a p ítu lo 15.
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h u m ana e não na soberania absoluta de Deus (vide Nash, WBD, 79). O u seja, o ponto de vista da presciência da fé nos infantes defende que D eus salva estes bebês por causa da sua fé que foi previam ente conhecida. Isto parece negar a graça im erecida de Deus, que age u n icam ente “segundo o beneplácito de sua vontad e” (E f 1.5) e jam ais em função de algo que seja determ inado ou realizado por nós (E f 2.8,9). A té m esm o para u m calvinista firm e, en tretan to , esta objeção não é eficaz. Não precisam os defender que a presciência divina esteja baseada no livre-arbítrio de ninguém , mas sim plesm ente, co m o diz a Bíblia, de acordo com ele (cf. 1 Pe 1.2). Em outras palavras, presciência e eleição são coordenadas, são propriedades co-eternas de Deus. Por exem plo, o S en h o r pode ter sim plesm ente (e graciosam ente) ordenado que, para os eleitos, a liberdade potencial de decisão seria o m eio pelo qual Ele os elegeria. Segundo, se o ato de crer é u m a condição necessária para qualquer pessoa receber a salvação, é difícil com preend er com o é suficiente o sim ples con h ecim en to prévio de Deus de que aqueles bebês teriam crido caso tivessem tido vidas mais longas (isto é, de que Ele as salva em virtude da sua f é em potencial). O bviam ente, considerando-se a hipótese de que os bebês “cresceriam ” no céu (já que é difícil im aginarm os bebês etern os), eles, então, teriam a oportunidade de crer verdadeiramente, o que resolveria a questão de com o a fé potencial pode ser aceita (de m aneira an terior) à fé real. Todavia, se e s te for o caso, então, tecnicam en te, a questão não está mais no cam p o da salvação dos infantes (da salvação deles co m o bebês), já que eles, na verdade, não seriam salvos na sua infância, mas som ente quando tivessem m aturidade suficiente para crerem por si m esm os. Terceiro, a exemplo do que ocorre com a visão que restringe a salvação aos infantes batizados, a posição da presciência da fé nos infantes é débil em term os de em basam ento bíblico. Não existem passagens declarando que isto é, de fato, o que Deus fará com os infantes. Logo, ela parece mais adequadamente classificada na categoria das possibilidades teológicas. Quarto, com o alguém poderia ser salvo em função da sua f é em potencial? C o m o já foi visto, se a fé fo r u m a condição necessária para a salvação,32 seja nesta vida ou n a próxim a, então som ente a presciência de D eus — o seu co n h ecim en to prévio daqueles que teriam crido — não basta. Responder argum entando que eles não som en te creríam, n u m certo m o m en to da sua vida, mas tam bém que eles, de fato, crêem depois da m o rte (depois de “crescerem ”) é reduzir a visão da presciência dos infantes à posição do “evangelism o post mortem,”M Quinto, alguns teólogos católicos contem porâneos (e ou tros) falam que os infantes exercitam u m tipo de “fé im plícita,” mas co m o este conceito poderia fazer sentido? C om o u m a pessoa que ainda não tem as suas faculdades cognitivas e de consciência plen am en te desenvolvidas poderia expressar alguma fo rm a de fé? Por exem plo, apesar de os infantes serem dependentes dos pais para a satisfação de m uitas necessidades, eles não fazem escolhas livres em term os de confiar ou crer por u m a só razão: eles seguem o seu instinto. A fé, pelo m enos a fé salvífica, con form e ela é biblicam ente descrita, não é autom ática; mas se constitu i em u m ato consciente e voluntário. Sexto, para m u itos oponentes esta posição envolve, aparentem ente, a in ju stiça horrível de se condenar — à danação etern a — aqueles infantes previam ente desconhecidos, que jam ais com eteram pecado por eles m esm os. Neste sentido, isto é com parável à visão ultracalvinista dos infantes eleitos. Para os críticos, u m ensino deste tipo parece terrivelm ente falha em dem onstrar o am or divino. 32 O p. c it.
33 O a rg u m e n to de q u e os ú n ico s in fa n tes salvos são aqueles q u e c rê e m q u a n d o tê m o p o rtu n id a d e de se
p o sicio n ar depois d a m o r te (vide abaixo).
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Em resposta, o proponente da posição que advoga a presciência quanto aos infantes poderia argu m entar a favor da inegável possibilidade de que todos que m o rrem na infância teriam crido, caso tivessem vivido o suficiente. Esta posição m odificada se am algam aria com as posições favoráveis à salvação de todos os infantes.
AS POSIÇÕES FAVORÁVEIS À SALVAÇÃO DE TODOS OS INFANTES Desde o século XVII, muitas pessoas (das mais variadas linhas teológicas) têm aderido à teoria da salvação universal dos infantes do que a outros tipos de posicionam entos, de tal form a que, por estranho que pareça, até m esm o alguns calvinistas que postulam a expiação lim itada acabaram aderindo a um a variante dela (por exem plo, vide Nash, WBD, capítulo 5). A posição da salvação de todos os infantes apresenta três tipos básicos de aderentes: (1) Aqueles que a fu n d am entam sobre a prem issa de que todos os infantes ou teriam crido nesta vida ou, eventualm ente, virão a crer na pós-m orte; (2) Aqueles que a fu nd am en tam sobre a prem issa de que Deus elegeu todos os infantes (tal qual Ele elegeu alguns adultos) e, em função da graça irresistível da regeneração (ind epend entem ente da fé), Ele salvará todas as pessoas que não atingirem a idade da responsabilidade;34 (3) Aqueles que a fu nd am entam sobre aprem issa de que Deus, sabendo que os infantes não conseguiriam exercitar a sua fé, salvará a todos (ind ep end entem ente da condição de u m a fu tu ra fé n a sua vida adulta, caso eles a tivessem alcançado). C om o a prim eira posição (a de que todos os infantes teriam crido ou haverão de crer) já foi analisada acim a,35 as outras duas serão aqui discutidas.
A Posição de que Deus Elege todos os Infantes e os salva pela sua Graça Irresistível independentemente da sua Fé Esta posição, con form e apresentada p o r R onald Nash (nascido em 1941), um “calvinista dos cinco pontos,” assum e, aproxim adam ente, a seguinte estruturação: (1) Todos os que m o rre m antes da idade da responsabilidade são incapazes de discernir entre o bem e o m al; (2) Deus som ente pu nirá (n a vida vindoura) as pessoas com base nos m ales que elas te n h a m com etid o nesta vida; (3) Todos os que m o rrem antes da idade da responsabilidade, p o rtan to , não serão punidos na vida vindoura (ou seja, serão salvos); (4) Os arm inianos, en tretan to , defendem que a fé é u m a condição necessária à salvação; (5) Aqueles que m o rrem antes da idade da responsabilidade não podem exercitar a sua fé (isto é, não podem “cre r”); (6) Logo, de acordo com a dou trin a arminiana, n e n h u m a pessoa que m o rre r antes da idade da responsabilidade poderá se salvar;
34 V id e adiante, sob o s u b títu lo “A B íb lia F a la de C ria n ça s D e m a sia d a m e n te Jo v e n s p a ra D isc e rn ir o B e m do M a l.” 35 N u m a v ariação da visão da p resciên cia da fé dos in fa n tes; vide F o u rth n o s u b títu lo “C rític a à p o siçã o da p resciên cia da fé dos in fa n tes.”
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(7) O Calvinismo ensina que D eus pode regenerar independente do consentim ento delas (da sua fé); (8) C onseqüentem ente, som en te o Calvinism o pode sustentar de fo rm a consistente que todos os que m o rre m antes da idade da responsabilidade serão salvos, (ibid.) Para sustentar a prim eira prem issa de Nash (de que todos os que m o rre m antes da idade da responsabilidade são incapazes de discernir o bem do m al), pode-se fazer uso tanto das Sagradas Escrituras, quanto da razão. A Bíblia fala de u m a idade antes da qual u m indivíduo não pode ser considerado m o ra lm en te responsável. Por exem plo, Nash cita D eu teron ô m io 1.39: “E vossos m eninos, de que dissestes: Por presa serão; e vossos filhos, que h o je n em bem n e m m al sabem , ali entrarão, e a eles a darei, e eles a possuirão.” A segunda prem issa (de que o ún ico castigo na vida vindoura será com base nos m ales com etidos nesta vida) tam b ém apresenta fu nd am en tação bíblica. Segunda aos Coríntios 5.10 declara que “todos devem os com parecer ante o tribu nal de Cristo, para que cada u m receba segundo o que tiver feito por m eio do corpo, ou bem ou m a l.” C o m o m uitos acreditam que esta passagem se refere especificam ente aos crentes, Apocalipse 20.12,13 iria mais d iretam ente ao ponto: E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante do trono, e abriram-se os livros. E abriu-se outro livro, que é o da vida. E os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. E deu o mar os mortos que nele havia; e a morte e o inferno deram os mortos que neles havia; e foram julgados cada um segundo as suas obras. A terceira prem issa (de que todas as pessoas que m o rre m antes da idade da responsabilidade serão salvas) é um aded ução lógica36e tam bém apresentafundam entação bíblica. Nash cita M ateus 19.13,14— “porque dos tais é o R eino dos céu s” (das criancinhas, v. 14) — bem co m o M arcos 10.13-16 e Lucas 18.15-17, nas quais os “bebês” (o u infantes) foram levados a Jesus, que reagiu pronunciando as seguintes palavras para a m ultidão: “Em verdade vos digo que qualquer que não receber o R eino de D eus com o u m a criança de m aneira n e n h u m a en trará n ele.” Seguindo os passos de João Calvino, Nash tam b ém apresentou outros exem plos mais questionáveis tais com o Jerem ias 1.537 e Lucas 1.15.38 Apesar destes textos indicarem que Deus, desde o útero das mães, já havia separado estas crianças, eles não afirm am que elas foram regeneradas naquele m o m en to e n em que todos os bebês no ventre m atern o são salvos. Em fu nção de, con form e propõe o Calvinism o firm e, D eus som en te amar, eleger e salvar irresistivelm ente alguns adultos (os eleitos), Nash não apresenta qualquer tipo de evidência consistente para fu nd am entar a sua crença de que todos o s infantes são eleitos. Todavia, a sua conclusão, a respeito deste p onto (co n fo rm e afirm ado pela terceira prem issa — que todos os que m o rre m antes da idade da responsabilidade serão salvos) parece estar correta.
Se c o n sid era rm o s, c o m o o fazem o s, q u e te rce ira s a lte rn a tiv a s c o m o o a n iq u ila m e n to (vide v o lu m e 4, c a p ítu lo 12) e o lim b o (vide ad ian te) são in aceitáv eis. te s an tifiq u ei.”
37 “A n tes que e u te fo rm a sse n o v e n tre , eu te c o n h e c i; e, an tes q u e saísses da m a d re,
38 “E será ch e io do E sp írito S a n to , já desde o v e n tre de sua m ã e .”
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As premissas restantes e a conclusão, en tretan to , são altam ente problem áticas e devem ser rejeitadas p o r várias razões. Primeiro, a quarta prem issa (n a qual os “arm inianos” acreditam que a fé é u m a condição necessária à salvação) — não é exclusivam ente “arm iniana.” M uitos calvinistas m oderados, por exem plo, tam bém defendem este ponto de vista.39 Segundo, e indo mais a fundo na questão, a exposição que Nash faz da quarta prem issa está baseada em u m pressuposto injustificado, ou seja, de que a fé, exercida nesta vida, é u m a condição absoluta para a salvação. N em m esm o João Calvino chegou a negar isto (co n form e vim os anteriorm en te), m ostrand o que a fé pode ser a condição salvíficapadrão, m as não u m a condição absoluta. A lém disso, Nash e m u itos calvinistas firm es, insistem que a regeneração o co rre logicam ente antes da fé. Expressando esta refu tação em outros term os: não existe céu para aqueles que não crerem— ou seja, pessoas rebeldes, que são m o ralm en te responsáveis nesta vida. Contudo, existe céu para aqueles que não conseguirem crer — ou seja, pessoas que não chegaram a ser m o ralm en te responsáveis e, p o rtan to , não chegaram ao ponto da capacidade de crer na vida terrena. Terceiro, existem razões parase crer que as pessoas que não são m o ralm en te responsáveis nesta vida irão realm ente “crescer” na vida fu tu ra; p o rtan to , lá poderão crer, depois de estarem no céu. A té m esm o Nash acredita que os infantes am adurecerão: A Bíblia descreve os redim idos no céu co m o pessoas que possuem corpos glorificados [...] [Estes] corpos representarão a dim ensão da nossa hum anidade na sua melhorforma. Creio que isto significa que as crianças que talecerem em tenra idade haverão de nos encontrar no céu com o pessoas adultas m aduras, (ibid., 105) C o m o, en tretan to , elas poderiam ser “m aduras” sem ser m o ral e racionalm ente responsáveis? C onseqüentem ente, Nash não apresenta fu nd am entação suficiente para negar que os eleitos que não conseguirem crer nesta vida haverão de crer na vida fu tura. Em sum a, a fé — co m o condição para o recebim en to da salvação — é o ú n ico absoluto nesta vida para aqueles que têm idade suficiente para crer.40 P ortanto, pode-se afirm ar que para os eleitos que não viverem o suficiente para conseguirem crer, a fé é u m a condição final na vida futura. Quarto, a sexta prem issa de Nash (a conclusão de que, conforme o ensino arminiano, toda pessoa que falecer antes da idade da responsabilidade receberá a salvação) é falha, porque ela assume a veracidade da quinta prem issa (de que aqueles que m o rre m antes de atingirem a responsabilidade m o ral não são capazes de crer), o que, de acordo com as condições de Nash41, é injustificado. C o m base na hipótese de que os bebês que m o rrem um dia terão a capacidade de crer, tan to arm inianos, quanto os calvinistas m oderados podem postular a salvação infantil (até m esm o a salvação infantil universal) sem cair em contradição. Quinto, a sétima prem issa (o dogm a ultracalvinista de que D eus pode regenerar as pessoas independentem ente do seu con sen tim en to) é insustentável, pois contradiz o ensino bíblico claro de que a fé antecede a regeneração e não o contrário. Som os “justificados por fé” (R m 5.1); o que significa que a fé nos conduz à justificação, e não o j9 V id e cap ítu lo s 15-16.
40 O u seja , aq u eles q u e a tin g ira m a idade da respon sabilid ade — vide abaixo, sob o títu lo “A Bíblia
fala d e crian ças d e m asiad am e n te jo v e n s p a ra d iscern ir o b e m d o m a l.” p ara a salvação e x c lu i a possibilid ade d a fé p ó s -m o rte .
41 P o r e x e m p lo , o fa to de a fé ativa ser n e cessá ria
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inverso. Este é o m odelo u n iform e apresentado pelo N ovo T estam ento: a pessoa precisa crer para ser salva (por exem plo: Jo 3.16, 18; 3.36; 5.24; A t 16.31; et al.). C o m o já vim os, ninguém jamais conseguiu provar hihlicamente que precisamos primeiro ser salvos para depois crer.42 Sexto, em conexão com o tópico anterior, o paradigm a geral de Nash está baseado na prem issa incoerente de que agraça de Deus pode ser irresistível sem ser coerciva ( WBD, 96). Isto vai con tra a u m a posição bíblica e racionalm ente justificável a respeito da liberdade hu m an a ser autod eterm inad a.43 Os ultracalvinistas argu m entam que os infantes podem ser salvos sem o seu consentim ento, da m esm a fo rm a que Deus, supostam ente, salvaria os adultos (realizando a sua regeneração antes m esm o deles crerem ). C ontudo, se um a pessoa não desejar crer, fo rçá-la a “c re r” de fo rm a irresistível é im p or sobre ela u m a decisão que deveria ser dela, de fo rm a livre. C o m o já foi visto, u m a “escolh a forçada,” p or não se tratar de u m a decisão livre, é u m a proposição absurda.44 Sétimo, e para encerrar, m esm o que todas estas premissas estivessem corretas, Nash não pode legitim ar a salvação de todos os infantes e continuar defendendo a sua posição de fo rm a consistente, já que ele é u m aderente da expiação lim itada (ibid., 93).45 Assim, em fu nção do seu posicionam ento, ele não tem n e n h u m a razão confiável para crer que a eleição divina é mais abrangente entre os infantes do que é en tre os adultos. Se Cristo tivesse sido sacrificado som en te por alguns adultos, co m o sustentam os ultracalvinistas,45 por que, então, deveríam os considerar que Ele m o rreu por todos os infantes? A P o siçã o d e q u e D e u s S a lv a rá to d o s o s I n fa n te s e m F u n ç ã o da su a Im p o ss ib ilid a d e de C rer Os proponentes deste ensino afirm am que as pessoas que não conseguirem crer não poderão entrar no céu; as pessoas que rejeitarem deliberadam ente a oferta de salvação feita por D eus perecerão (cf. 2 Pe 3.9; Jo 3.18). Todavia, em parte algum a, a Bíblia ensina que as pessoas que não viverem o suficiente para serem capazes de crer serão excluídas do céu. Os defensores deste ponto de vista, tais com o R ob ert Lightner (nascido em 1931),47 reco rrem a u m a série de passagens bíblicas para apoiar a sua posição. Crianças Pequenas Fazem parte do Reino de Deus Jesus disse: “Deixai vir os pequeninos a m im e não os im peçais, porque dos tais é o R eino de D eu s” (M c 10.14). Jesus tam b ém deixou claro que “aquele que não nascer de novo não pode ver o R eino de D eus” (Jo 3.3). Dessa form a, poderíam os conclu ir que os “pequ eninos” entrarão no céu, já que o texto não im põe lim ites às crianças que lá estarão, com o fica sugerido, Jesus inclui todos os pequeninos no seu Reino. Os críticos desta posição argu m entam que não existe prova de que o term o “pequeninos”48 se refira aos infantes ou às pessoas que ainda não ten h a m atingido a “idade para crer.” A lém disso, os oponentes argu m entam que as palavras de C risto ( “dos tais é o R eino de D eu s”) poderia ser u m a fo rm a de sim ilitude e não u m literalism o; ou seja, para entrarm os no reino, todos precisam os nos to rn a r como aqueles pequeninos (em term o s de hum ildade — cf. M t 18.4). Lucas, no en tanto, deforma literal (explicitam en te),
42 V id e c a p ítu lo 15.
43 V ide c a p ítu lo 3.
44 V id e c a p ítu lo 11, n o su b títu lo “O b je ç õ es ao Essen cialism o D iv in o .”
45 A sua
co n clu sã o , ac im a citada, é q u e so m e n te o C a lv in ism o p o d e d efen d er de m a n e ira c o n s iste n te a salvação de tod os os que m o r r e m antes da idade da responsabilid ade. 2000).
46 O p. cit.
47V ide su a o b ra Safe in th e A m s o fJe s u s Christ (G ra n d Rapids: K regel,
4S D o greg o : paiâion, e m M a rco s 10.14 e Lucas 18.16-17.
OS EFEITOS DA SALVAÇÃO (INFANTES E PAGAOS)
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m enciona os “infantes” ou “bebês”® com o estando inclusos entre aqueles que estarão no Reino. 0 Filho Pequeno de D avi Foi p ara o Céu O Rei Davi orou fervorosam ente pelo seu filho à beira da m o rte; quando o bebê m o rreu , Davi im ed iatam ente parou de orar: “Porém , agora que [a criança] é m o rta, por que jejuaria eu agora? Poderei eu fazê-la mais voltar? Eu irei a ela , porém ela não voltará para mim” (2 Sm 12.23). Davi foi para o céu (cf. SI 16.10,11; Hb 11.32) e, seguram ente, a sua certeza de voltar a se reu n ir com o filho era mais fo rte do que o fato dos seus corpos inanim ados serem colocados n a m esm a sepultura. Se esta inferên cia estiver correta, então o bebê de Davi foi para o céu. Os críticos desta interpretação apontam que “eu irei a ela, p o rém ela não voltará para m im ” pode significar sim plesm ente que “os m o rtos não reto rn am para nós; mas nós tam bém estarem os na m esm a situação deles algum dia.” Eles tam b ém observam que o conceito veterotestam entário de vida p ó s-tú m u lo ainda não estava plen am en te desenvolvido. M esm o assim, n en h u m a destas questões represente u m ponto decisivo, já que Davi claram ente ansiava pelas delícias da vida fu tu ra (SI 16.10,11), com o tam bém fizeram outros autores no A ntigo Testam ento (cf. Jó 19.25,26). Os B ebês São Conhecidos por Deus e Estão Inscritos no seu Livro
No Salm o 139.13-16, Davi descreve co m o Deus o criou no ventre da sua m ãe e de com o o incluiu no seu “livro.” (v. 16). Davi se refere a si m esm o com o um a pessoa, um “e u ” no ventre m atern o . Isto é considerado, por algum as pessoas, com o u m a prova de que Deus con h ece pessoalm ente os em briões e os infantes e os cobre etern am en te com o seu am or. Os críticos argu m entam que “teu livro” pode sim plesm ente ser u m a figura de linguagem que trata da onisciência de Deus, ou o “liv ro” da sua lem brança. E verdade que não existe n en h u m a indicação textual de que Davi está falando do Livro da Vida, no qual estão escritos todos os nom es dos salvos (Ap 20.12). Todavia, esta om issão não nega que a criança que m o rre é u m a pessoa conhecid a e amada desde o momento da sua concepção por u m D eus que deseja salvar a todos (1 T m 2.4). A B íblia F ala de Crianças dem asiadam ente Joven s para D iscernir entre o Bem e o M a l
C o m relação à idade da responsabilidade, Isaías se refere às crianças pequenas que ainda não sabiam “rejeitar o m al e escolher o b em ” (Is 7.15). C om o m encionam os an teriorm ente, Moisés tam bém fez a m esm a coisa: “E vossos m eninos, de que dissestes: Por presa serão; e vossos filhos, que h o je n em bem n em m al sabem, ali entrarão, e a eles a darei, e eles a possuirão” (D t 1.39). Estes textos parecem im plicar que existe um a idade para a responsabilidade m oral. M esm o ao se referir aos adultos, Jesus declarou: “Se fósseis cegos, não teríeis pecado; mas co m o agora dizeis: Vemos, por isso, o vosso pecado perm an ece” (Jo 9.41). Im agine o quanto mais isto se aplicaria aos infantes que n e m ao m enos são capazes de discernir o certo do errado?'10
49 D o grego : brephos e m 18.15. m o ra l.
50 O u seja , p o r aind a n ã o te re m se d esen vo lv id o ao p o n to de a tin g ire m a c o n sciê n c ia
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Em resposta, os críticos observam que apesar de Isaías estar enfatizando u m a idade de responsabilidade, a passagem n em por isso dem onstra que todos os infantes são, de fato, salvos. Existem , pelos m enos, duas outras premissas de defesa da “salvação universal para os infantes” que precisam ser provadas: (1) a que advoga que a depravação herdada em si, e por si mesma, não é suficiente para a condenação eterna e, (2) a de que a fé nesta vida não é absolutam ente essencial para a salvação eterna. Dita de fo rm a breve, p o rtan to , a referência que Isaías faz às crianças pequenas que não possuem consciência m o ral pode se referir som ente à culpa pessoal ou social e não ao pecado herdado ou à salvação final. Romanos 5 diz que “Todos" Foram “Feitos Justos'0'
C o m o foi anteriorm ente observado,52 Paulo declara: Pois assim com o por um a só ofensa veio o ju ízo sobre todos os hom ens para condenação, assim tam bém por u m só ato de justiça veio a graça sobre todos os hom ens para justificação de vida. Porque, com o, pela desobediência de um só h om em , muitos [isto é, todos] foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um , muitos [isto é, todos] serão feitos justos, (vv. 18-19) C om o o ensino inequívoco de Paulo é que todos, de algum a form a, fom os “feitos ju sto s” pela m o rte obediente de Cristo, resta-nos perguntar em que sentido isto pode ser verdadeiro. C o m o o U niversalism o está claram ente fora de questão tanto em função do contexto im ediato, quanto pela exegese de outras passagens,13 Paulo não pode estar querendo dizer que todos foram literalm ente (e não poten cialm en te) feitos justos. A lém do mais, não parece que Paulo esteja se referindo à declaração da nossa justiça no sentido da justificação, a qual vem som ente pela fé (cf. R m 1.17; 3.21-26), a qual não pode ser exercida pelos infantes, ju stam en te por estes ainda serem dem asiadam ente pequenos. A passagem pode significar, entretanto, que o pecado original gerado pela decisão de Adão está cancelado pela obra de Cristo. Se este for o caso, os seres hum anos não estão mais destinados ao inferno u n icam ente em função da depravação herdada; eles precisam co m eter os seus próprios pecados pessoais para incorrer em cond enação.54 C onseqüen tem ente, com o os infantes ainda não com eteram pecados reais, todos poderiam ser salvos m esm o não sendo capazes de exercitar um a fé ativa. D e acordo com este argum ento, a condenação jurídica gerada por Adão sobre toda a hum anidade (R m 5.12) teria sido revertida por C risto e, assim, Deus não é mais obrigado a condenar, n em precisa mais condenar n e n h u m infante. Seja com o for, con form e foi anteriorm ente questionado, a condenação de Deus não é baseada na depravação herdada55 mas no m al que, na prática, todas as pessoas in correm nesta vida ( cf. Ap 20.1223). Os infantes ainda não com eteram n e n h u m a ação m o ral pela qual precisem prestar conta, portanto, Deus pode salvá-los porque foram tornados passíveis de salvação por interm édio da obra consum ada de Cristo. Os críticos deste ponto de vista enfatizam a sua inovação ao m esm o tem p o em que negam a sua necessidade, notand o que ela pende para o U niversalism o56 e elim ina a fé com o um a condição salvífica absolutam ente necessária nesta vida terren a.57Eles tam bém 51 Isto , lo g ic a m e n te , ta m b é m in c lu i os in fa n tes. m a io res d etalh es.
52 V id e c a p ítu lo 5 e 11.
53 V id e c a p ítu lo 12.
54 V id e c a p ítu lo 9, p a ra
55 In d e p e n d e n tem e n te de e la te r sido o u n ã o su p e ra d a p e lo s a crifício de C risto .
u n iv ersalistas se serv e m da m e sm a ( “feito s ju s to s ,” e m R m 5 ) para em b a sa r o seu p o n to de vista.
56 N a verdade, os
57 V id e c a p ítu lo 15.
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argu m entam que tanto é possível com o a “trad ição” tem dem onstrado que R om anos 5.18.19 pode ser interpretado de outras form as. A v a lia çã o R e su m id a d a S a lv a ç ã o U n iv e rs a l d o s I n fa n te s in d e p e n d e n te m e n te da su a Fé U m m érito desta posição é que ela tanto satisfaz a ju stiça de Deus, quanto presta h on ra à sua onibenevolência. A lém disso, ela apresenta u m a base bíblica concebível. Todavia, os oponentes têm levantado diversas críticas a ela. Primeiro, os crítico argu m entam que, de acordo com esta posição, os infantes são salvos sem precisar de fé, ao passo que a Bíblia parece ensinar que a fé é condição necessária para se receber o dom da vida eterna (por exem plo: Jo 3.36; At 16.31; Hb 11.6).58 Em resposta, com o já m encionam os, algum as pessoas colocam que a fé é um requisito padrão, mas não absoluto para a salvação. Ou, que ela pode ser absolutam ente necessária nesta vida para aqueles que puderem exercer a faculdade de crer, mas não para
aqueles (co m o os infantes) que não puderem fa z e r uso dela. Para aqueles que m o rrerem antes da idade da responsabilidade, a escolha poderia ser adiada para a vida fu tu ra; isto em nada m enospreza as exortações enfáticas da Bíblia àqueles que podem exercer a faculdade de crer: eles precisarão crer antes de m o rre r (cf. Jo 3.18, 36; 5.24; Hb 9.27). Segundo, argum enta-se que, pela sua própria natureza, a salvação das criaturas livres envolve o seu livre consentim ento. Salvar os infantes contra a sua vontade é tão
impossível quanto salvar os adultos contrariando a sua vontade (cf. M t 23.37; Jo 5.40). Em resposta, os defensores fazem duas observações. Por u m lado, de acordo com esta posição, os infantes não são salvos contra a sua vontade, mas à parte dela — por seres dem asiadam ente jovens para exercerem u m a fé ativa. Por outro, é sem pre possível que todos os infantes estejam enquadrados na categoria daqueles que teriam crido caso tivessem idade suficiente para isso; o fato deles terem a oportunidade de fazer isso quando “am ad u recerem ” no céu, con form e se argum enta, resolve o p roblem a da fé e da liberdade.59 Terceiro, os críticos insistem que, em parte algum a, a Bíblia estabelece a tal da “idade da responsabilidade” e, portanto, isto não passa de especulação. Em resposta, pode-se argu m entar que existe algum as evidências bíblicas de um ponto na vida da pessoa no qual ela se torna m o ralm en te responsável (co n fo rm e citam os an teriorm ente). A lém disso, tanto a experiência, quanto o senso co m u m nos inform am que crianças m u ito pequenas não são m o ralm en te responsáveis, m otivo pelo qual elas não podem ser punidas pelas suas ações. Psicologicam ente falando, os infantes e as crianças pequenas não apresentam faculdades racionais suficientem ente desenvolvidas para discernir o bem do m al. A lém do mais, o fato de não conseguirm os designar u m a idade precisa para o início da responsabilidade m oral não se constitu i em um a dificuldade intransponível. Considere, por exem plo, a autoconsciência: apesar de não saberm os precisam ente quando ela passou a existir, é fato que estamos cientes da sua existência! A idade exata da responsabilidade pode variar de pessoa para pessoa, dependendo do seu desenvolvim ento m oral. Talvez ela chegue mais cedo para as pessoas que são expostas explicitam ente à verdade mais cedo. Seja com o for, apesar dela oco rrer teoricam ente para a m aioria das pessoas entre a idade de quatro e doze anos, ela jam ais chega às pessoas que jam ais atingem o estágio de 58Vide capítulo 15.
59 Isto eqüivale à posição modificada da presciência da fé nos infantes.
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m aturidade intelectu al e m oral. A idade da responsabilidade chega quando uma pessoa se torna capaz de compreender a diferença entre o certo e o errado e toma consciência das suas escolhas morais60 As críticas desta posição de fo rm a algum a podem ser consideradas definitivas. O fato de D eus poder salvar todas as pessoas que jam ais alcançarem (nesta vida) a idade da responsabilidade m o ral é tão possível, teologicam en te falando, quanto plausível, em term os bíblicos. As questões mais espinhosas são: (1) a necessidade que estes infantes (ou crianças pequenas) têm de, em algum m o m en to , exercitar a sua própria fé e (2) a aparente exceção à necessidade de to m ar u m a decisão, antes da m o rte, de crer em Jesus C risto. Estas questões, en tretan to , não são impossíveis de se responder, especialm ente diante da possibilidade de Deus antever que aqueles que m o rre m cedo dem ais para ter fé estariam entre aqueles que, eventualm ente, am adureceriam e viriam a crer.61
A Posição dos Infantes no Limbo (Eles não Estão Salvos, nem Perdidos) As posições acim a apresentadas assum em , antes de tudo, a existência de dois destinos possíveis para os infantes. Talvez exista u m terceiro lugar (ou u m a terceira condição) — o Limbo. A lguns teólogos católicos têm postulado o Limbo co m o destino dos bebês que m o rre m sem o batism o (e, p o rtan to , sem a salvação). E possível desassociar a d outrina do Limbo do paradigm a sacram ental62 e argum entar, sim plesm ente, que todos os bebês não eleitos que m o rrem vão para lá ou, pelo m enos, que todos aqueles que não viriam a crer caso tivessem alcançado a idade em que poderiam exercitar u m a fé ativa. Porém , até m esm o os proponentes desta posição consideram difícil en con trar apoio escriturístico para qualquer tipo de lugar que lem bre o Lim bo, o qual, mais do que qualquer coisa, é fru to de especulação teológica. A hipótese parece ser que, co m relação aos bebês que m o rrem , não ju sto da parte de Deus enviá-los n e m para o céu, n em enviálos para o inferno, por isso ele os envia para u m a espécie de estado n eu tro .63
Crítica à Posição dos Infantes no Limbo Primeiro, até m esm o alguns teólogos católicos contem porâneos rejeitam o Lim bo, adm itindo tan to a falta de base bíblica para ele, quanto a sua condição especulativa. Segundo, a Bíblia não co n tém referências a estaposição; todas as passagens que poderiam ser apresentadas em apoio ao Limbo falam m eram en te de bebês que ainda não atingiram u m estado de consciência do m u nd o onde vivem (por exem plo: Jó 3). Terceiro, por que D eus não poderia fazer o m esm o com aqueles que nu n ca ouviram o evangelho? Afinal, a exem plo do que ocorre co m estes infantes, eles tam b ém não rejeitaram Cristo, já que nu n ca tiveram a oportunidade de ouvir falar dele. C o m o se sabe, tam bém não existem evidências de que h aja um Limbo tam bém para as pessoas que m o rreram sem serem alcançadas pelo evangelho.64
60 E m lin g u ag em b íblica, s o m o s m o r a lm e n te responsáveis q u and o to m a m o s co n sciê n c ia d a lei q u e foi e sc rita n o s n ossos c o ra ç õ e s ( R m 2.15); o u seja, q u an d o sabem os q u e o s n osso s a to s são favoráveis ou c o n trá rio s ao p a d rã o d ivino (cf. Is 7.15). 61 C o m o já v im o s, n e ste p o n to , a p o siçã o se m e sc la ta n to c o m a da “p resciên cia d a f é ” n o s in fa n tes (vide a n te rio r m e n te ) q u a n to c o m a da “e v an g elização post mortem” dos in fa n tes (vide a d ia n te).
62 O q u e sign ifica q u e p a ra os ca tó lico s,
esp e cificam en te , os in fa n tes falecid o s q u e estã o n o L im b o fica m lá p o rq u e n ã o fo ra m b atizados e, p o r ta n to , n ã o p o d e m re c e b e r a salvação (o q u e lh e s daria o d ireito de e n tra r n o c é u ). m e n o s, u m lu g a r isento âe sofrimento.
63 S e n ã o f o r c o m p le ta m e n te o u o fic ia lm e n te neutro, p e lo
64V id e ad ian te, n o s u b títu lo "O s E feitos d a Sa lv a çã o so b re os Pagões.
OS EFEITOS DA SALVAÇÃO (INFANTES E PAGÃOS)
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Quarto, e para encerrar, a própria n atu reza do Limbo é vaga, despertando sérias dúvidas
e objeções.65 Por exem plo, seria o Limbo u m lugar de aniquilam ento? Estariam os seus habitantes vivos, mas inconscientes, n u m a espécie de estado de coma? A P o siçã o da E v a n g e liz a ç ã o Post-mortem M o r te d o s In fa n te s O ponto de vista restante argum enta na linha de que os infantes am adurecerão depois da m o rte (talvez de fo rm a im ediata) e, então, terão a oportunidade de crer. Aqueles que crerem serão salvos, e aqueles que não crerem (se houver alguém ) se perderão. A possibilidade de que todos os infantes que m o rrem antes da idade da responsabilidade sejam aqueles que Deus já sabia que creriam envolve o que se d enom inou de fé implícita ou potencial , a qual am adurecerá ao ponto de se to rn a r um a fé real no m o m en to da decisão.
De acordo com a posição da evangelização post-mortem dos infantes, as pessoas que m o rrem antes da idade da responsabilidade m o ral terão a oportunidade de “crescer,” depois da m o rte, ouvir o evangelho, e decidirem onde passarão a eternidade. Esta crença, que rem on ta a G regório de Nissa (c. 335- c. 395 d.C.) e é, h oje em dia, defendida por alguns teólogos católicos,® apresenta quatro fundam entos básicos: (1) As pessoas são condenadas ao inferno em função dos seus pecados deliberados; (2) Jesus m o rreu por todas as pessoas, inclusive pelos infantes que m o rrem ; (3) todas as pessoas recebem graça suficiente para a salvação; e (4) o ato de lé é necessário para a salvação. (Sanders, N O N , 298) Os proponentes da posição da evangelização post-mortem argu m entam que ela é um a das poucas posições que faz ju stiça a todas estas quatro premissas. C r ític a da P o siçã o da E v a n g e liz a ç ã o Post-mortem d os I n fa n te s Primeiro, existe um a notável falta de passagens bíblicas na fundam entação da afirmação de que os infantes am adurecerão depois da m orte, em bora, em resposta, esta não é um a crença incom u m quando aplicada à ressurreição do corpo. E razoável considerarm os que as crianças em tenra idade (que creram ) “crescerão” e terão corpos adultos no céu; por que, então, as pessoas que m o rrem na infância não receberiam a oportunidade de crer naquela época? A lém disso, os proponentes deste ponto de vista observam que tam bém não existem textos bíblicos que falem abertam ente, por exem plo, da doutrina da Trindade, e n em por isso esta doutrina deixa de ter a sua fundam entação bíblica.67 As doutrinas podem ser adequadamente deduzidas ou inferidas de outros ensinos mais abertam ente bíblicos. Segundo, m esm o que os infantes am adureçam depois da m o rte, não existe evidência de que eles serão, finalm ente, evangelizados: o ún ico fó ru m evangelístico citado na Bíblia é este m undo (cf. M t 28.18-20, et al.). Em resposta, en tretan to , é possível que estas passagens se refiram som ente à evangelização daqueles que não m o rrera m na infância
ou noutras situações sim ilares.68 Assim, a necessidade da decisão para a salvação o co rrer antes da m o rte poderia ser padrão, mas não absoluta.69 Terceiro, a Bíblia ensina claram ente que não existe esperança de salvação depois da m o rte (por exem plo: Hb 9.27; cf. Lc 16.26-31; Jo 8.24). Em resposta, pode-se argum entar 65Vide volum e 4, capítulo 13. 66Por exemplo, vide Ladislaus Boros, The Mystery ofD eath, 109-11. 67Vide volum e 2, capítulo 12. 68Tais com o as pessoas com deficiência m ental severa.
69Vide capítulo 16.
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que talvez estas passagens som ente se apliquem às pessoas que viveram o suficiente para atingir a idade da responsabilidade m o ral e rejeitaram a luz que D eus lhes ofereceu. Quarto, e mais diretam ente ao ponto, a posição da evangelização post-mortem, por não postular que todos os infantes serão salvos, despreza todo u m c o n ju n to de passagens (acim a apresentadas) que apontam em direção à salvação universal de todas as pessoas que m o rre m sem atingir a idade da responsabilidade.
Resumo e Conclusão N enhu m a destas posições está isenta de dificuldades. As posições dos “infantes batizados” e a da “salvação restrita aos infantes eleitos” têm sérios problem as. A “dou trina do lim b o ” para os infantes não apresenta qualquer base real. As posições da “presciência dos infantes que teriam fé ”, da “salvação universal de todos os infantes,” e da “evangelização post-mortem dos in fan tes” parecem ser as mais viáveis em term o s de m érito teológico e apoio bíblico. Existem , pelo m enos, três fatores cruciais na d eterm inação de qual destas posições é a correta. Seria a Fé mesmo uma Condição Absoluta para a Salvação.'1 Existe u m a distinção entre a inocência pessoal dos infantes e a rejeição consciente da salvação por parte dos adultos, se a fé não fo r absolutamente essencial, mas sim normativamente necessária para a salvação. Se esta últim a (a necessidade norm ativa ou padrão) estiver correta, faz sentido referirm o-n os à salvação de todos os infantes sem a necessidade de u m a fé ativa, sim plesm ente por causa da obra de C risto no lugar deles. Por outro lado, se a fé for absolutam ente essencial para a salvação antes da m orte — e muitas passagens bíblicas (anteriorm ente citadas) têm sido assim compreendidas — então as pessoas que não puderem crer estarão na m esm a situação daquelas que não quiserem crer: isto é, perdidas. Os infantes não podem exercitar a sua fé, e sabemos que alguns deles, senão todos, serão salvos. Será que Deus sempre Oferece a todos a Oportunidade de Crer? Se D eus não propicia a todos a chance de crer, então a posição da salvação para os “infantes batizados” e a dos “infantes eleitos” fazem sentido. E n tretan to , a Bíblia está repleta de afirm ações de que D eus oferece a salvação a todos.70 Portanto, parece lógico conclu irm os (tal qual tam bém podem os inferir a partir do am or de D eus) que aqueles que creriam caso pudessem fazer isto, mas que m o rreram antes disso, receberão um a chance de fazer isto n a vida futura. Será que Somente a Depravação Herdada E Suficiente para a Condenação? Se o pecado original é suficiente para lançar u m a pessoa n o inferno, então a posição da salvação restrita aos infantes batizados e aos infantes eleitos são as mais plausíveis. Se, e n tretan to , fo r realm ente necessária u m a decisão pessoal quanto à m ensagem de Deus, estas duas posições perdem a sua credibilidade. A viabilidade das visões que advogam a salvação de todos os infantes depende deste fato, pois sem ele a salvação universal dos infantes não pode ser facilm en te justificada. C o n fo rm e dem onstrado an teriorm ente: (1) os argum entos a favor da possibilidade de salvação de todos os infantes (R m 5.18,19), (2) 70Vide capítulo 11.
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o fato de as pessoas serem som ente condenadas co m base nos atos executados nesta vida (Ap 20.12,13) e, (3) tanto a onibenevolência, quanto a ju stiça perfeita de D eus depõem con tra a depravação herdada com o ún ico fator suficiente para lançar u m a pessoa (incluindo-se aqui os infantes) no inferno. É interessante n otarm os que as posições que advogam a possível salvação de todos os infantes, além de serem com patíveis com o am or e a ju stiça de Deus, tam b ém aju d am a resolver a questão da salvação dos pagãos. Pois, co m o D eus é ju sto, e com o nin g u ém pode se salvar sem Jesus C risto,71 e com o m uitas terras pagãs ainda não ouviram o evangelho, é razoável inferirm os que d entre os eleitos de D eus — que virão de todas as “nações, e tribos, e povos, e línguas” (Ap 7.9) — poderiam estar aqueles que m o rrera m ainda em ten ra idade. C o m o se estim a que dentre estes povos pagãos, a m aioria dos bebês m o rra antes de atingir a idade da responsabilidade, concluím os que, potencialm en te, haverá no céu u m n ú m ero m u ito grande de pagãos que jam ais ouviu o Evangelho proclam ado neste nosso m undo.
OS EFEITOS DA SALVAÇÃO SOBRE OS PAGÃOS C o m relação à salvação dos ainda não alcançados pelo evangelho, exam inarem os duas perspectivas principais. A posição ortod oxa tradicional é que a salvação som ente é possível por m eio da relação soteriológica especial feita por Deus, enquanto a revelação geral som ente é suficiente para a cond enação.72 O utros teólogos, en tretan to , defendem que se a revelação especial de D eus acerca do plano de salvação não chegar até a pessoa, o que ela com preend er e aceitar por interm édio da revelação geral será suficiente para a vida eterna. O bviam ente, a base desta salvação continuará sendo a obra de Cristo, apesar da pessoa não to m ar consciência do que Cristo realizou por ela.
A Posição Baseada na Revelação Geral (Advogando Que os Pagãos Podem Ser Salvos Por Intermédio da Criação Divina) As pessoas que acreditam que os que não fo ram evangelizados podem ser salvos independ entem ente de terem ouvido o evangelho (ou seja, a m ensagem de que Jesus m o rreu pelos seus pecados e ressuscitou tam bém por eles — cf. lc o 15.1-5) raciocinam da seguinte form a: 0 Amor e a Justiça de Deus A rgum entando a partir dos atributos divinos de am or e justiça, alguns apologistas cristãos insistem que Ele não condenaria as pessoas que jam ais tiveram a oportunidade de ouvir o evangelho de Cristo. Eles enfatizam as afirm ações bíblicas acerca da ju stiça de D eus (por exem plo: G n 18.25; SI 33.5), de que D eus “não faz acepção de pessoas” (A t 10.34; R m 2.11). A lém disso, D eus é on ibenevolente (2 Pe 3.9). Ele am a o m undo inteiro e enviou o seu ún ico Filho para entregar a sua vida por ele (Jo 3.16).
11Vide capítulo 13.
72Vide volum e 1, capítulo 4.
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Atos 10.35 Pedro disse a C ornélio, u m gentio que jam ais havia ouvido falar do Evangelho, “que [a Deus] é agradável aquele que, em qualquer nação, o tem e e faz o que é ju sto .” O texto indica que C ornélio já “tem ia a D eus” (v. 2) e foi aceito por D eus m esm o não tendo ainda ouvido explicitam ente as Boas-Novas. Hehreus 11.6 “E necessário que aquele que se aproxim a de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam .” Isto, aparentem ente, inclui tam b ém aqueles que nu nca ouviram falar do evangelho. Atos 19.2-5 Esta passagem fala de crentes, anos depois da época de Cristo, que foram salvos m esm o sem ter recebido ainda o Espírito Santo. Quando Paulo lhes perguntou — “Recebestes vós já o Espírito Santo quando crestes?”— eles responderam — “Nós n em ainda ouvimos que h aja Espírito Santo” (v. 2). Então Paulo proclam ou a verdade para eles e: “os que ouviram foram batizados em nom e do Sen h or Jesus” (v. 5). Eles foram chamados de “discípulos” (isto é, crentes) m esm o antes de Paulo ter pregado a eles (v. 1). Gálatas 3.8 D e acordo co m Paulo: “Tendo a E scritura previsto que D eus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou prim eiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti.” Não existe n e n h u m a evidência explícita de que o “evan gelho” que Abraão ouviu con tin h a a m ensagem explícita de que C risto m o rreria e seria ressuscitado dentre os m o rtos. Q uando Abraão creu, o texto sim plesm ente diz: “Então, [o Senhor] o levouTora e disse: O lha, agora, para os céus e con ta as estrelas, se as podes contar. E disse-lhe: Assim será a tua sem en te” (G n 15.5). Abraão não foi solicitado a crer na m o rte e ressurreição de Jesus antes de ser salvo. Apocalipse 14.6 João registrou: “E vi ou tro an jo voar pelo m eio do céu, e tin h a o evangelho eterno, para o proclam ar aos que habitam sobre a terra, e a toda nação, e tribo, e língua, e p ovo.” Se o evangelho pelo qual aquelas pessoas foram salvas é etern o, então se tratava da m esm a proclam ação final contida no A ntigo T estam en to (a qual, co m o indica a próxim a passagem, não tin h a o m esm o conteú d o do evangelho mais plen am en te desenvolvido no Novo Testam ento (1 C o 15.1-5).73 Todavia, as pessoas eram salvas ao crer nas BoasNovas da graça de Deus. Jonas 3.1-10 O Antigo Testam ento con tém um relato explícito de salvação de pagãos. Jonas, o profeta israelita, recebeu m and am en to da parte de Deus para ir a Nínive (n a Assíria) e anunciar a sua breve ruína:
73Vide capítulo 16.
74Vide Kenneth C. Fleming, G od’s Voice vn the Stars [A Voz de Deus nas Estrelas].
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E co m e ç o u Jonas a en trar pela cidade cam in h o de u m dia, e pregava, e dizia: Ainda q uarenta dias, e N ínive será subvertida. E os h om en s de Nínive cre ra m e m D eus, e p ro cla m a ra m u m jeju m , e v estiram -se de panos de saco, desde o m aio r até ao m e n o r
[...] E D eus viu as obras deles, co m o se co n v erteram do seu m au cam in h o ; e D eus se arrepen d eu do m a l que tin h a dito lhes faria e n ão o fez. (vv. 4,5, 10)
P osteriorm ente, Jonas declarou a respeito da conversão dos ninivitas: “[Eu] sabia que és D eus piedoso e m isericordioso, long ânim o e grande em benignidade e que te arrependes do m a l” (4.2). Não existe qualquer indício m o strand o que a m ensagem que eles ouviram e creram ia além da confiança no Deus que perdoa aqueles que abandonam o pecado e a Ele se voltam . Salmo 19.1-4 Davi indica que até m esm o os céus p roclam am o evangelho a todas as pessoas: Os céus manifestam a glória de Deus e o firm am ento anuncia a obra das suas mãos. U m dia faz declaração a outro dia, e u m a noite m ostra sabedoria a outra noite. Sem linguagem, sem fala, ouvem-se as suas vozes em toda a extensão da terra, e as suas palavras, até ao fim do m undo.
Esta passagem parece ensinar que todos, em todos os lugares, ouvem o “evangelho da criação” (a revelação geral) pelo qual podem ser salvos. E curioso notarm os, en tretan to , que esta é exatam ente a passagem utilizada por Paulo para dizer que nin g u ém poderá ouvir a palavra sem que alguém a anuncie (isto é, a revelação especial — R m 10.18). O Evangelho nas Estrelas A lgum as pessoas, seguindo os passos de E. W. B u llin g er (1837-1913) na obra The Witness o f the Stars, questionam que o evangelho é tam bém proclam ado pelas constelações, o que foi, p osteriorm ente, distorcido até virar o que h o je con h ecem o s co m o o horóscopo (ou signos do zodíaco).1*Porém , existem vários problem as sérios co m este ponto de vista. Primeiro, o cham ado “evangelho das estrelas” obviam ente não é claro para todas as pessoas, da m esm a fo rm a que a Bíblia afirm a que a revelação geral é clara para todos (R m 1.19). M uitas pessoas, inclusive este autor, confessam ser incapazes de ver o plano de salvação no céu, m esm o quando ele é explicado pelos proponentes desta visão. Segundo, não existem linhas entre as estrelas, n em nú m eros nelas para se saber qual estrela estaria em form ação co m outra. As linhas poderiam ser ligadas de fo rm a a não fo rm ar a proclam ação do evangelho. Terceiro, m esm o quando as linhas são feitas de m aneira a favorecer u m a interpretação favorável a este ponto de vista, ainda ficam os m u ito longe de u m a anunciação clara do evangelho. Quarto, trata-se de u m a fo rm a de astrologia, que é u m a prática condenada várias vezes n a Bíblia (cf. Êx 22.18; Lv 19.26; D t 18.10; Jr 50.36; Ez 13.7; D n 2.2ss) independentem ente ou não de ser cristianizada. Quinto, as estrelas nos foram dadas co m o sinais para as estações (G n 1.14), e não para dias e anos. T am p ou co foram dadas para prever o fu tu ro das pessoas ou m esm o p roclam ar o evangelho. 74V id e K e n n e th C . F le m in g , G od’s Voice in the Stars [A V oz de D e u s nas Estrelas].
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Sexto, o cham ado “evangelho nas estrelas” é u m falso evangelho, já que C entau ro que seria, supostam ente, u m sím bolo de Cristo, é parcialm en te cavalo, parcialm ente hu m ano, não to talm en te h u m an o e to talm en te divino. (Na realidade, este é u m m ito grego a respeito do sexo ilícito entre seres hu m an os, animais e os deuses.) Sétimo, e para encerrar, esta posição é contrária ao princípio protestante Sola Scriptura, pelo qual som ente a Palavra de Deus deve ser a nossa fonte de inform ação acerca da salvação. C o m o já analisam os, a revelação geral tem o poder de nos trazer a condenação, mas não a salvação (R m 1.20; 2.15). Romanos 2.6,7 Paulo afirm a que Deus “recom p ensará cada u m segundo as suas obras,75 a saber: a vida etern a aos que, co m perseverança em fazer bem , pro cu ram glória, e hon ra, e in corru p ção.” Isto está no con texto dos “os gentios que não têm lei” (2.14), ou seja, os pagãos, o que parece ser u m a referência à possibilidade dos não alcançados pelo evangelho receberem a “vida etern a ” independentem ente da revelação especial que vem através da Lei de Deus. Uma Distinção Importante Todos os evangélicos crêem que a m o rte e a ressurreição de Cristo (o fato da consu m ação da sua obra) são necessárias para a salvação de todas as pessoas. C ontudo, os defensores de que a salvação pode ser obtida por interm édio da revelação geral insistem que não é necessário termos o conhecimento daquilo que C risto fez por nós. Dessa form a, todos os versículos (vide adiante) que indicam que a m o rte e a ressurreição de C risto são soteriologicam en te necessárias, devem ser considerados referências ao fato do sacrifício de C risto e não ao conhecimento explícito desta verdade.76
A Posição da Revelação Especial (Advogando que a Salvação Vem somente por Intermédio do Evangelho de Jesus Cristo) A posição ortod oxa padrão ao longo dos séculos — defendida por A gostinho, Tom ás de A quino, Lutero, Calvino e os seus seguidores — é que, nesta época, a salvação não é possível sem o con h ecim en to a respeito de Jesus Cristo e a fé na sua m o rte e ressurreição. Evidências de que a Salvação Ocorre somente por Intermédio do Conhecimento de Jesus Cristo Este ponto de vista a respeito do destino eterno dos pagãos parece ser u m desafio tanto à ju stiça de Deus, quanto à sua onibenevolência. Todavia, há várias passagens bíblicas que apontam nesta direção. João 3.36 C om o já vim os, Jesus deixou claro que “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna, mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece." Este versículo tam bém parece enfatizar que o con h ecim en to de (e a fé em ) Cristo é u m a condição necessária para a salvação. 75 Confirm ando o Salm o 62.12 e Provérbios 24.12.
76Vide capítulo 16.
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J o ã o 3 .1 8
“Q uem crê nele não é condenado; mas quem não crê j á está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de D eu s.” E xplicitam ente falando, a fé “no n om e do Filho un igênito
de D eus” é colocada com o condição para a salvação.77 J o ã o 8 .2 4 “Se não crerdes que eu sou, m orrereis em vossos pecados.” Mais um a vez, a condição para se fugir da m o rte etern a é a fé em Jesus. J o ã o 10.1. 9, 11, 14
Jesus disse: “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador
[...] Eu sou a porta ; se alguém entrar por mim, salvar-se-á [ ...] Eu sou o [...] e conheço as m inhas ovelhas, e das m inhas
bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida p elas ovelhas
sou conhecido.” O fato das ovelhas (os crentes) terem necessariam ente de “c o n h ece r” C risto e “e n tra r” pela porta, indica que a salvação im plica um con h ecim en to específico a respeito de Cristo. A tos 4 .1 2
Os apóstolos de Jesus declaravam com ousadia: “E em n e n h u m ou tro há salvação, porque tam bém debaixo do céu n e n h u m ou tro nom e há, dado entre os hom ens, pelo qual devamos ser salvos.” C om o aqui existe um a referência clara ao nome de Cristo, é difícil crerm os que o con h ecim en to explícito de C risto seja dispensado com o condição para a vida eterna. Isto significa dizer que não se trata sim plesm ente do fato de Cristo, mas do próprio n o m e de Cristo, com o necessidade soteriológica. Romanos 10 .9
Paulo ensina com o serem os salvos: "Se, com a tua boca, confessares ao Sen h or Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos m o rto s.” Isto parece exigir um a confissão do n om e de Jesus feita pelos nossos próprios lábios. Romanos 1 0 .1 3 ,1 4
O A p óstolo prossegue fazendo o seguinte acréscim o: Porque todo aquele que invocar o n o m e do S enhor será salvo. Como, pois, invocarão aquele em se não há quem pregue?
quem não creram.'1E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão,
A ênfase sobre a verdade de que os pagãos precisem “invocar” o n o m e de Jesus e que, para isso, necessitam “ouvir” a proclam ação do evangelho parece elim inar a 77V ide c a p ítu lo 15.
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possibilidade de que qualquer pessoa nesta era possa se salvar sem que ou ça a m ensagem do evangelho. 1 Jo ã o 5.10-13
João repete a m esm a verdade nas suas epístolas: Quem crê no Filho de Deus em si mesmo tem o testemunho; quem em Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu. E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida. Estas coisas vos escrevi, para que saibais que tendes a vida eterna e para que creiais no nome do Filho de Deus. As palavras destacadas dem on stram claram ente que João está ensinando que o co n h ecim en to explícito de C risto é necessário à salvação. Resposta aos Versículos Utilizados para Embasar a Visão da Revelação Geral
Os proponentes da “salvação u n icam en te através da revelação especial” estão cientes dos versículos apresentados pelos defensores da salvação dos pagãos u n icam en te por m eio da revelação geral. Eles respondem apresentando outros versículos, e fazendo algum as observações, que serão resum idas a seguir. Atos 10.35
Duas coisas são n orm alm en te m encionadas acerca do episódio na casa de C ornélio. Primeiro, C ornélio é u m a prova de que as pessoas que buscam a D eus receberão, n u m dado m o m en to , a revelação especial por m eio da qual eles poderão chegar ao co n h ecim en to de Jesus Cristo. A lém do mais, a grande lição desta história é que Deus enviou Pedro por revelação especial e C o rn élio não se converteu enquanto não havia ouvido e crido n a revelação especial. Segundo, o livro de Atos representa u m período de transição en tre os dois Testam entos durante o qual as pessoas que haviam sido salvas nas bases do A ntigo Testam ento receberam a luz de C risto via Novo Testam ento. Isto fica m u ito claro n a resposta à passagem seguinte. Hebreus 11.6
De acordo co m este versículo: “é necessário que aquele que se aproxim a de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam .” Primeiro, apesar de esta referência ter certa relação com o co n h ecim en to de Deus, e não de Cristo, ela não exclui o Filho. Segundo, co m o o co n tex to envolve os santos do A n tigo T estam en to e n ão os crentes do N ovo T estam en to , é com p reensív el que a d eclaração m ais abrangen te a respeito do co n h ecim e n to exp lícito de C risto não estivesse incluída. H ebreus 11.6 é u m a pro clam ação das exigências salvíficas m ínim as de qualquer época; ela não exclui a possibilidade de D eus to rn a r a fé em C risto u m a exigência exp lícita para a salvação em o N ovo T estam e n to .78 78Vide capítulo 16.
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Terceiro, na m esm a linha, o uso deste versículo para negar que a té explícita em C risto é soteriologicam en te necessária despreza a revelação progressiva, por m eio da qual, Deus, por exem plo, exige mais dos crentes do N ovo Testam ento do que dos crentes do Antigo, em função da revelação adicional que havia sido entregue (cf. Hb 1.1; 2.3,4). Gaiatas 3.S C om o já verificamos, esta passagem afirma que o evangelho foi proclam ado para Abraão, entretanto, quando o conteúdo desta proclam ação feita a Abraão é escrutinado, ele se apresenta incom pleto, à medida que não m enciona a fé na obra consum ada de Cristo, a qual, segundo o Novo Testam ento, é essencial para o Evangelho (cf. 1 Co 15.1-3). Os proponentes da revelação especial respondem de duas m aneiras. Primeira, alguns defendem que m esm o na era do Antigo T estam ento, os crentes não tin h am u m co n h ecim en to explícito de Cristo. Eles apresentam a declaração de Paulo m ostrand o que a “sem en te” de Abraão era C risto (G1 3.16). A lém disso, alguns crêem que, quando Jesus disse aos judeus: “Abraão, vosso pai, exu lto u por ver o m eu dia, e viu-o, e alegrou-se” (Jo 8.56), Ele estava querendo dizer que Abraão sabia o que C risto faria por ele.79 Segunda, outros apologistas consideram Gálatas 3.8 com o um a sim ples descrição do conteú d o m ín im o (n ão incluindo o con h ecim en to explícito da m o rte e da ressurreição de C risto) necessário para a salvação no A ntigo T estam ento. Seja co m o for, era mais do que a revelação geral, já que Deus havia en tregue a revelação especial a Abraão. M esm o que este “evangelho” não incluísse tu do que é salvificam ente exposto em o N ovo Testam ento, ele se tratava, ainda, de u m estágio prim itivo no desenvolvim ento da revelação, no qual Deus ainda não exigia a fé n a revelação plena a respeito da pessoa e obra de Cristo. Apocalipse 14.6 A referência que João faz ao evangelho eterno, independen tem ente da sua intenção ao fazer uso desta expressão, não apóia a posição de que a salvação dos pagãos é baseada som ente n a revelação geral. Primeiro, esta m ensagem chegou até eles por interm édio da revelação especial — Deus enviou-lhes um an jo para fazer o anúncio. Segundo, o conteú d o deste evangelho dizia respeito às pessoas que criam em C risto (o “C ord eiro”) que os havia “redim ido” pelo seu sangue (14.1, 4). Terceiro, o fato de o evangelho ser eterno pode significar sim plesm ente que Cristo era “o Cordeiro que foi m o rto desde a fundação do m u n d o ” (Ap 13.8). N ão há indícios de que João esteja m encionand o u m evangelho eterno conh ecid o som ente por interm édio da revelação geral. Jonas 3.1-10 C o m o já estudam os, os santos do A ntigo Testam ento não tin h am necessariam ente o m esm o conteú d o de con h ecim en to exigido por D eus para a salvação co m o se exige no Novo T estam en to. A d ou trina da revelação progressiva indica que D eus progressivam ente revelou o seu plano, ao fo rnecer, gradativam ente, m ais revelação até chegar à revelação "“Ibid.
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p len a e final em Cristo (Hb 1.1,2). Os adeptos da revelação especial não precisam negar (e a m aioria deles não nega) que, no Novo Testam ento, Deus exige mais co n h ecim en to da obra de Cristo co m o condição para a salvação do que exigia no A ntigo T estam ento. Salmo 19.1,2 Davi não está falando da revelação especial de Deus, mas da revelação geral que oco rre por interm édio da contem plação do firm am ento, dos “céus,” que são “obras das suas m ãos.” Ele não está falando da cruz, que é a obra do am or red entor de Deus (R m 10.14, 18). O Salm o 19.1 serve de ilustração de que ambas as m ensagens (ta n to a geral, quanto a especial) são universais, m as não idênticas. Na verdade, de acordo co m R om anos, a revelação geral nos in form a a respeito do “poder e tern o ” de Deus (1.20), mas não a respeito do plano de salvação etern o. A revelação geral é suficiente para a condenação, já que to rn a todos os seres hu m anos “indesculpáveis,” mas insuficientes para a salvação. Romanos 2.6,7 Esta passagem não afirm a que os que não ouviram o evangelho podem ser salvos pela revelação geral, m as sim, que aqueles que buscam a im ortalidade haverão de en con trála. P osteriorm ente, Paulo afirm a que som en te Cristo: “O qual aboliu a m o rte e trouxe à luz a vida e a incorru pção, pelo evangelho” (2 T m 1.10). A revelação geral e outros m eios fazem parte da bondade divina que conduz o h o m em ao arrependim ento (R m 2.4). Em sum a, os pagãos que respondem à luz da revelação geral recebem subseqüentem ente a revelação especial pela qual podem ser salvos (cf. A t 10.34-48; Jn 3).
UMA APOLOGIA À JUSTIÇA E AO AMOR DE DEUS Seria ju sto D eus lançar no inferno pessoas que jam ais ouviram o ú n ico evangelho pelo qual poderiam ser salvas? Esta pergunta, n a verdade, tem um a série de outras im plicações que serão aqui examinadas.
Será que os Pagãos Estão Perdidos? Todos os seres hu m anos são não apenas nascidos em pecado (SI 51.5), mas “por natu reza filhos da ira” (E f 2.3), pois “com o por u m h o m em [Adão] entrou o pecado no m undo, e pelo pecado, a m o rte, assim tam bém a m o rte passou a todos os hom ens, por isso que [em Adão] todos p ecaram ” (R m 5.12). Referindo-se explicitam ente aos pagãos (que têm som ente a revelação geral), Paulo esclarece: “Desde a criação do m undo, tanto o seu eterno poder co m o a sua divindade, se entendem e claram ente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que elesfiquem inescusáveis” (R m 1.20). D o m esm o m odo: “Porque todos os que sem lei pecaram sem lei tam bém perecerão; e todos os que sob a lei pecaram pela lei serão ju lgad os” (R m 2.12). P ortan to, resum indo a sua conclusão de toda esta porção, Paulo afirm a que “porque não há diferença [...] porque todos pecaram e destituídos estão da glória de D eu s” (R m 3.22,23). Sim , sem C risto os pagãos estão perdidos.
Seria Possível a Salvação dos Pagãos à parte da Obra de Cristo? A respeito deste questionam ento, todos os cristãos ortod oxos m an têm u m m esm o consenso: não existe salvação fora do plano red entor de C risto.80 Jesus disse: “Eu sou o “ Vide capítulo 13.
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cam in h o, e a verdade, e a vida. N inguém vem ao Pai senão por m im ” ( Jo 14.6). Paulo acrescenta: “Porque há u m só D eus e u m só m ediador entre Deus e os h om en s, Jesus Cristo, h o m e m ” (1 T m 2.5). O au tor de Hebreus concorda: Mas, agora, n a co n su m ação dos séculos, [Cristo] u m a vez se m an ifestou, p ara aniquilar o pecado pelo sacrifício de si m esm o [...] m as este, h avendo oferecido u m ú nico sacrifício pelos pecados, está assentado p ara sem pre à d estra de D eus [...] Porque, co m u m a só oblação, aperfeiçoou p ara sem pre os que são santificados. (9.26; 10.12, 14)
E em n e n h u m ou tro há salvação, porque tam b ém debaixo do céu n e n h u m ou tro n o m e há, dado en tre os hom ens, pelo qual devamos ser salvos. (A t 4.12)
Seria Possível a Salvação dos Pagãos sem a Aceitação de Cristo por parte deles? De acordo com a posição da revelação especial, com a qual concordam os, não existe fo rm a das pessoas se salvarem , nesta era, sem crer em Jesus Cristo (cf. A t 4.12; R m 10.9ss; Jo 3.16, 18, 36; 5.24). Isto nos encam in h a à próxim a pergunta crucial.
É Justo Condenar aqueles que Jamais Tiveram a Oportunidade de Ouvir o Evangelho? Sim , é, por pelo m enos três razões. Primeira, todos receberam a revelação geral de Deus. Eles con h ecem “tanto o seu eterno poder com o a sua divindade” (R m 1.20). Eles estão inform ados de que Ele “fez o céu, e a terra, e o m ar, e tudo quanto há neles” (A t 14.15). Eles estão conscientes de que Deus “não se deixou a si m esm o sem testem unho, beneficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tem pos frutíferos” (A t 14.17). C om o já observamos, apesar deles não terem a Lei: Porque tod os os que sem lei p ecaram sem lei tam b ém p erecerão [...] Porque, quando os gentios, que n ão tê m lei, fazem n atu ralm en te as coisas que são da lei, n ão tendo eles lei, p ara si m esm os são lei, os quais m o stra m a obra da lei escrita no seu co ração , testificando ju n ta m e n te a sua consciência e os seus p ensam entos, q uer acu sand o-os, quer defendendo-os. (R m 2.12,14,15)
Segunda, D eus se revelou aos que n u n ca ouviram o evangelho de C risto tan to na criação, quanto n a própria consciência deles; se eles rejeitarem esta luz, Deus não é obrigado a lhes proporcionar mais nada, já que viraram as costas para a luz que já possuíam (cf. R m 1.18). Se u m h o m em estivesse perdido n a escuridão de um a m ata m u ito densa e som ente tivesse u m feixe de luz para seguir, ele deveria seguí-lo, pois se virar as costas para ele estará etern am en te perdido nas trevas e não poderá culpar nin g u ém mais além de si m esm o: “E a cond enação é esta: Q ue a luz veio ao m u nd o, e os h om ens am aram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram m ás” (Jo 3.19). A terceira, com o tam bém já observam os, Deus vai p roporcionar aos pagãos um a porção suficiente da revelação especial caso eles o busquem por interm édio da revelação geral. Em term os gerais, isto pode ser feito por interm édio de, pelo m enos, duas m aneiras: (1) através do envio de u m crente para testem u n h ar do evangelho aos grupos pagãos ou (2) por m eio de sonhos, visões e revelações específicas.
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O Envio de Missionários/Evangelistas Apoiando esta posição estão as seguintes razões: (1) Ela está em h arm on ia com os exem plos m ostrados n a Bíblia, nos quais Deus envia u m pregador àqueles que Ele já sabia que responderiam positivam ente ao evangelho; por exem plo, Pedro foi enviado a C orn élio (cf. A t 10). O au tor de Hebreus (11.6) nos fala que todos aqueles que p rocu ram , haverão de achar. (2) Está de acordo co m o m and am en to de Deus na G rande Com issão (M t 28.18-20) e tam bém co m o padrão estabelecido em 2 T im ó teo 2.2: “E o que de m im , entre m uitas testem unhas, ouviste, confia-o a h om ens fiéis, que sejam idôneos para tam bém ensinarem os ou tros.” (3) Isto tam bém se encaixa co m a declaração de Paulo em Atos 17.26 n a qual ele diz que Deus d eterm inou “os tem pos já dantes ordenados e os lim ites da sua h abitação” de fo rm a que aqueles que desejarem poderão ouvir o evangelho e ser salvos. (4) Ela reafirm a a oração do nosso S en h o r n a qual ele afirm a que os crentes surgirão a partir da com unidade de outros crentes: “Eu não rogo som ente por estes, mas tam bém por aqueles que, pela sua palavra [deles], hão de crer em m im ” (Jo 17.20). Isto tam bém é o que sugerem as palavras de Paulo em R om an os 10.14: “C om o, pois, invocarão aquele em quem não creram ? E co m o crerão naquele de quem não ouviram? E co m o ouvirão, se não há quem pregue?” A Utilização de Visões, Sonhos ou Revelação Especial Específica Apesar de ser norm ativo (e talvez até mais útil) para D eus o uso de crentes para levar o evangelho aos povos não-evangelizados, é possível que Ele possa tam bém utilizar ou tros m eios à sua disposição para levar a proclam ação da m ensagem do evangelho aos povos que viriam a crer, caso tivessem contato com o evangelho. (1) Para isso, D eus tem feito uso de diversos m eios, tais co m o o rádio, a televisão, gravações diversas e literatura. (2) U m dia Deus utilizará u m anjo para proclam ar o evangelho “aos que habitam sobre a terra, e a toda nação, e tribo, e língua, e p o vo” (Ap 14.6). (3) H istoricam ente, D eus tem transm itid o m iracu losam ente a sua revelação especial por m eio de visões e sonhos. Deus está m u ito mais interessado n a salvação de todos do que nós m esm os poderíam os estar (cf. 2 Pe 3.9). A sua ju stiça exige que Ele condene todos os pecadores, mas o seu am or o im pele a proporcionar a salvação a todos os que, por interm édio da sua graça, haverão de crer: “Porque todo aquele que invocar o n om e do Sen h or será salvo” (R m 10.13).
Será que no Céu Estarão Pessoas de todas as Nações? As pessoas que rejeitam a revelação especial com o necessária para a salvação geralm ente citam os pagãos e os povos não-cristãos co m o exem plos da implausibilidade deste ponto de vista. O que dizer da China, da índia e de m uitas nações que estiveram , n u m passado recente, sob u m regim e com unista? C ertam en te não é certo suporm os que no céu haverá u m a grande quantidade de ocidentais e tão poucos dos países da Europa oriental.
OS EFEITOS DA SALVAÇÃO (INFANTES E PAGÃOS)
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Em resposta, os apologistas cristãos fazem observações notáveis. Primeiro, é possível que, co m o Deus — na sua presciência— , sabia exatam ente quem viria e quem não viria a crer, som ente as pessoas que não viriam a crer viveriam nos lugares onde não ouviriam o evangelho. Atos 17.26,27 é u m a das passagens utilizadas para em basar este ponto de vista: E de u m só fez toda a geração dos h o m en s p ara habitar sobre toda a face da terra, determ inando os tem pos já dantes ordenados e os lim ites da sua habitação, para. que buscassem ao Senhor, se, p o rv en tu ra, tateando, o pudessem achar, ainda que não está longe de cada u m de nós. O utras indicações de que este possa ser o caso podem ser vistas na oração de Cristo (Jo 17.20) onde vem os que as pessoas que haveriam de crer ouviriam a m ensagem por interm édio de outros crentes ( “por aqueles que, pela sua palavra [deles], hão de crer em m im ”). Segundo, não há razão para que o percentual de salvos deva ser a m esm a de todas as nações, da m esm a fo rm a que ela não precisa ser a m esm a dentro de qualquer país específico. A salvação depende de quem crer, e isto variará de lugar para lugar. C om o ocorre na agricultura e na pesca, algum as áreas se m o stram mais produtivas que as outras. Terceiro, com o já foi visto, a Palavra de Deus nos assegura que haverá u m a “um a m ultidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas,
que estavam diante do trono e perante o C ord eiro” (Ap 7.9). M esm o que os percentuais possam variar, este versículo m ostra que é irreal se pensar que todos se perderão em um país, da m esm a fo rm a que é tam bém irreal achar que todas as pessoas de u m país poder esperar pela salvação. Deus nos deu a liberdade e o livre-arbítrio é utilizado de fo rm a livre. A lgum as pessoas crerão, e outras não. Quarto, con form e argu m entam os an teriorm ente, a m aioria dos teólogos cristãos acredita que alguns e, talvez, todas as crianças que m o rrem na infância serão salvas. Portanto, som ente em função das altas taxas de m ortalidade infantil, poderia haver no céu m u ito mais pessoas vindas de nações não-evangelizadas do que de nações evangelizadas. Quinto, m uitas pessoas que não foram alcançadas pessoalm ente por missionários acabam entrando em con tato co m o evangelho por interm édio de vários m eios de com unicação. C om o tam bém já vimos, Deus tam b ém costu m a se revelar através de sonhos, visões e outras m aneiras m iraculosas em assuntos bem m enos im portantes do que a salvação das pessoas (cf. Ex 3; Jd v. 13). Parecer não haver n en h u m a razão pela qual ele não possa ou m esm o não faça isso, se necessário for, para garantir a vida etern a de um a pessoa. . Sexto, e para encerrar, u m avivam ento nestas áreas não está descartado. C o m o o m aior percentual de todas as pessoas que já viveram estão vivas nesta nossa época (a população atual do planeta ultrapassa os seis bilhões de pessoas), u m m over poderoso do Espírito Santo poderia aum en tar significativam ente o percentual to tal do nú m ero de salvos. Na verdade, todas as nações p red om inantem ente cristãs foram , algum dia,
pagãs. Até m esm o o grande teólogo ortod oxo B. B. Warfield (1851-1921) argum entou que poderia haver mais gente no céu do que no inferno, m ostrand o que as passagens que falam dos “p o u cos’ (por exem plo, M t 7.13,14) que entram “pela p o rta estreita” se
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referem à resposta im ediata e local a Jesus e não ao n ú m ero final de pessoas que entrarão ^
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n o ceu.
Haveria uma Segunda Chance depois da Morte? Alguns apologistas e m uitas seitas acreditam que Deus dará um a segunda chance aos adultos que n u n ca ouviram falar do evangelho, depois da m o rte .82 Todavia, a m aior parte dos cristãos ortodoxos rejeita esta idéia. Primeiro, a Bíblia declara a respeito de todas as pessoas que: “Aos h om ens está ordenado m o rrerem u m a vez, vindo, depois disso, o ju íz o ” (Hb 9.27). Segundo, a urgência com a qual a Bíblia fala para to m arm o s u m a decisão im ediata — ainda nesta vida, antes que seja tarde demais — é u m a fo rte evidência de que não haverá u m a segunda chance.83 Terceiro, o fato de as pessoas enfrentarem o seu destino definitivo logo após a m o rte (cf. Lc 16.19ss; 2 Co 5.8; Ap 19.20) é u m indicativo de que u m a decisão precisa ser tom ada nesta vida. Quarto, co m o Deus tem à sua disposição tantos m eios para se revelar aos descrentes antes da m o rte, to rn a desnecessário que ele precise utilizar a vida fu tu ra para fazer isto. Quinto, a crença em u m a segunda chance elim ina a necessidade do m and am ento m issionário. Por que Jesus teria deixado o m and am ento da “G rande C om issão” (M t 28.18-20) se as pessoas pudessem se salvar sem a necessidade de aceitar Jesus ainda nesta
vida? Sexto, e para encerrar, os versículos utilizados para embasar esta segunda chance para
a salvação são, na melhor das hipóteses, hermeneuticamente dúbios e contraditos por outros ensinamentos bíblicos claros. Por exem plo, na sua prim eira epístola, Pedro escreve: Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais em outro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água. (3.18-20) Há várias razões porque esta passagem não deveria ser considerada co m o prova de u m a segunda chance depois da m orte. Primeiro, Pedro não diz que C risto os evangelizou (do grego: euaggelizo), mas sim plesm ente que proclamou a eles (do grego: kerusso) a vitória da sua ressurreição (cf. Cl 2.15). Segundo, não existe qualquer referência a qualquer pessoa que ten h a sido salva com o resultado desta proclam ação. Terceiro, as pessoas que receberam este anúncio não eram seres hu m anos n ãoevangelizados, mas “espíritos em prisão” que podem , m u ito bem , ter sido anjos decaídos
(cf. Jó 1.6; 2.1; 38.7). 81 Vide B. B. Warfield, Studies in Theology [Estudos em Teologia] (Edinburgo: Banner o f Truth Trust [Sociedade Estandarte da Verdade], Nova Edição de 1988).
82 Para saber mais sobre a posição que defende a oportunidade que as crianças que
m orrem antes da idade da responsabilidade terão para crer depois da m orte, vide análise anterior, neste m esm o capítulo. 83 Por exem plo, Pv 29.1; Hb 3.7,8; Jo 8.24; 2 Pe 3.9.
OS EFEITOS DA SALVAÇÃO (INFANTES E PAGÃOS)
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Quarto, de qualquer form a, o grupo ao qual ele pregou não era com p osto por todas as pessoas, mas som ente por aqueles aos “quais em ou tro tem po foram rebeldes [...] nos dias de N oé” (1 Pe 3.20; cf. G n 6.1-4). Ao considerarm os esta conexão de passagens, é interessante notarm os que em 2 Pedro 2.4, ele m en ciona o pecado dos anjos im ediatam ente antes de se referir ao dilúvio (v. 5). P ortanto, parece mais apropriado considerar esta passagem co m o u m a referência ao anúncio do triu n fo de C risto aos espíritos que p artiram depois da ressurreição. Isto se enquadra co m o con texto e está de acordo com o ensino de outros versículos (cf. E f 4.8; Cl 2.15). C o m o já afirm am os, Pedro utiliza o term o proclamar ou anunciar e não evangelizar. C o m relação à declaração de 1 Pedro 4.6 de que “foi pregado o evangelho tam bém aos m o rto s,” parece mais apropriado to m á -la com o u m a referência ao fato de que o evangelho “foi pregado” (no passado) àqueles que estão “agora” m o rtos (no presente). Primeiro, porque em parte algum a a Bíblia deixa qualquer esperança de salvação para o além -tú m u lo . A m o rte é definitiva, e h á som ente dois destinos — o céu ou o in ferno — entre os quais existe um abismo intransponível (vide acim a). Segundo, esta passagem é u m tanto obscura, sujeita a várias interpretações e não se deve estabelecer dou trina co m base em ambigüidades. C o m o já d em onstram os, as passagens difíceis devem ser interpretadas à luz das claras e não vice-versa. Terceiro, existem interpretações plausíveis desta passagem que não en tram em conflito co m outros ensinam entos bíblicos. Por exem plo, alguns acreditam que ela não pode ser u m a referência aos seres hu m an os, mas aos “espíritos em prisão” (an jo s) de 1 Pedro 3.19 (cf. 2 Pe 2.4; G n 6.2). Ou, co m o já foi visto, ela, possivelm ente, refere-se àquelas pessoas que h o je estão falecidas, mas que já ouviram o evangelho enquanto viveram . Apesar de elas terem sofrido a destruição da sua carne (1 Pe 4.6), elas continu am vivas para Deus em virtude daquilo que Cristo fez por interm édio do evangelho (ou seja, a sua m o rte e a ressurreição). A m ensagem da vitória foi anunciada pelo próprio C risto ao m undo espiritual depois da sua ressurreição (cf. 1 Pe 3.18-20). D iante de tudo isso, não existem evidências reais de que Deus conced erá um a segunda chance post-mortem (cf. Jo 8.24) àqueles que já rejeitaram a sua revelação geral (ou especial). R E SU M O E C O N C LU SÃ O Os efeitos da obra salvífica de C risto abrangem todas as coisas: eles incluem o passado, o presente e o fu tu ro. A salvação afeta toda a criação, os salvos e os não-salvos, os seres anim ados e os inanim ados, os hu m anos e os angelicais. O m u nd o físico (que serve de palco para os eventos salvíficos) e o m u nd o angelical (que os rodeia) representam u m “papel” im p ortante na totalidade do dram a. A lém disso, a salvação não afeta som ente os salvos de m aneira positiva, depois que estes aceitam os seus benefícios, mas tam b ém os que se perdem , de m aneira negativa, à m edida que estes rejeitam a m ensagem da cruz. A salvação envolve tan to os infantes, os quais ainda não conseguem exercitar a sua fé, e os não-evangelizados, os quais ainda não tiveram contato com o evangelho. A té m esm o a criação n atu ral decaída colh e os benefícios soteriológicos pela sua renovação final, pela qual este m u nd o se torn ará “u m novo céu e um a nova terra.” A respeito dos infantes e dos pagãos, os evangélicos têm pontos de vista diferentes. Todavia, o que é co m u m à m aioria deles (exceto àqueles que defendem a expiação lim itada) é a crença de que D eus é ju sto e m isericordioso e que, por isso, providenciou um a fo rm a para que todos possam se salvar.
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C A P Í T U L O
Q U I N Z E
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇÃO
condição (ou condições) para a salvação tem sido alvo de calorosos debates em várias correntes teológicas. A R eform a discutiu se a salvação o co rre som ente pela fé ou pela fé com o acréscim o das obras. Existe tam bém um a disputa contem porânea entre a “salvação pelo sen h orio” e a “salvação pela graça livre,” na qual precisaríam os aceitar C risto som ente com o Salvador (graça livre) ou tam bém com o S en h o r (salvação pelo seu sen horio) para nos salvarm os.1 A lém disso, na periferia do Evangelicalism o,2 tem os ou tra questão, que diz respeito à necessidade da confissão (testem u n h o verbal) e
A
do batism o para a salvação, além da fé e do arrependim ento. D IS T IN Ç Õ E S IM P O R T A N T E S A C E R C A D E S T A Q U E S T Ã O A concentração nesta questão será de grande valia em nossa busca por um a solução. Para fazerm os isso, precisarem os, antes, fazer algum as distinções im portantes. A D is tin ç ã o e n tr e as C o n d iç õ e s p a ra E n tre g a e as C o n d iç õ e s p a ra o R e c e b im e n to A p rim e ira e m ais básica das d iferenciações a ser feita se dá en tre a(s) co n d içã o (õ es) de D eus para nos proporcionar o d om da salvação versus a(s) co n d içã o (õ es) para os seres humanos a receberem. De acord o co m todas as fo rm as de C alv in ism o e a m aioria das fo rm as de A rm in ian ism o , não existem condições para a dispom bilização da salvação por parte de Deus. Ela é u m d om g ra tu ito — n ão h á nada m ais a ser feito da nossa p arte. A vida e te rn a não está con d icio n ad a a nada além da graça de D eus (cf. E f 2.8,9; T t 3.5-7; R m 4.5; 11.29). O nosso criad or g racioso não o ferece a salvação na base de qu alqu er m é rito an tevisto em nós ou de q u alqu er tipo de obra da nossa p arte: “D o SEN EIO R vem a salv ação ” (Jn 2.9). Portanto, a pergunta que estam os fazendo não afeta a provisão incondicional de Deus; a pergunta é: Existe algum tipo de condição para o nosso recebim en to da vida etern a e, se houver, quantas são: Para esta pergun ta existem várias respostas, m esm o dentro do Evangelicalism o.
' Vide tam bém o capítulo 10.
2 Ou seja, em questões evangélicas não diretam ente relacionadas à Soteriologia.
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Entre a Perda da Salvação e a Segurança Eterna A lém disso, a questão aqui não. é se podem os (de algum a fo rm a) perder a salvação depois de tê-la recebido. Esta é a questão da “segurança etern a ,”3 que já foi analisada an teriorm ente. A análise a ser feita aqui tem por objetivo descobrir, n u m prim eiro m o m en to , quais condições devem ser atendidas para que u m a pessoa possa receber a vida eterna.
Entre a Liberdade de Escolha da Salvação e a Necessidade de Auxílio Divino A questão tam b ém n ão é se a pessoa pode receber a salvação p o r si m esm a, ind ep en d en tem en te do estím u lo e da graça de D eus. Já se con cord ou que isto é im possível.4 C o m o já vim os, Jesus diz: “Sem m im nada podeis fa z er” (Jo 15.5), e Paulo con firm a: “D eus é o que op era em vós ta n to o q u erer co m o o efetuar, segundo a sua boa v o n tad e” (Fp 2.13). O que agora p ro cu ra rem o s descobrir, admitindo a necessidade da graça de Deus, é se u m ato de livre-decisão (isto é, a fé) é necessário para se receber a vida etern a. C inco perspectivas principais serão apresentadas: a cató lico-rom an a, a u ltrareform ada, a da Igreja de Cristo, a da salvação pelo senhorio e a da graça livre. Depois da exposição e dos argum entos de cada u m a delas, passarem os a u m a avaliação de cada um a. A seguir, exporem os u m posicionam ento analítico e crítico.
A POSIÇÃO CATÓLICO-ROMANA ACERCA DA(S) CONDIÇÃO(ÕES) PARA SE RECEBER A SALVAÇÃO C o m o a Soteriologia católica já foi tratada à exaustão,5 farem os aqui som en te u m breve resum o dela. E im p ortan te n otarm os que esta apresentação se refere à visão oficial da Ig reja C atólica Apostólica R om an a, a qual não necessariam ente poderá corresponder à que católicos individualm ente possam apresentar ou colocar em debate em foro privado. As declarações “infalíveis” do Concilio de T rento (1545-1563) acerca da salvação jam ais foram (e, ju stam en te, por terem este caráter jam ais poderão ser) revogadas. T rento insistiu que a condição para se receber o dom da salvação é a fé acom panhada das boas obras. C om o já estudam os, os católicos dogm atizaram a posição de que “pelas boas obras o homem justificado adquire de fato o direito ao galardão eterno de Deus” (O tt, FCD, 264, grifo acrescentado). Ludwig O tt, u m a autoridade da igreja rom ana, argum entou: De acordo com as Santas Escrituras, a bênção eterna nos céus é o galardão das boas obras executadas neste mundo, e "galardão” e “mérito” são conceitos correlacionados [...] (Mt 5.12; 25.34) [...] São Paulo, que tanto enfatiza a graça, também enfatizou, por outro lado, a natureza meritória das boas obras realizadas na graça, ao ensinar que o galardão será na proporção das obras: “[Ele] recompensará cada um segundo as suas obras” [Rm 2.6], (ibid., 264-65, grifo acrescentado) O tt e n tã o cita o u tra s passagens sim ila res (p o r e x e m p lo , 1 C o 3.8; C l 3.24; Hb 10.35; 11.6) e co n c lu i: “[Paulo] p o rta n to d e m o n s tra que as boas obras do ju s to 3 Ou “perseverança dos santos.” 1 Vide capítulo 5. 5 Op. cit.
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e sta b e le ce m u m d ireito leg al ( meritum de condigno) à re c o m p e n s a d iv in a ” [cf. Hb 6.10] (.FCD , 265). O bviam ente, pelo ensino ca tó lico , esta necessidade (ou exigên cia) de D eus n ão é in trín seca;6 m as sim , que D eus se co lo co u a si m esm o n esta situação p o r in term éd io da sua p rom essa em reco m p en sar as boas obras. Todavia, alega-se que a vida e tern a é recebida através de m é rito pessoal. C o n fo rm e já citam os, o C o ncilio de T ren to declarou: Àqueles que laborarem bem “até o fim” [Mt 10.22], e que confiarem em Deus, a vida eterna será oferecida, tanto como graça que foi misericordiosamente prometida aos filhos de Deus por meio de Cristo Jesus, “bem como recompensa” que [...] deve ser fielmente entregue em função das boas obras e do mérito [...] Se alguém disser que as boas obras do homem justificado são de tal forma dom de Deus que se exclua a possibilidade de haver nesta justificação os bons méritos daquele que é justificado, ou que aquele que é justificado pelas boas obras [...] não mereça verdadeiramente um incremento da sua graça, a vida eterna e a conquista da vida eterna (se morrer na graça), bem como um incremento da glória; que seja anátema. (in Denzinger, SCD, 809.257, 842.261, grifo acrescentado) O
C oncilio de T ren to adicionalm ente afirm ou que “nada que anteceda a justificação,
sejafé ou obra, gera m érito d agraçad a ju stificação” (in ibid .).7C o m o jáestu dam os, quando os eruditos católicos citam a passagem de Tiago 2.24 (a qual diz que som os justificados pelas obras), eles não se referem à justificação inicial (n o sacram ento do batism o), que vem som ente pela graça, m as sim , à justificação progressiva (o crescim en to em ju stiça), a qual é cham ada pelos protestantes de santificação. Por ou tro lado, T rento defendeu que as obras são necessárias para a salvação nos sentidos progressivos (de santificação) e final (de glorificação) — e com isto os protestantes discordam v eem en tem en te
Resposta Protestante à Posição Católico-Romana A resposta protestante à posição católica pode ser dividida em duas partes: na primeira, u m a resposta aos versículos m al-aplicados pelos católicos na tentativa de provar que a execução de obra é necessária à salvação; e na segunda, versículos que dem onstram a salvação u n icam en te com base n a fé. Versículos sobre as “Obras" Utilizados pelos Católicos Os principais versículos em pregados pelos católicos para m o strar que a execução de boas obras é necessária para a salvação são: M ateus 5.12; 25.34; R om an os 2.6,7; 1 Coríntios 3.8, Filipenses 2.13; 3.24; Hebreus 6.10; 10.35; 11.6 e Tiago 2.24. Em resposta, vários com entários se to rn a m pertinentes. Primeiro, n e n h u m destes versículos se refere à justificação inicial pela obras, p o rtan to neste ponto não existe, na realidade, o que debater em term os de salvação.8
6 O u seja, o C a to lic ism o n ão e n sin a q u e h a ja algo inerentemente m e ritó r io nas b oas obras.
7 O u seja , apesar de n ó s,
s u p o s ta m e n te , “c o n q u ista rm o s ” a justificação progressiva ( a sa n tifica çã o ) p o r in te rm é d io dos n ossos e sfo rços, a lca n ça m o s a. justificação inicial u n ic a m e n te p ela g ra ça de D eu s.
8 S alv o nas disputas a c e rc a da re g e n e ra ç ã o b a tism a l sem a fé e da
necessid ade dos ad u lto s fa z erem p e n itê n c ia (isto é, o b ras) an tes do b a tism o .
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Segundo, os versícu lo s utilizad os pelos ca tó lico s p ara fu n d a m e n ta re m a necessidade das obras p ara a ju stifica çã o n ão se refere àq u ilo que eles ch a m a m d e justificação inicial pelas obras, m as àquilo que os p ro te sta n te s ch a m a m de santificação.9 Terceiro, até m e sm o aqui os ca tó lico s c o m e te m u m erro grave, co n h e cid o co m o g alacian ism o. O u seja, além de serm o s ju stifica d o s so m e n te p o r fé, som o s ta m b ém santificados exclu siv am e n te p o r fé, co m o e n sin a Paulo: Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne? [ou seja, nos esforços humanos][...] Aquele, pois, que vos dá o Espírito e que opera maravilhas entre vós o faz pelas obras da lei ou pela pregação da fé? (G13.2,3,5) C o m o já d em o n stra m o s cla ra m e n te , o tip o de fé (salvífica) p o r in te rm é d io do qual som o s so m e n te ju stifica d o s e santificados é u m tip o que naturalmente p ro d u z boas o b ras.10 P o rta n to , n ão é de su rp reen d er que h a ja v ersícu lo s que fazem afirm açõ es do tip o “o h o m e m é ju stifica d o pelas obras e n ão so m e n te p ela fé ” (T g 2.24), pois “A ssim tam b ém a fé, se n ão tiver as obras, é m o rta em si m e s m a ” (2.17). A in te n çã o de T iago é dizer que somente o tipo de f é que se manifesta em boas obras pode nos salvar. Todavia, é so m e n te a fé que p ro d u z em n ós a san tificação, e x a ta m e n te c o m o a fé que san tifica é, n ecessariam e n te , aco m p a n h a d a de boas o b ra s.11 P aulo, s e m e lh a n te m e n te , escreve que D eu s “re co m p e n sa rá cada u m segu nd o as suas obras, a saber: a vida e te rn a aos que, co m p ersev eran ça em fazer b em , p ro c u ra m g lória, e h o n ra , e in c o rru p ç ã o ” (R m 2.6,7). Paulo e Tiago en fatizam que n ão som os salvos pelas obras, m as p elo tip o de fé que n a tu ra lm e n te g era boas obras. N este sen tid o, n e n h u m a das passagens que fala das obras co m o base p ara a avaliação da fé está em c o n flito co m o p rin cíp io p ro te sta n te da exclusividad e da fé (la tim : s o la fid e j.11 Quarto, c o m relação aos versícu lo s que fa la m das reco m p en sa s, existe u m a grave fa lta de co m p re en sã o p o r p a rte dos c a tó lic o s: u m eq u ív o co e n tre re co m p en sa m e re cid a (pagamento) e re co m p en sa n ã o -m e re c id a ( dom ou presente). A salvação so m e n te é u m a re co m p en sa no segu nd o sen tid o (isto é, c o m o u m dom ou presente de D eu s); n este sen tid o, p o r e x e m p lo , u m a h e ra n ça te rre n a ta m b é m é u m a re co m p en sa . H ebreus 11.6 se en caixa n e sta categ oria: “S em f é é im possível ag rad ar-lh e, p o rq u e é n ecessário que aq u ele que se ap ro xim a de D eus creia que ele existe e que é galardoador dos que o b u sca m .” A f é co n q u ista este galardão, e n ã o as obras. O “o p e ra r” da nossa salv ação n ão é o m e sm o que “c o n q u is tá -la ” . E “D eus q u em o op era em n ó s ” p o r fé, à m ed id a que nós, p o r fé, o p e ra m o -la (cf. Fp 2.12,13). Isto eqü iv ale a dizer que, a fé salvífica se m an ifesta em boas obras. O utros versículos a respeito dos galardões (ou recom p en sas), tais co m o 1 C orín tios 3.8, referem -se aos galardões no céu, em vez do galardão do céu. A té m esm o neste co n te x to , as pessoas que so frerem perda de galardão n ão perderão a sua salvação: “Se a obra de alguém se queim ar, sofrerá d etrim en to ; m as o tal será salvo, todavia co m o p elo fo g o ” (3.15).
9 O u justificaçao progressiva, p ara os c a tó lic o s. boas ob ras.
10V id e c a p ítu lo 10.
11 Isto o c o rr e p o rq u e a fé salvífica n a tu r a lm e n te p ro d u z
12T a n to e m re la ç ã o à ju stifica çã o , q u a n to à s an tificação.
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Versículos que Falam exclusivamente da Fé
A Bíblia não apresenta qualquer tipo de em basam ento para a salvação baseada nas obras (seja na fo rm a de justificação seja na fo rm a de santificação). Ela deixa explícito que som os salvos exclusivam ente pela fé. C om o já observam os repetidas vezes: “Porque pela graça sois salvos, por meio da f é ; e isso não vem de vós; é dom de Deus. N âo vem das obras, para que ninguém se glorie” (E f 2.8,9). A salvação é concedida “não pelas obras de ju stiça que houvéssem os
feito, mas, segundo a sua m isericórdia” (T t 3.5). A passagem de R om an os 4.4,5 não poderia ser mais direta neste ponto: Ora, àquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. Mas, àquele que não pratica, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça. Por fim, em uma-das afirm ações mais contundentes do N ovo T estam ento: “Mas, se é por graça, já não é pelas obras; de o u tra m aneira, a graça já não é graça" (R m 11.6). C om o já observam os, o m esm o pode ser afirm ado a respeito da fé — se a salvação é p or fé, então ela já não é pelas obras, pois se fosse pelas obras, a salvação não seria mais baseada na fé (cf. R m 1.17; C l 3.11; Hb 10.38). C om base na análise anterior, os argum entos protestantes contra a insistência católica nas obras com o condição salvificam ente necessária podem ser resum idos da seguinte form a: (1) Os católicos con fun d em dom co m m érito. (2) Eles fazem das obras u m a condição para a salvação. (3) Eles to rn am as obras de santificação u m a condição para a nossa salvação final. (4) Eles confund em o operar para a salvação com o operar a partir da salvação. (5) Eles fazem um a falsa distinção entre “obras da lei” (que eles dizem não ser necessárias) e “obras” (as quais dizem ser necessárias). (6) Eles in co rrem no erro do galacianism o (cf. Gl. 3) ao to rn ar as obras necessárias para a justificação final (glorificação) diante de Deus. (7) Eles confu nd em salvação com serviço. (8) Eles inserem as obras no seu con ceito de fé. (9) Eles sacram entalizam a salvação, torn and o, p o rtan to , a Igreja C atólica co m o a grande adm inistradora da graça divina. (10) Eles institu cionalizam a salvação, fazendo da Igreja a institu ição oficial por m eio da qual a salvação é recebida, em porções, por interm édio dos seus sete sacram entos. 13 Em sum a, a resposta p rotestante é que a fé é a única condição para o recebim en to da salvação. O recebim en to da obra salvífica de C risto não está, de fo rm a algum a, e em 13 O d o g m a c a tó lic o a firm a q u e “salvo p a ra o b a tism o e p a ra o m a trim ô n io , u m p o d e r ep iscop al o u sa ce rd o ta l especial, c o n ferid o p elas S an tas O rd e n s, é n e cessá rio p a ra a a d m in istra ç ã o válida dos S a c ra m e n to s ” (O tt, FCD , 341).
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nível algum , condicionado a qualquer espécie de obra hu m ana. Nós agimos a partir da graça, e não em direção a ela. Som os salvos som en te por fé, exatam ente co m o a fé que nos salva se m anifesta, necessariam ente, em boas obras. Esta verdade foi afirm ada pelo Segundo C oncilio de O range (529): Cremos também e professamos para a nossa salvação que em toda boa obra não somos nós que iniciamos e somos, posteriormente, auxiliados pela misericórdia de Deus, mas que Ele mesmo, sem nenhum tipo de mérito da nossa parte, inicialmente instila em nós a fé e o amor por Ele. Portanto, precisamos crer de forma clara que a fé maravilhosa do ladrão que foi convidado para estar com Jesus na sua morada no paraíso (cf. Lc 23.43) [...] não veio da sua natureza, mas foi um dom oriundo da bondade da divina graça, (conforme citação feita em S. f. Neumer e J. Dupuis, eds., CF, 608-09)
A POSIÇÃO ULTRA-REFORMADA ACERCA DA CONDIÇÃO PARA A SALVAÇÃO Ironicam ente, apesar de u m dos princípios centrais da R eform a ter sido a justificação unicam ente pela fé (sola fide), algumas pessoas que veem entem ente se alegam herdeiros da R eform a (isto é, os R eform ados) não crêem que existe qualquer condição necessária para que u m ser hu m ano receba a salvação. Esta tradição rem on ta a Teodoro Beza (15191605) e aos Sínodos de D ort (1618-1619). Em resposta a Jacó Arm ínio (1560-1609) e os seus discípulos, estes teólogos desenvolveram o que passou a ser conhecido com o o acróstico inglês “T-U -L-I-P”14 que, com o já vimos, representa os cinco pilares fundamentais dos reformados: - a D epravação total - a Eleição incondicional - a Expiação lim itada - a G raça Irresistível - a Perseverança dos Santos E m fu n ção destes cin co pontos, os ultracalvinistas chegaram à conclu são de que não existe, de fo rm a algum a, qualquer tipo de condição a ser cu m p rid a para que um a pessoa possa receber o d om da salvação. C o n fo rm e prossegue o arg u m ento, a hu m anidad e é de tal fo rm a depravada que não som os capazes de com p reend er, ta m p o u co de receber o evangelh o. Pessoas que estão “m o rtas em ofensas e pecad os” (E f 2.1) são incapazes de fazer qualquer coisa em direção à sua própria salvação. A hu m anidad e (e m A dão) teve a capacidade de m atar-se a si m esm a e, depois de m o rta , ela n ão pode m ais fazer parte da sua própria revitalização.15 A lém disso, a eleição é incondicional,16 p o rta n to , não existem con d ições soteriológicas para a salvação, n e m da parte de D eus, n e m da dos pecadores. A dem ais, a provisão da expiação está limitada aos eleitos,17 e a graça pela qual os eleitos são regenerados é irresistível vindo, p o rta n to , antes da fé .18 N a verdade, a fé em si é d om de D eus som en te para os eleitos e som en te depois da sua regen eração; depois que ela o co rre, eles têm a garantia de queperseverarão na sua salvação.
MT U L IP e m in glês sig n ifica “tu lip a ” u m a b ela flor n ó rd ica, o a c ró s tic o é baseado nas letra s in iciais, e m lín g u a inglesa, destes c in c o prin cíp ios (T -o ta l depravity, U -n c o n d itiò n a l e le c tio n , L -im ited a to n e m e n t, I-rresístib le g ra ce e P -ersev eran ce o f th e sain ts).
15V id e c a p ítu lo 5.
16V id e c a p ítu lo 7.
i7V id e c a p ítu lo 11.
18 V id e c a p ítu lo 10.
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A ju stificação (reg en eração ) é lo g icam en te a n terio r à fé, e n ão o in v erso.19 E m sum a, de acordo com os u ltracalvinistas, não som os, de fato , ju stificad os por té.U m dos mais fam osos proponentes da visão u ltra-reform ada, R. C. Sproul, na sua obra Chosen hy God [Escolhidos por Deus], faz a seguinte afirm ação:21 [Jesus diz,] “N inguém pode vir a m im , se o Pai, que m e enviou, o não tro u x er” (Jo 6.44) [...] O D icionário Teológico do Novo Testam ento de Kittel define o verbo “trazer’ (em inglês, to draw) co m o sendo “forçar por m eio de superioridade irresistível.” Lingüística e lexicograficam ente, a palavra significa “com pelir, forçar.” C om pelir é u m conceito m u ito mais forte do que persuadir (69). C o m o o Espírito Santo exerce a sua graça irresistível sobre aqueles que não a desejam? Segundo eles, por interm édio da regeneração: Não cremos primeiro, para depois nascermos de novo, para, a seguir, sermos introduzidos no reino. Como um homem pode aceitar um reino que não consegue ver? Como um homem poderia entrar no reino sem primeiro nascer de novo? [...] um ponto cardeal da Teologia reformada é a máxima: “A regeneração antecede a f é .” A nossa natureza é de tal forma corrupta, e o poder do pecado é tão imenso, que, sem Deus executar uma obra sobrenatural nas nossas almas, jamais optaremos por Cristo. Nós não cremos para nascermos de novo; somos feitos nascer de novo para podemos crer. (ibid., 72-73, grifo acrescentado)
Em resposta à visão u ltra-reform ad a acerca da(s) cond ição(ões) para a salvação, vários princípios e suposições dem andam de nós u m a avaliação, dentre elas: (1) a crença de que a justificação é anterior à fé; (2) a alegação de que Deus faz uso de um a graça irresistível sobre aqueles que não desejam recebê-lo em suas vidas; (3) a idéia de que a fé é u m dom de D eus que som ente se destina aos eleitos.
A Justificação não Antecede à Fé Poucas coisas são m ais claras nas Sagradas Escrituras do que a ordem lógica da fé: a fé em prim eiro lugar e a justificação, na seqüência. Na verdade, isto é in eren te ao próprio princípio protestante da “justificação un icam en te por fé.” Esta não é som ente a ordem geral, mas é universalm ente verdadeiro que, nas Sagradas Escrituras, a fé é o m eio pelo qual recebem os a justificação da parte de Deus, e não vice-versa. C onsiderem os mais um a vez os seguintes versículos (tod os com grifo acrescentado). 19N a verdade, n e n h u m a p od e a n te ce d e r a o u tra , s en ã o a p essoa p o d eria te r a fé salvífica se m ser salva o u s er salva se m t e r a fé salvífica.
20V ários v o lu m es já fo ra m e scrito s e m a p o io ao JJltr a -C a lv in is m o , d e n tre eles The Five Poitits o f Calvinism [Os C in co
Pon tos d o C alv in ism o] de Edw in H. Palm er, o u tr o c o m o m e sm o títu lo , só q u e e sc rito p o r D avid N . S te e le e C u rtis c. T h o m a s, b e m c o m o Tulip: The Five Points o f Calvinism in the Light o f Scripture [Os C in c o P o n to s do C a lv in ism o à Luz das Sagradas Escritu ras] de D. Edw ard S p e n ce r. A lg u n s livros c o n te m p o râ n e o s q u e c ritic a m o “C a lv in ism o de C in c o P o n to s ” in c lu e m The Five Points o f Calvinism: Wheighed and Found Wanting [Os C in c o P o n to s d o C a lv in ism o : A o P esá-los, D e sc o b riu -se A d u lte ra çã o ] de G e o rg e B ry so n ; The Death Christ Died: A Biblical Case fo r Unlimited Atonement [A M o r te de C risto : A rg u m e n to B íb lico a Favor da E x p iação Ilim itad a]; God’s Strategy in Human History [A E stra té g ia de D eu s n a H istó ria H u m a n a ] de R o b e r T . F o rste r e V. Paul M a rsto n e Chosen But Free [Eleitos, M as Livres] de N o r m a n L. G eisler.
21 W h e a to n , 111: T y n d ale, 1994.
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João 1.12 “Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu nome.” João 3.16 “Porque D eus am ou o m u nd o de tal m aneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, m as te n h a a vida etern a .” João 3.18 “Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nom e do un igênito Filho de D eus.” João 3.36 “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna, m as aquele que não crê n o Filho não verá a vida, mas a ira de D eus sobre ele p erm an ece.” João 5.24 “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra e crê naquele que m e enviou tem a vida etern a e não en trará em condenação, m as passou da m o rte para a vida.” João 5.40 “E não quereis vir a m im para terdes vida.” Atos 13.39 “E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser j ustificados, por ele é j ustificado todo aquele que crê."
Atos 16.31 “Crê no S en h o r Jesus Cristo e serás salvo.” Romanos 3.22 “A justiça de Deus pela f é em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem.” Romanos 3.26 “[Deus ofereceu Jesus] para dem onstração da sua ju stiça neste tem p o presente, para que ele seja ju sto e justificador daquele que tem f é em Jesus.” Romanos 4.3 “Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão e m D eus, e isso lhe foi im putado com o ju stiça.”
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Rj.vmm.is 4 .5
"Mas, àquele que não pratica, porém crê naquele que justifica o ím pio, a sua fé lhe é im putada com o ju stiça.” Romanos 5.1
“Sendo, pois, justificados pela fé, tem os paz com D eus por nosso Sen h or Jesus C risto.” V e rs íc u lo s U tiliz a d o s p e lo s U ltr a c a lv in is ta s Atos 5.31
“Deus, com a sua destra, o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e remissão dos pecados.” Isto, supostam ente, apoiaria a alegação ultracalvinista de que o arrependim ento é u m dom de Deus som ente para os eleitos. Eles acrentam o texto de 2 T im ó teo 2.25: “instruindo com m ansidão os que resistem , a ver se, porventu ra, Deus lhes dará arrependimento para con h ecerem a verdade” (cf. At 11.18). R e s p o s ta Primeiro, de acordo com Atos 5.31, o arrependim ento é um dom da m esm a fo rm a que o perdão tam bém o é, já que ambos estão interligados. Se a visão ultra-reform ada estiver soteriologicam en te correta, então toda a nação de Israel precisa ser salva, já que o arrependim ento e o perdão foram dados a Israel. Na realidade, som ente u m rem anescente de Israel será salvo (cf. R m 9.27), e não todas as pessoas. O m esm o é verdade acerca de Atos 11.18: “Na verdade, até aos gentios deu Deus o arrependim ento para a vida.” Isto certam en te não significa que todos os gentios serão salvos, mas sim, que todos terão a oportunidade de se salvar. De m odo sem elhante, isto significa que Deus oferece a todos a oportunidade de se arrepender (cf. 2 Pe 3.9). Segundo, o arrependim ento em si não é o dom de Deus — a oportunidade para se arrepender é que é o dom . Ele graciosam ente nos concede a chance de abandonarm os o pecado, só que cabe a nós a execução do ato de arrependim ento. O arrepend im ento é u m ato da nossa vontade apoiado e estimulado pela sua graça. Terceiro, se o arrependim ento for u m dom , então ele é u m dom no m esm o sentido que o perdão é u m dom . O perdão foi obtido por Jesus n a cruz para “todos os que
crê e m ” (cf. At 13.38,39), e não som en te para os eleitos.22 Portanto, pela lógica do U ltracalvinism o, todo ser h u m an o deve receber a fé salvífica — um a conclusão que é rejeitada, obviam ente, por eles m esm os. Atos 16.14
“E u m a certa m u lh e r, cham ad a Lídia, vendedora de pú rpu ra, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia, e o S e n h o r lh e abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia.” Atos 18.27 acrescenta que a salvação destina-se “aos que pela graça criam.” Su p ostam en te, sem esta obra graciosa de Deus, n e n h u m de nós creria e seria
salvo.
22Vide capítulo 11.
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Resposta Não precisam os negar que D eus m ove o coração dos descrentes n o sentido de persuadi-los e levá-los à fé. O que negam os é que D eus faça isto de fo rm a coerciva (por interm édio da graça irresistível) e que Ele som en te faz isso sobre algum as pessoas (os eleitos). O Espírito Santo está convencendo “o m u nd o do pecado, da ju stiça e do ju íz o ” (Jo 16.8), mas Deus não força ninguém a crer nele (cf. M t 23.37; Jo 5.40). Apesar de o S e n h o r ter aberto o coração de Lídia, Lucas não diz que Ele fez isto contrariando a sua vontade. Romanos 10.17 “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de D eu s.” Aqui, aparentem ente, a fé é, n a verdade, produzida na pessoa pela Palavra.
Resposta Primeiro, não existe aqui qualquer referência à fé co m o u m dom dado p o r Deus — esta é u m a suposição que não pode ser lida n o texto a não ser que esta in form ação seja nele im plantada. Segundo, a ordem dos eventos é o envio dos evangelistas, a pregação da Palavra, 0 “ou vir” do evangelho, a cren ça na verdade, a invocação de D eus (cf. R m 10.14,15), mas o prim eiro evento não é universalm ente a causa do ú ltim o, pois n e m todos que são enviados acabam indo, e n em todos os que ouvem a Palavra de Deus crêem para a salvação (cf. M t 13.19). Terceiro, independ entem ente do papel que a Palavra de D eus te n h a n a preparação da fé salvífica, a fé por si m esm a precisa vir de nós — é isto que diz o con tex to. Poucos versículos antes, Paulo escreve: “Se [...] em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos m o rto s, serás salvo. Visto que co m o coração se crê para a ju stiça, e c o m a b oca se faz confissão para a salvação (R m 10.9,10). Romanos 12.3 “Porque, pela graça que m e é dada, digo a cada u m dentre vós que não saiba mais do que convém saber, m as que saiba com tem perança, conforme a medida da f é que Deus repartiu a cada um.”
Resposta Paulo está se referindo aos crentes (cf. 1.7; 12.1), e não aos descrentes. Este não é o tipo de fé que os descrentes precisam exercer para a salvação (a fé salvífica — vide Atos 16.31); este é u m dom especial de f é concedido a alguns descrentes. Paulo o lista en tre os dons do Espírito em 1 C oríntios 12. 1 Coríntios 4.7 “Porque quem te diferença? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias co m o se não o houveras recebido?” O ultracalvinista insiste que se tudo o que recebem os vem de Deus, isto tam bém se dá com a fé.
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇAO
Resposta Primeiro, precisam os n otar que Paulo não faz qualquer aplicação textual deste versículo
à fé salvífica co m o dom de Deus. Ele está se referindo aos dons espirituais concedidos aos crentes (cf. 1 Co 12.4-11) que devem ser exercidos em hum ildade. Não existe aqui a idéia de se conceder a fé aos descrentes, a fim de que estes possam se salvar. Segundo, m esm o que a sua intenção aqui fosse se referir à fé para os descrentes, não existe afirm ação de que Deus a daria som en te para algum as pessoas (isto é, os eleitos). Seja qual fo r o sentido que se aplique à fé, ela é dada a todas as pessoas. Alguns decidem
fazer uso dela, e outros não. Terceiro, com o já foi visto, a exposição u n ifo rm e vista na Bíblia é que a fé é algo que os descrentes precisam exercitar para receber a salvação (cf. Jo 3.16, 18, 36; A t 16.31), e não algo pelo que eles precisam esperar que D eus lhes conceda. 1 Coríntios 7.25
“D ou, porém , o m eu parecer, com o quem tem alcançado m isericórdia do S en h or para ser fiel.” A gostinho, por exem plo, utilizou este versículo para apoiar a sua idéia de que a fé é u m dom de D eus que antecede a regeneração. (£, 31)
Resposta Paulo não está se referindo ao recebim en to da fé salvífica por parte dos não-salvos, mas sim, ao recebim en to da m isericórdia divina por parte dos crentes que lhes capacita a serem fiéis (digno de confiança). O con texto (apresentado exatam ente no m esm o versículo) envolve a idéia de que as virgens têm a graça de p erm an ecerem sexualm ente fiéis. A NVI apreende este sentido: “Q uanto às pessoas virgens, não ten h o m and am ento do Senhor, m as dou m eu parecer co m o alguém que, pela m isericórdia de Deus, é digno de confiança.” 1 Coríntios 12.8,9
“Porque a u m , pelo Espírito, é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo m esm o Espírito, a palavra da ciência; e a outro, pelo m esm o Espírito, a f é . ”
Resposta Para serm os honestos, “fé” aqui é u m dom de Deus. Todavia, co m o já estudam os, Paulo não está se referindo à fé concedida aos incrédulos pela qual eles poderão ser salvos; m as sim, ao dom de fé concedido a certos crentes pelo qual eles podem servir no C orpo de Cristo (cf. vv. 5, 12). Efésios 2.8,9
“Porque pela graça sois salvos, por m eio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie.” De acordo com os ultracalvinistas, desde o Sínodo de D o rt até R. C. Sproul (por exem plo, CG, 119), este versículo prova que a fé salvífica é dom de Deus.
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Resposta E stranham ente, os ultracalvinistas desprezam com p letam en te o que o próprio João Calvino expressou acerca desta passagem: “[Paulo] não quer dizer que a fé é o dom de Deus, m as que a salvação nos é concedida por Deus, ou, que a obtem os por dom de D eu s” (CC, 11.145). O grande estudioso de Lingüística, A. T. R ob ertson (1863-1934)23 deixou claro que no grego: A “graça” é a parte de Deus, e a “fé” é a nossa. E isso (kai touto) é do gênero neutro, e não do feminino (taute), e, dessa forma, não se refere a pistis \pisteos — “fé,” é do gênero feminino] ou à charis [chariti — “graça,” também feminino], mas ao ato de ser salvo pela graça [sesosmenoi] que é condicionado à fé exercida por nossa parte.24 Apesar de algum as pessoas argu m entarem que u m p ronom e pode concordar em sentido, sem concordar em forma com o term o que o antecede, este p onto de vista foi veem en tem en te refutado: Se Paulo quisesse [kai touto, “e isso”] se referir a pistis (“fé”), ele poderia ter escrito o feminino taute em vez do neutro touto, e o sentido da frase teria ficado claro.25 [Além disso,] esta posição é apoiada pelo paralelismo entre ouk ex humon (“e isso não vem de vós”) no versículo 2.8 e ouk ex ergon (“não vem das obras”) no versículo 2.9. Esta última expressão não faria sentido caso se referisse a pisteos ( “fé”). Em vez disso, ela claramente significa que a salvação “não vem das obras.”26 Filipenses 1.29 “Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não som ente crer nele, com o tam bém padecer por ele.” A lguns ultracalvinistas consideram que este versículo significa que a fé é u m dom de Deus para os descrentes, ou seja, aqueles que estão en tre os eleitos.
Resposta Existem , pelo m enos, três indicações de que Paulo não estava pensando desta form a. Primeiro, a questão é sim plesm ente que Deus não som ente nos p roporcionou a oportunidade de confiar nele, co m o tam b ém de sofrer por Ele. O term o “concedido” (grego: echariste) significa “graça” ou “favor.” Isto significa dizer que ambas as oportunidades — a de sofrer por ele, e a de crer nele — são favores co m os quais ele nos agraciou.
23 N ão d ev em os c o n fu n d ir o A. T . R o b e rts o n c o n serv a d o r, q u e se c h a m a v a “A rch ib ald T h o m a s R o b e r ts o n ”, c o m o A . T R o b e rts o n lib eral, q u e se c h am a v a “A rth u r T h o m a s R o b in s o n ” (1919-1981).
24 Isto sign ifica q u e a exp ressão u tilizad a
p o r Pau lo “e isso ” (kai touto) n ã o c o n c o rd a e m g ê n e ro n e m c o m “fé ” (pisteos, q u e é a n o ssa c o n tra p a rte ), n e m c o m “g ra ça ” (chariti, q u e é a p a rte de D e u s), m a s sim q u e e la está ligad a ao a to de serm o s salvos (este sesosmenoi, lite ra lm e n te : “tod os v o cê s estão sen d o salvos”). V id e Word Pictures in the New Testament [Figuras V erbais do N ov o T e sta m e n to ], v ol. 1 (N ash ville: B ro a d m a n , 1930), 4.525.
25 M as ele n ã o fez isso.
26V id e G re g o ry S a p a u g h , “Is fa ith a gift?” [Seria a fé u m dom ?], u m e stu d o
sob re Efésios 2.8, n o Journal o f the Grace Evangelical Society [Jo rn a l da S ocied ad e E v a n g élica da G raça], n ú m e r o 12 (P rim a v era de 1994): 39-40.
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Segundo, Paulo não está se referindo à fé inicial que gera a salvação, m as da fé e do sofrim ento quotidianos de u m cristão. Terceiro, é interessante n otarm os que tanto o sofrim ento quanto a fé são de nossa responsabilidade. Paulo diz que “nos foi concedido” fazer isto, e não algo que D eus faz em nosso lugar. Filipenses 3.8,9 Paulo disse, referindo-se aos seus “m érito s”: E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo e seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus, pela fé.
Resposta Não é a f é que vem de Deus, m as a.justiça, e a ju stiça vê “por fé,” ou seja, pelo exercício do nosso “crer.” 1 Tessalonicenses 1.4-6 Paulo garantiu aos crentes de Tessalônica: Sabendo, amados irmãos, que a vossa eleição é de Deus; porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas também em poder, e no Espírito Santo, e em muita certeza, como bem sabeis quais fomos entre vós, por amor de vós. E vós fostes feitos nossos imitadores e do Senhor, recebendo a palavra em muita tribulação, com gozo do Espírito Santo.
Resposta D everia estar claro para todos os que separam tem p o para ler cuidadosam ente esta passagem que ela não fala nada a respeito da fé ser u m dom de Deus som en te para os eleitos. Não há m enção n em a “fé ”, n em a “d om ,” e, acim a de tudo, o evangelho é “poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (R m 1.16). Ou com o indica o versículo 6, ela é o poder de D eus para todo aquele que o recebe. A fé antecede a salvação. I Pedro 1.21 “Por ele credes em Deus, que o ressuscitou dos m o rto s e lhe deu glória, para que a vossa fé e esperança estivessem em D eu s”
Resposta A Expressão “por ele credes” não significa que a fé seja u m dom de D eus aos eleitos, mas que sem Cristo nin g u ém jam ais poderá crer. A. T. R obertson traduziu esta expressão com o: “Q uem por interm édio dele é crente em D eu s” ( W PNT, 6.91).
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2 Pedro 1.1
“Sim ão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco alcançaram f é igualmente preciosa pela ju stiça do nosso D eus e Salvador Jesus C risto”
Resposta A f é , neste caso, pode ser objetivamente entendida co m o “a fé cristã,” que todos os crentes receberam com o dom de D eus (cf. Jd 3). O p ro nom e conosco (p lu ral) se encaixa co m este p o n to de vista, tal qual a referência anterior que Pedro faz à "fé ” (1 Pe 5.9). Ou, m esm o que “fé” seja entendida deform a subjetiva, Pedro tam bém n ão diz como a recebem os, tam p ou co que a recebem os in dependentem ente da nossa volição. Ele tam bém não afirm a que D eus deseja que som en te alguns a ten h am . T an to Paulo quanto Pedro ensinam claram ente que o desejo de D eus é que todos se salvem (cf. 1 T m 2.4; 2 Pe 3.9). P ortanto, se 0 U ltracalvinism o estiver co rreto n esta questão, então D eus concederá a fé a todos que a aceitem (o que é rejeitado pelos ultracalvinistas). 1 Jo ã o 5.1
“Todo aquele que crê que Jesus é o C risto é nascido de D eus; e todo aquele que am a ao que o gerou tam bém am a ao que dele é nascido.” C o m o “é nascido” se trata de u m a con j unção verbal no particípio passado (u m a ação passada que apresenta efeito con tín u o ), alguns ultracalvinistas argu m en tam que a fé é o resultado da nossa regeneração.
Resposta P rim eiram ente, esta passagem não fala nada a respeito da m aneira co m o nascem os da parte de Deus. Ela sim plesm ente m o stra que todos aqueles que confessarem a Jesus co m o Messias, de fato, fo ram e são convertidos; ou seja, nasceram da parte de Deus. Em segundo lugar, João deixa claro em outras passagens que precisam os crer para nascerm os de Deus. Jesus disse a Nicodem os que era preciso “crer” (Jo 3.15-18) para “nascer de novo” (w . 3.5, 7). Na verdade, o tem a central do evangelho de João declara que a fé antecede a salvação. Ele escreveu: “Estes, porém , foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, ep a r a que, crendo, tenhais vida em seu n o m e ” (20.31; cf. 5.24). E m todos os exem plos apresentados nas páginas do Novo Testam ento, a fé antecede a salvação: a fé é o m eio, a salvação o fim. A Palavra de D eus não ensina, em parte algum a, que precisam os prim eiram en te ser salvos para, depois, passar a crer; m as, pelo contrário, afirm a que precisam os crer para serm os salvos. O U ltracalvinism o co lo co u o “ca rro ” soteriológico n a frente dos “bois.”
Dois Pontos Importantes M esm o que pudesse ser biblicam ente provado que a fé salvífica é u m d om de Deus, persistiriam ainda vários erros cruciais n a posição ultracalvinista. Por u m lado, a salvação envolve dons que precisam ser recebidos ou rejeitados. Ao contrário da concepção popular, o próprio Jacó A rm ínio era tão calvinista a ponto de defender que a graça era absolutam ente necessária na concessão da salvação; todavia, ele, acertadam ente, reconhecia a necessidade de u m ato de liberdade hu m ana para o seu recebim ento:
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“O que en tã o ”— você m e p e rg u n ta — “faz o livre-arbítrio?” Respondo de fo rm a breve: “Ele salva.” Se elim inarm os o livre-arbítrio, nada sobrará para ser salvo: Se elim inarm os a graça, nada sobrará com o fonte de salvação [...] N inguém mais, além de Deus, é capaz de conceder a salvação; e nada, além do livre-arbítrio, é capaz de recebê-la. ( WJA, 2.196.11) C om o já verificam os, João escreveu: “[Jesus] Veio para o que era seu, e os seus não o receberam . Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no seu n o m e ” (Jo 1.11,12).27 A lém disso, se a fé é u m dom de Deus, então ela, necessariam ente, é oferecida a todos, não som ente para alguns (isto é, aos “eleitos” — cf. Jo 3.16, 1 Jo 2.2). C onform e já foi dem onstrado, várias passagens afirm am que a obra expiatória de Jesus Cristo é ilim itada no seu alcance.2S
Deus não Exerce uma Graça Irresistível contra a Vontade das Pessoas O u tra prem issa b ib licam en te infundad a do U ltracalv in ism o é a concep ção de que D eus exerce sua graça irresistível sobre as pessoas à revelia da sua própria vontade. Isto o co rreria, su p o stam ente, no ato da ju stificação, à parte, e co n tra ria m en te à vontade das pessoas, antes delas serem capazes de crer. C o m o tam b ém já analisam os, a Bíblia exige u n iv ersalm en te a fé co m o pré-co n d ição básica para a ju stificação. A lém disso, existem várias passagens que m o stra m que os incrédu los tê m a capacidade de resistir à graça de D eus. Mateus 23.37 “Jerusalém , Jerusalém , que m atas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu aj untar os teus filhos, co m o a galinha aju n ta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste\” Lucas 7.30 “Mas os fariseus e os doutores da lei rejeitaram o conselho [a vontade] de Deus contra si m esm os, não tendo sido batizados por ele.” João 5.40 “E não quereis vir a m im para terdes vida.”
r D e m a n e ira inversa, R . C. S p ro u l d escrev e de fo rm a su c in ta o U ltra c a lv in ism o : “Para re c e b e rm o s o d o m da fé, de a co rd o c o m o C a lv in ism o , o p e ca d o r ta m b é m p recisa a b rir os b raços. M as ele so m e n te faz isto p o rq u e D e u s m o d ifico u de ta l fo rm a a a titu d e d o seu c o ra ç ã o q u e ele c e rta m e n te a b rirá o s seu s b raços. P ela o b ra irresistív el da g raça, e le n a d a m ais fará, sen ão ab rir os seu s b ra ç o s ” ( Willing to Believe [V ontade de C re r], 133-34). Irresistível sign ifica q u e esta c o n d iç ã o é fo rça d a sob re o p ecad or, e n ã o e xiste q u alq u e r e x p lica çã o plau sível p a ra a idéia de lib erdade fo rçad a.
28V ide c a p ítu lo 11.
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Atos 7.51 Estevão acusou o Sinédrio: “H om ens de dura cerviz e incircuncisos de coração e ouvido, vos sempre resistis ao Espírito Santo; assim, vós sois com o vossos pais.”29 2 Pedro 3.9 “O S en h o r não retarda a sua prom essa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânim o para convosco, não querendo que alguns se percam , senão que todos venham a arrepender-se.”30 E x iste m m u ita s o u tra s passagens in d ica n d o que u m a p esso a p o d e d esafiar a v o n tad e de D e u s .31 O b v ia m en te , a v o n ta d e fin a l de D eu s sem p re acaba sen d o im p le m e n ta d a (Is 55 .1 1 ), m as E le d ecid iu so b e ra n a m e n te que o co n v ite ao e v a n g e lh o p o d e ser n eg ad o . D eu s d ese ja alg u m as coisas de fo rm a c o n d ic io n a l e o u tra n ã o ; a salv ação re ca i n a seg u n d a c a te g o ria . C o m o já vim o s a n te rio rm e n te , C. S. Lewis (1898-196 3 ) e screv eu : “Há s o m e n te dois tip os de pessoas, ao fin a l: A q u eles que d izem a D eu s: “S e ja fe ita a tu a v o n ta d e ,” e aq u elas a q u e m D eu s dirá: “E n tã o , s e ja fe ita a tua v o n ta d e ” ( G D, 69). Lewis, em o u tra ocasião e xp resso u a razão p ara isso: O “Irresistível” e o “Inquestionável” são as duas armas que apropria natureza dos planos de Deus o proíbem de usar. Seria inútil para Ele [...] simplesmente passar por cima da vontade humana. Ele é incapaz de violentar, tudo o que Ele pode fazer é persuadir. (SL, 128)
A Fé Salvífica e o Arrependimento Podem Ser Exercidos por qualquer Pessoa A Bíblia não ensina, em parte algum a, que a fé salvífica é u m d om especial de Deus destinado so m en te a u m grupo seleto. A lém disso, a Bíblia assum e em to d a parte que todos que d esejarem a salvação podem exercer a fé salvífica. Todas as passagens bíblicas que in citam os descrentes a cre re m ou à se arrepend erem para a salvação im p licam esta verdade. A lgum as passagens fam iliares serão suficientes para d em o n stra r este p o n to. Lucas 13.3 “Se vos não arrependerdes, todos de igual m odo perecereis.”
29 A té m e sm o Jo ão C alv in o, ao c o m e n ta r esta passagem , d ecla ro u que Lucas estava falan d o “da sua in flexibilidade d esesperada q u an d o diz que eles re sistia m ao E sp írito S a n to .” V id e os Calvin Commentaries [C o m en tá rio s de C alv in o], de D avid "W. T o rra n c e e T o m ás F. T o rra n c e , eds. 6.213.
MA lg u m a s pessoas su g e re m , c o m base n a exp ressão “para c o n o s c o ”
(v. 9), q u e Ped ro n ã o está falan d o aqui de d e scren tes, m as de c re n te s q u e se a rre p en d em dos seu s p ecados (e m vista da v o lta de C risto ). Is to é im p ro v á v e l p o rq u e (1 ) n o v e rsíc u lo 3, n o m e sm o c o n te x to , e le se re fere aos d e scren te s c o m o “e sc a rn e c e d o re s ”; (2 ) n o v e rsíc u lo 7 e le fa la d aqueles q u e n ã o se a rre p en d era m c o m o sen d o “ím p io s” ; (3 ) e q u e o d estin o deles é a “p e rd iç ã o ,” o q ue, se g u ra m e n te , n ã o é u m d estin o ap rop riad o aos salvos. 31 P or e x e m p lo , M t 7.21; 12.50; Jo 7.17; 1 T s 4.3; l j o 2.17.
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João 3.16 “Porque Deus am ou o m u nd o de tal m aneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas te n h a a vida etern a.”j2 João 6.29 “A obra de Deus é esta: que creiais naquele que ele enviou.” João 11.40 “Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?” João 12.36 “Enquanto tendes luz, crede na luz, para que sejais filhos da luz.”
João 20.31 “Estes [atos de Jesus], porém , foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, epara que, crendo, tenhais vida em seu nome.”
Atos 16.31 “Crê no S en h o r Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa.” Atos 17.30 “Mas Deus, não tendo em con ta os tem pos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam”
Atos 20.21 “C o n ju ran d o judeus, e gregos ao arrependimento diante de Deus e à fé emJesus, nosso S e n h o r.” (Tradução “Bíblia de Jeru salém ”)
Hehreus 11.6 “Sem fé é im possível agradar-lhe, porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele Existe e que é galardoador dos que o buscam .”
Várias outras passagens afirmam a m esm a verdade; considere Rom anos 3.22; 4.11,24; 10.9, 14; 1 Coríntios 1.21; Gálatas 3.22; Efésios 1.16; 1 Tessalonicenses 1.7; 4.14 e 1 Tim óteo 1.16. 32 S u r p re e n d e n te m e n te , u m u ltra ca lv in ista d e cla ra a resp eito d esta p assag em : “O te x to n ã o fa la n a d a a resp eito de q u e m c re rá o u de q u e m p o d eria c r e r ” (vide S p ro u l, W B, 99). A pesar d o fa to da frase s eg u in te d e S p ro u l m o d ific a r e sta d eclaração ao re c o n h e c e r q u e e m b o ra “e la p ossa im p lic a r q u e algumas pessoas p o d e m ou irã o c r e r ” (g rifo a c re sce n ta d o ), e la c o n tin u a co n tra ria n d o a a firm ação insp irad a, q u e são p alavras d o p ró p rio Jesus, as quais dão c o n ta de q u e “to d o a q u e le ” (Isto é, q u alq u e r p essoa) p ode e d everia c re r (cf. Jo 3.18, 5.40).
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O Exercício da Fé não Pode Ser Confundido com Obra Meritória A divergência aqui não é acerca de a salvação estar baseada nas obras: todos os protestantes ortod oxos concord am que não. A questão é se u m ato h u m an o de fé não se constitu i em um a espécie de obra m eritória. A resposta é “n ã o ,” e está apoiada tan to pelas Sagradas Escrituras, quanto pelo b om raciocínio. P rim eiram ente, a fé é claram en te contrastada co m as boas obras na Bíblia. O fato de a fé ser colocad a em oposição às obras fica evidente nas passagens h á p ou co citadas e m uitas outras (co m o , por exem plo, R m 3.26,27; G1 3.11). R om an os 4.4 afirm a que “àquele que faz qualquer obra, não lh e é im putado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida.” A fé exercida para se receber o dom da salvação não é u m a obra; m as, a fé salvífica é a admissão de que nada podem os fazer para conquistar o dom de Deus, além de aceitá-lo p o r pura graça. A lém disso, o ato de receberm os u m presen te p o r fé n ão é m ais m e ritó rio do que o ato de u m m end igo receber u m a esm ola. E ilóg ico afirm ar que o recebed o r gan h a créd ito p o r aceitar u m a o ferta e m vez de este m é rito ser cred itad o à pessoa que faz a doação. O ato de fé n o receb im en to da salvação in con d icion al de D eus não resu lta em m é rito algum para nós — todo o lo u v o r e g lória vão para o D oad or de “toda boa dádiva e to d o d om p e rfe ito ” (T g 1.17). ). I. Packer e O. R. Joh nston declararam que “A Teologia reform ada condenava o A rm inianism o por este ser, a princípio, u m reto rn o a R o m a (porque, co m efeito, fazia da fé u m a obra m eritória).33 R. C. Sproul parece concordar: O arminiano reconhece que a fé é algo que a pessoa exerce. E uma obra, embora não meritória. Mas seria esta uma boa obra? Certamente não se trata de uma má obra. E bom uma pessoa confiar em Cristo, e somente em Cristo, para a sua salvação [...] [Assim,] o arminiano considera difícil fugir à conclusão de que, em última instância, a sua salvação está depositada em um ato justo executado por sua vontade própria. Portanto, com efeito, ele mereceu o mérito de Cristo, o que difere muito pouco do ponto de vista de Roma. (CG, 25-26) Esta é u m a descrição im precisa do A rm inianism o. C o m o vim os anteriorm en te, Jacó A rm ínio há m u ito tem p o já respondeu esta acusação: Um homem rico entrega esmolas a um mendigo faminto e miserável, com as quais ele poderá manter-se a si mesmo e à sua família. Será que isto deixa de ser umpresente puro pelo simples fato de o mendigo estender a sua mão para recebê-lo? Será que poderíamos dizer com propriedade que “as esmolas dependem, em parte, da liberalidade do Doador e, em parte, da liberdade do recebedor,” apesar de não ser possível ao segundo a posse dela não fosse pelo estender da sua mão? [...] Se estas afirmações não puderem ser verdadeiramente feitas acerca de um mendigo que recebe esmolas, de que forma poderiam ser feitas acerca do dom da fé, cujo recebimento exige atos muito maiores da Graça Divina! (Armínio, WJA, 1.365-66, grifo acrescentado) 33 “In tr o d u ç ã o T e o ló g ic a e H is tó r ic a ” e m The Bondage o f the W ill [D e S e rv o -A rb ítrio ] de M a r tin h o L u te ro , P a c k e r e J o h n s to n , 59.
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Ninguém Pode Receber o Dom da Salvação sem o Auxílio da Graça Por fim , o U ltracalvinism o n o rm a lm en te considera que o exercício da fé com o condição para o recebim en to do dom da salvação34 deve significar que eles podem fazer isto sem o auxílio da graça de Deus. C o n fo rm e vim os an teriorm ente,05 ninguém pode crer para a salvação sem o auxílio da graça de Deus.36 Apesar de n em todos estes versículos se referirem à graça preveniente,37 o p o n to é o m esm o. Em ú ltim a análise, n in g u ém é capaz de crer para a salvação sem a iniciativa graciosa de Deus. Porém , apesar de a salvação vir dele, ela é acionada em nossas vidas por interm édio da nossa cooperação. N ovam ente, a sua graça não é exercida sobre u m ob jeto passivo, mas sobre u m agente ativo. P ortanto, em ú ltim a análise, os ultracalvinistas negam u m a das premissas centrais da R eform a: a exclusividade da f é (sola f de). D e acordo com eles, nós não crem os para nos salvar; som os salvos para crer.
A POSIÇÃO DA “IGREJA DE CRISTO” ACERCA DA(S) CONDIÇÃO(OES) PARA A SALVAÇAO C o m respeito à Soteriologia, m u itos consideram a denom inação cham ada de “Igreja de C risto” com o parte do m o vim en to evangélico n u m sentido mais am plo, enquanto ou tros acreditam que ela faz parte de u m m o vim en to lim ítrofe, ou que, talvez, já ten h a cruzado a fronteira do Evangelicalism o. O atrito surge com a insistência deste grupo de que existiriam quatro condições necessárias para a salvação. As “Igrejas de C risto” são congregações independentes que com p artilh am um a herança co m u m desde o M ovim ento de R estauração, tendo sido organizada por, e herdeira de A lexander C am pbell (1788-1866). A m aioria das Igrejas de Cristo acredita em quatro atos de obediência a D eus para se obter a salvação: a fé , o arrependimento, a confissão e o batismo por imersão. Jack C o ttre ll (nascido em 1938) nos apresenta u m excelen te resum o desta posição no seu livro acerca da dou trin a bíblica: The Faith Oncefor A li [A Fé Definitiva] :38 “A presentarem os [agora] os seguintes atos co m o condições para a salvação n a era da Nova Aliança (pós-Pentecoste): a fé, o arrepend im ento, a confissão e o b atism o” (349).
A Fé como Condição para a Salvação C o ttre ll argu m enta que “a condição prim ária para o recebim en to (e reten ção) da graça salvífica de Deus sem pre foi e continu a a ser a f é ” (ibid.). Esta fé inclui a obediência ao m and am ento de crerm os no evangelho (Jo 6.28,29; A t 16.31; 6.7), e neste sentido a fé é o oposto da desobediência (cf. Jo 3.36), ao passo que a incredulidade é sinônim a de desobediência (cf. Hb 3.18,19). M esm o assim, ele acrescenta: Isto não significa que a fé inclua a obediência, mas, simplesmente demonstra que a obediência inclui afé [...] Apesar de não podermos dizer que a fé inclui a obediência, precisamos, na verdade, afirmar que e h produz ou resulta em obediência. A fé que salva é uma fé que obedece. (FOA, 352) A fé é singular en tre as quatro supostas condições para a salvação, pois a “fé com o condição para a salvação é o m eio pelo qual a graça é recebida” (ibid., 353). Assim, a fé é mais do que u m a simples qualificação — ela é o meio pelo qual a salvação é obtida. M C o n fo rm e p o stu la d o p elos a rm in ia n o s clássicos e calvin istas m o d e ra d o s. 15.10; 2 C o 3.5; 1 C r 28.14. Bibliografia.
35 V id e ca p ítu lo 5.
36 C f. Jo 15.5; 1 C o
37 O u se ja , a g ra ça d ivin a q u e in flu e n c ia a n o ssa v o n ta d e an tes de b u sc a rm o s D eu s.
38Vide
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O Arrependimento como Condição para a Salvação C o ttre ll continua: “A segunda condição para o recebim en to (e retenção) da salvação é o arrependimento” (ibid.). Vários versículos são apresentados em apoio a esta idéia, inclusive M ateus 3.2; M arcos 1.4; Lucas 3.3; 5.32; 24.47; Atos 2.38; 3.19; 5.31; 8.22; 11.18; 17.30; 26.20; 2 Coríntios 7.10 e 2 Pedro 3.9. Especificamente falando, [o arrependimento] é uma mudança de mente ou atitude com relação ao pecado, particularmente com respeito ao nosso próprio pecado. Ele inclui o remorso (a tristeza segundo Deus — 2 Co 7.9,10). [Ele também] inclui um desejo sincero de se livrar do pecado (o rei Davi expressou este sentimento no Salmo 51), bem como uma determinação de abandonar [o pecado] e caminhar com Deus (At 14.15). (FOA, 354, grifo final acrescentado) Todavia, Falar de arrependimento como abandono do pecado não significa que o arrependimento em si inclua uma mudança real de estilo de vida ou a reformulação da vida que surge a partir da regeneração e constitui a santificação. A fé não inclui a obediência, tampouco o arrependimento a inclui. Há várias razões pelas quais o arrependim ento é considerado necessário à salvação: Antes de tudo, a própria natureza da salvação o requer. A salvação é salvação do pecado, e não podemos ser salvos do nosso pecado enquanto ainda estivermos com o nosso coração agarrado a ele [...] Em segundo lugar, a própria natureza da fé salvífica requer que ela seja acompanhada pelo arrependimento [...] A questão é que não podemos aceitar sinceramente o que Jesus fez por nós na cruz sem odiar o pecado que o colocou lá. (ibid., 355) Se o arrepend im ento for necessário à salvação, en tretan to , então por que a Bíblia m enciona som ente a fé? A resposta de C o ttre ll está no argum ento de que a fé não inclui o arrependim ento com o u m a espécie de “apêndice”:39 “Esta abordagem precisa ser rejeitada; a integridade da fé e do arrependim ento co m o estados m entais distintos precisa ser preservada, com o vem os em M arcos 1.15 e Atos 20.21” (ibid.). Ele acrescenta: E verdade que a fé é normalmente mencionada de forma isolada, mas isto ocorre porque ela é um ato que representa o meio (o instrumento, o veículo, o canal) específico pelo qual a graça salvífica de Deus é recebida [...] A fé é, dessa forma, destacada como o único meio, mas não como a única condição para o recebimento da salvação. Todos os meios são condições, mas nem todas as condições são meios.® (ibid., 356)
mO q u e significa: c o m o dois e le m e n to s da m e sm a ação.
“ C o m o m e n c io n a m o s a n te rio r m e n te , apesar de a “Ig re ja
de C ris to ” d efen d er q u e a fé, o a rre p e n d im e n to , a con fissão e o b a tism o são co n d içõ es p a ra se re c e b e r a salvação, a fé tra n sc en d e esta p osição para se to r n a r o m é to d o o u c a n a l da v ida e tern a .
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A
C on fissão
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com o Condição para a Salvação
D e aco rd o co m o en sin o da “Ig rej a de C ris to ”: “A te rc e ira con d ição p ara a salvação é a c o n fis s ã o , m ais e sp ecifica m en te, u m a confissão da nossa fé em Jesus c o m o Salvad or e S e n h o r d iante do m u n d o ” (ibid .). M u ito s v e rsícu lo s ta m b é m são apresen tad os p ara em basar este p o n to de vista, tais co m o M ateu s 10.32,33; R o m a n o s 10.9,10; 2 C o rín tio s 9.13; Filipenses 2.11; 1 T im ó te o 6.12,13; H ebreus 3.1; 1 Jo ão 2.23; 4.2-3, 15 e 2 João 7. Esta confissão precisa ser de que Jesus é S e n h o r 41 porqu e S en h o r significa “D ivindade”; logo, “O que estam os, n a verdade, querendo dizer quando confessam os Jesus co m o o nosso S e n h o r”? Estam os atribuindo a ele duas coisas: a p r o p r ie d a d e e a d iv in d ad e. (ibid., 357). Esta confissão precisa ser feita diante de outras pessoas: E im p o rta n te co m p reen d erm o s que esta confissão de Jesus co m o o nosso Salvador e S en h or divino pessoal p recisa ser verbal e pública. Paulo d eclara que esta confissão precisa ser feita “co m a b oca” (R m 10.9,10). Jesus diz que a nossa confissão precisa ser feita “diante dos h o m e n s” (M t 10.32). A “boa confissão” de Tiago o co rre u “diante de m uitas teste m u n h a s” [lT m 6.12], (ibid., 358)
U m questionam ento básico a favor da posição de C o ttre ll vem do próprio A póstolo Paulo: E m R o m an o s 10.9 os verbos “confessar” e “c r e r” estão am bos no tem p o aoristo, sugerindo que Paulo te m em m en te u m passado específico associado co m a confissão de fé inicial e decisiva do pecador. E m R o m an o s 10.13 a confissão de Jesus co m o S en h or é equiparada à “in vocação do n o m e do S en h or,” que é a o ração batism al inicial do p ecad o r p ara a salvação. Desse m o d o , é co rre to que u m n ov o con vertid o an un cie a sua fé n o m o m e n to em que aceita C risto co m o fo rm a de p rep aração p ara o batism o. Os dois verbos42 são idênticos n a fo rm a 43 e estão relacionados à co n ju n ção condicional “se” exatam en te da m esm a m an eira, isto é, co m o condições iguais p ara a salvação. P o rtan to , se a fé é u m a condição, a confissão tam b ém precisa ser. (ibid., 358-59)
Ele prossegue dizendo: Isto n ão eqüivale a dizerm os que estes dois atos [a fé e a confissão] estejam relacionados à salvação da m esm a fo rm a. A m bos são condições, m as não exercem o m esm o papel no sentido de levar o p ecad o r à salvação. A fé co n tin u a a ser a con dição p rim ária porque ela é o ú n ico meio pelo qual a salvação é recebida, isto, p o ré m , n ão exclui o acréscim o de outras condições que sirvam a o u tro s propósitos [...] [O papel da confissão é que] ela é u m a confissão d e f é , u m a fé que é direcionada especificam ente p ara Jesus C risto co m o S alvador e S enhor, (ibid., 359, grifo acrescentad o)
41 C f. Jo 20.28, A t 2.36; 10.36; R m 10.9; 1 C o 12.3; 2 C o 4.5; Fp 2.11.
42 C on fessa r (g re g o : homolo^eses) e c r e r (g re g o : pisteuses).
43 N o te m p o aoristo, n a fo rm a ativa, n o m o d o s u b ju n tiv o e n a segu n d a p essoa d o sin g u la r (tu ).
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O Batismo como Condição para a Salvação A quarta e última condição para a salvação na era do Novo Testamento é o batismo. A Bíblia é bem clara a esse respeito. Em todas as passagens do Novo Testamento que falam alguma coisa sobre o significado do batismo, o único propósito do batismo é a salvação dos pecadores [...] E por isso que também falamos do batismo (juntamente com a fé, o arrependimento e a confissão) como condições para a salvação” (ibid., 359-60).
Cottrell rejeita a posição largamente aceita de que o batismo é um sinal exterior e simbólico de uma realidade interior ou algo que afeta primariamente o estado psicossomático dos salvos, selando a certeza no seu coração: Algumas pessoas chegaram ao extremo de afirmar uma conexão causai entre o batismo e a salvação. Elas atribuem às águas do batismo ou ao ato batismal o poder de purificação da alma do pecado, ou, pelo menos, o poder de transmitir a purificação divina à alma. (ibid., 361)
Ele prossegue dizendo: Não existe base para se atribuir qualquer poder salvífico às águas batismais ou ao ato do batismo em si. Somente o poder e o agir de Deus podem salvar, o pecador é salvo quando Deus aplica o sangue de Cristo no coração do pecador e concede a ele o dom do Espírito Santo [...] E o que é mais importante, afirmamos que o ensino claro e específico do Novo Testamento é que o batismo é o tempo durante o qual Deus graciosamente concede ao pecador a dupla cura da salvação. E como tal, ele é uma condição divinamente indicada para a salvação durante esta era da Nova Aliança, (ibid., 361-62)
Vários versículos relacionados são apresentados, inclusive João 3.3-5; Atos 2.38, 22.16 e Colossenses 2.12. Em Atos 2.38, Pedro afirmou: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo.” Com relação ao modo do batismo: Podemos afirmar inequivocamente que na sua forma física, o batismo é, por definição, a imersão momentânea do corpo em um taque de água. Nada mais realmente pode ser considerado batismo. (FOA, 368)
Em resposta, a posição da “Igreja de Cristo” está seguramente em desacordo com a ortodoxia evangélica a respeito da forma como recebemos o dom da salvação.44 Como existe um consenso soteriológico predominante acerca da necessidade da fé, podemos avançar imediatamente para o arrependimento.
O Arrependimento não E uma Condição Separada para a Salvação Apesar da maioria dos evangélicos, de fato, acreditarem que o arrependimento é uma parte necessária da (ou uma condição para a) salvação, eles não o consideram como "“M e sm o a d m itin d o q u e a lg u m as pessoas n a tra d içã o r e fo rm a d a a c re d ite m n a re g e n e ra ç ã o b a tism a l (a qual é in co n siste n te c o m o p rin cíp io da exclu sivid ade d a fé — sola fide), e la c o n tin u a sen d o sig n ifica tiv a m e n te d ife re n te d a p o siçã o ad o tad a p e la “Ig r e ja de C ris to ,” a qual ta m b é m exig e ta n to a confissão, q u a n to o b a tism o p o r im e rsã o c o m o co n d içõ es p a ra a ju s tific a ç ã o de u m a d u lto .
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u m passo posterior ou distinto dela. O arrepend im ento é inseparável da verdadeira fé salvífica.45 Para apoiar o arrepend im ento co m o algo distinto e separado da fé, a “Ig reja de C risto” retira várias passagens bíblicas do seu con tex to. C o ttre ll aponta especificam ente para M arcos 1.15 e Atos 20.21. N o Evangelho de M arcos, Jesus disse: “O R eino de Deus está próxim o. A rrependeivos e crede no evangelho.” (1.15). Esta (e outras passagens) não podem ser consideradas co m o em basam ento para a posição adotada pela “Igreja de C risto” p o r várias razões. Primeiro, Jesus não disse que a fé e o arrependim ento são passos separados. O arrependim ento, co m o parte da fé, pode ter sido exposto de fo rm a separada para fins de clareza, do m esm o m od o que o am o r ao S e n h o r com toda a nossa “m e n te ” foi acrescentado a “p en sam en to” (em M t 22.37).46 A Bíblia, n orm alm en te, lista várias coisas sem im plicar que elas o co rrem em tem po diferente, ou que sejam eventos diferentes.47 Segundo, quando Paulo declarou: “[Eu ten h o testificado] tanto aos judeus com o aos gregos, a conversão a D eus e a fé em nosso S en h o r Jesus C risto” (A t 20.21), aqui, novam ente, ele tem em m en te os gregos, pois era preciso deixar claro para eles a questão do arrependim ento (grego: metanoian, “m udança de m e n te ”) diante de Deus e da aceitação do M onoteísm o em d etrim ento do Politeísm o. Dessa form a, foi necessário destacar o tipo de fé que envolvia esta m u dan ça de m en te diante de D eus co m o u m a necessidade para a salvação. E m parte algum a, o N ovo Testam ento apresenta o arrependim ento co m o u m segundo passo, distinto da fé, necessário para a salvação. Terceiro, ironicam ente, C o ttre ll aceita a afirm ação n eotestam en tária da fé co m o meio de se receber o dom da salvação: “A fé con tinu a sendo a condição prim ária por ser o único meio pelo qual podem os receber a salvação, m as isto não exclui o acréscim o de outras condições que servem a outros propósitos” (FOA, 359, grifo acrescentado). C ontu do, ele parece não perceber a inconsistência de acrescentar mais três condições à salvação. Se a fé é o ún ico m eio de salvação, p o r que precisaríam os de acréscim os a ela? Quarto, e p a ra e n c e r r a r , o N o v o T e s ta m e n to c ita a fé , e s o m e n te a fé, c o m o o m e io p a ra a sa lv a çã o . D essa fo r m a , q u a lq u e r o u tr a c o n d iç ã o (ta l c o m o a c o n fissã o e o b a tis m o ) n ã o p o d e ser, n a v erd a d e, c o n d ic io n a n te p a ra a sa lv a çã o — n a m e lh o r das h ip ó te se s, e la será efeito s o te r io ló g ic o . N a v e rd a d e, C o ttr e ll r e c o n h e c e e x a ta m e n te e sta re la ç ã o q u a n d o o a s s u n to é o p a ra le lo e n tr e a fé e a o b ed iên cia : “A p esar de n ã o p o d e rm o s d izer q u e a fé inclui a o b e d iên cia , p re c isa m o s , n a verd ad e, a firm a r q u e e la produz o u r e s u lta e m o b e d iê n cia . A fé que salva é u m a fé que obedece” (ibid., 352). Por que, então, a fé não poderia ser o ú n ico m eio para a salvação e a confissão e o batism o ser um a questão de obediência na vida do cristão depois dele ter exercitado a fé co m o ú n ico m eio de sua salvação?
A Confissão não É uma Condição Separada para a Salvação A diferença mais significativa en tre a Soteriologia evangélica e a da “Ig reja de C risto” são o terceiro e quarto passos necessários à salvação: a confissão e o batism o.
45 V id e abaixo, n o s u b títu lo “A R e la fã o E n tre Fé e A rre p e n d im e n to .”
46 D e f o r m a q u e as pessoas de c u ltu r a grega
c o m p re e n d e ria m q u e n a c u ltu r a h e b ra ica (d o A n tig o T e s ta m e n to ), a “m e n te ” é u m c o n c e ito in c lu íd o n o de “c o ra ç ã o ” (cf. D t 6.5).
47 P o r e x e m p lo , Jesu s disse q u e d ev eríam o s a m a r a D e u s c o m “A m arás o S e n h o r, te u D eu s, de to d o o te u
[1] c o ra ç ã o , e de to d a a tu a [2] a lm a , e de to d o o te u [3] p e n sa m e n to (M t 22.37) sem im p lic a r que se tr a te m de trê s passos distintos.
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Primeiro, apesar de a Bíblia falar de confissão para a salvação (cf. R m 10.9), em parte algum a ela m enciona a confissão co m o u m passo separado e necessário para o recebim en to da salvação. C o m já vim os, C o ttre ll adm ite: C ertas referências n eotestam en tárias fazem u m a distinção clara en tre fé e obras de obediência (p o r exem p lo, R m 3.28; 4.4-8; E f 2.8-10). Isto não significa que a fé inclua a obediência, m as, sim plesm ente d em o n stra que a obediência inclui a f é [...] A pesar de não p od erm o s dizer que a fé inclui a obediência, p recisam os, n a verdade, afirm ar que e l a produz ou resulta em obediência. A fé que salva é u m a fé que obedece. ( F O A , 352)
Mas neste caso, por que a confissão deveria ser vista co m o u m a condição e não co m o u m efeito da salvação? U m a pessoa que recebe a fé salvífica desejará natu ralm en te m anifestá-la na fo rm a de obediência (tal com o na confissão do n om e de C risto), entretan to isto não faz desse ato de obediência— n a confissão de C risto — u m a condição para a salvação. Segundo, C o ttre ll argu m enta que a fé é o m eio de salvação; conseqüentem en te, a pessoa já está salva pela fé antes de confessar a sua fé. Terceiro, os versículos utilizados pela “Ig reja de C risto” para fu nd am entar a sua crença de que u m a confissão pública de Cristo é condição necessária para a salvação são utilizados fora do seu con texto. Estes textos se enquadram em duas categorias m ais abrangentes. A prim eira categoria fala da confissão co m o estando em conexão com a fé salvífica, mas não com o u m a condição para a salvação. Em R om anos 10.9,48 Paulo n ão está afirm ando que sem u m a confissão pública de C risto não poderem os nos salvar.49 A confissão é um a conseqüência natu ral da fé salvífica, mas co m o o próprio Paulo deixou claro, somente a f é salvífica salva (cf. E f 2.8-9; R m 4.4,5). A lém disso, a Bíblia fala de crentes secretos que não confessavam Jesus publicam ente. Já de acordo com os ensinos da “Ig reja de C risto”, precisam os confessar Jesus de fo rm a “pú blica” e “verbal” para nos salvarm os. Apesar de a confissão pública e verbal ser u m a conseqüência n atu ral da salvação, em parte algum a da Bíblia ela é apresentada com o u m a condição para o recebim en to da vida eterna. O Comentário do Conhecimento Bíblico ( The Bible Knowledge Commentary) esclarece a questão de fo rm a adequada: A confissão verbal de que Jesus é S en h or é m en cion ad a p rim eiram en te c o m o fo rm a de adequação à o rd em da citação de D eu tero n ôm ío 39.14 em R o m an o s 10.8. [Dessa form a,] a confissão é o re co n h ecim en to de que D eus realm en te en carn o u em Jesus (cf. v. 6), de que Jesus é Deus [...] A o rd em verdadeira é apresentada n o versículo 10: Visto que co m o co ra çã o se crê p ara a justiça. [Portanto,] n ão se tra ta m de dois passos separados em direção à salvação. C ron o lo g icam en te, eles são sim u ltân eos.50
Na verdade, se a confissão fosse u m passo separado, a m aioria absoluta das afirm ações do Novo Testam ento a respeito de co m o podem os nos salvar (inclusive a totalidade do evangelho de João) estaria errada, já que a confissão, de fo rm a algum a, figura ali com o condição para a salvação.
48 “S e, c o m a tu a boca, confessares ao S e n h o r Jesus e, e m te u c o ra ç ã o , cre re s que D eu s o re ssu scito u dos m o r to s, serás s alv o .” 49 N e m fala isso e m q u alq u e r o u tr o lug ar. de C o n h e c im e n to B íb lico ], 2.481.
30Jo h n W alvoord, e t al., eds., The Bible Knowledge Commentary [C o m en tá rio
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Q uarto, c o m r e la ç ã o à se g u n d a c a te g o r ia d e v e rs íc u lo s u tiliz a d o s , u m d eles é M a te u s
1 0 .3 2 ,3 3 ,51 n o q u al Jesus e x o r t o u os seu s d iscíp u lo s a c o n fe s s a r e m o seu n o m e d ia n te d o s h o m e n s . M e s m o a ssim , a co n fissã o n ã o é c o l o c a d a c o m o u m a c o n d iç ã o p a r a n o s t o r n a r m o s c r e n te s : as p esso as a q u e m ele se d irig ia (o s d o z e d iscíp u lo s, v v . 1 -5 ) já e r a m sa lv o s ( e x c e t o Ju d a s — cf. Jo 17 .1 2 ). A co n fissã o aq u i é u m a c o n d iç ã o p a r a o r e c e b im e n to d e g a la r d ã o , a r e c o m p e n s a d e s e r h o n r a d o p o r C r is to d ia n te d o s a n jo s. N ã o se t r a t a de u m a c o n d iç ã o p a r a e n t r a r m o s n o c é u , m a s p a r a o r e c e b im e n to d e g a la rd õ e s d ep o is de lá c h e g a r m o s .52 É isto o q u e P a u lo d e c la r a e m 2 T i m ó t e o 2 .1 2 ,1 3 : “Se s o f r e r m o s , t a m b é m c o m ele r e m a r e m o s ; se o n e g a r m o s , t a m b é m ele n o s n e g a r á ; se f o r m o s infiéis, ele p e r m a n e c e fiel; n ã o p o d e n e g a r -s e a si m e s m o .” E x is te m d u as ra z õ e s i m p o r t a n t e s p a r a n ã o t o m a r m o s isso c o m o u m a c o n d iç ã o p a r a a s a lv a ç ã o . P o r u m la d o , P a u lo e s tá fa la n d o d o n o s so re in a d o c o m E le —
o q u al, n o v a m e n t e , é u m a q u e s tã o d e g a la r d ã o , e n ã o d e s a lv a ç ã o .
P o r o u t r o la d o , n e m m e s m o a n o s s a in fid elid ad e é c a p a z de a n u l a r a fid elid ad e d e D eu s à s u a p r o m e s s a d e s a lv a ç ã o : se is to n ã o fo sse v e rd a d e , a s a lv a ç ã o d e ix a ria d e s e r u m d o m g r a t u i t o , c o m o a Bíblia d e c la r a , m a s se ria d e p e n d e n te das n ossas b o as o b ra s. P e d ro n e g o u o S e n h o r trê s v e z e s d ia n te d os h o m e n s , m e s m o assim fo i sa lv o . C o m o ta m b é m já m e n c i o n a m o s , h a v ia t a m b é m c r e n te s s e c r e to s n o s dias d e Jesu s (c f. Jo 19 .3 8 ). A fa lh a n a co n fissã o d e C ris to p o d e d im in u ir o n o s so g a la rd ã o n o c é u , m a s n ã o r e t i r a r á d e n ó s o n o s so d ir e to d e lá e n t r a r (o q u al r e c e b e m o s u n i c a m e n te p e la fé, c o n f o r m e a g r a ç a de D e u s). Quinto, e p o r ú lt im o , a co n fissã o d e C r is to é p a r t e d a n o s s a o b r a p a ra E le . A o c o n tr á r i o
d a fé, ela n ã o é s im p le s m e n te u m a q u e stã o d o n o s so c o r a ç ã o ( R m 1 0 .1 0 ), m a s u m a to p ú b lic o q u e s u rg e a p a r t ir d a fé, d a m e s m a l o r m a q u e q u a lq u e r o u t r a b o a o b ra . C o m o já v im o s , a P a la v ra d e D e u s a fir m a c l a r a m e n t e q u e n ã o s o m o s salv o s p o r q u a lq u e r tip o de “o b r a de ju s tiç a ” ( T t 3 .5 ) , m a s p e la fé, i n d e p e n d e n te m e n te das o b ras (E f 2 .8 ,9 ).
O B a tis m o n ã o É u m a C o n d iç ã o p a ra a S a lv a ç ã o A m a is c o n tr o v e r ti d a de to d a s as c o n d iç õ e s a p re s e n ta d a s p e la “Ig re ja d e C r is t o ” é a su a in sistê n cia e m a fir m a r q u e o b a tis m o n a s ág u as seja u m a c o n d iç ã o n e c e s s á ria p a ra o r e c e b im e n to d a s a lv a ç ã o . A n te s d e a n a lis a rm o s as p assag en s u tilizad as p a r a e m b a s a r e ste p o n to de v ista , v e r e m o s a lg u n s e n sin o s b íb licos q u e a fir m a m q u e o b a tis m o n ã o é n e c e s s á rio p a r a a n o s sa s a lv a çã o . P rim eiro, a fé, e s o m e n t e a fé, é b ib lic a m e n te d e s c rita , in s is te n te m e n te , c o m o a ú n ic a
c o n d iç ã o p a r a a s a lv a ç ã o . T a l q u al M a r t i n h o L u te r o d e s c o b riu : “M as o ju s to v iv e rá da fé ” ( R m 1.17; cf. 4 .4 ,5 ; A t 1 6.31; T t 3 .5 -7 ). Is to n ã o p o d e se r u m e x a g e ro d a su a p a r te : “P o rq u e p e la g ra ç a sois sa lv o s, p o r m e io d a fé; e isso n ã o v e m d e v ó s; é d o m d e D e u s. N ã o v e m das o b ra s, p a ra q u e n in g u é m se g lo r ie ” (E f 2 .8 9 ). 51 A n te r io rm e n te citados, n o s u b títu lo “A P o sição C a tó lic o -R o m a n a A ce rca d a(s) C o n d iç ã o (õ e s) Para a S a lv a ç ã o ” e “A Posição d a ‘Ig r e ja de C ris to ’ A ce rca d a(s) C o n d iç ã o (õ e s) Para a S a lv a çã o .” 52 C o m o v e m o s e m 1 C o 3.11-15, on d e P au lo diz: “Po rq u e n in g u é m p o d e p ô r o u tr o fu n d a m e n to , a lé m d o q u e já está p o sto , o q u al é Jesu s C risto . E, se a lg u é m so b re este fu n d a m e n to f o rm a r u m ed ifício de o u ro , p ra ta , p ed ras p recio sas, m a d eira , fe n o , p a lh a , a o b ra de cad a u m se m a n ifestará; n a v erdad e, o D ia a d eclarará, p o rq u e p e lo fo g o será d e sco b e rta ; e o fo g o p ro v a rá qual s e ja a o b ra de cad a u m . Se a ob ra q u e a lg u ém ed ifico u nessa p a rte p e rm a n e c e r, esse receberá galardão. Se a o b ra de a lg u ém se q u e im a r, so frerá d e trim e n to ; mas o tal será salvo, todavia c o m o p e lo fo g o .”
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Segundo, no evangelho de João, somente a fé é listada como condição para recebermos a vida eterna (cf. 3.16,18,36; 5.24; 20.31). Como já foi visto anteriormente, se houvesse mais condições, toda esta narrativa, além de estar seriamente inadequada e equivocada, jamais poderia apresentar o plano real de salvação. Isto é absurdo, uma vez que o próprio João declarou: “Estes [atos de Cristo], porém, foram escritos p ara que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (20.31). O fato de o arrependimento ser mencionado não representa uma exceção, já que a fé verdadeira inclui, de fato, o arrependimento.53 Portanto, acrescentar o arrependimento como um passo distinto e separado é errado, e tanto a confissão, quanto o batismo são atos separados que não são mencionados em parte alguma dos escritos joaninos como condições adicionais à salvação. A f é é o único requisito básico à salvação. Terceiro, Jesus chamou o batismo de obra de justiça (Mt 3.15) e as Sagradas Escrituras enfaticamente rejeitam qualquer tipo de obra de justiça como condição para a salvação (cf. Tt 3.5; Ef 2.8,9). O batismo nas águas é, claramente, um ato mediante o qual provamos a nossa obediência a Deus. Por conseguinte, o batismo (como qualquer outra obra de justiça) não é uma obrigação soteriológica. A tentativa que a “Igreja de Cristo” faz de distinguir entre as obras e as coisas que fazem os (como o batismo — vide Cottrell, FOA, 371) é falha, pois o Novo Testamento inclui o batismo, de forma explícita, como uma obra de justiça (cf. Mt 3.15). Além disso, o Novo Testamento não distingue entre obras e atos exteriores que façam os para conquistarmos a salvação. A fé como um ato interior no coração não é um ato ou obra exterior. O ato exterior é uma conseqüência natural da fé (vide capítulo 10), entretanto, as duas coisas não podem ser confundidas. Além disso, como admite o próprio Cottrell, a fé, como único meio para se receber a salvação, não é um ato exterior ou algo que façam os, mas simplesmente o ato de crermos “no nosso coração” (Rm 10.10) naquilo que Cristo fe z em nosso favor. Ademais, Paulo faz uma distinção entre o batismo e aquilo que realmente nos salva — o Evangelho54 — portanto o batismo não pode estar incluso naquilo que nos salva, verdadeiramente. Tampouco a posição da “Igreja de Cristo,” por várias razões, evita este problema ao alegar que as obras (tal como o batismo) devem ser distintas das “obras da lei,” que seriam as únicas opostas à fé (vide FO A, 370). Por um lado, Cottrell define as obras da lei como “qualquer resposta de um homem, como criatura, aos mandamentos da lei entregue pelo Criador” (ibid., 372). Ele, entretanto, reconhece que o Criador ordenou a todas as suas criaturas que cressem em Cristo (cf. At 16.31). Dessa forma, considerando-se esta definição, até mesmo a fé salvífica seria uma obra, e obras, de acordo com a Palavra de Deus, não são capazes de nos salvar. Já falamos que esta distinção é, na verdade, infundada. Além disso, a única forma de evitarmos este dilema é fazermos uma distinção posterior sem diferenciar os mandamentos de Deus dos mandamentos não constantes na lei. A verdade é que tudo aquilo que o Criador ordenou às suas criaturas passa a ser lei, já que gera comprometimento da parte delas. Cottrell sugere também outra distinção ao declarar: “O sentido primário no qual o batismo é uma obra é que ele é uma obra de Deus. A única obra salvífica realizada no batismo é feita por Deus” (FO A , 372). Todavia, apesar disso representar, na sua 53Vide adiante: “O Significado do Arrependimento.”
54Vide adiante no quarto ponto deste argumento.
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argu m en tação, algo p raticam en te indiscutível, esta é u m a m u d an ça de ênfase do tópico em questão, ou seja: o que nós precisam os fazer para nos salvarm os. O bviam ente, é D eus qu em e x e cu ta a salvação — a questão é, o que nós precisam os fazer p ara receber a salvação que so m en te D eus pode nos conceder? Se o batism o nas águas (que é algo que nós realizam os, n ão D eu s) fo r necessário para a salvação, ele deixa de ser u m a obra de D eus — é u m a ob ra nossa, e a Bíblia é en fática acerca da in su ficiência salvífica deste tipo de esforço h u m a n o . Quarto, o batism o não faz p arte do E vangelh o. O p róp rio Paulo d eclarou isso. A pesar dele m esm o ser batizado (A t 22.16) e batizar ou tras pessoas (cf. 1 C o 1.14, 16), ele fez u m a distinção e n tre “ev a n g elh o ” e “b a tism o ” nas seguintes palavras: “C risto en viou -m e não para batizar, m as para evangelizar [isto é, pregar o Evangelho]; não em sabedoria de palavras, para que a cru z de C risto se n ão faça vã” (1 C o 1.17). Se o b atism o não faz p arte do co n teú d o do evangelho, e se o evan g elh o “é o poder de D eus para a salvação” (cf. R m 1.16), en tão o b atism o não faz p arte da m en sag em que nos salva. Sendo assim, o batism o, da m esm a fo rm a que a confissão, n ão é cond ição para o receb im en to da vida etern a , m as u m a m an ifestação dela. O batism o é u m a obra que flui da fé que é a ú n ica coisa que nos traz a salvação, por in term éd io do E vangelho. Quinto, Paulo foi salvo antes de ser batizado. Paulo recebeu a salvação em A tos 9, n o ca m in h o de D am asco, quando ele teve u m a visão de Jesus e o re co n h e ce u co m o S e n h o r (vv. 1-9). Ele m esm o fala desse episódio ao dar, p o sterio rm en te, o te stem u n h o da sua conversão (cf. A t 22; 26), todavia ele n ão foi im ed iatam en te batizado, m as algum tem p o depois, p o r A nanias (A t 22.16). Sexto, Pedro afirm ou que C o rn é lio foi salvo antes de ser batizado: “Pode alguém , p o rv en tu ra, recu sar a água, para que n ão sejam batizados estes que também receberam, como nós, o Espirito Santo}" (A t 10.47, cf. 11.16-18). A ordem aqui é b em clara e distinta: p rim eiram en te eles “receberam o Espírito S a n to ,” e depois fo ra m “batizados nas águas.” Isto é exatam en te o op osto daquilo que ensina a “Ig reja de C risto .” Em um a passagem subseqüente, ao co m e n ta r este episódio, Pedro d eclarou que eles receberam o Espírito Santo quando cre ra m , e não p o sterio rm en te, ao serem batizados: “P ortan to, se D eus lhes deu o m esm o d om que a nós, quando crem os no S e n h o r Jesus C risto, q u em era, então, eu, para que pudesse resistir a D eus?” (A t 11.17). N ov am ente, o batismo não fo i uma condição, mas um efeito da salvação que ocorreu unicamente por meio da fé . Sétimo, e para en cerrar, o b atism o é u m a orien tação feita a todos que são salvos, e n ão u m a cond ição para a nossa salvação (cf. M t 28.18-20). São os cren tes que receberam o m an d am en to para se batizar: o batismo é um ato de obediência ao mandamento de Cristo executado por parte do crente. A ord em é a fé (sendo que a fé envolve o arrep en d im en to ) que traz a salvação, seguida de u m a confissão e x terio r e a obediência d em on strad a no ato do batism o (cf. A t 8.35-38; 10.47; 16.31-33). A fé salvífica (que im p lica o arrep en d im en to ) é a única cond ição p ara o receb im en to do d om da vida etern a . A confissão p ú blica e o batism o são os atos posteriores de u m a pessoa que já é salva (isto é, do cre n te ) e está agindo em obediência a C risto. O batismo ocorre depois da salvação.
Resposta aos Versículos Utilizados para Fundamentar o Batismo como Condição para a Salvação Vários versículos são em pregados fora de seu con texto a fim de fu nd am entar a idéia de que o batism o é condição para a salvação. Os versículos a seguir são os mais representativos dentre eles.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Atos 2.38
Pedro disse: “Arrependei-vos, e cada u m de vós sej a batizado em n o m e de Jesus Cristo para perdão dos pecados, e recebereis o dom do Espírito S an to .”
Resposta Primeiro, apesar da palavra “para” (grego: eis) n orm alm en te carregar a conotação de “para” ou “em direção de,” ela tam bém pode significar “por causa de” ou “de acordo c o m ,”55 e neste caso, na passagem de Atos 2.38, o perdão viria antes do batism o. Segundo, adm itindo-se u m sentido mais am p lo,56 eis não necessariam ente faz com que o batism o venha antes do perdão em Atos 2.38, já que o ponto de vista pode ser o reverso (para já serm os salvos) em vez do n orm al (para serm os salvos pelo batism o). Terceiro, este pode ser u m m an d am ento especial aos judeus ( “varões de Israel” [cf. v. 22] cu jo batism o (purificação) era necessário para a restauração nacional (cf. 1.6; 3.21), algo que João Batista os havia inform ad o an teriorm en te (cf. M t 3.1-8). Quarto, m esm o que Atos 2.38 se aplique a todas as pessoas, o batism o não ocorria antes de os convertidos serem salvos, mas depois: “De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra” (v. 41). É a aceitação da Palavra de D eus que traz a salvação (cf. R m 10.17). Quinto, o texto não diz que as pessoas que não foram batizadas não foram salvas. Sexto, com o as Escrituras n ão podem se contradizer e com o, por exem plo, o batism o claram ente é posterior à salvação em Atos 10.47, u m a passagem obscura (A tos 2.38) deve ser interpretada à luz da passagem m ais clara e não o contrário. Sétimo, há, pelo m enos, sete razões bíblicas óbvias57 para se rejeitar a posição de que o batism o é u m a condição para a salvação. Atos 2.38, p o rtan to , deve ser com preendido em h arm on ia com elas, e não usado para negá-las. Atos 22.16
Ananias disse a Paulo: “E, agora, por que te deténs? Levanta-te, e batiza-te, e lava os teus pecados, invocando o n om e do S e n h o r.”
Resposta Estas palavras não provam que o batism o é u m a condição para a salvação. C onform e indicado acim a, Paulo já estava salvo (em A t 9). O seu batism o foi u m ato de obediência, e não u m ato pelo qual ele se tornou u m cristão. A purificação dos pecados pela água é u m a m eton ím ia representada pelo ato cerim onial. Não é literal. Os pecados são, n a realidade, lavados “por fé ” n a obra consum ad a de Cristo (cf. E f 2.1, 8); o próprio Paulo declarou: Seja-vos, pois, n o tó rio , varões irm ãos, que p o r este se vos an un cia a remissão dos pecados. E de tu d o o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, p o r ele é justificado todo aquele que crê. (A t 13.38,39)
35 Vide, p o r e x e m p lo , a o b ra Analytical Lexicon o f The Greek New Testament [Léxico A n a lítico d o N ov o T e s ta m e n to G regoJ de T im o th y Friberg, B á rb a ra F riberg e N eva F. M ille r. co m o “c o m o o b jetiv o de” o u “a fim de.” C o n d iç ã o Para a S a lv a ç ã o .”
56 O u seja , m e sm o q u e eis, n e ste caso , e ste ja c o rr e ta m e n te trad u zid o
57 As quais estão listadas a n te rio r m e n te n o su b títu lo “O B a tis m o N ão é
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇAO
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P a u lo t a m b é m d e c la r o u q u e o b a tis m o n ã o faz p a r t e d o e v a n g e lh o (1 C o 1 .17). D esse m o d o , o s e u b a tis m o aq u i p re c is a e s ta r s e p a ra d o d a v e z a n te r io r , q u a n d o ele foi sa lv o . O batismo é um ato exterior que simboliza a salvação que j á ocorreu. O B a tis m o , p o r t a n t o , fo i a id e n tific a ç ã o p ú b lic a d e P a u lo c o m o “n o m e d o S e n h o r ,” ao q u al ele h a v ia v e e m e n te m e n t e se o p o s to .
1 Pedro 3.20b,21 P e d ro e s c r e v e u a c e r c a d o d ilú v io n o t e m p o d e N o é : “ [...] a a rc a ; n a q u al p o u c a s (is to é, o ito ) a lm a s se s a lv a ra m p e la á g u a , que também, como uma verdadeira figura, agora vos salva, batismo, n ã o d o d e s p o ja m e n to d a im u n d íc ia d a c a r n e , m a s d a in d a g a ç ã o de u m a b o a c o n s c iê n c ia p a r a c o m D e u s , p e la re s s u r re iç ã o d e Jesu s C r is t o .”
R e sp o s ta A l é m d a e x p r e s s ã o “q u e a g o r a v o s s a lv a ” e s ta r s e n d o t o m a d a f o r a d o seu c o n t e x t o , t u d o n e s ta p a s s a g e m v ai c o n t r a o b a tis m o c o m o u m a c o n d i ç ã o p a r a a s a lv a ç ã o . P o r u m la d o , as p e sso a s q u e sã o b a tiz a d a s sã o salv as p e la á g u a d a m e s m a f o r m a q u e N o é fo i s a lv o n o d ilú v io . A s a lv a ç ã o v e m d e D e u s p o r m e i o d a fé; “Pela j é , N o é , d iv in a m e n te a v isa d o das co isa s q u e a in d a n ã o se v ia m , t e m e u , e, p a r a s a lv a ç ã o d a su a f a m ília , p r e p a r o u a a rc a , p e la q u a l c o n d e n o u o m u n d o , e jo i jeito herdeiro da justiça que
é segundo a f é ” (H b 1 1 .7 ). P a ra se r h o n e s t o , N o é a g iu p o r fé e m o b e d iê n c ia a D e u s , e a su a s a lv a ç ã o (a “j u s t i ç a ”) v e io p o r i n t e r m é d i o d a su a fé e n ã o c o m o r e s u l ta d o d a su a o b e d iê n c ia a o c o n s t r u i r a A rc a . A l é m d isso , a s a lv a ç ã o d a q u al 1 P e d ro 3 .2 1 fa la n ã o se r e f e r e ao c a s tig o d o s p e c a d o s (is to é, d a ju s t i f i c a ç ã o ), m a s d e u m a c o n s c iê n c i a c o n t a m i n a d a (is to é, d a s a n tif ic a ç ã o ). C o m o C r is t o o r d e n o u o b a tis m o p a r a to d o s os c r e n t e s , to d o s os q u e o u v i r a m o seu m a n d a m e n t o e p o d e r i a m t e r se b a tiz a d o — m a s n ã o o f iz e r a m — e s tã o v iv e n d o c o m a c o n s c iê n c ia c o n t a m i n a d a . A o b e d iê n c ia a D e u s n o b a tis m o os l iv r a r á d e g u a r d a r e m o m a l n a su a c o n s c iê n c ia . P e d r o , p o r t a n t o , n ã o e stá fa la n d o a q u i d a s a lv a ç ã o d e a lm a s do to r m e n to e te rn o .
Jo ã o 3.5 Jesu s disse a N ic o d e m o s : “N a v e rd a d e , n a v e rd a d e te d ig o q u e aquele que não nascer da
água e d o E s p írito n ã o p o d e e n tr a r n o R e in o de D e u s .” E s ta p a s s a g e m é a p re s e n ta d a c o m o p r o v a de q u e o b a tis m o é u m a c o n d iç ã o n e c e s s á ria à s a lv a ç ã o .
R e sp o s ta H á v á ria s ra z õ e s p a r a r e j e i ta r m o s e sta in t e r p r e t a ç ã o .
Primeiro, a p a la v r a b a ti s m o n ã o e s t á a q u i i n c lu íd a , e a e x p r e s s ã o “ n a s c e r d a á g u a ” n ã o é u ti li z a d a p a r a se r e f e r i r a o b a ti s m o e m n e n h u m a o u t r a p a r t e d o N o v o T e s ta m e n to .
Segundo, e s te p o n t o d e v is ta é c o n t r á r i o a o c o n t e x t o i m e d ia t o e, n a v e r d a d e , ao c o n t e x t o m a i o r d o e v a n g e l h o d e J o ã o . C o m o t e m o s v is to , r e p e tid a s v e z e s , s o m e n t e a fé é m e n c i o n a d a , n o e v a n g e l h o d e J o ã o , c o m o c o n d i ç ã o p a r a a s a l v a ç ã o ( c f . 3 .1 6 ,
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
18, 36; 5.24; 20.31). Se o batismo fizer parte daquilo que é necessário para a salvação, então o evangelho inteiro de João erra na sua apresentação do plano divino de salvação. Terceiro, considerar João 3.5 como uma referência à necessidade soteriológica do batismo vai de encontro ao restante do Novo Testamento, e a Palavra de Deus não se contraria a si• mesma. S R Quarto, existem outras maneiras possíveis de se interpretar João 3.5 que não envolvem o batismo como algo necessário para se receber a vida eterna. (1) “Nascer da água” pode se referir à água do útero (o líquido amniótico), ou ao nascimento físico. Isto se encaixa com o contexto, uma vez que Jesus acabara de dizer que o nascimento físico de uma pessoa é insuficiente para esta receber a vida eterna. E necessário termos também um nascimento espiritual. (2) “Nascer da água” pode se referir à água da Palavra (cf. Ef 5.25). Significa que, somente podemos nos salvar por intermédio do poder transformador da Palavra de Deus (cf. 1 Pe 1.23). Ou, (3) como Jesus está conversando com um líder judeu, logo depois de João Batista ter anunciado que o seu batismo era insuficiente para conceder o Reino (mas que o Cristo batizaria com o Espírito [Jo 1.33]), o “nascer da água” pode se referir ao batismo de J o ã o anteriormente mencionado (1.26). Isto se encaixa com a mensagem de João, que dizia às pessoas: “Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos céus” (Mt 3.2) e que de outro modo Nicodemos não “veria” a chegada visível do Reino (cf. Mt 19.28; 24.30). Seja como for, não há motivo para entendermos esta passagem como base para o ensino de que o batismo nas águas é necessário para a salvação. Tito 3 .5 -7
Paulo escreveu acerca de Deus: [Ele é o nosso Salvador] não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas, segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo, que abundantemente ele derramou sobre nós por Jesus Cristo, nosso Salvador, para que, sendo justificados pela sua graça, sejamos feitos herdeiros, segundo a esperança da vida eterna.
Resposta Considerando o contexto completo, é estranho que alguém possa tentar utilizar esta passagem para embasar a necessidade do batismo para a salvação. Paulo está ensinando exatamente o contrário aqui. Primeiro, Paulo declara que não somos salvos “pelas obras de justiça que houvéssemos feito.”59 Segundo, Paulo afirma que somos salvos pelo “novo nascimento,” ou seja, pela renovação espiritual. Terceiro, Paulo também diz que somos “justificados pela sua graça” e não por qualquer forma de ação da nossa parte. Quarto, imediatamente a seguir (v. 8), Paulo se refere àqueles que “crêem em Deus” como depositários desta salvação.
58Vide volum e 1, capítulo 27.
59 Um a das quais, com o já vim os, é o próprio batism o (cf. M t3.15).
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Existem , obviam ente, versículos que se referem à nossa salvação pelo batism o, mas o batism o aqui em questão é o batism o do Espírito Santo, não o batism o nas águas. Paulo esclarece este ponto n o versículo seguinte. 1 Coríntios 12.13 “Pois todos nós fom os batizados em um Espírito, form and o u m corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos tem os bebido de u m Espírito.”
Resposta Este batism o oco rreu prim eiro no D ia de Pentecoste (cf. A t 1.5), quando os prim eiros crentes foram inseridos no C orpo espiritual de C risto (do qual Ele é a cabeça — cf. E f 1.22-23). D aquele m o m en to em diante, todos os outros crentes são inseridos no m esm o C orpo espiritual de C risto, a Igreja, pelo m esm o batism o no m o m en to em que crê (cf. R m 8.9). Efésios 4.4,5 “Há u m só corpo e u m só Espírito, com o tam bém fostes cham ados em u m a só esperança da vossa vocação; u m só Sen h or, u m a só fé, um só batismo.”
Resposta A expressão “u m b atism o” é mais bem com preendida co m o se referindo ao batism o nas águas: (1) o batism o do Espírito já está im plícito pela referência a “u m só Espírito” que nos posiciona em “u m só co rp o ” (v. 4) no m o m en to em que aceitam os C risto (1 Co 12.13); (2) a expressão “um batism o” vem logo depois de “u m a fé” em u m “u m só S en h o r,” que é a ordem das prioridades ao longo do N ovo Testam ento (cf. A t 8 ,1 0 ,1 6 ). Colossenses 2.11,12 [Em Jesus] N o qual tam b ém estais circuncidados co m a circuncisão não feita p o r m ão n o despojo do co rp o da carn e: a circuncisão de Cristo. Sepultados com ele no batismo, nele tam b ém ressuscitastes pela fé n o pod er de D eus, que o ressuscitou dos m o rto s.
Resposta A com paração do batism o co m a circuncisão do A ntigo Testam ento deixa claro que o batismo não salva. C o m o Paulo, o m esm o escritor, argu m enta em ou tra passagem, Abraão foi salvo m u ito antes de ser circuncidado. A circuncisão era u m sinal posterior de um a salvação que oco rrera anteriormente (cf. R m 4.9-12). Este é o status co rreto que o Novo Testam ento dá aò batism o. A lém disso, se a an alog ia fo r levada a fu n d o , a circu n cisã o so m e n te era aplicada aos indivíduos do sexo m a scu lin o : se a circu n cisã o do A n tigo T e sta m e n to fosse eq u iv alen te ao b atism o do N ovo T e sta m e n to , e n tã o s o m e n te os h o m en s d everiam ser batizad os. E à luz do en sin o da “Ig re ja de C risto ” sobre C olossenses 2.11,12 ficam o s d iante de u m dilem a: ou todas as m u lh e re s estão perdidas ou o b atism o é desnecessário à salvação.
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Romanas 6 .1 -7 Q ue direm os, pois? P erm an ecerem o s no pecado, p ara que a g raça seja mais abundante? De m o d o n e n h u m ! N ós que estam os m o rto s p ara o pecado, co m o viverem os ainda nele? Ou n ão sabeis que todos quantos fo m o s batizados em Jesus C risto fo m o s batizados n a sua m orte? De so rte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou
dos mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição; sabendo isto: que o nosso velh o h o m e m foi co m ele crucificado, p ara que o co rp o do pecado seja desfeito, a fim de que n ão sirvam os mais ao p ecado. Porque aquele que está m o r to está justificado do pecado.
Resposta Apesar de algum as pessoas considerarem que esta é um a referência ao batism o no Espírito (já que ela se refere à nossa união com C risto), ela pode se referir ao batism o nas águas sem servir de apoio à sua necessidade para a salvação. Primeiro, a exp ressão “b atizad os em Jesus C r is to ” n ã o sig n ifica n e ce ssa ria m e n te “s a lv a çã o ”. A m e sm a p alav ra em (n o g reg o : eis) ta m b é m p o d e sig n ifica r “p a ra ” ou “c o m o b je tiv o d e.”60 N a verd ad e, a B íb lia a firm a que o p o vo de Israel (e m 1 C o 10.2) foi b atizad o “e m M o isés, n a n u v e m e n o m a r ,” só que e le n ã o fo i, lite ra lm e n te , in serid o n a (o u “salv o p e la ”) a lia n ça n a q u e le e x a to m o m e n to . O q ue h o u v e foi u m a id e n tifica çã o c o m aq u ele que havia lh es m o stra d o p re v ia m e n te q ue a salv ação v em do C o rd eiro Pascal (E x 12; cf. 1 C o 5 .7 ). V em os aqui, n o v a m e n te , q u e a redenção veio antes do batismo, e que o b a tism o é u m sin al p o ste rio r da n ossa id e n tific a çã o c o m C risto . Segundo, a p a la v ra -c h a v e aq u i é s e m e lh a n ç a .51 O b a tis m o do E s p írito q u e n os in s e re no c o r p o de C ris to é a realidade literal; o b a tis m o n as águas é “s e m e lh a n te ” o b a tis m o n o E sp írito n o se n tid o de ser u m a re p re s e n ta ç ã o sim bólica do a to da sa lv a çã o . Terceiro, “sep u ltad o s c o m ,”62 da m e sm a fo rm a que em C o lo ssen ses 2.12, é u m a in d ica çã o do m o d o do b a tism o nas águas, que aqui re p re s e n ta o s e p u lta m e n to e a re ssu rre içã o de C risto (v. 4). O b v ia m en te , aq u eles que fo ra m “sep u lta d o s c o m ” C risto n ão fo ra m , lite r a lm e n te , m o rto s e d epois re s su rre to s d e n tre os m o rto s . O b a tism o p o r im ersã o é u m a re p re se n ta ç ã o que se faz da passagem da m o r te p ara a vida que o c o r r e co m a pessoa q u e se salva. Quando as passagens relevantes são exam inadas, estes fatos ficam evidenciados: (1) A Palavra de D eus não ensina em parte algum a que o batism o nas águas é salvificam ente necessário. 60 Vide, p o r e x e m p lo , a o b ra Anaiytical Lexicon o fT h e Greek New Testament [Léxico A n a lític o do N ov o T e s ta m e n to G rego] de T im o th y Friberg, B árb ara Friberg e N eva F. M ille r; The Anaiytical Lexicon to the Greek New Testament [Léxico A n a lític o d o N ov o T e s ta m e n to G reg o ] de W illiam D. M o u n c e ; The Anaiytical Greek Lexicon Revised [Léxico A n a lític o G re g o Revisado] de H arold K. M o u lto n .
61 “S e fo m o s p lan ta d o s ju n ta m e n te c o m ele n a semelhança da sua m o r te ” — grego : homoiomati, o riu n d o de
homoioma, “se m e lh a n ç a ” ou “sim ilarid ad e.” sunetaphemen)
62 “D e so rte q u e fo m o s sepultados com ele p e lo b a tism o n a m o r te ” (g reg o:
V id e ta m b é m v o lu m e 4, c a p ítu lo 4. .
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇAO
407
! 2) A fé é o ún ico pré-requisito para a salvação; e (3) O batism o nas águas é u m sím bolo da nossa identificação co m Cristo, u m ato executado pelos crentes em obediência a Cristo depois da salvação.63
A POSIÇÃO DA SALVAÇÃO PELO SENHORIO ACERCA DA(S) CONDIÇÃO(ÕES) PARA A SALVAÇÃO No am biente teológico con tem p orâneo da A m érica do N orte, a questão da(s) condição(ões) para a salvação se con cen tra em ou tro ponto: seria suficiente aceitarm os Jesus som en te com o o nosso Salvador, ou seria tam bém necessário aceitá-lo com o o nosso Sen h or para nos to rn arm o s cristãos? Jo h n M acA rthu r (nascido em 1939) tem sido o principal expoente desta segunda posição, que é conhecid a com o salvação pelo senhorio. Soteriologicam en te, de acordo co m a posição do Sen h orio, precisam os aceitar Cristo co m o S en h o r (isto é, co m o M estre) das nossas vidas (bem co m o nosso Salvador) para que sejam os salvos.64 Nas palavras do próprio M acA rthu r: A salvação pelo sen horio [..,]é “a visão pela qual, p ara asalvação, u m ap esso ap recisaco n fiar em Jesus C risto co m o seu Salvador do p ecado, bem c o m o entregar-se a si m esm a a Cristo co m o o S en h or da sua vida, sujeitando-se à sua autoridade soberana.” É su rp reen den te que algu ém possa caracterizar esta verdade c o m o não-bíblica ou h erética.65
A fé não é m eram en te um con sen tim en to cognitivo desprovido de boas obras subseqüentes (G A J, 186), n em se trata de u m ato m o m en tân eo, mas sim, perm anente (ibid., 189). A fé envolve tan to a confiança, quanto a obediência: fé e fidelidade são a m esm a coisa (ibid., 190-92). P ortanto, n in g u ém pode receber a justificação sem a santificação (ibid., 198). De m o d o . sem elhante, u m a fé sem arrependim ento não gera salvação. O arrepend im ento genuíno é mais do que u m a m udan ça m en tal (ibid., 178); ele envolve o abandono e a renún cia ao pecado (ibid., 177), bem co m o u m a m udança de caráter (ibid., 35-36). Não há distinção entre a salvação e o discipulado (ibid., 35-36). Para M acA rthu r, reco n h ecer que Jesus C risto é S en h o r significa mais do que sim plesm ente crer no caráter divino de Jesus: “A palavra que ele enviou aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus C risto (este é o S en h o r de todos) (A t 10.36)” (ibid., 35). O senhorio envolve a aceitação da soberania de Cristo na sua vida por parte do crente (ibid., 229-36). Dessa form a, para quem é genuinam ente salvo, as boas obras são um efeito essencial e inevitável (ibid., 260, 277-78). Apesar de M acA rth u r ensinar que aqueles que se desviam p e rm a n e n te m e n te ou negam a C risto jam ais fo ram , de fato , salvos em u m p rim eiro m o m e n to (ibid., 25264 C o n tra sta n d o c o m esta p o sição , a p o siçã o d a g ra ça liv re (vide adian te, n o s u b títu lo “A Posição da G ra ç a Livre A cerca d a(s) C o n d iç ã o (õ e s) Para a S a lv a ç ã o ”) afirm a que a salvação (a ju s tific a ç ã o ) n ã o exige que re c o n h e ç a m o s Jesus C risto c o m o n o sso S e n h o r, m as sim p le sm e n te q u e o a ce ite m o s c o m o S alv ad or. O b v ia m en te , p a ra re c e b e rm o s a vida e te r n a p recisare m o s “c o n fessar c o m a n ossa b o ca q u e ‘Jesus é S e n h o r ’” ( R m 10.9) n o sen tid o de p ro c la m a r que Jesus é u m a D ivind ade (sig n ifican d o q u e te ste m u n h a m o s q u e E le é D e u s — vide v o lu m e 2, c a p ítu lo 12 e apên d ice 1, b e m c o m o o ca p ítu lo 17 d este v o lu m e ), m as e sta é u m a o u tr a q u estã o . O a ssu n to aq u i é se d evem o s e n tro n iz a r C risto c o m o M e stre da (isto é, sobre a ) n o ssa v ida a fim de n o s sa lv a rm o s.
65 V id e The Gospel According to Jesu s [O E v a n g elh o de A co rd o c o m Jesus],
33-34. A cita ç ã o v e m de L ivin g ston B la u v e lt Jr., “D o es th e Bib le T e a c h Lordship S a lv a tio n ?” [Será q u e a B íblia E n sin a a Salv ação P elo S en h o rio?] in Bibliotheca Sacra (Ja n e iro -M a rço 1986), 37.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
53), ele reconhece que um cristão verdadeiro pode levar uma vida de fé em segredo (ibid., 224) e, dessa forma, tal qual ocorreu com Paulo (em Rm 7), pode lutar com o pecado e até, eventualmente, desviar-se (ibid., 274, 281), por longos períodos (ibid., 274). Todavia, ninguém é verdadeiramente salvo se a sua fé não gerar frutos (ibid., 21112), e ninguém tem a vida eterna sem aceitar Jesus como o Senhor da sua vida (ibid., 280): “Toda doutrina que faz da nossa entrega a Cristo algo opcional representa um mau ensino” (ibid., 272).
Resposta à Posição da Salvação pelo Senhorio A resposta mais indicada à perspectiva da salvação pelo senhorio vem da perspectiva da graça livre, quem tem por expoente máximo Zane Hodges (nascido em 1932). As críticas à salvação pelo senhorio incluem os seguintes pontos: (1) Ela confunde claramente salvação com discipulado. (2) Ela torna a promessa da realização de boas obras (mediante à sujeição ao senhorio de Cristo) uma condição para o recebimento do dom gratuito da vida eterna. (3) Ele erra ao confundir o que é fé implícita (por exemplo, a obediência) com o que é explicitamente necessário para a nossa salvação (exclusivamente a fé). (4) Ela enfatiza exageradamente a importante ligação entre fé e obras ao afirmar que existe uma "ligação inevitável” entre ambas. (5) Ela acaba estereotipando a posição da graça livre como sendo uma forma simplificada de fé. (6) Ela erra ao não considerar a possibilidade de haver uma distinção entre justificação e santificação, sem que, para isso, haja uma dicotomia entre ambas. (7) Ela faz da fidelidade até o fim (a perseverança) uma condição para a certeza da nossa salvação individual. (8) Com uma inconsistência semelhante, ela admite que um cristão genuíno possa ser um crente secreto e pode até mesmo se desviar da fé de forma extensiva.
A POSIÇÃO DA GRAÇA LIVRE ACERCA DA(S) CONDIÇÃO(ÕES) PARA A SALVAÇÃO A posição da graça livre, conforme sua expressão em Zane Hodges na obra Absolutely [Absolutamente Livre], defende que a fé salvífica não pode ser distinta pelos seus frutos da fé não-salvífica (A F , 27). A fé é a única condição para a nossa salvação. O arrependimento não é nem um ato separado, nem faz parte da fé salvífica.67 Freem
A Posição da Graça Livre sobre a Fé F é fa ls a 68 é uma expressão vazia, a menos que signifique fé “fingida” ou “despropositada” (ibid., 28). Fé salvífica é a fé normal (ibid., 207): Não existe diferença salvífica entre crer que e crer em. Podemos nos salvar simplesmente ao crer que Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados e ressurgiu dos mortos (ibid., 42-43). Também 66 Vide Bibliografia.
67 Adiante neste m esm o capítulo (vide o subtítulo “Qual a Relação Entre a Fé Salvífica e o
Arrependim ento’ ”), serão apresentadas duas form as propostas pela perspectiva da graça livre — a extrem ada (defendida por Hodges) e a m oderada (defendida por Ryrie). fato.
68 Referindo-se à fé daqueles que, supostam ente, jamais creram de
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇÃO
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n ã o e x i s te u m a d is t i n ç ã o l e g í t i m a e n t r e fé i n t e l e c t u a l e fé v o li t iv a (ib id ., 3 0 ) . A r a z ã o p e la q u a l a fé d o s d e m ô n i o s n ã o é s a lv íf ic a é p o r q u e e la é s o m e n t e u m a fé n a u n id a d e d e D e u s ; a fé h u m a n a n ã o é n ã o - s a l v íf ic a m e ra m e n te p o r s e r u m
c o n s e n tim e n to
i n t e l e c t u a l (ib id ., 3 8 - 3 9 ) . O c r i s t ã o p o d e t e r u m a fé v e r d a d e i r a q u e n ã o p r o d u z a b o a s o b r a s (ib id ., 7 3 ) ; e le é e t e r n a m e n t e s a lv o p o r u m ú n i c o a t o d e fé (ib id ., 5 7 ) , e n ã o p o r u m a t o c o n t i n u a d o d e fé . E le p o d e a t é m e s m o p e r d e r c o m p l e t a m e n t e a s u a fé , m a s c o n t i n u a r á s a lv o (ib id ., 1 0 5 -0 6 , 1 0 8 - 1 1 ). A o m e s m o t e m p o , H o d g e s , p o r é m , a c e i ta q u e a fé e n v o l v a t a m b é m a c o n f ia n ç a (ib id ., 3 2 , 6 0 ) e q u e C r is to d e v a s e r re c e b id o n o c o r a ç ã o d o c r e n t e (ib id ., 6 0 ) . A fé v e r d a d e ir a e n v o lv e u m a a p r o p r ia ç ã o p e s s o a l (ib id ., 4 0 ), e u m a p e s s o a c o m fé g e n u í n a d e v e r á m a n i f e s t a r e s ta fé n a f o r m a d e b o a s o b ra s (ib id ., 6 3 , 7 3 ). A p e s a r de t u d o , is to n ã o é, n e c e s s a r i a m e n t e , n o r m a t i v o ,69 e a p e s s o a p o d e r á s e r v e r d a d e i r a m e n t e s a lv a s e m a p r e s e n ta r q u a lq u e r tip o d e m a n i f e s t a ç ã o e x t e r i o r d a su a fé.
A Posição da Graça Livre sobre o Arrependim ento A re s p e ito d o a r r e p e n d im e n to , H o d g e s a fir m a n ã o se r e ste n e c e s s á rio à sa lv a çã o ; s o m e n t e a fé b a sta (ib id ., 1 4 5 -4 6 ) e o a r r e p e n d im e n t o n ã o é p a r t e in te g r a n te d a fé (ib id ., 1 4 5 ). O a r r e p e n d im e n to p o d e , m a s n ã o p re c is a , a n te c e d e r a fé q u e n o s sa lv a (ib id ., 146); o a r r e p e n d im e n to é um e jeito d a s a lv a ç ã o (ib id ., 2 2 2 ). O a r r e p e n d im e n to é d e s tin a d o aos c ris tã o s e n ã o aos d e s c re n te s (ib id ., 1 5 3 ); o se u o b je tiv o é re s ta b e le c e r a c o m u n h ã o c o m D e u s (ib id ., 1 5 8 ,1 6 0 ) , e n ã o c o n q u is ta r u m a r e la ç ã o salv ífica c o m E le . O a r r e p e n d im e n to n ã o sig n ifica “m u d a n ç a d e m e n t e ” ; m a s sim , “l a m e n t a ç ã o ” (ib id ., 146).
A Posição da Graça Livre sobre a Obediência e as Obras Segundo
a p o s iç ã o d a g r a ç a liv r e p r o p o s t a p o r H o d g e s , a o b e d iê n c ia n ã o é
s o t e r i o l o g i c a m e n t e e sse n cia l (ib id ., 1 8 ). E la é a lg o q u e os c r e n t e s d e v e m a b r a ç a r d e p o is d e s a lv o s , m a s n ã o se c o n s ti t u i e m u m a c o n d i ç ã o p a r a a l g u é m se t o r n a r c r is t ã o (ib id . 1 3 2 ). A l é m d isso , n e m a o b e d iê n c ia , n e m as o b ra s sã o sin ais d e s a lv a ç ã o (ib id ., 1 7 6 ). C o m o a n t e r i o r m e n t e e x p e n d id o , n ã o é n o r m a t i v o q u e a fé g e r e b o a s o b ra s (ib id ., 6 3 ). A o b e d iê n c ia é n e c e s s á r ia p a r a n o s t o r n a r m o s a m ig o s d e D e u s , m a s n ã o p a r a s e r m o s s e u s filh o s (ib id ., 1 7 6 ). C o m o t a m b é m já fo i v is to , a o c o n t r á r i o d a i n t e r p r e t a ç ã o t r a d ic i o n a l d e T ia g o 2, H o d g e s a c r e d i ta q u e T ia g o e s ta r ia se r e f e r in d o à s a lv a ç ã o d a m o r t e , e n ã o à s a lv a ç ã o d o i n f e r n o (ib id ., 1 2 4 ). U m a f é m orta (2 .1 7 , 2 6 ) sig n ifica u m a fé c r is t ã s e m v ita lid a d e e n ã o u m a fé n ã o -s a lv íf ic a (ib id ., 1 2 6 ). “P o r v e n t u r a , a [este tip o de] fé p o d e s a l v á - l o ”? ( T g 2 .1 4 ) n ã o sig n ifica q u e T ia g o e s t e ja se r e f e r in d o à fé n ã o -s a lv íf ic a ; m a s s im , q u e a fé n ã o é c a p a z d e s a lv a r o c r e n t e d e u m a v id a e s p ir itu a l m o r t a ( s o m e n t e as b o a s o b r a s p o d e m fa z e r is to [ibid., 125] ) . 711 A p e sa r d e in te ir a m e n te n e ce ssá rio q u e os cristã o s p r o c u r e m re a liz a r b oas o b ras, as e x o r ta ç õ e s bíblicas p a ra as b oas o b ras f o r a m d adas p a ra q u e n ó s p u d é sse m o s se r p ro d u tiv o s , n ã o p a r a q u e pelas o b ras p u d é sse m o s t e r a c e r te z a d a n o ssa salv ação (ibid., 1 2 0 -2 1 ). A re a liz a çã o d e o b ras a ju d a o c r e n te a a m a d u r e c e r n a su a v id a esp iritu al (ibid., 122).
69 V id e ad ian te, n o su b títu lo “A P osição da G ra ç a Livre S o b re a O b ed iên cia e as O b ras.”
70 O u se ja , a q u estã o n ã o é de
“ju s tific a ç ã o ,” m as de “s a n tifica çã o ”. T ia g o , s u p o s ta m e n te , está se re ferin d o à fa lta d e c re s c im e n to n a vida de a lg u é m que já é c re n te , e n ã o ao in feliz d estin o de a lg u é m que t e n h a a lg u m tip o de “fé falsa.”
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Resumo e Comparação entre as Posições da Salvação pelo Senhorio e da Graça Livre Novamente, a posição protestante tradicional (solidamente fundamentada na Bíblia) é que existe somente uma condição para a salvação: a fé. Todavia, tem havido debates importantes acerca daquilo que se entende por fé . Vários elementos precisam ser analisados antes de chegarmos a uma conclusão definitiva.
Salvação pelo Senhorio
Graça Livre
Necessidade da fé e do arrependimento
Necessidade somente da fé.
Necessidade de aceitação de Cristo como Senhor e Salvador
Necessidade somente de aceitar Cristo como Salvador
A fé, por si mesma, envolve a obediência
A fé, por si mesma, não envolve a obediência.
A fé genuína gera mudança na vida das
A fé genuína não necessariamente gera
pessoas
mudança na vida das pessoas
As obras fluem necessariamente da fé salvífica
As obras não necessariamente fluem da fé
Os crentes verdadeiros não podem negar
Os crentes verdadeiros podem negar Cristo
salvífica
Cristo
As objeções levantadas à perspectiva da graça livre são várias, dentre as quais estão incluídas: (1) Ela nega a ligação vital e natural entre fé e boas obras. (2) Ela nega a relação bíblica entre fé e obediência. (3) Ela nega a verdade bíblica de que o arrependimento (como parte integrante da fé) é uma condição para a salvação. (4) Ela nega que o crente precise de qualquer tipo de obra como evidência da sua fé salvífica. (5) Ela faz uma alegação infundada de que podemos negar peremptoriamente Cristo e continuar salvos. (6) Ela falha ao não reconhecer a diferença entre crer que (o tipo de fé que não salva) e crer em (o tipo que salva). (7) Ela reduz a fé a uma decisão meramente cognitiva (em vez de lhe atribuir o poder de transformar vidas). Estas críticas ajudam a localizarmos as diferenças entre as posições e a procurarmos maiores esclarecimentos.
A Diferença entre Fé Salvífica e Não-Salvífica A Bíblia contém vários exemplos de fé que não serviu para salvar aqueles que a exerceram. Tiago declara: “Tu crês que há um só Deus? Fazes bem; também os demônios o crêem e estremecem” (2.19). E óbvio que o tipo de fé que os demônios têm (com relação a Deus) não é um tipo de fé que nos salvaria, caso a exercêssemos em relação a Cristo (cf. At 16.17). Jesus nos adverte acerca de pessoas que professarão o seu nome, mas que, mesmo assim, jamais pertenceram a Ele:
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇÃO
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M uitos m e dirão naquele Dia: S enh or, S enh or, n ão profetizam os nós e m teu nom e? E, em teu n o m e, n ão exp ulsam os dem ônios? E, em teu n o m e, n ão fizem os m uitas maravilhas? E, en tão, lhes direi ab ertam en te: N u n ca vos co n h eci; apartai-vos de m im , vós que praticais a iniqüidade. (M t 7.22,23)
Tiago nos alerta co n tra a fé n om in al que não gera n e n h u m tipo de boa ação: M eus irm ãos, que aproveita se algu ém disser que te m fé e não tiver as obras? P orventura, a fé pode salvá-lo? [...] Mas dirá algu ém : Tu tens a fé, e eu ten h o as obras; m o stra -m e a tu a fé sem as tuas obras, e eu te m o strarei a m in h a fé pelas m inhas obras. (2.14, 18)
Pedro descreve apóstatas que possuíam um a espécie de fé que “co n h ecia ” o Senhor, mas que não os havia levado à salvação: P orquanto se, depois de te re m escapado das co rru p çõ es do m u n d o , pelo co n h ecim en to do S en h or e Salvador Jesus C risto, fo rem o u tra vez envolvidos nelas e vencidos, to rn o u se-lhes o ú ltim o estado p ior do que o prim eiro. (2 Pe 2.20)
De m od o sem elhante, Sim ão, o m ágico, “c re u ”, em certo sentido, mas é descrito com o alguém que serve para exem plificar o co m p o rta m en to de u m a pessoa não-salva: E cre u até o p róprio Sim ão; e, sendo batizado, ficou, de co n tín u o , c o m Filipe e, vendo os sinais e as grandes m aravilhas que se faziam , estava atô n ito [...] E Sim ão, vendo que pela im posição das m ãos dos apóstolos era dado o Espírito Santo, lhes ofereceu dinheiro, dizendo: D ai-m e tam b ém a m im esse poder, p ara que aquele sobre q uem eu p user as m ãos receba o Espírito Santo. Mas disse-lhe Pedro: O teu dinheiro seja con tigo para perdição, pois cuidaste que o d om de D eus se alcan ça p o r dinheiro. Tu n ão tens p arte n em sorte nesta palavra, porque o teu co ração n ão é reto diante de D eus. A rrepen de-te, pois, dessa tu a iniqüidade e o ra a Deus, p ara que, p orv en tu ra, te seja perdoado o p en sam en to do teu co ra çã o ; pois vejo que estás em fel de am arg u ra e e m laço de iniqüidade. (A t 8.13, 18-23)
Jesus declarou que a pessoa que crê co m coração “de pedra” jam ais será salva: P orém o que foi sem eado em pedregais é o que ouve a palavra e logo a recebe co m alegria; m as n ão te m raiz em si m esm o ; antes, é de p o u ca d u ração ; e, chegada a angústia e a perseguição p o r causa da palavra, logo se ofende. (M t 13.20,21)
Assim, existem , de fato, diferenças significativas entre u m a fé salvífica e u m a nãosalvífica.71 A tabela a seguir é ilustrativa acerca desta questão. Fé
Nao-Salvífica
Fé
Salvífica
A to so m en te da m en te
A to da m en te e da vontade (T g 2.19)
A m e n te com p reen d e; m as a vontade n ão se
A vontade se dobra (R m 1.18)
dobra A m e n te so m en te percebe
A vontade recebe (1 C o 2.14)
71 Estas diferen ças s u rg em a p a rtir da n a tu r e z a e do o b je to da fé e m q u estão .
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Compreende somente o significado
Compreende a importância (Tg 2.14,19-20)
Não passa de um consentimento intelectual
E um compromisso feito de coração (Rm 10.9)
E apreendida somente de forma objetiva Fé sem vontade de agir
Também é aplicada de forma subjetiva (2 Pe 2.20) Fé com vontade de agir (Jo 7.17)
Não propensa à produzir boas obras
Propensa a produzir boas obras (Tg 2.17)
Não gera salvação
Gera salvação (Tg 2.14, 18)
Em resumo, a fé salvífica não é meramente um ato da nossa mente (uma compreensão), mas também um ato da nossa vontade (uma aceitação). A fé salvífica não se contenta em perceber a verdade, mas também em recebê-la. Ela não compreende somente o significado, mas também a importância da verdade. A fé salvífica envolve um compromisso de coração, e não somente um consentimento intelectual. A fé salvífica enxerga além do significado, em direção à importância da verdade. A fé salvífica não é simplesmente apreendida de forma objetiva, mas também aplicada de forma subjetiva. A fé salvífica é uma fé que gera vontade de agir, que nos leva às obras, que tende a gerar boas ações e bons efeitos a partir da salvação.
Que Nível de Fé Salvífica E Necessário para nos Salvarmos? O nosso Senhor deixou claro que a fé verdadeira não era uma questão de quantidade, mas de qualidade. Ele disse que mesmo uma fé muito pequena já seria suficiente: “Por causa da vossa pequena fé; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá — e há de passar; e nada vos será impossível” (Mt 17.20). Não é somente a natureza da fé, mas o objeto desta fé que faz dela uma fé efetiva. Por exemplo, se estivermos caminhando sobre um lago congelado, não será a força da nossa fé no gelo que nos manterá na superfície, mas a força do gelo que nos sustenta que fará a diferença.
Como um Cristão Pode Saber se a sua Fé É Salvífica? Existem duas esferas por meio das quais o crente pode verificar se a sua fé é mesmo salvífica: a interior e a exterior. Primeiro, na esfera interna, precisamos perguntar se a nossa fé está direcionada ao objeto certo. A fé salvífica deve estar depositada em Deus, e não na própria fé. A fé verdadeira é a confiança na fidelidade de Deus, e não em nossa própria confiança (2 Tm 2.13; cf. 2 Co 13.5). Segundo, precisamos nos perguntar se a nossa fé tem os motivos corretos, já que até mesmo a maior fé posta no universo com a intenção errada não será eficaz. Paulo disse: “Ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria” (1 Co 13.2). Terceiro, a fé genuína será confirmada pelo testemunho do Espírito Santo em nosso coração, afirmando que somos filhos de Deus (Rm 8.16, cf. 1 Jo 4.1). Existem também testes exteriores para a fé genuína. Primeiro, a fé genuína produz o fruto do Espírito (G15.22,23).
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇÃO
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Segundo, a fé v e rd a d e ira n a t u r a l m e n t e r e s u l ta e m b o as o b ra s ( T g 2 .1 4 -1 8 ; 1 Jo 3 .1 7 ). S o m o s sa lv o s e x c lu s iv a m e n te p e la fé, m a s a fé q u e n o s salv a n ã o v e m s o z in h a . E la p r o d u z , n a t u r a l m e n t e , b oas o b ra s. S o m o s salv o s pela fé, m a s para as o b ras ( E f 2 .8 - 1 0 ; T t 3 .3 - 8 ).
Terceiro, a fé v e rd a d e ira é d u r a d o u r a ( M t 1 3 .2 1 -2 3 ; 1 Jo 3 .9 ; 2 .1 9 ). Quarto, a fé v e rd a d e ira a p re n d e p o r in te r m é d io d a d iscip lin a (H b 12.5, 11). Quinto, a fé g e n u ín a m a n ife s ta -s e n a f o r m a d e a m o r (1 Jo 3 .1 8 -2 0 ). C o n t u d o , a r e la ç ã o e n tr e a fé g e n u ín a e as o b ra s, a p e sa r d e natural, n ã o é a u to m á t i c a ; e la é n o r m a l , m a s n ã o n e c e s s á ria . A fé salv ífica p o d e fica r a d o r m e c id a , a té m e s m o p o r lo n g o s p e río d o s d e t e m p o . T o d a v ia é difícil e s c o n d e r m o s a v id a: se e la e x iste te n d e rá , n a tu r a l e n o r m a l m e n t e , a se m a n ife s ta r.
Qual a Relação entre a Fé Salvífica e o Arrependimento? E x iste
um
d e b a te
c o n s id e rá v e l a re s p e ito
d a r e la ç ã o
e n tr e
a fé salv ífica e o
a r r e p e n d im e n t o . A p e s a r d e a lg u n s e v a n g é lic o s n e g a r e m o a r r e p e n d im e n t o n o m o m e n t o d a s a lv a ç ã o , o u tr o s a r g u m e n t a m q u e ele é u m p asso n e c e s s á rio q u e a c o m p a n h a a fé .72 P a ra c h e c a r m o s a o â m a g o d a q u e s tã o , fa z -se n e c e s s á rio u m a re p a s s a d a n o u so q u e a B íb lia faz desses d ois te r m o s . R e s u m ir e m o s as v á ria s p o s iç õ e s n a s d u as c a te g o r ia s a se g u ir.
A Posição de que o Arrependimento não E Necessário para a Salvação D e u m la d o e stá a p o s iç ã o e x t r e m a d a d e Z a n e H o d g e a c e r c a d a g r a ç a liv re, a q ual d e fe n d e q u e o a r r e p e n d im e n t o n ã o é a b s o lu ta m e n te n e c e s s á rio p a r a a s a lv a ç ã o d e u m a p e sso a . S o m e n t e a fé ( s e m o a r r e p e n d im e n t o ) é s a lv ific a m e n te exig id a, e o a r r e p e n d im e n to t e m o se u p a p e l n a c o n tin u id a d e d a v id a d o c r e n t e , d ep o is q u e e ste é sa lv o d o c a s tig o d o se u p e c a d o . A s re fe rê n c ia s b íb licas ao a r r e p e n d im e n t o f a la m ta n t o d o a r r e p e n d im e n to d e q u e stõ e s te m p o r a is o u t e r r e n a s (q u e n ã o g u a r d a m r e la ç ã o c o m o a s a lv a ç ã o ), q u a n to d a q u ilo q u e o c r e n t e n e c e s s ita d ep o is d a ju s tific a ç ã o .
A Posição de que o Arrependimento E um Pressuposto para a Fé Salvífica A lg u m a s p e sso a s d e fe n d e m q u e o a r r e p e n d im e n t o n ã o é n e c e s s á rio à s a lv a ç ã o , e n t r e t a n t o , a d m i te m q u e “o a r r e p e n d im e n to pode a n te c e d e r a s a lv a ç ã o c o m o f o r m a d e p r e p a r a ç ã o p a r a e la ” ( R a d m a c h e r , S, 135). E las a r g u m e n t a m q u e s o m o s salv o s e x c lu s iv a m e n te p e la fé, m a s q u e o a r r e p e n d im e n t o d o s p e c a d o s é u m p r e s s u p o s to à fé salv ífica. A p e s a r d e s te a r r e p e n d im e n t o n ã o lib e ra r, a u t o m a t i c a m e n t e , a s a lv a çã o , ele p r e p a r a o e stá g io p a r a e la . E p re c is o q u e a b a n d o n e m o s o p e c a d o ( n a f o r m a d o a r r e p e n d im e n t o ) a n te s d e p o d e r m o s n o s u n ir a C r is to ( p o r m e io d a fé ); n in g u é m p o d e a c e ita r Jesu s se n ã o e s tiv e r d isp o sto a a b a n d o n a r o p e c a d o , já q u e é in c o m p a tív e l a b ra ç a r a o m e s m o t e m p o o p e c a d o e a s a lv a ç ã o . O a r r e p e n d im e n to , p o r t a n t o , n ã o salv a, m a s ele a p la in a o c a m in h o d a s a lv a ç ã o . O a b a n d o n o d o p e c a d o n ã o n o s salv a a u t o m a t i c a m e n t e , m a s se c o n s titu i e m u m a c o n d iç ã o n e c e s s á ria
à
s a lv a ç ã o p o r i n t e r m é d i o d a a c e ita ç ã o d e
Jesu s c o m o S a lv a d o r.
72 A lgu n s c rê e m q u e o a rre p e n d im e n to é p a rte in te g ra n te da fé, e n q u a n to o u tro s a c re d ita m q u e e le é u m passo adicional.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A Posição de que o Arrependimento dos Pecados É Necessário para a Salvaçao
No outro extremo está a posição da salvação pelo senhorio de Jesus, advogada por John MacArthur, a qual defende que o arrependimento dos pecados é uma exigência salvífica. Somente a fé, sem o arrependimento genuíno não é suficiente para a salvação; mas se constitui em uma forma de fé simplificada que está na essência do Cristianismo nominal (não genuíno). Toda fé salvífica autêntica apresenta o arrependimento como um pressuposto essencial. A Posição de que o Arrependimento E parte Integrante da Fé Salvífica
Uma última posição pode ser colocada de maneira folgada entre os extremos da graça livre e o da salvação pelo senhorio. Charles Ryrie (nascido em 1925) defende uma posição moderada, alegando que a fé e o arrependimento são duas facetas do mesmo ato salvífico. O arrependimento é uma mudança na nossa mente, não uma mudança na nossa vida.73 Mas Radmacher observa: “Se a mudança na mente de uma pessoa, não muda a vida dela, então o que mudaria?” [...] “Certamente existe um princípio inviolável de que as nossas ações nada mais são do que o fruto dos nossos mais íntimos pensamentos” ( S , 132). Dessa forma, sugere-se que a fé salvífica incorpore mais coisas além do arrependimento e da obediência ao evangelho. Ela também teria uma boa-vontade implícita em obedecer aos mandamentos de Cristo, bem como uma inclinação implícita para o arrependimento dos pecados. Apesar de não haver necessidade soteriológica de nenhum tipo aberto de obediência e boa-vontade, a própria natureza da fé salvífica e do arrependimento genuíno é tal que ela naturalmente tende a levar as pessoas a desenvolverem esta boa-vontade e esta obediência.74Para resolver esta questão, faz-se necessário um estudo do significado neotestamentário destes termos-chave:/é e arrependimento.
O SIGNIFICADO DO ARREPENDIMENTO O significado básico de arrepender-se (grego: metaneo) é “pensar diferente” ou “reconsiderar.”75 Praticamente todos os léxicos gregos concordam que o verbo metanoeo ( “metanoear”) é “reconsiderar” ou “modificar o pensamento.” Joseph Thayer (1828-1901) declarou que este verbo significa “modificar o nosso pensamento, isto é, arrepender-se por ter feito alguma coisa” (GELNT, 405). William Arndt (1880-1957) e F. Wilbur Gingrich (1901-1993) afirmaram que o sentido é “mudar a mente de alguém [...] depois sentir remorso, arrepender-se, converter-se” (ibid., 513). William E. Vine (18731949) registrou o seu significado como sendo “perceber posteriormente (meta, depois, implicando mudança, noeo, perceber). [Assim, metanoeo é] mudar a mente ou o objetivo de alguém. Sempre, no Novo Testamento, envolve uma mudança para melhor, uma correção e sempre, salvo em Lucas 17.3-4, de arrependimento com relação a pecados” (EDNTW, 951-52). Gerhard Kittel (1888-1948) observou: O sentido do grego popular está muito provavelmente em [Lucas 17.3ss], onde metanoiein denota tristeza por uma falha cometida contra um irmão, e [2 Coríntios 7.9ss], onde em combinação com metamelomai [...] sugere remorso [...] Em outra parte, os únicos significados 73Vide So G reat Salvation [Tão Grande Salvação] (Chicago: Moody, 1997).
74Vide capítulo 10. 75M etanoeo vem de m eta
( “depois”) e noeo ( “pensar,” “consider” “perceber,” “entender,” “com preender” [vide Strong, NSECB]).
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇÃO
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possíveis são “modificar a nossa mente,” “mudança de pensamento,” “converter,” ou “conversão” ( TDNT , V, 999). E m s u m a , o N o v o T e s ta m e n to u tiliz a o t e r m o p a ra se re f e rir à c o n v e r s ã o c r is tã . O a r r e p e n d im e n to im p lic a n ã o s o m e n te u m a m u d a n ç a g e n u ín a d a m e n t e a c e r c a d a n o ssa c o n d iç ã o d e p e c a d o r e s e d a n e ce ssid a d e de Jesu s c o m o o n o s so S a lv a d o r, m a s t a m b é m a b o a -v o n ta d e de v e r a n o s sa v id a m o d if ic a d a p o r C r is to , a fim d e q u e p r o d u z a m o s f r u to s p a r a E le . Is to é e v id e n te a p a r t ir d e A to s 2 6 .2 0 : “A n te s , a n u n c ie i [...] q u e se e m e n d a s s e m e se c o n v e r te s s e m a D e u s, fa z e n d o o b ra s d ig n as d e a r r e p e n d im e n t o .” Jo ã o B a tis ta p r e g o u a m e s m a m e n s a g e m , e x o r t a n d o os d e s c re n te s a p r o d u z ir “f r u to s d ig n o s de a r r e p e n d im e n t o ” ( M t 3 .8 ) . L ou is B e r k h o f (1 8 7 3 -1 9 5 7 ) o b s e rv o u q u e o a r r e p e n d im e n to g e n u ín o e n v o lv e o i n t e le c to , a e m o ç ã o e a v o n ta d e ( S T , 4 8 6 ). Is to n ã o d ev e se r s u rp re s a p a r a n in g u é m , já q u e o a r r e p e n d im e n to é a lg o q u e a p e sso a faz, e a p e rs o n a lid a d e é d efin id a c o m o a m a n e ir a d e s e r d e a lg u é m q u e t e m i n t e le c to , e m o ç ã o e v o n ta d e .76 G e e rh a rd u s V os (1 8 6 2 -1 9 4 9 ) co m e n to u :
Das três palavras que são utilizadas nos evangelhos gregos para descrever o processo [de arrependimento], uma enfatiza o elemento emocional da tristeza, o pesar acerca do curso errado de vida que tivemos, metamelomai (Mt 21.29-32). [Então,] um segundo versículo expressa uma reversão completa da atitude mental, metanoeo (Mt 12.41; Lc 11.32; 15.7, 19). [Finalmente,] a terceira denota uma mudança na direção da vida, um objetivo sendo substituído por outro, epistrephomai (Mt 13.15 [e paralelos]; Lc 17.4; 22.32). [Dessa forma,] o arrependimento não se limita somente a qualquer uma das faculdades da mente: ele envolve o homem como um todo: intelecto, vontade e afeições. (KGC, 92-93)
O Uso Bíblico do Termo Arrependimento C o m o f r e q ü e n te m e n te o b s e rv a m os p r o p o n e n te s d a g r a ç a liv re, o a r r e p e n d im e n to b íb lico n o r m a l m e n t e g u a r d a re la ç ã o c o m q u e s tõ e s te m p o r a is e m o r a is q u e n ã o e stã o ligad as c o m
o r e c e b im e n to d a s a lv a ç ã o e t e r n a . M u ito s v e rs íc u lo s s im p le s m e n te se
r e f e r e m ao s c r e n te s se a r r e p e n d e n d o d o s seu s p e c a d o s p o s te r io r e s à s a lv a ç ã o . O fa m o s o t e x to d e 2 C rô n ic a s 7 .1 4 se e n c a ix a n e s ta c a te g o r ia , já q u e in icia c o m a e x p re s s ã o “se o m e u p o v o [...]” T o d a v ia , o a r r e p e n d im e n to t a m b é m é o r d e n a d o ao s n ã o -c r is tã o s c o m o c o n d iç ã o p a ra a su a s a lv a ç ã o .77
A q u e s tã o , e n tr e ta n to , é q u e c a s o o t e r m o arrepen dim en to seja u tiliz a d o
in d is tin ta m e n te p a r a c r e n te s e d e s c re n te s , ele e n v o lv e u m a m u d a n ç a t a n t o d e m e n t e q u a n to d e c o r a ç ã o ( a q u al le v a , n a t u r a l m e n t e , a u m a m u d a n ç a de v id a ). C om o a u x ilio da g r a ça d e D eu s, o a r r e p e n d im e n to a o a lc a n c e d o s seres h u m a n o s d e ca íd o s.
2 C rôn icas 7 .1 4
“Se o m e u p o v o , q u e se c h a m a p e lo m e u n o m e , se h u m ilh a r , e o r a r , e b u s c a r a m in h a fa c e , e se c o n v e r te r d o s seu s m a u s c a m in h o s , e n tã o , e u o u v ire i d o s c é u s , e p e rd o a r e i os seu s p e c a d o s , e s a ra re i a su a t e r r a .” A q u i, o a r r e p e n d im e n to c l a r a m e n t e e n v o lv e o 76 B e m c o m o co n sciê n cia. V id e c a p ítu lo 2, n o s u b títu lo “Vários E le m e n to s d a Person alid ad e H u m a n a ,” e ta m b é m o v o lu m e 2, c a p ítu lo 12, n o s u b títu lo “O b je ç ã o N ú m e ro Q u a tro — B aseada n a D e fin içã o T ra d ic io n a l de P erson alid ad e.” 77 Este é o significad o ev id en te de alg u m a s das passagens segu in tes.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
abandono da impiedade, a busca a Deus e a escolha da humildade. Porém, a referência ao “meu povo” indica que a passagem se refere a crentes. Isaías 1.16,17
“Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos e cessai de fazer mal. Aprendei a fazer o bem; praticai o que é reto; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas.” Isto é mais do que uma mudança de mente — está implícito aqui o desejo sincero de mudança de vida. Mas, uma vez mais, a passagem parece se referir aos crentes. Isaias 55.6,7
“Buscai ao SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto. “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno, os seus pensamentos e se converta ao SENHOR, que se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar.” Tanto o abandono dos caminhos pecaminosos, quanto à busca fazem parte do arrependimento verdadeiro. A referência aos “ímpios” pareceria indicar que os nãosalvos também são destinatários desta exortação, bem como o fato deles estarem fora do relacionamento de aliança com Deus (v. 3) e receberem a oferta do dom gratuito da salvação (v. 1). Ezequiel 33.18,19
“Desviando-se o justo da sua justiça e praticando iniqüidade, morrerá nela. E, convertendo-se o ímpio da sua impiedade e fazendo juízo e justiça, ele viverá por isto mesmo.” O arrependimento genuíno envolve uma mudança real de vida, tanto no caso do crente, como no do descrente. Jorns 3.10
“E Deus viu as obras deles [dos ninivitas], como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez.” O tipo de arrependimento que trouxe a salvação aos pagãos de Nínive era, claramente, mais do que uma mudança somente da sua mente; ele resultou em uma mudança radical na vida deles. Parece improvável que, como defendem os proponentes da graça livre, a conversão de Nínive esteja relacionada simplesmente às coisas temporais e não à sua salvação eterna, por várias razões: (1) A salvação eterna era a sua maior necessidade; enviar Jonas por menos do que isso banaliza a sua missão. (2) “Do SENHOR vem a salvação” (2.9) parece ter um tom decisivamente salvífico. (3) A confissão de Jonas acerca da graça de Deus (4.2) vai além da mera misericórdia em assuntos temporais. (4) A afirmação de Jesus acerca do ressurgimento do povo de Nínive no dia do Juízo (Mt 12.41) indica que Deus tinha em mente o seu destino eterno quando designou Jonas para aquela missão.
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇÃO
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O u s o q u e Jesu s fa z d a h is tó ria d e Jo n a s c o m o s ím b o lo d a s u a m o r t e e r e s s u r r e iç ã o — a m b a s n e ce ssá ria s à s a lv a ç ã o ( R m 1 0 .9 ), re v e la u m a c o n e x ã o s o te rio ló g ic a .
Marcos 1.15 “O t e m p o e stá c u m p r i d o ,” —
disse Jesu s —
“e o R e in o d e D e u s e stá p r ó x im o .
A rr e p e n d e i-v o s e c r e d e n o e v a n g e l h o .” T a n t o o a r r e p e n d im e n t o , q u a n to a fé são i n e r e n te s à a c e ita ç ã o d o e v a n g e lh o , e o s ju d e u s d e s c re n te s e s ta v a m c l a r a m e n t e in clu íd o s n e s te c h a m a d o a o a r r e p e n d im e n to .
Lucas 3.3 “E [Jesus] p e r c o r r e u t o d a a t e r r a a o r e d o r d o J o r d ã o , p r e g a n d o o b a tis m o de a r r e p e n d im e n t o , p a r a o p e rd ã o d o s p e c a d o s .” O a r r e p e n d im e n t o salv ífico e s tá lig a d o ao p e rd ã o sa lv ífico . P o r ta n t o , lim ita r e s ta c o n e x ã o u n i c a m e n te às q u e s tõ e s te m p o r a is o u n a c io n a is se ria b a n a liz a r a m is s ã o d e Jesu s.
Lucas 5.32 C r is to disse: “E u n ã o v im c h a m a r os j u s to s , m a s s im os p e c a d o r e s , ao a r r e p e n d im e n t o .” E s ta a f ir m a ç ã o é n o r m a l m e n t e c o n s id e ra d a u m c o n tr a s te e n tr e a c o n d iç ã o d o s salv os e d o s n ã o -s a lv o s , sig n ifica n d o q u e o a r r e p e n d im e n t o é n e c e s s á rio p a r a a s a lv a ç ã o dos p e cad o res.
Lucas 13.3 Jesu s a l e r t o u : “Se v o s n ã o a r r e p e n d e rd e s , to d o s d e ig u al m o d o p e r e c e r e is .” V e m o s t a m b é m a q u i q u e é im p ro v á v e l q u e os d e s c re n te s t a m b é m n ã o t e n h a m sid o a lv o d e sta a f ir m a ç ã o , já q u e a p a s s a g e m se re fe ria ao s “p e c a d o r e s ” (v . 2 ) e a “t o d o s ” q u e m o r a v a m e m J e r u s a lé m (v. 4 ).
Lucas 24.47 “O a r r e p e n d im e n t o e a re m is s ã o d o s p e c a d o s , e m to d a s as n a ç õ e s , c o m e ç a n d o p o r J e r u s a lé m .” E s ta é u m a p a s s a g e m i m p o r t a n t e p o r q u e o a r r e p e n d im e n t o e a fé à G ra n d e C o m is s ã o — q u e a b ra n g ia o m u n d o in te ir o . E la v ai c o n t r a a ló g ic a d a a f ir m a ç ã o d e q u e esta s p a la v ra s se re f e rir ia m s o m e n t e a o d iscip u la d o d e c r e n te s .
Atos 2.38 “E d isse -lh e s P e d ro : A rr e p e n d e i-v o s , e c a d a u m d e v ó s seja b a tiz a d o e m n o m e de Je su s C r is to p a r a p e rd ã o d o s p e c a d o s , e re c e b e re is o d o m d o E s p írito S a n t o .” A p e s a r d a d ificu ld a d e d e i n t e r p r e t a ç ã o i n e r e n t e a e s ta p a s s a g e m n o q u e ta n g e à r e la ç ã o e n tr e b a tis m o e s a lv a ç ã o ,78 e la d e ix a c la ro q u e o a r r e p e n d im e n t o é n e c e s s á rio p a r a o r e c e b i m e n to d o d o m d o E s p írito S a n to .
Atos 3.19 P e d ro disse ao s ju d e u s im p e n ite n te s , q u e n ã o h a v ia m a c e ita d o Jesu s c o m o M essias: “A rr e p e n d e i-v o s , p o is, e c o n v e r te i-v o s , p a r a q u e s e ja m a p a g a d o s o s v o sso s p e c a d o s , e v e n h a m , a ssim , os te m p o s d o re frig é rio p e la p r e s e n ç a d o S e n h o r .” 78Vide subtítulo anterior, neste capítulo: “O Batism o não É Condição para a Salvação.”
418 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Atos 5.31
“Deus, com a sua destra, o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e remissão dos pecados.” Aqui, novamente, os não-salvos e a salvação dos pecados parecem ser a tônica do chamado ao arrependimento. Atos 8.22
Pedro disse a Simão, o mágico: “Arrepende-te, pois, dessa tua iniqüidade e ora a Deus, para que, porventura, te seja perdoado o pensamento do teu coração.” Apesar de ser possível que Simão fosse um crente genuíno (cf. v. 13), a descrição que Pedro faz dele se assemelha muito a de uma pessoa que ainda não conheceu o evangelho de forma verdadeira (cf. vv. 20-23). Atos 11.18
“E, [quando os líderes em Jerusalém ouviram Pedro afirmar da salvação dos cristãos de Cesaréia] apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade, até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida.” O contexto indica que Pedro estava se referindo à conversão dos gentios por meio do arrependimento. Hodges sugere que não se trata de uma referência à vida eterna ( A F , 153). Outros defendem que, como Pedro está relatando a forma como aqueles crentes haviam recebido o Espírito Santo, a afirmação se referiria à salvação. Atos 17.30
Paulo disse aos atenienses: “Mas Deus, [no passado], não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam.” E agonizante tentar seguir o raciocínio distorcido de que esta passagem, de alguma forma, referir-se-ia a um arrependimento posterior à salvação (ibid., 145-46, 160). Paulo, obviamente, está falando aos gregos descrentes que caçoavam da sua mensagem (v. 32) e eram, claramente, incrédulos. Outros que foram salvos pela evangelização de Paulo (v. 34) também eram, claramente, incrédulos antes da conversão. A exortação que Paulo fazia ao arrependimento era direcionada aos incrédulos. As suas palavras são para “todos os homens em todos os lugares,” e nem todas as pessoas de todos os lugares eram (ou são) crentes. Atas 19.4
“Certamente João batizou com o batismo do arrependimento, dizendo ao povo que cresse no que após ele havia de vir, isto é, em Jesus Cristo.” Em vez de o arrependimento abrir caminho para a fé, aqui, aparentemente, ambos estão ligados por um paralelismo intercambiável. Dessa forma, tal como João Batista pregou o arrependimento seguido pelo batismo, a mensagem cristã, de igual modo, prescreve o mesmo às pessoas que ainda não crêem em Jesus (cf. At 2.38).
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇÃO
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Atos 20.21 “[T e n h o te stifica d o ], t a n t o ao s ju d e u s c o m o a o s g re g o s , a c o n v e r s ã o a D e u s e a fé e m n o s so S e n h o r Jesu s C r is t o .” E difícil c o m p r e e n d e r e sta p a s s a g e m d e o u t r a f o r m a , s e n ã o c o m o u m a e x o r t a ç ã o a to d o s os d e s c re n te s a se a r r e p e n d e r e m e c r e r e m a fim d e se s a lv a re m . E la t a m b é m n ã o p o d e se lim ita r ao s ju d e u s , já q u e m e n c i o n a o s g re g o s d e f o r m a e x p líc ita . A p e s a r d e a lg u m a s p esso as c o n s id e r a r e m o a r r e p e n d im e n to e a fé c o m o d ois p a sso s, R y rie faz u m c o m e n t á r i o q u e v ai d ir e to a o p o n t o c e n tr a l d a q u e s tã o . E le o b s e rv a q u e as d u as p a la v ra s “e s tã o u n id a s p o r u m a rtig o , o q u e in d ic a q u e elas são in se p a rá v e is, a p e sa r d e c a d a u m a se c o n c e n t r a r e m u m a f a c e ta d a ú n i c a e x ig ê n c ia p a r a a s a lv a ç ã o ” ( SGS , 8 7 -8 8 ).
Atos 26.19,20 P a u lo te stifico u : “N ã o fu i d e so b e d ie n te à v isão ce le stia l. A n te s , a n u n c ie i p r i m e i r a m e n t e a o s q u e e s tã o e m D a m a s c o e e m J e r u s a lé m , e p o r t o d a a t e r r a d a Ju d é ia , e ao s g e n tio s , q u e se e m e n d a s s e m e se c o n v e r te s s e m a D e u s , fa z e n d o o b ras d ig n a s d e a r r e p e n d im e n t o .” M ais u m a v e z o b s e rv a m o s q u e os d e s c re n te s ju d e u s e g e n tio s r e c e b e r a m m a n d a m e n to n ã o s o m e n t e p a r a se a r r e p e n d e r e m , m a s t a m b é m p a r a d e m o n s tr a r p o r m e io das su as b o a s o b ra s o seu a r r e p e n d im e n t o e a su a s a lv a ç ã o .
2 Coríntios 7.10 “P o rq u e a tris te z a s e g u n d o D e u s o p e r a a r r e p e n d im e n t o p a r a a s a lv a ç ã o , d a q u al n in g u é m se a r r e p e n d e ; m a s a tris te z a d o m u n d o o p e r a a m o r t e .” N o c o n t e x t o , isto p a r e c e se r u m c h a m a d o ao a r r e p e n d im e n t o d ir e c io n a d o ao s c r e n te s q u e h a v ia m ca íd o e m p e c a d o , já q u e P a u lo e s tá e s c r e v e n d o à “i g r e ja d e D e u s ” e m C o r i n to (c f. 1.1). 2 Timóteo 2.25 “A o s e r v o d o S e n h o r n ã o c o n v é m
c o n te n d e r , m a s , sim , se r m a n s o p a r a c o m
t o d o s , a p to p a r a e n s in a r, s o fr e d o r ; in s tr u in d o c o m m a n s id ã o os q u e r e s is te m , a v e r se, p o r v e n t u r a , D e u s lh e s d a r á a r r e p e n d im e n t o p a r a c o n h e c e r e m a v e r d a d e .” Is to p o d e ser t o m a d o t a n t o c o m o u m a re f e rê n c ia ao s c r e n te s q u e c a ír a m n o e r r o , c o m o ao s d e s c re n te s q u e a in d a n ã o a c e i ta r a m a v e rd a d e d o e v a n g e lh o .
Apocalipse 2.5 Jesu s u tiliz o u as se g u in te s p a la v ra s p a r a e x o r t a r c r e n te s n o m in a is q u e h a v ia m ca íd o e m p e c a d o : “L e m b r a -te , p o is, d e o n d e c a íste , e a r r e p e n d e -te , e p r a t ic a as p rim e ira s o b ra s; q u a n d o n ã o , b r e v e m e n te a ti v ire i e tir a re i d o se u lu g a r o te u c a s tiç a l, se n ã o te a r r e p e n d e r e s .” E s ta t a m b é m p o d e ria s e r u m a e x o r t a ç ã o d ir e c io n a d a a o a r r e p e n d im e n to d e c r e n t e s — p a r a q u e se a rr e p e n d e s s e m d o p e c a d o n a s u a v id a — , q u a n to ao s c r e n te s q u e s o m e n t e p ro fe s s a v a m
a fé ( e m b o r a n ã o a p o s s u ís s e m ). O u tr a s e x o r t a ç õ e s ao
a r r e p e n d im e n to se e n c a ix a m n e s ta m e s m a c a te g o r ia (c f. 2 .2 1 ; 3 .3 ). E m s u m a , a p esar de a lg u m a s das p assag en s a c im a citad as se re fe rir e m a o a rr e p e n d im e n to fe ito p o r c r e n te s d ep o is d a su a sa lv a çã o , o u tra s p o d e m ser m ais a b ra n g e n te s, e outras, ainda,
parece se referir claramente a descrentes ( p o r e x e m p lo , L c 2 4 .4 7 ; A t 17.30; 2 0 .2 1 ). O a rre p e n d im e n to ,
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portanto, é uma condição salvífica, que suscita, ainda, mais duas perguntas: O que a fé significa? E, qual é a relação entre o arrependimento e a fé?
O Significado de Fé (Crença) Com relação ao significado de fé, o verbo crer (no grego: pisteuo) ocorre com grande freqüência nas páginas do Novo Testamento significando “ter fé (em, a respeito de uma pessoa ou coisa) [...] por implicação, confiar (especialmente o nosso bem-estar a Cristo) [...] entregar (confiar), colocar confiança em” (Strong, NSECB ). Os melhores dicionários de grego concordam com isto. Thayer disse: “Crer” significa considerar verdadeiro; estar persuadido por; acreditar, depositar confiança em. [E] em uma referência moral e religiosa, pisteuein [derivado de pisteuo] é utilizado em o Novo Testamento para se referir a uma convicção e confiança à qual o homem é levado por uma certa prerrogativa e lei interior, elevada da sua alma. (GELNT, 511)
Arndt e Gingrich afirmam que pisteuo significa “crer em algo,” “estar convencido de algo.” E, em certas combinações “ser dependente de” ou “dar crédito a.” (GELNT, 666). Kittel defende que “pisteuein significa ‘fiar-se em,’ ‘confiar,’ ‘acreditar’” (TD N T, 6.203): “O fato do ‘crer’ ser ‘obedecer,’ conforme o seu uso comum no Antigo Testamento [...] é particularmente enfatizado em [Hebreus] 11” (ibid., 6.205). A f é também envolve o obedecer, o confiar e o esperar (ibid., 6.205). No uso específico empregado pelo Cristianismo, a fé “é, dessa forma, a fé salvífica que reconhece e se apropria da obra salvífica de Cristo” (ibid., 6.208). Em suma, a f é (a crença) implica a confiança, o comprometimento, a obediência e a esperança (a confiança) no objeto. E quando se trata de fé em Jesus, as implicações de uma fé salvífica são claras: ela é o tipo de fé que tem a confiança e a segurança em Cristo para a salvação e, por isso, implica um compromisso em seguí-lo e obedecê-lo.
A Relação entre Fé (Crença) e Arrependimento Com relação àsegundapergunta,79existe umaligaçãoíntimaentrefé e arrependimento, como os dois lados da mesma moeda. Em vez de serem dois atos separados — o que viola o princípio protestante (e bíblico) da exclusividade da fé ( solafide ) — tanto a fé, quanto o arrependimento são necessários para a salvação, no entanto, cada um faz parte de um ato salvífico pelo qual a pessoa recebe o dom da vida eterna. A fé implica uma espécie de compromisso e confiança em Cristo que, naturalmente, operam uma mudança na vida da pessoa. De modo semelhante, o arrependimento verdadeiro (uma mudança real da nossa mente acerca do pecado e a respeito do nosso entendimento de quem Cristo é — ou seja, o nosso Salvador) também afeta o rumo da nossa vida. Como já vimos, a fé e o arrependimento são inseparáveis da mesma forma que uma ordem de “venha aqui” não pode ser cumprida sem que se “saia de lá.”m A fé genuína e o arrependimento na salvação de uma pessoa envolvem a aceitação do certo e a rejeição do errado — uma não pode ser exercida sem a outra. O arrependimento genuíno diante 79Qual é a relação entre o arrependim ento e a fé? 80Esta é um a form a bem simplificada de expressar a posição, entretanto, con tém um a verdade significativa.
A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇÃO
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de D e u s c o n t é m a fé, e a fé v e rd a d e ira e m D e u s im p lic a o a r r e p e n d im e n t o . D e m o d o s e m e lh a n te , existe somente uma condição para o recebimento do carisma divino da salvação: a f é salvífca ( o tip o d e fé q u e im p lic a o a r r e p e n d im e n t o ). A fé salv ífica e n v o lv e u m a m u d a n ç a g e n u ín a e m n o s sa m e n t e a c e r c a d o p e c a d o e d o S a lv a d o r, d e f o r m a q u e p e la a p ro p r ia ç ã o d a fé, Jesu s se t o r n a o n o s so S a lv a d o r p esso al. A o c o n tr á r i o d o q u e o c o r r e c o m a fé n ã o -s a lv ífic a , a fé salv ífica te n d e n a t u r a l m e n t e a re d ir e c io n a r v id a d o c r e n t e , u m a v e z q u e e m c o n d iç õ e s n o r m a is e la resultará e m m u d a n ç a . A fé g e n u ín a n ã o é s im p le s m e n te u m “c r e r q u e a lg o a c o n t e c e u ” , m a s t a m b é m “c r e r n e s te a lg o q u e a c o n t e c e u .” A fé q u e Jesu s m e salv a n ã o n o s sa lv a (cf. T g 2 .1 9 ). S o m e n te o
:rer na o b r a c o n s u m a d a d e C r is to t e m o p o d e r de m e lib e rta r (c f. Jo 3 .1 6 ).
A NATUREZA DA FÉ SALVÍFICA D ia n te d a an á lise a n te r io r , p o d e m o s d e d u z ir v á ria s c a r a c te r ís tic a s d a fé salv ífica. E m c o n j u n t o , elas r e v e la m p o r q u e a fé salv ífica é s ig n ific a n te m e n te d ife re n te d a fé n o m in a l (v id e ta b e la a c im a )
A Fé Salvífica Envolve Confiança A fé g e n u ín a e n v o lv e a c o n f ia n ç a e m D e u s . Jesu s n o s o r d e n o u : “C r e d e [o u p o n h a m a s u a c o n fia n ç a , n o g r e g o pisteuo] n a lu z , p a r a q u e sejais filh o s d a lu z ” (Jo 1 2 .3 6 ). D e m o d o s e m e lh a n te , e m R o m a n o s 4 .5 , P a u lo n o s m o s t r a q u e a c o n f ia n ç a e s tá c o n tid a n a fé v e rd a d e ira ,81 a q u al, c o m o já o b s e rv a m o s , a té m e s m o Z a n e H o d g e s , o d e fe n s o r d a g r a ç a liv re , a d m ite (A f, 3 2 , 6 0 ). E m o N o v o T e s ta m e n t o , o e n tr e la ç a m e n t o d e fé e c o n fia n ç a é e x p re s s o n ã o s o m e n te p e lo sig n ifica d o d a p a la v ra pisteuo c o m o s e n d o “c o n f ia n ç a ” , m a s ta m b é m p elas l o c u ç õ e s ve rb a is f r e q ü e n te m e n t e re p e tid a s “c r e m em” (fa z e n d o u s o d a c o n ju n ç ã o eis)82 e “c r e r e m ” (fa z e n d o u so d a c o n ju n ç ã o epi).si K itte l, q u e c o n s id e ra v a q u e estas e x p re s s õ e s , d e m a n e i r a g e ra l, s ig n ifica v a m “c r e r ” e m C r is to o u “c r e r ” n a m e n s a g e m d e C r is to , r e c o n h e c e u :
Certos versículos mostram que uma relação pessoal pode, realmente, ser expressa pela expressão inicialmente formal pisteuein eis Criston Iesoun [crer em Cristo Jesus]. Poderíamos recorrer, primeiramente, a [Romanos] 10.9, que prova, claramente, que crer em Jesus Cristo é reconhecê-lo como Senhor [...] [Como já vimos,] em [Romanos] 10.14 a expressão pisteuein eis auton [crer naquele] nos leva a invocá-lo, de forma que pisteuein [...] nos coloca em uma relação pessoal com Cristo [cf. At 14.23; Rm 6.8 e G12.20; Fp 1.29; 1 Pe 1.8]. ( TDNT , 212)
A Fé Salvífica Envolve Compromisso D avi e s c r e v e u : “E n t r e g a o te u c a m in h o ao S E N H O R ; c o n fia n e le ” (SI 3 7 .5 ). A fé de P a u lo o le v o u a d e c la r a r : “M as n ã o m e e n v e r g o n h o , p o r q u e e u sei e m q u e m t e n h o c r id o e e s to u c e r t o d e q u e é p o d e r o s o p a r a g u a r d a r o m e u d e p ó s ito a té à q u e le D ia ” (2 T m 1 .1 2 ). A fé n ã o é m e r a m e n t e o r e c o n h e c i m e n t o d e q u e C r is to p o d e n o s le v a r ao c é u ; ela t a m b é m é a b o a -v o n ta d e d e e n tr e g a r a n o s s a p r ó p r ia v id a e m su as m ã o s , a n o s r e n d e r m o s t o t a l m e n t e a E le c o m o s e n d o o m e io d e n o s lib e rta r p a r a o n o s so re a l d e stin o . 81 “M as, à q u ele q u e n ã o p ra tica , p o r é m c rê (g re g o : p is te u o ) n a q u e le q u e ju s tific a o ím p io , a su a fé lh e é im p u ta d a c o m o ju s tiç a .”
82 O u , “c re r e m d ireçã o a” C risto (g re g o : eis); cf. Jo 3.16; A t 10.43.
16.31; l T m 1.16.
s3 “c re r s o b re ” C ris to (g re g o : ep i); cf. A t
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A Fé Salvífica Envolve Obediência Um ato de fé genuíno envolve a obediência a Deus. Paulo utiliza a fé e a obediência ao evangelho num paralelismo: “Mas nem todos obedecem ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação?” (Rm 10.16). O apóstolo Paulo também escreve: “Porque não ousaria dizer coisa alguma, que Cristo por mim não tenha feito, para obediên cia dos gentios” (Rm 15.18). Ele se refere aos descrentes, dizendo que o Senhor tom ará vingança dos que não o conhecem e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo (2 Ts 1.8). Hebreus declara que a obediência vem logo depois da fé, pois “pela fé, Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia” (11.8). Portanto, é certo que a fé salvífica envolve a obediência ao evangelho. Além disso, a fé salvífica leva a uma vida obediente. Contudo, não existe evidência de que precisaremos expressar obediência ao senhorio de Cristo como condição para o recebimento da salvação (a justificação). Como vimos anteriormente,84 a obediência que leva às boas obras é um efeito natural da fé salvífica, mas não se constitui em uma qualificação para a salvação.
A Fé Salvífica Envolve Amor A fé genuína envolve amor, que é o maior de todos os mandamentos: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento” (Mt 22.37). Os incrédulos “perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem” (2 Ts 2.10). Paulo fala da “fé que opera por caridade” (Gl 5.6). E João disse: Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade. E nisto conhecemos que somos da verdade e diante dele asseguraremos nosso coração; sabendo que, se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração e conhece todas as coisas. (1 Jo 3.18-20)
A Fé Salvífica Envolve Humildade Jesus disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos céus. Portanto, aquele que se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no Reino dos céus. (Mt 18.3,4)
Conforme mencionamos anteriormente, até mesmo Hodges (apesar de adepto da posição da graça livre) reconhece que a fé genuína envolve uma confiança “infantil” que implica a humildade (A F , 32, 60). A fé salvífica em Cristo é uma ação “infantil” por intermédio da qual reconhecemos que somos pecadores e necessitamos desesperadamente do Salvador.
84Vide tam bém o capítulo 10.
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RESUMO DAS TRÊS POSIÇÕES BÁSICAS SOBRE O PAPEL DA FÉ, DO ARREPENDIMENTO E DA OBEDIÊNCIA NA SALVAÇÃO85 Graça Livre (Moderada)
Graça Livre (Radical)
John MacArthur
Charles Ryrie
Zane Hodges
Necessidade da fé e do arrependimento dos pecados
Necessidade somente da fé, não do arrependimento.
Necessidade do desejo de obedecer a todos os mandamentos de Cristo
Necessidade de fé e do arrependimento diante do Salvador Necessidade do desejo de obedecer ao mandamento de crer, dado por Cristo
A fé genuína gera mudança
A fé genuína gera mudança
na vida da pessoa
na vida da pessoa
A fé genuína não necessariamente traz mudança na vida da pessoa
As obras surgem inevitavelmente da fé salvífica
As obras surgem naturalmente (não inevitavelmente) da fé
Senhorio
salvífica
A fé, em si mesma, não envolve a obediência
As obras não surgem nem inevitável, nem naturalmente da fé salvífica
N a p o s iç ã o d a s a lv a ç ã o p e lo s e n h o r io , é p r e c is o q u e n o s a r r e p e n d a m o s d o s n o s so s p e c a d o s p a r a n o s s a l v a r m o s . A p o s iç ã o d a g r a ç a liv r e ( n a su a f o r m a m o d e r a d a ) p r e c o n i z a s o m e n t e o a r r e p e n d i m e n t o d ia n te d o f a t o d e Je s u s se r o n o s s o S a lv a d o r d ia n te d o s p e c a d o s , n ã o o a r r e p e n d im e n t o d e t o d o s o s n o s s o s p e c a d o s .86 E p a r a a p o s iç ã o e x t r e m a d a d a g r a ç a liv r e n ã o e x is te a n e c e s s id a d e d e n e n h u m
tip o d e
a r r e p e n d im e n t o . O s s e g u id o re s d e J o h n M a c A r t h u r a f i r m a m q u e p r e c i s a m o s e s ta r d is p o s to s a o b e d e c e r t o d o s o s m a n d a m e n t o s d e C r is t o c o m o c o n d i ç ã o p a r a a n o s s a s a lv a ç ã o . C h a r le s R y rie a f ir m a q u e p r e c i s a m o s s o m e n t e o b e d e c e r a o m a n d a m e n t o d e a c e i t a r a v id a e t e r n a , c o n f o r m e C r is t o e n s in o u . Z a n e H o d g e s n ã o a c r e d i ta q u e a o b e d iê n c ia g u a r d e (q u a lq u e r tip o d e ) r e l a ç ã o c o m as c o n d i ç õ e s p a r a a s a lv a ç ã o — s o m e n t e a fé g u a r d a r ia . A p e s a r d e os p r o p o n e n t e s d o s e n h o r io d e f e n d e r e m q u e u m a m u d a n ç a d e a t it u d e d e v id a e a p r á t i c a d e b o a s o b r a s i n e v i ta v e l m e n te s u r j a m a p a r t i r d e u m a fé sa lv ífica , a p o s iç ã o d a g r a ç a liv r e m o d e r a d a a f i r m a q u e as b o a s o b ra s sã o c o n s e q ü ê n c ia s n a tu r a i s ( e m b o r a n ã o in e v itá v e l) d a fé sa lv ífica . A p o s iç ã o d a g r a ç a liv r e e x t r e m a d a n e g a q u e as b o a s o b ra s e u m a m u d a n ç a d e v id a s e ja m r e s u l ta d o — n a t u r a l o u in e v itá v e l — d a fé sa lv ífica .
CONCLUSÃO A o c o n tr á r i o d o q u e p o s tu la a p o s iç ã o c a t ó li c a r o m a n a , a p r á t ic a d e o b ras n ã o é c o n d iç ã o p a r a a s a lv a ç ã o . A p o s iç ã o u lt r a r e f o r m a d a , e m ú lt im a a n á lise , não ap resen ta qu a lqu er tipo d e con d içã o p a r a o r e c e b im e n to d o c a r is m a d a s a lv a ç ã o . E , a o c o n tr á r i o d a p o s iç ã o
das “Ig re ja s d e C r is t o ,” n ã o e x is te m q u a tro c o n d iç õ e s p a r a a s a lv a ç ã o (ju s tif ic a ç ã o ). S o t e r io lo g ic a m e n te , a fé g e n u ín a e o a r r e p e n d im e n t o f a z e m p a r t e d e p e n a s u m a to . A c o n fissã o e o b a tis m o sã o e fe ito s d a (e n ã o c o n d iç õ e s p a r a a ) s a lv a ç ã o . A s p esso as q u e 85 As três p rim eiras posições ap resen tad as n e ste c a p ítu lo — c o n fo rm e fico u d e m o n stra d o são im p lau síveis.
a c a tó lic a , a u ltra ca lv in ista e a da “Ig r e ja de C ris to ” —
S6 M e sm o assim , a p essoa p recisa r e c o n h e c e r a sua p eca m in o sid a d e.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
crêem de fo rm a genuína terão o desejo n atu ral de confessar abertam en te a C risto e de seguir o seu m and am ento para se batizarem . C om o a fé salvífica é u m ato de confiança e obediência ao evangelho de Jesus Cristo, a partir da sua própria essência, fica evidente que a fé salvífica (a qual envolve o arrepend im ento) tenderá, n atu ralm en te, a produzir boas obras — já u m a fé do tipo n om in al, não com prom etid a, e p u ram en te in telectu al não. P ortanto, apesar de sermos salvos unicamente por fé , a f é salvifca não vem sozinha, mas se fa z acompanhar de uma inclinação à prática das boas obras.**
FONTES A rm ínio, Jacó. The Writings o f Jam es Arminius. A rndt, W illiam e F. W ilbur G ingrich. A Greeí-English Lexicon o f the New Testament. A gostinho. Enchiridion. Berkhof, Louis. Systematic Theology. Bryson, G eorge. The Eive Points o f Calvinism: Weighed and Found Wanting. Calvin, Jo h n . Calvin’s Commentaries. Canons o f D ort, The. C o ttre ll, Jack. The Faith O ncefor A li. D enzinger, Henry. Sources o f Catholic Dogma. E llico tt, Charles Jo h n . Ellicotts Commentary on the Whole Bible. Forster, R oger T., e V. Paul M arston. God's Strategy in Human History. Friberg, T im oth y, Barbara Friberg e Neva F. M iller. Analytical Lexicon o f the Greek New Testament.
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A CONDIÇÃO PARA A SALVAÇÃO
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C A P Í T U L O
D E Z E S S E I S
O TEOR DA SALVAÇÃO
O
tem a deste capítulo gira em to rn o do teor da cren ça de que a salvação é necessária
nesta era. Este assunto está relacionado (em bora não seja idêntico) à questão das condições para a salvação, as quais respondem à pergunta: o que precisam os fazer para receber o dom da vida eterna? E já tem os o con h ecim en to desta: não precisam os fazer nada, basta-nos crer, pois somente a f é nos é suficiente.1 A ênfase agora recai sobre qual nível de fé é necessário para que recebam os a salvação. D IS T IN Ç Õ E S Antes de resolverm os este problem a, precisarem os fazer diversas distinções im portantes com o objetivo de esclarecer os term os a serem analisados. As C o n d iç õ e s d o Dar versus as C o n d iç õ e s d o Receber C o n fo rm e vim os an teriorm ente, existe um a grande diferença entre as condições para se dar algo e as condições para se receber algo. Se um a pessoa deixa um a herança (por exem plo, um a grande quantia em fo rm a de um cheque) desvinculada de qualquer tipo de condição, o herdeiro não precisará cu m prir n e n h u m tipo de condição para se qualificar a receber a herança. Todavia, se ele não aceitar o cheque, ele deixou de cu m prir com as condições para o recebim en to real do cheque, entregue pelo doador na fo rm a de u m presente incondicional.2 0 O b je t o da F é versus a B a se da Fé T am bém existe um a diferença entre o objeto da nossa fé e a base desta m esm a fé. Por exem plo, crer que um a cadeira suportará o m eu peso ou saber que ela m e suportará em função de certas leis da tísica não é a m esm a coisa. Todas as condições físicas que garantem a solidez da cadeira podem ser verdadeiras sem a m in h a fé explícita de que a cadeira é suficientem ente forte para m e suportar. 1 V id e c a p ítu lo 15. 2 N este caso está sen d o fe ita u m a d ife re n cia çã o in trín s e c a e n tre (1 ) o h e rd e iro q u e te m a oportunidade de receber o d in h e iro (ele n ã o re c e b eu , sim p le sm e n te , o d in h e iro e m m ã o s — ele re c e b e u a o p o rtu n id a d e de d ecid ir se d esprezava o ch e q u e ou se b en eficia v a d e le ) e (2 ) de se to r n a r herdeiro de fato ao re c e b er o c h e q u e e d e s co n tá -lo a seu favor. D e fo r m a an álo g a, n ó s ta m b é m re c e b e m o s u m a o p o rtu n id a d e in co n d icio n a l de c o n q u ista r a salvação , m as s o m e n te c o n q u ista m o s, de fa to , a vida e te r n a q u an d o n o s a p ro p ria m o s d a n o ssa fé, p o r in te rm é d io da g ra ça de D eus.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O Objeto da Fé versus o Teor da Fé O utra distinção significativa oco rre entre o ob jeto da m in h a fé e o teor dela. A cadeira é o ob jeto; eu posso crer que ela evitará que o m eu corpo se precipite ao chão, eu, porém , posso desconhecer se ela foi construída em aço ou m adeira, se ela é nova ou velha, se o seu p ro jeto é antiquado ou atual, qual o seu histórico de suportar ou não resistir ao peso das pessoas e assim por diante.3
As Condições para se Receber um Presente Versus As Condições para se Perder um Presente Fica evidente tam b ém a diferença entre as condições para se receber u m presente e as condições para se preservar este presente. Se eu receber u m presente na fo rm a de u m a jóia que não venha acom panhada de u m a co rren te pela qual eu possa pend uráTa n o m eu pescoço, precisarei fazer u m esforço adicional para investir n a com p ra de um a corren te, que fixará a jó ia ju n to ao m eu corpo e evitará, dessa form a, que o ob jeto seja roubado ou perdido. Assim, ele estará bem preservado com igo.
As Condições Absolutas versus As Condições Normativas Condições absolutas não são sinônim as de condições norm ativas. Por exem plo, é n orm ativam ente necessário que usem os o cinto de segurança para que preservem os as nossas vidas no trânsito, já que isto está previsto no Código de Trânsito. Todavia, não é absolutam ente necessário fazer isto, principalm ente porque algum as pessoas sobrevivem aos acidentes sem ter feito o uso dele.
As Condições Normativas para uma Época versus As Condições Normativas Permanentes A lgum as diretrizes podem ser n orm ativam en te necessárias para uma época, mas não se aplicarem para todas as épocas. As leis m udam , e quando isto ocorre, o que é norm ativam ente necessário tam bém m uda. D uran te o tem po da Lei Seca nos Estados Unidos, as bebidas alcoólicas eram ilegais; mas h o je em dia elas n ão são. O padrão daquela época para a atual foi alterado.
As Condições explicitamente Necessárias versus As Condições implicitamente Necessárias Aquilo que é implicitamente necessário n em sem pre é explicitamente necessário. Para que a interação en tre os seres hum anos possa ser possível, é im p licitam ente necessária a existência de, pelo m enos, duas m entes e u m m eio co m u m de com u n icação (por exem plo, u m a língua co m u m ). Todavia, não é explicitam ente necessário que as pessoas envolvidas creiam que isto é verdadeiro, já que elas podem se com u n icar sem jam ais pensar a respeito do que to rn a possível a com u n icação en tre as partes.
3 E stes d etalh es esp ecíficos ac e rc a da m in h a fé n a ca d eira (q u e é o objeto da m in h a fé ) re p re s e n ta o te o r da m in h a fé; c o m o já v im o s, a base da m in h a fé é re p rese n ta d a p elas leis da Física.
# 429 As Crenças Consistentes versus As Crenças Inconsistentes Certas crenças são necessárias para a consistência de certos paradigmas (m odelos). C ontu do, u m a pessoa pode aderir a certas crenças necessárias a u m m odelo sem aceitar a totalidade destas crenças — apesar disso ser inconsistente, a verdade ou falsidade das crenças que ela reco n h ece não é contingente sobre o fato dela eventualm ente desejar aderir às dem ais crenças. Por exem plo, a m an u ten ção da cren ça em u m padrão m o ral absoluto (a Lei) sem a m an u ten ção de um a crença em D eus (o Legislador) é inconsistente; não pode haver um a prescrição m o ral (u m a Lei) sem a existência de u m P receptor M oral (u m Legislador). M esm o assim, é possível aderir a u m a Lei m o ral (tal co m o fazem m uitos descrentes) sem fazer esta conexão lógica.
A Negação versus A Incredulidade A negação de certa realidade precisa ser distinta da incredulidade a respeito desta m esm a verdade. N em todas as pessoas da antigüidade negavam a esfericidade do m u nd o — algum as delas sim plesm ente não sabiam. C onseq ü en tem ente, não crer que o m u nd o era esférico não era a m esm a coisa que negar a sua esfericidade.
APLICAÇÕES DESTAS DISTINÇÕES À QUESTÃO DA SALVAÇÃO A aplicação destas distinções à salvação nos ajuda a esclarecer a questão do que um a pessoa precisa, necessariam ente, crer para que possa conquistar a vida etern a.4 Cada diferenciação traz um a ênfase mais profunda em nossos esforços em direção a um a conclusão final.
A Fé É a Única Condição para o Recebimento da Salvação C om o já analisam os anteriorm en te, não existem condições para D eus nos conceder a salvação (cf. R m 11.29; 2 T m 2.13) e som ente u m a para a recebermos.5 Som os salvos pela m agnífica graça de Deus, “se é por graça, já não é pelas obras; de ou tra m aneira, a graça já não é graça” (R m 11.6). E, sendo assim, a nossa atenção não se concentrará na disponibilização incondicional da Salvação feita por Deus, mas n a fo rm a com o a recebem os exclusivam ente por fé (R m 4.5).
A Diferença entre o Objeto e a Base da Fé C om o já vim os, existe u m a diferença entre o objeto e a base da nossa fé. Por exem plo, u m h o m em pode crer que D eus (o o b jeto da fé salvífica) o salvará, m esm o não tendo consciência e, p o rtan to , não crendo em todas as verdades teológicas (que fo rm am a base da fé salvífica) que precisam ser defendidas e cum pridas para to rn ar possível a sua justificação. Em outras palavras, ele poderia ter D eus co m o o ob jeto da sua fé salvífica sem co n h ecer a base sobre a qual foi realizado o potencial da sua libertação. Este parece ter sido o caso no A ntigo T estam ento, no qual n em todas as pessoas com preend iam que a m o rte e a ressurreição de C risto seriam necessárias para a sua salvação.6 4 O u , e m o u tra s palavras, a c re n ç a (fé ) m ín im a a b so lu ta n ecessá ria p a ra a salvação.
5 V ide c a p ítu lo s 11 e 15.
6 C om o
o c o rr e u , p o r e x e m p lo , c o m o p o v o de N ín ive (cf. Jn 3 ), c o m a p r o stitu ta R aabe (cf. H b 11.31), o u c o m R u te , a m o a b ita (cf. R t 1).
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A Diferença entre o Objeto e o Teor da Fé A diferenciação entre o ob jeto da fé e o teo r da fé é significativa. Por exem plo, um a pessoa pode te r fé em D eus (o objeto) sem co n h ecer (e, p o rtan to , não crer em ) tudo o que realm ente se necessita (o teo r) se crer para que D eus a salve, ou seja, que Cristo m o rreu e ressuscitou pelos pecados d e la (l C o 15.1-6). D u ran te o período do A ntigo Testam ento, bem co m o por certo período durante a época de Cristo, pelo m enos durante o período de transição anterior à proclam ação am pla e oficial da m ensagem com p leta do evangelho (cf. A t 19), n e m todas as pessoas com preend iam p len am en te o te o r do evangelho.7
A Diferença entre as Condições para o Recebimento e para a Perda de um Presente Já estudam os a diferença entre as condições para o recebim en to e preservação de u m presente. De fo rm a sim ilar, a ú n ica exigência feita a nós n o ato da entrega do dom da salvação é a fé. C ontu d o, alguns cristãos (por exem plo, os católicos rom anos e os arm inianos) crêem que precisam os im p lem en tar esforços para preservar este dom e evitar a sua perda. Todavia, a nossa atenção aqui não estará voltad a à possibilidade da perda da salvação,8 mas ao teo r necessário da fé para o recebim en to da vida eterna.
A Diferença entre as Condições Normativas e as Absolutas N orm alm ente é necessário utilizarm os m adeira seca para se fazer u m a fogueira, m as isto não é absolutam ente necessário. D e m aneira sim ilar, D eus poderia desejar certas coisas para a salvação de u m a pessoa que são normativamente necessárias, m as não são absolutamente necessárias. Por exem plo, Ele poderia desejar, co m o u m a condição salvífica normativa, que todas as pessoas creiam na m o rte substitutiva de Cristo (a expiação) no lugar delas, m esm o que esta crença específica não fosse u m a necessidade absoluta para a salvação.9 A presente questão não é se, de fato, C risto precisava m o rre r pelos nossos pecados para que fôssem os salvos,10 m as se a crença nesta realidade é u m a condição absolutam ente necessária para a salvação.11
A Diferença entre as Condições Normativas para uma Época e as Condições Normativas Permanentes De m odo sem elhante, Deus pode determ in ar que u m a crença específica seja um a condição salvífica n orm ativam ente necessária para u m a época e não seja para outra. Por exem plo, o S en h or poderia desejar que a fé na m o rte e n a ressurreição de Cristo fosse u m a condição n orm ativa para a salvação nesta era atual do Novo T estam ento, e não exigir a fé nestas coisas das pessoas da era do A ntigo T estam ento. Na verdade, com o
7 Isto , o b v iam e n te, é d ife re n te da q u estã o q u e e n v o lv e a base salvífica de D e u s p a ra u m a c re n ç a salvífica nesta era (a p a rtir do p e río d o ap o stó lico ). C o n fo rm e in d ica m o s a n te rio r m e n te (vide c a p ítu lo 14), a re sp o sta e stá n a c re n ç a ( n a fé ) n o te o r do e v a n g e lh o c o n fo rm e e le fo i c o m u n ic a d o e m 1 C o rín tio s 15.1-6, o q u e c o m p re e n d e a m o r te , a re ssu rreiçã o e a divindade de C ris to (p a ra m aio res d e talh es, vide ad ian te o s u b títu lo “O T e o r d a C re n ç a T e o ló g ic a N ecessária Para a S a lv a ç ã o ”). 8 U m a co n c lu sã o q u e foi re je ita d a c o m base b íblica. 9 O u seja, da m o r te de C risto , c o m o fa to c o n s u m a d o , c o n tin u a ria sen d o verd ad eiro, m e sm o se a lg u m a p essoa o d e sco n h e ce sse (e , dessa fo rm a , n ã o tivesse fé o u c re n ç a n e le ). sim ; vide cap ítu lo s 9, 14-15.
10N ós resp o n d em o s
11 A n o ssa resp o sta é “n ã o ” — vide ad ian te, n o s u b títu lo “D o u trin a s N o rm a tiv a m e n te
N ecessárias (E x p líc ita o u Im p lic ita m e n te ) p a ra a Sa lv a çã o n a n o ssa É p o ca .”
O TEOR DA SALVAÇÃO
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defenderem os mais à fre n te ,12 parece ser exatam ente isto o que D eus fez (cf. G n 15.5,6; A t 4.12; R m 10.9).
A Diferença entre as Condições explícita e as implicitamente Necessárias O que é im p licitam ente necessário para a salvação n em sem pre fica explícito. A p arentem ente, todas as verdades salvíficas essenciais em si mesmas13 seriam necessárias para a salvação no seu sentido mais am p lo.14 Porém , m esm o adm itindo (co m o faz a m aioria dos evangélicos) que isto não significa que u m a pessoa deva crer explicitamente em cada u m dos elem en tos para que se to rn e apta a receber o dom da vida eterna. E possível, por exem plo, que um a d eterm inada pessoa, verdadeiram ente salva, jam ais te n h a ouvido falar do (e, p o rtan to , jam ais te n h a crido n o ) n ascim en to virginal de Jesus ou na sua ascensão na época em que creram no evangelho e foram salvas (cf. R m 1.16; 1 C o 15.1-6).
A Diferença entre a Negação e a Incredulidade Seria possível u m a pessoa co n h ecer estas verdades, negá-las todas, e continu ar salva? U m a coisa parece clara: a negação explícita de qualquer dou trina essencial da fé cristã é considerada, classicam ente, u m desvio da ortod oxia e, p o rtan to , u m a heresia. Existem diferentes opiniões en tre os eruditos conservadores acerca da possibilidade de salvação de um a pessoa que rejeitou estes ensinos. Alguns alegariam que n e n h u m a d ou trin a fu nd am ental pode ser negada sem que a nossa salvação seja colocada em risco. Este m edo parece infundado, já que alguns dos ensinos básicos do C ristianism o não estão listados em lugar algum com o condição soteriológica absolutam ente essencial. Por exem plo, o nascim ento virginal, a ascensão corpórea e a segunda vinda, aparentem ente, não fazem parte da m ensagem do evangelho que precisam os crer, de fo rm a explícita, para nos salvarm os. O evangelho exposto por Paulo em 1 C oríntios 15.1-6 não inclui n e n h u m a destas coisas, tam p ou co elas estão listadas em qualquer um a das apresentações que o Novo Testam ento faz do conteú d o essencial, no qual deveria ser depositada u m a fé salvífica (por exem plo, Jo 3.16, 18, 36; 5.24; At 16.31). C o m o resultado, a sua negação, apesar de inconsistente e anôm ala, não co lo ca em risco a salvação da pessoa.15 De m o m en to , parece-nos evidente que precisam os, pelo menos, crer (e não podem os negar) que C risto m o rreu pelos nossos pecados e levantou dentre os m o rto s (co m o vem os em 1 C oríntios 15.1-6). A lém disso, a insistência de Paulo em nossa confissão de que Jesus é Sen h or tam bém to rn aria a cren ça n a divindade de C risto u m a condição salvífica necessária à salvação (R m 10.9; cf. A t 16.31).
12 V id e n o s u b títu lo “E n sin os B íb lico s A ce rca d o T e o r N ecessário d a Fé p a ra a S a lv a ç ã o .”
13 In clu sive, p o r e x e m p lo , a
e x istê n cia de D eu s, a g raça n e cessá ria de D e u s, a n ecessid ad e da fé, a p e ca m in o sid a d e h u m a n a , o n a s c im e n to v irgin al de C risto , a divindade de C risto , a h u m a n id a d e de C risto , a in c o lu m id a d e de C risto , a m o r te ex p ia tó ria de C risto , a re ssu rreiçã o física d e C risto , a a scen sã o c o rp ó r e a de C risto e a té m e sm o o re to r n o físico de C risto .
14 Este sentido mais amplo
sig n ifica a ju stific a ç ã o , a san tifica çã o e a g lo rifica çã o . V id e c a p ítu lo 15, e o s u b títu lo “D o u trin a s A b s o lu ta m e n te N ecessárias Para a Salv ação n o S en tid o M ais A m p lo ,” ad ian te n e ste c a p ítu lo .
15V id e ad ian te n e ste c a p ítu lo , n o su b títu lo “D o u trin a s
q u e Precisam S e r E x p líc ita e n o r m a tiv a m e n te C rid as p a ra a S a lv a ç ã o ,” a n a lisa re m o s quais são as c re n ça s exigidas.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A Diferença entre a Crença Consistente e a Inconsistente Certas crenças são necessárias à consistência da nossa e stru tu ra teológica, mas isto não faz delas crenças necessárias para a nossa salvação. A verdade de todos os ensinos soteriológicos mais im portantes é necessária para que a nossa salvação se to rn e possível; entretanto , é salvificam ente concebível (apesar de ideologicam ente inconsistente) que u m a pessoa possa rejeitar um , ou u m n ú m ero m aior, destes princípios e con tinu ar sendo p ortad or da vida eterna. Por exem plo, o fato de ser inconsistente negarm os o n ascim en to virginal não significa, em si m esm o, que a pessoa que se recuse a crer nesta d ou trina não possa ser salva.16 U m a cren ça ainda que ilógica não nega a realidade das coisas, e apesar de alguns cristãos argu m entarem que a rejeição de u m a dou trina fu nd am ental to rn a im possível a salvação, n em Jesus, n em os autores do N ovo T estam en to afirm aram que este seria o posicionam ento co rreto . S eja co m o for, se os questionadores insistirem em u m a d icotom ia, é m u ito m elh o r estar inconsisten tem ente salvo17 do que consisten tem ente perdido.18 D iante da análise anterior, vim os ser logicamente possível que as pessoas possam ser salvas sem acatar explicitam ente a cada u m a das doutrinas principais acerca da salvação (exceto , talvez, os ensinos a respeito da sua própria pecam inosidade e da graça necessária de D eus — cf. Hb 11.6). A partir das crenças salvificam ente absolutas saberem os quais são salvificam ente norm ativas e quais são essenciais à fé cristã sem , no entanto, estarem d iretam ente ligadas à salvação (So terio log ia).19 C o m o já analisam os, m uitos crentes no A ntigo Testam ento não criam no que h oje sabemos serem ensinos essenciais a respeito da salvação, contu d o fo ram salvos. M esm o que a salvação som en te seja possível se todas estas doutrinas estiverem co rreta s— e m esm o que sej a inconsistente negarm os qualquer u m a delas — as pessoas poderiam ser salvas co m base na veracidade delas, m esm o que não tivessem u m co n h ecim en to explícito a seu respeito, ou não expressassem u m a crença explícita na sua veracidade. Todavia, apesar de ser logicamente possível a u m a pessoa não crer em todas estas coisas, ou em algum as delas, e continu ar salvo, pode não ser normativamente possível, se Deus norm ativam en te desejou que assim o fosse. Para o evangélico, tu do se resum e àquilo que a Bíblia ensina acerca da salvação. C o m o verem os, m uitas das distinções acim a são úteis na explicação e n a ilustração daquilo que as Sagradas Escrituras consideram obrigatório, ou não, nesta questão.
OS ENSINOS BÍBLICOS ACERCA DO TEOR NECESSÁRIO DA CRENÇA NA SALVAÇÃO Várias observações são cruciais para a com preensão do que a Bíblia revela a respeito de quais crenças são necessárias à salvação. Parece haver condições absolutas para todas as épocas e condições norm ativas que se aplicam a certos períodos.
16 V id e adiante, n o s u b títu lo “D o u trin a s A b s o lu ta m e n te N ecessárias à S a lv a çã o N u m S en tid o M ais A m p lo .”
17 Por
e x e m p lo , ao se c r e r n a m o r te e re ssu rreiçã o de C risto e, ao m e sm o te m p o , n e g a r-se o n a s c im e n to v irgin al.
i8 Por
e x e m p lo , ao d efen d er q u e to d o s os e n sin o s o rto d o x o s a c e rc a d a salvação são verd ad eiros, m as ja m a is e x e rcita r u m a fé salvífica e m C risto .
19 A n alisarem o s esta q u e stã o ad ian te, e m v árias seções, sob o s u b títu lo “O T e o r d a C re n ç a T e o ló g ica
N ecessária Para a S a lv a ç ã o .”
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As Condições Absolutas A p arentem ente, existem , pelo m enos, quatro crenças soteriológicas sine qua non20 explícitas (o u “elem entos de u m a fé salvífica”) que perpassam todas as épocas:21 (1) Deus existe. (2) Não podem os nos salvar da nossa própria pecam inosidade. (3) A graça de D eus é necessária para a nossa salvação. (4) Precisam os crer em D eus e n a sua graça para receberm os a salvação. Todas elas podem ser encontradas em um apassagem crucial: “Ora, sem fé é impossível agradar-lhe, porque é necessário que aquele que se aproxim a de D eus creia que ele existe e que é galardoador dos que o bu scam ” (Hb 11.6). A prim eira, a terceira e a quarta podem ser vistas no texto — (1) Deus existe, e (3) é galardoador dos que (4) o buscam por fé — e a segunda está im plícita, isto é, (2) sentim os a necessidade de nos achegarm os a Ele por fé e pedir a sua ajuda, reconhecen d o que não podem os vencer o pecado pelas nossas próprias forças. Sem estes aspectos da fé (cren ça), parece im possível a qualquer pessoa, em qualquer época, salvar-se. Este é o “plano universal de salvação.” Apesar do teor relatado da salvação divina diferir nas declarações de Abraão e de Paulo, a m esm a m ensagem básica foi pregada por am bos. Paulo diz que existe som ente u m evangelho (G1 1.8), só que ele, rapidam ente, esclarece que Abraão creu neste m esm o evangelho (G1 3.8). O teor do evangelho revelado a Abraão foi: Então, [Deus] o levou fora e disse: Olha, agora, para os céus e conta as estrelas, se as podes contar. E disse-lhe: Assim será a tua semente. E creu ele no SENHOR, e foi-lhe imputado isto por justiça. (Gn 15.5,6)
Este ato de fé é utilizado nas páginas do N ovo Testam ento co m o exem plo de com o recebem os a justificação diante de D eus (cf. R m 4.3). Q uando Paulo explicitou o teor deste m esm o evangelho (cf. G1 1.8), ele, no entan to, incluiu vários outros acréscim os a esta revelação; ou seja, a crença explícita na m o rte e na ressurreição do Sen h or Jesus C risto pelos nossos pecados (cf. 1 Co 15.1-6). O evangelho em si não havia m udado, contu d o a crença salvífica exigida a respeito do teor deste evangelho havia. M esm o que, a partir de certos versículos (por exem plo, Jo 8.56; G 13.16), pudéssem os argu m entar que Abraão, de algum a fo rm a, teve visões acerca do Messias chegando à sua posteridade,22 ainda não ficaria dem onstrad o que todos os crentes da época do A ntigo Testam ento precisavam crer no evangelho n a sua form u lação n eotestam entária posterior (m ais plena) para a sua salvação. Não existem evidências de que todas as pessoas salvas daquela época com preendiam e aceitavam esta fo rm u lação expandida,23 n e m que algum a delas sabia que Jesus de Nazaré seria o Messias prom etido. O Novo Testam ento faz da fé em o n o m e de Jesus co m o condição explicitam ente necessária para a salvação (cf. A t 4.12; R m 10.9; Jo 3.16-18, 36). P ortanto, apesar do teor obrigatório da crença variar de u m a era para a outra, existe um teor m ín im o de fé, absolutam ente necessário destinado a todas as pessoas, em todas as épocas e em todos os 20 (L a tim ) L ite ra lm e n te : s e m a (s) q u al(is) n ã o . Im p o rta n te s .”
21 V ide c a p ítu lo 6, so b re as d ispen sações.
22V id e ad ian te: “D uas Passagens
23V id e a n te rio r m e n te , n e ste c a p ítu lo : “A D ife re n ça e n tre o O b je to da F é e a Base d a F é .”
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lugares. Por exem plo, Sete, o filho de Adão, teve u m filho “e ch am o u o seu n o m e Enos; então, se com eço u a invocar o n o m e do SEN H O R ” (G n 4.26). Isto continu a norm ativo n a era presente. Paulo declara que “todo aquele que invocar o n o m e do S en h o r será salvo” (R m 10.13), o que ele descreve co m o a confissão de que “Jesus é S e n h o r” (v. 9).
As Condições Normativas e as Dispensacionais C om o vim os acim a, aquilo que é n orm ativam en te necessário às vezes difere daquilo que é absolutam ente necessário. Se Ele desejar, Deus pode exigir que as pessoas, em tem pos futuros, para receberem a salvação, creiam em outras revelações que não fo ram passadas às pessoas de épocas anteriores. O Normativo para uma Época
As razões mais fortes para esta possibilidade, aparentem ente, está baseada na revelação progressiva e na responsabilidade correspondente que os seres hu m anos têm de aceitar e crer n a revelação mais recente, n a fo rm a com o ela é reform ulad a.2"1Independentem ente da base utilizada, é prerrogativa divina definir as condições norm ativas do seu plano salvífico — o B anco do Céu define as condições pelas quais os devedores podem sacar os seus fundos. Na época do A ntigo T estam ento, aparentem ente, não era norm ativo, para fins de salvação, crer-se que Jesus de Nazaré é o Filho de Deus, o qual m o rreu pelos nossos pecados e ressuscitou dentre os m ortos. O Normativo para outra Época
Todavia, a Bíblia afirm a que o co n h ecim en to explícito da expiação e da ressurreição são, agora, condições salvíficas necessárias. Dessa form a, com a progressão da revelação, além de revelar outras verdades, D eus tam bém revelou as novas qualificações de um a fé explícita. E m nossa época não basta sim plesm ente “invocar o n o m e do S e n h o r” (G n 4.26), mas tam bém “confessar com a nossa boca que Jesus é S e n h o r” (cf. R m 10.9), e “crer no Sen h or Jesus C risto” (A t 16.31) e que Ele m o rre u e ressurgiu d entre os m o rtos para nos libertar dos pecados (1 C o 15.1-6).
O TEOR DA CRENÇA TEOLÓGICA NECESSÁRIA PARA A SALVAÇÃO Levando em conta estas conclusões, há, pelo m enos, quatro verdades que precisam os guardar em nossa m en te ao responder a pergun ta acerca do te o r teológico m ín im o necessário à fé exigida para a salvação na nossa época. Primeiro,- não estam os perguntando o que é absolutam ente necessário, mas o que é n orm ativam ente necessário. Ou seja, não estam os perguntando o que D eus precisa exigir de nós para conceder a salvação, mas aquilo que Ele decidiu, por razões que lhe com p etem , exigir de nós para que recebam os a salvação. Segundo , não estam os perguntando qual era o teo r norm ativo necessário da fé salvífica n a época do A ntigo Testam ento (ou em qualquer ou tra era), m as qual é o teor n orm ativam ente necessário da fé salvífica nos dias de hoje. Terceiro, não estam os perguntando o que é implicitamente u m a necessidade norm ativa, m as tam bém o que é explicitamente u m a necessidade norm ativa.25 24 V ide v o lu m e 1, c a p ítu lo í e c a p ítu lo 14, deste v o lu m e .
25 A bo rd a rem o s esta q u e stã o adian te, vide: “D o u trin a s
N o rm a tiv a m e n te N ecessárias (E x p lic ita o u Im p lic ita m e n te ) p a ra a S a lv a çã o n a n ossa É p o c a .”
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Quarto, não estam os perguntando acerca daquilo que u m a pessoa não poderá afirm ar e continu ar na situação de salva, m as sim, o aquilo que ela precisa afirm ar para ser salva. C o m isto em m en te, podem os, então, passar à lista das doutrinas cristãs cruciais e perguntar quais são as doutrinas normativas e necessariamente integrantes da crença salvífica em nossa época. Por questão de brevidade, cham arem os isto de termos da salvação.26 A pergunta-chave será: Quais são as crenças exigidas de u m a pessoa, n esta nossa época,
para que ela possa receber o dom da vida eterna?
A lista dos ensinos soteriologicam ente necessários, em um sentido amplo,27 inclui: (1) A depravação h u m ana;28 (2) A conceição virginal de C risto;29 (3) A ausência de pecado em C risto;30 (4) A divindade de C risto;31 (5) A hum anidade de C risto;32 (6) A unidade de D eus;33 (7) A trindade divina;34 (8) A graça necessária de D eus;35 (9) A necessidade da fé;36 (10) A m o rte expiatória de C risto;37 (11) A ressurreição corpórea de C risto;38 (12) A ascensão corpórea de C risto;39 (13) O m inistério presente de Cristo co m o S u m o Sacerd ote;40 (14) A segunda vinda de C risto.41
Doutrinas absolutamente Necessárias à Salvação em um Sentido Amplo A salvação em u m sentido am plo, do ponto onde estam os até a glória, inclui a justificação, a santificação e a glorificação.42 Ela inclui a salvação do castigo pelos nossos pecados passados, do poder presente que o pecado exerce sobre nós, e da presença fu tu ra do pecado — este é o pacote co m p leto da redenção.43 Para que esta salvação com p leta se to rn e possível, aparentem ente, todas estas doutrinas (os quatorze itens citados n a lista an terior) devem ser verdadeiras. O u seja, elas são ontologicamente (realm en te) necessárias,44 pois sem a realidade de qualquer um a delas, algum aspecto da salvação deixa de ser plausível. Em sum a, ou a totalidade da Teologia soteriológica ortod oxa básica é verdadeira ou a salvação com p leta não está disponível aos seres hum anos. Isto não significa que todos estes itens sejam^
26 P o p u la rm e n te c o n h e c id o c o m o o plano de salvação. 25 V ide p a rte 1 (e s p e c ia lm e n te o c a p ítu lo 5 ).
27 O u seja , re la cio n a d a s à ju s tific a ç ã o , à s a n tifica çã o e à g lo rifica çã o .
29 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 29, e v o lu m e 2, ap ên d ice 1.
c a p ítu lo 14 e apên d ice 1, b e m c o m o os ca p ítu lo s 9 e 12 an te rio res. v o lu m e 1, c a p ítu lo 16 e v o lu m e 2, apên d ice 1.
33 V ide v o lu m e 1, c a p ítu lo 25 e v o lu m e 2, c a p ítu lo 12.
c a p ítu lo 12. 35V id e v o lu m e 2, ca p ítu lo s 15-16 e ta m b é m os ca p ítu lo s 6-7, a cim a . 11. 38V id e v o lu m e 1, ca p ítu lo s 3, 26 e 29, b e m c o m o o v o lu m e 2, apên d ice 1. 10, deste v o lu m e .
40 Ibid.
30 V id e v o lu m e 2,
31 V id e v o lu m e 2, c a p ítu lo 12 e ap ên d ice 1.
32 Vide
34 V id e v o lu m e 2,
36V id e c a p ítu lo s 11 e 15. 37V id e ca p ítu lo
39V id e v o lu m e 2, a p ên d ice 1 e ca p ítu lo s 6 e
41 V id e c a p ítu lo 6, b e m c o m o o v o lu m e 4, c a p ítu lo s 1 6 -1 7 .42 V ide c a p ítu lo 6 . 43V id e c a p ítu lo 9.
" O n to lo g ia é o estu d o do ser e d a existên cia.
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epistemologicamente obrigatórios para o recebim en to da vida eterna.'15 O fato de todos estes princípios precisarem ser (o n tolog icam en te) verdadeiros para que a nossa salvação seja possível não to rn a absolutam ente necessário que u m a d eterm inada pessoa creia (ep istem ologicam ente) em todos eles para se salvar. E im p ortan te perceberm os que tan to a inspiração da Bíblia, quanto a sua inerrância46 não fazem parte deste pacote doutrinário salvífico fu nd am ental. A inspiração bíblica não é uma doutrina soteriológica, mas uma verdade epistemológica. A Bíblia é a base pela qual sabem os se as doutrinas soteriológicas essenciais são corretas. Logo, apesar da inspiração e d ainerrân cia estarem corretam en te listadas com o fundam entais em term o s de representarem verdades básicas do C ristianism o, elas não são soteríologicam ente fundam entais, mas epistem ologicam ente fundam entais, a base sobre a qual está firm ada a confiabilidade dos outros ensinos básicos da fé (n em todos estão diretam ente ligados à salvação).47
Doutrinas absolutamente Necessárias à Salvação em um Sentido Restrito N em todas as doutrinas necessárias à salvação, em u m sentido mais am plo (o da justificação, da santificação e da glorificação) são necessárias à salvação, com preendida em u m sentido mais restrito (o da justificação, pu ra e sim plesm ente). Por exem plo, não é necessário que Cristo esteja, neste m o m en to , intercedendo por nós no céu (o ponto 13 da lista anterior) ou que Ele volte a este m u nd o de fo rm a corpórea (o p o n to 14, acim a) para que a nossa justificação seja possível. As doutrinas 1-12, da lista acim a, entretanto , precisam ser ou explícita ou im p licitam ente verdadeiras por necessidade (de m aneira ontológica) para que a nossa justificação seja possível. A lém disso, não parece ser absolutam ente necessário que todas as doutrinas — da prim eira à décim a prim eira na lista acim a — sejam verdadeiras para que a nossa justificação seja possível,48 m as sim plesm ente que sejam n orm ativam ente necessárias, ou seja, porque D eus desejou que as coisas tom assem este ru m o . Por exem plo, D eus poderia ter providenciado a nossa justificação sem que Jesus precisasse nascer de u m a virgem (a segunda d outrina, acim a); a ausência de pecado no Filho (a terceira doutrina, acim a), em term o s soteriológicos, é absolutam ente necessária, en tretan to o nascim en to virginal não é u m a condição absoluta para o seu caráter in cólu m e (o n ascim en to virginal é u m a evidência dele). Em vez disso, D eus poderia ter feito com que Jesus nascesse de um a concepção im aculada,49 por exem plo, m as isto não teria atraído a m esm a atenção para a sua origem sobrenatural, já que u m a conceição virginal é mais em piricam ente óbvia do que um a concepção im aculada. Tudo o que é absolutam ente necessário no to can te a esta questão guarda relação co m Cristo não herdar a n atu reza pecam inosa de Adão; u m n ascim en to virginal é u m a fo rm a (m as não a ún ica) de cu m p rir com este propósito.® 45 E p iste m o lo g ia é a t e o ria o u o m é to d o d o c o n h e c im e n to . 22 e 29.
46 V id e v o lu m e 1, c a p ítu lo 27; cf. v o lu m e 1, ca p ítu lo s 13-14,
47 O u seja, apesar de ser in c o n siste n te u m a p essoa a p rese n ta r u m a fé salvífica e, depois, r e je ita r o u tro s e n sin o s
essenciais, e stam o s falan d o aqui da fo rm a c o m o u m a p essoa se salva, e n ã o da fo rm a c o m o e la c o n s tró i u m a T eo lo g ia c o n siste n te.
48 Para q u e elas s e ja m a b so lu ta m e n te verd ad eiras. D e u s n ã o p o d eria te r re sta d o o u tr a o p ç ã o a D e u s p a ra dar
in ício à n ossa re d e n çã o .
49 N o d o g m a c a tó lic o , M a ria fo i co n ceb id a de m a n e ira im a cu la d a . A pesar de n ã o h a v e r evidência
de q u e isto seja, de fa to , verdad e; e n tre ta n to esta é u m a p ossibilid ade ló g ica . ^ E xiste u m deb ate sign ificativo a r esp eito de c o m o o n a s c im e n to virgin al, p o r si m e sm o , a ju d o u C risto a n ã o h e rd a r a n a tu r e z a p e c a m in o sa de A dão, já q u e E le e ra g e n e tic a m e n te lig ad o à m ã e (vide ap ên d ice 4 ), e e la (a o c o n trá r io d o e n sin o c a tó lic o ) ta m b é m e ra u m a p e ca d o ra , e, p o r c o n seg u in te, ta m b é m p recisav a de u m S a lv a d o r (cf. Lc 1.46; R m 3.23). A lg u m a s pessoas s u g e re m q ue D eu s p o d e te r g erad o C risto iso la d a m e n te n o ú te ro de M aria, ev itan d o, dessa fo rm a , a ligação g e n é tic a e n tre m ã e e filh o e, c o n s e q ü e n te m e n te , ta m b é m c o m A d ão, m as isto p arece re p re s e n ta r u m a n e g a ç ã o da g e n u ín a n a tu r e z a h u m a n a d e C risto , a qual faz d ele u m m e m b ro da ra ça ad âm ica. E sta n e g a ç ã o ta m b é m o desqu alificaria c o m o R e d e n to r da h u m a n id a d e (vide ap ên d ice 4).
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Dessa form a, apesar de o nascim en to virginal não ser absolutam ente necessário para o caráter ilibado do Filho de Deus, ele, ou algo sem elhante a ele, era necessário (co n form e a vontade de D eus) para assegurar a sua pura perfeição por não herdar a pecam inosidade de Adão. Todavia, apesar de a conceição virginal ser verdadeiram ente necessária para que a nossa salvação se tornasse possível, em parte algum a, a Bíblia apresenta a doutrina co m o u m a crença absoluta ou norm ativa necessária à salvação de u m a pessoa.51 D o u tr in a s n o r m a tiv a m e n te N e c e ssá ria s à F é n a S a lv a ç ã o em to d a s as É p o c a s Precisamos fazer um a distinção entre (1) aquilo que precisa ser absoluta ou norm ativam ente (ontologicam ente) verdadeiro para que sejam os justificados e (2) aquilo que precisamos absoluta ou norm ativam ente (epistem ologicam ente) crer para que sejam os justificados. Deus deseja que com preendam os e acatem os todas as verdades ortodoxas, mas Ele não fez da adesão a todas as verdades ortodoxas um a condição para a nossa redenção.52 Por exem plo, não há evidências convincentes de ter sido norm ativam ente necessário que todas as pessoas, na época do Antigo Testam ento, precisavam crer na Trindade Divina ou no nascim ento virginal, na pureza incólum e de Cristo, na sua divindade, na expiação, na ressurreição corpórea, n a ascensão corpórea, no m inistério presente de Cristo com o Sum o Sacerdote ou na segunda vinda de Cristo.33 Um argum ento poderia, entretanto, ser levantado ao se afirm ar que a m aior parte destas verdades, senão todas, podem ser encontradas, pelo m enos de m aneira implícita, no Antigo Testam ento. Na verdade, os autores do Novo Testam ento se valem do texto do Antigo para embasar muitas das suas doutrinas, tal com o o nascim ento virginal de Cristo (M t 1.23), sua m orte e pureza (1 Pe 2.22-24), a ressurreição (At 2.30-32) e a divindade de Cristo (M c 12.36). N ão estamos alegando que nen h u m a destas verdades fosse conhecida antes do advento de Cristo; som ente observando a falta de evidências para que um a fé salvífica explícita norm ativa nestas verdades fosse necessária para a salvação, no caso dos crentes do Antigo Testam ento. Nada indica que o israelita (ou judeu) com u m precisava crer em todas estas doutrinas, com o condição para a sua justificação. N em m esm o o teor do evangelho revelado a Abraão (cf. G n 15.4-6; G1 3.8) incluía alguns destes ensinos. C om o já vimos, certam ente, na época em que as pessoas com eçaram a “invocar o nom e do S en h o r” (G n 4.26) não havia qualquer exigência de que elas expressassem um a fé explícita na Trindade Divina, no nascim ento virginal de Cristo, nasuapureza, na sua divindade, na expiação, na ressurreição, na ascensão, no seu m inistério de Sum o Sacerdócio celestial, n em no seu retorno à terra.5-1Obviamente, a partir do silêncio, poderíam os argum entar que eles precisavam crer nestas doutrinas. Todavia, com o o texto não diz isso, este argum ento a partir do silêncio é exatam ente isso: um argum ento desprovido de qualquer tipo de evidência. W alter Kaiser (n ascid o em 1933) exagera, de fo rm a clara, na sua arg u m e n ta çã o ao d efend er que “o o b je to da fé do cre n te do A n tig o T e sta m e n to em nad a divergia do nosso, salvo p elo fato do n o m e do seu o b je to ainda n ão te r sido exp licitad o co m o sendo Jesu s” ( “S O T ” in J B T , 11). Esta é a típ ica p osição re fo rm a d a “da a lia n ça .” João C alvin o disse: “A aliança feita c o m todos os p atriarcas é m u ito sem elh a n te à nossa ta n to em substância, q u an to em realidade, e am bas são, b asicam en te, u m a só 51 O b v iam en te , isto está im p líc ito n a c re n ç a n o c a rá te r in c o n ta m in a d o de C risto .
52 E m o u tra s p alavras, o n o sso d esejo
p o r co n sistê n cia te o ló g ic a n ã o n os d á o d ireito de estip u la r padrões de salvação q u e fo ra m deixados e m a b e rto p o r D eus. 53 As d o u trin a s 7, 2-4 e 10-14, a cim a . D e q u a lq u e r fo rm a , a p a re n te m e n te , n in g u é m cria e x p licita m e n te n e la s.
54 Ibid.
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e a m e sm a co isa ” (c o n fo r m e cita çã o fe ita p o r F einberg, C D , 169). C h a rles H odge, de m a n e ira se m e lh a n te , n ã o via d iferenças básicas n o te o r do ev a n g elh o que era n ecessário se c re r p ara se a lca n ça r a salvação ta n to n o A n tig o , q u an to n o N ovo T e stam e n to : O Redentor é o mesmo em todas as dispensações. Aquele que foi predito como sendo a semente da mulher [...] é o nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus [...] Ele, portanto, desde o princípio tem sido proclamado como a esperança do mundo, o SALVATOR HOMINUM. (ibid., 170) C ontudo, esta conclusão não é respaldada pela evidência bíblica. C o m o observou A llen Ross: “É m u ito im provável que todas as pessoas que apresentavam u m a fé salvífica [no A ntigo Testam ento] cressem con scien tem en te na m o rte substitutiva de Jesus Cristo, o Filho de D eu s” (ibid.). Jo h n Feinberg (nascido em 1946) ainda acrescenta: “As pessoas do período do A ntigo Testam en to não sabiam que Jesus era o Messias, que Jesus m orreria, e que a sua m o rte seria a base da salvação dos h o m en s” (ibid., 171). Charles Ryrie resum e, de m aneira apropriada, esta questão: A base da salvação em todas as eras é a morte de Cristo; o requisito de todas as eras é a fé; o objeto de fé em todas as eras é Deus; mas o teor da fé é diferente nas diversas dispensações. (DT, 23) E m sum a, aparentem ente, na m aioria dos casos os requisitos salvíficos do Antigo Testam ento (em term os de crença explícita) eram (1) a fé na unidade de Deus, (2) o reconhecim ento da pecaminosidade hum ana, (3) a aceitação da graça necessária de D eus,55 e, possivelm ente, (4) o entendim ento de que u m Messias haveria de vir.56
Doutrinas normativamente Necessárias (Explícita ou Implicitamente) à Salvação em nossa Época C o m o are v e la çã o é progressiva, e p o rqu e c o m m a is lu z s u rg e u m a responsabilidade m aio r, D eu s te m exigido m ais cren ças so te rio ló g ica s (de fo rm a e x p lícita ou im p líc ita ) a p a rtir do A d v ento de C risto , do que fazia antes d ele (cf. Hb 1.1; 2 .3,4). D epois de u m períod o de tra n siçã o ,57 no qual a n o v a m e n sa g em de Jesus C risto , c o m o sendo o M essias aguardado h á ta n to te m p o e aq u ele que cu m p riria as profecias, estava sendo p ro m u lgad a, o “te o r o b rig a tó rio da fé salv ífica” foi in cre m e n ta d o . A p a ren tem en te, as doutrinas que precisam ser cridas, de form a explicita ou im plícita, para a salvação (justificação) parecem incluir aquelas listadas entre os números 1-11, anteriormente citadas: a unidade e a Trindade de Deus, a depravação humana, a necessidade da graça áe Deus, a necessidade da f é , e o nascimento virginal de Cristo, a pureza completa de Cristo, a sua divindade, sua humanidade, sua morte expiatória e sua ressurreição fís ic a .
A pesar da fé salvífica e x p lícita n a ascen são c o rp ó re a , n o m in isté rio su m o sa cerd o tal e n a segunda vinda de Jesus (as d o u trin a s 12-14, a cim a ), a p a re n te m e n te , n ão serem exigências para a nossa ju stificação inicial, ela é essencial p ara a nossa 55 D o u trin a s 6, 1 e 9, acim a.
36 E m b o ra estas coisas n ã o estivessem e x p licita m e n te p rese n te s e m to d o s os casos — vide
a cim a, n o su b títu lo : “A D ife re n ça e n tre o O b je to e a B ase da F é .”
57 R e g istra d o n o liv ro de A to s (cf. 19. Iss).
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santificação contínua e para a nossa glorificação fin al. A fé n estas três d o u trin as n ão está re lacio n ad a à n ossa lib erta çã o do castigo do pecad o. C o n tu d o , sem a ascen são de C risto , n ão seria possível a sua in tercessã o p resen te p ela nossa san tificação e pela nossa g lo rificação e, dessa fo rm a , n ão p o d eríam o s o b te r a v itó ria sobre o poder do pecad o: “M as este [Jesus], p o rq u e p e rm a n e c e e te rn a m e n te , te m u m sacerd ó cio p e rp é tu o . P o rta n to , pode ta m b é m salvar p e rfe ita m e n te os que p o r ele se ch eg am a D eu s, vivendo sem p re para in te rc e d e r p o r e le s” (H b 7.24,25; cf. G1 5.22; E f 5.18; 1 Jo 2.1,2). D e m o d o s em elh a n te , a sua v o lta (cf. Ap 19) é essencial para a nossa salvação da presença do p ecad o: “S ab em o s que, quando ele se m a n ifestar, serem o s sem elh a n te s a ele; p o rq u e assim co m o é o v e re m o s” (1 Jo 3.2). Mas a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transform ará o nosso corpo abatido, para ser conform e o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas. (Fp 3.20,21) U m exe m p lo n o qual vem o s que a fé e x p lícita n ã o é n ecessária p ara a salvação pode ser e n co n tra d o n a h u m an id ad e de C risto . A pesar de a sua h u m an id ad e ser ab so lu ta m e n te necessária para que a salvação seja possível, ela n ão p arece ser u m a con d ição de fé e x p licita m e n te n ecessária p ara o recebimento do d om da vida e tern a. D esde o p rin cíp io, o Salvad or que viria estava p ro fetizad o n a fo rm a da sem en te da m u lh e r (G n 3.15). Ele d everia n a scer de u m a virgem (Is 7.17) e ser “nascido de m u lh e r ” (G1 4.4). A ú n ica m a n e ira p e la qual Ele p o d eria re co n cilia r D eu s c o m os h o m en s seria p ossu ind o estas duas naturezas (vide ca p ítu lo 9): “Porque há u m só D eus e u m só m ed iad or e n tre Deus. e os h o m e n s, Jesus C risto , h o m e m ” (1 T m 2.5). Na verdade, n eg ar a h u m an id ad e de C risto é heresia. Jo ão escrev eu : Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que está já no mundo. (1 Jo 4.2,3; cf. 2 Jo 7) Todavia, apesar da h u m an id ad e de C risto re p re sen ta r u m a base n ecessária para a nossa salvação, a f é explícita nela n ão p arece ser u m a con d ição para o re ce b im en to da vida e tern a . E xistem vastas evidências ao lo n g o do N ovo T e sta m e n to de que a fé implícita n a h u m an id ad e de C risto era u m a co n d ição n ecessária para a salvação. A lém de tu d o , era óbvio p ara todas as pessoas que C risto era u m ser h u m a n o : ele teve m ãe, n asceu , cre sceu , tin h a irm ã o s e fazia tu d o o que os o u tro s seres h u m a n o s faziam , e x ce to p ecar (H b 4.15). C o m o a sua h u m an id ad e foi p red ita, esperad a e observada, ela n ã o precisava ser ap resen tad a co m o u m a co n d ição e x p lícita para a salvação. Em função dos hereges d ocetistas te re m co m eça d o a negar, p o ste rio rm e n te , a h u m an id ad e de Jesus, ela passou a ser e x p lic ita m e n te afirm ad a p ela Ig re ja C ristã, co m base no T e x to Sagrad o. P o rta n to , tod os os que v erd a d eira m en te crê e m n ele para a salvação — isto é, que ap resen tam u m a fé salvífica — p recisa m ter u m a fé ex p lícita ou im p líc ita n a h u m an id ad e de C risto . N in g u ém pode, e x p licita m en te , n e g á-la e ser u m salvo.
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Doutrinas que Precisam Ser Explícita e normativamente Cridas para a Salvação na nossa Época A lém da pecam inosidade hu m ana, a unidade de D eus e a necessidade da graça de D eus,58 parece que há três crenças explícitas e u m a o u tra im plícita necessárias para a salvação em nossos dias. As condições explícitas de u m a fé salvífica são a divindade de Cristo, a m o rte expiatória e a ressurreição física.59 A condição de fé implícita: a aceitação da Trindade,60 está ligada à fé na divindade de Cristo, já que a cren ça de que Jesus é o Filho de Deus im plica que Ele tem u m Pai que é Deus. O ú n ico elem en to básico da Trindade61 que aqui não é im plicado é o n ú m ero exato de pessoas envolvidas.62 Em sentido restrito (e m term os de justificação), na A ntiga A liança não era absolutam ente necessário crer na m o rte expiatória de C risto (1 Co 15.1-16), n em na ressurreição corp órea (R m 4.25), já que não há base real para a idéia de que as pessoas que antecederam a prim eira vinda de Jesus necessitavam ter u m a fé salvífica nestas verdades.63 Todavia, parece evidente que para a salvação, em nossos dias, é normativamente necessário exercitarm os u m a fé salvífica tan to n a m o rte, quanto na ressurreição de Cristo. C o m o já vim os, Paulo lista cada u m a destas coisas com o parte inseparável da m ensagem do evangelho (1 C o 15.1-6; cf. R m 10.9). Q uem desobedecer este evangelho ún ico e singular estará perdido para sem pre (2 Ts 1.7-9) e “se C risto não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda perm aneceis nos vossos pecados” (1 C o 15.17).
SERÁ QUE A FÉ NA DIVINDADE DE CRISTO É NECESSÁRIA PARA A SALVAÇÃO? Apesar de haver u m grande consenso entre os evangélicos de que u m a fé explícita na m o rte e n a ressurreição de Cristo é u m a exigência soteriológica,64 existe ainda u m debate considerável acerca da fé na divindade de Cristo ser u m a exigência salvífica nos nossos dias. Dois pontos são cruciais nesta análise: o prim eiro, seria necessário crerm os que Jesus é S en h o r para nos salvarmos? E o segundo, será que o uso que o N ovo T estam en to faz do term o Senhor, ao se referir a Jesus, significa divindade?
É Salvificamente Necessário Crer que Jesus Cristo É o Senhor? A prim eira pergunta é a que tem a resposta mais fácil já que, com o já vim os, isto é precisam ente o que Paulo está ensinando em R om an os 10.9: “Se, com a tua boca, confessares ao Sen h o r Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos m o rtos, serás salvo.” Atos 16.31 declara: “C rê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo,” e Atos 2.21 declara que “todo aquele que invocar o n o m e do S en h o r será salvo”. No m esm o serm ão (cf. v. 34), Pedro cham a Jesus de Senhor e acrescenta: “Saiba, pois, co m certeza, toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fe z Senhor e Cristo” (A t 2.36). Atos 3.14-16 diz: 58 As d o u trin a s 1, 6 e 9, acim a.
59 As d o u trin a s 4, 10 e 11, a cim a .
n a u n id ad e de essên cia (vide v o lu m e 2, c a p ítu lo 12).
60A d o u tr in a 7, acim a.
filA m u ltip licid a d e de pessoas
“ C o m o já v im o s, tu d o isto su g ere q u e as d o u trin a s 2, 3, 12, 13
e 14 — o n a s c im e n to v irginal, asar de c o n tin u a r e m sen d o ontologicamente necessários p a ra a salvação n u m sen tid o a m p lo . üC o m o já foi afirm ad o , o b v iam e n te, é a b so lu ta m e n te n ecessá rio — e m n ív el o n to ló g ic o — q u e C risto t e n h a m o r rid o e ressu scitad o a fim de to r n a r possível a salvação
^ A lg u m a s pessoas n e g a m q u e a fé e x p lícita n a m o r te e n a re ssu rreiçã o
de C risto se ja n ecessária para a salvação n a n o ssa é p oca. M e sm o assim , elas a d m ite m q u e a veracid ad e destas coisas é n e cessária p ara q u e a n ossa salvação se ja possível. As nossas razõ es p a ra r e je ita r esta p o sição n o deb ate in te rn o e n tre os e v an g élicos estão exp ostas n o c a p ítu lo 14.
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Mas vós negastes o Santo e o Justo e pedistes que se vos desse u m h o m e m hom icida. E m atastes o Príncipe da vida, ao qual D eus ressuscitou dos m ortos, do que nós som os testem unhas. E, pela fé n o seu nom e, fez o seu n o m e fortalecer a este que vedes e conheceis; e a fé que é p o r ele deu a este, n a presença de todos vós, esta perfeita saúde. A lém do mais, eles foram exortados: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham , assim, os tem pos do refrigério pela presença do S e n h o r” (v. 19) Em u m a m ensagem posterior, Pedro acrescenta: “O D eus de nossos pais ressuscitou a Jesus, ao qual vós m atastes, suspendendo-o n o m adeiro. Deus, com a sua destra, o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrepend im ento e rem issão dos pecados” (A t 5.30,31). C o m o já vim os, ao se dirigir aos gentios, ele afirma: “A palavra que ele enviou aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus C risto (este é o Senhor de todos ) (10.36); "todos os que nele crêem receberão o perdão dos pecados” (v. 43). Paulo afirm a em R om an os 1.1-4 que o “evangelho,” o qual por si m esm o é o “poder de Deus para a salvação” (v. 16) trata “acerca de seu Filho [Jesus Cnsto, o Filho de D eus], que [...] [foi] [...] declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos m o rto s”. Ele acrescenta em 1 Coríntíos 2.8 que “os príncipes deste m u nd o [...] cru cificaram o Senhor da g lória .” Em 2 Coríntios 4.3,4 ele declara: Mas, se ainda o nosso evangelho está encoberto, p ara os que se perd em está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendim entos dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus. No versículo seguinte ele fala em “Cristo Jesus, o S en h o r.” Ele tam bém m enciona a salvação dos seus com patriotas judeus: “Dos quais são os pais, e dos quais é Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente" (R m 9.5). E a este m esm o “Sen h or de todos” (R m 10.12) que as pessoas precisam invocar para serem salvas. Em o u tra parte do T exto Sagrado, Paulo acrescenta ainda que “nin g u ém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito S a n to ” (1 Co 12.3). Em sum a, existem várias passagens que cham am Jesus tanto de Senhor, quanto de Deus em conexão direta com a salvação. P ortanto, a fé em Jesus Cristo com o sendo Deus é um a exigência salvífica. O U so d o T e r m o S e n h o r q u a n d o A p lic a d o a Je s u s C r is to S ig n ific a “D iv in d a d e ” ? A o u tra questão refere-se ao term o Senhor (grego: kurios), ao se referir a Cristo, significa “divindade.”61 As evidências do Novo T estam en to indicam um a resposta positiva. Considere as seguintes inform ações. Primeiro, o Messias que os judeus tan to esperavam era considerado divino no Antigo T estam ento. O Salm o 45.6 se refere a Ele com o sendo “D eu s,”: “O teu trono, ó Deus, é eterno e perpétuo; o cetro do teu reino é um cetro de eqüidade.” U m a confirm ação de que isto era com preendido com o um a referência à divindade de C risto pode ser auferida de Hebreus 1.8: “Mas, do Filho, [Deus-Pai] diz: Ó D eus, o teu tro n o subsiste pelos séculos dos séculos, cetro de eqüidade é o cetro do teu rein o.” Isto está no con texto de um a pergunta feita pelo au tor da carta: Porque a qual dos anjos disse jamais: Tu és m e u Filho, hoje te gerei? E o u tra vez: Eu lhe serei p o r Pai, e ele m e será p o r Filho; E, quando o u tra vez in tro d u z no m u n d o o Prim ogênito, diz: E todos os anjos de Deus o adorem, (vv. 5,6) 63V ide ta m b é m o c a p ítu lo 11, nos c o m e n tá rio s sobre 2 P edro 2.1.
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A partir disto, fica claro que o en tend im ento dos judeus era de u m Messias que era Criador e não criatura — c o m o , por exem plo, o arcanjo M iguel.66 Segundo, Jesus silenciou os seus opositores (os fariseus) citando o Salm o 110.1, o qual, segundo afirm ou o M estre, fala da sua divindade: E, estando reunidos os fariseus, interrogou-os Jesus, dizendo: Que pensais vós do Cristo? De quem é filho? Eles disseram-lhe: De Davi. Disse-lhes ele: Como é, então, que Davi, em espírito, lhe chama Senhor, dizendo: Disse o Senhor [Deus-Pai] ao meu Senhor [Deus-Filho]: Assenta-te à m inha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés. Se Davi, pois, lhe chama [a Cristo] Senhor, como [Cristo] é seu filho [de Davi]? (M t 22.41-45) Isaías 9.6 é o u tra afirm ação clara da divindade de C risto: Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. D e m an eira sem elh an te, Isaías 7.14 co n firm a que C risto é D eus: “P o rtan to , o m esm o S e n h o r vos dará u m sinal: eis que u m a virgem con ceberá, e dará à luz u m filho, e será o seu n o m e E m a n u el,” isto, de acordo co m M ateu s 1.23, significa “Deus co n o sco .” Provérbios 30.4 fala do “filh o ” de Deus: Quem subiu ao céu e desceu? Quem encerrou os ventos nos seus punhos? Quem amarrou as águas na sua roupa? Quem estabeleceu todas as extremidades da terra? Qual é o seu nome, e qual é o nome de seu filho, se é que o sabes? O Salm o 2 tam b ém se refere a D eu s-F ilho: Tu és meu Filho; eu hoje te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e os confins da terra por tua possessão. Tu os esmigalharás com uma vara de ferro; tu os despedaçarás como a um vaso de oleiro. Servi ao SENHOR com tem or e alegrai-vos com tremor. Beijai o Filho, para que se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se inflamar a sua ira. Bem-aventurados todos aqueles que nele confiam, (vv. 7-9,
11,12) Terceiro, os evangelhos afirm am a divindade de Jesus. Pedro confessou que ele era divino: “Tu és o C risto [ou, o Messias], o Filho do Deus vivo” (M t 16.16). Os fariseus in stan tan e am e n te re co n h e ce ra m a afirm ação de divindade feita por Jesus, vejam os a sua reação: “Por que diz este assim blasfêmias? Q u em pode p erd oar pecados, senão D eus?” (M c 2.7) — esta d eclaração foi sem elh a n te à do S u m o Sacerd ote, quando este p erg u n to u a Jesus se Ele era m esm o o Messias: E Jesus disse-lhe: Eu o sou, e vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todopoderoso e vindo sobre as nuvens do céu. E o sumo sacerdote, rasgando as suas vestes, 66 C om o algumas seitas defendem.
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disse: Para que necessitam os de mais testem unhas? Vós ouvistes a blasfêmia; que vos parece? E todos o co n sid eraram culp ad o de m o rte . E algu ns c o m eç aram a cuspir nele, e a cobrir-lhe o rosto, e a d a r-lh e p u n h ad as, e a dizer-lhe: Profetiza. E os servidores davam -lhe bofetadas. (M arcos 14.62-64) O apóstolo João, no seu evangelho, fala de Jesus co m o sendo tanto Deus com o Criador: No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas p o r ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. (1.1-3) Jesus ch ocou os judeus ao declarar que Ele era o “Eu sou,” ou seja, Yahweh (hebraico: YHW H), que se revelou a Moisés com este n om e (em Êxodo 3.14). Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que, antes que A braão existisse, eu sou. Então, pegaram em pedras para lhe atirarem ; m as Jesus ocultou-se, e saiu do tem plo, passando pelo m eio deles, e assim se retiro u [...] [Posteriorm ente, Jesus disse:] Eu e o Pai somos um. Os judeus pegaram , então, o u tra vez, em pedras para o apedrejarem . R espondeu-lhes Jesus: Tenho-vos m ostrado m uitas obras boas procedentes de m eu Pai; p o r qual dessas obras m e apedrejais? Os judeus responderam , dizendo-lhe: N ão te apedrejam os p o r algum a obra boa, mas p ela blasfêm ia, porque, sendo tu homem, te fa z es Deus a ti mesmo. (Jo 8.58,59; 10.30-33) Tom é fez a seguinte confissão diante de Jesus: “S en h or m eu, e Deus m e u !” (Jo 20.28). Até m esm o no dia do seu nascim en to, Jesus recebeu honrarias divinas. M ateus o cham a de “E m an u el”, que, traduzido, significa “Deus co n o sco ” (M t 1.23). Os anjos anunciaram : “Na cidade de Davi, vos nasceu h o je o Salvador, que é Cristo, o S e n h o r” (Lc 2.11). Os m agos o trataram co m o um a divindade, pois “entrando na casa, acharam o m enino com M aria, sua m ãe, e, prostrando-se, o adoraram" (M t 2.11). A adoração era algo que somente se fa z ia a D eus (M t 4.10). Q uarto , ao lon go do livro de A tos, o qual relata um períod o bastante incipiente do C ristianism o, Jesus é cham ad o de Senhor (grego: h in o s ) ,67 que d en ota D eus, co m o pode ser visto no fato deste vocábu lo ser a trad u ção do te rm o h ebraico indicativo de S e n h o r ( Y H W H ) . YHW H sem pre significa “D ivindade.” Em Atos Jesus não som en te é cham ad o de S en h o r, m as tam b ém tratad o co m o Divindade. A aplicação que Pedro faz do Salm o 110.1, o qual atribui a divindade a C risto p o r in term éd io do te rm o Senhor ( kurios ), co n firm a que ele n ão so m en te era entendid o co m o significado de “D ivindade”, m as tam b ém que era n o rm ativ o para a confissão que os cristãos prim itivos faziam de que Jesus era Deus: Deus ressuscitou a este Jesus, do que todos nós som os testem unhas. De sorte que, exaltado e tendo recebido do Pai a prom essa do Espírito Santo, d erram o u isto que vós agora vedes e ouvis. Porque Davi não subiu aos céus, m as ele próprio diz: Disse
pela destra de Deus
67 O c a s io n a lm e n te o N ov o T e s ta m e n to , e m o u tro s co n te x to s , u tiliza o v o cá b u lo kurios p ara se re ferir a cria tu ra s, o q u e em ce rtas situ ações significa “m e s tr e ” o u ‘‘s e n h o r .” P o r e x e m p lo , í Pedro 3.6 reg istra q u e S a ra c h a m a v a A braão de kurios, m as o c o n te x to rev ela a d iferença: n a q u e le caso o te rm o n ã o im p lica v a o u tra s a trib u içõ es c o m o Deus, adoração, ser o destinatário de orações, c o m o foi o caso c o m Jesus (cf. M t 3.3; Jo 19.37).
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o Senhor [o Pai] ao meu Senhor [o Filho]: Assenta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés. Saiba, pois, com certeza, toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo. (Atos 2.32-36) P o rta n to , co m o o N ovo T e sta m e n to a firm a que Jesus é Senhor, e c o m o n este c o n te x to o te rm o Senhor significa “D iv ind ad e,” só resta -n o s saber se a fé n o sen h o rio ou n a divindade de C risto é u m a exig ên cia n e o te s ta m e n tá ria para a ju stific a ç ã o .68 Se a “confissão v e rb a l” de que “Jesus é S e n h o r ” (cf. R m 10.9) significa o re c o n h e c im e n to de que Jesus é D eu s, a co n se q ü ê n cia ló g ica disso é que a cre n ça n a sua divindade é n o rm a tiv a m e n te n ecessária para a salvação n o N ovo T e sta m e n to . M esm o em A tos é evid ente que a cre n ça n a divindade de C risto é ap resen tad a c o m o u m a p a rte e x p lícita do ev an g elh o . C o n fo rm e m e n cio n a m o s a n te rio rm e n te , E stevão, o p rim e iro m á rtir c ristão , o ro u : “Senhor Jesu s, recebe o meu espirito” (7.59), e o u tras referên cias à divindade de Jesus são fartas (p o r e x e m p lo , 2.32, 34, 36, 39, 7.60). D esde os tem p o s m ais re m o to s do N ovo T e sta m e n to , p o rta n to , os cren tes e n te n d iam que ch a m a r Jesus de Senhor significava a trib u ir a ele divindade. D e m o d o s em elh a n te , a o rie n ta çã o de Paulo para con fessarm o s Jesus c o m o S e n h o r (R m 10.9) ta m b é m se refere ao seu status divino. C onfissões desta n a tu re z a n ão eram sim p lesm en te u m a h o n ra ria co rriq u e ira no C ristia n ism o ju d a ico p rim itiv o , o que é co n firm ad o p elo uso c risto ló g ic o quase que exclu sivo do v o cá b u lo kurios, refe rin d o se à divindade n u m c o n te x to de ad oração. C o m o já vim os, o c a rce re iro de Filipos ou viu a segu in te afirm ação : “C rê n o S e n h o r Jesus C risto e serás salvo, tu e a tu a casa” (A t 16.31). A esta altu ra, te n ta re m o s re su m ir a q u estão te o ló g ic a re la tiv a m en te co m p le x a dos te rm o s u tilizad os p ara a salvação. A tab ela abaixo não tra ta d aqu ilo que era n ecessário para a salvação n a ép o ca do A n tig o T e sta m e n to , ta m p o u c o se refere d aqu ilo que p recisa ser verdadeiro acerca de C risto p ara que a salvação seja possível. O o b je tiv o d ela, e n tre ta n to , é ap resen tar aquilo em que é n ecessário c re rm o s n esta nossa ép o ca para fins de salvação (ju s tific a ç ã o ) — as con d ições necessárias de fé apresentad as p elo N ovo T e sta m e n to c o m o n o rm a tiv a s p ara a nossa salvação (ju s tifica çã o ) nos dias de h o je . E possível que os q u ato rze iten s da c o lu n a a n te rio rm e n te d escrita necessitem ser verdadeiros antes da salvação n o sen tid o m ais am p lo (d a ju stifica çã o , da san tificação e da g lo rifica çã o ). C o n tu d o , so m e n te os iten s 1-11 são necessários p ara que a ju stifica çã o em si o co rra . N em to d o s eles p recisam ser cridos para que seja m o s salvos (ju stificad o s). A p a rtir da co lu n a ao lado, o sim ou não, n a c o lu n a assinalada, c o m a palavra Absolutam ente se re fe re m àq u ilo que é ou n ão é u m a necessidad e ab so lu ta de fé p ara a
salvação nos nossos dias; ou seja, se D eus p o d eria ou n ã o salvar alg u ém sem que esta pessoa cresse n e ste p o n to esp ecífico .69 O sim ou não n a co lu n a assinalada c o m a palavra Normativamente se refere algo que é ord en ad o p o r D eu s, m as que n ã o é a b so lu ta m e n te n ecessário ; ou seja, que a fé 68 Isto n ã o é o m e sm o q u e o deb ate d a salvação p e lo s e n h o rio (vide c a p ítu lo 15), n o qual a q u e stã o p rin cip a l g ira e m to r n o da necessid ad e de e n tro n iz a r C risto c o m o M e stre d a sua vida p a ra p o d er re c e b e r a salvação.
69 U m sim ta m b é m sign ifica
q ue é a b so lu ta m e n te n ecessário q u e to d as as pessoas, e m todas as ép o ca s,‘c re ia m n e ste p o n to para se salvarem .
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n aq u ele p o n to é exigida p o r D eus p o r razões que so m e n te c o m p e te m a E le, não p o rq u e a salvação não seria possível sem a fé n e ste p o n to esp ecífico .70 O sim ou não debaixo da colu n a Explicitamente se refere a itens nos quais é preciso exercer um a fé explícita para receber a salvação. O sim ou não na colu n a Implicitamente representam verdades que, apesar de não serem parte explícita do teor de crença necessário para a salvação em nossos dias, estão im plícitas em outras verdades nas quais a fé é explicitam ente necessária para a salvação nos dias de hoje. O q u e É N e c e s s á rio C r e rm o s n o s n o s s o s D ias p a ra a S a lv a ç ã o Absolutamente
Normativamente
Explicitamente
Só Implicitamente
(1) Depravação Humana (2) A conceição Virginal de Cristo
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
(3) A natureza sem pecado de Cristo
Não
Sim
Não
Sim
(4) A humanidade de Cristo
Não
Sim
Não
Sim
(5) A divindade de Cristo (6) A unidade de Deus (7) A Trindade
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Não -
Não
Sim
Não
Sim
(8) A Necessidade da Graça (9) A Necessidade da Fé (10) A morte expiatória de Cristo
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Não
Não
Sim
Sim
Não
(11) A ressurreição corpórea de Cristo
Não
Sim
Sim
Não
(12) A ascensão corpórea de Cristo71
Não
Não
Não
Não
(13) 0 ministério atual de Cristo como Sumo Sacerdote no céu (*)
Não
Não
Não
Não
(14) A segunda vinda de Cristo em forma física (*)
Não
Não
Não
Não
(*) Vide n ota de rodapé do item 12. U m sim aqui, de ig u ai-fo rm a, sign ifica q u e e sta fé e ra ta m b é m n o rm a tiv a m e n te n ecessá ria p a ra a salvação das pessoas n o passado.
71 C o m o já v im o s, as d o u trin a s 12-14 (a ascen são c o rp ó r e a de C risto , o seu m in is té rio a tu a l c o m o S u m o
S a c erd o te ce lestia l e a segu n d a vin d a) p recisa m s er n e c essa ria m e n te verd ad eiro s para q u e seja m o s santificados/glorificados, m as n ã o p ara q u e se ja m o s salvos.
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E m sum a, para a salvação, nos dias de h o je, é necessário que um a pessoa creia explicitam ente nas doutrinas 5, 6, 8, 9, 10 e 11: em ú ltim a análise, estam os falando da unidade de Deus; da divindade, da m o rte expiatória e ressurreição corp órea de Cristo; da necessidade da graça de D eus e da necessidade da nossa fé. As D ou trinas 1, 2, 3, 4 e 7 — a depravação hu m ana; o n ascim en to virginal, o caráter sem pecado e a hum anidade de Cristo bem co m o a Trindade — som ente precisam de u m a fé im plícita e que não sejam negados de fo rm a explícita que a pessoa receba a salvação.72
A BASE HISTÓRICA DO TEOR DA SALVAÇÃO A questão do teor da salvação não foi u m a questão relevante para a m aior parte dos principais Pais da Igreja. No geral, eles se con centravam em questões mais p rem entes73 e na negação tácita da fé.74 Todavia, u m a com preensão básica das suas perspectivas pode ser extraída dos seus escritos.
Os Pais Eclesiásticos da Era Pós-Apostólica Jo ã o Crisóstomo (3 4 7 -4 0 7 d. C .)
Ao mesmo tempo o Apóstolo [Pedro] lança medo sobre eles [em Atos 2], ao lembrá-los das trevas ocorridas nos últimos tempos, e fazendo com que eles passassem a aguardar as coisas do futuro. “Antes de chegar aquele grande e terrível dia do Senhor.” Pois não estejam seguros, é o que ele quer dizer, porque no presente vós pecais na impunidade [...] E se estas coisas são somente o prelúdio daquele dia, sabemos que estamos diante de um perigo vindouro terrível. Mas, e depois? Ele os deixa, novamente, tomar um fôlego, acrescentando: “E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.” [cf. Rm 10.13], Isto é dito com relação a Cristo. (HA, 5)
Os Pais da Era Medieval Tomás de Aquino (1225-1274) A salvação do homem não poderia ser alcançada de outra forma, senão por intermédio de Cristo, de acordo com Atos 4.12: “Nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos.” Conseqüentemente a lei que traz todos à salvação não poderia ser entregue antes do advento de Cristo. Entretanto, antes da sua vinda era necessário entregar ao povo, do qual Cristo nasceria, uma lei contendo certos rudimentos da justiça para a salvação, a fim de prepará-lo para receber o Messias. (ST, II.1.2.91)
Os Líderes da Reforma João Calvino (1509-1564) Tudo o que dissemos até o momento acerca de Cristo nos leva a esta conclusão, que condenados, mortos e perdidos em nós mesmos, precisamos buscar nele a justiça, a libertação, a vida e a salvação, como nos ensinam as célebres palavras de Pedro: “Em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, 72 Estas d o u trin a s fa z em p a rte d a jid ei implicitus (fé im p líc ita ). C ristian ism o .
73 H eresias in te rn a s.
74 R e je içõ e s e x te rio re s do
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dado entre os hom ens, pelo qual devam os ser salvos” (At 4.12). O n o m e de Jesus não nos foi entregue pelo acaso, n e m de m aneira fortuita, tam p o u co pela vontade de hom ens, mas foi trazido do céu p o r u m anjo, p ara ser o arau to do decreto suprem o; e tam b ém p o r u m a o u tra razão: “Porque ele salvará o seu povo dos seus pecados” (M t 1.21). Nestas palavras, precisam os, ainda, p restar atenção a algo que já foi observado em o u tra parte: o ofício de R edentor lh e foi designado p ara que ele pudesse ser o nosso Salvador. ( I C R , II. 16.1) O s M e stre s d o P e río d o P o s te r io r à R e fo rm a Jacó Armímo (1560-1609) A necessidade da fé n a cruz não surge da circunstância da d o u trin a da cruz ser pregada e exposta aos hom ens; mas, com o a fé em C risto é necessária, de acordo com o decreto de Deus, a d o u trin a da cru z é pregada, de fo rm a que todos aqueles que nela crerem possam ser salvos. A fé em C risto não é necessária som ente p o r conta do decreto de Deus, mas tam bém p o r conta da prom essa feita a C risto pelo Pai e de acordo com a Aliança que foi ratificada p o r ambos. Este é o con teú d o desta prom essa: “Pede-m e, e eu te darei as nações p o r herança” (Salm o 2.8). Mas a herança de Cristo é a m u ltid ão dos fiéis; “O teu povo se apresentará v oluntariam en te no dia do teu poder, com santos o rn am en to s” (SI 110.3); “Todas as nações serão benditas em ti. De sorte que os que são da fé são benditos com o crente A braão” [Gaiatas 3.8-9], ( W J A , I., Segundo Discurso) Jonathan Edwards (1703-1758) O utra passagem m arcan te na qual está claram ente predito que u m a form a sem elhante de se professar a religião deveria ter continuidade na época do evangelho, é Isaías 45.22-25: O lhai para m im e sereis salvos, vós, todos os term os da terra; p o rq u e eu sou Deus, e não há outro. Por m im m esm o te n h o jurado; saiu da m in h a boca a palavra de justiça e não to rn ará atrás: que diante de m im se dobrará todo joelho, E POR MIM JURARÁ TODA LlNGLIA. De m im se dirá: Deveras no SENHOR há justiça e força; até ele virão, mas serão envergonhados todos os que se irritarem contra ele. Mas no SENHOR será justificada e se gloriará toda a descendência de Israel. O que aqui é cham ado de ju ram en to , o apóstolo, ao citar no v am en te esta passagem, cham a de confissão. Em R om anos 14.11 lem os: “Toda língua confessará a D eus.” Filipenses 2.10 diz: “para que [...] toda língua confesse que Jesus C risto é o S enhor.” Esta é a palavra n o rm alm en te utilizada em o Novo T estam ento para representar a profissão pública de fé de u m a religião. D esta fo rm a tem os R om anos 10.9-10 [...] O nde u m a profissão verbal pública da religião é evidentem ente considerada com o grande obrigação de to d o o povo de Cristo, da m esm a form a cjue a fé nele. E n o rm alm en te u m requisito para a salvação, não que isto seja necessário no m esm o nível que a fé é, mas de m aneira sem elhante ao batism o. A fé e a profissão verbal são, conju n tam en te, tratadas aqui com o necessárias à salvação, da m esm a m aneira que a fé e o batism o tam bém são em Marcos 16.16. ( R W G in WJE, III.2.2)
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A doutrina comum da igreja sempre tem estado em oposição a estas posições diferentes, já que o plano de salvação sempre foi o mesmo desde o princípio. Temos a mesma promessa de libertação dos males da apostasia, o mesmo Redentor, as mesmas condições exigidas para a participação das bênçãos da redenção e a mesma salvação completa para todos os que aceitam a oferta da misericórdia divina, conforme citação feita em Hodge, ST, 2.367. Philip Schaff (1819-1893)
É o Evangelho do AMOR. O seu lema prático é: “Deus é amor.” Na encarnação da palavra eterna, na missão histórica do seu Filho, Deus nos deu a maior de todas as provas do seu amor pela humanidade. Só no quarto evangelho, lemos esta frase maravilhosa que contém a própria essência do Cristianismo: “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” [Jo 3.16], (HCC, 1.1.12.2) 0 Catecismo M enor de Westminster
Como nos tornamos partícipes da redenção conquistada por Cristo? Tornamo-nos partícipes da redenção conquistada por Cristo por intermédio da aplicação efetiva que o Espírito Santo faz dela em nós (Pergunta 29). Como o Espírito Santo aplica em nós a redenção conquistada por Cristo? O Espírito aplica em nós a redenção conquistada por Cristo, pela operação da fé em nós e, desse modo, unindo-nos a Cristo no seu chamado efetivo (Pergunta 30).
RESUMO E CONCLUSÃO A questão dos term o s utilizados para a salvação é u m assunto difícil e com plexo no qual existe m u ita divergência no m eio evangélico. A p arentem ente, isto se dá, em grande parte, à falha em se distinguir de fo rm a objetiva as m uitas questões, en tretan to , m esm o resolvendo-se estas, ainda p erm an ecem diferenças residuais. C o m respeito ao que é explicitam ente necessário e o que é sim plesm ente im p licitam ente necessário, o te o r im plícito da jidei impliátus não está tão claram ente expresso nas páginas do Novo T estam ento quanto m u itos gostariam que estivesse. O círculo mais amplo da Ortodoxia engloba aqueles que confessam as exigências normativas de f é (na sua form a explícita ou implícita) em todas as verdades necessárias à salvação, as quais, de acordo com nosso entendimento, incluem, na sua form a mínima, as doutrinas 1-11 da lista anteriormente passada neste capítulo.
Duas Passagens Importantes Existem outras questões mais centrais que exigem u m exam e mais detalhado do que o im plem entad o nesta seção do livro. Duas delas, en tretan to , devem ser consideradas de fo rm a sucinta. Jo ã o 8.56
Jesus afirm a que Abraão teve u m a visão dos seus dias (de Jesus) e se alegrou. Será que Abraão viu o “dia” de Jesus do céu, co m o oco rreu com M oisés e Elias no “M onte da Transfiguração” (cf. M t 17.1-3)? O u será que Abraão viu isto m esm o n o tem p o do A ntigo Testam ento, antevendo a obra da cruz? Será que A braão viu isto de fo rm a explícita ou im plícita? No geral, não im p orta m u ito qual foi o m od o pelo qual Abraão “viu ” o “dia”
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de Jesus. Afinal de contas, será que alguém mais na época do Antigo Testam ento tam bém teve esta visão? E, será que as coisas que Abraão creu eram n orm ativam en te necessárias para a salvação no Antigo Testam ento? Parece não haver indícios para u m a resposta positiva para estas duas últim as perguntas. Dessa form a, o que era norm ativam en te necessário, p o rtan to , parece ter sido m enos do que é norm ativam ente necessário nesta nossa época. Gaiatas 3
Paulo co n firm a que o ev an g elh o foi pregado p ara A braão (v. 8). Será que o te o r deste “e v a n g e lh o ” era o m esm o do ev a n g elh o que foi expresso p o r Paulo em 1 C o rín tio s 15.1-6? LTma análise do que a passagem diz sugere que n ão. Apesar de G álatas 3.16 se refe rir à sem en te de A braão que se cu m p riria em C risto , não está claro se A braão co m p reen d ia as coisas desta fo rm a . A pesar disto, tica im p líc ito o uso d uplo que a palavra semente te m n a q u ela passagem : u m a vez ela se retere a C risto e o u tra a Israel. O P rofessor T h o m a s H ow e, m eu co m p a n h e iro , sugere que existem dois usos d iferentes deste v o cáb u lo nos tex to s do A n tigo T e sta m e n to : um se refere à sem en te de A braão (C ris to ) e o o u tro à m u ltip lica çã o da sem en te de A braão (Israel). A palavra semente (greg o: sperrna), ta n to n o A n tigo T e sta m e n to grego, do qual Paulo p ro v av elm en te extraiu a cita çã o , q u an to em o N ovo T e sta m e n to , está n o singular (apesar dela p od er se referir, de igual fo rm a , ta n to a indivíduos, q u anto a coletiv os co m o sendo u m só g ru p o ). Isto exp licaria o a rg u m e n to que Paulo lev an ta em G álatas 3.16 no qual “s e m e n te ” se refere a C risto , m as deixa espaço p ara referências óbvias à “s e m e n te ” co m o sendo a m u ltid ã o da d escen d ên cia que seria gerada p o r A braão (cf. G n 15.5; 22.17,18). M esm o que este seja o caso, ele p arece ser u m dos m istério s do N ovo T e sta m e n to que o u tro ra esteve o c u lto e foi, agora, revelad o (cf. E f 3.4,5). S e ja co m o fo r, não existem evidências de que n e m a pessoa, n e m a obra salvífica de C risto fossem n o rm a tiv a m e n te co n h ecid as n a ép oca do A n tigo T e sta m e n to . Pode ser que, tal qual Ele era o cu m p rim e n to da sim bolog ia do C o rd eiro Pascal (1 C o 5.7), sem que todas as pessoas que faziam o sacrifício e sta rem co n scie n tes do te o r c o m p le to do ev an g elh o (cf. IC o 15.1-6), da m esm a fo rm a C risto cu m p riu as prom essas da “s e m e n te ” para A braão, sem que as pessoas que cria m n elas (in clu siv e A braão) tivessem u m e n te n d im e n to exp lícito e fé n a sua m o rte , na sua ressu rreiçã o e na sua divindade. M esm o que A braão tivesse ciên cia do m e sm o te o r do ev an g elh o p ro cla m a d o p o r Paulo, será que todos os cren tes do A n tig o T e sta m e n to tin h a m esse m e sm o en ten d im en to ? C o m o já verificam os, a fa lta de evidências fav orece a p osição de que eles não sabiam . A lém disso, m e sm o que alguns (o u a m a io ria deles) com p reen d essem o te o r co m p le to do ev a n g elh o c o n fo rm e este foi exp o sto no N ovo T e sta m e n to — inclu sive a m o rte , o sep u lta m e n to , a ressu rreiçã o e as aparições do S e n h o r Jesus C risto — será que este tipo de c o n h e c im e n to era n o rm a tiv o para a salvação n a q u ela época? Não existem evidências para apoiar esta afirm ação . Na m e lh o r das hipóteses, as pessoas tin h a m u m a fé im p líc ita n esta co m p re en sã o do ev an g elh o , a qual, co m u m e n te n d im e n to adequado e m ed ian te u m a ocasião adequada te ria gerado u m a fé exp lícita. D essa fo rm a , p arece c o rre to a firm ar que apesar de h aver so m e n te u m ev an g elh o (G1 1.8), e desse ev a n g elh o ter sido pregado a A braão (G1 3.8), h ou ve u m e n te n d im e n to progressivo acerca do te o r deste m e sm o ev an g elh o que so m e n te foi revelad o lia sua p len itu d e a p a rtir do N ovo T e sta m e n to .
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Uma Última Pergunta C o m o con clu ím os que, nos dias de h o je , é n o rm a tiv a m e n te necessário que u m a pessoa creia salvificam ente n ão so m en te n a m o rte e ressu rreição de C risto, com o tam b ém n a sua divindade, resta-no s, ainda, u m a pergun ta: Será que u m a pessoa pode se salvar em nossa época sem c re r n a divindade de Cristo? Aqui tam b ém precisarem os separar duas questões. A prim eira: seria possível, n esta nossa época, não crer n a divindade de Cristo? E a segunda: seria possível crer, nos dias de h o je , se neg arm os a divindade de Cristo? C o m relação à p rim eira pergun ta, tend o em vista o debate acim a, precisam os responder que normativamente n ão é possível, m as pode ser possível na prática — se D eus assim o desejar. D eus já fez isto n o passado,75 e, p o rta n to , pode fazer n ov am en te, se assim Lhe aprouver. Se ele vai ou não fazer, é assunto que devem os deixar para Ele. A nossa obrigação é p ro clam ar o que é n o rm a tiv a m e n te necessário, que é cre r n a divindade de C risto co m o parte da condição de fé para a salvação. C o m relação à segunda pergun ta, é difícil perceber co m o alguém que negue exp licitam en te a divindade de C risto pode se salvar en qu an to co n tin u a a negar a divindade de C risto, já que, ao co n trário das pessoas que ig n o ram este fato e, por isso, não crêem n ele, esta pessoa n ão crê p o r decisão próp ria.76 O bviam ente, sem pre é possível que ele n ão creia p orqu e, p o r exem p lo, ele te n h a sido m al evangelizado p o r algum m estre não orto d o x o . E co m o ficamos? N ovam ente, em p rim eiro lugar, precisam os nos co n cen tra r n aq u ilo que é n o rm a tiv a m en te p rescrito — qualquer exceção precisa ser deixada para o Preceptor, e não para nós, que som os os adeptos da sua Lei. Podem os afirm ar, que n ão tem os qualqu er ensin o bíblico exp lícito sobre o qual p od erem os an u n ciar a salvação de tal pessoa. Sendo este o caso, é m e lh o r d eixarm os o caso para D eus, pois co n h ece os segredos de todos os corações e diante de quem esta pessoa, ao final, te rá que prestar contas. E n qu anto isso, precisam os en sinar e p raticar o que sabem os ser verdadeiro, inclusive que n e n h u m a pessoa que negue a divindade de C risto está qualificada para a salvação p o r p rescrição do N ovo T esta m e n to .77 C o m o conclu são, é possível que D eus possa salvar u m a pessoa que n ão esboça u m a fé exp lícita n a divindade de C risto, desde que, caso esta pessoa tivesse u m en ten d im en to co rreto , ela viesse a crer neste p o n to. Todavia, em fu n ção da natu reza de D eus, do céu e da necessidade da fé para que lá estejam os, n ão parece possível que D eus possa salvar, n esta nossa época, u m a pessoa que, ten d o alcançado u m e n ten d im en to co rre to e tido u m a op ortu nid ad e subseqüente para crer, não tenha apresentado (o u que não viria a apresentar) u m a fé exp lícita n a divindade de C risto.
75 P o r e x e m p lo , vide acim a, n o s u b títu lo “A D ife re n ça e n tre o O b je to e a B ase da F é ” .
76 C o m o v im o s, rep etid as vezes,
Jesus disse: “P o rq u e, se n ã o crerd es q u e eu sou, m o rre re is e m vossos p e ca d o s” (Jo 8.24; cf. v. 28).
77 T od avia, n a au sên cia
de u m e n sin o c la ro n o c o n trá rio , p o d e m o s e sp e cu la r se a lg u é m q u e n eg a a divindade de C risto e m fu n ç ã o de e n sin o in ad eq u ad o p o d e rá se salvar. N ad a im p e d e u m a p essoa de su p o r q u e u m D e u s g ra cio so q u e c o n h e c e o c o ra ç ã o e observa a fé im p líc ita d e n tro d ele (o u seja, u m a fé q u e se to rn a r ia re a l d ian te de u m a a firm a çã o da divindade de C risto , caso esta p essoa fosse ap ro p ria d a m en te in stru íd a n o s c a m in h o s d o S e n h o r ) é livre p a ra salvar esta p essoa se assim o d esejar. M as, ob v iam e n te, isto n ã o passa de esp e cu la çã o .
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J§L_ APÊNDICE
UM
A VIDA HUMANA COMEÇA MESMO NA CONCEPÇÃO?
A
s evidências a favor da existência de um a alm a hu m an a (u m a vida) a partir do
m o m en to da concepção são sólidas tanto do ponto de vista bíblico, quanto do científico.
EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS MOSTRANDO QUE A ALMA HUMANA COMEÇA NA CONCEPÇÃO Ao se p ronunciarem em um a com issão convocada pelo congresso dos Estados Unidos n o dia 23 de abril de 1981, especialistas da área científica deram o seu parecer acerca da origem da vida h u m a n a .1Transcrevem os abaixo alguns extratos do que foi dito naquela reunião: Na Biologia e na Medicina, é fato aceito que a vida de qualquer organismo individual que se reproduza por forma sexuada inicia no momento da concepção, ou da fertilização. (Dra Micheline M. Matthew-Roth, Faculdade de Medicina de Harvard, Departamento de Medicina) O testem u n h o da D ra M a tth ew -R o th estava embasado em mais de vinte textos em briológicos e ou tros m ateriais científicos. N en h u m a pessoa que esteve presente na reunião, n e m m esm o quem apoiava o aborto, apresentou algum a evidência m ostrando que a vida inicia em algum ou tro m o m en to. O Dr. H ym ie G ordon (T itu la r do D ep artam en to de G en ética da C lín ica M ayo em R ochester, M innesota) ainda acrescentou: Podemos agora dizer, de maneira inequívoca, que a questão do momento do início da vida não está mais em disputa entre teólogos e filósofos. Ela é um fato cientificamente demonstrado. Teólogos e filósofos podem continuar no seu debate acerca do significado da vida ou do seu propósito, mas é fato estabelecido que toda vida, inclusive a humana, começa no momento da concepção.
1 N o S u b c o m itê de Sep aração dos Pod eres, re la tó rio feito ao C o m itê Ju d iciá rio d o S en a d o S -158, n o seu co n g resso de n ú m e r o n o v e n ta e sete, n a p rim e ira sessão.
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A Fetologia m o d ern a trouxe à luz algum as perspectivas incríveis acerca do crescim ento desta pessoa p equ enina2 no ú tero da sua m ãe. As in form ações a seguir resu m em o testem u n h o intenso da plen a hum anidade da criança pré-natal.
O PRIMEIRO MÊS — SURGIMENTO • Ela é concebida. • Todas as suas características hum anas já estão presentes. • Ela se im planta ou “se a n in h a ” no ú tero da m ãe (n a prim eira sem ana). • O seu m ú scu lo cardíaco co m eça a pulsar (n a terceira sem ana). • C om eçam a aparecer a cabeça, os braços e as pernas.
O SEGUNDO MÊS — DESENVOLVIMENTO • Suas ondas cerebrais podem ser detectadas (n o quadragésim o ou quadragésimo segundo dia). • C om eçam a aparecer o nariz, os olhos, os ouvidos e os dedos dos pés. • O coração dela já bate e se inicia a circulação sanguínea (n o tipo específico da criança). • O seu esqueleto se desenvolve. • Ela apresenta suas im pressões digitais únicas e exclusivas. • Ela é sensível ao toqu e nos lábios e já apresenta reflexos. • Todos os sistemas do seu organism o já estão presentes e em fu ncionam ento.
O TERCEIRO MÊS — MOVIMENTO • Ela já engole, co m eça a enxergar e nada no líquido am niótico. • Ela consegue agarrar co m as m ãos e m o vim en ta a língua. • Ela já consegue até m esm o chupar o seu próprio polegar. • Ela já é capaz de sentir dor orgânica (da oitava à décim a-terceira sem ana).
O QUARTO MÊS — CRESCIMENTO • O seu peso au m en ta 600 por cento (e já corresponde à m etad e do peso do nascim en to) • Ela atinge o tam an h o de 20 a 25 centím etros. • Ela já consegue ouvir a voz da mãe.
2 A quem os fetologistas cham am de segundo “paciente.”
A VIDA HUMANA COMEÇA MESMO NA CONCEPÇÃO:
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O Q U IN T O M Ê S — V IA B IL ID A D E • D esenvolvem -se o pêlo, os cabelos e as unhas. • Ela já sonha (isto é, apresenta a m ovim en tação ocu lar intensa [REM 3]) • Ela consegue chorar (na presença de ar). • Ela é capaz de sobreviver fora do útero. • Ela já cu m priu a m etade do seu “cro n og ram a” pré-nascim ento.
Estas características to rn a m a identidade hu m an a inequívoca a partir do m o m en to da concepção: a alm a h u m ana (a vida) acontece a partir do m o m en to da concepção. E V ID Ê N C IA S B ÍB L IC A S A FA V O R D A P L E N IT U D E D A H U M A N ID A D E (A P E R S O N A L ID A D E ) D O F E T O Já que a m aior parte das inform ações bíblicas foram apresentadas anteriorm ente, os argum entos pertinentes a esta posição som ente serão resum idos aqui. (1) Os bebês que ainda não nasceram são cham ados de crianças pequenas, ou criancinhas, a m esm a palavra (grego: brephos) utilizada para infantes ou crianças m u ito novas (por exem plo em Lc 1.41, 44; 2.12, 16; cf. Ex 21.22), e às vezes, para se referir até m esm o aos adultos (por exem plo em 1 Reis 3.17). (2) Os bebês ainda não nascidos são criados por Deus (SI 139.13), da m esm a form a que Deus criou Adão e Eva à sua im agem (G n 1.27). (3) A vida do bebê ainda não nascido é protegida pela m esm a punição destinada à injú ria ou m o rte (Êx 21.22) destinada a ofensas praticadas contra adultos (G n 9.6).4 (4) Cristo era h u m an o (o D eu s-h o m em ) desde o m o m en to da sua concepção no útero de M aria (M t 1.20,21; Lc 1.26,27). (5) A im agem de Deus inclui “m ach o e fêm ea” (G n 1.27), sendo u m fato científico que a m asculinidade ou a fem inilidade (o sexo/gênero) de um ser é determ inada no m o m en to da concepção. (6) As crianças ainda não nascidas possuem atributos pessoais distintivos de seres hu m anos, tal co m o o pecado (SI 51.5) e a alegria (Lc 1.44). (7) Os pronom es pessoais são utilizados para descrever os bebês ainda não nascidos (Jr 1.5 [LXX]; M t 1.20,21) tal qual eles tam bém são utilizados para se referir a qualquer ou tro ser hu m ano. (8) A Bíblia fala que Deus con h ece de fo rm a íntim a e pessoal os bebês ainda não nascidos, da m esm a fo rm a que Ele con h ece qualquer ou tra pessoa (SI 139.15,16; Jr 1.5). (9) Os bebês nao nascidos são cham ados por D eus antes do seu nascim ento (G n 25.22,23; Jz 13.2-7; Is 49.1, 5; G 1 1.15). Tom ados na sua totalidade, estas passagens não deixam dúvida de que as crianças ainda não nascidas são tão hum anas — pessoas à im agem e sem elhança de D eus —quanto são os bebês e os adultos. Elas são criadas à sua im agem desde o m o m en to da 3 R .E .M .= Rápida Eye Movement, isto é, m o v im e n ta ç ã o o c u la r in te n sa . 4V id e A Commentary on the Book ofExodus [U m C o m e n tá rio S o b re o Livro de Ê xod o] de U m b e r to C a ssu to , tra d u ç ã o in g le sa de Israel A b ra h a m s, 275.
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concepção, e sua vida p ré-natal é preciosa aos olhos de Deus, pois é protegida pela proibição divina con tra o assassinato.
EVIDÊNCIAS SOCIAIS A FAVOR DA HUMANIDADE PLENA (PERSONALIDADE) DA CRIANÇA AINDA NÃO NASCIDA A lém das evidências bíblicas e científicas, há m u itos argum entos sociais a favor da proteção dos direitos hu m anos das crianças ainda não nascidas. Os argum entos seguintes são os mais significativos. N inguém questiona o fato dos em briões hu m anos terem pais hu m anos. Por que, então, deveríam os insistir que u m em brião h u m an o não é hum ano? N enhu m biólogo teria dificuldade em identificar u m p orco ainda não nascido co m o u m porco ou u m cavalo ainda não nascido co m o u m cavalo. Q ue m otivo levaria alguém a pensar que um ser h u m an o ainda não nascido pode ser considerado algo diferente de u m ser hum ano? A vida h u m ana não pára, e depois recom eça — existe u m fluxo con tín u o e in in terru p to da vida hu m an a de geração a geração, de pai para filho. U m a nova vida hu m an a individual aparece por interm édio da concepção. Logo, a vida recém -fo rm ad a é tão p len am en te hu m an a quanto à vida dos seus pais.5 O pai da Fetologia m oderna, o Dr. Albert W. Liley (1929-1983), observou que é “do m esm o bebê que cuidamos antes e depois do nascim ento, o qual, antes do nascim ento pode estar adoentado e precisa de diagnóstico e tratam ento da m esm a form a que qualquer outro paciente” ( “CAA” in LS, citado em Wilke, AQA, 52). E com o se trata do m esm o bebê e do m esm o paciente tanto antes, quanto depois do nascim ento, ele, portanto, é igualm ente hu m ano antes e depois do nascim ento (vide Geisler e Beckw ith, MLD, 90). O tratam en to m édico m od erno to rn o u possível a sobrevivência de bebês p rem atu ros de p ou co tem po de vida — até m esm o fetos de vinte sem anas já sobreviveram . E, se eles são hu m anos quando saem do útero com cinco meses, então tam bém são hum anos quando p erm an ecem no útero. P ortanto, não existe base, para assassiná-los até os nove meses de vida, que é o que perm ite a lei n orte-am erican a. Esta contradição pode ser im aginada em u m hospital m od erno: u m a equipe em u m quarto corren d o para salvar u m bebê p rem atu ro de cinco meses, enquanto que, em ou tro quarto, u m a equipe assassina ou tro bebê com idade inferior a nove meses. Todos os argum entos a favor do aborto se aplicam , de igual m aneira, ao infanticídio e à eutanásia. Se as crianças ainda não nascidas puderem ser m ortas por causa de deform idades, pobreza ou por não seres desejadas, então tan to infantes quanto idosos poderiam ser descartados pelas m esm as razões. Não existe n e n h u m a diferença legítim a entre o aborto, o infanticídio e a eutanásia — todos envolvem o m esm o paciente, em pregam o m esm o proced im ento e cu lm in am co m o m esm o resultado. O aborto já foi declarado errado por m uitas sociedades, seja cristã seja pagã, desde o raiar da civilização. O Código de H am m urabi (século X VIII a.C .) chegava a co n ter um castigo para quem induzisse u m aborto. A Lei M osaica (século X V a.C .) exigia a m esm a pu nição para quem ferisse tan to a m ãe, quanto o bebê. Tiglath-Pileser, u m regente persa (p o r volta do século X II a.C .) pu nia as m u lh eres que induziam o aborto. Hipócrates, u m m édico da G récia (c. 460-377 a. C .) se o p u n h a ao aborto pelo próprio ju ra m en to , declarando solenem ente: “Jamais darei u m a droga m o rta l a quem quer que m e peça, 5 D o c o n trá r io , a vida h u m a n a te ria u m a d e sco n tin u id a d e e n tre a c o n c ep çã o e o n a s c im e n to (o u se ja lá q u al f o r o p o n to on d e e la s u p o sta m e n te , in iciar).
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n em farei qualquer tipo de sugestão neste sentido. De igual form a, tam b ém não darei rem édio abortivo a n e n h u m a m u lh e r” (Krason, A PM C, 132). Sêneca (cerca do sécu lo II d.C .), cu jos com patriotas estóicos adm itiam o aborto, elogiou a sua m ãe por não ter lhe m atado. A gostinho (354-430 d.C .), Tom ás de Aquino (1225-1274) e João C alvino (1509-1564) tam bém consideravam o aborto im oral. A lei co m u m inglesa exigia um a pu nição pela execução de aborto, tal co m o sem pre fez a legislação dos Estados Unidos. Na verdade, antes de 1973, as leis de, praticam ente, todos os cinqü en ta estados n orte-am erican os eram co n tra o aborto. A discrim inação co n tra a vida de qualquer pessoa, baseada em questões circunstanciais (tal co m o o tam an h o, a idade, lugar onde vivem ou capacidade fu ncional) é m o ralm en te errada. Estas são as bases reais utilizadas pelos aborcionistas para considerar uma criança ainda não nascida como um ser não-humano. N esta base, tam bém poderíam os discrim inar os pigm eus, por serem excessivam ente pequenos, ou as m inorias étnicas p o r serem fisicam ente diferentes da m aioria pred om inante em u m d eterm inado local, ou ainda os deficientes m entais ou idosos por lhes faltarem algum as faculdades. Se fosse possível eliminarmos os bebês da nossa sociedade simplesmente sob a alegação deles serem indesejados, nada poderia impedir a eliminação de outros grupos que também poderiam ser considerados indesejados.
ARGUMENTOS QUE TENTAM DEMONSTRAR BIBLICAMENTE QUE A VIDA NÃO COMEÇA NA CONCEPÇÃO Várias passagens bíblicas são apresentadas para apoiar a posição de que u m a criança ainda não nascida não é hu m ana. Breves com entários podem ser feitos acerca delas e conclusões podem ser tiradas a partir das passagens mais representativas utilizadas para fu nd am entar este ponto de vista. Gênesis 2.7 Gênesis declara que o h o m em “foi feito alm a vivente” som en te depois que Deus lhe concedeu o sopro de vida. C om o a respiração não o co rre antes do nascim ento, argum enta-se que as crianças ainda não-nascidas não são hum anas antes de saírem do útero. J ó 34.14,15 Eliú disse que se Deus “recolhesse para si o seu espírito e o seu fôlego, toda a carne ju n tam e n te expiraria.” Aqui, novam ente, co m o a vida é associada à respiração, argum enta-se que não existe vida hu m ana antes do bebê com eçar a respirar. Isaias 57.16 (vide linguagem N V I) O texto se refere ao “sopro do h om em que eu [Deus] criei.” Isto tam bém parece fazer do início da respiração o ponto de criação de u m a pessoa. Eclesiastes 6.3-5 Salom ão declara que “um a criança que nasce m o rta ” vem ao m undo “debalde veio e em trevas se vai [...] E [...] nu nca viu o sol, n em o co n h eceu .” Esta passagem é considerada u m indicativo de que u m a criança ainda não nascida é equivalente a u m a pessoa m orta,
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que, da m esm a form a, tam bém não vê o sol, m as jaz na escuridão da sep ultura (cf. 9.10). Mateus 26.24 M ateus registra a afirm ação de Jesus a respeito de Judas: “B o m seria para esse h o m em se não hou vera nascido.” As im plicações tiradas desta passagem são que a vida h u m ana inicia no nascim en to; senão, con form e se alega, Jesus deveria ter dito que “bom seria Judas jam ais tivesse sido concebido.”
CONCLUSÃO A lgum as pessoas ten taram argu m entar que u m óvulo fertilizado é u m ser hu m ano, mas não u m a pessoa.6 C o m o já foi dem onstrado, esta diferenciação é arbitrária, ou seja, u m a distinção que não apresenta n e n h u m a diferença. N ão h á diferenças reais e essenciais entre ser u m “h u m a n o ” e ser u m a “pessoa h u m an a” — existem som en te diferenças funcionais. Todas as tentativas de se diferenciar a personalidade da hum anidade levam , tom as as m esm as bases, à negação da personalidade de deficientes m entais, de pessoas inconscientes e senis. Tanto as Sagradas Escrituras, quanto a Ciência apóiam a posição de que u m a vida hu m an a individual co m eça n a concepção, e tanto a revelação especial, quanto à natu ral declaram que é errado assassinar u m a vida hu m an a inocente. A lém disso, os m esm os argum entos utilizados para justificar o aborto tam bém se aplicam ao infanticídio e à eutanásia. Todas estas razões violam a santidade da vida hum ana.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA B eckw ith, Francis J. Politically Correct Death. B ren n an , W illiam . The Ahortion Holocaust: Today's Final Solution. B u rtch aell, Jam es Tunstead. Rachel Weeping: The Case Against Abortion. Cassuto, U m berto. A Commentary on the Book o f Exodus. Traduzido para o inglês por Israel A braham s. Gardner, R. F. R. Abortion: The Personal Dilemma. Geisler, N orm an L. e Francis J. Beckw ith. Matters o f Life and Death. Krason, Stephen M. Abortion: Politics, Morality and the Constitution. Liley, A lbert. “A Case Against Abortion” in Liberal Studies, con form e citação feita por W illke em Abortion: Questions and Answers. N athanson, Bernard N. Aborting America. _ . The Abortion Papers: Inside the Abortion Mentality. W ennberg, R ob erto N. Life in the Balance: Exploring the Abortion Controversy. W illke, J. C. e Bárbara W illke. Abortion: Questions and Answers.
6Vide capítulo 1, n o subtítulo “A Perspectiva da Criaçao: A Alm a É Criada diretam ente por Deus.:
A P Ê N D I C E
D O I S
SERÁ QUE A VIDA HUMANA COMEÇA NA FIXAÇÃO DO ÓVULO NO ÚTERO?
N
a sua obra im p ortante e instigante When Did I BegmV [Quando Foi Que Eu Comecei?] N orm an M. Ford argu m enta que apesar da vida hu m ana, de uma perspectiva genética, com eçar na concepção, a vida hu m ana, de uma perspectiva individual não inicia antes de duas sem anas depois da concepção. A sua tese m erece um a atenção especial, já que m uitas questões científicas, éticas e teológicas estão em jogo: os experim entos pré-em brionários, o congelam ento em brionário, a engenharia genética e os abortígenos2 se baseiam todos neste período de duas sem anas após a concepção. Teologicam en te, e se for verdadeiro, este ponto de vista tam bém apoiaria a posição criacionista (em oposição à posição traducionista) acerca da origem da alm a hu m ana, dem onstrando que a alm a é criada por Deus no m o m en to da fixação do óvulo no útero.'’
EXPOSIÇÃO DA TEORIA DE FORD De acordo com o professor Ford: “É necessário fazerm os um a distinção entre o conceito de individualidade ou identidade genética e on tológ ica” (W D IB, 117). A identidade genética é d eterm inada na fertilização. Todavia, Ford não acredita que isto significa que estam os “filosoficam ente falando do conceito de u m a continuidade ontológica de um indivíduo” (ibid.). [O] estabelecim ento do novo p ro g ram a genético ao térm in o da fertilização é u m a condição necessária, mas não suficiente, para a “atualização” ou o surgim ento do novo indivíduo h u m an o n o estágio em brionário da existência, (ibid., 118) No estágio pré-em brionário,'1“poderíam os perguntar, de fo rm a legítim a, se o zigoto, por si m esm o, redundaria em um ou dois indivíduos” (ibid., 120). Por quê? Ford apresenta vários m otivos. Por u m lado, a gem elação pode o co rrer enquanto não se atinge o estágio em brionário (d u rante os prim eiros quatorze dias após a concepção). C onseqüentem ente, para Ford parece im plausível se falar em u m ser hu m ano individual onde existe a possibilidade de haver dois. Neste caso teríam os que considerar, por exem plo, que o indivíduo original (o zigoto) m o rre quando ele se to rn a gêm eos: 1 C am brid ge: C am b rid ge U niversity Press, 1988. o a b o rto .
3V id e c a p ítu lo 1.
2U m ab ortíg en o é u m a d roga ou o u tra substân cia q u e facilita (o u in d u z a)
4 Os p rim eiro s q u a to rz e dias, ou duas sem a n a s, após a c o n c ep çã o .
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A Susana hipotética, como no caso do zigoto, deixaria de existir ao dar origem a suas duas descendentes idênticas, [as hipotéticas] Margarete e Sara. Neste caso, elas seriam netas dos seus pais, que nem suspeitavam disso, (ibid., 136) Ford acrescenta: “Não existe evidência para se sugerir que u m indivíduo deixe de existir quando ocorre a g em elação” (ibid.). A lém disso, Ford defende que os experim entos feitos com ovelhas e cam undongos (os quais, à sem elhança dos seres hu m anos, apresentam gravidez in tra-u terin a) d em onstram que não existe u m ser individual antes do term in o da fixação do em brião n o ú tero (quatorze dias depois da concepção): “Os blastôm eros iniciais dos em briões da ovelha e do cam und ongo poderiam facilm ente ser desagregados e ser com binados de fo rm a variada por técnicas de m icrom an ip u lação” (ibid., 139). Isto significa dizer que, ao to m arm o s células de u m em brião e com biná-las com outras de ou tro em brião, os cientistas foram capazes de produzir indivíduos com p letam en te diferentes. Por exem plo, por este m étod o já foram produzidos anim ais “q uim éricos,” os quais são parte carneiros e parte bodes. Se em briões diferentes pu derem ser “separados” e “reagrupados” durante o período anterior à fixação, obviam ente não haverá necessariam ente u m indivíduo h u m an o continuado desde o m o m en to da concepção. Ford conclui: Apesar destas manipulações experimentais não terem sido realizadas com embriões humanos, elas também lançam luz acerca do caráter do potencial de desenvolvimento e regulamentação do embrião humano. Isto ocorre em função da reconhecida similaridade existente nos primeiros estágios do desenvolvimento embrionário de todos os mamíferos eutérios [Por exemplo,] o embrião do camundongo e da ovelha, em particular, assemelham-se muito intimamente, embora não sejam idênticos, aos embriões humanos [...] tanto antes, quanto depois do estágio de fixação no útero, (ibid., 144) D iante das evidências, Ford acredita: E muito difícil sustentar que o embrião humano possa ser um indivíduo humano antes do estágio blastocisto no qual ele se transforma naquilo dará origem ao embrião, ao feto e a homem adulto [...] [Este] conjunto de células, apesar de precariamente agrupado, dificilmente pode ser uma coisa, quando muito várias coisas. Ele ainda não está determinado a ser nem uma, nem várias coisas [...] [Somente] a partir do décimoquarto ou décimo-quinto em diante não haverá dúvida se o ser ali formado é o Antônio, o Roberto ou o Ari, ou os três juntos, mas como três indivíduos, (ibid., 156, 178) P ortanto, o que é este ser concebido antes do térm in o da segunda sem ana, senão um ser hum ano? D e acordo com Ford, este ser é u m ser h u m an o “em po ten cial” (ibid., 12223). Ele é geneticam ente hu m ano, m as, na verdade, não realm en te e individualm ente hu m ano. Ou seja, ele tem todas as características hum anas necessárias à vida individual, m as ainda não é u m ser h u m an o individual. De acordo com o pensam ento legado por A ristóteles e Tom ás de A quino, que faziam u m a distinção entre fo rm a e m atéria e afirm avam que a alm a é a fo rm a do corpo, Ford acredita que u m a alm a h u m an a individual poderia habitar u m corpo ainda não form ad o. C o m o o corpo individual não aparece antes do estágio do “traço prim itivo”
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( c e r c a d e d u as s e m a n a s d ep o is d a c o n c e p ç ã o ) , é n e s te p o n to q u e F o rd a r g u m e n ta q u e o z ig o to se t o r n a u m se r h u m a n o re a l e in d iv id u al. C ita n d o A n n e M c L a r e n ,5 e c o m sua a p r o v a ç ã o , F o rd d e c la r a :
Se nâo estivermos nos referindo à origem da vida [...] mas à origem de uma vida individual, podemos traçar uma linha diretamente do recém-nascido até o feto, e ainda mais longe até a origem do embrião individual no estágio do traço primitivo na placa embrionária no décimo-sexto ou décimo sétimo dia [depois da concepção]. Se tentarmos retroceder além deste ponto, não encontraremos mais uma entidade coerente. Em vez disso haverá um conjunto maior de células, algumas das quais farão parte do desenvolvimento subseqüente do embrião e outras não. (ibid., 174-75) L o g o , d e a c o r d o c o m F o rd , é n esse e stá g io d o “t r a ç o p r i m i ti v o ” q u e u m a v id a h u m a n a in d iv id u a l e indivisível" c o m e ç a . E aq u i q u e ele, d e ig u al m o d o , c o l o c a a o r ig e m d a a lm a h u m a n a , q u e se rv e d e “f o r m a ” p a ra a q u e le c o r p o a té q u e a m o r t e os se p a re . A q u i se in icia o se r antológico, e m o p o s iç ã o ao in d iv íd u o genético (ib id ., 179). D e s te p o n to e m d ia n te , n e n h u m a g e m e l a ç ã o s e rá m a is p o ssív el — e x iste u m in d iv íd u o q u e s u rg e d e u m a lin h a c o n tín u a : e m b riã o , fe to , c r ia n ç a e a d u lto .
C R ÍT IC A D A P O S IÇ Ã O D E F O R D A p e s a r de N o r m a n M . F o rd s e r c a t ó li c o , a le g a r-s e a fa v o r d a v id a e a té m e s m o co n fe ssa r q u e n ã o p o d e se r d o g m á ti c o a re s p e ito d o seu p o s ic io n a m e n to , e x is te m p ro b le m a s sérios n a s suas c o n c lu s õ e s . A p e s a r das m u ita s c a r a c te r ís tic a s p o sitiv as, h á v á ria s d eficiên cias g ra v e s n e s te p o n t o de v is ta q u e m e r e c e m u m a a n álise m a is p o r m e n o r iz a d a . P rim eiro, n a m e l h o r das h ip ó te se s, as c o n c lu s õ e s de F o r d d e m o n s tr a m q u e a v id a
h u m a n a individual in icia d u as s e m a n a s d ep o is d a c o n c e p ç ã o , e n â o q u e a v id a h u m a n a real c o m e ç a n a q u e le p o n t o . N a v e rd a d e , ele a d m ite q u e e x is ta u m a n a tu r e z a h u m a n a q u e v iv e d esd e o m o m e n t o d a c o n c e p ç ã o (ib id ., 115). S e n d o e ste o c a s o , o p o n t o s e g u in te é u m a c o n s e q ü ê n c ia ló g ica . Segundo, se a v id a h u m a n a in icia a p a r t ir d a c o n c e p ç ã o , é d iscu tív e l se d is p u ta r
q u a n d o in icia u m in d iv íd u o c o n tí n u o ( u m a p e s s o a ). A v id a h u m a n a t e m sa n tid a d e in d e p e n d e n te m e n te d e se r in d iv id u a liz a d a .7 P o r ta n t o , m e s m o q u e F o r d e s te ja c o r r e t o a c e r c a d o m o m e n t o e m q u e a vida continua e in d iv id u al in icie , a v id a h u m a n a d ig n a de p r o te ç ã o , s e m d ú v id a , in icia n a c o n c e p ç ã o . T erceiro , F o rd r e c o n h e c e q u e este a r g u m e n to é, e m ú ltim a in s tâ n c ia , filo só fico e n ã o
p u r a m e n t e fa c tu a l. E isto é p r e c á r io q u a n d o se lid a c o m “q u e s tõ e s d e v id a e m o r t e ,” p ois as d e cisõ e s a re s p e ito d e q u a n d o e n c e r r a r o u p r e s e r v a r a vid a n ã o p o d e m se r re le g a d a s aos filó so fo s. A lg u n s filó so fo s ( e /o u te ó lo g o s ) a r g u m e n ta m q u e a v id a in icia n a c o n c e p ç ã o , o u t r o s q u e isto se d á n a fix a çã o d o ó v u lo n o ú t e r o —
o u d ep o is d a fix a ç ã o , a lg u n s n o
m o m e n t o d a a n im a ç ã o , a lg u n s n o n a s c im e n t o e, a lg u n s, ain d a, c o n s id e ra m q u e isto se d á m a is ta rd e , q u a n d o o in d iv íd u o a tin g e a c o n s c iê n c ia d a su a p r ó p r ia e x is tê n c ia . E m s u m a , s e m q u e u m a base cie n tífica (f a c t u a l ) seja u tiliz a d a p a ra se d e te r m i n a r o in ício 5 N ascida e m 1927, e la é u m a e ru d ita de O x ford la rg a m e n te a cla m a d a p e la sua o b ra n as áreas de B io lo g ia e G e n étic a . R e c e n te m e n te e la p articip o u d a C o m issã o B r itâ n ic a de F e rtiliz a ç ã o H u m a n a e E m b rio lo g ia , b e m c o m o n o G ru p o C o n s u ltiv o T é c n ic o e C ie n tífic o d a O rg a n iz a çã o M u n d ia l de S aú d e p a ra o p ro g ra m a de re p ro d u ç ã o h u m a n a . caso de m o r te .
7 V id e c a p ítu lo 1.
6S a lv o em
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da vida h u m an a,8 não existe m aneira prática para se chegar a u m acordo sobre o qual form u larem os leis para a proteção da vida hum ana. Quarto, co m o o próprio Ford adm ite, a sua opinião acerca desse assunto n ão é a única posição possível: Embora eu creia que os meus argumentos demonstram que o indivíduo humano começa com o aparecimento do traço primitivo, e não antes dele, seria presunçoso da minha parte declarar que a minha afirmação é definitivamente correta e que as posições contrárias são definitivamente erradas, (ibid., 182) Na verdade, apesar dos argum entos de Ford, é possível, por exem plo, que a vida h u m an a individual inicie na concepção. Vários pontos são aqui relevantes.9 (1) A divisão tardia em gêm eos poderia ser u m a fo rm a de “paternidade” não-sexuada que é sim ilar à clonagem (Ford recon h ece a existência desta possibilidade). (2) Todo zigoto, antes da gem elação, con tinu a sendo u m indivíduo geneticam ente único, distinto dos seus pais. Isto eqüivale a dizer que, quando gêm eos idênticos resultam de u m a divisão do zigoto, n ão podem os concluir, de fo rm a lógica, que o zigoto anterior a ele não era com p letam en te hu m ano. T irar esta conclusão seria se utilizar de argum entação viciada. E m outras palavras, a gem elação parece não ser n em u m a condição necessária, n em u m a condição suficiente para se rejeitar a to tal hum anidade do zigoto. O professor R o b ert W ennberg nos propõe u m a parábola que nos será útil neste ponto: Imaginar que vivemos em um mundo no qual uma certa percentagem minúscula de adolescentes poderia se duplicar por algum meio misterioso significaria, que estes jovens se dividiriam em dois ao atingir o décimo sexto aniversário. Se este fosse o caso, jamais passaria pela cabeça de alguém imaginar que aquele jovem nâo foi humano antes de atingir os dezesseis anos; tampouco concluiríamos que a vida dele poderia ser tirada com um relaxamente na punição antes deste momento da duplicação [...] Entretanto, em tudo isto, continuaríamos ainda não questionando, de forma alguma, a afirmação de vida individual. Poderíamos nos debater acerca de questões referentes àidentidade pessoal [...], mas não poderíamos deixar que estas estranhas formas de duplicações e fusões humanas influenciassem o nosso pensamento a respeito do direito que o indivíduo tem à vida. Nem por isso parece-nos que tais considerações sejam relevantes na determinação do momento em que o indivíduo possa assumir o direito à vida no útero.10 (1) O argu m ento de Ford é baseado na suposição n ão com provada de que a geração de u m ser h u m an o é a m esm a que o co rre com cam undongos e ovelhas. Ele, no entanto, adm ite que n ão existe n e n h u m a prova experim ental a esse respeito. (2) A teoria de Ford aceita a prem issa aristotélica de que os seres hu m anos podem gerar u m a descendência geneticam en te distinta, p o rém n ão-hu m an a, que som ente mais tarde se to rn ará hu m ana. 8 S o b re a q u al n ã o existe q u alq u e r deb ate le g ítim o — vide ap ên d ice 1.
9V id e ta m b é m c a p ítu lo 1.
10V id e Life in the Balance:
Exploring the Abortion Controversy [A V id a n a B a la n ça : C o n h e c e n d o a C o n tro v é rsia A ce rca d o A b o r t o ],71.
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(3) Ford d esconsidera o fato de que u m ser h u m a n o nov o, ú n ico e g en etica m en te individual é gerado no m o m e n to da con cep ção (d a fertilização do óv u lo). O ser ali form ad o não é u m ser h u m a n o em p o ten cial, m as u m ser h u m a n o real. O próprio Ford o ch a m a de indivíduo ( W DIB, 102) e adm ite que ele é u m ser vivo que possui todas as características genéticas para toda a sua vida a partir do m o m e n to da fertilização: “Na fertilização tem início u m novo indivíduo vivente, g e n etica m e n te ú n ico , quando o esp erm atozóid e e o óvulo perdem a sua individualidade separada para fo rm a r u m a ú n ica célu la viva: o z ig o to ” (ibid., grifo acrescentad o). (4) N esta questão, Ford acaba caindo n a m esm a arm ad ilha que caem m u itos defensores do ab orto, os quais arg u m en tam que o zigoto (o u , para m u itos, até m esm o o em brião p o sterio r) é sem elh a n te a u m bálano, ou seja, não passa de u m a vida po ten cial (ibid., 124). Mas isto n ão é co rreto . U m bálano, que é sim ilar a u m zigoto h u m a n o , é u m a p equ en in a árvore de carvalho viva em estado de d orm ência. A sem ead u ra do bálano não dá início à vida de u m carvalho; m as apenas dá início ao seu crescimento. D e m o d o sem elh an te, u m zigoto h u m a n o vivo, ao ser im p lantad o no ú tero da sua m ãe não dá in ício à sua vida ú n ica e individual, m as sim p lesm ente possibilita o seu d esenvolvim ento. (5) C o m o Ford parece sugerir, se a vida h u m a n a é protegida não a p artir da con cep ção , m as so m en te depois da fixação do óvulo, terem os por con seqüência u m a série de graves im p licações m orais e legais. O co n tro le de natalidade n ã o con tracep tiv o (p o r exem p lo, os D IUs e o R U -486) e m esm o os exp erim entos feitos co m zigotos h u m an os não são, de fo rm a algum a, descartados. E m sum a, a posição pós-fixação do óv u lo faz co m que o direito “in alien áv el” à vida seja alienado de u m indivíduo h u m an o , c o n fo rm e todos ad m item , nas duas prim eiras sem anas da sua vida.
CONCLUSÃO Os filó sofo s e os te ó lo g o s co n tin u a rã o a d eb ater acerca de qual é o m o m e n to preciso em que a alm a se u n e ao c o rp o h u m a n o . N este ín te rim , ta n to as evidências bíblicas, q u an to cien tíficas ap o n tam para o in ício de u m a n a tu re z a h u m a n a ú n ica no m o m e n to da fe rtiliz a çã o (co n c e p ç ã o ). C o m o d eclara o p ro fesso r Jero m e L ejeu n e: “A n a tu re z a h u m a n a [...] é in te ira m e n te c o n sta n te do m o m e n to da fecu n d ação [fertilização] até a m o rte n a tu r a l” (c o n fo r m e cita çã o feita p o r Ford, WDIB, 127). A cita çã o que Ford faz de u m re la tó rio da R eal C om issão Para A ssu ntos de C o n tra ce p çã o , E sterilização e A b o rto da N ova Z elân d ia (e m 1977) ta m b ém diz: De u m a p ersp ectiv a biológica, n ão existe dúvida ace rca do início da vida. O btivem os evidências de em in en tes cientistas do m u n d o in teiro e n e n h u m deles su geriu que a vida h u m a n a iniciasse em a lg u m o u tro m o m e n to que n ão fosse o da co n cep ção , (ibid.,
115) D e u m a p e rsp e ctiv a te o ló g ic a , n ã o h á evid ências cien tífica s q ue c o n tra d ig a m a p o sição tra d u cio n is ta , a qual s u s te n ta que a a lm a h u m a n a é gerad a p o r um p ro cesso co m a n d a d o p o r D eu s p o r in te rm é d io dos p a is.11 N a verd ad e, o fa to da 11V ide c a p ítu lo 1.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
c lo n a g e m de anim ais ser p o ssív el, é u m ap oio à p o siçã o tra d u c io n is ta . A c lo n a g e m h u m a n a , a p a re n te m e n te , ta m b é m c o n fir m a ria o T ra d u c io n is m o , já que seria c o m p le ta m e n te ad hoc e im p la u sív e l se su p o r que D eu s in te rv iria d ire ta m e n te p ara a cria çã o de u m a a lm a cad a vez que u m c lo n e é g era d o , p a rtic u la rm e n te p o rq u e o p ro cesso em si a p re sen ta im p lica çõ e s éticas a lta m e n te n eg ativas.
APÊNDICE
TRÊS
A DUPLA PREDESTINAÇÃO
odos os calvinistas crêem em algum a fo rm a de dupla predestinação — a lógica da sua posição exige isto. A gostinho declarou a respeito de Deus: “C o m o o Bem Sup rem o, ele fez u m bom uso das obras m alignas, para a condenação daqueles que Ele havia predestinado, de form a justa, ao castigo e para a salvação daqueles que Ele havia predestinado, de fo rm a m isericordiosa, à graça.”1 R. C. Sproul confirm a: “Se existe algum a coisa que se assem elha à predestinação, e se esta predestinação não incluir todas as pessoas, então não podem os nos esquivar da inferên cia necessária de que existem dois lados nesta predestinação.”2 Apesar deste fato, existe u m debate in tern o entre os calvinistas firm es acerca de a eleição divina ser ativa tanto n o caso dos eleitos, quanto dos não-eleitos, ou se os n ãoeleitos são predestinados som ente de fo rm a passiva. Os calvinistas m oderados ch am am a predestinação ativa tan to dos eleitos, quanto dos réprobos de “dupla pred estinação.” As pessoas que defendem esta posição são cham adas de ultracalvinistas.3 C o m relação ao sentido em que a predestinação é desejada por Deus, o U ltracalvinism o pode ser diferenciado das outras form as de Calvinism o, con form e podem os ver na tabela a seguir:4
1 E n ch irid io n n a o b ra The Nicene and Post-Nicene Fathers [Os Pais N icen os e P ós-N icenos], v o l. 3, Ia série, 100.
2 Chosen by God
[E scolhid os p o r D eus], 141. 3 O Ultracalvinismo é u m te r m o q u e e n g lo b a m u ito m ais do q u e isso. Q u a n d o surg iu n a lín g u a inglesa, n o p e río d o e n tre o fin a l d o sé c u lo X V II e o in ício d o sé c u lo X IX , o U ltra c a lv in is m o rep resen ta v a pessoas c o m o Jam es W ells (1803-1872) e C h a rle s W aters B a n k s (1 806-1886); m as a n te rio r m e n te já h avia sido re v ela d o n as ob ras de Joseph H ussey (1659-726) (vide G od’s Operations o f Grace [O A gir d a G ra ç a d e D e u s]) e J o h n G ill (1 697-1771) (vide The Cause o f God and Trutti). C h arle s S p u rg e o n (1834-1892) id e n tifico u e c o m b a te u q u a tro ca ra c te rístic a s d o m o v im e n to u ltra ca lv in ista (vide Iain H. M u rray , Spurgeon versus Ultra-Calvinism: A B attlefor Gospel Preachng [Sp u rgeo n v ersu s U ltra c a lv in is m o : A B a ta lh a p ela Pregação d o E v an g elh o ]: (1 ) A n e g a çã o de q u e a o fe rta d iv in a da salvação se ja u n iv ersa l; (2 ) A n e g a ç ã o de q u e a razão para os seres h u m a n o s c re re m de fo rm a salvífica e stá n o m a n d a m e n to e n a p ro m essa das Sagradas E scritu ra s; (3 ) A n egação de q u e os p ecad o res se ja m responsáveis e m c o n fia r ou n ã o e m C risto ; e (4 ) a n e g a çã o de q u e D e u s d e seja a salvação dos n ã o -e le ito s . V id e P eter T o o n , The Emergence o f Hyper-Calvinism in English Non-Conformity [O S u r g im e n to d o U ltra c a lv in ism o n o N ã o -c o n fo rm is m o Inglês], 1689-1765. [E scolh id os p o r D eus], 143.
4 E sta ta b ela é sim ila r à ap resen tad a p o r R . C . S p ro u l n o seu liv ro Chosen by God
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Ultracalvinistas
Outros Calvinistas Firmes
Tanto os eleitos, quanto os não-eleitos são ativam ente predestinados
predestinados
S om en te os eleitos são ativam ente
D eus age de fo rm a ativa n a escolha de ambos
Deus é passivo ao n ão escolh er os nãoeleitos
A incredulidade é dada aos não-eleitos
A fé é dada aos eleitos
R elação sim étrica
Relação assim étrica
A predestinação é positiva em am bos os casos Estado final de igualdade
A predestinação é positiva para os eleitos, e negativa para os não-eleitos Estado final de desigualdade5
PONTOS COMUNS A TODOS OS CALVINISTAS FIRMES T an to os ultracalvinistas, quanto outros calvinistas firm es defendem as doutrinas propostas nos cinco pontos básicos do Calvinism o.6 Eles crêem que a depravação total significa que as pessoas são tão pecadoras a p o n to de n ão serem capazes de desejar to m ar parte na salvação. C o m relação à eleição incondicional, eles defendem que D eus escolhe, u n icam en te co m base na graça incondicional, que algum as pessoas serão salvas e outras não. A lém disso, eles sustentam que a expiação é lim itada (isto é, que C risto se entregou som ente pelos eleitos), e que D eus operará com graça irresistível a fim de assegurar que todos os eleitos possam crer. Por fim, eles crêem que Ele fará isso co m graça eficaz de fo rm a a garantir que todos os eleitos perseverem n a sua fé e cheguem ao céu.
Os Ultracalvinistas e a Predestinação Existe, en tretan to , u m a diferença significativa en tre os ultracalvinistas e outras form as de calvinism o no que diz respeito à eleição. Isto pode ser resum ido nesta tabela:
Ultracalvinistas
Outros Calvinistas
Deus também elege os descrentes
Deus elege somente os crentes
Deus também elege as pessoas destinadas ao inferno
Deus elege somente as pessoas destinadas ao céu
A eleição que Deus faz dos descrentes para o inferno é ativa
A eleição que Deus faz dos descrentes para o inferno é passiva
0 Segundo Concilio de Orange (529 d. C .)
O concilio mais antigo a falar co n tra a dupla predestinação foi o Segundo Concilio de O range, que assum iu u m to m antipelagiano: Além de não crermos que algumas pessoas são predestinadas ao mal pelo pode divino, cremos que se houver alguém que deseje crer neste exagero, nós, com grande repulsa, declaramo-lhes anátemas.7 3 O u seja, se fo rm a igu al ou desigual, são decisões finais q u e c o m p e te m a D eu s
6 V id e ca p ítu lo s 4-5, 11.
7 C o n fo rm e
c ita ç ã o fe ita p o r S. J. N e u n e r e J. D u p u is n a o b ra T h e C h ris tia n F a ith : D o c trin a l D o c u m e n ts o f th e C a th o lic C h u r c h [A Fé C ristã: D o c u m e n to s D o u trin á rio s da Ig r e ja C a tó lica ], seção 1992.
A DUPLA PREDESTINAÇÃO
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A Confissão Belga (1561) Deus então se manifestou da forma como Ele é: isto é, misericordioso e justo. Misericordioso, porque Ele liberta e conserva livres da perdição todos aqueles que Ele, no seu eterno e imutável conselho de mera bondade, elegeu em Cristo Jesus nosso Senhor, independentemente das suas obras; e justo, porque deixa os outros na queda e na perdição na qual eles mesmo se envolveram. 0 Sínodo de Dort (1618-1619) Na seção “Da Predestinação Divina,” Artigo VI, temos a seguinte declaração: “Ele [Deus] graciosamente sensibiliza o coração dos eleitos, os quais, apesar de obstinados, são inclinados ao bom procedimento; ao mesmo tempo em que deixa os não eleitos, no seu justo juízo, à sua própria impiedade e obstinação.” A Confissão de Westminster (1648) Da mesma forma que indicou os eleitos para a glória, Ele também, por meio do mais livre e eterno propósito da sua vontade, antecipadamente ordenou todos os meios para isso [...] quanto ao restante da humanidade, aprouve a Deus, de acordo com os inescrutáveis conselhos da sua própria vontade, pelos quais ele estende ou restringe a sua misericórdia, para a glória do seu soberano poder sobre as suas criaturas, deixar de lado; e ordená-las à desonra e à ira em função do seu pecado, para louvor da sua gloriosa justiça. (III, 6-7, grifo acrescentado) O s U ltr a c a lv in is ta s e o A m o r R e d e n to r d e D e u s s o m e n te p o r a lg u m a s P essoas O s u ltra c a lv in is ta s t a m b é m
negam
q u e D e u s t e n h a q u a lq u e r f o r m a d e a m o r
r e d e n to r p e lo s n ã o -e le ito s . A té m e s m o ca lv in is ta s c o n v ic to s c o m o C h a rle s S p u rg e o n se o p u s e r a m as e sta p o s iç ã o :
Amados, o amor benevolente de Jesus se estende além das linhas do seu amor redentor [...] Este [isto é, o amor revelado em Mateus 23.37] não é o amor que brilha de forma resplandecente sobre os seus eleitos, mas um amor verdadeiro por todos. A l é m d isso, D e u s t e m u m a m o r e sp e cia l p e lo s e le ito s q u e :
Não é o amor por todos os homens [...] Existe também o amor da eleição, específico e distinto, que se destina ao seu povo eleito [...] e este amor é o verdadeiro lugar de repouso do santo.8 O U ltr a c a lv in is m o a c r e d ita s o m e n t e n o a m o r d a e le iç ã o , n ã o t e n d o a b e r t u r a p a ra u m a m o r r e d e n to r g e ra l p e lo s n ã o -e le ito s . O s a rm in ia n o s (w e s le y a n o s ), p o r o u t r o la d o , n ã o a c r e d i ta m e m q u a lq u e r f o r m a d e a m o r esp e cia l e m f u n ç ã o d a e le iç ã o , m a s s o m e n t e e m u m a m o r r e d e n to r g e ra l p o r to d o s os p e c a d o r e s .
8 C itad o p o r Iain M u rra y n a o b ra S p u rg e o n versu s H y p e r-C a lv in ism [Sp u rg eon versu s o U ltra -C a lv in ism o ], 98
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C o m o já vim os, Spurgeon parecia estar ciente da inconsistência da sua posição m oderadora; ao co m en tar 1 T im ó teo 2.3,4, ele afirm ou: “Prefiro cem vezes mais parecer inconsistente com igo m esm o, do que parecer inconsistente com a Palavra de D eu s.”9 A lém do mais, esta passagem diz: “Porque isto é bom e agradável diante de D eus, nosso Salvador, que quer que todos os h om ens se salvem e venham ao co n h ecim en to da verdade.”
O ARGUMENTO BÍBLICO CONTRÁRIO AO ULTRACALVINISMO Todos os argum entos levantados co n tra o Calvinism o radical em outras partes desta obra se aplicam , de igual form a, ao U ltracalvin ism o.10 A lém destes, alguns poderiam ser ainda acrescentados de m aneira mais específica. P rim eiram ente, o U ltracalvinism o faz de D eus o au tor direto do m al. Deus, supostam ente, não perm ite sim plesm ente o m al, m as o causa. Em resposta, a Bíblia nos diz que Deus é absolutam ente b om (M t 5.48), e é incapaz de executar, prom ov er ou produzir o m a l.11 Em segundo lugar, o U ltracalvinism o ensina explicitam ente que D eus além de não ser T od o-am oroso, D eus tam b ém odeia os não-eleitos. Jo h n O w en (1616-1683) confessou de fo rm a direta: “Deus, ao criar ‘alguns para o dia m a l’ [...] ‘os odiou antes m esm o de eles nascerem ’ [...] ‘an teriorm en te [Ele] os ordenou à cond enação.’”12 O teólogo pu ritano W illiam Am es (1567-1624) afirm ou: “Existem dois tipos de predestinação: a eleição e a rejeição ou reprovação.”13 Ele, ainda, acrescentou: Deus os odeia (os não-eleitos; Rm 9.13). Este ódio é negativo ou privado, porque nega a eleição. Ele, porém, apresenta um teor positivo, pois Deus desejou que alguns não alcançassem a vida eterna.14 Longe de nós esta idéia! Q ue assim não o seja! D eus te n h a m isericórdia!
UM APELO APAIXONADO O próprio Charles Spurgeon, que era u m calvinista apaixonado, enxergou os perigos m ortais do U ltracalvinism o e declarou: Não consigo imaginar um instrumento mais eficaz nas mãos de Satanás para a ruína das almas do que um ministro que diga aos pecadores que não é obrigação deles se arrependerem dos seus pecados [e] que, ainda assim, tenha a arrogância de se autodenominar um ministro do evangelho, ao ensinar que Deus odeia algumas pessoas de forma infinita e imutável por nenhuma outra razão a não ser porque Ele, simplesmente, decidiu odiá-las. Ah, meus irmãos! Que o Senhor lhes guarde dos encantamentos de um ministro deste tipo e os mantenham sempre surdos à voz do erro.15
'I n M u r r a y , ibid., 150.
“ V id e ta m b é m o c a p ítu lo 11.
11 C f. H a bacu qu e 1.13; T ia g o 1.13. V id e ta m b é m o c a p ítu lo 6.
D e a th o f t h e D e a th in t h e D e a th o f C h ris t [A M o r te da M o r te n a M o r te de C risto ], 115. Â m ag o da T eologia], 154.
'4 Ibid., 156, grifo fin al a cre sce n ta d o .
Versus U ltra ca lv in ism o ], 155-56.
“ The
13 T h e M a rro w o f T h e o lo g y [O
j3 In M u rra y , S p u rg e o n vs. H y p e r-C a lv in ism [Sp u rgeo n
APÊNDICE
QUATRO
SERÁ QUE JESUS ERA DESCENDENTE FÍSICO DE ADÃO?
lguns teólogos argu m entam que Jesus não era u m descendente genético da sua m ãe, M aria, m as que a sua natu reza hu m an a teria sido d iretam ente criada por D eus n o ventre de Maria. Apesar de esta posição ter a clara vantagem de explicar com o Jesus escapou de ter herdado a depravação da hum anidade, no fundo, ela se apresenta com o u m sério problem a, senão um a heresia, à medida que parece negar a verdadeira hum anidade de Jesus, co m o parte da descendência de Adão. Se Jesus foi criado ex nihilo1 n o ventre de Maria, ele não é descendente físico de Adão, o que levanta dúvidas acerca da
A
sua qualificação para ser o red entor da raça hum ana. Em resposta a esta questão, p rim eiram en te, analisarem os os argum entos a favor da posição da criação in tra-u terin a de Cristo, a seguir, apresentarem os as razões a favor da posição ortod oxa tradicional.
ARGUMENTOS A FAVOR DA POSIÇÃO DA CRIAÇÃO INTRA-UTERINA DE CRISTO C o m o H enry M orris (nascido em 1924) escreveu u m fo lh eto que ficou am plam ente conhecid o acerca deste assunto, a sua perspectiva será utilizada para representar a posição con tem p orân ea acerca do tem a.2 A posição dele pode ser resum ida da seguinte form a: “A concepção virginal de Cristo no útero não foi um a fertilização sobrenatural do óvulo de M aria; m as sim , foi u m a criação direta da parte de Deus-Pai. O corp o de Jesus não estava geneticam ente ligado ao de A dão”. Nas palavras do próprio M orris: O corpo que crescia no ventre de Maria precisou ter sido criado, de maneira especial, em perfeição absoluta, e colocado ali pelo Espírito Santo, para que pudesse estar livre da contaminação inerente ao pecado [...] Ele é verdadeiramente “a semente da mulher” (Gn 3.15), o seu corpo [não foi] formado nem pela semente do homem, nem pelo óvulo da mulher, mas cresceu a partir de uma semente única plantada no corpo da mulher pelo próprio Deus. ( “CVB” in I, 5) Assim, o corpo de Cristo foi preparado pelo magnífico Criador, sem a necessidade de matérias primas, e foi feito em perfeição absoluta, pronto para recebê-lo como seu 1 A partir do nada.
2 V id e H en ry M o rris, “Creation and the Virgin Birth" [A C ria çã o e o N a sc im e n to V irgin al] in Impact [Im p acto ]
(3 0 de D e z e m b ro de 1975).
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
ocupante [...] Ou seja, Deus formou diretamente um corpo para o segundo Adão, tal qual fez para o primeiro Adão (Gênesis 2.7). Isto não foi nada mais do que um milagre de criação, que somente poderia ter sido realizado pelo próprio Criador, (ibid., 9, 6) Para em basar esta sua posição, M orris apresenta vários argum entos. Primeiro, alega-se que esta é a ú n ica fo rm a de se evitar o pecado herdado (ibid., 5). Segundo, o argum ento que parte da analogia co m o Prim eiro Adão, que foi criado d iretam ente por D eus (ibid., 6). Terceiro, o argu m ento que parte da analogia com a nossa criação feita por D eus no ú tero (SI 139); o seu preparo precisa ter sido ainda m aior, por se tratar do seu próprio Filho (op. cit., 7-8). Quarto, Flebreus 10.5 fala que D eus preparou (isto é, criou ) u m corpo de Cristo no ventre de M aria (ibid., 8). Quinto, o argu m ento a partir da analogia com o “corp o espiritual de C risto,” a igreja, que é u m a criação sobrenatural de D eus (1 Co 12.13; Jo 1.13).
RESPOSTA AOS ARGUMENTOS DE MORRIS A ntes de defenderm os a posição ortod oxa clássica, apresentarem os u m a resposta específica a cada argum entação de M orris. Primeiro, a criação direta não é a ún ica m aneira de se evitar o pecado herdado — existem outras possibilidades. Por exem plo, talvez Jesus n ão te n h a herdado o pecado por não ter tido u m pai sangüíneo terren o, já que para se herdar a depravação é necessário que os dois genitores sejam hu m anos. A lém disso, a causa da sua pureza in cólu m e não precisa ser u m ato criativo direto da sua natu reza h u m an a para ser sobrenatural. O nascim en to de Isaque foi sobrenatural, contu d o Isaque estava g eneticam ente ligado aos seus pais. E se D eus fez isso quando se tratava dos dois genitores, por que Lhe seria mais difícil fazer quando som ente u m está envolvido? De m o d o sem elhante, D eus poderia sim plesm ente ter intervindo sob ren atu ralm en te para evitar que Jesus herdasse um a natu reza pecam inosa. Segundo, o prim eiro argu m ento que parte de u m a analogia é falho. A rgum entos que se baseiam em analogias são, n o rm alm en te, frágeis, especialm ente quando existem diferenças cruciais. Por exem plo, Jesus era D eus, e Adão n ão era. C risto não era u m novo Adão (co m o afirm a M orris), m as o “último A dão” (co m o afirm a a Bíblia — 1 Coríntios 15.45). Assim, Ele era a continuidade genética de Adão, e não a descontinuidade, com o seria o caso em u m a nova criação. Terceiro, o segundo argu m en to que parte de u m a analogia tam b ém é falho, já que nós não fom os criados d iretam ente por Deus no ventre da nossa m ãe. Nós herdam os tan to o nosso corpo, quanto a nossa alm a (e o pecado) por interm édio dos nossos pais;3 do contrário, D eus teria que criar u m a alm a pecadora cada vez que u m novo bebê fosse concebido. E co m o não fom os criados dessa form a, não se pode conclu ir que a origem hu m an a de C risto oco rreu por u m ato direto de criação. Quarto, o terceiro argu m ento proposto a partir do livro de Hebreus tam bém não tem êxito; preparação não é o m esm o que criação ex níhilo. A Bíblia diz que o corpo de C risto foi “nascido de m u lh e r” (G 1 4.4); ele não foi d iretam ente criado por u m ato d ireto de Deus. “Nascido de” certam en te im plica que a sua constitu ição física e genética do bebê seguiam o padrão de M aria, en tretan to isto som ente é possível m ediante u m grande m ilagre, sem a interferên cia de u m pai hu m ano. 'V ide capítulo 2.
SERÁ QUE JESUS ERA DESCENDENTE FÍSICO DE ADÃO?
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Quinto, e para encerrar, o ú ltim o argum ento que parte de analogia é falho porque, tal qual ocorre com os demais argum entos que se baseiam em analogias, ele desconsidera diferenças cruciais. A palavra de Deus jam ais faz u m a com paração desta espécie. O corpo espiritual de C risto (a Igreja), que não se originou da m esm a fo rm a que o corpo físico de Cristo, é com posto de m u itos indivíduos que já existiam . Eles não foram criados ex nihilo (a partir do nada) quando foram inseridos no corpo de Cristo pelo Espírito Santo.
RAZÕES BÍBLICAS PARA A POSIÇÃO ORTODOXA TRADICIONAL A posição ortod oxa tradicional — de que Jesus está geneticam ente ligado a Adão por interm édio de M aria — fica dem onstrada a partir de vários fatos. Primeiro, Jesus é considerado o “filho de [...] A dão,” que é o prim eiro nom e da sua árvore genealógica (Lc 3.23, 38). Isto indica, tal qual ocorre com todas as demais pessoas da lista, que Jesus foi um descendente genético de Adão. Segundo, co m o já foi visto, Jesus foi a “sem ente da m u lh e r”, ou “nascido de m u lh e r” (cf. G 14.4), um a expressão que, biblicam ente sem pre im plica ligação genética, a partir de Gênesis 3.15 em diante. Na verdade, quando Eva teve o seu prim eiro filho (Sete) depois de Caim ter assassinado o seu irm ão Abel, a sua afirm ação indica que ela esperava que este próprio filho fosse o redentor: “E to rn o u Adão a co n h ecer a sua m u lh er; e ela teve um filho e cham ou o seu n o m e Sete; porque, disse ela, Deus m e deu ou tra sem ente em
lugar de Abel; porquanto Caim o m a to u .” (G n 4.25). Terceiro, com o já foi observado, o corpo hu m ano de Jesus foi “nascido de m u lh e r” (G1 4.4), e não diretam ente criado por Deus. A palavra “n ascer” (ginomai, no grego) significa “gerar” ou “causar existência.” Isto favorece em m u ito u m a ligação física com Maria, e não um a criação separada no seu ventre. Quarto, [esus veio dos lombos de Davi (1 Reis 8.19), u m term o que tem um significado claram ente genético. A palavra hebraica para lombos ( chalats) significa "separar por p u xão,” “descascar,” “arrancar,” ou “entregar.” Todas estas acepções se encaixam com a idéia clássica da existência da um a ligação física (genética) en tre a m ãe (M aria) e o filho (Jesus). Quinto, Jesus foi o último Adão (e não u m novo Adão), um term o que indica seqüência ou continuidade. O m esm o é verdade para a com paração íntim a entre aquilo que Adão fez e o que C risto realizou pela hum anidade com o u m todo em R om an os 5.12-21. Na qualidade de prim eiro e ú ltim o, tanto Adão co m o Cristo p erm an ecem com o os cabeças de um a m esm a “raça” hu m ana, um para a condenação e o ou tro para a salvação. Isto tam bém revela um a continuidade física en tre C risto e Adão que não seria possível caso Jesus representasse u m a criação especial no ventre de M aria, a qual, por conseguinte, não guardaria qualquer relação genética com ela. Sexto, Jesus era judeu, e com o tal, Ele tin h a com p on en te genéticos dessa etnia, sendo a “sem en te” de Abraão (R m 4.13; Hb 2.14-17). Ele aparentem ente tin h a um a feição
tipicam ente judia, pois a m u lh er no poço de Sam aria im ediatam ente o recon h eceu com o judeu: “C o m o, sendo tu judeu, m e pedes de beber a m im , que sou m u lh e r sam aritana”? (Jo 4.9). Sétimo, u m a vez mais, Jesus nao poderia ser o m ediador da raça de Adao se não fosse geneticam ente m em bro dela. A Bíblia, por sua vez, declara que “há um só Deus e um só m ediador entre Deus e os hom ens, Jesus Cristo, h o m e m ” (1 T m 2.5).
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Oitavo, o livro de Hebreus afirm a que “visto co m o os filhos participam da carne e do sangue, tam bém ele participou das m esm as coisas, para que, pela m o rte, aniquilasse o que tin h a o im pério da m o rte, isto é, o diabo” (2.14). Traduzindo para um a term inologia científica m oderna, um a am ostra de Jesus teria com provado a sua ligação com Maria. Em sum a, Ele era seu parente consangüíneo. Hebreus, ainda, acrescenta: “Pelo que convinha que, em tudo, fosse sem elhante aos irm ãos, para ser m isericordioso e fiel sum o sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo” (2.17).
Su cin tam en te falando, Ele não poderia nos salvar se não fosse, de fato, u m de nós. Nono, Jesus tin h a carne “h u m an a” (Jo 1.14), o que denota que Ele com partilhava da nossa natureza, salvo a nossa pecam inosidade (Hb 4.15). Na sua encarnação, Ele to m ou sobre si a nossa natu reza hu m ana, tornand o-se u m de nós (Fp 2.7). Décimo, Jesus é cham ado de homem (1 T m 2.5), e os h om ens tiveram o seu “p rim eiro” representante em Adão (1 Co 15.47). Isto im plica a sua unidade com Adão e, p o rtan to , a sua capacidade de redim ir qualquer pessoa que faça parte da sua descendência. Isto não seria possível, caso Jesus não fosse verdadeiram ente descendente de Adão. C oncluindo, negar a hum anidade (1 Jo 4.1ss) ou a divindade (C l 2.8,9) de Cristo se constitu i em grave erro doutrinário. Negar a sua ligação genética co m Adão é, im plícita e logicam ente, negar a sua hum anidade. P ortanto, apesar desta posição se m o strar bastante atraente, ela representa u m sério engano. A natu reza m iraculosa da concepção virginal de Jesus não vem do fato dela ser um a criação direta de um ser h u m an o com p letam en te novo, ex nihilo, mas sim, do fato de Deus ter agido de fo rm a sobrenatural na fertilização de um óvulo no ventre de M aria, dispensando a necessidade natu ral de u m esperm atozóide m asculino. Q ualquer afirm ação de que os genes de M aria não estavam em Jesus é um a negação da sua genuína hum anidade e, conseqüen tem ente, da possibilidade da nossa redenção. Se, co m o propõe a perspectiva da criação in tra-u terin a, M aria deu à luz ao S en h or Jesus sem que Ele ten h a sido seu descendente genético, isto seria o m esm o que afirm arm os que u m em brião gerado por pais caucasóides, ao ser im plantado no útero de um a m u lh er negra, fosse considerado, ao nascer, de origem africana. M aria era sim plesm ente um canal para algo que, geneticam ente, era to ta lm en te alheio a ela. O bebê de M aria foi “nascido” dela (G1 4.4), era “sem elh an te” a ela (Hb 2.17) e, p o rtan to , com partilhava da sua natu reza hu m ana, tal qual todos os descendentes físicos com p artilh am da natureza de suas genitoras.
APÊNDICE
CINCO
O PERFECCIONISMO WESLEYANO
J
ohn
Wesley
(1703-1791)
abordou
explicitam ente
a
sua
d ou trina
acerca
do
Perfeccionism o cristão na sua obra A Plain Account o f Christian Perfection [Um R elato bjetivo A cerca da Perfeição Cristã]. P rim eiram ente, exporem os o ensino de Wesley, fazendo uso pred om inan te das suas próprias palavras, a seguir, apresentarem os a réplica clássica ao Perfeccionism o wesleyano a partir da tradição reform ada, nas palavras de B. B. Warfield (1851-1921). A isto se seguirá u m a breve crítica a alguns dos posicionam entos do próprio Warfield acerca da santificação. Por fim, tecerem os com entários acerca do Perfeccionism o w esleyano.
UMA DEFINIÇÃO DE PERFECCIONISMO De acordo com Wesley: [O Perfeccionismo] é aquela disposição habitual da alma que, nas Santas Escrituras, é denominada de santidade; e que implica diretamente estar purificado do pecado, “de toda imoralidade, tanto da carne, quanto do espírito”; e, por conseqüência, estar revestido daquelas virtudes que pertenceram a Cristo Jesus; estar “renovado na imagem da nossa mente,” ao ponto de sermos “perfeitos como perfeito é o nosso Pai do Céu” (PACP, 12). A lém disso: Nisto está a perfeição, a glória e a felicidade: a lei real do céu e da terra é esta: “Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder.” A perfeição do bem deverá ser o seu objetivo maior, (ibid.) A perfeição, segundo Wesley, tam bém é descrita pelas palavras de Paulo: Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim. Ele é santo da mesma forma que o Deus que o chamou é santo, tanto no coração, quanto na forma de se expressar. Ele amava o Senhor, o seu Deus, de todo o coração, e o servia de toda a sua alma. (ibid., 37).
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Wesley ainda afirm ava o Perfeccionism o de o u tra form a: Isto é ser um homem perfeito: ser inteiramente santificado; chegar ao ponto de ter o coração ardendo tão completamente com o amor de Deus (para fazer uso das palavras do Arcebispo Ussher), ao ponto de apresentar continuamente todo pensamento, palavra e ação, como um sacrifício espiritual, aceitável a Deus por meio de Cristo, (ibid.) Em sum a, a perfeição é a “libertação do pecado in terio r e do e x terio r” (ibid., 26).
A Perfeição É um Estado de Ausência de Pecado O que significa ser santificado? Ser renovado à imagem de Deus, em justiça e genuína santidade. Quais as implicações de sermos cristãos perfeitos? São o amor a Deus de todo o nosso coração, e de toda a nossa alma, e de todo o nosso poder (Dt 6.5). Será que isto implica que todo o nosso pecado interior foi removido? Sem dúvida que sim, senão como alguém poderia dizer que fomos mesmo livres “de todas nossas imundícias” [Ez 36.29], (ibid., 41) [Pessoas perfeitas] são libertas da vontade própria, ao ponto de nada mais desejar, a não ser a perfeita vontade de Deus [...] clamando continuamente no mais íntimo do seu ser: “Pai, seja feita a tua vontade.” Elas são libertas de todo tipo de pensamento maligno, de forma que estes não mais penetras nelas, em momento algum. Antes disso, quando um pensamento maligno chegava, elas olhavam para o alto e o pensamento se esvaecia. Mas agora, ele não chega nem a penetras nas suas mentes, pois para ele não há ali lugar, em uma alma que está preenchida por Deus. (ibid., 29) Wesley prosseguiu dizendo: No passado, elas recebiam flechadas de pensamentos errantes, que se dissipavam como fumaça; mas agora esta fumaça nem sequer se levanta. Elas não têm nenhum tipo de medo ou dúvida acerca do seu estado geral, nem acerca de nenhuma ação específica [...] Elas estão, num certo sentido, libertas das tentações; pois embora um sem-número de tentações passe por sobre elas, elas não lhes podem perturbar. Em todos os momentos as suas almas estão estáveis e calmas, os seus corações estão tranqüilos e inabaláveis, (ibid., 30) A lém disso: Agora elas percebem todas as abominações ocultas de lá, as profundezas do orgulho, da vontade própria e do inferno; só que, agora, tendo o testemunho em si mesmas [...] o qual continuamente eleva tanto o forte senso que elas então têm da incapacidade de se ajudar a si mesmas, quanto a fome inexprimível que elas sentem depois que recebem uma renovação total feita à imagem de Deus, em “justiça e genuína santidade.” [...] Agora, meu Salvador, concede-me o teu poder, faz-me parar de pecar”, (ibid., 32-33) Wesley não aceitava que o Perfeccionism o pudesse ser refutado pelo fato de até m esm o os grandes santos do A ntigo Testam ento terem pecado: “E daí que alguns dos
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h o m e n s m a is sa n to s d e n tr e os ju d e u s d a a n tig u id a d e , às v ezes, c o m e t i a m p e c a d o ”? P elo p r o c e d e r d e le s, n ã o p o d e m o s in fe rir q u e “to d o s os c ris tã o s c o m e t e m e d e v a m c o m e t e r p e c a d o e n q u a n to v iv e r e m ” (ib id ., 2 3 ).
A Perfeição É Possível nesta Vida “Verdade,” alguns dizem, “mas não antes da morte, não neste mundo.” Não, diz São João: “Nisto é perfeita a caridade para conosco, para que no Dia do Juízo tenhamos confiança; porque, qual ele é, somos nós também neste mundo.” [1 Jo 4.17] [...] [E] não é somente com a morte, ou depois dela, mas “neste mundo,” eles são “seu próprio Mestre” (ibid., 26-27). E é igualmente evidente, que se algum tipo de pecado ainda restar, não estaremos purificados de todo pecado. Se algum tipo de injustiça permanecer na nossa alma, ela não estará purificada de todo pecado. Se algum tipo de injustiça permanecer na alma, ela não estará purificada de toda injustiça. Também não deixemos que ninguém nos diga que isto está relacionado somente à justificação, ou à purificação da culpa pelo pecado, (ibid., 27) E m su m a : “O C ristão estará tão perfeito a p o n to de n ã o m ais c o m e te r p e ca d o ” (ibid., 25).
Qualquer Crente Pode Atingir a Perfeição
A p e s a r de a s a n tific a ç ã o t e r in ício n a ju s tific a ç ã o , a p e rfe iç ã o ja m a is se c o m p l e ta n a q u e le m o m e n t o ; e la s e m p r e v e m m a is ta rd e . W esley d e c la r o u :
Não conhecemos um só exemplo, em qualquer lugar, onde uma pessoa tenha recebido, exatamente no mesmo instante, a remissão dos pecados, o testemunho da habitação do Espírito, e um coração novo e puro [...] [Entretanto,] São João afirma expressamente a perfeição: e ela não pode ser refutada pelos exemplos do Antigo Testamento, (ibid., 31, 23) A p e rfe iç ã o , se g u n d o W esley , d e v e ria s e r p re g a d a àq u eles q u e e stã o c r e s c e n d o n a p ie d a d e (ib id ., 4 2 ).
Como se Atinge a Perfeição A p e rfe iç ã o é c o n s id e ra d a c o m o “a lg o q u e se re c e b e p e la sim p le s fé, e q u e é re fre a d a s o m e n t e p e la in c r e d u lid a d e .” A lé m disso: “e s ta fé e, c o n s e q ü e n t e m e n te , a s a lv a ç ã o q u e ela tr a z , é c o n s id e ra d a c o m a lg o q u e c h e g a n u m m o m e n t o [...] S u p õ e -s e q u e a q u e le in s ta n te p o d e se r a g o r a (ib id ., 3 4 ).
Ah, que eu agora, liberto do pecado, possa provar as profundezas da tua palavra, entrar no teu gozo prometido; a Canaã do teu perfeito amor! [...] Completamente morto para o pecado. [Pois] aquele que caminha em gloriosa liberdade está completamente morto para o pecado: a verdade é que o Filho o libertou, e ele é verdadeiramente livre (ibid., 39-40).
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Wesley perguntou: Quando começa a santificação interior? No momento em que o homem é justificado. (Contudo o pecado ainda permanece nele, sim, a semente de todo o pecado, até que ele seja inteiramente santificado.) Daquele momento em diante, o crente gradualmente morre para o pecado, e cresce na graça. [Mas isto pode ocorrer antes.] Por que não? Pois, apesar de admitirmos que: (1) a maioria dos crentes, que até o momento conhecemos, não levaram uma vida tão santificada, salvo nos momentos finais da sua vida; (2) que poucas pessoas a quem São Paulo escreveu as suas epístolas viviam em santidade naquela época; e que, (3) isto não pode nem ser dito acerca do apóstolo Paulo na época em que escrevia as suas primeiras epístolas. Tudo isso não serve de prova contra o fato de podermos, sim, levar uma vida santa nesta nossa época, (ibid., 42)
O que a Perfeição não É Em que sentido os cristãos não podem ser perfeitos] Eles não são perfeitos em conhecimento. Não estão livres da ignorância, não, e nem dos erros. Assim como não esperamos que um homem seja onisciente, também não devemos esperar que ele leve uma vida infalível. Eles não estão livres de enfermidades, tais como a fraqueza ou a dificuldade de compreensão, as variações de humor ou os pensamentos impuros. [Tampouco] das enfermidades de outra espécie como a vulgaridade no falar, o uso de vocabulário impróprio; aos quais poderíamos acrescentar mais mil defeitos inomináveis, tanto na forma de expressão, quanto de comportamento. De enfermidades assim ninguém está perfeitamente liberto enquanto o seu espírito não retornar a Deus; também não podemos esperar estarmos livres, antes deste momento, da tentação; pois o “servo não é maior do que o seu Senhor.” [Mas] nem neste sentido existe qualquer forma de perfeição absoluta sobre a terra. Não existe graduação na perfeição, nenhuma que não possa admitir um crescimento contínuo, (ibid., 23) Wesley, então, esclareceu: Deliberadamente admitimos e continuamente declaramos não haver tal perfeição nesta vida, tal qual implique uma dispensa de se praticar o bem, e de se atender a todas as ordenanças de Deus, ou uma liberdade da ignorância, do erro, da tentação e de mil outras enfermidades necessariamente ligadas à carne e ao sangue, (ibid., 35) Em segundo lugar, cremos que este tipo de perfeição não ocorre nesta vida, uma perfeição que suponha uma libertação completa da ignorância, ou do erro, das coisas não essenciais à salvação, das diversas formas de tentação, ou das inúmeras enfermidades, por meio da qual o corpo corruptível, mais ou menos, oprime a alma. (ibid., 36) Mas a quem, portanto, você imagina que a expressão “aquele que é perfeito” se refere? [...] A mente que estava em Cristo [...] Entretanto, nem neste sentido existe uma perfeição absoluta neste mundo. [Como j á vimos,] não existe graduação na perfeição, não há perfeição que não admita um crescimento contínuo, (ibid., 36, 23)
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Convergências e Divergências com os Não-Perfeccionistas W esley e x p ô s a lg u n s p o n to s e m c o m u m , b e m c o m o a lg u m a s d ife re n ça s e n tr e os p e rfe c c io n is ta s e os n ã o -p e r f e c c io n is ta s . E le r e c o n h e c e u q u e a m b o s e s tã o d e a c o r d o q ue: ( 1 ) T o d o s a tin g e m a p e rfe iç ã o n a m o r t e . ( 2 ) A té a q u e le m o m e n t o n o s a p r o x im a m o s m a is d a p e rfe iç ã o . ( 3 ) D e v e m o s c o n ti n u a r n a b u s c a e e x o r t a r os o u t r o s a b u s c a r e m a p e rfe iç ã o . W esley t a m b é m d e u a m ã o à p a lm a tó r ia ao s n ã o -p e rfe c c io n is ta s e m c e r ta s q u e stõ e s, quais s e ja m : ( 1 ) A m a io r ia d o s c r e n te s ja m a is a a tin g e a n te s d a m o r t e . ( 2 ) O t e r m o san tifica d o é n o r m a l m e n t e u tiliz a d o p a r a d e s ig n a r a ju s tific a ç ã o . ( 3 ) A o u tiliz a r o t e r m o san tifica d o , P a u lo r a r a m e n t e , se é q u e o fe z a l g u m a v e z , quis d iz e r “sa lv o d e to d o tip o d e p e c a d o .” ( 4 ) D e v e m o s u tiliz a r os a d v é rb io s com p letam en te e in teiram en te j u n to c o m o s u b s ta n tiv o sa n tific a ç ã o , q u a n d o n o s r e f e r ir m o s a e ste e s ta d o d e p e rfe iç ã o (ib id ., 4 2 -4 3 ). A p e s a r d isso, W esley in sistia, e m o p o s iç ã o a o s n ã o -p e r f e c c io n is ta s , q u e d e v e m o s t e r a e x p e c ta t i v a d e s e r m o s lib e rto s d e t o d o tip o d e p e c a d o a n te s d a m o r t e e q u e ex iste u m a p ro m e s s a c la r a a e ste re s p e ito n o S a lm o 130.8: “E le r e m i r á a Israel d e to d a s as suas in iq ü id a d e s” (ib id ., 4 3 ).
ADMISSÕES IMPORTANTES DE WESLEY ACERCA DO PERFECCIONISMO W esley fez u m a série d e co n c e s s õ e s i m p o r t a n t e s a c e r c a d o P e rfe c c io n is m o . T a lv e z a m a is r e v e la d o r a se ja e sta p r im e ira .
A Perfeição não Elimina “Mil Defeitos Inomináveis” C o m o já o b s e rv a m o s a n te r io r m e n te , u m a d as a d m issõ e s m a is r e v e la d o r a s d e Jo h n W esley ta lv e z se j a a de q u e u m a p e sso a p o d e ria , s u p o s ta m e n te , se r a b s o lu ta m e n te p e rfe ita e s e m p e c a d o , m a s m e s m o a ssim , n ã o e s ta r “liv re d e e n fe rm id a d e s , tais c o m o a fra q u e z a o u a d ificu ld a d e d e c o m p r e e n s ã o , as v a ria ç õ e s d e h u m o r o u os p e n s a m e n to s im p u r o s .” E la s t a m b é m
s e r ia m
a c o m e tid a s p o r “v u lg a rid a d e n o fa la r, o u s o d e v o c a b u lá rio
i m p r ó p r i o ; ao s quais p o d e r ía m o s a c r e s c e n t a r m a is m il d e feito s inom ináveis, t a n t o n a f o r m a de e x p re s s ã o , q u a n to d e c o m p o r t a m e n t o (ib id ., 2 3, g rifo a c r e s c e n t a d o ) .
Nem mesmo os Principais Apóstolos Atingiram a Perfeição O u t r a a d m issã o i m p o r t a n t e é a d e q u e a té m e s m o os a p ó s to lo s P a u lo e P e d ro p e c a r a m e, p o r t a n t o , n ã o f o r a m i n t e ir a m e n te sa n tifica d o s:
Até mesmo os apóstolos cometiam pecados; Pedro foi hipócrita, Paulo entrou em grave atrito com Barnabé. Suponhamos que eles tenham mesmo cometido, então você argumentaria da seguinte forma: “Se estes dois apóstolos chegaram a cometer pecado,
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então todos os outros cristãos, em todas as épocas que se seguiram, pecam e precisam cometer pecados ao longo de toda a sua vida?” Claro que não! Deus nos proíbe de falarmos desta forma. O pecado não é uma necessidade imposta sobre ninguém; a graça de Deus certamente era suficiente para eles, assim como também é suficiente para nós nos nossos dias. (ibid., 24)
O Perfeccionismo raramente Era Pregado às Pessoas que Estavam Estagnadas Wesley tam b ém afirm ou que raram ente exortava à perfeição pessoas que não apresentavam u m crescim en to rápido; “De que m aneira devem os pregar a santificação? M u ito raram ente para pessoas que não estão progredindo” (ibid., 42).
A Santificação Interior Começa na Justificação — A Morte para o Pecado É Gradual A lém disso, co m o an teriorm en te expendido, ele tam b ém declarou que a “santificação in terio r” com eça n a justificação: Quando começa a santificação interior? No momento em que o homem é justificado. Contudo o pecado ainda permanece nele, sim, a semente de todo o pecado, até que ele seja inteiramente santificado. Daquele momento em diante, o crente gradualmente morre para o pecado, e cresce na graça [...] Mas será que podemos ter uma expectativa de que isto possa ocorrer antes? Por que não? Pois, apesar de admitirmos que: (1) a maioria dos crentes, que até o momento conhecemos, não levaram uma vida tão santificada, salvo nos momentos finais da sua vida; (2) que poucas pessoas a quem São Paulo escreveu as suas epístolas viviam em santidade naquela época; e que, (3) isto não pode nem ser dito acerca do apóstolo Paulo na época em que escrevia as suas primeiras epístolas. Tudo isso não serve de prova contra o fato de podermos, sim, levar uma vida santa nesta nossa época, (ibid., 42) Os eruditos wesleyanos têm divergido acerca se a “santificação co m p leta ” é um a questão de erradicação ou fo rtalecim en to — ou seja, se o pecado é destruído ou m eram en te suprimido. Será que sentim entos co m o a ira ou a inveja são rem ovidos ou m eram en te redirecionados?1 Podem ser apresentados textos em defesa das duas posições. Wesley acreditava, en tretan to , que todos os crentes podem atingir um estado de perfeição que im plique a ausência de pecado antes da m o rte e que todos os crentes devam buscar isto. A culpa pela posição favorável à erradicação é colocada, p o r alguns eruditos wesleyanos, em elem entos mais radicais do M ovim ento de Santidade que eclodiu na A m érica do N orte. Por exem p lo, J. K enn eth G rider (nascido em 1921) indica que J. A. Wood (au to r de Perfect Love [O A m or Perfeito], 1861), H. C. M orrison (a u to r de Baptísm With the Holy Ghost [O Batism o C o m o Espírito Santo], 1890) e S. S. W hite (a u to r de Eradication [Erradicação], 1954) teriam sido os líderes. O erudito wesleyano Vic R easoner argu m enta que Wesley não cria na erradicação, citando a sua ênfase n a necessidade dos crentes perm anecerem n o processo de quebra
1 E m b o ra W esley ja m a is t e n h a feito u so d a p a la v ra erradicação, ele u tiliz o u te rm o s q u e são co n sid erad os e q u iv a len tes, tal c o m o destruição (c o n fo r m e R o m a n o s 6 .6).
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do poder do pecado nas suas vidas. Ele cita o wesleyano David Seam ands2 alegando que a santificação é, sim ultaneam ente, u m a crise final e u m processo contínuo.
A RESPOSTA DE B. B. WARFIELD AO PERFECCIONISMO WESLEYANO B. B. Warfield (1851-1921), um fam oso erudito da Universidade de Princeton, no estado de Nova Jersey, Estados Unidos, escreveu u m a resposta clássica ao W esleyanism o,3 apesar de não ter citado diretam ente Jo h n Wesley de fo rm a tão intensa quanto o fez com seus discípulos — que eram seus contem porâneos — , tais com o Charles T ru m b u ll (18721941), A. B. Sim pson (1844-1919), R obert Pearsall Sm ith (1827-1898) e H annah W hitall Sm ith (1832-1911). As críticas ao Perfeccionism o wesleyano a seguir foram selecionadas de um a extensa obra de Warfield.
O Perfeccionismo É um Remendo à Santificação O Perfeccionism o alega que a santificação perfeita não som ente pode ser obtida nesta vida, com o tam bém recebido por interm édio de u m ato im ediato de Deus. Warfield alegava que esta posição era gerada pela inquietação espiritual, ao observar que “os hom ens ficam desgastados ao servir ao Sen h or; eles não desejam mais lutar para conquistar o prêm io, mas preferem ser levados aos céus em berços esplêndidos de tranqüilidade” (P, 244-45). Ele cham ava isto de “vitória pela liberdade em vez de vitória pela lu ta ” (ibid., 380). Em vez de lutarm os con tra a tentação, por interm édio deste rem end o de santificação, as pessoas “sim plesm ente deixam Cristo no-la entregar, enquanto aguardamos na posição de observadores” (ibid.). A lém disso, “são pessoas que não se dispõem a aguardar o m étod o vagaroso que Deus utiliza para desenvolver esta salvação mais com p leta através dos conflitos da vida” (ibid., 264). C om o já vimos, “os hom ens não conseguem com preend er porque se deveria perder tem po com obras divinas [...] eles exigem resultados im ediatos e tangíveis” (ibid., 349).
O Perfeccionismo Faz Distinção entre a Justificação e a Santificação N um sentido form al, apesar da justificação (a salvação da pu nição do pecado) e da santificação (a salvação do poder do pecado) serem coisas diferentes, Warfield defendeu que não existe u m a “separação clara” entre ambas (co m o argu m entam os perfeccionistas). De acordo com eles, a justificação e a santificação “são decididam ente separadas, com o dois carismas distintos da graça” (ibid., 356). “U m a separação violenta destas duas coisas, a ponto de fazer delas dons separados da graça, evidencia u m a confusão na concepção da salvação em Cristo, que não é nada m enos do que ‘trem en d a’” (ibid. 357). Na verdade, “o sr. T ru m b u ll está acostum ado a iniciar a exposição do seu ensino afirm ando categoricam ente que a justificação e a santificação são dois carismas separados de Deus, a serem separadam ente obtidos e por atos separados de fé” (ibid., 355). Em sum a: “Som os libertos da culpa do pecado por u m ato de fé, e som os libertos do poder do pecado por outro ato de fé ” (ibid., 265).
2 Puttinfl Away Childish Things: Reaching fo r Spiritual and Emotional Maturity in Christ [A b an d on an d o As C oisas de M e n in o : C o m o A lca n ç a r a M atu rid ad e E sp iritu al e E m o c io n a l e m C risto ], 10, 13, 17, 49. 3Perfectionism [O P e rfeccio n ism o].
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Warfield cita A. A. Hodge (1823-1886) que afirm ou: Constitui-se uma idéia completamente falsa, que jamais seria aceita por Cristo, de que o cristão precisa passar por duas conversões — que na primeira ele aceita Cristo para a justificação e, posteriormente, por um ato separado, ele aceita Cristo para a santificação [...] O perdão, em qualquer ato de fé genuína, não pode mais ser separado da purificação, (ibid., 358)
O Perfeccionismo (Como Admitem os seus Próprios Proponentes) É uma Nova Doutrina Apoiando-se na questão levantada por Hodge, até m esm o os perfeccionistas adm item a falta de apoio para a sua posição nos ensinos dos Pais Eclesiásticos. Jo h n M cC lin to ck (1814-1870) declarou: “Som os a ún ica igreja n a história, desde os tem pos apostólicos, que levantou a bandeira da santidade da alm a, do coração, da m en te e da vontade hum anas [...] co m o a mais central de suas idéias” (ibid., 350). Warfield acrescentou: “Nada m enos que u m a nova época na história da Igreja foi assim, de acordo co m a opinião dos seguidores de Wesley, apresentada” (ibid.). So m en te este fato, sugere Warfield, já seria m o tiv o de u m a pausa para reflexão.
O Perfeccionismo É uma Forma de Passivismo Espiritual Ao insistir que as pessoas entreguem sua vontade a Deus n u m ato de fé pelo qual elas possam obter este suposto estado de perfeição, oco rre u m a “in terru p ção do esforço m o ral da parte delas” (ibid., 397). Warfield insistia que a vontade hu m an a é ativa no processo de santificação: Cristo habita dentro de nós não com o propósito de mergulharmos o nosso ser no Ser dele, nem para O colocarmos em nosso lugar como o agente das nossas atividades, muito menos para que Ele se apodere da nossa vontade e tome o controle dela em contradição com a nossa própria mente imanente; mas sim, para operar diretamente sobre nós, para nos tornar bons, a fim de que as nossas obras, livrementefeitas por nós, possam sob a sua liderança contínua, também serem boas. (ibid., 390, grifo acrescentado)
O Perfeccionismo É uma Forma de Quietismo Warfield tam b ém atacou o Q uietism o que em ergia do W esleyanism o n o qual a “a rendição é a nossa parte na vitória” (ibid., 361). W arfield afirm ava que isto pode ser reduzido a u m a “atitude geral de renúncia, de inatividade apática, que não faz um a referência específica a D eus e som en te apresenta a ele u m cam po irresistível n o qual Ele pode atuar de fo rm a livre.” Isto, con form e disse ele, “é m ais m ístico do que cristão” (ibid.). Ele rejeito u a idéia de que “a condição para a vida vitoriosa é que n ão devem os fazer nada, absolutam ente nada, salvo, nos rend erm os a Cristo. Q ualquer tentativa de fazer algum a coisa, além de não aju d ar em nada no nosso processo de aperfeiçoam ento, acaba por retard á-lo de fo rm a significativa” (ibid., 377) A posição de Paulo era diferente, pois ele continuamente nos exortava a despender esforços no sentido de desenvolver a nossa santidade, como por exemplo, em 2 Coríntios 8.1, onde ele nos estimula exatamente a nos purificarmos e, dessa forma, completarmos a nossa santificação, (ibid.)
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O Perfeccionismo Leva ao Misticismo e ao Panteísmo Warfield tam bém criticou um a fo rm a de perfeccionism o, proposta por A. B. Sim pson, que defende um a união m ística com Cristo, sugerindo que “dessa form a, C risto age de m odo a se to rn ar o protagonista da fé em nosso lugar, e assim, não mais viverem os pela fé nele, mas pela fé dele em n ós” (ibid., 386-87). Warfield cham ou isto de “M isticism o Ininteligível” (ibid., 384) e citou um a passagem de Wesley que, se considerada de form a séria, é panteísta: D eus parecia falar com igo de form a tão doce, ele dizia: “Não se preocupe, m e u filho, tu nada tens. Mas eu sou o perfeito Poder, eu sou a tu a vida [...] eu sou tu d o po r den tro e por fora, e p ara todo o sem p re”, (ibid., 386) Em sum a, o Perfeccionism o “afirm a que a nossa individualidade foi abolida eque C risto to m o u o seu lugar. Som os ensinados que Ele ‘se co n stitu iu ’ a si m esm o com o o nosso próprio ser [...] Fica claro que ‘n ós’ deixam os de existir” (ibid., 383).
O Misticismo Abre As Portas para o Antinomianismo Além disso, Warfield cria que este estado de passividade m oral resultante do Perfeccionism o poderia levar as pessoas a u m estado de anom ia:4 C om a extinção da atividade m o ral “que m eram en te trai a baixa consideração que tem os pela justiça [...] podem os estar chegando diante da porta para o A n tinom ianism o” (ibid., 397). De m odo sem elhante: O Q uietism o pode facilm ente se tran sfo rm ar em A ntinom ianism o. Pois, a história com o u m todo nos ensina com o é terrivelm ente fácil nos persuadirm os que, caso ten h am o s recebido, com o u m p u ro d o m de Cristo, a liberdade absoluta com relação ao pecado de form a que com ele não mais precisem os nos p reo cu p ar — então, obviam ente, as coisas que fazem os (sejam elas quais forem ) não podem mais ser consideradas pecado, (ibid., 379)
O Perfeccionismo E uma Forma de Pelagianismo Warfield alegava que no Perfeccionism o wesleyano: Em todos os lugares e em todos os tem pos, a iniciativa pertence ao hom em ; em todos os lugares e em todos os tem pos, a ação de Deus é suspensa diante da vontade do hom em . Estam os encobrindo o dano que este m o d o de representação nos causa, (ibid., 398) Da m esm a fo rm a que Lutero disse a Erasm o, Warfield acreditava que “o Pelagianismo desta inovação d ou trinária” estava “ultrapassando o Pelagianismo de Pelágio” (ibid.).
O Perfeccionismo É uma Forma de Magia Religiosa Naquilo que pareceu quase um a previsão profética, acerca daquilo que seria possivelm ente os radicalism os contem porâneos do cham ado “M ovim ento Palavra da
4 Ou seja, ausência de leis.
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Fé”, 5 Warfield acusou o Perfeccionism o de ser “algo m u ito pior do que o Pelagianism o, u m m o vim en to que tem mais afinidades com a magia do que co m a religião” (ibid., 397). A tendência com o u m todo é [...] [...] colocar Deus à disposição do homem e estimular o homem a fazer uso de Deus para obter resultados que ele não conseguiria atingir sozinho [...] Isto é, obviamente, inverter as coisas, e ao fazer isto depreciar Deus à condição de mero instrumento do qual o homem faz uso para assegurar os seus objetivos. [Com efeito,] Deus sempre aparece como um ser impotente, enquanto o homem não o chama à ação por meio da abertura de um canal que dará vazão às suas energias, (ibid.)
O Perfeccionismo E intrinsecamente Falível A lém disso, Warfield alegava que o “Perfeccionism o” era u m exem plo clássico de uso errado de term inolog ia doutrinária, pois ele, n a verdade, p ro p u n ha “u m a perfeição intrinsecam ente falível, u m a perfeição da qual é possível nos afastarm os — da qual, na verdade, podem os nos afastar a qualquer m o m en to — quiçá a todo m o m e n to ” (ibid., 395). Warfield perguntava com o poderíam os confiar que Deus evitaria que caíssemos novam ente se, apesar da sua prom essa (Judas 24), não foi assim que Ele agiu em ocasiões anteriores (ibid.).
O Perfeccionismo É Autocontraditório Warfield m o strou aquilo que acreditava ser u m a inconsistência in eren te ao Perfeccionism o: Como uma pessoa que chega a ser livre do desejo de pecar consegue resistir a Cristo? Afinal, resistir a Cristo não é um pecado? E se resistir a Cristo é um pecado, como a pessoa que pode, a qualquer momento, resistir a Cristo está livre de toda a necessidade de lutar contra o pecado? [...] Obviamente, o sr. Trumbull não poderá sustentar estes dois dogmas de forma simultânea — o dogma da substituição do nosso “eu” por Cristo, como o agente de todas as nossas atividades; e o dogma do poder absoluta que teríamos de resistir a Cristo, (ibid., 389)
O Perfeccionismo Subestima o Pecado A o alegar que é possível u m a p erfeição que p re ssu p o n h a a au sên cia de pecad o, o W esleyanism o d irecio n a a sua a rtilh a ria p ara o m a l e acaba servindo-se de escusas para ju stifica r m u ito s pecados. U m a fo rm a pela qual isto o c o rre é lim ita n d o o su p o sto estado de p erfeição so m e n te aos “pecados c o n h e cid o s” (ibid., 392-93). A lém disso: “Tod a exp eriên cia nos e n sin a que é te rriv e lm e n te fácil n ão re c o n h e c e rm o s os pecad os quando nos d ep aram os co m eles; e ta m b é m n ão “c o n h e c e rm o s ” que os pecados que estam os p ro p en so s a c o m e te r são, de fa to , p eca d o s” (ibid., 379). Na verdade, u m a das artim an h a s de S atan ás é “nos fazer p en sar que o pecad o n ão é p e ca d o ” (ibid .).
5Vide Hanegraaff, Counterfeit Revival [Avivamento Falsificado].
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A Perfeição É uma Esperança Futura, Nao uma Realidade Presente A lém de m o strar a natu reza gradual da santificação bíblica (vide acim a), Warfield tam bém nos m o strou a sua natu reza fu tu ra: “Ela não é algo que já possuím os, m as algo pelo que pedim os” (ibid., 462). Ele observou: Portanto, está claro que Paulo, apesar de prometer esta perfeição como uma herança garantida para todos os cristãos, ele apresenta como uma questão de esperança, algo que ainda não podemos ver; não uma questão de experiência, de algo que já é desfrutado [...] Nesta vida estamos combatendo o bom combate; estamos na pista de corrida. O prêmio está mais adiante, (ibid., 462-63) Ao citar 1 Tessalonicenses 5.23, Warfield lem brou aos seus leitores que a santificação com p leta é algo que alcançam os “na vinda do nosso Sen h or Jesus C risto” (ibid., 463). Na verdade, ele observou que a perfeita santificação som ente acontece quando a alm a, o espírito e o corp o são santificados: E pelo aperfeiçoamento do homem como um todo que Paulo ora, e isto inclui expressamente tanto o corpo, quanto a ressurreição, no último dia, que é o dia da segunda vinda de Cristo. Até lá o corpo estará se decompondo no túmulo, (ibid.) Q ualquer fo rm a de santificação que anteceda este m o m en to será gradual e incom pleta, e será u m grave erro de term inologia ch am á-la de santificação total ou santificação completa, ou term os sem elhantes.
UMA BREVE CRÍTICA A ALGUNS DOS ENSINOS DE WARFIELD ACERCA DA SANTIFICAÇÃO A lém das várias críticas feitas ao Perfeccionism o w esleyano, tal qual concebido por Wesley, existem tam bém alguns problem as sérios na posição assumida por Warfield. Várias delas são dignas de observações, o que farem os aqui de fo rm a sucinta.
Warfield Superestima o Perigo do Antinomianismo A p arentem ente Warfield exagerou ao relatar o possível perigo de A ntinom ianism o no m o vim en to wesleyano. A lém de não existir n e n h u m tipo de ligação lógica entre ambos, tam bém existe poucas evidências históricas de que isto tenha, de fato, ocorrido. Da m esm a fo rm a que exem plos isolados podem ser apresentados, tam bém poderíam os argu m entar que o Calvinism o exacerbado de Warfield não só pode, co m o tam bém já levou a extrem os antinom ianos. Logo, este argu m ento parece ser auto-anulável, além de ser u m a espada de dois gum es. Pela m esm a lógica, o Predestinacionism o de Warfield poderia ser acusado de induzir ao Fatalism o.
A Acusação de Pelagianismo Feita por Warfield É Exagerada Apesar de algum as correntes dissidentes do W esleyanismo serem m ais pelagianas, a acusação de Pelagianismo é exagerada quando aplicada a Wesley e a m u itos dos seus seguidores. Na pior das hipóteses, a posição arm iniana poderia ser tachada de
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sem ipelagiana, en tretan to n e n h u m dos Concílios E cum ênicos da Igreja cristã chegou ao p onto de condenar o Sem ipelagianism o co m o heresia.6 P ortanto, é sim plesm ente u m exagero im preciso afirm ar que o W esleyanismo, em geral, estava “ultrapassando o Pelagianismo de Pelágio” (P, 398). A acusação de Pelagianism o con tra os wesleyanos som ente faz sentido caso se pressuponha u m a posição calvinista firm e — e, neste caso, a acusação tam bém teria que ser feita con tra vários grupos não-w esleyanos e até m esm o calvinistas m oderados; pois todos estes acreditam que a graça de D eus age de fo rm a cooperativa, e não operativa, sobre a vontade h u m an a n a salvação.7
Warfield Aderia a uma Forma de Erradicacionalismo Iron icam ente, apesar de Wesley ser n orm alm en te acusado de defender u m a fo rm a imediata de Erradicacionalism o, o próprio Warfield apresentou u m a fo rm a processual do m esm o ensino. Ele insistiu que a salvação envolve u m a “libertação do próprio pecado” (ibid., 367). Isto envolve “a nossa libertação daquilo que é cen tral — da corrupção do coração h u m a n o ” (ibid.). Pois “Ele [Deus] cu ra a nossa pecam inosidade precisam ente por m eio da cu ra da nossa n atu reza pecam inosa. Ele to rn a a árvore boa para que o fru to tam bém possa ser b o m ” (ibid., 368). N a verdade, Warfield chegou ao ponto de afirm ar que em R om anos 7 não existe u m a “batalha m o rta l entre as duas natu rezas,” mas sim , que “aquele capítulo nos apresenta o processo de erradicação da nossa velha natureza” (ibid., 371, grifo acrescentado). Ele criticou G riffith T hom as (1861-1924) por ensinar que a nossa nova natu reza m eram en te “con traria” a velha n atu reza no presente, aguardando a sua erradicação “no porvir.” Ao contrário, co n fo rm e declarou Warfield: “Ela está progressivamente a extirpando já no presente, e este é o fato fund am ental n a santificação sob ren atu ral” (ibid., 372, grifo acrescentado). C ontu do, isto é contrário não som en te à lu ta constan te que Paulo travava com o pecado na sua vida, mas tam bém ao conceito assumido por Warfield de que a nossa vida inteira é palco do bom com bate da fé (ibid., 378).
Warfield Foi Inconsistente acerca do Papel do Livre-Arbítrio Warfield caiu n a arm adilha das suas próprias críticas ao não aceitar que a hum anidade desem penhe u m papel ativo na salvação. Repetidas vezes, ele criticou o Perfeccionism o wesleyano por to rn ar passiva a vontade h u m an a na santificação (vide acim a). Ele argu m entou que existe u m a sinergia entre a vontade h u m an a e a graça de Deus no processo de purificação. Porém , quando o assunto é o prim eiro passo para a salvação (a justificação), Warfield, rapidam ente, deixa de ser u m sinergista e passa a ser m onergista, sugerindo que Deus age de fo rm a isolada e independente do nosso livre- arbítrio. Ele afirm ou, de fo rm a ousada: Não é verdade que Deus força a salvação de um homem. Seria mais verdadeiro afirmarmos que nenhum homem é salvo sem que Deus tenha forçado a salvação sobre ele — apesar do linguajar não ser exato [...] Não é verdade que a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor, a qual é o dom gratuito de Deus, é meramente disponibilizada a nós como uma opção e que a nossa vontade é livre para aceitá-la ou rejeitá-la. (ibid., 392, grifo acrescentado)
6 O S eg u n d o C o n cilio de O ran g e (529 d .C .), q u e c o n d e n o u o S em i-p e la g ia n ism o te v e a b ra n g ên cia lo c a l (n ã o u n iv ersa l). O C o n cilio C a tó lic o de T r e n to , p o s te rio r a e ste fo i favorável à p o siçã o sem i-p ela g ia n a .
7V id e c a p ítu lo 5.
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Ele ridicularizou a idéia de que “o cham ado de C risto a Lázaro tam bém deve ter sido ineficaz enquanto o falecido Lázaro, por interm édio de u m ato deliberado da sua vontade, decidiu aceitar a oferta que Deus lh e fazia co m aquele ch am ad o” (ibid., 391). C o m o vimos an teriorm ente, este é um uso errôn eo da expressão “m o rto em pecados,”8 que significa “sem vida espiritual” e “separado de D eu s,” e não “to talm en te incapaz de responder à graça de Deus e ao dom da salvação.”
Warfield Aceitava a Salvação pelo Senhorio Apesar de ser inadequado separar a ligação natural entre justificação e santificação,9 Warfield parece ter visto um a conexão quase que autom ática entre ambas: “A justificação e a santificação estão indissoluvelmente ligadas entre si” (ibid., 356). Na verdade, ele criticou a idéia que separa a aceitação de Cristo com o Salvador da aceitação de Cristo com o Senhor, (ibid., 375). Em parte algum a o Novo Testam ento afirma que a aceitação de Cristo com o S en h or (M estre) é um a condição para o recebim ento do carism a gratuito da salvação. Isto eqüivale a exigirmos que a promessa de fidelidade de um a pessoa na obra de Cristo sirva de base para a sua salvação (justificação), a qual, conform e vimos anteriorm ente,10 é um a negação não-bíblica da justificação unicam ente pela fé. O u seja, significa colocarm os a santificação antes da justificação e, co m isso, negar, n a prática, o princípio clássico da Reform a, solafide.
COMENTÁRIOS FINAIS Apesar dos exageros de W arfield, das suas prem issas n ão-bíb licas e da fa lta de ob jetivid ad e de algum as de suas críticas, a grand e m a io ria dos seus p o n to s é perspicaz e b em fu n d am en tad a, p a rtic u la rm e n te quando ele tra ta do W esleyanism o da sua ép oca, m e sm o que essas asseverações n e m sem p re se ap liq u em à pessoa de Jo h n Wesley. A lém disso, os ensinos do próprio Wesley a respeito da “santificação to ta l” ou “Perfeccionism o” são reveladores. Considere nov am ente as seguintes afirm ações feitas por ele: “A santificação to ta l” não significa: (1) que jam ais voltarem os a pecar; (2) que não possamos perder a nossa salvação; (3) que não possam os ter/com eter “m il” outras “fraquezas,” “defeitos,” “erros,” e “enferm idades” (as quais englobam um a m u ltid ão de pecados); (4) que os grandes apóstolos Paulo e Pedro a possuíssem; (5) que ela tenha sido alcançada por mais pessoas além de algumas poucas, em cada época; (6) que a m aioria das pessoas que a alcançam o fazem m u ito antes da m o rte; e (7) que Paulo raram ente faz uso do term o santificado neste sentido, se é que o faz alguma vez. Em resum o, a posição w esleyana de que podem os atingir um ponto de perfeição que im plique ausência de pecado (seja ou não p or interm édio da sua erradicação) nesta vida não é bíblica, é irrealista, contrária à experiência hu m an a — e subestim a o pecado. O Perfeccionism o é u m a fo rm a de rem endo à santidade que pode gerar na pessoa um a 8 Ibid.
V id e c a p ítu lo s 10 e 15.
10V ide c a p ítu lo s 15-16.
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falsa sensação de conquista espiritual, mas que abala o processo de santificação gradual ordenado por Deus. Apesar disso, o espírito wesleyano de busca pela santidade genuína é bíblico, recom endável e têm apresentado m u itos fru tos tanto n a form ação espiritual, quanto na ação social ao longo dos três últim os séculos.
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SUMÁRIO V O L U M E Q U A T R O : A I G R E J A (E C L E S I O L O G I A ) E A S Ú L T IM A S C O IS A S (E S C A T O L O G IA )
Parte Um: A Igreja (Eclesiologia) C apítulo U m : A O rigem da Ig re ja .................................................................................................. 505 C apítulo Dois: A N atureza da Igreja U n iv ersa l........................................................................ 527 Capítulo Três: A N atureza da(s) Igreja(s) V isível(is)............................................................... 547 C apítulo Quatro: O G overno da Igreja V isív el......................................................................... 581 Capítulo Cinco: Os Sacram entos da Igreja V isív e l.................................................................. 617 Capítulo Seis: A R elação entre a Igreja e o E sta d o .................................................................. 653
Parte Dois: As Últimas Coisas (Escatologia) Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo
Sete: O Estado Interm ediário e a R essu rreição...................................................... 683 Oito: O Estado Final dos Salvos (C é u )....................................................................... 723 Nove: O Estado Final dos Perdidos (In fe rn o )..........................................................751 Dez: A Suposta Condição Tem porária dos Salvos (P u rg ató rio )......................781
Capítulo Capítulo C apítulo C apítulo C apítulo
Onze: A niquilacionism o..................................................................................................805 Doze: A Interpretação da P rofecia.............................................................................. 825 Treze: O R eino de D e u s ......................................................................................................865 Q uatorze: As Alianças de D e u s ....................................................................................... 899 Q uinze: A Segunda Vinda e o M ilên io..........................................................................939
Capítulo Dezesseis: A Tribulação e o A rrebatam en to...............................................................983
Apêndices Apêndice Um: O Corpo Ressurrecto Tem as mesmas Partículas que Tinha antes da M orte?..1039 Apêndice Dois: R eencarnação........................................................................................................... 1041 Apêndice Três: Os Concílios Gerais da Igreja e o Desenvolvimento do Catolicismo Rom ano. 1053 Apêndice Quatro: O Papel dos Apóstolos do Novo T estam ento......................................... 1067 B ib lio g ra fia
1073
# RECONHECIMENTO
Por ocasião da finalização deste volume, cinco pessoas merecem reconhecimento especial. Em primeiro lugar, minha esposa, Bárbara, que preparou a prova detalhada e meticulosa de todo o manuscrito. Do mesmo modo, meus assistentes, Doug Beaumont e Kent Suter, que empreenderam vastíssima pesquisa por citações dos grandes mestres da igreja, e Christina Woodside, que fez extensiva preparação do manuscrito. Finalmente, Christopher Soderstrom, da Bethany House, que executou, de maneira dedicada, atenciosa e extensiva, a edição de cada página deste livro. A cada um deles, desejo expressar minha sincera e profunda gratidão.
SINOPSE DO VOLUME QUATRO
o V olum e U m , discutim os a introd u ção à teologia (prolegômenos, pré-cond ições) e a Bíblia (bibliologia). Estas partes servem co m o o m étod o e a base para produzir a
N
teologia sistem ática. No V olum e Dois, nos concentram os na teologia propriam ente dita, isto é, nos atributos e nas atividades de Deus. Na prim eira m etade, a atenção foi centralizada em D eus — nos seus atributos e nas suas características, tanto não-m orais (m etafísicas) quanto m orais. Depois que falam os sobre quem D eus é, na segunda m etade discutim os o que Deus faz (em relação à sua criação), e então exam inam os as doutrinas de Cristo ( cristologia) e do Espírito Santo (pneumatologia). No V olum e Três, tratam os da d outrina do pecado ( hamartiologia) e da disciplina da hum anidade (antropologia), e então nos voltam os para a dou trina da salvação (soteriologia), incluindo origem , teorias, natureza, evidências, certeza, extensão, exclusividade, resultados, condições, e conteúdo.
PARTE UM: A IGREJA (ECLESIOLOGIA) O V olum e Q uatro tam bém é apresentado em duas partes principais. A Parte U m trata da eclesiologia, a dou trina da igreja. D iscutirem os prim eiro a origem da igreja (capítulo 1), então a natu reza da igreja invisível (universal) (capítulo 2), seguida da natu reza da igreja visível (local) (capítulo 3). Depois disso, tratarem os do governo (capítulo 4), das ordenanças da igreja visível (capítulo 5), seguidos da relação en tre a igreja e o estado (capítulo 6).
PARTE DOIS: AS ÚLTIMAS COISAS (ESCATOLOGIA) A Parte Dois trata da escatologia, o estudo das últim as coisas, e possui duas seções: escatologia pessoal (capítulos 7-11) e escatologia geral (capítulos 12-16). C om eçam os co m o estado interm ediário e a ressurreição (capítulo 7), o estado final dos salvos (céu — capítulo 8), e o estado final dos perdidos (in ferno —capítulo 9). Seguindo estes assuntos, estão análises da dou trina católica rom ana do purgatório (capítulo 10) e as teorias do aniquilacionism o (capítulo 11).
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A seção fin al te m in ício c o m u m estu d o da in te rp re ta çã o das profecias (ca p ítu lo 12), seguido de u m tra ta m e n to do rein o de D eus (ca p ítu lo 13) e das alianças de D eus (ca p ítu lo 14). F in a lm e n te , d isco rrem o s sob re a v o lta de C risto (a Seg u nd a V ind a) e o M ilên io (ca p ítu lo 15), e e n tã o sobre a T rib u la çã o e o A rre b a ta m e n to (c a p ítu lo 16).
A IGREJA (ECLESIOLOGIA)
A ORIGEM DA IGREJA
significado básico da palavra igreja (gr. ekklesia) é “cham ados para fo ra ”. Em grego clássico, ekklesia se referia a um a assem bléia de qualquer tipo, religiosa ou secular, legal ou ilegal. As palavras hebraicas qahal e ‘edhah, freq ü entem ente traduzidas com o ekklesia no Antigo Testam ento grego1 significavam u m a reunião ou assembléia, com o as que o judaísm o tinha na sinagoga. No Novo T estam ento, ekklesia veio a significar um a assembléia de crentes, especificam ente seguidores de Jesus. A palavra igreja, conform e usada neste volum e, se relere à igreja do Novo Testam ento, lundada por Jesus Cristo; isto é, um a assembléia de crentes unidos ao corpo espiritual de
O
Cristo pelo Espírito Santo (1 C o 12.13) no m o m en to da regeneração (T t 3.3-6), quando individualm ente colocam a sua fé no S en h o r Jesus com o seu Salvador (A t 16.31). Ainda na terra, os cristãos fariam parte de u m grupo local de congregados, que se encontrava regularm ente (Hb 1.25) para edificação (E f 4.12), adoração (Jo 4.24) e participação nas ordenanças2. A este grupo, Paulo destinou a m aioria das suas epístolas, com o, por exem plo, “a igreja de Deus que está em C o rin to ” (1 Co 1.2). A Igreja U n iv e rs a l vs. Igrejas L o cais D evem os fazer um a distinção entre a igreja universal (que constitu i o corpo invisível de todos os crentes3) e a igreja local (u m a m anifestação visível da Igreja universal em um a determ inada localidade-1). A igreja invisível é constituída de crentes que já estão no céu; a igreja visível é constituída dos que ainda estão na terra. D a m esm a m aneira, freqüentem en te se faz um a distinção en tre a igreja militante e a igreja em repouso; a prim eira consiste de crentes vivos, e a segunda consiste daqueles que já m o rreram e foram para a sua herança3. O foco dos capítulos seguintes será tanto o corpo espiritual universal (noiva) de Cristo6, quanto as m anifestações locais de tal corpo (por exem plo, cf. 1 Co 1.2; G1 1.2). E digno de nota que o Novo Testamento jamais usa a palavra igreja em referência a uma estrutura física. Na realidade, os cristãos primitivos não tinham edifícios públicos onde pudessem se reunir; a princípio, eles se reuniam no templo de Jerusalém (At 2.46) e em casas (cf. Fm 1.2). A igreja somente é chamada de “edifício” em um sentido espiritual (1 Pe 2.4-8; cf. Ef 2.20).
1 A S ep tu ag in ta, ta m b é m abreviada c o m o “L X X ”. 5 V eja c a p ítu lo s 7-8.
2 V e ja ta m b é m ca p ítu lo s 4-5.
3 V eja c a p ítu lo 2.
4V e ja ca p ítu lo s 2-5.
6 P red ito e m M a te u s 16.18 e c o m e ça n d o n o dia de P en teco stes (q u a n d o os c re n te s fo ra m batizados
n o c o rp o — A t 1.5; 2.1-3; cf. 1 C o 12.13).
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A BASE BÍBLICA PARA A DOUTRINA DA ORIGEM DA IGREJA D a m aneira com o é usada, em referência a u m a assem bléia de crentes depois do tem p o de Cristo, a palavra ekklesia veio a significar “a igreja cristã”, seja em seu sentido universal (invisível) ou local (visível)7. O seu uso não eclesiástico do Novo Testam ento inclui referências a u m a m u ltid ão8 e à assem bléia de israelitas do Antigo Testam ento9. Em praticam ente todas as outras ocorrências no Novo T estam ento, ekklesia se refere a um corpo de crentes em Cristo, que adoram e servem a D eus (universal ou local, invisível ou visível).
A Ordenação da Igreja por Deus C o m o todas as outras obras de Deus, a igreja não é u m a idéia tardia; Ele ordenou a igreja desde a eternidade. U m a vez que Deus é eterno e im utáv el10, o que quer que Ele deseje, Ele desejou, im utavelm ente, desde a eternidade: “[Ele] nos elegeu nele antes da fundação do m undo, para que fôssem os santos e irrepreensíveis diante dele” (E f 1.4; cf. 2 Co 5.17). Os decretos de D eus são eternos e finais (R m 11.29); Ele é a origem e o iniciador de toda a salvação11, inclusive dos crentes da igreja do Novo Testam ento, pois som os “eleitos segundo a presciência de D eus Pai”12. Ele conh ecia, não som ente a igreja em geral, mas tam bém cada pessoa em particu lar que faria parte dela. A sua presciência é infalível13, e a sua providência é específica e detalhada14.
0 Fundamento do Antigo Testamento para a Igreja E m b ora, te rre n a m e n te , a ig re ja te n h a co m eça d o depois do te m p o de C ris to 15, o A n tigo T e sta m e n to fez p rep arativ os para ela. A ig reja , ord en ad a p o r D eu s desde a etern id ad e, ta m b é m c o m e ç o u de m a n e ira p ré -d e te rm in a d a . A ssim , “vindo a p len itu d e dos tem p o s, D eus enviou seu F ilh o , n ascido de m u lh e r, n ascid o sob a lei, para re m ir os que estavam debaixo da lei, a fim de re ce b e rm o s a ad oção de filh o s ” (G1 4.4,5).
O Antigo Testamento Prediz um Tempo Vindouro de Bênçãos para os Gentios A igreja envolve u m m istério16 que não foi com preendido no A ntigo Testam ento (E f 3.1-5; cf. Cl 1.26), m as Deus estava, então, fazendo preparativos para a igreja, apesar disto. Todos os planos para escolh er u m a nação por cu jo interm édio Deus iria abençoar o m u nd o (G n 12.1-3) tam bém eram planos para a igreja que seria edificada em Cristo: “A contecerá, naquele dia, que as nações perguntarão pela raiz de Jessé, posta por pendão dos povos, e o lugar do seu repouso será glorioso” (Is 11.10); “as nações verão a tua ju stiça, e todos os reis, a tua glória; e ch am ar-te-ão por u m n om e novo, que a boca do S en h o r nom eará” (Is 62.2). 7 V eja ta b ela “Ig r e ja U n iversal/Igreja(s) L o c a l(is)”, n o c a p ítu lo 4. 9 Por e x e m p lo , cf. A to s 7.38; H eb reu s 2.12. R o m a n o s 8.29; Efésios 1.11.
13V e ja V o lu m e 2, c a p ítu lo 8.
Ig r e ja n o D ia d e P e n te c o ste s”.
8 E m o p osição a u m a assem b léia legal; A to s 19.32,39,41.
111V eja V o lu m e 2, c a p ítu lo 4.
11 V e ja V o lu m e 3, c a p ítu lo 7.
H Ibid., c a p ítu lo 23.
121 Pedro 1.2; cf.
15V eja ab aixo, sob “O E s ta b e le c im e n to da
16 E m b o ra te o ric a m e n te a ig re ja como tal n ã o s e ja ch a m a d a de m is té rio (v e ja A llis, PC, 92),
a ig re ja en volve, n o seu âm ago, o m is té rio de ju d e u s e g en tio s un id o s e m u m co rp o ( E f 3 .6). S e m esta u n iã o m isterio sa, n ã o h av eria igreja.
A ORIGEM DA IGREJA
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O Antigo Testamento Prediz a Semente Espiritual de Abraao O Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn 12.1-3). Algum as destas bênçãos, por interm édio de Abraão, são herança dos crentes do Novo T estam ento; nós, os m em bros da igreja, som os a sem ente espiritual de A braão17. Porque a promessa de que havia de ser herdeiro do mundo não foi feita pela lei a Abraão ou à sua posteridade, mas pela justiça da fé [...] Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé de Abraão, o qual é pai de todos nós (Rm 4.13-16). Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti. De sorte que os que são da fé são benditos com o crente Abraão [...] Cristo nos resgatou [...] para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo e para que, pela fé, nós recebamos a promessa do Espírito (G13.7-14). 0 Antigo Testamento Prediz o Novo Concerto A lém disto, o A ntigo Testam ento predisse o Novo C oncerto, que é aplicado à igreja no Novo Testam ento: Eis que dias vêm, diz o Senhor, em que farei um concerto novo com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme o concerto que fiz com seus pais [...] Mas este é o concerto que farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o Senhor: porei a minha lei no seu interior e a escreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo (Jr 31.31-33). O au tor da carta aos Hebreus, citando este texto, acrescenta: “Dizendo novo concerto, envelheceu o prim eiro. Ora, o que foi tornad o velho e se envelhece perto está de acabar” (8.13). As bênçãos deste con certo são vividas pela igreja por interm édio do Espírito Santo, que habita em nós (2 T m 1.14), e da lei interior, escrita no coração (2 Co 3—6). Isaías viu este con certo conectad o co m a vinda do Messias (Is 42.6,7; cf. 49.28); Jesus, o Messias, celebrou o Novo C oncerto com os seus discípulos na últim a C eia18. C onseqüentem ente, todos os preparativos do Antigo Testam ento para C risto tam bém foram preparativos para a igreja, sobre o fu nd am ento que é o próprio Cristo (1 Co 3.11; 1 Pe 2.6-8). Ele é o R edentor prom etido dos judeus e dos gentios, co m o prom etido, de m odo geral, a Abraão (G n 12.3) e m encionado especificam ente pelos profetas: Disse mais [o Senhor]: Pouco é que sejas o meu servo, para restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os guardados de Israel; também te dei para luz dos gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra (Is 49.6).
17 A lg u m as das b ên çãos não são h e ra n ç a d a ig reja ; v e ja c a p ítu lo 14; cf. ca p ítu lo s 12-13. 22.20; 1 C o rín tio s 11.25.
18 M a teu s 26.28; M a rco s 14.24; Lucas
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O u tra vez: “E as nações cam inh arão à tu a luz, e os reis, ao resplendor que te n asceu ” (Is 6.3); “Eu, o Senhor, te cham ei em justiça, e te tom arei pela m ão, e te guardarei, e te darei por con certo do povo e para luz dos gentios” (Is 42.6; cf. v. 1). Em resum o, não era u m m istério no A ntigo Testam ento que os gentios fossem trazidos à com unidade redim ida de D eus19; era u m m istério como judeus e gentios seriam unidos com o co-herdeiros em u m único corpo, a “ig reja” de C risto20.
O Estabelecimento da Igreja no Dia de Pentecostes Várias interpretações foram propostas sobre quando se originou a igreja, incluindo tudo o que se passou no período entre Adão e o apóstolo Paulo21. No entanto, inúmeras linhas de evidência (inclusive aquelas imediatamente abaixo) sustentam que a igreja de Cristo teve início no dia de Pentecostes, diversas semanas depois que Cristo m orreu e ressuscitou, e não no Antigo Testamento, com Adão, Abraão, Moisés, nem m esm o durante a vida terrena de Jesus.
A Igreja Envolveu um Mistério não Conhecido nos Tempos do Antigo Testamento De acordo com Paulo, a igreja não existia no Antigo T estam ento, n em era predita co m o tal, porque o fato de que judeus e gentios se unissem em u m ún ico corpo, tornand o-se co-herdeiros das bênçãos de Deus, era u m “m istério ”. Isto não foi revelado até os “apóstolos e profetas” do N ovo T estam ento: Eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios, se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação como acima, em pouco, vos escrevi, pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo, o qual, noutros séculos, não foi manifestado aos filhos dos homens, como, agora, tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas, a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho (Ef 3.1-6). Diversos fatos deixam claro que a igreja não com eçou até depois da ascensão de Cristo22. Primeiro, ela envolvia u m “m istério”, o que significa algo antes escondido, o cu lto , e agora revelado. Segundo, o m istério não foi revelado até o período dos “apóstolos e profetas” do Novo T estam ento.
Terceiro, este período teve lugar depois do A ntigo T estam ento, u m a vez que não foi em “outros sécu los” antes do período em que Paulo escreveu. Quarto, gram aticalm ente, “apóstolos” e “profetas” estão ambos precedidos por u m artigo ( “aos seus santos apóstolos e profetas”), indicando que devem ser considerados co m o u m a ú n ica classe.
19 O A ntigo Testam en to prediz isto; p o r exem p lo , Gênesis 12.3; Isaías 2.6; 49.6; 60.3. 16.25.
20 Efésios 3.6; C olossenses 1.26,27; R o m an o s
21 A lguns su gerem que c o m e ço u c o m João Batista, p orqu e Jesus disse: “A Lei e os Profetas d u raram até João; desde então,
é anunciado o R ein o de D eus, e tod o h o m e m em prega força para e n tra r n e le ” (Lc 16.16). N o en tan to , a sua declaração de que até m e sm o o m e n o r n o reino seria m aior que João indica que João n ão estava n a igreja (M t 11.11). Jo ão havia m orrid o m u ito tem p o antes que A quele, de q u e m ele disse que batizaria (c o m o Espírito) as pessoas n o corp o , o fizesse (1 C o 12.13). Este b atism o ainda era fu tu ro depois que João m o rre u , e antes do dia de Pentecostes (cf. A t 1.5).
22V eja V olu m e 2, apêndice 1.
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Quinto , os “apóstolos e profetas [do Novo Testam ento]” eram a base da igreja, o que m ostra que a igreja se iniciou com eles. Sexto, Cristo é a “principal pedra da esquina” (E f 2.20), e o edifício não pode existir, a m enos que a pedra da esquina esteja no lugar. Sétimo, e finalm ente, Efésios 3.4,5 (ju n ta m en te com passagens paralelas) revela que esta igreja do “m istério” não existiu antes do tem po de Cristo: A igreja é o m istério de Cristo, não revelado em outras gerações “com o, agora, tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas”.
A expressão “com o, agora, tem sido revelado” indica claram ente que a igreja do m istério não era conhecida de antem ão. Por u m lado, o contraste entre “en tão” (antes de C risto) e “agora” revela que a igreja não se iniciou antes do período dos apóstolos. Por ou tro , ou tros textos de Paulo sobre o m esm o assunto não usam a palavra como, que alguns in terp retara m co m o significando que a revelação sobre a ig reja é m aior no Novo T estam en to do que no A ntigo T e sta m en to 23. Isto é insustentável, u m a vez que, p o r exem p lo, Paulo não usou a palavra como em Colossenses 1.26,27, m as afirm ou a m esm a coisa: O mistério [...] esteve oculto desde todos os séculos e em todas as gerações e agora, foi manifesto aos seus santos; aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós [gentios], esperança da glória. A igreja sim plesm ente não existia no A ntigo T estam ento. Os gentios não eram coherdeiros das bênçãos de Deus, mas estavam “separados da com unidade de Israel” (E f 2.12); e a parede de separação que estava no m eio não foi derrubada (v. 14) até que a Cruz recebesse o suporte de R om an os 16.25,26: [Ele] é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora. O contraste é claro: o m istério de com o judeus e gentios se uniriam em u m corpo em Cristo não estava presente no A ntigo T estam ento, que revelou que os gentios receberiam as bênçãos do evangelho; o Novo Testam ento deu a con h ecer com o isto seria possível (Ef 3.6). A igreja não com eço u até depois que Jesus veio, m o rreu , ressuscitou e a estabeleceu sobre o fu nd am ento dos apóstolos24. Cristo Predisse que a Igreja Seria uma Instituição Futura em R elação ao seu Tempo
C risto predisse a instituição da sua igreja no Novo T estam ento. Depois que Pedro confessou: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, Jesus respondeu: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai, que está nos céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei [no futuro] a minha igreja, e as portas do interno não prevalecerão contra ela (Mt 16.17,18). 23 E m lu g a r de a ig r e ja n ã o s er re v e la d a , de m a n e ira n e n h u m a , n o A n tig o T e s ta m e n to . Efésios 2.20.
24 M a te u s 16.16-18; 18.18;
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Jesus aind a n ão tin h a ed ificad o a ig re ja . N a verd ad e, c o m o a sua m o r te e re ssu rre içã o são a fu n d a çã o da ig re ja , ela n ã o p o d e ria te r se in icia d o ainda, u m a vez q u e E le ainda n ão tin h a m o rrid o . A lé m d isto , u m a vez que to d o s os que e stão no co rp o de C risto são batizad os n E le p e lo E sp írito S a n to (1 C o 12.13), a c o n se q ü ê n cia é q ue a ig re ja n ã o se in ic io u an tes q ue a co n tece sse o b a tism o no E sp írito (P e n te co ste s — A t 1.5; 2 .1 -3 ).
Jesus Chamou-a “Minha igreja” Jesus disse: "S o b re esta ped ra ed ificarei a m in h a ig re ja ” (M t 16.18); n ão era a ig re ja de alg u m a o u tra pessoa à qual Ele estivesse m e ra m e n te fazend o acréscim os, m as a p ró p ria ig reja que Ele estava edificand o e da qual E le era a fu n d ação. Earl R a d m a ch e r (1933) disse: Quando Jesus estabeleceu “Minha ekklesia" [assembléia], ela era tão diferente da ekklesia do Antigo Testamento como era das inúmeras “ekklesiai gregas”. O significado de ekklesia é determinado por seus modificadores (JVC, 134). O m odificador “m in h a ” to rn a esta ekklesia aquela que C risto edificou pessoalm ente.
A Fundação da Igreja Foi Concluída depois do Tempo de Cristo A igreja foi construíd a sobre a fundação de Cristo e seus apóstolos. Os apóstolos não conclu íram a fundação até o tem po da prim eira parte do livro de Atos, depois que Jesus m o rreu (cf. A t 2 e 10). C onseqüen tem ente, a igreja não poderia ter com eçad o até depois do seu tem po, co m o escreveu Paulo: [Vós, gentios] já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e da família de Deus, edifcados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas15, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina (Ef 2.19,20). D a m esm a m aneira, Pedro confessou: Chegando-vos para ele, a pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo [...] Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido. E assim para vós, os que credes, é preciosa (1 Pe 2.4-7, citando Is 28.16). Paulo acrescentou: “N inguém pode pôr ou tro fu nd am ento, além do que j á está posto, o qual é Jesus C risto” (1 C o 3.11). Este fund am ento consiste da sua m o rte e ressurreição, pois “por nossos pecados [Ele] foi entregue e ressuscitou para nossa ju stificação” (R m 4.25). Pouco tem po antes de falar de C risto com o a pedra de esquina da igreja, Paulo testem u n h o u :
25 Q u a n to ao p áp el dos ap ó sto lo s, rela tiv o à fu n d a çã o d a ig reja , v e ja c a p ítu lo 4, sob “O Papel Especial dos A p ó sto lo s n a Ig r e ja d o N ov o T e s ta m e n to ”.
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Ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derribando a parede de separação que estava no meio, na sua carne, desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e, pela cruz, reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades (Ef 2.14-16). De m odo que foi pela sua m o rte que judeus e gentios puderam se reconciliar e unir. Assim, na igreja, “não há ju d eu n em grego; não há servo n em livre; não há m ach o nem fêm ea; porque todos vós sois u m em C risto Jesus” (G1 3.28). Referências à Ekklesia na Septuaginta26 não São Referências à Igreja C om o observamos anteriorm ente, o uso de ekklesia é mais am plo do que sim plesm ente um a referência à igreja cristã, até m esm o no Novo Testam ento; a palavra tam bém se refere a um a m ultidão (A t 19), aos israelitas reunidos diante do M onte Sinai (A t 7.38), e a um a assembléia cantando louvores a Deus (Hb 2.12; cf. SI 22.22). N enhum a destas ocorrências traz nem a mais rem ota sem elhança com a igreja do Novo Testam ento, que é funcionalmente diferente de Israel27. A Igreja Começou depois da Morte e Ressurreição de Cristo Em Atos 20.28, Paulo exortou os anciãos efésios: “Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue”. Com o observado por Lewis Sperry Chafer (1871-1952): Não poderia haver igreja no mundo [...] até a morte de Cristo; pois o relacionamento da igreja com esta morte não é uma mera antecipação, mas se baseia integralmente na sua obra consumada, e a igreja deve ser purificada pelo seu sangue precioso (ST, 4.45). Da mesma maneira, não poderia haver igreja até a ressurreição e ascensão de Cristo. O texto de Efésios 4.8-11 declara que a igreja é dependente dos dons ativos de seus vários membros, que foram outorgados somente depois destes eventos. Ainda Efésios 1.22,23 ensina que Cristo é a Cabeça exaltada sobre a igreja, o que Ele não poderia ser sem estas mesmas realizações. A Igreja Começou no Pentecostes Paulo afirma que a igreja consiste daqueles que são batizados pelo Espírito Santo em um só corpo: “Todos nós fomos batizados em um Espírito [...] e todos temos bebido de um Espírito” (1 Co 12.13). E acrescenta: “individualmente somos membros uns dos outros” (R m 12.5), o que acontece, naturalmente, pela ação de um Espírito (cf. 1 Co 12.27). João nos informa que este batismo no Espírito não com eçou até o dia de Pentecostes: "Isso disse ele do Espírito, que haviam de receber os que nele cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado” (Jo 7.39). Pouco antes da sua ascensão, Jesus também disse que o batismo no Espírito ainda não tinha ocorrido: “João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1.5). O único acontecimento ativado pelo Espírito que teve lugar alguns dias depois foi o dia de Pentecostes (2.1ss.).
26 A ntig o T e sta m en to G rego. c ap ítu lo 12.
27 C f. 1 C orín tio s 10.32; R o m a n o s 9.3,4; 10.1. C o m e n ta re m o s isto m ais d eta lh a d a m en te n o
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Referências Posteriores ao Crescimento da Igreja Indicam que o Pentecostes Foi a sua Origem
O crescimento da igreja de Jerusalém é mencionado em Atos 5.14: “E a multidão dos que criam no Senhor [...] crescia cada vez mais”. O único sentido em que isto se cumpriu verdadeiramente é que eles eram acrescidos ao seu corpo, a igreja, que tinha começado recentemente, no dia de Pentecostes (cf. 4.11). Na realidade, uma tradição textual28 faz referência à palavra igreja (2.47) imediatamente depois, declarando que “todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar”. De qualquer forma, as primeiras referências à igreja como em existência29 estão no início do livro de Atos, pouco depois do Pentecostes. Pedro Aponta para o Pentecostes como o “Inicio” da Igreja
Pedro declarou: “Quando comecei a falar, caiu sobre eles [Cornélio e os gentios de Cesaréia] o Espírito Santo, como também sobre nós [judeus de Jerusalém] ao princípio” (11.15). Lucas confirma que eles falaram em línguas (10.46), exatamente como fizeram os apóstolos no Pentecostes; uma vez que aquele acontecimento foi o batismo de Cristo, isto é uma confirmação adicional de que o dia de Pentecostes foi o começo da igreja. Os Dons para Operar a Igreja não Foram Dados antes do Pentecostes
De acordo com Efésios 4.11,12, os dons que Cristo deu para operar a sua igreja incluíam “apóstolos [...] profetas [...] evangelistas, e [...] pastores e doutores; querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo”. Uma vez que o corpo não pode existir sem os dons pelos quais ele se sustenta, a conseqüência é que a igreja não poderia existir até depois que estes dons tivessem sido dados. Segundo o versículo 8, estes dons não foram dados até depois da ascensão de Cristo, o que posicionaria o início da igreja somente depois do Pentecostes, quando veio o Espírito que dá dons (1 Co 12.4ss.); estes dons não foram dados até que Ele, “subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens” (cf. At 1.5,10,11).
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES QUANTO À ORIGEM DA IGREJA
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Diversas objeções foram levantadas a esta interpretação de que a igreja começou no Pentecostes. Alguns partidários do concerto afirmam que ela começou no Antigo Testamento; outros, chamados ultradispensacionalistas, sustentam que a igreja não começou até bem depois do Pentecostes.
Objeção Um: Da Teologia da Aliança Como alguns teólogos aliançalistas afirmam que a igreja do Novo Testamento substitui o Israel do Antigo Testamento30, negam que a igreja começou no Pentecostes e dizem que as raízes da igreja estão no povo de Deus, começando no Antigo Testamento, e posteriormente conhecidos como filhos de Israel. A igreja do Novo Testamento, supostamente, é, na realidade, somente um “Israel espiritual”.
28VejaV olum e 1, capítulos 25-26.
29 Além das predições de Jesus em M ateus 16.18.
30Veja capítulo 14.
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Resposta à Objeção Um E s ta o b je ç ã o já fo i re s p o n d id a : A ig r e ja n ã o p o d e ria t e r c o m e ç a d o e m n e n h u m m o m e n t o e n tr e A d ã o e C r is to , u m a v e z q u e e n v o lv ia u m m is té r io n ã o c o n h e c id o n o A n tig o T e s ta m e n t o , n ã o p o ssív el a té q u e C r is to m o r r e s s e e a sce n d e ss e , e n ã o re a l a té q u e os c r e n te s fo s s e m b a tiz a d o s n o E sp írito e m se u c o r p o , a ig r e ja 31. N a tu r a lm e n te , h o u v e o p o v o d e D eu s an tes q u e h o u v e sse u m a ig reja, m a s n e m to d o s os m e m b r o s d a fam ília de D eu s são m e m b r o s d a ig re ja cristã , e x a ta m e n te c o m o h av ia c r e n te s e m D e u s a n te s q u e h o u v e sse u m a n a ç ã o te o c r á tic a de Israel32, e h av ia israelitas an tes q ue h o u v e sse u m a ig re ja de C risto . O re in o de D eu s é m ais a m p lo q u e Israel, e m ais a m p lo q u e a ig re ja 33; e m b o r a to d o s os m e m b r o s d a ig reja de C ris to se ja m p a rte d o re in o a m p lo de D e u s, n e m to d o s os m e m b r o s d o re in o de D e u s são m e m b r o s d a ig re ja (cf. M t 11.11). A fam ília de D eu s de to d o s os te m p o s te m m u ito s asp ecto s básicos e m c o m u m , tais c o m o u m D eu s, u m S alv ad or, u m a irm a n d a d e c o m o filhos de D eu s, u m g ran d e p lan o de D eu s, e u m p ro p ó sito s u p r e m o de g lo rificar a D eu s. A p esar d isto, esta u n id ad e n ã o esco n d e as d iferen ças legítim as e n tre v ários m e m b ro s d a fam ília de D eu s m ais d o q ue o asp ecto h u m a n o n e g a tod as as d iferen ças n acio n ais e g eo g ráficas d a ra ç a h u m a n a (cf. A t 17.26).
Objeção Dois: Do Ultradispensacionalismo34 Os ultradispensacionalistas a rg u m e n ta m que a igreja d o N o v o T estam en to , co n h e cid a c o m o o c o rp o de C risto d o m istério , n ã o c o m e ç o u até depois d o dia de P entecostes. A lgu n s d izem que n ã o foi antes de A tos 9; o u tro s d izem que n ã o foi antes de A tos 28. Os ú ltim o s estão de aco rd o c o m E. W. B u llin g er (1837-1913); os p rim eiro s estão de a co rd o c o m J. C . 0 ’H air (1877-1958).
Os Segu id ores d e B u llin g er
S e g u n d o estes u ltra d is p e n s a c io n a lis ta s e x t r e m o s , o c o r p o d e C r is to d e m is té r io e stá c o m p l e t a m e n t e a u s e n te n o liv ro d e A to s ( B u llin g e r , M , 4 0 ); h a v ia u m a ig r e ja ( " e s p o s a ” ) ju d a ic a n o in ício , m a s a ig r e ja c o m o “c o r p o ” p o s te r io r n ã o foi re v e la d a a n te s de A to s 28. A c r e d ita -s e q u e e sta re v e la ç ã o foi fe ita a P a u lo d u r a n t e o se u se g u n d o a p ris io n a m e n to , re v e la d a s o m e n t e
em
su as ú ltim a s
e p ísto la s,
com o
Efésios e C o lo s s e n s e s (ib id .).
S u p o s ta m e n te , as p rim e ira s re fe rê n c ia s d o N o v o T e s ta m e n to a u m a “i g r e ja ” são a u m a ig re ja ju d a ic a a n te r io r , e n ã o à ig re ja d o m is té rio , c o m p o s t a d e ju d e u s e g e n tio s u n id o s. O s se g u id o re s d e B u llin g e r re je ita m t a n t o o b a tis m o n a s ág u as q u a n to a C e ia d o S e n h o r , a r g u m e n ta n d o q u e P a u lo n ã o se re fe riu a eles e m su as ú ltim a s e p ísto la s35. Os Segu id ores d e 0 ’H a ir E stes u ltrad isp en sacio n alistas m e n o s e x tre m o s s u s te n ta m q u e o c o rp o de C risto de m isté rio n ã o c o m e ç o u an tes de A to s 9 (v eja 0 ’H air, U R C , 136-40); alg u n s d izem q ue e m A to s 15.46, o u tro s, e m A to s 18.6. E ste g ru p o é re p re s e n ta d o p o r C o rn e liu s S ta m (1 9 0 9 -2 0 0 3 ) (v eja T T D , ca p ítu lo s 2 -3 ) e C h arles F. B a k e r (1 9 1 0 -2 0 0 2 ) (v e ja D T, cap ítu lo s 6 6 -6 8 ); a su a esco la, e m
G ra n d Rapids, M ich ig an , é c h a m a d a G ra ce Bible C o lleg e (E sco la d a Bíblia da G ra ç a ); a lg u m as vezes, eles são citad o s c o m o th e G ra ce M o v e m e n t (o M o v im e n to d a G ra ça ). Os seg u id o res de 0 ’H air o b se rv a m a C eia d o S e n h o r, m a s n ã o p ra tic a m o b atism o n as águas.
31 V e ja acim a, sob “A Ig r e ja C o m e ç o u n o P e n te co ste s” . c o n h e c id o c o m o h ip erd isp en sa cio n a lism o .
32 V eja G ên esis 3 a Ê x o d o 19.
35 V eja c a p ítu lo 5.
33 V eja c a p ítu lo 12.
MT am b é m
514 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Resposta à Objeção Dois Os grupos ultradispensacionalistas serão tratados juntos, embora alguns argumentos se apliquem somente aos seguidores mais moderados. Os seguintes argumentos sustentam a igreja do Novo Testamento de hoje—o corpo de Cristo que une judeus e gentios em um corpo—como começando antes de Atos 28; alguns também mostram que ela começou antes de Atos 9—18. A Igreja (o Corpo de Cristo) Começou no D ia de Pentecostes
Como demonstrado acima, há muitas boas razões para crer que a igreja do mistério (Ef3.5,6) deste século36 começou no dia de Pentecostes. O âmago do argumento é que a igreja atual é o corpodeCristo(l .22,23); pode-se fazer parte deste corpo somente por meio do batismo do Espírito Santo (1 Co 12.13), que aconteceu pela primeira vez em Atos 1 (cf. 2.1ss.). Conseqüentemente, a igreja do mistério das últimas epístolas de Paulo se originou no Pentecostes. A Igreja Existia antes de Atos 9
Lucas afirma que “a multidão dos que criam no Senhor [...] crescia cada vez mais” (At 5.14), o que deve significar que esta multidão era acrescida ao “corpo” do Senhor (a igreja), uma vez que o Senhor estava no céu. Na verdade, a maior parte de Atos 2.47 diz: “todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar”. Da mesma maneira, 8.1 nos informa que “fez-se, naquele dia, uma grande perseguição contra a igreja que estava em Jerusalém”; esta é a mesma “igreja” batizada no corpo de Cristo no Pentecostes (1.5; cf. 1 Co 12.13), antes de Atos 9, contradizendo o hiperdispensacionalismo. A Igreja Veio a Existir em Atos 9
Em Atos 9.4, Jesus perguntou a Paulo: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” No entanto, Jesus, a Cabeça da igreja, estava no céu (Ef 1.20-22); a única parte dEie que estava na terra era o seu “corpo”, a igreja. Portanto, o corpo de Cristo, que Paulo define como a igreja do mistério deste século, já está em existência em Atos 9” , incluindo algumas das mesmas pessoas (como Pedro) batizadas no corpo de Cristo no Pentecostes38. Além disto, Paulo afirmou enfaticamente que ele perseguia “a igreja” antes de ser salvo (em At 9): “[Eu] não era conhecido de vista das igrejas da Judéia, que estavam em Cristo” (G11.22; cf. 1 Co 15.9). “Em Cristo” significa estar no corpo de Cristo; assim, aqui também há referência à igreja antes de Atos 9. Os Gentios Tomam-se parte do Corpo de Cristo em Atos 10
Segundo Efésios (3.6) e Colossenses (1.26,27), o corpo de Cristo do mistério une judeus e gentios. Os gentios foram batizados neste corpo em Atos 10, na casa de Cornélio: “E os fiéis que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios” (v. 45). Assim, de acordo com este texto, a igreja já existia, pelo menos na época de Atos 10. M S o b re “s é c u lo s ” (d isp en saçõ es), v e ja ca p ítu lo s 12 e 14; v e ja ta m b é m V o lu m e 3, c a p ítu lo 6.
37 A lg u n s o b je ta m a este
ra c io c ín io , a rg u m e n ta n d o q ue, p e la m e sm a ló g ica , o “m im ” de M a te u s 25.3,41 ta m b é m deve referir-se à ig reja . Is to n ã o está c e rto : O c o n te x to e m M ateu s 25 p a rece in d ic a r r e fe rê n cia aos ju d e u s n a T r ib u la ç ã o , p o u c o an tes d o re to r n o de C risto (cf. vv. 34,46). A lém d isto, P au lo u sa a exp ressão igreja de Deus e m passagens c o rrela ta s, fa la n d o so b re a p e rse g u içã o aos cre n te s (cf. 1 C o 15.1; G 1 1.22).
^ V e ja “A to s 11.15”, abaixo.
A ORIGEM DA IGREJA
I#
515
A tos 1 1 .1 5 A firm a que o Corpo de Cristo Teve Início no Pentecostes R e fe rin d o -s e a o a c o n te c i m e n t o d e A to s 10, P e d ro disse, e m A to s 1 1 .15, q u e “ca iu so b re eles o E s p írito S a n to , c o m o t a m b é m so b re n ó s ao p rin c íp io ” . Is to d e ix a c la ro s d ois fa to s: ( 1 ) os g e n tio s , c o n s e q ü e n t e m e n te , se t o r n a r a m p a r t e d o m e s m o c o r p o ; ( 2 ) e ste c o r p o de q u e ju d e u s e g e n tio s fa z e m p a r t e te v e se u “i n íc io ” n o d ia d e P e n te c o s te s , q u a n d o P e d ro e os d e m a is f o r a m b a tiz a d o s n o E sp írito (1 .5 ; cf. 2 .1 ). A tos 2 Inclui os Gentios no Corpo de Cristo N o P e n te co ste s , h avia g e n tio s p re se n te s q u e se t o r n a r a m p a rte d e sta e x p e riê n cia e re c e b e r a m “o d o m d o E sp írito S a n to ” (v. 3 8 ), c o m o fiz e ra m os ap ó s to lo s . A ssim , havia ta n to “ju d e u s ” (v. 5 ) quanto co n v e rtid o s g en tio s ( “p ro s é lito s ” , v. 10) p re se n te s “d e to d a s as n a ç õ e s q u e e stã o d eb aixo d o c é u ” (v. 5 ); n o v a m e n te , a ig reja, o c o r p o d e C r is to d o m isté rio , c o m e ç o u n o P e n te co ste s .
Objeção Três: Baseada no Pentecostes E sta ob jeção, relativa à possibilidade de q u e a igreja fosse p red ita n o A n tig o T estam en to , a firm a q ue deve te r sido se ela c o m e ç o u n o Pentecostes, u m a v ez que foi q uan do o c o rr e u o b atism o n o Espírito (1.5; cf. 1 C o 12.13). O p ro feta Joel, d o A n tig o T estam en to , predisse o P en tecostes (J1 2.8ss.), e Pedro até m e s m o cito u o p ro feta Joel c o m o ten d o p red ito este ev en to (A t 2.16).
Resposta à Objeção Três E m b o r a p a r e ç a s e r v e r d a d e q u e o f e n ô m e n o d o P e n t e c o s te s (p e lo q u a l o E s p írito foi d e r r a m a d o ) foi p r e d it o e m Jo e l 2 39, a p e s a r d is to , n e m Jo e l n e m n e n h u m o u t r o p r o f e ta d o A n tig o T e s ta m e n t o p r e v iu e ste e v e n t o c o m o u m a to q u e iria u n ir , d e ig u a l p a r a ig u a l, ju d e u s e g e n tio s e m u m ú n i c o c o r p o . N o v a m e n t e , eles p r e v i r a m q u e h a v e r ia u m a o c a s iã o d e d e r r a m a m e n t o d o E s p írito d e D e u s e d e b ê n ç ã o ao s g e n tio s ; eles n ã o p r e v ir a m c o m o D e u s iria f o r m a r u m n o v o c o r p o d e ju d e u s e g e n tio s n a m e s m a c o n d i ç ã o e s p ir itu a l e m C r is t o ( E f 3 .3 - 5 ; C l 1 .2 6 ,2 7 )40.
Objeção Quatro: Baseada em Romanos 1.2 A q u i, P a u lo diz q u e o “e v a n g e l h o ” d e C r is to fo i “p r o m e t i d o p e lo s seu s p ro fe ta s [os p ro fe ta s d e D eu s] n as S a n ta s E s c r i t u r a s ” . E ste e v a n g e lh o é o p o d e r d e D e u s p e lo q u al as p e sso a s são salvas ( R m 1 .16) e c o lo c a d a s n a ig re ja , p e lo seu E sp írito (1 C o 1 2 .1 3 ). P a re ce , e n tã o , q u e os p ro fe ta s d o A n tig o T e s ta m e n to a n te v ir a m a ig re ja .
39 A lg u n s d isp e n sa cio n a lista s (v e ja c a p ítu lo s 12 e 14; v e ja ta m b é m V o lu m e 3, c a p ítu lo 6 ) n e g a m o a c o n te c im e n to de A to s 2 c o m o u m c u m p r im e n to d o o r á c u lo de Jo e l, a rg u m e n ta n d o q u e P ed ro e sta v a s o m e n te a firm a n d o q u e o P e n te c o ste s e r a u m fenômeno similar a o q u e iria o c o r r e r m ais a d ia n te , n a S e g u n d a V in d a (v e ja c a p ítu lo 15), in c lu in d o os sinais a s tro n ô m ic o s q u e Jo e l m e n c io n o u n a m e sm a c ita ç ã o q u e n ã o a c o n te c e r a m n o P e n te c o ste s (p o r e x e m p lo , v. 20). Is to , n o e n ta n to , é d ifícil de ser re c o n c ilia d o c o m a d e c la ra ç ã o c la ra de Ped ro de q u e “is to é o q u e fo i d ito p e lo p r o fe ta J o e l” (v. 16).
40 A e xp re ssão últimos dias (A t 2 .1 7 ) p o d e re fe r ir-s e a q u a lq u e r p e río d o de te m p o e n t r e a p r im e ir a (H b 1.1)
e a seg u n d a (2 Pe 3.1 0 ) vind as de C ris to .
516 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Resposta à Objeção Quatro Romanos 1.2 não quer dizer que a igreja era assim prevista; aqui Paulo simplesmente declara que o evangelho que ele pregava tinha sido predito no Antigo Testamento, assim como em outra passagem ele diz que o mesmo evangelho que ele pregava (G1 1.8) foi pregado a Abraão (G13.8). A promessa de Deus de que “todas as nações” seriam abençoadas através de Abraão não foi interpretada, em nenhuma passagem do Antigo Testamento, como querendo dizer que os gentios iriam obter as mesmas condições que os judeus no plano redentor de Deus. Os gentios eram aceitos como prosélitos, mas ainda havia “uma parece de separação que estava no meio” (Ef 2.14) que os separava da igualdade.
Objeção Cinco: Baseada em 1 Pedro 1.10-12 [...] inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram sobre a graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir e a glória que se lhes havia de seguir. A eles foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que, agora, nos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, nos pregaram o evangelho, para as quais coisas os anjos desejam bem atentar.
Isto é interpretado como uma predição da era da igreja e uma evidência contrária à reivindicação dispensacional de que a era da igreja era desconhecida no Antigo Testamento.
Respostas à Objeção Cinco Um exame cuidadoso deste texto revela o seguinte: \
(1) Os profetas do Antigo Testamento predisseram o sofrimento de Cristo e a sua subseqüente glória (que incluiu a sua morte e ressurreição). (2) Eles sabiam que tais predições se referiam a outra era, não à sua própria. (3) Eles não sabiam a que período de tempo se referiam as suas profecias. (4) As suas predições eram sobre a salvação pela graça (proclamada no Novo Testamento) que os ouvintes de Pedro tinham recebido. Em nenhum trecho, este, ou qualquer outro texto do Novo Testamento, diz que eles previram, predisseram ou compreenderam o mistério da igreja, que Pedro proclamou que era desconhecido nos tempos do Antigo Testamento. Novamente, eles sabiam isto; mas não sabiam como. Em resumo, eles profetizaram sobre a era da igreja, mas não sobre a igreja propriamente dita; este mistério, que tinha estado oculto, foi revelado nos tempos do Novo Testamento.
Objeção Seis: Baseada em Atos 26.22 Paulo declarou a Agripa: “Alcançando socorro de Deus, ainda até ao dia de hoje permaneço, dando testemunho, tanto a pequenos como a grandes, não dizendo nada mais do que o que os profetas e Moisés disseram que devia acontecer”. Alguns acreditam que isto significa que a igreja não era um mistério desconhecido aos profetas do Antigo Testamento.
A ORIGEM DA IGREJA
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Resposta à Objeção Seis E s ta i n t e r p r e t a ç ã o é i n c o r r e t a , p ois a d e c la r a ç ã o s e g u in te in d ica o c o n t e x t o e m q u e P a u lo e s tá fa la n d o : “q u e o C r is to d ev ia p a d e c e r e, s e n d o o p r im e ir o d a re s s u r re iç ã o d o s m o r t o s , d e v ia a n u n c ia r a lu z a e ste p o v o [os ju d e u s] e ao s g e n tio s ” . D e m o d o q u e a p r e d iç ã o d a m o r t e e r e s s u r r e iç ã o d e C r is to s e ria p re g a d a às n a ç õ e s ; o u t r a v e z , is to re v e la q u e os p ro fe ta s d o A n tig o T e s ta m e n t o sab iam d a s a lv a ç ã o q u e v iria ao s g e n tio s e m u m a é p o c a f u t u r a , m a s n ã o sa b ia m s o b re o m is té r io d a ig re ja .
Objeção Sete: Baseada em Romanos 16.25-27 A lg u n s a r g u m e n ta m q u e , s e g u n d o e s ta p a s s a g e m , o s p ro fe ta s d o A n tig o T e s ta m e n to p r e v ir a m o “m is t é r i o ” d a ig r e ja p r o p r ia m e n t e d ito , e n ã o e x a t a m e n te u m a é p o c a de s a lv a ç ã o d o s g e n tio s :
Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé, ao único Deus, sábio, seja dada glória por Jesus Cristo para todo o sempre. Amém!
Resposta à Objeção Sete D u a s c o isa s f ic a m c la r a s , a p a r t i r d e s te t e x t o : ( 1 ) P a u lo e s t á f a la n d o s o b re “o m i s t é r i o ” d a ig r e ja ; ( 2 ) ele n ã o e s tá f a la n d o s o b re p r o f e ta s d o A n tig o T e s t a m e n t o , m a s do N ovo. A n te s d e m a is n a d a , ele fa la d o “m i s t é r i o ” , “m e u e v a n g e l h o ” (b o a s n o v a s ), e d o q u e n ã o e r a c o n h e c i d o e m o u tr a s era s . T u d o is to a p o n ta p a r a o m e s m o m is té r io d e q u e ele fa lo u e m o u tr a s p a ssa g e n s (c f. E f 3 .3 -5 ; C l 1 .2 6 ,2 7 ). A lé m d isto , c o m o e m o u tr o s te x to s o n d e ele fala de “p ro fe ta s ” e m c o n e x ã o c o m e ste m is té rio , ele c l a r a m e n te d á a e n te n d e r q u e são p ro fe ta s d o N o v o T e s ta m e n to . Isto é e v id e n te t a n to aqui — “o m is té rio q u e d esd e te m p o s e te rn o s estev e o c u l t o ” — c o m o e m u m te x to c o r r e l a to so b re o “m is té rio q u e estev e o c u l t o d esde to d o s os sé c u lo s e e m to d as as g e ra ç õ e s ” e q u e, “a g o ra , t e m sido re v e la d o p e lo E sp írito ao s seu s sa n to s a p ó s to lo s e p ro fe ta s ” . A c o m p a r a ç ã o d e R o m a n o s 16.25,26 c o m C o lo ssen ses 1.26,27 re v e la aq ui q u e aq u ilo q u e a g o ra foi m a n ife sto (cf. E f 2 .2 0 ) é o m is té rio d a igreja, n ã o c o n h e c id o n o A n tig o T e s ta m e n to .
A BASE TEOLÓGICA PARA A DOUTRINA DA ORIGEM DA IGREJA A o r ig e m d a ig re ja , c o m o to d a s as o u tr a s d o u tr in a s , e s tá e n ra iz a d a n a n a t u r e z a de D e u s e e m d iv e rso s a trib u to s d e D e u s.
A Eternidade de Deus como Base para a Origem da Igreja U m a v e z q u e a ig re ja esta v a p r é -d e te r m in a d a d esd e to d a a e te rn id a d e , se n d o e sco lh id a “a n te s d a fu n d a ç ã o d o m u n d o ” (E f 1.4), a e te rn id a d e d e D eu s é a â n c o r a d esta d o u trin a . T e n d o c ria d o o t e m p o , D eu s e s tá a lé m d o te m p o ; c o n s e q ü e n te m e n te , to d a s as suas d ecisõ es,
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
incluindo a de edificar uma igreja, são eternas41. Sendo este o caso, não é de admirar que a igreja encontre a sua origem nas câmaras do conselho eterno. Cristo, a fundação da igreja, é o “Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap 13.8); na verdade, nós fomos eternamente “eleitos segundo a presciência de Deus Pai” (1 Pe 1.2): Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto. Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos (Rm 8.28,29).
Conseqüentemente: “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).
A Imutabilidade de Deus como Base para a Origem da Igreja A origem da igreja também está enraizada na imutabilidade de Deus42, pois se Ele pudesse mudar de idéia, não haveria a segurança de que a igreja que Ele escolheu antes dos tempos não seria descartada mais tarde. As Escrituras são definitivas: “Ele não pode negar-se a si mesmo” (2Tm2.13); “os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (Rm 11.29). A vontade eterna de Deus também é a sua vontade imutável: [...] quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo, dizendo: Certamente, abençoando, te abençoarei e, rríultiplicando, te multiplicarei. E assim, esperando com paciência, alcançou a promessa [...] Pelo que, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs com juramento, para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta (Hb 6.13-15,17,18)43.
Deus não somente não muda, é impossível que Ele mude. Existem coisas que Ele fazer, a saber, o que é contrário à sua natureza imutável. A vontade de Deus de fundar a igreja é eterna e imutável. não pode
AOnisciência de Deus como Base para a Origem da Igreja Naturalmente, para que Deus tenha certeza de que aquilo que Ele desejou virá a acontecer (escolhendo os eleitos para serem membros da sua igreja), Ele tinha que ter uma presciência infalível de todos os atos espontâneos futuros44, incluindo os atos espontâneos daqueles que mais tarde escolheriam (de acordo com a sua presciência) ser parte do corpo de Cristo. As Escrituras asseguram que Deus tinha esta presciência; seu conhecimento é infinito0 . Assim, Deus sabia quem seria salvo antes da fundação do mundo (Ef 1.11; cf. Rm 8.29): “O Senhor [...] faz
41 C f. 1 C o rín tio s; Jo ã o 17.5; 2 T im ó te o 1.9; T ito 1.2; H eb reu s 1.2; Judas 25.
42 V e ja V o lu m e 2, c a p ítu lo 4.
23.19; 1 S a m u e l 15.29; S a ím o s 102.25-27; M alaq u ias 3.6; H eb reu s 1.10-12; T ia g o 1.17.
43 C f. N ú m e ro s
44 V eja V o lu m e 3, ca p ítu lo s 3 e 5.
45V e ja V o lu m e 2, c a p ítu lo 8; cf. S a lm o s 139.2-4; 147.4,5; Isaías 40.10; M a te u s 6.8; 10.29,30; H eb reu s 4.13.
A ORIGEM DA IGREJA
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to d a s estas coisas q u e são co n h e cid a s d esde to d a a e te rn id a d e ”46. C o m ilim itad a e infalível p resciên cia, D eu s foi cap az de p r é -d e te rm in a r a n a tu re z a e os co n stitu in te s d a su a igreja an tes d a fu n d a çã o d o m u n d o .
A Onibenevolência de Deus com o Base para a Origem da Igreja N a ra iz d a e x is tê n c ia d a ig r e ja e s tá o a m o r d e D e u s 47, p e lo q u al n ó s f o m o s e le ito s e m C r is to a n te s d a f u n d a ç ã o d o m u n d o , p a r a q u e “fô s s e m o s s a n to s e irre p re e n s ív e is d ia n te d e le e m c a r id a d e ”48. S e m e ste a m o r q u e m o t i v o u D e u s a e n v ia r
F ilh o p a r a s a c rific a r a
su a v id a p e la ig re ja , n ã o h a v e r ia ig re ja .
A Onissapiência de Deus com o Base para a Origem da Igreja P e la s u a o n is c iê n c ia , D e u s c o n h e c e o fim d e to d a s as co isas; p e la su a o n issa p iê n cia , E le c o n h e c e o s m e l h o r e s m e io s p a r a a l c a n ç a r e ste fim 49. A ig re ja , u m d o s g ra n d e s m is té rio s d e D e u s , d e p e n d e d a in fin ita s a b e d o ria d e D e u s ; s e m e la , o g r a n d e m is té r io a n te s o c u l t o e a g o r a r e v e la d o 50 n ã o te ria sido p o ssív el. N a v e rd a d e , e s te m is té r io é tã o g ra n d e q u e até m e s m o os a n jo s se a s s o m b r a m c o m o p la n o :
Para que, agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus, nosso Senhor (Ef 3.10,11; cf. 1 Pe 1.12). A sa b e d o ria in fin ita de D e u s é tã o g ra n d e q u e o d iab o ca iu n a s u a a rm a d ilh a : “N e n h u m d o s p rín c ip e s d e ste m u n d o c o n h e c e u ; p o r q u e , se a c o n h e c e s s e m , n u n c a c r u c if ic a r ia m ao S e n h o r d a g ló r ia ” (1 C o 2 .8 ). C o m o v im o s n o V o lu m e 3, G r e g ó r io d e N issa ( c . 3 3 5 -c . 3 9 5 ) e x p lic o u o p la n o d a r e d e n ç ã o d a s e g u in te m a n e ir a : “A D iv in d a d e [de C risto ] e sta v a e s c o n d id a sob o v é u d a n o s sa n a tu r e z a , d e m o d o q u e , c o m o a c o n te c e c o m os p eixes v o ra z e s , o a n z o l d a D iv in d a d e p u d e sse se r e n g o lid o j u n t a m e n t e c o m a isca d e c a r n e ” (C , 2 2 ). Is to é, o D e u s o n issa p ie n te 51 c o n c e b e u u m p la n o e m q u e S a ta n á s m o r d e u a isca d a h u m a n id a d e d e C r is to e foi a p a n h a d o p e lo a n z o l d a su a d iv in d a d e ; a s e r p e n te feriu o c a l c a n h a r d a S e m e n te d a m u l h e r , q u e , p o r s u a v e z , u s o u e ste m e s m o c a l c a n h a r p a ra e s m a g a r a c a b e ç a d a s e r p e n te (G n 3 .1 5 ). “V isto c o m o o s filh o s p a r tic ip a m d a c a r n e e d o s a n g u e , t a m b é m ele p a r tic ip o u das m e s m a s co isas, p a ra q u e , p e la m o r t e , an iq u ilasse o q u e t in h a o im p é r io d a m o r t e , is to é, o d ia b o ” (H b 2 .1 4 ).
[Cristo,] havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo (Cl 2.14,15). A lé m d is to , a o n issa p iê n cia d iv in a se m a n if e s to u n o p la n o r e d e n to r d e D e u s p e lo q ual E le , s e m r o m p e r as su as p ro m e s s a s in c o n d ic io n a is a Isra e l, foi c a p a z d e p e r m i t ir q u e a c e g u e ir a so b re v ie sse a Israel p a r a q u e a lu z d o e v a n g e lh o p u d e sse b rilh a r p a r a os g e n tio s.
46 A to s 15.17,18; cf. R o m a n o s 11.33; S a lm o s 139.17,18; Isaías 40.28. Jo ã o 10.15.
49V e ja V o lu m e 3, c a p ítu lo 6.
51 V eja V o lu m e 2, c a p ítu lo 9.
47 V e ja V o lu m e 2, c a p ítu lo 15.
48 Efésios 1.4; cf. 5.25;
50 Ju d eu s e g e n tio s trazid o s p a ra o m e sm o c o rp o e m C ris to ( E f 3.3-5; C l 1.26,27).
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Paulo escreveu: “O endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado” (Rm 11.25)52. Pela sua incredulidade [os de Israel] foram quebrados, e tu estás em pé pela fé [...] Porque, se Deus não poupou os ramos naturais, teme que te não poupe a ti também [gentios]. Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas, para contigo, a benignidade de Deus, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira, também tu serás cortado. E também eles, se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados; porque poderoso é Deus para os tornar a enxertar. Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira! (vv. 20-24).
Israel, que rejeitou o seu Messias na sua primeira vinda (Jo 1.10,11), o aceitará na sua segunda vinda, quando “todo olho o verá, até os mesmos que o traspassaram” (Ap 1.7), e uma nação nascerá em um dia (Is 66.8). Israel não virá ao reino de Deus de mãos vazias, pois “os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra” (Ap 14.3) de todas as “tribos” de Israel ganharão “uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do [...] Cordeiro” (7.9). Assim, no mistério, a queda de Israel se tornou a salvação dos gentios, e a ascensão de Israel trará a salvação a um número incontável de almas: “Se a sua rejeição é a reconciliação do mundo, qual será a sua admissão, senão a vida dentre os mortos?” (Rm 11.15; cf. Cl 1.26,27).
A Soberania de Deus como Base para a Origem da Igreja Assim como a onissapiência de Deus planejou o grande mistério da igreja, em conformidade com a sua vontade eterna e imutável, a sua soberania e providência serão capazes de realizá-lo53. A soberania é o governo universal de Deus, e a providência é a maneira como Ele o realiza. A Confissão de Fé de Westminster afirma: “Deus, desde toda a eternidade, e pelo mais sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou, espontaneamente e imutavelmente, o que venha a acontecer” (III). Jó confessou a Deus: “Bem sei eu que tudo podes, e nenhum dos teus pensamentos pode ser impedido”54. O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá; e, como determinei, assim se efetuará [...] Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem pois o invalidará [...] assim será a palavra que sair da minha boca; ela não voltará para mim vazia; antes, fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a enviei (Is 14.24,27; 55.11; cf. Mt 16.18).
A BASE HISTÓRICA PARA A DOUTRINA DA ORIGEM DA IGREJA Os Primeiros Pais da Igreja Os primeiros Pais da igreja, ainda que então engajados com outros assuntos doutrinários urgentes, falaram sobre as origens da igreja, e existe amplo consenso (apoiado por grande quantidade de citações) de que ela se iniciou com Cristo e seus apóstolos. 52 Veja capítulo 14. Apocalipse 19.16.
53 Veja Volum e 2, capítulos 23-24.
54 jó 42.2; cf. Salm os 115.3; 135.6; Provérbios 21.1; D aniel 4.17;
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Inácio (falecido c. 110) “Os d iscíp u lo s e r a m c h a m a d o s d e c ris tã o s e m A n tio q u ia , o n d e P a u lo e P e d ro e s ta v a m la n ç a n d o as fu n d a ç õ e s d a ig r e ja ” ( E I M , 10).
O Senhor Jesus Cristo [...] segundo a sua própria vontade, estabeleceu firmemente a sua igreja sobre uma pedra, por uma construção espiritual, não feita por mãos, à qual os ventos e as inundações castigaram, mas não foram capazes de destruir [...] Existe somente [...] uma igreja, que os santos apóstolos estabeleceram de um confim da terra a outro, pelo sangue de Cristo, e pelo seu próprio suor e esforço (E/P, 1, 5). Justino Mártir (c. 100-c. 165) Portanto, estas palavras testificam explicitamente que Ele recebe o testemunho Daquele que estabeleceu estas coisas, como merecedor de ser adorado, como Deus e como Cristo [...] Assim, isto se dirige à igreja, que se originou do seu nome e participa do seu nome (pois todos nós somos chamados cristãos) (DJ, 63). Irineu (c. 125-c. 202) “A ig re ja , e m b o r a d isp e rsa p e lo m u n d o in te ir o , a té m e s m o ao s co n fin s d a t e r r a , r e c e b e u e s ta fé d o s a p ó s to lo s e d e seu s d is c íp u lo s ” (A H , 1.1 0 .1 ). “A igreja universal [...] p o r to d o o m u n d o receb eu esta trad ição dos ap ósto los” (ibid., 2.9.1). “Pedro e Paulo estav am p reg an d o e m R o m a , lan çan d o as fu n d açõ es da igreja” (ibid., 3.1.1). “[A ig re ja ] é a s in a g o g a d e D e u s , q u e D e u s — is to é, o F ilh o , p e s s o a lm e n te — r e u n iu ao se u l a d o ” (ib id ., 3 .6 .1 ). “A ig r e ja , p o r t o d o o m u n d o , t e n d o a su a o r i g e m n o s a p ó s to lo s , p e r s e v e r a n a m e s m a e ú n i c a o p in iã o c o m r e la ç ã o a D e u s e se u F ilh o ” (ib id ., 3 .1 2 .7 ). “C r is to t a m b é m e sta v a , e m u m p aís e s t r a n h o , p a r a g e r a r a fu n d a ç ã o d e d o z e c o lu n a s d a ig r e ja ” (ib id ., 4 .2 1 .3 ).
Tertuliano (c. 155-c. 225) “P o r ta n t o as ig re ja s, a in d a q u e s e ja m m u ita s e tã o g ra n d e s , c o m p r e e n d e m u m a ú n ic a ig r e ja p rim itiv a , (fu n d a d a ) p e lo s a p ó s to lo s , d a q u al to d o s eles (s e o r i g in a m ) ” (PAH, 2 0 ). “O s e u S a n to E s p írito [...] ed ifica a ig re ja , q u e , n a re a lid a d e , é o te m p lo , e a ca sa , e a cid a d e — d e D e u s ” (FBAM , 3 .2 3 ). “[Jesus] n a s c e u o D e u s - h o m e m q u e d ev ia ed ificar a ig r e ja se g u n d o a v o n ta d e d o Pai” (ib id ., 4 .1 3 ).
Orígenes (c. 185-c. 254)
Paulo [é] o fundador, depois de Jesus, das igrejas que estão em Cristo [...] Nós afirmamos que todo o mundo habitável contém evidências das obras de Jesus, na existência daquelas igrejas de Deus que foram fundadas, através dEle, por aqueles que foram convertidos da prática de incontáveis pecados (AC, 1.63, 67).
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Jo ã o Crisóstomo (347-407)
“[As palavras de Cristo] ‘Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja’, [significando] ‘sobre a fé da sua confissão’” (H S JC M , 54.3). “Assim como a nuvem designava o arraial dos hebreus, também o Espírito distinguia a igreja” (H S JF T , 5.870). As Primeiras Liturgias “[Ajunta-nos] na tua santa igreja, que tu compraste pelo sangue precioso do teu Filho unigênito, e nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (citada em Walvoord, E LD LJ, 4).
Os Pais Medievais Seguindo os primeiros Pais, os grandes teólogos da Idade Média localizaram a origem da igreja cristã com Cristo e os apóstolos. Agostinho (354-430)
“Cristo subiu ao céu, e a igreja foi fundada sob a autoridade e poder do seu Rei” (CG, 18.32). “A igreja [...] deveria ser edificada em Cristo” (ibid., 18.48). Ambrósio (339-397)
“Assim disse o Senhor, por intermédio de Isaías: ‘Eis que eu assentei em Sião uma pedra’. Isto significa que Cristo é a fundação da igreja” (O D C , 1.29.142). Jerônimo (c. 340-420)
“Os Atos dos Apóstolos parecem relatar uma mera narrativa descritiva e irretocada da infância da igreja recém-nascida” (LSJ, 53.9). Eu me propus [...] a escrever uma história da igreja de Cristo, desde o advento do nosso Salvador até a nossa própria era, isto é, desde os apóstolos até a sujeira dos tempos em que vivemos, e mostrar por quais meios, e por intermédio de quais agentes, o mundo recebeu o seu nascimento (TLMCM, 1). Se você ouvir falar de pessoas que são chamadas de cristãs, mas que não tomam sobre si o precioso nome do Senhor Jesus Cristo, mas de algum outro, como ocorre, por exemplo, com marcionitas, valentinianos, homens dos montes ou das campinas, pode ter a certeza de que não estará se tratando da igreja de Cristo, mas da sinagoga do Anticristo. Pois o fato de terem se levantado depois da fundação da igreja é prova de que são aqueles cuja vinda o apóstolo predisse (TDAL, 28). A igreja foi fundada sobre Pedro: embora em outras passagens ela seja atribuída a todos os apóstolos, e todos recebessem as chaves do reino do céu, e a força da igreja dependa de todos eles, da mesma maneira (TAJ, 1.26).
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Tomás de Aquino (1225-1274)
“A igreja se origina de Cristo” (ST, la.92.2). “Dolado de Cristo, adormecido sobre a cruz, fluíram os sacramentos—especificamente, sangue e água —sobre os quais se estabeleceu a igreja” (ibid., la.92.3). “A nossa fé repousa sobre a revelação feita aos apóstolos e profetas que escreveram os livros canônicos, e não sobre as revelações (se houver alguma) feita a outros doutores” (ibid., la.1.9). Os Líderes da Reforma Os reformadores prosseguiram com o ensinamento estabelecido da origem da igreja. Martinho Lutero (1483-1546)
“Onde Cristo não é pregado, não há o Espírito Santo que cria, convoca e reúne a igreja cristã, sem a qual ninguém pode vir a Cristo, o Senhor” (LC, 2.3.63). João Calvino (1509-1564)
Embora Calvino visse uma fundação para a igreja nos profetas do Antigo Testamento, ele reconheceu que a doutrina dos apóstolos era necessária para o estabelecimento da igreja: Paulo testemunha que a igreja está edificada “sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas”. Se a doutrina dos apóstolos e profetas é a fundação da igreja, a doutrina deve ter sido assegurada antes que a igreja começasse a existir [...] Se a igreja cristã foi fundada, a princípio, sobre os textos dos profetas, e a pregação dos apóstolos, esta doutrina, onde quer que seja encontrada, foi certamente confirmada e sancionada antecipadamente para a igreja, uma vez que, se não fosse por isto, a própria igreja jamais poderia ter existido (ICR, 1.7.92).
Os Teólogos da Pós-Reforma Depois da reforma, havia, da mesma maneira, uma ênfase sobre o papel de fundação de Cristo e dos apóstolos no estabelecimento da igreja. No entanto, passando para os tempos modernos, os estudos da eclesiologia foram aprofundados, devido, em parte, ao conflito entre as interpretações católica romana e protestante. Jacob Arminius (1560-1609) O pontífice romano não é Cristo. Portanto, tampouco é a fundação da igreja. Mas a metonímia55pela qual os profetas e apóstolos são chamados de “fundamentos da igreja”, e pela qual está escrito que os santos estão “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas”, não lhes atribui nada além do fato de que são “trabalhadores, juntamente com Deus”, colocando Cristo como esta fundação, e edificando toda a casa sobre Ele [...] O apóstolo Pedro também se encontrava entre eles; no entanto, ele não superou nenhum dos outros apóstolos, em nenhuma prerrogativa, mas foi inferior ao apóstolo Paulo, na realidade, não em poder, mas no “trabalho mais abundante [de Paulo]” na edificação da igreja (D, 21.4). 33 U m a figura de lin g u ag em q u e usa o n o m e de u m a coisa e m lu g ar de o u tr a c o m a q u al está associada.
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A Igreja universal está “edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas”, e os apóstolos são chamados de “fundamentos da Jerusalém celestial”, que é a mãe de todos nós. Os apóstolos declararam todas as coisas [...] necessárias para o conjunto da igreja, para a consumação final (ibid., 2.17.6). John Wesley (1703-1791)
Falando principalmente àqueles que crêem nas Escrituras, o método que proponho é o seguinte: Primeiro, observar qual é a explicação que é dada aqui dos judeus, a antiga igreja de Deus (visto que todas estas coisas foram escritas para nossa instrução), que dizem: Nós somos agora a igreja visível do Deus de Israel. Segundo, falar a todos que professam ser membros dela, a todos que são chamados de cristãos, até onde, em cada caso, vale o paralelo; e o quanto nós somos melhores do que eles (FAMRR, 2.1.2). A Confissão de Fé de Dordrecht (1632)
Aqui nós confessamos ser a geração escolhida, o sacerdócio real, a nação santa, declarados como sendo a esposa de Cristo, sim, filhos e herdeiros da vida eterna, uma tenda, um tabernáculo, e habitação de Deus no Espírito, edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, da qual o próprio Jesus Cristo é declarado como a pedra de esquina (sobre a qual a sua igreja é edificada) (VIII). John Nelson Darby (1800-1882)
Esta discussão assumiu nova ênfase depois de 1830, quando dispensacionalistas56liderados por John Nelson Darby redescobriram a verdade, negligenciada por tanto tempo, da origem e natureza da igrej a. Estes estudos foram, posteriormente, estimulados consideravelmente pela Scofield Reference B ihlê1, pelo estabelecimento do Dallas Theological Seminary, sob a condução de Lewis Sperry Chafer, e por muitos institutos bíblicos dos Estados Unidos. Lewis Sperry Chafer (1871-1952)
Em Efésios 3, está escrito que a igreja envolve um mistério (v. 3), que é um segredo sagrado, até aqui uma verdade não revelada, na qual os gentios são “co-herdeiros” com os israelitas crentes (vv. 1-6). Um mistério é uma verdade não revelada no Antigo Testamento, mas revelada no Novo [...] O fato de que a igreja é distinta dos crentes do Antigo Testamento deixa em desacordo com as Escrituras o ponto de vista de que os santos do Antigo Testamento constituíam uma igreja (ST} 2.261). Charles Ryrie (nascido 1925)
A inclusão de judeus e gentios no mesmo corpo é um mistério, cujo teor é “que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho” (Ef 3.6). Este é um mistério que “noutros séculos, não foi manifestado aos filhos dos homens, como, agora, tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas” (Ef 3.5) (DT, 133).
34 V eja cap ítu lo s 12 e 14. 1917.
57 V eja C yru s In g e rso n S co fie ld , The Scofield Reference Bible (N o v a Y ork: O x fo rd U n iv ersity Press),
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[John Walvoord58] também chama a atenção para a surpreendente omissão de [o aliançalista Oswald] Allis de qualquer discussão da passagem similar em Colossenses 1.26, onde o mistério é declarado, em termos nada incertos, como completamente oculto às gerações anteriores (ibid., 134).
CONCLUSÃO A o r ig e m d a ig r e ja d o N o v o T e s ta m e n t o fo i p la n e ja d a e o r d e n a d a p e la in fin ita sa b e d o ria d e D e u s, d esd e to d a a e te rn id a d e . O m is té r io de c o m o ju d e u s e g e n tio s p o d e m e s ta r u n id o s c o m o c o -h e r d e ir o s n o c o r p o e sp iritu a l d e C r is to foi m a n tid o e m s e g re d o n o p a ssa d o , m a s fo i r e v e la d o ao s seu s “a p ó s to lo s e p r o f e ta s ” d o N o v o T e s ta m e n t o ( E f 3 .3 5 ; cf. C l 1 .2 6 ,2 7 ). O A n tig o T e s ta m e n t o r e f e riu -s e a u m t e m p o d e b ê n ç ã o ao s g e n tio s , e m u ita s p a ssa g e n s d o A n tig o T e s ta m e n to so b re a sa lv a ç ã o são , a p r o p r ia d a m e n te , ap licad as n o N o v o T e s ta m e n t o a o s c r e n te s d e s ta é p o c a , u m a v e z q u e C r is to m o r r e u p o r to d a s as p e sso a s59. E s te m is té r io d e c o m o D e u s p o d e r ia p o ssib ilita r a o s g e n tio s as b ê n ç ã o s p ro m e tid a s a tra v é s d e A b r a ã o ( G n 12.3) — s e m r o m p e r as su as p ro m e s s a s d e t r o n o e t e r r a a Is ra e l80 — t o r n o u - s e p o ssív e l p o r C r is to , e é r e v e la d a n a é p o c a d o N o v o T e s ta m e n t o . P a u lo le m b r o u a o s c r e n te s g e n tio s :
Naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo. Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derribando a parede de separação que estava no meio, na sua carne, desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e, pela cruz, reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades (Ef 2.12-16).
FONTES A llis, O sw a ld T . Prophecy and the Church. A m b ro s e . On the Duties o f the Clergy. A r m in iu s , Ja c o b . Disputations. A g o s tin h o . City o f God. B a k e r, C h a rle s F. A Dispensational Theology. B u llin g e r , E th e lb e r t W. The Mystery. Jo ã o C a lv in o . Instítutes o f the Christian Keligion. C h a fe r, L ew is S p e rry . Systematic Theology. D o r d r e c h t C o n fe ssio n o f F a ith , T h e . G re g ó rio d e N issa. Catechism. H o d g e , C h a rle s . The Holy Spirit. In á c io . The Epistle o f Ignatius to the Magnesians.
________ . The Epistle o f Ignatius to the Philadelphians. Ir in e u . Against Heresies. Iro n sid e , H a rr y . Wrongly Dividing the Word ofTruth.
58 V eja Jo h n W alvoord, The M illennial Kingdom (Fin dlay, O h io : D u n h a m P u b lish in g C o ., 1959), 232-37. c a p ítu lo 9.
60V e ja c a p ítu lo 14.
59 V eja V o lu m e 3,
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Jerônimo. The Letters o f Saint Jerom e. _______ . Treatises: Against Jovinianus. _______ . Treatises: The Dialogue Against theLuciferians. _______ . Treatises: The Life o f Malchus, theCaptive Monk. João Crisóstomo. The Homilies o f St. John Chrysostom on First Timothy. _______ . The Homilies o f St. John Chrysostom on Matthew. Justino Mártir. Dialogue o f Justin. Lutero, Martinho. The Large Catechism. 0 ’Hair J. C. The Unsearchable Riches o f Christ. Orígenes. Against Celsus. Peters, George. The Theocratic Kingdom. Radmacher, Earl D. The Nature o f the Church. Ryrie, Charles. Dispensationalism Today. _______ . A Survey o f Bible Doctrine. Saucy, Robert. The Church in God's Program. Sauer, Erich. The Triumph o f the Crucified. Stam, Cornelius. Things That Differ. Tertuliano. Five Books Against Marcion. _______ . The Prescription Against Heretics. Tomás de Aquino. Summa Theologica. Walvoord, John. The Church in Prophecy. _______ . Early Liturgies: The Divine Liturgy o f James. _______ . The M illennial Kingdom. Wesley, John. A Farther A ppeal to M en o f Reason and Religion. Westminster Confession of Faith, The.
CAPÍTULO
DOIS
A NATUREZA DA IGREJA UNIVERSAL
p a la v ra g r e g a d o N o v o T e s ta m e n to p a r a ig re ja , ek k le sia , d a q u al o b tiv e m o s a p a la v ra e c les iá stic o , sig n ifica “u m a re u n iã o d e p e sso a s” 1. H á a p r o x im a d a m e n t e c e n to e q u in z e
o c o r r ê n c i a s d e s ta p a la v ra n o N o v o T e s ta m e n to , e e x c e t o p o r a lg u n s p o u c o s t e x to s 2, elas i n d ic a m a ig r e ja u n iv e rs a l ( o c o r p o e sp iritu a l d e c r e n te s e m C r is t o ), o u a ig r e ja lo c a l, o u as ig re ja s lo c a is 3. E m b o r a a g ra n d e m a io r ia se re fira a ig r e ja lo c a is, m u ita s se r e f e r e m à i g r e ja u n iv e rs a l, e a lg u m a s p a r e c e m in c lu ir a m b o s os a s p e c to s 4.
A BASE BÍBLICA PARA A NATUREZA DA IGREJA UNIVERSAL M u ito s d o s t e x to s q u e t r a t a m d a ig r e ja u n iv e rs a l5 são e n c o n tr a d o s n as c a r ta s de P a u lo , p a r t ic u l a r m e n t e n as ú ltim a s ep ísto la s e s c rita s n a p ris ã o 6; a lg u n s sã o e n c o n tr a d o s n o s E v a n g e lh o s ( p o r e x e m p l o , M t 1 6 .1 6 -1 8 ), n o liv ro d e A to s ( p o r e x e m p l o , 2 0 .2 8 ), e n o s p rim e iro s e s c r ito s d e P a u lo ( p o r e x e m p l o , 1 C o 1 2 .1 3 ), e, n o v a m e n t e , a lg u n s d iz e m re s p e ito t a n t o à ig r e ja u n iv e rs a l q u a n to à ig r e ja lo c a l ( p o r e x e m p l o , 1 C o 1.2).
Referências Bíblicas à Igreja Universal M a teu s 1 6 .1 8
“S o b re e sta p e d r a ed ificarei a m in h a igrej a, e as p o r ta s d o in fe rn o n ã o p re v a le c e rã o c o n tr a e la ” . E stá c la ro q u e Jesus n ã o esta v a se re fe rin d o s o m e n te a u m a ig re ja lo c a l e m Je ru s a lé m — o in fe rn o p re v a le c e u c o n t r a ela, q u a n d o ela foi d e stru íd a . A lé m d isto , “m i n h a ig re ja ” in d ica a lg u m a co isa m a io r q u e u m a ig re ja lo c a l, d o c o n tr á r io as igrejas d e o u tra s cidad es n ã o p o d e ria m ser a p ro p r ia d a m e n te ch a m a d a s p e lo n o m e d e C r is to 7. A d ic io n a lm e n te , as “c h a v e s” d o re in o (v. 19) f o r a m u sad as p rim e iro p a r a ab rir a p o r t a p a ra a ig re ja u n iv ersal n o P e n te co ste s , q u a n d o os c r e n te s f o r a m b atizad o s n o E sp írito ( A t 1.5) e m u m c o r p o (1 C o 12 .1 3 ), a ig re ja u n iv e rsa l d e C risto . M ais a d ian te, P ed ro u so u as ch av es p a r a d a r as boas v in d as ao s g e n tio s q u e n ã o t in h a m se c o n v e r tid o a o ju d a ísm o ( A t 10).
1V e ja c a p ítu lo 1.
2 Ibid.
3 V e ja c a p ítu lo 3.
4 P o r e x e m p lo , A tos 20.28; 1 C o rín tio s 1.2; 10.32; 12.13.
s u b stitu íd o p e lo u n iv ersalism o n a ig re ja — v e ja V o lu m e 3, c a p ítu lo 11. e x e m p lo , cf. 1 C o rín tio s 1.2; G álatas 1.1,2.
6 Isto é, C o lo sse n ses e Efésios.
5 Isto n ã o deve ser 7 C o m o são; p o r
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Atos 2 .4 7
Lucas diz: “Todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar”; da mesma maneira, em Atos 5.11 ele afirma: “Houve um grande temor em toda a igreja e em todos os que ouviram estas coisas”. No contexto, isto se refere claramente à igreja visível (a assembléia local), mas neste ponto “a igreja” incluía tanto a manifestação visível em Jerusalém, onde milhares eram acrescentados (2.14,41; 4.4), quanto a igreja invisível. De qualquer forma, a igreja local era, inicialmente, equiparável à igreja universal, uma vez que todos os que eram batizados no Espírito no corpo de Cristo ainda estavam vivos na terra (veja Radmacher, JVC, 321-22). Atos 8.3
“Saulo assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, os encerrava na prisão”; no entanto, quando Saulo foi preso por Jesus no caminho para Damasco, “caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me perseguesT (9.4). Está claro que Paulo estava perseguindo o corpo espiritual de Cristo; conseqüentemente, parece que a igreja local foi imediatamente considerada uma manifestação divina da igreja universal invisível. Na verdade, em 1 Coríntios 15.9, Paulo diz que estava perseguindo “a igreja de Deus” (cf. G11.22). Atos 20.28
“Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue”8. Embora Paulo esteja falando, ao mesmo tempo, à igreja visível, e sobre a igreja visível, cujos “anciãos” eram a sua audiência (v. 17), a expressão “resgatou com seu próprio sangue” é mais inclusiva do que a igreja local: ela inclui também todos os membros da igreja universal e invisível (cf. Ef 5.25)9. Romanos 16.16
Paulo concluiu a sua epístola aos Romanos com estas palavras (entre outras): “Saudaivos uns aos outros com santo ósculo. As igrejas de Cristo vos saúdam”. Referindo-se também a outras passagens com uma implicação universal à sua manifestação local10, o comentário de Frédéric Godet (1812-1900) é pertinente: “[Paulo] as associa a um conjunto maior, do qual elas são apenas alguns dos membros” ( CFESPC, 1.45). Em resumo, a igreja local é um padrão miniatura da igreja universal (Radmacher, N C , 327). 1 Coríntios 1.2
Paulo escreveu “á igreja de Deus [aspecto universal] que está em Corinto [manifestação local], aos santificados em Cristo Jesus, chamados santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso”. Esta saudação também parece combinar ambos os aspectos, uma manifestação visível (local) da igreja invisível (universal). 8 Isto dá a entender m ais do que sim plesm ente a igreja local e m Éfeso; C risto m o rre u por toda a igreja (o seu corp o) e p or todo o m u nd o (1 [o 2.2; Hb 2.9; veja Volum e 3, capítulo 9). 9 C risto m o rre u pelos apóstatas (2 Pe 2.1), e o seu sangue é suficiente para expiar os pecados de todos (1 Jo 2.2; cf. R m 5.18,19; 2 C o 5. 14, 19).
10Cf. 1 C oríntios 1.2; 2 C oríntios 1.1; 1 Tessalonicenses 2.14.
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2 Coríntios 1.1 “P a u lo , a p ó s to lo d e Jesu s C r is to p e la v o n ta d e d e D e u s , e o i r m ã o T i m ó t e o , à ig re ja de D e u s q u e e s tá e m C o r i n to , c o m to d o s os s a n to s q u e e stã o e m to d a a A c a ia ” . M e s m o p a d r ã o , c o m os a s p e c to s u n iv e rs a l e lo c a l. 1 Coríntios 10.32 “P o r t a i - v o s d e m o d o q u e n ã o d eis e s c â n d a l o n e m a o s j u d e u s , n e m a o s g r e g o s , n e m à i g r e j a d e D e u s ” . E s ta p o d e se r u m a r e f e r ê n c i a g e n é r i c a a t o d a s as ig r e ja s lo c a is , u m a v e z q u e o s m e m b r o s d o c o r p o e s p ir it u a l ( u n i v e r s a l ) d e C r i s t o , c o m o t a l, n ã o p o d e m s e r o f e n d id o s . O u p o d e se r e f e r i r a m a n i f e s t a ç õ e s v isív eis d a i g r e j a in v isív e l. 1 Coríntios 1 2 .1 3 ,2 7
Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito [...] Ora, vós sois o corpo de Cristo e seus membros em particular. A q u i, u m a v e z m a is, e stá a ig re ja u n iv e rs a l e m m i n ia t u r a , u m a m a n if e s ta ç ã o visível d o invisível. O c o r p o lo c a l d e v e o p e r a r c o m a u n id a d e q u e p o s s u i a ig r e ja u n iv e rs a l, c a d a p a r t e a d e q u a d a a o to d o . 1 Coríntios 1 2 .2 8
A uns pôs Deus na igreja, primeiramente, apóstolos, em segundo lugar, profetas, em terceiro, doutores, depois, milagres, depois, dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas. O u t r a v e z , c o m a su a re f e rê n c ia a o c o r p o d e C r is to (v. 2 7 ), P a u lo p a r e c e in c lu ir o a s p e c to u n iv e rs a l d a ig re ja ; o b v ia m e n te , ele n ã o p r e te n d e d a r a e n te n d e r q u e foi b a tiz a d o n a ig r e ja e m C o r i n to e d e ix o u d e c o n g r e g a r ali, u m a v e z q u e se id e n tifico u c o m a ig re ja e m A n tio q u ia ( A t 1 3 .1 -7 ). E fésios 1 .2 2 ,2 3 “[Deus] su jeitou todas as coisas a seus pés [pés de Cristo] e, sobre todas as coisas, o co n stitu iu c o m o cab eça d a igreja, que é o seu co rp o , a p len itu d e daquele que c u m p re tu d o e m to d o s”. O fato de q u e isto é u m a clara referên cia à igreja universal é indicado: (1) p elo uso d o artigo definido ( “a ”) c o m “igreja”; (2 ) pelo c o n te x to geral e m q ue (a) “todas as coisas [estão] aseu s pés”, o que n ã o p od eria ser verd ade e m se tra ta n d o de u m a igreja local, o u até m e s m o tod as as igrejas locais; (b ) C risto está “a cim a de to d o p rincipad o, e p o d e r” (v. 21), que é o d o m ín io espiritual; (c) C risto “c u m p re tu d o e m to d o s”, u m a exp ressão q ue n ã o se aplica à igreja local. E fésios 3 .1 0 “P a ra q u e , a g o ra , p e la ig re ja , a m u l ti f o r m e s a b e d o ria d e D eu s seja c o n h e c id a d o s p rin c ip a d o s e p o te s ta d e s n o s c é u s ” . M ais u m a v e z , P a u lo se re fe re à ig re ja , e n ã o s im p le s m e n te a u m a ig re ja . A lé m d isto , o e n v o lv im e n to d o m u n d o d o s a n jo s r e t r a t a m a is d o q u e u m a ig r e ja o u ig rejas lo cais.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Efésios 3.21
“A esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém!” A igreja local e visível não existirá para sempre, mas Deus será glorificado para sempre por intermédio da igreja universal e invisível. Efésios 5.23-30,32
O marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos. Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível [...] Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo. Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes, a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja; porque somos membros do seu corpo [...] Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja.
Embora mencionando como os crentes devem agir na terra, o fato de que esta passagem vai além da igreja visível é evidente (1) pelo uso de “a” igreja, e (2) pela morte de Cristo em benefício de todos os crentes, não somente daqueles da igreja local em Efeso, ou de todas as igrejas locais existentes naquela época. Colossenses 1.18
“Ele é a cabeça do corpo da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha apreeminência”. Cristo, como a cabeça do corpo, não pode estar confinado a limites locais; o fato de que o contexto cósmico de Colossenses 1 alcança além de uma igreja local é visto em palavras como tudo (três ocorrências nos vv. 18,19). Colossenses 1.24
“Regozijo-me, agora, no que padeço por vós e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja”. Outra vez, Cristo não sofreu apenas pela igreja de Colosso, e o “seu corpo” é mais do que um corpo local, ou a soma total de todas as igrejas locais daquela época. Ele morreu por todos os crentes, e por todos os incrédulos11. Hebreus 12.22-24
Chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos, à universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel.
Claramente, o sangue de Jesus Cristo foi derramado —e Ele é o Mediador —não apenas em benefício da igrej a local (visível); os nomes inscritos nos céus também incluem os eleitos de todas 11 Cf. Rom anos 5.6-8,18,19; veja tam bém Volume 3, capítulo 9.
A NATUREZA DA IGREJA UNIVERSAL
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as ép ocas12. A lé m disto, u m a v ez q u e aigrej a local (professan te) p o d e ter, e fre q ü e n te m e n te te m , m e m b ro s q u e n ã o fo ra m salvos, n ã o se p od e dizer que a igreja local te m os n o m e s de to d o s os seus m e m b ro s escritos n os céu s, c o m o te m esta igreja e m H ebreus 12.
Outros Termos Usados para Designar a Igreja A ig r e ja u n iv e rs a l t a m b é m é c h a m a d a p o r m u i to s o u t r o s n o m e s ; o liv ro Images o f
the Church in the New Testament (Im a g e n s d a Ig re ja n o N o v o T e s ta m e n t o ), e s c r ito p o r P aul M in e a r (n a s c id o 1 9 0 6) r e la c io n a n o v e n ta e seis d ife re n te s fig u ras d e lin g u a g e m , c a d a u m a d elas r e v e la n d o u m a d im e n s ã o d ife re n te n o r e l a c i o n a m e n t o d e C r is to c o m a ig reja. E n t r e e sta s, d e v e m -s e o b s e rv a r as se g u in te s:
O Corpo de Cristo O N o v o T e s ta m e n to u s a a p a la v ra corpo (g r . soma) in ú m e r a s v e z e s p a r a r e f e rir -s e à ig r e ja 13. C r is to é a C a b e ç a , a o r ig e m e o s u s te n to d a ig re ja .
Soma é u m a p a la v ra u s a d a p a ra re fe rir -s e t a n t o à ig r e ja visível q u a n to à invisível; m u ita s re fe rê n c ia s sã o ao c o r p o u n iv e rs a l, a lg u m a s ao c o r p o lo c a l, e o u tr a s in c lu e m a m b o s 14. E m 1 C o rín tio s 1 2 .1 2 -2 7 , P a u lo d e s c re v e p e lo m e n o s seis c a r a c te r ís tic a s d a ig re ja c o m o c o r p o de C r i s t o 13. E la t e m :
(1) uma unidade orgânica como “um corpo” (vv. 12,13); (2) uma diversidade de “muitos membros” (14-20); (3) uma universalidade, porque “todos” os crentes estão nela (13); (4) uma mutualidade, porque os membros edificam mutuamente uns aos outros (21-27); (5) uma visibilidade, através de seus membros visíveis que brilham como luzes no mundo (cf.Fp 2.14-16; 2 Co 10.4,5); e (6) são espiritualmente animados pelo Espírito Santo, que presenteia todos os seus membros. A Noiva de Cristo C r is to t a m b é m é r e t r a ta d o c o m o o N o iv o q u e c o r t e j o u e a m o u su a noiva, a ig r e ja (cf. A p 2 1 .9 , R A ). Jo ã o e s c r e v e u : “V i t a m b é m a cid a d e sa n ta , a n o v a Je r u s a lé m , q u e d escia d o c é u , d a p a r te d e D e u s , a ta v ia d a c o m o n o iv a a d o r n a d a p a r a o seu e s p o s o ” (v . 2, R A ; cf. 19.7; 2 2 .1 ). E m o u t r a p a s s a g e m , P a u lo disse: “E s to u z e lo s o d e v ó s c o m z e lo d e D e u s; p o r q u e v o s t e n h o p r e p a r a d o p a r a v o s a p r e s e n ta r c o m o u m a v ir g e m p u r a a u m m a r id o , a sa b e r, a C r is t o ” (2 C o 1 1.2).
A Esposa de Cristo D o m e s m o m o d o , a igreja é c h a m a d a de esposa de C risto (E f 5.24,25; cf. A p 21.9). C o m o M a rid o d a esposa, C risto é re tra ta d o e m ín tim o e a m o r o s o re la c io n a m e n to c o m a su a igreja.
12 C f. Efésios 1.4; R o m a n o s 8.29; A p ocalip se 13.8.
13 Por e x e m p lo , cf. R o m a n o s 12.4,5; 1 C o rín tio s 10.16,17; 12.12-27; E fésios
1.23; 2.16; 3.6; 4.4,12,16; 5.23,30; C o lo ssen ses 1.18,24; 2.19; 3.15. U n iv ersa l”.
HV eja a cim a , sob “A Base B íb lica p a ra a N a tu re z a da Ig reja
15 E ste e sq u e m a é e x tra íd o das n o ta s de classe de R o b e r t C u lv e r so b re eclesiolo gia.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Os Primogênitos de Cristo Outra vez, á epístola aos Hebreus se refere à “igreja dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus” (12.23). Aqui também a igreja é vista em um relacionamento especial com Cristo, o “Mediador de uma nova aliança” (v. 24), que foi “o primogênito dentre os mortos” (Cl 1.18), e por sua virtude a igreja também é primogênita. A Edificação de Cristo
Cristo é o fundamento da igreja - a principal pedra da esquina (Ef 2.20; cf. 1 Pe 2.7)'—, mas a igreja consiste da superestrutura de “pedras vivas” edificadas sobre este fundamento: “ Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (v. 5). Uma Casa Espiritual
Embora as Escrituras jamais usem a palavra igreja referindo-se a um edifício físico, feito de tijolos e argamassa, a igreja é descrita como uma casa espiritual (1 Pe 2.5). Cristo é, ao mesmo tempo, o fundamento e o Construtor-Chefe. Um Sacerdócio Santo
Pedro usou uma série de imagens poderosas para descrever a igreja, sendo uma delas sacerdócio “Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo” (ibid.). Isto demonstra não apenas o sacerdócio de todos os crentes16, mas também aponta para o nosso “grande sumo sacerdote” que vive sempre para interceder por nós (Hb 4.14). santo:
Um Sacerdócio R eal
A igreja como sacerdócio real (1 Pe 2.9) enfatiza a natureza régia do nosso relacionamento com Cristo, o Rei com quem iremos reinar. João declarou: “Para o nosso Deus os fizeste reis e sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra” (Ap 5.10). Ele é Rei dos reis e Sacerdote dos sacerdotes; nós reinaremos e serviremos submissos a Ele, obtendo dEle tanto exemplo quanto força. Um Povo Eleito
“Vós [a igreja] sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2.9); “também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele” (Ef 1.4). O Povo de Deus A natureza seleta do nosso relacionamento com Deus está manifesta nesta expressão que é vertida de diversos modos, em 1 Pedro 2.9, como “povo particular” (KJV), “raça eleita” (ASV, RC), “um povo de possessão própria de Deus” (NASB), “povo próprio de Deus” (RSV), “um povo próprio dEle” (NAB), “um povo reclamado por Deus” (NEB), e “absolutamente próprio de Deus” (TLB). Não importando a tradução, Pedro escreveu: “Vós que, em outro tempo, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia” (1 Pe 2.10). 16 Cf. V olum e 3, capítulos 10,13.
A NATUREZA DA IGREJA UNIVERSAL
0 Rebanho O r e l a c i o n a m e n t o de D e u s c o m o se u p o v o c o m o o r e l a c i o n a m e n t o d o P a s to r c o m se u r e b a n h o t e m u m a h is tó ria v e n e r á v e l (c f. SI 2 3 ). Jesu s fa lo u de si m e s m o c o m o o B o m P a sto r, e d o s c r e n te s , c o m o su as o v e lh a s (Jo 10). E le disse a P e d ro : “A p a s c e n ta as m in h a s o v e lh a s ” (Jo 2 1 .1 5 -1 7 ). E m A to s 2 0 .2 8 , P a u lo o r d e n o u aos a n ciã o s: “O lh a i, p o is, p o r v ó s e p o r to d o o r e b a n h o so b re q u e o E s p írito S a n to v o s c o n s titu iu bisp os, p a r a a p a s c e n ta rd e s a ig re ja de D e u s, q u e ele re s g a to u c o m se u p r ó p r io s a n g u e ” . P e d ro disse:
Aos presbíteros que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: apascentai o rebanho de Deus que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho (1 Pe 5.1-3). T u d o isto se d eve ao fa to d e s e r v ir m o s ao G ra n d e P a sto r, “e, q u a n d o a p a r e c e r o S u m o P a sto r, a lc a n ç a r e is a i n c o r r u p tív e l c o r o a d e g ló r ia ” (v . 4). N o N o v o T e s ta m e n to , h á m u ita s o u tr a s fig u ras de lin g u a g e m q u e r e t r a t a m u m r e l a c i o n a m e n t o v ita l, p esso al e ín tim o e n tr e C r is to e a su a ig re ja , in c lu in d o :
•
P e d ra d e e sq u in a / t e m p lo ( E f 2 .2 0 ,2 1 );
•
M a rid o / v ir g e m (2 C o 1 1 .2 );
•
G o v e r n a n te / cid a d e (A p 2 1 .9 ,1 0 );
•
P o s s u id o r / p o ssessão ( T t 2 .1 4 );
•
P r im o g ê n ito / fa m ília ( E f 2 .1 9 );
•
C r ia d o r / n o v a c r ia ç ã o (2 C o 5 .2 1 );
•
H e rd e iro / h e r a n ç a ( E f 1 .1 8 ); e
•
V id e ira / v a ra s (Jo 15.1; cf. H o u s e , CCDT, 117).
ALGUMAS CONCLUSÕES SOBRE A IGREJA UNIVERSAL LTsando as p a ssa g e n s a c im a e o u tr a s , s e g u e -s e u m c u r t o r e s u m o d e c o n c lu s õ e s q u e p o d e m s e r tira d a s q u a n to à n a t u r e z a d a ig re ja u n iv e rsa l.
A Igreja Universal Foi Eleita desde a Eternidade C r is to é e t e r n o , e a ig r e ja u n iv e rs a l foi e le ita e m C r is to a n te s d a fu n d a ç ã o d o m u n d o ( E f 1 .4 ); c o n s e q ü e n t e m e n te , n a m e n t e d e D e u s, a ig re ja d e D e u s é e te r n a . A lé m d isto , C r is to é o e le ito d e D e u s (cf. M t 3 .1 6 ,1 7 ) e n ó s f o m o s e le ito s n E le (o p . c i t.) ; n ã o s o m e n te C r is to é o E le ito , m a s n o N o v o T e s ta m e n t o os q u e e s tã o “e m C r is t o ”, a ig re ja , os m e m b r o s d o se u c o r p o , f o r a m e le ito s n E le a n te s d o s s é c u lo s 17.
A Igreja Universal É Invisível O c o r p o d e C ris to é a “re u n iã o a le g re ” (N T L H ), “a ig re ja d os p r im o g ê n ito s ”, cu jo s n o m e s “e stã o in scrito s n o s c é u s ” (H b 12.2 2 ,2 3 ). O a u to r está falan d o aq ui d o “M o n te
171 Coríntios 2.7; cf. 2 T im óteo 1.9; Tito 1.2.
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Sião”, da “cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial”, isto é, os céus; isto se refere à igreja invisível, o corpo celestial de crentes. Embora todos os verdadeiros crentes desta época sejam membros, somente aqueles que se foram antes de nós estão ali, na realidade. Os demais, que fazem parte da igreja visível (como nós, hoje) esperam por este dia (1 Jo 3.2). Embora ela tenha uma manifestação visível na igreja local, a igreja universal como tal não é uma organização visível (como a Igreja Católica Romana); na verdade, é um organismo invisível, um corpo vivo que cresce diariamente.
A Igreja Universal É Crescente Lucas registra que “todos os dias acrescentava o Senhor à igreja” (At 2.47); a igreja universal cresce em número e em qualidade. Colossenses 2.19 fala de Cristo, “a Cabeça, da qual todo o corpo [...] vai crescendo em aumento de Deus” (cf. Ef 4.15,16). Cristo sustenta o crescimento do seu corpo, fornecendo os dons e o poder do Espírito para cumprir o seu objetivo para a sua igreja (4.11,12; 5.18). A liderança de Cristo sobre a igreja universal envolve a proeminência da Cabeça acima do corpo (Cl 1.15-17; veja Radmacher, N C , 236-45), a unidade do corpo com a Cabeça (Ef 1.22,23), e, acima de tudo, o sustento do corpo obtido da Cabeça: Seguindo a verdade em caridade, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o corpo, bem ajustado e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor (Ef 4.15,16).
Sem a Cabeça, o corpo não pode crescer.
A Igreja Universal É Indivisível Diferentemente das manifestações locais da igreja, que podem enfrentar divisões e cismas18, a igreja universal tem uma unidade indestrutível. E o corpo espiritual de Cristo e, como tal, não pode ser destruído, como Cristo também não pode ser. Paulo incentivou os crentes a “guardar a unidade do Espírito” (Ef 4.3) na igreja, mas foi Deus quem fez esta unidade quando “fomos batizados em um Espírito, formando um corpo” (v. 4; cf. 1 Co 12.13). Diversas palavras correlatas são freqüentemente confundidas neste aspecto. Merrill Tenney (1904-1985), comentando sobre a oração de Jesus em João 17, para que “sejamos um”, observou que “deve ser feita uma clara distinção entre quatro conceitos intimamente ligados: unanimidade, uniformidade, união e unidade”. Unanimidade significa uma concordância absoluta de opinião dentro de um determinado grupo de pessoas. Uniformidade é a completa similaridade de organização ou de ritual. União significa afiliação política, sem necessariamente incluir concordância individual. Unidade exige a unicidade do interior do coração e propósito essencial, através de um interesse comum ou de uma vida em comum. Conseqüentemente, a unanimidade de crença não significa, necessariamente, uniformidade de ritual; nem a uniformidade de ritual pressupõe união orgânica; nem a união orgânica envolve unidade de espírito [...] A unidade prevalece sempre que há 18Veja capítulo 3.
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uma experiência de Cristo, profunda e genuína; pois a comunhão do novo nascimento transcende todas as fronteiras denominacionais históricas. Tal unidade foi o que Jesus pediu na sua oração, pois Ele a definiu como a unidade que Ele obtinha entre Si mesmo e o Pai (Jo 17.21). Está claro que nenhuma união terrena, seja Católica Romana, Ortodoxa Oriental, ou o Concilio Mundial de Igrejas, é o que se pretende neste texto ( GJ , 248-49).
A Igreja Universal E Invencível N a p rim e ira referên cia bíblica à igreja de C risto, Jesus p ro m e te u a Pedro, q u e tin h a acabado de con fessar “T u és o C risto, o Filho d o D eus v iv o ”, q u e o in fern o n ã o d erro taria a sua igreja (veja M t 16.18). E sta o u aquela co n g re g a çã o local p o d e rá se d ob rar, m as a sua igreja u niversal jam ais cairá; a igreja visível p o d e n e m sem p re ser vitoriosa, m as a igreja triu n fan te será b em -suced ida.
A igreja universal cumprirá a missão suprema para a qual Deus a convocou (cf. E f 3.9-11).
A Igreja Universal É Doxológica O o b je tiv o d e t o d a a c r ia ç ã o é g lo rif ic a r a D e u s 19. E s p e c ific a m e n te a re s p e ito d a ig re ja , P a u lo e s c r e v e u :
Para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado [...] com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que primeiro esperamos em Cristo [...] a esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém! (Ef 1.6,12; 3.21; cf. lT m l.1 7 ). N a v isão d e Jo ã o , ao r e d o r d o t r o n o d e D e u s,
Os animais davam glória, e honra, e ações de graças ao que estava assentado sobre o trono, ao que vive para todo o sempre [...] com grande voz diziam: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças (Ap 4.9; 5.12). Tudo, inclusive a igreja, é ordenado para a glória de Deus.
A Igreja Universal É Apostólica J u n ta m e n te c o m C risto , a p rin cip a l p e d r a de esq u in a, a ig re ja foi ed ificad a “so b re o fu n d a m e n to dos a p ó s to lo s e d os p ro fe ta s ” (E f 2 .2 0 ). N o P e n te co ste s , os a p ó s to lo s re c e b e r a m u m d os especiais “sinais d o a p o s to la d o ” (2 C o 12.12), o d o m d e lín g u as ( A t 2 .1 -5 ). M ais a d ia n te , os c re n te s q u e e s ta v a m ali, d e “to d a s as n a ç õ e s q u e e stã o d eb aixo d o c é u ” (v. 5), se a r r e p e n d e ra m e re c e b e r a m “o d o m d o E sp írito S a n to ” (v. 3 8 ). A lg u m t e m p o d ep ois, a m e s m a co isa a c o n te c e u c o m os v iz in h o s sa m a rita n o s , pelas m ã o s d os ap ó s to lo s :
Os apóstolos, pois, que estavam em Jerusalém, ouvindo que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João, os quais, tendo descido, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo. (Porque sobre nenhum deles tinha ainda descido, mas somente eram batizados em nome do Senhor Jesus.) Então, lhes impuseram as mãos, e receberam o Espírito Santo (At 8.14-17).
19 P or e x e m p lo , veja 1 C o rín tio s 10.31; Lucas 2.14; R o m a n o s 11.36.
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D a m esm a m aneira, o batism o do Espírito Santo o co rreu m ais tarde, aos gentios, na casa de C ornélio: E, dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra. E os fiéis que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os ouviam falar em línguas e magnificar a Deus (10.44-46). M esm o em ocasião tão adiantada co m o Atos 19, havia alguns que não tin h a m ouvido falar sobre o Pentecostes, e m esm o que tivessem se arrependido, crido e tivessem sido batizados por João, não tin h a m sido batizados no Espírito neste novo corpo de Cristo: Paulo [...] chegou a Efeso e, achando ali alguns discípulos, disse-lhes: Recebestes vós já o Espírito Santo quando crestes? E eles disseram-lhe: Nós nem ainda ouvimos que haja Espírito Santo. Perguntou-lhes, então: Em que sois batizados, então? E eles disseram: No batismo de João. Mas Paulo disse: Certam ente João batizou com o batismo do arrependimento, dizendo ao povo que cresse no que após ele havia de vir, isto é, em Jesus Cristo. E os que ouviram foram batizados em nom e do Senhor Jesus. E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas e profetizavam (vv. 1-6). Assim, depois do dia de Pentecostes, o batism o no Espírito foi adm inistrado por Deus por m eio dos apóstolos; isto era parte do seu papel com o fund am ento da igreja20. Desde o período de transição, quando a sua m ensagem tin h a oficialm ente alcançado toda a terra (C l 1.23), parece que m u itos convertidos receberam o batism o no Espírito no m o m en to da conversão. Pelo m enos, na época da epístola aos R om anos (58 d.C .), Paulo escreveu: “Se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (8.9). Faz sentido este m étod o pelo qual D eus dá o Espírito som en te por m eio das m ãos de u m apóstolo: Se todo cren te, em todo o m u nd o, tivesse recebido sim u ltan eam ente o batism o do Espírito, o cristianism o teria sido u m m o vim en to fragm entado desde o seu princípio, e o fu nd am ento sobre os “apóstolos e profetas” desta nova dispensação —que registraram o N ovo Testam ento para a fé e prática de todos os fu tu ros crentes — não teria sido estabelecido. Foi assim que a igreja prim itiva foi estabelecida na d ou trina apostólica (A t 2.42), e desta m aneira Deus indicou co m precisão tan to a autoridade viva dos apóstolos quanto a sua autoridade escrita para a igreja em seus textos, que iriam sucedê-los21. Os apóstolos tam bém desem penharam u m papel de autoridade n o governo das igrejas locais22, e gradualm ente estabeleceram igrejas locais de governo independente sob a liderança de anciãos (presbíteros) e diácõnos escolhidos pela congregação. Eles tam bém deixaram a sua autoridade escrita, o Novo T estam ento, para substituir a sua autoridade viva em questões de dou trina e prática. Isto era reconhecid o pelas igrejas que liam , coletavam e tran sm itiam estes escritos a outros, m esm o em tem pos apostólicos23. Pedro recon h eceu e usou u m a coletân ea de cartas de Paulo com o Escritura: O nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que 20 Cf. Efésios 2.20; veja tam bém capítulo 4.
21 Isto é, o Novo Testam ento; veja Volum e 1, capítulos 13-14, 17, 28.
capítulo 4; cf. Atos 5.1ss.; 15.1,3,6,22; 1 Coríntios 5.1ss.; Tito 1.5. Apocalipse 1.1-5.
22Veja
23 Colossenses 4.16; 1 Tessalonicenses 5.27; 1 João 4.6;
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os indoutos e inconstantes torcem e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição (2 Pe 3.15,16).
A Igreja Universal É etnicam ente Neutra A igreja universal, o corpo espiritual de Cristo, é etn icam en te e socialm ente neutra. A igreja universal, da qual a igreja local deveria ser u m reflexo, se com p õe de todos os que pertencem a Jesus C risto, pois nEle todos são u m (G1 3.28). Não existem distinções raciais, nacionais ou políticas; o corpo de C risto transcende tudo isto, com o a união espiritual de todos os crentes, desde o Pentecostes.
A Igreja Universal É Regenerada Na igreja universal, não som en te estão todas as pessoas salvas, m as som ente pessoas salvas estão nela. D iferentem ente da igreja local, que, infelizm ente, con tém trigo e jo io (M t 13.24-30), os m em bros da igreja universal são to ta lm en te e com p letam en te regenerados, e a igreja se com põe som ente de ovelhas (veja M t 25). A igreja local tem “lobos” (A t 20.28,29), “falsos irm ãos” (G1 2.4), “infiéis” (1 C o 14.23), e “alguns [que] se in trod u ziram ” de fora (Jd 4).
A Igreja Universal E espiritualmente Igual Os cren tes são esp iritu alm en te iguais em C risto, e, o u tra vez, o grande m istério, devido à eleição in con d icion al que D eus faz de Israel co m o a sua n ação escolh id a (G n 12.1-3; cf. R m 11.29), é o m od o p elo qual os gentios poderiam ser trazidos à com u nid ad e redim ida nos m esm os te rm o s (C l 1.27). De acordo co m o ju d aísm o, os gentios poderiam con v erter-se co m o prosélitos, m as ainda seriam cidadãos de segunda classe no rein o; p o r exem p lo, o tem p lo tin h a u m “pátio dos g en tios” e u m a parede de separação no m eio, pela qual eles não podiam passar. A gora, o m istério é “que os gentios são co-h erd eiros, e de u m m esm o corp o, e participantes da p rom essa em C risto p elo ev an g elh o ” (E f 3.6; cf. 2.12-16).
A Igreja Invisível É Universal C o m exceçã o da ig reja p rim itiv a p ó s-P en teco stes, em Jeru sa lé m , jam ais h ou ve e jam ais hav erá u m a ig re ja v erd ad eiram en te c a tó lica 24 (u n iv ersa l) sobre a te rra . N em o ram o dos ro m a n o s do cristia n ism o , n e m o dos gregos, é v erd ad eiram en te ca tó lico ; a ú n ica ig re ja verd ad eiram en te c a tó lic a h o je é o co rp o esp iritu al de C risto , que con siste de tod os os verdadeiros cre n te s em q u alqu er ig re ja ou d en o m in a çã o lo ca l. A B íblia jam ais usa a palavra igreja p ara re ferir-se a u m a u n ião eclesiástica visível que é a ú n ica org an ização que rep resen ta C risto n a te rra ; o uso rep etid o da p alavra igrejas25 rev ela que so m e n te em u m sen tid o geral e co le tiv o nós p o d em os falar das m u itas ig rejas de g o v ern o in d ep en d en te que são baseadas n o e n sin a m en to do N ovo T e sta m e n to co m o a “ig re ja ” sob re a te rra . S o m e n te a ig re ja invisível é v erd ad eiram en te un iv ersal. 24 O adjetivo católico, de m o d o ge n é rico , q u e r dizer “g era l” ou “un iv ersal”, a p a rtir de duas palavras gregas, (kata e holou) que significam “"que diz respeito ao to d o ”.
25 G r. ekklesiai, ekklesiais-, p o r ex e m p lo , v e ja R o m a n o s 16.4,16; 1 C o rín tio s 7.17; 11.16;
14.33,34; 16.1,19; 2 C orín tios 8.1,18,19,23,24; 11.8,28; 12.13; G álatas 1.2,22; 1 Tessalonicenses 2.14; 2 Tessalonicenses 1.4.
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A Igreja Universal É Original C o m o com en tarem os em detalhes m ais adiante26, o corpo de C risto n ão é u m Israel espiritual. A igreja é co m p letam en te nova: No seu tem p o, C risto disse que ela ainda era fu tu ra, e ch am o u -a de “m in h a ig reja”27. O u tra vez, a igreja, fundada sobre C risto e p elo s seus apóstolos (E f 2.20) era u m m istério não revelado no A ntigo Testam ento28. Aqui está u m resum o das razões pelas quais a igreja (o corp o de C risto) n ão se originou antes da era do N ovo T estam ento: (1) A igreja era u m mistério não conhecido nos tempos do Antigo Testamento (Ef 3.3-6). (2) Cristo declarou que a igreja ainda era fu tu ra (M t 16.16-18). (3) A expressão de C risto “m in h a igreja” (ibid.) indica que ela não se iniciou antes do seu tem po. (4) A fundação da igreja não foi concluída até depois do tem p o de C risto (E f 2.20). (5) O uso de ekklesia para Israel n o A ntigo T estam en to29 não a identifica com a igreja do N ovo T estam ento. (6) A igreja não se iniciou até depois que Cristo m orreu e ressuscitou (A t 20.28; E f 4.8-11). (7) A igreja (o corpo de C risto) teve início no Pentecostes, pelo batism o do Espírito Santo (1 Co 12.13; cf. A t 1.5). (8) Pedro apontou o Pentecostes co m o o “princípio” da igreja (A t 11.15). (9) Os dons necessários para operar a igreja não foram dados até depois que C risto subiu aos céus (E f 4.11,12; cf. 1 Co 12.4ss.). Sendo u m a obra original de Deus, a igreja não é u m a continu ação de Israel em algum sentido espiritual; m esm o n o N ovo T estam en to, “Israel” e seu fu tu ro são claram ente distintos da igreja (R m 9—11). Jesus jam ais negou que haveria u m reino fu tu ro para Israel, m as disse que o tem po estava nas m ãos de Deus (A t 1.6,7; cf. M t 19.28). E m n e n h u m m o m en to as promessas incondicionais de terra, feitas a Abraão e seus descendentes “para sem pre” foram cum pridas30. A aplicação coerente da h erm en êu tica h istóricogram atical31 exige que ainda sejam cum pridas. A ú ltim a coisa que os discípulos perguntaram a Jesus foi: “Sen h or, restaurarás tu neste tem po o reino a Israel?” (A t 1.6; cf. 15.13-16). Se não devesse haver n e n h u m reino fu tu ro literal, então esta seria a ú ltim a oportunidade de Jesus corrigi-los, co m o tin h a feito co m seus equívocos em m uitas outras ocasiões. Mas Ele não os corrigiu; em vez disto, Ele deu a entender que este reino viria no tem p o apropriado do Pai, e que, enquanto isto, deveriam ser testem un has em todo o m u nd o (1.7,8). M esm o depois do início da igreja, este rein o fu tu ro literal foi oferecido a Israel (em A t 3) por Pedro, que se referiu à restauração de Israel (vv. 19-21), prom etid a no A ntigo Testam ento e a ser cum prida quando o Messias retornasse. Na verdade, Pedro declarou que Ele não retornaria até que eles se arrependessem e o aceitassem com o seu Messias. Paulo nos in fo rm a que a n ação de Israel será restaurada ao seu lugar de bênção, sob D eus. Para estabelecer o c o n tex to , R o m an o s 9—11 tra ta das bênçãos passadas de Israel (9), da atu al re je içã o (10), e da restau ração n acion al fu tu ra (11). E m 9.3,4, Paulo 26Veja capítulos 12-14.
27M ateus 10.18; veja capítulo 1.
cf. citações de Atos 7.38; Hebreus 2.12.
23Veja Efésios 3.5; Colossenses 1.26; Rom anos 16.25,26.
30 Gênesis 13.13-15; 15.18-21; veja capítulo 14.
31Veja capítulo 12.
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deixa evidente que está falando do Israel literal e físico, e não de u m tipo de Israel “esp iritu al”, e em 10.1, declara: “O bom desejo do m eu coração e a oração a D eus por Israel é para sua salvação”. Está escrito que eles são “a n a çã o ” (v. 19) a quem Moisés escreveu e o “Israel” a qu em Isaías profetizou (v. 21). A lém disto, em R om an os 11, Paulo os ch am a de “seu povo [povo de D eu s]”, a quem Paulo p erten ce (v. 1), ao qual D eus não re je ito u para sem pre (vv. 1,2), porqu e “os dons e a vocação de D eus são sem a rrep en d im en to ” (v. 29). Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira! Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado. E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades (11.24-26). A nação co m o um tod o32 será convertida e restaurada, com o Deus p rom eteu quando o Messias reto rn a r33. O livro do Apocalipse fala de um papel para Israel nos últim os dias antes da Segunda Vinda34, u m papel de significativo e específico envolvim ento no plano fu tu ro de Deus, m encionad o pela prim eira vez durante a Tribulação: “E ouvi o n ú m ero dos assinalados, e eram cen to e quarenta e quatro m il assinalados, de todas as tribos dos filhos de Israel” (7.4). N em u m a das palavras, tribo ou Israel, jam ais é usada escritu ralm ente, exceto de m aneira literal35.
A BASE TEOLÓGICA PARA A NATUREZA DA IGREJA UNIVERSAL Assim co m o a origem da igreja, a natu reza da igreja está enraizada na natureza e na vontade de D eus36. Deus é etern o, e, con seqü entem ente, este plano m isterioso do m odo co m o os judeus e gentios seriam unidos co m o co-herdeiros em um corpo é de vontade eterna. Deus é tam bém im utável, e assim a sua vontade de criar a igreja não pode ser m udada. Pela sua onisciência, Ele podia ver o seu fim desejado, ao d ecretar a existência da igreja; pela sua onissapiência, Ele foi capaz de ordenar o m elh o r m eio para o seu suprem o fim; e com o seu poder soberano e onipoten te, Deus é capaz de realizar o plano que ordenou37.
Uma Objeção: Baseada no Fato de que os Cristãos São a Descendência de Abraão De acordo co m Paulo, nós som os herdeiros de Abraão: Porque a promessa de que havia de ser herdeiro do mundo não foi feita pela lei a Abraão ou à sua posteridade, mas pela justiça da fé. Pois, se os que são da lei são herdeiros, logo a fé é vã e a promessa é aniquilada. Porque a lei opera a ira; porque onde não há lei também não há transgressão. Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé de Abraão, 32 Isto se refere ao total de restantes, que sobraram no final da Tribulação. “ Veja capítulo 14, para u m a discussão adicional de todos estes assuntos. MVeja capítulo 15. 33Veja capítulo 12. ^ Veja discussão n o capítulo 1. 37 Veja V olu m e 2, capítulos 4-8, 22.
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o qual é pai de todos nós (Rm 4.13-16). Paulo acrescentou, em ou tra passagem: “C risto nos resgatou [...] para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo e para que, pela fé, nós recebam os a prom essa do Espírito” (G1 3.13,14). D e m odo que, pela prom essa que foi feita a Abraão e seus descendentes, a igreja tam b ém é a beneficiária; e, de m od o correspondente, por que isto não pode, da m esm a m aneira, ser verdadeiro a respeito das prom essas feitas a Abraão —co m o a herança da Terra Prom etida?38
Resposta E m resposta, existem diversos fatores im portan tes que se deve ter em m ente. P rim eiro , m e sm o q u e as p ro m essas da te rra fo sse m aplicad as à ig re ja , n ã o existe sen tid o em que ela te n h a h erd a d o a te rra lite ra l de Isra el p a ra sem p re. N ão existe in d ica çã o b íb lica de que a ig re ja será h e rd eira , e, se fo r, e n tã o D eu s te rá q u ebrad o a sua p ro m e ssa a Isra e l, co isa que E le n ã o p o d e fa z er (H b 6 .1 3 -1 8 ). Os cristã o s, na m e lh o r das h ip ó te ses, p o ssu íra m u m a p a rte da te rra , p o r urn c u r to p e río d o de te m p o . A lé m d isto , a p ro m e ss a d e D eu s da b ên çã o da salv a çã o fo i fe ita , através de A braão, a to d o s, desde o p rin c íp io 39: “A b e n ço a re i os que te a b e n ç o a re m e a m a ld iç o a re i os q u e te a m a ld iço a re m ; e em ti serão b en d itas to d as as fa m ília s da te r r a ” (G n 12.3). P o rta n to , esta p ro m e ssa de salv ação esp iritu a l atrav és da S e m e n te de A braão (C ris to — v e ja G1 3 .1 6 ) fo i d esignad a p o r D eu s a tod as as pessoas, desde o in íc io . E ste n ão é o caso c o m a g a ra n tia da T e rra S a n ta e de o u tra s b ên çã o s n a cio n a is que D eu s p ro m e te u a Isra e l40.
A BASE HISTÓRICA PARA A NATUREZA DA IGREJA UNIVERSAL Os Primeiros Pais Nos textos dos prim eiros Pais, existe am plo suporte para a natu reza da igreja universal, co m o apresentada acim a. Ignácio (falecido c. 110) “O nde estiver Jesus Cristo, ali estará a Igreja C atólica” (EIS, 8). Justino Mártir (c. 100-c. 165) “A palavra de D eus fala àqueles que crêem nE le co m o sendo u m a alm a, e um a sinagoga, e u m a ig reja” (D J, 63). Irineu (c. 125-c. 202) “A Igreja C atólica possui u m a fé, e a m esm a, por todo o m u n d o ” (A H , 1.10.3). “Onde estiver a igreja, ali estará o Espírito de Deus; e onde estiver o Espírito de Deus, 38Veja Gênesis 12.13-15; 15.18-21; veja tam bém capítulo 14. 39Veja capítulo 14. ^ Veja capítulos 13-14, para um a discussão adicional.
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ali estará a ig reja” (ibid., 3.24.1). Tertuliano (c. 155-c. 225) “Nós temos um a fé, um Deus, o m esm o Cristo, a m esm a esperança, os mesmos sacramentos batismais: deixe-me dizer, de um a vez por todas, nós somos um a igreja” (OVV, 2). “As igrejas, ainda que sejam tantas e tão grandes, com preen d em u m a ú n ica igreja prim itiva, (fundada) pelos apóstolos, da qual todos eles (se orig in am )” ( PAH, 20). Clemente de Alexandria (150-c. 215) “Aquele que com er desta refeição [Comunhão], a m elhor de todas, possuirá o reino de Deus, fixando a sua consideração aqui na santa assembléia do amor, a igreja celestial” (1 ,2.1). Orígenes (c. 185-c. 254) “A expressão [...] ‘efluentes de u m a igreja terren a e da circuncisão’ provavelm ente se origina do fato de que a igreja sobre a terra foi cham ada por alguns de efluente de um a igreja celestial e de u m m undo m e lh o r” (A C , 6.35). As Santas Escrituras declaram que o corpo de Cristo (a sua igreja), avivado pelo Filho de Deus, com o sendo toda a igreja de Deus, e os membros deste corpo — considerados com o um todo — consistem daqueles que são crentes [...] cada m embro individualmente pertencendo à igreja [...] não fazendo nada que não conste na Palavra (ibid., 6.48). Cipriano (200-258) “C onvém a todos vigiar o corp o da igreja, cu j os m em bros estão dispersos por variadas províncias” (EC, 29.4). “Existe u m ún ico Deus, e Cristo é u m , e existe u m a ig reja” (ibid., 39.5). “Existe u m a igreja, dividida por C risto por todo o m u nd o, e cada u m a de suas partes são os seus m u itos m em b ros” (ibid., 51.24). Atanásio (c. 293-373) “Existe u m corpo da Ig reja C atólica” (D A, 1). Gregário de Nissa (c. 335-c. 395) “A populosa igreja de D eus [...] [devia] en cher todo o m undo, de extrem idade a extrem idade da terra” (OBC, 983). João Crisóstomo (347-407) “A igreja entre vós é u m a parte da igreja que existe em todas as partes, e do corpo que é com p osto de todas as igrejas” (HSJCEPC, 1.32.1). “A igreja de Deus” [1 Co 1.2], Não “deste ou daquele hom em”, mas de Deus, mostrando que ela deveria estar unida. Pois, se for “de Deus”, estará unida, e é uma, não somente em
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Corinto, mas em todo o mundo: pois oinome da igreja não é um nome de separação, mas de unidade e de concordância (ibid.Jl.l). Embora [esta] carta seja escrita-isomente aos coríntios,.ainda assim ele [Paulo] faz menção a todos os fiéis que estão emttotJa a terra; mostrando que a igreja, por todo o mundo, deve ser uma, ainda que separada em [diversos] lugares (ibid., 1.1.2).
Os Pais Medievais Os Pais da Idade M édia tam bém falaram da igreja invisível, universal, com o o corpo espiritual de C risto, do qual as igrejas locais são u m a m anifestação visível. Agostinho (354-430) Desta maneira, fiquei perplexo e fui convertido, e me alegrei: O, meu Deus, que a única igreja, o corpo do Teu único Filho (cujo nome foi colocado sobre mim, desde a infância), não aprecie as ninharias infantis (C, 6.4.5). “Por causa da sua perversidade, [os donatistas] deixaram , h á m u ito tem p o , de receber da Ig reja C ató lica não dividida, que está espalhada p o r to d o o m u n d o ” (LSA, 43.1.1). “A igreja é o corpo de Cristo, co m o os ensinos dos apóstolos nos m o stram ; e é até m esm o cham ada de sua esposa. O seu corp o, então, tem m u itos m em bros, e todos realizam diferentes fu n ções” (OCD, 1.16). Jerônimo (c. 340-420) “Em bora a igreja ten h a sete partes, é apenas u m a” (T A J, 2.19). “Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” [1 Co 3.16]. Um templo, diz ele [Paulo], não templos, para mostrar que Deus habita em todos da mesma maneira. Podeis chamar a igreja como quiserdes —noiva, irmã, mãe —, a sua assembléia é apenas uma, e jamais lhe falta marido, irmão ou filho (ibid.).
Os Líderes da Reforma A eclesiologia vem ainda mais ao foco durante a Reforma, por causa das diferenças entre católicos romanos e protestantes. Isto é verdade não somente sobre abase da igreja, mas também sobre a sua natureza e o seu governo. Os reformadores deram ainda mais ênfase à natureza invisível da igrej a universal, em oposição à ênfase católica em um a organização visível. Martinho Lutero (1483-1546) A igreja verdadeira é uma assembléia ou congregação que depende do que não aparece, nem pode ser compreendido na mente, a saber, a Palavra de Deus; no que ela diz, eles crêem sem acrescentar nada, dando a Deus a honra (TT, 367). Onde Cristo não é pregado, não há o Espírito Santo que cria, convoca e reúne a igreja cristã, sem a qual ninguém pode vir a Cristo, o Senhor (LC, 2.3.63). Deus preservou maravilhosamente o seu Evangelho na igreja, que agora, dos púlpitos, é
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ensinado às pessoas, palavra a palavra. De igual modo, é uma obra especialmente grande de Deus o fato de o Credo, a Oração do Senhor, o Batismo, e a Ceia do Senhor, terem permanecido e se prendido aos corações daqueles que foram instruídos a recebê-los na intermediação do Papado (op. cit., 220). João Calvino (1509-1564) O juízo que deveria estar formado a respeito da igreja visível que está sob a nossa observação deve, creio eu, ser suficientemente claro com base no que foi dito. Eu observei que as Escrituras falam da igreja de duas maneiras. Algumas vezes, quando falam da igreja, querem falar da igreja como ela realmente é diante de Deus —a igreja na qual ninguém é admitido exceto aqueles que, pela dádiva da adoção, são filhos de Deus e, pela santificação do Espírito, são verdadeiros membros de Cristo. Neste caso, ela não somente compreende os santos que habitam na terra, mas todos os eleitos que existiram desde o princípio do mundo. Freqüentemente, também, pelo nome da igreja se designa todo o corpo da humanidade espalhada por todo o mundo [...] Nesta igreja, existe uma grande mistura de hipócritas, que não têm nada de Cristo, exceto o nome e a aparência exterior: de homens ambiciosos, avarentos, invejosos e caluniadores, alguns também de vidas impuras, que são tolerados por algum tempo, seja porque a sua culpa não pode ser legalmente estabelecida, seja porque a rigidez da disciplina nem sempre é observada. Conseqüentemente, assim como é necessário crer na igreja invisível, que só é manifesta aos olhos de Deus, também somos reunidos para considerar esta igreja que é assim chamada com referência ao homem, e para cultivar a sua comunhão ( IC R , 41.7).
Os Mestres da Pós-Reforma Depois da R eform a, e p articu larm en te nos tem pos m odernos, a natu reza da igreja invisível se to rn o u o centro de atenção adicional. Isto é verdade não som en te nas tradições anabatistas e independentes, mas tam bém nos círcu los reform ados. Jacob Arminius (1560-1609) Embora muitos dos chamados confessem, com suas bocas, “que conhecem a Deus”, mas neguem-no com as suas obras. Deus é o único juiz dos corações destes homens, e “conhece os que são seus”. Por isto, estas pessoas são julgadas, por causa da promessa, como pertencentes à igreja visível, embora de maneira equivocada, uma vez que não pertencem à igreja invisível, pois não têm nada daquela comunhão interior com a Cabeça, que é a Forma da igreja (D, 18.15). Os santos, dos quais está escrito que são “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas”, não atribuem nada mais a si mesmos do que o fato de serem “cooperadores de Deus”, estabelecendo Cristo como este fundamento, e edificando toda a casa sobre Ele (ibid., 21.4). Jonathan Edwards (1703-1758) “Orem muito pelos ministros e pela igreja de Deus; especialmente, para que Ele prossiga na sua gloriosa obra, que agora iniciou, até que o m undo esteja cheio da sua glória” (Aí/E, 9). John Wesley (1703-1791) Uma igreja provincial ou nacional, segundo nosso artigo, é constituída dos verdadeiros
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crentes daquela província ou nação. Se eles estão dispersos aqui e ali, são somente parte da igreja invisível de Cristo. Mas se estão visivelmente unidos, reunindo-se para ouvir a sua palavra e participar da sua ceia, são, então, uma igreja visível, como a igreja da Inglaterra, da França, ou qualquer outra (EAMRR, 77). Charles Spurgeon (1834-1892)
As nossas aflições são os sofrimentos do Cristo místico, os sofrimentos do corpo de Cristo, os sofrimentos da igreja de Cristo; pois vocês sabem que, se um homem pudesse ser tão alto de modo a ter sua cabeça no céu e seus pés no fundo do mar, o corpo seria o mesmo, e a cabeça sentiria os sofrimentos dos pés (SSC, “CPSS —Sermon n.° 13”, 93). Sejamos, então, duplamente fervorosos ao pedir ao Espírito Santo, para que Ele venha e reconheça nossos esforços; para que toda a igreja, de modo geral, possa reviver com isto, e não somente nós mesmos, mas todo o mundo compartilhe deste benefício (ibid., “PHG —Sermon n.° 4”, 36).
CONCLUSÃO E m bora a grande m aioria das referências do N ovo T estam en to à igreja (o corpo de C risto) seja relativa à igreja local41, m uitas podem tam b ém referir-se à igreja universal, e algum as inclu em ambos os aspectos. Estas revelam a unidade pretendida por Deus en tre as duas igrejas, a local sendo u m a m anifestação visível e tangível da igreja invisível e universal. Existem m uitas outras m aneiras de se referir a esta entidade espiritual, tais com o “o sp rim o g ên ito s”, “pedras vivas”, “casaespiritual”, “sacerdócio san to”, “geração eleita”, “nação santa”, “sacerdócio real”, “povo de D eu s”, “noiva” de Cristo, “esposa” do Cordeiro, e assim por diante. Todas estas figuras de linguagem retratam u m relacion am en to vital, ín tim o e dependente co m C risto — a Pedra de esquina, a Cabeça, o Esposo, e o S u m o Sacerdote de seus redim idos, a igreja universal. Este corpo foi eleito p o r Deus desde toda a eternidade; é invisível (em contraste com a igreja local); com eço u n o dia de Pentecostes, pelo batism o n o Espírito Santo; constitu i u m grupo etn icam en te n eu tro, de igualdade espiritual; era u m m istério não conhecid o no A ntigo Testam ento; e deve ser distinguido da nação de Israel, sem herdar as bênçãos exclusivas de Israel, tais co m o a herança etern a da T erra Santa dada a Abraão e seus descendentes físicos42.
FONTES A rm inius, Jacob. Disputatwns. Atanásio. Deposition o f Arius. A gostinho. City o f God.
_______ . Confessions. _______ . Letters o f St. Augustine. _______ . On Christian Doctrine. Baker, Charles F. A Dispensational Theology. 41 Veja capítulo 3.
42Veja capítulo 14.
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CAPÍTULO
TRÊS
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as 115 referências do Novo Testam ento a igreja ou igrejas1, aproxim adam ente cem se referem à(s) igreja(s) visível(is). Os esforços dos autores bíblicos estavam focados nesta direção; afinal, a igreja invisível é o corpo espiritual de Cristo, que é sua obra exclusiva2, ao passo que a(s) igreja(s) local(is) visível(is) são uma obra dos discípulos de Cristo na terra. O n ú m ero, a natu reza e o propósito das igrejas locais são o assunto deste capítulo.
O NÚMERO DE IGREJAS LOCAIS N ovam ente, em todas as referências das Escrituras às igrejas locais visíveis, não há m enção a u m a igreja visível universal, co m o a Igreja C atólica R o m an a afirm a ser. Na realidade, m esm o que algum as cartas do Novo Testam ento (cham adas de Epístolas Gerais) te n h am sido escritas a u m grupo de igrejas ou a crentes dispersos pelo m undo, não há n e n h u m a que fale de u m a igreja terren a visível3. João escreveu a sete igrejas locais: Efeso, Esm irna, Pérgam o, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia (Ap 2—3). Paulo destinou a m aior parte de suas epístolas a igrejas locais4. Na verdade, em bora h aja algum as cartas cíclicas para igrejas em u m a d eterm inada área, com o Gálatas (cf. 1.2) e o livro do Apocalipse (cf. 1.10), não existem cartas explicitam ente escritas à igreja visível co m o u m todo. Até m esm o as Epístolas Gerais (de Hebreus a Judas, no cân on do N ovo Testam en to) tin h am alvos que não eram universais. Hebreus, por exem plo, foi escrita da “Itália” aos hebreus cristãos de outros lugares (13.24). A epístola de Tiago se aproxim a do status de epístola universal, m as ainda está especificam ente destinada às “doze tribos” dispersas pelo m u nd o (1.1). Pedro endereçou a sua prim eira carta “aos estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e B itínia” (1.1), o que não chega a ser u m a universalidade verdadeira. O público da sua segunda carta — “aos que conosco alcançaram fé igualm ente preciosa” (1.1) —é m enos bem definido, mas ainda indefinido, sem n e n h u m a indicação de que a epístola foi escrita a u m a igreja visível e universal. E m b ora a p rim eira epístola de João te n h a u m p ú blico relativ am en te geral, as suas duas ú ltim as são m u ito específicas: 2 João se dirige “à sen h o ra eleita e a seus filh o s” 1 Gr. ekkíesía , ekklesiai.
2 Por um ato do Espírito, que batiza os crentes na igreja.
3 Neste contexto, igreja quer dizer um a
assembléia de crentes confessos em Cristo; com o vimos no capítulo 2, a Bíblia contém som ente algumas exceções conotativas. 4Veja 1 Coríntios 1.2; 2 Coríntios 1.1; Gálatas 1.2; 1 Tessalonicenses 1.1; 2.14; 2 Tessalonicenses 2.1; 2.1; Filem om 1.2.
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(v. 1), o que m o stra que não se dirige a u m a ig reja un iversal, e 3 João, “ao am ado G aio ” (v. 1), fala da “ig reja ” na qual D iótrefes era m em b ro (v. 9), obviam ente um a congregação local. A carta dos apóstolos de Atos 15, em bo ra p lan ejad a para toda a igreja, foi dirigida som en te “aos irm ãos d en tre os gentios que estão em A ntioquia, Síria e C ilícia” (v. 23). As Epístolas Gerais tin h a m um destino específico: cada um a das m uitas igrejas independentes que tin h a m seus próprios anciãos e diáconos, escolhidos independ en tem ente", e que disciplinavam seus próprios m em b ros rebeldes (cf. 1 Co 5.1-5), p o sterio rm en te restau rand o-os por vo to m a jo ritá rio da con gregação, caso se arrependessem (cf. 2 Co 2.6)6. N o v am en te, o uso rep etid o na B íblia da palavra igrejas7 revela que so m e n te em um sen tid o geral e co le tiv o nós p o d em os falar da “ig reja na te r r a ”; existem m iríades de “ig re ja s” ind ep end en tes baseadas no e n sin a m e n to do N ovo T esta m e n to . M esm o na época do ú ltim o livro (o livro do A p ocalip se), João, o ú ltim o ap ó sto lo vivo, não escrev eu a u m a su p o sta ig reja u n iv ersal e visível, m as a m u itas ig rejas individuais dispersas pela Ásia M e n o r (1.4). A expressão “a ig re ja ”, quando e sc ritu ra lm e n te usada em u m a m a n e ira não qualificada, quase sem pre se refere à ig reja u n iv ersal invisível. A N A T U R E Z A D A IG R E JA V IS ÍV E L O debate eclesiástico básico no cristandade, que é sobre a natu reza da igreja visível, pode ser dividido em vários pontos: (1) Existe uma única igreja visível?8 (2) A Igreja Católica Romana é a única igreja visível? Pedro foi indicado por Cristo para ser o líder visível da igreja? (3) O atual bispo de Roma (o papa) é o sucessor de Pedro? (4) O papa é infalível em pronunciamentos oficiais sobre fé e prática? Os católicos afirm am todos os pontos acim a; os protestantes negam todos os pontos acim a9.
O C a b e ç a das Ig re ja s L o cais C risto não som ente é o Cabeça invisível da igreja universal invisível (veja Ef 1.22,23), Ele tam bém é o Cabeça invisível das igrejas locais visíveis. Isto fica claro no livro do Apocalipse, onde Ele está no m eio delas com o S en h or sobre elas.
Cf. A tos 6 .Í-7 ; 14.23; Filipenses l . i .
6 N o c a p ítu lo 5, tra ta re m o s disto c o m su b sta n cio so s d eta lh es.
7 Por e x e m p lo ,
R o m a n o s 16.4,16; 1 C o rín tio s 7.17; 11.16; 14.33,34; 16.1,19; 2 C o rín tio s 8.1,18,19,23,24; 11.8,28; 12.13; G aiatas 1.2,22; 1 T essalo n icen ses 2.14; 2 T e ssalo n ice n ses 1.4; A p o calip se 1.11,20; 2.11,17,29; 3.6,13,22. a n te rio r.
8 E m o p o siçã o a m u ita s; d iscussão
9 C o m o a q u e stão de o papa s er o líd er in fa lív el e v isível d a ig re ja é a ch av e p a ra o re sta n te, a m a io r p a rte deste
c a p ítu lo tra ta r á d isto.
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Cristo como Cabeça Invisível sobre as Sete Igrejas na Á sia Menor
Isto é m anifesto biblicam ente de num erosas m aneiras: (1) Ele tem os “mensageiros” (1.20) na sua destra. (2) Ele repreende as igrejas pelos seus pecados (2.9). (3) Ele lhes ordena que se arrependam (v. 5). (4) Ele irá julgá-los e recompensá-los pelas suas obras (w . 5,10,26; 3.12). (5) Ele tirará o seu castiçal (a igreja) se eles não forem fiéis (v. 5). (6) Ele sonda as mentes e os corações deles (v. 23). (7 ) Ele os condena pelo seu Espírito (3.22). E digno de nota o fato de que Cristo se dirige a cada um a das sete (Efeso, Esm irna, Pérgam o, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia) com o um a igreja individual; coletivam ente, elas são conhecidas com o “igrejas” (2.11,17,29 etc): “ Todas as igrejas saberão que eu sou aquele que sonda as m entes e os corações” (2.23). Não existe a idéia de um a igreja visível, singular e abrangente; existem igrejas individuais que C risto com anda, escrutina, repreende ou recom pensa. Ele é o Cabeça invisível de todas as igrejas visíveis. Líderes de Igrejas Locais Submetem-se à Liderança de Cristo
Em bora cada igreja do Novo Testam ento individualmente ten ha seus próprios anciãos e diáconos10, eles são pastores subordinados a Cristo, que é o Pastor invisível de todos: Apascentai o rebanho de Deus que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho (1 Pe 5.2,3). Além disto, o fato de que tenham seus próprios anciãos que guiam a igreja subordinados a Cristo, dem onstra que não têm um bispo que com anda um grupo ou todas as igrejas. A té mesmo os Apóstolos, individualmente, Submetem-se a uma Igreja Local
Sem dúvida, os ap ó stolo s, como apóstolos de Cristo , tin h a m au torid ad e para estab elecer a d o u trin a e a p rá tica nas ig rejas (A t 2.42; 2 Co 12.12), e às vezes enviavam seus rep resen tan tes para c o lo c a r as coisas em ord em ( T t 1.5). A pesar disto, eles resp eitav am a au torid ad e e a lid eran ça das ig rejas locais. Isto é evid en te p elo fato de que, p rim eiro , eles e x o rta v a m as ig rejas: “O bed ecei a vossos pastores e su jeita i-v o s a e le s” (Hb 13.17), e, segu nd o, in cen tiv av am que a ig reja lo ca l esco lh esse seus próprios líderes (A t 6.3), e excluísse os m em b ro s in su b ord in ad o s (1 C o 5.4ss.; T t 3.10), e decidissem as suas próprias disputas (1 C o 6.1-11). Paulo se su b m e te u a u m líd er de u m a ig reja lo ca l p ara ser batizad o (A t 22.10-16), e foi enviado co m o m issio n ário sob a au torid ad e de u m a ig reja lo ca l (13.1,2).
A Relação da Igreja Local com a Doutrina Apostólica Em um a discussão sobre doutrinas, a igreja local estava sujeita à autoridade dos apóstolos. A igreja foi edificada sobre o seu fu n d am ento doutrinário (E f 2.20) e 10Veja capítulo 4; cf. Filipenses 1.1; Atos 1.23.
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“perseverava” nele (A t 2.42; cf. T t 1.5-9). Para o nosso en tend im ento, é necessária u m a exposição do texto relevante de Atos 15. O Motivo da Controvérsia Antioquia era a igreja-base de Paulo; desta igreja ele foi enviado em suas viagens missionárias (At 13.1,2), e a esta igreja ele reportava a sua atividade missionária (14.27). Significativamente, foi à igreja de Antioquia que zelosos doutores “desceram da Judéia” e insistiram: “Se vos não circuncidardes, conform e o uso de Moisés, não podeis salvar-vos” (15.1). Paulo e Barnabé discutiram com eles, e, conseqüentemente, a igreja de Antioquia determinou que Paulo, Barnabé e outros deviam ir “aos apóstolos e aos anciãos [de Jerusalém] sobre aquela questão” (v. 2). Eles narravam a “conversão dos gentios, e davam grande alegria a todos os irmãos” (v. 3). Ao chegar, o grupo de A ntioquia foi “recebido pela igreja” de Jerusalém e pelos “apóstolos e anciãos” (v. 4). Eles con taram sobre a conversão dos gentios (v. 4), mas “alguns da seita dos fariseus” se opuseram a Paulo e insistiram que “era m ister circuncidálos e m and ar-lhes que guardassem a lei de M oisés” (v. 5). Os Grupos da Controvérsia Os principais grupos eram Paulo e Barnabé, de u m lado (A t 15.1,2,5), e os doutores da Judéia, que eram u m a “seita dos fariseus” (judaizantes) do ou tro (v. 5). Estes acreditavam que era necessário ser circuncidado e guardar a lei de Moisés para ser salvo; os prim eiros (da igreja de A ntioquia) já tin h am debatido a questão e agora queriam d iscuti-la co m os líderes da igreja de Jerusalém (o ou tro grupo). 0 Assunto da Controvérsia “C ongregaram -se, pois, os apóstolos e os anciãos para considerar este assunto” (v. 6). Eram duas as questões a considerar: (1) Os gentios convertidos precisam ser circuncidados para serem salvos? e (2) Eles precisam guardar a lei mosaica? Esta questão foi repetida p o steriorm en te na carta do concilio, que co n tin h a a declaração dos judaizantes de que “deveriam ser circuncidados e guardar a lei” (v. 24, NKJV). Os Participantes da Controvérsia Os que participaram eram “apóstolos e anciãos” (v. 6), outras pessoas não m encionadas n om in alm en te (v. 7), “a m u ltid ão” (v. 12), Sim ão Pedro (vv. 6-11), Paulo e Barnabé (v. 12), e Tiago (vv. 13-21), o líder da igreja de Jeru salém e “irm ão do S e n h o r” (G1 1.19). Depois da “grande contend a”, Pedro levantou-se e testem u n h o u : (1) Deus salvou os gentios por meio da sua Palavra (At 15.7). (2) Deus tinha reconhecido a legitimidade da sua conversão, dando-lhes o seu Santo Espírito (v. 8). (3) Deus purificou seus corações pela fé, e não fez distinção espiritual entre eles e os judeus convertidos à fé (v. 9). Pedro, então, (4) insistiu que o grupo não pusesse sobre os convertidos o jugo [da lei] que nem mesmo os judeus conseguiam suportar (v. 10); e
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(5) concluiu: “cremos que seremos salvos pela graça do Senhor Jesus Cristo, como eles também” (v. 11). Paulo e Barnabé, então, tom aram a palavra, e quando falaram , “toda a m ultidão se calou e escutava a Barnabé e a Paulo, que contavam quão grandes sinais e prodígios Deus havia feito por m eio deles entre os gentios” (v. 12). C om o em outras passagens, Paulo considerou isto com o um a confirm ação divina da sua m ensagem (2 Co 12.12; cf. Hb 2.3,4). A seguir, Tiago resum iu a questão: (1) Deus tinha salvado os gentios por meio do ministério de Pedro (v. 14). (2) Os profetas do Antigo Testamento estão de acordo, como Amós 9.11,12 diz: “Naquele dia, tomarei a levantar a tenda de Davi, que caiu, e taparei as suas aberturas, e tornarei a levantar as suas ruínas, e a edificarei como nos dias da antiguidade; para que possuam o restante de Edom e todas as nações que são chamadas pelo meu nome, diz o Senhór, que faz estas coisas” (cf. At 15.15-17). (3) Deus planejou isto desde toda a eternidade (v. 18). (4) Conseqüentemente, não devemos dificultar o cumprimento da lei aos gentios que vêm à fé em Cristo, mas somente pedir a eles que “que se abstenham das contaminações dos ídolos, da prostituição, do que é sufocado e do sangue” (v. 20), acrescentando que Moisés (a lei) tinha sido lido no sábado nas sinagogas durante muitas gerações (v. 21). A Decisão da Controvérsia O grupo que to m o u a decisão foi o de “apóstolos e anciãos, com toda a igreja” em Jeru salém (v. 22). O rig in alm en te, os representantes de A ntioqu ia subiram “aos apóstolos e aos anciãos” (v. 2), que se congregaram “para consid erar este assu n to ” (v. 6), m as a decisão foi to m ad a pelos apóstolos e anciãos com a congregação. Este en vo lvim en to da igreja local é u m exem p lo p reco ce de alg u m a coisa que ela se veria im pelida a fazer sozinha (co m base no e n sin a m en to ap o stólico), depois da m o rte dos apóstolos. (V eja
apêndice 4.) O teor da decisão está registrado nos versículos 24-29, com eçando com : “Ouvimos que alguns que saíram dentre nós vos perturbaram com palavras e transtornaram a vossa alma, dizendo: ‘Deveis ser circuncidados e guardar a lei’” (NKJV). Em resum o, um a vez que a igreja de Jerusalém era a origem das pessoas que foram à igreja de Antioquia e causaram a disputa, eles estavam respondendo, e a sua resposta foi concisa: “não lhes tendo nós dado m and am ento” (v. 24). Eles m encionaram estar “reunidos concord em ente” (v. 25), e enviando hom ens escolhidos a Antioquia, hom ens que tinham arriscado a vida por Cristo (vv. 25,26). Estes hom ens incluíam Judas (Barsabás) e Silas, que confirm aram o teor da declaração (v. 27). E a própria declaração se inicia com as seguintes palavras: Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias [a saber]: Que [1] vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, [2] e do sangue, [3] e da carne sulocada, [4] e da fornicação (vv. 28,29). A declaração ( “carta”) é concluída com a expressão: “destas coisas fareis bem se vos guardardes. B em vos vá” (ibid.).
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A autoridade da decisão é claram ente revelada por três fatores: (1) Ela foi tomada por “apóstolos”, que, novamente, tinham autoridade em tais questões doutrinárias11. (2) Há uma referência à capacidade do apóstolo de dar “mandamento” em tais casos (v. 24). (3) Esta decisão foi, posteriormente, mencionada por Paulo como “os decretos que haviam sido estabelecidos” (16.4). 0 Destino da Decisão O destino da decisão é descrito co m o “a A ntioqu ia” (15.22), que era a igreja que tin h a suscitado a questão (v. 2). No entanto, ela tam bém se destinava, de m aneira mais am pla, “aos irm ãos dentre os gentios que estão em A ntioquia, Síria e C ilícia” (v. 23), ou seja, ela se destinava aos crentes gentios em geral. Conclusões Diversas conclusões podem ser obtidas do exam e deste texto. Primeiro, em bora a decisão fosse ocasionada por u m a igreja local, ela é aplicável a todos os crentes que possam levantar esta questão (v. 23). Segundo, um a vez que o apelo foi feito aos apóstolos, e a decisão veio deles, ela tem autoridade apostólica e não é simplesmente um a opinião expressa por um a igreja local a outra12. Terceiro, em bora a questão afetasse a igreja cristã co m o u m todo, não foi realm ente “o prim eiro concilio da ig reja”, com o freq ü en tem ente afirm am os com entaristas. Duas igrejas estavam d iretam ente envolvidas, e não todas as igrejas — não houve u m a convocação geral, por algum a hierarquia política ou eclesiástica, para que todas as congregações locais enviassem representantes para decidir a questão13. Quarto, não existe u m a idéia de apelar a u m bispo de autoridade ou infalível, de R o m a ou a qualquer ou tra pessoa de qualquer ou tro lugar, para que faça u m p ronu nciam en to ex cathedra14. Na realidade, Pedro, que sim plesm ente deu seu testem u n h o , não parece ter estado no com ando da reunião; se houve algum líder, foi Tiago, u m a vez que ele teve a ú ltim a palavra na questão (vv. 13-21). Quinto, co m o este era u m assunto doutrinário e apóstolos vivos estavam envolvidos (n ão tem os apóstolos vivos h oje, m as textos apostólicos15), este não pode representar u m exem plo de proced im ento para h o je em todos os aspectos. Sexto, e finalm ente, com o já vimos, o papel da igreja local nesta decisão é significativo: (1) A questão foi suscitada por uma igreja local sobre aqueles que tinham vindo a outra igreja local com seus ensinamentos. (2) A reunião se deu em outra igreja local. (3) Os representantes foram reconhecidos pela igreja local. (4) Os anciãos da igreja local tomaram parte na decisão. (5) A igreja local concordou com a decisão. (6) A decisão retornou à igreja local e a outras igrejas locais.
11 Cf. A to s 2.42; 2 T essalo n icen ses 2.2; Efésios 2.20.
12 Cf. A tos 2.42; Efésios 2.20; G álatas 1.12; 2.2.
13 C o m o afirm am os, era
u m a ig reja local apelando aos apóstolos vivos e anciãos de Jeru salém para so lucion ar esta con ten d a sobre a dou trina. abaixo, sob “O P on to de Vista C ató lico R o m a n o sobre a Igreja Visível”. Infalibilidade Papal E xtraídos das Escrituras”, e apêndice 4.
HV eja
15V eja abaixo, sob “R esposta aos A rgu m en tos a favor da
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A A u to r id a d e d o s D e le g a d o s A p o s tó lic o s n a Ig r e ja L o ca l Houve, tam bém , ocasiões em que os apóstolos exerceram autoridade em outras questões da igreja local. No início da igreja, eles trou xeram o ju ízo divino sobre Ananias e Safira, por m en tirem ao Espírito Santo (5.1-6), claram ente um ato de D eus que d em onstrava a sua autoridade apostólica (cf. 2 C o 12.12). Em outras ocasiões, os apóstolos enviaram seus delegados para lidar co m problem as. Paulo disse a T ito: “Por esta causa te deixei em C reta, para que pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam e, de cidade em cidade, estabelecesses presbíteros, co m o já te m andei” (T t 1.5). Diversos fatos devem ser observados aqui. Primeiro, esta obra era parte da tarefa de fundação de u m apóstolo, no estabelecim ento de um a igreja. Segundo, u m apóstolo indicava anciãos para estabelecer u m a igreja independente. Terceiro, o que um apóstolo fazia, por meio de seu delegado, era doutrinário: somente alguns versículos mais adiante, Paulo escreveu sobre um ancião/presbítero (bispo)16 dizendo que ele devia reter “firme a fiel palavra, que é conform e a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina com o para convencer os contradizentes” (1.9). E acrescentou: “Tu, porém , fala o que convém à sã doutrina” (2.1). A igreja deveria perseverar fielmente no ensinamento apostólico (At 2.42), e o delegado do apóstolo devia estabelecer “anciãos” ou “presbíteros” que ajudariam apreservar este caminho. Não existe contradição entre os apóstolos e as igrejas independentes e autônomas que eles estavam fundando. Os “anjos” (literalmente, “mensageiros”) às sete igrejas, em Apocalipse 1—3, parecem ter sido delegados apostólicos, enviados por João para colocar as coisas em ordem nestas congregações. (Veja apêndice 4.) O P O N T O D E V IS T A C A T Ó L IC O R O M A N O S O B R E A IG R E JA V IS ÍV E L A respeito das igrejas visíveis, o principal debate no cristianism o é sobre a declaração cató lica ro m an a de que C risto estabeleceu u m a organização visível sobre a terra, com u m a cabeça visível, o infalível magisterium de ensin o a ser identificado co m a Ig reja C atólica; o pontífice ro m an o (o papa) é su p o stam en te o sucessor do ap ó stolo Pedro, a quem C risto su p o stam en te n o m eo u co m o o p rim eiro papa e bispo de R om a. Todos os o u tro s ram os do cristianism o, in clu ind o o o rto d o x o orien tal, o an g licanism o, e todas as form as de p ro testan tism o , re je ita m esta declaração. As Igrejas A n glicana e O rto d o xa tê m , n a verdade, a sua própria fo rm a episcopal de g o v ern o 17, sendo a d iferença o fato de que n e n h u m a delas reco n h e ce o bispo de R o m a (o papa) co m o seu líder. A visão católica rom ana é, além disto, distinguida por sua crença n a infalibilidade do papa, ao falar ex cathedra (lit. “da presidência”), isto é, com o o intérprete oficial de fé e prática. N aturalm ente, isto pressupõe diversas outras crenças, com o a identidade indicada divinamente da Igreja Católica com o a jurisdição eclesiástica específica (a verdadeira igreja) que Cristo iniciou e um conjun to de doutrinas e procedimentos divinamente indicados que ela administra. U m a vez que muitas destas questões são discutidas em outros trechos18, o foco aqui estará sobre a suposta infalibilidade do papa. D e c la r a ç ã o da V isã o C a t ó lic a R o m a n a 19 Segundo o dogm a católico, o magistenum de ensino rom ano é infalível, quando define oficialm ente a fé e a m o ral para os crentes. U m a m anifestação desta d outrina 16V eja c a p ítu lo 4.
17 Ibid.
18V eja c a p ítu lo s 4 e 9; v e ja ta m b é m V o lu m e 3, c a p ítu lo s 1 0 ,1 3 .
19 E sta d iscussão segu e de p e rto
a de Roman Catholics and Evangelicals, e m c o -a u to ria c o m R a lp h M a cK en z ie (G ra n d Rapids: B aker, 1995), n o c a p ítu lo 11.
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é p o p u larm en te conhecid a co m o “infalibilidade papal”, prom ulgada co m o dogm a em 1870, no Prim eiro C oncilio V aticano (V aticano I). As autoridades rom anas definem infalibilidade co m o im unidade a erros, isto é, proteção con tra enganos, passivos ou ativos: “As pessoas ou as organizações são infalíveis, a ponto de não poderem se enganar n em ser enganadas” (D ulles, ‘T T ”, in: TA, 71). O Concilio Vaticano I concluiu: Todos os fiéis de Cristo devem crer que a Sé Apostólica e o Pontífice Romano têm primazia sobre todo o mundo, e que o próprio Pontífice de Roma é o sucessor do bendito Pedro, o líder dos apóstolos, e é o verdadeiro vigário de Cristo e cabeça de toda a Igreja e de toda a fé, e professor de todos os cristãos [...] A ele foi entregue, na pessoa do bendito Pedro, pelo nosso Senhor Jesus Cristo, plenos poderes para apascentar, governar e guiar a igreja universal, assim como consta nos registros dos concílios ecumênicos e nos cânones sagrados (em Denzinger, SD, 454). O concilio prosseguiu falando de “O Infalível ‘M agisteriu m ’ do Pontífice R o m a n o ”: Quando ele fala ex cathedra, isto é, quando desempenha a função de pastor e professor de todos os cristãos, de acordo com sua suprema autoridade apostólica, ele explica uma doutrina de fé ou moral que deve ser mantida pela igreja universal [...] [Isto que lhe] foi prometido, por intermédio da assistência divina, na pessoa do bendito Pedro, opera com esta infalibilidade com a qual o Redentor divino desejava que a sua igreja fosse instruída na definição da doutrina de fé e moral; e assim tais definições do Pontífice Romano, de si mesmo, mas não do consenso da igreja, são inalteráveis (ibid., 457, grifo adicionado). “Todos os que rejeitam isto são anatem atizados — excom ungados e condenados ao in fern o pela igreja —, a m enos que se arrependam ” (ibid.).
Qualificações para a Infalibilidade Papal Os estudiosos católicos rom anos expuseram significativas qualificações para a d ou trina da infalibilidade papal. Primeiro, o papa não é infalível em tudo o que ensina, mas som en te quando fala ex cathedra, co m o intérprete oficial de fé e m oral. Avery D ulles (nascido 1918), u m a autoridade em dogm a católico, declara que as condições para u m p ronu n ciam ento ex cathedra de u m papa ditam que ele deve ser: (1) em cumprimento do seu ofício como supremo pastor e professor de todos os cristãos; (2) em virtude da sua suprema autoridade apostólica, ou seja, como sucessor de Pedro; (3) em determinação de uma doutrina de fé e moral, isto é, uma doutrina que expresse revelação divina; (4) em imposição de uma doutrina que deverá ser seguida definitivamente por todos ( “I T ” , 7 9 _8 0 )
D u lles observa que o “C oncilio V aticano I re je ito u firm em en te u m a cond ição [...] co m o necessária para a infalibilidade, a saber, o consenso de to d a a ig re ja ” (ibid., 79). Segundo, o papa não é infalível quando fala sobre assuntos que não p erten cem à fé e à m o ral, quando pode ser tão falível com o qualquer o u tra pessoa.
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Terceiro, o papa é infalível, m as n ão ab so lu tam en te: “A infalibilidade absoluta (em todos os aspectos, sem dependência uns de o u tro s) é própria de D eus [...] Todas as outras infalibilidades são subprodu tos, e lim itadas em seu esco p o” (ibid., 72). Quarto, a infalibilidade con fere irrevogabilidade. U m papa não pode, p o r exem plo, d eclarar n u lo s os p ro n u n cia m en to s ex cathedra anteriores da igreja. Quinto, e fin a lm e n te , em c o n tr a s te c o m o C o n c ilio V a tic a n o I, m u ito s te ó lo g o s c ris tã o s (n o r m a lm e n te lib e ra is ou p ro g re ss is ta s ) c r ê e m q u e o papa n ã o é in fa lív e l in d e p e n d e n te m e n te dos b isp os, m as s o m e n te in fa lív e l q u an d o fa la em u n íss o n o c o m ele s, e em n o m e d eles, n o c o le g ia d o ; a in fa lib ilid a d e “é fr e q ü e n te m e n te a trib u íd a aos bisp os c o m o u m g ru p o , a c o n c ílio s e c u m ê n ic o s , e a p a p a s” (ib id .). Os c o n s e rv a d o re s a rg u m e n ta m q u e o C o n c ilio V a tic a n o I c o n d e n o u e sta in te r p r e ta ç ã o 20.
A r g u m e n to s da I g r e ja C a tó lic a R o m a n a a fa v o r d a In fa lib ilid a d e Papal Ludwig O tt (nascido 1906), em sua obra confiável Fundamentais o f Catholic Dogma, oferece os dois argum entos com uns a favor da infalibilidade papal: a prova das Escrituras e a prova da tradição. Os Argumentos Católicos a favor da Infalibilidade Papal Extraídos das Escrituras O tt afirma: Cristo fez de Pedro a fundação da sua igreja, isto é, o responsável pela sua unidade e força inabalável, e prometeu a ela uma duração que não terminaria (Mt 16,18). No entanto, a unidade e a solidariedade da igreja não são possíveis sem que haja a Fé correta. Pedro também é, portanto, o supremo professor da Fé. Como tal, ele deve ser infalível na promulgação oficial de Fé, na sua própria pessoa e em seus sucessores (FCD, 287). O tt apela a João 21.15-17 para provar que “C risto estabeleceu Pedro (e seus sucessores) com o o pastor suprem o, de todo o reban h o”: A tarefa de ensinar a verdade cristã e de protegê-la do erro faz parte da função do pastor supremo. Mas ele não poderia realizar esta tarefa se, no exercício da sua função suprema de ensinar, ele mesmo estivesse sujeito ao erro (ibid., 287-88). Para m aior em basam ento, O tt cita Lucas 22.32 (ss.), onde C risto disse a Pedro: “Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça”. O tt insiste que “o m otivo por que Cristo ore por Pedro especialm ente era o fato de que Pedro, depois da sua própria conversão, deveria confirm ar seus irm ãos na sua fé, o que indica claram ente a posição de Pedro co m o cabeça dos apóstolos” (ibid., 288). João 11.49-52 tam bém é um a passagem usada por alguns católicos para defender a infalibilidade papal. Caifás, n a sua posição oficial de sum o sacerdote, expressou, inconscientem ente, um a profecia sobre a m orte de Cristo pela nação de Israel, para que eles não perecessem. U m a vez que, no Antigo Testam ento, o sum o sacerdote tinha um a função oficial reveladora relacionada com o seu ofício, os católicos afirm am que se deve Os co n serv ad o re s ap elam a H ein rich D e n z in g e r (1 8 19-1883), Source o f Catholic Dogma, p a ra s u s te n ta r su a posição.
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esperar que a m esm a coisa seja verdadeira no Novo Testam ento, e que isto seja realm ente m anifesto no bispo de Rom a. Os Argumentos Católicos a favor da Infalibilidade Papal Extraídos da Tradição O tt tam bém baseia a sua crença n a infalibilidade papal nos prim eiros Pais, que “atestam a autoridade decisiva de ensino da Igreja R om an a e de seu pontífice”. Irineu disse: “C o m esta igreja, por causa da sua em in ência especial, todas as outras igrej as devem concordar [...] nas suas tradições apostólicas, ela sem pre foi conservada p u ra” (A H , 3.3.2). O tt ainda afirm a que “a prim azia de ensin am ento do papa, desde os prim órdios, era expressa, n a prática, na condenação de opiniões hereges” (FCD, 288), sustentando esta interpretação co m a citação de Tom ás de A quino, que declarou que o ofício papal tin h a o poder oficial “para finalm ente decidir questões de fé, para que possam ser conservadas, com fé inabalável, por todos” (ibid., 289). N atu ralm en te, todos os teólogos católicos adm item que a infalibilidade papal não foi oficialm ente proclam ada co m o dogm a pela Igreja R om an a até 1870 (C oncilio V aticano I), e, co m o verem os, m esm o então, isto foi feito sob circunstâncias questionáveis e com significativa oposição.
Resposta Protestante à Infalibilidade Papal Não so m e n te os p ro te sta n te s, m as ta m b é m o resto da cristand ad e — in clu siv e os an g lican o s e os o rto d o x o s orien tais —re je ita m a infalibilid ad e p apal21. Os p ro te sta n te s ace itam a infalibilid ad e das E scritu ras, m as n eg am que q u alq u er ser h u m a n o ou in stitu iç ã o seja o in té rp re te in falív el das E scritu ras. H arold O. J. B ro w n (n ascid o 1933) escreve: Em cada era, houve aqueles que consideraram as reivindicações de um bispo à suprema autoridade como sendo uma identificação segura da corrupção da igreja, e talvez até obra do Anticristo. O papa Gregório I (bispado 590-604) repreendeu de modo indignado o patriarca John, o Faster de Constantinopla, por se chamar bispo universal; Gregório fez isto para defender os direitos de todos os bispos, inclusive o seu próprio, e não porque desejasse o título para si (FTP, 122). M esm o no catolicism o m o d ern o , a d ou trina da infalibilidade papal n ão deixa de ter seus oponentes. Hans Küng (nascido 1928), p or exem plo, escreveu u m a crítica incisiva na obra Infallible? An Inquiry, pela qual foi censurado e proibido de ensinar sob os auspícios da Igreja R om ana. Resposta aos Argumentos a favor da Infalibilidade Papal Extraídos das Escrituras Existem diversos textos que os católicos usam para defender a infalibilidade papal. E ntre as respostas dos protestantes, estão os seguintes pontos: Mateus 16.18 (ss.) Os católicos rom anos usam a declaração de Jesus a Pedro — “Sobre esta pedra edificarei a m in h a ig reja” — para apoiar a infalibilidade papal. No entanto, interpretada corretam en te, esta passagem não suporta o dogma.
21 A o rto d o x ia o rie n ta l está d isposta a a ce ita r o bispo de R o m a c o m o “p rim e iro e n tre igu ais”, u m lu g ar de h o n r a q u e n ã o eq ü iv ale à to ta l su p eriorid ad e d o papa.
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Primeiro, m u itos protestantes, insistindo que C risto não estava se referindo a Pedro quando falou que “esta pedra” seria a fundação da igreja22, observam: (1) Sempre que Pedro é mencionado nesta passagem, a referência a ele está na segunda pessoa23; mas “esta pedra” está na terceira pessoa. (2) Além disto, “Pedro” (gr. Petros) é uma palavra singular masculina, e “pedra” (gr. petra) é singular feminina. Conseqüentemente, não se referem à mesma coisa, e ainda que Jesus falasse estas palavras em aramaico (que não tem distinção de gênero), o texto inspirado está em grego (que faz esta distinção). (3) E, ainda mais, a mesma autoridade de ligar dada a Pedro (v. 18) é, mais adiante, dada a todos os apóstolos (18.18). (4) Adicionalmente, nenhum comentarista católico dá a primazia no mal a Pedro, simplesmente porque ele foi destacado pela repreensão de Jesus, alguns versículos mais adiante: “Para trás de mim, Satanás” (16.23). Por que, então, dariam primazia em autoridade a Pedro, porque Jesus o destacou em resposta à afirmação da sua identidade? Faz sentido que Jesus respondesse a Pedro; somente Pedro falou, mas ele estava representando o grupo. (5) Autoridades de renome (algumas delas, católicas) podem ser citadas em concordância com esta interpretação, incluindo João Crisóstomo e Agostinho, que escreveu: ‘“Sobre esta pedra’, portanto, disse Aquele que confessaste, ‘edificarei a minha igreja’. Pois a Pedra (petra) é Cristo; e sobre este fundamento o próprio Pedro foi edificado” (OGJ, in: Schaff, NPNF, 106). Segundo, m esm o que Pedro fosse a pedra m encionada por Jesus24, não seria a única rocha na fundação da igreja. N ovam ente, Jesus deu a todos os apóstolos o m esm o poder de “ligar” e “desligar” (18.18); estes eram term os rabínicos com uns usados com significado de “proibir” e “perm itir”. As “chaves” não eram algum poder misterioso, reservado a um a pessoa, mas o poder concedido por Cristo à sua igreja, pelo qual, quando proclam arem o Evangelho, poderão proclam ar o perdão de Deus dos pecados de todos os que crêem . Jesus soprou sobre todos os discípulos e deu-lhes o poder de perdoar pecados (Jo 20.21-23) por m eio da proclam ação do Evangelho (Lc 24.46-49; cf. M t 28.18-20). João Calvino observou: Como o céu nos é aberto pela doutrina do Evangelho, a palavra “chaves” permite uma metáfora apropriada. Agora os homens são ligados e desligados, de uma maneira nada diferente do que quando a fé reconcilia alguns com Deus, enquanto a sua própria incredulidade constrange ainda mais os outros (JCR, 1105). D a afirm ação das Escrituras de que a igreja está “edificada sobre o fu nd am ento dos apóstolos e profetas, do qual o próprio Jesus Cristo é a principal pedra de esquina” (E f 2.20), duas coisas ficam claras: (1) Todos os apóstolos (e não som ente Pedro) são o fu nd am ento da igreja; e (2) A única pessoa a quem foi dado u m lugar de exclusividade foi Cristo, a Principal Pedra de Esquina. Na realidade, o próprio Pedro se refere a Cristo com o “principal [pedra] da esquina” da igreja (1 Pe 2.7) e aos demais crentes com o “pedras vivas” (v. 5) n a su p erestru tu ra da igrej a. Não há indicação de que Pedro recebesse
22V eja Jam es R . W h ite , Answers to Catholic Claims (S o u th b rid g e , M ass.: C ro w n e P u b lica tio n s, In c ., 1990), 104-08. p essoa do p lu ra l.
24 T a m b é m h á a lg u n s estu d ioso s n ã o -c a tó lic o s q u e a cre d ita m n isto .
23 S eg u n d a
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proem inência especial na fundação da igreja (acim a dos demais apóstolos e abaixo de C risto); Pedro é u m a pedra, ju n ta m e n te com os demais. Terceiro, o papel de Pedro n o Novo T estam ento não acom p anha o argu m ento católico de que ele tivesse recebido u m a autoridade exclusiva en tre os apóstolos23: (1) Embora Pedro realmente usasse as chaves do reino, abrindo as portas do Evangelho aos judeus (At 2) e aos gentios (At 10), o seu papel no restante do livro de Atos não é o de apóstolo principal; ele já não é nada mais do que um dos “mais excelentes apóstolos” (plural, 2 Co 12.11). (2) Sob a inspiração de Deus, Paulo revelou que nenhum outro apóstolo era superior a ele: “Em nada fui inferior aos mais [assim chamados] excelentes apóstolos” (2 Co 12. II)26. (3) Ninguém que leia a carta aos Gálatas atentamente poderá obter a impressão de que algum apóstolo seja superior a Paulo, que recebeu as suas revelações independentemente dos outros apóstolos (G11.12; 2.2). Ninguém poderia receber o mesmo status (2.8). Paulo chegou a usar esta revelação para repreender Pedro, quando foi necessário (w. 11-14)27. (4) O fato de Pedro e João serem enviados pelos apóstolos em uma missão em Samaria revela que Pedro não era o apóstolo superior (At 8.4-13). (5) Na realidade, se Pedro fosse o apóstolo superior, ordenado por Deus, seria estranho que uma autenticação maior fosse dada ao ministério de Paulo do que ao de Pedro no livro de Atos. Pedro é o foco dos capítulos 1—12; Paulo é o personagem dominante nos capítulos 13—282S. (6) Embora Pedro se dirigisse ao concilio em Atos 15, não exerceu nenhuma primazia sobre os demais; novamente, a decisão veio “dos apóstolos” e dos “anciãos”, com o consenso de “toda a igreja” (v. 22; cf. v. 23), e muitos estudiosos julgam que Tiago, e não Pedro, presidiu o concilio (cf. vv. 13-21)29. (7) De qualquer forma, pela admissão do próprio Pedro, ele não era opastor da igrej a, mas um “presbítero com eles” (1 Pe 5.1,2). Embora ele dissesse que era “um apóstolo” (1.1), em nenhuma passagem afirmou ser “o apóstolo” ou o líder dos apóstolos; ele foi uma das “colunas” da igreja (plural) (G12.9). Quarto, não im portand o co m o seja interpretad o o papel de Pedro na igreja prim itiva, não existe n e n h u m a referência de que ele tivesse algum tipo de infalibilidade. E m bora a palavra infalível jam ais apareça no N ovo Testam ento, quando aparecem palavras ou expressões paralelas, elas são usadas com referência som ente à Palavra de Deus, e não à capacidade de alguém de interpretá-la: “A Escritura não pode ser anulada” (Jo 10.35), e “até que o céu e a terra passem , n em u m jo ta ou u m til se om itirá da lei sem que tudo seja cu m p rid o” (M t 5.18). Isto não quer dizer que Pedro não tivesse u m papel im p ortan te n a igreja prim itiva; pois ele teve. Ele até parece ter sido o líder inicial do grupo apostólico, e, mais u m a vez, 25 M uitas das críticas subseqüentes são en co n trad as n a o b ra Answers to Catholic Claims, de Jam es R . W h ite (n ascid o 1962), 101-02. 26 A qui Paulo se refere (2 C o 12.11) a verdadeiros apósto lo s c o m o Pedro, e n ã o a falsos c o m o a n te rio rm en te (11.13,14), u m a vez q ue ele su g ere que eles n ão p o d ia m realizar m ilagres gen u ín o s c o m o ele, para co m p ro v a r o seu apo stolad o (2 C o 12.12; cf. H b 2.3,4).
27 Paulo ta m b é m escreveu m eta d e do N o v o T e sta m en to , ao passo que P edro escreveu duas epístolas.
28 N ão se
p ode ( c o m o fazem algu ns estu diosos ca tó lico s) ig n o ra r este fo co d o m in a n te so b re Paulo devido ao fa to c ircu n sta n cia l de que Lucas escreveu m ais a respeito d e Paulo p o r te r sido seu c o m p a n h e iro de viagens. 0 Espírito Santo inspirou o que Lucas escreveu (v eja V o lu m e 1, c ap ítu lo 26).
29 V eja F. F. B ru ce, Peter, Stephen, Jam es, andJohn (G ra n d Rapids: Eerd m an s, 1979), 86ss.
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foi um a das colunas da igreja prim itiva. Ind ependentem ente disto, não h á evidência, em M ateus 16 ou em qualquer ou tra passagem, para o dogm a da superioridade de Pedro (sem falar da infalibilidade). Quinto, e finalm ente, quaisquer que fossem os poderes apostólicos que Pedro e os outros apóstolos possuíssem (em relação ao estabelecim en to da igrej a), está claro que eles não foram transm itidos a n in guém depois que eles m o rreram , em bora o Espírito Santo ten h a continuado a ser derram ado, e os sinais e as m aravilhas do S en h o r continu em até os nossos dias. O critério repetido do Novo Testam ento30 é que os apóstolos tinham que ser testem unhas oculares, no século I, do C risto ressuscitado; não poderia haver u m a verdadeira sucessão apostólica no bispo de R om a ou em qualquer ou tra pessoa. Jesus disse: “Eu te darei [e não "aos teus sucessores”] as chaves do Reino dos céus” (M t 16.19) —as “chaves” que Pedro usou para abrir a p o rta do Evangelho tanto aos judeus (A t 2) co m o aos gentios (A t 10) foram acontecim entos singulares, ú n ico s’1, sem n en h u m a indicação do Novo Testam ento de que a autoridade divina, apostólica (para não dizer, infalível), fosse dada aos sucessores dos apóstolos. A lém disto, estes indivíduos originais e escolhidos receberam determ inados “sinais de apostolado”, inconfundíveis (2 Co 12.12), incluindo a capacidade de ressuscitar os m ortos com um a ordem (M t 10.8), cu rar im ed iatam ente doenças que eram , por natureza, incuráveis (ibid.; Jo 9.1-7), trazer o juízo sobrenatural sobre os crentes que m entissem a D eus (A t 5), expulsar dem ônios in stantaneam en te e de fo rm a bem -sucedida (16.1618), tran sm itir m ensagens em línguas que jam ais tin h am estudado (2.1-8; cf. 10.44-46), e orar por outros para que pudessem auxiliar na missão apostólica de fundação da ig reja ’2. C om o estes poderes m ilagrosos seriam úteis à igreja, eles perm aneceram ; a carta aos Hebreus (c. 68-69 d.C.) se refere a estes dons: [...] uma tão grande salvação, a qual, começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos, depois, confirmada pelos que a ouviram; testificando também Deus com eles, por sinais, e milagres, e várias maravilhas, e dons do Espírito Santo, distribuídos por sua vontade (2.3,4). Judas, escrevendo no final do século I (c. 71, ou ainda mais tarde), fala da “fé que um a vez foi dada aos santos” (v. 3), exortand o seus ouvintes a se lem brarem “das palavras que vos foram preditas pelos apóstolos de nosso S en h o r Jesus C risto ” (v. 17). Aqui, tam bém , a m ensagem apostólica, m ilagrosam ente confirm ada, foi enfatizada’3. Em acréscim o, estes sinais m ilagrosos eram especificam ente dados aos apóstolos para estabelecer a sua autoridade co m o representantes de Cristo n a fundação da sua igreja. Jesus tinha prom etido a eles “virtu d e”, para que fossem suas testem unhas (A t 1.8); Paulo falou dos “sinais do apostolado”, confirm ando a sua autoridade aos coríntios, alguns dos quais a tin h am desafiado (2 Co 12.12); novam ente, Hebreus 2.3,4 ressalta os m ilagres apostólicos com o sendo dados para con firm ar que Deus os escolheu. Era o costu m e de Deus (desde os tem pos de M oisés) conferir habilidades exclusivas aos seus servos para confirm ar que as suas revelações lhes vinham dEle34.
30 C f. A tos 1.22; 1 C o rín tio s 9.1; 15.5-8.
31 C f. A tos 11.15; 15.14; H eb reu s 2.3,4.
32 A to s 6.6; cf. 5 .1-11; 8.5,6; 2 T im ó te o 1.6.
33 A pesar de m u ito s m ilagres a p o stó lico s iniciais (cf. A t 2 8 .1 -1 0 ), depois d o fin a l d o liv ro de A to s (c. 6 0 -61) n ã o e xiste u m a fo rte ên fase so b re m ilagres a p o stó lico s n as ú ltim a s ep ístolas de P au lo.
34 C f. Ê x o d o 4; 1 Reis 18; Jo ã o 3.2; A to s 2.22.
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Em resumo, com o os apóstolos tinham que ser testemunhas oculares, no século I, do Cristo ressuscitado, e com o lhes eram dados determinados sinais apostólicos inconfundíveis para estabelecer a sua autoridade, a conclusão é que ninguém, desde então, possuiu autoridade apostólica, em bora os sinais e as maravilhas ainda estejam em pleno vigor. A ausência de dons apostólicos (no sentido do estabelecimento da igrej a) prova a ausência da autoridade apostólica; o que ainda existe hoje são os ensinos apostólicos (no Novo Testamento), e não o oficio dos apóstolos. A autoridade dos textos apostólicos substituiu a autoridade dos autores apostólicos. João 21.15-17 Nesta passagem, Jesus diz a Pedro: “Apascenta os m eus cordeiros”, e por duas vezes: “Apascenta as m inhas ovelhas”. Os estudiosos católicos rom anos acreditam que isto m ostra que somente Pedro recebeu autoridade infalível para ser o pastor de toda a igreja cristã. U m exam e cuidadoso do texto revela que esta é um a afirm ação exagerada e grave. Primeiro, quer esta passagem se refira exclusivam ente a Pedro, quer a todos os discípulos, não existe n e n h u m a referência a u m a autoridade infalível. Jesus está falando do cuidado pastoral; apascentar é u m a função pastoral dada por Deus, u m a função que até m esm o os não apóstolos tin h am no N ovo T estam ento35. Não era necessário ser u m pastor infalível para apascentar seu rebanho apropriadam ente. Segundo, se Pedro tinh a a infalibilidade — o que, essencialmente, é a capacidade de não se equivocar —, por que guiou m al os crentes, e teve que ser repreendido por Paulo por fazer isto (G1 2.11-14)? As Escrituras infalíveis, aceitas pelos católicos rom anos, em determ inada ocasião, declaram, a respeito de Pedro: “Ele estava claram ente errado” e “foi condenado”36; Pedro “agiu de m aneira hipócrita [...] de m aneira que até m esm o Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação”. Aqui, hipocrisia é definida pela Bíblia católica (NAB) com o “dissimulação, fingim ento; falsidade m o ral”. O fato de Pedro ter guiado m al os crentes é difícil de conciliar com a reivindicação católica de que, com o o pastor infalível da igreja universal, ele não faria nada assim, n em poderia fazer algo assim. A resposta católica de que Pedro não era infalível em suas ações, mas som ente em suas palavras ex cathedra, soa falsa e vazia: As ações falam m ais alto do que as palavras. As ações são o d om ínio da m oral, e o papa, supostam ente, é infalível em fé e m o ral; desta m aneira, o co m p o rtam en to desprezível de alguns papas37 é revelador. Pedro não poderia ser, ao m esm o tem po, um guia infalível em fé e m o ral e tam bém guiar equivocadam ente os crentes em u m a im p ortan te questão de fé e m o ral (cf. G 12). Terceiro, contrariam ente à insistência católica, a im portância global de João 21.15-17 fala mais sobre a fraqueza de Pedro e a sua necessidade de restauração do que de seus supostos poderes exclusivos. A razão pela qual Pedro é destacado para ser restaurado é o fato de que som ente Pedro negou o S en h o r três vezes; aqui, Jesus não estava exaltando Pedro, acim a dos outros apóstolos, mas co locan d o-o na condição dos o u tro s38.
35 Cf. A tos 20.28; Efésios 4.11,12; 1 Pedro 5.1,2. A m erica n B ible.
36 E sta é a trad u ção literal de G álatas 2.11 da versão ca tó lica ro m a n a New
37 A té m e sm o a Ig reja C a tó lica R o m a n a a d m ite isto p a rcia lm en te.
38 O fa to de ser p e rg u n ta d o a P edro se
ele am av a a Jesu s “m ais” do q u e os o u tro s n ã o p ro v a q u e Jesus lh e tin h a dado m ais a u to rid a d e d o q u e a eles; isto im p lic a que a d im e n são d o a m o r de Pedro seria a b ase p a ra a q u an tid ad e de a u to rid a d e q u e lh e seria c o n fe rid a p o r D eu s. A g raça de D e u s n ão está co n d icio n a d a às nossas ob ras de a m o r ( v e ja V o lu m e 3, ca p ítu lo s 10 e 13). O s c a tó lic o s ro m a n o s acre d ita m q u e D e u s d eu u m a au to rid ad e in fa lív el aos papas, q u e e ra m m ais p erv erso s d o q u e a m a io ria das o u tra s pessoas; e que m u ito s, m e lh o re s d o que os p apas, n ã o tiv e ra m ta l a u torid ad e.
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Quarto, e fin a lm e n te , em v ista dos títu lo s do N ov o T e s ta m e n to usad os a resp eito de P ed ro, fica cla ro que ele ja m a is te ria a ce ita d o estes q ue são usad os para o papa h o je c o m o “S a n to P ad re” (c f. M t 2 3 .9 ), “S u m o P o n tífic e ” , ou “V ig ário de C r is to ”. O V igário de C risto n a te rra h o je é o E sp írito S a n to (Jo 14.16,26; 16.13,14). A lém d isto, c o m o o b serv a m o s a n te rio rm e n te , Pedro se re fe ria a si m e sm o c o m te rm o s m u ito m ais h u m ild es: “um a p ó s to lo ” , n ã o o a p ó sto lo (1 Pe 1.1), e “presbítero c o m e le s ” (5 .1 ). João 11.49-52 C om o m encionam os (a respeito de Caifás), o argu m ento católico é de que, um a vez que o sum o sacerdote do A ntigo T estam ento tin h a u m a função reveladora oficial, relacionada ao seu ofício, deve-se esperar que houvesse algo equivalente no Novo Testam ento (especificam ente, o papa). Esta disputa considera provada a questão, mas é gravem ente frustrada. Primeiro, este é m eram en te um argu m ento de analogia, que não se baseia em n en h u m a afirm ação do Novo Testam ento. Segundo, as afirm ações do Novo Testam en to sobre o sacerdócio do A ntigo Testam ento rejeitam esta analogia, afirm ando explicitam ente que o sacerdócio do A ntigo Testam ento foi abolido: “Há u m a m udança do sacerdócio” de Arão (Hb 7.12, N IV); o sacerdócio aarônico foi cu m prido em Cristo, que é “sacerdote etern am en te, segundo a ordem de M elquisedeque” (vv. 15-17). Terceiro, o s católicos reco n h ecem que não há n en h u m a revelação nova depois dos tem pos do N ovo Testam ento; desta m aneira, nin g u ém (inclusive os papas) depois do século I pode ter um a função reveladora, no sentido de fazer novas revelações. Quarto, e finalm ente, havia um a função reveladora no Novo Testam ento: os apóstolos e profetas (E f 2.20; cf. 3.5) recebiam revelações; porém estas cessavam quando eles m orriam . Resposta aos Argumentos a favor da Infalibilidade Papal Extraídos da Tradição O fato de que existam evidências de que Pedro ten h a sido atuante em R o m a (cf. 1 Pe 5 .13)39 e foi, em virtude de ser u m apóstolo, o líder da sua igreja, não basta para estabelecer a base para a autoridade papal. Faltam elos cruciais nesta cadeia de raciocínio. Por um lado, faltam evidências de que Pedro te n h a sido nom ead o por Cristo co m o seu sucessor, o cabeça da igreja visível40. Por ou tro lado, não existem evidências reais de n en h u m sucessor apostólico vivo depois de Pedro. Ao contrário, existem fortes evidências que n ão apóiam um a autoridade apostólica viva depois dos apóstolos: (1) em bora “os sinais do apostolado” (2 Co 12.12) não te n h a m cessado por serem necessários à igreja, eles não podem ser usados co m o garantias de que alguém possa se considerar um apóstolo co m o os prim eiros apóstolos da igreja, no século I; e (2) havia u m a cren ça consistente de que som ente a Bíblia é a autoridade infalível de fé e prática. Considere as seguintes citações41:
39 M u ito s e stu d io so s in te rp r e ta m o te rm o “B a b ilô n ia ” c o m o u m a e xp ressão v elad a e s im b ó lica p a ra R o m a (cf. A p 18.2ss.), usada, talvez, p ara o c u lta r a lo ca liz a çã o de Pedro e p ro te g e r a su a vida. N ão h á registros de q u e Pedro tivesse estad o n a B ab ilô n ia lite ra l (Ira q u e ).
40 V e ja a cim a , sob “A rg u m e n to s da Ig r e ja C a tó lic a R o m a n a a fa v o r da In falibilidade Papal”.
41 V eja d iscussão ad icion al ab aixo, sob “A B ase H istó rica p a ra a N a tu re z a da Ig r e ja V isível”.
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Irineu, que, segundo registros, foi ouvinte de Policarpo, o discípulo do apóstolo João, declarou, no seu tratado Against Heresies: O Senhor de todos deu o poder do Evangelho aos seus apóstolos, por cujo intermédio viemos a conhecer a verdade, isto é, o ensinamento do Filho de Deus [...] Este foi o Evangelho que eles pregaram no início. Posteriormente, pela vontade de Deus, eles nos entregaram este Evangelho, nas Escrituras, para que fosse “a coluna e a base” da nossa fé (3.1.1). T e rtu lia n o , “O pai da te o lo g ia la tin a ”, su sten tav a que os q u atro E van g elh os “se erg u e m sobre a base seg u ra da au torid ad e ap o stó lica , e assim são inspirad os, em u m sen tid o m u ito d iferen te dos te x to s do cristão esp iritu al; tod os os cren tes, é verdade, tê m o E sp írito de D eu s, m as n ão são tod os A p ó sto lo s” (e m W e stco tt, ISG, 434). Os “ap ó stolo s tê m o E sp írito S a n to a p ro p riad am en te, eles o tê m em sua p len itu d e, nas o p eraçõ es de p ro fecia, e n a eficácia das v irtu d es [de cu ra], e nas evidências de línguas; eles n ão o tin h a m da m esm a fo rm a que os dem ais cristãos o tê m ” (e m Sch aff, OEC, 4). J. N. D. Kelly (1909-1997), um a autoridade altam ente considerada sobre d ou trin a da igreja prim itiva, afirm ou: Existe pouca necessidade de nos concentrarmos na autoridade absoluta, que as Escrituras consentem como norma doutrinária. Foi a Bíblia, declarou Clemente de Alexandria, aproximadamente em 200 d.C., que, da maneira como foi interpretada pela igreja, foi a fonte do ensinamento cristão. O seu maior discípulo, Orígenes, foi um minucioso especialista na Bíblia que apelou, repetidas vezes, às Escrituras, como o critério decisivo de dogma [...] “As santas e inspiradas Escrituras”, escreveu Atanásio, um século mais tarde, “são plenamente suficientes para a proclamação da verdade”. Posteriormente, no mesmo século, João Crisóstomo pediu que a sua congregação não procurasse outro professor, além dos oráculos de Deus (ECD, 42-43). Jerôn im o declarou: Eu lhes peço [...] que vivam entre estes livros, que meditem sobre eles, que não conheçam nada além deles, que não procurem outra coisa. Uma vida assim não lhes parece um prenuncio do céu aqui na terra? Que a simplicidade das Escrituras não os ofenda; pois ela se deve, ou a erros de tradutores, ou têm propósito deliberado: pois desta maneira, elas são mais adequadas à instrução (LSJ, 53.10,102). A lém disto, disse A gostinho: Quando eles [os apóstolos] escrevem que Ele [Cristo] ensinou e disse, não se pode concluir que Ele não escreveu, uma vez que os membros somente escrevem o que vieram a conhecer com o ditado [dictis] da Cabeça. Portanto, tudo o que Ele desejava que nós lêssemos, a respeito das suas palavras e obras, Ele ordenou que seus discípulos, suas mãos, escrevessem. Conseqüentemente, não se pode deixar de receber o que se lê nos Evangelhos, ainda que escrito pelos discípulos, como se tivesse sido escrito pela mão do próprio Senhor (HG, 1.35).
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C onseqüentem en te, ele acrescentou: “Eu aprendi a dedicar este respeito e honra som ente aos livros canônicos das Escrituras: som ente nestes livros, eu acredito firm em ente; os autores estavam com p letam en te livres de erros” (ibid., 40). “Se nós ficarm os perplexos por algum a contradição aparente nas Escrituras, não é perm itido dizer: O au tor deste livro está enganado; mas o m anu scrito é defeituoso, ou a tradução está errada, ou vocês entenderam m a l” (AT, 11.5). Na obra Cur Deus Hotno?, A nselm o declarou: “O próprio D eus-hom em dá origem ao Novo Testam ento e aprova o Antigo. E, assim com o nós devemos reconhecer que Ele é verdadeiro, ninguém pode divergir de alguma coisa contida nestes livros” (SABW , 287-88). Com o arcebispo de Canterbury, Anselmo tratou da questão da autoridade bíblica em outro tratado: “No que está escrito nas Escrituras [...] eu creio, sem duvidar, é claro” ( TFWE, 185). Em Summa Theologica, Tomás de Aquino afirmou: “O Autor da Sagrada Escritura é Deus”. As Escrituras são “revelação divina” (1.1.1.8.2) e “sem erros” (2.1.6.1, in: CBJ, 13.1). “O fato de que Deus é o autor da Sagrada Escritura deve ser reconhecido [...] O autor da Sagrada Escritura é Deus” ( OST, la.1.10). Assim, “a revelação é a base da sagrada Escritura, ou doutrina” (la .l2; 2); a Bíblia é “Escritura divinamente inspirada” (la.1.1). Tom ás de Aquino afirmou que nós tem os necessidade de um a “revelação divina” sem equívocos, caso contrário a “verdade racional sobre Deus teria se manifestado som ente a algumas poucas pessoas, e m esm o assim, depois de m uito tem po e misturada com muitos enganos” (ibid.). “E herege dizer que qualquer falsidade esteja contida, seja nos Evangelhos ou em qualquer E scritura can ôn ica” (C BJ, 13.1); “u m verdadeiro profeta é sem pre inspirado pelo espírito de verdade, onde não há traço de falsidade, e assim ele jam ais profere inverdades” (op. cit., 2a2ae. 172.6.2). "N ada falso pode ser a base do sentido literal das Escrituras” (la.1.10.3); p o rtan to , “a verdade das proclam ações proféticas deve [...] ser a m esm a que a do co n h ecim en to divino. E a falsidáde [...] não pode p en etrar n a profecia” (la.14.3). C oncordando co m A gostinho, Tom ás de A quino confessou sobre a Sagrada Escritura: “Eu acredito firm em ente que n e n h u m dos seus autores se enganou ao escrevêla ” (la.1.8). Nesta m esm a passagem, ele se referiu à Escritura co m o “verdade infalível” e concordou com o princípio p rotestante posterior de sola scriptura, som ente a Bíblia com o a Palavra inequívoca de Deus, a n o rm a to ta lm en te suficiente para a nossa fé: Nós cremos nos profetas e apóstolos, pprque o Senhor foi sua testemunha na realização de milagres [...] E nós cremos nos sucessores dos apóstolos e profetas somente na medida em que eles nos disserem aquelas coisas que os apóstolos e profetas tiverem deixado em seus textos (OT, XIV. 10.11, grifo adicionado). “A verdade da fé está contida nas sagradas Escrituras” (ST, 2a2ae.l.9), e “a razão para isto é que somente as Escrituras canônicas são normativas para a fé. Isto o co rre porque os outros que supostam ente escrevem sobre a verdade o fazem de u m a m aneira ilegítim a, ocu ltando a genuína verdade, desejando que aquilo que eles afirm am seja aceito co m o a verdade” (C G J, 21.6, grifo adicionado). Houve, é claro, os prim eiros Pais que apelaram à autoridade de determ inados líderes e tradições, m as isto, mais u m a vez, não corresponde à sua afirm ação de que havia um a autoridade nom eada divinam ente, viva e infalível, assentada em R om a. O “infalível p ronu nciam ento da Igreja C atólica sobre a infalibilidade do papa”, em 1870, não som ente está atrasado, mais de dezoito séculos, com o tam b ém não tem fu nd am en to bíblico, teológico ou histórico.
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O U T R O S A R G U M E N T O S C O N T R A A IN F A L IB IL ID A D E PAPAL A d icionalm ente à to tal falta de suporte escriturai e ao respaldo equívoco da tradição, existem m u itos outros argum entos co n tra a infalibilidade papal, aqui categorizados com o teológicos, filosóficos e históricos.
Problemas Teológicos com a Infalibilidade Papal 0 Problema dos Papas Hereges Por exemplo, o Papa Honório I (bispado 625-638) foi condenado pelo Sexto Concilio Geral (680-681) por ensinar a heresia m onotelita (de que havia som ente um a vontade em Cristo)42; Ludwig O tt admite que o “Papa Leão II (bispado 682-683) confirm ou a sua anatem atização” (FCD, 150). Nós somos deixados, então, com a incrível situação de u m papa infalível ensinando um a doutrina falível (e herege). Se o ofício do ensinam ento papal não pode conduzir m al em doutrina e ética, com o pode o ensinam ento de um papa ser herege? Afirmar que o papa não era infalível, nesta ocasião, som ente contribui para m inar a doutrina da infalibilidade: C om o pode um papa saber quando seus pronunciam entos doutrinários são ou não infalíveis? Sem um a lista infalível13, a Igreja Católica não pode proporcionar orientação infalível em doutrina e m oral; se o papa pode ser falível em um a doutrina, por que não poderá ser falível em outra? A lém disto, o co m en tá rio de O tt de que Leão II n ão con d enou H on ório I por heresia, “m as p o r negligência n a supressão do e rro ” (ibid.), é u m a defesa ineficaz. Primeiro, ainda há sérias questões q u an to à m a n eira co m o o Papa H onório poderia ser u m guia infalível em fé e m o ra l en q u an to ensinava heresias; a resposta ca tó lica de que ele não estava falando ex cathedra neste p o n to é con v eniente, m as inadequada. M esm o se tal distinção existisse, in v ocá-la so m en te teria a tend ência de m in a r a autorid ade das ocasiões, m u ito m ais nu m erosas, em que o papa, su p o stam en te, está faland o co m autoridade, m as não infalibilidade. Segundo, isto não explica por que o Sexto Concilio Geral condenou Honório com o herege. Terceiro, rejeitar a infalibilidade papal nesta situação, e em situações sem elhantes, to rn a pronunciam entos supostam ente infalíveis extrem am en te raros; p o r exem plo, seguindo este padrão, u m papa falou ex cathedra som ente u m a vez nos últim os cem anos (sobre a assunção corpórea de M aria). A “infalibilidade” exercida tão raram en te tem p raticam en te n e n h u m valor, em quase todas as ocasiões. C o m o papa quase sem pre tendo som ente palavras falíveis, os católicos estão propensos a aceitar a sua autoridade em fé e m o ral quando ele pode estar (e algum as vezes esteve) errado. A orientação infalível que o papado supostam ente proporcion a é desprezível, na m elh o r das hipóteses; e, pela admissão da igreja, em u m n ú m ero im pressionante de ocasiões, não existe u m a orientação supostam ente infalível, de m aneira n en h u m a.
42 V eja Jo h n Jefferson D avis, Foundations o f Evangelical Theology (G ra n d Rapids: B a k er, 1994). V eja ta m b é m O tt, FCD, 238. 43 Os apologistas c a tó lic o s afirm a m q u e e x iste m testes o b jetiv o s, tais c o m o : O p ap a estava fa la n d o (1 ) a to d o s os cre n te s, (2) so b re fé e m o r a l, e (3 ) n a sua capacid ad e oficial c o m o papa? (v e ja FCD, 207). Estas diretrizes n ã o são d efin itiv as a resp eito de quais p ro n u n c ia m e n to s são infalíveis, p o rq u e: (1 ) n ã o existe u m a d e cla ra çã o in fa lív el id e n tifica n d o estes crité rio s; (2) n ã o e xiste seq u er u m aco rd o u n iv ersa l so b re estes c rité rio s; (3 ) n ã o existe u m a co rd o u n iv ersa l so b re c o m o ap licar estes o u qu aisqu er c rité rio s a tod os os casos.
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Além disto, em 1590, o Papa Sixtus V autorizou um a versão da Bíblia que alegava ter completa autoridade por todo o tempo futuro. O seu prefácio declarava: “Pela plenitude do poder apostólico, nós decretamos e declaramos que esta edição, aprovada pela autoridade entregue a nós pelo Senhor, deve ser recebida e sustentada com o verdadeira, legítima, autêntica e inquestionável, em todas as discussões públicas eprivadas, leituras, pregações e explanações”. Se algum papa infalível afirm ar ter u m p ronu nciam ento infalível, será este. No entanto, a versão do Papa Sixtus da Bíblia estava tão equivocada, com m ilh ares de erros, que teve que ser revisada som ente dois anos mais tarde (veja M athison, SSS, 222). Esta é a infalibilidade papal! O Problema da Insuficiência de R evelação
U m a das principais razões dadas pelas autoridades católicas para u m magisterium de ensino infalível é o fato de que precisam os de um a orientação infalível para com preender a revelação infalível de Deus, para que ela não seja m al interpretada. Existem , pelo m enos, dois problem as aqui. Prim eiram ente, com o u m a interpretação infalível pode ser m elh o r do que a revelação infalível? A revelação divina é um a revelação feita por Deus; afirm ar que a revelação infalível de Deus precisa de um a revelação infalível adicional significa dizer que ela não foi apropriadam ente revelada, para com eçar. Certam ente, existe um a diferença entre a revelação objetiva (revelação) e a revelação subjetiva (com preensão), mas o problem a central nesta consideração não está na nossa percepção da verdade de Deus (cf. R m 1.19,20). Mais crítico para a verdade da revelação de
Deus é a recepção ; o “hom em natural não aceita 44 as coisas do Espírito de D eus” (1 Co 2.14, RA). Ele não pode “entender”41 estas verdades porque não as recebe na sua vida, m esm o que as compreenda na sua m ente. Na realidade, o que ele percebe claramente (R m 1.19,20) ele não recebe abertamente, mas “detém ” ou suprime (v. 18); ele escolhe o ateísmo na sua m ente, rejeitando a verdade sobre Deus em seu coração (SI 14.1). Embora exista um a diferença entre a revelação objetiva e a com preensão subjetiva, os seres hum anos são “indesculpáveis” por deixarem de com preender a revelação de Deus, seja na natureza ou nas Escrituras46. E interessante que a teologia católica propriamente dita sustente que os incrédulos podem e devem com preender a verdade da lei natural47 independentemente do inagisterium de ensino rom ano. Com o tal, por que eles precisariam de um inagisterium infalível, para com preender apropriadamente a lei divina? Parece singularmente incoerente que os estudiosos católicos afirmem que precisam de outra m ente para interpretar corretam ente as Escrituras, quando as mentes que Deus lhes deu são suficientes para interpretar todo o restante. Por exemplo, muitos deles são especialistas em interpretar a literatura clássica, envolvendo tanto o significado m oral quando o religioso destes textos. No entanto, desejam que acreditemos que estas mesmas mentes, altam ente educadas e instruídas, são inadequadas para obter um a interpretação religiosa e m oral confiável das suas próprias Escrituras. A resposta católica de que os protestantes têm seu próprio m agistenum de ensino de con h ecim en to m od erno erra o alvo, por diversos m otivos. Por um lado, o inagisterium católico depende do con h ecim en to, tanto quanto os protestantes. Se não dependessem, não seriam capazes de traduzir os textos e entendêlos no con texto correto.
44 G r. dechotnai, “a c o lh e r”, “r e c e b e r” .45 G r. ginosko, “c o n h e c e r p o r e x p eriên c ia ”. c a p ítu lo 4, e V o lu m e 3, ca p ítu lo s 3-5.
47 V eja V o lu m e 1, ca p ítu lo s 2 e 4.
46 C f. R o m a n o s 1.20; v e ja V o lu m e 1,
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Por ou tro lado, os protestantes não afirm am que é necessário ter con h ecim en to infalível para interp retar a Bíblia. A dicionalm ente, para os protestantes, o co n h ecim en to necessário para o en ten d im en to bíblico não proporcion a u m a estru tu ra teológica para interpretar a Bíblia, com o é o caso do magisterium de ensino da Igreja R om an a; n a verdade, ele proporciona as ferram entas lingüísticas necessárias para interpretar a Bíblia. Finalm ente, as habilidades de interpretação escriturai são as m esm as que as de interpretação de qualquer d ocu m en to: com preender, no texto, o significado expresso pelo au tor48. N ovam ente, os advogados e juizes católicos que são especialistas na interpretação da C onstituição ouvem que suas habilidades são inadequadas para obter u m a interpretação confiável das Escrituras que Deus deu a todos os crentes. Não é necessário um especialista para interpretar os ensinamentos cruciais das Escrituras. Por exem plo, o Novo Testam ento foi escrito n o v ern ácu lo da época, a linguagem de com ércio do sécu lo I, conh ecid a co m o grego coiné, a linguagem co m u m e diária da pessoa com u m . D a m esm a m aneira, a grande m aioria das traduções da Bíblia Sagrada para a língua inglesa (incluindo as versões católicas) estão escritas em inglês co m u m e sim ples; as verdades essenciais da Palavra de D eus podem ser com preendidas por qualquer pessoa alfabetizada. Na verdade, é u m profundo in su lto à nossa inteligência, dada por Deus, sugerir que nós podem os ler e entender as notícias diárias, m as precisam os de algum magisterium infalível para entender as Boas Novas de Deus para toda a hum anidade. 0 Problema da Indecisão com os Pronunciamentos Infalíveis O utra dificuldade para a doutrina católica: Se for necessário u m magisterium de ensino infalível para superar as interpretações conflitantes das Escrituras, por que as suas declarações supostam ente infalíveis tam bém estão sujeitas a interpretações conflitantes? Existem muitas diferenças, acaloradam ente debatidas, entre os estudiosos católicos, sobre o significado exato das declarações ex cathedra, incluindo aquelas sobre as Escrituras, tradição, Maria, e justificação. Em bora possa haver esclarecim entos futuros em algumas questões, o problem a perm anece, pelo m enos, por duas razões: (1) Ele m ostra a natureza indecisa dos pronunciam entos supostam ente infalíveis; (2) a julgar pela experiência passada, n em m esm o declarações futuras determ inarão com pletam ente todas as questões. Os pronunciam entos sobre a infalibilidade das Escrituras são u m bom exem plo; pois, apesar de serem declarações infalíveis, existem discordâncias entre alguns estudiosos. Alguns chegam a ter dúvidas sobre o fato de a Bíblia ser realm ente infalível em todas as questões, ou som ente em questões de salvação49. Porém , está bastante claro que a Bíblia Sagrada é perfeita, e que ela é a Palavra de Deus para a humanidade.
Problemas Filosóficos com a Infalibilidade Papal 0 Problema Epistêmico A suposta necessidade do catolicism o de u m magisterium infalível é u m a base epistem icam ente50 insuficiente para ir além do nível do con h ecim en to provável. Os estudiosos católicos adm item (co m o devem ) que não têm evidências infalíveis para u m 48 V eja c a p ítu lo 12; v e ja ta m b é m V o lu m e 1, c a p ítu lo 10.
49 V eja c a p ítu lo 9; v e ja ta m b é m V o lu m e 1, ca p ítu lo s 13-14, 27
50 G r. episteme, “c o n h e c im e n to ”; a e p iste m o lo g ia é o estu d o do c o n h e c im e n to (a m a n e ira c o m o c o n h e c e m o s ); v e ja ta m b é m V o lu m e 1, c a p ítu lo 7..
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de ensino infalível; eles m eram ente têm o que crêem ser bons (e prováveis) argum entos. Sendo este o caso, epistem icam ente (ou apologeticam ente), não existe nada além de u m a base provável para que u m católico acredite que u m pronunciam ento supostam ente infalível, feito pela igreja, seja verdadeiro. O resultado: ele não está em posição m e lh o r para ter certeza a respeito de questões de fé e m oral do que um protestante que aceita a infalibilidade escriturai sobre bons (e prováveis) argum entos51. m agisterium
0 Problema de M orte por Q ualificação
Um a vez que todas as qualificações sejam apresentadas, tanto em teoria quanto em prática, a infalibilidade papal é removida da sua glória, e permanece tão expostamente falível quanto qualquer outro ensinamento humano. O papa é supostamente infalível somente quando fala (1) em cum prim ento do seu ofício com o suprem o pastor e professor de todos os cristãos; (2) em virtude da sua su p rem a autoridade apostólica, isto é, com o sucessor de Pedro; (3) determ inando u m a d o u trin a de fé e m oral, isto é, expressando revelação divina; (4) im pondo um a d o u trin a definitiva a ser seguida p o r todos (Dulles, “IT ” 79-80); (5) co m o o papa verdadeiro (em oposição a papas rivais)52. A lém disto, m u itos estudiosos católicos crêem que o papa fala infalivelm ente som ente em consenso com todos os bispos (o colegiado)53, isto é, a sua decisão deve ser ratificada por um concilio ecu m ên ico 54. Mas não som ente todos estes critérios não são proferidos infalivelm ente, eles não são todos universalm ente aceitos entre os católicos. Além do que, quando alguém tenta aplicar estes critérios à doutrina da infalibilidade papal, ela com eça a sofrer um a “m orte por mil qualificações”. Por exem plo, se o papa não foi infalível quando excom ungou Galigeu55, ou quando ensinou heresias’’6, com o podemos ter a certeza de quando ele realm ente é infalível? Se jamais puderm os ter esta certeza, então de que serve a doutrina da infalibilidade? P ro b le m a s H is tó ric o s c o m a In fa lib ilid a d e P apal O P roblem a dos A n tip a p a s
Outra anomalia do catolicismo rom ano é o escandaloso espectro de não ter tido mais do que um papa supostamente infalível ao m esm o tempo —um papa e um antipapa: “Existiram cerca de trinta e cinco antipapas na história da igreja” (Mercati, “MLP”, in: M S , 71-80)57.Com o podem existir papas infalíveis e antagônicos, ao m esm o tempo? Qual deles é o verdadeiro papa? U m a vez que não existe um a lista de papas infalíveis, ou um a maneira infalível de determ inar quem é o papa infalível, o sistema tem um sério problem a lógico que deixa de ser hipotético; esta dificuldade teve, na realidade, diversas manifestações históricas5S. 51 N este caso, a firm a r c e rte z a m o r a l o u a o rie n ta ç ã o d o E sp írito S a n to n ã o a ju d a r á n e n h u m a p o siçã o , u m a v ez que am b as p o d e m re iv in d icá-la, cria n d o reivin d icações q u e se c a n c e la m m u tu a m e n te . A lém d isto, tais re iv in d icações seriam su b jetiv as, se m evidências ob jetiv a s de ap oio; a evid ên cia o b je tiv a reivin d icad a e m associação so m e n te p o d eria ser u m a evid ên cia provável. 52V eja ab aixo, sob “P rob lem as H istó rico s c o m a In falibilidade Papal” . 53V eja a cim a , sob “Q u alificações p a ra a In falibilidade Papal” . In falibilidade Papal”.
54 R e p rese n ta n te geral, u n iv ersa l e p le n o .
56 V eja a cim a , sob “O P ro b lem a dos Papas H ereg es”.
Christian Church (N ew Y ork: O x fo rd U n iv ersity Press, 1997). A bingdon, 1959), 40.
55 V eja ab aixo, sob “P ro b lem a s H istó rico s c o m a 57 V eja F. L. C ross, ed ., The Oxford Dictionary o f the
58V eja Jaroslav Pelikan, The Riddle o f Romati Catholicism (N ew York:
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Os apologistas católicos afirm am que jam ais houve, na realidade, dois papas, um a vez que som ente u m pode ser infalível. Esta é, na verdade, u m a solução teórica, pois os fiéis não têm com o saber, com certeza, qual deles pode dar orientação legítim a (e infalível) em fé e m oral. Em tem pos de m últiplos papas, cada u m deles pode excom ungar o outro (e algumas vezes o fez). 0 Problema de Galtleu T alv ez u m a das m a io re s v e rg o n h a s p a ra a “ig re ja in fa lív e l” seja o seu ju íz o fa lív el sob re G a lile u G a lile i (1 5 6 4 -1 6 4 2 ). E m o p o siçã o ao m o d e lo h e lio c ê n tr ic o do siste m a so la r, p ro p o sto p o r G a lile u , R o m a e sc o lh e u o m o d e lo g e o c ê n tric o c ie n tific a m e n te u ltra p assa d o de P to lo m e u . A in ju s ta co n d e n a çã o e b a n im e n to de G a lile u p ro v o co u u m a p au sa p ara q u aisq u er p ro n u n c ia m e n to s su b seq ü en tes so b re q u e stõ e s cien tífica s. (T a lv e z isto e x p liq u e a re lu tâ n c ia de R o m a em re je ita r fo r m a lm e n te a m a c ro e v o lu ç ã o , p e rm itin d o q ue se c re ia n e la , p o r te m e r que possa ser v erd a d e.) Galileu, usando seu telescópio para exam inar os céus, adotou a visão cop érnica59 de que o sol, e não a terra, era o centro do sistem a solar. Isto, n atu ralm en te, se o p u n h a à posição teológica sustentada pela igreja, de u m sistem a centrado n a terra. O problem a surgiu quando G alileu escreveu sua obra Letters on Sunspots, em 1613, e desviou a atenção das discussões científicas para dificuldades das Escrituras: As pessoas queriam saber por que [Josué] ordenou que o sol não se movesse, se ele jamais se moveria, de qualquer maneira (veja Js 10.12,13). Elas se perguntavam como um a terra móvel poderia ser reconciliada com a declaração de que Deus “lançou os fundamentos da terra, para que não vacile em tempo algum ” (SI 103.5) (M arthaler, NCE, 252). E m 1616, R o m a co n d e n o u a te o ria de C o p é rn ic o 60. E m 1632, G a lileu foi con v ocad o p ela In q u isição ; em 1633, depois de ser ju lg a d o , ele foi d eclarad o “v e e m e n te m e n te su sp eito de h e re sia ”. C o m o p u n içã o , fo i-lh e ord en ad o que repetisse os sete salm os de p e n itên cia u m a vez p o r sem ana, d u ra n te três anos. D epois de cin co m eses, o Papa U rb an o V III (bispado 1623-1644) p e rm itiu que G a lileu re to rn a sse à sua casa, em F lo re n ça , ond e p e rm a n e ce u em c o n fin a m e n to d o m icilia r até a sua m o rte , em 164261. 59 O n o m e é dado p or causa d o astrô n o m o N icolau C op érn ico (1473-1543).
60 E m b o ra os re fo rm a d o re s p ro te s ta n te s n ã o
estivessem d ire ta m e n te envolvid os n e sta c o n tro v é rsia , eles a e n te n d e ra m m a l: “L u tero e M e la n c h th o n co n d e n a ra m a o b ra de C o p é rn ic o e m te rm o s d esm ed id o s” (H e rb e rm a n n , e t al., CE, 344). A lé m disto, “C alv in o e L u te ro a c e ita ra m o siste m a de P to lo m e u , c o m o fez a m a io r p a rte d os a s trô n o m o s nas décadas p o sterio re s a C o p é rn ic o ” (C h a rle s E. H u m m e l, The Galileo Connection: Resolving Cmflicts Between Science and the Bible [D o w n ers G ro v e, 111.: In terV arsityP ress, 1986], 161). A in da assim , o p ro b le m a é m ais agu do p a ra os c a tó lic o s p o rq u e, d iferen tes dos p ro te s ta n te s , eles re iv in d ica m a infalibilid ad e p a ra o magisterium de e n sin a m e n to da ig reja .
61 G a lile u , u m c ristã o c re n te c o m g ran d e co n sid era çã o p elas E scritu ra s, s u ste n ta v a
q u e “a B íb lia Sagrad a jam ais p od e d izer falsidades — se o seu verd ad eiro sign ificad o fo r c o m p re e n d id o ” (H u m m e l, GC, 105). A in d a assim , e le se in c lin o u a m in a r a infalibilid ad e d a B íb lia, a favo r do p ro p ó sito re d e n to r da P alavra: “A B íb lia foi e sc rita te n d o c o m o seu ‘p rin cip al o b je tiv o a salvação das a lm a s e o serviço e c u lto a D e u s’, e n ã o o e n sin o da c iê n cia ” (ibid., 106). Isto é sim ilar à ab ord ag em dos c a tó lic o s liberais c o n te m p o râ n e o s q u e n e g a m a infalib ilid ad e e sc ritu ra i e m q u estõ es cien tíficas (cf. V o lu m e 1, ca p ítu lo s 19-20, 27).
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Em 1979, depois que a ig reja tin h a sofrido sécu los de h u m ilh a çã o p ela su a co n d e n a çã o equivocada de G alileu , o Papa João Paulo II (bispado 1978-2005) falou à Pontificai A cadem y o f Science (Pontifícia A cadem ia de C iências); n o seu discurso, in titu lad o “Fé, C iência e o caso de G a lileu ”, ele pediu que to d o o episódio fosse re-exam inad o (B ro w n , FTP, 177). Em 1983, falando de “ig reja e ciên cia”, João Paulo II con cord ou que “G alileu tin h a ‘sofrido por causa de divisões da ig reja ’”62. Isto, n a tu ra lm en te, não é u m claro can celam en to da cond enação, n e m u m a solu ção para o p ro b lem a de co m o u m p ro n u n ciam en to in falível da Ig reja R o m a n a poderia ser u m erro. H ouve várias respostas ca tó lica s ao fiasco do caso G alileu . U m a au torid ad e afirm a que, e m b o ra ta n to o Papa Paulo V (bispado 1605-1621) q u an to o Papa U rb an o V III fossem co n trá rio s a C o p é rn ic o , os seus p ro n u n cia m e n to s n ão fo ra m ex cathedra: o d ecreto de 1616 “foi p ro m u lg a d o pela C o n g reg ação do Ind ex, que não pode ap resen tar d ificu ld ad e c o m resp eito à infalibilid ad e por ser u m trib u n a l a b so lu tam e n te in co m p e te n te para p rep a ra r u m d ecreto d o g m á tic o ” (H e rb erm a n n , CE, 345). Q u an to ao segu n d o ju lg a m e n to , de 1633, esta sen ten ça de co n d e n a çã o de G alileu é con sid erad a de m e n o r im p o rtâ n cia , p o rq u e “n ã o receb eu a assin atu ra do Papa” (ib id ., 346). U m a fo n te c a tó lic a d iferen te d eclara q ue, e m b o ra o tra ta m e n to dispensado a G alileu fosse in ap rop riad o, “a co n d en ação foi o ato de u m a con g reg ação ro m an a, e, de m a n e ira n e n h u m a , en v o lv eu au torid ad e infalív el de e n s in a m e n to ” (M a rth a le r, N CE, 254). O u tra fo n te observa que “a co n d e n a ção de G a lileu pela In q u isição n ão teve nad a a ver co m a questão da infalibilid ad e papal, u m a vez que n e n h u m a q u estão de fé ou m o ra l foi co n d en ad a p elo papa de m o d o ex cathedra” (D e la n e y e T ob in , in: DCB, 456). U m ap o log ista c a tó lico su g ere que, e m b o ra a decisão te n h a sido u m caso “la m e n tá v e l” de “im p ru d ê n c ia ”, o papa n ão c o m e te u n e n h u m e rro , u m a vez que G a lileu n ã o foi condenado p o r h eresia, m as foi fortemente suspeito de c o m e te r tal crim e. N enhum a destas “soluções” é convincente, tendo todos os sinais de um conserto “depois-do-fato” dos pronunciam entos que resultaram deste episódio. Galileu e seus oponentes ficariam confusos ao descobrir que as sérias acusações feitas contra ele não tinham força ex cathedra. A lém disto, em vista do peso, por natureza, tanto da condenação quanto da punição, Galileu ficaria muito mais que surpreso ao ouvir apologistas católicos dizendo que ele não estavasendo condenado por falsos ensinam entos, mas que “asua ‘prova’ não impressionou nem m esm o a astrônom os do seu tem po — nem impressionariam a astrônom os de h o je ”63. De qualquer form a, a condenação de Galileu pelo papa enfraquece ainda mais esta notoriam ente instável doutrina rom ana. A reivindicação persistente de que o pontífice não estava falando infalivelm ente naquela ocasião é u m apelo para um a distinção impossível de com provar, que m ina a suposta infalibilidade que se propõe a defender.
PONTO DE VISTA PROTESTANTE SOBRE A IGREJA VISÍVEL A resposta protestante à eclesiologia católica destaca diversos ensinam entos bíblicos que conflitam com a Igreja de R om a, incluindo o princípio de sola scriptura (som ente 62 H u m m el, ibid. V eja tam b ém “Discourse to Scientists o n th e 350th A nniversary o f th e Publication o f G alileo’s ‘D ialo gh i’”, in: J. N euner, e J. D upuis, eds., The Christian Faith in the Doctriml Documents o f the Catholic Church (Londres: H arperC ollinsReligious, 1992), 68.
63 V eja W illiam G. M o st, Catholic Apologetics Today: Answers to M odem Critics (R o c k fo rd , 111.: T a n B o o k s and Pu b lish ers,
1986), 168-69.
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a Bíblia) e o princípio da perspicuidade (clareza) das Escrituras em todas as questões essenciais. Não há necessidade de u m magisterium de ensino: A Bíblia, sozinha, é suficiente e clara para todas as questões de fé e prática. T am bém não há necessidade de sucessão apostólica: N ovam ente, os textos dos apóstolos (autoridade escrita) suced eram aos apóstolos (autoridade viva). O P rin c íp io d e Sola Scriptura Os católicos rom anos afirm am , co m o parte im utável e inalterável da sua fé, de jide, a autoridade infalível de ensino da igreja com o m anifesta no bispo de R o m a (o papa). O que os católicos afirm am infalivelm ente, os protestantes negam enfaticam ente, e falar sobre “o prim eiro en tre iguais” ou “colegiado” não irá resolver o problem a, pois o próprio conceito de u m magisterium infalível de ensino, seja co m o for, é contrário ao sola scriptura, som ente a Bíblia64. E m bora ambos os lados creiam que a Bíblia é infalível, os protestantes negam que R o m a ou o papa te n h a u m a interpretação infalível dela. Os católicos acreditam que a igreja visível que Cristo iniciou é a Ig reja C atólica R om ana; sustentam que é a m esm a organização sobre a qual C risto estabeleceu Pedro co m o o p rim eiro Papa. C o m o vim os, não existe base legítim a para esta contenda, deixando a p o rta aberta para u m exam e da evidência bíblica da natu reza da igreja visível e local do N ovo T estam ento. E m bora todos os protestantes estejam de acordo, considerando que não existe u m a cabeça infalível da igreja visível, eles têm diferenças internas quanto à fo rm a de governo que a igreja visível deve ter65. Apesar disto, todos concord am que C risto (a Palavra, ou o Verbo) é a Cabeça invisível da igreja visível (cf. Ap 1—3), e que a ú n ica autoridade infalível da igreja visível é a Sagrada E scritura (a Palavra)66. O governo da igreja local foi deixado nas m ãos da congregação e seus presbíteros, que, a princípio, foram nom eados pelos apóstolos (A t 14.23) para liderar a igreja67. O P rin c íp io da P e rsp icu id a d e das E s c r itu r a s O p rin cíp io fre q ü e n te m e n te in c o m p re e n d id o da p ersp icu id a d e b íb lica n ão d ecla ra que tu d o nas E sc ritu ra s é cla ro ; ele a firm a q ue os ensinamentos centrais das Escrituras são claros. C o m o se diz, p o p u la rm e n te : N a B íblia, as coisas p rin cip a is são as coisas claras, e as coisas claras são as coisas p rin cip a is. N a realid ad e, o p ró p rio E v a n g e lh o quase é d ecla ra d o e m p alavras m o n o ssíla b a s, e n e n h u m a delas te m m ais de cin co le tra s 68: “Q u e m te m o F ilh o te m a vid a; q u e m n ã o te m o F ilh o de D eu s n ã o te m a v id a” (1 Jo 5 .1 2 ). A lém d isto , Jesus disse c la ra m e n te : “E u sou o c a m in h o , e a verd ad e, e a vida. N in g u é m v em ao Pai sen ã o p o r m im ” (Jo 14.6). Os que d u v id am e os que d isto rc e m só p re cisa m ou v ir a p e rg u n ta : “Q u al destas p alavras v o cê n ã o co m p re e n d e ? ”. C o m o prova da clareza das Escrituras, os protestantes podem apontar aos católicos rom anos a existência de u m a unidade m ais essencial en tre os protestantes evangélicos — que têm u m a Bíblia infalível, m as n e n h u m intérprete infalível — do que a que existe entre os católicos, cujas interpretações vão da quase evangélica à radicalm ente liberal. Q ual é a im portância, então, de u m magisterium infalível de ensino?
64 V eja V o lu m e 1, p a rte 2.
65 V eja c a p ítu lo 4.
a u to rid ad e ap o stó lica escrita da Bíb lia.
fi7 O p. cit.
66 A au to rid a d e a p o stó lica viva d o s é c u lo I te n d o sido su b stitu íd a p ela 68 E m in g lês ou e m grego .
A NATUREZA DA(S) IGREJA(S) VISÍVEL(IS)
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N ã o E x is te S u c e s s ã o A p o s tó lic a O apostolado não era som en te u m dom , mas u m d om tem porário. Não existe sucessão apostólica; Pedro não foi o prim eiro papa, não foi infalível, e não teve sucessores. As várias razões para isto estão resum idas aqui69: (’1) Os apóstolos viveram som ente no século I. (2) Os apóstolos foram necessários som ente para a fundação da igreja (Ef 2.20). (3) Os dons de apóstolo (2 Co 12.12) cessaram no século I. (4) Jesus deu a autoridade do reino aos seus apóstolos, e não a sucessores, isto é, os doze apóstolos jamais no m earam apóstolos para sucedê-los™. (5) O term o apóstolo perdeu o brilho no final do Novo Testam ento. (6) Os im postores do século II tiveram que reivindicar u m apostolado p ara ganhar aceitação para os seus textos. (7) A sucessão apostólica é contrária ao sacerdócio de todos os crentes. (Veja apêndice 4.) A A u to n o m ia d a(s) Ig r e ja (s ) L o c a l(is) N ovam ente, não existe cabeça visível da igreja local: C risto, a C abeça invisível de seu corp o, não foi decapitado e substituíd o pelo bispo de R o m a 71. Existe u m a sabedoria su rp reend ente n o p lan o de D eus de estabelecer igrejas locais independentes e de governo próprio, com m u itos benefícios para o m in istério contin u ad o de Cristo. Primeiro, ele preserva a sua chefia e liderança, pois Ele ainda é o C abeça invisível de
cada ig reja local e visível. Segundo, as igrejas independentes, individ ualm ente, são m enos vulneráveis à co rru p ção de grande escala, um a vez que, se algum a se desvia, em d ou trin a ou m oral, as outras não são au to m a tica m e n te ou d iretam en te afetadas por isto. Terceiro, u m a ig reja co m co n tro les — co m o presbíteros e diáconos votados pela congregação e, em ú ltim a análise, responsáveis por ela — pode superar m e lh o r a influ ência co rru p ta da in clin ação à busca do poder, que reside em seres hu m an os depravados. João advertiu sobre a prim azia do episcopado no sécu lo I, quando falou de “D iótrefes, que p ro cu ra ter en tre eles o p rim ad o ” (3 Jo 9). Quarto, as igrejas independentes e de governo próprio são mais propícias ao desenvolvimento de um a liderança leiga, que é essencial para cum prir a Grande Com issão72. Quinto, as pessoas têm u m m o tiv o mais fo rte para p ro m ov er e preservar aquilo em que têm u m a participação vital. Sexto, e fin alm en te, a autoridade é m ais bem preservada no nível em que deve ser exercida — neste caso, o nível local. Quanto à objeção de que um a cabeça visível da igreja visível é mais propícia à unidade cristã, os fatos não corroboram esta declaração. Prim eiram ente, isto não ajudou a preservar a unidade e a ortodoxia da Igreja Católica R om ana. Além disto, isto confunde unidade com uniformidade7'': O fato de todos pertencerem à m esm a organização, com a m esm a suposta cabeça visível, não significa que m antenham um a verdadeira unidade espiritual 69 V eja d iscussão d e ta lh a d a n o c a p ítu lo 4.
70 Judas fo i su b stitu íd o p a ra c o m p le ta r os d oze (A t 1.22-26), m as n e m u m dos
d oze a p ó sto lo s fo i su b stitu íd o q u a n d o m o r re u ; p o r e x e m p lo , o a p ó sto lo T ia g o foi m a rtiriz a d o e m A to s 12.2, e ja m a is foi su b stitu íd o . c a p ítu lo 2.
71 C f. c a p ítu lo 4.
72 V eja ab aixo, sob “O s P rop ó sito s da Ig re ja L o ca l”.
73 C f. cita ç ã o de M e rr ill T e n n e y , no
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e doutrinária, sem falar de sua vitalidade com o um a assembléia do povo de Deus. U m a investigação da dicotom ia entre o que a Igreja Católica R om ana ensina e aquilo que os seus m em bros praticam , e no que crêem , revelará que isto não se equipara ao que o cristianismo evangélico exibe em seus m em bros, em com paração com os seus ensinos.
A Pluralidade de Anciãos (Presbíteros) na Igreja Local O u tro con trole da igreja do N ovo Testam ento era a pluralidade de anciãos, as quais n ão tin h am som ente u m bispo ou pastor co m poder centralizado. O fato de que “o poder corrom p e, e o poder absoluto corrom p e co m p leta m en te”7'1 é verdadeiro, não im portand o que tipo de igreja exerça o governo episcopal. U m a discussão profunda dos papéis dos anciãos do N ovo Testam ento irá ajudar a elucidar esta questão75.
Os Propósitos da Igreja Local O propósito de um a igreja local pode ser visto em m u itos relacionam entos. Primeiro, em relação a Deus, o objetivo da igreja é glorificá-lo: “P ortanto, quer com ais, quer bebais ou façais ou tra qualquer coisa, fazei tudo para a glória de D eu s” (1 C o 10.31). Especificam ente, a igreja deve glorificar A quele a quem ela pertence: “A esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sem pre. A m ém !”76 Segundo, em relação à igreja universal, o objetivo da igreja local é ser u m a m anifestação visível, u m a expressão exterior do caráter in terio r do corpo de Cristo, m anifestando o seu reco n h ecim en to da sua liderança e da nossa unidade. Paulo enfatizou: [Nós devemos procurar guardar] a unidade do Espírito pelo vínculo da paz: há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos (Ef 4.3-6). Terceiro, em relação aos outros crentes, o objetivo é edificar o corpo de Cristo: E ele mesmo [o Cristo que ascendeu] deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, [1] para edificação do corpo de Cristo, [2] até que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, [3] à medida da estatura completa de Cristo (Ef 4.11-13). N atu ralm ente, parte da edificação consiste na co m u n h ã o co m outros crentes. Os prim eiros cristãos “perseveravam n a d ou trina dos apóstolos, e n a com u n h ão , e no partir do pão, e nas orações” (A t 2.42). O resultado de tudo isto? [Não seremos] mais meninos inconstantes, levados em roda por todo vento de doutrina, pelo engano dos homens que, com astúcia, enganam fraudulosamente. Antes, seguindo a verdade em caridade, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o corpo, bem ajustado e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor (Ef 4.14-16). 74 Lord A cton (1834-1902).
75Veja capítulo 4.
75Efésios 3.21; cf. 1.12; 2 Coríntios 1.20.
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Quarto, em relação aos incrédulos, o objetivo é a evangelização. Isto é evidente na obediência às ordenanças77: a Ceia do Senhor, que é somente para os crentes, “[anuncia] a m orte do Senhor, até que [Ele] venha” (1 Co 11.26). Além disto, Paulo se refere aos incrédulos que vêm à igreja local e são convencidos pela mensagem (1 Co 14.24). Os cultos não tinham com o objetivo principal a evangelização dos incrédulos, mas a edificação dos crentes; contudo, a edificação é a missão interna da igreja, e a evangelização é a missão externa. Jesus disse aos seus discípulos:
E-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto, tde, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo: ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado:
e eis que eu
estou convosco todos os dias, até à consum ação dos séculos (M t 28.18-20). Na verdade, a últim a coisa que Ele disse, antes de subir aos céus, foi: “R ecebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-m e-eis testem unhas tanto em Jerusalém com o em toda a Judéia e Sam aria e até aos confins da te rra ” (A t 1.8)7S. Finalmente, com relação aos anjos, o objetivo da igreja deveria ser exibir a sabedoria e a graça
de Deus. Paulo disse: A m im , o m ínim o de todos os santos, m e foi dada esta graça de anunciar en tre os gentios, por m eio do evangelho, as riquezas incom preensíveis de C risto e d em o n strar a todos qual seja a dispensação do m istério, que, desde os séculos, esteve oculto em Deus, que tu d o criou; para que, agora, pela igreja, a m u ltifo rm e sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus, nosso Senhor (Ef 3.8-11)79.
O Destino da Igreja A dicionalm ente à discussão sobre a natureza da igreja, deve ser acrescentado aqui um com en tário sobre o seu destino80. Tiago, o irm ão de Jesus, declarou: Varões irm ãos, ouvi-m e. Simão [Pedro] relatou com o, p rim eiram ente, Deus visitou os gentios, para to m a r deles u m povo p ara o seu nom e. E com isto concordam as palavras dos profetas, com o está escrito: Depois disto, voltarei e reedificarei o tabernáculo de Davi, que está caído; levantá-lo-ei das suas ruínas e to rn arei a edificá-lo (A t 15.13-16). Q uando a igreja estiver com pleta, Cristo irá retorn ar e arrebatá-la aos céus (1 Ts 4.16-18)S1. Então, virão as bodas e a ceia do Cordeiro, quando a esposa se unirá ao seu Esposo para sem pre82.
A BASE HISTÓRICA PARA A NATUREZA DA IGREJA VISÍVEL A história da igreja cristã é, na realidade, a história das igrejas cristãs. Independentem ente da variação da autoridade exterior da igreja local, em últim a análise, todo governo da igreja 77 V eja c a p ítu lo 5.
78 E m b o r a a lg u n s in te rp r e te m estas in cu m b ê n cia s c o m o atrib u íd as d ir e ta m e n te aos c re n te s e n ã o à
ig re ja , a ig r e ja é fo rm a d a p o r c re n te s, e n e ste sen tid o n ã o p od e ser separada. a o rd e m h a ig r e ja lo c a l (cf. 1 T m 5 .2 1 ). c a p ítu lo 16.
791 C o rín tio s 11.10 fa la de a n jo s e x a m in a n d o
80 U m tra ta m e n to m ais c o m p le to é e n c o n tra d o n os ca p ítu lo s 13-16.
82 C f. Efésios 5.25-27; A pocalipse 19.6-9; 22.1ss.
81 V eja
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é local. Em bora a igreja se tornasse institucionalizada depois que o im perador rom ano Constantino (274-337) fez do cristianism o a religião oficial do im pério, desde o início havia um a forte e contínua ênfase na doutrina bíblica da igreja visível local. (Veja apêndice 3.)
Os Primeiros Pais C om eçand o im ed iatam ente depois dos tem pos dos apóstolos do Novo T estam ento, os Pais da igreja escreveram sobre as igrejas visíveis locais e sobre a liderança de Cristo sobre elas, falando de congregações apostólicas e baseadas nos escritos dos apóstolos, funcionando sob a suprem a autoridade, a sua Cabeça invisível. Clemente de Roma (c. século I d. C.) A igreja de Deus que está em Roma, à igreja de Deus que está em Corinto, àqueles que são chamados e santificados pela vontade de Deus, por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo: Graça a vós, e paz, do Deus Todo-poderoso por Jesus Cristo, vos sejam multiplicadas (FECC, 1.14). Inácio (falecido c. 110 d. C.) Lembrem-se em suas orações da igreja que está na Síria, que, em vez de mim, tem como seu pastor o Senhor, que diz: “Eu sou o Bom Pastor”. E somente Ele supervisionará a sua igreja, e contemplará o amor que tendes por Ele (EIR, 9). À igreja de Deus Pai, e do Senhor Jesus Cristo, que está em Filadélfia, que obteve misericórdia por meio do amor, e está estabelecida na harmonia de Deus, e se alegra incessantemente, na paixão do nosso Senhor Jesus, e está cheia de toda misericórdia através da sua ressurreição (EIR, 1). Justino Mártir (c. 100-c. 165) No corpo, embora os membros sejam considerados muitos, todos são chamados de um, e são um só corpo. Pois, na verdade, uma comunidade e uma igreja, ainda que sejam muitos indivíduos em número, são, na realidade, um, chamados e dirigidos por um único apelo (DJ, 42). Metódio (c. 260-311) Freqüentemente ocorre que as Escrituras assim chamem a assembléia e a multidão de crentes pelo nome da igreja [...] o corpo da igreja [...] uma igreja e companheira de Cristo, a sua noiva, que lhe é dada em casamento como uma virgem (BTV, 1.8). Hoje, as trombetas dos profetas despertaram o mundo, e alegraram e encheram de júbilo as igrejas de Deus que estão em todas as partes, entre as nações (OP, 1). 0 Didaquê (c. 120-150) Ouçam isto, vocês leigos, também, a igreja escolhida de Deus. Pois o povo era, antigamente, chamado de “povo de Deus”, e “uma nação santa”. Vocês, portanto,
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são a santa e sagrada “igreja de Deus, inscrita nos céus, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido”, uma esposa ataviada para o Senhor Deus, uma grande igreja, uma igreja fiel (25). Clemente de Alexandria (150-c. 215)
A igreja é dado o nome estável de paciência; certamente porque somente ela permanece em todas as gerações, alegrando-se sempre, subsistindo pela paciência de cada um de nós, crentes, que somos os membros de Cristo [...] Pois a coroa do Senhor profeticamente apontou para nós, que antes fomos estéreis, mas fomos colocados ao seu redor, por intermédio da igreja da qual Ele é a Cabeça (I, 1.5, 2.8). Tertuliano (c. 155-c. 225)
[Os apóstolos] fundaram igrejas em todas as cidades, das quais todas as outras igrejas, uma após outra, derivaram a tradição da fé, e as sementes da doutrina, e todos os dias as derivam, para que possam tornar-se igrejas. Na verdade, é por causa disto que elas serão capazes de ser consideradas apostólicas, por serem o fruto de igrejas apostólicas. Todo tipo de coisas deve necessariam ente reverter à sua origem, para sua classificação. Desta maneira, as igrejas, ainda que sejam tão numerosas e tão grandiosas, com preendem apenas uma igreja primitiva [fundada] pelos apóstolos, da qual todas elas [surgiram] ( P A H , 20). Aqueles que rejeitam esta Escritura não podem pertencer ao Espírito Santo, por não poderem reconhecer que o Espírito Santo foi enviado aos discípulos, nem podem presumir afirmar que são uma igreja os que positivamente não têm meios de provar quando, e com quais vestes ou ataduras, este corpo foi estabelecido (ibid., 22). A este teste, portanto, serão submetidos pelas igrejas que, emboranão derivem asuafundação de apóstolos ou homens apostólicos (sendo de data muito posterior, pois, na realidade, são fundadas diariamente ), uma vez que concordam na mesma fé, são consideradas como não menos apostólicas, porque são semelhantes em doutrina (ibid., 32). Orígenes (c. 185-c. 254)
O Deus que enviou Jesus dissipou todas as conspirações dos demônios, e fez com que o Evangelho de Jesus prevalecesse por todo o mundo para a conversão e reform a dos hom ens, e fez com que as igrejas se estabelecessem em todas as partes [...] Ao passo que as igrejas de Deus que são instruídas por Cristo, quando cuidadosamente comparadas com as assembléias dos distritos em que estão situadas, são como faróis no mundo (AC, 3.29). Cipriano (200-258)
“Q uando nos apresentam os diante deles, e nosso propósito foi com preend ido, eles m esm os tam bém co m eça ra m a observar o que os ou tros faziam , de m odo que a concord ância das igrejas que ali estavam não foi quebrada, de m an eira n e n h u m a ” (B C , 44.2). “Existe um a igreja, espalhada por Cristo, por todo o m undo, e que tem m uitos m em b ros” (ibid., 51.24).
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João Crisóstomo (347-407) “Cada crente, individualm ente, não deve edificar u m a igreja, obter u m Professor, cooperar (co m ele), fazendo co m que o seu m aior objetivo seja que todos possam se to rn ar cristãos?” ( C A A , 18.220). “Q ue a casa seja u m a igreja, consistindo de h om ens e m u lh eres” (ibid., 26.303). “U m h o m em é mais dignificado do que u m a igreja: pois não foi por m uros que C risto m o rreu , mas por estes tem p los” (HESPR, 26.954). “Se assim conduzirmos as nossas próprias casas, tam bém estaremos capacitados para a administração da igreja [...] Verdadeiramente, um a casa é um a pequena igreja” (HE, 20.313).
Os Pais Medievais M esm o depois que a igreja foi institucionalizada83, a dou trina da liderança de Cristo na igreja visível con tin u ou a ser elaborada sobre ensinam entos bíblicos e apostólicos. A autoridade e au ton om ia da igreja local d im inuíram gradativam ente durante a Idade Média, mas a autoridade das Escrituras e a fundação da igreja persistiram . Agostinho (354-430) “Nós vimos que as coisas separadamente são boas, e todas as coisas m uito boas, na Tua Palavra, no Teu Unigênito, tanto o céu com o a terra, a Cabeça e o corpo da igreja” (C, 13.34.49). “Todo o globo terrestre consiste de m uitas terras, e a igreja universal, de m uitas igrejas” (CG, 13.12). “A igreja é o seu corpo, co m o nos m o stra o ensinam ento dos apóstolos; e é até m esm o cham ada de sua esposa. O seu corpo [...] te m m u itos m em b ros” (OCD, 1.16.15). Jerônímo (c. 340-420) Não é o caso de que exista uma igreja em Roma e outra em todo o restante do mundo. A Gália e a Bretanha, a África e a Pérsia, a índia e o Oriente, adoram um único Cristo e obedecem a uma regra de verdade. Quando se trata de autoridade, devemos nos lembrar de que o mundo conhece a autoridade do Senhor (LSJ, 146.1).
Os Líderes da Reforma Por m eio da Reform a, houve um redescobrimento e um a reafirmação do ensinam ento bíblico sobre a igreja (com o tam bém sobre a salvação). Isto incluía um a ênfase no governo independente da igreja, a liderança invisível de Cristo e a autoridade primordial da Palavra. João Calvino (1509-1564) Quando, no Credo, professamos crer na igreja, a referência é feita não somente à igreja visível, da qual estamos tratando agora, mas também a todos os eleitos de Deus, incluindo até mesmo aqueles que já deixaram esta vida (ICR, 4.1.2). Freqüentemente, também, pelo nome da igreja é designado todo o corpo da humanidade, espalhado por todo o mundo, que professa adorar um Deus e a Cristo; e, pelo batismo, 83Veja apêndice 4.
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todos são iniciados na fé; participando da Ceia do Senhor, professam unidade na verdadeira doutrina e caridade, concordam em conservar a Palavra do Senhor, e observam o ministério que Cristo designou, que é a pregação da sua Palavra (ibid., 4.1.7). Jacohus Armmius (1560-1609) Como muitos dos chamados professam com suas bocas “que conhecem a Deus, enquanto em obras o negam”; e uma vez que dos corações destes homens, Deus é o único juiz, pois somente E le “conhece os que são seus”, estas pessoas são julgadas, por causa da promessa, como pertencendo à igreja visível [...] embora não pertençam à igreja invisível (D, 18).
Os Líderes da Pós-Reforma Depois da R eform a, especialm ente en tre os anabatistas, u m a ênfase m ais fo rte foi colocad a na au ton om ia da igreja local, co m o vem os no Novo T estam ento84. Os líderes da igreja continu aram a dar a con h ecer o en sinam ento bíblico sobre a igreja visível e a liderança de Cristo. Jonathan Edwards (1703-1758) “Não som ente a humildade cristã disporá as pessoas a honrar estes ímpios que estão fora da igreja visível, mas tam bém os falsos irm ãos e os perseguidores” (R A , in: WJE, 3.948). Quando Deus, em qualquer grande dispensação da sua providência, notavelmente coloca o seu rei no seu santo monte Sião, Cristo, de uma maneira extraordinária, desce do céu à terra e aparece na sua igreja visível realizando uma grande obra, que é a salvação do seu povo (PRR, in: ibid., 2.1.48). John Wesley (1703-1791) O que vocês querem dizer quando se referem à igreja? Uma igreja visível (como nosso artigo a define) é um grupo de pessoas fiéis ou crentes —coetus credentium [“uma congregação de fiéis”]. Esta é a essência de uma igreja; e as suas características estão (como descritas nas palavras que se seguem) “entre aqueles aos quais a pura palavra de Deus é pregada, e os sacramentos, devidamente administrados” (EAMRR, 76). Uma igreja provincial ou nacional, segundo nosso artigo, é constituída dos verdadeiros crentes daquela província ou nação. Se eles estão dispersos aqui e ali, são somente parte da igreja invisível de Cristo. Mas se estão visivelmente unidos, reunindo-se para ouvir a sua palavra e participar da sua ceia, então são uma igreja visível (ibid., 77). A Confissão de Fé de Dordrecht (1632) Nós cremos e confessamos que há uma igre j a visível de Deus, consistindo especificamente daqueles que, como foi dito anteriormente, verdadeiramente se arrependem e crêem, e são devidamente batizados; que são um com Deus no céu, e devidamente incorporados na comunhão dos santos aqui na terra (VIII). 81Veja capítulo 4.
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A Confissão de Fé de Schleitheim (1527) O pastor na igreja será uma pessoa, segundo a regra de Paulo [...] o ofício desta pessoa será ler, exortar, ensinar, advertir, admoestar, ou expulsar da congregação, e adequadamente presidir os irmãos e irmãs na oração, e no partir do pão, e em todas as coisas cuidar do corpo de Cristo, para que este possa ser edificado e desenvolvido, a fim de que o nome de Deus possa ser louvado e honrado por nosso intermédio, e a boca do escarnecedor possa ser fechada (5),
CONCLUSÃO Existe um a diferença fundamental entre a visão católica rom ana e a protestante sobre a natureza da igreja visível. Os católicos acreditam que a única igreja visível que Cristo estabeleceu é a Igreja Rom ana, sobre a qual Ele colocou um vigário visível de Cristo, a saber, o apóstolo Pedro. Eles tam bém sustentam que Deus estabeleceu um a sucessão apostólica, de m odo que aqueles que subseqüentemente serviram com o bispos de R om a são os únicos, divinamente indicados, infalíveis, e oficiais, intérpretes de fé e prática para os crentes. Todos os outros ram os da cristandade, incluindo a ortod oxia oriental, o anglicanism o e todas as form as de protestantism o, rejeitam esta afirm ação, em bora as Igrejas A nglicana e O rtodoxa ten h am a sua própria fo rm a episcopal de governo com um a ú n ica liderança85. A evidência histórica e bíblica favorece a interpretação protestante, que afirm a que u m a Bíblia infalível é suficiente para a fé e a prática sem n en h u m intérprete supostam ente infalível86. Na verdade, tanto as Escrituras quanto os prim eiros Pais sustentam a posição de que n em Pedro n em seus supostos sucessores em R om a foram divinam ente nom eados para tal cargo. E, co m o verem os87, os apóstolos de Cristo estabeleceram igrejas independentes e de governo próprio, igrejas que não tiveram u m a autoridade hu m an a de governo d om inante, mas, em vez disto, se basearam no ensinam ento apostólico, que p o steriorm ente foi substituído, devido à m o rte dos apóstolos, por escritos apostólicos (o N ovo T estam ento). C onseqüentem ente, não existe u m a igreja visível: Existem m uitas igrejas visíveis — co m u m a Cabeça invisível, Cristo — que devem estar baseadas nos ensinam entos da sua Palavra infalível (a Bíblia). Estas doutrinas estão mais bem expressas nos úteis, mas não infalíveis, credos, confissões ecum ênicas, e concílios das igrejas dos prim eiros quinhentos anos depois da vida terren a de Jesus. De igual m aneira, a base da ortod oxia histórica é encontrada em uma Bíblia, dois Testamentos (A ntigo e N ovo), três credos (dos A póstolos [150], N iceno [325], e Atanasiano [428]), quatro concílios (N icéia [325], o Prim eiro de C onstantinopla [381], Éfeso [431], e C alcedônia [451]), e cinco séculos. Depois disto, gradativam ente houve pouca catolicidade, pouca unidade, e u m a progressiva falta de ortodoxia, que cu lm inou no C oncilio C atólico R om an o d eT ren to (1545-1563) e suas “infalíveis” decisões, incluindo a rejeição de ensinam entos protestantes cruciais, co m o o fato de a salvação ser: (1) somente pela fé88; (2) baseada somente na Bíblia89; (3) realizada somente pela obra de Deus90; e (4) exclusivamente para a glória de Deus (1 Co 10.31).
85Veja capítulo 4.
* Veja Volume 1, parte 2.
90VejaVolum e 3, capítulo 9.
87 Op. cit.
88Veja Volume 3, capítulo 13.
89Veja Volume 1, capítulos 13-14,28.
A NATUREZA DA(S) IGREJA(S) VISÍVEL(IS)
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CAPÍTULO
QUATRO
O GOVERNO DA IGREJA VISÍVEL
cristandade co n tém três pontos de vista principais acerca da fo rm a governam ental básica que a igreja visível deve ter: episcopal, presbiteriana, ou congregacional. Estas três form as de governo da igrej a to m am o seu significado a partir de três palavras do Novo T estam ento grego para cargos ou entidades. A palavra para “presbítero” ou “ancião” é presbuteros, da qual obtem os a palavra presbiteriano; u m a fo rm a de governo presbuteros é aquela em que o presbítero tem a autoridade. A palavra para “bispo” é episcopos, da qual
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obtem os a palavra episcopal; u m a fo rm a de governo episcopos é aquela que é dirigida pelo bispo, que é considerado superior aos presbíteros. N atu ralm ente, em u m a fo rm a de governo congregacional a congregação (correspondendo à palavra ekklesia, “assem bléia”) é a autoridade final.
O Ponto de Vista Episcopal A palavra episcopos ( “bispo”) significa “supervisor”, distinguindo o cargo de u m bispo do cargo de u m presbítero, dando a ele autoridade sobre os presbíteros e a congregação. Várias form as de governo episcopal são encontradas nas igrejas C atólica R om ana, O rtodoxa O riental, algum as Luteranas1, A nglicanas, Episcopais, e M etodistas; muitas d enom inações m enores (p articu larm ente, mas não exclusivam ente, aquelas que têm origem m etodista) são episcopais na prática. A clássica exposição do governo episcopal é encontrada no m u ltivo lu m e The Laws o f Ecclesiastical Polity, de Richard H ooker (15531600); K enneth Kirk (1886-1954), na obra The Apostolic Ministry, ten ta dar u m a base do N ovo Testam ento a este ponto de vista; veja tam bém The Church and the Ministry in the Early Centuries, de T. M. Lindsay (1843-1914).
O Ponto de Vista Presbiteriano A palavra presbiteriano (gr. presbuteros — significando “mais v elh o ”, “mais m ad u ro”, ou “mais sábio”) significa que um grupo de presbíteros d etém autoridade final na adm inistração dos assuntos da igreja. Este ponto de vista considera o presbítero e o bispo com o com preendendo um único cargo, com base em duas palavras diferentes, u m a (bispo) 1 Ig rejas lu te ra n a s eu ro p éias e a lg u m a s ig reja s lu te ra n a s am e rica n a s (p o r e x e m p lo , a ELC A ) p o ssu em u m a fo rm a de g o v e rn o ep iscop al c o m u m bispo. O u tra s (p o r e x e m p lo , o S ín o d o de M isso u ri) são govern ad as de fo rm a m ais co n g reg a c io n a l, c o m p resid en tes servin d o n o lu g ar dos bispos.
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vindo da origem grega e a o u tra (presbítero) da origem hebraica da igreja prim itiva. O governo presbiteriano é representado nas igrejas Presbiterianas, assembléias P lym outh B reth ren , e em u m crescente n ú m ero de igrejas batistas e independentes influenciadas pela tradição da R eform a. U m a exposição de excelente qualidade é The Form o f Presbyterial Church Government, aprovada pela Assem bléia de W estm inster, em 1645; u m tratam en to m ais recente é encontrado n a Zondervan Pictonal Encyclopedia o f the Bible2.
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Ponto de Vista Congregacional
E m bora tam bém possa ter presbíteros e/ou diáconos, afo rm acon g reg acion al considera a autoridade final co m o repousando sobre a congregação, que, con seqüentem ente, deve aprovar questões m aiores relacionadas à fé e à prática. O governo congregacional é representado pelas igrejas Congregacionais, Livres, Batistas, e m uitas independentes. O teólogo batista A. H. Stro n g (1836-1921) fo rn eceu a mais sucinta explicação do governo da igreja congregacional (veja ST); o artigo sobre a igreja n a obra Zondervan Pictonal Encyclopedia o f the Bible3 tam b ém é útil.
O GOVERNO DA IGREJA NO NOVO TESTAMENTO D ou trinariam en te, a base do governo da igreja do N ovo T estam ento era apostólica; A igreja foi edificada sobre o fund am en to dos apóstolos e profetas, sendo C risto a pedra da esquina e sendo os apóstolos a autoridade viva. Paulo sugeriu que ou a “palavra” ou a “epístola” dele tem autoridade (2 Ts 2.2); co m o a igreja foi edificada sobre a “dou trin a dos apóstolos” (A t 2.42), a palavra deles era a autoridade final nas questões de fé e prática. No entanto , visto que não há sucessão apostólica4, após a m o rte os apóstolos foram substituídos pelos seus escritos. Pelo fato de a sua autoridade oral te r sido substituída pela sua autoridade escrita, o Novo T estam en to é a ún ica autoridade divina para determ inar o tipo de governo de igreja que eles estabeleceram .
Cargos e Dons O Novo Testam ento faz u m a distinção im p ortan te entre u m cargo e u m dom. Os dons para o m inistério são dados som ente por D eus5. A postolado, profecia, evangelism o, e pastorado/ensino são todos dons; presbítero e diácono (gr. diakonos), porém , são cargos sob o d om ínio da igreja local (A t 6.1ss.), que devem ser preenchidos por pessoas que atendam às qualificações exigidas (veja 1 T m 3.1-13; T t 1.5-9). Assim, em bora a igreja d eterm ine cargos, ela não pode conceder dons6. Deus deu para toda a igreja “apóstolos e profetas” (que receberam a sua revelação, que se tornou o Novo Testam ento); eles eram o fundam ento da igreja universal (E f 2.20) e, com o apóstolos, tinham autoridade em todas as igrejas. Por outro lado, pastores e evangelistas eram/são dons de Deus para a igreja local; os apóstolos elegeram “anciãos em cada igreja” (A t 14.23), “de cidade em cidade” (T t 1.5), e bispos (presbíteros) e diáconos em Filipos (Fp 1.1). Estes cargos (presbítero e diácono) são os únicos reconhecidos no Novo Testam ento.
2V eja sob “C h ú r c h ”, p o r G . W. K irby (G ra n d Rapids: Z o n d erv a n , 1975). 1 C o rín tio s 12.4-11,27,28; R o m a n o s 12.3-8.
3 K irb y ,ib id .
4V e ja c a p ítu lo 3.
5 E fésios 4.10,11;
6 E les p o d e m s er reconhecidos p e la ig reja ; v e ja referên cia s n a n o t a a n te rio r.
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O Princípio Geral do Governo da Igreja Ao lidar com u m a igreja tu rbu len ta em C orinto, o apóstolo Paulo estabelece o princípio mais básico que deve estar sob todo governo da igreja: “Faça-se tudo decentemente e com ordem” (1 C o 14.40). Ele aplicou isto a m uitas situações: A pessoas que estavam falando ao m esm o tem po, ele rogou que esperassem e falassem consecutivam en te (v. 27). A outras que estavam falando in op o rtu n am en te, ele rogou que estivessem caladas (vv. 28,34). Àqueles que estavam abusando de u m dom não edificando a todos, ele rogou que parassem (v. 19). Todos deveriam assum ir o seu lugar dado por Deus, no corpo, co n fo rm e os dons que Ele lhes havia dado (12.14-27); todos deveriam reco n h ecer o papel principal de u m apóstolo vivo, seguido de profetas e m estres (v. 28). “D eus não é D eus de confusão, senão de paz” (14.33), e Paulo enfatizou a “o rd em ” necessária n a igreja7.
Ordem Específica na Igreja Local Naturalmente, o Novo Testamento fornece instruções mais complicadas quanto à forma precisa da ordem na igreja local, manifestações que Earl Radmacher (nascido 1933) resume bem: Em Atos 6.1-6, houve algo que se aproximou de uma eleição ordenada na igreja local. Havia registros da igreja local, pelo menos para as viúvas que deveriam receber ajuda (1 Tm 5.9), e as evidências parecem apoiar [...] registros de membros cuidadosamente mantidos, pois todos estavam associados a uma igreja local específica. [Além disso,] os números eram conhecidos (At 1.15; 2.41; 4.4); a eleição de oficiais pressupõe a existência de um registro (At 6.2-5); e a disciplina da igreja pressupõe a existência de um registro (1 Co 5.13). Havia regras ordenadas para os procedimentos e práticas nas igrejas locais (11.134; 14.1-40). Havia um sistema ordenado das finanças da igreja local (16.2) ( WCAA, 355). O fato de que havia tam bém oficiais da igreja local a quem deveria ser dedicada um a submissão adequada (Hb 13.17) leva d iretam ente a u m a discussão dos oficiais e do governo expressados n o N ovo T estam ento.
O Papel dos Anciãos (Presbíteros) no Governo da Igreja do Novo Testamento O cargo de presbítero era de autoridade, m aturidade, perspicácia, e dignidade. Uma Posição de Autoridade Na com unidade judaica, a posição do ancião (presbítero) era u m a posição de grande autoridade8. Os anciãos eram legisladores: “Depois, os príncipes dos sacerdotes, e os escribas, e os anciãos do povo reun iram -se na sala do sum o sacerdote” (M t 26.3; cf. 15.2). Paulo recebeu autoridade dos anciãos judeus: “C o m o tam bém o sum o sacerdote m e é testem u nha, e todo o conselho dos anciãos; e, recebendo destes cartas para os irm ãos, fui a D am asco, para trazer m anietados para Jerusalém aqueles que ali estivessem, a fim de que fossem castigados” (A t 22.5). Ele acrescenta: “A respeito de quem [outro prisioneiro] os principais dos sacerdotes e os anciãos dos judeus, estando eu em Jerusalém , com pareceram perante m im , pedindo sentença con tra ele” (25.15).
7 C f. 1 C o rín tio s 11.34; C o lo ssen ses 2.5; T it o 1.5. m a d u ro ”, o u “m ais sábio”.
8 N o v a m e n te , ancião ou presbítero (presbyteros) sign ifica “m ais v e lh o ”, “m ais
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Uma Posição de Dignidade A posição de ancião (presbítero) era tam bém u m a posição de dignidade: “C on h ecese o seu m arido nas portas, quando se assenta co m os anciãos da te rra ” (Pv 31.23); “Então [Jezabel] escreveu cartas em n om e de Acabe, e eis selou co m o seu sinete, e m andou as cartas aos anciãos e aos nobres” (1 Rs 21.8). Uma Posição de Maturidade O term o ancião (presbítero) tam bém sugere m aturidade: “Não repreendas asperam ente os anciãos, m as adm oesta-os co m o a pais” (1 T m 5.1). U m “ancião” no tem po (por exem plo, mais velho) era geralm ente mais sábio n a verdade. No entanto, o term o tam bém pode significar “mais m ad u ro”, porque enquanto algum as pessoas têm um a sabedoria superior à que deveriam ter, a ju lg ar pela idade, algum as são velhas e tolas. Uma Posição de Perspicácia Em virtude da sua idade e/ou m aturidade, u m ancião (presbítero) tam b ém tinha u m a posição de sabedoria: “Buscarão do p rofeta u m a visão, m as do sacerdote perecerá a lei, e dos anciãos, o co n selh o” (Ez 7.26).
A Posição dos Anciãos (Presbíteros) na Igreja do Novo Testamento Havia Anciãos (Presbíteros) em Jerusalém
“Resolveu-se que Paulo, [e] Barnabé [...] subissem a Jerusalém aos apóstolos e aos anciãos sobre aquela questão” (A t 15.2). A igreja havia coletado u m a oferta para os crentes pobres em Jerusalém e a enviado “aos anciãos” por m ão de Paulo e Barnabé (11.30). “Quando chegaram a Jerusalém , foram recebidos pela igreja e pelos apóstolos e anciãos e lhes anunciaram quão grandes coisas Deus tin h a feito com eles” (15.4; cf. v. 6). “Q uando iam passando pelas cidades, lhes entregavam , para serem observados, os d ecretos que haviam sido estabelecidos pelos apóstolos e anciãos em Jeru salém ” (16.4). Havia Anciãos (Presbíteros) em Cada Cidade Lucas registra que “de M ileto, m and ou a Éfeso ch am ar os anciãos da ig reja”9 (A t 20.17). P osteriorm ente, Paulo disse a Tito: “Te deixei em C reta, para que pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam e, de cidade em cidade, estabelecesses presbíteros, co m o já te m andei” (T t 1.5). Havia Anciãos (Presbíteros) em cada Igreja Local “E, havendo-lhes p o r co m u m con sen tim en to eleito anciãos em cada igreja, orando co m je ju n s, os encom end aram ao S en h o r em quem haviam crid o” (A t 14.23). Visto que n em toda igreja era grande, fica claro que u m a pluralidade de anciãos (n ão apenas u m ) era determ inada para cada igreja (n ão apenas para a igreja toda) —até m esm o a pequena congregação filipense tin h a m u itos “bispos” (Fp 1.1). 9 Não “igrejas”.
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A Função de um Ancião (Presbítero) na Igreja do Novo Testamento As m uitas funções de u m presbítero incluíam ser u m supervisor, governante, pastor, professor, apologista, árbitro, e atalaia. Um Ancião (Presbítero) E um Supervisor
Pedro exo rtou os presbíteros: “Éreis com o ovelhas desgarradas; mas, agora, tendes voltado ao Pastor e Bispo da vossa alm a” (1 Pe 2.25). Visto que bispo significa “supervisor”, e visto que os presbíteros eram sub-pastores do Grande Pastor (5.1-4), conseqüentem en te os presbíteros deveriam ser supervisores do rebanh o de Deus. Um Ancião (Presbítero) É um Governante
Em referência aos presbíteros (líderes/governantes), a carta aos Hebreus ordena aos crentes: “Obedecei aos que vos governam e sede-lhes su jeitos” (13.17, T B ). A palavra grega para “gov ernar” (de hegeomai ) significa “liderar, guiar, exam inar, consid erar”. No entanto, governante aqui tem a conotação de “d ireto r”, não “ditador”; eles eram líderes, não com andantes; sua liderança era adm inistrativa, não legislativa. A lém disso, os m em bros deveriam obedecer aos seus líderes em assuntos relacionados à administração da fé e da prática na igreja, não em estabelecê-la: A revelação de Deus é a base da fé e da prática (2 T m 3.16,17), e isto é encontrado nos ensinos dos apóstolos e dos profetas no Antigo Testam ento e no Novo Testam ento (E f 2.20). Em contraste a obedecer líderes que se apresentavam com supostas revelações de Deus (2 Ts 2.2), as congregações são exortadas a vigiar contra falsos profetas e falsos doutrinadores (cf. 1 T m 4; 1 Jo 4). Um A ncião ( Presbítero) E um Suh-Pastor Aos presbíteros que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: apascentai o rebanho de Deus que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força10, mas voluntariamente; nem por torpe ganância11, mas de ànimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa de glória (1 Pe 5.1-4). Portanto, os anciãos (presbíteros) devem governar com o sub-pastores, não com o suseranos; os presbíteros devem conduzir os m em bros da igreja com o ovelhas em vez de impeli-los com o bodes; os presbíteros devem guiar pelo exemplo, e não por meio de ordens executivas. Um Ancião (Presbítero) E um Professor
U m presbítero alim enta “o rebanho de D eus” (1 Pe 5.2); ele é “apto para ensinar” (1 T m 3.2; cf. 2.24); ele deve estar capacitado a ensinar a “sã d ou trin a” (T t 1.9). Mais um a vez, estes ensinos (A t 2.42) são a base doutrinária da igreja.
10 A v ersão in g le sa N IV tra d u z a exp ressão “n ã o p o r fo rç a ” c o m o “não porque eleveis, m as p o rq u e q u ereis, c o m o D eu s q u e r q u e façais”.
11 “L u cro ” ou “g a n h o ” .
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Um Ancião (Presbítero) É um Apologista A lém disso, u m ancião (p resb ítero) deve ser u m defensor da fé. Paulo (u m ancião ou presbítero ) disse: “Fui posto para defesa do ev an g elh o ” (Fp 1.16). Aos presbíteros é ordenado: “[Retende] firm e a fiel palavra, que é co n fo rm e a d ou trina, para que seja poderoso, tan to para ad m oestar co m a sã d o u trin a co m o para conv en cer os co n trad izen tes” (T t 1.9); ou: “Ele deve reter firm e a m ensagem digna de confiança co m o foi ensinada, de m o d o que possa incentiv ar o u tro s pela sã d o u trin a e refu tar aqueles que se o p õem a e la ” (N IV ). Um Ancião (Presbítero) E um Arbitro de Controvérsias Os presbíteros do N ovo Testam en to ajudavam os apóstolos na arbitragem de disputas: “R esolveu-se que Paulo, Barnabé e alguns dentre eles subissem a Jeru salém aos apóstolos e aos anciãos sobre aquela questão” (A t 15.2; cf. 1 Co 6.1-4). Um Ancião (Presbítero) E um Atalaia A ca rta aos H ebreu s diz, a resp eito dos p re sb íte ro s: “[Eles] v e la m p o r vossa a lm a, co m o aq u eles que h ão de cfer c o n ta delas; p a ra que o fa ça m c o m a leg ria e n ão g e m e n d o , p o rq u e isso n ã o vos seria ú t il” (1 3 .1 7 ). C o m o ta l, u m p re sb íte ro deve ser u m re s ta u ra d o r dos d eso b ed ien tes o b stin a d o s: “Irm ã o s, se a lg u m h o m e m ch e g a r a ser su rp re en d id o n a lg u m a ofen sa, vós, que sois esp iritu ais, e n c a m in h a i o ta l c o m e sp írito de m a n sid ã o , o lh a n d o p o r ti m e s m o , para q ue n ã o sejas ta m b é m te n ta d o ” (G1 6.1).
O Gênero de um Presbítero Todos os presbíteros eram h om en s, porqu e eles precisavam ser “m a rid o ” de u m a m u lh e r (1 T m 3.2). A posição de p resbítero era u m a posição de autoridade, e as m u lh eres não deveriam “exercer autorid ade de h o m e m ” (1 T m 2.12, R A ). As razões dadas, que esclarecem que isto não é m e ra m e n te cu ltu ra l, são aqui baseadas n a ordem da criação e, em o u tra passagem (1 C o 11.3), n a n a tu rez a da D ivindade12. No en ta n to , as mulheres não são inferiores em natureza, status na redenção, ou dons espirituais; elas diferem apenas na fu n ção. A s Mulheres São Iguais aos Homens em Natureza Se as m u lheres fossem n atu ralm en te diferentes dos hom ens devido ao seu papel designado po r Deus co m o submissas à cabeça, então Cristo seria n a tu ra lm en te inferior a D eus, visto que Ele é submisso ao Pai (1 Co 11.3; 15.28). Por exem plo, Jesus disse: “Eu não posso de m im m esm o fazer coisa algum a; co m o ouço, assim ju lgo, e o m eu ju ízo é ju sto, porque não busco a m in h a vontade, m as a vontade do Pai, que m e enviou” (Jo 5.30; cf. 8.28). Tanto as mulheres como os homens foram criados à imagem de Deus (cf. G n 1.27).
12 Pau lo faz três d e cla ra çõ e s so b re o pap el das m u lh e re s n a ig re ja : “N ão p e rm ito , p o ré m , q u e a m u lh e r e n sin e [...] m as que e ste ja e m silên cio, [lj P orq u e p rim e iro fo i fo rm a d o A dão, depois Eva. [2] E A dão n ã o fo i e n g a n a d o , m as a m u lh e r , sen d o en g an ad a, caiu e m tran sg ressão . [3] S a lv a r-se-á , p o r é m , dando à lu z filh o s, se p e rm a n e c e r c o m m o d é s tia n a fé, n a caridad e e n a san tifica çã o ” (1 T m 2.12-15).
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A i Mulheres São Iguais aos Homens em Posição na Redenção A s m u lheres tam bém não são inferiores quanto à posição na redenção; em term o s de salvação, “não há ju d eu n em grego; não há servo n em livre; não há m ach o n em fêm ea;
porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (G1 3.28). A í Mulheres São Iguais aos Homens em Dons Espirituais As m u lheres tam bém não são inferiores aos h om en s na área dos dons espirituais, não havendo indicadores de sexo nos dons. Havia profetisas no N ovo Testam ento (A t 21.29); a m u lh er Priscila ensinou o h o m em A poio (A t 18.26); e m u lheres profetizavam no cu lto da igreja, visto que Paulo lhes disse co m o fazer (1 C o 11.13). A i Mulheres São Dijerentes dos Homens em Função O fato de as mulheres serem diferentes na função, de m odo algum as torna inferiores; na verdade, elas têm um a função sem paralelo —dar à luz filhos —, o que Paulo destaca em 1 Tim óteo 2.15. As funções (ou a falta delas) não tornam alguém naturalmente injerior ou superior aos membros do sexo oposto; elas apenas o tornam diferente. Todos, homens ou mulheres, funcionam m elhor no seu papel designado por Deus. Por exemplo, os homens não são inferiores por não poderem dar à luz filhos, nem superiores porque Jesus escolheu hom ens para serem os seus apóstolos ou porque a Bíblia ensina que os presbíteros deveriam ser homens.
A Intercambialidade dos Termos Ancião (Presbítero) e Bispo C om o observado anteriorm ente, na form a episcopal de governo da igreja, u m bispo é distinto de u m ancião (presbítero), sendo o bispo considerado possuidor de um a posição mais elevada. No entanto, os dois term os são usados de lorm a perm utável no Novo Testam ento —origem diferente, m esm a função básica. Ancião ou presbítero (presbuteros) provém do term o judaico para u m supervisor, e bispo ( episcopos) é o term o grego para u m supervisor; a igreja primitiva tinha oficiais de ambas as origens, e o fato de ambos os term os serem usados com relação ao m esm o cargo pode ser visto a partir de vários fatos. Ambos os Cargos Eram Ocupados por Vários Homens em cada Igreja
já observam os que havia “anciãos [plural] em cada ig reja” (A t 14.23). Igualm ente, Paulo lem brou a T ito que havia bispos em cada um a delas: “Paulo e T im ó teo , servos de Jesus Cristo, a todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com os bispos [plural] e diáconos” (Fp 1.1). Ambos os Ocupantes Tinham que Possuir as mesmas Qualificações Básicas
Paulo escreveu a T im óteo: Esta é uma palavra fiel: Se alguém deseja o episcopado [gr. episcopos], excelente obra deseja. Convém, pois, que o bispo seja [1] irrepreensível, [2] marido de uma mulher, [3] vigilante, sóbrio, [4] honesto, [5] hospitaleiro, [6] apto para ensinar; [7] não dado ao vinho, [8] não espancador, [9] não cobiçoso de torpe ganância, mas moderado, [10] não contencioso, não avarento; [11] que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição,
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com toda a modéstia (porque, se alguém não sabe governar a sua casa, terá cuidado da igreja de Deus?); [12] não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo. [13] Convém, também, que tenha bom testemunho dos que estão de fora, para que não caia em afronta e no laço do diabo (1 Tm 3.1-7). Paulo m o stra a T ito as m esm as exigências básicas para u m presbítero: [Um presbítero —gr. presbuteros, v. 5 —deve ser] irrepreensível, marido de uma mulher, que tenha filhos fiéis, que não possam ser acusados de dissolução nem são desobedientes. Porque convém que o bispo seja irrepreensível como despenseiro da casa de Deus, não soberbo, nem iracundo, nem dado ao vinho, nem espancador, nem cobiçoso de torpe ganância; mas dado à hospitalidade, amigo do bem, moderado, justo, santo, temperante, retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina como para convencer os contradizentes (1.6-9). Ancião (Presbítero) e Bispo São Termos Usados de Forma Intercambiável Os term o s são usados de form a intercam biável quanto ao nome por Paulo n o mesmo texto: Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam e, de cidade em cidade, estabelecesses presbíteros, como já te mandei: aquele que for irrepreensível, marido de uma mulher, que tenha filhos fiéis, que não possam ser acusados de dissolução nem são desobedientes. Porque convém que o bispo seja irrepreensível como despenseiro da casa de Deus, não soberbo, nem iracundo, nem dado ao vinho, nem espancador, nem cobiçoso de torpe ganância (Tt 1.5-7). P osteriorm ente, os term os tam b ém são usados de fo rm a intercam biável quanto à função p or Pedro: Ereis como ovelhas desgarradas; mas, agora, tendes voltado ao Pastor e Bispo [supervisor] da vossa alma [...] [Porém], aos presbíteros que estão entre vós, admoesto eu [...] testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: apascentai o rebanho de Deus que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto (1 Pe 2.25; 5.1,2)13. Atos 20 tam bém m o stra esta perm utabilidade: “[Paulo] m andou a Éfeso cham ar os anciãos da igreja [...] O lhai, pois, por vós e por todo o rebanh o sobre que o Espírito Santo vos constitu iu bispos [supervisores], para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue” (vv. 17,28). Novam ente, presbítero era o term o que para os judeus denotava a m esm a função que bispo denotava para os gregos. Conseqüentem ente, o Novo Testam ento inclusive usou ambas as palavras para o m esm o cargo, não fazendo nen h u m a distinção em função ou autoridade*.
13 O b serve q ue estas tarefas são as m e sm a s p a ra p resb íteros e bispos. * N . d o E .: e m lín g u a in glesa: V eja J. B. L ig h tfo o t, St. Pauis Epistle to the Philippians (H e n d rick so n P u b lish ers, 1999 [o rig in a lm e n te 1868]).
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Toda Igreja Deve Ter Anciãos (Presbíteros)? Alguns que se opõem aos governos presbiteriano e congregacional da igreja têm sugerido, de m odo contrário à evidência bíblica, que os textos sobre a pluralidade de presbíteros em cada igreja são descritivos e não prescritivos; isto é, a diretiva direta do Novo Testamento (a nós) é simplesmente o imperativo amplo: “Faça-se tudo decentemente e com ordem” (1 Co 14.40). Em resposta, primeiro, m uitas passagens sobre presbíteros/bispos estão em u m con texto didático (de ensino) (por exem plo, 1 T m 3.16; T t 1.5). Segundo, Paulo exo rta explicitam ente a T ito para eleger presbíteros em cada cidade. Terceiro, visto que estas igrejas eram as originais em suas áreas, ainda não havia m uitas congregações, mas todas deveriam ter u m a pluralidade de presbíteros. Quarto, o u tra vez, até m esm o a pequena igreja filipense, que se desenvolveu a partir daqueles que se converteram por ocasião da reunião de oração nas m argens do rio ju n to com Lídia, tin h a pluralidade de presbíteros e diáconos (1-1). Quinto, não era apenas cada cidade que exigia pluralidade de presbíteros, m as cada igreja (por exem plo, A t 14.23). Sexto, to m ar estes textos descritivam ente destrói aos poucos outras doutrinas nestes livros, reduzindo-os ao “que eles estavam fazendo”, e elim inando “o que nós tam bém deveríam os estar fazendo”. Sétimo, e finalm en te, a linguagem e os contextos das passagens sobre o governo da igreja são prescritivos; a eleição dos presbíteros foi estabelecida pelos apóstolos, o fund am ento da igreja (E f 2.20; At 2.42).
O C orreto Tratamento que Deve Ser Dispensado a um Presbítero na Igreja do Novo Testamento A fu nção dos presbíteros/bispos tam b ém pode ser vista n o tratam en to que deveria ser dispensado a eles. Os Anciãos (Presbíteros) não Devem Ser Repreendidos, mas Admoestados Paulo disse: “não repreendas asperam ente os anciãos, mas adm oesta-os co m o a pais; aos jovens, co m o a irm ãos; às m u lheres idosas, co m o a mães, às m oças, com o a irmãs, em toda a pureza” (1 T m 5.1,2). Os Anciãos (Presbíteros) Devem Ser Honrados “Os presbíteros que governam bem sejam estim ados por dignos de duplicada honra, principalm ente os que trabalh am na palavra e na d ou trin a” (1 T m 5.17). Os Anciãos (Presbíteros) não Devem Ser Acusados injustamente “Não aceites acusação co n tra presbítero, senão com duas ou três testem u n h as” (1 T m 5.19). Os Anciãos (Presbíteros) Devem Receber Submissão Pedro disse: “Aos presbíteros que estão en tre vós, adm oesto eu, que sou tam bém presbítero com eles, e testem u n h a das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revela [...] Sem elh an tem en te vós, jovens, sede sujeitos aos anciãos” (1 Pe 5.1,5).
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Os Anciãos (Presbíteros) Devem Ser Obedecidos “Obedecei aos que vos governam e sede-lhes sujeitos, pois eles velam pelas vossas alm as com o os que têm de dar contas” (Hb 13.17, T B ). A lém disso, a palavra grega para governar significa “cond u zir” ou “guiar” (A rnd t e G ingrich, GELNT, 344), e não com andar ou dar ordens. M esm o assim, esta obediência não era cega, m as bíblica, não irracional, m as ponderada. Assim co m o Paulo disse aos filhos: “sede obedientes a vossos pais no S e n h o r” (E f 6.1), igualm ente a obediência aos presbíteros deveria ser apenas “n o S e n h o r” e de acordo co m a sua palavra. A lém disso, visto que a congregação era a autoridade fin al14, o “g ov erno” dos presbíteros era adm inistrativo, e n ão legislativo. Os Anciãos (Presbíteros) Devem Ser Objeto das nossas Orações “O rai por nós [presbíteros], porque confiam os que tem os boa consciência, com o aqueles que em tudo querem portar-se h o n estam en te” (Hb 13.18). Os Anciãos (Presbíteros) Devem Ser Lembrados “Lem brai-vos dos que vos governaram , os quais vos falaram a palavra de D eus, e com tem p lan d o o fim do seu proced im en to, im itai a sua fé” (Hb 13.7, T B ). Q ualquer que fosse a fo rm a que esta lem b rança tom asse, ela m ostrava h on ra e respeito pelos presbíteros. Os Anciãos (Presbíteros) Devem Ser Saudados (Cumprimentados) “Saudai a todos os que vos governam e a todos os santos” (Hb 13.24). Jesus disse: “A n in gu ém na terra cham eis vosso pai” em u m sentido espiritual (M t 23.9), e a Bíblia tam bém diz: “P ortanto, dai a cada u m o que deveis [...] a quem tem or, tem o r; a quem hon ra, h o n ra” (R m 13.7). Os Anciãos (Presbíteros) Devem Ser Chamados para Orar pelos Enfermos Quando os doentes precisavam de oração, eles deveriam ch am ar os presbíteros: “Está alguém en tre vós doente? C h am e os presbíteros da igreja, e o rem sobre ele, ungindo-o co m azeite em n o m e do S e n h o r” (T g 5.14). Os doentes não eram levados à igreja, e não era apenas u m ún ico líder que orava por eles, mas m uitos.
O Papel dos Diáconos no Governo da Igreja do Novo Testamento O papel dos diáconos é visto a partir da sua origem , qualificações e relacion am ento com os presbíteros. A Origem dos Diáconos [...] crescendo o número dos discípulos, houve uma murmuração dos gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério cotidiano. E os doze, convocando a multidão dos discípulos, disseram: Não é razoável que nós deixemos a palavra de Deus e sirvamos às mesas. Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete homens de 14Veja abaixo, sob “O Papel da Congregação no G overno da Igreja Local”,
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boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio. Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra. E este parecer contentou a toda a multidão, e elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, e Filipe, e Prócoro, e Nicanor, e Timão, e Parmenas e Nicolau, prosélito de Antioquia; e os apresentaram ante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos (At 6.1-6). As Qualificações de um Diácono Paulo, em 1 T im ó teo 3.8-13, apresenta as qualificações de u m diácono: Os diáconos sejam [1] honestos, [2] não de língua dobre, [3] não dados a muito vinho, [4] não cobiçosos de torpe ganância, [5] guardando o mistério da fé em uma pura consciência. [6] E também estes sejam primeiro provados, depois sirvam, se forem irrepreensíveis. Da mesma sorte as mulheres sejam honestas, [7] não maldizentes, sóbrias [9] e fiéis em tudo. Os diáconos sejam [10] maridos de uma mulher e [11] governem bem seus filhos e suas próprias casas. Porque os que servirem bem como diáconos adquirirão para si uma boa posição e muita confiança na fé que há em Cristo Jesus. D iferente dos anciãos (presbíteros), os diáconos poderiam ser mais jovens na fé (v. 6) e não precisavam ter a m esm a aptidão para ensinar (3.2) ou refutar heresias (1.10). E ntretan to , alguns diáconos —co m o Estevão (A t 7) e Filipe (A t 8) —eram talentosos para o m inistério.
AS RELAÇÕES ENTRE, E AS FUNÇÕES DOS, PRESBÍTEROS, DIÁCONOS, APÓSTOLOS, PASTORES, E A CONGREGAÇÃO NA IGREJA DO NOVO TESTAMENTO
A Relação entre Presbíteros e Diáconos Cada igreja tinha u m a pluralidade tanto de diáconos com o de presbíteros (Fp 1.1). Os diáconos foram criados apara auxiliar os presbíteros. C om o subordinados, eles deveriam aliviar os presbíteros das tarefas servis para que os presbíteros pudessem se concentrar na oração e no m inistério da Palavra de D eus (A t 6.2). Os presbíteros eram supervisores dos assuntos doutrinários e espirituais da igreja; os diáconos, com o auxiliares, estavam encarregados dos m inistérios sociais e físicos15. A principal tarefa dos diáconos era a distribuição de alim entos e roupas: Naqueles dias, crescendo o número dos discípulos, houve uma murmuração dos gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério cotidiano [da comida]. E os doze [...] disseram [...] Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio (At 6.1-3).
15 L em b re-se de q u e os p resb íteros e ra m su p ervisores (1 Pe 2.25); líderes/ govern antes (H b 13.17); p a stores (1 Pe 5 .1-4); p rofessores (1 T m 3.2); ap ologistas ( T t 1.9); árb itro s de co n ten d a s (A t 15); e atalaias das alm as (H b 13.17).
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Jesus ensinou: “Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de com er ou pelo que haveis de beber; n em quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir” (M t 6.25). Paulo acrescentou: “Tendo, porém , sustento e com que nos cobrirm os, estejam os co m isso con ten tes” (1 T m 6.8); esta era a preocu pação dos diáconos. A lém disso, os diáconos cuidavam das viúvas e dos órfãos. A esse respeito, Paulo adm oestou: “N unca seja inscrita viúva com m enos de sessenta anos [para receber ajuda], e só a que ten h a sido m u lh e r de um só m arid o” (5.9). Tiago acrescentou: “A religião pu ra e im aculada para com Deus, o Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do m u n d o ” (T g 1.27). Paulo ch am o u u m a m u lh er de diácono em R om an os 16.1: “R ecom end o-vos, pois, Febe, nossa irm ã, a qual serve [gr. diakonon] n a igreja que está em C encréia”. Visto que a palavra diácono significa “servo”, não há certeza sobre se Febe era um a m u lh e r que desem penhava oficialm ente o cargo de diaconisa ou se era u m a serva não-oficial16. M esm o assim, em favor da segunda opção, estão os seguintes fatos: (1) Nenhum grupo de diaconisas é mencionado biblicamente (cf. Fp 1.1). (2) Uma das qualificações de um diácono era ser marido (homem) de uma mulher (1 Tm 3.12). (3) Todos os diáconos originais eram homens (At 6.5). A referência às “m u lh eres” co m u m a lista separada de qualificações (1 T m 3.11) pode ter sido dirigida às esposas dos diáconos ou a u m grupo separado de m u lheres que serviam n a igreja: Se elas eram diaconisas era de se esperar que estas qualificações fossem mencionadas depois do versículo 13, quando a discussão a respeito dos diáconos terminou, em vez de serem inseridas bem no meio do parágrafo sobre os diáconos. Isto parece apontar para a conclusão de que elas eram as esposas dos diáconos (Ryrie, SBD, 145).
O Papel Especial dos Apóstolos na Igreja do Novo Testamento O fato de os apóstolos d esem penharem u m papel fu nd am ental, oficial e tem p o ral na igreja pode ser visto a partir do relacionam ento que tin h a m co m os outros. A Relação entre Apóstolos e Anciãos (Presbíteros) Todos os apóstolos eram presbíteros, mas nem todos os presbíteros eram apóstolos; presbítero era u m cargo na igreja, enquanto o apostolado era u m dom usado para escolher indivíduos na igreja. Por exemplo, os apóstolos João e Pedro eram presbíteros (2 Jo 1.1; 1 Pe5.1; cf. 3 Jo); quando Judas traiu Jesus, Pedro, citando o Salm o 109, disse: “Tom e outro o seu bispado” (A t 1.20). Todos os apóstolos eram presbíteros (bispos) pelo cargo; eles eram apóstolos pelo dom, dado por Deus à igreja (Ef 4.8,11). U m apóstolo era um presbítero com o dom apostólico. O Papel Apostólico Era Temporário O apostolado não só era u m dom, era tam bém u m dom temporário; o s apóstolos viveram apenas no século I, pois eles tinham que ser testem unhas do Cristo ressuscitado, um a qualificação estabelecida quando Judas foi substituído por Matias em Atos 1.22. Paulo 16 C om o em 1 Coríntios 16.15 —veja Ryrie, SBD, 144-45.
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tam bém defendeu o seu apostolado dizendo: “Não sou eu apóstolo? [...] Não vi eu a Jesus Cristo, Senhor nosso?” (1 Co 9.1; cf. 15.7-9). Além disso, os apóstolos faziam parte do fundamento da igreja, estabelecido som ente no século I(Ef2.19,20). Além disso, os apóstolos, juntam ente com os profetas, receberam a revelação registrada no Novo Testamento, a qual foi dada uma vez para edificar a igreja de todos os tempos (2 T m 3.16,17). Estes hom ens eram a autoridade viva, e registraram um a autoridade escrita perm anente para a nossa fé. (Veja apêndice 4.) Eles nunca elegeram novos apóstolos para os substituírem (A t 12.2), mas apenas novos presbíteros para servir com eles e após eles (cf. 14.23; T t 1.5). Na verdade, m esm o aqueles que eram apóstolos cham avam a si m esm os de “presbíteros” nas suas últim as epístolas (cf. 2 Jo 1; 3 Jo 1; 1 Pe 5.1). Tam bém , depois da m o rte dos apóstolos, quando os autores que escreveram nos séculos II e III quiseram reivindicar revelação e autoridade divinas para os seus escritos, eles alegavam ser apóstolos; esta alegação sugere que sabiam que esta revelação e autoridade tinham morrido com os apóstolos. Os Apóstolos Eram a Autoridade Final da Igreja Primitiva Os apóstolos não só eram o fu n d am ento da igreja do N ovo Testam ento (E f 2.20), co m o tam bém a sua autoridade de governo. Eles elegiam os presbíteros (A t 1.23; T t 1.5), o seu ensino (sendo a revelação de D eus) era a base da igreja (A t 2.42), e resolviam as disputas doutrinárias (A t 15; cf. G 1 2). Os Apóstolos Eram a Fonte da Nova Revelação da Igreja Primitiva Paulo disse: “Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por m im foi anunciado não é segundo os homens, porque não o recebi, nem aprendi de hom em algum, mas pela revelação de Jesus Cristo” (G 11.11,12). Pedro reconheceu as epístolas de Paulo com o reveladas por Deus (2 Pe 3.13-16) e as colocou junto com a Escritura do Antigo Testamento (cf. 2 T m 3.15,16). Na realidade, (1) visto que Jesus havia prom etido guiar os apóstolos em “toda a verdade” e fazê-los lem brar de “tudo quanto vos ten h o dito”17; (2) visto que os apóstolos viveram apenas no século I18; e (3) visto que o Novo Testam ento é o único registro autêntico do ensino apostólico do prim eiro sécu lo19, conclui-se que os apóstolos foram os vasos da revelação final de Deus para a igreja. Este é o m otivo pelo qual foram dados somente a eles e só eles poderiam m anifestar os “sinais do apostolado” (2 Co 12.12), milagres para confirm ar a revelação que haviam recebido de Deus (Hb 2.3,4), em bora ainda hoje tenham os muitos milagres, que continuarão até à volta do Senhor Jesus. Quando o últim o apóstolo escreveu o últim o livro do Novo Testam ento, ele ju n to u ao livro esta advertência: Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro; e, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida e da Cidade Santa, que estão escritas neste livro (Ap 22.18,19). A Relação entre Presbíteros e Pastores Há u m a ligação m u ito próxim a en tre presbíteros e pastores, m as aqui, novam ente, n em todos os presbíteros eram pastores, visto que presbítero é u m cargo e o pastorado é u m dom . Paulo disse: “Se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja” (1 T m 17 João 16.13; 14.26.
18Atos 1.22; 1 Coríntios 9.1.
19Veja V olum e 1, capítulos 26, 28.
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3.1; cf. A t 1.20). O pastorado era u m d om que alguns presbíteros possuíam (E f 4.8,11), de fo rm a que u m pastor é u m presbítero especial com o dom de pastorado/ensino: “Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina” (1 T m 5.17).
O Papel da Congregação no Governo da Igreja Local A igreja do Novo Testam ento não só era auto-governada, mas a congregação tam bém desem penhava u m papel im p ortan te neste governo. E m bora os presbíteros fossem os líderes da congregação, a congregação influía significantem ente nos assuntos da igreja. A Congregação Examinava os seus Próprios Membros E m bora Jesus te n h a descrito a cristandade entre as suas duas vindas co m o contend o tan to trigo quanto joio, crentes e descrentes (M t 13.24-30), em n e n h u m a passagem é prescrito por Jesus ou pelos seus apóstolos que os descrentes deveriam fazer parte de um a igre j a lo c a l.C o m o a igre j a invisível, a igre j a visível deveria ter apenas m em bros regenerados; som ente aqueles que estão na igreja invisível de C risto (2 C o 5.17) devem estar n a igreja visível, porque Ele é a Cabeça de ambas. As epístolas do Novo Testam ento n u n ca se dirigiram a descrentes; se havia descrentes na igreja, é porque eles se “in trod u ziram ” (Jd 4) por m eios ilegais, não porque foram con scientem en te aceitos. O diabo sem eou o joio no m eio do trigo (M t 13.26-28). A Congregação Escolhia os seus Líderes Fica claro, a partir das palavras enfatizadas na citação seguinte sobre a origem dos diáconos, que a congregação na verdade escolhia os diáconos a quem os apóstolos então elegiam para a sua obra: E os doze, convocando a multidão dos discípulos, disseram: Não é razoável que nós deixemos a palavra de Deus e sirvamos às mesas. Escolhei, pois, irmãos [a igreja], dentre vós [a igreja], sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio. Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra. E este parecer contentou a toda a multidão [a igreja], e [eles —a igreja] elegeram [os diáconos] [...] e [a igreja] os apresentaram ante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos (At 6.2-6). Em m uitas versões em língua inglesa da Bíblia, Atos 14.23 diz que os apóstolos “ord en aram ” [não elegeram ] anciãos (presbíteros) na igreja. A palavra em 6.3 é im portante: A congregação deveria escolhê-los, e os apóstolos, nom eá-los. Podem os presum ir que u m a vez que os presbíteros e diáconos possuíam qualificações sim ilares, o m esm o proced im ento se aplicava a ambos. João C alvino disse: Lucas relata que Barnabé e Paulo ordenaram presbíteros em todas as igrejas, mas que Paulo, ao mesmo tempo, estabelece o plano ou o modo quando diz que foi feito por eleição [votação]. [Assim,] todo o grupo, como era o costume dos gregos em eleições, declarava, mostrando com as mãos, qual dos dois eles desejavam ter [...] Certamente não se pode crer que Paulo tenha concedido mais a Timóteo e a Tito do que aquilo que
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assumiu para si mesmo. Agora vemos que o costume era indicar bispos pela eleição do povo (ICR, 4.3.15). Toda a igreja estava envolvida; aparentem ente, a congregação exam inava e escolhia os diáconos, a quem os apóstolos então apontavam e consagravam (separavam ) para o seu m inistério. Após a m o rte dos apóstolos, o corpo de crentes provavelm ente tam bém escolhia os presbíteros, assim co m o escolhiam os seus próprios diáconos (A t 6). A Congregação Exercitava a Disciplina na Igreja
A lém de escolher os seus próprios líderes, a igreja local exercitava a disciplina: Geralmente, se ouve que há entre vós [a congregação] fornicação e fornicação tal, qual nem ainda entre os gentios, como é haver quem abuse da mulher de seu pai. [Vos20, a congregação,] estais inchados e nem ao menos vos entristecestes, por nâo ter sido dentre vós tirado quem cometeu tal ação [...] em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, juntos vós [a congregação] e o meu espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo, seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no Dia do Senhor Jesus (1 Co 5.1,2,4,5). Obviam ente, todos estavam envolvidos na decisão de excluir este m e m b ro . Felizm ente, ele se arrependeu, e toda a congregação tam bém estava envolvida na restauração do tal co m o m em bro: Basta ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que, pelo contrário, [vos, a congregação,] deveis, antes, perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja, de modo algum, devorado de demasiada tristeza (2 Co 2.6,7). Paulo fala da igreja em Tessalônica co m o estando toda envolvida n a disciplina: “E vós, irm ãos, não vos canseis de fazer o bem . Mas, se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai o tal e não vos m istureis com ele, para que se envergonh e” (2 Ts 3.13,14). (1) Paulo se refere aos envolvidos com o “irm ãos”; (2) todos eles deveriam se desassociar de u m m em b ro que sofreu a disciplina; e (3) todos eles deveriam perseverar em fazer o bem. A Congregação Tomava a Decisão Final em Casos de Ofensa
A lém disso, o proced im ento pelas ofensas, apresentado por Jesus em M ateus 18, m o stra que a “igreja” com o u m todo (por exem plo, a congregação) tom ava a decisão final nestas questões cruciais: Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão. Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que, pela boca de duas ou três testemunhas, toda palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano
(vv. 15-17).
20 E sta exp ressão está c o n fo rm e a v ersão in g le sa KJV; n o te x to g rego , os te rm o s estã o n o p lu ra l.
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A corte de apelação final consistia não só dos presbíteros, mas de toda a igreja A Congregação Comissionava Missionários Na igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé, e Simeão, chamado Niger, e Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca, e Saulo. E, servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartaime a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando, e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram (At 13.1-3). E m bora “eles”, no con tex to, pareça se referir diretam ente a estes líderes da igreja citados, os líderes estavam provavelm ente atuando co m o representantes de toda a congregação. De fato, p o steriorm en te (em 15.40), Lucas fala que os “irm ãos” encom end aram Paulo e Barnabé, o que sugere o envolvim ento m ais am plo da congregação n o com issionam ento. Isto é p articu larm en te digno de n o ta com relação ao papel da igreja local; até m esm o Paulo, que recebeu revelações d iretam ente de D eus (G1 1), foi com issionado por u m a igreja local para fazer a obra m issionária. Toda a Igreja de Jerusalém Estava Envolvida em uma Decisão Doutrinária Em bora houvesse apóstolos vivos que tin h am autoridade divina nos assuntos doutrinários21, “toda a ig reja” em Jeru salém estava envolvida n a decisão sobre se a circuncisão era necessária sob a N ova Aliança: “Então, pareceu bem aos apóstolos e aos anciãos, com toda a igreja, eleger varões d en tre eles e enviá-los com Paulo e Barnabé a A ntioquia, a saber: Judas, cham ad o Barsabás, e Silas, varões distintos entre os irm ãos” para apresentarem a decisão (A t 15.22). A inclusão destes h om en s parece revelar u m papel para o qual eles estavam sendo preparados, quando chegasse o m o m en to da ausência dos apóstolos, quando a igreja local teria que tratar destes tipos de questões sobre a base da dou trina apostólica, registrada nos escritos apostólicos do N ovo Testam ento. Assim os “apóstolos e anciãos” da igreja de Jeru salém 22 tom avam decisões com as quais toda a igreja concordava; os grupos envolvidos eram (1) os apóstolos, (2) os anciãos (vv. 2,6), e (3) a congregação (v. 22). Nesta época (c. 49), Paulo já havia com pletad o a sua prim eira viagem m issionária, igrejas já haviam sido im plantadas por toda a Ásia M enor, e o cristianism o estava se expandindo rapidam ente; Tiago, em bora não fosse u m dos doze apóstolos, era u m dos principais presbíteros; a sua posição pode se inferida por ele ter resum ido a decisão do grupo (w . 13-21), bem co m o por ter sido m encionad o co m o “o irm ão do nosso S e n h o r” (G 1 1.19) e, ju n tam e n te co m Pedro, u m líder altam ente respeitado n a igreja de Jerusalém (cf. G1 2.2). Visto que os apóstolos vivos ainda eram a principal autoridade, a decisão da igreja pode sim plesm ente ter sido concordante, em bora isto não esteja inteiram ente claro. O que parece claro é que, em bora eles tivessem autoridade para definir doutrinas, os apóstolos já haviam introduzido outros presbíteros, os haviam treinado para a liderança, e estavam envolvendo toda a congregação nas decisões. A lém disto, talvez esta fosse um a 21 A to s 2.42; Efésios 2.20; 2 T essalo n icen ses 3.6.
22 O p ap el d o m in a n te da ig r e ja de Je ru s a lé m n e ste a ssu n to re v e la dois fatos
im p o rta n te s . Primeiro, os líderes das ig reja s n esta s q u estões n ã o e ra m Pedro e a ig r e ja e m R o m a , m as T ia g o e os apóstolos e m Jeru sa lém . Segundo, a d ecisão d a ig r e ja de Je ru s a lé m e ra p ro cu ra d a c o m o te n d o a u to rid a d e , p o rq u e e la ain d a t in h a “os a p ó s to lo s ” e os “p resb íte ro s” que eles h a v ia m eleg id o (v e ja A t 14.23).
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preparação para quando as autoridades apostólicas vivas m ão mais estivessem presentes, e as congregações locais (co m seus líderes) tivessem que to m ar estas decisões23. Governo dos Presbíteros ou Governo da Congregação? A luz do papel da congregação, co m o explicado no N ovo Testam ento, devem os discordar de A lexander Strau ch (nascido 1944), que diz: O Novo Testamento não indica que a congregação governe pelo voto majoritário, e não há nenhuma evidência de que Deus tenha concedido a cada membro um único voto que seja igual ao dos demais membros. Antes, a congregação do Novo Testamento é governada pelos seus próprios presbíteros congregacionais (BE, 293). Há u m a distinção im p ortan te entre o governo de u m presbítero e a direção de um presbítero; o prim eiro não é ensinado no Novo T estam ento, m as o segundo, sim. Entendem os que a autoridade final para a igreja — incluindo a escolh a dos líderes e a disciplina dos m em bros —está co m a congregação.
Relações entre as Igrejas do Novo Testamento Os apóstolos e os prim eiros evangelistas iniciaram congregações independentes e auto-governadas, sendo que todas tin h am os seus próprios presbíteros e diáconos e eram responsáveis, co m seus líderes, por to m a r decisões. Isto, n atu ralm en te, era baseado na Palavra infalível de Deus (Jo 10.35; 2 T m 3.16,17), que era o A ntigo T estam en to24, e, adicionalm ente, no ensino co m autoridade dos “apóstolos e profetas” (E f 2.20; cf. At 2.42), que estavam recebendo revelação adicional de Deus que seria depois escrita no Novo Testam ento. P ortanto, quanto à relação entre estas igrejas, pergunta-se: Quais (se algum a) eram as ligações organizacionais entre elas?, e: Havia um a “d en om in ação” de igrejas? Antes de estas perguntas serem respondidas, u m a pergunta prelim in ar deve ser feita: Os dados bíblicos referentes ao governo da igreja são m eram en te descritivos da m aneira co m o era feito na época, ou são prescritivos da m aneira co m o deveria ser feito agora? Sem en trar em m u itos detalhes, parece que os textos relacionados nas epístolas pastorais são mais que descritivos — eles estão prescrevendo o que deveria ser, co m o é evidenciado pelas exortações a esse respeito25. Paulo até m esm o disse, especificam ente, a T im ó teo que ele estava escrevendo para que a sua congregação soubesse “co m o convém andar na casa de Deus, que é a igreja do D eus vivo, a colu n a e firm eza da verdade” (1 T m 3.15). A lém disso, “tu do que dantes foi escrito para nosso ensino foi escrito, para que, pela paciência e consolação das Escrituras, ten h am o s esperança” (R m 15.4), e “tudo isso lhes sobreveio 23 H á u m a g ran d e variedad e de o p in iõ es q u a n to à a u to rid a d e deste g ru p o e m Jeru sa lém , desde “m e ra m e n te c o n s u ltiv o ” até “c o m au to rid ad e eclesiástica ”. A qu eles q u e te n d e m à seg u n d a fin alidade — a m a io ria dos quais p ro ce d e m d o g o v e rn o ep iscop al ou p resb iterian o — c h a m a m esta c o n te n d a de “o p rim e iro concilio da ig r e ja ”. E arl R a d m a c h e r, re p rese n ta n d o o g o v e rn o c o n g re g a c io n a l d a ig reja , a v ê c o m o u m a conferência q u e tin h a u m a p o siçã o c o n su ltiv a (N C , 3 48-49). N o e n ta n to , v isto q ue o ap elo e ra aos a p ó sto lo s, visto que a d ecisão e ra deles (c o m sua a u to rid a d e viva), v isto q u e e ra c h a m a d a de u m “m a n d a m e n to ” e “d e c re to s p a ra gu a rd a r” (15.24; 16.4), e v isto q ue foi en viad a a u m g ru p o de ig reja s (1 5 .2 3 ), a d e te rm in a ç ã o p a rec e te r tid o a u to rid a d e s o b re todas as ig reja s. 25 Cf. 1 T im ó te o 1.3; 2.1; 4.1; 5.1; 2 T im ó te o 4 .1; T ito 1.5,9.
24 C f. R o m a n o s 15.4; 2 T im ó te o 3.15; 1 C o rín tio s 10.11.
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co m o figuras, e estão escritas para aviso nosso” (1 Co 10.11); m esm o assim, o m od elo de co m o a igreja deveria ser operada, co m o exem plificado pelos apóstolos, era u m m odelo p rescrito por Deus que nós, igualm en te, devem os seguir. E difícil superar o resu m o deste tópico, feito por Earl R adm acher: (1) A igreja local tem autoridade para julgar os seus próprios membros (1 Co 5.13). Até mesmo um apóstolo não aceitou excluir um membro, mas convocou a igreja local para fazê-lo. (2) A igreja local tem autoridade para eleger os seuspróprios oficiais (At 6.1-6). Nem mesmo os apóstolos aceitaram escolher os oficiais da igreja local, mas convocaram a igreja para fazê-lo. (3) A igreja local tem autoridade para guardar e observar as ordenanças (1 Co 11.23: “Eu vos ensinei”). Não foi para o clero, nem para os presbíteros ou bispos [que esta autoridade foi dada]. (4) A igreja local tem autoridade para resolver suas próprias dificuldades internas (1 Co 6.1-5). Paulo não elegeu um comitê, mas instruiu a igreja a examinar a questão. (5) A igreja local tem autoridade para definir as questões que envolvem o relacionamento das várias igrejas locais (At 15.1,2,22,23,25,30). Esta não foi uma conferência de suseranos eclesiásticos, mas de duas igrejas locais, cada uma delas soberana em seus próprios assuntos. Uma protesta através de delegados (22), a outra responde através de delegados (22). Nem mesmo os apóstolos aceitaram autoridade exclusiva no assunto. (6) Todo “Governo da Igreja no Novo Testamento se aplica aos grupos locais” (veja Forrester, “CG”, in: ISBE). (7) A autoridade da igreja local é final no que se refere aos seus próprios assuntos (Mt 18.17). Não há tribunal superior26. (8) A cooperação voluntária e a comunhão das igrejas são possíveis e desejáveis (NC, 347-48). A cooperação volu ntária pode e deve oco rrer en tre igrejas independentes que ten h am a m esm a fé preciosa; h o je tem os m uitas constru ções sendo edificadas, mas não estam os edificando o reino de Deus da m aneira co m o poderíam os e deveríam os edificálo. No entanto, tal cooperação deve ser voluntária, não compulsória — u m a co m u n h ão , não u m a organização hierárquica que usurpa a au ton om ia e a autoridade da igreja local. Paulo especificam ente incentiva as igrejas a se aju d arem m u tu am en te: Ele m esm o foi responsável p o r u m a oferta para ajudar os crentes pobres em o u tra igreja (R m 15.26; G1 2.10); ele pediu oração por aqueles em outras igrejas (1 Ts 5.25; 2 Ts 3.1); ele foi enviado co m o m issionário de u m a igreja para iniciar outras (A t 13.1-3); e ele recebeu as “destras em co m u n h ã o ” de ou tro grupo de m em bros (G1 2.9). A lém disso, há o dever geral de m anifestar am or aos irm ãos de outras igrejas (Jo 15.13; 1 Jo 3.16).
A Autonomia da Igreja Local Há m uitas indicações (e a m aioria delas está contida na discussão acim a) de que cada igreja local tin h a a sua própria autonom ia. Cada igreja: (1) tinha os seus próprios oficiais (Fp 1.1; At 14.2); (2) tinha a sua própria lista de membros (1 Tm 5.9);
26 N o v a m en te , o q u e v e m o s e m v ez disso é u m g ru p o de igrejas in d ep en d en tes, a u to -g o v e rn a d a s, te n d o p resb íte ro s c o m o líd eres, d iácon os c o m o au xiliares, e a co n g reg a çã o ta n to p a ra e sc o lh ê -lo s c o m o p a ra lidar c o m q u estões im p o rta n te s . (H á, n a tu r a lm e n te , u m a e s tr u tu r a su p e r d e n o m in a c io n a l e in te r-re lig io sa n a g ran d e ig r e ja ap ó sta ta , a “M ãe das P ro stitu iç õ es”, ou “M ãe das M e re triz e s” [Ap 17—18], a q u al C ris to irá ju lg a r n a sua s egu n d a v in d a [v. 19].)
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elegia os seus próprios oficiais (At 6.1-7); enviou os seus próprios representantes para a conferência em Jerusalém (At 15.2); tinha o dever de tratar das próprias dificuldades internas (1 Co 6.1-5); disciplinava os seus próprios membros (5.1-5); tinha autoridade para estender a comunhão aos irmãos de outras igrejas (G1 2.9); enviava os seus próprios missionários (At 13.2);
(9) assumia a sua própria responsabilidade para com a sua Cabeça invisível (Ap 1—3); (10) tinha liberdade de cooperar com outras igrejas (2 Co 8.8-19); (11) tinha autoridade para guardar e administrar as suas próprias ordenanças (1 Co 11.23).
As Lições de João, o Apóstolo, e das Sete Igrejas da Ásia Menor O retrato da m aneira com o João lidava com as igrejas da sua área (que estavam em declínio ou desordem ), enquanto ele ainda estava vivo, nos deixa várias lições notáveis. Primeiro, João nunca usou o seu poder apostólico para anular a autonomia da igreja local. Na verdade, ele nunca usou o seu título de apóstolo em todo o livro de Apocalipse. João nunca recorreu à sua posição apostólica m esm o quando algumas destas igrejas estavam passando por terríveis dificuldades, e não há dúvida de que nesta época a doutrina apostólica com o o fundam ento da igreja, havia sido firm em ente estabelecida27, a m aior parte ou quase todo o Novo Testamento havia sido escrito2,5, e a torm a perm anente do governo da igreja havia sido estabelecida. Segundo, ao contrário, João mostrou grande respeito pela pluralidade e autonomia das igrejas. Ele recon h eceu cada igreja com o tendo um a autoridade auto-governante, e exortou cada um a a corrigir os seus próprios problem as. N em um a só vez ele segurou u m cajado d enom inacional sobre as suas cabeças exigindo que se conform assem ; antes, ele as convocou com o igrejas individuais para se “arrepend erem ”29. Terceiro, Jo ã o admitiu que Cristo era a Cabeça invisível dessas igrejas. N enhu m apelo é feito a um a cabeça visível em R om a, Jerusalém , ou qualquer outro lugar; em vez disso, João os lem bra que Cristo estava andando no m eio deles e que iria julgá-los. De fato, Ele am eaça tirar o castiçal deles (Ap 2.5) se deixassem a sua luz (que brilhava por Ele) se apagar. Já observam os que esta idéia de C risto co m o Cabeça do corpo visível de crentes está presente em outras passagens (cf. At 9.4; 1 Co 12.12-31); a Cabeça segura as igrejas locais em sua m ão direita (Ap 1.16), seus olhos santos p en etram os pensam entos interiores deles, e a sua ju sta m ão pesa cada um a das ações deles. Quarto, e finalmente, o Espírito Santo, que habita na igreja, é um guia todo-suficiente. Devido ao Espírito onisciente que nela habita, a igreja não tem necessidade de um a cabeça visível ou de um a superorganização que im ponha a sua vontade sobre as congregações locais. Sete vezes em Apocalipse 2—3 lemos: “Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas” (2.7,11,17,29; 3.6,13,22). O Espírito de Deus, falando através da Palavra de Deus, é suficiente para guiar a igreja de Deus.
Comparando e Contrastando a Igreja Universal com as Igrejas Locais Agora que jádiscutim os tanto aigreja universal30com o a igreja local31, podemos com parálas e contrastá-las. A igreja universal é invisível; as igrejas locais são visíveis. Há apenas uma igreja universal; há muitas igrejas locais. A igreja universal é um organismo; a igreja local 27 T e n d o c o n firm a d o a sua m e n sa g e m — cf. H eb reu s 2.3,4. vivos p elos seu s e scrito s.
28 O u tra vez, su b stitu in d o assim a a u to rid a d e dos ap ó sto lo s
29 V eja A p ocalip se 2.5,16,21,22; 3.3,16.
30 V eja c a p ítu lo 2.
31 V eja ca p ítu lo s 3-4.
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é um a organização. A igreja universal tem apenas m em bros salvos; a igreja local pode conter tanto m em bros salvos com o perdidos. A igreja universal com preende todos os crentes desta era, tanto vivos com o m ortos; a igreja local possui apenas m em bros vivos. Conseqüentemente, enquanto a igreja universal compreende todo o corpo de Cristo, a igreja local compreende apenas parte dele. Cristo, a Cabeça da igreja, é visível para os membros daigreja universal que estão no céu, mas Ele é a Cabeça invisível das igrejas locais na terra. Não há presbíteros ou diáconos na igreja universal, mas as igrejas locais possuem a ambos. Igualmente, as ordenanças não são praticadas na igreja universal, mas as igrejas locais praticam o batismo e a Ceia do Senhor32. Não há denominações no céu; a igreja local é representada por muitas denominações. Finalmente, embora as portas do inferno não possam destruir a igreja universal, algumas igrejas locais têm sido destruídas pela influência delas. Para resum ir:
Igrej a(s) Local (is)
Igreja Universal Invisível
Visível
Uma igreja Um organismo Membros salvos Membros vivos e mortos Todo o corpo de Cristo
Muitas igrejas Uma organização Membros salvos e perdidos Membros vivos Parte do corpo de Cristo
Cristo é Cabeça visível no céu Sem presbíteros ou diáconos Sem ordenanças Sem denominações Indestrutível
Cristo é Cabeça invisível na terra Presbíteros e diáconos Duas ordenanças Muitas denominações Destrutível
A BASE TEOLÓGICA PARA A NATUREZA DA IGREJA LOCAL A lém da base bíblica para a igreja visível, há tam bém u m fo rte fu nd am en to teológico, tanto n a natu reza de D eus co m o na natu reza dos hom ens.
A Natureza de Deus Vários atributos de D eus fu nd am entam a dou trin a da ig reja local, incluindo a eternidade, a im utabilidade, a onisciência, a soberania, e a graça. Os apoios para estes atributos já foram apresentados33.
A Natureza do Homem No entanto, a respeito da igreja local, pelo m enos mais u m a dou trin a deve ser m encionada: a corrupção hu m an a34. Deus sabia que as suas igrejas locais estariam nas m ãos de pessoas finitas e falíveis. Entre outros aspectos da corru p ção, está a inclinação hu m an a para o poder, a qual João observou em sua terceira epístola: “Tenho escrito à igreja; m as D iótrefes, que p ro cu ra ter entre eles o prim ado, não nos recebe” (v. 9). Este desejo de proem inência pode ser a origem da prim azia da base d ogm ática do episcopado35. V eja c a p ítu lo 5; v e ja t a m b é m V o lu m e 3, c a p ítu lo 13. * V eja V o lu m e 3, c a p ítu lo 5.
33 N os ca p ítu lo s 1-2; v e ja ta m b é m V o lu m e 2, esp e cia lm e n te p a rte 1.
35 P o r e x e m p lo , a in c lin a ç ã o h u m a n a e m m a n te r o c o n tro le p o d e exp lica r o c o m p ro m isso
de alg u m as ig rejas ou d e n o m in a ç õ e s c o m a fo rm a e p iscop al de go v e rn o .
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D e qualquer m aneira, D eus previu o que a história h u m an a revelou sobre a correlação do poder com a corrupção, e Ele aparentem ente decidiu que a sua igreja visível estaria em m elh o r situação com a autoridade distribuída ao longo de m uitas igrejas, em vez de localizada em u m a ún ica organização instável. Por exem plo, envenenar u m ún ico poço não afeta outros poços não conectados, m as envenenar o suprim ento de água central de u m a cidade afetará a tu do e a todos que te n h am acesso a ele. S em elh an tem en te, um a ú n ica congregação individual corrom pida pelo falso ensino não con tam in a d iretam ente outras, de m aneira que o falso ensino em u m a organização hierárquica, vindo de cim a para baixo, im pregnará todas as igrejas que estiverem sob o seu dom ínio. A corrupção humana requer a existência de igrejas independentes e autogovernadas. A sabedoria de Deus quanto à nossa corrupção tam bém é m anifestada dentro da igreja local; o governo congregacional con tém u m a estru tu ra de verificação e equilíbrio não encontrada nos m odelos de governo de presbíteros ou bispos. Na m u ltid ão de conselhos há sabedoria: E m enos provável que a m aior parte da congregação se desvie da verdade do que um ou alguns líderes.
A BASE HISTÓRICA PARA A NATUREZA DO GOVERNO DA IGREJA Quando se aborda o desenvolvim ento histórico do governo da igreja, três coisas se destacam : Primeiro, os sucessores im ediatos dos apóstolos seguiram o m od elo de governo estabelecido no N ovo T estam ento —igrejas locais independentes e au tônom as lideradas p o r u m a pluralidade de presbíteros (sinônim o de bispos). Segundo, até o sécu lo II, u m a fo rm a episcopal básica de governo tin h a surgido, com u m bispo em cada igreja (ju n ta m en te co m presbíteros). Terceiro, co m o passar do tem po, foi dada aos bispos autoridade crescente até que houvesse u m bispo sobre toda um a região e finalm en te u m bispo sobre bispos, o bispo de R om a; por fim, em 1879, no Prim eiro Concilio Vaticano, a Igreja C atólica R om an a declarou o bispo de R o m a com o infalível em fé e prática36.
Os Pais Apostólicos e o Governo da Igreja Os Pais apostólicos do final do século I e a m aioria dos Paisdo com eço do século II seguiram o m odelo de pluralidade dos presbíteros (bispos) do N ovo T estam en to em igrejas locais independentes e autônom as, unidas pela autoridade co m u m da d outrina do A ntigo e do N ovo T estam ento. A Epístola do Pseudo-Barnabé (c. 70-130) M uitos estudiosos consideram esta obra a mais antiga de todas as fontes extrabíblicas posteriores ao Novo T estam ento. A epístola é dirigida a “filhos e filhas”37 na fé (1); eles são exortados a evitar qualquer “ru p tu ra” (19) e a p rom over a paz en tre facções discordantes, o que sugere que as congregações tin h am autoridade para fazer isso. Não há referência a qualquer bispo sobre u m a igreja ou grupo de igrejas. 36 V eja ap ên d ice 4.
37 T a m b é m c h a m a d o de “filh o s de a m o r e p a z ” (2 1). (N o ta : O n ú m e r o 21 aq u i in d ica o v e rs íc u lo n a
tra d u ç ã o de J. B. L ig h tfo o t d esta ep ísto la. O u tro s v e rsícu lo s ta m b é m são in dicados e m p arên teses p o r tod a a s eçã o .)
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Clemente de Roma (c. século I d. C.) Em bora a Primeira Epístola de Clemente aos Coríntios tenha sido escrita a partir da “Igreja de Deus que residia em R om a”, ele exortou os crentes dizendo: “Sujeitai-vos aos vossos governantes [plural] e concedei aos anciãos que há entre vós a honra que lhes é devida” (1). “Coloquem os diante dos nossos olhos [o exemplo] dos bons Apóstolos” (5). Não há afirmação de primazia petrina; os crentes foram admoestados a se “oporem aos líderes que se exaltam sobre os outros” (13; cf. 23). O fato de eles serem advertidos a não “se exaltarem sobre o rebanho” (16) fala contra u m episcopalismo autoritário. Em vez disso: “Reverenciemos os nossos governantes; honrem os os nossos presbíteros” (21); “sujeitai-vos aos presbíteros” (57). C lem en te falou dos “A póstolos [que] receberam o evangelho do S en h o r Jesus Cristo, para n ó s”. Q uando eles estabeleceram u m a igreja, eles “elegeram [...] bispos e diáconos” (42). Ele até m esm o afirm ou que os apóstolos previram “que haveria discussão sobre o n o m e do cargo do bispo”, e assim “aprovaram h om en s [que] tiveram êxito em suas m inistrações” (44). Isto desvirtua qualquer sucessão apostólica — os apóstolos elegiam presbíteros para sucedê-los em cada igreja (A t 14.23). A té m esm o Ludwig O tt adm ite: “A carta não co n tém u m a declaração form al da Primazia, isto é, um a invocação expressa da preem inência da Igreja R om an a, n em medidas ju ríd icas” (FCD, 283). Inácio (falecido c. 110) Inácio m anifesta o que pode ser a fo rm a mais antiga de governo episcopal no qual cada igreja tem u m bispo, além de presbíteros e diáconos38. Ele fala aos efésios sobre o “vosso bispo” (EIE , l ) 39 e sobre a necessidade que tin h am de se “su jeitar” ao seu bispo e presbítero (2). “Sejam os, p o rtan to , cuidadosos para não resistirm os ao bispo, e que por nossa submissão possam os nos entregar a D eu s” (5); “de fo rm a clara, p o rtan to , devem os considerar o bispo co m o o próprio S e n h o r” (6); “ajuntai-vos em co m u m [...] até o fim, para que possais obedecer ao bispo e ao presbítero sem distração de p en sam en to” (20). Em bora ele faça declarações similares em suas outras epístolas (por exem plo, EIM, 3), este respeito deve ser prestado em últim a instância a Deus, “o Bispo de todos” (ibid.). Inácio fala de um grupo de “igrejas” (12) com o entidades independentes, com seus próprios presbíteros e bispo (pastor), e do fato de ele ser “m em b ro” de u m a igreja local (13). Ele tam bém escreveu a “Policarpo, que é bispo da igreja de Esmirna, ou, antes, aquele que tem por seu bispo a Deus o Pai e a Jesus Cristo, abundantes saudações” (EIS, introd.): Atentai para o bispo, para que Deus também possa atentar para vós. Eu sou dedicado àqueles que estão sujeitos ao bispo, aos presbíteros, aos diáconos [...] Cabe a ti, bendito Policarpo, convocar um concilio piedoso e eleger entre vós alguém que seja muito estimado por vós, e também zeloso, que seja apto a levar o nome de mensageiro de Deus, para que ele possa ir à Síria e dedicar o vosso amor zeloso para a glória de Deus (6-7). 38 }. B. L ig h tfo o t ob serva c o rr e ta m e n te q ue, “p o r ta n to , a té o a n o 70, n ã o su rg iu n e n h u m sin a l d istin to de g o v e rn o ep iscop al n a cristan d ad e g e n tílica [...] O o fício ep isco p al fo i firm e m e n te e sta b e lecid o n o p rin cíp io d o s é c u lo II” (St. Pauis Epistle to the Phihppians, 201). N o e n ta n to , a sua su g estão de que o o fício ep isco p al desen volv id o e n tre 70 e 90, sob a aprovação im p líc ita d o “ú ltim o A p ó sto lo so b re v iv e n te ”, n ã o te m fu n d a m e n to . D e fa to , se h o u v e fo rm a s in cip ien tes disso n os dias de Jo ã o , n ão tiv e ram a sua aprovação, m as as suas ad vertên cias (cf. 3 Jo 9; H erm a s 2.4; Irin e u , A H , 4.2 6 .2 -5 ). L ig h tfo o t d efende o g o v e rn o episcop al, m as a d m ite q u e “algo e m seu d e sen v o lv im en to deve ser atrib u íd o à fragilidad e d o o r g u lh o h u m a n o e ao a m o r p e lo p o d e r” (ibid., 234).
39 A m e n o s q u e te n h a sido ob servad o o c o n trá rio , c o m o p o r A. C . C o x e (1818-1896)
n a ed ição de P hilip S ch aíf, as c itaçõ es aqui v ê m das tra d u ç õ es de L ig h tfo o t.
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Estes textos obviam ente representam um a form a de governo episcopal no qual a igreja tem u m bispo, m uitos presbíteros, e m u itos diáconos. O bispo não só é u m líder dos presbíteros, mas está em um a posição de autoridade à qual eles devem se sujeitar (cf. E IR , in trod u ção)40. No entan to , não há n e n h u m a afirm ação da prim azia do bispo de R om a sobre outros bispos: Pedro recebeu recon h ecim en to ju n ta m e n te com Paulo (ibid.), mas não sobre ele. Igualm ente, a autoridade do século I se encontrava nos “apóstolos” (plural — E IM , 6; cf. E I R , 4), e várias vezes Deus é cham ado de invisível “Bispo de todos” ( E I M , 3) e o “Pastor” ( E I R , 9). Isto concorda com a ênfase bíblica de Cristo com o a Cabeça invisível das igrejas visíveis, exatam ente co m o o apóstolo João o descreveu em Apocalipse (cf. cap. 1—3). A té m e s m o J. B. L ig h tfo o t (1 8 2 8 -1 8 9 9 ), q u e d efen d e a a sc e n sã o d o ep isco p a d o , c o m e n ta os e x tr e m o s aos quais In á c io o le v o u : Mal precisa ser frisado quão subversiva é, ao verdadeiro espírito do cristianism o, a negação da liberdade individual e a conseqüente supressão da responsabilidade direta a Deus em Cristo. A lém disto, observe o despotism o esm agador com o qual esta linguagem , se tom ada literalm ente, atacaria o cargo episcopal (SPEP, 237). O Pastor de H erm as (c. inicio do século I I )
A fo rm a de governo de Herm as envolvia a pluralidade de presbíteros e diáconos (2.4; cf. 3.1) guiados pelo “livro” (2.4). Ele fo rn eceu um a advertência im plícita contra a ascensão do governo episcopal, falando de alguém “que, parecendo ter o Espírito, exalta a si m esm o e que teria prazerosam ente o prim eiro assento” (M and. 11; cf. 3.9). Ele tam bém falou dos “apóstolos e bispos e doutores e diáconos” (3.5), e dos “governantes da ig reja” que “ocupam os prim eiros assentos” (3.9). Não há qualquer referência a u m bispo singular sobre qualquer igreja ou igrejas. Policarpo (final do século I I )41
U m dos valores dos escritos de Policarpo é que o seu autor era u m discípulo do apóstolo João, nos colocand o, assim, em con tato im ediato com a era apostólica. A sua Epístola aos Filipenses com eça co m as seguintes palavras: “Policarpo e os presbíteros (anciãos) que estão com e le” (introd u ção). Ele declarou que “os presbíteros” [plural] tam bém precisam ser com passivos e m isericordiosos para com os hom ens (6); ele se 40 A o rd e m d o d e sen v o lv im en to d o ep isco p ad o p a rece te r sido c o m o se segu e: P rim eiro , u m p resb íte ro a ssu m iu a lid era n ça s o b re os o u tr o s p resb íte ro s, d istin gu id o p e lo títu lo de bispo. E m segu ida, e ste bispo assu m iu a a u to rid a d e so b re os o u tro s p resb íte ro s n a su a ig reja. D ep ois, e le o b tev e a a u to rid a d e s o b re o u tra s ig reja s e m sua região. F in a lm e n te , o b ispo d e R o m a , e m v irtu d e de s er o c e n tr o do g o v e rn o ro m a n o , a ssu m iu a a u to rid a d e so b re to d o s os o u tro s bispos. P or ú ltim o , e le foi d eclarad o in falív el (e m 1870). E sta a u to rid a d e ra s te ja n te é a fo rtifica ç ã o e x te rio r de v ários fa to re s, in c lu in d o a in clin a çã o p ara o pod er, o d esejo de u m a fre n te u n ifica d a p a ra c o m b a te r as h eresias, e a n ecessid ad e dos im p e ra d o re s ro m a n o s te re m u m a fo rç a c o e sa m a n te n d o o im p é rio in ta c to . Q u a isq u er q u e fo sse m as causas de m o v im e n to , o re s u lta d o fin a l é u m sa lto g ig an te sco das ig rejas a u tô n o m a s e in d ep en d en tes d o N o v o T e s ta m e n to , cada u m a te n d o u m a plu ralid ad e de p resb íte ro s e d iáco n o s sem q u a lq u e r a u to rid a d e te rre n a ú n ic a so b re si. Q u a n to ao d e sen v o lv im en to in ic ia l de u m bispo, o c o m e n tá rio de L ig h tfo o t é e sc la rec e d o r: “[O d esen v o lv im en to ] fo i m ais le n to o n d e as in flu ên cia s d o m in a n te s era m m ais p u r a m e n te gregas, c o m o e m C o rin to , Filip o s e R o m a , e m ais ráp ido on d e u m e sp írito o rie n ta l p red o m in a v a , c o m o e m Jeru sa lém , A n tio q u ia e É feso” (SPEP, 2 25-26). O x fo rd U n iv ersity Press, 1997), 1107.
41 V eja F. L. C ross, The Oxford Dictionary o f the Christian Church (N o v a Y ork:
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coloco u ju n to co m os outros “presbíteros” (op. cit.)42; ele tam bém fez referência aos “diáconos”, insistindo que estes deveriam ser “irrepreensíveis” (5)43. Ele se referiu “ao próprio Paulo e ao resto dos apóstolos” (9), m as não fez n e n h u m a referência a Pedro pelo nom e. Ele escreveu sobre aqueles que “estão bem treinados nos escritos sagrados” (12), o que ele m esm o, repetidas vezes, citou nesta breve carta, m anifestando a sua crença em sua im portância. 0 Didaquê (Os Ensinos dos Apóstolos — c. 120-150) O Didaquê exortava todos os crentes a seguirem “co n fo rm e as ordenanças do E vangelho” co m o eles haviam recebido dos “apóstolos e profetas” (11). A fo rm a de governo foi padronizada segundo o Novo Testam ento (v eja Fp 1.1; A t 14.23): “Elegei para vós m esm os, p o rtan to , bispos e diáconos dignos do Sen h or [...] Não os desprezeis; pois eles são os vossos h om ens honrados ju n ta m e n te co m os profetas e d ou tores” (15). E m bora não h aja n e n h u m a afirm ação de qualquer episcopado, há u m a indicação das condições que levaram ao desenvolvim ento da prim azia dos bispos, encontrada na advertência con tra qualquer “ru p tu ra ” (4); a persistente presença de rupturas levou a desenvolvim entos posteriores das tentativas episcopais de unificar a igreja visível con tra divisões na d ou trina e na prática. Uma Antiga Homilia (a Assim Chamada “Segunda Epístola de Clemente” —c. 120-140) A “E scritu ra” é citada repetidas vezes co m o tendo autoridade divina (2-7 etc.). C itações são prefaciadas com “Ele [Deus] m esm o disse” ou algo sem elh ante (por exem plo, 3-5). Os crentes devem “atentar para as coisas que estão escritas” (19). Tanto “os Livros [da Bíblia] co m o os A póstolos” declaram a verdade de D eus (14). A liderança da igreja não era episcopal, mas tin h a u m a pluralidade de presbíteros; não há m enção de u m ú n ico bispo em u m a igreja ou sobre u m grupo de igrejas; a igreja era “adm oestada pelos presbíteros”, isto é, anciãos (18); u m ai é pronunciado sobre aqueles que “não obedecessem aos presbíteros” (17). Papias (final do século II) A fam osa Exposição dos Oráculos do Senhor de Papias está destruída; apenas fragm entos de seus escritos sobreviveram . Irineu preservou dois fragm entos, e outros escritores, incluindo Eusébio (263-340), co n têm outros m ateriais a respeito dele, incluindo que se acredita que ele foi “u m ouvinte de João e u m com panheiro de Policarpo” (Lightfoot, AF, 527). Papias confirm ou que não há u m a prim azia de Pedro — as suas duas listas dos apóstolos trazem André em prim eiro lugar e Pedro em segundo (F, 3, 7), e ele deu atenção especial a João (1, 3-4, 6, 9, 19-20). E nquanto Policarpo é cham ado de bispo por escritores posteriores, Papias se referiu a todos os apóstolos com o “presbíteros” (3), ou tra vez m o strand o a perm utabilidade dos term os, e não fez n e n h u m a m enção do governo episcopal na igreja ou nas igrejas.
42C f. Filip enses 1.1; A tos 14.23; F ile m o m 1.1. 43O fa to de In á c io te r c h a m a d o P o lica rp o de bisp o n ã o d e n o ta n e cessa ria m e n te u m a fo rm a ep isco p al de g o v e rn o ; c o m o já v im o s, bisp o e p resb íte ro e ra m títu lo s d iferen tes d o N o v o T e s ta m e n to para o m e sm o cargo (v e ja 1 T m 3.1; cf. T t 1.5,7; A t 14.23; cf. Fp 1.1), e n ã o p o d e m te r su g e rid o n e n h u m a a u to rid a d e especial, m as apenas lid eran ça.
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Irineu (c. 125-c. 202)
Irineu, um a im p ortan te testem u n h a do cristianism o prim itivo, afirm a ter ouvido Policarpo, o discípulo de João, quando era m en in o. Diz-se que Irm eu posteriorm ente se to rn ou bispo de Lião (França) e que foi o prim eiro grande Pai O cidental. A sua obra principal, Agamst Heresies (C on tra as Heresias) (veja Cross, O D CC, 713), é datada en tre 182 e 188 (Schaff, A N F, 1.312).
S o b re a A p o s to lic id a d e da Ig r e ja Afirm ações repetidas enfatizam que a autoridade final da igreja está nos apóstolos, não em algum único apóstolo; diz-se que até m esm o a fundação da igreja em R o m a foi feita por Paulo e Pedro (AH, 3.1.1). Irineu repetidas vezes fala da “tradição apostólica” (3.3.2), dos “benditos apóstolos” (plu ral) que “fundaram e edificaram a Igreja (3.3.3), da “doutrina dos apóstolos” (3.12.4), e da “tradição dos apóstolos” (3.5.1). Estes [apóstolos] são as vozes da igreja, de onde to d a a igreja teve a sua origem [...] Estas são as vozes dos apóstolos; estas são as vozes dos discípulos do Senhor, as verdadeiram ente perfeitas, que após a assunção do S enhor foram aperfeiçoadas pelo Espírito (3.12.4). S o b r e a U n id a d e da Ig re ja Irineu freqüentem en te se refere a “igrejas” no plural, por exem plo: “aquela tradição que se origina dos apóstolos, e que é preservada por m eio das sucessões de presbíteros nas Igrejas” (3.2.2). Ele às vezes falava genericam en te a respeito da unidade da igreja cristã, com o quando disse: “A Igreja C atólica [universal] possui exatam ente a m esm a fé por todo o m u nd o" (1.10.3). No entan to, com o foi observado, esta unidade não era organizacional, mas espiritual e doutrinária: “A igreja, em bora dispersa por todo o m undo, chegando até aos confins da terra, recebeu dos apóstolos e seus discípulos esta fé” (1.10.1); esta igreja única, “em bora espalhada por todo o m undo, mas co m o se ocupasse apenas um a casa, preservou-a cuidadosam ente” (1.10.2). N en h u m dos governantes (bispos) nas Igrejas, p o r mais habilidoso que possa ser na questão da eloqüência, ensinará d outrinas diferentes destas (porque n in g u é m é m aior do que o M estre) (ibid.). Em resum o, C risto é a Cabeça invisível de todas as igrejas visíveis, e o seu ensino, através da autoridade dos seus apóstolos, é a base para a unidade de um a igreja: A Palavra de Deus [Cristo] é suprem a; então tam bém nas coisas visíveis e corpóreas Ele pode possuir a suprem acia, e to m a r para si m esm o a preem inência. C onstituindo-se a Si m esm o Cabeça da Igreja, Ele pode fazer convergir todas as coisas a Si m esm o no devido tem po (3.16.6). Está bastante claro que C risto não tem n e n h u m vigário sobre a terra; Ele m esm o dirige a sua igreja universal. C o m o o próprio Pedro disse, os presbíteros são apenas subpastores que dirigem as congregações locais para que estas sigam o “Su m o Pastor” (1 Pe 5.1-4).
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Sobre a Autoridade da Igreja M u ita controvérsia gira em to rn o de u m discutido texto no Livro Três da obra Against Heresies (C o n tra as Heresias), onde Irineu se refere àquela tradição procedente dos apóstolos, da muito grande, muito antiga, e universalmente conhecida Igreja fundada e organizada em Roma pelos dois apóstolos mais gloriosos, Pedro e Paulo; ali também se enfatiza a fé pregada aos homens, que chega até aos nossos dias por meio da sucessão dos bispos [...] o fato de que toda igreja deveria concordar [lat. cotivenire] com esta Igreja [Iat. principalitas] é uma questão de necessidade por conta da sua autoridade preeminente, isto é, os fiéis em todos os lugares, visto que a tradição apostólica tem sido preservada continuamente por homens fiéis que existem em todos os lugares (3.3.2, grifo adicionado). Se convemre aqui significa “concordar c o m ”, e se principalitas se refere à prim azia rom ana (qualquer que seja o sentido), então isto favoreceria a reivindicação da Igreja R om ana. No entanto, m u itos estudiosos, incluindo J. N. D. Kelly (1909-1997), criticaram esta tradução por duas razões. Primeiro, a fraqueza da frase final a faz parecer “in tolerável” (ibid.). Segundo, “o significado n o rm al de convemre e ‘reco rrer a’, ‘reunir-se c o m ’, e necesse est não tran sm ite facilm ente o sentido de ‘dever’” (ibid.). D e fato, A rth u r Cleveland Coxe, editor da obra Apostolic Fathers, no texto The AnteNicene Fathers, cita u m sincero estudioso católico rom ano que traduz isto da seguinte form a: “Porque a esta Igreja, por conta de u m principado mais potente, é necessário que cada Igreja (isto é, aqueles que são fiéis em todos os aspectos) recorra; Ig reja em que sem pre, por aqueles que estão em todos os lados, se preservou a tradição dos apóstolos” (Schaff, ANF, 1.415). C oxe acrescenta: Aqui fica óbvio que a fé tem sido mantida em Roma, por aqueles que afluem para lá de todas as regiões. Ela era um espelho do Mundo Católico, devendo a sua ortodoxia a eles; ela não é o Sol, que distribui a sua própria luz aos outros, mas o vidro, que traz os seus raios ao foco (ibid.). Em resum o, Irineu quis dizer que R o m a era o cen tro da ortodoxia, visto que, em virtude de ser a capital do im pério, era o receptáculo de toda a tradição católica — “tudo isto foi deixado de cabeça para baixo pelo rom anism o m o d ern o ” (ibid.). Kelly acrescenta que m u itos estudiosos julgaram mais plausível tomar o ponto de vista de Irineu como sendo de que a igreja romana [daqueles dias] fornecia uma ilustração ideal para o argumento. Por ter sido colocada na cidade imperial, representantes de todas as diferentes igrejas necessariamente (isto é, inevitavelmente) afluem apara ela, de forma que há alguma garantia de que a fé ensinada ali reflita fielmente a tradição apostólica (ibid., 193). O u seja, a prim azia de R o m a é refletiva, não autoritária. O com en tário de Lightfoot vai ao ponto: “O episcopado é considerado agora [por Irineu] não tanto co m o o centro da unidade eclesiástica, mas antes co m o o depositário da tradição apostólica” (SPEP, 239).
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Irineu perguntou: “O que aconteceria se os apóstolos não tivessem nos deixado a Escritura? Não seria necessário seguir o curso da tradição que eles entregaram àqueles a quem confiaram as igrejas?” (3.4.1). J. B arton Payne (1922-1979) responde: Primeiro, as afirmações de Irineu, citadas acima, são teóricas; não era necessário seguir o curso das tradições, p orque os apóstolos tinham deixado as Escrituras. Segundo, as afirmações acim a têm com o tem a os fatos que se deve aceitar p ara ser salvo, e não o grau de autoridade que esteja p or trás de qualquer m eio que esteja em questão4'1. Terceiro, as afirmações acim a supõem que as verdades da tradição são, n a verdade, aquelas registradas nas Escrituras (“BII”, in: Walvoord, II, 63-64). As tradições devem ser julgadas pelas Escrituras, não o contrário. A lém disso, os apóstolos não elegeram mais apóstolos para substituí-los depois do Pentecostes, ocasião em que se to rn aram o “fu n d am en to” da igreja (E f 2.20). Antes, eles elegeram “anciãos em cada ig reja” (A t 14.23), e Irineu falou dos “discípulos dos apóstolos” com o “presbíteros [anciãos]” (A H , 5.35.2): “Nós subm etem os os hereges à tradição que procede dos apóstolos, e que é preservada por m eio das sucessões de presbíteros nas igrejas” (3.2.2). No entanto, Irineu parecia acreditar que cada igreja deveria ter um único bispo sobre ela, pois ele falou de Policarpo com o “bispo de E sm irna” (cf. 3.3.4) e de um a linhagem de bispos em R o m a com eçand o com Lino (bispado c. 67-79; 3.3.3). Mais um a vez, isto está em contradição com o Novo Testamento, que afirma que cada igreja local tinha os seus próprios "bispos e diáconos ” (cf. Fp l . l ) 45. A liderança deles deveria ser seguida por suas congregações (Hb
13.7,17,24), tendo C risto com o o Su m o Pastor, a Cabeça invisível da igreja visível que corrige as igrejas individualm ente por não reco n h ecerem a sua liderança46. Papa Vítor I (bispado 189-198)
No final do século II, um novo m arco foi alcançado no desenvolvim ento do episcopado. De acordo co m Lightfoot, V itor foi “o prim eiro abade latino que presidiu a sé m etro p olitan a da cristandade latin a” e “o prim eiro bispo rom ano que é conhecido por ter tido u m relacionam en to próxim o com a corte im perial, e tam b ém o prim eiro a estender estas reivindicações ao d om ínio universal” (SPEP, 223-24). V itor presidiu um concilio em R om a e aceitou a autoridade para excluir outros bispos (Cross, O DCC, 1437). Clemente de Alexandria (150-c, 215)
C lem ente falou dos “presbíteros [que] prestam serviços visando sem pre a m elh oria de seu trabalho, e dos diáconos que trabalham para o m inistério de fo rm a sem elh an te” 44 Isto é, Irin eu n ão está en fatiz a n d o a autoridade do m e io , m as a sua exatidão ao tra n s m itir a m e n sa g e m dos a p ó sto lo s, que são os ú n ic o s q u e p o ssu em a au to rid a d e dada p o r D eu s.
45 Os te rm o s hispo e ancião (presbítero) e ra m usados de fo rm a
in te rcam b iáv e l n o N ov o T e s ta m e n to (cf. T t 1.5,7), sen d o q u e am b o s e ra m usados p a ra d esign ar os líderes — o p rim eiro te r m o e ra g reg o , e o seg u n d o , h e b re u . N a verdad e, as q u alificaçõ es são as m e sm a s p a ra am b os; os d everes são os m e sm o s; h avia u m a p lu ralid ad e de a m b o s m e sm o e m igrejas p eq u en a s (cf. A t 14.23; Fp 1.1). L ig h tfo o t c o n firm a esta co n clu sã o (ibid., 191ss.). A ssim , Irin e u , e screv e n d o quase u m sé c u lo depois d a fu n d a çã o da Ig reja , está re fletin d o u m a fo rm a de g o v e rn o ep isco p al e m e rg e n te n ã o e n c o n tra d a n o N ov o T e s ta m e n to .
46 C f. Efésios 1.22; 1 Pedro 5.4; A p o calip se 1—3.
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( S, 7.1). Ele distinguia u m bispo de u m presbítero, referindo-se a “graus” de bispos, presbíteros [e] diáconos na igreja (ibid., 6.13). Ele tam bém m encion ou alguns m and am entos bíblicos que se aplicam “alguns a presbíteros, alguns a bispos, [e] alguns a diáconos” (ibid., 3.12). Cipriano (200-258) Enquanto Irineu via o episcopado com o o depositário da tradição apostólica e Inácio co m o o centro da unidade cristã, Cipriano contribuiu co m o desenvolvim ento do episcopado m onárquico vendo-o com o “o vice-regente [representante] absoluto de C risto” (Lightfoot, SPEP, 240); “h á u m ún ico Deus, e Cristo é um , e há u m a só cadeira [episcopado] fundada sobre a ro cha pela palavra do S e n h o r” (C ipriano, EC, 43 (39).5). “O Bispo é designado d iretam ente por Deus, é responsável diretam ente diante de Deus, [e] é inspirado d iretam ente por D eu s” (op. cit., 243). Sob este sistema, “cada bispo em seu lugar seguiu e exerceu a autoridade apostólica. Cada bispo, p o rtan to , tin h a direito a ter voz ao tratar os interesses com u n s de toda a ig reja”. Mas m esm o o bispo de R o m a — que certam en te desfrutava de u m a posição especial e de u m direito especial à liderança com o sucessor de Pedro — “foi, contudo, essencialm ente, colega e, p o rtan to , igual aos seus irm ãos” (W alker, H CC, 83). Ludwig O tt, u m a autoridade católica, adm ite: “Os Pais não falaram expressam ente sobre a Infalibilidade do Papa, mas eles con firm aram a autoridade de ensino decisiva da Igreja R o m an a e de seu Pontífice” (FCD, 288). Eusébio (c. 263-c. 340) O grande historiador da igreja, Eusébio, registrou outros im portantes passos evolucionários. No final, os bispos acabaram ganhando autoridade sobre as suas áreas, e antes do fim do século II (c. 180-190), havia bispos sobre Alexandria, Antioquia, Cesaréia, Jerusalém , C o rinto, e Efeso (e talvez outros — veja CH, 5.22). Q uando surgiu u m a discussão sobre quando a paixão e a ressurreição de Cristo deveriam ser observadas (ibid., 5.23), “V itor, que presidia a igreja de R om a, im ed iatam ente ten tou excluir da unidade co m u m as paróquias de toda a Ásia, bem co m as igrejas que concordassem com elas, com o heterodoxas; e escreveu cartas declarando todos os irm ãos ali to talm en te excluídos” (ibid., 5.24). Esta prim eira tendência da Igreja R om an a, devido ao seu tam an ho e localização no centro do poder político, de exercer u m a autoridade m u ito difundida era u m presságio das coisas por vir. Controvérsias co m o esta, e depois controvérsias doutrinárias mais sérias, ocasionaram o desenvolvim ento de u m a liderança mais fo rte e mais autoritária. Na verdade, eles convocaram concílios gerais da igreja para decidir sobre a questão. A prim eira destas foi a controvérsia ariana sobre a divindade de Cristo, o que ocasionou o Concilio de Nicéia (325). Os m otivos de C o nstantino para convocar o concilio podem ser vistos nesta citação de u m a “cópia de u m a epístola n a qual o im perador ordena que ou tro sínodo seja realizado co m o propósito de rem ov er todas as dissensões en tre os bispos” (ibid., 10.5.21). Lê-se: “Eu anteriorm en te ordenei que certos bispos fossem trazidos de Gália, e que os partidos de oposição [...] fossem convocados da África; pois n a presença deles e na presença do bispo de R om a, a questão que parecia estar causando a perturbação poderia ser exam inada e decidida com todo cuidado” (ibid.). Não é de adm irar que u m a Igreja R o m an a instável e m o n olítica logo te n h a surgido co m u m a estru tu ra sim ilar à do governo rom ano, com o papa correspondendo ao im perador. Som a-se a isto o fato
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de que C onstantino coloco u a igreja na lista de pagam ento do estado, o que os am arrou com fortes cordas econôm icas (ibid., 10.6.1). Agostinho (3 5 4 -4 3 0 )
Agostinho contribuiu para a dou trina da autoridade episcopal que estava em desenvolvim ento, quando concluiu que os hereges poderiam ser coagidos pela igreja a negar as suas doutrinas não-ortod oxas e aceitar a autoridade eclesiástica. Na obra On the Coercion o f the Donatists (Sobre a C oerção dos D onatistas), ele escreveu:
E m ostrada grande com paixão p o r eles, quando p ela força das leis muito imperialistas eles são, no prim eiro caso, resgatados contra a sua vontade desta seita [...] p ara que depois disso possam ser aperfeiçoados na Igreja Católica, to rn an d o -se acostum ados à boa d o u trin a e ao bom exem plo que en co n tram n ela (3.13, grifo adicionado). Na obra A gain st the Epistle o f M anichaeus (C on tra a Epístola de M aniqueu), ele afirm ou: O consentim ento dos povos e nações m e m a n té m n a Igreja; com o tam bém a sua autoridade, iniciada pelos m ilagres [...] A sucessão de sacerdotes, com eçando com o próprio assento do A póstolo Pedro, a quem o Senhor, após a sua ressurreição, deu ordem para apascentar as suas ovelhas, m e m a n té m em sujeição ao atual episcopado (5.4). Assim, a igreja presidida pelo bispo de R om a, com o sucessor de Pedro, tem autoridade para coagir as pessoas a crerem em sua verdade. Na verdade, A gostinho acrescentou: Som ente a Igreja Católica é o corpo de Cristo, da qual Ele é a Cabeça e o Salvador do corpo. Fora deste corpo, o Espírito Santo não dá vida a n in g u ém [...] P ortanto, aqueles que estão fora da Igreja não têm o Espírito Santo (op. cit., 11.50). C oncíhos G erais da Igreja
Os concílios da igreja desem penharam um papel im p ortante no desenvolvim ento do episcopalism o rom ano m o n o lítico ’17. Os católicos rom anos reco n h ecem vinte e um concílios ecum ênicos, que, supostam ente, envolveram toda a Igreja, em bora às vezes grandes porções da Igreja ten h am estado apenas esparsam ente representadas. Os concílios locais oco rriam apenas em áreas geográficas específicas e não eram considerados válidos a m enos que fossem confirm ados por u m concilio ecu m ên ico posterior. A m aior parte dos setores da cristandade aceita os pronun ciam entos doutrinários dos quatro prim eiros concílios; a Igreja O riental aceita os sete prim eiros; a Igreja R om an a afirm a que todos os vinte e u m são válidos. Na verdade, desde o prim eiro concilio (C onstantinopla, 381) convocado por C onstantino, havia forças que se m oviam em direção a um a estru tu ra eclesiástica autoritária48. Por volta do oitavo (O Q uarto Concilio de C onstantinopla, 869), isto estava se tornand o ainda mais evidente, mas o catolicism o rom an o, com o é conhecid o hoje, iniciou seu desenvolvim ento a partir do décim o segundo concilio (O Q uarto Concilio 47Veja apêndice 3.
48Veja acima, sob “Eusébio”.
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de Latrão, 1215), que proclam ou a dou trin a da transubstanciação, a prim azia do bispo de R om a, e os sete sacram entos. O C oncilio de T ren to co n tra a R eform a (1545-1563) solidificou as doutrinas singulares do rom anism o, incluindo o purgatório, as orações pelos m o rtos, a necessidade de obras para a salvação, a transubstanciação, a veneração de M aria e im agens, as indulgências, as orações aos santos, e a adição da Apócrifa à Bíblia. No V aticano I (1870), a infalibilidade do papa foi proclam ada, e em 1950, a ascensão física de M aria passou a ser considerada u m dogm a infalível.
Um Resumo do Desenvolvimento do Governo da Igreja Católica Romana Enquanto o desenvolvim ento do catolicism o rom ano desde a igreja original foi gradual, com eçando nos primeiros séculos, u m dos pontos cruciais mais significativos ocorreu em 1215 — aqui as sem entes daquilo que distingue o catolicism o rom ano foram proclamadas com o dogm a pela prim eira vez. A lém disso, a evolução da doutrina da infalibilidade papal ilum ina o desenvolvim ento da Igreja R om an a em geral, ficando em perfeito contraste com o ensino apostólico. C om o já m ostram os, no Novo Testam ento a igreja visível não tinha nen h u m a hierarquia; cada igreja era independente e congregacional em estrutura. Não havia governo episcopal, onde u m único bispo detinha a autoridade sobre os presbíteros. A lém disso, presbítero e bispo são term os que se referem ao m esm o cargo49, mas gradualm ente o term o bispo foi usado para se referir ao cargo de direção de cada igreja. O Surgimento de um Único Bispo sobre uma Igreja R ichard A. Norris (nascido 1930) fo rn ece um a explicação plausível de co m o isto aconteceu: Isto ocorreu quase que naturalmente, e certamente informalmente, quando situações e responsabilidades especiais em cada igreja passaram a ser atribuídas a um presbítero que regularmente presidia reuniões, o qual Inácio chama de “o presbitério”. [...] [Primeiro,] mesmo depois do desenvolvimento do episcopado monárquico, os bispos parecem ter sido citados freqüentemente como “presbíteros”. [Segundo,] a ordem da igreja do século III conhecida como a Didascalia Apostolorum [0 Ensino dos Apóstolos] identifica o pastor principal de uma igreja local como “bispo e líder entre os presbíteros” [...] [Terceiro,] por muito tempo os presbíteros eram considerados não como representantes ou delegados do bispo, mas como seus colegas. [Quarto,] ao menos por algum tempo as duas estruturas diferentes existiram simultaneamente” (citado em Walker, HCC, 48-49). O Aparecimento de um Único Bispo sobre uma Região Este episcopado in form al e local por fim acabou dando espaço para os bispos regionais e então a u m bispo principal, isto é, o bispo de R om a. Eusébio fala de “Silvano, bispo das igrejas [plural] sobre Em esa”, durante o reinado im piedoso do Im perador D iocleciano (reinado 284-30).E com preensível que o crescim ento de u m a ún ica igreja em u m a área pudesse levar ao estabelecim ento de m uitas igrejas naquela área, sobre as quais o bispo da igreja-m ãe teria o com ando.
49 Cf. 1 T im óteo 3.1; T ito 1.5,7; Atos 20.17,28; veja tam bém Atos 14.23; Filipenses 1.1.
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A Evolução de um Único Bispo sobre a Igreja Inteira
R om a, sendo a capital do im pério, teria n atu ralm en te u m bispo poderoso e influente. Irineu parece ter sido um a transição neste processo, pois ele deu um passo decisivo na direção de um bispo de bispos ( A H , 3.3.250). Mais um a vez, em bora ao tran sm itir a m ensagem apostólica Irineu provavelm ente não estivesse enfatizando a autoridade de um agente interm ediário, mas a sua exatidão , ele acreditava que cada igreja tin h a u m único bispo sobre si. Igualm ente, ele acreditava que havia algum senso de prim azia no bispo de R om a, fosse refletiva ou com autoridade. Ao m enos na época de Cipriano (falecido 258), a evolução de um episcopado mais monárquico havia ocorrido. O com entário geral de Lightfoot é instrutivo sobre as origens da Igreja Católica: “Havia um a grande necessidade de alguma organização que deveria fundir os diversos elementos da sociedade cristã e preservá-la da desintegração. Dessa necessidade surgiu a Igreja Católica” (A F , 201-03)51. Há m érito, em bora não justificativa, na sugestão de Jerônim o (340-420) de que “um único presbítero foi eleito dentre os anciãos [...] [e] colocado sobre os demais, de form a que o cuidado da igreja deveria ser passado para ele, e as sementes de ruptura deveriam ser removidas” (citado por Lightfoot, ibid., 206). Se isto for verdade, em bora os motivos sejam nobres, no final os resultados acabaram contradizendo as intenções. Lightfoot pode estar correto ao dizer que “a Igreja de Jerusalém [...] apresenta o exemplo mais antigo de um bispo”, e isto “já em meados do século II” (ibid., 208). Ainda assim, isso está distante de um clam or de primazia do bispo de Rom a, sem mencionar a sua suposta infalibilidade —ambas das quais estavam muitos séculos distantes da sua elaboração. 0 Surgimento da A utoridade Coerciva do Bispo de Rom a
Vim os que A gostinho deu crédito à dou trina em desenvolvim ento da autoridade do episcopado, quando concluiu que a igreja poderia coagir os hereges a negar a d outrina n ão -o rto d o xa (O C D , 3.13; ct. 11.50). C o m o passar do tem po, a igreja presidida pelo bispo de R o m a (co m o sucessor de Pedro) atribuiu a si a autoridade de coagir as pessoas a aceitarem a sua verdade.
O A parecim ento da A utoridade P apal M onárquica p ara Formular Credos U m ou tro passo havia sido tom ad o no surgim ento doutrinário n o final da Idade Média, na época de Tom ás de Aquino (1225-1274): Deve haver um a só fé para toda a Igreja [...] Esta n o rm a não pode ser seguida a m enos que to d a questão levantada sobre a fé seja resolvida p o r aquele que tem o cuidado sobre toda a Igreja. U m a nova versão do credo, então, cai sobre a autoridade única do Papa, exatam ente com o ocorre com todas as outras questões que afetam a igreja com o u m todo (ST, 2a2al.l0.1). No entanto , Aquino defendeu a prim azia da Escritura, pois ele afirm ou que “a verdade da fé é suficientem ente clara no ensino de C risto e dos apóstolos” (ibid.). A lém disso,
50 C itad o acim a, sob “S o b re a A u to rid a d e da Ig r e ja ”
MAs idéias de que o episco p ad o se org a n iz o u e m to rn o de T ia g o e do
d e sejo de e leg er o seu s u b stitu to d epois d a q u e d a de Je ru s a lé m são tra ta d a s p o r L ig h tfo o t c o m o o p in iõ es in a d e q u a d a m e n te fu n d am e n tad as ( A F , 204).
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a verdade da fé está contida nas Sagradas Escrituras, de diversas maneiras e, às vezes, obscuramente [...] E por isso que houve necessidade de juntar sucintamente, dos ensinos da Escritura, algumas declarações claras para serem apresentadas diante da crença deles. O símbolo [isto é, o credo] não é acrescentado à Escritura, mas extraído da Escritura (2a.2a2.1.9). Aquino jamais repudiou a sua prim eira declaração: “Acreditamos que os sucessores dos apóstolos nos dizem apenas as coisas que os apóstolos e os profetas nos deixaram em seus escritos" (OT, 14.10.11). Igualm ente, o papa não tem qualquer autoridade para apresentar doutrinas não encontradas na Escritura; isto é diferente de reafirm ar, de form a clara (por exem plo, pelos credos), aquilo que a Escritura ensina. U m a autoridade católica, Yves Congar (1904-1995), admitiu: “É um fato que S. Tomás não falou da infalibilidade do magistério papal. Além disso, ele não estava ciente do uso de magisterium em seu sentido m oderno” ( “STAIPM”, in: T, 102). Ele disse que não se tem certeza de que Aquino tenha m esm o dito que o papa não erra “em seu papel de intérprete suprem o da doutrina de Cristo” (ibid.), citando vários textos em apoio (veja Aquino, op. cit.). Assim, em bora Aquino acreditasse na autoridade do bispo rom ano para prom ulgar u m credo baseado em um a verdade apostólica52, fica evidente, a partir da citação anterior, que ele tam bém defendia o sola scriptura, que posteriorm ente seria repudiada pelo Concilio de Trento. O Pronunciamento da Autoridade Papal Infalível sobre a Igreja Inteira O passo final na evolução da primazia do episcopado rom ano, porém , aguardou o pronunciam ento do Papa Pio IX (bispado 1846-1878), no Prim eiro Concilio Vaticano (1870), que declarou que o bispo de R om a é infalível quando fala sobre questões de fé e prática a partir do assento de Pedro (ex cathedra): Nós, aderindo fielmente à tradição recebida desde o início da fé cristã [...] ensinamos e explicamos que o dogma foi divinamente revelado, que o Pontífice romano, quando fala ex cathedra, isto é, no desempenho da sua atribuição com o pastor e professor de todos os cristãos, de acordo com a sua suprema autoridade apostólica, explica uma doutrina de fé ou moral a ser defendida pela Igreja universal, através da ajuda divina que lhe foi prometida no bendito Pedro. Ele opera com a infalibilidade com que o Redentor divino desejou que a sua igreja fosse instruída ao definir um a doutrina sobre a fé e a moral; e assim estas definições do Pontífice romano sobre si mesmo, mas não do consenso da Igreja, são inalteráveis (em Denzinger, SCD, 1840). Esta declaração da infalibilidade papal foi o clím ax de séculos de crescente autoridade para o bispo rom ano e seus sucessores, u m salto m acro do (A ) papel de u m bispo/ presbítero do Novo Testam ento co m o u m dentre m u itos líderes em u m a igreja local, para o de (B ) u m vigário de Cristo eleito por Deus sobre todas as igrejas cristãs. C o m o já vim os53, não há ne n h u m fund am ento real para este ensino no N ovo Testam ento ou nos 52 A q u in o ta m b é m defen d ia q u e o p apa é “o v icá rio de C ris to ” (ST, 2a2ae.39.1), a “c a b e ç a visível da Ig r e ja ” (3 1 .8 .7 ), e aq u ele “q u e te m o cu id ad o de to d a a Ig r e ja ” (2 a 2 a3.89.9.3). M as e le ja m a is a firm o u a in falib ilid ad e papal. N a verdad e, para o c o n s tr a n g im e n to e te r n o dos c a tó lic o s ro m a n o s, o seu m a io r te ó lo g o , T o m á s de A q u in o , p o s te r io rm e n te d ecla ra d o in falív el p e la a u to rid a d e papal, c o n sid ero u a d o u tr in a d a Im a c u la d a C o n c e p ç ã o algo “in in te lig ív e l” (3 a .2 7 .4 ). 53 V eja c a p ítu lo 3.
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prim eiros dos Pais; isto resultou de u m longo processo, por m eio do qual foi dada cada vez mais autoridade a cada vez m enos pessoas, até por fim recair sobre apenas um a única pessoa, o suposto bispo de todos os bispos, o bispo de R om a. Considere o seguinte contraste:
P ap el de P ed ro n o N o v o T e s ta m e n to
P ap el d o Papa c o m o S u p o s to S u c e s s o r de P ed ro
U m dentre m uitos apóstolos
Apóstolo-chefe e sucessor de Pedro
Som ente parte do iu n d a m e n to da igreja
Cabeça visível da igreja n a terra
N en h u m a autoridade g o vernam ental sobre qualquer igreja
A utoridade g o vernam ental sobre todas as igrejas
Não infalível n a fé ou pratica
Infalível em questões de fé e prática
Existe um grande abismo entre o Novo Testam ento e ainfalibilidade papal, um a diferença essencial entre a form a de governo do Novo Testam ento e a da Igreja Católica R om ana pós-Vaticano I. Esta criação inteiram ente nova, geneticam ente desassociada da estrutura governam ental da igreja do Novo Testam ento, produziu sérios desvios doutrinários. R E SU M O E C O N C LU SÃ O Em resum o, levou m uitos séculos para que o governo episcopal m o n olítico surgisse gradualm ente das igrejas simples, auto-governadas e independentes do Novo T estam ento. Esta evolução pode ser seguida em várias etapas. Primeiro, as sem entes do ponto de vista rom ano já existiam nos dias do Novo Testam ento, com o o apóstolo João revelou quando advertiu: “Tenho escrito à igreja; mas Diótrefes, que procura ter entre eles o primado, não nos recebe” (3 Jo 9; cf. Hermas 2.4). Segundo, ainda nos dias apostólicos, teve inicio um a falsa tradição baseada na m á interpretação de um a das afirmações de Cristo por parte de alguns discípulos; isto também teve que ser corrigido por João (veja jo 21.22,23). Se as falsas tradições puderam surgir mesmo durante a época dos apóstolos, é fácil ver com que rapidez elas puderam se espalhar sem um apóstolo para reprimi-las. Lima tradição com o esta não é oficial nem confiável, exceto na medida em que é transmitida com exatidão. A transmissão escrita (assim com o existe na Escritura e outros escritos baseados nela) é a única fonte confiável que temos da doutrina apostólica. Tercem , a m etade do século II, durante a qual Irineu escreveu, foi quase u m século depois que a m aioria dos apóstolos havia m orrid o —a era em que até m esm o os evangelhos apócrifos estavam surgindo54. M u ito tem po tin h a se passado para que os falsos pontos de vista surgissem, até m esm o entre aqueles que eram ortodoxos. Quarto, considerando os ataques sobre o cristianism o naquela época, houve forte m otivação extern a para se desenvolver u m a eclesiologia que iria prover um a frente unida con tra os grupos heréticos divergentes. Isto está refletido n a opinião episcopal
em ergente de Irineu sobre o governo da igreja, u m a opinião que atingiu um a form a mais m adura em Cipriano. Quinto, m esm o que possa ser m ostrado que alguns escritores do sécu lo II apoiaram a prim azia de R o m a co m o o centro do cristianism o, isto não apóia pronunciam os 54 Por exem plo, o assim cham ado Evangelho de Tomé (c. 140)
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católicos rom anos posteriores da infalibilidade papal: Os prim eiros Pais con stan tem en te recorreram aos “apóstolos” (p lu ral) originais com o a autoridade estabelecida por Deus. A lém disso, eles não escolh eram a Pedro com o superior aos outros apóstolos — ele foi, n a m elh o r das hipóteses, u m co-fundad or da igreja rom ana, e estava, na verdade, no m esm o nível de Paulo e de outros apóstolos a quem ele repetidas vezes se refere. A sua própria ênfase na prim azia da E scritura com o a autoridade escrita final da fé cristã d em onstra que toda a autoridade eclesiástica está baseada n a Escritura, e não o contrário. A té m esm o Ludwig O tt adm ite: “Os Pais não falaram expressam ente sobre a Infalibilidade do Papa” (FCD, 288)M. Sexto, m esm o que o discutido texto de Irineu (A H , 3.2.2) fosse entendido com o dizendo que “toda Igreja deveria concord ar co m a Ig reja [em R o m a]” neste dia, não se segue que po steriorm en te R o m a não poderia se desviar da verdade e ser u m a fonte não-confiável de toda a verdade cristã essencial. E exatam en te nisto que os protestantes crêem , indicando diversos ensinos católicos que não são apoiados n em pela E scritura n e m pelos prim eiros Pais da igreja56. Sétimo, e finalm en te, a conversão de C o n stan tino e seu uso do poder im perial para influenciar o surgim ento de u m a estru tu ra de igreja im perial foi u m catalisador significativo na form ação do governo episcopal m o n o lítico da igreja. Isto, com binado com a inclinação natu ral para o poder m anifestada n a extensão política sob o com ando de Carlos M agno (falecido 816), resultou na Igreja R o m an a co m sua reivindicação da infalibilidade papal e outras doutrinas não-bíblicas; várias doutrinas sorrateiras estavam a cam inho por vo lta de 1215 (Q u arto C oncilio de Latrão), e cu lm in aram nos desvios d outrinários do C oncilio de T rento (1545-1563), e no desastroso dogm a da infalibilidade papal do Vaticano I (1870).
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56 V eja N o rm a n L.
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CAPÍTULO
CINCO
OS SACRAMENTOS DA IGREJA VISÍVEL
O
s sacram entos da igreja visível con stitu em ob jeto de am plo debate e diversidade entre as igrejas. Alguns (co m o os seguidores de B u llin g er) dizem que são nove; outros (os ultradispensacionalistas; os bereanos) afirm am existir apenas um ; a m aioria dos protestantes diz que são dois, enquanto os católicos rom anos insistem que eles são sete. A lém disso, há um a grande diferença quanto à natu reza dos elem entos da co m u n h ão . Os católicos afirm am que eles transmitem a graça à vida das pessoas; os anglicanos e luteranos acreditam que eles são u m meio da graça; e os congregacionalistas, batistas e a m aioria das igrejas independentes declaram que eles são u m símbolo da graça.
O P O N T O D E V IS T A C A T Ó L IC O R O M A N O S O B R E O S S A C R A M E N T O S O Concilio d eT ren to (1545-1563) prom ulgou u m édito dirigido aos católicos em geral pelo qual “se alguém disser que todos os sacram entos da Nova Lei não foram instituídos por Jesus Cristo nosso Sen hor, será exco m u n g ad o” (em D enzinger, SC D , 1.844.262). Essa exco m u n h ão inclui quase todos os p rotestantes1, porque eles aceitam m enos de sete sacram entos, e esse édito n u nca foi e nu n ca poderá ser considerado com o u m infalível pronunciam ento ex cathedra da Igreja C atólica R om ana. O ponto de vista católico, que é ún ico em m u itos aspectos, difere do ponto de vista protestante quanto à natureza, função, necessidade, nú m ero, e adm inistração dos sacram entos. A N a tu re z a d os S a c r a m e n to s Segundo o perito católico Ludwig O tt (nascido 1906), “de acordo com sua etim ologia a palavra sacramentum significa um a coisa sagrada ou santa” (FCD, 325). Os prim eiros eruditos católicos, co m o Hugo de St. V ictor (1096-1141) e Peter Lombard (1100-1160), definiram os sacram entos com o sendo “não apenas um sinal, mas um a causa da graça” (ibid.). “O C atecism o R om an o define o sacram ento com o “u m a coisa perceptível aos sentidos que possui, de acordo com sua Divina instituição, o poder tanto de representar co m o de efetivar a santidade e a justificação [graça santificadora]” (II, i, 8, in; ibid., 326). 1 As trad icion ais Ig rejas A n g lica n a s fo rm a m u m a e x c e ç ã o , p o rq u e elas a c e ita m os m e sm o s s ete s a cra m e n to s dos ca tó lico s ro m a n o s.
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Através de u m decreto, a Ig reja C atólica R o m a n a afirma: Se alguém disser que os sacramentos da Nova Lei não contêm a graça que afirmam ter, ou que não conferem essa graça àqueles que não colocam nenhum obstáculo no seu caminho, e que eles são apenas sinais externos da graça e da justiça recebidos através da fé, deve ser excomungado (Denzinger, SCD, 6.849.262). A lém disso, de acordo com o dogm a católico, dará causa à exco m u n h ão afirm ar que “a graça não é conferida a partir da obra que foi realizada” [lat. ex opere operato]; a graça não se origina “exclusivam ente da fé ” (ibid., 8.851.263).
A Função dos Sacramentos E através de um sinal sacramental exterior que ocorre a obra interior da graça de Deus; o catolicismo afirma que “os Sacramentos do Novo Pacto contêm a graça que representam e a concedem àquele que os aceitam” (Ott, FCD, 328). Os sacramentos são objetivamente efetivos m esm o que sua eficácia não seja sentida subjetivamente: “Os sacramentos conferem a graça imediatamente, sem necessidade da mediação de um a fé fiduciária. [Entretanto,] é verdade que no caso de u m adulto a fé representa um a pré-condição indispensável ou um a causa disponível, mas ela não é um a eficiente causa da graça” (ibid., 329). A fim de mostrar a objetiva eficácia de um sacramento, a teologia católica instituiu a frase ex opere operato2, isto é, “os Sa cra m en to s op eram p elo p o d er de u m co m p le to rito sa cram en tal”. Essa frase, que foi adotada p elo C oncilio de T re n to (op. cit., 8.851,263) en co n tro u fo rte oposição p o r parte dos reform ad ores, pois estes acreditavam que ela aviltava a graça de D eus. P or sua vez, os católicos insistiam que “os sacram ento s [...] n ã o só co n d u z em e x te rn a m en te à salvação, c o m o c o n tê m e co n ced em a salvação que rep resen tam ” (A rn d t and Jord an, C C A , 265). Os e ru d ito s c a tó lico s d ifere m q u a n to à m a n e ira p recisa c o m o os sa cra m e n to s o p e ra m . D e aco rd o c o m o p o n to de vista do “m o d o m o r a l d a o p e ra ç ã o ” (c o n fo r m e diz Jo h n D u n s S c o tu s [1266-1308]), os sa c ra m e n to s “le v a m D eu s a c o n c e d e r a g ra ça através do seu v a lo r o b je tiv o . D eu s co n c e d e a g ra ça imediatamente, e m v ista da p ressão m o r a l ex e rcid a sob re E le p e lo s a c r a m e n to ” (O tt, FC D , 331, grifo ad icionado). D e acordo c o m o p o n to de vista do “m o d o físico da operação” (segundo Tom ás de A quino [1225-1274], “os sacram entos op eram fisicam ente se, através do poder recebido do D eus que habita dentro de nós, eles causarem a graça que representam ”, ibid., 330). Isto é, co m o D eus é a causa prim ária da graça, Ele utiliza a presença física do sacram ento co m o in stru m en to (causa secundária) para produzir a graça n a nossa alm a. A graça é concedida indiretam ente, através de u m a mediação (e não im ediatam ente), pelo sacram ento.
A Necessidade dos Sacramentos A finalidade de u m sacram en to é conceder a graça de D eus a u m indivíduo através da Igreja C atólica R o m an a3e em sete estágios, desde o nascim en to (batism o) até a m o rte (ex trem a un ção). Sendo assim, de acordo com o Concilio de T rento, os sacram entos são necessários à salvação (infalivelm ente):
2 “Através da obra que foi realizada”. 3 O Batismo protestante e a Celebração Eucarística da Igreja Ortodoxa podem representar um a exceção, pois são reconhecidos com o legítimos pelo catolicismo romano, porém eles não são administrados pela Igreja.
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Se alguém disser que os sacramentos da Nova Lei não são necessários à salvação, mas que são supérfluos, e que, embora nem todos sejam necessários individualmente, sem eles ou sem o seu desejo somente através da fé os homens obtêm de Deus a graça da justificação, deve ser excomungado (em Denzinger, SCD, 4.847.262). O N ú m e ro d os S a c r a m e n to s N ovam ente, o Concilio de T rento declarou: Se alguém disser que os sacramentos da Nova Lei não foram todos instituídos por Jesus Cristo nosso Senhor, ou que eles são mais ou menos do que sete, a saber, Batismo, Confirmação (ou Crisma), Penitência, Eucaristia, Extrema Unção, [Santa] Ordenação, e Matrimônio, ou mesmo que algum desses sete não é verdadeiramente um sacramento, deve ser excomungado (ibid., 1.844.262). De acordo com a teologia católica, “a Santa Escritura afirma que Cristo instituiu imediatamente os Sacramentos do Batismo, da Penitência, da Eucaristia e da Confirmação (Consagração). Os outros Sacramentos [...] já existiam nos tempos apostólicos” (O tt, FCD, 337). Portanto, os apóstolos se tornaram , simplesmente, os despenseiros desses sacramentos. A A d m in is tra ç ã o d os S a c r a m e n to s “C o m exceção do Batism o e do M atrim ôn io, será necessária a presença de um sacerdote especial ou de um poder episcopal conferido pela Santa O rdem para que a adm inistração dos Sacram en to seja válida” (ibid., 341), e essa exigência é conhecid a pelo n o m e de sacerdotalismo. Pessoas católicas leigas (e entre os protestantes dá-se o m esm o) podem m inistrar o Batism o em n om e da Santíssim a Trindade, en tretan to , o Concilio de T rento condena energicam ente a teoria de que “todos os cristãos têm o poder de adm inistrar todos os sacram ento s” (ibid.). “A validade e a eficácia dos Sacram entos independe da ortodoxia do m inistro e do seu estado de graça” (ibid.), o que significa que o sacerdote não precisa ser santo para que os sacram entos possam conceder a graça. Som en te os seres hu m anos são repositórios validos dos sacram entos e, “com exceção do Sacram en to da Confissão, n em a ortodoxia da crença, n em a dignidade m oral, são necessárias para a validade de u m Sacram en to por parte do seu rep ositório” (ibid., 345). Os heréticos e os im orais podem ser válidos repositórios, em bora nos adultos “deve existir a intenção de receber o S a cra m en to ” (ibid.), assim co m o é necessária a dignidade m oral no sentido de elim inar qualquer obstáculo à graça (ibid., 346). A D e fe sa da Ig r e ja C a tó lic a R o m a n a a fa v o r d o s S e te S a c r a m e n to s R econhecen d o que a Bíblia e os Pais da igreja não estão de acordo com a relação desses sete sacram entos, os estudiosos do catolicism o p ro cu ram outros fundam entos que lhes possam servir de sustentação. Em term os teológicos, eles argum entam que a existência desses sete sacram entos “tem sido considerada com o um a verdade da Fé desde a m etade do século X II”. Mais tarde, “isso foi confirm ado através do ensino oficial da igreja a partir do século XIII” (ibid., 338). Em term os históricos, “a ig reja g reco -o rto d o x a [...] aceita que existem sete Sacram en to s” (ibid. 339), e até os nestorianos e os m onofisistas do século V “aceitam firm em ente a relação dos sete Sacram en to s” (ibid.).
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E m term os especulativos, a origem dos sete sacram entos é encontrada “n a adequação do n ú m ero sete para os Sacram entos [que] flui da analogia entre a vida sobrenatural da alm a e a vida natu ral do c o rp o ” (ibid.).4 P o r ta n to , os c a tó lic o s ro m a n o s in s is te m n a e x is tê n c ia de sete (e apenas s e te ) s a c ra m e n to s — a q u e le s q u e a ig r e ja te m in fa liv e lm e n te p r o c la m a d o e e n u m e ra d o .
UMA DISCUSSÃO SOBRE DOIS IMPORTANTES SACRAMENTOS Embora católicos e protestantes tenham opiniões diferentes a respeito do número dos sacramentos (sendo que os últimos afirmam a existência de apenas dois—o Batismo e a Eucaristia [ou Comunhão]), a diferença sobre a natureza dos sacramentos é m uito mais crucial5.
O Sacramento do Batismo O C oncilio de T rento declarou que o batism o deve ser adm inistrado com água: Se alguém disser que a água natural não é necessária ao batismo e por esse motivo as palavras de nosso Senhor Jesus Cristo: “Aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3.5), forem distorcidas em espécie de metáfora, deve ser excomungado (Denzinger, SCG, 2.858.263). E, de acordo com o m esm o Concilio: “Se alguém disser que o batism o é opcional, isto é, que não é necessário à salvação, deve ser exco m u n g ad o” (ibid., 5.858.264). O batism o, quando corretam en te adm inistrado, representa u m ato definitivo, que n ão deve ser repetido (ibid., 11.867.264). E n tretanto, o batism o não é u m a garantia da salvação6, q u e a té os re g e n e ra d o s p o d e m p e rd e r (ib id ., 6 .8 6 2 .2 6 4 ). A té o b a tis m o fe ito p o r h e r é tic o s (p r o te s ta n te s e o u tr o s ) e m n o m e da S a n tís s im a T rin d a d e é v á lid o (ibid ., 5 .8 6 0 .2 6 3 ), p o r é m n e g a r o b a tis m o a u m in fa n te (c o m o a c o n te c e e m m u ito s o u tr o s g ru p o s cristã o s e b a tista s) r e p re s e n ta u m a h e re sia 7.P rosseg u e: Se alguém disser que os infantes não têm uma verdadeira fé8, que depois de terem recebido o batismo não são considerados entre os fiéis, e que, portanto, ao chegarem à idade da razão deverão ser rebatizados, deve ser excomungado (ibid., 13.869.264).
4 Por exem plo, consideram que a vida sobrenatural é análoga à vida natural porque ela é gerada pelo Batismo, cresce com a confirmação, alimenta-se da Eucaristia, e é curada das doenças e fraquezas do pecado pela confissão e pela extrem a unção. E, “pelos dois Sacramentos sociais da Santa Ordenação e do M atrim ônio a congregação é guiada, e espiritual e fisicamente preservada e m elhorada” (ibid.).
5 Lembre-se de que nesta altura ainda estamos discutindo os sacram entos sob a perspectiva da Igreja
Católica Rom ana.
6 Cf. Volume 3, capítulo 13.
7 Os católicos rom anos fazem um a distinção entre a form a m aterial e
form al da heresia, sendo que a últim a se refere apenas àqueles que obstinadam ente duvidam ou negam um artigo de fé e, portanto, se tornam m oralm ente culpados. 8Alguns estudiosos católicos dizem que o infante possui um a fé implícita (veja Volume 3, capítulo 13), mas é m uito difícil determ inar precisamente o que isso significa. C om o poderia ter fé, se as faculdades necessárias para a crença (por exemplo, a racionalidade e a vontade) ainda não se desenvolveram? Isso não poder operar da m aneira com o opera o pecado original, com o sugerem alguns defensores católicos, pois todos herdam o pecado original e nesse assunto não temos nenhum a escolha, mas nem todos têm fé, através da qual tem os realm ente um a escolha.
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É claro que essa afirm ação visa condenar, por exem plo, todos os batistas e outros grupos sem elhantes, inclusive o au tor deste livro. C rucial ao debate en tre católicos e protestantes é a crença dos católicos de que o “batism o confere a graça da ju stificação” (O tt, FCD, 354), referindo-se a um p ro n u n ciam en to ex cathedra (não-negociável) da fé católica (de acordo com o Concilio de T rento): Se alguém negar que, pela graça do nosso Senhor Jesus Cristo conferida pelo batismo, a culpa do pecado original é perdoada, ou mesmo afirmar que tudo aquilo que representa a verdadeira e própria natureza do pecado não é eliminado, deve ser excomungado (op. cit., 792.247). Os inúm eros textos com probatórios oferecidos com o am paro à salvação dos infantes através do batism o já foram discutidos.9
O Sacramento da Santa Eucaristia (Com unhão) Poucas coisas atingem mais profundam ente a essência da diferença en tre católicos e protestantes do que a d outrina da Santa C o m u n h ão, que a teologia católica define da seguinte form a: A Eucaristia é aquele Sacramento pelo qual, sob as formas do pão e do vinho, [Cristo] está verdadeiramente presente, com seu Corpo e Sangue, a fim de oferecer a Si mesmo, de uma maneira espiritual, ao Pai Celestial, e dar a Si mesmo aos féis como alimento para a alma deles (op. cit., 370). De acordo co m o infalível p ronu nciam ento do Concilio de Trento: O santo Sínodo ensina e professa abertamente que no vital sacramento da Santa Eucaristia, depois da consagração do pão e do vinho, nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, está, verdadeira, real e substancialmente contido sob as espécies dessas coisas perceptíveis aos sentidos (op. cit., 1.874.265). A razão de a Eucaristia ser o m aior sacram ento do catolicism o pode ser encontrada na dou trina oficial da transubstanciação, isto é, de que na consagração o pão e o vinho são literalmente transform ados no verdadeiro corpo e sangue de Cristo. Por meio da consagração do pão e do vinho, tem lugar uma conversão de toda substância do pão na substância do Corpo de Cristo, nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu sangue. Essa conversão é muito propriamente chamada de transubstanciação pela Igreja Católica (ibid., 4.877.267-68). C o m o a transubstanciação tran sform a os elem entos da C o m u n h ão no verdadeiro corpo e sangue de Cristo, os católicos acreditam que é m u ito ju sto adorar os elem entos consagrados co m o se eles fossem Deus. O Concilio de T ren to pronunciou enfaticam en te que “não há n e n h u m a razão para duvidar de que todos os fiéis de Cristo ofereçam na 9Veja V o lum e 3, C ap ítu lo 13.
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sua veneração (can. 6) a adoração de latria [o ato de adorar] que é devida ao verdadeiro D eus e ao seu mais Santo S a cra m en to ” (ibid., 5. 878.268). A razão para isso é que, com o C risto, sob a Sua fo rm a hu m ana, é Deus, Ele deve ser ju stam en te adorado (por exem plo, Jo 20.28), e com o na missa o pão e o vinho são transform ados n o Seu verdadeiro corpo e sangue, logo esse sacram ento pode ser adorado co m o Deus: Se alguém disser que no santo sacramento da Eucaristia o Unigênito Filho de Deus não deve ser adorado, mesmo exteriormente com uma adoração de latria [...] e que não deve ser exposto publicamente para ser adorado, e que seus adoradores são idólatras, deve ser excomungado (op, cit., 6.888.271). A defesa que a Ig re ja C a tó lic a faz da d o u trin a da tra n su b sta n cia çã o está baseada, p rin cip a lm en te, nas palavras de C risto quando E le in s titu iu esse sa cra m e n to n a Ú ltim a Ceia: “Isto é o m e u c o r p o ” (M t 26.26; cf. 1 C o 11.24). As vezes, o u tras passagens são usadas, esp ecia lm en te Jo ão 6.53, ond e Jesus diz: “Se n ã o com erd es a ca rn e do F ilh o do H o m em e n ão beberdes o seu san gue, n ão tereis vida em vós m e sm o s”. E claro que a in te rp re ta ç ã o lite ra l (e m vez de sim b ó lica ) das palavras de Jesus re p re sen ta a chave para o p o n to de v ista do c a to lic ism o ro m a n o . O tt resu m e esse a rg u m e n to da seg u in te m a n e ira : A necessidade de aceitar uma interpretação literal nesse caso é evidente: (a) Em vista da natureza das palavras usadas. Podemos observar especialm ente as expressões realistas alethes brosis — alim ento verdadeiro e real (v. 55); alethes posis — bebida verdadeira e real (v.55); e trogein = morder, mastigar, com er (v. 54 et seq.). (b) Em vista das dificuldades criadas por uma interpretação figurativa. Na linguagem da Bíblia, comer a carne de uma pessoa e beber o seu sangue, no sentido metafórico, significa perseguir essa pessoa usando uma forma sanguinolenta, para destruí-la (cf. SI 26,2; Is 9.20; 49.26; Mq 3.3). (c) Em vista da reação dos ouvintes, que Jesus não corrigiu, como havia feito anteriormente no caso dos mal entendidos (cf. Jo 3.3 et seq.; 4.32 et seq.; Mt 16.6 et seq.). Pelo contrário, nesse caso Ele confirma a aceitação literal das suas palavras para não correr o risco de seus discípulos e apóstolos o desertarem (Jo 6.60ss.).
RESPOSTA PROTESTANTE AO PONTO DE VISTA CATÓLICO SOBRE OS SACRAMENTOS Os protestantes respondem de diferentes m aneiras aos diferentes aspectos e aos diferentes sacram entos do m od elo da Igreja C atólica R om an a. E n tretan to , virtu alm ente todos estão em desacordo quanto ao n ú m ero e à n atu reza dos sacram entos10.
Resposta referente ao Número dos Sacramentos Ludwig O tt admite francamente que o “Santo Decreto [...] não reúne os Sacramentos em torno do núm ero sete. Novamente, nenhum a enumeração formal dos sete Sacramentos é encontrada nos Pais”. Na verdade, “essa [enumeração de sete] surgiu somente por volta da metade do século XII” (ibid., 338). Além disso, os eruditos católicos reconhecem abertamente: 10 Alguns aceitam verdadeiramente a regeneração pelo Batismo. Veja Volume 3, capítulo 13.
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Não há meios de demonstrar que qualquer um dos sete Sacramentos tenha sido instituído, em qualquer momento em particular, por um Conselho, um Papa ou uma Comunidade. As decisões doutrinárias da igreja, dos Pais e dos teólogos pressupõem a existência individual dos Sacramentos como alguma coisa herdada da antiguidade. A partir disso, podemos deduzir que os sete Sacramentos tenham existido na igreja desde os seus primeiros tempos (ibid., 338-39, grifo adicionado). E sse a r g u m e n to a fa v o r d o s se te s a c r a m e n to s é tã o frágil q u e m a l p o d e ria d a r e n se jo a u m a crític a , p ois as p alav ras e m itá lico fa la m p o r si m e s m a s . N ã o existe u m a base re a l n a Bíblia, n o s Pais d a ig re ja o u n o s co n cílio s d a ig re ja p a ra a d e te r m in a ç ã o d o n ú m e r o sete, e, a lé m disso, a d e cisã o d e r e c o n h e c e r esse n ú m e r o (e s o m e n te s e te ) a c o n te c e u m ais tard e.
O o u tro arg u m en to (u sando u m a analogia) tam b ém é m u ito frágil. No máximo, os erud itos cató licos p odem indicar os atos escritu rais ou os eventos que, p resu m iv elm en te, corresp o n d em a esses sacram en to s. M esm o assim, provar que eles eram , ou são, sacram en to s, esp ecialm en te da m a n eira co m o são entendidos pelos cató licos (a saber, co m o u m a causa da graça) é u m a o u tra questão a ser d iscu tid a". Os e r u d ito s c a tó lic o s r o m a n o s a fir m a m q u e e x is te m s e te s a c r a m e n to s im p líc ito s n a E s c r itu r a , da m e s m a f o r m a q u e e x is te a S a n tís s im a T rin d a d e . M a s essa é uma fa ls a analogia, p o is to d a s as p re m is sa s a p a r t ir das q u ais a S a n tís s im a T rin d a d e se o r ig in o u lo g ic a m e n t e são e n s in a d a s e x p lic ita m e n te n a E s c r itu r a : (1 ) E x iste u m ú n ic o D e u s ; (2 ) e x is te m trê s p e sso a s q u e sã o D e u s 12; assim se n d o , (3 ) d ev e h a v e r trê s p e sso a s n o ú n ic o D e u s . E m n e n h u m lu g a r a B íb lia e n s in a q u e o m a tr im ô n io , a p e n itê n c ia e a c o n f ir m a ç ã o (p o r e x e m p lo ) sã o s a c r a m e n to s . E ssas ativ id a d e s n ã o são m a is s a c r a m e n ta is q u e a a tiv id a d e de le r a B íb lia , q u e t a m b é m r e p r e s e n ta u m m e io de r e c e b e r a g r a ç a 13.
Resposta referente à Natureza e Necessidade dos Sacramentos A te o lo g ia c a t ó li c a a fir m a q u e os S a c r a m e n t o s t r a n s m i te m v e r d a d e ir a m e n te a g r a ç a a o fiel; e la d iz, p o r e x e m p l o , q u e o b a tis m o tr a n s m i te a g r a ç a d a ju s tific a ç ã o e a s a n tific a ç ã o o c o r r e n a v id a d e u m in f a n te 14, e m b o r a ele n ã o t e n h a e x e r c ita d o n e n h u m a fé v e rd a d e ira e m D e u s 15. D a m e s m a m a n e ir a , o c a to lic is m o a f ir m a q u e a S a n ta E u c a r is tia r e a l m e n t e t r a n s m i te o c o r p o e o s a n g u e d e C r is to a o fiel16. C o m o a n o s s a r e s p o s ta a o u so q u e a Ig r e ja C a t ó li c a R o m a n a faz d a E s c r i t u r a p a r a d a r s u p o r te à r e g e n e r a ç ã o fe ita p e lo b a tis m o é e n c o n t r a d a e m o u t r o l u g a r 17, i r e m o s a g o r a n o s c o n c e n t r a r e m o u t r o s p ro b le m a s re la tiv o s à v isão c a t ó li c a s o b re o b a tis m o c o m o u m s a c r a m e n t o n e c e s s á rio p a r a a s a lv a ç ã o 18.
11 V eja abaixo, sob “R esposta à D efesa C a tó lic a da T ra n su b sta n cia çã o ”.
12 O Pai, o F ilh o e o E spírito S a n to .
13 P or ex e m p lo , cf.
S a lm o 119.9; R o m a n o s 10.17; A pocalipse 1.3 14V eja V o lu m e 3, c a p ítu lo 9. 15A teo ria ca tó lica sobre a “fé im p lícita ” dos in fan tes difere su b stan cialm en te da c re n ça de m u ito s p ro testa n tes que a firm a m que D eu s e sco lh e os infan tes in d e p e n d e n tem e n te da sua verdadeira fé, sabendo q u e irão e xercer a fé q uando suas faculdades tiv e re m sido aperfeiçoadas p o r E le (p re su m iv e lm e n te n a m o r te ) de m o d o que eles p o d e m re a lm e n te acreditar. A lém disso, e la difere da c re n ça dos p ro testa n tes que a firm a m q u e D eu s re a lm e n te salva os in fan tes q ue n ã o p o d e m acred itar (pois suas faculdades ainda n ã o se desen vo lv eram ) sabendo q ue eles te riam acreditado se pud essem . D eu s vê o seu p o te n cia l, assim c o m o o seu re a l e p ode agir de a cord o c o m eles, m e sm o à fre n te dos aco n tecim e n to s reais. V o lu m e 3, c ap ítu lo 13.
16V eja abaixo, sob “R esposta à D efesa C a tó lica da T ra n su b sta n cia çã o ”.
17 V eja
,s Essas críticas se o rig in a m da perspectiva reform ada/batista e p a re c e m ser as m ais co n sisten tes c o m
o m o d e lo p ro te stan te. A co n cep çã o luterana/ anglicana so b re a re g en eração b atism al cria u m sério a trito c o m o prin cíp io da ju stificação exclu siv am en te através d a fé (v eja ibid., cap ítu los 9 e 13).
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A Regeneração Batismal É Contrária à Graça A crença de que o batism o produz a regeneração é inconsistente com os ensinam entos da E scritura sobre a graça de Deus. A salvação é concedida “pela graça, p o r m eio da fé”, e não por quaisquer “obras de ju stiça ” (inclusive o batism o). Jesus disse que o batism o era u m ato que lhe “conv in ha” (M t 3.15), e Paulo declarou que, “não pelas obras de ju stiça que houvéssem os feito, m as, segundo a sua m isericórdia”, D eus nos salvou (T t 3.5): “Porque pela graça sois salvos, por m eio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que n in g u ém se glorie” (E f 2.8,9). P ortanto, o batism o não é mais necessário para alguém se salvar do que é qualquer o u tra obra de ju stiça19. A Regeneração Batismal E Contrária à Necessidade da Fé A Bíblia afirma claram ente que a fé, e som ente a fé20, representa a condição básica para alguém receber o dom divino da salvação21. Se, de acordo com a soteriologia, o batism o (ou qualquer ou tra coisa) fosse necessário, então Jesus Cristo teria enganado a sua audiência ao longo de todo o Evangelho que foi registrado pelo seu discípulo amado. A Regeneração Batismal E Contrária aos Ensinos de Paulo Paulo, o grande apóstolo convocado por Deus para levar as Boas Novas aos gentios, disse enfaticamente: “Cristo enviou-me não para batizar, mas para evangelizar” (1 Co 1.17). E bastante claro que o batismo não faz parte do Evangelho; o Evangelho “é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (R m 1.16). Portanto, com o o Evangelho nos salva, e o batismo não é parte do Evangelho, segue-se que ele não pode ser parte daquilo que nos salva. 0 batismo é um sinal exterior daquilo que nos salva, a saber, a regeneração feita pelo Espírito na vida daquele que crê. 0 “Desejo do Batismo" Prova que Ele não E Essencial De acordo com a teologia católica romana, alguém que nunca foi batizado pode ser salvo, se o desejo do batismo estiver presente: “o desejo do Batismo, na verdade, substitui o Sacramento do Batismo na medida em que está relacionado com a com unicação da graça” (Ott, FCD, 311). Até Tomás de Aquino concordou “que um a pessoa pode ser salva sem o sacramento, por meio do desejo do batismo, e, portanto, [existe] a possibilidade de salvação sem que essa pessoa seja verdadeiramente um m em bro [...] da Igreja” (ibid., 313; vejaTom ás de Aquilo, ST, IH.68.2). O m esm o se aplica àqueles que sofreram, porém não haviam sido batizados —o chamado “batismo de sangue”. C om o reconheceu Agostinho: “Eu julgo não som ente que o sofrimento em nom e de Cristo possa substituir aquilo que está faltando no Batismo, mas tam bém a fé e a conversão do coração, se por acaso a falta de tem po não tiver permitido a celebração do mistério do Batism o” (OB, citado por O tt, ibid., 357). D entro da teologia católica, o fato de existir a salvação sem o batismo prova que ele não é essencial à salvação (cf. Lc 23.43). R esu m ind o, consistentes ensinos bíblicos e evangélicos afirm am o princípio p ro testan te h istó rico de que som os salvos exclu sivam ente pela fé. A crescen tar qualquer outra coisa co m o cond ição para a salvação será co n trário a essa verdade fu n d am en tal. (V eja V olu m e 3, cap ítu lo 14.) 19 Ibid. 20 Às vezes, o arrependim ento é m encionado (cf. Lc 13.3; At 17.30), mas os dois são apenas um : Não existe um a fé verdadeira sem o arrependim ento (um a m udança de pensam ento), e não existe arrependim ento sem a fé (1 Ts 1.8,9); veja V olum e 3, capítulo 14.
21 Por exem plo, veja João 3.16,36; 5.24; Atos 16.31.
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Resposta à Defesa Católica da Transubstanciaçao Mais im p ortante que as diferenças existentes sobre o batism o é a divergência de opiniões sobre a C o m u n h ão, ou Santa Ceia. Os eruditos católicos argu m entam que é necessário entender as palavras de Jesus no sentido físico, por exem plo: “Isto [o pão] é o m eu co rp o ”22, e: “se não com erdes a carn e do Filho do H om em e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós m esm os” (Jo 6.53). Os evangélicos acreditam que existem m uitas e boas razões para rejeitar essa concepção. Não E Necessário Considerar essas Frases no Sentido Físico As palavras de Jesus não precisam ser consideradas no sentido de ingerir realm ente o seu verdadeiro corpo e sangue (físicos). Muitas vezes, Ele falava por m eio de metáforas e figuras de linguagem23. Jesus tam bém disse: “Eu sou a videira verdadeira” nesse m esm o livro (15.1). Os eruditos católicos não entendem isso fisicamente, nem aceitam que Jesus esteja falando fisicamente quando disse: “Eu sou a porta” (10.9). Portanto, não existe a necessidade de entender as palavras de Jesus “isto é o m eu corpo”, ou “com er a m inha carne”, de um a form a literal. Ele m esm o disse que muitas vezes falava através de parábolas e de figuras de linguagem (M t 13.10,11), e, com o veremos depois, elas podem ser entendidas através do contexto.
Não É Plausível Considerar as Palavras de Jesus no Sentido Físico Frases brilhantes não são prova da sua literalidade (cf. Jo 15.1). Os Salm os e outros escritos tam bém estão repletos de figuras de linguagem : Deus é representado com o u m rochedo (SI 18.2), um pássaro (SI 63.7), um a torre (Pv 18.10), e através de m uitos outros meios nas Sagradas Escrituras24. A lém disso, muitas vezes a Bíblia usa a linguagem da ingestão nu m sentido figurado, com o: “Provai e vede que o Senhor é b o m ” (SI 34.8). Quando, no Apocalipse, João recebeu ordem para com er u m livrinho, ele obedeceu e depois disse: “e, havendo-o com ido, o m eu ventre ficou am argo” (Ap 10.10) — sem dúvida, essa é um a im agem bastante vivida, no entanto ela fazia parte de um a visão que João teve referente ao seu recebim ento da Palavra de Deus (o livrinho). Pedro diz aos novos crentes: “Desejai afetuosam ente, com o m eninos novam ente nascidos, o leite racional [...] para que, por ele, vades crescendo” (1 Pe 2.2). O escritor aos Hebreus fala sobre um “m antim en to sólido” para os adultos perfeitos (5.14), e sobre outros que “provaram o dom celestial” (6.4). Nem é necessário entender “carne e sangue” literalm ente (co m o sugerem os eruditos católicos) som ente porque essa frase foi usada dessa m aneira em m uitos outros lugares e em outros contextos. C om o todos os eruditos bíblicos sabem, as m esm as palavras podem ter diferentes significados em diferentes contextos. A própria palavra came (gr. sarx) é usada no Novo Testam ento nu m sentido espiritual e não físico quando se refere à natureza hum ana pecadora, com o, por exem plo, quando Paulo disse: “Porque eu sei que em m im , isto é, na m inha carne, não habita bem algum ” (R m 7.18; cf. G1 5.17). O significado é descoberto som ente através do contexto e não se palavras idênticas ou similares foram usadas. A palavra corpo (gr. soma), que significa o corpo físico, quando é usada a respeito da pessoa de 22 M a te u s 26.26; M arco s 14.22; Lucas 22.19; 1 C o rín tio s 11.24.
23 A in ten sid a d e c o m q u e Jesus falava q u an d o e ra desafiado
p ro v a q u e suas p alavras d ev e m s er en ten d id as m ais lite ra lm e n te d o q u e fisica m en te, e o m e sm o se aplica q u an d o ch a m o u os fariseu s de “c o n d u to re s ce g o s” (M t 2 3.24), q u a n d o Pau lo c h a m o u os ad ep to s do ju d a ísm o d e “cã es” (Fp 3 .2), ou q u an d o Jesu s c h a m o u H erodes d e “rap o sa ” (Lc 13.32). T odas essas e xp ressõ es são m e tá fo ra s m u ito fo rte s. 2-1O s estu d io sos ca tó lico s n ã o a c e ita m q u e s e ja m q u a lq u e r coisa lite ra l o u física.
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u m indivíduo, em outros contextos significa o corpo espiritual de Cristo (aig reja universal; cf. E f 1.22,23), com o foi reconhecido tanto pelos católicos com o pelos protestantes. O fato de alguns dos ouvintes de Jesus terem entendido as suas palavras n u m sentido físico, sem que Ele te n h a apresentado n e n h u m a censura im ediata e explícita, não serve com o argu m ento. Prim eiro, Jesus censurou o entend im en to deles (pelo m enos im p licitam ente) quando disse, m ais tarde, no m esm o discurso: “O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo Ó.63)25. Usando u m a frase de Paulo, as palavras de Jesus devem ser “discernidas esp iritu alm ente” (1 C o 2.14; cf. M t 16.17), e não n u m sentido canibalesco. A lém disso, Jesus não precisava censurar explicitam ente a resposta im ediata que recebeu por estar errada. C o m o o en tend im ento literal desse texto teria sido dem asiadam ente abjeto, n e n h u m discípulo poderia esperar que Ele tivesse feito u m a afirm ação tão absurda. T am p ou co o apelo a u m a suposta tran sform ação m ilagrosa dos elem entos (do pão e do vin h o ) está sendo exigida pelo con texto. O ú n ico m ilagre que tem essa con o tação é a alim entação das cinco m il pessoas (Jo 6.11), o qual deu ensejo a esse discurso sobre o Pão da Vida (v. 35). Aqui, esse apelo a u m a m ilagrosa transubstanciação pode ser entendida co m o deus ex m adúnê6, u m a tentativa m alograda de evocar D eus a fim de evitar que a interpretação de alguém possa en trar em colapso. Finalm ente, o apelo aos Pais da igreja para obter seu apoio ao dogm a do C oncilio de T rento sobre a transubstanciação está baseado em razões p ou co convincentes. Primeiro, co m o até os próprios eruditos católicos adm item , os Pais não eram unânim es quanto à sua interpretação. O Concilio de T ren to fala sobre “o u n ânim e con sen tim en to dos Pais” com o m eio para determ inar a verdadeira tradição apostólica, mas alguns Pais se o p u n h am claram ente a aceitar literalm en te a frase “isto é o m eu c o rp o ”. Segundo, m uitos dos Pais estavam, no m áxim o, aceitando a idéia da presença real de Cristo na Com unhão, e não que os elementos tivessem se transformado literalm ente no seu verdadeiro corpo e sangue27. Esse dogma da transubstanciação não pode estar baseado em qualquer aceitação inicial e unânim e (em bora os católicos estejam afirmando que sim). Terceiro, a Igreja O rtod oxa O riental, cujas raízes são tão antigas quanto as da Igreja da R om a, sem pre sustentou u m a teoria m ística sobre a presença de Cristo na C om u n h ão (Santa Ceia) e nu nca confirm ou a transubstanciação28. D a m esm a m aneira, o conceito luterano, que rejeita a transubstanciação, apela aos m esm os Pais da igreja para obter o apoio da sua teoria con tra o catolicism o. Quarto, com o m encionam os acima, os primeiros Pais tinh am um a interpretação falível sobre a infalível Palavra. Eles podiam estar, e m uitas vezes estavam, errados, e não há nen h u m a razão pela qual qualquer u m deles não tivesse se enganado sobre essa questão29. O uso que algrej a Católica faz dos País paraproclam ar que um a doutrina é infalivelm ente verdadeira n em sem pre é consistente com as evidências; em certos casos, a proclam ação da sua teoria com o sendo um a verdade apostólica não foi bem aceita pelos prim eiros Pais. N um a análise final, a decisão do magisterium de ensino de proclam ar a sua teoria com o sendo 23 O argum ento que O tt apresenta aqui, isto é, de que “Cristo não rejeita o literal, mas apenas um a interpretação grosseiramente carnal [cafarnaítica]” não é plausível por causa das razões que acabamos de dar. 26 Lit. “Deus da m áquina”. 27 Veja abaixo, sob “Opiniões sobre a Ceia do S en h o r”.
28 Ibid. A Igreja O rtodoxa perm ite, mas não exige que a Presença
Real seja entendida nos term os da transubstanciação, fato que o Catolicism o Rom ano proclam a infalivelm ente com o sendo a única m aneira correta de entendê-la.
29VejaV olum e 1, capítulo 17.
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um artigo de fé não está baseada n u m a evidência, e o apelo feito aos Pais e concílios está em desacordo com o fato, além de ter acontecido depois dele (ex post facto). Por exem plo, quando os primeiros Pais ou concílios condenaram um a teoria que mais tarde a Igreja da R om a pronunciou com o sendo infalível, R om a ignorou as primeiras declarações feitas contra essa teoria. Mas, m esm o quando alguns poucos Pais e concílios primitivos apoiaram um a teoria que eles desejavam pronunciar d efd ei0, eles triun falm ente m encionaram a voz dessa m inoria. A lém de ser inconsistente, o uso que o catolicism o faz dos Pais tam bém gira em círculos; os Pais são usados com o base para o ensino infalível da igreja, enquanto o ensino infalível da igreja form a a base real para o uso dos Pais. Não É Possível Admitir de Modo Consistente uma Idéia Física Em pelo m enos u m im p ortan te aspecto, não é teolog icam ente possível que um cristão ortod oxo aceite a interpretação literal da frase “isto é o m eu co rp o ”. Q uando Jesus disse isso, segurando o pão em suas m ãos, n e n h u m apóstolo presente iria entender que Ele estava querendo dizer que aquele pão era verdadeiram ente o seu corpo físico e que ju n to deles estavam as m ãos que seguravam esse m esm o pão, pois nesse caso deveríamos entender que Cristo estava segurando o seu próprio corpo nas suas próprias m ãos. Nesse caso, Jesus não podia estar falando do seu corpo físico, porque desde a Encarnação Ele sem pre havia sido u m ser hu m ano e sem pre havia residido continuam ente n u m corpo hu m ano (exceto quando foi sepultado). Se o pão e o vinho que Ele segurava nas suas mãosfossem literal e verdadeiramente o seu corpo e sangue, então Ele teria encarnado em dois lugares diferentes ao mesmo tempo. O corpo físico não pode ocupar dois espaços ao m esm o tem po, p ortanto apesar dos protestos contrários dos católicos31 a transubstanciação (logicam ente) envolve dois corpos e duas encarnações de Cristo, o que é totalm ente contrário à doutrina ortodoxa da Encarnação. Ê Idolátrico Adorar à Fíóstia C om o já vim os, o dogm a oficial cató lico diz que a consagrada Eucaristia pode e deve ser adorada. A m aioria dos protestantes acredita que essa é u m a fo rm a de id o latria’2, pois se trata de adorar algum a coisa de que o sentido que D eus nos deu diz ser um a criação finita de D eus (o pão e o vinho). A dorar a D eus sob qualquer im agem física está claram ente proibido nos D ez M andam entos (Ex 20.4). Além disso, o apelo à presença onipresente do corpo de Cristo (ou a onipresença de Cristo com o Deus na hóstia) não resolve o problem a33; isto é, considerar que os elem entos eucarísticos são apenas um “revestim ento acidental” sob o qual Cristo se encontra de algum a form a não impede essa dificuldade. De acordo com a m esm a classe de argum ento, poderíam os justificar os pagãos que adoram pedras ou estátuas, pois Deus está presente em 30 O q u e deve s er a cred itad o c o m o u m a rtig o o b rig a tó rio de fé.
31 Os estu d ioso s c a tó lic o s fa la m q u e C ris to o cu p av a
apenas u m ú n ic o c o rp o e m dois lu g ares, e a ce ita m a d u p la lo ca liz a çã o , m as n ã o a in c o rp o ra ç ã o . Eles fa z em u m a d istin ção m as n ã o u m a d iferen ça, p ois a prop ried ad e essen cial de u m co rp o m a te ria l te rre n o (c o m o Jesus tin h a aq u i) é o c u p a r u m lu g ar p a r tic u la r n o esp aço e m lu g a r de o u tr o c o rp o .
j2 Os c a tó lic o s ra p id a m e n te d eixam b e m cla ro q u e algu ns
p ro te sta n tes (p o r e x e m p lo , os a n g lica n o s) e os o rto d o x o s o rien ta is ta m b é m v e n e ra m a h ó stia e se a jo e lh a m p e ra n te ela. M as, n a m e lh o r das h ip óteses, isso n ã o p ro v a que se ja c o r r e to a d o ra r a h óstia, e p ro v a apenas q u e essas o p in iõ es ta m b é m e stão erradas. E n tr e ta n to , h á u m a d istin çã o q u e le v a a c rític a a ser ainda m ais sev era c o m o c a to lic ism o ro m a n o , u m a v e z q u e s o m e n te eles acre d ita m q ue a h ó stia é re a lm e n te o c o rp o de C risto e q u e e la p od e e deve s er ad orad a c o m o D eus. O u tro s p o d e m a cre d itar q u e C risto está re a lm e n te p re s e n te n a h ó stia , m as isso é m u ito d ife re n te de dizer q u e E le é a h ó s tia e q u e c o m o ta l e la d eve s er adorada.
33 C f. V o lu m e 2, c a p ítu lo 7.
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toda parte, inclusive nos seus objetos de adoração. Afinal de contas, n en h u m pagão adepto do anim ism o adora realm ente a pedra, mas o espírito que está anim ando esta adoração. A Transubstanciação Mina a Crença na Ressurreição Finalm ente, afirm ar que a hóstia consagrada é tudo m enos algo finito m in a a verdadeira base epistem ológica pela qual som os capazes de con h ecer qualquer coisa do m u nd o em pírico34, e, indiretam ente, a própria base histórica que serve com o suporte à verdade sobre a encarnação de C risto, sua m o rte e ressurreição35. Se não podem os confiar nos sentidos quando experim entam os os elem entos da C o m u n h ão (Santa Ceia), tam b ém não podem os confiar nos sentidos dos apóstolos para verificar as afirm ações de C risto sobre a ressurreição: “Vede as m inhas m ãos e os m eus pés, que sou eu m esm o; tocai-me e vede” (Lc 24.39; cf. Jo 20.27). João disse, a respeito de Cristo: “O que tem os visto com os nossos próprios olhos, o que contem p lam os, e as nossas m ãos apalparam [...]” (1 Jo 1.1, RA). A Missa não Mostra nenhuma Evidência de Ser Milagrosa A resposta da Igreja Católica R om ana aos argumentos anteriores é que a missa é milagrosa, e, conseqüentem ente, apelar para um a form a natural e norm al de observação seria irrelevante. E verdade que milagres não são ocorrências normais, entretanto, essa estratégia não serve, pois a missa não m ostra absolutamente qualquer evidência de ser milagrosa. Primeiro, e raciocinando da m esm a m aneira, ao tentar justificar u m a invisível substância m aterial que m ilagrosam ente substitui óbvios e em píricos sinais (o pão e o vinho) poderíam os tentar tam bém justificar o Papai N oel do Natal, ou qualquer outro duende que estivesse m ovendo os ponteiros de u m relógio. Isso seria um a tolice literária, e não seria sensível, em bora o objeto seja u m corpo (físico) sensível. Filosoficam ente falando, seria considerar um evento em piricam ente incognoscível do m undo em pírico; teologicam ente falando, ele nos foi apresentado com o um a exclusiva questão de fé. D evem os sim plesm ente acreditar naquilo que o magisterium de ensino da igreja diz, a saber, que a hóstia é realm ente o corpo de Cristo —em bora nossos sentidos claram ente digam o contrário. A lém disso, se a m issa é m ilagrosa, en tão v irtu a lm en te qualquer even to n atu ral em p írico tam b ém po d eriaser m ilagroso, e, se isso fo r verdade, e n tã o nadaseriam ilagroso, pois n ão existe nada que seja ú n ico . P o rtan to , afirm ar que a m issa é m ilagrosa m in a a n atu re za dos m ilagres co m o eventos especiais co m v alo r ap o log ético36. Finalmente, seria fútil o apelo dos defensores católicos em favor das aparições divinas (teofanias) na tentativa de evitar essas críticas: Quando o Próprio Deus aparece sob umaforma finita, tratase obviamente de uma aparição milagrosa, de modo que os observadoresficam sabendo claramente que esse evento não é normal. Existem manifestações sobrenaturais, vozes, profecias ou acontecim entos incom uns da natureza relacionados com elas (cf. Ex 3.1ss.); mas a missa não corresponde a qualquer um a delas. Em nenhu m lugar do Novo Testam ento as palavras normais para “milagre” (sinal, maravilha e poder)37 são usadas para a C om unhão (Santa Ceia), e não existe absolutamente nenhu m a evidência de que ela não seja apenas u m evento natural com elem entos naturais nos quais Cristo coloca bênçãos espirituais em m em ória da sua m orte (1 Co 11.25).
34Veja Volum e 1, capítulo 7. V olum e 1, capítulo 3.
35Veja Volume 1, capítulos 11,16, e 26; Volum e 2, apêndice 1; e Volume 3, capítulo 9.
37 Gr. semeion, teras e áunamis, respectivam ente; veja ibid.
36Veja
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0 Problema de Considerar a Missa como um “Sacrifício"
Os católicos rom anos e os anglicanos® consideram a Festa da Eucaristia co m o um “sacrifício” (em bora in cru e n to )39 O term o sacrifício é encontrado desde a época de Papa G regório, o Grande (bispado 590-604), quando foi afirm ado que em toda missa Cristo é sacrificado novam ente (Cross, O DCC, 594-95); com o resultado, “essa noção da missa com o sacrifício acabou se tornand o u m a d outrina padrão da igreja O cidental até ser rejeitada pelos protestantes, no século X V I” (G onzález, SC, 247). Em 831, u m m onge francês cham ado Paschasius Radbertus (c. 786-860) analisou essa questão na obra intitulada On the Body and Soul o f the Lord. Radbertus ensinava que Cristo está “co rp o ralm en te” presente durante a C o m u n h ão (Santa Ceia). No início da igreja, a Eucaristia era considerada u m a refeição com unitária, mas agora, a nova ênfase que foi dada à presença corpórea de Cristo permitiu à igreja começar a tratar Cristo como se Ele fosse uma vítima, em vez do anfitrião [da festa], e a pensar em oferecê-lo ao Pai, em vez de virem para serem alimentados à mesa (Brown, H, 233). D este m od o, a própria Eucaristia passou a ser con h ecid a com o sendo u m sacrifício; assim, aquilo que deveria ser o memorial de u m sacrifício se to rn o u u m a reprodução desse sacrifício (v eja ibid.). O fato de o te rm o memória (gr. anamnesis) ser usado m u itas vezes n o N ovo T estam en to co m u m a co n o ta çã o de sacrifício (c o m o é considerado pelos cató licos ro m an os) não ju stifica a arg u m en tação de que a C o m u n h ã o (San ta Ceia) é u m sacrifício. Jesus deseja que o seu sacrifício na cru z seja lembrado, e não que seja reapresentado40.
Em relação à crença católica rom ana que afirma haver a necessidade de um a mediação para a Eucaristia, ainda que se admitisse que Deus fosse a causa primária da transform ação, os protestantes ainda fariam um a objeção à crença de que o sacerdote seja um a causa secundária ou um instrum ento através do qual a transform ação seja realizada por Deus'11. Será contrário às condutas de Deus, reveladas na Escritura, conceder a qualquer ser hu m ano o poder de transform ar as coisas criadas (o pão e o vinho) no corpo e no sangue do Criador (C risto)42. Resum indo, todo o conceito de re-encenar e de reapresentar o sacrifício de Cristo na cruz é contrário à clara m ensagem contida na carta aos Hebreus de que esse sacrifício “foi feito apenas um a vez” (10.10). O dogm a do Concilio de Trento, que diz que Cristo é “im olado” repetidas vezes (ou sacrificado)43 na missa, está infringindo o claro ensinam ento da Escritura. 38 Os c a tó lic o s ro m a n o s e os a n g lica n o s p u b lic a ra m u m a d e cla ra çã o de 600 p alavras e c in c o p o n to s so b re sua c re n ç a c o m u m n a E u caristia, inclu sive so b re a E u ca ristia c o m o sa crifício (v e ja O tt, “C A A ”, in : S C ), 10.
39 D ev e-se ob serv ar que
a O rto d o x ia O rie n ta l ta m b é m c o n c o rd a c o m o C a to lic ism o n e ste p o n to : “N a E u ca ristia , o sa crifício o fere cid o é o p ró p rio C ris to , e é o p ró p rio C risto q u e m n a Ig r e ja e x e c u ta o a to de o fe r e c im e n to ” (W are, O C , 2 9 2-93).
40 A te o lo g ia lu te ra n a
ta m b é m re je ita o c o n c e ito de m issa c o m o sacrifício: “C o m o a m o r te de C risto re sg a to u os p ecados de u m a v ez p o r todas, e c o m o basead o nisso o c re n te é ju stifica d o p ela fé, n ã o h á n ecessid ad e da re p e tiç ã o dos sa crifício s” (L u te ro , B C , 140, m e n c io n a d o e m ibid.).
41 D a m e sm a m a n e ira , os lu te ra n o s re je ita m o cle rica lism o : “A p rese n ça do c o rp o e d o sa n g u e
de C risto n ã o re s u lta das açõ es d o sa ce rd o te. A o c o n trá r io , e la é u m a c o n seq ü ê n c ia do p o d e r de Jesus C ris to ” (ibid.). 42 E m b o ra D e u s te n h a c o n ced id o a a lg u n s seres h u m a n o s (c o m o M oisés, Elias e os a p ó sto lo s) o p o d e r de fa z er m ilagres, E le n u n c a lh e s d eu o p o d e r de tra n s fo rm a r o v in h o n o sa n g u e d o F ilh o de D eus.
43 A o b serv ação feita p e lo s ca tó lico s
de q u e im o la r n ã o significa n e c e s sa ria m e n te m a ta r (cf. N m 8 .1 1,21), m as m e ra m e n te “sa crifica r”, n ã o é su ficie n te para c o n tra ria r a te o ria b íb lica q u e a firm a e xistir apen as u m “ú n ic o s a crifício p a ra s e m p re ” (H b 10.10,14).
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0 Problema da Múltipla Localização do Corpo Físico de Cristo C om o m encionam os anteriorm ente, adoutrinacatólicarom anasobreapresençado corpo de Cristo durante aEucaristiaacrescentamais umadificuldade para a maio ria dos evangélicos44, e essa dificuldade pode ser descrita da seguinte maneira: “A fim de estar presente em centenas de altares, o Corpo de Cristo deve possuir um dos chamados atributos da majestade de Deus, isto é, a onipresença ou a ubiqüidade” (Brown, H, 229)45. Ou, de maneira mais simples, “acre ditar que Jesus estava em dois lugares ao m esm o tem po é, de certa maneira, negar a encarna ção, que limitava sua natureza física hum ana a u m a única localização” (Erickson, CT, 1121). Esse entendimento da Eucaristia está repleto de dificuldades. Aqueles que tentam preservar a “verdadeira presença de Cristo” na Com unhão se aproximam perigosamente da afirmação do monofisismo, segundo a qual, depois da encarnação, “Cristo possuía apenas um a única natureza divina encarnada que combinava e reunia suas duas naturezas”46. 0 monofisismo foi condenado pelo Concilio de Efeso (431), e um a condenação oficial foi reafirmada em Calcedônia (em 451; veja Brown, op. cit., 168-72; 181-85). Por que, então, a reunião do divino com o hum ano na substância dos elementos da Com unhão não deveria também ser condenada por ser herética? Em suma, os sacramentos (especialmente a Eucaristia) estão no âmago da crença e da prática da Igreja Católica Romana, e poucas questões são capazes de criar tantas divergências entre os católicos e protestantes. De maneira indefensável, os católicos acreditam na transubstanciação47, e que um sacramento produz a graça—por exemplo, que agraça da justificação e da santificação é transmitida pelo batismo48. Além disso, examinando os argumentos da Igreja Católica Romana, tanto na Escritura com o na tradição, entendemos que eles são falhos. Na verdade, algumas generalizações dos ensinos católicos sobre os sacramentos são claramente contrárias à Escritura, ao ensino ortodoxo cristão, e até aos fatos e à lógica. Em vista das diferenças significativas existentes entre a doutrina católica rom ana e a doutrina evangélica protestante, a realidade está exigindo que sejam adotadas opiniões m enos otimistas do que o convite ecum ênico “R om a é o lar”. A medida que os católicos sustentarem que esses dogmas não são negociáveis, eles precisarão encontrar abrigos eclesiásticos em outro lugar, apesar de todas as outras verdades teológicas sobre as quais estamos de acordo, e das áreas práticas nas quais podemos estabelecer um a cooperação mútua.
A OPINIÃO DE QUE NÃO EXISTEM ORDENANÇAS D o o u tro lado do esp ectro, está a teo ria de E. W. B u llin g er e de W illiam B o o th , em que am bos afirm am que a tu a lm en te não há a exigência de se observar as ordenanças nas igrejas locais. (Isso inclui tan to o batism o co m o a Ceia do Senh or, observados pela grande m aioria das igrejas.) B o o th n ão os observava por m otivos práticos, e B ullinger se o p u n h a a eles por m otivos teológicos. 44 Usamos a palavra maioria porque esse problem a tam bém é inerente à teologia luterana, por causa da sua crença de que, na C om unhão, a presença física do corpo e do sangue de Cristo está “contida” ou está “sob” os elem entos da C om unhão (veja abaixo, sob “Opiniões sobre a Ceia do Sen h o r”). Apesar das “negativas luteranas a respeito de várias facetas da posição católica, Lutero insistiu num conceito de mastigação. [Para os luteranos,] existe um a verdadeira mastigação do corpo de Jesus” (Erickson, C T , 1118).—
45 Veja Volume 2, capítulos 7 e 10.
46 Veja V olum e 2, capítulo 12 e apêndice 1.
47 Em relação aos protestantes, sem pre se pode encontrar em algum lugar um a exceção não-ortodoxa, com o em Howard Erwin, um protestante carism ático que acredita que o Pai tem um corpo físico e que Jesus nasceu novam ente no inferno! (veja H ank Hanegraaf, Christianity in Crisis. Eugene, Ore.: Harvest House, 1993).
4S Os luteranos são u m a exceção entre os
protestantes, e; nesse ponto, eles m antêm o ponto de vista católico, mas m anifestam existir um a grande tensão entre ele e a doutrina da justificação som ente através da fé (veja capítulo 11; veja tam bém Volum e 3, capítulo 9).
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A Posição do Exército de Salvação O Exército de Salvação, fundado por W illiam B o o th (1829-1912), é um m o vim en to que com eço u com o missão cristã e de operação de salvam ento no lado oriental de Londres. Ele foi isolado pelas igrejas principais e abandonado sem defesa pelos magistrados. Apesar de ter sido ordenado m inistro m etodista, B o o th adotou u m a política não-denom in acion al. E m bora levantasse críticas por não observar os sacram entos, ele “negava ser contra eles. Talvez a polêm ica que os sacram entos tin h am provocado nas outras igrejas não o estim ulasse a m udar a sua teoria” (Elw ell, E D T , 172).
A Visão de Bullinger E. W. Bullinger (1837-1913), fam oso estudioso grego, é considerado o pai do m o vim en to ultradispensacional. O ultradispensacionalism o co lo ca a origem da igreja cristã depois de Atos 28 e argu m enta que os prim eiros crentes p ertenciam a um a igreja judaica na qual eram praticados o batism o e a Ceia do Senhor. A verdadeira igreja e o m istério do corpo de Cristo só apareceram depois que Paulo escreveu as epístolas quando estava na prisão, e, de acordo com Bullinger, elas não fazem referência ao batism o nas águas n em à C om u nhão'19.
Resposta à Opinião de que não Existem Ordenanças Não há m u ito que com en tar sobre a posição de B o o th , pois ela é mais um a ausência de opinião do que propriam ente um a opinião. Ele não só se op unha aos sacram entos com o os ignorava. A lém disso, sua ignorância estava baseada em bases pragm áticas, pois aparentem ente ele considerava os sacram entos um a inesgotável fonte de conflitos que sim plesm ente desperdiçavam os preciosos recursos que poderiam ser mais bem em pregados na ajuda aos necessitados. Com o Bullinger, por outro lado, havia apresentado um a sofisticada argumentação bíblica contra as duas ordenanças, a sua posição exige um a resposta mais extensa. Essencialmente, seu raciocínio está baseado em duas argumentações: (1) a igreja cristã com eçou somente depois de Atos 28 (portanto, todas as referências ao batismo e à Ceia do Senhor, anteriores a esse ponto, não se aplicam à nossa dispensação)5"; (2) não existem quaisquer referências ao batismo nas águas em nenhu m a epístola escrita depois dessa época51. Primeiro, o segundo argum ento é, na m elh o r hipótese, u m argu m ento frágil, ou, necessariam ente, u m argu m ento do silêncio. E n tretanto, nada acontece a partir do nada. A om issão não significa exclusão; o fato de algum as ordenanças não terem sido m encionadas em algum as cartas não significa que não estivessem em vigor. Por exem plo, a ressurreição não é m encionada em certas epístolas^2; de m aneira n e n h u m a isso poderia servir para m o strar que os autores não acreditavam nela ou que não afirm assem a sua im portância essencial. Segundo, é possível que Paulo ten ha feito realm ente referência ao batism o nas águas nas Epístolas da Prisão. Colossenses 2.12, por exem plo, se refere ao batism o com o ser “sepultado” com Cristo. Isso descreve a imersão, ou o m odo de batizar expresso no Novo Testam ento. Na verdade, em um a referência paralela, Paulo m enciona o batism o com o “sepultam ento”, isto é, um ato exterior que é “sem elhante” ao verdadeiro ato da salvação, 49 V e ja ta m b é m c a p ítu lo 1. C o lo ssen ses e F ile m o m .
50 S o b re d isp en saçõ es, v e ja c a p ítu lo 14; v e ja ta m b é m V o lu m e 3, c a p ítu lo 6.
52 P o r e x e m p lo , T ia g o , F ile m o m , 2 Jo ã o , 3 Jo ã o e Judas.
51 Isto é, Efésios,
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pois fom os batizados em u m Espírito no corpo de Cristo (1 Co 12.13). O batism o nas águas é a expressão exterior da realidade que está em nosso interior. O texto em Efésios 4.5 tam bém faz um a referência sem elhante ao batism o nas águas, pois o batismo no Espírito está im plícito no versículo precedente (onde existe “um só corp o” form ado por “u m só Espírito” — precisam ente aquilo que o batism o é). Além disso, no texto a palavra “batism o” acom panha a palavra “fé”, e a m esm a ordem usada para fé e batism o em águas é usada em todo o Novo Testam ento53. Finalm ente, esses elem entos form am um a unidade confessional, um a espécie de m ini-credo que evidencia o batism o nas águas, u m a atividade confessional exterior que não corresponde ao batism o no Espírito. Terceiro, o arg u m en to de B u llin g er cai p o r te rra se pu der ser m o strad o que a igreja, co m o corp o de C risto, n asceu antes de A tos 28, e existem boas provas de que isso realm en te a co n teceu 54. (1) A igreja, co m o corp o de C risto, resu lto u do batism o do E spírito San to (1 Co 12.13), que o co rre u apenas alguns “dias” depois da ascensão de C risto (A t 1.5), no D ia de Pentecostes (2. lss.); (2) em A tos 9.4, Jesus disse a S a u lo que ele estava perseguindo o seu corp o e o ú n ico corp o te rre n o de C risto que Paulo poderia estar perseguindo era a sua ig reja, o que ele cla ra m en te re co n h e ce u (1 C o 15.9). T an to o batism o co m o a Ceia do S e n h o r eram praticados pela ig reja depois de A tos 9 (p o r exem p lo, A t 19; 1 C o 11). Quarto, o ultrad isp ensacionalism o se em p e n h a para fazer distinções sem que existam diferenças reais, fazendo m u ito a p artir do p o u co ou de coisa n e n h u m a . A distinção que ele faz en tre a ig reja ju d aica p rim itiva e a ig reja cristã está baseada em aparências circu nstan ciais e argu m en tos silenciosos, e não em evidência sólida e positiva (n a verdade, ele o m ite u m a evidência que não lh e conv ém ). Quinto, e fin alm en te, o ultrad ispensacion alism o ig n o ra todo o co n tex to de A tos 10, onde Pedro foi levado aos gentios e eles tam b ém fo ra m batizados n o corp o de C risto. Ele tam b ém ig n o ra o co n tex to de A tos 15, onde os ap ó stolo s55 e m itira m u m a d eclaração p ela qual os gentios eram com p an h eiro s e herdeiros do E vangelh o ju n ta m e n te com os ju d eu s (E f 3.6; Cl 1.27). Este m istério — de co m o os gentios podiam se ju n ta r aos ju d eu s em u m ú n ico corp o, que os adeptos de B u llin g er p ro cla m a m ser a verdadeira ig reja — existia desde pelo m en os A tos 10, o qual Pedro afirm ou ser a m esm a ig reja de A tos 2 (cf. 11.15). O p o n to de vista de B u llin g e r c o n tra as duas ordenanças da ig reja, clara m en te praticadas em A tos, n ão te m n e n h u m a su stentação .
A Visão dos Bereanos (uma Única Ordenança) Surgiu, talvez em razão das críticas acim a, u m a fo rm a m odificada de ultradispensa cionalism o que afirm a a existência de apenas u m a ún ica ordenança para a igreja —a Ceia do Sen h or. Essa teoria, que foi expressa pelo m o vim en to de C ornelius Stam (1909-2003), Charles Baker (1910-2002) e pelo m o vim en to B ereano [da Graça], afirm a que a igreja cristã com eço u em algum m o m en to entre Atos 9 e 1356. Os ultradispensacionalistas m o dificados acreditam poder evitar as críticas relacionadas co m B u lllin g er e m an ter a Ceia do S en h o r sem inclu ir o batism o.
53 V eja abaixo, sob “A Base B íb lica p a ra a C eia do S e n h o r ”.
54V eja c a p ítu lo 1, sob o titu lo “R espostas às O b je ç õ es q u a n to à
O rig e m d a Ig r e ja ” . 55 P arte d a fu n d a ç ã o da Ig re ja —v e ja Efésios 2 .2 0 . 56 Lem bre-se de q ue n essa ja n e la a ênfase de A tos m u d a do m in istério de Pedro p ara o m in istério de Paulo.
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R e s p o s ta à V isã o d o s B e r e a n o s (u m a Ú n ic a O rd e n a n ç a ) Essa visão parece pouco m elh o r que a sua precursora; os problem as dos bereanos são m u ito parecidos com os dos adeptos de Bullinger. Primeiro, com o mostramos acima, ela é principalmente um argumento oriundo do silêncio. Segundo, ela faz nov am ente distinções sem a existência de diferenças reais. Por exem plo,
os m inistérios da circuncisão (Pedro) e da não-circuncisão (Paulo) correspondem a diferentes audiências, mas não a evangelhos diferentes. Terceiro, m esm o aceitando que o m istério da igreja não havia sido revelado a ninguém
antes de Paulo, isto não significa que ela não existia antes de ser m encionada por ele. Quarto, a igreja existia desde o m o m en to em que o Espírito Santo batizou o povo no
corpo de C risto (1 Co 12.13), no Pentecostes (A t 1.5; 2.1ss.). Quinto, o batismo cristão aconteceu depois de Atos 9—13 (ocasião em que, segundo os
bereanos, nasceu aigrej a do Novo Testam ento). Em Atos 19, Paulo batizou os convertidos em nom e de Cristo; no entanto, eles já haviam recebido u m batismo judaico anteriorm ente. Sexto, o ultradispensacionalism o m odificado confunde as profecias do Antigo
Testam ento que dizem que os gentios seriam abençoados, m esm o não havendo profecias sobre como isso seria feito no m esm o nível (soteriológico) dos judeus37. Sétimo, e finalm ente, a sua afirm ação de que existem diferentes evangelhos contradiz
as palavras de Paulo, que ensina que existe apenas u m evangelho (C l 1.8; cf. 3.8). P O N T O S D E V IS T A P R O T E S T A N T E S S O B R E A S O R D E N A N Ç A S Elim inando as exceções acim a, os protestantes estão, quase que universalm ente, de acordo sobre a existência de duas ordenanças: o batism o e a Ceia do Senhor. E é nesse ponto que com eçam as diferenças.
D ife r e n ç a s c o n c e r n e n te s a o B a tis m o Primeiro, existem diferenças quanto ao modo do batismo. Os batistas, congrecionalistas e
outros que se originaram da tradição anabatista58insistem no batismo por imersão. Outros, com o os anglicanos, luteranos, presbiterianos e metodistas batizam pela efusão (aspersão ou derram am ento). Cada lado apresenta sua própria razão baseada em imagens bíblicas da salvação que descrevem o batism o com o sendo u m sinal exterior da sua realidade. Segundo, existem diferenças quanto ao candidato ao batism o. Os batistas e outros grupos
que se assem elham aos batistas insistem no batism o do crente39. Os ortod oxos orientais, anglicanos, luteranos, m etodistas e outros tam bém batizam os infantes. Terceiro, existem diferenças quanto à eficácia do batism o. Os ortod oxos orientais,
lu teran o s e anglicanos su sten tam a reg en eração batism al, m as isso não acon tece com os batistas, m etodistas, presbiterianos e outros. Algum as diferenças nascem das teorias sobre a natu reza dos sacram entos, por exem plo, se eles são m eram en te símbolos ou verdadeiros meios da graça60.
57V eja cap ítu los 13-14.
58V eja abaixo, sob “O C an didato ao B a tism o ”.
59 O b atism o daqueles q u e p esso a lm en te con fessaram
sua fé e m Jesus C risto; cf. V o lu m e 3, c a p ítu lo 1 3 .60V eja in ício deste cap ítu lo.
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Diferenças concernentes à Ceia do Senhor C om o irem os discutir em seguida61, os protestantes divergem quanto à natureza, núm ero, participação e efeito referentes à Ceia do Senhor. Enquanto os católicos rom anos afirmam que os elem entos (pão e vinho) realm ente se transform am no corpo e no sangue de Cristo (transubstanciação), os protestantes defendem duas opiniões principais (a consubstanciação62 e o m em orial63), com diferentes graus entre elas. Novamente, enquanto os católicos acreditam que a Eucaristia é a causa da graça, outros sacramentalistas afirmam que ela é um m eio da graça, e os não-sacramentalistas insistem que ela é u m símbolo da graça. Observe tam bém que, segundo os católicos, som ente o sacerdote deve participar do cálice e som ente sacerdotes devidamente ordenados podem administrar este sacram ento64. A luz dessas diferentes opiniões sobre o batism o e a C o m u n h ão (Santa Ceia), será necessário fazer u m a pequena análise dos dados bíblicos.
UMA ANÁLISE BÍBLICA DA ORDENANÇA DO BATISMO De todas as questões relativas ao batism o nas águas, algum as já fo ram discutidas em outras passagens65, e o restante será com entad o de m odo breve aqui.
O Mandamento do Batismo A base do batismo é a Grande Comissão de Cristo: E-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos (Mt 28.18-20). Jesus não só ordenou o batismo, com o ele foi praticado pelos seus discípulos e Pedro repetiu o m andam ento do batismo no Pentecostes, quando a igreja nasceu: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nom e de Jesus Cristo para perdão dos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (A t 2.38; cf. 10.47). Paulo, o grande divulgador do mistério da igreja (E f 3.3-5), foi orientado por Ananias: “Levanta-te, e batiza-te, e lava os teus pecados, invocando o nom e do Senhor” (At 22.16). Contrariam ente aos ultradispensacionalistas que negam que o batismo se aplica aos crentes do Novo Testamento depois de Atos 13, até aqueles que foram batizados por João Batista foram novam ente batizados em nom e de Jesus (19.1-6). Obedecendo a Jesus, o batismo nas águas foi praticado em todo o Novo Testam ento66.
O Candidato ao Batismo O debate sobre quem deve ser batizado pode ser dividido em duas categorias: os pedobatistas (lit. “batizadores de crianças”) argu m en tam que as crianças devem ser batizadas, enquanto os anabatistas (lit. “rebatizadores”) rebatizam aqueles que já foram batizados na infância, seus seguidores, aqueles que obedecem à tradição batista m oderna, insistem em batizar som en te crianças ou adultos que têm idade suficiente para crer (ind epend entem ente de outras pessoas). A nalisarem os os seguintes argum entos oferecidos em favor do batism o n a infância (seguidos de respostas). 61V eja sob “O piniões sob re a C eia do S e n h o r”. 62 C risto está p resen te no s e lem en to s. 63 C risto é sim b o lica m en te representado pelos elem en tos..
64 S acerd otalism o. E m re la çã o ao sacramento vs. rito, v e ja abaixo, sob “A E ficácia da O rd en a n ça ”.
V o lu m e 3, c ap ítu lo i3 .
66 Cf. C olossen ses 2.12; R o m a n o s 6.5; 1 C o rín tio s 12.13.
63 V eja
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0 Batismo É Semelhante à Circuncisão do Antigo Testamento (Realizada nas Crianças) Os adeptos do batism o infantil apelam para versículos com o os de Colossenses 2.11,12: No qual [Cristo] também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo da carne: a circuncisão de Cristo. Sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos. Eles argum entam que se o batism o é a circuncisão do Novo Testam ento, e se a circuncisão era realizada nas crianças, então o batism o tam bém deve ser realizado nas crianças. Em resposta, isso está m u ito longe de provar que o Novo T estam en to ensina que as crianças devem ser batizadas. Primeiro, o texto não diz nada sobre batizar as crianças e qualquer conclusão em contrário será estritam en te u m a inferên cia especulativa. Segundo, som ente os h om ens eram circuncidados n o A ntigo Testam ento. Os adeptos do batism o na infância obviam ente tam bém batizam as m u lheres, p o rtan to esse argu m ento, além de ser fraco, tam bém é inconsistente. Terceiro, esse texto (co m o num erosas outras passagens do N ovo Testam ento) m enciona que a “fé ” é o m eio pelo qual alguém é salvo (cf. E f 2.8). A fé é o ún ico m eio de salvação67 ; e as cria n ç a s n ã o tê m id ad e s u fic ie n te p a ra c r e r (p a ra te r fé ). Havia muitos Batismos de Lares Inteiros no Novo Testamento O Novo Testam ento m encion a quatro vezes o fato de todos os m em bros da casa serem batizados68. Famílias inteiras geralm ente in clu em infantes ou crianças pequenas. P ortanto, parece razoável conclu ir que esses são exem plos de batism os de crianças. Em resposta, vários fatos devem ser destacados. Primeiro, em n e n h u m a passagem o texto diz que todas as crianças eram batizadas; isso é m era suposição. Segundo, existem provas nessas passagens de que não havia o envolvim ento de crianças. No caso do carcereiro de Filipos, todos os que fo ram batizados creram , pois Paulo disse: “C rê no S en h o r Jesus C risto e serás salvo, tu e a tua casa” (A t 16.31)69. Lucas continua: “[...] com todos os seus, m anifestava grande alegria, por terem crido em Deus” (v. 34; cf. 18.8). Paulo tam b ém batizou toda a “fam ília de Estéfanas” (1 Co 1.16), na qual está claro que não havia crianças, pois ficam os sabendo depois “que a casa de Estéfanas são as primicias da Acaia e que se consagraram ao serviço dos santos” (16.15, R A ); crianças não têm idade suficiente para servir. Terceiro, Lídia era claram ente um a m u lher de posses (tinha a sua própria casa—At 16.15,40); com o era um a m ulher solteira e virtuosa, ela não tinha filhos, e com o era um a m ulher dedicada ao com ércio, é claro que possuía servos. Assim sendo, sua “casa” seria formado apenas por adultos. Novamente, então, tudo que é a favor do batismo de crianças pertence a um argum ento silencioso —Atos 16.15 não diz nada sobre crianças sendo batizadas. A lém de não existirem razões bíblicas sólidas para batizar crianças, tam bém existem razões sólidas para não fazê-lo, com o, por exem plo, algumas que foram descritas abaixo: Todos os Exemplos do Novo Testamento Referem-se a Pessoas Adultas Com o acabamos de demonstrar, não existe um único caso em que Jesus ou seus discípulos tenham batizado um a criança. C om todo am or e ênfase que Jesus dedicava os pequeninos (cf. 67 V eja V o lu m e 3, c a p ítu lo 13. casa s erão salv os” .
68 A to s 16.15,33; 18.8; 1 C o rín tio s 1.16.
69 Isto é: “Se tu e a tu a ca sa c re re m , e n tã o tu e a tu a
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M t 18.1-6), não há dúvida de que haveria um a ordem ou u m exemplo de batismo infantil se fosse isso que Ele havia ordenado. Existe um considerável núm ero de batismos no Novo Testam ento70, e, em todos os casos, consta que som ente adultos foram batizados. Crer E Condição para Ser Batizado e Crianças não Podem Crer Talvez a razão m ais fu n d am en tal para não batizar crianças seja que elas ainda não são capazes de crer, e crer em C risto é cond ição básica para alguém ser salvo71. R ep etid am en te o S e n h o r Jesus afirm a a essência daquilo que Paulo declarou: “C rê no S e n h o r Jesus C risto e serás salvo, tu e a tu a casa” (A t 16.31). Jesus ensinou: “Q u em crê nele não é cond enad o; m as quem não crê já está condenado, porqu anto n ão crê no n o m e do u n ig ên ito Filho de D eu s”72. As crianças ainda não se desenvolveram o suficiente para to m a r u m a decisão co n scien te de aceitar o d om divino da salvação (R m 6.23), e não existe salvação por p ro cu ra çã o — cada u m é responsável por seus próprios pecados (Ez 18.20) e pelas suas próprias decisões (R m 14.12). O batism o é para aqueles que crê e m 73. O Batismo E um Símbolo Exterior de uma Realidade Interior O batism o é u m a representação sim bólica da salvação, u m sinal exterior daquilo que acontece in terio rm en te quando som os salvos: “De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida” (R m 6.4). Não podem os sim bolizar extern am en te aquilo que não experim entam os in terio rm en te, de m odo que o batism o deve suceder a salvação (e não precedê-la). Usam os nossa aliança m atrim o n ial depois que casamos.
O Modo do Batismo O m odo do batism o é ou tro tópico extrem am en te debatido. Aqueles que seguem a tradição batista insistem que som ente a im ersão deve ser aceita, pois sim boliza a m o rte e a ressurreição de Cristo. O utros afirm am que é apropriado derram ar ou aspergir a água, pois esses dois atos sim bolizam a salvação, co m o a aspersão do sangue na nossa alm a ou o d erram am ento do Espírito Santo na nossa vida. E n tre os m u itos argum entos oferecidos em favor de derram ar ou aspergir a água com o fo rm a adequada de batizar, os argum entos seguintes são dignos de nota. O Batismo E Simbolizado pelo Derramamento da Água em Atos 1—2 Jesus disse: “João batizou co m água, mas vós sereis batizados com o Espírito S a n to ” (A t 1.5). Q uando isso se realizou, o Espírito desceu sobre eles (2.3) e Pedro disse que a profecia de Joel, “do m eu Espírito derram arei sobre toda a ca rn e”, havia se cu m prido (2.17). Assim sendo, o batism o era sim bolizado pelo d erram am ento da água. Resposta Os adeptos da im ersão respondem que os primeiros crentes tam bém eram imersos no Espírito, pois Lucas disse que o am biente foi “cheio” da presença do Espírito ( I c 2.2). C onseqüentem ente, o fato de o Espírito ser derram ado até que todos estivessem cobertos pela sua m anifestação, é m elh or simbolizado pela imersão. Além disso, eles eram colocados “dentro” do corpo de Cristo (1 Co 12.13) e isso é um a experiência de imersão. 70 P or e x e m p lo , M a te u s 3; Jo ã o 3; A to s 2; 8; 10; 19 e tc . 10.9 e tc .
71 V e ja V o lu m e 3, c a p ítu lo 13.
73 E m re la ç ã o à salvação de crian ças, v e ja V o lu m e 3, c a p ítu lo 13.
72 Jo ã o 3.18; cf. 3.36; 20.31; R o m a n o s
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A Salvação É Simbolizada pela Aspersão da Água “A s p e rg ir” e r a u m a fig u r a c o m u m d a s a lv a ç ã o n o s d ois p a c to s 74. “[...] a Jesu s, o M e d ia d o r d e u m a n o v a a lia n ç a , e ao s a n g u e d a a sp e rsã o , q u e fala m e l h o r d o q u e o de A b e l” (H b 1 2 .2 4 ). C o m o o b a tis m o é u m s ím b o lo d a s a lv a ç ã o , e a s a lv a ç ã o é d e s c rita c o m o u m a a sp e rsã o , e n tã o a sp e rg ir c o m á g u a é u m s ím b o lo a p ro p r ia d o d a s a lv a ç ã o .
Resposta E m b o r a às v e z e s a s a lv a ç ã o se ja sim b o liz a d a p e la a sp e rsã o , os a d e p to s d a im e r s ã o r e s p o n d e m c o m d ois a r g u m e n to s . U m , o b a tis m o c o m á g u a n u n c a u s a esse s ím b o lo n o N o v o T e s ta m e n t o , e d o is, a m o r t e e a r e s s u r r e iç ã o e s tã o n a e ssê n cia d o E v a n g e lh o (1 C o 1 5 .3 -5 ). A m e l h o r m a n e i r a d e s im b o liz a r t u d o isso é a tra v é s d a im e r s ã o : o s e p u l ta m e n t o c o m C r is to e a r e s s u r r e iç ã o p a r a a n o v id a d e d e v id a ( R m 6 .4 ).
Isaías Fala sobre Aspergir muitas Nações Isaías disse so b re o M essias: “A ssim , b o rrifa rá m u ita s n açõ es, e os reis fe c h a rã o a b o c a p o r c a u s a dele, p o rq u e aq u ilo q u e n ã o lhes foi a n u n cia d o v e rã o , e aq u ilo q u e eles n ã o o u v ira m e n te n d e r ã o ” (Is 52 .1 5 ). Essa é a m e s m a p assag em q u e o e u n u c o etío p e estav a len d o q u an d o disse a Felipe: “Eis aqui ág u a; q u e im p ed e q u e e u seja batizado?” (A t 8 .36). P o ssiv elm en te, suas p alav ras f o r a m inspiradas p ela referên cia de Isaías à asp ersão m essiân ica d e m u ita s n a çõ e s; e, se assim fo r, o b a tism o p e la asp ersão p o d e ria se r u m a co n se q ü ê n cia n a tu ra l d o c o n te x to .
Resposta P ro v a v e lm e n te , essa é u m a in te rp re ta ç ã o e rrô n e a d a p alav ra h eb raica ( naza, e m Is 5 2 ) q ue foi tra d u z id a c o m o “asp erg ir” p ela King James Version (K JV ). A té as n o tas de m a r g e m d a New
King James Version (N K JV ) o b serv am q u e a p alav ra naza p od ia ser tra d u z id a c o m o “assu star”, “su rp re e n d e r” (o u “d eixar se m fala” e tc .), c o m o fa z e m m u ita s tra d u ç õ e s co n te m p o râ n e a s . F icaria m ais a p ro p ria d o ao c o n te x to in te rp re ta r assim : “A ssim ca u s a rá a d m ira ç ã o às n a çõ e s, e o s reis fe c h a rã o a su a b o c a p o r ca u sa d ele” (R A ; cf. RSV, N A B , C E V ). A lé m disso, n e m L u cas (o a u to r d o livro de A to s ), n e m o etío p e, fizeram q u alq u er ligação e n tr e esse te x to e seu b atism o . E o e u n u c o ta m b é m “d esceu à á g u a ” e “saiu d a á g u a” (A t 8.38,39), e isso d escrev e a im ersão . A q u e le s q u e sã o a fa v o r d a im e r s ã o c o m o u m r ito a p ro p r ia d o a o b a tis m o o f e r e c e m t a m b é m m u ito s a r g u m e n to s tira d o s d a E s c r itu r a ; o q u e se s e g u e é u m r e s u m o d eles.
Jesus Foi Batizado por Imersão “E , s e n d o Jesu s b a tiz a d o , saiu lo g o d a á g u a ” ( M t 3 .1 6 ). E s ta r d e n tr o d a á g u a e sair d ela fa la a fa v o r d e t e r sido im e r s o . P o r q u e u s a ria u m rio , se u m c o p o se ria su ficien te? P o r q u e a n d a r n a á g u a , se t u d o q u e p re c is a v a e r a d e u m p u n h a d o d ela?
João Foi Batizado em um Lugar onde Havia muitas Águas A B íb lia d iz: “Jo ã o [B atista] b a tiz a v a t a m b é m e m E n o m , j u n t o a S a lim , p o r q u e h av ia ali m u ita s á g u a s; e v in h a m ali e e r a m b a tiz a d o s ” (Jo 3 .2 3 ). P o r q u e ir a u m lu g a r o n d e h a v ia a b u n d â n c ia d e ág u as, se m u i to m e n o s s e ria su ficien te? E ssa c i r c u n s tâ n c ia e s tá m ais d e a c o r d o c o m o r ito d a im e r s ã o .
74 O novo realizando o velho —cf. Êxodo 29.20; Ezequiel 36.25; Hebreus 9.13; 11.28; 1 Pedro 1.2.
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0 Batismo do Eunuco Foi por Imersão
Indo eles caminhando, chegaram ao pé de alguma água, e [tendo recebido a Cristo] disse o eunuco: Eis aqui água; que impede que eu seja batizado? E disse Filipe: E lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus. E mandou parar o carro, e desceram ambos à água, tanto Filipe como o eunuco, e o batizou. E, quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, e não o viu mais o eunuco; e, jubiloso, continuou o seu caminho (At 8.36-39). 0 Batismo E Descrito como um Sepultamento O Novo Testamento descreve drbatismo como um “sepultamento” e “ressurreição” (cf. Rm 6.4; Cl 2.12). O sepultamento e a ressurreição significam entrar numa sepultura e sair dela—precisamente o que é retratado pela imersão. Paulo escreveu: “Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição” (Rm 6.3-5). Assim, o batismo por imersão é um retrato perfeito da morte e da ressurreição de Cristo por nós, e isso está na essência do Evangelho (1 Co 15.1-8). Tanques Batismais da Igreja Primitiva Falam a favor da Imersão
Os Tanques batismais da igreja que foram desenterrados durante escavações arqueológicas oferecem provas de que a igreja nascente praticava a imersão. Algumas igrejas, com as mais antigas raízes, como a da Igreja Ortodoxa Oriental, ainda batizam por imersão, e, mesmo mais tarde, com a Reforma, Martinho Lutero prescrevia o batismo por imersão. Todos esses argumentos estão claramente a favor da imersão como sendo o principal modo (se não o exclusivo) de batismo no Novo Testamento75.
OPINIÕES SOBRE A CEIA DO SENHOR A segunda ordenança da igreja é a Comunhão (ou a Ceia do Senhor)76. Como mencionamos anteriormente, embora os protestantes sejam virtualmente unânimes em acreditar que a Comunhão é uma ordenança prescrita, eles se encontram divididos quanto àsua natureza, freqüência de observação, e efeitos. Assim sendo, iremos examinar alguns textos do Novo Testamento. Existem cinco maneiras básicas de entender o qu£e Jesus queria dizer quando pronunciou as palavras: “Isto é o meu corpo [...]”: (1) transubstancialmente/fisicamente (católica romana); (2) realmente verdadeiramente (ortodoxa oriental)11; (3) consubstancialmente.permeavelmente (luterana); (4) espiritualmente/energicamente (reformada); (5) simbolicamente/memorialmente (zwingliana/batista). 75 A lg u n s adeptos d a imersão p e r m ite m que o batismo se ja feito p o r aspersão (efu sã o ) n o caso de pessoas in cap acitad as de se s u b m e te r à im e rsão p o r questões de saúde, e, com o m e n c io n a m o s a cim a, aspergir o u d e rra m a r s im b o liz a m re a lm e n te atos de salvação.
76 O u C eia de Senhor.
A Ig r e ja O r to d o x a O rie n ta l c o n c o rd a q u e os sacerd o tes c o n sa g re m os
e le m e n to s , e eles se to r n a m re a lm e n te o verd ad eiro co rp o e sa n g u e de C risto . E n tr e ta n to , “e m b o ra a o rto d o x ia te n h a sem p re insistid o n a realidad e dessa mudança, e la nunca te n to u ex p lica r a m a n e ira c o m o e la o c o r r e ” (W are, O C , 290).
OS SACRAMENTOS DA IGREJA VISÍVEL
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A Visao da Igreja Católica Romana sobre a Comunhão A visão c a tó lic a oficial — tra n su b sta n cia çã o — a firm a q u e os e le m e n to s d o p ã o e d o v in h o são tra n sfo rm a d o s , sob a a d m in istra çã o d e u m sa ce rd o te , n o verd ad eiro c o r p o e sa n g u e físicos d e Jesus. Esse s a c r a m e n to n ã o é s o m e n te a ca u sa d a g ra ça , m as u m a re p re s e n ta çã o in c r u e n ta d a m o r te sacrificial de C risto , q u e é eficaz p a ra o p e rd ã o dos p ecad o s veniais (n ã o -m o rta is
'.
A Visão Luterana sobre a Com unhão A p o s iç ã o l u t e r a n a é c o n h e c i d a c o m o c o n s u b s ta n c ia ç ã o ; M a r t i n h o L u te r o a c r e d ita v a q u e o v e rd a d e iro c o r p o d e C r is to e stá d e n t r o e so b os e le m e n to s , p e n e t r a n d o n e le s d a m e s m a f o r m a q u e o fo g o p e n e t r a o m e t a l 79. E le r e je ito u a tr a n s u b s ta n c ia ç ã o c a tó lic a , a fir m a n d o q u e “n ã o é q u e o p ã o e o v in h o se t r a n s f o r m a r a m n o c o r p o e s a n g u e de C r is to , m a s q u e a g o r a t e m o s o c o r p o e o s a n g u e a lé m d o p ã o e d o v in h o ” ( e m E ric k s o n ,
CT, 1 1 1 7 ). A te o lo g ia l u t e r a n a re je ita a id éia d a m is s a c o m o sa crifício (L u te r o , BC, 140, in : ib id .). O s l u te r a n o s a c r e d i ta m q u e C r is to e s tá p r e s e n te n ã o t r a n s u b s ta n c ia lm e n te , m a s
permeavelmente, isto é, E le p e n e t r a e p e r m e ia o p ã o e o v in h o . A v isão l u t e r a n a d ifere d a v isão c a t ó li c a e m v á rio s a s p e c to s . P rim eiro, e m b o r a e la a c r e d ite q u e o c o r p o e o s a n g u e d e C r is to e s tã o fisica m e n te
p re s e n te s , n ã o h á n e n h u m a t r a n s f o r m a ç ã o d o p ã o e d o v in h o n o c o r p o e n o s a n g u e de C r is to , se u c o r p o e se u s a n g u e coexistem e e s tã o simultaneamente p re s e n te s c o m os e le m e n to s . L u te r o u s o u o e x e m p l o d e u m a b a r r a d e fe r ro e x p o s ta a o fo g o . O f e r r o n ã o d e ix a de e x istir, o fo g o p e n e t r a e e x iste n e le , c o m ele e so b ele.
Segundo, L u te ro re je ito u o s a c e rd o ta lis m o e insistiu q u e o a to s a c e rd o ta l n ã o é resp o n sáv el, e m se n tid o a lg u m , p e la p re s e n ç a física de C r is to n o s e le m e n to s ; isso a c o n te c e a tra v é s d e u m a to de D e u s. E n t r e t a n t o , L u te ro re a lm e n te a c e ito u a idéia d a mastigação, isto é, ele a c e ito u a a firm a ç ã o de Jesus, “T o m a i, c o m e i, isto é o m e u c o r p o ” (M t 2 6 .2 6 ), n u m se n tid o literal.
Terceiro, assim c o m o os c a tó lic o s r o m a n o s , os lu te r a n o s a c r e d i ta m q u e esse e v e n to é u m s a c r a m e n to , isto é, u m m e io d a g r a ç a p e l a q ual re c e b e m o s b en efício s v e rd a d e ir a m e n te esp iritu a is, is to é, o p e rd ã o d o s p e c a d o s e a c o n f i r m a ç ã o d a fé.
A Visão Reformada sobre a Comunhão A v isã o r e f o r m a d a s o b re a C e ia d o S e n h o r é q u e o p ã o e o v in h o c o n t ê m espiritualmente o c o r p o e o s a n g u e d e C r is to . N esse s a c r a m e n to , ele é e n c o n t r a d o n u m s e n tid o espiritual e
enérgico, e m v e z d e u m a p r e s e n ç a física o u corporal. Jo ã o C a lv in o u s o u o so l c o m o e x e m p lo : “O so l p e r m a n e c e n o s c é u s , n o e n ta n to se u c a l o r e su a lu z e stã o p re s e n te s n a t e r r a .
78 Para m a io res d e talh es, v e ja a cim a , sob “O P o n to de V ista C a tó lic o R o m a n o so b re o s S a c ra m e n to s ” . 19Luther, The Babylonian Captivity o f the Church, in: T h r e e T reatises (P h ila d e lp h ia M u h le n b e rg , 1943), 140. A lgu n s te ó lo g o s lu te ra n o s n ã o se sen te m à v o n tad e c o m o te rm o co n su b sta n cia çã o , q u e o p ró p rio L u tero n u n c a u sou (a p alavra co n su b sta n c ia ç ã o te m u m a o rig e m e sco lástica). E m vista desse seu desagrado e m re la ç ã o à filo sofia e sco lá stica e m geral (u m a vez e le a ch a m o u de “p r o stitu ta ”) e das fo rm u la çõ e s m etafísicas aplicadas à teo lo g ia e m p a rtic u la r, ele p ro v a v e lm en te ficaria co n te n te e m d izer “q u e o verd ad eiro c o rp o e sa n g u e de C risto e x iste m ‘d e n tro , c o m e so b ’ os e le m e n to s d o p ã o e d o v in h o ” (A. S k e v in g to n W ood, “C o n s u n b s ta n tia tio n ”, in : E v e re tt F. H a rriso n , ed., Bakers Dictionary ofT heology [G ran d Rapids: B aker, 1960], 138; v e ja ta m b é m B e rn ard M .G . Reardon, Reliflious Thought in the Reformation [London and N ew Y ork: L o n g m a n , 1981], 78). J o h n W ycliffe (c. 1324-1384), u m dos p recu rso re s da R e fo rm a , p a rece t e r tid o u m a te o ria q u e m ais ta rd e seria c a teg orizad a c o m o co n su b sta n cia çã o (v e ja W illisto n W alker, A History o f the Christian Church, 3.a ed. [New Y ork: C h a rle s S c rib n e r’s S on s, 1970], 269-70).
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Assim a radiação do Espírito nos transmite a comunhão da carne e do sangue de Cristo” (IC R , citado em Erickson, CT). Entretanto, embora os elementos signifiquem o corpo e o sangue de Cristo, eles também selam o crente com a segurança das promessas de Deus. Os verdadeiros benefícios espirituais não vêm dos elementos, mas de Cristo, e, em grande parte, eles dependem da fé e da receptividade do participante.
A Visão Memorial sobre a Comunhão Acompanhando a visão expressa pelo líder dos reformadores, Ulrich Zwinglio (1484-1531), a visão memorial (simbólica) sobre a Ceia do Senhor afirma que o serviço da Comunhão é primeiramente uma comemoração da morte de Cristo na cruz, de acordo com as suas palavras: “Fazei isso em memória de mim” (Lc 22.19). seus adeptos incluem aqueles que seguem a tradição anabatista, os batistas modernos e outros grupos batistas, e as igrejas Congregacional e Independente. Essas igrejas preferem usar o termo ordenança em lugar de sacramento, quando se referem ao rito da Ceia do Senhor. Simbolicamente, o valor dos elementos se encontra simplesmente em receber pela fé os benefícios da morte de Cristo. Como se fosse um sermão, esse evento proclama a sua morte, exceto que (diferentemente de um sermão) a Ceia do Senhor é uma lembrança visual. Como Jesus estava presente sob a forma corporal quando a Ceia do Senhor foi instituída, será absurdo afirmar que os elementos que Ele segurava nas mãos —o pão e o vinho —fossem o seu corpo e sangue físicos.
UMA AVALIAÇÃO DESSAS VÁRIAS OPINIÕES Existem dois pontos principais em relação a essas visões que exigem uma avaliação: (1) A presença de Cristo, e (2) A eficácia da ordenança.
A Presença de Cristo As visões católica romana, ortodoxa oriental e luterana afirmam que Cristo está presente fisicamente; a visão reformada insiste que Ele está presente espiritualmente. O fato de Cristo estar fisicamente presente na Comunhão levanta sérios problemas. Como mencionamos antes, a teoria da Igreja Católica Romana é infundada porque: (1) não é necessário considerar essas palavras de Cristo no sentido físico (pois Jesus falava muitas vezes através de metáforas e figuras de linguagem); (2) não é plausível considerar essas palavras de Cristo no sentido físico (visto que a vivacidade das palavras não é prova de realidade física —essas palavras são usadas muitas vezes em um sentido não-físico, e os Pais da igreja não foram unânimes quanto ao significado em favor da interpretação católica); (3) não é possível admitir uma idéia física (caso contrário, deveríamos acreditar, por exemplo, que Cristo estava segurando seu próprio corpo físico nas suas mãos físicas); (4) é idolátrico admitir uma idéia física (como fazem os católicos que adoram a hóstia, que não é Deus);
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(5) admitir uma idéia física mina a crença na Ressurreição (considerando que não se pode confiar nos sentidos durante a comunhão com Cristo, como podemos confiar neles quando os discípulos viram, ouviram e tocaram Cristo depois que Ele ressuscitour r . A v isão lu t e r a n a p a r e c e se sair p o u c o m e l h o r . Por u m
la d o , c o m o C r is to p o d e ria e s ta r fis ic a m e n te p re s e n te e m
d ois lu g a re s
d ife re n te s se a su a f o r m a c o r p ó r e a e sta v a ao la d o d o s e le m e n to s q u e E le s e g u ra v a : A lé m d isso, c o m o d u as su b stâ n c ia s m a te ria is ( c o r p o e s a n g u e ) p o d e r i a m e s ta r s i m u lt a n e a m e n te n o m e s m o lu g a r ( c o m o a fir m a m os l u t e r a n o s ): C o m p le ta n d o , o r e la to d e P au lo so b re a C eia do S e n h o r (1 C o 11) n ã o diz a b s o lu ta m e n te n a d a so b re a p re se n ça
de C ris to
n o s e le m e n to s . A o
c o n tr á r io , ele a p re se n ta
um
a c o n te c im e n to q u e t e m a fin alidad e de re le m b r a r e p r o c la m a r a m o r t e d o S e n h o r. E m r e s p o s ta à v isão r e f o r m a d a d e q u e C r is to e stá e s p ir itu a lm e n te p r e s e n te , ela n ã o p o d e e s ta r se re fe rin d o à o n ip re s e n ç a de C r is to c o m o D e u s, p ois se esse fo sse o c a s o E le e s ta ria p r e s e n te e m to d a p a r te . N e m p o d e e s ta r d iz e n d o q u e E le e stá e s p ir itu a lm e n te p r e s e n te n a su a n a tu r e z a h u m a n a , p ois n esse ca so E le e stá p r e s e n te m e n t e n o c é u , e n ã o n a t e r r a , “a té q u e v e n h a ” (1 C o 1 1 .2 6 ). T a m p o u c o n ã o p o d e e s ta r d iz e n d o q u e E le e stá a u t o m a t i c a m e n t e ali sob u m a f o r m a e sp iritu a l p a ra a b e n ç o a r os p re s e n te s , p ois s o m e n t e a q u e le s q u e p a r tic ip a m p e la fé d ig n a m e n te (cf. v. 2 7 ) tê m essa e x p e riê n c ia , e aq u eles q u e n ã o o fa z e m sã o c o n d e n a d o s (v . 2 9 ). P o r ta n t o , c o n tr a r i a n d o a te o r ia r e f o r m a d a , os e le m e n to s d a C o m u n h ã o são tais quais sím bolos (q u e são eficazes, q u e r a lg u n s os a c e ite m o u n ã o ) , e a e x p e riê n c ia d a p re s e n ç a e sp iritu a l d e C r is to d e p e n d e d e q u e m a re c e b e , c o m o foi a fir m a d o p e la v isão m e m o r i a l zv v in g lian a/b atista.
A Eficácia da Ordenança O u t r a q u e s tã o q u e se a p re s e n ta é a d o sacram en to v e rsu s o rden an ça. A s te o ria s q u e a fir m a m q u e Jesus e s tá p re s e n te n o s e le m e n to s 81 são s a c r a m e n ta is ; elas a fir m a m q u e os e le m e n to s d a C o m u n h ã o são u m m e io esp ecial d a g ra ç a . E x is te m p e lo m e n o s d u as d ificu ld ad es im p o r t a n t e s n essa p o s iç ã o . P o r u m la d o , e la é c o n tr á r i a à a f ir m a ç ã o d a p a s s a g e m o n d e e stá d ito q u e esse e v e n to é e s s e n c ia lm e n te u m m e m o r i a l e u m a p r o c l a m a ç ã o : “F azei isto e m m em ória d e m i m ” , e: “an u n ciais a m o r t e d o S e n h o r ” (1 C o 1 1 .2 4 -2 6 ). P o r o u t r o la d o , se o p ró p r io ritu a l t e m u m a e ficá cia e sp iritu a l, e n tã o p o r q u e a lg u n s q u e p a r tic ip a m d ele fica m d o e n te s e a té m o r r e m (v. 3 0 ), e m v ez d e s e r e m e s p ir itu a lm e n te e d ificad o s p o r ele? N ã o h av ia n a d a d e a u t o m á t i c o n o e fe ito d a o r d e n a n ç a : A q u e le s q u e re s p o n d ia m c o m fé e r a m e d ificad o s, e o m e s m o n ã o a c o n te c ia c o m a q u e le s q u e n ã o o fa z ia m . A eficácia d a C o m u n h ã o n ã o d e p e n d e d o s e le m e n to s o u d o ritu a l, m a s d a fé e d a re c e p tiv id a d e d o p a rtic ip a n te .
A BASE BÍBLICA PARA A CEIA DO SENHOR A E s c r i t u r a é c la ra a re s p e ito d a n a tu r e z a b ásica d a C o m u n h ã o . P o u c o a n te s d a s u a c r u c if ic a ç ã o , e lo g o d ep o is d a re fe içã o d a P á sco a c o m seu s d iscíp u lo s:
Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo. E, tomando o cálice e dando graças, deu-lho, Cf. Lucas 24.39; João 20.27; 1 João 1.1.
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dizendo: Bebei dele todos. Porque isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados (Mt 26.26-28).
Paulo acrescentou mais detalhes: Eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que venha. Portanto, qualquer que comer este pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão, e beba deste cálice. Porque o que come e bebe indignamente come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor. Por causa disso, há entre vós muitos fracos e doentes e muitos que dormem (1 Co 11.23-31).
O evento da Comunhão pode ser resumido da seguinte forma:
Esboço dos Dados Bíblicos sobre a Comunhão I.
Os Nomes da Comunhão A. Ceia do Senhor (1 Co 11.20). B. Mesa do Senhor (10.21). C. Comunhão (10.16). D. Eucaristia (“Ação de Graças”, 11.24).
II. Os Elementos da Comunhão
A. Pão ( “Isto é o meu corpo”, 11.24). B. Cálice (vinho: “Este cálice é o [...] meu sangue”, 11.25). C. Cálice de bênção (10.16). D. Cálice do Senhor (10.21). III. Os Participantes da Comunhão
A. Crentes (“Meus irmãos”, 11.33). B. Aqueles que se “examinam” (11.27,28). IV. O Local da Comunhão
A. “Quando vos ajuntais num lugar” (11.20). B. “Quando vos ajuntais na igreja” (11.18). V A Freqüência da Comunhão
A. Na igreja primitiva: diariamente (At 2.46). B. Na igreja posterior: semanalmente (At 20.7). C. Em qualquer igreja: “Todas as vezes” que o fizerdes (1 Co 11.26). 81 Ig r e ja C a tó lic a R o m a n a , Ig r e ja O rto d o x a O rie n ta l, Ig re ja L u teran a.
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VI. 0 Siqpi ficada \Elaéuw..., A. Serviço m em orial ( “Fazei isto em m em ó ria de m im ”, 11.24). B. Serviço (ou c u lto ) de co m u n h ão ( “Não é [...] a co m u n h ão do corpo [e do sangue] de Cristo?” [10.16]; “E a participação espiritual no sangue de Cristo que ali é sim bolizado”)82.
C. Serviço do pacto (“Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue”, 11.25; cf. Mt 26.28). D. Serviço comunitário (“Quando vos ajuntais na igreja”, 11.18; “Esperai uns pelos outros”, 11.33). E. Serviço de ação de graças (“Tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo”, 11.24). F. Serviço de proclamação (“Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor”, 11.26). G. Serviço de antecipação (“Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que venha”, 11.26). E incrível que u m a coisa tão breve (três versículos em M ateus) e sim ples com o “com er este pão” e “beber este cálice” em m em ória de Jesus possa ter sido o b jeto de infinitas discussões e controvérsias através dos anos. No entanto , foi isso que aconteceu. E n tretan to , considerando todas as discussões anteriores, a posição de Zw inglio parece ser a que está mais próxim a da apresentação bíblica, pois suas teorias de que os elem entos são sím bolos que representam ( “estabelecem ”) têm dois objetivos básicos: (1) ajudar os crentes a “lem b rar” da m o rte de Cristo, e (2) “p ro clam ar” essa m o rte até a sua volta. O efeito nos participantes, sejam eles bons ou m aus, vêm da fé e da m aneira da participação. A B A S E H IS T Ó R IC A P A R A A C O M U N H Ã O C o m exceção dos ultradispensacionalistas, com o Bulllinger, existe praticam en te u m consenso universal na cristandade de que a Ceia do S en h o r (C o m u n h ã o ) é um evento que a igreja deve celebrar. Existe tam bém u m a concordância sobre os elem entos básicos a serem usados e aquilo co m os quais esses elem entos estão associados, isto é, o corpo e o sangue de Cristo. R elacionam os vários pontos de vista, co n fo rm e suas diferêntes tradições teológicas, porque n em todos estão de acordo sobre o exato significado da Ceia do Senhor.
O s P rim e iro s Pais da ig r e ja A partir dos prim eiros dias depois dos apóstolos, existe u m abundante suporte para as ordenanças do batism o e da Ceia do Senh or, o qual co m eça a partir dos períodos subapostólicos. O Didaquê (c. 120-150) Em relação ao batismo, batize assim: Tendo revisto todas essas coisas, “batize em Nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” em água corrente; mas se não tiver água corrente, 82V e ja A .T . R o b e rts o n , Word Pictures in the New Testament (N ash ville: B ro a d m a n , 1930), 4.154.
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batize com outra água, se puder na água fria, ou então na água quente. Mas, se não for possível nenhuma destas alternativas, derrame água três vezes sobre a cabeça “em Nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”. E, antes do batismo, que o batizador e aquele que será batizado jejuem, como também todos aqueles que puderem jejuar. E que aquele que será batizado seja convidado a jejuar durante um ou dois dias antes do batismo (7.1-3). Celebre a Eucaristia dessa maneira: Primeiro, em relação ao Cálice: “Damos graças a ti, nosso Pai, pela Santa Vinha de Davi, teu filho, através do qual tu te fizeste conhecer para nós por meio de Jesus, teu Filho; a ti pertence a glória eterna”. E, em relação ao partir do Pão: “Damos graças a ti, nosso Pai, pela vida e conhecimento que nos deste através de Jesus Cristo, teu Filho. A ti seja a glória para sempre. Assim como esse Pão partido foi espalhado sobre as montanhas, mas depois reunido e se tornou único, que a igreja seja, da mesma maneira, reunida desde os confins da terra no teu Reino, pois a ti pertencem a glória e o poder eternos através de Jesus Cristo”. Mas que ninguém coma ou beba da tua Eucaristia exceto aqueles que foram batizados no Nome do Senhor. Pois, a respeito disso, o Senhor diz: “Não deis aos cães as coisas santas” (9.1-5). Inácio (falecido c. 110) Vivais não da maneira dos homens, mas de acordo com Jesus Cristo, que morreu por nós a fim de que, crendo na sua morte, possais, pelo batismo, vos tornar participantes da sua ressurreição (EIT, 2.133). Confio que, pelo Senhor, não tereis outro propósito. Por conseguinte, apelo audaciosamente ao vosso amor, que é digno de Deus, e vos exorto a ter apenas uma fé, uma única forma de pregar e uma única Eucaristia. Pois existe apenas uma carne do Senhor Jesus Cristo, e o seu sangue único que foi derramado por nós. Um pão também foi partido por todos [aqueles que estão em comunhão], e um cálice foi distribuído entre todos eles. Existe apenas um único altar para toda a igreja, e um único bispo com os presbíteros e os diáconos, meus cooperadores. Da mesma forma, também existe um Ser, Deus, que não foi gerado, isto é, o Pai, e o Filho que foi gerado, que é Deus, que é o Verbo e homem, e um Consolador, o Espírito da Verdade, e também uma pregação, umafé, um batismo e uma igreja que os santos apóstolos estabeleceram de uma extremidade a outra da terra através do sangue de Cristo, e pelo seu próprio esforço e trabalho. Também vos será conveniente, portanto, como “a nação santa, o povo adquirido”, realizar todas as coisas em harmonia com Cristo (Ei?, 5.161). Se existe apenas um Deus do universo, o Pai de Cristo, “de quem são todas as coisas”, e também um Senhor Jesus Cristo, nosso [Senhor], “pelo qual são todas as coisas”, e também um Espírito Santo, que operou em Moisés, nos profetas e nos apóstolos, e também um batismo, que é administrado para podermos ter comunhão na morte do Senhor, e também uma igreja, da mesma maneira deve haver apenas uma fé em Cristo. Pois há “um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos” (ibid., 1.223).
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Justmo Mártir (c. 100-c. 165) fe>ViíS^ <^Sí3íS'«ísj£ÍKSí. "b. « G
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verdade e prom eteram ser capazes de viver de acordo com o que aprenderam, sendo instruídos a orar e a receber Deus com jeju m para a remissão dos seus pecados do passado, nós tam bém oramos e jejuam os com eles. Então, eles são trazidos até nós onde existe água e são regenerados da mesma m aneira com o nós mesmos fomos regenerados. Pois, em nome de Deus, o Pai e Senhor do universo, e do nosso Salvador Jesus Cristo, e do Espírito Santo, eles também recebem a lavagem com água (FAJ, 61.336). Qual é a utilidade do batismo que sozinho purifica a carne e o corpo? Batizar a alma contra a ira, a cobiça, o inimigo e o ódio; e, então, o corpo fica puro. Pois esse é o significado simbólico dos pães asmos, para que a pessoa não cometa os velhos atos do fermento iníquo (DJ, 14.377). Inneu (c. 125-c. 202) Da mesma maneira, aquele que mantém inalterável no seu coração o preceito da verdade que recebeu através do batismo irá sem dúvida reconhecer os nomes, as expressões e as parábolas retiradas das Escrituras (AH, 1.9.4). Tertuliano (c. 155-c. 225) Que o fato de que “Jesus mesmo não batizava” não preocupe ninguém. Pois para que Ele deveria batizar? Para o arrependimento? Qual seria, então, a utilidade do seu precursor? Anunciar a remissão dos pecados, que Ele costumava conceder através de uma palavra? Para que Ele deveria batizar? Por algum motivo pessoal, para se tornar notório? Certamente não, pois, devido à sua humildade, Ele se ocultava sempre que era possível. Será que Ele deveria batizar devido a alguma razão ligada ao Espírito Santo, que ainda não havia descido do Pai? Ou devido a alguma razão ligada à sua igreja, que os seus apóstolos ainda não haviam fundado? ( OB, 11). Orígenes (c. 185-c. 254) Somente Mateus acrescentou as palavras “para o arrependimento” e ensinou que os benefícios do batismo estão relacionados com a intenção daquele que é batizado. Aquele que se arrepende ele será salutar, mas àquele que se apresenta ao batismo sem arrependimento ele se transformará em uma grande condenação (COGJ, 6.17). Constituições dos Santos Apóstolos (c. século IV ) Se alguém se arrepender depois de pecar, e se afastar do seu erro, então nós receberemos esta pessoa, assim como recebemos os gentios quando desejam se arrepender e na verdade vêm à igreja para ouvir a palavra, mas não são recebidos em comunhão até que recebam o selo do batismo e se tornem cristãos completos. Da mesma maneira, também permitimos que entrem só para ouvir, até que mostrem o fruto do seu arrependimento; que estes que desejarem se arrepender não pereçam de uma forma total e irrecuperável ao ouvirem a palavra. Mas que eles não sejam admitidos à comunhão somente pela oração (2.39).
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Os Pais Medievais D u ran te a Idade M édia, as ordenanças do batism o e da C o m u n h ão continu aram a ser tratadas co m grande ênfase. Na verdade, o fato de alguns líderes terem levado a sua im portância a tal extrem o deu m argem a u m p ronu nciam ento posterior referente à dou trina não-bíblica da transu bstanciação. Ambrósio (339-397) “Não há a m e n o r dúvida de que os pecados são perdoados através do batism o, e que n o batism o se tem a operação do Pai, do Filho e do Espírito S a n to ” (OHS, 3.18.138).
Agostinho (354-430) Se alguém não batizado morrer confessando Cristo, essa confissão terá a mesma eficácia para a remissão dos pecados como se o tal tivesse sido lavado na sagrada pia batismal. Pois Aquele que disse: “Aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus”, também fez uma exceção em seu favor em uma outra sentença onde Ele disse nada menos que o seguinte: “Qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus”; e, em outro lugar: “Quem perder a sua vida por amor de mim achá-la-á” (CG, 13.7.534). O próprio Senhor e aprática apostólica nos apresentaram alguns ritos em lugar de muitos, e estes são fáceis de serem executados, são extremamente sublimes no seu significado, e extremamente sagrados na sua observação. Como exemplo, podemos citar alguns como o sacramento do batismo e a celebração do corpo e do sangue do nosso Senhor. E assim que alguém obedecer a essas práticas, ficará sabendo ao que elas se referem e não as transformará numa servidão carnal, mas numa liberdade espiritual ( OCD. 3.9.13). A frase: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu, nele” mostra o que é realmente e não sacramentalmente comer o seu corpo e beber o seu sangue; pois isso é morar em Cristo para que Ele também possa morar em nós. De modo que é como se ele dissese: “Aquele que não permanecer em mim, e em quem Eu não permanecer, não pode dizer ou pensar que come a minha carne ou bebe o meu sangue” (op. cit., 21.25.998). Tomás de A quino (1225-1274) “O m érito de Cristo perm ite que as crianças batizadas recebam a Felicidade, em bora elas não ten h am n en h u m m érito próprio; porque, pelo batism o, elas se to rn a m m em bros de C risto” (ST, 2a.5.7.2). Assim como o pecado de Adão foi transmitido a todos os que nasceram carnalmente dele, assim a graça de Cristo é transmitida a todos aqueles que foram espiritualmente gerados dEle através da fé e do batismo. E isso não apenas remove o pecado do seu primeiro pai, que trazem em si, mas também serve para remover os pecados atuais, e para a obtenção da glória (ibid., 2a.81.3.3).
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0 Concilio de Trento (1545-1563)
C om o Cristo, o nosso R edentor, afirm ou ser verdadeiram ente o seu p róprio co rp o aquilo que Ele ofereceu sob a form a de pão, esta sem pre te m sido u m a crença firm e n a igreia de Deus. E esse santo concilio agora declara n o vam ente que pela consagração do pão e do vinho acontece u m a m u d an ça em toda substância do pão, que passa a ser a substância do corpo de Cristo, nosso Senhor, e em to d a a substância do vinho, que passa a ser a substância do seu sangue. A essa m udança, a santa Igreja Católica, de form a adequada e apropriada, dá o n o m e de transubstanciação (em Saucy, CG P, 221). O s M e stre s da R e fo rm a Martinho Lutero (1483-1546)
De m aneira m aravilhosa, Deus preservou o seu Evangelho para a igreja, o qual, do púlpito, é ensinado às pessoas, palavra p o r palavra. De m aneira idêntica, representa u m grande e especial favor de Deus que o Credo, a Oração do Senhor, o Batismo e a Ceia do Senhor ten h am perm anecido encravados no coração daqueles que foram ordenados a recebê-los no m eio do Papado ( Three Treatises, 220). João Calvino (1509-1564)
Nossos dois sacram entos nos apresentam u m a clara exibição de Cristo, pois nos dão u m a visão mais próxim a dEle, e da qual os h o m en s têm usufruído desde que foi realm ente m anifestado pelo Pai da m aneira com o havia sido prom etido. Pois o batism o testifica a nossa purgação e a nossa ablução; a Eucaristia testifica a nossa redenção ( C IC R , 188). O que, então, alguém dirá, te faz aplicar a m esm a regra à água pela qual somos batizados, e ao pão e vinho sob os quais a Ceia do Senhor é exposta? Eu respondo que, nos sacram entos de divina designação, duas coisas devem ser consideradas: a substância da coisa física que é colocada diante de nós, e a form a que tem sido estampada sobre isso pela Palavra de Deus, e n a qual toda sua força se encontra. Do m esm o m odo, então, o pão, o vinho e a água, que são apresentados à nossa vista nos sacramentos, conservam sua substância (ibid., 4.19.7). O s T e ó lo g o s da P ó s -R e fo rm a Ulrich Zwinglio (1484-1531)
Já faz m uito tem po que a transubstanciação do pão e do vinho tem sido um a questão m uito discutida. Alguns argum entam que entendemos o corpo e o sangue com o eram quando Cristo foi pendurado na cruz; outros argum entam que nos referimos ao seu corpo ressuscitado. A Palavra de Deus nos m ostra que todas essas opiniões estão erradas (em Bromiley, Z B, 186). O sacram ento é o sinal de u m a coisa sagrada. Q uando eu digo: O sacram ento do corpo do Senhor, estou sim plesm ente m e referindo àquele pão que é o sím bolo do corpo de C risto que foi condenado à m o rte p o r nós. Todos os papistas sabem m u ito bem que a palavra sacram ento quer dizer u m sinal, e nada mais, pois esse é o sentido que sem pre foi usado pelos doutores cristãos (em ibid., 188).
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Na nossa língua nativa, a palavra [sacramento] sugere alguma coisa que tem o poder de eliminar o pecado e nos tornar santos. Mas isso representa um sério engano. Pois somente Jesus Cristo, e nenhuma outra coisa externa ou pessoa, pode eliminar os pecados dos cristãos e nos tornar santos (em ibid., 131). Esses elementos e sinais tão amigáveis, a água, o vinho e o pão, nos foram dados a fim de que, por meio desses sinais externos, possamos tomar conhecimento, pela graça e pela amorosa bondade do Novo Testamento, de que não estamos mais sob a Lei —dessa forma, o derramamento de sangue foi abolido pelo sangue de Cristo —, mas sob a graça (em ibid., 132). Nesse assunto do batismo — perdoem-me por assim dizer —, posso apenas concluir que todos os doutores têm estado errados desde o tempo dos apóstolos [...] pois [eles] atribuíram à água um poder que ela não tem e que os santos apóstolos não ensinaram (em ibid., 130). Jacob Arminius (1560-1609) Eles [os católicos romanos] são contrários aos sinais ou símbolos da graça de diferentes maneiras: multiplicando-os, contaminando o batismo com várias adições, mutilando a segunda parte da Ceia do Senhor [o cálice], e transformando-a numa missa particular. Essas heresias que infringem o nosso dever para com Deus e Cristo, pois estão relacionadas com a divina adoração e têm a idolatria como sua associada, podem ser apropriadamente mencionadas como a segunda causa da recusa das igrejas reformadas (D, 22.17.4). Jonathan Edwards (1703-1758) Ninguém deve ser admitido à comunhão e aos privilégios dos membros da igreja visível de Cristo sem estar em perfeita condição; é necessário que cada um faça a sua profissão de fé, e que, aos olhos do juízo da igreja cristã, sejam pessoas santas e bondosas. Charles Spurgeon (1834-1892) O batismo e a Ceia do Senhor se tornam espiritualmente benéficos, não porque haja alguma virtude neles, ou naquele que os administra, mas somente pela bênção de Cristo e a obra do Espírito Santo agindo naqueles que os recebem pela fé. O batismo é uma ordenança do Novo Testamento instituída por Jesus Cristo para ser, para a pessoa que o recebe, um sinal de comunhão com Ele na sua morte, sepultamento e ressurreição. Ele mostra que a pessoa foi enxertada em Cristo, recebeu a remissão dos pecados, e se entregou a Deus através de Jesus Cristo, para viver e andar em novidade de vida [...] O batismo deve ser administrado a todos aqueles que verdadeiramente professarem o arrependimento diante de Deus, e a sua fé em nosso Senhor Jesus Cristo, e em ninguém mais (ibid., 75-76). A Ceia do Senhor é uma ordenança do Novo Testamento instituída por Jesus Cristo. Por meio dEle, ao dar e receber pão e vinho de acordo com a sua determinação, a sua morte é imediatamente lembrada. E aqueles que participam desta celebração de uma forma digna, não de uma forma corpórea e carnal, mas pela fé, tornam-se participantes do seu
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corpo e do seu sangue, recebendo todos os benefícios que este alim ento espiritual lhes traz, inclusive o crescim ento na graça (ibid., 80). John Wesley (1703-1791)
Jesus to m o u o pão [...] depois que haviam com ido a Páscoa. “Esse pão é”, isto é, significa ou representa o m eu corpo de acordo com o estilo dos escritores sagrados [Gn 40.12: Ex 12. U ; G14.24]. Agora, o fato de C risto ter substituído a Páscoa pela Santa C o m u n h ão segue o estilo do Antigo T estam ento e usa as mesm as expressões que os judeus costum avam usar ao celebrar a Páscoa ( CGM , 26.26). “Se alguém com er desse p ão ” - isto é, crer em m im : “viverá p ara sem p re” - em outras palavras, aquele que crer até o fim será salvo. A m in h a carne, que darei a vocês - isto é, todo esse discurso relativo à carne e ao sangue é u m a referência direta à sua paixão e, talvez m u ito rem otam en te, à Ceia do S enhor ( CGJ , 6.51). “E Ele to m o u o p ão ” - isto é, algum tem p o depois, quando a ceia havia term in ad o e na qual eles haviam com ido o cordeiro pascal. “Isto é o m eu c o rp o ” —com o se Ele tivesse acabado de celebrar a ceia pascal, que era cham ada de Páscoa. Deste m odo, em u m a linguagem figurada, Ele está cham ando esse pão de seu corpo. E esta circunstância já seria suficiente para evitar qualquer erro, com o se esse pão fosse o seu corpo real, da m esm a m aneira que o cordeiro pascal era realm ente a Páscoa (CGL, 22.19). A Confissão de Fé de Schleitheim (1527)
O batism o será dado a todos aqueles que a p ren d eram sobre o arrep e n d im en to e a regeneração da vida, que acred itam v erd ad eiram en te que os seus pecados foram tirados p o r C risto, e a todos os que desejarem te r p arte n a ressurreição de Jesus C risto e serem sepultados com Ele na m o rte , de m o d o a p o d e re m ressuscitar com Ele; assim, o batism o será m in istrad o a todos aqueles que com tal en te n d im en to o desejarem e o solicitarem a nós. Assim sendo, está excluído q u alq u er batism o de crianças, a p rim eira e grande abom inação do papa. Q u an to a isso, tem os as razões e o te ste m u n h o dos escritos e da prática dos apóstolos (M t 28.19; Mc 16.6; A t 2.38; 8.36; 16.31-33; 19.4). D esejam os, de fo rm a sim ples, reso lu ta e segura, m a n te r o m esm o padrão dos apóstolos (1). C om relação ao partir do pão, tem os o m esm o entendim ento, e concordam os da seguinte form a: todos aqueles que desejarem p artir u m pão em lem brança do corpo partido de Cristo e todos aqueles que desejarem beber de u m a bebida em lem brança do sangue derram ado de Cristo, deverão antes estar unidos em u m corpo de Cristo, isto é, em u m a congregação de Deus, cuja cabeça é Cristo, e isso ocorre através do batism o (3). A Confissão de Fé de Dordrecht (1632)
C om relação ao batismo, reconhecemos que os crentes penitentes, que através da fé, regeneração e renovação do Espírito Santo se to rn am u m com Deus e são escritos no céu, devem, sob tal confissão de fé escriturai e renovação de vida, ser batizados com água, no mais digno nom e do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, de acordo com a ordem e o ensinam ento de Cristo, o exemplo e a prática dos apóstolos, para o sepultam ento dos seus pecados e, dessa forma, serem incorporados 'a com unhão dos santos. Yortanto, devem aprender e observar
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todas essas coisas que o Filho de Deus ensinou, deixou e ordenou aos seus discípulos (VII). Também confessamos e observamos o partir do pão, ou Ceia do Senhor, que antes do seu sofrimento o Senhor Cristo Jesus instituiu com pão e vinho, e observou e comeu com seus apóstolos, ordenando que o fizessem em memória dEle; que eles exatamente ensinaram e praticaram na igreja e ordenaram que fosse repetido em memória do sofrimento e morte do Senhor; e que o seu precioso corpo foi partido e o seu sangue foi derramado por nós e por toda a humanidade, como também os seus frutos, isto é, a redenção e a eterna salvação, que Ele comprou através do seu corpo e do seu sangue mostrando um grande amor para conosco, homens pecadores. Dessa maneira, somos intensamente aconselhados a amar e perdoar uns aos outros e ao nosso próximo como Ele fez em relação a nós, e a tomarmos cuidado em manter e corresponder à unidade e comunhão que temos com Deus e com os demais, e que está representada para nós no partir do pão (IX). John Strong (1822-1894) Os romanistas consideram que as ordenanças são capazes de realmente conferir graça e produzir santidade. Em vez de ser uma manifestação externa da uma precedente união com Cristo, elas representam um meio físico de constituir e manter essa união. Nesse particular, assim como acontece com os romanistas, os sacramentalistas de qualquer nome estão substancialmente de acordo. A Igreja Papal afirma que existem sete sacramentos ou ordenanças [...] Entretanto, as ordenanças prescritas no NT são duas e somente duas (Batismo e Ceia do Senhor) (ST, 3.7.2.280). A analogia com a ordenança da Ceia do Senhor também leva à conclusão de que o batismo deve ser observado como um competente memorial de Cristo e da sua verdade até o momento da sua segunda vinda (ibid., 3.7.2.1.285). Charles Hodge (1797-1878) Peter Lombard foi o primeiro a relacionar os sete sacramentos da maneira como são defendidos pelos romanistas. Ele não apresenta nenhuma razão para determinar o número sete, a não ser aquela que já estava sendo usada na santidade tradicional, e que lhes atribuía esse número [...] Os romanistas não dispõem de qualquer fundamento plausível para apelar a uma aceitação comum que possa apoiar a sua doutrina quanto a essa questão (ST, 3.20.496).
CONCLUSÃO Depois que todas as evidências foram pesquisadas e avaliadas, parece que Zwinglio é o que mais se aproxim a da teoria bíblica quanto ao núm ero, à natureza e aos efeitos da Ceia do Senhor. Existem duas ordenanças: o batismo nas águas e a Ceia do Senhor. A m aior parte da cristandade está de acordo com isso (o que inclui, portanto, quase todas as denom inações protestantes). Aqueles que professam Cristo devem ser batizados, e o m odo dem onstrado pelo Novo Testam ento parece ser o da imersão. O utros m odos apareceram mais tarde, e são excepcionais; são diferentes do m odo original e fundam ental.
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A lém disso, parece estar mais de acordo com a E scritura e com u m a ju sta razão conclu ir que as ordenanças não representam sacram entos, n em são causa ou efeito (veículos) da graça, mas apenas sím bolos que, se adequadam ente observados dentro de um a fé obediente, podem produzir bênçãos na vida de u m a pessoa. Os sím bolos não podem , por si m esm os, trazer a graça; ao contrário, eles são u m m em orial e um a proclam ação da m o rte sacrificial de C risto e, no caso do batism o, da sua ressurreição. FO N TES Am brose. On the Holy Spuit. A rm inius, Jacob. Disputations. Arndt, Stephen W., e Mark Jordan. A Catholic Catechismfor Adults: The Church's Confession o f Faith. A gostinho. The City o f God. ________ . On Baptism. ________ . On Christian Doctrine. B rom iley, G. W., ed. Zwingli and Bullinger. Brow n, Harold O. J. Heresies: The Image o f Christ in the Mirrnr o f Heresy and Orthodoxy From the Apostles to the Present.
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A RELAÇÃO ENTRE A IGREJA E O ESTADO
Em bora haja muitas perspectivas sobre a relação entre a igreja e o estado, todas elas podem ser classificadas, de m aneira geral, em três categorias. Duas interpretações representam pólos opostos: (1) o estado acima da igreja, e (2) a igreja acima do estado; a terceira tenta prom over (3) um a cooperação entre igreja e estado. Os três modelos dominantes nestas três categorias podem ser chamados, respectivamente, de secularismo, reconstrucionismo e jeffersomamsmo. Cada um deles será examinado e avaliado à luz dos dados da Bíblia.
S E C U L A R IS M O : O E S T A D O A C IM A D A IG R E JA Das várias form as de secularism o, a mais disseminada nos tem pos m odernos tem sido o M arxism o, que se m anifestou na antiga União Soviética e na China; em bora a liderança freq ü entem ente reivindicasse um a separação entre igreja e estado, na prática se trata de um a dom inação da igreja pelo estado. No cenário da A m érica do N orte, em nom e da separação entre igreja e estado, houve um a secularização do estado e u m crescente isolam ento da igreja, separando-se do estado. Em contraste com o recon strucionism o, no qual a igreja im põe a religião ao estado, no secularism o o estado acaba im pondo a irreligião ao estado. A B ase M o ra l p a ra o S e c u la ris m o No secularism o, a base m oral para o governo se reduz ao situacionalismo, um a perspectiva hum anista secular que evita todos os conceitos m orais dados por Deus. Esta interpretação foi expressa em Humanist Manifestos I and II; John Dewey (1859-1952) e outros am ericanos influentes assinaram o prim eiro, de 1933, declarando: “A natureza do universo retratado pela ciência m oderna torna inaceitável qualquer garantia sobrenatural ou cósm ica de valor h u m an o” (Kurtz, HM, 8). Posteriorm ente, os hum anistas acrescentaram : “Os valores morais se originam da experiência hum ana. A ética é autônom a e situacional, e não precisa de n enhu m a sanção teológica ou ideológica” (ibid., 2.3.17). U m dos signatários de Humanist Manifesto II foi Joseph Fletch er (1905-1991), autor de Situation Ethics: The Nexo Morality, em que argum entava que “som ente o fim justifica os m eios: nada m ais” (120). F letch er sustentava que todas “as decisões são feitas situacionalm ente, e não prescritivam ente” (ibid., 134); ele rejeitava todas as norm as éticas baseadas em teoria, e insistia que nós deveríam os evitar os conceitos absolutos,
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u n ilateralm en te (ibid., 43-44). Em n o m e deste relativism o m oral, Humanist Manifesto II (1973) prosseguiu para aprovar o aborto, a eutanásia, o suicídio e a com p leta liberdade sexual para adultos em co m u m acordo (K urtz, HM , 18-19). De acordo co m este sistem a de pensam ento, não existe u m a base m o ral objetiva para o governo. D iferentem ente do jeffersonianism o, o secularism o não tem u m a base m oral dada por D eus para os direitos hu m anos; os direitos inalienáveis do Criador se irradiam nos direitos alienáveis da criatura. C o m o secularism o, em vez de se basear na lei m oral, a lei civil substitui a lei m o ral: O que é m o ralm en te correto é aquilo que o grupo político, constan tem ente em alteração, decide que é correto, independentem ente da sua posição no espectro político —desde a m onarquia até a anarquia1.
Os Dilemas Morais do Secularismo Existem num erosos problem as m orais com o ponto de vista do secularism o. Algum as das questões mais im portantes são observadas aqui, em contraste co m a visão da lei natu ral da A m érica antiga. 0 Secularismo E Contrário às suas Próprias Inclinações Humanas Qual dos signatários do Manifesto estaria natu ralm en te inclinado a crer que a sua m ãe deveria tê-lo assassinado no seu útero? Até m esm o o ju ra m e n to hipocrático pagão prom ete: “Eu jam ais darei u m a droga m o rta l a alguém , ainda que m e peçam , n em farei um a sugestão que leve a este resultado. D e m aneira sim ilar, eu não darei a u m a m u lh er n e n h u m rem édio abortivo”. O fato de que tan to a nossa inclinação natu ral quanto os grandes credos m orais sejam contrários a tirar u m a vida in o cen te é u m testem u n h o sim ples de que a lei natu ral é com preendida por todas as pessoas2. Sêneca (século II), cu ja filosofia estóica perm itia o aborto3, apesar disto elogiou sua m ãe por não ter abortado (co m o citado por N oonan, MALHP, 7n). No entanto, pelo fato de a lei natu ral4 ensinar que nós devem os fazer aos outros o que desejam os que eles nos façam , as racionalizações especulativas dos estóicos eram contrárias às suas próprias inclinações m orais. A lei n atu ral é clara, mas deve ser interpretad a com base na nossa verdadeira natureza, e não com base nas nossas n oções teóricas. 0 Secularismo E Autodestrutivo A lém disto, a negação de qualquer lei m o ral objetiva co m o u m a base adequada de governo é autodestrutiva. Isto é dolorosam ente evidente no esforço de Joseph F letch er de negar todos os conceitos absolutos de m o ral; n a sua in ú til busca de relativism o m oral, ele insiste que nós n u n ca deveríamos usar a palavra nu n ca [...] um a declaração que fracassa em evitar a palavra nunca (SENM , 43-44). A lém disto, a declaração de que sem pre deveríam os evitar a palavra sempre é igualm ente autodestrutiva, e insistir que tudo é relativo é equivalente a declarar que alguém tem absoluta certeza de que não existe nada absoluto. Em cada caso, o relativista m o ral derrota sua própria argum entação — brandindo sua espada para decapitar o m o n stro do absolutism o, ele decapita a si m esm o no m ovim en to para trás.
'V eja Volume 1, capítulo 2, sobre lei m oral.
2Veja Rom anos 1.
3Veja Volum e 1, apêndice 1.
4Veja ibid., capítulo 4.
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Deve haver alguma lei natural, caso contrário os juízos morais não senam possíveis-. C. S.
Lewis (1898-1963), com perspicácia, disse exatam ente isto, na sua obra The Abohtion cj Man. Esta coisa que eu chamei, por conveniência, de Tao, e que os outros podem chamar de Lei Natural [...] não é um em meio a uma série de possíveis sistemas de valor. É a única fonte d e t o d o s o s ^\iíz.os d e valor ^...\Se for receitada, todos os valores são rejeitados. Se algum valor for retido, ela é retida. O esforço para refutá-la e criar um novo sistema àe valores em seu lugar se contradiz. Jamais houve, e jamais haverá, um juízo radicalmente novo de valores na história do mundo (56). O professor Allan B loom (nascido 1930) faz um a proposta sim ilar de um a lei m oral absoluta na obra The Closing o f the American Mind, desaprovando a interpretação de que “não existe nada absoluto; a liberdade é absoluta [...] claro que o resultado é que [...] o argum ento que justifica a liberdade desaparece” (CAM , 28). Q uanto à freqüentem ente repetida declaração de que o estudo de diferentes culturas prova que todos os valores são relativos: Pelo contrário, esta á uma premissa filosófica que agora traremos ao nosso estudo. [Além disto], esta premissa não foi provada e é declarada dogmaticamente por razões que são principalmente políticas. A história e a cultura são interpretadas à luz desta premissa, e diz-se que elas provam a premissa. D iferentes opiniões sobre valores não provam que estes valores são relativos: “Dizer isto prova ser tão absurdo quanto dizer que a diversidade de pontos de vista expressos em u m grupo de discussão em u m a faculdade prova que não existe verdade” (ibid., 39). Existem valores absolutos; os valores absolutos são inegáveis. O Secularismo Ê uma Êtica Destrutiva do Tipo “os Fins Justificam quaisquer M eios"
Pela sua própria confissão, o situacionalism o dos secularistas adota u m a abordagem m o ral do tipo “o fim ju stifica os m eios”, destrutiva tanto a nível público quanto privado. Por exem plo, isto é p articu larm en te aplicável em u m con texto capitalista, no qual pred om ina a m otivação pelo lucro: O capitalism o baseado em u m a ética antinom iana6 é destrutivo à sociedade, alim enta a am bição e a avareza, produz pobreza e incita revolução e guerra. As restrições m orais universais, tais com o a lei natu ral, são necessárias para con trolar o governo; de ou tra m aneira, o dinheiro (e não a m oralidade) se to rn a o fim — os princípios m orais são sacrificados pelo lucro m onetário. O Secularismo não Proporciona nenhuma Base Segura para os Direitos Humanos Qualquer tentativa de fundamentar os direitos humanos na escolha humana inevitavelmente gerará erros humanos. Observe, novam ente, estas declarações de hum anistas seculares:
A natureza do universo retratado pela ciência moderna torna inaceitável qualquer garantia sobrenatural ou cósmica de valor humano [...] Os valores morais se originam da experiência humana. A ética é autônoma e situacional, e não precisa de nenhuma sanção teológica ou ideológica (Kurtz, HM, 8, 17).
5Veja Volum e 1, capítulos 8 e 11.
6 Antinomiana significa, literalm ente, “contra a lei”, ou “em lugar da lei”.
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C onseqüentem ente, não existe base suficiente para os direitos hum anos, pois se, co m o argu m entou Fletch er, “som ente o fim justifica os m eios: nada m ais”, então todas “as decisões são feitas situacionalm ente, e não p rescritivam ente” ( S E N M , 120,134). Assim, não existe santidade de vida hu m an a baseada p u ram en te na lei hu m an a — pelo m enos a assim cham ada lei “h u m anista”. O utras form as de governo estritam en te baseado no h o m em —seja da direita nazista (fascista) ou da esquerda m arxista (co m u n ista) —foram m u ito pouco bem -sucedidas, respondendo pelo assassinato de incontáveis m ilhões de vidas hum anas. O Secularismo não Proporciona nenhuma Base R eal para a Lei Internacional
U m a vez que a lei da terra é a autoridade final — u m a vez que, supostam ente, não existe lei m o ral acim a de um a nação, e além dela, para ju lg ar sua política e suas ações —, o secularism o não oferece u m abase objetiva, sejap ara decidir questões en tre nações, seja para fazer juízos m orais sobre u m a nação (ou u m estado). Assim, a tirania, o genocídio e outras violações aos direitos hu m anos não são condenáveis, pois falta algum padrão transcend ente, e abrangente, pelo qual avaliá-las. Não é acidente que o “Pai da lei in tern acio n al”, Hugo G rotius (1583-1645), estabelecesse a sua visão sobre o fund am ento da lei natu ral, pois som ente com esta base é possível encontrar fund am ento seguro para os juízos m orais en tre nações.
RECONSTRUCIONISMO: A IGREJA ACIMA DO ESTADO D o ou tro lado do espectro do debate igreja/estado, está o recon strucionism o, tam bém conh ecid o co m o teocracia7. A nação de Israel do A ntigo T estam ento, por exem plo, era u m a verdadeira teocracia8. Em oposição direta ao secularism o, o reconstrucion ism o teocrático afirm a que a igreja está acim a do estado; os reconstrucionistas desejam recon stru ir o governo civil em u m m odelo teocrático.
A Teocracia Mosaica “Teocracia”, que se origina de duas palavras gregas (theos, “D eus”, e arche, “governo d e”), é um a fo rm a de governo onde Deus é a autoridade direta; Ele, com o o Ser Suprem o, governa d iretam ente u m a nação (ou estado). Por interm édio de Moisés, D eus propôs a teocracia a Israel, a quem Ele tin h a recen tem en te redim ido do Egito, e eles aceitaram : Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes o meu concerto, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha. E vós me sereis reino sacerdotal e povo santo [...] Então, todo o povo respondeu a uma voz e disse: Tudo o que o Senhor tem falado faremos (Ex 19.5,6,8). A teocracia m osaica foi u m concerto condicional e voluntário: “Se [...] ouvirdes a m in h a voz e guardardes o m eu co n c erto ”. A afirm ação de Deus os to rn o u súditos voluntários de Deus, u m caso clássico da igreja acim a do estado. Na verdade, não era sim plesm ente Deus acim a do governo: Deus era o governo. E por isto que, quando Israel 7 V eja ta m b é m abaixo, sob “Os N o m es do M o v im e n to ” .
8 Teocracia, q u e sign ifica “g o v e rn o de D e u s”, assu m iu , n o A n tig o
T e s ta m e n to , u m a fo rm a d iferen te da q u e te ria depois d a q u ela é p o ca, pois E le e n tã o e stava g o v e rn a n d o Israel p o r rev ela çã o d ireta, p o r in te rm é d io dos p rofetas. M e sm o n os ú ltim o s te m p o s do A n tig o T e s ta m e n to , isto se m o d ific o u , u m a vez que h o u v e reis, a lé m de p rofetas.
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posteriorm ente disse a Sam uel: “Eis que já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus cam inhos; constitu i-nos, pois, agora, um rei sobre nós, para que ele nos julgu e, co m o o têm todas as n ações” (1 Sm 8.5), Deus respondeu: “Ouve a voz do povo em tudo quanto te disser, pois não te tem rejeitado a ti; antes, a m im m e tem rejeitado, para eu não reinar sobre e le” (v. 7). Teocraticamente, com o “reino sacerdotal e povo santo”, Israel era uma nação única; como disse o salmista: “[Ele] mostra a sua palavra a Jacó, os seus estatutos e os seus juízos, a Israel. Não fez assim a nenhuma outra nação-, e, quanto aos seus juízos, nenhum a os conhece” (SI 147.19,20). Nesta teocracia, Deus não som ente governava diretam ente, mas diretam ente tam bém revelava a sua vontade. Deus usou in stru m entos com o Moisés, por cu jo interm édio Ele falava: “Falava o S en h or a Moisés face a face, com o qualquer fala com o seu am igo” (Ex 33.11). De igual m aneira, Deus usaria a sua nação teocrática com o um agente especial do seu governo direto; da m esm a m aneira com o Ele ordenou que o sol e a lua lhe obedecessem (cf. Js 10), e que pragas saíssem da sua m ão (cf. 2 Sm 24), Ele tam bém usou Israel para trazer juízo sobre os cananeus (cf. fs 6.21). Em bora algum as ten h am tentado, n e n h u m a ou tra nação teve este acordo teocrático quanto à execução do juízo de Deus sobre os ím pios (cf. Lv 18). Q u e s tõ e s T e o c r á tic a s d o C a to lic is m o R o m a n o M ed iev al Em bora o catolicism o rom an o ten h a se adaptado a m uitas form as diferentes de governo, durante a Idade Média, depois do Im perador C onstantino (em 313), houve um a clara indicação na direção da união da igreja com o estado; de fato, o cristianism o se to rn ou a religião protegida pelo estado. E sob Carlos M agno (falecido 814), o “Santo Im pério R o m a n o ” se desenvolveu e se expandiu. C onseqüen tem ente, enquanto o governo do estado conservava a sua form a m onárquica, a igrej a se to rn ou um a influência dom inante e oficial sobre o estado. Com o o antigo Império Rom ano estava morrendo, a City o f God (Cidade de Deus) de Agostinho ofereceu um sistema pelo qual a igreja proporcionava para o estado um meio pelo qual a Cidade de Deus poderia estabelecer um fundamento para a Cidade do Homem. Isto acabou sendo fatal para a liberdade religiosa, com o ficou evidente na perspectiva posterior de Agostinho sobre a coerção dos hereges, contra a sua vontade, a se submeterem à igreja9. A longa história das aflições de igreja/estado que se seguiram a esta perspectiva, desde aquela época, passando pela Inquisição espanhola e indo além dela, está bem documentada e é bem conhecida. As T e o c r a c ia s Islâ m ica s Algumas form as radicais do Islã estabeleceram estados teocráticos; o Irã contem porâneo, sob o Aiatolá Khom eini (nascido 1939), é um exem plo. Nesta form a de teocracia, o estado é dom inado por um líder religioso (ou um a facção religiosa que esteja no governo); em bora haja um a aparência de governo civil, a hierarquia religiosa é inegavelm ente dom inante. O governo do Talibã, no Afeganistão, tam bém é um tipo de teocracia. Estes tipos de teocracia fazem parte da crença m u çu lm an a xiita, que im põe sh a n a (a lei do A lcorão) de m aneira radical à sociedade; os m u çu lm ano s sunitas freq ü en tem ente sustentam u m a relação mais distante en tre o governo civil e o religioso. A crueldade, 9 S o b re o p rim e iro A g o stin h o vs. o A g o stin h o p o sterio r, v e ja sua o b ra On Christian Doctrine-, e v e ja ta m b é m V o lu m e 3, ca p ítu lo s 3 e 7.
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a desum anidade e o terrorism o gerados pelas crenças extrem istas m u çulm an as (veja G eisler e Saleeb, A I, apêndice 5) foram vividam ente m anifestas nos ataques aos Estados U nidos, em setem bro de 2001.
Igrejas Estatais Reformadas: João Calvino e os Puritanos João Calvino fez pelo protestantism o reform ado o que C onstantino fez pelo catolicism o: ele estabeleceu um a igreja estatal (em Genebra, Suíça), em bora este estabelecim ento, u m “governo de D eus”, não fosse igualm ente persistente e intenso. Calvino governou com rigor, m andando queim ar n a fogueira o herege M ichael Servetus (1511-1553) por suas divergentes crenças religiosas. Os puritanos, nas prim eiras colônias am ericanas, seguiram o exem plo de Calvino. Por exem plo, eles perseguiram R oger W illiam s (1603-1683), fundador dos Batistas A m ericanos, e o expulsaram de Massachusetts, levando-o a R hode Island, que se tornou u m estado livre — isto é, u m estado que não tin h a u m a religião oficial (o que m uitas colônias tin h am ).
Os Nomes do Movimento O m o vim en to da igreja-acim a-do-estado tem m u itos nom es, cada u m deles retratando u m aspecto diferente. A m ais im p ortan te variedade n a A m érica do N orte contem porânea, originada dos textos de R. J. R ushd oony (1916-2001), é o reconstrucionismo10, assim cham ado porque se em p enha em recon stru ir a sociedade em um a
base cristã reform ada. © m o vim en to tam bém é cham ado Neopuritanismo, u m a vez que é u m a nova fo rm a de puritanism o, e tam bém é conh ecid o com o teologia do domínio, devido ao seu objetivo de d om inar o m u nd o para Cristo. Em alguns círculos, especialm ente os carism áticos, o reconstru cionism o é cham ado de teologia do reino-agora, porque seus afiliados sustentam que estão,; literalm ente, estabelecendo agora o reino. G ov ern am entalm en te, o n o m e desta perspectiva é teonomia, que significa “lei de D eu s”11, u m a vez que afirm a que os governos devem estar sujeitos à lei de D eus estabelecidas no A ntigo T estam en to12. U m a fo rm a mais m oderada do paradigm a igreja-acim a-do-estado poderia ser cham ada de biblionomia1?, cu jos proponentes inclu em D. Jam es Kennedy (nascido 1930), Jay G rim stead (nascido 1934), e David B arton (nascido 1954). M uitos outros grupos cristãos de ação social, influenciados por u m a ou m ais visões teonom istas, adotaram (in tencionalm en te ou: não) u m a perspectiva biblionom ista; no seu zelo em com bater o crescente secularism o de mossa sociedade, eles retroced eram a u m tipo de biblionom ia, exigindo u m reto rn o às raízes cristãs da A m érica do N orte. As raízes cristãs da A m érica do N orte, no entanto; foram m ais p ro em in en tem en te dem onstradas nos puritanos, que eram teonom istas, q u e n ã o perm itiram verdadeira liberdade religiosa na sua colônia em M assachusetts, e que perseguiram os que tin h am crenças diferentes.
10V e ja abaixo, sob “As Raízes d o M o v im e n to ” e “Os Líderes d o M o v im e n to ” . e x c e ç ã o d a lei c e rim o n ia l, que fo i ab olid a (cf. A t '10).
u D as palavras gregas theos e nomos.
u C om
13 U m a das princip ais d iferen ças e n tre a te o n o m ia e a b ib lio n o m ia é
o fato de q u e os b ib lio n o m istas n ão a c re d ita m q u e os p ecad os d o A n tig o T e s ta m e n to que exig ia m a p e n a de m o r te (e x c e to os c rim e s cap itais) e x iste m h o je e m dia. N o e n ta n to , os te o n o m ista s e b ib lio n o m ista s c o n c o rd a m que o s princípios m ora is do A ntig o T e s ta m e n to e do N ov o (q u e são os> m e sm o s) são a base d iv in a m e n te re c o m e n d a d a p a ra os g o v ern o s civis e d evem ser re c o n h e c id o s c o m o tal p o r estes g o vern os.
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A s R a íz e s d o M o v im e n to Os teonom istas vêem suas raízes no Antigo Testam ento, mas negam que esta visão represente um a teocracia. Os seus mais recentes fundam entos em colocar em vigor a lei divina n acionalm ente, co m o foi brevem ente discutido acim a, estão em João Calvino (século X V I), nos puritanos (século X V II), e em R. J. R ushdoony (século X X ), um am ericano de ascendência arm ênia que escreveu o padrão do m o vim en to teonom ista: Institutes o f Biblical LawH. O s O b je tiv o s d o M o v im e n to Os cristãos teonom istas planej am reconstru ir a sociedade sobre fund am entos cristãos, desejando viver segundo a lei de Deus con form e revelada n o Antigo T estam ento. Os teonom istas desejam cristianizar a A m érica do N orte e tam bém o m u nd o ( “teologia do d om ínio”); eles desejam estabelecer o reino m ilenar n a terra (teologia do reino-agora), em cu jo fim , eles crêem , C risto irá retornar. E scatologicam ente, então, os teonom istas são pós-m ilenaristas15. O s L íd eres d o M o v im e n to Entre os líderes do m o vim en to teonom ista, se in clu em R. J. R ushdoony, que chefiou a C halced on Foundation; G ary N orth (nascido 1931), au to r de The Dominion Covenant, chefe do In stitu te fo r Christian E conom ics and Geneva M inistries; o recen tem ente falecido G reg Bahnsen (1948-1995), que escreveu Theonomy in Christian Ethics; David C h ilton (1951-1997), au to r de Paradise Restored; e G ary D eM ar (nascido 1952), d iretor do Institute for Christian G ov ern m en t e au tor de God and Government. Tam bém estão incluídos Rus W alton (falecido 1999), fundador da Plym outh R ock Foundation e au to r de One Nation Under God; Herb Titus (nascido 1937), que escreveu America’s Hentage: Constitutional Liberty; e, em bora negando ser u m teonom ista, Jay G rim stead, biblionom ista d iretor da Coalition on Revival16; David B arton se enquadra n a m esm a categoria17. M uitos carism áticos18 e o u tro 19 foram significativam ente influenciados por teonom istas e biblionom istas, e/ou m ostraram ter afinidade com o m o vim en to global20. C r e n ç a s B á sica s d o s T e o n o m is ta s e B ib lio n o m is ta s A teonomia emergiu da teologia reformada, que adota o calvinismo de cinco pontos21, seus fundadores acreditam que a lei do Antigo Testam ento22 se aplica hoje, incluindo a pena de m orte para, entre outros crimes, prostituição, blasfêmia, seqüestro e desobediência (dos filhos), em bora alguns seguidores tenham desistido destas punições severas. Novamente, os reconstrucionistas reformados são pós-milenaristas, na sua escatologia, e crêem que a volta
14 N u tley , N .J.: C ra ig Press, 1973. de 1986).
15 V e ja c a p ítu lo 15.
16 V e ja “A M a n ife s to fo r th e C h ris tia n C h u r c h ” (4 de ju lh o
17 V e ja Original Intent: The Courts, The Constitution & Reliflion (A le d o , T é x .: W a llB u ild ers, 1996).
R o b e r ts o n , J o h n M e a rs, B o b M u m fo r d , E a rl P a u lk , e D e n n is P e a co ck e .. S c h a e ífe r, H e rb e rt S c h lo ss b e rg , e J o h n W h ite h e a d , d o R u th e r fo r d I n s titu te .
18 In c lu siv e Pat
19 C o m o M ik e F a rris, R o n Je n s e n , F ra n k y 20 A lé m das fo n te s já m e n c io n a d a s , o u tra s
p u b lic a ç õ e s te o n o m ista s im p o r ta n te s in c lu e m The Chalcedon Report, B iblical Economics Today, Journal o f Christian Reconstruction, Remnan Review, e Antithesis. M u ita s fo n te s te o n o m ista s são p u b lica d a s p o r D o m in io n Press, e m F o r t W o r th , T ex a s. V o lu m e 3.
22 N o v a m e n te , e x c e to c o m re s p e ito ao c ó d ig o c e rim o n ia l.
21 V eja
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de Cristo depois do milênio23 será estabelecida pelo progresso do cristianismo no m undo. Eles afirm am que Jesus (em M t 28.18-20)24 emitiu um a ordem cultural de cristianizar o mundo. A biblionomia, a versão mais moderada do m ovim ento do estado-acima-da-igreja, tem u m a orientação teológica mais ampla, incluindo os calvinistas, arm inianos, carismáticos, e outros. Especificamente, a biblionom ia é a crença de que, em bora nem todas as punições do Antigo Testam ento possam ser aplicadas hoje, apesar disto, a lei bíblica de Deus (a sua revelação especial nas Escrituras25) é a sua ordem divinam ente prescrita para ser seguida por todos os governos civis. A biblionom ia tem algum apelo popular, porque ela rem oveu um dos mais repugnantes aspectos da teonom ia, a insistência de que existem mais de vinte pecados para os quais se deveria aplicar a pena de m o rte (veja Bahnsen, TCE). Além disto, escatologicam ente, os biblionomistas não estão limitados ao pós-m ilenarism o. A influência dos teonom istas e biblionom istas ultrapassa, e m u ito , o n ú m ero de afiliados. E m bora eles não ten h a m u m grande sem inário am ericano, têm u m grande im pacto, por seus textos, sob a fo rm a de organizações co m o a C oalition on Revival (C O R ), por m eio de conferências (freq ü entem en te com carism áticos), e infiltrando-se em grupos ativistas sociais não-reconstru cionistas.
Erros Críticos dos Teonomistas e Biblionomistas Há m u itos erros que co m etem os líderes do m o vim en to reconstrucionista; nós irem os exam inar rapidam ente alguns dos problem as m ais básicos. U m a vez que são com entados em ou tro trech o deste trabalho, aqui nós não tratarem os dos erros de alegorism o, ou de espiritualização das profecias feitas a Israel26, assim c o m o de o tim is m o p ó s -m ile n a r is ta de q u e n ó s p o d e m o s c ris tia n iz a r o m u n d o 27, e, e m v ez d isto , n o s c o n c e n tr a r e m o s n as falácias re la tiv a s à lei e ao g o v e rn o . 0 Legalismo Fundam ental aos teonom istas reform ados é o seu erro de legalismo, a cren ça de que nós som os santificados por guardar a lei — de que a adesão à lei do Antigo Testam ento é um m eio para a nossa santificação (salvação do poder do pecado na atualidade)28. Primem, este erro é exatam ente o m otivo pelo qual Paulo escreveu a sua epístola aos Gálatas, na qual ele disse: Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agorapela carne \gmrdando a lei].'1(3.2,3). Segundo, novamente, as Escrituras deixam muito claro que nós não estamos sob a lei mosaica. A lei foi dada somente a Israel (Êx 19.1-8), com o afirmou o salmista (SI 147.19,20; cf. D t 4.32-34). Terceiro, Paulo declarou que os gentios “não têm lei [a lei de M oisés]”, mas, em vez disto, têm a lei natu ral “escrita n o seu coração” (R m 2.14,15). Mais adiante, ele acrescentou: “vós [os crentes em Cristo] não estais debaixo da lei, m as debaixo da graça” (6.14). Quarto, em bora Jesus não ten h a elim inado a lei de Moisés, destruindo-a (M t 5.17,18), Ele o fez cumprindo-a. C o m o p roclam ou Paulo: “Ojim da lei é Cnsto para ju stiça de todo aquele que crê ” (R m 10.4).
23Veja capítulo 15. 26Veja capítulo 12.
24 Um a passagem que muitos cristãos conhecem com o a Grande Comissão. 27Veja capítulo 15.
“ Veja Volume 3, capítulo 9.
25Veja Volume 1, capítulo 4.
A RELAÇÃO ENTRE A IGREJA E O ESTADO
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Quinto, o apóstolo deixou claro que os cristãos n em m esm o estao sob os Dez M andam entos dados a Moisés:
Se o m inistério da m o rte, gravado com letras em pedras, veio em glória [...] com o não será de m aior glória o m inistério do Espírito? [...] Se o que era transitório foi para glória, m u ito mais é em glória o que perm anece [...] o qual foi p or C risto abolido (2 Co 3.7,8,11,14). Sexto, Paulo não poderia ser mais direto: “Depois que a té veio , j á não estamos debaixo de aio” (G13.25). O propósito da lei n ão era salvar n em santificar, mas condenar; o Evangelho
de Jesus Cristo traz a salvação. Sétimo, o autor da carta aos Hebreus declarou que “m udando-se o sacerdócio, necessariam ente se faz tam bém m udança da lei [...] o precedente m and am ento é abrogado por causa da sua fraqueza e inutilidade” (7.12,18). Oitavo, o propósito do conselho dos apóstolos em Atos 15 foi decidir se “era mister circuncidá-los [aos gentios convertidos ao cristianismo] e mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés" (v. 5)29. A resposta dos apóstolos foi en fática e concisa: “N ão lhes d em os tal
m a n d a m e n to ” (v. 24). Nono, e finalmente, em nenhu m a passagem o Antigo Testamento condena os não-judeus por não guardarem a lei mosaica. Naturalmente, com o qualquer pessoa em outro país, os não-judeus estavam sujeitos às leis judaicas locais, enquanto vivessem ali (cf. Lv 24.22; Nm 15.15,16), mas jamais, em todas as condenações morais de nações pagãs, eles foram julgados por Deus por não observarem o Sábado, por não serem circunadados, ou por não oferecerem sacrifícios no templo de Jerusalém 30.
0 Reconstrucionismo O utro sério erro dos teonom istas (e de m uitos biblionom istas) é o do próprio reconstru cionism o teológico. O reconstrucionismo teológico é definido aqui co m o a crença de que Deus ordenou que todos os governos do mundo imponham a lei moral de Deus, conforme expresso na Bíblia, como a lei da terra. Isto não deve ser confundido com a questão sobre se o governo
civil deve encorajar a m oralidade legislando (e colocando em vigor a sua legislação) na base dos princípios m orais universais, alguns dos quais, por exem plo, são encontrados nos Dez M andam entos31. A questão aqui é se a Bíblia ensina a teonom ia, ou seja, que cada governo é obrigado a recom endar, com o lei da terra, que todos vivam segundo a lei m osaica, e aplicar a pena de m o rte para crim es não-capitais (co m o o adultério, a hom ossexualidade, os seqüestros, a blasfêmia, a idolatria etc.). Primeiro, Deus jam ais deu a lei bíblica aos gentios com o um a base divina para a lei cívica. Na verdade, com o já vim os, Deus jam ais lhes deu a lei de Moisés com o o padrão m o ral pelo qual eles deveriam viver (veja SI 147.19,20). Segundo, a teonomia é umabase ética impraticável em uma sociedade religiosamente pluralista. A razão para isto é simples: Não existe um consenso universal sobre qual revelação seria a base da lei civil. Seria a Bíblia, o Alcorão, os Analectos, o Cita, o Vedas, o Livro dos Mórm ons etc.?
29 V eja ca p ítu lo s 3-4.
30 Cf. L evítico 18; Obadias 1; Ezequ iel 26; S a lm o s 147.20.
31 N ão h á n a d a n a D e c la ra ç ã o de
In d ep en d ên cia, n e m n a C o n s titu iç ã o , q u e p ro íb a ao g o v e rn o dos Estados U n id o s e n c o ra ja r a religião de m o d o geral, e m b o ra s e m fa v o re c er u m a religião e m p a rtic u la r; n e m e xiste u m a rtig o c o n s titu cio n a l que esta b e leça u m a m o ra lid a d e n acio n a l-fu n d a m e n ta d a so b re prin cíp io s m o ra is e te rn o s, tais c o m o os exp ressos no s D ez M a n d a m e n to s. N a verdad e, isto fo i o que a A m é ric a fez, até q u e fo i p roibida, p e la d ecisão d a S u p r e m a C o rte (S to n e vs. G ra h a m , 1980).
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Terceiro, a teonom ia to rn a política a missão da igreja. Ela confunde o m andam ento do Evangelho (M t 28.18-20) com o m andam ento da Criação (G n 1.28). Ela confunde o governo cristão com o governo m oral (1 T m 2.1-4). Teologicam ente declarada, a teonom ia confunde o reino espiritual atual (cf. M t 13) co m o reino político fu turo (cf. Ap 20)32. Quarto, e finalm en te, a teon o m ia enfatiza a revelação especial de Deus, negligenciando a sua revelação geral (R m 1.19,20; 2.12,14), tendendo a subestim ar ou até m esm o negar, na prática, a im portância da revelação geral, declarando que ela é im pura, obscurecida pelos efeitos do pecado33. E m com paração, a Palavra (a revelação especial) declara que a revelação geral é vista claram ente (1.20), está escrita nos corações de todos os descrentes (2.15), é a base para que eles fiquem inescusáveis (1.20), e é suficiente para que eles pereçam etern am en te (2.12)34.
O JEFFERSONIANISMO: IGREJA E ESTADO (PONTO DE VISTA DA LEI NATURAL) Existem m u itos esforços diferentes para preservar u m sistem a no qual n em o estado dom ina sobre a igreja (co m o no secularism o), n em a igreja d om ina sobre o estado (co m o na teocracia e teon o m ia [reconstrucionism o]). E m bora perm itindo liberdade a outras religiões, algum as nações nesta categoria têm u m a religião estatal, oficial mas não nom in al (co m o na G rã-B retan h a), e outras, não (co m o no Canadá). Alguns sistemas p erm item que o estado (o u a província) ten h a u m a religião estabelecida (co m o a A m érica pós-R evolu ção), ao passo que outros não perm item n e m um a religião nacional, nem religiões estabelecidas pelo estado (co m o a A m érica pós-1947). O sistem a antigo da A m érica p erm ite u m jeffersonianism o frutífero, em contraste com o secularism o e o reconstrucionism o:
O Governo É Baseado na Lei Natural O jeffersonianism o, assim cham ad op or causa d eT h om as Jefferson (1743-1826, terceiro presidente dos Estados U nidos) ten ta evitar os extrem os, tanto do secularism o quanto do reconstrucionism o. C o n tra o secularism o, o jeffersonianism o nega que não existe u m a lei m o ral (n atu ral) dada com o base para o governo; con tra o reconstrucionism o, o jeffersonianism o nega que algum a revelação especial de Deus seja a base divinam ente prescrita para o governo civil. T am bém nega que algum a igreja nacional seja a religião estabelecida da terra, perm itindo, assim, a liberdade religiosa de crença para todos os grupos. O quadro seguinte resum e as diferenças entre as três perspectivas:
32 V eja cap ítu lo s 13-15.
33 V eja V o lu m e 1, c a p ítu lo 4, e V o lu m e 3, c a p ítu lo 4.
34 N ovas avaliações da te o n o m ia (o
r e c o n s tru c io n is m o ) de diferen tes p ersp ectiv as são e n co n tra d a s e m R o d n ey C lap p , “D e m o c ra c y As H eresy” , in : Christianity Today (20 de fev e reiro de 1987); W ayne H ouse e T h o m a s Ice, Dominion Theolofly: Blessing or Curse? (Sisters, O re .: M u ltn o m a h , 1988); N o rm a n L. G eisler, “A P r e m ille n n ia l V iew o f Law and G o v e rn m e n t”, in : Bibliotheca Sacra (ju lh o -s e te m b r o de 1985); N o rm a n L. G e isle r e F r a n k T u re k , Legislative Morality (W ip f and S to c k , 2003); T h o m a s Ice , “A C ritic a i A nalysis o f T h e o n o m ic N e o p o s tm ille n n ia lism ”, in : Bibliotheca Sacra (ju lh o -s e te m b r o de 1988); M e re d ith K lin e, “C o m m e n ts o n a O ld N ew E r r o r ”, in : Westminster Theological Journal (in v e rn o de 1981); R o b e r t L ig h tn e r, “T h e o n o m y and D isp e n sa tio n a lism ”, in : Bibliotheca Sacra ( ja n e ir o -m a r ç o de 1986), “N on d isp en satio n al R esp on ses to T h e o n o m y ” , in : ibid. (a b r il-ju n h o de 1986), e “A D isp e n satio n al R esp o n se to T h e o n o m y ”, in : ibid. (ju lh o -s e te m b r o de 1986); W illia m S. B a rk e r e W. R o b e r t G od frev, eds., Theonomy: A Reformed Critique (G ra n d Rapids: Z o n d erv a n , 1990).
A RELAÇÃO ENTRE A IGREJA E O ESTADO
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R e lig iã o (I g r e ja ) e G o v e r n o (E s ta d o ): T rê s P o n to s de V ista
Secularismo
Jeffersonianismo
N a tu re z a do
G ov ern o
S im p le s m e n te
E stad o
s e c u la r
g o v e rn o
Igreja/ E stad o
S e p a ra ç ã o
C o o p e ra ç ã o
N a tu re z a da
Liberdad e
lib erd ad e
de to d a s as
re lig io sa
re lig iõ e s
E x te n s ã o da lib erd ad e relig io sa
C ren ça em D eu s
P ara n e n h u m a relig iã o
D e s e n c o r a ja d a
L iberd ad e p a ra to d as as re lig iõ es
P ara to d a s as re lig iõ es
E n c o ra ja d a
Reconstrucionism o
G o v e r n o re lig io so
U n iã o
L iberd ad e p a ra u m a re lig iã o e m p a r tic u la r
Para u m a relig iã o fa v o re cid a
E xig id a
B ase d a lei
E x p e riê n c ia
Lei n a tu r a l
Lei d iv in a
civil
hum ana
(re v e la ç ã o g e ra l)
(re v e la ç ã o e sp e c ia l)
E x e m p lo
C h in a m a rx ista
A n tig a A m é r ic a do N o r te 35
Irã
35 A d ife re n ça e n tr e a (1 ) p rim e ira A m éric a e a (2 ) A m éric a desde q u e a S u p r e m a C o rte leg islo u , n o p ro ce sso E verso n vs. Board o f E d u c a tio n (E v e rso n vs. M in isté rio d a E d u c a çã o ) (1947), é de q ue n e m o g o v e rn o fed eral n e m u m estado p od e te r u m a religião estab elecid a. Na A m éric a p rim itiv a (c o m o d e scrita n o o b je tiv o d a P rim e ira E m e n d a , q u e diz que “C o n g resso [isto é, o g o v e rn o nacional (fed eral)] n ã o p r o m u lg a r á n e n h u m a lei a r esp eito d o e s ta b e le c im e n to da re lig iã o ”), u m estado p od ia t e r religiões estabelecidas (e m u ito s tin h a m ). D ep ois de Everson, os estad os já n ã o tiv e ra m m ais a p erm issão de e sta b e lec e r a su a relig ião; as p rovisões da D é c im a Q u a rta E m e n d a fo ra m aplicadas à P rim eira E m e n d a , e o o b je tiv o da P rim e ira E m e n d a — de p ro ib ir so m e n te u m a religião n a c io n a l, e p e rm itir religiões n os estad os — fo i d errota d a . C in c o das tre z e co lô n ia s q u e ra tifica ra m e sta e m en d a tin h a m religiões oficiais d o estad o n a q u e la é p o ca, e ja m a is lh e s fo i so licita d o q ue as revog assem .
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O jeffersonianism o é u m m eio en tre os dois extrem os, o secularism o (que não tem u m a base m o ral firm e para o governo) e o reconstru cion ism o (que im põe um a base religiosa para o governo que escolhe u m a religião e isola todas as dem ais). Baseando o governo civil na "lei da natu reza”, que vem do “D eus da n atu reza”36, a m oralidade da A m érica do N orte foi estabelecida sem estabelecer n e n h u m a religião, exceto um a cren ça teísta (ou deísta) am pla no Criador Deus, que deu estes “direitos inalienáveis”, u m a crença que, segundo Deus, é parte da revelação geral (ou n atu ral) a toda a hum anidade (R m 1.19,20). O estudioso africano Jo h n M biti (nascido 1931), por exem plo, d em onstrou que m esm o os povos anteriores à escrita ( “pagãos”) n atu ralm en te têm esta crença em u m D eus Superior37. Assim, baseando o governo n a lei m o ral natu ral e universal, o jeffersonianism o evita o antinom ianism o (o secularism o), por u m lado, e a religião com andada pelo estado (recon stru cion ism o), p o r outro. Alguns dos elem entos principais do jeffersonianism o são relacionados a seguir.
Existe uma Revelação Natural comum a todos os Seres Humanos D eus tem duas revelações: u m a n o seu m u nd o (geral), e a ou tra n a sua Palavra (especial)38. A lei divina é u m a revelação especial aos crentes; a lei natu ral é um a revelação geral a todas as pessoas. A lei natu ral é descrita co m o aquela que os seres hum anos “fazem n atu ralm en te ”, a lei escrita nos corações de todo o povo (R m 2.14); aqueles que desobedecem a ela, são “con tra a natu reza” (11.24). A cren ça na lei n atu ra l não co m eço u c o m os cristãos: A lei natural é também encontrada em antigos textos hindus, chineses, gregos e romanos, anteriores à época de Cristo. M esm o antes de S ócrates (c. 470-399 a.C .), o filósofo grego H eráclito (c. 504/501-c. 444/441) acreditava em u m Logos im u táv el (R azão, Verdade) p o r trás do fluxo m u tável de experiências h u m an as ( f , 197-200, in: Kirk e R aven, PP, 188-89). Platão (427-347) defendia a m o ra l absolu ta (v eja R, Livros IV -V I), e os estóicos desenvolveram teorias de lei n atu ral m u ito antes do sécu lo I39. O conceito de lei natu ral, de igual m aneira, tem u m a história venerável entre os grandes pensadores cristãos. C om o fizeram outros antes dele, A gostinho (354-430) sustentava que Deus deu aos gentios a “lei da natu reza” ( OSL, 48, in: Schaff, NPNF, Vol. 5), à qual ele se referia co m o “o sistem a da n atu reza” (OGM, 203, 407, in: ibid., Vol. 3); esta lei é “im plantada pela n atu reza” em todas as pessoas (op. cit.). A lei n atu ral se reflete na im agem de Deus na hum anidade; certam ente, a im agem foi destruída pelo pecado, m as A gostinho insistia que a im agem de D eus “não está com p letam en te esquecida” nos incrédulos (em ibid., 5.103)40. Assim, ele sustentava que Deus era ju sto ao pu nir os incrédulos por não viverem em conform idade co m a lei n atu ral escrita nos seus corações (.RFM, 19.1, in: ibid., 4.239). A com panhando a visão de A gostinho, Tom ás de A quino (1225-1274) declarou que “a lei natu ral nada mais é do que a participação racional da criatura n a lei e tern a ” (ST, 91.2, in: Pegis, BWSTA, 750); a lei é “u m a ordenança de razão, feita para o bem c o m u m ” (em ibid., 747); é “o que regula e avalia os atos” (em ibid., 743). A lei etern a é a razão divina 36V eja ab aixo, sob "A Lei N a tu ra l É a Base do G o v e rn o ”. 37V eja African Religions andPhilosophy (P o r ts m o u th , N .H .: H e in e m a n n , 1990).
38V eja V o lu m e 1, ca p ítu lo 4.
39 O filósofo ro m a n o C íce ro (106-43 a .C .) ta m b é m a firm o u q u e “existe u m a lei, u m a
gran d e razão , v erdad eira, e m c o n fo rm id a d e c o m a n a tu re z a ; e la é d e a p licação u n iv ersa l, im u tá v e l e d u ra d o u ra [...] Existe u m a lei [...] c o m p u ls ó ria a todas as gerações, a to d as as pessoas” ( The Republic 3.22, c o n fo rm e citad o e m Paul E. S igm u n d , Natural Law in Political Thought [C am b rid ge, M ass.: W in th ro p , 1971], 2 2 ). 40 V e ja V o lu m e 3, c a p ítu lo 5.
A RELAÇÃO E.NTRE k 1GRE) k t O ESTADO
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pela qual D eus governa o universo (em ibid., 748), e a lei natu ral é a participação hu m an a nela. A lei natu ral é o prim eiro princípio que governa os atos hum anos, assim co m o as leis da lógica são os prim eiros princípios que governam o pensam ento h u m an o "'. Tom ás de A quino distinguia a lei natu ral, co m u m a todas as pessoas, da lei divina, im posta som ente aos crentes. A lei natu ral se destina ao bem tem poral do h o m em ; a lei divina se destina ao seu bem eterno (em ibid., 753). A lei divina é para a igreja; a lei natu ral é para toda a sociedade. A base da lei hu m ana é a lei divina. A gravação divina da lei n atu ral em todas as pessoas tam bém era algo sustentado por João Calvino (1509-1564): O fato de que n a m en te h u m a n a existe, n a realidade, p o r instinto n atu ral, algum sentido de Divindade é algo que nós sustentam os, de m aneira indiscutível [...] Não existe u m a nação tão bárbara, n em u m a raça tão ignorante, a p o n to de não estar im buída com a convicção de que existe u m Deus (.IC R , 1.3.1). Este “sentido de Divindade está tão n atu ralm en te gravado no coração h u m an o [...] que até m esm o os que o reprovam são forçados a re co n h e cê -lo ” (ibid., 1.4.4). Este conhecim ento inato de Deus inclui um conhecim ento da sua justa lei (veja Kantzer, JCTKGW G, 1981). Calvino sustentava que, um a vez que “os gentios têm a justiça da lei naturalm ente gravada em suas m entes, [conseqüentem ente] nós certam ente não poderem os dizer que eles são com pletam ente cegos quanto à lei da vida” (op. cit, 2.2.22). Ele cham a esta consciência m oral de “lei natu ral” (revelação geral), que é “suficiente para a sua justa condenação” (ibid.), mas não para a sua salvação42. Por m eio desta lei natural, “o juízo de consciência” é capaz de distinguir entre “o justo e o in ju sto ”43. A natureza justa de Deus “está gravada de m aneira tão brilhante, tão distinta e tão notável, que ninguém , por mais ignorante que seja, pode alegar ignorância com o desculpa” (ibid., 1.5.1). A Lei N a tu ra l É C la ra U m a vez mais, Paulo declarou que a lei natu ral é “vista claram en te” e está “escrita em seus corações” (R m 1.20; 2.15). Segundo Calvino, a lei natu ral é tam bém específica: [Ela inclui u m sentido de justiça] im plantado, p o r n atureza, nos corações dos hom ens. Estão gravados em seus corações u m a discrim inação e u m juízo, pelos quais eles distinguem entre a justiça e a injustiça, a honestidade e a desonestidade. [Isto é o que os faz] envergonhar-se de adultério e de roubo [...] [A lei n atu ral governa até] a boa fé nas transações comerciais e nos contratos. [Até m esm o os pagãos] provam saber [...] que o adultério, o roubo e o assassinato são m aus, e que a honestidade deve ser estim ada e preservada [...] O co n hecim ento n a tu ra l [que o h o m e m tem] da lei é o que declara que u m a ação é boa e digna de ser seguida, ao passo que o u tra deve ser evitada com h o rro r ( EPAR , 48-49). A Lei N a tu ra l É a B a se d o G o v e rn o Richard H ooker (1553-1600) defendeu a visão da lei natu ral na Inglaterra (v eja LEP ), onde ela foi descoberta por Jo h n Locke (1632-1704), que argum entou que o bom governo civil se baseia na lei natural. 41Veja Volume 1, capítulo 5.
42Veja Volume 3, capítulo 13.
43Ibid., capítulo 2.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A lei da natureza nos ensina que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve prejudicar a outra pessoa, na sua vida, saúde, liberdade ou nas suas posses; pois todos os homens são feitura do Criador onipotente e infinitamente sábio (AE, 2.6). Jefferson expressou esta m esm a perspectiva n a D eclaração da Independência: Nós consideramos estas verdades evidentes por si só: as verdades de que todos os homens são criados iguais, que são dotados, por seu Criador, de certos Direitos inalienáveis, que entre estes direitos estão a Vida, a Liberdade e a procura da Felicidade. Jefferson acreditava que estes direitos inalienáveis estão enraizados nas “Leis da N atu reza”, que derivam do “Deus da N atu reza”. No m em orial a Jefferson, em W ashington, D .C., estão gravadas estas palavras, que ele escreveu: “Deus, que nos deu vida, nos deu liberdade. Podem as liberdades de u m a nação estar seguras, quando nós rem ovem os a convicção de que estas liberdades são dádivas de Deus?” Aqui, novam ente, está claro que a A m érica de Jefferson se baseava n o conceito dos direitos concedidos por Deus, fundam entados nas leis m orais dadas por Deus (lei n atu ral). Para Jefferson, a lei natu ral não é u m “ser ou estar” h u m an am en te descritivo, mas u m “deve” divinam ente prescritivo.
Argumentos a favor da Lei Natural M uitos negaram a existência da lei natu ral, e outros sim plesm ente ten taram dim inuir a sua im portância. Apesar disto, existem razões excelentes para considerar a lei natu ral verdadeira e com pulsória. 0 Argumento da Justiça Divina Fica evidente, a partir da argum entação de Paulo em R om an os 1—2, que a ju stiça de Deus, ao cond enar os gentios incrédulos, se baseava n o fato de que Ele se revelou claram ente, por natureza, a todas as pessoas (1.19) e teve a sua lei escrita em seus corações (2.15). C ertam ente, seria u m a contradição à ju stiça divina44 condenar as pessoas à separação etern a de Deus por não viverem em conform idade com u m padrão que elas nu n ca tiveram e nu n ca con h eceram 45. A existência da lei natu ral (revelação geral), p o rtan to , é absolutam ente indispensável à cren ça na ju stiça divina. 0 Argumento da Necessidade Social A lém disto, a sociedade não pode fu ncionar sem algum tipo de código m o ral co m u m que u n a as pessoas em u m a unidade cu ltu ral. Cada sociedade tem u m a coesão m o ral; se não tivesse, não seria u m a sociedade, e seria autodestrutiva. M esm o assim, nem todas as sociedades aceitam um a ún ica lei divina (co m o a Bíblia ou o A lcorão); de m odo equivalente, existe um a necessidade evidente de algum tipo de código m oral, disponível natu ralm en te, para un ir as pessoas. Todas as grandes cu ltu ras, passadas e presentes, m anifestam u m a lei m o ral com u m . C .S . Lewis coletou citações destas várias sociedades e as relacionou sob variados títu los46; 44 V eja V o lu m e -2, c a p ítu lo 16.
45 V eja V o lu m e 1, c a p ítu lo 4, e V o lu m e 3, ca p ítu lo 13.
co n clu sõ es abaixo, sob “O A rg u m e n to dos C ód igos M orais C o m u n s ”.
46 V eja u m a a m o s tra das suas
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cu ltu ras m u ito diferentes e separadas não som ente precisam de tal coesão m oral, mas tam bém a têm expressa em seus textos. Este é u m am plo testem u n h o da necessidade social universal de princípios m orais naturais pelos quais se possa governar a conduta. A rgum entar que não existe base m o ral adequada para a sociedade, co m exceção da (1) revelação especial47, ou da (2) experiência h u m an a48, contradiz os textos m orais das cu ltu ras conhecidas do m undo, e é equivalente a dizer que estas civilizações não expressaram caráter m o ral discernível. Isto não som ente é flagrantem ente falso, mas tam bém é contrário ao ensinam ento bíblico sobre a graça co m u m e a revelação especial49. 0 Argumento da Lei Internacional Hugo G rotius (1583-1645) viu a óbvia necessidade de que houvesse um a base de lei natu ral para as relações internacionais. G rotius acreditava que isto era im portante, porque ele considerava que era u m “m étod o racional para alcançar u m corpo de proposições subjacentes a arran jos políticos e a provisão das leis [civis] positivas” (em Sabine, HPT, 425); a sua definição de lei era "o que quer que D eus dê a con h ecer co m o a sua vontade” (DIBP, Vol. 2, in: TT, 8). G rotius estava tão convencido de que a lei natu ral era independente, que declarou: “O que nós dizemos, a respeito da prioridade da lei natu ral, teria um grau de veracidade, ainda que nós concordássem os [...] que não existe Deus, ou que as questões dos hom ens não são de seu interesse” (ibid., 13). A questão é que, m esm o deixando de lado a crença em Deus, a lei natu ral é necessária para governar as sociedades hum anas. Por seu trabalho pioneiro nesta área, G rotius obteve o títu lo de “Pai da lei in tern acio n al”. A medida que se desenvolvia a tecnologia hum ana, a necessidade de que as questões internacionais tivessem um fundam ento na lei natural se tornaram cada vez mais aparentes. O julgam ento de N urem berg dos crim es de guerra, depois da Segunda G uerra M undial, foi um caso clássico. A dolf Hitler se ocupou de atos horrendos, cruéis, bárbaros e desumanos, arquitetando o assassinato de seis m ilhões de judeus, e outros seis m ilhões de “grupos indesejáveis de pessoas”; do holocausto, emergiu um reconhecimento coletivo de um padrão moral que transcende culturas individuais e nações. Se os atos de Hitler forem julgados a partir de dentro do estado nazista, não são crim es imorais, mas causas morais. Som ente se houver alguma lei natural abrangente — dada a todas as culturas e com pulsória a todas as pessoas —, nós poderem os justificar cham ar os nazistas de cruéis, bárbaros e desumanos. A lém disto, os esforços para reparar os horrores de H itler levaram ao m o vim en to dos direitos hum anos, que m otivou as Nações Unidas a elaborar a “D eclaração Universal dos D ireitos H u m anos”. A. H. R obertson, porta-voz da Convenção Européia sobre Direitos H um anos, escreveu: A d istorção da d em o cracia e a m an u ten ção do estado de direito exigiam fu n dam entos [...] nos quais basear a defesa da personalidade h u m an a co n tra todas as tiranias e co n tra todas as form as de totalitarism o. Estes fun dam entos fo ram a p ro teção efetiva dos direitos do h o m e m e suas liberdades fundam entais (citad o em M o n tg o m ery , LA L, 22).
O p ró p rio c o n c e ito de d ireito s h u m a n o s fu n d a m e n ta is tra n sce n d e n d o a tod os <7 C om o no caso do reconstrucionism o.
48 C om o no caso do secularismo.
« Veja Volume 3, capítulos 5 e 7.
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os estad o s exige u m a lei m o ra l que está a cim a e a lém de to d o s os g o v ern o s e re lig iõ es individ uais; assim , o d ese jo de u m cód ig o m o ra l tra n sn a c io n a l passa a ser algo im p ossív el de se a lca n ça r, a m e n o s que ex ista u m a lei n a tu ra l que tra n sc e n d a to d o s os g o v ern o s. 0 Argumento dos Códigos M orais Comuns
C. S. Lewis d em o n stro u , n a sua obra clássica sobre a lei n a tu ra l, The A bolition o f M an, q ue existem leis m o rais universais. Se n ão existissem , nós n ão seriam os capazes
de n os en v o lv er em disputas m o ra is, fazer ju ízo s m o rais, ou d iscern ir o progresso (o u a reg ressão ) m o ra l da sociedade — e nós fazem os isto . N em h averia u m n ú cle o c o m u m de códigos m o rais a m p la m e n te observados, tais c o m o existem (v e ja A M , ap ênd ice), co m o os m an d a m en to s para h o n ra r os pais e os m a n d a m en to s de não rou bar, m e n tir e m atar. No momento em que você disser que um conjunto de idéias morais pode ser melhor do que outro, você estará, na verdade, avaliando a ambos de acordo com um padrão, dizendo que um deles está em maior conformidade com aquele padrão do que o outro. Mas o padrão que avalia duas coisas é diferente de ambas (MC, 25). N ovam ente: [Como ateu], meu argumento contra Deus era que o universo parecia ser extremamente cruel e injusto. Mas como eu obtive esta idéia de justo e injusto? Uma pessoa não diz que uma linha é torta, a menos que tenha alguma idéia de uma linha reta (ibid., 45). C onseqüentem ente: Parece, então, que nós somos forçados a crer em um Certo e em um Errado que são verdadeiros. Primeiro, os seres humanos, por toda a terra, têm esta curiosa idéia de que devem se comportar de uma determinada maneira. Segundo, eles não se comportam desta maneira, na realidade. A verdade é que nós cremos tanto na decência que não podemos enfrentar o fato de que nós a estamos infringindo, e conseqüentemente tentamos desviar a responsabilidade (ibid., 21). 0 Argumento da Cultura Pluralista
A im portância de u m a ética de lei natu ral é que ela pode ser levada ao m undo político sem dem onstrar favorecim ento a u m grupo religioso acim a de ou tro. A lém disto, sem u m a base ética objetiva para nossos atos, não existe um a alternativa realista para o antinom ianism o; o governo não pode funcionar, da m aneira com o é necessário, sem u m padrão ético objetivo co m u m a todos os que fazem parte do corpo político. Assim, a lei natu ral é essencial para viabilizar o governo no nosso m undo religiosam ente pluralista.
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R E S P O S T A S À S O B JE Ç Õ E S AO P O N T O D E V IS T A D A LEI N A T U R A L (JE F F E R S O N IA N IS M O ) O bjeções de ambos os extrem os (tan to do secularism o com o do reconstru cionism o), foram apresentadas con tra a perspectiva de governo da lei natu ral, e algum as foram com entadas ao longo da discussão acima. O b je ç ã o U m : D e q u e a Lei N a tu ra l Im p lic a u m L eg isla d o r (D e u s ),o q u e E n v o lv e R e lig iã o Os secularistas argu m entam que é um a violação à Prim eira Em enda im por um a lei m o ral baseada em u m Legislador M oral (D eus). C om o resposta, prim em , a lei natu ral com o fu nd am ento é a visão da D eclaração de Independência dos Estados Unidos, o d ocu m en to de fundação daquela nação. E um a lógica distorcida a que diz que a Certidão de N ascim ento dos Estados Unidos é inconstitucional. Segundo, estabelecer u m a moralidade nacional não é contrário à Prim eira Emenda; estabelecer um a religião nacional, sim, o é. Terceiro, recon h ecer u m Legislador M oral por trás da lei m o ral não significa estabelecer um a religião em geral, n em em particular —isto som en te pode ser feito pela adoração obrigatória a Deus. A religião tem a ver com o nosso dever para com Deus; a m oralidade está relacionada com a nossa responsabilidade m oral para com os seres hum anos. O governo pode e deve fazer leis a respeito da m oralidade, mas não com respeito à religião. O b je ç ã o D o is: D e q u e n ã o E x is te u m a Lei M o ra l de C o n s e n s o p a ra to d o s A objeção secularista de que não existe um a m oralidade co m u m en te reconhecida fracassa por várias razões. Primeiro, a Bíblia diz que existe, e que todas as pessoas são “inescusáveis” (R m 1.20) e “p erecerão” por não obedecer a ela (2.12). Segundo, novam ente, o fato de que os credos m orais entre a m aioria das cu ltu ras são essencialm ente os m esm os — e de que existe u m a lei m oral universal — é exem plificado
por C. S. Lewis em sua obra The Abolition o f Man. Lewis fez u m trabalho admirável ao catalogar m uitas destas expressões; é interessante que elas parecem surpreend entem ente similares à segunda tábua dos Dez M andam entos. Terceiro, a lei m o ral universal está escrita nos corações dos seres hum anos (v. 15),
e pode ser detectada, não tan to por nossos atos (que não chegam à altu ra de nossos próprios padrões), mas p o r nossas reações quando os atos de o u tra pessoa não chegam à altu ra da lei m oral. M esm o aqueles que dizem que não há p roblem a em m entir, trapacear, roubar e m atar, apesar disto, m o stram , por suas reações, quando são afetados, que sabem que estes atos são errados. O b je ç ã o T rê s: D e q u e n ã o se P o d e L eg isla r a M o ra lid a d e Os secularistas protestam que afirm ar as leis m orais por trás do governo significa afirm ar que a m oral pode ser legislada. No en tanto, todos sabem , in tern am en te, que esta objeção é errada e equivocada.
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Primeiro, tod as as leis leg isla m a m o ra lid a d e ; cada lei diz que u m c o m p o rta m e n to é c e rto e o u tro é errad o . A m o ra lid a d e lid a c o m o c e r to e o e rra d o ; a q u estão não é se a m o ra lid a d e é legislad a, m as, em vez d isto , qual m o ra lid a d e é a base da legislação? A re sp o sta é a moralidade comum, aq u ela q u e e stá g ravada n a n a tu re z a de cada u m de nós. Segundo, m e sm o os secu laristas que fazem esta o b je çã o n ão d esejam e lim in a r as leis que dizem que a v io lên cia c o n tra as crianças, a agressão às m u lh e re s, o estu p ro e o assassinato são errad os. Legislar c o n tra q u alqu er u m destes crim es é legislar a m oralid ad e.
Objeção Quatro: De que a Revelação Natural não Está Clara Os te o n o m istas (re c o n stru cio n ista s) fre q ü e n te m e n te a rg u m e n ta m que o pecad o p re ju d ica a capacidade do h o m e m de co m p re en d e r a rev elação n a tu ra l. N o e n ta n to , o d efeito não está n a rev elação p ro p ria m e n te dita, m as n a recu sa do h o m e m em a ce itá-la; de acord o c o m R o m a n o s 1.19, a rev elação n a tu ra l é m a n ifesta “p o rq u e D eu s lh es m a n ife sto u ” . O p ro b lem a c o m os in cré d u lo s não é o fa to de que n ão co m p re en d e m a verdade, m as que “o h o m e m n a tu ra l [sem o E spírito] n ão co m p reen d e as coisas do E spírito de D eu s” (1 C o 2.14). N ão é que eles n ão percebam a verdade, m as eles n ão a recebem (H ow e, CR, 72); n a verdade, eles a d etêm (R m 1.18). D eu s se rev elo u cla ra m e n te n a n a tu re z a e n a co n sciên cia , de m o d o que os in cré d u lo s vêem a verdade da rev elação n a tu ra l, m as ta m b ém evitam a verdade que ela lh es rev ela (ib id .)50. R e je it a r a v e rd a d e re v e la d a n ã o é u m a a titu d e e x c lu s iv a d o s in c r é d u lo s q u e t ê m a r e v e la ç ã o g e r a l de D e u s ; os c r e n te s ta m b é m n e m s e m p r e v iv e m d e a c o r d o c o m a v e rd a d e d a r e v e la ç ã o e s p e c ia l d e D e u s 51. Afirmar que a revelação geral é inadequada porque os incrédulos a corrom peram significa rejeitar a revelação especial pela m esm a razão. Pedro, por exem plo, nos diz que “as pessoas to rcem [os textos de Paulo] e igualm ente as outras Escrituras, para sua própria perdição” (2 Pe 3.16). Não existe nada que Deus tenh a revelado nas Escrituras que não tenha estado sujeito ao m esm o tipo de deturpação que as verdades m orais que Ele revelou a todos na sua lei natural. Não existe defeito em nen h u m a das revelações de Deus — o problem a não está n a revelação de Deus, mas n a distorção que o h o m em faz dela.
Objeção Cinco: De que a Bíblia É uma Revelação mais Clara do que a Lei Natural Os teonom istas argu m entam a favor da superioridade da revelação especial de Deus com o u m m otivo para prescrever a Bíblia com o u m a base para o governo civil. C om o resposta, deve-se observar que a Bíblia certam en te é u m a revelação mais detalhada e específica, e a ún ica revelação escrita e infalível que tem os52. N o e n ta n to , primeiro, isto n ã o q u e r d izer q u e a re v e la ç ã o de D e u s (a re v e la çã o g e ra l) n a lei n a tu r a l n ã o e s te ja c la ra e n ã o s e ja s u fic ie n te p a ra c u m p r ir seu s o b je tiv o s ; e la é c la ra e s u fic ie n te ( R m 1.19; 2 .1 2 ), c o m o já fo i d e m o n s tra d o . Segundo, d ife r e n te m e n te d a lei n a tu r a l, a B íb lia n ã o e stá u n iv e rs a lm e n te d isp o n ív el a to d o s os seres h u m a n o s , e m u ito s n e g a m q u e e la é a P alav ra de D eu s. A lei n a tu r a l e s c r ita n o c o r a ç ã o é in eg á v el; os có d ig o s e re a ç õ e s das pessoas re v e la m q u e ele s r e a lm e n te a c re d ita m n e la .
50Veja Volum e 3, capítulos 2-3.
51 V ejaVolum e 1, capítulo 4.
52VejaV olum e 1, capítulos 13,27.
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Terceiro, a “B íb lia ” é u m liv ro re lig io so e te m mais a u to rid a d e q u e u m có d ig o m o ra l. Legislar so b re e la c ria v u ln e ra b ilid a d e à a c u sa ç ã o de q u e a re lig iã o p ro p ria m e n te d ita e stá sen d o e sta b e le cid a . Quarto, u m a p e rg u n ta p o d e ser a p ro p ria d a m e n te fe ita p e lo s ad ep to s de o u tra s re lig iõ es: Q u al “B íb lia ” d ev eria ser c o m p u ls ó ria ? 53 A B íb lia ju d aica? A B íb lia cristã? A B íb lia m u ç u lm a n a ? E m u m a so cied a d e p lu ra lista , u m ú n ic o liv ro re lig io so n ã o deve ser a c e ito p o r to d o s c o m o fu n d a m e n to p a ra to d a s as p essoas. Quinto, e fin a lm e n te , m e s m o q u e a B íb lia c ris tã fo sse e sc o lh id a , q u al in te r p r e ta ç ã o d ela seria aceita? O s te o n o m is ta s s u s te n ta m q u e seria a in te r p r e ta ç ã o re fo rm a d a / ca lv in ista , m a s aqui existe m u ito m e n o s base c o m u m d o q u e a re v e la ç ã o g e ra l. M e s m o os te o n o m is ta s se e n v o lv e m e m a c a lo ra d o s d eb ates q u a n to a d e te rm in a d a s leis d o A n tig o T e s ta m e n to , c o m o a q u ela s c o n tr a o u so de vestes c o m te cid o s m is to s , e se elas ain d a se a p lic a m h o je M. (P e n se o q u e re p re s e n ta ria a a p lica çã o d esta lei ta n to p a ra os cristã o s c o m o p a ra a in d ú s tria de v e s tu á rio !) IG R E JA E E S T A D O : R E S U M IN D O A S Q U E S T Õ E S A gora que as três p rin cip ais p ersp ectiv as da re la çã o e n tre estad o e ig re ja fo ra m exp licad as e d iscu tid as, p o d e m o s e x tra ir alg u m as co n c lu sõ e s, m u ita s das quais e stão refletid a s n os c o n tra ste s revelad o s n o quadro a cim a 55. E m re s u m o , o je ffe rs o n ia n is m o ev ita os e x tre m o s do s e c u la ris m o e do r e c o n s tr u c io n is m o em tod as as q u estões. Primeiro, sobre a natu reza do estado, a perspectiva da lei natu ral evita tan to um governo p u ram ente secular quanto u m governo dom inado pela religião, em favor de u m governo m o ralm en te ju sto. Segundo, com respeito à relação en tre igreja e estado, a posição am ericana opta pela cooperação en tre a igreja e o estado, e não por u m a separação ou união radical das duas entidades. Terceiro, enquanto o secularism o insiste na liberdade de todas as religiões, e o reconstrucionism o na liberdade para um a religião particular, o jeffersonianism o m an tém a liberdade para todas as religiões. Quarto, com respeito à crença em Deus, a visão da lei natu ral n ovam ente ocupa um im p ortante m eio -term o : em lugar de exigi-la (co m o a teon o m ia) ou d esencorajá-la (co m o o secularism o), o jeffersonianism o a en coraja sem exigi-la. Quinto, e finalm ente, em vez de basear a lei civil n a experiência h u m an a m utável (o secularism o) ou na lei divina (o reconstru cionism o), o governo do estado deve estar fundam entado na lei natu ral, co m u m a todos os seres hum anos. A R e la ç ã o e n tr e a Lei M o sa ica e a Lei N a tu ra l Embora não haja similaridade56entre a lei mosaica e a lei natural, existe similaridade nas suas obrigações morais. Isto é de se esperar, um a vez que tanto a revelação geral quanto a especial vêm do m esm o Legislador Moral, cuja natureza moral é imutável57. No entanto, um a vez que 53 A p alavra Bíblia v e m da p alavra grega para “liv ro ” ( biblion). (Ig re ja ) e G o v e rn o (E stad o): T rês persp ectiv as” .
54 P o r e x e m p lo , v e ja D e u te ro n ô m io 22.11.
56V e ja V o lu m e 1, ca p ítu lo s 6 e 9.
55 “R eligião
57 V eja V o lu m e 2, c a p ítu lo 4.
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a lei mosaica tem dimensões nacionais, civis, cerimoniais e teocrátícas não encontradas em outras nações, também existem significativas diferenças entre as duas. Por exemplo, nove dos Dez Mandamentos são repetidos no Novo Testamento; não existe o mandamento para guardar o sábado com o dia de descanso. De igual maneira, diferentes punições agora são atribuídas à desobediência a determinados estatutos; por exemplo, na era do Antigo Testamento as pessoas eram apedrejadas por adultério, mas na era do Novo Testamento elas são excomungadas da igreja, com a restauração asseguradamediante o arrependimento (1 Co 5.5; cf. 2 Co 2.5-8). Embora os princípios morais básicos na lei do Antigo Testamento (mosaica) e na do Novo Testamento (igreja) sejam os mesmos58, o contexto e as conseqüências diferem significativamente. Isto ajuda a explicar o aparente equívoco com etid o pelos cristãos que apóiam a exibição e ap ro m oção pública dos D ez M andam entos. Os princípios morais básicos incrustados neles se aplicam não som ente à igreja do Novo T estam ento, mas tam bém à sociedade. C ertam ente, a segunda tábua da lei (isto é, os m and am entos que se referem ao nosso dever com ou tros h u m an os)59 é encontrada tam bém na lei natu ral, que é a base para o bom governo civil. As responsabilidades cristãs específicas nos M andam entos, no en tanto, se aplicavam enfaticam ente a Israel e não à sociedade —o governo não deveria legislar sobre o dever para co m Deus. Nesta área, o m e lh o r que o governo civil pode fazer é encorajar a liberdade de expressão sem o apoio do governo. Este parece ser exatam ente o objetivo original da Prim eira Emenda, pois a Cláusula do Livre Exercício®, na verdade, encorajava a religião, e a Cláusula do Estabelecim ento61 erigia u m a barreira de proteção entre o governo federal (nacional) e os direitos dos estados de terem sua própria religião. N aturalm ente, desde o anteriorm ente m encionado processo Everson vs. Board o f Education (1947), os estados não mais têm este direito; esta decisão da Suprem a Corte ajudou a aproxim ar os Estados Unidos de um a separação secularista entre igreja e estado (co m a proem inência do estado), em lugar de encorajar a cooperação original entre as duas entidades. Apesar disto, as palavras e ações dos fundadores da nossa nação sustentam esta interpretação da sua visão original da relação entre igreja e estado; o próprio Jefferson, e outros presidentes, ajudou a prom ulgar leis através das quais missionários receberam salários para realizar trabalhos evangelísticos entre os am ericanos nativos62, e a N orthw est Ordinance (O rdenança N oroeste) (1787) encorajou a religião nas escolas (veja Artigo III). Na verdade, tanto a oração quanto a leitura da Bíblia eram com uns nas escolas dos Estados Unidos desde os prim órdios (nos anos 1640) até o início dos anos 1960, quando a Suprem a C orte as declarou inconstitucionais.
A Relação entre a Lei Bíblica e a Lei Natural A Bíblia (revelação especial) não contradiz a lei natu ral (revelação geral), mas, na verdade, a com p lem en ta e suplem enta63. Afinal, co m o vim os, o m esm o D eus cu ja natu reza m o ral se reflete a todas as pessoas n a lei natu ral (por todo o seu m u nd o) expressou o seu caráter m o ral em m and am entos para os crentes na Bíblia (por interm édio da sua Palavra). 58 Estes princípios essenciais são eternam ente imutáveis porque se originam da essência de Deus, que é im utável (veja ibid.).
59 A primeira tábua se refere ao nosso dever para com Deus. Veja Êxodo 20.
(da religião).
60 “ou proibindo o livre exerc™ icio”
61 “O Congresso não prom ulgará nen h um a lei a respeito do estabelecim ento de religião”.
62 A famosa
expressão de Jefferson, a respeito de um a “parede de separação” (em sua carta à Igreja Batista de D anbury) se referia a um a barreira entre o governo federal e os estados individualmente, que, novam ente, tinham liberdade para estabelecer religiões oficiais nos estados (e m uitos o fizeram ).
63VejaV olum e 1, capítulo 4.
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Os princípios m orais básicos de Deus não m udam , assim com o a sua natureza não m uda — ambos são eternos. No entanto, isto não quer dizer que os crentes h o je são obrigados a viver de acordo com a lei do A ntigo T estam ento: Paulo nos diz. c.aram ente: “não estais debaixo da lei, m as debaixo da graça” (R m 6.14). Antes que Jesus \iesse para cu m prir a lei64, ter a lei (de M oisés) era a vantagem dos judeus sobre os gentios (3.1,2; 2.14); Paulo enfatizou que aquilo que estava “gravado com letras em pedras” desapareceu (2 Co 3.7)®; C risto fez isto, pois “na sua carne, desfez a inim izade, isto é. a lei dos m and am entos, que consistia em ordenanças” (E f 2.15); agora que Ele veio, “já não estam os debaixo de aio” (G 1 3.25). A carta aos Hebreus diz claram ente que a lei foi dada ao povo de Israel (7.11), que houve u m a “m u d an ça” na lei (v. 12) pela qual “o precedente m and am ento é ab-rogado” (v. 18). C o m o vim os antes, o A ntigo Testam ento jam ais condenou os gentios por não obedecerem à lei de Moisés (cf. SI 147.19,20); Deus os avaliava pelas verdades contidas na revelação geral66. O fato de que a lei de Moisés foi dada som ente a Israel não significa que os cristãos não têm lei: Nós tem os a lei natu ral, nós tem os a lei divina do Novo Testam ento, e tam bém tem os m u ito a aprender com base no que Deus revelou a Israel (R m 15.4; 1 Co 10.11). Apesar disto, o fato de que os princípios m orais incorporados no A ntigo Testam ento67 são repetidos no N ovo Testam ento não significa que nós estam os sob a lei m osaica, n em que estam os sob os estatutos de Illinois quando infringim os um a lei de trânsito no Texas (v eja A ldrich, HFG, capítu lo 7). Assim co m o cada estado tem um código diferente de legislação (nos E.U. A.) — ainda que as leis sejam baseadas nos m esm os princípios suprem os —, tam bém o código m o ral revelado para a igreja não é o m esm o que havia para Israel. Considere o dever m o ral de hon rar pai e m ãe. Q uando este princípio é proclam ado para Israel, no Antigo Testam ento, isto é feito com a prom essa de que viveriam m u ito tem p o na terra que o Sen h or lhes desse (a T erra Prom etida — Ex 20.12). No entanto, quando, no Novo Testam ento, Paulo instrui os crentes a h on rar pai e m ãe, a prom essa anexa não tem nada a dizer sobre viver m u ito tem po na terra que o S en h o r daria a Israel, m as sim plesm ente p rom ete vida por “m u ito tem po sobre a te rra ” (E f 6.3)68. Em bora o cristão não esteja sob a lei de Moisés, está sob a “lei de C risto” (C l 6.2). Por exem plo, o h o m em de negócios cristão está subm etido não som en te à lei n atu ral, que ele com p artilh a com os incrédulos, mas tam bém a u m a lei divina, que ele não com partilha co m eles. Esta revelação especial (bíblica) coloca algum as obrigações m aiores sobre o crente; estas m erecem um a atenção cuidadosa que os lim ites deste tópico não perm item , mas farem os duas observações sobre elas. Primeiro, as m aiores obrigações do cristão se baseiam nos princípios m orais que são os m esm os no Antigo Testam ento e no Novo T estam ento, na medida em que refletem o caráter im utável de Deus. Jesus Cristo não veio para destruir a lei, mas para cu m p ri-la (M t 5.17,18), e o “novo m an d am en to” que Ele deu, de que nos am em os uns aos outros
“ V e ja V o lu m e 1, ca p ítu lo 16. 65 A ssim , n ã o fo i sim p le sm e n te o “m in is té rio " de M oisés q u e d esap areceu , m as “o m in is té rio q u e tro u x e a m o r te [...] gravado c o m letra s e m p ed ras”.
66 Jerem ias 12.16,17 n ã o é u m a e x c e ç ã o . A m e n ç ã o de o u tra s
n a çõ e s ap ren d e n d o os “c a m in h o s ” de Israel e “ju r a n d o ” p e lo seu D eu s se refere ao re in o fu tu r o , “depois” q u e Israel “re to r n a r ” à sua te r r a (v. 15), q u an d o h a v e rá u m a te o cra c ia resta u ra d a sob o M essias, u m a base de le i d ivina para o g o v e rn o civil sob o rein ad o de C risto (v e ja ca p ítu lo s 13-15). 68 V eja c a p ítu lo s 12 e 14.
67 Por e x e m p lo , a seg u n d a táb u a dos D ez M a n d a m e n to s.
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(1 Jo 2.8), era, n a realidade, o “m and am en to antigo” que tin h am tido “desde o princípio” (v. 7). Cristo deu este m esm o exem plo, dizendo (e depois realizando): “N inguém tem m aior am or do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus am igos” (Jo 15.13; cf. v. 15). P ortanto, a lei n atu ral é som ente o dever m ín im o do crente; a lei divina do Novo Testam ento é o seu dever m áxim o. A lei n atu ral exige que nós ajam os com justiça; a lei divina exige que ajam os com sacrifício, tam bém . Segundo, a m aior responsabilidade do cristão se estende ao seu relacionam en to co m os outros. Por exem plo, enquanto a lei natu ral proíbe que roubem os do pobre, a lei divina acrescenta que devem os ajudar o pobre (M c 10.21). Não é suficiente que não explorem os os econom icam ente oprim idos; tam bém devem os ten tar libertá-los.
A BASE HISTÓRICA PARA A RELAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO Existe am plo apoio, entre os Pais da igreja, para a distinção entre igreja e estado. A lém disto, a idéia de que a igreja é u m tipo de teocracia69 ou reino terrestre não surgiu até depois que o Im perador C onstantino (c. 274-337) com eço u a un ir o im pério rom ano agonizante à fo rça espiritual da igreja.
Os Primeiros Pais da Igreja Antes da Idade Média, não era raro en con trar apoio para o respeito cristão pelo estado, separadam ente dos deveres cristãos para com a igreja. A igreja não substituiu o estado, e os cristãos, em bora obedientes ao estado, não perm itiram que o estado substituísse a igreja. Mathetes (c. 130) Toda terra estrangeira é, para eles [os crentes], como a sua terra natal, e cada terra natal é como uma terra estrangeira. Eles se casam, como fazem todos os outros; eles têm filhos; mas não destroem a sua descendência. Eles têm uma mesa em comum, mas não uma cama comum. Eles estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Passam seus dias na terra, mas são cidadãos do céu. Obedecem às leis prescritas, e ao mesmo tempo excedem estas leis através de seu testemunho pessoal (ED, 5). Policarpo (final do século II) “Nós aprendemos a dar a devida honra (o que não representa nenhum mal para nós mesmos) às autoridades [...] ordenadas por Deus” (MP, 10). Teófilo (c. 130-190) Eu prefiro honrar ao rei [a honrar os seus deuses], não adorando-o, verdadeiramente, mas orando por ele. Mas a Deus, ao Deus vivo e verdadeiro, eu adoro, sabendo que Ele criou o rei [...] Conseqüentemente, honre o rei, sujeite-se a ele, e ore por ele com um pensamento leal; se você fizer isto, fará a vontade de Deus (TA, 1.11). Melito de Sardes (final do século II) A minha opinião é a seguinte: Um reino pode ser governado em paz “desta” maneira —quando o soberano [governante terreno] está familiarizado com o Deus da verdade 69Veja acima, sob “Reconstrucionism o: A Igreja acima do Estado”.
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e é impedido, pelo tem or a Ele, de fazer mal àqueles que são seus súditos, e julga tudo com eqüidade, como alguém que sabe que ele próprio também será julgado diante de Deus; enquanto, ao mesmo tempo, aqueles que estão sob o seu governo são impedidos, pelo temor a Deus, de fazer mal ao seu soberano, e são impedidos, pelo mesmo temor, de fazer mal uns aos outros. Com este conhecimento de Deus, e com este temor a Ele, todo o mal pode ser removido do reino. Pois, se o soberano se abstém de fazer o mal àqueles que estão sob o seu governo, e eles se abstêm de fazer mal a ele, e uns aos outros, é evidente que toda a nação viverá em paz (em RSTC, 1). Irineu (c. 125-c. 202) Como o diabo mentiu no início, também mentiu no final, quando sugeriu [a Jesus] que todos os reinos lhe haviam sido dados, e que ele poderia dá-los a quem quisesse [Mt 4], Pois não é ele quem designa os reinos e os reis deste mundo, mas Deus; pois “o coração do rei [está] na mão do Senhor”. E a Palavra também diz, por meio de Salomão: “Por mim, reinam os reis, e os príncipes ordenam justiça. Por mim governam os príncipes e os nobres; sim, todos os juizes da terra”. Paulo, o apóstolo, também diz, sobre este mesmo assunto: “Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as autoridades que há foram ordenadas por Deus”. E, novamente, com referência a eles [os governantes terrenos], Paulo diz: “Pois [Ele] não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus e vingador para castigar o que faz o mal”. Agora, tendo dito estas palavras, não com respeito às autoridades angelicais, nem aos governantes invisíveis [...] mas com respeito às autoridades humanas reais, ele diz: “Por esta razão também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo sempre a isto mesmo”. O Senhor também confirmou isto não cedendo à tentação do diabo; mas deu instruções para que o tributo fosse pago aos coletores, por Ele mesmo e por Pedro; “porque são ministros de Deus, atendendo sempre a isto mesmo” (AH, 5.24). Tertuliano (c. 155-c. 225) Examine, então, e veja se o distribuidor de reinos não é Aquele que é o Senhor, ao mesmo tempo, tanto do mundo que é governado quanto do homem que governa; se não ordenou as mudanças das dinastias, com as suas épocas indicadas, Aquele que existia antes de todos os tempos, e fez do mundo um conjunto de gerações; se a ascensão e queda dos estados não são uma obra Daquele sob cuja soberania a raça humana existiu sem nenhum estado (A, 1.6). A Constituição dos Santos Apóstolos (c. século IV ) Sujeitai-vos a toda autoridade e domínio real nas coisas que agradam a Deus, assim como aos ministros de Deus e os que punem os profanos. Dedicai-lhes todo o respeito que lhes é devido, todas as ofertas, todos os costumes, toda a honra, dádivas e tributos. Pois .. este é o mandamento de Deus, que não sejais devedores de nada a ninguém, exceto as demonstrações de amor que Deus ordenou, através de Cristo (4.13). O s Pais M ed ievais Apesar da união geral en tre igreja e estado, no fim do Im pério R om an o, m u itos teólogos medievais recon h eceram a distinção básica entre igreja e estado e as respectivas responsabilidades dos cristãos para cada um a destas entidades.
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Agostinho Neste mundo, portanto, o domínio dos homens bons é proveitoso, não tanto para eles mesmos, mas para as questões humanas. Mas o domínio dos homens maus é prejudicial, principalmente a eles mesmos, que governam, pois destroem suas próprias almas pela maior permissividade na perversidade; enquanto aqueles que estão subordinados a eles não se prejudicam, exceto pela sua própria iniqüidade. Pois para os justos, todos os males que lhes são impostos por governantes injustos não são a punição de crimes, mas a prova da virtude (CG, 4.3). Tomás de Aquino O bem comum do estado não pode prosperar, a menos que os cidadãos sejam virtuosos, pelo menos aqueles cuja tarefa é governar. Mas é suficiente, para o bem da comunidade, que os outros cidadãos sejam tão virtuosos a ponto de obedecerem às ordens de seus governantes (ST, 2a.92.1.3). Aquele que tem uma posição de autoridade sobre uma comunidade recebe poderes para administrar segundo uma lei humana que repousa sobre a sua autoridade; porém, quando a lei não for suficiente para resolver as questões de pessoas ou circunstâncias, ele poderá resolver a questão sem utilizar os preceitos da lei (ibid., 2a.97.4). A respeito da correta ordenação de governantes em um estado ou nação [...] todos devem ter alguma participação no governo, pois esta forma de constituição assegura a paz entre as pessoas, é recomendável a todos, e é mais duradoura [...] Esta é a melhor forma de política, a que é parcialmente reino, uma vez que existe alguém que é o líder de todos; parcialmente aristocracia, na medida em que algumas pessoas são colocadas em posição de autoridade; parcialmente democracia, isto é, o governo pelo povo, na medida em que os governantes podem ser escolhidos entre o povo, e o povo tem o direito de escolher os seus governantes. Esta era a forma de governo estabelecida pela lei divina para Moisés, e os seus sucessores governaram o povo de tal maneira que cada um dele governava acima de todos; de modo que era um tipo de reino. Além disto, eram escolhidos setenta e dois homens, que eram anciãos em virtude (Dt 1.15) [...] de modo que era um tipo de democracia. Mas era um governo democrático na medida em que os governantes eram escolhidos entre todas as pessoas (Ex 18.21) [...] e, novamente, na medida em que eram escolhidos pelo povo (Dt 1.13) [...] Conseqüentemente, é evidente que a ordenação dos governantes era bem prescrita pela lei (ibid., 2a.l05.1).
Os Mestres da Reforma João Calvino Infelizm ente, alguns reform adores não se opuseram a usar o estado para estabelecer a igreja. João Calvino estabeleceu u m a teocracia (ou teonom ia) própria em G enebra, na Suíça, a qual, co m o já m encionam os anteriorm en te, chegou a usar o governo civil para executar u m herege (Servet), queim ando-o vivo.
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Calvino escreveu: Este governo civil pretende, enquanto nós vivermos neste mundo, promover e apoiar a adoração exterior a Deus, preservar a pura doutrina da religião, defender a constituição da igreja, governar as nossas vidas da maneira necessária para a sociedade dos homens, moldar o nosso comportamento na justiça civil, promover a concórdia de uns com os outros, e estabelecer a paz e a tranqüilidade gerais (CICR, 203). A Confissão de Fé de Dordrecht O utros reform adores, anteriores às m odernas igrejas batistas e independentes, foram m ais conscientes de qualquer aliança ím pia com o governo. Na realidade, freqüentem ente eles se encontraram sendo politicam ente perseguidos por sua fé, e algum as vezes sob a pesada influência de outros grupos protestantes. As palavras enfatizadas m o stram as suas reservas a respeito da subm issão ilim itada ao governo civil: Nós cremos e confessamos que Deus ordenou poder e autoridade, e os deu para que punissem o mal, e protegessem os bons, e para que governassem o mundo e conservassem nações e cidades, com seus súditos, em boa ordem; e para que nós, portanto, não desprezemos, insultemos ou resistamos a eles, mas os reconheçamos e honremos como ministros de Deus, e sejamos sujeitos e obedientes a eles, prontos para todas as boas obras, especialmente naquilo que não for contrário à lei, à vontade, e ao mandamento de Deus; e que paguemos fielmente os tributos e taxas, e paguemos a eles o que lhes é devido, como o Filho de Deus ensinou e pregou, e ordenou que seus discípulos também fizessem; para que, além disto, oremos com maior constância e fervor ao Senhor por eles, e pelo seu bem estar, e para a prosperidade da nação, para que possamos habitar sob a sua proteção, ganhar nosso sustento, e levar uma vida tranqüila e pacífica, com toda santidade e honestidade; e, além disto, para que o Senhor os recompense, aqui e mais tarde, na eternidade, por todos os benefícios, liberdade e favorecimento de que desfrutamos aqui sob a sua louvável administração (XII).
FO N TES
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A RELAÇÃO ENTRE A IGREJA E O ESTADO
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AS ÚLTIMAS COISAS (ESCATOLOGIA)
C A P Í T U L O
S E T E
O ESTADO INTERMEDIÁRIO E A RESSURREIÇÃO
ntes de tratarm os da ressurreição da hum anidade, devem os considerar o estado entre a m o rte e a ressurreição, que se to rn o u u m cam po de batalha teológico. Em u m pólo, tem os u m a visão cham ada preterism o e x trem o 1, que afirm a que não existe tal estado, e que a ressurreição ocorre im ed iatam ente depois da m o rte. D o ou tro lado do espectro, estão os proponentes do “sono da alm a”, que afirm am que os m o rtos não estão conscientes entre a m o rte e a ressurreição. Neste capítulo, nós irem os exam inar — biblicam ente, teologicam ente e historicam en te — a perspectiva tradicional2 de um a alm a consciente, tem p orariam en te separada de seu corpo, esperando reun ir-se a ele na ressurreição, quando C risto v o ltar3.
A B A S E B ÍB L IC A P A R A A S O B R E V IV Ê N C IA C O N S C IE N T E D A ALM A N O E S T A D O IN T E R M E D IÁ R IO U m a vez que a m o rte é o início da vida depois da m o rte, nós devem os, antes de mais nada, investigar o que a Bíblia ensina a respeito da natu reza da m o rte. Isto, é claro, depende da natu reza do relacion am ento entre a alm a e o corpo, de que já tratam os; nós d em onstram os, an teriorm ente, que a alm a é distinta e separável do corp o4. A N a tu re z a da M o rte A Bíblia descreve a m o rte com o o m o m en to em que a alm a deixa o corpo. Por exem plo, Gênesis 35.18 fala, a respeito de R aquel, que “saiu-se-lhe a alm a (porque m o rre u )”. D a m esm a m aneira, Tiago ensina: “o corpo sem o espírito está m o rto ” (2.26). U m a vez que a alm a é o princípio da vida que anim a o corp o3, resulta que, quando a alm a deixa o corpo, o corpo m orre. 1 O p re te ris m o p le n o é, n a realidad e, u m p ara d ig m a e sc a to ló g ic o (re la c io n a d o c o m algo m ais d o q u e sim p le sm e n te a re ssu rreiç ã o ) baseado n a idéia de q u e todas as profecias do N ov o T e s ta m e n to já se c u m p r ira m , in c lu in d o aquelas sobre a re ssu rreição dos cre n te s e a segu n d a vin da de C risto . Os p rete rista s parciais s u s te n ta m que as p red içõ es a resp eito da T rib u la ç ã o já se c u m p r ira m , m a s n ã o aquelas a resp eito da re ssu rreiçã o e da S eg u n d a V ind a. A p alavra preterismo significa “passad o” (v e ja c a p ítu lo 16).
2 C h a m a d a de “so b rev iv ên cia da a lm a ”.
3 E x iste m duas fases d istin tas n e sta re ssu rreiçã o
(a p rim eira e a segu n d a — v e ja abaixo, sob “A Base B íb lica para a R e ssu rreiçã o d o C o rp o H u m a n o ”). c a p ítu lo 2.
5 Ibid.
4 V eja V o lu m e 3,
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O Estado entre a Morte e a Ressurreição Inúm eras passagens bíblicas ensinam que a alm a sobrevive à m o rte em u m a condição desligada do corpo. Entre elas, estão as seguintes. Gênesis 25.8 O S e n h o r disse a A b rã o 6 q u e e le se ria “congregado ao seu povo”7. Ele foi sepultado em u m a cova específica — “velho e farto de dias”. A expressão em itálico significa mais do que sim plesm ente “ir para a sep ultura”: (1) O corpo reto rn a ao pó — a alm a é “congregada” às pessoas queridas desta que faleceram 8. (2) Deus disse que ele iria a u m lugar de “paz”. (3) Jesus ch am o u de “seio de A braão” (Lc 16.22) o lugar para onde ele foi, u m lugar de alegria consciente. (4) “Congregado” im plica em u m a reunião de espíritos, não m eram en te um a desintegração do corpo (co m o seria o caso co m som en te “ir à sep u ltu ra”). (5) Isto tam bém aconteceu no m o m en to da m o rte de Jacó; Jacó ainda estava na cam a naquela ocasião, de m odo que as palavras de Gênesis 49.33 não poderiam referirse ao sep ultam en to do seu corpo: “Acabando, pois, Jacó de dar m andam entos a seus filhos, en colh eu os seus pés n a cam a, e expirou, e foi congregado ao seu povo”9. Gênesis 35.18 “E aconteceu que, saindo-se-lhe a alma (porque morreu), [Raquel] cham ou o seu nom e B enoni; m as seu pai o cham ou B en ja m im ”. A sugestão é de que a sua alm a estava partindo para algum ou tro lugar; de o u tra m aneira, a narrativa teria dito que a sua alm a estava m orrend o, ou sendo destruída. N ovam ente, o ato de a alm a deixar o corpo é cham ado de morte. Este m o m en to de m o rte real deve ser distinguido da m o rte legal (ou clinica), que é determ inada pelos índices do fu ncionam ento orgânico. U m a pessoa pode ou não estar realm ente m o rta na ausência de índices consideráveis. As assim cham adas “experiências de q u a se-m o rte” (e m inglês, “n ear-d eath experien ces” [NDEs]) — em que a alm a su p o stam en te deixa o corp o, te m u m aparente en co n tro co m o ou tro m u n d o, e então re to rn a ao seu corp o aqui — não são verdadeiras experiências de m o rte . Q uando a alm a rea lm en te deixa o corp o, a pessoa está m o rta , e se a sua alm a reto rn a , a pessoa ressuscita. M uitas pessoas que afirm am te r tido tais experiências e n co n tra ra m exem plos e en sin am en to s con trários às E scrituras, e D eus não realizaria (n a realidade, não poderia realizar10) u m m ila g r e ( p o r e x e m p lo , u m a r e s s u r r e iç ã o ) q u e c o n fir m a s s e q u a lq u e r c o is a c o n t r á r ia à su a P alav ra. C o n s e q ü e n te m e n te , c o n c lu ím o s q u e tais e x p e riê n c ia s são p u r a m e n te p s ic o ló g ic a s o u d e m o n ía c a s 11. 6 A brão ainda n ã o e ra ch am ad o de “A b ra ã o ”; v e ja G ên esis 17.
7 Cf. G ên esis 25.17; 35.29; 49.29,33.
* S a lm o s 104.29;
E clesiastes 12.7; cf. G ênesis 3.19; Jó 10.9; S a lm o s 90.3; 103.14; E clesiastes 3.20. V e ja ta m b é m V o lu m e 3, c a p ítu lo 2. fo i re u n id o aos seus pais, A braão e Isaqu e, n o a p o sen to on d e m o r re u .
Iü V eja V o lu m e 2, ca p ítu lo s 2 e 7.
Abanes, Joumey Into the Light: Exploring Near-Death Experiences (G rand Rapids: Baker, 1996).
9 Ja có n ã o
11Veja Richard
O ESTADO INTERMEDIÁRIO E A REí í
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«5
J ó 19.25,26 Jó disse: “Eu sei que o m eu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consum ida a m in ha pele, ainda em minha carne verei a Deus”. Em bora este texto se refira à ressurreição corpórea (física), tam bém abrange a im ortalidade depois da m orte. Não há indicação da não-existência ou inconsciência da alm a entre a m o rte e a ressurreição, som ente a certeza de que Jó viverá eternam ente, por causa do seu Redentor. Salmos 16.10,11 “Não deixarás a m in h a alm a n o in fern o, n em perm itirás que o teu S an to veja co rru p ção . F ar-m e-ás ver a vereda da vida; na tua presença há abundância de alegrias; à tua mão direita há delícias perpetuamente”. Aqui Davi fala de u m a alegria con scien te na presen ça de D eus depois da m o rte ; no en ta n to , a ressu rreição de C risto, que ele antevê ( “S a n to ”, cf. A t 2.26,27), não o co rre u d uran te o u tro m ilên io. Na realidade, a ressu rreição final é descrita, em outras passagens, co m o tend o lugar nos ú ltim os dias (Jo 11.24; cf. D n 12.2). Em conform id ad e c o m isto, a alm a deve estar em felicidade co n scien te antes de reu n ir-se co m o corp o, pois ela deverá ter felicidade “e te rn a ” n a presen ça de D eus depois da m o rte. Eclesiastes 3.21 Salom ão escreveu: “Q uem adverte que o fôlego dos filhos dos hom ens sobe para cim a e que o fôlego dos animais desce para baixo da terra?”. A im plicação é de que, enquanto o espírito de u m anim al perece com o seu corpo, o espírito hu m ano sobrevive à m o rte (v e ja E c 12.5-7, em seguida)12. Eclesiastes 12.5-7 “ 0 homem se vai à sua eterna casa, e os pranteadores andarão rodeando pela praça; [lem brese dEle] antes que [...] o pó volte à terra, co m o o era, e o espírito volte a Deus, que o deu”li. Aqui, novam ente, o espírito existe depois da m o rte, na presença de Deus, e vive com Ele para sem pre; som ente o corpo reto rn a à terra da qual veio (G n 2.7; cf. SI 104.29). Mateus 17.3 “E eis que lhes apareceram [a Pedro, Tiago e João] Moisés e Eli&s, falando co m ele [Jesus]”. O cenário aqui é o M onte da Transfiguração, onde Moisés e Elias, cu jos corpos estavam m o rtos havia séculos, apareceram e estavam falando; eles estavam em um a fo rm a espiritual, desencarnada, e consciente. Mateus 22.31,32 “E, acerca da ressurreição dos m ortos, não tendes lido o que Deus vos declarou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos”. U m a vez que Abraão ainda não tinha ressuscitado, mas foi m encionado com o “vivo”, Jesus deve estar querendo dizer que a sua alma está viva, entre a m orte e a ressurreição.
12VejaVolume 3, capítulo 2 13 Ibid.
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Lucas 16.22,23 “O m endigo m o rreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e m o rreu tam bém o rico e foi sepultado. E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio”. Esta passagem retrata não som ente a felicidade consciente das almas salvas e desencarnadas, m as tam bém o lam en to consciente das não-salvas14. Observe que os nom es verdadeiros (co m o Lázaro) jam ais são usados em parábolas, e as parábolas são norm alm en te introduzidas, co m o tais, por n om e (por exem plo, cf. M t 13.3). Lucas 23.43 “E disse-lhe [ao salteador arrependido] Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso”. O corpo do h o m em estava n a sepultura, m ais tarde, naquele m esm o dia, mas a sua alm a estava com Cristo no paraíso, que Paulo descreveu (em 2 Co 12.1-4) com o u m lugar de felicidade surpreendente, indescritível e inexprim ível —o “terceiro céu ”, na presença do próprio Deus. Não existe justificativa para o fato de que a tradução equivocada da versão das Testemunhas de Jeová seja “Em verdade te digo hoje, que estarás comigo no Paraíso [depois da ressurreição]”15. Praticamente todas as traduções aceitáveis rejeitam esta interpretação, e por bons motivos: (1) Faz mais sentido que a promessa de Jesus se cumprisse naquele mesmo dia, e não em um futuro distante. (2) A palavra “hoje” (gr. semeron) é usada onze vezes no Evangelho de Lucas e nove vezes no livro de Atos, significando o cumprimento do plano de Deus no presente16. (3) O cumprimento no mesmo dia combina com outra frase que Jesus proferiu sobre a cruz — “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” —, que implica em uma felicidade consciente com o Pai. (4) O cumprimento no mesmo dia é coerente com a referência que Jesus faz a um estado intermediário imediatamente após a morte, em Lucas 16.22-24. Lucas 23.46 “Clam ando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isso, expirou”. N ovam ente, as palavras de Jesus não som ente deixam claro que Ele estava consciente entre a m o rte e a ressurreição, mas tam bém que estaria co m o Pai no céu (cf. 24.44; 2 Co 12.2,4). João 19.30 “Jesus [...] disse: Está consum ado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito”. Aqui, novam ente, Jesus entregou seu espírito do Pai, dando a entender que conscien tem ente estaria com Ele. Esta afirm ação tam b ém é respaldada pelas palavras que Ele disse, que estaria co m o Pai quando m orresse (cf. 14.12). Atos 7.56,59 [Estevão] disse: "Eis que vejo os céus abertos e o Filho do H om em , que está em pé à m ão direita de Deus [...]" E apedrejaram a Estêvão, que em invocação dizia: "Sen h o r HCf. Apocalipse 19.20; veja capítulo 9.
15 New World Translation o f the Holy Scriptures.
16Lucas 2.11; 4.21; 5.26; Atos 1.6; 3.18.
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Jesus, recebe o meu e s p ir it o Isto m o stra que o espírito (1) é separado do corpo. 2) sobrevive à m o rte, e (3) estará co m o Senhor. Observe que, no momento da morte de Estéxão, o Sen h or estava no céu para receber o seu espírito. 1 Corintios 5.5 “[Que esta pessoa] seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espirito seja salvo n o Dia do S en h o r Jesus”. Aqui, d iferentem ente da carne, Paulo fala do espírito h u m an o, que sobrevive à m o rte e pode ser “salvo”, ensinando, o u tra vez, que os seres hum anos podem sobreviver em um estado desencarnado. 2 Corintios 5.1-3,8 Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, um a casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E, por isso, tam bém gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu; se, todavia, estando vestidos, não formos achados nus [...] Mas temos confiança e desejamos, antes, deixar este corpo, para habitar com o Senhor. Apesar das perguntas sobre se a “habitação” que é do céu (o corpo celestial) é uma referência ao corpo intermediário ou ao corpo da ressurreição17, pelo menos três fatos são evidentes: (1) Existe alguma coisa espiritual (imaterial) que sobrevive à m orte18. (2) Para os crentes, esta alguma coisa espiritual (espírito/alma) sobrevive conscientemente em um lugar de felicidade (“com o Senhor”). (3) Até que receba outro corpo, o espírito/alma está, de alguma maneira, “nu” ou incompleto (v. 3). Filipenses 1.21 “O viver é Cristo, e o morrer éganho”. Não existe sentido razoável em que a m o rte possa ser ganho, se a pessoa é aniquilada (desligada da existência) ou separada da consciência no m o m en to da m orte; n a aniquilação, a m o rte significa perda—não som ente a perda da vida, mas tam bém a perda da existência19. E u m engano suprem o afirm ar que nada é m elh or do que algum a coisa. Nada é nada, então não pode ser m elh or do que algum a coisa. Filipenses 1.23,24 “Mas de ambos os lados [vida e m orte] estou em aperto, tendo desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda m u ito m elh or. Mas ju lg o mais necessário, por am o r de v ó s, ficar na carne”. Esta passagem deixa pouca dúvida de que Paulo ensinou que o h om em espiritual, separado da sua “carn e”, irá sobreviver à m o rte e “estará com C risto” em um estado consciente. A lém disto, a inconsciência en tre a m o rte e a ressurreição dificilm ente pode ser descrita com o um a condição “m u ito m e lh o r”; a não-existência é u m estado de nada, de vazio20. 17V eja abaixo, sob “A Base B íblica para a Ressurreição do C o rp o H u m a n o ”.
ISVeja V o lu m e 3, capítulos 1-2.
19Os proponentes
d o sono da alm a susten tam que a alm a está e m u m lim bo, e n tre a m o rte e a ressurreição; eles n ão d efendem , necessariam ente, a teoria da aniquilação (v eja capítulo 11, e tam b ém V olu m e 3, capítu lo 11), que é u m a cren ça de que aqueles q ue re je ita m a Deus serão aniquilados depois de sua m o rte (ao invés de sofrerem a separação e tern a dEle).
20 V eja acim a, sob “Filipen ses 1.21”.
688 ü> TEOLOGIA SISTEMÁTICA Hebreus 12.22,23 Chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial [...] à universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados. Esta referência é, sem dúvida, ao céu, e a u m p on to antes da ressurreição final; os espíritos hu m anos ju stos estão ali em u m a condição perfeita enquanto seus corpos, obviam ente, ainda estão na sepultura. Apocalipse 6.9,10
E, havendo [o Cordeiro] aberto o quinto selo, [eu, João] vi debaixo do altar as almas dos queforam mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho que deram. E clamavam com grande voz, dizendo: Até quando, ó verdadeiro e santo Dominador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? João cham a estes m ártires desencarnados, cu jos corpos ficam na terra, de “alm as” no céu. Na sua visão, elas não som ente estavam conscientes, mas orando e interessadas no plano de Deus sobre a terra. Fica claro, novam ente, que a alm a (im aterial) conscientem ente sobrevive à m o rte desligada do corpo (m aterial), com que espera reunir-se n a ressurreição. Apocalipse 19.20 “E a besta foi presa e, com ela, o falso profeta, que, diante dela, fizera os sinais [...] Estes dois foram lançados vivos no ardente lago de fogo e de enxofre”. M il anos depois, eles ainda estavam conscientes, pois “o diabo, que os enganava, foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre” (20.10)21. N a visão de Jo ã o , eles a in d a e sta v a m c o n s c ie n te s , e c o n tin u a rã o c o n s c ie n te s e te r n a m e n te ; as pessoas q u e n ã o e stã o c o n s c ie n te s n ã o p o d e m ser a to rm e n ta d a s. Apocalipse 20A João disse: “E vi [no céu] as almas daqueles que foram degolados pelo testem u n h o de Jesus e pela palavra de D eu s”. Este é, provavelm ente, o m esm o grupo m encionado em Apocalipse 6.9; aqui tam bém estão em um a condição consciente, celestial e desencarnada.
Comentários Conclusivos A Bíblia ensina que, entre a m o rte e a ressurreição, a alma/o espírito hu m ano sobrevive conscientem ente, separadam ente do seu corpo. Não se trata de u m estado de aniquilação n em de u m estado de “son o” inconsciente22; trata-se de u m estado de felicidade consciente para os salvos23 e angústia consciente para os perdidos24.
21 Veja capítulos 15-16.
22Veja acima.
23Veja capítulo 8.
24Veja capítulo 9.
O ESTADO INTERMEDIÁRIO E A RESSURREIÇÃO
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A C O N D IÇ Ã O D O S S A N T O S D O A N T IG O T E S T A M E N T O A N T E S D E C R IS T O
Alguns estudiosos da Bíblia acreditam que os santos do Antigo Testam ento ::>ram para u m com p artim en to do sheol, o lugar dos espíritos que partiram . para e ; r t : i r pela m o rte e ressurreição de Cristo, e que então foram levados para o céu com E^e na sua ascensão. Diversos argum entos são oferecidos para sustentar esta perspectiva. Primeiro, eles apontam para as palavras de Jesus em Lucas 16, sobre u m a grande parede ou um grande abismo posto en tre o céu e o inferno (v. 26). Segundo, Efésios 4 declara que, depois da sua ressurreição, estas almas foram para o céu (v. 8). U m a vez que Ele é “as prim ícias” da ressurreição (1 C o 15.23), eles não poderiam entrar no céu antes que Ele entrasse. Terceiro, eles observam que 1 Pedro 3.19 fala de Cristo pregando aos “espíritos em prisão” após a sua m orte. Desta maneira, afirma-se que, em bora os santos do Antigo Testam ento estivessem conscientes entre a m orte e a ressurreição, ainda não estavam no céu: Eles estavam em u m estado de existência consciente no sheol, um lugar de espera, até que Cristo term inasse a sua obra redentora e os levasse consigo ao céu, depois da sua ressurreição. Esta opinião se tornou popular por m eio da nota da Scojield Reference Bihle sobre Lucas 16. No entanto, parece ser m elh o r concordar com outros que afirm am que os santos do Antigo Testam ento foram d iretam ente áo céu, entre a m o rte e a ressurreição. Esta opinião en con tra suporte em m uitas passagens. Primeiro, em Lucas 16, Jesus não estava falando de um a “parede” entre duas seções do sheol (hades). O “grande abismo” estava entre o céu e o inferno. Som ente o hom em não-salvo nesta história foi para o Hades; o hom em salvo (Lázaro) estava no “seio de Abraão” (no céu). Segundo, Efésios 4 não fala de levar os santos do A ntigo Testam ento ao céu, mas de levar as forças do m al cativas, em virtude da m o rte de Cristo e sua ressurreição. Não existe u m a m aneira pela qual a expressão “levar cativo o cativeiro” possa se referir à libertação do pecado que todos os santos experim entarão no céu. O antecedente desta passagem é o Salm o 68, que se refere a Davi derrotando inim igos, levando-os cativos, e distribuindo o despojo da batalha aos vitoriosos. Terceiro, 1 Pedro 3.19 trata de C risto anunciando a vitória da sua m o rte e ressurreição ao m u nd o espiritual caído que foi derrotado pelos seus atos. Não há referência a tirar os espíritos salvos de u m com p artim ento no Hades e levá-los ao céu. Quarto, o ensinam ento uniform e das Escrituras é de que os santos do Antigo Testam ento foram d iretam ente para o céu, com o espíritos, e esperam a ressurreição de seus corpos, quando C risto retornar. Ele foi o prim eiro a ir para o céu em u m corpo (1 Co 15.22), mas Ele não é o prim eiro espírito que foi para lá após o falecim ento do corp o25. 25 Q uando Jesus disse: “N inguém subiu ao c é u ” (Jo 3.13), Ele quis dizer, “co rp o ra lm e n te ”, u m a vez que E le é as “prim ícias” da ressurreição (1 C o 15.23), isto é, o p rim eiro a e n tra r n o céu e m u m corp o. A m esm a coisa é válida a respeito da sua declaração a M aria, depois da R essurreição: “Ainda n ão subi p ara m e u Pai” (Jo 20.17). O seu Espírito foi para lá, e n tre a m o r te e a ressurreição (Lc 23.43; Jo 19.30), m as o seu corpo ainda n ã o tin h a subido (cf. A t 1.9-11). O espírito de E n oq u e partiu para estar c o m D eus (G n 5.24; Hb 11.5), Elias foi levado “ao cé u ” (2 R s 2.1) quando deixou este m u n d o , e tan to M oisés c o m o Elias ap areceram do céu, e n tre a m o rte e a ressurreição, e m seus espíritos n o m o n te da Transfiguração (M t 17). A ntes da sua ressurreição, Jesus disse ao salteador n a cruz: “H oje estarás co m igo n o Paraíso” (Lc 23.43), q ue é identificado p or Paulo c o m o o “terceiro c é u ” (2 C o 12.2-4). N a verdade, o p róprio S en h o r Jesus p artiu p ara estar c o m o Pai (Lc 23.46; cf. Jo 19.30).
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Quinto, outras passagens do A ntigo Testam ento (m encionadas acim a) sustentam esta m esm a opinião (p articu larm ente, Ec 3.21; 12.5-7). Sexto, e finalm ente, apesar da inserção posterior, no Credo dos Apóstolos, de que Jesus desceu “ao in fern o ”, não ser encontrada no original Credo dos A póstolos (veja B etten so n , DCC, capítulo 2), m esm o quando ela aparece não existe a declaração de que Jesus foi para lá para levar os santos do A ntigo Testam ento ao céu. Em resum o, não existe evidência bíblica, n em fora da Bíblia, de que os espíritos dos santos do A ntigo T estam ento, depois da m o rte, tivessem ido a qualquer ou tro lugar, exceto o céu, en tre a m o rte e a ressurreição. Ali, com os santos do Novo Testam ento (Hb 12.23), esperam a ressurreição de seus corpos (1 Ts 4.13-17).
A B A S E T E O L Ó G IC A P A R A A S O B R E V IV Ê N C IA C O N S C IE N T E D A A L M A N O E S T A D O IN T E R M E D IÁ R IO Várias doutrinas form am a base para a sobrevivência da alma. Enquanto algumas dizem respeito à natureza dos seres hum anos, outras se referem à natureza de Deus; a sobrevivência da alm a (no estado interm ediário, entre a m orte e a ressurreição) era um a condição, ao m esm o tem po, necessária e suficiente26 n a natureza27 e na vontade^de Deus. A S o b r e v iv ê n c ia d a A l m a E s tá E n r a iz a d a n a O n i p o t ê n c i a d e D e u s D eus é o Todo Poderoso29, e, co m o tal, Ele pode fazer tanto as coisas possíveis quanto as impossíveis. Não é im possível que alguém que possa criar u m a alm a tam bém possa sustentar a sua existência depois da m o rte, pois Deus não é som ente a origem de tudo o que existe30, mas Ele tam bém é o sustentador de tudo e de todos31. Assim, a condição necessária para a sobrevivência consciente da alm a se en con tra na onipotência de Deus. A S o b r e v iv ê n c ia d a A l m a E s tá E n r a iz a d a n a O n i b e n e v o l ê n c ia d e D e u s No entanto, o fato de que Deus pode fazer a alm a sobreviver não quer dizer que Ele o fará —é necessário que exista um a causa suficiente para que Ele o faça. Isto está enraizado na sua boa vontade; isto é, com base na sua infinita bondade32, Deus deseja (se propõe a) conservar a alm a viva depois da m o rte. As misericórdias do S en hor são a causa de não serm os consum idos (Lm 3.22), e é pela sua vontade que “todas as coisas subsistem ” (C l 1.17). No céu, as almas atu alm ente desencarnadas cantam ao redor do trono: “Tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas” (Ap 4.11; cf. At 17.28). Em resum o, a alm a irá sobreviver conscien tem ente à m o rte porque D eus pode sustentá-la e tam b ém deseja fazê-lo. Sem estas duas raízes n a natu reza de D eus — a onipotência e a onibenevolência —não haveria a sobrevivência consciente da alma. A S o b r e v iv ê n c ia d a A l m a E s tá E n r a iz a d a n a Im a g e m d e D e u s Existe tam bém u m a razão antropológica para a sobrevivência da alm a: os seres hum anos foram criados à im agem de Deus (G n 1.27). U m a vez que nós fom os criados 26VejaVolume 1, capítulo 2.
27VejaVolume 2, capítulo 1.
capítulo 19. 31 Ibid., capítulo 20.
32 Ibid., capítulo 15.
28VejaVolume 3, capítulo 7.
29Veja Volume 2, capítulo 7.
30 Ibid-,
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p o r D eus14 e criados à sem elhança de D eus34, se Deus aniquilasse a sua im agem , isto seria u m ato de D eus con tra Deus, u m ataque de Deus sobre os seus próprios reflexos. Considerando que D eus decidiu livrem ente criar as criaturas à sua im agem 35, é conseq ü entem en te razoável que Ele deseje preservá-las.
R E S P O S T A S À S O B JE Ç Õ E S C O N T R A A S O B R E V IV Ê N C IA C O N S C IE N T E M uitos argum entos foram apresentados con tra o ensinam ento bíblico de que a alm a existe em um estado consciente, entre a m o rte e a ressurreição. O b je ç ã o U m : B a sea d a n a s D e s c r iç õ e s B íb lic a s da M o rte c o m o u m “S o n o ” Jesus disse: “Lázaro, o nosso amigo, dorme; mas vou despertá-lo do sono” (Jo 11.11). Paulo usou a m esm a palavra para referir-se aos entes queridos falecidos: “Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: Nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que d orm em ” (1 Ts 4.15). “D orm ir” não implica um estado de inconsciência? R e s p o s ta à O b je ç ã o U m Esta opinião deve ser rejeitada por vários m otivos. Primeiro, co m o dem onstrado an teriorm en te36, a a lm a p e r m a n e c e c o n s c ie n te d ep ois da m o r te . Segundo, som en te o corpo m o rre 37, p o rtan to som ente o corpo pode ressuscitar. Jesus referiu-se à ressurreição do corpo co m o o despertar de u m sono (Jo 5.28,29; cf. 11.11,14). Terceiro, considerando o que Jesus disse, “d o rm ir” e “estar m o rto ” significavam a m esm a coisa (cf. Jo 11.11,14); o corpo está m o rto , mas a alm a, não. Quarto, “d orm ir” é u m a figura de linguagem apropriada sobre a m o rte, u m a vez que ambas têm a m esm a postura; ambas são tem porárias, e ambas são seguidas por um despertar e u m levantar-se novam ente. P ortanto, estes textos n ão respaldam o conceito de que a alm a perde a consciência n a m orte. O b je ç ã o D o is: B a sea d a n a A n a lo g ia c o m A n im a is Form as superiores de animais têm almas, u m a vez que a m esm a palavra hebraica para alma (nephesh) é usada a respeito de animais, assim com o a palavra espírito (ruah; cf. Ec 3.21)38. Se as almas dos animais não sobrevivem à m o rte, por que não deveríam os supor que a m esm a coisa é verdadeira com os seres hum anos? R e s p o s ta à O b je ç ã o D o is Existem diferenças significativas entre as almas hum anas e as dos animais. Primeiro, os seres hum anos foram criados à im agem de Deus (G n 1.27), e dom inam sobre os animais (v. 28).
33Ibid., capítulo 19. '^VejaVolume 3, capítulo 1. 35Ibid., capítulo 3. 36Veja sob “O Estado entre a M orte e a Ressurreição”. 37Veja Volum e 3, capítulo 1.
38 Ibid., capítulo 2.
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Segundo, os seres hu m anos ressuscitarão39, ao passo que não existe evidência de que isto acontecerá co m os animais. Tercem, a Bíblia afirm a claram ente que a alm a hu m an a está consciente depois da m o rte 40, mas a alm a do anim al não está (veja Ec 3.21). A luz destas substanciais discrepâncias, a analogia não resiste. O b je ç ã o T r ê s : B a s e a d a e m 2 C o r i n t i o s 5.1 “Sabem os que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, tem os de Deus um edifício, u m a casa não feita por m ãos, eterna, nos céus”. Nesta passagem, Paulo parece estar dizendo que u m a pessoa recebe o seu corpo ressu rrecto im ed iatam ente depois da m o rte. Se isto fo r verdade, então não haveria estado interm ediário envolvendo um a alm a consciente e desencarnada. Esta afirm ação de Paulo não dá n en h u m a indicação da existência de qualquer intervalo entre a m o rte e a recepção deste corpo p erm anente, o corpo da ressurreição. R e s p o s ta à O b je ç ã o T r ê s E x iste m p elo m e n o s duas o u tra s possíveis in te rp re ta ç õ e s d esta passagem que n ã o n eg am u m estad o in te rm e d iá rio d ese n ca rn ad o . A in te rp re ta ç ã o de u m co rp o tra n s itó r io é su ste n ta d a p o r aq u eles que aleg am que u m c o rp o esp iritu al in te rm e d iá rio é fo rn e cid o n a m o rte ; c o m isto , a a lm a ja m a is d e se n c a rn a (p o r e x e m p lo , v e ja C h a fer, ST, 2.50 6 -07 ). O u tro s o p in a m que P aulo n ã o afirm a c a te g o ric a m e n te que o c o rp o é rece b id o n o in s ta n te da m o r te , m as s im p le sm e n te a n te cip a o estad o da re ssu rre içã o fin a l. E sta ú ltim a in te rp re ta ç ã o se en ca ix a m e lh o r n a d ecla ra çã o de P aulo a resp eito do c o rp o da re ssu rre iç ã o fin a l em 1 C o rin tio s 15.42-4441. Esta in te rp re ta çã o de u m co rp o tra n sitó rio e n tra em c o n flito c o m as o u tras referên cias das E scritu ras a u m estado d esen carn ad o e n tre a m o rte e a ressu rreição . A ssim , em 2 C o rin tio s 5.1, em lu g ar de dar a e n te n d e r que a alm a está in co n scien te ou que recebe u m co rp o in te rm e d iá rio , Paulo p ro v a v elm en te está en sin an d o que, depois da m o rte , vem a an tecip ação fin al do co rp o re ssu rre cto p e rm a n e n te . Isto ta m b é m se en caix a n a sua afirm ação a n te rio r: “isto que é m o rta l se revista da im o rta lid a d e ” (v. 53). O b je ç ã o Q u a t r o : B a s e a d a n a V is ã o H i l o m ó r f i c a d e A l m a / C o r p o Nós afirm am os anteriorm ente42 que o h o m em é u m a unidade hilom órfica (lit. “form a/m atéria”) de alm a e corpo; co m o tal, a conseqüência parece ser que u m a alm a não pode sobreviver sem u m corpo. Se a encarnação é u m veículo necessário para a alma, com o poderia ela sobreviver sozinha?
39V e ja ab aixo, sob “A R e ssu rreiçã o do C o rp o ” . 40V e ja abaixo, sob “A Base B íb lica p a ra a S o b rev iv ên cia C o n s c ie n te da A lm a n o Estado In te rm e d iá rio ” .
41 “A ssim ta m b é m a re ssu rreiçã o dos m o r to s . S em eia -se o c o rp o e m c o rru p ç ã o , ressu scitará
e m in c o rru p ç ã o . S em eia -se e m ig n o m ín ia , ressu scitará e m g ló ria . S em eia -se e m fraq u eza, re ssu scita rá c o m v igor. S em eia se co rp o an im al, .ressu scitará c o rp o esp iritu al. S e h á co rp o a n im a l, h á ta m b é m co rp o e sp iritu a l”. ca p ítu lo 2.
42 V eja V o lu m e 3,
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R e s p o s ta à O b je ç ã o Q u a tr o Se a alm a e o corpo fossem idênticos, então u m não poderia sobreviver sem o outro. No entanto , o corpo e a alma são uma unidade, não u m a identidade; este é u m dos principais problem as com o m o n ism o antropológico43. A alm a é para o corpo o que o pensam ento (im aterial) é para as palavras escritas no papel (m aterial) — o pensam ento, expresso por m eio de palavras, perm an ece m esm o quando o papel já não existe. A Bíblia ensina que a alm a sobrevive quando o corpo m o rre44. Sim, a alm a é incom pleta sem o corpo, e ela espera a ressurreição, quando será com pleta outra vez (2 Co 5.1); mas a sobrevivência, com o um a alm a nua, não é impossível. Deus e os anjos são puro espírito (Jo 4.24; Hb 1.14), eles existem sem um corpo. Além disto, entre a sua m orte e a sua ressurreição, Cristo existiu sem o seu corpo. Conseqüentem ente, a objeção fracassa. O b je ç ã o C in c o : B a sea d a n o s A r g u m e n to s a fa v o r d o M o n is m o A n tr o p o ló g ic o Os argumentos básicos das Escrituras a favor do m onism o antropológico (u m a identidade corpo/alma) se originam da natureza dos seres hum anos e de um a suposta unicidade de corpo e alma. O argum ento é de que os seres hum anos têm um a única natureza — um a natureza hum ana (cf. At 17.26) —e que esta natureza é compartilhada igualmente por todos os seres humanos. Portanto, alma e corpo devem ser um a única natureza, e não duas naturezas. R e s p o s ta à O b je ç ã o C in c o Estes dados podem ser interpretados de ou tra m aneira, a saber, co m o hilom orfism o, um a unidade forma/matéria, em lugar de u m a identidade. Por exem plo, existe um a unidade entre u m padrão e u m a veste, mas os dois não são idênticos, e o prim eiro sobrevive, enquanto a veste perece. A lém disto, é verdade que nós tem os u m a única natureza, mas ela tem duas dim ensões, com o foi dem onstrado acim a. As duas não podem ser idênticas, porque um a delas é m aterial e a ou tra é im aterial; u m a delas é perecível e a o u tra não perecerá. A B A S E H IS T Ó R IC A P A R A A S O B R E V IV Ê N C IA C O N S C IE N T E D A ALM A N O E S T A D O IN T E R M E D IÁ R IO O s P rim e iro s Pais U m a vez que o foco suprem o dos Pais estava no estado com p leto da ressurreição de Cristo, eles falaram m enos sobre o estado interm ediário. Apesar disto, eles estavam certos de que este é u m estado de existência consciente em u m a alm a desencarnada. Irineu (c. 125-c. 202) O corpo morre e é decomposto, mas não a alma, ou o espírito. Pois morrer é perder força vital, e tornar-se, conseqüentemente, sem fôlego, inanimado e sem movimentos, e decompor-se naqueles componentes dos quais também se originou a sua existência. Mas este evento não acontece com a alma, pois ela é o sopro da vida; nem com o espírito, pois 43 Ibid.
** Veja acima, sob “A Base Bíblica para a Sobrevivência Consciente da Alm a no Estado Interm ediário”.
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o espírito é simples e não composto, de modo que não pode ser decomposto, e ele é a vida daqueles que o recebem (AH, 5.7.1). Como o Senhor “se afastou no meio da sombra da morte”, onde estavam as almas dos mortos, e, contudo, posteriormente, Ele ressuscitou no corpo, e depois da ressurreição foi levado ao céu, fica claro que as almas dos seus discípulos também [...] entrarão no lugar invisível que lhes foi destinado por Deus, e ali permanecerão até a ressurreição, esperando por ela; então, recebendo os seus corpos, e ressuscitando em sua totalidade, isto é, de modo corpóreo, assim como o Senhor ressuscitou, eles assim irão à presença de Deus (ibid., 5.31.2). Clemente de Roma (c. século I d. C.) É melhor que um homem reconheça as suas transgressões do que endurecer o seu coração, como se endureceram os corações daqueles que incitaram a sedição contra Moisés, o servo de Deus, e cuja condenação foi tornada manifesta [a todos]. Pois eles desceram vivos até o Hades, e a morte os engoliu (FECC, 51). Inácio (falecido c. 110) Atraiam os animais selvagens, para que possam se tornar a minha sepultura, e não deixem nada do meu corpo; de modo que, quando eu dormir [na morte], eu não seja considerado um problema para ninguém. Então, serei um verdadeiro discípulo de Jesus Cristo, quando o mundo já não vir o meu corpo (EIR, 4). fustino Mártir (c. 100-c. 165) Uma vez que a sensação continua para todos os que já viveram, e a punição eterna está armazenada (isto é, para os ímpios), tome cuidado para não negligenciar ser convencido, e agarre-se à sua fé de que estas coisas são verdadeiras (FA, 18). Os ímpios, nos mesmos corpos, se unirão outra vez com seus espíritos que agora deverão enfrentar a eterna punição; e não somente, como disse Platão, por um período de mil anos (ibid., 8). Atenágoras (final do século II) Nós somos persuadidos de que, quando deixarmos esta vida, teremos outra vida, melhor do que esta, e celestial, não terrena (uma vez que habitaremos perto de Deus, e com Deus, livres de todas as alterações ou sofrimentos na alma, não como carne, ainda que tenhamos carne, mas como espíritos celestiais); não cairemos com os demais, numa vida pior e no fogo; pois Deus não nos fez como ovelhas ou como animais de carga, uma mera obra secundária. Jamais pereceremos, nem seremos aniquilados (PC, 31). Orígenes (c. 185-c. 254) O ensinamento apostólico é que a alma, tendo uma essência e vida próprias, depois da sua partida deste mundo será recompensada, segundo o seu merecimento, sendo destinada a obter uma herança de vida eterna e bênção, se as suas ações o merecerem, ou será entregue ao fogo eterno e à punição, se a culpa de seus crimes for resumida a isto. E, além disto, haverá um tempo de ressurreição dos mortos, quando este corpo, que agora está
O ESTADO INTERMEDIÁRIO E A RESSURREIÇÃO
semeado “em corrupção, ressuscitará em incorrupção”, e aquele que está semeado "em ignomínia, ressuscitará em glória” (DP, prefácio). Epitáfio de Catacumba do Século I I I
“Alexandre não está morto, mas vive entre as estrelas, e o seu corpo descansa nesta sepultura” (citação em Schaff, CC, 7.86). Metódio (c. 260-311)
E a carne que morre; a alma é imortal. Assim, se a alma é imortal, e o corpo for o cadáver, aqueles que dizem que existe uma ressurreição, mas não na carne, negam qualquer ressurreição; porque não é o que permanece que fica em pé, mas o que caiu e está deitado que é estabelecido; de acordo com o que está escrito: “Aquele que cai não se levanta outra vez? E aquele que se desvia não retorna?” (DR, 1.7). O s Pais M ed iev ais João de Damasco (676-754)
Novamente [Deus disse] a Moisés: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó: Deus não é Deus dos mortos (isto é, aqueles que estão mortos e já não existirão), mas dos vivos, cujas almas realmente vivem em sua mão, mas cujos corpos retornarão à vida por meio da ressurreição (EEOF, 4.27). Tomás de Aquino (1225-1274)
“Foi para o bem da alma que ela foi unida a um corpo [...] No entanto, é possível que ela exista separadamente do corpo” (ST, 1.89.1). O s L íd eres da R e fo rm a Martinho Lutero (1483-1546)
“No intervalo [entre a morte e a ressurreição], a alma não dorme, mas está desperta e desfruta da visão de anjos e de Deus, e conversa com eles” (LW, 25.32). João Calvino (1509-1564)
Quão vil é o erro de converter um espírito, formado à imagem de Deus, em um sopro evanescente, que anima o corpo somente nesta vida moribunda, e reduzir o templo do Espírito Santo a nada. Em resumo, é algo vil roubar o distintivo da imortalidade daquela parte de nós mesmos na qual a divindade é mais brilhante, e as marcas da imortalidade são mais conspícuas, tornando a condição do corpo melhor e mais excelente do que a da alma ( IC R , 3.25.6). Se a alma não deve sobreviver sem o corpo, como ela poderia estar presente com o Senhor, estando separada do corpo? Mas um apóstolo remove toda a dúvida quando diz que nós chegamos “aos espíritos dos justos aperfeiçoados” (Hb 12.23) [...] E se a alma, quando desprovida do corpo, não retivesse a sua essência, e não fosse capaz de receber em si a glória que é uma grande bem-aventurança, o nosso Salvador não teria dito ao salteador: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23.43) (ibid.).
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O s M e s tre s d a P ó s -R e fo rm a A Confissão de Fé de Westminster (1648) Os corpos dos homens, depois da morte, retornam ao pó, e vêem corrupção: mas as suas almas, que não morrem, nem dormem, tendo uma subsistência imortal, retornam imediatamente ao Deus que lhes deu esta subsistência; as almas dos justos, sendo então aperfeiçoadas em santidade, são recebidas nos mais altos céus, onde contemplam o rosto de Deus em luz e glória, esperando a completa redenção de seus corpos. E as almas dos ímpios são lançadas no inferno, onde permanecem em tormento e completa escuridão, reservadas para o juízo do grande dia (30.2.1). Jonathan Edwards (1703-1758) As almas dos verdadeiros santos, quando eles deixam seus corpos na morte, partem para estar com Cristo [...] Elas não ficam reservadas em algum lugar diferente do mais alto céu; um lugar de descanso, onde estão guardadas até o dia do juízo, como imaginam alguns [...] mas vão diretamente ao céu propriamente dito ( “FSDO”, in: WJE, 3). Charles Spurgeon (1834-1892) A luz da natureza é suficiente para nos dizer que a alma é im ortal, de modo que o infiel que duvida é um tolo pior até mesmo do que um pagão, pois, antes que a revelação fosse feita, a tinha descoberto —existem alguns lampejos de sabedoria nos homens de entendimento que ensinam que a alma é algo tão maravilhoso que deve ser eterna (SSC, 66).
A B A S E B ÍB L I C A P A R A A R E S S U R R E IÇ Ã O D O C O R P O H U M A N O Em bora o estado interm ediário signifique felicidade consciente para os crentes, e angústia consciente para os incrédulos45, e le a in d a é in c o m p le to . O s seres h u m a n o s fo r a m criad o s e m u m e sta d o e n c a rn a d o , e d u ra n te o in te r v a lo eles fic a m e m u m a co n d iç ã o “n u a ”, e n q u a n to a a lm a e sp e ra a re u n iã o c o m o c o r p o (2 C o 5 .1 4). N a verd ad e, c o n fo r m e d e m o n s tra m o s a n te r io r m e n te 46, a “im a g e m de D e u s ” in c lu i o c o r p o ( G n 1.27; 9 .6 ; H b 1.3), e, d ife r e n te m e n te d a v isão p la tô n ic a , a B íb lia diz q u e as coisas m a te ria is são “b o a s ” (G n 1.31). A seg u n d a p e sso a da D iv in d ad e a ssu m iu u m c o r p o ; assim , a c r e n ç a n a re s su rre iç ã o d o c o r p o físico h u m a n o e stá p e r fe ita m e n te d e a c o rd o ta n to c o m a d e c la ra ç ã o das E s c ritu ra s d e q u e e le é “b o m ” q u a n to c o m a su a in clu s ã o n a im a g e m de D eu s. Existe u m im pressionante respaldo bíblico para a ressurreição corpórea de todos os seres hum anos. O fato de que haveria duas ressurreições — u m a dos salvos (os justos) e a ou tra dos não-salvos (os injustos) —é dado a entender até m esm o no Antigo Testam ento. U m a n jo disse a D aniel que nos ú ltim os dias “m u ito s dos que d orm em no pó da te rra ressuscitarão, [1] uns para a vida e tern a e [2] ou tros para v erg o n h a e desprezo e te r n o ” (D n 12.2). Jesus reafirm ou a m esm a coisa quando d eclarou: “vem a h ora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz. [1] [...] os que fizeram o bem sairão para a ressu rreição da vida; e [2] os que fizeram o m al, para a ressu rreição da 4's Veja capítulos 8-9.
46Veja Volum e 3, capítulo 2.
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co n d en ação ” (Jo 5.28,29)47. Em cada u m a das passagens onde as duas ressurreições são m encionadas, a ord em é a m esm a: os salvos são ressuscitados, e c > n ã -salvos são ressuscitados p o sterio rm en te. A lém disto, Paulo escreveu: Assim com o a m orte veio por um hom em , também a ressurreição dos m ortos veio por um hom em . Porque, assim com o todos m orrem em Adão, assim tambem todos serão vivificados em Cristo. Mas cada um por sua ordem: Cristo, as primícias: depois, [1] os que são de Cristo, na sua vinda. [2] Depois, virá o fim, quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império e toda potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o últim o inimigo que há de ser aniquilado é a m orte (1 Co 15.21-26). Este te x to m a n té m a m esm a seqü ência. D epois do re to rn o de C risto 48, existe a ressu rreição “dos que são de C ris to ” . D ep ois, E le rein a até que o ú ltim o in im ig o seja d estru íd o, a saber, “a m o r te ”, o que in clu i a ressu rreiçã o dos perdidos. As duas ressu rreiçõ es serão separadas p o r m il anos — o rein ad o m ile n a r de C risto —, co m o c o n firm o u João: Vi as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na testa nem na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele mil anos (Ap 20.4-6). Diversos fatos, explícitos ou im plícitos, são evidentes com relação a este texto. Primeiro, haverá duas ressurreições: u m a (dos ju stos) no início, e a o u tra (dos inju stos) no final dos m il anos (o m ilên io)49. Segundo, ambas são ressurreições físicas. Terceiro, durante os m il anos, aqueles que foram ressuscitados na prim eira ressurreição irão reinar com Cristo. Quarto, ressurreição significa que o corpo “retorn ará à vida”. U m a vez que a alm a não m o rre, é o corpo que será ressuscitado. Quinto, e fin alm en te, aqueles que particip arem da segunda ressu rreição (depois dos m il anos) tam b ém passarão pela “segunda m o r te ”, que é a separação e tern a de Deus (vv. 14,15)50. A R e s s u rre iç ã o d o s Crentes Duas ressurreições de seres hum anos são m encionadas nas Escrituras, e ambas são físicas por natureza: a ressurreição dos ju stos e a ressurreição dos inju stos. Estas ressurreições são separadas por m il anos (o m ilênio): a ressurreição dos crentes tem lugar antes, e a dos incrédulos acontece depois. 47 N estã ocasião, Jesus n ão fa lo u sob re a d u ra çã o dos e v en to s daq u ele p eríod o p o s te rio r (o das re ssu rreiçõ e s). Isto é d eixado p ara Jo ão , n o livro do A pocalipse, o ú ltim o livro da Bíblia. 48V eja c a p ítu lo 15.
49 Ibid.
50 V eja ca p ítu lo s 9 e 15.
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Diversas passagens bíblicas falam de duas ressurreições, e um a fornece o intervalo de tem po entre elas51. A esperança da ressurreição dos crentes vem dos tempos mais remotos. Gênesis 22.2-5 [Deus] disse [a Abraão]: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi. Então, se levantou Abraão pela manhã, de madrugada, e albardou o seu jumento, e tomou consigo dois de seus moços e Isaque, seu filho; e fendeu lenha para o holocausto, e levantou-se, e foi ao lugar que Deus lhe dissera. Ao terceiro dia, levantou Abraão os seus olhos e viu o lugar de longe. E disse Abraão a seus moços: Ficai-vos aqui com o jumento, e eu e o moço iremos até ali; e, havendo adorado, [nós] tornaremos a vós. A braão só podia ter certeza de que Isaque re to rn a ria co m ele depois do sacrifício se cresse que D eus iria ressu scitar Isaque. D e acordo co m a carta aos H ebreus, era exatam en te n isto que A braão acreditava: “[Abraão] consid erou que D eus era poderoso para até dos m o rto s o ressuscitar. E daí tam b ém , em figura, ele o re co b ro u ” (11.18,19). J ó 19.25,26 “Eu sei que o m eu R edentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consum ida a m in h a pele, ainda em minha carne verei a D eus”. E m bora algum as traduções (por exem plo, ASV, T B ) traduzam este versículo com o “fora de m in h a ca rn e”, parece m elh o r seguir a trad u ção tradicional (por exem plo, KJV, N IV); a expressão “em m in h a carn e” (p o r exem plo, RSV, NASB, N AB) dá a entender que ele estará no seu corpo ressu rrecto quando vir o R edentor. E m bora a palavra hebraica mm freqüentem ente signifique “sem ”, é usada com o sentido de “d en tro” em Jó 36.25. A lém disto, quando usada em conexão com “v er” (haza), min assume o significado de “de d en tro”, ou “do ponto de”, que, novam ente, im plica dentro do corpo ressurrecto. A cren ça de Jó n a ressurreição final está ainda mais im plícita no fato de que, em bora Deus lh e restaurasse em dohro todas as suas possessões depois do seu sofrim ento, ele som ente recebeu o mesmo número de filhos (42.13; cf. 1.2). Isto indica que Jó jam ais perdeu realm ente os outros, que seriam reunidos a eles n a ressurreição. Salmos 16.10,11 Davi declarou: Não deixarás a minha alma no inferno, nempermitirás que o teu Santo veja corrupção. Far-me-ás ver a vereda da vida; na tua presença há abundância de alegrias; à tua mão direita há delícias perpetuamente. Pedro disse, a respeito da profecia de Davi (A t 2.31), que “nesta previsão, disse da ressurreição de C risto, que a sua alm a não foi deixada no Hades, n e m a sua carne [gr. sarx] viu a co rru p ção”. A crença de que a ressurreição envolvia u m corpo físico de “carn e” (sarx) é inequívoca.
51 Apocalipse 20.4-6; veja abaixo.
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Salmos 17.15 “C ontem plarei a tua face na justiça; eu m e satisfarei da tua sem elhança quando acordar. ” C om a m o rte sendo encarada com o “d o rm ir”52, a ressurreição é retratad a com o acordar do “son o” da m o rte. A lém disto, o salm ista claram en te acreditava que veria a D eus face a face na Visão B em -A venturada (cf. 1 C o 13.12; Ap 22.4), o que acontecerá no céu, depois da ressurreição dos ju stos53. Isaías 26.19 “Os teus mortos viverão, os teus mortos ressuscitarão; despertai e exultai, vós que habitais no pó, porque o teu orvalho, ó Deus, será co m o o orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos”. As palavras em itálico são referências inconfundíveis a um a ressurreição física e literal. Isaías 53.8-10 Porquanto [o Messias] foi cortado da terra dos viventes e pela transgressão do meu povo foi ele atingido. E puseram a sua sepultura com os ímpios e com o rico, na sua morte; porquanto nunca fez inj ustiça, nem houve engano na sua boca. Todavia, ao Senhor agradou o moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os dias, e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão. Este texto fala claram ente da m orte do Messias, com o indicado por expressões com o “puseram a sua sepultura com os ím pios”, “com o u m cordeiro, foi levado ao m atadouro” (53.7), “cortado da terra dos viventes”, e “quando a sua alm a se puser por expiação do pecado”. Novam ente, “[Ele] verá a sua posteridade, prolongará os dias, e o bomprazer do Senhor prosperará na sua mão”. Para estar vivo para presenciar tudo isto, o seu corpo teria que estar ressuscitado. Daniel 12.2 “M uitos dos que d orm em no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida etern a e outros para vergonha e desprezo e te rn o ”. U m a vez que é o corpo que reto rn a para o pó e despertará, para a vida etern a ou para o desprezo etern o, isto obviam ente se refere à ressurreição física, dos salvos e dos perdidos. Os judeus não som ente acreditavam que os seres hum anos foram criados do pó (G n 2.7) e que retorn ariam ao pó (Ec 12.7), mas tam bém que na ressurreição final eles seriam reconstituídos do pó. Se a vida eterna incluir o corpo e vier depois que o corpo tiver retornado ao pó, então a ressurreição física é o que está em vista, irrefutavelm ente. Sabedoria de Salomão 3.7,8 Em bora não constituída de textos canônicos54 até m esm o a literatu ra extra-bíblica e intertestam en tária55 fala de um a ressurreição física. Por exem plo: “n o tem po da sua visitação [as almas dos justos] (v. 1) resplandecerão” (serão restauradas) e “eles governarão as nações, subm eterão os povos”. 52 C f. 1 T essalon icen ses 4.13; Jo ã o 11.11,14.
53 V eja c a p ítu lo 8.
54 V ejaV olu m e 1, capítulo 28.
55 Textos do período entre a
ocasião e m que D eus deixou de fazer revelações aos profetas do A ntigo Testam ento e quando E le co m eço u a falar o u tra vez, pouco tem p o antes do nascim ento de Cristo.
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2 Macabeus 7.11 Esta passagem fala de u m corajoso crente ju d eu que teve a sua língua e as suas m ãos cortadas, dizendo: “De Deus eu recebi esses m em bros, e agora, por causa das leis dele, eu os desprezo, pois espero que ele os devolva para m im [na ressurreição]”. 4 Esdras 7.32 Segundo este texto, quando o Messias vier, "tod a a terra entregará aqueles que d orm em nela, e o pó daqueles que ali descansam em silêncio”. A m o rte é aqui descrita com o u m tem po: “Nós ficarem os descansando até que ven ham os tem pos quando Tu [Deus] renovarás a criação” (v. 75). 2 Baruque 49.2; 50.2 A pergunta: “Sob que form a viverão os que viverem no Teu dia?”, a resposta é um a afirm ação inequívoca da ressurreição m aterial: A terra então certamente restaurará os mortos [que agora recebe, para preservá-los], Não fará nenhuma diferença na sua forma, mas assim como os recebeu, também assim os restaurará, e assim como Eu os entreguei a ela, também ressuscitarão. O
Novo Testam ento é u m livro judaico e, surpreend entem ente, con tém contínuas
afirm ações judaico-cristãs sobre a ressurreição física. Mateus 22.30 “Na ressurreição, n em casam, nem são dados em casam ento; mas serão com o os anjos no céu ”. A investigação dos saduceus sobre a ressurreição — se um a m u lher casada sete vezes na terra estaria casada com um de seus maridos na eternidade —ressalta não som ente a fé judaica em um a ressurreição física (cf. At 23.8), mas tam bém a própria afirmação de Jesus sobre esta ressurreição. Eles concebiam o corpo da ressurreição com o sendo tão físico que era im portante perguntar a qual de seus maridos ela estaria unida no céu. João 5.28,29 Jesus disse: “Vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz [a voz do Filho do H om em ]. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o m al, para a ressurreição da cond enação”56. Todos os que m o rreram serão fisicam ente ressuscitados no fu turo. João 11.23-26 Disse-lhe [a Marta] Jesus: Teu irmão há de ressuscitar. Disse-lhe Marta: Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último Dia. Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto [fisicamente], viverá [eternamente]; e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá. ®Veja capítulos 8-9.
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Esta passagem não som ente reafirm a a crença judaica em u m a ressurreição tísica no “ú ltim o dia”, mas tam bém reitera a afirm ação de Jesus. A sua d em onstração de poder, que nos m o stra que Ele é capaz de ressuscitar os m o rtos, o co rreu n a ressurreição de Lázaro. 1 Corintios 15.21-26 Assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem. Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo. Mas cada um por sua ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda [...] Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte. As palavras de Paulo afirm am que todas as pessoas irão ressuscitar dos m o rtos, porque C risto ressuscitou, co m o Ele m esm o disse: “Ainda u m pouco, e o m u nd o não m e verá mais, mas vós m e vereis; porque eu vivo, e vós vivereis” (Jo 14.19). 1 Tessalonicenses 4.13-17 Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem Deus os tornará a trazer com ele. Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. Quando Cristo reto rn a r57, todos os crentes ressuscitarão. A m o rte físicaé tem porária; o corpo irá despertar dela na ressurreição final. 2 Timóteo 2.17,18 Paulo disse que c e rto s h ereg es a firm a v a m que os c re n te s já tin h a m re ssu scita d o : “[...] e n tre os quais são H im e n eu e F ile to ; os quais se d e sv ia ra m d a verd ad e, d izend o que a re ssu rre içã o e ra já feita , e p e rv e rte ra m a fé de a lg u n s ”. A qu i P aulo está falan d o da re ssu rre içã o dos cre n te s ; n eg a r que ela ainda é u m e v e n to fu tu r o é heresia.
Apocalipse 20.4-6 E vi as-almas daqueles que [...] não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na testa nem na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Mas os
57Veja capítulo 15.
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outros mortos58 não reviveram, até que os mil anos se acabaram31. Esta é a primeira ressurreição. Bem-
aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição60; sobre estes não tem poder a segunda morte61, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele mil anos.
A Natureza do Corpo Ressurrecto dos Crentes O corpo ressurrecto dos crentes terá diversas características notáveis. Para com eçar, u m a vez que será com o o de Cristo (cf. Fp 3.21), nós podem os to m ar o seu corpo com o exem plo. Identidade Numérica Existem m uitas linhas de evidência que sustentam que o corpo ressu rrecto é n u m ericam en te idêntico62 ao c o r p o a n te r io r à re ssu rre içã o . Primeiro, o sepulcro vazio diz que o corpo que dele saiu é o m esm o que o tin h a ocupado63. Segundo, as cicatrizes da crucificação n o corpo ressurrecto m o stram que ele era o m esm o corpo que tinha m orrid o (Jo 20.27; Lc 24.40). Terceiro, o fato de que o corpo ressurrecto tin h a “carne e ossos” (Lc 24.39) revela que era o m esm o corpo de carne no qual Jesus foi encarnado (Jo 1.14) e no qual Ele vive continu am ente (1 Jo 4.2). Quarto, o fato de que Jesus com eu no seu corpo ressu rrecto sustenta o fato de que se trata do m esm o corpo que Ele tin h a antes de m o rre r (Lc 24.42). Quinto, e finalm ente, o corpo ressu rrecto é tangível (M t 28.9; cf. Jo 20.27). Ser n u m ericam en te o m esm o corpo não significa que o corpo de C risto tin h a todas as m esm as partículas64; m esm o agora as células básicas dos nossos corpos anteriores à ressurreição m udam a cada sete anos, e, no entanto, con stitu em o m esm o corpo. E n tretan to , se não houvesse identidade n u m érica entre o corpo anterior à ressurreição e o posterior a ela, a ressurreição teria sido u m fracasso; se o que m o rreu não tivesse ressuscitado, D eus teria perdido para Satanás a batalha sobre a m orte. Materialidade C o m o a evidência acim a m ostra, a ressurreição do corpo do crente é física. Primeiro, ela é considerada com o sendo u m a ressurreição “dos m o rto s” (Lc 24.5), o que é, n atu ralm en te, o sepulcro. U m a vez que som ente os corpos físicos são sepultados, a ressurreição será do corpo físico que m orreu . Segundo, o corpo ressuscitado é aquele “sem eado” em m o rte (1 Co 15.42). Terceiro, em vez de substituir o corpo m ortal, o corpo im ortal ressurrecto é “vestido” sobre ele. Nós ressuscitarem os em nossos corpos físicos. Quarto, a palavra corpo (gr. soma), em relação ao corpo ressu rrecto (cf. v. 44), sem pre significa u m corpo físico, quando usado com referência a u m ser h u m an o individual (v eja Gundry, SNT). 5S O s in ju s t o s , os in c r é d u lo s .
59 N a s e g u n d a r e s s u rr e iç ã o .
se p a r a ç ã o d e D e u s; cf. v e rs íc u lo s 14,15. Jo ã o 2 0 - 2 1 .
MV e ja a p ê n d ic e 1.
60 A re s s u r r e iç ã o d os ju s t o s , os c re n te s .
62 Is to é, de m o d o in d is tin g u ív e l.
fi' E te r n a
63 V e ja M a te u s 2 8; M a rc o s 16; L u cas 24;
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Quinto, e finalm ente, Jesus “tran sform ará o nosso corpo abatido, para ser c jn to rm e o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar tam bém a si todas as coisas”
(Fp 3.21; cf. 1 Jo 3.2,3). Infelizmente, alguns famosos evangélicos negaram a identidade numérica e a materialidade essencial do .corpo ressurrecto. George Ladd, do Fuller Seminary, escreveu; "U m corpo é sepultado; outro corpo aparece”. Se alguém estivesse observando o corpo de Jesus no m om ento da ressurreição, “tudo o que teria visto seria o repentino e inexplicável desaparecimento do corpo de Jesus”. E as aparições de Cristo não se dèram no mesmo corpo que m orreu, mas naquele “que estava com eles, mas invisível, e que se fazia visível aos seus sentidos físicos”®. De igual m aneira, M urray Harris, do Trinity Seminary, afirmou que no m om en to da ressurreição Jesus “foi modificado para u m m odo de ser espiritual”66, que o “seu estado essencial era de invisibilidade, e, portanto, imaterialidade”67, com a “capacidade de m aterializar-se quando quisesse”. Assim, “o novo corpo é qualitativamente e num ericam ente distinto do antigo corpo”. A lém disto, “o corpo ressurrecto do crente virá do céu, e não do sepulcro”68. Em u m vergonhoso exem plo de colocação da fraternidade sobre a ortodoxia, Wayne G ru d em , antigo colega de M urray Harris, afirm ou que a visão de Harris da ressurreição era ortod oxa69, ainda que Harris afirmasse que os crentes obtêm o seu corpo ressurrecto no m o m en to da m o rte 70, enqu anto seus corpos m o rtos continu am apodrecendo na sepultura, para jam ais ressuscitar (cf. Jo 5.28,29). O próprio Harris, posteriorm ente, desm entiu esta visão, depois de ser exam inada por um j úri chefiado por M illard Erickson, que tin h a cham ado esta visão de “heresia”71. Imortalidade
O corpo ressu rrecto não é u m m ero corpo físico, é u m corpo físico sobrenatural, im pulsionado espiritualm ente, literalm en te dominado pelo espírito (1 C o 15.44). C om o a R och a que seguiu Israel no deserto72 era u m a rocha literal da qual saía água literal (10.4) de origem sobrenatural73, tam bém o crente ressuscitado será encarnado fisicam ente e vivificado espiritualm ente. C om o Paulo cham a o novo corpo de “in corru p tív el” e “im o rtal” (15.53), a “tran sform ação” (v. 51) não será de um corpo m aterial a um corpo im aterial, mas de u m corpo físico perecível a u m corpo físico não-perecível. Glória, M obilidade e Agilidade
O corpo ressurrecto tam bém tem características tais com o glória, mobilidade e agilidade. Ele é cham ado de “corpo glorioso”5(Fp 3.21), o que dá a entender que um tipo de brilho em ana dele, talvez com o o corpo de Jesus no m onte da Transfiguração (cf. M t 17). Ele terá poderes sobrenaturais que o capacitarão a m over-se pelo espaço (A t 1.10,11) e talvez através das coisas materiais (cf. Jo 20.19). U m a vez que Cristo pôde com er estando em seu corpo ressurrecto, nós supostam ente seremos capazes de fazer o m esm o. No entanto, um a vez que o corpo ressurrecto é impulsionado de m aneira sobrenatural (1 Co 15.44), nós não com erem os para nutrição, mas com o um gesto de prazer e celebração (cf. M t 26.29). 65 G e o rg e Ladd, I Believe in the Resurrection o f Jesus, 115, 100, 127. 1985), 56. 610-11.
67 M u rra y H arris, Easter in Durhatn, 17.
66 M u rra y H arris, Raised Immortal (G ra n d Rapids: E erd m an s,
68 Raised Immortal, 47, 127, 44.
69 V eja W ayne G ru d e m , Systematic Theology,
70V e ja Raised Immortal, 44, 100, 133, e From Grave to Glory, 194-95, 208, 237.
71 M illa rd E rick so n , Christian Theology, 1197.
72V eja c a p ítu lo 12.
73 G r. pneumatihos, “e sp ir itu a l” .
704 <ü TEOLOGIA SISTEMÁTICA
C o m relação ao corpo ressurrecto, é u m sério erro sustentar que Jesus não ressuscitou em u m corpo im ortal e glorificado, mas que Ele som ente o recebeu mais tarde, n a sua ascensão. M illard Erickson (nascido 1932) escreve: O corpo que Ele [Jesus] tinha, na ocasião da ressurreição, ainda deveria enfrentar uma transformação mais completa na ocasião da sua ascensão. Ele ainda deveria se tornar um “corpo espiritual” [...] Poderíamos dizer, então, que o evento da Páscoa foi um tipo de ressurreição, como a de Lázaro, em vez de uma verdadeira ressurreição, como será o caso conosco. O corpo posterior à ressurreição de Jesus pode perfeitamente bem ter sido como o corpo com que Lázaro saiu da sepultura —Lázaro ainda podia morrer (e certamente morreu, outra vez). Se este era o caso do Senhor Jesus, Ele pode ter precisado comer para continuar vivo (CT, 777).
Falando sobre a ascensão de Cristo, Erickson acrescenta: Naquela ocasião, Jesus enfrentou o restante da metamorfose iniciada com a ressurreição do seu corpo. O significado da ascensão é que Jesus deixou para trás as condições associadas com a vida sobre a terra (778). Supostam ente, então, Jesus ressuscitou m o rtal e não recebeu um corpo im ortal e glorificado até a sua ascensão. Em resposta, existem diversos problem as notáveis com esta interpretação. Primeiro, se Jesus não ressuscitou im ortal, então a sua ressurreição não foi u m a vitória sobre a m o rte, com o proclam a a Bíblia (1 C o 15.55). Segundo, esta teoria se opõe a Filipenses 3.21, que declara que o nosso corpo ressurrecto será co m o o seu corpo glorioso. Terceiro, ela contradiz a prom essa de Paulo de que nós ressuscitarem os para ter um corpo im ortal e incorru ptível, assim com o aconteceu co m o S en h o r Jesus Cristo, nossas “prim ícias” (1 Co 15.20,53). Quarto, ela é contrária a 1 Pedro 1.11, que fala dos “sofrim entos [a m orte] que a Cristo haviam de vir e a glória [a ressurreição] que se lhes havia de seguir” (cf. At 26.23). Quinto, a vitória de C risto sobre a m o rte é um a vitória gloriosa (1 C o 2.8). Sexto, Paulo disse claram ente: “A ressurreição dos m o rto s [...] sem eia-se em ignom ínia, ressuscitará em glória" (15.42,43). Sétimo, e finalm ente, o corpo ressurrecto de C risto possuía características de um corpo glorificado, com o a habilidade de aparecer e desaparecer (Lc 24.31) e m esm o entrar em salas cujas portas estivessem fechadas (Jo 20.19). O brilho ofuscante do seu corpo ascendido não foi exclusivo do seu estágio posterior à ascensão; com o m encionam os an teriorm ente, isto já tin h a ocorrido, por exem plo, na Transfiguração (M t 17.2).
A Ocasião da Ressurreição dos Crentes U m a vez que os crentes ressuscitarão na segunda vinda de C risto74, e um a vez que n inguém con h ece o m o m en to do seu reto rn o (cf. M t 24.36; At 1.5), ninguém sabe quando terá lugar a ressurreição dos crentes. Isto é de con h ecim en to geral: Haverá duas 741 Tessalonicenses 4.13-17; veja capítulo 15.
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ressurreições —a dos ju stos e a dos inju stos —, e elas estarão separadas por u m reinado de C risto que durará m il anos'5.
A Ressurreição dos Incrédulos A m o rte será revertida para todos os seres hum anos. Todos, salvos e não-salvos, serão restaurados no seu corpo pré-ressurreição, e não m o rrerão (se tornarão im ortais). As referências acima deixam evidente que a segunda ressurreição é a dos incrédulos. Novamente, esta é chamada, entre outras coisas, de ressurreição “para vergonha e desprezo eterno” (D n 12.2); de ressurreição “dos que fizeram o m al” e serão ressuscitados para “condenação” (Jo 5.29); e de ressurreição dos “outros m ortos” (Ap 20.5). Qualquer que seja o nom e, ela é claramente (1) um a segunda ressurreição, (2) depois da ressurreição dos crentes, e (3) a ressurreição daqueles que estão perdidos para sempre'6. Sobre isto, João escreveu: “E a m orte e o inferno foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda m orte. E aquele que não loi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo” (Ap 20.14,15).
A Ocasião da Ressurreição dos Incrédulos C om o já foi estabelecido, a segunda ressurreição é separada da prim eira por um período de m il anos, durante os quais os crentes irão reinar com C risto (Ap 20.4-6). Um período de tem po interveniente en tre as duas ressurreições é perm itido e tam bém está im plícito em outros textos77. Primeiro, a ressurreição dos crentes dá-se “dentre os m o rto s” (C l 1.18), dando a entender que outros corpos são deixados nos sepulcros quando ela ocorre. Segundo, João fala do período das duas ressurreições com o um a “h o ra ” (isto é, um longo período de tem p o ), no entanto a prim eira ressurreição dem ora apenas “u m abrir e fechar de o lh o s” (1 Co 15.52). Assim, o restante da “h ora” deve tran sco rrer antes da segunda ressurreição. Terceiro, João declara enfaticam ente (seis vezes) que haverá m il anos en tre a “prim eira ressurreição” e a segunda, quando os “outros m o rto s” ressuscitam (cf. Ap 20.3-6).
A Natureza do Corpo Ressurrecto dos Incrédulos Em bora a palavra imortal não seja usada em referência ao corpo ressu rrecto dos incrédulos — um a vez que imortal con tém conotações de um a qualidade positiva da vida eterna reservada som en te para os salvos78—, existem m uitas razões para crer que os nãosalvos tam bém irão possuir corpos físicos que viverão para sem pre. Primeiro, a segunda ressurreição é listada diversas vezes em conexão com a prim eira, que é, sem dúvida, um a ressurreição em u m corpo físico im ortal. U m a vez que os dois lados desta questão concordam que a segunda ressurreição é física, conseqüentem ente ela tam bém se dá em u m corpo im ortal. Segundo, em Apocalipse 20.5, os perdidos são designados com o “os outros m o rto s” que “reviverão”79, a m esm a palavra usada sobre os da prim eira ressurreição (cf. vv. 4,5), que fisicam ente sairão dentre os m ortos.
75 O M ilê n io (A p 2 0.1-6).
76V eja c a p ítu lo 9.
79 G r. ezesan, “re v iv e ra m ”, de zao.
77V eja c a p ítu lo 15.
78V eja ca p ítu lo 8; cf. 1 C o rín tio s 15.52-54; 2 T im ó te o 1.10.
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Terceiro, Jesus disse que tan to o corpo quanto a alm a dos incrédulos seriam punidos no in fern o (M t 10.28). U m a vez que a m esm a palavra80 é usada tan to para o corpo quanto para a alm a com respeito ao infern o, u m a vez que o inferno é “e tern o ” (M t 25.41; cf. 2 Ts 1.7-9), e u m a vez que nós sabemos que a alm a n ão será aniquilada81, o corpo dos incrédulos tam bém viverá eternam en te. Quarto, e finalmente, um a vez que o corpo é parte da imagem de Deus (G n 1.27), m esm o nos incrédulos (G n 9.6; Tg 3.9), se Deus não o ressuscitasse para sempre, Ele estaria, na realidade, concedendo a vitória sobre ele ao diabo. No entanto, a sua Palavra declara que Cristo irá reinar até ter derrotado a m orte (1 Co 15.26), e a m enos que a m orte física seja revertida para todas as pessoas, a m orte não será com pletam ente derrotada. De igual maneira, por mais desfigurada e perdida que a imagem de Deus possa estar nos incrédulos82, até m esm o os seus corpos serão restaurados à vida, de m odo que possam perm anecer no destino que escolheram em vida83.
A BASE TEOLÓGICA PARA A RESSURREIÇÃO DO CORPO HUMANO Assim com o a nossa sobrevivência consciente depois da m orte84, a ressurreição de todos os seres humanos está enraizada tanto na natureza de Deus com o na nossa. Isto inclui a onipotência, onibenevolência, onissapiência de Deus e o fato de que fomos criados à sua imagem.
A Onipotência de Deus como Base para a Ressurreição do Corpo U m a vez mais, a ressurreição está enraizada no poder de Deus. Se D eus pode fazer qualquer coisa85, então Ele pode ressuscitar os m ortos. Se Ele pode criar a vida —e Ele fez isto86 —, então Ele pode restaurá-la. A onipotên cia de D eus é u m a condição necessária para a nossa ressurreição física.
A Onibenevolência de Deus como Base para a Ressurreição do Corpo O utra pedra fundamental para a doutrina da ressurreição final é a onibenevolência de Deus87. O fato de que Deus tem poder para ressuscitar os m ortos não assegura que isto irá acontecer; a m enos que Deus seja tam bém a fonte de toda a bondade, nós não teremos nenhu m a base real para crer que existe esperança para u m cadáver. O que há, n a natureza de Deus, que o m otiva a desejar restaurar as suas criaturas desobedientes? Se não fosse pela sua misericórdia, a sua justiça iria perm itir que a punição da m orte não fosse revertida88. Graças à onibenevolência de Deus, em seu íntim o Ele é motivado a nos redimir, tanto no corpo quanto na alma.
A Onissapiência de Deus como Base para a Ressurreição do Corpo A sabedoria de D eus89 é m anifesta na ressu rreição de C risto, pois, em b o ra o pecado traga a m o rte (R m 5.12), a sua m o rte sacrificial reverte a m ald ição para nos trazer vida90. Jesus superou a vitória que o diabo havia tido (de infligir m o rte a toda a hum anidade —Hb 2.14) pela sua ressu rreição (1 C o 15.55); co m o vim os, na C ruz, Satanás m o rd eu a
80 Gr. apolesai, de apollumi, “destruir”. cf. Volum e 3, capítulo 5. capítulo 15.
81 Veja Volume 3, capítulo 11.
84 O estado intermediário; veja acima.
88 Ibid., capítulo 16, e Volume 3, capítulo 7.
82Veja Volume 3, capítulos 3 e 5.
85Veja Volum e 2, capítulo 7.
89 Ibid., capítulo 9.
83 Veja capítulo 9;
86 Ibid., parte 2.
90Veja Volum e 3, capítulos 8-9.
87 Ibid.,
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isca da hu m anidad e de C risto e foi apanhado pelo anzol da sua divindade9 . S em u m a ressu rreição fís ic a , o diabo seria o vencedor, e D eus, o perdedor, pois ele teria trazido a m o rte física e D eus não a teria revertid o, trazendo vida física. Q ualquer coisa diferente da reco n stru ção m aterial do corp o significaria o fracasso para o propósito criativo de D eus, co m o observou co rreta m en te R o b ert G u nd ry (nascido 1935): “Q ualqu er coisa d iferente [...] enfraq u ece a in ten ção su p rem a m ostrad a por Paulo de que o h o m em redim ido possui um m eio físico de atividade co n c reta para serviço e tern o e adoração a D eus em u m a criação restau rad a” ( S B T , 182). Assim, com o afirm ou Paulo: “n e n h u m dos príncipes deste m u n d o co n h eceu ; porque, se a con h ecessem , n u n ca cru cificariam ao S e n h o r da glória” (2.8). Mas eles o cru cificaram , e Deus, na sua in fin ita sabedoria, p erm itiu isto para d errotar o pecado e restau rar a sua criação (Ap 21—22)92.
Nossa Criação à Imagem de Deus com o Base para a Ressurreição do Corpo A doutrina dos seres humanos criados à imagem de Deus é tam bém a base da ressurreição final. Com o foi mostrado anteriorm ente, esta imagem incluía o corpo93; conseqüentemente, a m enos que ocorra a ressurreição física, não haverá a restauração com pleta à imagem de Deus. Um a vez que o seu propósito na criação incluía seres hum anos criados à sua imagem, nós concluímos, logicamente, que Ele trabalhará para restaurá-la. Fazer m enos do que isto significaria, para Deus, abandonar a perfeição da sua própria imagem, não preocupar-se com os que são seus. Um a vez que isto é contrário a Deus — porque a perfeição está enraizada na sua própria natureza91 —, a criação de seres humanos à imagem de Deus (incluindo a sua dimensão física) é um a verdade bíblica básica na qual está baseada a ressurreição final.
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES À RESSURREIÇÃO FÍSICA M uitas objeções foram propostas à crença ortod oxa histórica de que todos os seres hum anos serão ressuscitados no m esm o corpo físico no qual m o rreram . Vamos exam inar os argum entos básicos para acentuar nosso foco sobre esta doutrina.
Objeção Um: Baseada no Fato de que Paulo o Chama de Corpo Espiritual U m a passagem freqüentem en te citada é 1 Coríntios 15.44, onde Paulo se refere ao corpo ressurrecto com o um “corpo espiritual”, em contraste com o corpo préressurrecto, que é u m “corpo n a tu ra l”.
Resposta à Objeção Um U m corpo “espiritual” é aquele dom inado pelo espírito, não aquele desprovido de m atéria; a palavra grega pn eu m atikos ( e sp iritu al ) significa u m corpo dirigido pelo Espírito, em oposição àquele sob o dom ínio da carne. E sp iritu al aqui não significa “m a te r ia l”, mas “im ortal, não-perecível”9’’. Aquilo que pertence à ordem sobrenatural de existência é descrito com o p n eu m atikos: de igual m aneira, o corpo ressurrecto é u m som a pn eu m atikos [corpo sobrenatural]”96. 91 Ibid., capítu lo 9.
92 Ibid., capítu lo 6.
93 Veja Volum e 2, capítu lo 19.
94 Ibid., c a p ítu lo 14, e V o lu m e 3, c a p ítu lo 1.
95 V eja
W illiam F. A rn d t e F. W ilb u r G in g rich , A Greek-English Lexicon o f the New Testament (C a m b rid g e : C a m b rid g e U n iv ersity Press, 1959), 685.
96 Ibid.
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Paulo usou a m esm a palavra anteriorm ente para referir-se à “pedra espiritual” que seguiu Israel no deserto, pedra da qual eles recebiam “bebida espiritual” (10.4); o Antigo Testam ento (cf. Ex 17; N m 20) revela que era um a rocha física da qual eles obtinham água, literalm ente. Além disto, quando Paulo falou sobre o “hom em espiritual” (1 Co 2.15), obviam ente ele não quis se referir a um a pessoa invisível e im aterial sem um corpo físico.
Objeção Dois: Baseada na Capacidade de Cristo de Tornar-se Visível Tam bém se argum enta que o corpo ressu rrecto de Cristo era essencialm ente im aterial e invisível e, p o rtan to , não era u m ob jeto observável em nossa história. O N ovo Testam ento enfatiza repetidas vezes que ele podia aparecer97, o que significa que Ele era invisível antes de aparecer98; todas as vezes, o texto diz: “apareceu”, ou “foi visto”. G ram aticalm ente, a ação está naquele que aparece, e não naquele que o vê aparecer. Isto, supostam ente, sugere que Jesus era essencialm ente invisível e, conseqüentem ente, som ente podia ser visto99 quando Ele assim desejasse (d u rante as suas m anifestações depois da ressurreição).
Resposta à Objeção Dois Este argu m ento cai por terra por vários m otivos. Prim eiro, a expressão “foi visto” (ophthe)100 sim plesm ente quer dizer que Jesus tom ava a iniciativa de se m o strar aos discípulos, não que Ele fosse essencialmente material. A m esm a fo rm a ( “apareceu”) é usada no A ntigo Testam ento grego (2 C r 25.21), n a Apócrifa (1 M ac 4.6)101, e no Novo Testam ento (A t 7.26) a respeito de seres hum anos que aparecem em corpos físicos. E m acréscim o, o m esm o evento é tam bém descrito no m odo ativo: Paulo disse: “Não vi eu a Jesus Cristo, Sen h o r nosso?” (1 Co 9.1). Se o corpo ressu rrecto pode ser visto a olh o nu, então ele não é invisível. A lém disto, o fato de que a m esm a palavra básica apareceu (ophthe) se refere a u m evento n atu ral é respaldado por dicionários gregos padrão. O Greek-English Lexicon o f the New Testament (D icionário G rego-Inglês do Novo Testam ento) ch am a a atenção para o fato de que a palavra é usada “a respeito de pessoas que aparecem de u m a m aneira n atu ral”102. O Theological Dictionary o f the New Testament (D icionário Teológico do Novo T estam en to) observa que as aparições “acon tecem em u m a realidade que pode ser percebida pelos sentidos natu rais”103. A Linguistic Key to the Greek New Testament (C have Lingüística para o Novo Testam ento G rego) observa que apareceu quer dizer “Ele podia ser visto por olhos hum anos, as aparições não eram m eras visões”104. Finalm ente, quando Jesus realm ente aparecia, o evento é descrito pela palavra horao ( “v er”). E m bora horao algum as vezes seja usada no sentido de ver realidades invisíveis (cf.
97 V eja Raised Immortal, 46-47.
98 P or e x e m p lo , v e ja Lucas 24.34; A to s 9.17; 13.31; 26.16; 1 C o rín tio s 15.5-8.
ser visível, e n ã o de ser e n c o n tra d o .
100 Isto e stá n o te m p o greg o a o risto , n o m o d o p assivo.
99 E m te rm o s de
101 V eja Hdwin H a tch e H en ry
R e d p a th , A Concordance to the Septuagint and Other Greek Versions o f the Old Testament (G ra n d Rapids: B aker, 1987), 2.105-07. Para o b te r referên cias adicionais sob re ophthe sen d o usada re la cio n a d a à visão o c u la r, v e ja K arl H . R e n g sto rf, D ie Auferstehungjesu, 2. ed. ( W itte n -R u h r: L u th er-V erlag , 1954), 93ss.; e R o n a ls Sider, “S t. PauPs U n d ersta n d in g o f th e N a tu re and S ig n ifican ce o f th e R e s u r re c tio n in 1 C o rin th ia n s X V 1-19”, in : Novum Testamentum (A b ril de 1977), X IX :2 , 124-41. 581.
103K ittel, 5.356.
104 F ritz R ie n e c k e r, trad . C le o n R o g ers (G ra n d Rapids: Z o n d erv a n , 1976), 439.
102 A rn d t e G in g rich ,
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Lc 1.22; 24.23), freqüentem ente significa “ver a olh o n u ”105. Por exem plo. loãc usa horao no sentido de ver Jesus no seu corp o terren o antes da ressurreição (6.36: H.9: 19.35), e tam bém de vê-lo no seu corpo ressurrecto (20.18,25,29). U m a vez que a m esm a palavra para “co rp o ” (soma) é usada a respeito de Jesus antes e depois da ressurreição (cf. 1 Co 15.44; Fp 3.21), e um a vez que a m esm a palavra para a sua aparição (horao) é tam bém usada para ambas as situações, não há razão para crer que o corpo ressurrecto não é o m esm o corpo físico e literal.
Objeção Três: Baseada no Fato de que Jesus Podia Desaparecer Lucas escreve sobre os dois discípulos na estrada para Em aús: “A briram -se-lhes, então, os olhos, e o conh eceram , e ele desapareceu-lhes” (Lc 24.31). Jesus tam bém desapareceu da vista dos discípulos em outras ocasiões (por exem plo, v. 51; A t 1.9). Se Jesus podia desaparecer repentinam ente, então seu corpo devia ser capaz de passar para um m odo im aterial de existência.
Resposta à Objeção Três Esta argum entação fracassa. O fato de que Jesus “desaparecia” não d em onstra a im aterialidade do seu corpo, assim com o não prova que o corpo anterior à ressurreição de Filipe se desm aterializou sim plesm ente porque o Espírito Santo o transportou rapidam ente para algum a distância (A t 8.39). Jesus poderia ter sido transportado para ou tro lugar, ou poderia ter passado para ou tra dim ensão no seu corpo físico. A lém disto, o fato de que Jesus aparecesse repetidas vezes no m esm o corpo físico, por aproxim adam ente quarenta dias (1.3), a mais de quinhentas pessoas diferentes (1 Co 15.6), em doze ocasiões diferentes, é u m a evidência indiscutível de que Ele ressuscitou de m odo corpóreo e continu ou no m esm o corpo físico posteriorm ente, inclusive na sua ascensão (A t 1.10,11).
Objeção Quatro: Baseada no Fato de que as Aparições depois da Ressurreição Eram Chamadas de Visões A alegação de que as aparições depois da ressurreição devem ser cham adas de visões é tam bém usada para respaldar a visão im aterial do corpo ressu rrecto106. Lucas, por exem plo, registra que as m u lheres no sepulcro “tin h am visto um a visão de anjos, que dizem que ele vive” (24.23); da m esm a m aneira, a experiência que Paulo teve com Cristo na estrada para D am asco107 é cham ada de visão (A t 26.19). Os im aterialistas insistem que as visões são sem pre de realidades invisíveis, e não de objetos físicos e materiais. 105 O t e r m o u sual c o m o significad o de t e r u m a “visão” éoram a, e n ã o /íorao(vejaMt 17.9; A t 9.10; 16.9). N o N ov o T e s ta m e n to , e sta p alavra s em p re se re fere a v e r a lg u m a co isa q u e é esse n cia lm en te invisível, c o m o D eu s ou a n jo s.
106 M u rra y H arris
(n ascid o 1940) n ã o usa isto p a ra su s te n ta r a sua p o siçã o (v e ja Easter in Burham, 23-24, e Raised Immortal, 6 1 -6 2 ); W o lfh a rt Pan n e n b e rg (n ascid o 1928) faz isto (ibid., 93-95, 99). A in te rp re ta ç ã o de H arris, n o e n ta n to , é e q u iv a len te ; ele a rg u m e n ta q u e o c o rp o re s su rre c to é esse n cia lm en te im a te ria l (£ D , 17) e so m e n te p o d eria ser v isto c o m o o lh o n u se h ou v esse u m m ilag re p e lo q u al ele “se m ateria liz a sse”. Para to d o s os e fe ito s p rá tico s, existe p o u ca d ife re n ça e n tre in sistir q u e o que a c o n te c ia e ra u m m ilag re de materialização o u u m m ila g re de visualização: as duas in te rp re ta ç õ e s n e g a m a m a teria lid a d e e fisicalidade essen cial d o c o rp o re ssu rrec to . (Iro n ic a m e n te , am bas p ro p õ e m a necessid ade de a lg u m tip o de m ila g re para q u e o co rp o s e ja v isto .)
107 P an n en b erg , op. c it., 93.
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Resposta à Objeção Quatro Primeiro, Lucas 24.23 não se refere a ver o Cristo ressuscitado, mas a ver u m a visão de anjos. Em n e n h u m a passagem os Evangelhos falam de u m a aparição de Cristo depois da ressurreição co m o u m a visão, e n em Paulo o faz em sua lista em 1 C oríntios 15108. Segundo, todos os encontros co m Cristo depois da ressurreição nos Evangelhos são, posteriorm ente, descritos co m o aparições literais (15.5-8), não com o m eras visões. Terceiro, a diferença en tre u m a visão e u m a aparição física é significativa. As visões são de realidades invisíveis e espirituais, com o Deus e os anjos. As aparições são de entidades físicas que podem ser vistas a olh o nu. Quarto, a ú n ica vez que a palavra visão parece ser usada a respeito de u m a aparição depois da ressurreição é em conexão com a experiência de Paulo, a cam in ho de D am asco. M esm o aqui, n o entanto , Paulo possivelm ente não se refere à aparição de C risto, mas à visão que p o steriorm ente Deus deu a A nanias109, para com issionar Paulo para o m inistério aos gentios (A t 22.10,15; cf. 9.10-15). Quinto, e fin a lm e n te , se existe a lg u m a sob rep osição de significad o e n tre as visões e as aparições, o fato de que cada aparição é c la ra m e n te de C risto no m e sm o co rp o físico n o qual Ele m o rre u so m e n te ad m ite que a palavra visão pudesse, algum as vezes, se refe rir à m e sm a realidade. Isto n ão p ro varia que C risto n ã o tin h a u m co rp o físico re ssu rre cto .
Objeção Cinco: Baseada no Fato de que Jesus Passava através de Portas M uitos dos que criticam a ressurreição física apontam para o fato de Jesus passar através de portas fechadas, para alegar que o seu corpo não poderia ser m aterial. Isto é deduzido com base em João 20.19, que diz: “Chegada, pois, a tarde daquele dia, o prim eiro da sem ana, e cerradas as portas onde os discípulos, co m m edo dos judeus, se tin h am ajuntado, chegou Jesus, e pôs-se no m eio, e disse-lhes: Paz seja convosco!”
108 A ú n ica referência possível a u m a aparição depois da ressurreição c o m o u m a visão está e m Atos 26.19, onde Paulo diz: “Não fui desobediente à visão celestial”. Não obstante, se esta é u m a referência à aparição de C risto n o cam in h o de D am asco, é m eram ente u m a sobreposição n o uso das palavras visão e aparição, pois Paulo claram ente ch am a este acontecim ento de u m a aparição (1 C o 15.8), e m que ele tin h a “visto a Jesus, S en h o r nosso” e, conseqüentem ente, tin h a recebido credenciais apostólicas (9.1; cf. A t 1.22). No entanto, é possível que e m A tos 26.19 a palavra visão se refira à revelação subseqüente a Ananias, p o r c u jo interm édio Deus deu a com issão a Paulo (9.10-19). Esta interpretação pode ser apoiada p o r diversos fatores: (1) Paulo nada diz a respeito de ver o S en h o r em 26.19, co m o faz quando se refere diretam ente à sua experiência a cam in h o de D am asco (cf. 22.8; 26.15); (2) quando fala de ter u m a “visão” (optasia), Paulo claram ente a designa c o m o tal (cf. 2 C o 12.1), diferenciando-a de u m a aparição real; (3) Paulo n ão recebeu a sua com issão m issionária n a sua experiência n a estrada para D am asco (A t 9.1-9) —foi-lhe dito: “En tra n a cidade, e lá te será dito o que te convém fazer” (v. 6); (3) foi ali n a cidade, p o r interm édio da “visão” de Ananias (v. 10), q ue Paulo foi instruído a “levar o m e u n o m e [o n o m e de Cristo] diante dos gentios” (v. 15); (5) a referência de Ananias à “visão” de Paulo pode não ter sido à aparição física de Cristo n a estrada para Dam asco, m as a u m a visão posterior que Paulo teve, enquanto orava n a casa de Judas, n a R u a Direita, em D am asco (v. 11) — aqui foi-lhe dito, especificam ente, que Ananias im poria as m ãos sobre ele (v. 12); assim sendo, a expressão “não fui desobediente à visão celestial” (26.19) se refere à com issão p or m eio da visão de Ananias; (6) a palavra visão (optasia) n ão é usada a respeito de u m a aparição ressurrecta em qualquer ou tra passagem do Novo Testam ento —ela é sem pre usada e m referência a u m a experiência p uram ente visionária (cf. Lc 1.22; 24.23; 2 C o 12.1). Q ualquer que seja o caso, o Theobgical Dictionary o f the New Testament corretam ente observa, a respeito das visões, que o Novo Testam ento “as distingue da experiência de D am asco” (G erhard Kittel, ed., G eoffrey "W. Brom iley, trad. [Grand Rapids: Eerdm ans, 1977], 5.357).
loy Ibid.
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Resposta à Objeção Cinco U m a leitu ra cuidadosa deste texto revela que, n a realidade, ele n ão diz que Jesus passou através de u m a p o rta cerrada —ele diz que, em bora as portas estivessem cerradas, Jesus entrou. Havia m aneiras naturais pelas quais Ele poderia ter entrado, sem passar através da porta. Ele poderia ter batido, e alguém lhe teria aberto. Ele poderia ter entrado através de algum a ou tra abertura. Ele poderia ter soltado o cadeado, com o os anjos fizeram para tirar Pedro da prisão (A t 12.10). E, n atu ralm en te, Jesus poderia ter realizado o m ilagre de passar através da p o rta no seu corpo físico; isto não seria p roblem a para Aquele que podia andar sobre as águas (cf. Jo 6.16-20). Andar sobre a água não provava que o corpo anterior à ressurreição de Jesus era im aterial, assim co m o o fato de Pedro andar sobre a água não provava que o seu corpo se desm aterializou por u m m o m en to e então, rapidam ente, se m aterializou o u tra vez (cf. M t 14.29). D e qualquer form a, segundo a física m oderna, não é impossível que u m ob jeto m aterial passe através de u m a porta: é apenas estatisticam ente im provável. Os objetos físicos con têm , principalm ente, espaços vazios, e o que é necessário para que u m objeto físico passe através de ou tro é o alinham ento correto das partículas dos dois objetos físicos —esta não é u m a dificuldade para Aquele que criou o corpo (cf. Jo 1.3).
Objeção Seis-. Baseada na VrrecuperabVYíàaàe das Partículas do Corpo De acordo co m os socinian os110, alguns críticos insistem que u m corpo físico ressu rrecto significaria u m a “visão grosseiram ente m aterialista da ressurreição, segundo a qual os fragm entos dispersos de cadáveres d ecom postos deveriam ser reagrupados” (Harris, RI, 126).
Resposta à Objeção Seis Antes de mais nada, considerando os parâm etros da visão ortod oxa, não é necessário crer que as m esm as partículas serão restauradas1" ; até m esm o o bom senso sugere que u m corpo pode ser o m esm o corpo físico sem ter as m esm as partículas físicas112. 0 fato notável de que os corpos com em alim entos e expelem excreções (assim com o ficam mais pesados ou mais leves) é evidência suficiente disto; se eu ganho ou perco vários quilos, nós não direm os que o m eu corp o já não m ais é m aterial, n em que já não é mais o m eu corpo. A lém disto, e apesar disto, um Deus onipotente certam en te poderia agrupar novam ente todas as partículas dispersas do corpo de alguém n a ressurreição final. Q uanto àquelas partículas com partilhadas em u m m o m en to ou ou tro p o r dois ou mais corpos, não é difícil para Deus, o Criador, até m esm o do pó fo rn ecer as partículas que faltarem . Finalm ente, e novam ente, é desnecessário crer que Deus precisa recon stitu ir as exatas partículas de u m corpo anterior à ressurreição. C o m o m encionam os, o nosso corpo anterior à ressurreição continua físico, em bora as suas m oléculas físicas exatas se m odifiquem (reciclem ) aproxim adam ente a cada sete anos. O corpo ressu rrecto pode ser o m esm o corpo que o atual, ainda que ten h a novas m oléculas.
110 N o m e d erivad o de F au stu s S o cin iu s (1539-1604); v e ja V o lu m e 3, ca p ítu lo 8. “Id entid ad e N u m é ric a ”.
111 V eja apên dice 1.
V eja a cim a , sob
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Objeção Sete: Baseada no Fato de que “Carne e Sangue” não Podem Entrar no Reino Paulo disse: “carne e sangue não podem herdar o Reino de D eu s” (1 C o 15.50), e com base nisto alguns conclu íram que o corpo ressu rrecto n ão pode ser físico. Já no século II, Irineu observou que esta passagem era usada por hereges para sustentar o que ele cham ou de “seu erro im en so ”113.
Resposta à Objeção Sete Primeiro, a próxim a frase, om itida da citação feita acim a de 1 Coríntios 15.50, indica claram ente que Paulo não está falando da carne co m o tal, mas da carne corruptível: “Nem a corrupção herda a incorrupção”. Paulo não está dizendo que o corpo ressu rrecto não terá carne, mas que ele não terá carne corruptível. Segundo, para convencer os discípulos amedrontados de que Ele não era um espírito imaterial (Lc 24.37), Jesus disse enfaticamente que o seu corpo ressurrecto tinha carne (v. 39). Terceiro, Pedro disse diretam ente que o corpo ressurrecto seria o m esm o corpo de carne que foi para o sepulcro e jam ais viu corrupção (A t 2.31). Paulo reafirm ou isto (13.35), e João dá a entender que é con trário a Cristo negar que Ele p erm an eça “em carn e” depois da sua ressurreição (1 Jo 4.2; 2 Jo 7). Quarto, e finalm ente, “carne e sangue”, neste contexto, aparentem ente significam carne e sangue mortais, isto é, um m ero ser hum ano. Com pare a declaração que Jesus faz a Pedro, que tinha acabado de confessar que Ele é o Messias: “Não foi carne e sangue quem to revelou” (M t 16.17). Jesus não poderia estar se referindo à m era substância do corpo, que obviam ente não poderia revelar a sua identidade com o Filho de Deus; na verdade, “à única interpretação correta e natural [de 1 Co 15.50] parece ser a de que u m homem, como ele é agora, um a criatura frágil, terrena e corruptível, não pode ter um lugar no reino glorioso e celestial de Deus”m . Não há nada neste texto que negue a natureza física do corpo ressurrecto.
Objeção Oito: Baseada na Diferença entre Ressurreição e Ressuscitação Os que são contrários à ressurreição física tam bém sustentam que o corpo de Jesus não era m aterial, porque a sua ressurreição foi mais do que a m era ressuscitação de u m cadáver físico. Eles argum entam que dizer que o seu corpo era o m esm o corpo físico que Ele tinha antes de ressuscitar é equivalente a reduzir a ressurreição a um a ressuscitação.
Resposta à Objeção Oito Primeiro, a ressurreição de Je s u s m a is do que um a ressuscitação. Os defuntos ressuscitados m orrem de novo; porém o corpo ressurrecto de Jesus é imortal. Ele venceu a m orte (Hb 2.14; 1 Co 15.54,55), ao passo que os corpos meramente ressuscitados serão, no final, vencidos pela m orte, com o na história de Lázaro, que foi ressuscitado por Jesus, mas, no final, m orreu outra vez (cf. Jo 11). Jesus foi o primeiro a ressuscitar em um corpo imortal, um corpo que jamais m orrerá outra vez (1 Co 15.20). No entanto, o fato de que Jesus foi o primeiro a ressuscitar em um m V e ja Irin e u , Against Heresies, X X X .1 3 , in: A lex a n d er R o b e rts e Jam es D o n a ld so n , eds., The Ante-NiceneFathers (G ra n d R apids: E erd m an s, reim p ressão da ed ição de 1885), 1.357. E erd m an s, 1964), 204.
114 J. A. S ch ep , The Nature o f the Resurrection Body (G ra n d Rapids:
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corpo imortal não quer dizer necessariamente que o seu corpo fosse imaterial. A ressurreiça: foi mais do que a reanimação de um cadáver material, mas não menor.
Além disto, não se pode concluir que, pelo fato de o corpo ressurrecto de Jesus n ; : poder m orrer, ele não pudesse ser visto —o que é im ortal não é necessariam ente invisível. O universo físico re-criado durará para sem pre no seu estado restaurado (Ap 21.---: . e ainda será visível. O corpo ressu rrecto é diferente da ressuscitação, não naquilo que é im aterial, mas naquilo que é im ortal (1 Co 15.42,53).
Objeção Nove: Baseada no Fato de que Jesus Apareceu em uma “Forma Diferente” M arcos 16.12 declara que “Jesus m anifestou-se em ou tra form a a dois deles [dois de seus seguidores] que iam de cam in ho para o cam p o”. C om base nisto, alguns afirm am que depois da ressurreição “não podem os excluir a possibilidade de que a form a visível de Jesus tin h a sido alterada de algum a m aneira m isteriosa, im pedindo que Ele fosse recon h ecid o”. Eles sugerem que “a expressão ‘m anilestou-se em o u tra fo rm a ’, no apêndice de M arcos115, resum e isto ” (Harris, RI, 56).
Resposta à Objeção Nove Primeiro, existem questões importantes a respeito da autenticidade deste texto: Marcos 16.9-
20 não está em alguns dos mais antigos e m elhores m anuscritos116. Ao reconstruir os textos originais a partir dos manuscritos conhecidos e existentes, muitos estudiosos acreditam que os textos mais antigos são mais confiáveis, um a vez que são mais próximos dos originais1'7. S egunâo, m esm o garantindo a au tentícíàaàe àa passagem (e conseqüentem en te ào versículo), o evento que ele sum ariza (cf. Lc 24.13-32) diz sim plesm ente que “os olhos deles estavam com o que fechados, para que o não conh ecessem ” (v. 16). O elem ento m ilagroso não estava no corpo de Jesus, mas no que Deus fez aos olhos dos discípulos; o recon h ecim en to de Jesus lhes foi im pedido, até que seus olhos fossem abertos. Terceiro, na m elh o r hipótese, M arcos 16.12 é um a referência obscura e isolada sobre a qual é im prudente basear os pronunciam entos da doutrina. Quarto, e finalm ente, seja o que for que “ou tra fo rm a ” signifique, certam en te não significa um a fo rm a diferente do seu corpo físico, m aterial. Nesta m esm a ocasião, Jesus com eu alim ento físico (Lc 24.30), um a capacidade que pouco tem po depois Ele apresentou com o prova de que era “carne e ossos” e não um “espírito” im aterial (w . 3843). “O utra fo rm a” provavelm ente quer dizer que algumas vezes Ele aparecia na form a de u m jardineiro (cf. Jo 20.15), algum as vezes na fo rm a de u m viajante (cf. Lc 24) etc.
Objeção Dez: Baseada no Fato de que os discípulos não Reconheceram a Jesus O u tra objeção a C risto ter ressuscitado no m esm o corpo físico é que, se isto tin ha acontecido, por que os discípulos freqüentem en te não o reconheciam ? C ertam ente, se Ele estivesse no m esm o corpo físico, Ele deveria ter sido reconhecido fisicam ente com o sem pre.
115 O “apêndice de M a rc o s” se re fere a M arcos 16.9-20.
116V eja N o rm a n L. G eisler e W illia m E. N ix, General Introduction to the
Bible: Revised and Expanded (C h ica g o : M o o d y Press, 1986), 486^89. - ü lV e ja ta m b é m V o lu m e 1, ca p ítu lo s 26-27.
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Resposta à Objeção Dez Esta argum entação deixa de perceber o seguinte: Em cada passagem em que os discípulos não o reconheceram , antes que a aparição fosse concluída, os discípulos estavam tão absolutam ente seguros de que era o m esm o Jesus com quem tinham passado mais de três anos, que se converteram , em u m m om en to, de céticos amedrontados e tem erosos para a m aior força missionária do m undo! E verdade, havia um a hesitação inicial ocasional em reconhecê-lo, por causa da escuridão, do m edo, da descrença, e da ansiedade, mas esta dúvida m om en tânea118 logo foi sobrepujada por um a certeza indubitável daquilo que, posteriorm ente, foi cham ado de “infalíveis provas” (A t 1.3) de que era o m esm o Jesus, no m esm o corpo, com cicatrizes da crucificação e tudo o mais (cf. Lc 24.40; Jo 20.27).
Objeção Onze: Baseada no Fato de Jesus Ser Ressuscitado “no Espírito” D e acordo co m Pedro, Jesus foi “m ortificado, n a verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito” (1 Pe 3.18). Alguns usaram estas palavras para sugerir que o corpo ressurrecto não era carne m aterial, mas “espírito” im aterial.
Resposta à Objeção Onze Esta interpretação não é necessária n em coerente co m o con texto desta passagem e do resto das Escrituras. Antes de mais nada, a passagem pode ser traduzida com o: “Ele m o rreu n o corpo, mas foi ressuscitado n o Espírito [Santo]” (N TLH); ela é traduzida com este m esm o significado tam bém em outras versões. A lém disto, no Novo Testam ento a correspondência en tre “m o rte ” e ser “vivificado” n o rm alm en te se refere à ressurreição corpórea. Por exem plo, Paulo declarou que “m o rreu C risto e to rn o u a viver” (R m 14.9), e “ainda que [Ele] te n h a sido crucificado por fraqueza, vive, contud o, pelo poder de D eu s” (2 C o 13.4). Também, o contexto se refere ao evento com o “a ressurreição de Jesus Cristo” (1 Pe 3.21), o que é interpretado em todas as passagens do Novo Testamento com o um a ressurreição corpórea. Finalm ente, m esm o que “espírito” não se refira ao espírito h u m an o de Jesus (e m lugar do Espírito Santo), isto não quer dizer que Jesus não te n h a tido u m corpo ressu rrecto; se fosse assim, a referência ao seu “co rp o ” (carn e) antes da sua ressurreição significaria que Ele tam bém n ão tin h a espírito h u m an o. C onseqüentem en te, “carn e”, neste contexto, se refere a toda a sua condição de hu m ilhação antes da ressurreição119; “espírito” se refere ao seu poder ilim itado e à vida incorru ptível posterior (Schep, NRB, 77).
Objeção Doze: Baseada no Fato de Cristo Ser um “Espírito Vivificante” depois da Ressurreição De acordo com 1 Coríntios 15.45, Cristo foi feito u m “espírito vivificante” depois de ser ressuscitado. Alguns apresentaram esta passagem co m o um a evidência de que Jesus não teve u m corpo físico ressurrecto.
118 E le n ã o fo i re c o n h e c id o in ic ia lm e n te p o r seus d iscípu los, p o r d iferen tes razõ es, e m d iferen tes ocasiões: (1 ) “Os o lh o s deles estav am c o m o q u e fech a d o s” (Lc 2 4.16); (2 ) eles fica ra m p e rp lex o s ( w . 17-21); (3 ) eles estav am tristes (Jo 20.11-15); (4 ) ainda e stava e sc u ro (vv. 14,15); (5 ) a d istân cia e ra m u ito g ran d e (2 1 .4 ); (6 ) eles fica ra m esp an tad o s (Lc 24.36,37); (7 ) eles n ã o c re ra m (Jo 20.24,25); (8 ) eles fo ra m e sp iritu a lm e n te le n to s (Lc 24.25,26).
119 C f. Filipen ses 2.
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Resposta à Objeção Doze Esta conclusão não procede p or razões sim ilares às apresentadas para o argum ento anterior. Primeiro, “espírito vivificante” não se refere à natureza do corpo ressurrecto, mas à origem divina da ressurreição. O corpo físico de Jesus retornou à vida som ente pelo poder de Deus (cf. R m 1.4); Paulo está falando da sua origem espiritual, não da sua substância m aterial. Segundo, se “espírito” descrevesse a natu reza do corpo ressu rrecto de Cristo, então Adão (co m quem Ele é com parad o120) não teria tido u m a alm a, u m a vez que ele é descrito co m o “feito do pó da te rra ” (1 Co 15.47, NTLH). Adão era “u m a alm a vivente” ( “u m ser vivo”, G n 2.7, NTLH). Terceiro, o corpo ressu rrecto de Cristo é cham ado de “corpo espiritual” (1 C o 15.44), o que, co m o já vim os, é a m esm a descrição que Paulo usou para com ida, bebida e um a pedra literal (10.3,4). Quarto, o corpo ressu rrecto é cham ado de “c o rp o ” (soma), que sem pre quer dizer um corpo físico, quando se refere a um ser h u m an o individualm ente (G undry, SBT, 168). Em resum o, o corpo ressurrecto é cham ado de “espiritual” e de “espírito vivificante” porque a sua origem está no cam po espiritual, e não porque a sua substância é im aterial. O corpo natu ral de Adão era “terren o” (15.47), mas assim com o alguém da “terra” tam bém tem um a alm a im aterial, tam bém Aquele que era do “céu ” tem um corpo material.
Objeção Treze: Baseada no Fato de que Seremos como Anjos na Ressurreição Jesus disse que, na ressurreição final, nós serem os “co m o os a n jo s” (M t 22.30). Os anjos não têm corpos físicos: eles são espíritos (cf. Hb 1.14); assim, alguns argum entam que, quando nós ressuscitarm os, não terem os corpos físicos.
Resposta à Objeção Treze Esta conclusão é desnecessária. Prim eiro, o con tex to não é sobre a natu reza do corpo ressu rrecto, mas se haverá casam ento no céu. Jesus respondeu que não haverá; Ele nada disse aqui sobre as pessoas terem corpos im ateriais no céu. A lém disto, o fato de Jesus dizer que “n a ressurreição [...] serão com o os anjos no c é u ”, obviam ente significa que, co m o os anjos, nós “não nos casarem os n e m serem os dados em casam ento”. Ele disse que nós serem os com o os anjos porque não nos casarem os, e não porque serem os im ateriais.
A BASE HISTÓRICA PARA A RESSURREIÇÃO DO CORPO HUMANO A dou trina da ressurreição física de todos os seres h u m anos está firm em ente fundam entada na história da igreja. Em oposição ao gnosticism o, os prim eiros Pais inclusive escolh eram o term o mais fo rte para descrevê-lo — a ressurreição da carne (gr. sarx), usado quatro vezes no Novo Testam ento (e um a vez no Credo dos A póstolos) para descrever a natu reza do corpo ressu rrecto121.
120 Cf. Rom anos 5; 1 Coríntios 15.
121 Lucas 24.39; Atos 2.31; 1 Joao 4.2; 2 Joao 7.
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Os Primeiros Pais da Igreja C o m a exceção das visões dispersas não-ortod oxas (co m o a de O rígenes), os prim eiros Pais afirm aram que Jesus ressuscitou no m esm o corpo de carne em que foi crucificado.
0 Credo dos Apóstolos (c. 150) O credo diz: “Creio [...] na ressurreição da carn e”. O fato de que a igreja cristã ten h a sem pre confessado a sua crença na ressurreição física de Cristo está expresso nesta frase inconfu nd ivelm ente clara. Podemos dizer, portanto, que toda a igreja primitiva, no Oriente e no Ocidente, igualmente, confessava publicamente a crença na ressurreição da carne. Nos credos ocidentais [...] esta fórmula confessional conservou o seu lugar praticamente sem exceção. Até a Reforma, não existe nenhuma exceção (Schep, NRB, 221).
Justino Mártir (c. 100-c. 165) O filósofo convertido Justino M ártir foi u m dos prim eiros grandes apologistas da igreja. Ele não som ente usa a expressão “ressurreição da carn e”, m as tam b ém a designa co m o referindo-se à carne (ao corpo), e não à alm a. Ele diz claram ente: “A ressurreição é u m a ressurreição da carne que m o rre ” ( ORF, in: R oberts and D onaldson, ANF, 1.298)122. “E le até c h a m o u a carne à re s su rre içã o , e p r o m e te a ela a vid a e te r n a . Pois n as p assagen s e m q u e E le p r o m e te salv ar o h o m e m , ali E le faz a p ro m e ss a à carne” (ibid ., 297). A lém disto: Depois que Ele lhes tinha mostrado que existe verdadeiramente uma ressurreição da carne, desejando mostrar-lhes também que não é impossível que a carne suba ao céu [...] “Ele foi levado ao céu enquanto eles olhavam”, como estava, na carne (ibid., 298).
Irineu (c. 125-c. 202) A igreja crê em um Deus, o Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, do mar, e de todas as coisas que há neles, e em um Cristo Jesus, o Filho de Deus, que Se fez carne para nossa salvação [...] e na ressurreição dos mortos, e na ascensão ao céu, na carne do adorado Cristo Jesus, nosso Senhor (AH, 1.10.1, in: ibid., 1.330). Ressuscitar a carne não representa um problema para Deus. Uma vez que o Senhor tem poder de infundir vida no que desejar, e uma vez que a carne pode ser vivificada, o que resta para evitar a sua participação na incorrupção, que é uma vida abençoada e eterna, concedida por Deus? (AH, 3.3, in: ibid., 530).
Tertuliano (c. 155-c. 225) Com respeito a esta regra de fé [...] vocês devem saber que a crença prescreve que existe um único Deus e que Ele é o Criador do mundo, que criou todas as coisas do nada, por
122 N estas c itaçõ es, as ênfases fo ra m adicion ados p e lo au to r.
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meio da sua palavra, que Ele já existia antes de tudo e todos [...] e que, por fim, desceu pelo Espírito e pelo Poder do Pai à virgem Maria, e tornou-se carne no seu útero [...] tendo sido crucificado, ressuscitou novamente ao terceiro dia [...] e voltará, com glória, para levar os santos para desfrutarem a vida eterna e as promessas celestiais, e condenar os ímpios ao fogo eterno, depois que tiver tido lugar a ressurreição dos dois tipos de pessoas, juntamente com a restauração da carne destes ( P A H , XIII, in: ibid., 3.249). Atenágoras (final do século II) [O fato de que] o seu poder é suficiente para ressuscitar os defuntos é demonstrado pela criação destes mesmos corpos. Pois se, quando eles não existiam, Ele criou, na sua primeira formação, os corpos de homens e seus elementos originais, quando eles forem dissolvidos, Ele os ressuscitará, de qualquer maneira que possa haver, com a mesma facilidade, pois também isto é igualmente possível para Ele (R D , 3, in: ibid., 2.150). Rufino (345-410) R ufino, u m bispo latino, escreveu a obra “C o m m en tary on the Apostles’ C reed ” (C om en tário sobre o Credo dos apóstolos), em que declarou que até m esm o as partículas perdidas do corpo m o rto serão restauradas n o corpo ressurrecto. Em ou tra declaração encontrada em u m prefácio à obra “D efense o f O rigen” (D efesa de O rígenes), de Panfílio, R ufino enfatizou a identidade do corpo de C risto com a sua carne: Nós cremos que é esta mesma carne na qual vivemos agora que irá ressuscitar outra vez, não um tipo de carne em vez de outro, nem outro corpo que não seja o corpo desta carne [...] E uma absurda invenção de maldade pensar que o corpo humano é diferente da carne (citado por Schep, N R B , 225). Epifânio (c. século IV ) O Segundo Credo de Epifânio, u m a am pliação do Credo N iceno, afirmava: O Verbo tornou-se carne, sem passar por nenhuma modificação nem convertendo a Divindade em Humanidade, [mas] unindo em si mesmo uma santa perfeição e Divindade [...] O mesmo sofreu na carne; ressuscitou novamente; e subiu ao céu no mesmo corpo, assentou-se gloriosamente à direita do Pai; e voltará no mesmo corpo em glória para julgar os vivos e os mortos (T C E S F , in: Schaff, CC, 11.37). Cirilo de Jerusalém (c. 315-c. 387) Que nenhum herege jamais lhe convença a falar mal da ressurreição. Pois até hoje os maniqueus dizem que a ressurreição do Salvador foi fantasmagórica, e não real, não dando ouvidos a Paulo, que diz: Que nasceu da descendência de Davi segundo a carne; e ainda, p ela ressurreição de Jesu s Cristo, nosso Senhor, dentre os mortos (C L , XIV.21, in: Schaff, N F N F , VII.99). A declaração de Fé que nós repetimos contém, em ordem, o seguinte: “E [NOS CREMOS] EM UM BATISMO DE ARREPENDIMENTO PARA A REMISSÃO DOS PECADOS; E EM UMA SANTA IGREJA CATÓLICA; E NA R E S S U R R E IÇ Ã O D A C A R N E ■E NA VIDA ETERNA” (C L , XVIII.22, in: ibid., 139).
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C om relação à referência de Cirilo ao corpo ressurrecto com o “o m esm o corp o” que nós tem os antes da ressurreição final (XVIII. 18, in: ibid.), interpretações similares tam bém eram defendidas por Gregório de Nazianzo (c. 330-c. 389, u m presidente do Concilio de Constantinopla), Gregório de Nissa (c. 335-c. 395), e Basílio M agno (c. 329-379).
Os Pais Medievais Agostinho (354-430) O prim eiro grande Pai da Idade M édia foi A gostinho, bispo de Hipona, cu jos textos am plos e influentes dom inaram a igreja m edieval e p erm an ecem até a atualidade. E indubitável que a ressurreição de Cristo, e a sua ascensão ao céu com a came na qual Ele subiu, já se prega em todo o mundo, e já se crê nela (CG, XXII.5, in: Schaíf, NPNF, 11.482). O corpo terreno de Cristo foi recebido no céu. As pessoas, instruídas ou não, já acreditam na ressurreição da came e na sua ascensão aos lugares celestiais, ao passo que somente muito poucos, dos dois grupos, ainda se assombram com este conceito (ibid.). Longe de nós temermos que a onipotência do Criador não possa, para a ressurreição e reanimação de nossos corpos, recuperar todas as porções que foram consumidas por animais ou pelo fogo, ou que foram dissolvidas no pó ou em cinzas, ou decompostas na água, ou até mesmo evaporadas no ar (XXII.20.498, in: ibid.).
Anselmo (1033-1109) A ressurreição futura dos mortos está claramente provada. Pois, se o homem deve ser perfeitamente restaurado, a restauração deverá fazê-lo como ele deveria ter sido, se jamais tivesse pecado [...] Portanto, assim como o homem, se não tivesse pecado, devia ter sido transferido com o mesmo corpo para um estado imortal, também, quando ele for restaurado, isto deverá apropriadamente acontecer com o seu próprio corpo em que ele viveu neste mundo (CDH, II.III, in: SABW, 241). Eu não creio que a mortalidade seja inerente à natureza essencial do homem, mas à sua natureza corrompida. Assim, se o homem jamais tivesse pecado, e se a imortalidade tivesse sido confirmada imutavelmente, ele teria sido realmente o que foi criado para ser; e, quando os mortos ressuscitarem, incorruptíveis, eles não serão menos do que realmente foram criados para ser. Pois, se a mortalidade fosse um atributo essencial da natureza humana, Aquele que era imortal não poderia se fazer homem (II.XI, in: ibid., 255-56).
Tomás de Aquino (1225-1274) A alma não assume nenhum corpo irreal ou celestial, nem um corpo de outra constituição orgânica, mas um corpo humano composto de carne e ossos e os mesmos membros usados na atualidade (CT, 153, in: Gilby, STAPT, 764). Eles não creram na ressurreição do corpo, e tentaram distorcer as palavras das Sagradas Escrituras para que significassem uma ressurreição espiritual, uma ressurreição do pecado por meio da graça [...]
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O fato de que o apóstolo Paulo acreditava em uma ressurreição corpórea é claro [...] Negar isto, e afirmar uma ressurreição puramente espiritual, é contrário à fé cristã (SCG, 79, in: ibid., 662). Pela conjunção a uma alma que é numericamente a mesma, o homem será restaurado a uma matéria que é numericamente a mesma. [Portanto], embora esta corporalidade resulte em nada quando o corpo humano é corrompido, ela não pode, por tudo isto, ser um obstáculo para a ressurreição do corpo com identidade numérica [...] [Conseqüentemente], fica claro que o homem retorna numericamente o mesmo, em virtude da permanência da alma racional, e também devido à unidade da matéria (5CG, IV.81.6-7, 10).
As Confissões da Reforma A Fórmula da Concórdia (1577) Esta grande confissão lu terana diz: “Nós crem os, ensinam os e confessam os [...] os principais artigos da nossa fé ” (de Criação, de Redenção, de Santificação, e a Ressurreição da carne) (em Schaíf, CC, 3.98). Esta nossa mesma natureza humana (que é a sua própria obra) Cristo redimiu; e é a mesma (como é a sua própria obra) que Ele santifica, a mesma [natureza humana] que Ele ressuscita dos mortos, e com grande glória (como sendo a sua própria), Ele coroa (em ibid., 3.99). Os Artigos de Visitação Saxões (1592) Estes artigos, preparados por Egídio H unnius (1550-1603) e outros teólogos luteranos da Saxônia, declaram : Com esta união pessoal [das duas naturezas de Cristo] e a exaltação que a seguiu, Cristo, segundo a carne, voltou ao seu lugar à mão direita de Deus, e recebeu poder no céu e na terra, e participa de toda a divina majestade, honra, poder e glória (em ibid., 3.183). A Confissão de Fé Francesa (1559) Esta confissão, preparada por João Calvino e seu aluno, A n toine de la R och e Chandieu (1534-1591), afirma: Embora Jesus Cristo, ao ressuscitar dos mortos, conferisse imortalidade ao seu corpo, ainda assim não removeu dele a verdade da sua natureza, e assim nós o consideramos na sua divindade para que não o despojemos da sua humanidade (em ibid., 368-69). A Confissão Belga (1561) Esta confissão, com posta pela França para as igrejas em Flandres e na Holanda, foi adotada pelo Sínodo da R eform a em E m den (1571) e pelo Sínodo de D o rt (1618-1619). Embora Ele [Cristo] pela sua ressurreição tenha dado imortalidade aos seres humanos, Ele não modificou a realidade da sua natureza humana; ainda mais porque a nossa salvação e ressurreição também dependem da realidade do seu corpo (em ibid., 404).
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Finalmente, nós cremos, de acordo com a Palavra de Deus [...] que o nosso Senhor Jesus Cristo virá do céu, corporalmente e visivelmente, como subiu, com grande glória e majestade, para declarar-se juiz dos vivos e dos mortos [...] Pois todos os mortos serão ressuscitados da terra, e suas almas unidas com seus próprios corpos, nos quais antes viveram (em ibid., 433-34). Os Trinta e Nove Artigos de Religião (1571) Estes artigos da Igreja da Inglaterra foram revisados pela Igreja Protestante Episcopal nos Estados Unidos, em 1801. Ambas declaram : Cristo, em verdade, ressuscitou da morte, e assumiu novamente o seu corpo, com carne e ossos, e todas as coisas pertinentes à perfeição da natureza do Homem, com que Ele subiu ao Céu, e ali está assentado, até retornar para julgar todos os Homens, no último dia (em ibid., 489). A s C o n fis s õ e s d a P ó s - R e f o r m a A Confissão de Fé de Westminster (1648) Este padrão confessional dos presbiterianos ortod oxos afirma: [Cristo] foi crucificado, e morto; foi sepultado, e permaneceu sob o poder da morte, mas não viu corrupção. No terceiro dia, Ele ressuscitou dos mortos, com o mesmo corpo no qual Ele sofreu; com o qual Ele subiu ao céu, e ali está assentado à mão direita do seu Pai (em ibid., 620-21). Declaração da União Congregacional (1833) Os prim eiros congregacionalistas e batistas tam bém aderiram à natu reza m aterial e física da ressurreição. A D eclaração da União Congregacional da Inglaterra e do País de Gales fala de Cristo sendo “m anifesto na carne”, e que, “depois da sua m o rte e ressurreição, Ele subiu ao céu ”. Em acréscim o: “Os corpos dos mortos ressuscitarão” (em ibid., 731-33). A confissão batista de New H am pshire (1833) tam bém recon h eceu a natu reza m aterial do corpo ressurrecto, falando de ressuscitar “os mortos das sepulturas" onde o cadáver m aterial foi sepultado (em ibid., 748). O utros grupos anabatistas e batistas tam bém afirm aram a n atu reza física literal do corpo ressu rrecto (v eja ibid., 749ss.). Som en te em 1552, a expressão “ressurreição do co rp o ” foi adm itida no Credo dos Apóstolos com o um a interpretação alternativa para “ressurreição da ca rn e”. A lém disto, m esm o aqui “os term os carne e corpo foram considerados equivalentes”; a expressão “ressurreição da carn e” é “u m a expressão legítim a da dou trina bíblica da ressu rreição” (em Schep, NRB, 222, 227). A afirm ação da ressurreição da carne é não som ente o ensinam ento bíblico sobre a ressurreição, mas tam bém tem sido a confissão universal da igreja ortod oxa, por todos os séculos. CONCLUSÃO Existe um a base firm e, bíblica, teológica e histórica para a cren ça de que as almas, tanto de crentes quanto de incrédulos, sobrevivem à m o rte e existem conscien tem ente entre a m o rte e a ressurreição. Estas almas serão ressuscitadas im ortais nos m esm os corpos físicos nos quais existiram antes da m o rte.
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Haverá duas ressurreições. A p rim eira é a dos crentes e terá lugar antes do reinado de C risto, de m il anos; a segunda é a dos incrédulos e acontecerá depois do m ilê n io 123. O corpo ressu rrecto do crente será físico, assim como im ortal e incorruptível. Os crentes passarão a eternidade de felicidade em seus corpos ressurrectos, físicos e glorificados124; os incrédulos passarão por angústias eternas em seus corpos ressuscitados im ortais125.
FONTES Abanes, Richard. Joum ey Into the Light. A nselm o. Cur Deus Homo?, in: Saint Anselm: Basic Writings. _____ Saint Anselm: Basic Writings. A postoles’ Creed, The. Arndt, W illiam F., e F. W ilbur G ingrich. A Greek-English Lexicon o f the New Testament. Atenágoras. P leafo r the Christians. . The Resurrection o f the Dead.
A gostinho. City o f God. Belgic Confession, The. B etten so n , Henry. Documents o f the Chnstian Church. João Calvino, Institutes o f the Christian Religion. Chafer, Lewis Sperry. Systematic Theology. C lem ente de R om a. First Epistle o f Clement to the Corinthians. Cirilo de Jerusalém . Catechetical Lectures. D eclaration o f the Congregational. Edwards, Jonathan. “Five Serm ons on DifFerent O ccasions”, in: The Works o f Jonathan Edwards.
Epifânio. Two Greeds o f Epiphamus: Second Formula. Erickson, M illard. Christian Theology. Fórm ula de C oncord, A. French Confession o f Faith, The. Geisler, N orm an L. The B attlefor the Resurrection. Geisler, N orm an L., e W illiam E. Nix. General Introduction to the Bible: Revised. Gilby, Thom as. São Tomás de Aquino: Philosophical Texts. ________ . São Tomás de Aquino: Theological Texts. Gundry, R obert. Soma in Biblical Theology With Emphasis on Pauline Anthropology. G ru d em , Wayne. Systematic Theology. Harris, M urray. Easterin Durham. ________ . Raised Immortal H atch, Edwin, e H enry Redpath. A Concordance to the Septuagint and Other Greek Versions o f the Old, Testament.
Ignatius. Epistle o f Ignatius to the Romans. Irineu. Against Heresies. Jo h n o f Dam ascus. A n Exact Exposition o f the Orthodox Faith. Justino M ártir. First Apology. _____ . On the Resurrection, Fragments. K ittel, G erhard. Theology Dictionary o f the New Testament. Ladd, George. I Believe in the Resurrection o f Jesus. 123V eja c a p ítu lo 15.
124Veja c a p ítu lo 8.
125Veja c a p ítu lo 9.
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Lutero, M artinh o. Luthers Works. M etódio. Discourse on the Resurrection. New H am pshire Baptiste Confession, The. N icene Creed, The. Orígenes. De Principiis. R ienecker, Fritz. A Linguistic Key to the Greek New Testament. Roberts, Alexander, e Jam es D onaldson, eds. The Ante-Nicene Fathers. R ufino. “C o m m en tary on th e Apostles’ C reed”. Saxon V isitation Articles, The Schaff, Philip. Creeds o f Christendom. ________ . The Nicene and Post-Nicene Fathers. Schep, J. A. The Nature o f the Resurrection Body. Spurgeon, Charles. The Spurgeon Sermon Collection. T ertu liano. The Prescnption Against Heretics. Tom ás de Aquino. Compendium o f Theology. ________ . Summa Contra Gentiles. ________ . Summa Theologica. T rinta e Nove Artigos de Religião, Os. W estm inster Confession o f Faith, The.
C A P Í T U L O
O I T O
O ESTADO FINAL DOS SALVOS (CÉU)
s palavras bíblicas para “céu ” (heb. shamayim; gr. ouranos) são usadas de várias maneiras diferentes. Existem três céus: O prim eiro é o céu acim a de nós (a atm osfera da terra — M t 6.26), o segundo é onde estão as estrelas (o espaço — 24.29), e o terceiro é a própria m orada de Deus, cham ado de “terceiro céu ” ou “paraíso” (2 Co 12.2,4). E neste terceiro sentido que “céu ” é usado neste capítulo, a saber, com o a m orada de Deus, o destino final
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dos justos.
A BASE BÍBLICA PARA A DOUTRINA DO CÉU A Bíblia está cheia de referências ao céu. Em bora m uitas perguntas sejam deixadas em aberto, tornand o o céu o tem a de um a am pla gam a de especulações, tam bém existem m uitas verdades que nós realm ente conh ecem os a respeito dele.
0 Céu no Presente: Um Lugar de Bem-Aventurança para os Espíritos que Já Partiram O céu agora é u m lu g ar real c o m e sp írito s que p a rtira m , u m lu g a r de b e m a v e n tu ra n ça n a p re sen ça de D eu s, p ara ond e vão os c re n te s qu an d o m o rre m . E n o q u e e n tro u n o céu q u an d o “D eu s p ara si o to m o u ” (G n 5.24). Elias ta m b é m “su b iu ao céu n u m r e d e m o in h o ” (2 Rs 2 .1 1 ). Jesus fo i p ara lá n a sua m o r te , d izend o: “Pai, nas tu as m ão s e n tre g o o m e u e sp írito ”1. U m s a ltea d o r a rrep en d id o ta m b é m fo i, depois que Jesus lh e disse: “H o je estarás co m ig o n o P araíso” (L c 23 .4 3 ). Paulo re fe riu -s e a esta co n d içã o c o m o “d eixar este c o r p o ” e “h a b ita r c o m o S e n h o r ” (2 C o 5.8). O céu é a m orada de Deus; o S en h or Jesus disse: “Pai nosso, que estás nos céus” (M t 6.9; cf. 5.16), e disse que era u m lugar real, lem brando seus discípulos: Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós também (Jo 14.2,3).
1 Lucas 23.46; cf. Marcos 16.19; Lucas 24.51.
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Jesus disse que Ele veio do céu, e que para lá retornaria: “N inguém subiu ao céu [corporalm ente], senão o que desceu do céu, o Filho do H o m em ” (3.13)2; “Aquele que vem de cim a é sobre todos, aquele que vem da terra é da terra e fala da terra. Aquele que vem do céu é sobre todos” (v. 31); “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém co m er desse pão, viverá para sem pre” (6.51). Jesus disse a M aria M adalena: “Não m e detenhas, porque ainda não subi para m eu Pai, m as vai para m eus irm ãos e dize-lhes que eu subo para m eu Pai e vosso Pai, m eu D eus e vosso D eus” (20.17). Isto Ele fez na sua ascensão, quando os anjos disseram que Ele retornaria da m esm a m aneira co m o tin h a partido3. T am bém se diz que os anjos estão “nos céus” (M t 18.10), que vêm “do céu ” (28.2), que habitam “no céu ” (M c 13.32), e que reto rn a m ao céu (Lc 2.15). No céu, está o “tro n o ” de Deus (M t 5.34), onde Cristo se assenta à sua “direita” (R m 8.34; Hb 1.3), onde os anjos o rodeiam em lou v or e adoração (Ap 4—5), e onde os serafins entoam o louvor: “Santo, Santo, Santo é o Sen h o r dos E xércitos” (Is 6.3). O fato de D eus habitar n o céu não quer dizer que Ele esteja som en te ali e não seja onipresente4. Salom ão orou: “Eis que os céus e até o céu dos céus te não poderiam co n ter” (1 Rs 8.27). D eus está em todos os lugares, co m o revelou o salm ista:Para onde m e irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a m in h a cam a, eis que tu ali estás tam b ém ” (SI 139.7,8). A realidade do céu co m o m orad a de Deus sim plesm ente quer dizer que existe u m lugar (co m o o antigo tabernáculo do con certo e o tem p lo) onde D eus se m anifesta de u m a m aneira especial, u m centro ou “tro n o ” do qual Ele governa o universo. Não im p orta se o céu está dentro do universo físico ou em o u tra dim ensão física, é u m lugar real onde os ju stos “verão o seu ro sto ” (Ap 22.4). O C é u n o F u tu ro : O N o v o C é u e a N o v a T e rra De acordo co m Apocalipse, depois da ressurreição, depois que todos os espíritos hu m anos crentes tiverem se reunido co m seus corpos, o céu descerá à terra3 n a fo rm a da Nova Jerusalém : E [eu, João] vi um novo céu e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. E eu, João, vi a Santa Cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus (21.1-3). O céu te m fundações, portas e dim ensões: Veio um dos sete anjos [...] e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei a esposa, a mulher do Cordeiro. E levou-me em espírito a um grande e alto monte e mostrou-me a grande cidade, a santa Jerusalém, que de Deus descia do céu. E tinha a glória de Deus. A 2 Jesus foi o prim eiro a entrar no céu com um corpo (1 Co 15.22). Outros, com o Enoque e Elias e o restante dos santos do Antigo Testam ento, o precederam em um estado desencarnado (veja capítulo 7). veja tam bém capítulo 15.
4V ejaV olum e 2, capítulo 7.
tua vontade, tanto na terra com o no céu ” (M t 6.10).
3 Atos 1.11; cf. 1 Tessalonicenses 4.16;
5 M esm o agora oram os a Deus: “V enha o teu Reino. Seja feita a
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sua luz era semelhante a uma pedra preciosíssima, como a pedra de jaspe, como o cristal resplandecente. E tinha um grande e alto muro com doze portas, e, nas portas, doze anjos, e nomes escritos sobre elas, que são os nomes das doze tribos de Israel [...] E o muro da cidade tinha doze fundamentos e, neles, os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro. E aquele que falava comigo tinha uma cana de ouro para medir a cidade, e as suas portas, e o seu muro. E a cidade estava situada em quadrado; e o seu comprimento era tanto como a sua largura. E mediu a cidade com a cana até doze mil estádios; e o seu comprimento, largura e altura eram iguais. E mediu o seu muro, de cento e quarenta e quatro côvados, conforme a medida de homem, que é a de um anjo (vv. 9-12,14-17).
Os Constituintes do Céu Os incontáveis ocupantes do céu, além do D eus trino, inclu em anjos e a grande m ultidão dos redim idos de todas as gerações. 0 Deus Trino No coração do céu, está o tro n o de Deus, que foi descrito por João: Depois destas coisas, olhei, e eis que estava uma porta aberta no céu; e a primeira voz, que como de trombeta ouvira falar comigo, disse: Sobe aqui, e mostrar-te-ei as coisas que depois destas devem acontecer. E logo fui arrebatado em espírito, e eis que um trono estava posto no céu, e um assentado sobre o trono. E o que estava assentado era, na aparência, semelhante à pedra de jaspe e de sardônica; e o arco celeste estava ao redor do trono e era semelhante à esmeralda (4.1-3). N ão so m e n te D eu s, o Pai, está no céu , m as ta m b ém D eu s, o F ilh o : “Eis aqui o Leão da tribo de Judá, a R aiz de Davi, que ven ceu para abrir o livro e d esatar os seus sete selo s” (5.5). Paulo falo u que foi “C risto q u em m o rre u ou , an tes, qu em ressu scitou d en tre os m o rto s , o qual está à d ireita de D eus, e tam b ém in terced e por n ó s ” (R m 8.34). Jo ão a c re scen to u : “M eus filh in h o s, estas coisas vos escrev o p ara que n ão pequeis; e, se alg u ém p ecar, tem o s u m A dvogado para co m o Pai, Jesus C risto , o Ju s to ” (1 Jo 2.1). No céu , Jesus vive para sem p re, co m u m sacerd ó cio p e rm a n e n te : “Pode ta m b é m salvar p e rfe ita m e n te os que p o r ele se ch eg am a D eu s, vivendo sem p re para in te rced e r p o r e les” (H b 7.25). O bendito Espírito Santo de Deus, da m esm a m aneira, está no céu. João o descreveu sim bolicam ente co m o “os sete Espíritos que estão diante do seu trono [do trono de Deus]” (Ap 1.4). Este é o “Espírito sétu p lo” de Isaías 11.2: “E repousará sobre ele o Espírito do Sen h or, e o Espírito de sabedoria e de inteligência, e o Espírito de conselho e de fortaleza, e o Espírito de con h ecim en to e de tem o r do S e n h o r”6. Q uando chegarm os ao céu, verem os (co m os nossos olhos físicos) a C risto no seu corpo físico ressu rrecto glorificado, e verem os a essência de D eus com os nossos olhos espirituais. Isto é cham ado de Visão Bem -A venturada7.
6 Isto é, não há sete Espíritos, mas um Espírito com u m ministério sétuplo, um Espírito que pode ser descrito em sete aspectos principais: (1) o Espírito de sabedoria; (2) o Espírito de discernimento; (3) o Espírito de conselho; (4) o Espírito de poder; (5) o Espírito de conhecim ento; (6) o Espírito de reverência; e (7) o Espírito de adoração/tem or. Cf. Apocalipse 3.1; 4.5; 5.6.
7Veja abaixo, sob “O Céu E o Lugar da Visão Bem-Aventurada”.
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Os Anjos Bons Mais: E ao redor do trono havia vinte e quatro tronos; e vi assentados sobre os tronos vinte e quatro anciãos vestidos de vestes brancas; e tinham sobre a cabeça coroas de ouro. E do trono saíam relâmpagos, e trovões, e vozes; e diante do trono ardiam sete lâmpadas de fogo, as quais são os sete Espíritos de Deus. E havia diante do trono um como mar de vidro, semelhante ao cristal, e, no meio do trono e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos por diante e por detrás (Ap 4.4-6). Os Seres Humanos Redimidos A lém de D eus e de um a m ultidão de anjos, existem incontáveis seres hum anos redimidos: Depois destas coisas, olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono e perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos (7.9). O au tor de Hebreus acrescentou: [Vós, crentes] chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos, à universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados (12.22,23). Na verdade, João ouviu “a toda criatura que está no céu, e n a terra, e debaixo da terra, e que está n o m ar, e a todas as coisas que neles h á ” (Ap 5.13), cantando no céu ao Cordeiro. A D u ra ç ã o do C éu
O céu d urará tanto quanto D eus, e D eus é etern o; o céu é onde nós viverem os a vida etern a em sua plenitu de8. A lém disto, o céu é o cu m p rim en to da prom essa de Deus de vida etern a aos crentes, a “esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode m entir, p ro m eteu antes dos tem pos dos sécu los” (T t 1.2). Jesus disse: “Os justos [irão] para a vida e tern a” (M t 25.46), e João declarou: “Ouvi a toda criatura que está no céu, e n a terra, e debaixo da terra, e que está no m ar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o tro n o e ao Cordeiro sejam dadas ações de graças, h on ra, e glória, e poder para todo o sempre” (Ap 5.13). A N a tu r e z a d o C é u A seguir, é apresentada u m a relação do que é conh ecid o a respeito do céu, com base nas m uitas testem unhas das Escrituras. 8Veja Salm os 16.11; 90.2; Isaías 57.15.
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0 Céu E um Lugar muito M elhor do que a Terra
P aulo e screv eu : “D e am b os os lados e sto u em a p e rto , te n d o d ese jo de p a rtir e e sta r c o m C risto , p o rq u e isto é ainda m u ito m e lh o r ” (Fp 1.23); “[nós] [...] te m o s c o n fia n ça e d ese jam o s, an tes, d eixar este co rp o , p ara h a b ita r c o m o S e n h o r ” (2 C o 5.8). 0 Céu E um Lugar onde não H á Tristeza
João predisse: “Deus lim pará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais m orte, nem pranto, n em clam or, n em dor, porque já as primeiras coisas são passadas” (Ap 21.4). Paulo acrescentou: [Deus] nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados de Deus. Porque, como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também a nossa consolação sobeja por meio de Cristo (2 Co 1.4,5). 0 Céu E um Lugar onde não H á M aldição
Em Gênesis, Deus disse que, pelo pecado de Adão, o m undo foi am aldiçoado: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida (3.17-19). Mas no paraíso que virá: “N unca mais haverá m aldição con tra alguém ; e nela [na cidade] estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão” (Ap 22.3). Para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada. Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus. Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus (Rm 8.18,21). 0 Céu E um Lugar onde não H á Trevas
“Os hom ens am aram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram m ás” (Jo 3.19). Em com paração, João disse, a respeito do céu: “E a cidade não necessita de sol n em de lua, para que nela resplandeçam , porque a glória de Deus a tem alum iado, e o Cordeiro é a sua lâm pada [...] E as suas portas não se fecharão de dia, porque ali não haverá n o ite” (Ap 21.23,25). 0 Céu E um Lugar onde não Haverá Doenças
“Deus lim pará de seus olhos toda lágrim a, e não haverá mais [...] p ran to, n em clam or, nem dor, porque já as prim eiras coisas são passadas” (Ap 21.4). “De u m a e da o u tra banda do rio [da água da vida], estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a saúde das nações” (22.2).
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0 Céu É um Lugar onde m o H á Morte “Não haverá mais m o rte ” (Ap 21.4). Quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então, cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória (1 Co 15.54). 0 Céu E um Lugar de Corpos Perfeitos Paulo declarou que “[Deus] tran sform ará o nosso corpo abatido, para ser con form e o seu corpo glorioso” —im ortal, incorru ptível e glorioso —, “segundo o seu eficaz poder de sujeitar tam bém a si todas as coisas” (Fp 3.21): Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é mortal se revista da imortalidade (1 Co 15.51-53). Estes corpos perfeitos jam ais de degenerarão, decairão, ou m orrerão: Os que forem havidos por dignos de alcançar o mundo vindouro e a ressurreição dos mortos nem hão de casar, nem ser dados em casamento; porque já não podem mais morrer, pois são iguais aos anjos e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição (Lc 20.35,36). 0 Céu E um Lugar de Salvação Completa Com o vimos9, a salvação vem em três estágios: a justificação (a salvação dapumçw dos pecados cometidos no passado), a santificação (a salvação do poder atual do pecado), e a glorificação (a salvação da presença futura do pecado). Este último estágio, a glorificação, é o céu. João assim a descreveu: Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus [...] Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é (1 Jo 3.1,2, RA). Paulo disse: “Aos que [Ele] predestinou, a esses tam bém cham ou; e aos que cham ou, a esses tam bém justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (R m 8.30), pois “quando Cristo, que é a nossa vida, se m anifestar, então, tam bém vós vos m anifestareis com ele em glória” (C l 3.4). / O Céu E um Lugar de muitas Moradas Preste atenção a estas palavras de Jesus: Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos 9 Volum e 3, capítulo 9.
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lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para nu— mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós também (Jo 14.1-3). Cantem o maravilhoso amor de Jesus, Cantem a sua misericórdia e a sua graça; Nas moradas brilhantes e abençoadas, Ele nos preparará um lugar10. Há m oradas celestiais, m oradas magníficas, e palácios suntuosos — tudo preparado para aqueles que seguem ao Senhor. 0 Céu E um Lugar de Adoração Perpétua
A eternidade é descrita com o um tem plo celestial (Ap 21.3), onde os anjos adoram (Is 6.3), onde “os quatro animais [...] não descansam n em de dia n em de noite, dizendo: Santo, Santo, Santo é o S en h o r Deus, o Todo-poderoso, que era, e que é, e que há de v ir”. E os anciãos “prostravam -se diante do que estava assentado sobre o trono, adoravam o que vive para todo o sem pre” (Ap 4.8,10; cf. 5.13,14). O Céu Ê um Lugar de Serviço Eterno
A visão de João declara: “Nela [na cidade] estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão" (Ap 22.3). Os crentes não ficarão ociosos no céu; com o os anjos, nós
estarem os engajados em incessante atividade para Deus. O Céu E um Lugar de Vida Abundante Jesus disse: “Eu vim para que ten h am vida e a ten h am com abundância” (Jo 10.10). Paulo disse a T im ó teo que “a piedade para tudo é proveitosa, tendo a prom essa da vida presente e da que há de vir” (1 T m 4.8). Na verdade, João diz que no paraíso fu tu ro existe um a árvore da vida e u m rio da vida: E [ele] mostrou-me o rio puro da água da vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da sua praça e de uma e da outra banda do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a saúde das nações (Ap 22.1,2). O Céu E um Lugar de Alegria Abundante Aqui na terra, nós tem os u m a antecipação do que virá, porque servim os a “D eus, que ab u nd antem ente nos dá todas as coisas para delas g ozarm os” (1 T m 6.17; cf. SI 16.11). Jesus disse que os an jos já se regozijam no céu p o r causa daquilo que D eus está fazendo por nós: “Há alegria diante dos an jos de D eus p o r u m p ecad or que se arrepend e” (Lc 15.10).
10 “Quando todos nós chegarmos ao céu”. Letra de Eliza E. Hewitt, música de Emily D. Watson (1898).
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O Céu É um Lugar de uma Grande Reunião Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem Deus os tornará a trazer com ele. Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras (1 Ts 4.13-18). Os cristãos jam ais dizem u m adeus fin al; em vez disto, d izem : “A té lo g o — nós n os v ere m o s lá ”. O Céu E o Lugar das Grandes Bodas Celestiais As pessoas apreciam casam entos, co m o tam bém deveríam os nós — cada casam ento terren o é u m retrato, u m reflexo tem poral do grande casam ento celestial que virá. A respeito do casam ento, Paulo disse: “G rande é este m istério; digo-o, porém , a respeito de Cristo e da ig reja” (E f 5.32). Não haverá casam ento terren o no céu (cf. M t 22.30), mas haverá algo m u ito m elh or — as bodas celestiais do Cordeiro. E eu, João, vi a Santa Cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus (Ap 21.2,3). O Céu E uma Cidade Celestial “N e n h u m de nós vive para si e n e n h u m m o rre para si” (R m 14.7). Todos e starem o s ju n to s, h ab itan d o em u m a cidade celestial, n o “m o n te Sião, [na] cidade do D eus vivo, [a] Jeru salé m c e le stia l”. Nós estarem o s c o m “m u ito s m ilh a res de a n jo s, [na] u n iv ersal assem bléia e ig re ja dos p rim o g ên ito s, que estão in scrito s nos c é u s ” (Hb 12.22,23). Amor divino, tão grande e maravilhoso, Profundo e poderoso, puro, sublime! Que vem do coração de Jesus, E é sempre o mesmo, vencendo os testes do tempo. Ele abrirá as portas do paraíso, Para que eu possa entrar; Pois Ele comprou a minha redenção E perdoou todos os meus pecados".
11“Ele, os portões perolados abrirá”. Letra de Fredrick A. Blom (1917), trad. Nathaniel Carlson, música de Elsie R. Ahlwen (1930).
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0 Céu É um Lugar de Beleza Incrível
C om respeito ao que tem os aqui, Paulo disse: “As coisas que o o lh o n ão viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do h om em são as que D eus preparou para os que o am am ” (1 Co 2.9). Quão mais grandioso será o céu? O Antigo Testam ento fala da “beleza da santidade” (1 Cr 16.29), da qual o céu é o ápice. João descreveu o céu co m o a cidade de Deus adornada de pedras preciosas, pavim entada com ouro (Ap 21.18-21). Esta autêntica cornucópia de deleite estético está literalm ente além das descrições. 0 Céu E um Lugar de Perfeição M oral
O m u nd o atual está carregado de camadas de maldade; até m esm o o apóstolo Paulo se considerava o principal dos pecadores (1 T m 1.15). No céu, entretanto, cada crente será tornad o absolutam ente perfeito, pois “quando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte será aniquilado” (1 Co 13.10; cf. 1 Jo 3.2). “Não entrará nela [na cidade celestial] coisa algum aque contam ine e com eta abominação e m entira, mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” (Ap 21.27). Portanto, nós devemos seguir “a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o S en h o r” (Hb 12.14). O céu é um lugar de santificação com pleta e suprema. O Céu E um Lugar de Descanso Eterno
D esde o pecad o, a vida esteve cheia de fatiga (G n 3.17-19) — até m esm o a vida e sp iritu al é u m a lu ta (E f 6.11,12). Jesus disse: “C onvém que eu faça as obras d aquele que m e enviou, e n q u a n to é dia; a n o ite vem , quando n in g u é m pode tra b a lh a r” (Jo 9.4). Na te rra , nós som o s a ig reja m ilita n te ; no céu , nós serem os a ig reja em repou so. E m H ebreus, está e scrito : “R esta ainda u m rep ou so para o povo de D eu s” (4.9), e o E spírito disse a João: “B em -a v en tu ra d o s os m o rto s que, desde agora, m o rre m no S e n h o r [...] para que d escan sem dos seus trab alh os, e as suas obras os sig am ” (Ap 14.13). O Céu E um Lugar de Recompensa Eterna Nós não somos salvos pelas obras, mas somos salvos para que possamos_/ãzer boas obras12. Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas (Ef 2.8-10). E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; na verdade, o Dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão (1 Co 3.12-14). Jesus prom eteu : “Eis que cedo venho, e o m eu galardão está com igo para dar a cada u m segundo a sua obra” (Ap 22.12). Os que o tiverem seguido ouvirão quando Ele disser: “B em está, servo b om " (Lc 19.17). 12V eja V o lu m e 3, c a p ítu lo 10.
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0 Céu É um Lugar de Conhecimento Perfeito
[Agora] em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos. Mas, quando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, veremos face a face; agora, conheço em parte, mas, então, conhecem como também sou conhecido (1 Co 13.9-12). 0 Céu E um Lugar de Glória Indescritível Paulo disse: “Para m im ten h o por certo que as aflições deste tem po presente não são para com parar com a glória que em nós h á de ser revelada” (R m 8.18). Tentando descrever a sua visão sobre a glória do céu, ele escreveu: Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos (se no corpo, não sei; se fora do corpo, não sei; Deus o sabe), foi arrebatado até ao terceiro céu. E sei que o tal homem [...] foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, de que ao homem não é lícito falar (2 Co 12.2-4). Em uma Passagem que Narra a Transfiguração:
Tom ou Jesus consigo a Pedro, e a Tiago, e a João, seu irm ão, e os conduziu em particular a um alto m onte. E transfigurou-se diante deles; e o seu rosto resplandeceu com o o sol, e as suas vestes se tornaram brancas com o a luz [...] E, estando ele ainda a falar, eis que uma nuvem lum inosa os cobriu. E da nuvem saiu um a voz que dizia: Este é o m eu Filho amado, em quem me comprazo; escutai-o (M t 17.1,2,4,5). Ezequiel descreveu u m a deslum brante exibição da divindade: “O seu parecer era com o brasas de fogo ardentes, com o um a aparência de tochas; o fogo corria por entre os animais, e o fogo resplandecia, e do fogo saíam relâm pagos” (Ez 1.13). Quando Moisés vivenciou apenas u m vislum bre passageiro da glória de Deus, os israelitas tiveram que cobrir a sua cabeça por causa do brilho ofuscante (Ex 34.29-35); para eles, “o aspecto da glória do S en h o r era com o u m fogo consu m idor no cu m e do m o n te ” (24.17). O C é u É o L u g a r d a V is ã o B e m - A v e n t u r a d a A Visão B em -aventurada é a visão abençoada que Moisés procurou, D eus proibiu, Jesus p ro m eteu , e João descreveu —a visão de Deus fa c e a face. 0 Homem M ortal não Verá a Deus
“D eus nu nca foi visto por alguém ”, escreveu João n o seu Evangelho (1.18). Quando Moisés im plorou: “R ogo-te que m e m ostres a tua glória”, [O Senhor] disse: Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti e apregoarei o nome do Senhor diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei
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de quem me compadecer. E disse mais: Não poderás ver a minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face e viverá. Disse mais o Senhor: Eis aqui um lugar junto a mim: ali te porás sobre a penha. E acontecerá que, quando a minha glória passar, te porei numa fenda da penha e te cobrirei com a minha mão, até que eu haja passado. E, havendo eu tirado a minha mão, me verás pelas costas; mas a minha face não se verá (Ex 33.19-23). 0 Homem Imortal Verá a Deus No entanto, os seres h u m anos im ortais verão a Deus face a face; João declarou que no céu “verão o seu rosto, e na sua testa estará o seu n o m e ” (Ap 22.4). N ovam ente, Paulo explicou: “Agora, vem os por espelho em enigm a; mas, então, veremos face a face; agora, co n h eço em parte, mas, então, conhecerei co m o tam bém sou con h ecid o” (1 Co 13.12). O salm ista acrescentou: “C ontem plarei a tua face na justiça; eu me satisfarei da tua semelhança quando acordar” (17.15). C o m o disse João: “Sabem os que, quando ele se m anifestar, serem os sem elhantes a ele; porque assim como é o veremos” (1 Jo 3.2). A expressão Visão Bem-Aventurada, está experiência face á fácè com Deus, vem da palavra para bem-aventurança, que significa “abençoado” ou “feliz”. Esta visão é o cum prim ento definitivo de todas as aspirações divinas — será um a revelação direta, com pleta e final de Deus, na qual o crente verá a essência divina. Entre os muitos que declararam esta visão de Deus, Tomás de Aquino falou repetidas vezes da glória desta experiência suprema13; Bento XII (bispado 13341342) disse que a essência divina seria vista por intuição direta (face a face); e o Concilio de Vienne (1311-1312) insistiu que, um a vez que transcende a capacidade natural humana, a Visão Bem aventurada somente é possível por um ato sobrenatural de Deus (veja Cross, ODCC, 146). Existem diversas e im portantes características e conseqüências da Visão B em aventurada que nós podem os conclu ir com base nas Escrituras e no raciocínio. A Visão Bem-Aventurada Traz o Conhecimento Direto de Deus Paulo disse que o con h ecim en to que tem os agora de D eus é indireto (1 C o 13.12); agora, D eus não é conh ecid o d iretam ente, mas por m eio da sua criação: “Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do m u nd o, tanto o seu eterno poder com o a sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas” (R m 1.20). No entanto, no céu nós verem os e con h ecerem os p len am en te (1 Jo 3.2); o que agora nos é indistinto, se to rn ará claro; o que agora con h ecem o s indiretam ente, con h ecerem os diretam ente. Tudo o que sabemos sobre o Deus infinito é conhecid o por m eio de im agens finitas, e por isso o nosso con h ecim en to é análogoH No con h ecim en to sem m ediação da Visão Bem -A venturada, a essência divina in form ará nossas m entes finitas; nós terem os um co n h ecim en to pleno e direto do próprio Deus. A Visão Bem-Aventurada Traz o Conhecimento Perfeito de Deus Este con h ecim en to definitivo de D eus será perfeito (1 Co 13.9,10); o nosso co n h ecim en to parcial se converterá em con h ecim en to total; o nosso entendim ento in com p leto será transform ado em u m enten dim en to com p leto. S eja o que fo r que nós puderm os con h ecer sobre Deus, nós conh ecerem os, e con h ecerem os perfeitam ente.
13 P o r e x e m p lo , v eja Summa Theologica, la.2.1; 12.2; la2ae.3.8.
HVeja V o lu m e 1, c a p ítu lo 9.
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Isto não quer dizer que con h ecerem os a D eus infinitam ente. C o m o serem os sem pre finitos, o nosso con h ecim en to tam bém será finito. S om en te Deus tem um con h ecim en to infinito do in fin ito 15; m esm o no céu, nosso con h ecim en to será finito. Nós perceberem os D eus perfeitam ente, m as jam ais o com preend erem os com p letam ente. Deus será sem pre inefável16. A Visão Bem-Aventurada Traz o Amor Perfeito de Deus Jesus disse: “Am arás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu p en sam en to” (M t 22.37,38). Este tipo de am or jam ais é plen am en te alcançado nesta vida, mas será alcançado na próxim a. Nós aprendemos que o nosso destino final consiste em1contemplar a Deus diretamente, face a face, e como Ele realmente é [...] como Ele se conhece. Aprendemos que isso [a Visão Bem-aventurada] consiste também em amá-lo, como Ele ama a si mesmo (GarrigouLaGrange, P, 379). “D eus é a m o r” (1 Jo 4.16, RA), e con h ecê-lo é con h ecer a sua essência. C o n h ecer o am or perfeito é ser capaz de am ar perfeitam ente, e “nós o am am os porque éle nos am ou p rim eiro” (v. 19). A Visão Bem-Aventurada Torna o Pecado Impossível O con h ecim en to de Deus é o- con h ecim en to de u m bem in fin ito 17; u m a vez que alguém veja d iretam ente o bem' infinito, não é mais possível que esta pessoa pratique o m a l18, pois ser diretam ente inform ado na m en te pelo bem absoluto é equivalente a tornar-se alguém que está em com p leta conform idade com ele. C onseqüentem ente, a Visão B em -aventurada to rn a o pecado impossível. Assim com o ver a beleza absoluta im pedirá para sem pre que se deseje ver algum a coisa feia, da m esm a m aneira, contem plar o absolutam ente santo irá subjugar qualquer atração ou desejo por aquilo que seja profano.
A Visão Bem-Aventurada Consuma a nossa Liberdade E m b ora o céu to rn e o pecado im possível, ele não destrói, m as, em vez disto, consuma a nossa liberdade. O céu co m p le ta a nossa liberdade de am ar co m p le ta m e n te a Deus, assim co m o (an alo g am en te) u m casam en to aqui na terra nos liberta para am ar à pessoa a quem p erten cem o s. A verdadeira liberdade não é a liberdade de fazer o m al, m as a liberdade de fazer o b em . A essência do liv re-arbítrio é a a u to -d eterm in ação , e se alguém decide fazer so m en te o bem , en tão o seu cu m p rim e n to , em u m lugar onde som en te o bem pode ser feito não é a d estruição da liberdade, m as o seu ap erfeiço am en to 19. Deus é, ao m esm o tem po, livre e incapaz de pecar; da m esm a m aneira serem os nós, quando nos to rn arm o s mais parecidos com Deus, pois a perfeição da nossa liberdade é a liberdade de não pecar, e não a liberdade de pecar. A m e lh o r liberdade é a liberdade para 13Veja Volum e 2, capítulo 8.
16 Ibid., capítulo 10.
17 Ibid., capítulo 15.
15 Cf. V olum e 3, capítulo 3.
19 Ibid.
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fazer o m elh o r; contem p lar e am ar o m elh o r absoluto (que to rn a impossível o pecado) é a m elh o r coisa que podem os fazer20. A Visão Bem-Aventurada Só É Dada aos Crentes E im p o rta n te observar que a Visão B em -A v en tu rad a n ão é im p o sta a n in g u é m c o n tra a sua v ontad e: S o m e n te aqueles que b u scam a D eu s verão a D eu s (H b 11.6). A queles que d ecid em se ap aixo n ar são os que são d om in ad os p o r este sen tim en to san to; n in g u é m pode ser fo r ja d o a am ar o u tra pessoa. O am o r, c o m o a graça salvad ora de D eu s, é irresistível, m as so m e n te nos dispostos, pois u m a fo rça irresistível nos re lu ta n te s n ã o é graça, m as ataq u e. N ov am en te, c o m o C. S. Lewis ad eq u ad am ente afirm o u : O Irresistível e o Indiscutível são as duas armas que a natureza do seu plano [o plano de Deus] proíbe que Ele use [...] Simplesmente anular uma vontade humana [...] seria inútil para Ele. Ele não pode raptar. Ele só pode cortejar, na tentativa de conquistar (51,46). A Visão Bem-Aventurada Traz um Estado Permanente de Perfeição Assim co m o D eus é a p erfeição im u tá v e l21, ta m b ém a p erfeição dos santos b em aventu rad os será im u tá v el. A salvação da p resen ça do pecad o (g lo rifica çã o ) nos salvará dos danos e da d isto rção que o pecad o realiza em nossas vidas. O nosso atu al cre scim e n to n a p erfeição (cf. 2 C o 3.18) se deve ao fa to de que ainda não alcan çam o s o estado defin itivo de p erfeição. N ão é p reciso ser m o d ificad o naq u ilo que se alcan ço u d efin itiv am en te; o céu (e a Visão B em -a v e n tu ra d a que ele tra z ) to rn a rá p e rm a n e n te (p o r m e io da g lo rifica çã o ) o que está so m e n te em a n d a m en to n e sta vida (através da sa n tifica çã o )22. Q u an to m ais nos a ssem elh arm o s a D eus, m ais im utáveis nos to rn a re m o s ; e sta rem o s cada vez m ais de acord o c o m os seus a trib u to s m o rais23. A Visão Bem-Aventurada Traz um estado Dinâmico de Perfeição Estar em u m estado im utável de perfeição (n o céu ) não deve ser confundido com estar em u m a situação estática. Deus é im utável, mas não im óvel24; da m esm a m aneira, no céu nós serem os im utav elm en te (ainda que finitam ente) perfeitos, sem estarm os im óveis (estáticos). D eus é o M ovedor Inam ovível25; mas Ele não é Aquele que m ove ou tros e perm anece im óvel. Na verdade, co m o a Realidade Pura26, Ele é o ser mais ativo no universo (Ele é a Realidade Pura, e não A lguém que apenas possui u m potencial infinito). D eus é ativo ao sustentar tudo o que existe27, na sua soberania (seu governo) sobre todo o m u nd o28, através da sua providência no m u nd o29, e pela sua intervenção m ilagrosa nos assuntos hu m anos30. Deus tam bém interage com as orações de todos 20 O ato máximo de um ser humano sendo incluído na disposição, conhecimento e afeição do bem absoluto (Deus). Um a vez que um a pessoa tem vontade, mente e emoção, tudo será aperfeiçoado na Visão Bem-Aventurada, pois o bem infinito é também conhecido e experimentado. No céu, conhecer o bem é amar o bem; na terra, conhecemos o que é bom sem amá-lo ou fazê-lo (cf. Rm 7.15). 23Veja Volume 2, capítulos 13-17. capítulo 2.
27Ibid., capítulo 20.
24Ibid., capítulo 4. 28 Ibid., capítulo 22.
21 Veja Volume 2, capítulos 4 e 14.
22 Veja Volume 3, capítulo 6.
25Veja Volume 1, capítulo 2, e Volume 2, capítulo 3. 29Ibid., capítulo 23.
30Veja Volume 1, capítulo 3.
26Veja Volume 2,
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os santos e salva todos os pecadores que se arrependem 31. Observe, n o entanto, que, em bora Deus seja interativo, Ele não é reativo, mas pró-ativo; co m o disse Isaías, antes que clam em os, D eus responderá (Is 65.24). De igual modo, quando nós alcançarmos o estado mais divino de absoluta perfeição possível (pela Visão Bem-Aventurada), não nos tomaremos menos ativos, mas mais ativos. Nós não seremos os escolhidos congelados de Deus —nós seremos os seus milhões móveis, adorando-o e servindo-o ativamente (cf. Ap 4—5). Não obstante, nós não devemos nos esforçar, mas desfrutar, não devemos buscar, mas apreciar o que foi encontrado. As nossas mentes deverão ser ativas, não buscando pela verdade, mas nos alegrando pela verdade infinita descoberta (1 Co 13.12). A nossa atividade intelectual e espiritual no céu não será desejar Deus, mas nos regozijarmos nEle. A au tora do hino disse eloqü entem ente: Face a face —o que acontecerá Quando, no arrebatamento, eu contemplar, A Jesus Cristo, que morreu por mim? Face a face —Oh! Momento feliz! Face a face —para ver e conhecer; Face a face com meu Redentor, Jesus Cristo, que tanto me ama. Face a face eu o contemplarei, Muito além do céu estrelado. Face a face em toda a sua glória, Eu o verei em breve32. U m dia, enquanto eu meditava sobre este assunto, estas palavras m e vieram à m ente: N aquele grande dia... Os montes serão abatidos E as coisas tortas serão endireitadas Quando virmos o Senhor da glória E passarmos pela porta aberta, O próprio Senhor nos dirá: “Eu te salvei, pela minha graça”. E todos nós, que já fomos pecadores perdidos, Veremos o seu rosto maravilhoso. Os anjos no alto, em glória, Clamarão com êxtase Pois jamais, em todas as gerações, Viram uma visão como esta. Nós teremos a glória de Jesus; Nossos corpos não serão os mesmos; Naquele grande dia, Quando o Senhor dos Exércitos reinar. 31 Veja V olum e 3, capítulo 14. Tullar (1898).
32 “Face a face com Cristo, m eu Salvador”. Letra de Carrie E. Breck, m úsica de G rant C.
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RESPOSTAS A PERGUNTAS SOBRE O CÉU C om o acontece com outras verdades suprem as, quando o assunto é o céu, existem mais perguntas do que respostas. M uitas indagações não são tratadas nas Escrituras, e precisam esperar a realidade final propriam ente dita; enquanto isto, nós devem os nos satisfazer co m o fato de que “as coisas encobertas são para o Senhor, nosso D eu s” (D t 29.29). M esm o assim, não há nada que im peça a especulação teológica, desde que ela não contradiga às Escrituras n em a argum entação legítim a.
Todas as Pessoas Serão igualmente Abençoadas no Céu? As evidências parecem favorecer u m a resposta negativa. Todas as pessoas no céu serão plen am en te abençoadas, mas n em todas serão igualm ente abençoadas. Os cálices de todos os crentes estarão cheios e transbordando, mas n em todos os cálices terãò o m esm o tam an h o. Nós decidim os, ao longo do tem po, qual será a nossa capacidade de apreciar a Deus na eternidade33. Pessoas diferentes podem ouvir o m esm o espetáculo m usical e ter vários graus de apreciação, porque desenvolveram diferentes capacidades de desfrutar dele; de m aneira sim ilar, pessoas diferentes podem estar no m esm o céu e, aindaassim , ter diferentes graus de aproveitam ento, devido ao fato de terem desenvolvido diferentes habilidades de desfrutar a presença de Deus aqui n a terra. Pela nossa obediência tem poral, nós d eterm inam os a nossa recom p ensa n a eternidade (cf. 2 Co 5.10), co m o Paulo explica claram ente: Ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; na verdade, o Dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo (1 Co 3.11-15)34.
Como o Céu Pode Ser um Lugar de Glorificação a Deus e, ainda assim, de Recompensa para nós? A Bíblia parece apresentar m otivos contraditórios: (1) a adoração a Deus, e (2) recom pensas para nós. C om o podem os trabalhar por recom pensas e ainda fazer tudo para a glória de Deus (1 Co 10.31)? A resposta está na natu reza da recom pensa: se a recom p ensa fo r a capacidade de am ar e servir mais a Deus, então estes dois elem entos não são contraditórios. Este parece ser o caso na parábola dos servos, proferida por Jesus (M t 25.14-30); aqueles que investiram seus talentos receberam mais, e seu sen hor disse: “B em está, servo b om e fiel. Sobre o p ouco foste fiel, sobre m u ito te colocarei; entra no gozo do teu sen h o r”. Na verdade, os anciãos m encionados n o Apocalipse não exibem suas coroas na esquina da R ua G lória com a Avenida Aleluia:
33 Veja Volume 3, capítulo 10.
34 O conceito de diferentes graus de bênção celestial é também ensinado em outras
passagens; por exemplo, Lucas 19.17-19; João 14.2; 1 Coríntios 15.41; Apocalipse 22.12.
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[Eles] lançavam as suas coroas diante do trono, dizendo: Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder, porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas (4.10,11). Não há nada egoísta em trabalh ar por u m a coroa, desde que seja para ter o privilégio de lançá-la aos pés de Jesus. O s C r e n t e s T e r ã o C o r p o s F ís ic o s n o C é u ? Sim 35. O corpo ressurrecto de Jesus foi o m esm o corpo físico no qual Ele m orreu, com as cicatrizes da crucificação e tudo o mais (cf. Lc 24.39,40; Jo 20.27). O sepulcro vazio, as cicatrizes, o toque físico do seu corpo (cf. M t 28.9), o fato de cham á-lo de “carne e ossos” (Lc 24.39), e a sua declaração de que era o m esm o corpo que m orreu (Jo 2.19-21), tudo dem onstra que o seu corpo ressurrecto era físico. Os nossos corpos ressurrectos serão com o o dEle (Fp 3.21), e, com o Ele, nós deixaremos para trás um sepulcro vazio (Jo 5.28,29). N ó s R e c o n h e c e r e m o s as P esso as q u e A m a m o s n o C é u ? Sim. Moisés e Elias foram reconhecidos quando apareceram do céu, no m onte da Transfiguração (M t 17.3); Pedro chegou a reconhecê-los pelo nom e (v. 4). Parece haver um a identidade pessoal pela qual nós reconhecerem os uns aos outros no céu, com o está, pelo m enos, sugerido no consolo de Paulo aos enlutados entre os tessalonicenses (1 Ts 4.13-18), e na resposta de Jesus à pergunta dos saduceus a respeito da ressurreição (M t 22.28-30). N ó s P o d e r e m o s C a s a r -n o s n o C é u ? Não, não haverá cerim ôn ia de casam ento n em relacionam en to m atrim onial no céu. Isto acaba no m o m en to da m o rte física: A mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-lhe ligada pela lei; mas, morto o marido, está livre da lei do marido. De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for doutro marido; mas, morto o marido, livre está da lei e assim não será adúltera se for doutro marido (Rm 7.2,3). Q u a n t a s P ess o as E s t a r ã o n o C é u ? Todas aquelas que Deus levar para lá, sem violar o livre-arbítrio que lhes deu36. Deus deseja que todos sejam salvos (2 Pe 3.9; 1 T m 2.4), mas não sabem os quantos serão. A gostinho especulou que seria u m a porcentagem igual à dos anjos caídos (u m a terça parte; veja Ap 12.9), mas a Bíblia não afirm a isto em n en h u m a passagem. M uitos crêem que som ente um a pequena fração de todas as pessoas que já viveram estará no céu, co m base em passagens com o M ateus 7.13,14: Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; E porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem.
35Veja capítulo 7.
36 Cf. M ateus 23.37; veja Volume 3, capítulos 3 e 5.
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No entanto, B. B. Warfield (1851-1921) argum entou que esta opinião tira tais versículos de seu con texto ( “A T FT BS”, in: B T S ); ele sustentou que elas se referem à resposta im ediata e local à m ensagem de Jesus, e não às estatísticas definitivas e universais do céu. Na verdade, se supuserm os que todos os que m o rrem na infância vão para o céu 37, que a vida tem início na concepção38, e que a taxa de m ortalidade antes daidade de saber discernir entre o certo e o errado39 com o passar do m ilênio é de aproxim adam ente m etade dos concebidos, a conseqüência parece ser que haverá mais pessoas salvas do que perdidas. Isto sem m encion ar grande parte da população do m undo desde os tempos de Adão que será salva40. U m grande reavivam ento antes do retorn o de Cristo poderia varrer ainda mais almas para o reino de Deus. Finalm ente, por analogia com os anjos, dois terços dos quais não se rebelaram contra Deus (Ap 12.4), poderíam os pensar que talvez dois terços de todos os seres hum anos serão salvos. Isto tam bém é m eram en te especulativo, porém nós sabemos que “o Sen h or não retarda a sua prom essa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é lon gânim o para convosco, não querendo que alguns se percam , senão que todos ven ham a arrependerse” (2 Pe 3.9; cf. 1 T m 2.4). Mais um a vez: H averá no céu tantas pessoas quanto Deus conseguir colocar ali, sem violar o livre-arbítrio que E le deu às suas criaturas'".
O Céu É um Lugar ou um Estado de Espírito? Os teólogos liberais insistiram , por m u ito tem po, dizendo que o céu é u m estado de espírito, e não um lugar; assim, os que tiverem o correto estado de espírito estão no céu agora — aqui, na terra. No entanto, em bora seja verdade que, a m enos que alguém esteja no co rreto estado de espírito e coração — u m estado de crença em Deus — não irá para o céu, é falso que todos os que estiverem neste estado de espírito já estão ali. 0 céu é muito mais do que um estado de espirito: É um lugar real. Jesus usou a palavra lugar três vezes, com relação ao céu, em João 14.2-442. Ele tam bém nos ensinou a orar ao “Pai nosso [...] nos céus", e que a sua vontade fosse feita “tan to na terra com o no céu ” (M t 6.9,10). O céu é u m lugar diferente da terra (cf. Ap 21.9-27)43.
Onde Está Situado o Céu? A tualm ente, antes da ressurreição final, o céu é a m orada das almas hum anas justas e dos espíritos angelicais na presença de Deus (2 Co 5.8; Hb 12.23), onde C risto se assenta à direita do trono de Deus (1.3). Isto pode ser em qualquer lugar, em um canto rem oto do m undo, em um tem po e espaço escondidos da vista hu m ana atrás de u m a nuvem da glória de Deus, ou em u m a dim ensão física com p letam en te diferente. A favor da hipótese de que o céu está no m undo do tem po e do espaço, alguns citaram a referência de Jó à vinda de Deus do n orte (Jó 37.22; cf. 26.7). A lém disto, Jesus ascendeu corp oralm en te ao céu e para o espaço (A t 1.10,11), e Ele retorn ará ao m esm o lugar (o M onte das Oliveiras), no m esm o corpo físico em que partiu (Z c 14.4).
37 Veja Volume 3, capítulo 13.
38 Ibid., capítulo 1 e apêndice 1.
39 Op. cit.
40 Devido à explosão populacional, uma
porcentagem surpreendente de todos os povos que sempre existiram está na terra exatam ente agora. 41 Cf. Hebreus 11.6; veja Volume 3, capítulos 14-15. Nova Terra”.
42 Gr. topos (duas vezes) e hopou.
43Veja acima, sob “O Céu no Futuro: O Novo Céu e a
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A favor da hipótese de que o céu está em ou tra dim ensão, outros observaram que Jesus pareceu entrar e sair desta dim ensão de tem po e espaço quando já estava n o seu corpo ressu rrecto (Lc 24.31; Jo 20.26). A lém disto, a ciência con tem p orân ea apresenta u m universo m u ltid im ensional que p erm ite m uitas dim ensões, além das três habituais. No final, depois da Segunda Vinda44, o céu (a Cidade Santa) descerá, para ser parte de “u m novo céu e u m a nova te rra ” (Ap 21.1,2). Pedro exo rtou os crentes: Que pessoas vos convém ser em santo trato e piedade, aguardando e apressando-vos para a vinda do Dia de Deus, em que os céus, em fogo, se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão? Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça (2 Pe 3.11-13). Este será o cu m p rim en to final da oração que Jesus ensinou seus discípulos a fazer (M t 6.10). Neste dia, literalm en te haverá o céu na terra. Pois Ele nos ensina a orar: “Seja feita a tua vontade, tanto n a terra co m o no c é u ”. N ó s C o n t in u a r e m o s a A p r e n d e r e A p r i m o r a r - n o s m o r a l m e n t e n o C é u ? Os teólogos cristãos sustentam as duas interpretações. Aqueles que sustentam o processo hu m ano eterno citam textos com o Efésios 3.10,11: Para que, agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus, nosso Senhor. A lém disto, 1 Pedro 1.12 afirma: Aos [profetas] [...] foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós [os crentes futuros], eles ministravam estas coisas que, agora, vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho, para as quais coisas os anjos desejam bem atentar. De passagens co m o esta, deduz-se que m esm o o céu é u m a grande universidade onde nós continuam os a aprender a respeito de Deus (e crescer nEle). Por ou tro lado, aqueles que negam o progresso espiritual celestial apontam para diversos fatores. Primeiro, o céu é u m lugar de perfeição, e não de progresso (cf. 1 Co 13.2). O céu representa descanso e conquista, e não luta (cf. Jo 9.4; Ap 14.13). Segundo, o céu é u m lugar para receber conquistas, e não trabalhar por elas (cf. 1 Co 3.11ss.; Ap 22.12). Terceiro, o sen tim ento de urgência e finalidade a respeito desta vida (cf. Hb 9.27) sustenta a conclusão de que o céu com p leta e finaliza o que é feito aqui e agora. C o m o Jesus disse a Pedro: “Tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (M t 16.19; cf. 18.18). Quarto, e finalm ente, a própria natu reza da Visão B em -aventurada co m o o estágio suprem o e final de perfeito e de ausência de pecado sugere que, u m a vez que o tenham os,
44Veja capítulo 15.
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não mais estarem os aprendendo45, em vez disto, nós estarem os engajados r_i experiência etern a de descansar e nos alegrar no incrível e insuperável con h ecim ento prc rid a d o pela natu reza infinita de Deus. A ún ica coisa que o céu não será é um lugar de tédio; se fosse, não se alcançaria ali a perfeição. A tabela seguinte exem plifica a diferença: P e rfe iç ã o M o ra l n a T e rra
P e rfe iç ã o M o ra l n o C é u
Mutável
Imutável
Em crescimento
Amadurecida
Luta-se por ela
Descansa-se nela
Procura
Desfrute
Desejo
Deleite
Nosso objetivo
Nossa recompensa
Nossa meta
Nossa realização
Paulo escreveu: Não que já a tenha alcançado ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus [...] prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus (Fp 3.12-14). N ó s S e re m o s C ap azes de E x p lo r a r o U n iv e rs o n o C éu? Sim, mas de um a m aneira infinitam ente mais elevada do que os viajantes do espaço puderam. A natureza da Visão Bem-aventurada assegura isto: Nós conhecerem os tudo o que a nossa capacidade finita nos permitir conhecer diretamente, por intermédio da m ente infinita de Deus. Assim com o Ele conhece todo o universo em Si e por Si m esm o46, tam bém nós conhecerem os o universo, em virtude de conhecerm os tudo em e através de sua m ente (essência). Conseqüentemente, com facilidade, sem esforço, nós seremos capazes de explorar todo o universo, até o ponto em que isto for finitamente possível. Tal exploração não será de descobrimentos incessantes, mas de deleite infindável no que j á descobrimos em Deus. N ó s P e rc e b e r e m o s o T e m p o n o C éu? Aqui, novam ente, existem duas interpretações sustentadas por cristãos ortodoxos. O prim eiro grupo diz que sim, nós perceberem os o tem po no céu, u m a conclusão baseada em passagens que falam sobre a eternidade sendo descrita com o, por exem plo, “dia e n o ite” para sem pre (por exem plo, Ap 4.8; 7.15), em bora estas possam ser figuras de linguagem para um a eternidade interm inável. A segunda in terp retação enfatiza que o céu é a m orad a do D eus e tern o (a te m p o ra l)47. Nós, os bem -aventu rados, terem os alcançado u m estado de perfeição im u táv el em que o D eus atem p o ral in fo rm a rá d iretam en te às nossas m en tes. C o m o o tem p o é u m a m edida de m udanças, em que se com p ara o antes e o depois, nós n ão podem os ser tem porais n o céu; se fôssem os tem porais, então ainda estaríam os m udando; no en tan to , serem os perfeitos, e o que é perfeito não precisa m u d ar48. Se 45 P re s u m iv e lm e n te , bebês q u e m o r r e m n a infância “cre sc e rã o ” n o céu an tes de v e re m a V isão B e m -A v e n tu ra d a (veja V o lu m e 3, c a p ítu lo 13).
46Veja V o lu m e 2, c a p ítu lo 8.
47Veja V olum e 2, c a p ítu lo 4.
48 Ibid., c a p ítu lo 14.
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a perfeição m udasse, teria que ser u m a m u d an ça para m e lh o r (nós n ão podem os ser m elh o res do que ab so lu tam en te perfeitos), ou u m a m u d an ça para pior (n ã o podem os piorar no céu ). U m a vez que os seres h u m an os n o céu não p od em perceber o tem po, n e m , sendo finitos49, ser co m p le ta m e n te im utáveis, co m o D eus, os teólog os medievais d eram ou tro n o m e a este estado: aevitermty. Nosso estado de aeviternity será sem elh an te ao dos an jos, que não percebem o tem p o p o r natu reza, m as podem se relacion ar com ele p o r m eio de suas atividades50.
A B A S E T E O L Ó G IC A P A R A A D O U T R IN A D O C É U C o m o todas as outras principais doutrinas bíblicas, o céu está enraizado n a natu reza e n a vontade de Deus. P articularm ente, o céu está baseado n a onibenevolência, onisciência, onissapiência e onipotência de Deus. C om o o lugar de bem suprem o, o céu foi desejado pela onibenevolência de Deus, concebido pela sua onisciência, planejad o de acordo com a sua onissapiência, e será alcançado pela sua onipotência. O C é u O r i g in a - s e d a O n i b e n e v o l ê n c ia d e D e u s D eus, por natureza, é to ta lm en te am oroso51. Ele não deseja que nin g u ém pereça (2 Pe 3.9), mas que “todos os h om ens [...] ven h am ao co n h ecim en to da verdade” (1 T m 2.4); “Deus am ou o m u nd o de tal m aneira que deu o seu Filho u n ig ên ito ” (Jo 3.16), que é sacrifício suficiente pelos pecados de “todo o m u n d o ” (1 Jo 2.2)52. O am or de C risto está m anifesto no fato de que “u m m o rreu por todos” (2 Co 5.14); isto é, “[Ele] provou a m o rte por tod os” (Hb 2.9). Se Deus am a a todos e deseja que todos sejam salvos, deve haver u m lugar eterno para eles. Por isso, Jesüs disse: “Na casa de m eu Pai há m uitas m oradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos lugar” (Jo 14.2). Na Bíblia, este lugar é cham ado de “c é u ” (M t 6.9). O C é u O r i g in a - s e d a O n is c iê n c ia d e D e u s N atu ralm ente, seria inútil que Deus preparasse u m céu, a m enos que Ele soubesse, de antem ão, que alguém iria para lá. S om ente u m ser onisciente co m infalível presciência da liberdade hu m ana53 poderia saber com certeza que algum as criaturas livres iriam aceitar a sua oferta de salvação54. Paulo confirm a: Os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou (Rm 8.29,30). Pedro escreveu aos “eleitos segundo a presciência de D eus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus C risto” (1 Pe 1.2). Em conform idade com a presciência de Deus daqueles que o receberiam (cf. Jo 1.12) e assim seriam salvos, Ele propiciou u m céu etern o para a sua felicidade. 49 Veja Volume 3, capítulos 1-2; cf. Volume 2, capítulo 5.30 Op. cit., capítulo 20. capítulo 9.
53Veja Volume 2, capítulo 8, e Volume 3, capítulo 3.
31 Ibid., capítulo 15.
54 Veja Volume 3, parte 2.
52 Veja Volum e 3,
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O Céu Origina-se da Onissapiência de Deus Deus não som ente conhece tudo, Ele tam bém é com pletam ente sábio ": Eie n ã : somente sabe quem será salvo, mas tam bém sabe com o levá-los até lá. Isto requer onissapiência: A sabedoria escolhe o melhor caminhopara obter o melhorfinP6. U m a vez que os seres hum anos foram criados livres, o Deus infinitam ente sábio ordenou o m elhor m eio para conservá-los no cam inho para o céu. E desnecessário dizer que esta tarefa não era fácil, um a vez que Ele desejava não violar nossa escolha e, ao m esm o tem po, tam bém assegurar nosso destino final.
O Céu Origina-se da Onipotência de Deus U m plano que transforma os pecadores e os tornasantos não pode ser executado por poderes naturais —somente a graça eficaz de Deus pode fazer isto57. Assim, é a onipotência de Deus que pode assegurar o fim desde o princípio: “Assim o disse, e assim acontecerá; eu o determinei e também o farei” (Is 46.11). É com esta certeza que podemos saber que o céu terá habitantes, exatamente aqueles que Deus pré-ordenou que estivessem ali58. Por causa da onipotência de Deus, Pedro foi motivado a falar daqueles “que, mediante a fé, [estão] guardados na virtude de Deus, para a salvação já prestes para se revelar no último tem po” (1 Pe 1.5). A certeza do céu é um a expectativa confiante, não somente pelo fato de Deus ser m uito amoroso e desejar levar as pessoas para lá, mas também porque Ele é o Todo-Poderoso e pode fazê-lo59.
A BASE HISTÓRICA PARA A DOUTRINA DO CÉU A lém das fortes bases bíblicas e teológicas para a dou trin a do céu, tam bém existe am plo suporte histórico, com eçand o com a igreja prim itiva, e continuando através da R eform a até os tem pos m odernos.
Os Primeiros Pais Os prim eiros líderes da igreja fizeram inúm eras referências ao abençoado estado final dos crentes, com eçand o com os Pais antenicenos. Inácio (falecido c. 110) Graça, misericórdia e paz do Deus Todo-poderoso, e de Cristo Jesus, nosso Senhor, seu Filho unigênito, “o qual se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau” e preservar-nos para seu reino celestial (EIHDA, introdução). fustino Mártir (c. 100-c. 165) Nós somos como pessoas tiradas do fogo, quando somos purificados dos nossos pecados anteriores, e [salvos] da aflição e da ardente provação pela qual o diabo e todos os seus colaboradores nos testam; da qual Jesus, o Filho de Deus, prometeu nos libertar, e nos revestir com vestes preparadas, se obedecermos aos seus mandamentos; Ele se responsabilizou por propiciar um reino eterno (DJ, 116). 55 Veja V olum e 2, cap ítu lo 9.
56 Veja V olum e 3, cap ítu lo 6.
31 Ibid., cap ítu lo 7, e V o lu m e 2, cap ítu lo 7.
58 S o b re “o e le ito ”, v e ja o p . cit. 59Cf. V olum e 3, c a p ítu lo 11, sobre u n iv e rsa lism o .
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Irineu (c. 125-c. 202) Na verdade, haverá uma alegria comum, consumada para todos aqueles que crêem na vida, e em cada indivíduo será confirmado o mistério da ressurreição, e a esperança da incorrupção, e o início do reino eterno, quando Deus tiver destruído a morte e o diabo. Pois a natureza humana e a carne humana que ressuscitaram dos mortos não morrerão mais. Mas depois que a nossa natureza foi transformada em um estado incorruptível, como o espírito, quando o céu se abriu, [nosso Senhor], cheio de glória, a ofereceu (a carne) ao Pai (FLWI, 50). Cipriano (200-258) Vocês também, retendo esta fé e meditando dia e noite, com todo o coração preparado para Deus, somente pensem no futuro com desprezo pelo presente, para que possam ser capazes de vir ao fruto do reino eterno, ao abraço e ao beijo, e à visão do-Senhor (EC, 80). Metódio (c. 260-311) A criação, então, depois de ser restaurada a um estado melhor e mais honroso, permanecerá alegrando-se e exultando com os filhos de Deus na ressurreição; por esta causa ela agora geme e sofre, esperando também pela redenção [da corrupção] do nosso corpo, para que, quando tivermos ressuscitado e nos livrado da mortalidade da carne [...] e tivermos nos libertado do pecado, ela também seja libertada da corrupção, e não mais esteja sujeita à futilidade, mas à justiça [...] Pois na realidade Deus não estabeleceu o universo em vão, ou para algum propósito de destruição, como dizem os homens de pouca inteligência, mas para existir, e ser habitado, e continuar. Portanto, a terra e o céu devem existir novamente depois da queima e do tremor de todas as coisas (FDR, 1.8). Assim como a terra deverá existir depois da era atual, deverá, certamente, haver habitantes para ela, que não mais estarão sujeitos à morte, nem se casarão, nem gerarão filhos, mas viverão em plena felicidade, como os anjos, sem alteração nem decadência. Portanto, é tolice discutir em que forma de vida nossos corpos irão existir então, se não mais haverá ar, nem terra, nem nada mais (ibid., 1.9). O s P ais M e d ie v a is
A dou trina do céu foi abundantem ente confirm ada durante a Idade Média. Agostinho (354-430) “C risto é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, destinada a estar com Ele n o seu reino e n a sua glória etern os” (OCD, 1.37.55). Na sua promessa aos bons, Ele diz que descerá como um rio de paz, o que eqüivale a dizer: na maior abundância possível de paz. Com esta paz, nós nos revigoraremos no final; mas disto nós falamos abundantemente no livro anterior. Este é o rio do qual Ele diz que descerá sobre aqueles aos quais promete tão grande felicidade, para que possamos compreender que na região de tal felicidade, que é o céu, todas as coisas são satisfeitas
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deste rio. Mas, porque a paz da incorrupção e da imortalidade fluirá
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- irc.usive
sobre os corpos terrenos, Ele diz que descerá como este rio, para que rcssa. ; e c e m forma, derramar a Si mesmo, do alto, sobre as coisas aqui de baixo, e tom ar os n : mens semelhantes aos anjos. Por “Jerusalém”, também, devemos compreender não aquela que serve com seus filhos, mas aquela que, segundo o apóstolo, é nossa mãe livre, eterna nos céus. Nela d ó s seremos consolados enquanto enfrentamos o trabalho árduo, cansados das calamidades da terra, e seremos levados como seus filhos, nos seus joelhos e ombros. Mesmo sendo inexperientes e novatos para tais agrados e carinhos, seremos recebidos em um estado de felicidade incomum. Ali veremos coisas maravilhosas, inefáveis, e o nosso coração se alegrará (CG, 20, 21). A visão substituirá a fé; e a esperança será envolvida naquela ielicidade perfeita à qua] iremos: o amor, por outro lado, ficará ainda maior quando estas outras coisas falharem. Pois se nós amamos pela fé aquilo que não vemos, quanto mais iremos amar quando começarmos a ver! E se amamos por esperança aquilo que ainda não alcançamos, quanto mais iremos amar quando alcançarmos! Pois existe uma grande diferença entre as coisas temporais e as coisas eternas, um objeto temporal é mais valorizado antes que o possuamos, e começa a provar que não tem valor no momento em que o conseguimos, porque não satisfaz à alma, que tem seu único e seguro local de descanso na eternidade; um objeto eterno, por outro lado, é amado com maior ardor quando é possuído do que quando ainda é um objeto de desejo, pois ninguém que anseie por ele poderá atribuir a ele um valor maior do que o que realmente pertence a ele, de modo a julgálo comparativamente sem valor quando descobre que ele tem menos valor do que o imaginado; ao contrário, no entanto, por maior que seja o valor que um homem possa atribuir a ele, quando está a caminho de possuí-lo, descobrirá, quando o possuir, que tem um valor ainda maior (op. cit., 1.38.42). João de Damasco (676-754)
Portanto, nós ressuscitaremos, as nossas almas estarão mais uma vez unidas com nossos corpos, agora tomados incorruptíveis, isentos de toda a corrupção [...] Aqueles que tiverem feito o bem brilharão como o sol, com os anjos, na vida eterna, com o nosso Senhor Jesus Cristo, vendo-o e sendo vistos por Ele, e obtendo dEle incessante alegria, louvando tanto a Ele como ao Pai e ao Espírito Santo pelos séculos dos séculos, para todo o sempre ( D FO , 4.27). Anselmo (1033-1109)
Se a rapidez, ou a tolerância, ou a liberdade do corpo, que nadapode suportar, te alegram, lembre-se de que seremos como os anjos de Deus — porque semeia-se corpo animal, ressuscitará corpo espiritual —em poder, certamente, ainda que não em natureza. Se é uma vida longa e saudável que te agrada, existe uma eternidade saudável, e uma saúde eterna. Pois os justos viverão para sempre, e a salvação dos justos pertence ao Senhor ( C D H , 30).
Se são honras e riquezas, Deus fará seus bons servos governantes sobre as principais coisas dos homens; na verdade, eles serão chamados filhos de Deus, e deuses; onde estiver seu
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Filho, ali também eles estarão; serão herdeiros realmente de Deus, e co-herdeiros com Cristo (ibid., 31). Tomás de Aquino (1225-1274) Ele não pode ser compreendido pelo nosso intelecto: mas o nosso mais perfeito conhecimento dEle, como peregrinos, é saber que Ele está acima de tudo o que nosso intelecto pode conceber, e assim estamos unidos aEle, como a alguma coisa desconhecida. No céu, no entanto, nós o veremos de uma forma que é a sua essência, e estaremos unidos a Ele como a alguma coisa conhecida (ST, 6.92.1). O princípio característico das mansões ou graus de bem-aventurança tem duas partes; especificamente, próxima e remota. O princípio próximo é a diferença de disposição que haverá nos benditos, de onde resultará a diferença de perfeição neles com respeito à operação de bem-aventurança: ao passo que o princípio remoto é o mérito pelo qual eles obtiveram tal bem-aventurança. Na primeira maneira, as mansões são distinguidas segundo a caridade (o amor) do céu, de modo que quanto mais perfeita ela for em uma pessoa, mais a tornará capaz de enxergar a clareza divina, de cujo aumento dependerá o aumento da perfeição da visão divina. Na segunda maneira, as mansões são distinguidas segundo a caridade do caminho. Pois nossas ações são meritórias, não pela substância da ação, mas somente pelo hábito de virtude com que elas são informadas. Toda virtude obtém a sua eficácia meritória da caridade [do amor], que tem o próprio fim como seu objeto. Assim, a diversidade de méritos deriva da diversidade da caridade, e assim a caridade do caminho irá distinguir as mansões sob a forma de mérito (ibid., 6.93.3).
Os Teólogos da Reforma Os grandes reform adores, de igual m aneira, se apegavam firm em ente à doutrina escriturai e tradicional do céu. A sua contribuição exclusiva foi enfatizar a sim plicidade do plano da salvação, pelo qual as pessoas chegam a este lugar final de felicidade suprem a. Martinho Lutero (1483-1546) A vinda do reino de Deus a nós acontece de duas maneiras; primeiro, aqui, no tempo, por meio da Palavra e da fé; e segundo, na eternidade, sempre, por meio da revelação. Nós oramos por estas duas coisas, para que possa vir àqueles que ainda não estão nelas, e, por crescimento diário; a nós, que as recebemos, e no futuro, na vida eterna. Tudo isto não é nada mais que dizer: Amado Pai, nós oramos, dá-nos, primeiro, a Tua Palavra, para que o Evangelho seja pregado apropriadamente por todo o mundo; e segundo, para que ele seja recebido em fé, e opere e viva em nós, de modo que pela Palavra e pelo poder do Espírito Santo o Teu reino possa prevalecer entre nós, e o reino do diabo seja derrubado, para que não tenha mais direito ou poder sobre nós, até que, por fim, seja completamente destruído, e o pecado, a morte e o inferno sejam exterminados, para que possamos viver para sempre em perfeita justiça e bem-aventurança (LC, 3). O modo da ressurreição consiste destas palavras: “Levante-se, venha, fique em pé, apareça, alegre-se, você que habita no pó da terra”. Eu ressuscitarei e falarei com você;
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este dedo com que eu aponto deve retornar para mim; tudo deve voltar : urra ez r _:s está escrito que Deus criará “novos céus e nova terra, em que habita a justiça" Não haverá deserto árido, mas uma bonita nova terra, onde todos os justos habitarão juntos. Não haverá animais carnívoros, nem criaturas venenosas, pois eles. como nós. serão libertos da maldição do pecado, e serão tão amistosos para nós como eram para Adão no paraíso. Haverá cãezinhos de pêlo dourado, brilhando como pedras preciosas. As folhas das árvores e o verde da grama terão o brilho de esmeraldas; e nós mesmos, libertos da nossa submissão mundana aos apetites e às necessidades rudes, teremos a mesma forma que aqui, mas seremos infinitamente mais perfeitos. Nossos olhos serão radiantes, como a mais pura prata, e nós estaremos isentos de toda doença e tribulação. Nós contemplaremos o glorioso Criador, face a face; e então, que inefável satisfação será encontrar nossos parentes e amigos entre os justos! Se todos nós fôssemos como uma só pessoa aqui, teríamos paz entre nós; mas Deus ordena as coisas de outra maneira, para que possamos ansiar e suspirar pela casa paterna futura, e para que nos cansemos desta vida problemática. Então, haverá uma alegria incalculável entre os eleitos, porém a maior tristeza e o maior desespero entre os condenados (TT, 797). João Calvino (1509-1564) Tudo o que foi dito até aqui sobre a nossa salvação nos convoca a elevar nossas mentes para o céu, para que, como exorta Pedro, ainda que agora não vejamos a Cristo, ainda assim, crendo, possamos “nos alegrar com gozo inefável e glorioso”, recebendo o final da nossa fé, a salvação de nossas almas. Por esta razão, diz Paulo, a fé e a caridade dos santos dizem respeito à fé e à esperança que está reservada para eles nos céus (Cl 1.5). Quando nós tivermos nossos olhos fixos em Cristo no céu, e nada na terra nos impedir de dirigilos à felicidade prometida, haverá um verdadeiro cumprimento das palavras: “Onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Mt 6.21) (ÍCR, 3.25.1). Que haja um princípio fixo em nossos corações de que o rêino_do céu não é salário de servos, mas a herança de filhos (Ef 1.18), uma herança obtida por aquetes-que o Senhor adotou como filhos, e obtida por nenhuma outra causa além desta adoção: “De modo algum, o filho da escrava herdará com o filho da livre” (Cl 4.30). E assim, nestas mesmas passagens em que o Espírito Santo promete a glória eterna como a recompensa pelas obras, chamando-a expressamente de herança, Ele demonstra que ela nos é dada pelo Senhor. Assim, Cristo enumera as obras pelas quais Ele concede o céu como uma recompensa, enquanto chama os seus eleitos à posse deste, mas, ao mesmo tempo, acrescenta que o céu deverá ser possuído por direito de herança (Mt 25.34) (ibid., 3.18.2).
Os Mestres da Pós-Reforma
O espaço não permite uma abrangente lista de citações dos doutores da igreja deste período. Uma vez que a abundância do seu testemunho é razoavelmente conhecida, algumas poucas referências serão suficientes. Jonathan Edwards (1703-1738) O céu que eu desejei era um céu de santidade; estar com Deus, e passar a minha eternidade no amor divino, e em santa comunhão com Cristo. Minha mente estava
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completamente dominada com contemplações no céu, e as alegrias dali; e vivendo ali em perfeita santidade, humildade e amor; e naquela ocasião parecia uma grande parte da felicidade do céu, o fato de que ali os santos pudessem expressar seu amor a Cristo (WJE, 1.1).
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Não é uma sólida objeção contra Deus o fato de Ele desejar uma união infinitamente perfeita da criatura consigo mesmo, e o fato de que jamais chegará o momento particular em que se poderá dizer: a união agora é infinitamente perfeita [...] Deus, ao glorificar os santos no céu com eterna felicidade, deseja satisfazer a sua infinita graça ou benevolência, pela concessão de um bem infinitamente valioso, porque é eterno: e, no entanto, jamais chegará o momento quando se poderá dizer: Agora este bem infinitamente valioso foi realmente concedido (EWGCW, 2.7). O que pode ser mais razoável do que crer em um homem, quando ele diz que é enviado por Deus para curar as enfermidades das nossas almas e, para que possamos crer nele, cura todos os tipos de homens, de todos os tipos de enfermidades, por um toque ou uma palavra; e mostra claramente que pode fazer isto, quando desejar, seja qual for a doença; Ele nos diz que irá nos libertar da morte eterna e espiritual; que ele irá nos ressuscitar dos mortos, e nos dará a vida eterna; de modo que viveremos para sempre, e não morreremos: e para provar isto, ele dá evidências de que tem poder sobre as vidas dos homens, restaurando-os depois que estão mortos; e ele mesmo os ressuscita dos mortos. Ele nos diz que conferirá a glória eterna sobre nós, e nos trasladará ao céu. E para nos confirmar nesta crença, Ele nos diz que nós o veremos ascender ao céu, depois da sua morte. O que mais poderíamos desejar? (MOITS, 1.1.36). John Wesley (1703-1791)
Se eles “retiverem firmemente o princípio da sua confiança até ao fim”, sem dúvida receberão uma promessa duradoura da parte de Deus, que romperá os limites do tempo, e se estenderá por toda a eternidade. Mas aqui há outra armadilha preparada para os nossos pés: Embora desejemos ardentemente aquela parte da promessa que deverá se cumprir aqui, “para a liberdade da glória dos filhos de Deus”, podemos inadvertidamente nos afastar da consideração da glória que será revelada. Nossos olhos podem, sem perceber, se desviar daquela coroa que o justo Juiz prometeu dar naquele dia “a todos os que amarem a sua vinda”; e nós poderemos ser afastados da visão daquela herança incorruptível que está reservada para nós no céu ( WJW, 42.1.10). Assim diz o Criador e Governante do universo: “Eis que faço novas todas as coisas” — tudo o que está incluído naquela expressão do apóstolo, “um novo céu e uma nova terra”. Um novo céu: a palavra original, no livro de Gênesis, está no plural; e, na verdade, esta é a linguagem constante das Escrituras; não céu, mas céus. Desta maneira, os antigos autores judeus estão acostumados a calcular três céus; e em conformidade com isto, o apóstolo Paulo fala de ter sido “arrebatado até ao terceiro céu”. E este, o terceiro céu, que normalmente se supõe que é a residência mais imediata de Deus; na medida em que alguma residência pode ser atribuída ao seu Espírito onipresente, que impregna e enche todo o universo. E ali (se falarmos à maneira dos homens) que o Senhor se assenta sobre o seu trono, rodeado de anjos e arcanjos, e por todos òs seus ministros, dos quais faz um fogo abrasador (ibid., 64.5).
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Certamente, não haverá angústia no céu; ali todas as lágrimas serão enxugadas de nossos olhos. Mas se fosse possível que a tristeza entrasse ali, nós sofreríamos c : ~ irreparável. Ela será irreparável no futuro, mas não agora. Agora, pela graci Deus. nós podemos escolher o “caminho ainda mais excelente”. Comparemos este. em alguns detalhes, com o caminho em que a maioria dos cristãos anda (ibid., 89.8). Charles Spurgeon (1834-1892) Oh! Tê-lo visto, no frescor da beleza da sua ressurreição! E o que Ele será na sua glória, quando vier novamente, pela segunda vez, e todos os seus santos anjos com Ele, quando Ele se assentará no trono da sua glória e o céu e a terra fugirão diante da sua face? Ao seu povo Ele então será “totalmente desejável”. Os anjos o adorarão, os santos tornados perfeitos se prostrarão diante dEle; e nós mesmos sentiremos que, por fim, nosso céu estará completo. Nós o veremos, e, sendo como Ele, estaremos satisfeitos ( THCWB, 2). Como o céu se aproxima de nós quando pensamos em vê-lo como Ele é, e ser como Ele! Em breve nós contemplaremos a visão bem-aventurada, da qual Ele será o centro e o sol. Com este pensamento a nossa alma cria asas, e a nossa imaginação alça vôo, enquanto a nossa fé, com olhos de águia, contempla a glória. Pensando neste feliz período, quando estaremos com nosso Amado para sempre, estamos prontos para desfalecer com alegria. Está próximo, muito mais próximo do que pensamos (ibid.). O céu é um lugar de perfeita santidade, um lugar de culto totalmente isento de pecado, o lugar da glória eterna; e não há nada que nos prepare para o céu como este descanso que Jesus nos dá. O céu deve estar em nós, antes que nós estejamos no céu; e aquele que tem este descanso tem o início do céu aqui embaixo. Enoque estava praticamente no céu enquanto andava com Deus na terra, e somente tinha que continuar naquele santo caminho para encontrar-se, realmente, no céu. Este mundo é parte da grande casa do nosso Senhor, da qual o céu é o andar superior. Alguns de nós podemos ouvir o chamado do Mestre: “Sobe aqui”, mais cedo do que pensamos; e então, embora descansemos em Cristo, ali descansaremos com Cristo. Quanto mais tivermos deste abençoado descanso agora, mais preparados estaremos para o repouso que resta para o povo de Deus, esta eterna “observância do sábado” no paraíso que está no alto ( THCIWGYR, 2).
CONCLUSÃO O céu, o destino definitivo dos salvos, é um lugar, e não um mero estado ou condição. O céu é o lugar onde Deus habita, e onde existe a absoluta perfeição. O céu é onde todos os crentes irão receber a Visão Bem-Aventurada e, como conseqüência, jamais serão capazes de pecar outra vez —não porque a sua liberdade estará perdida, mas porque ela estará completamente realizada®pois, como ocorre no casamento, a liberdade de uma pessoa é restrita e ela “abandona todas as outras” e se apega, em amor, unicamente à pessoa amada. Embora seja um lugar de perfeição, o céu não representa uma perfeição estática e imóvel, mas uma perfeição dinâmica e ativa. O céu não irá incluir a luta pela perfeição 60V eja V o lu m e 3, c a p ítu lo 3.
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(co m o fazem os na terra), mas o descansar, alegrar-se e desfrutar a perfeição que obtivem os por m eio da obra indescritível de Deus.
FONTES A nselm o. Cur Deus Homo?, in: Saint Anselm: Basic Writings. ________ . Saint Anselm: Basic Writings. A gostinho. City o f God. ________ . On Christian Doctrine. João Calvino. Institutes o f the Christian Religion. Cross, F. L. The Oxford Dictionary o f the Christian Church. Cipriano. The Epistles o f Cyprian. Edwards, Jo n ath an . The Endfor Which God Created the World. ________ . Miscellaneous Ohservations on Important Theological Suhjects. ________ . The Works o f fonathan Edwards. Garrigou-LaG range, Reginald. Christ the Savior. ________ . Predestination. Inácio. The Epistle o f Ignatius to Hero, a Deacon o f Antioch. Irineu. Fragments From the Lost Writings o f Irenaeus. Jo h n o f Dam ascus. De Fide Orthodoxa. Justino M ártir. Dialogue o f Justin. Lactantius. The Divine Institutes. Lewis, C. S. The Screwtape Letters. Lewis, Richard W. A New Vision o f Another Heaven. L utero, M artinh o. The Large Catechism. ________ . Tahle Talks. M etódio. From the Discourse on the Resurrection. R am m , Bernard. Them H e Glorified: A Systematic Study o f the Doctrine o f Glorificaticm. Rhoades, R on. The Undiscovered Country. S m ith , W ilbur. The Biblical Doctrine o f Heaven. Spurgeon, Charles. Till H e Come: I Will Give You Rest. ________ . Till H e Come: The Well-Beloved. Sw ete, H enry B. The Ascended Christ. Tom ás de Aquino. Summa Theologica. Warfield, B. B. “Are They Few T h a t Be Saved?”, in: Biblical and Theological Studies. Wesley, Jo hn. The Writings o f John Wesley.
C A P Í T U L O
N O V E
O ESTADO FINAL DOS PERDIDOS (INFERNO)
E
ntre muitas outras coisas, o inferno tem sido chamado de cruel e bárbaro. Como iremos analisar mais tarde1, Bertrand Russel (1872-1970) disse que qualquer um que ameace as pessoas com o castigo eterno, tal como Jesus fez, estará sendo desumano ( W IA N C , 593-94). De uma maneira geral, aqueles que são incrédulos têm estado questionando o inferno assim como o castigo final, e até alguns cristãos evangélicos como John Stott (nascido 1925) já chegaram a negar a sua existência. Entretanto, a principal corrente do cristianismo ortodoxo, tanto católico como protestante, tem defendido a sua realidade e a sua eqüidade. A B A S E B ÍB L IC A P A R A A D O U T R IN A D O IN F E R N O
A existência do inferno é comprovada através de muitos argumentos oriundos tanto da Palavra de Deus como da aplicação do raciocínio humano, e a Escritura contém numerosas e enfáticas afirmações sobre a doutrina do inferno. T e r m o s U sad o s p a ra o L u g a r de C o n d e n a ç ã o F in a l
No Antigo Testamento, a palavra hebraica para inferno é sheol, que significa "mundo invisível”. Embora muitas vezes a palavra sheol seja usada para designar a sepultura, onde o corpo fica invisível, ela também se refere ocasionalmente ao mundo dos espíritos2. No Novo Testamento, a palavra grega para inferno é hades, que significa geralmente um lugar reservado para os espíritos maus que morreram. Além disso, a palavra gehenna também é traduzida freqüentemente como inferno’, pois o Vale do Geena era um pútrido depósito de lixo localizado fora de Jerusalém que ardia perpetuamente. Em referência ao castigo eterno dos anjos caídos, o Novo Testamento também usa a palavra tartaroo (2 Pe 2.4); os gregos entendiam o Tártaro como um lugar subterrâneo que ficava ainda mais abaixo que o Hades (veja Arndt e Gingrich, GELN T, 813). E n s in o d o A n tig o T e s ta m e n to s o b re o In fe r n o
A doutrina do inferno, assimcomo a doutrina daTrindade4,foi revelada progressivamente. Ela foi sugerida (implicitamente) no Antigo Testamento e mais desenvolvida (explicitamente) no Novo Testamento. 1Veja capítulo 11. 2Veja abaixo, sob “Salm os 9.17”. 3V ejaM ateus 5.22,29,30; 10.28; 18.8,9; 23.15,33,45,47; Lucas 12.5; Tiago 2.6. 4Veja V olum e 2, capítulo 12.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Gênesis 3.15
Desde o início, a existência do inferno ficou implícita na maldição da serpente (Satanás): [Eu, Deus,] “porei inimizade entre ti e a m ulher e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. C om o ficamos sabendo mais tarde, a derrota final do diabo irá acontecer quando ele for lançado no Lago de Fogo (Ap 20.10; cf. R m 16.20). Salmos 9 .17 “O s ím pios serão lançados no infern o [heb. sheol] e todas as nações que se esquecem de D eus”. A palavra para infern o, assim co m o sua tradução com o hades , consta da Septuaginta5 e significa “sep u ltu ra”6, mas parece que algum as passagens vão além e sugerem algum a coisa mais profunda do que “m u nd o invisível”. Por exem plo, D eu teronô m io 32.22 fala sobre o “mais profundo do in fern o ”. De qualquer m aneira, com o a m o rte representa o ponto de partida entre a alm a e o corpo7, existe m u ito
mais envolvido na palavra inferno do que o sim ples sep u ltam ento do corpo em u m a sep ultura —a morte também é a entrada da alma no reino espiritual. Salmos 16.10,11
Pois não deixarás minha alma [de Davi] no inferno [sheol], nem permitirás que o teu Santo [Jesus Cristo] veja corrupção. Far-me-ás ver a vereda da vida; na tua presença há abundância de alegrias; à tua mão direita há delícias perpetuamente. Assim co m o no A ntigo Testam ento (e tam bém em outras passagens) a palavra sh eol significa mais do que sepultura para u m cren te8, ela tam bém significa mais do que
sep ultura para u m incrédulo. Especificam ente, isso inclui o m u nd o espiritual para o qual a sepultura representa sim plesm ente u m a entrada. Daniel 12.2
“E m uitos dos que d orm em n o pó da terra ressuscitarão, uns para a vida etern a e outros para vergonha e desprezo eterno.” Isaias 66.22-24
Porque, como os céus novos e a terra nova que hei de fazer estarão diante da minha face, diz o Senhor, assim há de estar a vossa posteridade e o vosso nome. E será que, desde uma Festa da Lua Nova até à outra e desde um sábado até ao outro, virá toda a carne a adorar perante mim, diz o Senhor. E sairão e verão os corpos mortos dos homens que prevaricaram contra mim; porque o seu verme nunca morrerá, nem o seufogo se apagará-, e serão um horror para toda a carne9.
Crença Judaica Intertestamentária sobre o Inferno Na era entre o A ntigo e o Novo T estam en to10, fo n te s relig io sas ju d a ica s fa z ia m re fe rê n c ia ao in fe r n o . O a u t o r de 4 M a ca b e u s disse:
5 L X X , o A n tig o T e s ta m e n to G reg o .
6 C f. G ênesis 42.38; S a lm o s 141.7.
7 V eja c a p ítu lo 7.
8 V eja c a p ítu lo 8.
9 A frase “o
seu v e rm e n u n c a m o r r e r á ” e m c o n e x ã o c o m o fo g o que n u n c a se apagará im p lic a (a ) q u e o castig o será e te r n o e (b ) que e le irá in clu ir o c o rp o físico.
10V eja V o lu m e 1, p a rte 2.
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Por causa do cruel assassinato que cometestes irás sofrer eternamente nas mãos da ustiça divina um adequado castigo pelo fogo [...] Por tua impiedade e crueldade irás suportar tormentos até o fim [...] [em um] destino eterno. A justiça divina te entrega a um fogo eterno e rápido, e aos tormentos que não te abandonarão por toda eternidade. Uma grande luta e um grande perigo para a alma aguardam em eterno tormento aqueles que transgridem os mandamentos de Deus (9.9; 10.11,15; 12.12; 13.15)". P alav ras de F lá v io Jo s e fo s o b r e o I n fe r n o
Semelhantes às afirmações feitas por Cristo12, o historiador judeu Josefo (c. 37-100), escreveu um “Discurso aos Gregos a Respeito do Hades”. Hades é um lugar do mundo que não foi regularmente terminado; é uma região subterrânea onde a luz desse mundo não brilha; por causa dessas circunstâncias, pois nesse lugar a luz não brilha, não se pode lá estar a não ser em perpétua escuridão. Essa região foi destinada para dar custódia às almas, das quais os anjos foram nomeados guardiões, e a elas eles distribuem castigos temporários, apropriados às suas maneiras e ao seu comportamento. Nessa região, existe um certo lugar separado, como se fosse um lago de fogo perpétuo, onde supomos que ninguém tenha sido lançado até agora, mas que está preparado para um dia pré-determinado por Deus no qual um j usto castigo será aplicado merecidamente a todos os homens [...] [Eles receberão] esse castigo eterno por terem dado causa à corrupção, enquanto os justos irão receber um reino incorruptível e eterno. Eles estarão então confinados no Hades, mas não no mesmo lugar onde os injustos estarão confinados [...] [Deus permite] um castigo eterno aos amantes de palavras iníquas. A eles pertence esse fogo perpétuo e sem fim, um certo bicho ardente que nunca morre e nem destrói o corpo, mas que continua a emergir desse corpo para que ele nunca cesse de lamentar. E n s in o s de Je su s s o b r e a E x is tê n c ia d o I n fe r n o
Talvez o mais forte dos argumentos sobre o inferno como lugar de castigo para aqueles (anjos e seres humanos) que rejeitam a Deus seja aquele que o Senhor Jesus Cristo, a segunda pessoa da Santíssima Trindade13, anunciou repetidamente. Na verdade, Ele poderia falar muito sobre o inferno, sim, tanto quanto falou sobre o céu. Mateus 5.29,30 Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti, pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo seja lançado no inferno. E, se a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de ti, porque te é melhor que um dos teus membros se perca do que todo o teu corpo seja lançado no infernoH. Mateus 10.28
“Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo.” 11 Veja Le R o v Fro o m (1874-1970), Tlw Conditiomlist Faith o f Our Fathers. 1.674-75. c a p ítu lo 12 e apêndice 1.
14 C f. M a teu s 18.8,9.
12Veja abaixo, sob “Lucas 16’'.
“ Veja V olu m e 2,
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Mateus 11.23
“E tu, C afarnaum , que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque, se em Sod om a tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram , teria ela perm anecido até h o je .” Mateus 13.40,41
“Assim co m o o joio é colhido e queim ado no fogo, assim será n a consu m ação deste m undo. M andará o Filho do H om em os seus anjos, e eles colherão do seu R eino tudo o que causa escândalo e os que co m etem iniqüidade.” Mateus 13.49,50
“Assim será n a consu m ação dos séculos: virão os anjos e separarão os m aus dentre os justos. E lançá-los-ão na fo rn alh a de fogo; ali, haverá pran to e ranger de dentes.” Mateus 22.13
“Disse, então, o rei aos servos: Amarrai-o de pés e mãos, levai-o e lançai-o nas trevas exteriores; ali, haverá pranto e ranger de dentes.” Mateus 23.15,33
Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que percorreis o m ar e a terra para fazer u m prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós [...] Serpentes, raça de víboras! C om o escapareis da condenação do inferno? Mateus 25.41
N o Seu Serm ão do M onte, nosso Sen h or declarou: “Apartai-vos de m im , m alditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus an jos.”15 Marcos 9.43-48
Se a tua mão te escandalizar, corta-a; melhor é para ti entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para o inferno, para o fogo que nunca se apaga, onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga. E, se o teu pé te escandalizar, corta-o; melhor é para ti entrares coxo na vida do que, tendo dois pés, seres lançado no inferno, no fogo que nunca se apaga, onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga. E, se o teu olho te escandalizar, lariça-o fora; melhor é para ti entrares no Reino de Deus com um só olho do que, tendo dois olhos, ser lançado no fogo do inferno, onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga. Lucas 12.5
“Eu vos m ostrarei a quem deveis tem er: tem ei aquele que, depois de m atar, tem poder para lançar no inferno; sim, vos digo, a esse tem ei.”
15 N a p aráb o la das ovelh as e dos bodes; os bodes, separados das ovelh as, esta rã o à e sq u erd a de D eus.
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Lucas 16.19-31
Em uma história brilhante que fala por si mesma e que, ao contrir: das r ^ríbolas, usa o verdadeiro nome da pessoa [Lázaro], Jesus conta sobre um homem n : inferno: Havia um homem rico, e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele. E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o rico e foi sepultado. E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio. E, clamando, disse: Abraão, meu pai, tem misericórdia de mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente males; e, agora, este é consolado, e tu, atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá, passar para cá. E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento. Disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos. E disse ele: Não, Abraão, meu pai; mas, se algum dos mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite.
Outros Ensinos do Novo Testamento sobre a Existência do Inferno
Além das palavras de Jesus nos Evangelhos, outros escritos do Novo Testamento também confirmam a existência do inferno. 2 Tessalonicenses
1.7-9
Falando sobre a eterna separação de Deus, Paulo escreveu: E a vós, que sois atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu, com os anjos do seu poder, como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder. Hebreus 9.27
O autor de Hebreus acrescentou essa nota final: “Aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juízo”. 2 Pedro 2.4,9 “Se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o Juízo [...] Assim, sabe o Senhor livrar da tentação os piedosos e reservar os injustos para o Dia de Juízo, para serem castigados.”
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Judas 6 “Aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao ju ízo daquele grande D ia.” Judas 12,13 Estes [homens imorais, que não têm Deus] são manchas em vossas festas de caridade, banqueteando-se convosco e apascentando-se a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos de uma para outra parte; são como árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas, desarraigadas; ondas impetuosas do mar, que escumam as suas mesmas abominações, estrelas errantes, para os quais está eternamente reservada a negrura das trevas. Apocalipse 2.11 “Q u em te m ouvidos ou ça o que o Espírito diz às igrejas; O que vencer n ão receberá o dano da segunda m o rte .”16 Apocalipse 14.10,11 “Tam bém o tal [a besta] beberá do vinho da ira de D eus, que se deitou, não m isturado, no cálice da sua ira, e será atorm entad o com fogo e enxofre diante dos santos anjos e diante do Cordeiro. E a fu m aça do seu to rm e n to sobe para todo o sem pre.” Apocalipse 19.20 “A besta foi presa e, com ela, o falso profeta, que, diante dela, fizera os sinais com que enganou os que receberam o sinal da besta e adoraram a sua im agem . Estes dois foram lançados vivos no ardente lago de fogo e de en xo fre.” Apocalipse 20.10 “E o diabo, que os enganava [aqueles que m arch am con tra o povo de Deus], foi lançado n o lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atorm entad os para todo o sem pre.” Apocalipse 20.11-15 E [eu, João,] vi um grande trono branco e o que estava assentado sobre ele, de cuja presença fugiu a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante do trono, e abriram-se os livros. E abriu-se outro livro, que é o da vida. E os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. E deu o mar os mortos que nele havia; e a morte e o inferno deram os mortos que neles havia; e foram julgados cada um segundo as suas obras. E a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte. E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo.
16Veja capítulo 15; veja tam bém Volume 3, capítulo 6; cf. Apocalipse 20.14.
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Apocalipse 21.8 “Q uanto aos tím idos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos hom icidas, e aos fornicadores, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os m entirosos, a sua parte será no lago que arde co m fogo e enxofre, o que é a segunda m o rte .” A B A SE T E O L Ó G IC A P A R A A D O U T R IN A D O IN F E R N O Vários atributos, alguns que são de Deus e outros que são nossos, exigem a existência do inferno. As características de Deus que requerem o inferno são a Sua justiça, Seu am or e Sua soberania. As características da humanidade que o requerem são a depravação e a dignidade. A Ju s tiç a de D e u s E xig e u m In fe r n o A lém das afirmações diretas da Bíblia, a Escritura apresenta muitas outras razões para a existência do inferno. U m a delas é que ele é um a exigência da justiça, e Deus é ju sto (cf. R m 2). Ele é tão puro de olhos que não pode ver o pecado (Hc 1.13). “Para com Deus, não há acepção de pessoas” (R m 2.11), e “não faria justiça o Juiz de toda a terra?” (G n 18.25)17. Não deixa de ser u m sim ples fato que os m aus devem ser punidos nessa vida, porém m u itos observaram que os ím pios às vezes prosperam (cf. SI 73.3). Assim, será necessário que exista u m lugar de pu nição além da vida para os ím pios para preservar a ju stiça de Deus. Na sua vigorosa defesa, Jo n ath an Edwards (1703-1758) observou que m esm o u m ú n ico pecado m erece o inferno: O Deus santo e eterno não pode tolerar qualquer pecado. Quanto mais, então, uma multidão de pecados diários em pensamentos, palavras e atos? Isso tudo acrescido do fato de rejeitarmos a imensa misericórdia de Deus. E adicionando a isso a disposição do homem de encontrar falhas na justiça e na misericórdia de Deus, teremos evidências abundantes da necessidade do inferno. [Desta maneira,] se tivéssemos uma verdadeira consciência espiritual, não ficaríamos admirados com a severidade do inferno, mas com a nossa própria depravação ( WJE, 1.109). O A m o r de D e u s E xig e u m I n fe r n o A Bíblia m o stra que “Deus é am o r” (1 Jo 4.16), e o am or não pode ser coercivo, mas persuasivo. U m D eus de am or não pode obrigar as pessoas a am á-lo ls; respondem os ao seu am or livrem ente, e não porque som os obrigados (1 Jo 4.19; 2 Co 9.7). Deus não se im põe sobre os seres hu m anos con tra o arbítrio que lhes concedeu (cf. M t 23.27), de m odo que aqueles que não desejam am ar a Deus devem ser desobrigados desse sen tim ento. Aqueles que decidem não estar com Ele devem ter perm issão para ficar separados dEle (v eja Lewis, GD, 38). O inferno é a etern a separação de Deus. A S o b e r a n ia de D e u s E xig e u m I n fe r n o Se não existisse o inferno, não haveria um a vitória final sobre o m a l19. O m al frustra o bem . O trigo e o joio não podem crescer ju n to s para sem pre (cf. M t 13.40,41), e se não houvesse um a definitiva separação o bem não iria triunfar com p letam en te e Deus 17 Veja Volume 2, capítulos 13-14. tam bém V olum e 3, capítulo 6.
1S Veja Volume 2, capítulo 15, e Volum e 3, capítulo 3.
19 Veja capítulos 15-16; veja
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não teria o con trole suprem o. A soberania de D eus exige u m in fern o20; e a Sua Palavra declara que Ele te m a suprem a vitória sobre o m al (cf. 1 C o 15.24-28; Ap 20—22). Jo h n Edwards argum entou: E extremamente injusto supor que não deva existir nenhum castigo futuro, supor que Deus, que criou o homem como uma criatura racional capaz de conhecer o seu dever e sensível ao fato de que merece ser castigada quando não o cumpre, devesse deixar o homem sozinho para viver como desejasse e nunca puni-lo pelos seus pecados, sem nunca fazer a diferença entre o bem e o mal (WJE, 2.884).
A Depravação Humana Exige um Inferno O ún ico castigo ju sto pelo pecado con tra o Deus etern o é u m castigo etern o. Deus é absolutam ente perfeito (H c 1.13; M t 5.48), e os seres hum anos são irrem ediavelm ente pecadores21. Não há Deus. Têm-se corrompido, fazem-se abomináveis em suas obras, não há ninguém que faça o bem. O Senhor olhou desde os céus para os filhos dos homens, para ver se havia algum que tivesse entendimento e buscasse a Deus. Desviaram-se todos e juntamente se fizeram imundos; não há quem faça o bem, não há sequer um. Não há homem justo sobre a terra, que faça bem e nunca peque22. Não há retidão na boca deles; o seu íntimo são verdadeiras maldades; a sua garganta é um sepulcro aberto; lisonjeiam com a sua língua23. Aguçaram a língua como a serpente; o veneno das víboras está debaixo dos seus lábios24. A sua boca está cheia de imprecações, de enganos e de astúcia; debaixo da sua língua há malícia e maldade25. Os seus pés correm para o mal e se apressam para derramarem o sangue inocente; os seus pensamentos são pensamentos de iniqüidade; destruição e quebrantamento há nas suas estradas. Não conhecem o caminho da paz, nem há juízo nos seus passos; as suas veredas tortuosas, as fizeram para si mesmos; todo aquele que anda por elas não tem conhecimento da paz26. Não há temor de Deus perante os seus olhos27. Nós sabemos que tudo o que a lei diz aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus [...] porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deu28. O h o m em m ais sábio que já viveu disse: “Vede, isto tão -som en te achei: que Deus fez ao h o m em reto, mas ele buscou m uitas invenções” (Ec 7.29). Em iniqüidade som os form ados (SI 51.5), e som os “por natu reza filhos da ira” (E f 2.3): Porquanto [as criaturas de Deus] tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis (Rm 1.21-23).
2(1Veja Volum e 2, capítulo 23. 140.3.
25 Salm os 10.7.
21 Veja Volume 3, capítulo 5.
26 Isaías 59.7,8.
27 Salmos 36.1.
22 Salm os 14.1-3; Eclesiastes 7.20.
2KRom anos 3.19,22,23.
23Salm os5.9.
2’ Salmos
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C om o pode alguém supor que a depravada e im peniten te re b e u l: ; : n t r a um a im pecável e im aculada santidade não m ereça a ira de Deus? A D ig n id a d e H u m a n a E xig e u m I n fe r n o Deus criou os seres hu m anos para serem livres29; Ele não irá (não poderá) forçar as pessoas a irem para o céu co n tra essa liberdade; assim, a dignidade h u m an a exige um inferno. Jesus disse: “Jerusalém , Jerusalém , que m atas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu aju n tar os teus filhos, com o a galinha aju n ta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (M t 23.37). C. S. Lewis (1898-1963) explicou: “No final, existem apenas dois tipos de pessoas: aquelas que dizem a Deus: ‘Seja feita a tua vontade’, e aquelas a quem Deus diz, no final: ‘S eja feita a tua vontade’” ( GD, 69). A C r u z d e C r is to E xig e u m I n fe r n o A C ruz está no centro do cristianism o30; ela representa o verdadeiro propósito da vinda de C risto a esse m u n d o31. Sem Ele a salvação seria im possível32, e som ente através da sua obra podem os receber a libertação dos nossos pecados (R m 3.21,16). Jesus sofreu u m a inim aginável agonia e até a separação do Seu am ado Pai (Hb 2.10-17; 5.7-9). A espera da C ruz, “o seu suor to rn ou -se em grandes gotas de sangue” (Lc 22.44). Por que existiria a Cruz e todo esse sofrimento se não houvesse um infemor Se não houvesse u m infern o para evitarm os, então a C ruz teria sido em vão. A m o rte de Cristo teria tido o seu significado e terno roubado, a não ser que houvesse u m inferno co m o destino final para o qual as almas pecadoras seriam entregu es’3. N e g ar o I n fe r n o E u m a Ilu s ã o Não são apenas os cristãos que recon h ecem ou dem on stram a realidade do inferno. Sigm und Freud (1856-1939) definiu a ilusão com o “concepções que são oriundas dos desejos h u m an os”. E acrescentou: “D izem os que a convicção é um a ilusão quando a realização de u m desejo representa um fator proem inen te n a sua m otivação, e [quando] ao fazê-lo estam os desprezando suas relações com a realidade” (veja FL, 38-40). Em term os da evidência do inferno, a sua negação é um a forte candidata a ser um a ilusão. A respeito da religião, Freud disse: “D izem os a nós m esm os que seria m u ito bom se houvesse um Deus que criou o m u nd o e se m ostrasse com o um a benevolente Providência [...] mas não deixa de ser bastante surpreendente que tudo isso seja exatam ente aquilo que estam os inclinados a desejar que fosse rea lm en te” (ibid., 52-53). Podem os reform ular esta frase com o: Podem os dizer a nós m esm os que seria m aravilhoso se não houvesse o inferno ou n en h u m dia de juízo final no qual serem os responsáveis por todos os nossos atos, mas não podem os deixar de observar que tudo isso é exatam ente aquilo que n atu ralm en te desejam os que seja verdade. U m ou tro ateu, W alter Kaufm ann (1921-1980), adm itiu que a crença n o infern o não está baseada em um a ilusão: “A contece que n em todo aquele que acredita no inferno está sendo im pelido pelo que deseja que seja verdade [...] a crença no inferno não se originou dessa fo rm a” (CRP, 135). Na verdade, isso não aconteceu; en tretan to , a descrença no inlerno pode realm ente ter se originado dessa m aneira. As pesquisas revelaram um a 29 Veja Volume 3, capítulo 3.
30 Veja 1 Coríntios 1.17,18; 15.3.
10.1,9,10; Rom anos 4.25; Hebreus 10.14,15.
31 Cf. Lucas 19.10; Marcos 10.45.
33 Cf. Volume 3, capítulos 8-9.
32Veja Atos 4.12; João
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interessante estatística a esse respeito. Em bora a m aioria das pessoas da A m érica do N orte acredite na realidade do inferno, poucas acreditam que vão para lá. Isso poderia ser um a ilusão ainda m aior do que aquela dos que negam a existência do inferno.
A NATUREZA, LOCALIZAÇÃO E DURAÇÃO DO INFERNO C o m o é o inferno? O nde fica? Q uanto irá durar? Essas e m uitas outras perguntas têm sido ob jeto de discussões teológicas durante séculos.
A Natureza d o In fe r n o A natureza do inferno representa u m a realidade horripilante. Estar no inferno é o m esm o que ser deixado nas trevas e no sofrim ento para sem pre. O. inferno é com o um a estrela errante, um a nuvem sem água, u m depósito de lixo que queim a perpetuam ente, um p o ço sem fim , um a prisão eterna. O infern o é u m lugar de angústia e pesar34. Usando o títu lo de u m livro m aravilhoso (veja Lewis, GD), o inferno é com o u m grande divórcio — um a etern a separação de D eus (cf. 2 Ts 1.7-9). Existe, n a linguagem bíblica, “u m grande abism o” entre o céu e o inferno, de m odo que ninguém poderá passar de u m lado para o ou tro (Lc 16.26). Deve-se n otar que em n e n h u m lugar a E scritura descreve o inferno com o um a câm ara de to rtu ra onde as pessoas são forçadas, con tra sua vontade, a sofrer um angustioso sofrim ento; essa é apenas a caricatura do infern o criada pelos incrédulos n u m a tentativa de reproduzir D eus com o um ser cruel. O fato de que u m Deus am oroso não irá to rtu rar ninguém não significa que o inferno não seja u m lugar de to rm en to — Jesus disse que seria (v. 24). E ntretan to, diferente da tortura, que é infligida contra a vontade de alguém , o to rm e n to é causado pela própria vontade da pessoa. C o m o já foi observado até pelos ateus — por exem plo, Jean-Paul Sartre (1905-1980)35 —, a p o rta do infern o está fechada pelo lado de dentro. Podem os ser condenados pela nossa própria liberdade. T orm en to é viver co m as conseqüências das más escolhas que fizem os. T orm en to é a angústia que resulta de perceber que usam os nossa liberdade para o m al e que nossas escolhas foram erradas. Todos aqueles que estão no inferno sabem que a dor que estão sofrendo foi causada por eles m esm os; p o rtan to , ali h á “pran to e ranger de dentes” (M t 22.13; M c 8.12). O in fe rn o tam b ém foi d escrito co m o u m lu g ar de fo g o e te rn o . O fogo é real, m as n ão n e cessariam en te físico (p elo m en o s, c o m o g e ra lm en te co stu m a m o s e n ten d er essa palavra), p o rq u e os corp os das pessoas que estão n o in fe rn o serão im o rta is (Jo 5.28,29; Ap 20.13-15), de m o d o que u m fo g o n o rm a l n ão p o d erá afetá-lo s. A lém disso, as figuras de lin gu ag em que d escrevem o in fe rn o se to rn a m co n tra d itó ria s se entendid as n u m sen tid o físico e strito . O in fe rn o te m chamas, n o e n ta n to está n u m a escuridão absolu ta. O in fe rn o é u m depósito de lixo (q u e te m u m a base), n o e n ta n to ele é u m abismo, u m p o ço sem fim . E m b o ra tu d o n a B íblia seja lite ra lm e n te verdadeiro, n e m tu d o é v erd ad eiram en te lite ra l36. Por e x e m p lo , D eu s n ã o é lite ra lm e n te u m a ro ch a (SI 42.9), pois Ele é E sp írito (Jo 4.24), m as Ele é lite ra lm e n te u m sólid o e ro ch o so fu n d am en to .
M M ateu s 8.12; Judas 13; Judas 12; M a rco s 9.44-48; A p ocalipse 20.1,3; 1 Pedro 3.19; Lucas 16.28. 36 V eja c a p ítu lo 12.
35 V eja sua o b ra No Exit.
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A L o c a liz a ç ã o d o In fe r n o Diz-se que o inferno fica “debaixo da te rra ” (Fp 2.10), que é u m lugar ae “trevas exteriores” (M t 8.12; 22.13), e “fo ra ” das portas da cidade celestial (Ap 22.15 . _■ in le m o está longe da “presença do S e n h o r” (2 Ts 1.9; cf. M t 25.41). E claro que “debaixo" e T o ra ” são term os relativos e não precisam necessariam ente ser entendidos co m o tendo u m a relação espacial. Deus está “em cim a’’ e o inferno está “em baixo”. Deus está “d en tro” e o inferno está “fo ra”. O inferno está na direção oposta a Deus, e é um a eterna separação dEle (2 Ts 1.7-9). A D u r a ç ã o d o In fe r n o Os an iq u ilacio n istas37 arg u m e n ta m que quando a palavra grega trad u zid a co m o eterno ( aion, aionios ) é aplicada ao céu ela significa “in te rm in á v e l”; m as quando aplicada
ao in fe rn o ela significa “fim ” (v eja F ro o m , CFF, 1.433). C o m o v erem os a seguir, isso é in co n sisten te e in c o rre to — ou seja, é errad o lim ita r a d u ração do in fe rn o , en q u an to a d u ração in fin ita da vida de D eus e do céu co n ta m co m o apoio de várias fo rm as de evidências. A Palavra de D eus declara que Ele irá durar “de geração em geração” (SI 90.1). Ele não teve com eço n em terá fim (Ap 1.8); Ele criou todas as coisas (C l 1.15,16; Jo 1.3), e Ele irá continuar depois que esse m u nd o for destruído (2 Pe 3.10-12). C o m o, pela Sua própria natureza, D eus não pode to lerar o pecado (Is 6.1ss.; Hc 1.13), as pessoas que pecam devem ser separadas dEle para sempre. O Inferno Durará tanto quanto o Céu
O céu é “e te rn o ”, e a m esm a palavra (gr. aionion), usada no m esm o contexto, tam bém afirm a que o inferno é “e te rn o ”38. Se o céu é eterno, então o inferno tam bém é. Não existe absolutam ente n en h u m fu nd am ento bíblico que nos leve a supor que u m seja eterno e o ou tro seja tem poral. Da m esm a m aneira, não existe a possibilidade de um a pessoa fugir do inferno depois que lá chegar (cf. Lc 16.26). O juízo com eça depois da m o rte (Hb 9.27; Jo 8.21). A lém disso, depois da m o rte, as pessoas têm consciência se estão n o céu ou no in fern o35. Não haveria sentido em ressuscitar os incrédulos para um juízo eterno (D n 12.2; Jo 5.28,29) perante o G rande Trono Branco (Ap 20.1 lss.) a fim de castigá-los pelos seus pecados, a não ser que eles estivessem conscientes. A destruição dos ímpios é contrária à natureza de Deus e à natureza do h om em que foi feita à Sua im agem 40. Não seria consistente com o caráter de um Deus am oroso extinguir as almas daqueles que não praticam a Sua vontade41; você pode imaginar u m pai terreno m atando seus filhos por não fazerem aquilo que ele quer que façam? A lém disso, se Deus fosse destruir os seres hum anos, Ele estaria agredindo a Si m esm o, pois fom os feitos à Sua im agem (G n 1.27), e Ele é im ortal42. O fato de essas pessoas serem condenadas ao sofrim ento não justifica a sua destruição, da m esm a m aneira com o a dor de ter um filho não justifica que ele deva ser eliminado. A destruição é um a agressão à natureza de Deus e à liberdade
37 Veja capítulo 11; veja tam bém Volume 3, capítulo 11.
38 Mateus 25.41; cf. 2 Tessalonicenses 1.7-9; Apocalipse 20.10.
39Veja Lucas 16.26; 2 Coríntios 5.8; Filipenses 1.23; Apocalipse 6.9; 19.20; 20.10. Veja tam bém capítulo 7. 41Veja Volume 2, capítulo 15.
42 Ibid., capítulo 11.
40Veja capítulo 11.
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hum ana43, e isso foi reconhecido não só por crentes, mas tam bém por alguns que negaram a existência de Deus. Por exem plo, Friedrich N ietzche (1844-1900), que afirmava que a aniquilação não é mais desejável do que a liberdade consciente, tam bém escreveu: “Eu prefiro o nada a não ter a possibilidade de ter algum a preferência” ( TGM , ú ltim a linha). 0 Inferno Durará o mesmo Tempo que Deus A duração do inferno não será apenas igual à duração do céu, mas ele tam bém irá durar tanto quanto o próprio Deus; o m esm o term o que significa “etern o” (gr. aionion) é usado para todos os três44. Em R om anos 16.26, lem os que o m istério de Deus “se m anifestou agora e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o m andam ento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé”45. C om o o inferno foi reservado para aqueles que viveram para o pecado, em vez de viverem para o Deus eterno, ele irá durar tanto tem po quanto durar o eterno Deus contra o qual eles pecaram —para sempre.
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES AO INFERNO Os críticos dos ensinamentos bíblicos e históricos cristãos sobre o inferno apresentaram muitas objeções a essa doutrina. Iremos, agora, examinar algumas das objeções mais comuns.
Objeção Um: Por que Castigar as Pessoas com o Inferno —Por que não Reformálas e Levá-las para o Céu? Q ual a razão de um castigo eterno? Por que, em vez disso, Deus não ten ta reform ar os pecadores? A té os seres hu m anos, co m todas as suas limitadas capacidades e poucos recursos, oferecem reform atórios para os crim inosos. E Deus, com todas as Suas ilim itadas habilidades e im ensos recursos, não teria condição de oferecer m u ito mais oportunidades para u m reform atório em vez de u m a institu ição penal etern a para as criaturas que Ele criou à Sua im agem e sem elhança?
Resposta à Objeção Um A resposta não é difícil, tan to bíblica com o racionalm ente. Primeiro, Deus realm en te ten ta reform ar as pessoas; o tem po da reform a é cham ado de vida. Pedro declarou: “O S en h or [...] é longânim o para convosco, não querendo que alguns se percam , senão que todos v en h am a arrepender-se” (2 Pe 3.9). Depois do tem po da reforma, vem o tem po do ajuste de contas: “Aos h om ens está ordenado m o rrerem um a vez, vindo, depois disso, o ju íz o ” (Hb 9.27). Segundo, o inferno destina-se exclusivamente aos impenitentes e àqueles que não se reformam (cf. 2 Pe 2. lss.). O inferno não é para alguém que possa ser reformado, pois esse ainda estará vivo, porque Deus, na Sua visão e bondade, não irá permitir que vá para o inferno alguém que Ele sabe que iria para o céu se tivesse mais oportunidades46. Deus quer que todos os homens se salvem (1 T m 2.4). O inferno não foi criado para as pessoas, mas para o diabo e seus anjos caídos (M t 25.41). Lewis observou: “Nenhum a alma que, séria e constantemente, deseja a alegria jamais irá perdêla. Aqueles que procuram, acham. Aqueles que batem, a porta irá se abrir”.
Veja Volume 3, capítulos 3 e 11. 44Veja Volume 2, capítulo 4. [Santo] eterno”.
45 Da m esm a m aneira, Hebreus 9.14 fala sobre o “Espírito
4(1Veja Volume 3, capítulo 13, e Volume 2, capítulo 15.
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Terceiro, contrária à suposição de que um a vez que a pessoa tenha chegaa : a uir. lugar tão horrível ela desejaria deixá-lo, está a realidade de que isto simplesmente não acontece, Não existe nenhum a evidência a esse respeito na história do evangelho a respeito do hom em no inferno47, e não existe nenhum a base para isso no conhecimento da natureza da psique humana. Em relação à mudança do coração e das disposições dos pecadores, c o m pode um lugar isento d i muencórdia de Deus realizar aquilo que nenhuma medida da Sua graça pôde realizar na t e m ? Se o inferno pudesse reformar aqueles que preferiram o mal, então eles poderiam ser salvos sem Cristo, que é o único meio da salvação divina48. Na verdade, ao contrário de abrandar um coração duro, muitas vezes o
sofrimento resulta em deixá-lo ainda mais cruel, com o foi exemplificado no caso do Faraó (Ex 7—14), e demonstrado pela reincidência dos criminosos obstinados. Quarto, e finalm ente, Deus não pode forçar criaturas livres a se reform ar49. U m a reform a forçada é pior do que o castigo, pois o castigo honra a liberdade e a dignidade com as quais Deus dotou Sua criação hum ana: “Ser curado” contra a sua vontade [...] é ser colocado no m esm o nível daqueles que ainda não chegaram à idade da razão, ou daqueles que nunca chegarão; é ser classificado ju n to com os infantes, os imbecis, e os animais dom ésticos” (Lewis, G IT D , 292). Os seres hum anos não são objetos para serem manipulados; são seres que devem ser respeitados. As pessoas, feitas à im agem de Deus, são castigadas quando praticam o m al porque eram livres e sabiam o que estavam fazendo (veja R m 1.ISss.). O b je ç ã o D o is : A C o n d e n a ç ã o E te r n a p e lo s P eca d o s T e m p o r a is n ã o S e ria u m a R e ta lia ç ã o e m E s c a la M aior? Castigar etern am en te u m a pessoa por aquilo que ela fez tem p orariam en te parece ser um caso gigantesco de retaliação. N enhum pai h u m an o iria d eterm inar u m a vida de castigos para seu filho por u m crim e que tivesse levado apenas alguns m inutos; por que Deus iria castigar etern am en te aqueles que pecaram som ente durante pouco tempo? R e s p o s ta à O b je ç ã o D o is Examinando mais de perto, o castigo eterno revela ser não apenas justo com o necessário. Por um lado, somente um castigo eterno irá compensar os pecados cometidos contra um Deus eterno. Os pecados com etidos em qualquer tem po são perpetrados contra o Ser Eterno; analogam ente, em bora possa ser necessário apenas u m m inuto para m atar alguém , o castigo m erecido e correspondente é aprisão perpétua (nos EUA). N enhum pecado pode ser tolerado enquanto Deus existir50; pelo fato de Ele ser eterno, o castigo pelo pecado tam bém deverá ser eterno. A justiça de Deus exige um castigo eterno porque “o horror de qualquer crim e deve ser medido de acordo com o valor ou dignidade da pessoa contra o qual ele foi com etid o” (Edwards, in: Davidson, “R D ”, in: JE T S , 50)51. Pecar contra u m Deus infinito é com eter um pecado infinito digno de um castigo infinito (Edwards, W JE , 2.83). Além disso, com o já vimos, a única alternativa para o castigo eterno é roubar a liberdade da pessoa e forçá-la a ir para o céu. Isso não seria uma coisa celestial, ao contrário, seria um "inferno” p ara ela , pois ficaria presa n u m lugar onde todos estariam am ando e louvando Aquele que ela mais deseja evitar (cf. Lewis, PP, 106-07). N ovam ente, a terceira escolha de Deus, a destruição da Sua própria im agem nas Suas criaturas, seria um ataque feito por Deus a Si m esm o32.
47 “O rico e Lázaro”, Lucas 16.19-31.
48Veja Volume 3, capítulos 9,11 e 13; cf. Edwards, The Works ofjom than Edwards, 2.520.
49Veja
Volume 3, capítulo 3. 50Veja Volume 2, capítulos 13 e 16. 51 Ibid., capítulo 16. 52Veja capítulo 11; cf. Volume 3, capítulo 11.
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C o m p le ta n d o , sem uma eterna separação entre o bem e o mal (no inferno), não haveria o céu, a eterna preservação do hem. O p ecad o é co n ta g io so (1 C o 5 .6) e deve ser c o lo ca d o em q u a re n te n a 53, c o m o se fosse u m a p rag a m o rta l, e se n ã o fo r co n tid o ele irá c o n tin u a r a c o n ta m in a r e a c o rro m p e r. Se, n o fin a l, D eu s n ã o sep arasse o jo io do trig o , o jo io iria su fo ca r o trig o (c f. M t 1 3.24-30); u m cé u e te r n o te m n ecessid ad e de u m in fe rn o e te rn o . Finalm ente, os incrédulos preferem se afastar de Deus no tem po. Por que não deveríamos esperar que esse fosse o seu estado preferido na eternidade?
Objeção Três: Como Podemos Ser Felizes no Céu sabendo que alguém Amado Está no Inferno? O sim ples p e n sa m e n to de que alg u ém que am am os está e te rn a m e n te separado de D eu s é te rrív el. C o m o u m m arid o pode ser feliz no céu sabendo que sua esposa está e te rn a m e n te sofren d o a an g ú stia do in fern o? U m pai fica a to rm e n ta d o ao ver o seu filh o sofren d o as dores da le u ce m ia d u ra n te alguns m eses; m as co m o esse pai te ria a possibilidade de ser feliz n o céu sabendo que o filh o estará sofren d o para sem pre?
Resposta à Objeção Três Prim eiro, a grave e inválida pressuposição dessa questão é que som os mais m isericordiosos que Deus. Mas Ele é infinitam ente m ais m isericordioso do que nós (cf. Lewis, Pl\ 114). A lém disso, D eus está feliz no céu, no entanto, Ele sabe que n em todos estarão lá. Igualm ente, se não pudéssem os ser felizes no céu por saber que outros estão no inferno, então a nossa felicidade estaria nas m ãos de outros: O que algumas pessoas dizem [erroneamente] na terra é que a perda final da alma dos condenados transforma em mentira toda a alegria daqueles que são salvos. O desejo dos que se sentem desprezados e auto-encarcerados é que deveriam ter permissão para fazer uma chantagem com o universo; isto é, até que se sentissem felizes (nos seus próprios termos), ninguém mais poderia experimentar a alegria; eles teriam o poder final. Isto seria o mesmo qué o Inferno ser capaz de invalidar o Céu (GD, 124). Não seriamos felizes no céu sabendo que outros foram inju stam ente eliminados. Entretanto, podem os ser felizes no céu da m esm a m aneira com o podem os ser felizes com endo sabendo que outros estão passando fom e, isto é, que lhes oferecem os alim ento e eles se recusaram a com ê-lo. Qualquer que seja a situação, no céu Deus “limpará [...] toda lágrima” (Ap 21.4).
Objeção Quatro: Por que Deus Criou as Pessoas sabendo que elas Iriam para o Inferno? Alguns críticos do inferno argu m entam que se Deus soubesse que algum as criaturas iriam rejeitá-lo e term inar n u m lugar tão horrível, elas n u n ca deveriam ter sido criadas. Não seria m elh o r nu nca ter existido em vez de passar toda a eternidade no inferno? B Veja Volum e 3, parte 1.
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Resposta à Objeção Quatro Não se pode dizer que a n ã o -ex istên cia seria u m a con d ição m e lh o r que a existên cia, pois ela n ã o é nada; afirm ar que nada pode ser m e lh o r que a lg u m a coisa re p re sen ta u m erro colossal. Para que duas coisas possam ser com p arad as, é p reciso que elas te n h a m alg u m a coisa em c o m u m , e n ão existe a b so lu ta m e n te n ad a em co m u m e n tre ser e n ão ser — são coisas d ia m etra lm e n te op ostas. A lg u ém pode sentir co m o se tivesse sido liberad o do seu so frim e n to , m as n ão pode n e m p en sar co n siste n te m e n te que existe u m a con d ição m e lh o r do que não ser. Aquilo que não é não pode ser melhor do aquilo que é. A afirm ação de Jesus de que teria sido m elh o r se Judas nu nca tivesse nascido (M c 14.21) é sim plesm ente um a fo rte expressão que Ele usou para indicar a gravidade do seu pecado, e não um a declaração da superioridade da condição do não ser sobre a condição de ser. Em um a condenação sem elh ante aos fariseus, Jesus disse que Sod om a e G o m o rra teriam se arrependido se tivessem visto os Seus m ilagres (M t 11.20-24). Isso não significa que Sod om a e G o m o rra teriam literalm en te se arrependido54. Ao contrário, trata-se de um a poderosa figura de linguagem para indicar que o pecado dos fariseus era tão grande que “haverá m enos rig or” (v. 24) “para Sod om a e G o m o rra no dia do ju ízo final55 do que para os fariseus”. O fato de n e m todas as pessoas v e n ce re m no jo g o da vida n ão sig n ifica que ele não deva ser jo g ad o : “Se u m jo g o é d ispu tad o, existe a possibilidade de ele ser p erd id o” (Lewis, PP, 106). A ntes de c o m e ç a r o c a m p e o n a to da “S u p er B o w l”, os jo g ad o res dos dois tim es sabem que u m deles irá perd er, ainda assim eles jo g a m . Os m o to rista s am erican o s sabem que m u itas pessoas serão m o rta s d iariam en te em aciden tes de ca rro , no e n ta n to d ia ria m en te eles g u iam pelas ruas. Tod os nós que som o s pais sabem os que o fato de te r filh o s p o d eria te rm in a r em a lg u m a trag éd ia p ara eles e tam b ém para nós, no e n ta n to o nosso c o n h e c im e n to da existên cia do m al não im p ed e a nossa vo n tad e de p e rm itir a p robabilid ad e do b em . Por que agim os assim? Porque ach am o s que vale a p ena, p o rqu e sabemos que será m e lh o r te r a op ortu n id ad e para o b em , para o a m o r e p ara a vida. D a m esm a m a n e ira , do p o n to de vista divino, será m e lh o r te r am ado todas as pessoas do m u n d o (Jo 3.16), e perd id o alg u m as, do que não te r am ado a todas elas56.
Objeção Cinco: O Inferno não Tem nenhum Valor Redentor Alguns afirm am que o in fern o não tem n en h u m valor redentor, porque ninguém sai dele e ninguém que vai para lá aprende algum a coisa, ninguém “vive para con tar a história”. Q ual é a vantagem do inferno, se quem o escolhe fica lá para sempre?
Resposta à Objeção Cinco Contra esse argumento, Jonathan Edwards respondeu que o valor redentor do inferno é que ele não só satisfaz a justiça de Deus, com o tam bém a glorifica, quando m ostra com o o Seu padrão é elevado: “A justiça vingativa de Deus parecerá rigorosa, exatã, impressionante e terrível, portanto gloriosa” ( WJE, 2.87). Em outras palavras, quanto mais terrível e alarmante for o juízo, mais brilhante será o reflexo da espada da justiça divina57.Um castigo terrível 54 Se esse fosse o caso, então é certo que Deus teria lhes m ostrado os Seus m ilagres; cf. 2 Pedro 3 . 9 . 55:-Veja capítulo 15. 56 Veja V olum e 3, capítulo 6.
57Veja Volume 2, capítulo 16.
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com bina bem com um Deus terrível. Através de um a majestosa exibição de ira, Deus reafirma a majestade que os pecadores se recusaram a lhe conceder58. U m terrível castigo depois da m orte irá devolver a Deus aquilo que as pessoas roubaram dEle nessa vida; aqueles que se negaram a glorificar a Deus durante sua vida não terão outra escolha depois da m orte59. Todos os seres hu m anos são ativa ou passivam ente úteis a Deus. No céu, os crentes são ativam ente úteis quando louvam a Sua m isericórdia; n o inferno, os incrédulos serão passivam ente úteis porque concederão m ajestade à Sua justiça. Assim co m o u m a árvore estéril é útil porque fo rn ece lenha, tam bém os pecadores são úteis co m o com bustível para o fogo etern o (ibid., 2.126). A lém disso, n o inferno, o joio é separado do trigo e os bons são separados dos m aus. Isto é, ao m esm o tem po, útil e necessário, pois tudo que fru stra o m al é bom . P ortanto, o céu é u m lugar onde não existe n e n h u m m al para fru strar aqueles que são bons, e o inferno é u m lugar onde não existe nada do que é b om para fru strar aqueles que são m aus. A separação final é necessária para o triu n fo do bem sobre o m al, de m odo que o m al n u n ca poderá contam in ar o bem.,
Objeção Seis: É Justo (Direito) Enviar Pessoas para o Inferno quando elas não Conseguem Deixar de Pecar? A Bíblia diz que nascem os em pecado (SI 51.5) e que “éram os por natu reza filhos da ira” (E f 2.3). Se os pecadores não conseguem evitar o pecado, en tão seria ju sto enviá-los para o inferno por causa disso?
Resposta à Objeção Seis As pessoas vão para o inferno por duas razões: (1) Elas nascem com u m a inclinação para o pecado e (2) elas escolh em pecar. Elas nascem n u m a estrada que leva ao inferno, mas aquelas que p erm an ecem nessa estrada tam bém ignoram os sinais de advertência que lhes dizem para dar às costas à destruição e serem salvas. Em bora os seres hum anos pequem porque são pecadores por natureza, sua natureza pecadora não os obriga a pecar; eles pecam porque assim escolheram 60 C om o Agostinho disse m uito corretam ente: “Nascemos com a propensão de pecar e a necessidade de m o rrer”. Observe que ele não disse que nascem os com a necessidade de pecar; em bora o pecado seja inevitável, pois nascem os com u m a inclinação nesse sentido, mas apesar disso o pecado pode ser evitado61. D a m esm a m aneira, o derradeiro.lugar ao qual são destinados os pecadores tam bém é inevitável — tudo que alguém precisa fazer é arrepender-se62. Todos são responsáveis pela sua decisão de aceitar ou rejeitar a oferta divina da salvação, e responsabilidade sem pre im plica a capacidade de responder (se não por nós m esm os, então pela graça de Deus63). Todos que vão para o inferno tiveram a possibilidade de evitá-lo; até o pagão recebe um a clara luz de Deus, de m odo que ele é “inescusável”64. Aqueles que buscam, acham 65, e assim com o Deus enviou um missionário a C ornélio (A t 10.23-25), Ele tam bém irá enviar a m ensagem da salvação a todos que a procuram : “Sem fé é impossível agradar-lhe, porque é necessário que aquele que se aproxim a de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam ” (Hb 11.6).
58 Ibid., capítulo 10. 59Veja Volume 3, capítulo 11. 60Ibid., capítulo 3. 61 Ibid., capítulo 4. 17.30.
62 Cf. 2 Pedro 3.9; Lucas 13.3; Atos
6Í Veja Volume 3, parte 2 .64 Rom anos 1.19,20; cf. 2.12-15. Veja também Volume 1, capítulo 4, e Volume 3, capítulo 13.
65 Por exemplo, veja Deuteronômio 4.29; Provérbios 8.17; Jeremias 29.13; Mateus 7.7; Lucas 11.9.
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Objeção Sete: Por que não Destruir os Pecadores em Lugar de Atormentá-los conscientem ente’ Se D eus é m isericordioso, com o afirm a a Bíblia, então não seria m u ito mais m isericordioso elim inar o sofrim ento dos pecadores com a sua d estru ição:" Se. por exem plo, as pessoas m atam os animais quando são incapazes de fugir do incêndio de seu estábulo, por que Deus não seria, do m esm o m odo, m isericordioso para co m os seres hum anos?
Resposta à Objeção Sete E precisam ente porque não som os animais que Deus não nos trata co m o se fôssem os um deles. D estruir aqueles que não execu tam a Sua vontade seria cru el e desum ano, co m o seria o caso de u m pai que m atou o filho porque ele cresceu e discordou dele. Deus será mais m isericordioso se perm itir que escolham os o nosso próprio cam in ho —m esm o que seja con tra a Sua vontade —do que forçar Sua vontade sobre nós67.
Objeção Oito: O Próprio Inferno E Contrário à Misericórdia de Deus Dentro do m esm o pensamento, alguns insistiram que um Deus misericordioso não poderia permitir que houvesse sofrimento no inferno. N enhum pai dedicado iria permitir que seu filho passasse por um sofrimento eterno se pudesse fazer alguma coisa para evitar.
Resposta à Objeção Oito Primeiro, é indefensável supor que a m isericórdia de Deus não p erm ite o sofrim ento no inferno. Deus perm ite que haja m u itos sofrim entos no m undo, e não deixa de ser em pírico acreditar que criatura e sofrim entos sejam com patíveis68. Segundo, Edwards argum entou que a m isericórdia de Deus não é um a paixão ou em oção que possa sobrepu j ar a Sua j ustiça. Se fosse assim, essa m isericórdia seria u m defeito de Deus que o tornaria fraco e inconsistente consigo m esm o, e inadequado para ser um juiz69. Terceiro, do ponto de vista da eternidade, com o nossas atitudes e sentim entos serão transform ados para corresponder à vontade de Deus, irem os am ar som ente aquilo que Ele am a e odiar tudo aquilo que Ele odeia. C o m o Deus não se sente infeliz perante a visão ou a idéia do inferno, nós tam bém não nos sentirem os infelizes, m esm o no caso das pessoas que am am os nessa vida. Jo h n G erstn er (1914-1996) fez u m resum o de todos os serm ões que Jo n ath an Edwards dedicou a esse assunto, cham ado de “T h e End o f the Wicked C ontem plated by th e R igh teous” no qual ele diz: “Não nos parece que Deus seja cru el ao infligir u m sofrim ento extrem o a criaturas tão extrem am en te pecadoras” ( “OAJE”, in: BS, 90). Não agir assim seria in ju sto , e Deus é perfeitam ente ju sto 70. C om o n e n h u m dos atributos de Deus são inconsistentes entre si71, segue-se que Deus não deixa de ser m isericordioso ao perm itir o inferno. Quarto, Deus fez tudo que podia, mas não tirou das criaturas a Sua própria im agem que está refletida nelas. Ele am ou todas elas (Jo 3.16), enviou seu Filho para m o rrer por elas (1 Jo 2.2) e o Seu Espírito Santo para convencê-las (Jo 16.8). Ele não pode to m ar decisões em seu lugar, e tam bém não pode forçar u m a livre decisão (M t 23.37), de m odo que o resto fica nas m ãos hum anas. Deus não poderia ter sido mais m isericordioso. 66 Veja capítulo 11.
67 Veja Volum e 2, capítulo 16, e Volume 3, capítulo 3.
2.84; cf. C. S. Lewis, The Problem oj Pain.
69 Op. cit.
70 Ibid.
68 Veja Edwards, The Works o f Jonathan Edwards ,
71Veja Volum e 2, capítulo 1.
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Objeção Nove: A Punição Eterna não É a Miséria Eterna Os an iq u ila cio n ista s a rg u m e n ta m que o ca stig o de D eu s é e te r n o no seu re su lta d o , p o ré m n ã o n o seu p ro cesso ; isto é, o e fe ito é e te r n o , m as a d u ra çã o é te m p o ra l (v e ja F ro o m , CEF, 1.294). T o m e a d e stru iç ã o de S o d o m a e G o m o rra (v e ja 2 Pe 2 .6 ): Eles n ão e stã o sen d o m ais p u n id o s, m as o re su lta d o da sua p u n içã o n u n c a te rm in a rá . O castigo eterno claramente não é o mesmo que ser eternamente castigado. Ele é a eterna perda do ser. O [inferno é um lugar] onde um bicho imortal e uma chama inextinguível se alimentam da vítima até que tudo seja consumido (op. cit., 1.295).
Resposta à Objeção Nove Essa objeção contraria as claras afirm ações das Escrituras que falam , por exem plo, daqueles que, no inferno, “de dia e de noite serão atorm entados para todo o sem pre” (Ap 20.10). No inferno, o “bicho não morre e o fogo n u n ca se apaga” (M c 9.48). As cham as do inferno são eternas72.
A BASE HISTÓRICA PARA A DOUTRINA DO INFERNO A d o u trin a do so frim e n to e te rn o para os p ecad ores foi p le n a m e n te apoiada p ela h istó ria da ig reja. Na verdade, são raros os casos em que te n h a sido negada antes dos tem p o s m o d e rn o s, e a m a io ria dessas n eg ações está baseada em falsas prem issas sobre a n a tu re z a de D eu s73, a n a tu re z a do liv re -a rb ítrio 74, ou n u m a visão refo rm a d a da ju s tiç a 75.
Uma Visão Pré-Cristã sobre o Inferno Platão (c. 427-347 a.C .) m antin ha-se fiel à dou trina do castigo eterno: Essas advertências foram feitas àqueles que foram culpados dos crimes mais terríveis e cujos delitos estão além da cura, e eles não são mais capazes de recebê-la e de se beneficiar dela, porque são incuráveis. Mas serão beneficiados aqueles que observarem o sofrimento que os culpados enfrentarão por toda a eternidade com as maiores e mais dolorosas e terríveis torturas por causa dos seus delitos, os quais são mantidos como exemplo na prisão do Hades, como um espetáculo e uma advertência a quaisquer malfeitores que, de tempos em tempos, são candidatos à mesma condenação (G, 525c, ênfase acrescentada).
Os Primeiros Pais A afirm ação do inferno aparece nos escritos dos prim eiros Pais. Logo depois que os apóstolos com eçaram a propagar os ensinam entos de C risto76, seus seguidores passaram a fazer o m esm o.
72 O s erros dos an iq u ilacio n istas são discu tid o s m ais c o m p le ta m e n te n o c a p ítu lo 11. V eja ta m b é m V o lu m e 3, ca p ítu lo 11. 73V eja V olu m e 2, parte 1.
74V eja V olu m e 3, capítu lo 3.
75V eja acim a, sob “O b jeção U m ”; v e ja ta m b é m V olu m e 2, capítu lo 16.
76V eja acim a, sob “En sin o s de Jesus so b re a E x istê n cia d o I n f e r n o ”.
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Inácio (falecido c. 110 d. C.) Se aqueles que corrompem meras famílias humanas são condenados à morte, m m t: mais merecedores de um castigo eterno são aqueles que se dedicam a corromper a Igrea de Cristo, pela qual o Senhor Jesus, o Unigênito Filho de Deus, sofreu a cruz e se submeteu à morte! Qualquer um que, “engordando”, e se “tornando grosseiro”, desprezar a doutrina do Senhor, irá para o inferno (EIP, 4). Irmãos, não se deixem enganar. Se algum homem seguir aquele que se aparta da verdade, não irá herdar o reino de Deus; e se algum homem não se afastar do pregador da falsidade, será condenado ao inferno (EIP, 4). Policarpo (final do século II)
Tu me ameaçaste com um fogo que queimou durante uma hora, e que pouco depois se extinguiu; mas ignoras o fogo do futuro juízo e do castigo eterno, reservado para os infiéis (EECS, 11). Irineu (c. 125-c. 202) Deus, prevendo todas as coisas, preparou habitações adequadas para ambos, concedendo bondosamente a luz desejada sobre aqueles que procuram a luz da integridade e recorrem a ela; mas Ele preparou trevas adequadas às pessoas que se opõem à luz, àqueles que desdenham e os que zombam e que evitam e se afastam dessa luz, e que, por assim dizer, tornam-se cegos a ela, e Ele infligiu um castigo apropriado àqueles que evitam se submeter a Ele. A submissão a Deus é um abrigo eterno; assim, aqueles que se afastam da verdadeira luz se abrigam em um lugar de trevas. Do mesmo modo, aqueles que fogem do abrigo eterno têm uma habitação condizente com a sua fuga. Agora, como todas as coisas boas vêm de Deus, aqueles que por sua própria determinação fogem de Deus estão se privando de todas as coisas boas; e, tendo assim se privado de todas as coisas boas que dizem respeito a Deus, conseqüentemente cairão sob o justo julgamento de Deus, e aqueles que evitam o abrigo irão j ustamente incorrer no castigo. Aqueles que evitam a luz habitarão nas trevas. Pois, como acontece no caso dessa luz temporal, aqueles que a evitam para se entregar às trevas fazem, nesse caso, com que a sua própria vida seja privada da luz, e morem nas trevas. E eu já observei que a luz não é a causa de tal [infeliz] condição de existência para eles; de modo que aqueles que fogem da luz eterna de Deus, que contém em si mesma todas as coisas boas, são, eles próprios, os causadores da condenação que consiste em habitar nas trevas eternas, privados de todas as coisas boas, tendo se tornado, eles mesmos, a causa de terem [ou da sua consignação a] uma moradia dessa natureza (AH, 4.39.4). A tantos quantos prosseguirem amando a Deus, Ele concederá a comunhão consigo. Mas a comunhão com Deus é vida e luz, e a alegria de todos os benefícios que Ele tem guardado para os seus. Mas aqueles que, de acordo com sua própria escolha, se afastam de Deus, Ele irá infligir a separação de Si mesmo, de acordo com aquilo que escolheram por sua própria vontade. Mas a separação de Deus é a morte, e a separação da luz representa as trevas. A separação de Deus consiste na perda de todos os benefícios que Ele reservou [...] Agora, as boas coisas são eternas e nunca terão fim perante Deus; portanto, a sua perda também é eterna e nunca termina (ibid., 5.27.2).
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Nesse assunto, como acontece no caso de um facho de luz, aqueles que cegaram a si mesmos, ou ficaram cegos por causa de outros, estarão para sempre privados da alegria da luz. Não é [entretanto] que a luz tenha infligido sobre eles o castigo da cegueira, mas foi a própria cegueira que levou calamidade a eles: portanto, o Senhor declarou: “Quem crê em Mim não é condenado”, isto é, aquele que não se separa de Deus está unido a Ele através da fé. Por outro lado, Ele diz: “Quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus”, isto é, a pessoa se separou de Deus por sua própria decisão (ibid.). Teófilo (c. 130-190) Admitindo, portanto, a prova de tais eventos que aconteceram como foi previsto, não tenho dúvidas, creio em Deus e o obedeço; e você também deve se submeter por fé, para não continuar como um incrédulo, e se convencer depois, quando estiver sendo atormentado pelos castigos eternos que foram previstos pelos profetas. Os poetas posteriores e os filósofos roubaram estas palavras das Escrituras sagradas para tornarem as suas doutrinas dignas de crédito (TA, 1.14). Tertuliano (c. 155-c. 225) O, vós, pagãos, que têm e merecem a nossa piedade, vede que colocamos perante vós a promessa que o nosso sistema sagrado está oferecendo. Ele garante vida àquele que o segue e obedece; por outro lado, ele ameaça com o castigo eterno e um fogo perpétuo aqueles que são profanos e hostis. A ressurreição dos mortos é igualmente pregada a ambas as classes (AN, 1.1.7). Portanto, depois disso não existe a morte nem repetidas ressurreições, e seremos os mesmos que somos agora, e sem nenhuma modificação, como servos de Deus. Estaremos sempre com Deus, vestidos com a própria essência da eternidade. Mas os profanos, e todos aqueles que não são verdadeiros adoradores de Deus, serão consignados ao castigo do fogo perpétuo, esse fogo que, pela sua própria natureza, na verdade ministra diretamente à incorruptibilidade do corpo que os condenados terão (A. 1.48). Se, portanto, alguém supuser que a destruição da alma e da carne no inferno leve ao extermínio total das duas essências e não ao seu tratamento penal (como se devessem ser consumidas, e não castigadas), é preciso que esse alguém se lembre de que o fogo do inferno é eterno, e foi expressamente anunciado como um castigo perpétuo. E que ele então admita que é devido a essa circunstância que essa “m orte” perpétua é mais formidável que um simples assassinato humano, que é apenas temporal (ORF, 35). Justino Mártir (c. 100-c. 165) Isso [...] é o que esperamos e aprendemos de Cristo, e ensinamos. E Platão, da mesma maneira, costumava dizer que Rhadamanthus e Minos iriam castigar os iníquos que estivessem à sua frente; e nós dizemos que a mesma coisa será feita, mas através das mãos de Cristo e sobre os iníquos, no mesmo corpo unido novamente ao seu espírito que então sofrerá um castigo eterno; e não será somente, como disse Platão, por um período de mil anos (FAJ, 8).
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Reflita sobre o fim de cada um dos reis que o precederam, sobre como m orreram a m orte que é com um a todos; se esta m orte fosse imposta com insensibilidade, seria u m castigo m ereddo e adequado a todos os ímpios. Mas, como esta sensação permanece para todos aqueles que já viveram, e a punição eterna está reservada (para os iníquos), certifique-se de não deixar de se convencer por negligência, conservando, como sua crença, que essas coisas são verdadeiras (ibid., 18). É m elh o r acreditar até naquilo que é impossível à nossa n atu reza e aos h o m en s do que ser incrédulo com o o resto do m u n d o , com o aprendem os; pois sabemos que o nosso M estre Jesus C risto disse: “As coisas que são impossíveis aos hom ens são possíveis a D eus”, e: “Não tem ais os que m atam o corpo e não p odem m atar a alma; tem ei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alm a e o c o rp o ”. E o inferno é u m lugar onde devem ser castigados aqueles que viveram na iniqüidade e que não creram naquelas coisas que Deus nos ensinou através de C risto e que irão acontecer (ibid., 19). D a Apologia de Justino, podem os reu n ir um a substancial lista de versos que dão fund am ento ao castigo eterno para os pecadores (citados em Froom , CFF, 1.819): Sofrer u m castigo etern o (op. cit., 8). Ao eterno castigo do fogo (12). Sofrer o castigo do fogo etern o (17). O castigo eterno foi assegurado (18). H averá a consum ação de todos [os pecadores] (20). São castigados com o fogo etern o (21). Causa o castigo etern o pelas cham as (45). Castigados com o fogo eterno (S A J, 1). No fogo eterno sofrerão seu justo castigo e punição (ibid., 8). Os iníquos serão punidos no togo etern o (ibid.). Alguns afirmam que Justino acrescentou que quando o fogo tiver terminado seu trabalho, então os iníquos “deixarão de existir” (ibid., 7); os condicionalistas e aniquilacionistas77 usam isso c o m o base para suas teses (F ro o m , CFF, 1.819). E n tre ta n to , eles u sa m a afirm ação cie Ju stin o fo ra do seu c o n te x to , e que n o seu to d o diz assim: Deus tarda em p rom o v er a confusão e a destruição do m u n d o todo —pela qual os anjos perversos, os dem ônios e os h o m en s deixarão de existir — p o r causa da sem ente dos cristãos. E os cristãos estão conscientes de que são a causa da preservação deste m undo. Então, Justino continua dizendo: “C om o no início Deus fez a raça dos anjos e dos hom ens dotadas de livre-arbítrio, eles irão justam ente sofrer no fogo eterno o castigo de quaisquer pecados que tenham com etido” (ibid., ênfase acrescentada). Por que alguém diria que o fogo seria eterno se acreditasse que iria durar apenas pouco tempo? Se alguém seguir um a sólida linha de interpretação, admitindo que um texto pouco claro deve ser entendido à luz de textos mais claros78, então a afirm ação de Justino de que os hom ens “deixarão de existir” deveria ser entendida em um outro sentido. Ela poderia significar “deixar de existir sobre essa terra, a fim de difundir a sua influência destruidora”.
77Veja capítulo 11.
78Veja Volume 1, capítulo 10.
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Os Concílios da Igreja Depois de já ter sido condenada pelo Segundo Concilio de C onstantinopla (553), a negação do inferno foi condenada pelo Q uinto C onselho de Latrão, em 1513 (veja Cross, ODCC, 328). O ú ltim o dos nove anátem as (543) do Im perador Justiniano (c. 483-565) con tra O rígenes (c. 185-c. 254), diz o seguinte: “Se alguém disser ou pensar que a punição dos dem ônios e dos hom ens ím pios é apenas tem porária, e que u m dia term in ará [...] seja an átem a” (em Roberts and Donaldson, ANF, Vol. 14)79.
Os Pais Medievais Os “sábios da idade M édia”, A gostinho e Tom ás de Aquino, com en taram a dou trina ortod oxa do inferno. Tom ás de Aquino, em especial, analisou racionalm en te o problem a do sofrim ento eterno. Agostinho (354-430) Como o diabo nada tem a ver com a morte da carne, de onde vem seu extremo orgulho, uma morte de outra espécie é preparada no fogo eterno do inferno, pelo qual não só os espíritos que têm corpos terrenos, mas todos aqueles que têm corpos imateriais podem ser atormentados (CG, 4.13). Se a alma vive num castigo eterno, pelo qual também todos os espíritos impuros serão atormentados, isso representa mais uma morte eterna do que uma vida eterna. Pois não existe morte maior ou pior do que quando ela nunca termina. Mas como a alma —que pela sua própria natureza foi criada imortal —não pode existir sem alguma forma de vida, sua morte derradeira será uma alienação da vida de Deus, em uma eternidade de punição (ibid., 6.12). Se ambos os destinos são “eternos”, devemos, então, entender a ambos ou como sendo permanentes, e que por fim irão terminar, ou que serão ambos perpétuos. Pois eles estão correlacionados; de um lado, o castigo eterno, e de outro, a vida eterna. E falar, num único e mesmo sentido, que a vida eterna será interminável, mas que o castigo eterno terá fim, representa um absurdo. Dessa forma, assim como a vida eterna dos anjos será perpétua, também o castigo eterno daqueles que foram condenados não terá fim (ibid., 21.23). João Crisóstomo (347-407) Voltemo-nos, então, para Ele, meu amado amigo, e façamos a vontade de Deus. Para que Ele que nos criou e nos deu a vida possa nos tornar participantes das bênçãos eternas que pode nos oferecer no reino do Céu, e não nos lance no inferno e nos entregue ao fogo; pois ele não foi feito para nós, mas para o diabo: para nós, porém, o reino há muito tempo foi destinado e preparado (ETAHF, 1.9). Assim sendo, o inferno não foi feito para nós, mas para o diabo e seus anjos; e o reino foi preparado para nós antes da fundação do mundo. Devemos, então, cuidar para não nos tornarmos indignos de entrar na câmara nupcial, pois enquanto estivermos nesse mundo,
79 E stes an átem as de Ju stin ia n o fo ra m ad otados p o r u m sín o d o e m C o n s ta n tin o p la (v e ja W e n h a m , GG, 28).
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mesmo se cometermos inumeráveis pecados, será possível nos livrar deles maniíestando arrependimento pelas nossas ofensas. Mas, quando tivermos partido de uma vez por todas para o outro mundo, mesmo exibindo o mais profundo arrependimento isso de nada adiantará; nem mesmo se rangermos nossos dentes, batermos no peito e emitirmos incontáveis brados de socorro, ninguém irá, nem sequer com a ponta dos dedos, jogar uma gota no nosso corpo ardente, mas irá apenas ouvir aquelas palavras que o homem rico ouviu na parábola: “Está posto um grande abismo entre nós e vós” (ibid.). Anselmo (1033-1109) 0 força oculta: um homem está pendurado na cruz, levantando o peso da morte eterna de toda raça humana; um homem pregado no madeiro desprende os laços da morte eterna que segura o mundo com firmeza. O poder: um homem condenado junto com ladrões salva os homens que são condenados junto com os demônios, um homem esticado sobre o cadafalso atrai todos os homens a si. O força misteriosa: uma alma que se liberta do sofrimento leva consigo inúmeras outras almas para fora do inferno, um homem se submete à morte do corpo e destrói a morte das almas (PM, 230-31). Assim, então, nada se pode ver mais consistentemente, e em nada se pode acreditar mais seguramente, do que no fato de que a alma daquele homem foi criada de tal maneira que se ele desprezar o amor do Supremo Ser, sofrerá uma eterna desgraça. Conseqüentemente, assim como a alma gentil irá se regozijar na eterna recompensa, da mesma maneira a alma desdenhosa irá se lamentar em um eterno castigo. E, assim com a primeira irá experimentar uma imutável suficiência, a última irá experimentar uma inconsolável indigência (Aí, 71). Tomás de Aquino (1225-1274) Também devemos saber que a condição dos condenados será exatamente o contrário da condição dos. abençoados. Seu estado será de castigo eterno, o que denota uma quádrupla e terrível condição. O corpo dos condenados não será brilhante: “O seu rosto será rosto flamejante” [Is 13.8]. Da mesma maneira, eles serão passíveis porque nunca irão deteriorar e, embora queimem eternamente no fogo, nunca serão consumidos: “O seu verme nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará”. Eles ficarão tristes e angustiados e suas almas condenadas sentirão como se tivessem sido ali acorrentadas: “Seus reis serão presos com cadeias e os seus nobres, com grilhões de ferro. Finalmente, bestas irão apodrecer no seu excremento” ( CISTA, 62). A disposição do inferno será de maneira a se adaptar à extrema infelicidade dos condenados. Assim sendo, tanto a luz como as trevas estarão ali de modo a contribuir intensamente para a infelicidade dos condenados. Enxergar é, em si mesmo, agradável, pois [...] “o sentido da visão é muito apreciado, porque através dele muitas coisas são conhecidas”. No entanto, acontecem acidentalmente situações dolorosas em que vemos coisas que nos agridem, ou desagradam a nossa vontade. Conseqüentemente, o inferno será organizado de tal maneira que, no que se refere à luz e às trevas, nada poderá ser visto claramente e somente serão vagamente vistas as coisas que são capazes de levar angústia ao coração. Portanto, falando de modo simples, o lugar é escuro. No entanto, por disposição Divina, existirá uma certa quantidade de luz, suficiente para se ver aquelas coisas que são capazes
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de atormentar a alma. A condição natural desse lugar é suficiente para isso, pois no centro da terra, onde se diz que está o inferno, o fogo só pode ser espesso e nublado, com um odor ruim e fortíssimo (ST, 4.97.4). Além disso, segundo o Filósofo, o castigo é imposto de acordo com a dignidade da pessoa contra a qual foi cometido, de modo que a pessoa que ofender alguém que tenha autoridade receberá um castigo maior do que aquele que ofender uma outra pessoa qualquer. A punição também está reservada para aquele que pecar mortalmente contra Deus, transgredindo os seus mandamentos, dando a outro a honra que só pode ser dada a Deus; sim, que grave transgressão é ter como objetivo agradar alguém que não seja Deus. Mas a majestade de Deus é infinita. Tendo em vista estas considerações, entendemos que quem quer que peque mortalmente merecerá um castigo infinito. Conseqüentemente, é justo que o pecado mortal de um homem lhe traga uma punição eterna (ibid., 4.99.1). O sofrimento do castigo eterno não se opõe, de maneira alguma, à justiça divina. Mesmo nas leis feitas pelo homem, o castigo não precisa corresponder necessariamente à ofensa em termos de tempo. [Por exemplo, alguém pode cometer um assassinato num minuto, mas merecer a prisão perpétua pelo crime cometido] (CT, 183). Também devemos levar em consideração o fato de que o castigo eterno é infligido ao pecador que não se arrepende do seu pecado e continua a praticá-lo até à morte. E, como ele está em pecado por toda eternidade, é justo que seja castigado por Deus por toda a eternidade. Além disso, qualquer pecado cometido contra Deus tem uma certa infinidade quando considerado do ponto de vista de Deus, contra quem ele foi cometido. Pois, claramente, quanto maior for a pessoa ofendida, mais grave terá sido a ofensa. Aquele que agride um soldado é considerado mais responsável do que aquele que agride um camponês, e sua ofensa será muito mais grave se agredir um príncipe ou um rei. Da mesma maneira, como Deus é infinitamente grande, podemos entender que uma ofensa cometida contra Ele também seja infinita; assim sendo, podemos entender que o pecado traz ao pecador uma punição infinita. Tal castigo não pode ser infinito em intensidade, pois nada criado pode ser infinito dessa maneira. Conseqüentemente, um castigo que é infinito em duração é justamente aplicado pelo pecado mortal. Além disso, enquanto a pessoa ainda for capaz de se corrigir, um castigo temporal será imposto visando que ela se corrija ou se purifique. Mas se um pecador for incorrigível, de modo que a sua vontade esteja obstinadamente fixa no pecado, como dissemos acima, esse será o caso de um condenado cuja punição jamais terá fim (ibid.).
Os Líderes da Reforma Os reform adores não rejeitaram os ensinos dos seus predecessores sobre o inferno, mas substancialm ente o reafirm aram . Martinho Lutero (1483-1546) Os Pais estabeleceram quatro tipos de inferno. (1) Um lugar onde, segundo dizem, estavam os patriarcas até Cristo descer ao inferno. (2) Um lugar onde há um sentimento de dor, embora temporário, como um suposto purgatório. (3) Um lugar onde ficavam as crianças que não eram batizadas, mas não sentiam nenhuma dor, e (4) Um lugar onde
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estão os condenados que sentem u m a d or eterna. Esse é o inferno de verdade: :s : urros são apenas frutos da im aginação h u m a n a (TT, 802). A fornalha ardente é acesa simplesmente pela insuportável aparição de Deus e dura eternam ente. Pois o Dia do Juízo Final não irá durar apenas u m m om ento, mas irá perm anecer através da eternidade e, portanto, nunca irá term inar. Constantem ente os pecadores serão julgados, constantem ente eles irão sofrer dor e constantem ente haverá u m a fornalha ardente, isto é, eles serão torturados por u m a suprem a aflição e angústia (W LS, 2.621). Jo ã o Calvino (1509-1564)
Deus, que é perfeitam ente justo, não pode am ar a iniqüidade que Ele vê em todos. Cada u m de nós tem , po rta n to , dentro de si aquilo que m erece o ódio de Deus. Em vista disso, e em respeito, prim eiro, à nossa n atu re za co rru p ta, e, segundo, a u m a depravada conduta causada p o r ela, estam os todos ofendendo a Deus, som os culpados à sua vista e, p o r natureza, filhos do inferno ( I C R , 2.16.3). Por ou tro lado, Ele [Deus] p roclam a não só que a iniqüidade é odiosa à sua vista, mas que ela não escapará im p u n em en te, po rq u e Ele vingará a sua m ajestade insultada. Para nos encorajar, Ele prom ete, de todas as m aneiras, a concessão de bênçãos, assim com o de u m a etern a felicidade, àqueles subm issos que obedeceram aos seus m andam entos, enquanto am eaça os transgressores com a existência de sofrim entos, e tam bém com o castigo da m o rte etern a (ibid., 2.8.4). A m aneira com o o Espírito fala habitualm ente n a Escritura é que Deus era inimigo dos hom ens até que eles receberam de volta o Seu favor pela m o rte de Cristo (R m 5.10), que eles eram amaldiçoados até sua iniqüidade ser elim inada pelo sacrifício de Cristo (Gl 3.10,13), que eles estavam separados de Deus até serem reconciliados com Ele através do corpo de Cristo (Cl 1.21,22). Tais m aneiras de expressão estão apropriadas à nossa capacidade de m elhor entender com o é miserável e calamitosa a situação daqueles que não têm Cristo. Pois se não tivesse sido dito em term os claros que a ira Divina, a vingança e a condenação eterna estão sobre os não-salvos, não teríam os a misericórdia de Deus, seriamos insensíveis à nossa desgraça, e não estaríamos dispostos a valorizar a bênção da salvação (ibid., 2.16.2). O s M e stre s da P ó s -R e fo rm a Depois da Reforma, e já nos tempos modernos, a doutrina do inferno continuou a ser um ensinamento padrão da Igreja Cristã ortodoxa. Jonathan Edwards fez um resumo do ponto de vista ortodoxo, e C. S. Lewis deu um a melhor expressão ao moderno ponto de vista ortodoxo. Jonathan Edwards (1703-1758)
Mais um a vez: O Deus santo e eterno não pode tolerar qualquer pecado. Quanto mais, então, u m a m ultidão de pecados diários em pensamentos, palavras e atos? Isso tudo acrescido do fato de rejeitarmos a im ensa misericórdia de Deus. E adicionando a isso a disposição do hom em de encontrar falhas na justiça e na misericórdia de Deus, teremos evidências abundantes da necessidade do
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inferno. [Desta maneira,] se tivéssemos uma verdadeira consciência espiritual, não ficaríamos admirados com a severidade do inferno, mas com a nossa própria depravação (WJE, 1.109). Seria bastante injusto supor que não haveria nenhum castigo futuro, supor que Deus, que criou o homem como um ser racional capaz de conhecer o seu dever, e sensível ao fato de que merece ser castigado quando não o pratica, deixasse o homem sozinho para viver como bem entendesse, sem nunca puni-lo pelos seus pecados e por nunca ter feito a diferença entre o bem e o mal. Como seria injusto supor que Aquele que criou o mundo fosse deixar as coisas em tamanha confusão, sem nunca ter o cuidado de governar as suas criaturas, e que nunca julgaria as suas criaturas racionais (ibid., 2.884). John Wesley (1703-1791) Considere algumas circunstâncias que irão acompanhar o julgamento de todos. A primeira é a execução da sentença pronunciada sobre os bons e os maus: “Estes irão partir para um castigo eterno, e os justos para a vida eterna”. Deve-se observar que a mesma palavra é usada tanto na primeira como na segunda oração: segue-se que o castigo dura para sempre, ou a recompensa também terá um fim. Não, jamais! A recompensa na eternidade só terminaria se o próprio Deus pudesse ter um fim, ou se a sua misericórdia e a sua verdade pudessem falhar. “Então, os justos resplandecerão como o sol, no Reino de seu Pai, e beberão eternamente da corrente das delícias que estão àmão direita de Deus” ( WJW, 5.15.3.1). Nesse ínterim, os ímpios serão lançados no inferno e todas as nações que se esquecem de Deus. Eles, “por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder”. Eles serão “lançados no ardente lago de fogo e de enxofre”, originalmente “preparado para o diabo e seus anjos”; onde irão ranger os dentes com angústia e dor, eles amaldiçoarão ao seu Deus, olhando para cima. Lá os cães do inferno —o orgulho, a malícia, a vingança, a ira, o horror, o desespero —irão devorá-los continuamente. Lá “a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre; e não têm repouso, nem de dia nem de noite” (ibid.). Se algum homem encontrar em si mesmo a má vontade, a malícia, a inveja, ou qualquer outro sentimento oposto à bondade, então ali estará o sofrimento. E quanto mais forte for o sentimento, mais miserável ele se sentirá. Se dizem que o homem indolente come a própria carne, algo muito pior acontece com os que são invejosos ou mal intencionados. Sua alma é o próprio exemplo do inferno, cheia de tormentos como também de iniqüidades. Ele já tem em si o bicho que nunca morre, e está se apressando em direção ao fogo que nunca se apaga. Só falta o grande precipício ser instalado entre este homem pecador e o céu (ibid., 7.139). Charles Spurgeon (1834-1892) O terceiro tipo de morte é a consumação dos outros dois 8“. E a morte eterna. E a execução da sentença legal, a consumação da morte espiritual. A morte eterna é a morte da alma; ela acontece depois que o corpo é colocado na sepultura, depois que a alma se separa dele. Se a morte legal for terrível, isso se deverá às suas conseqüências. E se a morte espiritual for aterradora, isto se deverá àquilo que virá depois dela. As duas mortes das quais falamos são as raízes, e a morte que está para vir representa a sua flor (SSC, 1.52).
80Veja Volume 3, capítulo 6.
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Oh! Quisera eu ter palavras com as quais pudesse essa manhã tentar descrever para você o que é a morte eterna. A alma comparece perante o Mestre; o livro é aberto: a sentença é pronunciada; a frase “Apartai-vos de mim, malditos” abalou o universo e fez com que todas as esferas ficassem sombrias com a expressão do Criador. A alma partiu para as profundezas onde irá residir junto a outras numa morte eterna. Oh! Que terrível é a sua condição agora! Seu leito é um leito de fogo; as visões que tem são visões assassinas que afligem seu espírito. Os sons que ouve são gritos, gemidos, lamentos e suspiros. Tudo que o corpo conhece é o castigo de um miserável sofrimento! Ele sente umaindizível angústia e uma absoluta miséria. A alma olha para cima. Não existe esperança —ela partiu (ibid.). Ele olha com terror e medo; o remorso já se apossou dele. Olha à sua mão direita —e dentro dos muros intransponíveis do destino ele é mantido preso dentro dos seus limites de tortura. Olha à esquerda — e ali uma trincheira de fogo ardente proíbe a presença de uma escada até para uma sonhadora especulação de fuga. Olha para dentro de si à procura de consolo, mas um bicho roedor entrou na sua alma. Olha em volta — não tem amigos para o ajudar, nem consoladores, mas tormentos em abundância. Não conhece a esperança da libertação; já ouviu que a eterna chave do destino está girando terrivelmente, e já viu Deus tomar essa chave e jogá-la nas profundezas da eternidade para nunca mais ser encontrada. Não tem mais esperança; não conhece nenhuma forma de escapar; não consegue imaginar nenhuma libertação; deseja a morte, mas a morte é um inimigo que não pode estar ali; almeja que a morte possa engoli-lo, mas essa morte eterna é pior que a sua aniquilação. E deseja a morte como o operário deseja o sábado, para ser engolido dentro do nada, exatamente como o escravo deseja a liberdade, mas isso não acontece —está eternamente morto (ibid.). Quando a eternidade tiver completado um número absolutamente grande de seus ciclos eternos, ele ainda estará morto. Nunca conhecerá o fim, pois a eternidade não pode ser excluída, a não ser na própria eternidade. No entanto, a alma ainda vê escrita sobre a sua cabeça a frase “Estás condenado para sempre”. Ouve uivos que serão perpétuos; vê chamas que não se apagarão; sente dores que não podem ser mitigadas; ouve uma sentença que não soa como o trovejar da terra e que logo será abafada—mas esta à frente, à frente, à frente, abalando os ecos da eternidade, fazendo com que milhares de anos se agitem novamente com o horrível trovejar do seu terrível som —“Aparte-se! Aparte-se! Aparte-se! Maldito!” Essa é a morte eterna (ibid.). C. 5. Lewis (1898-1963) Milton estava certo [...] A preferência de cada alma perdida pode ser expressa através das palavras: “Melhor reinar no inferno que servir no céu”. Sempre existe alguma coisa que as almas insistem em observar, até mesmo ao preço do sofrimento. Sempre existe alguma coisa que preferem em lugar da alegria, isto é, da realidade (GD, 66). No final, existem apenas dois tipos de pessoas: aquelas que dizem a Deus: “Seja feita a tua vontade”, e aquelas a quem Deus diz, no final: “Seja feita a tua vontade”. Essa é a preferência de todos os que estão no inferno. Sem essa escolha particular, não haveria o inferno. Qualquer alma que deseja a alegria de uma forma séria e constante, jamais a perderá. Aqueles que procuram, acham. Aqueles que batem, a porta será aberta (ibid., 69).
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[Vamos dizer, por exemplo, que] meu mau temperamento ou meu ciúme estão gradualmente piorando, tão gradualmente que o aumento em setenta anos [de vida sobre essa terra] não será muito notado. Mas eles poderão se tornar um verdadeiro inferno em um milhão de anos. Na verdade, se o cristianismo estiver correto, o inferno é um termo técnico precisamente correto para aquilo que deveria ser (MC, 73). Se um jogo é jogado, é possível que alguém saia perdendo. A felicidade de uma criatura depende da sua auto-entrega; assim, ninguém poderá fazê-lo a não ser ela mesma (embora muitos possam ajudar), e ela poderá recusar qualquer ajuda. Eu pagaria qualquer preço para ser capaz de dizer honestamente: “Todos serão salvos”. Mas a minha razão responde: “Sem a vontade deles, ou com ela?” Se eu disser: “Sem a vontade deles”, imediatamente percebo uma contradição. Como pode o supremo ato voluntário da auto-entrega ser involuntário? Se eu disser: “Com a vontade deles”, a minha razão responde: “Como, se eles não querem se entregar?” (PP, 106-07). Em certo sentido, seria melhor se a própria criatura, mesmo que nunca se tornasse boa, percebesse que há um erro em sua vida, um fracasso. Nem mesmo a misericórdia pode chegar a desejar que tal homem continue com a sua eterna e pretendida permanência em alguma horrível ilusão. Assim como Aristóteles falou sobre a vergonha, Tomás de Aquino disse que o sofrimento não é algo bom em si mesmo, mas algo que pode ter algum benefício em circunstâncias particulares (ibid., 110). “Ele tem a sua vontade — viver inteiram ente em si m esm o e aproveitar o m áxim o daquilo que encontrar. E o que irá encon trar é o in fern o" (ibid., 111). [Alguns objetam] que a morte não deve ser um ato final, e que deveria haver uma segunda chance81. Acredito que se um milhão de chances tivesse a possibilidade de fazer o bem, elas teriam sido oferecidas. Mas muitas vezes o mestre sabe, embora os jovens e os pais não saibam, que é realmente inútil enviar o jovem para repetir um exame. A decisão final deve chegar a qualquer tempo, e não é necessário ter uma sólida fé para crer que a onisciência sabe quando será o momento (ibid., 112). Uma alma condenada representa quase nada: ela está encolhida e fechada em si mesma. O bem bate incessantemente sobre o condenado, da mesma maneira como as ondas sonoras batem sobre os surdos, mas eles não podem recebê-lo. Seus punhos estão fechados, seus dentes estão cerrados, e seus olhos completamente anuviados. Primeiro, eles não querem, mas no fim eles não podem, abrir as mãos para receber os dons, ou suas bocas para receber alimentos, ou seus olhos para ver (GD, 127). Finalmente, alguns objetaram que aperdaderradeirade uma únicaalmasignificaaderrota da onipotência. E é verdade. Ao criar seres livres, dotados de livre-arbítrio, a onipotência se submete à possibilidade de sofrer tal derrota. [Entretanto,] aquilo que você chama de derrota eu chamo de milagre; pois fazer coisas que estão além das possibilidades naturais e assim se tornar, de certa maneira, capaz de enfrentar a resistência da sua própria obra,
81 V eja cap ítu lo. 10. O c o n c e ito de u m a “segu n d a c h a n c e ” n a o deve ser c o n fu n d id o c o m o d o p u rg a tó rio (p a ra alm as que já fo ra m salvas), n e m c o m o do lim b o (p a ra alm as q u e já estã o perdidas).
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representa o mais inimaginável e admirável de todos os feitos que atribuím os i Eüvíndade. Estou disposto a crer que, em certo sentido, os condenados podem ser consíderad; s m u ito bem-sucedidos em sua rebelião, pois foram rebeldes até o seu fim; e tam bém creio que as portas do inferno estão fechadas pelo lado de dentro. Não estou dizendo que os espíritos possam querer perm anecer no inferno, mas eles certam ente não desejarão n em m esm o os estágios prelim inares daquela entrega pela qual a alm a pode alcançar qualquer bem. Eles gozam eternam ente aquela horrível liberdade que haviam pedido, e estão, portanto, autoescravizados (PP, 115-16).
CONCLUSÃO Existem sólidas bases bíblicas, teológicas e históricas para a dou trin a crista do inferno, e tam bém não há n en h u m a boa razão para negá-lo. Até Sigm und Freud m o strou que qualquer coisa baseada n u m simples desejo representa um a ilusão. A raiz da negação do inferno está no desejo de evitar o sofrim ento —n inguém deseja sofrer, m u ito m enos sofrer eternam ente. E n tretanto, isso não representa mais do que um desejo; a negação do inferno, igual ao seu prim o, o universalism oS2, é u m a ilusão. E m bora seja agradável im aginar que não existem conseqüências para quem desafia a Deus, e considerando a depravação da hum anidade (en tre outros fatos)83, essa é um a teoria absurda. A terapia da realidade — a im ersão na verdade84 — pode ajudar a curar tais ilusões. Mas, infelizm ente, para alguns sua terapia será apenas u m bem escolhido tratam en to de choque: “Aos hom ens está ordenado m o rrerem um a vez, vindo, depois disso, o ju íz o ” (Hb 9.27).
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82Veja capítulo 11, e Volume 3, capítulo 11.
“ Veja Volume 3, capítulo 5.
84Veja Volum e 1, capítulo 7.
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C A P Í T U L O
DEZ
A SUPOSTA CONDIÇÃO TEMPORÁRIA DOS SALVOS (PURGATÓRIO)
O
s católicos rom anos, m uitos anglicanos e alguns ortodoxos orientais acreditam que existe u m terceiro lugar depois da m orte, cham ado purgatório, enquanto os protestantes rejeitam a existência de tal lugar. Esse debate é, ao m esm o tem po, crucial e esclarecedor para as diferenças entre os católicos rom anos e os protestantes evangélicos1.
A DOUTRINA CATÓLICA ROMANA DO PURGATÓRIO O purgatório representa u m a dou trina essencial da fé católica, co m o declarou “infalivelm ente” o Concilio de Trento: Se alguém disser que depois de receber a graça da justificação o culpado fica tão remido e o débito do castigo eterno fica tão apagado em cada pecador arrependido que nenhum débito de castigo temporal permanece para ser eliminado nesse mundo ou no Purgatório, antes que as portas do Céu possam se abrir, seja um anátema (Shroeder, CGT, 46). N em tu do que os teólogos católicos disseram sobre o pu rgatório tem sido considerado co m o um a verdade católica infalível, inclusive que: (1) A purificação acontece antes de alguém entrar no céu. (2) Essa purificação envolve algum tipo de sofrimento ou dor. (3) Essa purificação pode ser ajudada por orações e devoções dos vivos. (4) O purgatório é um lugar real (Ratzinger [agora Papa Bento XVI, bispado 2005-], E, 230). (5) A pessoa ficará lá durante um certo tempo. E claro que, “infalível” ou não, m u itos outros ensinam entos sobre o purgatório são bastante aceitos e praticados pelo catolicism o, e conhecidos teólogos e papas já fizeram declarações sobre essa questão. M esm o perm itindo algum espaço para a licença poética, o atual e resum ido dogm a do purgatório está longe de ser aquele grito de lam entação que vem os n a clássica obra Purgatorio (D ante Alighieri, 1265-1321).
1 E sta discussão está b aseada n o c a p ítu lo 16 da o b ra de N o rm a n G eisler e R a lp h M a cK en z ie, Roman Catholics and Evangelicals: Aflreements and Dijferences (G ra n d Rapids: B a k er, 1995).
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A Natureza do Purgatório O estu d io so c a tó lic o Ludwig O tt (n a scid o 1906) fez a seg u in te d efin içã o : “A a lm a dos ju s to s q ue, n o m o m e n to da m o rte , está ca rreg a d a de p ecad o s veniais, ou de dívidas de castig os te m p o ra is p o r cau sa dos p ecad os, e n tra n o P u rg a tó rio ” (.FC D , 482). E n tã o , o purgatório é um período de castigo temporal pelos pecados, depois da morte e antes do céu. M u ito s te ó lo g o s ca tó lic o s c o n te m p o râ n e o s ig n o ra m ou até n eg a m que o p u rg a tó rio s e ja u m lu g ar, a cre d ita n d o que seja m ais u m processo de p u rifica çã o que leva ao céu . Em relação ao fogo no purgatório2, a tendência liberal católica contem p orânea é de entendê-lo em u m sentido espiritual. U m catecism o afirma: O conceito de fogo no purgatório não passa de uma imagem que reflete uma realidade mais profunda. Esse fogo pode ser entendido com o um poder purificador, limpador e santificador através da santidade e da misericórdia de Deus, que endireita, purifica, cura e consom e qualquer rem anescente de imperfeição na hora da m orte3.
O Objetivo do Purgatório A finalidade do purgatório é p rom over a lim peza dos pecados veniais, pois pecados m ortais não arrependidos leva a pessoa ao in fern o4. O tt observa que o purgatório existe para a “rem issão dos pecados veniais que ainda não foram rem idos” (FCD, 485); supostam ente, o purgatório produzirá “contrição originária da caridade, realizada com a ajuda da graça”. Dessa form a, os “castigos tem porais pelos pecados são perdoados no fogo purificador através do assim cham ado sofrim ento de expiação, isto é, através de um consciente propósito de sofrer u m castigo expiatório im posto por D eus” (ibid.).
A Duração do Purgatório O castigo do purgatório é tem poral, e não etern o: “O fogo purificador não irá continuar depois do Juízo Final” (ibid.)5, e depois dele haverá apenas o céu e o inferno. Teólogos católicos contem porâneos (até os conservadores, com o o Cardeal Joseph R atzinger [agora Papa Ben to XVI, bispado 2005-, nascido 1927]) se abstêm de quantificar o “te m p o ” em que alguém passa n o purgatório e preferem falar de u m “tem po existencial” ou de um a “experiência tran sform ad ora” em que alguém “en co n tra” Cristo. R atzinger sustenta que o purgatório “é o processo in terio r necessário de tran sform ação em que u m a pessoa se to rn a idônea para C risto” (E. 230). De acordo co m a opinião mais tradicional, en tretan to , o purgatório é u m lugar no qual, dependendo dos seus pecados, alguém passa períodos mais cu rtos ou longos de tem po. R atzinger adm ite que o pronunciam ento doutrinário de T ren to im plica que o purgatório é u m lugar, u m a vez que usa a preposição em (ibid. 220). Os católicos rom anos utilizam tanto a Escritura com o a tradição para defender o dogm a do purgatório; agora irem os exam inar esses argum entos de defesa, respectivamente. 2 O fo g o c la r a m e n te faz ia p a r te d essa t e o r ia c a tó lic a ; os c a tó lic o s te n ta m e n c o n tr a r s u p o r te e m 1 C o r ín tio s 3 .1 2 -1 5 . 5 A C atholic A du lt Catechism , p o r G e r m a n C o n f e r e n c e o f B is h o p s , 34 7 . 5 C f. c a p ítu lo 15.
4 V e ja V o lu m e 3, c a p ítu lo 10.
A SUPOSTA CONDIÇÃO TEMPORÁRIA DOS SALVOS ( PURGATÓRI1
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Argumentos Católicos a favor do Purgatório Usando a Escritura Qts. j k m Wx5s.\s»s, 'sssjsassy NsdisíSas2«s5&. ^ « f ^ S S C a . <ÍS- NSSSi fogo purificador no ou tro m u n d o ” (FCD, 483). Ele cita várias passagens para confirm ação da existência do purgatório. 2 Macabeus 12.42-4& O tt observa que, nesse texto, “os judeus oravam para seus [m ortos] pecadores a fim de que seus pecados pudessem ser perdoados” (ibid.). Isso poderia indicar que havia castigo e perdão além do tú m u lo. Mateus 12.32 Jesus diz que n u n ca haverá perdão para a blasfêm ia co n tra o Espírito Santo , “n em neste sécu lo n e m no fu tu r o ”. O tt entende que isso “deixa em aberto a possibilidade de [outros] pecados serem perdoados n ão só neste m u n d o, co m o no m u n d o fu tu r o ” (ibid.). 1 Coríntios 3.15 P aulo d eclara: “Se a o b ra de a lg u é m se q u e im a r, s o fre rá d e trim e n to ; m as o ta l será salv o, to d av ia c o m o p elo fo g o ” . O tt a firm a : “Os Pais la tin o s e n te n d e m que essa passagem se re fe re a u m ca stig o tra n s itó r io de p u rific a ç ã o no o u tro m u n d o ” (ib id .). Mateus 5.26 Jesus fala sobre u m ju iz que não irá libertar seu prisioneiro até que este te n h a quitado o pagam ento da sua dívida. O tt com en ta: “Através de outras interpretações, u m a condição de tem po lim itado de castigo no ou tro m u nd o com eço u a ser expressa com o u m castigo de tem po lim itado de prisão” (ibid., 484).
Argumentos Católicos a favor do Purgatório Usando a Tradição e a Especulação Apesar da sua tentativa de deduzir a existência do purgatório através da Escritura, O tt adm ite: A principal prova para a existência de u m fogo purificador se en contra no testem u n h o dos Pais” (ibid.), p articu larm ente dos Pais latinos, co m o Cipriano (200-258) e A gostinho (354-430). A lém da tradição, há a especulação católica a favor do purgatório: E specu lativam en te falando, a existência de u m fogo purificador pode ser deduzida do con ceito da santidade e da justiça de D eus. O p rim eiro exige que so m en te almas co m p le ta m e n te puras sejam admitidas n o C éu [...] o segundo exige que o castigo pelos pecados ainda presentes seja realizado. Mas, p o r o u tro lado, ele proíbe que alm as unidas a Deus, em am o r, sejam lançadas n o inferno. [Portanto,] deve ser entendido que existe u m estado interm ediário cu ja finalidade é a p urificação final e que, p o r essa razão, tem u m p eríodo lim itado de tem p o (ibid.).
6 U m a o b ra ap ó crifa q u e faz p a rte da B íblia ca tó lica .
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RESPOSTA PROTESTANTE AOS ARGUMENTOS CATÓLICOS A FAVOR DO PURGATÓRIO Duas notas prelim inares. Primeiro, O tt adm ite que a Bíblia ensina a existência do purgatório apenas “ind iretam ente”, e m esm o assim existe som en te u m a “possibilidade” nesses textos. O bviam ente, essas frases revelam a fraqueza de u m a suposta base bíblica. Segundo, O tt recon h ece que chegou ao ú ltim o argum ento apenas “esp eculativam ente”. A existência do purgatório não oferece uma prova direta ou positiva retirada da Escritura, e toda a doutrina está baseada em uma tradição extra-bíblica e na especulação humana.
Resposta aos Argumentos Extraídos da Bíblia A obra New Catholic Encyclopedia revela fran cam ente que “a dou trin a do purgatório não foi explicitam ente confirm ada na Bíblia” (11.1034). Na verdade, o pu rgatório não é implicitamente ensinado n a Escritura, pois o costu m e católico de usar a Palavra de Deus para fu nd am entar a existência do purgatório vai realm ente con tra os contextos das passagens empregadas. U m breve exam e e u m a réplica serão suficientes. 2 Macabeus 12.42-46 A resposta protestante ao uso desse texto para justificar a existência do purgatório é básica: O livro de 2 Macabeus não faz parte do cânon inspirado, e não tem n enhu m a autoridade7. Essa obra, ju n tam ente com o restante da Apócrifa, não foi aceita com o um texto inspirado pela com unidade judaica que o escreveu. Os escritos apócrifos não foram aceitos por Jesus, n em pelos apóstolos, que nu nca os m encionaram com autoridade no Novo Testam ento8. Eles foram rejeitados por m uitos e im portantes dos primeiros Pais, inclusive Jerônim o (340-420), o grande erudito bíblico, trad u tor da Vulgata latina. Na verdade, eles nao foram infalivelm ente acrescentados à Bíblia católica rom ana até depois da R eform a (c. 1546), em um a fútil tentativa de dar fundam ento ao purgatório e às orações pelos m ortos, que haviam sido justam ente combatidas por M artinho Lutero (1483-1546). M esm o nessa época, o polêm ico e anti-reform ista Concilio de Trento de m aneira inconsistente rejeitou alguns livros apócrifos, inclusive u m que fala contra a oração pelos m ortos9. Mateus 12.32 “Se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado, mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro”. O uso que a Igreja C atólica R om an a fez de M ateus 12.32, para dar suporte a um teórico perdão dos pecados depois da m o rte, é deficiente por várias razões. Primeiro, o texto não está dizendo que haverá, ou poderá haver, perdão na próxim a vida (depois de sofrer pelos pecados), mas que não haverá perdão para esse pecadow no mundo futuro. C o m o pode a absoluta negação de Cristo de u m perdão após a m o rte para um pecado especifico servir possivelm ente co m o base para a especulação de que pecados em geral serão perdoados na vida futura? Segundo, o purgatório (com o foi definido pela Igreja Católica) inclui apenas os pecados veniais, e esse pecado não é venial, mas m ortal, eterno e imperdoável. Com o pode a declaração 7 Veja Volume 1, capítulo 28.
8 Ibid., parte 2, seções I e III.
9Veja 2 Esdras 7.105.
10Blasfêmia contra o Espírito Santo.
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de Jesus, sobre a impossibilidade de um perdão pós-m orte para um pecado m : rtal servir de base para o argum ento de que pecados que não são mortais serão, então, perdoados: Terceiro, e finalm ente, m esm o se essa passagem implicasse castigo, este não seria destinado àqueles que irão eventualm ente ser salvos (co m o, segundo acreditam os católicos, seria o caso daqueles que vão para o purgatório); Cristo está fa la n d o a respeito daqueles que nunca serão salvos, e o fato de estudiosos católicos m encionarem M ateus 12.32 a favor do purgatório apenas realça a profunda falta de suporte bíblico para essa doutrina. 1 Corintios 3 .1 5 Primeiro, falando sobre os crentes que u m dia receberão u m “galardão” (v. 14) pelo serviço que prestaram a Cristo, Paulo diz: “Se a obra de alguém se queim ar, sofrerá d etrim ento; mas o tal será salvo, todavia co m o pelo fo g o”. Isso não diz, n em sugere, qualquer coisa que o cren te possa sofrer, em term os de conseqüências tem porais no purgatório, por causa dos seus pecados. E le não será queim ado no fogo, suas obras é que serão queim adas. Parece que O tt está adm itindo que esse texto “está falando sobre um castigo tem porário no D ia do fu iz o G eral Final, consistindo provavelm ente de terríveis tribulações, depois das quais acontecerá a salvação final” (F C D , 483, ênfase acrescentada). Se assim for, então até pela aceitação católica Paulo não está se referindo àquilo que trad icionalm ente tem sido cham ado de purgatório. Segundo, também bastante reveladora é a tendência dos apologistas contemporâneos católicos de reduzir o sofrimento do purgatório a um a detalhada experiência de santificação pós-morte, indicando certo afastamento do seu tradicional, e até bastante repreensível, dogma. Terceiro, 1 Corintios foi escrito aos “santificados.em Cristo Jesus” (1.2). C om o eles já haviam sido considerados santificados em C risto11, não precisariam de n en h u m a outra purificação para receber o direito de se colocar perante Deus. Depois de fazer um a relação daqueles que não iriam herdar o reino de Deus, inclusive os devassos, idólatras, adúlteros, ladrões, bêbedos, maldizentes e trapaceiros, Paulo acrescenta: “E o que alguns têm sido, mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nom e do Senh or Jesus e pelo Espírito do nosso D eus” (6.11). A partir desse e de outros textos (cf. 2 Co 5.21), fica evidente que os seus pecados já tinham sido eliminados através do sofrim ento de Cristo (cf. 1 Pe 2.22-24; 3.18), e que eles estavam revestidos com a justiça de Cristo, estando em um a condição perfeita diante de Deus. Eles não precisavam de n en h u m outro sofrim ento pelos pecados, e o fato de Deus desejar que m elhorassem seu estado na terra, de um a form a prática, de m aneira nen h u m a diminuía seu estado absolutam ente perfeito no Seu reino12. Quarto, o contexto revela que Paulo não está falando sobre a conseqüência do pecado, mas sobre a recompensa pelo serviço àqueles que já foram salvos: “Se perm anecer a obra de alguém que sobre o fundam ento edificou, esse receberá galardão” (1 Co 3.14, R A )13. D a m esm a maneira, com o até a teologia católica reconhece, esse “d etrim ento” não é claram ente a perda da salvação, pois “o tal será salvo” (v. 15); será a perda de um a recom pensa por não ter servido fielm ente a Cristo. Aqui não existe absolutam ente nada a respeito de crentes sofrerem pelos pecados depois da m orte; Cristo pagou pelos nossos pecados com a Sua morte14 Quinto, e finalm ente, esse “fo g o” não purifica nossa alm a dos pecados, ao contrário, ele revela e testa a nossa obra: “A obra de cada u m se m anifestará; na verdade, o D ia a declarará,
11VejaVolume3, capítulo 10. 12Ibid. 13A palavra grega nusthossignifica “pagamento por serviço prestado” ou u m “galardão” ou “recompensa dada (principalmente por Deus) pela qualidade m oral de u m ato” (cf. 1 C o 9.17; 5.46; 6.1). Veja a obra de A m dt e Gingrich, A Greek-Ettglié Lexicon o f the New Testament (Chicago: Chicago Press, 1957), 525. MCf. 1 C orintios 15.3; Hebreus 1.2; tam b ém op. cit., capítulo 9.
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porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada u m ” (v. 13). Não existe literalm ente nada aqui a respeito de purificação do pecado; contrariam ente às afirm ações dos católicos, a finalidade dessa purificação não é ontológica (verdadeira), m as funcional (pragm ática). O foco está naquilo que o cristão irá receber pelo serviço (cf. 1 T m 4.8; 2 Co 5.10), e não n a m aneira com o seu caráter será purificado do pecad o15. Mateus 5.25,26 E m relação às palavras de Jesus a respeito de u m juiz que se recusava a libertar o prisioneiro até que completasse o pagam ento da dívida, o com entário de O tt é que “através de interpretações adicionais, um a condição limitada de tem po para o castigo no outro m undo com eçou a ser expressa com o u m castigo por tem po lim itado na prisão” (FCD, 484). Por várias razões, essas “interpretações adicionais” se encontram m uito além do contexto. Primeiro, Jesus não está falando sobre um a prisão espiritual depois da m orte, e a idéia de um a prisão física antes da m orte ficou claram ente entendida no versículo anterior: “Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no cam inho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão”. C om certeza, Jesus está indo além de simples assuntos materiais e se referindo aos assuntos espirituais do coração (cf. w . 21,22); entretanto, nada garante a conclusão de que, através do conceito de um a “prisão”, Ele estivesse se referindo a um lugar (ou processo) de purificação dos pecados na próxim a vida (que é aquilo que alguém deve concluir se essa passagem pretende falar do purgatório). Até os católicos ortodoxos evitam a im agem de que o purgatório seria um a prisão, insistindo que ele não é “u m tipo de cam po de concentração supram undial” (Ratzinger [agora Papa Bento XVI, bispado 2005-], E, 230). Segundo, obrigar esse texto a funcionar com o um a analogia ou ilustração de um a prisão espiritual depois da m orte (isto é, o purgatório) seria concluir que esse argumento é verdadeiro; alguém precisa assumir que existe realm ente um purgatório de onde nós “não sairemos até term os pago” (v. 26) para que esse texto se torne um a ilustração. Os exemplos não provam nada; eles servem apenas para ilustrar um a crença ou um conceito que podem ou não ser verdadeiros. Terceiro, se esse texto fosse u m a referên cia ao p u rg atório, ele estaria contrad izend o todos os claros en sin am en to s da E scritu ra de que, para o cren te, nada resta a pagar pelas conseqüências dos nossos pecados, sejam eles tem porais ou e tern o s16. Em bora a teologia católica recon h eça que a m o rte de C risto pagou a m u lta das conseqüências eternas dos nossos pecados, ela nega que isso signifique que não existe n e n h u m purgatório no qual pagamos as conseqüências tem porárias. Inversam ente, com o verem os17, a m o rte de C risto foi com p leta e suficiente para tirar todos os nossos pecados e todas as suas conseqüências. D izer que ainda resta algum sofrim ento pelos pecados rem anescentes é insultar a Sua obra term inad a “de u m a vez por todas”. Porque Jesus 15Isto não está dizendo que o fato de ser examinado, por causa das recompensas, não terá um im pacto final sobre o caráter do crente; esse exam e será um a terrível experiência para o seu caráter. O objetivo dessa réplica é m ostrar que purificar a alma dos pecados é o que Cristo fez objetivam ente pelo crente na cruz, e isso tam bém foi aplicado objetivam ente ao crente no m om ento da justificação inicial, quando ele foi vestido com a justiça de Cristo que, dantes, não lhe era conhecia. Para mais detalhes sobre o processo e os estágios da salvação, inclusive a justificação e a santificação, v eja Volume 3, parte 2.
16 Ibid., capítulo 9.
17 Sob “Razões Protestantes para Rejeitar o Purgatório”.
\ S TOSTA CONDIÇÃO TEMPORÁRIA DOS SALVOS (, PURGATÓRIO )
sofreu pelos nossos pecados, nao existe “n en h u m a condenação" par^ ia
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que estão
em C risto Jesus (R m 8.1).
Resposta aos Argumentos Extraídos da Tradição e da Especulação O tt adm ite que “a principal prova para a existência de u m fogo purificador (p u rg ató rio ) reside no te stem u n h o dos Pais” (FCD, 484), em bo ra não hesite em re je ita r a m aioria dos seus testem u n h o s em ou tras ocasiões. D e qualquer m aneira, em cada caso, a questão relativa ao te stem u n h o dos Pais é se “eles atestam a verdade da R evelação [de Deus] ou se in te rp re ta m e rro n ea m en te a verdade dessa R ev elação” (R atzin g er [agora Papa B en to X V I, bispado 2005-], E, 230). Isso é o que pergun taríam os sobre a d ou trin a ro m a n a do p u rg atório, pois, co m o tem os visto, as passagens bíblicas usadas pelos cató licos para lh e dar fu n d a m en to fo ra m m al interpretad as. Ludw ig O tt é u m a au to rid a d e c a tó lic a p ad rão so b re esse d og m a. Lendo seu tra b a lh o , to rn a -s e fa sc in a n te o b serv ar c o m o ele ad m ite fre q ü e n te m e n te que essa d o u trin a “n ão é e x p lic ita m e n te rev elad a n a E s c ritu ra ” , ou q ue “n ã o p o d e m ser obtid as p ro vas d iretas e expressas da E s c r itu r a ”, ou m e sm o que “estão fa lta n d o provas da E s c r itu r a ” (o p . c it., 200, 208, 214 e tc .). O fa to é que fa lta ao p u rg a tó rio u m fu n d a m e n to b íb lico .
RAZÕES PROTESTANTES PARA REJEITAR O PURGATÓRIO A lém de contra-argu m entar, os protestantes oferecem m uitas outras razões para rejeitar o purgatório, inclusive as seguintes:
O Purgatório E a Negação de toda a Suficiência do Sofrimento de Cristo Os protestantes rejeitam o purgatório por negar efetivam ente toda a suficiência da m o rte expiatória de C risto18, em razão da qual Ele gritou: “Está consumado” (Jo 19.30). Falando sobre Sua obra salvadora, Jesus disse ao Pai: “Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que m e deste a fazer” (17.4). Hebreus declara enfaticam ente que a salvação pelo sofrim ento de C risto foi u m ato realizado com p letam en te: “C o m u m a só oblação, aperfeiçoou para sempre os que são santificados” (10.14). O purgatório, isto é, ainsistência de que devemos sofrer pelos nossos pecados, representa um suprem o insulto ao suprem o sacrifício de Cristo. O purgatório não acontece depois da nossa m orte, pois ele é desnecessário, um a vez que a m orte de Cristo foi o sacrifício e o pagam ento suficiente por todos os nossos pecados, pois “havendo feito por si m esm o a purificação dos nossospecados, assentou-se à destra daM ajestade, nas alturas” (1.3). A purificação, ou a expiação dos nossos pecados, foi realizada (no passado) através da Cruz. Louvado seja Deus por não haver a necessidade de sofrerm os em u m purgatório, pois Cristo já sofreu por nós! E claro que o infern o existe para aqueles que rejeitam essa m aravilhosa provisão da graça divina19, e que existem nessa vida relações tem porárias de causa e efeito em relação àquilo que sem eam os, e que, conseqüen tem ente, colh em os (G1 6.8,9). E n tretanto, não existe n e n h u m prova de que n a próxim a vida irem os pagar pelos resultados dos nossos pecados, seja tem porária ou eternam en te. 18 Op. cit.
19 Cf. 2 Tessalonicenses 1.7-9; Apocalipse 20.11-15; veja. tam bém capítulo 9.
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A rgum entar que o purgatório faz parte da nossa santificação experim ental eqüivale a desprezar dois pontos im portantes: Prim eiro, toda santificação experimental acontece nessa vida, antes da m o rte 20; a única santificação depois da m o rte é ontológica (efetiva). A Bíblia cham a essa m udança após a m o rte de glorificação (R m 8.30; 1 Jo 3.2)21. Segundo, a santificação não é o processo de sofrer pelos nossos pecados, mas o processo através do qual Deus, com toda Sua graça, nos liberta dos nossos pecados, de tudo aquilo pelo que Cristo sofreu, ou seja, dos pecados passados, presentes e futuros. Na verdade, a salvação não é absolutam ente alcançada no m o m en to da justificação inicial. C om o vim os repetidam ente, a salvação acontece em três estágios22: salvação da cu lpa passada do pecado (justificação posicionai), salvação do poder atual do pecado (santificação prática), e salvação da fu tu ra presença do pecado (suprem a glorificação). Em nenhum desses estágios sofremos pelos nossos pecados como uma condição para entrarmos no céu. A salvação não é algum a coisa que fazem os para alcançar o céu; m as, através da m o rte de Jesus Cristo, a salvação foi garantida! Jesus pagou tudo. Devemos tudo a Ele. O pecado deixou uma mancha carmesim. Ele a lavou, deixando-a branca como a neve23, (cf. Is 1.18.) O P u r g a t ó r io É C o n t r á r i o à Id a Im e d i a t a p a r a o C é u o u I n f e r n o d e p o is d a M o r t e A Bíblia fala sobre a m orte com o sendo o m om en to final da vida depois do qual alguém vai imediatamente para o céu ou para o inferno (Hb 9.27)24. U m grande abismo foi fixado entre os dois para evitar que alguém atravessasse a fronteira depois da m orte (Lc 16.26). Paulo diz que, no m om en to da m orte, os crentes “[deixam] este corpo, para habitar com o Sen hor” (2 Co 5.8); essa realidade está evidente na declaração de que “sabemos” ser assim (v. I)25. A imediação, na m orte, à bem -aventurança suprem a para o cristão é bem confirm ada em ou tra parte26. 0 ladrão m oribundo que estava n a cruz estaria n o paraíso naquele m esm o dia (Lc 23.43). Paulo disse que quando m orresse iria “estar com Cristo” (Fp 1.23), e algumas das suas últim as obras falam sobre a “partida” em direção à sua “coroa da ju stiça” (2 T m 4.6-8). Os santos que seirão martirizados durante a Tribulação27 irão im ediatam ente para o céu (Ap 6.9,10), com o aconteceu com Enoque (cf. Hb 11.5), Moisés e Elias (cf. Lc 9.30,31). A imediação, na morte, à agonia derradeira para o incrédulo é igualmente confirmada. Observe a história que o Senhor Jesus contou a respeito da m orte de Lázaro e de sua ida para o céu: “Morreu também o rico e foi sepultado. E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio”; então, ele clamou (Lc 16.22,23)28. A Escritura não tem 20Cf. 1 Corintios 3.l0ss.; 2 Corintios 5.10; Apocalipse 22.12. 21Veja capítulos 7-8; veja também Volume 3, capítulo 6. 22Ibid., capítulo 9. 23 “jesus pagou tudo”. Letra de EivinaM. Hall, música de]ohnT. Grape. 24Contrariamente à afirmação de alguns estudiosos católicos, em Hebreus 9.27 não existe qualquer indicação sobre a existência de um intervalo entre a morte e o juízo; essa é uma interpretação das Escrituras que expressa as próprias idéias do intérprete (veja capítulo 12). Além disso, muitos estudiosos católicos negam que estejaenvolvido qualquer tempo real de purgatório, mas apenas um tempo “existencial”. 25Paulo descreve que esse “desejo” (v. 2) não é por uma bem-aventurança imediata (porque “sabemos” que teremos), mas por estarmos “revestidos com a nossa habitação celestial”, em oposição a esse “tabemáculo [no qual] gememos” (v. 4).
26Veja capítulo 7.
27Veja capítulo 16.
28 As tentativas dos católicos de espiritualizar essas palavras como
se fossem um a parábola são muito obstinadas. Em nenhum lugar essa história é chamada de parábola, nem as parábolas usam os verdadeiros nomes das pessoas (cf. v. 20). Essas palavras de Jesus estão, obviamente, descrevendo uma realidade atual.
A SUPOSTA CONDIÇÃO TEMPORÁRIA DOS SALVOS ( PURGATÓRIO)
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nenhuma indicação de que alguém seja purificado dos seus pecados depois da morte. A morte é um acontecimento final, e o destino de bem-aventurança ou de desgraça é instantâneo. O Purgatório Está Baseado no Ensino Não-Bíblico do “Tesouro de Méritos”
Outro conceito associado à doutrina do purgatório é a crença dos católicos romanos num tesouro dos santos e nas obras meritórias para os mortos. De acordo com a teologia católica, existe, além do mérito alcançado por Cristo na cruz, um armazém de indulgências depositadas pelos santos dos quais outros podem se servir para ajudá-los. Esse conceito de indulgência (ou recompensa) envolve a distribuição de misericórdias que vão muito além da justiça; no entanto, os católicos entendem que os méritos são necessários para a salvação. Resumindo, aqueles santos que praticaram boas obras, além do que seria necessário para a sua salvação, dispõe de fundos extras no banco do céu, e aqueles que estão necessitados podem sacar esses recursos para a sua própria salvação29. Através de orações e boas obras em nome dos mortos, a permanência do católico no purgatório pode ser reduzida à medida que ele saca do excesso: A possibilidade de haver uma expiação vicária (de um crente para outro) está fundamentada na unidade do Corpo Místico. Como Cristo, que é a Cabeça, no Seu sofrimento expiatório assumiu o lugar dos membros, da mesma maneira um membro pode assumir o lugar de outro. [Dessa maneira,] a doutrina das indulgências está baseada na possibilidade e na realidade de uma expiação vicária. Na Bula do Jubileu (1350), o Papa Clemente VI (bispado 1342-1352) foi o primeiro a declarar a doutrina do “Tesouro da Igreja”. De acordo com Ott, “ela fala sobre os méritos (expiações) de Maria30, a mãe de Deus, e de todos os escolhidos, desde o maior até ao menor dos justos [que] contribuem para o aumento do tesouro do qual a Igreja se serve a fim de assegurar a remissão da punição temporal” (ibid.). Argumentos Católicos a favor de um Tesouro de Méritos
Alguns estudiosos católicos encontram fundamentos bíblicos para o tesouro de méritos e para as indulgências. A indulgência é a remissão do castigo temporal por causa de um pecado cuja culpa já foi perdoada por Deus. De acordo com Trento (Schroeder, C C T , 25.a seção, 1563), a Igreja de Roma tem o poder de conceder indulgências das quais existem dois tipos: parcial e plena (total). Conlorme o dogma católico, uma indulgência parcial libera a pessoa apenas de uma parte do castigo temporal por um pecado que deve ser padecido nessa vida ou no purgatório. A indulgência plena liberta a pessoa de todo o castigo por esse pecado. A idéia de que as indulgências podem ser obtidas da Igrej a está baseada na doutrina do mérito pela qual uma pessoa pode, através das suas boas obras ou orações, alcançar junto a Deus um favor substituto em nome de outra pessoa. O Concilio de Trento proclamou sua infalibilidade:
29Estas boas obras são chamadas de super-rogação, isto é, obras além das que são necessárias àqueles que as praticaram. 30Em relação às “expiações” de Maria, O tt afirma que os católicos não negam a “expiação” eterna de Cristo, mas simplesmente enfatizam que as expiações temporais pelos pecados sofridos a favor dos santos estão disponíveis para outros no tesouro de méritos.
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[Os bispos] ensinaram uma fiel diligência em assuntos relativos à intercessão e invocação dos santos [...] para invocá-los e ter o recurso das suas orações, assistência e apoio, afim de obter favores de Deus através do Seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor (ibid.). O tt afirma: Mesmo no Antigo Testamento, é conhecida a idéia de uma expiação vicária alcançada por pessoas inocentes em favor do culpado. Moisés se oferece a Deus em sacrifício pelas pessoas que pecaram (Ex 32.32). [Além dele,] Jó oferecia holocaustos a Deus a fim de expiar os pecados dos seus filhos (Jó 1.5). Isaias profetiza (Is 53) o sofrimento vicário e expiatório de Cristo como se fosse um resgate, como uma oferta expiatória pelos pecados da humanidade. [Da mesma maneira,] o apóstolo Paulo ensina que um cristão fiel também pode oferecer uma expiação em lugar de outro [G16.2] (FCD, 317). A lém de tam bém citar Colossenses 1.24; 2 C orintios 12.15; é 2 T im ó teo 4.6 com o textos com probatórios, O tt m enciona os prim eiros Pais (inclusive Inácio e Policarpo) a fim de dar suporte à crença católica em u m tesouro de m éritos. Orígenes ensina que, pela sua morte, os apóstolos e mártires removem os pecados dos fiéis [...] Cipriano diz expressamente que os pecadores podem ser justificados perante o Senhor através da ajuda dos mártires [...] E Tomás de Aquino argumentou, baseado em Gálatas 6.2 (“Levai as cargas uns dos outros”), [que] da mesma maneira como dois homens se tornam apenas um pela caridade, um pode oferecer expiação [temporal] pelo outro (ibid., 317-18). R e s p o s ta P r o te s ta n te a o s A r g u m e n t o s C a tó lic o s a f a v o r d e u m T e s o u r o d e M é r it o s Os protestantes rejeitam a d outrina católica rom ana de u m tesouro de m éritos, porque está baseada n u m a interpretação errada da Escritura, e é contrária à suficiência da expiação de Cristo31. Êxodo 32.30-32 Moisés disse a Israel: “Vós pecastes grande pecado; agora, porém , subirei ao Senhor; porventura, farei propiciação por vosso pecado”. Depois ele orou a Deus, dizendo: “Agora, pois, perdoa o seu pecado; se não, risca-m e, peço-te, do teu livro, que tens escrito”. A té m esm o u m olhar superficial nessas palavras, perm ite um a interpretação contrária à da doutrina católica. Por u m lado, não existe absolutam ente nada, literal ou sim bólico, a respeito de qualquer arm azém celestial de indulgências ao qual alguém possa contribuir e do qual outros possam sacar32. No m áxim o, a passagem revela sim plesm ente o desejo extrem am en te recom endável de u m a pessoa estar disposta a sofrer pela outra. A lém disso, a passagem de Êxodo n ão diz que D eus aceitou a oferta de M oisés para ser riscado do Seu livro, e, n a verdade, Ele não o riscou. O que D eus aceito u foi o 31Veja Volume 3, capítulos 9-10. 1:íEmbora os estudiosos católicos recorram a Apocalipse 19.8 para dar fundamento àidéia do tesouro de méritos, ou coleção de boas obras, lançar mão das vestes brancas celestiais dos santos, como se fossem suas virtudes, representa um sério mal entendido: (1) O fato de isso ser um símbolo está indicado pela própria interpretação do texto para o leitor e também porque dá e interpreta outros símbolos (por exemplo, Ap 1.20; 17.9,15). (2) Apocalipse diz simplesmente que cada pessoa tem as suas próprias obras que a acompanham. (3) Os Santos Escritos deixam claro que “cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus” pelas suas obras (Rm 14.12; cf; 2 Co 5.10). (4). Como em Exodo 32, nada nesse texto sugere que existam obras de justiça nos santos que estejam disponíveis para que outros as aproveitem para a sua vida.
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desejo de Moisés de se submeter ao sacrifício como uma indicação da sinceridade do seu coração33. Deus não aceitou a vida de Moisés como uma expiação por Israel; Ele aceitou a disposição de Moisés de ser sacrificado. Paulo expressou a disposição de ir para o inferno se a nação de Israel pudesse ser salva (Rm 9.3); isto seria admirável, porém irrealizável, recomendável, porém impossível, embora estivesse indicando a paixão de Paulo pelo seu povo. J ó 1.5
Jó oferecia holocaustos pelos seus filhos “porque dizia Jó: Porventura, pecaram meus filhos e blasfemaram de Deus no seu coração”. Entretanto, novamente isto está longe de dar suporte a qualquer tesouro dessa espécie. Primeiro, o texto não faz nenhuma menção de algum tesouro como este. Segundo, o texto nunca indica que Deus aceitou esse ato de solicitude em favor dos filhos de Jó. Essa passagem pode ser descritiva (e não prescritiva) e estar nos informando apenas aquilo que Jó fez, e não aquilo que devia ser feito. Isso está de acordo com o registro dos amigos de Jó que descreve o que eles disseram e não aquilo que Deus pensou (Exemplo, cf. Jó 42.7). Terceiro, um cuidadoso estudo do texto revela que a intenção da passagem é nos mostrar como Jó erajusto (cf. 1.1), e não que seja possível alcançar uma expiação pelos pecados dos outros. E certo que Deus ouve as orações de uma pessoa justa (42.8. cf. Tg 5.16), mas isso não sugere, de maneira nenhuma, que alguém possa ajudar a perdoar os pecados dos outros. Uma condição de correta conduta perante Deus não pode ser transferida: “A justiça do justo ficará sobre ele” (Ez 18.20). Quarto, mesmo se os atos de uma pessoa justa (como Jó) pudessem ser, de alguma forma, eficazes para sua família ou seus amigos na terra, isso não iria comprovar sua eficiência àqueles que partiram. Mesmo se essa passagem fosse prescritiva, Jó estava oferecendo sacrifícios pelos vivos, e não pelos mortos. Isaias 53
Infelizmente para o catolicismo, essa famosa passagem não ensina que existe uma expiação substitutiva de um pecador para outro; ela ensina que o Cristo que não tinha nenhum pecado é a expiação substitutiva para o mundo pecador34. Ele [Cristo] foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele [...] Todos nós andamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos (vv. 5,6). Além disso, veja que não foi simplesmente pela nossa culpa (iniqüidade) que Cristo morreu, mas que Ele também loi “castigado” ou punido em nosso lugar (v. 5). Isso se coloca diretamente em oposição à afirmação dos católicos de que devemos compensar as conseqüências temporais causadas pelo pecado. Ou Cristo não estava pagando pelas conseqüências temporais e, nesse caso, Sua morte não seria suficiente para todos os nossos pecados (tal como declaram esse e outros textos), ou Cristo pagou por todas as conseqüências (inclusive pelos pecados temporais) dos nossos pecados e, nesse caso, não haveria necessidade de um purgatório. Isso deixa o catolicismo confuso —ou sua visão da morte de Cristo é deficiente, ou o purgatório é desnecessário. 33Da mesma maneira que Ele fez no caso de Abraao (cf. Gn 22). 34Ve j a Volum e 3, capítulo 9.
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Gálatas 6.2 Paulo nos exo rta a “levar as cargas uns dos o u tro s”, mas não diz que devem os su p o rtar o castigo pelos pecados dos outros. O filho não levará a maldade do pai, nem o pai levará a maldade do filho; a justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele (Ez 18.20). E xiste u m a solid aried ad e e n tre os cren tes em rela ção às suas lutas, m as n ão existe n e n h u m a su b stitu ição h u m a n a pelos pecad os. D ev em os ca rreg a r a nossa “própria carg a” (G1 6.5), e e n tão serem os capazes de su p o rta r a carga do nosso irm ã o ; m as está claro n o v ersícu lo que n ão p o d em os ca rreg a r os seus pecad os. O h o m e m ceifará aquilo que ele mesmo sem eo u : “Tudo o que o h o m e m sem ear, isso ta m b ém ce ifa rá ” (v. 7). Colossenses 1.24 As palavras de Paulo a respeito de “[cum prir] o resto das aflições de C risto, pelo seu co rp o , que é a ig reja ” não rep resentam u m a base para o p u rg atório. Primeiro, o apóstolo não está dizendo que o sacrifício expiatório de Cristo te n h a sido insuficiente para com pensar todas as conseqüências eternas e tem porais do pecado. Se, realm ente, esse fosse o caso, ele estaria contradizendo claram ente a si m esm o, co m o tam bém o restante do Novo T estam ento35. S e a m o r te de C r is to é s u ficie n te , e os c a tó lic o s a firm a m a c re d ita r n isso , e n tã o n a d a p o d e ser a c re s c e n ta d o a essa su ficiê n c ia 36. Segundo, existe u m ce rto en ten d im en to p elo qual C risto ainda sofre depois da Sua m o rte . Q uando Jesus disse a Paulo: “Por que m e persegues?”, Ele não estava litera lm en te sobre a terra; p o rtan to , essas palavras devem estar se referindo ao Seu corp o (a Igreja), que Paulo estava perseguindo (cf. A t 8.1; 9.1,2)37. E m u m m esm o sentido, podem os sofrer por Jesus, porque a nós nos foi concedido, em relação a C risto, “não som en te c re r nele, co m o tam b ém pad ecer p o r e le ” (Fp 1.29). Mas isso não quer dizer expiar o pecado. S o m en te Jesus sofreu p elo pecado (cf. 1 P e2.21; 3.18; 2 C o 5.21). Nós sofremos por causa dos nossos pecados, m as n u n ca pelos pecados dos ou tros (cf. Ez 18.20). Q uando sofrem os p o r C risto, estam os su p ortan d o a d or co m o parte do Seu corp o espiritual (cf. 1 C o 12.26), m as som en te aquilo que Ele sofreu no Seu corp o físico n a cru z é eficiente para os nossos pecados. O nosso sofrim en to está a serviço de C risto, e não serve para a salvação de outros. Terceiro, m e sm o co n c o rd a n d o c o m esse e n te n d im e n to , seg u n d o o q u al P aulo está d eclaran d o que p o d e m o s s o fre r p elo s o u tro s, n e n h u m a passagem do câ n o n das E scritu ra s diz que p o d e m o s s o fre r em n o m e d aqu eles que e stã o m o rto s (c f. R m 5.7). 2 Corintios 12.15 O apóstolo diz aos corintios: “Eu, de m u ito boa vontade, gastarei e m e deixarei gastar pelas vossas alm as”. E ntretanto, existem várias conclusões im portantes que alguém deve 35 Por exem plo, veja Joao 17.4; 19.30; Hebreus 10.14. Veja tam bém Volum e 1, parte 2.
36 C om o está dem onstrado na parte
2 do Volum e 3, a m orte de Cristo foi suficiente para tudo e eficiente para todos aqueles que crêem .
37Veja parte 1.
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desconsiderar dessas palavras para chegar ao ensino de que os seres vivos ro d e m oferecer orações e indulgências e m n o m e daqueles o^ue estão sofeetvdo tvo \ (1) Nem essa, nem qualquer outra passagem, fala sobre o purgatório. (2) Nesse texto, os atos em nome dos outros beneficiam os vivos, e não os mortos. (3) O sofrimento não é pelos seus pecados (ou conseqüências do pecado temporal), mas tem .a finalidade de ajudar a carregar o seu fardo, ou ajudar a ministrar-lhes a graça de A frase em que Paulo diz que está “sendo oferecido por aspersão de sacrifício” está se referindo à sua m o rte com o m ártir. Não há nada aqui a respeito do pu rgatório, indulgências, orações pelos m ortos, ou u m tesouro de m éritos. A verdade é que esse dogm a católico não tem fu nd am ento bíblico e é contrário à incontestável dou trina da salvação pela graça através da fé3S.
Outras Razões para Rejeitar um Tesouro de Méritos e/ou um Purgatório A Própria Idéia de um Mérito Salvífico Coloca-se contra o Claro Ensinamento Bíblico A razão m ais im p o rta n te para re je ita r u m tesouro de m éritos, p elo qual u m ser h u m an o pode p raticar boas ações que serão creditadas n a con ta de o u tro que está n o p u rgatório, é o próprio co n ceito de m érito . A salvação não é conqu istad a (R m 4.4,5); a vida etern a é alcançada exclusivam ente pela graça, e so m en te através da fé39. A idéia de alguém co m p ra r40 u m a in du lgência (o co n ceito que levou M a rtin h o Lutero a reagir co n tra os abusos existentes n a Ig reja C a tó lica ) é rep u gn an te: “Não foi com coisas corruptíveis, co m o p rata ou ouro, que fostes resgatados [...] mas co m o precioso sangue de C risto, co m o de u m cordeiro im acu lad o e in co n ta m in a d o ” (1 Pe 1.18,19). D a m esm a m an eira co m o tradições judaicas “oficiais” cresceram em to rn o do A ntigo T estam en to , m u itas vezes a tradição oficial da Ig reja C atólica R o m a n a te m ido co n tra a Palavra de D eus (cf. M t 15.6). A Tradição da Igreja Católica não E Infalível U m a especulação extra-bíblica tam bém não oferece ajuda. C o m o já observam os, os prim eiros Pais não eram unânim es a respeito dessa questão, colocand o-se contrários à exigência do Concilio de T ren to de que a Bíblia deve ser interpretada de acordo com o “con sen tim en to u n ân im e” dos Pais. Extraordinários estudiosos católicos ensinaram corretam en te que os Pais não eram infalíveis e que som ente a Escritura é infalível41. Por exem plo, A gostinho declarou: E apenas às Escrituras canônicas que me sinto obrigado a me submeter. Esta sujeição implícita consiste em seguir os seus ensinos sem admitir a menor dúvida de que nelas possa existir qualquer erro, ou que nelas tenha lugar qualquer afirmação idealizada para enganar (I, 82.3, in: Schaff, NPNF).
38Veja Volume 3, capítulos 10,13-14. 39Efésios 2.8,9; cf. Rom anos 4.4,5; T ito 3.5. * Os estudiosos católicos insistem que, na verdade, um a indulgência não é comprada e que um a pessoa a obtém sim plesm ente fazendo um donativo à algum a causa de caridade. Qualquer que seja o seu nom e, a indulgência é um a troca de dinheiro por m érito, em bora essa troca possa ser desigual.
41 Veja Volum e 1, capítulo 17.
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D a m esm a m aneira, Tom ás de Aquino (1225-1274) afirm ou: “A creditam os que os sucessores dos apóstolos e dos profetas nos disseram som ente aquilo que os apóstolos e os profetas deixaram nos seus próprios escritos” (DV, XIV. 10-11). M esm o o p ronunciam ento oficial (infalível) dessa dou trina n o Concilio de T rento (1546) foi tardio e pouco fu ndam entado, tendo encontrado apenas u m apoio insuficiente na igreja prim itiva. D e acord o c o m a Palavra de D eu s, “a gora n e n h u m a co n d en a çã o h á para os que estão em C risto Jesu s” (R m 8.1). Os ca tó lico s aceita m que aqueles que vão para o p u rg ató rio estão “em C ris to ”, isto é, que eles são cre n te s. A ssim , n e n h u m a co n d e n ação p o r q u alq u er coisa rela cio n a d a co m nossos pecad os (cu lp a ou con seq ü ên cias) está n os esp erando depois da m o rte , pois Jesus e lim in o u sobre a cru z to d a a nossa co n d e n ação 42. 0 Purgatório E Inconsistente com outras Doutrinas Católicas P rim eiro , a te o lo g ia ca tó lic a e n sin a que n ã o h av erá p u rg a tó rio depois da Seg u n d a V in d a40 e que to d o s os c re n te s p re cisa m s o fre r n o p u rg a tó rio as co n se q ü ê n cia s te m p o ra is dos seus p ecad os. Se fo ra assim , seg u e-se que o p u rg a tó rio n ã o será n e cessá rio p ara aq u eles que m o r r e r e m p o u c o an tes do r e to r n o de C risto . Isso ta m b é m se a p lica aos in co n tá v eis m ilh õ e s de c re n te s q ue ainda e sta rã o vivos n a q u e la o casião 44. A lém disso, co m o D eus é absolutam ente ju sto 45, as conseqüências desses pecados som ente teriam condição de ser elim inadas se tivessem sido suportadas por qualquer ou tra pessoa, e isso apresenta, pelo m enos, dois problem as para a crença católica. Por um lado, isso revela que o purgatório não é verdadeiram ente necessário para a pessoa que com ete o pecado, pois ou tra pessoa poderá substituí-la. Por ou tro lado, se a expiação substituta pelas conseqüências tem porais do pecado é possível, então por que não aceitar a expiação substituta de C risto feita exatam ente com essa finalidade (precisam ente o que a E scritura afirma; cf. Hb 1.2,3)?46 E m a créscim o , aqueles que viveram na iniqüid ade antes da v elh ice, ou m esm o aqueles que se co n v e rte rem no leito de m o rte , m as m o rre re m e x a ta m en te no m o m e n to da Segu nd a V inda, n ão p o d erão so frer pelos pecad os, p o rq u e o p u rg a tó rio n ão m ais existirá depois do re to rn o de C risto . In d ep en d e n te m e n te de te re m sido batizados ou n ão antes de m o rre r, eles n ão teriam pago as con seq ü ên cias tem p o rais. N o v am en te, co m o D eus é ju s to e deve castigar o pecad o, a m o rte de C risto deve te r com p en sad o todas as con seq ü ên cias tem p o rais e etern a s; p o rta n to , n ão há necessidade do p u rg ató rio . N a tu ra lm en te, isso não significa que nós n ã o d evem os su p o rta r as adversidades causadas pelos nossos pecados d u ra n te a nossa vida; D eus usa as circu n stân cia s e as experiên cias desse m u n d o p ara castigar e p u rificar aqueles que sãos Seu s47. Isto significa re a lm e n te que n ão nós n ã o te m o s necessidade de satisfazer q u alqu er ju s tiç a divina p en d en te, n e m nessa vida, n e m n a o u tra . O su p rem o sacrifício de C risto cu m p riu p len a m en te a ju s tiç a de D eus relacio n ad a a todos os pecados de to d a a raça h u m a n a 48. 42Veja 1 Pedro 2.22; 3.18; 2 Corintios 5.2; Colossenses 2.13,14.
43Veja capítulo 15.
44 A não ser que pudéssemos acreditar,
pelos padrões católicos, que n en h u m deles sofrerá as conseqüências dos seus pecados, o que seria um absurdo.
45 Veja
Volum e 2, capítulo 16. 46Veja Volume 3, capítulo 9. 47 Cf. 2 Corintios 4.17; Gálatas 6.7; Hebreus 12.4-11. 48Veja Rom anos 3.21-26; 5.18,19; 2 Corintios 5.21; 1 João 2.2. Com o já foi estabelecido, a Expiação é suficiente para todos, e eficiente para todos os que crêem.
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Finalmente, a argumentação católica de que o purgatório é necessário para o pagamento das conseqüências do pecado temporal é contrária à sua própria doutrina da Imaculada Concepção. Se Maria pôde alcançar uma completa santificação no momento da sua concepção, sem sofrer as conseqüências do pecado original, por que os crentes não podem receber uma completa purificação na morte] 0 Purgatório Implica a Crença Não-Bíblica de Orar pelos Mortos
Nada era mais detestável para o reformador protestante Martinho Lutero do que a venda de indulgências. Dizem que Johan Tetzel (1465-1519), um comerciante católico de indulgências, anunciou: “Quando a moeda tilinta no cofre,, a alma salta no çur^atório”, Emboia os atuais sábios romanos digam que isso ê um exagero, essa frase desperta realmente a atenção na crença das indulgências e nas orações pelos mortos, que está intimamente ligada à doutrina do purgatório e do tesouro de méritos. Na verdade, a não ser que exista tal lugar (ou condição) como o purgatório, e a não ser que as orações possam obter méritos em seu nome, não há necessidade de orar pelos mortos para que sejam libertados dos seus pecados. A D outrina Católica da Oração pelos e aos Mortos
O dogma católico (defide ) afirma: O fiel que está na terra tem condição de ajudar as almas no Purgatório através das suas intercessões (ou sufrágios) [...] Entende-se por sufrágios não só as orações intercessoras, mas também as indulgências, os donativos, e outras obras piedosas, além do Santo Sacrifício da Missa (Ott, FCD). 0 Concilio de Trento proclamou infalivelmente que:
Existe um Purgatório e as almas lá retidas são ajudadas pelos sufrágios [orações] dos fiéis e, principalmente, pelo agradável sacrifício do altar [...] [Os bispos devem] instruir diligentemente os fiéis em assuntos relativos à intercessão e invocação dos santos [...] para invocá-los e recorrer às suas orações, assistência e apoio, a fim de obterem favores de Deus através do Seu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor ( C C T ). As passagens bíblicas que os católicos apresentam como fundamento para essa doutrina são insuficientes. Uma é apócrifa (2 Macabeus 12.42-45), e Ott nos oferece apenas 2 Timóteo 1.18, enquanto outros apelam para 1 Timóteo 2.1 e Mateus 17.3. Logo examinaremos cada uma delas49. Os principais argumentos em favor de orar pelos mortos são encontrados na tradição. A título de compensar a falta de suporte bíblico, Ott ostenta que “a tradição é rica em testemunhos em favor dessa doutrina”. Estranhamente, além de lançar mão do testemunho de Tertuliano (c. 155-c. 225) e de Cirpiano, Ott afirma que aquilo que ele admite é o “apócrifo Atos de Paulo e de Thecla”, como fundamento para orar pelos mortos (ibid.). Resposta Protestante à D outrina Católica da Oração pelos Mortos
Existem diferentes entendimentos protestantes quanto ao significado de “comu nhão dos santos”. J. I. Parker (nascido 1926) afirma que essa frase pode significar “a pró49Veja abaixo, sob “Resposta Protestante à Doutrina C atólica da Oração pelos M ortos”.
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pria elucidação do Credo sobre aquilo que a Igreja é; cristãos em com unhão uns com os outros —isto é, cristãos num a participação mútua, e apenas isso, sem se preocupar com qualquer estru tura hierárquica” (AC, 76). “Com unhão dos santos” também indica a ligação entre a “Igreja m i litante” (aqui na terra) e a “Igreja triunfante” (no céu; cf. Hb 12.22-24). Peter Kreef (1938) observa que os católicos acrescentam à essa distinção a “Igreja sofredora” (no purgatório)30. Também se pode entender a “com unhão dos santos” com o “compartilhar todas as coisas santas (palavra, sacramento, adoração, orações)”, fazendo-se a afirmação verdadeira, mas distinta, de que na Igreja os santos realmente compartilham a vida de Deus” (Packer, op. cit.). E dentro dessa estrutura que os modernos apologistas católicos romanos encontram um a base bíblica para a prática de orar aos santos do céu. Karl Keating argumenta: “Para os fundamentalistas, a frase com unhão dos santos, e seu term o anexo, o Corpo Místico de Cristo, nada significam”51. Ele continua mencionando o desenvolvimento de Paulo sobre a unidade do corpo de Cristo52; entretanto, deve-se admitir que “Paulo está escrevendo sobre os membros da Igreja militante [na terra], mas seu ensino sobre o Corpo Místico [de Cristo] sugere que as orações também nos unem à Igreja triunfante [no céu]” (CF, 263-64). Embora estejamos talvez unidos à Igreja triunfante no sentido de participar dos mesmos objetivos — objetivos que os crentes que partiram também tinham enquanto estavam lutando nesse “vale de lágrimas”53—parece que alguns forçam a Palavra de Deus quando procuram encontrar alguma confirmação bíblica para a doutrina que diz que é possível ter algum tipo de oração intercessória entre estes dois grupos de crentes. 2 Macabeus 12.45 A discussão sobre se esse texto ensina a orar pelos m ortos ainda não está terminada. Ele diz claram ente: “Era u m pensam ento santo e piedoso orar por eles na m o rte [...] [pois] assim ele fez a expiação pelos m ortos para que pudessem ser libertados dos seus pecados”. O debate é sobre se 2 Macabeus pertence ao cânon. Já apresentamos nossas objeções gerais ao Concilio de Trento a respeito da canonização católica rom ana dos onze livros apócrifos, e nossas objeções especificas à condição de 2 Macabeus54. Portanto, não vam os repeti-las aqui. Será suficiente dizer que não existe nen h u m a sólida razão bíblica, teológica ou histórica para aceitar a influência de 2 Macabeus55. Os m ortos não estão intercedendo por ninguém , e a Bíblia Sagrada m ostra que eles desejam ju stiça (Cf. Ap 6.10)56. 2 Timóteo 1.18 O fato de Paulo ter orado a Deus, pedindo-lhe para ter m isericórdia de O nesíforo no dia da sua recom pensa, de m aneira n en h u m a serve para dar fu nd am ento à oração pelos m o rtos: Onesíforo ainda estava vivo quando Paulo orou por ele. O rar a fim de que alguém que esteja vivo receba m isericórdia no D ia do Juízo é m u ito diferente de orar por esta pessoa depois que já tiver m orrid o57. 30Veja sua obra Fundamentais o f the Faith (San Francisco: Ignatius, 1988), 248.
51Veja sua obra Catholicism and Fimdamentalism: The A ltad
on Romanism by Bible Christians (San Francisco: Ignatius, 1988), 263. Muito depende da definição de Keating dos fundamentalistas. Nem.
Kreef nem Keating são contrários a serem caracterizados com o fundamentais quanto a assuntos teológicos, e ambos os autores aceitam a autenticidade dos termos em questão.
52 Cf. Romanos 12.4,5; 15.30; 1 Corintios 12.25-27; Efésios 6.18.
53 “Viajamos
através de um vale de lágrimas”. Letra de Bernard Barton, música de Berthold Tours. 54Veja Volume 1, capítulo 28; veja também acima, sob “Resposta Protestante aos Argumentos Católicos a favor do Purgatório”. 55 Com o mencionamos antes, ao mesmo tempo em que 2 Macabeus foi canonizado por Roma, um outro livro apócrifo, 2 Esdras, que se opõe a orar pelos mortos (veja 7.105) foi excluído do cânon católico. 56Veja abaixo, sob “Argumentos Protestantes contra a Oração pelos Mortos”. 37Ibid.
A SUPOSTA CONDIÇÃO TEMPORÁRIA DOS SALVOS PURGATÓRIO )
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Argumentos Protestantes contra a Oração pelos Mortos
Os Argumentos do
Catolicismo São Especulativos e Dedutivos (N ão Exegéticos)
Analise esta afirmação de alguém que defende a oração aos/pelos mortos: " 1 A Igreja é o Corpo de Cristo. (2) Cristo tem apenas um Corpo, e não um na terra e outro no céu. (3) Os cristãos não são separados uns dos outros pela morte. (4) Os cristãos devem amar e servir uns aos outros” (Madrid, TR, 8). Com base nessas quatro premissas, a idéia (conclusão) é que devemos continuar a orar e implorar a ajuda dos crentes que morreram. Sob uma perspectiva bíblica, existem vários e graves problemas nesse argumento. Embora os protestantes estejam de acordo com a primeira e a quarta premissas, temos fortes objeções contra a terceira e restrições quanto à segunda. Primeiro, a segunda premissa, embora verdadeira, leva facilmente a uma interpretação errônea. O fato de existir apenas um corpo de Cristo não significa a ausência de uma distinção real entre as dimensões visível e invisível58. Da mesma maneira, ela não significa que nosso dever de amar pode ser igualmente cumprido em cada dimensão. Por exemplo, eu não posso (e não preciso) cumprir agora meu dever de cuidar fisicamente dos meus pais falecidos como podia, e fazia, quando estavam vivos na terra. Também não posso mais cumprir o meu dever de trazê-los à comunhão com a igreja, pois eles estão em um reino invisível; as conversações e outras interações se tornaram impossíveis. Os vivos não podem orar aos mortos. Segundo, a terceira premissa é completamente falsa. A Palavra de Deus diz que a morte representa uma separação daqueles que estão na terra (inclusive os crentes). Paulo diz que os mortos estão “ausentes” do reino dos corpos visíveis (2 Co 5.6) e que eles “partiram” desse mundo (Fp 1.23); ele também confortou e deu a certeza aos desolados cristãos tessalonicenses de que eles um dia estariam novamente “com” os crentes que já haviam morrido (1 Ts 4.17). E uma grande falsidade afirmar que quando morrermos não nos separaremos dos outros crentes que estiverem vivos. Tercem , pelo menos uma das implicações da quarta premissa não é verdadeira: embora nosso dever seja amar e servir aos outros, não devemos (e não podemos) fazer isso sempre da mesma maneira. Mesmo na terra, quando meus entes queridos estão inacessíveis, eu não posso falar com eles. De acordo com a Escritura, os mortos estarão permanentemente inacessíveis até o dia da Segunda Vinda59. Quarto, existem vários outros erros nesse argumento. Por um lado, não podemos supor que, como Deus revelou aos mortos algumas coisas que acontecem na terra (por exemplo, Lc 5.10), eles poderão nos ouvir se falarmos com eles (ou conhecer nosso pensamento se orarmos silenciosamente). Além disso, será bastante questionável entender que orar e rogar (aos outros) seja a mesma coisa. Biblicamente falando, a oração é sempre dirigida ao Criador, e nunca à criatura (mesmo que seja um anjo). Embora a oração não seja idêntica à adoração, a oração faz parte da adoração; e a adoração deve ser sempre dirigida a Deus, e somente a Deus. Também, será inválido deduzir que, como os santos no céu podem estar orando poralgum assunto em que tenhamos alguma participação, nós deveríamos estar orando a eles. Não existe uma ligação lógica entre os vivos e os mortos, pois só se deve orar a Deus, e não a qualquer ser criado. Se analisarmos esta situação, junto com os textos bíblicos envolvidos, veremos que ficará provado o oposto daquilo em que os católicos acreditam. Por último, também não passa de falsa analogia afirmar que, como a mãe de Jesus na terra intercedeu a Ele nas bodas de Caná, os crentes na terra também deveriam implorar a Maria para interceder por si mesmos junto a Deus, que está no céu. Observe que Maria, ao ser abordada (na terra), indicou Jesu s àqueles que estavam necessitados, dizendo: “Fazei tudo quanto ele vos disser” (Jo 2.5). 58Veja capítulo 3.
59Veja capítulo 15; cf. Lucas 16.26.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Os Argumentos Católicos Extraídos da Tradição Estão Baseados em um Teste não Confiável de Veracidade Primeiro, existem tradições contraditórias, até m esm o oriundas de outros dos prim eiros Pais e de livros apócrifos. Segundo, diferente da Bíblia, a tradição não é infalível60. Terceiro, o fato de haver tradições antigas (por exem plo, de T ertu lian o) não serve de prova. Falsas tradições existiam m esm o antes dessas; por exem plo, o Evangelho de João desm entiu u m a falsa tradição, originada de u m m al entendido das palavras de Jesus, de que João nu nca iria m o rre r (21.21-23). Na sua época, os apóstolos tam bém condenaram m u itos outros falsos ensinos61. Algum as tradições antigas refletem verdades apostólicas; outras sim plesm ente refletem erros antigos62. Quarto, se devem os de qualquer m aneira servir aos m o rtos (à luz de terem sido nossos amigos c re n te s ), existem form as de h on rá-los e de h on rar a m em ória deles sem tentar nos c o m u n ic a r com eles. O rarpeLx Mortos E Contrário à Morte como Separação
A B íb lia fala que a m o rte representa um a separação entre os m ortos e os vivos; a m orte consiste e m “partir [da terra] e estar com C risto” (Fp 1.23; cf. 1 T m 4.6), o m o m en to em q u e “deixamos esse corpo” (2 Co 5.8) e nos separamos dos entes vivos que am am os até nos reunirm os com eles no m o m en to da ressurreição (1 Ts 4.13-18). Em toda a Escritura, a m o r t e é um véu, u m abismo que separa os vivos dos m ortos (cf. Lc 16.26)®. A lém de ser f ú t il, qualquer tentativa de entrar em contato com os m ortos é proibida (cf. D t 18.11); todo em penho nesse sentido traz em si a possibilidade de um engano dem oníaco (cf. 1 T m 4.1). Orar pelos Mortos É Contrário ao Exemplo de Davi
Quando o filho de Davi ainda estava vivo, mas gravem ente doente, ele orou ardentem ente; assim que a criança m orreu, Davi deixou im ediatam ente de orar64. Quando lhe perguntaram por que, ele respondeu: Vivendo ainda a criança, jejuei e chorei, porque dizia: Quem sabe se o Senhor se compadecerá de mim, e viva a criança? Porém, agora que é morta, por que jejuaria eu agora? Poderei eu fazê-la mais voltar? Eu irei a ela, porém ela não voltará para mim (2 Sm 12.22,23). “ Veja Volume 1, capítulos 17-18,27. 61 Cf. 1 Timóteo 4.1ss.; 2Tim óteo 2.16-18; 1 João 4. lss. E Os católicos romanos apelam para 1 Tim óteo 2.1 para justificar a oração pelos mortos, embora Paulo tenha deixado claro que estava instruindo os crentes a orar pelos vivos, isto é, “pelos reis e por todos os que estão em eminência” (v. 2). Os católicos, também erroneamente, mencionam a aparição de Moisés e Elias perante Cristo no Monte da Transfiguração (M t 17) para dizer que devemos orar aos mortos. Mas os discípulos nunca falaram com eles, e menos ainda oraram a eles; Moisés e Elias estavam falando com Jesus (v.3) e entre si. “Pedro [disse] a Jesus ” (v. 4). De qualquer maneira, esse foi um contato milagroso e não significa que possamos entrar em contato com os m ortos.
Veja acima, sob "O Purgatório É Contrário à Ida Imediata para o Céu ou Inferno Depois da Morte”. 64 A resposta
católica de que Davi deixou de orar apenas porque Deus havia recusado seu pedido de m anter a criança viva, e não por acreditar que orar pelos mortos de nada adiantava, não convence por várias razões. (1) O amor de Davi pela criança não cessou quando ela morreu; a inércia natural oriunda desse amor certamente faria com que ele continuasse a orar se pensasse que era correto agir assim. (2) Não existe nenhum registro no Antigo Testamento de que algum crente tenha orado pelos mortos em qualquer ocasião. (3) Davi releva o motivo porque parou de orar; ele sabia que iria se juntar ao seu filho na ressurreição (2 Sm 12.23; cf. SI 16.10). (4) No Antigo Testamento, essa esperança da ressurreição (cf. Jó 19.25,26; Is 26.19; Dn 12.2) mostrou que era desnecessário orar pelos m ortos; os crentes sabiam que Deus os ressuscitaria, e que eles iriam se juntar aos seus entes queridos.
A SUPOSTA CONDIÇÃO TEMPORÁRIA DOS SALVOS1 PURGATÓRIO )
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Davi, que era u m profeta de Deus, afirmou: “O Espírito do Senhor falo u por m im - o - ). Obviamente, ele acreditava que as orações aos m ortos, ou a favor dos m ortos, eram inúteis; de outra form a, ele teria certam ente tentado orat nessa h ora de desespero. t m todos dos seus numerosos escritos espirituais (por exemplo, os Salmos), quando se tratava da com u n icad o com Deus, Davi nunca sugeriu que alguém orasse aos m ortos, ou pelos mortos. Orar pelos Mortos É Contrário ao Exemplo de Jesus Quando seu amigo Lázaro m orreu, Jesus não orou por ele65, mas o ressuscitou com um a graças te dou, por m e haveres ouvido. Eu bem sei que sem pre m e ouves, mas eu disse isso por causa da m ultidão que está ao redor, para que creiam que tu m e enviaste” (w . 41,42). Ironicam ente, m uitos invertem essas palavras orando pelos m ortos que se foram , em vez de chorar pelos vivos que se desviam; Jesus chorou pelos mortos (v. 35) e orou pelos vivos (op. cit.). Orar pelos m ortos é um a prática religiosa iniciada por hom ens que se opõe ao ensino da Sagrada Escritura (cf. M t 15.6). Orar pelos Mortos E Contrário ao Sacrifício de Cristo C o m o já observam os, toda a idéia de que nossas obras ou orações possam fazer algu m a coisa em benefício dos m o rto s é co n trária à suficiência da obra co m p le ta que o S e n h o r Jesus C risto realizou sobre a cru z. Q uando Jésus m o rreu e ressuscitou, a obra da salvação estava “consu m ad a” (Jo 19.30; cf. 17.4; Hb 10.15). E depois de nos purificar dos nossos pecados, Ele se assentou à destra de D eus (Hb 1.3), pois nada mais havia a ser realizado para a nossa salvação. Todo o conceito de orar pelos m ortos, para que eles possam se libertar dos pecados, representa um insulto a Jesus Cristo, que “em seu sangue nos lavou dos nossos pecados” (Ap 1.5). Ele não só alcançou, de um a só vez, a salvação de todos os nossos pecados, co m o tam bém foi o nosso grande S u m o Sacerdote (Hb 7). Ele realizou esta obra sozinho, e o perdão e a salvação que Ele concede por Sua graça, através da fé, duram por toda a eternidade66. O P u rg a tó rio É u m a N e g a ç ã o P rá tic a da M e d ia ç ã o de C r is to Apesar dos protestos teológicos em contrário, qualquer m ediação adicional com Deus representa um a afronta à suficiência e à mediação divinam ente designada de Jesus Cristo: “Porque há [...] um só mediador entre Deus e os hom ens, Jesus Cristo, h o m em ”67. Nele: Não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno (Elb 4.15,16).
65 A lguns sugeriram q ue Jesus o ro u p elos m o rto s e m João 11, antes de ressuscitar Lázaro, pois sabia q ue D eus sem p re lh e ouvia. M as esse te x to n ão dá fu n d a m en to à dou trin a católica da oração p elos m o rto s. (1). Jesus n ão o rou p ara Lázaro ser perdoado dos seus pecados, co m o acreditam os católicos (2 M acabeus 12.45 [46]). (2) N o m áxim o, essa é u m a oração que nos m o stra que o S e n h o r D eus te m o p oder de ressuscitar os m orto s; assim, o objetivo n ã o era livrar Lázaro do purgatório. (3) Todo o ím p e to da oração de Jesus está dirigido aos vivos, e n ã o aos m o rto s: “p o r causa da m u ltid ão que está ao redor, p ara que creiam ” (v. 42). 66 V eja ca p ítu lo 11.
671 T im ó te o 2.5; cf. Jo ã o 10.9; 14.6.
800 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Não há razão para levar os nossos pedidos a Maria, ou a qualquer outro santo no céu68. Gs apologistas católicos tentam evitar a força desse argumento fazendo um a distinção entre Cristo como único mediador e todos os crentes como intercessores. Isso não contribui para a sua causa (de provar que devemos orar aos santos), porque todas as passagens que estão neste contexto são a respeito de um aintercessão direta, em oração, a Deus, e não a outras criaturas69. N enhum a passagem bíblica declara ou sugere que devemos orar aos santos. O dogma católico, que procura afirmar categoricamente que deveríamos orar aos santos, coloca a tradição da religião acima da Escritura, comprovando assim a falibilidade do magisterium. A racionalização católica de orar pelos santos tam bém está baseada n u m argum ento aparentem ente plausível, de que p o r causa da sua posição no céu eles estariam em m elh o r condição de interced er por nós. No entanto, isso rejeita o m inistério do Espírito, c u ja tarefa é fazer exatam ente isso em nosso benefício. Q uem estaria em m elh o r condição de interced er por nós do que a terceira pessoa da Trindade? “Não sabemos o que havem os de pedir co m o convém , mas o m esm o Espírito intercede por nós com gemidos inexprim íveis” (R m 8.26); “por ele, am bos tem os acesso ao Pai em u m m esm o Espírito” (E f 2.18). C o m o, além das nossas explícitas orações a Deus, o Espírito Santo intercede perfeitam ente p or nós, “segundo a vontade de D eus” (R m 8.27, RA ), não há necessidade de invocar alguém no céu para isso. E errado esperar que alguma pessoa seja mais eficaz com Deus, o Pai, do que Deus, o Filho, e Deus, o Espírito (cf. 1 Jo 2.1,2).
O Purgatório Tem uma Origem Pagã Se o purgatório não tem um a origem cristã, então qual seria a sua fonte? A sem elhança de m uitas doutrinas católicas extra-bíblicas, o purgatório tem u m a origem pagã. Q uatro séculos antes de Cristo, Platão (c. 427-347) ensinou: A alma que foi corrompida, e estiver impura no momento da sua partida, tendo sido sempre companheira e serva do corpo, amando-o e estando fascinada pelo corpo e pelos desejos e prazeres do corpo [...] poderia partir pura, como se não tivesse em si nenhuma mistura? [...] Isso é impossível [...] Há almas que não são boas, mas que são do mal, as quais são compelidas a vagar por tais lugares pagando a pena da sua antiga forma de vida. E elas continuam a vagar assim até que o desejo que as atormenta seja satisfeito e elas se tornem prisioneiras de um outro corpo (P, 81c-e).
O TESTEMUNHO HISTÓRICO CONTRA A DOUTRINA DO PURGATÓRIO Os Primeiros Pais A lém de existir algum a influência pagã entre certos Pais da igreja, existe pouco fu nd am ento antigo para a dou trina do p u rgatório70, inclusive u m a constranged ora evidência co n tra ele na ênfase dos escritores sobre a suficiência do sacrifício de Cristo71.
® Isso n ã o significa que n ão p od em os pedir a ou tro s cren tes n a te rra p a ra o ra r a Jesus p o r nó s. N a verdade, n ós devemos fazer isso. E n treta n to : (1) E stam os pedindo a ou tro s c ren tes n a te rra para o ra re m p o r nó s, e n ã o estam os n o s c o m u n ic a n d o c o m os m o r to s (pois a B íblia proíbe esta p rática). (2 ) N ão estam os p ed in d o a esses cren tes para n o s dar g raça o u m isericórd ia ( c o m o os católicos fazem c o m M aria), m as pedindo a D eus para n os dar a Su a graça. (3 ) N ão estam os oran d o a o u tro s cren tes n a te rra , m as pedindo q u e o re m p o r n ós. Pai”, n ã o aos santos.
69 P or e xem p lo , Efésios 2.18, q ue diz e xp ressam en te que n osso acesso e m o ra çã o é “ao
70 Esse d o g m a c o m e ço u a ser desenvolvido n o sécu lo IV.
71 V eja V o lu m e 3, c a p ítu lo 9.
A SUPOSTA CONDIÇÃO TEMPORÁRIA DOS SALVOS ( PURGATÓRIO
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O s Pais M ed iev ais Alguns Pais latinos — Cipriano, G regório, e A gostinho — são m encionados em favor do purgatório. E n tretan to , os reform adores desafiaram ferozm ente a base dessas referências e se m anifestaram fo rtem en te con tra essa doutrina. Martinho Lutero (1483-1546)
Agostinho, Ambrósio e Jerônimo nada afirmaram sobre o purgatório. Gregório, tendo sido enganado por uma visão noturna, ensinou alguma coisa sobre ele, embora Deus tenha ordenado abertamente que nada devamos procurar e indagar dos espíritos, pois temos os escritos de Moisés e dos profetas. Portanto, não podemos admitir a opinião de Gregório sobre esse assunto (TT, 519). A frase “e as suas obras os sigam” [Ap 14.13] não deve ser entendida como se estivesse se referindo ao purgatório, mas à doutrina das boas obras, ou aos verdadeiros e santos cristãos e heréticos. Ário, o herege, foi julgado; o fogo da fé o declarou. Pois o último dia descobrirá e declarará todas as coisas. Deus colocou perante nós dois caminhos nesse mundo; um no qual, pela fé, somos levados à salvação; e outro no qual, pela incredulidade, somos levados à condenação (ibid.). Quanto ao purgatório, em nenhum lugar é mencionado na Escritura, e não devemos de qualquer maneira admitir a sua existência, pois ele diminui e menospreza a graça, os benefícios e os méritos do nosso amado e bendito Salvador Jesus Cristo. Os limites do purgatório não devem se estender além desse mundo, pois aqui nessa vida os honestos, bons e justos cristãos são muito bem e profundamente purificados e polidos (ibid.). Jo ã o Calvino (1509-1564)
O purgatório [do catolicismo] não deve nos dar muito trabalho, pois com esse machado já o golpeamos, derrubamos e destruímos suas próprias fundações. Não posso concordar com alguns que acreditam que devemos ignorar essa questão e evitar qualquer alusão ao purgatório, da qual (como dizem) possam originar ardentes discussões, e um escasso benefício espiritual possa ser alcançado. Quanto a mim, acredito ser justo ignorar suas tolices, se não trouxerem graves conseqüências. Mas, uma vez que o purgatório tem sido cultivado em muitas pessoas, e apoiado por novas blasfêmias, uma vez que ele provoca muitas ofensas dolorosas, certamente não pode ser ignorado. Embora tenha se mantido disfarçado por algum tempo, e sem qualquer autoridade da Palavra de Deus, ele foi idealizado através de uma pesquisa audaciosa e imprudente que lhe granjeou crédito por meio de revelações fictícias, dos embustes de Satanás, e de certas passagens da Escritura que foram ignorantemente deturpadas para lhe dar suporte (ICR, 3.5.6). Quando se procura em outro lugar a penitência pelo pecado, e não no sangue de Cristo, e a expiação é transferida a outros, o silêncio se torna muito perigoso. Somos, portanto, compelidos a levantar nossa voz em altos brados, e gritar energicamente que o purgatório é uma invenção mortal de Satanás; que ele invalida a cruz de Cristo; que ele oferece um intolerável insulto à misericórdia divina; que ele mina e subverte a nossa fé. Pois o que é a doutrina do purgatório, se não uma suposta expiação pelo pecado, paga depois da morte pelas almas dos mortos? Daí, então, quando essa idéia de satisfação é censurada, o próprio purgatório é completamente aniquilado (ibid.).
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Está perfeitamente claro [...] que o sangue de Cristo representa a única expiação, satisfação e purificação dos pecados dos crentes, e nada mais nos resta além de afirmar que o purgatório é uma mera blasfêmia, uma terrível blasfêmia contra Cristo. Deixando de mencionar ainda o sacrilégio que é defendido diariamente, as ofensas que ele gera na religião, e outros inumeráveis males que vemos brotando dessa fonte de impiedade (ibid.). Não me dignarei a responder sobre a passagem que eles [os romanistas] extraíram da história dos Macabeus, para não pensarem que estou entendendo que essa obra seja canônica. Mas Agostinho insiste que ela é canônica. Primeiro, com que grau de confiança? “Os judeus”, diz ele, “não consideram o livro dos Macabeus da mesma maneira como consideram o livro da Lei, os Profetas e os Salmos, os quais receberam o apoio do Senhor ao testem unho dos autores, dizendo: “Convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos?” E estas palavras são recebidas de uma form a válida pela Igreja, quando lidas ou ouvidas com sobriedade. Jerônimo, entretanto, afirma com segurança que esse livro não tem autoridade para estabelecer doutrina, e no antigo e pequeno livro De Expositione Symboli, que leva o nome de Cipriano, fica claro que [Macabeus] não era apreciado pela Igreja Primitiva (ibid., 3.5.8). [Em relação a 1 Corintios 3.12-15,] que fogo [perguntam os católicos] poderia ser esse, se não o fogo do purgatório, pelo qual as transgressões do pecado são eliminadas para que possamos entrar puros no reino de Deus? Mas essa passagem recebe, da maioria dos Pais, uma interpretação diferente, isto é, a tribulação ou a cruz com as quais o Senhor experimenta o seu povo, para que não se sintam confortáveis com a as contaminações da carne. Isso seria muito mais provável que a ficção do purgatório. Entretanto, eu não concordo com eles, pois entendo que existe um significado muito mais claro e evidente nessa passagem [...] Acompanhando o fio da metáfora, e adaptando adequadamente as partes umas às outras, o apóstolo deu o nome de fogo ao exame do Espírito Santo (ibid., 3.5.9). Jonathan Edwards (1703-1758) Como o papa e seu clero roubaram do povo as suas liberdades civis e eclesiásticas, e também os seus privilégios, da mesma maneira roubaram da cristandade todos os seus bens, e os privaram de todo o seu dinheiro. Eles se apoderaram da maioria das suas riquezas para os seus cofres e seus vastos rendimentos, além de serem pagos pelos perdões e indulgências, batismos e extrema-unções, libertação do purgatório e centenas de outras coisas. Veja como isso está altamente de acordo com as profecias (2 Ts 2.3,4; Dn 7.20,21; Ap 13.6,7; 17.3,4). Também durante esse tempo, a superstição e a ignorância prevaleceram cada vez mais. Através de decretos, as Santas Escrituras foram retiradas das mãos dos leigos a fim de melhor promover os malignos e profanos desígnios do papa e do clero. E, em vez de promover o conhecimento entre o povo, eles diligentemente promoveram a sua ignorância (HWR, 3.4.1). Eles [os católicos] davam dinheiro para retirar do purgatório as almas dos amigos que tinham morrido; eles apreciavam ardentemente as relíquias dos santos, como pedaços dos seus ossos, seus dentes, fragmentos das suas vestes e outros. E permanecem sob outras inumeráveis e insensatas ilusões (MNBTR, 2.3).
A SUPOSTA CONDIÇÃO TEMPORÁRIA DOS SALVOS PURGATÓRIO)
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Os papistas, pelo menos a maioria deles, não duvidam da maioria daquelas tolas noções de um purgatório, do poder dos sacerdotes de libertá-los dele, e de lhes dar a vida eterna. Portanto, não economizam grandes somas de dinheiro para comprar a libertação desses tormentos imaginários. Como muitos hereges confiam nas mais grosseiras heresias! (ibid. 2.5). R E SU M O E C O N C LU SÃ O Em vista da natu reza não bíblica do purgatório, pode-se com preend er que alguns católicos rom anos contem porâneos estejam deixando de dar im portância a certos aspectos do pensam ento tradicional. U m deles insiste que, “apesar de conceitos populares em contrário, a Igreja nu nca se pronunciou a respeito de o purgatório ser u m lugar, ou um espaço d eterm inado, onde as almas são purificadas” (H ardon, CC, 274). Em term os da sua im portância, os católicos estão declarando que “na hierarquia das doutrinas reveladas, o purgatório não está situado n u m a posição tão elevada quando a Trindade e a E ncarnação” (ibid., 278). U m popular evangelista católico leigo escreveu que alguns católicos desenvolvem o “legalism o do p u rgatório”, acreditando que exista u m a segunda chance. E ntretanto, as “Sagradas Escrituras indicam que existe realm en te u m ún ico castigo pelo pecado, e este é a m o rte ”. A Bíblia ensina que “estam os fora da arm adilha. Jesus pagou u m preço terrível na cruz, e o nosso castigo foi colocado sobre E le” 2 U m ou tro líder carism ático leigo m encionou as mudanças ocorridas nas práticas católicas que deveriam alegrar os corações evangélicos: A reforma de vários ritos, a restauração do catecumenato para o batismo dos adultos, o início da restauração do batismo pela imersão, são todos sinais muito alvissareiros [...] [Em algumas áreas da América Latina,] o batismo das crianças não tem sido realizado quando não há uma garantia de que ela irá crescer numa comunidade de fé e de genuína vida cristã73. Essas indagações, m uito bem-vindas em qualquer nível pelos protestantes (pois estão dirigidas a um a correta direção), divergem m uito do tradicional dogma católico e da sua prática74. A eles (o purgatório e suas correspondentes doutrinas) estão faltando seriamente um a base bíblica. Na verdade, esses dogmas são anti-bíblicos, pois funcionam contrariam ente a tais fundam entos espirituais, com o a suficiência e a finalidade do sacrifício expiatório de C risto71 e a singularidade de Deus com o único objeto da nossa devoção e oração76. Tradições conflitantes e indagações hum anas estão baseadas m uitas vezes em livros apócrifos que têm sido rejeitados do cânon, tanto pelos católicos com o pelos protestantes. Considerem os a articulada observação de um católico contem p orân eo sobre o efeito que a prática de orar e venerar os santos exerceu sobre a Igreja: Visitei uma importante catedral católica dedicada a São José [...] e me pareceu que alguém que andasse por ela iria, com certeza, ter a impressão de que São José era um Salvador, 72 A lb e rt H. B o u d re a u , The Born-Again Catholic (L o c u st V alley; Living F la m e Press, 1983), 139.
73 R a lp h M a rtin , Hungryfor God
(G a rd e n C ity; D ou bled ay, 1974), 69-70. M a rtin (1942) la m e n ta o efeito q u e “o c a to lic ism o c u ltu r a l” te m tid o so b re a fé (ibid. 137).
74 O s te ó lo g o s da O rto d o x ia O rie n ta l (n a sua m a io ria ) n ã o in c o rp o ra m o p u rg a tó rio ao seu d o g m a .
V o lu m e 3, c a p ítu lo 9.
76V e ja V o lu m e 2, c a p ítu lo 14.
75 V eja
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
e que de certa maneira estava obscurecendo o papel de Jesus como Salvador e Senhor (Martin, HFG, 136).
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C A P Í T U L O
O N Z E
ANIQUILACIONISMO
aniquilacionism o é a d outrina que diz que os ím pios nao sofrerão para sem pre no inferno co n scien tem en te1. O aniquilacionism o tam bém é cham ado de imortalidade condicional, por exem plo, o m inistro anglicano Jo h n S to tt (nascido 1925) afirm a que som ente os crentes irão viver para sem pre, que a im ortalidade é um a dádiva, concedida som ente m ediante a condição de crer2. O aniquilacionism o afirm a que os incrédulos, que não receberem a dádiva da salvação de Deus, deixarão de existir depois do ju ízo final3; assim sendo, não passarão por u m to rm en to eterno consciente para sem pre. Alega-se que esta interpretação do destino dos que não foram salvos confirm a plen am en te a m isericórdia de Deus, com a inexistência sendo a m elh or alternativa para o pecador im penitente. Os aniquilacionistas argu m entam que, em bora os perdidos não possam desfrutar a felicidade eterna com os justos, não são m erecedores da ira etern a em um estado consciente. O aniquilacionismo foi adotado por Arnobius (final do século IV), mas não se tornou popular antes do século XIX, quando foi propagado pelo congregacionalista Edward White4, e depois por Le Roy Froom (1874-1970), da Igreja Adventista do Sétimo Dia; os Testemunhas de Jeová também são aniquilacionistas. Na metade do século XX, Harold Guillebaud (1882-1964)5 e Basil Atkinson (1895-?)6 defenderam o condicionalismo, e alguns outros evangélicos, com o John Wenham (nascido 1913), John Stott, e Clark Pinnock (nascido 1920), adotaram esta visão7. Com o afirmamos anteriormente8, o aniquilacionismo foi condenado com o herege pelo Sínodo de Constantinopla, em 543, pelo Segundo Concilio de Constantinopla, em 553, e pelo Quinto Concilio de Latrão, em 1513 (veja Wenham, GG, 28, e Cross, ODCC, 328). A doutrina ortodoxa tradicional do inferno com o a punição eterna consciente dos ímpios foi sustentada pela maioria dos grandes Pais e teólogos daigreja, incluindo Tertuliano (c. 155-c. 225), Agostinho (354-430), Anselmo (1033-1109), Tomás de Aquino (1225-1274), Martinho Lutero (1483-1546), João Calvino (1509-1564), Jonathan Edwards (1703-1758), Charles Hodge (1797-1878), William 1V e ja c a p ítu lo 9.
2 S t o t t d istin g u e os dois p o n to s de vista, o b servan d o q ue, de a c o rd o c o m a im o rta lid a d e co n d icio n a l,
“n in g u é m sob revive à m o r te , e x c e to aq u eles a q u e m D e u s d á a vida [...] ao p asso q ue, de a co rd o c o m o [a n iq u ilacio n ism o], to d o s so b rev iv em à m o r te , e inclusive serão ressu scitados, m as os im p e n ite n te s, n o fin a l, serão d estru íd o s” (EE, 3 16). Para os nossos p ro p ó sito s, aqui os te rm o s são usados in d istin ta m en te , u m a v ez q u e a m b o s a firm a m a e te r n a n ã o -ex istên c ia dos in cré d u lo s depois d o ju íz o .
3 V eja c a p ítu lo 15.
4 V eja Life in Christ.
5 V eja The Righteous Judge.
6 V eja Life and Immortality.
7 M u ito s an iq u ilacion istas n ã o a firm a m que esta in te rp re ta ç ã o se ja ev a n g élica , m as n ó s ire m o s e x a m in a r os a rg u m e n to s bíb licos e filosóficos a fav o r da sua p osição.
8 V eja c a p ítu lo 9.
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G. T. Shedd (1820-1894)9, e B. B. Warfield (1851-1921). U m a das mais recentes defesas à visão ortodoxa é a obra Hell on Trial, de Robert A. Peterson (nascido 1948), e não há expressão literária mais magnífica da doutrina do que The Great Divorce, de C. S. Lewis (1898-1963). A dou trina tradicional do infern o evocou fortes reações dos incrédulos e até m esm o dos crentes. B ertrand Russell (1872-1970) declarou: E m m in h a opinião, h á u m a imperfeição muito séria no caráter m o ral de C risto, e é o fato de que Ele acreditava n o Inferno. Eu n ão p enso que qualquer pessoa que seja realm ente
profundamente humana possa crer n a p un ição etern a [...] [Na verdade,] nós en co n tram os repetidas vezes u m a fúria vingativa co n tra as pessoas que não o u v em à Sua p regação [...] Eu devo dizer que penso que tod a esta dou trina, de que o fogo do inferno é u m a p un ição pelo p ecado, é u m a d ou trin a de crueldade (WIANC, 593-94, ênfase acrescentad a).
N atu ralm ente, o ateu Russell não nos in form ou segundo qual padrão ele julgava que as ações de C risto eram m o ralm en te im perfeitas, desum anas, vingativas e cruéis. Se todas as leis são leis m orais absolutas, então, deve haver u m Legislador M oral absoluto (D eu s)10. Se não são — ou se Russell acreditava que não são —, então o seu argum ento d esm orona em u m a opinião pessoal infundada. Surpreendentemente, alguns crentes repetiram esta reação em otiva em term os ainda mais vividos, com base em um a suposta repugnância moral. Por exemplo, Pinnock escreveu: D eixem -m e dizer, inicialm ente, que eu considero o con ceito do inferno co m o u m incessante to rm e n to n o co rp o e n a m en te, u m a d ou trin a infam e da tradição que precisa ser m u d ad a [...] C o m o pode o cristianism o p ro jetar u m a divindade de tal crueldade e ra n co r cujos cam in hos incluem infligir u m a to r tu r a etern a sobre as suas criaturas, p o r mais pecadoras que elas possam te r sido? C ertam en te, u m D eus que fizesse u m a coisa assim seria mais c o m o Satanás do que co m o Deus ( “D FI”, 246-47).
Este aviso dado por M illard Erickson (nascido 1932) é pertinente: “[Q uem faz tais declarações] deve ter absoluta certeza de estar certo. Pois, se estiver errado, será culpado de blasfêm ia” (EM H , 152).
APELAÇÕES ANIQUILACIONISTAS À BÍBLIA: APRESENTADAS E COMENTADAS Le Roy Froom resum e argum entos bíblicos a favor da aniquilação em quatro pontos: (1 ) A m o rte pelo fogo, apresentada co m o o modo designado da p un ição final (SI 21.9; Ml 3.6; 4.1,3; cf. Ap 20.14,15; M t 13.40,42; 25.41,46). (2 ) A m o rte , co m o o resultado de tal p un ição (SI 37.28; cf. 2 Pe 2.1; Jo 3.14,15). (S ) A m o rte , ou cessação da existência, co m o a finalidade de tal p un ição (Ez 18.4,20, R m
6.23; Ap 21.8). (4 ) A d estruição co m p leta, co m o o efeito p erm an en te de tal p un ição (SI 55.23; 92.7; 145.20; cf. M t7 .1 3 ; 10.28) (OFF, 1.119ss.).
9Veja The Doctrine ofEnàless Punishment.
10Veja Volume 1, capítulo 2, e Volume 2, capítulos 14 e 17.
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Estes e outros argum entos serão tratados na discussão a seguir. Os aniquilacionistas apresentam um a relação de term os usados no N ovo T estam ento que, insistem eles, m o stram o inferno com o u m lugar de extinção eterna, e não de sofrim ento eterno: (1) analisko — consum ir, d estru ir (2 Ts 2.8). (2) apoleia —m orte, especialm ente pela violência, perda de coisas, ruína, devastação (Fp 3.19; 1 T m 6:9). (3) apollumi — destruir co m p letam en te (vinte e três vezes), chegar ao fim, arru in ar, p erder to talm en te [...] causar a m o rte (trin ta e três vezes), reduzir a nada (M t 10.28; 21.7; Lc 17.27,29; Jo 3.16; R m 2.12; 2 Co 4.3). (4) apothnesko — extinguir-se, expirar, cessar (Jo 11.16,26; R m 8.18). (5) diaphtheiro — destru ir co m pletam ente, co rro m p er to talm en te (Ap 11.18). (6) exolethreuo — destru ir co m pletam ente, m atar, dissolver (At 3.23). (7) katakaio — d estru ir pelo fogo, incendiar (M t 3.12; Lc 3.17). (8) katanalisko —destruir co m p letam en te (2T s 2.8; Hb 12.39). (9) katargeo — deixar inativo, inútil, reduzir a nada, to rn ar vazio, abolir (2 Ts 2.8; 1 Co 15.26). (10) kolasis — punição [...] u m resultado, e não u m processo (cf. M t 3.10; Lc 3.17). (11) olethros (olothreutes) — m o rte, ruína, o que causa a m o rte (2T s 1.9). (12) phtheiro (kataphtheiro) —corrom per, estragar, danificar (1 Co 3.17). (13)phthora (diaphthora) —corrupção, estrago, destruição (A t 2.27,31; G1 6.8). (14) thanatos — extinção da vida, m o rte p or julgam ento de tribunal, ou julgam ento de Deus contra o pecado (a segunda m o rte, Ap 20.6,14; 21.8; R m 6.21,23) (ibid.). Em bora as idéias cruciais por trás destes term os sejam tratadas abaixo, alguns com entários gerais são apropriados aqui. Primeiro, m uitos destes textos não se referem necessariam ente ao in fe rn o 11. Segundo, n en h u m texto que se refira definitivam ente ao inferno requer um a interpretação aniquilacionista12. Terceiro, com o será dem onstrado, m uitos claram ente não suportam a interpretação aniquilacionista, da m aneira com o é usada pelos proponentes. Em resum o, nós irem os d em onstrar que n e n h u m argum ento definitivo a favor da aniquilação pode se basear nestes term os e textos. A afirm ação condicionalista de que estes term os sem pre querem dizer a perda definitiva de vida e o térm ino com p leto da existência é u m grave exagero. O U so da E x p re ssã o Segunda M orte Os aniquilacionistas destacam a referência ao destino do ím pio co m o a "segunda m o r te ” (Ap 20.14). Na m o rte, a pessoa perde a consciência deste m u nd o; con seq ü en tem en te, argu m enta-se que na “segunda m o r te ” a pessoa perderá a consciência do m u nd o que virá. Assim com o a m o rte in terro m p e to d a a percepção física nesta vida, tam b ém a segunda m o rte irá cessar toda a percepção espiritual na próxim a vida. Disse Ezequiel: “A alm a que pecar, essa m o rre rá ” (18.20).
11 P o r e x e m p lo , 2 T essalo n icen ses 2.8; Filipenses 3.19; 1 T im ó te o 3.9; Lucas 17.27,29; Jo ã o 11.16; R o m a n o s 8 .13 e tc . u m a ou m ais in te rp re ta ç õ e s são plausíveis/dignas de cré d ito .
12 Isto é,
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R e s p o s ta Primeiro, a segunda m orte não é mais aniquilação do que a prim eira m orte. A prim eira m o rte é a separação entre a alm a e o corpo por algum tem po (até a ressurreição)13, e não a aniquilação da alma; na segunda m orte, corpo e alm a se separam de Deus para sempre. Além disto, um a vez mais, a “m orte” bíblica indica separação consciente. Adão e Eva m orreram espiritualmente no m om en to em que pecaram, no entanto ainda continuaram existindo e puderam ouvir a voz de Deus (G n 2.17; cf. 3.10). De igual maneira, antes que um a pessoa seja salva, ela está “m orta em ofensas e pecados” (Ef 2.1), mas ainda continua sendo feita à imagem de Deus (G n 1.27; cf. 9.6; Tg 3.9) e é convidada a crer (A t 16.31) para sua salvação14. Assim, considerar os term os bíblicos morte ou segunda morte com o aniquilação é interpretar m al o seu significado. R e fe r ê n c ia s a S e r “ D e s t r u í d o ” Os aniquilacionistas apelam para passagens que falam do in ferno com o u m lugar de destruição com o evidência para sua interpretação: Iraram -se as nações, e veio a tua ira, e o tem p o dos m o rto s, para que sejam julgados, e o tem p o de dares o galardão aos profetas, teus servos, e aos santos, e aos que tem em o teu nom e, a pequenos e a grandes, e o tem p o de destruíres os que destroem a terra (Ap 11.18).
Eles argum entam que tanto a palavra que origina destruir (gr. diaphtheim) quanto o contexto no qual ela é usada dão a entender a aniquilação das almas dos incrédulos. A palavra significa “causar o perecim ento integral” (Froom , CFF, 1.405), e a terra será “destruída” durante a Tribulação13. O term o exolethreuo significa “com pleta destruição pela m o rte”. Juntam ente com olethros, os condicionalistas sustentam que interpretar estes term os com qualquer outro significado além de aniquilação é “traduzir preto com o branco” (ibid., 494). R e s p o s ta Antes de mais nada, quanto à interpretação da palavra destruir, as autoridades em grego A rndt e G ingrich afirm am que ela quer dizer “estrago, um a destruição com o a do ferro enferru jad o [...] [causada por] traças [...] que co m em roupas [...] destruição de pessoas e nações [...] ru ína no sentido m o ral [...] ser corrom p id o” ( GELNT, 189). Em n en h u m destes casos ela significa “aniquilar” ou “extirpar da existência”. A dicionalm ente, a palavra é usada outras quatro vezes no N ovo T estam ento: um a vez, sobre u m a traça que rói vestes (Lc 12.33); u m a vez, sobre o h o m em exterior (o corp o) que “se co rrom p e” (2 C o 4.16) ou “se desgasta” (T C N T ); u m a vez, a respeito de m entes corruptas (1 T m 6.5); e u m a vez, a respeito de barcos sendo destruídos (Ap 8.9). N enhu m destes sentidos dá a entender aniquilação. A lém disto, nem m esm o o con texto do uso da palavra em Apocalipse 11.18 indica aniquilação. “D estru ir” a terra durante a Tribulação irá envolver pragas, poluição e purificação, para preparar o cam inho para o M ilênio16. Não significa “p erecer to ta lm en te ” nem “destruir co m p letam en te”, m u ito m enos “apagar da existência”.
13Veja capítulo 7; cf. Tiago 2.26.
14Veja Volume 3, capítulo 13.
15Veja capítulo 16.
16Veja capítulo 15.
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Tam bém , m esm o m uitos dos exem plos de destruição dos aniqu:.acionistas nao provam o que eles dizem. F ro om lista os seguintes: (1 ) u m a casa cai (M t 7.26,27); (2 ) joio é queim ado (13.30,40); (3 ) peixes ruins são lançados fo ra (13.48); (4 ) plantas daninhas são arrancadas (15.13); (5 ) árvores inúteis são cortad as (Lc 13.7); (6 ) galhos secos são queim ados (Jo 15.6); (7 ) u m devedor é lançado n a prisão (M t 5.26; 18.34); (8 ) os p ecadores são lançados nas trevas exteriores (8.12; 22.13; 25.30).
Ele conclui: “Em cada caso (exceto os dois últim os, dados com ou tro objetivo), a destruição é declarada com p leta, levando à desintegração to tal e final” (CFF, 1.286-89). Esta conclusão é com p letam en te injustificável. Prim em , alguns destes textos não se referem ao inferno (por exem plo, Jo 15.6), mas à disciplina dos crentes que não p erm an ecem em Cristo. Segundo, todos falam de coisas físicas que finalm ente se desintegram , o que não corresponde ao significado, u m a vez que a alm a não é física (cf. Lc 24.39). Terceiro, existe u m equívoco nos versículos que falam de fogo, um a vez que o fogo do inferno não se extingue (M c 9.43), ao passo que todos os fogos terrenos se apagam. Quarto, a m aioria das coisas “destruídas” não deixa de existir; na verdade, elas caem , são lançadas fora, arrancadas, cortadas, atiradas na prisão, ou lançados nas trevas. N enhum a exem plifica a aniquilação. Quinto, e finalm ente, é dado com o certo que, no final, todas elas irão se desintegrar — n atu ralm en te irão, porque são todas m ateriais. (N ovam ente, a alm a não é m aterial.) A lém disto, as coisas m ateriais assum em um m odo diferente de existência; elas não deixam de existir. Os exem plos usados pelos condicionalistas não sustentam , mas, em vez disto, contrariam , a sua posição.
As Palavras Eterna Perdição (Destruição) A lgum as passagens falam da destruição dos ímpios: [Isto acon tecerá] quando se m an ifestar o S en h or Jesus desde o céu , co m os anjos do seu p oder, c o m o labareda de fogo, to m an d o vingança dos que n ão co n h ecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso S en h or Jesus Cristo; os quais [...] p adecerão eterna perdição [destruição ], ante a face do S en h or e a glória do seu p od er (2 Ts 1.7-9).
Os aniquilacionistas insistem que a im agem de “perdição” ( “d estruição”) é incom patível com um a existência consciente contínua. O significado usual da palavra, dentro e fora das Escrituras, indica a destruição do objeto; portanto, quando aplicada a u m ser h u m an o consciente, significaria a perda de consciência.
Resposta A palavra perdição ( destruição), da m aneira usada no ju lg am ento dos ím pios na m o rte, não quer dizer extinção.
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Primeiro, a expressão propriam ente dita (em 2 Ts 1.9) n ão com bina com o aniquilacionism o: “Paulo tem em m en te u m veredicto irreversível de etern a falta de co m u n h ão com Deus. A pessoa existe, mas continu a excluída da presença de D eu s” (M cK night, “EC E C ”, in: C rock ett, TNFTO, 155-56). Segundo, a m esm a palavra pa.ia. perdição (destruição) (olethron) é usada em 1 Coríntios 5.5, sobre a exclusão da com unhão (ou a aplicação da disciplina) da carne de um m em bro da igreja. O que quer que came signifique aqui (seja corpo, antiga natureza etc.), certam ente não foi aniquilada quando ele foi excluído —mais tarde, ele retornou à com unhão da igreja (cf. 2 Co 2.6). Terceiro, perdição (destruição) não significa extinção em Apocalipse 17 (w . 8,11), onde a besta e o falso profeta são atirados vivos no lago de fogo, e ainda estão ali m il anos depois (20.7). João diz enfaticam ente que eles “serão atorm entados para todo o sem pre” (v. 10), Quarto, a Bíblia usa diversas im agens principais para falar do inferno: (1) trevas, (2) separação, (3) p ranto, (4) ranger de dentes, (5) punição, (6) fogo, (7) m o rte, e (8) perdição (d estruição). De n e n h u m a m aneira as cinco prim eiras com bin am com a idéia de aniquilação; e, quando apropriadam ente com preendidas no con texto, tam p ouco as três ú ltim as17. Punição é exatam ente o n o m e que Paulo deu à ação tom ad a sobre o h om em excom ungad o (usando a m esm a palavra — cf. 2 Co 2.6; 1 C o 5.5). Quinto, se perdição (destruição) realm en te significasse “aniquilação” quando usada a respeito do estado do incrédu lo após a m o rte, não seria u m a destruição “e te rn a ”, pois a aniquilação é instantânea; a aniquilação não se estende p o r u m longo período de tem po, m u ito m enos para sem pre, mas dura som ente u m instante, e então, se acaba. Se alguém sofrer a destruição eterna, então deverá ter u m a existência eterna. (A nalogam ente, assim co m o os carros em u m pátio de ferro-velho são destruídos, mas não são aniquilados —é im possível repará-los ou recuperá-los —, tam bém as pessoas no inferno não são extintas, mas sim plesm ente são irrecuperáveis e irreparáveis.) Sexto, e finalmente, com o observou Agostinho, as expressões tormento eterno e vida etema (vejaM t 25.46) são paralelas, e seria absurdo usá-las na m esm a sentença querendo dizer que um a delas é temporal e a outra é eterna (CG, 21.21-24). Conseqüentemente, a distinção dos condicionaJistas entre as conseqüências eternas (que eles aceitam) e a consciência eterna (que eles rejeitam) é inventada e não se baseia na Palavra de Deus (veja Harmon, “CAC”, in: UDH, 210-12). A s Im a g e n s d o F o g o Os condicionalistas, argum entando que as im agens bíblicas que m o stram o inferno co m o sendo fogo sustentam o aniquilacionism o, apontam para as palavras de João: “Em Sua m ão [Cristo] tem a pá, e lim pará a sua eira, e recolh erá no celeiro o seu trigo, e queimará a palha com fogo que n u n ca se apagará” (M t 3.12). A idéia é de que o propósito básico do fogo é consu m ir, destruir, e não punir, e, assim, o fogo do inferno é destinado à destruição (e não à p u n ição ) dos ím pios (veja, por exem plo, S to tt, EE, 316).
Resposta Isto tam bém é contrário às Escrituras. Primeiro, isto não com bina com a descrição de um fogo que n u n ca se apaga. Se o fogo nu nca se apaga, o com bustível tam bém não se apaga: o com bustível (os ím pios) não se apaga, e o fogo (o in fern o) tam bém não se apaga.
17Veja abaixo, sob “As Imagens do Fogo”.
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Segundo, o inferno é um lugar onde o “verm e” nu nca m o rre (Is 66.24: cf. M c 9.43-48). Se o fogo destruísse aqueles que estão no inferno, eles m orreriam , de m o d o que o fogo do inferno não pode ser consu m idor; ele deve ser punitivo. Terceiro, novamente, a com paração entre vida eterna e torm ento eterno (em M t 25.46)1'. Quarto, Jesus descreveu o in ferno co m o u m “lugar de to rm e n to ” (Lc 16.28). X ã o há evidências, aqui ou em outras passagens, de que isto som en te deva ser interpretado co m o algo tem poral, ou de que o céu ( “seio de A braão”), no m esm o texto, deva ser interpretado com o tem poral. Quinto, o inferno é descrito co m o u m lugar de “pranto e ranger de dentes” (M t 13.4042,49,50), o que indica dor consciente. Sexto, o lago de fogo é onde o diabo, a besta e o falso profeta serão atorm entad os para sem pre (Ap 20.10). João diz que este é exatam ente o lugar para onde os incrédulos serão enviados (14.10), de m od o que não há m otivo para crer que o seu to rm e n to tam bém não seja etern o. Os aniquilacionistas im pingem u m significado discrepante ao texto, sustentando que os perdidos só serão atorm entados enquanto durar o seu sofrim ento. Não som ente estas palavras não estão no texto, co m o as palavras do texto são diretam ente contrárias à em enda textual dos condicionalistas. Sétimo, e finalm ente, a descrição que João faz do novo céu e da nova terra (depois da cen a do lago de fogo) revela que os que não foram salvos ainda estão conscientes; eles são retratados com o estando fora das portas da cidade celestial (22.15).
O Torm ento não É Eterno, somente os Resultados o São O condicionalism o insiste que, em bora o resultado do ju lg am en to seja etern o, o processo do ju lg am en to é tem poral. U m texto usado para defender este p o n to de vista é Apocalipse 14.10,11. “[Aquele que adora a Besta] será atorm entad o co m fogo e enxofre d iante dos san to s in jo s e d ian te d o C o rd e iro . E a juraaça do seu tormento sofoe, para todo o sempre” . A sugestão é de que som en te o resultado do fogo (isto é, a fu m aça) existirá para sem pre, não o fogo propriam ente dito (Froom , CFF, 1.411).
Resposta Prim eiro, co m o diz o ditado: “Onde há fum aça, há fogo”. Se existe fu m aça eterna, existe u m fogo eterno. A lém disto, João diz que os ím pios serão “atorm entad os” (Ap 14.11). A aniquilação não é to rm en to , mas a cessação do to rm en to. De m odo significativo, outros textos sim ilares (p o r exem plo, 20.10) dizem claram ente: “De dia e de n oite serão atorm entados para todo o sem pre”.
A Referência a Entrar na “Perdição” Está escrito que os ím pios entram em “perdição” (2 Pe 3.7), e Judas é cham ado de “filho da perdição” (Jo 17.12). A palavra perdição (gr. apoleia) significa sim plesm ente "p erecer”, o que, argu m entam os condicionalistas, indica que os ím pios irão p erecer (deixar de existir). Eles dizem que Pedro está declarando que os ím pios devem se arrepender, caso contrário serão aniquilados (cf. v. 9).
Ifi Veja acima, sob “As Palavras Eterna Perdição (Destruição)”.
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Resposta Perdição (apoleia) significa “p erecer” ou “chegar à ru ín a”. Em 2 Pedro 3.7, esta palavra é usada no con texto de juízo, um term o que sugere consciência. O fato de q ue os ím p ios e n tra m em “p e rd iç ã o ” (e de que Judas é ch a m a d o de “filh o da p e rd iç ã o ”) não sig n ifica que eles serão an iq u ila d o s. N o v a m e n te , os ca rro s n o p átio do fe rro -v e lh o p e re c e ra m , n o sen tid o de te re m sido d estru íd o s, m as ainda são carro s, e ainda e stã o n o p á tio . Jesus fa lo u do in fe rn o c o m o sen d o u m p á tio de fe rro -v e lh o , ou u m d ep ó sito , ond e o fo g o n ã o cessaria e ond e o co rp o ressu scitad o das pessoas n ã o seria co n su m id o (c f. M c 9 .4 8 ). O fa to de q u e o fo g o do in fe rn o é in cessa n te (c o n tín u o ) é u m a in d ica çã o de que o to r m e n to que ele in flig e é e te r n o .
Este Inferno É como Jamais Ter Nascido Os condicionalistas apresentam aquilo que Jesus disse sobre Judas: “B o m seria para o tal h o m em não haver nascido” (M c 14.21). Antes de alguém ser concebido, ele não existe; pois o inferno é co m o a condição pré-nascim ento, deve ser u m estado de não-existência. C onseqüentem ente, Jesus estava dizendo que a não-existência teria sido m elh o r para Judas, e isto foi precisam ente o que Judas, por causa do seu grande pecado, foi destinado a ter — não m ais existir, para sem pre.
Resposta Antes de mais nada, m esm o se interpretad a literalm ente, a declaração de Jesus não é u m a com paração da perdição de Judas com a sua não-existência antes da concepção; é u m a com paração co m a sua existência no útero, antes que ele nascesse. Jesus não disse que teria sido m elh o r se Judas jam ais tivesse sido concebido, mas se ele n ão tivesse nascido. A lém disto, a declaração de Jesus pode ser u m a sim ples figura de linguagem (hipérbole, ou exagero) para indicar a severidade da punição de Judas. Ademais, as Suas palavras não podem ser um a declaração sobre a superioridade da não-existência sobre a existência, pois, com o vim os, u m a vez que o “nada” não pode ser m e lh o r do que “algum a coisa”, não existir não pode ser m elh o r do que existir19. Finalm ente, nós já observam os que, em u m a condenação sim ilar dos fariseus, Jesus disse que Sod om a e G o m o rra teriam se arrependido se tivessem visto os Seus m ilagres (M t 11.20-24). Isto não quer dizer que elas realm ente teriam se arrependido, caso contrário D eus certam en te lhes teria m ostrado estes m ilagres (cf. 2 Pe 3.9)20. Não existe n e n h u m a evidência neste texto que favoreça a aniquilação dos ímpios.
A Referência aos ímpios como Destinados a “Perecer” Os an iqu ilacio n istas ta m b ém afirm am que o A n tig o T e sta m e n to fala do p e re cim e n to dos ím pios. Por exem p lo : “Os ím pios p e re cerã o [...] d esaparecerão e em fu m aça se d esfarão” (SI 37.20; cf. 68.2; 112.10). Pedro ta m b ém usou esta palavra a resp eito dos ím pios, dizendo: “O S e n h o r [...] é lo n g â n im o p ara conv osco, n ão q u eren d o que n e n h u m pereça [gr. apollumi], senão q ue tod os ch eg u em ao a rre p e n d im e n to ” (2 Pe 3.9, R A ).
19 Cf. Volume 3, capítulo 6.
20Veja capítulo 9.
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Resposta Primeiro, a m esm a palavra do Antigo Testam ento (heb. 'abad) usada para descrever o perecer dos ímpios tam bém é usada para descrever o perecer dos justos (por exemplo, vej a Is S7 .1; M q 7.2). M esm o os condicionalistas admitem que os justos não são tirados da existência: assim sendo, não há m otivo para que se conclua que os ímpios são exterminados no futuro. Segundo, a m esm a palavra que é usada co m o perecer é usada para descrever as coisas que estão m eram en te perdidas, mas, então, posteriorm en te, encontradas (por exem plo, cf. D t 22.3), o que d em onstra que ainda existem . Terceiro, o term o correspondente (apollumi) pode significar “arruinar, destruir, perder, matar, levar à m orte” ou “perecer para sempre”, com o em João 3.1621 (Arndt e Gingrich, GELNT, 94). Não somente este significado não requer a aniquilação, com o o contexto e outras passagens falam contra este ponto de vista. João diz, somente alguns versículos adiante, que a ira de Deus permanece sobre aqueles que perecem (3.36), e, um a vez mais, o desobediente enfrenta “eterna perdição” (2 Ts 1.9). Perecer não pode significar ser aniquilado, um a vez que dura somente um instante; Paulo também fala do perecer com o um processo presente (2 Co 4.4).
Versículos que supostamente Apóiam a Eliminação da Existência Os aniquilacionistas alegam ter encontrado versículos que realm ente falam de Deus elim inando os ímpios da existência; Froom apresenta diversos (CFP, 1.487). C om o veremos, todos carecem de provas da aniquilação, quando considerados no contexto correto. Hebreus 9.25,26 [Se Cristo tivesse precisado entrar no céu] para asi m esm o se oferecer m uitas vezes [...] necessário lhe fora padecer m uitas vezes desde a fundação do m undo; mas, agora, na consum ação dos séculos, u m a vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesm o.
C o m o resposta, a palavra grega athetesis (athetesin), traduzida com o aniquilar, significa “ab-rogar” (cf. 7.18), e não aniquilar; significa “rem ov er” (ou levar de u m lugar para ou tro ), e não rem ov er da existência (A rndt e G ingrich, GELNT, 20). Apocalipse 3.5 Jesus disse: “O que vencer será vestido de vestes brancas, e de m aneira n en h u m a riscarei o seu nom e do livro da vida; e confessarei o seu nom e diante de m eu Pai e diante dos seus an jo s”. Aqui a palavra é exaleipho, que significa “elim in ar”, “apagar”, ou “rem ov er” (ibid., 272), e n e n h u m destes significados quer dizer aniquilar a existência. Jesus não está falando de elim inar u m a pessoa, mas de apagar o seu nome; de qualquer form a, o que quer que isto signifique, Ele diz que D eus não fará isto. Apocalipse 18.21 “E u m fo rte an jo levantou um a pedra co m o u m a grande m ó e lan çou -a no m ar, dizendo: C o m igual ím peto será lançada Babilônia, aquela grande cidade, e não será jamais achada”. Aqui, a palavra heurethe, originária de heurisko (achar), ju n ta m en te co m jamais, quer dizer “jam ais ser encontrada, desaparecer, jam ais ser descoberta, apesar de um a busca 21 “Para que to d o aq u ele q u e n e le c rê n ã o pereça, m a s te n h a a vida e te r n a ” ,
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m eticu losa” (ibid., 325). Não som ente isto não significa ser extirpado, co m o João está falando de u m a cidade, e não de u m a alm a. Cidades m ateriais deixam de existir; almas im ateriais, à im agem de Deus, não. 1 Coríntios 1.19 “Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos inteligentes”. A palavra para destruir é apollumi, que quer dizer “arruinar, m atar, levar à m orte, perder, m o rre r” (ibid., 94). Aqui, novam ente, o term o não significa tirar da existência, e m esm o se significasse, Deus aqui não está falando de destruir os supostos sábios, mas de destruir a suposta sabedoria. Em poucas palavras, o aniquilacionism o não é encontrado em n e n h u m a destas passagens. Cada texto é tirado do seu con texto, em u m a vã tentativa de respaldar um a dou trina não-bíblica.
O Argumento de que a Natureza-da Alma Humana Revela a sua Mortalidade R eform uland o um argum ento de duas partes, os condicionalistas afirm am que a natu reza da alm a revela que ela é m ortal. “A m esm a palavra hebraica alma viva [nephesh] é aplicada a animais inferiores. Na verdade, nephesh (alma) é aplicada quatro vezes a animais inferiores [que têm alm as mortais] antes de ser usada a respeito do h o m em —em Gênesis 1.29,21,24,39” (Froom , CFF, 1.34). O fato de que para que os seres h u m an os vivessem para sem pre era necessário c o m er da árvore da vida (3.22) m o stra que eles eram m o rtais (op. cit., 1.35). A lém disto, há outras indicações de que a im ortalidad e é u m a dádiva, e não u m atribu to h u m an o in eren te 22.
Resposta Primeiro, a m esm a palavra que significa alma é usada com referência tanto a animais quanto à hum anidade; esta palavra significa “vida”, e os animais tam bém têm vida. No entanto, os animais não têm o m esm o tipo de vida, pois não foram criados à im agem do D eus eterno23. A vida interm inável das pessoas é exclusiva, porque som ente elas são criadas à im agem do Eterno. Segundo, a im ortalidad e é u m a dádiva de D eus que só é concedida (n a ressu rreição) aos h u m an os salvos, em u m a fo rm a 1h u m an a. A conclu são não é que os seres h u m an os têm u m a alm a m o rta l; u m a vez m ais, in ú m eras passagens24 nos en sin am que a alm a h u m an a sobrevive à m o rte e p erm an ece con scien te en tre a m o rte e a ressu rreição25. A lém disto, n ão está escrito que os an jos sejam im ortais, no en ta n to eles jam ais m o rre m (Lc 20.36). Terceiro, os aniquilacionistas não recon h ecem que imortalidade e existir para sempre não são a m esm a coisa. C om o observam os, os anjos viverão para sem pre, mas n u n ca são cham ados de im ortais. A palavra imortalidade, assim com o vida eterna, tem u m a qualidade positiva que a m era existência não tem . Jesus definiu vida eterna co m o con h ecer a Deus (Jo 17.3); e ainda que os incrédulos não ten h am isto, elles existirão para sem pre, porque trazem em si a im agem e a sem elhança de D eus26.
22 Cf. Rom anos 2.7; 2 T im óteo 1.10; 1 Coríntios 15.53,54. capítulo 7.
23 Gênesis 1.27; 9.6; Tiago 3-9; veja Volum e 3, capítulo 1.
25 Por exem plo, veja 2 Coríntios 5.8; Filipenses 1.23; Apocalipse 6.9.
26Veja capítulo 9.
24Veja
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O Argum ento de que a Imortalidade É uma Dádiva somente para os Justos Os aniquilacionistas afirm am que a im ortalidade é intrínseca som ente a D eus (cf. 1 T m 6.16). A palavra im ortalidade jam ais é usada a respeito dos incrédulos, e os crentes a recebem som ente com o um a dádiva (R m 2.7; cf. 1 Co 15.53,54). Não existe n en h u m a afirm ação escriturai de que os incrédulos viverão para sem pre, de m odo que não terão a continuação da vida após a m orte.
Resposta Nós já re co n h e ce m o s que, em te rm o s de uso bíblico, im ortalidade é in trín se ca a D eus e u m a dádiva para os cren tes na ressu rreição. No e n ta n to , assim co m o T rin dade, a im o rtalid ad e criada da alm a h u m a n a é u m ensino b íb lico, ainda que não seja um a p a la v ra bíblica. Nós já d em o n stra m o s d etalh a d a m e n te que a alm a de cada pessoa27 viverá c o n scie n te m e n te para sem pre, seja no céu, seja no in fe rn o 28. A lém disto, ainda que a palavra im ortal 29 seja b ib lica m en te usada som ente a respeito de D eus e da Sua dádiva aos cren tes, apesar disto, palavras co m o eterno (M t 25.41 e M c 3.29) são usadas a respeito de in cré d u lo s. E m b ora a qualidade da sua existên cia não seja em nad a se m e lh a n te à dos salvos, a d u ração será a m esm a.
O A rgum ento de que a Punição E terna não Precisa Ser a Miséria Eterna C o m o ob servam o s30, os an iq u ilacio n istas afirm am que a p u n içã o dos ím pios é e te rn a em seus resu ltad os m as n ão em seus p rocessos — o resu ltad o é e te rn o , m as a d u ração é te m p o ra l. “A p u n içã o e te rn a cla ra m e n te não significa a m e sm a coisa que ser p u n id o e te rn a m e n te . E a perd a e te rn a da e x istên cia ” (F ro o m , C F F , 1.295).
Resposta A P alav ra de D eu s diz que os que e stã o n o in fe r n o “de dia e de n o ite serão a to rm e n ta d o s p ara to d o o s e m p r e ” (A p 2 0 .1 0 ). O in fe r n o é u m lu g a r ond e “o fo g o n u n c a se ap a g a ” (M c 9 .4 8 ); a ssim , o c o m b u s tív e l n u n c a é c o n s u m id o . As ch a m a s do in te r n o q u e im a m e te r n a m e n te , e a q u eles que r e je ita m a D eu s s o fr e rã o e te r n a m e n te .
O Argumento de que a Natureza da Morte de Cristo Apóia o Aniquilacionismo Froom insiste: [A m o rte ] significa a cessação de vida, e n ã o a v id a e te r n a em to r m e n to s [...] [É] u m a e s tr a n h a d iscu ssão de a lg u n s a q u e la q u e a firm a q u e p e re c e r é viver p a ra sem p re! [Pois,] se a m o r te q u e a m e a ç o u A dão fosse u m a t o r t u r a e te rn a , e n tã o te ria sido n e c e ssá rio q u e o n o sso S alv ad o r, c o m o S u b s titu to c o m p le to do h o m e m , fosse a to r m e n ta d o e te r n a m e n te p a ra p a g a r a d ív id a q u e lh es seria d esig n ad a ( C F F , 1.78).
27 O u espírito —veja V olum e 3, cap ítu lo s 1-2. q u alid ad e de vida e te rn a .
íu Veja c a p ítu lo 9.
28 Veja cap ítu lo s 8-9.
29 U m te rm o q u e. n o v a m e n te , dá a e n te n d e r ce rta
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Resposta Esta afirm ação confunde a importância e a duração da m o rte de Cristo. U m a vez que, por natureza, C risto é o D eus in fin ito31, a Sua m o rte tem im portância infinita, ainda que o Seu sofrim ento e a Sua m o rte te n h a m ocorrido em u m período de tem p o finito. O tem po não é u m a m edida obrigatória de im portân cia — o nascim en to, por exem plo, acontece em u m período de tem po relativam ente pequeno, mas produz algo de extraordinária im portância. U m a m o rte durante u m tem po lim itado conseguiu algo de im portância ilim itada, por toda a eternidade. A falácia neste argu m ento condicionalista é sem elhante à reivindicação de que punir alguém para sem pre é u m a pena exagerada para os pecados que esta pessoa com eteu d urante a vida. Não, esta não é um a m atança exagerada, porque o pecado co n tra o Infinito tem u m significado in fin ito e ram ificações infindáveis. No m esm o sentido, o sofrim ento finito de C risto tem significado infinito por causa do valor infinito do sofrim en to32.
O Argumento de que no Seol toda Vida e Atividade Estão Suspensas Os condicionalistas afirm am que no sheol (gr. hades) toda vida e atividade são suspensas: “Tudo quanto te vier à m ão para fazer, faze-o con form e as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra, n em indústria, n em ciência, n e m sabedoria algum a” (Ec 9.10). Sheol é u m lugar de m o rte, trevas e silêncio; em com p leto contraste com a condição dos vivos (cf. D t 30.15,19; 1 Sm 2.6-9), sheol é a condição dos não-vivos.
Resposta Prim eiro, está claro que Salom ão não estava afirm ando, em Eclesiastes, que não existe vida após a m o rte. Na verdade, ele fala da m o rte com o u m a ocasião em que “se vai à sua e tern a casa” (12.5), e quando “o espírito” volta “a D eus”, que o deu (v. 7). A lém disto, as palavras de Salom ão sobre a falta de atividade no sheol se referem ao corpo n a sepultura, e não ao espírito, n o m u nd o dos espíritos. Ele não está falando sobre a cessação de toda atividade, mas sim plesm ente da atividade terrena.
As Referências de John Stott à Realidade do Inferno O fam oso estudioso Jo h n S to tt se refere à realidade e ao h orror do in ferno com um a linguagem bíblica que, durante anos, im pediu a m aioria dos evangélicos de perceber que ele não crê n a dou trina bíblica: C erta m e n te , nós tem os que dizer que esta expulsão da p resen ça de D eus será real, terrível [...] e etern a. O N ovo T estam ento n ão co n tém n e n h u m a indicação da possibilidade de u m a anistia ou u m adiam ento p osterior [...] A fraseologia bíblica inclui [...] “juízo e te rn o ” (Hb 6.2, e possivelm ente M c 3.29), “desprezo e te rn o ” (D n 12.2), “to rm e n to e te rn o ” (M t 25.46), “e te rn a p erd ição ” (2 T s 1.9), e “fogo e te rn o ” (M t 18.8; 25.41) ( EE, 314).
Tudo isto parece exato e perfeito, até que ouçamos Stott negar o que ele afirma ser “ortodoxia tradicional” em favor da “aniquilação” (ibid., 314-15). Ele conclui: “Eu questiono se ‘o torm ento eterno consciente’ é compatível com a revelação bíblica da justiça divina” (ibid., 319). 31 Além de ter assumido a form a de hom em , Filipenses 2.5-11.
32 Op. cit.
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Resposta Primeiro, dada a crença de S to tt de que os ím pios serão aniquilados e não suportarão a separação etern a de Deus, o uso que ele faz desta linguagem bíblica é enganador e m al em pregado; ele parece estar confirm ando os ensinam entos das Escrituras, m as, na realidade, os está questionando. Segundo, S to tt, de m od o significativo, usa equivocadam ente a linguagem ao falar da “realidade” da não-existência. A não-existência é nada, e nada não tem realidade —por definição, é a não-realidade. Falar sobre a suposta não-realidade do in ferno com o algo real e terrível é inexpressivo e sem sentido. Terceiro, em bora S to tt declare ser um “evangélico com prom etid o” (ibid., 315), a sua visão do inferno não é com patível com as declarações das Escrituras. Tam pouco ele, por suas próprias palavras, está com prom etido com “a ortodoxia tradicional” (ibid., 314-15); além de ser condenada por outros credos33, a sua posição foi condenada pelo Q uinto Concilio de Latrão da igreja. (A sua própria Igreja Anglicana é um a derivação católica.) As visões aniquilacionistas de S to tt não são católicas ortodoxas n em protestantes ortodoxas.
OS ARGUMENTOS FILOSÓFICOS A FAVOR DO ANIQUILACIONISMO A lém dos argum entos bíblicos, m u itos con d icio n alistasoferecem razões filosóficas para rejeitar a punição etern a consciente. A m aioria delas — que p erm item um a perspectiva teísta34 —são um a variação do m esm o tem a.
O Argumento de que a Punição Eterna É Contrária à Justiça de Deus A Bíblia ensina que Deus irá julgar os ímpios “conform e forem as obras deles” (Is 59.18), e que Deus “recom pensará cada um segundo as suas obras” (R m 2.6). Isto é o que a justiça exige, nem mais, nem m enos. No entanto, o juízo eterno pelos pecados tem porais não é justiça; um a punição infinita em duração pelos pecados finitos em duração é um a injustiça m onstruosa. Som ente a aniquilação depois do juízo tem poral representaria a justiça35.
Resposta Primeiro, a punição etern a é infligida a u m pecador que não se arrepende36, e um a vez que ele continu a no pecado até a m o rte, e até a eternidade, ele é punido de m odo razoável e aceitável p o r D eus para sem pre. Segundo, n e n h u m pecado é aceitável, enquanto Deus existir; e D eus é eterno. C onseqüentem ente, a punição pelo pecado tam bém deve ser eterna; a pu nição tem poral dim inuiria a ju stiça e a santidade de Deus37. Terceiro, com o observamos anteriorm ente38, a justiça de Deus exige a punição eterna, porque “a atrocidade de qualquer crim e deve ser medida de acordo com a im portância ou dignidade da pessoa contra a qual este crim e é com etido” (Edwards, in: Davidson, “R D ”, in: JETS, 50). O pecado contra u m Deus infinito é u m pecado infinitam ente perverso, m erecedor da punição eterna (vejá Edwards, WJE, 2.83; cf. Tom ás de Aquino, ST, 4.99.1).
33V e ja seção de a b e rtu ra d este ca p ítu lo . fav o r da ju s tiç a d esp ro p o rcio n a l.
34 V eja V o lu m e 1, c a p ítu lo 2.
36 C f. V o lu m e 3, c a p ítu lo 13.
“R e sp o sta à O b je ç ã o D o is”, e ta m b é m sob “T o m á s de A q u in o ”.
35 Isto ta m b é m é c o n h e cid o c o m o o a rg u m e n to a
37 V eja V o lu m e 2, ca p ítu lo s 13 e 16.
38V eja c a p ítu lo 9, sob
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Quarto, e fin alm en te, a p u n ição e tern a não som en te é j usta, m as é tam b ém necessária. S o m en te a p u n ição e tern a será a ju sta p u n ição pelos pecados com etid os co n tra o D eus e tern o . Os pecados com etid os no tem p o são pecados perpetrados co n tra A quele que é E terno.
O Argumento de que a Punição Eterna É Oposta à Misericórdia de Deus D eus é u m D eus de m isericórdia (Ex 20.6)39, e p erm itir que as pessoas sofram conscientem ente para sem pre é u m ato sem m isericórdia. Se nós tiram os criaturas desesperadas e sofredoras da sua desgraça, p or que u m Deus todo-m isericordioso não faria a m esm a coisa pelas Suas criaturas?
Resposta Primeiro, o próprio co n ceito de u m ser essencialm en te m isericordioso pressupõe que este ser te m um padrão m o ra l absolu to40 que foi violado, e que o perdão m isericordioso é necessário para retificar a situação41. Na verdade, o arg u m en to m o ral a favor da existência de D eus42 d em on stra este m esm o fato. Mas, se D eus é o padrão su p rem o para o que é m o ra lm en te co rreto (ju s to ), então nós n ão podem os im p o r o nosso con ceito de ju stiça a Ele. Segundo, em resposta ao exem plo acim a, em bora seja verdade que animais em sofrim ento são freq ü entem ente abatidos para aliviar a sua dor, novam ente, não fazem os a m esm a coisa às pessoas precisamente porque não são animais. Os animais não são im ortais43, n e m criados à im agem de D eus (cf. G n 1.27). Os seres hu m anos são criados à im agem de D eus44 e, portanto, devem ser tratados com o m aior respeito pela sua dignidade, co m o seres que exibem a im agem de Deus (cf. 9.6; Tg 3.9). Não perm itir a sua existência continuada no seu destino livrem ente escolhido45, por mais doloroso que possa ser, seria destruir a im agem de Deus neles. Terceiro, exterm inar u m a criatura criada à im agem im ortal de D eus seria u m ataque à própria sem elhança de Deus (que inclui a existência infindável46). O aniquilacionism o seria Deus atacando a Si m esm o em im agem , e Deus não pode agir contra Si47. Quarto, o sofrim ento eterno consciente não é contrário à m isericórdia de D eus48; a m isericórdia de Deus e a perm issão de Deus a que Suas criaturas passem por sofrim ento e dor não são incom patíveis (cf. Edwards, WJE, 2.84). A m isericórdia de Deus não é um a em oção que sobrepuja a Sua ju stiça49, e u m a vez que n e n h u m dos atributos de Deus entra em conflito com qualquer ou tro 50, nós podem os ter plena certeza de que Ele é absolutam ente m isericordioso e tam bém absolutam ente justo. Quinto, e finalm ente, aniquilar u m ser h u m an o violaria o que Deus d eterm inou que é mais precioso — a dádiva da liberdade de escolh er o próprio destino51. U m a vez que o livre-arbítrio (co m o parte da im agem de D eus) é m o ralm en te bom , rem ov ê-lo seria u m m al m oral. Isto é o que a aniquilação conseguiria — a destruição etern a da liberdade hu m ana. O aniquilacionism o interp reta de m odo inverso: O que é verdadeiram ente desum ano (an ti-h u m an o ) é destruir a hum anidade de u m a pessoa.
39 V eja V o lu m e 2, c a p ítu lo 16. c a p ítu lo 2 .
40 Ibid., ca p ítu lo s 1 -2 ,1 7 .
44 V e ja V o lu m e 2, c a p ítu lo 19.
41 V eja V o lu m e 3, p a rte 2.
45 V eja V o lu m e 3, c a p ítu lo s 3 e 5.
ca p ítu lo 5, sob re os prin cíp ios de ló g ica , esp e cifica m en te da n ã o -c o n tra d iç ã o . O ito ”.
4yV eja V o lu m e 2, ca p ítu lo 16.
50 Ibid., ca p ítu lo s 1 e 17.
42V eja V o lu m e 1, c a p ítu lo 2.
46 O p. cit., ca p ítu lo s 3-4.
43 O p. cit.,
47 V eja V o lu m e 1,
48V eja c a p ítu lo 9, sob “R e sp o sta à O b je çã o
31 V eja V o lu m e 3, ca p ítu lo 3.
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O A r g u m e n to de q u e a P u n iç ã o E te r n a É O p o s ta à N a tu re z a U n iv e rs a l da V itó ria de D e u s E m bora os aniquilacionistas discordem da disputa universalista de que todos serão salvos52, eles concordam que as passagens que descrevem a vitória universal de Deus sobre o m al exigem que não sobre qualquer m al no universo53. Por exem plo, no final todos se porão de jo elh os diante de C risto (Fp 2.10); o m undo se reconciliará co m Cristo (2 Co 5.19); todas as coisas serão congregadas “em C risto” (E f 1.10); a m o rte e o pecado serão destruídos (1 Co 15.26); e todas as coisas serão sujeitas a Cristo (1 Co 15.28). M esm o que a interpretação que o universalism o faz destes textos seja incorreta54, eles indicam que o pecado será com p letam en te derrotado, o que os condicionalistas insistem que não poderá acontecer, a m enos que todos os pecadores sejam destruídos. R e sp o s ta A conclusão aniquilacionista não se origina destas “passagens sobre a vitória universal”. Algum as som ente se referem ao fato de que a salvação é universalm ente possível (por exem plo, R m 5.18,19; 2 Co 5.19); a m o rte de Cristo por todos significa que a salvação é universal em extensão, mas lim itada em aplicação, u m a vez que n em todos crêem 55. O utras passagens não se referem à salvação de todos, m as à sujeição de todos (por exem plo, Fp 2.10), ao passo que outras se aplicam aos crentes e não aos incrédulos (por exem plo, E f 1.10). Alguns textos falam da derrota unilateral de toda a m o rte (por exem plo, 1 Co 15.26); isto se cu m p re na ressurreição de todas as pessoas, as salvas e as não-salvas (cf. Jo 5.29; Ap 20.4,5). Os outros versículos que falam do triun fo de Deus sobre todo o m al ensinam a separação, não a aniquilação, de todo o m al (por exem plo, M t 13.41,42; 25.31-41). C om o já foi dem onstrado repetidas vezes, n en h u m a passagem fala da aniquilação dos seres hum anos: O m al é derrotado pelo aprisionam ento e pela quarentena eternos. Lima vez mais, o fato de que Deus aniquilasse a Sua im agem nos seres pecadores não seria um a vitória, mas um a derrota, um ataque de Deus a Si m esm o.
A R G U M E N T O S B ÍB L IC O S C O N T R A O A N IQ U IL A C IO N IS M O A lém da falta de bons argum entos a favor do aniquilacionism o, existem inúm eros argum entos que sustentam a d outrina da punição etern a consciente56. O R ic o n o I n fe r n o E sta v a e m u m T o r m e n to C o n s c ie n te [O rico, clamando, disse:] Abraão, meu pai, tem misericórdia de mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente males; e, agora, este é consolado, e tu, atormentado (Lc 16.24,25). O rico, então, im plorou que seus irm ãos fossem avisados, “a fim de que não venham tam bém para este lugar de to rm e n to ” (v. 28). Esta passagem não contém aniquilação, mas constante e consciente sofrim ento e to rm en to.
52 Ibid., c a p ítu lo 13.
53 Ibid., c a p ítu lo 6.
54 O p. cit.
55 Ibid., c a p ítu lo 12.
56Veja c a p ítu lo 9.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O Inferno É um Lugar de Pranto e Ranger de Dentes Jesus falou repetidas vezes sobre as pessoas que estão no in fern o co m o estando em contínua agonia: Eles “serão lançados nas trevas exteriores; ali, haverá pranto e ranger de dentes”57. Este é obviam ente u m lugar de tristeza consciente; os inconscientes não choram , e os que choram estão conscientes.
O Inferno E um Lugar de Tormento Eterno João afirm ou que o in ferno é u m lugar de eterno to rm en to (Ap 20.10). N enhum a pessoa inconsciente pode sentir to rm en to , e o to rm e n to etern o indica que o estado eterno de angústia é consciente e contínuo.
A Besta e o Falso Profeta: Conscientes depois de Mil Anos de Tormento Existe u m claro exem plo bíblico de seres ainda conscientes, depois de suportar m il anos do to rm e n to do inferno. A Besta e o Falso Profeta “foram lançados vivos no ardente lago de fogo e de en xo fre” (Ap 19.20), antes dos “m il anos” (20.2). Mas depois deste período, o diabo “foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde [ainda] está a besta e o falso p ro feta” (v. 10). Eles não som ente estavam vivos quando ali entraram , mas ainda estavam vivos depois de m il anos de to rm e n to consciente. Isto é suficiente com o argu m ento definitivo con tra o aniquilacionism o.
O Inferno Durará tanto quanto Durar o Céu Está escrito que o inferno terá a m esm a duração que o céu, isto é, será “e tern o ” (M t 25.41); a m esm a palavra grega ( aionion) é usada para descrever am bos58. Se existe u m céu eterno, deve existir u m in fern o etern o; se não existe in fern o etern o, não existe céu eterno. U m a vez que a felicidade do céu é consciente, o to rm e n to do in fern o é consciente.
A Punição somente Pode Ser Sentida por aqueles que Estão Conscientes O fato de que os ím pios recebem “pu nição e tern a ” m o stra que devem estar conscientes. Não se pode receber punição, a m enos que se exista conscientem en te para ser punido (cf. 2 T s 1.9). A lém disto, novam ente, a ju stiça de Deus não pode se confirm ar se aqueles que preferiram o m al e recusaram a Deus estão inconscientes (aniquilados).
O Inferno É um Lugar de Chamas Inextinguíveis Jesus cham ou o inferno de u m lugar onde há u m fogo que n u n ca se apaga (M c 9.4348), onde os corpos dos ím pios jam ais m o rrerão (cf. Lc 12.4,5). E absurdo colocar cham as eternas e corpos sem almas para sentir o to rm en to . Sim plesm ente não existe fu nd am ento para a especulação aniquilacionista im plausível de que “o fogo inextinguível e os verm es que não m o rrem signifiquem som ente fogo que é inextinguível e verm es que não m o rre m até que a sua obra de destruição se complete” (W enham , GG, 36, ênfase acrescentada). N enhum a destas palavras é declarada ou subentendida biblicam ente; é absolutam ente o oposto, as cham as jam ais se extinguirão, e os verm es jam ais m o rrerão (op. cit.). 57 M ateus 8.12; cf. 22.13; 24.51; 25.30.
58 Cf. Lucas 23.43; Filipenses 1.23; 2 Coríntios 5.8.
ANIQUILACIONISMO
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A R G U M E N T O S F IL O S Ó F IC O S C O N T R A O A N IQ U IL A C IO N IS M O
A Aniquilação É Contrária à Natureza de Deus como Amor O aniquilacionism o m enosprezaria tanto o am or de D eus59 quanto a n atu reza dos seres hum anos co m o criaturas m orais livres60. Seria co m o se Deus dissesse: “Eu perm itirei que você viva som ente se você fizer o que Eu digo. Se você não m e obedecer, Eu destruirei a sua existência!” E existência etern a é u m testem u n h o etern o à liberdade e dignidade com que Deus criou os seres hum anos; a felicidade etern a é o destino dos redimidos, e o sofrim ento eterno é o destino dos que não se arrependem .
O Aniquilacionismo É Contrário à Natureza da Humanidade Seria contrário à natu reza criada dos hu m anos exterm iná-los, u m a vez que nós som os feitos à im agem e sem elhança etern a de Deus (G n 1.27). Deus é a liberdade suprem a61, e na Sua infinita sabedoria62 Ele concedeu liberdade às Suas criaturas hu m anas63. Renegar esta dádiva seria co m o se Ele atacasse o que é bom na nossa n atu reza — u m bem que Ele d eterm inou que era bom que nós recebêssem os.
A Justiça Moral Exige Graus de Punição Punir igualm ente u m a “m en tira branca” e o genocídio seria in ju sto ; o hom icídio deve receber u m a pu nição m aior do que o fu rto 64. No entan to, não existe evidência de que o ju ízo proporcional ao pecado seja sem pre adm inistrado n esta vida; o h o m em mais sábio que já viveu se queixou das injustiças desta vida (Ec 3.16-22). A aniquilação é o grande equalizador, e tem sobre todos os que não se reconciliaram com Deus o m esm o efeito eterno — nada. N em todos os pecados são iguais; assim, cada pecador receberá o resultado eterno que m erecer. O aniquilacionism o é contrário à ju stiça m o ral, que exige que a pu nição seja apropriada ao crim e.
Não Existem Graus de Aniquilação A Bíblia revela graus de pu nição eterna no infern o (M t 5.22; Ap 20.12-14). C o m o é im plausível a idéia de “graus de aniquilação” —a não-existência seria a m esm a para todos —, o aniquilacionism o é irracional. A Palavra de Deus tam bém não dá n e n h u m a indicação de graus de punição tem porária consciente após a m o rte, e a seguir, aniquilação; ela fala de pu nição im ediata, após a m o rte, “e tern a ”65.
O Aniquilacionismo E Ilusório Q ualquer coisa baseada no cu m p rim en to dos desejos é ilusão66. Na base do aniquilacionism o, está o desejo desesperado de evitar sofrim ento — ninguém deseja sofrer, m u ito m enos sofrer para sem pre. O aniquilacionism o, co m o o universalism o67, é um desejo inatingível: O fato de que seria agradável se fosse verdade não o to rn a verdade. N ovam ente, C. S. Lewis disse, a respeito disto:
59Veja V olum e 2, capítulo 15. 60Veja V olum e 3, parte 1. 61 Op. cit., capítulo 3, e Volum e 3, capítulo 3. 62Veja V olum e 2, capítulo 9. 63Veja V olum e 3, capítulos 3 e 5. MCf. as palavras de Jesus em João 19.11; M ateus 23.23. 65H ebreus 9.27; Lucas 16; A pocalipse 20; M arcos 3.29; 2 Tessalonicenses 1.9. 66 Cf. capítulo 9, sobre F reud, The Future o f an Illusion, 38-40. 67Veja V olum e 3, capítulo 11.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Eu pagaria qualquer preço para ser capaz de dizer honestamente: “Todos serão salvos”. Mas a minha razão responde: “Sem a vontade deles, ou com ela?” Se eu disser: “Sem a vontade deles”, imediatamente percebo uma contradição. Como pode o supremo ato voluntário da auto-entrega ser involuntário? Se eu disser: “Com a vontade deles”, a minha razão responde: “Como, se eles não querem se entregar?” (PP, 106-07). Na nossa condição de caídos e pecadores, nós adoraríam os acreditar que não existem conseqüências para os nossos pecados, seja nesta vida, seja n a próxim a, de m odo que precisam os de ajuda para nos cu rarm os de tais doenças psicológicas. O antídoto é a verdade, que nos libertará (Jo 8.32).
ARGUMENTOS HISTÓRICOS CONTRA O ANIQUILACIONISMO A evidência histórica contra o aniquilacionismo é igual ao argumento histórico a favor da punição eterna consciente —isto é, a evidência histórica contra o aniquilacionismo é idêntica à evidência a favor do inferno, já resumida68; o aniquilacionismo é antagônico aos ensinos da maioria dos mestres ortodoxos da história da igreja, desde o início até o presente. Nós vim os, anteriorm ente, que o aniquilacionism o foi absolutam ente condenado pela igreja prim itiva. Em u m exem plo, o ú ltim o dos nove anátem as do Im perador Justiniano (c. 483-565) con tra Orígenes (c. 185-c. 254) diz: “Se alguém disser [...] que a pu nição dos dem ônios e dos ím pios é apenas tem porária e um dia terá fim [...] que seja an átem a” (em R oberts e D onaldson, ANF, Vol. 14). Antes da R eform a, o Q uinto Concilio de Latrão (1513) tam bém condenou a negação do in ferno (veja Cross, ODCC, 328).
CONCLUSÃO Q uando exam inadas cuidadosam ente, e em con tex to, n e n h u m a das passagens acim a prova o aniquilacionism o. D eterm inadas palavras usadas podem permitir este significado, mas em n e n h u m lugar elas o exigem a respeito da punição eterna. Em vista da com paração com outras passagens claras, o condicionalism o deve ser com p letam en te rejeitado, pois ele se apóia sobre u m a base sentim ental (e não escritu rai), se enraíza mais na em oção do que n a razão. Inúm eras passagens afirm am claram ente que aqueles que escolh eram a iniqüidade sofrerão con scientem ente e etern am en te69.
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“ Ibid.
ANIQUILAaONISMO
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CAPÍTULO
DOZE
A INTERPRETAÇÃO DA PROFECIA
e sca to lo g ia (o estu d o das U ltim a s C o isas) é n o tó ria p o r p o n to s de vista d iferen tes. Isto é, em g ran d e p a rte , devido aos d iferen tes m é to d o s de in te rp re ta ç ã o das p ro fe cia s, em p reg a d o s p o r c o r re n te s op ostas. O d ebate básico
A
é e n tre o que é c o m u m e n te c o n h e c id o c o m o a e sco la literal de in te rp re ta ç ã o e a e sco la alegórica. A q u estão é, n a realid ad e, m ais co m p lica d a , u m a vez que, c o m o v e re m o s, os dois lados re iv in d ica m o m é to d o lite ra l h is tó ric o -g r a m a tic a l (de in te rp re ta ç ã o ). A ssim sen d o , o d eb ate fre q ü e n te m e n te se red u z a e x a ta m e n te o q ue sig n ifica este te rm o , ou qual visão te m o uso m ais co n s is te n te do m é to d o p ro p ria m e n te d ito. N o e n ta n to , no estu d o p ara e n te n d e r as várias in te rp re ta ç õ e s das p ro fe cia s, é ú til a p re sen ta r as d iferen ças e n tre as bases destas duas p rin cip ais esco las h e rm e n ê u tic a s . A lg u n s estu d io so s ou g ru p o s de estu d io so s que reiv in d ica m u m m é to d o lite ra l b ásico , n a verd ad e, u tiliz a m u m e le m e n to a leg ó rico de in te rp re ta ç ã o co m passagens p ro fé tica s cru cia is. As nossas co n clu sõ es a resp eito da p ro fe cia b íb lica são p ro fu n d a m e n te afetadas p e lo m é to d o usado. P or e x e m p lo , se a lin g u a g em sob re os “m il a n o s ” do rein a d o de C risto (A p 2 0 .1 -6 ) fo r in te rp re ta d a literalmente, u m a p o sição p ré -m ile n a r is ta é fav o recid a. Se fo r in te rp re ta d a alegoricamente, e n tã o o re su lta d o é u m a p ersp ectiv a a m ile n a ris ta ou p ó s -m ile n a ris ta 1. C o n s e q ü e n te m e n te , a p e rg u n ta im p o r ta n te é: Q u al m é to d o é o co rreto ? N o v a m e n te , o a ssu n to se c o m p lic a p e lo fa to de que m e sm o aq u eles que aleg o rizam d eterm in a d a s passagen s p ro fé tica s aleg am ad erir ao m é to d o h is tó ric o g ra m a tica l de in te rp re ta ç ã o . (A lg u n s re a lm e n te a d m ite m d esta cá -lo e ex p a n d i-lo , p ara in c lu ir u m e n te n d im e n to a le g ó rico , s im b ó lic o ou tip o ló g ic o de d eterm in a d o s te x to s .) A q u e stão , e n tã o , se red u z ao entendimento ejou à aplicação (m a is do que ao n o m e ) do m é to d o de in te rp re ta ç ã o (h e r m e n ê u tic a ). B ern a rd R a m m (1916-1992) afirm o u : Na teoria fundamental, não existe diferença entre a obra de [Louis] Berkhof, Principies of Biblical Hermeneutics [1873-1957, amilenarista], e The Science o f Biblical Hermeneutics, de
1Veja capítulo 15.
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H
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
[Lewis Sperry] Chafer [1871-1952, dispensacionalista]2. Ambos concordam que o método histórico-gramatical é básico para entender a Bíblia (PBI, 224). As palavras-chave são “na teoria fundamental”, pois existe um a trem end a diferença, na prática, en tre as duas perspectivas; conseqüentem ente, os vários com ponen tes do m étod o literal devem ser expostos cuidadosam ente. Vamos exam inar três abordagens básicas: (1) o m étod o literal, (2) o m étod o alegórico, e (3) o m étod o literal expandido.
Definições Preliminares U m a vez que ninguém define estes term os vitais da m esm a m aneira, nós precisam os estabelecer definições antes de prosseguir com u m a discussão sobre herm enêutica. A mente é um a entidade que pode pensar, que pode gerar e com preender pensam entos. O significado é um a form a ou padrão inteligível de pensam ento gerado por um a m ente. A linguagem é um a form a ou padrão inteligível de pensam ento, expresso em palavras, sím bolos ou outros m eios de expressão (por exem plo, gestos ou linguagem de sinais). A intenção é o que a m en te deseja expressar (seja bem -sucedida ou não). A importância é o valor atribuído a u m significado por um a m ente. As implicações ou conseqüências são os pensam entos im plicados logicam ente em outros pensam entos, independen tem ente de que a pessoa que expressa os pensam entos esteja ciente de que h á im plicações. A aplicação é a m aneira com o o significado é aplicado a situações específicas. A aplicação legítima é a m aneira restrita com o u m d eterm inado significado pode ser aplicado apropriadam ente a situações específicas. U m a referência é u m ob jeto ao qual u m pensam ento se refere, ou pode se referir.
PROFECIA BÍBLICA: A ESCOLA LITERAL DE INTERPRETAÇÃO O que É o Método Literal Literal A palavra literal, da m aneira co m o é usada em herm enêu tica, vem do latim sensus literalis, significando o sentido literal do texto, em oposição a u m sentido n ão-literal ou espiritualizado. W illiam Sanford LaSor (1912-1991) observou: “U m a interpretação ‘literal’ significa o entendim ento que qualquer pessoa com um a inteligência norm al teria, sem n e n h u m dom espiritual especial e sem n e n h u m ‘código’ ou ‘chave’” (em R am m , H, 99). Aplicando à profecia, Jo h n Walvoord (1910-2002) acrescenta, apropriadam ente: 2 Uma “dispensação” (gr. oikmotma) significa uma maneira pela qual Deus lida com o Seu povo, durante determinado período de tempo. Paulo fala da era atual da igreja como a “dispensação da graça de Deus” (Ef 3.2), e da era futura, como a “dispensação da plenitude dos tempos” (1.10). A anterior, a de Moisés, é chamada de dispensação da lei (cf. G14.2). Alguns dispensadonalistas vêem quatro dispensações básicas, também colocando uma era patriarcal antes de Moisés. Outros afirmam que hásete, reivindicando um a(l) dispensação de inocência (ou tentação) antes da Queda, (2) uma era de consciência, imediatamente depois da Queda, (3) uma dispensação de governo humano conseqüente, seguida por (4) uma era de promessa (por exemplo, C. I. Scofield [1843-1921]). Todos os dispensadonalistas concordam, pelo menos, nas três básicas: (5) lei, (6) graça, e (7) reino (Milênio). Uma vez que Adão e Eva estavam sob diferentes condições antes da Queda e depois, entre a Queda e antes de Moisés, isto resulta em, pelo menos, cinco; como vimos no Volume 3, capítulo 6 (cf. para informação adiaonal sobre as dispensações), todos os evangélicos são, de alguma maneira, dispensadonalistas, pois ninguém crê, por exemplo, que o nosso relacionamento atual com Deus é idêntico ao reladonamento de Adão e Eva com Deus anterior à Queda, no Jardim.
A INTERPRETAÇÃO DA PROFECIA
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Se uma pessoa não interpretar literalmente as afirmações claras da profecia, não existe uma regra pela qual algum consenso de significado possa ser estabelecido; a existência de uma ampla diversidade de interpretação mostra o fracasso desta abordagem (ET, 10). Normal O u tra m aneira de descrever o significado literal das Escrituras é com o o entendim ento n orm al, cotidiano e co m u m das suas palavras. Não existe nada irregular ou in com u m n a m aneira co m o as palavras são usadas; elas recebem o significado que n orm alm en te têm na com u nicação com u m . C o n fo rm e afirm ou Charles Ryrie (nascido 1925), o m eio correto de interpretação é “o princípio h erm en êu tico básico da interpretação literal, n orm al, ou clara” (D T, 85). Histórico U m a m aneira co m u m de descrever o m eio literal de interpretação é o método histórico-gramatical. A palavra histórico nesta expressão significa que as sentenças devem ser interpretadas no seu con tex to histórico; elas n ão devem ser rem ovidas do con texto cu ltu ral e de tem po e espaço n o qual foram proferidas. D w ight Pentecost (nascido 1915) descreve bem esta questão: [O exegeta] terá que se transportar mentalmente para o século I [ao interpretar o Novo Testamento] [...] Ele deverá se colocar no ponto de vista do autor, è procurar entrar na alma do autor, até que, falando simbolicamente, viva a vida do autor, e pense os pensamentos do autor [...] [Isto para] proteger-se cuidadosamente do engano bastante comum de transportar o autor para os dias atuais, e fazê-lo falar a linguagem do século XX (TC, 37). Gramatical A palavra gramatical indica que o verdadeiro significado de um â sentença está enraizado na sua gramática, emergindo da estrutura em que todas as partes do discurso—incluindo substantivos, verbos, adjetivos, advérbios, artigos, preposições etc. —são colocadas em um a form a de que se possa derivar um significado específico. O suposto significado textual que ignora e/ou se opõe à estrutura gramatical não é o significado correto. O m étodo histórico-gramatical envolve dar a cada palavra “o mesmo significado básico e exato que ela teria no seu uso normal, ordinário, corriqueiro, e costumeiro, seja por escrito, oralmente, ou em pensamento” (ibid., 9). Contextual O utro term o im p ortante para a descrição da h erm en êu tica literal é contexto: Cada sentença deve ser interpretada no con texto do parágrafo, cada parágrafo, na am bientação do livro, e o livro, em vista de toda a Bíblia. Charles Feinberg (1909-1997) observou: “N enhu m a profecia da Palavra deve ser interpretada exclusivam ente co m referência a si m esm a [...] mas todas as outras partes da revelação profética devem ser levadas em consideração” (PA, 39, com o citado em ibid.). P ortanto, o significado é descoberto pelo contexto, desde o im ediato até ao rem oto. U m texto fora de seu con tex to é u m pretexto; o significado real é aquele que um texto tem em seu con tex to3.
3Veja V o lu m e 1, cap ítu lo s 10-12.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Autoral A lém disto, o significado literal é o do a u to r —o au tor confere o significado ao texto. A obrigação do leitor é descobrir o significado que o a u to r determinou. C onseqüentem ente, o significado do texto é o que o au tor quis dizer com ele, e não o que o leitor deseja que signifique. O verdadeiro significado de u m a passagem bíblica não é o que ela significa para m im , mas o que aquele que a escreveu quis dizer4. Exegético A dicionalm ente, o verdadeiro significado de u m texto é aquele que é transm itido por ele (exegese), aquele que o au tor inseriu nele. Não é u m significado inserido nele ( “eisegese”) pelo leitor — o leitor, que deve p rocu rar o significado do autor, não tem direito (segundo a h erm en êu tica literal) de atribuir o seu próprio significado a u m texto. A tarefa do leitor é descobrir o significado que já existe em u m texto, e não determinar o que ele pensa que o texto deve significar. Singular A lém disto, de acordo com o m étod o literal, existe um ún ico significado textual: aquele que foi expresso nele pelo seu autor. Isto é, cada texto tem u m significado (sensus muni), e não m uitos significados (sensus plenior). U m a vez que as m esm as palavras da Bíblia têm a co-au to ria do A utor divino e do escritor hu m ano, este ú n ico significado expresso n o texto é o m esm o para am bos os autores. Objetivo Finalm ente, o m étod o literal insiste que o significado do texto é o m esm o para todas as pessoas, e não apenas para algum as. O significado é fixo, e não fluido; é d eterm inado, e não dinâm ico.
O que o Método Literal não E C o m o observam os anteriorm ente5, o método literal de interpretação não significa que tudo na Bíblia é verdade literalmente; na verdade, o método significa que tudo na Bíblia é literalmente verdade6. A lém disto, o m étod o não significa que a Bíblia não con tém figuras de linguagem , com o m etáforas e antropom orfism os. (O fato de que estas ferram entas podem ser usadas para expressar u m a verdade literal será dem onstrado nos com entários a seguir.) E. R. Craven (1824-1908) disse: O assim chamado literalista não é alguém que nega que sejam usados linguagem figurada, símbolos, na profecia, nem que nega que as grandes verdades espirituais são apresentadas nela. Na verdade, a sua posição é simplesmente de que as profecias devem ser interpretadas normalmente (isto é, de acordo com as leis de linguagem recebidas) como quaisquer outras expressões são interpretadas —que aquilo que é evidentemente figurado assim seja considerado (como citado em Poythress, UD, 91).
4 Ibid., capítulos 10, 13-15.
5 Veja capítulo 9.
6 Isto é, o fato de que n em tudo na Bíblia é verdade literalm ente significa
que não é, necessariamente, um a realidade física ou um a realidade tangível.
A INTERPRETAÇÃO DA PROFECIA
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Ele não Elimina a A plicação Espiritual
Negar alegorias com o um m étodo herm enêutico básico ( interpretação) não significa que não existam aplicações espirituais legítimas; o significado literal, um a vez determinado, pode ser aplicado de maneiras espirituais legítimas7. Algumas vezes, o Novo Testam ento faz isto, no seu uso do Antigo Testamento: Moisés falou sobre não atar um boi quando ele trilha o grão (D t 25.4), e um princípio de que o “trabalhador é m erecedor do seu pagamento” é aplicado, por Paulo, para incentivar o pagamento aos ministros do Evangelho (1 Co 9.9,13,14). A m esm a verdade, “bem-aventurados os pobres”, é aplicada por Jesus àqueles que são pobres espiritualmente (M t 5.3) e àqueles que são pobres financeiramente (Lc 6.20). O limite ou a fronteira em tais aplicações espirituais é o significado essencial do texto. Por exem plo, Oséias disse, sobre Israel ( “filh o” de D eus): “do Egito cham ei a m eu filh o” (Os 11.1), lim itando desta m aneira o uso deste texto àquele que é apropriadam ente cham ado de “F ilh o ” de Deus. M ateus aplicou isto a Cristo no N ovo Testam ento (2.15), u m a aplicação m u ito apropriada, um a vez que Ele é pessoalm ente o Filho de Deus. Para usar u m exem plo com u m , um a cadeira é feita para que nos sentem os sobre ela, mas usá-la de ou tra fo rm a não destrói, n em o seu propósito original, n em a sua estrutura: por exem plo, pode-se usar u m a cadeira para ficar em pé sobre ela, ou para m an ter aberta u m a porta. Por ou tro lado, usar um a cadeira fora de seus usos viáveis a converteria em algo diferente de um a cadeira —por exem plo, ela não pode ser usada co m o lenha, sem destruir a sua form a, isto é, a sua qualidade de cadeira. Existe um a diferença entre a interpretação de u m texto (que é u m a) e a aplicação de um texto (que são m uitas).
A lém disto, em bora exista som ente uma interpretação de u m te x to —aquilo que o autor quis dizer literalm ente —, existem muitas implicações. E é por isto que o uso que o Novo Testam ento faz do Antigo Testam ento às vezes parece estar desprovido de um a interpretação apropriada; o Novo Testam ento freqüentem ente não dá um a interpretação, mas um a im plicação ou aplicação daquele texto. A correta interpretação de um texto é a interpretação histórico-gramatical. Ele não Elimina Figuras de Linguagem A s declarações da Bíblia sobre os olhos, os braços, ou as asas de Deus não devem ser interpretadas com o verdadeiras literalm ente. Deus não tem , na realidade, estas características físicas, pois Ele é puro Espírito (im aterial; cf. Jo 4.24); con seqüentem ente, Ele não é, na verdade, m aterial. Ainda assim, nós não poderíam os saber o que tião é literalm ente verdade sobre Deus, a m enos que soubéssemos o que é literalm ente verdade. Por exem plo, se não fosse literalm en te verdade que Ele é puro Espírito e-que Ele é
in fin ito8, então nós não seriam os capazes de dizer que certos atributos, m etaforicam en te atribuídos a Ele (co m o a m aterialidade e a lim itação), não são literalm ente verdade. De igual m aneira, o m étod o literal de interpretação não interp reta a declaração de Jesus: “Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15.1) com o fisicam ente verdadeira. O fato de que Ele é um a videira é literalm ente verdade, mas não é verdade literalm ente (isto é, fisicam ente). Literalm ente e fisicam ente, Jesus foi um ser hu m ano, e os Seus ouvintes entendem isto; um a vez que um a videira não é um a pessoa, a conseqüência é que Jesus não é literalm ente u m a videira. No entanto, existe um a verdade literal por trás desta m etáfora, a saber, que assim com o nós som os ram os, ou varas, da videira (v. 5), a nossa fonte de vida espiritual literalm ente (verdadeiram ente) vem de Cristo.
7 A aplicação te m lu g a r depois d a in te rp re ta ç a o , e é crític o q u e seja m passos sep arad o s.
8 Veja V o lu m e 2, c a p ítu lo s 2 e 5.
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N atu ralm ente, pode ser difícil determ inar quando u m a passagem não deve ser interpretada literalm ente. D w ight Pentecost oferece as seguintes diretrizes para nos ajudar a saber quando u m texto deve ser interpretado de m odo figurado: (1) quando é obviamente figurado; (2) quando o Novo Testamento autoriza o sentido figurado; ou (3) quando a interpretação literal iria contradizer partes não figuradas das Escrituras (em Terry, BH, 40). C om o diz o ditado: Quando o sentido literal faz sentido, não procure nenhum outro sentido, para que não fique sem sentido (Anônimo). C om o exem plo, poderíam os dizer: “Q uando o sentido literal não faz sentido (co m o que Deus, u m puro Espírito, te n h a olhos, ouvidos, e braços), então devem os procurar algum outro sentido, para que não resulte em falta de sentido”. Ele não Elimina o Uso de Tipos A h e rm e n ê u tic a lite ra l ta m b ém n ão e lim in a o co rrê n cia s de tip olog ia. E stá claro que o N ovo T e sta m e n to afirm a que C risto é o cu m p rim e n to dos tipos do A n tigo T e sta m e n to que o re p re sen ta ra m , e que d esap areceram quando Ele os cu m p riu . Por exem p lo , Paulo disse cla ra m e n te : “C risto , nossa p áscoa [nosso C ord eiro], foi sacrificad o p o r n ó s ” (1 C o 5.7). A ep ístola aos H ebreus fala de to d o o sistem a lev ítico de sacrifícios co m o sendo satisfeito po r nosso grand e S u m o S a ce rd o te 9: “Este [C risto], havend o o ferecid o u m ú n ico sacrifício p elos pecad os, está assentado para sem p re à d estra de D eus P orque, c o m u m a só ob lação , ap erfeiço o u p ara sem p re os que são san tificad o s” (10.12-14). Estes tipos e n c o n tra ra m seu c u m p rim e n to n o an títip o (Jesu s); eram so m e n te a so m b ra da su b stân cia en co n tra d a n E le (C l 2.17). Este c u m p rim e n to n ão é, de m a n e ira n e n h u m a , u m a esp iritu alização ou alegorização de alg u m a coisa ou ev en to lite ra l; é u m c u m p rim e n to lite ra l do tipo lite ra l p o r u m a n títip o literal. Ele não Elimina o Uso de Símbolos A h erm en êu tica literal não elim ina o uso de sím bolos. A Bíblia Sagrada está repleta de sím bolos; m esm o assim, cada sím bolo é u m em blem a de algo que é literal. Considere, com o exem plo, o livro do Apocalipse, que con tém sím bolos do início ao final: contudo, cada u m dos seus sím bolos representa algo literal, e todos estes detalhes são interpretados pelo próprio livro. Por exem plo, João disse que as “sete estrelas” n a m ão de Cristo eram “sete anjos [ou m ensageiros]” de cada u m a das sete igrejas (1.20); os “sete castiçais” eram as “sete igrejas” (ibid.); as “salvas de ouro cheias de in cen so” eram “as orações dos santos” (5.8); as “águas” eram “povos, e m ultidões, e nações, e línguas” (17.15); e assim por diante.
9 Cf. Hebreus 7 -8 .
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O Senhor Jesus disse a Pedro que lhe daria “as chaves” do Reino (M t 16.18). Estas chaves eram simbólicas; elas representavam a autoridade que Pedro estava recebendo de Deus para abrir a p o rta das Boas Novas tanto aos judeus (At 2) com o aos gentios (A t 10), algo que o apóstolo fez literalm ente10. Enxergar as chaves com o um símbolo não tira o sentido espiritual nem o sentido literal da verdade dos fatos; Pedro de fato abriu a “porta do Evangelho” tanto aos judeus com o aos gentios. Sem elhantem ente, a m enção de João da “chave” do abismo (Ap 20.1) não nos dá a permissão de entender Satanás apenas de um a form a espiritual, sem levarm os em conta que ele tem a sua existência literal (w . 2,3). R am m observou que a linguagem sim bólica é frequentem ente utilizada dentro do con texto das verdades literais: “Os literalistas, na in terpretação profética, adm item a presença dos elem entos poéticos e figurados; e os am ilenaristas" que pensarem que eles negam isto estarão equivocados” ( P B I , 243). LaSor acrescenta um a observação-chave: Cada fórmula ou equação em matemática, química, física, lógica simbólica, e em muitas outras matérias, é escrita através do uso de símbolos e é interpretada literalmente. Assim, isto [o uso de símbolos] não implica o abandono dos significados literais (em Ramm, H, 101). Da m esm a form a, encontram os sím bolos nos sinais de trânsito, tan to nas cidades quanto nas rodovias, o tem po todo, porém nu n ca duvidamos de que eles estejam transm itindo realidades literais. Ele não Elimina o Uso de Parábolas e Alegorias
Em bora as muitas parábolas de Jesus não devam ser interpretadas literalm ente, elas transm item um a verdade literal. Às vezes, Jesus interpretava um a parábola e declarava diretam ente o seu significado literal (cf. M t 13.18-23); Paulo usou um a alegoria e assim a classificou (G14.24). Diferentes gêneros literários devem ser distinguidos—interpretá-los todos literalm ente irá obscurecer o significado textual. No entanto, a determ inação do gênero não é um a decisão feita antes que todo o contexto histórico-gram atical se ja com pletam ente examinado. De igual m odo, um a vez que as Escrituras constituem o m elh or intérprete das Escrituras, levando em consideração o seu contexto global podemos freqüentem ente descobrir se o autor desejou ou não que o texto fosse interpretado literalm ente. Por exem plo, existem indicações, dentro e fora do livro de Jonas, de que ele não é alegórico. O nom e de u m profeta real conhecido de outro livro histórico é usado (cf. Jn 1.1; 2 Rs 14.25), assim com o as cidades reais de Nínive e Társis (Jn 1.2). No con texto mais am plo das Escrituras, Jonas aparece, em outras passagens, com o u m m inistro profético (2 Rs 14.25), e Jesus se refere a ele com o um a figura histórica (M t 12.39-41). A m esm a coisa é verdade sobre Adão e Eva no Éden, um a vez que o texto revela um lugar real, com rios reais (G n 2.8-14), filhos reais (4.1,2; 5.1-4), e resultados físicos reais de seus atos no m undo (cf. R m 5.12)12. C onseqüentem ente, não há razão para interpretar esta narrativa com o um a alegoria. Estes princípios jam ais devem ser esquecidos: Primeiro, sem um a com preensão literal do assunto, não podem os d eterm inar o que é alegórico; não podem os saber o que não é literal, a m enos que conh eçam os o literal. Segundo, novamente, cada parábola ou alegoria transmite uma verdade literal (M t 13.18-23). Terceiro, decisões de gênero não devem ser feitas antes de exam inar todo o contexto, 10V eja cap ítu lo s 1 e 4.
11V eja c a p ítu lo 15.
12Veja V o lu m e 3, c a p ítu lo s 4-5.
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através da herm enêutica histórico-gram atical. Tam bém não devemos im portar idéias estranhas às Escrituras em “decisões antecipadas de gênero”, pois isto nada mais é do que um a m aneira encoberta de inserir tendências teológicas com o pretexto de acrescentar u m elem ento “literário” à herm enêutica histórico-gram atical13. Por exem plo, decidir, o priori, com base em supostas similaridades com outros tipos de literatura, que um texto bíblico deve ser alegórico porque contém histórias milagrosas, é forçar um a tendência sobrenatural sobre ele14, em lugar de interpretar a m ensagem sobrenatural contida nele.
Razões para uma Abordagem Literal à Interpretação D w ight Pentecost relaciona suas razões para a adoção de u m a interpretação literal: (1) A interpretação literal é a abordagem normal (padrão) em todas as línguas. (2) Todos os significados secundários dependem do significado literal. (3) A maior parte da Bíblia faz sentido quando interpretada literalmente. (4) A interpretação literal adotará o significado secundário, quando exigido. (5) A interpretação literal é o único “controle saudável e segurò sobre a imaginação do homem”. (6) A interpretação literal é a única em conformidade com a natureza da inspiração15 (de TC, 10). A estas, podem os acrescentar: (7) Qualquer outra abordagem é autodestrutiva, pois reivindica que a verdade literal não é a maneira apropriada para interpretar, embora espere que o seu leitor (ouvinte) tome as palavras de tal abordagem literalmente.
PROFECIA BÍBLICA: A ESCOLA ALEGÓRICA DE INTERPRETAÇÃO A m aioria de escritores e professores cristãos não aceitou o m étod o alegórico de interpretação co m o sendo a abordagem básica e prim ária à h erm en êu tica bíblica. No entanto, m uitos a em pregaram , p articu larm en te com respeito às profecias. A seguir, estão alguns dos mais conhecidos exem plos.
Agostinho (354-430) Agostinho, o “Monólito Medieval”, se engajou de maneira substancial ao m étodo alegórico. Esta abordagem era suplementar —Agostinho realmente acreditava que a interpretação literal de um texto é essencial para o seu significado (cf. OCD, n, IH) —, mas ele, apesar disto, se engajou em ampla aiegorização das Escrituras. Neste sentido, o m étodo alegórico se tornou mais um a aplicação textual do que a sua real interpretação, mas Agostinho foi incoerente quanto a isto (com o também o foram outros intérpretes bíblicos). Por exemplo, embora ele tenha escrito Literal Cmmentary on the Book o f Genesis (Comentário Literal Sobre o Livro de Gênesis), se envolveu em um a espiritualização fantasiosa de realidades literais, com o afirmar que, quando Deus criou a luz e separou a luz das trevas, “de nossa parte, nós entendemos que são [como] duas sociedades de anjos —um a que desfruta de Deus, outra que se incha de orgulho” (CG, 11.33). 13Este m étodo já perm ite decisões de gênero, exam inando o significado literal do texto tanto no contexto im ediato com o no mais am plo.
14Veja Volume 13 capítulo 3.
15Veja Volume 1, capítulo 13.
A INTERPRETAÇÃO DA PROFECIA
| § 833
O ríg e n e s (c . 185-c. 254) O ríg en es foi u m dos p rim e iro s a e n g a ja r-se no am p lo uso do m é to d o a leg ó rico c o m o u m a h e r m e n ê u tic a básica, n o to ria m e n te aleg o rizan d o verd ad es litera is (c o m o a e x istên cia de Adão e E v a - D P , 4.1 .1 6 ). O tra ta m e n to que O ríg en es dispensa ao liv ro de G ênesis é u m e x e m p lo a ser lem b ra d o : Ele a firm o u que ‘"[R e b e c a era u m a v irg em ' sig n ifica que C risto é o esposo da alm a q uand o ela se c o n v e rte , e que Satan ás se to r n a o esp oso da a lm a quand o ela se p e rd e ” (c ita d o em R a m m , H , 970).
C iê n c ia C r is tã As seitas, especialm ente a Nova Era e as do tipo panteísta, têm um a m á fam a devido à sua abordagem alegórica da Palavra de Deus; toda a obra Science and Health With Keys to the Scriptures (C iência e Saúde com Chaves para as Escrituras), de M ary Baker Eddy
(1821-1910), usa a interpretação alegórica. Eddy negou a realidade de Satanás, do m undo m aterial, de todo o m al, da m o rte e do in fe rn o 16. De m aneira geral, a Ciência Cristã rejeita qualquer interpretação literal que contradiga os seus fundam entos supostam ente panteístas e espiritualistas. Isto com preende todas as doutrinas evangélicas, incluindo o N ascim ento Virginal, a Divindade de Cristo, a expiação que foi realizada por Cristo, a ressurreição corpórea de Cristo, e a Segunda Vinda literal1'. O q u e R e p r e s e n ta o M é to d o A le g ó ric o O m étod o alegórico é a antítese (o oposto) do m étod o literal; o sentido básico de um a passagem é interpretado espiritualm ente, esotericam ente, ou até m esm o m isticam ente. Por exem plo, de acordo com a interpretação alegórica, Adão e Eva são freqüentem en te vistos não co m o pessoas literais, mas co m o representações sim bólicas. O diabo não é um ser real, mas um m ito (e assim por diante). Q uanto às características seguintes do uso de alegorias, a m aioria dos evangélicos não as adota quando da interpretação de seções históricas e narrativas das Escrituras. O problem a é que alguns o fazem quando se trata das seções proféticas. C o m o verem os, isto é incoerente e insustentável. O Significado não E Literal
Antes de tudo, está o fato de que um a interpretação alegórica não é literal. A interpretação literal é considerada carnal e m aterialista — alguns chegam a argum entar que é com o ler a lei escrita enquanto se negligencia a sua intenção real. O Significado E Espiritual
O significado de um texto não é literal, mas espiritual. O significado não é encontrado no sentido literal, mas em u m sentido espiritual “mais profun do” que vai além do entendim ento superficial (literal) de um a passagem. O significado não está nas letras e palavras, mas no espírito por trás delas.
16Veja cap ítu lo s 7 e 9; veja ta m b é m V olum e 1, c a p ítu lo 2; V o lu m e 2, c a p ítu lo 18; e V o lu m e 3, c a p ítu lo 6. 15; v eja ta m b é m V o lu m e 1, c a p ítu lo 26; V o lu m e 2, ap ê n d ice 1; e V o lu m e 3, c a p ítu lo 9.
17V eja cap ítu lo
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0 Significado É mais Profundo O verdadeiro significado das Escrituras é “mais profun do” do que a sua com preensão com u m e cotidiana (assim com o a alm a é m ais profunda do que o corpo). D a m esm a m aneira, D w ight Pentecost observou que a interpretação alegórica é “o m étod o de interpretar u m texto literário que considera o sentido literal co m o o veículo para um sentido secundário, mais espiritual e mais profun do” (TC, 1). 0 Significado E mais Completo O m étod o alegórico enfatiza u m significado mais com p leto do que aquele pretendido pelo au tor hu m ano. Freqü en tem en te, isto assume a fo rm a de u m a afirm ação de que o autor divino pretendeu algo a mais, e de que, para captar o pleno e com p leto significado do texto, nós precisam os ir além daquilo que o au tor h u m an o teve em m en te para alcançar a m en te de Deus. N orm alm ente, isto é cham ado de sensus plenior (m últiplos significados), em contraste com sensus unum (u m significado). 0 Significado Está sob o Texto O u tra afirm ação do m étod o alegórico é de que o verdadeiro significado da Bíblia não está no texto, mas por baixo dele. A verdade não está n a gram ática, m as por baixo da gram ática. O texto propriam ente dito é som en te a concha; a pérola da verdade, o significado real, vem de u m nível mais profundo e mais significativo18.
Por que o Método Alegórico É Errado E xistem m uitas razões para a rejeição do m étod o alegórico por si só, e razões adicionais para rejeitá-lo quando aplicado às Escrituras proféticas. 0 Método Alegórico E Autodestrutivo O m étodo alegórico de interpretação é autodestrutivo, pois a afirmação de que “todo significado é alegórico (não-literal)” é um a reivindicação de ter a verdade literal sobre este assunto. E m outras palavras, n en h u m alegorista deseja que nós interpretem os suas declarações alegoricam ente —ele deseja que seus textos sejam interpretados literalm ente. 0 Método Alegórico E Impossível Até m esm o o teólogo liberal Paul T illich (1886-1965), que defendeu a conversa sim bólica sobre D eu s19, recon h eceu que a interpretação alegórica não era algo possível de ser feito com p letam en te (citado por Kaufm ann, CRP, 195-96). Não se pode dizer que tudo a respeito de D eus seja sim bólico (não -literal), u m a vez que não podem os saber o que não é literalm ente verdade a respeito de Deus, a m enos que saibamos o que é literalm ente verdade. A solução de T illich para este dilem a foi afirm ar que é literalm en te verdade que Deus é Existência, e que todas as outras afirm ações são sim bólicas. No entanto, dizer que D eus é Existência significa fazer m uitas outras afirm ações, u m a vez que a existência abrange tudo, com num erosas características20. Tillich estava correto n a idéia básica, isto é, que um a abordagem to talm en te alegórica (sim bólica) a Deus é impossível.
ISVeja V o lum e 1, c a p ítu lo 6.
19 Ibid., c a p ítu lo 9.
20 Veja V olum e 2, p a rte 1.
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0 Método Alegórico nao Tem Critérios Objetivos
Não existem critérios objetivos pelos quais possamos determ inar o significado alegórico de um texto —ele é pu ram ente subjetivo, e nos deixa sem n e n h u m significado objetivo que possamos con h ecer21. N ovam ente, é negar a si próprio afirm ar que não existe significado objetivo, porque esta m esm a afirm ação pretende ser objetivam ente significativa. A alegorização é um a m aneira de “perverter o verdadeiro significado das E scrituras”, em vez de interpretá-las; “a autoridade básica em interpretação deixa de ser as Escrituras [e, em lugar dela, passa a ser] a m ente do in térp rete” (Pentecost, TC, 5). 0 Método Alegórico É Contrário ao Bom Senso
U m antigo ditado diz: “Se lhe faltar conhecim ento, procure ajuda com os hom ens. Se lhe faltar sabedoria, procure a Deus. Mas se lhe faltar bom senso, nem Deus n em os hom ens poderão lhe ajudar”. E isto o que acontece com o m étodo alegórico de interpretação, que é contrário ao bom senso —sem o senso com um na interpretação de um texto, praticam ente tudo pode acontecer. Por exem plo, se alguém usa o bom senso e se aproxima da Bíblia com o de u m jornal, jamais se tornará u m alegorista. M errill Tenney (1904-1985) escreveu: A escola futurista de pensamento22, devido à sua insistência em uma interpretação tão literal quanto possível, tem sido um antídoto salutar para um simbolismo desequilibrado que tende a fazer com que a revelação signifique tudo, menos o óbvio (IR, 145). O Método Alegórico E Incoerente
Poucos intérpretes da profecia pelo m étod o alegórico são coerentes, e m uitos que interp retam literalm ente o restante das Escrituras insistem que a profecia é alegórica. LaSor respondeu que “a profecia deve ser interpretada de acordo com os m esm os princípios que se aplicam a todo o estudo bíblico [...] A interpretação da profecia messiânica deve seguir as m esm as regras que são aplicáveis a todas as profecias” (em R am m , H , 94-95). As regras da hermenêutica não mudam quando nós passamos para uma nova página, com o exem plificou o teólogo reform ado John G erstner (1914-1996), quando adm itiu não ser u m literalista com pleto: Todos nós concordamos que grande parte de literatura, incluindo a Bíblia, normalmente pretende ser compreendida segundo a interpretação literal das palavras que são usadas [...] Existe uma pequena área das Escrituras, principalmente na área da profecia, onde existe um debate vivo quanto a ser interpretada literalmente ou figuradamente [...] Todos nós somos literalistas até certo ponto23.
21 Veja Volume 1, capítulos 10-11.
22 Veja capítulos 15-16.
° Gerstner, W m gly Dmdmg, 93. Naturalmente, os dispensacionalistas
(veja capítulos 13-14, e também Volume 3, capítulo 6) debatem a afirmação de Gerstner de que “há certas partes [da Bíblia] que todos, incluindo os dispensacionalistas, admitem que não são interpretadas literalmente” (ibid.). Esta acusação está baseada em uma interpretação equivocada do que envolve uma hermenêutica literal (veja seção de abertura deste capítulo).
21 Veja
Volume 1, capítulos 10-11. 22Veja capítulos 15-16. 23Gerstner, Wrnngly Dividing, 93. Naturalmente, os dispensacionalistas (veja capítulos 13-14, e também Volume 3, capítulo 6) debatem a afirmação de Gerstner de que “há certas partes [da Bíblia] que todos, incluindo os dispensacionalistas, admitem que não são interpretadas literalmente” (ibid.). Esta acusação está baseada em uma interpretação equivocada do que envolve uma hermenêutica literal (veja seção de abertura deste capítulo).
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O utros adeptos da alegorização são incoerentes, porque in terp retam algum as partes de u m a ú n ica passagem com o literais, e algum as partes co m o alegóricas. Por exem plo, sobre u m texto, eles consideram a prim eira ressurreição co m o sendo espiritual, e a segunda ressurreição com o literal (Ap 20.4-6; por exem plo, A gostinho, CG, 20.6-7). O Método Alegórico não E Bíblico De um ponto de vista evangélico, talvez o argumento mais eficaz contra a alegorização seja o fato de que não é bíblica. C om a exceção de um a passagem do Novo Testam ento que diz claram ente ser um a alegoria não literal (por exemplo, G14.21-31), não existem interpretações alegóricas na Bíblia24. O texto histórico do Antigo Testamento é consistentem ente literal, desde Adão e Eva (cf. R m 5.12; 1 T m 2.13,14) a Noé e o Dilúvio (cf. M t 24.37,38), a Jonas e o grande peixe (cf. 12.40), et al. George Peters (1825-1909) resumiu a questão de m odo convincente: Onde houver uma interpretação literal, a posição mais distante da literal é normalmente a pior. Não há nada mais perigoso do que esta arte licenciosa e ilusória, que altera o significado das palavras [...] fazendo de tudo o que quiser, e no final reduzindo toda a verdade a nada (TK, 47). O Método Alegórico E Contrário ao Cumprimento Literal áas Predições Messiânicas A prova definitiva de que as profecias do Antigo Testamento devem ser interpretadas literalm ente e não espiritualmente (ou alegoricamente) é o fato de que, das suas 113 predições messiânicas que Cristo já cum priu (veja Payne, EBP, 665-68), todas foram cumpridas literalmente. Para mencionar apenas algumas, Jesus foi literalm ente a sem ente da m ulher (G n 3.15), a descendência de Abraão (15.1-6), da tribo de Judá (49.10), o filho de Davi (2 Sm 7.12ss.), nascido de um a virgem (Is 7.14), na cidade de Belém (M q 5.2); Ele sofreu pelos nossos pecados (Is 53), m orreu aproximadamente em 33 (cf. D n 9.24-27), e ressuscitou dos m ortos (SI 16.10; cf. At 2.30-32). Se as predições a respeito da primeira vinda de Cristo devem ser interpretadas literalmente, por extensão lógica não existe justificativa para espiritualizar as predições a respeito da Sua segunda vinda25. U m bom exem plo para dem onstrar a interpretação literal do Antigo Testam ento pelo Novo é o uso que o nosso Senh or fez da profecia de Isaías, quando se levantou para ler: O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, envioume a curar os quebrantados do coração, a apregoar liberdade aos cativos, a dar vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor (Lc 4.18,19, citando Is 61.1,2). Tudo isto era literalm ente verdade a respeito do ministério de Jesus. Assim, Ele concluiu: “Elo je se cum priu esta Escritura em vossos ouvidos” (v. 21), isto é, ela se cum priu literalmente. Observe isto: Quando falou do cum prim ento desta passagem, Jesus parou no meio de um a sentença (de Isaías). O resto daquela profecia se refere à Sua segunda vinda, e ainda não se cumpriu: a apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus”. Para podermos acreditar nos alegoristas, deveremos supor que o resto desta sentença (a parte que Jesus não aplicou ao Seu ministério terreno [adventício]) seja espiritual, e não literal. 24 Hxceçõe.s aparentes são tratadas abaixo, sob “Respostas a Algumas Objeçoes à H erm enêutica Literal”. 25Veja capítulo 15.
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R E S P O S T A S À S O B JE Ç Õ E S
Dois textos são freqüentem ente usados em oposição à h erm en êu tica literal, que perm ite u m ún ico significado (co m m uitas aplicações). O b je ç ã o U m : B asead a e m Jo ã o 11.49-52 E Caifás, um deles [do Sinédrio], que era sumo sacerdote naquele ano, lhes disse: Vós nada sabeis, nem considerais que nos convém que um homem morra pelo povo e que não pereça toda a nação. Ora, ele não disse isso de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação. E não somente pela nação, mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos. Aqueles que afirm am que o au tor divino teve, em um determ inado texto, mais intenções do que o au tor hu m ano, afirm am isto com o um a prova de que nós devemos ir além do significado presente na m ente do hu m an o, até a intenção de Deus, para descobrir o significado com p leto de u m texto bíblico. R e s p o s ta à O b je ç ã o U m U m exam e mais atento revela que o texto não apóia a objeção. Primeiro, Caifás não era um profeta que Deus estava usando com o um canal, por cu jo interm édio Ele transmitisse algum a intenção mais elevada do que a de Caifás. A passagem afirma que Caifás proferiu estas palavras com o “sum o sacerdote”, mas não com o profeta. Segundo, a declaração de Caifás foi feita com sarcasm o, e foi iniciada com zom baria: “Vós nada sabeis”. Isto foi dito, não por um profeta, mas por alguém que estava prestes a sentenciar o Filho de Deus, sem pecado, a um a cru el execução26. Terceiro, o uso que João (sob inspiração) faz desta declaração não está no mesmo espírito e contexto, e tem um significado diferente. Afinal, as mesmas palavras, em diferentes contextos, podem ter diferentes significados; por exemplo, a citação de Paulo de um poeta panteísta, de que “somos também Sua geração [a geração de Deus]” (At 17.28), foi feita em um sentido teísta. O con texto da perspectiva faz toda a diferença em term os de significado. O significado não pode ser descoberto ao descobrirm os a intenção do au tor que está por trás das palavras. Nós não conh ecem os a intenção da declaração do autor, exceto até o ponto em que ele a expressou no texto, e a única m aneira de poderm os descobrir o significado do texto está no seu contexto histórico-gram atical (bíblico). Quarto, e finalm ente, o fato de Caifás não ter dito isso “de si m esm o ” significa que ele não falou pela sua autoridade pessoal; na verdade, com o “sum o sacerdote”, ele predisse que a m o rte de Jesus iria libertar Israel politicamente da ira de Roma, que não gostaria que deixassem de m atar alguém que era conhecido com o o “Rei dos ju d eu s” (co m o, posteriorm ente, estaria escrito na acusação sobre a Sua cruz). Em resum o, o contexto de Caifás foi político; João considera a sua declaração irônica, um a vez que, na verdade, Jesus estava m orrend o pelos judeus em um sentido redentor — João estava preocupado sobre com o, pela m o rte de Cristo, nós poderíam os ser libertados da ira de Deus.
26 Veia tratam ento criterioso que Walter Kaiser faz deste texto em Back Toward the Future: Hints fo r ínterpreiing Biblical Prophecy (Grand Rapids: Baker, 1989), 140-44.
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Objeção Dois: Baseada em 1 Pedro 1.10-12 Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir e a glória que se lhes havia de seguir. Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que, agora, vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o Evangelho. C om base nisto, alguns deduzem que Deus, por m eio das profecias, planejava mais do que os autores humanos, de m odo que eles chegavam a investigar em seus próprios textos aquilo que Deus queria dizer, naquilo que eles escreviam, acima do que eles queriam dizer.
Resposta à Objeção Dois Isto m o é o que Pedro disse. Com o observa Walter Kaiser (nascido 1933): “Nós podemos ter certeza de que as áreas de ignorância dos profetas a respeito de suas próprias profecias existiram exatamente onde tem lugar a nossa ignorância: o tempo da vinda de Cristo”. Isto é, eles não eram ignorantes a respeito do que isto significava, mas quanto à sua referência no tempo. E: Se os profetas eram deficientes nesta única área [tempo], eles tinham conhecimento em cinco outras áreas. Eles sabiam, com certeza, que estavam anunciando (1) o Messias, (2) o sofrimento do Messias, (3) a vinda do Messias em esplendor glorioso, para reinar, (4) a seqüência destes dois eventos —primeiramente o sofrimento, e depois a glória, e (5) uma mensagem que tinha relevância não somente para os santos do Antigo Testamento, mas para os de outras épocas também27. Os autores hum anos queriam dizer exatam ente a m esm a coisa que Deus queria dizer por m eio de suas palavras; eles foram co-autores das Suas palavras. No entanto, um a vez que Deus conhecia mais sobre o assunto, e conhecia mais sobre as suas conseqüências, eles investigaram em seus próprios textos para ver se conseguiam obter indicações quanto ao tempo.
PROFECIA BÍBLICA: AS ESCOLAS HISTÓRICO-GRAMATICAIS DE INTERPRETAÇÃO EXPANDIDAS C o m o observam os anteriorm ente, a questão é m u ito mais com plicada e não pode ser solucionada p o r u m a com paração en tre o m étod o literal clássico e o alegórico de interpretação. Tanto os am ilenaristas28 quanto os dispensacionalistas progressivos29 em pregam o que se pode cham ar de um a versão ampliada ou revisada do m étod o histórico-gram atical, que crêem ser a m aneira de com preend er passagens proféticas cruciais sobre Israel. Os dispensacionalistas clássicos30se opõem fo rtem en te a esta revisão, cham ando-a de distorção do verdadeiro m étod o histórico-gram atical31.
27 Ibid., 23-24.
28V eja abaixo, sob “O P o n to de V ista A lian çalista T ra d icio n a l” e “O P o n to de V ista A lian çalista M o d ifica d o ”;
v e ja ta m b é m ca p ítu lo 15. ca p ítu lo s 13-14.
29 V eja abaixo, sob “A E seo la D isp en sa cio n a lista Progressiva de In te rp r e ta ç ã o ”; v e ja ta m b é m
30V eja cap ítu lo s 13-14.
31 V eja u m e x c e le n te a rtig o sob re isto, e sc rito p o r R o b e r t L. T h o re a s, “A C ritiq u e
o f Progressive D isp en satio n al H e r m e n e u tic s ”, in : J o h n W alvoord, The End Times.
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Entre as diferentes versões de um a h erm en êu tica literal “expandida”, basicam ente, duas são dignas de nota. O P o n to de V is ta A lia n ç a lis ta T r a d ic io n a l O aliançalism o tradicional, representado por Oswald T. Allis (1880-1973) em Prophecy and the Church, basicam ente inclui as seguintes premissas: Rejeição da Interpretação Literal Restrita Allis caracteriza a interpretação literal argum entando: [Alguns dizem:] “Deus deve ter dito exatamente o que queria dizer, e deve querer dizer exatamente o que disse; e o que Ele disse deve ser interpretado exatamente como Ele o disse, isto é, literalmente”. Mas, [em contraste,] o Novo Testamento deixa claro que a interpretação literal era uma pedra de tropeço para os judeus. Ela ocultava deles as mais preciosas verdades das Escrituras (PC, 258). Aceitação do Sensus Plenior Sensus plemor (lat. “o sentido mais am plo”) conceitualiza um sentido mais profundo para estes textos proféticos, do que os autores supostamente pretendiam. A Bíbliafoi escrita em coautoria32, e Deus pretendia mais, com cada texto, do que pretendiam os autores humanos. Interpretação do Antigo Testamento à Luz do Cumprimento do Novo Testamento A afirmação de que “Israel sempre quer dizer Israel”, e que as profecias do reino a respeito de Israel passam para o Novo Testamento “completamente inalteradas”, leva imediatamente e inevitavelmente à conclusão de que o “reino dos céus” que João Batista anunciou que “era chegado” era um reino terreno, político, nacional dos judeus33. Mas, uma vez que Jesus cumpriu o Antigo Testamento, estas passagens devem ser interpretadas como cumpridas espiritualmente (ibid., 256). Interpretação Cristológica do Antigo Testamento Assim com o C risto é o cu m p rim en to de tudo aquilo que o sistem a sacrificial de Israel representava, tam bém está escrito que Ele é o cu m p rim en to das promessas feitas a Abraão e Davi relacionadas tanto à terra com o ao trono, pelas quais o Messias terá um reino político34. Assim, os crentes veriam as promessas do A ntigo Testam ento a Israel através desta lente espiritual, e observariam que a igreja do N ovo Testam ento é o Israel espiritual, u m a continuação do Israel étnico do Antigo T estam ento. N enhu m cu m p rim en to literal fu tu ro destas profecias do A ntigo Testam ento pode ser esperado. Interpretação Retroativa Estes pontos têm algo em com um , que é o método retroativo de interpretação: Em vez de o Antigo Testamento ser interpretado no seu próprio contexto35, o Novo Testamento é lido no Antigo Testamento. Por exemplo, no contexto histórico-gramatical, está claro que os descendentes de Abraão iriam herdar incondicionalmente a Terra Prometida, desde o Eufrates 32Veja Volume 1, capítulos 13-15. 33Veja capítulos 13-14. MIbid. 35Veja acima, sob “Profecia Bíblica: A Escola Literal de Interpretaçao”.
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até o Mediterrâneo36; quando estes textos (G n 12—18) são lidos retroativamente, através da lente do Novo Testamento, a promessa literal é cancelada e substituída por u m cumprimento espiritual na igreja.
Resposta ao Aliançalismo Tradicional A h erm en êu tica do aliançalism o tradicional claram ente não é um a exegese do texto (extraindo o significado de ele), mas u m exercício de eisegese (atribuindo outro significado a ele). O resultado, o am ilenarism o aliançalista37, é apoiado pela interpretação contextu al, histórico-gram atical. O alia n ça lism o tra d icio n a l n ã o p e rm ite u m fu tu r o n a c io n a l lite ra l p ara Israel, p ro p õ e a ig re ja c o m o o c u m p rim e n to esp iritu a l das p re d içõ es do A n tig o T e s ta m e n to sob re Isra e l, e lev a a u m a in te rp re ta ç ã o a leg ó rica dos “m il a n o s” em A p ocalip se 20. O M ilê n io 38, em lu g a r de ser u m p e río d o lite ra l de m il anos, é su p o s ta m e n te sim b ó lico da era da ig re ja . A resp eito das duas re ssu rre içõ e s de A p ocalip se 2039, existe u m a ú n ic a re ssu rre içã o físic a lite ra l, a seg u n d a (v. 5), do “re s ta n te dos m o r to s ” (o s que n ã o se re g e n e ra ra m ). A “p rim e ira re s su rre iç ã o ” — a que é e x p lic ita m e n te ch a m a d a de re ssu rre iç ã o (v. 6) — n ão é física, m as esp iritu a l, isto é, a re g e n e ra çã o dos cre n te s. Independentem ente de com o este m étod o é cham ado, de um a perspectiva tradicional histórico-gram atical ele é alegórico, u m a m aneira gravem ente errônea de interpretar textos proféticos cruciais a respeito do fu tu ro de Israel40. C om o o aliançalism o tradicional confessadam ente deixa de interpretar estas predições literalm ente, trata-se de u m a com preensão sim bólica delas; conseqüentem ente, é, na m elh o r hipótese, um uso in coeren te da h erm en êu tica histórico-gram atical e, n a pior hipótese, está sujeito a miríades de críticas con tra o m étod o alegórico41.
O Ponto de Vista Aliançalista Modificado C ritica d o s pelas fa lh a s de in c o n sistê n c ia e a leg o ria n a h e rm e n ê u tic a a lia n ça lista tra d icio n a l, alg u n s a m ile n a rista s c o n te m p o râ n e o s te n ta ra m re d im ir a sua p e rsp ectiv a, tro c a n d o -a p o r o u tra ab ord ag em : u m a m o d ifica çã o q ue p e rm ite u m c u m p rim e n to lite ra l fu tu r o das p ro m essas de te rra e tro n o feitas a Israel. E sta p o sição é re p re sen ta d a p o r A n th o n y H o e k e m a (191 3 -1 9 8 8 ) e V ern P o y th ress (n a scid o 1944), e os e le m e n to s básicos da sua ab ord ag em a lia n ça lista m o d ificad a são os m e sm o s da tra d ic io n a l: (1) Ambas aceitam uma visão literal rígida de interpretação. (2) Ambas aceitam o sensus plenior. (3) Ambas interpretam o Antigo Testamento à luz do cumprimento no Novo Testamento. (4) Ambas encaram o Antigo Testamento cristologicamente (plenamente cumprido em Cristo). (5) Ambas se engajam em um método retroativo de leitura da verdade do Novo Testamento no Antigo Testamento (veja Poythress 8, 45-47, 76-91, 116).
36Veja capítulo M.
37 Veja capítulo 15.
38 Ibid.
Bíblica: A Escola Alegórica de Interpretação".
39Veja capítulo 7.
wVeja capítulos 13-14.
11 Veja acima, sob “Profecia
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No e n ta n to , os m o d ificad o res su ste n ta m tu do isto c o m u m a d isto rção inovad ora e sofisticada que lhes p e rm ite ad m itir u m fu tu ro lite ra l para o Israel é tn ic o (c o m o os d ispensacionalistas d efen d eram p o r m u ito te m p o ) sem desistir da c re n ç a em u m c u m p rim e n to esp iritu al destas p red ições do A ntigo T e sta m e n to na ig reja. O m o d elo do alian çalism o m o d ificad o su ste n ta que não h av erá u m rein ado de C risto lite ra l de m il anos42, u m a vez que todas estas profecias se c u m p rirã o no novo céu e na nova terra^. Esta alteração se edifica sobre o conceito da tipologia, significando que a interpretação literal serve com o tram p olim para um a interpretação tipológica. Poythress defende o aliançalism o tradicional com os seguintes argum entos: 0 Ponto de Vista Aliançalista Tradicional Está Errado sobre o Futuro de Israel
Todas as profecias são relevantes para a igreja; todas se aplicam a nós de alguma maneira, diretamente e indiretamente. Mas nem todas se cumprem na igreja propriamente dita. Algumas ainda não se cumpriram, de maneira nenhuma, na igreja. Algumas são apenas parcialmente cumpridas na igreja. No estudo de algumas destas profecias, nós acabamos pensando que o seu cumprimento pleno ainda é futuro. Em princípio, este pleno cumprimento poderia ter lugar na era de ouro final, descrita em Apocalipse 21.1—22.5, ou em uma era de “prata”, comumente chamada de “o Milênio” (IJD, 47). Todas as Promessas do Antigo Testamento Cumprem-se em Cristo, o Verdadeiro Israelita.
Todo o avanço é alcançado a partir do próprio Cristo, que é o ponto central do cumprimento das promessas. Cristo é um israelita no mais pleno sentido. Na verdade, embora toda a nação de Israel seja rejeitada por infidelidade (Os 1.9), Cristo permaneceria como o supremo israelita, o mais fiel, o “remanescente” supremo (cf. Is 6.11-13; 11.1). [Conseqüentemente,] como diz 2 Coríntios 1.20: “Todas quantas promessas há de Deus são nele sim” (ibid., 126; cf. 69, 106). A Igreja (em Cristo) Participa igualmente destas Promessas
De quais destas promessas os cristãos são herdeiros, em união com Cristo' Teologicamente, é difícil resistir à resposta “Todas”. Afinal, “Nele [em Cristo] habita corporalmente toda a plenitude da divindade. E estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo principado e potestade” (Cl 2.9,10). Assim, não se pode fazer uma divisão satisfatória entre as bênçãos celestiais e terrenas, porque existe um único Cristo, e nós o recebemos por inteiro (ibid., 69). Um Cumprimento Tipológico na Igreja não Anula um Cumprimento Literal Futuro em Israel
U m cu m p rim en to espiritual, parcial ou inicial, destas promessas do Antigo Testam ento na igreja não anula as garantias diretas literais futuras; o tipológico complementa (não cancela) o literal. O fato de que um texto tem dois sentidos não quer dizer que um deve anular o ou tro (cf. ibid., 35, 45, 47, 91, 115); um suplementa o ou tro e o leva a u m nível mais elevado de cu m prim ento. Assim, a interpretação histórico-gramatical, limitada como está à interpretação dos profetas no cenário de Moisés, prosseguirá e apresentará o elemento simbólico e tipológico diretamente nos pronunciamentos proféticos sobre o futuro (ibid., 113). 42 Am ilenarism o —veja capítulo 15.
43Veja capítulo 8.
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Existe somente uma Cabeça Redentora (Cristo) e um Povo de Deus Por Cristo ser um israelita e estando os cristãos em união com Cristo, os cristãos participam dos benefícios prometidos a Israel e Judá no livro de Jeremias [31], Com quem é feito o novo concerto? Ele é feito com Israel e Judá. Assim, ele é feito com os cristãos, por virtude de Cristo, o israelita. Desta maneira, alguém poderia dizer que Israel e Judá passam por uma transformação na primeira vinda de Cristo, porque Cristo é o supremo israelita, perfeitamente fiel. Ao redor dEle se reúne o verdadeiro Israel (ibid., 106). Tanto a Igreja quanto Israel Viverão um Cumprimento Futuro Literal das Promessas do Antigo Testamento Feitas a Israel A conclusão a que chega Poythress destas premissas é de que, em lugar do cu m p rim en to espiritual na igreja cancelar ou substituir o cu m p rim en to literal da profecia do Antigo Testam ento sobre Israel (co m o os teólogos aliançalistas tradicionais afirm avam ), a igreja h o je é u m cu m p rim en to espiritual parcial e inicial. O fu tu ro propiciará u m cu m p rim en to m ais p len am en te percebido e literal, no qual Israel e a igreja terão participação igual. Um a vez que os cristãos com partilham da herança de Abraão da cidade celestial agora, eles também com partilharão dela no futuro. E legítimo distinguir judeus e gentios com o povos com duas origens distintas. [No entanto,] o seu destino (se vierem a confiar nas promessas de Deus) é o mesmo; eles com partilham da herança da Nova Jerusalém que desce do céu. Conseqüentemente, os dois destinos paralelos, o celestial e o terreno, desaparecem [...] os cristãos gentios também devem participar [das bênçãos de Israel], porque são co-herdeiros na sua união com Cristo, o iudeu (Ef 3.6) (ibid., 123).
Resposta ao Aliançalismo Modificado E m bora m ais intrincado e desenvolvido do que o ponto de vista tradicional, o aliançalism o m odificado não é m enos problem ático, sendo edificado sobre a fundação da m esm a h erm en êu tica ineficaz4'1. Os ajustes feitos por H oekem a e Poythress não levaram ao progresso da sua causa por diversos m otivos. Primeiro, o aliançalism o m odificado é um agrande concessão àabordagem h erm en êu tica oposta — o m étod o literal. Ele recon h ece que os dispensacionalistas estavam certos o tem po todo, quando defenderam u m cu m p rim en to fu tu ro literal das promessas do Antigo Testam ento a Israel45. Os teólogos aliançalistas que fazem esta concessão já terão concordado demais, se não desejarem sustentar a coerência global e prosseguir o resto do cam inho co m os dispensacionalistas. Segundo, a distinção de judeus e gentios com o povos com origens distintas e separadas (ibid.) tam bém é u m a concessão ao dispensacionalismo. Se os dois grupos realm ente têm origens separadas, concluir, então, que tam bém diferem em natureza e destino46 é dar um passo fácil, especialm ente quando se reconhece que as promessas feitas a Israel (estritam ente no contexto histórico) ofereceram a eles u m reino messiânico, político e literal.
* Veja acim a, sob “Resposta ao A lian çalism o T rad icio n al”. do dispensacionalism o.
43 N o v am en te, esta in te rp reta çã o literal c o e re n te está n o cern e
46 E m b o ra a sua posição e m C risto seja a m e sm a —v e ja p a rte 1.
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Terceiro, não é útil nem excepcional argumentar (com o fazem os adeptos do aliançalismo modificado) que Israel e a igreja não têm destinos diferentes. Alguns dispensadonalistas (com o, por exemplo, Erich Sauer) afirmaram isto por m uito tem po ('ibid.. 125'. e outros dispensacionalistas tradicionais concordam que existe um povo global de Deus que tem mais coisas em com um do que diferenças (por exemplo, veja Pentecost, TC, 576). Não obstante, ter um a grande família não significa que todos vivam na m esma casa ou tenham a m esm a profissão. Os seus elementos podem viver em áreas diferentes — alguns podem ser ministros, e outros, agricultores —, mas todos ainda são filhos dos mesmos pais. De igual maneira, não há necessidade de haver um único destino terreno e celestial na única família de Deus47. O restante deste debate é, em grande parte, sem ântico48, e, de qualquer forma, não propicia um a característica exclusiva para o ponto de vista aliançalista. Quarto, acrescentar tipologia ao m étodo histórico-gramatical é um erro categórico. Existem tipos do Antigo Testam ento que encontram um cum prim ento espiritual no Novo
Testamento. Por exemplo, o cordeiro pascal era um tipo de Cristo (Jo 1.29; 1 Co 5.7), e Hebreus 7—10 fala de Cristo cumprindo a tipologia do sistema levítico do Antigo Testamento, exatam ente com o as “sombras” do Antigo Testamento de sábados e festas são cumpridas na “substância” de Cristo (C l 2.17). No entanto, usar a tipologia do sistema levítico de uma maneira explicitamente aprovada no Novo Testam ento é um a coisa; usá-la de um a maneira para interpretar as profecias do Antigo Testamento feitas a Israel, é outra. Quinto, é incoerente concordar (co m o fazem os am ilenaristas adeptos do aliançalism o, tanto do tradicional quanto do m odificado) que o m étod o literal de interpretação da profecia do A ntigo Testam ento é legítim o, enquanto, ao m esm o tem po, se espiritualiza a profecia de Apocalipse 20 sobre os “m il anos” e “a prim eira ressu rreição”, afirm ando que n en h u m a delas é literal®. Sexto, e finalm ente, u m a diferença residual significativa entre os pontos de vista aliançalista m odificado e dispensacional essencial é, ao m esm o tem po, de interpretação e teológica. Pela sua h erm en êu tica retroativa ilícita, a prim eira destrói as características de distinção, tanto de Israel quanto da igreja. O Problema Hermenêutico
M esm o co m todas as suas qualificações, a p u ra realidade p erm an ece: O aliançalism o m odificado, não m en os do que o p onto de vista aliançalista trad icion al, aceita um m étod o h istó rico -g ra m a tica l de in terp retação in co eren te e in aceitável que te rm in a na alegorização de m u itas profecias do A ntigo T estam en to a respeito de Israel. Primeiro, o aliançalismo modificado espiritualiza as predições destinadas a Israel, aplicando-as à igreja de hoje. Por exem plo, o oráculo de Zacarias (6.12,13), de que o Messias “edificará o tem plo do S en h o r” (veja Poythress, UD, 114), supostam ente se cum pre na igreja. U m exam e contextual (exegético) revela que esta passagem se refere ao Israel nacional (a quem se destinava); som ente atribuindo ao Antigo Testam ento ilicitam ente um significado originalm ente não pretendido, é que se pode chegar a esta conclusão. A lém disto, o aliançalism o m odificado infringe a h erm en êu tica histórico-gram atical com textos no Novo Testam ento sobre a igreja, insistindo que a igreja e Israel estão no m esm o patam ar, em sua herança de prom essas50.
47 Veja capítulo 3.
48 Veja V olum e 1, capítulo 6.
Aliançalista Modificado”.
49 Veja capítulos 7 e 15.
50Veja citações acima, sob “O Ponto de Vista
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M uitas predições do Antigo Testam ento proclam am que Israel terá um lugar exclusivo no reino messiânico, funcionalmente superior ao lugar dos gentios51. Moisés disse a Israel: O Senhor tomou prazer em teus pais para os amar; e a vós, semente deles, escolheu depois deles, de todos os povos, como neste dia se vê [...] Para assim te exaltar sobre todas as nações quefez, para louvor, e para fama, e para glória, e para que sejas um povo santo ao Senhor, teu Deus, como tem dito (Dt 10.15; 26.19). Paulo acrescentou: Qual é, logo, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, em toda maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhe foram confiadas [...] dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém! (Rm 3.1,2; 9.4,5). Verdadeiram ente, D eus fez de Israel u m povo especial e lhes assegurou um papel distinto no Seu fu tu ro reino m essiânico. Isaías registrou: Assim diz o Senhor: O trabalho do Egito, e o comércio dos etíopes, e os sabeus, homens de alta estatura, se passarão para ti e serão teus; irão atrás de ti, virão em grilhões e diante de ti se prostrarão; far-te-ão as suas súplicas, dizendo: Deveras Deus está em ti, e nenhum outro deus há mais (Is 45.14). Na verdade, Israel terá um papel de liderança no ensino da Palavra de Deus às nações: E acontecerá, nos últimos dias, que se firmará o monte da Casa do Senhor no cume dos montes e se exalçará por cima dos outeiros; e concorrerão a ele todas as nações. E virão muitos povos e dirão: Vinde, subamos ao monte do Senhor, à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine o que concerne aos seus caminhos, e andemos nas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e de Jerusalém, a palavra do Senhor (Is 2.2,3). Assim, em bora todo o povo de Deus com partilhe igualm ente da Sua salvação pessoalmente e espiritualmente11, haverá u m lugar futuro especial para Israel coletivamente e nacionalmente53. 0 Problema Teológico Existe tam b ém u m a séria questão teológica com o ponto de vista aliançalista modificado: Ele ignora a condição da igreja co m o a “nova criatu ra” de Deus (2 Co 5.17), que diferencia Israel dos gentios. Paulo disse: “[...] n a sua carne, desfez a inim izade, isto é, a lei dos m andam entos, que consistia em ordenanças, para criar em si m esm o dos dois um novo homem, fazendo a paz” (E f 2.15). Paulo distingue três grupos em 1 Coríntios 10.32: “Portai-vos de m odo que não deis escândalo n em [1] aos judeus, n em [2] aos gregos, n em [3] à igreja de D eus”. E, em com paração com a igreja, que é enxertada, o Israel nacional ainda é u m a entidade distinta (cf. R m 11.25,26).
51Veja capítulos 13-14. 52Veja Volume 3, parte 2. 53Op. cit
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A lém disto, o aliançalism o modificado ignora as naturezas separadas de Israel e da igreja no povo global de Deus, um a celestial (a igreja) e a ou tra terren a I Israei A igreja universal é o corpo de Cristo, que teve inicio no Pentecostes55, no qual a unidade de judeus e gentios em u m ún ico corpo espiritual e n ã o-étn ico é um m istério não conh ecid o nos tem pos do Antigo T estam ento56. Adicionalm ente, o aliançalism o m odificado dá à igreja um a condição étnica equivalente à do Israel nacional. De m odo oposto, o Novo Testam ento é explícito no fato de que a igreja não é u m grupo étnico'"7 e, conseqüentem ente, não tem a m esm a condição que outro grupo étnico (Israel). Não existe um a condição étnica, social ou genérica em C risto (a igreja — G1 3.28); conseqüentem ente, in terp retar a equivalência entre a igreja e Israel nas passagens do Antigo Testam ento que colocaram Israel em um a posição fu n cio n alm en te superior no reino fu tu ro resulta em eisegese. Em term os h erm en êu ticos, e novam ente, isto infringe fu nd am entalm ente u m princípio do m étod o histórico-gram atical.
P R O F E C IA B ÍB L IC A : A E S C O L A D IS P E N S A C IO N A L IS T A P R O G R E S S IV A D E IN T E R P R E T A Ç Ã O N ão s o m e n te e x iste m fo rm a s m od ificad as de h e rm e n ê u tic a a lia n ça lista , co m o ex istem ta m b é m fo rm a s m u ta n te s de in te rp re ta ç ã o dispensacional. U m a delas é ch a m a d a de “d isp e n sa cio n a lism o p ro g re ssiv o ” (v eja B laisin g e B o c k , P D ), o qual ad ota u m a h e r m e n ê u tic a co m fo rte s sim ilarid ad es c o m o a lia n ça lism o m o d ificad o . Os dispensacionalistas progressivos adm item que têm um a posição “m ediadora” com os pontos de vista am ilenaristas aliançalistas58. O foco estará na h erm enêu tica apresentada por Craig Blaising (nascido 1949) e D arrell B ock ( nascido 1952) em Progressive Dispensationalism, com algum a referência a The Case fo r Progressive Dispensationalism, de R obert Saucy (nascido 1937)59. O q u e R e p r e s e n ta o D is p e n s a c io n a lis m o P ro g ressiv o Rejeição do Sensus Unum
Blaising e B o ck re je ita m que “signifcado é o que o au to r pretend ia dizer no con tex to original no qual o seu tex to foi escrito 60; importância se refere a todos os usos subseqüentes do te x to ”. Em outras palavras, em relação à fó rm u la trad icional, eles re je ita m que “existe u m a ú n ica in terp retação daquele significado original [sensus unum] e m uitas aplicações (im p o rtâ n cia )”; elas são “ú teis”, m as “sim plistas” (PD , 64). E xistem , então, m u ito s significados em u m texto, não apenas um , e nós devem os p ro cu rar um “e n ten d im en to mais p ro fu n d o ” [sensusplemor] além do significado expresso pelo autor, pois “p erm an ece u m a unidade de au toria [nas Escrituras] que tran scend e os autores h u m a n o s” (ibid., 65, 67).
54 V eja p a rte 1.
55 V eja c a p ítu lo 1.
56 C f. Efésios 3.3, 5; C o lo ssen ses 1.27; R o m a n o s 16.25,26.
e x e m p lo , v e ja S au cy , The Case fo r Progressive Dispensationalism, 2 7 ,1 6 5 ,1 7 3 . de v ista a lian çalista n ão -d isp en sa cio n a l. dispen sacion alistas clássicos.
57 V eja ca p ítu lo 2.
5S Por
59 O s e le m e n to s segu in tes são sim ilares a u m p o n to
60 Isto é, o m é to d o lite ra l, h is tó ric o -g ra m a tic a l de in te rp r e ta ç ã o d efen d id o p o r
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Rejeição do Significado do Autor Blaising e B ock tam bém rejeitam a lim itação histórico-gram atical do significado de u m texto àquilo que o au tor quis dizer com ele: O significado textual não está realmente limitado a reproduzir o que o leitor pensa que o autor pode ter querido dizer. [O apropriado] entendimento [de um texto] freqüentemente emerge de eventos e de suas conseqüências, em lugar de simplesmente estar inerente nos eventos propriamente ditos (ibid., 64). Eles oferecem u m exem plo que deixa perceber confusão entre o sigmjicado original e singular do autor e o significado subseqüente derivado da aplicação (importância) daquele significado. A idéia é de que Deus quer dizer mais com o texto do que o au tor hu m ano: A realidade de um texto mediado sobre eventos e a presença de um autor divino traz consigo importantes implicações para o significado do texto bíblico [...] Estes fatores permitem que um texto fale além do seu autor humano. [Assim,] existe uma conexão com a passagem original, mas não de uma maneira que seja limitada à interpretação do autor original humano (ibid., 66-67). Rejeição de um Significado Objetivo Fixo “U m a vez que as Escrituras tratam sempre de eventos relacionados, e não de idéias abstratas, o significado dos eventos nos textos tem um a qualidade dinâmica, e não estática” (ibid., 64). Com o uso de palavras pejorativas com o abstrato e estático, Blaising e Bock m al escondem o fato de abandonarem o significado histórico-gramatical objetivamente fixo61. A posição literal é descrita com o um “tipo de farisaísmo”, em contraste com o “pluralismo” e o relativismo (ibid., 71). Rejeição do Papel Neutro Procurado pelo Intérprete RobertThom as (nascido 1928) ressalta que a hermenêutica histórico-gramatical, conforme expressa por Milton Spenser Terry (1840-1914) em sua clássica obra Biblical Hermeneutics, sustenta que o intérprete procura e se esforça para assumir um a posição neutra com relação ao texto, de m odo a não ler nele as suas próprias perspectivas: “[Nós] devemos almejar, na verdade, colocarnos na posição dos autores sagrados” ( “CPDH”, in: Walvoord, ET, 417). Bernard Ram m cita Martinho Lutero a este respeito: “O m elhor professor é aquele que não traz o seu significado às Escrituras, mas obtém o seu significado das Escrituras” (BH, 595). De igual maneira, João Calvino afirmou: “As Sagradas Escrituras não são um a bola de tênis que nós podemos jogar com o quisermos. Na verdade, elas são a Palavra de Deus, cujo ensinamento deve ser aprendido pelo mais imparcial e objetivo estudo do texto” (op. cit., 417-18). Blaising e Bock, por sua vez, sustentam que o entendimento teológico prévio de um a pessoa deve poder influenciar a sua interpretação textual: “Cada um de nós tem a sua própria maneira de ver, um padrão de entendimento que influencia o que nós esperamos ver no texto, as perguntas que fazemos sobre ele, e, conseqüentemente, as respostas que obtemos” (PD, 59). Embora mais implicitamente, Robert Saucy parece sustentar um a visão similar, permitindo que a sua idéia “progressiva” de dispensações predisponha a sua interpretação (CPD, 32).
61 Veja Volume 1, capítulos 9-12.
A INTERPRETAÇÃO DA PROFECIA
Modificação da Hermenêutica Histórico-Gramatical Para alcançar o objetivo de produzir u m a interpretação “interativa", "progressiva” e "d inâm ica” (op. cit., 77), Blaising e B ock produzem u m a grave alteração na h erm enêu tica literal: acrescentando a categoria “teológ ico-literária” à histórico-gram atical. [Este] nível teológico e literário destaca o fato de que existe uma mensagem e unidade residente no texto, que é apresentado literariamente de várias maneiras, chamadas gêneros. Cada gênero apresenta a verdade de sua própria maneira e faz exigências exclusivas quanto a como deve ser interpretado (ibid.). Em outras palavras, um a escolha de gênero inicial a priori torna-se, em termos herm enêuticos, determ inante do significado textual. A exortação de Blaising e Bock para “ser sensível aogênero” significa que “o estudo do gênero nos leva à área de interpretação que nos ajuda a unificar as partes da m ensagem ” (ibid., 85). Na realidade, este m étodo freqüentem ente se to m a u m padrão de interpretação pelo qual as visões e conclusões de “estudo contem porâneo” que são estranhas e contrárias ao texto (conform e lido pelo m étodo padrão) podem ser obtidas dele. Bock vai ao ponto de recom endar a leitura chamada “com plem entar” do texto, a partir do ponto de vista de eventos posteriores, o que perm ite “múltiplos significados”, por meio do acréscimo de novos (ibid., 64-67): “A ampliação do significado acarreta um a mudança de significado? [...] A resposta é sim e não. Por um lado, acrescentar algo à revelação de um a promessa é introduzir ‘mudança1a ela, através da adição” ( “CMA”, in: TJ, 71). Saucy dá um exemplo de com o isto funciona, com a sua declaração de que existem múltiplos significados no Salmo 1 1 0 .0 Filho de Davi reina sobre dois tronos, um no céu (agora) e posteriormente, durante o Milênio, um na terra (CPD, 69-75). Naturalmente, Saucy não via isto com o um a mudança real na profecia, mas com o dois estágios contidos na predição original — um estágio inaugural, na ascensão de Cristo, e um estágio final, no M lênio. No entanto, isto realmente envolve um a mudança real, um a vez que o Messias está assentado no céu à direita de Deus somente depois da Sua ascensão (agora, cf. v. 1); posteriormente, Ele estará assentado sobre o trono terreno de Davi (depois do Seu retom o), durante o Milênio. A expressão original, “Assenta-te à m inha m ão direita” (no céu), não quer também dizer, no seu sentido histórico-gramatical, “na terra” (em Jerusalém); este último não é anunciado até o versículo 2, que declara: “O Senhor [Deus] enviará o cetro da tua fortaleza desde Sião [Jerusalém], dizendo: [Messias,] Dom ina no meio dos teus inimigos”. Isto só pode querer dizer “posteriormente”, quando Cristo retom ar à terra (um a vez que os Seus “inimigos” não estão no céu)62. Isto não é o m esm o que dizer que a autoridade dada a C risto pela expressão “à m inh a m ão direita” se estende através do M ilênio, no “final”, quando “tiver entregado o Reino a D eus”, o Pai (1 C o 15.24), e em n en h u m lugar este versículo diz que C risto assum iu o tro n o de Davi ao se assentar no céu, após a ascensão. Interp retar assim o texto a partir do suposto cu m p rim en to no N ovo Testam ento é eisegese. Não é o m étod o históricogram atical de interpretação de u m versículo em seu contexto, mas um a h erm enêutica revisada que perm ite a alteração de significado, por m eio de que um tro n o posterior na terra é identificado com um anterior no céu. Isto não é m eram en te um uso “expandido” e “de m últiplos níveis” do Novo T estam ento; é um a revisão do significado textual do autor do A ntigo Testam ento.
62Veja capítulo 15.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Aceitação de uma Hermenêutica Retroativa B ock tam bém aceita u m a fo rm a m odificada de interpretação aliançalista (retroativa), que Tom ás de A quino ch am a de “anacrôn ica”, a que “interp reta a revelação do Novo Testam ento retroagindo ao con texto do Antigo Testam ento, afirm ando ser um a m etod ologia histórico-g ram atical” ( “CPDH”, in: ET, 421). Ironicam ente, Blaising e B ock criticam o po n to de vista am ilenarista aliançalista de “interpretar o Novo Testam ento no con tex to do Antigo T estam en to” (PD, 97), mas a h erm en êu tica progressiva m ovida pelo gênero tem u m m ovim en to retroativo próprio, interpretand o o Antigo Testam ento à luz dos acontecim entos do Novo T estam ento. Por exem plo, B ock afirm a que o Novo Testam ento faz um a “expansão da prom essa” ou “inclusão adicional” à profecia do Antigo T estam ento. C om o dispensacionalista, B ock rejeita o cancelam ento de qualquer prom essa feita a Israel e ainda não cum prida63; no entanto , co m o dispensacionalista modificado, ele insiste que o N ovo Testam ento faz m odificações nestas promessas deixando-as diferentes do que pretendia o autor original. Isto é conseguido por m eio da negação do sensus unum e pela aceitação do sensus plenior, ou seja, que Deus queria dizer mais com o texto original do que o au tor hu m ano. Adoção de uma Hermenêutica Aliançalista Implícita Ironicam ente, as mesmas pessoas que Bock espera influenciar com o seu m étodo dispensacional modificado acreditam que ele logicam ente desistiu de tudo. Poythress escreveu: “Eu estou particularm ente feliz por ver os m ovim entos que eles [os dispensacionalistas] estão fazendo [...] No entanto, a sua posição é inerentem ente instável” (UD, 137). Por que? Porque a sua h erm enêutica conduz a um ponto de vista aliançalista. Som ente o tem po dirá se a lógica funcionará historicam ente, mas um a vez que um a m á m etodologia conduz a um a m á teologia, não se pode evitar imaginar quanto tem po tardará para que os dispensacionalistas progressivos se to rn em teologicam ente aliançalistas64. T hom as trata com precisão o assunto, quando diz que esta h erm en êu tica “resulta em u m m étod o alegórico de interpretação, e não litera l” ( “CPDH”, in: ET, 422). Este elem ento sim bólico (típ ico) se faz possível por um a revisão da h erm en êu tica históricogram atical: “Estes textos têm u m a m ensagem que se estende além do con tex to original no qual foram escritos” (Blaising e B ock, PD, 64).
Uma Avaliação da Hermenêutica Dispensacional Progressiva U m a vez que existe pouca coisa nova neste m étod o que ainda não ten h a sido avaliada acim a, nós irem os resum ir os problem as, m u itos dos quais são com u ns tam bém aos pontos de vista aliançalistas. A Rejeição do Significado do Autor Humano E Autodestrutivo A afirm ação de que o significado de u m texto não precisa estar lim itado àquilo que o au tor quis dizer com ele é, em si m esm a, u m a declaração textual que exige que lim item os a nossa interpretação de tal declaração àquilo que o au to r quer dizer. C onseqüentem ente, é autodestrutiva.
63 V eja ca p ítu lo 14.
64 O seu m e n to r a n te rio r, B r u c e W altke, n ã o o fez p o r m u ito te m p o , depois q u e tro c o u u m a c u ltu r a
p r é -m ile n a r p o r u m a visão am ile n a r. V eja c a p ítu lo 15.
AINTERPRETAÇAO DA PROFECIA
A R ejeição do Significado Objetivo É Autodestrutiva
D e igual m o d o , rejeitar o significado objetivo tro can d o-o por u m a visão “n ãoestática” é autodestrutivo, pois a m esm a declaração: “O signi&cado não é objetivo”, se apresenta co m o u m a declaração objetivam ente significativa. O proponente de um a visão de significado que não é fixa se agarra à sua própria forca semântica®. A Rejeição de um Único Significado (Sensus Unum) E Autodestrutiva Além disto, a rejeição do significado textual singular é autodestrutiva. Novamente, a m esma declaração: “Os textos podem ter mais do que um significado”, sugere que eles têm u m único significado, e o seu autor objetaria se o leitor complementasse com u m significado adicional que ele m esm o não teve a intenção de transm itir através das suas palavras. Deus não Pode Querer Dizer nada além Daquilo que Foi Expresso pelo Autor Humano A dicionalm ente, não faz sentido dizer que Deus quis dizer mais por u m determ inado texto do que o au tor h u m ano. D eus co n h ece mais sobre aquele assunto, e D eus vê mais implicações nele, mas Ele não pode querer dizer mais co m ele — a Bíblia é u m livro inspirado no qual D eus e o au tor h u m an o afirm am o m esm o tex to 66. 0 Dispensacionalismo Progressivo Confunde Significado e Importância A evolução básica aqui se faz possível com a rejeição da diferença entre significado (sentido) e im portância ( conseqüências). Existe som ente um significado em u m texto — aquele pretendido pelo autor. S im u ltaneam ente, existem muitas implicações e aplicações deste texto; D eus está ciente delas, e os leitores subseqüentes podem ser ajudados, por revelação posterior, a vê-las. Esta realidade é explicada pelas doutrinas da revelação progressiva e do entendim ento progressivo da revelação67. C o m revelações adicionais sobre u m determ inado assunto, e, falando profeticam ente, por m eio do seu cu m p rim en to, nós com preend em os m elh or o (e vem os mais im plicações n o ) texto original. Nós não podemos, licitamente, obter de um texto mais signifcado do que o autor colocou nele; o significado original não pode ser alterado. Q ualquer tentativa de negar isto traz u m a afirm ação à própria negação.
R E S P O S T A S A A L G U M A S O B JE Ç Õ E S À H E R M E N Ê U T IC A L IT E R A L O bjeções à h erm en êu tica literal histórico-gram atical podem ser classificadas em duas amplas categorias: bíblicas e não-bíblicas. A respeito da prim eira categoria, m uitas foram apontadas para a interpretação literal das Escrituras em geral, e da profecia em particular. As principais serão discutidas aqui, ao passo que algum as receberão um tratam en to mais detalhado p o steriorm ente68. O A r g u m e n to E x tra íd o de 1 C o r ín tio s 10.4 U m exem plo fornecido no Novo Testam ento que alegoriza u m a passagem do Antigo Testam ento é a declaração de Paulo sobre os filhos de Israel no deserto: “Beberam todos
65VejaVolume 1, capítulos 6 e 10. 66Veja Volume 1, capítulos 13-15,27. 67Veja Volume 1, capítulo 4. 68Veja capítulos 13-16.
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de u m a m esm a bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era C risto ”. Os aliançalistas con clu em que Paulo está considerando C risto com o u m cu m p rim en to espiritual da ro ch a literal que seguiu Israel no deserto.
Resposta Isto é u m m a l-e n te n d id o : A R o c h a que seguia Israel era u m a ro ch a lite ra l, assim co m o o m a n á que eles co m ia m era a lim e n to lite ra l do céu. A palavra grega espiritual (pneumatikos) n ão se refere à n a tu re z a da ro ch a, m as à sua orig em (D e u s), que é esp iritu al. A ssim co m o u m a pessoa esp iritu al ( c f 2.14,15) é u m a pessoa física, lite ra l, c u ja vida é d om in ad a p elo E sp írito, ta m b é m a ro c h a lite ra l n o d eserto era d om in ad a p elo Espírito — ela “os seg u iu ”, d u ran te q u aren ta anos, co m u m a fo n te in esg otáv el de água. A rocha fo i uma cnstofama —isto é, u m a m a n ifesta çã o lite ra l de C risto e de Seu p o d er so b re n a tu ra l —, co m o era o A n jo do S e n h o r, que ap areceu n a fo rm a física de u m ser h u m a n o (p o r exe m p lo , cf. G n 18.2,8,22). N ão existe esp iritu alização em 1 C o rín tio s 10.4; u m a ro ch a lite ra l, da qual saía água lite ra l, era lite ra lm e n te u m a m a n ifestação de C risto 69.
O Argumento Extraído de Romanos 4.13,16 Porque a promessa de que havia de ser herdeiro do mundo não foi feita pela lei a Abraão ou à sua posteridade, mas pela justiça da fé [...] Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não som ente à que é da lei, mas também à que é da fé de Abraão, o qual é pai de todos nós. C o m base nisto, argum enta-se que Abraão tem filhos espirituais, que a prom essa feita a ele tem u m cu m p rim en to em todos nós, judeus ou gentios, que crem os em Cristo — todos nós som os a sem ente espiritual de Abraão.
Resposta E verdade, mas não se pode conclu ir que as promessas incondicionais que Deus fez à sem ente literal de Abraão (a nação de Israel) não sejam literalm ente verdade, e que não serão cum pridas literalm en te. O fato de Abraão ter duas “sem entes”, u m a física e ou tra espiritual, não quer dizer que a ú ltim a substitua a prim eira; a semente espiritual é paralela, e não uma substituição. Existe u m fu tu ro para os descendentes físicos de Abraão70; na verdade, co m o será d em onstrado71, todas as notáveis promessas de terra e reino feitas a Israel serão cum pridas na Segunda Vinda72.
O Argumento Extraído de Gálatas 6.16 A re fe rê n c ia de P au lo ao “Isra e l de D e u s ” é fr e q ü e n te m e n te in te rp re ta d a p e lo s a le g o rista s c o m o sig n ific a n d o o “Isra e l e s p ir itu a l”, e q u e isto é u m a p ro v a de q u e P au lo e stá u san d o a p a la v ra Israel e m u m s e n tid o e sp iritu a l, em re fe rê n c ia à ig re ja .
69Veja Volume 2, apêndice 1. 70 Cf. Mateus 19.28; Lucas 21.24; Atos 1.6,7; Romanos 11. 71Veja capítulos 13-14. 72Veja capítulo 15.
A INTERPRETAÇÃO DA PROFECIA
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R e sp o s ta Esta interpretação não é necessária, de m aneira algum a. Na verdade, dado o con texto (que é co m o nós descobrim os o significado73), deve-se interpretar que se trata dos israelitas (ju d eu s) que são crentes verdadeiros, o que tam bém se encaixa com o uso de Paulo em outras passagens. Considere as evidências seguintes, para não ju lg ar que isto se refere ao assim cham ado “Israel espiritual” (a igreja). Primeiro, Paulo nada diz sobre o Israel espiritual; a sua referência ao “Israel de D eu s” delineia israelitas literais que aceitaram a m ensagem da graça de Deus. Isto se m escla à sua linguagem , em um a alusão sim ilar a israelitas literais que são falsos m estres, em contraste co m “a circuncisão som os nós [judeus], que servim os a Deus no Espírito, e nos gloriam os em Jesus Cristo, e não confiam os na ca rn e” (Fp 3.3). “Israel de D eus” e “a circuncisão [judeus], que servim os a D eu s” são o m esm o grupo: os judeus salvos pela graça de Deus, e não pela circuncisão. Segundo, isto se encaixa no con texto, no qual Paulo está lutando co n tra aqueles que ensinavam m ensagens legalistas de obras, falsos m estres que eram israelitas (jud eus), m as não de Deus; isto é, o seu ensin am ento era contrário ao verdadeiro evangelho. Na carta aos Gálatas, Paulo se refere a eles co m o aqueles que “vos obrigam a circuncidarvos” e a “guardar a lei” (6.12,13). Terceiro a linguagem de Paulo aqui com bin a co m o seu uso consistente de Israel com o u m a referência a judeus literais, os descendentes físicos de Abraão e Davi (por exem plo, cf. R m 9.3,4; 10.1). Não existe um exemplo no Novo Testamento da palavra Israel sendo usada em um sentido espiritual; ela sempre é usada com referência ao Israel étnico74 A. B. Davidson (1831-1902) resum iu bem isto: Certamente, a interpretação anti-literal extrema que considera os nomes Sião, Jerusalém, Israel e outros similares como meros nomes para a Igreja Cristã,, sem referência ao povo de Israel, não faz justiça, nem ao espírito do Antigo Testamento e seus princípios, nem aos princípios nos quais o apóstolo se baseia ao argumentar (OTP, 490, in: Ramm, PBI, 254n). O A r g u m e n to E x tr a íd o de M a te u s 2.15 Oséias (11.1) falou de Deus tirando Israel do Egito. A respeito da citação que M ateus faz desta passagem, co m o um cu m p rim en to do m enino Jesus sendo tirado do Egito, os alegoristas argu m entam que este não é u m uso literal da profecia de Oséias. R e s p o s ta Novamente, em bora o Novo Testamento algumas vezes dê um a aplicação (em lugar de um a interpretação) de um a passagem do Antigo Testamento, ele jamais espiritualiza a verdade literal de um texto do Antigo Testamento. Existe um a verdade central genérica na profecia: O “filho” de Deus (seja Israel, a nação messiânica, ou Jesus, o seu Messias) foi resgatado do Egito, para propiciar a salvação para o povo de Deus. Oséias aplicou isto à nação messiânica, e Mateus, ao Messias; am boseram o “filho” de Deus, e ambos foram resgatados do Egito. O significado não pode mudár. ainda que a aplicação possa; este é um exemplo da m áxim a “um significado, muitas aplicações”, da herm enêutica histórico-gramatical.
n Veja Volume 1, capítulo 6.
74Veja capítulo 14.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O Argumento Extraído de 1 Pedro 2.9 No contexto do Antigo Testam ento (Ex 19.6), a expressão povo santo é usada a respeito de Israel; aqui Pedro parece usá-la (nação santa) em u m sentido espiritual a respeito da igreja.
Resposta Primeiro, Pedro não oferece isto com o u m cu m p rim en to espiritual do que Deus pro m eteu a Israel. Segundo, isto n em parece ser um a citação da profecia de que Israel seria “reino sacerdotal e povo santo” (Ex 19.6). Pedro diz m u ito mais: Os crentes são “a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido [de D eus]”. Terceiro, na m elh o r hipótese, Pedro em presta a linguagem do A ntigo Testam ento e a aplica apropriadam ente aos crentes do Novo T estam ento, que, afinal, tam bém fazem parte do povo de D eus75. Quarto, e fin a lm e n te , m e sm o que esta fosse u m a cita ç ã o lite ra l, p alavra p o r p alav ra, do te x to a n te rio r, n ã o ju s tific a r ia u m a in te rp re ta ç ã o a le g ó rica ou esp iritu a l, n e m u m a id e n tifica çã o da ig re ja do N ov o T e s ta m e n to c o m o Isra el do A n tig o T e s ta m e n to . O fa to de que duas entid ad es tê m u m a d escriçã o c o m u m de alg u m as ca ra c te rís tic a s n ã o q u e r d izer que s e ja m id ên tica s. Os c re n te s do N ovo T e s ta m e n to são lite ra lm e n te p o vo de D eu s e sa cerd o te s, assim c o m o era m os c re n te s do A n tig o T e s ta m e n to ; em n e n h u m sen tid o este te x to m o stra que Pedro está esp iritu alizan d o u m te x to que se re fe ria ao Isra el lite ra l e ag ora id e n tifica n d o -o c o m u m Israel e sp iritu a l (a ig re ja ). No m á x im o , Pedro está e m p re sta n d o a lin g u a g em usada sob re o p o vo de D eu s n o A n tig o T e s ta m e n to e a p lica n d o -a ao p o v o de D eu s n o N ovo T e s ta m e n to .
O Argumento Extraído de Hebreus 8.7-13 Jerem ias 31.31 nos in fo r m a que D eu s disse: “F arei u m c o n c e rto n o v o co m a casa de Is ra e l”. O a u to r da c a rta aos H ebreu s a firm a que isto se ap lica à ig re ja do N ovo T e s ta m e n to , e os aleg o ristas u sam isto p ara ju s tific a r a in te rp re ta ç ã o das p re d içõ es do A n tig o T e s ta m e n to p a ra Isra el c o m o sen d o e sp iritu a lm e n te cu m p rid as n a ig reja .
Resposta Isto não procede por várias razões. Primeiro, a quem quer que a prom essa se destinasse, o seu cu m p rim en to é literal, aos da era do Novo Testam ento e/ou aos do Antigo. Os benefícios do novo con certo pertencem literalm en te (e não alegoricam ente) a todos os crentes. Segundo, o fato de que a ig reja tam b ém é a beneficiária do N ovo T estam en to não quer dizer que tam b ém n ão haverá u m cu m p rim e n to literal n o Israel nacion al. A aplicação destes benefícios a u m grupo não quer dizer que eles são, con seq ü en tem en te, cancelados para o o u tro . Isto quer dizer que a m esm a coisa lite ra lm e n te p rom etid a para Israel (a ser cu m p rid a n o fu tu ro ) tam bém é verdade atu alm en te para os cren tes do N ovo Testam ento.
75Veja capítulo 13.
A INTERPRETAÇÃO DA PROFECIA
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Terceiro, em bora o concerto fossefeito com Israel, tam bém se aplica apropriadamente à igreja (8.7-13); os benefícios da m orte de Cristo eram destinados, desde o início, a ambos76. O Novo Testamento não está espiritualizando uma promessa que não será literalm ente cumprida77.
O A r g u m e n to E x tra íd o de L u ca s 3.5 Citando Isaías 40.4, Lucas registrou as palavras de João Batista: "Todo vale se encherá, e se abaixará todo m o n te e outeiro; e o que é to rtu o so se endireitará, e os cam inhos escabrosos se aplanarão”. U m a vez que não oco rreram m udanças topográficas deste tipo quando João pregava, alguns teólogos aliançalistas objetaram que este é um exem plo de espiritualização do N ovo Testam ento de um a predição do A ntigo Testam ento. C ertam ente, o Novo Testam ento não interpreta isto literalm ente. R e s p o s ta N atu ralm ente, o Novo Testam ento não interpreta isto literalm ente, e por u m a razão m u ito boa: isto jam ais teve a intenção de ser interpretado literalm ente. São figuras de linguagem , e o método literal de interpretação insiste que as figuras de linguagem sejam interpretadas de maneira figurada — esta é literalm en te a maneira como elas deviam ser interpretadas™. N ovam ente, o uso de sím bolos e m etáforas não é de m aneira algum a incom patível com a h erm en êu tica literal. Se fosse, nós seriam os obrigados a afirm ar que o Antigo Testam ento está freq ü en tem ente enganado em outros textos (m uitos dos quais são nãoproféticos), com o quando ele fala de m ontes em júbilo (Is 49.13), cam po que se alegra, e árvores que se regozijam (SI 96.12), desertos que se alegram (Is 35.1), estrelas que cantam (Jó 38.7), e árvores que batem palmas (Is 55.12). O A r g u m e n to E x tr a íd o de A to s 2.17-2079 E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos; e também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e minhas servas, naqueles dias, e profetizarão; e farei aparecer prodígios em cima no céu e sinais em baixo na terra: sangue, fogo e vapor de fumaça . O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes de chegar o grande e glorioso Dia do Senhor
Os críticos do m étod o estritam ente literal de interpretação observam que, em n en h u m sentido, a seção em itálico foi literalm en te cum prida no Dia de Pentecostes. R e s p o s ta Primeiro, em bora Pedro cite todo o texto de Joel 2, som ente a prim eira parte dele foi cum prida no Pentecostes, e depois dele; o restante se refere ao retorn o de Cristo. Está claro que os sinais no céu não aconteceram no Pentecostes. Segundo, um a vez que a prim eira parte se cum priu literalm ente, não há razão para crer que a segunda parte não se cum prirá tam bém literalm ente na Segunda Vindas". Isto respalda o m étodo literal.
76V eja Gênesis 3.15; 12.3; Isaías 2.6; 42.1,6; 49.6.
77V eja capítulo 14.
de In terpretação”; v eja tam bém Volum e 1, capítulo 10.
78Veja acim a, sob “Profecia Bíblica: A Escola Literal
79Veja capítulo 6.
80 Veja capítulo 15.
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O Argumento Extraído de Gálatas 3.29 Paulo escreveu aos gálatas: “E, se sois de Cristo, então, sois descendência de Abraão e herdeiros conform e a promessa”. E m Rom anos 4.13-16, ele tam bém m enciona que os crentes em Jesus são a semente espiritual de Abraão. No entanto, em Gênesis 15.5 (de onde isto foi extraído), Deus está falando sobre os descendentes físicos de Abraão, que serão incontáveis.
Resposta Este texto é u m cum prim ento literal daquilo que Deus prom eteu a Abraão desde o início, a saber, que “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (G n 12.3). C om o observamos, Paulo deixa claro que Abraão tem descendentes tanto físicos com o espirituais (R m 4.16), de m odo que o Novo Testam ento não está espiritualizando apredição, mas confirm ando o que Deus prom eteu. Na verdade, Deus prom eteu que som ente os descendentes físicos que forem fiéis herdeiros da promessa serão aqueles que receberão a promessa pela fé (9.6); “isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados com o descendência [de Abraão]” (v. 8). Deus cum priu literalm ente o que tin h a prom etido: som ente aqueles (judeus ou gentios) que crerem receberão a Sua promessa81. A maior parte das outras objeções a um a herm enêutica literal já foi tratada. Para colocá-las nos term os da resposta, o m étodo literal não exclui o uso de símbolos, figuras de linguagem, tipos, poesia ou parábolas—tudo isto é baseado em um a verdade literal e transmite um a verdade literal. Tam pouco isto significa que um texto tem um a única aplicação ou implicação, nem que um a revelação adicional não possa acrescentar à nossa compreensão. O que é apresentado a seguir se soma aos mal-entendidos do m étodo literal.
A Objeção ao Termo Literal Alguns protestam que o term o literal é enganador, porque é m elh o r com preendido em contraste com figurado ou simbólico, que o m étod o literal afirm a englobar. Poythress argu m enta que “é u m term o que confunde, e que pode trazer à to n a m uitas perguntas arriscadas n a interpretação da Bíblia [...] Seria m e lh o r que não usássemos a expressão [interpretação literal]” (UD, 96).
Resposta Primeiro, não é o termo, mas a verdade deste m étod o que é im portante. Se não se puder encontrar u m term o m elh o r, tan to m elh o r, enquanto a verdade for conservada. Segundo, por este term o ter um a origem sólida e u m a história venerável, ele não deve ser descartado de m aneira leviana. N ovam ente, ele se origina do latim sensus literalis, que tem u m significado estável, clássico e co m u m en te com preendido. Terceiro, é um term o apropriado, em contraste com as interpretações não-literais e alegóricas às quais ele se opõe. Se interpretado no sentido de que toda a Bíblia é literalmente verdade, mas não é toda verdade literalmente, então literal parece ser o m elhor term o disponível. Quarto, as alternativas propostas são freq ü en tem ente inconvenientes e com plexas; a com paração dos term os sugeridos por revisionistas resultaria em algum a coisa que segue a pesada lin h a do “m étod o histórico-gram atical-exegético-bíblico-con textu al-literárioteoló g ico -can ô n ico ” (Blaising e Bock, PD, 11,100-101).
81 Veja capítulo 14; veja tam bém Volum e 3, capítulo 13.
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Quinto, e finalm ente, aqueles que ob jetam ao term o literal freq ü entem ente têm um a agenda pela qual — sob um a palavra ou expressão acrescentada recen tem en te — podem m odificar o significado da h erm en êu tica clássica em algo diferente que se enquadre em suas inclinações teológicas. C ertam ente, palavras com o dinâmico, orgânico, progressivo e holístico não são candidatas inferiores, pois abrangem m uitos pecados herm enêu ticos: é m elh or ser fiel àquela que resistiu ao teste do tem po e deixar o restante para os com entários. A O b je ç ã o de q u e L ite ra l E u m T e r m o de A r g u m e n ta ç ã o C ir c u la r a fa v o r d o D is p e n s a c io n a lis m o Poythress argu m enta que m u itos dispensacionalistas usam histórico-gram atical literal co m o u m m étod o de “argum entação circu lar” para apoiar o seu sistem a de crença (UD, 94). U m a vez que os dispensacionalistas favorecem a interpretação literal das predições do Antigo Testam ento a respeito de Israel, é com preensível que desejem usar um a h erm en êu tica literal para chegar a esta conclusão. R e s p o s ta Esta objeção coloca “o carro na frente dos bois”: C om o os dispensacionalistas, de u m a m aneira não-negociável, sustentam a interpretação literal das Escrituras, são forçados a recon h ecer u m fu tu ro nacional literal para Israel82. N a verdade, a acu sação de e sc o lh e r u m a h e rm e n ê u tic a que se enqu ad re na teo lo g ia p ré-co n ceb id a pode ser aplicada m ais ap ro p riad am en te à abord agem da aliança. A m aioria dos teó lo g o s aliançalistas (de m a n e ira esp ecífica) e am ilen aristas (de m o d o g eral) usam o m é to d o lite ra l p ara in te rp re ta r o re sta n te das E scritu ras, m as en tão , de m o d o in c o e re n te , passam p ara u m m éto d o a leg ó rico ou sim bólico quando se tra ta de te x to s que, se in te rp re ta d o s lite ra lm e n te , iriam co n tra d iz e r o seu sistem a p ré -e sta b e lecid o 83.
P R O F E C IA B ÍB L IC A : C A R A C T E R ÍS T IC A S D A IN T E R P R E T A Ç Ã O L IT E R A L C O N S IS T E N T E M uitos m étodos de interpretação das profecias declaram ser literais, mas nem todos são consistentem ente literais. Existem diversas características de u m m étod o consistente84. In te r p r e ta a P ro fe c ia de u m M o d o L ite ra l (N ã o A le g ó ric o ) U m a h erm en êu tica consistente deve ser literal — não há mais razões para m odificar a h erm en êu tica de alguém quando se trata de Escrituras proféticas do que há para que alguém passe para um a h erm en êu tica alegórica quando passa das notícias do jo rn a l local para a previsão do tem po. D eclarações sobre o fu tu ro não im possibilitam predições literais, co m o observou M ilton Terry: “Ainda que apreciando devidamente as peculiaridades da profecia, devem os em pregar basicam ente na sua interpretação os m esm os grandes princípios que são em pregados na interpretação de outros textos antigos” (BH, 418).
82Veja capítulos 13-15.
83Veja capítulos 14-16.
84Veja Volume 1, capítulos 5 e 12.
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De volta à analogia do jo rn al: A lguém poderia retorqu ir que isto pode ser verdade, quanto às notícias e ao tem po, mas não quanto às tiras de quadrinhos — a interpretação literal não é aplicável aqui, não é m esm o? A resposta é sim: Trata-se literalm ente de um a seção de quadrinhos. O gênero m udou, e todos os leitores sabem disto; os personagens não são pessoas reais, m as aquilo que o criador de cada tira ou quadrinho acredita ser a verdade literal que ele deseja transm itir. A té m esm o a com édia, com o a parábola ou o sim bolism o, con tém verdade literal; n a verdade, n orm alm en te nós rim os dela porque ela tran sm ite verdade literal com a qual nós nos identificam os.
Interpreta a Profecia contextualmente U m a herm enêutica literal consistente tam bém interpreta contextualm ente as declarações proféticas. Por exem plo, se um a passagem trata do Israel nacional literal, não tem os direito de interpretá-la com o se referindo à igreja do Novo Testam ento85. Isto se faz freqüentem ente, com relação às promessas de terra feitas a Israel, terra dada incondicionalm ente a Abraão, especificada geograficamente, e concedida a eles “para sem pre”86. Isto jamais se cum priu, n em no sentido de duração de para sempre, nem no sentido com pleto das dimensões da terra. M esm o nos tem pos de Josué, quando Deus cum priu a garantia mosaica da sua conquista e posse da Terra Prometida, eles não tiveram toda a terra até o Eufrates (Js 21.43-45; cf. G n 15.18)87; além disto, depois deste tem po, há referência ao cu m prim ento da promessa a Abraão com o ainda futuro (cf. A m 9.14,15). U m a herm enêutica literal consistente reconhece que estas promessas da terra ainda não foram cumpridas e que, portanto, o serão no futuro, com u m Israel nacional restaurado.
Interpreta a Profecia com um Único Significado ( Sensus Unum) U m texto tem um a interpretação ou muitas? A perspectiva sensus unum insiste que existe um a única interpretação (aquela tencionada tanto por Deus com o pelo autor h u m an o), e a perspectiva sensusplenior afirm a que há mais do que u m a (aquela tencionada pelo autor h u m an o e aquela tencionada por D eus). Raym ond E. Brow n (nascido 1928), investigando o sensus plenior, explica: O sensus plenior é aquele significado adicional, mais profundo, tencionado por Deus, mas não claramente tencionado pelo autor humano, que se vê existir nas palavras de um texto bíblico (ou grupo de textos, ou mesmo em um livro inteiro) quando são estudadas à luz de revelações adicionais ou desenvolvimentos que visam à compreensão da revelação (citado em Ramm, H, 106-07). Nós já dem onstram os que u m texto tem som ente uma interpretação, mas pode ter muitas implicações/aplicações; em bora tanto Deus quanto o autor hu m ano afirm em o m esm o significado/interpretação88, o autor hum ano pode ou não ter tido em m en te todas as implicações/aplicações. No entanto, sustentar um significado mais profundo do que aquele que o profeta teve em m ente89, no sentido de u m duplo significado ou de Deus querer dizer mais, é um a herm enêutica m u ito equivocada; da m esm a maneira, ler em u m texto um significado retroativo derivado de reyelação posterior é um sério erro de interpretação. S5 Veja capítulo 14.
86 Veja Gênesis 15.9-22; 17.7,19.
87 Op. cit.
88 Veja Volum e 1, capítulos 13-15.
herm enêu tica am ilenar defende; veja Allis, Prophecy anâ the Church, 48-49.
89 É isto o que a
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De acordo com a doutrina da inspiração verbal, o significado de um determ inado texto é o significado expresso tanto por Deus quanto pelo autor hum ano. A inspiração bíblica significa que, em um determ inado texto, seja o que for que o autor afirma. Deus afirma, e seja o que for que o autor nega, Deus nega —nem mais, nem m enos90. Não pode haver dois significados para o m esm o con ju n to de palavras no m esm o contexto; o significado é revelado pelo contexto, e existe um único contexto para as m esm as palavras1'1. Novamente, nós podemos aprender mais a respeito de um assunto por meio de revelação adicional, mas a revelação adicional não acrescenta nenhum significado a um texto anterior. Ela não tem nenhu m direito retroativo de ser interpretada na revelação anterior. A revelação anterior não depende de revelação subseqüente para seu significado, nem para qualquer suposto significado mais profundo92. Interpretado neste sentido, o sensus plenior é mal dirigido. R e c o n h e c e F ig u ra s de L in g u a g e m d e n tr o d o S ig n ific a d o L ite ra l Os seguintes exem plos são úteis para exem plificar que o significado literal textual não elim ina o uso de parábolas, m etáforas, figuras de linguagem , e até m esm o símbolos (etc.), dentro da interpretação literal. Parábolas
Jesus talou muitas parábolas, algumas das quais foram proféticas, mas m esm o que o gênero literário fosse parabólico, havia um a verdade literal transm itida. Em bora a parábola seja simbólica, ela é simbólica de um a realidade real. Por exem plo, a parábola que Jesus disse sobre os lavradores (Lc 20.9-18) claram ente prediz a Sua rejeição pelos judeus, a Sua crucificação, e o Seu retorno à terra. Os “servos” do proprietário (D eus), que foram espancados pelos lavradores (vinhateiros —os judeus), eram os profetas; o filho do dono da vinha, que foi m o rto pelos lavradores, era Cristo; a destruição dos lavradores é a Segunda Vinda11'’. Jesus esclareceu isto citando Salm os 118.22, sobre a rejeição da “cabeça de esquina”. Verdades literais a respeito do futuro, ensinadas por m eio de um a parábola. Metáforas e Analogias
As Escrituras estão repletas de m etáforas e analogias: Deus é m etaforicam ente representado com o um a “rocha” (SI 31.3) e um a “torre fo rte” (Pv 18.10). Em bora estas não sejam verdades literais, elas são literalm ente verdades: o Deus im utável é literalm ente tão sólido quanto um a rocha94. De m aneira alguma, o uso de m etáforas ou analogias elim ina a verdade bíblica literal, mas, em vez disso, a reforça, com term os vividos, descritivos e evocativos. Símbolos
Muitos símbolos são usados na Bíblia. C om o observamos anteriorm ente, o livro de Apocalipse está repleto deles, com o tam bém os livros de Zacarias e Daniel. As nações gentias são consideradas por Deus com o animais selvagens (D n 7), ou com o um hom em m etálico (D n 2), que será quebrado em pedaços por um a grande pedra (C risto) na Sua volta (w . 44,45). Mas n en h u m destes símbolos espiritualiza as nações e as pessoas literais das quais são símbolos —a herm enêutica literal não elim ina o significado literal do texto. 90 Op. cit.
91 Veja Volum e 1, capítulos 6 e 10.
cf. Hebreus 6.18; Tiago 1.17.
92 Ibid., capítulo 4.
93 Veja capítulo 15.
94 Veja Volum e 2, capítulo 4;
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Os símbolos ajudam a expressar a verdade de um a m aneira vital e pitoresca, com o outras figuras de linguagem , com o hipérhole, sátira e antropomorfismo. Poesia Algum as das magníficas profecias do Antigo Testam ento são expressas de m aneira poética. Isto, novam ente, de m aneira algum a dim inui a característica literal daquilo a que a profecia se refere. Deus, seres hum anos, animais, colinas, e árvores, todos são realidades literais; falar sobre eles de m aneira poética não os to rn a figurados. A linguagem poética, em lugar de desliteralizar ou desm aterializar o seu ob jeto, o to rn a ainda mais vivido (veja R am m , PBI, 228), com o dem onstram as notáveis profecias de Isaías.
A BASE HISTÓRICA PARA A HERMENÊUTICA PADRÃO O m étodo literal histórico-gram atical de interpretação está firm em ente enraizado na história da igreja. M esm o aqueles (co m o Agostinho) que estavam propensos a alegorizar, adm itiram que a interpretação literal era a fundação sobre a qual outras interpretações seriam edificadas. U m a vez que o m étodo literal está enraizado em Aristóteles (assim com o o m étodo alegórico está baseado em Platão), com eçarem os com citações da nascente. Aristóteles (384-322 a. C.) Não é acidente que o avô do m étodo literal fosse empírico na sua epistemologia95, pois aqueles que afirm am que o conhecim ento com eça na experiência sensorial não são facilmente levados às alegorias. Aristóteles afirmou não som ente o sentido gramatical do significado, mas tam bém que existe um único significado (sensus unum) para um a afirmativa: Assim como todos os homens não têm a mesma escrita, também todos os homens não têm os mesmos sons de fala, mas as experiências mentais, que estes sons simbolizam diretamente, são as mesmas para todos, assim como aquelas coisas das quais nossas experiências são as imagens (OH, 16a.4-8). A primeira classe das simples proposições é a simples afirmação; a seguinte, é a simples negação: todas as outras são uma única, por conjunção [...] Nós chamamos de únicas as proposições que indicam um único fato, ou a conjunção de partes das quais resulta unidade: estas proposições, por outro lado, são separadas e inúmeras, o que indica muitos fatos, ou cujas partes não têm conjunção (ibid., 17a,15-18). Irineu (c. 125-c. 202) Estas coisas estão [claramente] sob a nossa observação, e são claramente e inequivocamente expressas em termos apresentados nas Sagradas Escrituras. E por isto as parábolas não devem ser adaptadas a expressões ambíguas (AH, 2.27). [Sobre o número 666, do Anticristo,] é, portanto, mais seguro e menos arriscado esperar o cumprimento da profecia do que fazer suposições e procurar nomes que possam 95Veja Volume 1, capítulos 3 e 7.
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apresentar-se, visto que pode haver muitos nomes que possuam o número mencionado; e a mesma questão permanecerá, afinal, sem solução (ibid., 5.30.3). Tertuliano (c. 155-c. 225) Tertu liano repreende os alegoristas por distorcerem a verdade literal da profecia: Pois alguns, quando se deparam com alguma forma muito usual de declaração profética, geralmente expressa em imagem e alegoria, ainda que nem sempre, distorcem para algum sentido imaginário até mesmo a doutrina da ressurreição dos mortos, que é descrita com absoluta clareza (OBF, 19). Deixem-me dissipar de uma vez por todas a idéia preliminar sobre a qual eles se baseiam — a sua afirmação de que os profetas fazem todas as suas declarações em figuras de linguagem. Se fosse este o caso, as próprias figuras não poderiam ter sido distinguidas, pois não teriam sido declaradas as figuras das quais se obtém a linguagem figurada. E, na verdade, se todas as coisas fossem figuras, onde estaria aquilo que elas representam? Como você pode colocar um espelho diante do seu rosto, se o rosto não existe em lugar nenhum? (ibid., 20). Hipólito (c. 170-c. 235) Ele [Noetus] cita estas palavras sem compreender aquilo que as precede. Pois sempre que eles [Noetus e seus seguidores] desejam empreender alguma coisa oculta, mutilam as Escrituras. Mas que ele cite [...] a passagem como um todo, e descobrirá a razão que estava em mente quando a passagem foi escrita (EWFHAHON, 4). Orígenes (c. 185-c. 254) Apesar da sua conh ecid a alegorização de partes das Escrituras, Orígenes tin h a um a h erm en êu tica literal subjacente. Ele tam bém com preendia alguns princípios básicos de herm en êu tica, com o os seguintes: Somente àqueles que são sábios na verdade de Cristo (e a todos eles) pertence o direito de desvendar a conexão e o significado, até mesmo das partes obscuras da profecia, comparando coisas espirituais com espirituais, e interpretando cada passagem de acordo com o uso feito pelos autores das Escrituras (DP, 7.11). Agostinho (354-430) E bem conhecid o o fato de que A gostinho alegorizou am plam ente as Escrituras, inclusive passagens proféticas com o Apocalipse 20, sobre o M ilênio (v eja CG). De qualquer m odo, por mais errado que estivesse na prática, não obstante em princípio A gostinho sustentava que o literal era a base do alegórico (que era um a aplicação espiritual do literal): Eu não censuro aqueles que podem ter sido capazes de descobrir alguma interpretação espiritual para cada fato histórico narrado, enquanto eles tomarem cuidado e, acima de tudo, forem fiéis ao fato histórico (ibid., 17.3).
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Ninguém deveria objetar a tais reflexões, e a outras ainda mais apropriadas, que possam ser feitas a respeito da interpretação alegórica do Jardim do Éden, enquanto nós cremos na verdade histórica manifesta na fiel narrativa de tais eventos (ibid., 13.21). Tomás de Aquino (1225-1274) O com entário de Tom ás de Aquino sobre a obra On Interpretation, de Aristóteles, perpetu ou a h erm en êu tica sensus unum literal peripatética: Uma afirmativa significa alguma coisa a respeito de alguma coisa, e o sujeito é o nome ou aquilo que não tem nome, e uma coisa deve ter significado sobre uma coisa em uma afirmativa (AOI, 11.1, 125, 127). Martinho Lutero (1483-1546) A R eform a poderia ter sido abortada, se Lutero não tivesse confiado no cerne da interpretação literal: “As palavras [das Escrituras] devem ser levadas em consideração, segundo a intenção daquele que fala” (B TW , 129). João Cahino (1509-1564) Os com entários de Calvino sobre as Escrituras e a sua teologia básica edificada sobre eles são conhecidos pelo seu uso exem plar da h erm en êu tica literal: Eu digo que nós devemos considerar até que ponto a interpretação pode ter a permissão de ir além do significado literal das palavras, ainda deixando aparente que nenhum acréscimo de ressalvas humanas à Lei Divina é permitido, mas que o puro e genuíno significado do Legislador seja exibido fielmente (ICR, 2.8.8). George Peters (1825-1909) Onde houver uma interpretação literal, a posição mais distante da literal é normalmente a pior. Não há nada mais perigoso do que esta arte licenciosa e ilusória, que modifica o significado das palavras [...] fazendo de tudo o que quiser, e no final reduzindo toda a verdade a nada (TK, 1.47). “O único padrão verdadeiro de interpretação é o gram atical (auxiliado pelo h istó rico )” (ibid., 9). Milton Teny (1840-1914) Primeiro, nós devemos averiguar a posição histórica do profeta; em seguida, o escopo e o plano de seu livro; então, o uso e a importância das suas palavras e dos seus símbolos; e, finalmente, deve ser feita uma ampla e diferenciadora comparação das Escrituras paralelas (BH, 418). “U m a nova linguagem não foi criada para os autores das Escrituras; eles se colocaram em conform idade com a linguagem usual da nação e da época” (ibid., 73). “Se o significado literal de alguma palavra ou expressão faz bom sentido em suas conexões, ele é literal; mas se o significado literal não faz bom sentido, é figurado” (ibid., 40).
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"[O intérprete deve] proceder pressupondo que a palavra é litera.. a m enos que haja u m a boa razão para decidir de o u tra m an eira” (ibid.). “O intérprete deve ter rígida consideração (1) com o ponto de vista histórico do autor ou profeta, (2) com o escopo e contexto, e (3) com a analogia e im portân cia de sím bolos sim ilares e figuras usados em outras passagens” (ibid., 356-57). M errill Tenney (1904-1985)
A escola futurista de pensamento, devido à sua insistência em uma interpretação tão literal quanto possível, tem sido um antídoto salutar para um simbolismo desequilibrado que tende a fazer com que a revelação signifique tudo, menos o óbvio (IR, 145). “Os sím bolos com o um todo não são tom ados de fontes fantasiosas ou imaginárias, mas são relacionados a idéias que devem ser prontam en te reconhecidas pelos leitores” (ibid., 193). “Q uanto mais literal a interpretação que se adotar, mais fo rtem en te o intérprete será considerado fu tu rista” (ibid.). Charles Feinberg (1909-1997)
“N enhum a profecia da Palavra deve ser interpretada u n icam ente com referência a si m esm a [...] mas todas as outras porções da revelação profética devem ser levadas em consideração” (PA , 39). “[Quando] os sím bolos são explicados no con texto im ediato, no livro n o qual aparecem , ou em outras passagens da Palavra, não há lugar para que a im aginação do h om em invente explicações” (ibid., 55). Bernard Ramm (1916-1992)
“O intérprete deve adotar a interpretação literal de um a passagem profética com o sua diretriz lim itante ou con trolad ora” (P BI, 253). “A interpretação literal é o ponto de partida para a interpretação p rofética” (ibid., 258). “O cu m p rim en to literal de algum as das profecias do período do Antigo T estam ento indica a validade deste princípio” (ibid., 261-62). John Walvoord (1910-2002)
Se uma pessoa não interpretar literalmente as afirmações claras da profecia, não existe uma regra pela qual algum consenso de significado possa ser estabelecido; a existência de uma ampla diversidade de interpretação mostra o fracasso desta abordagem (ET, 10). Dwight Pentecost (nascido 1915)
“N en h u m a questão co m que o estud ante de escatologia se depara é m ais im p o rta n te do que a questão do m étod o a ser em pregado na in terp retação das E scrituras p ro féticas” ( I C , 1).
“A obediência a estas regras sadias de interpretação profética [literal, gramatical, histórica etc.] levará a um a correta [isto é, futurista] interpretação das Escrituras” (ibid., 64).
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O m étod o literal envolve atribuir a cada palavra “o m esm o significado básico e exato que ela teria no uso n orm al, cotidiano e costu m eiro, esteja ela em pregada n a escrita, na fala ou no p en sam en to” (ibid., 9). A interpretação da profecia exige atenção às mesmas considerações a respeito de palavras, contexto, gramática e situações históricas, que são os princípios aceitos com respeito a qualquer campo de interpretação (ibid., 64). E impossível mesclar os métodos de interpretação no campo da profecia. Um método deve ser adotado e usado sempre. Pode-se afirmar com segurança que o problema na interpretação da profecia é este problema de coerência (ibid.). Charles Ryrie (nascido 1925) [O futurismo dispensacional] é edificado sobre o uso coerente do método de interpretação, literal, normal ou simples, sem a adição de qualquer outro princípio [...] O dispensacionalismo clássico é um resultado da aplicação coerente do princípio hermenêutico básico de interpretação literal, normal ou simples. Nenhum outro sistema de teologia pode declarar isto (DT, 85).
CONCLUSÃO A discordância básica na interpretação bíblica se dá entre os m étodos literal e alegórico, e o exam e deste ú ltim o revela falhas nos seus fundam entos. O m étod o alegórico com o tal é um a herm enêutica inválida, porque todo significado verdadeiro é u m significado literal96; além disto, qualquer m eio alegórico (não-literal) de interpretação pressupõe um significado literal, um a vez que ninguém pode saber o que não é literal, a m enos que saiba o que é literal. A herm enêutica alegórica, incluindo suas m utações aliançalistas, é autodestrutiva, sem critérios objetivos, contrária ao bom senso, incoerente, e não-bíblica. No cam po dos intérpretes literais, há alguns que afirm am utilizar u m a h erm en êu tica literal, mas não o fazem de m aneira coerente em todas as seções da Bíblia, p articu larm ente quanto à profecia. Esta incoerência se deve ao uso dissimulado da abordagem alegórica em busca de u m suposto “significado mais profun do”, ou à atribuição de significado espiritual a predições literais do A ntigo T estam ento. Em com paração, o m étod o histórico-gram atical, u m a h erm en êu tica literal inabalável, traz m u ito consenso en tre aqueles que aderem a ele; isto ficará m anifesto nas discussões a seguir97.
FONTES Allis, Oswald T. Prophecy and the Church. A ristóteles. On Interpretation. A gostinho. City o f God. ________ . The Literal Commentary on the Book o f Genesis. ________ . On Christian Doctnne. B erkhof, Louis. Principies o f Biblical Hermeneutics. Blaising, Craig, e D arrell B ock. Progressive Dispensatwnalism. 96VejaV olum e 1, capítulo 6.
97Veja capítulos 14-17.
A INTERPRETAÇÃO DA PROFECIA
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B ock, D arrell. “C u rren t M essianic A ctivity”, in: Trinity Journal. João Calvino. Institutes o f the Christian Religion. Chafer, Lewis Sperry. The Science o f Biblical Hermeneutics. Davidson, A. B. Old Testament Prophecy, in: R am m , Protestant Biblical Interpretation. Eddy, M ary Baker. Science and Health With Keys to the Scriptures. Feinberg, Charles. Premillennialism or Amillmnialism? G erstner, Jo h n . Wrongly Dividing. Hipólito. The Extant Works and Fragments o f Hippolytus, Against the Heresy o f One Noetus. Ice, Thom as, ed. When the Trumpet Sounds. Irineu. Against Heresies. K aufm ann, Walter. Critique o f Religion and Philosophy. M artinh o Lutero. Basic Theological Writings. Orígenes. Against Celsus. ________ . De Principiis. Payne, J. Barton . Encyclopedia o f Biblical Prophecy. Pentecost, D w ight. Things to Come. Peters, George. The Theocratic Kingdom.
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CAPITULO
TR E ZE
O REINO DE DEUS
N
en h u m estudo das Ú ltim as Coisas é com p leto se não abranger o reino de Deus; na verdade, o reino de Deus (co m suas m uitas dim ensões) é tão essencial para o nosso entendim ento da escatologia, que nós o com en tarem os em prim eiro lugar. A partir deste início, nós serem os capazes de expandir o estudo sobre elem entos, incluindo a natureza de Israel, a natureza da igreja, o relacionam ento entre Israel e a igreja, e a relação entre os aspectos atual e fu tu ro do reino. Este capítulo está baseado em um abrangente estudo das mais de trezentas referências bíblicas a remo, além de passagens relevantes que se referem ao reino de Deus com outros nom es.
U S O B ÍB L IC O E A PLIC A Ç Ã O H IS T Ó R IC A D E R E IN O Várias palavras em hebraico para reino são usadas 146 vezes no A ntigo T estam en to. A grande m aioria delas se refere a reinos p olíticos terrenos; som en te algum as tra ta m do reino de D eus, e são as que aparecem nos ú ltim os livros do A ntigo T estam en to: Por exem p lo, C rônicas tem u m a oco rrên cia; Isaías tem duas; Salm os tem cin co; D aniel tem a m aioria das referências do A ntigo T estam en to ao reino de D eus, co m sete oco rrências (heb. malku). A palavra grega para reino (basileia), usada 161 vezes no Novo Testam ento, é empregada três vezes em referência aos dom ínios do diabo1, sete vezes em referência aos reinos terrenos2, e três vezes em um sentido geral3. N atu ralm ente, as restantes não são todas as referências do Novo Testam ento ao reino de Deus, som ente aquelas que efetivam ente usam a palavra reino. O significado principal da palavra reino é u m a m onarquia, u m reino real (A rnd t e G ingrich, GELNT, 134); ele envolve a autoridade soberana de u m governante, a atividade de u m governante, assim com o o dom ínio e os benefícios do governante (Kittel, TD N T, 1.579-80). Em poucas palavras, reino é u m reinado ou dom ínio, seja de Deus, do diabo, ou de potentados hum anos. O significado teológico de reino inclui diversas dim ensões, inclusive o reino soberano de Deus no universo, o Seu reino atual e espiritual sobre o Seu povo, e o Seu fu tu ro reino m essiânico na terra.
' M ateus 12.26; Lucas 11.18; Efésios 2.2. 3 M ateus 12.25; M arcos 3.24; Lucas 11.17.
2 M ateus 24.7; M arcos 6.23; 13.8; Lucas 21.10; Apocalipse 11.15; 16.10; 17.12.
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Alva M cC lain (1888-1968) oferece três elem entos essenciais de u m a definição bíblica de reino: “Prim eiro, [existe] u m governante co m autoridade e poder adequados; segundo, um dom ínio de súditos, para serem governados; e terceiro, o exercício efetivo da função do gov erno” ( G K , 17). O reino de Deus é tam bém cham ado de “R eino dos céus” (cf. M t 3.2; 10.7), “R eino de m eu Pai” (M t 26.29), “R eino do Filho do seu am o r” (cf. Cl 1.12), e “R eino do nosso pai D avi” (M c 11.10). Entre as inúm eras interpretações do reino, M cC lain relaciona oito (G K , 8-4): (1) o reino nacional (de Israel), in terp retação defendida p o r Filo (25 a.C .); (2 ) o reino m ilenar, in terp retação defendida pelos prim eiros Pais; (3) o reino celestial (o céu ), in terp retação defendida pela igreja p osterior; (4 ) o reino eclesiástico (a igreja), in terp retação defendida p o r A gostinho (354-430); (5) o reino espiritual (Deus g o v ern a nos co rações), in terp retação defendida p o r A. B. B ru ce (1831-1899); (6 ) o reino m o ral (o reino da lei m o ra l), interp retação defendida p or E m an u el Kant (1724-1804); (7 ) o reino social liberal (m elh o ria social progressiva), in terp retação defendida p o r W alter R auschenbush (1861-1918); e (8 ) o reino escatológico (as expectativas n ão cum pridas sobre Jesus), in terp retação defendida p o r A lbert S chw eitzer (1875-1965)4.
O PLANO ETERNO DE DEUS PARA O SEU REINO Pelo fato de Deus ser etern o5, todos os Seus planos tam bém o são. O fato de o governo de Deus sobre o universo existir desde o início da sua criação6 é o u tra m aneira de falar da Sua soberania7. O Seu reino terreno, e p articu larm en te o do Messias, é um reino planejado desde toda a eternidade: “Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de m eu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado áesâe a fundação do mundo” (M t 25.34, sobre o Eschaton). O reino de Deus significa o reinado de Deus, e as várias épocas, esferas e objetivos do Seu reinado global assum iram diferentes form as. D evem os distinguir estas form as, para ter u m a adequada com preensão deste assunto.
O Reino Universal de Deus Em harmonia com o que McClain chama de “o reino universal de Deus” (op. cit., 22), a Bíblia fala do reino abrangente, invisível e eterno de Deus sobre todo o universo. Deus é soberano acima de toda a criação, incluindo os anjos bons e maus, e os seres humanos bons e maus8. 0 governo de Deus é supremo: “O teu reino é um reino eterno; o teu domínio estende-se a todas as gerações”. O Senhor é fiel a todas as Suas promessas, e ama tudo e todos que criou (SI 145.13).
O Reino Messiânico de Deus O reino m essiânico é u m reino visível, terreno e político p rom etid o a Israel, no qual Cristo, o seu Messias, irá reinar sobre toda a terra a partir de u m trono em Jerusalém , * Outras variações podem ser acrescentadas a estas interpretações.
capítulo 23.
8 Ibid.
5Veja Volume 2, capítulo 4.
6 Ibid., parte 2.
7 Ibid..
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co m Seus apóstolos e outros discípulos, que o servirão. Este governo trará tanto paz co m o justiça a todo o povo, e durará “m il anos”9. M cC lain ch am a este reino de “reino m ed iatorial”, o reinado de Deus por m eio de um representante divinam ente nom eado (op. cit., 41), estabelecido por Deus em Israel, e que cu lm in a no reino m essiânico. O R e in o E s p iritu a l de D e u s (n o S e n tid o A m p lo ) C om eçando com a proclam ação que Jesus faz do m istério do reino e das parábolas conectadas a ele (veja M t 13ss.), Deus estabeleceu u m reino espiritual que representa a cristandade professante; o trigo (os crentes fiéis) e o joio não serão separados10 até o final desde reino, na segunda vinda de C risto11. Este governo é cham ado de “Reino dos céus” no Evangelho de M ateus, e de “Reino de D eu s” em passagens correspondentes (M c 4; Lc 13; e outras passagens bíblicas). Alguns sugeriram que, neste caso, céus é um a referência abrandada a Deus para os judeus, que reverenciavam o Seu n om e a ponto de não o pronunciarem n em o escreverem 12. M esm o que seja este o caso, no en tan to M ateus ocasionalm ente usa a expressão reino de D eus13; além disto, ele usa o term o Deus quase cinqü enta vezes no Seu Evangelho. O utros afirm am que “R eino dos céu s” (expressão en con trad a so m en te no Evangelho de M ateu s) deve ser usado sobre este reino espiritual mais am p lo, co m seres bons e m aus nele, e que “rein o de D eu s” se refere som en te ao sentido m ais lim itado de u m reino que co n tém apenas pessoas salvas. Isto parece ser in co rre to , pelas razões seguintes. Primeiro, os Evangelhos Sin ópticos14 usam “R eino dos céus” e “R eino de D eu s” de fo rm a intercam biável. Em M ateus 3.2, João diz: “Arrependei-vos, porque é chegado o ■Reino dos céus” , e em M arcos 1.15, ele diz: “O R eino de Deus está próxim o. Arrependeivos e crede”. Em M ateus 5.3, Jesus diz: “Bem -aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus", e em Lucas 6.20, Ele diz: “Bem -aventurados vós, os pobres, porque vosso é o R eino de D eus” . E mais provável que o “R eino dos céus” exclusivo do Evangelho de M ateus fosse considerado responsável por um a tendência judaica de usar term os eufem istas para o nom e reverenciado de Deus. Ou, com a forte ênfase de M ateus no cu m p rim en to das profecias do Antigo Testam ento, talvez ele desejasse fazer um a conexão m essiânica mais direta nas m entes de seus ouvintes, com o uso da expressão de D aniel, “Deus do céu ” (D n 2.44,45). Segundo, as parábolas do reino, registradas por M arcos e Lucas (que usam a expressão “Reino de D eu s”) con têm evidências da presença de iniqüidades terrenas neste reino, antes da colheita final:
(1) Na parábola do sem eador (Mc 4; Lc 8), pelos m enos três dos solos envolviam pessoas que não continuaram a c re r15. ( ! ) Na parábola do grão de m o stard a (Mc 4; Lc 13), “o reino de D eus” representa a árvore da cristandade que abriga m uitas criaturas (Mc 4.32). (3) A parábolado ferm en to (Lc 13) retrata o crescim ento da levedura, que é freqüentem ente u m a im agem escriturai do m a l16. 9 Apocalipse 20.1-6; veja capítulo 15.
10 Veja capítulos 8-9.
13Veja im ediatam ente abaixo, sob “Terceiro”.
11 Op. cit.
12 Veja im ediatam ente abaixo, sob “Prim eiro”.
HVeja Volum e 1, capítulo 26.
15Veja Volum e 3, capítulo 13.
16Veja, por
exem plo, Êxodo 12.15; Levítico 2.11; 6.17; 10.12; Mateus 16.6,11,12; Marcos 8.15; Lucas 12.1; 1 Coríntios 5.5-7; Gálâtas 5.8,9.
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“R eino dos céus” não pode ser diferenciado de “reino de D eu s” co m a alegação de que um deles ainda inclui o m al e o ou tro não o faz; além da intercam bialidade, ambos são usados em parábolas que in clu em o m al sob “o reino de D eu s”17. Terceiro, o fato de que o Evangelho de M ateus tam bém usa “reino de D eus” (por exem plo, 12.28; 19.24; 21.32,43) sugere que ele pode considerar as duas expressões com o intercambiáveis, pois não faz distinção com “reino dos céus”. N ovam ente, parece provável que o seu uso da segunda expressão considere a sua conexão messiânica com Daniel, que disse que “o Deus do céu ” levantará um reino que jam ais será destruído (D n 2.44).
O Reino Espiritual de Deus (no Sentido Restrito) O reino espiritual invisível de Deus está nos corações dos crentes; ele com eço u quando a prim eira pessoa foi salva, e continu ará por toda a eternidade. O reino espiritual de D eus exclui todos os que não foram salvos, pois só é possível en trar nele através da fé e do novo n ascim en to 18: N a verdade, n a verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus [...] N a verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo 0 o 3.3-7).
Se ninguém pode entrar “no reino de Deus” a menos que nasça de novo, então este reino deve ser diferente do uso feito acima da m esma expressão19, que inclui as pessoas salvas e as nãosalvas. Aqueles que professam a fé e, no entanto, não possuem a verdadeira fé, ainda fazem parte do reino mais amplo de Deus (cf. M t 7.21,22). U m a vez que o sentido mais lim itado do reino espiritual de D eus é, em ú ltim a análise, o equivalente ao céu, que é tratado em outras partes20, nós não discutirem os mais estes particulares, exceto para contrastá-lo com o sentido mais am plo do reino de Deus.
“O Reino de Deus” Sentido mais am p lo do te rm o
Sentido mais lim itado do term o
Desde a p rim eira vinda de C risto até a
Desde a prim eira pessoa salva,
segunda vinda de C risto
estendendo-se p o r tod a a eternidade
Súditos
Os salvos e os não-salvos
S om en te os salvos
Localização
N a terra
N a te rra e n o céu
E ntrad a
P or profissão de fé
Por posse da fé
D uração
O Reino Espiritual de Deus na Igreja Pelo fato de a expressão “R ein o de D eu s” tam b ém ser utilizada pela ig reja do Novo T estam en to, alguns co n clu em que as duas são idênticas, p o rém não tend o o m esm o escopo. A braão, Isaqu e e Ja có (p o r e x e m p lo ) estão n o re in o de D eu s (cf. Lc 13.28), 11Veja capítulos 2 e 4, sobre a questão do m al n a igreja visível.
capítulo 8.
18Veja Volum e 3, capítulos 13-14; veja tam bém Volum e 1,
19 “O Reino Espiritual de Deus (no Sentido A m plo)”.
20Veja capítulo 8.
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e a ig reja não existia no A ntigo T estam en to (E f 3.3-6); este é u m m istério que só foi revelado p o sterio rm en te (C l 1.26,27) e que co m eço u no Pentecostes (A t 2), quando os crentes fo ram batizados no corp o de C risto (1.5; cf. 1 C o 12.13)21. Pedro usou a expressão “as chaves do re in o ” (cf. M t 16.19)22 para abrir a p o rta do evangelho aos ju d eu s (A t 2; cf. 11.15) e aos gentios (lO .lss.); até m esm o os salvos nos tem pos do N ovo T estam en to, antes do P entecostes, faziam parte do reino de D eus, m as não da igreja. 0 reino de Deus é mais amplo do que a igreja. Todos aqueles que estão n a ig reja fazem p arte do rein o de D eus, p o rém n e m todos aqueles que fazem parte do rein o de Deus fazem parte da igreja. Isto se aplica, por exem plo, a João B atista, a ou tros crentes, e aos santos do A ntigo T estam en to, que m o rre ra m antes que a m ensagem do P entecostes os alcançasse (cf. 19.1-7).
O Reino Poderoso, Constante, Invisível e Universal de Deus Antes de passarmos a discutir o reino m essiânico e as suas im plicações futuras, observarem os rapidam ente o reino universal de Deus. Este reino divino é o fundam ento de todas as outras esferas do Seu governo soberano, incluindo não apenas a criação física e anim ada, mas tam bém os anjos e todos os seres hu m anos23. “Tua é, Senhor, a m agnificência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a m ajestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu é, Senhor, o reino, e tu te exaltaste sobre todos co m o ch efe” (1 C r 29.11; cf. Pv 21.1). O sen tid o aqui é que tudo está co m p re en d id o no re in o de D eu s, pois, u m a vez que Ele re in a sob re to d o o u n iv erso , e n ad a está fo ra de seu c o n tro le , co n v ém m e n c io n a r que tu d o e to d o s estão sob o seu d o m ín io 24. Já vim os (a c im a ) que isto foi e n sin ad o de u m a m a n e ira c la ra n o A n tig o T e s ta m e n to ; isto ta m b é m é u m a verd ad e que está im p líc ita em várias passagens do N ovo T e s ta m e n to 25. O rein a d o u n iv ersal de D eu s é: (1 ) exercido desde o céu , onde Ele é exaltado acim a de tud o e de todos (1 C r 29.11); (2) m ajestoso (SI 145.5,11,12); (3) etern o (SI 145.13); e (4 ) superior a todos os reinos hum anos. Tudo e todos estão sujeitos a ele (SI 103.19).
No judaísm o mais recente, o en ten d im ento deste ú ltim o aspecto fez parte do reino m essiânico proclam ado por João, pelo Sen h or Jesus Cristo, e pelos apóstolos.
O R E IN O M E S S IÂ N IC O C o n fo rm e observam os acim a, um a aplicação extrem am en te im p ortan te da expressão bíblica “reino de D eus” está relacionada ao reino visível, terren o e político do prom etido Messias judaico. Até m esm o no reino de Deus, que é u m reino que abrange tudo e todos, sim, um reino invisível e universal, existe u m aspecto distinto que tem o seu enfoque nos reinos hum anos: “O S en h or tem estabelecido o seu tro n o nos céus, e o seu reino domina sobre tudo” (SI 103.19). D aniel dá prosseguim ento ao desenvolvim ento deste tem a, e expressa
21 Veja capítulo 3.
22 Veja capítulo 4.
23 Veja Volume 2, parte 2.
T im óteo 1.17; Judas 25; Apocalipse 11.15.
24 Veja Volum e 2, capítulo 23.
25 Por exem plo, cf. 1
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a revelação que recebeu de Deus Pai; esta é a base para o ensino de C risto sobre u m fu tu ro reino político e m essiânico sobre a terra.26. S om en te u m a interpretação alegórica inaceitável destes textos2' é capaz de evitar esta conclusão. A Natureza de, e a Base Bíblica para, o Reino Messiânico A base escriturai para a crença em um reino m essiânico, político e literal se estende do com eço ao fim da Palavra de D eus28. M encionarem os, de fo rm a breve, os principais textos que dão suporte a este assunto; por hora, apresentarem os um a rápida descrição de suas várias dim ensões. M cC lain lista seis aspectos do reino m essiânico: (1) a dimensão espiritual; (2) a dimensão política; (3) a dimensão eclesiástica; (4) a dimensão econômica (social); (5) a dimensão física; e (6) a dimensão moral (GK, 66-85). E m bora alguns destes aspectos possam ser mais enfatizados do que outros na discussão a seguir, todos eles fazem parte do reino m essiânico, que será u m sistem a religioso, m o ral, político e econ ôm ico que abrangerá a tudo e a todos. Gênesis 49.10 “O cetro não se arredará de Judá, n em o legislador dentre seus pés, até que venha Siló; e a ele se congregarão os povos”. Um descendente de Judá virá para governar. M esmo antes disto, a promessa de um Messias foi feita a Adão e Eva, depois da Queda (em 3.15); no entanto, pouco se pode deduzir (se é que se pode deduzir alguma coisa) deste texto sobre o Messias tendo u m futuro reino terreno político —ele revela que Ele deverá “esmagar a cabeça” da serpente, trazendo desta form a libertação espiritual para a raça de Adão. A m esm a coisa pode ser dita com base em outras passagens, que lim itam a linha messiânica, transmitindo a bênção através de Sem (9.26) e Abraão, que recebeu a promessa de ser um canal de bênçãos a todas as nações (12.3), e de ter um a terra na qual eles viveriam (13.15,18; 15.7,18). Em bora a propriedade da terra possa indicar algum tipo de governante, nada é dito sobre isto até que o filho de Abraão, Isaque, tivesse tido Jacó; Jacó teve doze filhos, um dos quais foi chamado Judá. Êxodo 19.6 Quando Deus ratificou o concerto m osaico29 com Seu povo, Ele disse: “Vós m e sereis reino sacerdotal e povo santo”. Isto registra o estabelecim ento de um a teocracia30; Israel aceitou o papel de ser governada diretam ente por Deus. Eles eram o reino de Deus na terra, e Ele era o seu Rei.
26 V e ja c a p ítu lo 15.
27 V e ja c a p ítu lo 12.
28 V e ja G e o rg e P e te rs (1 8 2 5 -1 9 0 9 ), The T heocratic Kingdom, 3 v o ls . (G r a n d
R a p id s: K re g e l, 1988), e A lv a M c C la in , The Greatness o f the Kingdom (G r a n d R a p id s: Z o n d e r v a n , 19 5 0 ). c a p ítu lo 14.
30 V e ja c a p ítu lo 6.
29 V e ja
O REINO DE DEUS
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Deuteronômio 17.14-20 M u ito
te m p o
a n te s q u e Israel tiv esse u m
rei t e r r e n o 31, fo i d ito a M o isés q u e
p o s te r io r m e n te h a v e r ia g o v e r n a n te s c o n e c ta d o s c o m as p ro m e s s a s in c o n d ic io n a is de t e r r a q u e D e u s fez a A b ra ã o : Q uando en trares n a te rra que te dá o S enh or, teu D eus, e a possuíres, e nela habitares, e disseres: Porei sobre m im u m rei, assim co m o têm todas as nações que estão em red o r de m im , porás, ce rtam en te, sobre ti c o m o rei aquele que esco lh er o Senh or, teu Deus; d entre teus irm ãos porás rei sobre ti [...] T am p o u co p ara si m u ltiplicará m u lh eres, para que o seu co ra çã o se não desvie; n em p rata n em ouro m u ltiplicará m u ito p ara si. Será tam b ém que, quando se assentar sobre o tro n o do seu rein o, en tão, escreverá p ara si u m traslado desta lei n u m livro, do que está diante dos sacerdotes levitas. E o terá consigo e nele lerá todos os dias da sua vida, para que aprenda a te m e r ao S enhor, seu D eus, para guardar todas as palavras desta lei e estes estatu tos, p ara fazê-los [...] para que p rolon gue os dias no seu rein o, ele e seus filhos no m eio de Israel (cf. Gn 35.11). M e s m o n o s te m p o s de M o isés, o re in o t in h a u m a d im e n s ã o p o lític a , e m b o r a isto t e n h a fica d o m a is “p a r e n te n a m o n a r q u ia p o s te r io r 32. A lé m d isto , embora a lei devesse estar
baseada na lei de Deus, ela era uma lei política. N a v e rd a d e , Israel r e c e b e u a p ro m e s s a : Se so m en te ouvires diligentem ente a voz do S enh or, teu D eus, p ara cuidares em fazer todos estes m an d am en to s que hoje te ord eno. Porque o Senh or, teu D eus, te abençoará, c o m o te te m dito; assim, em p restarás a m u itas nações, m as n ão tom aras em p réstim os; e
dominarás sobre muitas nações, mas elas não dominarão sobre ti (D t 15.5,6). 2 Samuel 7.11,12,16 D avi d esejo u edificar u m a casa p a ra o S e n h o r, m a s D eu s d e cla ro u que, e m lu g ar d isto, Ele edificaria a ca sa de D avi, u m a d in astia d a qual o M essias viria e rein aria so b re o tro n o de Davi. O S enh or te fará casa. Quando teus dias forem com pletos, e vieres a d orm ir co m teus pais, então, farei levantar depois de ti a tua sem ente, que procederá de ti, e estabelecerei o seu reino [...] a tua casa e o teu reino serãofirmados para sempre diante de ti; teu trono seráfirme para sempre. E m b o r a o c o n t e x t o i m e d ia to r e l a c i o n e g r a n d e p a r t e d e s ta p r e d iç ã o a S a lo m ã o , o filh o d e D a v i (c f. v. 14), fica c l a r o , c o m o u s o d e para sempre, q u e o u t r o s d e s c e n d e n te s t a m b é m e s ta v a m e m m e n t e , e o u t r a s p a ssa g e n s c o n f i r m a m q u e e s ta p a s s a g e m é u m a p r o f e c i a d e q u e o M essias v ir ia a tra v é s d a l in h a g e m d e D a v i e r e i n a r i a n o t r o n o de D a v i33. Q u a n d o Je su s fo i a c l a m a d o n a S u a e n t r a d a tr i u n f a l , a m u l t i d ã o d e Je r u s a lé m c l a m o u : “B e n d ito o R e in o d o n o s s o p ai D av i, q u e v e m e m n o m e d o S e n h o r ! H o s a n a n a s a l t u r a s !” ( M c 1 1 .1 0 ), e: “H o s a n a a o F ilh o d e D a v i!” ( M t 2 1 .9 ). E les e s p e r a v a m o in íc io d o r e in o m e s s iâ n ic o p r o m e t i d o . A ssim c o m o o c o n c e r t o d e A b r a ã o 34, e s te c o n c e r t o d e D av i, q u e e r a u m a e x te n s ã o d a q u e le , e ra irr e v o g á v e l, “p e r p é t u o ” , b ase a d o n a s “firm e s b e n e ficê n cia s d e D a v i” (Is 5 5 .1 3 ). Israel iria p e c a r e p re c is a r d e a rr e p e n d im e n to , m a s D eu s p r o m e t e u :
31 Com eçando em 1 Sam uel.
32 Ibid.
33 Por exem plo, cf. Isaías 9.7; 16.5; Jeremias 13.13; 29.16; 30.9.
34 Veja capítulo 14.
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A chei a Davi, m e u servo; co m o m eu santo óleo o ungi; co m ele, a m in h a m ão ficará firm e, e o m e u b raço o fortalecerá. O inim igo não o im p o rtu n ará, n em o filho da perversidade o afligirá. E eu derribarei os seus inim igos peran te a sua face e ferirei os que o ab orrecem . E a m in h a fidelidade e a m in h a benignidade estarão co m ele; e em m eu n o m e será exaltado o seu p od er [...] T am bém p o r isso lhe darei o lugar de p rim o g ên ito; fá-lo-ei mais elevado do que os reis da terra. A minha benignidade lhe guardarei para sempre, e o meu concerto lhe seráfirme. E
conservarei para sempre a sua descendência; e, o seu trono, como os dias do céu. Se os seus filhos deixarem a m in h a lei e não an darem nos m eu s juízos, se p ro fan arem os m eu s p receitos e não g u ard arem os m eu s m an d am en to s, então, visitarei co m v ara a sua transgressão, e a sua iniqüidade, co m açoites. M as não retiram totalmente dele a minha benignidade, nem faltarei à minha
fidelidade. N ão quebrarei o m eu co n certo , n ão alterarei o que saiu dos m eu s lábios. U m a vez jurei p o r m in h a santidade (n ão m entirei a Davi). A sua descendência d u rará para sem pre, e o seu tro n o será co m o o sol p eran te m im ; será estabelecido para sem pre co m o a lua; e a te ste m u n h a n o céu é fiel (SI 89.20-37).
Deus coloco u o Seu n om e na linhagem . O reino de Davi — u m reino político, religioso, m oral, visível, terren o —seria restaurado e p erm aneceria para sem pre. Isaías 9.6 Isaías escreveu sobre o Messias que viria: “U m m en in o nos nasceu, u m filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu n o m e será M aravilhoso Conselheiro, Deus F orte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”. A divindade de Cristo e o reino político de C risto são m encionados aqui. Ele não som ente é divino ( “Deus F o rte ”) e h u m an o ( “u m m en in o nos nasceu ”), m as reinará com o o D eu s-h o m em , pois “o principado está sobre os seus om bros”. Isaías 11.11,12 Para cu m prir esta polítíca literal de restauração do reino de Davi, Deus irá levar ou tra vez o Seu povo à sua terra. H á de aco n tecer, naquele dia, que o Senhor tornará a estender a mão para adquirir outra vez os resíduos do seupovo que restarem da Assíria, e do Egito, e de Patros, e da Etiópia, e de Elão, e de Sinar, e de H am ate, e das ilhas do m ar. E levan tará u m pendão en tre as nações, e aju n tará os desterrados de Israel, e os dispersos de Judá co n greg ará desde os q uatro confins da terra.
Esta não é apenas um a predição literal de u m reto rn o literal a um a terra literal, com o se cu m priu literalm en te, em parte, desde 15 de m aio de 1948, quando Israel foi declarada u m a nação. M ilhões de judeus, de todo o globo, já retorn aram . Se isto já foi literalm ente cum prido, por que deveria haver algum a dúvida a respeito da restauração do reino político m essiânico tam bém ? Isaías 24.23 A té m esm o o centro do reino do Messias está especificado: “A lua se envergonhará, e o sol se confundirá quando o Senhor dos Exércitos reinar no m o n te Sião e em Jerusalém ; e, então, perante os seus anciãos haverá glória”.
O REINO DE DEUS
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Zacarias fala do retorn o do Messias ao lugar que Ele deixou: N aquele dia, estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras, que está defronte de Jerusalém para o o riente; e o m o n te das Oliveiras será fendido pelo m eio, para o oriente e p ara o ocidente, e haverá u m vale m u ito grande; e m etad e do m o n te se ap artará para o n o rte, e a o u tra m etad e dele, p ara o sul (Z c 14.4).
N ovam ente, quando o sentido literal faz sentido, procurar ou tro sentido resulta ser sem sentido. Os anjos de Deus, n a ascensão de Cristo, o apresentaram literalm ente: [Eles] disseram: Varões galileus, p o r que estais olh an do p ara o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cim a n o céu , há de vir assim como para o céu o vistes ir (A t 1.11).
U m a vez que eles o viram ir fisicam ente, visivelm ente e gloriosam ente, Ele retorn ará fisicam ente, visivelm ente e gloriosam ente. Se o Rei, unido ao Seu reino, e inseparável dele, reto rn ará desta m aneira, por que deveríam os esperar m enos do Seu reino? Isaías 32.1
“Reinará um rei com justiça, e d om inarão os príncipes segundo o ju íz o ”. O Antigo Testam ento nos lem bra, repetidas vezes, que o reino m essiânico será monárquico. O Messias se assentará no trono de Davi (cf. 2 Sm 7 .12ss.), e “o principado está sobre os seus om bros” (Is 9.6): “A legra-te m u ito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém ; eis que o teu rei virá a ti, ju sto e Salvador, pobre e m ontado sobre u m ju m en to , sobre u m asninho, filho de ju m e n ta ” (Z c 9.9). “Eu, porém , ungi o m eu Rei sobre o m eu santo m o n te Sião” (SI 2.6); Ele é o “Rei dos reis e S en h o r dos sen hores” (Ap 19.16). Jerem ias 31.31-33
Eis que dias vêm , diz o S enhor, em que farei u m co n certo n ovo co m a casa de Israel e c o m a casa de Judá. N ão co n fo rm e o co n certo [m osaico] que fiz co m seus pais, no dia em que os tom ei pela m ão , p ara os tirar da te rra do Egito, porqu anto eles invalidaram o m eu co n ce rto , apesar de eu os haver desposado, diz o S enhor. Mas este é o co n certo que farei c o m a casa de Israel depois daqueles dias, diz o S enh or: p orei a m in h a lei n o seu in terio r e a escreverei no seu co ração ; e eu serei o seu Deus, e eles serão o m eu povo.
Este con certo, o novo concerto, con tém algum as im portantes im plicações a respeito do reino messiânico. Primeiro, o novo con certo é novo, em relação ao concerto m osaico, lim itado pelo tem po, que é substituído, m as não sugere a anulação dos concertos incondicionais e perpétuos com Abraão e Davi35. Segundo, o Novo C o ncerto é u m a continuação das promessas de Deus, de que haveria u m a restauração m o ral e espiritual do Israel nacional, cham ado “casa de Israel” (v. 31). Assim, o Novo C oncerto é um a prom essa im plícita da restauração de todo o reino m essiânico.
35Veja capítulo 14.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Terceiro, a prom essa de D eus é incondicional e irrevogável: Se se desviarem estas ordenanças de diante de m im , diz o Senh or, deixará tam b ém a sem ente de Israel de ser u m a n ação diante de m im , p ara sem pre
Se p u d erem ser
m edidos os céus p ara cim a, e sondados os fun dam entos da te rra para baixo, tam b ém eu rejeitarei tod a a sem ente de Israel, p or tudo quanto fizeram (vv. 36,37).
Ezequiel 11.23 Tragicamente, o primeiro reino, estabelecido com o um veículo através do qual o Messias poderia reinar, foi destruído pelos babilônios. Ezequiel registra o m om ento final em que a glória de Deus, o símbolo visível da Sua presença no reino, partiu: “E a glória do Senhor se alçou desde o meio da cidade e se pôs sobre o m onte que está ao oriente da cidade”. O historiador secular judeu Flávio Josefo (c. 37-100) também o registrou a ausência régia (JW, 5.5.5). Oséias 3.4 Neste ponto, a suprem acia política foi transferida para os gentios. Oséias predisse: “Os filhos de Israel ficarão por m u itos dias sem rei, e sem príncipe”, e a partir deste m o m en to , era u m a questão de profetizar u m fu tu ro reino m essiânico. Amós 9.11
Deus irá reconstruir em um a continuidade direta com o reino davídico, que foi derrotado: “Naquele dia, tomarei a levantar a tenda de Davi, que caiu, e taparei as suas aberturas, e tornarei a levantar as suas ruínas, e a edificarei como nos dias da antiguidade”. Não há sentido no qual um a restauração m eram ente espiritual possa, significativamente, cum prir esta predição. Miquéias 4.7,8 O reino restaurado não será som ente espiritual e m o ral, mas tam bém político: D a que coxeava farei a p arte restante, e da que tin h a sido arrojad a p ara longe, u m a nação poderosa; e o S en h or rein ará sobre eles no m o n te Sião [Jerusalém ], desde agora e para sem pre. E a ti, ó to rre do reb an ho, m o n te da filha de Sião, a ti virá; sim, a ti virá o primeiro domínio, o reino da filh a de Jerusalém .
Daniel 2.44 Depois de falar de quatro grandes reinos terrenos sucessivos — Babilônia, M edoPérsia, Grécia, R o m a —e dez que viriam depois deles, D aniel declara que “nos dias desses reis, o Deus do céu levantará um reino que não será jam ais destruído; e esse reino não passará a ou tro povo; esmiuçará e consumirá todos esses reinos e será estabelecido para sempre”. O que se destaca aqui é o fato de que, u m a vez que o ensinam ento de Jesus está firm em ente enraizado no Antigo Testam ento (cf. M t 5.17,18), e um a vez que João e Jesus usaram um a frase rem anescen te de D aniel36, é difícil crer que não exista nestas palavras um a afirm ação de u m reino externo, lite ra l e p o lítico . A lém disto, em M ateu s 19.28, “ “O Reino dos céus” - cf. 3.2; 4.17; 5.3,10,19,20; 6.10; 7.21; 8.11 etc.
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§ f 875
Jesus disse: “Em verdade vos digo que vós, que m e seguistes, quando, na regeneração, o Filho do H om em se assentar no tro n o da sua glória, tam bém vos assentareis sobre doze tronos, para ju lg ar as doze tribos de Israel”. N ovam ente, o sentido literaP7. de u m reino visível, extern o e político parece estar em vista claram ente; este é o uso bíblico com u m (se não universal) de term os com o tribos e Israel. Daniel 4
Todo o objetivo da hu m ilh an te experiência de N abucodonosor foi que ele percebesse, co m o acabaria confessando, que “o Altíssimo tem domínio sobre os reinos dos homens-, e os dá a quem quer e até ao mais baixo dos hom ens constitu i sobre eles” (v. 17). Mas, ao fim daqueles dias, eu, Nabucodonosor, levantei os meus olhos ao céu, e tornou-m e a vir o m eu entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é u m domínio sempiterno, e cujo reino é de geração em geração (v. 34).
Isto é dito, obviam ente, no con texto de u m reino político terreno. D am el 7
E ntre o segundo capítu lo das referências de D aniel a u m reino político de Deus e D aniel 7, que to m a e expande o m esm o tem a, todas as referências à palavra reino se referem a um reino literal, terren o, p o lítico38. Mateus 26.63,64
Este texto é de suprem a im portância, porque C risto o usou a seu próprio respeito diante do sum o sacerdote ju d eu , que disse a Ele: “C o n ju ro -te pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de D eus”. A resposta direta de Jesus é absolutam ente surpreendente: “Tu o disseste; digo-vos, porém , que vereis em breve o Filho do Homem assentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” . Dado o con texto político m essiânico em
D aniel, parece não haver m aneira de utilizar consistentem ente a interpretação históricogram atical das Escrituras sem conclu ir que este será u m reino m essiânico literal. Daniel 9 .2 4 -2 7 Seten ta sem anas estão determ inadas sobre o teu p ovo e sobre a tua san ta cidade, para extin guir a transgressão, e dar fim aos pecados, e expiar a iniqüidade, e trazer a justiça etern a, e selar a visão e a profecia, e ungir o Santo dos santos. Sabe e entende: desde . a saída da o rd em p ara restau rar e para edificar Jerusalém , até ao Messias, o Príncipe, sete sem anas e sessenta e duas sem anas; as ruas e as tranqueiras se reedificarão, m as em tem p os angustiosos. E, depois das sessenta e duas sem anas, será tirado o Messias e não será mais; e o p ovo do príncipe, que há de vir, d estruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será co m u m a inu nd ação; e até ao fim haverá g u erra; estão determ inadas assolações. E ele firm ará u m co n certo co m m u itos p o r u m a sem ana; e, n a m etad e da sem ana, fará cessar o sacrifício e a oferta de m an jares; e sobre a asa das abom inações virá o assolador, e isso até à co n su m ação ; e o que está d eterm inad o será d erram ad o sobre o assolador.
17Veja capítulo 12.
38 Cf. 5.7,11,16,28,29; 6.1,3,26.
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M editando sobre os “setenta anos” do cativeiro naB abilônia (v. 2), D aniel foiin form ad o de que viriam setenta sem anas (de anos) relativas ao Messias. Mais especificam ente, foi inform ado de que, depois de sessenta e nove sem anas, ou 483 anos, o Messias m orreria (v. 26), m as som ente depois que Ele tivesse “expiado a iniqüidade” (v. 24) e selado a “visão e a profecia” sobre a Sua vinda (ibid.). E ntão, o tem p o de in terreg n o é especificado: D an iel ouviu que haveria sessenta e nove sem anas en tre a p ro clam ação do d ecreto “para restau rar e para edificar Jeru sa lé m ” e a vinda do “Messias, o p ríncip e” (v. 25). A firm a-se, de m od o geral, que a p rim eira data é 445/444 a.C .39 U m a vez que os 483 anos (69 x 7) p rovav elm ente são anos lunares ju d aicos de 360 dias (30 dias x 12 m eses), os cinco dias extras para cada ano de 365 dias do calend ário gregoriano resu ltam em u m to ta l de aproxim ad am ente seis anos (m ais de 2.400 dias), que devem ser acrescidos aos 483, a p artir do ano do d ecreto de C iro, 444 a.C. (e os 6 anos extras para os dias extras do calend ário, resu ltand o aproxim ad am ente em 450), m enos os 483 anos preditos por D aniel, e nós chegam os à data da cru cificação de C risto (o Messias tirad o), ap roxim ad am en te 33 d .C .40 Agora podem os resum ir alguns dos pontos im portantes dos textos acim a a respeito do reino messiânico. O Antigo Testamento Predisse que um Messias Literal Viria para Reinar De acordo com The Encyclopedia ofBiblical Prophecy (A Enciclopédia de Profecias Bíblicas), de J. B arton Payne (1922-1979), aproxim adam ente cen tro e treze profecias sobre o Messias vindouro foram cum pridas por Jesus de Nazaré no Novo Testam ento41. M uitas delas estão relacionadas às afirm ações de que u m dia Ele estabeleceria u m governo m essiânico em Jerusalém e reinaria sobre toda a terra. Jesus Disse que Ele E o Cumprimento de Daniel 7 C o m o m encionam os anteriorm ente, Jesus citou esta passagem m essiânica no Seu ju lgam en to, diante do sum o sacerdote ju d eu (M t 26.64). A Expressão Favorita de Jesus para si Próprio (Filho do Homem) Está Enraizada nesta Declaração Esta é a reivindicação de Cristo à divindade da Sua identidade com o o Messias de D aniel 7 (cf. M t 26.63,64). D aniel até m esm o o ch am a de “ancião de dias” (7.22), a expressão que um a referência anterior aplicou a Deus (vv. 9,13). A insistência de Jesus de que ela apontava para Ele com o o “Filho de D eu s” indica que Ele a conh ecia co m o um a referência à divindade, e a reação de Caifás rem oveu toda a dúvida: “O sum o sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou” (M t 26.65). Daniel 2 Profetiza a Destruição dos Poderes do Mundo pelo Messias Este governo m essiânico literal, visível, p o lítico virá som en te depois que os quatro reinos e os dez reis (v. 44; cf. 7.24) tiverem sido esm agados por u m a grande pedra (C risto , v. 45). 39S o b re o d e c re to de C iro , v e ja 2 C rô n ica s 3 6.22,23; Esdras 1. ^ V e ja H a r o ld H o e h n e r (n a sc id o 1935), Chronological A spects o f the Life o f Christ (G ra n d Rap ids: Z o n d erv a n , 1977). V o lu m e 2, ap ê n d ice 1.
41 V eja c a p ítu lo s 12 e 16; v e ja ta m b é m V o lu m e 1, c a p ítu lo 2 6, e
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Este Futuro Remo Divino Jamais Terá Fim42 Foi-lhe dado [ao Messias que virá] o domínio, e a honra, e o reino, para que todos os povos, nações e línguas o servissem; o seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e : seu reino, o único que não será destruído [...] os santos do Altíssimo receberão o reino e possuirão o reino para todo o sempre e de eternidade em eternidade (Dn 7:14,18; cf. v. 27).
0 Reino do Messias E-lhe Dado pelo Pai Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e eis que vinha nas nuvens do céu um como o filho do homem [o Messias]; e dirigiu-se ao ancião de dias [Deus, o Pai], e o fizeram chegar até ele. E foi-lhe dado [ao filho do homem] o domínio, e a honra, e o reino, para que todos os povos, nações e línguas o servissem (vv. 13,14). Todos os outros Reinos Terrenos Servirão Subordinados ao Reino Messiânico E o reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo; o seu reino será um reino eterno, e todos os domínios o servirão e lhe obedecerão (v. 27). 0 Messias Trará Justiça à Terra O r e in o m e s s iâ n ic o sig n ifica q u e Jesu s C r is to i r á g o v e r n a r c o m ju s tiç a p a r a s e m p r e , n o t r o n o d e D avi43.
0 Messias Reinará com os Santos C r is to n ã o irá g o v e r n a r s o z in h o ; “os s a n to s d o A ltíssim o re c e b e r ã o o r e in o e p o s s u irã o o re in o p a r a to d o o s e m p r e [...] d e e te rn id a d e e m e te r n id a d e ” (v . 1 8 ); “v e io o a n c iã o d e dias, e fo i d a d o o ju íz o a o s s a n to s d o A ltís s im o ; e c h e g o u o t e m p o e m q u e os s a n to s p o s s u ír a m o r e i n o ” (v . 2 2 ).
A Questão da Expressão “Para Sempre” A n te s d e p a ssa r p a r a o e n sin o d o N o v o T e s ta m e n to so b re o r e in o m e s s iâ n ic o f u t u r o , d e v e m o s t r a t a r d e u m p r o b le m a . E m to d o s estes t e x to s ( a c im a ), e stá e s c r ito q u e o re in o d o M essias d u r a r á “p a r a s e m p r e ”, e m b o r a h a ja in d ic a ç õ e s n o A n tig o T e s ta m e n t o d e q u e n ã o s e rá p a r a s e m p r e : “N a q u e le dia, o S e n h o r v is ita rá os e x é r c ito s d o a lto n a a l tu r a e os reis d a t e r r a , so b re a t e r r a . E s e r ã o a m o n to a d o s c o m o p re so s e m u m a m a s m o r r a , e s e rã o e n c e r r a d o s e m u m c á r c e r e , e s e rã o v isitad o s depois de muitos dias” (Is 2 4 .2 1 ,2 2 ). M c C la in ( G K , 2 1 6 ) a c r e d ita q u e os “m u ito s dias” c o rr e s p o n d e m ao m ilê n io 44; q u alq u er q u e seja o ca so , o N o v o T e s ta m e n to diz q u e o re in o m e s siâ n ico t e m u m p o n to final real:
Convém que [Ele, o Messias,] reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte [...] quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos (1 Co 15.25-28).
42 Veja tam bém abaixo, sob “A Questão da Expressão T ara Sem pre”’. 33.17).
44Veja capítulo 15.
43Veja Salm os 45.6 (cf. Hb 1.8); Isaías 9.6,7 (cf. 32.1;
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João tam bém declara que o reino m essiânico é tem porário, afirm ando seis vezes que é u m reino que durará m il anos (Ap 20)45. C om o resposta, três breves com entários são apropriados. Primeiro, a palavra hebraica Çolam), freqüen tem ente traduzida com o para sempre, pode significar (e às vezes realm ente significa) “u m longo período de tem p o ”, em lugar de “e te rn o ” — os m ontes, por exem plo, são cham ados “duráveis” (R A ) ou “etern os” (M q 6.2). O con texto d eterm ina o significado. Segundo, ainda que o reino de Cristo seja menos do que literalmente eterno, os seus resultados são eternos. Além disto, ele continua para sempre, por estar incluído sob o controle direto do Pai. Assim sendo, o Seu reino —tanto diretamente quanto indiretamente—será eterno. Terceiro, não é in com u m que eventos fu turos sejam inicialm en te agrupados46, e depois futuras revelações m o strem que eles são separáveis. Isaías 66 (veja w . 22-24) un e o reino do Messias (m il anos, Ap 20) ao estado etern o do novo céu e da nova te rra (Ap 21). O resultado de u m reino literal de m il anos será u m reino sem fim 47. Muitas outras passagens do Antigo Testamento sobre o reino messiânico poderiam ser citadas: “Quando o Senhor dos Exércitos reinar” (Is 24.23); Ele “[levantará] a Davi u m Renovo justo; sendo rei, reinará, e prosperará, e praticará o juízo e a justiça na terra. Nos seus dias, Judá será salvo, e Israel habitará seguro” (Jr 23.4-6); Ele irá julgar todas as nações e estabelecerá a paz perm anente (M q 4.1-7) com um domínio universal, a partir de Jerusalém (Zc 9.9,10). C om o veremos, esta imagem do Messias vindouro, vista através da herm enêutica históricogramatical (literal), é a m esm a apresentada no Novo Testamento com o sendo ainda futura, reservada para a época de João Batista, Jesus, Pedro, Paulo e João48.
O Modo da Chegada do Reino Messiânico Antes de exam inar os textos do Novo Testam ento sobre o reino m essiânico, vam os observar o m od o da sua chegada, que, segundo ambos os Testam entos, não será gradual nem natu ral, mas repentina e catastrófica.
Malaquias 4.1-6 Eis que aquele dia v em ardendo co m o forno; todos os soberbos e todos os que co m etem impiedade serão co m o palha; e o dia que está p ara vir os abrasará [...] E pisareis os ímpios, porque se farão cinza debaixo das plantas de vossos pés, naquele dia que farei, diz o Senhor dos Exércitos. Lembrai-vos da Lei de Moisés, m eu servo, a qual lhe mandei em Horebe para todo o Israel, a qual são os estatutos e juízos. Eis que eu vos envio o profeta Elias, antes que venha o dia grande e terrível do Senhor; e con verterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venh a e fira a terra co m m aldição.
Sofonias 1.12-18 E h á de ser que, naquele tem p o, esquadrinharei Jerusalém co m lanternas e castigarei os hom ens que estão assentados sobre as suas fezes, que dizem no seu coração: O S enh or não faz bem n em faz m al. Por isso, será saqueada a sua fazenda, e assoladas as suas casas [...] O grande dia do Senhor está p erto, está p erto, e se apressa m u ito a voz do dia do S enh or [...] 45Ibid. Vl Por exemplo, com a primeira e a segunda vindas de Cristo —Lucas 4.18—20; cf. Isaías 61.1,2. 47 Op. cit.
Veja capítulo 12.
O RHNO DE DEUS
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Aquele dia é um dia de indignação, dia de angústia e de ânsia, dia de alvoroço e de desolação, dia de trevas e de escuridão, dia de nuvens e de densas trevas, dia de trombeta e de alarido contra as cidades fortes e contra as torres altas. E angustiarei os homens, e eles andarão como cegos, porque pecaram contra o Senhor; e o seu sangue se derramará como pó, e a sua carne, como esterco. Nem a sua prata nem o seu ouro os poderá livrar no dia do furor do Senhor, mas, pelo fogo do seu zelo, toda esta terra será consumida, porque certamente fará de todos os moradores da terra uma destruição total e apressada.
Joel 3.1,2 Eis que, naqueles dias e naquele tempo, em que removerei o cativeiro de Judá e de Jerusalém, congregarei todas as nações e as farei descer ao vale de Josafá; e ali com elas entrarei em juízo, por causa do meu povo e da minha herança, Israel, a quem eles espalharam entre as nações, repartindo a minha terra.
Isaías 63.1-4 Quem é este que vem [...] com vestes tintas? Este que é glorioso em sua vestidura, que marcha com a sua grande força? Eu, que falo em justiça, poderoso para salvar. Por que está vermelha a tua vestidura? E as tuas vestes, como as daquele que pisa uvas no lagar? Eu sozinho pisei no lagar, e dos povos ninguém se achava comigo; e os pisei na minha ira e os esmaguei no meu furor; e o seu sangue salpicou as minhas vestes, e manchei toda a minha vestidura. Porque o dia da vingança estava no meu coração, e o ano dos meus redimidos é chegado.
Zacarias 14.1-9 Eis que vem o dia do Senhor, em que os teus despojos se repartirão no meio de ti. Porque eu ajuntarei todas as nações para a peleja contra Jerusalém; e a cidade será tomada, e as casas serão saqueadas, e as mulheres, forçadas; e metade da cidade sairá para o cativeiro, mas o resto do povo não será expulso da cidade. E o Senhor sairá e pelejará contra estas nações, como pelejou no dia da batalha. E, naquele dia, estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras, que está defronte de Jerusalém para o oriente; e o monte das Oliveiras será fendido pelo meio [...] então, virá o Senhor, meu Deus, e todos os santos contigo, ó Senhor. E acontecerá, naquele dia, que não haverá preciosa luz, nem espessa escuridão. Mas será um dia conhecido do Senhor; nem dia nem noite será; e acontecerá que, no tempo da tarde, haverá luz [...] E o Senhor será rei sobre toda a terra; naquele dia, um será o Senhor, e um será o seu nome. Nada como isto aconteceu, quandoJesus veio pela primeira vez; o reino messiânico prometido não foi
estabelecido durante o Advento. Jesus prometeu que, na Sua segunda vinda, o reino seria inaugurado com eventos surpreendentes49, considere dois textos mais recentes:
49Veja capítulo 15.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Mateus 24.3,27-31 Estando [Jesus] assentado no monte das Oliveiras, chegaram-se a ele os seus discípulos, em particular, dizendo: Dize-nos quando serão essas coisas e que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundo?” [...] [Ele respondeu:] assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do Homem. Pois onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão as águias. E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; e todas as tribos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória. E ele enviará os seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais ajuntarão os seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus. Mateus 26.63,64 N o j u l g a m e n to d e Je su s, o s u m o s a c e r d o te lh e disse: “C o n j u r o - t e p e lo D e u s v iv o q u e n o s digas se t u és o C r is to , o F ilh o de D e u s. D isse -lh e s Jesu s: T u o d isseste; d ig o -v o s, p o r é m , q u e v e re is e m b re v e o F ilh o d o H o m e m a sse n ta d o à d ire ita d o T o d o -p o d e r o s o e v in d o so b re as n u v e n s d o c é u ”. Jesu s se a p re s e n to u c l a r a m e n t e c o m o o M essias d o re in o v in d o u r o (D n 2; 7 ) , A q u e le q u e v iria c o m o a G ra n d e P e d r a c o r t a d a d o m o n t e s e m m ã o s (isto é, E le n ã o fo i c r ia d o 50) e e s m a g a r ia os re in o s d este m u n d o .
O Tempo do Reino Messiânico A g o r a q u e e s ta b e le c e m o s a n a t u r e z a e a b ase b íb lica d e u m r e in o m e s s iâ n ic o te r r e n o , e x t e r n o e p o lític o , p o d e m o s d is c u tir a o ca siã o d o seu c u m p r i m e n t o . E le já a c o n te c e u ? Se n ã o , q u a n d o irá a c o n te c e r ?
O Reino Messiânico não se Cumpriu no Antigo Testamento E s tá c la ro q u e n e n h u m r e in o p o lític o m e s s iâ n ic o fo i c u m p r i d o a tra v é s d o fim d o A n tig o T e s ta m e n to .
Primeiro, o A n tig o T e s ta m e n to n ã o d e c la r a ta l c u m p r i m e n t o e, a o c o n tr á r i o , ain d a e stá e s p e ra n d o o M essias a té ao se u fin al (cf. M l 3 .6 ; 4 .1 -6 ).
Segundo, o ju d a ís m o o r t o d o x o (q u e a in d a e s p e ra o s e u M essias, e q u e c o n s id e ra o A n tig o T e s ta m e n to c o m o S a g ra d a s E s c r itu r a s 51) n e g a q u e as p re d iç õ e s d o re in o t e n h a m se c u m p r i d o .
Terceiro, u m a v e z q u e o t e m p o d a v in d a d o M essias é d a ta d a p o r D a n ie l c o m o s e n d o a p r i m e i r a p a r t e d o s é c u lo I d .C .52, o c u m p r i m e n t o n ã o p o d e ria t e r tid o lu g a r a n te s d isto .
O Reino Messiânico ainda E Esperado no Novo Testamento O N o v o T e s ta m e n to
c o n té m
e s t a m e s m a e x p e c t a t i v a m e s s iâ n i c a d o A n tig o
T e s t a m e n t o d e u m r e i n o t e r r e n o p o l í t i c o e l i t e r a l q u e c u m p r a t o d a s as p r o f e c ia s a s e u r e s p e i to . P o r e x e m p l o , Jo sé d e A r i m a t é i a e s t a v a e s p e r a n d o o a u g e d o r e i n o ( M c 1 5 .4 3 ; L c 2 3 .5 1 ) , e Je s u s d isse q u e J o ã o B a t i s ta m o r r e u a n te s d e se t o r n a r p a r t e d e le ( 7 .2 8 ; c f 1 6 .1 6 ). 50Veja Volum e 2, capítulo 12 e apêndice 1. 51Veja V olum e 1, capítulo 25. 52Veja acima, sob “Daniel 9.24-27”; veja tam bém Volum e 1, capítulos 25-26, e Volume 2, apêndice 1.
O REINO DE DEUS
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0 Reino Messiânico Foi Anunciado como “Chegado” ("Próximo”) no Início no Ministério de Jesus Já n o i n íc io d o s E v a n g e lh o s , e x i s t e m p r o c l a m a ç õ e s v e rb a is d o r e i n o m e s s iâ n i c o : O s a n jo s f a l a r a m d e le a Z a c a r i a s ( 1 .1 1 - 1 7 ) , a M a r i a (v v . 2 6 - 3 5 ) , a Jo s é ( M t 1 .2 0 - 2 5 ), e a o s p a s t o r e s (L c 2 .8 - 1 5 ) ; e le fo i e s p e r a d o p e lo s M a g o s ( M t 2 .1 - 6 ) e c o m e m o r a d o p o r Is a b e l (L c 1 .3 9 - 4 5 ) e M a r i a (v v . 4 6 - 5 5 ) e Z a c a r i a s (v v . 6 7 - 7 9 ; v e ja M c C l a i n , GK, 2 6 8 ) . E le fo i p r o c l a m a d o p o r J o ã o B a t i s ta , o p r e c u r s o r d o R e i ( M t 3 .1 ,2 ; 1 2 .2 8 ) , p e lo p r ó p r i o n o s s o S e n h o r ( 4 .1 7 ) , p e lo s S e u s d o z e a p ó s to l o s (c f . 1 0 .5 - 7 ) , e p o s t e r i o r m e n t e p e lo s s e t e n t a ( c f . L c 1 0 .1 - 1 2 ).
O Reino Anunciado Era Idêntico àquele Prometido no Antigo Testamento M c C la in d e m o n s tr a q u e o r e in o q u e Jo ã o B a tis ta e Jesu s a n u n c ia r a m e r a o m e s m o q u e D e u s t in h a p r o m e t i d o a n te r io r m e n te (G K , c a p ítu lo 2 1 ).
Primeiro, a a u s ê n c ia d e a l g u m a d e fin içã o f o r m a l n a s u a p r o c l a m a ç ã o p re s s u p õ e q u e os o u v in te s ju d e u s (o s le ito re s d o A n tig o T e s ta m e n t o ) d e v ia m sa b e r o q u e ele sig n ificav a53.
Segundo, Jesu s ja m a is d e u a e n te n d e r q u e o S e u r e in o fo sse e m n a d a d ife re n te d a q u e le a p re s e n ta d o p e lo A n tig o T e s ta m e n t o ; p o r o u t r o la d o , E le in sistiu q u e h a v ia u m a c o n tin u id a d e c o m p l e t a n o s S eu s e n s in a m e n to s ( M t 5 .1 7 ,1 8 ).
Terceiro, as e x p re ssõ e s Filho do Homem e Reino dos céus, u sad as p o r Jesu s a re s p e ito d o re in o , e s tã o e n ra iz a d a s e m p re d iç õ e s m e s siâ n ica s d o A n tig o T e s ta m e n to .
Quarto, Jesus a p e la v a c o n s ta n te m e n t e ao A n tig o T e s ta m e n to p a r a re s p a ld a r S uas re iv in d ic a ç õ e s a o re in o m e s s iâ n ic o 54.
Quinto, os re g istro s d o E v a n g e lh o p e r s is te n te m e n te c o n e c t a m o r e in o p r o c l a m a d o p o r Jesu s a o d as p ro fe cia s d o A n tig o T e s ta m e n t o 55.
Sexto, e v e n to s m e s siâ n ico s p re d ito s p e lo s p ro fe ta s t ê m uma identidade literal c o m a v id a d e C r is to 56. N o v a m e n t e , c o m to d o s estes e v e n to s lit e r a l m e n t e c u m p r id o s , p o r q u e se d e v e r ia e s p e ra r a lg o d ife re n te p a r a o r e s ta n te d os o r á c u l o s m e s s iâ n ic o s a re s p e ito d e u m re in o t e r r e n o p o lític o lite ra l?57
Sétimo, e f in a lm e n te , to d o s os e le m e n to s b ásico s d o re in o p r o f é tic o d o A n tig o T e s ta m e n to sã o e n c o n tr a d o s n a m e n s a g e m e n o s m ila g re s d e C ris to :
(1) o elemento espiritual do arrependimento nos Seus ensinamentos (Mt 3.2); (2) o elemento moral no Seu Sermão do Monte (Mt 5—7); (3) o elemento social na Sua preocupação com as crianças, as viúvas e os pobres (Mt 12.4044; Lc 10.29-37); (4) o elemento eclesiástico na Sua observância fiel à verdadeira religião j udaica (Mt 5.17,18; 8.34), incluindo as festas (Lc 22.7-18) e o comparecimento regular à sinagoga (4.16); (5) o elemento político no fato de que Ele “reinará eternamente na casa de Jacó” (1.31-33) e a partir de um trono em Jerusalém, com Seus doze apóstolos em doze tronos (Mt 19.28); (6) o elemento Jísico em todos os milagres ao longo da Sua vida pertencentes ao mundo físico, assim como as curas que Ele operou em outras pessoas58.
53 V eja acim a, sob “A N atu re za e a B ase B íb lica Para o R e in o M e ssiâ n ico ”. 44; M a te u s 2 2.41-45; 26.64.
54 P o r e x e m p lo , cf. Lucas 4.18-31; 7 .2 4-27; 20.41-
55 C f. Lucas 1.17,32,33,54,55,67-79; 2.25-33,36-38; M a teu s 4 .12-17; 12.15,16, e t al.
cf. Isaías 7.14; M iquéias 5.2; M a te u s 1.3; Isaías 35.5; Z acarias 9.9; Isaías 53; D a n iel 9.26; S a lm o s 16.10. 58V e ja a cim a, sob “A N a tu re z a de, e a Base B íb lica p ara, o R e in o M e ssiâ n ico ”.
56 P or e x e m p lo ,
57 V eja c a p ítu lo 15.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Os Milagres de Cristo Confirmaram a Proclamaçao de que o seu Reino Messiânico Era “Chegado” O ministério de Jesus com o o Rei messiânico era tam bém sustentado pelos Seus muitos milagres®, com o reconheceu um príncipe dos judeus, Nicodemos: “Rabi, bem sabemos que és m estre vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele” (Jo 3.2). Pedro, posteriorm ente, lem brou aos judeus: “Varões israelitas, escutai estas palavras: A Jesus Nazareno, varão aprovado por Deus entre vós com maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de vós, com o vós m esm os bem sabeis” (A t 2.22). E p erco rria Jesus tod a a Galiléia, ensinando nas suas sinagogas, e p regando o evangelho do Reino, e cu ran d o todas as enferm idades e m oléstias en tre o povo. E a sua fam a co rreu p o r tod a a Síria; e trazíam -lh e todos os que p adeciam acom etidos de várias enferm idades e to rm en to s, os en dem on inh ados, os lun áticos e os paralíticos, e ele os cu rav a [...] tro u x e ra m -lh e m u itos en dem on inh ados, e ele, co m a sua palavra, expulsou deles os espíritos e cu ro u todos os que estavam en ferm os [...] E p erco rria Jesus todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas deles, e p regando o evangelho do Reino, e cu ran d o todas as enferm idades e m oléstias en tre o pov o [...] aco m p an h o u -o u m a grande m ultidão de gente, e ele cu ro u a todos (M t 4.23,24; 8.16; 9.35; 12.15; cf. 15.30).
Jesus não som ente realizou m ilagres para confirm ar as Suas credenciais messiânicas, co m o tam bém deu a Seus apóstolos a capacidade de fazer a m esm a coisa: [...] u m a tão grande salvação, a qual, com eçando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos, depois, confirmada pelos que a ouviram; testificando tam bém Deus co m eles, por sinais, e milagres, e várias maravilhas, e dons do Espírito Santo, distribuídos por sua vontade (Hb 2.3,4; cf. M t 10.1).
Este Reino Messiânico não Foi Estabelecido durante os Dias de Jesus João Batista pregou o reino m essiânico com o u m acontecim ento fu tu ro, mas im in ente: “Arrependei-vos, porque é chegado o R eino dos céus” (M t 3.2; 4.17). Então, João B atista m o rreu , sem ter visto o reino (11.1-5; 14.1-12). O fato de que o reino ainda é fu tu ro é, além disto, dem onstrado na oração que Jesus ensinou: “Pai nosso [...] V enha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, tanto na terra com o no céu ” (6.9,10; Lc 11.2). Isto é claram ente sobre u m reino que ainda não tin h a chegado, que não som en te era espiritual, m as que seria cum prido “na terra”. Jesus tam bém disse: “M uitos virão do O riente e do O cidente e assentar-se-ão à m esa com Abraão, e Isaque, e Jacó, no R eino dos céus” (M t 8.11). Considerando o Seu ensinam ento de que isto não poderia acontecer sem u m a ressurreição física60, que não aconteceu nos Seus dias, deve haver u m cu m p rim en to literal depois da Sua prim eira vinda61. Na verdade, Ele falou disto, na U ltim a Ceia, co m o sendo fu turo: “E digo-vos que, desde agora, não beberei deste fru to da vide até àquele Dia em que o beba de novo convosco no R eino de m eu Pai”62. Em n en h u m a ocasião, antes da Ascensão63, Ele ou Seus discípulos fazem isto, literalm ente; conseqüen tem ente, é necessário desistir de um a interpretação literal e coerente das Escrituras, ou aceitar que isto ainda é fu tu ro 64.
59 V eja V o lu m e 1, c a p ítu lo 3.
60 V eja ca p ítu lo 7.
cf. M arco s 14.25; Lucas 22.16,18.
61 O A d v en to ; v e ja M a teu s 19.28; cf. Lu cas 12.32; 22.30.
62 M a teu s 26.29;
a N a tu ra lm e n te , alg uns a firm a m que isto se c u m p riu p o u c o te m p o depois da m o r te de
Jesus. E sta visão preterista será c o n sid erad a n o c a p ítu lo 16.
64 V eja c a p ítu lo 12.
O REINO DE DEUS
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D iv e rso s f a to re s te x tu a is s u s te n ta m o c u m p r i m e n t o f u t u r o . P rim eiro, “a r e g e n e r a ç ã o ” ( M t 1 9 .2 8 ) in d ic a q u e is to se d a rá n o s ú ltim o s te m p o s , e n ã o
d u r a n t e os a n o s d e Jesu s n a te r r a . Segundo, ja m a is a p a la v ra tribos (ib id .) — d a m a n e i r a c o m o é a p lica d a a Israel — é u sa d a
p a r a sig n ifica r a l g u m a c o is a a lé m d e trib o s lite ra is d e p esso as. T erceiro, a s s e n ta r-s e so b re u m t r o n o e ju lg a r Israel (a lg o q u e Jesu s a f ir m o u , e m o u tr a s
p a ssa g e n s, q u e faria — v e ja Jo 1 2 .4 8 ,4 9 ) é u m c u m p r i m e n t o p ro fé tic o (m e s s iâ n ic o ). Q uarto, n o v a m e n t e , as p ro fe c ia s n o t e x t o d e D a n ie l, c o m u m c o n t e x t o p o lític o lite ra l,
fa la r a m d o t e m p o q u a n d o “os s a n to s d o A ltís s im o r e c e b e r ã o o re in o e p o s s u irã o o re in o p a r a todo o sem p re” (7 .1 8 ; cf. v. 2 2 ).
N o fin al d a S u a v id a te r r e n a , Jesu s e n s in o u u m a p a rá b o la (q u e p r e te n d ia c o r r ig ir u m a falsa c r e n ç a ) , m o s t r a n d o q u e o re in o m e s s iâ n ic o p ro fé tic o n ã o s u rg iria d u r a n te o S eu m in is té rio . “O u v in d o eles essas co isas, e le p ro s s e g u iu e c o n to u u m a p a rá b o la , p o r q u a n to e s ta v a p e r t o d e Je r u s a lé m , e cuidavam que logo se h av ia d e m a n ifesta r o R ein o d e D e u s ” (L c 19.11). F ra se s c o m o “C e r to h o m e m n o b re p a r tiu p a r a u m a t e r r a r e m o t a , a fim d e t o m a r p a r a si u m r e in o e v o l t a r d e p o is” (v . 1 2 ), e “àq u eles m e u s in im ig o s q u e n ã o q u is e ra m q u e eu re in a sse s o b re e le s” (v. 2 7 ), m o s t r a m a n a tu r e z a m e s s iâ n ic a d a p a rá b o la , assim c o m o J o h n W a lv o o r d (1 9 1 0 -2 0 0 2 ) e R o y Z u c k (n a s c id o 1 9 3 2 ), n a o b r a B ib le K n o w led g e C om m en tary , re su m e m b em :
Jesus estava partindo para receber um reino. Quando Ele retornasse, Ele iria estabelecer o Seu reino. Até que isto acontecesse, os Seus seguidores deveriam cumprir as suas responsabilidades, que Ele lhes tinha dado. Na Sua volta, Ele iria recompensar os [servos] fiéis, de maneira proporcional aos seus serviços a Ele, e os Seus inimigos seriam julgados diante dEle (2.253). O re in o m e s s iâ n ic o v ir á n a S e g u n d a V in d a 65.
A Demora do Reino Messiânico E e v id e n te , c o m b ase n o s c o m e n t á r i o s a n te r io r e s , q u e o r e in o m e s s iâ n ic o , p o lític o e visível, p r o m e t i d o n o A n tig o T e s ta m e n to e p r o c l a m a d o n o s E v a n g e lh o s , n ã o se re a liz o u d u r a n t e a v id a d e Jesu s, m a s fo i p r o c l a m a d o p o r Jesu s e p e lo s a p ó s to lo s c o m o se n d o f u t u r o . O q u e a c o n te c e u ? A
e x p lic a ç ã o
do
N ovo
T e s ta m e n to ,
s o b re
por
que
as p r o m e s s a s
do
re in o
m e s s iâ n i c o a in d a n ã o se c u m p r i r a m , é a p r e s e n ta d a c o m v i g o r e c l a r e z a : “E le [Jesus] e s t a v a n o m u n d o , e o m u n d o fo i f e ito p o r e le e o m u n d o n ã o o c o n h e c e u . V eio p a r a o q u e e r a s e u , e o s s e u s n ã o o r e c e b e r a m ” (Jo 1 .1 0 ,1 1 ) . D e p o is d a S u a r e j e i ç ã o p e lo s j u d e u s , p o u c o t e m p o a n te s d a S u a c r u c i f i c a ç ã o , Je s u s d e c l a r o u : “P o r t a n t o , e u v o s d ig o q u e o R e in o d e D e u s vos s e r á tir a d o e s e r á d a d o a u m a n a ç ã o q u e d ê o s s e u s f r u t o s ” ( M t 2 1 .4 3 ) . E le d isse q u e o s S e u s s e g u id o r e s “c a i r ã o a fio d e e s p a d a e p a r a t o d a s as n a ç õ e s s e r ã o le v a d o s c a t iv o s ; e J e r u s a lé m s e r á p is a d a p e lo s g e n t i o s , a t é q u e os tem p os d o s g e n tio s se c o m p le t e m ” (L c 2 1 .2 4 ) . I s r a e l r e j e i t o u o S e u M e ssia s, e o r e i n o fo i t i r a d o de
I s ra e l te m p o r a r ia m e n te 66.
65Veja capítulo 15.
66Veja capítulo 14.
884 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Rastreio das Rejeições nos Evangelhos O esquem a do Evangelho de M ateus serve com o cenário para com preend er a rejeição de Israel ao reino m essiânico67. I. A pessoa do Rei (1—3a) A. Seus ancestrais — até A braão e Davi (la ) B. Seu advento —pela V irgem M aria (lb —2) C. Seu em baixador — João Batista (3a) II. A p rep aração do Rei (3b—4) A. Seu batism o (3b) B. Sua ten tação (4a) C. Sua pro clam ação (4b) n i. Os princípios do Rei (5—9) A. Seu m anifesto (5—7) B. Seus m ilagres (8—9) IV. A apresentação do Rei (1 0 -1 2 ) A. Sua P ro clam ação (10) B. Sua rejeição (11—12) 1. Dúvidas de João Batista (11a) 2. C ond en ação pela descren ça (11b) 3. R ejeição pela institu ição religiosa (12) V. As parábolas e os m ilagres do Rei (13—16a) A. Os m istérios do reino (13) B. Os m ilagres do reino (14—16a) VI. A Paixão do Rei (16b—27) A. R evelação da Paixão (16b—17a) B. In stru ção sobre a Paixão (17b—20a) C. Rejeição da Paixão (2 0 b -2 3 ) D. Visão da Paixão (24—25) E. C rucificação (26—27) VIL O p od er do Rei (28) A. R essurreição (28a) B. Requisitos (28b)
Depois de citar os ancestrais de Cristo, até Abraão, que recebeu u m a promessa incondicional de terras, e Davi, que recebeu um a promessa incondicional do MessiasRei que viria68, M ateus fala do Seu nascim ento virginal, conform e tin ha sido profetizado por Isaías (Is 7.14), que revelou que Seu nom e seria Emanuel ( “Deus conosco”) e que seria o “Deus Forte” e que reinaria “sobre o trono de Davi”, u m reinado que não teria “fim ” (9.6,7). Mateus, a seguir, passa a tratar de João Batista, que tinha sido predito (M l 3.1). Depois que o Rei foi apresentado e ungido (M t 3), a Sua m ensagem foi im ediatam ente proclam ada: O tão esperado reino messiânico prom etido a Davi chegou, n a pessoa de Jesus. Ele era “chegado” ( “próxim o”); tudo o que Israel precisava fazer era arrepender-se de seus pecados e aceitar o seu Messias-Rei (v. 2).
fi7 Os núm eros entre parênteses representam capítulos do Evangelho de Mateus.
68Veja capítulo 14.
O REINO DE DEUS
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Em vez disto, eles o rejeitaram , e Jesus proferiu o juízo que viria: “C om eçou Ele [Jesus] a lançar em rosto às cidades onde se operou a m aior parte dos seus prodígios o não se haverem arrependido” (11.20). Foi alcançado um ápice de incredulidade quando Ele curou e libertou um endem oninhado cego e m udo, pois “os fariseus, ouvindo isso, diziam: Este não expulsa os dem ônios senão por Belzebu, príncipe dos dem ônios”. A isto, Jesus respondeu: “Eu vos digo: todo pecado e blasfêmia se perdoará aos hom ens, mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos hom ens” (12.24,31). Subseqüentemente, em parábolas, Jesus anunciou os “mistérios do Reino dos céus” (13.11), que irão dominar o interregno entre a Sua rejeição e a Sua volta59. Esta forma de mistério do reino teria lugar até a Segunda Vinda, quando Jesus irá estabelecer a forma messiânica prometida há tanto tempo, e a característica central deste período é a igreja, um mistério desconhecido no Antigo Testamento mas agora revelado aos apóstolos'0. Com o conseqüência da rejeição de Israel, Cristo anunciou: “Edificarei a minha igreja” (16.18), e começou a anunciar a Sua rejeição suprema—aSua morte pelas mãos da nação judaica (17.9,22,23), usando uma passagem messiânica: “Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que os edificadores rejeitaram, essa foi posta por cabeça do ângulo; pelo Senhor foi feito isso e é maravilhoso aos nossos olhos?” (21.42, de SI 118.26). C om a rejeição do Messias, Deus iria deixar de lado tem porariam en te as Suas relações com o Israel nacional, e tentaria provocar o seu ciúm e, concentrando-se na salvação dos gentios. Israel não seria restaurado com o nação antes que a “plenitude dos gentios” (R m 11.25) estivesse com pleta, pois, com o disse Paulo, “não quero, irm ãos, que ignoreis este segredo (para que não presum ais de vós m esm os): que o end urecim en to veio em parte sobre Israel, até que a plen itu de dos gentios haja en trad o” (ibid .).
As Parábolas do Reino Jesus explicou a situação aos seus discípulos: “A vós é dado conhecer os mistérios do Reino dos céus, mas a eles [os de fora] não lhes é dado” (M t 13.11). Aqui, Jesus citou Isaías 6.9,10, um texto usado cinco vezes no Novo Testamento, sempre em conexão com a rejeição de Israel ao seu Rei71. A cegueira judicial que resultou da incredulidade de Israel foi um juízo de Deus72. Este m istério do reino é revelado nas seguintes parábolas: (1) (2) (3) (4)
o o o o
sem eador trigo e o joio grão de m ostarda ferm ento
(5) o tesouro escondido ( 6 ) a pérola ( 7 ) a rede Os seus respectivos significados podem ser entendidos da seguinte m aneira: (1) O Evangelho será rejeitado p o r grande p arte das pessoas'1. (2) Tanto os insinceros doutores da fé quanto os que tiverem fé genuína'4irão coexistir até o fim.
69 Veja capítulo 15. Atos 28.25-27.
70 Efésios 3.3-5; veja tam bém parte 1.
71 M ateus 13.13-15; Marcos 4.11,12; Lucas 8.10; João 12.39,40;
72 Cf. Rom anos 10.3; 2 Coríntios 3.14,15; veja tam bém Rom anos 11.25.
74 Ibid., capítulos 14-15.
73 Veja Volum e 3, capítulo 13.
886 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
(3) A Cristandade irá crescer rapidamente, tendo um início modesto. (4) As pessoas de falsa fé irão crescer em número. (5) Cristo veio para resgatar a Sua estimada possessão (Israel). (6) Cristo deu a Sua vida para possibilitar a redenção da igreja. (7) Os anjos irão separar os salvos dos perdidos, quando Cristo retornar (veja Walvoord e Zuck, BKC, 2.52).
A Parábola dos Talentos A parábola dos talentos (Lc 19.11-27) é de especial interesse para o conceito do reino, pois se desenrola entre as duas vindas de Cristo (veja M cC lain, GK, 342-43). Primeiro, o nobre (C risto) parte para u m a terra rem o ta (o céu), com dois objetivos: to m ar para si u m reino e voltar depois (v. 12). Segundo, há dois tipos de pessoas: servos e cidadãos. Terceiro, cada servo (gen tio) recebe u m a igual quantia em dinheiro, e o dever de investi-la, até que Cristo retorn e (v. 13). Quarto, os cidadãos (ju d eu s) o odeiam e repudiam Suas reivindicações de reinar sobre eles (v. 14). Quinto, tendo recebido o reino que éSeu, o nobre (Cristo)iráretornar àterrapararecompensar Seus servos, em conformidade com o seu serviço durante a Sua ausência (w . 15-27). Sexto, na Sua volta, Ele executará ju ízo sobre os cidadãos que o rejeitaram (v. 27). Sétimo, o intervalo entre as Suas duas vindas não é indicado (em b ora seja cham ado de “m u ito tem p o ” em um a parábola sim ilar —veja M t 25.19).
O Evangelho do Reino D o ponto de vista da salvação individual, existe um evangelho (G1 1.8; cf. 3.8) baseado na graça de Deus (Ef 2.8,9), que só foi possibilitado pela m orte e ressurreição de Cristo (1 Co 15.1ô)73. Não obstante, o conteúdo revelado do evangelho variou, de geração em geração, no progresso da revelação76; de igual maneira, existe um desenvolvimento notável do evangelho do reino, primeiramente pregado aos judeus (antes que eles rejeitassem a Jesus), para o evangelho de Cristo:
E v a n g e lh o d o R e in o
E v a n g e lh o d e C r is to
Reino
0 reino é chegado
0 reino não é chegado
M orte/Ressurreição
Não é parte dele
E essencial a ele (cf. R m 10.9)
Ouvintes
Som en te judeus (cf. M t 10.6)
Judeus e gentios (cf. R m 1.16)
Dos com entários anteriores, surgem diversas características do atual reino espiritual de D eus77.
75Veja volum e 3 76 Ibid., capítulo 16; veja tam bém V olum e 1, capítulo 4. V olum e 3, capítulo 6.
77 A era da igreja; veja parte 1, e tam bém
O REINO DE DEUS
887
Primeiro, ele inclui crentes e incrédulos, trigo e joio. Segundo, não é um reino visível, mas um reino invisível de Deus. sobre os bons e maus,
hum anos e angelicais. Terceiro, é tem porário —dura som ente até a Segunda Vinda78. A esta altura, ele alcança o Eschaton (o final), que é a separação do bem e do m al, e a eterna punição do m al, ju n tam en te com a eterna recom pensa do b em '9. A lém das sete parábolas relacionadas e interpretadas em co n ju n to acim a80, existem pelo m enos cinco outras nos Evangelhos a respeito deste assunto: (1) a parábola do rei que quis acertar contas (com o servo que não era m isericordioso — M t 18.23-35), que ensina as razões para o perdão; (2) a parábola do rei que prepara u m a celebração de bodas (22.2-14), que ensina que m uitos não entrarão no reino; (3) a parábola do proprietário que c o n trato u trabalhadores (20.lss.), que m o stra que as recom pensas no reino estão sob o controle de Deus; (4) a parábola das dez virgens (25.1-13), que ensina que os fiéis81 estarão esperando pelo Seu retorno; e (5) a parábola da sem ente (Mc 4.26), que dem o n stra o m isterioso crescim ento do reino, p o r m eio da operação de C risto (cf. 1 Co 3.6). A E x p lic a ç ã o da R e je iç ã o a o M essias n a s E p ís to la s Os cap ítu lo s 9—11 da ep ístola de Paulo aos R o m a n o s fo rm a m u m a unidade onde ele tra ta da p erg u n ta: “R e je ito u D eus o seu povo?” (11.1); R o m a n o s 9 tra ta do passado de Israel, R o m a n o s 10, do p resen te de Israel, e R o m a n o s 11, do fu tu ro de Israel, in clu in d o u m a d escrição do p rocesso de re je içã o , retrib u içã o e restau ração . Considerando o uso da palavra Israel nesta passagem , Paulo co m eça (9.1) co m um a clara d eclaração do que significa Israel, a saber, seus “parentes segundo a carne; que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os con certos, e a lei, e o cu lto , e as prom essas” (vv. 2-4). Sem n e n h u m a dúvida, trata-se do Israel nacional; Paulo deseja que o seu povo receba a salvação (10.1), citando mais adiante o seu profeta Isaías, e afirm ando ser u m deles (11.1). Israel, ao longo de toda esta passagem, co n tin u am en te e co e re n te m e n te delineia u m grupo de pessoas con h ecid o co m o Israel n acional, físico e literal. Não há n e n h u m a indicação de u m suposto Israel espiritual, que te n h a substituído o Israel n acion al no plano de Deus. O capítu lo se desenvolve co m o apresentado a seguir. O Escopo da R ejeição de Israel
R ejeitou D eus o seu povoí De m o d o n e n h u m ! Porque tam b ém eu [Paulo] sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de B enjam im . D eus não rejeito u o seu povo, que antes conheceu [...] [Assim com o nos tem pos do A ntigo T estam ento D eus sem pre preservou alguns restantes,] tam b ém agora neste tem p o ficou u m resto, segundo a eleição da graça. Mas, se é p o r graça, já não é pelas obras; de o u tra m aneira, a graça já não é graça (11.1-6). 7SV eja c a p ítu lo 15.
79V eja cap ítu lo s 8-9.
80V eja sob “As P arábolas d o R e in o ”.
81 M u ito s disp en sacion alistas a cre d ita m q ue
isto se refere aos ju d e u s fiéis (as c in c o p rep arad as) e infiéis (as cin co d espreparad as) n o fin al da T rib u la ç ã o (p o r e x e m p lo , v e ja W alvoord e Z u c k , The Bible Knowlefye Commentary, 2.80).
888 <ü
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
0 Motivo da Rejeição de Israel Pois quê? O que Israel b uscava n ão o alca n ço u ; m as os eleitos o a lca n ça ra m , e os o u tro s fo ra m en d u re cid o s. C o m o está e scrito : D eus lhes deu esp írito de p ro fu n d o so n o: o lh o s p a ra n ã o v e re m e o uvidos p a ra n ã o o u v ire m , até ao dia de h o je. E Davi diz: T o rn e -se -lh e s a sua m esa em laço , e em arm ad ilh a, e em tro p e ç o , p o r sua re trib u içã o ; escu re ça m -se -Ih e s os o lh o s p a ra n ão v e re m , e e n cu rv e m -se -lh e s co n tin u a m e n te as co stas (vv. 7 -1 0 ).
E m u m texto anterior, Paulo descreve o m otivo pelo qual os seus olhos seriam escurecidos: Porque lhes dou testem u n h o de que têm zelo de D eus, m as não co m en ten dim en to. P orquanto, não co n h ecen d o a justiça de D eus e p ro cu ran d o estabelecer a sua p rópria justiça, não se su jeitaram à justiça de Deus. Porque o fim da lei é C risto p ara justiça de tod o aquele que crê (10.2-4).
O Resultado da Rejeição de Israel: A Salvação para os Gentios Digo, pois: p o rv en tu ra, tro p eçaram , p ara que caíssem? De m o d o n en h u m ! Mas, pela sua queda, veio a salvação aos gentios, para os incitar à em u lação . E, se a sua queda é a riqueza
do m u n d o , e a sua dim inuição, a riqueza dos gentios, quanto mais a sua plenitude! [...] Porque, se a sua rejeição é a reconciliação do m u n d o , qual será a sua admissão, senão a vida d entre os m ortos? [...] E se alguns dos ram o s foram quebrados, e tu , sendo zam bujeiro, foste en xertad o em lugar deles e feito participante da raiz e da seiva da oliveira, não te glories co n tra os ram os [...] Dirás, pois: Os ram o s fo ram quebrados, para que eu fosse en xertad o (11.11-19).
A Restauração Final do Israel Nacional Se tu foste cortado do natu ral zam bujeiro e, co n tra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira! Porque não quero, irm ãos, que ignoreis este segredo (para que não presum ais de vós m esm os): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado. E, assim, todo o Israel será salvo82, om o está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades [...] Assim que, quanto ao evangelho, são inim igos por causa de vós; mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais. Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependim ento. Porque assim com o vós tam bém , antigam ente, fostes desobedientes a Deus, mas, agora, alcançastes m isericórdia pela desobediência deles, assim tam bém estes, agora, foram desobedientes, para tam bém alcançarem m isericórdia pela m isericórdia a vós dem onstrada. Porque D eus encerrou a todos debaixo da desobediência, para co m todos usar de m isericórdia (11.24-32). Q ue conclusões podem ser obtidas? Israel, com o nação (ainda que n em todos os indivíduos nela) rejeitou o Seu Messias, e, conseqüentem ente, o Seu reino m essiânico prom etido. No entanto, Deus, na Sua m isteriosa e eterna sabedoria, p lanejou 82 Isto é, a nação de Israel com o um todo.
O (iffSO Ot ÍJECÍS
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antecipadam ente a queda de Israel, para a salvação dos gentios. A Sua graça para Israel é irrevogável. Q uando o plano com p leto de D eus para a salvação tiver sido concluído, Ele irá restaurar (voltar a en xertar) o Israel nacional e cum prirá as Suas promessas incondicionais, inclusive o reino m essiânico, que foi postergado (m as jam ais cancelado) pela sua rejeição. Q uando o Messias retorn ar, e fo r aceito pelo Israel nacional, então “todo o Israel será salvo” (v. 26); este será o fim da tribulação antes do início do m ilên io3'’. G astou-se m u ita tinta co m u m tem a desnecessário: O reino m essiânico foipostergado, ou a aparente m udança de cronogram a teria sido planejada previam ente? As duas hipóteses podem ser verdadeiras. O reino não foi postergado, do ponto de vista de Deus — Ele sabia, e p lanejou desde a eternidade, quando ele viria84. Q uanto à m o rte do M essias-Rei, Pedro declarou: “A este que vos foi entregue pelo determ inado conselho e presciência de Deus, to m and o-o vós, o crucificastes e m atastes pelas m ãos de in ju sto s” (A t 2.23). Sem elh an tem en te, a era da igreja que interveio não foi u m a reflexão divina posterior, mas u m “m istério” (R m 11.25), conhecid o e planejado por Deus desde a eternidade (Ef 1.4), desconhecido aos seres h u m anos até a vinda dos apóstolos e dos profetas do Novo Testam ento (2.20; cf. 3.3-6). A igreja é estranha ao plano de Deus? Ela é parentética, do ponto de vista da história do Israel nacional, u m a vez que o cronogram a de D eus para Israel parou n a rejeição do Messias; conseqüentem ente, existe u m a ru p tu ra entre asexagésim a nona e a septuagésima sem anas de D aniel83, onde se encaixa a igreja. No entanto, do ponto de vista do plano de Deus, não há tal ru ptu ra; com o vim os, o objetivo de Deus era provocar os judeus e propiciar salvação para os gentios (R m 11.13-15). Não é de adm irar que Paulo conclua esta seção da m aneira com o a conclui: “O profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, com o da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus cam inhos!” (v. 33).
O Reino Messiânico não se Cum priu na Igreja Primitiva O utro fato parece claro: Este m esm o reino m essiânico, político e literal que os judeus rejeitaram nos Evangelhos não se cu m priu, em n e n h u m a ocasião, até o final do livro de Atos, e por todo este livro. A ú ltim a pergunta que Jesus respondeu antes de ascender ao céu foi sobre esta prom essa do A ntigo Testam ento e dos Evangelhos, a qual ainda não foi cum prida. Atos 1.6-11 Considerando que o próprio Messias tin h a acabado de passar quarenta dias falando de coisas pertencentes ao “reino de D eus” (v. 3), os discípulos não estavam falando com ignorância, quando lhe perguntaram : “Senh or, restaurarás tu neste tem p o o reino a Israel?” (v. 6). Observe as im plicações da sua pergunta: (1 ) A fu tu r a “r e s ta u ra ç ã o ” dá a e n te n d e r que este rein o já tin h a existid o. (2 ) A “r e s ta u ra ç ã o ” su g ere que ele n ão existia n e sta ocasião (cf. Lc 21.31). (3 ) Q u an d o o re in o estiver re s ta u ra d o , Israel te rá a posse d ele, n o sen tid o esp erad o n o A n tig o T e sta m e n to .
83Veja capítulos 15-16.
84Veja Volume 2, capítulo 8.
85Veja capítulo 16.
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H
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
(4) “Israel” aqui é histórico e nacional, e não espiritual ou simbólico; o texto é rodeado por outras referências a “Israel”86. (5) A “restauração” indica que um assunto sobre o qual faltava informação aos discípulos era o tempo ou a ocasião do futuro reino (e não a sua natureza). (6) Se não houvesse nenhum futuro nacional literal para Israel, então Jesus teria perdido a Sua última oportunidade de corrigi-los e dizer algo como: “Não compreendeis ainda” (Mt 16.9). Por outro lado, Ele não proferiu nem uma palavra de reprovação, e afirmou um futuro reino messiânico cujo momento somente Deus conhecia: Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder [para a restauração do reino a Israel], Mas recebereis a virtude [isto é, neste ínterim, sereis capacitados para realizar uma tarefa diferente —ajudar a edificar a minha igreja] do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra (At 1.7,8). Observe estes im portantes elem entos a partir do te x to 87. Primeiro, a resposta de Jesus não con tém n em sugere reprovação por qualquer suposta concepção equivocada a respeito do fu tu ro reino. Segundo, u m a vez que a questão trata som ente do m o m en to , a Sua resposta se refere som ente a isto ( “Não vos pertence saber”). Ele já tin h a dado u m a resposta sem elhante, certa vez (M c 13.34-37). Terceiro, durante o interregn o, eles estariam evangelizando o m undo. Quarto, este período pós-ressurreição term in ou com a Sua ascensão visível ao céu e a prom essa do Seu reto rn o visível (A t 1.9-11). Estas duas coisas tan to reforçaram as reivindicações messiânicas de Jesus co m o trazem certeza adicional a respeito da restauração do Seu reino m essiânico. Quinto, na prom essa final da Segunda Vinda, “os m ensageiros angelicais parecem quase esgotar os recursos da linguagem h u m an a ao declarar a realidade e a visibilidade deste grande even to” (M cC lain, GK, 396): Quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos. E, estando com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram dois varões vestidos de branco, os quais lhes disseram: Varões galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir (vv. 9-11). A ascensão foi corpórea, visível e gloriosa. E assim será o Seu retorn o. Atos 3.19-26 Aqui, Pedro oferece o reino messiânico a Israel, sob a condição do seu arrependimento: Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham, assim, os tempos do refrigério pela presença do Senhor. E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado, o qual convém que o céu contenha até aos tempos 86 P o r e x e m p lo , A tos 2.22,36; 3.12; 4.10,27; 5.21,31,35 e tc. Kingdom, 294-396.
87 A qu i, a d iscussão a c o m p a n h a M c C la in , The Greatness o f the
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891
da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio [...] E todos os profetas, desde Samuel, todos quantos depois falaram, também anunciaram estes dias. Vós sois os filhos dos profetas e do concerto que Deus fez com nossos pais. U m a leitu ra consistente e objetiva desta passagem, ju n ta m e n te com tudo o que já foi m ostrad o acim a, resulta em diversos fatos cruciais. Primeiro, o reino m essiânico de Israel ainda não se cum priu. Segundo, D eus iria restaurar o reino a Israel em u m tem po ainda fu turo. Tercem, isto não acontecerá até depois do reto rn o de Jesus88. Quarto, isto não significa, de m aneira n en h u m a, que algum reino espiritual ten h a substituído estas profecias89. Quinto, as prom essas do A ntigo T estam en to não eram som en te para Israel, mas tam b ém para seus descendentes literais, a quem Pedro cham a de “h erd eiros” das 90 prom essas . Sexto, e finalm ente, estes concertos feitos por Deus inclu em u m a prom essa incondicional para Israel, de herdar para sem pre a T erra Santa, desde o Egito até o Eufrates (G n 15.18)91. Romanos 11.26 “E, assim, todo o Israel será salvo, co m o está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as im piedades”. C om o m uitos outros, este texto revela, sem dúvida, um fu tu ro literal e nacional para Israel, refutando as assim cham adas escatologias “realizadas”, que alegam que as promessas do reino para Israel já tin h am sido cum pridas; está claro, ainda, que há m uitas expectativas de u m cu m p rim en to fu tu ro 92. 1 Coríntios 15.23-28 Cada um por sua ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda. Depois, virá o fim, quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império e toda potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte. Porque todas as coisas [o Pai] sujeitou debaixo de seus pés [...] todas as coisas lhe estão sujeitas, claro está que se excetua aquele que sujeitou todas as coisas. E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, também o mesmo Filho se sujeitará àquele [o Pai] que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos. Paulo esclarece que o reino literal ainda é fu tu ro, com eçand o som ente quando C risto retorn ar, e que durante o Seu reinado, que neste m o m en to ainda não é literalm en te etern o, em bora, seja efetivo93, ainda haverá m o rte, a m o rte será. finalmente derrotada94 pela ressurreição93. Apocalipse 20.1-6 considera as duas ressurreições96 com o lim ites do reinado de Cristo: a prim eira (dos salvos) no início, e a segunda (dos não-salvos) no final do m ilênio97. Isto contrasta o reinado tem p o ral de C risto com o reinado eterno de Deus; o M ilênio (Ap 20), com o novo céu e a nova terra (Ap 21—22). 88Veja c a p ítu lo 15. T a ra S e m p re ’”. 97Veja c a p ítu lo 15.
89Veja c a p ítu lo 12.
90 Ibid.
94 Veja V olum e 3, c a p ítu lo 6.
91 Veja c a p ítu lo 14. 93 V eja c a p ítu lo 7.
92 Ibid.
93Veja acim a, sob “A Q u estão d a Expressão
96 A m bas as quais são p a r te d a ressu rreiçã o final.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O Milênio
O Novo Céu e a Nova Terra
Tempo determinado
No 6nal do reinado de Cristo
Sem fim
Morte
Ocorre morte
Não ocorre morte
Mal
Presente
Não presente
Localização
Na terra
No céu e na terra
Juízo Final
Ainda não aconteceu
Concluído
Participantes
Salvos e não-salvos
Somente os salvos
Satanás
Ainda não foi finalmente julgado
Já foi finalmente julgado
Os detalhes destas diferenças serão esclarecidos mais adiante98; por enquanto, observe que os estados m ilenar e etern o não são a m esm a coisa. 2 Timóteo 4.1 Na ú ltim a ep ísto la de Paulo, a esp eran ça do rein o m essiân ico ainda é d iscre tam e n te antecipada: “C o n ju ro -te , p e ra n te D eus e C risto Jesus, que há de Ju lg ar vivos e m o rto s , pela sua m a n ifesta çã o e p elo seu re in o ” (R A ). N ão so m e n te o rein o ainda é fu tu ro (n ã o é atu a l), co m o ta m b é m a sua manifestação ( aparição) será visível. A palavra grega para manifestar se orig in a de epiphaneia, que n a lite ra tu ra ju d a ica da é p o ca “significa u m a m a n ifesta çã o visível de u m a divindade o cu lta , n a fo rm a de u m a aparição pessoal, ou p o r alg u m a obra p ela qual a sua p resen ça se faz c o n h e c e r ” (A rn d t e G in g rich , GELNT, 304). No N ovo T e sta m e n to , esta palavra é usada so m e n te em referên cia a C risto — ao A d vento (2 T m 1.10), quando Ele veio em graça, e à V olta, quando Ele virá em ju íz o (1 T m 6.14; 2 T m 4.1). O R ei invisível, p o r fim , se m an ife stará em u m re in o visível. Apocalipse 11.15 “E to cou o sétim o anjo a trom beta, e houve no céu grandes vozes, que diziam: Os reinos do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre”. Send o esta a ú ltim a tro m b e ta no fin al da T rib u ta çã o ” , a sua d eclaração de que o rein o de C risto te rá vindo in d ica o in ício do Seu re to rn o à te rra e o esta b e le cim en to do tão esperado rein o m essiân ico. C o m relação ao ju íz o n esta passagem , o juízo sobre rein os te rre n o s literais, ao lo n g o das E scritu ras, sem p re foi u m ju íz o lite ra l, e a m e sm a palavra reino é usada em referên cia ao rein o de C risto ; co n se q ü e n te m e n te, é in aceitáv el (e co n trá rio à h e rm e n ê u tic a h is tó ric o -g ra m a tic a l100) in te rp re ta r isto co m o o estab e le cim en to de alg u m re in o esp iritu al. O rein o esp iritu al é o que Ele estabeleceu quando esteve n a te rra , pela primeira vez; nesta ocasião (a Sua v o lta ), existe u m a im p o rta n te e rad ical tra n sfo rm a çã o , de u m rein o p u ra m e n te invisível a u m visível, da antiga fo rm a de m istério do re in o à fo rm a m essiânica, da d im ensão esp iritu al à p o lítica do rein o de C risto (cf. 1 C o 15.24-27). 98Veja capítulos 15-16
" V e ja capítulo 16.
100Veja capítulo 12.
O REINO DE DEUS
893
Duas verdades incontestáveis resultam da discussão anterior. ^-fcssssèxKsssssfts., 'o estam ento preciiz u m governo m essiânico, político e literal sobre toda a terra. A lém disto, n e n h u m reino que cum prisse estas predições se realizou, nos tem pos do A ntigo Testam ento ou do N ovo Testam ento. C om o notam os, a últim a parte do Antigo Testam ento ainda está esperando o seu cu m p rim en to (cf. A m 9.14,15; M l 4.1ss.), assim com o todo o Novo T estam ento. U m a vez que as promessas de Deus não podem deixar de ser cum pridas, ainda haverá um cu m p rim en to literal. Em resum o, com relação ao reino m essiânico de Israel: (1) O Antigo Testamento o predisse101. (2) Jesus o confirmou (Lc 21.24; At 1.6,7). (3) Pedro o prometeu (3.19-21). (4) Paulo o reafirmou (Rm 11.11-36). (5) Deus jamais o revogou (v. 29; cf. v. 26).
O Ensino do Novo Testamento sobre o Reino Espiritual de Deus Com o vimos, depois que o reino messiânico político e literal foi rejeitado (veja M t 12ss.), um a form a temporária de reino espiritual foi estabelecida. O plano de Deus na terra transferiu o foco do estabelecimento do reino judaico à salvação dos gentios. C om isto, o Senhor desejava provocar os j udeus à aceitação do seu Rei e do Seu reino para eles (cf. R m 11). 0 Reino Espiritual de Deus Está Presente, mais Adiante, nos Evangelhos Esta form a espiritual, ou de m istério, é distinta da form a m essiânica, em diversas m aneiras im portantes:
Form a de M istério do R eino
Form a M essiânica do Reino
C om eço
M ateus 13
Apocalipse 19
Visibilidade
Invisível
Visível
Form a
Interior
Exterior
N atureza
Espiritual
Política
Súditos
Os salvos e os não-salvos estão nele
Som en te os salvos en tram
Tem po
Era atual
Era fu tu ra
Final
Na Segunda Vinda
No fim do M ilênio
Mateus 13: As Parábolas do Reino Existe um mistério literal envolvido na transição da oferta de Cristo do reino messiânico (a Israel) para a form a espiritual que se seguiu. As parábolas do reino parecem ser um importante 101Veja acim a, sob “A N a tu re z a de, e a Base Bíblica p a ra , o R eino M essiânico ”,
894 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
m om ento decisivo; com o jávim os102, antes de Mateus 13, o Rei judaico tinha estado oficialmente presente na nação judaica. Depois que o rejeitaram (M t 3—12), Jesus contou parábolas nas quais era estabelecido u m reino que cresceria rapidamente e que contém o bem e o mal; no final, os salvos seriam separados dos não-salvos, e cada um deles seria enviado a seu destino final1®. João 18.36: “Não deste mundo" “Respondeu Jesus: O m eu Reino não é deste mundo; se o m eu Reino fosse deste mundo, lutariam os m eus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas, agora, o meu Remo não é daqui”. E difícil conciliar isto com declarações anteriores de João Batista e Jesus, de que o esperado reino messiânico era “chegado” (isto é, estava “próxim o” —M t 3.2; 4 .17)104, am enos que, quando a oferta de Jesus foi rejeitada, tenha sido decretado u m período de interregno (para cum prir o propósito eterno de Deus de salvar os gentios) entre o Advento e a Segunda Vinda, quando todas as profecias do reino messiânico serão cumpridas (25.31-45)105. Novam ente, as parábolas do reino de Cristo apresentaram o anteriorm ente desconhecido plano (m istério) de Deus, pelo qual os planos para o reino messiânico (a restauração final de Israel) ficariam em com passo de espera, em favor da form a de m istério (cf. 21.43). U m a vez que a nação escolhida rejeitou com pletam ente e então crucificou o seu Messias, o trem de carga de Israel seria temporariamente desviado (R m 11.15), para perm itir que o trem expresso da igreja passasse pela via principal (v. 25). Som ente então, provocados pela salvação dos gentios (v. 11), Israel finalm ente irá (n a Segunda Vinda) aceitar o seu Messias, quando Cristo retorn ar para julgar as nações e separar os bons dos m aus106. Lucas 17.20,21: “0 Reino de Deus Está entre [ou dentro de] Vós"
[Certa vez,] interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o Reino de Deus, [Jesus] respondeu-lhes e disse: 0 Remo de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Ei-lo ali! Porque eis que o Reino de Deus está entre vós. Jesus disse isto a respeito do reino espiritual de D eus (o Seu reinado); isto é, “o Rei está en tre vós”. C onseqüentem ente, o reino estava presente quando o Rei expulsou dem ônios (por exem plo, M t 12.28), e tam bém estava presente (prefiguradam ente) quando Ele disse: “Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a m o rte até que vejam vir o Filho do Fiom em no seu R e in o ” (16.28; cf. M c 9.1; Lc 9.27). Pedro testem u nhou , sobre este evento: Não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas, mas nós mesmos vimos a sua majestade, porquanto ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da magnífica glória lhe foi dirigida a seguinte voz: Este é o meu Filho amado, em quem me tenho comprazido (2 Pe 1.16,17).
102V eja a cim a, sob “As Parábolas d o R e in o ”. 10:1V eja cap ítu los 8-9. 104E xistem ta m b é m declaraçõ es narradas p o sterio rm e n te ; v e ja A tos 1.6; 3.18-21; R o m an o s 11.15-36. lüs A lgun s a rg u m e n ta m que este re in o m essiân ico espiritual substitu i o e n sin a m e n to m ais literalista do A ntigo T e sta m en to (sob re u m re in o m essiân ico p o lítico ), seja p o r c u m p rim e n to ou p o r sub stitu ição. N o e n tan to , co m o m o s tra m as passagens acim a, isto é co n trá rio à in te rp reta çã o con sisten te e lite ra l d o en sin a m e n to do N ovo T e stam en to , do c o m e ç o ao fim . As prom essas co m p leta s de u m re in o m essiânico p o lítico e literal jam ais se c u m p rira m até o N ovo T estam en to , n e m d u ran te este.
106V eja c a p ítu lo 15.
O REINO DE DEUS
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0 R e in o E s p iritu a l de D e u s n a Ig re ja Em bora o reino espiritual de Deus tenha continuado na era da igreja, este reino não é idêntico à igreja. O reino espiritual de Deus teve início enquanto Jesus estava na terra107, e a igreja não com eçou até o Dia de Pentecostes108. A coexistência não prova identidade; a igreja é um m istério não relevado até os tempos do Novo Testam ento, um a entidade exclusiva, na qual judeus e gentios são co-herdeiros com Cristo (E f 3.3-5; Cl 1.26,27). Assim, em bora a igreja seja parte de um a mais ampla com unidade espiritual de Deus, ela é um grupo mais limitado, constituído de todos os crentes desde o Pentecostes qu ejoram batizados pelo Espírito no corpo de Cristo'09. A relação da igreja com o reino de Deus, nos sentidos mais am plo e mais restrito, foi esquematizada acim a110 e está apresentada sob a form a de um diagrama na página X X . Embora Cristo não seja o Rei da igreja no sentido davídico (ou messiânico) com o um governante político que está entronizado em Jerusalém—um a vez que o reino messiânico ainda não se iniciou111—, apesar disto, Ele é a Cabeça soberana da igrej a, e reina sobre ela espiritualmente. Embora estejamos de acordo com McClain, em que diversas referências do Novo Testamento ao reino possam ser interpretadas em um sentido futuro, com o referindo-se ou ao céu ou ao reino messiânico112, este esforço para explicar todas elas sem que se refiram a um reino espiritual presente parece não ser plausível, além de ser forçado. Considere o seguinte embasamento para falar do reino espiritual de Deus com o estando presente na igreja. Romanos 14.17
Paulo escreveu à igreja de Roma: “O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo”. Parece evidente que ele estava se referindo à sua condição naquela época, a saber, de não ofender um irmão mais fraco comendo alimentos oferecidos aos ídolos. 1 Coríntios 4.20
Paulo in form ou aos coríntios que “o R eino de Deus não consiste em palavras, mas em virtu d e”. O contexto indica que ele está respondendo ao uso arrogante que eles faziam das palavras (v. 19); a sua resposta não é escatológica, mas prática, e se refere diretam ente à sua situação, com relação ao reino espiritual de Deus na igreja. Colossenses 4.11
Os “da circuncisão [judeus] [...] são estes u n icam ente os meus cooperadores no Rem o de Deus e para m im têm sido con so lação”. R econhecid am ente, isto poderia ter um sentido íu tu ro , por causa da palavra no, que poderia referir-se a recom pensas que receberem os no reino vindouro. Tam bém pode ter um sentido presente, de trabalhar por realidades espirituais mais do que pelas m ateriais (cf. 2 Co 4.18). 107V eja abaixo, sob “R o m an o s 14.17” (ss.).
108V eja c a p ítu lo 2.
Esp iritu al de D e u s (n o S en tid o R e s trito )”.
109Efésios 1.22,23; 2.11,12; G álatas 3.28.
110V eja sob “O R e in o
111 A d ecla ra çã o dos ch a m a d o s “disp en sacio nalistas p rogressivo s” de q u e a
alian ça davídica (v e ja ca p ítu lo 14) já c o m e ç o u a ser c u m p rid o n ã o te m ju stificativ a: (1 ) O c u m p r im e n to n ã o se in icia, até q u e C risto e ste ja re in a n d o fisica m e n te e m u m tro n o e m Jeru sa lém ; (2 ) esta in te rp re ta ç ã o c o m p r o m e te a c o e rê n c ia da h e rm e n ê u tic a lite ra l, in te rp re ta n d o e sp iritu a lm e n te p a rte destas p ro fecia s (v e ja ca p ítu lo 12); (3 ) esta in te rp reta ç ã o c o n fu n d e o re in ad o esp iritu a l a tu a l de D e u s c o m o fu tu r o re in a d o p o lítico de C risto ; e (4 ) isto é a m ile n a rism o im p líc ito , u m a v ez q u e se a sua h e rm e n ê u tic a fosse ap licad a c o e re n te m e n te , levaria a u m a n e g a çã o do p ré -m ile n a ris m o (v e ja ca p ítu lo 15). T iag o 2.5.
112 P or e x e m p lo , 1 C o rín tio s 6.9-19; 15.50; G álatas 5.21; Efésios 5.5; 2 T im ó te o 2.12; 4.1; 2 Pedro 1.11;
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
1 Tessalonicenses 2.12 Paulo lem bra os tessalonicenses do seu m inistério, que os exortava e consolava, “para que vos conduzísseis dignam ente para co m Deus, que vos chamapara o seu reino e glória”. C o m o, em virtude de serem salvos, já estavam no Seu reino (cf. Jo 3.8,5), faz sentido interpretar isto com o falando do reino espiritual presente de Deus.
1. Reino global de D eus: salvos e n ã o -salvo s.
2 . Reino espiritual de Deus: Somente os salvos
3 Igrujd Semente os salvos
4. Israel: Salvos e não-salvos.
2 Tessalonicenses 1.5 “[E] ju sto [o] ju ízo de Deus, para que sejais havidos p o r dignos do R eino de Deus, pelo qual tam bém padeceis”. Os tessalonicenses sofriam por Cristo no presente, pela igreja (cf. 2 C o 11.28); não há necessidade de interpretar isto com o referindo-se a algum estado fu tu ro (cf. 2 T m 3.12). 1 Timóteo 1.17 “Ao Rei dos séculos, im ortal, invisível, ao ún ico D eus seja h on ra e glória para todo 0 sem pre. A m ém !” E m bora Cristo jam ais seja cham ado de Rei da igreja, co m estas palavras, apesar disto Ele reina sobre ela co m o o Cabeça de todas as coisas (E f 1.22). U m a vez que o interregno entre as Suas vindas é u m reino espiritual (cf. M t 13), não há m otivo para negar o Seu reinado espiritual n o presente. 1 Timóteo 6.15 “[Deus], a seu tem po [no reto rn o de Cristo], m o strará o bem -aventurado e ún ico poderoso Senhor, Rei dos reis e S en h o r dos sen h ores”. N ovam ente, a palavra Rei sugere que Ele tem u m reino espiritual agora.
O REINO DE DEUS
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O Novo Testamento usa a palavra reino diversas vezes em referência à igreja. Os apóstolos pregaram sobre o “Reino de Deus”11'; Filipe pregava acerca do Reino (At 8.12); Paulo fala que Deus “nos tirou dapotestade das trevas e nos transportou para o Reino do Filho do seu am or”1w; os cristãos são um reino de sacerdotes113. Membros da verdadeira igreja Jazem parte deste m no atual. H ebreus 1 2 .2 8
“Tendo recebido um R ein o que não pode ser abalado, reten h am o s a graça, pela qual sirvamos a Deus agradavelm ente com reverência e piedade”. Dado o contexto — “Chegastes ao m onte Sião, e a cidade do Deus vivo [...] aos m u itos m ilhares de anjos, à universal assem bléia e igreja dos p rim o g ênitos” (vv. 22,23) —, parece natu ral interpretálo no sentido espiritual atual do reino. C o m o ob servam os, a palavra reino n ão está lim itad a ao rein o esp iritu al de D eus nos cren tes te rre n o s; ela tam b ém é usada a respeito do céu , ou o lu g ar de felicidade e b em -a v e n tu ra n ça para o qual os cren tes passam quando d eixam esta vid a116. Jesus disse ao saltead or que desejava fazer p a rte do Seu rein o : “H oje estarás co m ig o no Paraíso” (Lc 23.43), que Paulo afirm a referir-se ao “te rce iro c é u ” (a p resen ça de D eus, 2 C o 12.2 ) 117.Paulo ta m b é m m e n cio n a que D eus nos ch a m a “para o Seu rein o e g ló ria ” (1 Ts 2.12), e observa que nós som o s consid erad os dignos de so frer pelo rein o (2 Ts 1.5), co m o o foi o ap ó sto lo João (Ap 1.9): “Por m u itas trib u la çõ es nos im p o rta entrar no R e in o de D e u s” (A t 14.22).
A BASE HISTÓRICA PARA O REINO DE DEUS A h istó ria da ig re ja c o n té m a b u n d a n te resp ald o p ara o re in o de D eus em seus vários asp ectos. O re in o g lo b a l de D eu s, ou seja, o Seu rein a d o so b era n o sob re o u n iv erso , é abord ad o em o u tro s tr e c h o s 118; o rein a d o e sp iritu al de D eu s n a ig re ja foi d iscu tid o a n te r io r m e n te 119; e m ais ad iante a p re n d e rem o s m ais sob re o re in o m e s s iâ n ic o 120.
CONCLUSÃO O conceito bíblico de remo tem pelo m enos cinco sentidos diferentes. Primeiro, existe o reino universal de Deus, o Seu reino global, invisível e eterno sobre todo o universo. Segundo, existe o reino messiânico de Cristo, um reino visível, terreno e político prom etido a Israel, no qual o Messias reina sobre toda a terra a partir de um trono em Jerusalém . Terceiro, existe o remo espiritual de Deus (no sentido amplo), incluindo os bons e os maus, anunciado por Jesus em Mateus 13, e algumas vezes considerado com o a form a de mistério do reino. Quarto, existe o reino espiritual de D eus (no sentido restrito), o reino invisível de Deus, som ente nos corações dos crentes; ele teve início quando a prim eira pessoa foi salva (Jo 3.5,5) e continuará por toda a eternidade.
1■’ Atos 19.8; 20.25; 28.23; no contexto, parece m uito improvável que todas estas passagens se refiram ao futuro reino messiânico.
114 Colossenses 1.13; cf. Romanos 14.17; 1 Coríntios 4.20; Colossenses 4.11.
Apocalipse 1.6.
115 Êxodo 19.6; 1 Pedro 2.7-9; cf.
116 Veja capítulos 7-8; cf. 1 Coríntios 6.9,10; 15.50; Gálatas 5.21; Efésios 5.5.
Volume 2, capítulo 23.
119Veja capítulo 2.
120Veja capítulo 15.
117 Veja capítulo 8.
118 Veja
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Quinto, existe o reino espiritual de Deus na igreja; Pedro usou “as chaves do R ein o ” (cf. M t 16.19) para abrir a porta da igreja aos judeus (A t 2; cf. 11.15) e aos gentios (A t 10). C om respeitoaoreinom essiân ico,d iversoscom en táriossãopertinentes.D esdeG ênesis até Apocalipse, há promessas de um reino literal e político, no qual o governante (R ei), que é Cristo, irá reinar sobre a terra. Este reino (1) foi p rom etid o no A ntigo Testam ento, (2) foi oferecido por João Batista, Jesus e Seus discípulos aos judeus, nos Evangelhos, (3) foi rejeitado pelas autoridades judaicas, (4) foi, em conform idade com o plano eterno de Deus, deixado em com passo de espera, enquanto Ele trazia os gentios a um novo corpo (a igreja), (5) será oferecido n ovam ente por Jesus Cristo n o Seu retorn o, e (6) será aceito pela nação judaica e será cum prido n o M ilênio (Ap 20.1-6). Q ualquer esforço para espiritualizar estas profecias ainda não cum pridas é u m a violação à interpretação bíblica literal, h istórico-gram atical121; se esta m esm a h erm en êu tica alegórica fosse aplicada ao restante das Escrituras, isso m inaria os fundam entos da fé cristã histórica. FO N TES A llis, O sw ald T . Prophecy and the Church A r n d t, W illia m F., e F. W ilb u r G in g ric h . A Greek-English Lexícon of the New Testament. A g o s tin h o . The City of God. F láv io Jo sefo . The fewish Wars. H o e h n e r, H aro ld . Chronological As.pe.cU of the Life of Chnst. K itte l, G e rh a rd . Theological Dictionary of the New Testament. Ladd, G e o rg e E ld o n . Crucial Questions Ahout the Kingdom of God. M c C la in , A lv a J. The Greatness of the Kingdom. P avne, J. B a r to n . The Encyclopedia of Biblical Prophecy. P e n te c o st, D w ig h t. Things to Come. P eters, G e o rg e . The Theocratic Kingdom. R v rie , C h a rle s. Dispensationalism Today. S a u e r, E rich . From Eternity to Eternity. \\ alv o o rd , Jo h n , e R o y Z u c k . The Bible Knowledge Commentary.
121Veja capítulo 12.
CAPÍTULO
Q U A T O R Z E
AS ALIANÇAS DE DEUS
M
uitas das questões em profecia giram em to rn o das alianças — com quem elas foram feitas, além de co m o e quando elas serão cum pridas. Há dois pontos de vista principais sobre este tópico, o aliançalism o e o dispensacionalism o, e, com o já vim os1, há tam bém form as modificadas de cada um deles2. O D is p e n s a c io n a lis m o T ra d ic io n a l O dispensacionalism o tradicional (clássico) é encontrado nos escritos de John N elson Darby (1800-1822). C. I. Scofield (1843-1921), e Lewis Sperry C hafer (18711952). Ele defende que as alianças do A ntigo Testam ento conhecidas co m o abraâm ica, davídica e nova aliança foram feitas estritam ente com a nação de Israel e com os seus descendentes literais, e serão literalm en te cum pridas neles. Isto envolve a crença de que havia duas novas alianças, um a para Israel (ainda a ser cum prida) e um a para a igreja (sendo cum prida atu alm ente). A lém disso, Israel e a igreja fo rm am dois povos de Deus separados, u m terren o e ou tro celestial. Por isso, eles terão dois destinos, u m no céu, para a igreja, e u m na terra, para Israel. O D is p e n s a c io n a lis m o R e v isa d o O d isp e n sacio n alism o revisado é re p re sen ta d o p o r Jo h n W alvoord (1 9 1 0 -2 0 0 2 ) e C h arles R y rie (n ascid o 1925). A ssim c o m o o seu p re c u rs o r, este d isp en sa cio n a lism o afirm a que h á ainda u m c u m p rim e n to n a c io n a l lite ra l da a lia n ça a b ra â m ica a Israel. No e n ta n to , ele d efen d e que há apenas u m a n ov a a lia n ça , q ue, e m b o ra ten d o u m c u m p rim e n to lite ra l p o ste rio r no Isra el n a c io n a l, p o ssu i u m a a p lica çã o atu al para a ig re ja . A m a io ria dos d isp en sa cio n a lista s revisados d efend e q ue, e m b o ra h a ja d iferen ças n ítid as e n tre Israel e a ig re ja e os seus re sp ectiv o s d estin o s, tu d o faz p a rte de u m ú n ic o p o vo g eral de D eu s que c o m p a rtilh a a re d en çã o esp iritu al realizad a p o r C risto .
1 No capítulo 12.
2 Há outros pontos de vista (por exemplo, promessa/cum primento) que não dão preferência a estes
rótulos, não obstante as questões principais que todas as opiniões completas devam tratar estejam incluídas na discussão, sob estas categorias básicas.
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O D is p e n s a c io n a lis m o P ro g r e s s iv o O d isp en sacio n alism o progressivo, abraçado p o r R o b e rt S au cy (n ascid o 1937), C raig B alaising (n ascid o 1949), e D a rre ll B o ck (n ascid o 1952), é u m a o u tra revisão do d isp en sacio n alism o na d ireção da teo lo g ia da alian ça3. E m b o ra afirm an d o que h av erá u m cu m p rim e n to lite ra l das alianças abraâm ica, davídica, e da nova aliança, n o Israel é tn ico , eles in sistem que há u m c u m p rim e n to in a u g u ra l atu al na ig reja. Assim , eles m a n tê m a op in ião de que o c u m p rim e n to da alian ça davídica co m e ço u na ascensão de C risto á m ão d ireita de D eu s, e que se cu m p rirá p o ste rio rm e n te na Su a vinda à te rra, na Seg u nd a V inda. C o m o te ó lo g o s da aliança, am bos en fatizam a op inião de que h á u m ú n ico povo de D eu s, e ab raçam u m a h e rm e n ê u tic a em que lêem estas p rom essas do A n tigo T e sta m e n to a Israel à luz do seu su p o sto c u m p rim e n to em C risto e em Sua ig reja. O A l i a n ç a li s m o C lá s s ic o O alia n ça lism o clássico fo i fo rm u la d o p o r Jo h a n n e s C o cce iu s (1 6 0 3 -1 6 6 9 ), ab raçad o p o r C h arles H odge (179 7 -1 8 7 8 ) e p e la m a io ria dos te ó lo g o s re fo rm a d o s, e a rticu la d o p o r O sw ald A llis (1 8 8 0 -1 9 7 3 ). D e aco rd o c o m esta p o siçã o , estas alian ças do A n tig o T e s ta m e n to feitas c o m Israel são cu m p rid a s n a ig re ja do N ovo T e s ta m e n to , o “Israel e sp iritu a l” de D eu s, em vez de te re m u m c u m p rim e n to lite ra l n o Israel n a c io n a l. O A li a n ç a li s m o M o d if ic a d o D e acordo co m o aliançalism o m odificado, defendido p o r A n thon y H oekem a (1913-1988) e V ern Poythress (nascido 1944), a ig reja é o Israel do N ovo T estam ento, n o qual há o cu m p rim e n to espiritual destas alianças do A ntigo T estam en to, em bo ra tam b ém haverá u m cu m p rim e n to fu tu ro literal delas no Israel étn ico . A m aioria dos aliançalistas m odificados não acred ita que elas serão cum pridas em u m reinado literal de C risto de m il anos (o M ilên io), mas no novo céu e na nova te rra 4. A lém disso, co m o os aliançalistas clássicos, eles acred itam que há apenas u m ú n ico povo de D eus e que, p o r esta razão, não haverá dois destinos separados, u m na terra, para Israel, e u m no céu, para a igreja. O N ú m e r o e a N a t u r e z a d a s A lia n ç a s Em vez de se ocupar em u m a interação ponto a ponto entre estes pontos de vista, será mais proveitoso estudar as alianças —há pelo m enos sete na B íb lia ~ e o s cu m prim entos. A palavra hebraica para aliança, herith, e o term o grego, diatheke, significam “u m acord o” ou “um tra to ”. Há três alianças antes do início de Israel: (1) A aliança edênica (Gn 1—2); (2) A aliança adâmíca (Gn 3); e (3) A aliança noélica (Gn 9).
' Veja capítulo i2.
4Veja capítulo 15.
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Todas as quatro últim as tratam de Israel5: (1) A aliança abraâmica (Gn 12); (2) A aliança mosaica (Ex 19); (3) A aliança davídica (2 Sm 7); e (4) A nova aliança (Jr 31).
A A L IA N Ç A A B R A Â M IC A Gênesis 12.1-3 Gênesis 1—11 registra a história das nações; Gênesis 12 com eça relatando a história da nação escolhida, com eçand o com a aliança abraâm ica, quando o S çn h o r disse a Abrão; Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E [1] far-te-ei uma grande nação, e [2] abençoar-te-ei, e [3] engrandecerei o teu nome, e [4] tu serás uma bênção. E [5] abençoarei os que te abençoarem e [6] amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e [7] em ti serão benditas todas as famílias da terra (vv. 1-3). Mais tarde: [8] D eus p ro m eteu a Abraão descendentes inum eráveis (12.7; 13.1416; 15.4-7; 17.4-7), e que [9] a aliança seria estabelecida com eles (17.7,9,21). Estas são as características essenciais da aliança abraâmica: (1) Ela é incondicional (“Abençoar-te-ei”). (2) Ela é nacional ( “Far-te-ei uma grande nação”). (3) Ela é geográfica (envolvendo “a terra [santa]”). (4) Ela é perpétua ( “para ti e tua semente”). (5) Ela é internacional ( “Em ti serão benditas todas as famílias da terra”). Gênesis 13.14-17 E disse o Senhor a Abrão, depois que Ló se apartou dele: Levanta, agora, os teus olhos e olha desde o lugar onde estás, para a banda do norte, e do sul, e do oriente, e do ocidente; porque toda esta terra que vês te hei de dar a ti e à tua semente, para sempre. E farei a tua semente como o pó da terra; de maneira que, se alguém puder contar o pó da terra, também a tua semente será contada. Levanta-te, percorre essa terra, no seu comprimento e na sua largura; porque a ti a darei. Há três elem entos im portantes na seção enfatizada: (1) D eus deu a terra a Abraão (2) e aos seus descendentes naturais (3) para sem pre. Gênesis 15.7-18 Disse-lhe mais [Deus]: Eu sou o Senhor, que te tirei de Ur dos caldeus, para dar-te a ti esta terra, para a herdares. E disse ele: Senhor Jeová, como saberei que hei de herdá-la? E disse-lhe: Toma-me uma bezerra de três anos, e uma cabra de três anos, e um carneiro de três
5 São nestas quatro alianças que nos concentrarem os neste capítulo.
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anos, e uma rola, e um pombinho. E trouxe-lhe todos estes, e partiu-os pelo meio, e pôs cada parte deles em frente da outra [...] E, pondo-se o sol, um profundo sono caiu sobre Abrão; e eis que grande espanto e grande escuridão caíram sobre ele [...] E sucedeu que, posto o sol, houve escuridão; e eis um forno de fumaça e uma tocha de fogo que passou por aquelas metades. Naquele mesmo dia, fez o Senhor um concerto com Abrão, dizendo: A tua semente tenho dado esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates. Surgem vários fatos im portantes. Primeiro, a aliança é incondicional —Abraão n em m esm o estava consciente quando ela foi feita, e Deus sozinho passou através do sacrifício partido. Este foi um acordo unilateral, com o a promessa original que Ele fez a Abraão ( “Abençoarte-ei”), em oposição à aliança condicional com Moisés — “Se diligentem ente ouvirdes a m in h a voz" (Ex 19.5). O fato de o Sen hor passar sozinho pelo m eio das partes cortadas seguia a form a legal de um a grande aliança (assim com o u m rei faria a um súdito, ou um senhor a u m servo), e não a form a bilateral (de duas vias) de u m tratado6. Paulo enfatiza este ponto (R m 4.1ss.), com o tam bém o faz o escritor da carta aos Elebreus (6.13-18). Segundo, as dim ensões da terra dada a Abraão foram explicadas, e elas inclu em todo o Israel m oderno, o território dos palestinos, a Jordânia, o Líbano, a Síria, e todas as terras que vão até o n orte do Iraque. M esm o duran te as conquistas de Josué, eles não ocuparam toda esta terra, e em n e n h u m m o m en to n a história de Israel eles a ocu param co m o u m todo por u m período prolongado de tem po, quanto m ais “para sem p re”. Assim, até h oje a aliança abraâm ica ainda está por ser cum prida. Terceiro, o grande texto do Novo Testamento sobre a justificação aparece aqui: Abraão foi declarado justo com base somente na sua fé. Paulo usou isto em Romanos para mostrar que todos os que crêem são semente espiritual de Abraão (cf. 4.3-5,13-16). Isto cumpre, em parte, a promessa de abençoar todas as nações através de Abraão, pois ele creu no “evangelho” quando foi pregado a ele (G13.8), com o crêem todos os outros que seguem as pegadas da sua fé (3.26)7. Gênesis 17.1-8 Sendo, pois, Abrão da idade de noventa e nove anos, apareceu o Senhor a Abrão e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-poderoso; anda em minha presença e sê perfeito. Eporei o meu concerto entre mim e ti e te multiplicarei grandtssimamente. Então, caiu Abrão sobre o seu rosto, e falou Deus com ele, dizendo: Quanto a mim, eis o meu concerto contigo é, e serás o pai de uma multidão de nações. E não se chamará mais o teu nome Abrão, mas Abraão será o teu nome; porque por pai da multidão de nações te tenho posto. E te farei frutificar grandissimamente e de ti farei nações, e reis sairão de ti. E estabelecerei o meu concerto entre mim etiea tua semente depois de ti em suas gerações, por concertoperpétua, para te ser a ti por Deus e à tua semente depois de ti. E te darei a ti e à tua semente depois de ti a terra de tuas peregrinações, toda a terra de Canaãem perpétua possessão, e ser-lhes-ei o seu Deus. Primeiro, D eus repetiu que dera “toda a terra”. Segundo, é um a dádiva não só a Abraão, mas tam bém aos seus descendentes físicos, com o posteriorm ente é confirm ado a eles8. Terceiro, esta é a prim eira referência a “reis” saindo de Abraão. Na verdade, todo o reino de Davi iria se desenvolver a p artir dos seus descendentes9.
6 Veja abaixo, sob “A Aliança M osaica”.
abaixo, sob “A Aliança Davídica”.
7Veja Volum e 3, capítulos 13-14.
8 Cf. Gênesis 26.2,3; 46.3,4; Josué 1.2-6.
9Veja
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Quarto, novamente, a aliança é “perpétua". Quinto, “Abrão” ( “pai exaltado”) sofreu uma mudança de nome para "Abraão” (“pai de
uma multidão”), condizendo com a promessa que Deus lhe fez. Sexto, e finalmente, é incondicional —Deus a chamou de “meu concerto”, algo que Eu “farei”. Gênesis 2 2 .1 7 ,1 8
Te abençoarei e grandissimamente multiplicarei a tua semente como as estrelas dos céus e como a areia que está na praia do mar; e a tua semente possuirá aporta dos seus inimigos. E em tua semente serão benditas todas as nações da terra, porquanto obedeceste à minha voz. M uitos dos elem entos da aliança são repetidos aqui, incluindo (1) a bênção de Deus prom etid a a Abraão, (2) a bênção de Deus sobre os seus descendentes, (3) a m ultiplicação de Deus da sua sem ente, (4) Deus dando a eles a Terra Prom etida, e (5) Deus abençoando todas as nações através de Abraão. G ênesis 2 6 .3 - 5
Peregrina nesta terra, e serei contigo [Isaque! e te abençoarei; porque a ti e à tua semente darei todas estas terras e confirmarei o juramento que tenho jurado a Abraão, teu pai. E multiplicarei a tua semente como as estrelas dos céus e darei à tua semente todas estas terras. E em tua semente serão benditas todas as nações da terra, porquanto Abraão obedeceu a minha voz e guardou o meu mandado, os meus preceitos, os meus estatutos e as minhas leis10. Aqui a aliança abraâm ica é confirm ada com o seu filho Isaque. M uitos elem entos essenciais são repetidos — a terra, a bênção, a bênção dos descendentes, a m ultidão de descendentes, e a bênção de todas as nações. Gênesis 3 5 .1 0 -1 2
E disse-lhe Deus: O teu nome é jacó; não se chamará mais o teu nome Jacó, mas Israel será o teu nome. E chamou o seu nome Israel. Disse-lhe mais Deus: Eu sou o Deus Todo-poderoso; frutifica e multiplica-te; uma nação e multidão de nações sairão de ti, e reis procederão de ti. E te darei a ti a terra que tenho dado a Abraão e a Isaque e à tua semente depois de ti darei a terra. O fato de o nom e de “Jacó” ( “suplantador” ) ter sido mudado para “Israel” ( “príncipe com D eu s”) m ostra a concessão de um títu lo que se tornaria um nom e nacional perpetuam ente. Gênesis 4 6 .3 ,4
E disse: Eu sou Deus, o Deus de teu pai; não temas descer ao Egito, porque eu te farei [jacó] ali uma grande nação. E descerei contigo ao Egito e certamente te larei tornar a subir; e José porá a sua mão sobre os teus olhos. O u tra vez, a prom essa é renovada com o filho de Isaque, Jacó, que é lem brado de que um a grande nação virá dele, e que Deus os trará de volta do Egito para a sua terra.
111CF. 26.19-26; 27.18-29; 28.10-16.
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Gênesis 48.3,4 E Jacó disse a José: O Deus Todo-poderoso me apareceu em Luz, na terra de Canaã, e me abençoou, e me disse: Eis que te farei frutificar e multiplicar, e te porei por multidão de povos, e darei esta terra à tua semente depois de ti, em possessão perpétua. Os descendentes de Jacó aum entarão; eles e os seus descendentes receberão esta terra para sem pre. Deuteronômio 28.8-13 O Senhor mandará que a bênção esteja contigo nos teus celeiros e em tudo que puseres a tua mão; e te abençoará na terra que te der o Senhor, teu Deus. O Senhor te confirmará para si por povo santo, como te tem jurado, quando guardares os mandamentos do Senhor, teu Deus, e andares nos seus caminhos [...j E o Senhor te dará abundância de bens no fruto do teu ventre, e no fruto dos teus animais, e no fruto da tua terra, sobre a terra que o Senhor jurou a teus pais te dar. O Senhor te abrirá o seu bom tesouro, o céu, para dar chuva à tua terra no seu tempo e para abençoar toda a obra das tuas mãos [...] E o Senhor te porá por cabeça e não por cauda. M esm o cercado pelas bênçãos condicionais m osaicas11, Deus lhes lem bra, através de M oisés, da prom essa incondicional feita aos patriarcas, que Ele havia lhes dado a Terra Santa. Em conform idade com a aliança com Moisés, as bênçãos deles nesta terra, com o descritas nesta passagem, dependeriam da sua obediência a Deus. Josué 1.2-6 Moisés, meu servo, é morto; levanta-te, pois, agora, passa este Jordão, tu e todo este povo, à terra que eu dou aos filhos de Israel. Todo lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado, como eu disse a Moisés. Desde o deserto e desde este Líbano até ao grande rio, o rio Eufrates [...] até o grande mar para o poente do sol [...] Esforça-te e tem bom ânimo, porque tu farás a este povo herdar a terra que jurei a seus pais lhes daria. Aqui Josué é lem brado de que Deus estava lhes dando toda a terra que Ele havia prom etido. No entanto, eles ainda não possuíam toda a terra e ainda não estavam sendo abençoados nela. Tanto a posse com o a prom essa de serem abençoados nesse particular estavam condicionadas à sua obediência à aliança m osaica12; “T ão-so m en te esforça-te e tem m u i bom ânim o para teres o cuidado de fazer con form e toda a lei que m eu servo Moisés te ord enou ” (v. 7). Josué 21.43-45 Deu o Senhor a Israel toda a terra que jurara dar a seus pais; e a possuíram e habitaram nela. E o Senhor lhes deu repouso em redor, conforme tudo quanto jurara a seus pais; e nenhum de todos os seus inimigos ficou em pé diante deles; todos os seus inimigos o Senhor deu na sua mão. Palavra alguma falhou de todas as boas palavras que o Senhorfalara à casa de Israel; tudo se cumpriu.
n Veja abaixo, sob “A Aliança M osaica”.
11 Ibid.
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Alguns têm entendido isto erron eam ente com o u m cu m p rim en to das promessas de terra incondicionais dadas a Abraão, mas este não pode ser o caso, por m uitas razões. Primeiro, a últim a afirm ação se refere apenas às promessas feitas através de Moisés à “a casa de Israel”13, e não às promessas feitas a Abraão. Segundo, ela parece se referir à extensão da terra com o descrita na aliança com Moisés (N m 34), que não era toda a extensão que Deus havia prometido a Abraão (cf. G n 15.18-21; Js 1.2-6). Terceiro, em bora Israel possuísse a terra com o u m todo, eles não possuíam literalm ente toda a terra, visto que logo depois disso (bem no início de Juizes) eles ainda estavam tentando expulsar os m oradores iníquos restantes (1.27-34). Quarto, mais tarde, eles acabaram perdendo o que possuíam 14; a aliança abraâmica prom ete que eles o teriam para sem pre (G n 17.1-8). Quinto, p o steriorm ente no Antigo Testam ento, há profecias sobre Israel herdando a terra depois dos dias de Josué (cf. Jr 11.5; A m 9.14,15), o que claram ente m o stra que elas não se cu m p riram nos dias de Josu é15. Sexto, e finalm en te, m esm o no Novo T estam ento, o reino ainda não havia sido restaurado a Israel (Lc 19.11ss.; A t 1.6-8); Paulo falou a respeito disso co m o algo que ainda era fu tu ro 16. 1 Crônicas 16.15-18 Lembrai-vos perpetuamente do seu concerto [de Deus] e da palavra que prescreveu para mil gerações; do concerto que fez com Abraão e do seu juramento a Isaque; o qual também a Jacó ratificou por estatuto, e a Israel, por concerto eterno, dizendo: A ti te darei a terra de Canaã, quinhão da vossa herança. Isaías 49.6 Pouco é que sejas o meu servo, para restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os guardados de Israel; também te dei para luz dos gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra. Israel não foi criado para ser u m m ero receptáculo da bênção de Deus — Israel a canalizaria para o m u nd o inteiro (cf. Is 55.3,4). Jeremias 25.9-12 E os trarei [da Babilônia] sobre [contra] esta terra, e sobre os seus moradores, e sobre todas estas nações em redor, e os destruirei totalmente, e pô-los-ei em espanto, e em assobio, e em perpétuos desertos [...]£ toda esta terra virá a ser umdeserto e umespanto, e estas nações servirão ao rei da Babilônia setenta anos. Acontecerá, porém, que, quando se cumprirem os setenta anos, visitarei o rei da Babilônia, e esta nação [...] castigando a sua iniqüidade, e a da terra dos caldeus; farei deles um deserto perpétuo. O exílio de Israel longe da sua terra, dada por Deus, deveria ser apenas tem porário; eles retornariam após u m exílio de setenta anos na Babilônia. Em bora, mais tarde, eles viessem a ser desarraigados o u tra vez (c. 70 d.C.), Isaías predisse:
13 Ibid.
14Veja abaixo, sob “Jeremias 25.9-12”.
terra não durou.
15 E, além disso, m esm o se elas tivessem se cum prido, a posse de Israel da
16Veja abaixo, sob “Rom anos 11.1-32”.
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Porque há de acontecer, naquele dia, que o Senhor tornará a estender a mão para adquirir outra vez os resíduos do seu povo que restarem da Assíria, e do Egito, e de Patros, e da Etiópia, e de Elão, e de Sinar, e de Hamate, e das ilhas do mar (Is 11.11). Isto com eço u em 1948, quando o Israel nacional foi restabelecido e, de todas as partes do m undo, os judeus voltaram para a sua terra. Ezequiel 37.21-25 Assim diz o Senhor Jeová: Eis que eu tomarei os filhos de Israel de entre as nações para onde eles foram, e os congregarei de todas as partes, e os levarei à sua terra. E deles farei uma nação na terra, nos montes de Israel, e um rei será rei de todos eles; e nunca mais serão duas nações; nunca mais para o futuro se dividirão em dois reinos [...]£ meu servo Davi reinará sobre eles, e todos eles terão um pastor; e andarão nos meus juízos, e guardarão os meus estatutos, e os observarão. E habitarão na terra que dei a meu servo Jacó, na qual habitaram vossos pais; e habitarão nela, eles, e seusfilhos, e osfilhos de. seusfilhos, para sempre; e Davi, meu servo, será seu príncipe eternamente. Considerando que esta profecia foi expressa depois do cativeiro babilônico, e considerando que Israel não tin h a u m rei então, n em teve desde então, o cu m p rim en to literal se dará no fu tu ro. A lém disso, Davi só pode fazer parte disto depois de ser ressuscitado na prim eira ressurreição, pouco antes do M ilênio (Ap 20.4-6)17. Daniel 9.2 “No ano prim eiro do seu reinado [de Dario], eu, D aniel, entendi pelos livros que o n ú m ero de anos, de que falou o Sen h or ao profeta Jerem ias, em que haviam de acabar as assolações de Jerusalém , era de setenta an os”. D aniel estava lendo Jerem ias 25, que diz que Israel voltará para a Terra Prom etida e será reedificado o u tra vez. Amós 9.14,15 E removerei o cativeiro do meu povo Israel, e reedificarão as cidades assoladas, e nelas habitarão, e plantarão vinhas, e beberão o seu vinho, e farão pomares, e lhes comerão o fruto. E os plantarei na sua terra, e não serão mais arrancados da sua terra que lhes dei, diz o Senhor, teu Deus Esta é u m a predição de que D eus cu m p rirá as Suas promessas a respeito da terra aos descendentes de Abraão. Se a predição já tivesse se cum prido antes disso, com o alguns su g erem 18, Am ós não teria dado esta profecia. Atos 1.6,7 [Os discípulos perguntaram a Jesus:] Senhor, restaurarás tu neste tempo o reino a Israel? E disse-lhes: Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder. M esm o depois do tem po de Jesus na terra, o reino de Israel, que incluía as promessas incondicionais a respeito da terra (para sempre), ainda não havia sido cum prido. Aqui Jesus deu a entender que o reino estava vindo, mas não disse quando.
Veja capítulos 7, 15.
i,sVeja acima, sob “Josué 21.43-45”.
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Atos 3.19-21 Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham, assim, os tempos do refrigério pela presença do Senhor. E envie ele a Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado, o qual convém que o céu contenha até aos tempos da restauração de tudo, dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o princípio. Exam inam os a parte anterior deste texto —Pedro está oferecendo o cu m prim ento das promessas do Antigo Testam ento para a nação ( “Varões israelitas”) que havia entregue Jesus para ser m o rto (3.12,13). Ele até inclui algo da aliança abraâmica com o parte do cu m prim ento: “Vós sois os filhos dos profetas e do concerto que Deus fez com nossos pais, dizendo a Abraão: Na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra” (3.25). Pelo fato de o Israel nacional, através do voto do Sinédrio, ter oficialm ente rejeitado o seu Messias, a nação foi convocada a se arrepender. E m bora o rem anescente do povo ten h a se arrependido (cf. R m 9.6-8; 11.1), a nação com o u m todo não se arrepend eu. Isto aguarda a Segunda V inda19, sobre a qual D eus disse: E sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o Espírito de graça e de súplicas; e olharão para mim, a quem traspassaram; e o prantearão como quem pranteia por um unigênito; e chorarão amargamente por ele, como se chora amargamente pelo primogênito (Zc 12.10; cf. Ap 1.7). C o m o resultado do encontro deles com o Messias que voltou, u m a nação nascerá em um dia, isto é, “todo o Israel [com o u m a nação] será salvo” (R m 11.26). Atos 15.14-17 Simão [Pedro] relatou como, primeiramente, Deus visitou os gentios, para tomar deles um povo para o seu nome. E com isto concordam as palavras dos profetas, como está escrito: Depois disto, voltarei e reedificarei o tabemáculo de Davi, que está caído; levantá-lo-ei das suas ruínas e tornarei a edificá-lo. Para que o resto dos homens busque ao Senhor, e também todos os gentios sobre os quais o meu nome é invocado, diz o Senhor, que faz todas estas coisas (cf. Am 9). Deus irá reedificar e restaurar o reino de Israel à condição que Ele prometeu. Entretanto, isto não se cumpriu na Primeira Vinda, pois Jesus contou um a parábola para corrigir noções erradas de que “o reino de Deus havia de manifestar-se imediatamente” (Lc 19.11, RA), e pouco antes da Ascensão Ele informou aos seus discípulos que o reino não seria restaurado a Israel naquele m om ento (At 1.6-8). Não pode haver a restauração do reino sem a presença do rei. Romanos 11.1-32 Porventura, rejeitou Deus o seu povo? De modo nenhum! [...] Deus não rejeitou o seu povo, que antes conheceu [...] Digo, pois: porventura, tropeçaram, para que caíssem? De modo nenhum! Mas, pela sua queda, veio a salvação aos gentios, para os incitar à emulação. E, se a sua queda é a riqueza do mundo, e a sua diminuição, a riqueza dos gentios, quanto mais a sua plenitude! [...] se a sua rejeição é a reconciliação do mundo, qual será a sua admissão, senão a vida dentre os mortos? [...] E também eles, se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados; porque poderoso é Deus para os tornar a enxertar. Porque, 19Veja capítulo 15.
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se tu [crentes gentios] foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira! Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado. E, assim, todo o Israel será salvo [...] Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia. R om anos 11 revela cru cialm en te que m esm o depois que aig reja tiver sido estabelecida, ainda haverá u m fu tu ro para o Israel nacional — u m dia eles serão reenxertados, restaurados, e “salvos” (v. 26). Isto se refere àqueles da nação escolhida que restarem , ou seja, o rem anescente que aceitar a Cristo com o o Messias, depois que cerca de dois terços forem destruídos nos juízos da Tribulação20: Naturalmente, não há salvação para Israel meramente pelo fato de serem descendentes físicos de Abraão. Todas as profecias de bênção do Antigo Testamento se referem ao Israel transformado e renovado (Sauer, EE, 159). O fato de não haver n en h u m a m enção explícita da sua terra sendo restaurada não é u m problem a; está im plícito que a nação será restaurada, urna vez que ela não pode ser n acionalm ente restaurada a m enos que seja restaurada geograficam ente. A lém disso, os versículos 26 e 27 se referem a Isaías 59.20,21, que apresenta u m a restauração nacional to tal, incluindo a sua terra natal. Hebreus 11.8-10,12-16 Pela fé, Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia. Pela fé, habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com Isaque e jacó, herdeiros com ele da mesma promessa. Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus [...] Pelo que também de um [Abraão], e esse já amortecido, descenderam tantos, em multidão, como as estrelas do céu, e como a areia inumerável que está na praia do mar. Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas, mas, vendo-as de longe, e crendo nelas, e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra. Porque os que isso dizem claramente mostram que buscam uma pátria. E se, na verdade, se lembrassem daquela de onde haviam saído, teriam oportunidade de tornar. Mas, agora, desejam uma melhor, isto é, a celestial. Pelo que também Deus não se envergonha deles, de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade. E interessante observar que (1) Abraão e os seus descendentes ainda não tinham recebido o cu m p rim en to com p leto da prom essa de Deus a respeito da terra; (2) os descendentes de Abraão ainda estão aguardando o cu m p rim en to desta prom essa; e (3) Deus ainda cu m prirá esta prom essa no fu turo. O que isto pode significar, além do fato de que ela ainda estaria por ser cum prida, não na igreja, mas em u m reino de Deus terren o e literal descrito nos últim os capítulos de Apocalipse?
20Veja capítulo 16.
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Apocalipse 7.4 “E ouvi o nú m ero dos assinalados, e eram cento e quarenta e quatro mil assinalados, de todas as tribos dos filhos de Israel".
D urante o período daTribulação, 144.000 judeus das doze tribos são “assinalados” (cf. 14.3), 12.000 de cada tribo (7.5-8). Visto que a herm enêutica exige que Israel e tribo sejam entendidos literalmente21 —e visto que eles são apresentados dessa m aneira ao longo de toda a Bíblia —. entende-se que Deus preservará o seu remanescente durante a Tribulação, de form a que eles possam entrar no reino22m ilenar exatam ente com o Ele prom eteu23. Este remanescente, mais a grande multidão (14.3,6) dos demais que vierem a Cristo durante a Tribulaçào24, serão as “ovelhas” que Cristo receberá em seu reino messiânico (M t 25.33,34). R e s u m o : A A lia n ç a A b ra â m ica A primeira das alianças de Israel (abraâmica) é um pacto incondicional que Deus fez com Abraão e seus descendentes, o qual nunca foi cumprido em nenhum m om ento na história, antes ou depois do Advento. Devido ao fato de Israel ter rejeitado o seu Messias-Rei, que deve governar em Jerusalém (Mt 19.28) sobre toda a terra que Deus deu a Abraão, e visto que este reinado deverá durar para sempre, o evento ainda é futuro; ele não será cumprido até que Cristo volte (24.30; 25.31-34). Neste tempo, Abraão, Isaque, Jacó, Da\i, e todos os outros santos do Antigo Testamento, serão ressuscitados25 e remarão literalmente sobre toda a terra em corpos físicos ressuscitados26. A A L IA N Ç A M O S A IC A D iferente da incondicional aliança abraâm ica, a aliança m osaica foi condicional. Igualm ente, enquanto que a aliança abraâm ica é perpétua (G n 17.19), a aliança m osaica foi tem porária e seria substituída27. O quadro seguinte as com para:
Natureza
A liança Abraâm ica Incondicional
A liança Mosaica Condicional
Pacto Partes Condição declarada Duração Início
Llnilateral Deus somente Nenhuma Perpétua Gênesis 12
Bilateral Deus e Israel Obediência a Deus Temporária Exodo 19
Fim
Sem fim
Na Cruz
A lém disso, a aliança abraâm ica é (entre outras coisas) u m a dádiva incondicional da terra do M ar M editerrâneo (oeste) até o n orte da Jordânia e o n o rte do Iraque (leste), do Egito (sul) até o Líbano e a Síria (n o rte). A aliança m osaica envolvia (en tre outras coisas) as condições para que fossem abençoados naquela terra. A C o n d iç ã o da B ê n ç ã o Desde o início, a aliança m osaica foi condicional; não foi um a aliança de concessão, mas um a form a de tratado com a m esm a estrutura legal dos tratados suserano-vassalo da época. Ela incluía: 21 Veja capítulo 12. Apocalipse 20.
22Veja capítulo 13.
26Veja capítulo 7.
23 Veja capítulo 15.
24 Veja capítulo 16.
27Veja abaixo, sob “A Nova Aliança”.
25 Na prim eira ressurreição — veja
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(1) identidade do Rei (Êx 20.2; Dt lss.); (2) relacionamento histórico entre o Rei e o povo (Êx 20.2; Dt 1.6—4.49); (3) condições —leis do Rei (Êx 20—31; Dt 5.26); (4) bênçãos e maldições (Lv 26; Dt 27—30); (5) testemunhas (Dt4.26; 30.19; 31.28); (6) refeição cerimonial (Êx 24.9-11); (7) arquivamento do tratado (Êx 25.16; 40.21; Dt 31.25,26). (Veja Blaising and Bock, PD, 143.) Vós tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias, e vos trouxe a mim; agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes o meu concerto, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha. E vós me sereis reino sacerdotal e povo santo. Estas são as palavras que falarás aos filhos de Israel i Êx 19.4-6). A aliança m osaica foi bilateral: D eus exigiu que Israel obedecesse à Sua palavra com o um a condição para ser “reino sacerdotal e povo san to” (v. 6), e o povo disse: “Tudo o que o Senhor tem falado faremos” (v. 8). O Senhor, nosso Deus, fez conosco concerto, em Horebe. Não foi com nossos pais que fez o Senhor este concerto, senão conosco, todos os que hoje aqui estamos vivos. Face a face o Senhor falou conosco, no monte, do meio do fogo (Dt 5.2-4).
A Natureza da Bênção A natureza da bênção era terren a e tem porária, envolvendo a terra que Deus havia dado, u m a herança nela, filhos para com p artilh á-la, boa saúde, e m u itos outros elementos. Deus prom eteu : U j abençoar Israel (Lv 26.4-12; Dt 7.13-15; 28.3-12); (2 ) multiplicar Israel (Lv 26.9; Dt 6.3; 8.1; 28.11); (3 ) dar a terra a Israel (Lv26.5; Dt 6.3; 8.1; 9.4; 28.11); (4 ) fazer de Israel uma grande nação (Dt 7.14; 28.1,3); (5) ser o Deus de Israel, e eles o Seu povo (Lv 26.11,12; Dt 7.6-10; 28.9,10). (6) confirmar a Sua aliança com Israel (Lv 26.9). (Veja Blaising and Bock, PD, 143.) M uitas dessas promessas já estavam presentes na aliança abraâmica, e, assim, foram incorporadas aqui28. No entan to, o u tra vez, a aliança m osaica não tratava das bênçãos de receber a terra, mas das condições para viver na terra. Em bora a concessão da terra a Abraão fosse incondicional, as bênçãos que adviriam por viver na terra eram condicionais. Havia um a contrapartida para cada bênção na aliança m osaica; ou seja, todo aquele que não vivesse segundo as palavras de D eus experim entaria u m a m aldição. Se ouvires a voz do Senhor, teu Deus, tendo cuidado de guardar todos os seus mandamentos que eu te ordeno hoje, o Senhor, teu Deus, te exaltará sobre todas as nações da terra. E todas estas bênçãos virão sobre ti e te alcançarão, quando ouvires a voz do Senhor, teu Deus (Dt 28.1,2).
28 Isto g e ra lm e n te é verdad e c o m re la ç ã o a alianças p o sterio re s q ue se so b re p o e m às an teriores.
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Moisés, então, enum erou as m aneiras pelas quais eles seriam abençoados, incluindo os seus filhos, colheita, gado, bezerros, derrotar os seus inim igos etc.: O Senhor [...] te abençoará na terra que te der o Senhor, teu Deus. O Senhor te confirmará para si por povo santo, como te tem jurado, quando guardarei os mandamentos do Senhor, teu Deus. e [...] E o Senhor te dará abundância de bens no fruto do teu ventre, e no fruto dos teus animais, e no fruto da tua terra, sohre a terra que o Senhor jurou a teus pais te dar. O Senhor te abrirá o seu bom tesouro, o céu. para dar chuva à tua terra no seu tempo e para abençoar toda a obra das tuas mãos [...] E não te desviarás de todas as palavras que hoje te ordeno, nem para a direita nem para a esquerda, para andares após outros deuses, para os servires (vv. 8-14). andares nos seus caminhos
As bênçãos eram , em grande parte, físicas, m ateriais e terrenas, e toclas eram condicionais, vindo apenas com o resultado de obediência às leis de Deus. A N a tu re z a da M a ld iç ã o As maldições, registradas em um a linguagem extraordinariam ente vivida, m ostram que o resultado da desobediência era tão ruim quanto o resultado da obediência era bom: Se não deres ouvidos à voz do Senhor, teu Deus, para não andares em fa z er todos os seus mandamentos e os seus estatutos, que hoje te ordeno, então, sobre ti virão todas estas m aldições e te alcançarão:
Maldito serás
tu na cidade e maldito serás no campo [...] Maldito o fruto do teu ventre, e o fruto da tua terra, e a criação das tuas vacas, e os rebanhos das tuas ovelhas. Maldito serás ao entrares e maldito serás ao saíres. O Senhor mandará sobre ti a maldição, a turbação e a perdição em tudo que puseres a tua mão para fazer, até que sejas destruído e até que repentinamente pereças, por causa da maldade das tuas obras, com que me deixaste. O Senhor te fará pegar a pestilência, até que te consuma da terra, a qual passas a possuir. O Senhor te ferirá com a tísica, e com a febre, e com a quentura, e com o ardor, e com a secura, e com destruição das sementeiras, e com ferrugem; e te perseguirão até que pereças. E os teus céus que estão sobre a cabeça serão de bronze; e a terra que está debaixo de ti será de ferro. O Senhor, por chuva da tua terra, te dará pó e poeira; dos céus descerá sobre ti, até que pereças [...] E todas estas m aldições virão sobre ti. e te perseguirão, e te alcançarão, até que sejas destruído: porquanto não haverás dado ouvidos à voz do Senhor, teu Deus, para guardar os seus mandamentos e os seus estatutos, que te tem ordenado (vv. 15-45). A D u r a ç ã o da A lia n ç a O utra indicação da Escritura de que a aliança m osaica não era p erm anente é que ela envolvia sacrifícios e tipos apontando para frente, na direção do cu m p rim en to em C risto (cf. 1 Co 5.7); u m a vez que havia chegado o cu m p rim ento, não havia mais a necessidade de um tipo — o antítipo tin h a chegado. A lém disso, com o o escritor aos Hebreus observou, o próprio fato de que um a “nova” aliança foi profetizada indica que a “antiga” desapareceria. Jeremias 31.31-33 Eis que dias vêm, diz o Senhor, em que fa re i um concerto novo com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme o concerto [mosaico] que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito, porquanto eles invalidaram o meu concerto,
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apesar de eu os haver desposado, diz o Senhor. Mas este é o concerto que farei com a casa de Israel depois daqueles dias [...] porei a minha lei no seu interior e a escreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Hebreus 8.7,13 Se aquele primeiro fora irrepreensível, nunca se teria buscado lugar para o Segundo [...] Dizendo novo concerto, envelheceu o primeiro. Ora, o que foi tornado velho e se envelhece perto está de acabar. Romanos 6.14 O pecado não terá domínio sobre vós [que estais sob um novo concerto], pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça. Romanos 7.1-4 Não sabeis vós, irmãos (pois que falo aos que sabem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem por todo o tempo que vive? [...] Assim, meus irmãos, também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo, para que sejais doutro, daquele que ressuscitou de entre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus. Gálatas 3.17-25 Tendo sido o testamento anteriormente confirmado por Deus, a lei [a aliança mosaica temporal], que veio quatrocentos e trinta anos depois [da aliança abraâmica perpétua], não o invalida, deforma a abolir a promessa. Porque, se a herança provém da lei, já não provém da promessa; mas Deus, pela promessa, a deu gratuitamente a Abraão [...] De maneira que a lei [mosaica] nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que, pela fé, fôssemos justificados. Mas, depois que a fé veio, já não estamos debaixo de aio. Gálatas 4.1-7 Todo o tempo em que o herdeiro é menino, em nada difere do servo, ainda que seja senhor de tudo. Mas está debaixo de tutores e curadores até ao tempo determinadopelopai. Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos reduzidos à servidão debaixo dos primeiros rudimentos do mundo; mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, afim de recebemos a adoção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai. Assim que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo. Gálatas 4.21-31 Dizei-me vós, os que quereis estar debaixo da lei: não ouvis vós a lei? Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava [Agar] e outro da livre [Sara] [...] estes são os dois concertos: um [o mosaico], do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar [a escrava] é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos [...] Mas que diz a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque, de modo algum, o filho da escrava herdará com o filho da livre. De maneira que, irmãos, somosfilhos não da escrava, mas da livre.
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2 Coríntios 3.7-11 Se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, veio em glória, de maneira que os filhos de Israel não podiam fitar os olhos na face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, a qual era transitória, como não será de maior glória o ministério do Espírito: [... Porque, se o que era transitório [a aliança mosaica] foi para glória, muito mais é em glória o que permanece [d nova aliança Romanos 10.3,4 Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus. Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê. A lei foi abolida não pela destruição, mas pelo cu m p rim en to: Jesus disse: “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cu m p rir” (M t 5.17). Colossenses 2.14,17 Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária [...] [Jesus] a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz [...] [As coisas da lei] são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo A história do A ntigo Testam ento é a história de Israel quebrando a aliança m osaica. E por este m otivo que eles foram punidos, e tam b ém por que foram levados para o cativeiro o u tra vez: “[Eles] zom baram dos m ensageiros de Deus, e desprezaram as suas palavras, e escarneceram dos seus profetas, até que o fu ror do S en h o r subiu tanto, con tra o seu povo, que mais n e n h u m rem édio hou ve” (2 C r 36.16). Assim, o A ntigo Testam ento term in a com a am eaça de um a m aldição (M l 4.6). Hebreus 7.12 “M udando-se o sacerdócio, necessariam ente se faz tam bém mudança da lei”. Em resum o, a aliança m osaica (a lei) foi abolida, sendo cum prida por Cristo. Em bora m uitos dos Dez M andam entos estejam reafirmados no Novo Testam ento, eles são afirmados no contexto da graça e não no uso teocrático29. Por exem plo, na lei de Moisés a penalidade por violar o sétim o m andam ento (contra o adultério) era a pena de m o rte (Lv 20.10); a nova aliança requer a exclusão da igreja, se o pecador não se arrepender (1 Co 5.15). Igualm ente, na lei de Moisés, a promessa ligada ao quinto m andam ento, o de honrar o pai e a mãe, tinha um a recom pensa bem definida: “Para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá” (Êx 20.12)30. No entanto* quando a nova aliança afirma o m esm o princípio m oral, a promessa não é um a herança ou um a bênção relacionada a terras, mas um a exortação mais am pla e geralm ente mais aplicável aos crentes do Novo Testam ento: “Para que te vá bem , e vivas m uito tem po sobre a terra” (E f 6.3). Embora os princípios morais básicos, rejletivos da natureza moral de Dews31, embutidos na construção teocrática do Israel do Antigo Testamento, sejam os mesmos princípios mutáveis expressados no contexto da graça para a igreja do Novo Testamento, os crentes da era da igreja não estão sob a lei mosaica, que foi cumprida e abolida.
29Veja c a p ítu lo 6.
30 Isto é, a T e r ra S anta, d ad a sob a aliança abraâm ica.
3! Veja V o lu m e 2, c a p ítu lo s 13-17.
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A Relação entre as Alianças Abraâmica e Mosaica Em bora a aliança mosaica fosse condicional e as suas bênçãos dependentes da obediência legal de Israel, ela contribui m uito para o nosso entendim ento do que se trata o Israel nacional. Sob determinado aspecto, as promessas de com o eles seriam abençoados na terra estão envoltas na aliança abraâmica, que lhes trouxe a promessa da terra. Sob outro aspecto, com o sugerido anteriorm ente, em Gênesis (17.6; 49.10), foi durante o período da aliança mosaica que a monarquia da nação foi estabelecida e a promessa da aliança davídica foi finalmente feita. A relação entre a aliança incondicional abraâm ica e a aliança condicional m osaica pode ser assim resumida: (1) A aliança abraâmica tem a precedência sobre a aliança mosaica32; (2) A aliança mosaica não anulou a aliança abraâmica (cf. G13.17); (3) A aliança abraâmica é incondicional, enquanto que a aliança mosaica é condicional (v. 12); (4) A aliança mosaica foi instituída devido ao pecado humano (v. 19), enquanto que a aliança abraâmica foi dada devido à misericórdia de Deus; (5) A aliança mosaica foi temporária (v. 19); a aliança abraâmica é para sempre.
A ALIANÇA DAVÍDICA Assim com o a aliança abraâm ica diz respeito à terra, a aliança davídica diz respeito ao trono. A prim eira traz a bênção da terra e da nação; a segunda traz u m rei para governar sobre o reino. Ambas envolvem bênçãos literais, nacionais, incondicionais, e perpétuas. 2 Samuel 7.11-16 E m bora Davi desejasse edificar um a casa ao Sen hor, o Deus m aravilhoso declarou que Ele é quem edificaria a casa de Davi, u m a dinastia da qual o Messias viria e reinaria sobre o trono de Davi33. O Senhor te faz saber que o Senhor te fará casa. Quando teus dias forem completos, e vieres a dormir com teus pais, então, farei levantar depois de ti a tua semente, que procederá de ti, e estabelecerei o seu reino Porém a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será firme para sempre (cf. 1 Cr 17). Assim co m o a aliança abraâm ica, a aliança davídica, que expandiu as bênçãos de Deus para Israel, era irrevogável — “e tern a ”, baseada nas “firmes beneficências de D avi” (Is 55.3). Em bora boa parte desta profecia se refira ao filho de Davi, Salom ão (cf. v. 14), o uso da expressão para sempre claram ente revela que fu turos descendentes de Davi tam bém estavam em m ente. O utras passagens con firm am que este texto é um a predição de que o Messias viria através da linhagem de Davi e que reinaria sobre ao trono de Davi34. Na verdade, em sua entrada triunfal, Jesus foi saudado pela m ultidão de Jerusalém com exclam ações de “H osana ao Filho de D avi” (M t 21.15), “Bendito o Reino do nosso pai D avi” (M c 11.10). Eles esperavam o início do prom etido reino m essiânico.
32 A a lia n ç a m o s a ic a fo i (1 ) in ic ia d a depois da a lia n ça a b ra â m ic a e (2 ) te v e u m p o n to fin a l, c o m o d e m o n s tra d o a cim a . 11 V eja c a p ítu lo 13.
34 C f. Isaías 9.7; 16.5; Jerem ia s 13.13; 29.16; 30.9.
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Isaías 55.1-3 O vós todos os que tendes sede, vinde às águas, e vós que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite. Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão? E o produto do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer? Ouvi-me atentamente e comei o que é bom, e a vossa alma se deleite com a gordura. Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convoscofarei
um concerto perpétuo, dando-vos as firmes beneficênáas de Davi. Salmo 89.20-37 Israel pecaria e precisaria de arrependim ento, m as Deus fez um a promessa: Achei a Davi, meu servo; com o meu santo óleo o ungi; com ele, a minha mão ficará firme, e o meu braço o fortalecerá [...] E a minha fidelidade e a minha benignidade estarão com ele; e em meu nome será exaltado o seu poder [...] Também por isso lhe darei o lugar de primogênito; fá-lo-ei mais elevado do que os reis da terra. A minha benignidade lhe guardarei para sempre, e o meu concerto lhe seráfirme. E conservarei para sempre a sua descendência; e, o seu trono, como os dias do céu. Se os seus filhos deixarem a minha lei e não andarem nos meus juízos, se profanarem os meus preceitos e não guardarem os meus mandamentos, então, visitarei com vara a sua transgressão, e a sua iniqüidade, com açoites. Mas não retirarei totalmente dele a minha benignidade, nemfaltarei à minhafidelidade. Não quebrarei o meu concerto, não alterarei o que saiu dos meus lábios. Uma vez jurei por minha santidade (não mentirei a Davi). A sua descendência durará para sempre, e o seu trono será como o sol perante mim; será estabelecido para sempre como a lua; e a testemunha no céu é fiel. Apesar de incontáveis atos de deslealdade por parte de Israel35, Deus foi (e sem pre será) absolutam ente fiel. A aliança davídica p rom ete a Israel u m reino terren o político, religioso, m oral, e visível, e D eus garantiu pessoalm ente que ele duraria para sem pre e que todas as nações seriam benditas através dele (co m o no caso da aliança abraâm ica)36.
A N ov a A lia n ç a Além das alianças abraâmica, mosaica e davídica, o Antigo Testam ento apresenta um a fu tu ra nova aliança. O que a to rn a “nova” pode ser apresentado nos seguintes contrastes.
Duração
A A n t ig a A íia n ç a
A N o v a A lia n ç a
Temporária
Perpétua
Substituída
Sim
Nunca
Escrita
Na pedra
Nos Corações
Iniciada
Através do sangue de animais
Através do sangue de Cristo
Número de sacrifícios
Muitos sacrifícios
Um único sacrifício para sempre
35Por exem plo, v e ja2 S am uel 7.28; 1 Reis 2.4,24; 5.12; 8.20,24,25,56; 2 Reis 8.19; 2 Crônicas 1.9; 6.10,16-42; 21.7. 36C o m o estas promessas incondicionais ainda não foram cum pridas literalm ente co m o foram feitas, o seu cu m p rim ento final é futuro. As opiniões sobre a aliança que negam esta restauração nacional de Israel à sua terra, sob o governo dos descendentes de Davi, n ã o são baseadas e m u m a herm enêu tica liistórico-gram atical, que, c o m o já vim os (n o capítulo 12), apóia outros aspectos doutrinários essenciais.
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Mediador
Moisés
Jesus
Perdão
Antevisto
Realizado na Cruz
Espírito Santo
Sem habitação permanente
Habitação permanente
Aproximação de Deus
Através de Arão, o sumo sacerdote
Através de Jesus Cristo, o nosso Sumo Sacerdote
Celebrada
Por sacrifícios (olhando para a Cruz no futuro)
Pela Comunhão (olhando para a Cruz no passado)
Esta aliança, predita por Jeremias, tam bém é m encionada em muitas outras passagens. Jeremias 31.31-34 Eis que dias vêm, diz o Senhor, em que farei um concerto novo com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme o concerto quefiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito, porquanto eles invalidaram o meu concerto, apesar de eu os haver desposado [...] Mas este é o concerto que farei com a casa de Israel depois daqueles dias f...] porei a minha lei no seu interior e a escreverei no seu coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. E não ensinará alguém mais a seu próximo, nem alguém, a seu irmão, dizendo: Conhecei ao Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior [...] porque perdoarei a sua maldade e nunca mais me lembrarei dos seus pecados.
Isaías 59.21 Quanto a mim, este é o meu concerto com eles, diz o Senhor: o meu Espírito, que está sobre ti, e as minhas palavras, que pus na tua boca, não se desviarão da tua boca, nem da boca da tua posteridade, nem da boca da posteridade da tua posteridade, diz o Senhor, desde agora e para todo o sempre.
Ezequiel 36.25-27 Então, espalharei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. E vos darei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei o coração de pedra da vossa carne e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu espírito e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis'17.
Ezequiel 37.10-23 E profetizei como ele [o Espírito] me deu ordem; então, o espírito entrou neles, e viveram e se puseram em pé, um exército grande em extrem o [...] E sabereis que eu sou o Senhor, quando eu abrir as vossas sepulturas e vos fizer sair das vossas sepulturas, ó povo meu. E porei em vós o meu Espírito, e vivereis, e vos porei na E m b o ra este te x to n ão m e n c io n e a n o v a a liança p elo n o m e , ele c o n té m algu m as das m esm as prom essas que Jerem ias 31.
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vossa terra [...] Eis que eu tomarei os filhos de Israel de entre as n a ç : e> rara onde eles foram, e os congregarei de todas as partes, e os levarei à sua terra. E ;r .c - n rei uma nação na terra [...] e um rei será rei de todos eles; e nunca mais serão duas nações; nunca mais para o futuro se dividirão em dois reinos [...] e os livrarei de todos os lugares de sua residência em que pecaram e os purificarei; assim, eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus. Está bastante claro que há elem entos das três alianças aqui: (1) o retorno deles à terra que lhes foi dada por Deus (abraâmica); (2) um rei sobre eles (davídica); e (3) o Seu Espírito dentro deles (nova). Isto será depois que Israel for ressuscitado; os versículos 9 e 12, tom ados literalm en te38, referem -se à ressurreição deles nos últim os dias39. D aniel, contem p orâneo de Ezequiel, tam bém predisse isto: “E m u itos dos que d orm em no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida etern a e outros para vergonha e desprezo e te rn o ” (D n 12.2; cf. Ap 20.1-6).
Mateus 26.26-28 (c f Lc 22.19,20) Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo. E, tomando o cálice e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos. Porque isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento, que
é
derramado por muitos, para remissão dos pecados40.
Pelo que parece, Jesus está iniciando a nova aliança neste p o n to, e Hebreus a aplica aos que crêem nEle. Assim, em bora seja dito que a nova aliança é feita “com a casa de Israel” (Jr 31.31), o fato de ela ser aplicada à igreja do Novo Testam ento é apropriado por várias razões: Primeiro, a bênção para os gentios foi prom etida a partir da aliança abraâm ica em diante (G n 12.3). Segundo, a era da igreja é con tem p orân ea ao reino espiritual estabelecido por Jesus enquanto esteve na terra, depois da fo rm a política m essiânica do reino ter sido rejeitada pelo Israel nacional"11. Terceiro, Cristo, o Messias ju d eu , m o rreu por todos, judeus e gentios. Os resultados da sua m o rte —a base da nova aliança42— se'aplicam aos gentios e aos judeus n a igreja do Novo Testam ento. Romanos 8.2 Sem citá-la, este texto parece ser um a referência à nova aliança: “Porque a lei do Espírito de vida, em C risto Jesus, m e livrou da lei do pecado e da m o rte ”43. 38 V e ja c a p í t u lo 12. 41 V e ja c a p ítu lo 13. ( v e ja a b a ix o ).
39 V e ja c a p í t u l o 7 .
40 A v e r s ã o NTV e o t e x t o g r e g o N U ( “c r í t i c o ”) o m i t e m a p a la v r a novo.
42 V e ja V o lu m e 3 , p a r te 2.
43 Is to fa z p a r a le lo c o m o q u e P a u lo d isse e m 2 C o r í n t i o s 3
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Romanos 11.26,27 “Todo o Israel será salvo, com o está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades. E este será o m eu con certo com eles, quando eu tirar os seus pecados”. Este texto crucial m o stra u m a fu tu ra nova aliança em u m Israel restaurado. Isto é, seja qual fo r o significado da aplicação de alguns destes benefícios da aliança aos crentes h oje, haverá u m cu m p rim en to disto no Israel nacional — exatam ente com o prom etido n o A ntigo Testam ento. 1 Coríntios 11.25 “Depois de cear, to m o u o cálice, dizendo: Este cálice é o Novo Testam ento no m eu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em m em ó ria de m im ”. 2 Coríntios 3.3,6
Já é m anifesto que vós [crentes coríntios] sois a carta de Cristo, m in istrad a p o r nós e escrita
não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração [...] o qual nos fez tam b ém capazes de ser ministros dum Novo Testamento, n ão da letra, m as do Espírito; p orqu e a letra m ata, e o Espírito vivifica.
Usando 2 Coríntios 3, E rich Sauer resum e sucin tam ente as diferenças entre a antiga e a nova alianças: [Este capítulo] tam b ém m o stra u m a glória sétupla da n ova aliança: [1] p ed ra-carn e ( w . 3,7); [2] carta-esp írito (v. 6); [3] m o rte-v id a (vv. 6,7); [4] m e n o r-m a io r (vv. 8-10); [5] co n d en ação -ju stiça (v. 9); [6] p assar-p erm an ecer (v. 11); [7] o cu ltar-rev elar (vv. 12-18)
(TC, 91). Hebreus 8.7,13 Se aquele p rim eiro fo ra irrepreensível, n u n ca se teria buscado lugar p ara o segundo [...]
Dizendo novo concerto, envelheceu o primeiro. O ra, o que foi to rn ad o velho e se envelhece p erto está de acabar (cf. M t 26.26-28).
Hebreus 9.15 [Cristo] é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a m o rte p ara rem issão das transgressões que havia debaixo do p rim eiro testam en to , os ch am ad os recebam a p rom essa da h eran ça etern a (cf. 12.24).
Hebreus 10.16-18 Este é o co n ce rto que farei c o m eles depois daqueles dias, diz o S en h or: Porei as m inhas leis em seu co ração e as escreverei em seus en ten dim en tos [...] E jamais m e lem brarei de seus pecados e de suas iniqüidades. O ra, onde h á rem issão destes, não h á mais oblação pelo pecado.
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Hebreus 10.28,29 Quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia, só pela palavra de duas ou três testemunhas. De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do [novo\ testamento, com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça? Hebreus 13.20 “O D eus de paz, que pelo sangue do [novo] concerto eterno to rn ou a trazer dos m ortos a nosso S en h or Jesus C risto”.
Observações sobre a Nova Aliança Algum as observações em ergem do nosso estudo da nova aliança. Primeiro, a m aneira co m o as passagens do A ntigo Testam ento são (1) citadas por Jesus44 e (2) aplicadas à igreja exclui a clássica opinião dispensacional, isto é, de que há duas alianças. Sim plesm ente não há n e n h u m a indicação textual de que os escritores do Novo Testam ento não viam as aplicações disto à igreja co m o u m cu m p rim en to das profecias da nova aliança. Segundo, o fato de que haverá um cu m p rim en to definitivo da nova aliança depois que Israel tiver sido ressuscitado e voltado para a T erra Santa (Ez 37) indica claram ente que a prom essa não é inteiram ente cum prida na igreja. A im plicação de um estado de perfeição final (onde o pecado é elim inado e Deus to rn a os indivíduos perfeitos) tam bém apóia u m cu m p rim en to final (Jr 31.33,34). Terceiro, o fato de que um a aliança foi/eiío com Israel (v. 31) não significa que benefícios espirituais não possam ser aplicados aos gentios (Hb 8.7-9); tendo em vista que a nova aliança depende da m o rte de Cristo para o perdão dos pecados45, ela se aplica aos crentes judeus e gentios igualm ente. Quarto, da m esm a m aneira, a prom essa da aliança abraâm ica de que todas as nações46 seriam benditas através das suas provisões (G n 12.3) de fo rm a algum a anu la as outras provisões (por exem plo, a prom essa da terra) a Abraão e seus descendentes físicos. Jesus inaugu rou u m a fo rm a espiritual (m istério) do reino em M ateus 13; ainda há um a form a m essiânica política por vir47.
O TESTEMUNHO COMBINADO DAS ALIANÇAS DE ISRAEL O testem u n h o geral das alianças, entendido através da h erm en êu tica históricogram atical48, leva à rejeição tanto da interpretação dispensacional tradicional com o da interpretação aliançalista clássica da Escritura. Não há duas novas alianças. O Novo Testam ento realm ente aplica as promessas do A ntigo Testam ento aos crentes da era da igreja (co n trário ao dispensacionalism o tradicional), e os dois Testam entos predizem um fu tu ro cu m p rim en to literal no Israel nacional restaurado (contrário ao aliançalism o tradicional). Ainda devem os descobrir se estas profecias serão cum pridas em u m reinado 44 P o r e x e m p lo , Jerem ias 31; M a te u s 26.26-28; cf. 1 C o rín tio s 11.23ss. d a e ra da ig reja; v e ja R o m a n o s 4.11,16; cf. G álatas 3.7. R o m a n o s 11.1-33.
48V eja c a p ítu lo 12.
45 V eja V o lu m e 3, p a rte 2.
46 In clu in d o os cre n te s
47 V eja c a p ítu lo 13; cf. M a te u s 19.28; A to s 1.6-8; 3.19-21; 15.16,17;
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m ilenar literal de Cristo (co m o os dispensacionalistas revisados afirm am ) ou, antes, no novo céu e na nova terra (co m o os aliançalistas revisados sustentam )®. Com binando-se o que é ensinado sobre Israel sob todas estas alianças, é possível identificar sete características, esboçadas por Lewis Sperry C hafer50.
(1) Uma Terra para Sempre A Duração da Promessa Na aliança abraâmica, Israel recebeu a promessa da Terra Santa para sempre: “Levanta, agora, os teus olhos e olha desde o lugar onde estás, para a banda do norte, e do sul, e do oriente, e do ocidente; porque toda esta terra que vês te hei de dar a ti e à tua semente, para sempre” (Gn 13.14,15; cf. 17.7,13). A Extensão da Promessa Os limites da Terra Prometida foram especificados: Eles se estendiam desde a fronteira do Egito, ao sul, até o Mar Mediterrâneo (o Grande Mar), a oeste, percorrendo todo o Eufrates, a leste, e o Líbano, ao norte. Os povos que então ocupavam esta terra foram enumerados (15.18-21; fs 1.3,4), e disse o Senhor: “E te darei a ti e à tua semente depois de ti a terra de tuas peregrinações, toda a terra de Canaã em perpétua possessão, e ser-lhes-eí o seu Deus” (G n 17.8). A Permanência da Promessa Em bora Israel fosse periodicam ente exilado por desobediência, Deus os traria de volta, pois o banim ento deles nu nca seria perm anente: “O Senhor tornará a estender a m ão para adquirir outra vez os resíduos do seu povo que restarem ” (Is 11.11; cf. Jr 25). A prom essa de Deus a Abraão é incondicional e, por isso, independe da fidelidade de qualquer ser hum ano; ela só depende de Deus (2 T m 2.13). Falando de Israel neste contexto, Paulo declarou: “Os dons e a vocação de Deus são sem arrependim ento” (R m 11.29).
(2) Uma Nação para Sempre O Povo Multiplicado Deus não apenas prom eteu a Abraão um a terra, mas tam bém assegurou-lhe incontáveis descendentes (G n 15.5). O Sen h or faria dele “u m a grande n ação ” (12.1,2). De Abraão veio Isaque, e de Isaque veio Jacó; Jacó teve doze filhos que foram os pais das doze tribos de Israel. Enquanto o seu povo estava na escravidão no Egito, D eus os m ultiplicou grandem ente (Êx 1.7), e na época em que Moisés os tirou de lá, estim a-se que o seu n ú m ero chegasse a dois ou três m ilhões de pessoas (cf. N m 1.26)M. A Nação Foi Escolhida Foi sob a direção de M oisés que D eus disse a Israel: “Se d ilig entem ente ouvirdes a m in h a voz e guardardes o m eu co n certo , então, sereis a m in h a propriedade p ecu liar dentre todos os povos; porque toda a terra é m in h a. E vós m e sereis reino sacerdotal e V eja c a p ítu lo 15.
50 Para u m a e la b o ra çã o a d icio n a l sob re isto, v e ja a sua d iscussão e m Systematic Theology (D allas: D allas
S e m in a ry Press, 1948), 4.315-28.
51 Isto é baseado n a e stim a tiv a de q u e h avia q u a tro ou cin co vezes m ais h o m e n s ad u lto s,
que so zin h o s so m av am m ais de 600.000 pessoas.
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povo santo” (Éx 19.5,6; cf. D t 14.2). Israel é a ún ica n ação escolh id a
51 14” . 19.20), cu ja exclusividade Paulo explica: “As palavras de Deus lh e foram confiadas" . R m 3.2); além disso, deles “é a adoção de filhos, e a glória, e os con certos, e a lei, e o cu lto , e as p rom essas” (9.4). A N ação E Inigualável
Israel tro u x e o Salvad or ao m u n d o (G1 4.4). So eles p ro d u ziram as E scritu ras. Só eles tiv eram profetas co n firm ad os p o r D eus através de m ilag res32. Só eles tiveram M oisés, o legislad or m ed iad or co m qu em D eus falava face a face. Só eles tiveram as alianças. Só eles tiv eram a D eus, em Sua g lória, habitan do p esso alm en te em seu ta b ern á cu lo e em seu te m p lo . Só eles eram u m a n ação te o c rá tic a sob o g ov ern o do ú n ico D eus verdadeiro.
A N ação Perm anecerá
Deus determ inou que a Sua nação escolhida, Israel, p erm an ecerá em sua terra para sem pre; isto se cum prirá depois da ressurreição: Eis que eu crio céus novos e nova terra; e não haverá lem brança das coisas passadas, nem mais se recordarão [...J com o os céus novos e a terra nova que hei de fazer estarão diante da m inha face [...] assim há de estar a vossa posteridade e o vosso nom e (Is 65.17; 66.22; cf. Ap 21-22). A volta dos judeus exilados para a sua terra depois de aproxim adam ente dois mil anos —e de serem nacionalm ente restaurados —é um a ou tra prova de que Deus cu m pre as Suas promessas literalm ente.
(3) Um Rei para Sempre Deus p ro m eteu que Israel seria um a n ação para sem pre, vivendo em sua terra para sem pre; Ele tam bém d ecretou que eles teriam um rei para sem pre. M esm o antes da aliança davídica, havia indicações de que Israel teria u m gov ernante ou rei.
AS EVIDÊNCIAS DE UM REI ETERNO Gênesis 17.6
“E te farei frutificar grandissim am ente e de ti farei nações, e reis sairão de ti”. Israel teria um a descendência de reis de quem o Rei dos reis procederia. Gênesis 4 9 .1 0
“O cetro não se arredará de judá, n em o legislador dentre seus pés, até que venha Siló; e a ele se congregarão os povos”. A lém disso, um descendente de ju d á governaria Israel.
52 Exceto talvez Lucas e Atos.
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Êxodo 19.6 D eus disse: “E vós m e sereis reino sacerdotal e povo santo”. Isto registra o estabelecim ento da teocracia: Israel aceitava o governo direto de Deus. Eles eram o reino de Deus na terra; Ele era o seu Rei. Deuteronônuo 17.14,15 Q uando entrares na terra que te dá o S en h o r, teu Deus, e a possuíres, e nela habitares, e disseres: Porei sobre m im u m rei, assim co m o tê m todas as nações que estão em red or de m im , porás, ce rta m e n te , sobre ti co m o rei aquele que e sco lh er o S en h o r, teu Deus. A dim ensão política do reino existia m esm o sob o com ando de Moisés, mas se to rn aria mais evidente na m onarquia posterior53. E m bora o governo devesse ser baseado na lei de Deus, ele era, no entanto, u m governo político. Isaias 9.6 “Porque u m m en in o nos nasceu, u m filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nom e será M aravilhoso C onselheiro, D eus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”. Tanto a divindade com o o reinado político são m encionados: Este Filho reinaria com o o D eu s-hom em .
A C E S S A Ç Ã O D O S R E IS D E IS R A E L O problem a aparente com estas predições é que Israel entrou n o exílio em 605 a.C. e não teve u m rei desde então, com o Oséias predisse. Oséias 3.4 “Os filhos de Israel ficarão por m u itos dias sem rei, e sem príncipe”. Registros históricos confirm am que realm ente se passaram m ilênios desde que Israel teve u m rei. No entanto, Deus p ro m eteu restaurar o reino. Salmo 89.28-37 A minha benignidade lhe guardarei [a Davi] para sempre, e o meu concerto lhe será firme. E conservarei para sempre a sua descendência; e, o seu trono, como os dias do céu [...] não retirarei totalmente dele a minha benignidade, nem faltarei à minha fidelidade [...] A sua descendência [de Davi] durará apara sempre. O te x to n ão diz que o tro n o de D avi jam ais será deixado d esocupad o — a p ro m essa é que ele será estabelecido para sempre. Os d escend entes ao tro n o de Davi fo ra m m an tid os vivos até a v o lta de C risto , o F ilh o de D avi (cf. M t 1; Lc 3); quando Ele c o m e ça r a re in ar sobre o tro n o de Davi, este será estabelecid o p ara sem pre (M t 24.30; cf. 19.28)54.
33Veja 1 Sam uel (ss.).
34Veja capítulos 15-16.
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(4) A R e s ta u r a ç ã o de Is ra e l p a ra S e m p re Até m esm o a parte final do Antigo Testam ento con tém profecias repetidas de que Israel voltaria para a sua terra, e que Deus restauraria o seu rei. A m ós 9.11
“N aq u ele dia, to rn a re i a le v a n ta r a te n d a de Davi, que caiu, e ta p a re i as suas a b e rtu ra s, e to rn a re i a le v a n ta r as suas ru ín a s, e a edificarei c o m o nos dias da a n tig u id a d e ”. M iqu éias 4 .7 ,8
E da que coxeava farei a p arte restante, e da que tm h a sido arrojada p ara longe, u m a nação poderosa; e o S en h o r reinará sobre eles no m o n te Sião [Jerusalém], desde agora e para sem pre. E a ti, ó to rre do rebanho, m o n te da filha de Sião, a ti virá; sim, a ti virá o prim eiro dom ínio, o reino da filha de Jerusalém . D an iel 2 .4 4
Depois de falar de quatro grandes reinos terren os sucessivos e de dez reis que viriam depois deles, D aniel declara que “nos dias desses reis, o Deus do céu levantará um reino que [...] esm iuçará e consumirá todos esses reinos e será estabelecido para sempre". D an iel 9 .2 4 - 2 7
C om relação aos “setenta anos” de assolação (9.2), D aniel foi inform ad o de que após sessenta e duas “sem anas” (434 anos, v. 25) “será tirado o M essias” (v. 26), mas som ente depois de “dar fim aos pecados” e selar “a visão e a profecia” sobre a Sua vinda ( v. 24). O intervalo de tem po seria “desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém , até ao Messias, o Príncipe” (v. 25); aproxim adam ente, este espaço de tem po resulta em 445/444 a.C-33 d.C55.
(5) A A p re s e n ta ç ã o d o R e i M e ssiâ n ico O arau to de C risto p ro cla m o u o P ríncip e p ro m etid o : “E, naqueles dias, apareceu João B atista [...] dizendo: A rrep en d ei-vos, p o rqu e é chegado o R ein o dos cé u s” (M t 3.1,2). Jesus an u n cio u a m esm a m en sag em (4.17) e tam b ém com issio n ou os seus ap ó stolo s para p reg á-la “às ovelhas perdidas da casa de Isra e l” (10.5,6; cf. Lc 10.112). Eles p ro cla m a ra m as boas novas do “R ein o dos cé u s” (M t 3.2) ou “R ein o de D e u s” (12.28). Não há rein o sem u m rei; o Rei, Jesus de N azaré, seria p o sterio rm en te cru cificad o co m o o R ei dos ju d eu s.
33 V e ja c a p ítu lo 13, sob “O R e in o M e ssiâ n ico ”. V eja ta m b é m H o e h n e r, Chronological Aspects o f the Life o f Christ (G ra n d Rapids: Z o n d erv a n , 1977).
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(6) A Rejeição do Rei Messiânico Israel rejeito u o seu R ei, selando este fato ao ch am ar a obra de cu ra realizada por Jesus de obra do diabo16. Pouco antes da sua execu ção , Jesus d eclarou: “P ortan to, eu vos digo que o R eino de D eus vos será tirado e será dado a u m a nação que dê os seus fru to s ” (21.43); os jud eus “cairão a fio de espada e para todas as nações serão levados cativos; e Jeru salém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se completem" (Lc 21.24). Im ed iatam en te depois disso, Jesus an u nciou os m istérios do R eino dos céus (M t 13.1 lss.) em parábolas que revelam a fo rm a do m istério que d om inaria o ín te rim en tre a Sua rejeição e a Sua volta, quando Ele estabelecerá a fo rm a m essiânica aguardada há tan to tem p o. A característica cen tral deste período é a ig reja (M t 16.18; cf. E f 3.3-5); D eus co lo caria de lado tem p o rariam en te o seu tra ta m en to co m o Israel n acional, e ten taria provocar neles os ciúm es, con cen tran d o-se n a salvação dos gentios. Israel será restaurado co m o u m a nação depois que “a p len itu d e dos g en tios” tiver entrad o (R m 11.25).
(7) A Restauração do Reino Messiânico57 C om a rejeição ao Rei, os planos para restaurar o reino a Israel foram adiados; em bora ele esteja chegando, ninguém sabe quando (A t 1.6,7). O povo de Israel recebeu a oferta de restauração, se quisessem se arrepender, mas eles se recusaram (3.1 lss.), e com o um a nação eles continuam na incredulidade até o dia de h o je (cf. 2 Co 3.14; R m 11.25). No entanto, Deus não rejeitou o Seu povo, e eles não transgrediram além do seu perdão. Deus está trabalhando através da rejeição deles para salvar os povos do m undo, nos reconciliando consigo m esm o: Porque assim co m o vós tam b ém , an tigam en te, fostes desobedientes a D eus, m as, agora, alcançastes m isericórdia pela desobediência deles, assim tam b ém estes, agora, fo ram desobedientes, para tam b ém alcan çarem m isericórdia pela m isericórdia a vós d em on strad a (vv. 30,31).
COMPARAÇÃO E CONTRASTE ENTRE ISRAEL E A IGREJA Agora que já exam inam os as alianças, podemos tratar da relação entre Israel e a igreja, um a outra questão que divide aliançalistas e dispensacionalistas. C om o vimos anteriorm ente^, a igreja é a noiva em m istério de Cristo em que não há nem judeus nem gentios — todos os crentes são reunidos com o co-herdeiros das bênçãos espirituais de Deus59. Além disso, já vimos que o Novo Testam ento faz distinção entre Israel e a igreja (1 Co 10.32), e que depois da era da igreja Deus restaurará Israel com o um a nação (R m 11).
Similaridades entre Israel e a Igreja Israel e a igreja têm m u ito em com u m ; a seguir, tem os várias áreas de similaridade.
M ateu s 12.22-32; cf. 17.9; 21.42; 22,23; )oão 1.10,11; Salm os 118.26.
57 Veja R o m a n o s 11.
58 Nos cap ítu los 1-2.
™A lém disso,
e n ten d em os que o A ntigo T e stam en to predisse u m te m p o de bên ção gen tílica, m as não previu o m istério da igreja.
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§§) 925
Ambos Fazem parte do Povo de Deus Membros tanto de Israel com o daigrej afazem parte do povo de Deus, isto é, os salvos de todas as eras60, incluindo também os santos de ambos os Testamentos. U m dia, todos nós estaremos reunidos ao redor do m esm o trono e cantaremos louvores ao mesmo Deus (Ap 4—5). Ambos Fazem parte do Reino Espiritual de Deus A lém de estarem debaixo do governo soberano de Deus sobre toda a criação61, Israel (veja Lc 13.28) e a igreja fazem parte do m esm o reino espiritual geral62, ao que Jesus se referiu quando disse: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de D eu s” (Jo 3.3). Ambos Foram Criados para Glorificar a Deus O propósito suprem o tan to do Israel nacional com o do corpo espiritual de C risto é dar glória a Deus. Na verdade, este é o propósito de todas as coisas que foram criadas, e nós adorarem os ao S en h o r n o céu (cf. Ap 4.10,11). Ambos Participam das Bênçãos Espirituais da Aliança Abraâmica C o m o vim os an teriorm en te, a aliança abraâm ica con tém bênçãos para os gentios assim com o para os judeus (G n 12.3). Todos são justificados apenas pela fé, co m o foi Abraão (15.6), u m m odelo patriarcal de fé para todos os que crêem (R m 4.16). Ambos São Participantes das Bênçãos Espirituais da Nova Aliança Mais u m a vez, em bora a N ova Aliança (Jr 31.31-33) te n h a sido feita com Israel, ela tam bém é aplicada à igreja. Assim co m o com a aliança abraâm ica, há benefícios espirituais para todas as pessoas que estão contidos no sacrifício de Cristo (cf. 1 Jo 2.2), o qual é suficiente para toda a raça hum ana. C o m o já observamos repetidam ente, a aliança m osaica (baseada na lei) era tem porária (Hb 8.7,13). Ambos Permanecerão para Sempre Finalm ente, tanto Israel com o a igreja existirão para sem pre, pois, com o m ostrado acim a, as promessas das alianças abraâm ica e davídica são perpétuas. Nós, a etern a noiva de Cristo, fom os eleitos nEle antes da fundação do m u nd o (E f 1.4), segundo o seu o “eterno propósito” (3.11). Paulo disse a T im óteo: “Tudo sofro por am or dos escolhidos, para que tam bém eles alcancem a salvação que está em C risto Jesus com glória eterna” (2 T m 2.10). A Cidade Santa, a N ova Jerusalém (Ap 21.2,3), é eterna.
Diferenças entre Israel e a Igreja Apesar de tudo aquilo que a nação de Israel e a igreja têm em co m u m espiritualm ente, elas não são idênticas. Paulo fez um a clara distinção entre eles (1 C o 10.32) e falou da restauração da nação eleita depois que a era da igreja for com pletada (R m 11.25,26). O quadro que se segue resum e algumas das dilerenças significativas nas origens, naturezas e propósitos de Israel e da igrej a. Visto que j á discutim os extensivam ente a igrej a63, o contraste será baseado nesse estudo e no que aprendemos sobre Israel neste capítulo. 60Veja parte 1; veja tam bém Volume 3, parte 2.
61 Veja Volume 2, capítulo 23.
62Veja capítulo 13. 63Veja parte 1.
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A N a ç ã o de Is ra e l
A Ig r e ja
Liderança
Moisés
Cristo
Origem
Abraão
Pentecostes
Natureza
Terrena (um corpo político)
Celestial (um corpo celestial)
Princípio governante
Lei de Moisés
Graça de Cristo
Terra Santa
Herança divina
Aliança davídica
Prometida a Israel
Constituintes
Somente judeus
Condições para ser membro
Pelo nascimento físico
Função
Canal de bênção para o mundo
Sem herança Não prometida à igreja Judeus e gentios Pelo nascimento espiritual Fazer com que Israel se arrependa
Cabeças Diferentes M oisés era a cabeça de Israel: “A lei foi dada por M oisés” (Jo 1.17). Cristo é a Cabeça da igreja: “A graça e a verdade vieram por Jesus C risto” (Jo 1.17; cf. 5.23). Israel foi batizado em Moisés (1 C o 10.2); os crentes são batizados em C risto (12.13). Origens Diferentes As raízes de Israel antedatam Moisés, pois Abraão recebeu a promessa de ser o pai através de quem Israel viria (G n 12.2,3). A igreja com eçou no Dia de Pentecostes; Jesus previamente havia dito: “Vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1.5). O batismo no corpo de Cristo é a condição para tornar-se m embro da igreja universal64, “quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres [...] todos temos bebido de um Espírito” (1 Co 12.13). Naturezas Diferentes Israel é o nom e de um a entidade política terrena que foi oficialmente organizada sob Moisés (Ex 19.5,6). A igreja universal é o corpo espiritual invisível de Cristo (Ef 1.3; Hb 12.22,23). Princípios Governantes Diferentes Embora haja graça sob a lei (por exemplo, a libertação de Israel do Egito — Êxodo 12ss.), e lei sob a graça (cf. G1 6.2), há, entretanto, um a diferença entre os princípios governantes de Israel e da igreja. Israel estava debaixo da Lei que foi dada a Moisés e introduzida no contexto de um a teocracia nacional e política, sob a qual numerosas violações requeriam a pena de morte, incluindo o adultério (Lv 20.10), a homossexualidade (v. 13), o incesto (v. 11), o amaldiçoar os pais (D t 5.16), os filhos rebeldes (Êx 20.15-17), a idolatria (22.20), e o seqüestro (21.16). Embora o Novo Testamento contenha os mesmos princípios morais básicos que refletem o caráter imutável de Deus (M l 3.6; Tg 1.17), estes pontos essenciais estão codificados no contexto da graça65.
64Veja capítulo 2.
Por exem plo, cf. Joao 8.11; 1 Coríntios 5.5; 2 Coríntios 2.6.
AS ALIANÇAS DE DEUS
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H eranças D iferentes
E nfaticam ente declarada na aliança abraâmica, está a prom essa da Terra Santa aos descendentes físicos de Abraão66. A igreja não recebeu um a prom essa co m o esta; a sua herança não está ligada a qualquer propriedade de terra, mas é espiritual e celestial (Ef 1.3,11,14,18; Cl 1.12), em bora os crentes venham a rein ar com Cristo na terra depois da ressurreição final (M t 19.28; Ap 20.4-6). Em n en h u m a passagem o Novo Testam ento transfere de Israel para a igreja a prom essa feita a Abraão —a dou trina pactuai da teologia de substituição (ou escatologia realizada) não tem fu nd am ento bíblico. Promessas D iferentes
Não é prom etido á igreja que ela fará parte da aliança davídica, a qual garante que um descendente de Davi reinaria para sem pre em seu trono em Jerusalém 6' . Os dispensacionalistas progressivos argum entam que o cum prim ento da aliança davídica com eçou com a ascensão de Cristo ao céu, mas o Novo Testam ento não diz isto — os textos que eles usam para a sua sustentação estão fora do contexto68. Alguns versículos não dizem absolutam ente nada sobre Davi69. O utros não dizem nada sobre o reinado de Cristo70. Ainda outros se referem à Segunda Vinda, e não à Ascensão '1. Alguns versículos falam de Cristo reinando à destra de Deus no céu, e não no trono de Davi em Jerusalém 72. LIm versículo é um a predição de que Cristo reinará no trono de Davi, mas não especifica quando isto com eça (Ic 1.32). Outro versículo liga o trono de Davi ao reinado de Cristo (At 2.30), mas diz respeito à Ressurreição (v. 31) e à Ascensão (vv. 34,35), que foram u m prelúdio "para o assentar sobre o seu trono [de Davi]” (v. 30), e o texto não especifica quando isto aconteceria. O m esm o é verdadeiro quanto a Salmos 110.1, que se refere a colocar os inimigos de Cristo por escabelo dos seus pés73, o que ocorrerá no fim do Milênio (cf. Ap 20.1-6)H. N enhum texto m ostra que Jesus assumiu o trono político de Davi75 em Sua ascensão. No tempo presente, entre a Sua ascensão e a Sua volta, Cristo está no trono de Seu Pai (Ap 3.21; Hb 8.1). “Assenta-te à m inha m ão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés” (SI 110.1). Através do seu tempo de “espera” (Hb 10.13), o seu reinado é supernacional, puram ente espiritual, invisível, relativo ao curso da salvação. Este é o remo da graça. [Contudo,] no reino milenar, Cristo está no trono de D aviÇLc 1.32; At 3.30). O trono deste Seu ancestral terreno é então o Seu trono (Ap 3.21; M t 19.28; 25.31) (Sauer, TC, 51-52). Constituintes D iferentes
A nação de Israel era com posta som ente de judeus. Os gentios podiam se converter ao judaísm o e se to rn ar prosélitos, mas m esm o então eles eram um a espécie de cidadãos de segunda categoria, um a vez que não eram judeus de nascim en to —eles ainda estavam do outro lado da “parede de separação que estava no m eio” (E f 2.14), que foi derrubada por Cristo através do Seu sacrifício e do estabelecim ento da igreja, onde tanto judeus com o gentios são u m nEle (E f 2.12). Em bora os constituintes de Israel sejam judeus, tanto judeus com o gentios fazem parte do corpo de Cristo (C l 3.28).
66 G ênesis 13.14,15; cf. 15.7-21; 17.1-8; 26.3-5; 30.10-12.
67 C f. 2 S a m u e l 7.12ss.; S a lm o s 89.24-37; Isaías 2.3.
68 Veja
cap ítu lo 12. 69 P o r e x e m p lo , C olo ssen ses 1.13; 3 .1; A tos 5.31. 70P o r e x e m p lo , R o m a n o s 1.1-4; 2 T im ó te o 2.8; A p ocalip se 3.7. 71 P o r e x e m p lo , A pocalipse 22.16. 74V eja ca p ítu lo 15.
72 Por e x e m p lo , A to s 2 .33; H eb reu s 1.3,8; 4.14,15.
75 Tsto é, c u m p rin d o lite ra lm e n te a a lia n ça davídica.
/3 O q u e n ã o a c o n te c e u n a A scen são.
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Condtçoes para Ser Membro Diferentes D o m esm o m odo, há condições diferentes para que alguém se to rn e m em bro do Israel nacional e do corpo de Cristo. A lguém se to rn a ju d eu através do nascim en to físico natu ral (cf. Fp 3.5)76; alguém se to rn a m em bro da igreja som ente através de um nascim ento espiritual sobrenatural (cf. Jo 3.3).
Funções Diferentes U m a das principais funções do Israel nacional era ser u m canal de bênçãos para o m u nd o (G n 12.3). Dois dos principais m eios pelos quais eles realizariam isto eram o corpo e o livro; a Palavra Viva e a Palavra Escrita. A carta aos Hebreus declara: E ntran do n o m u n d o , diz: Sacrifício e oferta n ão quiseste, m as corpo m e preparaste; h olocau stos e oblações pelo p ecado n ão te agrad aram . Então, disse: Eis aqui v en h o (n o princípio do livro está escrito de m im ), para fazer, ó D eus, a tua vontade (10.5-7).
E stranham ente, Paulo m ostrou que u m a das funções da igreja era fazer com que Israel se arrependesse e aceitasse o seu Messias (R m 11.25): “Convosco falo, gentios, que, enquanto fo r apóstolo dos gentios, glorificarei o m eu m inistério; para ver se de algum a m aneira posso incitar à em ulação os da m in h a carne e salvar alguns deles” (vv. 13,14).
Razões para Distinguir Israel e a Igreja Em seguida, tem os u m resum o das m uitas razões para m anter um a distinção entre as promessas ao Israel nacional e as prom essas ao corp o espiritual de Cristo. O Uso Consistente da Hermenêutica Histórico-Gramatical Exige que as Promessas Incondicionais Literais a Israel Ainda Estejam por Ser Cumpridas11 A prom essa incondicional de terra que Deus fez a Abraão e seus descendentes (por exem plo, G n 13.1-17) jam ais foi cum prida; ela deve ter u m cu m p rim en to fu tu ro para o Israel nacional. A lém disso, foi u m a aliança un ilateral feita por Deus com Abraão (não Abraão com D eus); Abraão estava inconsciente quando ela foi feita (15.12,18). Também foi um a dádiva de toda a terra, não só o oeste do Jordão (por exemplo, w . 18-21). Finalm ente, foi u m a herança eterna: “E te darei a ti e à tua sem ente depois de ti a te rra de tuas peregrinações, toda a terra de Canaã em perpétua possessão, e ser-lhes-ei o seu D eu s” (17.8. cf. vv. 19; 26.3). Em resum o, Deus deu a terraparasem pre a Abraão e seus descendentes através de Isaque, Jacó, e seus filhos, que se tornaram as doze tribos. Isto inclui o Israel dos dias m odernos, Jordânia, Líbano, Síria, e toda a área até o norte do Iraque. M esm o sob a liderança de Josué e Salom ão, isto não foi cum prido, e m uito m enos cum prido para sempre. A promessa incondicional de terra a Israel deve ter u m cu m prim ento literal futuro.
N ão é verdad e dizer que o n a s cim e n to físico c o m o u m ju d e u e ra a co n d içã o su ficie n te p a ra e n tra r n o re in o de D eus. N ão e ra (cf. R m 9 .6-9); era, p o ré m , a co n d ição n ecessária para o ju d e u (a o c re r) re c e b er as b ên ção s n acio n ais p ro m etid as a A braão e Davi.
7 V eja c ap ítu lo 12.
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João, Mensageiro do Messias, Ofereceu um Remo Literal ao Israel Nacional
A m ensagem simples do Batista era: “Arrependei-vos, porque é chegado o R eino dos céus” (M t 3.2); para a m en te judaica, este é o reino prom etido no Antigo Testam ento (por exem plo, D n 2; 7). Ele anunciou u m reino que estava chegando, o que sim plesm ente significa “u m governo fu tu ro ”. Este governo deveria ser o governo do céu: “O Reino dos céus”. [Deus então com eçaria a governar no reino celestial?] O bviam ente, não, p orque D eus sem pre governou as esferas celestiais desde a Criação. João deve querer dizer que o governo celestial de Deus estava prestes a ser estendido d iretam ente às esferas terrenas. [Isto é,] o governo de Deus sobre a te rra havia chegado e estava prestes a ser instituído através da pessoa do Messias, para quem João estava preparando o cam inho (W alvoord e Zuck, BKC, 1.24). Embora os judeus o tenham rejeitado e conseqüentemente rejeitado o seu reinado visível terreno sobre eles, Jesus com eçou a reinar espiritualmente (cf. M t 13) no ínterim do reino, contendo tanto salvos com o perdidos, que serão separados depois da Segunda Vinda'8. O reino messiânico exterior loi separado até à sua volta, quando a assim chamada “Oração do Pai Nosso” será literalmente e definitivamente cumprida; enquanto isso, temos a era da igreja (M t 16.18; Ef 3.3-5), a forma de mistério descrita nas parábolas do reino (op. cit.). As promessas messiânicas a Israel (postergadas até que Jesus venha) não devem ser confundidas com as bênçãos espirituais para a igreja; elas são entidades distintas, e as promessas literais não devem ser espiritualizadas79. Jesus Predisse um Reinado Literal sobre Lsrael na sua Segunda Vinda
“Em verdade vos digo que vós, que m e seguistes, quando, n a regeneração, o Filho do H om em se assentar no trono da sua glória, tam bém vos assentareis sobre doze tronos, para ju lgar as doze tribos de Israel” (M t 19.28; d . 24.30). A Segunda Vinda será um reto rn o físico literal em um corpo físico literal80. Jesus partiu fisicam ente e visivelm ente, e Ele voltará da m esm a m aneira, com o Zacarias e João previram : “E, naquele dia, estarão os seus pés sobre o m o n te das Oliveiras, que está defronte de Jerusalém para o oriente; e o m onte das Oliveiras será fendido pelo m eio, para o oriente e para o ocid ente” (Z c 14.4); "Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até os m esm os que o traspassaram; e todas as tribos da terra se lam en tarão sobre ele. Sim! A m ém !” (Ap 1.7). Os Apóstolos se Sentarão sobre Doze Tronos para Julgar Israel
Os doze apóstolos, através de quem Jesus edificou a sua igreja, eram pessoas físicas literais, que na ressurreição final ganharão de volta os seus corpos físicos literais (Jo 5.28,29), que serão exatam ente com o o corpo ressurrecto de Jesus (Fp 3.21), feito de “carne e ossos” (Lc 24.39; cf. v. 44; Jo 20.27). Não faz sentido algum cham ar isto de um reinado espiritual de Cristo —tanto Ele com o os seus apóstolos estarão em corpos físicos ressurrectos. O reinado subseqüente à volta de Cristo não pode ser m enos literal e físico do que o corpo no qual Ele vem para reinar; negar o reinado literal de Cristo é, na prática, negar o seu corpo ressurrecto literaP. 78 V eja ca p ítu lo 15.
79 Op. cit.
e V olum e 2, apêndice 1.
80 Op. cit; cf. A tos 1.11.
81 V eja cap ítu lo 7; v eja ta m b ém V olu m e 1, cap ítu lo 26,
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
C om relação aos doze apóstolos, que estarão sobre os doze tronos, julgando as doze tribos de Israel (M t 19.28), o u tra vez, a palavra tribo jam ais é usada para referir-se a Israel ou a qualquer ou tro grupo em u m sentido p u ram en te espiritual. Estas são sem pre as doze tribos literais, que consistiam dos descendentes literais dos doze filhos literais de Jacó (a quem Deus m udou o n om e para “Israel” — G n 32.28). 0 Remo Messiânico Prometido não Foi, contudo, Cumprido na Ascensão Os discípulos perguntaram a Jesus se Ele iria, naquele tem po, restaurar “o reino a Israel” (A t 1.6); com o m encionad o anteriorm ente, se não fosse haver n en h u m reino literal fu turo, esta teria sido a sua últim a oportunidade de corrigi-los, assim co m o o Sen h or fez em relação aos seus erros em outras ocasiões. Em vez disso, Ele deu a entender que este reino ainda não havia sido cum prido, mas que o seria, no tem po determ inado pelo Pai (w . 7,8). Depois do Início da Igreja, Pedro Ofereceu o Reino a Israel E m Atos 3.19-21, Pedro ofertou a restauração (o reino m essiânico literal) ao Israel nacional, dirigindo-se especificam ente aos “varões israelitas” (v. 12), que haviam m atado a Jesus (v. 15), e seus “príncipes” (v. 17). Este era o reino prom etido do Antigo Testam ento que seria inaugurado quando o Messias viesse, m as Jesus não voltaria até que eles se arrependessem e o aceitassem com o o seu Messias. Esta não é m eram en te um a oferta hipotética. Se eles se arrependessem , Cristo teria voltado con form e foi profetizado. Visto que Deus sabia que eles não iriam se arrepender82, não é contrad itório afirmar, ju n to co m as Escrituras, que o “tem po dos gentios” (Ez 30.3) ocorreria no período interveniente: “o end urecim en to veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios h aja en trad o” (R m 11.25). Visto que Israel n ão se arrependeu, isto ocorrerá na Segunda Vinda83. O Israel Nacional ainda Será Restaurado ao seu Lugar de Bênção sob a Mão de Deus As prom essas sobre a fu tu ra re sta u ra çã o de Israel à sua te rra e posição não fo ra m cu m p rid as n o sécu lo I (c o m o os p reteristas a firm a m )84, ou h o je , através da ig reja, em u m sen tid o esp iritu al (c o m o os am ilen aristas in siste m )85. Já vim os co m o , em R o m an o s 11, Paulo fala cla ra m e n te do fu tu ro lite ra l do Israel n a c io n a l86. Os v ersícu lo s 9-11 dizem respeito às bênçãos passadas de Israel (9 ), a re je içã o atu al (10), e a fu tu ra restau ração (11); P aulo deixa evidente que ele está faland o do Israel físico lite ra l, e n ão de algu m Israel “e sp iritu a l” (c o m o a ig re ja do N ovo T e sta m e n to ); eles são a “n a ç ã o ” para qu em M oisés escrev eu , o “Isra e l” para q u em Isaías p ro fetiz o u , o “seu povo [de D eu s]” do qual Paulo faz p a rte (9.3; 10.1,19,21; 11.1). Eles são o povo de Israel, os “israelitas, dos quais é a ad oção de filh o s, e a glória, e os co n certo s, e a lei, e o c u lto , e as p ro m essas” (9.4). D eu s não os re je ito u , não re je ita rá , e não pode re je itá -lo s (11.1,2,29). As prom essas in con d icion ais de D eus se c u m p rirã o ; a n ação co m o u m tod o se c o n v e rte rá e será restau rad a quando o seu M essias v o lta r (vv. 24-26). 82Veja capítulo 13; veja tam bém Volume 2, capítulo S.
83Veja capítulo 15.
Sfi Veja capítulo 13, sob “A Explicação da Rejeição ao Messias nas Epístolas”.
84 Veja capítulo 16.
85Veja capítulos 15-16.
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0 A p ocalip se F ala do Papel do Israel N acion al A ntes de Cristo Voltar
O Apocalipse de João aponta para o fu tu ro papel de Israel durante o período da tribulação, antes da Segunda Vinda: “E ouvi o nú m ero dos assinalados, e eram cento e quarenta e quatro m il assinalados, de todas as tribos dos filhos de Israel. D a tribo de Judá, havia doze m il assinalados [...] [12.000 de cada um a das tribos]” (veja 7.4-8). Isto se refere ao Israel nacional literal87, e são estes que estarão vivos e ativos durante a Tribulação88, trazendo para o reino um a grande “m ultidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono e perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e com palm as nas suas m ãos” (v. 9). Naquele tem po, as palavras de Jesus sobre as doze tribos e os doze apóstolos (M t 19.28) se cum prirão literalm ente, e Ele separará aqueles que creram daqueles que não creram (25.31-34). Tendo dito tudo isso, é im portan te repetir que, apesar destas diferenças entre Israel e a igreja, há m uitas coisas em com u m . A lém disso, com o aconteceu com os crentes pré-israelitas (antes de Abraão e Moisés), os crentes da era presente terão mais coisas em co m u m do que diferenças. Afinal, há um único Salvador, um único plano de redenção, e uma única fa m ília de todo o povo remido que adorará a Deus no céu. Espiritualmente, o povo de D eus compartilha uma herança redentora, embora haja diferenças funcionais entre Israel e a igreja.
A B A SE T E O L Ó G IC A P A R A A S A L IA N Ç A S C O M IS R A E L O fu nd am ento teológico para a crença em u m cu m p rim en to literal das alianças incondicionais de Israel está baseado em (1) vários atributos de Deus e (2) um a aplicação consistente da herm enêu tica histórico-gram atical à profecia do Antigo T estam ento. Os atributos divinos específicos se destacam nesse aspecto: soberania, eternidade, onisciência, im utabilidade, onipotência, e sabedoria. C om o seu poder soberano, Deus não tem nen h u m a dificuldade para executar o Seu plano e propósito para Israel, o qual Ele d eterm inou desde a eternidade. Para que Deus garantisse que aquilo que Ele d eterm inou iria acontecer quando Ele fez as alianças, Ele precisaria ter um a presciência infalível, e Ele a tem . A sua vontade im utável, por m eio do Seu poder onipotente, realizará os Seus decretos eternos e alianças incondicionais, e a Sua sabedoria planejou a eleição, a dispersão e a restauração de Israel85'. A G ló r ia d e D e u s c o m o B a se p a ra as su as A lia n ç a s c o m Is ra e l Em últim a análise, tudo é para a glória de Deus (1 Co 10.31; cf. SI 76.10); e, com o acontece co m os crentes do Novo Testam ento, o plano de Deus para Israel visava glorificar a Si m esm o: Deus escolheu as coisas loucas deste m u n d o para confundir as sábias; e D eus escolheu as coisas fracas deste m u n d o p ara confundir as fortes. E Deus escolheu as coisas vis deste m u n d o , e as desprezíveis, e as que não são para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele 87 Veja capítulo 12.
{1 Co 1.27-29).
88Veja capítulo 16.
89 Os seus atributos já foram discutidos em mais detalhes anteriorm ente — veja
capítulo 1. Veja tam bém V olum e 2, capítulos 1, 4, 7-9, 17, 23.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
D eus é glorificado através da sua fidelidade para com Israel: O Senhor não tom o u prazer em vós, nem vos escolheu, porque a vossa m ultidão era mais do que a de todos os outros povos, pois vós éreis m enos em n úm ero do que todos os povos, mas porque o Senhor vos amava; e, para guardar o juram ento que jurara a vossos pais, o Senhor vos tirou co m m ão forte e vos resgatou da casa da servidão, da m ão de Faraó, rei do Egito. Saberás, pois, que o Senhor, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda o concerto e a misericórdia até mil gerações aos que o am am e guardam os seus m andam entos (D t 7.7-9).
A Hermenêutica Literal como Base para as Alianças de Deus com Israel E m bora D eus seja a base para a eleição incondicional de Israel, a base para o nosso con h ecim en to sobre ela é a h erm en êu tica histórico-gram atical. A ún ica m aneira de negar o fu tu ro nacional literal de Israel é negar as interpretações literais de todas as alianças com Israel; co m o já vim os, a negação da h erm en êu tica literal traz o fracasso próprio e tam bém m in a a fé cristã90.
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES Muitas objeções têm sido apontadas contra fazer distinção entre Israel e a igrej a91; irem os nos concentrar nos textos em to rn o dos quais os principais argum entos são form ulados. O m al-entendido destas passagens (e a m á aplicação da herm enêutica histórico-gram atical92) é o que leva à afirmação de que as promessas feitas a Israel são cumpridas “espiritualm ente” n a igreja, sem qualquer cu m prim ento fu turo literal para Israel. Mateus 2.15 E m bora o Novo Testam ento às vezes apresente um a aplicação da u m a passagem do A ntigo T estam ento, ele nu n ca espiritualiza a interpretação literal. Por exem plo, Oséias 11.1 — “D o Egito cham ei a m eu filh o” —, em referência aos filhos de Israel saindo do cativeiro no Egito. M ateus aplicou este versículo à saído do m en in o Jesus do Egito; Jesus tam bém é o “filh o” de Deus. Isto se adequa à opinião da h e rm e n ê u tica literal: u m a ú n ica in terp retação; m uitas aplicações. O m esm o é verdadeiro co m relação a 1 Pedro 2.9 (a respeito de um reino sacerdotal e u m a n ação santa), onde o seu c o n tex to relativo ao A ntigo T estam en to (Ex 19.6) se refere a Israel, e Pedro não o espiritualiza quando o utiliza em relação aos cren tes da era da igreja, sobre os quais tam b ém é lite ra lm e n te verdadeiro. Pedro n em m esm o cita a passagem co m o tal ou afirm a que se cu m p re n a igreja; ele m era m en te em p resta a linguagem adequadam ente usada em referência ao povo de D eus (Israel) e a aplica ao povo de D eus (a igreja). Hebreus 8.7-13 Ig u a lm e n te , a n o v a a lia n ça (c o n tra s ta d a co m a “p rim e ira a lia n ça ” em H ebreus V e ja c a p ítu lo 12.
91 U m a vez q u e isto se so b rep õ e à evid ên cia p a ra o p ré -m ile n a ris m o , a base h is tó ric a p a ra a
in co n d icio n alid ad e re fe re n te às alianças do A n tig o T e s ta m e n to c o m Israel é discu tid a n o ca p ítu lo 15.
92 O p. cit.
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8), que foi feita co m a n a çã o de Israel (e que será lite ra lm e n te cu m p rid a co m eles), ta m b é m é aplicada à ig reja ; D eu s sem p re te n c io n o u os b en e fício s da m o r te de C risto para am bos (cf. G n 3.15; 12.3). A lém disso, esta n ão é u m a esp iritu a liz a çã o do N ovo T e sta m e n to de u m a p ro m essa lite ra l. A a p licação aos c re n te s atuais, ta m b é m salvos p elo M essias p re d ito , n ã o sig n ifica que a p ro m essa se cu m p re na ig re ja , n e m que a ig re ja seja, p o r isso, a s u b s titu ta de Israel. Foi p ro m e tid o a A braão que os g en tios seriam in clu íd o s (1 2 .3 ); a in clu sã o dos g en tios n ã o sig n ifica a e x clu são dos ju d eu s. 1 Coríntios 10.4
Já vim os93 a alegação do uso de alegoria a respeito da afirm ação de Paulo sobre os filhos de Israel no deserto: “E beberam todos de u m a m esm a bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era C risto”. Isto não é alegoria —a pedra que os seguia era um a pedra literal, assim com o o m an á era um a com ida literal do céu. A palavra grega espiritual (pneumatikos) não se refere à natureza da pedra, mas à fonte da pedra. E xatam ente com o um a pessoa “espiritual” (cf. 2.14,15) é um a pessoa física literal, cu ja vida é dom inada pelo Espírito, do m esm o m odo a pedra literal no deserto era dom inada pelo Espírito — ela "os seguiu” p or quarenta anos com um a infinita fonte de água. A pedra era um a Cristofania, um a m anifestação literal de C risto e do Seu poder sobrenatural, com o o A n jo do S en h or aparecendo na fo rm a física h u m an a (cf. Gn 18.2,8,22). Romanos 4.13-16
Porque a promessa de que havia de ser herdeiro do mundo não foi feita pela lei a Abraão ou à sua posteridade, mas pela justiça da fé [...] Portanto, e pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé de Abraão, o qual é pai de todos nós. A p a rtir desta passagem , é a rg u m e n ta d o que A braão te m u m a sem en te e sp iritu al, e que a p ro m essa que lh e foi fe ita te m u m c u m p rim e n to em to d o s nós, ju d eu s e g e n tio s, que c re m o s em C risto — to d o s nós som o s a se m e n te esp iritu al de A braão. Em bora isto seja co rreto , não há necessidade de que as prom essas incondicionais de terra que D eus fez à sem ente literal de Abraão (Israel) não sejam litera lm en te verdadeiras e que não v en h am a ser litera lm en te cum pridas. Abraão possui duas “sem en tes” — física e espiritual; a sem ente espiritual é u m a sem ente paralela (não u m a su bstitu ta). Há u m fu tu ro para os descendentes físicos de A braão94; co m o foi m o strad o acim a95, as prom essas ainda não cum pridas de terra e de reino a Israel serão cu m pridas96. Gálatas 3.16
“As promessas foram feitas a Abraão e à sua posteridade. Não diz: E às posteridades, com o falando de m uitas, mas com o de um a só: E à tua posteridade, que é C risto”. Alguns teólogos da aliança sugerem que, um a vez que Cristo é a posteridade que cum priu a pro 93 Ibid.
9-1Veja M ate u s 19.28; Lucas 21.24; A tos 1.6,7; R o m a n o s 11.
95V eja ta m b é m c a p ítu lo 13.
96Veja cap ítu lo s 13 e 16.
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m essa de Abraão, não h á necessidade de procurar u m outro cu m p rim en to fu tu ro na posteridade (descendentes) literal de Abraão97. Em Atos 3.25,26, Pedro diz aos judeus: “Vós sois os filhos dos profetas e do concerto que Deus fez com nossos pais, dizendo a Abraão: Na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra. Ressuscitando D eus a seu Filho Jesus, prim eiro o enviou a vós, para que nisso vos abençoasse, e vos desviasse, a cada um , das vossas m aldades”. Aqui tam bém Jesus é apresentado co m o a Posteridade que cu m p re a prom essa de Abraão. Em resposta, observe vários pontos. Primeiro, m esm o outros aliançalistas98 não aceitam esta conclusão. Estudiosos am ilenaristas com o H oekem a e Poythress defendem que haverá u m cu m p rim en to literal desta prom essa aos descendentes físicos de Abraão. Segundo, n e n h u m cu m p rim en to em dobro desta prom essa é necessário, de m aneira algum a. A palavra posteridade ou semente (gr. sperma), tanto na Septuaginta com o no Novo T estam ento, está no singular99. Por isso, quando Paulo se refere a C risto com o a posteridade (G1 3.16), ele tam bém deixa espaço para as referências óbvias do Antigo Testam ento à “sem en te” co m o sendo a descendência física de Abraão. Esta sem ente seria tão nu m erosa quanto as estrelas do céu e a areia da praia do m ar (cf. G n 15.5; 22.17,18). Terceiro, o fato de Cristo, de algum a m aneira, cu m prir a prom essa de posteridade não significa de m odo algum que Ele cu m p re a prom essa de terra. O Novo Testam ento nu nca diz: “C risto é a T erra”. Quarto, e finalm ente, m esm o depois da época de Cristo, a E scritura m enciona o cu m p rim en to das prom essas feitas a Israel100. Considerar Cristo com o a Posteridade de Abraão não nega um cu m p rim en to literal das promessas de terra que D eus fez a Abraão para o Israel n acion al101. Gálatas 6.15,16 “Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão nem a incircuncisão têm virtude algum a, mas sim o ser u m a nova criatura. E, a todos quantos andarem con form e esta regra, paz e m isericórdia sobre eles e sobre o Israel de D eus”. M uitas versões da Bíblia concordam co m a tradução “e sobre o Israel de D eu s”. U m a delas diverge, porém , traduzindo: “Todos quantos andarem con form e esta regra, paz e m isericórdia, até mesmo ao Israel de D eu s”. Lingüisticam ente, a palavra grega k ip o d e significar “e ”, “até m e sm o ”, ou “tam b ém ”, sendo o significado pretendido n o rm alm en te determ inado pelo contexto. As vezes, porém , outras considerações en tram em ação, as quais se tornarão evidentes pelo seguinte resum o das três m aneiras básicas de interpretar este te x to 102. A prim eira interpretação, que traduz kai com o “até m esm o”, to m a o “Israel de D eus” para se referir à igreja. Este é um ponto de vista padrão am ilenarista103, apoiando a idéia de que a igreja é o “Israel espiritual”, seu herdeiro espiritual das promessas do Antigo 97V eja ta m b é m abaixo, sob “2 C o rín tio s 1.20” . 98V eja abaixo, sob “R e sp o sta aos A rg u m e n to s do A lia n ça lism o M o d ifica d o ” . 99 Isto p ode se re ferir ta n to a u m ind ivíd u o c o m o a u m g ru p o co le tiv o c o m o u m só. R o m a n o s 11.
100 P o r e x e m p lo , A to s 1.6-8; 3.21-27;
ini S o b re a p o sterid a d e de A braão, v e ja c a p ítu lo 13; v e ja ta m b é m V o lu m e 3, c a p ítu lo 14.
102 E sta seção está
baseada n o e x c e le n te artig o de S. Lewis J o h n so n in titu la d o “Paul and ‘T h e Israel o f G o d ’: A n E x egetical and E sch a to lo g ica l C a se-S tu d y ”, in : Essays in Honor o f f . Dwight Pentecost, S ta n le y T o u ssa in t e C h a rle s D yer, eds. (C h ica g o : M o o d y Press, 1986), 181-96.
103V eja c a p ítu lo 15.
IIMC f. V o lu m e 3, ca p ítu lo s 13-14.
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Testam ento, com o está supostam ente sugerido em relação a todos os crentes104 ao serem cham ados de “descendência de A braão” (3.29). Este ponto de vista te m sido defendido por (en tre ou tros) João Calvino (1509-1564), M artin h o Lutero (1483-1546), R. C. H. Lenski (1864-1936), H erm an Ridderbos (nascido 1900), e John S to tt (nascido 1925); o representante mais antigo entre os Pais foi Justino M ártir (c. 100-c. 165; veja D ], 11.1-5). A segunda interpretação considera “o Israel de D eus” com o um a referência ao rem anescente dos judeus crentes na igreja. Em apoio a isto, tem os a afirm ação de Paulo de que ele é u m israelita crente (R m 11.1), “u m resto, segundo a eleição da graça” (v. 5). “Israel de D eus” tam bém é entendido em contraste com “Israel segundo a carn e” (1 Co 10.18). Os adeptos desta idéia inclu em Charles E llico tt (1819-1905), A d olf Von S ch latter (1852-1938), W alter G utbrod (1901-1998), e m uitos pré-m ilenaristas10'1. A terceira interpretação vê este texto com o um a referência ao fu tu ro Israel étnico rem ido, enfatizando “todo o Israel” (R m 11.26) com o grosseiram ente equivalente ao “Israel de D eu s”. Os proponentes inclu em Ernest De W itt B u rto n (1856-1925), F. F. Bruce (1910-1991), W. D. Davies (nascido 1911), e Franz M ussner (nascido 1916). O nosso foco não está em decidir entre as duas últim as opiniões — ambas defendem que “o Israel de D eus” é um a referência ao Israel étn ico mas m o strar que o prim eiro (preferido pelos am ilenaristas) não pode ser com provado. Primeiro, traduzir kai com o “e ” é um proced im ento padrão106. Segundo, esta tradução é a tradição gram atical com u m ; sem fortes argum entos em contrário, é geralm ente um erro divergir. Terceiro, o uso com u m faz sentido em Gálatas 6.16. Quarto, E llico tt destaca que há dúvidas sobre se Paulo algum a vez usou kai com a intenção de expressar algum a explicação (co m o no caso da expressão “até m e sm o ”). Quinto, S. Lewis Jo hnson (1915-2004) observa:
A partir do ponto de vista do uso bíblico, esta opinião permanece condenada. Não há exemplo na literatura bíblica do termo Israel sendo usado no sentido da igreja, ou o povo de Deus como composto tanto de judeus étnicos crentes como de gentios (“PTIG”, 189). Ocasionalmente, Rom anos 9.6 é oferecido com o um a exceção, mas ali Paulo está falando de um a divisão dentro do Israel étnico, e não de gentios crentes: “Nem todos os que são de Israel são israelitas”. Não há apoio aqui para o ponto de vista amilenar, de que a igreja do Novo Testamento é o Israel espiritual, e, em resumo, não há apoio real para que as promessas literais do Antigo Testamento a Israel sejam cumpridas espiritualmente na igreja. R e s p o s ta ao s A r g u m e n to s d o A lia n ç a lis m o M o d ifica d o 2 Coríntios 1.20 “Porque todas quantas promessas há de Deus são nele sim; e por ele o Am ém, para glória de Deus, por nós”. Alega-se que isto prova que todas as promessas do Antigo Testamento são cumpridas espiritualmente em Cristo, e a partir disto Poythress infere que, visto que os cristãos estão em Cristo, a igreja é um cumprimento espiritual destas profecias a Israel ( UD, 126 ). Muitos também prosseguem acrescentando que, por esta razão, as promessas de terra e de trono feitas a Abraão e Davi não terão um cumprimento literal em um futuro Israel nacional. 103 O p. cit.
106 C o m o refletido, p o r e x e m p lo , nas versões NASB, KJV, ASV, e NRJV.
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Estas conclusões não podem ser consideradas corretas por diversas razões. Primeiro, novamente, o fato de que Cristo cumpriu as profecias de salvação107 não significa que Ele assim tenha cumprido espiritualmente todas as profecias do Antigo Testamento a respeito de Israel voltar para a terra, e a respeito de Cristo reinar sobre o trono político de Davi. Segundo, novam ente, até m esm o alguns teólogos da aliança (co m o Poythress e H oekem a) adm item que haverá u m cu m p rim en to literal destas promessas ao Israel étnico. Desse m odo, a afirm ação de Paulo de que há u m cu m p rim en to em Cristo não pode ser tom ada para excluir Israel; nesse caso, as promessas não cum pridas durante a Prim eira Vinda serão cum pridas em Cristo e nos seu reinado literal n a Segunda Vinda. Terceiro, com o já observam os repetidas vezes108, a interpretação histórico-gram atical da profecia revela que algum as promessas incondicionais de terra e de tro n o jam ais foram cum pridas; Deus coloca em jo g o o Seu próprio caráter im utáv el109 ao afirm ar que estas promessas serão cum pridas (cf. SI 89.24-37; Hb 6.13-18). Hebreus 12.22-24 Mas chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos, à universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel. Poythress ten ta usar isto para dizer que se C risto cu m pre todos os tipos sacrificiais do A ntigo Testam ento, então, por analogia, isto “é sim ultaneam ente um cu m p rim en to das profecias sobre u m a Jerusalém perfeita e restaurada (Is 60.14; M q 4.1,2)”. Primeiro, Hebreus está falando de um a cidade “celestial” (o próprio céu), e não de u m a cidade terren a na qual C risto reinará quando voltar (Is 2.3; M t 19.28). Segundo, esta cidade é u m lugar espiritual onde os “espíritos” habitam , e não u m lugar terren o onde os corpos habitam . Terceiro, mais um a vez, até m esm o alguns teólogos da aliança adm item que ainda haverá u m fu tu ro cu m p rim en to literal disto (por exem plo, Poythress, UD, 120). Quarto, e finalm ente, visto que a Cidade Santa descerá à terra (Ap 21—22), visto que este é o lugar a partir do qual Cristo reinará por m il anos (20.1-6)110, e visto que haverá um a ressurreição literal antes deste reino e que C risto voltará em u m corpo físico literal111, não há m otivo de esta cidade “celestial” presente não poder ser a m esm a cidade que descerá para o reinado terreno de Cristo. 1 Coríntios 3.21-23 “N inguém se glorie nos h om ens; porque tudo é vosso [...] seja o mundo, seja a vida, seja a m o rte, seja o presente, seja o futuro, tudo é vosso, e vós, de Cristo, e Cristo, de D eu s”. Tendo em vista que Paulo in form a aos cristãos coríntios que até “o m u n d o ” é deles, Poythress argum enta que não h á m otivo para os gentios com p artilh arem de u m fu turo cu m p rim en to literal da prom essa de terra de Israel. Afinal, nós com partilham os de outras promessas dadas a Abraão (C l 3.28) e da nova aliança (Hb 8.7-13); por que, então, 1 Veja V o lum e 3, p a r te 2; veja ta m b é m R o m a n o s 10.4. " “V eja c a p ítu lo 15.
111V eja c a p ítu lo 7.
"* Veja ta m b é m c a p ítu lo 13.
109 Veja V o lu m e 2, c a p ítu lo 4.
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o cu m p rim en to parcial de promessas de terra não poderia acontecer através da igreja? Em resposta, primeiro , este texto é um a afirm ação geral de que os crentes possuem o m undo; isto de m odo algum exclui a prom essa de Deus para Israel, de herdar um a porção específica deste m undo no fu turo. Segundo, os crentes h o je não possuem a Terra Santa da m aneira com o ela foi prom etida a Israel, ou seja, com o um a herança nacional. A igreja não é u m a nação, mas u m a entidade n ão-étn ica (G1 3.28). Terceiro, a igrej a não possui o m undo diretam ente ou qualquer pedaço de propriedade nele. Seja o que for que possuím os, é indireto; nós pertencem os a Cristo, que possui o m undo. Quarto, e finalm ente, mais um a vez, alguns aliançalistas adm item que u m dia o Israel étnico possuirá d iretam ente a terra dada a Abraão, de form a que não há razão para que o Israel nacional não possa ocupar esta m esm a terra com o prom etido. Gaiatas 3.2S
“Nisto não há ju d eu n em grego; não há servo n em livre; não há m ach o n em fêmea; porque todos vós sois u m em Cristo Jesus”. A partir disto, os teólogos da aliança inferem que há som ente u m único povo de Deus, que não há n en h u m a diferença religiosa no plano fu tu ro de Deus. Todos com partilharão igualm ente de todas as promessas do A ntigo Testam ento feitas a Israel (incluindo as profecias davídicas). Em resposta, primeiro, n e n h u m crente do Novo Testam ento — ju d eu ou gentio, m em bro do corpo de C risto — tem qualquer reivindicação sobre as promessas feitas aos judeus crentes com o parte do Israel étnico. Segundo, Paulo não está falando aqui do Israel nacional e das promessas que eles receberam de Deus; ele apenas diz o que os crentes atuais possuem por fazerem parte do corpo de Cristo. Terceiro, a igreja do Novo Testam ento não é um fu nil através do qual os gentios podem receber as bênçãos judaicas — ela é um a entidade não-étn ica com posta daqueles que são um a “nova criatu ra” (2 Co 5.17) ou “novo h o m em ” (E f 2.15). As antigas profecias feitas a Israel, se interpretadas literalm ente, fazem um a distinção étnica. Quarto, afirmar um a igualdade funcional da igreja com Israel é ignorar a interpretação histórico-gram atical dos textos que dão um lugar funcionalmente superior a Israel no futuro reino m essiânico112. Todo opovo de Deus com partilha igualm ente daSua s a lv a ç ã o pessoalmente e espiritualmente; entretanto, Israel tem um lugar futuro especial coletivamente e nacionalmente. Quinto, Paulo esclareceu que a igreja é um terceiro grupo do Novo Testam ento, ju ntam ente com os gentios e os judeus: “a igreja de D eus” (1 Co 10.32). “No lugar da antiga divisão da humanidade em duas partes, surge assim um a divisão em três partes, e a Israel e aos povos do m undo é acrescentada a igreja com o um a ‘terceira raça’” (Sauer, TC, 58). Sexto, e finalm ente, Israel será um a entidade separada depois que o tem po dos gentios for cum prido (a era da igreja, R m 11.25), o que não seria verdadeiro se a igreja tivesse substituído Israel e as profecias referentes a Israel tivessem se cum prido. Em resum o, n en h u m destes versículos d em onstra o ponto de vista da aliança; todos eles são receptivos a um entendim ento dispensacional revisado. Na verdade, tom ando o con texto im ediato (sem considerar o con texto geral das Escrituras Sagradas), eles fazem m u ito mais sentido da form a com o os dispensacionalistas os entendem . 112 P o r e x e m p lo , cf. D e u te ro n ô m io 10.15; 26.19; R o m a n o s 3.1,2; 9.4,5; Isaías 2.2,3; 45.14.
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CONCLUSÃO O que podem os conclu ir a partir da discussão acima? O Israel nacional recebeu a prom essa de u m reino físico literal envolvendo a T erra Santa e o trono de Davi, sobre o qual o Messias reinará. Este reino m essiânico foi m anifestado através do Israel étnico, e, desse m odo, o seu cu m p rim en to foi p rom etid o a partir das alianças com Abraão e com Davi. U m a vez que as alianças são irrevogáveis (R m 11.29), Deus, em Sua sabedoria m isteriosa e eterna, p lanejou com antecedência a queda de Israel (co n fo rm e a própria rebelião que o S en h or previu que eles d em onstrariam ) para dar a salvação aos gentios. Este plano foi desenvolvido desde o princípio co m o parte da aliança abraâm ica (G n 12.3; R m 4.16) e da nova aliança (Hb 8.7,8 )113. A cegueira perm anecerá com o Israel nacional (R m 11.25) até que D eus term in e o Seu plano de cham ar dentre os judeus e os gentios um a noiva celestial (a igreja) para Si m esm o. Q uando a Sua obra estiver com pleta, Deus restaurará (en xertará ou tra vez) o Israel étnico e cu m p rirá a nova aliança feita co m este povo (Jr 31.31). Assim, as prom essas incondicionais das alianças abraâm ica, davídica e da nova aliança com Israel serão cum pridas. Quando o Messias voltar e fo r aceito por Israel, “todo o Israel será salvo” (R m 11.26); isto é, todos os que são crentes (cf. Ap 14.3,4) e tiverem restado no fim da Tribu lação114 e no início do M ilên io115.
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Walvoord, John. The Millenmum. Walvoord, John, and Roy Zuck. The Bible Knowledge Commentary. 113 C o m o v im os n a p a rte 1, isto foi o c u lto e n ã o rev elad o; isto é, as pro m essas fo ra m feitas p a ra a salvação dos gen tios, m as os cre n te s do A n tig o T e s ta m e n to n ã o e n te n d e ra m o m istério de c o m o os ju d eu s e os g e n tio s c o m p a r tilh a m a m e sm a p osição n o c o rp o de C risto (v eja E f 3 .3 -6 ; C l 1.25-27).
1HV eja ca p ítu lo 16.
115V eja ca p ítu lo 15.
C APÍTULO
QUINZE
A SEGUNDA VINDA E O MILÊNIO
E
xistem três pontos de vista escatológicos fundam entais em relação à Segunda Vinda e ao M ilênio, e suas diferenças têm sido ob jeto de grande discussão n o to can te à m aneira com o a profecia deve ser interpretad a1. Aqueles que usam u m m étod o alegórico defendem geralm en te u m a visão am ilenar ou pós-m ilenar, enquanto aqueles que aplicam u m a m etod ologia h erm en êu tica literal adotam u m a visão pré-m ilenar. A questão básica é se Cristo irá ou não retornar antes do reinado literal de m il anos na terra (cf. Ap 20). Os pré-milenaristas dizem que sim, argumentando que Cristo irá retornar fisicamente e reinar sobre todo o m undo. Os amilemnstas e pós-milenanstas dizem que não. Os primeiros afirmam que não haverá nenh u m reino literal de m il anos e as previsões relacionadas a ele devem ser entendidas com o tendo sido cumpridas espiritualmente na igreja na era atual, enquanto os últimos insistem que a igreja, depois de ter cristianizado o m undo, irá se introduzir na era milenar, depois da qual Cristo irá literalm ente retornar à terra.
O PONTO DE VISTA PRÉ-MILENAR A essência do p ré-m ilenarism o é que C risto irá reto rn ar fisicam ente à terra e estabelecer u m reinado m undial de m il anos. Existem duas form as principais: o pré-m ilenarism o histórico (por exem plo, G eorge Eldon Ladd [1911-1982]) e o prém ilenarism o dispensacional (por exem plo, John W alvoord [1910-2002]). Esse ú ltim o insiste que o M ilênio será o tem po do cu m p rim en to das prom essas incondicionais feitas a Israel2; enquanto o prim eiro apóia to talm en te u m argum ento em favor do M ilênio em u m a interpretação literal de Apocalipse 20.1-6. Além de receber o apoio de m uitos dos primeiros Pais da igreja (co m o Justino M ártir [c. 100-c. 165], C lem ente de Alexandria [150-c. 215], Tertuliano [c. 155-c. 225], e outros (veja seção histórica abaixo), os pré-m ilenaristas tam bém receberam o apoio de alguns católicos rom anos (o prim eiro Agostinho [354-430], alguns puritanos (C o tto n M ather [1663-1728]), da Irmandade de Plym outh (John Nelson Darby [1800-1882]), anglicanos (Crififith Thom as [1861-1924]), presbiterianos (Lewis Sperry Chafer [1871-1952]), reformados (James M ontgom ery Boice [1938-2000]), batistas (M illard Erickson [1932]), e de um a grande variedade de carismáticos.
1V eja c a p ítu lo 12.
2Veja c a p ítu lo 14.
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Os num erosos argum entos oferecidos para dar suporte ao pré-m ilenarism o incluem : (1) Explica melhor a promessa incondicional de terra feita a Abraão e seus descendentes (Gn 12; 14,15). (2) Permite um melhor entendimento da aliança incondicional davídica (de que seu descendente iria reinar para sempre —2 Samuel 7.12ss.). (3) E necessário para o cumprimento de numerosas previsões do Antigo Testamento sobre uma era messiânica (cf. Is 9; 60; 65). (4) Explica a promessa de Jesus de que Ele e Seus apóstolos reinarão sobre tronos em Jerusalém (Mt 19.28). (5) Está baseado na resposta de Jesus à pergunta dos discípulos a respeito de restaurar o reino de Israel (At 1.5-7). (6) Confirma a declaração de Paulo, de que Cristo irá reinar até que a morte seja derrotada (1 Co 15.20-28). (7) E consistente com a promessa de Romanos 11, de que Israel será restaurado. (8) Estabelece a interpretação literal de que Cristo e os santos ressuscitados irão reinar durante “mil anos” (Ap 20.1-6).
O PONTO DE VISTA AMILENAR O term o amilenar significa literalm ente “inexistência do M ilênio”. Entretanto, seus proponentes são pressurosos em afirm ar que aceitam as declarações (em Ap 20) a respeito de um reinado de m il anos, em bora neguem que haverá u m reinado literal, físico e terreno de Cristo depois da Segunda Vinda3. Eles preferem m uitas vezes cham ar sua visão de “m ilenarism o realizado”, “escatologia realizada”, ou “escatologia inaugurada” (Hoekem a, in: Clouse, MMFV, 177), pois, ao contrário dos pré-m ilenaristas dispensacionais, os amilenaristas afirm am que as previsões feitas a Israel no Antigo Testam ento e não cumpridas, são cumpridas espiritualm ente na igreja do Novo Testam ento4. O ú ltim o A gostinho era am ilenarista, assim com o M artin h o Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564). A m aioria dos puritanos tam bém é am ilenarista, assim com o m uitos católicos rom anos. Seus mais recentes adeptos incluem Oswald Allis (1880-1973), Louis B erk h o f (1873-1957), e A nthony H oekem a (1913-1988). Os argum entos básicos para o am ilenarism o inclu em os seguintes: (1) As alianças abraâmica e davídica eram condicionais e, sendo assim, não precisavam de um cumprimento futuro5. (2) A profecia exige uma abordagem simbólica, portanto não precisa ser entendida literalmente6. (3) Israel e a igreja não são duas entidades distintas, mas um único povo de Deus ligado por um pacto de graça7. (4) O Antigo Testamento se realizou no Novo Testamento e assim deve ser entendido à luz dessa realização8. (5) A “primeira ressurreição” de Apocalipse 20 deve ser entendida como uma “ressurreição espiritual”, isto é, as almas passam da terra para o céu, onde reinam espiritualmente com Cristo5. (6) Numerosas passagens do Novo Testamento mostram que as profecias do AntigoTestamento (por exemplo, a nova aliança, cf. Jr 31.31; Hb 8.8-13) são cumpridas na igreja10. ’ Eles in te rp re ta m Apocalipse 20 espiritualm ente ou alegoricam ente. 7 Cf. cap ítu lo 13. 8 O p. cit. 9 Cf. capítulos 7 e 9.
10 Cf. capítulo 14.
1Veja capítulo 14.
‘ Cf. capítulo 14.
6 Cf. capítulo 12.
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O PONTO DE VISTA PÓS-MILENAR Os amilenaristas e os pós-milenaristas têm m uito em com um : ambos acreditam que Cristo não irá retornar fisicamente antes de um reinado literal de mil anos; ambos espiritualizam muitas profecias do Antigo Testamento; e ambos rejeitam as interpretações dispensacionais. E n tretanto, os pós-m ilenaristas insistem que Cristo irá retorn ar depois de m il anos; é a igreja (não a Segunda Vinda) que irá inaugurar o M ilênio. A pregação e o ensino da m ensagem cristã através do m u nd o irão aum entar, e o M ilênio será u m período de m il anos de paz e prosperidade precedendo o retorn o físico de Cristo. Embora alguns pós-milenaristas estejam alegando o testemunho de Agostinho, é difícil encontrar algum suporte para essa visão antes da moderna teologia Reformada. A. A. Hodge (1823-1886), B. B.Warfield (1851-1921), A. H. Strong (batista, 1836-1921) e Loraine Boettner (19322000) adotaram a -sisão pós-milenar e, a respeito do cenário contemporâneo, seu esforço principal tem sido dirigido ao movimento de reconstrução difundido por R. J. Rushdooney (1916-2001)11. Tem os abaixo alguns dos principais argum entos pós-m ileniais: (1) (2) (3) (4)
A Bíblia promete a proclamação universal do Evangelho (Mt 28.18-20). O trono de Cristo, no qual Ele reina, está no céu (SI 47.2; 9.5). Os povos de todas as nações e de todas as etnias serão salvos (Ap 7.9,10)12. A parábola de Jesus sobre a semente de mostarda prevê um contínuo avanço do
cristianismo no mundo (Mt 13.31,32). (5) Existem amplas evidências de que, através do cristianismo, as condições do mundo estão melhorando moral, social e espiritualmente’3. (6) Na Bíblia, a palavra mil é usada muitas vezes simbolicamente (cf. 1 Cr 16.15; SI 10.10).
Comparação dos Três Pontos de Vista PréMilenarismoH
Amilenarismo
PósMilenarismo
Milênio literal
Sim
Não
Não
Ressurreição antes do Milênio
Uma15
Nenhuma
Nenhuma
Futuro
Presente
Presente
Duas
Uma
Uma
Sim
Não17
Não
Alianças incondicionais do Antigo Testamento
Sim
NãoIS
Não
Diferenças entre Israel e a igreja
Muitas
Nenhuma
Nenhuma
“Mil anos” de Apocalipse 20 Ressurreição(ões)16 Entendimento literal e consistente da profecia
11Veja capítu lo 6. 12V eja V olu m e 3, capítulos 13-14.
13C f. V olu m e 3, parte 1. HO pré-milenarismo se refere a u m p ré-m ilenarism o
dispensacional, tradicional ou progressivo (v eja capítulos 12-14), que te m características co m u n s às de u m m ilên io literal, duas ressurreições separadas, e u m a interp retação literal de A pocalipse 20.
15 Lem brete dos capítu los 7 e 13, de q ue a ressurreição
final te m dois co m p onentes. O p rim eiro (dos justos, antes do M ilên io ) e o segundo (dos pecadores, depois do M ilên io). 16Ibid.
17Vim os que os amilenaristas adm item que certas alianças do Antigo Testam ento ainda devem ser literalm ente cumpridas; eles
argum entam que isso não irá ocorrer n o M ilênio, m as n o novo céu e n a nova terra (Ap 21).
18Ibid.
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H
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Reino messiânico
Futuro
Presente
Presente
Arrebatamento19/ Segunda Vinda
Eventos separados
Mesmo evento
Mesmo evento
Prisão de Satanás20
No futuro
No presente
No presente
(durante o Milênio) Progresso moral
Não é inevitável
Não é inevitável
Inevitável
Juízo Final21
Dois eventos
Um evento
Um evento
Na sua maioria, os amilenaristas e pós-milenaristas concordam com essas categorias e é por essa razão que às vezes se torna difícil determ inar se um escritor pertence a um ou outro grupo. Loraine Boettner admite que, “com parativamente, existe pouca diferença entre os dois, pelo m enos quando algum deles é comparado com o pré-m ilenarismo histórico ou com o dispensacionalismo” (em Clouse, MMFV, 199). U m a im portante distinção é a crença pós-milenar de que o progresso m oral e espiritual será inevitável entre a primeira e a segunda vindas de Cristo. Isso parece contradizer muitas passagens que revelam que vai ocorrer um a apostasia antes de Ele retom ar22 e efetivamente ignorar o ensino sobre o Anticristo e a Tribulação23. A partir dessa breve com paração, fica óbvio que a diferença escatológica cru cial entre o pré-m ilenarism o e as outras visões é h erm enêu tica: (1) Uma interpretação consistente e literal de Apocalipse 20 revela duas ressurreições24, uma antes e outra depois do reino literal de mil anos (o Milênio) de Cristo. (2) Uma interpretação consistente e literal dos ensinamentos do Antigo e do Novo Testamento sobre o futuro de Israel revela que Israel e a igreja são diferentes, e que existe um futuro nacional literal tanto para Israel como para a igreja. (3) Uma interpretação consistente e literal das profecias do Antigo e do Novo Testamento revela um pré-milenarismo dispensacional25. C om o a defesa da h erm en êu tica histórico-gram atical já foi feita26, irem os aqui esclarecê-la e aplicá-la a essas questões e eventos.
A SEGUNDA VINDA E possível superenfatizar as variações existentes entre as principais visões evangélicas sobre o M ilênio e esquecer dois fatos: (1) Todas elas se en con tram dentro dos lim ites do evangelicalism o; (2) todas elas acreditam na Segunda Vinda: 19V eja capítulo 16. 2?'Os pré-m ilenaristas entendem que essa é u m a prisão literal. Os amilenaristas e pós-m ilenaristas espiritualizam essa prisão dizendo que significa “através da era do Evangelho, n a qual estam os vivendo a influência de Satanás, que, em bora não te n h a sido eliminada, foi tão reduzida que não pode evitar a dispersão do Evangelho às nações do m u n d o (H oekem a, in: Clouse, M M FV, 164). M as Apocalipse 20 não diz isso; antes fala que Satanás estará com pletam en te incapaz de “enganar” as pessoas durante m il anos (v. 8; cf. v. 2).
21 Os pré-m ilenaristas afirm am dois juízos finais: u m para os crentes antes do M ilênio, conhecid o co m o “o
tribunal de C risto” (1 C o 3.11-15; 2 C o 5.10; R m 14.10), e ou tro para os incrédulos depois do M ilênio, conhecid o co m o o “ju lgam en to do grande trono branco” (Ap 20.11-14). Veja capítulo 16. 22Veja M ateus 24.3-14; Lucas 18.8; 1 T im ó te o 4.1-5; 2 T im ó te o 3.1-7. 23Veja capítulo 16. 24 C on ju n tam en te conhecidas co m o “a ressurreição final”. 25Veja capítulos 12-14.
26Veja capítulo 12.
A SEGUNDA VINDA E O MILÊNIO
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Devemos nos lembrar de que, embora os pós e os pré-milenaristas discordem em relação à maneira e ao momento do retorno de Cristo, isto é, em relação aos eventos que precedem ou sucedem Seu retorno, eles concordam que Ele irá retornar pessoalmente, visivelmente, e em grande glória (Boettner, in: Clouse, MMFV, 119).
O Retom o de Cristo Será Literal e Físico A Segu nd a V inda está fu n d a m en ta d a n a R essu rreiçã o . C risto ressu scitou co m o m e sm o co rp o físico de carn e e ossos no qual Ele havia m o rrid o (Lc 24.36-39); Ele ainda te m as cicatrizes da cru cifica çã o (cf. v. 40; Jo 20.20), foi to cad o (M t 28.9), e co n su m iu a lim e n to físico (Lc 24.42,43). C risto ta m b é m ascen deu ao céu, lite ra l e fisicam en te, no m e sm o co rp o físico (A t 1.11); Ele irá re to r n a r n o v a m e n te da m esm a m a n e ira (Z c 14.4)27.
O Retorno de Cristo Será Visível e Tangível “Eis que v e m c o m as n u v e n s, e to d o o lh o o v erá , até os m e sm o s que o trasp a ssaram ; e tod as as trib o s da te r r a se la m e n ta rã o sob re e le ” (A p 1.7). “E n tã o , ap are ce rá n o céu o sin al do F ilh o do H o m em ; e tod as as trib o s da te rra se la m e n ta rã o e v erão o F ilh o do H o m em vin d o sob re as n u v e n s do cé u , c o m p o d er e gran d e g ló ria ” (M t 24 .3 0 ). “E, n a q u e le dia, esta rã o os seus pés so b re o m o n te das O liveiras, que está d efro n te de Je ru sa lé m p ara o o rie n te ; e o m o n te das O liveiras será fend id o p e lo m e io ” (Z c 14.4).
O Retorno de Cristo Será Sobrenatural e Glorioso Jesus predice a Segunda Vinda28 quando interpretou a parábola do joio: O que semeia a boa semente é o Filho do Homem, o campo é o mundo, a boa semente são os filhos do Reino, e o joio são os filhos do Maligno. O inimigo que o semeou é o diabo; e a ceifa é o fim do mundo; e os ceifeiros são os anjos. Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo. Mandará o Filho do Homem os seus anjos, e eles colherão do seu Reino tudo o que causa escândalo e os que cometem iniqüidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali, haverá pranto e ranger de dentes. Então, os justos resplandecerão como o sol, no Reino de seu Pai29. João descreve a Segunda Vinda com palavras dram áticas: E vi o céu aberto, e eis um cavalo branco. O que estava assentado sobre ele chama-se Fiel e Verdadeiro e julga e peleja com justiça. E os seus olhos eram como chama de fogo; e sobre a sua cabeça havia muitos diademas; e tinha um nome escrito que ninguém sabia, senão ele mesmo. E estava vestido de uma veste salpicada de sangue, e o nome pelo qual se chama é a Palavra de Deus. E seguiam-no os exércitos que há no céu em cavalos brancos e vestidos de linho fino, branco e puro. E da sua boca saía uma aguda espada, para ferir com ela as nações (Ap 19.11-15).
27 Veja c a p ítu lo 7; v eja ta m b é m V o lu m e 1, c a p ítu lo 26; V o lu m e 2, a p ê n d ic e 1. 29 M a te u s 13.37-43; cf. 16.27; 24.30; 25.31.
28 E o re in o m e ssiâ n ico ; cf. c a p ítu lo 13.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Essas p recio sas verdades sob re o r e to r n o de C risto , as quais c o n s titu e m u m dos grand es fu n d a m e n to s da fé, e são aceitas p o r to d o s os cristã o s o rto d o x o s , são u m te ste de o rto d o x ia . O fa to de o d eb ate in te rn o sob re o M ilê n io n ã o ser u m te ste de o r to d o x ia n ão sig n ifica que este se ja u m a ssu n to de m e n o r im p o rtâ n c ia . P od eríam os d izer que a h e r m e n ê u tic a lite ra l (q u e p ro d u z o p r é -m ile n a r is m o ) é u m a h e rm e n ê u tic a fu n d a m e n ta l, e m b o ra n ã o re p re se n te u m a d o u trin a fu n d a m e n ta l30. T alv ez isso a c o n te ç a p o rq u e os p ré -m ile n a ris ta s são m e n o s p ro p en so s a cair n o lib e ra lism o , e n q u a n to aq u eles que fazem da p ro fe c ia u m a aleg o ria são m ais in clin a d o s a esp iritu a liz a r (e, p o rta n to , ta lv ez a n e g a r) d o u trin a s
O PRÉ-MILENARISMO O p ré -m ile n a rism o está fu n d a m en ta d o em u m a in te rp re ta çã o lite ra l da p ro feciajl . U m a in te rp re ta çã o lite ra l e co n siste n te das alianças abraâm ica e davídica32, u m c o n ju n to de previsões do A n tig o T e sta m e n to , o p rim eiro a n ú n cio sobre o rein o do céu feito por Jesus e Jo ão, e as d eclaraçõ es p o sterio res de Jesus e Paulo sobre o fu tu ro de Israel, rev elam in e x o ra v e lm e n te u m p ré -m ile n a rism o dispensacional. E m b o ra p ré -m ilen a rista s h istó rico s e ta m b ém d isp en sacionalitas ap liq u em u m a h e rm e n ê u tic a lite ra l a A pocalipse 20, in fe liz m e n te os ú ltim o s n ão ap licam a m esm a co n sistên cia ao in te rp re ta r as previsões bíblicas a resp eito do d estino de Israel e do rein o m essiân ico (m ile n a r )33. O a m ile n a ris ta O sw ald A llis co n c o rd a que o u tra s visões d esca rta m u m a in te rp re ta ç ã o lite ra l (e m fav or das a leg o ria s) qu and o se tr a ta das p ro fecia s b íb licas sob re o fu tu r o de Isra el e a ex p o siçã o de A p ocalip se (e s p e c ia lm e n te Ap 20): “Se lite ra lm e n te in te rp re ta d a s, n ã o se pode co n sid era r que as p ro fecia s do A n tig o T e s ta m e n to te n h a m se c u m p rid o ou p o ssam se c u m p rir n a era a tu a l” (cita d o p o r H oyt, in : C lo u se, M M FV , 67). D e c e rta m a n e ira , o a m ile n a ris ta A n th o n y H o e k e m a e n te n d e u que ce rtas p revisões sob re Israel se cu m p riria m e sp iritu a lm e n te n a ig r e ja , n o e n ta n to ele a ce ita u m c u m p rim e n to lite ra l e fu tu r o das p ro m essas a A braão n o n o v o cé u e n a n o v a te rra . E le ta m b é m a ce ita 34 q ue a lin g u a g em s im b ó lic a pode estar se re fe rin d o a u m a c o n te c im e n to fu tu r o e lite ra l (c o m o o in fe rn o — ibid. 184), m as a essên cia do a m ile n a rism o tra d icio n a l a rg u m e n ta que passagens m ilen ia is n ão p o d em ser in te rp re ta d a s lite r a lm e n te , u m a vez que c o n tê m u m a lin g u a g em sim b ó lica.
A Base Bíblica para o Pré-Milenarismo Já estab elecem os o prin cíp io fu n d a m e n ta l para o p ré -m ile n a rism o d ispen sacional em u m exam e b íb lico do rein o m essiân ico e no estu d o dos p acto s in con d icion ais feitos co m Israel35. Partindo daí, irem o s observar as questões principais e m o stra r co m o o p ré -m ile n a rism o d isp en sacional re p resen ta u m a resp osta n a tu ra l a essas prom essas.
30 V eja abaixo, sob “S o m e n te o P ré -M ile n a rism o E m p re g a u m a H e r m e n ê u tic a C o n s iste n te ”. ca p ítu lo s 13-14.
33 Ibid.
34 C o m o a firm a m os p ré-m ile n a rista s.
35 Op. cit.
31 V eja c a p ítu lo 12.
32 V eja
A SEGUNDA VINDA E O MILÊNIO
A Eterna Promessa de Terra Feita a Israel ainda não se Cumpriu
A aliança incondicional abraâmica ainda não se cum priu*, mas se cumprirá em um futuro reino messiânico, “porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (R m 11.29). A Eterna Promessa Davídica de Trono ainda não se Cumpriu
O com prom isso incondicional de u m fu tu ro reino m essiânico, político e terreno pode ser encontrado em 2 Sam uel 7.11-16. E m bora Davi desejasse construir u m a casa para o Senhor, Deus declarou que Ele m esm o iria construir um a casa para Davi, um a dinastia a partir da qual o Messias iria reinar no trono de Davi (cf. SI 89.20-37). O Antigo Testamento Termina com Israel Esperando o Remo Messiânico
D u ran te os anos que anteced eram o fim do A ntigo T estam en to (c. 400 a.C .), os profetas aguardavam ansiosos pelo ainda fu tu ro reino m essiânico. Isaías havia profetizado, a respeito do Messias: “o principado está sobre os seus om bros; e o seu n o m e será M aravilhoso C o n selh eiro , D eus F orte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. D o in cre m en to deste principado e da paz, não haverá fim , sobre o tro n o de Davi e n o seu rein o, para o firm ar e o fortificar em ju ízo e em ju stiç a ” (Is 9.6,7; cf. 16.5). M alaquias record ou que D eus distse: “Eis que eu envio o m eu an jo , que preparará o cam in h o diante de m im ; e, de repente, virá ao seu tem p lo o S en h o r, a qu em vós buscais, o a n jo do co n c erto , a quem vós desejais” (M l 3.1). João Batista Ofereceu a Israel o Reino Messiânico
A m esm a pessoa sobre quem M alaquias escreveu era um arauto do M essias-Rei (M t 3.1,2). Jesus (4.17), os D oze A póstolos (10.5-7) e outros seguidores foram portadores da m esm a m ensagem (Lc 10.1-12). Jesus Ofereceu a Israel o Reino Messiânico
O reino que Jesus e João anunciaram era o m esm o reino político m essiânico prom etido no Antigo Testam ento (veja M cC lain, G K , capítulo 21). Primeiro, a ausência de qualquer definição fo rm al nesse anúncio sugere que os ouvintes judeus conh eciam o seu significado; o reino que eles esperavam era u m reino m essiânico visível sobre a terra a partir de Jerusalém . Segundo, Jesus disse que seu ensino era um a continuidade do Antigo Testamento (M t 5.17,18), e que os termos Filho do Homem e Reino dos céus estão fundamentados nas profecias messiânicas de Daniel (veja D n 7.13,14,22). Constantemente, Jesus apelava para o Antigo Testamento a fim de dar suporte às Suas declarações sobre o reino messiânico3', e o registro do Evangelho sempre relaciona o remo proclamado por Jesus com aquele reino da profecia do Antigo Testamento38. Terceiro, existe um a perfeita identidade entre os eventos messiânicos previstos pelos profetas e a vida de Cristo; por exemplo, Ele iria nascer de um a virgem (Is 7.14), na cidade de Belém (M q 5.2), seria da tribo de Judá (M t 1.3), faria milagres (Is 35.5), entraria triunfalm ente em Jerusalém (Zc 9.9), iria m orrer (Is 53; D n 9.26), e ressuscitaria dos m ortos (SI 16.10).
16V eja c a p ít u lo 14.
37 C f. L u c a s 4.18-31; 7.24-27; 20.41; M a te u s 22.41-45; 26.64.
38; M a te u s 4.12-17; 12.15,16.
* C f. L u c a s 1.17,32,33,54,55,67-79; 2.25-33,36-
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Quarto, todos esse elem entos básicos39 do reino profético do Antigo Testam ento são encontrados na m ensagem e nos m ilagres de Cristo: espiritual (M t 3.2), moral (5—7), social (M c 12.40-44; Lc 1.31-33; M t 19.28), e físico, por exem plo, o N ascim ento Virginal, a C rucificação, e a R essurreição40. A Nação Escolhida Rejeitou o Reino Messiânico “[Ele, Jesus,] estava no m u nd o, e o m u nd o foi feito por ele e o m u nd o não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam ” (Jo 1.10,11). Depois da Sua rejeição pelos judeus, Jesus declarou: “O reino de D eus vos será tirado41 e será dado a u m a nação que dê os seus fru to s” (M t 21.43). Jesus anunciou que Seu reino era chegado (3.2), mas, em vez de se arrepender e aceitar o seu Messias-Rei, eles o rejeitaram (21.42; cf. SI 118.26). “Então, com eço u ele a lançar em rosto às cidades onde se operou a m aior parte dos seus prodígios o não se haverem arrependido” (11.20). O ápice da descrença foi alcançado quando os líderes judeus atribuíram Seus m ilagres ao poder de Satanás, ao que Jesus replicou: “Todo pecado e blasfêm ia se perdoará aos hom ens, mas a blasfêm ia con tra o Espírito não será perdoada aos h o m en s” (12.31). Os m istérios do reino do céu (13.11), explicados através de parábolas, revelavam a estru tu ra desse reino que iria d om inar o intervalo até a Segunda Vinda, quando Jesus irá reto rn ar e dar início à longam ente esperada estru tu ra messiânica. Cristo Instituiu um Verdadeiro Reinado Espiritual até a sua Volta Jesus explicou a situação aos Seus discípulos: “Porque a vós é dado co n h ecer os m istérios do R eino dos céus, mas a eles não lhes é dado” (ibid.). Jesus citou Isaías 6.9,10, um texto usado cinco vezes no Novo T estam ento, e sem pre em relação ao fato de Israel ter rejeitado o seu Rei42. A descrença de Israel resultou n u m castigo divino que teve a fo rm a de cegueira espiritual, surdez, e dureza de coração43. Jesus Prometeu a Israel Restaurar o Reino Messiânico “Quando, na regeneração, o Filho do H om em se assentar n o trono da sua glória, tam bém vos assentareis sobre doze tronos, para ju lg ar as doze tribos de Israel” (M t 19.28; cf. 25.31-34; A t 1.6,7)44. Jamais aconteceu u m evento dessa natureza, desde a época de Jesus até os nossos tem pos, e a ú n ica opção, além de u m a realização fu tura, é a rejeição da h erm en êu tica literal em favor de u m a alegoria, que é inconsistente e enganadora, além de enfraquecer o evangelicalism o em geral (se aplicada mais am p lam en te)45. Paulo Afirmou a Irrevogahilidade da Promessa de Deus do Reino a Israel Aqui a palavra Israel significa claram en te u m Israel literal e n acion al, que Paulo ch am o u de “m eus irm ãos, que são m eus parentes segundo a carne; que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o cu lto , e as prom essas” Veja capítulo 13. 40Veja Volume 2, apêndice 1. 41 Temporariamente; cf. Lucas 21.24. 42Mateus 13.13-15;M arcos4.11,12; Lucas 8.10; João 12.39,40; Atos 28.25-27. também contêm essa certeza.
43 Cf. Romanos 10.3; 11.25; 2 Coríntios 3,14,15. 44 Algumas das parábolas do reino
45Veja capítulo 12.
A SEGUNDA VINDA E O MILÊNIO
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(R m 9.3,4; cf. 11.1). Israel não estava além da possibilidade de recuperação, e foi usado por Deus para levar a vida eterna aos gentios, que, por sua vez, tinham o propósito de conduzir Israel ao ciúme e à salvação46. Quando o plano completo de Deus para a salvação for realizado47, Ele irá restaurar Israel e cumprir Suas promessas incondicionais a eles, inclusive o reino messiânico, que foi adiado, mas nunca foi anulado pela rejeição deles. Quando o Messias retornar e for aceito por Israel, “todo o Israel será salvo” (R m 11.26), ao final da Tribulação48, antes do início do Milênio. Pedro Prometeu a Israel o Reino Messiânico
Pedro disse a Israel que se eles se arrependessem seriam perdoados, e que o longam ente esperado reino m essiânico iria chegar (A t 3.19-21,24,25). Eles recusaram , e, em bora esse reino ainda não tivesse se realizado, D eus irá restaurá-lo depois do retorn o de Jesus. Não existe a m e n o r indicação de que algum reino espiritual tivesse substituído as profecias sobre a terra e o tro n o, que não eram apenas para Israel, m as tam bém para seus descendentes literais, a quem Pedro cham a de “herdeiros”. Paulo Especificou que o Futuro Reino de Cristo Terminaria
Em relação à Segunda Vinda e à ressurreição final, Paulo escreveu: Todos serão vivificados [...] Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda. Depois, virá o fim, quando tiver entregado o Reino aDeus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império e toda potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte [...] todas as coisas [Deus] sujeitou debaixo de seus pés [de Cristo]. Mas, quando diz que todas as coisas lhe estão sujeitas, claro está que se excetua aquele que sujeitou todas as coisas. E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos (1 Co 15.22-28). Isso está de acordo com as afirmações de João que colocam duas ressurreições com o suporte para o reino de Cristo: a primeira ressurreição (dos salvos), no início, e a segunda ressurreição (dos perdidos), ao final dos mil anos. Isso ocasiona um contraste entre o reino temporal de Cristo e o reino eterno de Deus, entre o Milênio (Ap 20) e o novo céu e a nova terra (Ap 21—22)49.
Jo ã o Especificou que o Reino de Cristo Duraria M il Anos
E vi descer do céu um anjo que tinha a chave do abismo e uma grande cadeia na sua mão. Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos. E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que mais não engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto por um pouco de tempo. E vi tronos; e assentaram-se sobre eles aqueles a quem foi dado o poder de julgar [...] [eles] viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é a primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele mil anos (20.1-6). 16 Cf. Romanos 11.11,12,15; 17-32.
47 Veja Volume 3, parte 2.
48 Veja capítulo 16.
49 Veja sob “A Questão da Expressão
‘Para Sempre”’, no capítulo 13, e também abaixo, sob “O Uso da Expressão Para Sempre". Observe por que isso não significa literalmente que o reino de Cristo é tem poral, e não eterno.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Um a leitura histórico-gramatical dessa passagem50 nos informa que haverá u m Milênio literal, durante o qual Satanás é preso, e que com eça com a ressurreição dos justos e termina com a ressurreição dos perdidos51. O últim o inimigo (a m orte) só será destruído no final do reinado de Cristo (1 Co 15.23-26), e, com o a palavra ressurreição é usada exclusivamente no sentido de um a ressurreição literal e corporal52, não teria nenhum sentido hermenêutico eliminar um a ressurreição (com o fazem os amilenaristas) enquanto aceitam a outra com o sendo literal.
O MILÊNIO A Duração do Milênio A duração desse período tem sido calorosam ente discutida, apesar do significado da palavra milênio e das abundantes razões para in terp retá-lo com o u m período literal de m il anos. (V eja Ap 20.1-6.) Esse Período do Tempo E Chamado repetidamente de “M il Anos” M esm o fatos m encionados som ente u m a vez na Bíblia são verdadeiros, n o entanto, em Apocalipse 20.1-7, o fu tu ro reino m essiânico é, por seis vezes, entendido com o sendo u m período de m il anos. Primeiro, alguns entendem que a palavra mil é usada sim bolicam ente para um longo período de tem po (por exem plo, 1 C r 16.15), ou para u m grande n ú m ero de coisas (por exem plo, Jó 33.23), com o realm ente acontece. E ntretanto , dentre as centenas de ocorrências no texto bíblico, apenas algum as não são literais; e m esm o essas são p rincipalm ente hipérboles (n ão alegóricas). Segundo, em Apocalipse, outros núm eros são usados literalm en te; por exem plo, 1.260 dias (12.6) representam três anos e m eios (D n 12.7,l l ) 53. Terceiro, até os sím bolos se referem a algum a coisa literal, co m o está indicado pela interpretação literal que João fez de u m sim bolism o (por exem plo, 1.20)51. Quarto, com o acabam os de observar, Paulo dem onstrou que o reino terren o de Cristo teria u m longo período de duração, mas teria u m térm in o 55. Quinto, núm eros literais podem ter u m significado sim bólico. Israel foi testado durante sua p erm anência de quarenta anos no deserto (cf. M t 4), e em bora exista um significado sim bólico nesse período, tam bém é verdade que eles vagaram literalm en te d urante quarenta anos. D a m esm a m aneira, a palavra mil pode sim bolizar u m longo período e ainda assim ser literalm ente verdade. O “Pequeno Apocalipse" de Isaías Está de Acordo com a Descrição de João em Apocalipse 19—21 Isaías 24 representa um a previsão do Dia do S en h o r e se assem elha à versão ampliada em Apocalipse 6—19. Isaías 25.6-9 antecipa um reino etern o que corresponde a Apocalipse 21—22 (o novo céu e a nova terra). Entre estas duas passagens, está Isaías 24.21-2356.
50 Os estudiosos não dispensacionais, como George Eldom Ladd (veja Clouse, M M FV) reconheceram que uma consistente interpretação literal desse texto leva à visão pré-milenar.
51 As duas ressurreições literais (duas partes da ressurreição final) estão
de acordo com outras passagens sobre esse tópico (veja capítulo 7); cf. Daniel 12.2; João 5.28,29; Atos 24.15.
52 Ibid.
53 De acordo
com o calendário judaico (de 360 dias). 54Veja capítulo 12. 551 Coríntios 15.22-28; cf. “A Questão da Expressão Tara Sempre”, no capítulo 13. 56Veremos, no capítulo 16, que Apocalipse 6-18 cobre a Tribulação; em Apocalipse 19, inicia-se o retorno de Cristo.
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E será que, naquele dia, o S enhor visitará os exércitos do alto n a a ltu ra e os reis da terra, sobre a terra. E serão am ontoados com o presos em u m a m asm orra, e serão encerrados em u m cárcere, e serão visitados depois de m uitos dias. E a lua se envergonhará, e o sol se confundirá quando o S enhor dos Exércitos rem ar no m o n te Sião e em Jerusalém ; e, então, perante os seus anciãos haverá glória. Quando Cristo retornar, Ele punirá o diabo e seus emissários e aprisionará Satanás (Ap 19.17-21; 20.1-6), e então reinará no M onte Sião (Jerusalém ). “Depois de m uitos dias” (o M ilênio), haverá o castigo dos ímpios perante o Grande Trono Branco (20.11-15), seguido pelo novo céu e pela nova terra (20.21,22; cf. Is 25.6-9). Esses versículos em Isaías são previsões do Antigo Testam ento a respeito de um reino interm ediário antes do juízo final e do reino eterno de Deus. O Uso da Expressão para Sempre
A expressão para sempre é usada m u itas vezes em relação ao rein o m essiân ico: D eus p ro m e teu : “U m a vez ju re i p o r m in h a santidade (n ã o m e n tire i a D avi). A sua d escend ência d u rará para sem p re, e o seu tro n o será co m o o sol p era n te m im ” (SI 89.35,36). C o m o já m e n cio n a m o s, para sempre (h eb . ‘olam ) n em sem p re significa “sem fim ” (e x em p lo , Ez 36.3,4), m as, co m o o rein o de C risto será e n treg u e ao Pai, que co n tin u ará a rein ar no nov o céu e n a nova te rra , nesse caso n ão há razão para que essa expressão n ão signifique “sem fim ”. O períod o de m il anos poderia ser u m cu m p rim e n to literal dessas prom essas. A Existência do M al e da Morte no M ilênio Sugere um Fim O fato de que o rein o do Messias irá co n ter o pecad o e a m o rte rep resen ta um a ind icação segu ra de que não irá d u rar para sem p re. D u ra n te o períod o de m il anos. C risto “há de reger todas as nações c o m vara de fe rro ” (Ap 12.5), alguns pecad ores serão ju lg ad o s e m o rre rã o (Is 65.20), e no fim Ele irá esm agar u m a grand e rebelião (Ap 20.7-10). Fazendo u m co n tra ste , o n ov o céu e a nova te rra serão in te ira m en te livres do pecad o e da m o rte : “D eus lim p ará de seus olh os toda lág rim a, e não h averá m ais m o rte , n em p ra n to , n e m cla m o r, n e m dor, porqu e já as p rim eiras coisas são passadas” (21.4). A N a tu re z a d o M ilê n io As condições m ilenar e etern a podem ser contrastadas da seguinte m aneira: M ilê n io
N o v o C é u e N o v a T e rra
T érm ino
No fim do reino de Cristo
Sem fim
Diabo
Presente
Ausente
M orte
A m o rte ocorre
Não existe m o rte
Localização
Na terra
No céu e na terra
juízo final
Ainda não ocorreu
C om pletado
C om ponentes Satanás
Salvos e não-salvos
Som ente os salvos
Ainda não foi julgado to talm en te
Julgado to talm en te
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A natu reza do reino m ilenar de C risto pode ser descrita brevem ente através dos pontos seguintes. O Milênio Começará com a Segunda Vinda Não existe n e n h u m reino de Deus sem Deus, o Rei; n ão existe n e n h u m reino literal sem a presença literal do Rei. O reto rn o do Messias irá inaugurar o reino m essiânico; E, logo depois da aflição daqueles dias57, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; e todas as tribos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória (Mt 24.29,30).
Cristo Julgará as Nações e Separará as Ovelhas (Salvos) dos Bodes (Perdidos) Porque eu ajuntarei todas as nações para a peleja contra Jerusalém; e a cidade será tomada, e as casas serão saqueadas, e as mulheres, forçadas; e metade da cidade sairá para o cativeiro, mas o resto do povo não será expulso da cidade. E o Senhor sairá e pelejará contra estas nações, como pelejou no dia da batalha. E, naquele dia, estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras (Zc 14.2-4). E, quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os santos anjos, com ele, então, se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas. E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda. Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo [...] Então, dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos (Mt 25.31-41). Dessa m aneira, som ente as pessoas que foram salvas entrarão no M ilênio, isto é, os que restaram dos 144.000 judeus que fo ram salvos, e tam b ém a m u ltid ão de pessoas que eles ganharam para Cristo (veja Ap 7.4-9)58. Alguns Filhos Nascidos no Milênio não Crerão Pais que foram salvos podem ter filhos não-salvos; entre aqueles que nascerem durante o Milênio, alguns irão aceitar Cristo com o seu Salvador e outros não. Entre aqueles que negarem a Cristo, alguns irão continuar publicamente com o Seu reino, enquanto outros irão se rebelar abertamente contra ele. Esses últimos serão julgados e m orrerão prematuramente (Is 65.20), sob a vara de ferro (Ap 12.5) com a qual Cristo irá esmagar toda oposição. Ao final do Milênio, os falsos crentes que seguiram a Cristo apenas exteriormente irão se rebelar sob a instigação do diabo, que, embora tenha sido libertado da sua prisão, será destruído por Cristo. E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão e sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo número é como a areia do
57Veja capítulo 16.
^ Sobre o Arrebatam ento e a Tribulação, veja ibid.
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mar, para as ajuntar em batalha. E subiram sobre a largura da terra e cercaram o arraial dos santos e a cidade amada; mas desceu fogo do céu e os devorou (20.7-9). Os Seres Humanos Ressuscitados Tomarão parte na Nova Jerusalém Celestial
A prim eira ressurreição59 acontece antes do M ilênio: Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição60; sobre estes não tem poder a segunda morte61, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele mil anos [...] [Eles farão parte da] Santa Cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido (20.6; 21.2). Haverá um grande casam ento quando a igreja, com o esposa de Cristo, se ju n ta r ao seu M arido e Cabeça62. Cristo Reinará em um Trono em Jerusalém
Jesus prom eteu aos seus discípulos que quando Ele se assentasse no Seu trono, eles também iriam se assentar em tronos e julgar as doze tribos (M t 19.28; cf. Is 2.3). C om o já vimos, este será o cum prim ento da incondicional e eterna aliança davídica (2 Sm 7.12ss.; cf. SI 89.33-36). Os Discípulos de Cristo Serão Recompensados no seu Reino
Os discípulos de C risto irão reinar com Ele, e cada u m será recom pensado “segundo o que tiver feito” (2 Co 5.10; 1 Co 3.11-15). Em um a parábola em que u m rei concede recursos aos servos, aqueles que tin h am sido fiéis e devotados eram cum prim entados e prom ovidos (Lc 19.16-19). Jesus disse: “E eis que cedo venho, e o m eu galardão está com igo para dar a cada u m segundo a sua obra” (Ap 22.12). Uma Única Fé Será Estabelecida em toda Terra
O reino m ilenar não será apenas divino, mas tam bém u m a m onarquia religiosa. O R ei será o Sacerdote (SI 110), o ún ico ob jeto de adoração de todas as nações: “E será que, desde u m a Festa da Lua N ova até à o u tra e desde u m sábado até ao ou tro, virá toda a carne a adorar perante m im , diz o S e n h o r” (Is 66.23). Toda nação deverá obedecer: E acontecerá que todos os que restarem de todas as nações que vieram contra Jerusalém subirão de ano em ano para adorarem o Rei, o Senhor dos Exércitos, e para celebrarem a Festa das Cabanas. E acontecerá que, se alguma das famílias da terra não subir a Jerusalém, para adorar o Rei, o Senhor dos Exércitos, não virá sobre ela a chuva [...] o Senhor ferirá as nações que não subirem a celebrar a Festa das Cabanas (Zc 14.16-18). U m santuário central, estabelecido para toda adoração (Ez 37.27,28), será cheio da shekinah de Deus (43.1-7). A intenção original de Deus para Israel se to rn a rá realidade assim
que ele se to rn ar o farol espiritual das nações (Is 61.6), tornan d o o n om e do verdadeiro Deus conh ecid o universalm ente (59.19; Ez 37.28). 59Veja capítulos 7-8.
60Veja capítulo 8.
61 Veja capítulo 9.
62Veja parte 1, capítulo 2.
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A Paz Será Restaurada na Terra Não haverá uma paz verdadeira antes do retorno do Príncipe da Paz: “Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então, lhes sobrevirá repentina destruição, com o as dores de parto àquela que está grávida; e de modo nenhum escaparão” (1 Ts 5.3). Mas, quando Cristo retornar, [Ele] julgará entre muitos povos e castigará poderosas nações até mui longe; e converterão as suas espadas em enxadas e as suas lanças em foices; uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra (Mq 4.3; cf. Is 2.4). Aquilo que o m o vim en to atual da paz ten ta fazer, m as é im potente, D eus irá realizar através da Sua m ão onipotente. Não haverá mais guerras (Z c 9.10). A Prosperidade Será Restaurada na Terra Não só a paz, mas tam bém a prosperidade será restaurada. A terra será fértil e próspera. Nada faltará às pessoas, e todos serão apoiados física e financeiram ente: Naquele dia, diz o Senhor dos Exércitos, cada um de vós convidará o seu companheiro para debaixo da videira e para debaixo da figueira [...] E edificarão casas e as habitarão; plantarão vinhas e comerão o seu fruto [...] [A terra será novamente] uma terra que mana leite e mel®. A Criação Estará Livre da Servidão O pecado de Adão trouxe trabalho, sofrim ento e servidão à criação de Deus, mas Paulo nos lem bra de que n o M ilênio os efeitos deste pecado serão revertidos: Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada. Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus. Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo (Rm 8.18-23). Depois que o M ilênio com eçar, o Paraíso perdido se to rn ará o Paraíso recuperado. Os m o rtos que creram serão ressuscitados e a m aldição sobre o corpo será retirada; a natu reza será restaurada e a m aldição sobre a criação será retirada. Não Haverá Animais Carnívoros D a m esm a m aneira, será retirada a m aldição de sobre o reino anim al. N unca mais a natu reza estará verm elh a em dentes e patas, pois n e n h u m anim al será carnívoro; antes, todos serão herbívoros, com o no Jardim do Éden (G n 2.9; 3.2): “O lobo e o cordeiro se apascentarão ju n to s, e o leão com erá palha co m o o boi; e o pó será a com ida da serpente. Não farão m al n em dano algum em todo o m eu santo m onte, diz o S e n h o r” (Is 65.25).
63 Zacarias 3.10; Isaías 65.21; cf. Amós 9.13-15; Isaías 6—9; Ezequiel 34.25-29.
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A Longevidade Será Restaurada
Antes do Dilúvio, geralm ente as pessoas viviam 900 anos ou mais, e, aparentem ente, esse tipo de longevidade será restaurado durante o M ilênio: Os dias do meu povo serão como os dias da árvore, e os meus eleitos gozarão das obras das suas mãos até à velhice [...] Não haverá mais nela criança de poucos dias, nem velho que não cumpra os seus dias; porque o jovem morrerá de cem anos, mas o pecador de cem anos será amaldiçoado (Is 65.22,20). A Morte Será o Resultado da Rebelião e da Punição
E m bora haja um a prolongação da vida no M ilênio, a m o rte ainda irá ocorrer; aqueles que sobreviveram à Tribulação64 ainda serão m ortais. No entanto, aparentem ente não haverá m ortes por causas naturais, caducidade, doenças, ou degeneração. Ela será o castigo de um a rebelião contra Deus (Ap 12.5; Is 65.20), e talvez por acidente. O M ilênio não será u m céu, ele não será ab so lu tam en te p erfeito. Mas ele será o m ais perfeito possível n u m a te rra onde ainda existirão pessoas não-salvas (M t 13.29,30). O M ilênio não é o primeiro capítulo do céu, mas o último capítulo da terra — não será a vitória completa, mas o último capítulo da suprema vitória: “Porque convém que reine até que haja p osto a todos os inim igos debaixo de seus pés” (1 C o 15.25; cf. 13.10-12). E n tretan to , antes da Segunda Vinda, o M ilên io tra rá u m a grande m e lh o ria para o m u nd o: Não haverá mais pobreza, doença, fo m e, pragas, ou guerra, e, em lugar disso, haverá paz, prosperidade, e tranqüilid ad e: “Não se fará m al n e m dano algum em todo o m o n te da m in h a santidade, porque a te rra se e n ch erá do co n h ecim e n to do S en h o r, co m o as águas cob rem o m a r” (Is 11.9).
A BASE TEOLÓGICA PARA O MILÊNIO C om o acontece com todas as outras doutrinas, a m aneira co m o os dispensacionalistas adotam o pré-m ilenarism o está fundam entada na natu reza de Deus. Vários atributos63 se destacam nessa consideração: a eternidade, a imutabilidade, a onisciência, a onissapiência, a onipotência e a soberania de D eus66. O sábio e eterno Deus, que conh ece todas as coisas através da Sua onisciente sabedoria, faz promessas incondicionais baseadas no Seu caráter im utável, planeja todas as coisas através da Sua im utável vontade, e as realiza através do Seu poder onipotente. Deus previu e irá realizar o fu tu ro reino m essiânico m ilenar no qual irá reinar Cristo, o Messias, escolhido para esse fim pelo Pai. Existem outros argum entos para o pré-m ilenarism o que não se originam diretam ente de um atributo específico de Deus, mas estão baseados n a atividade divina; particu larm ente, na Sua própria revelação67.
Se o Pré-Milenarismo não E Verdadeiro, Deus Perde a Guerra da História D eus co m eço u a história h u m an a criando pessoas n u m Paraíso literal com árvores, plantas, anim ais e rios (G n 2). Ele tin h a u m a localização geográfica precisa, ju n to aos
64Veja capítulo 16.
65 Veja Volum e 2, capítulo 1.
capítulo 1; e Volume 3, capítulos 13-14.
66 Ibid., capítulos 4, 7-9, e 23.
67Veja Volume 1, capítulo 4; Volum e 2,
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rios Tigre e Eufrates (Iraque). Não havia dor n em sofrim ento; Adão e Eva viviam em u m am biente perfeito68. Esse paraíso foi perdido por causa do pecado: Adão e Eva desafiaram a Deus e trouxeram o pecado, o sofrim ento e a m o rte sobre si m esm os (3.14-19) e sobre toda a raça hu m ana (R m 5.12). Eles foram expulsos do Jardim , que foi selado e guardado por u m an jo (G n 3.24). O tentador venceu aquela batalha; ele trouxe a m o rte e o seu m edo sobre a hum anidade (Hb 2.14). C o n seq ü e n te m e n te , se o paraíso perdido não p u d er ser u m paraíso recu p erad o, e n tã o D eus te rá perdido a g u erra; se a m o rte física n ão fo r rev ertid a n u m a ressu rreição física, en tão Satanás te rá obtido u m a v itó ria su p rem a; se u m a p erfeição lite ra l n ão fo r restau rad a, e n tã o D eus te rá perdido aq u ilo que Ele criou . E n tre ta n to , po rqu e D eus é im u táv el e o n ip o te n te 69, Ele irá re v e rte r a m ald ição e co n q u ista r a v itó ria sobre a criação que foi danificad a p o r Satanás. Ele fará isso através de u m a ressu rreição lite ra l70, e através de u m rein o te rre n o lite ra l de C risto 71. Ele irá rein ar até que a m o rte seja de fa to ven cida72 (1 C o 15.24-27; Ap 20.4-6), ao fin a l do M ilên io e no in ício do novo céu e da n ov a te rra (21.4).
Se o Pré-Milenarismo não É Verdadeiro, a História não Tem Consumação E a m p la m e n te re c o n h e c id o que u m a visão lin e a r da h is tó ria (de que a h istó ria está se m o v im e n ta n d o em d ireçã o a u m o b je tiv o ) re s u lta da re v e la çã o ju d a ic o c ris tã J . A h is tó ria é ch a m a d a de S u a -h is tó ria , p o rq u e D eu s a p la n e jo u e a está m o v im e n ta n d o em d ireçã o ao seu fim (o Eschaton). Se n ã o h o u v e r u m M ilê n io h is tó ric o lite r a l, n ão h av erá u m fim re a l p a ra a h istó ria . No a m ile n a rism o tra d icio n a l, a h istó ria n u n c a a lc a n ça u m c lím a x , e la s im p le sm e n te d eixa de existir, e e n tã o o estad o e te r n o c o m e ç a a se m a n ife sta r. O p ré -m ile n a r is m o a firm a que o M ilê n io n ão é o p rim e iro c a p ítu lo da e tern id a d e, m as o ú ltim o c a p ítu lo do te m p o , u m te m p o ond e o p ecad o , o s o frim e n to e a m o r te serão fin a lm e n te v en cid o s p elo re in o de C risto (1 C o 15.24,25).
Somente o Pré-Milenarismo Emprega uma Hermenêutica Consistente Negar o pré-m ilenarism o é negar um a interpretação consistente e literal: (1) Os que são contrários ao pré-milenarismo adotam partes da Bíblia de um modo nãoliteral. (2) Os que são contrários ao pré-milenarismo interpretam literalmente as profecias relacionadas com o Advento, mas interpretam de uma forma figurada tudo aquilo que se refere à segunda vinda de Cristo. (3) Os que são contrários ao pré-milenarismo adotam literalmente partes dos Evangelhos, por exemplo, a morte e a ressurreição de Cristo (Mt 26—28), mas nem todas as Suas declarações, por exemplo, sobre o Seu retorno (18.28; 24.25).
fiRVeja Volume 2, capítulo 19, e Volume 3, capítulo 1. 59Veja Volume 2, capítulos 4 e 8. 701 Coríntios 15.12-19; Lucas 24.3943; veja capítulo 7.
71 Veja acima, sob “O Milênio”.
72 A m orte foi oficialmente vencida pela Crucificação e Ressurreição
(Cl 2.14,15; 1 Co 15.54,55), no entanto, ela ainda reina no sentido em que todos ainda m orrem fisicamente (Rm5.12). A m orte será realmente derrotada depois da Segunda Vinda (R m 8.22,23; 1 Co 15.50-54; Ap 21.4). Veja Volume 3, capítulo 6. ' Vc|a Volume 1, capítulo 4.
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(4) Os que são contrários ao pré-milenarismo interpretam tanto literal como alego ricamente a mesma sentença74. (5) Os que são contrários ao pré-milenarismo adotam a segunda ressurreição literalmente e a primeira espiritualmente (cf. Ap 20.5,6; Jo 5.25-29)73. A lém disso, a aplicação da h e rm e n ê u tica n ão -lite ra l (isto é, alegórica) dos am ilenaristas e p ó s-m ilenaristas a ou tras s e ç õ e s das E scrituras en fraq u ece a essência Cristã. Se aplicada a G ênesis 1—3, ela iria negar a historicidade de Adão e Eva, do pecado que co m ete ra m , e da d ou trin a da criação. (Se o fim não é literal, p o r que o co m eço deveria ser literal?) Se aplicada aos texto s sobre a C ruz, ela iria negar a red enção. Se aplicada às narrativas da ressu rreição, ela iria negar a vitória de C risto sobre a m o rte. Essa é a razão pela qual o p ré-m ilen arism o é u m fu n d am en to hermenêutico da fé. Existem três tipos de fu nd am en tos: • Fundamentos doutrinários (por exemplo, a Trindade, a divindade de Cristo, expiação sacrificial, e a Ressurreição) são testes de autenticidade evangélica76. • Fundamentos epistemológicos (por exemplo, a inspiração e a inerrância) são testes de veracidade evangélica77. • Fundamentos hermenêuticos (por exemplo, uma interpretação histórico-gramatical literal e seu pré-milenarismo subseqüente) são testes de consistência evangélica78.
O Pré-Milenarismo Acrescenta Urgência ao Evangelismo O p ré -m ile n a rism o , esp ecia lm en te p o r p a rte daqueles que su ste n ta m a im in ên cia 79 do re to r n o de C risto , cria u m a u rg ên cia que n ão é gerada pelas o u tras teorias. Se C risto está vindo antes do M ilên io , em u m a d ata que p ara nós é d esco n h ecid a, en tão d evem os viver sob u m c o n sta n te se n tim e n to de e x p ecta tiv a (Lc 19.13; Jo 9.4). A cred ita r que o te m p o é lim ita d o , que C risto pode ch eg ar a qualqu er m o m e n to , e que a con d ição e te rn a da alm a h u m a n a está em q u estão, exacerb a a co n cep ção de que q u alqu er h o ra p o d erá ser a nossa ú ltim a h o ra de a lca n ça r alguém para Jesus. N ão é co in cid ên cia o fato de que u m a su rp reen d en te p o rcen ta g em dos m o v im en to s m ission ários m o d e rn o s (p o r exe m p lo , através de W illiam C arey [17611834], A d o n iram Ju d son [1788-1850], e David Livingstone [1813-1873]) e dos esforços ev an gelísticos (p o r e x e m p lo , através de Jo h n W esley [1703-1791], D. L. M ood y [18371899], B illy Sunday [1862-1935], e B illy G ra h a m [nascido 1918]) te n h a sido liderada p o r p ré-m ilen aristas.
A Iminência do Pré-Milenarismo Acrescenta um Incentivo à Santidade Existem outros incentivos para a santidade, mas com certeza a expectativa do prém ilenarism o quanto ao im inente retorno de Cristo é bastante significativa (cf. 1 Jo 3.2,3):
Por exemplo, ao citar um a passagem messiânica de Isaías em um a sinagoga, Jesus parou no meio de um a sentença e pronunciou que estava literalmente cumprida (na Primeira Vinda); Ele não terminou o resto do versículo porque ele se aplica à Segunda Vinda e, portanto, a mensagem ainda não havia sido cumprida. O não-pré-milenarismo diz que a primeira parte é literal, mas que a segunda é alegórica (cf. Is 61.1,2; Lc 4.18-21).
75 Novamente, as duas estão relacionadas
juntas nos mesmos textos; elas incluem os corpos m ortos das pessoas saindo do túm ulo; veja capítulo 7. 2 e 3.
77Veja Volume 1, parte 2.
78Veja capítulos 12-16, e também Volume 1, parte 1.
79Veja capítulo 16.
76Veja Volumes
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
O Dia do Senhor virá como o ladrão de noite, no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra e as obras que nela há se queimarão. Havendo, pois, de perecer todas estas coisas, que pessoas vos convém ser em santo trato epiedadel (2 Pe 3.10,11).
A BASE HISTÓRICA PARA O PRÉ-MILENARISMO O principio do pré-m ilenarism o era forte na igreja prim itiva — ele se m anteve com o u m padrão para os Pais até o prim eiro Agostinho80. Agostinho, cu ja poderosa influência se estendeu aos m il anos que o sucederam , mais tarde descartou erroneam ente essa teoria.
Os Primeiros Pais Clemente de Roma (c. século I d. C.) O Senhor disse a Abraão: “Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei” [...] E, novamente, quando Abraão se afastou de Ló, Deus lhe disse: “Levanta, agora, os teus olhos e olha desde o lugar onde estás, para a banda do norte, e do sul, e do oriente, e do ocidente; porque toda esta terra que vês te hei de dar a ti e à tua semente, para sempre” (FECC, 10). Rápida e repentinamente Sua vontade será cumprida, como também está testemunhado pela Escritura, que diz: “O que há de vir virá e não tardará”; e: “De repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais” (ibid., 23). Pois Ele nos preveniu: “Eis que cedo venho, e o meu galardão está comigo para dar a cada um segundo a sua obra”. Portanto, Ele nos exorta a atentar para isso a fim de não ficarmos ociosos ou indolentes em qualquer trabalho. Esforcemo-nos, pois, para sermos encontrados entre aqueles que esperam por Ele para podermos participar das Suas dádivas prometidas (ibid. 34-35).
Inácio de Antioquia (falecido c. 110) Esteja atento, e tenha um espírito avivado [...] Seja sempre mais zeloso do que és agora. Analise as épocas cuidadosamente. Olhe para Aquele que está acima de todo o tempo, que é eterno e invisível, e que, no entanto, se tornou visível para o nosso bem (EP, 1, 3).
A Epístola de Pseudo-Barnabé (c. 70-130) Chegará o dia em que todas as coisas irão perecer com o diabo. O Senhor está próximo com a Sua recompensa. Portanto, nos convém muito indagar a respeito dos acontecimentos atuais a fim de procurarmos diligentemente aquelas coisas que podem nos salvar (21).
Sl) Sobre o Agostinho “primeiro” e “posterior”, veja a nota de rodapé sob “A Base Histórica para o Livre-arbítrio de Adão”, no Volume 5, capítulo 3; veja também suas citações sob “A Base Histórica para um a Expiação Ilimitada”, no capítulo 12 do m esm o volume.
A SEGUNDA VINDA E O MILÊNIO
0 Didaquê (c. 120-150) Que a graça venha, e este mundo passe. Hosana ao Deus (Filho) de Davi! Se alguém é santo, que venha, se alguém não é santo, que se arrependa. Maranata. Amém (10.6).
Justino M ártir (c. 100-c. 165)
A mim e a outros que somos cristãos honrados em todos os sentidos, nos foi dada a garantia de que haverá a ressurreição dos mortos, e mil anos em Jerusalém, que então será reconstruída, enfeitada e aumentada, [como] declaram os profetas Ezequiel, Isaías e outros (DJ, 80).
Irineu (c. 125-c. 202)
Convém aos justos primeiro receber a promessa da herança que Deus fez aos pais, e depois reinar nela, quando ressuscitarem para ver Deus novamente nessa criação que foi renovada; e o juízo terá lugar em seguida [...] Portanto, é apropriado que a própria criação, estando restaurada à sua primeira condição, deva, sem qualquer limitação, permanecer sob o domínio dos justos. Assim, então, a promessa que Deus fez a Abraão permanecerá firme [...] Deus prometeu a terra a Abraão e à sua semente. No entanto, nem Abraão nem a sua semente, isto é, aqueles que são justificados pela fé, recebem qualquer herança neste m om ento; mas a receberão na ressurreição dos justos. Pois Deus é verdadeiro e fiel; e a promessa que Ele fez é: “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra” (A H , 5.32). [Jesus disse:] “Digo-vos que, desde agora, não beberei deste fruto da vide até àquele Dia em que o beba de novo convosco no Reino de meu Pai”. Assim, portanto, Ele mesmo irá renovar a herança da terra e reorganizar o mistério da glória dos [Seus] filhos; como disse Davi: Ele “renova a face da terra”. Ele prometeu beber do fruto da vide com os Seus discípulos, indicando, assim, os seguintes pontos: a herança da terra da qual se bebe o fruto da vide e a ressurreição dos Seus discípulos em carne e osso. Pois a nova carne que ressuscita é a mesma que também recebeu o novo cálice. E de maneira nenhum a podemos entender que Ele estará bebendo o fruto da vide quando se colocar com os Seus [discípulos] em um palácio celestial, nem aqueles que bebem estarão sem a carne, pois beber daquilo que flui da vide pertence à carne, e não ao espírito. Portanto, a bênção prevista pertence inquestionavelmente aos tempos do reino, quando os justos irão reinar sobre aqueles que ressuscitam dos mortos, quando também a criação, tendo sido renovada e libertada, irá frutificar com abundância e com todos os tipos de alimento a partir do orvalho do céu e da fertilidade da terra. E, como todos os animais estarão se alimentando [apenas] da produção da terra, eles [nesses dias] se tornarão pacíficos e harmoniosos uns com os outros e perfeitamente sujeitos ao homem (ibid., 5.33).
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Lactâncio (c. 240-c. 320)
“Os mortos ressuscitarão, não quando se completarem mil anos depois da sua morte, mas para que, quando forem novamente restaurados à vida, possam reinar com Deus durante mil anos” (D l, 7.22). Quando Ele tiver destruído os pecadores e executado Seu grande juízo, e tiver chamado à vida os justos que viveram desde o inicio, ficará comprometido com os homens durante mil anos, e reinará sobre eles com o mais justo comando [...] Então, aqueles que estiverem vivos nos seus corpos não morrerão, e durante esses mil anos produzirão uma infinita multidão, e seus descendentes serão santos e amados por Deus. Mas aqueles que ressuscitarem dos mortos presidirão sobre os vivos como juizes [...] Durante esse mesmo tempo, também o príncipe dos demônios, que é o inventor de todos os males, estará preso em cadeias e ficará aprisionado durante os mil anos do governo celestial, no qual os justos irão reinar no mundo, de modo que não poderá mais inventar nenhum mal contra o povo de Deus [...] Durante esses tempos, os animais não irão se alimentar com sangue, nem os pássaros com as presas, e todas as coisas serão pacíficas e tranqüilas (ibid., 7.24). Quando os mil anos tiverem se completado, o mundo será renovado por Deus, os céus serão cingidos, e a terra será mudada; eles serão brancos como a neve. E eles estarão sempre em plena atividade na gloriosa presença do Todo-Poderoso, e farão ofertas ao Seu Senhor, e o servirão para sempre. Ao mesmo tempo, terá lugar a segunda ressurreição publica, na qual os injustos serão ressuscitados para que recebam a punição eterna (ibid., 7.26). Os Testamentos dos Doze Patriarcas (c. século I d. C .)
Os santos irão repousar no Éden, e os justos irão se regozijar na Nova Jerusalém, que estará sob a glória de Deus para todo o sempre. E Jerusalém não precisará mais suportar a desolação, nem Israel será levado ao cativeiro; pois o Senhor estará no meio dela, residindo entre os homens; o próprio Santo de Israel irá reinar sobre eles em humildade e em simplicidade, e aquele que nEle creu verdadeiramente reinará nos céus (7.5).
Comoáiano (entre os séculos I I I e V)
Nas chamas do fogo, o Senhor irá julgar os ímpios. Mas o fogo não irá tocar os justos, apenas estará junto a eles. Quanto a alguns, parece haver uma demora, mas uma parte foi varrida para o julgamento. O calor será tão grande, que até as pedras se derreterão. Os ventos se acumularão e causarão relâmpagos, a ira celestial irá causar devastação; e os ímpios serão alcançados pelo fogo, a despeito dos lugares para onde possam fugir [...] Chamas cairão sobre as nações, e os medos e os partos queimarão durante mil anos [...] então, depois de mil anos, eles serão levados ao Geena; e aqueles que foram os seus líderes serão queimados junto com eles (ICAGH, 43). Aqueles que se dedicaram ao Senhor ressuscitarão para Ele, serão incorruptíveis, e viverão livres da morte. E não haverá qualquer lamento, nem qualquer gemido naquela cidade.
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Também virão aqueles que venceram um cruel martírio sob o Anticristó, e viverão por toda a eternidade, e receberão bênçãos porque sofreram coisas más; e eles se casarão e procriarão durante mil anos [...] A terra será completamente renovada e produzirá abundantemente (ibid., 44). Efraim da Sina (c. 306-373) G rant Jeffrey (nascido 1948) descobriu u m m an u scrito, ainda sem tradução, escrito por um p oeta cristão sírio que, além de ser pré-m ilenar, era tam bém pré-tribulacional81. Essa foi u m a descoberta fenom en al, p articu larm ente à luz dos pronunciam entos póstribulacionistas da igreja prim itiva dizendo que “não podem os encontrar n en h u m traço de pré-tribulacionism o n a igreja prim itiva” (Ladd, BH , 31). O argu m ento que vem de um silêncio perceptível é frequentem ente perigoso. Por que, então, não rejeitar todo cuidado terreno e nos preparar para encontrar o Senhor Jesus Cristo? [..,] Todos os santos e o Eleito do Senhor são reunidos antes da tribulação que está prestes a chegar e são levados para o Senhor, para que não vejam, a qualquer tempo, a confusão que subjugará o mundo por causa dos nossos pecados (citado em Ice, WTS, 110-11).
Os Pais Medievais D urante a Idade Média, e tendo perdurado até a R eform a, a visão am ilenar passou a ser a d outrina d om inante, devido à influência do “M onólito M edieval”, A gostinho de H ipona (354-430). Infelizm ente, no que con cern e à profecia, A gostinho veio a rejeitar a h erm en êu tica literal82 para aceitar u m a abordagem mais alegórica. Dessa m aneira, associado à união feita pela Igreja C atólica R om an a dos reinos espiritual e terren o 83, e à p re o cu p a çã o dos re fo rm a d o re s p o ste rio re s sob re o u tra s q u estõ es crític a s, o am ilenarism o alegórico ganhou proem inência nos tem pos m odernos. Através de um progresso exegético e da reaplicação de u m a h erm en êu tica literal, o pré-m ilenarism o tem experim entado um certo renascim ento. Agostinho
O p rim eiro A gostinh o era p ré-m ilen ar, mas m u d ou a sua opinião quando reagiu fo rte m e n te co n tra a seita do quiliasm o84 e ad otou u m a abordagem alegórica, u m erro cru cial que os am ilenaristas e pós-m ilenaristas vêm perpetu ando desde essa época. Aqueles que, sob o poder dessa passagem [Ap 20.1-6], desconfiaram que a primeira ressurreição seria futura e física têm sido influenciados, entre outras coisas, especialmente pelo número de mil anos. Eles entendem que seria conveniente que, durante esse período, os santos desfrutassem de um tempo agradável, como se fosse um descanso Sabático [...] E essa opinião não estaria sujeita a qualquer objeção, se alguém pudesse acreditar que as alegrias dos santos nesse Sábado seriam espirituais e se devessem à maravilhosa presença de Deus; pois eu pessoalmente, também, uma vez aceitei essa teoria (CG, 259).
81 Veja Capítulo 16. 82Veja Capítulo 12. 83Veja Capítulo 4. de Agostinho (Veja Volume 3).
84 Os donatistas, que afetaram profundam ente a Soteriologia
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Por que A gostinho abandonou o pré-m ilenarism o? Eles afirmam que aqueles que ressuscitarem gozarão o lazer de imoderados banquetes carnais abastecidos com uma grande quantidade de carnes e bebidas, destinado não só a chocar os sentim entos dos temperados, mas até a ultrapassar a medida da própria credulidade. Tais assertivas só podem ser aceitas pelos carnais (ibid.). O que A g o stin h o
usou p a ra su b s titu ir u m a in te rp re ta ç ã o
lite ra l? U m a
in te rp re ta ç ã o aleg ó rica : “Essa re ssu rre içã o [em Jo 5] n ão diz resp eito ao co rp o , m as à alm a. Pois as alm as ta m b é m tê m u m a m o r te das suas p ró p rias in iq ü id ad es e dos seus p ecad os [...]85 Q u a n to a A p ocalip se 20 .1 -6 , A g o stin h o ta m b é m o fe re c e a sua in te rp re ta ç ã o : Existem duas ressurreições — a primeira é a ressurreição espiritual, que acontece nessa vida, e evita que o hom em sofra a segunda m orte; a outra, a segunda, que não ocorre agora, mas no fim do mundo, é a ressurreição do corpo, não da alma, quando o juízo final irá enviar alguns à segunda m orte, e outros àquela vida que não tem m orte (CG, 20.6). Omiti muitas passagens porque, embora pareçam estar se referindo ao juízo final, numa análise mais cuidadosa elas se tornam ambíguas, ou parecem fazer alusão a algum outro evento —talvez àquela vinda do Salvador que continuamente acontece na Sua igreja, isto é, nos Seus membros, nos quais ela acontece pouco a pouco, e pedaço a pedaço, considerando que a Sua igreja representa o Seu corpo, ou se referindo à destruição da Jerusalém terrena. Pois, até quando fala sobre isso, muitas vezes Ele usa uma linguagem que pode ser aplicada ao fim do mundo e àquele último e grande dia do Juízo, de modo que esses dois eventos não podem ser separados, a não ser que todas as passagens correspondentes sobre o assunto nos três evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas, sejam comparadas umas às outras. Pois algumas coisas são colocadas de maneira mais obscura por um evangelista e mais claramente por outro, de modo que fica aparente que certas coisas têm a finalidade de estar se referindo a um único evento (ibid., 20.5). D este m odo, o abandono medieval do pré-m ilenarism o do Novo Testam ento e dos prim eiros Pais se baseou na adoção de um a h erm en êu tica alegórica.
Os Pais Reformadores Os principais reform adores, com o Lutero e Calvino, eram am ilenaristas. C om o estavam intensam ente preocupados co m assuntos relacionados com a soteriologia86, deixaram que sua escatologia agostiniana ficasse laten te à espera de um a consistente aplicação fu tu ra da h erm en êu tica literal (co m o eles m esm os haviam feito em relação aos assuntos da salvação, o que possibilitou a R eform a).
85 Mais um a vez, essa é um a interpretação extrem am ente improvável: Jesus falou aqui a respeito de corpos saindo dos túm ulos (v. 28); veja capítulo 7.
86VejaVolume 3.
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O s M e stre s da P ó s -R e fo rm a E n tre os m u ito s que red esco b riram o p ré -m ile n a rism o do N ovo T e sta m e n to e dos p rim eiro s Pais, havia aqueles que p e rte n cia m às trad ições lu te ra n a , refo rm ad a e p u ritan a.
Jonathan Edwards (1703-1758)
Ate agora, na sua maior parte, os santos haviam se mantido reprimidos, pois eram governados por homens ímpios. Mas agora eles irão se tornar predominantes, o reino será entregue nas mãos dos “santos do Altíssimo” (Dn 7.27). E “eles reinarão sobre a terra” (Ap 5.10). Eles viverão e reinarão “com Cristo durante mil anos” (20.4) (.HWR, 3.8.3). Então, o anticristo será confinado no inferno e não terá mais lugar aqui na terra. Muito mais tarde, da mesma forma, pode-se observar a ocasião em que o diabo será solto no início do reinado de mil anos de Cristo sobre a terra, para finalmente ser lançado no abismo [Ap 20] (EW CR , introd.).
John GUI (1697-1771) 0 resto dos mortos (não os santos m ortos, pois todos eles serão ressuscitados juntos), isto é, os ímpios que m orreram , não de m orte espiritual ou m oral, mas física, esses não viverão novamente até que os mil anos tenham terminado, de modo que haverá um período exato de anos entre a ressurreição dos santos e a ressurreição dos ímpios. Nem haverá nenhum desses ímpios vivendo sobre a terra, ou em corpos durante esse tempo, pois os ímpios m ortos não serão ressuscitados ju n to com os santos quando Cristo retornar, e os ímpios que estiverem vivos serão destruídos na conflagração do mundo, e nenhum deles viverá novamente até o fim desses anos (EWB, sobre Ap 20.5).
Charles Spurgeon (1834-1892)
Quantos navios carregados até a superfície se aproximam de nós vindos do milênio! Que visões nós temos dos dias do céu sobre a terra! Através do nosso glorioso Senhor, mantemos um relacionamento com os anjos; uma comunhão com espíritos brilhantes lavados no sangue, que cantam perante o trono; melhor ainda, temos uma comunhão com Aquele que é Infinito (ME, Nov. 24). Existe tam bém u m exército de pré-m ilenaristas nos séculos X IX e X X , inclusive John N elson Darby, C. I. Scofield (1843-1921), G eorge Peters (1825-1909), Erich Sauer, Lewis Sperry Chafer, John Walvoord, Charles Ryrue (nascido 1925), e m uitos outros. C om o seus ensinam entos foram am plam ente disseminados será desnecessário encher essas páginas com suas citações a favor do pré-m ilenarism o.
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RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES AO PRÉ-MILENARISMO M uitos argum entos foram levantados contra o pré-m ilenarism o (especialm ente da varied aded ispensacional);aquelesquenósjáanalisam os,d iretaouperifericam ente87, serão exam inados apenas através de u m resum o.
Objeção Um: O Milênio É Mencionado apenas uma vez na Escritura Muitas vezes, os oponentes argumentam que o reinado de mil anos aparece apenas um a vez na Bíblia (Ap 30). Todas as outras referências feitas a um reino futuro falam que ele é “eterno” (cf. 2 Sm 7.16; SI 89.36), e, portanto, essa única referência não deve ser entendida literalmente.
Resposta à Objeção Um Prim eiro, essa acusação não é verdadeira — os “m il anos” do reino m ilenar são mencionados seis vezes (Ap 20.2-7). “Nascer novam ente” é m encionado apenas duas vezes (Jo 3.3,7), no entanto n en h u m evangélico sente dificuldade em defender essa expressão. A lém disso, u m a ún ica ocorrên cia bíblica é suficiente: “A verdade e a confiabilidade de um a palavra divina não dependem do n ú m ero de declarações que Deus p erm ite que sejam feitas a esse respeito. Se Deus fez u m a declaração apenas u m a ún ica vez, nós tem os sim plesm ente que acreditar n ela ” (Sauer, EE, 147). Existem tam bém outras indicações na Escritura de que Cristo irá reinar durante um longo período88. Apocalipse 20 nos fala muitas vezes quanto tem po esse período irá durar.
Objeção Dois: As Promessas Feitas a Israel São Condicionais A resposta am ilenar a um dos mais fortes argum entos do pré-m ilenarism o é que as alianças abraâm ica e davídica, que claram ente ainda não fo ram literalm en te cum pridas da fo rm a exata com o foram previstas, são realm en te condicionais. Oswald Allis oferece o seguinte com entário: [Primeiro,] a condição pode estar envolvida numa ordem ou promessa sem ter sido especificamente declarada. Isso pode ser ilustrado pela carreira de Jonas. Jonas recebeu ordens de pregar um juízo de maneira incondicional e irrestrita [...] [Segundo,] é verdade que, nos termos expressos da aliança com Abraão, a obediência não foi mencionada como uma condição. Mas o fato de a obediência estar subentendida é claramente indicado por meio de dois fatos. Um é que a obediência representa uma pré-condição para a bem-aventurança sob todas as circunstâncias (SI 68.6) [...] O segundo fato é que no caso de Abraão, o dever da obediência foi particularmente definido (em Gn 18.17ss.; 22.18; 26.5) [...] [Terceiro,] o fato de a obediência estar virtualmente ligada à aliança abraâmica é demonstrado com especial clareza pelo detalhe de que estava ligada a um sinal, isto é, ao rito da circuncisão, e ser expulso do povo do pacto era o castigo daquele que desobedecesse a ele. [Quarto,] ofatode aqueles que insistem que aaliançaabraâmicaera totalmente incondicional não estarem entendendo o tema realmente dessa maneira pode ser demonstrado pela grande importância que os dispensacionalistas dedicam ao detalhe de Israel estar “na terra” como uma pré-condição da bem-aventurança sob esse pacto [...] 87Veja capítulos 7,12-14.
Cf. 1 Coríntios 15.25-27; Salm os 110.1; Isaías 24.21-23.
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[Quinto,] o fato de os dispensacionalistas considerarem a aliança abraâmica como totalmente condicional também é indicado pelo detalhe de nunca termos ouvido algum deles falar sobre a restauração de Esaú na terra de Canaã e sobre a total bem-aventurança sob a aliança abraâmica [...] Por que Esaú foi excluído das bênçãos dessa aliança? Ele era tão filho de Isaque quanto Jacó. Como sua desobediência poderia privar seus descendentes de receber a bênção da aliança, se essa aliança não estava exigindo a obediência? [Sexto,] é importante fazer a distinção entre a certeza do supremo cumprimento da promessa feita à semente de Abraão e a bênção e a segurança da nação ou dos indivíduos em um determinado tempo sob a aliança [...] A certeza do cumprimento da aliança não se deve ao fato de ela ser incondicional, nem o seu cumprimento depende da obediência imperfeita dos homens pecadores. [Pelo contrário,] a certeza do cumprimento da aliança e a segurança do crente sob ela dependem totalmente da obediência de Cristo (PC, 323, 34, 36).
R e s p o s ta à O b je ç ã o D o is Em resposta: (1) todos esses argum entos são defeituosos, e (2) existem abundantes evidências contrárias. Refutação do Argumento Extraído da Comissão de Jonas
E verdade que havia um a condição im plícita na proclam ação de Jonas sobre o destino de Nínive. E ntretanto, aplicar isso a u m a aliança incondicional com Abraão revela, por m uitas razões, um certo tipo de engano: (1) Nenhuma aliança foi feita com Jonas. Ele foi meramente incumbido de transmitir uma mensagem divina a Nínive. (2) A própria natureza da sua proclamação sobre a condição moral dos assírios, assim como o período de quarenta dias, sugere que Deus estava concedendo a eles algum tempo para se arrepender. Não existem tais condições implícitas nas alianças abraâmica e davídica89. (3) Jonas entendeu que o anúncio do julgamento divino sobre Nínive era condicional, e é por essa razão que ele não queria ir (Jn 4.2). (4) Jesus apresentou esse fato como sendo condicional (Mt 12.41). Alegar que o caso de Jonas é uma razão pela qual essas outras alianças devam ser entendidas como condicionais é fazer uma falsa analogia. A lém disso, e mais im p ortan te ainda, já vim os evidências claras e explícitas de que as alianças abraâm ica e davídica são incondicionais90. (1) A aliança abraâmica era unilateral. (2) A Bíblia declara enfaticamente que a aliança abraâmica era incondicional (por exemplo, Hb 6.13,14,17,18). (3) O mesmo é verdade para a aliança davídica, sobre a qual Deus afirmou decididamente que a desobediência não anularia a sua promessa incondicional (SI 89.30-37).
89Veja capítulo 14.
‘J“ Ibid.
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Refutação do Argumento Extraído da Obediência de Abraão Primeiro, de acordo co m Allis: “E verdade que, nos term os expressos da aliança com Abraão, a obediência não foi m encionada com o u m a cond ição”. E m se tratando de um a aliança, são os “term os expressos” que contam . Segundo, argum entar que a obediência é u m a condição será o m esm o que considerar a questão co m o aprovada sob todas as circunstâncias, além de contrariar os fatos, co m o foi dem onstrado através de argum entos explícitos e incondicionais sobre estas alianças91. Terceiro, o fato de a obediência de Abraão ser m encionada em outros textos92 é irrelevante; isso confunde o resultado de Abraão aceitar a prom essa incondicional de Deus co m a condição para recebê-la. E m bora a obediência seja u m a condição para a sem ente de Adão experimentar as bênçãos da aliança, ela não era u m a condição para D eus concedê-las9i. Quarto, é c o n tra o e n s in a m e n to b íb lico da g ra ça (fa v o r im e re c id o ) d izer que a lg u m a coisa, in clu siv e a n ossa ob ed iên cia , re p re se n ta u m a co n d içã o p ara D eus n o s co n c e d e r a Su a g raça. N ós n ã o agim os para a g raça; n ó s agim os a partir da g ra ça 94. E b astan te irô n ic o que estu d io so s da B íb lia de tra d içã o re fo rm a d a te n h a m ig n o ra d o essa verdade. Refutação do Argumento Extraído da Circuncisão Essa tam bém é u m a estran ha posição para u m estudioso reform ado. A circuncisão não era um a condição básica para alguém receber o benefício da aliança abraâm ica incondicional. C om o Paulo argum entou, a circuncisão não representava u m a condição para receber a graça de Deus, mas era sim plesm ente u m sinal dessa graça (R m 4.9-11). Em relação à justificação pela fé, em Gênesis 15 foi feito com Abraão u m pacto incondicional, e até Gênesis 17 ele ainda não havia sido circuncidado. A lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois95, não o invalida, de forma a abolir a promessa. Porque, se a herança provém da lei, já não provém da promessa; mas Deus, pela promessa, a deu gratuitamente a Abraão (G1 3.17,18). As promessas feitas a Abraão sobre a terra e a sem ente são incondicionais, assim com o a prom essa davídica relacionada ao tro n o (cf. SI 89.20-27). A posterior aliança m osaica era condicional (cf. Êx 19.5). Refutação do Argumento Extraído da Necessidade de Israel Estar na sua Terra A insistência n a im portân cia de Israel estar n a T erra Prom etida n ão é u m a condição para Deus lhes conceder a terra; ao contrário, era u m a condição para eles receberem as bênçãos que estavam inseridas nessa prom essa. A dádiva da Terra é incondicional, mas as bênçãos para Israel residir n a Terra eram condicionais. U m a distinção sem elhante pode ser encontrada na nossa salvação. Não há condições para Deus nos conceder a salvação; ela é concedida to talm en te pela graça. E ntretan to, existe um a condição para receberm os esse dom e gozarm os as suas bênçãos: a fé96. yl Ibid.
92 Gênesis 18.17ss.; 22.18; 26.5.
93 Cf. Volume 3, capítulo 13.
Deus estabeleceu a aliança abraâmica, quando Ele deu a lei a Moisés.
91 Ibid., capítulo 10.
95 Isto é, 430 anos depois que
96Veja Volume 3, capítulo 13.
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Refutação do Argumento Extraído de Esaú Alguns teólogos da aliança alegam que o fato de Esaú ter sido excluído das bênçãos divinas é u m a prova de que a aliança abraâm ica não é incondicional (veja Alllis, PC). Em resposta, ninguém participa das bênçãos da aliança em virtude de ser um descendente de Abraão (cf. R m 9.6,7); som ente aqueles que conquistaram as bênçãos pela fé são capazes de gozar delas (cf. 4.13-16). Esaú é retratado com o incrédu lo em Hebreus 12.16,17, de m od o que foi privado das bênçãos da aliança por causa da sua descrença. Assim com o Ism ael (veja G n 17), Esaú foi abençoado por Deus, mas ele era um estranho à aliança. Lem brem o-nos de que a eterna prom essa da T erra Santa feita aos descendentes físicos de Abraão é incondicional, mas isso deve ser distinguido de receber as bênçãos por estar na Terra. Ser u m descendente físico de Abraão não garante a um israelita u m lugar nesse rein o97. E m bora a herança étn ica seja condição necessária para essa bênção, ela não é suficiente98. A bênção deve ser alcançada pela fé, com o Paulo ensina claram ente (R m 9.6; 4.13,16). Refutação do Argumento Extraído da Distinção entre a Bênção e o Cumprimento da Promessa Esse é o mais d esconcertante dos seis argum entos, pois parece estar apresentando o m esm o ponto de vista anterior e, p o rtan to , enfraquece as bases dos am ilenaristas. Podemos concordar com p letam en te com Allis no sentido de que “a certeza do cu m p rim en to da aliança não se deve ao fato de ela ser incondicional, n em o seu cu m p rim en to depende da obediência im perfeita dos h om en s pecadores”. Esse é precisam ente o p onto de vista dos pré-m ilenaristas, isto é, de que a desobediência de Israel não anula a prom essa incondicional e etern a feita por Deus, de lhes dar um a terra e u m trono. E claro que existe u m sen tim en to de que Deus não pode realizar o Seu suprem o propósito de ter um a nação redim ida de Israel na terra onde o M essias-Rei foi crucificado e ressuscitou, a não ser que tanto o R edentor co m o os redim idos exercitem a sua liberdade99 de aceitar a vontade de Deus para com eles. Essa, en tretan to , é u m a o u tra versão da questão da predestinação e do livre-arbítrio, que já discutim os d etalhad am ente100. Em resum o, a resposta é que Deus pré-ord enou e previu exatam ente quem iria crer (1 Pe 1.2; R m 8.29). Q ualquer coisa que Deus te n h a previsto deverá acontecer, de o u tra m aneira Ele estaria errado naquilo que previu. U m a m en te onisciente não pode errar em nada, de m odo que os acontecim entos estão determ inados de acordo com o p o n to de vista da previsão e da pré-ordenação (que estão coordenados com os atos eternos), e ainda assim eles são livres do ponto de vista do livre-arbítrio que D eus nos concedeu. Afinal de contas, Deus havia ordenado a C ruz desde toda eternidade (A t 2.22,23; Ap 13.8), mas ainda assim Jesus era inteiram ente livre para escolh ê-la (Jo 10.17,18). Resum indo, os argum entos dos am ilenaristas de m aneira n e n h u m a enfraquecem o claro ensinam ento bíblico a respeito das promessas de Deus sobre a terra e o reino de Israel (cf. R m 11.29). C o m o elas ainda não se cum priram , podem os estar tranqüilos, baseados n a im utável natu reza divina101, de que haverá u m fu tu ro, literal e m essiânico reino de m il anos (Ap 20.1-6). 97 Veja capítulos 13-14.
98 Sobre as condições e as causas, veja exemplos no Volume 1, capítulo 10, e Volume 2, capítulo 21.
99 V eja Volum e 2, apêndice 1, e V olum e 3, capítulo 3. 101 Veja Volum e 2, capítulo 4.
100 Veja V olum e 2, capítulo 8, e Volum e 3, capítulo 3.
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Objeção Três: As Promessas de Terra Foram Cumpridas na Época de Josué De acordo co m alguns am ilenaristas, as promessas feitas a Abraão sobre a terra foram cum pridas depois que Josué conquistou a Terra: Desta sorte, deu o Senhor a Israel toda a terra que jurara dar a seus pais; e a possuíram e habitaram nela. E o Senhor lhes deu repouso em redor, conforme tudo quanto jurara a seus pais [...] Palavra alguma falhou de todas as boas palavras que o Senhor falara à casa de Israel; tudo se cumpriu (Js 21.43-45).
Resposta à Objeção Três Esse não pode ser o cu m p rim en to final da aliança abraâm ica102. Primeiro, ainda havia profecias sobre Israel herdar a terra depois da época de Josué (por exem plo, cf. Am 9.14,15). Segundo, eles não possuíam toda a terra que havia sido prom etid a a Abraão, a saber, desde o lado oriental do Jordão até o Eufrates (G n 15.18). Terceiro, eles não a possuíram eternam ente, co m o foi prom etid o a Abraão, e mais tarde foram despojados dessa terra com o cativeiro n a Babilônia. Quarto, declarações feitas em Juizes, logo depois da m o rte de Josué, indicam que nessa época eles não possuíam toda a terra a oeste do Jordão e ainda estavam tentand o expulsar todos os habitantes que ainda perm aneciam ali. Quinto, o texto em Josué 21 se refere às promessas feitas à “casa de Israel” através de Moisés, e não àquelas que foram feitas a Abraão. Sexto, Josué 21 parece estar se referindo à extensão da terra tal com o havia sido descrita n.a aliança m osaica (N m 34), e ela não correspondia a toda a extensão que D eus havia prom etid o a Abraão (G n 15.18-21). Sétimo, m esm o no N ovo Testam ento, esse reino ainda não havia sido devolvido a Israel (Lc 19.11ss.; A t 1.6-8). Oitavo, Paulo afirm ou que a restauração nacional de Israel não iria acontecer até que a plenitu de dos gentios tivesse entrado (R m 11.25; cf. Lc 21.24).
Objeção Quatro: As Promessas de Terra Feitas a Abraão Foram Cumpridas na Monarquia Posterior Allis argum enta: “As próprias palavras que aparecem n a aliança (G n 13:16; 15.5; 22.7) são usadas para a nação de Israel n a época de Salom ão: ‘areia’ (1 Rs 4.20), ‘estrelas’ (1 C r 27.23) e ‘p ó ’ (2 C r 1.9) são os padrões de com paração. Isso poderia indicar que, a esse respeito, a prom essa a Abraão estava sendo considerada co m o tendo se cu m prido na idade de ouro da M onarquia” (PC, 58).
Resposta à Objeção Quatro E m bora 1 Reis 4.20 diga que, em certa época, Salom ão reinou sobre a terra designada pela aliança abraâmica, isso não pode ser entendido com o sendo o cu m p rim en to com p leto da promessa. Primeiro, ele reinou durante u m período cu rto de tem po, e não etern am en te, com o havia sido prom etid o a Abraão. 102Veja capítulo 14.
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Segundo, m esm o depois da época de Salom ão, foram feitas promessas de terra fu tura. Terceiro, a prom essa da descendência feita a Abraão (veja G 13.16) não foi cum prida na M onarquia. Quarto, as referências sobre Israel ser tão n u m erosa co m o as estrelas e o pó não cu m priram as alianças abraâm ica e davídica pelas m esm as razões que acabamos de relacionar. Quinto, esse texto não afirm a ser o cu m p rim en to com p leto e final n em da aliança abraâm ica n e m da aliança davídica. O b je ç ã o C in c o : A s P ro m essas d e T e r r a S e rã o C u m p rid a s n a N ov a T e r r a Alguns am ilenaristas, co m o A n th ony H oekem a eV ern Poythress (1944), postularam que as promessas de terra feitas a Israel não serão cum pridas no M ilênio, m as na nova terra (Ap 21.22). Eles agem assim porque se prendem à natu reza literal e incondicional dessas promessas, enquanto, ao m esm o tem po, rejeitam u m a interpretação literal da passagem sobre o M ilênio em Apocalipse 20. R e s p o s ta à O b je ç ã o C in c o Prim eiro, os pré-m ilenaristas se alegram com o fato de que pelo m enos alguns am ilenaristas entendem essas promessas com o literais, porém ainda não cumpridas, e encontram o seu cu m p rim en to n a nova terra (co m o tem sido sustentado há m u ito tem po pelos pré-m ilenaristas). E n tretan to , é inconsistente pu lar o M ilênio com o ponto inicial desse cu m p rim ento; a m esm a h erm en êu tica que perm ite um cu m p rim en to literal e fu tu ro dessas promessas tam bém perm ite u m reino m essiânico literal de m il anos e u m a clara diferença do estado eterno (veja acim a, sob “A N atureza do M ilên io”) 103. Assim com o a Prim eira e a Segunda Vindas são às vezes relacionadas pelo Antigo Testam ento u m a com a outra, tam bém o M ilênio e o novo céu e a nova terra são m encionados ju n to s (Is 66.22-24; cf. 65.17ss.). Concluindo, m u itos pré-m ilenaristas acreditam que as promessas de terra feitas a Israel irão continuar literalm en te para sem pre (etern a m en te) na nova terra (por exem plo, veja Walvoord, M ), e isso não é ineren tem en te con tra a visão pré-m ilenar. O b je ç ã o S e is: As P ro m essa s a Is ra e l E s tã o C u m p rid a s e s p ir itu a lm e n te n a Ig r e ja U m a acusação mais grave e que atinge o âmago das diferenças en tre os teólogos da aliança e os dispensacionalistas é que não haverá u m cu m p rim en to literal dessas promessas feitas a Israel, um a vez que elas estão sendo cum pridas espiritualm ente na igreja, “no Israel espiritual”. Essa posição está baseada em u m certo n ú m ero de textos que exigem respostas separadas104. R e s p o s ta à O b je ç ã o Seis Mateus 2.15 M ateus usa Oséias 11.1, um texto que se refere à saída de Israel do Egito, e a Jesus retornand o ao Egito com o u m a criança. Isso não serve para dar suporte ao argum ento 103Veja acima, sob “O M ilênio”.
104Veja tam bém capítulo 14.
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de que na igreja se cu m p rem espiritualm ente todas as prom essas de terra e de reino feitas a Israel. C o m o já vim os antes, em bora às vezes o N ovo Testam ento faça a aplicação de um a passagem do Antigo Testam ento, ele nu nca espiritualiza a verdade literal ( interpretação). Hebreus 8.7-13 O m esm o é verdade em relação à nova aliança que foi feita com a nação de Israel (e que será to talm en te cum prida para ela). E m bora isto tam bém seja aplicável à igreja (Hb 8.7-13), um a vez que os benefícios da m o rte de C risto são para ambas (G n 3.15; 12.3), a prom essa literal será literalm en te cu m prida105. 1 Coríntios 10.4 No deserto, os israelitas “beberam todos de um a m esm a bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era C risto ”. C o m o já dissemos106, a pedra que os seguia era um a pedra literal com um a infindável fonte de água, um a m anifestação literal de Cristo e do Seu poder sobrenatural (cf. G n 18.2,8,22). Romanos
4.16
Esse versículo ensina que a prom essa vem pela fé a todos os descendentes de Abraão, a todos aqueles que são da fé de Abraão. Baseados nisso, os am ilenaristas argum entam que a sem ente espiritual de Abraão, isto é, aqueles que crêem em Cristo, irá herdar aquilo que foi originalm ente p rom etid o aos seus descendentes físicos. E m resposta, isso é verdade, p o rém o fato de Abraão ter dois co n ju n to s de descendentes não significa que u m substitua o outro. Mais u m a vez, a sem ente espiritual é u m a sem ente paralela, e não um a sem ente substituta. C om o já d em on stram os107, os descendentes físicos de Abraão verão o cu m p rim en to das promessas de terra e de reino na Segunda Vinda108. Gálatas 6.16 Os alegoristas entendem que a referência feita por Paulo ao “Israel de D eus” tem o significado de “Israel espiritual”, de m odo que alguns consideram que ela é u m a prova de que Paulo está usando “Israel” nu m sentido espiritual da igreja. Essa interpretação não é bastante necessária; na verdade, de acordo com o con texto (que leva à descoberta do significado)109, ela deve ser entendida com o u m a referência aos israelitas (ju d eu s) que são verdadeiros crentes (o que tam b ém com bina co m o uso que Paulo fez dessa palavra em outras passagens). Considere as evidências seguintes, a fim de não to m ar essa palavra co m o se referindo a u m assim cham ado Israel espiritual110. Primeiro, Paulo nada diz sobre u m Israel espiritual. A expressão “Israel de D eu s” está retratando os israelitas literais que aceitaram a m ensagem da graça de D eu s111. Isso está de acordo com a sua linguagem em situações sim ilares em que ele se refere aos israelitas literais que são falsos m estres em contraste com : “a circuncisão [judeus] somos nós, que servimos a Deus no espírito, e nos gloriam os em Jesus Cristo, e não confiam os n a ca rn e”. “Israel de 105 Veja capítulo 14. Rom anos 11.
106 Veja capítulos 12 e 14.
107 Veja capítulos 13-14.
109 Veja capítulo 12; veja tam bém Volum e 1, capítulo 10.
passagem, veja capítulo 14.
111Veja Volume 3, parte 2.
108 Cf. Mateus 19.28; Lucas 21.24; Atos 1.6,7; 110 Para u m tratam ento mais detalhado desta
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D eu s” e aqueles da “circuncisão que servem a D eus” (Fp 3.3) estão no m esm o grupo, isto é, são os judeus salvos pela graça. Segundo, essa interpretação com bin a com o texto. Paulo está argum entando com aqueles que ensinam m ensagens legalistas sobre obras. Estes, o apóstolo ch am a de falsos m estres, que eram israelitas (jud eus) e não eram de Deus, isto é, seu ensinam ento era contrário ao do verdadeiro evangelho (cf. G1 6.12,13). Terceiro, aqui a linguagem de Paulo está de acordo com u m uso consistente da palavra Israel, fazendo u m a referência literal aos judeus, aos descendentes físicos de Abraão e de Davi (por exem plo, cf. R m 9.3,4; 10.1). N em um a ú n ica vez o Novo Testam ento usa Israel em u m sentido espiritual112. A. B. Davidson (1831-1902) resum iu a questão: C e rta m e n te , a interp retação anti-literal ex tre m a que considera os nom es Sião, Jerusalém , Israel e o u tro s similares co m o m eros nom es p ara a Igreja Cristã, sem referência ao povo de Israel, n ão faz justiça, n em ao espírito do Antigo T estam ento e seus princípios, n em aos princípios nos quais o apóstolo [Paulo] se baseia ao arg u m en tar (OTP, 470, citado em R a m m , P B I, 254).
Efésios 1.9,10 [Deus nos fez co n h ecer] o m istério da sua vontade, segundo o seu b eneplácito, que p ro p u sera em si m e sm o , de to rn a r a co n greg ar em C risto todas as coisas, n a dispensação da plenitude dos tem p os, tan to as que estão nos céus co m o as que estão n a terra.
A realização do “m istério” de D eus “em C risto”, de acordo co m a teologia da aliança, dem onstra que a igreja cu m pre as promessas de Israel e m o stra que existe apenas um povo de Deus sob a liderança de Cristo. E m resposta, primeiro, Harold H oehner (1935) diz: “Essa dispensação representa o reinado m ilenar, quando “os tem p o s” dos propósitos de Deus estarão term inados (cu m prid os), e todas as coisas, espirituais e m ateriais, estarão sob C iisto e Seu governo” (cf. 1 C o 15.27; Cl 1.20). P ortanto, em vez de se opor à teoria da dispensação, o texto serve para confirm á-la. Segundo, em bora os dispensacionalistas adm itam que existe apenas u m a fam ília de Deus à qual p erten cem os crentes de todas as épocas, ap arentem ente essa passagem não está falando sobre isso. A “universal assem bléia” no céu (Hb 12.23) pode estar se referindo a isso, da m esm a m aneira com o “toda a fam ília nos céus e n a terra” (E f 3.15). D e qualquer m aneira, o fato de todos os crentes, de todas as épocas, p artilharem de um D eus com u m , de um Salvador com u m , de u m a fé co m u m , e de u m a fam ília com u m , de m aneira n en h u m a dim inui a realidade de que Deus tem funções diferentes e diferentes papéis para os diferentes m em bros da Sua fam ília em geral, tais com o aqueles que distinguem Israel da igreja. Terceiro, em bora o Antigo Testam ento ten h a feito promessas que seriam cum pridas em Cristo, ele n u n ca disse que isso seria cum prido n a Prim eira Vinda, ou que as promessas literais e incondicionais de terra e de reino (a Abraão e Davi, respectivam ente) seriam cum pridas na igreja co m o um “Israel espiritual” que iria substituir a nação de Israel.
1,2 O p. cit.
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1 Pedro 2.9 Pedro usa u m a linguagem de Êxodo 19.6, que descreve Israel co m o um povo escolhido pertencente a Deus, co m o se isso pudesse ser aplicado à igreja. Já vim os que isso não con firm a a igreja co m o sendo u m Israel espiritual e/ou que as prom essas literais a Israel são cum pridas espiritualm ente. (1) Pedro não cita essa passagem, mas to m a em prestada algum a linguagem utilizada p or ela. (2) Ele aplica essas palavras à igreja e não afirm a que isso representa o cu m p rim en to do texto original. (3) M esm o se pudesse ser dem onstrado que a igreja é, de algum a form a, o cu m p rim en to das m esm as promessas do Antigo Testam ento, isso estaria dizendo que todas as prom essas literais de terra e de reino feitas foram transferidas espiritualm ente para a igreja.
Objeção Sete: Jesus Disse que o seu Reino não Era deste Mundo O m e u R eino n ão é deste m u n d o ; se o m e u R eino fosse deste m u n d o , lutariam os m eu s servos, p a ra que eu n ão fosse en tregu e aos judeus; m as, agora, o m eu Reino n ão é daqui. Disse-lhe, pois, Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. E u para isso nasci e p ara isso vim ao m u n d o , a fim de dar testem u n h o da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a m in h a voz (Jo 18.36,37).
Os am ilenaristas entendem isso co m o u m a clara e enfática negativa de que Jesus tivesse qualquer intenção de estabelecer u m reino político: “C ertam ente, a resposta de Jesus a Pilatos indica que Ele não é o Rei de u m reino terreno, mas o Rei do reino da verdade — em outras palavras, o Rei de u m reino que é principalm ente espiritual e não te rre n o ” (H oekem a, in: Clouse, M M FV, 106).
Resposta à Objeção Sete Isto está correto até certo ponto: as palavras de Cristo eram um a clara e enfática negativa de que Ele tivesse qualquer intenção de estabelecer tal reino — naquela ocasião. Jesus é apenas o Rei de u m “reino espiritual” —atual. O p roblem a é adm itir, de u m m odo contrário à evidência, que Jesus não irá estabelecer o incond icion alm ente prom etido reino davídico político e terren o no fu tu ro. Isto é: (1 ) C o n trário às num erosas profecias incondicionais do A ntigo T estam en to 113; (2) C o n trário às ofertas do N ovo T estam ento feitas p o r João e Jesus a respeito desse reino
114
;
(3) C o n trário à afirm ação de Jesus em A tos 1.6-8115; (4 ) C o n trário à oferta de Pedro em A tos 3; (5 ) C o n trário às d eclarações de Paulo em R o m an o s l l 116; (6 ) C o n trário a u m a in terp retação literal de Apocalipse 2 0 .1-6117.
Objeção Oito: Haverá Apenas uma Ressurreição A chave para a diferença en tre as visões p ré-m ilen ar e n ão-p ré-m ilen ar está na interpretação da prim eira ressurreição de Apocalipse 20.4-6. Se ela fo r u m a ressurreição 113Veja capítulo 12.
1HVeja capítulos 12-14.
113Veja capítulos 13-14.
I16lbid.
117V ejaacim a.
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literal, separada por m il anos da segunda ressurreição literal, então o pré-m ilenarism o está correto. Se for u m a ressurreição espiritual, a saber, u m a regeneração espiritual (isto é, a salvação), então o n ão-p ré-m ilenarism o está correto e há apenas u m a única ressurreição literal, que oco rrerá depois de (reais ou supostos) m il anos. M uitas vezes, os não-pré-m ilenaristas usam João 5.25-27 com o prova de que a prim eira ressurreição de Apocalipse 20 é espiritual e que som en te a segunda ressurreição será literal. Aqui Jesus está falando sobre u m a regen eração espiritual que resulta de alguém crer nEle. E ntão, Ele descreve u m a ressurreição física, isto é, aqueles que “sairão do sep u lcro” (Jo 5.28,29). Tem sido argum entado que, por analogia, isso eqüivale às duas ressurreições de Apocalipse 20, sendo que a prim eira seria u m a ressurreição espiritual e a segunda um a ressurreição literal na consu m ação dos séculos.
Resposta à Objeção Oito O pré-m ilenarista histórico G eorge Eldon Ladd responde claram ente a esse raciocínio: Essa passagem não apresenta n en h u m a analogia real c o m a passagem do livro de Apocalipse [...] Existe u m a diferença extrem am en te im portante. E m João, o próprio co n texto fornece os indícios p ara u m a interpretação espiritual n u m caso e literal no o u tro. E m relação ao p rim eiro gru p o [em Jo 5], a hora j á chegou. Essa frase deixa claro que está se referindo àqueles que estão espiritualm ente m o rto s e que en tram n a vida depois de ouvir a voz do Filho de D eus. [C o m o con traste,] o segundo g ru p o [...] está nas sepulturas. Eles não estão espiritualm ente m o rto s, m as fisicam ente m o rto s (e m C louse, M M F V , 36). E m A pocalipse 20, não existe nenhum indício contextual p ara uma variação semelhante de interpretação. A linguagem dessa passagem é bastante clara e definida. N ão existe n e n h u m a necessidade, n e m possibilidade co n textu al, de in terp retar espiritualm ente a palavra ezesan [“reviver”, vv. 4,5] a fim de dar a essa passagem algu m significado. N o início dos m il anos, alguns dos m o rto s [os justos] irão reviver; no seu térm in o , será a vez do restan te dos m o rto s [os perdidos] reviverem [...] Essa passagem revela ter u m perfeito b om senso quando in terp retad a literalm en te. [Isto é,] u m a exegese n atu ral e indutiva sugere que ambas as palavras d evem ser entendidas da m esm a m an eira, pois estão se referindo a u m a ressurreição literal (ibid., 37). Isto é respaldado pelo fato de a m esm a palavra [ezesan] ser usada duas o u tras vezes [...] e m Apocalipse e m referência à ressurreição física (2.8; 13.14). C o m o foi observado pelo co m en tarista H enry Alford: “Se n u m a passagem onde duas ressurreições são m encionadas, a p rim eira for entendida co m o a ressurreição espiritual c o m C risto, en qu anto a segunda co m o a ressurreição literal da sep u ltu ra [...] então h á u m fim de tod o o significado da lin gu agem 118, e a E scritu ra é retirad a da posição de u m a testem u n h a definitiva sobre qualquer q uestão” (ibid., 36-37). Q uando João, que tam b ém escreveu o Apocalipse (cf. 1.1), fala sobre a ressurreição literal dos “sep ulcros” (Jo 5.28), ele lem b ra o ensino de C risto de que h averá duas ressurreições d entro de u m a fu tu ra “h o ra ”119:
118Veja Volum e 1, capítulos 6 e 9.
119Isto é, um período indefinido de tem po que, mais tarde, ele especifica (Ap 20.4-6).
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Porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida [a primeira ressurreição]; e os que fizeram o mal, para a ressurreição da condenação [a segunda ressurreição] (vv. 28,29). Essas palavras seguem u m padrão quase universal ao se referirem à ressurreição no final dos tem pos120. A palavra “ressurreição” (gr. anastasis) nu n ca é usada n a Bíblia Sagrada para u m a ressurreição espiritual, mas sem pre significa um a ressurreição física dos m o rto s121. Existe u m reto rn o espiritual à vida cham ado de “regen eração” (T t 3.5-7; cf. E f 2.1), m as, de acordo co m a Escritura, esse reto rn o nu n ca é cham ado de ressurreição, pois não é u m a ressurreição, isto é, “voltar à vida n ov am en te”122; aqueles que m o rreram em pecado voltarão dessa m aneira — eles n u n ca viverão espiritualm ente123.
Objeção Nove: As Profecias São Simbólicas, visto que Usam uma Linguagem Simbólica M uitas passagens proféticas usam um a linguagem sim bólica, de m odo que os aliançalistas argu m entam que elas não devem ser entendidas com o se estivessem se referindo a eventos literais. Por exem plo, co m o Apocalipse 20 se refere a u m a “chave”, u m dragão e um a “cadeia”, eles conclu em que “m il anos” devem ser entendidos com o sendo espirituais e não literais.
Resposta à Objeção Nove Por um lado, existe uma interpretação errada dos símbolos que se referem às coisas literais124. Assim com o o sinal de parar se refere a um cruzam ento literal de ruas, a palavra “dragão” (v.2) se refere literalmente a Satanás. Por outro lado, os símbolos bíblicos são geralmente interpretados de maneira a possibilitar o entendimento do significado literal daquilo que estão simbolizando. João interpretou símbolos —por exemplo, as “sete estrelas” eram os sete mensageiros às sete igrejas (simbolizadas pelos “sete castiçais de ouro”, 1.20) —, e Jesus interpretou o simbolismo das parábolas para os Seus discípulos (por exemplo, cf. Mt 13.39).
Objeção Dez: O Antigo Testamento Deve Ser Entendido à Luz do Novo Testamento O am ilenarism o e o pós-m ilenarism o evitam o cu m p rim en to literal das profecias do Antigo Testam ento feitas a Israel sobre u m reino m ile n a r125. Eles usam o sistem a sacrificial do A ntigo Testam ento com o exem plo e afirm am que, u m a vez que Cristo o cum priu (1 Co 5.7; Hb 7—10), devem os entendê-lo através das lentes da C ruz. D a m esm a m aneira, co m o eles argu m entam que as promessas de te rra e de reino fo ram cum pridas em Cristo, interpretá-las com o tendo u m cu m p rim en to literal fu tu ro é, n a verdade, usar o Antigo Testam ento para interpretar o Novo. Allis criticou os dispensacionalistas alegando que “trata-se de um a interpretação defeituosa e literal da Escritura, pois, no im p ortan te cam po da profecia, ignora o caráter típico e preparatório da dispensação do A ntigo T estam en to”.
120 Cf. Daniel 12.2; Atos 24.15; Apocalipse 20.4-6. V olum e 3, parte i.
124Veja capítulo 12.
121Veja capítulo 7.
125Veja capítulos 12-14.
122 De anazao: ana , “novam ente”, e z a o , “viver”.
123Veja
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A afirm ativa de que “Israel sem pre significa Israel” e que as profecias do reino en tram “a b solu tam ente inalteradas” n o N ovo Testam ento leva à im ediata e inevitável conclusão de que o “reino dos céu s” que João Batista an un ciou que havia “ch egad o” era u m reino te rre n o , político e nacional dos judeus
(PC, 256).
Resposta à Objeção Dez P rim eiro, isso é p r e c is a m e n te o q u e “a a f ir m a tiv a ” sig n ifica, isto é, u m a e x ig ê n cia
n o r m a l , lite ra l e d e s e n so c o m u m d a h e r m e n ê u ti c a . Segundo, a a le g a ç ã o d e q u e Israel n ã o sig n ifica Israel, e q u e as p ro fe cia s literais d o
r e in o p o d e m s e r in te r p r e ta d a s c o m o sig n ifica n d o u m re in o e sp iritu a l, le v a im e d ia ta e in e v ita v e lm e n te a o a m ile n a r is m o (e t a m b é m a u m “c o n f u s io n is m o ”) . T erceiro, a h e r m e n ê u t i c a a m ile n a r é, ao m e s m o t e m p o , r e t r o a t i v a e n ã o -b íb lica .
P o r u m la d o e la p e r p e tu a u m e r r o d e c a te g o r ia , p ois n e m to d a s as p re v is õ e s d o A n tig o T e s ta m e n to e r a m sím b o lo s. O s is te m a sacríficial r e a l m e n t e a p on tava p a r a C r is to e e ra u m tip o ; is to é, e r a u m s ím b o lo q u e a n te c ip a v a o a n títip o q u e iria c u m p r i -l o (cf. Jo 1.29; 1 C o 5 .7 ). U m a a lia n ça , a o c o n tr á r i o , n ão é u m tip o q u e a p o n ta p a r a o seu p r ó p r io c u m p r i m e n t o ; e u m a a lia n ç a in c o n d ic io n a l ( c o m o a a lia n ç a a b r a â m ic a o u a d av íd ica), q u e é d ife re n te d e u m a a lia n ç a c o n d ic io n a l ( c o m o a a lia n ça m o s a i c a ) , n u n c a t e r á o seu e fe ito su sp e n so , m a s t u d o o c o r r e r á c o n f o r m e f o r a p re v is to . E m a c r é s c im o , o A n tig o T e s ta m e n to n ã o d e v e se r in te r p r e t a d o à lu z d o N o v o T e s ta m e n to p o r q u e e s c rito s p o s te r io r e s , in sp ira d o s o u n ã o , n ã o m u d a m o sig n ificad o d o s e s c rito s a n te r io r e s 126. S e u sig n ificad o é o b je tiv o e a b s o lu to 127; u m t e x t o sig n ifica a q u ilo q u e o a u t o r d e se ja q u e ele sig n ifiq u e, n a d a m a is n a d a m e n o s . A u to r e s p o s te r io r e s p o d e m a c r e s c e n t a r m a is in f o r m a ç õ e s s ò b re o m e s m o tó p ic o , m a s n ã o p o d e m m u d a r se u sig n ifica d o . A lé m d isso, e m r e la ç ã o ao s e s c r ito s q u e f o r a m in sp ira d o s, D e u s p o d e c o n h e c e r , e c o n h e c e , m a is so b re o t ó p ic o (e v ê m a is im p lic a ç õ e s ) q u e se u c o - a u t o r h u m a n o 128, m a s a m b o s a fir m a m e x a t a m e n te a m e s m a c o is a n o m e s m o t e x to . C o n s e q ü e n t e m e n te , a h e r m e n ê u t i c a r e t r o a t i v a e s tá s e r ia m e n te m a l d ir e c io n a d a e m r e la ç ã o às p ro m e s s a s e às p ro fe cia s d o A n tig o T e s ta m e n to q u a n to a Israel — e la n ã o é e x e g é tic a , m a s e ise g ética. A re v e la ç ã o d o N o v o T e s ta m e n to n ã o m u d a o sig n ificad o d esses te x to s ; p o d e lh e s d a r m a io r e s im p lic a ç õ e s d o q u e o a u t o r o rig in a l t in h a e m m e n t e , e m a is in f o r m a ç õ e s so b re o t ó p ic o q u e e stá s e n d o d iscu tid o , m a s n ã o p o d e m u d a r seu sig n ifica d o , d e m o d o q u e a q u ilo q u e e sta v a re s e rv a d o p a r a Israel estiv esse se c u m p r i n d o a g o r a n a ig re ja . Is to n ã o q u e r d iz e r q u e os e s c r ito re s n ã o p o s s a m p e sq u isa r seu s e s c r ito s p a ra e n c o n t r a r im p lic a ç õ e s d a q u ilo q u e eles n ã o h a v ia m p e rce b id o q u a n d o f o r a m e s c rito s . O s a u to r e s d a E s c r i t u r a p o d ia m e fa z ia m isso (c f. 1 P e 1 .1 0 -1 2 )129. E s ta m o s a fir m a n d o q u e e les d iz ia m a q u ilo q u e D e u s dizia, e q u e o sig n ificad o d as p a la v ra s q u e tr a n s m i ti a m e r a o sig n ifica d o q u e o S e n h o r D e u s q u e ria t r a n s m itir . A q u e le t e x t o q u e fo i in sp ira d o te m 126 V eja c a p ítu lo 12.
127V e ja V o lu m e 1, c a p ítu lo 10.
128 V e ja V o lu m e 1, ca p ítu lo s 14-15, e V o lu m e 2, c a p ítu lo 10.
129 “D a
q ual salvação inquiriram e trataram diligentemente o s p ro feta s q u e p ro fe tiz a ra m da g ra ça q u e v os foi dada, in d agan d o que te m p o o u q u e o casião de te m p o o E sp írito de C risto , q ue estava n e les, indicava, a n te rio r m e n te testifica n d o os so frim e n to s q u e a C risto h aviam de v ir e a g ló ria q u e se lh e s h avia d e segu ir. A os quais fo i revelado que, não para si mesmos, mas para nós [os crentes da era da igreja], eles m in istra v a m estas coisas q ue, agora, vos fo ra m an u n ciad as p o r aqueles q u e, p e lo E sp írito S a n to enviado do c é u , vos p reg a ra m o e v a n g e lh o [...]”
974 #
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
u m significado inspirado tanto pelo au tor divino co m o pelo au tor hu m an o. Portan to, o A ntigo Testam ento deve ser interpretado à sua própria luz; e qualquer que seja o significado do texto n o con texto em que foi escrito p o r aqueles autores àquelas pessoas, ele ainda terá exatam ente o m esm o significado.
Objeção Onze: A Nova Aliança Está Cumprida na Igreja Eis que dias v êm , diz o S enhor, em que farei um concerto novo com a casa de Israel e com a casa de Judá. N ão co n fo rm e o co n certo [m osaico] que fiz co m seus pais, n o dia em que os tom ei pela m ã o , p ara os tirar da te rra do Egito, p orqu anto eles invalidaram o meu concerto, apesar de eu os h aver desposado (Jr 31.31,32).
Hebreus parece dizer que esse texto foi considerado cumprido na igreja: “Se aquele primeiro fora irrepreensível, nunca se teria buscado lugar para o segundo [...] Dizendo novo concerto, envelheceu o primeiro. Ora, o que foi tomado velho e se envelhece perto está de acabar” (8.7,13).
Resposta à Objeção Onze Não é que a nova aliança ten ha sido feita com Israel e cum prida na igrej a; ela foi feita com Israel e tam bém aplicada à igreja130. N ovam ente, o fato de existirem gentios que herdaram as bênçãos espirituais prometidas por Deus através de Abraão de m aneira n en h u m a pode anular as promessas materiais incondicionais feitas aos seus descendentes físicos.
Objeção Doze: Interpretar literalmente Ezequiel 40—48 Contradiz Hebreus 8—10 A parentem ente, Ezequiel está dizendo que no período messiânico o sistem a sacrificial judaico anterior a Cristo será reinstituído. M uitos pré-m ilenaristas entendem isso de m aneira literal. Na verdade, se não agissem assim, poderiam estar sendo inconsistentes com a sua própria h erm enêutica131. Pois o Novo Testam ento, em geral, e o livro de Hebreus, em particular, são enfáticos no sentido de que Cristo elim inou para sem pre a necessidade de sacrifícios com animais; voltar a esse sistem a seria negar a suficiência do Seu sacrifício final e derradeiro, que, na verdade, alcançou plenam ente os seus objetivos: Tem os sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita u m a vez. E assim todo sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os m esm os sacrifícios, que n unca p odem tirar pecados; m as este, havendo oferecido u m único sacrifício pelos pecados, está assentado para sem pre à destra de Deus, daqui em diante esperando até que os seus inimigos sejam postos p or escabelo de seus pés. Porque, co m u m a só oblação, aperfeiçoou para sem pre os que são santificados [...] Ora, onde h á remissão destes, n ão há mais oblação pelo pecado [...] Porque, se pecarm os voluntariam ente, depois de term os recebido o conhecim ento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados (Hb 10.10-14,18,26).
Resposta à Objeção Doze Os pré-m ilenaristas têm respondido a essa objeção de duas m aneiras básicas: alguns a entendem sim bolicam ente, e outros a aceitam literalm en te132. 1301 C o rín tio s 11.25; cf. G ênesis 12.3;Isaías 11.10; 62.2; A m ó s 9.11,12; R o m a n o s 4 .9-11.
131V eja c a p ítu lo 12.
132V e ja N o r m a n
L. G e isle r e T h o m a s H ow e, When Critics A sk (G ra n d Rapids: B a k er, 1992), 288-90; e J o h n W alvoord e R o y Z u c k , eds., The Bible Knowledge Commentary ( C o lo ra d o Sp rin g s: V ic to r, 1983), 1.1305.
A SEGUNDA VINDA E O MILÊNIO
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A In terp retaçã o S im b ó lic a
A q u e le s q u e a r g u m e n t a m a f a v o r d e u m a i n t e r p r e t a ç ã o s i m b ó li c a a f i r m a m q u e d e v e m o s e n t e n d e r esses s a c r if íc io s c o m o s ím b o lo s o u p r e n ú n c i o s d a q u ilo q u e fo i c u m p r i d o n o s a c r if íc io c o m p l e t a m e n t e s u f i c i e n t e d e C r is t o ( 1 0 .1 - 1 8 ) . E le s d ã o as r a z õ e s s e g u in te s . P rim eiro, c o m o C r is to c u m p r i u lit e r a l m e n t e esses tipos, eles in s is te m q u e , n esse ca so ,
u m a in t e r p r e t a ç ã o s im b ó lic a n ã o d eixa d e la d o u m a i n t e r p r e t a ç ã o h is tó r ic o -g r a m a tic a l. A l é m disso, e la n ã o p e r m i t e u m a f u t u r a e sp iritu a liz a ç ã o e m r e la ç ã o à ig r e ja e a Is ra e l133, p ois esses não e r a m tip o s q u e f o r a m c u m p r id o s p o r m e io d a o b r a d e C ris to . S egu n d o, fa z ia s e n tid o q u e E z e q u ie l fa la sse d o f u t u r o t e m p l o u s a n d o t e r m o s q u e
p e r m i t is s e m q u e o s isra e lita s d e ssa é p o c a o e n te n d e s s e m ( o q u e in c lu ía o s s a crifíc io s d e a n im a is ) 134. T erceiro, o liv ro d e H e b re u s e n s in a q u e o sa crifício d e C r is to ab o liu o a n tig o s is te m a d e
sa crifício s e d e s a c e r d ó c io d o A n tig o T e s ta m e n to ( 8 .8 -1 0 ) ; e n te n d e r E z e q u ie l l ite r a lm e n te c o n tr a d iz o N o v o T e s ta m e n to . Q uarto, A p o ca lip se
d e s c re v e a f u t u r a cid a d e ce le stia l s e m
nenhum
t e m p lo
ou
sa crifício s, s o m e n t e C r is to , o C o rd e iro (2 1 .2 2 s s .). Q uinto, E z e q u ie l r e t r a t a os g e n tio s c o m o t e n d o sid o e x p u ls o s d o t e m p lo d e Isra e l, o
q u e c o n tr a r i a o e n s in a m e n to d o N o v o T e s ta m e n to d e q u e os g e n tio s e os ju d e u s são u m e m C r is to (cf. G 1 3 .2 6 ; E f 2 .1 2 -2 2 ). N a o b r a T h e T h e o c ra tic K in g d o m , o a u t o r G e o r g e P e te rs d e fe n d e u u m a te o r ia n ã o -lite r a l (s im b ó lic a ) p a r a esses sacrifício s e m E z eq u iel: T rata-se de u m a figura de lin gu agem ch a m a d a [...] “h ip o catástase”, pela qual u m a coisa é em p reg ad a c o m o su b stitu ta ou equivalente p ara a o u tra . Essa figura é em p reg ad a pelo p ro fe ta p a ra re tr a ta r u m fu tu ro sacerd ó cio , u sand o, p ara esse p ro p ó sito, o sacerd ó cio en tão co n h e cid o , e x a ta m e n te c o m o os fu tu ro s inim igos de D eus são apresentados sob os n om es de M oabe, Babilônia e tc, co rresp o n d en d o aos inim igos e n tão existentes (Peters, T K , 3.89). A In terp retaçã o L itera l
O s p ré -m ile n a r is ta s , q u e e n te n d e m
lit e r a l m e n t e as re fe rê n c ia s d e E z e q u ie l aos
sa crifício s d e a n im a is, o f e r e c e m as s e g u in te s ra z õ e s p a r a essa in t e r p r e t a ç ã o . Prim eiro, se n ã o fosse assim , eles e s ta ria m v io la n d o o p a d rã o d a h e r m e n ê u ti c a h is tó ric o -
g r a m a tic a l135, e a d o ta n d o a m e s m a in co n sis tê n cia q u e a trib u e m aos n ã o -p ré -m ile n a ris ta s . S eg u n d o , a t e o r i a s i m b ó li c a a b re r e a l m e n t e a p o r t a p a r a u m a f u t u r a e s p ir it u a li z a ç ã o
da
p ro fe c ia ,
com o
os
a m i l e n a r is t a s
p ra tic a m
ao
a firm a re m
que
a
ig re ja
do
N o v o T e s t a m e n t o é o c u m p r i m e n t o d e t o d a s as p r o m e s s a s a o I s ra e l d o A n tig o T e s t a m e n t o 136. T erceiro, o p o n t o d e v is ta s im b ó lic o e n te n d e ile g itim a m e n te o sig n ificad o d o N o v o
T e s ta m e n to d e n tr o d o t e x t o d o A n tig o T e s ta m e n t o , e m v e z d e e n te n d e r o t e x t o d o A n tig o T e s ta m e n to e x a t a m e n te c o m o fo i e s c r it o 137.
133Por exem plo, as promessas de terra feitas a A braao—veja Gênesis 12,15,17. 134Por exem plo, considere tam b ém as arm as primitivas de gu erra usadas para falar de (m odernas) arm as futuras e literais (e m Ez 39).
135Veja capítulo 12.
136Veja capítulo 14.
137 O p. cit.
976 <ü
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Quarto, os sacrifícios previstos por Ezequiel138 podem apontar retroativamente para a C ruz, assim com o os sím bolos do Antigo Testam ento apontaram futuramente para ela. Quinto, Ezequiel apresenta u m a descrição extrem am en te detalhada, com num erosas medidas e cenas históricas que não se encaixam em u m a interpretação alegórica: “Em se tratando de profecias sobre o serviço a Deus em um fu tu ro tem plo na época do Messias, em num erosos lugares elas têm tantos detalhes que para qualquer leitor im parcial fica com p letam en te excluído qualquer significado espiritual” (Sauer, EE, 179). Sexto, Ezequiel não está sozinho ao fazer essa previsão. M uitas outras passagens do A ntigo Testam ento falam de “oferecer sacrifícios” no Milêniom . Sétimo, até os judeus cristãos da igreja do Novo Testam ento praticavam a adoração no tem p lo (A t 2.46; 3.1; 5.42), inclusive o sacrifício de animais (21.26). Oitavo, se essa passagem fosse espiritualizada, então nos m esm os term os a m aioria das profecias do Antigo Testam ento poderia ser espiritualizada, inclusive as que são obviam ente literais, com o sobre a prim eira vinda de Cristo. C om o já sabem os, pelo seu cu m p rim en to, que eram literais, o m esm o se aplica à Sua segunda vinda. Xono, a E scritura faz u m a distinção en tre Israel e a igreja (1 Co 10.32; R m 9.3,4). Promessas específicas feitas a Abraão e seus descendentes literais (p o r exem plo, G n 12.13) não são cum pridas na igreja, mas serão cum pridas no fu tu ro (cf. R m 11; Ap 20). Décimo, o retrato em Apocalipse 21 n ã o é o do M ilênio (cf. Ap 20), mas de u m estado etern o que se seguirá a ele. A previsão de Ezequiel (40—48) será cum prida no M ilênio; mais tarde, no novo céu e na nova terra, não haverá tem plos ou sacrifícios. Décimo primeiro, os sacrifícios m encionados em Ezequiel não têm o significado de expiaçãoHÍ); eles são de natu reza memorial. C o m o a Ceia do Senhor, eles são retroativos e lem b ram a obra realizada por C risto n a C ru z141. Décimo segundo, a celebração da Santa Ceia term in ará na Segunda Vinda (1 Co 11.26). Depois disso, Israel será restaurado (R m 11.25-27), ju n ta m e n te com seus sábados e sacrifícios, que estarão com ele durante o M ilên io142. Décimo terceiro, o restante da profecia de Ezequiel será cum prida no reino literal de m il anos de Cristo (Ap 20.1-7), quando Ele estará sentado n u m trono, tendo Seus doze apóstolos regendo ao Seu lado (M t 19.28). Assim sendo, há razão para entender a profecia sobre os sacrifícios co m o sendo tam bém literal. Décimo quarto, com o observam os anteriorm ente, o A ntigo Testam ento não previu com o os judeus e os gentios iriam se reu n ir143, mas profetizou que os gentios seriam abençoados (cf. Is 11.10-16). A apresentação de Ezequiel não exclui essa revelação posterior. Décimo quinto, Hebreus (8—10) fala sobre abolir os sacrifícios de animais em u m sentido expiatório, e não com o u m a observância memorial. De o u tra m aneira, o uso do pão e do vinho para sim bolizar o corpo e o sangue de Cristo não seria legítim o — estes sím bolos não deixam de ser legítim os, pois fazem parte de u m m an d am ento destinado aos crentes da era da ig reja144. Ou o próprio profeta estava enganado nas suas expectativas de um futuro serviço no templo, e a sua profecia nunca irá se cumprir da forma como ele mesmo a entendia; ou
138 Estes serão realizad os d u ra n te o M ilê n io ; v e ja “S e x to ” e “S é tim o ”, abaixo. Jerem ias 33.18; 33.15-22; Z acarias 14.16-21; M alaq u ias 3.3,4. C o rín tio s 11.23-26.
142V e ja “S e x to ” , acim a.
1,9 Por e x e m p lo , cf. Isaías 56.7; 66.20-23;
140 V eja V o lu m e 3, c a p ítu lo s 9 e 11.
141 Ibid.; v e ja ta m b é m 1
143V e ja p a r te 1; cf. Efésios 3.4-6; cf. C o lo ssen ses 1.26,27.
144V eja ca p ítu lo 5.
A SEGUNDA VINDA E O MILÊNIO
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Deus, na época do Messias, cumprirá literalmente essas profecias do templo de acordo com o seu sentido literal (Sauer, EE, 181). E n t r e t a n t o , o u a i n t e r p r e t a ç ã o s im b ó lic a o u a lite ra l re s p o n d e r ia m à o b je ç ã o d e q u e os sa crifício s d e a n im a is p re v is to s p o r E z e q u ie l são in c o n s is te n te s c o m o e n sin o d o N o v o T e s ta m e n t o , p ois p o d e r ia m s e r e n te n d id o s lit e r a l m e n t e e m u m s e n tid o m e m o r i a l (se n ã o e s p iritu a l).
Certamente, a epístola aos Hebreus diz: “Onde há remissão destes, não há mais oblação pelo pecado” (10.18). Mas isso não prova, de maneira nenhuma, que não poderá haver mais atos simbólicos no serviço divino depois da obra redentora de Cristo (ibid., 183). T a n to o b a tis m o c o m o a C e ia d o S e n h o r e stã o m u i to a lé m d e se r m e r a m e n t e sim b ó lic o s , e e s tã o a sso cia d o s a o r e c e b i m e n to d a b ê n ç ã o d iv in a (1 C o lO .ló -Z l)143. A lé m d isso, e n te n d e r essas p ro fe cia s e s p ir itu a lm e n te c o m o t e n d o sid o c u m p r id a s e m C r is to não o fe n d e u m a h e r m e n ê u t i c a lite ra l, e a b re a p o r t a p a r a o u t r a e sp iritu a liz a ç ã o ; ta l c o n c e it o p r e s e r v a u m a i n t e r p r e t a ç ã o lite ra l n o s e n tid o d e q u e C risto, lite r a l e fis ic a m en te, realizou esses s a c r ifíc io s 146. P o r ta n t o , e n te n d e r q u e os sacrifício s d o A n tig o T e s ta m e n t o f o r a m
p u rific a d o s a tra v é s d a C r u z e lit e r a l m e n t e re a liz a d o s n o sacrifício lite ra l d e C r is to n ã o re p r e s e n ta u m a v io la ç ã o à h e r m e n ê u t i c a lite ra l, i n d e p e n d e n te m e n te d e q u al seja a i n t e r p r e t a ç ã o lite ra l p re fe rid a .
Objeção Treze: Atos 15.14-18 É Contrário ao Pré-Milenarismo [Tiago disse:] Simão relatou como, primeiramente, Deus visitou os gentios, para tomar deles um povo para o seu nome. E com isto concordam as palavras dos profetas, como está escrito: Depois disto, voltarei e reedificarei o tabernáculo de Davi, que está caído; levantá-lo-ei das suas ruínas e tornarei a edificá-lo. Para que o resto dos homens busque ao Senhor, e também todos os gentios sobre os quais o meu nome é invocado, diz o Senhor, que faz todas estas coisas que são conhecidas desde toda a eternidade. Allis a r g u m e n to u q u e esse t e x to a p re s e n ta u m sério p ro b le m a p a ra os d isp en sacio n alistas p ré -m ile n ia is, p ois id en tifica o te m p o q u e foi p ro fe tiz a d o p a ra a b ê n çã o d os g e n tio s 147 c o m a e ra d a igrej a: “S e a c ita ç ã o d e T ia g o se re fe re à igrej a cristã , a ale g a ç ã o d os d isp en sacio n alistas de q u e a p ro fe cia p assa p o r c im a d a e ra d a ig re ja n ã o p o d e ser m a n tid a , e é d ire ta m e n te c o n te s t a d a p o r essa p a ssa g e m ” (P C , 147). Se ela n ã o se re fe re à igrej a, e n tã o “é difícil a c re d ita r q u e T ia g o te ria e n c o b e r to essa q u e stã o c ita n d o u m a p a ssa g e m d o A n tig o T e s ta m e n to q u e n ã o o fe re c e s u p o r te a o a s s u n to sob c o n s id e ra ç ã o ” (ibid. 148). R e s u m in d o , o u a r e c o n s t r u ç ã o d o ta b e r n á c u lo d e D avi se re f e re à e r a d a ig re ja , o u n ã o se re f e re . Se assim fo r, d e m o d o c o n tr á r i o a o d isp e n s a c io n a lis m o tr a d ic io n a l, a ig re ja foi p re v is ta n o A n tig o T e s ta m e n t o . M as, se esse n ã o fo r o c a s o , e n tã o r e c o n s t r u ir o ta b e r n á c u lo d e D avi p a r e c e se r ir r e le v a n te p a ra a q u e s tã o q u e T ia g o e s tá d e fe n d e n d o , a sab er, q u e os g e n tio s p o d e m s e r salv o s c o m o g e n tio s (s e m a c ir c u n c is ã o ).
145 Ibid.
145 C o m o c o n tra s te , n ã o te m sen tid o d izer q u e as alian ças a b ra â m ica e davídica se c u m p r ira m n o sa crifício de
C risto n a C ru z, p ois elas e x ig em u m M ilê n io p a ra s e re m cu m p rid a s.
H7 V eja A m ó s 9.11,12.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Resposta à Objeção Treze Os dispensacionalistas responderam de várias maneiras, dependendo da sua perspectiva. 0 Dispensacionalismo Progressivo Responde: Cumprimento Espiritual Agora/Cumprimento Literal Mais Tarde
O dilem a colocado pelo am ilenarism o não se aplica ao dispensacionalismo progressivo, que aceita que Cristo está espiritualm ente no trono de Davi agora148, mas que retornará mais tarde para cum prir os aspectos políticos da prom essa149. Em bora essa se j a um a possível explicação de Atos 15.16-18, o dispensacionalismo progressivo, com o u m sistema, enfrenta problem as significativos ao se defender, tanto h erm enêutica com o biblicam ente150. 0 Dispensacionalismo Tradicional Responde: Um Argumento Extraído da Analogia Alguns dispensacionalistas tradicionais entendem a afirm ação de Tiago com o um a referência à fu tu ra bênção (m ilen ar) de Israel, e observam que ela é u m simples argum ento por analogia. Por exem plo, se Deus pode abençoar os gentios no reino fu tu ro (o M ilênio), Ele certam ente poderá fazer o m esm o agora. Alguns têm m encionado, co m o justificativa, que “co m isto concord am as palavras dos profetas” (A t 15.15). O utros concord am com a obra The Bible Knowledge Commentary (W alvoord e Z u ck ), que apresenta vários pontos interessantes para u m tradicional enten dim en to dispensacional desse texto: [Primeiro,] Tiago não disse que Amós 9.11,12 se cumpriu na igrej a; ele simplesmente afirmou que aquilo que estava acontecendo na igreja estava totalmente de acordo com os profetas do Antigo Testamento. [Segundo,] o ponto principal de Tiago é bastante claro: a salvação dos gentios, independentemente da Lei, não contradiz os profetas do Antigo Testamento. [Terceiro,] as palavras depois disso não constam no Texto Massorético (hebraico) nem na Septuaginta (AT grego); ambos trazem “naquele dia” (2.394). P ortanto, a objeção dos am ilenaristas está errada —não existe n e n h u m “depois disso” no texto original de Am ós para indicar que ele está profetizando a era da igreja. 0 Dispensacionalismo Modificado Responde: 0 Antigo Testamento Profetizou a Bênção dos Gentios para essa Era, mas não o Mistério da Igreja Ainda que Atos 15.14-18 fosse u m a referência direta à era da igreja (e não u m argu m ento por analogia), não existe aqui n e n h u m dilem a real para o dispensacionalism o m odificado, pois não nega que o m istério da igreja (do qual Paulo falou ) não era previam ente con h ecid o151. P a rece q u e , n o c o n te x to , essa p a ssa g em fo r n e c e u m s u p o rte su b sta n cia l p a ra o d is p e n s a c io n a lis m o m o d ifica d o . Prim eiro, com eça com a afirmação de que Pedro m ostrou com o “primeiramente, Deus visitou os gentios, para tom ar deles um povo para o seu nom e”. Isso foi demonstrado em princípio por Pedro (At 10) e na prática pelos atos da assembléia de Jerusalém (A t 15)152. Esse mistério com o tal não foi assim previsto, isto é, que os gentios iriam receber a salvação durante essa época atuál.
148 D esd e a A scen são; v e ja V o lu m e 2, ap ên dice 1. resp e ctiv a m en te .
H9 N a S eg u n d a V ind a; v e ja acim a. 150 V eja ca p ítu lo s 12 e 13,
151 V eja c a p ítu lo s 1-2; cf. Efésios 3 .3 -5 ; C o lo ssen ses 1.26,27; R o m a n o s 16.25.
152V eja c a p ítu lo 4.
A SEGUNDA VINDA E O MILÊNIO'
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Segundo, as palavras depois disso153 p od eriam ser a m an eira de Tiago indicar que as palavras “n aqu ele dia”154 estavam indicando u m tem p o depois dessa época, a saber, u m tem p o de tribu lação ao qual A m ós se refere (9.8-10). T erceiro, a fra se “v o lta r e i e re e d ifica re i o ta b e r n á c u lo d e D av i, q u e e stá c a íd o ” p o d ia ser
u m a re f e rê n c ia à s e g u n d a v in d a d e C r is to p a r a r e s ta u r a r a a lia n ç a d a v íd ica n o M ilê n io .
Objeção Quatorze: O Milênio Seria uma Mistura de Povos Mortais e Imortais D e a c o r d o c o m o p r é - m i le n a r i s m o , o M ilê n io t e r á m o r ta i s e im o r ta is a o m e s m o te m p o ; a lg u n s q u e já r e s s u s c ita r a m e a lg u n s a in d a n ã o r e s s u s c ita d o s 155. A q u e le s q u e já r e s s u s c ita r a m n ã o p o d e m t e r filh o s ( M t 2 2 .3 0 ), e n q u a n to aq u eles q u e a in d a n ã o r e s s u s c ita r a m p o d e m e te r ã o filh o s (v e ja Is 6 5 ). O s re s s u s c ita d o s s e r ã o p e rfe ito s e p u ro s , o s o u tr o s , n ã o . O s a m ile n a r is ta s in s is te m q u e essa m i s t u r a é im p ro v á v e l e n ã o t e m base e s c r itu ra i.
Resposta à Objeção Quatorze N ã o e x is te n e n h u m a r a z ã o p e la q u al os m o r ta i s e o s im o r ta is n ã o p o s s a m se m i s t u r a r n o M ilê n io . O s im o r ta is t e r ã o c o r p o s físicos e p o d e r ã o c o m e r e b e b e r156, d a m e s m a m a n e i r a c o m o Jesu s fez d ep o is d a S u a r e s s u r r e iç ã o (c f. L c 2 4 .3 6 -4 3 ; A t 1.3). Jesu s ta m b é m ja m a is p e c o u e v iv e u d u r a n t e c e r c a d e t r i n t a e trê s a n o s j u n to c o m os p e c a d o r e s . N o m á x i m o , isso iria e n c o r a j a r os p e c a d o r e s m o r ta i s a v iv e r e m j u n t o c o m os im o r ta is p u r o s , c o n te m p l a n d o e a n a lis a n d o a s u a v id a (c f. 1 Jo 3 .1 -3 ). A lg u n s d isp en sacio n alistas a f ir m a m q u e a ig re ja n ã o irá re in a r c o m C ris to d u r a n te o M ilê n io , m a s q u e s e rã o os S eu s serv o s celestiais, q u e p o d e rã o ( c o m o a n jo s ) v isitar a te r r a d e s e m p e n h a n d o m issõ es divinas. Os v e rsícu lo s 4 e 5 de A p o calip se 20, q u e fa la m ap enas q u e os sa n to s d a T rib u la çã o se rã o ressu scitad o s p a ra re in a r n o M ilê n io 157 e q u e a n a tu r e z a d a ig re ja é fo r m a d a p e lo p o v o celestial d e D e u s 158, são u sad o s p a ra a p o ia r essa visão, q u e é difícil de re c o n c ilia r c o m o u tra s refe rê n cia s feitas ao s c r e n te s d a e ra d a ig re ja re in a n d o c o m C ris to d u r a n te o M ilê n io 159.
Objeção Quinze: O Pré-Milenarismo Estabelece Datas que não São Bíblicas A lg u n s p r é -m ile n a r is ta s t ê m a b e r ta m e n te e sta b e le cid o d a ta s p a r a a S e g u n d a V in d a. L iv ro s q u e f a z e m u m a c o n ta g e m p a r a o A r m a g e d o m p r o v a r a m c o n te r u m a m ir ía d e de falsas p ro fe cia s. O u tr o s d e r a m ( p o r e x e m p l o ) “88 ra z õ e s p o r q u e C r is to irá v o l t a r e m 1 9 8 8 ” (E le n ã o v e io ). Isso n ã o é m u i t o m e l h o r d o q u e aq u elas seitas q u e r e p e tid a m e n te e m i t ir a m falsas p ro fe cia s so b re o E sch aton . D e v e a té t e r h a v id o p r é -m ile n a r is ta s q u e d e ix a r a m seu s e m p r e g o s e p a r a r a m d e p la n e ja r p a r a o f u t u r o p o r e s t a r e m co n v e n c id o s de q u e C r is to v iria d e n tr o d e u m c e r to p e río d o .
Resposta à Objeção Quinze P rim eiro,
devem os
re co n h e ce r
que
a lg u n s
p ré -m ile n a ris ta s
a d o ta ra m
um
e s ta b e le c im e n to d e d a ta s q u e n ã o é b íb lico . E n t r e t a n t o , m u i to s a c r e d i ta m q u e, c o m o a v in d a d e C r is to é im in en te, is to se t o r n a in c o n s is te n te c o m a su a p ró p r ia t e o r i a 160.
153 Novamente, isto não está no texto originai de Amós 9.11. capítulo 7.
157Veja capítulo 16.
158Veja parte 1.
154 Isto está no texto original.
155 Cf. capítulos 7 e 16.
159 Por exemplo, Mateus 19.28; Lucas 19.19; 22.29.
156Veja
160Veja capítulo 16.
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Segundo, Jesus disse que ning u ém sabe o “dia”, a “h ora”, o “m o m e n to ” ou as “estações” (M t 24.36; A t 1.7) do Seu retorn o, e isso cobre todo o grupo dos term os “tem porais”. Tercem, infelizm ente, alguns não-pré-m ilenaristas fizeram o m esm o: “Alguns escritores pós-m ilenaristas, assim com o outros, co m eteram o m esm o erro. O Dr. Snow den (n a obra The Corning o f the Lord), por exem plo, depois de m o strar claram ente os erros da determ inação de datas dos pré-m ilenaristas, e de defender u m im in ente reto rn o de Cristo, passou a co m eter o m esm o tipo de erro ao entender que o m ilênio estava com eçand o a despontar” (B o ettn er, M M FV, 130). Quarto, o abuso com etido p or qualquer p o n to de vista não é prova de que esse ponto de vista seja falso. U m pré-m ilenarism o inconsistente não prova a falsidade de u m prém ilenarism o consistente.
CONCLUSÃO As bases bíblica, teológica e histórica para o p ré-m ilenarism o são sólidas. O pré-m ilenarism o está fundam entado em u m a h erm en êu tica consistente e literal. A Bíblia, assim entendida, baseada nas incondicionais alianças co m Abraão e Davi, aponta para u m reino m essiânico terreno, político e literal. Jesus ofereceu esse reino aos judeus, mas eles o rejeitaram . Jesus estabeleceu u m reino espiritual (do qual a igreja faz parte), que está à espera do dia em que Ele irá restaurar o reino político de Israel com o havia sido prom etido. Isso irá oco rrer na Segunda Vinda (Ap 19), quando Ele irá estabelecer u m reinado de m il anos (20), depois do qual D eus irá reinar por toda a eternidade no novo céu e n a nova terra (21—22). Negar essa afirm ação é renun ciar a u m a consistente aplicação da h erm en êu tica histórico-gram atical; e se o m étod o alegórico fosse aplicado a o u tra passagem da Escritura, isso m inaria todo o cristianism o evangélico. Para concluir, e considerando a im portân cia h erm en êu tica do pré-m ilenarism o, observam os que, com exceção dos preteristas extrem o s161, todos os evangélicos, ju n tam e n te co m a ortod oxia clássica através dos séculos, no O cidente e no O riente, confessam que C risto irá literalm ente reto rn a r à terra com o m esm o corpo físico com o qual Ele m o rreu e ascendeu ao céu. Esse c o n ju n to essencial não deve ser esquecido em m eio a todas as diferenças relacionadas com a ordem dos eventos que cercam a Segunda Vinda física, u m dos seis grandes fundam entos da fé.
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A SEGUNDA VINDA E O MILÊNIO
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C APÍTULO
DEZESSEIS
A TRIBULAÇÃO E O ARREBATAMENTO
ara a finalidade desta discussão, a Tribulação é u m período de sete anos que terá lugar no fim dos tem pos. Existem vários pontos de vista sobre a Tribulação, e a m aioria deles, exceto o preterism o, fazem parte de u m debate in tern o entre os pré-m ilenaristas. A Tribulação é considerada co m o sendo o tem po de provações e ju lg am en to, sem precedentes, pouco antes do reto rn o de Cristo à terra. A pergunta principal se con cen tra no arrebatam ento dos crentes, e se ele terá lugar antes, durante ou depois da
P
T ribu lação1.
A NATUREZA DA TRIBULAÇÃO A natu reza da tribulação, ou, mais apropriadam ente, a “septuagésim a sem ana” de D aniel, está baseada em um a profecia sobre um período fu tu ro de sete anos, em D aniel 9. Falando n o con texto do cativeiro dos setenta anos na Babilônia (9.2), Gabriel declara que “setenta sem anas” (de anos) serão determ inadas sobre Israel (v. 24). Jesus se referiu a esta passagem no Serm ão do M onte das Oliveiras, forn ecend o u m esquem a básico destes acontecim entos (M t 24.4ss.), mas som en te o livro do Apocalipse fala sobre eles co m detalhes.
Moisés Predisse a Tribulação do Fim dos Tempos para Israel Guardai-vos de que vos esqueçais do concerto [mosaico] do Senhor, vosso Deus, que tem feito convosco, e vos façais alguma escultura, imagem de alguma coisa que o Senhor, vosso Deus, vos proibiu. Porque o Senhor, teu Deus, é um fogo que consome, um Deus zeloso. Quando, pois, gerardes filhos e filhos de filhos, e vos envelhecerdes na tem, e vos corromperdes, e fizerdes alguma escultura, semelhança de alguma coisa, efizerdes mal aos olhos do Senhor, para oprovocar à ira, hoje, tomopor testemunhas contra vós o céu e a terra, que certamente perecereis depressa da terra, a qual, passado oJordão, ides possuir; nãoprolongareis os vossos dias nela; antes, sereis de todo destruídos. E o Senhor vos espalhará entre ospovos, eficareis poucos em número entre as gentes às quais o Senhor vos conduzirá. E ali servireis a deuses que são obra de mãos de homens, madeira e pedra, que não vêem, nem ouvem, nem comem, nem cheiram. Então, dali, huscarás 1 O s p o n to s de vista esp ecífico s so b re a T rib u la ç ã o e o A rre b a ta m e n to — o p re te ris m o , o p r é -trib u la c io n is m o , o p o n to d e vista do a rre b a ta m e n to p a rcia l, o m id itrib u la c io n ism o , o p o n to de vista da p ré -ira , e o p ó s -trib u la c io n is m o — serão tratad o s depois q u e tiv e rm o s e x a m in a d o a T rib u la ç ã o e o A rre b a ta m e n to .
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
ao Senhor, teu Deus, e o adiarás, quando o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma. Quando estiveres em angústia, e todas estas coisas te alcançarem , então, no fim de dias, te virarás para o Senhor, teu
Deus, e ouvirás a sua voz. Porquanto o Senhor, teu Deus, é Deus misericordioso; e não te desamparará, n em te destruirá, n em se esquecerá do concerto que jurou a teus pais (D t 4.23-31).
Aqui há vários elem entos do período de Tribulação de Israel: (1) Virá co m o tribulação (v. 30), ou p u n ição pelos seus pecados. (2 ) Virá depois do exílio en tre as nações. (3 ) Será resultado da ira de D eus, que é u m “fogo que co n so m e ” (v. 24). (4) Envolverá u m a restau ração espiritual (v. 30). (5 ) Envolverá u m cu m p rim en to do co n certo de Deus co m eles (v. 31). (6 ) T erá lugar no “fim de dias” (v. 30).
A Septuagésima “Semana” de Daniel A ún ica passagem do Antigo Testam ento que apresenta o m o m en to e a natureza básica da Tribulação é D aniel 9: Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade, para extinguir a transgressão, e dar fim aos pecados, e expiar ainiqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e ungir o Santo dos santos. Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas; as ruas e as tranqueiras se reedificarão, mas em tempos angustiosos. E, depois das sessenta e duas semanas, será tirado o Messias e não será mais; e o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário, e o seufim será com uma inundação; e até aofim haverá guerra; estão determinadas assolações.
E elefirmará um concerto com muitos por uma semana [a últim a das setenta semanas]; e, na metade da semana, fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares; e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até à consum ação; e o que está determinado será derram ado sobre o assolador (w . 24-27).
C o m o vim os2, os mais conservadores estudiosos estão de acordo com que as prim eiras sessenta e nove “sem anas” são os 483 anos entre “a ordem de Ciro, para restaurar e para edificar Jeru salém ”, e a ocasião em que “O Messias [foi] tirad o” (a C rucificação)3. Isto deixa u m único período de sete anos, depois da C rucificação, para que o personagem do poder faça u m acordo de sete anos co m os judeus, reconstru a o tem plo, e reinstitua as ofertas de sacrifício. No entanto , no m eio desta “sem ana”, Ele fará cessar os sacrifícios e contam in ará o tem p lo com um a “abom inação”. A afirm ação do preterism o de que isto se cu m priu em 70 d.C. contradiz m u itos textos das Escrituras4.
2 Veja c ap ítu lo 13, sob “D an iel 9.24-27”.
3 Para o u tro s detalhes, v e ja ibid.; v e ja ta m b é m H arold H o eh n e r (n ascid o 1935),
Chronological Aspects o f the Life o f Christ (G ra n d Rapids: Z o n d ervan , 1977). H o e h n e r faz o segu in te cá lcu lo : 483 anos lunares judaicos de 360 dias so m a m 173.880 dias. Os anos do calen d ário grego rian o tê m 365 dias (n a verdade, 365,25, q u e é o m o tiv o pelo qual nós observam os o ano bissexto a cada q u atro anos, e x c e to n o c e n te n á rio ); de 5 de m a rço de 444 a.C. a 30 de m a rço de 33 d .C ., são 476 anos (n ã o existe ano 0). Q u a tro ce n to s e sessenta e seis anos grego rian os de 365 dias so m a m 173.740 dias. A este n ú m e ro , devem ser som ad os 116 dias, p elos anos bissextos (119 — 3 pelos cen ten ário s, que n ã o são bissextos) e vin te e qu atro dias, e n tre 5 e 30 de m a rço (os dias de in ício e fim dos 483 a n o s), os quais to ta liz a m ex a ta m e n te 173.880 dias. abaixo, sob “O P re te rism o ”.
4 V eja
A TRIBULAÇÃO E O ARREBA
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U m a vez que Jesus está falando de u m período de sete anos ainda fu tu ro , pode-se ^ o n d u ir o seguinte, a partir de Daniel 9: (1) H averá u m p eríodo de sete anos (alg u m tem p o depois do advento de C risto) no qual as profecias que D eus fo rn eceu sobre Jerusalém ( “tua san ta cidade”, vv. 24,25) se cu m p rirã o integralm en te. (2) Este período será estabelecido p o r m eio de u m “co n certo ” (u m tratad o ) feito entre os judeus ( “teu p ov o ” [de Daniel] n a “santa cidade”, v. 24) e o “príncipe que há de vir” (v. 26). (3) U m tem p lo será recon stru íd o , no qual serão n ov am en te feitos sacrifícios e ofertas de anim ais n a prim eira m etad e dos sete anos (v. 27); o tratad o será rom pido depois de três anos e m eio, e u m a “ab om in ação ” que causa “assolação” (v. 27) irá o co rre r no tem p lo.
A Explicação de Daniel sobre o Anticristo Sairão a ele uns braços, que profanarão o santuário e a fortaleza, e tirarão o contínuo sacrifício, estabelecendo a abominação desoladora. E aos violadores do concerto ele, com lisonj as, perverterá, mas o povo que conhece ao seu Deus se esforçará e fará proezas. E os sábios entre o povo ensinarão a muitos; todavia, cairão pela espada, e pelo fogo, e pelo cativeiro, e pelo roubo, por muitos dias. E, caindo eles; serão ajudados co m pequeno socorro; mas muitos se ajuntarão a eles com lisonjas. E alguns dos sábios cairão para serem provados, e purificados, e embranquecidos, até ao fim do tempo, porque será ainda no tempo determinado. E esse reifará conforme a sua vontade, e se levantará, e se engrandecerá sobre todo deus; e contra o Deus dos deusesfalará coisas incríveis e será próspero, até que a ira se complete; porque aquilo que está determinado será feito. E não terá respeito aos deuses de seus pais, nem terá respeito ao am or das mulheres, nem a qualquer deus, porque sobre tudo se engrandecerá. Mas ao deus das fortalezas honrará em seu lugar; e a u m deus a quem seus pais não conheceram honrará com ouro, e com prata, e com pedras preciosas, e com coisas agradáveis. E haver-se-á com os castelos fortes com o auxílio do deus estranho; aos que o reconhecerem multiplicará a honra, e os fará reinar sobre muitos, e repartirá a terra por preço (11.31-39).
Em bora grande parte disto se refira a A ntíoco Epifânio (A ntíoco IV [reinado 175-164 a.C.]), u m invasor sírio cruel e inexorável, e ten h a se cum prido no século II a.C., alguns estudiosos acreditam que o versículo 36, “esse rei fará conform e a sua vontade”, é um a referência ao Anticristo do fim dos tem pos. De qualquer form a, A ntíoco é um precursor do Anticristo; ele fez muitas coisas que o Anticristo tam bém fará durante a Tribulação5. D esta passagem, aprendem os que: (1 ) U m pod er p olítico irá abolir o sacrifício diário (v. 31). (2 ) Ele irá profan ar o tem p lo , estabelecendo ali u m a abom inação (v. 31). (3 ) Ele receberá a resistência de u m rem an escen te fiel (v. 32). (4 ) Eles serão perseguidos pela sua posição (vv. 33-35). (5) Ele fará co n fo rm e a sua vontade (v. 36). (6 ) Ele falará blasfêmias co n tra D eus (vv. 36-38). (7 ) Ele não te rá respeito p or n e n h u m deus, n em m esm o aquele que tiver o a m o r das m u lheres [Cristo] (v. 37). 5 A n tío c o deu a si m e sm o o n o m e Epifânio, q u e q u e r d izer “D eu s m a n ife s to ” o u “D e u s re v e la d o ”.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
(8 ) Ele irá ad orar o deus do p od er m ilitar (v. 38). (9 ) Ele irá dividir a T erra e n tre aqueles que o h o n rarem (v. 39).
O Tempo de Angústia para Jacó Porque eis que dias vêm, diz o Senhor, em que farei tornar do cativeiro o m eu povo de Israel e de Judá, diz o Senhor; e torná-los-ei a trazer à terra que dei a seus pais, e a possuirão [...] Ouvimos um a voz de tremor, de temor, mas não de paz. Perguntai, pois, e vede se um hom em tem dores de parto. Por que, pois, vejo a cada hom em com as mãos sobre os lombos, com o a que está dando à luz! E por que se têm tornado macilentos todos os rostos'! Ah! Porque aquele dia é tão grande, que não houve outro semelhante! E é tempo de angústia para Jacó; ele, porém, será salvo dela. Porque será naquele dia [...] eu quebrarei o seu jugo de sobre o teu pescoço e quebrarei as tuas ataduras; e nunca mais se servirão dele os estranhos, mas servirão ao Senhor, seu Deus, com o também a Davi, seu rei, que lhes levantarei [...] eis que te livrarei das terras de longe, e a tua descendência, da terra do seu cativeiro; e Jacó tornará, e descansará, e ficará em sossego, e não haverá quem o atemorize. Porque eu sou contigo, diz o Senhor, para te salvar, porquanto dareifim a todas as nações entre as quais te espalhei; a ti, porém, não darei fim, mas castigar-te-ei com medida e, de todo, não te terei por inocente [...] Teu quebrantamento é mortal, e a tua chaga é dolorosa [...] Todos os teus amantes se esqueceram de ti e não perguntam por ti; porque te feri com ferida de inimigo e com castigo de cruel, pela grandeza de tua maldade e multidão de teus pecados Qr 30.3-14). U m n ú m ero de fatos em ergem desta passagem: (1 ) Israel e Judá serão trazidos de v o lta do cativeiro (vv. 3,10). (2) Eles n ão mais serão escravizados p o r o u tras nações (v. 8). (3) A ntes disto, eles passarão p o r u m período de tribulação sem p reced entes (v. 7). (4 ) Eles serão punidos p o r seus pecados (vv. 12,14). (5 ) Depois disto, eles h abitarão p acificam ente e em segu ran ça n a sua p róp ria terra, sob o rei Davi (vv. 9,10).
O Sermão do Monte das Oliveiras (Mt 24) O fato de que o Serm ão do M onte das Oliveiras se refere a um tem po fu tu ro fica claro a partir das perguntas que o originaram : “Estando [Jesus] assentado no m o n te das Oliveiras, chegaram -se a ele os seus discípulos, em particular, dizendo: D ize-nos quando serão essas coisas e que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundol” (v. 3). Jesus respondeu delineando um a série de eventos consecutivos de tribulação. Primeiro Evento: Falsos Messias (vv. 4,5)6 “A cautelai-vos, que nin g u ém vos engane, porque m uitos virão em m eu nom e, dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a m u ito s”. Segundo Evento: Guerras (vv. 6,7)7 “Ouvireis de guerras e de ru m ores de guerras; olhai, não vos assusteis, porque é m ister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação, e reino con tra rein o ”.
6 Cf. o prim eiro selo (Ap 6.1,2).
7 Cf. o segundo selo (Ap 6.3,4).
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Terceiro Evento: Fome (v. 7)8 “Haverá fo m es”. Quarto Evento: Pestes e Terremotos (vv. 7,8)9 “Haverá fom es, e pestes, e terrem otos, em vários lugares. Mas todas essas coisas são o principio das dores”. Isto parece ser a m etade da Tribulação, os primeiros três anos e m eio sendo chamados de “princípio das dores”, e os últim os três anos e m eio sendo dores de parto ou “grande aflição” (v. 21). Se isto estiver correto, então o quinto, o sexto e o sétim o selos de Apocalipse 6, assim com o as trom betas e as taças que se seguem, serão a segunda parte da Tribulação. U m a vez que o Anticristo irá erigir a sua própria im agem na m etade da Tribulação (2 Ts 2.3,4; Ap 13.11-18) e tentará m atar todos aqueles que se recusarem a adorá-la (7.13,14; 12.13; 13.10), o evento seguinte é, de m aneira com preensível, sobre m ártires.
Quinto Evento: Mártires (vv. 9 - l l ) w E n tão , vos hão de en tregar para serdes atorm en tad o s e m atar-v o s-ão ; e sereis odiados de todas as gentes p o r cau sa do m eu n o m e . Nesse tem p o , m u ito s serão escandalizados, e trair-se-ão uns aos o utros, e uns aos outros se ab orrecerão. E surgirão m u itos falsos profetas e en gan arão a m u itos.
Este evento do m artírio está relacionado co m a abom inação da desolação (v. 15: cf. D n 9.26), que tem lugar quando o A nticristo faz cessar os sacrifícios do tem p lo e estabelece a sua própria im agem , exigindo que todos a adorem . Depois disto, os santos da Tribulação, conhecidos com o os 144.000 judeus (Ap 7.4-8), são dispersos pelo m undo, pregando “o evangelho do R ein o” (M t 24.14) e obtendo “um a grande m u ltid ão” de outras pessoas para C risto (Ap 7.9). Aqueles que resistirem até o fim da Tribulação serão salvos (M t 24.13); os incrédulos serão levados a juízos (v. 39), e os crentes entrarão vivos no M ilênio (cf. 25.34). Sexto Evento: Perturbações Cósmicas (Mt 24.29) “E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas”. João acrescentou que, depois de um grande trem or de terra, “o sol tornou-se negro com o saco de cilício, e a lua tornou se com o sangue. E as estrelas do céu caíram sobre a terra [...] E o céu retirou-se com o um livro que se enrola; e todos os m ontes e ilhas foram removidos do seu lugar” (Ap 6.12-14). Sétimo Evento: A Inauguração da Segunda Vinda (Mt 24.30,31) Quando é aberto o sétim o selo (Ap 8.1ss.), ele con tém as sete trom betas, e n a últim a delas, lem os: “E tocou o sétim o an jo a trom beta, e houve no céu grandes vozes, que diziam: Os reinos do m u nd o vieram a ser de nosso S en h o r e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sem pre” (11.15). Isto assinala o fim da Tribulação e o início do M ilênio:
8 Cf. o terceiro selo (Ap 6.5,6).
9 Cf. o quarto selo (Ap 6.7,8).
10 Cf. o quinto selo (Ap 6.9-11).
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Então, ap arecerá no céu o sinal do Filho do H o m em ; e todas as tribos da te rra se lam en tarão e verão o Filho do H o m em vindo sobre as n uvens do céu , co m pod er e grande glória. E ele enviará os seus anjos co m rijo clam o r de trom b eta, os quais aju n tarão os seus escolhidos desde os q uatro ventos, de u m a à o u tra extrem id ade dos céus (M t 24.30,31).
A TRIBULAÇÃO NO LIVRO DO APOCALIPSE Os estudiosos pré-m ilenaristas, de m odo geral, concordam que o verdadeiro período de Tribulação é descrito em Apocalipse 6—18. Há duas posições principais a respeito da ordem das séries de selos, trom betas e taças: o ponto de vista sim ultâneo e o ponto de vista seqü encial".
O Ponto de Vista Simultâneo De acordo com o ponto de vista simultâneo, cada série — selos, trom betas e taças — é sim ultânea às outras, abrangendo os m esm os m otivos e term inand o no final da Tribulação com o sétim o evento de cada série12. Primeiro, existem similaridades entre os núm eros correspondentes de cada série. No entanto, existem tam bém significativas diferenças; por exem plo, m u itos não vêem um a real coincidência en tre os selos e trom betas de núm eros um , cinco, ou sete. Se isto fo r verdade, não existe identidade entre eles. Segundo, está escrito que o sétim o ju ízo, em todas as séries, é o fim da Tribulação (cf. 6.16,17; 11.15; 16.17). Em resposta, o sétim o selo não é, n a verdade, a Segunda Vinda propriam ente dita13, m as a antecipação da ira de Deus. A lém disto, não existe u m a correspondência real com os sétim os de cada série, u m a vez que as trom betas se iniciam no sétim o selo, e as taças, na sétim a trom beta. A prim eira taça indica o térm in o dos juízos (15.1), de m odo que as taças têm um a interpretação m e lh o r se fo rem tom adas com o u m co n ju n to , indicando que os juízos finais se originam da ú ltim a trom beta. Terceiro, alguns vêem u m a correspondência direta entre os objetos das sete trom betas e das sete taças: sobre a terra, o m ar, as águas, o sol, a besta, o Eufrates, e os reinos do m undo, respectivam ente. Em resposta, os antagonistas observam que, em bora os objetos sejam os m esm os, a natu reza e a extensão dos juízos são diferentes, sendo mais abrangentes nas taças do que nas trom betas. Assim sendo, as duas séries não parecem ser idênticas. Quarto, alguns argu m entam que m uitas outras seções recapitulam eventos similares ou idênticos (por exem plo, cf. Ap 7; 12; 13).
11 A lgu n s te n ta m c o m b in a r estes p o n to s de vista e m u m só, que é m ais c o m p le x o ; p o r e x e m p lo , as séries p o d e m c o m e ç a r e m m o m e n to s d iferen tes e ainda te rm in a r ju n ta s.
12 A lgu n s a rg u m e n ta m q u e o sétim o selo in clu i a S eg u n d a Vinda,
p o rq u e Jo ão diz: “E v in d o o g ran d e D ia da sua ira ” (A p 6.17). G ra m a tic a lm e n te , “é v in d o ” é u m te m p o ao risto n o m o d o in d icativ o c o m o a u m e n to , q ue n o r m a lm e n te q u e r dizer u m e v e n to passado. N o e n ta n to , c o m o A. T . R o b e rtso n (1863-1934) ob serv ou , esta p od e n ã o ser u m a ira divina, m as p o d e ria sign ificar “u m c la m o r eq u iv o ca d o dos h o m e n s a terro rizad o s pelos presságios que irr o m p e m sob re e les” ( W PN T , 6 .347). O u p ode sign ificar “q u e o D ia d a ira d o S e n h o r já está a c o n te c e n d o c o m e feito, p elos p rim eiro s selos, m as n ã o será an tes das p e rtu rb a ç õ e s d o s ex to selo, q u e o b v ia m e n te são causadas p o r D eu s, de m a n e ira q u e os n ã o -re g e n era d o s re c o n h e c e m que a q u ilo p e lo q u e e stiv e ra m passand o, c o m os p rim eiro s selos, foi, n a verdad e, a ira do D ia d o S e n h o r ” (S h o w e rs, PW R V , 79).
13V eja c a p ítu lo 15.
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Por ou tro lado, observa-se que estes são capítulos parentéticos, e não fazem parte de u m a seqüência num erada. Assim sendo, nós não devem os esperar que tudo neles seja seqüencial às séries dos sete juízos. Quinto, alguns enfatizam que cada série term in a com os m esm os eventos — trovões, relâm pagos, e terrem otos (cf. 8.5; 11.19; 15.5). No entanto, estes não correspondem , necessariam ente, ao m esm o fim; o que sabemos é que são o m esm o tipo de fim, assinalando o fim de cada série. Para resum ir o ponto de vista sim ultâneo dos selos, trom betas e taças, existem similaridades, mas as diferenças são mais cruciais e determ inantes.
O Ponto de Vista Seqüencial O ponto de vista seqüencial afirm a que as séries de selos, trom betas e taças o co rrem em ordem , u m a após a outra. A rgum entos a favor do ponto de vista seqüencial inclu em os seguintes. Primeiro, um a leitu ra clara do texto dá sustento a um ponto de vista seqüencial; um a série depois da o u tra seria algo n o rm a lm en te interpretado com o um a seqüência. Segundo, expressões com o “vi” e “olhei/ouvi”14, e especialm ente “depois disso”15, respaldam os eventos seqüenciais. M esm o nas passagens parentéticas, expressões sim ilares indicam u m a seqüência de eventos16. Terceiro, as taças indicam seqüência, porque são cham adas “as últim as” da ira de Deus (15.1), em contraste com os anteriores selos e trom betas. Quarto, as trom betas e as taças não podem oco rrer ao m esm o tem po, um a vez que o juízo é mais abrangente nas taças, indicando que elas são as últim as. Por exem plo, a segunda tro m b eta irá m atar som en te a terça parte das criaturas do m ar (8.9), ao passo que a segunda taça irá m atar toda alm a vivente no m ar (16.3). Quinto, a quinta tro m b eta vem depois do sexto selo, pois os 144.000 são assinalados com o sexto selo (7.1-8), e os juízos da quinta tro m b eta se abatem som ente sobre aqueles que não foram assinalados (Ap 9.4). Sexto, os nú m eros ordinais17 indicam seqüência dentro de cada sucessão. A série seguinte não se inicia com o n ú m ero seguinte, porque é u m a nova série de eventos18. Sétimo, tam bém existe u m progresso para u m clím ax dentro de cada série. Isto leva à antecipação de que a próxim a série irá edificar sobre a anterior, o que realm ente acontece; cada série de juízos é mais intensa que a anterior. Oitavo, o sétim o selo não tem u m ob jeto próprio; nós esperaríam os que assim fosse, se houvesse um juízo paralelo nas séries. O sétim o selo e a sétim a taça sim plesm ente introd u zem a série seguinte. Nono, e finalm en te, o quarto selo é o co m eço das dores de parto (6.7,8; cf. M t 24.8); não é o grande dia da ira (Ap 6.17), que virá mais adiante, co m as sete taças (cf. 15.1). As evidências favorecem algum tipo de seqüência de eventos, u m após o ou tro, com cada u m deles edificando sobre o anterior. C onseqüen tem ente, a nossa análise com eça com os sete selos.
H P o r e x e m p lo , 5.1,2,6,11; 6.1,2,5,12; 7 .2; 8.2; 9.1; 15.1,2; 17.3,6; 19.11,17,19; 20.1,4,11,12; 22.1. e x e m p lo , cf. 13.1,11; 14.6,14.
17 E m o p o sição aos n ú m e ro s cardin ais,
selo n ão é a oitava “a lg u m a c o isa ”, m as d.primeira tro m b e ta .
15 V eja 1.19; 9.12; 20.3.
“ Por
18 P o r e x e m p lo , o p rim eiro e v e n to depois d o sétim o
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O Livro Selado com Sete Selos O livro selado co m sete selos é considerado co m o sendo o certificado de propriedade da terra. C om o observou Renald Show ers (nascido 1934): O pergam inh o selado de Apocalipse 5 é o certificado de co m p ra da h eran ça que a h um anidad e perd eu [...] e que consistia n a posse da te rra [...] R o m p en d o os sete selos, C risto irá incitar u m tre m en d o bom bardeio de ira divina ou juízo co n tra o dom ín io de Satanás e as suas forças pelos últim os sete anos, antes da Sua Segunda Vinda ( M O L C , 99).
Som ente Cristo, o Cordeiro, é considerado digno de abrir o livro e liberar sobre a terra os juízos ali contidos (5.1-7); som ente Ele d errotou Satanás através da Sua m o rte e ressurreição (C l 2.14; Hb 2.14,15).
0 Primeiro Selo: 0 Cavalo Branco (Falso Messias) H avendo o C ordeiro aberto u m dos selos, olhei e ouvi u m dos quatro anim ais, que dizia, co m o em voz de trovão: Vem e vê! E olhei, e eis u m cavalo bran co; e o que estava assentado sobre ele tin h a u m arco; e foi-lhe dada u m a co ro a, e saiu vitorioso e p ara ven cer (A p 6.1,2; cf. M t 24.4,5 ) 19.
0 Segundo Selo: 0 Cavalo Vermelho (Guerras) E, havendo [o Cordeiro] aberto o segundo:sélo, ouvi o segundo animal, dizendo: Vem e vê! E saiu outro cavalo, vermelho; e ao que estava assentado sobre ele foi dado que tirasse a paz da terra e que se matassem uns aos outros; e foi-lhe dada u m a grande espada (Ap 6.3,4; cf. M t 24.6,7).
0 Terceiro Selo: 0 Cavalo Preto (Fome) E, havendo [o Cordeiro] aberto o terceiro selo, ouvi o terceiro anim al, dizendo: Vem e vê! E olhei, e eis u m cavalo p reto ; e o que sobre ele estava assentado tin h a u m a balança na m ão . E ouvi u m a voz n o m eio dos q uatro anim ais, que dizia: U m a m edida de trigo p o r u m dinheiro; e três medidas de cevada p o r u m dinheiro; e n ão danifiques o azeite e o vinho (Ap 6.5,6; cf. M t 24.7).
O Quarto Selo: 0 Cavalo Amarelo (a Morte) E, havendo [o Cordeiro] aberto o q uarto selo, ouvi a voz do quarto anim al, que dizia: Vem e vê! E olhei, e eis u m cavalo am arelo; e o que estava assentado sobre ele tin h a p o r n o m e M o rte; e o inferno o seguia; e foi-lhes dado p od er p ara m a ta r a quarta p arte da te rra co m espada, e co m fom e, e co m peste, e c o m as feras da te rra (A p 6.7,8; cf. M t 24.7,8).
15Este cavaleiro não deve ser con fu n d id o c o m C risto (cf. A p 19) p orqu e: (1 ) E sta n ã o é a S eg u n d a Vinda, que te m lu g a r depois da T rib u lação; (2) C risto virá c o m u m a “espada”, a Palavra de D eu s, e n ão u m arco-, (3 ) N o S e u re to rn o , C risto n ã o estará “d eterm in ad o a d estru ir”, m as envolvido n a co n q u ista final; (4) Pela c o m p a ra çã o c o m M ateus 24.4,5, este é u m falso C risto.
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0 Quinto Selo: Os Mártires
E, havendo aberto o quinto selo, vi debaixo do altar as alm as dos que foram m o rto s p o r am or da palavra de Deus e p o r am o r do testem u n h o que deram . F, clam avam com grande voz, dizendo: Até quando, ó verdadeiro e santo D om inador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? E a cada u m foi dada u m a com prida veste branca e foi-lhes dito que repousassem ainda u m pouco de tem po, até que tam b ém se com pletasse o n ú m ero de seus conservos e seus irm ãos que haviam de ser m o rto s com o eles foram (Ap 6.9-11; cf. M t 24.9-11).
0 Sexto Selo: Fenômenos Celestiais
E, havendo aberto o sexto selo, olhei, e eis que houve u m grande trem o r de terra; e o sol tornou-se negro com o saco de cilício, e a lua to rn o u -se com o sangue. E as estrelas do céu caíram sobre a terra, com o quando a figueira lança de si os seus figos verdes, abalada p or um vento forte. E o céu retirou-se com o u m livro que se enrola; e todos os m ontes e ilhas foram rem ovidos do seu lugar. E os reis da terra, e os grandes, e os ricos, e os tribunos, e os poderosos, e to d o servo, e todo livre se esconderam nas cavernas e nas rochas das m o n tan h as e diziam aos m ontes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos do rosto daquele que está assentado sobre o tro n o e da ira do C ordeiro, p orque é vindo o grande Dia da sua ira; e quem poderá subsistir' (Ap 6.12-17; cf. M t 24.29). O tem po decorrido até o quarto selo é descrito com o “o princípio das dores” (M t 24.8), e por volta do sexto selo, “o grande dia da sua ira” terá chegado. A intensidade da ira de Deus será crescente; um a vez mais, se Deus não tivesse determ inado previam ente o abreviamento desses dias, n enhu m a carne se salvaria no final da Tribulação (cf. M t 24.22)20. As S e te T ro m b e ta s As sete trom betas (Ap S—9; 11..15ss.) se originam do sétim o selo (8.1), que, além das trom betas, não tem u m conteú d o próprio, com o os seis outros selos. Na ocasião da sétim a trombeta, o fim da Tribulação terá chegado (11.15); este não parece ser o caso no fim do sétim o selo21. Na medida em que as trom betas são diferentes dos selos, oco rrem nas trom betas elem entos que não parecem envolver os selos. O s S e te Ju íz o s das T a ç a s Em bora os juízos das taças (Ap 15—16) sejam sobre os m esm os objetos que as trom betas, eles são posteriores e mais abrangentes. Por exem plo, enquanto com as trom betas som ente u m a terça parte do ob jeto é afligida, com as taças todo o ob jeto é afligido; aparentem ente, então, os m esm os objetos são revisitados p osteriorm ente com um juízo intensificado. Por ocasião dos últim os j uízos, o final da Tribulação terá chegado; e quando a sexta taça é derram ada, a batalha do A rm agedom está sendo descrita:
20 S h o w ers m o s tr a q u e “ab reviad os” é u m v e rb o n o in d ica tiv o a o risto c o m a u m e n to , o q u e in d ica u m a a ção passada que D e u s tin h a re alizad o a n te cip a d a m e n te ( M O LC, 5).
21 A d e cla ra çã o q u e se seg u e ao s ex to selo (6.17, v e ja im e d ia ta m e n te
a c im a ) p o d e ria ser in te rp re ta d a c o m o in d ica n d o q u e o fim está im in e n te .
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E o sexto anjo d erram o u a sua taça sobre o grande rio E ufrates; e a sua água secou -se, para que se preparasse o cam in h o dos reis do O riente. E da boca do dragão, e da boca da besta, e da boca do falso profeta vi saírem três espíritos im undos, sem elhantes a rãs, porque são espíritos de dem ônios, que fazem prodígios; os quais vão ao en co n tro dos reis de tod o o m u n d o p ara os con gregar para a batalha, naquele grande Dia do D eus T od o-p oderoso [...] E os co n greg aram no lugar que em hebreu se ch am a A rm ag ed o m (16.12-16).
A n teriorm ente, no sexto ju ízo de trom beta, com o preparação para o A rm agedom , D eus ordenou: Solta os quatro anjos que estão presos junto ao grande rio Eufrates. E foram soltos os quatro anjos que estavam preparados para a hora, e dia, e mês, e ano, a fim de m atarem a terça parte dos hom ens. E o n úm ero dos exércitos dos cavaleiros era de duzentos milhões (9.14-16).
Nada m enos do que estes fatos fica claro: (1 ) Pelo m en os, os q uatro prim eiros juízos de selos co rresp on d em às palavras de Jesus no Serm ão do M onte das Oliveiras (M t 24) e descrevem o início da Tribulação. (2 ) Os juízos a u m e n ta m co n tin u am en te em severidade. N o fim do sétim o juízo de taça, a Tribulação estará term in ad a22. (3 ) P ou co antes do ú ltim o dos juízos, o A rm ag ed o m terá lugar, envolvendo todas as nações da te rra e duzentos m ilhões de soldados do oriente que cru zarão o Eufrates, en tran d o n a T erra Santa. (4 ) O re to rn o de C risto à te rra (Ap 19) seguirá este ú ltim o juízo de taça.
Outros Textos Selecionados que Descrevem estes Eventos Finais
Zacarias 12.2,3,8,9 Eis que [Eu, o Senhor,] porei Jerusalém co m o u m cop o de tre m o r para todos os povos em re d o r e tam b ém p ara Judá, quando do cerco co n tra Jerusalém . E aco n tecerá, naquele dia,
quedarei de Jerusalém uma pedra pesada para todos os povos [...] e aju n tar-se-ão co n tra ela todas as nações da te rra [...] N aquele dia, o S en h or am p arará os habitantes de Jerusalém ; e o que d en tre eles tropeçar, naquele dia, será co m o Davi, e a casa de Davi será co m o Deus, co m o o an jo do S en h or diante deles. E aco n tecerá, naquele dia, que procurarei destruir todas as nações
que vierem contraJerusalém.
Zacarias 14.1-5,7-9 Eis que vem o dia do Senhor, em que os teus despojos se rep artirão no m eio de ti. Porque eu ajuntarei todas as nações p ara a peleja co n tra Jerusalém ; e a cidade será tomada, e as casas serão saqueadas, e as m u lheres, forçadas; e m etad e da cidade sairá para o cativeiro, m as o
22 A s étim a tro m b e ta (A p 11.15) p a rec e assin alar ta m b é m o fim da T rib u la çã o . Isto p o d e in d ica r u m a so b rep o siçã o dos finais das duas séries, ou u m c u r to p erío d o de te m p o p a ra tod as as sete taças.
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resto do p ovo não será expulso da cidade. E o Senhor sairá e pelejará contra estas nações, como pelejou
no dia da batalha. E, naquele dia, estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras, que está defronte de Jerusalém p ara o oriente; e o m o n te das Oliveiras será fendido pelo m eio, para o oriente e p ara o ocidente, e haverá u m vale m u ito grande; e m etad e do m o n te se ap artará para o n o rte , e a o u tra m etad e dele, p ara o sul. E fugireis pelo vale dos m eu s m o n tes [...'] Mas será u m dia co n h ecid o do S enh or; n em dia n em noite será; e aco n tecerá que, no tem p o da tarde, haverá luz. N aquele dia, tam b ém aco n tecerá que co rre rã o de Jerusalém águas vivas, m etad e delas para o m a r oriental, e m etad e delas até ao m a r ocidental; no estio e no inverno, su cederá isso. E o Senhor será rei sobre toda a terra; naquele dia, u m será o Senh or, e u m será o seu n om e.
Várias outras peças são acrescentadas ao quebra-cabeças profético. No final da Tribulação, na batalha do A rm agedom e depois dela, oco rrerá o seguinte: (1 ) Todas as nações da terra cercarão Jerusalém . (2) Jerusalém será tom ad a. (3 ) U m rem an escen te fugirá pelo vale criado p o r u m te rre m o to . (4 ) C risto irá re to rn a r ao M onte das Oliveiras. (5 ) C risto irá ju lg ar as nações. (6 ) C risto irá re stau rar a “casa de Davi”. (7 ) C risto rein ará “sobre to d a a te rra ”.
Todo este evento é descrito com o “o D ia do S e n h o r” (2 Pe 3.10).
2 Tessalomcenses 2.1-10 O ra, irm ã o s, ro g a m o -v o s , p ela vin d a de n osso S e n h o r Jesus C risto e p ela nossa re u n iã o c o m ele, que n ão vos m ovais fa c ilm e n te do vosso e n te n d im e n to , n e m vos p e rtu rb e is, q u er p o r esp írito, q u er p o r p alav ra, q u er p o r ep ístola, c o m o de n ós, c o m o se o Dia de Cristo estivesse já p e rto . N in g u é m , de m a n e ira alg u m a , vos en gan e, p o rq u e não será assim sem que antes venha a apostasia e se manifeste o homem do pecado, o filho da p e rd içã o , o qual se o p õ e e se le v a n ta c o n tr a tu d o o que se c h a m a D eus ou se ad ora; de so rte que se assen tará, c o m o D eus, n o te m p lo de D eu s, q u eren d o p a re ce r D eus. N ão vos lem b rais de que estas coisas vos dizia q uando ainda estav a co n vo sco? E, a g o ra, vós sabeis o que o d etém , p a ra que a seu p ró p rio te m p o seja m an ifestad o . P orq u e já o m istério da in ju stiça o p era; so m e n te há um que, agora, resiste até que do meio
seja tirado; e, e n tã o , será rev elad o o in íq u o, a q u em o S e n h o r d esfará p elo assop ro da sua b o c a e an iq u ilará p elo esp len d o r da sua vinda; a esse cuja vinda é segundo a eficácia de
Satanás, com todo o poder, e sinais, e prodígios de mentira, e c o m to d o e n g an o da in ju stiça p ara os q ue p e re ce m .
(1) O dia do Senhor ainda não tinha chegado quando Paulo escreveu 2 Tessalonicenses; (2) ele não virá, até que o “hom em do pecado” (o Anticristo) venha; (3) alguém o está detendo. Quando o que o detém for removido, o Anticristo será revelado, realizando prodígios que irão enganar a muitos (v. 4). Isto está de acordo com a “abominação que traz desolação”, fazendo cessar o “sacrifício e a oferta” dos judeus “no m eio da sem ana” (D n 9.27).
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Apocalipse 13.1,4-8,11-14,16-18 João fala deste m esm o evento: E vi subir do m a r u m a besta que tin h a sete cabeças e dez chifres, e, sobre os chifres, dez diadem as, e, sobre as cabeças, u m n o m e de blasfêmia [...] E ad oraram o dragão que deu à besta o seu p od er; e ad oraram a besta, dizendo: Q uem é sem elh ante à besta? Q u em p od erá batalhar co n tra ela? E foi-lhe dada u m a b oca para proferir grandes coisas e blasfêmias; e d eu-se-lh e p o d e r p ara con tin u ar p o r q uarenta e dois meses [três anos e m eio], E abriu a b oca em blasfêmias co n tra D eus, p ara blasfem ar do seu n om e, e do seu tab ern ácu lo , e dos que habitam no céu . Efoi-lhe permitida fazer guerra aos santos e vencê-los; e deu-se-lhe poder sobre toda
tribo, e língua, e nação. E adoraram-na todos os que habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro quefoi morto desde a fundação do mundo [...] E vi subir da te rra o u tra besta, e tin h a dois chifres sem elhantes aos de u m cordeiro; e falava co m o o dragão. E exerce tod o o p od er da prim eira besta n a sua p resença e faz que a terra e os que n ela habitam ad orem a p rim eira besta, cu ja ch aga m o rta l fo ra cu rad a. E faz grandes sinais, de m an eira que até fogo faz descer do céu à terra, à vista dos h om en s [...] E faz que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto u m sinal n a m ão direita ou n a testa, p ara que n in g u ém possa co m p ra r ou vender, senão aquele que tiver o sinal, ou o n o m e da besta, ou o n ú m e ro do seu n om e. Aqui há sabedoria. A quele que tem enten dim en to calcu le o n ú m e ro da besta, porqu e é n ú m e ro de h o m em ; e o seu n ú m ero é seiscentos e sessenta e seis.
D isto, podem os concluir: (1 ) A besta (o A nticristo) afirm ará ser D eus e exigirá que tod a ad oração lhe seja feita, no
meio da Tribulação. (2) Ele realizará prodígios im pressionantes, que m esm o sendo enganosos terão sucesso. (3) Ele irá perseguir o p ovo de Deus. (4 ) Ele go v ern ará o m u n d o . (5 ) Ele n ão p erm itirá que as pessoas c o m p re m ou vend am sem o seu sinal (666). (6 ) O seu reino d u rará q uarenta e dois m eses, que Daniel designou co m o m etad e (a segunda m etad e) da Tribulação de sete anos. (7) D u ran te este m esm o período, a “m u lh e r” (Israel) fugirá para o d eserto, p ara ser preservada d u ran te o resto da Tribulação, “1.260 dias” (que tam b ém so m am três anos e m eio, 12.6). (8) T am bém d u ran te este período, 144.000 judeus — 12.000 de cada tribo — serão salvos, e, p o r m eio deles, tam b ém será salva u m a grande m u ltid ão de o u tras pessoas (7.4-9; 14.1-5).
Um Resumo da Tribulação Primeiro, a Tribulação tem início quando u m líder político globalm ente conh ecid o (o A n ticristo) faz u m acordo de sete anos co m os judeus, perm itindo que eles ofereçam sacrifícios no tem plo reconstruíd o em Jerusalém (D n 9.27). Segundo, durante a prim eira parte deste período, há guerras, fom e, grandes m ortes pelas guerras e por desastres naturais, e os crentes são m artirizados pela sua fé n o Messias (M t 24.5-11; cf. Ap 6.1-11). Este período é cham ado de “princípio de dores” (M t 24.8).
A TRIBULAÇAO E O ARREBATAMENTO
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Terceiro, na m etade da Tribulação, o Anticristo fará cessar os sacrifícios e as ofertas (D n 9.27). Ele estabelecerá um a im agem de si m esm o no tem plo (Ap 13.14) e exigirá adoração, assentado no tem plo e afirmando ser Deus23. A segunda parte deste período é cham ada de “grande tribulação” (7.14), e culm inará no juízo cham ado “Dia do Sen h or” (2 T s 2.2). Quarto, todos os que não tiverem o sinal da besta serão proibidos de com p rar ou vender (Ap 13.16-18). Grande nú m ero de crentes irá resistir ao A nticristo, e eles serão m artirizados pela sua fé (v. 14). Quinto, um rem anescente fiel irá fugir para o deserto, onde eles serão protegidos por Deus da segunda parte da Tribulação (12.6). Eles estarão vivos no final da Tribulação e entrarão no M ilênio em corpos não ressuscitados (R m 11.26); eles poderão ter filhos, coisa que as pessoas em corpos ressuscitados não podem fazer (cf. M t 22.30). Eles são as “ovelhas” de M ateus 25.32,33. Sexto, p o u co antes do fim da Tribu lação, duzentos m ilh ões de soldados do orien te cru zarão o rio Eufrates (ju n ta m e n te co m as outras nações da terra ) para invadir Israel (Ap 9.13-21; 16.12-14). Eles irão cercar e to m a r Jeru salém (Z c 12.1-3; 14.1,2), com os fiéis restantes tend o escapado e tendo sido protegidos por D eus d u ran te qu aren ta e dois m eses (Ap 12.6). Sétimo, D eus irá intervir m ilagrosam ente, salvará Israel da destruição com p leta (Zc 12.4-8), e restaurará a “casa de Davi” (v. 8). C risto irá reto rn a r ao M onte das Oliveiras (14.4) e libertará o Seu povo. Oitavo, e finalm ente, o Israel nacional irá recon h ecer C risto co m o o seu Messias, quando olh arem para Aquele a quem traspassaram (12.10). Israel será enxertado ou tra vez na linhagem da redenção, quando forem com pletados “os tem pos dos gentios” (Lc 21.24). A Nova Aliança com Israel será cum prida (Jr 31.31), assim co m o a aliança abraâm ica, que assegurou a sua terra para sem pre (G n 12; 14—15), e a aliança davídica, que assegurou que eles teriam etern am en te u m rei no trono de Davi24.
A RELAÇÃO ENTRE O ARREBATAMENTO E A TRIBULAÇÃO A gora que expusem os a natu reza da Tribulação, procurarem os determ inar a relação do A rrebatam ento (1 Ts 4.17) com este período sem precedentes de juízo e ira. O nde o arrebatam ento da igreja se encaixa nos acontecim entos que acabamos de descrever — antes, durante ou depois? Existem m uitos m otivos para conclu ir que a igreja estará no céu durante o período de Tribulação.
O PRÉ-TRIBULACIONISMO Os pré-tribulacionistas afirm am que o A rrebatam ento da igreja tem lugar antes da Tribulação, durante a qual a igreja, a noiva de Cristo, estará no céu, diante do Seu tribunal (2 Co 5.10), e preparando-se para o Seu reto rn o à terra25. O pré-tribulacionism o afirm a que a vinda de C risto para Seus santos será no ar e antes da Tribulação; depois da Tribulação, C risto virá com Seus santos e à terra para reinar por m il anos. Charles Ryrie (veja W YSKAR), Jo h n Walvoord (1910-2002 —veja RQ e BH T) e D w ight Pentecost (veja TTC) explicam este ponto de vista. 232 Tessalonicenses 2.4; cf. Daniel 9.27; Mateus 24.15.
242 Sam uel 7.12; Salm os 89.24-37; veja capítulo 14.
25Veja capítulo 15.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
A Igreja não É Mencionada como Estando na Terra durante a Tribulação João destina o livro do Apocalipse às “às sete igrejas que estão na Ásia” (1.4). A palavra igreja(s) é usada dezenove vezes nos três prim eiros capítulos, e depois não aparece um a vez sequer, durante toda a Tribulação (6—18). O fato de que ela volte a aparecer depois da Segunda Vinda (19) e durante o novo céu e a nova terra (22.16) é im pressionante; exortações sem elhantes, anteriores, que tin h am a expressão “às igrejas” (por exem plo, 2.7,11), não a têm durante a Tribulação, quando, em lugar de usar esta expressão, João adverte: “Se alguém tem ouvidos, ou ça” (13.9). Na verdade, depois da descrição das sete igrejas (2—3), nos capítulos 4—5 o cenário passa para o céu, onde João é cham ado por u m a voz com o de trom beta: “Sobe aqui26, e m o strar-te-ei as coisas que depois destas devem a con tecer” (4.1). Alguns vêem estas palavras co m o u m rem anescente da afirm ação de Paulo de que o A rrebatam ento terá lugar “com voz de arcan jo, e com a tro m b eta de D eu s” (lT s 4 .1 6 ); outros discordam 27. De qualquer form a, com o a igreja, a partir deste ponto, João vê a Tribulação do céu. Depois de u m breve relato dos redim idos ao redor do tro n o de D eus (Ap 4—5), a Tribulação se desenrola, entre os capítulos 6 e 18. No capítulo 19, C risto reto rn a à terra, e então, depois da “prim eira ressurreição”, Ele reina por m il anos (Ap 20.1-7), que são seguidos pelo novo céu e pela nova terra (21—22). Em nenhuma passagem, durante todo o período de Tribulação, se lê uma palavra sobre a igreja estar na terra.
A Igreja (a Noiva) É Mencionada como estando no Céu durante a Tribulação Há um a referência à igreja durante a Tribulação — no céu28. Próxim o ao final da Tribulação, a queda da “grande Babilônia” é anunciada — esta é a grande “igreja” apóstata sobre a terra (18.2). Além desta ocorrência, a igreja, a noiva de Cristo, não é m encionada até depois da Tribulação, quando é encontrada “descendo do céu” (Ap 3.12), onde esteve se preparando para as bodas. Isto se encaixa com u m A rrebatam ento pré-tribulação, onde, durante a Tribulação, os crentes aparecem diante do tribunal celestial de Cristo (2 Co 5.10) para ter suas obras purificadas pelo fogo (1 Co 3.11-15) e para prepará-los com o um a virgem pura (2 Co 11.2) para encontrar o Esposo nas “bodas do Cordeiro” (Ap 19.7). “E veio u m dos sete anjos que tin h am as sete taças cheias das últim as sete pragas e falou com igo [João], dizendo: Vem , m o strar-te-ei a esposa, a m u lh er do C ordeiro” (21.9). “R egozijem o-nos, e alegrem o-nos, e d em os-lhe glória, porque vindas são as bodas do C ordeiro, e já a sua esposa se aprontou” (19.7). “E eu, João, vi a Santa Cidade, a nova Jerusalém , que de Deus descia do céu, adereçada com o um a esposa ataviada para o seu m arid o” (21.2; cf. 22.17). Tudo isto sugere que ela estava no céu, tendo sido arrebatada antes da Tribulação, sendo preparada para reto rn ar à terra com seu Esposo n o final.
Os Habitantes do Céu A o u tra referência à ig reja d u ran te a Tribu lação está em 13.6, onde João fala “dos que habitam no c é u ”; d iferen tem en te dos habitantes da terra, h u m an os e não-salvos 26 E sta m e sm a exp ressão, “sobe aq u i”, é d ita às duas te ste m u n h a s ressu scitadas, m o rta s d u ra n te a T rib u la çã o e depois arrebatad as fisicam en te para o c é u (A p 11.12).
27 R o b e rt G ro m a c k i (n a scid o 1935) ob serva q u e Jo ã o n ã o o uv iu a vo z do
a rc a n jo e n ão re ce b eu u m co rp o re s su rre c to ; a lé m disto, C risto n ã o d esceu do c é u e n ã o h o u v e cre n te s se e n c o n tra n d o n o cé u (e m Ice, W TS, 362).
2HVeja abaixo, sob “O s H abitan tes do C é u ”.
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(cf. 12.12; 13.8,14), os arrebatados são hum anos e salvos. A lém disto, eles parecem ter corpos, pois o verbo habitar v e m da m esm a palavra usada para a encarnação de Cristo em carne hu m ana (Jo 1.14) e para o corpo dos crentes (2 C o 5.1,4)29; ele jam ais é usado sobre espíritos puros (por exem plo, anjos). Isto dá apoio ao pré-tribulacionism o — de que os salvos são arrebatados antes da Tribulação e recebem corpos ressurrectos no céu30.
Santos, Apóstolos e Profetas No final da Tribulação, lem os: “A legra-te sobre ela, ó céu, e vós, santos apóstolos e profetas, porque já Deus ju lg o u a vossa causa quanto a ela” (Ap 18.20). S om ente a igreja é edificada sobre “o fu nd am ento dos apóstolos e dos profetas”31, de m odo que isto deve ser um a referência à igreja, já arrebatada ao céu. Pouco tem po depois disto, João fala dos “exércitos que há no céu ”, que “seguiam -no [Cristo] [...] em cavalos brancos e vestidos de lin h o fino, branco e p u ro ” (19.14). Se eles estão vindo com Cristo, no Seu reto rn o à terra32, novam ente, devem ter sido arrebatados anteriorm ente (1 Ts 4.16,17)33.
Os Vinte e Quatro Anciãos Alguns interpretaram os vinte e quatro anciãos do livro do Apocalipse (4.4) com o sendo seres angelicais; estes intérpretes se referem à ordem do rei Davi, de vinte e quatro sacerdotes, no tem plo terren o (1 Cr 24). No entanto, G rom acki afirm a vigorosam ente que eles não podem ser anjos: (1) Eles estão assentados sobre tronos, que é o que Jesus pro m eteu aos crentes (Ap 3.21); (2) eles têm vestes brancas, co m o os crentes (3.3,18); e (3) eles recebem coroas, com o foi p rom etid o aos crentes (2.10; 3.11). Esta tripla identidade delineia pessoas redimidas, especialm ente crentes da era da igreja; elas devem ter sido arrebatadas antes da Tribulação, para terem esta condição no céu (citado em Ice, WTS, 358-59).
As Referências à Tribulação sobre os Crentes Terrenos não Estão Relacionadas com a Igreja Os pós-tribulacionistas34 interpretam as diversas afirm ações de Tribulação sobre os “santos” e outros crentes na terra com o sendo referências à igreja35. Este é u m caso de identidade equivocada. Os 144.000 Os “cren tes” m encionados duas vezes durante a Tribulação são convertidos judeus, das doze tribos de IsraeP6. A “grande m u ltid ão” dos outros são aqueles que serão ganhos para C risto pelos 144.000 judeus convertidos (7.4-9; cf. 14.3).
29 G r. skenos (su b sta n tiv o ) e skenoo (v erb o ).
30 C f. 1 T essalon icen ses 4.13-16; Filipenses 3;21; v e ja ta m b é m c a p ítu lo 7.
31 Efésios 2.20; cf. 3.5; v e ja ta m b é m ca p ítu lo s 1 e 4.
32 V eja c a p ítu lo 15.
33 A rg u m e n ta r que estes são esp írito s celestiais
(cre n te s n ão -re ssu scitad o s) seria n ã o p e rce b er o que é e xp lica d o , a saber, q u e as ú n ica s re ferê n cia s à ig re ja e m re la ç ã o à T rib u la ç ã o estão relacion ad as ao cé u ; a B íb lia s u s te n ta o p o n to de v ista de q u e n ã o h á ig re ja n a te rra d u ra n te a T rib u la çã o . A lé m disto, q u an d o eles re to r n a m c o m C risto , Ele está n o S e u co rp o so b re o S eu tro n o físico e m Jeru sa lém , e aqueles c o m E le ( M t 19.28). lu g ar depois da T rib u lação .
físico ressu scitad o (19.1ss.), p ro n to p a ra rein a r 34 A qu eles q u e a cre d ita m q u e o a rre b a ta m e n to te rá
35 P o r e x e m p lo , 13.7,10; 16.6: 17.6; 18.24; cf. 7.4 -9 ; 14.3.
36 V eja c a p ítu lo s 12 e 14.
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Os Santos da Tribulação A palavrasantos, usada várias vezes d u ran te aT ribu lação, não significanecessariam ente “aqueles que eram crentes em C risto antes que com eçasse a T rib u lação ”. Eles eram santos (d evotos) no A n tigo T estam en to (SI 85.8), são santos h o je (1 C o 1.2), e serão santos d u ran te a T ribu lação (Ap 13.7); esta é u m a palavra co m u m p ara os cren tes de todas as gerações. A identificação dos santos d u ran te a T ribu lação é co m os 144.000 ju d eu s salvos, ou com a m iríade de outras pessoas convertidas pelos esforços desses 144.000.
A Igreja É Livrada da Hora da Tentação A lém disto, Deus p ro m eteu proteger a igreja da “hora da ten tação ” (aT rib u lação ). João escreveu à igreja fiel de Filadélfia: “C om o guardaste a palavra da m in h a paciência, tam bém eu te guardarei da h ora da tentação que h á de vir sobre todo o m u nd o, para tentar os que habitam na te rra ” (3.10). Deus não disse que Ele protegeria a igreja durante3’’ aTribulação, co m o argu m entam os pós-tribulacionistas (veja Ladd, B H , 85-86), mas dela38. Tam bém , observe a palavra guardar19 — dificilm ente alguém pode ser “guardado” de algum a coisa que está suportando. Isto é igualm ente apoiado pelo uso de ek em versículos sem relação co m aTribu lação40. Q uando os crentes do Novo Testam ento são solicitados a se absterem “de” práticas ofensivas (A t 15.29), fica claro que eles não devem participar delas de m aneira algum a (cf. T g 5.20). M esm o u m texto favorito do pós-tribulacionism o — João 17.15, em que Jesus diz: “Não peço que [Tu, Pai] os tires [aos crentes] do m u nd o, mas que os livres do m a l” —, sustenta u m A rrebatam ento pré-tribulacional, envolvendo a rem oção do sistema do mundo, sendo os crentes transferidos dos dom ínios de Satanás para o reino de Cristo (C l 1.13; cf. 1 Jo 5.18). A dicionalm ente, a palavra hora sustenta o pré-tribulacionism o, u m a vez que a única m aneira de ser guardado de u m período de tem po, com o u m a hora, é não passar por n e n h u m a parte dele. A prom essa não é de m eram en te guardá-los das tentações, mas tam bém da hora em que as tentações oco rrerem . Os crentes n ão podem ser guardados de parte da hora, com o oco rre com o m iditribulacionism o41, ou com o p onto de vista da pré-ira42, n em de n e n h u m a parte da hora, com o o co rre co m o pós-tribulacionism o43; a ú n ica m aneira de ser guardado de um a determ inada hora é não estar em n en h u m a parte desta hora.
A Igreja É Salva da Ira de Deus Logo depois de falar do A rrebatam ento (1 Ts 4.16,17), Paulo en coraja os tessalonicenses co m estas palavras: “D eus não nos destinou para a ira, mas para a aquisição da salvação, por nosso S en h o r Jesus C risto” (5.9), e “esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dos m o rtos, a saber, Jesus, que nos livra da ira fu tu ra ” (1.10). C o m o m ostram os acim a, as duas partes da Tribulação são caracterizadas pela ira de Deus, que é persistentem ente intensificada; D aniel considerou toda a “septuagésim a sem ana” (de sete anos) com o parte do Dia do Senhor, u m dia de ira (D n 12.1,7; cf. 9.24).
37G r .d ia.
38G r .e k .
39G r .terein.
M id itrib u la c io n ism o ”.
40Por e x e m p lo , v e ja Jo su é 2.13; S a lm o s 3.19; 56.13: P ro vérb ios 21.23.
42 V eja abaixo, sob “O P o n to de V ista da P ré -Ira ”.
41V eja abaixo, sob “O
43 V eja abaixo, sob “O P ó s-T rib u la c io n ism o ”.
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A ira de D eus não pode ser separada da ira do h om em ; a ira de Deus freqüentem ente chega por m eio de in stru m en tos hum anos e naturais, com o guerras, fo m e e m o rte44. A lém disto, a fo m e m encionada no terceiro selo (Ap 6.5,6) não é exclusivam ente ira do h o m em 45. Ainda há o quarto selo (v. 8), que fala da fom e e da espada, sendo ambas parte da ira de Deus, segundo o versículo de fundo de Ezequiel (14.19); a palavra hebraica para furor é hema, que significa “ira” ou “fu ro r” (cf. Is 13.6,9; Ez 38.18,19). Finalm ente, m esm o os que não foram salvos sob o sexto selo recon h ecem o juízo co m o a “ira do C ord eiro” (Ap 6.15,16). A salvação (libertação) da ira de Deus em 1 Tessalonicenses 5.9 quer dizer libertação de todo o período de Tribulação.
O Arrebatamento da Igreja Explica a Súbita Apostasia O u tra indicação de que o A rreb a ta m en to aco n tece antes da T ribu lação é o fato de que é o que m e lh o r explica a rep en tin a apostasia pela rem o çã o de qu em a d etém (2 T s 2.3-7). O co m p le to desrespeito à lei p o r parte do A n ticristo (que é im pulsionad o pelo próprio Satanás) n ão pode ser restringid o p o r n in g u ém m en os do que o próprio D eus. Assim, aquele que restring e tod o o pecado é o Espírito S an to de D eus (G n 6.3; Jo 16.7,8). Não pode ser n e m m esm o M iguel, o arca n jo , pois ele não pôde, com suas forças, restrin g ir o diabo (Jd 9). N em pode ser o im p erad or ro m an o (cf. R m 13.4), pois o A n ticristo será, ele m esm o, o líder p o lítico do m u nd o. A ú n ica restrição para o A n ticristo é o Espírito de C risto, co m a su p rem a santidade sob rep u jand o a su p rem a im piedade. D esta m aneira, novam ente faz sentido posicionar o A rrebatam ento no início da Tribulação. O Espírito é o que reside em todos os crentes (Jo 14.16) e na igreja (1 Co 3.17); quando Ele e todos os crentes fo rem rem ovidos, o m al ficará n atu ralm en te desenfreado. A rem oção do sal e da luz fará deste m undo um lugar m u ito repugnante e escuro, que o iníquo utilizará para operar co n tra Deus.
Um Conceito Realista de Iminência Sugere um Arrebatamento Pré-Tribulacional U m a indicação adicional de que a igreja não passará pela Tribulação é o fato de que o A rrebatam ento é u m evento sem sinais e im in ente. Pode acontecer a qualquer m o m en to, e não é necessário que nada seja cum prido antes que ele aconteça, com o inúm eras passagens atestam : Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados46. Q uanto aos textos que dizem que C risto vem “cedo” ( “sem dem ora”, “presto”) 47, A. T. R obertson diz que eles devem ser traduzidos com o “‘Eu virei (im in en tem en te)’ [...] Não sabemos com o ‘cedo’ deve ser interpretado. Mas é um a am eaça real” ( WPNT, 7.306).
« Cf. Isaías 9.11,12; 10.5,6: 13.1-5,9,17-19; 51.17-20; 65.12; Jeremias 50.9,13,25; 2 Crônicas 36.16,17. 44.8,11,12; Ezequiel 5.11-17; 7.3,8,14,15. Tiago 5.7-9; 1 João 2.28.
45 Cf. Jeremias 21.5-7,9;
* 1 Coríntios 15.51,52; cf. 1.7; 4.5; 16.22; Filipenses 3.20; 4.5; 1 Tessalonicenses 1.10;
47 Por exemplo, Apocalipse 3.11; 22.7,12,20.
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O conh ecid o estudioso do Novo Testam ento Leon M orris (nascido 1914) com entou: “A im inência da vinda é repetida” (BSJ, 258), e no seu clássico com en tário sobre o Apocalipse, ]. A. Seiss (1823-1904) afirm ou: “Em todas as partes, o p rom etid o Apocalipse do Sen h or Jesus é representado com o próxim o, passível de acontecer a qualquer momento” (A, 523, ênfase acrescentada). A lém disto, “sem d em ora” não quer dizer necessariam ente “lo g o ”, mas “co m ligeireza” (veja abaixo, sob “O Preterism o”). Os conceitos de esperar ansiosam ente, vir sem dem ora, e estar próxim o, todos en corajam a crença no retorn o im in ente de C risto48. Sendo im in ente, será sem sinais, e sendo sem sinais, terá que ser pré-tribulacional, um a vez que, com eçand o a Tribulação, o fim dos sete anos pode ser predito com exatidão. A I g r e j a n ã o E s tá D e s t i n a d a a o “ T e m p o d e A n g ú s t ia p a r a J a c ó ” O período de Tribulação é cham ado de “tem p o de angústia para Ja có ” (Jr 30.7), e foi dito a D aniel que esta é a sem ana determ inada para seu povo, Israel (9.24). Assim, nao há razão para supor que, quando Deus term in ar de lidar com a Sua nação escolhida, e cu m prir as profecias feitas a ela49, este seria designado com o u m tem po de tribulação para a igreja: Não seria, e não há m otivo por que a igreja deveria estar nele. Assim co m o Deus levou Enoque para o céu, em bora perm itisse que N oé suportasse o Dilúvio, da m esm a fo rm a Deus to m ará a igreja para Si antes da Tribulação, e perm itirá que Israel a suporte. Este é o tem p o de angústia e purificação para Israel (cf. Zc 12.6), a era que preparará Israel para receber o seu Messias (v. 10; cf. R m 11.25). E u m tem po da ira de Deus sobre os incrédulos, e não sobre os crentes; C risto já suportou a ira de D eus por nós50. A E s p e r a n ç a P u r if ic a d o r a T r ib u la c io n a l
d o A rre b a ta m e n to
S u g e re a su a N a tu r e z a
P ré -
João declarou que o reto rn o im inente de C risto tem u m efeito purificador sobre os crentes: Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifesto o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos. E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro (1 Jo 3.2,3). Para aqueles que têm esta esperança, este é u m lem brete som brio, com u m efeito santificador, de que o fim dos tem pos está próxim o. A B e m -A v e n tu ra d a E s p e ra n ç a d o A r r e b a ta m e n to S u g e re a su a N a tu r e z a P ré T r ib u la c io n a l Paulo afirm ou: [A graça de Deus nos ensina] que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, justa e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus Cristo (Tt 2.12,13).
4SVeja c a p ítu lo 15.
45Veja cap ítu lo s 12-14.
50 R o m a n o s 8.1; 2 C o rín tio s 5.21: v eja ta m b é m V o lu m e 3, c a p ítu lo s 7-9.
A TRIBULAÇÃO E O ARREBATAMENTO
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Dois elem entos traduzem a im inência: Prim eiro, nós “aguardam os”, em constante expectativa pelo retorn o de Cristo, e segundo, é u m a bem -aventurada esperança, o que não seria verdade se nós tivéssemos que passar por parte da Tribulação, ou por toda ela, para recebê-la.
O Tempo da Recompensa dos Crentes Sugere um Arrebatamento Pré-Tribulacional “Todos devemos com parecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por m eio do corpo, ou bem ou m a l” (2 Co 5.10). Jesus disse: “E eis que cedo venho, e o m eu galardão está com igo para dar a cada um segundo a sua obra” (Ap 22.12). Isto quer dizer que os crentes serão recom pensados im ediatam ente depois do Seu retorno, e nenhu m evento tem lugar na terra da m aneira descrita em 1 Coríntios 3.11-15: Ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; na verdade, o Dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo. C om o A rrebatam ento precedendo a Tribulação, os crentes irão receber os seus galardões no céu, enquanto aT ribu lação estará ocorrend o na terra.
A Diferença entre a Vinda de Cristo para seus Santos e posteriormente a Sua Vinda com Eles Mostra que se Trata de um Arrebatamento Pré-Tribulacional A diferença entre a vinda de Cristo para Seus santos e a Sua vinda com Seus santos é mais bem explicada sob esta luz. Antes da Tribulação, Cristo vem para Sua esposa ( l Ts 4.16,17; Jo 14.3); depois, no fim da Tribulação, Ele irá reto rn ar co m todos os Seus santos. Judas escreveu: “Eis que é vindo o S en h or com m ilhares de seus santos” (v. 14; cf. M t 24.29-31). Ele não pode vir com eles até ter vindo, antes, para eles; nós identificam os o período de tem po entre estes dois eventos com o sendo de sete anos. Não som ente não existe n e n h u m a evidência de que estes eventos o co rrem ao m esm o tem po, mas, quando C risto re to m a em Apocalipse 19, não há referência de que seja o A rrebatam en to51.
O Fato de as “Nações Ovelhas” Entrarem no Milênio Sustenta um Arrebatamento Pré-Tribulacional De acordo co m Jesus, haverá “ovelhas” (cren tes) que irão sobreviver à Tribulação e entrar no M ilênio: Quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os santos anjos, com ele, então, se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas. E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda. Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo (Mt 25.31-34).
51 A S eg u n d a V in d a —veja c a p ítu lo 15.
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Os juízos da Tribulação dim inuirão tão gravem ente a população do m u nd o que, se durassem mais tem po, ninguém sobreviveria (24.22). D urante o M ilênio, nascerão crianças (Is 65.20), e haverá incontáveis pessoas no final dele (Ap 20.8)52. As pessoas em seus corpos ressurrectos não têm filhos53, e de acordo com o pós-tribulacionism o, a ressurreição terá lugar no fim da Tribulação, pouco tem po antes do M ilênio (v. 4); se fo r este o caso, no entanto, não haverá ninguém em corpos não ressuscitados para povoar a terra, durante o reinado de Cristo. Este tipo de p roblem a não existe para o pré-tribulacionism o p ré-m ilenar, co m a ressurreição ocorrend o antes da Tribulação; m u itos dos 144.000 salvos e a grande m ultidão dos outros que eles irão conquistar (7.4,9) “estarão vivos” na terra em corpos não ressuscitados. Estas são as “ovelhas” de Mateus 25, que irão repovoara terra durante um período de mil anos de reprodução sob condições perfeitas. Os pós-tribulacionistas apresentaram especulações para evitar o seu dilema, mas estas são apenas isso—especulações, sem bases escriturais demonstráveis. Tal interpretação sugere que os 144.000 nao são realmente convertidos durante a Tribulação, e, conseqüentemente, não serão ressuscitados no final (em um Arrebatamento pós-tribulacional) e, assim sendo, ainda estarão capacitados para ter filhos durante o Milênio. Em agudo contraste, Apocalipse 7 afirma que eles têm “o selo do Deus vivo” (v. 2), e que servem a Deus, e não ao Anticristo (v. 3). Os pós-tribulacionistas tam bém são “forçados” (v eja Gundry, CT, 137) a m over o ju ízo das “nações bodes” para o fim do M ilênio, pois, se o A rrebatam ento oco rrer no fim da Tribulação, e todas as “ovelhas” (salvos) fo rem levadas para o céu, então não sobrarão pessoas salvas para povoar a terra. A sugestão de que alguns “bodes” (n ão salvos) entrarão no M ilênio não tem n e n h u m suporte textual54. Jesus disse que “todos” os bodes serão julgados quando Ele vier (M t 25.32). As diferenças significativas en tre a separação e o ju ízo são suficientes para m o strar que não são a m esm a coisa55. Separação de Ovelhas e Bodes
Ju ízo do G rande T rono B ran co
Ressurreição não é mencionada
Ressurreição dos perdidos
Não há livros abertos
Livros abertos
As nações estão presentes
Somente os indivíduos estão presentes
Os salvos e os perdidos estão presentes
Somente os perdidos estão presentes
Recompensas são mencionadas
Recompensas não são mencionadas
Acontece na terra
Não acontece na terra
Dois destinos: céu e inferno
Um destino: inferno
O T e m p o N e c e s s á r io p a r a o s J u íz o s d e D e u s , d e p o is d o A r r e b a t a m e n t o , n o F i n a l d a T r i b u l a ç ã o , S u s t e n t a o P r é - T r i b u l a c io n i s m o Os pós-tribulacionistas têm u m verdadeiro con gestion am ento de eventos n a Segunda Vinda de Cristo, no final da Tribulação. Eles crêem que a ira de D eus deve ser retida
52Ibid. 53Mateus 22.30; veja capítulo 7. 54 Zacarias 14.16 é usado algumas vezes: “E acontecerá que todos os que restarem de todas as nações que vieram contra Jerusalém subirão de ano em ano para adorarem o Rei, o Senhor dos Exércitos, e para celebrarem a Festa das Cabanas”. No entanto, isto se refere aos habitantes do milênio que sobreviverem aos juízos como redimidos, não rebeldes. Eles adorarão ao Rei; os versículos 17-21 prosseguem descrevendo as condições posteriores, em que filhos não salvos nascem; alguns não irão adorar a Cristo e terão que ser punidos. 55A tabela seguinte acompanha a comparação de Ryrie (veja
87).
A TRIBULAÇAOE O ARREBATAMENTO
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até depois do A rrebatam ento, mas tam bém crêem que o A rrebatam ento fará parte da Segunda Vinda (sem n e n h u m intervalo significativo). No entan to, alguns eventos deverão oco rrer, com o u m período de paz e segurança (1 Ts 5.3), que dificilm ente se encaixa com a descrição do fim da Tribulação — quando “todas as nações” se aju ntarão em Jerusalém (Z c 12.3; 14.2; Ap 16.14). C o ntrariam en te ao que diz R ob ert G undry (nascido 1935; veja CT, 92), não há sequer u m a sugestão de trégua nas guerras referentes ao A rm agedom . C ertam ente, depois de todos os terríveis juízos de trom betas e taças, não haverá n e n h u m sen tim ento de “paz e segurança”. Isto acontecerá nofim do mais intenso
período de trauma e confusão da história da humanidade. Charles Ryrie (nascido 1925) observa: “A própria form a da afirmação sugere que a paz e a segurança não serão as condições reais do m undo, no período que precederá o Dia do Sen h or” ( WYSKAR, 100). As passagens correlatas contrastampaz e segurança com destruição. De acordo com o pós-tribulacionism o, o Dia do S en h o r não se iniciará até que sejam derram ados os juízos do A rm agedom (n o final da Tribulação), m as o A rrebatam ento o co rrerá ao m esm o tem po. Isto suscita ou tra pergunta: “C o m o pode o arrebatam ento preceder o A rm agedom e ainda assim ser u m evento conectado à Segunda Vinda, que põe u m fim ao A rm agedom ?” (ibid., 94). Este p roblem a não existe para o pré-tribulacionism o, pois com o A rrebatam ento antes da Tribulação, há tem p o suficiente para que aconteçam todos estes juízos antes da Segunda Vinda.
A Vinda nos Ares vs. a Vinda à Terra Sustenta o Pré-Tribulacionismo Ju n tam en te com os com en tários acim a, está o A rrebatam ento sendo descrito com o C risto vindo “nos ares”. P osteriorm ente, Cristo virá à terra co m os santos que Ele terá arrebatado previam ente. Estes dois eventos não devem ser confundidos, e o intervalo entre
eles são os sete anos doperíodo de Tribulação56 O mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor (1 Ts 4.16,17). A palavra grega para “arreb atam en to”, traduzida com o arrebatados, é arpazo, que é traduzida n a Bíblia latina (a V ulgata) co m o rapturô, de onde se origina a palavra arrebatamento. A palavra é usada com respeito a Paulo sendo arrebatado ao céu (2 C o 12.24), com respeito a Filipe sendo arrebatado corp oralm en te pelo Espírito e levado para o u tro lugar (A t 8.39), e com respeito à ascensão de Cristo (Ap 12.5; cf. A t 1.11). N enh um acontecim ento deste tipo, em n e n h u m a o u tra passagem, é descrito co m o sendo parte do retorn o de C risto para reinar sobre a terra, no fim da Tribulação (M t 24—25; Ap 19); os santos não são levados n o reto rn o de Cristo para reinar, mas são trazidos de volta para reinar com Ele. O conceito pós-tribulacionista de que Cristo vem nos ares e im ediatam ente m uda de idéia e reto rn a à terra não é bíblico, mas sim plesm ente um a invenção original, para evitar a separação clara destes eventos. A partir de 1 Tessalonicenses 4.16-18, Ryrie relaciona cinco características que farão parte da vinda de C risto nos ares para buscar a Sua igreja:
56 Cf. D an iel 9.27; A pocalipse 11.2,3; 12.6.
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(1) (2) (3) (4) (5)
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um retorno de Cristo (v. 16); uma ressurreição dos crentes mortos (v. 16); um arrebatamento dos crentes vivos (v. 17); a reunião dos crentes com os entes queridos que morreram antes (v. 17); e a tranquilização ou consolo, à espera deste evento (v. 18).
Não há características com o estas conectadas ao retorno de Cristo no final da Tribulação. O A r r e b a t a m e n t o c o m o u m M i s t é r i o S u s t e n t a o P r é - T r i b u l a c io n i s m o Paulo disse aos coríntios: Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é mortal se revista da imortalidade (1 Co 15.51-53). D iferentem ente do reto rn o de Cristo à terra, o A rrebatam ento irá oco rrer em um instante, sem aviso, “nu m m o m en to , nu m abrir e fechar de o lh o s” (v. 52; cf. 1 Ts 4.17). Assim co m o aigreja, u m m istério antes o cu lto, mas agora revelado (E f 3.3-5; Cl 1.17), tam bém o arrebatam ento da igreja era desconhecido. O fato de u m a ressurreição fu tu ra era conhecid o aos judeus do A ntigo Testam ento57, m a s e m n e n h u m a p a ssa g em foi re v e la d o q u e u m g ra n d e c o r p o de c re n te s , q u e n ã o e r a m ju d e u s n e m g e n tio s (G1 3.28), m a s u m a “n o v a c r ia tu r a ” (2 C o 5.17), e “u m n o v o h o m e m ” (E f 2.15), se ria m arre b a ta d o s ao c é u , s e m m o r r e r o u re ssu sc ita r de suas s e p u ltu ra s. O A r r e b a ta m e n t o c o m o n ã o S e n d o p a r te d o “ D ia d o S e n h o r ” S u s te n ta o P ré T r ib u la c io n is m o “O Dia do S e n h o r” e expressões sim ilares, com o usadas a respeito de acontecim entos dos últim os tem pos, se referem ao período de Tribulação (1 Ts 5.2; 2 T s 2 .2 )58 e aos tem pos que se passarão durante o M ilênio (2 Pe 3.10-13). N em u m a ún ica vez o A rrebatam ento faz parte deste Dia. A expressão “Dia do S e n h o r” aparece aproxim adam ente vinte vezes no A ntigo Testam ento, sem pre a respeito de acontecim entos dos últim os tem pos. U m a expressão sem elhante, “os últim os dias”, aparece quatorze vezes, sem pre a respeito dos últim os tem pos. A expressão “naquele dia” é usada mais de cem vezes, n a sua m aioria, com referência aos m esm os acontecim entos. Isaias usa as três expressões a respeito do mesmo evento (Is 1.2,11,12), mas nem uma única vez o Antigo Testamento se refere ao Arrebatamento: “Esta omissão, em mais de cem passagens, parece ser difícil de com preender, se o arrebatam ento é o p rim eiro evento do Dia do S e n h o r” (Ryrie, W YSKAR, 103). A lém disto, Paulo diz aos tessalonicenses que eles não passarão por “aquele dia” (2 T s 2.3); ele não lhes sobrevirá; eles serão libertados deste dia (1 Ts 5.9) pelo A rrebatam ento, que oco rrerá antes dele (4.16,17; cf. 5.1). 0 Arrebatamento acontece antes do período da Tribulação.
37 Por exem plo, cf. Jo 19.25; Daniel 12.2; Isaías 26.19. 58 O m elh or texto grego traz “Sen h o r”, com o a maioria das traduções m odernas, incluindo a ASV, a NASB, e a NIV.
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A Promessa de Cristo de Retornar Contida em João 14 Sustenta o Arrebatamento Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito, pis vou preparar-vos lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós também (vv. 1-3). Diversas considerações a respeito deste texto indicam que a prom essa de C risto aos Seus discípulos é sobre arrebatar-nos ao céu antes da Tribulação, e não o Seu reto rn o à terra (ou a revelação disto) depois da Tribulação. Prim eiro, o uso do tem p o presente a respeito de u m evento fu tu ro: “Virei ou tra vez” ( “ Vou v o lta r”) indica a proxim idade do evento ao presente. Segundo, o fato de que Ele voltará pessoalm ente indica u m evento separado. No fim da Tribulação, na Segunda Vinda, quando Cristo re to m a r à terra, não será Ele, m as Seus anjos, que irão aju ntar os escolhidos (M t 24.31). Terceiro, C risto irá levá-los ao céu, à casa do Seu Pai, não conservá-los na terra para e n trarem no reino no fim da Tribulação (a Segunda Vinda —25.34). Em resum o, m uitas características futuras apontam para u m A rrebatam ento p ré-tribulacional, que m elh o r explica todos os dados, de u m a m aneira abrangente e coerente. Som ente um A rrebatam ento pré-tribulacional se encaixa na im inência sem aviso, transm itida em m uitas passagens do Novo T estam ento, e n e n h u m ou tro m odelo explica a clara diferença entre os dois aspectos da Sua volta:
Arrebatamento
Segunda Vinda
Encontrar-se com eles nos ares (1 Ts 4.17)
Levá-los à terra (Zc 14.4: At 1.11)
Levar os crentes ao céu
Trazer os crentes de volta à terra
(Jo 14.3)
(Ap 19.14)
Vir por Seus santos (2Ts 2.1)
Vir com Seus santos (Jd 14)
Somente os crentes o vêem (1 Ts 4.17)
Todas as pessoas o vêem (AP 1.7)
Nenhum sinal o precede ( lT s 5.1-3)
Muitos sinais a precedem (Mt 24.3-30)
A tribulação se inicia (2Ts 1.6-9)
O milênio se inicia (Ap 20.1-7)
Passagens sobre o Arrebatamento Há nu m erosas passagens n o N ovo T estam en to sobre o A rrebatam en to , e tam bém m uitas a respeito da Segunda Vinda. C onsidere estas passagens sobre o A rrebatam ento: João 14.3; 1 C oríntios 1.7,8; 15.51-53; 16.22; Filipenses 3.20,21; C olossenses 3.4; 1 Tessalonicenses 1.10; 2.19; 4.13-18; 5.9,23; 2 Tessalonicenses 2.1; 1 T im ó te o 6.14; 2 T im ó te o 4.1; T ito 2.13; H ebreus 9.28; Tiago 5.7-9; 1 Pedro 1.7,13; 1 João 2.28—3.2; Judas 21; A pocalipse 2.25; 3.10; 22.7,12,20.
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Textos sobre a Segunda Vinda E ntre as passagens sobre a Segunda Vinda, encontradas tan to no A ntigo quanto no Novo T estam ento, se inclu em as seguintes: D aniel 2.44,45; 7.9-14; 12.1-3; Zacarias 12.1-9; 14.1-15; M ateus 13.41; 24.14-31; 26.64; M arcos 13.14-27; 14.62; Lucas 13.25-28; Atos 1.9-11; 3.19-21; 1 Tessalonicenses 3.13; 2 Tessalonicenses 1.6-10; 2.8; 2 Pedro 3.1-14; Judas 14,15; Apocalipse 1.7; 19.11—20.6.
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES AO PRÉ-TRIBULACIONISMO Há m uitas objeções erguidas con tra o pré-tribulacionism o, m as n e n h u m a delas é insolúvel. Considere os argum entos seguintes, baseados em passagens específicas.
A Objeção Extraída de Salmos 110.1 “Disse o Sen h or ao m eu Sen h or: A ssenta-te à m in h a m ão direita, até que p o n h a os teus inim igos por escabelo dos teus pés”. Alguns pós-tribulacionistas usam este versículo para sugerir que Cristo não irá reto rn a r até depois daTribulação, pois som en te então Ele será com p letam en te vitorioso acim a de Seus inim igos. Se Ele se levantar antes disto, para vir arrebatar o Seu povo, não estará assentado até o final da Tribulação.
Resposta Prim eiro, “assentar-se” é u m a figura de linguagem ; C risto cu m priu a obra da redenção, e está assentado em u m a posição de h on ra e poder à m ão direita de Deus. Deus não tem , literalm en te, u m a “m ão direita” (Jo 4.24), n em pode, literalm en te, assentarse em u m trono. Tam bém não existe um "escabelo” literal. E m bora seja literalm ente verdade que Cristo assim será exaltado, estas figuras de linguagem não são literais. Além disto, interpretar “assentar-se” em um sentido literal não significaria que Cristo jamais poderia levantar-se. De m odo análogo, os monarcas do m undo sempre foram capazes de se levantar por seu trono ou de afastar-se dele sem perder seu “assento de autoridade”. A dicionalm ente, Cristo já “se lev an tou ” pelo m enos u m a vez, desde que Ele se assentou; quando Estêvão m o rreu , Jesus se pôs em pé para recebê-lo (A t 7.56). Se Cristo pode se levantar para receber u m crente no céu, sem perder Seu assento de autoridade, não há razão pela qual Ele não possa se levantar tam bém para receber a Sua esposa (a igreja) no céu, n o A rrebatam ento (1 Ts 4.16,17).
A Objeção Extraída de Mateus 24.29,30 E, logo depois da aflição [tribulação] daqueles dias, o sol escu recerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu , e as p otências dos céus serão abaladas. Então, ap arecerá no céu o sinal do Filho do H o m e m ; e todas as tribos da te rra se lam en tarão e v erão o Filho do H o m e m vindo sobre as nuvens do céu , co m p od er e grande glória.
Resposta Primeiro, isto quer dizer que C risto irá reto rn ar à terra depois da Tribulação; no entanto , isto não é o A rrebatam ento, que tem lugar antes d aTribu lação.
A TRIBULAÇÃO E O ARREBATAMENTO
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Segundo, novam ente, existe u m a diferença entre Cristo vir para Seus santos (o A rrebatam ento) e vir com Seus santos (a Segunda Vinda). No Arrebatam ento, nós nos encontram os nos ares (1 Ts 4.16,17); aqui, Ele vem à terra, onde Ele se assentará em um trono (M t 25.31). Terceiro, o A rrebatam ento é u m evento im in ente, não precedido por n e n h u m sinal; aqui, haverá o “sinal” da Sua vinda (24.30-32). Quarto, e finalm ente, a pergunta dos discípulos que ocasionou este serm ão foi sobre o Seu reto rn o à terra, e não sobre a Sua vinda nos ares: “Q uando serão essas coisas e que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundoV’ (24.3). Isto não se refere ao A rrebatam ento da igreja, mas ao reto rn o de Cristo, depois d aTribu lação, para estabelecer o Seu reino39.
A O b je ç ã o E x tra íd a de M a te u s 24.37-40 E, co m o foi nos dias de N oé, assim será tam b ém a vinda do Filho do H o m em . Porquanto, assim co m o , nos dias anteriores ao dilúvio, co m iam , bebiam, casavam e d avam -se em casam en to , até ao dia em que N oé en trou n a arca, e n ão o perceb eram , até que veio o dilúvio, e os levou a tod os, assim será tam b ém a vinda do Filho do H o m em . Então, estando dois no cam p o , será levado u m , e deixado o o u tro .
Alguns argu m entam que, u m a vez que isto acontece no período da Tribulação, aqueles “levados” n o A rrebatam ento não são levados antes daTribulação. R e sp o s ta O paralelo exemplificado indica que os “levados” não foram levados no Arrebatam ento, mas, antes, com o aqueles “levados” no Dilúvio, no fim daTribulação, são levados em juízo. Isto é adicionalm ente sustentado pela passagem correspondente, onde os “levados” são trazidos a um local de julgam ento. Os discípulos perguntaram para onde iriam , e Jesus respondeu: “Onde estiver o corpo, aí se ajuntarão as águias” (Lc 17.37). Aqueles que “restaram ” para entrar no M ilênio depois do juízo daTribulação eram os salvos. Além disto, o fato de que são usadas diferentes palavras gregas para levados, em referência ao Arrebatamento, não invalida esta conclusão, mas simplesmente m ostra que existem sinônimos usados nas Escrituras, assim com o a m esm a palavra, usada em relação a diferentes eventos60, não prova que eles sejam idênticos. Esta é um a ocorrência lingüística com um .
A O b je ç ã o E x tra íd a de 1 T e s s a lo n ic e n s e s 5.1-9 Mas, irm ãos, acerca dos tem pos e das estações, não necessitais de que se vos escreva; porque vós m esm os sabeis m uito bem que o Dia do Senhor virá co m o o ladrão de noite. Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então, lhes sobrevirá repentina destruição, co m o as dores de parto àquela que está grávida; e de m odo n en h u m escaparão. M as vós, irm ãos, já não estais em trevas, para que aquele Dia vos surpreenda co m o u m ladrão; porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite n em das trevas. N ão durmamos, pois, co m o os demais, mas vigietnos e sejamos sóbrios. Porque os que d orm em d orm em de noite, e os que se embebedam embebedam-se de noite. Mas nós, que somos do dia, sejamos sóbrios, vestindo59Veja capítulos 13 e 15.
60 Por exem plo, cf. M ateus 24.40,41; Joao 14.3.
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nos da couraça da fé e da caridade e tendo p or capacete a esperança da salvaçao. Porque Deus nao nos destinou para a ira, mas para a aquisição da salvação, por nosso SenhorJesus Cristo.
Alguns que negam u m A rrebatam ento pré-tribulação usam isto para sugerir que Paulo está instruindo os tessalonicenses sobre o Dia da ira de Deus (isto é, a Tribulação), pelo qual irão passar, quando C risto retornar.
Resposta Primeiro, o uso de Paulo de mas (gr. peri de) indica u m novo assunto, em cada lugar em que ele usa a expressão em seus textos61. M e s m o o u so s o m e n te d a se g u n d a p a la v ra (d e) te m o sig n ificad o de in ic ia r u m n o v o a ssu n to . Segundo, os tessalonicenses já tin h am u m entendim ento “p erfeito” (exato e preciso) sobre o Dia do S en h or (v. 2), mas eram ignorantes a respeito do A rrebatam en to (4.13); u m evento não faz parte do outro. Terceiro, o uso de nós para o A rrebatam ento (v. 17) e de eles para o Dia do S en h o r (5.3) indica que Paulo não está falando sobre os crentes suportarem este últim o. Quarto, Paulo claram ente desvincula os crentes do Dia do S en h o r no versículo 4 ( “Mas vós, irm ãos [...]”). O contraste entre “n ó s” (nos), que serem os libertados daquele dia, e “os”, que passarão por ele, é inconfundível. As exortações aos crentes (nos vv. 6-9) não são para vigiar procurando por sinais, mas para usar estes eventos fu tu ros com o m otivação para viver piedosam ente no presente (cf. 2 Pe 3.11). Quinto, e finalm ente, n o versículo 9, Paulo afirm a claram ente que os crentes não passarão por este período.
A Objeção Extraída de 2 Tessalonicenses 2.1-3 Irm ã o s, ro g a m o -v o s, p e la vinda de nosso Senhor Jesus C risto e p ela n ossa re u n iã o c o m ele, que n ão vos m ovais fa cilm en te do vosso e n te n d im e n to , n e m vos p ertu rb eis, q uer p o r e sp írito , q u e r p o r p alav ra, q u er p o r ep ísto la, c o m o de n ós, c o m o se o D ia de Cristo estivesse já p e rto . N in g u é m , de m a n e ira alg u m a, vos en g an e, p o rq u e n ão será assim [o D ia do Senhor] sem que an tes v e n h a a ap ostasia e se m an ifeste o h o m e m do p ecad o , o filho da p erd ição .
Paulo, em sua epístola anterior, tin h a falado sobre o A rrebatam ento, quando nós nos reunirem os o u tra vez com os nossos queridos no céu. A referência aos crentes aqui na terra depois que o A nticristo tiver sido revelado parece contrariar o que Paulo já tin h a ensinado.
Resposta Tanto o contexto quanto o desenrolar da argum entação favorecem um Arrebatam ento pré-tribulação. Alguns, em Tessalônica, reivindicavam revelações (v. 2) de que a “vinda de nosso Sen h or” e a “nossa reunião com Ele” (o Arrebatam ento, 1 Ts 4.16,17) já tinham ocorrido. Paulo responde que o A rrebatam ento não poderia ter ocorrido, pois o “h om em do pecado” ainda não tinha sido revelado. Assim, “o dia do S en h o r” (u m a designação com u m para o dia do juízo que será realizado por Deus) não tinha chegado (e não chegou); isto é, a Tribulação não com eçou. 61A discussão aqui a co m p an h a Show ers, Maranatha, Our Lord, Come! (Bellm aw r, N.J.: Friends o f Israel G ospel M inistry, 1995), 59.
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A dicionalm ente, isto é sustentado pelos com entários de que tal dia não virá até que “o que resiste” a este tipo de m al seja “tirad o” (v. 7). C om o observam os anteriorm ente, a única pessoa capaz de resistir ao tipo de m al que será libertado pelo satanicam ente inspirado A nticristo é o Santo Espírito de Deus, cu ja presença residente no corpo dos crentes será rem ovida no A rrebatam ento, antes que este horrendo período de Tribulação se inicie. A O b je ç ã o E x tra íd a de 1 C o r ín tio s 15.51,52 Na verdade, nem todos dorm irem os, mas todos serem os transform ados, n u m m o m en to , n u m abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta ; p orque a tro m b eta soará, e os m o rto s ressuscitarão incorruptíveis, e nós serem os transform ados. Alguns afirm am que é contrário à h erm en êu tica histórico-gram atical afirm ar que o A rrebatam ento ocorre antes da Tribulação, quando a lista de trom betas do Novo Testam ento co lo ca a últim a trom beta no fim d aTribulação (cf. Ap 11.15). R e sp o s ta Primeiro, esta interpretação rejeita a h erm en êu tica histórico-gram atical, igualando a “ú ltim a tro m b eta” de u m livro, segundo um autor, com a “sétim a tro m b eta ” de outro
livro, segundo outro autor. Isto certam en te não é o que se obtém do con texto de 1 Coríntios 15. Segundo, não há razões para crer que o público de C orinto soubesse das sete trom betas; m esm o um a data bastante adiantada para o livro do Apocalipse (68-69) ainda é bastante posterior a 1 Coríntios (55-56). Terceiro, se interpretada no con texto mais am plo do Antigo T estam ento, o som de um a trom beta era um sinal da m anifestação de Deus (Ex 19.16). C onseqüentem ente, seria apropriado referir-se à Sua m anifestação final, na Segunda vinda, com o a “últim a tro m b eta”. Quarto, e finalm ente, com a interpretação no con texto im ediato do capítulo anterior, Paulo falou de um a “tro m b eta ” que incentiva os soldados a “seprepararem para a batalh a”, sugerindo que ou tra tro m b eta iria convocá-los à batalha. Esta seria a ú ltim a trom beta, e estaria de acordo co m as suas idéias em 1 Coríntios 15.51-53. De qualquer form a, não é necessário sair do con texto daquilo que se esperaria que os coríntios soubessem para explicar por que o A rrebatam ento não é associado com a “sétim a” tro m b eta de Apocalipse 11.15. A O b je ç ã o E x tra íd a de M a teu s 24.27 “A ssim co m o o re lâ m p a g o sai do o r ie n te e se m o stra a té ao o c id e n te , assim será ta m b é m a vind a [gr. p a r o u sia \ do F ilh o do H o m e m ”. T od os estão de a co rd o co m que isto se re fe re à v in d a de C risto no fim da T rib u la çã o . Mas a m e sm a palavra, p arou sia, é ta m b é m usada a resp eito do A rre b a ta m e n to (1 Ts 4.1 5 ), de m o d o que os p ó s-trib u la cio n ista s a rg u m e n ta m que o A r re b a ta m e n to d everá te r lu g a r no fim da T rib u la çã o . R e sp o s ta Parousia significa “chegada” ou “presen ça”, e é usada biblicam ente a respeito da chegada de seres hum anos (veja 1 Co 16.17), assim com o de Cristo. Ele chegará e estará
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presente no A rrebatam ento, assim com o n a Segunda Vinda; nada a respeito da palavra a lim ita a u m evento ou a outro. A m esm a coisa é válida a respeito da palavra apocalipse (gr. apokalupsis), que é usada sobre ambos os aspectos do reto rn o de Cristo (cf. 1 Co 1.7; 2 Ts 1.7); serão u m a “m anifestação” (revelação) de Cristo a quem quer e onde quer que Ele aparecer. D a m esm a m aneira, a palavra manifestação (gr. epiphaneia) é usada a respeito da esperança do cren te, de ver o S en h o r (2 T m 4.8) e da Segunda Vinda (2 Ts 2.8). Palavras com uns têm usos em m uitos contextos, e, co m o sem pre, o significado é descoberto pelo co n tex to 62.
A Objeção Extraída de 2 Tessalonicenses 1.5-10 [E] prova clara do justo juízo de Deus, para que sejais havidos p or dignos do Reino de Deus, pelo qual tam bém padeceis; se, de fato, é justo diante de Deus que dê em paga tribulação aos que vos atribulam, e a vós, que sois atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu, co m os anjos do seu poder, co m o labareda de fogo, tom ando vingança dos que não con hecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder, quando vier para ser glorificado nos seus santos e para se fazer admirável, naquele Dia, em todos os que crêem (porquanto o nosso testem unho foi crido entre vós).
Os pós-tribulacionistas en ten dem que este texto afirm a que “Paulo coloca a libertação dos cristãos da perseguição no reto rn o pós-tribulacional de C risto para ju lgar os incrédu los” (G undry, CT, 113).
Resposta Esta conclusão não se encaixa com o con texto da passagem por vários m otivos. Primeiro, ela não som en te trata da libertação dos cristãos no fim da Tribulação, mas tam bém dos tessalonicenses a quem Paulo se dirigia (v. 5). Segundo, se a libertação era a principal preocupação de Paulo, por que, então, ele não m encionou a m o rte, que tam bém liberta um crente da tribulação? Na verdade, som ente aqueles crentes que estiverem vivos nesta ocasião serão libertados pelo A rrebatam ento; os demais serão libertados pela m o rte. Terceiro, o A rre b a ta m e n to n ã o é d escrito n e ste te x to de n e n h u m a m an eira. Paulo se refere ao ju ízo , ao dar paga, à trib u la çã o , à labared a de fogo, ao castigo, à e te rn a perd ição, e n e n h u m a destas coisas se re la cio n a c o m as passagens sobre o A rre b a ta m e n to 63. Quarto, e finalm ente, o assunto da passagem é vingança (libertação de qualquer sen tim ento de in ju stiça). Os crentes devem ter certeza de que Deus irá ju lg ar os incrédulos que os causarem sofrim entos (cf. Ap 6.9-11).
A Objeção Extraída de Apocalipse 7.4,9; 14.1,3 E ouvi o n úm ero dos assinalados, e eram cento e quarenta e quatro mil assinalados, de todas as tribos dos filhos de Israel [...] Depois destas coisas, olhei, e eis aqui u m a multidão, a qual 62 V eja c a p ítu lo 12.
63 C o m o Jo ão 14.1-3; 1 C o rín tio s 15.51-58; 1 T essa lo n icen ses 4.16,17; v e ja ta m b é m R y rie, What You Should
Know About the Rapture (C h ica g o : M ood y , 1981), 52-54.
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ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono e perante o Cordeiro, trajando vestes brancas e co m palmas nas suas m ãos [...] E olhei, e eis que estava o Cordeiro sobre o m on te Sião, e co m ele cento e quarenta e quatro mil, que em sua testa tinham escrito o n om e dele e o de seu Pai [...] E cantavam u m co m o cântico novo diante do trono e diante dos quatro animais e dos anciãos; e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram com prados da terra.
Alguns pós-tribulacionistas afirm am que, se, co m o afirm a o pré-tribulacionism o, o Espírito Santo é tirado do m undo no A rrebatam en to (2 Ts 2.7), então não haveria um m odo pelo qual todas estas pessoas pudessem receber a salvação, pois ninguém pode ser salvo, exceto pela regeneração do Espírito64.
Resposta Os pré-tribulacionistas concordam que ninguém pode ser salvo, exceto pela obra redentora do Espírito. No entanto, eles negam que isto seja contrário a crer que a residência do Espírito na igreja possa ser tirada do mundo enquanto as pessoas ainda puderem ser salvas. O Espírito é onipresente (SI 139.7-12) e não pode ser tirado de nenhum lugar; a Sua presença especial nos crentes, individualmente ou coletivamente, é um a obra que termina, na terra, no Arrebatamento. Os crentes do Antigo Testamento não tiveram o precioso Espírito Santo habitando permanentemente em si mesmos (SI 51.11; 1 Sm 16.14); no entanto, cada pessoa que entrar no reino de Deus deverá nascer de novo, pelo Espírito 0 o 3.3-7), e os santos do Antigo Testamento estão no reino de Deus (M t 8.11). A regeneração do Espírito não é idêntica à morada do Espírito em nós. Embora a Sua influência controladora, através da Sua morada nos crentes, não esteja mais no mundo, Ele estará presente na Tribulação para regenerar aqueles que crerem.
A Objeção Extraída de Apocalipse 20.4 E vi tron os; e assentaram -se sobre eles aqueles a q uem foi dado o pod er de julgar. E vi as alm as daqueles que fo ram degolados pelo testem u n h o de Jesus e pela palavra de Deus, e que n ão a d oraram a besta n em a sua im ag em , e n ão receberam o sinal n a testa n em na m ão ; e viveram e rein aram c o m C risto d u ran te m il anos.
Alguns pós-tribulacionistas sustentam que esta é a única passagem que indica o m om ento do Arrebatamento —no fim daTribulação, pouco antes do Milênio (veja Ladd, BH, 165).
Resposta Em resposta, nenhu m Arrebatamento é mencionado nesta passagem. Não há um a palavra sequer sobre alguém sendo “levado” para encontrar a Cristo nos ares (cf. 1 Ts 4.16,17). A m enção à ressurreição está limitada, pelo próprio texto, àqueles que, durante a Tribulação, “não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na testa n em na m ão”. João não está falando daqueles que serão ressuscitados antes da Tribu lação, quando C risto re to rn a r para buscar a Sua esposa, o que é o p rim eiro estágio da p rim eira ressu rreição65. T o d o s os q u e m o r r e r e m d e v e m s e r re s s u s c ita d o s ; a q u e le s q u e 64 João 3.5; T ito 3.5,6; Rom anos 8.9.
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m o r r e r e m d ep o is q u e C r is to a rr e b a ta r a S u a e sp o sa ao c é u s e rã o re s su s c ita d o s n o fim d a T r ib u la ç ã o . A Objeção de que o Pré-Tribulacionismo É uma Doutrina Tardia M uitos anti-pré-tribulacionistas vêem a relativa dem ora do pré-tribulacionism o com o um argum ento contra ele. Eles afirm am que ele teve início com John Nelson Darby (18001882); Darby alegou que o conheceu por interm édio de Jo h n Edward Irving (1792-1834), u m herege que foi destituído da igreja da Escócia. O utros afirm am que ele se originou de u m a m ística cham ada M argaret M acDonald (c. 1830), e alguns dizem que ele se originou de um período ainda anterior, de Em m anuel Lacunza (1731-1801)66. George Eldon Ladd (19111982) disse: “Não conseguim os encontrar pistas do pré-tribulacionism o na igreja primitiva; e n en h u m pré-tribulacionista m oderno conseguiu provar com sucesso que esta doutrina particular fosse defendida por algum dos Pais da igreja ou estudiosos da Palavra antes do século X IX ” (B H , 31). Assim sendo, alguns supõem que o m odelo da pré-tribulação não seja bíblico. No entanto, esta conclusão não procede por m uitas razões.
Resposta Estes argum entos estão baseados em , pelo m enos, duas falácias. A falácia do esnobismo cronológico argumenta equivocadamente que a verdade pode ser determinada pelo tem po —isto é, um a vez que a doutrina é tardia em origem, supõe-se que ela não seja verdadeira. No entanto, o tem po não tem necessariamente conexão com a verdade; algum a coisa pode ser nova e verdadeira, assim com o pode ser antiga e falsa67. Concluir que alguma coisa é falsa ou inválida porque veio de um a fonte supostamente ruim é a falácia genética. O m odelo para a estrutura m olecular do benzeno se originou de um a visão que o químico August Kekule (1829-1896) teve de um a cobra m ordendo a sua própria cauda. A origem do m o tor movido a corrente alternada se originou de um a visão que NikolaTesla (1856-1943) teve quando lia Johan Wolfgang von G oethe (1749-1832), u m poeta panteísta. Ninguém rejeita a validade destas descobertas com base nas suas fontes esquisitas. Além disto, algumas doutrinas, no início da igreja, eram falsas. O docetismo (a negação da humanidade de Cristo) existiu já nos tempos do Novo Testam ento (1 Jo 4.1-6). U m a form a incipiente de gnosticismo, que negava a divindade de Cristo, estava presente na igreja colossense (Cl 2). A regeneração pelo batismo foi ensinada por alguns dos primeiros Pais. O fato de que estas coisas fossem antigas não as tomava verdadeiras, nem a relativa tardança de uma doutrina a toma falsa. Se assim fosse, então, da m esm a maneira, a teologia da aliança, defendida por muitos que negam as visões pré-tribulacionista e pré-m ilenar, seria tam bém intrinsecam ente falsa, um a vez que ela não foi desenvolvida antes de aproximadamente seiscentos anos depois dos tempos de Cristo, por Caspar Olenianus (1536-1587) e Johannes Cocceius (1603-1669)®. Ademais, está de acordo co m o progresso global do desenvolvim ento doutrinário que a escatologia não fosse u m enfoque principal até os tem pos m odernos. C o m o observou Jam es O rr (1844-1913), n a sua clássica obra Progress o f Dogma, certas doutrinas ocuparam eras diferentes, com a d ou trina de C risto surgindo nos prim eiros séculos, e a d outrina das últim as coisas surgindo nos tem pos m odernos (20-30). A dicionalm ente, o pré-tribulacionism o n ão é tão tardio co m o se supôs, pois agora se sabe que ele existiu n o século IV. C o m a descoberta dos ensinos de Efraim da Síria Veja capítulo 7.
65Veja Ice, e d , When the Tnonpet Sounds (Eugene, Ore.: Harvest House, 1995), 115.
67Veja Volum e 1, capítulo 7, sobre a
verdade sendo o que corresponde à realidade. 68Veja Elwell, Evangelical Dictiomry ofTheobgy (G rand Rapids: Baker Academic, 2001), 279.
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(c. 306-373)69, estabeleceu-se que o p ré-trib u lacio n ism o era ensinado na igreja prim itiva. C om o jád em on stram os70, op ré-m ilen arism o, de onde derivou o pré-tribulacionism o, era ensinado na igreja prim itiva a partir de pouco tem po depois da época dos apóstolos. A im inência do reto rn o de Cristo foi enfatizada desde o início, e o pré-tribulacionism o é baseado em u m conceito realista de im inência. Finalm ente, para um evangélico, a questão básica não é se a d outrina era ensinada pela igreja prim itiva, mas se ela era ensinada pela primeira igreja — a igreja dos apóstolos. C om o já estabelecem os, existe am pla evidência do Novo Testam ento para sustentar o pré-tribulacionism o.
A Objeção Extraída de João 21.18,19 Jesus disse a Pedro: Na verdade, n a verdade te digo que, quando eras mais m o ço , te cingias a ti m esm o e andavas p o r onde querias: m as, quando já fores velh o, estenderás as m ãos, e o u tro te cingirá e te levará para onde tu n ão queiras. E disse isso significando co m que m o rte havia ele de glorificar a D eus. E, dito isso, disse-lhe: S egue-m e.
Aqueles que se opõem à im in ência pré-tribulacional argu m entam que, se este evento tivesse que acontecer antes que Jesus retornasse, então a Sua vinda não seria im inente. A m esm a coisa seria verdade no caso de Paulo ser inform ad o por Deus antecipadam ente de que teria um grande m inistério em C orinto (A t 18.9-11).
Resposta E verdade que, co m respeito ao cu rto período de tem po envolvido, Pedro e Paulo podiam conclu ir que Cristo ainda não estava voltando. No entan to, isto não destrói a dou trina da im inência. Por um lado, estas revelações foram feitas a indivíduos, e não afetaram a igreja de m odo geral. Por ou tro lado, elas se lim itaram a u m cu rto período no século I, e não afetaram a crença dos fiéis subseqüentes na im inência.
A Objeção de que o Pré-Tribulacionismo Apela para Motivos Indignos O am ilenarista Oswald Allis (1880-1973) ten tou refu tar o pré-tribulacionism o sob “Pretribulationism Appeals to U nw orthy M otives” (O Pré-tribulacionism o Apela a M otivos Indignos) (PC, 207). G undry afirm a que “algum as vezes o argum ento [a favor do pré-tribulacionism o] é tão declarado a ponto de ser prejudicado por um apelo ao te m o r” (CT, 43).
Resposta Primeiro, não há nada errado com o te m o r com o m otivo, se estiver baseado na verdade. Repetidas vezes, Jesus advertiu as pessoas do inferno etern o. Segundo, a m aioria dos argum entos a favor do pré-tribulacionism o não está baseada no tem o r71.
69Veja abaixo, sob “A Base Histórica para o Retorno Im inente de Cristo”.
70Veja capítulo 15.
71 Veja capítulo 9.
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Terceiro, o uso indevido não impede o uso. Isto é, m esm o o fato de que alguns argum entos são lançados incorretam ente por alguns pré-tribulacionistas não invalida o uso apropriado do arg u m en to em p articu lar, n e m do p ré-trib u la cio n ism o em geral.
A BASE TEOLÓGICA PARA O PRÉ-TRIBULACIONISMO A m aioria dos assuntos teológicos foi esclarecida na discussão bíblica acim a. Aqui, cabe identificá-los e separá-los.
A Distinção Real entre Israel e a Igreja Alguns argum entos a favor do pré-tribulacionism o estão baseados n o ensino teológico de que Israel e a igreja não são a m esm a coisa72, e que, con seqüentem en te, as profecias feitas sobre Israel não são cum pridas na igreja. U m a vez que a Tribulação é a septuagésim a sem ana de Israel (D n 9.27), e é “d eterm inad a” sobre ele (v. 24), não há razão pela qual a igreja deva ser incluída.
O Padrão Divino de Não Julgar os Justos com os ímpios N este m u n d o pecad or, às vezes os cren tes sofrem danos secundários devidos aos m aus atos dos incréd u lo s (co m o m aus tratos a u m a crian ça p o r u m pai descrente); apesar disto, é a p o lítica e prática declarada de D eus não ju lg a r os cren tes c o m os incréd u los (G n 18.25). D eus n ão d estruiu N oé e sua fam ília co m o m u n d o ím pio (7—9), n em destruiu os israelitas fiéis com os in créd u lo s, m as preservou Josué e Calebe e a geração m ais jo v em , que não tin h a participado da rebelião (N m 14). De igual m an eira, M oisés e os fiéis fo ram salvos quando C o rá e seus seguidores incitad ores fo ram tragados em ju ízo (16). E co n trário ao padrão de D eus ju lg a r a ig reja (os cren tes) c o m o Israel in créd u lo , d u ran te o período de Tribu lação.
A Ira de Deus Caiu sobre Cristo por Nós O u tro princípio teológico por trás de u m A rrebatam ento pré-tribulacional é que Cristo já sentiu a ira de D eus em lugar dos crentes. “Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e m oído pelas nossas iniqüidades” (Is 53.5); “Aquele que não conh eceu pecado, o fez pecado por nós; para que, nele, fôssem os feitos ju stiça de D eus” (2 Co 5.21); “Cristo padeceu u m a vez pelos pecados, o ju sto pelos inju stos, para levar-nos a D eu s” (1 Pe 3.18); “nenhuma condenação há para os que estão em C risto Jesus” (R m 8.1). Por Cristo ter suportado a ira de Deus por nós, nós não tem os que suportá-la. A Tribulação será u m tem po sem precedentes de ira de D eus73, e não h á m otivos para que a igreja o experim ente (1 Ts 5.9).
Deus Proporciona Forte ímpeto para nossa Santificação Está claro, do in ício ao fim das E scrituras, que D eus te m u m fo rte desejo de que nós sejam os co m o Ele. Ele disse, repetidas vezes: “Eu sou o S en h o r, que vos faço subir da 72Veja capítulos 13-14.
73 Cf. Apocalipse 6.16,17; 11.18; 12.12; 14.10,19; 15.1,7; 16.1,19; 19.15.
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te rra do E g ito , p ara que eu seja vosso D eu s, e p ara que sejais san to s; p o rq u e eu sou s a n to ” (Lv 11.45; 11.15; 19.2). Jesus disse: “Sede vós, pois, p e rfe ito s, c o m o é p e rfe ito o vosso Pai, que está nos c é u s ” (M t 5.4 8 ). A e p ísto la aos H ebreu s e x o rta : “D eixan d o os ru d im e n to s da d o u trin a de C risto , p ro ssig am os até a p e rfe iç ã o ” (6 .1 ), e nós d ev em os fazer tod os os esfo rço s p ara serm o s sa n to s, pois sem a san tid ad e n in g u é m v erá o S e n h o r: “Seg u i a paz c o m to d o s e a s a n tifica çã o , sem a qual n in g u é m v erá o S e n h o r ” (12 .1 4 ). D eus está m ais in teressa d o n a n ossa san tid ad e do que na n ossa felicid ad e. Ele d eseja que nós “c h e g u e m o s [...] a varão p e rfe ito , à m ed id a da e sta tu ra c o m p le ta de C r is to ” (E f 4.13). D ada esta verd ad e te o ló g ic a , u m A r re b a ta m e n to p ré -tr ib u la c io n a l é a co n se q ü ê n cia n a tu ra l, c o n te n d o fo r te m o tiv a ç ã o p ara a san tid ad e n o “aqui e a g o ra ”, sabend o que n ós p o d em o s nos e n c o n tr a r c o m o nosso C ria d o r a q u alq u er m o m e n to (1 Jo 3.2,3). O Dia do S enhor virá com o o ladrão de noite, no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elem entos, ardendo, se desfarão, e a terra e as obras que nela há se queim arão. Havendo, pois, de perecer todas estas coisas, que pessoas vos convém ser em santo trato e piedade [...] (2 Pe 3.10,11). O P R E T E R IS M O A d iscu ssão p re c e d e n te está baseada na p re m issa de que a T rib u la çã o ainda é fu tu r a . No e n ta n to , alg u n s a d o ta ra m u m p o n to de v ista ch a m a d o p re ter is m o , que é d erivado da p alav ra la tin a p re ter ( p a s s a d o ). O p re te rism o a firm a que a p ro fe cia b íb lica a p o ca líp tica — os ev en to s d escrito s p o r Jesus, n o S e rm ã o do M o n te das O liveiras (M t 24—25), e p o r Jo ã o , no liv ro do A p ocalip se (e s p e c ia lm e n te 6—18) — já foi cu m p rid a. E x iste m duas fo rm a s básicas de p re te rism o : a m o d e ra d a (p a rcia l) e a e x tre m a (p le n a ). O preterism o m oderado (p arcial), representado por G ary D eM ar (nascido 1950 — veja EndTimes Fictwn e L astD ay s M adness), R. C. Sproul (nascido 1939 —veja The Last D ays A ca m h n g to Jesu s), e K enneth G entry (nascido 1953 —veja B efo reJem sa lem F ell), afirm a que a ressurreição e a Segunda Vinda são futuras, mas todas as outras profecias feitas em M ateus 24—25 e em Apocalipse 6—18 foram cum pridas no século I, p articu larm en te na queda de Jerusalém , em 70 d.C. O preterismo extremo (pleno) sustenta que todas as predições do Novo Testam ento são passadas, incluindo aquelas sobre a ressurreição e a Segunda Vinda, o que, de igual m aneira, aconteceu no século I. Este m odelo foi defendido por David C h ilton (1951-1997 —veja Paradise Restored and D ays ofV en g ean ce). A r g u m e n to s a fav o r d o P re te r is m o P a rcia l e R e sp o s ta s O preterism o extrem o é herege, negando dois dos grandes fundam entos da fé: a ressurreição física e a Segunda Vinda literal (veja Geisler, B R ). C om o já estabelecem os que a Segunda Vinda e a ressurreição final (de toda a hum anidade) são futuras74, irem os nos concentrar no preterism o m oderado.
74 Veja capítulo 15.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Argumento Um Acredita-se que existiram elem entos preteristas em alguns dos prim eiros Pais (por exem plo, Orígenes [c. 185-c. 254], Eusébio [263-340]), alguns reform adores (por exem plo, João Calvino), e alguns escritores d a p ó s-R e fo rm a (co m o Jo h n Owen [1616-1683], M ilton Terry [1840-1914], B. B. Warfield [1851-1921], Loraine B o ettn e r [1932-2000]).
Resposta Ao contrário, a grande m aioria dos prim eiros Pais75 era abertam ente contrária à idéia de que tais profecias já tin h am sido cum pridas; o preterism o n em m esm o é encontrado nos Pais medievais. Na verdade, ele foi form u lad o pelo estudioso jesuíta Luiz de Alcazar (1554-1613), em oposição à R eform a, desviando a atenção da crítica dos reform adores ao catolicism o rom ano co m o u m cu m p rim en to das profecias do livro do Apocalipse a respeito da besta. A lém disto, u m sustento parcial pode ser encontrado n a história da igreja para m uitos pontos de vista, incluindo alguns que são pouco ortodoxos e heréticos. Tal evidência não é u m argu m ento definitivo a favor do preterism o.
Argumento Dois O uso repetido de vós nos ensinam entos apocalípticos de Jesus (por exem plo, cf. M t 24.38—25.3) supostam ente revela que Ele estava falando som ente com Seus discípulos im ediatos. De o u tra form a, não teria feito sentido incentivar os Seus ouvintes a fugir de Jerusalém quando estas coisas acontecessem (cf. 24.15,16).
Resposta Algum as predições foram cum pridas em 70 d.C., mas algum as eram para “o fim dos tem p o s” (M t 20). A palavra vós é usada aqui com o prolepse, em referência àqueles que estarão vivos nos tem pos descritos, quando estes eventos serão cum pridos. Sem elh an tem en te, Paulo se referiu a “nós os que ficarm os vivos” n o reto rn o de Cristo (1 Ts 4.17); na m e lh o r hipótese, isto expressa um a possibilidade e expectativa (não um a predição) de que ele estaria na terra durante a Segunda Vinda. A lém disto, Isaías disse ao rei Acaz: “O m esm o S en h or vos dará u m sinal: eis que u m a virgem conceberá, e dará à luz u m filh o” (Is 7.14), o que não teve seu cu m p rim en to com p leto até centenas de anos depois, no N ascim ento Virginal (M t 1.23). A dicionalm ente, “bem -aventurados sois vós” (M t 5.11), no Serm ão da M ontanha, não está lim itado aos discípulos do século I, n em é o “vós” que se referia àqueles que m ataram o profeta Zacarias (M t 23.35), um a referência som ente aos judeus do Novo T estam ento.
Argumento Três Esta geração, co m o em “não passará esta geração sem que todas essas coisas aco n teça m ” (M t 24.34), m o stra que Jesus estava falando de u m a tribulação em u m fu tu ro im ediato (ou seja, o ano 70 d.C.), e não em u m fu tu ro distante. Este é o uso co m u m do term o no Novo Testam ento76, e, além disto, Jesus disse que todas as Suas predições aqui aconteceriam “nesta geração”.
75Veja nota sob “Argum ento Treze”, abaixo.
76Veja, por exem plo, Mateus 11.16; 12.41; Lucas 7.31.
A TRIBULAÇAO E O ARREBATAMENTO
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R e sp o s ta C om o observaram os lexicógrafos W illiam Arndt (1880-1957)e W ilbur G ingrich (19011993), a palavra geração (gr. genea) pode querer dizer “clã”, “raça”, ou “nação” ( G ELN T , 153), e isto é sustentado por outros usos do Novo Testam ento (por exem plo, cf. Lc 16.8). Assim interpretada, a expressão não sugere necessariam ente que Israel desaparecerá depois da Segunda Vinda; é mais provável que ela signifique que Israel não desaparecerá antes da Segunda Vinda. Além disto, a expressão pode referir-se a um a geração fu tura de judeus vivos durante a Tribulação —isto é, a crise do fim dos tem pos não terá duração indefinida. Alguns entendem que o verbo traduzido com o acontecer significa “com eçar a acon tecer”, ou seja, todas estas coisas com eçaram a acontecer no ano 70 d.C., mas não serão concluídas até a Segunda Vinda. Jesus referiu-se a elas com o “o princípio das dores” (M t 24.8). Seja qual fo r o caso, está claro que isto não pode significar que todas estas coisas, inclusive a Segunda Vinda, foram cum pridas em 70 d.C., pelas m uitas razões expostas acima.
A r g u m e n to Q u a tro Jesus parece ter dito que Ele retornaria antes que os discípulos tivessem evangelizado todas as cidades de Israel (M t 10.17-23). Isto eles fizeram im ediatam ente, na época de Jesus, ou pelo m enos até o ano 70 d.C.
R e s p o s ta Este texto não faz parte de M ateus 24 (onde Ele fala da Sua vinda “com poder e grande glória”, v. 30), de m odo que não se pode posicionar a Segunda Vinda no “fim do m u n d o ” (v. 3). Na verdade, pode se referir ao Seu retorn o para se reunir com os discípulos no fim da sua cam panha de evangelização por todas as cidades de Israel, que F.le com issionou. Ou, com o nos versículos 15-31, Jesus pode estar falando em prolepse da missão final dos Seus seguidores no “fim do m u n d o ”, pois, durante a Tribulação, pouco tem po antes do Seu retorno, eles irão evangelizar não som ente Israel, mas o m undo (Ap 7.9). A r g u m e n to C in c o
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Jesus disse que havia alguns de seus seguidores “que ali estavam ” que não provariam a m o rte até que o vissem vir no seu R eino (M t 16.28). Portanto, isto deveria oco rrer no século I, enquanto estes contem porâneos ainda estariam vivos. R e sp o s ta Jesus estava se referindo à Sua tran sfigu ração (M t 17), que rep resen tou a Sua Segunda Vinda. Pedro, Tiago e João realmente o viram vir em Seu R eino, “com poder e glória”, co m o Pedro co n firm o u (2 Pe 1.16-18). Esta experiência da transfigu ração foi um preâm bulo da gloriosa m anifestação final de Cristo no fim dos tem pos (24.30), quando "o Filho do H om em virá na glória de seu Pai, com os seus an jos; e, então, dará a cada u m segundo as suas obras” (16.27). Aqueles que fo rem arrebatados (1 Ts 4.1318) antes deste tem p o de ira (5.9; Ap 3.10) serão testem u n h as da Segunda Vinda, sem provar a m o rte.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
De qualquer form a, Jesus nao poderia estar se referindo a 70 d.C. por várias razoes: (1) Ele n ão veio c o m Seus anjos naquela ocasião. (2 ) Ele n ão distribuiu os galardões naquela ocasião. (3 ) “A lgu n s” (dois ou m ais) dos discípulos “que ali estavam ” n ão mais estavam vivos no ano 70 d .C ., u m a vez que todos, exceto João, já teriam sido m artirizad os até então. (4 ) Ele não estabeleceu u m reino visível naquela ocasião, em que Ele e os Seus doze apóstolos reinassem em tronos (M t 19.28).
(5) N ão h ou ve u m a vinda física de C risto em 70 d .C .; Ele e os Seus anjos p ro m e te ra m que eles o “v eriam ” (24.30; A t 1.10,11; Ap 1.1).
Argumento Seis Se a Tribulação deve ser global, então não teria feito sentido que Jesus dissesse aos apóstolos que fugissem para os m ontes enquanto ela durasse (M t 24.16).
Resposta Este foi u m aviso específico para evitar o centro dos problem as (Jerusalém ) e fugir para os m ontes, que é o que os restantes farão naquela época. Ali, eles estarão a salvo do juízo geral que cairá sobre Jerusalém e o resto do m undo. No entanto, contrariam ente ao preterism o, existem fortes evidências de que os juízos gerais da Tribulação serão globais77.
Argumento Sete Todos estes eventos tiveram lugar entre os anos 68 e 70, nas guerras judaicas contra R om a e na destruição de Jerusalém. O seu cum prim ento está registrado por Josefo (veja The Wars o f theJews), de m odo que nós não precisamos procurar nenhu m cum prim ento futuro.
Resposta Nem todos estes eventos tiveram lugar no século I. Por exem plo, a gloriosa Segunda Vinda não ocorreu (24.30), n em Cristo deu início ao Seu reinado literal entronizado em Jerusalém (25.34; cf. 19.28). Tam pouco existe evidência de que todos os eventos astronôm icos tenh am ocorrido, com o as estrelas caindo do céu e os céus sendo abalados (24.29).
Argumento Oito Lucas 21 é u m relato paralelo a M ateus 24, no en tan to m u itos futuristas78 afirm am que Lucas 21 se cu m priu em 70 d.C. Por que, então, a passagem de M ateus tam bém não deveria ter sido cumprida?
Resposta Lucas om ite elem en tos tais co m o “a abom inação da d esolação” (21.20), que ainda é fu tu ra e relacionad a co m a Tribu lação (D n 9.27; M t 24.15). Os “tem pos dos g en tios” (Lc 21.24), que têm lugar entre a Prim eira e a Segunda Vindas de Cristo, ainda estão acontecendo na era do N ovo Testam ento (cf. R m 11.25) e irão continuar até que Israel
77Veja abaixo, “Oitavo”, sob “As Evidências Básicas” contra o Preterismo. 7ííVeja abaixo, sob os outros pontos de vista básicos.
A TRIBULAÇÃO E O ARREBATAMENTO
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seja restaurado às suas promessas definitivas79. A lém disto, m uitas predições escriturais têm um cu m p rim en to parcial agora e u m cu m p rim en to mais abrangente no fu tu ro 80.
Argum ento Nove O livro do Apocalipse é um livro de sím bolos, e não deve ser interpretado literalm ente. Assim interpretado, ele tem se cum prido n a história da igreja.
Resposta U m a vez mais, os sím bolos se referem a realidades literais, e no livro do Apocalipse João fo rn ece interpretações literais (por exem plo, cf. 1.20). Toda a Bíblia deve ser interpretada com o sendo literalm ente verdade, mas n em toda a Bíblia deve ser interpretada literalm en te (por exem plo, cf. Jo 15.1)81.
Argum ento Dez O fato de que os autores bíblicos pensavam que Jesus voltaria dentro de pouco tem po é indicado por muitas passagens, tais com o R om an os 13.11,12; 1 Pedro 4.7; Tiago 5.8; 1 João 2.18; Apocalipse 1.1; e Apocalipse 22.12.
Resposta A Bíblia ensina que Jesus pode vir a qualquer m om en to (ou seja, im inentem ente), mas ela não ensina o m om ento no qual Ele virá (M t 24.36; At 1.6,7). Este argumento confunde iminência e imediatismo82. Existem muitos textos nos quais a vinda de Cristo é mencionada com o sendo iminente, isto é, a qualquer m om en to83. Novamente, A. T. Robertson disse: “Cedo deve ser traduzido com o ‘Eu virei (im inentem ente)’ [...] Não sabemos com o cedo deve ser interpretado. Mas é um a ameaça real” ( W PN T , 7.306; cf. Morris, RSJ, 258; Seiss, A , 523).
Argumento Onze João foi inform ad o de que Jesus viria “ced o”, “sem d em ora” (Ap 22.12,20), o que indica u m evento im ediato, e não em u m fu tu ro distante.
Resposta Se assim fosse, então isto sustentaria u m preterism o extrem o (e não parcial), um a vez que se refere à Segunda Vinda, que ainda não ocorreu . A lém disto, a palavra grega cedo ( tachus)Si pode significar (e freqüentem ente significa) “rapidam ente, velozm ente, em alta velocidade”. Assim, a referência não é necessariam ente a u m evento que ocorre cedo , mas sim a um evento que será rápido, quando ocorrer. 79 V e ja c a p ítu lo s 14-15. c a p ítu lo 12.
80 P o r e x e m p lo , o n o v o c o n c e r to — v e ja c a p ítu lo 14. C f. Jo ã o 19.37; A p o ca lip se 1.7.
82 V e ja resp o stas ao “A rg u m e n to O n z e ” e a o “A rg u m e n to D o z e ”, a b aixo.
16.22; F ilip en ses 3.20; 4 .5 ; 1 T e s sa lo n ic e n s e s 1.10; T ia g o 5 .7 -9 ; 1 Jo ã o 2 .2 8 .
81 V eja
83 V e ja 1 C o rín tio s 4 .5 ; 15.51,52;
84 Tachus a p a rece tre z e vezes n o N o v o
T e s ta m e n to ( M t 5.25; 28.7,8; M c 9.39; 16.8; Jo 11.29; A p 2 .5 ,1 6 ; 3 .1 1 ; 11.14; 2 2 .7 ,1 2 ,2 0 ). A rn d t e G in g r ic h (G E L N T , 814) d iz e m q u e o sig n ificad o é “ra p id a m e n te , v e lo z m e n te , im e d ia ta m e n te ”. E o q u e a c o n te c e “ra p id a m e n te , c o m g ra n d e rap id ez”. T h a y e r (G E LN T , 61 6 .) c o n c o rd a , d iz en d o q u e sig n ifica “ra p id a m e n te , v e lo z m e n te ”. V in e ( Expository Dictionary o fN e w Testament Words, 91 3 ) c o n c o rd a c o m “im e d ia ta m e n te , d ep ressa [...] ra p id a m e n te ” .
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Argumento Doze João se refere aos eventos do livro do Apocalipse co m o estando “próxim os” (Ap 1.3; 22.10) e tendo lugar “brev em ente” (1.1; 22.6). Estes eventos devem ter se cum prido em 70 d.C., u m a vez que dois m il e poucos anos é m u ito tem po depois.
Resposta Primeiro, a palavra traduzida com o brevemente ou em breve (1.1; 22.6) é tachei, que vem da m esm a raiz que tachu e tam bém significa “rapidam ente” ou “velozm en te”. Assim sendo, ela se refere a u m evento repentino, mas não necessariam ente que te n h a lugar brevemente. Segundo, próximo (1.3) é traduzido da palavra engus, que significa “perto” ou “à m ão”. Esta é um a palavra relativa, com o curto e longo (demorado), o que nos leva a perguntar: Quão próximo? Em comparação com que? Avaliado por quem? O que é longo e demorado para nós é curto para Deus (2 Pe 3.8), e, além disto, existem exemplos bíblicos em que um tempo “cu rto ”, na realidade, era longo para nós. Hebreus 10.37, escrito há aproximadamente dois mil anos, diz que Jesus virá “em u m poucochinho de tem po”, e Ele ainda não retornou85. Terceiro, se o argum ento preterista é válido —isto é, se estas palavras significavam um evento em u m fu tu ro próxim o (por exem plo, em 70 d.C.), então o preterism o m oderado é falso, um a vez que crê que as passagens sobre a Segunda Vinda e da ressurreição (Ap 19—20) não se cu m priram no século I.
Argumento Treze Existem evidências de que o livro do Apocalipse foi escrito antes de 70 d.C., e que se cu m priu naquela ocasião. Assim, supostam ente, não precisam os procurar n en h u m cu m p rim en to fu tu ro destes eventos.
Resposta Ao contrário, tanto as evidências externas quanto as internas sustentam enfaticam ente um a data posterior para o livro do Apocalipse (por volta de 95 d.C.). Prim eiro, m esm o que ele tivesse sido escrito antes de 70 d.C., não teria necessariam ente se cum prido de fo rm a com p leta naquela época. Os preteristas parciais adm item que ele não tinha, se cum prido de fo rm a com p leta então, recon hecend o que a Segunda Vinda e o reino m ilenar de Cristo (Ap 19—21) ainda são fu turos86. Além disto, a evidência a favor de um a data posterior (c. 95 d.C.), sob o governo de D om iciano (reinado 81-96) é forte, o que, um a vez que o livro do Apocalipse ainda está predizendo aTribulação depois de 70 d.C., seria um a evidência adicional de que o preterism o está equivocado. (1) Esta data para o livro do Apocalipse foi defendida por m uitos dos primeiros Pais, incluindo Irineu (c. 125-c. 202), que disse que ele surgiu “há pouco tem po, praticam ente na nossa própria geração, no fim do reinado de D om iciano” (A H , 5.30.3). Isto foi confirm ado por V itorin o (c. século III): “Q uando João disse estas coisas, ele estava na ilha de Patmos, condenado às m inas por César D om ician o” (C A B J, 10.11). ^ A geu 2.6,7 diz q ue o p e río d o de te m p o a p a rtir dos seus dias (c. 500 a .C .) até o g lo rio so te m p lo re c o n s tru íd o , n o r e to r n o de C risto , é so m e n te “d aqui a p o u c o ”. A té a P rim eira Vinda, foi de q u in h e n to s anos; a p ro fe cia n ã o será cu m p rid a p le n a m e n te até a S eg u n d a V ind a, q u e já é esperada h á dois m il e q u in h e n to s anos.
86 V eja c a p ítu lo 15.
A TRIBULAÇAO E O ARREBATAMENTO
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Eusébío (263-340) tam bém confirm ou a data d om ician a (E H , 3.18). (2) O utros dos prim eiros Pais, depois de 70 d.C., se referem ãT ribu lação e/ou ao A nticristo, m encionados n o livro de Apocalipse, co m o ainda fu turos (veja C om odiano [entre os séculos III e V, IC A G H , 44, e Efraim da Síria [c. 306-373], O LTAEW , 2). (3) As condições das sete igrejas (Ap 2—3) se encaixam neste período posterior; os efésios, por exem plo, tin h am deixado o seu prim eiro am or (2.4), e outros, co m o os laodicenses (3.14ss.), caíram da fé de um a fo rm a mais séria do que se via nos prim eiros tem pos do Novo Testam ento (antes de 70 d.C.). (4) Foi som ente no reinado de D om iciano que a adoração ao im perador, com o refletida no livro do Apocalipse, foi instituída. (5) Laodicéia aparece co m o u m a cidade próspera em 3.17, no en tan to ela foi destruída por um te rre m o to (c. 61 d.C.), durante o reinado de Nero (reinado 54-68), e não teria se recuperado tão rapidam ente (isto é, em tão poucos anos). (6) O exílio de João em Patmos sugere um a data posterior, quando a perseguição era mais desenfreada (1.9). (7) As referências à perseguição e ao m artírio nas igrejas refletem u m a data posterior (cf. 2.10,13). (8) A referência de Policarpo à igreja de Esm irna (EP, 11.3) revela que ela não existia nos dias de Paulo (c. 64 d.C .), com o existia quando João escreveu Apocalipse 2.8. (9) Os nicolaítas (cf. 2.6,11) não se estabeleceram firm em ente até perto do final do século. (10) A datação mais antiga não p erm ite um tem po suficiente para a chegada de João à Ásia (no final dos anos 60 d.C.) e a substituição de Paulo por ele co m o u m respeitado líder da igreja na Ásia.
Argum ento Quatorze O fato de que João foi instruído a não selar as revelações que recebeu sobre o fu turo (22.10) indica que elas deveriam se cu m prir n a sua época.
Resposta João foi claram ente instruído de que havia coisas no livro do Apocalipse que aconteceriam depois da sua era — elas fo ram cham adas de “coisas que depois destas hão de acon tecer” (1.19). N ovam ente, os preteristas m oderados adm item que um a parte disto é fu tu ra (por exem plo, 19—20), e u m a vez que os capítulos sobre a Tribulação (6—18) fo rm am u m a unidade com o que se segue, não há u m a boa razão pela qual eles tam bém não possam ser futuros.
Argumento Quinze M ateus 24.1,2 claram ente se refere à destruição do tem plo (em 70 d.C.): Q uando Jesus ia saindo do tem p lo , ap ro xim aram -se dele os seus discípulos p ara lhe m o stra re m a e stru tu ra do tem p lo . Jesus, p o rém , lhes disse: N ão vedes tu d o isto? E m verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre p edra que n ão seja derribada.
Resposta Primeiro, os futuristas não negam que isto se refere à destruição do tem plo em 70 d.C. Segundo, na profecia, há u m princípio de continuidade pelo qual, neste caso, o tem plo
pode ser destruído e reconstruíd o e ainda ser considerado o m esm o tem p lo. Por exem plo, Ageu se refere tan to ao tem p lo de Salom ão quanto ao tem plo reconstruíd o de Zorobabel com o “esta casa” (este tem p lo ) (cf. Ag 2.3).
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Terceiro, o p rin cíp io das m ú ltip la s re fe rê n cia s d e m o n s tra o m e sm o fa to em que u m a p red ição te m dois ou m ais re fe re n te s. P or e x e m p lo , c o m p a re isto c o m a p ro fe cia de Z acarias 12.10 — de que os ju d e u s o lh a rã o p a ra A q u ele “a q u em tra sp a ssa ra m ” —, pois isto se a p lica ta n to à p rim e ira (Jo 19.37) q u a n to à segu nd a vindas de C risto (A p 1.7).
Argumento Dezesseis Os preteristas argu m entam que a interpretação fu tu rista depende de colocar um grande intervalo de tem po entre a sexagésima n on a e a septuagésim a sem ana, n a profecia de D aniel (9.24-27) das setenta sem anas. Eles insistem que não se pode en con trar no texto tal intervalo.
Resposta Primeiro, existe claram ente u m intervalo (ou ru ptu ra); a profecia se refere a sessenta e nove sem anas antes e “u m a sem ana” depois, separada pela m etade, em que cessam os sacrifícios e as ofertas (ibid.). Segundo, e x iste m o u tro s in te rv a lo s de te m p o n a p ro fe cia b íb lica. Por e x e m p lo , M alaq u ias 3.1 p red iz a vind a de Jo ã o B a tista , segu id a do seg u n d o ad v en to de C risto , sem m e n c io n a r o in te rv a lo de p e lo m e n o s dois m il anos e n tre os dois e v en to s. D e igu al m a n e ira , Isaías 9.6 fa la do n a s c im e n to de C risto , segu id o do S eu re in o te rre n o , sem fazer re fe rê n c ia a este m e sm o in te rv a lo ; isto ta m b é m a c o n te c e em Z acarias 9.9,10. Terceiro, os eventos de D aniel 9.24 jam ais se cu m priram para Israel, a quem foram preditos. Quarto, e finalm ente, Jesus falou da “abom inação da desolação” co m o sendo ainda futura, e houve u m intervalo de pelo m enos trin ta e sete anos en tre a Sua crucificação (em 33 d.C., que é o final da sexagésima n on a sem ana) e 70 d.C.
Argumento Dezessete M ateus 26.64 registra Jesus dizendo: “Digo-vos, porém , que vereis em breve o Filho do H om em assentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu ”. Os preteristas ob jetam com o fato de que o ún ico evento que “todos” aos quais Jesus disse isto poderiam ter visto oco rreu em 70 d.C.
Resposta Em resposta, Jesus não disse quando eles veriam o Seu re to rn o ; Ele apenas disse que seria “em b rev e”, o que pode significar ta n to n o fu tu ro p ró xim o quanto no fu tu ro distante. Está claro que não seria n o fu tu ro p ró xim o, u m a vez que m u ito s dos eventos que o acom p an h ariam (m encion ad os acim a) não aco n tecera m em 70 d.C. Jesus deve ter se referido ao fu tu ro distante, à Sua Segunda Vinda, e assim o “vós” deve ser in terp retad o co m o prolepse.
A TRIBULAÇAO E O ARREBATAMENTO
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As Evidências Básicas Em oposição ao preterism o, estão os pontos de vista futurista?7, que sustentam que as profecias sobre aTribulação, a Segunda Vinda, e um reino subseqüente (relativo ao M ilênio), ainda não foram cumpridas e são todas futuras88. Favorecendo as visões futuristas, temos: Primeiro, o livro do Apocalipse fala da Tribulação (6—18) em conexão co m a Segunda Vinda de Cristo, a ressurreição final, e o reino subseqüente (19—22). Eles fo rm am um a unidade inseparável, e todos os cristãos ortod oxos afirm am que eles ainda são futuros. Negar isto é heresia (2 T m 2.18). Assim sendo, aTribu lação tam bém deve ser futura. Segundo, não houve cum prim ento literal em 70 d.C. para muitos dos eventos descritos em Mateus 24—25. Para m encionar apenas alguns: As estrelas não caíram do céu (24.29); Jesus não retornou “sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória” (v. 30); os romanos não profanaram o tem plo com “a abominação da desolação” (v. 15); Cristo não estabeleceu o Seu reino, separando ovelhas de bodes (25.34-41), enviando estes últimos para o inferno (v. 41). Terceiro, a m aioria dos prim eiros seguidores dos apóstolos defendia o futurism o. Depois de 70 d.C., eles se referiam não som ente à Segunda Vinda e à ressurreição com o sendo futuras, mas tam bém à fu tu ra Tribulação e ao fu tu ro A nticristo89. Quarto, novam ente, não tin h a havido u m cu m p rim en to literal das promessas incondicionais feitas a Abraão de que Israel iria possuir a Terra Santa, desde o Egito até o Iraque, incluindo o Líbano, a Jordânia, os territórios palestinos, e a Síria90. De igual m aneira, a prom essa incondicional feita a Davi de que o Messias se assentaria no seu tro n o e reinaria para sem pre não tin h a se cum prido (cf. SI 89.24-37). As promessas de Deus não falham (Hb 6.13-18)91. Quinto, n em foi literalm ente cum prida a prom essa de Jesus de que “quando, na regeneração, o Filho do H om em se assentar no trono da sua glória, tam bém vos assentareis sobre doze tronos, para ju lg ar as doze tribos de Israel” (M t 19.28). A ún ica m aneira de evitar a conclusão de que este é u m reino fu tu ro literal é negar a interpretação bíblica literal e alegorizá-la92. Sexto, tam p ouco foi cum prida a prom essa de Jesus de “restaurar o reino a Israel” (cf. At 1.6-8), e certam ente não foi cum prida em 70 d.C., um a vez que Israel, com o nação na sua terra, àquela altu ra foi dizimada. A m esm a coisa é válida a respeito da oferta que Pedro faz do reino à nação judaica (3.19-21)93. Sétimo, R om an os 11 não se cum priu em 70 d.C., mas espera o reto rn o de C risto (veja R m 9.3,4; 11.24-26). Oitavo, os eventos daTribulação não são locais e exclusivos a Jerusalém e seus arredores, com o afirm am os preteristas, mas são universais, co m o indicam : (1 ) a co m p aração co m o dilúvio global de N oé (M t 24.38,39; cf. 2 Pe 3.5,6; 1 Pe 3.21); (2 ) a expressão “todas as tribos da te rra ” (M t 24.30); (3 ) o fato de que “tod o olho o v e rá ” (Ap 1.7); (4) os juízos globais relacionados n o E vangelho de M ateus e n o livro do Apocalipse (p o r exem p lo, M t 24.29); (5 ) “os reis de tod o o m u n d o ” (A p 16.14) envolvidos; (6) os juízos que m atarão “no m ar tod a alm a vivente” (16.3), e o u tro s sem elhantes. 87 V eja ab aixo, so b “O P ré -T rib u la c io n ism o ”, “O P o n to de V ista d o A rre b a ta m e n to P arcial”, “O M id itrib u la c io n ism o ”, “O P o n to de V ista da P ré -Ira ”, e “O P ó s-T rib u la c io n ism o ”. p r e te ris m o , acim a.
90 G ên esis 13.15-17; 15.12-21; 17.7,8.
88 Ibid.
89 V eja n o ta sob “A rg u m e n to T re z e ”, a favo r do
91 V eja ca p ítu lo s 13-14.
92V e ja c a p ítu lo 12.
93 O p. cit.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Nono, as pragas preditas no livro do Apocalipse jam ais foram literalm en te cum pridas. Para m en cionar apenas algum as: N em no ano 70 d.C., n em depois, “foi m o rta a terça parte dos h o m en s” (9.18); duzentos m ilhões de soldados do oriente jam ais invadiram Israel (9.13-15; 16.12) para u m a batalha n o “A rm agedom ” (v. 16); tam p ou co “m o rreu no m ar toda alm a vivente” (16.3). S om ente pela mais radical alegorização das Escrituras (que, se aplicada aos Evangelhos, iria m inar a nossa fé) é possível evitar a conclusão de que estas pragas jam ais se cu m priram . Décimo, em M ateus 23.39, Jesus disse: “Porque eu vos digo que, desde agora, m e não vereis mais, até que digais: Bendito o que vem em n om e do S e n h o r!” Este “vos” não pode referir-se aos Seus discípulos im ediatos, u m a vez que eles m o rreram antes de vê-lo vir. A lém disto, um a vez que “vos” é plural, tam p ou co poderia referir-se aos discípulos vendo Jesus vir espiritualm ente em 70 d.C., porque todos, exceto João, fo ram m ortos antes disto. Em vez disto, este texto sugere que o arrependim ento de Israel e a aceitação de Cristo com o seu Messias aconteceriam antes do Seu reto rn o (v eja tam bém Zc 14.311; Ap 1.7). A lém disto, Ele não poderia ter retornad o em 70 d.C., porque eles não se arrependeram com o nação antes desta ocasião, e ainda não o fizeram. Décimo primeiro, em M ateus 24.15, Jesus falou da ocasião em que eles “veriam ” que a “abom inação da desolação”, de que falou o profeta D aniel (9.27), estaria no “lugar san to”. Jesus disse que haveria tem p o para fugir (M t 24.16), e isto não se encaixa com os eventos que aconteceram em 70 d.C., de m odo que a perspectiva preterista não está de acordo com a Sua predição. A dicionalm ente, u m a vez que M ateus relacionou as Suas palavras à profecia de D aniel, em vez de relacionar o evento a algum a coisa que aconteceu no século I, parece m elh o r in terp retá-lo com o u m ato fu tu ro que corresponderia às ações de A ntíoco Epifânio, que envolveram tan to sacrifícios pagãos quanto a idolatria no tem p lo94. Décimo segundo, em M ateus 24.21, Jesus disse que “haverá, então, grande aflição, com o n u n ca houve desde o princípio do m u nd o até agora, n em tam p ouco haverá jam ais”. E im provável que (co m o sugerem os preteristas) isto seja u m a hipérbole, pois a expressão “n em tam p ou co haverá jam ais”, com binada com “n en h u m a ca rn e”, que, em outras passagens do N ovo Testam ento, se refere a toda a hum anidade95, fala de u m fu tu ro exclusivo em “grande aflição” (24.21). C ertam en te, os judeus vivos na Judéia em 70 d.C. eram u m grupo m u ito lim itado para que neles se cum prisse um a profecia relacionada a “toda carn e”96. Décimo terceiro, em M ateus 24.27, Jesus disse que “assim com o o relâm pago sai do oriente e se m o stra até ao ocidente, assim será tam bém a vinda do Filho do H o m em ”. Nada tão am plo e visível oco rreu literalm ente em 70 d.C. Este texto é m e lh o r interpretad o com o parte do “fim do m u n d o ” e dos sinais da passagem a respeito da Sua vinda (24.3ss.), pois am bos indicam u m cu m p rim en to fu tu ro (não im ediato).
94 A dificuld ad e que os p rete ristas tê m ao te n ta r ex p lica r este te x to re v e la a in su ficiê n cia da sua p osição. Eles d izem que foi (1 ) a o c u p a ç ã o d o te m p lo p o r ju d e u s ze lo tes, ou (2 ) a invasão de ed o m ita s a Jeru sa lém , e m 68 d .C ., o u (3 ) o in cên d io do te m p lo p e lo s ro m a n o s, e m 70 d .C ., ou (4 ) a c o rru p ç ã o do te m p lo p e lo Israel ap óstata. N e n h u m a destas h ip ó teses é, n a verd ad e, c o rre sp o n d e n te à p ro fe cia de D a n ie l.
y5 C f. Lucas 3.6; Jo ã o 17.2; 1 C o rín tio s 1.29; G álatas 2.16; R o m a n o s 3.20 e tc.
96 G r. pasa sarx (v. 22), u m a e xp ressão trad u zid a p e la v ersão N IV c o m o “e m u m ”.
A TRIBULAÇÃO E O ARREBATAMENTO
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Décimo quarto, quando o sum o sacerdote ju d eu perguntou a Jesus se Ele era o Messias, Ele respondeu: “Tu o disseste; digo-vos, porém , que vereis em breve o Filho do H om em assentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu ” (M t 26.64). C om o observam os, contrariam ente ao preterism o parcial, a palavra “vos” não pode referir-se aos Seus discípulos im ediatos; Jesus não veio o u tra vez durante as suas vidas. E heresia afirm ar (co m o fazem os preteristas extrem os) que isto se refira à Segunda Vinda de
Cristo com o tendo lugar em 70 d.C. Assim, esta passagem deve se referir a Cristo vindo espiritualm ente em u m juízo (cf. Is 19.1), ou, em prolepse, à Segunda Vinda literal e ainda por ocorrer, no “fim do m u n d o” (M t 24.3). Décimo quinto, em Lucas 21.28, Jesus disse: “Quando essas coisas com eçarem a acontecer, olhai para cim a e levantai a vossa cabeça, porque a vossa redenção está próxim a”. O grande com entarista da Bíblia Alfred Plu m m er (1841-1926) afirm ou: “Os discípulos presentes são considerados representantes dos crentes em geral. S om en te aqueles que testem u n h am os sinais é que podem , na verdade, cu m p rir esta condição [...] no Segundo A dvento” (CCGL, 540-41). E evidente, com base em M arcos 13.32, onde “aquele D ia” se refere à Segunda Vinda, que estas palavras indicam a libertação dos fiéis da aflição no reto rn o de Cristo.
O PONTO DE VISTA DO ARREBATAMENTO PARCIAL O p o n to de vista do a rre b a ta m e n to p arcial, u m a c o m b in a ç ã o das p o sições p ré e p ó s-trib u la cio n is ta s , é exp resso n os te x to s de W itn ess Lee (1 9 0 5 -1 9 9 7 ) e seu m o v im e n to L ocal C h u rc h . C o m base n a p a rá b o la das dez v irg en s97, os san to s f ié is são con sid erad o s a rreb a ta d o s antes da T rib u la ç ã o ; os san to s in fiéis são deixados p ara s u p o rtá -la .
Argumento Um A ressurreição final é u m a recom p ensa pela qual se deve lu tar98; som en te aqueles que forem dignos serão arrebatados.
Resposta O A rrebatam ento é parte da salvação, que é iniciada e concluída por D eus (Fp 1.7), e não pelas nossas obras (T t 3.5-7; E f 2.8,9)".
Argumento Dois A parábola das dez virgens indica que som ente algum as estavam preparadas para a vinda do S en h o r (M t 25.1-13); as demais foram deixadas para trás.
Resposta As virgens loucas (que não estavam preparadas) não sim bolizam os cristãos, mas os judeus incrédulos durante a Tribulação.
97 Cinco preparadas, cinco despreparadas — Mateus 25.1-13. 3.5.
99Veja Volum e 3, parte 2.
98 Veja Mateus 19.28,29; Filipenses 3.10-14; Apocalipse 2.11;
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Argumento Três Os “levados” serão levados em ju ízo, com o os levados no Dilúvio (veja 24.36-41); eles não são aqueles que serão arrebatados (1 Ts 4.16,17).
Resposta Jesus indicou que no Seu reto rn o alguns seriam levados, e outros, deixados para trás (M t 24.40-51).
Argumento Quatro A ênfase do Novo Testam ento em vigiar e esperar sugere que n em todos os crentes serão arrebatados100. Os crentes devem sofrer antes que possam rein ar101; para alguns, isto acontece agora, para outros, durante aT ribu lação.
Resposta Os crentes só trabalham pelos galardões (1 Co 3.11-14; Ap 2 2 .12)102, e não para participar do A rrebatam ento, que é parte da sua salvação — a terceira e ú ltim a parte, cham ada glorificação103.
Argumento Cinco Pelo pecado, u m crente pode perder o seu direito ao A rrebatam ento e não entrar no reino (1 Co 6.19,20; cf. G 15.19-21).
Resposta Estes versículos nada dizem a respeito do A rrebatam ento. O utros versículos (1 Co 3.13-15; Hb 12.14) falam dos crentes perdendo os seus galardões, mas não a sua ressurreição.
Argumento Seis Som en te aos crentes vigilantes e dignos é p rom etid o o A rrebatam ento (Ap 3.10).
Resposta Todos os cren tes104irão perseverar e serão arrebatados. S om en te os crentes fiéis serão galardoados (Ap 3.11; 1 C o 3.11-14).
Argumento Sete Som ente os crentes que receberam o poder do Espírito Santo estão n o corpo de C risto (A t 1.8; 1 Co 12.13), de m odo que som ente aqueles que tiverem este poder serão arrebatados (1 Ts 4.16,17)105. IM P o r e x e m p lo , cf. M ateu s 24.41,42; 1 T essalon icen ses 5.6; H ebreu s 9.28. 1 T essalon icen ses 1.4,5. 13-14.
iu2 V eja V o lu m e 3, c a p ítu lo 10.
"" V eja R o m a n o s 8.16,17; A tos 14.22;
11)3V eja V o lu m e 3, ca p ítu lo s 6 e 9.
IIMV e ja V o lu m e 3, cap ítu los
1113 E sta discussão se baseia n o fo rn e c id o p o r W ayne H ou se (n a scid o 1948) e m Charts o f C histian Theology and Doctrine
(G ran d Rapids: Z o n d erv an , 1992), 129-32.
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Resposta C om o o batismo do Espírito coloca todos os crentes no corpo de Cristo106, todos os crentes serão arrebatados, tanto os vivos quanto os “que m orreram em Cristo” (1 Ts 4.16,17).
O MIDITRIBULACIONISMO De acordo com o m iditribulacionism o, o A rrebatam ento irá oco rrer na m etade da Tribulação, depois do “princípio das dores” (M t 24.8) e antes da “grande tribu lação” (v. 21). E ntre os proponentes, se inclu em G leason A rcher (1916-2004), J. Oliver Buswell (1895-1977), e M errill T enney (1904-1985).
Argumento Um O m iditribulacionism o tem algum as vantagens sobre o pré-tribulacionism o, com o tam bém sobre o pós-tribulacionism o. Por exem plo, ele explica os versículos que parecem colocar o A rrebatam ento antes de u m período de grande tribulação (por exem plo, 1 Ts 4), e tam bém explica os versículos em que o A rrebatam ento parece oco rrer depois da Tribulação (cf. M t 24.29,30).
Resposta Ter vantagens sobre pontos de vista opostos não to rn a algum a coisa verdadeira. A lém disto, o m iditribulacionism o tem um a desvantagem significativa: a perda do senso de im inência, pois há sinais do A rrebatam ento acontecendo antes que ele ocorra; os crentes na terra poderiam saber quando ele estaria se aproxim ando, algo que o Novo Testam ento rejeita.
Argumento Dois Paulo afirm a que existem sinais a n terio res ao A rre b a ta m e n to : “N ão será assim sem q ue antes v e n h a a apostasia e se m an ifeste o h o m e m do p ecad o, o filh o da perd ição, o qual se opõe e se lev an ta c o n tra tu d o o que se ch a m a D eus ou se adora; de so rte que se assentará, co m o D eu s, no te m p lo de D eu s, q u eren d o p a recer D eu s” (2 Ts 2.3,4).
Resposta Os sinais especificados não são anteriores ao A rrebatam en to , m as o co rre m duran te a Tribu lação. O A rrebatam en to é m en cion ad o a n terio rm en te, quando Paulo fala da “vinda de nosso S e n h o r Jesus C risto ” e da “nossa reu nião com E le ” (v. 1; cf. 1 Ts 4.16,17).
Argumento Três A igreja será livrada da ira (1 T s5 .9 ), o que é a segunda parte do período daTribulação, mas não será livrada da tribulação propriam ente dita (a prim eira parte).
106Veja parte 1; veja tam bém Volum e 3, capítulo 13; cf. 1 Coríntios 12.13.
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Resposta As Escrituras não distinguem entre tribulação e ira, pois a ira de Deus pode ser expressa por agentes h u m an os107, a igreja é livrada de ambas. Não existe referência à igreja sendo arrebatada em m eio à Tribu lação108.
Argumento Quatro A ênfase bíblica em dois períodos de três anos e m eio109sustenta o miditribulacionismo.
Resposta A divisão da Tribulação em dois períodos não se deve ao fato de o arrebatamento da igreja acontecer nesta ocasião, mas ao fato de o Anticristo ser plenamente revelado nesta ocasião110.
Argumento Cinco A sétim a trom b eta está na m etade da Tribulação (Ap 11.15-19); Paulo disse que a igreja seria arrebatada na ú ltim a trom b eta (1 Ts 4.16,17).
Resposta A sétim a tro m b eta está no fim da Tribulação, quando todos os reinos terrenos desm oronam (Ap 11.15). A lém disto, o A rrebatam ento não é cham ado de “sétim a tro m b eta” em n en h u m a passagem; ele é a “tro m b eta de D eu s” (1 Ts 4.16,17) e “a ú ltim a tro m b eta” (1 Co 15.52).
Argumento Seis Jesus posicionou o Seu reto rn o antes do fim da Tribulação: “E, logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, e as estrelas cairão do céu, e as potências dos céus serão abaladas. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do H om em ; e todas as tribos da terra se lam en tarão e verão o Filho do H om em vindo sobre as nuvens do céu, co m poder e grande glória” (M t 24.29,30).
Resposta M ateus 24 realm ente se refere ao fim d aTribu lação, mas não é a m esm a coisa que o A rrebatam ento, com o qual não há sinais associados.
Argumento Sete O m iditribulacionism o p erm ite que os santos não ressuscitados que estiverem vivos durante a Tribulação povoem o M ilênio (co m o afirm am Zacarias e Paulo).
107Veja abaixo, sob “O Ponto de Vista da Pré-ira”. m A referência às “duas testem unhas” sendo m ortas, ressuscitadas e levadas ao céu (Ap 11) n ão se encaixa c o m o m iditribulacionism o, porque: (1) Elas são testem unhas judias, simbolizadas com o.as duas “oliveiras” (v. 4; cf. Z c 4), capazes de realizar milagres c o m o dois grandes profetas judeus, Moisés e Elias (w . 5,6); (2) o seu trabalho se concentra ao redor do “tem p lo” judaico, em Jerusalém (w . 1,2,8); e, acim a de tudo, (3) elas são levadas ao céu já p e rto d o final daTribulação (v. 3; cf. 12.6).
,oyPor exem plo, D aniel 9.27; 12.7; Apocalipse 11.23; 12.3,6,14.
1111Cf. D aniel 9,27; 2 Tessalonicenses 2.3,4; \pocalipse 13.
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Resposta Este argu m ento não é exclusivo; o pós-tribulacionism o p erm ite a m esm a coisa111; o caso deve se basear em ou tra evidência.
O PONTO DE VISTA DA PRÉ-IRA O ponto de vista dapré-ira propõe que o Arrebatamento irá acontecer em algum m om ento entre o sexto e o sétimo selos (Ap 6.12—8.1). Isto será próxim o ao fim da Tribulação, pouco tem po antes que Deus derrame a Sua ira sobre a terra, antes do retorno de Cristo. Robert Van Kampen (1940-2000) representa a crença dapré-ira112, assim com o Marvin Rosenthal113. Entre os argumentos favoráveis a um a Tribulação pré-ira, se incluem os seguintes.
Argumento Um Os proponentes da pré-ira sustentam um a diferença entre “o Dia do S e n h o r” e “a grande Tribu lação”. O Dia do S en h or tem lugar no quinto selo (Ap 6.9—11); aTribulação tem início com o sétim o selo (8.1). Não há ira de D eus durante o período daTribulação, e não há Tribulação durante o período da ira.
Resposta Sofonias 1.14,15 revela que o Dia do S e n h o r é tanto um dia de ira quanto um “dia de angústia” (heb. tsara) ou “tribu lação”" 4.
Argumento Dois A Bíblia p ro m ete que os crentes serão guardados da ira de Deus, mas não da tribulação (2 Ts 1.5-10). U m a vez que a palavra ira não aparece no livro do Apocalipse até depois do sexto selo, a ira de Deus não será derram ada antes do sétim o selo; conseqüentem ente, o A rrebatam ento oco rrerá entre o sexto e o sétim o selos.
Resposta Primeiro, novam ente, “ira” e “tribu lação” não são períodos diferentes. Segundo, a ausência de um a palavra não prova a ausência do conceito. Por exem plo, a palavra ira não aparece no livro de Gênesis, no entanto a ira de Deus foi derram ada durante o Dilúvio (6—8) e sobre Sod om a e G o m o rra (19). Terceiro, Mateus 24.22 indica que, se a Tribulação fosse mais longa, toda a carne, devota ou ímpia, seria destruída. Isto traria necessariamente a ira de Deus tam bém sobre os devotos. Quarto, M ateus 24.21 indica que a Grande Tribulação não teria com paração na história hum ana; trata-se de u m evento sem precedentes. Isto não seria possível sem a ira de Deus; se não fosse assim, um a era com a Sua ira teria ainda mais tribulação do que a Grande Tribulação.
111 O p ó s -trib u la c io n is m o ap rese n ta u m c u m p r im e n to d ife re n te —v e ja “A rg u m e n to T rê s ”, sob “O P ó s -trib u la c io n is m o ”. 112 V eja The Sign (W h e a to n , 111: C rossw ay, 2000). (N ash ville: N elso n , 1990).
113 V eja a o b ra de M a rv in R o se n th a l, The Pre-Wrath Rapture o f the Church
114 C o m o in d ica a tra d u ç ã o da S ep tu a g in ta d esta p alavra c o m o tribulação (gr. thlipsis); cf.
R o m a n o s 2.5,9: 2 T essalon icen ses 1.7.
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TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Quinto, e finalm en te, aTribulação e o D ia do S en h o r têm outras características com uns (por exem plo, ambos têm tribulação, trazem angústia incom parável, asseguram grandes tentações, e con têm o arrependim ento de Israel. Veja Show ers, PWRV, 35).
Argumento Três A ira de Deus vem som en te co m o sétim o selo, de m odo que a ún ica ira nos seis prim eiros selos será a ira do hom em , e não de Deus.
Resposta Primeiro, todos os sete selos fazem parte da m esm a seqüência. A ú n ica diferença entre os selos é a intensidade; todos eles liberam o ju ízo de D eus sobre o m undo. Segundo, de qualquer forma, Deus freqüentemente usa humanos para executar a Sua ira115. Terceiro, o estado de guerra envolvido nos seis prim eiros selos é u m in stru m en to da ira de D eus116. Quarto, a fom e, m encionada no terceiro selo, não está exclusivam ente relacionada à ira do h o m e m 117. Quinto, o quarto selo fala da fom e e da espada, ambos os quais, de acordo com Ezequiel, fazendo parte da ira de Deus. A palavra hebraica para^àror (14.19), hema, que quer dizer “raiva” ou “ira” (cf. 38.18,19; Is 13.6-9), também é usada a respeito do Dia do Senhor, que os proponentes da pré-ira entendem que significa um dia da ira de Deus (cf. SI 110.5; Ap 19.11-21). Sexto, o poder para infligir a m o rte, concedido sob o quarto selo (6.8), virá de Deus, pois som ente Ele tem este poder (1.18; cf. D t 32.39). Sétimo, e finalm ente, m esm o os que não foram salvos sob o sexto selo reconhecerão o ju ízo com o a “ira do C ord eiro” (Ap 6.15,16). Isaías fala deste dia com o sendo o Dia do S en h o r (Is 2.12,20,21).
O PÓS-TRIBULACIONISMO Os pós-tribulacionistas acreditam que o A rrebatam ento e a Segunda Vinda são um único evento, no fim da Tribulação, em que os crentes irão se encontrar co m C risto nos ares, e então retornarão im ed iatam ente à te rra com Ele para reinar por m il anos118.
Argumento Um De acordo co m M ateus 24, o A rrebatam ento é precedido por sinais claros. Está escrito que o retorn o de Cristo será “depois da aflição daqueles dias” (v. 29).
Resposta Estes sinais não se referem ao A rrebatam ento da igreja antes da Tribulação, mas ao reto rn o de Cristo no fim da Tribulação, quando Ele irá estabelecer o Seu reino m ilenar (cf. 25.34).
1,5 Por e x e m p lo , cf. Ê x o d o 9.16; Z acarias 11.15-17; R o m a n o s 1.18-32; 2 T essa lo n icen ses 2.9. 13.1-5,9,17-19; 51.17-20; 65.12; Jerem ias 50.9,13,25; 2 C rô n ica s 36.16,17. 7 .3,8,14,15.
U8V e ja c a p ítu lo 15.
116 C f. Isaías 9.11,12; 10.5,6;
117 C f. Jerem ia s 21.5-7,9; 44.8,11,12; Ezequ iel 5.11-17;
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Argumento Dois A parábola do trigo e do joio indica que o reto rn o de Cristo se dará no fim dos tem pos (13.24), quando os anjos irão separar o jo io do trigo (v. 40).
Resposta Esta parábola fala sobre o retorn o de Cristo no fim da Tribulação, e não sobre o A rrebatam ento no início dela.
Argumento Três Apocalipse 20.4-6 indica que todos os crentes ressuscitarão no fim da Tribulação, p ou co antes do M ilênio, para viver e reinar com C risto por m il anos (v. 4).
Resposta Apocalipse 20.4-6 fala dos crentes que terão m orrid o durante a Tribulação, e não dos ressuscitados no A rrebatam ento (1 Ts 4.1-17): “E vi tronos; e assentaram -se sobre eles aqueles a quem foi dado o poder de julgar. E vi as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta n em a sua im agem , e não receberam o sinal na testa n em na m ão; e viveram e reinaram co m C risto durante m il anos” (v. 4).
Argumento Quatro O Novo Testam ento não faz distinção entre o uso de palavras com o vinda (gr. parousia), tanto para o A rrebatam en to quanto para a Segunda Vinda.
Resposta O p ré -tr ib u la c io n is m o n ã o d ep en d e de u m a d istin çã o e n tre o A rre b a ta m e n to e a Seg u n d a V ind a, c o m base n o uso de palavras esp ecíficas. Parousia é usada a re sp eito da v ind a de h u m a n o s (1 C o 16.17), de C risto , e a té m e sm o do A n tic risto (2 T s 2.9).
Argumento Cinco Apocalipse 3.10 pode significar que os crentes serão guardados da ira de Satanás enquanto a Tribulação está em and am ento119. Não significa necessariam ente um A rrebatam ento pré-tribulacional.
Resposta Neste con texto, esta declaração sobre estar guardado “da” (gr. ek) h ora de tentação significa ser salvo dela (não passando através dela). N inguém pode ser salvo de u m a hora inteira se estiver em algum a parte dela.
119 “C o m o gu ardaste a p alavra da m in h a p aciên cia, ta m b é m eu te gu ard arei da h o ra da te n ta ç ã o q u e h á de v ir so b re to d o o m u n d o , p ara te n ta r os que h a b ita m n a te rra .”
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Argumento Seis A apostasia é u m sinal que irá preceder o reto rn o de Cristo: “E, então, será revelado o iníquo, a quem o S en h o r desfará pelo assopro da sua boca e aniquilará pelo esplendor da sua vinda” (2 Ts 2.8).
Resposta Paulo não está falando de n e n h u m sinal (por exem plo, apostasia) antes do A rrebatam ento, mas som ente deste sinal que tem lugar antes que o A nticristo seja revelado, na m etade daT ribu lação (D n 9.27; 2 Ts 2.3,4).
Argumento Sete Grande parte do ensino de Jesus a respeito do fim dos tem pos não faz sentido, se não se aplicar à igreja, a quem o Novo Testam ento estava sendo escrito (cf. M t 24.15-20); isto é u m conselho sobre com o perceber e lidar co m estes eventos.
Resposta O serm ão de Jesus em M ateus 24—25 faz sentido n o contexto, um a vez que os discípulos estavam perguntando a Ele sobre “sinais” e “o fim do m u n d o ”, que se referem à Sua Segunda Vinda, e não ao A rrebatam ento. O conselho é dado com o prolepse para aqueles que estarão vivos sobre a terra quanto estes eventos oco rrerem . Jesus disse que eles viriam por ocasião da Sua volta (24.27), o que não aconteceu no século I.
A BASE HISTÓRICA PARA O RETORNO IMINENTE DE CRISTO C om o vim os no capítulo anterior, a evidência a favor do pré-m ilenarism o é antiga e forte. Da m esm a m aneira, em bora a posição mais refinada e detalhada do prétribulacionism o não desfrute de am plo e antigo apoio, isto é com preensível, em vista do progresso da doutrina. O fato de u m ponto de vista ser antigo não o to rn a verdadeiro (houve heresias antigas), n em o fato de ser recente o to rn a falso; a questão não é o tem po, mas a verdade. D e qualquer form a, u m a vez que no âm ago do pré-tribulacionism o. está a im inência da vinda de Cristo, é interessante observar o apoio a este conceito através dos séculos, com eçand o pelo século I. Clemente de Roma (c. século I d. C.) C o m estes prim eiros Pais apostólicos, é encontrado o sentido de im inência (veja Ice, WTS, capítulo 4). Considere o seguinte, vindo de alguém que crem os que foi um contem p orâneo dos apóstolos (cf. Fp 4.3): E m verdade, a Sua vontade será realizada, logo e repen tinam ente, co m o as Escrituras tam b ém teste m u n h a m , dizendo: “C ertam en te virá, não tard ará”, e: “De rep en te, virá ao seu tem p lo o Senh or, a quem vós buscais” ( F E C Q 25). Ele nos avisa: “E eis que cedo v en h o , e o m e u galardão está com igo p ara dar a cada u m segundo a sua obra” [...] P ro cu rem o s, p o rtan to , fervorosam ente ser en contrad os en tre
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aqueles que esperam por Ele, para que possamos participar dos Seus prometidos dons (ibid., 34-35). Inácio de Antioquia (falecido c. 110)
Sejam vigilantes, com um espírito inquieto [...] Sejam ainda mais zelosos do que já são. Avaliem cuidadosamente os tempos. Busquem Aquele que está acima de todo o tempo, que é eterno e invisível, e que, no entanto, se tornou visível por nossa causa (EP, 1, 3).
A Epístola de Pseudo-Bamahé (c. 70-130)
E chegado o Dia em que todas as coisas perecerão com o maligno. O Senhor está próximo, e o Seu galardão [...] Portanto, cabe a nós investigar muito a respeito dos eventos próximos, buscar diligentemente aquelas coisas que são capazes de nos salvar (21). 0 Pastor de Hermas (c. início do século II)
Vá, portanto, e diga aos escolhidos do Senhor a respeito das Suas poderosas obras, digalhes que esta Besta é um tipo da grande Tribulação que se aproxima. Se, então, vocês se prepararem, e se arrependerem com todo o coração, e se voltarem para o Senhor, será possível para vocês escapar aestaTribulação, se o seu coração for puro e imaculado, e vocês passarem o resto dos dias das suas vidas servindo ao Senhor de maneira irrepreensível. Entreguem as suas preocupações ao Senhor, e Ele as orientará. Confiem no Senhor, vocês, que duvidam, pois Ele é Todo-poderoso, e pode desviar a Sua ira de vocês, e enviar castigos aos que duvidarem. Ai daqueles que ouvirem estas palavras, e as desprezarem: melhor seria que não tivessem nascido (1.4.2). 0 Didaquê (c. 120-150)
“Q ue v e n h a a g raça , e que este m u n d o acabe. H osan a ao D eu s (F ilh o ) de Davi! Se alg u é m é sa n to , que v e n h a ; se n ão é, que se a rrep en d a . M a ra n a ta . A m é m ”
( 10.6). “Vigiai, pois [...] porque não sabeis a que hora há de vir o vosso S e n h o r” (16.1).
Irineu (c. 125-c. 202)
Quando no fim a igreja for repentinamente arrebatada disto, está escrito: “haverá, então, grande aflição, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem tampouco haverá jamais”. Pois esta é a última batalha dos justos, na qual, quando eles forem vencedores, serão coroados com a incorrupção (AH , 5.29). Tertuliano (c. 155-c. 225)
“Q uanto àqueles a quem a vinda do S en h o r encontrará n a terra, eles não foram arrebatados nos ares para en con trá-lo na Sua vinda” (T S, 55).
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Cirilo de Jerusalém (c. 315-c. 387)
“E sp erem o s e b u sq u em o s o S e n h o r, que virá nas n u v en s do céu . E n tã o , as tro m b e ta s dos a n jo s so a rã o ; os que m o rre ra m em C risto re ssu scita rã o p rim e ir o ” (C L , 15.19).
Comodiano (entre os séculos I I I e V)
Nós ressuscitaremos para Ele, sim, nós, que fomos dedicados a Ele. Então, nos tornaremos incorruptíveis, vivendo sem a possibilidade de morrer. Não haverá nenhuma tristeza nem suspiros naquela cidade. Virão também aqueles que sobreviverem ao cruel martírio sob o Anticristo, e eles viverão para sempre, e receberão bênçãos porque sofreram; e casando-se, terão filhos por mil anos [...] a terra, completamente renovada, produzirá abundantemente (ICAGH, 44). Larry C rutchfield (nascido c. 1955) resum e a sua opinião sobre os escritos dos prim eiros Pais apostólicos: O estudante de literatu ra patrística rapidamente descobre que é impossível decifrar e sintetizar com pletam ente a posição dos primeiros Pais sobre aTribulação e a sua relação com os santos e o retorno de Cristo. Muitos deles, especialm ente no século I, fazem declarações explícitas que indicam uma crença no im inente retorno de Cristo. A doutrina da im inência é especialm ente proem inente nos textos dos Pais apostólicos. No entanto, os Pais mais recentes parecem com binar a im inência com um tipo de pós-tribu lacionism o: A razão para este híbrido peculiar é que, por um lado, as Escrituras ensinam claramente que a vinda de Cristo pode ocorrer a qualquer momento, e, portanto, o crente deve viver a sua vida em santidade e com uma atitude de expectativa [...] [Por outro lado, as severas perseguições romanas antes do Edito de Milão (313) de Constantino] combinavam com a crença de que os cristãos devem ser postos à prova e purificados pelo fogo [...] para se tornarem adequados ao reino de Deus, mesmo que conduzidos a algo como o erro dos tessalonicenses (2 Ts 2). A igreja, segundo se acreditava, já estava na Tribulação e poderia, assim sendo, esperar o retorno do Senhor a qualquer momento (citado em Ice e Demy, WTS, 101-02). Em resum o, as sem entes do pré-tribulacionism o já existiam ; não fosse pela alegoria de Alexandria, apresentada p o r A gostinho (354-430), elas poderiam ter am adurecido em um a colheita pré-tribulacional ainda mais precoce.
Os Pais Medievais Não som ente m uitos dos prim eiros Pais eram pré-m ilenaristas que acreditavam na im inência, mas tam bém alguns, co m o Efraim , o Sírio, eram explicitam ente prétribulacionistas.
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Efraim, o Sírio (c. 306-373)
Nós devemos compreender com pletam ente, portanto, irmãos, o que é im inente ou impendente. Já houve fome e pragas, movimentos violentos de nações e sinais, que foram preditos pelo Senhor, já foram cumpridos, e não falta mais nada, exceto o advento do hom em do pecado, para a finalização do reino romano [...] Todos os santos e o Eleito do Senhor são reunidos antes da tribulação que está prestes a chegar e são levados para o Senhor, para que não vejam, a qualquer tempo, a confusão que subjugará o mundo por causa dos nossos pecados ( OLTAEW, 2, conform e citado em Ice, WTS, 110-11).
João Crisóstomo (c. 347-407) Ele mesmo dirá a palavra no último dia, e todos irão ressuscitar, e tão rapidamente, que “os que ficarem vivos, de maneira alguma irão preceder aqueles que dormem”, e tudo acontecerá “num momento, num abrir e fechar de olhos” (HE, 3).
Os Teólogos da Reforma e Pós-Reforma E m bora os reform adores fossem am ilenaristas, eles se referem ao A rrebatam ento e, ocasionalm ente, m encionam a im inência.
João Calvino (1509-1564) Embora aqueles que estiverem vivos no último dia não morrerão de maneira natural, ainda assim a transformação pela qual terão que passar, como ficará evidente, não é chamada de morte inadequadamente. “Nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados”. O que isto significa? A sua vida mortal perecerá, e será tragada em um momento, e será transformada em uma natureza inteiramente nova (ICR, 2.16.17). “N enhu m a ou tra atitude é possível para os crentes, a não ser esperar, em fervorosa vigilância, pela Sua Segunda Vinda” (C R , 83.274). “[Paulo] pretende, co m isto [1 Ts 4.15], incentivar os tessalonicenses a esperar pela Segunda Vinda; e, na verdade, ainda mais, m anter todos os crentes em suspense, para que não possam p ro m eter a si m esm os algum a data p a rticu la r” ( CFET, 21.282). “C om o Ele p ro m eteu que irá retorn ar para nós e por nós, devem os estar sem pre preparados, a qualquer m o m en to , para recebê-lo, para que Ele não nos en contre d orm ind o” ( CHE, 17.163). “Ele desejava que eles estivessem incertos quanto ao m o m en to da Sua vinda, mas que estivessem preparados para esperá-lo todos os dias, ou m elh o r, todos os m o m en to s” (ibid., 17.156). A Confissão de Fé de Westminster (1648) “D eixem de lado toda a segurança da carne e vigiem sem pre, porque [nós] não sabemos a que hora há de vir o S e n h o r” (33.3).
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Jonathan Edwards (1703-1758)
Os apóstolos p arecem falar freq ü en tem en te da vinda de C risto p ara o juízo, co m o se pensassem que esta vinda estivesse p ró xim a [...] Considerando o escopo do apóstolo nestes versículos [1 Ts 4.15-17], tud o o que se pode con clu ir de tal m an eira de falar é que este evento p od eria aco n tecer, pelo que foi en tão revelado, en qu anto eles viviam [...] É apenas ju sto su por que era so m en te a incerteza do m o m e n to que era a base do uso, pelo apóstolo, de tal m an eira de expressão; porque ele, n este m esm o co n texto , fala do m o m e n to co m o co m p letam en te in certo [...] O fato de que o apóstolo n ão pretend ia ser in terp retad o co m o se fosse in certo que Cristo viria en qu anto eles estavam vivos é evidente, co m base no que ele m esm o diz, falando destas m esm as palavras, e negando expressam ente que pretendesse tal coisa; ou que ele supusesse que fosse certo que a vinda de C risto era ch esada, em qualquer sentido
(.MOITS , 1.2.1-3).
George Whitejkld (1714-1770) Talvez hoje, talvez esta m eia-n oite [...] Q ue aquele clam o r: “Aí v em o esposo!” soe co n tin u am en te em nossos ouvidos, e co m e c e m agora a viver co m o se vocês tivessem certeza de que esta noite vocês fossem en co n trá-lo (e m Silver, LR, 122).
John Wesley (1703-1791) “Esperem p o r Ele todas as horas. Agora Ele está próxim o, às p o rtas” (ibid., 161).
Charles Spurgeon (1834-1892) A d ata desta vinda é o cu lta. Q uando Ele virá, n in g u ém pode dizer. E sperem p o r Ele, e estejam sem pre preparados, p ara que n ão se en verg o n h em n o Seu [segundo] advento
(SSC, 134). As Escrituras d eixaram tod o o assunto, pelo que eu vejo, co m u m a indefinição intencional, para que possam os estar sem pre esperando a vinda de Cristo, e p ara que possam os estar vigiando à espera da Sua vinda, em qualquer h o ra e em todas as h oras [...] Ele p od e vir so m en te daqui a m il anos; Ele p od e vir esta n oite (ibid., 137-38).
RESUMO E CONCLUSÃO Existe um a grande variedade de pontos de vista sobre a Tribulação, e a m aioria deles estão dentro da ortod oxia co m u m . Apesar disto, alguns poucos com entários de conclusão são pertinentes. Primeiro, o preterism o extrem o é herege, u m a vez que afirm a que a ressurreição final e a Segunda Vinda de Cristo já aconteceram (cf. 2 T m 2.18). No entanto , a falta da crença em algum dos outros pontos de vista é u m teste de ortodoxia doutrinária, que pode
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ser ju\gaàa, ou com o iazen ào
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àos gcaiYÔies cctàos, o\x c.onSis&õei às. lê. èca. \
prim itiva, ou pela sua im portância redentora. Segundo, qualquer grau de certeza de algum ponto de vista em particu lar sobre a Tribulação, dentro da ortodoxia, não alcança u m a certeza absoluta, n em m esm o m oral. Sim plesm ente, não existem evidências suficientes para dirim ir todas as dúvidas neste assunto. Terceiro, parece, n o entanto, que é possível alcançar um grau razoável de probabilidade sobre o assunto, pelo m enos sobre os pontos centrais. Isto é o que tentam os acim a. Ou, em outras palavras, parece haver u m a explicação m elh o r das m uitas possibilidades. O que se quer dizer com isto é o ponto de vista que, dados todos os dados bíblicos, ofereça a explicação mais plausível. E neste con texto que nós oferecem os u m a conclusão prétribulacional para a questão do arrebatam ento.
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APÊNDICE
UM
O CORPO RESSURRECTO TEM AS MESMAS PARTÍCULAS QUE TINHA ANTES DA MORTE?
U
m a das objeções quanto à natu reza m aterial do corpo ressu rrecto é u m a form a da antiga alegação sociniana de que isto envolveria u m absurdo: que o corpo ressu rrecto tem todas as m esm as partículas que possuía antes (cf. Harris, RI, 126). Isto parece claram ente impossível; por exem plo, considere u m canibal que ingere o corpo de ou tra pessoa — certam en te as partículas não poderão fazer parte dos dois corpos, na ressurreição. E m bora seja verdade que alguns defensores do ponto de vista ortod oxo ten h am insistido que o corpo ressu rrecto terá todas as m esm as partículas m ateriais que tinha antes da m o rte, outros doutores ortod oxos não concordam com isto. Para esclarecer a questão, é preciso distinguir três pontos de vista. P o n to d e V is ta O r to d o x o
P o n to de V is ta N ã o -O r to d o x o
Corpo material
Corpo imateríal
Ponto de vista da partícula (todas as partículas são restauradas)
Ponto de vista da substância (o corpo material é restaurado)
Nenhum material é restaurado
Primeiro, existe u m a grande diferença entre o ponto de vista ortod oxo e o nãoortod oxo. Na verdade, eles são opostos exatos — não podem ambos ser verdadeiros. A posição ortod oxa afirm a que existe u m corpo ressu rrecto m aterial e literal, e a posição n ão -o rto d o xa nega isto. Segundo, o debate interior no cam po evangélico não afeta a ortod oxia da posição. U m Deus onipoten te pode fazer qualquer coisa que não seja verdadeiram ente possível, e tal Deus não teria dificuldade em restaurar cada partícula ao seu corpo original, na ressurreição. Terceiro, a crença de que cada partícula do corpo pré-ressurreição deve ser restaurada não é crítica para a visão ortodoxa. U m a pessoa fica com o m esm o corpo m aterial e substancial que tin h a antes, sem que cada p artícu la dele seja restaurada n a ressurreição. Assim co m o existe identidade e continuidade em nossos corpos m ateriais, que estão continu am ente acrescentando e elim inando partículas (m olécu las), tam bém o corpo
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da ressurreição pode ser o m esm o corpo m aterial, sem ter todas as m esm as partículas m ateriais que o corpo pré-ressurreição. C o m o m ostram os n o capítulo 7, nós serem os ressuscitados nos m esm os corpos físicos nos quais m o rrem os. Na Sua ressurreição, o corpo de Jesus deixou o sepulcro, sendo físico e tangível, tendo até m esm o as m arcas da crucificação (Lc 24.3,39,40). Os nossos corpos serão com o o Seu corpo (Fp 3.21). Frimeiro, o que restar do corpo sepultado no sepulcro sairá e será parte do corpo ressurrecto. Jesus disse: “todos os que estão nos sepulcros” (isto é, os restos corporais) “sairão” (Jo 5.28,29). Ezequiel falou sobre os “ossos” dos m o rtos se ju n tan d o (Ez 37.1-6), e “m u itos dos que d orm em no pó da terra ressuscitarão” (D n 12.2). Depois que Jesus ressuscitou, “abriram -se os sepulcros, e m u itos corpos de santos que d orm iam foram ressuscitados; e, saindo dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na Cidade Santa e apareceram a m u ito s” (M t 27.52,53). Segundo, aquilo que jam ais foi colocado no sepulcro, nem foi tirado dele, será rearranjad o, por Deus, de onde estiver, ou substituído por outras partículas, pelas Suas m ãos onipotentes. D eus não é lim itado por partículas dispersas, n em por encontrar outras. R ejeitar o ponto de vista de que n a m o rte as m esm as partículas do corpo estarão no corpo ressuscitado não representa u m argum ento a favor da visão n ão-orto d oxa de que nós não terem os o m esm o corpo físico que tivem os antes, o qual se to rn a im ortal na ressurreição. Pode ser o mesmo corpo material, sem conter as mesmas partículas. Apesar disto, quaisquer que sejam os restos, eles serão usados para recon stitu ir o corpo ressurrecto. A crença na natu reza m aterial do corpo ressurrecto e nos sepulcros vazios dos crentes é racional e bíblica. FO NTES
A gostinho. City o f God. Geisler, N orm an L. The Battlefor the Resurrection. Harris, M urray. Raised Immortal Ireneu. Against Heresies. Schaff, Philip. The Creeds o f Christendom. Schep, J. A. The Nature o f the Resurrection Body. Tom ás de Aquino. Summa Contra Gentiles.
APÊNDICE
DOIS
REENCARNAÇÃO
A
palavra reencarnação significa “voltar em ca rn e”. Os cristãos falam da encarnação de Cristo, porque Ele veio em carne (Jo 1.14; 1 Jo 4.1,2). Reencarnação quer dizer que
depois da m o rte a alm a h u m ana reto rn a a um corpo — ou tro corpo —e vive ou tra vida. Entre as m uitas form as de reencarnação, as mais com uns se originam do hinduísm o e do budism o, e estão baseadas na inexorável lei do carm a (ou destino), que diz que cada ação nesta vida tem u m a reação ou conseqüência (seja nesta vida ou na próxim a). A reencarnação é um a crença antiga. M uitos acadêm icos pensam que a sua origem são os Vedas hindus, dos quais parecem ter derivado as form as budista, jainista e sikhista, assim com o os ensinam entos de M editação Transcendental e Hare Krishna. No O riente M édio antigo, os seguidores de Pitágoras, Platão (c. 427-437 a.C.) e Plotino (205-270) eram adeptos da reencarnação. Mais recentem en te, o psíquico Edgar Cayce (1877-1945) e a teósofa H elena Blavatsky (1831-1891) tam bém ensinavam m últiplas vidas. Diversos teólogos tentaram conciliar form as de reen carnação com o cristianism o; entre eles, estão Geddes M acG regor (nascido 1909) e Jo h n H ick (nascido 1922).
A N A TU R EZ A DA REEN C A RN A ÇÃ O Platão ensinou que a alm a im ortal assume u m corpo som ente co m o punição por algum pecado, pelo qual ele sofrerá dez vezes; conseqüentem ente, a alm a é forçada a deixar o dom ínio ideal e entrar no m undo m aterial. [O homemj é uma alma em um corpo, e a sua alma precisa crescer rumo ao bem maior, para que não mais sofra contínuos renascimentos, mas entre naquele estado no qual possa ser como Deus, contemplar e desfrutar para sempre da hierarquia de formas ideais, em toda a sua verdade, beleza e bondade (Noss, M R , 52). “Antes que este estado bem -aventurado se realize, nós podem os voltar, até m esm o com o anim ais”. As similaridades entre Platão e a dou trina hindu são surpreendentes, especialm ente o sistem a “pessoal” de R am an u ja (1017-1137). Esta escola evoluiu da antiga visão “im pessoal”, mas os ingredientes essenciais são os m esm os para ambas. A alma, cham ada jiva (ou jivatman), sobrevive à m o rte co m o um a entidade m ental, cham ada de corpo refinado. Esta entidade irá entrar em um novo em brião e trará consigo o carm a de
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todas as suas vidas passadas. O carm a é, ao m esm o tem po, tanto as obras feitas com o as conseqüências éticas relacionadas a elas; se fizer boas obras, você nascerá em u m “útero agradável”, e se você fizer o m al, o seu destino será p rop orcionalm ente m enos nobre. Você poderia até m esm o se encontrar em u m “ú tero sujo e m a l cheiroso”, co m o o de u m anim al, vegetal ou m ineral. O ciclo de m o rte e renascim ento ( samsara) é freqüen tem ente retratado com o u m a roda, com a m o rte sendo a p o rta para a nova vida. O objetivo é escapar deste ciclo. Esta fuga é chamada moksha, e é aqui que surge a diferença entre a form a pessoal e a impessoal da reencarnação. A versão impessoal diz que, um a vez que toda a dívida do carma é eliminada, a alma perde toda a identidade e simplesmente se torna um a com Ele; o indivíduo é mesclado com brahmati (o divino, a força impessoal). A visão pessoal diz que a alma é simplesmente liberada para estar com pletam ente devotada a bhagwan (o deus pessoal). Outras form as de reencarnação diferem quanto ao que acontece no m o m en to da m orte e quanto à natureza do estado definitivo de mohsha, mas o padrão geral é conservado. Os budistas dizem que a alm a inconsciente (vinnana) continua, e o indivíduo (o seu intelecto, as suas em oções, a sua consciência etc.) é destruído na m orte, mas o seu carm a perm anece ciclicam ente em samsara. O estado final, em que a pessoa é libertada dos ciclos da reencarnação, é nirvana, a cessação de todas as lutas, o estado final equivalente a nada. A m aioria das assim chamadas formas cristãs de reencarnação não diferem em seus conceitos básicos. D urante esta vida, tom a-se u m a decisão sobre aceitar ou rejeitar a Cristo. O m odelo mais simples é o daqueles que aceitam Cristo e vão estar co m Deus, ao passo que aqueles que o rejeitam reencarnam até que reconheçam a Cristo; desta m aneira, todos no fim serão salvos1. A teoria de M acGregor, “Christian reincarnation theory ” (Teoria cristã da reencarnação), sugere a punição suprem a para aqueles que são causas perdidas, e a “pu nição” é aniquilação2. A teoria de Hick é relativam ente original, pelo fato de que ele supõe que os seres hum anos irão reencarnar para viver em outros planetas.
RAZÕ ES FR EQ Ü EN TEM EN TE APRESENTADAS PARA A C R EN Ç A N A REENC A RN A Ç ÃO Três das mais básicas razões oferecidas para a reencarnação são a crença em um a alm a im ortal, a evidência psicológica de vidas passadas, e a necessidade de justiça. A Im o r t a lid a d e d a A lm a A principal razão de Platão para crer na transm igração das almas (isto é, o m ovim en to da alm a de u m corpo para ou tro ) era o fato de que ele considerava a parte im aterial do h o m em co m o sendo não-criada e indestrutível. Ela existe antes de nós nascerm os, continua a existir depois que m o rrem os, e nada, seja b om ou m au, pode corrom p ê-la. Os adeptos da reencarnação, então, argu m entam que é provável que a alm a apareça no m undo em diferentes corpos, em variadas épocas —isto faz parte do seu processo de aperfeiçoam ento. As filosofias panteístas3 pressupõem que tudo é eterno e divino, de m odo que a alm a é igualm ente incorruptível.
1 R esu ltan d o n o u niversalism o —veja V olum e 3, ca p ítu lo 11. c a p ítu lo 18.
2Veja cap ítu lo 11.
3 V ejaV o lu m e 1, ca p ítu lo 2, e V o lu m e 2,
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E v id ê n cia s P sic o ló g ic a s de V id as Passadas Ian Stevenson (nascido 1918), u m parapsicólogo e investigador de recordações de vidas passadas, afirma: A idéia da reencarnação pode contribuir para um melhor entendimento de assuntos tão diversos como: fobias e “filias” de infância; habilidades não aprendidas na infância ou juventude [...] [A reencarnação explica] anormalidades nos relacionamentos entre filhos e pais; vinganças e nacionalismos belicosos; sexualidade na iniância, e confusão de identidade de sexo; marcas de nascença, deformidades congênitas e enfermidades internas; diferenças entre os membros de gêmeos mono-zigotos; e desejos anormais durante a gravidez ( “EVIR”, in: JN M D , 305). As vidas passadas, recordadas durante hipnose ou outros estados de alteração de consciência, foram úteis para ajudar alguns a explicar sentim entos que um paciente não pode explicar n em vencer. Sup ostam ente encontrand o algum a experiência deste tipo, m uitos foram aliviados dos sentim entos de m edo, depressão ou a sensação de não ser querido. Em bora os psicólogos e hipnólogos que trabalh am com recordações de vidas passadas freq ü entem ente não creiam , verdadeiram ente, que são reais os eventos recordados pelos seus pacientes, eles as usam , porque isto funciona. C o m o disse um terapeuta: “Não im p orta se é real ou im aginário, se ajudar alguém a descobrir o sentido das suas vidas [...] Se funciona, quem se im porta?” (B o eth , “ISPL”, in: D T H ). A N e cessid ad e de Ju s tiç a Para algum as pessoas, a idéia de ter mais de u m a chance de vida parece ser a solução mais correta. Se você fizer coisas más, você pagará o preço; se você fizer o bem , conseguirá um a recom pensa. A punição é proporcional a quão m au é o nosso carm a, em vez de “tudo ou nad a”. A idéia de condenar alguém ao inferno infinito pelo pecado finito parece dura demais; o carm a é ju sto. O sofrim ento nesta vida será justificado se realm ente for u m a com pensação para o nosso carm a de vidas passadas, e esta explicação elim ina a necessidade de to rn ar Deus responsável pelo sofrim ento, em qualquer form a. Todo sofrim ento pode ser explicado com o um a com pensação pelas más obras praticadas em encarnações anteriores. Quincy Howe (nascido 1934) observou: “U m dos aspectos mais atrativos da reencarnação é o de que ela rem ove inteiram ente a possibilidade da condenação” (R C , 51). Se a doutrina da punição eterna parece totalm ente incom patível com o am or de Deus, a reencarnação sugere um a m aneira pela qual Deus pode punir o pecado (pela lei do carm a), exige a fé em Cristo (pelo m enos, durante um a vida), e ainda pode, em últim a análise, salvar a todos. Se alguém rejeita a Cristo, terá um a segunda chance, e um a terceira, e assim por diante, até que creia. Isto inclusive protege a liberdade hum ana, porque Deus não obriga ninguém a crer; Ele sim plesm ente lhes dá mais tem po para exercer a sua liberdade. O progresso m oral e o crescim ento espiritual tam bém podem ocorrer durante sucessivas vidas, o que perm itirá que os indivíduos entendam m elh or o am or de Deus. Na verdade, alguns pensam que a perfeição m oral não pode ser obtida sem a reencarnação. Assim sendo, a re en ca rn a çã o ta m b é m to rn a a salvação u m assu nto pessoal en tre o indivíduo e D eus. Em lugar de lidar c o m p ro blem as de cu lp a im p u tad a, do pecad o
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de A dão, ou de ser consid erad o ju stifica d o p ela fé, cada pessoa é responsável p o r cu id ar do seu p ró p rio carm a. H ow e, afirm an d o que a expiação p o r u m su b stitu to n ão é m ais válida, diz: “O p ró p rio h o m e m deve se re co n cilia r c o m D eu s” (ibid., 107). M acG reg o r exp lica: “O m e u ca rm a é p a rtic u la r a mim. E meu p ro b lem a e o triu n fo sobre ele é meu tr iu n fo ”. Isto e lim in a a in ju s tiç a de ser p u n id o, de q u alqu er fo rm a , p elo pecad o de Adão, e a in ju s tiç a do fa to de C risto m o rre r p o r pecad os que Ele não c o m e te u . Em vez disto, a m o rte de Jesus se to rn a a nossa in sp iração , “o catalizad or p e rfe ito ” para realizar a n ossa salvação e nos assegu rar de que “nós estam os sob a infalív el luz do am o r de D eu s” ( C K , 4). N este caso, Jesus te ria m o rrid o c o m o nosso e x e m p lo , e n ão co m o nosso su b s titu to 4. A r g u m e n t o s B íb lic o s F o r n e c id o s a f a v o r d a R e e n c a r n a ç ã o Alguns tentaram justificar a reencarnação escrituralm ente, usando diversas passagens a este respeito. J ó 1.21 Jó disse: “N u saí do v e n tre de m in h a m ãe e n u to rn a re i p a ra lá ” . A lg u n s ad ep tos da re e n c a rn a ç ã o e n te n d e m que isto in d ica o c ic lo de m o r te e re n a s c im e n to (samsara). No entanto, nada disto está escrito no texto. Isto é sim plesm ente um a expressão poética da verdade de que nós não trazem os nada conosco a este m undo, e não levam os nada conosco quando m o rrem os. A palavra útero, ou ventre (heb. beten), é freqüentem ente usada figuradam ente a respeito da terra5. Jeremias 1.5 Deus declarou a Jeremias: “Antes que eu te formasse no ventre, eu te conheci; e, antes que saísses da madre, te santifiquei”. As vezes, assume-se que isto se refira à pré-existência da alma. E m resp o sta, a exp ressão “eu te c o n h e c i” n ã o se re fe re a u m estad o p ré -e x is te n te an tes da co n c e p çã o , m as a u m estad o p r é -n a ta l an tes do n a s c im e n to . E ste estad o, m e n cio n a d o e m o u tra s passagens das E s c ritu ra s 6, s u p o rta a h u m a n id a d e dos que ainda n ã o n a sce ra m , m as n ã o a p ré -e x is tê n c ia da a lm a antes da co n c e p ç ã o (p a ra n ã o fa la r dos ciclo s de re e n c a rn a ç ã o depois da m o r te )7. Mateus 11.14 “Se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir”. Sup ostam ente, isto se refere a Elias reencarnando com o João Batista (cf. M l 4.5). C om o resposta, a passagem correspondente no Evangelho de Lucas dem onstra que João não era um a reencarnação de Elias; Jesus fala de João Batista vindo “no espírito e virtude de Elias” (Lc 1.17). Eliseu recebeu esta m esm a unção do “espírito” de Elias depois que Elias subiu ao céu (2 Rs 2.9-18), mas obviam ente não era um a reencarnação — ele já tinha a sua própria alma.
4 Cf. V o lu m e 3, c a p ítu lo 9.
s P o r e x e m p lo , cf. G ênesis 3.19; S alm os 139.13,15.
7Veja V o lu m e 3, cap ítu lo s 1-2 e apêndices 1-2.
11Cf. S alm o s 57.7; 139.13-16; G aiatas 1.15,16.
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João 3.3,7 Alguns usam a declaração de Jesus: “Necessário vos é nascer de n o v o ” com o um suporte para o ciclo de m o rte e renascim ento da reencarnação. Aqui tam bém , no entanto, o versículo é tirado do contexto. Jesus está se referindo ao novo nascim ento, isto é, u m nascim en to espiritual. Ele explicou isto quando disse: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito” (v. 6). A lém disto, a palavra grega para de novo ( anothen) é mais bem traduzida com o “do a lto ”, significando u m nascim ento espiritual. Não há nada aqui sobre ou tro nascim ento físico depois da m orte. João 9.1-3 A s palavras de Jesus sobre o h o m em cego de nascença não ter pecado antes do seu
nascim en to su p ostam ente su p o rtam a cren ça dos adeptos da reen carn ação de que os pecados cie u m a pessoa em u m a existência an terior acarretam o seu destino nesta vida. Não existe tal ensinam ento neste contexto; Jesus estava ridicularizando u m a crença dos judeus da época, de que as deficiências de nascença se deviam a pecados pré-natais, no útero. A lém disto, se entenderm os que a referência se refere a um estado pré-existente, então o fato de que os pecados em um estado anterior causam más condições nesta vida é um a condenação mais ío rte à crença na reencarnação. Jesus censurou aqueles que defendiam este ponto de vista: “N em ele pecou, n em seus pais [antes do seu nascim ento]; mas foi assim [ele tin h a que nascer cego] para que se m anifestem n ele as obras de D eus” (v. 3). 1 Coríntios 15.35-55
Nesta passagem, Paulo diz: “a cada sem ente, o seu próprio co rp o ” (v. 38), o que alguns entendem que seja um a correlação cristã com o carm a. U m exam e atento ao con tex to m ostra que Paulo não está falando da reencarnação, mas da ressurreição. A ressurreição é um evento que acontece um a única vez, no corpo próprio de um a pessoa, agora tornado im ortal; a reencarnação é um evento que acontece m uitas vezes em outros corpos, todos os quais são m ortais. Paulo declarou: “convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é m o rtal se revista da im ortalidade ” (v. 53).
U M A AVALIAÇÃO D A R E E N C A R N A Ç Ã O Aqui os com entários se classificam em três categorias: Prim eiro, um a resposta aos argum entos afavor da reencarnação; segundo, alguns argum entos contra a reencarnação; e finalm ente, a base bíblica para rejeitar a reencarnação. R e s p o s ta ao s A r g u m e n to s a fa v o r da R e e n c a r n a ç ã o Além dos supostos argum entos bíblicos afav or da reen carnação, outros argum entos tam bém sofrem a falta de qualquer fundam ento real. Na m elh o r hipótese, m ostram un icam ente a possibilidade (e não a realidade) da reencarnação.
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A Imortalidade não Prova a Reencarnação M esm o que se pudesse dem onstrar o sentido platônico da im ortalidade da alm a (isto é, a indestrutibilidade), não se provaria, com isto, a reencarnação, por dois m otivos: (1) A alm a poderia sobreviver para sem pre em u m a fo rm a desincorporada, ou (2) a alm a poderia reunir-se com o seu corpo em u m corpo ressu rrecto im ortal e p erm an en te8. As “Recordações” de Vidas Passadas não Provam a Reencarnação E xistem outras m aneiras de explicar as assim cham adas “recordações” de supostas vidas passadas. Prim eiro, elas podem ser falsas recordações. M uitas “lem branças” já provaram ser falsas. A lgum as pessoas “se lem b raram ” de coisas que eram em piricam ente falsas. Em acréscim o, estas “record ações” de vidas passadas são mais abundantes entre aqueles que fo ram criados em cu ltu ras ou contextos em que estiveram expostos ao ensinam ento da reencarnação, o que sugere que receberam estas idéias quando eram jovens, e mais tarde as reviveram , extraindo-as do seu banco de m em ória. A lém disto, existem casos admiráveis, co m o o de Bridie M urphy, cujas supostas lem branças de vidas passadas resultaram ser nada mais do que estórias que a sua avó lia para ela, quando era apenas u m a m enina. Finalm ente, algumas falsas “lem branças” foram implantadas pela hipnose (a força da sugestão) ou terapia orientada de imaginação, durante sessões de aconselham ento ou ensinam ento. A síndrom e das falsas lembranças é reconhecida pelo cam po da psicologia. A Reencarnação não Soluciona a questão da Justiça E m vez de so lu cio n a r o p ro b lem a do so frim e n to in ju s to , a reen ca rn a çã o sim p le sm e n te diz que o so frim e n to é ju s to , afin al: Os in o ce n te s n ã o são v erd ad eiram en te in o ce n te s, p o rq u e o ca rm a das suas vidas passadas está cau sand o so frim e n to n e sta vida. Os adeptos da re en ca rn a çã o se q u eixam de que quando se so licita a u m cristão que fo rn e ç a u m a razão p ara a m o rte de u m filh o p eq u en o de u m a m ãe en tristecid a, ele só seja capaz de dizer: “Eu n ão sei”. A lei do c a rm a pode dar a ela u m a resposta: “O seu d oce a n jin h o foi u m d em ô n io em u m a vida a n te rio r”. Isto n ão é u m a solução p ara o p ro b lem a , m as u m a subversão dele. A re e n ca rn a çã o não lida co m a d ificuldade, m as a dissipa. O carm a não é u m a prescrição m oral. O carm a é u m sistem a de retribuição som ente; não tem conteú d o que nos diga o que fazer. E um a aplicação de lei, mas não é lei propriam ente dita; é u m sistem a penal sem u m a legislatura. E u m princípio im pessoal e am oral de relações entre atos e conseqüências. A lg u n s A r g u m e n t o s c o n t r a a R e e n c a r n a ç ã o O Argumento da Falta de Fundamentos Morais Nos sistemas panteístas, não há origem dos critérios m orais que o carm a inculca. Por que punir as pessoas, se não existe u m padrão definitivo de certo e errado? A moralidade panteísta é relativa! Alan Watts (1915-1973), u m orador favorável ao budismo zen, escreveu:
8 C o m o os ju d e u s o rto d o x o s , os m u ç u lm a n o s e os cristãos ac re d ita m —veja c a p ítu lo 7.
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O budismo não compartilha a visão ocidental de que existe uma lei moral, imposta por Deus ou pela natureza, à qual é dever do homem obedecer. Os preceitos de conduta de Buda — abster-se de matar, de tomar o que não é dado, da exploração das paixões, da mentira e da intoxicação —são regras de conveniência voluntariamente assumidas (WZ, 52). Isto apresenta problem as reais para a reencarnação. O relativism o é u m a posição ética auto-destrutiva. Não se pode dizer: “O relativism o é verdadeiro”, n em m esm o: “O relativism o é m elh o r do que o absolutism o”, porque estas declarações pressupõem um valor absoluto que contradiz o relativism o. C. S. Lewis (1898-1963) explica: No momento em que você disser que um conjunto de idéias morais pode ser melhor do que outro, você estará, na verdade, avaliando a ambos de acordo com um padrão, dizendo que um deles está em maior conformidade com este padrão do que o outro. Mas o padrão que avalia as duas coisas é um pouco diferente de ambas [...] Na verdade, a comparação é feita entre ambas e alguma moralidade real, admitindo que existe algo como um Correto real, independentemente do que as pessoas pensam, e de que as idéias de algumas pessoas se aproximam mais do Correto real do que outras (MC, 25). Em outras palavras, para dizer que o relativism o está correto, é necessário pressupor que algum C o rreto absoluto existe, o que é relativisticam ente impossível. A m enos que algum a coisa seja absolutam ente correta, nada pode ser verdadeiram ente correto; e se nada for correto (ou errado), então o carm a não tem que p u n ir ninguém por isto. O Argumento Humanitário A reencarnação é, em últim a instância, anti-hu m anitária, e não gera com paixão social. A lguém que ajuda os m ilhões de pobres, aleijados, m utilados, sem -teto e fam intos que se acu m u lam pelas ruas da índia estará trabalhando con tra a lei do carm a. As pessoas sofrem para com pensar a sua dívida cárm ica; se você as auxiliar, então elas terão que voltar o u tra vez, e sofrer ainda mais para com pensar aquela dívida. Portanto, a com paixão social na índia é, em grande parte, o resultado da influência cristã. O Argumento Psicológico A reencarnação depende da prem issa de que u m indivíduo tem u m a autoconsciência altam ente desenvolvida antes do nascim en to, para receber, arm azenar e recuperar inform ações. Por ou tro lado, é um fato científico que esta habilidade não se desenvolve em um a pessoa até que ela ten h a u m ano e m eio de idade, razão pela qual nós não nos lem bram os do nosso prim eiro ano de vida. O fato de que cada ser hu m ano, de algum a m aneira m isteriosa, “se esquece” da sua consciência altam ente desenvolvida e que provavelm ente jam ais a recup era —a m enos que seja treinado e “esclarecido” para fazer isto — é altam ente im plausível. A hipótese não tem fu n d am ento e é inteiram ente Deus ex machina. O Argumento Científico U m a vida hu m ana individual e singular tem início na concepção, quando os vinte e três crom ossom os de u m esperm atozóide m ascu lino se u n em com os vinte e três
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crom ossom os de u m óvulo fem in in o, e fo rm am u m zigoto hu m ano de quarenta e seis crom ossom os, que tem vida (alm a) e corp o9. A firm ar que esta alm a (vida) existia em um corpo anterior não tem base científica. A evidência biológica aponta para a concepção com o sendo o ponto de origem de u m ser hu m an o individual. 0 Argumento Social Se a reencarnação fosse correta, a sociedade deveria se aprim orar. Afinal, se nós tivéssemos centenas (até m esm o m ilh ares) de chances de m elh orar ao longo de incontáveis m ilhões (ou bilhões) de anos, haveria algum a evidência disto. O p roblem a é que não tem os evidências de tal progresso moral, m esm o depois de m ilhares de anos de história registrada. O que nós aprim oram os é os m eios pelos quais podem os m anifestar ódio, crueldade e barbárie com relação a outros seres hum anos. O Argumento Lógico A atitude de colocar a culpa pelas situações em vidas passadas dá início a um infinito retrocesso de reconciliações que jamais concluem um a reconciliação. Se o sofrimento de cada vida depende dos pecados cometidos em um a vida anterior, com o tudo começou? Se houve um a primeira vida, de onde a dívida cármica explica o sofrimento naquela vida? O m al será um princípio eterno, juntam ente com Deus? Não podemos ficar retrocedendo para sempre, para solucionar o problem a do mal; a lei do carm a não consegue solucionar o conflito. U m retrocesso infinito no tem po não é possível, u m a vez que, se houvesse um n ú m ero infinito de m o m en tos antes de hoje, o h o je jam ais existiria. H oje existe, e é presente, de m odo que não houve um n ú m ero infinito de vidas anteriores. Por ou tro lado, se não houve u m n ú m ero infinito de vidas antes desta, então deve ter havido um a prim eira vida, na qual um a encarnação anterior não foi a causa do seu m al. Isto é o que o teísm o defende, isto é, que o m al se originou da livre escolha de um indivíduo naquela prim eira vida (por exem plo, o an jo Lúcifer e o h o m em A dão)10. O Argumento da Perfeição Moral M esm o na suposição da reen carnação de que houve u m a infinita quantidade de tem po antes de hoje, este ponto de vista se depara com ou tro problem a sério: Em um a infinita quantidade de m o m en tos, existe um tem po mais do que suficiente para alcançar a perfeição de todas as almas. Sendo assim, a esta altura, todas as almas deveriam ter a unidade com Deus se tivesse havido u m a quantidade infinita de tem po para poderem fazer isto. Mas isto não aconteceu, e, sendo assim, a reen carnação não é um a solução para o p roblem a do m al. A lém disto, se a perfeição não foi alcançada em um a quantidade infinita de tem po, que razão tem os para crer que mais tem p o irá ajudar? Adicionalmente, se cada encarnação é o resultado do mal feito em um a encarnação anterior, então não há maneira de que a reencarnação aconteça no início; se não foi feito nenhum mal no início, para merecer a primeira encarnação, então, em primeiro lugar, não houve um ímpeto que devesse ser punido pela encarnação em um corpo. A reencarnação não é capaz de explicar a primeira encarnação (punição); e se ela tentar evitar o dilema, propondo outra razão que não o carma, estará abandonando a m esma lei que torna a reencarnação supostamente necessária.
9Veja V o lu m e 3, c a p ítu lo 1 e apêndices 1-2.
'"V eja V olum e 1, c a p ítu lo 2, e V o lu m e 3, c a p ítu lo 3.
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O Argumento Antropológico
Com o demonstramos anteriorm ente", os seres humanos são um a unidade de corpo e alma. O iato de que é errado afirmar que um ser humano é uma alma e meramente tem um corpo é defendido pelas Escrituras, pela ciência e pela razão. A alma humana está unida, não somente a um corpo, mas ao seu próprio corpo, e, sozinha, a alma é incompleta, nua e desejosa de ser “revestida” (2 Co 5.2), esperando pela reunião com seu corpo, não pela reencarnação em algum corpo. A r g u m e n to s B íb lic o s c o n t r a a R e e n c a r n a ç ã o Os Seres Humanos São Criados: não São Eternos
A Bíblia é a Palavra inspirada de D eu s12, com autoridade divina em tudo o que ensina. De acordo com as Escrituras, os seres hum anos foram criados (G n 1.27). S om ente Deus é eterno (1 T m 6.16); todas as outras coisas foram criadas por Ele (jo 1.3; Cl 1.15,16) e existem porque Deus as fez existir do nada. ex n ihilon . Isto não é verdade som ente a respeito de Adão e Eva, os prim eiros seres hum anos, mas sobre todos os demais depois deles14. Todos os seres hum anos, depois de Adão, com eçaram e com eçam na concepção (SI 51.5; M t 1.20), antes da qual eles não existiam . C onseqüentem ente, não pode existir a reencarnação — um a alm a não tem existência anterior à encarnação. O Estado Interm ediário E D esencarnado
Na m o rte, a alm a deixa o corpo e vai para o m undo dos espíritos, onde espera para ressuscitar em seu co rp o 15. A Palavra de Deus não contém a m en or indicação de que, depois da m orte, a alm a siga para outro co rp o 16. O Estado Seguinte à D esencarnação E a Ressurreição, não a Reencarnação
A reencarnação é a crença cie que, depois da m orte, a alma passa para outro corpo. Em comparação, aBíbliadeclaraque, depois damorte, o mesmo corpo físico se tornaincorruptível na ressurreição (1 Co 15.53). Em vez de uma série de corpos que m orrem , a ressurreição torna vivo, para sempre, o mesmo corpo que morreu. Em vez de uma alma em um corpo, a ressurreição vê o hom em com o uma unidade entre corpo e alma. A reencarnação é um processo interminável rum o à assim chamada perfeição; a reencarnação é um estado intermediário, no qual a alma anseia para ser desencarnada e absorvida. A ressurreição é um estado perfeito, o estado definitivo, em que toda a pessoa, corpo e alma, desfruta da bondade de Deus. Na reencarnação, a pessoa é salva do seu corpo; na ressurreição, ela é salva no seu corpo17. R e s s u rre iç ã o
R een carn ação
Acontecc uma única vez
Acontece muitas vezes
No mesmo corpo
Em um corpo diferente
Em um corpo imortal
Em um corpo mortal
Um estado perfeito
Um estado imperfeito
11 Veja V o lu m e 3, c a p ítu lo s 1-2. Eclesiastes 7.29: S alm os 139.13-16. 23.43; M ate u s 17.3.
12 Veja V olum e 1, c a p ítu lo s 13-16.
13 Veja V o lu m e 2, c a p ítu lo 19.
14 Cf. G ênesis 5.3;
15Veja c a p ítu lo 7; cf. 2 C o rín tio s 5.8; Filipenses 1.23; A p ocalipse 6.9; 19.20; 20.10; Lucas
16Veja c a p ítu lo 7.
17 Ibid.
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H
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Salvação no corpo
Salvação do corpo
0 estado definitivo
Um estado intermediário
Uma recompensa
Uma punição
Os Seres Humanos Morrem semente uma Vez De acordo com as Sagradas Escrituras, os seres hum anos m o rrem u m a ún ica vez, e a isto se segue o ju ízo (Elb 9.27). Nós nascem os u m a vez, vivem os u m a vez, e m o rrem os u m a vez. D e acordo com a teoria da reencarnação, nós vivemos m uitas vezes, nascem os e renascem os repetidas vezes, o que o fam oso apologista hindu Sarvepalli R adhakrishnan (1888-1975) recon h eceu com o a diferença definitiva entre o cristianism o e o hinduísm o (HVL, 118). A Finalidade do Juízo se Opõe à Reencarnação Não som ente os seres hum anos vivem e m o rre m um a ún ica vez, seguida pelo juízo, com o o ju ízo é final e eterno —de salvação ou de cond en ação18. Se isto durar para sem pre, não existe possibilidade de reencarnação em ou tro corpo; em vez disto, nós serem os ressuscitados em nossos próprios corpos19. Jesus Rejeitou a Reencarnação Q uando lhe perguntaram se o pecado de u m h o m em antes do seu nascim en to era a causa do seu m al, Jesus respondeu: “N em ele pecou, n em seus pais; mas foi assim para que se m anifestem nele as obras de D eus” (Jo 9.3) Considerando que, novam ente, isto é u m a referência à falsa crença dos judeus de que alguém podia pecar no útero, antes do nascim en to, produzindo desta m aneira deform idade física, a resposta de Jesus é apropriada con tra a cren ça reen carnacionista de que os pecados anteriores ao nascim ento afetam o destino de alguém nesta vida. Em o u tra passagem, Jesus enfatizou que a sorte infeliz de um a pessoa não é, necessariam ente, devida ao pecado (Lc 13.4,5), o que é verdade, seja co m referência ao início da vida, à vida pré-n atal, ou à suposta vida pré-encarnada. A Reencarnação Ê Contrária à Doutrina da Graça A reencarnação está baseada na dou trina do carm a, u m a lei inexorável que não tem exceções. Os pecados não podem ser perdoados; se u m a pessoa não receber o que lhe é devido nesta vida, deverá recebê-lo posteriorm ente. O evangelho cristão diz que o perdão é possível. Jesus perdoou os Seus inim igos, que o crucificaram . Os cristãos devem perdoar com o C risto nos perdoou (C l 3.13). A graça to rn a a reencarnação inteiram en te desnecessária. A salvação é u m “d o m ”20, u m a dádiva recebida pela fé21. Em vez de trabalhar para m erecer o favor de Deus, o crente recebe graça, u m favor im erecido, pelo qual ele é declarado ju sto. A ju stiça de Deus é satisfeita, porque Jesus foi punido pelos pecados 18 Por e x e m p lo , v e ja Lucas 16.26; 2 T essalon icen ses 1.9; M a te u s 25.41; Jo ã o 5.28,29; D a n ie l 12.2; A p ocalip se 20.1-15. 19 V eja ca p ítu lo s 8-9. 3, ca p ítu lo s 13-14.
20 Jo ã o 4.10; R o m a n o s 3.24; 5.15-17; 6.23; 2 C o rín tio s 9.15; Efésios 2.8; H ebreu s 6.4.
21 V eja V o lu m e
REENCARNAÇÃO
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do m undo na Sua m o rte 22. Os nossos pecados não foram ignorados; Jesus pagou pela nossa culpa, levando-a com o nosso substituto.23 Tudo isto é profundam ente contrário à d outrina cárm ica e destrói a necessidade da reencarnação. FO N TES A lbrecht, M ark. Reincarnation: A Christian Appraisal Anderson, J. Kerby Life, Death, and Beyond. B oeth, Jennifer. “In Search o f Past Lives: Looking at Yesterday to Find Answers for Today”, in: D allas Times Herald. de Arteaga, W illiam . Past Life Visions: A Christian Exploration. de Silva, Lynn. Reincarnation in Buddhist and Christian Thought. Geisler, N orm an L., e J. Yukata A m ano. The Reincarnation Sensatwn. H ackett, Stuart. Oriental Philosophy. Hick, Jo hn. Death and Eternal Lije. Howe, Quincy. Reincarnation fo r the Christian. Lewis, C. S. M ere Christianity. M acG regor, Geddes. The Christening o f Karma: The Secret o f Evolutwn. M artin, Walter. The Riddle oj Reincarnation. Naipaul, V. S. An A rea of Darkness. Noss, John B. M an s Religions. R adhakrishnan, Sarvepalli. The Hindu View oj Lije. Snyder, John. Reincarnation vs. Resurrection. Stevenson, Ian. “T h e E xplanatory Value o f the Idea o f R ein carn atio n ”, in: The Journal o f Nervous and M ental Disease.
Travis, Stephen. Christian Hope and the Future. Watts, Alan. The Way oj Zen.
22 R o m a n o s 3.25; H eb reu s 2.17; 1 João 2.2; 4.10.
23Veja V o lu m e 3, c a p ítu lo 9.
_______
( f § l ______
APÊNDICE
TRÊS
OS CONCÍLIOS GERAIS DA IGREJA E O DESENVOLVIMENTO DO CATOLICISMO ROMANO
O
s mais antigos Pais da igreja pós-apostólica defendiam a form a de governo do Novo Testamento, com um a pluralidade de presbíteros (bispos) e diáconos em cada igreja independente e auto-governada1. Na metade do século II, um a pessoa (cham ada de bispo) havia surgido com o líder sobre os presbíteros; posteriorm ente, um bispo-chefe assumiria a autoridade sobre toda um a região. Finalmente, isto levou à primazia do bispo de Rom a, a capital do império, que desejava assumir a autoridade sobre toda aigreja; por últim o, em 1870, este bispo (o papa) foi pronunciado infalível quando falasse oficialmente sobre assuntos de fé e prática. Juntam ente com o crescente autoritarismo da Igreja Católica Rom ana, tam bém houve um distanciamento crescente do cristianismo bíblico ortodoxo. Ambos os fatos surgiram gradualmente, podendo ser identificados através dos concílios gerais da igreja. Estes concílios, que desem penharam u m papel im p ortan te no desenvolvim ento do episcopalism o rom ano m o n olítico , são supostam ente concílios que envolvem toda a igreja, em bora às vezes porções m aiores da igreja fossem representadas apenas escassam ente. Os concílios locais ficavam em áreas geográficas específicas e não eram considerados ligados a toda a igrej a, a m enos que tivessem sido afirmados por u m concilio ecu m ên ico (a igreja estendida) posterior. Os oito prim eiros concílios foram convocados pelos im peradores, e os treze últim os, pelos papas. Desde o primeiro concilio (Nicéia I, 325), convocado por Constantino (c. 274-337), houve forças que se m overam na direção da estrutura eclesiástica autoritária. No oitavo (Constantinopla IV, 869), isto estava se tornando mais evidente, e a partir do décimo segundo concilio (Latrão IV, 1215), a estrutura do que é atualmente conhecido com o catolicismo rom ano estava tom ando forma. O Concilio contra-reform istadeTrento (1545-63) solidificou o rom anism o, o Vaticano I (1870) tornou infalivelmente perm anente o rom anism o eclesiástico imperial, e os concílios X IX e X X perpetuaram os dogmas romanos.
O S C O N C ÍL IO S D A IG R E JA A cristandade é dividida quanto ao n ú m e ro e à n a tu rez a dos concílios ecu m ên ico s da igreja. Os cató lico s ro m an o s aceita m vinte e u m con cílios e cu m ê n ico s; os o rto d o x o s orientais aceitam a au torid ad e apenas dos sete p rim eiros; os p ro testan tes re je ita m a
1Veja c a p ítu lo 3.
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autoridade de todos eles, com exceção dos quatro primeiros; e muitas igrejas livres não aceitam nenhum concilio da igreja com o tendo autoridade, embora geralmente concordem com os protestantes sobre as principais doutrinas afirmadas nos quatro primeiros concílios. E necessário um estudo dos concílios antes que os prós e contras destes pontos de vista possam ser examinados.
(1) O Primeiro Concilio de Nicéia (325) O Primeiro Concilio de Nicéiafoi convocado pelo ImperadorConstantino, que se professava cristão e que desejava unir a igreja e solidificar o seu império. O concilio afirmou a Trindade e defendeu a total divindade de Cristo com o eterna, e também que Ele tem am esm a natureza que Deus Pai. O concilio também formulou o famoso Credo Niceno, um a condenação da heresia do arianismo (que negava a divindade de Cristo, dividindo desse modo a cristandade). Além disso, Nicéia apresentou numerosos cânones que afirmavam ser universalmente ligados à toda a igreja. Estes incluem que os bispos devem ser instituídos somente por outros bispos (Can. 4), que a excomunhão deve ser feita por um bispo (Can. 5), e que os bispos têm jurisdição sobre suas próprias áreas geográficas (Can. 6)2. Igualmente, eles determinam que “antes de todas as coisas é necessário que eles [aqueles que se converterem à igreja] professem por escrito que observarão e seguirão os dogmas da Igreja Católica e Apostólica” (em Schaíf, CC, 19).
(2) O Primeiro Concilio de Constantinópla (381) O Prim eiro Concilio de C onstantinopla foi convocado pelo Im perador Teodósio I (reinado 379-395) para un ir aigreja. Ele reafirm ou o Credo N iceno, proclam ou a divindade do Espírito Santo, e uniu a Igreja O riental (que havia sido dividida pela controvérsia ariana). E dito que Teodósio “fundou o estado cristão ortod oxo. O arianism o e outras heresias se to rn aram ofensas legalizadas, o sacrifício [aos ídolos pagãos] foi proibido, e o paganism o foi quase banido” (em Cross, ed., ODCC, 1361). As práticas de Teodósio I foram mais tarde codificadas pelo Im perador Teodósio II (404450) no “Código Teodosiano” (proclam ado em 438). Este foi posteriorm ente substituído pelo “Código Justiniano” (539), que acrescentou a “N ovella”, que fornece a clássica fórm ula para a relação da igreja e o estado, na qual a igreja cuidaria dos assuntos religiosos e o estado dos assuntos civis. Este código foi depois expandido para o Corpus Juris Civilis (C orpo da Lei Civil), e durante o final da Idade Média se torn ou a base para a lei do cânon ocidental (ibid. 771), considerado ligado a todas as igrejas sujeitas à administração da Igreja Rom ana. ■
(3) O Concilio de Éfeso (431) Efeso condenou o nestorianism o (que defende duas naturezas e duas pessoas de Cristo). Visto que Cristo é um a única pessoa com duas naturezas, o concilio concluiu que Maria foi verdadeiramente a m ãe de Deus, isto é, que ela carregou Deus dentro de si, dando à luz a pessoa (Jesus) que é Deus e hom em . Nas notas de Cirilo para Nestório, na Sessão I, lê-se:
2 A afirm ação de que este cân on dá ao bispo de R o m a u m a prim azia sobre toda a igreja é injustificada. O co n tex to deixa claro que ele fala som en te a respeito de bispos diferentes ten do jurisdições e m suas respectivas áreas, citando três centros —Alexandria, A ntioquia, e R o m a. “Q u e os costu m es antigos n o Egito, Líbia e Pentápolis prevaleçam , que o Bispo de A lexandria te n h a jurisdição em todos eles, u m a vez que tam b ém é h ábito do Bispo de R o m a . Igu alm en te e m A ntio quia e nas outras províncias, q ue as Igrejas re te n h a m os seus privilégios” (v eja Schaff, CC, 15). C o m o diz Karl Joseph Von H efele: “É evidente que o C on cilio n ã o te m em vista aqui a prim azia do bispo de R o m a sobre toda a Igreja, m as sim plesm en te o seu p oder c o m o patriarca” (ibid. 16).
OS CONCÍLIOS GERAIS DA IGREJA E O DESENVOLVIMENTO DO CATOLICISMO ROMANO
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Este foi o sentim ento dos santos Pais; p o rta n to , eles arriscaram cham ar a V irgem Santa de a Mãe de Deus, não com o se a n atu re za do Verbo ou da sua divindade tivesse o seu com eço a p artir da Virgem santa, m as p orque dela nasceu aquele corpo santo com um a alm a racional, à qual o Verbo é pessoalm ente unido, e dele é dito que é nascido segundo a carne (em Schaff, SLN PN F, 14.198). (4) O C o n c ilio de C a lc e d ô n ia (451) O Concilio de Calcedônia foi convocado pelo Im perador M arciano (396-457) para lidar co m a heresia eutiquiana (m onofisista), que fundia as duas naturezas de Cristo, fazendo um a com binação logicam ente incoerente de um a natureza infinita com u m a natureza finita. Dos mais de quinhentos bispos presentes, apenas dois eram do O cidente (m ais dois delegados papais). Eutíquio (c. 375-454) havia dito: “Eu confesso que o nosso S enhor tinha duas naturezas antes da união; mas após a união eu confesso um a única n atu reza” (em ibid., 258). O concilio concordou com o Arcebispo (Papa) Leão I (bispado 440-461) para to rn ar isto com o “an átem a” “absurdo”, “extrem am en te lo u co ”, “extrem am en te blasfem o”, e “ím p io” (ibid.). Eles reafirm aram as decisões de todos os três concílios gerais anteriores (na Sessão IV ) bem com o “os escritos do h om em bendito, Leão, Arcebispo de todas as igrejas, que condenou a heresia de N estório e Eutíquio, e que m ostrou qual é a verdadeira fé ” (ibid., 260). A presença de um arcebispo (bispo sobre bispos) representa um novo estado no longo desenvolvim ento da hierarquia episcopal rom ana, que acabou culm inand o em sua suposta autoridade infalível no Vaticano I (1870). O concilio tam bém afirm ou a sua autoridade na exco m u n h ão do Bispo D ióscoro (falecido 454), declarando: “Devido à tua desconsideração aos cânones divinos, e à tua desobediência ao santo sínodo e cu m ên ico ”, estás “deposto do episcopado e feito um estranho à toda a ordem eclesiástica” (ibid., da Sessão III). O cânon mais controverso (28) afirm a que “C onstantinopla, que é a Nova R om a [...] desfruta de iguais privilégios com a antiga R o m a im perial” e, portanto, “tam bém deveria ser glorificada nos assuntos eclesiásticos com o ela é, e se posicionar ao lado dela” (ibid., 287). Em bora isto tenha sido rejeitado pelo “Arcebispo Leão” da antiga R om a, é de im portância histórica a afirm ação que dá a razão a qualquer prim azia que foi dada a R om a em prim eiro lugar: “Os Pais corretam en te concederam privilégios ao trono da antiga R om a, porque ela era a cidade real” (ibid.). Isto confirm a a interpretação da afirm ação de Irineu (c. 125-c. 202) de que a prim azia de R om a era refletiva, e não autorizada; isto é, R o m a recebeu mais respeito (não autoridade) devido a estar na capital do im pério e, portanto, refletindo mais a igreja com o um todo do que qualquer outra instituição, visto que representantes de todo o im pério se reuniriam natu ralm en te ali. Loius-Sébastien le Nain de T illem o n t (1637-1698) discute o assunto: “Este cânon não parece recon h ecer n en h u m a autoridade da Igreja de R om a, salvo aquela que os Pais haviam definido, com o o assento do im p ério” (em ibid., 288). (5) O S e g u n d o C o n c ilio de C o n s ta n tin o p la (553) O Concilio C onstantinopla II, convocado pelo Im perador Justiniano I (c. 483-565), proclam ou quatorze anátem as, os doze prim eiros dirigidos a Teodoro de M opsuéstia (c. 350-428). U m suplem ento posterior coloca o n om e de Orígenes no décim o prim eiro anátem a, que foi aceito por papas posteriores. Entre as heresias condenadas, estão o arianism o, o nestorianism o, o eutiquianism o, e o m onofisism o (Stats. I-X I), e tam bém o
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adocionism o (X II). A virgindade perpétua de M aria foi afirmada, sendo ela cham ada de “Maria, a sem pre virgem M ãe de D eu s” (Stats. V e X IV ). Karl Joseph Von Hefele (1809-1893) registrou que este “Q uinto Concilio E cu m ên ico deveria excluir o n om e do Papa reinante [Virgílio] do díptico [tabuinhas duplas] com o sendo o pai da heresia” (em Schaff, op. cit., 305)3.
(6) O Terceiro Concilio de Constantinopla (680) O Concilio Constantinopla m, convocado pelo Imperador Constantino IV (Pogonato — reinado 668-685), defendeu os “cinco santos concílios ecumênicos” (ibid., 345). Além disso, ele reafirmou que Cristo tinha duas naturezas unidas em um a única pessoa, e que Ele tinha duas vontades, um a hum ana e outra divina, que tinham um a unidade m oral resultante da completa harm onia entre as duas naturezas do D eus-hom em (em oposição aos monotelistas). O concilio também se referiu a Maria com o “a nossa Santa Senhora, a santa, imaculada, sempre virgem e gloriosa Maria, verdadeiramente e apropriadamente a Mãe de Deus” (ibid., 340). Macário, Arcebispo de Antioquia (falecido c. 684), foi condenado, juntam ente com “Honório, Papa da Rom a Antiga em determinada ocasião” (ibid., 342, Sessão XIH). Apologistas católicos não concordaram sobre um a explicação para o dilema de com o um papa supostamente infalível pode errar quando está ensinando doutrina. U m estudioso (Pennacchi) considerou que o concilio errou e que o papa estava certo. Outro (Barônio) defendeu, contrariamente ao fato, que os manuscritos foram corrompidos —até mesmo a maioria dos estudiosos católicos romanos rejeita isto, apontando para as evidências do manuscrito e da citação4. Assim, a m aior parte é deixada com a afirmação de que o Papa Honório I (bispado 625-638) não estava falando ex cathedra na ocasião; isto, porém, debilita seriamente a reivindicação da infalibilidade papal, um a vez que 0 papa estava ensinando sobre doutrina, e se o seu ensino não era infalível, então não há nenhum critério significativo distinguível quanto a quando o papa está falando ex cathedra. Se, às vezes, um papa pode ser falível quando está afirmando um a doutrina, então com o podemos ter certeza de que ele realmente é infalível em outras vezes quando está afirmando um a doutrina? Na verdade, como podemos ter certeza de que ele era infalível quando pronunciou a sua própria infalibilidade, em 18701 Este concilio afirm ou ser não só “ilum inado pelo Espírito S anto” (ibid., 350), mas tam bém “inspirado pelo Espírito S an to” (ibid., 347), significativamente provendo “um a definição, lim pa de todos os erros, certa, e infalível” (prefigurando o Vaticano I —ibid., 350). E notável, do ponto de vista da igreja/estado5, que, seguindo o concilio, o im perador em itiu um “decreto im perial” na igreja, m encionando “heresia” e advertindo que “dali por diante ninguém deveria ter um a fé diferente, ou ousar ensinar um a única vontade [em Cristo] e um a única energia [operação da vontade]. Em nen h u m a ou tra fé, além da fé ortodoxa, os hom ens poderiam ser salvos” (ibid., 353). Várias punições tam bém foram listadas.
(7) O Segundo Concilio de Nicéia (787) O Concilio Nicéia II foi convocado pelo Im perador C on stantino V I (reinado 780-797) e a Im peratriz Irene (c. 752-803), auxiliados pelos núncios apostólicos do Papa Adriano 1 (bispado 772-795). Lidando com a controvérsia iconoclasta, o concilio fo rm u lou regras em favor das im agens veneráveis:
"Virgílio (falecido 610) subseqüentemente retirou o que disse depois que o concilio o condenou; ele m orreu a cam inho de casa, mas somente após ter aprovado a ação do concilio, que ele, “pela [suposta] autoridade da Sé Apostólica”, havia proibido (veja Schaff, ibid., 321-23). 4Philip Schaff (1819-1893) listou treze linhas de evidências que m ostram que os registros são precisos (ibid., 351-52). 5Veja capítulo 6.
OS CONCÍLIOS GERAIS DA IGREJA E O DESENVOLVIMENTO DO CATOLICISMO ROMANO
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Recebendo as suas santas e honrosas relíquias com toda honra, eu as saúdo e as venero com h o n ra [...] Igualm ente tam bém as veneráveis im agens da encarnação do nosso S enhor Jesus Cristo [...] e de todos os Santos, os M ártires Sagrados, e de todos os Santos — as im agens sagradas de todos eles, eu as saúdo, e venero (ibid., 533). A lém disso, “s eja m a n á te m a s aq u eles que n ão saú d am as santas e ven eráveis im a g e n s ” e “s eja m a n á tem a s aq u eles que c h a m a m as im ag en s sagradas de íd o lo s ” (ib id .). Em u m excesso de zelo , o c o n c ilio d ecla ro u : “A q u eles que tê m u m a m e n te d uvid osa e n ão co n fessa m de to d o c o ra ç ã o que v e n e ra m as im ag en s sagradas, seja m a n á te m a s !” (ib id .). Eles ta m b é m in c e n tiv a ra m a o ra çã o a M aria e aos S a n to s, d izend o: “R o g o p ela m te rce ssã o da nossa im a cu la d a S e n h o ra , a S a n ta M ãe de D eu s, p ela in te rce ssã o de to d o s os S a n to s, co m o ta m b é m p elo s p o d eres san tos e ce le s tia is ” (ibid .). Em teoria, o concilio fez distinção entre a adoração a Deus e a veneração às im agens, dizendo: “O cu lto de adoração, eu reservo apenas àTrindade super-substancial e doadora da vida” (ibid., 539). No entanto, na prática não há m odo real de diferenciar os dois. A lém disso, a Bíblia proíbe fazer im agens de escu ltura de Deus ou de seres celestiais e prostrarse diante deles (Ex 20.4,5). Os cânones proíbem a indicação secular dos bispos, assim solidificando a autoridade independente da igreja contra o estado, e enfatizam a prim azia de Pedro e a sucessão apostólica (ibid., Sessão II). A lém disso, “a Santa Igreja R om ana, que tem um a posição anterior [...] é a cabeça de todas as Igrejas de D eu s” (ibid.). As objeções dos iconoclastas contem porâneos às decisões do concilio são expressas em u m ou tro concilio (o Concilio Iconoclasta de C on stantinopla [754]), que afirmava ser o verdadeiro sétim o concilio ecu m ênico. Eles declararam categoricam ente que “Satanás enganou os hom ens, de form a que eles adoraram a criação em vez do C riad or” (ibid., 543). Eles argum entaram que “a única figura admissível da hum anidade de C risto é o pão e o vinho na Santa C eia” (ibid., 544). Baseados em Exodo 20.4, eles afirm aram : “Apoiados pelas Escrituras Sagradas e pelos Pais, declaram os u n anim em ente, em nom e da Santa Trindade, que serão rejeitados e rem ovidos e banidos da Igreja Cristã toda sem elhança que seja feita de qualquer m aterial e aspecto, pintado com as suas cores, através da arte m aligna dos pintores” (ibid., 545). O concilio concluiu: “Se alguém não aceitar este nosso Sétim o Sínodo Santo e E cum ên ico, seja an átem a” (ibid., 546). Eles condenaram G erm ano de C onstantinopla (falecido c. 740), cham ando-o de “adorador de m adeira de duplo pen sam en to!” (ibid., 547). (8) O Q u a r to C o n c ilio de C o n s ta n tin o p la (869) O C o n cilio C o n s ta n tin o p la IV, o ú ltim o c o n c ilio a ser co n v o ca d o p o r u m im p e ra d o r, e x p lic ita m e n te a firm o u o S eg u n d o C o n cilio de N icéia (787) e co n d e n o u a divisão o rq u estra d a p o r F ó tio , P a tria rca de C o n s ta n tin o p la (c. 815-c. 897). F ó tio d esafiou a c lá u su la jilio q u e (lit. “e o F ilh o ”) do S eg u n d o C red o N icen o (q u e a firm o u que o E sp írito S a n to ta m b é m p ro ced ia do F ilh o ), que m ais tard e to rn o u -s e u m e n o rm e p o n to de d esavença e n tre a Ig re ja O cid e n ta l e a O rien ta l (e m 1054); a lém disso, a Ig re ja O rie n ta l re je ita a au to rid a d e de q u a lq u er c o n c ilio depois do sétim o .
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(9) O Primeiro Concilio de Latrão (1123) O Concilio Latrão I foi o prim eiro concilio a ser convocado por u m papa (C alisto II [bispado 1119-1124]), o que sinaliza u m a o u tra etapa no desenvolvim ento da Igreja R om an a. O Prim eiro Concilio de Latrão con firm ou a C oncordata de W orms (1122), que concedia ao papa, e não ao im perador, o direito ún ico de investir u m bispo eleito com u m anel e u m bastão, e de receber a h om enag em dele antes da sua consagração.
(10) O Segundo Concilio de Latrão (1139) O Concilio Latrão II, convocado pelo Papa Inocêncio II (bispado 1130-1143) para reform ar a Igreja, condenou o cism a de Arnold de Brescia (c. século X II), u m reform ador que falou con tra confessar a u m padre, preferindo que os cristãos confessassem os seus pecados uns aos outros.
(11) O Terceiro Concilio de Latrão (1179) O Concilio Latrão III foi convocado pelo Papa A lexandre III (bispado 1159-1181) para se opor ao antipapa Calisto III (João de S tru m a). O concilio afirm ou que o direito de eleger o papa estava restrito ao colegiado de cardeais e que era necessária a m aioria de dois terços para a eleição do papa.
(12) O Quarto Concilio de Latrão (1215) O Concilio Latrão IV, convocado pelo Papa In ocên cio III (bispado 1198-1216), é considerado por m uitos u m ponto crítico chave no desenvolvim ento do catolicism o rom ano em distinção das form as não-católicas de cristianism o. O concilio pronunciou a dou trina da transubstanciação, a prim azia do bispo rom an o, e o dogm a dos sete sacram entos. Ele tam bém deu à Igreja autoridade para estabelecer o cargo dos inquisidores, o que deu à Ig reja autoridade para investigar as heresias e entregar os suspeitos ao estado para punição. Isto foi exercido na Inquisição do Im perador Frederico II (1194-1250) e continu ou com plena força até a Inquisição Espanhola no século XV. O Papa Inocêncio IV (bispado 1243-1254) perm itiu até m esm o a to rtu ra com a finalidade de reduzir a resistência dos acusados.
(13) O Primeiro Concilio de Lião (1245) O Prim eiro Concilio de Lião foi convocado pelo Papa Inocêncio IV para cu rar as “cinco chagas” da Igreja: (1 ) a decadência m o ra l dentro do clero; (2 ) o perigo dos saracenos (m u lçu m an o s árabes co n tra q uem os cruzados lu taram ); (3 ) o G rande Cism a co m a Igreja O riental; (4) a invasão da H un gria pelos tártaro s; e (5) a ru p tu ra en tre a Igreja e o Im p erad o r Frederico II.
Lião I condenou e depôs fo rm alm en te Frederico II por ter prendido os cardeais e bispos em seu cam inho para o concilio. O concilio institu iu reform as m enores, enquanto deixou intocadas questões de prim eira im portância.
OS CONCÍLIOS GERAIS DA IGREJA E O DESENVOLVIMENTO DO CATOLICISMO ROMANO
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(14) O Segundo Concilio de Liao (1274) O Concilio Lião II foi convocado pelo Papa G regório X (bispado 1272-1276) para trazer a união com a Igreja O riental, para liberar a T erra Santa, e para reform ar a m o ral dentro da Igreja Católica. A lberto, o G rande (1206-1280), e B oaventu ra (c. 1217-1274) com pareceram , mas Tom ás de Aquino (1225-1274) m o rreu a cam in ho. O concilio (1) exigiu sem sucesso a afirm ação da dupla concessão do Espírito Santo p o r parte do Pai e do Filho, o que a Igreja O riental rejeita; (2) aprovou alguns m ovim en tos m onásticos recém -fundados, incluindo os dom inicanos e os franciscanos; e (3) definiu a questão da processão do Espírito Santo (a cláusula jilioquè). A união da Igreja com o O riente teve um cu rto período de vida, term inand o em 12896.
(15) O Concilio de Vienne (1311-1312) O Concilio de V ienn e foi convocado pelo Papa C lem en te V (bispado 1305-1314) para lidar com os tem plários (u m a ordem m ilitar d aIgreja), acusados de heresia e imoralidade. O concilio anunciou reform as, aboliu os tem plários, proveu assistênciap araaT erraSanta, incentivou as missões, e fez decretos a respeito da Inquisição (instituída fo rm alm en te em 1232 por Frederico II, mas reivindicada para a Igreja).
(16) O Concilio de Constança (1413-1418) O Concilio de Constança foi convocado por João XXIII (1370-1419) com o objetivo de pôr fim ao Grande Cisma (de ter três supostos papas sim ultaneamente), reform ar a igreja, e com bater a heresia7. Mais de duzentas proposições de John Wycliffe (1324-1384) foram condenadas. O reformador John Hus (tí 1372-1415), que defendia doutrinas similares, recusouse a renegar e foi queimado na fogueira. O concilio proclam ou a superioridade de um concilio ecum ênico acima do papa, declarando (em Haec Sancta, “Decreto Conciliar”): “Este Concilio recebe o seu poder diretamente de Cristo; todos, não importando a posição do seu cargo, m esm o que seja papal, são obrigados a obedecê-lo no que quer que diga respeito à fé” (citado em Cross, ODCC, 336-37). Isto pôs fim ao longo histórico do aum ento da autoridade do bispo rom ano, que havia com eçado no século II com o surgimento de u m bispo infalível em cada igreja, e que acabou tendo um único bispo infalível sobre todas as igrejas.
(17) O Concilio de Basiléia-Ferrara-Florença (1431-1445) O Concilio de Basiléia-Ferrara-Florença, convocado pelo Papa M artinho V (bispado 14171431), foi um a série de concílios, com eçando na Basiléia (1431), mudando para Ferrara (14381439), então Florença (1439-1443), e finalmente R om a (1443-1445). O seu principal desígnio era a união com algrej a Oriental, que buscou apoio do Ocidente contra os otom anos, que estavam se aproximando de Constantinopla. A controvérsia girava em torno da dupla concessão do Espírito Santo, do purgatório, e da primazia do papa. Em julho de 1439, houve um acordo Oriente-Ocidente sobre “O D ecreto de União”, mas subseqüentemente muitos bispos voltaram atrás, e a união cessou quando os turcos otom anos capturaram Constantinopla, em 1453. O concilio e seus m em bros foram posteriorm ente declarados heréticos.
6 A o rd em dos te m p lá rio s fo i fu n d a d a e m 1118 para p ro te g e r os p e re g rin o s e m suas viagen s à T e r ra S a n ta . m a io ria dos c a tó lic o s co n sid era Jo ã o X X III c o m o u m antipapa.
7 A grande
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(18) O Quinto Concilio de Latrão (1513) O Concilio Latrão V foi convocado pelo Papa Júlio II (bispado 1503-1513) para invalidar os decretos do Concilio antipapal de Pisa (1409). Latrão V iniciou algumas reformas m enores, mas não tratou as questões que seriam as principais questões da fu tu ra R eform a Protestante. U m m onge agostiniano cham ado M artinho Lutero (1483-1546)fez isto, afixando as suas Noventa e Cinco Teses n a porta da igreja em W ittenburg (31 de outubro de 1517).
(19) O Concilio de Trento (1545-1563) O Concilio de Trento foi convocado para se opor à Reforma. Trento declarou muitas das doutrinas características do catolicismo romano, incluindo a igualdade entre a tradição e a Escritura, que teriam a mesma validade, os sete sacramentos, a transubstanciação, as boas obras com o necessárias para a justificação, o purgatório, as indulgências, a veneração de santos e imagens, a oração aos (santos) mortos, e a canonicidade de onze livros apócrifos. Muitos protestantes crêem que Rom a apostatou neste ponto, negando o verdadeiro evangelho; outros vêem isto com o um desvio significativo da ortodoxia bíblica e histórica, mas não um a apostasia total8.
(20) O Primeiro Concilio do Vaticano (1870) O Concüio Vaticano I, convocado pelo Papa Pio IX (bispado 1846-1878), denunciou o panteísm o, o m aterialism o, e o ateísmo. O concilio tam bém declarou a infalibilidade papal, rejeitando afórm u la de A ntonino de Florença (1389-1459) de que o papa “usando o conselho, e procurando a ajuda da Igreja universal”, não pode errar. Em vez disso, determ inou que as definições do papa são “em si irreformáveis, e não dependem da aprovação da Igreja” quando fala ex cathedra, isto é, com o o pastor e doutor de todos os cristãos.
(21) O Segundo Concilio do Vaticano (1962-1965) O Concilio Vaticano II ten tou a ecum enicidade (co m observadores ortod oxos orientais e protestantes), institu iu m udanças ritualistas (co m o a missa em idiomas locais), pronunciou reform as, declarou o inclusivism o para os “irm ãos separados”, e aceitou a salvação de não-cristãos sinceros. Em tudo isso, não é d ifícil ver o paralelo entre o governo cada vez mais autoritário da igreja e o aumento das opiniões não-ortodoxas.
A AUTORIDADE DOS CONCÍLIOS DA IGREJA M uitos consideram os sete prim eiros concílios com o ecu m ênicos, u m a vez que eles oco rreram antes da divisão O riente-O cidente, en tre a ortod oxia oriental e o catolicism o rom ano. No entanto, m esm o alguns destes não tiveram fo rte representação de ambos os setores, e alguns afirm aram doutrinas que m u itos consideraram contrárias ao ensino bíblico (tais co m o a virgindade perpétua de M aria e a veneração de im agens).
8 N o c e n tro do debate, h á a q uestão sobre se a to ta l suficiência do sacrifício de C risto e a c o m p le ta necessidade da g raça de D eus (as duas são confessadas p o r T re n to ) são suficien tes p ara m e re c e r o r ó tu lo d e ortodoxo, o u se a d o u trin a da R e fo rm a da exclusividade da fé (solafideí) é necessária para a o rto d o x ia so terio ló g ica (v eja d iscussão e m G eisler e M cK enzie, KC E, cap ítu lo 12).
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A lém disso, m u itos pronunciam entos de concílios posteriores não atingiram o m arco de referência afirm ado por Trento, que exigiu “a aprovação universal dos Pais” com o um teste de afirm ação de ortodoxia. Alguns concílios pronunciaram dogmas que têm pouca ou n e n h u m a (quem dirá universal) aprovação dos prim eiros Pais.
O Ponto de Vista Católico Romano Os católicos rom anos sustentam que todos os vinte e u m concílios são ecum ênicos e ligados a toda igreja cristã, argum entando que é in coeren te aceitar alguns concílios e rejeitar outros. No entan to, há sérios problem as co m esta perspectiva. Prim em, essa perspectiva im põe a reivindicação de que a Ig reja C atólica R o m a n a é a ú n ica ig reja verdadeira na terra. Esta afirm ação exclusivista não é plausível em seu aspecto, u m a vez que houve u m a ig reja no O rien te antes de haver u m a no O cidente. Por que, então, a ortod oxia orien tal deveria ser excluída da ig reja verdadeira? Segundo, ela p resu m e in co rre ta m en te que a verdadeira ig reja un iversal deve ser identificada com u m a ú n ica organização visível e não co m um a categ oria geral de todas as igrejas individuais confessando o cristianism o bíblico h istórico. Terceiro, alguns concílios aceitos por R o m a tiveram pronunciam entos incoerentes. Por exem plo, o sexto (C on stan ça) proclam ou a superioridade de um concilio ecum ênico sobre o papa. Em contraste, o Vaticano I afirm ou que quando fala ex cathedra, as definições “do Pontífice rom ano, de si mesmo, mas não do consenso da Igreja, são inalteráveis” (em D enzinger, SCD, 1840). C laram ente, ambos não podem ser verdadeiros — ou o papa pode fazer declarações infalíveis sozinho, ou ele não pode fazer isto sem a ajuda de um concilio. Quarto, há boas razões bíblicas para re je ita r as declarações de m u ito s concílios, co m eçan d o com o quin to (v eja G eisler e M acK enzie, RCE, parte 2). Elas in clu em a virgindade perpétu a de M aria (C on stan tin o p la II), a veneração de im agen s (N icéia II), a autoridade do papa (C o n sta n tin o p la IV e Latrão I), a cond en ação p o r não confessar o pecado a u m padre (L atrão II), a autoridade do colegiado de cardeais para eleger um papa (L atrão III), a prim azia do bispo ro m an o , os sete sacram en to s, a tran su bstanciação (Latrão IV ), e a cond enação de Wycliffe e Hus (Lião I). Isto sem m en cio n ar os ou tros erros pronunciad os por T ren to e concílios posteriores, in clu ind o obras apócrifas acrescentadas à Bíblia, orações pelos m o rto s, veneração aos santos, adoração-da hóstia consagrada, a necessidade de obras com o um a condição para a salvação, a infalibilidade papal, e a ascensão física de M aria. Quinto, e fin alm en te, não há m otiv os lógicos para que todos os vinte e u m concílios sejam aceitos. A história de m u itas organizações revela o m esm o padrão de R o m a; ou seja, elas co m eçam b em e então, em alg u m m o m e n to ao lo n g o do cu rso, se desviam dos ensinos dos seus fundadores. As in terp retações da C o n stitu ição a m erican a pela S u p rem a C o rte dos Estados U nidos são u m b om exem p lo; n o te p a rticu la rm en te a sua in terp retação da P rim eira E m enda, que n e m m esm o co n tém as palavras “separação da ig reja e estad o”; elas fo ram su b seq ü entem ente tiradas do co n tex to de u m a carta p articu lar (de T h o m as Jefferson ) em u m a revisão da in ten ção dos autores de que o “C o n gresso” (o governo federal) não deveria fazer “n e n h u m a lei a respeito do estabelecim en to da religião”9. Sabendo que não é u m a o co rrê n cia in co m u m nas 9 Veja c a p ítu lo 6.
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organizaçoes desviarem -se das suas in ten ções originais, ou tras explicações dos concílios devem ser exam inadas.
O Ponto de Vista Ortodoxo Oriental A Ig re ja O rie n ta l é às vezes ch a m a d a de “a ig re ja dos sete c o n c ílio s ”, visto que se a cre d ita que estes c o n c ílio s são in falív eis em seu s p ro n u n c ia m e n to s. Os o rto d o x o s r e je ita m c o m o h e ré tic o s a lg u n s p ro n u n c ia m e n to s ro m a n o s, c o m o , p o r e x e m p lo , a in falib ilid ad e papal. Eles a b ra ça m a p re se n ç a c o n tín u a do E sp írito S a n to n a ig reja . E n q u a n to eles co n sid era m a B íb lia a Palavra in sp irad a de D eu s, eles ta m b é m a v êem co m o p a rte de u m c o n c e ito de tra d içã o m a io r. C o m o e x p lica o te ó lo g o o r to d o x o T im o th y W are (n a scid o 1934), a B íb lia “n ã o deve ser co n sid era d a co m o alg o esta b e le cid o acima da Ig re ja , m as c o m o algo q u e vive e é e n te n d id o dentro da Ig r e ja ” (O C, 199). Os p ro te sta n te s r e je ita m o p o n to de v ista O rto d o x o O rie n ta l p o r diversas razões. Primeiro, os c o n c ílio s q u in to ao s é tim o a ce ita m alg u m as d o u trin a s n ã o -b íb lica s, tais c o m o a virgind ade p e rp é tu a de M a ria e a v e n e ra çã o de im a g en s (u m a v io la çã o do segu n d o m a n d a m e n to ). Segundo, a p o sição o r to d o x a é u m a re je iç ã o do sola scriptura, a firm ad a pelos p rim e iro s Pais e re a firm a d a p elo s re fo rm a d o re s (v e ja K eith M a th is o n , SSS). Terceiro, o p o n to de v ista o r ie n ta l é a lta m e n te m ís tic o , n ã o a p resen ta n d o n e n h u m c rité rio o b je tiv o p e lo qual a voz do E sp írito é d iscern id a nas tra d içõ e s da ig re ja . Quarto, c o n trá rio ao p o n to de v ista o r to d o x o o r ie n ta l, a ig re ja n ã o c rio u o câ n o n (ibid ., 227), m as s im p le sm e n te re c o n h e c e u os liv ros p ro fé tic o s que D eu s, p o r sua in sp ira çã o , d e te rm in o u ser c a n ô n ic o s (v e ja G e isler e N ix, GIB, cap. 13). Quinto, n ão h á n e n h u m c rité rio o b je tiv o p e lo qual os c o n c ílio s e c u m ê n ic o s e n ã o -e c u m ê n c o s são d istin g u id os. A té m e sm o o estu d io so o r to d o x o T im o th y W are ad m ite: “O que to r n a u m co n c ilio e c u m ê n ic o n ã o é tã o c la r o ” (O C, 252). Sexto, o s o rto d o x o s crê e m que os Pais são u m a fo n te in sp ira d o ra de tra d içã o a p o stó lica . N o e n ta n to , a ju s tific a ç ã o deles sob re o p e n s a m e n to dos Pais é c irc u la r, usand o o p e n s a m e n to dos Pais p ara ju s tific a r o p e n s a m e n to dos Pais sob re a E scritu ra . A B íb lia n ão diz que eles fo ra m in sp irad o s, n e m os Pais se co n sid erav am in sp irad o s.
O Ponto de Vista Protestante A m aioria dos p ro testantes, e m u ito s anglicanos, lev an tam dificuldades sobre a autorid ade e universalidade de qualquer con cilio e cu m ên ico após o quarto, em bora co n cord em co m afirm ações individuais de concílios posteriores. O critério prim ário usado para d eterm in ar se os concílios estão co rreto s é se eles con cord am com a E scritu ra, u m a vez que só a Bíblia é infalível. A lém disso, co m o observado acim a, alguns concílios (co m o V aticano I e C o n stan ça) tira ra m conclu sões contrad itórias, e os assim cham ados papas infalíveis (c o m o H on ório) en sin aram p o n tos de vista que até m esm o R o m a consid era h erético s. Assim, m u ito s protestantes crêem que a igreja, a ú n ica herd eira da Ig reja C atólica p ré -R o m a n a , é a Ig reja P rotestante (ten d o a Ig reja R o m a n a apostatado em T ren to ).
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O Ponto de Vista da Igreja Livre (Incluindo os Anabatistas e Outros) M u itas ig reja s n a crista n d a d e n e g a m a a u to rid a d e de q u a lq u er c o n c ilio , e m b o ra co n c o rd e m co m a firm a çõ es individ uais feitas p o r eles, p a rtic u la rm e n te nos p rim e iro s. Estas ig reja s in siste m fo rte m e n te que apenas a B íb lia p o ssu i au to rid ad e leg al, que to d o s os cred o s e co n fissõ es são feito s p e lo h o m e m , e, desse m o d o , que n e n h u m a a u to rid a d e está ligad a a a lg u m co n c ilio da ig re ja , se ja lo c a l ou assim ch a m a d o u n iv ersal. Este p o n to de v ista é in ju s ta m e n te in titu la d o de “so lo s c r ip tu r a ” p o r alg u n s (v e ja M a th iso n , SSS, 33 1 ), em c o n tra s te co m o p o n to de vista re fo rm a d o de sola scriptura, visto que este ú ltim o lê a B íblia à luz dos p rim e iro s Pais e cred o s, e n q u a n to o p rim e iro n ão . No e n ta n to , ao d efen d er o p o n to de vista da ig re ja liv re, n ão h á n ecessid ad e de n egar que h á valor nos cred o s e c o n c ílio s. Na verd ad e, to d o s os cristã o s o rto d o x o s, ca tó lic o s e n ã o -c a tó lic o s , c o n c o rd a m c o m as d o u trin a s básicas afirm ad as nos p rim e iro s c o n c ílio s ch a m a d o s e c u m ê n ic o s , tais c o m o a T rin d ad e, o N a scim en to V irg in al, a divindade de C risto , e a u n iã o h ip o s tá tic a de C risto (d u as n a tu re z a s em u m a ú n ic a p esso a). O p o n to p rin cip a l do p o n to de v ista da ig re ja liv re é s im p le sm e n te q ue, a d esp eito d aq u ilo que p ossa ser verd ad eiro n e le s, n ã o há n e n h u m a autoridade, seja divina ou ecle siá stica , n os p ro n u n c ia m e n to s dos cred os e co n cílio s. Os fu n d ad o re s do m o v im e n to a n a b a tista faziam as suas p ró p ria s con fissões m e sm o an tes dos p rin cip ais re fo rm a d o re s. P or e x e m p lo , as “D e z o ito D is s e rta ç õ e s ” de B a lta sa r H u b m a ier (c . 1480-1528) a ssu m ira m u m tip o de p o siçã o co n fessio n a l e n tre os p rim e iro s seg u id o res, e a co n fissã o fo rm a l m ais a n tig a foi a C o n fissão de Fé de S c h le ith e im (1 5 2 7 )10. A in tro d u ç ã o à p rim e ira se dirige d ire ta m e n te à q u e stão das co n fissõ es de u m m o d o fav oráv el: Amados hom ens e irmãos: é um costum e antigo a nós dos tempos dos apóstolos, que quando acontecem coisas más com relação à fé, todos os hom ens que desejam falar a palavra de Deus, e têm um m odo cristão de pensar, devem se reunir para analisar as Escrituras [...] Tal reunião recebeu o nom e de sínodo, ou capítulo, ou irmandade. Os anabatistas não só acreditavam nas confissões preparadas pelos sínodos de crentes, m as tam b ém que era u m a p rática válida v o ltar aos tem p o s apostólicos — m u ito s anabatistas aceitavam o C red o dos A p óstolos. No e n ta n to , eles eram igu alm en te enfáticos (vale a p en a citar a in trod u ção de H ubm aier às suas dissertações) que a confissão deve ter “fu n d am en tos nas E scritu ras”, que são a ú n ica autoridade da nossa fé.
O Ponto de Vista da Irmandade de Plymouth (Darbyismo) U m ponto de vista mais radical é encontrado nos escritos de Jo h n N elson Darby, fundador do m o vim en to Irm andade de P lym outh . Darby não só rejeitou qualquer autoridade dos concílios da igreja, mas negou que houvesse qualquer igreja sobre a qual
10 E les são e n co n tra d o s e m W illia m L u m p k im , Baptist Confessions o fF aith (V alley F org e, P e n n .: Ju d so n Press, ed. rev., 1969).
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eles poderiam ter autoridade, defendendo que a igreja que C risto anunciou em M ateus 16 foi d estruída". Em sum a, os apóstolos falharam em sua missão, de form a que não há igreja visível de Cristo, mas em vez disso há assembléias de crentes para p artir o pão e edificar uns aos outros. Pelo fato de n en h u m a organização na terra poder ser identificada com o a igreja visível, n e n h u m denom inado concilio da igreja tem validade legal.
CONCLUSÃO Em resum o, levou m u itos séculos para que o governo da igreja episcopal oficial emergisse gradualm ente das igrejas do Novo Testam ento, simples, auto-governadas e independentes, para o catolicism o rom ano autoritário. Ju n tam en te co m este desenvolvim ento, estava um a crescente aceitação de falsas doutrinas e práticas. As sem entes foram encontradas m esm o no Novo Testam ento e nos tem pos apostólicos (cf. 3 Jo 9; Jo 21.22,23). As tradições falsas poderiam se m anifestar desde o princípio, e poderiam se espalhar mais facilm ente sem que os apóstolos estivessem ali para lhes colocar u m fim. A tradição não tem autoridade n em é confiável, exceto na medida em que ela é transm itida com precisão; a transm issão escrita (assim co m o existe na E scritura e outros escritos baseados nela) é a ún ica fonte confiável que tem os do ensino apostólico. Por volta da m etade do século II, Evangelhos apócrifos com eçaram a surgir. Devido aos ataques ao cristianism o durante aquele período, houve um a fo rte m otivação para o desenvolvim ento de um a eclesiologia que proveria u m a frente unida contra grupos heréticos divergentes, refletida no ponto de vista episcopal em ergente de Irineu quanto ao governo da igreja, que atingiu u m a fo rm a mais m adura com Cipriano (por volta da m etade do século III).
11 Darby escreveu: “Não é m in h a intenção entrar e m grandes detalhes, m as sim plesm ente m ostrar [que] em cada caso houve u m total e com p leto fracasso c o m o hom ens de respeito, em bora a paciência de D eus pudesse tolerar e pela graça dar prosseguimento à dispensação n a qual o h o m e m fracassou n o princípio”. Ele apontou para o suposto fracasso dos apóstolos em m a n te r a G rande Comissão, de fo rm a que “a igreja que foi reunida abandonou a fé do Evangelho, e retrocedeu, tornand o-se tão ru im ou até pior do que os pagãos” ( “A SD ”). Esta total e com p leta apostasia da igreja desde o início nos deixa apenas co m a possibilidade de reuniões e assembléias durante o restante desta dispensação: “A igreja está e m u m estado de ruína, im ersa e enterrada n o m u n d o —invisível, se você quiser expressar assim; enquanto ela deveria fazer sobressair, co m o u m castiçal, a luz de D eus” ( “O FC ”). A lém disso, a igreja não pode ser restaurada deste estado. “O que resta? O Espírito Santo estará em nosso m eio sem pre que dois ou três estiverem reunidos [...] E m n e n h u m a passagem som os autorizados a escolher presbíteros ou pastores — som en te D eus pode conceder estes dons, de fo rm a efetiva, h aja igrejas organizadas o u n ão [...] Resum indo, os filhos de Deus n ão tê m n ada a fazer a n ã o ser se reunirem e m n o m e do S en h o r” (ibid.). “A o falarm os da ru ín a da igreja, falam os co m o aqui, para m anifestar a glória de C risto em unidade n a terra” ( “PR C ”). “C o m relação ao propósito de Deus, a igreja não pode ser destruída; m as c o m relação à sua condição real com o u m a testem u n h a de D eus n a terra, ela está e m ruínas [...] A igreja do Deus vivo é o corpo dos santos, form ado n a terra em unidade c o m Cristo, que está n o céu, c o m o a Cabeça, p elo Espírito Santo que desceu do céu para form á-los n a unidade c o m C risto à m ão direita de D eus” (ibid.). “Sobre o que encontro as pessoas falando? U m a igreja visível e invisível. Isto é u m a m en tira de Satanás [...] A assim denom inada igreja visível é, n a verdade, o m undo, e não pode dar q ualquer testem u nh o de C risto [...] O que eu quero dizer c o m a ru ína da igreja? U m a simples pergunta responderá isto. Q u em m e m ostrará a m anifestação da unidade do corpo de Cristo? [...] Alguns anos depois da conversão da m in h a alm a, eu olhei em volta para achar onde a igreja estava, m as n ão pude achá-la. Pude achar m uitos santos m elhores do que eu, m as não a igreja c o m o foi estabelecida c o m poder n a terra. Então, digo que a igreja, da form a co m o foi estabelecida, está destruída, e n ão consigo encontrar u m a palavra m e lh o r para ela” (ibid.).
OS CONCÍLIOS GERAIS DA IGRETA E O DESENVOLVIMENTO DO CATOLICISMO ROMANO
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M esm o que os escritores do século II possam ser m ostrados apoiando a prim azia de R o m a co m o o centro do cristianism o, isto não apóia declarações católicas posteriores sobre a infalibilidade papal. Os prim eiros Pais constan tem ente recorriam aos “apóstolos" (plural) originais com o a autoridade estabelecida por Deus, e Pedro, no m áxim o, com o u m co-fundador da igreja em R om a, enfatizou a prim azia bíblica, d em onstrando que toda autoridade eclesiástica é baseada na Escritura, e não o contrário. Se as palavras de Irineu (em A H , 3.3.2) são entendidas com o querendo dizer que “toda Igreja deveria concordar co m esta Igreja [em R om a]” em seus dias, ainda não significa que p o steriorm ente R o m a não poderia se desviar e se to rn a r um a fonte não confiável em se tratando da verdade essencial. E precisam ente nisto que os protestantes acreditam , apontando para inúm eros ensinos católicos não apoiados n em pela E scritura n em pelos prim eiros Pais (veja Geisler e M acKenzie, KCE, parte 2). Finalm ente, a conversão de C onstantino e o seu uso do poder do estado para influenciar o surgim ento de u m a estru tu ra de igreja im perial foi u m catalisador significativo n a form ação do governo episcopal m o n olítico . Isto, com binado com a inclinação natu ral para o poder, produziu a Igreja R om an a com a sua reivindicação da infalibilidade papal e ou tros ensinos não-bíblicos, iniciados em Latrão IV, intensificados nos desvios doutrinários de T rento, e cu lm in and o no desastroso dogm a da infalibilidade papal no Vaticano I. Onde, então, está a verdadeira igrej a visível? O rganizacionalm ente, não há nenhu m a, e, n a verdade, nu nca houve um a, exceto p or u m cu rto período de tem po em Jerusalém , depois do Pentecostes. Antes, com o m ostrado an terio rm en te12, desde os tem pos mais antigos não havia um a igreja única, mas m uitas igrejas independentes e autônom as do Novo Testam ento (A t 14.23), cada u m a edificada sobre a autoridade do ensino apostólico (E f 2.20; At 2.42) com o foi registrado no N ovo T estam ento. A lém da única igreja universal invisível conhecida com o o “corpo de C risto”13, o ún ico sentido real no qual houve algum a vez um a ún ica igreja universal visível n a terra foi aquela prim eira igreja em Jerusalém , antes da m o rte de qualquer u m de seus m em bros. Os próprios apóstolos iniciaram m uitas igrejas que não estavam unificadas sob u m a ún ica estru tu ra organizacional. O ún ico ou tro m odo adequado para falar de u m a igreja universal visível é com o um a generalização genérica de m uitas igrejas auto-governadas individuais que seguem a dou trina e a prática apostólica. A verdadeira ig re ja visível de C risto n a te rra n ão está em n e n h u m a d en o m in a çã o ou organização ú n ica de ig rejas, m as no co rp o co le tiv o de cren tes que con fessam as verdades salvadoras básicas da fé c ris tã 14. Esta irm and ad e esp iritu al é co m p o sta por tod os os cren tes verdadeiros, seja m ca tó lico s ro m a n o s ou o rto d o x o s orien tais, sejam p ro te stan te s ou anabatistas; em C risto não há d iferen ça étn ic a n e m d en o m in a cio n a l, e, em vez de q u alqu er bandeira org an izacion al ou e stru tu ra d en o m in a cio n a l, só C risto é a C ab eça invisível de todas as ig rejas visíveis. E m b o ra elas te n h a m unidade n a d o u trin a e n a p rática, elas n ã o tê m n e n h u m a u n ifo rm id ad e n a fo rm a ritu a l ou g o v ern a m e n ta l. A unidade visível dos cren tes é o resu ltad o da sua m a n ifesta çã o na d o u trin a e nas ações da sua C abeça invisível (C risto ), in d e p e n d en tem en te de qual ró tu lo e steja n a assem bléia lo ca l a que eles p e rte n c e m . (V eja W illiam N ix, “T h e T r u e C h u rch and Its M essage”.)
12Veja capítulos 2-4.
13Veja capítulo 2.
14Veja Volume 3, capítulo 14.
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APÊNDICE
QUATRO
O PAPEL DOS APÓSTOLOS DO NOVO TESTAMENTO
penas certas pessoas foram cham adas de apóstolos no N ovo T estam ento. O prim eiro grupo é cham ado de “os D oze”, os apóstolos escolhidos d iretam ente por Jesus enquanto estava na terra. Eles são citados nos Evangelhos e em Atos. O significado da raiz do term o apóstolo (gr. apostolos) é “m ensageiro” ou “enviado.” Neste sentido, Jesus foi cham ado de “ap ó stolo” (ou m ensageiro — Hb 3.1) de Deus. Tam bém , alguns que eram m ensageiros, ou representantes, da igreja ou dos apóstolos eram cham ados de apóstolos (cf. 2 Co 8.23; Fp 2.25), co m o eram alguns com panheiros
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dos apóstolos que participaram de missões (A t 14.14,15). Além do títu lo de “apóstolo”, usado pelos D oze1, u m apóstolo era u m presbítero por ofício (1 P e 5 ;2 Jo 1), mas era u m apóstolo por dom (E f 4.11; 1 Co 12.28). O Novo Testam ento usa os term os bispo (1 T m 3.1,2) e presbítero (T t 1.5,7) com o sinônim os de ancião (cf. At 14.23); com o observamos no capítulo 4, ancião é de origem judaica e bispo de origem grega.
OS DOZE APÓSTOLOS Em M ateus 10.2-4, os nom es dos apóstolos são apresentados da seguinte form a: Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Lebeu, apelidado Tadeu; Simão, o Zelote, e Judas Iscariotes, aquele que o traiu [a Jesus]. Em Lucas 6.13-16, u m texto paralelo, eles são citados assim: Pedro, e André, seu irmão; Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado Zelote; Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, que foi o traidor. Em Atos 1.13, lem os: E, entrando, subiram ao cenáculo, onde habitavam Pedro e Tiago, João e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, filho de Tiago.
1Mateus 26.14,17; João 6.67; 20.24; 1 Coríntios 15.5.
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Depois da m o rte de Judas Iscariotes, ele foi substituído por Matias, que “foi contado com os onze apóstolos” (v. 26). Se as listas fo rem fundidas, obtem os os seguintes doze apóstolos: (1 ) Sim ão (ch a m a d o Pedro); (2 ) A ndré (irm ã o de Pedro); (3) Tiago (filho de Zebedeu); (4 ) João (irm ão m ais n ov o de Tiago); (5 ) Filipe; (6) B a rto lo m e u ; (7 ) Tom é; (8) M ateus (ta m b é m co n h ecid o c o m o Levi); (9 ) Tiago (filho de A lfeu); (10) Tadeu (co n h ecid o co m o Judas, filho de Tiago — Jo 14.22); (11) Sim ão, o Z elo te; e (12) Judas Iscariotes (substituído p o r M atias).
Assim, dois apóstolos se cham avam Tiago, dois se cham avam Sim ão, dois se cham avam Judas, dois foram escritores de Evangelhos (M ateus e João), e então houve B artolom eu , André, Filipe, e T o m é .
O APÓSTOLO PAULO U m a o u tra categoria de apóstolo é a de Paulo. Ele não foi escolhido pelos D oze, nem foi u m delegado deles: Ele foi escolhido diretam ente p o r C risto (G1 l.ls s .), e foi um a testem u n h a ocu lar independente de Cristo2. Três fatos principais são im portantes. Primeiro, Paulo foi u m verdadeiro apóstolo (1 Co 9.11; 2 C o 12.12). E m bora ele tenha sido cham ado independ entem ente dos D oze, eles confirm aram ao seu apostolado (G1 1- 2 ). Segundo, em m in h a opinião, de u m m odo contrário à afirm ação de alguns, Paulo não foi “o décim o segundo ap óstolo”, no lugar de Matias, que havia sido legitim am ente eleito depois de u m a oração, através de u m voto, e tam bém foi, segundo o texto inspirado, “contado com os on ze” (A t 1.26; cf. 2.14). Terceiro, Paulo é diferenciado dos D oze em m uitas passagens3, e o seu apostolado especial foi dirigido aos gentios (1 T m 2.7; G1 2.9).
Os Pré-Requisitos de um Apóstolo O apostolado necessitava de certas qualificações. Primeiro, os D oze foram com panheiros de Jesus4. Q uanto a esta condição, a situação de Paulo foi única, u m a vez que ele não foi u m com panheiro terren o de Cristo. Segundo, todos eles foram (até m esm o Paulo) d iretam ente cham ados por Jesus5. Terceiro, todos eles foram testem un has oculares da R essurreição6. Quarto, a m ensagem deles foi confirm ada de fo rm a sobrenatural7.
2 A to s 9; cf. 1 C o rín tio s 9.1; 15.8. A tos 1.21,22; G álatas l.ís s .
3 G álatas 1.17,19; A to s 9.27; 15.2,4,6,22.
6 A tos 1.22; 1 C o rín tio s 9.1; 15.5-8.
4 Lucas 1.2; Jo ã o 15.27; A to s 1.22. 5 M a te u s lO.lss.;
7 M a teu s 10.8; A tos 2.43; 5.12; H eb reu s 2.3,4.
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H ouve,
n atu ralm en te,
alguns
falsos
apóstolos
que
não
atendiam
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a estas
qualificações; a presen ça deles na ig reja foi m encionad a tan to por João (Ap 2.2) co m o p or Paulo (2 Co 11.13).
Os Poderes de um Apóstolo Os “sinais” de um apóstolo (2 Co 12.12) incluía a habilidade de operar certos atos sobrenaturais (A t 2.43; 5.12). Estes poderes especiais, possuídos apenas pelos apóstolos ou aqueles a quem os apóstolos os concediam , incluíam os seguintes: (1) o p od er de abrir o reino (M t 16.19; cf. A t 2; 10). (2) o pod er de ligar e desligar do p ecado (M t 18.18). (3 ) o p od er de cu ra r todas as doenças (m esm o as incuráveis — M t 10.8; A t 28.8,9). (4 ) o p od er de exp ulsar dem ônios (M t 10.8). (5 ) o p od er de o p erar sinais m ilagrosos (A t 5.12; Hb 2.3,4). (6 ) o p od er de ressuscitar os m o rto s (M t 10.8; A t 9.40; 20.9,10). (7 ) o p od er de co n ced er o Espírito Santo e o d om de línguas (A t 8.14-19; 10.44; 19.6). (8) o p od er de dar o u tro s dons espirituais (A t 6.6; R m 1.11; 2 T m 1.6). (9 ) o p od er de infligir a p en a capital (usado sobre aqueles que m en tissem ao Espírito, A t 5.9,10).
Os Propósitos de um Apóstolo Os propósitos apostólicos inclu em os seguintes: (1) an un ciar o reino de C risto (M t 10.7; M c 3.14; 6.7; Lc 6.1-13; 9.1); (2) ser o fu n d am en to da sua igreja (E f 2.20); (3) co n ced er o Espírito e as línguas a o u tro s (A t 8.18; 19.6); (4) estabelecer a d ou trin a da igreja (A t 2.42; 15.1-29); (5 ) co m p le ta r o cân o n para a igreja (Jo 16.13; Hb 1.1; 2.3,4); (6) revelar o m istério da igreja (E f 3.4-6); (7) dar te ste m u n h o da R essurreição (A t 1.22; 4.33; 1 C o 9.1).
A Proeminência de alguns Apóstolos Alguns Eram Considerados Diferentes Devido aos Seus Ministérios Certos apóstolos tin h am papéis proem inentes. Por exem plo, Pedro tin h a as “chaves” para abrir a porta do evangelho (M t 16.18,19), e ele as usou prim eiro para os judeus (A t 2) e posteriorm ente para os gentios (A t 10). Entre os Doze, havia u m círcu lo ín tim o de apóstolos, com p osto de Pedro, Tiago e João (M t 17.1); estes m esm os três foram cham ados de “colun as” da igreja (G1 2.9). Enquanto alguns eram considerados mais p roem inentes do que ou tros (2 Co 11.5; 12.11), a proem inência deles era devida à reputação do seu m inistério (G1 2.2), e não ao papel oficial. Pedro era o apóstolo para os judeus, os “circuncidados” (v. 7), e Paulo era o apóstolo para os gentios (R m 11.13; 1 T m 2.7; G1 2.9).
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Todos Eram Iguais em Autoridade e em Poder Miraculoso Tanto Pedro co m o Paulo cu raram enferm os e ressuscitaram m o rto s (A t 3; 9; 20; 28). A m bos podiam conceder o Espírito Santo e as línguas a outros (2; 8; 10; 19). Todos os D oze faziam parte do fu nd am ento da igreja (E f 2.20; cf. Ap 21.14), e tin h am o poder de ligar e desligar dos pecados (M t 18.18).
Os Representantes de um Apóstolo (Cooperadores Apostólicos) Os apóstolos tin h am cooperadores. Alguns destes cooperadores chegam a ser cham ados de “m ensageiros” (gr. apostolos). Eles eram enviados p o r u m apóstolo ou por u m a igreja para ajudar n a obra do m inistério apostólico. Barnabé, u m cooperador do apóstolo Paulo, foi cham ado de “ap ó stolo” (A t 14.14; cf. 4.36). O m esm o term o é usado com relação a Epafrodito, cham ado de “vosso enviado” (Fp 2.25). T ito e outros “irm ãos” cu jos nom es não foram citados tam bém foram cham ados de “em baixadores [gr. apostoloi] das igrejas” (2 Co 8.23). Andrônico e Júnia “se distinguiram entre os apóstolos” (R m 16.7). Isto pode significar que eles eram proeminentes nos círculos apostólicos; seja qual for o significado, eles não eram apóstolos, mas antes mensageiros dos apóstolos ou, especificamente, de um a igreja ou de Paulo8. E m b oran em todos sejam chamados de “apóstolos”, várias pessoas n o Novo Testam ento se qualificam sob este am plo sentido de u m m ensageiro apostólico, incluindo: (1 ) T im ó te o 9, (2 ) Tito (T t 1.5), (3) Lucas10, (4) Silas (Silvano — A t 15.22,32), (5 ) João M arcos (A t 15.36,37), (6) Tíquico (T t 3.12; 2 T m 4.2), (7 ) C lem en te (Fp 4.3), (8 ) Epafras (C l 1.7; 4.12,13), (9) Trófim o (2 T m 4.20), (10) D em as (2 T m 4.10), (11) A poio (1 C o 3.6; A t 18.24), e (12) outros.
Todos estes eram cooperadores dos apóstolos (Fp 2.25; 2 C o 8.23), de form a que a sua autoridade tam bém era delegada (T 1 2.15) em vez de ser inerente ao seu cargo. O ofício real de apóstolo estava limitado aos Doze e a Paulo —aqueles que foram chamados diretamente por Cristo tinham -no visto após a Ressurreição, e receberam dons de “sinais” especiais.
A Permanência de um Apóstolo O m inistério dos apóstolos era tan to tem porário co m o p erm anen te. E m bora o seu cargo e função co m o fundadores da igreja ten h a m sido concluídos n o século I, a sua influência perm anece através da igreja e através dos seus escritos no Novo T estam ento.
8 “Jú n ia ” p od e ser ta n to u m n o m e de h o m e m c o m o de m u lh e r . T im ó te o 4.9,21.
10 C olossen ses 4.14; F ile m o m 24; 2 T im ó te o 4.11.
9 Filipen ses 2.19-23; 1 T im ó te o 1.2; 3.14,15; 4.13; 2
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O Cargo A postólico nao Teve Continuidade Tirando a substituição de Judas por Matias (At 1.26) para completar o núm ero dos apóstolos antes que estes recebessem o Espírito Santo, os doze apóstolos jamais elegeram sucessores antes de m orrerem ou quando morreram. Um a vez que tinham recebido o Espírito Santo, eles, e somente, eles compuseram os escritos que têm autoridade e que são fundamentais; o Senhor Jesus Cristo fez daqueles homens a base da sua igreja, sendo Ele mesmo a principal Pedra de Esquina (Ef 2.20; 1 Pe 2.6). O apóstolo Tiago é um caso claro em questão: Quando ele morreu, nenhum a substituição foi feita (At 12.1,2). Em vez disso, os apóstolos estabeleceram presbíteros (At 14.3; T t 1.5) em cada igreja para administrarem a obra cujo fundamento haviam colocado (At 2.42). Conseqüentemente, neste sentido, não há sucessão apostólica. A Influência A p ostólica Teve Continuidade
Quase todos os apóstolos haviam m orrido antes de o cânon da E scritura ser com pletado; durante o tem po de suas vidas, eles escreveram as obras que o form aram . Paulo incentivou os crentes a lerem as epístolas inspiradas que foram enviadas às outras igrejas (C l 4.16) e citou M ateus 10.7 em 2 T im ó teo 1.9-12. Pedro fez referência a um a coleção dos escritos de Paulo com o “escritu ra” (2 Pe 3.15,16). Não som ente a influência dos apóstolos perm an ece em seus escritos, mas a igreja, da qual eles colocaram o fu nd am ento, subsiste e ainda está sendo edificada (E f 2.21,22).
Destino Apostólico A influência dos apóstolos tam bém perm anece no céu, onde eles aparecem durante aT ribu lação (Ap 18.20). Depois disso, eles reinarão com C risto no reino m essiânico (M t 19.28; Ap 20.1-6) e, finalm ente, viverão com Ele na cidade celestial —na verdade, os seus nom es estão nos fundam entos da cidade (21.14).
CONCLUSÃO Em bora o cargo apostólico não ten h a continuado depois do tem po dos apóstolos, a sua autoridade escrita continu a a existir no Novo T estam ento, que foi com posto sob a direção deles. Jesus tin h a prom etido levá-los à “toda a verdade” e trazer “todas as coisas” à lem brança deles (Jo 14.26,13). O ún ico registro autêntico que tem os do seu ensino está fundam entado nos vinte e sete livros do Novo T estam ento. Assim, apenas estes livros são a divinam ente inspirada (2 T m 3.16) e infalível Palavra de Deus (Jo 10.35; cf. 2 Pe 3.15,16). Os apóstolos m o rreram , porém os dons especiais de expulsar dem ônios pela palavra, ressuscitar os m ortos, curar instantaneam ente até m esm o doenças incuráveis (M t 10.8), e falar em línguas, p erm anecerão enquanto a igreja estiver na te rra11. Os m ilagres existem , e Deus pode operar u m m ilagre sem pre que decidir fazê-lo. Há abundantes evidências que m o stram que os servos de Deus h oje podem realizar m ilagres em nom e do S en h or Jesus. Principalm ente no início da igreja, os m ilagres foram necessários para confirm ar a nova revelação e para estabelecer o fu nd am ento da ig reja12.
11 A to s 2; 10; 19; cf. 1 C o rín tio s 13.8.
12 A lé m disso, u m a p essoa tin h a q u e viver n o sé c u lo I p a ra s er u m a p ó sto lo , pois u m
a p ó sto lo tin h a q u e te r sido u m a te s te m u n h a d a re ssu rreiçã o de C risto (A t 1.22).
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T e o l o g ia
Um trabalho profu n d o d e um a das m e lhores m en tes teológ icas e filo só fica s de n osso tem po.
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O Dr. N orm an Geisler, nesta coleção, trata dos tem as m ais im por tantes da teologia sistem ática. A Teologia p ropriam ente dita, a Bíblia, a criação, a doutrina de D eus, a Salvação, o Senh or Jesu s C risto, as Últi mas C oisas serão tratad os de forma clara e m uito bem pesquisada, de m odo que o leitor tenha em suas m ãos, para pesquisa, o fruto de um a vida dedicada à teologia e a defesa da fé cristã.
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DR. N O R M A N L. G E I S L E R , ex-reitor do Southern Baptist Theological Seminary, em Charlotte, Carolina do Norte, e autor e co-autor de mais de sessenta livros e de centenas de artigos. É orador e participa de debates a nível nacional e internacional. O Dr. Geisler possui bacharelado em Ciências I lumanas (B.A.) e m estrado em Ciências Humanas (M.A.) pela Wheaton College, bacharelado em Teologia (Th.B.) pela William Tyndale College e douto rado em Filosofia (Ph.D.) pela Loyola University de Chicago.