Portuguesa
Língua
3 ensino médio
língua portuguesa 3º ano
Organizadora: Edições SM
Obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida por Edições SM. Editora responsável: Andressa Munique Paiva Ricardo Gonçalves Barreto Matheus Martins Heidi Strecker Ana Elisa de Arruda Penteado Lília Santos Abreu-Tardelli Manuela Prado Mirella L. Cleto Cecília Bergamin
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Língua
Portuguesa
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ensino médio
língua portuguesa 3º ano
Organizadora: Edições SM Obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida por Edições SM. Editora responsável: Andressa Munique Paiva
• Bacharela em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. • Especialista em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). • Especialista em Fundamentos da Cultura e das Artes pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). • Editora de livros didáticos.
Ricardo Gonçalves Barreto
• Bacharel e Licenciado em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. • Mestre e Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). • Professor de Literatura Brasileira na rede particular de ensino.
Matheus Martins
• Licenciado em Letras pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). • Mestre em Letras pela Faculdade de Letras da UFMG. • Professor de Literatura na rede particular de ensino.
Heidi Strecker
• Bacharela em Letras e Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. • Licenciada em Letras e Filosofia pela Faculdade de Educação da USP. • Escritora, Crítica literária e Consultora educacional e editorial.
Ana Elisa de Arruda Penteado
• Licenciada em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP). • Mestra e Doutora em Educação na área de concentração de História, Filosofia e Educação pela Unicamp-SP. • Professora de Língua Portuguesa na rede particular de ensino.
Lília Santos Abreu-Tardelli
• Bacharela e Licenciada em Letras pela Unicamp-SP. • Mestra em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas pela PUC-SP. • Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP. • Professora do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Unesp – São José do Rio Preto.
Manuela Prado
• Bacharela em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. • Professora de Língua Portuguesa na rede particular de ensino.
Mirella L. Cleto
• Bacharela em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. • Licenciada em Letras pela Faculdade de Educação da USP. • Professora de Língua Portuguesa na rede particular de ensino.
3a edição São Paulo 2016
Cecília Bergamin
• Bacharela em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. • Mestra em Letras no programa Literatura Brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. • Professora de Língua Portuguesa e Literatura na rede particular de ensino.
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Ser protagonista – Língua portuguesa – 3 © Edições SM Ltda. Todos os direitos reservados
Direção editorial Juliane Matsubara Barroso Gerência editorial Roberta Lombardi Martins Gerência de design e produção Marisa Iniesta Martin
Edição executiva Andressa Munique Paiva Edição: Ana Alvares, Ana Spínola, Camila Ribeiro, Luciana Pereira da Silva, Millyane M. Moura Moreira, Natália Coltri, Talita Mochiute, Wilker Sousa Colaboração técnico-pedagógica: André Renato Oliveira Silva, Greta Marchetti, Lívia Bueloni Gonçalves, Neide Luzia de Rezende, Rodrigo Saffuan, Saulo da Silva Oliveira, Vanessa Gonçalves Coordenação de controle editorial Flavia Casellato Suporte editorial: Alzira Bertholim, Camila Cunha, Giselle Marangon, Mônica Rocha, Talita Vieira, Silvana Siqueira, Fernanda D’Angelo Coordenação de revisão Cláudia Rodrigues do Espírito Santo Preparação e revisão: Ana Rogéria Brasil Ribeiro, Angélica Lau P. Soares, Berenice Baeder, Luciana Chagas, Maíra Cammarano, Rosinei Aparecida Rodrigues Araujo, Sâmia Rios, Taciana Vaz, Marco Aurélio Feltran (apoio de equipe) Coordenação de design Rafael Vianna Leal Apoio: Didier Dias de Moraes Design: Leika Yatsunami, Tiago Stéfano Coordenação de arte Ulisses Pires Edição executiva de arte: Melissa Steiner Edição de arte: Andressa Fiorio Diagramação: Marcos Dorado Coordenação de iconografia Josiane Laurentino Pesquisa iconográfica: Bianca Fanelli, Susan Eiko Tratamento de imagem: Marcelo Casaro Capa Didier Dias de Moraes, Rafael Vianna Leal Imagem de capa Ron and Joe/Shutterstock.com/ID/BR Projeto gráfico cldt Editoração eletrônica MRS Editorial Ilustrações Adriana Alves, Alexandre Teles, Daniel Almeida, Pedro Hamdan, Petra Elster, Tatiana Paiva, Veridiana Scarpelli Fabricação Alexander Maeda Impressão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Barreto, Ricardo Gonçalves Ser protagonista : língua portuguesa, 3° ano : ensino médio / Ricardo Gonçalves Barreto ... [et al.] ; organizadora Edições SM ; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida por Edições SM ; editora responsável Andressa Munique Paiva. – 3. ed. – São Paulo : Edições SM, 2016. – (Coleção ser protagonista) Outros autores: Matheus Martins, Heidi Strecker, Ana Elisa de Arruda Penteado, Lília Santos Abreu-Tardelli, Manuela Prado, Mirella L. Cleto, Cecília Bergamin Suplementado pelo manual do professor. Bibliografia. ISBN 978-85-418-1381-5 (aluno) ISBN 978-85-418-1382-2 (professor) 1. Português (Ensino médio) I. Barreto, Ricardo Gonçalves. II. Martins, Matheus. III. Strecker, Heidi. IV. Penteado, Ana Elisa de Arruda. V. Abreu-Tardelli, Lília Santos. VI. Prado, Manuela. VII. Cleto, Mirella L. VIII. Bergamin, Cecília. IX. Paiva, Andressa Munique. X. Título. XI. Série. 16-02709 CDD-469.07 Índices para catálogo sistemático: 1. Português : Ensino médio 469.07 3ª edição, 2016
Edições SM Ltda. Rua Tenente Lycurgo Lopes da Cruz, 55 Água Branca 05036-120 São Paulo SP Brasil Tel. 11 2111-7400
[email protected] www.edicoessm.com.br
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Apresentação Caro estudante: As novas tecnologias dão acesso a um vasto acervo de informações e a novos meios de interação e publicação de conteúdos. Essa realidade nos impõe alguns desafios: Como lidar com tantos dados de forma crítica, sem ser superficial? Como transformar a facilidade de acesso a conteúdos em conhecimentos que contribuam para a formação de cidadãos éticos e autônomos? Como nos responsabilizar pela criação e publicação de conteúdos? Essas questões relacionam-se profundamente com o estudo de Língua Portuguesa, pois a linguagem está em tudo o que diz respeito à vida em sociedade. Esta coleção tem o objetivo de ajudá-lo a se tornar um leitor atento do mundo e, com isso, contribuir para que você participe ativamente e de maneira construtiva de nossa sociedade. Esse propósito permeia os três volumes da coleção, repletos de atividades de leitura, análise e produção, abrangendo grande variedade de textos verbais e não verbais, nas três partes em que cada um está organizado: Literatura, Linguagem e Produção de texto. Na parte de Literatura, você vai entrar em contato com leituras literárias. Isso significa conectar-se com questões que caracterizam a experiência humana em diferentes épocas e que enriquecem sua formação e seu repertório cultural. Ao ler e estudar textos que remetem à tradição literária em língua portuguesa, você vai acompanhar como escritores experimentaram e ampliaram as possibilidades de expressão em nosso idioma. Na parte de Linguagem, você vai refletir sobre a língua em suas várias dimensões – social, cultural, política, ideológica, expressiva –, ao mesmo tempo que vai estudar de forma crítica os principais temas da tradição gramatical. Nessa abordagem, damos destaque à noção de adequação linguística, que não passa por um julgamento sobre o que é “certo” ou “errado” na língua – uma vez que esse tipo de distinção, em geral, acaba por discriminar grupos de falantes que não têm o mesmo prestígio social do que aqueles que conhecem a norma-padrão. Sem dúvida, é fundamental conhecê-la para o exercício pleno da cidadania, para o enriquecimento cultural e para o prosseguimento dos estudos formais. No entanto, além desse conhecimento essencial, você também encontrará nesta coleção diversas manifestações da nossa língua, patrimônio de todos os falantes da língua portuguesa. Na parte de Produção de texto, você não aprenderá simplesmente um conjunto de técnicas para elaborar um texto, você terá clareza sobre a finalidade de sua produção, seja oral, seja escrita; levando em conta sua intenção e seu interlocutor. Produzir um texto significa ocupar um lugar social, relacionar-se com outros, participar de uma prática que envolve saberes diversos. Alguns dos gêneros textuais que você vai produzir o desafiarão a propor soluções fundamentadas para problemas da sociedade atual. Literatura, Linguagem e Produção de texto. Três caminhos para você aprofundar sua leitura do mundo e estimular sua participação na sociedade do século XXI.
Equipe editorial 3
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A organização do livro Pilares da coleção Esta coleção organiza-se em quatro pilares, cada qual com objetivos próprios.
contextualização e interdisciplinaridade
Apresentar conceitos de outros campos do conhecimento pertinentes ao assunto estudado, para que você possa estabelecer relações ao ler um texto e ampliar seu conhecimento de mundo.
compromisso
visão crítica
iniciativa
Relacionar o conteúdo apresentado a aspectos ligados à vida em sociedade, de modo a despertar em você a consciência sobre seus direitos e deveres como cidadão.
Articular conceitos de determinado período literário com assuntos referentes ao mundo contemporâneo e promover reflexão sobre variação linguística, para que você possa desenvolver uma visão crítica sobre a literatura e a língua.
Incentivar a atitude proativa e o trabalho em grupo para que você e os demais colegas possam, por meio da realização de projetos, aproximar a realidade à vida escolar.
As seções e os boxes que se propõem a trabalhar esses eixos estão indicados pelos ícones que os representam.
Partes
O livro é organizado em três partes – Literatura, Linguagem e Produção de texto – subdivididas em unidades e capítulos. Alguns boxes e seções propõem articulações entre elas.
Literatura As unidades de Literatura abordam as estéticas literárias em uma perspectiva histórica. Em cada unidade, os capítulos contextualizam a estética estudada, enfatizando aspectos históricos, culturais e literários, e promovem a leitura da produção literária dos principais autores do período.
Linguagem As unidades de Linguagem realizam a revisão crítica dos principais temas da tradição gramatical, tomando-os como ponto de partida para a reflexão sobre os usos efetivos da língua.
Produção de texto As unidades de Produção de texto propõem o estudo de grupos de gêneros textuais orais e escritos. Cada capítulo aborda a leitura e a produção de um gênero específico.
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Atividades em seções e boxes Jorge amado: a bahia como protagonista
sua leitura
Rolf Richardson/Robert Harding/Latinstock
HiperteXto Você vai ler agora um trecho extraído do final do romance Gabriela, cravo e canela, obra que marca a transição entre dois momentos da produção de Jorge Amado: da fase socialmente engaNesse trecho, jada dos primeiros livros para os romances de costumes de sua maturidade literária. o narrador Jorge Amado é um dos autores mais lidos de nossa literatura. A consiemprega derável venda de suas obras, dentro e fora do país, permitiu ao escritor alorações Do navio sueco com sereia de amor go raro entre os artistas nacionais: viver dos rendimentos da sua produção. coordenadas assindéticas Criticado por alguns especialistas, que consideravam sua obra repetitiva, […] (orações dizia: “Sou incapaz de escrever sobre aquilo que não vivi”. Essa afirmação independentes No dia seguinte, depois do almoço, os marinheiros tiveram novamente folga, espalharamdo escritor é reveladora de características significativas de sua literatura: o sintaticamente, -se pelas ruas. “Como gostavam da cachaça ilheense!”, comprovavam com orgulho os grapiújustapostas sem engajamento social e o registro de costumes da vida baiana. nas. Vendiam cigarros estrangeiros, peças de fazenda, frascos de perfume, bugigangas douradas. emprego de Os primeiros romances de Jorge Amado, das décadas de 1930 e 1940, capítulo conjunção) para Gastavam o dinheiro em cachaça, enfiavam-se nas casas de mulheres-dama, caíam bêbados na rua. são marcados pela denúncia da miséria e da exploração sofrida pelas expressar a Foi depois da sesta. Antes da hora do aperitivo da tarde, naquele tempo vazio entre as três e as variedade e a classes marginalizadas da Bahia. São suas obras mais conhecidas dessa fase: A bagaceira rápida sucessão quatro e meia. Quando Nacib aproveitava para fazer as contas da caixa, separar o dinheiro, calCacau (1933), Mar morto (1936), Capitães da Areia (1937) e Terras do semaçõesUma dos ressurEra o êxodosuec da o, seca de das 1898. cular os lucros. Foi quando Gabriela, terminado o serviço, partia para casa. O marinheiro Fariscavam o cheiro enjoativo do melado -fim (1943). Entre a cidade e a zona rural, trabalhadores do porto, das famarinheiros. de de cemitérios – esqueletos re- que lhes exacerbava os estômagos jejunos. loiro de quase dois metros, entrou no bar, soltou um bafo pesado de álcoolreição na cara Nacib e antigos As orações zendas de cacau, prostitutas, negros e meninos de rua são tipos sociais fredivivos, com em o aspecto terroso e o fedor das E, em vez de comerem, eram comidos pela coordenadas apontou com o dedo as garrafas de “Cana de Ilhéus”. Um olhar suplicante, umas palavras línquentes dessas narrativas, por quem o narrador manifesta um sentimento sindéticas e podres. própria fome numa autofagia erosiva. gua impossível. Já cumprira Nacib, na véspera, seu dever de cidadão, servira covas cachaça de graça aos de solidariedade e aos quais lança um olhar lírico. assindéticas Os fantasmas estropiados como que iam […] marinheiros. Passou o dedo indicador no polegar, a perguntar pelo dinheiro. Vasculhou os bolsão assunto do Para alguns críticos, a adesão do escritor aos ideais comunistas confere às dançando, de tão e trêmulos, num A cabroeira escarninha metia-os à bulha: 23, sos o loiro sueco, nem sinal de dinheiro. Mas descobriu um broche engraçado, uma sereia dou-trôpegoscapítulo narrativas desse período um engajamento político exacerbado, devido a certo passo de quem na leva as depernas, em — Vem tirar a barriga da miséria. parte rada. No balcão colocou a nórdica mãe-d’água, Iemanjá de Estocolmo. Os olhos do arrastado árabe fitavam radicalismo com que esses ideais perpassam o tema social. Ainda de acordo vez de ser levado por elas. Linguagem Párias da bagaceira, vítimas de uma emperNa transição entre as décadas de 1920 e 1930, as propostas estéticas dos moderGabriela dobrar a esquina por detrás da Igreja. Mirou a sereia, seu rabo de peixe. Assim era O que VOCê (p. 210-217). Andavam devagar, olhando para trás, como rada organização do trabalho e de uma depencom parte da crítica, as personagens dessa fase são reduzidas aos papéis que Vai nistas difundiram-se por todo o Brasil, ea anca os elementos passaram a fazer estudar de Gabriela.regionais Mulher tão de fogo no mundo não havia, com aquele calor, ternura, quemaquela quer voltar. Não tinham pressa em che- dência que os desumanizava, eram os mais desempenham na sociedade, inseridas em uma luta de classes maniqueísta, Homenagem a Jorge Amado parte dos artistas. Nessa época, o suspiros, diálogo do escritor com a realidade nodo Caférepertório Vesúvio, aqueles aquele langor. Quanto mais dormia com ela, mais tinha gar, vontade. porque não sabiam aonde iam. Expulsos do insensíveis ao martírio das retiradas. unidade As transformações vocabulário em que os explorados (os bons) enfrentam os exploradores (os maus). em Ilhéus (BA). O localsocial teria inspirado o e os fatos históricos que o cercavam ganhou maior importância. apoio Parecia feitaainda de canto e dança, de sol e luar, era de cravo e canela. políticas, sociais seu paraíso por espadas de de fogo, iam, ao acaso, A colisão dos meios pronunciava-se no conromance Gabriela, cravo e canela. Foto de anca: quadril Nunca mais lhe dera um presente, uma tolice de feira. e culturais 2007. nos em descaminhos, no arrastão dos maus fados. tato das migrações periódicas. Os sertanejos registro de costumes da sociedade baiana anos anteriores à sua leitura emborcar: beberforçado eram malvistos nos brejos. E o nome de brejeiTomou da garrafa da cachaça, encheu um copo grosso Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse A segunda fase da obra de Jorge Amado, a partir de Gabriela, cravo eSegunda Guerra fazenda: tecido vidro, o marinheiro o braço, saudou em nomadismo. ro cruelmente pejorativo. A seguir, você fará duas leituras. A primeirade é uma pintura da sériesuspendeu Os retirantes, de Cândido canela (1958), corresponde aos romances em que o autor faz o retrato dosMundial. Adelgaçados na magreiragrapiúna: cômica, cresciam, sueco, emborcou dois tragos, cuspiu. ANacib guardou no […] Portinari (1903-1962). A segunda é um trecho do primeiro capítulo do romance bagaceira habitante do costumes de sua terra, a Bahia, e de personagens típicas desse estado.O papel social do como se o vento os levantasse. E os braços afinaEssa diversidade criava grupos sociais que bolso a sereia Gabriela riria contente, (1928), de José Américo de Almeida (1887-1980). Nessa dourada, passagemsorrindo. do romance, retirantes litoral O tratamento dado aos dramas das personagens muda, deixando de serartista. dos desciam-lhes aos joelhos, de mãos abanando. acarretavam os conflitos de sentimentos. diria a gemer: “precisava não, moço bonito…” fugidos da seca no sertão da Paraíba chegam ao engenho de Dagoberto Marçau. Iemanjá: no simples exemplo das relações de opressão a que o ser humano humilde éO regionalismo Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos – Estrugia a trova repulsiva: candomblé, E aqui termina a história de Nacib e Gabriela quando doentes da alimentação tóxica – com Eu não vou na sua casa, submetido. Torna-se agora um registro regionalista, sensual, lírico e even-e a corrente Os retirantes entidade das os fardos renasce a chama do amor de uma brasa dormida nas cinzas A cultura tradicional da Bahia, presente nessa espiritualista na das barrigas alarmantes. águas Você não venha na minha, tualmente bem-humorado do cotidiano local, com uma representaçãoliteratura. tela, é tema constante na obra de Jorge Amado. do peito. Não tinham sexo, nem idade, Porque tem a boca grande, langor:nem condição apaixonada dessa cultura e de seu modo de vida. Motta e Silva, Djanira. Três orixás, 1966. Óleo sensualidade nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais. Vem comer minha farinha… aMado, Jorge. Gabriela, cravo e canela. 53. ed. Rio de Janeiro: Record, 1977. p. 357. Os romances mais conhecidos desse período são também os mais céle- sobre tela, 129 cm 3 193 cm. Pinacoteca do Meninotas, com as pregas da súbita vemãe-d’água: Homens do sertão, obcecados na mentaliEstado de São Paulo, São Paulo. bres de toda a obra de Jorge na mitologia lhice, careteavam, torcendo as carinhas de- dade das reações cruentas, não convocavam as Sobre o texto Amado: além de Gabriela, indígena, másculos, crépitas de ex-voto. Os vaqueiros derradeiras energias num arranque selvagem. cravo e canela, há Dona Flor divindade das 1. A crônica de costumes é uma das maneiras pelas quais se manifesta o regionalismo na obra como titãs alquebrados, em de mi- A história das secas era uma história de passiáguas;petição um e seus dois maridos (1966) e de Jorge Amado. Copie no caderno elementos presentes no texto que podem identificados séria.serPequenos fazendeiros, no de arremesso vidades. Limitavam-se a fitar os olhos terríveis dos nomes Tieta do agreste (1977). como hábitos e costumes locais da época. Iemanjá igualitário, baralhavam-se nesse anônimo nos seus ofensores. […] Apesar da enorme popuaniquilamento. mulher-dama: Dagoberto olhava por olhar, indiferente a 2. Jorge Amado foi um grande defensor da importância da Bahia para a cultura de nosso país, laridade das obras desse peprostituta Maisbrasileira mortospara do aque Vivos,do vivíssi- essa tragédia viva. produção dovivos. início por considerá-la o local em que se iniciou aAmiscigenação de literária raças, determinante ríodo, elas não são vistas com nórdico: relativo mos só no olhar. Pupilas do sol da seca. Uns A seca representava a valorização da saNEStA composição doUNIDADE povo brasileiro. De que maneira a expressão de Estocolmo”, usada século XX foi“Iemanjá marcada manifestações aos países do que tanta simpatia por uma parolhos por espasmódicos de pânico, assombrados fra. Os senhores de engenho, de uma avidez pelo narrador para se referir ao broche de sereia, simboliza essa miscigenação? norte da Europa te da crítica, que avalia code às si próprios. Agônica concentração de vita- vã, refaziam-se da depreciação dos tempos davam continuidade diversas tendências (Dinamarca, 3. Na Nacib mantém um relacionamento amoroso com Gabriela, a protagonista. mo simples seu trabalho com 1 obra, faiscante. normais à custa da desgraça periódica. Belle Époque Finlândia, artísticas do séculolidade anterior. Não havia uma a linguagem e considera suIslândia, Noruega a) Qual é a origem e a ocupação de Nacib? tropical almeida, José Américo de. A bagaceira. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. p. 98-99. e Suécia) perficial o tratamento dado estética inovadora e unificadora b) O que o leva a aceitar o broche como orientação forma de pagamento? sesta: repouso ao drama das personagens e os textosmasapós dessas tendências Sobre na literatura, sim a 2 Oeste o almoço Pré-Modernismo – 4. Releia trecho: às questões sociais. Os críti1. Cite realistas, três passagensnaturalistas, do romance A bagaceira que podem ser associadas à pintura de Portinari. retratos do Brasil permanência de traços cos, no entanto, reconhecem Parecia feita de canto e dança, de sol e luar, era de cravo e canela. habilidade do escritor como 2. O trecho lido A bagaceira contrapõe os sertanejos e os brejeiros (“a cabroeira”). parnasianos e simbolistas, quedese mesclavam Essa frase contém a expressão cravo e canela, que dá título ao livro. Quea) características de contador de histórias envolQue tipo de relacionamento há entre eles? Comprove com uma passagem do texto. Gabriela o narrador destaca na frase? e se aplicavam a novos contextos. ventes, capazes de entreter o b) Como o narrador descreve as condições de vida dos brejeiros? leitor. Havia, porém, umac)importante novidade: os os mais insensíveis ao martírio das retiradas”? Como explicar que os brejeiros “eram
Belle Époque e Pré-Modernismo: duas faces do Brasil
Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo/Reprodução autorizada por João Candido Portinari. Fotografia: ID/BR
Veridiana Scarpelli/ID/BR
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Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo. Fotografia: ID/BR
capítulo 8 – o Nordeste revisitado
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Coleção particular. Fotografia: ID/BR
a segunda fase do Modernismo – urgências sociais
autores pré-modernistas iniciavam a revisão 3. Compare a linguagem de A bagaceira com a87de Euclides da Cunha em Os sertões (p. 30-31). Observe aoextensão dos parágrafos, do nacionalismo, trocando ufanismo – umao vocabulário e as construções sintáticas e conclua: Qual dos dois romances usa uma linguagem mais simples? Justifique. espécie de patriotismo exagerado – pelo 4. A respeito da relação entre o artista brasileiro e seu meio social, Portinari disse em 1926: questionamento e pela crítica da organização5/26/16 2:37 PM 5/26/16 2:37 PM SP_LPO3_LA_PNLD2018_U04_C08_084A093.indd 87 Arte brasileira só de haverá quando os nossos artistas abandonarem completamente as tradisocial do Brasil. Essa crítica, além atingir ções inúteis e se entregarem com toda alma à interpretação sincera do nosso meio. setores específicos, como as Forças Armadas, Portinari, Cândido. Apud: Fabris, Annateresa. Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1996. p. 15. a administração das cidades e as políticas Portinari, Cândido. Os retirantes, 1944. Óleo sobre tela, 190 cm 3 180 cm. Museu de Arte de São Paulo (Masp), São Paulo. a) O que seria essa “interpretação sincera”? Como ela se mostra na tela de Portinari? A série de pinturas intitulada Os retirantes foi realizada entre os anos de 1944 e 1945 e corresponde a umaagrícolas, promovia uma ampla reflexão b) O autor de A bagaceira também faz uma “interpretação sincera do nosso meio”? Justifique. guinada da temática social na obra de Portinari. Ainda que sua obra inicial esteja voltada para a representação da vida rural, é na década de 1940 que se acentua o olhar crítico sobre as desigualdades sociais brasileiras.sobre a constituição do povo brasileiro e de sua cultura.
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Imagem da página ao lado: Visconti, Eliseu. Avenida Central, c. 1910. Óleo sobre tela, 49,5 cm 3 32,5 cm. Coleção particular.
Literatura Em Literatura, a seção Sua leitura propõe abordagens variadas para o texto literário: leitura comparada com outras linguagens, articulação com o contexto de produção, observação dos recursos expressivos, etc. O boxe Margens do texto acompanha os textos que ilustram a estética estudada. No fim do capítulo, o boxe O que você pensa disto? convida à reflexão sobre um tema da atualidade.
VOCaBuLáriO de apOiO
adelgaçado: enfraquecido autofagia: ato de alimentar-se da própria carne bagaceira: área em torno dos engenhos de açúcar onde se espalha o bagaço da cana moída, para que seque e seja usado como combustível nas fornalhas bulha: gritaria cabroeira: conjunto de “cabras” (trabalhadores rurais do Nordeste) escarninho: zombeteiro escoteiro: que viaja sem bagagem estrugir: soar ou vibrar ruidosamente êxodo: migração fado: destino fariscar: farejar hidrópico: que apresenta hidropisia, acúmulo anormal de líquido em cavidade do corpo pária: indivíduo excluído socialmente redivivo: que voltou à vida, ressuscitado trôpego: que anda com dificuldade
HiperteXtO Este parágrafo é constituído de frases nas quais não se observa a presença de verbos. Esse tipo de frase é chamado de frase nominal. Para saber mais a respeito, consulte a parte de Linguagem (capítulo 19, p. 159).
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A obra ao lado é do artista Eliseu Visconti (1866-1944), um dos primeiros artistas no Brasil obras que se aproximavam do 5/25/16 a 6:51criar PM SP_LPO3_LA_PNLD2018_U04_C07_077A083.indd 79 Modernismo. No caso dessa obra, podemos observar que a técnica e a composição de cores fogem aos padrões realistas.
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Essa obra retrata um importante momento de transição das artes no Brasil, no início do século XX. 14
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Prática de linguagem 3. Leia a tira. Liniers/Acervo do artista
1. Leia o cartum.
Galvão/Acervo do artista
Orações subordinadas substantivas
capítulo
tipos de oração subordinada substantiva
GaLvão. Vida besta. Disponível em:
. Acesso em: 9 maio 2016.
Orações subordinadas substantivas
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côncavo: nesse caso, arqueado com as pontas para baixo Satie: Erik Satie (1866-1925),
Gonsales , Fernando. Níquel Náusea: tédio no chiqueiro. São Paulo: Devir, 2006. p. 44. pianista e
Adriana Alves/ID/BR
[argumento: objeto direto]
Oração principal Dik Browne, Hagar © 1982. King Features Syndicate/IPress
Daniel Almeida/ID/BR
a) Em vez de fazer uso das cores amarelo, azul e verde, a caracterização de Ferreirinha destaca a cor negra e tons escuros e pálidos. Quais aspectos da personalidade do palhaço são depreendidos dessa descrição? b) O adjetivo trágico em geral não é empregado para qualificar o substantivo palhaço. A descrição de Ferreirinha corresponde à imagem que se costuma fazer desse tipo de personagem? Justifique. c) Releia esta frase: “Agora ele chora sangue”. Qual é o papel sintático do termo sangue nessa oração? E do termo chora? d) Habitualmente, o verbo chorar apresenta transitividade? Explique. e) Explique o sentido da expressão “chorar sangue”.
que chegaria a tempo.
VTD b) Qual é a transitividade do verbo dizer, no primeiro poema, de ver, no segundo poema, e Oração subordinada substantiva objetiva direta de rolar, no terceiro poema? O verbo pensar projeta um argumento no predicado sem necessidade de preposição: Lúcia c) Nos textos informativos, costumam prevalecer orações organizadas naoordem pensou quê? Adireta. oração subordinada substantiva objetiva direta preenche esse argumento. Os poemas lidos seguem essa organização? Justifique. Oração subordinada substantiva objetiva indireta d) No último poema, a palavra rala pode ter dois sentidos diferentes. Que sentidos são esses? Qual é a classificação da palavra em cada caso? No exemplo a seguir, a oração subordinada também preenche um argumento projetado pelo verbo lembrar no predicado, mas requer preposição, pois cumpre função de objeto indireto. 5. Leia a tira.
vocabuLário de apoio
moreschi, Bruno. Piauí, Rio de Janeiro, Alvinegra, ed. 31, abr. 2009. Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2016.
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Ordenar palavras, produzir sentidos
suj. a) Um dos recursos utilizados na elaboração dos poemas é a criação de imagens inusitadas. Lúcia pensou O que é inusitado em cada um dos poemas acima?
Leia a tira.
Reduzidas.
Ferreirinha parou de achar graça na alegria De iPod nos ouvidos e mergulhado em si mesmo, Ronaldo Ferreira se maquia ao som da bela e desconsolada Gymnopédie I de Satie. Os radiantes potes de tinta amarela, azul e verde não foram retirados da mochila. No reflexo do espelho, surge um rosto tisnado de melancolia. O sorriso é negro, levemente côncavo, propositadamente borrado. Escuridão também nas pálpebras. Nas bochechas, a palidez da tinta branca. Cor viva, só mesmo o vermelho de duas lágrimas, uma em cada face. O palhaço Ferreirinha não vê mais motivos para rir. Dramático, sintetiza: “Agora ele chora sangue”.
Fernando Gonsales/Acervo do artista
O palhaço trágico
6
Sintaxe das orações subordinadas substantivas
e indiretas, completivas nominais, predicativas e apositivas.
2. Leia o trecho inicial de uma reportagem.
Coleção particular. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix. AUTVIS, Brasil, 2016
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a) Qual é o sentido da palavra sonhos nessa tira? Explique. As orações subordinadas substantivas são classificadas de acordo com sua função sintática. b) Classifique os verbos da tira quanto à sua transitividade. Oração subordinada substantiva subjetiva c) Indique a função sintática do pronome oblíquo los e seu referente. a) As rãs localizadas na parte inferior do cartum apresentam-se imperturbáveis diante do É a oração que desempenha função sintática de sujeito da oração principal. Veja o exemplo. d) Qual é a contradição expressa na última fala da personagem? ocorrido com a outra rã. Oração principal 4. Leia os poemas a seguir. •Que elementos verbais e não verbais comprovam essa afirmação? É certo que não vou me dar por vencido. [argumento: sujeito] VL PS •Como esses elementos se relacionam ao efeito de humor produzido? Você já viu que as orações dos períodos compostos podem ser articuladas por Oração subordinada substantiva subjetiva O que vOcê Depois de muito falar, por subordinação, Durante o tiroteio b) Uma das falas da rã apresenta uma marca de oralidade. Identifique-a e explique qual coordenação ou por subordinação e que, nos períodos compostos vai eStudar Acredite, mire e veja verbo de ligação ser projeta um argumento externo ao predicado: O que é certo? Essa função aspecto da língua falada ela busca representar por meio da escrita. DizNeste à orelhacapítulo, você vai estudar a almaOrala uma oração depende sintaticamente da outra. as de sujeito é desempenhada pela oração subordinada. unidade Orações um elefante comendo c) Como essa marca de oralidade reforça os efeitos de sentido que você observou ao res- orações subordinadas que exercem, em relação o celular: depois do tiroteio à oração principal, as funções sintásubordinadas ponder ao item a? cereja Oração subordinada substantiva objetiva direta ticas desempenhadas pelos sintagmas nominais nocasar?” período simples. “quer a vida rola. substantivas. d) Classifique os verbos do texto quanto à transitividade. É a oração que exerce a função de objeto direto do verbo da oração principal. Observe. Subjetivas, coLasanti, Marina. Classificados e nem tanto. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2013. p. 18, 21, 74. e) Indique e classifique os complementos verbais associados aos verbos nocionais transitivos. objetivas diretas Oração principal Liniers. Macanudo. Trad. Claudio R. Martini. Campinas: Zarabatana Books, 2009. v. 2. p. 22.
Lembrei- me VTDI
compositor
1. francês Que motivo o dragão pode ter para não deixar a filha sair com o cuspidor de fogo? 2. tisnar: O queenegrecer produz o efeito de humor da tira?
OD
de que chegaria a tempo. [argumento: objeto indireto] Oração subordinada substantiva objetiva indireta
Oração subordinada substantiva completiva nominal A tela reproduzida ao lado, em que recortes
Assim como o complemento nominal no período simples, a oração completiva nominal 3. Releia a fala do pai no segundo quadrinho. NEStA UNIDADE de figuras e textoscompleta se sobrepõem o sentido de umformando nome transitivo da oração principal (teve a impressão de quê?). Veja. a) Qual é o sujeito de cada verbo do período? Qual é a transitividade desses verbos? Oração principal uma composição insólita, reflete algumas b) Que termo exerce o papel de complemento do verbo transitivo? suj. 18 Introdução à do Dadaísmo. Antirracional, o O jogador teve a impressão de que ia desmaiar em campo. Conforme exposto no capítulo 21, os verbos transitivos projetam argumentos que, seinspirações não sintaxe VTD OD [argumento: complemento nominal] Browne, Dik. O melhor de Hagar, o Horrível. Porto Alegre:movimento L&PM, 2005. v. 1. p. 6. criado na Suíça em 1916 rompeu forem preenchidos, podem tornar a oração sintaticamente incompleta. Os elementos que (subst. trans.) Oração subordinada substantiva completiva nominal preenchem esses argumentos são chamados de complementos verbais. No período sim19 Frase, oração, com a maneira como a arte tradicionalmente a) verbo, Como os não verbais da tira explicitam a falta de polidez de Hagar? subordinada substantiva predicativa ples, de acordo com a maneira como se ligam ao os elementos complementos são classificados Oração período b) Odesujeito da oração do primeiro quadrinho do terceiro rela- o do sujeito pode ser desempenhada por uma oração. Veja. produzia sentidos. AAquadrinho provocação, como objetos diretos ou indiretos e compostos sintagmas nominais antecedidos ou e o da oração função de se predicativo Saiba maiS cionam a um mesmo referente, mas são classificados de forma distinta em cada enunciado. não por preposição. Oração principal pessimismo, o absurdo e o improviso eram Explique. No período composto, o papel de objeto de um verbo transitivo pode ser exercido por suj. Veja um exemdominantes c) Qual é a transitividade dos verbos usar e comer na tira?nas Quaismanifestações são seus complementos Adadaístas. verdade é que prefiro cinema a teatro. uma oração. Observe. plo de oração com verbais? VL [argumento: predicativo do sujeito] Oração 1 função de agenO próprio nome Dadaísmo foi escolhido Oração subordinada substantiva predicativa te da passiva: “As sujeito simples 187 regras também aleatoriamente, abrindo-se uma página de Oração subordinada substantiva apositiva O pai decidiu quenoela Não escreva no livro. Não escreva livro.não ia. devem ser seguiVTD [argumento: OD] oração funciona como aposto de um nome da oração principal (coisa). Veja. dicionário. A escolhaEssa aleatória, não racional, das por quem as Oração 2 Oração principal cria”. Ela se lipode também ser notada na “receita” para suj. Nos estudos gramaticais, a oração que desempenha uma função sintática no interior de ga à oração prin5/27/16 4:39 PM SP_LPO3_LA_PNLD2018_U07_C21_184A189.indd 187 4:39 PM da colaboração de todos os jogadores. técnico disse única coisa: que5/27/16 precisava escrever um poemaOdadaísta douma poeta Tristan outra oração do período composto é chamada de oração subordinada. É o caso da oração 2, cipal por prepoVTD OD [argumento: aposto] sição + pronome que exerce a função de objeto direto da oração 1, chamada de oração principal. Oração subordinada substantiva apositiva Tzara (1896-1963): de um artigo de jornal, indefinido (ou loEm um período composto, outras funções sintáticas do período simples, realizadas por sinANOTE recortar palavras ao acaso e jogá-las em um cução pronominal tagmas nominais, podem ser desempenhadas por uma oração. Assim, as orações subordinadas indefinida – quem A Nomenclatura Brasileiraeaponta seis tipos de oração subordinada substantiva: podem exercer também a função de sujeito, de objeto indireto, de complemento nominal, de saco. Depois de agitá-lo, retirarGramatical as palavras quer que, todos subjetiva, objetiva direta, objetiva indireta, completiva nominal, predicativa e apositiva. predicativo, de aposto e de agente da passiva, em relação à oração principal. As orações que que, etc.). copiá-las no papel na ordem em pela que saíram Embora não previstas NGB, há orações–que podem exercer a função de agente da passiva. desempenham alguma dessas funções são chamadas de orações subordinadas substantivas.
eis o poema!
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Não escreva no livro. Se na tela ao lado e em um poema dadaísta a ausência de nexo entre os elementos fala por5/28/16 si, 2:50 noPMuso cotidiano da língua é preciso SP_LPO3_LA_PNLD2018_U08_C24_218A223.indd 219 articular seus elementos segundo regras conhecidas; do contrário, não há comunicação. Nesta unidade, você observará essas regras e a importância de tal ordenação para a produção de sentidos.
Não escreva no livro.
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Imagem da página ao lado: Hausmann, Raoul. Dada-Cino, 1920. Colagem, 31,7 cm 3 22,5 cm. Coleção particular, Áustria.
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repertório
8. Releia.
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A reparação às vítimas significa vencer a falta ONU Mulheres de vontade, o desinteresse e a cumplicidade que Criada em julho de 2010 pela fazem com que esses crimes fiquem impunes e Assembleia Geral da ONU, a ONU sem repressão da justiça e da sociedade. Mulheres tem o objetivo de acelerar a implementação das metas soCom base no que foi apresentado no artigo lido, bre a igualdade de gênero e empoquem precisa vencer a falta de vontade, o desinderamento das mulheres. No site ANOTE teresse e a cumplicidade em relação à impunidade oficial da instituição, são apontaO artigo de opinião é assinado e pode apresentar a opinião de um espedos crimes contra as mulheres? das como suas principais funções: cialista sobre o tema para um debate público. Por isso, os veículos por onde Apoiar os organismos intergocirculam os artigos de opinião costumam identificar o autor do texto com capítulo vernamentais como a Comissão dados que o identificam e o tornam reconhecível ao público leitor (profisA Justiça, de Alfredo Ceschiatti, instalada em sobre o Status da Mulher na forsão, idade, experiência, fotografia, etc.). frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, Texto 5 mulação de políticas, padrões e em Brasília (DF). A figura de uma mulher para representar a justiça é recorrente ao longo da 2. Descreva a linguagem do artigo quanto aos itens: normas globais, e ajudar os Estahistória. Na escultura de Ceschiatti, ela aparece dos-membros a implementar esa) vocabulário; sentada, de olhos vendados e segurando uma tas normas, fornecendo apoio técespada: simbologia da imparcialidade necessária b) dificuldade de compreensão; para a aplicação justa da lei. nico e financeiro adequado para os c) nível de formalidade; países que o solicitem, bem como 9. Releia os parágrafos a seguir. d) tipo de relação com o leitor. estabelecendo parcerias eficazes com a sociedade civil. Folha de S.Paulo, 5 out. 2011. 3. Explique o significado das expressões a seguir, levando em conta o De éacordo com o Mapa da Violência 2012, produzido pelo Centro Brasileiro de Estudos Para escrever uma dissertação bem-sucedida, importante dominar as técnicas OnU Mulheres. Disponível em: . Acesso em:Depois 29 fev. 2016. no mundo, num ranking para com 84 de estudar esse gênero, você produzirá uma dissertação umpaíses. simulado em prosa, Como produzir Entreunidade 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres nosertação Brasil, 43,7 mil so-na qual você discuta as ideias neles apresentadas, argumentando de modo a b) Crime hediondo. em sua escola. deixar claro seu ponto de vista sobre o tema Participação política: indispensável ou superada? uma dissertação mente na última década. Ou seja, a cada duas horas, uma brasileira foi morta sobo condic) País piloto. para o vestibular. ções violentas, em sua maioria no ambiente doméstico. Conforme esseFuvest estudo, o número de 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016. ANOTE Estratégias mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, o que representa um aumento de 230%. Logotipo oficial da ONU Mulheres. A credibilidade do artigo de opinião depende da forma como o autor conclusivas: Leia a proposta de redação da prova de 2012 apresentada pela Fundação Universitária se apresenta, não apenas em função de seus dados, mas por meio de sua “fechar com a) Os dados apresentados nesses dois parágrafos reforçam qual opiniãoPrecisa-se da autora?de Porcidadãos quê? para o Vestibular (Fuvest), organizadora do vestibular Universidade de São Como Paulo (USP). linguagem. A linguagem do artigo (informal, formal) define seu público chave de ouro”. b) Essesdadados são confiáveis? é possível saber? Cientistas políticos notaram que a consolidação das instituições democráticas acaba dimi(amplo, restrito, etc.). Depois, leia também umas das melhores redações, daquele mesmo ano, publicada no site Estereótipos e Navegue nuindo a frequência de plebiscitos ou outras formas de participação política popular extraeleitoc) Agora, leia os dados abaixo, apresentados no Mapa de Violência 2015. preconceitos. da instituição. rais. O fato foi tomado, incorretamente, por muitos, como a superação gradual da participação Vamos conversar? 4. Releia o primeiro parágrafo do texto. política, que levaria ao surgimento de tecnocracias; a realidade, porém, é outra: não há dimiEm 2016, a Secretaria Adjunta de Políticas Com sua taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, o Brasil, num grupo denos 83 paíTexto 1e a) Que tese a autora do artigo defende? para as Mulheres, Igualdade Racial nuição daocupa relevância ses com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, uma da participação política, ocorre que a solidificação democrática refina essa Direitos Humanos do Distrito Federal, o participação, o poder e a importância do voto, claramente indicando a indispensab) O que justifica a defesa dessa tese? 5a pois posição, evidenciando que os índices locais excedem, em aumentando muito, Ministério Público, o TribunalAdeciência Justiça do mais imperativa e predominante sobre pouco tudo é arecomendável ciência política, esta deterbilidade das eleições. os encontrados na maior parteados países do mundo. Distrito Federal e a ONU Mulheres lançaram mina quais são as demais ciências que devem ser estudadas na pólis. Nessa medida, ciência ANOTE a cartilha Vamos conversar?: cartilha de Em uma realidade globalizada, neoliberal, vemos emergir o capital como dirigente supremo Mapa da violência deve 2015. Disponível em:do . política inclui finalidade ser o bem homem. enfrentamento da violência doméstica e a finalidade das demais, e, então, essa O artigo de opinião é um texto argumentativo que defende uma tese. da organização social, seja através da política “tradicional” com os lobbies promovidos por granAcesso em: 2 mar. 2016. familiar contra as mulheres. Uma iniciativa Muitas vezes o autor faz uma análise de sua proposição, apontando os limiAristóteles. Adaptado. des corporações, ou pela influência midiática dos anunciantes. A incapacidade dos governos de combate à violência de gênero, a cartilha tes e as qualidades de seu ponto de vista. Compare os dados acima aos apresentados no artigo de opinião. Faça uma de análise desses atuais balancear os interesses do bem comum, equilibrando as liberdades capitalistas com as é em formato de quadrinhos e quem assina Texto 2 Texto dados,3 mostrando as principais diferenças que ocorreram entre asnecessidades edições relativas a a arte é a designer Carol Rossetti. De das camadas sociais mais baixas cria uma população cética perante às instituições 5. Observe, do terceiro ao décimo quarto parágrafos, como a autora organiza forma didática, são abordados os tipos de 2012 e a 2015 do Mapa da violência. políticas em geral. O termo “idiota” aparece em comentáFILHOS DA ÉPOCA violência contra as mulheres, os detalhes seus argumentos. Para preencher o quadro no caderno, dê título aos rios cada vez mais frequentes A “despolitização” (Brecht chamaria de “analfabetização”) da sociedade aumenta o vácuo enANOTE da Lei Maria da Penha, além de indignados, oferecer Somos filhos da época parágrafos e resuma-os em poucas palavras. Observe o exemplo abaixo. O século XX foi marcado pela aceleração informações sobre como pedir ajuda em no Brasil, como “política é coisa de idiota”. O artigo as ações estatais e a época é política. de opinião deve ser crível, coerente, consistente. Os argumentostre devem se apoiar eme a vontade do povo, deixando o homem médio à mercê do corporativismo: caso de risco. A cartilha pode ser acessada NEStA UNIDADE O que podemos constatar é que acabou se dados convincentes, afastado da política ele perde suaoúnica possibilidade de defender seus interesses e direitos, bem experiências generalizáveis discursos valorizados. daseinovações tecnológicas, entre elas Parágrafo Título Resumo em: . Acesso em: Todas as tuas, nossas, vossas coisas invertendo o conceito original de idiota, como sua última chance de alterar (ou ao menos discutir) a ordem vigente e, consequentemente, 22 abr. 2016. desenvolvimento dos meiosdiária. de comunicação diurnas e noturnas, 2o Instrumento O instrumento legal, em conjunto com outras pois a palavra idiótes, em grego, significa sua realidade 10. Releia os doispolíticas. últimos parágrafos do texto “Lei de Feminicídio vai diminuir a tolerância de 29 coisas Conto psicológico legal iniciativas, reforça a prevenção de mortes de são aquele que só vive a vida privada, que reEntendendo-se a política como busca do bem comum, como a defesa dos pequenos contra os de massa e a produção de mercadorias crime contra mulheres” e responda às questões. mulheres e meninas. cusa a política, que diz não à política. Talmaiores, da supremacia do justo sobre o injusto, como desejo do equilíbrio entre os interesses e Querendo ou não querendo, a autora conclui seu raciocínio em (décimo quinto e escala. décimo sexto parágrafos)? grande Embora tenham trazido vez devêssemos retomar esse conceito de a) Como direitos diversos, rejeitando estender um laissez-faire a todas as questões sociais e a barbárie a que teus genes têm um passado político, 6. Qual é a importância de os boletins de ocorrência, laudos do IML e a autora conclui o texto (décimo sétimo e décimoessas oitavo parágrafos)? idiota como aquele que vive fechado den- b) Como benefícios, mudanças acarretaram seríamos levados, vislumbra-se a participação política não apenas como um direito cada vez mais tua pele, um matiz político, inquéritos policiais serem bem registrados? tro de si e só se interessa pela vida no âmimportante, mas também como uma necessidade imprescindível, um dever. teus olhos, um aspecto político. graves problemas sociais e políticos, como ANOTE bito pessoal. Sua expressão generalizada é: 7. A partir do décimo quinto parágrafo, o texto traz uma justificativa para Capa da Autoria desconhecida. Fuvest 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016. O que vocêdediz ressonância, A conclusão umtem artigo de opinião tem guerras dupla função:eela encerra o raciocínio argumentati“Não me meto em política”. as propostas apresentadas. aumento das desigualdades sociais. cartilha o que silencia tem um vo desenvolvido ao longo do eco texto e encerra também o próprio texto. É comum artigos de opinião Vamos a) O que justificaria, segundo a autora, as medidas propostas? situação de produção CortellA, M. S.; ribeiro, R. J. Política: para não ser idiota. de umcom jeitoreflexões ou de outro, conversar? terminarem maispolítico. abrangentes, citações e frases de efeito. O indivíduo imerso nessas circunstâncias Adaptado. b) Você concorda com o argumento da autora? Justifique sua resposta. […] tempo e articulação de conhecimentos também foi afetado.Limitação Com odecrescimento das szymborskA, Wislawa. Poemas. O Enem e os vestibulares assustam mui- 331 mais do que o domínio da técnica de cons330 Texto 4 no livro. Não escreva Não escreva no livro. cidades, intensificaramse experiências tos alunos.as O fato de o sucesso de cada can- trução de texto. didato, tantos vezes meses ou anos de prepaO Enem e os exames vestibulares em geral de solidão e violência. E após muitas As instituições políticas vigentes (por exemplo, partidos políticos, parlamentos, goverração, depender do desempenho na prova é avaliam nos estudantes não apenas sua habilinos) vivem hoje um processo de abandono ou diminuição do seu papel de criadoras de experimentase o desconforto na relação comCo- dade para escrever textos e formular raciocívisto como um intenso fator de pressão. agenda de questões e opções relevantes e, também, do seu papel de propositoras de douSP_LPO3_LA_PNLD2018_U13_C35_328A335.indd 330 5/28/16 10:30 AM SP_LPO3_LA_PNLD2018_U13_C35_328A335.indd 331 AM mo o tempo entre conhecer a proposta e o 10:30 nios, mas também o alcance de sua compreenum meio que tende a calar a singularidade e 5/28/16 trinas. O que não significa que se amplia a liberdade de opção individual. Significa apenas tema da dissertação e finalizar o texto é res- são do mundo. Não se espera que eles saibam que essas funções estão sendo decididamente transferidas das instituições políticas (isto favorecer a padronização. trito, leva vantagem o estudante que estiver tudo sobre todos os assuntos, mas é indispené, eleitas e, em princípio, controladas) para forças essencialmente não políticas primorhabituado com as tarefas envolvidas nesse sável que sejam pessoas informadas. A disserdialmente as do mercado financeiro e do consumo. A agenda de opções mais importantes Nesse contexto, surgiram novasdesenvolver formasa capaci- tação é uma forma de avaliar o conhecimento do processo. É preciso dificilmente pode ser construída politicamente nas atuais condições. Assim esvaziada, a dade de organização e planejamento para candidato sobre temas relevantes da atualidade de entender o ser humano, entre elas a política perde interesse. fazer bom uso desse tempo, o que envolve e sua capacidade de articular conhecimentos. 1. A autoria é um dado relevante para a análise e a compreensão do gênero artigo de opinião. a) Quem é o(a) autor(a) do texto “Lei do Feminicídio vai diminuir tolerância de crimes contra mulher”? b) Qual é a relação do cargo que ele(a) ocupa com o tema do texto?
Fuvest, 2012. Fac-símile: ID/BR
dissertação para o enem e para o vestibular
10
Narrar
ONU. Fac-símile: ID/BR
Capítulo 35 – Artigo de opinião
Leitura
Thomaz Farkas/Acervo Instituto Moreira Salles
ONU. Fac-símile: ID/BR
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bAumAn, Zygmunt. Em busca da política. Adaptado.
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psicanálise. As pesquisas de Sigmund Freud e de outros estudos relacionados ao sujeito Não escreva livro. influenciaram também asnoartes. Assim, há uma produção artística vasta em que o artista recorre a diferentes formas de expressão, na 5/30/16 10:05 AM SP_LPO3_LA_PNLD2018_U13_C36_336A345.indd 337 tentativa de exprimir sua interioridade.
Esta é uma obra do fotógrafo húngaro-brasileiro Thomaz Farkas (1924-2011). Sua fotografia revela uma forma bastante particular de olhar o cotidiano, como acontece no gênero conto psicológico.
Produção de texto Todos os capítulos de Produção de texto contam com uma seção de leitura e outra de produção textual. O boxe Situação de produção introduz informações sobre o gênero: quem produz, público leitor, suporte, etc. Na seção Produzir um(a) [nome do gênero textual], o planejamento, a elaboração, a avaliação, a reescrita e a publicação do texto são orientados passo a passo. Em alguns capítulos, a seção Entre o texto e o discurso aprofunda um aspecto discursivo do gênero estudado. O boxe Observatório da língua relaciona o gênero a questões linguísticas.
vocabuLário de apoio
barbárie: o que é contrário ao progresso e ao desenvolvimento Bertolt Brecht: dramaturgo e escritor alemão do século XX laissez-faire: “deixar fazer”, expressão do liberalismo que define que o mercado deve funcionar livre de interferências governamentais lobby: atividade de pressão de um grupo organizado a fim de exercer influência sobre políticos e o poder público neoliberal: relativo à doutrina do neoliberalismo, que defende a absoluta liberdade de mercado, restringindo a intervenção estatal sobre a economia ao mínimo possível e apenas em setores imprescindíveis plesbiscito: manifestação da vontade do povo acerca de assunto de grande interesse político ou social por meio de votação tecnocracia: sistema de governo baseado no conhecimento científico
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Não escreva no livro.
Imagem da página ao lado: Farkas, Thomaz. Autorretrato com gato, 1946. Fotografia. Dimensões não disponíveis. Instituto Moreira Salles, Brasil.
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João Prudente/Pulsar Imagens
Ler um artigo de opinião
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Nesta unidade, você estudará o conto psicológico, um gênero literário marcado pela brevidade e que procura apresentar as sutilezas da subjetividade.
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Linguagem Em Linguagem, a seção Prática de linguagem apresenta atividades com textos variados. O boxe Usina literária propõe o estudo da língua em textos literários. A seção Língua viva dá destaque a questões de uso da língua, com base na leitura de um texto, e o boxe Texto em construção propõe a observação de um recurso linguístico pertinente a um gênero estudado. A seção Em dia com a escrita focaliza diferentes aspectos do texto escrito (ortografia, pontuação, recursos de coesão textual, prescrições relativas à norma-padrão, etc.).
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» Atente-se à formalidade que
7. Agora você já pode iniciar sua participação no seminário. de fôlego explosivo… um autoa) O grupo terá de 10 a 30 minutos para se apresentar. Esse tempo será móvel rugidor, que parece correr previamente combinado com o professor. sobre a metralha, é mais bonito b) Os últimos minutos deverão ser reservados para as perguntas do que a Vitória de Samotrácia.” público e as respostas dos expositores. Galerie Ne
a situação de produção do seminário requer.
uerra (detalhe), 1929-1932. Óleo 8. Certifique-se de que seus 4 cm 3 204 cm. Galeria Neue avaliação (ver item 9). den, Alemanha.
marinetti, F. T. O futurismo. In: teles,
colegas deMendonça. turma tenham à mão as fichas de Gilberto Vanguarda europeia e modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972. 6. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1982. p. 91.
A organização do livro Galeria de Arte Moderna, Milão. Licenciado por AUTVIS Brasil, 2016. Fotografia: DACS/ The Bridgeman Images/Easypix
o Dix (1891-1969) combateu doavaliação durante a Primeira Guerra sta pintura expressionista, o 9. Copie o quadro abaixo em folhas separadas, destinando uma folha para astador confere à luta um avaliar cada grupo que se apresentar. alíptico, de final dos tempos.
Boxes de ampliação e sistematização do conteúdo
ONU. Fac-símile: ID/BR
Arquivo/Folhapress
Warner Music/ID/BR
Representava a Tema realidade da avaliação: Expositores Sim Não gica da vida social. A postura e a linguagem dos expositores foram adequadas? significado (nonsense) coHá,adequadamente entre as três falas, uma eque esteja mais próxima do registro formal ouça o da lógica das8.relações O grupo e distribuiu as falas utilizou concordância nominal outra que se mostrerEpErtório mais próxima do registro informal? Explique. Gilberto Gil: Eletracústico, Direção de diversidade ação E cidadaNia racionalmente o etempo? de criação da composição uarani de Angra dos Reis Bernardo Palmeiro, Brasil, 2004, 169 min. ANOTE Embora haja exceções, pela regra geral concordância nominal segunmo e oO caos. Os dadaístas Eletracústico é a de gravação da turnê conteúdo exposto foi consistente e proveniente de A formalidade é umAntigo aspecto importante no aseminário em grupo. Ela ajuda os modificadores mundial homônima do cantor e compositor irim, filho do prévia cacique João Cuidado com o preconceito MuseuAdo do Índio Declaração Universal dos gramática normativa, (adjetivos, artigos, numerais e m tempos guerra. pesquisade bem realizada? Balla,entre Giacomo. velocidade dee automóvel, Gilberto Gil. No DVD, você pode assistir à a produzir o distanciamento expositores e plateia eum garantir que o grupo de temo 400 guarani linguístico! Embora enunciaAldeia Maracanã Direitos Humanos particípios) concordam em gênero (masculino feminino) e número canção “Aquele abraço”, alémou de outros 1913. Óleo sobre cartão, 60 cm sobre 3 98 cm.tema. O uso após finalíndios da não Primeira perca sua função comunicativa de exposição objetiva um 18 sucessos do artista e alguns itens Comentário geralaqui sobre o seminário de, principalmente node dos argumentos, como “Eu preciso de uns raGaleria de Arte Moderna, Itália. formas tratamento de formal na abertura eou no encerramento das o núcleo (singular plural) com do sintagma nominal O cunho antigo Museu doMilão, Índio está fim de combater de4. Defina seus principais que podem envolver: propostas de extras,A entre eles a apresentação das abusos (substantivo, m defendia umade arte não tinho branco pras reflexões minha expefalas também para instituir abairro situação de produção do seminário. saí 5 horas da manhã pra contribuisituado canções “Filhos de Gandhi”, “Não choresAssim, críticas a atitudes dos envolvidos, sobre as causas e/ou pronome ou numeral substantivo) do qual fazem parte. os ratos nodos do Maracanã, poder de Estados ditatoriais, co-emsolução, Umcada dosum fundadores do movimento Comentários sobre oestudesempenho de expositores e,icavoltou-se para os mais” e “Soy loco por ti América” feita riência” não estejam de acordo um pouco desanimado consequências da situação, associações com outros problemas. no Rio deGiacomo Janeiro. O prédio histómo ossede que ocorreram na Segunfuturista, Balla abordou nesta Gil na damasculino ONU, em Nova York. brancos, tem-se o núcleo do SN por (ratos) no plural acompanhado nho, da loucura e dos imobsErvatório da LíNgua com as regras da gramática hegando aqui o meu parenem uma sequência lógica.norGramaticalidade pintura tema da rico foi odoado emvelocidade. 1865 pelo da Guerraflexionados Mundial, ano ONU pro-5. Organize (os) Due adjetivo (brancos) também masculino plural.seus argumentos 10. Preencha o quadro durante a apresentação de de artigo cada grupo. mativa, eles não podem ser conprimitiva e procuraram SAIbA mAIS “o que é esse encontro aqui 6. Fortaleça o conteúdo com fatos, dados, exemplos, testemunhos. Registrovariações de linguagem: formal informal de Saxe×ao governo imperial, clamou, emcom 1948, Declaração Toda língua admite que dizem respeito não apenas aspecO que boxe Repertório aprofunda ouaos estabelece relações osatemas estudados. O boxesiderados Ação e cidadania aborda errados, pois são gram11. “olha tem vários seminá7. Defina em linhas gerais como será sua conclusão. Você pode escrevê-la Tanto fala quanto a escrita podemde ter níveis variados de formalidade com intuito abrigar um órUniversal dos Direitos Humanos sua ficha deaavaliação aos do grupo correspondente. tosEntregue geográficos, históricos, sociais eointegrantes situacionais, mas também aos concordância em sN um ou mais núcleos Nos de linguagem, asDiversidade fra-em duas etapas: maticaisdoreflexões segundo asobre gramática conclusão raciocínio argumentativo; questões desituação interesse coletivo queefeitos merecem ade suaestudos atenção. Já o boxe apresenta as conclusão do ou muita informalidade, agão depender da de produção e do propósito Sódeque a gente ouve de estudos e pesquisas sobre (DUDH): uma norma comum de sentido que os falantes buscam dar a seus enunciados. No entanto, mestexto (com frases de efeito e reflexões mais gerais). ses agramaticais são precedidas de do texto. Em geral, o registro informal promove subjetividade e aproxiinterna de nossa língua. Nessa 12.quando Reúna-se com só seu grupo para uma Manuel Bandeira: cotidiano Quando o sintagma nominal tem dois ou aos mais núcleos, a concordância de-em verso né, a gente ouve asrealizar culturas indígenas brasileiras. nãoautoavaliação. padrão da língua. proteção direitos humanos a mação ao discurso, enquanto analisado o formal lhe confere objetividade e distanmoa)um enunciado como o desempenho dovariedades anúncio na página anterior só posição pode (anteposto um asterisco. 8.nominal) Pesquise uma ou variedade duas citaçõeslinguística, para conferirnão credibilidade há ne- ao texto e Avalie com o grupo de seminário. penderá de dois posposto ao aprende alguma coisa. Nós Aodemanda O pelo edifício oseu Museu Ín-fatores: ser pordetodos os núcleo povos ciamento. uso geral dosediou registro formal ou do informal, portanto, Ao alcançada lado de ou Mário Andrade e Oswald de Andrade, Manuel Bandeiaproximar o leitor. ronto com as estéticas traser compreendido com base em um conhecimento intuitivo sobre o funciocessidade de se repetir a marca Ler um conto psicológico é definida por gêneros mas por objetivos distintos de co- adnominal dio deespecíficos, 1953 a 1977, quando ese nações. Desde sua publicação, odo mundo, e o desempenho e função sintática (adjunto ou predicativo) dos modificadores. ra (1886-1968) é um nome de destaque da primeira fase do Modernismo b) Avalieaprendemos comnão o grupo individual de cada participante. saiba Mais 9. Escreva uma fichade biográfica como autor do artigo. plural que em apresente todos os você elementos namento da Eu língua. É por issoassim, que um falante pode dizer se determinada ambém recusaram a orgamunicação. Sendo e-mail enviado a umseu amigo sobre assuntos brasileiro. registrada é um lirismo próximo à coloquialidade. te foium transferido para atual a DUDHSua foimarca traduzida para mais guma coisa. estudei, Lembre‑se HIPERtExto c)concisão Leve[…] em consideração, das anotações dos colegas, a participação pessoais mais informal do que um e-mail prazos e do sintagma obedece ourequer nãoalém àregistro formação típica dos enunciados deem sua língua Seu primeiro livro, Cinza das (1917), traz traços e sim- pelo princípio de pses, eque ausência 1.colega O conto desobre Clarice Lispector éde construído em torno dohoras duplo sentido da românticos endereço, noa um bairro dede Botafo360 idiomas e adnominal mantém o reelaboração naconstrução qual eucada tinha fazer Modificador função de adjunto andamento de tarefas encaminhado trabalho. De acordo com Sigmund Freud, de integrante na preparação do seminário. economia No entanbolistas. Éconcreto, apenas em ora Carnaval (1919), seu segundo livro, que há mais in-linguística. materna. critério usado nesse go. julgamento é chamado de gramaticalidade. palavra esperança, ora abstrato. Sintagmas nominais são unidades Abandonado desde então, o corde de documento mais traas aldeia, vanguardas. Osprópria escritoClarice Lispector (capítulo 15, p. 128)use estratégias ha da O minha No gênero oral seminário, em da que opsicanálise, propósito da comunicação de- substantivo 10.sapos”. Agora você já pode escrever o artigo de opinião. Ao fazê-lo, criador a atende vida éou em mais contextos maisnomes monitoradícios poema “Os Por ser considerado uma Registre aoautoavaliação no Capa DVD do Gilberto Gil:como é to, um dos importantes da a construção de dedomodernistas, sentido cujo núcleo é um nome foiprodução ocupado em 2006 seja, oaque falante avalia éprédio secaderno. uma linguística duzido mundo. Anoversão em bater eno expor determinado tema sobre Modificador o qual se tem domínio, o uso donão as Ou sód) que acaba ficando discursivas credibilidade, contribuam com a) Qual é por osofresignificado deao esperança como substantivo concreto? para apoiar reconstrução anteposto núcleo sátira do Parnasianismo, entre outras razões, esse textoque foi promovam lido porda Ronald Eletracústico. dos língua, como na escrita psíquica dos indivíduos terceira fase do Modernismo no Brasil.e com o leitor. registro formal se mostra eficiente, pois promove o distanciamento ea (palavra que se refere aos seres e indígenas de diversas etnias, os português está disponível em: uma imagem positiva e estabeleçam uma relação consciente às regras próprias de sua língua. de Carvalho na Semana de Arte Moderna de 1922, evento que não contou magens em livre objetividade associa- necessários b) E como substantivo abstrato? Em seus contos e romances, em geral, em situações formais de uso, espara uma comunicação clara e efetiva. O regisria forte in fluência de con teúdos Concorda em gênero e número com o núcleo mais próximo. Exemplos: • a aldeia a contextualização, citações, dados estatísticos de instia aseus atributos). Já os sintagmas quais fundaram ali Mara- normativa com . Acesso Para isso, recorraocorrem reelaboração A gramaticalidade não está ligada às deve prescrições da pois gramática presença de Bandeira. poucos fatos tro informal, por sua vez, não serpercebidos ignorado, também pode ser vanguardistas foram chavariedade deveexternos, ser evitada. tuições confiáveis, sa pontuação expressiva, argumentos de autoridade, refementais não eles. verbais sãose2016. unidades de sentido canã. Emurbanas 2012, entanto, ofrase goem: 18 mar. Guarani de Paraty-Mirim 2.de Releia apor a classificaseguir. Embora não possa encaixar Bandeira em nenhuma predominando das linhas nas os elementos da vida utilizado emasmomentos pontuais da falano como recurso de aproximação ou à conformidade com variedades prestígio. São rências culturais, clareza, objetividade, uso da norma-padrão, refutação ,13. rotuladas de “repulsivas” Ao apresentar novamente o seminário, dê especial atenção à formaliEsses conteúdos fariam parte do que se organizam em torno de verno do Rio de Janeiro condenou interior, que mostram o turbilhão de quais se dividiu o movimento em seus primeiros dez anos, ele foi um dos entre palestrante e plateia, engajando-a no tema exposto. Encontrei lindas pulseiras e broches na loja de antiguidades.antecipada a argumentos que sustentem ponto de vista contrário, etc. dos como agramaticais osseu enunciados que não correspondem àserá construrepresensentimentos, reflexões das dade eHistoricamente, àsou adequação deque texto ao níveis ambiente social ex- uma defensores ardorosos doconceitos Modernismo. Alguns de seus poemas publioaraty-Mirim, público. verbos.mais oincons prédio à demolição comAqui oonde intuiObserve há diferentes informalidade e formalidade nas ciente e apareceriam em emele casa pousou esperança. Saiba mais edade Lembre-se, respectivamente, indicam e retomam Hipertexto ésensações o boxeeque indica çãoposto. típicaAgeral: reconhecida nativos língua. Observe exemplos. personagens. s, em direito àpor cados nas primeiras décadas do século XX sintetizavam o ideal modernista falas dosinseminário Rio deviabilizar Janeiro continua índio”. Ao tratar de sua exforma como vocêfalantes se“Oto apresenta, sua empatia com oaos público ebroches a de as obras para Avaliação mais aomodo romper com a Encontrei lindos e pulseiras na loja de antiguidades. sonhos mediante mecanismos e informações breves, pertinentes ao desenvolvimento do capítulo. articulações diversas entre as periência pessoal de violação dos direitos dos indígenas, Arassari Pataxó de renovação da literatura no Brasil. É o caso de “Poética”, uma espécie de o isso, quando a gente tem segurança vinda de uma boa preparação contam para decidir a relação Copa do Mundo da FIFA de 2014 Devido ao duplo sentido da palavra esperança, a primeira frase do con11. Forme uma dupla e troque seu artigo de opinião com o do colega. de disfarce. radicionais e abandonar o *Propaganda a quer atingir público-alvo. faz uso do registro informal, o que seu contribui para o efeito de sentido de manifesto que propõe nova sintaxe e novos ritmos, se contrapondo ao mododo livro. m queque os aldeados não têm trêso quadro partes e interlocutor. os Jogos Olímpicos de se2016. você estabelecerá com seu Outro importante paraduas toofator inaugura ao menos Quais são elas?naquela12.época Modificador posposto ao narrativas. núcleo subjetividade e envolvimento emocional que está narrando. Copienoe país. complete abaixo em uma folha avulsa, com base na de se fazer poesia predominante *A propagandas quer confrontos atingir seucom público-alvo. Manuel Bandeira em fotografia de 1965. ,etiva. na verdade, o estado não Após armados com
AteNção
» À linguagem do texto. Alguma
informalidade pode favorecê-lo. Se utilizada em excesso, porém, pode minar a credibilidade da opinião defendida.
» Ao conteúdo do texto. O autor deve estar seguro das informações e dos dados apresentados. Sua opinião deve ser consistente, para que alcance relevância no debate social.
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286
lafetá, João Luiz. 1930: A crítica e o modernismo. São Paulo: Ed. 34, 2000. p. 27-28.
Pela leitura do texto, entende-se que a literatura feita pelos modernistas da segunda fase é o resultado de dois movimentos: o artístico-literário, que deriva da assimilação das mudanças sugeridas pela fase heroica; e o sociocultural, relacionado à consciência ideológica surgida em face do processo de modernização e de industrialização da sociedade brasileira nos primeiros anos do século XX. Embora a literatura desse segundo momento modernista tenha como principal assunto a matéria histórica e, sobretudo, os pontos de crise pelos quais passa a sociedade, essa fase literária não desconsiderou uma cuidadosa operação com a forma e a linguagem – que muito devia às conquistas da fase anterior, dos anos 1920. Do mesmo modo, a literatura produzida nos anos 1920 também promoveu avanços no plano ideológico ao questionar a tradição por meio de uma proposta de revolução formal – ou seja, ligada à forma dos textos literários –, focando o atraso tanto estético quanto comportamental da elite brasileira. Você vai ler, na sequência, dois textos de escritores da segunda fase do Modernismo que foram estudados ao longo da unidade. O primeiro é um trecho do poema “Mensagem à poesia”, de Vinicius de Moraes, e o segundo é um excerto da obra Vidas secas, de Graciliano Ramos. Considerando as ideias do crítico João Luiz Lafetá, leia-os e responda às questões. Não escreva no livro.
5/25/16 7:57 PM
Moraes, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. p. 371-372.
teXto 2
[…] Ouviu o falatório desconexo do bêbedo, caiu numa indecisão dolorosa. Ele também dizia palavras sem sentido, conversava à toa. Mas irou-se com a comparação, deu marradas na parede. Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? Vivia trabalhando como um escravo. Desentupia o bebedouro, consertava as cercas, curava os animais – aproveitara um casco de fazenda sem valor. Tudo em ordem, podiam ver. Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa? Se não fosse aquilo… Nem sabia. O fio da ideia cresceu, engrossou – e partiu-se. Difícil pensar. Vivia tão agarrado aos bichos… Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares. O demônio daquela história entrava-lhe na cabeça e saía. Era para um cristão endoidecer. Se lhe tivessem dado ensino, encontraria meio de entendê-la. Impossível, só sabia lidar com bichos. […]
Maria Figrinha Filmes /ID/BR
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Não posso Não é possível Digam-lhe que é totalmente impossível Agora não pode ser É impossível Não posso. Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro. Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo. Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso reconquistar a vida Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso. […]
Petra Elster/ID/BR
Mensagem à poesia
Brittany Somerset/Corbis/Fotoare
Nesse panorama de modernização geral se inscreve a corrente artística renovadora que, assumindo o arranco burguês, consegue paradoxalmente exprimir de igual forma as aspirações de outras classes, abrindo-se para a totalidade da nação através da crítica radical às instituições já ultrapassadas. Nesse ponto o Modernismo retoma e aprofunda uma tradição que vem de Euclides da Cunha, passa por Lima Barreto, Graça Aranha, Monteiro Lobato: trata-se da denúncia do Brasil arcaico, regido por uma política ineficaz e incompetente. Mas, notemos, não há no movimento uma aspiração que transborde os quadros da burguesia. A ideologia de esquerda não encontra eco nas obras da fase heroica; se há denúncia das más condições de vida do povo, não existe todavia consciência da possibilidade ou da necessidade de uma revolução proletária. […] Um exame comparativo, superficial que seja, da fase heroica e da que se segue à Revolução [de 1930] mostra-nos uma diferença básica entre as duas: enquanto na primeira a ênfase das discussões cai predominantemente no projeto estético (isto é, o que se discute principalmente é a linguagem), na segunda a ênfase é sobre o projeto ideológico (isto é, discute-se a função da literatura, o papel do escritor, as ligações da ideologia com a arte).
teXto 1
vocabulário de aPoio
bêbedo: bêbado
carpir: lamentar, chorar por alguém, expressar tristeza casco: resto
marrada: pancada com a cabeça
pária: indivíduo que vive à margem da sociedade, excluído
TEXTO 3
A eternidade
RaMos, Graciliano. Vidas secas. 78. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 35-36.
1. O texto 1 tem um caráter metalinguístico – istoTEXTO é, trata 1 da composição artística –, por apresentar uma “mensagem à poesia”. a) O que o eu lírico deseja que seus interlocutores comuniquem à poesia? Luzia-homem b) É correto afirmar que o eu lírico menospreza aA poesia? Pordaquê? população cidade triplicava com a extraordinária afluência de retirantes. de taipa, 2. Explique a diferença de sentido entre as expressões “Não posso” e “Não éCasas possível”, no palhoças, latadas, ranchos e abarracamentos do subúrbio contexto dos primeiros versos do texto 1. estavam repletos a transbordarem. Mesmo 3. No texto 2, a expressão “fio da ideia” é usada para designar um esboço de consciência do sob os tamarineiros das praças atribui se aboletavam famílias no protagonista sobre sua condição social. A que elementos o protagonista essa condição? extremo passo da miséria – resíduos da torrente hu4. Embora escrito em terceira pessoa, o texto 2 contém um recurso narrativo que revela mana que dia e noite atravessava a Rua da Vitória, com fidelidade os pensamentos do protagonista. Explique essa afirmação, nomeando tal onde entroncavam os caminhos e a estrada real, trarecurso. çada ao lado esquerdo do rio Acaracu, até ao mar. 5. Que semelhanças é possível identificar entre os textos 1 e 2? o projeto Eram pedaços da Como multidão, varridaideológico dos lares pelo flada segunda fase modernista, mencionado por gelo, João encalhando Luiz Lafetá,noajuda explicardatais lentoapercurso tétrica viagem semelhanças? através do sertão tostado, como terra de maldição ferida pela ira de Deus; esquálidas criaturas de aspecto horripilante, esqueletos automáticos dentro de Não escreva no livro. fantásticos trajes, rendilhados de trapos sórdidos, de uma sujidade nauseante, empapados de sangue purulento das úlceras, que lhes carcomiam a pele, até descobrirem os ossos, nas articulações deformaSP_LPO3_LA_PNLD2018_U04_C12_106A114.indd 111 das. E o céu límpido, sereno, de um azul doce de líquida safira, sem uma nuvem mensageira de esperança, vasculhado pela viração aquecida, ou intermitentes redemoinhos a sublevarem bulcões de 5/27/16 pó amarelo, envolvendo como um nimbo, a trágica procissão do êxodo. […]
o tema e define a sequência em que a apresentação será organizada. É a partir da formação de um ponto de vista do grupo que as tarefas individuais podem ser distribuídas.
olíMpio, Domingos. Luzia-homem. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. p. 18. vocabulário de aPoio
aboletar: alojar, instalar carcomer: corroer, arruinar bulcão: nuvem que indica tempestade, trevas esquálido: magro, que aparenta desnutrição flagelo: grande desgraça, catástrofe nimbo: nuvem densa que se desfaz facilmente, auréola purulento: cheio de pus sublevar: mover de baixo para cima tamarineiro: árvore que gera o fruto tamarindo tétrico: de grande severidade, medonho, horrível úlcera: lesão aberta, ferida viração: vento fresco e suave
316
A seção Entre textos aponta relações intertextuais dos textos estudados na SP_LPO3_LA_PNLD2018_U10_C29_280A287.indd 286 unidade com textos de outras estéticas, épocas e/ou linguagens. SP_LPO3_LA_PNLD2018_U12_C33_313A320.indd 316
A poesia social de Drummond ganhou um poeta à altura: Ferreira Gullar (1930-), cuja obra passou por várias fases, do experimentalismo ao engajamento político puro, até chegar a um canto pessoal que extrai sua substância da experiência da vida em tempo e espaço específicos, como se vê em “Poema obsceno” (1980). 112
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Embora não seja propriamente um neonaturalismo, a tendência regionalista da década de 1930 tem importantes características em comum com os escritos naturalistas do final do século XIX. Entre elas, o interesse pela observação do meio, a tipificação de personagens e a denúncia de mazelas sociais por meio da literatura. O romance de Domingos Olímpio Luzia-homem (1903) narra a história de personagens cuja vida é conduzida pela seca, assim como fará Graciliano Ramos (com outro enfoque e outra profundidade) em Vidas secas.
De novo me invade. Quem? – A Eternidade. É o mar que se vai Como o sol que cai.
De outra nenhuma, Brasas de cetim, O Dever se esfuma Sem dizer: enfim.
Alma sentinela, Ensina-me o jogo Da noite que gela E do dia em fogo.
Lá não há esperança E não há futuro. Ciência e paciência, Suplício seguro.
Das lides humanas, Das palmas e vaias, Já te desenganas E no ar te espraias.
De novo me invade. Quem? – A Eternidade. É o mar que se vai Com o sol que cai.
riMbaud, Arthur. Rimbaud livre. Trad. Augusto de Campos. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 51, 53.
TEXTO 4
Soneto LXXV
111
TEXTO 2
Poema obsceno
5/25/16 7:57 PM
Façam a festa cantem dancem que eu faço o poema duro o poema-murro sujo como a miséria brasileira Não se detenham: façam a festa Bethânia Martinho Clementina Estação Primeira de Mangueira Salgueiro gente de Vila Isabel e Madureira todos façam a nossa festa enquanto eu soco este pilão este surdo poema que não toca no rádio que o povo não cantará (mas que nasce dele) 5/28/16 Não se prestará a análises estruturalistas Não entrará nas antologias oficiais Obsceno como o salário de um trabalhador aposentado o poema terá o destino dos que habitam o lado escuro do país – e espreitam.
A poesia simbolista da virada do século nunca sofreu, por parte dos modernistas dos anos 1920, o ataque que estes dirigiam à tradição parnasiana. A partir da década de 1930, o Simbolismo foi francamente retomado por poetas de propostas diversas. A tendência surrealista de Murilo Mendes e Jorge de Lima encontra inspiração no francês Arthur Rimbaud (1854-1891), que produziu uma poesia inquietante, de matriz onírica e libertária. Já Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), com seu simbolismo etéreo, místico e melancólico, serviu de influência a poetas como Cecília Meireles e Vinicius de Moraes.
vocabulário de aPoio
2:36 PM
alcandorar: elevar carme: poema cimo: alto, cume despojado: desprovido, desprendido
Não escreva no livro. esfumar: desfazer-se
espraiar: estender, dilatar
fealdade: falta de beleza, feiura lide: labuta, trabalho suplício: dor ou sofrimento intenso
Não escreva no livro.
Como se moço e não bem velho eu fosse Uma nova ilusão veio animar-me: Na minh’alma floriu um novo carme, O meu ser para o céu alcandorou-se. Ouvi gritos em mim como um alarme. E o meu olhar, outrora suave e doce, Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se Todo em raios que vinham desolar-me.
Pedro Hamdan/ID/BR
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O crítico literário João Luiz Lafetá, em sua dissertação de mestrado – orientada pelo consagrado estudioso Antonio Candido e depois publicada no livro 1930: A crítica e o Modernismo –, compara as propostas libertárias da primeira fase do Modernismo (a “fase heroica”) com as da segunda fase. Antes de contrapor essas duas tendências, Lafetá apresenta o contexto histórico dos anos 1920. Identifica, nessa década, “um desejo de modificação” das estruturas arcaicas do Brasil. Tal desejo estaria relacionado ao “processo de plena implantação do capitalismo no país” e ao “fluxo ascensional da burguesia”. Esses dois fatores afetariam também as demais camadas sociais. O crítico trata, então, do modo como cada tendência modernista se relacionou com as discussões de sua época, como se lê no trecho a seguir.
Pedro Hamdan/ID/BR
capítulo 33 – seminário
110
Capítulo 29 – Conto psicológico
Mineiro de Montes Claros, João Luiz Lafetá (1946-1996) foi professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp e da USP. Escreveu ensaios sobre Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Ferreira Gullar, entre outros. Foto de 1987.
Capítulo 6 – Mário, Oswald e Bandeira: ousadia literária
Fernando Santos/Folhapress
Seções de fim de unidade
Cosac Naify/Arquivo da editora
Adriananas Alves/ID/BR Vincent Carelli/Vídeo Aldeias
SESC/ID/BR
André Lobo/UOL/Folhapress
uma boa apresentação é a integração demonstrada pelo grupo, resultado leitura do artigo opinião de seu colega. Em seguida, faça um comenOs críticos costumam o livro Libertinagem a obra ANOTE Concorda em gênero o núcleo mais apontar próximo ou com todos (1930)decomo Eu passei quasemoradores dez anos dae minha vida dentro de um casarãoe número com Lembre-se Ler um seminário federal mesmo […], odemocrática prótário geral sobre o texto, apontando qualidades e sugerindo mudanças. apoiadores da aldeia de uma divisão deque tarefas responsabilidades. caindo aos pedaços, foi o primeiro Museu do Índio da América A primeira frase énão agramatical porque contraria a ordem típica das cons- da maturidade poética banderiana. É o momento em que o poeta atinge um ospressão núcleos. Exemplos: nas não faz na prática, ouça Assista Maracanã e forte popular, Leia Navegue Muitas vezes, no conto psicológico recorre-se ao uso de palavras polirismo mais espontâneo, com o registro de acontecimentos prosaicos, ANOTE Palavras como mesmo, só, anexo, Não escreva no livro. Latina […] passamosodez anos éláodebaixo daquele casarão caindo aos 1. Observe as informações fornecidas sobre o seminário “O Rio de Janeiro Sim Não truções sintáticas do português: artigo especificador do núcleo de um ue é uma aldeia demarcada. Fala de fala deformas gente, defixas, Marlui optando liberta-se dasfala pelos versos livres, por meio dos o governo do estado reconsiderou lissêmicas para ampliar o sentido da narrativa. Priorizando asaldeias Muito além dodo peso. Direção de Estela de bicho, de gente, Vídeo das Crônicas província do Brasil, Muito além peso. Direção de pedaços… nem sequer apareceu alguém pra falarinformações assim “índio, vamoso local Crônicas dada província do Brasil, de Manuel Vídeo nas aldeias caro, disparado, continua índio”. Indique emeFala que obicho, evento foi realizado, seus investigar O perfil biográfico recolhe privileO artigo de opinião junto, tem umaalto, tese clara? publicação Miranda, 2014. sintagma nominal e deve necessariamente vir antes dele. Gosto muito de assistir a filmes e séries antigas. Renner, Brasil, 2012, 83 min. quais ele captura o cotidiano e a fala das pessoas. Bandeira. São Paulo: Cosac Naify, 2006. és dos mais velhos, restaurar dos ca- a casagiadas, decisão em e2013, desua vocês”. Marlui Miranda, 2014. narram-se A Manuel Bandeira. São Paulo: Estela Renner, Brasil, 2012, 83 min. A ONG Vídeo nasnas Aldeias (VNA) tem comosofrem de reflexões, memórias e sentimentos das transcritos. personagens, ao menos objetivos a amigos, quem correspondem osde trechos ONG Aldeias (VNA) não flexão quando por meio ededeclarou, depoimentos de famiOs Vídeo argumentos são sério Considerada a mais importante intérprete objetivo apoiar, preservar econsistentes? fortalecer a Além de poeta, Manuel Bandeira destacouA segunda frase também não atende ao padrão de construção da língua (Entende-se que antigas refere-se apenas a séries) Este documentário, produzido por Cosac Naify, 2006. o tombamento do edifício. ssados quefinalizarem lutaram ePor mordois detambém eventos: externos eConsiderada internosaos àa consciência Aecitações hismais importante tem como objetivo apoiar, Este documentário, produzido e pesquisadora de música indígena nodo indivídio. 14. Após assuaapresentações, publiquem astrês gravações dosdiscuta semiempregadas liares, colegas de atividade etipos conhecidos, para ofe2. Os participantes cujas falas correspondem trechos vez, Ivanilde Kerexu Pereira da Silva, embora As foram bem utilizadas? cultura a identidade dos povos indígenas como -seadvérbio: como cronista. Seu primeiro livro em Para nosso poeta, atranscritos poesia está Maria Farinha Filmes com apoio do Brasil, Marlui em parceria o não portuguesa: o plural estádos marcado no substantivo, mas não artigo que o ora do Brasil poremeio da produção de obraseimpensadas intérprete eMiranda, pesquisadora decomsenpreservar fortalecer aargumentativas cultura Além de poeta,daManuel por Maria Farinha prosa foi Crônicas provínciaBandeira do Brasil, reitos. Não foi tória desenvolve-se, portanto, nafato relação personagem comdos seu entora da violação direitos indígenas, optaimagem por fazer objetivas, são indígenas. Qual a importância desse para oda tema que está recer aao leitor uma social da no personagem. “Atitudes custam nários no conquistado blog turma. Deixe postagem aberta a observações comentários emuito perHá outras estratégias usadas corretamente? Instituto Alana, tem porFilmes objetivo com mais no mundo da mas na terra rEPErtórIO músico John Surman, para o álbum Logotipo oficial dalua, Organização audiovisuais. O VNA conta hojeindígenas com um publicado pela primeira vez em 1937. Gosto de 5:00 assistir aindígena filmes erecriou séries antigos. 5/25/16 PM recorrendo para“As isso ao usoaparecem do registro formal da linguagem. música no Brasil, a identidade dos povos destacou-se como cronista. apoio do aInstituto tem por do exposto? apresentar qualidade Alana, da alimentação especifica. Se a frase fosse propaganda quer atingir seu público-alvo”, Também personalidades conhecidas que, no, ora em sua própria mente. oi assim. Teve muito índio, Fala de bicho, fala de gente 15 cantos foram usadas adequadamente? caro”. Se usadas emum função homens, no chão do(ONU). cotidiano. Sua lincentroAs deconjunções produção deadverbiais vídeos e uma escola ceba a repercussão das discussões de seus seminários na sua comuCom registro íntimo e coloquial, o das Nações Unidas das crianças brasileiras, mostrando os tradicionais dos Juruna, os quais nãoé feita no masculino). (No de núcleos de gêneros diferentes, a concordância de formação de um essas palavras escritor trata de diferentes assuntos: ANOTE guagem se liberta assim do estilo elevaquepresentes a não concordância entre o eu substantivo e de ocaso artigo estivesse ]. ainda Estamos aquinome é Ivanilde, O artigoaudiovisual, de opiniãoalém é convincente? adjetiva, Meu sou da Aldeia Paraty-Mirim, sou em re- de- apenas nidade escolar. efeitos dos anúncios publicitários na aprovaram o projeto como 3 também acervo de mais de 70 filmes (muitos deles de patrimônio histórico aos perfis de Gramaticalidade dode daesperança herança parnasiano-simbolista dos Utilizou dadose de fontes confiáveis?com oamigos. alimentar na infância e suas participaram dasorganizada, gravações viacada Skype. um dos 3.Há no caderno sentido em trechos. presentante da aldeia. Falando em questão dos direitos, modo ge-oseria jam esquecidos! sempre concordam núcleo do SNo leitor sacordo com aEnorma-padrão variedades urbanas de prestígio, ela premiados nacional internacionalmente) conjunto, tem um rico OIndique seminário é em uma exposição oral, previamente realizada exceções quando os núcleos do sintagma são nomes próEme as Linguagem epor Produção de texto, Ouça, Leia epenumbrisAssista, respectivamente, dão dicas deNomúsica, sites, livros e escolha filmes que consequências. anos deNavegue, formação, donominal poeta inteligibilidade produzidos ao longogerais das três décadas do panorama do processo ral:falantes direito educação, direito à saúde, direito a irUma e vir –esperança! tudo isso,Nos seminários, Comentários sobre o texto integrantes de um grupo. são discutidos temas dede releque modificam: “Escolheram os de modernização eitos, porque napelos verdade a à como a) “— e na parede, bem em cima sua cadeira! [...].” reconhecida gramatical. projeto. A maior parte dessa produção está da sociedade brasileira na primeira ta dos primeiros livros, para seouos fazer um ou palavras que indicam parentesco. Nesse caso, modificadores 319 quando a gente tem umaAnote aldeia que éprios demarcada, as pessoas acham Não escreva no livro. o boxe resume conceitos e podem servir de fonte de pesquisa e ampliar seu repertório em relação aos assuntos estudados. vância social ou científica para uma comunidade, um bairro, uma escola O mesclado, linguista estadunidense mais caros”. disponível no site da ONG:bens . dessa obra traz, além das 47 crônicas do reescrita Chomsky criou abordados no capítulo. o dinheiro, a gente não tá deinformações pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acimaAcesso de suaNoam maneira, de forma que a emoção alta pouco, com a veracidade uma afirmação. Pordosexemplo: a frase “A sala poeta pernambucano, posfácio e notas do núcleos). Exemplos: Portanto, cabe ao orador equilibrar o uso formalPataxó e informal 13. Troque novamente de texto com seu colega. Leia com atenção o quadro uma frase se tornou e sublime, o “mistério poético”, se célebre: ilumine pesquisador Júlio Castañon Guimarães. 3. Por registros que Arassari alega parede.” que o Rio de Janeiro eque o Brasil têm uma minha cabeça numa o que nos foiotirado. A genenobrece além” tem sentido obscuro, mas obedece às regras de construção de acordo com a objetividade que seu discurso requer e o público para que ele preencheu. Agora, releia seu texto, buscando compreender as “Colorless green ideas sleep num relance, em meio às palavras de todo dívida impagável com os povos indígenas? hoso para nossa população, c) “[...] Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, mais mao qual se dirige. a frase “O homem alto intervenções e os comentários realizados pelo colega. de enunciados do português; é baixo” exprime uma REPERtóRIo o dia. Aqui se encontra averdes plataforma de 5/28/16 5:24 PM (“Ideias incoloPNLD2018_U12_C33_313A320.indd 319 4. contra Algemiro Silva, em certo momento defuriously” sua fala, opina sobreJoão o gênero Indígenas protestam da companhia dos excêntricos e Pedro. várias mulheresmas guerreiras graa Gostamos edaverde poderia ser.” 14. Reescreva o artigo de opinião fazendo todas as alterações que julgar lançamento do poeta maduro, a base 1. também A partir deésua experiênciasintaticamente. como expositor e/ou público denão apresencontradição, adequada res dormem furiosamente”). Emda aldeia Maracanã. seminário. o que a gente tem quetações fazerorais: demolição necessárias para adequar seu texto à norma-padrão e à linguagem d)Segundo “—As Elaele, quase não tem corpo, queixei-me.” de sua atitude criadora pessoal. Foto de 2012. talentosas mãe e tia de Joana preferem o anonimato. bora gramatical, ela é incomprea) quais seriam os pontos positivos e negativos dos semiFreud e o inconsciente apropriada ao público a quem você se dirige. de um expositor que não nós? Somos nós! […] a) Descreva o comportamento inadequado e)nários Ela só tem alma, explicou [...].” Arriguci Jmeu r, Davi. filho O humilde cotidiano de Manuel dos quais participa? ensível: o que é verde nãoBandeira. pode Gramática internalizada, descritiva e“— normativa tenha conseguido realizar sua fala satisfatoriamente. 15. Observe o uso das conjunções adverbiais. Elas podem colaborar na O conceito de inconsciente In: Enigma e comentário: ensaios sobre literatura e experiências. b)f)A “— partir de suaconseguido resposta aode item a, de que forma seminários pesEla se esqueceu que pode voar, mamãe, eep.11-12. pensa queecoesão só pode u da Justiça do Estado do Rio b) de Descreva o comportamento de um expositor que tenha São Paulo: Companhia das Letras, 1987. ser ao mesmo tempo incolor, textual, ligando termos propriedade. Capa do CD Fala de bicho, formulado com por maior Sigmund Freud Modificador funçãofalade predicativo Embora estejam relacionadas, há euma grande entreem asseassim.” chamaquisas acadêmicas aproximariam? envolver seu público transmitir seus diferença conhecimentos. andar devagar de gente. não “dormem furiosaideias 16. Cuide bem das sequências e ligações de conteúdos no seu texto: elas Aberto a todas as novidades que foram propostas pelos modernistas, mudou a autoimagem do indivídas gramática internalizada, gramática descritiva e gramática normativa ou de predicativo do sujeito composto ANOTE O modificador em função ou de Ferramenta de leitura A ONG naspoética Aldeias promove sãoVídeo fundamentais para o obom desenvolvimento da argumentação. mente” — longo exceto em sentido meBandeira foi ao do tempo estabelecendo uma própria. EnANOTE duo. Desde a criação da psicação dE produção protagonismo indígena. prescritiva. dois objetos é flexionado no masculino plural, ou no feminino, se ambos O seminário em grupo exige a distribuição da fala entre seus integrantafórico. A intenção de Chomsky tre seus temas centrais, encontram-se o amor irrealizável, a própria Projeto estético e projeto ideológico nálise,doença passou-se buscar umana seção Ferramenta de Em aLiteratura, 317 publicação Não escreva no livro. A gramática internalizada é o conjunto de regras acerca domodificado funcionates. Nãoconto apenas aSN preparação deve serpertencerem compartilhada, mas a que, fala do grupo No é comum que eventos ou atéas mesmo objetos os núcleos dopsicológico ade esse gênero. Veja. (o poeta sofreu tuberculose), rememorações da infância em Pernambuerafatos, mostrar em um enuncompreensão leitura, mais profunda da também precisa sertriviais distribuída. Um critério simples e muito utilizado Capaturma do livro Crônicasser publicados odeverão trabalho com o texto literário é co, ociado, jogo a observação do que se de passa nas ruas. vastaproduzidos produ- pela aparentemente desencadeiem naerótico, personagem umade tomada mento de uma língua que o falante conhece (muitas vezes sem ter consciên17. Osconsartigos de Essa opinião pode-se separar a estruHipErtEXto vida interior. da Província do Brasil. distribuição éos a divisão assunto do seminário em volume subtemas, paraas cainstituipromovem semináriosao para apresentar re- docom online nodoblog daEstrela classe. julgarem necessário, façam uma votação daCartaz çãoda está no queum reúne modernistas autor, daSevida ciência e repentina compreensão própria existência. A obras esse fenômeno, cia) e queexemplo, assimilou espontaneamente longo da convivência sua tura gramatical de seu sentido: enriquecido por conceitos crítica literária de divulgação do documentário da integrante. O tempo de fala é outro aspecto a ser considerado. O diretor e a atrizinteira principal Freud afirmou a duplicidade Umlivros: dos recursos parada uma apresentação para escolher os melhores artigos de opinião da turma. Deixem o post cas, tam-SP_LPO3_LA_PNLD2018_U12_C33_313A320.indd sultados obtidos em suas317experiências com novos tipos (1966), são comestupendos. poemas dos seguintes Estrela manhã (1936), Muito além do peso. dá-se o nome de epifania. 5/28/16oral 5:24éPM citada tem gramaticalicomunidade linguística. É essa gramática que é acionada quando o falan- Lira adosfrase observar a ordem das palavras. e de outras áreas do conhecimento, como a aberto a comentários para ampliar a discussão sobre o assunto. da psique cinquent’anos (1940), Belo belo (1948), Mafuá do malungo (1948) e(mente) humana. Pam fóruns de tratamento. O seminário escolar, o fórum de do discus5.O O divulgador título seminário “O Rio de Janeiro continua índio” faz intertextuaNa língua portuguesa, a ordem das dade, não transmitir considerou a exposição e aapesar palestradeadequadas aopalavras público. te identifica de um enunciado. 10 (1952). na frase não é aleatória. ra ele, a psiqueFilosofia não tem conhecia pública sãoaegramaticalidade o seminário profissional têm algumas característicom letra daafamosa cançãoOpus “Aquele Abraço” do cantor e come a Sociologia. 4.lidade Releia o atrecho seguir. uma mensagem compreensível. Algumas de inversões podem(1954). tornar o TrataOutro livro importante do poeta 335 A gramática descritiva é aquelaé coletiva que registra e descreve osVocê fatos da essa positor Gilberto Gil. conhece canção? Em sua opinião, por- é Itinerário Não escreva noPasárgada livro. mento completo de seus conteúcas comuns: a apresentação e realizada diante m grupo. enunciado agramatical; outras podem Se o verbo de ligação está no singular e anteposto ao sujeito composto, -se de memórias sobre sua infância e adolescência, além do relato da sua que escolheram essa canção para juízo sobre eles. De caráter científico, ela sistematiza as compor o título do seminário? alterar totalmente seu sentido. a dos Alterar e divide-se em consciência de emitir um auditório; várias pessoas falamoalternadamente; aslíngua entre sem Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a como predicativo do sujeito concorda com o núcleo próximo. Observe. formação literária. Há mais comentários sobre ase influência de outros ordem devicertas palavras tambémautores pode a falada de língua, Ivanilde Kerexu da Silva. Segundo ela: (ego), impulso de prazer (id) e regras quehásão de prévia, fato nasque situações reais de uso nela Pereira responumaseguidas preparação consiste6. naObserve realização de acrescentar ao conhecer emosua escrita,de como Camões Apollinaire. O leitor pode ainda giavasão naosGrécia em Roma começo fogo do lare para que não seexpressividade a) Quais direitosoubásicos dos indígenas? enunciado, sem que seu sentido se autocensura final do estudos e pesquisas e na elaboração de roteiro escrito incluindo-se as variedades urbanas de prestígio. as reflexões do poeta sobre oSP_LPO3_LA_PNLD2018_U13_C35_328A335.indd fazer poético, assim uma visão ampla (superego), que é a 335 5/28/16 10:30 AM apagasse. alteretendo profundamente. Leia mais sobre b) Na prática, esses direitos são respeitados? Foi aplaudida a estreia e o discurso do diretor. leiCapítulo social stas, por que servenormativa de apoio para apresentaçãoéoral. isso poetas na seçãobrasileiros. Língua viva do 18, internalizada. Os conA gramática ou aprescritiva aquela que determina a sobre a vida intelectual de um dos maiores c) Como foi a conquista desses direitos pelos povos indígenas? p. 154-155, onde se estuda a ordem do das id e do superego são teúdos norma-padrão. É representada pelo conjunto ANOTE de regras otomadas como frase no conto. palavras e a produção de sentido. Explique sentido dessa inconscientes, ou seja, agem noNão escreva 265 70 no livro. Entre textos modelo do que deve ser seguido idealmente no da língua. Nãouso escreva no livro. conteúdo doaseminário é organizado emna temas e subtemas e depende comportamento, sem que o indi5.ODescreva trajetória do inseto parede da sala. 315 Apósda a efervescência libertária da primeira fase modernista, os artistas que surgem a partir da da experiência anterior e do conhecimento prévio de cada pessoa e/ou setambém dêde conta disso. Tudo se década de 1930 descobrem a liberdade de não apenas romper comvíduo a tradição, mas reANOTE tomá-la quando necessário. É desse segundo da momento modernista um conjunto de autores muito realização especialmente para a apresentação. 6. Contedea pesquisa históriavoltada das reações quesobre a presença da esperança na parede como se id e superego dismarcantes do século XX no país, cuja influência pode ser detectada passa na literatura até os dias de hoje. os textos SP_LPO3_LA_PNLD2018_U03_C06_070A076.indd 70 5/28/16 12:07 PM salaàcausa nos membros A gramaticalidade de um enunciado refere-se sua adequação às da família. putassem o acesso de seus con7. As três falas do seminário “O Rio de Janeiro continua índio” revelam SP_LPO3_LA_PNLD2018_U09_C28_264A271.indd 265à regras sintáticas internalizadas pelos falantes de uma língua, ou teúdos ao ego, para o qual se 5/27/16 8:37 PM ponto vista unificado? Explique sua resposta citando um trecho 7.um Qual é ade relação daseja, narradora-personagem com o sentimento de esperança? Noam Chomsky em foto de 2014. gramática internalizada. (ou mais) que a justifique. 5/28/16 5:24 PM apresentam disfarçados e irreANOTE ANOTE conhecíveis. Assim, o ego dirige suas ações baseando-se em jusOAseminário de preparação prévia em dois momentos. as narrativa taanálisedepende da consciência individual transfere o focoHáda da ação 151 Não escreva no livro. refas individuais – como a pesquisa de conteúdo e o preparo do suporte para tificativas falsas ou deformadas, introspecção. O autor não maisescrito estrutura sua narrativa de acordo com o aàapresentação – e a elaboração do roteiro que guiará a fala. Tais taque substituem verdadeiras moencadeamento de açõesque vividas pelas personagens, mas, sim, descreve a rerefas dependem da orientação o grupo definiu para o seminário. O grupo tivações inconscientes. discute o conteúdo que ações servirá de para seu posicionamento crítico ante percussão de tais nobase indivíduo. Vi-me no cimo eterno da montanha, Tentando unir ao peito a luz dos círios Que brilhavam na paz da noite estranha. Acordei do áureo sonho em sobressalto: Do céu tombei aos caos dos meus martírios, Sem saber para que subi tão alto… GuiMaraens, Alphonsus de. In: Moisés, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 333.
TEXTO 5
Ainda estou em luta e sonho Embriagada pelo sentimento de uma ideia Que me afasta da rotina dos meus atos Repetidamente exercidos sem paixão. Não devo mencionar o meu corpo Se quero dissolvê-lo na harmonia Que atenua os desastres e as delícias do tempo Pela saudade, este vasto entretenimento da imaginação. Devo sim estar calma, e pura, Semelhante àquele que em sua virtude ama os doentes Como em si mesmo a indisfarçada fealdade. Despojada dos meus pudores, eu nada prefiro – Apenas sou.
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Gullar, Ferreira. Toda poesia. 15. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p. 338.
A poesia intimista, delicada e grave de Cecília Meireles encontra poucos pares na literatura brasileira. Entretanto, uma nova poeta paulistana está trilhando o complexo caminho lírico aberto pela autora carioca. Nascida em 1979, Mariana Ianelli já conta com uma expressiva carreira literária. Sua obra manifesta semelhanças com a poesia de Cecília Meireles, como a precisão e o cuidado na escolha do vocabulário e o caráter filosófico-metafísico, Mariana destaca-se entre seus contemporâneos com uma poesia singular.
ianelli, Mariana. Passagens. São Paulo: Iluminuras, 2003. p. 51.
Não escreva no livro.
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A língua tem dessas coisas uma língua pode morrer? Se dizemos que a língua é “viva”, temos de assumir que está submetida à possibilidade de “morrer”. Mas será a extinção de uma comunidade linguística a única forma pela qual uma língua pode deixar de existir? Descubra, lendo o texto a seguir.
Em Linguagem, a seção Articulando propõe o debate de questões linguísticas atuais e de relevância social, com base na leitura de textos de especialistas. LíNguA E prOTAgONismO texto 2
Você vai ler dois textos e refletir sobre as diferentes maneiras pelas quais a língua pode ser um instrumento de protagonismo social. O primeiro texto é uma entrevista com a jornalista e escritora Eliane Brum, que revela como sua relação com a língua a transformou e a formou; o segundo traz a história de uma curitibana que transformou a escrita de cartas às autoridades locais em um exemplo de protagonismo.
sete mil cartas para mudar o rio bonito
texto 1
– hoje com 83 anos – nos leva lá todo ano, dizendo: “Essa mulher, Luzia, foi quem nos tirou da ‘cegueira’ das letras”. A Luzia, esse nome meio profético, deu à luz pelas letras. Aí começa o meu interesse pelas letras. E já tinha ideia de que ler e ter contato com os livros era transformador? Intuía: pelo que meu pai dizia de Luzia, pelo que via no rosto dele quando falava dela, mas não sabia que mistério era esse, sabia que tinha algo importante quando as pessoas liam. Sou filha “temporã”, tenho dois irmãos mais velhos e outra irmã, que vinha depois, mas morreu. Quando nasci, todo mundo já lia e, na minha família, todo mundo lê muito. Então, eles ficavam lendo e eu ficava impressionada com aquilo, cada um tendo as expressões mais diferentes possíveis: rindo, chorando. E eu estava fora daquele mundo. Quando começo a ler, me transformo de uma maneira que não sabia que era possível. Fui uma criança muito triste, desde muito pequena tenho uma aflição da vida, como uma coisa árida, e do mundo, como uma coisa bastante dolorosa. Sempre fui muito mais uma “escutadeira” e uma “olhadeira” que uma “faladeira”; quando ia à zona rural, ficava escutando as histórias dos meus parentes. Você chega à escola com essa história? Sim, mas com a perspectiva de que algo vai me transformar. E transforma, porque é a partir dos livros, da palavra escrita, que minha vida passa a existir. Passo a ler compulsivamente e descubro que pelos livros posso ser alienígena, vampiro, fantasma, bicho, planta, fada, duende… posso ser muitos, posso penetrar outras vidas, ir para outros mundos, e é isso que a leitura me dá, é como um portal. Apesar de minha mãe ser professora de literatura e meu pai, de história econômica, os dois deram aulas de português. Eles nunca me disseram o que ler ou proibiram qualquer leitura, porque entendiam que a descoberta era de cada um. Eu ia para as prateleiras da nossa biblioteca e começava a procurar. Minha busca era orientada pelos meus interesses, encontrava todas as minhas respostas nos livros. […]
Zanone Fraissat/Folhapress
entrevista: eliane brum
A delicadeza e o tom suave da voz não deixam transparecer, à primeira vista, o universo de histórias do mundo e de si mesma que Eliane Brum traz. É no transcorrer da conversa, alternada entre o “tu” e o “você”, ou misturando os dois, que a premiada jornalista e escritora gaúcha enreda o interlocutor como se estivesse narrando uma boa história ou uma empolgante reportagem, quase a mesma sensação que se tem ao ler seus textos publicados na imprensa – em novembro passado ela estreou como colunista, em língua portuguesa, da edição para internet do jornal espanhol El País. Eliane falou de experiências pessoais, da relação com os livros, com as palavras, do ato vital de escrever e das delícias da “melhor profissão do mundo”, a de repórter. Quase sempre iniciamos nossas conversas querendo saber da história do entrevistado como leitor. Como foi seu caminho pela leitura e pela escrita? Que papel teve a escola? Minha história com os livros começa antes de eu saber ler e escrever, ouvindo meu pai. Minha família é de agricultores, imigrantes italianos, que foram parar na zona rural de Ijuí, num povoado chamado Picada Conceição. Meu pai foi o primeiro que estudou, por conta de uma história de romance, que se passa no final do século XIX: o filho de um grande estancieiro, parente do general Andrade Neves, família tradicional do Rio Grande, se apaixonou por uma escrava; ela engravidou e, ao contrário do que faziam os homens daquela geração, ele assumiu o filho e o amor, mas foi deserdado. A escrava – nunca descobri o nome dela – morreu, e esse homem, criado para ser um grande general ou advogado, começou a peregrinar pelo Rio Grande do Sul como professor, com sua filha mulata, que se chamava Luzia. E foi a Luzia com o pai dela, Sabino Andrade Neves, que chegaram à Picada Conceição para fazer uma escolinha. Graças a essa escolinha meu pai aprendeu a ler e a escrever. Por um tempo ficou repetindo o mesmo ano, até que não tinha mais para onde ir e a própria Luzia o colocou em uma charrete, levou-o à prefeitura e disse: “Esse guri precisa de bolsa para estudar” – meu pai vai parar no internato e continua os estudos até virar professor. Eu nunca conheci a Luzia, ela está enterrada no cemitério desse povoadinho, e meu pai
A jornalista e escritora Eliane Brum. Foto de 2014.
Moradora da periferia de Curitiba cria correio para que moradores enviem seus pedidos às autoridades. Iniciativa virou um movimento Pouco tempo atrás, se perguntassem à estudante de Direito Luciana Cortes de Oliveira, 37 anos, o que era uma fila para consulta médica, ela faria caras e bocas. “Uma abstração”, brinca. Moradora da Água Verde, tinha lá as suas pedras no sapato, mas nada que a obrigasse pular da cama às 4 da madrugada e passar horas à espera de uma senha. Até que lhe veio o infortúnio [...] Novo endereço: Moradias Rio Bonito, loteamento popular com espantosos 28 mil habitantes, no Campo de Santana, a 33 quilômetros do Centro. De tudo o que encontrou na periferia – de ônibus passando de hora em hora a crateras lunares em vez de asfalto –, o que mais lhe impressionou foi a quantidade de pessoas, no meio da noite funda, acampadas na porta da unidade de saúde, como se fosse ali um campo de refugiados. “Fiquei revoltada. Aquilo virava quadra. Perguntei como é que eles não botavam a boca no mundo. Ninguém me respondeu”, conta a mulher que decidiu comandar o serviço ela mesma. Mostrou a língua e soltou o verbo. [...]
Misericórdia “Bom dia, meu nome é Luciana e estou aqui para ouvi-los…” É assim que começa sua fala, nas visitas madrugueiras à Unidade de Saúde Rio Bonito. Caderno universitário nas mãos, faz as vezes de escrevinhadora das cartas, prometidas às autoridades. Ouve histórias de pasmar: “A senhora anda quatro quilômetros e meio para chegar aqui? Misericórdia”. Anota as reclamações – do médico pouco dado ao batente, passando ao que acontece da porta para fora: som alto, cachorro que não para de latir, bandidagem que grassa solta, excesso de ruas
VocAbuLário de Apoio
enredar: desenvolver enredo, contar estancieiro: proprietário de fazenda
Vila Lambari Os resultados apareceram antes mesmo de terminar as remessas que, aposta, cairão feito plumas na mesa de vereadores, secretários e burocratas. O número de atendimentos na unidade de saúde passou de 22 para 60 por dia. No lugar onde não havia termômetros, hoje 38 peças estão à disposição de mães aflitas e seus pequenos em febres. […]. “Tentaram me inibir, é claro. Mas a gente só quer cumprir a Constituição”, conta. Se tem detratores, Luciana conta com apoios. Como muitos moradores têm dificuldade com a escrita, voluntários se somaram à empreitada, como a vizinha Lindacir Monteiro, 71 anos. Há quem dite in loco, a turma do movimento escreve. […] Embora viva um autoexílio no Rio Bonito, Luciana Cortez não pretende sair dali tão cedo. Tem apoio. A população fez dela presidente do Conselho de Saúde. Difícil quem não conheça a “guria das cartas”, aquela “sempre cheia de ideias”. A última foi bater na porta das quatro escolas da região, sugerindo que a prática das “mal traçadas linhas” seja uma atividade pedagógica. Teve apoio.
Luciana Cortes, na biblioteca caseira que divide com o marido Fernando, mostrando uma das famosas caixas que atiçaram a participação popular no Rio Bonito. VocAbuLário de Apoio
abstração: ato ou efeito de abstrair(-se); abstraimento
Disponível em: . Acesso em: 29 maio 2013.
1. Leia o texto e explique os três fatores que podem levar ao desaparecimento de uma língua. 2. Quais medidas podem ajudar na revitalização de uma língua? 3. A extinção de uma língua traz perdas não apenas à comunidade que a fala. Explique.
grassar: propagar-se, espalhar-se hors-concours: termo de origem francesa que se refere a algo que não possui competição por ser superior aos demais
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in loco: no próprio local
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A seção A língua tem dessas coisas destaca aspectos curiosos ou engraçados da língua.
infortúnio: adversidade, acontecimento infeliz missiva: carta, bilhete
1. Em grupos de até cinco pessoas, procure responder oralmente às seguintes questões, com base na leitura dos textos. Depois, o professor ajudará os grupos a expor as conclusões a que chegaram, registrando no quadro de giz a síntese do debate. a) De que maneira cada uma das duas experiências relatadas permite identificar as relações existentes entre língua e protagonismo? b) Em seu bairro ou cidade, há iniciativas semelhantes às descritas nos textos? Quais? c) Pensando no que você estudou durante o Ensino Médio, reflita: Que outras formas de protagonismo social a língua possibilita? Elas são acessíveis aos jovens? Que iniciativas você e seus colegas poderiam começar a implantar desde já?
peregrinar: andar em peregrinação, viajar temporão: filho que nasce muito depois do irmão que o precede
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Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Vestibular e Enem
Todas as unidades se encerram com a seção Vestibular e Enem, que apresenta questões relacionadas ao tema da unidade. Na parte de Produção de texto, há propostas de redação.
Em geral, os exames vestibulares propõem em suas provas de redação um texto do tipo dissertativo-argumentativo. A edição 2016 do vestibular da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP) propôs que os candidatos redigissem uma dissertação com argumentos que sustentassem seu ponto de vista sobre um destes dois temas: “A relação público/privado nas redes sociais” ou “O papel do consumo na formação da identidade e/ou dos valores dos indivíduos”. Já a prova de redação do vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP) de 2016 solicitou que o candidato, com base na leitura de uma fábula de La Fontaine, elaborasse uma resenha. Por fim, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no vestibular de 2013, requisitou a produção de um artigo de opinião sobre a liberdade nas redes sociais. Para atender a essas propostas, você pode contar com os conceitos e reflexões que compuseram esta unidade. 1. (ESPM-SP) Tema 1 Uma das consequências involuntárias da revolução informática foi a fragilização das fronteiras entre o público e o privado, confundindo-se ambos num happening em que todos somos ao mesmo tempo espectadores e atores, em que nos exibimos reciprocamente, ostentando nossa vida privada e nos divertindo observando a alheia, num strip tease generalizado no qual nada ficou a salvo da mórbida curiosidade. Mario Vargas Llosa
PROPOSTA: Com base nas informações do texto e em outras de seu conhecimento sobre o assunto, elabore um texto dissertativo que apresente considerações acerca da relação público/privado nas redes sociais. Tema 2 Numa época em que os produtos estão cada vez mais em igualdade técnica, é preciso encontrar um meio de se destacar, de atrair o olhar pelo “algo mais” que permite diferenciá-los. O sucesso da Apple se deve em grande parte a essa distinção assegurada pelo design, no qual sempre apostou prioritariamente… A companhia soube conceber o mundo Apple em que o computador, por suas linhas, seu sistema de navegação, seu grafismo, define um estilo de vida e induz o pertencimento a um grupo que compartilha seus valores. lipovetsky, Gilles; serroy, Jean. A estetização do mundo.
PROPOSTA: Com base nas informações do texto e em outras de seu conhecimento sobre o assunto, elabore um texto dissertativo que apresente considerações acerca do papel que o consumo vem assumindo atualmente na formação da identidade/valores dos indivíduos. • Escolha um dos temas acima e desenvolva uma dissertação com o mínimo de 20 linhas e o máximo de 30 linhas, considerando-se letra de tamanho regular. • […] • Dê um título sugestivo e criativo à sua redação. • Defenda ou refute as ideias apresentadas através de uma dissertação integrada, coerente, organizada e estruturada. Fundamente suas ideias com argumentos, sem sair do tema. Aderência ao tema é um dos itens de avaliação. Importante: Não há uma resposta ou alternativa certa ou errada a ser encontrada. Não vamos julgar suas opiniões, mas sua capacidade de análise e argumentação. 2. (Unicamp-SP) Você é um estudante universitário que participará de um concurso de resenhas, promovido pelo Centro de Apoio ao Estudante (CAE), órgão que desenvolve atividades culturais em sua Faculdade. Esse concurso tem o objetivo de estimular a leitura de obras literárias e ampliar o horizonte cultural dos estudantes. A resenha será lida por uma comissão julgadora que deverá selecionar os dez melhores textos, a serem publicados. Você escolheu resenhar a fábula de La Fontaine transcrita abaixo. Em seu texto, você deverá incluir: a) uma síntese da fábula, indicando os seus elementos constitutivos; b) a construção de uma situação social análoga aos fatos narrados, que envolva um problema coletivo; c) um fechamento, estabelecendo relações com a temática do texto original. Seu texto deverá ser escrito em linguagem formal, deverá indicar o título da obra e ser assinado com um pseudônimo.
Projeto 1
vocabuLário de apoio
A Deliberação Tomada pelos Ratos Rodilardo, gato voraz, aprontou entre os ratos tal matança, que deu cabo de sua paz, de tantos que matava e guardava na pança. Os poucos que sobraram não se aventuravam a sair dos buracos: mal se alimentavam. Para eles, Rodilardo era mais que um gato: era o próprio Satã, de fato. Um dia em que, pelos telhados, foi o galante namorar, aproveitando a trégua, os ratos, assustados, resolveram confabular e discutir um modo de solucionar esse grave problema. O decano, prudente, definiu a questão: simples falta de aviso, já que o gato chegava, solerte. Era urgente amarrar-lhe ao pescoço um guizo, concluiu o decano, rato de juízo. Acharam a ideia excelente, e aplaudiram seu autor. Restava, todavia, um pequeno detalhe a ser solucionado: quem prenderia o guizo – e qual se atreveria? Um se esquivou, dizendo estar muito ocupado; Outro alegou que andava um tanto destreinado em dar laços e nós. E a bela ideia teve triste final. Muita assembleia, ao fim nada decide – mesmo sendo de frades ou de veneráveis abades…
abade: superior de ordem religiosa que dirige uma abadia. frade: indivíduo pertencente a ordem religiosa cujos membros seguem uma regra de vida e vivem separados do mundo secular. decano: o membro mais velho ou mais antigo de uma classe, assembleia, corporação, etc. guizo: pequena esfera de metal com bolinhas em seu interior que, quando sacudida, produz um som tilintante. solerte: engenhoso, esperto, sagaz, ardiloso, arguto, astucioso
Deliberar, deliberar… conselheiros, existem vários; mas quando é para executar, onde estarão os voluntários? Fábulas de La Fontaine. Trad. Milton Amado; Eugênia Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 2003. p. 134-136.
3. (UFRN) Em todo o mundo, as denominadas redes sociais, como Twitter e Facebook, além de agilizarem a comunicação entre milhões de pessoas, vêm se revelando como um instrumento útil na projeção de questões políticas e sociais, criando novas possibilidades de expressar opiniões e mobilizar pessoas. No Brasil, pelo menos um terço da população manifesta, nesses espaços virtuais, a sua opinião sobre qualquer tema. Essas manifestações vão desde aquelas que têm como objetivo a justiça social até as que expressam algum tipo de ódio ou preconceito contra grupos tidos como minoritários. Diante dessa polêmica em torno do papel das redes sociais, o jornal Voz digital criou uma seção destinada à publicação de artigos de opinião sobre o assunto. Para participar desse debate, escreva um artigo de opinião em que você se posicione sobre a seguinte questão: Redes sociais: exercício ou abuso da liberdade? Seu artigo deverá, obrigatoriamente, atender às seguintes exigências: • […] • não ser escrito em versos; • apresentar explicitamente um ponto de vista, fun• conter, no máximo, 40 linhas; damentado em, no mínimo, dois argumentos; • não ser assinado (nem mesmo com pseudônimo). • ser redigido na variedade padrão da língua portuguesa; ATENÇÃO Será atribuída nota zero à redação em qualquer um dos seguintes casos: • texto com até 14 linhas; • identificação do candidato (nome, assinatura ou pseudônimo); • fuga ao tema ou à proposta; • artigo escrito em versos. • letra ilegível;
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Feira de profissões
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b) Perfil profissional: Que características de personalidade esse profissional precisa ter? Que características pessoais podem prejudicá-lo? c) Rotina de trabalho: Como é o dia a dia desse profissional? O que ele faz? Quais costumam ser os SP_LPO3_LA_PNLD2018_U13_C36_336A345.indd 344 horários de trabalho? d) Tendências de mercado: Como está o mercado de trabalho para essa profissão? Quais são as tendências para os próximos anos? e) Outros aspectos que o grupo deseja contemplar. • Para cada profissão, organizem as informações em uma ficha avulsa.
O que você vai fazer
Rawpixel Ltd/iStock/Getty Images
Neste projeto, você e os colegas vão organizar uma feira de profissões, que será uma exposição aberta à comunidade. Em grupos, vocês pesquisarão profissões de diferentes áreas: a formação necessária para exercê-las, o perfil do profissional da área, a rotina de trabalho, o mercado de trabalho, etc. Depois, organizarão um evento em que as profissões serão apresentadas ao público. Essa pode ser uma experiência interessante neste momento de conclusão do Ensino Médio, pois em breve, precisarão tomar decisões relativas à vida profissional.
São muitas as profissões e áreas de atuação de cada profissional, assim como há diferentes ambientes de trabalho possíveis, de acordo com a formação profissional de cada pessoa.
Objetivos
• Identificar os interesses profissionais da turma. • Pesquisar sobre diferentes profissões e seu exercício. • Apresentar resultados de pesquisa.
Elaboração
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3. Preparação das apresentações • Os integrantes de cada grupo devem se organizar em cinco subgrupos. Cada um ficará responsável por uma profissão. • Releiam a ficha da profissão pela qual ficaram responsáveis e elaborem um cartaz com as principais informações nela contidas. Nesse cartaz, vocês podem fazer ilustrações ou colar fotos relacionadas à profissão. O cartaz ficará exposto no estande do grupo no dia da exposição. • Imprimam, ou recortem de jornais e revistas, notícias, reportagens, anúncios publicitários e outros textos que façam referência à profissão. Reúnam esse material em um dossiê, que pode ser uma pasta em cuja capa a profissão esteja identificada. Esse dossiê ficará disponível para os visitantes do evento e depois poderá ser doado à biblioteca da escola, formando uma coleção de dossiês das profissões que futuramente poderá ser consultada por outras turmas de terceiro ano. • Se possível, reúnam uniforme, traje característico ou objetos relacionados à profissão para decorar o espaço de vocês no estande de exposição. • Com base na ficha da profissão e na organização dos outros materiais, preparem a fala que vocês dirigirão aos visitantes do estande durante a feira. a) Apresentação da profissão: com o apoio do cartaz elaborado, organizem a apresentação dos resultados da pesquisa, mencionando todas as características da profissão. b) Apresentação do dossiê: finalizem o dossiê da profissão para os visitantes consultá-lo. c) Abertura para perguntas: reservem um momento para os visitantes fazerem perguntas sobre a profissão. d) Agradecimento: preparem um agradecimento formal aos visitantes.
2. Pesquisa sobre as profissões • Façam uma pesquisa sobre as cinco profissões escolhidas. Essa pesquisa pode ser executada na internet e/ou por meio de conversas com pessoas que atuem nessas profissões. Sigam alguns aspectos a ser contemplados. a) Formação: Que curso(s) é (são) necessário(s) fazer? Qual é a duração? Onde está(ão) disponível(is)? Como ingressar nesse(s) curso(s)?
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Nas páginas finais do livro estão dois projetos semestrais. Com orientações detalhadas, eles apresentam propostas a serem desenvolvidas com a comunidade escolar e extraescolar.
4. Organização da feira de profissões • A feira de profissões poderá acontecer em uma data conveniente à comunidade, no pátio da escola ou em outro espaço que comporte o evento. • Cada grupo terá um estande, que poderá ser organizado com as próprias carteiras da sala de aula. Os cartazes confeccionados pelos subgrupos deverão ser afixados na parede, e os integrantes do grupo deverão se posicionar entre os cartazes e as carteiras, onde ficarão expostos os dossiês sobre as profissões e os objetos a elas relacionados. • Cada grupo deve confeccionar um cartaz ou uma faixa que identifique o campo a que pertencem as profissões. • Profissionais podem ser convidados para falar sobre seu trabalho no dia do evento. • Cada subgrupo deve se revezar de modo que todos visitem os demais estandes e conheçam as profissões apresentadas pela turma.
Este projeto será elaborado em quatro etapas, descritas a seguir.
1. Escolha das profissões • A classe deve se organizar, primeiramente, em três grupos, de acordo com o interesse dos alunos. a) Profissões do campo das Ciências Humanas. b) Profissões do campo das Ciências Exatas. c) Profissões do campo das Ciências Biológicas. • Cada grupo vai fazer uma lista de profissões que fazem parte do campo pelo qual ficou responsável. Para isso, pesquisem na internet e em guias de profissões. • Realizem uma votação no grupo e anotem as cinco profissões pelas quais houve maior interesse.
Avaliação
• Após o evento, reúna-se com toda a turma e busque identificar se este projeto os auxiliou de
alguma forma na escolha da futura profissão. Conversem também sobre as dificuldades, os erros e os acertos ocorridos na realização do projeto. Quais foram os aspectos positivos? O que poderia ter sido melhor? Como o grupo avalia o envolvimento da comunidade?
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Professora da escola Ixubãy Rabuy Puyanawa, em Mâncio Lima (AC), exibindo cartaz com as partes do corpo humano escritas na língua poianaua. Foto de 2010.
Para tornar viável a comunicação, Aldir de Paula está produzindo uma gramática. Mas o sucesso do projeto dos poianauas ainda depende de Railda. Só ela sabe, por exemplo, a entonação das palavras. Recentemente, os poianauas descobriram outra esperança de contato com a língua “real”. Ouviram falar que, no Peru, vivem representantes da etnia, que teriam escapado quando os indígenas foram capturados. Língua difícil Enquanto isso não é provado, Jósimo Constante, 20, tenta aprender com Railda. Fala inglês e espanhol, mas diz que poianaua é “mais complicado”. A dificuldade é reflexo de um sistema linguístico que traduz uma forma diferente de enxergar o mundo. São essas riquezas, escondidas na diversidade dos idiomas, que desaparecem com a morte das línguas. No poianaua, por exemplo, existem quatro formas de falar nós: uma que inclui quem está ouvindo, uma que exclui, uma que inclui quem ouve e quem fala e uma que significa todos os seres e criaturas. [...] Os poianauas sabem que também vai levar muito tempo até o projeto de recuperação dar resultado. Esperam que isso aconteça nas próximas gerações, se os alunos transmitirem o idioma para seus filhos. [...]
BandeIra, Luiza. Folha de S.Paulo, 8 jul. 2009.
detrator: que ou quem detrata, difama
debAte
intuir: perceber, deduzir
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com o sobrenome “Bertoldi” e a lamúria hors concours – falta de vaga nas creches. Diante da demanda, a ativista decidiu deixar “caixas de correio” pela comunidade, para que os moradores postassem ali seus acertos de contas, de próprio punho. [...] Semana a semana, ajudada pelo marido, Fernando, Luciana recolhe as missivas, classifica-as e se prepara para levá-las, breve, ao lugar de direito: à Câmara Municipal o que é da Câmara, à Fundação de Ação Social o que é da Fundação, e assim por diante. “Quero chegar a 7 mil cartas. Entregues nas repartições, cada uma delas vai gerar um protocolo. Digo pro povo – escrevam uma carta por dia”, bota meta, causa impressão.
FernandeS, José Carlos. Gazeta do Povo, 3 out. 2015. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016.
gurgel, Luiz Henrique. Escrevendo o futuro. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016.
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Alexandre/Gazeta do Povo/Folhapress
Articulando
Língua proibida revive no Acre Railda Manaitá, 79, permanece calada enquanto tenta lembrar como se diz “bananeira” em poianaua. Ela olha para cima e se concentra. Até conseguir dizer “xiku”, aliviada, são longos 30 segundos de silêncio e apreensão. Os poianauas contam com a memória de Railda, única pessoa que ainda fala bem a língua indígena. Precisam dela para salvar da extinção um idioma proibido quase cem anos atrás. O desafio é grande. A única história conhecida de língua que ressurgiu é a do hebraico, que perdeu o uso durante a diáspora judaica e ficou restrito à liturgia por cerca de 1 800 anos. Foi recriado e hoje é língua oficial de Israel. O poianaua começou a desaparecer por volta de 1910, quando os índios foram sequestrados e escravizados numa fazenda de extração de borracha. Os seringalistas proibiram a língua e criaram uma escola para ensinar o português. Quem falava poianaua era castigado. Podia ter os olhos furados e dentes e unhas arrancados sem anestesia, de acordo com o linguista Aldir de Paula, da Universidade Federal de Alagoas. “Os patrões foram inteligentes. É pela língua que existe controle social.” Hoje, os poianauas vivem onde funcionava a fazenda, em Mâncio Lima (AC), quase na fronteira com o Peru. Entre os cerca de 500 índios, outros dois lembram da língua: o irmão de Railda, Luiz Manaitá, 85, e o ex-cacique Mario Puyanawa, 65. Mas só ela é fluente. Os três aprenderam porque pertenciam às poucas famílias que desobedeciam às regras. Na época, também, o preconceito fez com que muitos parassem de falar por vergonha. A transmissão cessou nessa geração. Os filhos e netos deles não aprenderam a língua. Escola indígena A valorização da cultura veio com o processo de demarcação de terras, concluído em 2001. Um ano antes, a escola adotou um modelo de ensino que valoriza a diversidade. [...] A escola vai do ensino infantil ao médio. Os 232 alunos respondem à chamada em poianaua e dançam músicas típicas. O professor do idioma traduz o que é ensinado nas disciplinas. Na aula de matemática, por exemplo, falam os números também em poianaua. [...] Como os professores não são falantes plenos da língua, o resultado é limitado. O aprendizado é restrito a nomes de animais, partes do corpo, números e frases simples.
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Sumário Literatura: Autonomia e competência expressiva
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Unidade 1
Belle Époque e Pré-Modernismo: duas faces do Brasil 14
Capítulo 1
Belle Époque tropical ............................... 16 Sua leitura: As canções da noite (Alphonse Osbert) ......................................... A arte (Theóphile Gautier) ............................ O contexto de produção.................................... O Parnasianismo no Brasil ............................... Olavo Bilac.......................................................... Sua leitura: A um poeta e Soneto XIII, “Via láctea” (Olavo Bilac)............................... O Simbolismo no Brasil..................................... Cruz e Sousa: a tragédia da existência........... Sua leitura: O Assinalado (Cruz e Sousa).....
16 17 18 20 21 22 23 24 25
Capítulo 2 O Pré-Modernismo – retratos do Brasil..... 26 Sua leitura: Caipira picando fumo (Almeida Júnior) ............................................ 26 Cidades mortas (Monteiro Lobato)................ 27 O contexto de produção.................................... 28 Euclides da Cunha: a anatomia do sertão....... 29 Sua leitura: Os sertões (Euclides da Cunha). 30 Monteiro Lobato: o caboclo e os problemas da mestiçagem........................ 32 Sua leitura: Urupês (Monteiro Lobato)........... 33 Lima Barreto: um projeto de Brasil................. 34 Sua leitura: Triste fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto)................................................ 35 Augusto dos Anjos: um poeta singular............ 36 Sua leitura: Sonetos II e III (Augusto dos Anjos) ...................................... 37 Ferramenta de leitura: A questão das raças na literatura pré-modernista ..................................... 38 Canaã (Graça Aranha)........................... 39 Entre textos: Texto 1 – Guardador (João Antônio)............................................. Texto 2 – Morte e vida severina (João Cabral de Melo Neto)........ Texto 3 – Curso superior (Marcelino Freire)................................. Vestibular e Enem .......................................................................
Unidade 2 Manifestações
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do moderno 43
Capítulo 3 As vanguardas europeias – diálogos do moderno............................... 44 Sua leitura: As senhoritas de Avignon (Pablo Picasso).............................................. Ode triunfal (Álvaro de Campos) ................... O contexto de produção.................................... Sua leitura: Memórias sentimentais de João Miramar (Oswald de Andrade) ......................
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Capítulo 4 O Modernismo em Portugal – novidades artísticas e ecos do passado..................... 48 O contexto de produção.................................... 48 Os eus de Fernando Pessoa.............................. 50 Sua leitura: Poema de Alberto Caeiro......... 52
D. Sebastião, Rei de Portugal e Mar portuguez (Fernando Pessoa)......................................... 53 Ferramenta de leitura: A obscuridade da lírica moderna......... 54 Entre textos: Texto – A pane (Friedrich Dürrenmatt)......................................... 55 Vestibular e Enem ....................................................................... 56
Unidade 3 O
Modernismo no Brasil: primeira fase
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Capítulo 5 A primeira fase do Modernismo – autonomia artística ................................. 58 Sua leitura: Descobrimento (Mário de Andrade)........................................ 58 Samba (Di Cavalcanti)................................... 59 O contexto de produção.................................... 60 Sua leitura: Advertência (Ronald de Carvalho).......................................... 62 Ode ao burguês (Mário de Andrade).............. 63
Capítulo 6 Mário, Oswald e Bandeira: ousadia literária...................................... 64 Mário de Andrade: “Eu sou trezentos”............ 64 Sua leitura: Macunaíma (Mário de Andrade). 66 Oswald de Andrade: antropofagia literária.... 67 Sua leitura: Ideal bandeirante e Serafim Ponte Grande (Oswald de Andrade)................ 69 Manuel Bandeira: cotidiano em verso............. 70 Sua leitura: Poema tirado de uma notícia de jornal (Manuel Bandeira).......................... 71 Ferramenta de leitura: A literatura e a padronização da vida...... 72 Sunetto crassico (Juó Bananére)............. 73 Soneto 88 (Luís de Camões)................... 73 Entre textos: Texto 1 – À Ilha de Maré termo desta Cidade da Bahia (Manuel Botelho de Oliveira)........................................ 74 Texto 2 – Marginália 2 (Torquato Neto e Gilberto Gil)................ 75 Texto 3 – Sargento Getúlio (João Ubaldo Ribeiro)........................ 75 Vestibular e Enem ....................................................................... 76
Unidade 4 O
Modernismo no Brasil: segunda fase
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Capítulo 7 A segunda fase do Modernismo – urgências sociais..................................... 78 Sua leitura: Os retirantes (Cândido Portinari)........................................ A bagaceira (José Américo de Almeida)........ O contexto de produção.................................... Sua leitura: Vidas secas (Graciliano Ramos). Capitães da Areia (Jorge Amado)...................
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Capítulo 8 O Nordeste revisitado.............................. 84 Rachel de Queiroz: a seca e suas desgraças...... 84 Sua leitura: O quinze (Rachel de Queiroz)..... 85 Jorge Amado: a Bahia como protagonista....... 86 Sua leitura: Gabriela, cravo e canela (Jorge Amado)................................................ 87 José Lins do Rego: a memória dos canaviais..... 88 Sua leitura: Fogo morto (José Lins do Rego).... 89 Graciliano Ramos: a escrita medida................ 90
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© Miró, Juan/AUTVIS, Brasil, 2016. Kunstmuseum Bern, Berna. Fotografia: ID/BR
Sua leitura: São Bernardo (Graciliano Ramos)........................................ 92 Vidas secas (Graciliano Ramos)..................... 93
Capítulo 9 O ciclo do Sul.......................................... 94 Erico Verissimo: sucesso popular e restrições da crítica........................................ Sua leitura: Clarissa e O tempo e o vento (Erico Verissimo).............................................. Dyonélio Machado: ratos ou homens?............. Sua leitura: Os ratos (Dyonélio Machado)......
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Capítulo 10 Carlos Drummond de Andrade: o eu e o mundo........................................ 98 Drummond e o Modernismo............................. 98 Sua leitura: Carta a Stalingrado (Carlos Drummond de Andrade).................. 100 Legado e Jardim (Carlos Drummond de Andrade)................... 101
Capítulo 11 Murilo Mendes e Jorge de Lima: novidades da poesia religiosa................ 102 Murilo Mendes: liberdade e transcendência... 102 Sua leitura: Fim e Pré-história (Murilo Mendes)........................................... 103 Jorge de Lima: múltiplas tendências............. 104 Sua leitura: A divisão de Cristo e Invenção de Orfeu (Jorge de Lima)................................ 105
Capítulo 12 Cecília e Vinicius: reflexões sobre a experiência humana................... 106 Cecília Meireles: a efemeridade do ser......... 106 Sua leitura: Marcha (Cecília Meireles)......... 107 Vinicius: poesia entre céu e terra.................. 108 Sua leitura: A rosa de Hiroxima e Soneto de fidelidade (Vinicius de Moraes)............... 109 Ferramenta de leitura: Projeto estético e projeto ideológico..... 110 Mensagem à poesia (Vinicius de Moraes). 111 Vidas secas (Graciliano Ramos)............ 111 Entre textos: Texto 1 – Luzia-homem (Domingos Olímpio)............................. 112 Texto 2 – Poema obsceno (Ferreira Gullar)................................. 112 Texto 3 – A eternidade (Arthur Rimbaud)................................... 113 Texto 4 – Soneto LXXV (Alphonsus de Guimaraens).................. 113 Texto 5 – Passagens (Mariana Ianelli)....................................... 113 Vestibular e Enem ..................................................................... 114
Unidade 5 A
geração de 1945 e desdobramentos
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Capítulo 13 A terceira fase do Modernismo – o apuro da forma................................... 116 Sua leitura: Composição A (Piet Mondrian)... 116 Psicologia da composição (João Cabral de Melo Neto)......................... 117 O contexto de produção.................................. 118 Sua leitura: Auto da compadecida (Ariano Suassuna) ....................................... 120 Sua leitura: Duelo (João Guimarães Rosa)... 121
Capítulo 14 João Guimarães Rosa: o universal nascido do regional.............. 122 Uma obra “espantosa”........................................ 122 Sua leitura: Grande sertão: veredas (João Guimarães Rosa)................................ 126
Capítulo 15 Clarice Lispector: a iluminação do cotidiano...................... 128 A crise da subjetividade................................. 129 Sua leitura: Amor (Clarice Lispector)......... 130
Capítulo 16 João Cabral de Melo Neto: a arquitetura da linguagem.................... 132 Uma poesia racional........................................ 132 Duas águas: a poesia e o Nordeste................ 133 Sua leitura: O cão sem plumas (João Cabral de Melo Neto)......................... 134 Morte e vida severina (João Cabral de Melo Neto)........................... 135
Capítulo 17 A literatura brasileira entre os anos 50 e 70............................. 136 O contexto de produção.................................. 136 Novos caminhos literários.............................. 137 Sua leitura: Da morte (Hilda Hilst)............. 140 Poema de Ana Cristina Cesar.......................... 140 lápide 1 (Paulo Leminski)................................ 140 Soneto torresmista (Glauco Mattoso).............. 141 Ferramenta de leitura: A caracterização da personagem teatral ................................. 142 A personagem no teatro (Décio de Almeida Prado)..................... 142 Amor (Clarice Lispector)....................... 143 Vestido de noiva (Nelson Rodrigues)... 143 Entre textos: Texto 1 – Jogos florais (Cacaso).................................................. 144 Texto 2 – Canção do Exílio (Fernando Bonassi).......................... 144 Vestibular e Enem ..................................................................... 145 9
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Sumário Linguagem: A arquitetura da língua Unidade 6 Ordenar
palavras, produzir sentidos
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Capítulo 18 Introdução à sintaxe.............................. 150 A sintaxe do português................................... 150 Língua: análise e descrição............................ 152 Prática de linguagem ................................ 153 Língua viva: A ordem das palavras e a produção de sentido.................................... 154 Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll).............................................. 154 Em dia com a escrita: Anacoluto: expressividade falta de clareza............... 156
Capítulo 19 Frase, oração, período........................... 158 A estrutura dos enunciados............................ 158 Prática de linguagem ................................ 161 Língua viva: Informações implícitas nas frases de anúncios publicitários.......... 162 Em dia com a escrita: Sinais de pontuação como recurso expressivo............................. 164 Articulando: Língua portuguesa ou brasileira?........................ 166 A língua tem dessas coisas: A busca pela língua universal.... 168 Vestibular e Enem ..................................................................... 169
Unidade 7 O
período simples
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Capítulo 20 Termos essenciais da oração.................. 172 Sujeito e predicado......................................... 172 Tipos de sujeito................................................ 174 Prática de linguagem ................................ 176 Tipos de predicado.......................................... 178 Prática de linguagem ................................ 179 Língua viva: Tipos de sujeito e efeitos de sentido..................................................... 180 Carta-testamento (Getúlio Vargas)........................................... 180 Em dia com a escrita: A modalização........ 182
Capítulo 21 Termos integrantes da oração................. 184 Transitividade.................................................. 184 Complementos verbais.................................... 185 Prática de linguagem ................................ 186 Complemento nominal.................................... 188 Prática de linguagem ................................ 189 Língua viva: Complementos verbais e variação linguística................................... 190 Outsiders: vidas sem rumo (Susan Hinton)............................................. 190 Em dia com a escrita: Complementos verbais representados por pronomes......... 192
Capítulo 22 Termos acessórios da oração.................. 194 Adjunto adnominal.......................................... 194 Adjunto adverbial............................................ 195 Prática de linguagem ................................ 197 Aposto............................................................... 198 Prática de linguagem ................................ 199 Língua viva: Os adjuntos adnominais e a precisão.................................................. 200 O cão dos Baskervilles (Arthur Conan Doyle) ... 200
Em dia com a escrita: Ordem indireta ou inversa e usos da vírgula............................. 202 Em dia com a escrita: Aposto e vocativo e sinais de pontuação.................................. 203 Articulando: A língua politicamente correta............................ 204 A língua tem dessas coisas: Libras – a língua brasileira de sinais...................................................................... 206 Vestibular e Enem ..................................................................... 207
Unidade 8 O
período composto
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Capítulo 23 Orações coordenadas............................. 210 A estrutura do período composto.................. 210 Sintaxe das orações coordenadas ................. 211 Tipos de coordenadas sindéticas................... 212 Prática de linguagem ................................ 213 Língua viva: Orações coordenadas assindéticas e efeitos de sentido................ 215 Em dia com a escrita: A pontuação das orações coordenadas................................... 217
Capítulo 24 Orações subordinadas substantivas........ 218 Sintaxe das orações subordinadas substantivas..................................................... 218 Tipos de oração subordinada substantiva.... 219 Articulação das orações subordinadas substantivas............................. 220 Orações subordinadas substantivas reduzidas................................... 221 Prática de linguagem ................................ 222 Língua viva: Discursos direto e indireto na construção do ponto de vista................. 224 Em dia com a escrita: As orações substantivas reduzidas e a concisão.......... 226
Capítulo 25 Orações subordinadas adjetivas............. 228 Sintaxe das orações subordinadas adjetivas................................... 228 Tipos de oração subordinada adjetiva.......... 229 A articulação das orações subordinadas adjetivas................................... 230 Prática de linguagem ................................ 231 Língua viva: As orações adjetivas explicativas e a argumentação.................... 232 Tão jovens, tão cruéis (Carolina Rossetti)....................................... 232 Em dia com a escrita: O uso da pontuação nas orações subordinadas adjetivas........... 234
Capítulo 26 Orações subordinadas adverbiais........... 236 Sintaxe das orações subordinadas adverbiais................................ 236 Tipos de oração subordinada adverbial I..... 237 Prática de linguagem ................................ 238 Tipos de oração subordinada adverbial II.... 240 Orações subordinadas adverbiais reduzidas....................................... 242 Período misto................................................... 243 Prática de linguagem ................................ 244 Língua viva: O valor argumentativo das orações subordinadas adverbiais............... 246 Refrigerantes açucarados (Drauzio Varella).......................................... 246
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Em dia com a escrita: A pontuação nas orações subordinadas adverbiais............... 248 Articulando: Modismos da língua............................................. 250
Entre o texto e o discurso – O que está implícito.......................................... 302 Produzir um currículo...................................... 304
A língua tem dessas coisas: Uma língua pode morrer?.......... 252
Capítulo 32 Perfil biográfico..................................... 306
Vestibular e Enem ..................................................................... 253
Leitura: Zé Peixe (Marcia Bindo)................................................... 306 Ler um perfil biográfico.................................. 308 Produzir um perfil biográfico......................... 310
Unidade 9
Aspectos da sintaxe na norma-padrão
255
Capítulo 27 Colocação pronominal............................ 256 Revisão: pronomes pessoais.......................... 256 Norma-padrão e eufonia................................. 257 Prática de linguagem ................................ 258 Língua viva: A colocação pronominal na língua cotidiana...................................... 260 Deixem eu ser brasileiro! (Marcos Bagno)............................................ 260 Em dia com a escrita: Informatividade e progressão textual....................................... 262
Capítulo 28 Concordância e regência........................ 264 Concordância.................................................... 264 Concordância nominal..................................... 265 Concordância verbal........................................ 266 Prática de linguagem ................................ 268 Regência............................................................ 269 Prática de linguagem ................................ 271 Língua viva: Regência e concordância no uso cotidiano da língua.......................... 272 Em dia com a escrita: A crase.................... 274 Articulando: Língua e protagonismo......................................... 276 A língua tem dessas coisas: Com quantos países se faz uma lusofonia?................................................................. 278 Vestibular e Enem ..................................................................... 279
Produção de texto: A pluralidade em destaque
280
Unidade 10 Narrar
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Capítulo 29 Conto psicológico.................................. 284 Leitura: Uma esperança (Clarice Lispector)............................................. 284 Ler um conto psicológico................................ 286 Entre o texto e o discurso – O estranhamento............................................... 288 Produzir um conto psicológico....................... 290 Vestibular e Enem ..................................................................... 292
Unidade 11 Relatar
293
Capítulo 30 Discurso de orador de formatura............ 294 Leitura: Discurso de formatura (Alef Almeida Nascimento)............................... 294 Ler um discurso de orador de formatura...... 296 Produzir um discurso de orador de formatura........................................ 298
Capítulo 31 Currículo............................................... 300 Leitura: Currículo de David Avelino................. 300 Ler um currículo............................................... 301
Vestibular e Enem ..................................................................... 312
Unidade 12 Expor
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Capítulo 33 Seminário.............................................. 314 Leitura: Arassari Pataxó, da aldeia Maracanã (Seminário “O Rio de Janeiro continua índio”) ................................................ 314 Ler um seminário............................................. 316 Produzir um seminário.................................... 318 Vestibular e Enem ..................................................................... 320
Unidade 13 Argumentar
321
Capítulo 34 Anúncio publicitário.............................. 322 Leitura: Anúncio publicitário........................... 322 Ler um anúncio publicitário........................... 323 Produzir um anúncio publicitário.................. 326
Capítulo 35 Artigo de opinião................................... 328 Leitura: Lei do Feminicídio vai diminuir tolerância de crimes contra mulher (Nadine Gasman)............................................... 328 Ler um artigo de opinião................................. 330 Entre o texto e o discurso – Estratégias argumentativas.............................. 332 Produzir um artigo de opinião....................... 334
Capítulo 36 Dissertação para o Enem e para o vestibular........................ 336 Leitura: Texto 1– Texto de Aristóteles.............. 336 Texto 2 – Política: para não ser idiota (Mario Sergio Cortella e Renato Janine Ribeiro)...................................... 336 Texto 3 – Filhos da época (Wislawa Szymborska)...................................... 336 Texto 4 – Em busca da política (Zygmunt Bauman)............................................ 336 Texto 5 – Tira de Adão Iturrusgarai................... 337 Dissertação Precisa-se de cidadãos................... 337 Ler uma dissertação para o Enem e para o vestibular........................................... 338 Entre o texto e o discurso – Estratégias de conclusão................................... 340 Produzir uma dissertação para o Enem e para o vestibular................................ 342 Vestibular e Enem ..................................................................... 344 Projeto 1: Feira de profissões................................................... 346 Projeto 2: Empreendedorismo juvenil...................................... 348 Bibliografia..................................................................... 350 Siglas dos exames e das universidades............................ 352 Créditos complementares de textos.................................. 352 11
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Autonomia e competência expressiva
UNIDADES 1 Belle Époque e Pré-Modernismo: duas faces do Brasil 2 Manifestações do moderno 3 O Modernismo no Brasil: primeira fase
Coleção do Governo do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil. Fotografia: ID/BR
literatura
4 O Modernismo no Brasil: segunda fase 5 A geração de 1945 e desdobramentos
Amaral, Tarsila do. Operários, 1933. Óleo sobre tela, 150 cm × 205 cm. Coleção do Governo do Estado de São Paulo. A obra, com forte viés social, coloca em destaque a diversidade dos operários que trabalhavam em fábricas no Brasil. 12
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Nas primeiras décadas do século XX, o sistema literário brasileiro deixa de ser apenas um eco de estéticas estrangeiras e passa a ter como referência central a produção literária nacional. Isso começa com o movimento conhecido por Modernismo, que não ignora a cultura internacional, mas, em vez de absorvê-la passivamente, passa a assimilá-la criticamente. Dessa forma, o Modernismo produz uma literatura sintonizada com a cultura e o falar brasileiros, promovendo uma aproximação cada vez maior entre a linguagem das personagens
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literárias e a linguagem do cotidiano. Além disso, o papel de protagonista passa a ser desempenhado frequentemente por figuras que vivenciam condições sociais duríssimas, mergulhadas na pobreza ou na marginalidade. Para obter o efeito de proximidade das personagens com a cultura nacional, os escritores precisaram criar técnicas relativamente complexas e alcançar extremo domínio do ofício literário. A influência de longo prazo exercida pelo Modernismo comprova-se pela presença dessas técnicas nas obras contemporâneas.
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unidade
1 Nesta unidade 1 Belle Époque tropical 2 O Pré-Modernismo – retratos do Brasil
Belle Époque e Pré-Modernismo: duas faces do Brasil A produção literária brasileira do início do século XX foi marcada por manifestações que davam continuidade às diversas tendências artísticas do século anterior. Não havia uma orientação estética inovadora e unificadora dessas tendências na literatura, mas sim a permanência de traços realistas, naturalistas, parnasianos e simbolistas, que se mesclavam e se aplicavam a novos contextos. Havia, porém, uma importante novidade: os autores pré-modernistas iniciavam a revisão do nacionalismo, trocando o ufanismo – uma espécie de patriotismo exagerado – pelo questionamento e pela crítica da organização social do Brasil. Essa crítica, além de atingir setores específicos, como as Forças Armadas, a administração das cidades e as políticas agrícolas, promovia uma ampla reflexão sobre a constituição do povo brasileiro e de sua cultura.
Imagem da página ao lado: Visconti, Eliseu. Avenida Central, c. 1910. Óleo sobre tela, 49,5 cm 3 32,5 cm. Coleção particular.
A obra ao lado é do artista Eliseu Visconti (1866-1944), um dos primeiros artistas no Brasil a criar obras que se aproximavam do Modernismo. No caso dessa obra, podemos observar que a técnica e a composição de cores fogem aos padrões realistas.
Essa obra retrata um importante momento de transição das artes no Brasil, no início do século XX. 14
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Coleção particular. Fotografia: ID/BR
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capítulo
1 o que você vai estudar Belle Époque tropical. Parnasianismo e Simbolismo no Brasil.
A prosperidade econômica e o surgimento de inovações tecnológicas que acompanharam a Segunda Revolução Industrial resultaram, para uma parcela da burguesia, em uma era de otimismo e crescimento material. Essa era, que carregou em si um conjunto de transformações inimagináveis até então, recebeu o nome de Belle Époque (“bela época”) e durou até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Datam desse período duas manifestações literárias importantes: o Parnasianismo e o Simbolismo.
Sua leitura Você vai ler agora dois textos. O primeiro é uma tela em que o francês Alphonse Osbert (1857-1939) compôs um cenário que lembra um sonho. A paisagem, com poucos traços, é pano de fundo para figuras femininas de contorno impreciso e aspecto fantasmagórico. Algumas delas seguram instrumentos musicais semelhantes a uma cítara. A música sugerida pela cena é repousante e silenciosa. Dissolvidas por uma misteriosa luz azulada, as imagens evocam um mundo ideal, evidenciando uma estética que privilegia a expressão simbólica dos estados de alma. O segundo texto é um poema de Théophile Gautier (1811-1872) em que o eu lírico fala do trabalho de escultores e pintores, dando-lhes recomendações para a elaboração de suas obras. Ele está reproduzido no original em francês e em uma tradução para o português.
As canções da noite
Musee d’Orsay, Paris. Fotografia: The Bridgeman Art Library/Easypix
Osbert, Alphonse. As canções da noite, 1896. Óleo sobre tela, 77 cm 3 124 cm. Museu d’Orsay, Paris, França.
Belle Époque tropical
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Vocabulário de apoio
L’art Oui, l’oeuvre sort plus belle D’une forme au travail Rebelle, Vers, marbre, onyx, émail.
Lutte avec le carrare, Avec le paros dur Et rare, Gardiens du contour pur;
Dans son nimbe trilobe La Vierge et son Jésus, Le globe Avec la croix dessus.
Point de contraintes fausses! Mais que pour marcher droit Tu chausses, Muse, un cothurne étroit.
Emprunte à Syracuse Son bronze où fermement S’accuse Le trait fier et charmant;
Tout passe. – L’art robuste Seul a l’éternité, Le buste Survit à la cité.
Fi du rythme commode, Comme un soulier trop grand, Du mode Que tout pied quitte et prend!
D’une main délicate Poursuis dans un filon D’agate Le profil d’Apollon.
Et la médaille austère Que trouve un laboureur Sous terre Révèle un empereur.
Statuaire, repousse L’argile que pétrit Le pouce Quand flotte ailleurs l’esprit;
Peintre, fuis l’aquarelle, Et fixe la couleur Trop frêle Au four de l’émailleur.
Les dieux eux-mêmes meurent, Mais les vers souverains Demeurent Plus forts que les airains.
Fais les sirènes bleues, Tordant de cent façons Leurs queues, Les monstres des blasons,
Sculpte, lime, cisèle; Que ton rêve flottant Se scelle Dans le bloc résistant!
A arte Sim, a obra sai mais bela de uma forma rebelde ao lavor: verso, mármore, ônix, esmalte. Nada de apertos forçados! Mas se queres marchar ereta, calça, Musa, um coturno estreito. Abaixo o ritmo cômodo, calçado frouxo onde qualquer pé entra e sai! Repele, escultor, a argila que o polegar amassa – enquanto o espírito paira ao longe; Luta com o carrara, com o paros duro e raro, guardiães do puro contorno; Usa de Siracusa o bronze onde se mostra firme o traço altivo, o traço encantador; Com mão delicada pesquisa o perfil de Apolo num filão de ágata. Pintor, evita a aquarela, fixa a cor demasiado frágil no forno do esmaltador. Pinta de azul as sereias, retorce de mil maneiras as caudas desses monstros de brasão; Com sua auréola trilobada pinta a Virgem e seu Jesus, a cruz encimando o globo. Tudo passa. – Só a arte vigorosa é eterna. O busto sobrevive à cidade. E a medalha austera, que o lavrador encontra sob a terra, revela um imperador. Os próprios deuses morrem. Mas os versos soberanos permanecem, mais poderosos que os bronzes. Esculpe, alisa, cinzela; fixa no bloco resistente teu sonho fugitivo!
altivo: ilustre, elevado ágata: tipo de mineral usado na confecção de joias e ornamentos austero: severo, rígido carrara: tipo de mármore extraído da cidade italiana de Carrara cinzelar: trabalhar com cinzel, instrumento usado para esculpir coturno: espécie de calçado usado por atores e pessoas importantes nas sociedades grega e romana antigas lavor: trabalho ônix: variedade de ágata usada na confecção de adornos paros: tipo de mármore extraído da ilha de Paros, na Grécia Siracusa: principal cidade da Sicília (Itália) trilobada: que possui três segmentos
Gautier, Théophile. A arte. Tradução de Mário Faustino. In: Faustino, Mário; Boaventura, Maria Eugênia (Org.). Artesanatos de poesia: fontes e correntes da poesia ocidental. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 49-52.
Sobre os textos 1. Observe a tela As canções da noite. Descreva os princípios que orientam sua concepção estética, baseando-se nestes pares conceituais: objetividade 3 subjetividade; racionalidade 3 irracionalidade. 2. Que diferenças há entre a tela e o poema? 3. Explique com suas palavras as recomendações que o eu lírico faz ao escultor e ao pintor. 4. Compare o poema original e a tradução. a) Quais são as diferenças quanto à disposição gráfica e às rimas? b) Qual versão possui um trabalho mais rigoroso com a forma? Explique. c) É correto afirmar que o tradutor abriu mão das características poéticas do texto original?
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Entrada da estação de metrô Porte Dauphine, em Paris. A obra, construída em 1899, é assinada por Hector Guimard (1867-1942), um dos mais representativos arquitetos da Art Nouveau na França. Foto de 2008. DeAgostini/Getty Images
Nas últimas décadas do século XIX, a concepção de mundo centrada no positivismo, que valorizava o conhecimento racionalista, entrou em crise. O otimismo da sociedade burguesa europeia com a industrialização diluiu-se diante de seus efeitos colaterais: a disputa por mercados consumidores resultou em competição militar entre as grandes potências e em fragmentação de territórios, a exemplo da África; os centros urbanos, inchados, evidenciavam a miséria de vários grupos sociais; o movimento operário avançava, questionando o modelo econômico e as condições de trabalho. No Brasil, a segunda metade do século XIX é marcada pela abolição da escravatura, em 1888, e pela proclamação da República, em 1889. No âmbito cultural, um aspecto significativo da Belle Époque foi seu distanciamento das discussões ideológicas, na contramão da arte e da literatura realista e naturalista, que predominavam naquele momento. Característica da Belle Époque foi também a Art Nouveau (“arte nova”), um estilo artístico estreitamente associado à vida cotidiana urbana e que influenciou todas as artes plásticas, principalmente o design e a arquitetura. Móveis, fachadas de construções, janelas decoradas com vitrais passaram a fazer parte de ambientes requintados frequentados pela burguesia. A difusão da Art Nouveau ocorreu por meio de revistas de arte, da moda, do comércio e da publicidade. Para os representantes dessa estética, a arte era um organismo autônomo, fruto de um processo de racionalização industrial, o que permitiu aos artistas representar a realidade segundo os ideais de uma lógica industrial. Nesse sentido, rejeitavam o lirismo e a subjetividade dos românticos. Compartilhando com a Art Nouveau o desejo por uma arte que importasse somente por sua qualidade formal, surge o Parnasianismo.
Luis Alcovero/Alamy/Latinstock
O contexto de produção
Capítulo 1 – Belle Époque tropical
O sistema literário do Parnasianismo
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Móvel em estilo Art Nouveau. Christie’s Images/Corbis/Fotoarena
O acentuado esteticismo que resulta do ideal da “arte pela arte” é, para os poetas parnasianos, uma maneira aristocrática de resistir ao materialismo da sociedade capitalista. Ao tirar da obra de arte qualquer dimensão utilitarista que ela poderia ter, o artista a transforma em símbolo de sofisticação e superioridade, a ser produzido e consumido por um grupo de poucos eleitos. No entanto, o culto extremado à forma não deixa de ser uma maneira indireta de aderir à sofisticação material e cultural da sociedade da época. A literatura, sobretudo a poesia parnasiana, passa a ser entendida como artigo de luxo, e a sofisticação de seus meios de expressão distingue os artistas do restante da população, tida como despreparada para apreciá-la. Isenta de pretensões críticas, a poesia parnasiana descreve seu objeto por fora, empregando ornamentos linguísticos que procuram estar à altura de seu tema “elevado”, já que, para os parnasianos, assuntos corriqueiros ou ordinários jamais seriam dignos de uma linguagem sublime como a poética. O diálogo do Parnasianismo com a tradição ocorre em duas vias: na recuperação da Antiguidade clássica pelo lema “arte pela arte” e na ruptura com o egocentrismo ultrarromântico, o que não significa que os poemas parnasianos não tratem de temas como o amor ou o sofrimento; pelo contrário, são inúmeros os exemplos de textos que ultrapassam o descritivismo. No entanto, mesmo quando há a expressão de uma paixão, nesses textos, o poeta jamais se permite cair no derramamento sentimentalista romântico, contra o qual lutam.
Mucha, Alphonse. La Plume (Sarah Bernhardt), 1898. Litografia, 61 cm 3 42,8 cm. Complesso del Vittoriano, Roma, Itália.
Pôster da peça “La princesse lointaine”, publicado na revista francesa La Plume. Não escreva no livro.
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Leia As flores do mal, de Charles Baudelaire. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Charles Baudelaire (1821-1867) é considerado o último grande poeta romântico da França e, simultaneamente, o fundador de uma poética original, da qual nasceu o Simbolismo. As flores do mal (1857), sua principal obra, reúne poemas que questionam as convenções morais da sociedade francesa e tratam liricamente de assuntos que vão do sublime ao sórdido, do sonho ao pesadelo, descobrindo o belo em temas e imagens insólitos. Baudelaire recusou tanto os princípios clássicos de beleza quanto a concepção romântica de poesia como confissão.
Capa da edição brasileira do livro As flores do mal, do poeta francês Charles Baudelaire.
Museu Kröller-Müller, Otterlo. Fotografia: ID/BR
Em fins do século XIX, surgiu na França um movimento artístico que se opunha ao pensamento materialista, positivista e cientificista do Rea lismo-Naturalismo então vigente. Iniciado por poetas, o movimento – chamado Simbolismo – recolocou a ênfase nas emoções do sujeito e desenvolveu novos horizontes formais e temáticos para representar seus ideais estéticos, abrindo caminho para grandes transformações na linguagem poética moderna. A concepção do Simbolismo deve muito às tertúlias – reuniões dedicadas à leitura e a debates sobre literatura e arte – na casa do poeta Stéphane Mallarmé (1842-1898), considerado o líder do movimento. Paul Verlaine (1844-1896), Arthur Rimbaud (1854-1891) e Paul Valéry (1871-1945), alguns dos principais nomes do simbolismo, participavam desses encontros e neles apresentavam suas criações. Fora desses círculos, porém, muitas obras simbolistas sofriam rejeição da crítica e do público. A arte simbolista não era facilmente assimilada pelos padrões da época, pautados pela busca da precisão objetiva na representação do real. Densa e obscura, a poesia simbolista não tinha a intenção de atender a uma demanda preexistente do leitor, mas sim de despertar nele o desejo de entender a poesia. O Simbolismo procurou apreender um mundo impalpável, que não pode ser definido. Para isso, buscou símbolos e metáforas capazes de evocar o inefável (indizível, indescritível), com o estímulo da intuição e, principalmente, dos sentidos. Daí a valorização da musicalidade – tanto na forma (com aliterações, por exemplo) quanto na temática (com referências a instrumentos musicais, vozes e sons) – e o uso constante da sinestesia, figura de linguagem que aproxima campos sensoriais diferentes, como a visão e o tato, ou a audição e o paladar. Ao se voltar para o subjetivismo, para o “eu profundo”, os poetas simbolistas investiam na valorização do inconsciente e do subconsciente. A realidade perdia importância, dando lugar à essência humana, à alma – que deveria se desligar da matéria por meio da sublimação, ou seja, da purificação. Daí os simbolistas se valerem de temáticas religiosas e místicas e fazerem constantes referências à morte – capaz de libertar a alma do âmbito terreno. Em 1886, o poeta Jean Moréas (1856-1910) apresentou, no jornal francês Le Figaro, o manifesto do Simbolismo, cujos pressupostos eram o antinaturalismo e o antiparnasianismo, ancorados em uma orientação irracionalista, no espiritualismo e na linguagem inovadora, misteriosa e sugestiva, capaz de transmitir a essência humana. Com isso, ao mesmo tempo que, de certo modo, recuperava o subjetivismo romântico, o movimento propunha um contraponto explícito ao Parnasianismo. Nesse sentido, o escritor norte-americano Edgar Allan Poe (1808-1849), célebre pelo poema “O corvo”, com sua poesia sugestiva, que cria uma atmosfera de terror, foi uma espécie de precursor dos decadentistas e dos “poetas malditos” e um referencial para os simbolistas.
Nova Fronteira/Arquivo da editora
O sistema literário do Simbolismo
Toorop, Jan. Virando-se para dentro de si, 1893. Tinta, lápis e aquarela sobre papel, 16,5 cm 3 18 cm. Museu Kröller-Müller, Otterlo, Holanda.
A tela do pintor Jan Toorop (1858-1928), de origem javanesa, representa o mergulho do indivíduo em sua interioridade, um dos pressupostos da arte simbolista. A vela é o instrumento que ilumina essa jornada. As pinturas de Toorop misturam motivos oriundos da cultura de Java e do Simbolismo europeu em padrões complexos e sinuosos. Não escreva no livro.
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Fotografia pertencente a Olavo Bilac, assinada pelo poeta, a qual retrata uma brincadeira feita por ele e seus colegas acadêmicos: a imitação da obra do pintor holandês Rembrandt, A lição de anatomia do dr. Tulp, com Bilac à esquerda e o dramaturgo Artur Azevedo no papel de autopsiado. A fotografia relativiza a austeridade com que é vista a elite intelectual do período. Foto de c. 1900. Mauritshuis, Haia. Fotografia: ID/BR
A segunda metade do século XIX é marcada por profundas transformações na história brasileira. A plantação do café torna-se um investimento bem-sucedido e gera melhoria nas condições socioeconômicas do país. O capital acumulado pela produção de café também se reflete em uma transformação mais ampla do espaço urbano: o lucro obtido pelos cafeicultores permite o investimento em outras áreas, diversificando as atividades econômicas nacionais, intensificando a concentração do poder na Região Sudeste e acelerando o desenvolvimento da infraestrutura das cidades. Esse contexto econômico propicia à aristocracia brasileira uma época de opulência e riqueza. O culto ao luxo e ao requinte faz dos grandes cafeicultores os principais consumidores de obras de arte do período. Estas, por sua vez, assumem o papel de objetos raros, preciosos, produzidos para poucos privilegiados capazes de realmente desfrutá-las. Nessa categoria, enquadra-se a própria poesia parnasiana e sua proposta preciosista. A literatura adquire status de artigo de luxo e de objeto a ser publicamente levado a sério. Discussões entre escritores são vivamente acompanhadas pelos jornais, e a importância dada por um indivíduo à literatura pode demonstrar sua posição na sociedade.
Arquivo Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro. Fotografia: ID/BR
O Parnasianismo no Brasil
A “Batalha do Parnaso”: guerra ao Romantismo As doutrinas republicanas, positivistas e deterministas que circulavam na Europa difundiram-se no Brasil por meio dos inúmeros jornais então existentes no Rio de Janeiro, centro da vida intelectual, política e econômica do Brasil Império. Foi nas páginas de um desses jornais – o Diário do Rio de Janeiro – que, no final da década de 1870, travou-se a “Batalha do Parnaso”. Apesar de a expressão aludir à vida militar, os combates ocorreram, na realidade, no plano intelectual. Tratava-se de uma polêmica que opôs os adeptos do Romantismo, de um lado, e os seguidores do Realismo/Naturalismo e do Parnasianismo, de outro. Não havia homogeneidade entre os escritores realistas e naturalistas e os poetas parnasianos; no entanto, a recusa do sentimentalismo e da subjetividade uniu todos contra o Romantismo e na divulgação de uma arte ligada ao espírito cientificista, marcada pela objetividade, pela impessoalidade e pelo rigor.
Rembrandt. A lição de anatomia do dr. Tulp, 1632. Óleo sobre tela, 216,5 cm 3 169,5 cm. Museu Mauritshuis, Haia, Holanda.
Esse quadro de Rembrandt (1606-1669) serviu de inspiração à brincadeira retratada por Olavo Bilac, acima.
Capítulo 1 – Belle Époque tropical
Ornamentação, gramática e lirismo A obsessão pela forma e pela ornamentação levou os poetas a estudar em profundidade a língua portuguesa, para se tornarem aptos a empregar construções diferentes das usuais, como as frequentes inversões sintáticas, e a dominarem um vocabulário culto e até preciosista, também distante do vocabulário corrente. A indiferença ao sofrimento, porém, foi muitas vezes abandonada pelos parnasianos brasileiros. Assim, Olavo Bilac abraça os ideais parnasianos típicos em “Profissão de fé” e “A um poeta”, mas se entrega a um lirismo quase passional em vários outros sonetos, como no famoso “Ora (direis) ouvir estrelas”. A explicação para esse contraste pode estar no fato de, na época, o sistema literário brasileiro acolher várias correntes de origem estrangeira. Assim sendo, o Romantismo e o Simbolismo provavelmente influenciaram a obra dos poetas parnasianos. Dentre os autores do Parnasianismo brasileiro, destacam-se Olavo Bilac (1865-1918), Raimundo Correia (1859-1911), Alberto de Oliveira (1859 ‑1937) e Vicente de Carvalho (1866-1924).
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Olavo Bilac Olavo Bilac (1865-1918) é o mais conhecido poeta parnasiano brasileiro. Dedicou-se desde jovem ao jornalismo e à literatura, após abandonar os cursos de Medicina, no Rio de Janeiro, e de Direito, em São Paulo. Boêmio e contestador, nos primeiros anos aderiu à causa abolicionista, com José do Patrocínio, colaborando no jornal Cidade do Rio, e se refugiou em Minas Gerais em 1893, perseguido pelo governo de Floriano Peixoto, contra o qual se posicionava publicamente. É dessa época sua intensa atividade como jornalista político, quando escreve também sua obra Crônicas e novelas (1894). Em 1888, Bilac lança seu primeiro livro poético, intitulado Poesias. Nele, desaparece o jornalista com pretensões de agitador político e entra em seu lugar um equilibrado poeta parnasiano, que abraça o ideal da “arte pela arte”, obedece a regras fixas de composição e pratica um rigoroso culto à forma. O livro, aliás, é aberto com o poema “Profissão de fé”, em que a comparação do poeta ao ourives remete ao ideal da perfeição formal. Na seção intitulada “Panóplias”, os poemas têm sua temática esvaziada de qualquer sinal de subjetividade; o elogio ao “belo” estético é uma constante; o apuro formalista se dá de maneira impecável; e a cultura greco-latina é abertamente resgatada. São exemplos os poemas cujos títulos já confirmam esse resgate: “Lendo a Ilíada”, “O incêndio de Roma”, “O sonho de Marco Antônio” ou, ainda, “A sesta de Nero”. Nos 35 sonetos de “Via Láctea”, contudo, desenvolve-se a temática amorosa, um dos mais recorrentes motivos da obra de Bilac. Neles, o cuidado com a forma controla o exagero sentimental sem impedir que certa passionalidade conduza a expressão dos sentimentos. Observe que o poeta retoma um antigo tema: a oposição entre a mulher idealizada e o poeta posto no mundo terreno e, portanto, rebaixado. Tu, mãe sagrada! Vós também, formosas Ilusões! Sonhos meus! Íeis por ela Como um bando de sombras vaporosas.
Margens do texto
E, ó meu amor! Eu te buscava, quando Vi que no alto surgias, calma e bela, O olhar celeste para o meu baixando…
Que expressões nessas estrofes demonstram que o eu lírico vê a mulher a partir de uma posição inferior, idealizando-a? Maidstone Museum and Art Gallery, Londres. Fotografia: ID/BR
Bilac, Olavo. Via Láctea. In: Cohn, Sergio (Org.). Poesia.br: do romantismo ao pós-romantismo. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012. p. 108.
Posteriormente, republicano e nacionalista convicto, Bilac, já consagrado como o maior poeta brasileiro vivo de então, é honrado com missões oficiais pelo Brasil e pelo exterior e se torna ardoroso defensor da pátria, assumindo o papel de poeta cívico. Entra em campanhas em prol da causa militar, trabalha como inspetor de ensino, ajuda a fundar a Academia Brasileira de Letras e escreve poemas infantis de fundo moralista e pedagógico, bem como obras que exaltam os valores da língua portuguesa e as virtudes do país, como se vê no primeiro quarteto do soneto “Pátria”. Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde Circulo! E sou perfume, e sombra, e sol, e orvalho! E, em seiva, ao teu clamor, a minha voz responde, E subo do teu cerne ao céu de galho em galho! […] Bilac, Olavo. In: Silva, Antonio M. S.; Sant’anna, Romildo. Literaturas de língua portuguesa: marcos e marcas. São Paulo: Arte & Ciência, 2007. p. 149.
Pannini, Giovanni Paolo. Capricho romano, 1734. Óleo sobre tela, 97,2 cm 3 134,6 cm. Museu e Galeria de Arte Maidstone, Londres, Inglaterra.
Nesse quadro, o pintor selecionou e agrupou no mesmo cenário monumentos romanos que originalmente estavam distantes uns dos outros. Desse modo, recriou uma cidade de Roma ideal. Em certa medida, assim também faziam os parnasianos: celebravam objetos e personagens da Antiguidade greco-romana para recriar na poesia uma cultura que já não existia e que provavelmente tinha mais marcas do século XIX que da Antiguidade.
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Sua leitura Leia dois poemas de Olavo Bilac e faça as atividades propostas. Texto 1
Vocabulário de apoio
A um poeta Veridiana Scarpelli/ID/BR
Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino, escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua! Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço; e a trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua, Rica mas sóbria, como um templo grego.
limar: aperfeiçoar, aprimorar suplício: sofrimento
Porque a Beleza, gêmea da Verdade, Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade.
turbilhão: agitação intensa, confusão
Bilac, Olavo. In: Moisés, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 232.
Texto 2
Vocabulário de apoio
Soneto XIII, “Via láctea”
inda: redução de ainda Veridiana Scarpelli/ID/BR
E conversamos toda a noite, enquanto A via láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.
claustro: ambiente de mosteiro ou convento, isolamento estéril: infértil, improdutivo, sem criatividade
Não se mostre na fábrica o suplício Do mestre. E, natural, o efeito agrade, Sem lembrar os andaimes do edifício:
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto…
Beneditino: no sentido figurado, aquele que se devota incansavelmente a um trabalho meticuloso
pálio: manto amplo, capa tresloucado: louco, desvairado
Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?”
Capítulo 1 – Belle Époque tropical
E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas”. Bilac, Olavo. Poesia. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1957. p. 47.
Sobre os textos 1. Qual é a temática do texto 1? 2. Explique como no texto 1 a ideia de “arte pela arte” se manifesta nos elementos formais e no tratamento dado à temática. 3. Qual é a temática central do texto 2? 4. Alguns críticos costumam apontar, como consequência do culto excessivo da forma, certa frieza e ausência de sensibilidade nos poemas parnasianos. Os sonetos lidos nesta seção confirmam esse ponto de vista? Justifique sua resposta.
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Belle Époque tropical
O Simbolismo no Brasil O Simbolismo surgiu no Brasil nos primeiros anos da República. Era um momento de euforia para a elite, encantada com o progresso do país e indiferente às reais condições de vida da população, sobretudo dos negros, que, após a abolição da escravatura, lutavam pela inserção social. Prestigiava-se, na época, a poesia ornamental do Parnasianismo, composta segundo regras consagradas pelo bom gosto. A concepção parnasiana de arte, voltada para a beleza formal, coincidia com o desejo de civilização e sofisticação da elite e da classe média, dispostas a reafirmar o avanço do país em termos materiais e técnicos. No entanto, na década de 1890, um grupo de artistas enveredou por uma nova forma de esteticismo, concebendo a construção poética como meio de ampliar a percepção da essência humana. O Simbolismo surgiu no Brasil pelas mãos de artistas que partilharam com os parnasianos o apreço pelo formalismo e a rejeição do sentimentalismo romântico, mas resistiram à exaltação da objetividade, do materialismo e do progresso.
A inserção dos simbolistas no cenário nacional
Album/akg-images/Latinstock
Embora tenha cativado bom número de poetas, o Simbolismo não conseguiu rivalizar com o Parnasianismo em termos de popularidade. De modo geral, o movimento simbolista não conquistou nem a crítica consagrada nem o público leitor de sua época. Os autores brasileiros estabelecem uma intensa intertextualidade com obras dos poetas Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud e Verlaine e do compositor Debussy, por exemplo, evidenciando uma proposta de literatura que busca se distanciar da realidade provinciana do Brasil. Contudo, a temática do poeta isolado, que se comunica apenas pela arte, não deve levar à conclusão de que inexistiu contato real entre os artistas do período. Por sua rica musicalidade e imagens inovadoras, os poemas simbolistas foram apreciados e recitados com frequência nos círculos literários. O movimento contou com adeptos em todo o país, alguns deles com grande fama local. Esteve presente principalmente no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, no Paraná, na Bahia e em Minas Gerais, estado onde viveu Alphonsus de Guimaraens (1870‑1921), um expoente dessa escola literária. Sabe-se também que algumas editoras, como a Magalhães e Companhia, deram espaço à literatura simbolista e que surgiram revistas com essa orientação, como a Cenáculo (1895), de Curitiba, e a Fon-Fon (1908), do Rio de Janeiro. Aliás, foi no Rio de Janeiro, para onde migraram muitos escritores, que o Simbolismo alcançou maior visibilidade. Já em 1889, um grupo de jovens que incluía Emiliano Perneta valeu-se do jornal carioca Folha Popular para divulgar artigos em defesa de inovações na literatura brasileira. Posteriormente, Cruz e Sousa (1861-1898) se uniu ao grupo. Coube às suas obras Missal e Broquéis, publicadas em fevereiro e em novembro de 1893, inaugurar formalmente o Simbolismo no Brasil.
Khnopff, Fernand. Arte, ou A Esfinge, ou A carícia, 1896. Óleo sobre tela, 50 cm 3 150 cm. Museu Real de Belas Artes, Bruxelas, Bélgica.
A tela do pintor belga Fernand Khnopff (1858-1921) remete ao mito de Édipo, desafiado pela Esfinge a resolver um enigma. O jovem aparece com olhar distante e resistente, enquanto a figura híbrida o acaricia e seduz. A cena denota a dualidade entre o prazer e a dor, em uma concepção típica do período simbolista. Não escreva no livro.
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Exceto por um pequeno grupo de admiradores, João da Cruz e Sousa (1861-1898) era praticamente desconhecido em sua época. Porém, atualmente é considerado o maior escritor simbolista brasileiro e um dos principais responsáveis por introduzir a concepção de que a expressão poética deve se apoiar na consciência formal, ou seja, no domínio da forma. Seu gosto pelo soneto e pela métrica rigorosa revela a influência parnasiana em sua poesia. Ao mesmo tempo, sua obra também explora o subjetivo, o vago, o espiritual e o sinestésico, em versos cuja construção sintática foge do comum, principalmente por causa da justaposição de adjetivos e de frases nominais. Sua obra centra-se no conflito entre a prisão do ser no plano material e o desejo de ascensão para o plano transcendental. Essa dualidade percorrerá o conjunto de seus temas, entre os quais estão a incompatibilidade com o mundo, a morte, a adoração religiosa, a concepção contemplativa ou erótica do amor e a própria construção poética. A tensão entre o sofrimento e a satisfação pode ser vista em “Braços”.
Braços Braços nervosos, brancas opulências, Brumais brancuras, fúlgidas brancuras, Alvuras castas, virginais alvuras, Lactescências das raras lactescências. As fascinantes, mórbidas dormências Dos teus braços de letais flexuras, Produzem sensações de agres torturas, Dos desejos as mornas florescências. Braços nervosos, tentadoras serpes Que prendem, tetanizam como os herpes, Dos delírios na trêmula coorte… Pompa de carnes tépidas e flóreas, Braços de estranhas correções marmóreas, Abertos para o Amor e para a Morte!
Capítulo 1 – Belle Époque tropical
Cruz e Sousa, João da. Missal e Broquéis. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 147. (Organização e preparação do original: Ivan Teixeira.)
O poema retoma a perspectiva da mulher anjo-demônio típica do Decadentismo. O conflito representado no soneto origina-se da brancura da moça, que sinestesicamente evoca a pureza e abre caminho para a sublimação da natureza terrena, ao mesmo tempo que provoca o desejo. A ênfase da cor branca é um recurso tipicamente simbolista. Contudo, muitos críticos entenderam que tal emprego resultaria igualmente da condição social do poeta, filho de ex-escravizados, impedido de avançar em uma carreira pública por conta do preconceito racial. As dificuldades financeiras e a pequena receptividade às obras de Cruz e Sousa aprofundaram seu drama pessoal. Essa situação peculiar refletiu-se no pessimismo que caracteriza sua poesia. No entanto, o poeta operou em um universo complexo, em que o ato de vivenciar dificuldades é instrumento para o alcance do celestial – solução que ele estende para marginalizados de toda ordem, como os miseráveis e ex-escravizados, que também contempla em seus textos. A ênfase no branco deixa, portanto, de ser apenas expressão de inconformismo ou desejo de pertencimento para representar um esforço de superação de dificuldades.
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Szépmüvészeti Múzeum, Budapeste, Hungria. Fotografia: ID/BR
Cruz e Sousa: a tragédia da existência
Von Stuck, Franz. O beijo da Esfinge, c. 1895. Óleo sobre tela, 160 cm 3 149 cm. Museu Szépmüvészeti, Budapeste, Hungria.
Assim como fizeram muitos pintores simbolistas, o alemão Franz von Stuck inspirou-se na literatura. A tela mostra um de seus temas preferidos – a mulher “perigosa” – por meio de uma metáfora construída com base na imagem da Esfinge. O Simbolismo vale-se dos opostos femininos: os perfis da ninfa e da mulher fatal.
Margens do texto 1. Identifique, na segunda estrofe, as sensações contraditórias provocadas pelos braços. 2. A imagem dos braços também apresenta aspectos contrastantes. Como isso se revela? Vocabulário de apoio
agre: azedo, ácido brumal: relativo à bruma, à névoa; melancólico coorte: multidão; força armada flexura: gesto, movimento florescência: florescimento, crescimento vigoroso fúlgido: brilhante herpes: doença inflamatória da pele lactescência: aquilo que tem a cor ou a consistência do leite letal: fatal, que acarreta a morte marmóreo: feito de mármore ou que tem aparência similar à do mármore opulência: luxo, riqueza serpe: serpente tépido: morno tetanizar: transmitir tétano, doença que provoca contrações musculares
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Sua leitura O soneto “O Assinalado” retoma uma temática recorrente na obra de Cruz e Sousa: a reflexão sobre a condição trágica do poeta na modernidade, que ora aponta frustrações e constrangimentos, ora destaca triunfos. Leia o poema e responda às questões.
Mas essa mesma algema de amargura, Mas essa mesma Desventura extrema Faz que tu’alma suplicando gema E rebente em estrelas de ternura.
Tu és o Poeta, o grande Assinalado Que povoas o mundo despovoado, De belezas eternas, pouco a pouco.
desventura: infortúnio, desgraça prodigioso: miraculoso, fantástico supremo: extraordinário, superior, divino
Na Natureza prodigiosa e rica Toda a audácia dos nervos justifica Os teus espasmos imortais de louco!
Cruz e Sousa, João da. Obra completa: poesia. Jaraguá do Sul: Avenida, 2008. v. 1. p. 542.
Sobre o texto 1. O soneto tem o objetivo de caracterizar “O Assinalado”, interlocutor do eu lírico. a) Com base nos dois primeiros versos, qual é a conotação atribuída à “loucura” do “Assinalado”? Justifique. b) Quem é “o Assinalado” a que se refere o eu lírico?
Adriana Alves/ID/BR
O Assinalado Tu és o louco da imortal loucura, O louco da loucura mais suprema. A terra é sempre a tua negra algema, Prende-te nela a extrema Desventura.
Vocabulário de apoio
2. Cruz e Sousa vale-se de importantes procedimentos estilísticos para desenvolver a temática do poema. a) Explique por que a rima suprema/algema aproxima palavras de valores semânticos opostos no contexto do poema. b) Explique as duas metonímias presentes em “A terra é sempre a tua negra algema”. 3. A segunda estrofe traz uma releitura da primeira. Que ponderações o eu lírico faz em relação ao que foi dito anteriormente? 4. A visão de atividade poética expressa no soneto está em acordo ou desacordo com o conceito decadentista-simbolista do “poeta maldito”? Explique. 5. Ao comentar “O Assinalado”, a crítica literária Ivone Daré Rabelo afirmou que “Cruz e Sousa, emparedado, acredita na promessa de felicidade que a arte, e não a carreira, poderá lhe trazer” (Um canto à margem: uma leitura da poética de Cruz e Sousa. São Paulo: Nankin/ Edusp, 2006. p. 126.). Explique essa afirmação. O que você pensa disto?
1. Você acredita que essa medida trará impactos positivos para a educação no país? E para erradicar o preconceito racial? Discuta o assunto com os colegas.
José Cruz/ABr
Neste capítulo, você conheceu a história de um dos autores do Simbolismo brasileiro, Cruz e Sousa, cujo talento não foi reconhecido em sua época principalmente devido ao racismo que vigorava na sociedade do século XIX. Atualmente, a diferença social entre brancos e afrodescendentes continua mantendo grande parte destes em posições inferiores no mercado de trabalho sendo um dos fatores a dificuldade de acesso ao Ensino Superior. Diante disso, as universidades públicas do país têm adotado o sistema de cotas raciais, que reserva vagas para afrodescendentes. Público durante sessão do dia 26 de abril de 2012, no Supremo Tribunal Federal, na qual os ministros consideraram constitucional o sistema que reserva vagas para afrodescendentes nas universidades públicas.
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capítulo
2
O Pré-Modernismo – retratos do Brasil O início do século XX, na Europa, foi marcado por grandes transformações científicas e tecnológicas e pelos conflitos políticos que dariam origem à Primeira Guerra Mundial, em 1914. Nesse contexto agitado, abordagens artísticas inéditas foram experimentadas pelas vanguardas, movimentos estéticos que expressavam o dinamismo dos novos tempos e renovavam a arte europeia. Tal cenário, porém, não contagiou a realidade brasileira nesse período. Nossos artistas preferiram aprofundar o olhar sobre as questões nacionais, passando ao largo das inovações formais que começavam a ser praticadas na Europa. Neste capítulo, você vai conhecer os interesses e as referências artísticas dos chamados pré-modernistas.
o que você vai estudar Os contrastes do Brasil republicano. O interesse pelo Brasil real. Euclides da Cunha: estudo do sertão. Monteiro Lobato: revisão do caboclismo.
Sua leitura
Lima Barreto: nacionalismo em desconstrução.
Caipira picando fumo Pinacoteca do Estado de São Paulo. Fotografia: ID/BR
Augusto dos Anjos: mistura de estilos.
A seguir, estão reproduzidas uma tela do pintor brasileiro Almeida Júnior (1850-1899) e parte do conto “Cidades mortas”, do livro de mesmo título publicado em 1919 por Monteiro Lobato (1882-1948). As duas obras retratam aspectos do interior do estado de São Paulo.
Almeida Jr., J. F. de. Caipira picando fumo, 1893. Óleo sobre tela, 202 cm 3 141 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo.
Almeida Júnior ajudou a introduzir cenas cotidianas e personagens comuns na arte brasileira, fugindo dos temas grandiosos que caracterizaram boa parte da pintura no século XIX. Graças a uma bolsa de estudos concedida pelo governo imperial, o pintor pôde estudar na França e entrou em contato com artistas que privilegiavam a figura do trabalhador rural. Essa orientação foi absorvida facilmente pelo jovem artista, que cresceu em Itu, no interior paulista, e, portanto, conhecia bem a cultura caipira. O regionalismo foi um traço distintivo de sua produção. 26
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Vocabulário de apoio
Pelas ruas ermas, onde o transeunte é raro, não matracoleja sequer uma carroça; de há muito, em matéria de rodas, se voltou aos rodízios desse rechinante símbolo do viver colonial – o carro de boi. Erguem-se por ali soberbos casarões apalaçados, de dois e três andares, sólidos como fortalezas, tudo pedra, cal e cabiúna; casarões que lembram ossaturas de megatérios donde as carnes, o sangue, a vida para sempre refugiram. […] São os palácios mortos da cidade morta. Avultam em número, nas ruas centrais, casas sem janelas, só portas, três e quatro: antigos armazéns hoje fechados, porque o comércio desertou também. Em certa praça vazia, vestígios vagos de “monumento” de vulto: o antigo teatro – um teatro onde já ressoou a voz da Rosina Stolze, da Candiani… Não há na cidade exangue nem pedreiros nem carapinas; fizeram-se estes remendões; aqueles, meros demolidores – tanto vai da última construção. A tarefa se lhes resume em especar muros que deitam ventres, escorar paredes rachadas e remendá-las mal e mal. Um dia metem abaixo as telhas: sempre vale trinta mil-réis o milheiro – e fica à inclemência do tempo o encargo de aluir o resto. Os ricos são dois ou três forretas, coronéis da Briosa, com cem apólices a render no Rio; e os sinecuristas acarrapatados ao orçamento: juiz, coletor, delegado. O resto é a mob: velhos mestiços de miserável descendência, roídos de opilação e álcool; famílias decaídas, a viver misteriosamente umas, outras à custa do parco auxílio enviado de fora por um filho mais audacioso que emigrou. “Boa gente”, que vive de aparas. Da geração nova, os rapazes debandam cedo, quase meninos ainda; só ficam as moças – sempre fincadas de cotovelos à janela, negaceando um marido que é um mito em terra assim, donde os casadouros fogem. Pescam, às vezes, as mais jeitosas, o seu promotorzinho, o seu delegadozinho de carreira – e o caso vira prodigioso acontecimento histórico, criador de lendas. Toda a ligação com o mundo se resume no cordão umbilical do correio – magro estafeta bifurcado em pontiagudas éguas pisadas, em eterno ir e vir com duas malas postais à garupa, murchas como figos secos.
acarrapatado: agarrado como carrapato aluir: arruinar apalaçado: com aspecto de palácio apara: raspas apólice: documento que comprova dívida avultar: aumentar, intensificar-se Briosa: Guarda Nacional cabiúna: madeira de jacarandá carapina: carpinteiro casadouro: que deseja casar debandar: sair de um grupo, retirar-se desertar: abandonar, deixar ermo: lugar desabitado, deserto especar: escorar, sustentar estafeta: carteiro forreta: avarento, sovina inclemência: intolerância, severidade matracolejar: fazer muito barulho megatério: preguiça-gigante extinta há cerca de 10 mil anos milheiro: milhar, quantidade de mil mob (inglês): “povinho” negacear: seduzir opilação: grave anemia causada por vermes parco: minguado, escasso rechinante: chiante refugir: fugir remendão: que faz remendos; artesão pouco habilidoso Rosina Stolze e Candiani: famosas cantoras líricas sinecurista: aquele que exerce ocupação fácil e bem remunerada transeunte: passante, pedestre
Marc Ferrez/Coleção Gilberto Ferrez/ Acervo Instituto Moreira Salles
Cidades mortas
Monteiro Lobato, J. B. R. Cidades mortas. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 22-23.
Sobre os textos 1. Você diria que a representação da cena na tela de Almeida Júnior é marcadamente realista? Explique. 2. Descreva o tratamento dado às cores na pintura de Almeida Júnior. Explique que efeito esse tratamento produz. 3. A tela apresenta elementos humanos/culturais e também elementos naturais. Qual desses elementos predomina? Explique, considerando o cenário e a figura humana. 4. Releia esta passagem do conto “Cidades mortas”: “Não há na cidade exangue nem pedreiros nem carapinas”. Explique o sentido do adjetivo exangue na caracterização do cenário descrito. 5. Os tipos humanos descritos no conto contribuem para a explicitação do estado atual da cidade. Para você, qual desses tipos simboliza melhor a decadência? Por quê? 6. Almeida Júnior e Monteiro Lobato apresentam, na pintura e no conto, respectivamente, interesses semelhantes. Que aspectos aproximam as obras analisadas nesta seção?
Ferrez, Marc. Escravos na colheita do café, c. 1882. Negativo original em vidro, gelatina/prata, 24 cm 3 30 cm. Coleção Gilberto Ferrez, Rio de Janeiro.
A produção de café, base da economia no Império, organizou-se sobre o latifúndio, a mão de obra escravizada e a monocultura voltada à exportação. Entre 1830 e 1890, as fazendas do vale do Paraíba (que abrange áreas de SP e RJ) foram as maiores produtoras de café, irradiando desenvolvimento econômico para as cidades próximas. No entanto, a forma de cultivo logo esgotou o solo, e a cultura cafeeira entrou em declínio na região, transferindo-se para o oeste paulista.
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As primeiras décadas do século XX no Brasil foram marcadas pela consolidação da República e pela chamada “política do café com leite”, que submeteu o país aos interesses de cafeicultores paulistas e pecuaristas mineiros. A economia dependia desses setores, em especial do equilíbrio entre a produção e a exportação do café. Se os mercados externos não absorviam toda a produção de café, ocorriam as “crises de superprodução”, e o Estado saía em socorro dos cafeicultores. O norte do país também vivia um momento de fartura com a extração da borracha na Amazônia. Esses traços de prosperidade, porém, revelavam sérias contradições sociais, que foram denunciadas pelos autores pré-modernistas. Nesse contexto, chama a atenção o artificialismo em que viviam as classes dominantes. Elas importavam os produtos europeus e também o modo de vida francês, que estimulava, sobretudo, um gosto artístico elitista apegado às modas parnasiana e simbolista. Alguns fatores contribuíram para essa disposição das elites brasileiras em importar modas europeias de maneira acrítica. Entre eles, figuram, por exemplo, importantes avanços tecnológicos, como o automóvel e a lâmpada elétrica, que propiciavam maior conforto, e a multiplicação de estabelecimentos comerciais e opções culturais, promotores de uma maior sociabilidade. O período, porém, foi igualmente marcado por um novo posicionamento das camadas populares, que começaram a afirmar seu gosto artístico, descartando aquele ditado pela elite. Essa divisão social do gosto artístico indica o início da expressão de interesses e perspectivas de setores sociais de menor prestígio. Para isso, foi fundamental a expansão da imprensa, que passou a contar com maior número de publicações críticas.
Capítulo 2 – O Pré-Modernismo – retratos do Brasil
O sistema literário As produções literárias do início do século XX são tradicionalmente agrupadas sob a designação pré-modernistas, pela inserção nesse tempo histórico e por questionarem a representação do povo brasileiro. Tematicamente, o nacionalismo crítico é a marca distintiva do Pré-Modernismo. Algumas obras propunham um nacionalismo voltado para a denúncia e a superação dos problemas sociais, políticos e culturais do Brasil. Algumas inovações técnicas trouxeram avanços significativos para o jornalismo no início do século XX. A disseminação da fotografia permitiu a reprodução precisa de ambientes e pessoas em foco nas reportagens, enquanto o telégrafo favoreceu a transmissão rápida das informações. Essa agilidade resultou em maior interesse dos leitores, ávidos por textos atualizados e vinculados à realidade. O campo literário também acompanhou essa nova disposição: os textos mais importantes do período valeram-se de linguagem próxima à jornalística e buscaram investigar e compreender a realidade nacional. Houve um afastamento consciente da poesia parnasiana e certa recusa em repetir procedimentos formalistas e padronizados, que agradavam a elite. Dos principais autores desse período, Euclides da Cunha manteve, em boa parte de sua obra, uma linguagem formal e rebuscada, mas, ainda assim, totalmente diversa da elegância parnasiana. Monteiro Lobato e Lima Barreto, com suas personagens tomadas do dia a dia, optaram por uma linguagem mais direta e próxima da realidade da fala dos brasileiros. Augusto dos Anjos, considerado pelos estudiosos o poeta mais significativo dessa fase, também se afastou do Parnasianismo, adotando orientações simbolistas associadas a outras tendências, tornando-se um caso singular do Pré-Modernismo.
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Repertório
Prosperidade para poucos Lima Barreto (1881-1922) e outros pré-modernistas estavam atentos ao contraste entre a imagem construída do Brasil e a pobreza geral. As reformas urbanísticas das cidades acarretaram a transferência forçada de famílias pobres das áreas centrais para as favelas em formação. A industrialização no Rio de Janeiro e em São Paulo atraía brasileiros e imigrantes em busca de trabalho, mas excluía os negros recém-libertos. O café e a borracha enriqueciam regiões, mas a cana-de-açúcar declinava no Nor deste, que enfrentava a seca, a miséria e a violência do cangaço. Ricardo Oliveira/Tyba
O contexto de produção
No fim do século XIX, o Brasil monopolizou a produção de borracha, que alcançou altos preços no mercado mundial. Belém (PA) e Manaus (AM) viveram rápida e luxuosa urbanização nos moldes europeus. O Teatro Amazonas, de Manaus, foi construído nesse período. Foto de 2015.
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O Pré-Modernismo – retratos do Brasil
Em 1897, Euclides da Cunha (1866-1909) foi designado pelo jornal O Estado de S. Paulo para cobrir a campanha do Exército brasileiro contra o arraial de Canudos, reduto de sertanejos localizado no sertão da Bahia. Acreditava-se que os sertanejos, liderados por Antonio Conselheiro, defendiam o retorno da Monarquia. Desde 1896, eles vinham resistindo, com armas rústicas, pedras e paus, contra expedições militares fortemente armadas. A resistência do arraial diante dessas expedições tinha se tornado vergonhosa para o Exército e para a República. Quando partiu para a Bahia, Euclides partilhava das convicções do governo republicano e da população dos centros urbanos: via os sertanejos como bárbaros. A cobertura do evento, porém, apresentou-lhe outra face da questão. O escritor deparou com brasileiros desamparados pelo Estado, submetidos ao isolamento cultural, às condições naturais desfavoráveis e ao trabalho degradante imposto pelos latifundiários. Essa visão foi transposta para a obra Os sertões, publicada cinco anos após seu retorno. O livro critica as ações do Exército e a atuação do governo republicano, destaca os contrastes entre as condições de vida no litoral e no interior e questiona a imagem de “civilização” brasileira que se pretendia aplicar à organização social do país.
Entre o científico e o literário A obra Os sertões é composta de três partes: “A terra”, “O homem” e “A luta”. Inicialmente, Euclides da Cunha descreve aspectos geográficos da região de Canudos, focando a dificuldade de sobrevivência no local, principal mente em razão da seca. Dessa descrição extrai os argumentos com que explica a formação do tipo sertanejo na segunda parte. Na terceira, ocupa-se com a longa narrativa do conflito entre o arraial de Canudos e o Exército, vendo a situação como fruto das condições descritas nas duas partes anteriores. Essa organização mostra a orientação determinista adotada pelo autor. Euclides entendia que as condições do meio físico atuavam sobre a raça miscigenada e que as personalidades assim formadas potencializavam seus “defeitos” na interação com o meio social. Para o autor, a liderança de Antonio Conselheiro sobre os sertanejos não surgiu de uma capacidade superior, mas sim da confluência de todo o atraso da sociedade sertaneja em sua figura. Seu temperamento doentio fora decisivamente estimulado pelo meio em que viveu e, ao mesmo tempo, convertido em fator de perturbação de tal meio. Essa adesão ao determinismo é reforçada, ainda, por afirmações de que, pela miscigenação de brancos, negros e índios em um meio desfavorável, formou-se uma raça “inferior”. A abordagem proposta pelo autor pressupunha o uso de linguagem precisa e o emprego de termos técnicos, que abundam especialmente em “A terra”. No entanto, o estilo de Euclides da Cunha não é impessoal, e nele verifica-se a estilização da linguagem mesmo em trechos descritivos, como este, em que narra o estouro de uma boiada: […] É um solavanco único, assombroso, atirando, de pancada, por diante, revoltos, misturando-se embolados, em vertiginosos disparos, aqueles maciços corpos tão normalmente tardos e morosos. E lá se vão: não há mais contê-los ou alcançá-los. Acamam-se as caatingas, árvores dobradas, partidas, estalando em lascas e gravetos; desbordam de repente as baixadas num marulho de chifres; estrepitam, britando e esfarelando as pedras, torrentes de cascos pelos tombadores; rola surdamente pelos tabuleiros ruído soturno e longo de trovão longínquo… Cunha, Euclides da. Os sertões: campanha de Canudos. São Paulo: Nova Cultural, 2002.
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Fotografia: ID/BR
Euclides da Cunha: a anatomia do sertão
Agostini, Ângelo. Charge de Antonio Conselheiro. Revista Ilustrada, c. 1896. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
A charge ridiculariza a pretensão de Antonio Conselheiro de rechaçar a República, apresentando-o com aspecto grotesco, seguido por bufões. Os sertanejos de Canudos acreditavam que ele era um messias, um homem capaz de realizar milagres, eleito por Deus para salvá-los da miséria. Em suas pregações, o beato afirmava que surgiria uma ordem social mais justa e se referia, principalmente, a uma intervenção de dom Sebastião, jovem rei português morto em uma batalha na África em 1578, que tinha se tornado, desde o século XVI, objeto da fé de portugueses e brasileiros. Para Euclides da Cunha, era esse delírio místico, e não uma ideologia política, que motivava a defesa da Monarquia por Conselheiro e seus seguidores.
Margens do texto As palavras desse fragmento expressam, no plano sonoro do texto, o ruído da boiada. Como isso é feito? Vocabulário de apoio
acamar-se: deitar-se, abaixar-se britar: picar, destroçar estrepitar: vibrar com estrondo marulho: confusão soturno: assustador, grave
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Sua leitura Na última parte de Os sertões, “A luta”, Euclides da Cunha narrou minuciosamente o movimento das tropas nas quatro expedições enviadas para a região de Canudos, valendo-se de relatos de soldados, jornalistas e moradores da região. O autor foi testemunha ocular apenas da última etapa do conflito, momento que relata nas páginas finais do livro. Leia a seguir um fragmento do penúltimo capítulo.
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ao cabo: no fim argamassado: recoberto, revestido
cava: vala combalido: enfraquecido de chofre: repentinamente, em cheio degenerar: piorar esvurmar: derramar expugnar: tomar à força forrar-se: poupar-se moribundo: que está morrendo roto: esfarrapado salpintar: cobrir com pingos saltear: atacar sopear: golpear tangível: perceptível titã: pessoa de características físicas ou morais extraordinárias vingar: subir
HIPERTEXTO
Pedro Hamdan/ID/BR
Capítulo 2 – O Pré-Modernismo – retratos do Brasil
Cunha, Euclides da. Os sertões: campanha de Canudos. São Paulo: Nova Cultural, 2002. p. 359-360.
andrajoso: esfarrapado
arrojo: coragem, ousadia
O fim Não há relatar o que houve a 3 e a 4. A luta, que viera perdendo dia a dia o caráter militar, degenerou, ao cabo, inteiramente. Foram-se os últimos traços de um formalismo inútil: deliberações de comando, movimentos combinados, distribuições de forças, os mesmos toques de cornetas, e por fim a própria hierarquia, já materialmente extinta num exército sem distintivos e sem fardas. Sabia-se de uma coisa única: os jagunços não poderiam resistir por muitas horas. Alguns soldados se haviam abeirado do último reduto e colhido de um lance a situação dos adversários. Era incrível: numa cava quadrangular, de pouco mais de metro de fundo, ao lado da igreja nova, uns vinte lutadores, esfomeados e rotos, medonhos de ver-se, predispunham-se a um suicídio formidável. Chamou-se aquilo o “hospital de sangue” dos jagunços. Era um túmulo. De feito, lá estavam, em maior número, os mortos, alguns de muitos dias já, enfileirados ao longo das quatro bordas da escavação e formando o quadrado assombroso dentro do qual uma dúzia de moribundos, vidas concentradas na última contração dos dedos nos gatilhos das espingardas, combatiam contra um exército. E lutavam com relativa vantagem ainda. Pelo menos fizeram parar os adversários. Destes os que mais se aproximaram lá ficaram, aumentando a trincheira sinistra de corpos esmigalhados e sangrentos. Viam-se, salpintando o acervo de cadáveres andrajosos dos jagunços, listras vermelhas de fardas, e entre elas as divisas do sargento-ajudante do 39o, que lá entrara, baqueando logo. Outros tiveram igual destino. Tinham a ilusão do último recontro feliz e fácil: romperem pelos últimos casebres envolventes, caindo de chofre sobre os titãs combalidos, fulminando-os, esmagando-os… Mas eram terríveis lances, obscuros para todo o sempre. Raro tornavam os que os faziam. Aprumavam-se sobre o fosso e sopeava-lhes o arrojo o horror de um quadro onde a realidade tangível de uma trincheira de mortos, argamassada de sangue e esvurmando pus, vencia todos os exageros da idealização mais ousada. E salteava-os a atonia do assombro… Fechemos este livro. Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados. Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos. Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem… Ademais não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos filhos pequeninos?… E de que modo comentaríamos, com a só fragilidade da palavra humana, o fato singular de não aparecerem mais, desde a manhã de 3, os prisioneiros válidos colhidos na véspera, e entre eles aquele Antônio Beatinho, que se nos entregara, confiante – e a quem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa história? Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5 200, cuidadosamente contadas.
Vocabulário de apoio
A emoção deste trecho reflete ‑se no estilo. O escritor cria uma quebra sintática entre o início e o fim da frase. Esse recurso, chamado anacoluto, promove a ênfase da expressão esta página. Consulte a parte de Linguagem (capítulo 18, p. 156) para conhecer outros efeitos de sentido do anacoluto.
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Vocabulário de apoio
Sobre o texto
aprumo: postura endireitada, elegância
1. O fragmento aborda o momento em que o conflito está prestes a se encerrar. O que a ausência de formalismo militar (segundo parágrafo) informa sobre a natureza do conflito naquela etapa? 2. Euclides da Cunha escreveu que a campanha de Canudos tinha sido um crime. Tendo em vista essa informação, como deve ser interpretada a frase “Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados”? 3. Parte da subjetividade do relato é construída pelo uso de frases isoladas em alguns parágrafos. a) Proponha uma interpretação para as construções do primeiro e do sétimo parágrafos do trecho lido. b) Que argumento apresentado no penúltimo parágrafo do trecho explica a posição sugerida pelo primeiro e pelo sétimo parágrafos? 4. Leia agora outro trecho do livro Os sertões, em que Euclides da Cunha descreve o sertanejo:
Cunha, Euclides da. Os sertões: campanha de Canudos. São Paulo: Nova Cultural, 2002. p. 77.
a) A conjunção entretanto, no início do sexto parágrafo, marca a contraposição de duas partes da descrição do sertanejo. Explique-as. b) A expressão Hércules-Quasímodo combina palavras cujos sentidos parecem inconciliáveis: Hércules, personagem da mitologia grega, remete a força e beleza; Quasímodo, o corcunda da obra Nossa Senhora de Paris, de Victor Hugo, sugere feiura e deformidade. Como essa imagem sintetiza a descrição do sertanejo feita pelo autor? c) A descrição do sertanejo é confirmada por sua atuação durante o conflito de Canudos? Explique sua resposta.
canhestro: desajeitado combalido: abalado física ou psicologicamente contrafeito: constrangido desempeno: elegância, desenvoltura displicência: desinteresse, indiferença empertigar-se: aprumar-se, endireitar-se estadear: ostentar, exibir fealdade: feiura, falta de dignidade gingante: que ginga, rebola langoroso: enfraquecido, frouxo neurastênico: aquele que enraivece com facilidade, irritadiço perene: permanente possante: vigoroso, forte raquitismo: desenvolvimento insuficiente, fraqueza, limitação remorado: demorado, atrasado repontar: surgir, reaparecer sinuoso: que volteia, ondula
Museu do Prado, Madri, Espanha. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix
tabaréu: indivíduo inapto para realizar suas tarefas
Zurbarán, Francisco de. Hércules e Cerberus (detalhe), c. 1624. Óleo sobre tela, 132 cm 3 151 cm. Museu do Prado, Madri, Espanha.
Columbia Pictures Television/Everett Collection/Fotoarena
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. […] É o homem permanentemente fatigado. Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude. Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude. Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes, aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro, reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias.
atonia: abatimento
Cena de O corcunda de Notre Dame (EUA, 1982, direção de Michael Tuchner). Euclides da Cunha serve-se dessas personagens para fazer uma síntese da caracterização do sertanejo.
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Provavelmente, a obra infantojuvenil de Monteiro Lobato (1882-1948) é mais conhecida do que a destinada aos adultos. Com suas histórias sobre o Sítio do Picapau Amarelo, o autor propôs uma alternativa à literatura infantil traduzida, que não oferecia às crianças elementos de sua cultura e de sua língua. Monteiro Lobato defendia a função social da literatura. Para concretizá-la, retratou a vida da região em que viveu, o vale do Paraíba, no interior paulista, que oferecia um tipo social – o caboclo – e um problema – a decadência econômica originada pela crise do café na região. Para Lobato, caboclo era o trabalhador rural mestiço de indígena com branco, isolado dos centros urbanos, sem escolaridade e desassistido pelos serviços públicos. Nos livros Negrinha, Cidades mortas e Urupês, Lobato registrou a vida nos vilarejos e seus problemas, como se lê no miniconto “Pé no chão”.
Pé no chão Fica no extremo da rua o Grupo Escolar, de modo que a meninada passa e repassa à frente da minha janela. Notei que muitas crianças sofriam dos pés, pois traziam um no chão e outro calçado. Perguntei a uma delas: — Que doença de pés é essa? Bicho arruinado? O pequeno baixou a cabeça com acanhamento; depois confessou: — É “inconomia”. Compreendi. Como nos Grupos não se admitem crianças de pé no chão, inventaram as mães pobres aquela pia fraude. Um pé vai calçado, o outro, doente de imaginário mal crônico, vai descalço. Um par de botinas dura assim por dois. Quando o pé de botina em uso fica estragado, transfere-se a doença de um pé para outro, e o pé de botina de reserva entra em funções. Destarte, guardadas as conveniências, fica o dispêndio cortado pelo meio. Acata-se a lei e guarda-se o cobre. Benditas sejam as mães engenhosas!
Repertório
Jeca Tatu e suas transformações Em sua obra de ficção, Monteiro Lobato inicialmente caracterizou o caboclo como preguiçoso, ignorante e inapto para o progresso, condição que atribuiu à mestiçagem de raças, aderindo às visões correntes no período. Essa imagem, caracterizada por Jeca Tatu, sua personagem-símbolo do caboclo, se manteve até 1918, com a publicação do livro de contos Urupês. Ainda nesse ano, porém, Lobato iniciou uma série de artigos sobre saúde pública e concluiu que o perfil de Jeca não se devia à genética, mas à falta de condições de saúde e higiene. O Jeca seria, portanto, um homem doente por não contar com a assistência do Estado. Em 1947, a personagem foi reelaborada mais uma vez: em Zé Brasil, o Jeca foi transformado no camponês sem-terra, impotente contra o latifúndio. Belmonte/Instituto Moreira Sales
Monteiro Lobato: o caboclo e os problemas da mestiçagem
Capítulo 2 – O Pré-Modernismo – retratos do Brasil
Monteiro Lobato, J. B. R. Cidades mortas. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 37.
As histórias de Lobato geralmente visam provocar comoção ou surpresa, elementos em função dos quais se articulam as descrições e as ações narradas. Há pouco aprofundamento dos dramas morais das personagens, e muitas vezes o autor busca os aspectos cômicos do caráter, com intenção satírica. É o que se nota, por exemplo, na descrição da protagonista do conto “Cabelos compridos”, a seguir. — Coitada da Das Dores, tão boazinha… Das Dores é isso, só isso – boazinha. Não possui outra qualidade. É feia, é desengraçada, é inelegante, é magérrima, não tem seios nem cadeiras nem nenhuma rotundidade posterior; é pobre de bens e de espírito; e é filha daquele Joaquim da Venda, ilhéu de burrice ebúrnea – isto é, dura como o marfim. Moça que não tem por onde se lhe pegue fica sendo apenas isso – boazinha. — Coitada da Das Dores, tão boazinha… Monteiro Lobato, J. B. R. Cidades mortas. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 65.
A descrição de Das Dores evidencia, de forma geral, a tendência de Lobato à caricatura, composição marcada pelo exagero de um traço característico, e, de forma específica, uma visão preconceituosa que desvaloriza a mulher. Para a análise do trabalhador rural paulista, Lobato recorreu à tradição realista-naturalista, da qual vinham os pressupostos científicos de degeneração racial causada pela miscigenação, muito empregados por ele.
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Jeca Tatu desenhado por Belmonte (1897-1947), um dos principais cartunistas da primeira década do século XX, para ilustrar o livro Ideias de Jeca Tatu, de 1919.
Margens do texto 1. Qual é o significado do vocábulo engenhosas? Por que as “mães engenhosas” são chamadas de “benditas”? 2. Quem é o alvo da crítica desse conto? Por quê?
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Sua leitura Em 1914, Monteiro Lobato escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo o artigo “Velha praga”, em que denunciava a prática de queimadas para limpar áreas de plantação no interior paulista. Nesse artigo e no seguinte, “Urupês”, apresentou o caboclo (trabalhador rural) como preguiçoso, ignorante e apático. Essa visão a respeito de Jeca Tatu, personagem-símbolo do caboclo, aparece no trecho a seguir. Leia-o e responda às questões.
Urupês […] Quando comparece às feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher – cocos de tucum ou jiçara, guabirobas, bacuparis, maracujás, jataís, pinhões, orquídeas; ou artefatos de taquarapoca – peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de caçador; ou utensílios de madeira mole – gamelas, pilõezinhos, colheres de pau. Nada mais. Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longe. Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquímano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido. Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para os hóspedes. Três pernas permitem equilíbrio; inútil, portanto, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam? Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo – colher, garfo e faca a um tempo? No mais, umas cuias, gamelinhas, um pote esbeiçado, a pichorra e a panela de feijão. Nada de armários ou baús. A roupa, guarda-a no corpo. Só tem dois parelhos; um que traz no uso e outro na lavagem. Os mantimentos apaiola nos cantos da casa. Inventou um cipó preso à cumeeira, de gancho na ponta e um disco de lata no alto: ali pendura o toucinho, a salvo dos gatos e ratos. Da parede pende a espingarda pica-pau, o polvarinho de chifre, o São Benedito defumado, o rabo de tatu e as palmas bentas de queimar durante as fortes trovoadas. Servem de gaveta os buracos da parede. Seus remotos avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para quê? Vive-se bem sem isso. Se pelotas de barro caem, abrindo seteiras na parede, Jeca não se move a repô-las. Ficam pelo resto da vida os buracos abertos, a entremostrarem nesgas de céu. Quando a palha do teto, apodrecida, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jeca, em vez de remendar a tortura, limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante… Remendo… Para quê? se uma casa dura dez anos e faltam “apenas” nove para que ele abandone aquela? Esta filosofia economiza reparos. [...] Monteiro Lobato, J. B. R. Urupês. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 168-169.
Sobre o texto 1. O trecho lido apresenta uma visão do cabloco como alguém pouco civilizado. a) De que maneira, ao descrever os hábitos do cabloco, o autor constrói essa visão? b) Esta frase resume a perspectiva do autor sobre a natureza do caboclo: “Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longe”. Explique a ironia da frase. 2. Os verbos no presente do indicativo predominam nessa descrição. Que efeito é obtido pelo emprego desse tempo e desse modo verbal? 3. Considerando esse trecho, é correto afirmar que o narrador culpa o governo pela condição de vida dos caboclos? Por quê? 4. Em que medida a descrição do caboclo feita por Lobato dialoga com as correntes científicas do final do século XIX sobre a miscigenação? Explique.
Vocabulário de apoio
apaiolar: armazenar aparar: estender objeto para segurar algo biboca: habitação humilde, pequena bosquímano: nome dado pelos europeus a alguns povos que habitam a África meridional cuia: recipiente usado para beber cumeeira: parte elevada do telhado esbeiçado: de bordas gastas espipada: furada gamela: vasilha de madeira ou barro gretar: rachar mantimento: conjunto de alimentos munheca: pulso, mão nesga: pedaço parelho: conjunto de calça e paletó masculinos peri: planta que fornece fibra pica-pau: espingarda de carregar pela boca pichorra: pequeno jarro de barro com bico pilão: objeto usado para esmagar ou triturar alimentos polvarinho: frasco de levar pólvora samburá: cesto feito de cipó ou taquara seteira: fresta na parede tipiti: cesto utilizado para o preparo de alimentos à base de mandioca-brava
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Lima Barreto: um projeto de Brasil As narrativas de Lima Barreto (1881-1922) têm muito de crônica, gênero que exercitava como jornalista. Dela vieram as cenas cotidianas e a linguagem fluente e objetiva, distante do artificialismo corrente na época. O autor incorporava construções típicas da linguagem oral, e talvez por isso suas obras tenham desagradado à crítica e ao público de seu tempo; devido à pouca popularidade do autor, parte delas só foi publicada em livro postumamente. Lima Barreto usou observações pessoais para compor os variados tipos que povoam seus contos e romances: suburbanos, políticos, burocratas, artis tas, militares, entre muitos outros que conheceu trabalhando em uma repartição pública e em jornais. Frequentemente, o autor mostrou a burocracia do Brasil da Primeira República, como neste trecho de Triste fim de Policarpo Quaresma, em que se revelam algumas práticas dos funcionários carreiristas.
Margens do texto Transcreva e explique o período do trecho que explicita o posicionamento do narrador diante daquilo que conta.
D. Quinota retirou-se. Este Genelício era o seu namorado. Parente ainda de Caldas, tinha-se como certo o seu casamento na família. A sua candidatura era favorecida por todos. D. Maricota e o marido enchiam-no de festas. Empregado do Tesouro, já no meio da carreira, moço de menos de trinta anos, ameaçava ter um grande futuro. Não havia ninguém mais bajulador e submisso do que ele. Nenhum pudor, nenhuma vergonha! Enchia os chefes e os superiores de todo o incenso que podia. Quando saía, remancheava, lavava três ou quatro vezes as mãos, até poder apanhar o diretor na porta. Acompanhava-o, conversava com ele sobre o serviço, dava pareceres e opiniões, criticava este ou aquele colega, e deixava-o no bonde, se o homem ia para casa. Quando entrava um ministro, fazia-se escolher como intérprete dos companheiros e deitava um discurso; nos aniversários de nascimento, era um soneto que começava sempre por – “Salve” – e acabava também por – “Salve! Três vezes Salve!” O modelo era sempre o mesmo; ele só mudava o nome do ministro e punha a data. No dia seguinte, os jornais falavam do seu nome, e publicavam o soneto. Em quatro anos, tinha tido duas promoções e agora trabalhava para ser aproveitado no Tribunal de Contas, a se fundar, num posto acima.
Vocabulário de apoio
incenso: bajulação, homenagem remanchear/remanchar: demorar-se, fazer algo muito lentamente
Repertório
Apesar de denunciar preconceitos sociais e culturais de sua época, Lima Barreto criticava a ascensão profissional feminina. Nesse postal feito a partir de uma fotografia de Miguel Otero de 1902, moças aprendem datilografia, capacitando-se para o mercado de trabalho.
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Tatiana Paiva/ID/BR
Genelício é uma das muitas personagens usadas pelo autor para denunciar a projeção social obtida sem mérito, uma crítica que estendeu, em outras obras, aos diplomados e aos pseudoartistas. Em seu diagnóstico da sociedade, Lima Barreto criou nesse livro uma importante personagem literária, o protagonista Policarpo Quaresma, que previa um Brasil acolhedor e farto, alçado ao posto de maior nação do mundo, e, com o intuito de despertar a consciência dos demais para esse potencial, empreendeu inúmeros esforços: na área cultural, procurou mostrar o valor da cultura indígena; na agricultura, testou métodos para alcançar maior produtividade; e, na política, voluntariou-se para conter a Revolta da Armada (rebelião da Marinha contra o presidente Floriano Peixoto). A insistência, porém, levou-o a sucessivas frustrações e ao triste fim de que fala o título.
Coleção particular, Manaus. Fotografia: ID/BR
Capítulo 2 – O Pré-Modernismo – retratos do Brasil
Lima Barreto, A. H. de. Triste fim de Policarpo Quaresma. 2. ed. São Paulo: FTD, 1992. p. 51.
A questão racial na ficção de Lima Barreto Lima Barreto concebia a literatura como um instrumento de participação política, empenhada no registro da realidade dos oprimidos. Essa era, inclusive, sua própria condição, já que enfrentava dificuldades financeiras e o preconceito racial. Tais elementos apareciam projetados em várias de suas obras e delineavam o argumento central. Em Recordações do Escrivão Isaías Caminha, por exemplo, o protagonista negro tem dificuldades para obter um emprego e enfrenta a miséria e a humilhação, embora se sobressaia intelectualmente. Encontra trabalho apenas na redação de um jornal, em que observa relações de subserviência e falsa tolerância e de onde sai por se sentir excluído, ainda que tenha alcançado certo prestígio.
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Sua leitura Em Triste fim de Policarpo Quaresma, o protagonista resolve dedicar-se à agricultura para provar a viabilidade do Brasil e seu potencial de crescimento. Leia o trecho do capítulo “No ‘Sossego’” e responda às questões. Vocabulário de apoio
Lima Barreto, A. H. de. Triste fim de Policarpo Quaresma. 2. ed. São Paulo: FTD, 1992. p. 81-82.
Sobre o texto 1. Com base no trecho lido, qual é o valor simbólico da agricultura na utopia de Policarpo Quaresma? 2. Explique o efeito de sentido obtido pelo emprego do futuro do pretérito no trecho: “e do seu exemplo, nasceriam mil outros cultivadores”. 3. Que componente do nacionalismo de Policarpo Quaresma se evidencia em seu desejo de dispensar “argentinos e europeus” da produção agrícola brasileira? 4. O discurso indireto livre, em que a “fala” interior da personagem aparece misturada ao discurso do narrador, está presente em várias sequências do trecho. Transcreva um exemplo e explique o efeito geral obtido por esse recurso.
emasculamento: perda de virilidade, fraqueza feracidade: fertilidade meticulosidade: qualidade de quem é meticuloso, cuida dos detalhes ônus: obrigação, algo de difícil cumprimento tenacidade: persistência virente: próspero ubérrimo: muito fértil, muito abundante
Leia Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. São Paulo: Penguin, 2011. Ambientado durante o governo de Floriano Peixoto (1891-1894), o romance narra a história do nacionalista extremado Policarpo Quaresma. As três partes da narrativa correspondem aos projetos ufanistas da personagem. Inicialmente, Policarpo devota-se aos estudos sobre o Brasil, o que o leva a solicitar à Câmara a adoção do tupi-guarani como língua oficial do país. Ridicularizado, deixa o Rio de Janeiro e passa a viver no sítio Sossego, crente de que a agricultura impulsionaria o desenvolvimento nacional; porém, pragas na lavoura e na política logo arruínam seu sonho. Policarpo retorna à capital e, a convite do Marechal Floriano, ingressa em uma batalha cujos desdobramentos levarão a seu triste fim, como anuncia o título da obra. Penguin/Companhia das Letras/Arquivo da editora
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Planejou a sua vida agrícola com a exatidão e meticulosidade que punha em todos os seus projetos. Encarou-a por todas as faces, pesou as vantagens e ônus; e muito contente ficou em vê-la monetariamente atraente, não por ambição de fazer fortuna, mas por haver nisso mais uma demonstração das excelências do Brasil. E foi obedecendo a essa ordem de ideias que comprou aquele sítio, cujo nome – Sossego – cabia tão bem à nova vida que adotara, após a tempestade que o sacudira durante quase um ano. Não ficava longe do Rio e ele o escolhera assim mesmo maltratado, abandonado, para melhor demonstrar a força e o poder da tenacidade, do carinho, no trabalho agrícola. Esperava grandes colheitas de frutas, de grãos, de legumes; e do seu exemplo, nasceriam mil outros cultivadores, estando em breve a grande capital cercada de um verdadeiro celeiro, virente e abundante a dispensar os argentinos e europeus. […] Ele foi contente. Como era tão simples viver na nossa terra! Quatro contos de réis por ano, tirados da terra, facilmente, docemente, alegremente! Oh! terra abençoada! Como é que toda a gente queria ser empregado público, apodrecer numa banca, sofrer na sua independência e no seu orgulho? Como é que se preferia viver em casas apertadas, sem ar, sem luz, respirar um ambiente epidêmico, sustentar-se de maus alimentos, quando se podia tão facilmente obter uma vida feliz, farta, livre, alegre e saudável? E era agora que ele chegava a essa conclusão, depois de ter sofrido a miséria da cidade e o emasculamento da repartição pública, durante tanto tempo! Chegara tarde, mas não a ponto de que não pudesse, antes da morte, travar conhecimento com a doce vida campestre e a feracidade das terras brasileiras. Então pensou que foram vãos aqueles seus desejos de reformas capitais nas instituições e costumes: o que era principal à grandeza da Pátria estremecida, era uma forte base agrícola, um culto pelo seu solo ubérrimo, para alicerçar fortemente todos os outros destinos que ela tinha de preencher.
Edição comemorativa dos cem anos de publicação de Triste fim de Policarpo Quaresma.
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Augusto dos Anjos: um poeta singular Augusto dos Anjos (1884-1914) é um caso singular: do Parnasianismo, herdou o gosto pelo soneto; do Simbolismo, o tema da angústia existencial; de ambos, o cuidado com a forma. Valeu-se, ainda, do cientificismo naturalista, do qual extraiu o inusitado vocabulário e a visão materialista. A in fluência de estéticas do século XIX aproximou-o dos demais pré-modernistas, mas a ausência de referências ao Brasil de sua época diferenciou-o deles. Seus poemas tematizam a dor de existir e a inevitabilidade da morte. Não se trata, porém, de uma poesia espiritualista, que reflete sobre o destino da alma. Ao contrário, fixa-se na matéria e na decomposição do corpo. O eu lírico afirma a incondicional podridão para a qual se dirigem todos os seres humanos, destino que desqualifica a existência. Seguindo o pensamento do filósofo alemão Schopenhauer, de grande repercussão no período, Augusto dos Anjos via a dor como a essência do mundo e os momentos de prazer apenas como sua suspensão temporária. Para expressar sua visão negativa, o eu lírico desestabiliza a própria poe sia, recorrendo a termos e a imagens incomuns no campo poético, como se lê em “Psicologia de um vencido”. Margens do texto
Psicologia de um vencido
1. Transcreva os termos científicos presentes no poema. 2. Como é abordado o tema da morte? Justifique.
Profundissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância… Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco.
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Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênese da infância, A influência má dos signos do zodíaco.
Capítulo 2 – O Pré-Modernismo – retratos do Brasil
Já o verme – este operário das ruínas – Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra!
Vocabulário de apoio
análogo: semelhante carnificina: massacre, matança epigênese: teoria do desenvolvimento dos seres por transformações graduais espreitar: espiar, observar de lugar oculto frialdade: frieza hipocondríaco: indivíduo que se preocupa excessivamente com a própria saúde rutilância: cintilância, brilho
Anjos, Augusto dos. Melhores poemas. 3. ed. São Paulo: Global, 2001. p. 51.
O soneto descreve as ações do eu e do verme. O eu somatiza o drama existencial, enquanto o verme arquiteta silenciosamente sua destruição final. O vocabulário científico, tomado principalmente da Química, e as imagens repulsivas reforçam a natureza perecível e finita do ser humano. Para explicar o fazer poético de Augusto dos Anjos, o crítico Anatol Rosenfeld usou a expressão exogamia linguística, que significa a introdução de um elemento estranho no fluxo histórico de uma língua. Na poesia pré-modernista, esse elemento não eram os estrangeirismos, mas o vocabulário científico, os coloquialismos e os termos ligados à deterioração do corpo, que, ao lado de palavras usuais em poemas, resultaram em uma combinação provocativa, dessacralizando o poema e dando-lhe novo vigor. A opção por introduzir elementos estranhos no discurso poético fez de Augusto dos Anjos um poeta alinhado com algumas das inovações da literatura europeia, sobretudo a alemã. Sua poesia, porém, chocou a crítica e o público e, no princípio, muitos o consideraram desequilibrado.
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Ouça Ninguém, de Arnaldo Antunes. Rio de Janeiro: BMG, 1995. 1 CD. Faixa 1. O compositor Arnaldo Antunes criou uma versão cantada do soneto “Budismo moderno”, de Augusto dos Anjos, que é acompanhada de uma mistura de sons inusitada: sons estridentes, como ruídos de serrote, são combinados a sons harmoniosos. Dessa forma, retomou a tendência do poeta pré-moderno de mesclar estilos. A canção está no álbum Ninguém. É possível ouvir um pequeno trecho dela no site do cantor e compositor. Disponível em: . Acesso em: 6 maio 2016.
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Sua leitura Augusto dos Anjos escreveu três sonetos em memória do pai. Leia dois deles, transcritos a seguir, para responder às questões. II
A meu Pai morto Madrugada de Treze de Janeiro. Rezo, sonhando, o ofício da agonia. Meu Pai nessa hora junto a mim morria Sem um gemido, assim como um cordeiro!
III Podre meu Pai! A Morte o olhar lhe vidra. Em seus lábios que os meus lábios osculam Microrganismos fúnebres pululam Numa fermentação gorda de cidra.
E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro! Quando acordei, cuidei que ele dormia, E disse à minha Mãe que me dizia: “Acorda-o”! deixa-o, Mãe, dormir primeiro!
Duras leis as que os homens e a hórrida hidra A uma só lei biológica vinculam, E a marcha das moléculas regulam, Com a invariabilidade da clepsidra!…
E saí para ver a Natureza! Em tudo o mesmo abismo de beleza, Nem uma névoa no estrelado véu…
Podre meu Pai! E a mão que enchi de beijos Roída toda de bichos, como os queijos Sobre a mesa de orgíacos festins!…
Mas pareceu-me, entre as estrelas flóreas, Como Elias, num carro azul de glórias, Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu!
Amo meu Pai na atômica desordem Entre as bocas necrófagas que o mordem E a terra infecta que lhe cobre os rins!
Vocabulário de apoio
alento: respiração cidra: tipo de laranja clepsidra: relógio de água cuidar: pensar, cogitar Elias: um dos profetas do Antigo Testamento; segundo o texto bíblico, subiu ao céu em um carro de fogo, em vez de morrer festim: pequena festa flóreo: viçoso, belo hidra: animal invertebrado de menos de 1 cm, que vive na água doce fixado em folhas e gravetos
Anjos, Augusto dos. Sonetos. Melhores poemas. 3. ed. São Paulo: Global, 2001. p. 133-134.
Sobre os textos 1. Como o tema do falecimento do pai é tratado nos dois sonetos? 2. Qual soneto é mais representativo do estilo de Augusto dos Anjos? Justifique sua resposta citando ao menos uma característica do estilo do poeta. Em seguida, descreva como ela aparece no soneto em questão. 3. No soneto “II”, o que o verso “E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!” e os versos do primeiro terceto sugerem em relação ao modo como ocorreu a morte do pai? 4. A frase “Podre meu Pai!”, que abre o soneto “III”, propõe um jogo de linguagem. Qual é esse jogo? O que ele evidencia? 5. Augusto dos Anjos costuma associar temas sérios a referências vulgares, cotidianas. Cite trechos em que ocorre essa mistura de estilos. 6. Que reação, nesse caso, a mistura de estilos provoca no leitor? Pode-se supor que a leitura feita pelo público da época do poeta seja diferente da feita por um leitor hoje? Justifique.
hórrido: horrendo infecto: repugnante, pestilento necrófago: aquele que se alimenta da carne de animais mortos orgíaco: com características de orgia (excesso de bebida, euforia, desregramento e libertinagem) oscular: beijar
Os autores pré-modernistas empenharam-se na compreensão da realidade nacional e deram voz a grupos sociais que não contavam com a assistência do Estado. Muitos artistas têm mostrado preocupação semelhante, como o artista plástico contemporâneo Vik Muniz, que chamou a atenção para o caso das crianças em situação de rua nas obras da série Ulterior, imagens de lixo. O tom cinza do menino, contrastante com a colorida moldura de lixo, sugere a invisibilidade desse grupo social. 1. Imagine-se como artista contemporâneo. Que grupo marginalizado você destacaria? Por quê?
Muniz, Vik. Emerson, 1998. Cópia fotográfica por oxidação de corantes, 127 cm 3 101,6 cm.
Emerson, da série Ulterior, 1998, imagens de lixo. Sem acervo. Muniz, Vik./Licenciado por AUTVIS, Brasil, 2009.
O que você pensa disto?
pulular: brotar, surgir em abundância vidrar: fazer perder o brilho, embaçar
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Ferramenta de leitura A questão das raças na literatura pré-modernista Enecult/Universidade Federal da Bahia
O sociólogo Renato Ortiz inicia seu artigo “Memória coletiva e sincretismo científico: as teorias raciais do século XIX” comentando o incômodo do leitor contemporâneo diante das teorias explicativas do Brasil elaboradas no final do século XIX e no início do século seguinte. A interpretação da nação brasileira pelo fator racial parecia nascer de um injustificável preconceito, e não de uma abordagem científica. Tais teorias chegaram ao Brasil no período realista-naturalista, mas se mantiveram em vigor no Pré-Modernismo, embasando o pensamento de muitos de nossos autores, como revelaram os textos estudados ao longo da unidade. Leia um trecho do artigo de Renato Ortiz em que ele explica o uso das teorias científicas do final do século XIX pelos intelectuais do período. O sociólogo e professor Renato Ortiz é autor de importantes obras da sociologia contemporânea, entre as quais Cultura brasileira e identidade nacional. O estudioso considera que diferentes grupos sociais construíram, em momentos históricos variados, uma pluralidade de identidades que formaram a “identidade brasileira”. A noção de identidade, porém, é fundamental para garantir a sensação de pertencimento a uma unidade nacional e, por isso, é construída por símbolos eleitos pelos sujeitos sociais de cada momento histórico. Foto de 2008.
Vocabulário de apoio
consubstanciar: resumir, unir postulado: ponto de partida, premissa; fato admitido sem necessidade de demonstração remoto: distante
[…] Na verdade, o evolucionismo se propunha a encontrar um nexo entre as diferentes sociedades humanas ao longo da história; aceitando como postulado que o “simples” (povos primitivos) evolui naturalmente para o mais “complexo” (sociedades ocidentais), procurava-se estabelecer as leis que presidiriam o progresso das civilizações. […] A “superioridade” da civilização europeia torna-se assim decorrente das leis naturais que orientariam a história dos povos. A “importação” de uma teoria dessa natureza não deixa de colocar problemas para os intelectuais brasileiros. Como pensar a realidade de uma nação emergente no interior desse quadro? Aceitar as teorias evolucionistas implicava analisar-se a evolução brasileira sob as luzes das interpretações de uma história natural da humanidade; o estágio civilizatório do país se encontrava assim de imediato definido como “inferior” em relação à etapa alcançada pelos países europeus. Torna-se necessário, por isso, explicar o “atraso” brasileiro e apontar para um futuro próximo, ou remoto, a possibilidade de o Brasil se constituir enquanto povo, isto é, como nação. O dilema dos intelectuais desta época é compreender a defasagem entre teoria e realidade, o que se consubstancia na construção de uma identidade nacional. […] Se o evolucionismo torna possível a compreensão mais geral das sociedades humanas, é necessário porém completá-lo com outros argumentos que possibilitem o entendimento da especificidade social. O pensamento brasileiro da época vai encontrar tais argumentos em duas noções particulares: o meio e a raça. Ortiz, Renato. Memória coletiva e sincretismo científico: as teorias raciais do século XIX. In: Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 14-15.
Nesse trecho, Renato Ortiz aponta que os estudos sobre a sociedade brasileira no início do século XX tomaram a raça e o meio como seus principais elementos teóricos. Isso aconteceu pela necessidade de encontrar critérios que permitissem interpretar as especificidades brasileiras. As teorias evolucionistas ofereciam conceitos que explicavam o atraso do Brasil em um quadro geral, no qual se entendia que as nações europeias haviam progressivamente evoluído para uma condição mais complexa e, portanto, superior. Todavia, essas teorias não eram suficientes para explicar as particularidades do atraso brasileiro, nem para definir a possibilidade futura de superação. Assim, para estudar o “caráter nacional”, os intelectuais apegaram-se ao determinismo do meio e da raça, que, na Europa, teve menor repercussão. O resultado foi o destaque da problemática étnica em todos os esforços de compreensão e construção da identidade nacional. O próximo texto foi transcrito do romance Canaã, de Graça Aranha. Nele, os imigrantes Lentz e Milkau, que se estabeleceram em uma colônia alemã no Espírito Santo, discutem a relação do europeu com o Brasil e seu povo. Leia o trecho do romance, tendo em vista o comentário de Renato Ortiz sobre a ideologia do período pré-modernista, e responda às questões. 38
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Milkau – Um dos erros dos intérpretes da História está no preconceito aristocrático com que concebem a ideia de raça. Ninguém, porém, até hoje soube definir a raça e ainda menos como se distinguem umas das outras; fazem-se sobre isto jogos de palavras, mas que são como esses desenhos de nuvens que ali vemos no alto, aparições fantásticas do nada… E, depois, qual é a raça privilegiada para que só ela seja o teatro e o agente da civilização? Houve um tempo na História em que o semita brilhava na Babilônia e no Egito, o hindu nas margens sagradas do Ganges, e eles eram a civilização toda; o resto do mundo era a nebulosa de que se não cogitava. E, no entanto, é junto ao Sena e ao Tâmisa que a cultura se esgota hoje numa volúpia farta e alquebrada. O que eu vejo neste vasto panorama da História, para que me volto ansioso e interrogante, é a civilização deslocando-se sem interrupção, indo de grupo a grupo, através de todas as raças, numa fatal apresentação gradual de grandes trechos da terra, à sua luz e calor… Uns vão se iluminando, enquanto outros descem às trevas… Lentz – Até agora não vejo probabilidade da raça negra atingir a civilização dos brancos. Jamais a África…
Milkau – O tempo da África chegará. As raças civilizam-se pela fusão; é no encontro das raças adiantadas com as raças virgens, selvagens, que está o repouso conservador, o milagre do rejuvenescimento da civilização. O papel dos povos superiores é o instintivo impulso do desdobramento da cultura, transfundindo de corpo a corpo o produto dessa fusão que, passada a treva da gestação, leva mais longe o capital acumulado nas infinitas gerações. Foi assim que a Gália se tornou França e a Germânia, Alemanha. Lentz – Não acredito que da fusão com espécies radicalmente incapazes resulte uma raça sobre que se possa desenvolver a civilização. Será sempre uma cultura inferior, civilização de mulatos, eternos escravos em revoltas e quedas. Enquanto não se eliminar a raça que é o produto de tal fusão, a civilização será sempre um misterioso artifício, todos os minutos rotos pelo sensualismo, pela bestialidade e pelo servilismo inato do negro. O problema social para o progresso de uma região como o Brasil está na substituição de uma raça híbrida, como a dos mulatos, por europeus. A imigração não é simplesmente para o futuro da região do País um caso de simples estética, é antes de tudo uma questão complexa, que interessa o futuro humano.
alquebrado: abatido, prostrado Babilônia: cidade-estado da Antiguidade localizada na região da Mesopotâmia cogitar: pensar sobre algo, considerar Ganges: rio ao norte da Índia e de Bangladesh hindu: indiano nebulosa: nuvem de matéria interestelar; algo difícil de entender roto: estragado, destruído semita: judeu Sena: rio do norte da França Tâmisa: rio do sul da Inglaterra transfundir: fazer passar de um para outro, espalhar volúpia: luxúria, prazer sexual
Graça Aranha, J. P. da. Canaã. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s. d. p. 43-44.
Sobre o texto Coleção Dona Thereza Christina Maria da Biblioteca nacional, Rio de Janeiro. Fotografia: ID/BR
1. Observe a argumentação que as personagens constroem no trecho lido. a) Com que argumento Milkau rebate a tese de que existe uma raça superior? b) Milkau emprega a expressão raças adiantadas em vez de raças superiores, e raças virgens e selvagens no lugar de raças inferiores. Justifique essas escolhas, tendo em vista o pensamento científico do período. 2. A argumentação de Lentz considera o processo de mestiçagem na formação do povo brasileiro. a) Existe possibilidade de conciliação entre as ideias de Lentz e as de Milkau? Por quê? b) Como deve ser entendida a afirmação de Lentz de que a imigração interessa ao “futuro humano”, e não apenas ao “futuro da região do País”? 3. Responda às questões a seguir levando em conta o trecho lido do artigo do sociólogo Renato Ortiz. a) Como o romance Canaã dialoga com as questões daquele tempo? b) É correto afirmar que Lentz simboliza o pensamento dos intelectuais descrito por Ortiz? Por quê? Não escreva no livro.
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A política de incentivo à imigração promovida pelo governo imperial atraiu muitos alemães para o Espírito Santo no século XIX. Graça Aranha trabalhou como juiz de direito na cidade de Porto do Cachoeiro e lá recolheu material para escrever Canaã. Foto de 1875. 39
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Entre textos Diferentemente do que aconteceu na Belle Époque, os autores pré-modernistas, em sua maioria, propuseram uma literatura socialmente engajada, voltada para os problemas concretos do país. Desejavam estudar as reais condições de vida do povo brasileiro, denunciar suas carências e contribuir para que grupos mais vulneráveis fossem reconhecidos pela elite e atendidos por políticas públicas. Lutavam, portanto, contra uma visão de Brasil progressista, que ocultava seus contrastes. A preocupação em problematizar a realidade tem percorrido as literaturas brasileira e estrangeira ao longo dos tempos. Veja alguns exemplos nos textos transcritos a seguir. Texto 1
Guardador A rua ruim de novo. Abafava, de quente, depois de umas chuvadas de vento, desastrosas e medonhas, em janeiro. Desregulava. Um calorão azucrinava o tumulto, o movimento, o rumor das ruas. Mesmo de dia, as baratas saíam de tocas e escondidos, agitadas. Suor molhava a testa e escorria na camisa dos que tocavam pra baixo e pra cima. O toró, cavalo do cão, se arrumava lá no céu. Ia castigar outra vez, a gente sentia. Ia arriar feio. Dera, nesse tempo, para morar ou se esconder no oco do tronco da árvore, figueira velha, das poucas ancestrais, resistente às devastações que a praça vem sofrendo. Tenta a vida naquelas calçadas. Pisando quase de lado, vai tropicando, um pedaço de flanela balanga no punho, seu boné descorado lembra restos de Carnaval. E assim sai do oco e baixa na praça. Só no domingo, pela missa da manhã, oito fregueses dão a partida sem lhe pagar. Final da missa, aflito ali, não sabe se corre para a direita ou para a esquerda, três motoristas lhe escapam a um só tempo. Flagrado na escapada, um despachou paternal, tirando o carro do ponto morto: — Chefe, hoje estou sem trocado. Disse na próxima lhe dava a forra. Chefe, meus distintos, é o marido daquela senhora. Sim. Daquela santa mulher que vocês deixaram em casa. Isso aí – o marido da ilustríssima. Passeiam e mariolam de lá pra cá num bem-bom de vida. Chefe, chefe… Que é que vocês estão pensando? Mais amor e menos confiança. Mas um guardador de carros encena bastante de mágico, paciente, lépido ou resignado. Pensa duas, três vezes. E fala manso. […] [...] Os motoristas caloteiros e fujões, bem-vestidinhos, viveriam atolados e amargando dívidas de consórcio, prestações, correções monetárias e juros, arrocho, a prensa de taxas e impostos difíceis de entender. Mas tinham de pagar e não lhes sobrava o algum com que soltar gorjeta ao guardador. Isso. O automóvel sozinho comia-lhes a provisão. Jacarandá calculou. Motorista que faça umas quatro estacionadas por dia larga, picado e aí no barato, um tufo de dinheiro no fim do mês. Vamos e venhamos. Se não podiam, por que diabo tinham carro? O portuga diz que quem não tem competência não se estabelece. Depois, a galinha come é com o bico no chão. [...] Corria o risco de desistir de guardador. Ele sabia, na pele, que quem ama não fica rico. E, se vacilar, nem sobrevive. [...] Antônio, João. Guardador. In: Moriconi, Italo (Org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 385-387.
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Como nas demais narrativas de João Antônio, o conto “Guardador”, de 1992, revela preocupação com as figuras anônimas das cidades. Admirador confesso de Lima Barreto, o autor entendia que a literatura deveria desmascarar a estrutura social, revelando a exclusão dos pobres e o descaso dos governantes. Em “Guardador”, João Antônio escolheu a figura de um guardador de carros para representar aqueles que sobrevivem na informalidade, aproveitando as oportunidades criadas pela rotina da cidade. O conto evidencia um paradoxo: o indivíduo excluído pela sociedade não se anula; demarca um território e se faz visível diante daqueles que preferem ignorá-lo.
Vocabulário de apoio
balangar: balançar descorado: desbotado lépido: jovial, ágil, radiante mariolar: viver como malandro; vadiar matutação: ato de matutar, refletir, meditar resignado: conformado, que não se revolta
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Texto 2
Morte e vida severina é um poema dramático escrito por João Cabral de Melo Neto na década de 1950. Conta a peregrinação de um migrante nordestino que foge da seca e da morte, que assolam todo o sertão: o protagonista Severino é uma representação de todos os retirantes. No trecho ao lado, Severino ouve homens que enterram um trabalhador rural. Suas falas evidenciam o tema da reforma agrária – a terra que o morto queria ver dividida – e os padecimentos da vida do sertanejo, representados pela ideia de que a cova é maior do que o espaço ocupado por ele em vida.
Morte e vida severina […] — Essa cova em que estás, com palmos medida, é a conta menor que tiraste em vida. — É de bom tamanho, nem largo nem fundo, é a parte que te cabe deste latifúndio. — Não é cova grande, é cova medida, é a terra que querias ver dividida.
— É uma cova grande para teu pouco defunto, mas estarás mais ancho que estavas no mundo. — É uma cova grande para teu defunto parco, porém mais que no mundo te sentirás largo. — É uma cova grande para tua carne pouca, mas a terra dada não se abre a boca. […]
Melo Neto, João Cabral de. Morte e vida severina e outros poemas em voz alta. 15. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. p. 87-88. Vocabulário de apoio
ancho: espaçoso
Texto 3
parco: minguado
Curso superior
Veridiana Scarpelli/ID/BR
O meu medo é entrar na faculdade e tirar zero eu que nunca fui bom de matemática fraco no inglês eu que nunca gostei de química geografia e português o que é que eu faço agora hein mãe não sei. O meu medo é o preconceito e o professor ficar me perguntando o tempo inteiro por que eu não passei por que eu não passei por que eu não passei por que fiquei olhando aquela loira gostosa o que é que eu faço se ela me der bola hein mãe não sei. O meu medo é a loira gostosa ficar grávida e eu não sei como a senhora vai receber a loira gostosa lá em casa se a senhora disse um dia que eu devia olhar bem para a minha cara antes de chegar aqui com uma namorada hein mãe não sei. O meu medo também é do pai da loira gostosa e da mãe da loira gostosa e do irmão da loira gostosa no dia em que a loira gostosa me apresentar para a família como o homem da sua vida será que é verdade será que isso é felicidade hein mãe não sei. O meu medo é a situação piorar e eu não conseguir arranjar emprego nem de faxineiro nem de porteiro nem de ajudante de pedreiro e o pessoal dizer que o governo já fez o que pôde já pôde o que fez já deu a sua cota de participação hein mãe não sei. O meu medo é que mesmo com diploma debaixo do braço andando por aí desiludido e desempregado o policial me olhe de cara feia e eu acabe fazendo uma burrice sei lá uma besteira será que vou ter direito a uma cela especial hein mãe não sei. Freire, Marcelino. Contos negreiros. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 97-98.
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As narrativas de Marcelino Freire costumam provocar o leitor pela linguagem próxima da oralidade e pelos temas de que tratam. No conto “Curso superior”, de 2005, o narrador aborda a atual discussão sobre o sistema de cotas para afrodescendentes nas universidades públicas de uma maneira original: um jovem afrodescendente considera seu futuro, temendo que o diploma não diminua o preconceito contra ele e que seu ingresso na faculdade apenas reforce a sensação de impotência e fracasso que a sociedade lhe impõe. 41
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Vestibular e Enem 1. (PUC-PR) Assinale o que for incorreto a respeito da estética simbolista e da poesia de Cruz e Sousa. a) Os poetas simbolistas se opunham ao objetivismo cientificista dos realistas/naturalistas. b) Cruz e Sousa é o maior representante da estética simbolista no país. Porém, nas primeiras décadas do século XX, observa-se uma grande expansão do Simbolismo no Sul do Brasil, sendo o Paraná um dos estados com maior número de manifestações poéticas dessa escola, seja pelas revistas que foram criadas, seja pelos poetas que foram revelados. c) Verifica-se na estética simbolista o culto à musicalidade do poema, em sintonia com a busca pela espiritualidade, um dos temas predominantes na poesia de Cruz e Sousa. d) O Simbolismo brasileiro recupera de modo inequívoco os procedimentos e os temas do Romantismo, valorizando o sentimento nacionalista e as ideias abolicionistas. e) Para os simbolistas, a poesia, experiência transcendente, é uma forma pela qual se alcança o sentido oculto das coisas e das vivências. (Enem) Texto para a questão 2.
Psicologia de um vencido Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênesis da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme – este operário das ruínas – Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra! Anjos, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
2. A poesia de Augusto dos Anjos revela aspectos de uma literatura de transição designada como pré-modernista. Com relação à poética e à abordagem temática presentes no soneto, identificam-se marcas dessa literatura de transição, como:
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
a) a forma do soneto, os versos metrificados, a presença de rimas e o vocabulário requintado, além do ceticismo, que antecipam conceitos estéticos vigentes no Modernismo. b) o empenho do eu lírico pelo resgate da poesia simbolista, manifesta em metáforas como “Monstro de escuridão e rutilância” e “influência má dos signos do zodíaco”. c) a seleção lexical emprestada ao cientificismo, como se lê em “carbono e amoníaco”, “epigênesis da infância” e “frialdade inorgânica”, que restitui a visão naturalista do homem. d) a manutenção de elementos formais vinculados à estética do Parnasianismo e do Simbolismo, dimensionada pela inovação na expressividade poética, e o desconcerto existencial. e) a ênfase no processo de construção de uma poesia descritiva e ao mesmo tempo filosófica, que incorpora valores morais e científicos mais tarde renovados pelos modernistas. 3. (UEM-PR) Assinale o que for correto sobre o Pré-Modernismo no Brasil e sobre seus principais autores. (01) Ao contrário do que o nome do movimento pode sugerir, o Pré-Modernismo não precede imediatamente o Modernismo em termos cronológicos, uma vez que seus principais autores produziram suas obras na terceira e na quarta décadas do século XIX. (02) Euclides da Cunha, em sua obra Os sertões, trata do conflito de Canudos e, para além da representação do embate entre as tropas do governo e os partidários de Antônio Conselheiro, traz um rico painel das dificuldades do povo sertanejo do Nordeste. (04) Na obra de Lima Barreto, o Pré-Modernismo brasileiro encontrou terreno fértil para a representação dos subúrbios cariocas, com os dramas de seus habitantes colocados em destaque. Além disso, temas como o racismo e o preconceito não escaparam ao olhar crítico de sua produção literária. (08) Uma das obras mais ricas do Pré-Modernismo no Brasil é a de Monteiro Lobato. Embora muito conhecido por sua produção no âmbito da literatura infantil, o autor também esteve atento às questões decorrentes da decadência cafeeira, o que se traduziu em livros que tratam das cidades do interior paulista e de suas mazelas decorrentes dessa decadência. (16) Um fato marcante relacionado a autores do Pré-Modernismo brasileiro foi a participação direta de Monteiro Lobato nos primeiros momentos do Modernismo no Brasil. Embora com idade bastante avançada, Lobato apoiou os jovens modernistas, sendo, inclusive, homenageado na Semana de Arte Moderna de 1922.
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unidade
Manifestações do moderno
Nesta unidade 3 As vanguardas
europeias – diálogos do moderno
4 O Modernismo em
Portugal – novidades artísticas e ecos do passado
Miró, Joan. O carnaval do arlequim (detalhe), 1924-1925. Óleo sobre tela, 66 cm × 90,5 cm. Galeria de Arte Albright Knox, Buffalo, EUA. Essa obra de Miró apresenta uma nova forma de ver o mundo, por meio de uma representação não realista.
Albright Knox Art Gallery, Buffalo, NY, EUA. Fotografia: Fine Art Museums/Corbis/ Fotoarena. AUTVIS Brasil, 2016.
Nesta pintura de Joan Miró (1893-1983), os elementos remetem a um universo de sonhos e alucinações. O arlequim, muitas vezes representado como uma figura que toca tristemente uma guitarra, lamentando um amor não correspondido, transforma-se no próprio instrumento. Seus olhos sugerem melancolia. À sua volta, veem-se insetos bizarros, objetos antropomorfizados e elementos estilizados. A obra rompe com uma representação fiel da realidade. A época em que foi produzida foi marcada pelo progresso técnico e científico, que trouxe novas formas de ver o mundo. Teorias de Einstein, Freud, Bergson, bem como a Primeira Guerra Mundial, abalaram certezas e criaram grande inquietação intelectual, que resultou em uma série de tendências artísticas conhecidas como vanguardas europeias, que fundamentaram a arte do século XX.
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As vanguardas europeias – diálogos do moderno
capítulo
3 o que você vai estudar
Os novos rumos da arte. A radicalização das experiências formais.
As vanguardas europeias – diálogos do moderno O termo vanguarda remete a tudo o que é pioneiro e inovador. Na arte, corresponde àquilo que anuncia novos padrões estéticos. O período das vanguardas estendeu-se dos últimos anos do século XIX até a década de 1920 e pode ser caracterizado como um laboratório de concepções artísticas. Entre os movimentos do período, destacam-se o Cubismo, o Futurismo, o Expressionismo, o Dadaísmo e o Surrealismo.
Sua leitura A seguir, são apresentadas duas obras: um quadro do pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973), exemplo de arte cubista, e as estrofes iniciais do poema “Ode triunfal”, de Álvaro de Campos, um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), um exemplar da arte futurista. Museu de Arte Moderna, Nova York. Licenciado por AUTVIS Brasil, 2016.
As senhoritas de Avignon
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Heterônimo é uma espécie de personalidade poética, criada por um autor, com estilo de escrita e características pessoais diferentes, como se fosse de fato outro autor. No próximo capítulo você conhecerá alguns dos principais heterônimos de Fernando Pessoa.
Picasso, Pablo. As senhoritas de Avignon, 1907. Óleo sobre tela, 243,9 cm 3 233,7 cm. Museu de Arte Moderna, Nova York, EUA.
Picasso provocou reações de horror quando tornou público o quadro As senhoritas de Avignon, retrato de mulheres nuas pintado com técnicas inusitadas para a época. A tela representava o espírito vanguardista e hoje é considerada uma das pinturas fundadoras da arte moderna.
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Vocabulário de apoio
Ode triunfal
ciciante: sussurrante
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica Tenho febre e escrevo. Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
comboio: conjunto de vagões ferroviários, trem
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! Em fúria fora e dentro de mim, Por todos os meus nervos dissecados fora, Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, De vos ouvir demasiadamente de perto, E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso De expressão de todas as minhas sensações, Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
cosmopolita: próprio dos grandes centros urbanos dissecado: secionado, cortado espasmo: contração involuntária de um músculo estrênuo: destemido, corajoso estupendo: maravilhoso faina: trabalho árduo, em geral executado por tripulação de navio lúbrico: lascivo, sensual papila: pequena saliência encontrada em órgãos do corpo passento: material que absorve líquidos facilmente
[…] Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo! Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento A todos os perfumes de óleos e calores e carvões Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável! Fraternidade com todas as dinâmicas! Promíscua fúria de ser parte-agente Do rodar férreo e cosmopolita Dos comboios estrênuos, Da faina transportadora-de-cargas dos navios, Do giro lúbrico e lento dos guindastes, Do tumulto disciplinado das fábricas, E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!
HIPERTEXTO Frases exclamativas são aquelas que traduzem emoções e sentimentos do enunciador de forma enfática e expressiva. O poema de Álvaro de Campos apresenta diversas frases desse tipo, as quais o eu lírico emprega para expressar entusiasmo. Os diferentes tipos de frase são abordados na parte de Linguagem (capítulo 19, p. 164).
Campos, Álvaro de. In: Pessoa, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. p. 240.
Sobre os textos 1. O quadro As senhoritas de Avignon é considerado o marco inicial do Cubismo, estética que se vale da fragmentação e de figuras geométricas para representar os objetos de vários ângulos simultaneamente. a) Descreva a forma como as mulheres foram retratadas nessa obra. b) O que isso pode dizer sobre a relação entre arte e realidade? 2. De que modo a multiplicidade de perspectivas da pintura cubista afeta a recepção da obra pelo espectador? 3. O Futurismo tem um olhar dirigido para o novo. O poema acima manifesta, em tom exaltado, ideias defendidas por esse movimento. a) Cite duas passagens que mostram esse tom. Ele se relaciona a quê? b) Considere sua resposta ao item anterior. Que princípios do Futurismo podemos inferir do poema? 4. O eu lírico do poema afirma seu desejo de se fundir com as máquinas, adquirindo seus atributos. De que maneira a própria composição do poema realiza essa aspiração?
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Repertório
Galerie Neue Meister, Dresden. Licenciado por AUTVIS, Brasil, 2016. Fotografia: AKG/Latinstock
No início do século XX, acentuaram-se as disputas políticas entre as nações europeias. Rivalidades locais e a concorrência por matérias-primas e mercados consumidores em outros continentes levaram à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que vitimou quase 20 milhões de pessoas. Nesse período, os Estados Unidos firmaram-se como a nova potência político-econômica, com participação decisiva na guerra, e a Rússia, após a revolução de 1917, inspirada na doutrina marxista, anexou países vizinhos e formou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Desde o final do século XIX, a arte vinha sendo renovada por experiências estéticas surpreendentes e desconcertantes, que promoviam alterações significativas nos padrões então vigentes. Em 1907, surgiu o Cubismo, cuja proposta de ruptura radical com os conceitos de proporção e perspectiva exigia um público participativo, comprometido com a tarefa de reconstrução dos sentidos das imagens. O Futurismo, nascido dois anos depois, valeu-se de uma arte agressi- Dix, Otto. A guerra (detalhe), 1929-1932. Óleo va para provocar o público. Os artis- sobre tela, 204 cm 3 204 cm. Galeria Neue Meister, Dresden, Alemanha. tas rejeitavam o passado, propunham a destruição das tradições e tinham O pintor Otto Dix (1891-1969) combateu como soldado durante a Primeira Guerra fascínio por tecnologia. Mundial. Nesta pintura expressionista, o O Expressionismo, de 1910, re- cenário devastador confere à luta um tratou o declínio do mundo burguês, caráter apocalíptico, de final dos tempos. assumindo uma função politicamente combativa. Representava a realidade de maneira deformada, revelando uma leitura trágica da vida social. O Dadaísmo, criado em 1916, usou a falta de significado (nonsense) como crítica radical à sociedade. Propunha a abolição da lógica e das relações com o real e negava a premeditação no processo de criação da composição artística. Defendia a espontaneidade, o imediatismo e o caos. Os dadaístas consideravam a arte uma manifestação hipócrita em tempos de guerra. A última vanguarda, o Surrealismo, surgiu após o final da Primeira Guerra, em 1924. Originado do Dadaísmo, também defendia uma arte não subordinada à lógica. Estimulado pela psicanálise, voltou-se para os estudos do inconsciente, incorporou elementos do sonho, da loucura e dos impulsos sexuais. Os surrealistas valorizaram a arte primitiva e procuraram libertar o indivíduo dos limites da vida prática.
O Futurismo: exaltação da máquina O Futurismo anunciou-se ao público europeu por meio de um manifesto escrito por seu líder, Filippo Tommaso Marinetti (1876‑1944), publicado no jornal francês Le Figaro de 20 de fevereiro de 1909. O quarto princípio do manifesto diz: “Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre adornado de grossos tubos como serpentes de fôlego explosivo… um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.” Marinetti, F. T. O futurismo. In: Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972. 6. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1982. p. 91. Galeria de Arte Moderna, Milão. Licenciado por AUTVIS Brasil, 2016. Fotografia: DACS/ The Bridgeman Images/Easypix
Capítulo 3 – As vanguardas europeias – diálogos do moderno
O contexto de produção
Balla, Giacomo. A velocidade de um automóvel, 1913. Óleo sobre cartão, 60 cm 3 98 cm. Galeria de Arte Moderna, Milão, Itália.
Um dos fundadores do movimento futurista, Giacomo Balla abordou nesta pintura o tema da velocidade.
A literatura das vanguardas A arte das vanguardas caracterizava-se pelo confronto com as estéticas tradicionais. Como na pintura, as inovações literárias também recusaram a organização lógica. A desestruturação do texto, com elipses, concisão e ausência de sinais de pontuação, caracterizou a literatura das vanguardas. Os escritores deixavam de oferecer ao leitor elementos lógicos para apoiar a reconstrução dos sentidos, reforçando esse procedimento com imagens em livre associação. Antes de serem aceitos pela sociedade, muitos vanguardistas foram chamados de “incompetentes” e “vândalos”; e suas obras, rotuladas de “repulsivas” e “sórdidas” por não corresponder às expectativas do público. Historicamente, coube às vanguardas radicalizar as experiências formais ao romper com a sintaxe e a coerência, rejeitar as regras de versificação tradicionais e abandonar o princípio de que a arte deveria imitar a realidade objetiva.
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De acordo com Sigmund Freud, criador da psicanálise, a vida psíquica dos indivíduos sofreria forte influência de conteúdos mentais não percebidos por eles. Esses conteúdos fariam parte do inconsciente e apareceriam em sonhos mediante mecanismos de disfarce.
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Philadelphia Museum of Art, Filadélfia. Fotografia: ID/BR
Sua leitura Vários escritores brasileiros foram influenciados pelas vanguardas europeias. Por exemplo, algumas características cubistas estão presentes na estrutura do inovador Memórias sentimentais de João Miramar, romance do modernista Oswald de Andrade, publicado em 1924. Leia um dos episódios do livro.
8. Fraque do ateu Saí de D. Matilde porque marmanjo não podia continuar na classe com meninas. Matricularam-me na escola modelo das tiras de quadros nas paredes alvas escadarias e um cheiro de limpeza. Professora magrinha e recreio alegre começou a aula da tarde um bigode de arame espetado no grande professor Seu Carvalho. No silêncio tique-taque da sala de jantar informei mamãe que não havia Deus porque Deus era a natureza. Nunca mais vi o Seu Carvalho que foi para o Inferno.
Vocabulário de apoio
ateu: pessoa que não crê em Deus fraque: traje masculino usado em cerimônias, com casaco curto na parte da frente e abas longas atrás marmanjo: menino robusto, crescido
Andrade, Oswald de. Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo: Globo, 1993. p. 47.
Gris, Juan. Homem no café, 1912. Óleo sobre tela, 127,6 cm 3 88,3 cm. Museu de Arte da Filadélfia, EUA.
Sobre o texto 1. Que situação da vida do narrador-protagonista João Miramar é retratada nesse episódio? 2. Algumas lembranças da personagem são visuais, têm a forma de imagens. Além da visão, que outros sentidos ajudam a evocar essas lembranças? Comprove com passagens do texto “Fraque do ateu”. 3. Ao dizer à mãe que “não havia Deus porque Deus era a natureza”, João Miramar provavelmente reproduzia a fala ouvida de um adulto, um comportamento típico de crianças. a) Quem, provavelmente, formulou o pensamento repetido pelo garoto? Justifique. b) O que esse pensamento indica sobre a crença religiosa da personagem que o formulou? Relacione sua resposta ao título do episódio. 4. O último parágrafo utiliza a metáfora para contar o que houve com o professor Carvalho. a) O que deve ter acontecido realmente com ele? b) Que provável razão levou João Miramar a dizer que o professor “foi para o Inferno”? 5. O episódio lido apresenta algumas características sintáticas que, à maneira do Cubismo, criam uma realidade fragmentada, com lacunas. Cite algumas dessas características.
Nessa pintura, a representação fragmentada do rosto, do casaco e da cartola do homem expressa o objetivo cubista de superar as possibilidades da visão normal. Oswald de Andrade também utilizou a fragmentação na composição de Memórias sentimentais de João Miramar.
O que você pensa disto?
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1. O que você sabe sobre o grafite? Você acha que ele pode ser considerado uma forma de arte? Por quê? O maior trecho remanescente do Muro de Berlim, que separava a Alemanha Oriental (comunista) da Ocidental (capitalista), hoje é uma galeria de arte, a East Side Gallery. O trecho de 1,3 km é coberto de vários grafites. Foto de 2011.
Museu de Israel, Jerusalém. Licenciado por AUTVIS Brasil, 2016. Fotografia: Stringer/AFP/Getty Images
A obra Fonte, do francês Marcel Duchamp (1887-1968), é composta de um urinol (vaso próprio para urinar) em posição invertida. Trata-se de um readymade, técnica que consiste em apresentar objetos de uso cotidiano, com pouca ou nenhuma interferência, como obras de arte. Com essa técnica, Duchamp queria provocar o espectador e questionar a validade da arte tradicional. Os grafites também provocam discussões. Para alguns, os desenhos pintados nas paredes são uma forma de vandalismo; para outros, trata-se de arte urbana.
Duchamp, Marcel. Fonte, 1917. Porcelana, 36 cm 3 48 cm 3 61 cm. Museu de Israel, Jerusalém.
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capítulo
O Modernismo em Portugal – novidades artísticas e ecos do passado
o que você vai estudar A introdução das vanguardas em Portugal. A importância das revistas Orpheu e Presença. Fernando Pessoa e seus heterônimos.
Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Fotografia: Joseph Martin/akg-images/Latinstock
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Souza-Cardoso, Amadeo de. Título desconhecido (Brut 300 TSF), 1917. Óleo sobre tela, 86 cm 3 66 cm. Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal.
Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) é um dos principais representantes da pintura moderna portuguesa. Sua obra, voltada à ruptura com a arte convencional, revela influências de quase todos os movimentos vanguardistas, principalmente do Cubismo, do Futurismo e do Expressionismo. Apesar disso, o pintor nunca seguiu exclusivamente uma das vanguardas, preferindo utilizar o conceito de cada uma como parte de sua pesquisa estética pessoal. No quadro ao lado, predomina a influência cubista, verificada na presença de elementos geométricos, no uso de fragmentos e na ruptura com os conceitos de proporção e perspectiva, além do emprego de letras e números.
O contexto de produção O Modernismo iniciou-se em Portugal na segunda década do século XX, em um período de fortes tensões. Após a Proclamação da República, em 1910, as disputas políticas internas e as críticas aos governantes continuaram, tanto em razão do agravamento dos problemas sociais quanto em decorrência dos efeitos da Primeira Guerra Mundial. Em 1926, um golpe militar apoiado pela burguesia levou ao poder um governo de direita. Sete anos depois, iniciou-se o Estado Novo, uma ditadura sob o comando de Antonio de Oliveira Salazar. Esse regime autoritário persistiu até a Revolução dos Cravos, em 1974. Os anos iniciais da república foram marcados por forte nacionalismo, chegando a aproximar-se do fascismo italiano e do nazismo alemão. Por outro lado, na produção cultural, tal nacionalismo resultou no Saudosismo, doutrina liderada pelo escritor Teixeira de Pascoais, que pretendia restaurar nos portugueses o ânimo da época das Grandes Navegações. O movimento não focava a nostalgia do passado, mas sim a esperança de fundação de uma civilização diferente, nova, que realizasse o que era devido ao povo português. Os artistas que formaram a primeira geração modernista portuguesa derivaram da doutrina saudosista. Na revista Orpheu, criaram a base de uma produção artística renovadora, atualizada com as inovações técnicas das vanguardas europeias e com seu espírito de contestação. Sucederam-se, então, a revista Presença e a segunda geração modernista. As duas gerações modernistas de Portugal são o objeto de estudo deste capítulo. 48
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O grupo que publicou a revista de literatura Orpheu formou-se em 1913, dois anos antes de seu lançamento, e incluía nomes como Luís de Montalvor, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e o brasileiro Ronald de Carvalho. A publicação teve apenas dois números, mas provocou escândalo, foi atacada pela imprensa conservadora e contribuiu para a afirmação das novidades estéticas artísticas em Portugal. As primeiras obras modernistas não tinham uma concepção estética bem definida. Algumas delas ainda refletiam a influência saudosista e usavam recursos de estéticas anteriores, como o Simbolismo. Outras, porém, já revelavam traços do Modernismo, termo que abrangia a influência das tendências vanguardistas europeias. O objetivo dos modernistas era construir uma poesia inusitada, muitas vezes agressiva, capaz de abalar a cultura portuguesa instituída até então. Almada Negreiros evidenciou esse confronto no texto a seguir, em que ridiculariza Júlio Dantas, representante da literatura conservadora, que depreciava a revista Orpheu.
Biblioteca Nacional, Lisboa. Fotografia: ID/BR
Orpheu e Presença: duas revistas, duas gerações
MANIFESTO ANTI-DANTAS BASTA PUM BASTA Uma geração, que consente deixar-se representar por um Dantas, é uma geração que nunca o foi. É um coio d’indigentes, d’indignos e de cegos! É uma resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero! Abaixo a geração! […] O Dantas saberá gramática, saberá sintaxe, saberá medicina, saberá fazer ceias pra cardeais, saberá tudo menos escrever que é a única coisa que ele faz! O Dantas pesca tanto de poesia que até faz sonetos com ligas de duquesas! O Dantas é um habilidoso! […] Morra o Dantas, morra! Pim! [...]
Frontispício da edição inaugural da revista Orpheu, lançada em 1915.
Vocabulário de apoio
charlatão: trapaceiro, impostor coio: covil, esconderijo de malfeitores resma: conjunto, grupo
Nesse manifesto, Almada Negreiros desqualifica Júlio Dantas, apontando-o como um obstáculo à renovação e à divulgação da literatura portuguesa. A crítica, mordaz e irônica, buscava atingir ainda aqueles que tinham as mesmas convicções de Dantas. Os princípios de renovação e contestação da revista Orpheu foram reafirmados pela revista Presença, que foi lançada em 1927 e teve 54 números. Nela, estudantes de Coimbra, como José Régio, Branquinho da Fonseca e Miguel Torga, defendiam uma literatura mais introspectiva, sincera e original, sem preocupações com questões sociais. Como na primeira geração, suas propostas envolviam pesquisa estética e tematizavam a crise do indivíduo moderno diante da ausência de certezas absolutas. As obras mostravam o desejo de contribuir para a superação da cultura burguesa, sem envolver propostas de intervenção social e sem se relacionar ao contexto específico de Portugal. Concentraremos os estudos sobre esse momento da literatura portuguesa na produção de Fernando Pessoa, passando pela contribuição de Mário de Sá-Carneiro e José Régio.
Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Fotografia: ID/BR
Almada Negreiros, José Sobral de. Manifesto Anti-Dantas. In: Teles, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 242.
Almada Negreiros, José Sobral de. Autorretrato num grupo, 1925. Óleo sobre tela, 130 cm 3 197 cm. Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal.
O escritor Almada Negreiros (1893-1970) também foi um talentoso artista plástico e é considerado um grande representante da arte moderna portuguesa. Nessa pintura, realizada para o café A Brasileira, de Lisboa, o artista distorceu corpo e rosto das figuras retratadas, rompendo com a concepção de arte como imitação da realidade.
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Os eus de Fernando Pessoa Além de assinar poemas com seu próprio nome, Fernando Pessoa (1888-1935) criou mais de setenta heterônimos – autores com características poéticas e pessoais distintas. Alguns foram apenas esboçados; outros, como Bernardo Soares e Alexandre Search, foram desenvolvidos parcialmente. Já os heterônimos Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos são os mais completos, com biografia, traços físicos, profissão, ideologia e estilo próprios.
Alberto Caeiro: o mestre A poesia de Alberto Caeiro ensina que o verdadeiro entendimento do mundo é alcançado por meio dos sentidos humanos em contato direto com as coisas, sem o intermédio do pensamento. Nas palavras dele: “Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la/ E comer um fruto é saber-lhe o sentido”. Essa rejeição das abstrações para compreender o mundo pode ser vista no poema “XX”, de O guardador de rebanhos, em que o eu lírico compara o rio Tejo, o mais importante de Portugal, ao rio de sua aldeia. Margens do texto
XX
Segundo o eu lírico, o rio Tejo está associado às ambições do povo português, tanto do passado quanto de então. Como isso aparece no poema?
Capítulo 4 – O Modernismo em Portugal – novidades artísticas e ecos do passado
O Tejo tem grandes navios E navega nele ainda, Para aqueles que veem em tudo o que lá não está, A memória das naus. O Tejo desce de Espanha E o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para onde ele vai E donde ele vem. E por isso, porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia. […]
Veridiana Scarpelli/ID/BR
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
HIPERTEXTO O pronome interrogativo qual e o advérbio interrogativo onde (“para onde” e “donde”) articulam as orações subordinadas à principal — “Mas poucos sabem” —, indicando perguntas indiretas. Leia sobre pronomes e advérbios interrogativos na parte de Linguagem (capítulo 24, p. 220).
Pessoa, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. p. 149-150.
Essa comparação revela a visão de mundo de Caeiro: o rio da aldeia é “mais livre e maior” porque não representa valores da sociedade atribuídos a ele; oferece apenas o que lhe é próprio. O Tejo, por outro lado, é aprisionado pelas projeções daqueles “que veem em tudo o que lá não está”. Na obra de Caeiro, essa busca por objetividade resulta na vivência do presente de maneira espontânea, sem idealizações e sem o apoio de teorias científicas e filosóficas. Proporciona ainda uma visão não espiritualizada da vida: o poeta rejeita a existência de um Deus inacessível aos sentidos, preferindo vê-lo espelhado na natureza. Apesar da intenção de registrar apenas o que se pode ver e sentir concretamente, a obra do poeta é bastante abstrata e filosófica. Vários poemas discutem o ato de pensar e o conhecimento, contradição que enriquece sua poesia.
Ricardo Reis e Álvaro de Campos: os discípulos Por sua postura perante as coisas do mundo, Caeiro foi considerado um mestre pelo próprio Fernando Pessoa e pelos demais heterônimos. Ricardo Reis buscou a mesma simplicidade e espontaneidade do mestre e, para isso, recorreu ao Arcadismo, estética que valorizava a vida campestre. A obra de Ricardo Reis também revela a consciência da passagem do tempo e da inevitabilidade da morte. Já o heterônimo Álvaro de Campos é um indivíduo cosmopolita e que vive seu tempo. Essa influência da modernidade provém, em parte, do Futurismo, que carrega um entusiasmo pelas máquinas e pelas multidões, bem como expressa sensações cheias de energia. A tendência eufórica, contudo, é só uma das expressões do poeta. Há também a descrença no mundo moderno e a crítica às relações humanas deterioradas. Nessa vertente, surgem o vazio da vida e o sujeito amargurado.
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Fernando Pessoa
Museu da Cidade, Lisboa. Fotografia: ID/BR
Os poemas líricos com assinatura do próprio Fernando Pessoa estão reunidos em Cancioneiro e apresentam reflexões sobre a vida e a arte. Neles, nota-se a retomada da tradição lírica portuguesa em duas tendências – o sensacionismo e o interseccionismo. O sensacionismo sustentava que toda experiência consciente era composta de sensações, que poderiam ser representadas no poema com estruturas produzidas em uma elaboração intelectual. O interseccionismo envolvia o cruzamento do mundo interior com o exterior pela invocação dessas sensações, como exemplificam os versos iniciais de “Chuva oblíqua”.
Chuva oblíqua I Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios Que largam do cais arrastando nas águas por sombra Os vultos ao sol daquelas árvores antigas… O porto que sonho é sombrio e pálido E esta paisagem é cheia de sol deste lado… Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol… […] Pessoa, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. p. 47.
O poema não é uma confissão imediata de um estado de espírito, mas sim uma elaboração das emoções. A paisagem é apresentada por fragmentos que remetem ao cenário exterior – um lugar ensolarado composto de árvores e flores –, mesclado às sensações do poeta – representadas pelo porto sombrio. Pela simultaneidade, ambos formam um ambiente único, melancólico, em que exterior e interior são indissociáveis. Alguns poemas metalinguísticos de Fernando Pessoa examinam o processo da criação poética, com foco recorrente na questão da sinceridade.
Isto Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê!
Pessoa, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. p. 99.
Almada Negreiros, José Sobral de. Retrato de Fernando Pessoa, 1954. Óleo sobre tela, 200 cm 3 200 cm. Museu da Cidade, Lisboa, Portugal.
Fernando Pessoa representado por seu contemporâneo Almada Negreiros. Na mesa, vê-se o número 2 da revista Orpheu. Vocabulário de apoio
enleio: envolvimento, embaraço, encanto findar: acabar, chegar ao fim
Em “Isto”, o eu lírico afirma que os sentimentos expressos em um poema não são sentidos pelo coração, mas sim pela imaginação. O poeta seria capaz de experimentar, pela atividade intelectual, estados de alma que não viveu de fato. Essa experiência lhe permitiria desprender-se de suas particularidades, do que ele sonha ou vive naquele momento, ultrapassando a aparência das coisas em busca do que se oculta sob o “terraço” – aquilo que é lindo e verdadeiro. Além da poesia lírica, Fernando Pessoa dedicou-se também à épica, compondo a obra Mensagem. O livro foi publicado pouco antes da morte do poeta, embora ele tenha começado a escrevê-lo em 1913, ainda na juventude. Associada ao movimento saudosista, a obra rememora a formação de Portugal, as Grandes Navegações e a ambição por um poderoso império português. Para tanto, ela retoma o poema clássico português Os Lusíadas, de Camões, que é a narrativa-símbolo dessa aventura. Entretanto, Mensagem é uma obra irônica: ao exaltar Portugal, o poeta evidencia o comportamento desmedido e louco de seus heróis, principalmente de seu grande mito, o rei dom Sebastião. Inovadora, a obra foge da estrutura rigorosa do poema épico, constituindo-se por fragmentos em que as personagens históricas ou o próprio eu lírico cantam a melancolia e a saudade. Não escreva no livro.
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Sua leitura
Repertório
Nesta seção, você lerá três poemas: o primeiro, do heterônimo Alberto Caeiro, faz parte de Poemas inconjuntos; os dois últimos são de Mensagem, de Fernando Pessoa. Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Não há nada mais simples Tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra cousa todos os dias são meus. Sou fácil de definir. Vi como um danado. Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma. Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei. Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver. Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras; Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento. Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais. Um dia deu-me o sono como a qualquer criança. Fechei os olhos e dormi. Além disso, fui o único poeta da Natureza. Pessoa, Fernando. Obra poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. p. 237.
Sobre o texto
2. Comente brevemente as características formais do poema, considerando elementos como linguagem, estrofes, métrica e rimas. 3. A partir do sexto verso, há uma mudança nas formas verbais do poema. a) Qual é essa mudança? b) O que ela representa quanto à situação do eu lírico? 4. Em sua opinião, por que é “fácil” para o eu lírico antecipar sua biografia?
Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a “Chuva oblíqua”, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente… Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou melhor, foi a reação de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro. Pessoa, Fernando. Alberto Caeiro: poemas completos. São Paulo: Nobel, 2008. p. 170-171.
5. Por que o eu lírico se compara a uma criança? 6. Alberto Caeiro é o mestre das personalidades poéticas de Fernando Pessoa. Reflita sobre essa afirmação lendo uma estrofe de “Tabacaria”, de Álvaro de Campos. (Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come, pequena suja, come! Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Capítulo 4 – O Modernismo em Portugal – novidades artísticas e ecos do passado
1. O poema evidencia a ideia que norteia a poesia de Alberto Caeiro. Qual é essa ideia? Justifique com base em passagens do texto.
Adriana Alves/ID/BR
Texto 1
Multiplicação e despersonalização A multiplicação interior permitiu a Fernando Pessoa enxergar o mundo pelos olhos de vários eus líricos. Isso foi um procedimento literariamente rico, mas psicologicamente perigoso, porque aproximou o poeta da despersonalização. Em uma carta em que explica para um amigo a origem de seus heterônimos, Pessoa chama a atenção para a sensação que teve após a criação de Caeiro:
Pessoa, Fernando. Obra poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. p. 298.
a) Com base nesse trecho, é possível dizer que Álvaro de Campos segue os ensinamentos de Alberto Caeiro? Por quê? b) Considerando o trecho e sua resposta à questão 2, pode-se sugerir que Alberto Caeiro influenciou Álvaro de Campos no plano da forma poética? Justifique.
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Texto 2
HIPERTEXTO
Texto 3
D. Sebastião, Rei de Portugal
Mar portuguez
Louco, sim, louco, porque quiz grandeza Qual a Sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que ha.
Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão resaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar!
Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nella ia. Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadaver addiado que procria? Pessoa, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 9-10.
Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quere passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abysmo deu, Mas nelle é que espelhou o céu. Pessoa, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 16.
Sobre os textos 1. “D. Sebastião, Rei de Portugal” é um texto lírico dentro da estrutura épica de Mensagem. a) O que faz desse poema um texto lírico? b) Que aspecto da poesia épica está presente no texto? 2. O mito sebastianista está expresso principalmente nos versos 4 e 5 de “D. Sebastião, Rei de Portugal”. Considerando esse mito, explique a diferença de sentido entre o “ser que houve” e o ser “que ha”. 3. O tema de Mensagem é o sonho português de formar um grande império. Nesse sentido, como podem ser interpretados o eu lírico (assumindo a voz de dom Sebastião) e sua “Sorte” (destino)? 4. Os versos iniciais de “Mar portuguez” aparecem em geral fora de seu contexto original. a) No contexto desse poema, o que significa uma “alma pequena”? b) Com base no poema, explique o valor concreto do mar para os portugueses. 5. Mensagem dialoga com o contexto cultural de sua época. Mostre influências do movimento saudosista em “D. Sebastião, Rei de Portugal” e “Mar portuguez”.
O uso de heterônimos é uma das características mais marcantes da poesia de Fernando Pessoa. Ao produzir poemas com características de autores distintos, Pessoa compôs uma obra multifacetada e, ao mesmo tempo, coerente em cada uma de suas vertentes. Os heterônimos nos permitem viver uma personagem, libertando-nos momentaneamente de alguns aspectos da nossa própria identidade. Dessa forma, pode estimular a imaginação e contribuir para novas reflexões. No entanto, é importante perceber que se trata de uma situação de representação, ou seja, não se pode perder os limites entre a realidade e a ficção. 1. Construa a identidade de um poeta dos tempos atuais. Pense em qual seria sua personalidade, sobre o que escreveria e que linguagem usaria.
Coleção particular. Fotografia: ID/BR
O que você pensa disto?
As orações subordinadas adverbiais podem vir antes ou depois da oração principal à qual se relacionam. No poema “Mar portuguez”, o eu lírico explora o efeito expressivo da alternância de posição: coloca a primeira oração subordinada adverbial antes da oração principal, e a segunda, após. As orações subordinadas adverbiais são abordadas na parte de Linguagem (capítulo 26, p. 236). Vocabulário de apoio
areal: grande extensão de areia; no poema, é uma referência a Alcácer-Quibir, região da África onde o exército português foi derrotado Bojador: cabo (ponta de continente que avança mar adentro), localizado na costa da África, que oferecia muita dificuldade aos antigos navegadores devido às ondas altas e aos recifes pontiagudos Sorte: destino
Morais, Lívio de. Hetrónimos. 1997. Óleo sobre tela, 104 cm 3 95 cm. Coleção particular.
Na pintura do moçambicano Lívio de Morais (1945-), Fernando Pessoa se multiplica em inúmeros duplos, uma alusão a seus heterônimos.
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Ferramenta de leitura A obscuridade da lírica moderna Coleção particular. Fotografia: ID/BR
Em Estrutura da lírica moderna, de Hugo Friedrich, o autor chama de “dissonância” a distância entre o encantamento que os textos provocam e a dificuldade de compreensão que oferecem. Leia um trecho em que ele descreve essa relação e mostra-a como uma característica da poesia moderna. Essa tensão dissonante da poesia moderna exprime-se ainda em outro aspecto. Assim, traços de origem arcaica, mística e oculta, contrastam com uma aguda intelectualidade, a simplicidade da exposição com a complexidade daquilo que é expresso, o arredondamento linguístico com a inextricabilidade do conteúdo, a precisão com a absurdidade, a tenuidade do motivo com o mais impetuoso movimento estilístico. São, em parte, tensões formais e querem, frequentemente, ser entendidas somente como tais. Entretanto, elas aparecem também nos conteúdos. Friedrich, Hugo. Estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a meados do século XX. 2. ed. Trad. Marise M. Curioni; Dora F. da Silva. São Paulo: Duas Cidades, 1991. p. 15-16.
O crítico alemão Hugo Friedrich (1904-1978) formou-se filólogo e publicou vários estudos sobre literatura. Estrutura da lírica moderna (1956) é sua obra mais importante e, apesar de sofrer restrições por representantes de tendências mais recentes, ainda é uma referência importante para os estudiosos de literatura. Foto s. d. Vocabulário de apoio
inextricabilidade: qualidade do que não se pode desembaraçar, elucidar tenuidade: qualidade do que é tênue, frágil
Vocabulário de apoio
colunata: conjunto de colunas que servem de apoio a um teto plano entorpecido: sem energia Hofgarten: parque público de Munique, na Alemanha Starnbergersee: grande lago ao sul de Munique tórpido: enfraquecido, sem vigor
Segundo Friedrich, a liberdade pretendida pela nova poesia pressupõe a criação de sentidos a partir de tensões formais, como o uso de uma linguagem simples para expressar um conteúdo complexo, que é um elemento estruturador do sentido do poema. O poeta é um operador da língua e realiza experimentos que geram combinações inusitadas, criadoras de sentido. Pode-se perceber, portanto, que a lírica moderna resulta de um processo intelectual, como evidenciou Fernando Pessoa em seu poema “Isto”, estudado na página 51. Ela não nasce da expressão imediata de sentimentos, mas sim de operações linguísticas sofisticadas, e suas interpretações não podem chegar a uma conclusão absoluta, o que deixa o leitor desconcertado. Leia, a seguir, os primeiros versos de Terra estéril (The waste land), publicado pelo poeta T. S. Eliot em 1922, e responda às questões. Abril é o mais cruel dos meses, gerando Lilases na terra morta, misturando Memória e desejo, despertando Raízes tórpidas com chuva de primavera. O inverno mantém-nos aquecidos, cobrindo A terra de neve entorpecida, nutrindo Uma pequena vida com tubérculos ressequidos. O verão surpreendeu-nos sobre o Starnbergersee Com uma chuvarada; paramos na colunata, E prosseguimos à luz do sol até o Hofgarten, E bebemos café e conversamos uma hora. […] Eliot, T. S. Terra estéril. In: Friedrich, Hugo. Estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a meados do século XX. 2. ed. Trad. Marise M. Curione; Dora F. da Silva. São Paulo: Duas Cidades, 1991. p. 273.
Sobre o texto 1. No hemisfério norte, o mês de abril corresponde ao início da primavera. a) Pensando nisso, o que causa estranhamento logo no primeiro verso? b) Por que a imagem do inverno também causa estranhamento? 2. A partir do oitavo verso, nota-se uma alteração radical no modo de expressar as ideias. Que mudanças na linguagem ocorrem nesse trecho? 3. Explique como o poema apresenta o efeito de dissonância típico da lírica moderna, descrito por Hugo Friedrich. 54
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Entre textos Esta unidade abordou o diálogo dos artistas com a modernidade, iniciando-se com o poema futurista “Ode triunfal”. Como você já sabe, o Futurismo propunha a destruição do passado e exaltava a velocidade e a tecnologia. A seguir, conheça um texto de Friedrich Dürrenmatt que também fala da relação entre o ser humano e as máquinas. TEXTO
A pane
Dürrenmatt, Friedrich. A pane – o túnel – o cão. Trad. Marcelo Rondinelli. São Paulo: Códex, 2003. p. 21-22.
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Assistindo ao início do império do automóvel, os futuristas exaltavam-no sem reservas. Algumas décadas mais tarde, o escritor suíço Friedrich Dürrenmatt tematizou no conto “A pane”, escrito em 1955, algo que os futuristas ignoravam: as máquinas falham e os proprietários ficam à mercê dos mecânicos, em quem não sabem se podem confiar. No conto, a pane no automóvel leva o protagonista a pernoitar fora de casa e viver uma estranha aventura. O leitor percebe que a pane não é só do automóvel, mas também do estilo de vida do protagonista.
Vocabulário de apoio
avaria: dano, estrago cúmulo-nimbo: nuvem escura e carregada que indica tempestade faia: árvore ornamental, de flores ovais ou elípticas, típica da Europa Studebaker: marca de carro de origem estadunidense
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Um acidente, sem gravidade até, mas em todo caso uma pane: Alfredo Traps, para chamá-lo pelo nome, que trabalhava no setor têxtil, quarenta e cinco anos, longe de ser gordo, de aparência agradável, modos satisfatórios, embora deixando notar um certo adestramento, deixando transparecer algo de primitivo, de mascate, este nosso contemporâneo acabara de se deslocar com seu Studebaker por uma das grandes estradas do país e já esperava chegar em uma hora ao local onde residia, numa cidade maior, quando o automóvel falhou. Simplesmente não andou mais. Lá ficou, impotente, com a máquina vermelha parada ao sopé de um pequeno morro, em torno do qual seguia a estrada ondulando. Ao norte formaram-se cúmulos-nimbos, e a oeste o sol seguia alto, quase no meio da tarde. Traps fumou um cigarro e fez então o necessário. O mecânico que enfim rebocou o Studebaker declarou não poder reparar a avaria antes da manhã seguinte, defeito na transmissão de gasolina. Se dizia mesmo a verdade, não era possível descobrir, nem aconselhável tentar; fica-se à mercê de mecânicos como outrora se ficava nas mãos dos salteadores ou, antes ainda, dos deuses locais e entidades maléficas. Sem ânimo para percorrer o caminho de meia hora até a estação mais próxima e empreender a viagem de volta para casa, um tanto complicada embora curta, de voltar para a esposa, seus quatro filhos, todos meninos, Traps decidiu pernoitar. Eram seis da tarde, fazia muito calor, o dia mais longo do ano se aproximando, o povoado em cuja margem ficava a oficina, simpático, espalhado contra morros cobertos pela mata, com uma pequena elevação e sua igreja, casa paroquial, e um velhíssimo carvalho provido de anéis de ferro e estacas de apoio, tudo decente e benfeito, até mesmo os montes de esterco em frente às casas dos camponeses cuidadosamente empilhados e bem-arrumados. Também havia uma fabriquinha pelas redondezas e vários botequins e estalagens rurais que Traps já ouvira diversas vezes elogiarem; mas todos os quartos estavam reservados, um congresso dos Proprietários de Pequenos Animais de Criação exigira para si todas as camas, e o caixeiro-viajante foi encaminhado a uma mansão onde diziam que vez por outra recebiam pessoas. Traps hesitou. Ainda era possível voltar para casa de trem. Mas a esperança de viver alguma aventura o atraiu: às vezes havia garotas nos povoados, como recentemente em Grossbiestringen, que os caixeiros-viajantes do ramo têxtil sabiam apreciar. Refeito, ele tomou, afinal, o caminho que levava à mansão. Da igreja vinha o badalar dos sinos. Vacas trotavam em direção a ele, mugiam. A casa de campo, assobradada, ficava em meio a um jardim bem amplo, as paredes eram de um branco ofuscante, telhado plano, persianas verdes, cobertas até a metade por arbustos, faias e pinheiros; em direção à rua, flores, sobretudo rosas, um homenzinho de idade avançada com avental de couro amarrado, provavelmente o dono da casa executando pequenos trabalhos de jardinagem. Traps apresentou-se e pediu alojamento. […]
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Vestibular e Enem 1. (UFRGS-RS) Leia o poema abaixo, presente em O guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode [ver no Universo… Por isso a minha aldeia é tão grande como [outra terra qualquer, Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura… Nas cidades a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, Escondem o horizonte, empurram nosso olhar [para longe de todo o céu, Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que [os nossos olhos nos podem dar, E tornam-nos pobres porque a nossa única [riqueza é ver. Considere as seguintes afirmações sobre o poema. I. Há uma oposição entre a aldeia e a cidade, e o sujeito lírico prefere a primeira. II. Há, na cidade, a riqueza, as grandes construções que ampliam a visão de horizonte do sujeito lírico. III. Há desarmonia entre o poema e o conjunto de O guardador de rebanhos, pois o livro tematiza a euforia modernizadora. Quais estão corretas? a) Apenas I. b) Apenas II. c) Apenas I e II. d) Apenas II e III. e) I, II e III. 2. (Unifesp) Leia o poema de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa: Coroai-me de rosas, Coroai-me em verdade De rosas – Rosas que se apagam Em fronte a apagar-se Tão cedo! Coroai-me de rosas E de folhas breves. E basta. As múltiplas faces de Fernando Pessoa, 1995.
O tema tratado no poema é: a) necessidade de se buscar a verdadeira razão para uma vida plena.
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
b) fugacidade do tempo, remetendo à ideia de brevidade da vida. c) busca pela simplicidade da vida, representada pela natureza. d) brevidade com que o verdadeiro amor perpassa a vida das pessoas. e) rapidez com que as relações verdadeiras começam e terminam. (Ufes) Texto para questão 3. No “Manifesto futurista”, de 1909, Marinetti afirma: “1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade. 2. Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta. 3. Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto mortal, a bofetada e o soco”. Marinetti, apud Teles, Gilberto M. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. 12. ed. São Paulo: Vozes, 1994. p. 91.
3. Leia o trecho de “Ode triunfal”, de Álvaro de Campos, e, a seguir, faça o que se pede: À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas [da fábrica Tenho febre e escrevo. Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza [disto, Para a beleza disto totalmente desconhecida dos [antigos. Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! Em fúria fora e dentro de mim, Por todos os meus nervos dissecados fora, Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, De vos ouvir demasiadamente de perto, E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um [excesso De expressão de todas as minhas sensações, Com um excesso contemporâneo de vós, ó [máquinas! […] a) Exponha as marcas futuristas presentes no poema, com base nas afirmações de Marinetti. b) Identifique formas encontradas pelo poeta para realizar linguisticamente uma escrita que “range os dentes” e aponte o efeito de sentido produzido por essas formas.
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unidade
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O Modernismo no Brasil: primeira fase Já no início do século XX, alguns artistas brasileiros procuraram renovar as artes, desenvolvendo um nacionalismo crítico, como o das obras pré-modernistas. No entanto, a arte acadêmica mantinha-se em vigor e evidenciava a permanência de uma mentalidade conservadora. Valorizava-se, no Brasil, uma arte de elite, formulada segundo padrões rígidos de construção, que excluía contribuições da cultura popular. Como na Europa, o Modernismo brasileiro foi um movimento de ruptura com a tradição. Os modernistas defendiam a difusão das técnicas das vanguardas vinculadas à cultura nacional, o que serviria de base para a pesquisa e a criação de uma arte inovadora e crítica.
Nesta unidade 5 A primeira fase do Modernismo – autonomia artística 6 Mário, Oswald e Bandeira: ousadia literária
Nesta unidade, você estudará a primeira fase do Modernismo no Brasil, que contou com a participação de escritores como Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Seguindo a tendência nacionalista da primeira fase do Modernismo, Lasar Segall (1891-1957) faz uma crítica social ao retratar um negro isolado à frente de um bananal.
Pinacoteca do Estado de São Paulo. Fotografia: ID/BR
Segall, Lasar. Bananal. 1927. Óleo sobre tela, 87 cm 3 127 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo.
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capítulo
5 o que você vai estudar Os antecedentes da Semana de Arte Moderna. A relação entre a burguesia e o Modernismo. As renovações estéticas do Modernismo. As vanguardas nacionais.
A primeira fase do Modernismo – autonomia artística A partir da década de 1910, publicações, exposições e conferências começaram a evidenciar significativas alterações na maneira como os artistas brasileiros compreendiam a arte. Entre 1917 e 1921, as conquistas foram tantas que o escritor Mário de Andrade referiu-se ao período como “heroico”. Ele mesmo publicou, nessa época, o livro Há uma gota de sangue em cada poema; Oswald de Andrade, a primeira versão de Memórias sentimentais de João Miramar; e Manuel Bandeira, Cinza das horas e Carnaval, entre muitos outros exemplos. Ao mesmo tempo, artigos publicados em jornais discutiam as novas tendências literárias e criticavam o academismo, que ainda dominava a literatura oficial. Paralelamente, aconteceram exposições que marcaram uma guinada nas artes plásticas. Em 1913, Lasar Segall expôs quadros impressionistas e expressionistas em Campinas; quatro anos depois, a jovem pintora Anita Malfatti trouxe a público obras pintadas segundo as estéticas cubista e expressionista; em 1921, Di Cavalcanti inaugurou a exposição “Fantasmas da Meia-Noite”. Esses e outros artistas igualmente inovadores despertaram a atenção para os novos rumos da arte, apresentando ao público brasileiro a linguagem vanguardista europeia. Contudo, foi a partir da Semana de Arte Moderna, em 1922, que o Modernismo, nascido na cidade de São Paulo (SP), ganhou bases mais sólidas e se espalhou pelo país. O evento aproximou os artistas, criando um diálogo bastante intenso entre os escritores, mas também deles com artistas plásticos, músicos e arquitetos. Em um contexto de produção aquecido, surgiram obras que permitiram ao Brasil rever seus modelos de composição artística para recolocar a importância da cultura popular e repensar valores morais. Na primeira fase do Modernismo, a literatura brasileira começou a ganhar autonomia em relação à produção literária estrangeira, deixando de importar acriticamente modelos estéticos criados nas grandes capitais culturais do mundo.
Sua leitura
Vocabulário de apoio
abancado: sentado à mesa de supetão: de repente “fazer uma pele com a borracha do dia”: referência ao trabalho dos seringueiros friúme: frieza
A seguir, estão reproduzidas duas obras modernistas: o poema “Descobrimento”, de Mário de Andrade (1893-1945), e a tela Samba, de Di Cavalcanti (1897-1976). Ambos fizeram parte do grupo que idealizou a Semana de Arte Moderna e são expoentes do movimento.
Descobrimento Abancado à escrivaninha em São Paulo Na minha casa da rua Lopes Chaves De supetão senti um friúme por dentro. Fiquei trêmulo, muito comovido Com o livro palerma olhando pra mim. Não vê que me lembrei lá no Norte, meu Deus! muito longe de mim, Na escuridão ativa da noite que caiu, Um homem pálido, magro de cabelo escorrendo nos olhos Depois de fazer uma pele com a borracha do dia, Faz pouco se deitou, está dormindo. Esse homem é brasileiro que nem eu… Andrade, Mário de. Poesias completas. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1987. p. 203.
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Coleção Particular. Fotografia: ID/BR
Samba
A obra do carioca Di Cavalcanti (1897-1976) retrata cenas da cultura popular. Embora tenha estudado em Paris e travado contato com mestres do Cubismo e do Expressionismo, Di Cavalcanti preferiu desenvolver uma pintura com temática nacional, fazendo do conhecimento teórico das vanguardas um dos elementos de sua busca por soluções plásticas inovadoras. Di Cavalcanti. Samba, 1925. Óleo sobre tela, 177 cm 3 154 cm. Coleção particular.
Sobre os textos 1. Em Samba, Di Cavalcanti retrata um elemento símbolo da cultura brasileira. Considerando as características dessa manifestação cultural, observe a cena e responda. a) Em que cenário as personagens estão? O que pode justificar essa escolha do artista? b) O que sugerem as personagens da pintura? 2. Cada personagem tem um tom de pele distinto, ainda que sejam todos próximos. Qual informação sobre o Brasil Di Cavalcanti transmite por meio desse recurso? 3. Considerando a disposição das figuras na cena, o que ocupa maior destaque: a música ou as reações provocadas por ela? Justifique. 4. No poema “Descobrimento”, o eu lírico descreve uma “descoberta” relacionada a ele m esmo e a outra figura que descreve. Explique qual foi essa descoberta, fazendo referência à distância espacial e à diferença social entre ambos. 5. Com a interjeição “meu Deus!”, no sexto verso, o eu lírico expressa espanto, surpresa. O que o surpreendeu? Que estado de espírito acompanhou essa surpresa? 6. Como você classificaria o registro de linguagem: mais formal ou mais informal? Justifique. 7. Que interesse em comum Di Cavalcanti e Mário de Andrade revelam por meio dessas obras?
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Capítulo 5 – A primeira fase do Modernismo – autonomia artística
Os primeiros governos republicanos preservaram os interesses das oligarquias rurais, traduzidos na chamada “política do café com leite”. O modelo agroexportador que sustentava essa situação tinha como base a produção do café, graças à qual a elite paulistana enriqueceu e pôde gerar recursos que investiu na industrialização. O surto industrial paulistano provocou o surgimento de novos segmentos sociais. A necessidade de técnicos especializados na indústria e profissionais de boa formação na administração pública permitiu a ascensão de indivíduos que não descendiam da elite. Houve, igualmente, transformações nas camadas mais pobres, já que os migrantes nordestinos, expulsos pela crise da cultura canavieira, somaram-se à pequena classe média e aos afrodescendentes marginalizados. Contudo, foi o aumento do número de imigrantes europeus que alterou definitivamente a estrutura social. Politizados e com experiência sindical, difundiram ideias anarquistas e socialistas e iniciaram a luta por melhores condições de trabalho. À frente das transformações, estava a nova burguesia industrial, interessada em reforçar para o país inteiro a imagem de São Paulo como um estado potente e moderno, a fim de legitimar sua liderança. Assim, favoreceu a introdução da arte modernista, capaz de oferecer a São Paulo o posto de vanguarda artística e intelectual. A Semana de Arte Moderna foi o evento cultural mais relevante para a primeira fase modernista. Essa mostra de artes realizou-se entre 13 e 17 de fevereiro de 1922, ano do centenário da Independência, no Teatro Municipal de São Paulo, com artistas do estado e também do Rio de Janeiro. Contou com uma exposição de cem obras, aberta ao público, e sessões literário-musicais noturnas, para as quais se cobravam ingressos. A exposição, no saguão do teatro, causou escândalo. Essa mesma tensão entre artistas e público marcou as sessões noturnas. As leituras de trechos de obras modernistas, principalmente de “Os sapos”, de Manuel Bandeira, provocaram vaias e xingamentos. O tumulto se estendeu a um dos intervalos, quando Mário de Andrade, na escadaria do teatro, discursou sobre as obras do saguão. Em sua época, a mostra não obteve grande repercussão, ficando restrita aos ambientes frequentados pelos intelectuais, distantes do grande público. A história posterior, porém, atribuiu grande importância à Semana, porque esta propiciou a aglutinação de tendências renovadoras e estimulou o aprofundamento do debate sobre a arte moderna no país. Ao longo da década, os artistas que participaram do evento e aqueles que foram influenciados por ele formaram grupos e publicaram textos que ajudaram a definir as bases estéticas do Modernismo, tais como: ••revista Klaxon, que explicitava as divergências estéticas e ideológicas entre os artistas modernistas da primeira fase, organizada em 1922; ••Manifesto da poesia Pau-Brasil, de 1924, escrito por Oswald de Andrade, que defendia uma poesia construída sem preconceitos linguísticos e com a raiz primitivista das culturas indígena e africana. ••Manifesto do Verde-amarelismo, de 1924, que acusava o nacionalismo de Oswald de afrancesamento e partia para um nacionalismo extremado. ••Manifesto antropófago, publicado na Revista de Antropofagia em 1928, que apresentava uma filosofia mais clara do que a do Pau-Brasil, pressupondo a devoração ritual dos valores europeus: a ideia era digerir a arte euro peia e aproveitar o que interessasse, superando a dependência cultural. ••outras publicações igualmente relevantes: revista Estética, publicada no Rio de Janeiro; a Madrugada, de Porto Alegre; A revista, de Belo Horizonte, organizada por nomes que viriam a ter grande relevo, como Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava; revista Festa, iniciada em 1927, que se caracterizou por uma orientação moderna sem radicalismos.
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Coleção de Artes Visuais do IEB/USP, São Paulo. Fotografia: ID/BR
O contexto de produção
Malfatti, Anita. A estudante russa, c. 1915. Óleo sobre tela, 76 cm 3 61 cm. Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP), São Paulo.
Tendo estudado arte na Alemanha, Anita Malfatti (1889-1964) incorporou a suas obras a influência expressionista. Nascida ela mesma em família de imigrantes, retrata nessa tela uma das nacionalidades que compuseram o fluxo imigratório europeu em direção ao Brasil no início do século XX. A presença de europeus aumentou a politização dos trabalhadores de São Paulo nesse período.
HIPERTEXTO O Modernismo promoveu uma importante discussão sobre o português brasileiro, recusando-se a aceitar a norma-padrão como a única referência para a literatura. Leia, na parte de Linguagem (capítulo 27, p. 260), um artigo do linguista Marcos Bagno sobre esse assunto.
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Ao explicar a Semana de Arte Moderna, Di Cavalcanti disse desejar “escândalos literários e artísticos de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana”. Tal discurso faz supor que não havia relação entre o grupo modernista e a burguesia. No entanto, boa parte da crítica mostra que isso não é verdade. Sem recursos financeiros, os modernistas buscavam na associação com a elite as condições necessárias à sua produção intelectual. A maior parte dos artistas da primeira fase do Modernismo provinha da classe média e, para sobreviver, exercia outras funções, como o jornalismo, pois não tinha vendas expressivas e nem sempre conseguia editoras que publicassem suas obras. Entende-se, assim, por que foram importantes os salões artístico-literários burgueses patrocinados por Paulo Prado, Freitas Valle e Olívia Guedes Penteado, entre outros. Eles favoreciam a troca de ideias entre figuras de destaque na sociedade e jovens talentosos, além de possibilitar seu acesso a material – obras, livros, revistas, etc. – importado da Europa. Nem todos os burgueses, porém, foram capazes de apreciar a proposta modernista. Muitos tinham um gosto ainda conservador e aceitavam apenas parte do projeto. Geralmente, adquiriam obras que não desafiavam os padrões de gosto já estabelecidos. Essa tendência à manutenção da ordem, que preservava critérios de distinção de classe, constituía o perfil da burguesia média paulistana, que se tornou alvo das críticas modernistas. Para o restrito público com acesso à cultura letrada era difícil, em geral, compreender formas estéticas distintas dos modelos conhecidos e valorizados. Deve-se lembrar de que grande parte da inovação modernista originava-se da pesquisa de formas de expressão inéditas, que incorporavam diversas experiências vanguardistas. Os modernistas procuraram integrar ao máximo forma e conteúdo. Para isso, na poesia, abriram mão de recursos como a métrica tradicional e os esquemas de rima fixos. Se, por um lado, as técnicas dos escritores modernistas se distanciam da tradição, os estudiosos do período assinalam, por outro, que os modernistas não a esquecem, mas recuperam conteúdos tradicionais com um olhar crítico. A junção de elementos modernos e da cultura nativa foi uma das principais propostas da primeira fase modernista. Com esse propósito, os modernistas repensaram a história política e cultural do país e, em geral, o fizeram sob uma perspectiva irreverente. Foram vários os exemplos de paródia (reelaboração satírica de uma obra literária) e de poemas-piada. Ao valorizar temas do cotidiano e a linguagem comum dos brasileiros, os autores da primeira fase modernista afastaram-se radicalmente da sofisticação dos parnasianos e dos simbolistas. Nesse sentido, aproximaram-se dos românticos, que também se insurgiram contra modelos rígidos e elitistas de elaboração artística. De fato, os modernistas dedicaram-se a reler o Romantismo e validaram sua intenção de criar uma identidade nacional. Contudo, rejeitaram a tendência a criar mitos nativos idealizados, preferindo definir o brasileiro como o resultado ainda inconcluso da mistura dos componentes locais com os da cultura estrangeira, como fez Mário de Andrade em Macunaíma, personagem que nasceu negra, apesar de ser indígena, e tornou-se branca ao mergulhar em uma poça mágica, significativamente formada pela pegada de um catequizador. Assim, evidencia-se a sedução provocada pela Europa, que aparece como um elemento a ser seriamente considerado em qualquer análise da índole brasileira. Nota-se, portanto, que os modernistas procuraram realizar uma reflexão sobre a cultura nacional, abarcando tanto a tradição literária quanto questões de ordem sociológica. Com isso, contribuíram para a afirmação de uma consciência crítica e a fixação da identidade nacional, propósitos que haviam sido lançados pelos pré-modernistas.
Navegue Tarsila do Amaral No site oficial de Tarsila do Amaral (1886 ‑1973), é possível conhecer as obras e a biografia dessa artista plástica brasileira que, depois de estudar na Europa, integrou-se ao movimento modernista no Brasil, juntamente com Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti del Picchia. Informações disponíveis em: . Acesso em: 21 abr. 2016. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Fotografia: ID/BR
O sistema literário
Amaral, Tarsila do. Manteau Rouge, 1923. Óleo sobre tela, 73 cm 3 60 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Repertório
A contribuição do Pensionato Artístico O Rio de Janeiro contou, desde o século XIX, com um curso superior de artes. Para compensar a inexistência de um curso desse tipo em São Paulo, os órgãos públicos criaram o Pensionato Artístico de São Paulo. Apesar da orientação acadêmica da instituição, as bolsas de aperfeiçoamento na Europa concedidas aos estudantes facilitaram o contato de alguns deles com as inovações vanguardistas. Entre os artistas beneficiados, podem ser citados Anita Malfatti e Victor Brecheret (1894-1955), cujas obras contribuíram para a introdução do Modernismo no Brasil.
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Sua leitura Nesta seção você lerá dois poemas. O primeiro é do livro Toda a América, de Ronald de Carvalho (1893-1935), publicado em 1925, em que o leitor empreende uma viagem por várias partes do continente americano e pode observar sua heterogeneidade cultural. Já no primeiro poema do livro, o tema da identidade é apresentado. Leia-o e responda às questões.
Vocabulário de apoio
Advertência
bojudo: que tem largura maior em sua parte central
EUROPEU! Nos tabuleiros de xadrez da tua aldeia, na tua casa de madeira, pequenina, coberta de hera, na tua casa de pinhões e beirais, vigiada por filas de cercas paralelas, com trepadeiras moles [balançando e florindo; na tua sala de jantar, junto do fogão de azulejos, cheirando a resina de pinheiro e faia; na tua sala de jantar, em que os teus avós leram a Bíblia e discutiram casamentos, colheitas [e enterros, entre as tuas arcas bojudas e pretas, com lãs felpudas e linhos encardidos, colares, gravuras, [papéis graves e moedas roubadas ao inútil maravilhoso; diante do teu riacho, mais antigo que as Cruzadas, desse teu riacho serviçal, que engorda [trutas e carpas;
coxilha: campo de grande extensão, com relevo ondulado, onde se pratica a pecuária faia: árvore de madeira branca, originária da Europa grimpa: a parte mais alta torvelinho: redemoinho
Europeu! Nessa maré de massas informes, onde as raças e as línguas se dissolvem, o nosso espírito áspero e ingênuo flutua sobre as coisas, sobre todas as coisas divinamente rudes, onde boia a luz selvagem do dia Americano! De Carvalho, Ronald. Toda a América. Rio de Janeiro: Razão Cultural, 2001. p. 27-30.
Sobre o texto 1. Identifique, na segunda estrofe, uma imagem que se oponha diretamente à imagem de um “riacho serviçal, que engorda trutas e carpas”. Justifique sua resposta. 2. Explique a imagem deste verso: “Alegria de criar o caminho com a planta do pé!”. Como ela se relaciona com os dois versos anteriores?
Acervo Iconographia/Reminiscências
Capítulo 5 – A primeira fase do Modernismo – autonomia artística
[…] Europeu! Filho da obediência, da economia e do bom senso, tu não sabes o que é ser Americano! Ah! Os tumultos do nosso sangue temperado em saltos e disparadas sobre pampas, savanas, [planaltos, caatingas onde estouram boiadas tontas, onde estouram [batuques de cascos, tropel de patas, torvelinho de chifres! Alegria virgem das voltas que o laço dá na coxilha verde, alegria virgem de rios-mares, enxurradas, planícies cósmicas, picos e grimpas, terras livres, [ares livres, florestas sem lei! Alegria de inventar, de descobrir, de correr! Alegria de criar o caminho com a planta do pé!
Ronald de Carvalho é uma referência do Modernismo brasileiro e do português: foi um dos fundadores da revista Orpheu, que inaugurou o Modernismo em Portugal (1915), e destaque na Semana de Arte Moderna, em São Paulo (1922). Foto de 1921.
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Leia agora o poema “Ode ao burguês”, que foi publicado na obra Pauliceia desvairada (1922), de Mário de Andrade. Procure perceber as características de tema e de estilo que o tornam um exemplo da literatura da primeira fase do Modernismo e responda às questões.
Ode ao burguês Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, O burguês-burguês! A digestão bem feita de São Paulo! O homem-curva! o homem-nádegas! O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, É sempre um cauteloso pouco-a-pouco! Eu insulto as aristocracias cautelosas! Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! Que vivem dentro de muros sem pulos; E gemem sangues de alguns mil réis fracos Para dizerem que as filhas da senhora falam o francês E tocam o Printemps com as unhas! Eu insulto o burguês-funesto! O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! Fora os que algarismam os amanhãs! Olha a vida dos nossos setembros! Fará Sol? Choverá? Arlequinal! Mas à chuva dos rosais O êxtase fará sempre Sol! Morte à gordura! Morte às adiposidades cerebrais! Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tílburi! Padaria Suíça! Morte viva ao Adriano! “— Ai, filha, que te darei pelos teus anos? — Um colar… — Conto e quinhentos!!! Mas nós morremos de fome!” Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma! Oh! purée de batatas morais! Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! Ódio aos temperamentos regulares! Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia! Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados! Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos, Sempiternamente as mesmices convencionais! De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! Dois a dois! Primeira posição! Marcha! Todos para a Central do meu rancor inebriante Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio! Morte ao burguês de giolhos, Cheirando religião e que não crê em Deus! Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! Ódio fundamento, sem perdão! Fora! Fu! Fora o bom burguês!…
Andrade, Mário de. Poesias completas. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1987. p. 88-89.
Sobre o texto 1. Com base no que foi exposto ao longo deste capítulo, aponte características que fazem desse poema um exemplo da literatura produzida nos primórdios do Modernismo brasileiro. 2. Ode é um poema que se caracteriza pelo tom alegre e entusiasmado. O poema faz jus a essa definição? Justifique. 3. No final da quarta estrofe, reproduz-se uma suposta fala de burguês. Que característica específica desse tipo social está sendo apontada? 4. A vanguarda futurista defende, entre outros princípios, a valorização dos substantivos e a adoção de um ritmo excitado, delirante e agressivo. Explique como o autor procedeu, em “Ode ao burguês”, para concretizar a proposta futurista. O que você pensa disto?
1. E quanto a você, o emprego da linguagem coloquial na literatura lhe causa estranhamento? A linguagem literária deve seguir a norma-padrão ou há situações em que é legítimo o uso de palavras, gírias e construções sintáticas não normatizadas? Em seu poema “Pronominais”, Oswald de Andrade opõe em tom bem-humorado as formas “Dê-me” e “Me dá”. Ainda que em desacordo com a gramática normativa, a última expressão representa a fala, segundo o poema, da “Nação Brasileira”.
adiposidade: gordura arlequinal: próprio do arlequim giolho: joelho mil réis: antigo valor de moedas brasileiras níquel: dinheiro pasma: assustada
Acervo Iconographia/Reminiscências
As propostas modernistas escandalizaram público e escritores mais afeitos à linguagem da poesia parnasiana. Entre as inovações, o uso da linguagem coloquial na literatura certamente foi uma das mais polêmicas.
Vocabulário de apoio
Printemps: do francês, “primavera”; no poema, título de composição para piano sempiternamente: infinitamente tílburi: carro de dois assentos puxado por animal zurro: burro
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Mário, Oswald e Bandeira: ousadia literária
capítulo
6 o que você vai estudar A primeira fase do Modernismo: identidade nacional na literatura. Mário de Andrade: um intelectual plural. Oswald de Andrade: antropofagia literária. Manuel Bandeira: o cotidiano em verso.
Mário, Oswald e Bandeira: ousadia literária A primeira fase do Modernismo caracterizou-se pela experimentação com a linguagem. A ampliação dos horizontes da linguagem artística, estimulada por influências europeias, acompanhou uma reflexão profunda sobre ser brasileiro.
Mário de Andrade: “Eu sou trezentos” Mário de Andrade (1893-1945) é considerado um dos maiores responsáveis pelo espírito inquieto e inventivo que caracterizou a primeira fase do Modernismo brasileiro. Poeta, romancista, crítico literário, musicólogo e folclorista, suas diferentes ocupações refletem a variedade de sua obra.
Poesia A poesia de Mário de Andrade representa os diversos caminhos pelos quais o Modernismo transitou. O “Prefácio interessantíssimo”, que inicia seu livro de poemas Pauliceia desvairada (1922), é uma espécie de manifesto. Nele, Mário busca situar sua poesia em relação a tendências estéticas tradicionais e a tendências de vanguarda. Entre as ideias que defende, estão o registro da língua brasileira próxima à fala do povo, o verso livre e a escrita auto mática (procedimento difundido pelos surrealistas que consiste em escrever tudo o que vem à mente, sem freios nem correções). Ao longo da obra de Mário de Andrade, confirma-se esse caráter complexo, aberto tanto ao presente quanto ao passado. Seu desejo de compreender diferentes dimensões da vida artística brasileira projeta-se em algumas passagens de sua poesia, como expressam os versos abaixo, que iniciam o poema “Eu sou trezentos...”. Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta, As sensações renascem de si mesmas sem repouso, Ôh espelhos, ôh Pireneus! ôh caiçaras! Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro! […]
Segall, Lasar. Retrato de Mário de Andrade, 1927. Óleo sobre tela, 72 cm 3 60 cm. Coleção Mário de Andrade/ Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP), São Paulo.
Mário de Andrade foi várias vezes retratado por pintores com os quais compartilhou os ideais do Modernismo. Aqui o escritor foi pintado por Lasar Segall (1891-1957). A predominância da composição geométrica, ao fundo, é uma referência ao Cubismo, uma das vanguardas com as quais os modernistas dialogaram. 64
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Coleção Mário de Andrade/Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros – IEB/USP. Fotografia: ID/BR
Andrade, Mário de. Eu sou trezentos... In: Poesias completas. São Paulo: Círculo do Livro, 1976. p. 189.
No fragmento acima, o terceiro verso explicita a preocupação dos modernistas em integrar as tendências artísticas europeias (representadas pela referência às montanhas dos Pireneus, na fronteira entre França e Espanha) ao repertório cultural nacional (representado pela referência aos caiçaras e ao Piauí, no quarto verso). O espelhamento de uma tendência na outra não pressupõe, no entanto, uma subordinação do nacional ao estrangeiro. Nesse poema, que abre o livro Remate de males (1930), é possível notar um efeito de “multiplicação” do eu lírico, como se ele tentasse dar conta de todo o conjunto de experiências que caracterizam a modernidade, de sensações que “renascem de si mesmas sem repouso”, em um ritmo que sugere velocidade. Esse processo de expansão do eu, que incorpora referências externas à cultura brasileira a outras internas, compõe uma mistura até então inédita em nossa literatura. Não escreva no livro.
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Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto do papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru que a imagem de papai cresceu vitoriosa, insuportavelmente obstruidora. — Só falta seu pai... Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspiração genial, de repente me tornou hipócrita e político. Naquele instante que hoje me parece decisivo da nossa família, tomei aparentemente o partido de meu pai. […].
Alexandre Teles/ID/BR
No campo da prosa, três obras de Mário de Andrade se destacam: Amar, verbo intransitivo (1927), Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1928) e Contos novos (obra póstuma que reúne nove contos, publicada em 1947). Macunaíma talvez seja seu título mais célebre. Classificada pelo autor como uma rapsódia, a obra faz jus a essa denominação, bem à moda do Modernismo brasileiro da primeira fase. A rapsódia é uma forma literária originária da Grécia Antiga que incorpora várias narrativas poéticas orais pertencentes à tradição de um povo, Amaral, Tarsila do. O batizado de Macunaíma, 1956. Óleo sobre tela, 132,5 cm 3 250 cm. como a Ilíada e a Odisseia. A história cria- Coleção particular. da por Mário de Andrade, repleta de peri- Nessa tela da pintora modernista Tarsila do Amaral, a temática indígena inspirada pécias e transformações que lembram a es- pela narrativa da personagem Macunaíma é representada com cores fortes e trutura das narrativas mitológicas, gira em chapadas. Pelo aspecto geometrizante, percebe-se um diálogo dessa obra com torno da luta de Macunaíma contra Ven- tendências de vanguarda como o Cubismo. ceslau Pietro Pietra, gigante transformado em mascate italiano, que havia roubado um amuleto mágico chamado muiraquitã. Ao longo da obra, Macunaíma vive metamorfoses: é indígena, é negro e é branco. Ao final, torna-se uma estrela da constelação da Ursa Maior. A narrativa mescla elementos dos mitos indígenas, o registro coloquial brasileiro e a paródia de gêneros cultua dos pela elite conservadora, compondo uma imagem alegórica do Brasil, cuja representante emblemática é a personagem Macunaíma, o “herói da nossa gente”. Amar, verbo intransitivo, por sua vez, apresenta, com a linguagem original que caracteriza a escrita de Mário de Andrade, um retrato cruel dos valores da burguesia paulista ascendente. A novela narra a relação entre Fräulein Elza, uma governanta alemã, e o jovem Carlos Alberto, filho de um rico industrial e fazendeiro. Preocupado em evitar que a iniciação sexual de Carlos ocorra em meio à prostituição e às drogas, seu pai contrata Elza sob o pretexto de ela trabalhar como governanta e ensinar alemão para seus filhos. Sua real incumbência, no entanto, é seduzir Carlos Alberto. Muitas das experiências de escrita em prosa observadas em Amar, verbo intransitivo – em especial a clara presença da reflexão psicológica no enredo – podem também ser vistas nos contos do autor. As narrativas organizadas no volume intitulado Contos novos, fruto de um trabalho cuidadoso realizado ao longo de vários anos – alguns textos levaram quase duas décadas até chegar à sua forma definitiva –, apresentam um salto no projeto modernista de Mário: sem perder a brasilidade, as narrativas se tornam mais universais e revelam uma aguçada percepção psicológica. É o caso do conto “O peru de Natal”, em que o narrador convence a família a celebrar seu primeiro Natal depois da morte do pai. O narrador se debate contra o luto impregnado no ambiente, na tentativa de restabelecer a comunicação afetiva na família.
Coleção particular. Fotografia: Romulo Fialdini
Prosa
Margens do texto 1. Como o narrador-personagem do conto concebe o jantar de Natal? 2. O que reforça a ausência do pai no jantar?
Vocabulário de apoio
gabar: enaltecer, vangloriar visguento: pegajoso, grudento
Andrade, Mário de. O peru de Natal. In: Contos novos. 17. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999. p. 74.
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Sua leitura Leia a seguir o início de Macunaíma: o herói sem nenhum caráter e responda às questões. No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar exclamava: — Ai! que preguiça!... e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força do homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaiamuns diz-que habitando a água-doce por lá. No mocambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém respeitava os velhos e frequentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacororô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo. Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras-feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar. Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto era sempre as peraltagens do herói. As mulheres se riam, muito simpatizadas, falando que “espinho que pinica, de pequeno já traz ponta”, e numa pajelança Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente. [...] Andrade, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013. p. 13.
1. Onde Macunaíma nasceu? É possível determinar onde fica esse lugar? Explique. 2. O narrador sugere que Macunaíma é peralta e inteligente. Quais atitudes de Macunaíma reforçam essa afirmação? 3. Um dos grandes destaques de Macunaíma é sua inventividade quanto ao uso da linguagem. Encontre no texto dois exemplos que confirmem essa afirmação. Justifique sua escolha. 4. No trecho lido, Macunaíma é chamado de “herói da nossa gente”. Que características e ações do protagonista se opõem à ideia convencional de herói? 5. Em sua opinião, o trecho confirma o título do livro, Macunaíma: o herói sem nenhum caráter? Justifique sua resposta com elementos do texto. 6. Leia um trecho do romance Iracema, de José de Alencar, que integra a tradição romântica da literatura brasileira, e observe a descrição da protagonista indígena.
cunhatã: moça, menina estrambólico: extravagante, esquisito guaiamum: tipo de caranguejo jirau de paxiúba: esteira suspensa feita de um tipo de palmeira macuru: berço indígena mocambo: habitação humilde pajelança: ritual realizado por um pajé com objetivo de cura ou magia peraltagem: molecagem retinto: de cor carregada, muito escura sarapantar: assustar saúva: espécie de formiga Tapanhuma: etnia indígena Uraricoera: rio no estado de Roraima
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Daniel Almeida/ID/BR
Capítulo 6 – Mário, Oswald e Bandeira: ousadia literária
Sobre o texto
Vocabulário de apoio
Alencar, José de. Iracema. São Paulo: FTD, 2011. p. 16.
Agora releia o primeiro parágrafo do trecho de Macunaíma. O indígena na obra de Mário de Andrade apresenta características que o aproximam da tradição romântica ou que constituem uma ruptura em relação a ela? Explique, utilizando como base para a comparação o trecho de Iracema reproduzido acima. 7. Uma das estratégias de escrita de Macunaíma foi o aproveitamento da tradição oral. Identifique no texto um dito popular e dê duas interpretações para ele, considerando o contexto.
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Não escreva no livro.
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Oswald de Andrade: antropofagia literária Escritor, ensaísta e dramaturgo, Oswald de Andrade (1890-1954) foi responsável por dois textos que ajudaram a delinear o Modernismo no Brasil: o Manifesto Pau-Brasil (1924) e o Manifesto Antropófago (1928). Suas ideias sintetizaram uma maneira de responder ao problema que marcou profundamente a primeira fase do movimento modernista: a busca pela identidade nacional. A necessidade de renovação da linguagem e o alinhamento com as principais vanguardas artísticas europeias foram algumas das motivações da publicação, em 1925, das poesias do livro Pau-Brasil. Nos dizeres de Paulo Prado, intelectual ligado aos modernistas, “a poesia pau-brasil é, entre nós, o primeiro esforço organizado para a libertação do verso brasileiro”. Esse caráter libertador é visível em todo o livro. Observe abaixo um exemplo.
O recruta
Margens do texto
O noivo da moça Foi para a guerra E prometeu se morresse Vir escutar ela tocar piano Mas ficou para sempre no Paraguai
Nesse poema, que faz referência à Guerra do Paraguai (1864-1870), o clima de promessa amorosa é subvertido no final, criando uma oposição com a visão romântica. O que o último verso sugere?
Andrade, Oswald de. Pau-Brasil. 5. ed. São Paulo: Globo, 1991. p. 86.
Alguns elementos da concepção moderna da linguagem poética chamam a atenção no poema: a forma sintética, a linguagem prosaica e a desmontagem cômica do tema amoroso. Apesar da concisão, o poema incorpora temas abrangentes, como a Guerra do Paraguai e o retrato da vida burguesa, sugerido pelo fato de a moça tocar piano. A antropofagia proposta por Oswald em seu Manifesto Antropófago consiste na “devoração” ritualística do estrangeiro. Trata-se, na verdade, de uma imagem para expressar um modo de fazer arte. Segundo essa proposta, a influência europeia não é negada, mas sim assimilada para contribuir com a construção de uma linguagem original e renovada, em conjunto com os elementos provenientes da cultura brasileira. A proposta de Oswald de Andrade de “limpar a poesia brasileira dos cipós do bacharelismo” constituiu uma grande renovação da linguagem literária. Ele foi um dos idealizadores, por exemplo, da escrita telegráfica, na qual a sintaxe tradicional é rompida para que as palavras possam estabelecer entre si uma relação livre e construtiva. Oswald de Andrade soube, como poucos escritores, criar uma poesia ao mesmo tempo sentimental e intelectual, resultante da escolha de temas triviais, mas que surpreendem, como é o caso do fragmento de poema reproduzido a seguir.
Balada do Esplanada Pra m’inspirar Abro a janela Como um jornal Vou fazer A balada Do Esplanada E ficar sendo O menestrel De meu hotel
Mas não há poesia Num hotel Mesmo sendo ‘Splanada Ou Grand-Hotel
Há poesia Na dor Na flor No beija-flor No elevador
As orações em que o verbo haver é empregado com o sentido de “existir” constituem um dos casos de orações sem sujeito, aquelas em que não se verifica a presença de um realizador ou experienciador da ação verbal. Essas orações são explicadas na parte de Linguagem (capítulo 20, p. 175). Vocabulário de apoio
Adriana Alves/ID/BR
Ontem à noite Eu procurei Ver se aprendia Como é que se fazia Uma balada Antes de ir Pro meu hotel. [...]
HIPERTEXTO
Andrade, Oswald de. Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade. In: Poesias reunidas. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. p. 166.
Nesse poema, o eu lírico declara sua intenção de fazer uma balada e ser um menestrel. Para isso, tenta buscar inspiração nos acontecimentos da vida comum, aquela que se vê do lado de fora da janela. Chama a atenção a ideia de que a poesia se encontra não somente em imagens tradicionais e desgastadas, como “flor”, “dor” e “beija-flor”, mas também em objetos da vida moderna, no caso, o “elevador”.
balada: forma poética medieval, originária de Provença, que era acompanhada de música e de movimentos coreográficos menestrel: artista que, na Idade Média, recitava ou cantava poemas
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Na prosa, Oswald de Andrade produziu dois livros fundamentais para o Modernismo: Memórias sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933). Memórias sentimentais é considerado o “marco zero” da prosa modernista. Constitui-se de episódios-fragmentos numerados que constroem uma espécie de autobiografia de Oswald. Nesses episódios-fragmentos, observa-se uma mescla de gêneros diversos, como poemas, citações, cartas e relatos de viagem. Logo no início, o leitor é surpreendido com o prefácio de um certo Machado Penumbra, que depois aparecerá como personagem em vários episódios do livro. O prefácio lembra, pelo seu pedantismo, a “Carta pras Icamiabas”, um dos capítulos de Macunaíma, de Mário de Andrade. Torna-se lógico que o estilo dos escritores acompanhe a evolução emocional dos surtos humanos. Se no meu foro interior, um velho sentimentalismo racial vibra ainda nas doces cordas alexandrinas de Bilac e Vicente de Carvalho, não posso deixar de reconhecer o direito sagrado das inovações, mesmo quando elas ameaçam espedaçar nas suas mãos hercúleas o ouro argamassado pela idade parnasiana. VAE VICTIS! Andrade, Oswald. Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo: Globo, 2004. p. 70.
A sátira realizada por Oswald em Memórias sentimentais visa principalmente aos intelectuais como Machado Penumbra, adeptos do linguajar empolado e pomposo que a literatura modernista criticava implacavelmente. É a eles que se refere a citação latina vae victis, que significa “ai dos vencidos”. Em Serafim Ponte Grande, tem-se uma paródia de outras modalidades de texto (a prosa sentimental, os escritos de viagem, a prosa reflexiva, etc.) e a desconstrução do próprio ato de narrar. O trecho a seguir é parte da narrativa de uma viagem que o protagonista do livro faz rumo à Europa.
Repertório
O poeta gaúcho Raul Bopp (1898-1984), outro importante escritor modernista da primeira fase, preocupou-se em recuperar as lendas e os mitos das culturas indígena e negra. Em Cobra Norato (1931), ambientado na Ama zônia, conta a história de um jovem que estrangula a monstruosa Cobra Norato e entra em seu corpo, vivendo assim aventuras repletas de referências mitológicas. Composto de 33 partes, esse poema narrativo apresenta uma estrutura semelhante a uma mon tagem cinematográfica, com ima gens justapostas e uma escrita em que versos e estrofes aparecem e reaparecem em outras par tes ao longo do texto. A publicação de Urucungo, em 1932, mostra outro componente da poética de Bopp: a construção de um panorama da presença negra no país. A escravidão, a identidade negra e a relação dos negros com os brancos são temas recorrentes nesse livro. Irmãos Ferrez/Arquivo da editora
Desconstrução da narrativa
Capítulo 6 – Mário, Oswald e Bandeira: ousadia literária
Literaturas de bombordo Na manhã seguinte, tendo-se-lhe dado alguns engulhos, ei-lo que deita carga ao mar. E sarando percebe a ausência de bibliotecas, pois o paquebot as não possui. Reclama de seu secretário José Ramos Góes Pinto Calçudo, na mescla prostituída da segunda-classe, um livro; e este dá-lhe um dicionário de bolso de sua lavra para não confundir nem esquecer as pessoas que conhece ou conheceu. A Adelina Cinira – Atriz que amei em silêncio. Amélia – Minha ama de leite. Amelinha – Filha da precedente. Arnaldo Bicudo – Célebre pintor de letreiros. Aguiar Nogueira (Dr.) – Médico gordo que me curou de recaída de gonorreia. Adauta Bernardelli Schubert – Professora sistema Berlitz. Ia sempre passar os domingos e dias santos nua no mato, segundo os civilizados costumes da Europa. Arary (Dr.) – Padrasto de meu amigo de infância Juquinha. […]
Capa criada pelo artista Flávio de Carvalho (1899-1973) para a primeira edição do livro Cobra Norato, de Raul Bopp, em 1931.
Margens do texto O que produz um efeito cômico no dicionário de bolso elaborado por Pinto Calçudo? Explique. Vocabulário de apoio
bombordo: lado esquerdo da embarcação, olhando-se da parte posterior para a anterior
Andrade, Oswald de. Serafim Ponte Grande. 9. ed. São Paulo: Globo, 2007. p. 111-112.
deitar carga ao mar: vomitar
A linguagem pretensiosa do primeiro parágrafo condiz com a atitude um tanto teatral da personagem, que quer se entreter com alguma leitura, mostrando ares de sofisticação. Na sequência, surge outra espécie de texto, um “dicionário” com estilo bem diferente da narrativa anterior, que causa efeito cômico. Essa variação de gêneros e estilos é uma marca da obra oswaldiana.
engulho: ânsia que precede o vômito
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gonorreia: doença sexualmente transmissível lavra: autoria paquebot: embarcação muito grande e luxuosa
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Sua leitura Na sequência, você lerá dois textos de Oswald de Andrade. O texto 1 é um dos poemas do livro Pau-Brasil. Já o texto 2 é um fragmento do romance Serafim Ponte Grande. Leia os textos e responda às questões. Texto 1
Vocabulário de apoio
Ideal bandeirante
Bois de Boulogne: parque situado na cidade de Paris, na França
Adriana Alves/ID/BR
Tome este automóvel E vá ver o Jardim New-Garden Depois volte à Rua da Boa Vista Compre o seu lote Registre a escritura Boa firme e valiosa E more nesse bairro romântico Equivalente ao célebre Bois de Boulogne Prestações mensais Sem juros Andrade, Oswald de. Pau-Brasil. 5. ed. São Paulo: Globo, 1991. p. 121.
Texto 2
Vocabulário de apoio
Serafim Ponte Grande [...] — Como são finas as tuas meias! — Malha 2360. — São duráveis? — Duram três, quatro horas... O mar lá fora urra querendo entrar em Guanabara. — Não. Lindas são as minhas calças. Olha, ninguém tem este recortezinho... Mas como estás mudo... sem espírito... — Comovido porque te conquistei... — Não. Não é uma conquista... — Que é então?
— Uma revanche... — De quê? — Da vida. O telefone estraçalha o silêncio. — Alô! Quem é? O tintureiro? Faça subi-lo! Espere! Não faça não! Recebo-o amanhã às três e meia... Lá fora o mar. O mar sem par. Serafim amanhece. Ela o envolve, o laça. É uma mãozinha que tem cara, cabelos de recém-nascido à la garçonne. [...]
à la garçonne: expressão francesa que significa “à maneira de um menino”, usada para designar um corte de cabelo comum na década de 1920 revanche: vingança, reparação tintureiro: quem trabalha em tinturaria, onde se lavam e passam a ferro peças de vestuário
Andrade, Oswald de. Serafim Ponte Grande. 9. ed. São Paulo: Globo, 2007. p. 106.
Sobre os textos 1. No texto 1, Oswald de Andrade faz uma crítica ao modo de vida burguês. a) O que o uso da palavra bandeirante denota no título do poema? b) Qual é a função do uso de palavras estrangeiras no poema? c) Pensando nas respostas dadas aos itens anteriores, explique em que consiste a crítica feita pelo autor: Qual é o “ideal” a que o título do poema faz referência? 2. O valor econômico é um fator da vida moderna burguesa presente no texto 1 e, de certa maneira, diz respeito à ascensão de uma classe social abastada. Que “mercadoria” é comercializada nesse texto? Explique. 3. Um aspecto comum aos dois textos é o modo como o escritor trabalha a linguagem, valendo-se, por exemplo, de uma forma econômica na composição dos versos e das frases, reduzidas ao essencial. Destaque dois exemplos de cada texto que demonstrem essa ideia.
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Para nosso poeta, a poesia não está mais no mundo da lua, mas na terra dos homens, no chão do cotidiano. Sua linguagem se liberta assim do estilo elevado da herança parnasiano-simbolista dos anos de formação, do poeta penumbrista dos primeiros livros, para se fazer um discurso mesclado, um estilo humilde, à sua maneira, de forma que a emoção alta e sublime, o “mistério poético”, se ilumine num relance, em meio às palavras de todo o dia. Aqui se encontra a plataforma de lançamento do poeta maduro, a base de sua atitude criadora pessoal.
Manuel Bandeira em fotografia de 1965.
Leia Crônicas da província do Brasil, de Manuel Bandeira. São Paulo: Cosac Naify, 2006. Além de poeta, Manuel Bandeira destacou-se como cronista. Seu primeiro livro em prosa foi Crônicas da província do Brasil, publicado pela primeira vez em 1937. Com um registro íntimo e coloquial, o escritor trata de diferentes assuntos: de patrimônio histórico aos perfis de amigos. No conjunto, o leitor tem um rico panorama do processo de modernização da sociedade brasileira na primeira metade do século XX. A última edição dessa obra traz, além das 47 crônicas do poeta pernambucano, posfácio e notas do pesquisador Júlio Castañon Guimarães. Cosac Naify/Arquivo da editora
Arriguci Jr, Davi. O humilde cotidiano de Manuel Bandeira. In: Enigma e comentário: ensaios sobre literatura e experiências. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.11-12.
Aberto a todas as novidades que foram propostas pelos modernistas, Bandeira foi ao longo do tempo estabelecendo uma poética própria. Entre seus temas centrais, encontram-se o amor irrealizável, a própria doença (o poeta sofreu de tuberculose), as rememorações da infância em Pernambuco, o jogo erótico, a observação do que se passa nas ruas. Essa vasta produção está no volume que reúne as obras modernistas do autor, Estrela da vida inteira (1966), com poemas dos seguintes livros: Estrela da manhã (1936), Lira dos cinquent’anos (1940), Belo belo (1948), Mafuá do malungo (1948) e Opus 10 (1952). Outro livro importante do poeta é Itinerário de Pasárgada (1954). Trata-se de memórias sobre sua infância e adolescência, além do relato da sua formação literária. Há comentários sobre a influência de outros autores em sua escrita, como Camões e Apollinaire. O leitor pode ainda conhecer as reflexões do poeta sobre o fazer poético, tendo assim uma visão ampla sobre a vida intelectual de um dos maiores poetas brasileiros.
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Capa do livro Crônicas da Província do Brasil.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Capítulo 6 – Mário, Oswald e Bandeira: ousadia literária
Ao lado de Mário de Andrade e Oswald de Andrade, Manuel Bandeira (1886-1968) é um nome de destaque da primeira fase do Modernismo brasileiro. Sua marca registrada é um lirismo próximo à coloquialidade. Seu primeiro livro, Cinza das horas (1917), traz traços românticos e simbolistas. É apenas em Carnaval (1919), seu segundo livro, que há mais indícios modernistas, como no poema “Os sapos”. Por ser considerado uma sátira do Parnasianismo, entre outras razões, esse texto foi lido por Ronald de Carvalho na Semana de Arte Moderna de 1922, evento que não contou com a presença de Bandeira. Embora não se possa encaixar Bandeira em nenhuma das linhas nas quais se dividiu o movimento em seus primeiros dez anos, ele foi um dos defensores mais ardorosos do Modernismo. Alguns de seus poemas publicados nas primeiras décadas do século XX sintetizavam o ideal modernista de renovação da literatura no Brasil. É o caso de “Poética”, uma espécie de manifesto que propõe nova sintaxe e novos ritmos, se contrapondo ao modo de se fazer poesia predominante naquela época no país. Os críticos costumam apontar o livro Libertinagem (1930) como a obra da maturidade poética banderiana. É o momento em que o poeta atinge um lirismo mais espontâneo, com o registro de acontecimentos prosaicos, e liberta-se das formas fixas, optando pelos versos livres, por meio dos quais ele captura o cotidiano e a fala das pessoas.
Arquivo/Folhapress
Manuel Bandeira: cotidiano em verso
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5/31/16 9:08 PM
Sua leitura Você vai ler um texto de Manuel Bandeira intitulado “Poema tirado de uma notícia de jornal”, um dos textos mais admiráveis de sua obra.
Poema tirado de uma notícia de jornal
HIPERTEXTO Adriana Alves/ID/BR
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da [Babilônia num barracão sem número Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
O substantivo livre, nesse verso, atua como adjetivo e qualifica o termo feira, assumindo a função de adjunto adnominal. Consulte informações sobre os adjuntos adnominais na parte de Linguagem (capítulo 22, p. 194).
Bandeira, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. p. 214.
Habitações no morro da Babilônia, no Rio de Janeiro (RJ). Foto de 2012. Su Justen/Shutterstock.com/ID/BR
1. No “Poema tirado de uma notícia de jornal”, é possível perceber a presença de alguns elementos narrativos: situação inicial, clímax, desfecho, além da delimitação espaço-temporal. Indique esses elementos. 2. Como é feita a caracterização da personagem no primeiro verso do poema? 3. No poema, há duas referências espaciais: o morro da Babilônia, local onde predominam habitações precárias, e a lagoa Rodrigo de Freitas, cartão-postal da rica zona sul carioca. Esses espaços se complementam ou antagonizam? Justifique. 4. Qual tensão há entre os versos “Bebeu/ Cantou/ Dançou” e o desfecho da narrativa? 5. Em seu livro de memórias Itinerário de Pasárgada, Bandeira faz o seguinte comentário sobre o livro Libertinagem, no qual foi publicado o “Poema tirado de uma notícia de jornal”.
Paulo Nicolella/Agência O Globo
Sobre os textos
Libertinagem contém os poemas que escrevi em 1924 a 1930 – os anos de maior força e calor do movimento modernista. Não admira, pois, que seja entre os meus livros o que está mais dentro da técnica e da estética do modernismo. [...] Bandeira, Manuel. Itinerário de Pasárgada. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. p. 595.
a) Com relação aos aspectos formais (métrica e ritmo), que características modernistas estão presentes no poema? b) Um dos preceitos do Modernismo era de que o poeta deveria retirar a matéria de sua poesia não somente dos sentimentos, mas também da vida real e bruta. De que modo o poema dialoga com esse preceito?
Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro (RJ). Foto de 2016.
6. O título do poema anuncia que será abordado um fato cotidiano noticiado em um jornal. Ao final da leitura, a expectativa inicial se mantém?
Os modernistas, empenhados em redescobrir o Brasil, talvez tenham sido os primeiros a retratar o indígena de maneira desvinculada da imagem do “bom selvagem”, propagada pelo pensamento romântico do século XIX. Importava para os modernistas a valorização de um modo de ser e de pensar que revelasse um indivíduo genuinamente brasileiro, desligado de padrões europeus. 1. Pode-se dizer que os povos indígenas afirmaram-se no contexto sociocultural contemporâneo sem perder seus valores e identidade? Justifique.
Waldemir Barreto/ Agência Senado
O que você pensa disto?
Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib) e uma das grandes vozes do movimento indígena nacional. Foto de 2015.
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Ferramenta de leitura A literatura e a padronização da vida
Coleção particular/ID/BR
Qual é a autonomia da literatura (e das demais artes) no mundo em tempos de globalização? Em outras palavras, em um período histórico caracterizado pela cultura de massa e pela imposição de modos preestabelecidos de compreender a realidade, há espaço para uma literatura que retrate formas de vida específicas de um povo? Erich Auerbach (1892-1957), um dos mais importantes pensadores da literatura no século XX, parte desses questionamentos para pensar o lugar do literário em um mundo marcado pelas modernizações. Diz o crítico:
Erich Auerbach dedicou-se a estudar a literatura a partir da convergência de várias áreas de conhecimento: a língua, a estilística, a história e a cultura. Foi autor de um dos principais estudos da literatura ocidental, Mimesis, em que traça um cuidadoso quadro da literatura desde a Antiguidade até os autores contemporâneos. Foto s.d.
Vocabulário de apoio
a-histórico: anti-histórico, que não faz parte da história ileso: sem lesão, intacto soterrar: não recordar
[...] Por mil razões, conhecidas por todos, a vida humana uniformiza-se em todo o planeta. O processo de nivelamento, originário da Europa, estende-se cada vez mais e soterra todas as tradições locais. É certo que, por toda a parte, o sentimento nacional é mais forte e mais barulhento do que nunca, mas em toda a parte ele toma a mesma direção, isto é, rumo às modernas formas de vida [...]. Auerbach, Erich. Filologia da literatura mundial. In: Ensaios sobre literatura ocidental: filologia e crítica. Trad. Samuel Titan Jr. e José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2007. p. 357.
Esse texto, escrito no início da década de 1950, reflete sobre alguns acontecimentos que, muitos anos antes, já eram sentidos pelos modernistas brasileiros e por toda a vanguarda europeia: o predomínio econômico de algumas nações sobre outras acabaria por determinar uma dependência cultural que, no limite, apagaria os traços das culturas local e nacional. [...] Se a humanidade conseguir escapar ilesa aos abalos que ocasiona um processo de concentração tão violento, tão vigorosamente rápido e tão mal preparado, então teremos que nos acostumar com a ideia de que, numa Terra uniformemente organizada, sobreviverá uma só cultura literária, e que dentro em breve permanecerão vivas somente umas poucas línguas literárias (e talvez logo apenas uma). E assim a noção de literatura mundial seria simultaneamente realizada e destruída. [...] Auerbach, Erich. Filologia da literatura mundial. In: Ensaios sobre literatura ocidental: filologia e crítica. Trad. Samuel Titan Jr. e José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2007. p. 358.
No caso brasileiro, nossas elites, na passagem do século XIX para o XX, imitavam os centros geradores de cultura europeia a fim de reforçar sua autopercepção como “modernas”, ou seja, esforçavam-se para se sentirem “europeias” antes mesmo de serem brasileiras. Sobre esse efeito de “nivelamento”, em que prevalece uma única maneira de se expressar, afirmava Auerbach: [...] Já agora somos ameaçados pelo empobrecimento ligado a uma formação cultural a-histórica, que não apenas já existe como procura a cada dia afirmar seu domínio. Aquilo que somos, nós o somos por nossa história, e só dentro desta poderemos conservar e desenvolver nosso ser [...]. Auerbach, Erich. Filologia da literatura mundial. In: Ensaios sobre literatura ocidental: filologia e crítica. Trad. Samuel Titan Jr. e José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2007. p. 361.
Os modernistas também perceberam a necessidade de recuperar a cultura genuinamente brasileira, sem, com isso, fechar as portas para um intercâmbio com manifestações artísticas originárias de outros povos. Tendo em mente as ideias de Erich Auerbach, leia estes sonetos e faça as atividades. 72
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Sunetto crassico Sette anno di pastore, Giacó servia Labó, Padre da Rafaella, serena bella, Ma non servia o pai, che illo non era troxa nó! Servia a Rafaella p’ra si gazá c’oella.
Soneto 88 Sete anos de pastor Jacó servia Labão, pai de Raquel, serrana bela; Mas não servia ao pai, servia a ela, Que ela só por prêmio pretendia.
I os dia, na esperanza di un dia só, Apassava spiano na gianella; Ma o páio, fugindo da gombinaçó, Deu a Lia inveiz da Raffaela.
Os dias, na esperança de um só dia, Passava, contentando-se com vê-la; Porém o pai, usando de cautela, Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Quano o Giacó adiscobri o ingano, E che tigna gaido na sparrella, Ficô c’um brutto d’um garó di arara I incominció di servi otres sette anno Dizeno: Si o Labó non fossi o pai della Io pigava elli i li quibrava a gara.
Vendo o triste pastor que com enganos Lhe fora assim negada a sua pastora, Como se a não tivera merecida,
Bananére, Juó. In: Machado, Alexandre Ribeiro Marcondes. La divina increnca. São Paulo: Ed. 34, 2001. p. 28.
Começa de servir outros sete anos, Dizendo: — Mais servira, se não fora Pera tão longo amor tão curta a vida! Camões, Luís Vaz de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. p. 298.
Sobre os textos
1. “Sunetto crassico”, de Juó Bananére, é uma paródia de um soneto do poeta Camões (1524-1580), expoente do Classicismo português. A paródia é a reformulação de uma obra que pode ter por finalidade produzir humor, fazer crítica, etc. Sobre as mudanças promovidas pelo poeta, responda. a) Que alterações podem ser observadas na relação entre o pastor e o pai de sua amada? b) No poema de Camões, o tratamento do tema é sério, solene. Identifique um trecho no poema de Juó Bananére que desconstrói esse tratamento. Justifique sua escolha. 2. O poeta optou por utilizar o chamado “português macarrônico”, registro marcado por alterações de pronúncia (ortograficamente representadas) e de sintaxe muito comuns no português falado pelos imigrantes italianos. Como a escolha dessa forma de linguagem contribui para o efeito de humor? 3. As paródias foram cultivadas por vários autores da primeira fase modernista. Considerando a relação desses artistas com a tradição, responda: Por que os primeiros modernistas se interessavam pelas paródias? 4. O crítico Erich Auerbach chamou a atenção para o risco de identidades locais e nacionais serem fragilizadas pela supervalorização e pela influência da cultura de nações de maior poder econômico. No período em que vigorou a primeira fase modernista, as nações europeias ocupavam esse lugar de centro de difusão cultural. a) Em sua opinião, o uso de uma paródia como essa feita por Juó Bananére, com referência europeia, revela aceitação e passividade diante da cultura estrangeira? Justifique sua resposta. b) Auerbach afirma que aquilo que somos está profundamente ligado à nossa história. A primeira fase modernista revelou uma visão de mundo semelhante à do crítico. Explique por quê.
Vocabulário de apoio
adiscobri: descobre cautela: cuidado, prudência che: que ficô c’um brutto d’um garó di arara: algo como “ficou louco da vida” gara: cara gazá: casar gianella: janela gombinaçó: combinação illo: ele incominció: começou padre: pai páio: pai pera: para serrano: originário de uma cidade de serra sparrella: armadilha spiano: espiando tigna gaido: tinha caído
Juó Bananére Juó Bananére é o pseudônimo usado por Alexandre Ribeiro Marcondes Machado (1892-1933), engenheiro, jornalista e poeta satírico. Para retratar a cultura da cidade de São Paulo com a chegada dos imigrantes italianos, o escritor criou a personagem Juó Bananére, ítalo-paulistano, morador do Bixiga, com um falar que mistura o português com o italiano, inspirando-se na fala dos primeiros imigrantes. A personagem tornou-se popular pelas paródias que fazia de poetas consagrados, como Camões (visto no poema desta página) e Olavo Bilac.
Lemmo Lemmi. Fotografia: ID/BR
Repertório
Caricatura de Juó Bananére feita pelo desenhista brasileiro Lemmo Lemmi no ano de 1909.
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Entre textos Um dos aspectos mais importantes da primeira fase do Modernismo brasileiro foi o nacionalismo. A preocupação em fixar alguns marcos culturais que evidenciassem a identidade nacional determinou em grande parte a produção intelectual dessa primeira geração de escritores modernistas. Assim, pode-se dizer que características como a revisão do passado cultural, a busca por uma linguagem mais coloquial, a redescoberta das várias realidades que compõem a nação e a recusa a uma arte “importada” articulam-se a um grande projeto de instauração de uma arte genuinamente brasileira. A seleção a seguir dialoga, cada texto à sua maneira, com o desejo dos modernistas de criar uma literatura nacional. Este poema, escrito por Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711), pode ser considerado um dos precursores do nacionalismo na literatura brasileira. Escrito sob as normas da estética barroca, visível na escolha do vocabulário preciosista e na construção sintática rebuscada, exalta a paisagem da ilha da Maré, na Bahia. O eu lírico chama a atenção apenas para os aspectos belos da paisagem. Ao fim do poema, a ilha da Maré, “ou de alegria”, torna-se uma expressão reduzida de todo o país. Essa visão nacionalista representa um viés ufanista (nacionalista ao extremo) da literatura, que será rechaçado pelos modernistas por ser pouco crítico em relação aos males que, assim como as belezas, caracterizam o Brasil. Vocabulário de apoio
ânsia: impulso apetecido: cobiçado, desejado apodo: apelido Chipre: ilha do mar Mediterrâneo. Segundo a mitologia romana, local de nascimento da deusa Vênus Citereia: qualificação elogiosa dada à deusa Vênus jazer: situar-se mui: muito Netuno: na mitologia romana, deus do mar oblíquo: tortuoso termo: região em torno de uma cidade tosco: sem polimento
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Vênus: na mitologia romana, deusa do amor e da beleza
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À Ilha de Maré termo desta Cidade da Bahia Jaz em oblíqua forma e prolongada A terra de Maré, toda cercada De Netuno, que tendo o amor constante, Lhe dá muitos abraços por amante, E botando-lhe os braços dentro dela A pretende gozar, por ser mui bela. Nesta assistência tanto a senhoreia, E tanto a galanteia, Que, do mar, de Maré tem o apelido, Como quem preza o amor de seu querido: E por gosto das prendas amorosas Fica maré de rosas, E vivendo nas ânsias sucessivas, São do amor marés vivas; E se nas mortas menos a conhece, Maré de saudades lhe parece. Vista por fora é pouco apetecida, Porque aos olhos por feia é parecida; Porém dentro habitada É muito bela, muito desejada, É como a concha tosca e deslustrosa, Que dentro cria a pérola formosa. [...]
deslustroso: sem brilho
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TEXTO 1
Esta Ilha de Maré, ou de alegria, Que é termo da Bahia, Tem quase tudo quanto o Brasil todo, Que de todo o Brasil é breve apodo; E se algum tempo Citereia a achara, Por esta sua Chipre desprezara, Porém tem com Maria verdadeira Outra Vênus melhor por padroeira. Oliveira, Manuel Botelho de. In: Brandão, Roberto de Oliveira. Poética e poesia no Brasil (Colônia). São Paulo: Ed. da Unesp-Imprensa Oficial do Estado, 2001. p. 165-176.
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TEXTO 2
Marginália 2 Eu, brasileiro, confesso Minha culpa, meu pecado Meu sonho desesperado Meu bem guardado segredo Minha aflição Eu, brasileiro, confesso Minha culpa, meu degredo Pão seco de cada dia Tropical melancolia Negra solidão Aqui é o fim do mundo Aqui é o fim do mundo Aqui é o fim do mundo Aqui, o Terceiro Mundo Pede a bênção e vai dormir Entre cascatas, palmeiras Araçás e bananeiras Ao canto da juriti [...] Minha terra tem palmeiras Onde sopra o vento forte Da fome, do medo e muito Principalmente da morte Olelê, lalá [...] Neto, Torquato; Gil, Gilberto. Marginália 2. In: Rennó, Carlos (Org.). Gilberto Gil: todas as letras. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 88.
O fragmento deste romance de 1971 apresenta uma das características mais conhecidas da primeira fase do Modernismo: a aproximação da linguagem à fala popular. As interjeições das primeiras linhas procuram eliminar uma intermediação entre a personagem — seu modo de pensar — e o leitor. O ajuste entre a linguagem literária e a realidade da gente simples do interior do país dá voz a uma parcela da nação muitas vezes esquecida pela literatura academicista e parnasiana anterior ao Modernismo.
Vocabulário de apoio
aboio: canto que os vaqueiros usam para guiar a boiada esturricado: seco, torrado manta: tira larga de carne exposta ao sol
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Uma das influências mais perceptíveis do Modernismo brasileiro está na música popular. O interesse por expressões musicais populares e folclóricas motivou, nos anos iniciais do Modernismo, músicos como Villa-Lobos a procurarem uma sonoridade tipicamente brasileira. As fronteiras entre o erudito e o popular foram se desfazendo. No final dos anos 1960, um grupo de artistas, capitanea do por Caetano Veloso e Gilberto Gil, organizou o chamado Tropicalismo, rompendo com os padrões estéticos da cultura da época e desvendando um Brasil complexo em que estruturas arcaicas se fundiam a elementos originários da cultura de massa. Na canção ao lado, vemos uma identidade nacional problemática (“Eu, brasileiro, confesso/ Minha culpa, meu pecado”), inventada a partir de uma tradição religiosa, que está na base do Descobrimento, e marginal (como sugere o título), que ocupa a periferia na ordem mundial (“Aqui é o fim do mundo”). Vocabulário de apoio
araçá: árvore frutífera degredo: pena judicial de exílio (expulsão de um país) juriti: ave presente na fauna brasileira
TEXTO 3
Sargento Getúlio Eu moro no mundo. Moro andando. Ai, aaaaaaaai, aai, aai, ai, ai, aaaaaaai, aaaai, ai um boi de barro, ai um boi de barro, um boi de barro, ai um boi de barro, ai de eu, um boi de barro, ai um boi de barro. Moro andando, assim. Um aboio, disse-me. Disse-me disse-me. Ai um boi de barro. Viu aqueles boizinhos, todas as cores, principalmente de barro mesmo? Me encontro-me sujo de barro assim e como do barro como de comer, por causo do gosto pardo. De menino, na feira, lhe conto. Quando chegava, ainda não era bem dia claro. Duas, três janelas, quatro janelas possa ser, já se pendurava carne seca em mantas grandes e esturricadas, pretas ou alvas na gordura... Lembranças de comilanças, e o cheiro. Às vezes, um enterro cedo. Precisava ser cedo, porque logo se trabalhava. Defunto não come, talvez seja melhor. Mas não era menos enterro por ser de madrugada, antes era mais, porque em outras horas tem sempre gente na rua que não está prestando atenção no enterro. E de madrugada não, porque, quando tem um enterro de madrugada, só tem mesmo o enterro, com aquele caixão deslizando e o povo atrás e se ouvindo as pisadas no chão e as pernas das calças se esfregando umas nas outras. [...] Ribeiro, João Ubaldo. João Ubaldo Ribeiro: obra seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. p. 221-222.
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Vestibular e Enem 1. (Ufam) Sobre o Modernismo no Brasil, afirma-se corretamente que: a) não obteve êxito em suas propostas, em nenhum aspecto. b) se deu apenas na poesia, principalmente da década de 1930. c) o movimento nasceu gorado, pois copiou os princípios das vanguardas europeias. d) revolucionou o modo de se fazer literatura e pensar criticamente o país. e) pretendia restabelecer a tradição romanesca no Brasil. 2. (Uespi) Segundo Mário de Andrade, o Modernismo paulista de 1922 perseguiu “[...] a fusão de três princípios fundamentais: O direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência artística brasileira; e a estabilização de uma cons ciência criadora nacional”. Dentre os escritores abaixo, quais seguiram os princípios fundamentais aludidos por Mário de Andrade? a) Alcântara Machado, Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade. b) Euclides da Cunha, Manuel Bandeira e Lima Barreto. c) Alcântara Machado, Euclides da Cunha e Menotti Del Picchia. d) Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Carlos Heitor Cony. e) Graça Aranha, Oswald de Andrade e Coelho Neto. (Uesc-BA) Texto para a questão 3. — Desista de partir, Fräulein. — É que... Agora Sousa Costa se calou duma vez, cumprira com o dever. Assim ela não se dobrasse às razões que ele dera!... Fräulein não percebeu isso, mas ficou com medo de hesitar mais, ele podia aceitar aquilo como recusa. E devemos ser francos nesta vida, sempre fora simples e franca. Se aceitava, devia falar que aceitava e deixar-se de candongas. Sempre fora como a Joana de Schiller que não podia aparecer sem a bandeira dela. Emendou logo: — Bom, senhor Sousa Costa. Como o senhor e sua esposa insistem, eu fico. [...] Susto. Os temores entram saem pelas portas fechadas. Chiuiiii... ventinho apreensivo. Grandes olhos espantados de Aldinha e Laurita. Porta bate. Mau agouro? ... Não... Pláa... Brancos mantos... E ilusão. Não deixe essa porta bater! Que sombras grandes no hol... Por ques? tocaiando nos espelhos, nas janelas. Janelas com vidros fechados... que vazias! Chiuiii... Olhe o silêncio. Grave. Ninguém o escuta. Existe. Maria Luísa procura, toda ouvidos ao zum-zum dos criados. Porque falam tão baixo os criados? Não sabem. Espreitam. Que que espreitam?
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Esperam. Que que esperam?... Carlos soturno. Esta dorzinha no estômago... O inverno vai chegar... Andrade, Mário de. Amar, verbo intransitivo: idílio. 16. ed. Belo Horizonte: Villa Rica, 1995. p. 87-88.
3. O fragmento no todo da obra permite afirmar: a) a narrativa estrutura-se numa sequência rígida dos fatos. b) a narrativa apresenta traços formais como o coloquialismo da linguagem e, em lugar de capítulos, cenas que fixam momentos, indicadores de uma nova expressão literária. c) a família burguesa é enfocada como modelo de relações sólidas e autênticas. d) o narrador assume uma atitude investigativa do íntimo da protagonista, a fim de desvendá-la — como ser humano — de forma plena para o leitor. e) a trajetória das personagens evidencia a paixão sobrepondo-se à razão. (Uepa) Leia o fragmento abaixo para responder à questão.
Belém do Pará Bembelelém! Viva Belém! Belém do Pará porto moderno integrado na [equatorial Beleza eterna da paisagem Bembelelém! Viva Belém! [...] Belém do Pará onde as avenidas se chamam [estradas: Estrada de São Jerônimo Estrada de Nazaré [...] Bembelelém! Viva Belém! Nortista gostosa Eu te quero bem [...] 4. Como evidência da vinculação de Manuel Bandeira ao ideário modernista, o fragmento acima revela: a) exclamações futuristas em tom de exaltação da tecnologia e da velocidade do espaço urbano. b) um elogio à vida provinciana que resiste aos impactos tecnológicos da modernização urbana. c) o tema do cosmopolitismo associado a uma reflexão filosófica sobre ética e modernidade tecnológica. d) a crítica ao atraso cultural das metrópoles provincianas, sobretudo de Belém. e) a ironia destrutiva e irreverente contra o provincianismo, presente na onomatopeia Bembelelém.
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unidade
Após as conquistas alcançadas pelas primeiras inovações estéticas e conceituais, o Modernismo entra, em 1930, em sua segunda fase. Sensíveis às mudanças que ocorreram ao redor do mundo e no Brasil em todas as esferas da vida, muitos artistas dessa fase assumem um papel combativo, voltando-se para os problemas nacionais e questionando o lugar do ser humano no mundo. A pintura abaixo, de Guignard (1896-1962), recupera uma paisagem interiorana, típica da cidade mineira de Ouro Preto, onde se veem igrejas e casas antigas, atestando o comprometimento do artista em mostrar ao público outras realidades do país além daquela conhecida nos grandes centros urbanos. Esse compromisso corresponde a uma importante vertente da segunda fase modernista, que será apresentada nas próximas páginas.
4 Nesta unidade 7 A segunda fase do Modernismo
– urgências sociais
8 O Nordeste revisitado 9 O ciclo do Sul 10 Carlos Drummond de Andrade:
o eu e o mundo
11 Murilo Mendes e Jorge de
Lima: novidades da poesia religiosa
12 Cecília e Vinicius: reflexões
sobre a experiência humana
Guignard, Alberto da Veiga. Paisagem de Ouro Preto, 1950. Óleo sobre tela, 60 cm × 100 cm. Museu de Arte de São Paulo (Masp), São Paulo.
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Acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo. Fotografia: ID/BR
O Modernismo no Brasil: segunda fase
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capítulo
o que você vai estudar As transformações políticas, sociais e culturais nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial. O papel social do artista. O regionalismo e a corrente espiritualista na literatura.
Na transição entre as décadas de 1920 e 1930, as propostas estéticas dos modernistas difundiram-se por todo o Brasil, e os elementos regionais passaram a fazer parte do repertório dos artistas. Nessa época, o diálogo do escritor com a realidade social e os fatos históricos que o cercavam ganhou ainda maior importância.
Sua leitura A seguir, você fará duas leituras. A primeira é uma pintura da série Os retirantes, de Cândido Portinari (1903-1962). A segunda é um trecho do primeiro capítulo do romance A bagaceira (1928), de José Américo de Almeida (1887-1980). Nessa passagem do romance, retirantes fugidos da seca no sertão da Paraíba chegam ao engenho de Dagoberto Marçau.
Os retirantes Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo/Reprodução autorizada por João Candido Portinari. Fotografia: ID/BR
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A segunda fase do Modernismo – urgências sociais
Portinari, Cândido. Os retirantes, 1944. Óleo sobre tela, 190 cm 3 180 cm. Museu de Arte de São Paulo (Masp), São Paulo.
A série de pinturas intitulada Os retirantes foi realizada entre os anos de 1944 e 1945 e corresponde a uma guinada da temática social na obra de Portinari. Ainda que sua obra inicial esteja voltada para a representação da vida rural, é na década de 1940 que se acentua o olhar crítico sobre as desigualdades sociais brasileiras. 78
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A bagaceira Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos – esqueletos redivivos, com o aspecto terroso e o fedor das covas podres. Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas. Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados. Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo. Adelgaçados na magreira cômica, cresciam, como se o vento os levantasse. E os braços afinados desciam-lhes aos joelhos, de mãos abanando. Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos – doentes da alimentação tóxica – com os fardos das barrigas alarmantes. Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais. Meninotas, com as pregas da súbita velhice, careteavam, torcendo as carinhas decrépitas de ex-voto. Os vaqueiros másculos, como titãs alquebrados, em petição de miséria. Pequenos fazendeiros, no arremesso igualitário, baralhavam-se nesse anônimo aniquilamento. Mais mortos do que vivos. Vivos, vivíssimos só no olhar. Pupilas do sol da seca. Uns olhos espasmódicos de pânico, assombrados de si próprios. Agônica concentração de vitalidade faiscante.
Vocabulário de apoio
Fariscavam o cheiro enjoativo do melado que lhes exacerbava os estômagos jejunos. E, em vez de comerem, eram comidos pela própria fome numa autofagia erosiva. […] A cabroeira escarninha metia-os à bulha: — Vem tirar a barriga da miséria. Párias da bagaceira, vítimas de uma emperrada organização do trabalho e de uma dependência que os desumanizava, eram os mais insensíveis ao martírio das retiradas. A colisão dos meios pronunciava-se no contato das migrações periódicas. Os sertanejos eram malvistos nos brejos. E o nome de brejeiro cruelmente pejorativo. […] Essa diversidade criava grupos sociais que acarretavam os conflitos de sentimentos. Estrugia a trova repulsiva: Eu não vou na sua casa, Você não venha na minha, Porque tem a boca grande, Vem comer minha farinha… Homens do sertão, obcecados na mentalidade das reações cruentas, não convocavam as derradeiras energias num arranque selvagem. A história das secas era uma história de passividades. Limitavam-se a fitar os olhos terríveis nos seus ofensores. […] Dagoberto olhava por olhar, indiferente a essa tragédia viva. A seca representava a valorização da safra. Os senhores de engenho, de uma avidez vã, refaziam-se da depreciação dos tempos normais à custa da desgraça periódica.
Almeida, José Américo de. A bagaceira. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. p. 98-99.
Sobre os textos 1. Cite três passagens do romance A bagaceira que podem ser associadas à pintura de Portinari. 2. O trecho lido de A bagaceira contrapõe os sertanejos e os brejeiros (“a cabroeira”). a) Que tipo de relacionamento há entre eles? Comprove com uma passagem do texto. b) Como o narrador descreve as condições de vida dos brejeiros? c) Como explicar que os brejeiros “eram os mais insensíveis ao martírio das retiradas”? 3. Compare a linguagem de A bagaceira com a de Euclides da Cunha em Os sertões (p. 30-31). Observe a extensão dos parágrafos, o vocabulário e as construções sintáticas e conclua: Qual dos dois romances usa uma linguagem mais simples? Justifique. 4. A respeito da relação entre o artista brasileiro e seu meio social, Portinari disse em 1926: Arte brasileira só haverá quando os nossos artistas abandonarem completamente as tradições inúteis e se entregarem com toda alma à interpretação sincera do nosso meio. Portinari, Cândido. Apud: Fabris, Annateresa. Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1996. p. 15.
a) O que seria essa “interpretação sincera”? Como ela se mostra na tela de Portinari? b) O autor de A bagaceira também faz uma “interpretação sincera do nosso meio”? Justifique.
adelgaçado: enfraquecido autofagia: ato de alimentar-se da própria carne bagaceira: área em torno dos engenhos de açúcar onde se espalha o bagaço da cana moída, para que seque e seja usado como combustível nas fornalhas bulha: gritaria cabroeira: conjunto de “cabras” (trabalhadores rurais do Nordeste) escarninho: zombeteiro escoteiro: que viaja sem bagagem estrugir: soar ou vibrar ruidosamente êxodo: migração fado: destino fariscar: farejar hidrópico: que apresenta hidropisia, acúmulo anormal de líquido em cavidade do corpo pária: indivíduo excluído socialmente redivivo: que voltou à vida, ressuscitado trôpego: que anda com dificuldade
HIPERTEXTO Este parágrafo é constituído de frases nas quais não se observa a presença de verbos. Esse tipo de frase é chamado de frase nominal. Para saber mais a respeito, consulte a parte de Linguagem (capítulo 19, p. 159).
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Capítulo 7 – A segunda fase do Modernismo – urgências sociais
A segunda fase do Modernismo brasileiro ocorre durante os anos de 1930 a 1945. O Brasil passa, nesse período, por transformações profundas – o desenvolvimento industrial é acompanhado da tomada de consciência sobre os graves atrasos sociais existentes no interior do país. No início dos anos 1930, destaca-se a subida de Getúlio Vargas ao poder. Naquele momento, a estrutura econômica, política e social do país ainda tinha raízes no regime republicano delineado no final do século XIX. A necessidade de modernizar o país, a fim de que ocupasse melhor posição no cenário mundial, fez parte do ideário de uma geração de pensadores, artistas e políticos. No plano internacional, o mundo vivia um conturbado embate entre ideo logias bastante distintas: o liberalismo, em crise diante da quebra da Bolsa de Nova York em 1929, e o socialismo/comunismo, implantado pela primeira vez em um país com a Revolução Russa de 1917. Esse período também viu ascender um pensamento de caráter totalitário que defendia a centralização política e econômica nas mãos do governante do Estado – na Alemanha, essa tendência recebeu o nome de nazismo; na Itália, de fascismo. O debate político era agitado, o que acirrava a cobrança sobre o posicionamento ideológico dos intelectuais. De um lado, a perspectiva de igualdade anunciada pelo comunismo e sustentada pelos avanços econômicos atingidos pela então União Soviética passou a interessar muitos intelectuais. De outro lado, o paternalismo fascista prometia a justa distribuição das riquezas nacionais e a estabilidade social por meio do centralismo político. O Brasil, assim como outros países em situação periférica na ordem mundial, não ficou indiferente a essa conjuntura. Aos poucos, o governo de Getúlio Vargas foi criando um Estado brasileiro totalitário, imitando o modelo do fascismo europeu. No plano cultural, por toda a Europa, o período entre as décadas de 1920 e 1940 foi caracterizado pela aproximação cada vez mais estreita das artes e da cultura com a vida cotidiana. A arte, antes restrita às elites, se democratiza, tornando-se um bem a ser usufruído também pelas massas. Um dos responsáveis por essa mudança foi o cinema comercial. O cinema representou uma novidade em vários aspectos: era uma arte visual que podia ser reproduzida e alcançar públicos muito mais vastos do que os que até então tinham acesso à arte tradicional; seu caráter industrial, de produção em larga escala, contribuía para o preço acessível dos ingressos; e permitia aos espectadores se distraírem temporariamente dos gravíssimos problemas decorrentes da Segunda Guerra Mundial. O acesso às notícias também se tornou muito mais rápido com os noticiários que precediam a exibição dos longas-metragens nos cinemas, com a imprensa ilustrada e, principalmente, com as transmissões de rádio. Associado à tarefa de difusão de informações, ocorreu ainda o desenvolvimento da indústria do entretenimento fonográfico. A música erudita, por exemplo, que décadas antes era ouvida somente pela aristocracia, passou a ser reproduzida largamente pelas rádios. Em paralelo, aprofundou-se o interesse pela veiculação da música popular. Atentos à penetração cada vez maior dos meios de comunicação nas camadas populares, tanto o rádio como o cinema foram incorporados às estratégias de veiculação ideológica, empregando meios semelhantes ao da publicidade. Arte e ideologia, arte e tecnologia, arte e democracia: é nesse contexto amplo que se encaixa a literatura produzida pelos escritores da segunda fase do Modernismo.
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Reminiscências/Acervo Iconographia
O contexto de produção
Trabalhadores carregam retrato de Getúlio Vargas durante as comemorações de 1o de maio de 1942. Apoiado em um modelo de desenvolvimento que previa forte presença do Estado no setor das indústrias de base (siderurgia, produção de equipamentos, extração de minerais), Vargas prestigiava lideranças industriais, construindo a imagem de um governante sintonizado com o mundo moderno.
Repertório
Intérpretes do Brasil Os anos de 1930 a 1945 foram especialmente produtivos no que diz respeito à publicação de estudos voltados à compreensão da identidade nacional. Três obras, ainda hoje fundamentais para se entender a história do país, foram escritas e publicadas nesse período: Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda; e Formação do Brasil contemporâneo (1942), de Caio Prado Jr. Cada um desses estudos não só apresenta um rigor científico e conceitual até então inédito como também contém novas abordagens sobre a formação histórica, política e social do Brasil.
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Goeldi, Oswaldo. Balada da morte, 1944. Xilogravura, 18,5 cm 3 25,7 cm. Coleção particular.
Essa xilogravura da série Balada da morte, de Oswaldo Goeldi (1895-1961), foi preparada para a revista Clima de agosto de 1944. Fundada em 1941, essa revista reuniu um grupo que se tornaria importante no cenário intelectual brasileiro, entre eles os críticos Antonio Candido, Décio de Almeida Prado e Paulo Emílio Salles Gomes. O tema da morte, personificada na imagem do esqueleto, associa-se à Segunda Guerra Mundial, que já tinha feito milhões de vítimas até 1944 e cujas batalhas prosseguiam. A Segunda Guerra terminaria em 1945.
Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo. Fotografia: ID/BR
É possível organizar a produção literária da segunda fase do Modernismo brasileiro em algumas tendências, entre elas o romance regionalista, produzido por escritores nordestinos, e a poesia de expressão espiritualista. Os 15 anos que compreendem a segunda fase do Modernismo serviram para a consolidação do movimento iniciado em 1922. Difundido por todo o Brasil e incorporando novos artistas, o Modernismo, a partir de 1930, conservou as conquistas estéticas da primeira fase, como o uso do verso livre e de um vocabulário mais próximo do cotidiano. Porém, recursos estéticos antes combatidos por serem expressões de uma arte considerada ultrapassada, como o emprego de formas fixas na poesia, voltaram a ser valorizados. Ampliou-se também o número de leitores de textos modernistas. A influência de autores como Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade foi sentida nessa fase. A luta contra o academismo e a visão da arte como privilégio de poucos – marcas do Parnasianismo – continuaram na produção dessa nova geração de escritores. Contudo, a pesquisa estética, uma das preocupações da primeira fase, foi sendo repensada diante da incorporação de aspectos regionais e da discussão de questões sociais do Brasil e do mundo. Os escritores modernistas de 1930 a 1945 entendiam a literatura como um veículo de expressão das desigualdades, uma tomada de posição diante da realidade social. O romance, o conto ou o poema passaram tanto a apresentar um ponto de vista sobre os problemas que afetavam grupos sociais desfavorecidos como a expressar os males e as angústias que afligiam o indivíduo no mundo moderno. Essa perspectiva humana e politicamente comprometida fez aumentar o número de leitores por todo o Brasil. Em 1926, realizou-se na cidade de Recife o Primeiro Congresso Brasileiro de Regionalismo. Nesse encontro, foi lido o “Manifesto Regionalista”, que fazia uma crítica ao cosmopolitismo das grandes cidades e denunciava os hábitos de boa parte da burguesia brasileira de supervalorizar o que é proveniente da cultura europeia e menosprezar aquilo que é nacional. O romance regionalista, fruto da reflexão sobre o nacional, explorou as contradições de um Brasil ao mesmo tempo urbano e rural, industrial e artesanal, um Brasil cuja fachada de modernidade escondia traços arcaicos e desigualdades regionais. Seus principais temas foram: o progresso versus o atraso, o Nordeste pobre em contraposição ao Sul enriquecido, a valorização da tradição cultural versus a adesão aos valores estrangeiros, além da decadência de um modo de vida organizado em torno de uma sociedade patriarcal, do problema da seca e da falência dos engenhos de açúcar e dos latifúndios. Partindo de influências do Simbolismo, alguns escritores buscaram uma alternativa ao enfoque regionalista e procuraram expressar o embate do ser humano com a realidade por meio de uma escrita intimista, no caso da prosa, e de uma perspectiva espiritual, no caso da poesia. De certa forma, a segunda fase do Modernismo brasileiro dialoga com as estéticas do final do século XIX. O romance regionalista de 1930 tem raízes em textos do Romantismo que procuravam fixar os tipos brasileiros – em especial a prosa regional de José de Alencar –, passando pelo Naturalismo de Aluísio Azevedo. Já na corrente espiritualista, há ecos do Simbolismo, pelo uso de imagens sugestivas e de sinestesia (mescla de sensações). Porém, a segunda fase modernista não se limita a essas duas correntes. A poesia de Drummond, por exemplo, as ultrapassa. O mesmo ocorre com a de Murilo Mendes, que une, de modo original, catolicismo, surrealismo e memória. No caso da prosa, uma escrita mais intimista cria as bases para o desenvolvimento posterior de uma narrativa de caráter psicológico.
Imagem de Oswaldo Goeldi, publicada e licenciada de acordo com as normas do Projeto Goeldi
O sistema literário
Na década de 1940, os meios de comunicação de massa estavam disseminados entre a população brasileira nos centros urbanos. A capa acima é de O Cruzeiro, de setembro de 1942, uma importante revista brasileira do século XX.
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Sua leitura
Capítulo 7 – A segunda fase do Modernismo – urgências sociais
Vidas secas […] A autoridade rondou por ali um instante, desejosa de puxar questão. Não achando pretexto, avizinhou-se e plantou o salto da reiuna em cima da alpercata do vaqueiro. — Isso não se faz, moço, protestou Fabiano. Estou quieto. Veja que mole e quente é pé de gente. O outro continuou a pisar com força. Fabiano impacientou-se e xingou a mãe dele. Aí o amarelo apitou, e em poucos minutos o destacamento da cidade rodeava o jatobá. — Toca pra frente, berrou o cabo. Fabiano marchou desorientado, entrou na cadeia, ouviu sem compreender uma acusação medonha e não se defendeu. — Está certo, disse o cabo. Faça lombo, paisano. Fabiano caiu de joelhos, repetidamente uma lâmina de facão bateu-lhe no peito, outra nas costas. Em seguida abriram uma porta, deram-lhe um safanão que o arremessou para as trevas do cárcere. A chave tilintou na fechadura, e Fabiano ergueu-se atordoado, cambaleou, sentou-se num canto, rosnando: — Hum! hum! Por que tinham feito aquilo? Era o que não podia saber. Pessoa de bons costumes, sim senhor, nunca fora preso. De repente um fuzuê sem motivo. Achava-se tão perturbado que nem acreditava naquela desgraça. Tinham-lhe caído todos em cima, de supetão, como uns condenados. Assim um homem não podia resistir. […] Havia engano, provavelmente o amarelo o confundira com outro. Não era senão isso. Então por que um sem-vergonha desordeiro se arrelia, bota-se um cabra na cadeia, dá-se pancada nele? Sabia perfeitamente que era assim, acostumara-se a todas as violências, a todas as injustiças. E aos conhecidos que dormiam no tronco e aguentavam cipó de boi oferecia consolações: “— Tenha paciência. Apanhar do governo não é desfeita.” Mas agora rangia os dentes, soprava. Merecia castigo? — An! E, por mais que forcejasse, não se convencia de que o soldado amarelo fosse governo. Governo, coisa distante e perfeita, não podia errar. O soldado amarelo estava ali perto, além da grade, era fraco e ruim, jogava na esteira com os matutos e provocava-os depois. O governo não devia consentir tão grande safadeza.
Vocabulário de apoio
arreliar-se: aborrecer-se, irritar-se alpercata: sandália que se prende ao pé por tiras de couro ou pano de supetão: de repente fazer lombo: curvar-se forcejar: esforçar-se jatobá: tipo de árvore matuto: indivíduo do interior, sem traquejo social paisano: que não é militar reiuna: botina usada por soldados safanão: tapa, empurrão Veridiana Scarpelli/ID/BR
Nesta seção, você lerá dois textos. O primeiro é um trecho do romance Vidas secas (1938), de Graciliano Ramos, que trata da condição de pobreza de uma família de retirantes do Nordeste. Um aspecto abordado é a dificuldade de comunicação das personagens, que, submetidas à carência absoluta, ficam destituídas de habilidades relativas ao convívio social. Leia um trecho do romance e responda às questões.
Ramos, Graciliano. Vidas secas. 115. ed. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 31-33.
Sobre o texto 1. O desentendimento entre Fabiano e o soldado havia começado devido a um jogo de cartas. A prisão motivada por uma rixa pessoal revela uma crítica sobre a relação entre o Estado e as pessoas mais pobres da região. Que crítica é essa? 2. A primeira reação de Fabiano, expressa no segundo parágrafo, pode ser considerada um desrespeito à autoridade? Por quê? 3. Nessa obra, a carência material estende-se à vida afetiva e social. No trecho lido, o que fragiliza Fabiano diante da injustiça, impedindo que se defenda? 4. O discurso indireto livre permite ao leitor acompanhar o raciocínio de uma personagem e sua compreensão da realidade. Em Vidas secas, esse é um recurso fundamental para mostrar as limitações comunicativas das personagens. Cite um trecho do texto lido em que se pode observar o uso de tal recurso. 5. Que visão do Estado (“governo”) Fabiano tem? Ela se altera com a experiência vivida?
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A seguir, você vai ler um trecho de Capitães da Areia (1937), do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001). O romance relata as aventuras de um grupo de crianças que vivem nas ruas da cidade de Salvador. Elas são lideradas por Pedro Bala, um adolescente de quinze anos de idade.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Capitães da Areia […] A cidade dormiu cedo. A lua ilumina o céu, vem a voz de um negro do mar em frente. Canta a amargura da sua vida desde que a amada se foi. No trapiche as crianças já dormem. […] A voz do negro parece se dirigir às estrelas, como que há pranto na sua voz cheia. Ele também procura a amada que fugiu na noite da Bahia. Pedro Bala pensa que a estrela que é Dora talvez ande agora correndo sobre as ruas, becos e ladeiras da cidade a procurá-lo. Talvez o pense numa aventura nas ladeiras. Mas hoje não são os Capitães da Areia que estão metidos numa bela aventura. São os condutores de bonde, negros fortes, mulatos risonhos, espanhóis e portugueses, que vieram de terras distantes. São eles que levantam os braços e gritam iguais aos Capitães da Areia. A greve se soltou na cidade. É uma coisa bonita a greve, é a mais bela das aventuras. Pedro Bala tem vontade de entrar na greve, de gritar com toda a força do seu peito, de apartear os discursos. Seu pai fazia discursos numa greve, uma bala o derrubou. Ele tem sangue de grevista. Demais a vida da rua o ensinou a amar a liberdade. A canção daqueles presos dizia que a liberdade é como o sol: o bem maior do mundo. Sabe que os grevistas lutam pela liberdade, por um pouco mais de pão, por um pouco mais de liberdade. É como uma festa aquela luta. Os vultos que se aproximam o fazem levantar desconfiado. Mas logo reconhece a figura enorme do estivador João de Adão. Junto a ele vem um rapaz bem vestido mas com os cabelos despenteados. Pedro Bala tira o boné, fala pra João de Adão: — Tu hoje ganhou viva, hein? João de Adão ri. Distende seus músculos, seu rosto está aberto num sorriso para o chefe dos Capitães da Areia: — Capitão Pedro, eu quero apresentar a tu o companheiro Alberto. O rapaz estende a mão para Pedro Bala. O chefe dos Capitães da Areia limpa primeiro sua mão no paletó rasgado, depois aperta a do estudante. João de Adão está explicando: — É um estudante da Faculdade mas é um companheiro da gente. Pedro Bala olha sem desconfiança. O estudante sorri: — Já ouvi falar muito em você e em seu grupo. Você é um batuta… — A gente é macho, sim — responde Pedro Bala. Amado, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: Martins, s. d. p. 190-192.
Sobre o texto 1. Embora o romance discuta problemas sociais e faça fortes críticas, ele tem um tom poético. Identifique e explique uma passagem do primeiro parágrafo em que esse tom apareça. 2. Pedro Bala tem uma visão positiva da greve. a) Que relação pessoal ele tem com esse tipo de movimento social? b) O que há em comum entre os Capitães da Areia e os grevistas? c) Quem são os participantes da greve mencionada no texto? 3. O que João de Adão quis dizer a respeito de Alberto ao apresentá-lo explicando: “— É um estudante da Faculdade mas é um companheiro da gente.”?
Vocabulário de apoio
apartear: participar de discursos fazendo comentários batuta: confiável, valente, camarada trapiche: armazém junto ao litoral
O que você pensa disto?
[…] Essa desorganização constante parece resultar principalmente do fato de que as regiões vêm sendo esquecidas pelos estadistas e legisladores brasileiros, uns preocupados com os “direitos dos Estados”, outros, com as “necessidades de união nacional”, quando a preocupação máxima de todos deveria ser a de articulação inter-regional. Pois de regiões é que o Brasil, sociologicamente, é feito, desde os seus primeiros dias. […] Freyre, Gilberto. In: Costa, Liduina F. A. da. O sertão não virou mar. São Paulo: Annablume, 2005. p. 46.
1. Na atualidade, há projetos políticos preocupados com a articulação inter-regional? Em sua opinião, o que distingue e o que aproxima as regiões brasileiras?
Veridiana Scarpelli/ID/BR
No “Manifesto Regionalista” (1926), Gilberto Freyre expõe um problema ainda hoje presente no país: o atraso e a desorganização política e social de algumas regiões comparados ao desenvolvimento de outras. Afirma Freyre:
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capítulo
Eder Chiodetto/Folhapress
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O Nordeste revisitado
o que você vai estudar Rachel de Queiroz: o drama da seca. Jorge Amado: a Bahia em cena. José Lins do Rego: engenhos, coronéis e cangaceiros. Graciliano Ramos: a linguagem exata.
Rachel de Queiroz em Quixadá (CE), cidade onde morou durante parte de sua vida. Foto de 1998.
Uma das fortes tendências da segunda fase da literatura modernista veio do Nordeste e do grupo de escritores cuja produção é conhecida como “Romance de 30”. Mesclando as propostas do Modernismo ao regionalismo surgido no período romântico e às concepções realistas do final do século XIX, essa geração de ficcionistas nordestinos trabalha a identidade nacional com base na observação da vida interiorana. Questões sociais, políticas e econômicas, além da presença marcante de episódios históricos, surgem nas obras dos quatro escritores mais importantes dessa geração: Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos.
Rachel de Queiroz: a seca e suas desgraças Rachel de Queiroz (1910-2003) exerceu profissionalmente a atividade de jornalista. Escreveu reportagens e crônicas para jornais importantes do Brasil durante toda a vida, mas sua literatura é feita quase exclusivamente de romances. Nesse gênero, a obra mais importante e conhecida é seu livro de estreia, O quinze, publicado em 1930. O quinze narra as histórias intercruzadas de dois núcleos de personagens. A narrativa do primeiro núcleo aborda o amor fracassado entre Vicente, vaqueiro e criador de gado, e sua prima Conceição, professora da cidade, culta e com tendência feminista. A história do segundo núcleo trata da vida miserável e decadente de Chico Bento e sua família, devastados em consequência da seca de 1915. A parte mais importante da obra gira em torno do segundo núcleo. A descrição dos inúmeros problemas da família de Chico Bento – as dificuldades financeiras, a fome, a morte de um filho, a fuga de outro, os “campos de concentração” de retirantes em Fortaleza – compõe o retrato realista de um contexto regional e suas trágicas implicações socioeconômicas. A escritora Rachel de Queiroz associa a narração de um drama coletivo ao registro dos traços psicológicos das personagens, por meio de uma linguagem simples e direta, próxima da difícil situação que deseja representar e do que seria uma fala mais “brasileira”, segundo relato da própria autora. 84
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Sua leitura
O quinze Foi Conceição quem os descobriu, sentados pensativamente debaixo do Cajueiro: Chico Bento com os braços cruzados, e o olhar vago, Cordulina de cócoras segurando um filho, e um outro menino mastigando uma folha, deixando escorrer-lhe pelo canto da boca um fio de saliva esverdeada. […] Afinal ali estavam. Foi realmente com dificuldade que os identificou, apesar de seus olhos já se terem habituado a reconhecer as criaturas através da máscara costumeira com que as disfarçava a miséria. E marchou para eles, com o coração estalando de pena, lembrando-se da última vez em que os vira, num passeio às Aroeiras feito em companhia do pessoal de Dona Idalina: Chico Bento, chegando do campo, todo encourado, e Cordulina muito gorda, muito pesada, servindo café às visitas em tigelinhas de louça. Por sinal, nesse dia, Cordulina pedira a Conceição e a Vicente que aceitassem ser padrinhos da criança que estava por nascer. Conceição, porém, nunca vira o afilhado. Já estava na cidade, ao tempo do batizado. E lembrara-se de ter achado graça ao ver, na procuração que enviara, o seu nome junto ao de Vicente, num papel sério, eclesiástico, em que eles se tratavam mutuamente por nós, bem expresso na fórmula final: “reservando para nós o parentesco espiritual”… Conceição gostara daquele nós de bom agouro, que simbolizava suas mãos juntas, unidas, colocadas protetoramente, pela autoridade da Igreja, sobre a cabeça do neófito… Enfim, ali estavam. E a criança que outro tempo trazia Cordulina tão gorda, era decerto aquela que lhe pendia do colo, e que agora a trazia tão magra, tão magra que nem uma visagem, que nem a morte, que só talvez um esqueleto fosse tão magro… […] A moça dirigiu-se a Cordulina: — E você, comadre, como vai? Tão fraquinha, hein? A mulher respondeu tristemente: — Ai, minha comadre, eu sei lá como vou!… Parece que ainda estou viva… — É este, o meu afilhado? Mas Conceição, que tivera a intenção de o tomar ao colo, recuou ante a asquerosa imundície da criança, contentando-se em lhe pegar a mão — uma pequenina garra seca, encascada, encolhida…
Vocabulário de apoio
agouro: presságio; previsão do futuro comadre: termo pelo qual a madrinha de um indivíduo batizado e a mãe dele se referem uma à outra eclesiástico: relativo à Igreja encascado: endurecido encourado: vestido com roupa de couro neófito: pessoa que vai ser batizada procuração: documento legal que confere a uma pessoa o poder de agir em nome de outra visagem: aparição, fantasma
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Você lerá um trecho de O quinze. A passagem narra a chegada de Chico Bento, sua esposa Cordulina e os filhos do casal ao “campo de concentração” em Fortaleza, que acolhia retirantes. Nele trabalhava a personagem Conceição, moradora da cidade e madrinha de Manuel (Duquinha), o filho caçula de Chico Bento e Cordulina.
Queiroz, Rachel de. O quinze. São Paulo: Siciliano, 1993. p. 87-89.
Sobre o texto 1. Como as personagens retirantes são caracterizadas nesse trecho? 2. Embora as personagens Cordulina e Conceição tenham a mesma origem sertaneja e sejam comadres, há um contraste entre elas. Qual é esse contraste? Explique a causa dele, considerando o lugar em que cada uma vive. 3. O narrador acompanha o olhar de Conceição durante a cena. Indique uma passagem em que ele parece adentrar o pensamento dessa personagem e revelar um desejo velado de Conceição. Explique que desejo seria esse.
ação e cidadania
A seca é um problema antigo no Brasil. A escassez de água no Nordeste acarreta a diminuição da produção agropecuária, gerando uma grave crise social cujas consequências são, muitas vezes, a fome, a miséria, a desnutrição e o êxodo rural, privando as pessoas de sua condição de cidadãs. O progresso tecnológico trouxe melhorias na produção agrícola ao introduzir técnicas de irrigação em algumas áreas do sertão. Isso demonstra que, com a adoção de uma política mais ampla, que respeite a realidade do sertanejo, dando-lhe condições de trabalho e de permanência na região, é possível minimizar os efeitos da seca e reverter a precária situação em que vive grande parte da população rural nordestina.
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Capítulo 8 – O Nordeste revisitado
Registro de costumes da sociedade baiana A segunda fase da obra de Jorge Amado, a partir de Gabriela, cravo e canela (1958), corresponde aos romances em que o autor faz o retrato dos costumes de sua terra, a Bahia, e de personagens típicas desse estado. O tratamento dado aos dramas das personagens muda, deixando de ser simples exemplo das relações de opressão a que o ser humano humilde é submetido. Torna-se agora um registro regionalista, sensual, lírico e eventualmente bem-humorado do cotidiano local, com uma representação apaixonada dessa cultura e de seu modo de vida. Os romances mais conhecidos desse período são também os mais célebres de toda a obra de Jorge Amado: além de Gabriela, cravo e canela, há Dona Flor e seus dois maridos (1966) e Tieta do agreste (1977). Apesar da enorme popu laridade das obras desse pe ríodo, elas não são vistas com tanta simpatia por uma parte da crítica, que avalia como simples seu trabalho com a linguagem e considera superficial o tratamento dado ao drama das personagens e às questões sociais. Os críticos, no entanto, reconhecem habilidade do escritor como contador de histórias envolventes, capazes de entreter o leitor.
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Homenagem a Jorge Amado no Café Vesúvio, em Ilhéus (BA). O local teria inspirado o romance Gabriela, cravo e canela. Foto de 2007.
A cultura tradicional da Bahia, presente nessa tela, é tema constante na obra de Jorge Amado. Motta e Silva, Djanira. Três orixás, 1966. Óleo sobre tela, 129 cm 3 193 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo. Fotografia: ID/BR
Jorge Amado é um dos autores mais lidos de nossa literatura. A considerável venda de suas obras, dentro e fora do país, permitiu ao escritor algo raro entre os artistas nacionais: viver dos rendimentos da sua produção. Criticado por alguns especialistas, que consideravam sua obra repetitiva, dizia: “Sou incapaz de escrever sobre aquilo que não vivi”. Essa afirmação do escritor é reveladora de características significativas de sua literatura: o engajamento social e o registro de costumes da vida baiana. Os primeiros romances de Jorge Amado, das décadas de 1930 e 1940, são marcados pela denúncia da miséria e da exploração sofrida pelas classes marginalizadas da Bahia. São suas obras mais conhecidas dessa fase: Cacau (1933), Mar morto (1936), Capitães da Areia (1937) e Terras do sem-fim (1943). Entre a cidade e a zona rural, trabalhadores do porto, das fazendas de cacau, prostitutas, negros e meninos de rua são tipos sociais frequentes dessas narrativas, por quem o narrador manifesta um sentimento de solidariedade e aos quais lança um olhar lírico. Para alguns críticos, a adesão do escritor aos ideais comunistas confere às narrativas desse período um engajamento político exacerbado, devido a certo radicalismo com que esses ideais perpassam o tema social. Ainda de acordo com parte da crítica, as personagens dessa fase são reduzidas aos papéis que desempenham na sociedade, inseridas em uma luta de classes maniqueísta, em que os explorados (os bons) enfrentam os exploradores (os maus).
Rolf Richardson/Robert Harding/Latinstock
Jorge Amado: a Bahia como protagonista
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Sua leitura Você vai ler agora um trecho extraído do final do romance Gabriela, cravo e canela, obra que marca a transição entre dois momentos da produção de Jorge Amado: da fase socialmente engajada dos primeiros livros para os romances de costumes de sua maturidade literária.
Do navio sueco com sereia de amor
Veridiana Scarpelli/ID/BR
[…] No dia seguinte, depois do almoço, os marinheiros tiveram novamente folga, espalharam-se pelas ruas. “Como gostavam da cachaça ilheense!”, comprovavam com orgulho os grapiúnas. Vendiam cigarros estrangeiros, peças de fazenda, frascos de perfume, bugigangas douradas. Gastavam o dinheiro em cachaça, enfiavam-se nas casas de mulheres-dama, caíam bêbados na rua. Foi depois da sesta. Antes da hora do aperitivo da tarde, naquele tempo vazio entre as três e as quatro e meia. Quando Nacib aproveitava para fazer as contas da caixa, separar o dinheiro, calcular os lucros. Foi quando Gabriela, terminado o serviço, partia para casa. O marinheiro sueco, loiro de quase dois metros, entrou no bar, soltou um bafo pesado de álcool na cara de Nacib e apontou com o dedo as garrafas de “Cana de Ilhéus”. Um olhar suplicante, umas palavras em língua impossível. Já cumprira Nacib, na véspera, seu dever de cidadão, servira cachaça de graça aos marinheiros. Passou o dedo indicador no polegar, a perguntar pelo dinheiro. Vasculhou os bolsos o loiro sueco, nem sinal de dinheiro. Mas descobriu um broche engraçado, uma sereia dourada. No balcão colocou a nórdica mãe-d’água, Iemanjá de Estocolmo. Os olhos do árabe fitavam Gabriela dobrar a esquina por detrás da Igreja. Mirou a sereia, seu rabo de peixe. Assim era a anca de Gabriela. Mulher tão de fogo no mundo não havia, com aquele calor, aquela ternura, aqueles suspiros, aquele langor. Quanto mais dormia com ela, mais tinha vontade. Parecia feita de canto e dança, de sol e luar, era de cravo e canela. Nunca mais lhe dera um presente, uma tolice de feira. Tomou da garrafa da cachaça, encheu um copo grosso de vidro, o marinheiro suspendeu o braço, saudou em sueco, emborcou dois tragos, cuspiu. Nacib guardou no bolso a sereia dourada, sorrindo. Gabriela riria contente, diria a gemer: “precisava não, moço bonito…” E aqui termina a história de Nacib e Gabriela quando renasce a chama do amor de uma brasa dormida nas cinzas do peito. Amado, Jorge. Gabriela, cravo e canela. 53. ed. Rio de Janeiro: Record, 1977. p. 357.
Sobre o texto 1. A crônica de costumes é uma das maneiras pelas quais se manifesta o regionalismo na obra de Jorge Amado. Copie no caderno elementos presentes no texto que podem ser identificados como hábitos e costumes locais da época. 2. Jorge Amado foi um grande defensor da importância da Bahia para a cultura de nosso país, por considerá-la o local em que se iniciou a miscigenação de raças, determinante para a composição do povo brasileiro. De que maneira a expressão “Iemanjá de Estocolmo”, usada pelo narrador para se referir ao broche de sereia, simboliza essa miscigenação? 3. Na obra, Nacib mantém um relacionamento amoroso com Gabriela, a protagonista. a) Qual é a origem e a ocupação de Nacib? b) O que o leva a aceitar o broche como forma de pagamento? 4. Releia este trecho:
HIPERTEXTO Nesse trecho, o narrador emprega orações coordenadas assindéticas (orações independentes sintaticamente, justapostas sem emprego de conjunção) para expressar a variedade e a rápida sucessão das ações dos marinheiros. As orações coordenadas sindéticas e assindéticas são assunto do capítulo 23, na parte de Linguagem (p. 210-217). Vocabulário de apoio
anca: quadril emborcar: beber fazenda: tecido grapiúna: habitante do litoral Iemanjá: no candomblé, entidade das águas langor: sensualidade mãe-d’água: na mitologia indígena, divindade das águas; um dos nomes de Iemanjá mulher-dama: prostituta nórdico: relativo aos países do norte da Europa (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia) sesta: repouso após o almoço
Parecia feita de canto e dança, de sol e luar, era de cravo e canela.
Essa frase contém a expressão cravo e canela, que dá título ao livro. Que características de Gabriela o narrador destaca na frase?
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José Lins do Rego: a memória dos canaviais José Lins do Rego (1901-1957) realizou em sua ficção um duplo resgate histórico: tanto de sua própria biografia quanto da história das fazendas de cana-de-açúcar dos estados da Paraíba e de Pernambuco, de meados do século XIX até o início do século XX. Empregou uma linguagem fluente, marcada pela oralidade, para articular memórias da região canavieira, pesquisa histórica, imaginação e personagens marcantes. O próprio escritor foi o responsável pela divisão mais conhecida de sua obra em fases, ou em ciclos, que correspondem também aos movimentos sociais dos contextos observados: ••o ciclo da cana-de-açúcar, abrangendo os romances Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), O moleque Ricardo (1935), Usina (1936) e Fogo morto (1943); ••o ciclo do cangaço e do misticismo, com os romances Pedra bonita (1938) e Cangaceiros (1953); ••e os romances independentes, como Pureza (1937), Riacho doce (1939), Água-mãe (1941) e Eurídice (1947). O ciclo da cana é sem dúvida a fase mais importante de sua obra, e o romance Fogo morto, seu ponto mais alto, representando a maturidade literária de José Lins do Rego. Ultrapassa o memorialismo saudosista dos livros anteriores para compor o retrato social e humano de um sistema em degradação, motivada pela substituição da ancestral estrutura latifundiária e patriarcal pelas modernas usinas de cana-de-açúcar, na virada do século XIX para o século XX.
Nordeste decadente
A família do Santa Fé não ia mais à missa aos domingos. A princípio correra que era doença no velho. Depois inventaram que o carro não podia mais rodar, de podre que estava. Os cavalos não aguentavam mais com o peso do corpo. […] a tristeza e o desânimo haviam tomado conta até de D. Amélia. Não tinha coragem de sair de casa com aquela afronta, ali a dois passos, com um morador atrevido sem levar em conta as ordens do senhor de engenho. Todos na várzea se acovardavam com as ordens do cangaceiro. O governo mandava tropa que maltratava o povo, e a força do bandido não se abalava.
Benjamin Abrahão/Acervo do fotógrafo
Capítulo 8 – O Nordeste revisitado
Fogo morto retrata a ascensão e a decadência de um engenho de açúcar (a expressão fogo morto refere-se ao encerramento da operação de um engenho de cana). A obra está dividida em três partes, cada uma correspondendo a uma das três personagens mais importantes do enredo: José Amaro, o trabalhador independente e revoltado com a subordinação que lhe é imposta pelo coronelismo; Capitão Vitorino, versão nacional de Dom Quixote (personagem criada pelo escritor espanhol Miguel de Cervantes), figura idealista, que luta atrapalhadamente em defesa dos oprimidos; e Coronel Lula de Holanda, o patriarca prepotente, dono do Engenho Santa Fé. A patente de coronel, como a de Lula de Holanda, não identificava, no Nordeste, um militar de carreira. Os fazendeiros, na verdade, compravam essa patente como forma de se distinguir social e politicamente. Exerciam, inclusive, o papel de agentes eleitorais do poder central, coagindo seus empregados a votar nos candidatos oficiais. A perda da importância econômica pelos engenhos acarretava a decadência de seus proprietários. Fogo morto acompanha a queda do Coronel Lula e o esforço de sua família para manter a aparência de superioridade de outros tempos. Não bastassem as usinas modernas, outra força contribui para evidenciar a decadência: os cangaceiros. Em certo momento, eles invadem o engenho do coronel e ali acampam.
Maria Bonita e Lampião formam o casal mais famoso do cangaço, movimento originado no Nordeste brasileiro em meados do século XIX com duração até o início do século XX. O cangaço caracterizou-se por ações violentas, como assaltos a fazendas, sequestros de coronéis e saques a comboios e armazéns.
Rego, José Lins do. Fogo morto. In: Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1976. p. 694.
Pela força das armas, os cangaceiros confrontavam não apenas o poder econômico dos fazendeiros, como também o poder político do governo, resistindo às tentativas de captura e prisão.
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Abrahão, Benjamin. Maria Bonita e Lampião, 1936. Fotografia. Acervo AbaFilm, Fortaleza (CE).
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Sua leitura
Fogo morto […] Foi acender o candeeiro da sala de jantar. E quando trepou na cadeira para cortar o pavio viu na porta de frente uns homens parados na calçada. Acendeu a luz e saiu para saber o que era aquilo. Ouviu então o grito de Floripes, um grito de desespero. Seu Lula levantou-se para ver o que era. — O que é isto, hein? O que é isto, hein? Uma voz forte respondeu lá de fora: — Não é nada, Coronel. O negro está assombrado. Era o Capitão Antônio Silvino no Santa Fé. Os cangaceiros cercaram a casa e o negro Floripes, amarrado, chorava de medo. […] — Coronel, como eu disse, estou em boa paz. Não ando matando e esfolando como os mata-cachorros. Agora quero também que me ajude. Eu mandei uma carta ao senhor para lhe pedir proteção para um morador seu. Vejo que o senhor deixou o homem onde estava! Nele não se bole. Homem que merece a minha proteção, eu protejo mesmo. Protejo na ponta do punhal, na boca do rifle. Isto, felizmente, o Coronel sabe. […] Seu Lula, abatido, olhava para o capitão como se quisesse dizer alguma coisa e não atinasse: — Capitão, nada tenho. — Eu sei que tem. Ouro há nesta casa. Eu até quero sair daqui amigo de todos. Lá em Vitória tinha um senhor de engenho com botija, e eu dei um jeito que fez gosto. O bicho, na primeira cipoada, contou tudo. […]
Levaram Seu Lula que começou a tremer, os olhos vidrados. O cangaceiro soltou-o, e o corpo do Coronel estendeu-se no chão, batendo com uma fúria desesperada. Os cangaceiros cercaram para ver o ataque. D. Amélia abraçou-se com o marido. Durava o acesso. Os homens ficaram um instante sérios. Depois o chefe deu as ordens. — Vamos cascavilhar tudo isso. Estendido no marquesão, o senhor do engenho arquejava. A mulher perto dele chorava, enquanto os cabras já estavam no quarto rebulindo em tudo. Foi quando se ouviu um grito que vinha de fora. Apareceu o velho Vitorino, acompanhado de um cangaceiro: — Capitão, este velho apareceu na estrada, dizendo que queria falar com o senhor. — Quem é você, velho? — Vitorino Carneiro da Cunha, um criado às ordens. — E o que quer de mim? — Que respeite os homens de bem. […] — Para com isto, senão te mando dar um ensino, velho besta. — Tenho nome. Sou inimigo político do Coronel Lula, mas estou com ele. — Está com ele? Pega este velho, Cobra Verde. Vitorino fez sinal de puxar o punhal, encostou-se na parede e gritou para o cangaceiro: — Venha devagar. Uma coronhada de rifle na cabeça botou-o no chão, como um fardo.
Rego, José Lins do. Fogo morto. In: Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1976. p. 697-700.
Vocabulário de apoio
arquejar: respirar com dificuldade atinar: descobrir, perceber botija: tesouro enterrado bulir: mexer, provocar, irritar cabra: capanga candeeiro: espécie de lampião cascavilhar: remexer, procurar cipoada: chicotada com cipó coronhada: golpe dado com a coronha, parte da arma usada para empunhá-la marquesão: espécie de poltrona mata-cachorro: soldado de polícia rebulir: mexer, revirar vidrado: diz-se de olhos fixos e sem vida
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Leia a seguir um trecho do livro Fogo morto. Nessa passagem, o dono de engenho Coronel Lula de Holanda, em franca decadência, é atacado pelo bando de cangaceiros de Antônio Silvino por sugestão de José Amaro, que fora demitido pelo coronel. O Capitão Vitorino surge em defesa de Seu Lula.
Sobre o texto 1. De que forma o episódio evidencia a decadência do engenho Santa Fé e de seu proprietário? 2. A presença do discurso direto é uma característica marcante dos romances de José Lins do Rego. De que maneira o uso desse tipo de discurso contribui para a construção do caráter regionalista de sua obra? Explique com base no trecho lido. 3. O idealismo do Capitão Vitorino frequentemente o leva a ser comparado pela crítica à figura de Dom Quixote, cavaleiro franzino que fantasiava protagonizar grandes aventuras. Explique que características de Vitorino, perceptíveis na passagem lida, podem aproximá-lo da personagem criada por Miguel de Cervantes.
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Coleção particular. Fotografia: ID/BR
Graciliano Ramos: a escrita medida A paisagem nordestina também está presente na ficção de Graciliano Ramos (1892-1953). Em sua obra, no entanto, ela importa menos do que a representação de um indivíduo em conflito com a natureza, com a sociedade e consigo mesmo. Os quatro primeiros livros publicados por Graciliano compõem o conjunto mais importante de sua produção literária. São os romances Caetés (1933), São Bernardo (1934), Angústia (1935) e Vidas secas (1938).
Caetés João Valério é um jovem pobre e com ambições literárias. Julga-se intelectualmente superior ao meio social de Palmeira dos Índios, cidadezinha do interior alagoano onde trabalha em um escritório de contabilidade. Ele se mostra, aparentemente, uma pessoa talentosa e desajustada em um meio medíocre, tipo de personagem muito frequente no romance francês do século XIX. O leitor, porém, deve atentar para o fato de que João Valério é também o narrador da história por meio da qual “vende” essa imagem de si mesmo, como no trecho a seguir, em que se compara com D. Engrácia, uma viúva rica da cidade. Ora ali estava aquela viúva antipática, podre de rica, morando numa casa grande como um convento, só se ocupando em ouvir missa, comungar e rezar o terço, aumentando a fortuna com avareza para a filha de Nicolau Varejão. E eu, em mangas de camisa, a estragar-me no escritório do Teixeira, eu, moço, que sabia metrificação, vantajosa prenda, colaborava na Semana de padre Atanásio e tinha um romance começado na gaveta. Ramos, Graciliano. Caetés. 31. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 14.
A evolução do enredo evidencia que João Valério vê na literatura apenas um meio de valorização social. Na verdade, ele não tem nenhum interesse autêntico por ela, tanto que, ao ascender socialmente, abandona as ambições literárias.
Gomide, Antonio. Caçadores, c. 1928. Óleo sobre tela, 70 cm 3 70 cm. Coleção particular.
A temática indígena é frequente na obra do pintor modernista Antonio Gomide. No livro Caetés, a mesma temática aparece incidentalmente: o narrador se propõe a escrever um livro sobre o povo indígena Caetés, mas não chega a concluí-lo.
Vocabulário de apoio
avareza: apego excessivo ao dinheiro, com preocupação em acumulá-lo em mangas de camisa: só de camisa, sem paletó (uma pessoa nessa condição era considerada malvestida) metrificação: composição de poemas com estrutura fixa (número de versos nas estrofes e de sílabas poéticas nos versos) prenda: habilidade, qualidade
São Bernardo
Capítulo 8 – O Nordeste revisitado
Nesse romance, o narrador-personagem Paulo Honório, aos 50 anos, decide escrever a história da própria vida. De origem pobre, ele se concentra nos episódios que o levaram a se tornar proprietário da fazenda São Bernardo. As demais personagens só aparecem na medida em que se revela sua função utilitária no processo de aquisição da fazenda. Até mesmo a busca por uma esposa é norteada pelo utilitarismo. Amanheci um dia pensando em casar. Foi uma ideia que me veio sem que nenhum rabo de saia a provocasse. Não me ocupo com amores, devem ter notado, e sempre me pareceu que mulher é um bicho esquisito, difícil de governar. A que eu conhecia era a Rosa do Marciano, muito ordinária. Havia também conhecido a Germana e outras dessa laia. Por elas eu julgava todas. Não me sentia, pois, inclinado por nenhuma: o que sentia era desejo de preparar um herdeiro para São Bernardo. Ramos, Graciliano. São Bernardo. 81. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 67.
Para obter a fazenda, o utilitarismo funciona: Paulo Honório passa por cima de quem atrapalha seu propósito. Mas dará errado com Madalena, a mulher com quem vem a se casar. Apesar de sua aparência frágil, a professora não se deixa dominar, o que desestabiliza enormemente a personalidade impositiva de Paulo Honório.
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HIPERTEXTO Refletindo as características psicológicas de Paulo Honório, a linguagem do narrador-personagem é seca, econômica e precisa. Na construção do último período, o sentido conclusivo da conjunção pois e o uso dos dois-pontos explicitam seu racionalismo. Para ler sobre as relações semânticas que as conjunções ajudam a criar nas orações coordenadas, consulte a parte de Linguagem (capítulo 23, p. 212).
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Angústia Luís da Silva, protagonista e narrador de Angústia, passou a infância em uma cidade pequena, onde o avô fazendeiro tinha poder e influência. Na idade adulta, torna-se um modesto funcionário público em Maceió, sentindo-se totalmente deslocado na cidade grande, à qual só se integra como observador solitário. Apaixona-se por Marina, sua vizinha, mas esta dá preferência a Julião Tavares, jovem endinheirado da sociedade alagoense. Leia, a seguir, um trecho em que o narrador descreve Julião e sua família. Conversa vai, conversa vem, fiquei sabendo por alto a vida, o nome e as intenções do homem. Família rica. Tavares & Cia., negociantes de secos e molhados, donos de prédios, membros influentes da Associação Comercial, eram uns ratos. Quando eu passava pela rua do Comércio, via-os por detrás do balcão, dois sujeitos papudos, carrancudos, vestidos de linho pardo e absolutamente iguais. Esse Julião, literato e bacharel, filho de um deles, tinha os dentes miúdos, afiados, e devia ser um rato, como o pai. […]
Margens do texto Luís da Silva, o narrador, caracteriza seu rival, Julião Tavares, e a família deste como “ratos”. Que traço da personalidade de Luís da Silva se pode perceber na caracterização que ele faz? Explique. Vocabulário de apoio
bacharel: indivíduo que concluiu curso universitário literato: que tem extenso conhecimento literário secos e molhados: produtos alimentícios sólidos (feijão, milho, etc.) e líquidos (azeite, leite, etc.)
Ramos, Graciliano. Angústia. 56. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 53.
Vidas secas Inicialmente, o livro Vidas secas não chegou ao público em formato de romance. Três capítulos foram publicados separadamente na imprensa, como se fossem contos autônomos, circunstância que levou alguns críticos a considerarem o livro um “romance desmontável”. Eles argumentavam que os capítulos eram independentes uns dos outros, mas essa visão não se sustenta. O primeiro deles, “Mudança”, por exemplo, narra a passagem de um período de seca para um de chuva, exatamente o oposto de “Fuga”, o último capítulo. Sugere-se, assim, uma relação de circularidade na obra, fundamental para abordar o tema da migração. Único romance de Graciliano narrado em terceira pessoa, nele são raros os diálogos entre as personagens. O narrador frequentemente lança mão do discurso indireto livre, permitindo ao leitor adentrar a psicologia das personagens – Fabiano, sua esposa sinhá Vitória, seus dois filhos e até mesmo a cachorra Baleia. O leitor percebe, graças a esse recurso, que a seca não é a única tragédia na vida dessas pessoas. Há também a impossibilidade de elas compreenderem as relações sociais no meio em que vivem e de empregarem uma linguagem articulada para se expressar. É importante destacar que, embora o início e o final da narrativa revelem que a seca obriga as personagens a buscar outro lugar para viver, na maior parte do tempo as condições climáticas são favoráveis, o que desloca para o plano socioeconômico a causa da miséria das famílias rurais nordestinas. É no contexto de exploração dos trabalhadores, de opressão do Estado e de ausência de uma política de educação – e não no fatalismo das condições naturais – que deve ser compreendida a crítica presente em Vidas secas.
Leia Vidas secas, de Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Record, 2006. Na contramão de alguns autores do chamado romance de 30, Graciliano Ramos abdicou de maniqueísmos para representar o sertanejo pobre. Em seu romance Vidas secas (1938), a miséria de uma família de retirantes não é simples derrota do sertanejo oprimido por um sistema opressor, mas símbolo de uma luta mais ampla, na qual também está envolvido o próprio indivíduo. Para narrar a fome, o descaso e o conflito interior de que padecem Fabiano, sinhá Vitória e os dois meninos do casal, Graciliano optou por um estilo enxuto e por um narrador onisciente cujas palavras são o único meio possível para dar sentido à voz e ao pensamento de personagens que mal falam. E é exatamente por estar à altura dessa complexidade sem se render ao mero compadecimento que Vidas secas torna-se um relato tocante. Record/Arquivo da editora
Filtrados pelo olhar de Luís da Silva, os fatos são apresentados ao leitor de modo confuso, em uma linguagem que, em alguns momentos, parece excessiva se comparada à de São Bernardo. Alguns críticos viram nessa linguagem um defeito de estilo, mas outros a entenderam como uma estratégia premeditada por Graciliano: a linguagem de Luís da Silva não poderia ser seca e concisa como a de Paulo Honório. Este mantém o controle da situação quase o tempo todo, ao passo que Luís da Silva é atropelado por uma ordem social muito diferente daquela que conheceu na infância e que lhe parece a ideal. Ele perde completamente o controle emocional e decide assassinar Julião Tavares.
Capa do livro Vidas secas.
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Sua leitura Nesta seção, você vai ler duas passagens de São Bernardo (texto 1 e texto 2) com reflexões de Paulo Honório sobre a vida que levou. Em seguida, vai ler um trecho do penúltimo capítulo de Vidas secas (texto 3) em que Fabiano medita sobre um comentário da esposa, sinhá Vitória. Texto 1 O caboclo mal-encarado que encontrei um dia em casa do Mendonça também se acabou em desgraça. Uma limpeza. Essa gente quase nunca morre direito. Uns são levados pela cobra, outros pela cachaça, outros matam-se. Na pedreira perdi um. A alavanca soltou-se da pedra, bateu-lhe no peito, e foi a conta. Deixou viúva e órfãos miúdos. Sumiram-se: um dos meninos caiu no fogo, as lombrigas comeram o segundo, o último teve angina e a mulher enforcou-se. Para diminuir a mortalidade e aumentar a produção, proibi a aguardente. […] Aqui existe um salto de cinco anos, e em cinco anos o mundo dá um bando de voltas. Ninguém imaginará que, topando os obstáculos mencionados, eu haja procedido invariavelmente com segurança e percorrido, sem me deter, caminhos certos. Não senhor, não procedi nem percorri. Tive abatimentos, desejo de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas. Acham que andei mal? A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las.
Vocabulário de apoio
angina: inflamação aguda na garganta ou na faringe que dificulta a deglutição e/ou a respiração
Ramos, Graciliano. São Bernardo. 81. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 47-48.
O que estou é velho. Cinquenta anos pelo S. Pedro. Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada. Cinquenta anos! Quantas horas inúteis! […] Coloquei-me acima da minha classe, creio que me elevei bastante. […] Considerando, porém, que os enfeites do meu espírito se reduzem a farrapos de conhecimentos apanhados sem escolha e mal cosidos, devo confessar que a superioridade que me envaidece é bem mesquinha. […] Quanto às vantagens restantes – casas, terras, móveis, semoventes, consideração de políticos, etc. – é preciso convir em que tudo está fora de mim. Julgo que me desnorteei numa errada. […] Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo. Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins. E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda a parte! A desconfiança é também consequência da profissão. Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes. Ramos, Graciliano. São Bernardo. 81. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 216, 218 e 221.
Vocabulário de apoio
calejar: tornar‑se insensível, endurecer embotado: enfraquecido S. Pedro: referência ao dia de São Pedro, comemorado em 29 de junho semovente: que se move por si próprio (referência a gado)
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Capítulo 8 – O Nordeste revisitado
Texto 2
Sobre os textos 1. A aquisição de São Bernardo é central nas reflexões do narrador. Compare os textos 1 e 2 e comente a postura de Paulo Honório em relação a esse tema. 2. No texto 2, o narrador faz uma espécie de confissão: reconhece seus defeitos, mas não assume responsabilidade por eles. Que argumento ele usa para fugir da responsabilidade? 3. Embora em ambos os textos o estilo seja seco e direto, há no texto 2 um trecho com características expressionistas, pois as imagens criadas pelo narrador deformam a realidade. Qual é esse trecho? Que efeito de sentido ele produz?
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Texto 3
Vocabulário de apoio
O mundo coberto de penas O mulungu do bebedouro cobria-se de arribações. Mau sinal, provavelmente o sertão ia pegar fogo. Vinham em bandos, arranchavam-se nas árvores da beira do rio, descansavam, bebiam e, como em redor não havia comida, seguiam viagem para o sul. O casal agoniado sonhava desgraças. O sol chupava os poços, e aquelas excomungadas levavam o resto da água, queriam matar o gado. […] Como era que sinhá Vitória tinha dito? A frase dela tornou ao espírito de Fabiano e logo a significação apareceu. As arribações bebiam a água. Bem. O gado curtia sede e morria. Muito bem. As arribações matavam o gado. Estava certo. Matutando, a gente via que era assim, mas sinhá Vitória largava tiradas embaraçosas. Agora Fabiano percebia o que ela queria dizer. Esqueceu a infelicidade próxima, riu-se encantado com a esperteza de sinhá Vitória. Uma pessoa como aquela valia ouro. Tinha ideias, sim senhor, tinha muita coisa no miolo. Nas situações difíceis encontrava saída. Então! Descobrir que as arribações matavam o gado! E matavam. Àquela hora o mulungu do bebedouro, sem folhas e sem flores, uma barrancharia pelada, enfeitava-se de penas. […] Alargou o passo, desceu a ladeira, pisou a terra de aluvião, aproximou-se do bebedouro. Havia um bater doido de asas por cima da poça de água preta, a garrancheira do mulungu estava completamente invisível. Pestes. Quando elas desciam do sertão, acabava-se tudo. O gado ia finar-se, até os espinhos secariam. Suspirou. Que havia de fazer? Fugir de novo, aboletar-se noutro lugar, recomeçar a vida. Levantou a espingarda, puxou o gatilho sem pontaria. Cinco ou seis aves caíram no chão, o resto se espantou, os galhos queimados surgiram nus. Mas pouco a pouco se foram cobrindo, aquilo não tinha fim. […] Chegou-se a casa, com medo. Ia escurecendo, e àquela hora ele sentia sempre uns vagos terrores. Ultimamente vivia esmorecido, mofino, porque as desgraças eram muitas. Precisava consultar sinhá Vitória, combinar a viagem, livrar-se das arribações, explicar-se, convencer-se de que não praticara injustiça matando a cachorra. Necessário abandonar aqueles lugares amaldiçoados. Sinhá Vitória pensaria como ele. Ramos, Graciliano. Vidas secas. 78. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 108-110; 114-115.
aboletar-se: instalar-se, alojar-se arranchar: reunir-se em grupos arribação: aves que se deslocam de uma região para outra em determinadas épocas barrancharia: palavra aparentemente criada pelo autor, tem sentido próximo ao de barranco, ribanceira bebedouro: parte rasa de rio, lagoa, açude onde os animais bebem água esmorecido: sem ânimo excomungado: amaldiçoado finar: morrer garrancheira: galhada matutar: pensar, refletir mofino: infeliz, sem alegria
Sobre o texto 1. Releia o segundo parágrafo do texto 3. Nele, Fabiano recorda uma frase de sinhá Vitória e reconstitui as relações de causa e efeito que justificam tal frase. a) Com base nessa reconstituição, qual deve ter sido a frase dita por sinhá Vitória? Explique sua resposta. b) Inicialmente, Fabiano teve dificuldade para compreender tal frase. O que essa dificuldade de compreensão revela a respeito dele? Justifique.
mulungu: espécie de árvore nativa do Brasil terra de aluvião: terra composta de cascalho, areia e lama que foi transportada por água corrente
2. O discurso indireto livre, largamente utilizado pelo narrador, distancia a obra de Graciliano do simples registro social e geográfico. Explique a importância desse recurso no texto 3. 3. Explique o duplo sentido que se pode observar no título do capítulo. O que você pensa disto?
1. Levando em conta os debates literários e extraliterários que já foram feitos sobre o assunto ao longo das últimas décadas, o que você acha que o governo e a sociedade civil podem fazer em relação a essa situação, vivida por uma parcela significativa do Brasil? Considere e amplie os dados do boxe Ação e cidadania da p. 85.
AndrÈ Dib/Pulsar Imagens
Os romances de Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos sobre a seca foram escritos há mais de oitenta anos. No entanto, o drama da região nordestina, a pobreza e a fome de sua população ainda são uma realidade em algumas localidades.
Seca em Ibimirim, Pernambuco. Foto de 2014.
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capítulo
O ciclo do Sul Leonid Streliaev/Editora Abril
9 o que você vai estudar Erico Verissimo: romances urbanos, históricos e políticos. Dyonélio Machado: luta pelo dinheiro e angústia psicológica.
O escritor Erico Verissimo em sua biblioteca. Foto de 1974.
Erico Verissimo: sucesso popular e restrições da crítica As narrativas do gaúcho Erico Verissimo (1905-1975) costumam ser divididas em fases: a primeira fase, urbana, abrange os escritos da década de 1930; a segunda, histórica, compreende as décadas de 1940-50; e a terceira, política, situa-se em 1960-70. As obras da primeira fase analisam a vida pequeno-burguesa da sociedade gaúcha a partir dos anos 1930. É desse momento a trilogia composta por Clarissa (1933), Música ao longe (1934) e Um lugar ao sol (1936), que narra a vida da personagem Clarissa: uma jovem sonhadora que, à medida que amadurece, reflete sobre a realidade socioeconômica do centro urbano para onde migra e redefine seus sonhos e desejos. São também dessa fase os romances Caminhos cruzados (1935) e Olhai os lírios do campo (1938). Em todos eles, uma discreta sondagem psicológica mistura-se à reflexão social. A trilogia O tempo e o vento corresponde à segunda fase da carreira de Verissimo. Considerada sua obra-prima, alinha o escritor à tendência regionalista da segunda fase do Modernismo. Divide-se em três partes – O continente, O retrato e O arquipélago – e conta a história da formação do Rio Grande do Sul e do indivíduo gaúcho ao longo de duzentos anos (1745‑1945). A vida das personagens se mescla a episódios históricos importantes da região, como a Guerra dos Farrapos, e do país, como o Estado Novo. Os romances da terceira fase foram escritos na época em que o Brasil e outros países da América do Sul estavam sob o governo de ditaduras. São eles: O senhor embaixador (1965) e Incidente em Antares (1971). Neste último, além do viés político, aparece também um toque fantástico: há uma rebelião de cadáveres na cidade fictícia de Antares, devido a uma greve de coveiros. Verissimo nem sempre foi tão bem recebido pela crítica quanto costumava ser pelo público. Assumidamente um “contador de histórias”, foi hábil em criar tramas envolventes por meio de uma linguagem simples, feita de períodos curtos e vocabulário comum. Essa característica, que para alguns críticos se confunde com certa superficialidade de tratamento da linguagem, para outros é justamente a responsável pela consagração do escritor como um dos mais importantes ficcionistas brasileiros do século XX. 94
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Sua leitura Leia a seguir trechos de duas obras de Erico Verissimo e faça as atividades propostas. Texto 1
argentino: que brilha como a prata; que tem a cor da prata enredar: emaranhar fosforescência: brilho plátano: espécie de árvore raiado: com raias, com traços sia: sinhá, senhora tênue: suave
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Clarissa Sem sono, Clarissa debruça-se à janela. A noite está clara. Refrescou. Uma lua enorme, cheia, muito clara. Os quintais estão raiados de sombra e de luz. Parece que o disco da lua se enredou entre a ramagem folhuda do plátano grande do quintal da casa onde d. Tatá morava. O relógio, na sala, bate onze horas. Cabeça encostada na vidraça, Clarissa pensa… Como o tempo passou… Parece que o ano começou ontem. Entretanto, quanta coisa aconteceu! Sempre desejou voltar para casa. Mas, agora que o dia da partida se aproxima, ela sente algo de esquisito no peito, uma espécie de saudade antecipada. Vai sentir falta de tudo isto, de todos estes aspectos, de todas estas caras, de todos estes ruídos. Vai se lembrar sempre do papagaio, que sabe dizer o seu nome, do gato, que lhe roça preguiçosamente as pernas, da sia Andreza, que vive na cozinha como uma gata borralheira. Sentirá falta de tia Zina, do Tio Couto, de Amaro. E quem sabe se também de Ondina e Nestor: a vida é tão engraçada… Nunca mais lhe sairá da memória a risada contente do major… Fora, o luar cresce, branco, tênue, inundando a paisagem. Clarissa infla as narinas. Parece-lhe que o luar tem um perfume todo especial. Se ela pudesse pegar o luar, fechá-lo na palma da mão, guardá-lo numa caixinha ou no fundo de uma gaveta para soltá-lo nas noites escuras… Como é bonito o luar! Parece que as árvores estão borrifadas de leite. Longe, na encosta dos morros piscam luzes, como vaga-lumes aprisionados. O rio está cheio duma fosforescência argentina.
Vocabulário de apoio
Verissimo, Erico. Clarissa. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 190-191.
Texto 2
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Um certo capitão Rodrigo O ano de 1833 aproximava-se do fim. A população de Santa Fé estava alvoroçada, pois confirmara-se a notícia de que em 1834 o povoado seria elevado a vila. No entanto o assunto preferido de todas as rodas era a política. Gente bem informada, vinda de Porto Alegre e do Rio Pardo, contava histórias sombrias. Depois da abdicação de d. Pedro I, as coisas na corte andavam confusas. […] Muitas vezes o pe. Lara ia conversar com o cel. Ricardo no casario de pedra e vinha de lá com “notícias frescas”, que transmitia a alguns amigos na venda do Nicolau ou na do cap. Rodrigo. O cel. Amaral inclinava-se ora para o lado do Partido Restaurador, que desejava a volta de d. Pedro I ao trono, ora para o Partido Liberal de Bento Gonçalves, que se opunha àquele. […] Nas ruas da cidade, liberais e restauradores discutiam, diziam-se nomes, engalfinhavam-se a tapas e socos. Os restauradores chamavam os liberais de “farroupilhas” e “pés de cabra”. Os liberais retrucavam, chamando seus adversários de “retrógrados”, “galegos”, “caramurus”. Ninguém se entendia mais. E – concluía Bento Amaral – a coisa estava muito preta. O pe. Lara andava inquieto porque tudo indicava que ia rebentar uma guerra civil. — Que rebente! — exclamou um dia Rodrigo, exaltado. — Quanto tempo faz que esta gente não briga? As espadas e as lanças já estão enferrujadas, e os homens estão ficando molengas. Verissimo, Erico. O tempo e o vento: parte I – O continente. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 328-329.
Sobre os textos 1. Considerando que os trechos pertencem a narrativas de fases distintas da obra de Erico Verissimo, que diferenças espaciais e temporais podem ser destacadas entre eles? 2. Compare Clarissa (texto 1) a capitão Rodrigo (texto 2), com base nos trechos lidos. 3. Explique como o trabalho com a linguagem em cada trecho contribui para as dimensões intimista (no texto 1) e historicista (no texto 2). 4. Embora os trechos pertençam a fases distintas, é possível dizer que há uma unidade estilística entre eles? Justifique sua resposta.
Vocabulário de apoio
abdicação: renúncia cap.: abreviatura de capitão caramuru: no sentido pejorativo, apelido dado por um povo indígena aos primeiros portugueses casario: aglomerado de casas cel.: abreviatura de coronel engalfinhar-se: atracar-se farroupilha: indivíduo maltrapilho galego: no sentido pejorativo, indivíduo nascido em Portugal, de baixo nível cultural pe.: abreviatura de padre pé de cabra: sinônimo de diabo
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Dyonélio Machado: ratos ou homens?
Idealizar outro plano? Tem uma preguiça doentia. A sua cabeça está oca e lhe arde, ao mesmo tempo. Aliás, o sol já vai virando pra tarde (já luta há meio dia), perdeu já a sua cor doirada e matinal, uma calmaria suspende a vida da rua e da cidade.
Leia A peste, de Albert Camus. Rio de Janeiro: Best Bolso, 2008. Em 1947, o escritor e filósofo franco-argelino Albert Camus (1913-1960) lançou o romance A peste, que narra a história de uma epidemia de peste bubônica (doença provocada por ratos) na cidade de Oran, na Argélia. Fechadas as fronteiras da cidade para a contenção da doença, o isolamento e a tensão psicológica a que seus cidadãos são submetidos permitem ao leitor entender a obra como uma representação do drama humano em uma sociedade doente. Embora, em sua obra, Dyonélio e Camus façam usos diferentes da mesma imagem — ratos —, ambos levam à mesma reflexão sobre a inserção tensa do indivíduo em uma coletividade corrompida. BestBolso/Arquivo da editora
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Também rio-grandense, o escritor Dyonélio Machado (1895-1985) publicou doze livros, mas seu romance de estreia, Os ratos (1934), é considerado sua obra-prima. A narrativa trata do drama de Naziazeno Barbosa, pai de família e funcionário público em difícil condição financeira, que tem 24 horas para quitar uma dívida com o leiteiro, sob a ameaça de ter a entrega do leite suspensa, o que prejudicaria a alimentação de seu filho pequeno. Os 28 capítulos do romance passam-se durante essas 24 horas entre o ultimato do leiteiro e a noite de insônia que antecede a manhã do pagamento. O grande anseio da personagem é passar despercebida, atuar sempre como “figurante”. Ao interpelá-lo e ameaçá-lo em público, o leiteiro coloca Naziazeno no centro da cena, fato que o angustia profundamente. Ele fica remoendo o episódio em sua memória, perguntando-se quem o testemunhou diretamente e quem ficou sabendo do fato por relatos de terceiros. Após poucas horas de esforço para conseguir o dinheiro, ele já se sente exausto, como se observa no trecho a seguir.
Capa do livro A peste, de Albert Camus.
Machado, Dyonélio. Os ratos. 22. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 42.
Capítulo 9 – O ciclo do Sul
Essas reflexões de Naziazeno ocorrem no momento em que ele sai para o almoço, por volta de 11 horas. Até ali, ele procurara Duque, personagem meio malandra em quem depositara grandes esperanças; fizera uma aposta no jogo do bicho; e pedira dinheiro emprestado ao diretor da repartição. Nada disso pode ser classificado como um grande feito. No entanto, Naziazeno diz que “já luta há meio dia”, pois sente uma pressão psicológica totalmente desproporcional aos atos que praticara. O foco narrativo em terceira pessoa parece, à primeira vista, estar totalmente “colado” à personagem, como se o narrador nada visse e sentisse além do que vê e sente a personagem. Mas, na verdade, o narrador distancia-se de Naziazeno por meio de recursos sutis, como o itálico na palavra luta. Com esse destaque gráfico, o narrador sugere ao leitor: “ele acha que está lutando, apesar de não ter feito nada”. Além do itálico, o narrador emprega abundantemente as aspas com a mesma finalidade de distanciamento crítico em relação à personagem. Outra sutileza do narrador é a manipulação do vocabulário com propósito crítico. Na passagem a seguir, Duque vem sentar-se à mesa em que está Naziazeno, em um bar. — Aí vem ele — diz Alcides. Ajeitam a cadeira para o Duque. Ele se senta. Dirige-lhes duas ou três palavras. — O Naziazeno tem um grande aperto hoje — informa-lhe Alcides. — Sim?… Duque volta-se inteiramente para o lado de Naziazeno. Avança-lhe um focinho sereno e atento. O olhar tem uma fixidez meio triste.
Margens do texto Na descrição de Duque, a palavra focinho revela um propósito crítico do narrador. Explique.
Machado, Dyonélio. Os ratos. 22. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 81.
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Sua leitura
Os ratos […] Ele se põe a escutar agudamente. Um esforço para afastar aquele conjunto amorfo de ruidozinhos, aquele chiado… Lá está, num canto, no chão, o guinchinho, feito de várias notinhas geminadas, fininhas… São os ratos!… Vai escutar com atenção, a respiração meio parada. Hão de ser muitos: há várias fontes daquele guinchinho, e de quando em quando, no forro, em vários pontos, o rufar… A casa está cheia de ratos… Espera ouvir um barulho de ratos nas panelas, nos pratos, lá na cozinha. O chiado desapareceu. Agora, é um silêncio e os ratos… Há um roer ali perto… Que é que estarão comendo? É um roer que começa baixinho, vai aumentando, aumentando… Às vezes para, de súbito. Foi um estalo. Assustou o rato. Ele suspende-se… Mas lá vem outra vez o roer, que começa surdo, e vem aumentando, crescendo, absorvendo… Na cozinha, um barulho, um barulho de tampa, de tampa de alumínio que cai. O filho ali na caminha tem um prisco. Mas não acorda. São os ratos na cozinha. Os ratos vão roer – já roeram! – todo o dinheiro!… Machado, Dyonélio. Os ratos. 22. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 138-139.
Sobre o texto 1. O uso do discurso indireto livre é muito recorrente no trecho final do romance Os ratos. a) Indique uma passagem do trecho acima em que esse recurso se manifesta. Justifique. b) Explique de que maneira esse tipo de discurso contribui para a representação do estado psicológico de Naziazeno. 2. Leia o trecho a seguir, que está em um dos capítulos iniciais de Os ratos. Naziazeno aguarda a chegada do diretor da repartição pública onde trabalha e tem esperança de que este lhe empreste dinheiro para pagar o leiteiro. Cinco, dez, quinze minutos mais e se acaba sua preocupação torturante. Ele tem experimentado muitas vezes essa mudança brusca de sensações: a volta à vida do filho, quando esperava a sua morte… E outras. Está num momento desses. O dinheiro do diretor vai trazer-lhe uma enorme “descompressão”.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Leia um trecho do penúltimo capítulo do romance Os ratos, de Dyonélio Machado. Naziazeno finalmente consegue o dinheiro para pagar o leiteiro e vai se deitar, mas começa a escutar ruídos na casa.
Vocabulário de apoio
amorfo: sem forma, de difícil distinção geminado: duplicado prisco: salto, movimento brusco rufar: som parecido com o de um tambor, rápido e sucessivo
HIPERTEXTO Neste trecho, a linguagem fragmentada procura acompanhar o fluxo de consciência da personagem, tomada por seu drama interior. Leia sobre essa técnica na parte de Produção de texto (capítulo 29, p. 285).
Machado, Dyonélio. Os ratos. 22. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 24.
a) Segundo esse trecho, as dificuldades são um fato raro na vida de Naziazeno? Explique. b) O que o uso das aspas na palavra descompressão pode indicar? 3. Explique o título do livro, Os ratos, considerando o trecho do penúltimo capítulo reproduzido acima e a descrição da personagem Duque, apresentada na página anterior.
Neste capítulo, você conheceu a personagem Clarissa, criada por Erico Verissimo. Ela migra de uma cidade pequena do interior do Rio Grande do Sul para Porto Alegre, em busca de oportunidades de trabalho. 1. O que se observa atualmente na região em que você vive? Somente nos grandes centros urbanos se encontram oportunidades profissionais para os jovens ou há oferta de emprego em outras cidades?
Veridiana Scarpelli/ID/BR
O que você pensa disto?
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Carlos Drummond de Andrade: o eu e o mundo
capítulo
Rogério Reis/Pulsar Imagens
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Carlos Drummond de Andrade: o eu e o mundo
o que você vai estudar Drummond e o Modernismo. As fases da poesia drummondiana.
Estátua do poeta no Memorial Carlos Drummond de Andrade, em Itabira (MG), sua terra natal. Foto de 2009.
Drummond e o Modernismo Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) começou sua carreira literária ainda nos anos 1920, quando, em Belo Horizonte (MG), participou da publicação de A Revista, braço mineiro do ínicio do Modernismo. Os poemas que integram seu primeiro livro, Alguma poesia (1930), foram influenciados pela novidade trazida por Mário de Andrade, Oswald de Andrade e outros escritores dessa fase. O anticonvencionalismo no trabalho com a linguagem poética, marca dessa primeira fase de sua obra, pode ser percebido na prática do verso livre, no uso de uma linguagem coloquial e no recurso ao humor corrosivo, ao gosto dos primeiros modernistas. É dessa fase o conhecido e polêmico poema “No meio do caminho”.
No meio do caminho No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.
Andrade, Carlos Drummond de. Alguma poesia. In: Poesia e prosa. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 15.
Publicado em 1928 na Revista de Antropofagia, o poema foi aplaudido pelos modernistas e repudiado por críticos e leitores conservadores, que se incomodavam, entre outros fatores, com a repetição insistente (e, para eles, vazia) da frase principal do poema e com o coloquialismo do uso do verbo ter no sentido de “haver ou existir”. Apesar da aparência cômica, a falta de saída para a qual o poema aponta dá o tom da gravidade reflexiva, que singulariza Drummond e anuncia os rumos de toda a sua obra. Assim como os escritores surgidos a partir de 1930, ele usufrui de uma liberdade ainda maior do que a imaginada pelos participantes da Semana de Arte Moderna, experimentando maior variedade temática (metalinguística, social, filosófica e existencial) e estilística, o que inclui a retomada crítica de elementos da tradição, tão combatidos pelos seus predecessores. 98
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Mais vasto é o coração Ouça Carlos Drummond de Andrade: antologia poética, de Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Polygram, 1978. 2 LP. Em 1977, Drummond gravou a leitura de 42 de seus poemas para dois LPs (discos de vinil de longa duração) que foram lançados pela Polygram no ano seguinte. É interessante ouvir sua maneira de interpretar a própria obra. A respiração curta e os pigarros de Drummond, tão característicos de sua fala, foram mantidos na gravação. Polygram/ID/BR
Os críticos costumam dividir a obra de Drummond em fases ou períodos. Para o crítico Affonso Romano de Sant’Anna, a poesia de Drummond pode ser dividida em três fases, cada uma delas caracterizada por uma “equação” em que os termos são o eu e o mundo. De acordo com essa classificação, na primeira fase, que abrange os dois primeiros livros, Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934), o eu é maior que o mundo. Na primeira estrofe do “Poema de sete faces”, que abre Alguma poesia, o eu lírico apresenta-se como um gauche, termo francês que significa “esquerdo”, “desajeitado”, e sugere seu deslocamento em um mundo habitado por semelhantes com quem não se comunica. Essa relação tensa e instável do eu com o mundo, marcada por momentos de aproximação e de distanciamento, é uma das principais marcas de sua poética.
O sentimento do mundo Em sua segunda fase, que inclui os livros produzidos na década de 1940 – Sentimento do mundo (1940), José (1944) e A Rosa do Povo (1945) –, nota-se uma tentativa de aproximação em relação ao outro, motivada por um forte sentimento de solidariedade. O contexto histórico tem grande responsabilidade nessa mudança do eu lírico: com a instauração do Estado Novo por Getúlio Vargas, a partir de 1937, e com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o poeta abre os olhos para uma crise que ultrapassa a própria individualidade e descobre o mundo e suas mazelas, em que o eu é menor que o mundo. Dessa percepção resulta uma poesia social de grande fôlego, que abrange de eventos históricos, como as notícias da guerra, até situações cotidianas, por meio das quais expõe o repúdio a um sistema econômico baseado na exploração dos trabalhadores e na mercantilização das relações. No poema “A flor e a náusea”, por exemplo, o eu lírico sente-se perseguido por mercadorias que o espreitam, sujeitando-o a um “tempo pobre”, feito de “maus poemas” e revolta. No entanto, nasce na rua, rompendo o asfalto, uma flor “desbotada” e “feia”, um símbolo da confiança na mudança da ordem social. Drummond entende, nessa fase, que a palavra poética é um dos principais instrumentos da luta pela mudança.
Capa do LP lançado em 1978.
A negatividade A terceira fase mostrará, em contrapartida, o abandono da esperança e o retorno ao distanciamento. Começa timidamente em Novos poemas (1948), estabelece-se em Claro enigma (1951), passa por Fazendeiro do ar (1955) e Vida passada a limpo (1959) e chega a Lição de coisas (1962). Nessa fase, a negatividade define um modo de se afirmar no mundo, e o eu lírico se mostrará desmotivado e impotente, descrente de que a palavra poética possa corrigir o “mundo torto” ou salvar o sujeito da fragmentação. No poema “Dissolução”, de Claro enigma, chega a dizer que “aceita a noite”, de “braços cruzados”, negando a predisposição à luta enunciada na década anterior. Por consequência, reduzem-se os poemas do cotidiano e da história e, em seu lugar, aparecem os poemas de investigação filosófico-existencial, em que o eu é igual ao mundo, voltados à compreensão da condição hu mana, com foco em temas como o amor, a família e o envelhecimento. É importante ressaltar que, independentemente da fase experimentada, a produção drummondiana sempre revelou uma investigação sobre a natureza da linguagem poética e dos limites da poesia, o que implicou uma enorme diversidade formal, capaz de abranger as inovações radicais da primeira fase do Modernismo, mas, igualmente, de recolocar as composições clássicas no centro da produção poética no Brasil. Não escreva no livro.
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Sua leitura Você vai ler três poemas de Drummond. O primeiro, de A Rosa do Povo, é representativo da segunda fase da poesia drummondiana e remete a um episódio da Segunda Guerra Mundial. Os outros dois são respectivamente de Claro enigma e Novos poemas, obras da terceira fase poética. Texto 1
Carta a Stalingrado Stalingrado... Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades! O mundo não acabou, pois que entre as ruínas outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora, e o hálito selvagem da liberdade dilata os seus peitos, Stalingrado, seus peitos que estalam e caem enquanto outros, vingadores, se elevam.
As cidades podem vencer, Stalingrado! Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas [uma fumaça subindo do Volga. Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão [contra tudo. Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres, a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.
Andrade, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 1991. p. 163-165.
Vocabulário de apoio
Sobre o texto
arquejo: respiração difícil
1. A cidade de Stalingrado foi palco de uma das principais batalhas da Segunda Guerra Mundial. Com base nessa informação, justifique o título do poema. 2. Homero foi um célebre poeta grego ao qual é atribuída a autoria dos poemas épicos Ilíada e Odisseia, obras que narram feitos de grandes heróis da mitologia grega. Desse modo, que aspecto permite associar os telegramas que chegam da Rússia aos poemas homéricos? 3. Leia novamente o final do poema. a) A resistência da cidade de Stalingrado torna-se um símbolo nesse poema. O que ela simboliza? Comprove sua resposta citando outro trecho do poema. b) O trecho final sugere que, apesar de toda a destruição e do sofrimento, o eu lírico consegue enxergar um sentido para a guerra. Qual seria esse sentido? 4. Os versos da última estrofe revelam qual sentimento do eu lírico? Justifique com trechos do poema “Carta a Stalingrado”. Repertório
A Batalha de Stalingrado A Batalha de Stalingrado contribuiu para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Em 1942, uma ofensiva alemã sobre a cidade, localizada na antiga União Soviética, foi contida pelas forças russas, que impediram a continuidade da expansão da Alemanha nazista e iniciaram a contraofensiva. A resistência russa durou quase seis meses. Calcula-se que o número de mortos tenha superado 1,5 milhão.
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calcinado: transformado em cinzas telegrama: comunicado transmitido por um telégrafo (o meio de comunicação mais rápido durante a Segunda Guerra Mundial) Volga: maior rio da Europa, que atravessa a cidade de Stalingrado (atual Volgogrado)
Zelma/Ria Novosti/AFP
Capítulo 10 – Carlos Drummond de Andrade: o eu e o mundo
A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais. Os telegramas de Moscou repetem Homero. Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo [novo que nós na escuridão, ignorávamos. Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída, na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas, no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das [bombas, na tua fria vontade de resistir.
Saber que resistes. Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes. Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome [(em ouro oculto) estará firme no alto da página. Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas [valeu a pena. Saber que vigias, Stalingrado, sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos [confusos pensamentos distantes dá um enorme alento à alma desesperada e ao coração que duvida. [...]
Bandeira soviética novamente tremulando em Stalingrado. Foto de 1943.
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Texto 2
Texto 3
Vocabulário de apoio
Legado
Jardim
à toa: ao acaso
Que lembrança darei ao país que me deu tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
Negro jardim onde violas soam e o mal da vida em ecos se dispersa: à toa uma canção envolve os ramos, como a estátua indecisa se reflete
bruma: neblina; algo vago, incerto
E mereço esperar mais do que os outros, eu? Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
no lago há longos anos habitado por peixes, não, matéria putrescível, mas por pálidas contas de colares que alguém vai desatando, olhos vazados
Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz matinal palpitando na bruma e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
e mãos oferecidas e mecânicas de um vegetal segredo enfeitiçadas, enquanto outras visões se delineiam
De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em meio do caminho.
e logo se enovelam: mascarada, que sei de sua essência (ou não a tem), jardim apenas, pétalas, presságio.
Andrade, Carlos Drummond de. Claro enigma. In: Poesia e prosa. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 201-202.
cativar: conquistar, seduzir delinear: esboçar, ganhar forma enovelar: emaranhar, tornar confuso esfumar: virar fumaça, desfazer-se palpitar: renascer, renovar-se
Andrade, Carlos Drummond de. Novos poemas. In: Poesia e prosa. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. p. 193.
Sobre os textos
presságio: pressentimento, intuição putrescível: que pode apodrecer radioso: radiante
1. “Legado” é um metapoema, pois o eu lírico reflete sobre o papel de sua própria poesia. a) Esse poema apresenta intertextualidade com outra composição de Drummond. A qual poema ele faz referência? Justifique. b) Essa intertextualidade contribui para construir uma visão do eu lírico marcada pela negatividade. Explique tal afirmação. c) Segundo a mitologia grega, Orfeu é o poeta mais talentoso que já existiu, sendo capaz de encantar e acalmar a todos com sua lira. Em sua opinião, quem são os “monstros atuais”, que não são cativados nem pela poesia de Orfeu? Justifique. 2. No texto 2, ao refletir sobre a poesia, o eu lírico inclui uma avaliação de si mesmo. a) Segundo o poema, qual é o efeito do tempo sobre o eu lírico? b) Na terceira estrofe, é possível deduzir, por oposição, qual concepção de poesia o eu lírico gostaria de ter deixado como seu legado. Explique essa ideia. 3. O poema “Jardim” representa o mundo de maneira enigmática e estranha. Embora o título remeta a um jardim, há a presença de referências ao universo humano. Identifique-as e explique como elas ajudam a construir essa impressão de estranheza. 4. De que maneira os limites da poesia são problematizados em “Legado” e em “Jardim”? 5. Descreva as semelhanças formais (métrica e rima) entre os dois poemas. 6. Que relação é possível estabelecer entre a forma e a temática dos dois poemas?
sem-fim: vastidão, espaço indefinido taciturno: calado; melancólico
HIPERTEXTO Neste verso, o eu lírico explicita o seu interlocutor, o mundo, utilizando um vocativo. Saiba mais sobre o vocativo na parte de Linguagem (capítulo 22, p. 198).
Embora a poética drummondiana rejeite a violência, alguns poemas, como “Carta a Stalingrado”, sugerem que a destruição promovida pela guerra pode contribuir para a construção de um mundo totalmente novo e mais justo. Segundo essa perspectiva, os mortos durante a guerra poderiam ser vistos como alguém que se sacrifica em nome de uma radical transformação no rumo da história. 1. Você partilha dessa opinião? Acha que a guerra ou alguma ação similar pode ter efeitos benéficos? Consegue citar um exemplo disso?
Tri Star Pictures/Bailey, Alex/Album/Latinstock
O que você pensa disto?
Cena do filme Círculo de fogo (Alemanha, Reino Unido, Irlanda e EUA, 2001. Direção de Jean-Jacques Annaud), baseado em fatos ocorridos na Batalha de Stalingrado.
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Murilo Mendes e Jorge de Lima: novidades da poesia religiosa
capítulo
o que você vai estudar Murilo Mendes: inquietude e diversidade de temas. Jorge de Lima: do Parnasianismo à cultura popular.
Você vai estudar dois nomes da corrente espiritualista da literatura brasileira: Murilo Mendes e Jorge de Lima. Esses poetas misturam componentes bastante distintos em sua obra, como o espiritualismo católico, a visão transfiguradora do Surrealismo e uma reflexão de cunho social preocupada com questões relativas à identidade nacional.
Murilo Mendes: liberdade e transcendência Murilo Mendes (1901-1975) foi um poeta marcado pela inquietude tanto em sua vida quanto em sua obra. Sua poesia multifacetada passa pela ironia dos primeiros modernistas, dialoga com o Surrealismo, adere a uma renovação do catolicismo, engaja-se em uma perspectiva socialista e chega a flertar com os experimentalismos da poesia concreta da década de 1950. Após as primeiras experiências poéticas, com um nacionalismo irônico aos moldes da poe sia dos anos 1920, Murilo Mendes começa a consolidar uma poesia transfiguradora do real. Partindo da compreensão de que a própria realidade é caótica, a linguagem poética de Murilo renuncia a um poder ordenador para promover uma leitura ainda mais desarticuladora da vida, a fim de apreendê-la integralmente. Sua palavra de ordem é “liberdade”. O diálogo que Murilo estabelece com o Surrealismo parte do princípio da associação entre elementos díspares em todas as esferas: o material e o abstrato, o erotismo e a espiritualidade, a angústia existencial e os detalhes do cotidiano. Em 1934, após a morte de seu grande amigo, o poeta e pintor Ismael Nery, Murilo Mendes sofre uma crise religiosa e converte-se com fervor ao catolicismo. Com Jorge de Lima, outro de seus grandes amigos, lança Tempo e Eternidade, livro a partir do qual o sentimento religioso passa a ser uma constante em sua obra. O apego do poeta ao catolicismo não anula, porém, a angústia pela finitude do ser humano e, associado à poesia, confere à arte uma dimensão dupla: de lugar onde se canta o martírio de existir e a partir do qual se pode alcançar a redenção, aproximando religiosidade e socialismo humanista.
Coleção particular, São Paulo, SP. Fotografia: ID/BR
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Murilo Mendes e Jorge de Lima: novidades da poesia religiosa
Nery, Ismael. Autorretrato, 1927. Óleo sobre tela, 130,7 cm 3 86,3 cm. Coleção particular, São Paulo.
Tela surrealista de Ismael Nery (1900‑1934), grande amigo de Murilo Mendes. A mescla de elementos diversos sugere um autorretrato marcado pela subjetividade. 102
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Sua leitura Leia dois poemas de Murilo Mendes. O texto 1, do livro As Metamorfoses (1944), exemplifica a poesia religiosa do autor, e o texto 2, do livro O Visionário (1941), mostra a influência do Surrealismo em sua obra. Texto 1
Vocabulário de apoio
Fim
beatífico: que propicia felicidade, êxtase
Eu existo para assistir ao fim do mundo. Não há outro espetáculo que me invoque. Será uma festa prodigiosa, a única festa. Ó meus amigos e comunicantes, Tudo o que acontece desde o princípio é a sua preparação. Veridiana Scarpelli/ID/BR
Eu preciso assistir ao fim do mundo Para saber o que Deus quer comigo e com todos E para saciar minha sede de teatro. Preciso assistir ao julgamento universal, Ouvir os coros imensos, As lamentações e as queixas de todos, Desde Adão até o último homem.
invocar: chamar, solicitar o comparecimento
Eu existo para assistir ao fim do mundo, Eu existo para a visão beatífica. Texto 2
Pré-história Mamãe vestida de rendas Tocava piano no caos. Uma noite abriu as asas Cansada de tanto som, Equilibrou-se no azul, De tonta não mais olhou Para mim, para ninguém: Cai no álbum de retratos. Mendes, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 209.
Colección J. y N. Gelman. Fotografia: ID/BR. Licenciado por AUTVIS Brasil, 2013
Mendes, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 328-329. Carrington, Leonora. Autorretrato, c. 1936. Óleo sobre tela, 65 cm 3 81,3 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova York, EUA.
O título dessa pintura da inglesa Leonora Carrington (1917-2011) permite entender a obra como uma referência ao potencial criativo da artista, que devia muito ao universo infantil. Essa representação onírica, que extrai a personagem do mundo real, é claramente surrealista e próxima de uma das vertentes da poesia de Murilo Mendes.
Sobre os textos 1. Que versos do poema “Fim” apresentam uma visão negativa da história da humanidade? 2. Na poesia de Murilo Mendes, o catolicismo aparece como uma forma de ordenar o mundo to‑ mado pelo caos. O poeta volta-se para o sagrado, ora conseguindo acessá-lo, ora se frustrando. a) Na última estrofe do texto 1, qual é a expectativa sobre o fim do mundo? Justifique. b) O que o eu lírico do texto 1 espera da relação com Deus quando ocorrer o fim do mundo? 3. Em “Pré-história”, o eu lírico descreve a mãe como ensimesmada, voltada para dentro de si. Identifique e explique a imagem que revela essa disposição psicológica. 4. O texto 2 expressa a visão de uma criança sobre a morte de sua mãe. a) Explique a escolha da expressão “álbum de retratos” e do verbo cair no presente do indi‑ cativo para representar a ideia da morte. b) O termo pré-história costuma se referir à etapa da história da humanidade anterior à invenção da escrita. Que relação se pode fazer entre o título e o poema? 5. A técnica surrealista consiste em transfigurar a realidade por meio de imagens ilógicas, próprias dos sonhos. De que maneira “Pré-história” se enquadra nesse perfil?
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Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio, CEDAE (IEL/UNICAMP), Campinas/Agência Riff/CEDAE FUNCAMP
Jorge de Lima: múltiplas tendências Jorge de Lima (1893-1953) inicia sua carreira literária com o livro XIV alexandrinos (1914), série de poemas de influência parnasiana, dentre os quais se destacou, fazendo bastante sucesso no período anterior ao Modernismo, o soneto “O Acendedor de Lampiões”, que mistura elementos como melancolia e preocupação social.
O Acendedor de Lampiões Lá vem o acendedor de lampiões da rua! Este mesmo que vem infatigavelmente, Parodiar o sol e associar-se à lua Quando a sombra da noite enegrece o poente!
Triste ironia atroz que o senso humano irrita: Ele que doira a noite e ilumina a cidade, Talvez não tenha luz na choupana em que habita. Tanta gente também nos outros insinua Crenças, religiões, amor, felicidade, Como este acendedor de lampiões da rua!
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Um, dois, três lampiões, acende e continua Outros mais a acender imperturbavelmente, À medida que a noite aos poucos se acentua E a palidez da lua apenas se pressente
Capítulo 11 – Murilo Mendes e Jorge de Lima: novidades da poesia religiosa
Lima, Jorge de. Sonetos neoparnasianos. In: Poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1958. p. 25.
Esse poema é marcado pela construção rítmica e destaca um aspecto que foi trabalhado em obras posteriores: a sugestão sonora pelo emprego do verso metrificado. Na década de 1920, porém, com o livro O mundo do menino impossível (1925), Jorge de Lima abandona tal recurso. Aderindo às propostas modernistas, utiliza o verso livre, em poemas que empregam a linguagem coloquial e fazem referência à vida cotidiana (eventualmente regional, sobretudo nordestina). Mais tarde, no final da década de 1940, o poeta volta à preocupação social de seus primeiros livros e ao interesse pela cultura popular. Em Poemas negros (1947), além de denunciar o processo de marginalização sofrido pelos negros no Brasil, pesquisa a linguagem, os ritmos e os mitos da cultura afrodescendente.
Conversão ao cristianismo e ao Surrealismo No intervalo entre Poemas escolhidos (1932) e Poemas negros (1937), Jorge de Lima, simultaneamente a Murilo Mendes, converte-se ao catolicismo e, em parceria com o amigo, lança o livro Tempo e Eternidade (1935), em que substitui a expressão regional pela tradição cristã. Dando sequência à proposta de “restauração da poesia em Cristo”, o poeta lança A túnica inconsútil (1938), em que mescla imagens apocalípticas e redentoras, denúncia social e esperança de transcendência mística. É a partir do Livro de sonetos (1949) que a obra de Jorge de Lima caminha para a incorporação do Surrealismo, porém mantendo a atmosfera mística das obras anteriores e resgatando o verso tradicional, as referências nordestinas e da vida cotidiana. Jorge de Lima dá início, assim, à pesquisa que culminará em sua obra-prima, intitulada Invenção de Orfeu (1952). Dividido em dez cantos, o livro pretende modernizar o poema épico, abolindo as noções concretas de tempo e espaço. É uma obra profunda e complexa que associa o real e o sobrenatural, os planos físico e onírico, o ser humano e o cosmos.
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Lima, Jorge de. Altair e Violante, 1953. Óleo sobre tela, 81 cm 3 65 cm. Centro de documentação Cultural Alexandre Eulálio, Cedae (IEL/Unicamp), Campinas.
Esse quadro foi pintado por Jorge de Lima no ano de sua morte.
Margens do texto Qual é o contraste que o eu lírico estabelece entre a atividade do acendedor de lampiões e a vida particular dessa personagem? ação e cidadania
A condição de vida dos negros é um tema presente em parte da obra de Jorge de Lima. Um dos povos formadores da sociedade brasileira, os negros ainda hoje sofrem com o racismo e a discri‑ minação social. Apesar de sua crescente participação no cená‑ rio político, esportivo e cultural, como em novelas televisivas, a igualdade de oportunidades da população negra, se comparada à branca, está longe de ocorrer. Por exemplo, segundo dados di‑ vulgados pelo IBGE em 2015, os trabalhadores negros ganham cerca de 59% do salário dos brancos. A criação de entidades de proteção dos direitos dos ne‑ gros e a adoção de políticas pú‑ blicas de ação afirmativa, como a de reserva de cotas em univer‑ sidades, são formas de promover a igualdade social e de diminuir a dívida histórica em relação a essa parcela da sociedade.
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Sua leitura
Texto 1
Texto 2
A divisão de Cristo
Canto I - Fundação da ilha
Dividamos o Mundo em duas partes iguais: uma para portugueses, outra para espanhóis. Vêm quinhentos mil escravos no bojo das [naus: a metade morreu na viagem do oceano. Dividamos o Mundo entre as pátrias. Vêm quinhentos mil escravos no bojo das [guerras: a metade morreu nos campos de batalha. Dividamos o mundo entre as máquinas. Vêm quinhentos mil escravos no bojo das [fábricas: a metade morreu na escuridão, sem ar. Não dividamos o mundo. Dividamos Cristo: todos ressuscitarão iguais.
XV A garupa da vaca era palustre e bela, uma penugem havia em seu queixo formoso; e na fronte lunada onde ardia uma estrela pairava um pensamento em constante [repouso.
Lima, Jorge de. In: Obra completa: poesias e ensaios. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1958. p. 399.
Esta a imagem da vaca, a mais pura e singela que do fundo do sonho eu às vezes esposo e confunde-se à noite à outra imagem daquela que ama me amamentou e jaz no último [pouso. Escuto-lhe o mugido – era o meu acalanto, e seu olhar tão doce inda sinto no meu: o seio e o ubre natais irrigam-me em seus [veios. Confundo-os nessa ganga informe que é meu [canto: semblante e leite, a vaca e a mulher que me deu o leite e a suavidade a mamar de dois seios.
Sobre os textos 1. O poema “A divisão de Cristo” faz referência a três fases da história mundial. a) Identifique as três fases e descreva as principais características de cada uma. b) Apesar de falar de três fases diferentes, o eu lírico menciona em todas elas o mesmo grupo de pessoas. Que aspecto comum às três fases ele quer destacar com essa repetição? 2. O texto 1 mescla religiosidade e crítica social. Explique como essa relação é construída no poema. 3. No texto 2, o eu lírico associa dois elementos distintos, o que cria um efeito surrealista. Que elementos são esses? 4. Quais são os dois espaços em que é possível uma imagem mesclada e surreal, como essa construída pelo eu lírico? O que você pensa disto?
1. Os artistas contemporâneos também demonstram preocupações humanistas e sociais? Para responder a essa questão, faça uma pesquisa sobre a produção artística na atualidade. Traga sua análise para um debate com os colegas em sala de aula.
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Você viu neste capítulo que tanto Murilo Mendes quanto Jorge de Lima produzem poemas nos quais se observa uma preocupação com as dimensões humanista e social.
Vocabulário de apoio
acalanto: consolo, conforto bojo: interior, âmago, parte principal ganga: coisa inútil e sem valor informe: que não tem forma acabada, grosseiro, tosco lunado: que tem chifres em forma de meia-lua palustre: alagadiço, encharcado ubre: mama de animal, com vários mamilos veio: duto, canal
HIPERTEXTO
Lima, Jorge de. In: Poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1958. p. 88.
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Leia dois poemas de Jorge de Lima. O texto 1, do livro Tempo e Eternidade, representa a poesia mística do autor, em que aspectos da vida social são vistos sob a ótica de um catolicismo restaurador. O texto 2 é um soneto de sua fase surrealista e faz parte do livro Invenção de Orfeu.
No primeiro verso do soneto, as palavras palustre e bela ligam-se ao termo que qualificam por meio do verbo ser; no segundo verso, formoso está diretamente ligado ao substantivo que caracteriza (queixo). Conheça melhor a diferença entre essas construções (predicativo do sujeito e adjunto adnominal) na parte de Linguagem (capítulo 20, p. 178, e capítulo 22, p. 194).
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Cecília e Vinicius: reflexões sobre a experiência humana
capítulo
12 o que você vai estudar Cecília Meireles: a fragilidade da vida em uma lírica intimista. Vinicius de Moraes: religiosidade, preocupações sociais e amor sensual.
Cecília e Vinicius: reflexões sobre a experiência humana A linha espiritualista da segunda fase do Modernismo, da qual fazem parte Murilo Mendes e Jorge de Lima, conta também com Cecília Meireles e Vinicius de Moraes. Em Cecília, o espiritualismo se traduz em uma poética intimista, com contornos reflexivos, filosóficos e existenciais; em Vinicius, constitui principalmente a base de uma lírica amorosa e sensual.
Cecília Meireles: a efemeridade do ser A vida de Cecília Meireles (1901-1964) foi marcada por perdas: o pai faleceu antes de ela nascer; a mãe morreu quando Cecília tinha três anos; e o primeiro marido suicidou-se. Isso influenciou fortemente a obra dessa autora; a solidão, a morte, a efemeridade e o mistério da vida são alguns de seus temas mais constantes, a exemplo de outros, como a natureza. Ainda que nos primeiros anos de carreira literária Cecília tivesse afinidades com o grupo de intelectuais à frente da revista Festa, publicação de tendência católica e simbolista, o rótulo neossimbolista é pouco preciso para dar conta da complexidade de sua obra. Há de fato ressonâncias da estética simbolista em seus três primeiros livros, mas tempos depois a própria autora não os incluiu em sua Obra poética, o que sugere não serem representantes de sua voz. Cecília tem uma poética muito particular. Suas reflexões conduzem a uma busca pelo eterno, não no sentido divino, mas de transcendência do espírito pela poesia, como um canto que procura a essência do existir. A intensa musicalidade de seus versos remete ao Simbolismo, mas também à poesia medieval portuguesa, de que resgatou ainda formas e métricas breves, como a quadra (estrofe de quatro versos) e a redondilha (menor: cinco sílabas poéticas; maior: sete sílabas poéticas).
Poesia social
Eugênio Silva/O Cruzeiro/EM/D.A Press
O caráter etéreo de sua poesia não significou a recusa a temáticas sociais. Em 1953, Cecília publicou uma de suas obras mais importantes: Romanceiro da Inconfidência. Como sugere o título, o livro é dedicado à Inconfidência Mineira, um dos principais movimentos de emancipação do Brasil em relação a Portugal, ocorrido no final do século XVIII na cidade de Vila Rica (atual Ouro Preto).
Cecília Meireles em foto de 1955. 106
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No que se refere ao gênero, Cecília retoma o romanceiro, forma poética popular de viés narrativo pertencente à tradição ibérica medieval. No entanto, não é empregado um único tipo de métrica, pois, além da redondilha maior, predominante na obra, são utilizados a redondilha menor e até mesmo o decassílabo. Os 85 romances (narrativas em verso) e demais poemas narram desde os primórdios da febre do ouro em Minas, passando pelo planejamento dos inconfidentes (entre os quais estavam os poetas Tomás Antônio Gonzaga e Claudio Manuel da Costa) até a execução de Tiradentes, desfecho trágico do movimento.
Sua leitura Você vai ler agora um poema lírico de Cecília Meireles.
Marcha As ordens da madrugada romperam por sobre os montes: nosso caminho se alarga sem campos verdes nem fontes. Apenas o sol redondo e alguma esmola de vento quebram as formas do sono com a ideia do movimento.
Gosto da minha palavra pelo sabor que lhe deste: mesmo quando é linda, amarga como qualquer fruto agreste. Mesmo assim amarga, é tudo que tenho, entre o sol e o vento: meu vestido, minha música, meu sonho e meu alimento.
Vamos a passo e de longe; entre nós dois anda o mundo, com alguns vivos pela tona, com alguns mortos pelo fundo. As aves trazem mentiras de países sem sofrimento. Por mais que alargue as pupilas, mais minha dúvida aumento.
Quando penso no teu rosto, fecho os olhos de saudade; tenho visto muita coisa, menos a felicidade. Soltam-se os meus dedos tristes, dos sonhos claros que invento. Nem aquilo que imagino já me dá contentamento.
Também não pretendo nada senão ir andando à toa, como um número que se arma e em seguida se esboroa, – e cair no mesmo poço de inércia e de esquecimento, onde o fim do tempo soma pedras, águas, pensamento.
Como tudo sempre acaba, oxalá seja bem cedo! A esperança que falava tem lábios brancos de medo. O horizonte corta a vida isento de tudo, isento… Não há lágrima nem grito: apenas consentimento.
oxalá: tomara
Sobre o texto 1. Uma característica considerada marcante na obra de Cecília Meireles é a musicalidade. Explique como esse recurso é construído no poema. 2. Caracterize o estado emocional do eu lírico. Como a natureza dialoga com esse estado? Justifique com base no texto. 3. Na quarta estrofe, destaca-se a metalinguagem, pois o tema principal é a própria palavra. a) Considere os versos “Gosto da minha palavra/ pelo sabor que lhe deste:/ mesmo quando é linda, amarga”. Quem deu o sabor amargo à palavra do eu lírico? b) Proponha uma interpretação para a causa desse amargor. c) Uma vez que a palavra do eu lírico, “mesmo quando linda, é amarga”, relacione essa estrofe com o restante do poema.
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tona: superfície
Navegue “Marcha”, poema musicado por Raimundo Fagner O cantor e compositor cearense Raimundo Fagner musicou parte do poema “Marcha” na canção intitulada “Canteiros”. Aos versos de Cecília Meireles, Fagner uniu os seus e ainda trechos das canções “Águas de Março”, de Tom Jobim, e “Na hora do almoço”, de Belchior. Vale a pena ouvir a canção. Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2016. Julien Pereira/Fotoarena
Meireles, Cecília. Viagem e Vaga música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 107.
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Vocabulário de apoio
Cantor Fagner se apresentando em show no Pará. Foto de 2013.
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Vinicius: poesia entre céu e terra Paulo Salomão/Editora Abril
O nome do carioca Vinicius de Moraes (1913-1980) é mais comumente relacionado à música, devido a sua atuação como compositor da bossa nova – tendência da música popular surgida na década de 1950. Mas Vinicius foi, antes de tudo, poeta. Sua literatura começa nos anos 1930 e o acompanha por toda a vida, mesmo no período em que esteve mais próximo da música. Vinicius tornou-se conhecido por uma lírica amorosa e sensual, presente tanto em seus poemas quanto nas letras de música. Outras duas tendências, porém, também são importantes em sua obra poética: a religiosidade dos primeiros anos e a participação social manifestada posteriormente.
Céu e pecado A primeira fase da poesia de Vinicius de Moraes tem afinidade com a do grupo de poetas católicos brasileiros surgidos nos anos 1930. A acentuada religiosidade desse período é atravessada por uma consciência aflita, angustiada diante de sentimentos como a culpa e o pecado. Em busca de uma saída transcendente para uma alma desesperada, o poeta utiliza linguagem solene e temática sublime, confrontando criticamente a matéria “baixa” da vida com a virtude desejada do espírito. Quem sou eu senão um grande sonho obscuro em face do Sonho Senão uma grande angústia obscura em face da Angústia Quem sou eu senão a imponderável árvore dentro da noite imóvel E cujas presas remontam ao mais triste fundo da terra?
Vinicius de Moraes em foto de 1973. Durante grande parte de sua vida, o poeta esteve presente no centro da efervescência cultural brasileira. Vocabulário de apoio
imponderável: que não pode ser previsto
Moraes, Vinicius de. A vida vivida. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. p. 273.
Em 1955, Vinicius de Moraes organiza uma Antologia poética de sua obra. Na abertura do livro, distingue dois momentos de sua poesia: o primeiro, já mencionado, de caráter transcendental, frequentemente místico; o segundo, voltado para o mundo material, em que repudia o idealismo dos primeiros anos. A religiosidade da fase inicial não é apenas abandonada, mas progressivamente negada pelo poeta. Deixando de lado os versos longos e o tom solene dos primeiros poemas, Vinicius se aproxima do cotidiano, misturando o coloquialismo a formas poéticas variadas, algumas extraídas da tradição clássica, como o soneto. Entretanto, a grande mudança diz respeito ao olhar que o poeta lança sobre a experiência amorosa. Se antes o desejo perturba por inibir o exercício da virtude espiritual, agora é o que impulsiona o poeta a produzir seu canto. E eu, moço, busco em vão meus olhos velhos Vindos de ver a morte em mim divina: Uma mulher me ama e me ilumina.
Navegue Vinicius O site oficial de Vinicius de Moraes é bastante completo. Além de muitas informações sobre o poeta, apresenta também seus poemas e as letras de suas canções. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2016. Disponível em: .
Capítulo 12 – Cecília e Vinicius: reflexões sobre a experiência humana
Amor sensual e sociedade
Moraes, Vinicius de. Quatro sonetos de meditação. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. p. 315.
A ideia de iluminação da vida e de redenção das próprias angústias pelo encontro amoroso erótico, carnal, resolve o conflito entre redenção espiritual e vida mundana. São dessa segunda fase também os poemas de participação social. Neles, Vinicius canta, sobretudo, os horrores da Segunda Guerra Mundial e as diferenças de classe na sociedade brasileira.
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Página inicial do site de Vinicius de Moraes.
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Sua leitura Leia agora dois poemas de Vinicius de Moraes: “A rosa de Hiroshima”, publicado no livro Antologia poética (1954), e “Soneto da fidelidade”, que faz parte de Poemas, sonetos e baladas (1946). Texto 1
Texto 2
A rosa de Hiroxima
Soneto de fidelidade
Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroshima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose A antirrosa atômica Sem cor sem perfume sem rosa sem nada.
De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. Moraes, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. p. 307.
HIPERTEXTO Para definir a morte e a solidão, o eu lírico emprega apostos explicativos comparativos. Esse conceito é abordado na parte de Linguagem (capítulo 22, página 198). Vocabulário de apoio
cálido: que irradia calor, ardor cirrose: doença crônica do fígado hereditário: transmitido aos descendentes
Moraes, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. p. 405.
Sobre os textos 1. O texto 1 remete ao ataque nuclear dos Estados Unidos sobre as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasaki, em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial. a) Que metáfora é criada no poema para representar a famosa imagem do “cogumelo de fumaça”, surgido da explosão da bomba atômica? b) Com essa metáfora, o eu lírico chama a atenção para qual aspecto da guerra? Explique.
telepático: quem se comunica por telepatia (comunicação direta entre mentes) zelo: grande cuidado, afeição intensa
2. O último verso do “Soneto de fidelidade” apresenta um paradoxo sobre o amor. a) Que paradoxo é esse? b) Como é possível interpretar essa aparente contradição? O que você pensa disto?
1. Como explicar que, ainda assim, o cancioneiro de Vinicius de Moraes seja muito mais consumido do que a obra poética do escritor? A que se deve a pouca leitura de poemas no mundo contemporâneo, enquanto há um consumo cada vez maior de canções, mesmo com tantas semelhanças entre as duas linguagens?
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Chico Neson/Editora Abril
Vinicius de Moraes teve uma longa carreira como poeta e como compositor. A parte mais conhecida e consumida de sua obra, no entanto, são suas composições musicais. Curiosamente, o público costuma admirá-las por perceber que as letras escritas por Vinicius têm a qualidade de um poema. Desse modo, parece que se confere à poesia, de certa forma, um valor superior ao da letra de canção.
Vinicius e seu grande amigo Tom Jobim: parceria entre poesia e música popular. Foto de 1977.
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Ferramenta de leitura Fernando Santos/Folhapress
Projeto estético e projeto ideológico
Mineiro de Montes Claros, João Luiz Lafetá (1946-1996) foi professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp e da USP. Escreveu ensaios sobre Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Ferreira Gullar, entre outros. Foto de 1987.
O crítico literário João Luiz Lafetá, em sua dissertação de mestrado – orientada pelo consagrado estudioso Antonio Candido e depois publicada no livro 1930: A crítica e o Modernismo –, compara as propostas libertárias da primeira fase do Modernismo (a “fase heroica”) com as da segunda fase. Antes de contrapor essas duas tendências, Lafetá apresenta o contexto histórico dos anos 1920. Identifica, nessa década, “um desejo de modificação” das estruturas arcaicas do Brasil. Tal desejo estaria relacionado ao “processo de plena implantação do capitalismo no país” e ao “fluxo ascensional da burguesia”. Esses dois fatores afetariam também as demais camadas sociais. O crítico trata, então, do modo como cada tendência modernista se relacionou com as discussões de sua época, como se lê no trecho a seguir. Nesse panorama de modernização geral se inscreve a corrente artística renovadora que, assumindo o arranco burguês, consegue paradoxalmente exprimir de igual forma as aspirações de outras classes, abrindo-se para a totalidade da nação através da crítica radical às instituições já ultrapassadas. Nesse ponto o Modernismo retoma e aprofunda uma tradição que vem de Euclides da Cunha, passa por Lima Barreto, Graça Aranha, Monteiro Lobato: trata-se da denúncia do Brasil arcaico, regido por uma política ineficaz e incompetente. Mas, notemos, não há no movimento uma aspiração que transborde os quadros da burguesia. A ideologia de esquerda não encontra eco nas obras da fase heroica; se há denúncia das más condições de vida do povo, não existe todavia consciência da possibilidade ou da necessidade de uma revolução proletária. […] Um exame comparativo, superficial que seja, da fase heroica e da que se segue à Revolução [de 1930] mostra-nos uma diferença básica entre as duas: enquanto na primeira a ênfase das discussões cai predominantemente no projeto estético (isto é, o que se discute principalmente é a linguagem), na segunda a ênfase é sobre o projeto ideológico (isto é, discute-se a função da literatura, o papel do escritor, as ligações da ideologia com a arte). Lafetá, João Luiz. 1930: A crítica e o modernismo. São Paulo: Ed. 34, 2000. p. 27-28.
Pela leitura do texto, entende-se que a literatura feita pelos modernistas da segunda fase é o resultado de dois movimentos: o artístico-literário, que deriva da assimilação das mudanças sugeridas pela fase heroica; e o sociocultural, relacionado à consciência ideológica surgida em face do processo de modernização e de industrialização da sociedade brasileira nos primeiros anos do século XX. Embora a literatura desse segundo momento modernista tenha como principal assunto a matéria histórica e, sobretudo, os pontos de crise pelos quais passa a sociedade, essa fase literária não desconsiderou uma cuidadosa operação com a forma e a linguagem – que muito devia às conquistas da fase anterior, dos anos 1920. Do mesmo modo, a literatura produzida nos anos 1920 também promoveu avanços no plano ideológico ao questionar a tradição por meio de uma proposta de revolução formal – ou seja, ligada à forma dos textos literários –, focando o atraso tanto estético quanto comportamental da elite brasileira. Você vai ler, na sequência, dois textos de escritores da segunda fase do Modernismo que foram estudados ao longo da unidade. O primeiro é um trecho do poema “Mensagem à poesia”, de Vinicius de Moraes, e o segundo é um excerto da obra Vidas secas, de Graciliano Ramos. Considerando as ideias do crítico João Luiz Lafetá, leia-os e responda às questões. 110
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Texto 1
Não posso Não é possível Digam-lhe que é totalmente impossível Agora não pode ser É impossível Não posso. Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro. Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo. Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso reconquistar a vida Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso. […]
Petra Elster/ID/BR
Mensagem à poesia
Moraes, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. p. 371-372.
Texto 2
[…] Ouviu o falatório desconexo do bêbedo, caiu numa indecisão dolorosa. Ele também dizia palavras sem sentido, conversava à toa. Mas irou-se com a comparação, deu marradas na parede. Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? Vivia trabalhando como um escravo. Desentupia o bebedouro, consertava as cercas, curava os animais – aproveitara um casco de fazenda sem valor. Tudo em ordem, podiam ver. Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa? Se não fosse aquilo… Nem sabia. O fio da ideia cresceu, engrossou – e partiu-se. Difícil pensar. Vivia tão agarrado aos bichos… Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares. O demônio daquela história entrava-lhe na cabeça e saía. Era para um cristão endoidecer. Se lhe tivessem dado ensino, encontraria meio de entendê-la. Impossível, só sabia lidar com bichos. […]
Vocabulário de apoio
bêbedo: bêbado carpir: lamentar, chorar por alguém, expressar tristeza casco: resto marrada: pancada com a cabeça pária: indivíduo que vive à margem da sociedade, excluído
Ramos, Graciliano. Vidas secas. 78. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 35-36.
Sobre os textos 1. O texto 1 tem um caráter metalinguístico – isto é, trata da composição artística –, por apresentar uma “mensagem à poesia”. a) O que o eu lírico deseja que seus interlocutores comuniquem à poesia? b) É correto afirmar que o eu lírico menospreza a poesia? Por quê? 2. Explique a diferença de sentido entre as expressões “Não posso” e “Não é possível”, no contexto dos primeiros versos do texto 1. 3. No texto 2, a expressão “fio da ideia” é usada para designar um esboço de consciência do protagonista sobre sua condição social. A que elementos o protagonista atribui essa condição? 4. Embora escrito em terceira pessoa, o texto 2 contém um recurso narrativo que revela com fidelidade os pensamentos do protagonista. Explique essa afirmação, nomeando tal recurso. 5. Que semelhanças é possível identificar entre os textos 1 e 2? Como o projeto ideológico da segunda fase modernista, mencionado por João Luiz Lafetá, ajuda a explicar tais semelhanças? Não escreva no livro.
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Entre textos Após a efervescência libertária da primeira fase modernista, os artistas que surgem a partir da década de 1930 descobrem a liberdade de não apenas romper com a tradição, mas também de retomá-la quando necessário. É desse segundo momento modernista um conjunto de autores muito marcantes do século XX no país, cuja influência pode ser detectada na literatura até os dias de hoje. TEXTO 1
Luzia-homem A população da cidade triplicava com a extraordinária afluência de retirantes. Casas de taipa, palhoças, latadas, ranchos e abarracamentos do subúrbio estavam repletos a transbordarem. Mesmo sob os tamarineiros das praças se aboletavam famílias no extremo passo da miséria – resíduos da torrente humana que dia e noite atravessava a Rua da Vitória, onde entroncavam os caminhos e a estrada real, traçada ao lado esquerdo do rio Acaracu, até ao mar. Eram pedaços da multidão, varrida dos lares pelo flagelo, encalhando no lento percurso da tétrica viagem através do sertão tostado, como terra de maldição ferida pela ira de Deus; esquálidas criaturas de aspec to horripilante, esqueletos automáticos dentro de fantásticos trajes, rendilhados de trapos sórdidos, de uma sujidade nauseante, empapados de sangue purulento das úlceras, que lhes carcomiam a pele, até descobrirem os ossos, nas articulações deforma das. E o céu límpido, sereno, de um azul doce de líquida safira, sem uma nuvem mensageira de esperança, vasculhado pela viração aquecida, ou intermitentes redemoinhos a sublevarem bulcões de pó amarelo, envolvendo como um nimbo, a trágica procissão do êxodo. […] Olímpio, Domingos. Luzia-homem. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. p. 18. Vocabulário de apoio
aboletar: alojar, instalar carcomer: corroer, arruinar bulcão: nuvem que indica tempestade, trevas esquálido: magro, que aparenta desnutrição flagelo: grande desgraça, catástrofe nimbo: nuvem densa que se desfaz facilmente, auréola purulento: cheio de pus sublevar: mover de baixo para cima tamarineiro: árvore que gera o fruto tamarindo tétrico: de grande severidade, medonho, horrível úlcera: lesão aberta, ferida viração: vento fresco e suave
A poesia social de Drummond ganhou um poeta à altura: Ferreira Gullar (1930-), cuja obra passou por várias fases, do experimentalismo ao engajamento político puro, até chegar a um canto pessoal que extrai sua substância da experiência da vida em tempo e espaço específicos, como se vê em “Poema obsceno” (1980). 112
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Embora não seja propriamente um neonaturalismo, a tendência regionalista da década de 1930 tem importantes características em comum com os escritos naturalistas do final do século XIX. Entre elas, o interesse pela observação do meio, a tipificação de personagens e a denúncia de mazelas sociais por meio da literatura. O romance de Domingos Olímpio Luzia-homem (1903) narra a história de personagens cuja vida é conduzida pela seca, assim como fará Graciliano Ramos (com outro enfoque e outra profundidade) em Vidas secas.
TEXTO 2
Poema obsceno Façam a festa cantem dancem que eu faço o poema duro o poema-murro sujo como a miséria brasileira Não se detenham: façam a festa Bethânia Martinho Clementina Estação Primeira de Mangueira Salgueiro gente de Vila Isabel e Madureira todos façam a nossa festa enquanto eu soco este pilão este surdo poema que não toca no rádio que o povo não cantará (mas que nasce dele) Não se prestará a análises estruturalistas Não entrará nas antologias oficiais Obsceno como o salário de um trabalhador aposentado o poema terá o destino dos que habitam o lado escuro do país – e espreitam. Gullar, Ferreira. Toda poesia. 15. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p. 338.
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TEXTO 3
A eternidade De novo me invade. Quem? – A Eternidade. É o mar que se vai Como o sol que cai.
De outra nenhuma, Brasas de cetim, O Dever se esfuma Sem dizer: enfim.
Alma sentinela, Ensina-me o jogo Da noite que gela E do dia em fogo.
Lá não há esperança E não há futuro. Ciência e paciência, Suplício seguro.
Das lides humanas, Das palmas e vaias, Já te desenganas E no ar te espraias.
De novo me invade. Quem? – A Eternidade. É o mar que se vai Com o sol que cai.
Rimbaud, Arthur. Rimbaud livre. Trad. Augusto de Campos. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 51, 53.
A poesia simbolista da virada do século nunca sofreu, por parte dos modernistas dos anos 1920, o ataque que estes dirigiam à tradição parnasiana. A partir da década de 1930, o Simbolismo foi francamente retomado por poetas de propostas diversas. A tendência surrealista de Murilo Mendes e Jorge de Lima encontra inspiração no francês Arthur Rimbaud (1854-1891), que produziu uma poesia inquietante, de matriz onírica e libertária. Já Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), com seu simbolismo etéreo, místico e melancólico, serviu de influência a poetas como Cecília Meireles e Vinicius de Moraes.
TEXTO 4
Vocabulário de apoio
alcandorar: elevar carme: poema cimo: alto, cume despojado: desprovido, desprendido esfumar: desfazer-se espraiar: estender, dilatar fealdade: falta de beleza, feiura lide: labuta, trabalho suplício: dor ou sofrimento intenso
Como se moço e não bem velho eu fosse Uma nova ilusão veio animar-me: Na minh’alma floriu um novo carme, O meu ser para o céu alcandorou-se. Ouvi gritos em mim como um alarme. E o meu olhar, outrora suave e doce, Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se Todo em raios que vinham desolar-me.
Pedro Hamdan/ID/BR
Pedro Hamdan/ID/BR
Soneto LXXV
Vi-me no cimo eterno da montanha, Tentando unir ao peito a luz dos círios Que brilhavam na paz da noite estranha. Acordei do áureo sonho em sobressalto: Do céu tombei aos caos dos meus martírios, Sem saber para que subi tão alto… Guimaraens, Alphonsus de. In: Moisés, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 333.
TEXTO 5
Ainda estou em luta e sonho Embriagada pelo sentimento de uma ideia Que me afasta da rotina dos meus atos Repetidamente exercidos sem paixão. Não devo mencionar o meu corpo Se quero dissolvê-lo na harmonia Que atenua os desastres e as delícias do tempo Pela saudade, este vasto entretenimento da imaginação. Devo sim estar calma, e pura, Semelhante àquele que em sua virtude ama os doentes Como em si mesmo a indisfarçada fealdade. Despojada dos meus pudores, eu nada prefiro – Apenas sou.
A poesia intimista, delicada e grave de Cecília Meireles encontra poucos pares na literatura brasileira. Entretanto, uma nova poeta paulistana está trilhando o complexo caminho lírico aberto pela autora carioca. Nascida em 1979, Mariana Ianelli já conta com uma expressiva carreira literária. Sua obra manifesta semelhanças com a poesia de Cecília Meireles, como a precisão e o cuidado na escolha do vocabulário e o caráter filosófico-metafísico, Mariana destaca-se entre seus contemporâneos com uma poesia singular.
Ianelli, Mariana. Passagens. São Paulo: Iluminuras, 2003. p. 51.
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Vestibular e Enem 1. (Ufam) O segundo momento modernista traz preo cupações diferenciadas do primeiro momento. Para pensar essa questão, considere-se Fogo Morto, de José Lins do Rego, como: a) ficção restrita ao Nordeste, sem possibilidade de uma leitura mais ampla dos problemas nacionais a partir dela. b) ficção de cunho realista que revela problemas brasileiros, como a decadência dos engenhos e a consequente miséria advinda dessa derrocada. c) ficção que apresenta personagens mal definidas, pois seu enredo de cunho interior exige aperfeiçoamento na caracterização das personagens. d) romance de cunho social, empobrecido pelo aspecto panfletário assumido pelo autor. e) a loucura, advinda da derrocada financeira, é recorrente nos romances do ciclo da cana-de-açúcar. (IFPE) Texto para a questão 2.
Mulher proletária Mulher proletária – única fábrica que o operário tem, (fabrica filhos) tu na tua superprodução de máquina humana forneces anjos para o Senhor Jesus, forneces braços para o senhor burguês. Mulher proletária, o operário, teu proprietário há de ver, há de ver: a tua produção, a tua superprodução, ao contrário das máquinas burguesas salvar o teu proprietário. Lima, Jorge de. Poesia completa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. v. 1.
2. Jorge de Lima é um poeta representativo da segunda geração modernista. Analise as proposições abaixo acerca dos recursos expressivos que constroem a imagem da “mulher proletária”. I. As metáforas “fábrica” e “máquina humana” são, de certo modo, desveladas pela construção parentética “fabrica filhos”. II. Os dois últimos versos na primeira estrofe constituem eufemismos das ideias de mortalidade e de trabalho infantil. III. O trocadilho entre “prole” e “proletária” assinala a função social da mulher no contexto do poema. IV. A gradação na segunda estrofe aponta para a submissão da mulher e para a salvação do homem operário.
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
V. Os últimos versos do poema sugerem que o trabalho da mulher pode levar sua família à ascensão social. Estão corretas, apenas: a) I, II e V. b) II, III e IV. c) I, II e III. d) II e V. e) I e IV. 3. (PUC-Campinas-SP) Referências a Lampião e seu bando, bem como histórias de outros grupos de cangaceiros ou de jagunços, surgem em parte significativa da ficção publicada no Brasil no último século, de que são exemplos: a) os romances Angústia, de Graciliano Ramos, e O triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. b) as narrativas reunidas em Papéis avulsos, de Machado de Assis, e as novelas de Sagarana, de Guimarães Rosa. c) os romances regionalistas de José Lins do Rego, como Fogo Morto, e a obra-prima Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. d) o romance naturalista O cortiço, de Aluísio Azevedo, e a saga do ciclo de cacau documentada por Jorge Amado. e) as narrativas da história sul-riograndense, de Érico Veríssimo, e o romance O Ateneu, de Raul Pompeia. 4. (UFMG) Leia este texto: O céu, transparente que doía, vibrava tremendo feito uma gaze repuxada. Vicente sentia por toda parte uma impressão ressequida de calor e aspereza. Verde, na monotonia cinzenta da paisagem, só algum juazeiro ainda escapo à devastação da rama; mas em geral as pobres árvores apareciam lamentáveis, mostrando os cotos dos galhos como membros amputados e a casca toda raspada em grandes zonas brancas. E o chão, que em outro tempo a sombra cobria, era uma confusão desolada de galhos secos, cuja agressividade ainda mais se acentuava pelos espinhos. Queiroz, Rachel de. O quinze. São Paulo: Círculo do Livro, 1992. p. 17-18.
Nesse texto, o narrador refere-se à seca nordestina. Identifique e explique a tendência, na literatura brasileira, de os romancistas se disporem a escrever sobre essa temática.
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unidade
O rigor técnico e a exploração dos elementos próprios da linguagem artística são algumas das marcas do Abstracionismo, que explora relações entre formas, cores, linhas, em vez de representar objetos do mundo concreto. No Brasil, essa tendência das artes plásticas tem seu auge no período de 1945 a 1960. Na literatura desse mesmo período, não houve predomínio de uma tendência unificadora. As obras dialogam com as vanguardas europeias, as duas fases anteriores do Modernismo e novas experiências estéticas do pós-Segunda Guerra Mundial. A partir dos anos 60, as produções ora se engajam politicamente, ora se desapegam da realidade social para se tornar expressão angustiada do indivíduo fragmentado. Nesta unidade, será estudada essa multifacetada produção literária.
5 Nesta unidade 13 A terceira fase do
Modernismo – o apuro da forma
14 João Guimarães Rosa:
o universal nascido do regional
15 Clarice Lispector: a
iluminação do cotidiano
16 João Cabral de Melo
Neto: a arquitetura da linguagem
17 A literatura brasileira
entre os anos 50 e 70
Cordeiro, Waldemar. Sem título, 1949. Óleo sobre tela, 46,5 cm 3 33 cm. Coleção particular.
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Museum of Fine Arts, Houston, EUA. Fotografia: Bridgeman Imagens/Easypix
A geração de 1945 e desdobramentos
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A terceira fase do Modernismo – o apuro da forma
capítulo
o que você vai estudar O Brasil do pós-guerra: democratização e crescimento econômico. As artes plásticas: criação de importantes museus em São Paulo. A prosa e a poesia: imersão dos escritores na linguagem e na psicologia das personagens. O teatro: tragédia urbana e comédia regionalista.
No período de 1945 a 1960, o país abriu-se para o mundo em vários setores culturais, como as artes plásticas, a arquitetura e a música. Tal abertura, em maior ou menor grau, sempre existira; a novidade é que nesse período o diálogo com a cultura internacional se constitui uma via de mão dupla, pela qual o Brasil tanto importava quanto exportava tendências artísticas e arquitetônicas. No campo literário, a terceira fase do Modernismo representou um dos momentos mais fecundos para a arte no Brasil, revelando autores – na poesia, na prosa e no teatro – cujas obras se destacam pela complexidade estética e densidade psicológica.
Sua leitura A seguir, você verá a reprodução de uma tela do artista holandês Piet Mondrian (1872-1944), que utilizou em seu trabalho formas simples (quadradas e retangulares) e cores primárias (vermelho, azul e amarelo), abandonando a tridimensionalidade. Você lerá também um fragmento do poema “Psicologia da composição”, do escritor brasileiro João Cabral de Melo Neto (1920-1999).
Composição A © 2016 Mondrian/Holtzman Trust c/o HCR International USA. Galleria Nazionale d’Arte Moderna, Roma. Fotografia: ID/BR.
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A terceira fase do Modernismo – o apuro da forma
Mondrian, Piet. Composição A, 1920. Óleo sobre tela, 90,2 cm 3 90,8 cm. Galeria Nacional de Arte Moderna, Roma, Itália.
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Vocabulário de apoio
Psicologia da composição
cessar: deixar de existir
II Esta folha branca me proscreve o sonho, me incita ao verso nítido e preciso.
Como não há noite cessa toda fonte; como não há fonte cessa toda fuga;
Eu me refugio nesta praia pura onde nada existe em que a noite pouse.
como não há fuga nada lembra o fluir de meu tempo, ao vento que nele sopra o tempo.
incitar: encorajar, estimular alguém a realizar alguma coisa proscrever: afastar, proibir
Lembre-se
Melo Neto, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 93-94.
Sobre os textos 1. Descreva a obra de Mondrian reproduzida na página 116. 2. É possível perceber alguma relação entre o quadro de Mondrian e a realidade concreta, aquela que você observa no dia a dia? Justifique. 3. Qual é o tema do poema “Psicologia da composição”? Justifique com elementos do texto. 4. Na concepção de poesia expressa em “Psicologia da composição”, há lugar para o sonho e a fantasia? Comprove com um trecho do texto. 5. O que significa criar um verso “nítido e preciso”? 6. Observe as características formais do poema. a) Descreva a divisão em estrofes e a métrica do poema. b) Cite um exemplo de ocorrência de assonância. c) Pode-se afirmar que há relação entre o cuidado com a forma e a concepção de poesia defendida pelo eu lírico? Justifique sua resposta. 7. Há algum elemento comum ao quadro e ao poema? Para responder à questão, verifique se é possível estabelecer uma relação entre os temas tratados nas duas obras.
A métrica diz respeito ao conjunto de regras relativas à medida, ao ritmo e à organização do verso ou da estrofe. A decomposição do verso em sílabas poéticas é chamada de escansão. Na poesia, a contagem das sílabas se dá de forma diferente do que acontece na gramática. Por exemplo, as vogais finais e iniciais das palavras podem se unir para formar uma única sílaba. Além disso, a contagem é feita até a última sílaba tônica do verso, sendo desconsideradas as sílabas átonas que a sucedem. A assonância é uma figura de linguagem caracterizada pela repetição de vogais semelhantes ou iguais em palavras próximas, criando um efeito expressivo.
Repertório
© Miró, Juan/AUTVIS, Brasil, 2016. Kunstmuseum Bern, Berna. Fotografia: ID/BR
João Cabral: reflexão sobre artes plásticas O poeta João Cabral de Melo Neto não se preocupava apenas com questões específicas de sua arte, a poesia. Ele também se dedicou à reflexão teórica sobre as artes plásticas, da qual resultou, entre outras produções, um ensaio sobre o pintor espanhol Joan Miró. Leia um fragmento desse ensaio: “Miró não era o primeiro pintor do mundo a abandonar a terceira dimensão. Mas talvez ele tenha sido o primeiro a compreender que o tratamento da superfície como superfície libertava o pintor de todo um conceito de composição. [...] O abandono da terceira dimensão foi seguido do abandono, quase simultâneo, da exigência de centro do quadro. [...] À ideia de subordinação de elementos a um ponto de interesse, ele substitui um tipo de composição em que todos os elementos merecem um igual destaque. Nesse tipo de composição não há uma ordenação em função de um elemento dominante, mas uma série de dominantes, que se propõem simultaneamente, pedindo do espectador uma série de fixações sucessivas, em cada uma das quais lhe é dado um setor do quadro.” Melo Neto, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 696-697.
Não escreva no livro.
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Miró, Joan. Composição, 1933. Óleo sobre tela, 130 cm 3 162 cm. Kunstmuseum Bern, Berna, Suíça.
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Capítulo 13 – A terceira fase do Modernismo – o apuro da forma
Quanto à mãe de Ofélia, ela temia que à força de morarmos no mesmo andar houvesse intimidade e, sem saber que eu também me resguardava, evitava-me. [...] A mãe de Ofélia chegara mesmo a ser grosseira no elevador: no dia seguinte eu estava com um dos meninos pela mão, o elevador descia devagar, e eu, opressa pelo silêncio que, à outra, fortificava — dissera num tom de agrado que no mesmo instante também a mim repugnara: — Estamos indo para a casa da avó dele. E ela, para meu espanto: — Não perguntei nada, nunca me meto na vida dos vizinhos. Lispector, Clarice. A legião estrangeira. In: Felicidade clandestina. 7. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991. p. 75-76.
No âmbito cultural, acompanhando o desenvolvimento industrial brasileiro, foram criadas instituições culturais de grande alcance, como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1947, e o Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo e do Rio de Janeiro, no ano seguinte. Outro marco foi a realização da primeira Bienal de Arte de São Paulo, em 1951, inspirada na Bienal de Veneza, possibilitando um encontro das pessoas com a arte de vanguarda produzida aqui e em outros lugares do mundo. A partir da década de 1940, o Rio de Janeiro passou a dividir o papel de centro cultural do país com São Paulo, cidade onde surgia um novo mecenato cultural, liderado pela indústria e pelas organizações de comunicação. O novo mecenato paulista deixou sua marca também na indústria cinematográfica e no teatro. O industrial Ciccillo Matarazzo, em parceria com seu funcionário Franco Zampari, fundou, em 1949, a Companhia Vera Cruz – estúdio equipado para produzir grandes filmes – e o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Nesse contexto, chegou também ao país a televisão, em 1950, com a primeira transmissão da TV Tupi. O Brasil ingressava, assim, na era da comunicação de massa.
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A Bienal de Arte de São Paulo Acompanhando o desenvolvimento industrial brasileiro, foi realizada a primeira Bienal de Arte de São Paulo, em 1951, inspirada na Bienal de Veneza. A realização da Bienal trouxe para o país a arte que se fazia no mundo inteiro e colocou a arte brasileira no circuito internacional. Em 1954, foi inaugurado o edifício da Bienal no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, com projeto de Oscar Niemeyer, arquiteto que posteriormente faria o projeto dos edifícios de Brasília, a nova capital do país. Danilo Verpa/Folhapress
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil integrava-se aos países democráticos no front externo, mas internamente vivia sob a ditadura de Getúlio Vargas. Com o fim da guerra, aceleraram-se as pressões pela redemocratização. Vargas renunciou em outubro de 1945 e, após eleições, assumiu o general Eurico Gaspar Dutra. O novo governo promulgou uma nova Constituição e o Brasil aliou-se aos Estados Unidos na Guerra Fria. Em 1951, Vargas voltou ao poder conduzido pelo voto direto, retomando a política nacionalista e populista do período do Estado Novo (1937-1945). Em 1953, foi criada a Petrobras, estabelecendo o monopólio estatal na produção de petróleo. No ano seguinte, acuado por inimigos políticos, Getúlio Vargas suicidou-se, o que causou grande impacto na população e favoreceu a eleição de Juscelino Kubitschek para o período 1956-1961. Foi a época da construção de Brasília (inaugurada em 1960) e de implementação do Plano de Metas – baseado na industrialização e na entrada de capital estrangeiro no país. O slogan da época – “50 anos em 5” – prometia desenvolver o Brasil rapidamente nas áreas de geração de energia, transporte e indústria de base. Assim, no período de 1945 a 1960, observou-se um grande crescimento urbano. Em meados da década de 1950, pela primeira vez, o número de habitantes das cidades ultrapassou o número de habitantes da zona rural no Brasil. Com a rápida urbanização, houve ampliação da classe média e do mercado consumidor interno. A urbanização aparecerá em evidência nas obras da terceira fase do Modernismo, como se observa neste trecho de “A legião estrangeira”, de Clarice Lispector, em que a narradora conta um encontro que teve com sua vizinha.
Repertório
Obra Bolha amarela, de Marcello Nitsche, no Pavilhão da Bienal, em São Paulo (SP). Foto de 2013.
Margens do texto 1. O elevador é um elemento estreitamente ligado ao crescimento das cidades. Explique por quê. 2. Este trecho mostra um aspecto das relações de vizinhança que é característico das cidades grandes. O que se observa no relacionamento entre as duas vizinhas quanto a esse aspecto? GE/Fac-SÌmile: ID/BR
O contexto de produção
A televisão era uma grande novidade. Não escreva no livro.
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Cena da primeira montagem de Vestido de noiva, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1943.
Arquivo/Agência JB
A produção literária da terceira fase do Modernismo não se caracterizou pela ruptura, denúncia ou afirmação da identidade de uma nova geração. A principal contribuição dos escritores dessa fase consistiu em proporcionar desdobramentos dos principais temas tratados na segunda fase. Dentre os escritores desse período, destacam-se: João Cabral de Melo Neto, com sua poesia marcada pelo rigor formal; Guimarães Rosa, que revigorou o regionalismo praticado até então pela literatura brasileira; e Clarice Lispector, com sua literatura intimista, tendo o cenário urbano como pano de fundo. O contexto urbano também está presente na obra de Nelson Rodrigues, reconhecido como o dramaturgo que fundou o teatro moderno no Brasil. Sua peça Vestido de noiva (1943) revolucionou a forma de fazer teatro, provocando fascínio e admiração. Ariano Suassuna, outro dramaturgo dessa fase, privilegiou a temática regional, fundindo em suas peças as culturas popular e erudita, como no Auto da Compadecida (1955). Neste período, ganhou relevo o papel desempenhado pela imprensa, que se modernizou e se expandiu. Muitos escritores trabalhavam nos jornais, além de atuar como professores, editores ou tradutores. Além disso, foram criados importantes cadernos culturais como o Suplemento Dominical e o Caderno B, ambos do Jornal do Brasil (JB), que publicavam trechos de obras e resenhas críticas, pautando o debate cultural da época.
Acervo Iconographia/Reminiscências
O sistema literário
O papel da tradição Para compreender melhor a relação entre a prosa da terceira fase do Modernismo e a tradição, é necessário rever com mais atenção o legado da prosa da segunda fase. O romance social regionalista dos escritores da segunda fase transformou os desamparados sociais em protagonistas, muitas vezes expondo suas incertezas e seus impasses psicológicos. Para representar esse tipo social, os escritores recorreram a técnicas narrativas capazes de vencer a distância entre um narrador culto e as personagens desfavorecidas e oprimidas, aproximando a linguagem daquele da linguagem e da visão de mundo dessas. No contexto da tradição de nossas letras, essa postura revelou-se uma enorme inovação e exigiu um grande apuro técnico, principalmente se considerarmos o abismo que havia entre narrador e personagens na literatura regionalista romântica. A prosa da terceira fase modernista levou adiante esse vínculo íntimo entre narrador e personagens. A pesquisa de linguagem capaz de aproximá-los se intensificou e aprofundou. Com Guimarães Rosa, a cultura e a linguagem do povo foram incorporadas pelo narrador praticamente sem distanciamento ou com um distanciamento pouco perceptível para o leitor em uma primeira leitura. Observe esse trecho do conto “Corpo Fechado”, em que o narrador expõe de forma peculiar a entrada em cena de Targino. Até que assomou à porta da venda – feio como um defunto vivo, gasturento como faca em nervo, esfriante como um sapo – Sua Excelência o Valentão dos Valentões, Targino e Tal. E foi então que de fato a história começou. O tigrão derreou o ombro esquerdo, limpou os pés, e riscou reto para nós, com o ar de um criado que vem entregar qualquer coisa. Guimarães Rosa, João. Corpo fechado. Sagarana. 20. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 316-317.
Reprodução da primeira página do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil de 21 mar. 1959.
Margens do texto 1. Apesar de o narrador ser um médico formado na cidade grande, observa-se no trecho que ele está mergulhado na cultura regional. Justifique essa afirmação com elementos do texto. 2. Que expressões do narrador demonstram que ele utiliza-se de ironia para referir-se à figura de Targino? Vocabulário de apoio
derrear: curvar gasturento: que causa aflição
A mesma proximidade entre narrador e personagem ocorre na obra de Clarice Lispector: a investigação da interioridade do ser humano transforma-se em investigação da própria linguagem ficcional. Não escreva no livro.
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Sua leitura Você vai ler agora o trecho inicial do Auto da Compadecida, uma peça de Ariano Suassuna que mescla elementos satíricos, fundo moral religioso característico das peças populares medievais e a literatura de cordel dos cantadores nordestinos. O protagonista é João Grilo, uma figura típica das narrativas da região. A história se passa em Taperoá, cidadezinha situada na Paraíba.
PALHAÇO — Ao escrever esta peça, onde combate o mundanismo, praga de sua igreja, o autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais do que ninguém, que sua alma é um velho catre, cheio de insensatez e de solércia. Ele não tinha o direito de tocar nesse tema, mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente, porque acredita que esse povo sofre e tem direito a certas intimidades. Toque de clarim.
PALHAÇO — Auto da Compadecida! Uma história altamente moral e um apelo à misericórdia. JOÃO GRILO — Ele diz “à misericórdia”, porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada. […] PALHAÇO — O distinto público imagine à sua direita uma igreja, da qual o centro do palco será o pátio. A saída para a rua é à sua esquerda. O resto é com os atores.
catre: cama rústica e simples Compadecida: na peça, refere-se à Nossa Senhora clarim: instrumento musical parecido com uma corneta
JOÃO GRILO — E ele vem mesmo? Estou desconfiado, Chicó. Você é tão sem confiança! CHICÓ — Eu, sem confiança? Que é isso, João, está me desconhecendo? Juro como ele vem. Quer benzer o cachorro da mulher para ver se o bicho não morre. A dificuldade não é ele vir, é o padre benzer. O bispo está aí e Padre João não vai querer benzer o cachorro. JOÃO GRILO — Não vai benzer? Por quê? Que é que um cachorro tem de mais? CHICÓ — Bom, eu digo assim porque sei como esse povo é cheio de coisas, mas não é nada de mais. Eu mesmo já tive um cavalo bento. JOÃO GRILO — Que é isso, Chicó? (Passa o dedo na garganta.) Já estou ficando por aqui com suas histórias. É sempre uma coisa toda esquisita. Quando se pede uma explicação, vem sempre com “não sei, só sei que foi assim”. CHICÓ — Mas se eu tive mesmo o cavalo, meu filho, o que é que eu vou fazer? Vou mentir, dizer que não tive? […]
mundanismo: que é mundano, que se satisfaz com prazeres e bens materiais solércia: astúcia, esperteza
HIPERTEXTO Chicó não desperta confiança porque não dá explicações convincentes para suas histórias. Para conhecer estratégias capazes de dar credibilidade a um discurso, leia um artigo de Vladimir Safatle sobre feminicídio e os boxes que identificam as estratégias empregadas por ele, na parte de Produção de texto (capítulo 35, p. 332).
Suassuna, Ariano. Auto da Compadecida. 35. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2005. p. 16-18.
Sobre o texto 1. Surgido na Europa por volta do século XII, o auto é uma composição que funde elementos cômicos e intenção moralizadora. Como esses dois aspectos aparecem no trecho lido? 2. Na primeira fala reproduzida, o autor justifica a maneira como se fez representar na peça e o assunto dela. Quais são os seus argumentos? 3. Que elementos nesse trecho inicial revelam a valorização da cultura popular?
Arquivo do Estado de Pernambuco, Recife, PE. Fotografia: ID/BR
Capítulo 13 – A terceira fase do Modernismo – o apuro da forma
PALHAÇO — Auto da Compadecida! O ator que vai representar Manuel, isto é, Nosso Senhor Jesus Cristo, declara-se também indigno de tão alto papel, mas não vem agora, porque sua aparição constituirá um grande efeito teatral e o público seria privado desse elemento de surpresa. Toque de clarim.
Aqui pode-se tocar uma música alegre e o Palhaço sai dançando. Uma pequena pausa e entram Chicó e João Grilo.
Pedro Hamdan/ID/BR
[…] Toque de clarim.
Vocabulário de apoio
Navegue Só sei que foi assim Em homenagem aos 60 anos da escrita do Auto da Compadecida, comemorados em 2015, o Jornal do Commercio, do Recife (PE), relembrou a trajetória dessa obra que possui inúmeras montagens, três versões para o cinema e uma para televisão. O site apresenta vasto material: fotos das montagens, reproduções de jornais da época, entrevistas e vídeos. Disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2016.
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Elenco da primeira montagem do Auto da Compadecida, em 1956, no Teatro Santa Isabel, Recife.
Não escreva no livro.
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Sua leitura Você vai ler o trecho inicial de um conto de Sagarana, primeiro livro publicado por Guimarães Rosa. Observe como o narrador apresenta Turíbio Todo, o protagonista, e preste atenção ao uso que ele faz da linguagem e às referências à cultura local.
Duelo Turíbio Todo, nascido à beira do Borrachudo, era seleiro de profissão, tinha pelos compridos nas narinas, e chorava sem fazer caretas; palavra por palavra: papudo, vagabundo, vingativo e mau. Mas, no começo desta estória, ele estava com a razão. Aliás, os capiaus afirmam isto assim peremptório, mas bem que no caso havia lugar para ate nuantes. Impossível negar a existência do papo: mas papo pequeno, discreto, bilobado e pouco móvel – para cima, para baixo, para os lados – e não o escandaloso “papo de mola, quando anda pede esmola”… Além do mais, ninguém nasce papudo nem arranja papo por gosto […]. E, tão modesto papúsculo, incapaz de tentar o bisturi de um operador, não enfeava o seu proprietário: Turíbio Todo era até simpático: forçado a usar colarinho e gravata, às vezes parecia mesmo elegante. Não tinha, porém, confiança nesses dotes, e daí ser bastante misantropo, e dali ter querido ser seleiro, para poder trabalhar em casa e ser menos visto. Ora, com a estrada de ferro, e, mais tarde, o advento das duas estradas de automóvel, rarearam as encomendas de arreios e cangalhas, e Turíbio Todo caiu por força na vadiação. Agora, quanto às vibrissas e ao choro sem visagens, podia ser que indicassem gosto punitivo e maldade, mas com regra, o quanto necessário, não em excesso. E, ainda assim, saibamos todos, os capiaus gostam muito de relações de efeito e causa, leviana e dogmaticamente inferidas: Manuel Timborna, por exemplo, há três ou quatro anos vive discutindo com um canoeiro do Rio das Velhas, que afirma que o jacaré-do-papo-amarelo tem o pescoço cor de enxofre por ser mais bravo do que os jacarés outros, ao que contrapõe Timborna que ele só é mais feroz porque tem a base do queixo pintada de limão maduro e açafrão. E é até um trabalho enorme, para a gente sensata, poder dar razão aos dois, quando estão juntos. […] Guimarães Rosa, João. Duelo. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 175-176.
Sobre o texto 1. No trecho do conto, o narrador menciona as características que os moradores do lugar atribuíam a Turíbio Todo. a) Quais são essas características? b) Após fazer essa descrição, o narrador atesta que nem todas as características atribuídas à personagem correspondem à realidade. Cite uma das correções que ele faz. 2. O narrador, aparentemente, julga-se superior aos moradores do lugar. a) Qual palavra usada por ele permite ao leitor perceber esse sentimento de superioridade? b) Apesar dessa pretensa superioridade, percebe-se que a linguagem do narrador tem afinidades com a linguagem usada naquele povoado. Identifique uma passagem do texto que comprove essa afirmação. 3. Explique com suas palavras a polêmica sobre a ferocidade do jacaré-do-papo-amarelo. Crie outro exemplo de polêmica desse tipo, relacionada a um fato da sua vida cotidiana.
Vocabulário de apoio
bilobado: que possui dois lobos (duas partes) cangalha: armação de madeira ou ferro em que se coloca a carga levada por animais capiau: caipira, indivíduo rústico dogmaticamente: de modo indiscutível, que não admite dúvida inferido: concluído, deduzido misantropo: aquele que tem aversão ao convívio com outras pessoas peremptório: categórico, decidido seleiro: aquele que fabrica selas e outros artefatos de couro vibrissa: pelo que cresce nas narinas visagem: careta
Nos anos 1950, a industrialização acelerada, a migração do campo para a cidade e a expansão demográfica iniciaram o processo de formação dos grandes aglomerados metropolitanos. Com o fenômeno, intensificaram-se muitos problemas urbanos como falta de moradias, saneamento básico e transporte público. 1. Como a vida dos habitantes pode melhorar com políticas públicas mais estratégicas para as cidades? Vista aérea de São Paulo, a cidade mais populosa do país, conforme o Censo 2010, do IBGE. Foto de 2014.
Não escreva no livro.
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Antonio Miotto/Fotoarena
O que você pensa disto?
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capítulo
Vilma Guimarães Rosa/Coleção particular
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João Guimarães Rosa: o universal nascido do regional
o que você vai estudar O narrador: imersão na cultura regional. O tempo: apagamento de fatos históricos. A linguagem: neologismos, arcaísmos e termos eruditos.
João Guimarães Rosa fotografado na década de 1960. Apesar de sua obra mergulhar no universo do sertão brasileiro, especialmente a região do norte de Minas Gerais, do oeste da Bahia e de Goiás, o escritor passou a maior parte de sua vida em centros urbanos.
Uma obra “espantosa” Assim foi qualificado pelo crítico Alfredo Bosi o romance Grande sertão: veredas (1956), do contista e romancista mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967). O adjetivo expressa o espanto e a admiração da crítica literária diante da obra, que consagrou seu autor como um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. A literatura de Guimarães Rosa se inscreve na vanguarda da narrativa brasileira contemporânea, em virtude de três fatores principais: o vocabulário riquíssimo, o narrador totalmente imerso na cultura regional e as histórias variadas e surpreendentes. Por isso, é considerada grandiosa e difícil de ser interpretada desde a publicação de seu primeiro livro de contos, Sagarana (1946). Quando menino, Guimarães Rosa já vivia em bibliotecas, dedicando-se com gosto à leitura. Aprendeu sozinho várias línguas estrangeiras e desenvolveu um conhecimento erudito sobre a língua portuguesa. Formado em medicina, exerceu a profissão em pequenas cidades, conhecendo os costumes locais e as histórias da tradição popular. Aos 26 anos, prestou concurso público e ingressou na carreira diplomática. Morou na Alemanha, na França, na Colômbia e, de volta ao Brasil, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, promovido a embaixador. Além de Sagarana e Grande sertão: veredas, publicou também Corpo de baile (1956), conjunto de novelas posteriormente desmembrado em três volumes: Manuelzão e Miguilim; No Urubuquaquá, no Pinhém e Noites do sertão. Histórias curtas compõem os volumes Primeiras estórias (1962), Tutameia – terceiras estórias (1967) e Estas estórias (1969), publicado postumamente. Seus livros são permanente objeto de interesse da crítica literária, dando margem a inúmeros estudos interpretativos, que atualmente alcançam mais de 1 500 títulos. Prestigiado e premiado no Brasil, Guimarães Rosa teve sua obra traduzida para vários idiomas. Uma de suas grandes contribuições à literatura brasileira foi trazer novamente o regionalismo para o centro da ficção, mas completamente transformado e revitalizado. O alcance da obra do escritor, no entanto, vai além: ele inventou um modo próprio de se relacionar com a palavra e, ao mesmo tempo, criou um mundo que ultrapassou os limites da literatura – seus temas, suas personagens e histórias inspiraram diversas obras nas áreas da música, do teatro e do cinema. 122
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O narrador e as histórias A obra de Guimarães Rosa está impregnada de causos que lembram histórias da tradição oral. Manuel Fulô, protagonista do conto “Corpo fechado”, é um sujeito metido a valentão. Leia o trecho abaixo e veja como o narrador o caracteriza. Vocabulário de apoio
Agora, o Manuel Fulô, este, sim! Um sujeito pingadinho, quase menino – “pepino que encorujou desde pequeno” – cara de bobo de fazenda […] meio surdo, gago, glabro e alvar. Mas gostava de fechar a cara e roncar voz, todo enfarruscado, para mostrar brabeza, e só por descuido sorria, um sorriso manhoso de dono de hotel.
alvar: esbranquiçado; tolo encorujar-se: esconder-se, retrair-se enfarruscado: de aspecto sombrio, carrancudo glabro: sem barba
Guimarães Rosa, João. Corpo fechado. In: Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 300.
— Olha, agora! Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo… O senhor tinha retirado dele os óculos, e Miguilim ainda apontava, falava, contava tudo como era, como tinha visto. […] Coração de Miguilim batia descompasso, ele careceu de ir lá dentro, contar à Rosa, à Maria Pretinha, à Mãitina. […] Quando voltou, o doutor José Lourenço já tinha ido embora. — “Você está triste, Miguilim?” — Mãe perguntou. Miguilim não sabia. Todos eram maiores do que ele, as coisas reviravam sempre dum modo tão diferente, eram grandes demais. Guimarães Rosa, João. Noites do sertão. In: Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 139-140.
Observa-se, nas histórias do escritor, o apagamento de referências cronológicas, o que, para a crítica, faz do sertão de Guimarães Rosa um cenário mítico e atemporal que transcende limites históricos e geográficos. Também se nota, no trecho lido acima, a adesão do narrador à personagem. Tal adesão, promovida pelo uso do discurso indireto livre, faz o leitor mergulhar em um universo quase mágico: a cultura do outro. Não escreva no livro.
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Leia Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 2001. O livro Primeiras estórias, publicado em 1962, é uma excelente porta de entrada para o universo de Guimarães Rosa. Por meio da leitura dos 21 contos do volume, conhece-se a linguagem inventiva do escritor mineiro e a geografia roseana peculiar, onde habitam míticas personagens. Infância, violência, amor e loucura são alguns temas encontrados nas histórias. Destaque para o conto “A terceira margem do rio”, narrativa sobre um homem que, ainda menino, viu seu pai partir para viver em um pequena canoa no meio do rio. Nova Fronteira/Arquivo da editora
A frase do início do trecho lembra uma conversação informal: o advérbio agora indica uma mudança de assunto e a expressão enfática “este, sim!” chama a atenção do interlocutor para o tópico. Outro recurso que remete à oralidade é o dito popular “pepino que encorujou desde pequeno”. O tom de oralidade e o emprego de um vocabulário popular são dois elementos determinantes para a imersão do narrador na cultura regional do sertão. No Brasil, o sertão nomeia toda região pouco povoada. Abarca os estados do Nordeste, do Centro-Oeste e de Minas Gerais, no Sudeste. O cenário preferencial de Guimarães Rosa é o sertão de Minas, Bahia e Goiás. A imersão do narrador na cultura regional se evidencia também nas histórias contadas: muitas exploram o imaginário cultural e religioso do sertão. No conto “Corpo fechado”, por exemplo, o valentão Manuel Fulô contraria sem querer um pistoleiro perigoso. Para enfrentá-lo, recorre a um local místico para “fechar seu corpo”, isto é, torná-lo imune a qualquer malefício. O tema da história pode também ser banal, como a correção de problemas de visão com o uso de óculos. Veja como o narrador descreve o encantamento de Miguilim ao experimentar os óculos de um “doutor” da cidade.
Capa do livro Primeiras estórias.
Vocabulário de apoio
carecer: precisar de descompasso: descompassado, fora do ritmo
Margens do texto 1. Releia: “Aqui, ali, meu Deus, tan ta coisa, tudo…”. Como a cons trução sintática do trecho repre senta as sensações do menino ao experimentar os óculos? 2. Para Miguilim, as coisas “eram grandes demais”. Explique co mo essa afirmação pode ser entendida. 123
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A linguagem A crítica classifica a obra de Guimarães Rosa como uma literatura de invenção, que tem como aspecto mais evidente os neologismos. No conjunto de sua obra, o autor criou cerca de 8 mil palavras. Para criar seus neologismos, o escritor usou recursos bastante variados, retomando processos criativos verificados ao longo da história da língua portuguesa – seus neologismos atualizaram procedimentos fonológicos e morfológicos que estiveram em operação desde as origens da língua. A inovação ocorre também pelo uso de arcaísmos, palavras não mais empregadas correntemente. Reaparecendo no texto literário moderno, elas adquirem um surpreendente frescor, que lhes dá sabor de novidade. Juntam-se aos neologismos e aos arcaísmos os termos eruditos, muitas vezes lado a lado com vocábulos e ditos populares. No campo da sintaxe, observa-se o domínio extremo do ritmo das frases, nas quais é possível perceber a musicalidade da fala sertaneja. Não se trata, porém, de uma musicalidade imitada da fala, e sim construída literariamente. Leia um trecho do conto “Dão-lalalão”, publicado em Noites do sertão. Soropita é um sertanejo que, ao voltar para casa, montado em seu cavalo, está completamente embrenhado em seus pensamentos.
Guimarães Rosa, João. Noites do sertão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976. p. 13-14.
Outro elemento importante na linguagem de Guimarães Rosa é o humor, presente na criação de tipos cômicos e nas piadas e anedotas que fazem parte dos contos e das novelas. Manuel Fulô, a personagem valentona, tem uma relação curiosa com sua mula Beija-Flor.
cismoso [neologismo]: do verbo cismar, estar absorto em pensamentos desentreter-se [neologismo]: distrair-se deslim [neologismo]: de deslindamento; efeito de desembaraçar, desemaranhar escorregoso [neologismo]: escorregar + oso, escorregadio juriti: ave que habita o cerrado jururu: triste, cabisbaixo nhenhar [neologismo]: possivelmente relacionado ao som emitido pelo gavião roxoxol [neologismo]: possível aglutinação dos vocábulos roxo e sol ruminação: reconsideração periódica de um mesmo assunto
Margens do texto “Sua alma, sua palma” é um dito popular que indica reprovação de atitude impensada ou imprudente do interlocutor. Explique que sen tido o narrador acrescenta ao dito a partir do trocadilho entre as pa lavras palma e calma. Vocabulário de apoio
O meu amigo gostava de moças, de cachaça, e de conversar fiado. Mas tinha a Beija-Flor. Ah, essa era mesmo um motivo! Uma besta ruana, de cruz preta no dorso, lisa vistosa e lustrosa, sábia e mansa – mas só para o dono. [...] e era o orgulho do Manuel Fulô. Mais do que isso, era o seu complemento. Juntos, centaurizavam gloriosamente. Aos domingos, Manuel Fulô era infalível [...]. Corria, um por um, todos os botequins [...]. De tardinha, na hora de pegar a estrada, [...] ele, tonto qual jamais outro, perdia logo a perpendicularidade, e se abraçava ao pescoço da mula, que se extremava em cuidados e atenções. [...]
centaurizar [neologismo]: verbo derivado de Centauro, ser da mitologia grega, metade homem, metade cavalo perpendicularidade: posição perpendicular; capacidade de ficar reto em relação ao chão ruano: refere-se a montaria de pelagem mesclada (branca, preta e castanha)
Guimarães Rosa, João. Corpo fechado. In: Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 301-302.
O narrador usa um eufemismo com efeito cômico. Ele diz que Manuel “perdia a perpendicularidade”, quando, na reali dade, pendurava-se na égua, formando um só corpo com o animal, de tão bêbado que estava.
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Veridiana Scarpelli/ID/BR
Capítulo 14 – João Guimarães Rosa: o universal nascido do regional
[…] Conhecia de cor o caminho, cada ponto e cada volta, e no comum não punha maior atenção nas coisas de todo tempo: o campo, a concha do céu, o gado nos pastos – os canaviais, o milho maduro – o nhenhar alto de um gavião – os longos resmungos da juriti jururu – a mata preta de um capão velho – os papagaios que passam no mole e batido voo silencioso […] – o roxoxol de poente ou oriente – o deslim de um riacho. Só cismoso, ia entrado em si, em meio-sonhada ruminação. Sem dela precisar de desentreter-se, amparava o cavalo com firmeza de rédea, nas descidas, governando-o nos trechos de fofo chão arenoso, e bambeando para ceder à vontade do animal, ladeira acima, […] e naquelas passagens sobre clara pedra escorregosa, que as ferraduras gastam em mil anos. Sua alma, sua calma.
Vocabulário de apoio
capão: mato isolado no meio do campo
Não escreva no livro.
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Grande sertão: veredas Grande sertão: veredas, um romance de cerca de seiscentas páginas, é considerado a obra-prima de Guimarães Rosa. Trata-se de um monólogo em que Riobaldo, um ex-jagunço, conta a história de sua vida a um “doutor”, homem letrado da cidade. Quando o livro começa, Riobaldo, já idoso, está estabelecido como um próspero fazendeiro. A existência e as reações do interlocutor são reveladas ao leitor exclusivamente por meio da fala de Riobaldo. Vocabulário de apoio
— Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser – se viu –; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram — era o demo. Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abusões. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente – depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. [...]
abusão: crendice, superstição alvejar: atirar erroso [neologismo]: monstruoso nonada: ninharia, bobagem prascóvio [neologismo]: tolo, ingênuo
Repertório
O “sistema jagunço” No romance Grande sertão: veredas, Riobaldo usa várias ve zes a expressão “sistema jagun ço”, do qual ele mesmo fez parte. Jagunços são pistoleiros a serviço de fazendeiros poderosos, que constituem assim exércitos par ticulares, totalmente à margem das Forças armadas e policiais legalmente constituídas. Ao lon go da narrativa, aparecem vá rios fazendeiros-chefes de ban do: Medeiro Vaz, Joca Ramiro, Zé Bebelo, Hermógenes e o próprio Riobaldo, que a certa altura da história progride de jagunço a chefe de bando e depois se torna um próspero fazendeiro – mo mento em que conta sua histó ria ao visitante da cidade. A ba talha final do romance ocorrerá entre o bando de Hermógenes, que assassinou Joca Ramiro, e o de Riobaldo, que pretende vin gar aquele assassinato.
Esse trecho de abertura apresenta ao interlocutor de Riobaldo (e também ao leitor) os grandes temas do livro: o diabo e o sertão. Ao longo de toda a narrativa, Riobaldo se pergunta obsessivamente se fez ou não fez um pacto com o diabo e se o diabo de fato existe. Esse pretenso pacto teria ocorrido quando Riobaldo vivia no “sistema jagunço”, que predominava no sertão desde a época de sua infância até sua maturidade. No momento em que ele começa a contar suas peripécias, o “sistema jagunço” fora pacificado por forças legalistas, mas no trecho citado há referência a tiroteios frequentes que podem ser um resíduo dos tempos em que aquele sistema imperava. As aventuras de Riobaldo incluem a amizade e o amor por Diadorim, seu companheiro de jagunçagem; as lutas contra o bando de Hermógenes; seus encontros com mulheres; e o suposto pacto com o diabo, após o qual ele passa de jagunço a chefe de bando e comete uma série de abusos. De aventura em aventura, a narrativa apresenta uma infinidade de personagens que constitui o povo do sertão. Riobaldo conta também a história deles, à maneira de “causos” da história oral, como é característico em toda a obra de Guimarães Rosa. O tema do bem e do mal aparece com frequência, e às vezes bem e mal se misturam na mesma personagem. Por exemplo, o jagunço Joé Cazuzo “vê” Nossa Senhora no meio de uma batalha, larga a jagunçagem e se torna um cidadão honesto. Outras vezes o mal não é acompanhado de nenhum arrependimento ou ternura, como é o caso do menino Valtêi, que sempre trata com crueldade os animais. Há numerosos estudos interpretativos a respeito de Grande sertão: veredas que podem ser divididos em três grupos: análises que situam a obra no universo geral da literatura; interpretações esotéricas, mitológicas e metafísicas; e interpretações sociológicas e políticas. Ou seja, a obra permite múltiplas abordagens e cada uma dessas tendências ilumina pontos diferentes desse grande romance brasileiro. Não escreva no livro.
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Eugênio Silva/O Cruzeiro/ EM/D.A Press
Guimarães Rosa, João. Grande sertão: veredas. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. p. 9.
Em 1952, o escritor Guimarães Rosa percorreu mais de 240 quilômetros do interior de Minas Gerais com um grupo de boiadeiros. Essa viagem é considerada uma grande fonte de inspiração para o romance Grande sertão: veredas, publicado quatro anos mais tarde. 125
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Sua leitura Os dois trechos a seguir pertencem ao romance Grande sertão: veredas. Leia-os e responda às questões propostas. Texto 1
Capítulo 14 – João Guimarães Rosa: o universal nascido do regional
Pedro Hamdan/ID/BR
[...] De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp’ro, não fantasêia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular ideia. O diabo existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias. O senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água se caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso. Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! – é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco – é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso – por estúrdio que me vejam – é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço. Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela – já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças – eu digo. Pois não é ditado: “menino – trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, na água, na terra, no vento... Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho... Hem? Hem? Ah. Figuração minha, de pior pra trás, as certas lembranças. Mal haja-me! Sofro pena de contar não... Melhor, se arrepare: pois, num chão, e com igual formato de ramos e folhas, não dá a mandioca mansa, que se come comum, e a mandioca-brava que mata? Agora, o senhor já viu uma estranhez? A mandioca doce pode de repente virar azangada – motivos não sei: às vezes se diz que é por replantada no terreno sempre, com mudas seguidas, de manaíbas – vai em amargando, de tanto em tanto, de si mesma toma peçonhas. E, ora veja: a outra, a mandioca-brava, também é que às vezes pode ficar mansa, a esmo, de se comer sem nenhum mal. E que isso é? Eh, o senhor já viu, por ver, a feiura de ódio franzido, carantonho, nas faces duma cobra cascavel? Observou o porco gordo, cada dia mais feliz e bruto, capaz de, pudesse, roncar e engulir por sua suja comodidade o mundo todo? E gavião, corvo, alguns, as feições deles já representam a precisão de talhar para adiante, rasgar e estraçalhar a bico, parece uma quicé muito afiada por ruim desejo. Tudo. Tem até tortas raças de pedras, horrorosas, venenosas – que estragam mortal a água, se estão jazendo em fundo de poço; o diabo dentro delas dorme: são o demo. Se sabe? E o demo – que é só assim o significado dum azougue maligno – tem ordem de seguir o caminho dele, tem licença para campear?! Arre, ele está misturado em tudo. Guimarães Rosa, João. Grande sertão: veredas. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. p. 11-12.
Texto 2 Agora, bem: não queria tocar nisso mais – de o Tinhoso; chega. Mas tem um porém: pergunto: o senhor acredita, acha fio de verdade nessa parlanda, de com o demônio se poder tratar pacto? Não, não é não? Sei que não há. Falava das favas. Mas gosto de toda boa confirmação. Vender sua própria alma... Invencionice falsa! E, alma, o que é? Alma tem de ser coisa interna supremada, muito mais do de dentro, e é só, do que um se pensa: ah, alma absoluta! Decisão de vender alma é afoitez vadia, fantasiado de momento, não tem a obediência legal. Posso vender essas boas terras, daí de entre as Veredas-Quatro – que são dum senhor Almirante, que reside na capital federal? Posso algum!? Então, se um menino menino é, e por isso não se autoriza de negociar... E a gente, isso sei, às vezes é só feito menino. Mal que em minha vida aprontei, foi numa certa meninice em sonhos – tudo corre e
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Vocabulário de apoio
abrenúncio: “Deus me livre!”; “sai, demônio!” a esmo: ao acaso aragem: momento favorável, de boa sorte asp’ro: áspero assisado: ajuizado azangado: enfeitiçado, doente azougue: mercúrio (e, por extensão, veneno) campear: mover-se pelos campos carantonha: cara feia, careta crespos: sulcos, rugas especular: estudar, raciocinar estúrdio: estranho, incomum jazer: localizar-se manaíba: pedaço do caule da mandioca usado para muda mercê: favor moquém: grelha em que se coloca carne ou peixe para assar peçonha: substância venenosa quicé: faca rústica redemunho [arcaísmo]: redemoinho retombar: ressoar, fazer estrondo viger: vigorar, ter vigor
Não escreva no livro.
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chega tão ligeiro; será que se há lume de responsabilidades? Se sonha; já se fez... Dei rapadura ao jumento! Ahã. Pois. Se tem alma, e tem, ela é de Deus estabelecida, nem que a pessoa queira ou não queira. Não é vendível. O senhor não acha? Me declare, franco, peço. Ah, lhe agradeço. Se vê que o senhor sabe muito, em ideia firme, além de ter carta de doutor. Lhe agradeço, portanto. Sua companhia me dá altos prazeres. Em termos, gostava que morasse aqui, ou perto, era uma ajuda. Aqui não se tem convívio que instruir. Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso... Eh, que se vai? Jàjá? É que não. Hoje, não. Amanhã, não. Não consinto. O senhor me desculpe, mas em empenho de minha amizade aceite: o senhor fica. Depois, quinta de-manhã-cedo, o senhor querendo ir, então vai, mesmo me deixa sentindo sua falta. Mas, hoje ou amanhã, não. Visita, aqui em casa, comigo é por três dias! [...]
Vocabulário de apoio
afoitez: atrevimento lume: brilho; sinal parlanda: parlenda, discussão importuna tinhoso: diabo
Guimarães Rosa, João. Grande sertão: veredas. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. p. 22.
Sobre os textos 1. No início do texto 1, o narrador descreve-se em dois períodos distintos de sua vida: antes e depois de pegar gosto pela reflexão filosófica (ou, como ele diz, por “especular ideias”). a) Identifique as expressões que ele usa para caracterizar esses dois momentos. b) Aponte uma interpretação possível para cada uma dessas expressões. 2. No texto 1, em sua reflexão sobre a existência ou não do diabo, Riobaldo desenvolve uma curiosa argumentação com base em uma analogia com a cachoeira. Explique-a com suas palavras, explicitando a tese defendida por ele. 3. Que tema passa a ocupar os pensamentos e as rememorações de Riobaldo no texto 2? 4. Que função parecem ter, nos dois textos, as interrogações, as interjeições e as reticências na fala de Riobaldo? Explique sua resposta. 5. A fala de Riobaldo demarca dois mundos distintos: o mundo da cidade, de quem sabe mui to, tem ideias firmes e carta de doutor, e o mundo do sertão, em que “não se tem convívio que instruir”. No momento da narrativa, em qual desses mundos ele se encontra? Justifique. 6. A ambiguidade é um traço característico de Grande sertão: veredas. Aponte como ela se manifesta no texto 2. 7. “Viver é muito perigoso” é uma espécie de lema que guia a existência de Riobaldo e é repe tido insistentemente ao longo de todo o livro. Indique uma possível interpretação para essa afirmação, relacionando-a ao caráter universal que o romance de Guimarães Rosa conferiu à temática regionalista.
A diversidade cultural é uma das maiores riquezas da humanidade. Para que ela continue a existir, é condição que os costumes regionais contem com formas legíti mas e asseguradas de expressão. No entanto, o processo de globalização, os modelos econômicos e a difusão dos meios de comunicação de massa impõem a padronização dos hábitos de consumo e de modos de vida.
Ale Ruaro/Pulsar Imagens
O que você pensa disto?
1. Quais são os hábitos, as palavras e as expressões, os ritmos e as danças característicos de sua região? De que maneira eles se aproximam e/ou se distanciam daqueles das demais regiões do país? 2. Essas características culturais são preservadas ou correm o risco de desaparecer? Tomar chimarrão é um hábito das comunidades do Rio Grande do Sul ligado ao plantio da erva ‑mate e ao clima frio da região. O chimarrão faz parte da cultura local e está enraizado no modo de vida, no comportamento e na identidade do povo gaúcho. Foto de 2010, Quaraí (RS).
Não escreva no livro.
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capítulo
Acervo/Folhapress
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Clarice Lispector: a iluminação do cotidiano
o que você vai estudar Clarice Lispector e a ficção de vanguarda. Crise da subjetividade e monólogo interior. Cotidiano e epifania.
Clarice Lispector na época do lançamento de seu livro Visão do esplendor, uma coletânea de textos sobre Brasília. Foto de 1975.
Clarice Lispector ocupa, ao lado de João Guimarães Rosa, papel central no que a crítica literária convencionou chamar de ficção de vanguarda brasileira. Sua obra contrasta radicalmente com o romance brasileiro da década de 1930, em que escritores como José Lins do Rego e Graciliano Ramos já haviam colocado em prática inovações significativas, mas ainda privilegiavam a temática sobre a forma. Dando continuidade à narrativa de sondagem psicológica, praticada apenas incidentalmente na segunda fase do Modernismo brasileiro, Clarice leva esse trabalho às últimas consequências, “menos interessada nos fatos em si do que na repercussão desses fatos sobre o indivíduo” (palavras dela). Filha de judeus, Clarice emigrou com a família da Ucrânia para o Brasil quando tinha dois anos. Desde que foi alfabetizada, manifestou interesse pela leitura. Ainda criança, arriscou-se a escrever uma peça de teatro (Pobre menina rica) e pequenas histórias que enviava para um jornal de Recife (PE), onde residia, mas que nunca foram publicadas. Diferentemente das narrativas de outras crianças, centradas em anedotas ou acontecimentos, as suas se ocupavam mais do relato de sensações, impressões, “coisas vagas”, nas palavras da autora, traço que se consolidou como característico em sua obra. Embora tenha se graduado em Direito, Clarice nunca advogou. A profissão que lhe deu os meios para viver foi o jornalismo, em que atuou como cronista e repórter. Foi autora de colunas em diversas revistas femininas, nas quais tratava de assuntos como moda, saúde, etiqueta, culinária, etc., mas também incitava as mulheres a uma mudança de comportamento: “Sejam vocês mesmas! Estudem cuidadosamente o que há de positivo ou negativo na sua pessoa e tirem partido disso”, dizia Helen Palmer, um de seus pseudônimos. Clarice publicou extensa obra literária, na qual se destacam romances como Perto do coração selvagem (1944), O lustre (1946), A cidade sitiada (1949), A maçã no escuro (1961), A paixão segundo G.H. (1964), Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969), Água viva (1973) e A hora da estrela (1977), além de livros de contos como Laços de família (1960), A legião estrangeira (1964), Felicidade clandestina (1971) e A via crúcis do corpo (1974). 128
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A crise da subjetividade
[...] Ouve-me, ouve o silêncio. O que te falo nunca é o que eu te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão. [...] Lispector, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 14.
Um recurso narrativo radicaliza a imersão na intimidade das personagens da obra clariciana: o monólogo interior. Essa técnica apresenta o mundo a partir de um ângulo central, limitado aos sentimentos, pensamentos e percepções da personagem, geralmente utilizando o discurso indireto livre. Por meio dela, aprofunda-se a sondagem da mente. É como se o “eu” da personagem se interrogasse, num profundo processo de autoinvestigação, em que o fluxo ininterrupto de pensamentos se exprime, por vezes, em uma linguagem fragmentada, frágil em nexos lógicos, que subverte os limites de tempo e espaço.
Leia A hora da estrela, de Clarice Lispector. Rocco: São Paulo, 1998. A hora da estrela é o último livro escrito por Clarice Lispector, no qual ela articula com grande habilidade duas histórias. Em um plano, há a história de Macabea, jovem nordestina que tenta sobreviver na cidade do Rio de Janeiro como datilógrafa. Como outras personagens claricianas, ela leva uma vida ordinária e marcada pela miséria até que algo acontece. Soma-se a esse plano a reflexão do narrador Rodrigo S.A. (o primeiro masculino na carreira da autora) sobre o processo de escritura da narrativa a respeito de Macabea. Na obra, a escritora alia temática social com uma profunda meditação sobre o fazer ficcional. Rocco/Arquivo da editora
A prosa de Clarice desce cada vez mais fundo na representação da realidade íntima do ser humano. Desfaz a linha cronológica do enredo, rompe a fronteira entre a voz do narrador e a das personagens, cria metáforas inusitadas. É tão denso o percurso que faz pela memória e pela análise do sujeito fragmentado do século XX que a própria subjetividade entra em crise, e a linguagem, não raramente, falha em representar esse conflito.
[...] De repente a mulher desviou o rosto: é que os olhos do macaco tinham um véu branco gelatinoso cobrindo a pupila, nos olhos a doçura da doença, era um macaco velho — a mulher desviou o rosto, trancando entre os dentes um sentimento que ela não viera buscar, apressou os passos, ainda voltou a cabeça espantada para o macaco de braços abertos: ele continuava a olhar para a frente. “Oh não, não isso”, pensou. E enquanto fugia, disse: “Deus, me ensine somente a odiar”. “Eu te odeio”, disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. “Eu te odeio”, disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma? [...]
Capa do livro A hora da estrela, de Clarice Lispector.
Lispector, Clarice. O búfalo. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 127.
O monólogo interior costuma derivar de uma sensação de arrebatamento do indivíduo, a chamada epifania. Essa palavra remete à ideia de “manifestação ou revelação extraordinária”, quase sempre desencadeada por uma situação trivial. As personagens levam uma vida ordinária até que o inesperado acontece, revelando uma imagem perturbadora e maravilhosa da vida. — Não esqueci de nada..., recomeçou a mãe, quando uma freada súbita do carro lançou-as uma contra a outra e fez despencarem as malas. — Ah! ah! — exclamou a mãe como a um desastre irremediável, ah! dizia balançando a cabeça em surpresa, de repente envelhecida e pobre. E Catarina? Catarina olhava a mãe, e a mãe olhava a filha, e também a Catarina acontecera um desastre? seus olhos piscaram surpreendidos, ela ajeitava depressa as malas, a bolsa, procurando o mais rapidamente possível remediar a catástrofe. Porque de fato sucedera alguma coisa, seria inútil esconder: Catarina fora lançada contra Severina, numa intimidade de corpo há muito esquecida, vinda do tempo em que se tem pai e mãe. [...]
Margens do texto Severina e Catarina estão em um táxi rumo à estação, após uma visita de duas semanas da mãe à casa da filha. Que fato aparentemente banal desencadeia uma epifania no enredo? O que esse fato parece revelar sobre a relação entre as personagens?
Lispector, Clarice. Os laços de família. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 96.
O gatilho da epifania, acionado pelo cotidiano, dá início então a uma reflexão sobre a existência, capaz de misturar sensações antagônicas, como o medo e o fascínio, o desejo e a repulsa, as delícias e o sofrimento de viver. Não escreva no livro.
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Sua leitura
Capítulo 15 – Clarice Lispector: a iluminação do cotidiano
Amor Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação. Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. [...] Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. [...] Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. [...] com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem. [...] Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha – com persistência, continuidade, alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e escolhera. [...] O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto. A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego. O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranquila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles. [...] o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão [...]. Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. [...] Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito. [...] Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. [...] E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca. Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. [...] [...] Enfim pôde localizar-se. Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico. [...] [...] E de repente, com mal-estar, pareceu-lhe ter caído numa emboscada. Fazia-se no Jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber. Nas árvores as frutas eram pretas, doces como mel. Havia no chão caroços secos cheios de circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos. O banco estava manchado de sucos roxos. Com suavidade intensa rumorejavam as águas. No tronco da árvore pregavam-se as luxuosas patas de uma aranha. A crueza do mundo era tranquila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos. [...] Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e ela sentia nojo. Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. [...]
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Você lerá um trecho do conto “Amor”, um dos mais conhecidos de Clarice Lispector, extraído do livro Laços de família. Ele narra a história de Ana, uma dona de casa cuja vida pacata é subitamente afetada por um fato aparentemente banal, durante uma viagem de bonde.
Vocabulário de apoio
apaziguar: acalmar, aquietar aprumar: ajeitar-se, endireitar o corpo circunvolução: contorno sinuoso fazenda: pano ou tecido flama: chama Humaitá: bairro do Rio de Janeiro rumorejar: sussurrar, produzir rumor sebe: cerca de plantas ou arbustos secos sumarento: que tem muito caldo, suculento
Não escreva no livro.
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Lispector, Clarice. Amor. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 19-29.
Sobre o texto 1. A epifania de Ana é desencadeada pela visão de um cego mascando chiclete. Por que essa imagem a perturba tanto? 2. O confronto de Ana com o homem cego desencadeia uma crise em que ela se percebe impotente diante dos paradoxos e das contradições da existência. Localize pelo menos três exemplos de ocorrência de paradoxos no texto. 3. Expressões construídas em torno das palavras vida e viver demarcam a trajetória da protagonista ao longo da narrativa. a) Releia o seguinte trecho e responda: Como se explica a ideia de “doença de vida”? Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. [...] Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto.
b) Ana retorna ao apartamento tomada da “pior vontade de viver”. Mais tarde, seu marido segura sua mão, “afastando-a do perigo de viver”. Explique o que muda na condição de Ana entre esses dois momentos. 4. Descreva o foco narrativo do conto e relacione-o ao seu caráter intimista. 5. Embora “Amor” represente um drama particular e existencial, é possível entrever nele um debate de natureza também social. Explique-o, relacionando-o à revelação epifânica experimentada pela protagonista.
Embora Clarice Lispector rejeitasse o rótulo de feminista e a ideia de que produzia uma literatura engajada à causa feminista, sua obra contribuiu com o movimento de emancipação da mulher. O simples fato de atribuir profundidade psicológica às personagens femininas causou espanto no público masculino conservador. 1. Na atualidade, as escritoras também sofrem preconceitos na recepção de suas obras? Por quê? 2. Em sua opinião, como as mulheres são representadas na literatura, no cinema e na televisão?
Jim Spellman/WireImage/Getty Images
O que você pensa disto?
Pedro Hamdan/ID/BR
Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. [...] Não havia como fugir. [...] De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver. [...] Depois do jantar, enfim, a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Ria‑se de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu. Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? [...] [...] Hoje de tarde alguma coisa tranquila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver. Acabara-se a vertigem de bondade. E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.
HIPERTEXTO Além de apresentar três partes sintaticamente semelhantes, esse enunciado reúne palavras do mesmo campo semântico – cansados, felizes e dispostos –, reforçando a caracterização da ordem familiar. Para saber mais sobre campo semântico, consulte a parte de Produção de texto (capítulo 29, p. 289).
Lembre-se
O paradoxo é um recurso linguístico que consiste na associação de ideias contraditórias e aparentemente excludentes em um mesmo enunciado. Ex: Um silêncio ensurdecedor chegava até nossos ouvidos.
A atriz Emma Watson divulga a campanha Eles por Elas, da ONU Mulheres, para conscientização sobre a importância da igualdade de gênero. Foto de 2015.
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João Cabral de Melo Neto: a arquitetura da linguagem
capítulo
o que você vai estudar A poesia como construção. As duas vertentes da obra de João Cabral.
O pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é contemporâneo dos poetas da chamada geração de 1945, que retomam os modelos clássicos de composição. Cabral compartilha com eles o formalismo no tratamento da linguagem. Em sua poesia, no entanto, o rigor é muito mais que a volta a convenções consagradas; representa uma maneira de compreender a própria realização do fenômeno artístico. João Cabral é o idealizador de uma poesia calculadamente arquitetada para apreender a emotividade que há nas coisas do mundo, sem que o poeta tenha de, para isso, partir de uma emoção pessoal.
Milton Michida/Estadão Conteúdo
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João Cabral de Melo Neto: a arquitetura da linguagem
João Cabral de Melo Neto autografa livro em São Paulo. Foto de 1997.
Uma poesia racional Os dois últimos livros publicados por João Cabral se intitulam Sevilha andando (1989) e Andando Sevilha (1990). O jogo de simetrias sugerido pelos títulos é um bom exemplo da preocupação de João Cabral em equacionar rigorosamente em texto a desordem do mundo e da intimidade sentimental. Por conta dessa busca da construção racional da poesia, as imagens do arquiteto e do engenheiro são frequentemente associadas ao poeta.
O engenheiro A luz, o sol, o ar livre envolvem o sonho do engenheiro. O engenheiro sonha coisas claras: superfícies, tênis, um copo de água.
A água, o vento, a claridade de um lado o rio, no alto as nuvens, situavam na natureza o edifício crescendo de suas forças simples. Daniel Almeida/ID/BR
A Antônio B. Baltar
O lápis, o esquadro, o papel; o desenho, o projeto, o número: o engenheiro pensa o mundo justo, mundo que nenhum véu encobre. (Em certas tardes nós subíamos ao edifício. A cidade diária, como um jornal que todos liam, ganhava um pulmão de cimento e vidro.) Melo Neto, João Cabral de. O engenheiro. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 69-70.
A concepção da poesia como construção racional leva à recusa do sentimentalismo lírico e a certa despersonalização da expressão poética. Outra consequência é a rejeição da ideia de inspiração, o que remete o fazer poético ao campo do trabalho intelectual. 132
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Duas águas: a poesia e o Nordeste Em 1956, João Cabral de Melo Neto lançou Duas águas, livro em que reunia toda sua obra publicada até então – Pedra do sono (1942), Os três mal-amados (1943), O engenheiro (1945), Psicologia da composição com a “Fábula de Anfion e Antiode” (1947) e O cão sem plumas (1950) – e também os inéditos O rio (1954), Morte e vida severina (1956), Paisagens com figuras (1956) e Uma faca só lâmina (1956). Depois disso, Cabral lançaria mais 11 livros de poemas. Desde a coletânea de 1956, porém, já era possível identificar duas linhas de interesse, mais nitidamente delineadas nos anos 1950, que marcariam a obra do poeta: a natureza da linguagem poética e o drama nordestino. As primeiras obras de Cabral, compreendidas até a publicação do livro Psicologia da composição, permitem antever a primeira linha, tendo como preocupação de fundo uma questão metalinguística. A influência da pintura surrealista do primeiro livro vai cedendo espaço à dessublimação da poesia e do eu lírico, da retirada da aura sublime e elevada do fazer poético. É mineral, por fim, qualquer livro: que é mineral a palavra escrita, a fria natureza
Daniel Almeida/ID/BR
É mineral o papel onde escrever o verso; o verso que é possível não fazer. [...]
da palavra escrita.
Melo Neto, João Cabral de. Psicologia da composição. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 96.
[...] um rio precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases curtas, então frase e frase, até a sentença-rio do discurso único em que se tem voz a seca ele combate.
Daniel Almeida/ID/BR
Nesses versos, ao qualificar como “minerais” o papel e a palavra escrita, instrumentos da expressão poética, o eu lírico afirma também a “mineralidade” da subjetividade – portanto, a voz do poema é dura, pétrea, despersonalizada. Essa forma de conceber a poesia mantém-se presente nas obras posteriores a Psicologia da composição, mas nelas o assunto preferencial passa a ser o drama nordestino. A inserção decisiva da realidade social ocorre a partir de O cão sem plumas e O rio. A aproximação metafórica entre o rio Capibaribe, a miséria da população ribeirinha e a imagem degradada de um cão sem plumas ecoa posteriormente na história sofrida de um homem nordestino, Severino, protagonista do livro Morte e vida severina. Ele é um fugitivo da seca do sertão, e sua vida representa metonimicamente a história de todo um povo, o que se traduz na transformação do nome da personagem (Severino) em adjetivo (severina). Nas obras posteriores, as duas linhas de interesse sugeridas por Duas águas (a reflexão sobre a composição do poema e a expressão do drama nordestino e humano) continuam a ser trabalhadas em cada obra, definindo cada vez mais precisamente o projeto poético de João Cabral. O ponto culminante dessa investigação encontra-se no livro A educação pela pedra, de 1966. Nele, a busca pela simetria na composição é levada às últimas consequências. Com 48 poemas, a obra é dividida em quatro seções de 12 textos cada, organizadas pela forma (poemas de 16 versos nas duas primeiras seções, e de 24 versos nas outras duas) e pela temática (social em duas seções intituladas “Nordeste” e de temas variados nas outras duas, chamadas “Não Nordeste”). É com essa lucidez e vigilância racionalista que João Cabral tenta apreender da pedra sertaneja uma lição de aspereza, incorporando-a à sua poética. Assim, realiza uma das mais importantes obras da literatura brasileira, pela intensa pesquisa estilística que elabora, pela denúncia da miséria do povo nordestino, pela reflexão sobre o drama humano e pela mensagem de resistência que extrai de uma observação árida da vida.
Melo Neto, João Cabral de. Rios sem discurso. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 351.
Não escreva no livro.
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Margens do texto De que maneira a aproximação simbólica entre rio e discurso representa uma alternativa de resistência contra o drama da seca? Vocabulário de apoio
enfrasear-se: tornar-se frase
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Sua leitura Nesta página, estão transcritos trechos do livro O cão sem plumas (texto 1). Na página seguinte, há dois trechos extraídos do começo e do fim de Morte e vida severina (um “auto de Natal pernambucano”). O primeiro trecho (texto 2) apresenta o protagonista Severino, retirante que foge do sertão em direção ao Recife. O segundo (texto 2), última passagem da obra, traz a fala do carpinteiro Mestre José, que tenta fazer Severino desistir da ideia de suicídio. Texto 1
O cão sem plumas I. (Paisagem do Capibaribe) A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro; uma fruta por uma espada. O rio ora lembrava a língua mansa de um cão, ora o ventre triste de um cão, ora o outro rio de aquoso pano sujo dos olhos de um cão.
Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem. Sabia da lama como de uma mucosa. Devia saber dos polvos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras. [...] II. (Paisagem do Capibaribe) Entre a paisagem o rio fluía como uma espada de líquido espesso.
Entre a paisagem (fluía) de homens plantados na lama; de casas de lama plantadas em ilhas coaguladas na lama; paisagem de anfíbios de lama e lama. Como o rio aqueles homens são como cães sem plumas (um cão sem plumas é mais que um cão saqueado; é mais que um cão assassinado. Um cão sem plumas é quando uma árvore sem voz. É quando de um pássaro suas raízes no ar. É quando a alguma coisa roem tão fundo até o que não tem). O rio sabia daqueles homens sem plumas. Sabia de suas barbas expostas, de seu doloroso cabelo de camarão e estopa. [...]
Na primeira estrofe, repetem-se, com fins expressivos, construções sintáticas em que aparece o agente da passiva, termo que indica o realizador da ação nas orações construídas com a voz passiva do verbo. O agente da passiva está explicado na parte de Linguagem (capítulo 21, p. 188).
Vocabulário de apoio
cântaro: espécie de vaso usado para transportar líquidos estopa: tecido composto de fios grossos e usado para limpar lodo: terra misturada à matéria em decomposição no fundo das águas dos rios, dos mares, etc. mucosa: membrana úmida que recobre as cavidades do corpo humano saqueado: assolado, devastado
Melo Neto, João Cabral de. O cão sem plumas. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 105-108.
Sobre o texto
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Capítulo 16 – João Cabral de Melo Neto: a arquitetura da linguagem
Aquele rio era como um cão sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água.
Como um cão humilde e espesso.
HIPERTEXTO
1. Pela leitura dos trechos de O cão sem plumas, o que você acha que a imagem do título sugere? A quais elementos do poema ela estaria relacionada? Explique. 2. A primeira estrofe apresenta duas comparações para a passagem do rio pela cidade. a) Quais são essas comparações? b) Qual delas é mais desenvolvida no trecho reproduzido? c) Na sua opinião, qual é a importância da outra comparação? 3. Explique a relação de contraste entre a terceira e a quarta estrofes da primeira parte de O cão sem plumas. Em seguida, comente qual é a importância desse contraste para a ideia desenvolvida pelo poema a partir da simbologia do título.
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Texto 2
— O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. [...] Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas, e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar terra sempre mais extinta, a de querer arrancar algum roçado da cinza. Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra. [...] O carpina fala com o retirante que esteve de fora, sem tomar parte em nada — Severino retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga; é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, severina; mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida; mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida; mesmo quando é uma explosão como a de há pouco, franzina; mesmo quando é a explosão de uma vida severina.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Morte e vida severina O retirante explica ao leitor quem é e a que vai
Melo Neto, João Cabral de. Morte e vida severina. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 171-172, 201-202.
Sobre o texto 1. O protagonista comenta que, “de pia” (de batismo), só possui o nome Severino, mas explica que este não é suficiente para defini-lo, já que há outras pessoas com o mesmo nome. A existência de vários outros Severinos de batismo alude a que problemática desenvolvida no restante da passagem lida do poema? 2. Quais são os elementos que definem a vida de um “Severino”? Responda com base no texto. 3. Diante da desilusão de Severino, que tipo de resposta o carpina dá ao protagonista e ao drama que este representa? Qual é a essência dessa resposta?
Como você viu neste capítulo, a poesia de João Cabral é constantemente comparada, inclusive pelo autor, à racionalidade construtiva do trabalho do arquiteto. Isso, no entanto, não deve servir como um rótulo reducionista de sua obra, pois ela também tem, por trás do cuidado na estruturação formal do texto, profundo conteúdo poético. Da mesma forma, a arquitetura não é só racionalidade. Além de dar a necessária atenção aos aspectos materiais e funcionais da construção (firmeza, resistência, capacidade de atender aos objetivos de uso, etc.), o arquiteto se preocupa com a qualidade estética de suas obras. 1. Você se lembra de alguma obra arquitetônica, de sua região ou não, que você considera bonita? Tente descrever os fatores que conferem tal beleza à obra.
Não escreva no livro.
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O que você pensa disto?
Museu de Arte Contemporânea de Niterói (RJ), projetado por Oscar Niemeyer. Foto de 2000.
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capítulo
A literatura brasileira entre os anos 50 e 70
17 o que você vai estudar Novos rumos do conto e do romance. As palavras-coisa do concretismo.
A poesia marginal.
Romulo Fialdini/Tempo Composto
Ferreira Gullar: participação social.
Oiticica, Hélio. Metaesquema II, 1958. Guache sobre cartão, 55 cm 3 63,9 cm. Doação do projeto Hélio Oiticica, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), São Paulo (SP).
Hélio Oiticica foi um dos maiores artistas da vanguarda brasileira das décadas de 1950 a 1970. Com a artista plástica Lygia Clark e o poeta Ferreira Gullar, participou do movimento neoconcretista, que defendia a liberdade de experimentação e o retorno da subjetividade na criação artística.
O contexto de produção Sensível ao impacto dos impasses históricos de um mundo dividido pela Guerra Fria, o Brasil passou, de meados da década de 1950 até o fim da de 1970, por dois momentos distintos, que, cada um a seu modo, causaram impacto na cultura do país. O primeiro relaciona-se ao novo projeto de Brasil que marcou o governo de Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961. Nele, implantou-se um modelo de crescimento centrado na atração de empresas estrangeiras, a fim de fazer o país ingressar mais rapidamente no mundo desenvolvido. Como resultado desse processo, destacam-se, além da euforia desenvolvimentista, a grande dependência do capital externo e a intensa transferência de trabalhadores rurais para as grandes cidades. Resultou dele ainda a importação de bens culturais, que pode ser percebida, por exemplo, na mistura de referências nacionalistas e “importadas”, que começava a ocupar um espaço importante na cultura brasileira. Em 1964, teve início o segundo momento histórico: a ditadura militar. Nesse ano, após um período de instabilidade política, as classes conservadoras, temendo a aproximação do país com os países socialistas, apoiaram o golpe de Estado que iniciou o regime militar. Em 1968, instaurou-se um período de grande repressão aos que eram contra o regime, com opositores sendo torturados e exilados. Meios de comunicação e artistas ficaram submetidos à censura prévia, que proibiu inúmeras publicações. A partir de 1978, começa a ocorrer um processo de redemocratização. Nesse momento, a má condução da economia, as greves de trabalhadores, o fortalecimento de lideranças políticas civis e o clamor popular foram alguns dos fatores de pressão contra o regime. Em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves para a presidência da República, o primeiro civil desde 1964, iniciou-se o restabelecimento da democracia no país. A literatura produzida neste longo período é variada e heterogênea. Com um caráter cada vez mais urbano, capta os desafios desse mundo marcado pela desigualdade e pela velocidade das transformações. A partir de 1960, não se pode mais falar em uma geração de artistas, mas sim de grupos, tendências e até movimentos. O estatuto do livro também mudou, uma vez que ele se inseriu em um contexto de cultura de massa. Vejamos algumas vertentes, na prosa e na poesia, da literatura brasileira entre os anos de 1950 e 1970. 136
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Prosa: introspecção e realidade bruta No conto, uma das linhas mais cultivadas é a exploração de acontecimentos cotidianos, revelando aspectos da realidade da vida nas cidades grandes que passam ao largo da percepção comum. Um escritor importante dessa tendência é o paranaense Dalton Trevisan (1925-), por extrair de situações banais significados universais. É o caso, por exemplo, do conto “O ciclista”, no qual um trabalhador comum enfrenta com sua bicicleta o perigoso trânsito da cidade. Em outra vertente, o elemento oculto sob a aparente normalidade da vida diária é o próprio absurdo. Nessa tendência, destaca-se Lygia Fagundes Telles (1923-). No conto “As formigas”, elementos corriqueiros ganham valor simbólico e evidenciam a vulnerabilidade das personagens, até então tranquilas em sua rotina. O romance trilha caminhos semelhantes aos do conto. No romance As meninas, também se verifica o estilo minucioso da prosa de Lygia Fagundes Telles ao explorar a dimensão psíquica de suas personagens. No livro, conta-se o percurso de três jovens que se conhecem em um pensionato de freiras em São Paulo, durante o período militar. Ao longo da narrativa, o leitor observa a realidade da cidade grande a partir da ótica de cada personagem: uma oriunda de família tradicional, outra participante de grupos políticos de esquerda e outra viciada e com o sonho de se tornar modelo. Mergulho na banheira. Delícia, delícia. Abro a torneira de água fria. Calma, Lorena Vaz Leme, calma. Melhor começar pelo elevador, você acabou de entrar no elevador. Sozinha? Lógico, sozinha. Mas por que ele não entra comigo? “Não se esqueça de que sou casado, minha querida. Não podemos nos arriscar.” Abro o frasco e despejo sais na água. Perfume de eucalipto, ainda o falso bosque. Espuma. Mas não é deprimente esse medo que ele tem de ser pilhado? Sugere a máscara e tenho horror de máscara. Queria apenas ser verdadeira. Honesta. “O mundo burguês é o mundo das aparências”, Lião repetiu não sei quantas vezes. Eu e M. N. pertencemos à burguesia, logo, estamos condenados a esse mundo. Mas estamos mesmo? [...] Telles, Lygia Fagundes. As meninas. 16. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 179.
Essa viagem interior da personagem, que se perde por vezes em seus devaneios, constitui uma opção radical da novela Um copo de cólera, de Raduan Nassar (1935-). O enredo é simples: após uma noite de amor, um casal toma calmamente o café até que a situação resvala para uma intensa discussão entre eles, trazendo à tona sentimentos e frustrações. O sentimento de fúria despropositada encontra uma equivalência na forma pela qual o texto é narrado. A cidade violenta e decadente, contaminada pela corrupção e pelo crime, que atravessa todas as classes sociais, é a matéria de vários renomados romancistas, como Rubem Fonseca (1925-). Inspirado em uma atmosfera de detetives e delinquentes, tomada de empréstimo do cinema estadunidense, o autor escreve narrativas que se estruturam como romances policiais. O maior valor de sua obra encontra-se justamente no retrato da sociedade brutalizada que está por trás do crime. A violência cometida por motivos geralmente banais é um índice de uma sociedade que toma o ser humano como objeto inexpressivo. Não escreva no livro.
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Quarup, de Antônio Callado. Rio de Janeiro: José Olympio, 2014. Publicado em 1967, Quarup é o mais famoso romance de Antônio Callado. No romance, o jovem padre Nando tem o grande desejo de criar, nos confins da Amazônia, uma comunidade utópica, à semelhança das missões jesuíticas. A narrativa perpassa um período da história política do Brasil que vai de 1954 a 1964. A utopia de Nando, nesse intervalo de tempo, é associada à esperança de um Brasil desenvolvido, humanitário e socialmente justo, e à ação de cunho comunista. No contato com os indígenas, Nando reavalia seu modo de ver o mundo. José Olympio/Arquivo da editora
Na prosa, destacam-se duas tendências: uma expressão mais introspectiva, que explora as dimensões psíquicas do eu, e outra, que descreve a realidade de modo direto e documental. Na poesia, sobressaem três movimentos: o concretismo, o neoconcretismo e a poesia marginal.
Leia
Capa do livro Quarup, de Antonio Callado.
Margens do texto No fragmento ao lado, é possível detectar algumas vozes de personagens que se justapõem ao fluxo da consciência de Lorena. Identifique uma dessas vozes. Assista Bufo & Spallanzani. Direção de Flávio R. Tambellini. Brasil, 2000, 96 min. Com roteiro do próprio Rubem Fonseca e da escritora Patrícia Melo e com Flávio Tambellini, que assina a direção do longametragem, o filme, baseado no romance homônimo, conta a história de um detetive que investiga a morte de um fazendeiro. Tem no elenco atores muito conhecidos por seu trabalho na televisão, como Tony Ramos (no papel de detetive Guedes), José Mayer (representando o escritor Gustavo Flávio) e Maitê Proença (como Delfina Delamare). Conspiração Filmes/Warner Bros/ID/BR
Novos caminhos literários
Cartaz do filme Bufo & Spallanzani.
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Poesia concreta
Augusto de Campos/Acervo do artista
Acreditando em um futuro promissor e industrializado para o Brasil, as elites econômicas financiaram, em 1951, a I Bienal Internacional de São Paulo. A aproximação entre a arte e o design, a rejeição da arte figurativa e sentimental, que ainda desfrutava de grande aceitação por parte do público, e a busca de uma nova linguagem que expressasse as perspectivas do mundo contemporâneo passaram a representar o ideal estético de uma geração de novos artistas e escritores. Mais tarde, em 1956, ocorre a Exposição Nacional de Arte Concreta, primeiro encontro no qual a arte e a poesia concretas surgem de modo organizado e em um todo coerente: foram expostos cartazes-poemas, obras pictóricas, esculturas e desenhos, além de ocorrerem palestras e conferências. Das discussões em torno da arte concreta, desponta em São Paulo o Concretismo, cuja proposta era romper com a poesia de cunho sentimentalista e subjetivista. Em oposição a essa perspectiva, os concretistas elaboravam uma poesia feita com palavras-coisa, uma poesia que fosse um objeto em si e por si mesma. A obra abaixo apresenta elementos emblemáticos do Concretismo: a procura pela exploração máxima da relação entre o sentido, o som e a imagem de um texto e a supressão do verso tradicional.
Campos, Augusto de. Poesia: 1949-1979. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 119.
A composição gráfica forma a palavra lixo a partir da repetição da palavra luxo, criando uma oposição entre os termos e tecendo uma crítica à sociedade de consumo.
Capítulo 17 – A literatura brasileira entre os anos 50 e 70
Poesia neoconcreta O surgimento da poesia concreta provocou adesões e reações. No Rio de Janeiro, sete expositores da I Exposição da Arte Concreta (1957) lançaram um manifesto, o Manifesto Neoconcretista, no qual faziam um ataque direto à estética que concebia o texto artístico “em e por si mesmo”. Para esses artistas, a arte não poderia ser reduzida à categoria de objeto ou de máquina. A realidade do homem moderno deveria ser representada por uma experiência entre sujeito e texto, e não pela palavra tornada uma coisa absoluta. Mentor intelectual do manifesto, o poeta Ferreira Gullar (1930-) foi, ao longo do tempo, conferindo um teor mais politizado à sua produção literária, distanciando-se da concepção pregada pelos concretistas. Em 1975, escreve Poema sujo, livro que, no conjunto, constitui uma espécie de “poema-testemunho”, um registro de um mundo que se desfazia diante das atrocidades das ditaduras militares. Elaborado a partir de vários fragmentos que compõem uma espécie de narrativa pessoal, o “Poema sujo” pode ser interpretado como uma luta contra a perda da identidade de alguém que se encontra em uma realidade desumana, corrompida e violenta. Essa tonalidade política surgirá como uma constante em futuros poemas de Gullar, junto com outros interesses, como a evocação de um ambiente lírico em que a memória procura por situações, personalidades e espaços perdidos no tempo. Leia uma estrofe do poema “Não há vagas”, em que o teor social está bastante explícito. […] O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos.
Como não cabem no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras […]
Gullar, Ferreira. Toda poesia. 11. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001, p. 162.
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Coleção Bolso/Arquivo da Editora
Poesia marginal Nos anos em que a ditadura militar (1964-1985) comandou o país, foram muitas as imposições e a censura a canais importantes para a produção e a circulação de arte e literatura. Esse ambiente de restrições fez surgir uma literatura de contestação, que circulava de modo marginal, em cópias mimeografadas, em pequenas publicações caseiras, e que utilizava linguagem direta e curta, com formas de expressão que lançavam mão tanto da coloquialidade quanto das referências à cultura erudita. O poema a seguir, de Rubens Rodrigues Torres Filho (1942-), representa uma espécie de autodefinição e de protesto dessa geração que, com uma capacidade de observação aguda da realidade, tomou para si a tarefa de resistir às formas de dominação, sejam elas políticas ou econômicas.
Sinal que colhe o olho quando pisca. A pálpebra veloz, oportunista. Veremos o que resta ou sua pista. Queremos o que basta e que resista.
Torres Filho, Rubens Rodrigues. Novolume. São Paulo: Iluminuras, 1997. p. 89.
Inserida na lógica da Contracultura, a poesia marginal utiliza uma linguagem entre o sério e o cômico, entre o reflexivo e o cotidiano, distanciando-se da literatura prestigiada pelo pensamento conservador. um dia desses quero ser um grande poeta inglês do século passado dizer ó céu ó mar ó clã ó destino lutar na índia em 1866 e sumir num naufrágio clandestino Leminski, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 31.
No poema de Paulo Leminski (1944-1989), o tom de brincadeira com a cultura tida como elevada, cultuada pelas elites, evocada pela imagem do “grande poeta inglês” do século XIX, mostra uma vertente satírica da poesia desse período, uma das marcas da relativização e da quebra de padrões de pensamento superficialmente refinados. O desaparecimento “clandestino”, isto é, distante das formalidades legais, sugere um comportamento que se opõe à obediência às regras. De certo modo, o poeta marginal é aquele que desejava para si uma vida de transgressão e de confronto em relação aos valores que a sociedade anestesiada pela repressão política defendia. Apesar do tom muitas vezes satírico da poesia desse período, muitos poetas que surgiram a partir dos anos de 1960 estabeleceram um diálogo com a tradição. Ao mesmo tempo que buscavam espontaneidade na linguagem, os escritores dessa época estabeleceram contato estreito com obras nacionais e estrangeiras que antecederam essa geração. Esta aproximação é responsável por uma das grandes marcas da literatura das últimas décadas: a incorporação da diversidade de referências literárias e culturais. Não escreva no livro.
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Em 1975, a crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda organizou uma antologia de poemas da chamada geração mimeógrafo, abrindo as portas do mercado editorial para esses poetas.
Margens do texto O poema propõe uma reflexão que pode ser dimensionada pelas palavras resta e resista, situadas no início e no fim do poema. Que outros elementos podem se articular ao ideal de resistência proposto no texto? Repertório
A imprensa alternativa Nos anos de terror do regime militar, surgiram publicações que desafiavam os mecanismos de repressão política e cultural. Jornais como O Pasquim, Opinião e Movimento apresentavam a seus leitores — que compunham a parcela intelectual da sociedade — textos que afrontavam os donos do poder. Reminiscências/Acervo Iconographia
isto Veremos o que resta, menos isto. Seremos o que dista menos disto. Teremos a distância e seu registro retido como marca. Manso? Arisco.
Capa da primeira edição do jornal O Pasquim após a liberação de sua equipe, que ficara detida por 60 dias durante a ditadura militar. Edição de janeiro de 1971.
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Sua leitura Leia os poemas a seguir e procure notar não só sua singularidade, mas também os possíveis diálogos entre eles. Depois, responda às perguntas. Texto 1
Da morte Porque é feita de pergunta De poeira Articulada, coesa Persigo tua cara e carne Imatéria. Porque é disjunta Rompida Geometral se faz dupla Persigo tua cara e carne Resoluta.
Vocabulário de apoio
coeso: consistente
Porque finge que franqueia Vestíbulo, espaço e casa Se sobrepondo de cascas Gaiolas, grades
disjunto: separado franquear: facilitar resoluto: enérgico, determinado vestíbulo: entrada de uma casa
Máscara tripla Persigo tua cara e carne.
Assista
Comigo serrote e faca.
Hilst, Hilda. Da morte: odes mínimas. Trad. Álvaro Faleiros. São Paulo: Nankin; Montreal: Le Noroît, 1998. p. 51.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Queria falar da morte e sua juventude me afagava. Uma estabanada, alvíssima, um palito. Entre dentes não maldizia a distração elétrica, beleza ossuda al mare. Afogava-me.
Matizar Filmes/ID/BR
Texto 2
Bruta aventura em versos. Direção de Letícia Simões, Brasil, 2011, 76 min. O documentário traz depoimentos e imagens históricas de Ana Cristina César, a poeta considerada ícone da poesia marginal. Além das imagens, o filme apresenta relatos de críticos, artistas e amigos da autora.
Cesar, Ana Cristina. A teus pés: prosa/poesia. São Paulo: Instituto Moreira Salles; Ática, 1998. p. 77.
Cartaz do filme Bruta aventura em versos. Daniel Almeida/ID/BR
lápide 1 epitáfio para o corpo Aqui jaz um grande poeta. Nada deixou escrito. Este silêncio, acredito, são suas obras completas.
Vocabulário de apoio
epitáfio: inscrição no túmulo de uma pessoa jazer: estar morto lápide: pedra que cobre o túmulo de alguém
Leminski, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 289.
Leia Catatau, de Paulo Leminski. São Paulo: Iluminuras, 2010. Em 1975, Paulo Leminski (1944-1989) lança Catatau, livro classificado pelo próprio autor como uma “prosa experimental”. Na época em que dava aulas de História para alunos de cursos pré-vestibulares em Curitiba, Leminski levantou a seguinte hipótese: e se, durante o período das Invasões Holandesas, o filósofo René Descartes tivesse vindo ao Brasil acompanhando Maurício de Nassau? A ideia que poderia parecer absurda tinha fundamento, pois o filósofo francês era um dos fidalgos da guarda pessoal de Nassau. Narrativa enigmática, que sugere exaustivo trabalho de elaboração, Catatau fez relativo sucesso quando lançado. Não que esse fosse o objetivo do autor, que, em uma nota sobre a obra, se recusou a fornecer pistas para auxiliar sua compreensão: “Me nego a ministrar clareiras para a inteligência deste catatau que, por oito anos, agora, passou muito bem sem mapas. Virem-se”.
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Iluminuras/Arquivo da editora
Capítulo 17 – A literatura brasileira entre os anos 50 e 70
Texto 3
Capa do livro Catatau, de Paulo Leminski.
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Texto 4
Vocabulário de apoio
Gestapo: polícia secreta do nazismo
Soneto torresmista
Saímos do regime militar, caímos no regime do regime. Censuram-nos até no paladar!
Maldita seja a mídia, sempre a dar espaço à medicina que reprime! Gestapo da “saúde” e “bem-estar”!
nazi: nazista
Resista! Coma! Abaixo a ditadura! A luta tem um símbolo: FRITURA! /BR ida/ID
Não basta a ditadura que já dura e vem a ditadura antigordura!
l Danie
Alme
Trabalho, horário, imposto, compromisso. Orgasmo não se tem como se quer. Só sobra o bom do garfo e da colher, e os nazis nariz metem até nisso. Mattoso, Glauco. Panaceia: sonetos colaterais. São Paulo: Nankin, 2000. p. 105.
Sobre os textos 1. Os três primeiros poemas têm como tema a morte. Comente como cada autor trabalha esse tema. 2. A poesia de Paulo Leminski guarda em si alguns dos valores presentes no período da Contracultura. Tomando como ponto de partida a leitura do poema “lápide 1”, quais seriam esses valores? 3. O poema de Glauco Mattoso se autoclassifica como soneto. a) Quais são as características dessa forma poética presentes no poema? b) Quanto à divisão dos versos em estrofes, o poema não segue a forma tradicional do soneto. Por quê? c) Essa mesma divisão estrófica foi utilizada por Glauco Mattoso em outros sonetos, que ele nomeou como “paulindrômicos”, aludindo ao poeta Paulo Henrique Britto. Esse tipo de poe ma remete ao conceito de palíndromo: palavra, frase ou número que pode ser lido igualmente de trás para a frente. Qual é a relação dessa divisão estrófica com o palíndromo? 4. Na segunda estrofe do texto 4, há um jogo de significados com a palavra regime. a) Qual é esse jogo? b) Qual é o efeito de sentido obtido por meio desse recurso? 5. Você concorda com a opinião expressa pelo eu lírico no texto 4? 6. O texto 4 trata de um tema bastante presente no cotidiano, por meio da referência a um momento histórico marcante da história brasileira, e utiliza uma forma poética que remete a uma tradição literária bem antiga. a) Quais são o tema contemporâneo, o momento histórico e a tradição poética? b) Ao fazer tal mistura de referências, que reflexão esse poema sugere sobre a produção poética a partir dos anos 1960?
Durante os anos da ditatura, muitos poetas criaram maneiras alternativas para divulgar suas obras. Seus poemas circulavam em edições de jornais independentes e eram distribuídos em cópias mimeografadas ou xerocadas em eventos culturais. Era uma forma de atuação crítica em relação ao sistema de circulação de livros naquele período. Ainda hoje, vários movimentos culturais reivindicam novos modos de produção e distribuição de seus livros. 1. Quais iniciativas poderiam ser tomadas para mudar a relação entre autor, leitor e obra para democratizar o acesso à literatura?
Não escreva no livro.
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Ateliê Vila de Cosmos/ Arquivo do Artista
O que você pensa disto?
Livros do movimento cartoneiro. Surgido em 2003, na Argentina, hoje está em mais de vinte países latino-americanos, inclusive no Brasil.
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Ferramenta de leitura A caracterização da personagem teatral Acervo/Abril Imagens
No trecho do ensaio a seguir, o crítico literário e estudioso do teatro Décio de Almeida Prado discorre sobre a proximidade entre o romance e a dramaturgia. Após essa aproximação e o estudo de um elemento que lhes é comum – a personagem –, Décio destaca as diferenças e as capacidades específicas de cada gênero no que diz respeito à expressão do drama íntimo do ser humano.
Crítico, professor e ensaísta, o paulistano Décio de Almeida Prado (1917-2000) foi um dos mais importantes estudiosos do teatro no Brasil. Foto de 1995.
Vocabulário de apoio
persuasivo: que convence playwriting: em inglês, dramaturgia
A personagem no teatro As semelhanças entre o romance e a peça de teatro são óbvias: ambos, em suas formas habituais, narram uma história, contam alguma coisa que supostamente aconteceu em algum lugar, em algum tempo, a um certo número de pessoas. A partir desse núcleo, muitas vezes proporcionado pela vida real, pela história ou pela legenda, é possível imaginar alguém que escreva indiferentemente um romance ou uma peça, conforme a sua formação ou a sua inclinação pessoal. [...] Mas o que nos interessa no momento são as diferenças – e a personagem, de certa maneira, vai ser o guia que nos permitirá distinguir os dois gêneros literários. No romance, a personagem é um elemento entre vários outros, ainda que seja o principal. [...] Em suma, tanto o romance como o teatro falam do homem – mas o teatro o faz através do próprio homem, da presença viva e carnal do ator. Poderíamos dizer a mesma coisa de outra maneira, já agora começando a aprofundar um pouco mais essa visão sintética inicial, notando que teatro é ação e romance narração. [...] A personagem teatral, portanto, para dirigir-se ao público, dispensa a mediação do narrador. A história não nos é contada mas mostrada como se fosse de fato a própria realidade. Essa é, de resto, a vantagem específica do teatro, tornando-o particularmente persuasivo às pessoas sem imaginação suficiente para transformar, idealmente, a narração em ação: frente ao palco, em confronto direto com a personagem, elas são por assim dizer obrigadas a acreditar nesse tipo de ficção que lhes entra pelos olhos e pelos ouvidos. [...] Como caracterizar, em teatro, a personagem? Os manuais de playwriting indicam três vias principais: o que a personagem revela sobre si mesma, o que faz, e o que os outros dizem a seu respeito. [...] A primeira solução só oferece algum interesse, alguma dificuldade de ordem técnica, quando se trata de trazer à tona esse mundo semissubmerso de sentidos e reflexões mal formuladas que não chegamos a exibir aos olhos alheios ou do qual nem chegamos a ter plena consciência. No romance é possível apanhar esse “fluxo da consciência”, que alguns críticos apontam como o “aspecto mais característico da ficção do século vinte” (Edel, Leon. The modern psychological novel. New York: Grove Press, 1955. p. 9.) [...] No teatro, todavia, torna-se necessário, não só traduzir em palavras, tornar consciente o que deveria permanecer em semiconsciência, mas ainda comunicá-lo de algum modo através do diálogo, já que o espectador, ao contrário do leitor do romance, não tem acesso direto à consciência moral ou psicológica da personagem. [...] Almeida Prado, Décio de. In: Candido, Antonio et al. A personagem de ficção. 10. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. p. 83-88.
Almeida Prado, nesse estudo, também detalha os meios de que o teatro, sua especialidade, lança mão para expressar, com a ação e o diálogo, o que se passa na intimidade das personagens. A seguir, você vai ler um trecho de um conto de Clarice Lispector, já visto nesta unidade, e um fragmento de Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues. 142
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ID/BR
A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas na rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuri dão – e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.
Pedro H amdan/
Amor
Vocabulário de apoio
periclitante: que está em perigo sardônico: sarcástico, zombeteiro sobreaviso: acautelado, em alerta
Lispector, Clarice. Amor. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 22.
(Trevas. Disco de derrapagem, grito, ambulância. Luz no plano da alucinação. Pedro, Alaíde e Lúcia de noivas. Cruz.) LÚCIA (furiosa, punho erguido) — Diga bem alto, para todo o mundo ouvir: “Roubei o namorado de Lúcia”. ALAÍDE — Digo, sim! LÚCIA — Diga, quero ver! ALAÍDE (em alto e bom som) — Roubei o namorado de Lúcia! LÚCIA (excitada) — Viu, Pedro? Ela disse! Não teve vergonha de dizer! ALAÍDE (agressiva) — Digo quantas vezes quiser! PEDRO (cínico) — Briguem à vontade! Não faz mal! ALAÍDE (repreensiva) — Você não devia dizer isso, Pedro. É cinismo. LÚCIA (sardônica) — Mas oh! Só agora você soube que ele era cínico! Me admira muito! ALAÍDE (dolorosa) — Sempre soube. LÚCIA (com desprezo) — Então por que tirou Pedro de mim? ALAÍDE — Você sempre com esse negócio de tirou – tirou! (num transporte) É tão bom tirar o namorado das outras. (irônica) Então de uma irmã... Rodrigues, Nelson. Vestido de noiva. Teatro completo I: peças psicológicas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. p. 151-152.
Sobre os textos 1. O conto “Amor” e a peça Vestido de noiva representam a realidade íntima de suas personagens. Explique como se dá essa representação nos dois textos. 2. O crítico Décio de Almeida Prado comenta que, por colocar a ação diante do espectador, o texto teatral precisa criar estratégias próprias para exteriorizar a consciência moral ou psicológica das personagens que diferem daquelas usadas nos romances e nos contos. a) Em Vestido de noiva, o plano da alucinação permite ao espectador conhecer o conflito interno de Alaíde. Qual é a causa de seu drama interior, segundo o trecho lido? Qual é o impacto dele sobre a personagem? b) No conto “Amor”, quais estratégias são utilizadas pela autora para externalizar o conflito interno de Ana? Não escreva no livro.
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Flávio Sampaio/Acervo do fotógrafo
Vestido de noiva
Vestido de noiva em montagem feita pelo grupo teatral paulista Os Satyros. Foto de 2008.
Repertório
Em 1942, a encenação de Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, sob direção de Ziembinski, fez um estrondoso sucesso. A montagem inovou ao trazer para o palco três planos simultâneos, divididos entre a realidade, a memória e a alucinação de Alaíde, personagem principal, que fora atropelada após ter mantido uma relação adúltera com o marido de sua irmã. Essa mistura de planos rompe com a cronologia linear usual nas peças de teatro, permitindo à plateia uma imersão tanto na trama quanto no subconsciente da personagem.
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Entre textos Na segunda metade do século XX, o Brasil passou por grandes transformações. Muitos escritores retrataram, de diferentes maneiras, esse processo de urbanização e de modernização em suas obras. A seguir, você lerá um poema e um trecho de um conto. Por meio do diálogo com a nossa tradição literária romântica, em registro paródico, os autores apresentam uma visão crítica sobre a sociedade brasileira. TEXTO 1
Jogos florais I Minha terra tem palmeiras onde canta o tico-tico. Enquanto isso o sabiá vive comendo o meu fubá Ficou moderno o Brasil ficou moderno o milagre: a água já não vira vinho, vira direto vinagre II Minha terra tem Palmares memória cala-te já. Peço licença poética Belém capital Pará. Bem, meus prezados senhores dado o avançado da hora errata e efeitos do vinho o poeta sai de fininho.
O poema “Jogos Florais”, escrito nos anos 1970 por Antônio Carlos Ferreira de Brito (1944-1987), mais conhecido como Cacaso, parodia “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias. Também dialoga com a música “Tico-tico no fubá”, de Zequinha de Abreu. O primeiro verso é idêntico ao do poema romântico. Contudo, na sequência, percebe-se que o exílio é outro: o eu lírico está em seu próprio país sob o regime da ditadura militar, onde os poderosos (sabiá) exploram o povo (tico-tico). Há referência direta ao milagre econômico. Tão valorizado pelos militares, esse processo de expansão econômica é visto de modo crítico pelo eu lírico (“vira direto vinagre”). Ele reforça ainda sua resistência ao regime quando lembra do quilombo de Palmares, ao mesmo tempo que aborda a censura: “memória cala-te já”. Então, aparentemente, desvia do assunto e anuncia o fim do poema. Desse modo irônico, Cacaso faz uma crítica à falta de liberdade de expressão.
(será mesmo com dois esses que se escreve paçarinho?) Cacaso. Jogos Florais. In: Moriconi, Ítalo. Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 277-278.
TEXTO 2
Cena 9 No conto “15 cenas de descobrimento de Brasis”, escrito em 1999, às vésperas da comemoração dos quinhentos anos do descobrimento do Brasil, o escritor paulista Fernando Bonassi (1962-) apresenta um conjunto de múltiplas imagens sobre o país, nas quais distancia-se do retrato idealizado dos românticos a respeito da pátria. Se o eu lírico de Gonçalves Dias está longe e saudoso da terra, exaltando suas belezas naturais, nessa cena do conto de Bonassi, o narrador mostra o exílio no próprio território devido à barbárie. Nessa terra, há chacinas, armas de todos os tipos (HK, AR15, M21, 45, 38 e 32), desemprego e violência policial. Traz, portanto, um olhar extremamente negativo sobre o presente do país e questionador em relação às festividades do descobrimento. 144
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Canção do exílio Minha terra tem campos de futebol onde cadáveres amanhecem emborcados pra atrapalhar os jogos. Tem uma pedrinha cor de bile que faz “tuim” na cabeça da gente. Tem também muros de bloco (sem pintura, é claro, que tinta é a maior frescura quando falta mistura), onde pousam cacos de vidro pra espantar malaco. Minha terra tem HK, AR15, M21, 45 e 38 (na minha terra, 32 é uma piada). As sirenes que aqui apitam, apitam de repente e sem hora marcada. Elas não são mais as das fábricas, que fecharam. São mesmo é dos camburões, que vêm fazer aleijados, trazer tranquilidade e aflição. Bonassi, Fernando.15 cenas de descobrimento de Brasis. In: Moriconi, Ítalo. Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 607.
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Vestibular e Enem (Enem) Texto para a questão 1. Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: — Zé-Zim, por que é que você não cria galinhas-d’angola, como todo o mundo o faz? — Quero criar nada não... — me deu resposta: — Eu gosto muito de mudar... [...] Belo um dia, ele tora. Ninguém discrepa. Eu, tantas, mesmo digo. Eu dou proteção. [...] Essa não faltou também à minha mãe, quando eu era menino, no sertãozinho de minha terra. [...] Gente melhor do lugar eram todos dessa família Guedes, Jidião Guedes; quando saíram de lá, nos trouxeram junto, minha mãe e eu. Ficamos existindo em território baixio da Sirga, da outra banda, ali onde o de-Janeiro vai no São Francisco, o senhor sabe. Rosa, J. G. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio; Fragmento.
1. Na passagem citada, Riobaldo expõe uma situação decorrente de uma desigualdade social típica das áreas rurais brasileiras marcadas pela concentração de terras e pela relação de dependência entre agre gados e fazendeiros. No texto, destaca-se essa rela ção porque o personagem-narrador: a) relata a seu interlocutor a história de Zé-Zim, demonstrando sua pouca disposição em ajudar seus agregados, uma vez que superou essa condição graças à sua força de trabalho. b) descreve o processo de transformação de um meeiro – espécie de agregado – em proprietário de terra. c) denuncia a falta de compromisso e a desocupação dos moradores, que pouco se envolvem no trabalho da terra. d) mostra como a condição material da vida do sertanejo é dificultada pela sua dupla condição de homem livre e, ao mesmo tempo, dependente. e) mantém o distanciamento narrativo condizente com sua posição social, de proprietário de terras. (UFTM-MG) Leia o trecho de A hora da estrela, de Clarice Lispector, para responder às questões de números 2 e 3. Olímpico de Jesus trabalhava de operário numa metalúrgica e ela nem notou que ele não se chamava de “operário” e sim de “metalúrgico”. Macabéa ficava contente com a posição social dele porque também tinha orgulho de ser datilógrafa, embora ganhasse menos que o salário mínimo. Mas ela e Olímpico eram alguém no mundo. “Metalúrgico e datilógrafa” formavam um casal de classe. A tarefa de Olímpico
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
tinha o gosto que se sente quando se fuma um cigarro acendendo-o do lado errado, na ponta da cortiça. O trabalho consistia em pegar barras de metal que vinham deslizando de cima da máquina para colocá-las embaixo, sobre uma placa deslizante. Nunca se perguntara por que colocava a barra embaixo. A vida não lhe era má e ele até economizava um pouco de dinheiro: dormia de graça numa guarita em obras de demolição por camaradagem do vigia.
2. A partir da leitura do texto, pode-se concluir que Olímpico, ao apresentar-se como metalúrgico em vez de operário: a) revela ser um homem culto e com bom nível de instrução. b) pretende conferir melhor status ao trabalho que exerce. c) mostra ser um homem humilde e despretensioso. d) atribui destaque ao fato de realizar um serviço braçal. e) demonstra ter vergonha de trabalhar no ramo dos metais. 3. Uma característica que A hora da estrela compartilha com outros textos produzidos pelo Neomodernismo brasileiro (ou Geração Modernista pós 1945) é: a) o enfoque histórico, retratando o passado brasileiro. b) o propósito nacionalista, com heróis idealizados. c) o uso de uma linguagem distante do cotidiano. d) a criação de personagens burlescos e pouco complexos. e) o tom intimista, de investigação psicológica. 4. (Uenp-PR) Leia os versos: E se somos severinos iguais em tudo na vida morremos de morte igual mesma morte Severina. Quais são as causas dessa morte elencadas por João Cabral de Melo Neto em Morte e Vida Severina? I. Fraqueza e doença em qualquer idade. II. Emboscada antes dos trinta. III. Envelhecimento precoce. IV. Fome um pouco por dia. V. Uso indiscriminado de narcóticos na adolescência. Estão corretas apenas as causas: a) I, II e V. d) II, III e IV. b) I, III e IV. e) III, IV e V. c) I, III e V. 145
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linguagem
A arquitetura da língua
UNIDADES 6 Ordenar palavras, produzir sentidos 7 O período simples 8 O período composto 9 Aspectos da sintaxe na norma‑padrão
Gijs Van Vaerenbergh. Labyrint, 2015. Instalação, chapas de aço, 37,5 m 3 37,5 m. Centro de Arte C-mine, Genk, Bélgica. No labirinto criado pelo escritório de arquitetura Gijs Van Vaerenbergh, as paredes de aço formam intricados corredores que convidam a um passeio lúdico. Para que seja completamente realizada, essa obra requer a interação do espectador. Trata-se, como a linguagem, de uma arquitetura que se constrói com a participação daqueles que a utilizam. 146
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Qualquer variedade linguística se estrutura em torno de certos parâmetros, segundo os quais os falantes podem reconhecer ou não um enunciado como adequado, próprio daquela variedade. Neste volume, você estudará a sintaxe, área de estudos da linguagem que analisa os elementos constituintes dos enunciados. Para isso, tomará como ponto de partida as categorias definidas pela Nomenclatura Gramatical Brasileira, mas sempre refletindo sobre sua pertinência e aplicabilidade nos contextos de uso efetivo da língua.
Filip Dujardin/Acervo do fotógrafo
Uma língua é um conjunto de muitas variedades linguísticas, que refletem e ao mesmo tempo constituem as identidades sociais dos diversos grupos de falantes. Essas variedades também indicam que a língua muda ao longo do tempo e de situação para situação, além de refletir traços subjetivos dos falantes, dando prova de sua inventividade. Isso não significa, no entanto, que na língua “vale tudo”. Para que a interação efetivamente se realize e a comunicação seja possível, é preciso que os falantes partilhem certas regras.
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unidade
6 Nesta unidade 18
Introdução à sintaxe
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Frase, oração, período
Ordenar palavras, produzir sentidos A tela reproduzida ao lado, em que recortes de figuras e textos se sobrepõem formando uma composição insólita, reflete algumas inspirações do Dadaísmo. Antirracional, o movimento criado na Suíça em 1916 rompeu com a maneira como a arte tradicionalmente produzia sentidos. A provocação, o pessimismo, o absurdo e o improviso eram dominantes nas manifestações dadaístas. O próprio nome Dadaísmo foi escolhido aleatoriamente, abrindo-se uma página de dicionário. A escolha aleatória, não racional, pode também ser notada na “receita” para escrever um poema dadaísta do poeta Tristan Tzara (1896-1963): de um artigo de jornal, recortar palavras ao acaso e jogá-las em um saco. Depois de agitá-lo, retirar as palavras e copiá-las no papel na ordem em que saíram – eis o poema!
Imagem da página ao lado: Hausmann, Raoul. Dada-Cino, 1920. Colagem, 31,7 cm 3 22,5 cm. Coleção particular, Áustria.
Se na tela ao lado e em um poema dadaísta a ausência de nexo entre os elementos fala por si, no uso cotidiano da língua é preciso articular seus elementos segundo regras conhecidas; do contrário, não há comunicação. Nesta unidade, você observará essas regras e a importância de tal ordenação para a produção de sentidos.
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Coleção particular. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix. AUTVIS, Brasil, 2016
capítulo
18
Introdução à sintaxe
o que você vai estudar
Mesmo em face do conjunto de variedades que compõem uma língua, todo enunciado, falado ou escrito, obedece a regras que possibilitam a reconstrução do sentido pretendido pelos falantes. Neste capítulo, você verá como isso acontece.
A gramaticalidade dos enunciados. Sintaxe e morfossintaxe. A relação entre as palavras e a produção de sentidos.
A sintaxe do português Observe este anúncio publicitário, publicado em uma revista de circulação nacional. Agência Lew’Lara/TBWA
A sintaxe do português.
sair Quando você da rotina vai? FUJA DO PADRÃO.
Veja, São Paulo, Abril, ed. 2072, p. 18-19, 6 ago. 2008.
1. O mote do anúncio é “fuja do padrão”. Esse mote poderia apelar para quais possíveis desejos do leitor considerado o público-alvo do anúncio? Cite pelo menos dois. 2. O anúncio contém elementos verbais e não verbais que ilustram a proposta de “fugir do padrão”. Identifique tais elementos e explique como eles veiculam esse sentido. 3. Considerando a finalidade do gênero anúncio publicitário, o que o anunciante sugere ao aliar seu produto a esse ideal?
HIPERTEXTO No poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, a repetição de um mesmo conjunto de palavras em ordens distintas é fundamental para a construção de sentido no texto. Veja na parte de Literatura (capítulo 10, p. 98).
Qualquer falante de português percebe de imediato que os elementos da frase “sair Quando você da rotina vai?” estão fora da ordem habitual. A ruptura com essa ordem simboliza, no contexto do anúncio, o rompimento com o padrão, a fuga da rotina. O sentido da frase “Quando você vai sair da rotina?” é compreensível no contexto do anúncio publicitário, o que permite que ele atinja sua finalidade comunicativa. No entanto, o rearranjo de seus elementos cria um efeito expressivo. Isso indica que um dos fatores de produção de sentido na língua portuguesa é a ordem das palavras nos enunciados. Com os mesmos elementos, seria possível produzir outros enunciados considerados adequados pelos falantes da língua portuguesa. Veja. Vai sair da rotina? Você? Quando? Quando a rotina vai sair de você? Você vai sair da rotina quando… Nos enunciados acima, as palavras permanecem as mesmas, mas as diferentes formas como são ordenadas produzem sentidos distintos. Isso também ocorre graças ao uso dos sinais de pontuação, que ajudam a sinalizar surpresa, ironia, pedido de informação, dúvida, etc. A relação entre as palavras, o modo como elas se ordenam no enunciado e como isso colabora para a produção de sentido são temas importantes no estudo da língua portuguesa.
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Gramaticalidade Toda língua admite variações que dizem respeito não apenas aos aspectos geográficos, históricos, sociais e situacionais, mas também aos efeitos de sentido que os falantes buscam dar a seus enunciados. No entanto, mesmo um enunciado como o do anúncio analisado na página anterior só pode ser compreendido com base em um conhecimento intuitivo sobre o funcionamento da língua. É por isso que um falante pode dizer se determinada construção obedece ou não à formação típica dos enunciados de sua língua materna. O critério usado nesse julgamento é chamado de gramaticalidade. Ou seja, o que o falante avalia é se uma produção linguística atende ou não às regras próprias de sua língua. A gramaticalidade não está ligada às prescrições da gramática normativa ou à conformidade com as variedades urbanas de prestígio. São classificados como agramaticais os enunciados que não correspondem à construção típica reconhecida por falantes nativos da língua. Observe os exemplos.
saiba mais
Nos estudos de linguagem, as frases agramaticais são precedidas de um asterisco. Lembre-se
Sintagmas nominais são unidades de sentido cujo núcleo é um nome (palavra que se refere aos seres e a seus atributos). Já os sintagmas verbais são unidades de sentido que se organizam em torno de verbos.
*Propaganda a quer atingir seu público-alvo. *A propagandas quer atingir seu público-alvo.
Gramática internalizada, descritiva e normativa Embora estejam relacionadas, há uma grande diferença entre as chamadas gramática internalizada, gramática descritiva e gramática normativa ou prescritiva. A gramática internalizada é o conjunto de regras acerca do funcionamento de uma língua que o falante conhece (muitas vezes sem ter consciên cia) e que assimilou espontaneamente ao longo da convivência com sua comunidade linguística. É essa gramática que é acionada quando o falante identifica a gramaticalidade de um enunciado. A gramática descritiva é aquela que registra e descreve os fatos da língua sem emitir juízo sobre eles. De caráter científico, ela sistematiza as regras que são seguidas de fato nas situações reais de uso da língua, nela incluindo-se as variedades urbanas de prestígio. A gramática normativa ou prescritiva é aquela que determina a norma-padrão. É representada pelo conjunto de regras tomadas como modelo do que deve ser seguido idealmente no uso da língua.
Repertório
Gramaticalidade 3 inteligibilidade O linguista estadunidense Noam Chomsky (1928-) criou uma frase que se tornou célebre: “Colorless green ideas sleep furiously” (“Ideias verdes incolores dormem furiosamente”). Embora gramatical, ela é incompreensível: o que é verde não pode ser ao mesmo tempo incolor, e ideias não “dormem furiosamente” — exceto em sentido metafórico. A intenção de Chomsky era mostrar que, em um enunciado, pode-se separar a estrutura gramatical de seu sentido: a frase citada tem gramaticalidade, apesar de não transmitir uma mensagem compreensível. Brittany Somerset/Corbis/Fotoare
A primeira frase é agramatical porque contraria a ordem típica das construções sintáticas do português: o artigo é o especificador do núcleo de um sintagma nominal e deve necessariamente vir antes dele. A segunda frase também não atende ao padrão de construção da língua portuguesa: o plural está marcado no substantivo, mas não no artigo que o especifica. Se a frase fosse “As propaganda quer atingir seu público-alvo”, ainda que a não concordância entre o substantivo e o artigo estivesse em desacordo com a norma-padrão e as variedades urbanas de prestígio, ela seria reconhecida pelos falantes como gramatical. A gramaticalidade também não deve ser confundida com clareza ou, tampouco, com a veracidade de uma afirmação. Por exemplo: a frase “A sala enobrece o além” tem sentido obscuro, mas obedece às regras de construção de enunciados do português; a frase “O homem alto é baixo” exprime uma contradição, mas também é adequada sintaticamente.
ANOTE
A gramaticalidade de um enunciado refere-se à sua adequação às regras sintáticas internalizadas pelos falantes de uma língua, ou seja, à gramática internalizada. Não escreva no livro.
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Noam Chomsky em foto de 2014.
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Introdução à sintaxe
Língua: análise e descrição Veridiana Scarpelli/ID/BR
O estudo da língua pressupõe que ela funciona segundo processos de escolha e combinação que operam em todos os níveis de descrição linguística. ••Exemplo no nível fonológico: a escolha entre fonemas para ocupar uma posição em uma palavra produz a diferenciação entre vocábulos, por exemplo, pardos e parcos. ••Exemplo no nível morfológico: o acréscimo dos sufixos -eria ou -aria a certos substantivos permite a criação de neologismos como cupcakeria e cevicheria (respectivamente, estabelecimentos que servem cukpcakes e ceviches). ••Exemplo no nível sintático: a frase “Diretor de musicais procura atores cantores” muda de sentido se a ordem das palavras for trocada para “Diretor de musicais procura cantores atores”. ••Exemplo no nível semântico: o uso da palavra satisfeito no lugar de cheio produz humor em uma piada que joga com os sentidos das palavras. ••Exemplo no nível pragmático: o uso das palavras animal e pegadas em uma placa de conscientização sobre os efeitos da ação humana no meio ambiente (“Procura-se o animal que deixou essas pegadas”) produz impacto no leitor. Ao analisar as palavras para organizá-las em classes, os estudiosos da língua levam em conta critérios morfológicos, sintáticos e semânticos. Só assim pode-se dizer, por exemplo, que a palavra jogo em “Perdemos o jogo!” é um substantivo, e não um verbo. É preciso considerar, além da significação da palavra, seu comportamento em relação às demais palavras do enunciado e também sua forma. Com base nesses critérios, a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) identifica as dez classes de palavras que você estudou no volume 2 desta coleção.
Sintaxe e morfossintaxe
Capítulo 18 – Introdução à sintaxe
O gato seguiu o rato. O rato fugiu do gato. Aquele homem é um rato. Os bigodes do gato são muito sensíveis. Dormiu satisfeito como um gato.
Daniel Almeida/ID/BR
Nos estudos linguísticos, chama-se sintaxe a área que estuda, analisa e descreve as regras de combinação de palavras que operam na formação de enunciados gramaticais. Por meio da análise sintática, é possível decompor um enunciado em partes menores de acordo com a função que exercem, ou seja, segundo a maneira como cada parte se relaciona com as demais. Assim, embora as palavras gato e rato sejam reconhecidas como substantivos nos enunciados a seguir, elas desempenham uma função diferente em cada um deles. Observe.
Ainda que exista, para efeito de estudo, uma divisão entre morfologia (estudo da forma das palavras) e sintaxe (estudo da função das palavras no enunciado), forma e função são inseparáveis na produção de sentidos na língua. Por isso há a morfossintaxe, o estudo simultâneo de morfologia e sintaxe; e a análise morfossintática, que avalia a função desempenhada pelas palavras no enunciado, considerando também a forma como elas se apresentam. Assim como o estudo que leva à divisão das palavras em classes, a análise morfossintática de enunciados é um ponto de partida, e não de chegada. Compreender os mecanismos de produção de enunciados gramaticais – um conhecimento intuitivo de todo falante – e nomeá-los segundo critérios de descrição e classificação também é um caminho para observar a produção de sentido e os efeitos expressivos à disposição dos falantes da língua. ANOTE
Chama-se sintaxe a área dos estudos linguísticos que investiga as regras de combinação de palavras nos enunciados. Morfossintaxe é o estudo que envolve a morfologia e a sintaxe, considerando a relação entre a forma da palavra (e a classe à qual ela pertence) e o papel que essa palavra desempenha em um enunciado.
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Prática de linguagem Gilmar/Acervo do artista
1. Leia esta tira.
Gilmar. Para ler quando o chefe não estiver olhando. São Paulo: Devir, 2004. p. 38.
a) O que a personagem masculina esperava encontrar dentro da garrafa? Justifique. b) No terceiro quadrinho, a personagem feminina usa a palavra torneiral, que não está dicionarizada na língua portuguesa. Morfologicamente, o que possibilitou sua criação? c) Por que o uso dessa palavra reforça a ideia de “cortes radicais nos gastos”, produzindo um efeito de humor na tira? d) A que classe de palavras torneiral pertence? Que aspectos sintáticos confirmam isso? 2. Leia, a seguir, o trecho de um artigo publicado em um jornal. A concessionária que administra a rodovia Presidente Dutra anuncia que brevemente (ufa!!!) haverá radares ao longo da autopista. Foi a querida Teresa Garcia, editora-chefe do Jornal Hoje […], que me deu a notícia, com a fiel transcrição desta preciosidade, presente nos cartazes afixados pela NovaDutra em vários pontos da estrada: “Radares que salvam vidas em implantação”. […] Cipro Neto, Pasquale. Vidas em implantação. Folha de S.Paulo, São Paulo, 18 set. 2008. Cotidiano.
a) Quais são as interpretações possíveis para “Radares que salvam vidas em implantação”? b) Qual dessas interpretações seria a correta na situação descrita no artigo? Justifique. c) Reescreva a frase, mudando a ordem das palavras, para garantir a interpretação correta. usina literária
No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos – O verbo tem que pegar delírio.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Leia este poema de Manoel de Barros.
Barros, Manoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Record, s. d. p. 15.
1. O primeiro verso remete a uma frase bíblica presente no Novo Testamento, a qual trata da criação do mundo. De que tipo de criação fala o poema? Explique. 2. O que causa estranheza no enunciado “Eu escuto a cor dos passarinhos”? Essa estranheza torna a frase agramatical? Justifique. 3. Para o eu lírico, o “delírio do verbo” é algo bom ou ruim? Explique sua resposta.
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A ordem das palavras e a produção de sentido
Alice descansava com a irmã mais velha à sombra de uma árvore quando foi surpreendida pela visão de um coelho branco e de olhos cor-de-rosa. Do bolso do colete que vestia, o coelho tirou um relógio e, conferindo os ponteiros, concluiu estar atrasado. Intrigada com o que via, Alice decidiu seguir o animal. Foi parar em um mundo subterrâneo no qual a lógica da realidade frequentemente era posta à prova. Leia, a seguir, um trecho do romance Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, em que a protagonista conhece algumas curiosas personagens.
Um chá maluco Havia uma mesa posta, sob uma árvore, em frente à casa onde a Lebre Aloprada e o Chapeleiro estavam tomando chá. Uma Marmota estava sentada entre eles, dormindo profundamente, e os dois a usavam como almofada, apoiando os cotovelos nela e conversando por cima da sua cabeça. “Deve ser muito desconfortável para a Marmota”, pensou Alice. “Mas, como ela está adormecida, acho que não está nem ligando.” Era uma mesa muito comprida, mas, apesar disso, os três estavam amontoados num canto só e, assim que viram Alice chegar, puseram-se a gritar: — Não tem mais lugar! Não tem mais lugar! Alice respondeu com indignação: — Tem lugar demais! — e sentou-se numa grande poltrona, numa das pontas da mesa. […] — […] foi muita falta de educação da sua parte sentar-se sem ter sido convidada — afirmou a Lebre Aloprada. — Eu não sabia que a mesa era sua — respondeu Alice —, e ela está posta para muito mais gente do que apenas três pessoas. — Você precisa cortar o cabelo — disse o Chapeleiro. Ele esteve observando Alice durante algum tempo e agora era a primeira vez que falava. — E você precisa aprender a não fazer comentários pessoais — disse Alice com severidade. — Isso é muito grosseiro. O Chapeleiro arregalou os olhos ao ouvir isso; mas tudo o que ele disse foi: — Qual é a relação entre um corvo e uma escrivaninha? “Oba! Agora está começando a ficar divertido!”, pensou Alice. “Estou feliz por eles terem começado a propor adivinhações.” — Acho que eu consigo acertar essa — acrescentou em voz alta. — Você quer dizer que acha que consegue adivinhar essa? — perguntou a Lebre Aloprada. — Isso mesmo, exatamente — disse Alice. — Então você deve dizer o que acha — continuou a Lebre Aloprada. — Eu digo o que acho… — apressou-se em responder Alice — … ou pelo menos… pelo menos eu acho o que digo… É a mesma coisa, não é?
Vocabulário de apoio
marmota: espécie de esquilo severidade: rigor, dureza
— Não é nem um pouco a mesma coisa — disse o Chapeleiro —, pois da mesma forma você poderia dizer que “Eu vejo o que como” é a mesma coisa que “Eu como o que vejo”! — Você pode do mesmo modo dizer que “Eu gosto daquilo que consigo” é a mesma coisa que “Eu consigo aquilo de que gosto”! — acrescentou a Lebre Aloprada. — Da mesma forma você pode dizer que “Eu respiro quando durmo” é a mesma coisa que “Eu durmo quando respiro”! — acrescentou a Marmota, que parecia falar enquanto dormia. — No seu caso é de fato a mesma coisa — disse o Chapeleiro. E aqui a conversa foi interrompida, ficando o grupo em silêncio por alguns minutos, enquanto Alice meditava sobre as possíveis relações entre corvos e escrivaninhas, que, aliás, não eram muitas. O Chapeleiro foi o primeiro a romper o silêncio: — Que dia do mês é hoje? — perguntou ele, virando-se para Alice. Ele tinha tirado o relógio do bolso e o olhava inquieto, chacoalhando-o de vez em quando e aproximando-o do ouvido. Alice pensou um pouco e respondeu: — Hoje é dia quatro. — Dois dias atrasado! — suspirou o Chapeleiro. — Eu bem disse que a manteiga não ia adiantar nada para fazer ele funcionar! — completou, olhando furioso para a Lebre Aloprada. — Mas era manteiga da melhor — respondeu a Lebre Aloprada humildemente. — É, mas entraram migalhas de pão também — resmungou o Chapeleiro. — Você não devia ter posto a manteiga com a faca de pão. A Lebre Aloprada pegou o relógio e ficou olhando para ele com uma cara triste. Em seguida, mergulhou-o na sua xícara de chá e tornou a olhar. Não lhe ocorreu nada melhor para dizer do que o mesmo comentário: — Era de fato manteiga da melhor, sabe! […]
Daniel Almeida/ID/BR
Língua viva
Carroll, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Trad. Nicolau Sevcenko. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 79-82.
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Oba! Agora está começando a ficar divertido! a) Reescreva a frase duas vezes, colocando o advérbio agora em outras posições possíveis, sem comprometer a gramaticalidade. b) Nas frases reescritas por você, houve alteração de sentido em relação à frase original? Explique. ANOTE
Na língua portuguesa, a ordem das palavras na frase não é aleatória. Algumas inversões podem tornar o enunciado agramatical; outras podem alterar totalmente seu sentido. Mesmo assim, nem todas as posições são fixas. Alterar a ordem de certas palavras também pode acrescentar expressividade ao enunciado, sem que seu sentido se altere profundamente. texto em construção Quanto mais um texto precisa expor um conteúdo de modo objetivo, mais ele deve preocupar-se com as regras de ordenação das palavras. É assim com o gênero seminário (capítulo 33, p. 314), por exemplo, o qual, por objetivar transmitir informações da forma mais clara possível, precisa evitar as inversões sintáticas, o duplo sentido e a linguagem figurada em nome de sua precisão. Leia o trecho de um seminário governamental sobre políticas de Ensino Médio para os povos indígenas e observe como, de modo geral, as frases seguem a ordem direta (sujeito, verbo e objeto):
Repertório
Lewis Carroll Lewis Carroll é o pseudônimo do inglês Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898). Escritor e matemático, foi professor universitário por quase cinquenta anos em Oxford. Ele gostava de brincar com as palavras e com a lógica – inventou vários enigmas de linguagem e de matemática, jogos, sistemas de codificação e um método de memorização de números. Para criar sua obra mais famosa, Alice no país das maravilhas (1865), inspirou-se na menina Alice Liddell. Lewis Carroll/Getty Images
1. Ao se aproximar da mesa com vários lugares vazios, Alice ouve do Chapeleiro e da Lebre Aloprada: “Não tem mais lugar! Não tem mais lugar!”. A julgar pelo andamento da conversa, o que Alice poderia deduzir desse primeiro comentário? Explique. 2. O Chapeleiro diz a Alice que ela precisa cortar o cabelo. Por que esse comentário contraria o que se espera de uma conversação típica? Indique pelo menos duas razões. 3. Diante da reação de Alice ao comentário sobre seu cabelo, o Chapeleiro questiona: “Qual é a relação entre um corvo e uma escrivaninha?”. Qual pode ter sido a intenção do Chapeleiro ao fazer essa pergunta? 4. Alice supõe que “dizer o que se acha” é a mesma coisa que “achar o que se diz”. Ela está certa? Explique. 5. O Chapeleiro e a Lebre Aloprada discordam de Alice e a corrigem. Explique a diferença de sentido produzida pela mudança na ordem das palavras em cada um dos exemplos dados pelas duas personagens. 6. O que o Chapeleiro dá a entender quando afirma que, no caso da personagem Marmota, dizer “respiro quando durmo” é o mesmo que dizer “durmo quando respiro”? 7. Observe a ordem das palavras nesta frase.
Daniel Almeida/ID/BR
Sobre o texto
A mais recente experiência foi a implantação de uma escola de Ensino Médio regular, já com a ideia de educação específica e diferenciada. Esse ensino foi colocado de acordo com a reivindicação de dez comunidades. Foi feito um projeto que era chamado de Ensino Médio Itinerante, ou seja, os professores iriam dar aulas dentro das comunidades fazendo um rodízio. […] Anais do seminário Políticas de Ensino Médio para os povos indígenas. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, Diretoria de Ensino Médio, 2003.
1. Em que outros gêneros que primam pela objetividade é possível notar o predomínio da ordem direta? Cite exemplos de textos desses gêneros.
Não escreva no livro.
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Lewis Carroll também foi fotógrafo amador. Esta é Alice Liddell, em foto tirada por ele em 1860.
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Em dia com a escrita
Anacoluto: expressividade falta de clareza
© 2002 Thaves / Dist. by Universal Uclick
Algumas figuras de linguagem exploram as relações sintáticas das palavras nos enunciados. Por isso, são conhecidas como figuras de sintaxe. O princípio de construção dessas figuras é produzir efeitos de sentido pela quebra intencional da ordenação sintática típica das palavras ou das expressões nos enunciados. A falta de vínculo entre o início de uma frase e seu desenvolvimento constitui uma figura de sintaxe chamada anacoluto. Veja: “Quem ama o feio, bonito lhe parece” (a ordenação sintática direta desse enunciado seria “O feio parece bonito a quem o ama”). Embora seja comum na modalidade oral da língua, o uso do anacoluto pode tornar obscuro o sentido de textos escritos. Assim, é importante identificar se ele está sendo usado com um propósito expressivo (por exemplo, para produzir humor, explorar a sonoridade das palavras, etc.), ou se representa um pensamento truncado, uma ideia inacabada, que pode causar dúvidas no leitor. 1. Leia o cartum.
Thaves, Bob. Jornal da Tarde, 17 jul. 2002.
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Relacionamento entre pais e filhos continua sendo uma dificuldade como foi em gerações passadas. Hoje de forma acentuada o muro da comunicação é mais ainda cimentado. Com o uso de celulares os pais sabem até aonde localizar seus filhos, mas dificilmente este mesmo celular facilita uma conversa franca e de qualidade entre ambos. Famílias em que pai e mãe trabalham fora, os lares são até melhores equipados com aparelhos modernos, no entanto os filhos ficam à mercê das televisões, creches e escolas de tempo integral, e raramente quando todos estão em casa conseguem conversar se não for apenas para brigas e cobranças. […]
Daniel Almeida/ID/BR
a) Observe o cenário e a caracterização das personagens: Quem são elas? Justifique. b) A fala do balão é introduzida pela expressão “Sobre o pinguim…”. Após as reticências, inicia-se uma frase que aparentemente trata de outro assunto. Do ponto de vista sintático, a expressão “Sobre o pinguim…” é dispensável em relação a essa frase? Explique. c) O que, provavelmente, ocasionou a fala da personagem de barba? d) Pensando em sua resposta ao item anterior, é possível dizer que, do ponto de vista semântico, a expressão “Sobre o pinguim…” é dispensável em relação à frase que a sucede? Explique. 2. Leia o trecho da redação de um estudante, cujo tema é “O famoso conflito de gerações ainda existe hoje?”
Autoria desconhecida. Disponível em: . Acesso em: 17 abr. 2016.
a) Em qual das frases do trecho lido o início não tem ligação sintática com o final? b) Reescreva a frase que você apontou no item a, de modo a construir uma estruturação sintática típica da modalidade escrita da língua. c) Reescreva os três parágrafos do trecho no caderno, evitando a repetição de ideias. d) Você concorda com a opinião expressa nesse excerto da redação? Por quê? 156
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João Carlos Santana: […] Rodrigo, é::… o que que chama a atenção na obra do Milton Nascimento na sua opinião? Rodrigo Four: Eu acho que o Milton, ele tem um… ele é até um movimento à parte, assim… na música brasileira, porque a… o que ele faz não se parece com ninguém… assim. E:: principalmente nos primeiros vinte anos de carreira que é quando ele se consagra, é uma coisa assim… que ele… ã:: a/as músicas são muito existenciais… né? […] basicamente é uma… ele é/tem uma obra existencial e política… muito forte, quer dizer, de temáticas assim… né? […] é uma coisa assim da… da tradição assim bem mineira interiorana, com a coisa pop internacional. Mas ainda assim produzindo com aquela voz dele também, né de/é::… que é única, né, uma O consagrado cantor e compositor coisa assim… não tem como você ficar… espanando os mó- Milton Nascimento completou veis ouvindo Milton Nascimento [risos]… é uma poesia […]. 70 anos em outubro de 2012.
Marcelo Cortes/Fotoarena
3. Leia o excerto a seguir. Trata-se da retextualização de um trecho da entrevista com o crítico musical Rodrigo Four na rádio CBN, no especial “Os setentões da música brasileira”.
Entrevista concedida por Rodrigo Four a João Carlos Santana, no programa Sala de música, da rádio CBN, veiculado em 1o set. 2012. Transcrição feita para esta edição.
a) Em um texto oral, especialmente quando o tempo de planejamento é menor, as escolhas que o falante realiza visando a uma interação bem-sucedida envolvem critérios diferentes daqueles considerados na escrita. Um recurso comum do português falado no Brasil é a topicalização: primeiro o falante anuncia um tema e depois faz um comentário ou uma declaração sobre ele. Veja o exemplo. Eu acho que o Milton, ele tem um… ele é até um movimento à parte, assim… na música brasileira, porque a… o que ele faz não se parece com ninguém… assim. Ao ler a retextualização dessa passagem, percebemos que ocorre anacoluto: o início da frase não apresenta ligação sintática com o restante dela. Encontre outras ocorrências de anacoluto no trecho da entrevista acima e registre-as no caderno. b) Localize outras ocorrências típicas de textos orais no trecho da entrevista. Registre-as no caderno e descreva-as brevemente. c) Reescreva o trecho da fala de Rodrigo Four, eliminando as repetições próprias da oralidade e reestruturando-o de acordo com os mecanismos de coesão da modalidade escrita. 4. Leia este enunciado. Apoiada pelos alunos, nenhum outro professor foi tão aplaudido na formatura.
I. Apoiada pelos alunos, nenhuma professora foi tão aplaudida na formatura. II. Apoiada pelos alunos, a professora foi mais aplaudida do que qualquer outro docente na formatura. III. Por contar com o apoio dos alunos, nenhum outro professor da escola foi tão aplaudido na formatura.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
a) Que elementos do enunciado estão sintaticamente desconectados, tornando-o truncado? b) Qual das alternativas a seguir solucionaria o problema de sintaxe do enunciado, veiculando o sentido pretendido?
ANOTE
O anacoluto é comum na linguagem oral e não causa problemas de entendimento. Na escrita, é preciso cuidado ao empregá-lo, para que os enunciados não se tornem truncados e obscuros.
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capítulo
19 o que você vai estudar A estrutura dos enunciados. Frase, oração e período.
Frase, oração, período Os usuários da língua interagem produzindo sequências de unidades comunicativas denominadas enunciados. Na fala, tais unidades são antecedidas e sucedidas de um breve silêncio. Na escrita, são delimitadas por recursos gráficos. Neste capítulo, você estudará as diferentes formações sintáticas dos enunciados e os sentidos que podem produzir.
A estrutura dos enunciados
Frases declarativas, interrogativas, imperativas e exclamativas.
André Dahmer/Acervo do artista
Analise a tira abaixo.
Dahmer, André. Malvados. Rio de Janeiro: Desiderata, 2008. p. 45.
1. Os elementos verbais dessa tira não estão dispostos no interior de balões. Identifique e explique os recursos gráficos utilizados pelo quadrinista para explicitar ao leitor a que se refere cada bloco de texto. 2. A tira faz referência a uma das mais famosas obras de arte do mundo. a) Que obra é essa? O que você sabe sobre ela? b) Por que é importante que o leitor conheça a obra para compreender o humor da tira? 3. Na tira, há um dado imperceptível para a personagem da esquerda, mas que a personagem da direita (o macaco) compartilha com o leitor. Qual? 4. No primeiro e no terceiro quadrinhos, há trechos da fala da personagem da esquerda que apresentam estrutura sintática bastante semelhante. Identifique-os. Os Malvados, personagens do quadrinista André Dahmer, costumam apresentar um humor ácido e um tanto cínico. Na tira acima, Dahmer ironiza a pretensão humana de considerar a sua inteligência superior à dos outros animais. Os enunciados lidos na tira apresentam estruturas variadas e podem ser classificados, segundo os estudos gramaticais, como frases, orações ou períodos.
Frase Na tira, o leitor toma como unidades comunicativas enunciados com estruturas variadas: sem verbo (“Bravo, rapaz!”), com um único verbo (“Falta a tensão estética característica de meus primeiros trabalhos.”) ou mais de um verbo (“Vamos deixá-lo sozinho e dar início ao experimento.”). “Bravo, rapaz!” revela uma opinião positiva do Malvado sobre o resultado do trabalho do macaco; “Graças ao bom Deus” revela alívio; “Vamos deixá-lo sozinho e dar início ao experimento” convida a uma ação. Enunciados que representam uma unidade de sentido em uma situação de uso da língua, não importando sua estrutura ou seu tamanho, são denominados frases. Na língua falada, as frases se delimitam por um breve silêncio que as antecede e pela entonação. Na escrita, são delimitadas pela letra maiúscula inicial e por certos sinais de pontuação. 158
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Frase nominal e oração Graças ao bom Deus. Bravo, rapaz! House/TV Cultura
Como vimos, todos os enunciados da tira analisada, independentemente de sua extensão ou estrutura, são tomados pelo leitor como unidades comunicativas, cujo sentido é garantido pelo contexto de produção. O critério para considerá-los como tal é semântico e pragmático, pois leva em conta os sentidos produzidos por eles em uma situação de uso da língua. Os enunciados também podem ser classificados segundo critérios sintáticos. Veja ao lado a chamada para a estreia de uma série de TV destinada ao público adolescente. A série Pedro & Bianca, criada por Cao Hamburger, narra as aventuras de irmãos gêmeos bivitelinos que moram e estudam na periferia da cidade de São Paulo. O título da série é formado apenas por nomes próprios ligados pela conjunção e, não apresentando verbos. Enunciados como esse são identificados como frases nominais. Podem ser assim classificados Folha de S.Paulo, 11 nov. 2012. Caderno Ilustrada, p. E8. outros enunciados apresentados na chamada, como “Gêmeos completamente diferentes, como todo adolescente” e o slogan “Uma TV diferente”. Já em “Estreia hoje, às 14h30, na TV Cultura” verifica-se a presença do verbo estreia (presente do indicativo de estrear). Enunciados que se organizam em torno de uma forma verbal são denominados orações. A cada verbo ou locução verbal empregada corresponde uma oração. Nem toda oração pode ser considerada uma frase, pois algumas não constituem uma unidade de sentido. O enunciado “Sabemos que os adolescentes são diferentes” apresenta sentido completo. No entanto, caso seja desmembrado nas orações “Sabemos” e “que os adolescentes são diferentes”, não se poderá mais falar em frase, uma vez que cada oração, tomada isoladamente, tem seu sentido comprometido.
Terei que inutilizar esta obra.
Período Pense, agora, no seguinte enunciado: “Pedro & Bianca estreia hoje na TV Cultura”, em que é possível identificar uma forma verbal – estreia –, o que faz desse enunciado uma oração. Por representar uma unidade de sentido e ser composto por uma oração, esse enunciado recebe o nome de período. Dependendo do número de orações, um período pode ser classificado como simples ou composto. Assim, enunciados como “Cao Hamburger cria nova série de TV” ou “Pedro e Bianca são gêmeos”, que só trazem um verbo, ou seja, são constituídos de uma única oração, são considerados períodos simples. A oração que constitui esse período recebe o nome de oração absoluta. Já enunciados como “Nova série estreia hoje e destina-se ao público adolescente” ou “Castelo Rá-Tim-Bum surgiu em 1994 e fez sucesso entre o público infantil”, formados por duas ou mais orações, são chamados de períodos compostos. ANOTE
Todo enunciado que representa uma unidade de sentido em uma situação de uso da língua constitui uma frase. Enunciados construídos em torno de verbos são denominados orações. Enunciados formados por uma única oração são chamados de períodos simples; enunciados formados por mais de uma oração são denominados períodos compostos. Não escreva no livro.
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Tipos de frases e efeitos de sentido Os estudos gramaticais identificam, tradicionalmente, quatro tipos de frases: declarativas, interrogativas, imperativas e exclamativas. Na língua oral, esses tipos são identificados pela entonação utilizada pelo falante; na escrita, pelos sinais de pontuação utilizados. Observe o quadro. Descrição
Exemplo
Expõem fatos e constatações, de maneira afirmativa ou negativa. Na escrita, costumam ser seguidas por ponto-final (.) ou reticências (…).
“A série de filmes Star Wars é um clássico do cinema mundial.” “Gabriela nunca assistiu a filmes de terror.”
Frases interrogativas
Expressam indagações. São sinalizadas, na escrita, pelo ponto de interrogação (?).
“Qual é seu filme preferido?”
Frases imperativas
Expressam ordem, conselho, pedido ou sugestão, com o modo verbal imperativo ou outras formas equivalentes. Na escrita, são empregadas com ponto-final (.) ou de exclamação (!).
“Por favor, chamem um médico!” “Menina, desliga essa TV e vai dormir.”
Frases exclamativas
Traduzem emoções e sentimentos do falante de forma enfática e expressiva. São sinalizadas, na escrita, pelo ponto de exclamação (!).
“Esse filme é o máximo!” “Exibido!”
Frases declarativas
HIPERTEXTO
Calvin & Hobbes, Bill Watterson © 1987 Watterson/Dist. by Universal Uclick
Essa tipologia, embora sirva como ponto de partida para a análise das frases, não abrange os vários sentidos criados pelos falantes nos diferentes contextos de produção. Leia esta tira de Calvin.
Capítulo 19 – Frase, oração, período
Watterson, Bill. Calvin e Haroldo.
Calvin não quer comer o que a mãe lhe serve e cria um neologismo para indicar sua preferência gastronômica – a sobremesa. No primeiro quadrinho, Calvin interroga a mãe sobre a comida e expressa sua avaliação sobre a aparência do prato. Mais do que fazer uma pergunta e apresentar uma opinião, Calvin sinaliza não estar disposto a comer o que a mãe lhe serviu. No segundo quadrinho, a mãe replica a Calvin com duas frases declarativas. A primeira responde diretamente à pergunta do filho sobre a comida servida. A segunda, embora mencione os efeitos benéficos do prato, tem como finalidade principal convencer Calvin a comer o alimento. Misturam-se, assim, aspectos declarativos e imperativos. No terceiro quadrinho, a frase interrogativa “Vegetariana??” não sinaliza o pedido por uma informação, mas destaca a aversão do menino à comida, confirmada pelas frases exclamativas que a seguem. Portanto, os sentidos das frases só podem ser completamente compreendidos em razão de seu contexto de produção. Imagine, por exemplo, a frase “Está quente aqui…”, proferida pelo participante de uma reunião em uma sala fechada. A finalidade dessa frase, identificada à primeira vista como declarativa, não é informar os outros sobre a temperatura do ambiente, mas sugerir uma providência, como a abertura de uma janela ou de uma porta. As frases interrogativas, como já se viu, nem sempre correspondem a perguntas. Ao proferi-las, o falante pode ter outros objetivos além de receber uma informação. É o que ocorre, por exemplo, quando alguém diz durante uma refeição: “Você pode me passar o sal?”. Ele não espera que seu interlocutor responda sobre sua capacidade de passar o sal, mas que efetivamente realize a ação de lhe passar o saleiro.
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Na parte de Literatura (seção Ferramenta de leitura, capítulo 12, p. 111), um trecho de Vidas secas mostra a indignação de Fabiano após ser preso por responder à provocação de um oficial. As frases interrogativas indicam, por meio do discurso indireto livre, o início da tomada de consciência da personagem a respeito de suas condições de vida.
Daniel Almeida/ID/BR
Classificação
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Prática de linguagem
Antonio Lacerda/EFE
1. A foto a seguir, publicada no site de um jornal, mostra manifestantes em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), no Dia Mundial da Alimentação, comemorado em 16 de outubro. Rainha do agronegócio Quero uma agricultura sem veneno
a) Duas manifestantes estão caracterizadas como personagens de um conto de fadas. Identifique as personagens e o conto a que pertencem. b) Observe os dizeres que aparecem nos cartazes. Por que essas personagens foram escolhidas pelos manifestantes para a performance apresentada durante o protesto? c) Transcreva todos os enunciados presentes na cena. Separe-os em frases nominais e orações. d) Considerando o contexto, elabore dois enunciados que também poderiam estar nos cartazes. Use apenas frases nominais.
Folha de S.Paulo on-line, 16 out. 2012. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2016.
Rafael Sica/Acervo do artista
2. Leia esta tira.
Sica, Rafael. Folha de S.Paulo, 23 jan. 2006. Folhateen, p. 12.
a) Os quadrinhos retratam o cotidiano de duas personagens. Qual parece ser a relação entre elas? Justique sua resposta com elementos da tira. b) Nos quadrinhos de 1 a 7, a personagem mais velha profere diferentes frases interrogativas. Quais delas correspondem, efetivamente, ao desejo de obter uma informação? c) Qual é o efeito de sentido produzido pelas outras frases interrogativas na tira? d) A tira apresenta uma crítica indireta a uma das personagens. Explique essa crítica. usina literária Leia um haicai da escritora curitibana Alice Ruiz (1946-).
manhã de sol na lembrança o som da chuva Ruiz, Alice. Desorientais. São Paulo: Iluminuras, 1996. p. 56.
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1. O poema é composto apenas de frases nominais. O que essa construção sintática sugere quanto à cena criada? 2. Mesmo com a ausência de verbos, o poema consegue sugerir a ideia de movimento. Explique como.
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Língua viva
Informações implícitas nas frases de anúncios publicitários
F/Nazca/ID/BR
Analise o anúncio publicitário de uma marca de roupas e artigos esportivos publicado em uma revista de circulação nacional.
Eu nasci pobre. Fui criado sem pai. Fui pedreiro. Fui sorveteiro. Eu andava na rua e as pessoas mudavam de calçada. Eu me converti ao islamismo num país católico. Escolhi o salto triplo na terra do futebol. Eu podia ter desistido. Pare de arrumar desculpas.
Veja, São Paulo, Abril, ed. 2073, p. 82-83, 13 ago. 2008.
Sobre o texto 1. O anúncio não dá grande destaque aos produtos da marca anunciada, tampouco faz apelos explícitos ao seu consumo. Mesmo assim, procura estimular os leitores a adquiri-los. Que estratégia é usada para isso? 2. O anúncio apresenta um breve relato autobiográfico do atleta Jadel Gregório. Esse relato é constituído de uma sequência de frases que podem ser organizadas em três blocos de sentido: adversidades, decisões incomuns que denotam coragem e provocação. a) Que frases do texto correspondem a cada bloco? b) O anúncio não menciona o nome do atleta, nem suas conquistas no esporte. Esse fato prejudica o objetivo do anunciante? Explique. c) Para que ocorra o efeito de provocação, o leitor deve ter conhecimento de uma informação implícita no anúncio: o fato de Jadel ser um campeão, um vitorioso. Que elementos possibilitam essa conclusão, caso o leitor não tenha esse conhecimento prévio? 3. O slogan do anunciante é uma frase em inglês: “Just do it”, que em português significa “Apenas faça”. Que relação se pode estabelecer entre a biografia do atleta e esse slogan? 4. De que maneira os elementos não verbais reforçam o conteúdo do texto verbal? 5. Releia. Eu me converti ao islamismo num país católico. Escolhi o salto triplo na terra do futebol.
O que essas duas declarações revelam sobre o perfil do atleta? 6. Releia. Pare de arrumar desculpas.
a) O anúncio dá a entender que o atleta se sente no direito de dizer isso. Por quê? b) Que informação implícita está presente nessa frase? Explique sua resposta. 162
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HIPERTEXTO O anúncio publicitário da parte de Produção de texto (capítulo 34, p. 323) também faz referência a uma figura pública à qual se associam valores positivos, sem, no entanto, mencionar seu nome. A caracterização do modelo do anúncio, a expressão “CASA BRANCA” e o trocadilho com o nome do produto anunciado dão as dicas para que o leitor interprete o texto adequa damente.
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DPZ & T/ID/BR
7. Leia agora outro anúncio publicitário.
Anúncio publicitário de campanha para o Dia das Mães do ano de 2010.
a) No anúncio acima, de uma empresa de cosméticos, não são divulgados explicitamente produtos ou serviços. Para promover a marca, o texto apela para outro valor. Qual? b) A que público-alvo o anúncio se dirige? Justifique. c) O gesto da mulher e a expressão facial da criança condizem com os dizeres expressos no texto do anúncio? Explique. ANOTE
Na leitura de um texto, há informações implícitas que precisam ser apreendidas pelo leitor para que os sentidos sejam adequadamente reconstruídos. Algumas dessas informações são pressupostos, isto é, ideias que, mesmo não declaradas, podem ser reconstituídas com base em elementos do texto e conhecimentos prévios do leitor. texto em construção Os anúncios publicitários podem ser veiculados em meios de comunicação (jornais, revistas, sites, etc.), distribuídos (folhetos) ou ainda afixados em locais públicos (cartazes, painéis). São produzidos por agências de publicidade e têm como finalidade divulgar produtos ou serviços de uma empresa ao público. Em geral, a criação do anúncio é antecedida por pesquisas de mercado que buscam analisar a necessidade e o desejo do público-alvo. Após sua veiculação, faz-se um estudo sobre o impacto do anúncio nas vendas do produto. Esses anúncios apresentam grande quantidade de frases curtas, estruturas facilmente apreendidas pelo leitor, potencial consumidor do produto anunciado.
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Com frequência, a linguagem da publicidade aproxima-se da poesia e da literatura em geral. São utilizados versos, rimas, metáforas, onomatopeias, figuras de linguagem, provérbios e ditos populares. A publicidade costuma recorrer também ao humor, em trocadilhos, anedotas, piadas e tiradas sarcásticas. Ela busca, nos diversos discursos sociais, a expressão da subjetividade do desejo. No boxe Observatório da língua do capítulo 34 (p. 325), há exemplos de recursos de intertextualidade e interdiscursividade. 1. Com base neste capítulo e no boxe do capítulo 34, analise o anúncio produzido nas páginas 326 e 327 e classifique seus enunciados e recursos linguísticos. 163
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Em dia com a escrita
Sinais de pontuação como recurso expressivo
O uso de sinais de pontuação no texto escrito é de extrema importância e atende a diferentes finalidades. Alguns estudiosos distinguem dois grupos de sinais, cujo emprego é determinado por fatores de ordem sintática ou entonacional. ••Sinais empregados por fatores de ordem sintática: indicam as unidades lógicas do texto, delimitando e organizando suas partes e orientando o leitor em sua interpretação. ••Sinais empregados por fatores de ordem entonacional: marcam a melodia, o ritmo e a entonação com que os enunciados escritos seriam pronunciados na fala. 1. Observe os sinais destacados a seguir. Indique no caderno o principal fator que determina o emprego desses sinais em cada enunciado: sintático (S) ou entonacional (E). a) O motorista do ônibus, visivelmente abalado, pediu desculpas ao pedestre. b) Luciana queria terminar o namoro; André acreditava em uma reconciliação. c) Tenho boas notícias: arrumei um emprego! d) A implantação da lei seca diminuiu o índice de acidentes de trânsito no Brasil. e) O dia está tão bonito… f) Ai! g) A razão do evento — arrecadar fundos para a construção do abrigo — o motivou a ir. Almap BBDO/Havaianas
2. Veja o anúncio publicitário abaixo.
Superinteressante, São Paulo, Abril, ed. 306, jul. 2012.
a) Que relação o anúncio publicitário procura estabelecer entre a ideia de “Brasil, terra de contrastes” e as sandálias anunciadas? b) Observe os elementos gráficos presentes na peça publicitária. De que modo eles dialogam com o texto verbal do anúncio? c) A que público-alvo o anúncio se dirige? Justifique com elementos do texto. d) Um dos fatores que justificam o uso da vírgula é marcar a elipse, isto é, a omissão, em uma oração, de um termo já utilizado anteriormente e que pode ser recuperado pelo contexto. Transcreva os trechos do texto verbal do anúncio publicitário em que a vírgula foi utilizada com essa função. e) Releia:
Brasil, terra de contrastes: o pé direito só quer saber de bola, o esquerdo, de ficar largado numa rede. Quando o direito pensa em sambar na avenida, o esquerdo pensa numa piscina. O contraste aperta mesmo quando o direito quer ir para a esquerda e o esquerdo, para a direita. Mas aí, eles calçam um par de Havaianas e resolvem a questão caminhando juntinhos até a praia mais próxima.
Brasil, terra de contrastes: o pé direito só quer saber de bola […]. Qual é a função dos dois-pontos nesse caso? 164
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3. Leia o texto a seguir. Ele é a reprodução de um bilhete que teria sido deixado por Aventura a seu amado Doravante, personagens de um romance de Adriana Falcão. “Algo terrível aconteceu me obrigando a ficar longe de você. A ponte entre nós dois se partiu. Meu amor tornou-se impossível. Encontrar você como combinamos não vai dar. Pra seguir agora, só sem você. Tudo é muito triste, mas sigo caminho. Quando der, a gente se vê. Logo, boa sorte pra você. Espere por mim não. Me esqueça, Doravante.”
Considerando-se o modo como os sinais de pontuação foram usados, o texto parece expressar uma despedida. Reescreva-o de forma que a pontuação indique que Doravante ainda tem esperanças de viver seu amor com Aventura. 4. A autora Heloísa Seixas dedicou-se à escrita de contos bastante concisos, que ela chama de “mínimos”. Leia um desses contos e observe como os sinais de pontuação organizam o texto e contribuem para sua densidade literária.
Caixa de Pandora Guardou o segredo como se fosse um diamante, no fundo de uma caixa de veludo negro. E, um após o outro, amontoando-se, sedimentando-se, os anos se passaram. Ela própria já começava a esquecer aquilo que mantinha encerrado no compartimento mais escuro de seu coração. Até que um dia, abrindo o jornal, deu com a foto dele. Estava morto. Num turbilhão, a paixão que sentira pela vida inteira desprendeu-se do fundo de veludo negro e explodiu, em todas as direções, enchendo o mundo, a atmosfera, a humanidade inteira, com seu veneno. Agora, letal. Seixas, Heloísa. Contos mais que mínimos. Rio de Janeiro: Tinta Negra, 2010. p. 20.
a) O narrador desse conto nos apresenta uma personagem feminina, indicada como ela. O que se sabe sobre essa mulher? b) Compare um trecho do conto com uma nova versão dele.
Repertório
A caixa de Pandora Na mitologia grega, Pandora foi a primeira mulher. Ela teria sido criada por Zeus para punir os seres humanos por terem aceito o fogo divino roubado por Prometeu. A caixa, na verdade uma ânfora, foi dada a Pandora por seu marido. Como continha todos os males, não deveria ser aberta em hipótese alguma. Pandora, porém, levada pela curiosidade, abriu a caixa. Com exceção da esperança, todo o conteúdo daquele objeto se espalhou pelo mundo. São muitas as versões desse mito, mas em todas elas existe a ideia de que a mulher seria a causadora dos males da humanidade. Hoje em dia, a expressão “abrir uma caixa de Pandora” significa vivenciar ou ocasionar um mal difícil de ser desfeito. Coleção particular. Fotografia: ID/BR
Falcão, Adriana. Luna Clara e Apolo Onze. São Paulo: Salamandra, 2002. p. 74.
I. Até que um dia, abrindo o jornal, deu com a foto dele. Estava morto. II. Até que um dia, abrindo o jornal, deu com a foto dele e com a informação de que estava morto.
Qual dos enunciados causa maior impacto no leitor? Por quê? c) Releia o último período. Agora, letal. A vírgula suprime alguns termos que podem ser depreendidos pela leitura do conto. Reescreva essa frase nominal transformando-a em um período em que os termos suprimidos sejam explicitados. d) Considerando sua resposta ao item anterior, explique por que a autora optou pela supressão dos termos. ANOTE
Os sinais de pontuação não são elementos acessórios ao texto escrito, mas parte integrante dele e, portanto, essenciais à construção do sentido dos enunciados. Eles atuam não apenas na organização das ideias, tornando-as mais compreensíveis ao leitor, mas também conferindo ao texto maior expressividade, interferindo em seu contorno melódico, rítmico e entonacional.
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Lefebvre, Jules Joseph. Pandora, 1882. Óleo sobre tela, 96,5 cm 3 74,9 cm. Coleção particular.
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Articulando
Língua portuguesa ou brasileira?
Os textos a seguir apresentam pontos de vista sobre a existência ou não de uma “língua brasileira”. O primeiro foi publicado no site do Instituto Camões; o segundo é um trecho de uma entrevista com o linguista Marcos Bagno; o terceiro foi escrito pela linguista Eni Orlandi. Leia-os. Texto 1
Uma língua ou mais do que uma língua Poder-se-á perguntar, perante as variantes de uma língua, evidentes para os seus falantes e para os estrangeiros que a não conhecem, por que razão mantemos o mesmo nome para formas de falar que apresentam diferenças? Em que circunstâncias devemos considerar que elas constituem línguas diversas? Existem duas ordens de fatores para a manutenção de um mesmo nome – língua portuguesa, francesa, inglesa – cobrindo variantes de diferente tipo. Por um lado, não é possível demonstrar linguisticamente que duas variedades de uma língua passaram a ser línguas distintas em determinado momento da sua evolução por se verificarem certas diferenças fonéticas, morfológicas ou sintáticas, ou por se considerar que os seus falantes manifestam entre si diferenças culturais. Na verdade, há diferenças de vários tipos no interior de uma
língua e há semelhanças entre línguas que têm nomes diversos por razões históricas. Por outro lado, a manutenção dessas variedades no interior do que se denomina uma língua é, em última análise, uma opção política (como foi a decisão de tornar o Português, o Francês ou o Inglês línguas oficiais nas antigas colônias depois da respectiva independência). Ou seja, o termo “Língua Portuguesa”, que cobre as variedades societais, dialectais e nacionais que convivem em Portugal, no Brasil e nos países onde é língua oficial, deve ser entendido como importante instrumento de coesão entre povos e como afirmação política e econômica num contexto nacional e transnacional. Este é um dos mais fortes motivos para que conservemos a denominação de Língua Portuguesa cobrindo todas as suas naturais variantes.
Vocabulário de apoio
dialectal: relativo a dialeto (variedade regional de uma língua) societal: relativo à sociedade, social transnacional: que se refere a várias nações integradas política e/ou economicamente
A pronúncia do português europeu. Instituto Camões. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2016.
Texto 2
Jornal Opção: Sua visão quanto a termos o português brasileiro é suficiente no ponto de vista cultural ou é uma questão puramente ideológica? Há base cultural para se fazer essa “independência”? Marcos Bagno: No ponto de vista gramatical está comprovado que sim. Mesmo que um português compreenda um brasileiro, há diferenças de interpretação. Um exemplo como “minha bermuda está lavando” nunca aconteceria em Portugal, não faz parte da gramática da língua deles. É um exemplo mínimo […] que é a questão da ordem das palavras. Mas têm outros, como a conjugação verbal, termos de pronomes, regências verbais. Há vários outros fenômenos que distinguem claramente o português europeu do brasileiro, apesar de que, na aparência, na escrita, acharmos que é a mesma coisa. Na fala, já sabemos que são línguas muito diferentes. Eles nos entendem, porque
falamos de uma maneira mais lenta, mais pausada, temos um ritmo silábico. O português europeu é classificado como língua de ritmo acentual: tomam-se várias palavras e juntam-se todas, como se fosse uma só. É outra língua até no ponto de vista da estrutura fonética, eles têm vogais que nós não temos. […] Eles dizem “achetoras”, não “às sete horas”. Se pegarmos o discurso de um português dizendo espontaneamente, se entende alguma coisa, mas também se perdem outras. […] […] Há muitas pessoas que dizem que há muita semelhança entre o português europeu e o brasileiro, por isso dizem que é a mesma língua. Outras, como eu, pessoalmente, pesam mais pelo ponto de vista interno, motivar a que as pessoas olhem para sua língua de forma mais particular. Acho que temos de ter uma cultura de autoestima linguística. É, então, uma questão ideológica.
Vocabulário de apoio
acentual: ritmo de fala que suprime algumas vogais átonas, fazendo com que os segmentos de palavras se aglomerem em torno do núcleo acentuado ideológico: que se relaciona com um conjunto de convicções filosóficas, sociais e políticas de um grupo de indivíduos silábico: ritmo de fala que permite a manutenção dos segmentos das palavras
Carreiro, Marcos N.; Dias, Elder. “O português brasileiro precisa ser reconhecido como uma nova língua. E isso é uma decisão política”. Entrevista com Marcos Bagno. Jornal Opção, n. 2084, 14 a 20 de junho de 2015. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2016.
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Texto 3
Veridiana Scarpelli/ID/BR
A questão da língua que se fala, a necessidade de nomeá-la, é uma questão necessária e que se coloca impreterivelmente aos sujeitos de uma dada sociedade de uma dada nação. Porque a questão da língua que se fala toca os sujeitos em sua autonomia, em sua identidade, em sua autodeterminação. E assim é com a língua que falamos: falamos a língua portuguesa ou a língua brasileira? Esta é uma questão que se coloca desde os princípios da colonização no Brasil, mas que adquire uma força e um sentido especiais ao longo do século XIX. Durante todo o tempo, naquele período, o imaginário da língua oscilou entre a autonomia e o legado de Portugal. […] Esta questão, no entanto, não deixa de nos importunar, e há sempre alguma razão, um pretexto, ou alguém que a levanta em momentos diferentes de nossa história. Isso quer dizer que até hoje não decidimos se falamos português ou brasileiro. […] Desde o princípio da colonização, instala-se um acontecimento linguístico de grande importância no Brasil: o que constitui a língua brasileira. Ao mesmo tempo em que aqui desembarca a língua portuguesa, ao deslocar-se de Portugal para o país nascente – o Brasil –, institui um movimento de memória, deslizamentos linguísticos por meio dos quais uma outra língua – a brasileira – faz-se presente. […] em um primeiro momento […] a partir de sua memória, o colonizador português reconhece as coisas, os seres, os acontecimentos e os nomeia. Mas ele o faz transportando
elementos de sua memória linguística. Há um investimento na relação palavra/coisa, a questão incidindo sobre o referente: na presença de um nome, estamos diante da mesma coisa (a do Brasil e a de Portugal)? Como estamos no Brasil, há um deslocamento (transporte) que força contornos enunciativos diferenciados. Essa diferença se torna cada vez mais uma diferença de línguas (relação palavra/palavra, e não da palavra com a coisa). Daí resulta todo um trabalho sobre a língua, de classificação, organização, definições em listas de palavras, dicionários. O português, assim transportado, acaba por estabelecer em seu próprio sítio de enunciação outra relação palavra/coisa, cuja ambivalência pode ser lida nas remissões: no Brasil, em Portugal. […] Nessa perspectiva, então, falamos decididamente a língua brasileira, pois é isto que atesta a materialidade linguístico-histórica. Se, empiricamente, podemos dizer que as diferenças são algumas, de sotaque, de contornos sintáticos, de uma lista lexical, no entanto, do ponto de vista discursivo, no modo como a língua se historiciza, as diferenças são incomensuráveis: falamos diferente, produzimos diferentes discursividades.
Vocabulário de apoio
ambivalência: condição daquilo que apresenta dois componentes ou valores, de sentidos opostos ou não empiricamente: de modo empírico, baseado na observação e na experiência impreterivelmente: que não pode deixar de ser feito ou executado incidir: atingir, refletir-se sobre incomensurável: que não pode ser medido devido à sua grandeza legado: herança, o que é transmitido de uma geração para outra remissão: ato de se referir a outro assunto ou contexto sítio: local
Orlandi, Eni P. A língua brasileira. Ciência e Cultura, São Paulo, SBPC, v. 57, n. 2, p. 29-30, 2005.
DEBATE
1. Reúna-se com mais quatro colegas. Identifique, entre os textos lidos, os favoráveis à caracterização da língua falada no Brasil como “brasileira” e os que a consideram uma variedade da língua portuguesa. Localize os trechos que explicitam cada um desses pontos de vista. 2. Que justificativas são apresentadas para sustentar cada um dos posicionamentos? 3. Discuta com seu grupo: as diferenças observadas constituem um empecilho para a interação entre falantes brasileiros, portugueses e luso-africanos? Por quê? 4. Com base nas reflexões anteriores, o grupo deve definir seu posicionamento a respeito da questão: O idioma falado no Brasil deveria se chamar língua brasileira? 5. Com a ajuda do professor, o debate será ampliado para toda a classe. Cada grupo deverá apresentar aos demais sua conclusão e os argumentos que a justificam, citando trechos dos textos lidos, de outras fontes e exemplos.
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A língua tem dessas coisas A busca pela língua universal É antigo o anseio humano por uma língua universal. A busca nostálgica por uma suposta “unidade linguística perdida”, que remete à narrativa bíblica da torre de Babel (Gênesis, capítulo 11), tem impulsionado a criação de idiomas artificiais. Criado em 1887, o esperanto é talvez o mais conhecido deles. Seu criador, o médico e filólogo polonês Lejzer Ludwik Zamenhof, assinou o livro Língua internacional: prefácio e manual completo com o pseudônimo Doktoro Esperanto (doutor esperançoso) – daí o nome da língua. De família judia, Zamenhof nasceu em uma região com grande mistura de etnias e línguas e forte antissemitismo (rejeição aos judeus). A opressão e a perseguição vividas na juventude o fizeram desejar uma língua universal que contribuísse para a harmonia entre os povos. O esperanto baseia-se no alfabeto latino. Conta com 28 letras e 16 regras gramaticais, sem nenhuma exceção. Busca um modo lógico de criar palavras com base nas regras existentes. A língua tem 60% de raízes latinas, mas conta com elementos das línguas anglo-saxônicas, do eslavo e do grego. É uma língua fonética, que representa os sons da fala. Mais de 120 anos após a criação do esperanto, não há estatísticas precisas sobre a quantidade de esperantistas, mas muitos autores clássicos foram traduzidos para essa língua. Outra língua artificial menos conhecida é o volapuque, criado Esperanto Português Volapuque em 1880 por Johann Martin Schleyer. Baseia-se principalmente awto carro adelo no inglês, mas incorpora elementos do alemão, do francês e do labesto animal blod tim. Algumas particularidades: as letras são pronunciadas sempre da mesma forma, não importa a posição na sílaba; não há q nem horo hora obs w; a sílaba tônica é sempre a última. O quadro ao lado traz palavras mangxi comer ol do esperanto e do volapuque. Fontes de pesquisa: Correia, Luis Adonis Valente. Novo e falso esperanto. Disponível em: ; Borges, Daniella. Viver em esperanto. Disponível em: ; An introduction to Volapük (Uma introdução ao volapuque). Disponível em: . Acessos em: 18 abr. 2016.
Português hoje irmão nós você
blua
azul
dom
casa
domo
casa
ob
eu
ridi
rir
ols
vocês
tablo
mesa
sör
irmã
1. Forme um grupo para pesquisar a respeito de uma língua artificial (além do esperanto e do volapuque, há a língua ido, a interlíngua, o novial, o dastmen, etc.). Os seguintes endereços podem ser consultados: •• •• (Acessos em: 18 abr. 2016.) 2. Prepare com seu grupo uma pequena apresentação para a classe, com uma exposição das principais informações e curiosidades a respeito da língua que vocês pesquisaram. 3. Com seu grupo, escreva um parágrafo usando o vocabulário e as regras do idioma pesquisado. Apresente-o à classe.
A torre de Babel Uma explicação mítica para o surgimento das línguas está no capítulo 11, versículos 1 a 9, do livro de Gênesis. Segundo essa narrativa bíblica, quando o mundo todo ainda falava a mesma língua, certo povo decidiu construir uma torre tão alta que chegasse aos céus. Entretanto, Deus viu aquele monumento extraordinário como uma evidência da arrogância humana e resolveu interromper sua construção. Para isso, fez que os construtores passassem a falar línguas diferentes. Isso bastou para que ninguém mais se entendesse. Tamanha foi a desavença entre as pessoas que a construção foi abandonada, e cada grupo partiu para um canto da Terra. Brueghel, Pieter (O Velho). Torre de Babel, 1563. Óleo sobre tela, 114 cm 155 cm. Museu Kunsthistorisches Wien, Viena, Áustria.
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Museu Kunsthistorisches, Viena, Áustria. Fotografia: ID/BR
Repertório
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Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Vestibular e Enem 1. (PUC-RJ)
A BELEZA
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Oh Beleza! Oh potência invencível, Que na terra despótica imperas; Se vibras teus olhos Quais duas esferas, Quem resiste a teu fogo terrível?
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Oh Beleza! Oh celeste harmonia, Doce aroma, que as almas fascina; Se exalas suave Tua voz divina, Tudo, tudo a teus pés se extasia.
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A velhice, do mundo cansada, A teu mando resiste somente; Porém que te importa A voz impotente, Que se perde, sem ser escutada?
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Diga embora que o teu juramento Não merece a menor confiança; Que a tua firmeza Está só na mudança; Que os teus votos são folhas ao vento.
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Tudo sei; mas se tu te mostrares Ante mim como um astro radiante, De tudo esquecido, Nesse mesmo instante, Farei tudo o que tu me ordenares.
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Se até hoje rebelde, não arde Em teu fogo amoroso meu peito, De estoica dureza Não é isto efeito; Teu vassalo serei cedo ou tarde.
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Infeliz tenho sido até agora, Que a meus olhos te mostras severa; Nem gozo a ventura, Que goza uma fera; Entretanto ninguém mais te adora.
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Eu te adoro como o Anjo celeste, Que da vida os tormentos acalma; Oh vida da vida, Oh alma desta alma, Um teu riso sequer me não deste!
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Minha lira que triste ressoa, Minha lira por ti desprezada, Assim mesmo triste, Assim malfadada, Teu poder, teus encantos entoa. Oh Beleza, meus dias bafeja, Em teu fogo minha alma devora;
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Verás de que modo Meu peito te adora, E que incenso ofertar-te deseja.
Magalhães, Domingos José Gonçalves de. Suspiros poéticos e saudades. Rio de Janeiro: Em Casa do Senhor João Pedro da Veiga; Paris: Dauvin et Fontaine, Libraires, 1836. p. 83-86.
a) O texto apresenta inúmeros exemplos de inversão na ordem mais comum dos termos da oração em português. Retire desse texto duas orações em que ocorra tal inversão, reescrevendo-as, em seguida, na ordem direta. Leve em conta que, por vezes, uma oração toma mais de um verso. b) Fora do contexto do poema, a frase “Entretanto ninguém mais te adora” (linha 35) poderia ser parafraseada da seguinte forma: Já não há quem te adore. Que outra interpretação pode ser dada a essa frase levando em conta a estrofe em que aparece? c) Retire da última estrofe um verso que esteja no modo imperativo. (UFRGS-RS) Texto para as questões 2, 3 e 4.
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Pede-se a quem souber do paradeiro de Luísa Porto avise sua residência à Rua Santos Óleos, 48. Previna urgente solitária mãe enferma entrevada há longos anos erma de seus cuidados. Pede-se a quem avistar Luísa Porto, 37 anos, que apareça, que escreva, que mande dizer onde está. Suplica-se ao repórter-amador, ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte, a qualquer do povo e da classe média, até mesmo aos senhores ricos, que tenham pena de mãe aflita e lhe restituam a filha volatilizada ou pelo menos deem informações. É alta, magra, morena; rosto penugento, dentes alvos, sinal de nascença junto ao olho esquerdo, levemente estrábica. Vestidinho simples. Óculos. Sumida há três meses. Mãe entrevada chamando. Foi fazer compras na feira da praça. Não voltou. Nada de insinuações quanto à moça casta que não tinha, não tinha namorado. Algo de extraordinário terá acontecido, terremoto, chegada de rei. As ruas mudaram de rumo, 169
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Vestibular e Enem
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para que demore tanto, é noite. Mas há de voltar, espontânea ou trazida por mão benigna, o olhar desviado e terno, canção. Mas se acharem que a sorte dos povos é mais importante e que não devemos atentar nas dores individuais, se fecharem ouvidos a este apelo de campanha, não faz mal, insultem a mãe de Luísa, virem a página: Deus terá compaixão da abandonada e da ausente, erguerá a enferma, e os membros perclusos já se desatam em forma de busca. Deus lhe dirá: Vai, procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração. Ou talvez não seja preciso esse favor divino. A mãe de Luísa (somos pecadores) sabe-se indigna de tamanha graça. E resta a espera, que sempre é um dom. Sim, os extraviados um dia regressam, ou nunca, ou pode ser, ou ontem. E de pensar realizamos.
Adaptado de: Andrade, Carlos Drummond de. Desaparecimento de Luísa Porto. Novos Poemas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983. p. 230-234. v. 1. (Carlos Drummond de Andrade: Nova Reunião – 19 Livros de Poesia.)
2. Considere as propostas de reescrita a seguir para o seguinte trecho do texto (l. 01-03). Pede-se a quem souber do paradeiro de Luísa Porto Avise sua residência à Rua Santos Óleos, 48.
1. Na mensagem, pedia-se, às pessoas que soubessem do paradeiro de Luísa Porto, que avisassem a residência dela, situada à Rua Santos Óleos, 48. 2. Na mensagem, pediu-se que as pessoas que sabiam do paradeiro de Luísa Porto avisem a residência dela, situada à Rua Santos Óleos, 48. 3. Na mensagem, fazia-se um pedido a quem tivesse conhecimento do paradeiro de Luísa Porto, que desse aviso à residência dela, situada à Rua Santos Óleos, 48. Quais propostas manteriam a correção gramatical e o sentido do referido trecho? a) Apenas 2. d) Apenas 1 e 3. b) Apenas 3. e) 1, 2 e 3. c) Apenas 1 e 2. 3. Considere as propostas de reescrita para o seguinte trecho do poema (l. 30-33).
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Algo de extraordinário terá acontecido, terremoto, chegada de rei. As ruas mudaram de rumo, para que demore tanto, é noite.
1. Algo de extraordinário deve ter acontecido — terremoto, chegada de rei, as ruas mudaram de rumo — para que demore tanto, é noite. 2. Algo de extraordinário terá acontecido — terremoto, chegada de rei; talvez, as ruas tenham mudado de rumo — para que demore tanto; afinal, é noite. 3. É noite para que demore tanto; algo de extraordinário terá acontecido: terremoto, chegada de rei; talvez, as ruas tenham mudado de rumo. Quais propostas estão gramaticalmente corretas? a) Apenas 1. d) Apenas 2 e 3. b) Apenas 2. e) 1, 2 e 3. c) Apenas 1 e 2. 4. Avalie as seguintes propostas de deslocamento de palavras e expressões do texto, desconsiderando o uso de iniciais maiúsculas e pontos-finais. 1. deslocar alvos (l. 20) para imediatamente antes de dentes (l. 20) 2. deslocar Vestidinho (l. 23) para imediatamente depois de simples (l. 23) 3. deslocar divino (l. 53) para imediatamente antes de favor (l. 53) Quais manteriam o significado da frase do texto? a) Apenas 1. d) Apenas 1 e 2. b) Apenas 2. e) Apenas 2 e 3. c) Apenas 3. 5. (Unicamp-SP) Os enunciados abaixo são parte de uma peça publicitária que anuncia um carro produzido por uma conhecida montadora de automóveis. UM CARRO QUE ATÉ A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE APROVARIA: ANDA MAIS E BEBE MENOS. ELE CABE NA SUA VIDA. SUA VIDA CABE NELE. Adaptado de Superinteressante, p. 9, jun. 2009.
a) A menção à Organização Mundial da Saúde na peça publicitária é justificada pela apresentação de uma das características do produto anunciado. Qual é essa característica? Explique por que o modo como a característica é apresentada sustenta a referência à Organização Mundial da Saúde. b) A peça publicitária apresenta duas orações com o verbo caber. Contraste essas orações quanto à organização sintática. Que efeito é produzido por meio delas?
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unidade
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O período simples Na unidade anterior, você viu que a sintaxe estuda a organização dos elementos de um enunciado, indicando a função desempenhada por eles segundo a relação que estabelecem com os demais. O mesmo mecanismo possibilita a identificação do elemento representado na escultura abaixo. Isoladas, as partes da escultura poderiam compor diferentes figuras; dispostas uma sobre a outra, porém, lembram a carapaça de um tatu, inspiração para o nome dado à obra pelo artista.
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Termos essenciais da oração
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Termos integrantes da oração
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Termos acessórios da oração
Piza, Arthur Luiz. Meu tatu, 2008. Polipropileno pintado, 103 cm 3 140 cm 3 500 cm. Galeria Raquel Arnaud, São Paulo. Galeria Raquel Arnaud, São Paulo, Brasil. Fotografia: ID/BR
Nesta unidade, você vai analisar o período simples – aquele constituído por apenas uma oração. Com base nessa análise, identificará as relações entre os componentes das orações, descritos pela tradição gramatical como termos essenciais, termos integrantes e termos acessórios.
Nesta unidade
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capítulo
20 o que você vai estudar Termos essenciais da oração. • Sujeito: simples, composto, oculto e indeterminado. • Orações sem sujeito. • Predicado: nominal, verbal e verbo ‑nominal. • Predicativo do sujeito e do objeto.
Termos essenciais da oração Na língua portuguesa, as orações organizam-se em torno de verbos. Partindo deles, portanto, podemos identificar os constituintes básicos das orações. Neste capítulo, você vai conhecer os chamados termos essenciais da oração: o sujeito e o predicado.
Sujeito e predicado Leia este poema do poeta português Alexandre O’Neill.
Amigo Mal nos conhecemos inauguramos a palavra “amigo”! “Amigo” é um sorriso de boca em boca, um olhar bem limpo, uma casa, mesmo modesta, que se oferece, um coração pronto a pulsar na nossa mão!
“Amigo” é o erro corrigido, não o erro perseguido, explorado, é a verdade partilhada, praticada. “Amigo” é a solidão derrotada! “Amigo” é uma grande tarefa, um trabalho sem fim, um espaço útil, um tempo fértil, “amigo” vai ser, é já uma grande festa!
“Amigo” (recordam-se, vocês aí, escrupulosos detritos?) “amigo” é o contrário de inimigo! O’Neill, Alexandre. In: Ferraz, Eucanaã (Org.). A lua no cinema e outros poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 28.
1. No poema, a palavra amigo é grafada sempre entre aspas. Explique o uso desse recurso. 2. Ao explorar de forma poética o significado da palavra amigo, o eu lírico diz que “amigo” é “um sorriso de boca em boca” e “uma casa, mesmo modesta, que se oferece”. Explique o sentido dessas metáforas. A partir de uma nova amizade, o eu lírico do poema reinventa o sentido da palavra amigo, buscando reconstruir seu significado. A cada verso associam-se novas características a ela, muitas delas expressas por metáforas. O texto se constrói em torno de dois grandes blocos de significação: o sintagma nominal (SN) amigo, que indica o elemento ao qual o verbo se refere; e os sintagmas verbais (SV), que apresentam novas declarações. Veja o quadro abaixo, relativo à segunda estrofe. O verbo é, embora não explícito, está subentendido em cada verso. Da mesma forma, sabemos que os sintagmas verbais estão se referindo a amigo. Algumas palavras, chamadas de preSN SV dicadores, projetam argumentos, isto é, é um sorriso de boca em boca espaços vazios de significação. Esses espaços devem ser preenchidos pelo pró[é] um olhar bem limpo prio enunciado ou pelo contexto discur- “Amigo” [é] uma casa, mesmo modesta, que se oferece sivo. O verbo ser, por exemplo, provoca [é] um coração pronto a pulsar na nossa mão algumas perguntas que indicam esses “espaços vazios”: Quem é? O “amigo”. É o quê? Um olhar bem limpo, uma casa... O verbo e os elementos que preenchem os espaços vazios que ele projeta constituem a oração. Os estudos gramaticais chamam o verbo e os elementos que o modificam diretamente de predicado. Já os termos que indicam a quem ou a que se refere o verbo são chamados de sujeito. 172
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A identificação do sujeito e do predicado Em diferentes momentos de sua vida escolar, você deve ter deparado com o conceito de sujeito e predicado. Vamos rever agora algumas definições e analisar sua pertinência. Alguns estudantes identificam o sujeito como “aquilo que está à esquerda do verbo” e o predicado como “aquilo que está à direita”. Esse critério, porém, só vale quando a oração apresenta a estrutura sujeito-predicado (ordem direta), uma vez que há casos em que o predicado antecede o sujeito (ordem inversa ou indireta). Observe. Ordem direta
Ordem inversa
verbo
verbo
“O amor
é livre.”
sujeito
predicado
Depois da tempestade, vem predicado
a bonança. sujeito
Também é comum caracterizar o sujeito como “agente da ação verbal”, “aquele que pratica a ação expressa pelo verbo”. Pensando nisso, leia estes títulos de notícia.
Novembro é tempo de cuidado e prevenção da saúde masculina Valois, Isabelle. A Crítica, 4 nov. 2015. Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2016.
Veículos são apreendidos em ação integrada
Lembre-se
Quando o sujeito pratica a ação, o verbo está na voz ativa; quando sofre a ação, o verbo se encontra na voz passiva.
Cada Minuto, 4 nov. 2015. Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2016.
Como se vê, não há “agente” no primeiro exemplo, já que é não faz referência a uma ação, mas a um estado. No segundo, o sujeito veículos sofre a ação em vez de rea lizá-la. Portanto, a definição de sujeito como “agente da ação verbal” é inadequada. Segundo outra definição, o sujeito é o “sintagma sobre o qual se faz uma declaração” e o predicado o “sintagma que apresenta uma declaração sobre o sujeito”. Há, porém, orações sem sujeito, e, mesmo assim, o que o predicado declara tem sentido completo. Veja. Choveu muito no feriado. O verbo chover não projeta nenhum argumento sobre quem realiza ou é afetado pelo processo verbal. Logo, não há um sujeito sobre o qual se faça uma declaração. Sendo sujeito e predicado conceitos sintáticos, sua identificação deve seguir critérios sintáticos, relativos à maneira como as palavras se relacionam nos enunciados. O sujeito só se manifesta numa oração se o verbo projetar um argumento que deva ser preenchido por ele. Quando isso acontece, nas variedades urbanas de prestígio, o verbo concorda com o sujeito em número e pessoa. Assim, buscar o termo que concorda em número e pessoa com o verbo do predicado ajuda a identificar o sujeito. Veja. O menino recebeu um elogio dos coordenadores.
O verbo está na terceira pessoa do singular, concordando com O menino. Poderíamos considerar também o termo um elogio, mas, do ponto de vista semântico e da ordenação dos termos na oração, esse não é o termo preferencial para preencher o argumento de sujeito do verbo. Portanto, O menino corresponde ao sujeito da oração.
diversidade
Em algumas varie dades linguísticas, as relações de concor dância se manifestam de maneira diferente das variedades urba nas de prestígio. Na frase “Nós vai viajar”, a forma assu mida pelo verbo ir é prevista pelas regras da sintaxe dessa va riedade. Logo, o que ocorre aqui é uma con cordância lógica, e não expressa por flexões de número e pessoa.
ANOTE
Sujeito é o argumento projetado pelo verbo de uma oração com o qual ele concorda em pessoa e número. Predicado é o sintagma que contém o verbo de uma oração e os elementos que complementam seu sentido ou o modificam diretamente.
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Tipos de sujeito A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) descreve diferentes tipos de sujeito nas orações da língua portuguesa, bem como orações sem sujeito. Essa descrição leva em conta critérios ora sintáticos, ora semânticos.
Sujeito determinado: simples, composto e oculto Alexandre Teles/ID/BR
Leia um trecho da crônica “Cadeira de dentista”, de Carlos Eduardo Novaes. Nele, relata-se uma situação comum nos consultórios odontológicos. Os dentistas são tipos curiosos. Enchem a boca da gente de algodão, plástico, secadores, ferros e depois desandam a fazer perguntas. Não sou daqueles que conseguem responder apenas movendo a cabeça. Para mim, a dor tem nuances, gradações que vão além dos limites do sim-não. Novaes, Carlos Eduardo. A cadeira do dentista e outras crônicas. São Paulo: Ática, 2003. p. 54.
Veja como o narrador constrói a situação: sujeito
Lembre-se
predicado
núcleo do sujeito
I. Os dentistas são tipos curiosos. sujeito
predicado
II. [os dentistas] Enchem a boca da gente de algodão. sujeito
predicado
III. [eu] Não sou daqueles que conseguem responder apenas movendo a cabeça.
Na oração I, o sujeito é representado por um termo independente e explícito, e seu sintagma possui apenas um núcleo: dentistas. Trata-se, portanto, de um sujeito simples. Veja agora esta oração: sujeito
predicado
núcleo do sujeito
Capítulo 20 – Termos essenciais da oração
IV.
Os médicos e os dentistas
são tipos curiosos.
Nesse caso, o sujeito apresenta mais de um núcleo: médicos e dentistas. Logo, é classificado como sujeito composto. Em II e III, não há um termo explícito que permita identificar os argumentos projetados pelo verbo para exercer a função de sujeito (Quem enche a boca da gente de algodão? Quem é daqueles que não conseguem responder apenas movendo a cabeça?). No entanto, a desinência de número e pessoa dos verbos, auxiliada pelo contexto linguístico, permite recuperar esses referentes (os dentistas, em II, e eu, em III). Esse tipo de sujeito é denominado oculto ou elíptico. Todos esses sujeitos são determinados. Para classificá-los assim, a gramática leva em conta duas condições: ou o sujeito está materialmente expresso nas orações (como em I e IV), ou pode ser recuperado pela flexão do verbo e pelo contexto (como em II e III). Em “Alguém disse que os dentistas são tipos curiosos”, o pronome indefinido alguém não pode ser associado a um referente específico, mas continua expresso na oração por um termo independente, por isso é classificado como sujeito determinado. ANOTE
São determinados os sujeitos expressos nas orações por um termo inde pendente (sujeito simples ou composto) ou cujo referente pode ser identifi cado pela desinência do verbo e/ou pelo contexto (sujeito oculto/elíptico).
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O núcleo de um sintagma é sua palavra central de significação. Os outros termos do sintagma se agregam ao núcleo determinando-o, modificando-o ou completando seu sentido. O núcleo de um sintagma nominal corresponde a um ou mais substantivos ou formas pronominais. Referente é o elemento da realidade linguística ou extralinguística ao qual um signo linguístico faz referência.
saiba mais
A classificação do sujeito como oculto ou elíptico destaca o fato de ele não estar expresso nas orações. Para alguns estudiosos, essa classi ficação só faz sentido se contrapos ta à noção de sujeito expresso, ou seja, a do sujeito que está materi almente presente na oração como termo independente. A NGB, no en tanto, não faz essa distinção.
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Sujeito indeterminado Laerte/Acervo do artista
Leia a tira.
Laerte. Classificados, v. 3. São Paulo: Devir, 2004. p. 63.
Nessa tira, Laerte satiriza os alarmes de carro personalizados. A personagem imagina ter adquirido um produto sofisticado, mas acaba ficando constrangido por ele chamar tanta atenção. O humor é enfatizado pela “impaciência” do alarme, que “age” como se fosse uma pessoa. Observe a segunda oração do primeiro quadrinho: “Estão mexendo em mim”. Embora o verbo flexionado na terceira pessoa do plural pudesse fornecer um indício do sujeito da oração, nem a desinência verbal, nem o contexto permitem identificar o referente relacionado ao verbo. O alarme não informa quem está mexendo no carro, se uma ou mais pessoas. Evidentemente, essa é uma informação que o sistema de alarmes não poderia prever. Quando o referente indicado pela desinência do verbo não pode ser identificado no próprio enunciado ou pelo contexto, o sujeito é chamado de indeterminado. Nesse caso, entra em jogo não só a questão sintática, mas também a relação semântica entre o enunciado e seu contexto de produção. Veja outros exemplos. Roubaram meu carro. Precisa-se de enfermeiros.
Vive-se bem nas cidades serranas. Fica-se nervoso em semana de provas.
Nesses quatro exemplos, não é possível afirmar que a desinência verbal fornece informação sobre um referente específico.
saiba mais
É chamada de índice de indeterminação do sujeito a par tícula se observada nas três últi mas orações.
Orações sem sujeito Alguns verbos, chamados impessoais, expressam ações que não preveem um realizador ou um experienciador. Empregados sempre na terceira pessoa do singular, não admitem sujeito. Por isso, as orações formadas com verbos impessoais são denominadas sem sujeito ou com sujeito inexistente. O quadro a seguir apresenta os principais casos. Orações sem sujeito
Exemplos
I. Orações formadas por verbos que exprimem fenômenos da natureza, como chover, trovejar, nevar, amanhecer, ventar, anoitecer, etc.
No inverno, amanhece muito tarde. Venta muito no litoral.
II. Orações em que o verbo haver é empregado com o sentido de “existir”.
Não há razão para você se desesperar dessa forma. Há três escolas nessa região.
III. Orações com os verbos haver, fazer, ir e ser indicando tempo decorrido.
Faz duas horas que espero para ser atendida! Vai para um ano que ele não me visita.
ANOTE
Sujeitos não representados materialmente nas orações por um termo independente e cujo referente também não pode ser identificado pela desinência ou pelo contexto são chamados indeterminados. Orações constituídas de verbos impessoais são denominadas sem sujeito. Não escreva no livro.
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Prática de linguagem André Dahmer/Acervo do artista
1. Leia a tira.
Dahmer, André. Malvados. Rio de Janeiro: Desiderata, 2008. p. 45.
a) A tira associa elementos verbais e não verbais de forma inusitada, contribuindo para a construção de sentido do texto. Explique de que forma essa associação ocorre. b) No último quadrinho, há outra associação inusitada: as falas das personagens remetem a uma situação comum a outro gênero textual. Descreva o conteúdo dessas falas e iden tifique o gênero ao qual elas remetem. c) Releia esta oração. Todo dia é esta chuvinha de e-mails.
Reescreva-a duas vezes com as palavras em ordens distintas. O sentido se modificou? d) Com base nas versões reescritas, como se classifica o sujeito da oração? Explique. Galvão/Acervo do artista
2. Leia a tira.
Galvão. Vida besta. Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2016.
a) No segundo quadrinho, uma das personagens afirma que aquele deveria ser um dia ale gre. Que elementos presentes nessa tira foram usados para representar alegria? b) Essa tira faz uso da metalinguagem. Explique essa afirmação. c) Observe os verbos reparou e roubaram. Na tira, o sujeito desses verbos pode ser classifi cado como oculto ou indeterminado? Justifique sua resposta.
O pesadelo de Houaiss Quando acordou, o dicionário ainda estava lá.
Leandro Kanno/ID/BR
3. Antônio Houaiss (1915-1999) é autor de um importante dicionário da língua portuguesa. Leia um miniconto do qual ele é a personagem principal.
Terron, Joca Reiners. In: Freire, Marcelino (Org.). Os cem menores contos brasileiros do século. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. p. 42.
a) A elaboração de um dicionário é um processo trabalhoso, que dura muitos anos. Nesse contexto, pesadelo pode ser um sonho desagradável ou uma situação ruim vivida pelo autor, dando margem a duas interpretações distintas para o miniconto. Explique. b) O sujeito da primeira oração do conto é oculto. Reescreva essa oração no caderno, atri buindo-lhe um sujeito simples. c) Suponha que esse miniconto fosse publicado sem o título. Seria possível identificar o su jeito do verbo da primeira oração? Como isso afetaria o sentido do texto? 176
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4. Leia o poema de Paulo Leminski.
Profissão de febre eu rezo, não tem, esqueço, chove de novo, de novo, chovo, assobio no vento, daqui me vejo,
lá vou eu, gesto no movimento Tatiana Paiva/ID/BR
quando chove, eu chovo, faz sol, eu faço, de noite, anoiteço, tem deus,
Leminski, Paulo. Melhores poemas de Paulo Leminski. 6. ed. São Paulo: Global, 2002. p. 179.
a) Que relação o eu lírico estabelece com os elementos da natureza? Explique. b) Identifique dois versos que sintetizam essa relação. c) O título desse texto faz alusão ao poema “Profissão de fé”, de Olavo Bilac, em que o eu lírico enaltece a forma e a métrica, além de revelar seu esforço constante e sua discipli na para alcançar a perfeição na poesia. O eu lírico do poema de Paulo Leminski parece compartilhar desse credo? Justifique. d) No segundo verso do poema, o verbo chover é empregado em sentido figurado. Explique a conjugação empregada nesse caso. Liniers/Acervo do artista
5. Leia a tira a seguir.
Liniers. Macanudo. Trad. Claudio R. Martini. Campinas: Zarabatana Books, 2009. v. 2. p. 30.
a) O entusiasmo dos interlocutores sofre uma mudança radical do primeiro para o último quadrinho. O que poderia explicar essa mudança? b) Que diferenças se observam entre as imagens dos dois quadrinhos sem fala no meio da tira? Explique a importância deles para a produção do efeito de humor na tira. c) Releia um trecho da tira. Rapaz, há quanto tempo!
Esse enunciado apresenta uma oração. Qual é seu sujeito? Como tal sujeito poderia ser classificado? Explique. d) Que ideia é expressa pelo verbo haver? e) Leia outra frase com o verbo haver. Há muitas razões para termos perdido o contato.
Essa afirmação se refere ao tempo presente. Como ela deveria ser escrita caso fizesse re ferência ao passado? f) Qual é o sentido expresso pelo verbo haver nesse caso? Reescreva a frase empregando outro verbo que mantenha esse sentido. Não escreva no livro.
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Termos essenciais da oração
Tipos de predicado Calvin & Hobbes, Bill Watterson © 1987 Watterson/ Dist. by Universal Uclick
Leia a tira de Calvin, personagem de Bill Watterson.
Watterson, Bill. Yukon ho! São Paulo: Conrad, 2008. p. 19.
1. Dois planos narrativos se sobrepõem na tira. Quais são esses planos? Explique. 2. Releia estas orações. O camaleão permanece imóvel. […] ele muda de cor […]
a) Qual delas apresenta o estado em que o animal se encontra? E qual expressa uma ação? b) Identifique o predicado de cada oração. Nem todos os verbos expressam ações. Os verbos de ligação ou relacionais associam o sujeito de uma oração a uma característica ou um estado. Nessas orações, o núcleo do predicado é o termo nominal que expressa o atributo do sujeito. Esses predicados são denominados nominais, e seu núcleo é chamado de predicativo do sujeito. Observe. sujeito
predicado nominal núcleo do predicado
Ele
está
saiba mais
invisível.
verbo de ligação
predicativo do sujeito
Nas orações construídas em torno de verbos nocionais, que expressam ação, os predicados são denominados verbais e têm o verbo como núcleo. Veja. sujeito
predicado verbal núcleo do predicado
Calvin
se
escondeu
Objeto é o nome dado a um dos argumentos projetados pelo verbo nocional no interior do predicado, representado por um sintagma nominal.
de sua mãe.
verbo nocional
Há casos em que o predicado com verbo nocional apresenta também um núcleo nominal que pode indicar um atributo do sujeito ou de um objeto do verbo. Capítulo 20 – Termos essenciais da oração
sujeito
predicado verbo-nominal
predicado verbo-nominal
sujeito
núcleo do predicado
Os garotos
observavam a cena curiosos.
verbo nocional
predicativo do sujeito
núcleo do predicado
O sucesso
tornou aquele ator arrogante.
verbo nocional
predicativo do objeto
Na primeira oração, além do verbo observar, há um segundo núcleo no predicado: a palavra curiosos. Ele atribui uma qualidade ao sujeito os garotos e tem função de predicativo do sujeito. Na segunda, o primeiro núcleo do predicado é o verbo tornar. O segundo é arrogante, que confere um atributo a aquele ator, objeto do verbo tornar. Arrogante é predicativo do objeto. ANOTE
Os predicados podem ser verbais, nominais ou verbo-nominais. O predicado verbal tem como núcleo um verbo nocional. O predicado nominal (formado por verbo de ligação ou relacional) tem como núcleo o predicativo do sujeito. O predicado verbo-nominal tem um núcleo verbal e outro nominal. Este pode ser identificado como predicativo do sujeito ou do objeto.
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Não escreva no livro.
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Prática de linguagem 1. Leia um trecho de um artigo de opinião sobre o futebol brasileiro.
É impressionante a debandada de jogadores brasileiros para o exterior. A inaptidão gerencial que domina boa parte dos clubes e das federações deixou o futebol do país de joelhos, em posição subalterna na divisão internacional do esporte, vulnerável a toda investida estrangeira. O longo histórico de campeonatos inflados e calendários mal organizados, de regras instáveis e sempre desrespeitadas, de irresponsabilidade financeira, corrupção e incapacidade de pensar a atividade de forma planejada consolidou uma clássica situação de subdesenvolvimento: incapaz de melhor utilizá-las em benefício próprio, o país apenas vende suas riquezas naturais. […]
Tatiana Paiva/ID/BR
República de Bananas F. C.
Gonçalves, Marcos Augusto. Folha de S.Paulo, 26 ago. 2003.
a) Na opinião do autor do artigo, qual é o principal problema do futebol brasileiro? b) Para justificar sua opinião, o autor faz uma comparação. Qual? c) De que forma o título do artigo explicita a avaliação de seu autor sobre o futebol nacional? 2. Releia a primeira oração do texto. a) Identifique o sujeito e o predicado dessa oração. Indique o núcleo do sujeito. b) Esse predicado pode ser classificado como nominal. O que justifica esse fato? c) Na oração, o autor dá ênfase ao sujeito ou ao predicado? Justifique. d) De que forma essa escolha se relaciona com o gênero textual artigo de opinião? e) Que palavras da oração explicitam a opinião do autor sobre a exportação de jogadores? usina literária O poema em prosa a seguir foi escrito por Vinicius de Moraes. Leia-o. Tatiana Paiva/ID/BR
A infância é uma gaveta fechada, numa antiga cômoda de velhas magias. A regra pode-se enunciar assim: espera-se que a avó entre para descansar, depois vai-se pé ante pé ver se o avô está mesmo cochilando, na cadeira de balanço… — ou estará MORTO? … não, não está porque a cabeça des-ca-ca-c… aiu num cochilo e se levantou de novo sozinho, assustado, dormindo e saiu uma língua da boca que lambeu o bigode branco e a cabeça foi, foi e des-ca-ca-ca-ca-caiu… O corredor é a corrida geométrica natural para a fuga de uma gargalhada que não se contém. O avô é o mais engraçado dos homens, o avô é tão, tão, tão, tão, tão… O medo se abate sobre o Descobridor. É a doçura do nome de Margarida, cujo retrato à meia-luz não entreviu. Moraes, Vinicius de. Poesias coligidas. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. p. 525.
1. Releia a primeira linha do poema em prosa. a) Embora o verbo esteja conjugado no tempo presente, a oração faz referência ao passado. Como é possível perceber isso? b) Que características da infância o eu lírico destaca ao descrevê-la como uma “gaveta fechada”? Explique. c) A associação da infância com uma “gaveta fechada” revela uma figura de linguagem. Que figura é essa? d) Em relação à sua função sintática, como pode ser classificada a expressão “gaveta fechada”? 2. Releia a segunda e a terceira linha do poema em prosa. a) Como pode ser classificado o sujeito do verbo vai-se? b) Que efeito de sentido o emprego desse tipo de sujeito produz no texto? Justifique. 3. Na sexta linha, o autor cria a palavra des-ca-ca-ca-ca-caiu. Que movimento essa palavra sugere? Explique. 4. É possível afirmar que a estrutura do texto causa estranhamento ao leitor? Explique.
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Língua viva
Tipos de sujeito e efeitos de sentido
Após governar o país entre 1930-1934 (Governo Provisório), entre 1934-1937 (Primeiro Período Constitucional) e entre 1937-1945 (Estado Novo), Getúlio Vargas (1882-1954) foi eleito presidente da República por voto direto em 1950, dando início ao chamado Segundo Período Constitucional. Este último governo foi bastante tumultuado, marcado por medidas polêmicas e acusações de corrupção. Em 1954, um atentado contra o principal opositor de Getúlio, o jornalista Carlos Lacerda, acarretou a morte de um major da Aeronáutica. As investigações apontaram o chefe da guarda pessoal do presidente como mandante do crime. O evento provocou uma crise sem precedentes no governo, e a oposição exigiu a renúncia do presidente, sob a amea ça de depô-lo, se necessário com o uso de força. Temendo o constrangimento de sair preso do Palácio do Governo e um julgamento humilhante, em agosto daquele ano Getúlio suicidou-se. Leia sua carta-testamento, divulgada à imprensa na época, e algumas informações contextuais. Getúlio participou do movimento que depôs o presidente Washington Luís em 1930 e assumiu o Governo Provisório. Em 1934, promulgou uma Constituição, dando início ao Primeiro Período Constitucional. No entanto, em 1937, fechou o Congresso, instalando o Estado Novo, período em que governou com poderes ditatoriais. No Estado Novo, Vargas criou a Justiça do Trabalho, o salário mínimo e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A empresa Centrais Elétricas Brasileiras S. A. (Eletrobras) foi criada em 1954.
Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente desencadeiam sobre mim. Não me acusam, me insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. […] Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre ao vosso lado. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço de seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história. Vargas, Getúlio. Carta-testamento. ln: Baum. Ana. Vargas, agosto de 54: a história contada pelas ondas do rádio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. p. 227.
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Em 1945, Vargas foi obrigado a renunciar por pressão dos militares. Em 1950, Getúlio voltou à presidência por meio de eleições democráticas. A empresa Petróleo Brasileiro S. A. (Petrobras) foi criada em 1953. O Segundo Período Constitucional destacou-se pela orientação nacionalista e pela luta para a implantação do monopólio estatal sobre o petróleo.
Vocabulário de apoio
decênio: década espoliação: ação de tirar de alguém, por violência ou fraude, o que lhe pertence holocausto: sacrifício quedar: ficar, conservar-se vilipendiar: ultrajar, tratar com desprezo
Não escreva no livro.
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1. Em um testamento, as pessoas definem o destino de seus bens após sua morte e apresentam suas últimas determinações ou desejos. Com que finalidade Getúlio teria escrito sua carta-testamento? Qual seria sua herança, segundo o texto? 2. Explique a importância que Getúlio Vargas atribui ao povo em sua trajetória, segundo os fatos apresentados na carta. 3. A carta teria como destinatários o povo e os inimigos de Getúlio, evidenciados pelo emprego da segunda pessoa do plural. Identifique em quais trechos o pronome vos se refere ao povo, e em quais se refere aos inimigos de Getúlio. 4. No segundo parágrafo, o autor opõe o verbo acusar a insultar e o verbo combater a caluniar. a) De que maneira as ações de “acusar e combater” se opõem às ações de “insultar e caluninar”? Que semelhança há entre esses dois últimos verbos? b) O que o autor parece querer destacar com esse trecho da carta? c) Pelo texto, é possível identificar o sujeito dos verbos insultam e caluniam? Como tal sujeito pode ser classificado? Justifique sua resposta. d) Pela carta, é possível identificar as pessoas que, segundo Getúlio, o insultaram e caluniaram? Explique. e) Com que finalidade o autor teria optado por essa forma de se referir a tais pessoas? Justifique sua resposta. 5. Na carta, os verbos na terceira pessoa do plural são utilizados, em geral, para se referir aos opositores de Getúlio. a) Identifique duas orações em que esses verbos apresentam sujeitos determinados simples ou compostos. b) Semanticamente, como a escolha do sujeito dessas orações contribui para o sentido pretendido pelo autor da carta? 6. Leia: I. Dizem que o ser humano nunca pisou na lua, mas os cientistas desmentem esse boato. II. Ontem, na festa, me falaram que você ficou de recuperação.
a) O que levaria o falante a empregar o sujeito indeterminado em cada enunciado acima? b) Relacione cada frase a seguir a uma das intenções identificadas na resposta anterior. I. Algumas pessoas estão chateadas com você. II. Os fofoqueiros de plantão e os desocupados adoram comentar a vida alheia.
HIPERTEXTO A segunda fase do Modernismo brasileiro ocorreu durante as décadas de 1930 e 1940, quando Getúlio Vargas estava no poder. Saiba mais sobre esse período histórico no Brasil e no mundo na parte de Literatura, (capítulo 7, p. 80). CPDOC/FGV
Sobre o texto
á dúvidas sobre a H originalidade da carta-testamento. O então redator oficial dos discursos de Vargas confirmou ter datilografado a carta, mas não disse se havia editado seu conteúdo.
c) Como podem ser classificados os sujeitos das duas últimas frases? ANOTE
Ao optar por certo tipo de sujeito, o falante pode ocultar ou generalizar informações. Ele diminui seu grau de comprometimento com o que diz ao usar o sujeito indeterminado. O mesmo ocorre quando explicita o sujeito, mas usa termos e expressões genéricos, que não indicam com precisão a identidade de quem realiza ou recebe o processo verbal, ou é afetado por ele. texto em construção Não é só nos textos escritos que se deve avaliar que tipo de sujeito é o mais adequado para os efeitos de sentido que se pretende produzir, mas também nos textos orais. A repetição excessiva de sujeitos simples e compostos pode tornar cansativa a escuta do texto oral. É necessário variar, usando também sujeitos ocultos/elípticos. Um exemplo é o caso do gênero seminário, estudado em Produção de texto (capítulo 33, p. 314), em que o expositor busca manter o público a que se dirige interessado no conteúdo de sua fala. O uso constante dos sujeitos simples eu ou nós ao falar de si ou do grupo responsável pelo seminário, por exemplo, tornaria a fala menos interessante. 1. Cite outros gêneros orais em cuja produção se deve tomar especial cuidado para não usar excessivamente os mesmos sujeitos simples e compostos.
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Em dia com a escrita
A modalização
Ao interagir por meio da língua, os falantes imprimem em seus enunciados marcas que indicam suas intenções, suas atitudes ou seus sentimentos em relação ao que dizem. Essas marcas, chamadas de modalização, podem, por exemplo, expressar certeza ou crença na probabilidade das afirmações feitas, proibição ou permissividade em relação ao que é dito. 1. Identifique os termos que atuam como modalizadores nas frases a seguir. I. II. III. IV.
É possível que chova amanhã. A pesquisa deve estar pronta, necessariamente, na próxima semana. Eles não atenderam ao telefone. Devem ter saído. Acho que estou atrasada.
2. Leia um trecho de uma entrevista sobre videogame.
Criança que joga videogame tem inteligência superior […] É preciso mudar a antiga ideia que se tem de educação para entender o que diz o mexicano Guillermo Orozco, mestre e doutor em Educação pela Universidade Harvard. Para ele, crianças e adolescentes que jogam muito videogame e não saem da internet têm inteligência superior. Os jogos, diz, fazem com que eles aprendam a utilizar métodos científicos. É preciso descobrir as regras, trabalhar com hipóteses e achar soluções. […] Orozco, que é professor da Universidade de Guadalajara, afirma que o problema é que a maioria das pessoas ainda acredita que “educativo é apenas aquilo que se ensina”. […] Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado. […] [Jornalista] Há pesquisas que provam o valor educativo do videogame ou da internet? [Orozco] Eu estou no meio de uma pesquisa com crianças e adolescentes em Gua-
dalajara sobre videogames. Mas já há pesquisadores dos Estados Unidos e da Europa que dizem que o videogame permite desenvolver uma inteligência de nível mais alto. Acredito nisso também. […] [Jornalista] Mas existe idade mínima para começar a mexer em computador? [Orozco] É preciso lembrar, antes de tudo, que às vezes as novas tecnologias não estão dirigidas por objetivos educativos e sim pelo mercado. O que se busca são consumidores. Por isso é preciso ter cuidado. O mercado está se conectando cada vez mais com crianças muito pequenas. […] Eu acredito que nenhuma tecnologia deve ser usada com bebês ou crianças muito pequenas, nem mesmo a TV. Eles precisam viver uma etapa da vida sem representações tecnológicas do mundo, têm de ver a vida com seus próprios olhos, porque no resto dela vão estar mediados por alguma tecnologia, por alguma representação visual. […]
HIPERTEXTO A modalização é típica de gêneros textuais ligados à argumentação, como se pode ver no artigo de opinião “Lei do Feminicídio vai diminuir tolerância de crimes contra mulher”, na parte de Produção de texto (capítulo 35, p. 328-329). Observe como Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil, expressa convicção sobre a importância dessa lei no combate à violência de gênero.
Lembre-se
Os advérbios muitas vezes cumprem o papel de modalizadores.
a) Que condição a jornalista aponta para compreender a posição de Orozco sobre os videogames? Que expressão do texto explicita que isso é uma condição? b) Releia duas afirmações de Orozco. É preciso lembrar, antes de tudo, que às vezes as novas tecnologias não estão dirigidas por objetivos educativos e sim pelo mercado.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Cafardo, Renata. O Estado de S.Paulo. São Paulo, 22 maio 2006.
Eu acredito que nenhuma tecnologia deve ser usada com bebês ou crianças muito pequenas, nem mesmo a TV.
Em qual delas o entrevistado descreve um fato? E em qual expõe uma opinião? Justifique. 182
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3. Leia este trecho de um artigo de opinião.
[…] Pesquisas realizadas ao longo de dez anos de trabalho para conscientizar a população das formas mais racionais e sustentáveis de consumir comprovam que quem investe em sustentabilidade ganha também na preferência do consumidor. Afinal, 65% dos chamados formadores de opinião discutem o comportamento ético socioambiental de empresas, assim como 41% da população brasileira, segundo a Pesquisa Responsabilidade Social das Empresas – Percepção do Consumidor Brasileiro, realizada pelo Instituto Akatu e pelo Instituto Ethos, em dezembro de 2010. Hoje, dois em cada cinco brasileiros já topam pagar um pouco mais por uma marca que seja mais sustentável. […]
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Consumo consciente
Mattar, Hélio. Folha de S.Paulo, 26 out. 2011.
a) O autor expressa suas ideias como opiniões pessoais ou fatos? Justifique sua resposta. b) Um dos trechos abaixo faz parte desse artigo; o outro é uma versão reformulada. Localize os marcadores de modalização em ambos e indique qual trecho é o original. Justifique. I. As empresas precisam de lucros, mas acho que seria conveniente se os interesses empresariais fossem além da esfera monetária e focassem, quem sabe, uma sociedade melhor para todos. Creio que cada membro dessa sociedade sustentável poderia, talvez, superar o consumismo para assentar bases mais no durável e menos no descartável […]. II. As empresas obviamente precisam de lucros, mas os interesses empresariais devem ir muito além da esfera monetária e focar, principalmente, uma sociedade melhor para todos. E cada membro dessa sociedade sustentável deve necessariamente superar o consumismo para assentar bases mais no durável e menos no descartável […].
4. No trecho de aula transcrito a seguir, o professor discute com seus alunos sobre a aplicação de métodos de administração de empresas de diferentes portes. Leia-o.
[Professor]: […] eu perguntaria a vocês… esse método se aplica… se APLICA a qualquer tamanho de empresa ou apenas a… uma empresa de grande porte? […] esse método de formar equipe se aplica a todo mundo ou não… Irlana? [Aluna]: eu acho que sim… porque para qualquer né/ para qualquer tamanho de empresa… se não houver uma equipe… se não houver organização… se não houver e… essas pessoas pra… juntas… para obter uma determinada tarefa… para obter um determinado objetivo… acho que em qualquer empresa… tanto de pequeno porte… porque por menor… numa de pequeno porte… a equipe vai ser menor… é lógico… […] [Professor]: Alcides… que que (vo)cê acha? [Aluno]: ah… pode ser pelo montante de capital que a empresa tem… […] se é uma empresa de grande porte… ela deve ter muitos departamentos… né? [Professor]: uma empresa de grande porte teria muitos departamentos… uma empresa de pequeno porte teria poucos departamentos? [Aluno]: é… eu acho que sim… ela não tem muitos recursos pra muitos departamentos… Projeto Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro (Nurc-RJ). Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2016.
a) Qual a opinião dos alunos? Eles estão convictos? Que marcas linguísticas mostram isso? b) Por que, em sua opinião, os alunos empregam essas marcas? c) Suponha que esse texto fosse publicado em um livro e precisasse ser retextualizado. Reescreva-o, mantendo o sentido global e adequando-o à modalidade escrita. ANOTE
Os modalizadores são importantes recursos para o enunciador generalizar um fato ou exprimi-lo com exatidão. Pode-se apresentar uma informação marcando seu envolvimento pessoal e evidenciando que se trata de uma opinião, ou expô-la de modo mais afirmativo e sutil.
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capítulo
21
Termos integrantes da oração
o que você vai estudar
No capítulo anterior, você estudou o sujeito e o predicado. Agora, vai observar os elementos que os compõem, os chamados termos integrantes da oração.
Termos integrantes da oração.
Transitividade Leia este trecho de uma notícia.
Transitividade. Complementos verbais. Complemento nominal. Agente da passiva.
Projeto de estudantes da Unifesp ensina português a refugiados Camila Boehm
11/09/2015 10h25 São Paulo
Estudantes do curso de graduação em letras criaram o projeto Memorial Digital do Refugiado (MemoRef), que promove a inclusão de refugiados por meio de aulas de português e atividades culturais. Já na abertura do curso, ocorrida no final de agosto, os estrangeiros puderam conhecer e curtir uma roda de samba. Uma das idealizadoras do projeto, a estudante Marina Reinoldes, de 20 anos, disse que, ao final do curso, previsto para dezembro, um banco de dados estará disponível em um portal na internet, apresentando resultados dessa experiência pedagógica e social, além de histórias de vida dos refugiados. A situação de refúgio não é uma escolha, ressaltou a estudante. “Temos consciência de que eles não têm escolha, mas nós temos. E é com esse direito de escolha, que nós, enquanto estudantes da universidade, enquanto entendedores dessa missão social do ambiente acadêmico, decidimos fazer esse projeto para ajudá-los”, afirmou. Ela explicou que as universidades têm a missão social de ajudar a desenvolver e mudar a realidade do seu entorno, expandindo a teoria e aplicando conhecimentos com a comunidade. Em um questionário apresentado ao refugiado para se inscrever no curso, o grupo pergunta o motivo da vinda ao Brasil. “Um dos alunos respondeu ‘porque eu preciso viver e trabalhar’. Isso, para mim, mostrou que nosso projeto tem um valor muito maior que o educacional. É uma questão social, de poder trazer a universidade para essa realidade também”, contou Marina. [...] Boehm, Camila. Agência Brasil. Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2016. ©Creative Commons
1. Em sua opinião, qual é a importância do aprendizado da língua portuguesa para a inclusão dos refugiados no país? 2. Releia o título da notícia. a) Em “Projeto de estudantes da Unifesp ensina português a refugiados”, o verbo ensinar tem seu sentido complementado por dois termos. Quais? b) Qual dos dois termos se liga ao verbo por preposição? Você viu que o verbo ensinar projeta, além do argumento de sujeito (quem ou o que ensina), outros argumentos que precisam ser preenchidos para completar seu sentido (ensina o quê? para quem?). A característica de alguns verbos necessitarem de outros elementos para completar seu sentido chama-se transitividade. Os verbos que necessitam de complementos são chamados transitivos; os que não necessitam são os intransitivos. Os elementos que completam o sentido dos verbos transitivos são os complementos verbais. 184
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Complementos verbais Ocupam o papel de complementos de verbos transitivos os substantivos, os pronomes, os numerais e os termos transformados em substantivos.
Objeto direto O verbo que se liga a um complemento sem a necessidade de uma preposição é chamado de verbo transitivo direto (VTD). Seu complemento é chamado de objeto direto (OD). Observe. sujeito simples
predicado verbal núcleo
Os mais conservadores cultivam as tradições.
objeto direto (OD)
verbo transitivo direto (VTD)
Em alguns casos, o OD de um VTD é introduzido por preposição para evitar ambiguidades, sendo chamado de objeto direto preposicionado. Na segunda frase, a preposição, em ordem inversa, identifica claramente o sujeito e o objeto da ação expressa pelo verbo amar.
sujeito simples
predicado verbal
predicado verbal
núcleo
ama o cão.
O menino
VTD
Ao cão ama
OD prep. (a) + art. (o)
sujeito simples
núcleo OD preposi cionado
o menino.
VTD
O objeto direto preposicionado também pode ser usado para destacar o complemento verbal com nome próprio de pessoa (Você não respeita a Tacumã), pronome pessoal oblíquo tônico (A sociedade excluiu a nós) e pronome de tratamento (Não pouparam a Vossa Excelência).
Objeto indireto O verbo que necessita de uma preposição para se ligar ao seu complemento é designado verbo transitivo indireto (VTI). Seu complemento é chamado de objeto indireto (OI). Veja. sujeito simples
Lembre-se
Os pronomes pessoais oblíquos tônicos mim, ti, ele, nós, vós e eles, em um texto, recuperam um substantivo já citado ou indicam uma das pessoas do discurso. Em geral, ocupam a posição de objeto e aparecem depois do verbo, precedidos por preposição.
predicado verbal núcleo
Os jovens
desfrutam
das coisas modernas.
verbo transitivo indireto (VTI)
objeto indireto (OI) prep. (de) + art. (as)
Complementos verbais de verbos transitivos diretos e indiretos Alguns verbos projetam argumentos que precisam ser preenchidos tanto por um objeto direto quanto por um objeto indireto. São os chamados verbos transitivos diretos e indiretos (VTDI) ou bitransitivos. Observe. sujeito simples
predicado verbal núcleo
Os mais jovens expressaram seus anseios aos mais velhos.
VTDI
OD
OI prep. (a) + art. (os)
Objeto pleonástico Para dar ênfase ao objeto, pode-se apresentá-lo duas vezes na mesma oração, em uma delas retomado por um pronome pessoal. Esse tipo de objeto é chamado pleonástico. Veja.
sujeito oculto
predicado verbal
[Eu] O amor e a paixão, sinto-os em mim.
OD VTD
Não escreva no livro.
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predicado verbal
núcleo OD pleonástico
A ela não lhe interessam OI prep.
sujeito simples
núcleo OI pleonástico
suas críticas.
VTI
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Prática de linguagem Liniers/Acervo do artista
1. Leia o cartum.
Liniers. Macanudo. Trad. Claudio R. Martini. Campinas: Zarabatana Books, 2009. v. 2. p. 22.
a) As rãs localizadas na parte inferior do cartum apresentam-se imperturbáveis diante do ocorrido com a outra rã. •Que • elementos verbais e não verbais comprovam essa afirmação? •Como • esses elementos se relacionam ao efeito de humor produzido? b) Uma das falas da rã apresenta uma marca de oralidade. Identifique-a e explique qual aspecto da língua falada ela busca representar por meio da escrita. c) Como essa marca de oralidade reforça os efeitos de sentido que você observou ao responder ao item a? d) Classifique os verbos do texto quanto à transitividade. e) Indique e classifique os complementos verbais associados aos verbos nocionais transitivos. 2. Leia o trecho inicial de uma reportagem.
O palhaço trágico
Vocabulário de apoio
Daniel Almeida/ID/BR
Ferreirinha parou de achar graça na alegria De iPod nos ouvidos e mergulhado em si mesmo, Ronaldo Ferreira se maquia ao som da bela e desconsolada Gymnopédie I de Satie. Os radiantes potes de tinta amarela, azul e verde não foram retirados da mochila. No reflexo do espelho, surge um rosto tisnado de melancolia. O sorriso é negro, levemente côncavo, propositadamente borrado. Escuridão também nas pálpebras. Nas bochechas, a palidez da tinta branca. Cor viva, só mesmo o vermelho de duas lágrimas, uma em cada face. O palhaço Ferreirinha não vê mais motivos para rir. Dramático, sintetiza: “Agora ele chora sangue”.
côncavo: nesse caso, arqueado com as pontas para baixo Satie: Erik Satie (1866-1925), pianista e compositor francês tisnar: enegrecer
Moreschi, Bruno. Piauí, Rio de Janeiro, Alvinegra, ed. 31, abr. 2009. Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2016.
a) Em vez de fazer uso das cores amarelo, azul e verde, a caracterização de Ferreirinha destaca a cor negra e tons escuros e pálidos. Quais aspectos da personalidade do palhaço são depreendidos dessa descrição? b) O adjetivo trágico em geral não é empregado para qualificar o substantivo palhaço. A descrição de Ferreirinha corresponde à imagem que se costuma fazer desse tipo de personagem? Justifique. c) Releia esta frase: “Agora ele chora sangue”. Qual é o papel sintático do termo sangue nessa oração? E do termo chora? d) Habitualmente, o verbo chorar apresenta transitividade? Explique. e) Explique o sentido da expressão “chorar sangue”. 186
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Galvão/Acervo do artista
3. Leia a tira.
Galvão. Vida besta. Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2016.
a) Qual é o sentido da palavra sonhos nessa tira? Explique. b) Classifique os verbos da tira quanto à sua transitividade. c) Indique a função sintática do pronome oblíquo los e seu referente. d) Qual é a contradição expressa na última fala da personagem? 4. Leia os poemas a seguir. Depois de muito falar, Diz à orelha o celular: “quer casar?”
Acredite, mire e veja um elefante comendo cereja
Durante o tiroteio a alma rala depois do tiroteio a vida rola.
Colasanti, Marina. Classificados e nem tanto. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2013. p. 18, 21, 74.
a) Um dos recursos utilizados na elaboração dos poemas é a criação de imagens inusitadas. O que é inusitado em cada um dos poemas acima? b) Qual é a transitividade do verbo dizer, no primeiro poema, de ver, no segundo poema, e de rolar, no terceiro poema? c) Nos textos informativos, costumam prevalecer orações organizadas na ordem direta. Os poemas lidos seguem essa organização? Justifique. d) No último poema, a palavra rala pode ter dois sentidos diferentes. Que sentidos são esses? Qual é a classificação da palavra em cada caso? Dik Browne, Hagar © 1982. King Features Syndicate/IPress
5. Leia a tira.
Browne, Dik. O melhor de Hagar, o Horrível. Porto Alegre: L&PM, 2005. v. 1. p. 6.
a) Como os elementos não verbais da tira explicitam a falta de polidez de Hagar? b) O sujeito da oração do primeiro quadrinho e o da oração do terceiro quadrinho se relacionam a um mesmo referente, mas são classificados de forma distinta em cada enunciado. Explique. c) Qual é a transitividade dos verbos usar e comer na tira? Quais são seus complementos verbais? Não escreva no livro.
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Complemento nominal Garfield, Jim Davis © 1995 Paws, Inc. All Rights Reserved/Dist. by Universal Uclick
Leia a tira.
Davis, Jim. Garfield: toneladas de diversão. Porto Alegre: L&PM, 2005. v. 5. p. 92.
1. A tira produz humor a partir de alguns elementos inusitados. Identifique pelo menos dois. 2. Suponha que a TV tivesse anunciado “técnicas avançadas de afiamento”. a) O espectador saberia de que tipo de afiamento se tratava? Explique. b) Sobre o que seria o programa nesse caso? Qual seria o público-alvo? 3. Por que a expressão de garras não pode ser classificada como complemento verbal? Não apenas os verbos projetam argumentos. Alguns substantivos, adjetivos e advérbios também precisam se ligar a outros termos para ter seu sentido completo. São, por isso, também considerados palavras transitivas. O termo que complementa o sentido de substantivos, adjetivos e advérbios transitivos é chamado de complemento nominal. Veja o exemplo. sujeito oculto
predicado verbal núcleo
Independentemente de sua opinião, comprarei os ingressos.
[Eu]
advérbio complemento VTD nominal transitivo
OD
Agente da passiva Leia este trecho de uma notícia. Vocabulário de apoio
cônsul: representante do governo romano em províncias anexadas pelo Império
Capítulo 21 – Termos integrantes da oração
Estátuas que inspiraram Ovídio são achadas em Roma As estátuas que podem ter inspirado o poeta latino Ovídio na criação de sua obra-prima, Metamorfoses, foram descobertas por um grupo de arqueólogos na vila romana de seu mecenas, Marco Valerio Messalla, que foi cônsul junto com o imperador Otávio Augusto. […]
mecenas: indivíduo rico que patrocina artistas
Jornal A Tarde online. Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2016.
Encontramos verbos na voz passiva tanto no título da notícia (são achadas) quanto no corpo do texto (foram descobertas). Observe esta oração: “As estátuas […] foram descobertas por um grupo de arqueólogos na vila romana de seu mecenas”. O sujeito da oração, estátuas, é o alvo do processo verbal, foram descobertas. A expressão que indica quem realizou a ação de descobrir as estátuas é por um grupo de arqueólogos. Trata-se do agente da passiva. Se o verbo fosse passado para a voz ativa, o agente da passiva tomaria o lugar do sujeito. Veja.
sujeito simples
predicado verbal
sujeito simples
As estátuas foram descobertas por um grupo de arqueólogos. loc. verbal na VTD voz passiva
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predicado verbal
núcleo agente da passiva
núcleo
Um grupo de arqueólogos descobriu as estátuas.
VTD
OD
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Prática de linguagem Fernando Gonsales/Acervo do artista
1. Leia a tira.
Gonsales, Fernando. Folha de S.Paulo, 13 mar. 2016.
a) A que cerimônia da vida política a tira faz referência? b) Como se classificam sintaticamente os termos das múmias e da faixa? Em que você se baseou para fazer essa classificação? c) Explique o humor da tira.
Diário de viagem O poeta foi visto por um rio, por uma árvore, por uma estrada…
Petra Elster/ID/BR
2. Leia o haicai de Mário Quintana.
Quintana, Mário. O livro de haicais. São Paulo: Globo, 2009. p. 17.
a) Quais elementos do texto exprimem a ideia de movimento? b) Identifique e classifique, na única oração presente no haicai, o sujeito e o predicado. Em seguida, indique que termo exerce a função de agente da passiva. c) Explique por que essa construção sintática surpreende o leitor. usina literária Leia este trecho de uma crônica de Daniel Munduruku, escritor indígena premiado no Brasil e no exterior.
Tatuapé – O caminho do tatu Uma das mais intrigantes invenções humanas é o metrô. Não digo que seja intrigante para o homem comum, acostumado com os avanços tecnológicos. Penso no homem da floresta, acostumado com o silêncio da mata, com o canto dos pássaros ou com a paciência constante do rio que segue seu fluxo rumo ao mar. […] Andando no metrô que seguia rumo ao Tatuapé, fiquei mirando os prédios que ele cortava como se fossem árvores gigantes de concreto. Naquele itinerário eu ia buscando algum resquício das antigas civilizações que habitaram aquele vale. Encontrei apenas urubus que sobrevoavam o trem que, por sua vez, cortava o coração da Mãe Terra como uma lâmina afiada. […] Não vi nenhum tatu e isso me fez sentir saudades de um tempo em que a natureza imperava nesse pedaço de São Paulo habitado por índios Puris. Senti saudades de um ontem impossível de se tornar hoje novamente. […] Munduruku, Daniel. Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis, 2004. p. 14-16.
1. Tatuapé é o nome de um bairro e de uma estação de metrô de São Paulo. Como o título da crônica se relaciona ao estranhamento do cronista diante da mudança da paisagem na cidade? 2. No primeiro parágrafo, os complementos nominais constroem a oposição entre aquilo com que estão acostumados o “homem comum” e o “homem da floresta”. Comprove dando exemplos. 3. No último período do texto, que complemento nominal caracteriza o sentimento do indígena em relação à irrefreável ação transformadora do ser humano sobre a natureza?
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Língua viva
Complementos verbais e variação linguística
Fomos para as filas de assentos da frente, no lugar reservado para sentar. Não tinha ninguém lá, fora duas garotas que estavam sentadas bem na frente. Dally olhou para elas sem dar a mínima, depois foi andando pela passagem e sentou bem atrás delas. Tive uma sensação ruim, achei que ele estava preparando uma das dele. E tinha razão. Começou a falar alto para as duas garotas ouvirem. Começou mal e continuou pior. Dallas era capaz de falar as maiores sacanagens quando estava a fim e acho que estava, naquela hora. Senti as orelhas ficarem quentes. […] Se aquelas garotas fossem greasers eu não tinha ficado tão envergonhado, talvez até tivesse dado uma força ao velho Dallas. Mas aquelas duas garotas não eram do tipo da gente. Elas tinham um jeito chocante, roupas massa […]. Deviam ter uns dezesseis ou dezessete anos. Uma tinha cabelo curto, escuro, a outra tinha cabelo vermelho comprido. A de cabelo vermelho estava ficando mordida, ou então apavorada. Sentou bem retinha, mastigando seu chiclete com toda força. A outra fingia que nem estava ouvindo o Dally. O Dally estava perdendo a paciência. Botou os pés no encosto da cadeira da ruiva, piscou o olho para mim e bateu o próprio recorde em matéria de dizer grosserias. Ela se virou e olhou para ele com um olhar frio. — Tira os pés do meu assento e cala a boca. Cara, ela era bonita. Eu já tinha visto ela antes, era a chefe da torcida lá da escola. Eu sempre tinha achado ela orgulhosa. Dally só olhou para ela e deixou os pés onde estavam. —Quem é que vai me obrigar a tirar os pés? A outra se virou e olhou para nós. — Esse aí é aquele greaser que trapaceia para o Slash J. de vez em quando —, disse, como se a gente não estivesse ouvindo. Eu já tinha ouvido aquele mesmo tom um milhão de vezes: “greaser… greaser… greaser”. Nossa, eu já tinha ouvido aquele tom vezes demais. O que que elas estão fazendo em um drive-in, sem carro, pensei, aí o Dallas disse: — Conheço vocês duas. […] — Por favor, deixa a gente em paz — disse ela. — Por que você não fica bonzinho e não deixa a gente em paz? Dally riu, brincalhão. — Nunca sou bonzinho. Quer uma Coca? Àquelas alturas ela já estava louca de raiva. — Eu não tomava nem que estivesse morrendo no deserto. Dá o fora, cara. Dally só encolheu os ombros e saiu dali. A garota olhou para mim. Eu estava meio apavorado de medo dela. Fico com medo de todas as minas legais, principalmente quando são socs. — Você também vai começar a nos perturbar? Balancei a cabeça, de olhos arregalados. — Não. De repente ela sorriu. Cara, ela era bonita. — Você parece não ser o tipo, mesmo. Como é seu nome? Eu queria que ela não tivesse me perguntado aquilo. Detesto dizer meu nome para as pessoas pela primeira vez. — Ponyboy Curtis. Aí fiquei esperando pelo “Você está me gozando!” ou “Esse é o seu verdadeiro nome?” ou qualquer lance assim, que em geral me dizem. Ponyboy é meu nome verdadeiro e eu, pessoalmente, gosto dele. A ruiva só sorriu. — Esse nome é superoriginal, uma gracinha. […]
Everett Colection/Fotoarena
Você vai ler agora um trecho do romance Outsiders: vidas sem rumo, da escritora estadunidense Susan E. Hinton. O livro retrata a vida de jovens de classe média baixa de Oklahoma (EUA), no fim da década de 1960. Eles são chamados de greasers (em português, “brilhantina”), pois usam esse produto, que serve para fixar e dar brilho aos cabelos, além de jaquetas de couro e correntes. Seus rivais são os socs (abreviação da palavra inglesa social), garotos ricos que se vestem com roupa social. A história é narrada por Ponyboy, o mais novo dos greasers. A seguir, Ponyboy e os amigos Dally e Johnny encontram duas garotas socs no drive-in (cinema em que se pode assistir ao filme de dentro do carro).
Foto de divulgação do filme Outsiders: vidas sem rumo (EUA, 1983), de Francis Ford Coppola, adaptação para o cinema do romance de Susan E. Hinton.
Hinton, Susan E. Outsiders: vidas sem rumo. Trad. Heloisa Jahn. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 26-29.
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Sobre o texto 1. Enquanto Dally provoca as garotas socs, Ponyboy sente as orelhas ficarem quentes. O que esse fato revela a respeito da personalidade dele? 2. Ponyboy afirma que, se as garotas fossem greasers, ele talvez se juntasse a Dally na provocação. Por que o fato de as garotas serem socs deixou-o constrangido? 3. O que parece incomodar Ponyboy ao ser chamado de greaser por uma das garotas socs? 4. Releia. Eu já tinha visto ela antes […]. Eu sempre tinha achado ela orgulhosa.
— Eu não tomava nem que estivesse morrendo no deserto. Dá o fora, cara. […] Cara, ela era bonita.
a) Quem são os interlocutores envolvidos em cada um dos enunciados? b) Com base nesses dois trechos, a gíria cara tem um valor positivo ou negativo? Explique.
Tatiana Paiva/ID/BR
a) Sintaticamente, que função a palavra ela exerce nas duas orações? b) Em qual destas formas você provavelmente se expressaria em uma situação de comunicação oral informal? I. Eu a vi ontem. II. Eu vi ela ontem. III. Vi a ela ontem. c) Qual delas está conforme a norma-padrão? d) Qual é o efeito de sentido produzido pela adoção da forma observada no romance? 5. Releia dois trechos distintos do romance.
6. Observe as gírias presentes neste trecho. Elas tinham um jeito chocante, roupas massa […]
a) Você conhece essas gírias? Costuma utilizá-las? Indique seu significado. b) Diversos fatores determinam o fenômeno da variação linguística. Aponte pelo menos dois deles que possam ser exemplificados com a frase acima. 7. As personagens centrais do romance, os outsiders, são jovens pobres que fazem parte de um grupo marcado pela rebeldia. De que forma as escolhas linguísticas feitas no texto contribuem para a verossimilhança da narrativa? ANOTE
As regras da norma-padrão podem, muitas vezes, contrariar a intuição linguística dos falantes. Embora essa norma condene o uso dos pronomes pessoais oblíquos tônicos da terceira pessoa em posição de objeto direto (como em “Eu vi ela”), essa é uma forma bastante comum, usada inclusive nas situações informais de uso da língua por falantes considerados cultos. texto em construção O significado das palavras não existe isoladamenNo conto “Acorrentados”, de Paulo Mendes Campos te, ele precisa ser depreendido de um contexto, que (Produção de texto, capítulo 29, p. 288), o autor enumera também pode interferir nessa significação. Na página características daqueles que chama de “presidiários da 188, observamos que não apenas os verbos mas tam- ternura”. No conto, podem ser destacados alguns exembém os substantivos podem projetar argumentos. Os plos de uso de complementos nominais como “reencontermos que completam seu sentido são os complemen- tro de pai e filho”, “estudo de uma língua morta”, “símbolo tos nominais. da porta fechada” e “pensamento do cavalo”. 1. Leia o conto e explique como o uso dos complementos nominais mencionados contribui para provocar no leitor uma reflexão sobre o lugar da ternura no cotidiano.
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Em dia com a escrita
Complementos verbais representados por pronomes
Você já viu que a função de complemento verbal pode ser ocupada por pronomes pessoais. Em diversas variedades linguísticas, e mesmo nas situações informais de uso da língua que envolvem falantes considerados cultos, é comum utilizar pronomes pessoais oblíquos tônicos da terceira pessoa como objetos diretos, como na fala do narrador-personagem de Outsiders: “Eu já tinha visto ela antes”. De acordo com a norma-padrão, quando os complementos verbais são pronomes de terceira pessoa, devem ser usados pronomes oblíquos átonos. Nesse caso, a fala de Ponyboy seria registrada dessa forma: “Eu já a tinha visto antes”. Observe, na tabela a seguir, quais pronomes pessoais oblíquos átonos da terceira pessoa assumem o papel de objetos direto e indireto na norma-padrão, bem como as diferentes formas que podem assumir. Pronome
o, a, os, as
Função sintática
objeto direto
Usos
Exemplos
preposto ao verbo
Eu não o vi. Ele a conhece superficialmente.
posposto às formas verbais terminadas por vogal
Trate-a com respeito.
posposto às formas verbais terminadas por ditongo oral (/ej/, /ow/)
Alertei-as do perigo. Enfrentou-as com coragem.
no, na, nos, nas
objeto direto
posposto às formas verbais terminadas em ditongo nasal (/ãw/, /˜ej/)
Encontraram-no inconsciente. Tem-nas causado incômodo.
lo, la, los, las
objeto direto
posposto às formas verbais terminadas em -r, -s e -z (essas letras são suprimidas)
Quero fazê-lo bem. Confiscamo-lo para averiguações.
lhe, lhes
objeto indireto
preposto ao verbo
Nunca lhe deram uma garantia.
posposto ao verbo
Disseram-lhes para se acalmar.
Agora, leia este depoimento do indígena Daniel Matenho Cabixi, do povo Paresi, do Mato Grosso. Em seguida, responda às questões. Vi muitas pessoas se postarem diante de mim, um índio, e ficarem a olhar-me. Além de me lançarem uma série de perguntas, entre elas, se não existe mais índio “brabo”. Penso comigo: o que estarão eles pensando? […] Afinal, um descendente de índios selvagens, descendente de seres mitológicos, índios, está postado diante deles, de calças, camisa e sapatos. Nesse momento, a imaginação desse povo simples voa pelo mundo da fantasia. Como será que vive? O que come? Será descendente de comedores de gente? Terá ele provado alguma carne humana? Tem ele algum sentimento humano de amor e compaixão? Enfim, percebo que as interpretações e comparações que nos fazem não passam da categoria de animais exóticos que habitam a selva. Tenho vontade de fazê-los compreender meu mundo, assim como cheguei a compreender o mundo deles. Gostaria de dizer-lhes que faço parte de uma sociedade que possui normas de vivência harmônica entre os homens e a natureza. Gostaria de dizer-lhes que possuímos nossos valores sociais, políticos, econômicos, culturais e religiosos, que adquirimos através dos tempos, de geração em geração. Gostaria de dizer-lhes que formamos um mundo equilibrado e justo de relações humanas. Dizer que, como humanos, estamos sujeitos a falhas, erros. Dizer que nossos sentimentos mais íntimos são exteriorizados por meio da arte, da língua, da nossa religião, das festas acompanhadas de ritos e cerimônias. Dizer que conseguimos nossa experiência diante da vida e do universo. Dizer que conseguimos chegar a um equilibrado mundo prenhe de valores que transmitimos a nossos filhos, o que, em outras palavras mais compreensíveis, é sinônimo de educação. […] Dizer que estamos prontos para receber o que de útil a sociedade deles nos oferece e rechaçar o que de ruim ela nos apresenta. Mas a cegueira etnocêntrica não permite esse diálogo franco e sincero.
Vocabulário de apoio
etnocêntrico: que considera seu grupo étnico mais importante do que os demais prenhe: cheio, repleto rechaçar: resistir, opor-se a algo
Depoimento de Daniel Matenho Cabixi. In: Munduruku, Daniel. O banquete dos deuses. São Paulo: Angra, 1999.
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1. A opinião do entrevistado sobre as pessoas que se postam diante dele e ficam a olhá-lo parece ser positiva ou negativa? Que elementos do texto revelam essa opinião? 2. Releia os trechos abaixo e copie no caderno aquele no qual fica clara a tentativa do entrevistado de desfazer estereótipos e mostrar que, na essência, os indígenas não se diferenciam das pessoas inseridas em outras culturas. I. Afinal, um descendente de índios selvagens, descendente de seres mitológicos, índios, está postado diante deles, de calças, camisa e sapatos. Nesse momento, a imaginação desse povo simples voa pelo mundo da fantasia. Como será que vive? O que come? Será descendente de comedores de gente? Terá ele provado alguma carne humana? Tem ele algum sentimento humano de amor e compaixão? Enfim, percebo que as interpretações e comparações que nos fazem não passam da categoria de animais exóticos que habitam a selva. II. Gostaria de dizer-lhes que possuímos nossos valores sociais, políticos, econômicos, culturais e religiosos, que adquirimos através dos tempos, de geração em geração. […] Dizer que, como humanos, estamos sujeitos a falhas, erros. Dizer que nossos sentimentos mais íntimos são exteriorizados por meio da arte, da língua, da nossa religião, das festas acompanhadas de ritos e cerimônias.
3. Releia.
a) O verbo olhar, com o sentido que tem na frase acima (“encarar, fitar”), pode funcionar tanto como transitivo direto (ligando-se ao complemento verbal sem necessidade de preposição) quanto como transitivo indireto. Sendo assim, nessa frase, o pronome oblíquo átono me pode ser tanto objeto direto quanto objeto indireto. Imagine que a frase fosse reescrita na terceira pessoa. Qual destas formas não está de acordo com a norma-padrão? I. Viu muitas pessoas se postarem diante dele, um índio, e ficarem a olhar para ele. II. Viu muitas pessoas se postarem diante dele, um índio, e ficarem a olhar ele. III. Viu muitas pessoas se postarem diante dele, um índio, e ficarem a olhá-lo. b) Justifique a escolha feita no item anterior.
Daniel Almeida/ID/BR
Vi muitas pessoas se postarem diante de mim, um índio, e ficarem a olhar-me.
4. Releia. Gostaria de dizer-lhes que faço parte de uma sociedade […] Tenho vontade de fazê-los compreender meu mundo […]
a) Qual é a transitividade do verbo dizer no primeiro enunciado? b) Qual é a função sintática do sintagma “que faço parte de uma sociedade”? c) Qual(is) destas alternativas substituiria(m) adequadamente dizer-lhes no enunciado? I. dizer a vocês III. dizê-los II. dizer-los IV. dizer para vocês d) Qual é a classificação sintática de lhes no primeiro enunciado? e) E do pronome los no segundo enunciado? f) Caso o pronome los fosse colocado antes do verbo fazer, qual seria sua forma? ANOTE
De acordo com a norma-padrão, o pronome oblíquo átono o (e as variações a, os, as) exerce a função de objeto direto, e o pronome lhe(s), de objeto indireto. Quando pospostos ao verbo transitivo direto, os pronomes o(s) e a(s) podem apresentar as variações no(s)/na(s) e lo(s)/la(s), a depender da terminação das formas verbais. O pronome lhe(s) dispensa o uso de preposição.
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capítulo
22 o que você vai estudar Termos acessórios da oração.
Termos acessórios da oração Neste capítulo, você estudará os termos acessórios da oração: o adjunto adnominal, o adjunto adverbial e o aposto. Conhecerá também o vocativo, termo sintaticamente independente pelo qual o falante chama seu interlocutor ou se dirige a ele.
Adjunto adnominal
• Adjunto adnominal.
Leia um trecho de uma notícia sobre a criação de um meio de transporte alternativo.
• Adjunto adverbial.
• Vocativo.
Vocabulário de apoio
bike: do inglês, bicicleta flex: veículo que pode ser abastecido com mais de um tipo de combustível, em geral com álcool e gasolina
Carro-bicicleta ecológico também usa energia solar Se você sempre quis pedalar para o trabalho, mas não vai de bike porque tem medo de enfrentar aquela ladeira íngreme no meio do caminho, o Elf é perfeito para você! Bem mais barato que um carro, ele é uma mão na roda para quem quer fazer atividade física, economizar dinheiro e, melhor ainda, poupar o planeta. O pequeno veículo é flex, mas não como aqui no Brasil. Movido a pedaladas [...], Elf também usa energia solar. As baterias […] podem ser recarregadas tanto pelo sol […] quanto por uma tomada padrão, por apenas duas horas. […] Com energia solar equivalente a um galão de gasolina, Elf consegue rodar aproximadamente 2.900 km. […] […] nem tudo são flores. O carro-bike foi feito sem portas e sem chão para preservar a sensação de liberdade, mas ima- As três rodas do Elf garantem gina como seria em um dia de chuva? O condutor ficaria estabilidade. Foto de 2013. encharcado! A empresa disse que está desenvolvendo acessórios que podem ser instalados no carro que garantem proteção contra chuva, mas ainda não tem previsão de lançamento. […]
Valerie Bonk/AP Photo/Glowimages
• Aposto.
Maciel, Marina. Carro-bicicleta ecológico também usa energia solar. Superinteressante, São Paulo, 18 jan. 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2016.
1. Imagine que os termos ecológico e solar fossem omitidos do título. a) A estrutura sintática da oração seria afetada? Explique. b) Qual seria a mudança de sentido? saiba mais
São chamados adjuntos os constituintes de uma oração que não são selecionados pelo verbo. Eles podem aparecer em diferentes partes da oração e podem ser omitidos sem interferir em sua estrutura sintática.
2. Explique o sentido da expressão “nem tudo são flores”, no quarto parágrafo. Qual é a relação entre o sentido dessa expressão e as informações apresentadas no parágrafo? No título do texto, ecológico e solar especificam e delimitam, respectivamente, o sentido dos substantivos carro-bicicleta e energia. São considerados adjuntos adnominais. Podem ocupar esse papel: adjetivos, locuções adjetivas, artigos, pronomes e numerais. Veja: sujeito simples
predicado verbal
Os
meus
dois
amigos
de Brasília
chegaram.
adj. adn.
adj. adn. (pron.)
adj. adn. (num.)
núcleo (subst.)
adj. adn. (loc. adj.)
núcleo VI
(art.)
Os adjuntos adnominais são chamados de termos acessórios por não serem, do ponto de vista sintático, elementos indispensáveis para a gramaticalidade de uma sentença.
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Adjunto adverbial Laerte/Acervo do artista
Leia este cartum.
Laerte. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2013.
O texto do cartum reproduz um pensamento do senso comum: em determinados momentos da vida, as pessoas precisam avaliar o que fizeram até então. Nesse contexto, balanço tem seu significado associado à verificação contábil de receitas e despesas de uma empresa. A imagem, porém, contraria essa concepção e apresenta balanço como um brinquedo de balançar. Ao articular a imagem ao texto, a cartunista cria um efeito de humor e confere um novo significado ao pensamento inicial: em determinados momentos da vida, as pessoas precisam relaxar, brincar, agir como crianças. No texto, “às vezes”, “na vida” e “para um balanço” explicitam as circunstâncias em que as pessoas têm de parar. Termos como esses são denominados adjuntos adverbiais, função sintática que pode ser exercida por advérbios e locuções adverbiais. Assim como os adjuntos adnominais, em geral os adverbiais também podem ser suprimidos sem afetar a estrutura sintática das orações. No entanto, sua presença possibilita especificar as circunstâncias da ação ou do estado expresso pelo verbo, intensificar o sentido de um adjetivo ou de um advérbio e, ainda, modificar todo o enunciado. Observe um exemplo. sujeito oculto
[Eu]
predicado verbal
Felizmente,
durante as férias,
acordei
bem
tarde.
adj. adv. (advérbio)
adj. adv. (locução adverbial)
núcleo VI
adj. adv. (advérbio)
adj. adv. (advérbio)
O quadro a seguir apresenta os principais tipos de adjuntos adverbiais, identificados conforme a circunstância por eles expressa. Tipos
HIPERTEXTO “Precisava não, moço bonito…”. A fala de Gabriela no romance Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado, visto na parte de Literatura (capítulo 8, p. 87), revela um traço sintático típico das variedades linguísticas de algumas regiões do Nordeste: a colocação do advérbio de negação não depois do verbo.
Exemplos
assunto
Os jogadores conversam sobre o campeonato.
afirmação
Sim, eles certamente estão avaliando seu desempenho.
causa
O time adversário não jogou bem por causa da chuva.
companhia
Eu assisti à partida com meu irmão.
concessão
O estádio estava lotado apesar do mau tempo.
condição
Sem um bom treino, não é possível jogar bem.
fim
Nosso time se preparou para o jogo.
instrumento
Ele registrou os melhores momentos com sua câmera fotográfica.
intensidade
Nós estávamos muito animados.
lugar
O jogo ocorreu no maior estádio da cidade.
matéria
O campo foi feito com grama sintética.
meio
Depois do jogo, voltamos para casa de ônibus.
modo
O motorista dirigia com segurança.
negação
Não conseguimos sentar.
tempo
Ficamos em pé durante todo o trajeto.
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saiba mais
A Nomenclatura Gramatical Brasileira classifica os advérbios e as locuções adverbiais como de lugar, tempo, modo, negação, dúvida, intensidade e afirmação. No entanto, há outras possibilidades de descrição. 195
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Diferenças entre complemento nominal e adjunto adnominal
A campanha estimulava o empréstimo de livros. núcleo (subst. trans.)
Ainda não paguei o empréstimo do banco.
compl. nominal (prep. + subst.)
objeto direto
núcleo adj. adn. (subst.) (prep. + art. + subst.) objeto direto
Os adjuntos adnominais, em regra, qualificam um substantivo; já os complementos nominais podem completar o sentido de substantivos, adjetivos e advérbios. É fácil identificar o complemento nominal quando ele sucede um adjetivo ou um advérbio transitivo. Veja alguns exemplos. Cecília é adepta do vegetarianismo.
núcleo (adj. trans.)
compl. nominal
predicativo do sujeito
Veridiana Scarpelli/ID/BR
É comum confundir o complemento nominal com o adjunto adnominal, quando o segundo é representado por uma locução adjetiva do tipo “preposição de + substantivo”. Isso porque, do ponto de vista morfológico, a estrutura desses dois termos é bastante semelhante. Veja:
Vou viajar, independentemente do clima. núcleo (adv. trans.)
compl. nominal
adjunto adverbial
A confusão entre os dois termos ocorre, principalmente, quando são empregados após um substantivo deverbal, isto é, derivado de um verbo. É o que acontece com empréstimo, substantivo derivado do verbo emprestar. Nesse caso, o que confere a função de complemento nominal à expressão formada por “preposição de + substantivo” é a força transitiva do substantivo ao qual a expressão se liga, no contexto em que ele é usado. O substantivo empréstimo tem força transitiva quando se refere à “ação de emprestar”, com valor de substantivo abstrato. Preservando a ideia de ação contida no verbo que o originou, o substantivo precisa de um termo que complete o seu sentido (emprestar o quê?). Em “A campanha estimulava o empréstimo de livros”, a expressão “de livros” exerce a função de complemento nominal de empréstimo. Já em “Ainda não paguei o empréstimo do banco”, empréstimo é substantivo concreto que significa “quantia de dinheiro que se toma ou concede, mediante acordo de devolução ao emprestador”. Assim, a expressão “do banco” ligada ao substantivo especifica o agente responsável pelo empréstimo, exercendo a função de adjunto adnominal. Veja outro exemplo sobre a diferença entre complemento nominal e adjunto adnominal.
Capítulo 22 – Termos acessórios da oração
Famílias atingidas pela cheia do rio Buquira, em São José, retornam a suas casas Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2016.
Avenida cheia de buracos incomoda os moradores de Santa Gertrudes, SP Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2016.
No primeiro título, cheia é um substantivo que designa “o aumento rápido do nível de um rio”. Essa palavra não necessita de um termo que complete o seu significado. A locução “do rio Buquira” apenas especifica o substantivo e corresponde a um adjunto adnominal. No segundo título, cheia é um adjetivo que significa “tomado ou repleto de alguma coisa”. Como adjetivo esse termo requer um complemento para ter seu significado completo (cheia de quê?). Nesse caso, “de buracos” exerce a função de complemento nominal.
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Prática de linguagem As rosas não falam Bate outra vez Com esperanças o meu coração Pois já vai terminando o verão Enfim
Queixo-me às rosas, Mas que bobagem As rosas não falam Simplesmente as rosas exalam O perfume que roubam de ti, ai
Volto ao jardim Com a certeza que devo chorar Pois bem sei que não queres voltar Para mim
Devias vir Para ver os meus olhos tristonhos E, quem sabe, sonhavas meus sonhos Por fim
Veridiana Scarpelli/ID/BR
1. Leia a letra de uma canção de Cartola (1908-1980).
Cartola. As rosas não falam. Intérprete: Cartola. In: Cartola (série Bis Duplo). São Paulo: EMI, 2005. 2 CD. v. 1. Faixa 8.
a) Que formas linguísticas fazem referência ao interlocutor do eu lírico? b) Em certo momento, o eu lírico inverte a associação entre pessoas e rosas. Explique. 2. Releia a primeira estrofe da canção. a) Qual o sujeito do verbo bate? Qual seu núcleo? b) Qual a transitividade do verbo bater? Explique. c) Qual a função sintática dos termos “outra vez” e “com esperanças”? Que sentidos eles acrescentam ao termo ao qual se ligam? 3. Leia um trecho de resenha crítica sobre o filme O ano em que meus pais saíram de férias.
Memória coletiva Gullane Filmes/Caos Produções Cinematográficas/Miravista/Album/Latinstock
Em 1925, quando a era das comunicações começava a se acelerar, o filósofo francês Maurice Halbwachs aventou a ideia de uma “memória coletiva”: o conjunto de lembranças que um grupo de pessoas compartilha sobre um evento marcante e que, somado a fatos e imagens de domínio público, forma um tecido muito mais extenso e bem tramado do que a simples soma das recordações individuais. Esse tecido é tão forte, aliás, que pode ser compartilhado até mesmo por gerações que não assistiram aos acontecimentos. É um fenômeno presente na maneira como os judeus lembram o Holocausto ou os americanos revivem a Guerra do Vietnã. Cena de O ano em que meus pais saíram de Na vida brasileira, o ano de 1970 é um desses polarizadores da férias, de Cao Hamburger. memória coletiva: o ano em que o país reuniu a mais brilhante escalação da história do futebol, em que esse time derrotou de maneira quase heroica cada um dos seus adversários […], em que a população experimentou, na Copa do Mundo, seu primeiro grande evento de mídia – e também um ano em que a ditadura militar arrancava as pessoas de suas casas e sumia com elas, em que tudo era dito aos sussurros e em que essa euforia de uma torcida nacional foi usada como cortina de fumaça para o desgoverno e se misturou a ele. […] E está aí, em boa medida, a beleza de O ano em que meus pais saíram de férias (Brasil, 2006) […]: na maneira como ele ao mesmo tempo separa e une esses dois fios da memória. [...] Boscov, Isabela. Veja, São Paulo, Abril, 1o nov. 2006. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2016.
a) Segundo o texto, qual é a diferença entre a memória coletiva e a memória individual? b) Os termos “aos acontecimentos” e “aos sussurros” apresentam a mesma estrutura morfológica. Sintaticamente, eles também exercem a mesma função? Justifique. c) Segundo o texto, uma das qualidades do filme O ano em que meus pais saíram de férias é separar e unir “dois fios da memória”. Quais são esses fios? Explique sua resposta. d) Qual a função sintática de “esses dois fios da memória” no texto? Qual é seu núcleo e que função sintática as demais palavras da expressão desempenham em relação a ele? Não escreva no livro.
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Aposto O texto a seguir introduz uma entrevista com uma psicóloga, publicada em um jornal.
Consumismo mirim Que o marketing de produtos infantis pode incentivar a obesidade, a violência e a sexualidade precoce é um alerta que já vem sendo feito há um tempo. Em geral, a solução proposta pelos especialistas é que as propagandas de “junk food” com
conteú do violento ou sexual sejam restritas para esse público. Mas a psicóloga Susan Linn, professora da Universidade Harvard (EUA), propõe uma solução mais radical: a proibição de toda a publicidade voltada para crianças. [...]
Mantovani, Flávia. Folha de S.Paulo, 18 maio 2006. Caderno Equilíbrio, p. 10.
1. Com base na introdução, redija duas perguntas que podem ter sido dirigidas à entrevistada. 2. O que significa “junk food”? Por que as aspas foram empregadas? 3. Observe os fragmentos grifados. A que termo cada um se refere? Sintaticamente, cada um dos trechos grifados no texto pode ser identificado como aposto, termo da oração que é “posto ao lado de” um substantivo, um pronome ou uma oração, para explicar ou esclarecer seu significado. Diferentemente do adjunto adnominal, o aposto não tem função adjetiva. Seu valor é nominal. Em geral, ele equivale ao termo ao qual se refere, podendo substituí-lo. Ao individualizar um nome, os apostos exercem função especificativa, como em “O livro Crianças do consumo foi escrito por Susan Linn”. Ao acrescentar outros sentidos, por vezes secundários, a esse nome, os apostos têm função explicativa, como em “Ela propõe uma solução mais radical: proibir propagandas dirigidas às crianças”. Os estudiosos da língua identificam três subcategorias de apostos explicativos. Veja: ••Explicativo enumerativo – “Susan identifica três valores prejudiciais: narcisismo, compra por impulso e lealdade sem questionamento a marcas.” ••Explicativo recapitulativo – “Narcisismo, compra por impulso e lealdade sem questionamento a marcas: todos esses são valores propagados pela publicidade.” ••Explicativo comparativo – “As mensagens publicitárias, bombas do marketing, minam os esforços dos pais.”
Vocativo Laerte/Acervo do artista
Capítulo 22 – Termos acessórios da oração
Leia esta tira.
Laerte. Striptiras. Porto Alegre: L&PM, 2007. p. 94.
Nessa tira, um homem interpreta de forma equivocada as evidências de que havia entrado no apartamento errado, algo que ele costuma fazer. A princípio, atribui as “novidades” a alguém chamado Mirtes, a quem se dirige nos três primeiros quadrinhos. No último, encabulado ao perceber o equívoco, dirige-se à verdadeira dona da casa, “dona Vera”. O termo utilizado para evidenciar o interlocutor do texto é denominado vocativo. Ele não se insere nem no sujeito, nem no predicado; portanto, não exerce nenhuma função sintática como termo de oração.
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Prática de linguagem 1. Leia o trecho de uma crônica de José Roberto Torero para o jornal Folha de S.Paulo.
O místico leitor e a mítica leitora já devem ter ouvido a expressão “deuses do futebol”. Pois eles existem. São menos conhecidos que Zeus, Alá ou Krishna, mas existem. Há, por exemplo, Mienerva, que, ao contrário de sua irmã Minerva, dá péssimos palpites aos seus protegidos (foi ela quem soprou no ouvido de Baggio “Chuta no alto, chuta no alto” na final da Copa de 94); há o poderoso Urucubaco, deus do azar, que tanto persegue a Portuguesa; há Mercúrio
Cromo, que rege as contusões, e outros, muitos outros. Entre estes outros está o deus indiano Travishnu, o deus das traves. […] Travishnu se manifesta de muitas maneiras. Sabe quando o sujeito erra por um número o bilhete da loteria federal? Isso é Travishnu. Sabe quando você está a um número de fechar a cartela do bingo, mas a maldita pedra não sai, e a velhinha da mesa ao lado ganha o prêmio? Isso é Travishnu. […]
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Travishnu, o deus do quase
Torero, José Roberto. Folha de S.Paulo, 3 fev. 2009. Caderno Esportes, p. D4.
a) O cronista cria nomes para deuses fictícios do futebol: Mienerva, Urucubaco, Mercúrio Cromo e Travishnu. Como o nome de cada deus expressa suas características? b) O título descreve Travishnu como “o deus do quase”. Qual a função sintática da expressão? c) Descreva os outros deuses usando uma estrutura sintática semelhante. 2. Releia. O místico leitor e a mítica leitora já devem ter ouvido a expressão “deuses do futebol”.
a) Considerando que essa crônica foi publicada no caderno de esportes do jornal, que características de seus leitores o autor destaca nesse trecho? Explique. b) Os termos em destaque poderiam ser identificados como vocativos? Explique. c) Qual a função sintática dos termos místico e mítica no enunciado? Justifique. d) A que termo se refere a expressão “deuses do futebol”? Que função ela exerce? usina literária Leia o poema abaixo, da escritora mineira Adélia Prado (1935-).
Dois vocativos A maravilha dá de três cores: branca, lilás e amarela, seu outro nome é bonina. Eu sou de três jeitos:
alegre, triste e mofina, mas meu outro nome eu não sei. Ó mistério profundo! Ó amor!
Vocabulário de apoio
mofino: infeliz, irrequieto
Prado, Adélia. O coração disparado. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 19.
1. A que elemento da realidade o eu lírico se refere nos três primeiros versos do poema? Como você chegou a essa conclusão? 2. O que há de comum e de diferente entre esse elemento e o eu lírico? 3. Qual parece ser o “mistério profundo” a que o eu lírico faz referência? 4. Quais são os dois vocativos aos quais se refere o título do poema? Que efeitos a escolha desse título produz? 5. No texto, também há dois apostos. Quais são eles e como se relacionam com o termo a que fazem referência? 6. Que efeito seria produzido se o poema fosse intitulado “Dois apostos”? Explique.
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Língua viva
Os adjuntos adnominais e a precisão
A viagem foi rápida e agradável, e passei-a travando relações mais íntimas com os meus dois companheiros e brincando com o spaniel do Dr. Mortimer. Em muito poucas horas a terra marrom havia se tornado avermelhada, o tijolo havia mudado para o granito, e vacas vermelhas pastavam em campos bem cercados de sebes onde o capim viçoso e a vegetação mais luxuriante revelavam um clima mais rico, embora mais úmido. O jovem Baskerville olhava ansiosamente pela janela e gritava alto de prazer ao reconhecer as características familiares do cenário de Devon. — Eu estive numa boa parte do mundo desde que o deixei, Dr. Watson — disse ele — mas nunca vi um lugar que se comparasse com ele. […] Acima dos quadrados verdes dos campos e da curva baixa de uma floresta, erguia-se à distância uma colina cinzenta, melancólica com um cume estranho denteado, indistinto e vago na distância, como alguma paisagem fantástica num sonho. Baskerville ficou sentado por um longo tempo, com os olhos fixos sobre ela, e vi na sua fisionomia ansiosa o quanto ela representava para ele, esta primeira visão daquele lugar estranho em que os homens do seu sangue haviam exercido o poder por tanto tempo […]. […] O trole entrou numa estrada lateral e fizemos uma curva ascendente através de azi-
nhagas usadas por séculos de rodas, margens altas dos dois lados, pesadas de musgo gotejante e samambaias escolopêndrias carnudas. […] A cada volta Baskerville soltava uma exclamação de prazer, olhando ansioso em volta e fazendo perguntas intermináveis. A seus olhos tudo parecia lindo, mas para mim um tom de melancolia pairava sobre os campos que mostravam tão claramente a marca do ano que terminava. […] Havíamos deixado os campos férteis atrás e abaixo de nós. Olhamos para eles atrás agora, com raios inclinados de um sol baixo transformando os córregos em fios de ouro brilhando sobre a terra vermelha agora revirada pelo arado e o amplo emaranhado das florestas. A estrada diante de nós ficou mais desolada e agreste sobre as encostas castanho-avermelhadas e verde-oliva, salpicadas de matacões gigantescos. De vez em quando passávamos por uma casinha da charneca, com paredes e telhado de pedra, sem nenhuma trepadeira para quebrar o seu perfil severo. De repente olhamos para dentro de uma depressão parecida com uma xícara, salpicada de carvalhos e abetos enfezados que tinham sido torcidos e inclinados pela fúria de anos de tempestades. Duas torres altas e estreitas erguiam-se sobre as árvores. O cocheiro apontou com seu chicote: — A Mansão Baskerville — disse ele.
Warner Bros/Courtesy Everett Collection/Fotoarena
Leia um trecho do romance policial O cão dos Baskervilles, de Arthur Conan Doyle. Nele, o detetive inglês Sherlock Holmes e seu assistente Watson são contratados para desvendar um mistério que assombra a família Baskerville há mais de um século: a morte de alguns de seus membros em condições misteriosas, nas proximidades da propriedade da família em Devonshire, na Inglaterra. As mortes são atribuídas a um cão monstruoso, ser lendário da região. Neste trecho, Watson narra sua viagem de Londres para Devonshire na companhia de Henri Baskerville e Dr. Mortimer, um amigo da família. Cena de Sherlock Holmes: o jogo de sombras, filme de 2011, em que o ator Jude Law interpreta Dr. Watson. Vocabulário de apoio
abeto: tipo de pinheiro agreste: silvestre, selvagem azinhaga: atalho charneca: terreno com vegetação seca, árida; em português brasileiro indica pântano, planície inundada escolopêndria: tipo de samambaia cultivada como ornamental matacão: bloco de rocha compacta e arredondada sebe: cerca de plantas vivas ou arbustos de ramos secos spaniel: cão de caça de porte médio trole: carruagem rústica
Doyle, Arthur Conan. O cão dos Baskervilles. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989. p. 44-47.
Sobre o texto 1. Watson e Henri Baskerville reagem de forma diferente à paisagem que veem da janela. Como são essas reações? A que se deve essa diferença? 2. Ao longo do caminho, a paisagem se modifica algumas vezes. Que marcas linguísticas no primeiro parágrafo explicitam a primeira mudança? Que elementos caracterizam a paisagem de onde vieram e a do lugar em que se encontram? 3. No terceiro parágrafo, os viajantes vislumbram uma colina, antecipando uma nova mudança na paisagem. a) Que diferenças há entre a paisagem do lugar em que estão e aquela que vislumbram? b) Reescreva o primeiro período desse parágrafo suprimindo os adjuntos adnominais. De que maneira essa supressão afeta a descrição da paisagem? 200
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4. A nova paisagem se concretiza ao se aproximarem da mansão dos Baskervilles. a) No penúltimo parágrafo, o narrador usa uma metáfora para descrever um elemento da paisagem que fica para trás. Identifique-a. b) Que aspecto da paisagem essa metáfora destaca? c) E na expressão “terra vermelha agora revirada pelo arado”, o que é destacado? d) Como é caracterizada a região onde se localiza a mansão dos Baskervilles? 5. Considere agora todo o texto lido. a) Copie e complete os quadros a seguir no caderno, associando a cada substantivo o adjunto adnominal que o modifica no texto original. Paisagem rural após a saída de Londres colina
capim
campos
vegetação
terra
Paisagem próxima à mansão estrada perfil
encostas telhado
carvalhos torres
b) De que forma esses adjuntos contribuem para o desenvolvimento da narrativa? 6. Leia agora um trecho de uma reportagem sobre investigação criminal escrita em 1989.
Alexandre Teles/ID/BR
Sherlock Holmes, o mais famoso detetive de todos os tempos, foi dotado por seu criador […] de santa paciência, incomum sagacidade e, principalmente, inigualável capacidade de raciocínio lógico […]. Como se sabe, os policiais encarregados de investigar crimes às vezes tão misteriosos […] contam cada vez mais com uma bateria de outros recursos nem sempre acessíveis aos detetives da literatura policial clássica. […] Uma informação muitas vezes essencial para se elucidar um crime é o sexo do criminoso. Neste caso, segundo a geneticista Gilka Figaro Gattas, da Faculdade de Medicina da USP, a pesquisa da cromatina X e Y pode fornecer a resposta. […] O teste pode ser feito num fio de cabelo, numa gota de sangue ou mesmo nos vestígios de saliva encontrados na ponta de um cigarro.
Heymann, Gisela. Crime no microscópio. Superinteressante, São Paulo, Abril, mar. 1989. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2016.
a) O início do texto cita Sherlock Holmes como um notável detetive da ficção. Reescreva esse trecho, mantendo a estrutura sintática básica, mas descrevendo Holmes como um detetive medíocre. b) Qual a função sintática de cada um dos termos grifados no segundo parágrafo? c) Reescreva esse parágrafo, suprimindo os termos grifados. Como essa supressão afeta o entendimento do texto? ANOTE
Os adjuntos adnominais, embora sejam classificados como termos acessórios do ponto de vista sintático, são fundamentais para a construção de sentido, contribuindo para a precisão ou para a expressividade do texto, conforme sua finalidade. texto em construção O uso dos adjuntos adnominais é muito importante para a caracterização de pessoas, lugares, situações, etc. em textos de diversos gêneros, especialmente nos narrativos, como acontece no trecho de O cão dos Baskervilles, que você leu nesta seção, e no conto psicológico, estudado na parte de Produção de texto (capítulo 29), por exemplo. 1. Por que é tão importante o uso de adjuntos adnominais para a construção dos efeitos de sentido em textos narrativos?
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HIPERTEXTO Leia o poema “Chuva oblíqua”, de Fernando Pessoa, na parte de Literatura (capítulo 4, p. 51), e perceba como o uso dos adjuntos adnominais, como em “chuva oblíqua”, “porto infinito”, “árvores antigas” e “porto sombrio”, contribui para o cruzamento entre o mundo exterior e o interior, característica do interseccionismo, tendência presente na obra do poeta.
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5/27/16 6:41 PM
Em dia com a escrita
Ordem indireta ou inversa e usos da vírgula
Além de contribuir para representar, na escrita, a melodia e o ritmo próprios da comunicação oral, a vírgula também é um instrumento sintático que sinaliza os papéis de cada termo na oração. As orações apresentam, em geral, a seguinte estrutura, denominada ordem direta: sujeito
verbo
compl. verbal
adj. adverbial
Meu vizinho vendeu o carro esta manhã. Quando essa ordem é quebrada por inversões ou intercalações, diz-se que a oração está na ordem indireta ou inversa. Veja alguns exemplos. adj. adverbial
sujeito
verbo
compl. verbal
Esta manhã,
meu vizinho
vendeu
o carro.
sujeito
adj. adverbial
verbo
compl. verbal
vendeu
o carro.
verbo
adj. adverbial
Meu vizinho, esta manhã, compl. verbal
sujeito
O carro, meu vizinho vendeu esta manhã. A ordem dos termos na oração orienta o emprego da vírgula. Observe. Regra
Exemplo
Deve-se usar a vírgula
Quando os adjuntos adverbiais forem deslocados para o início da oração.
Na outra segunda, começo o regime.
Quando os adjuntos adverbiais estiverem intercalados a outros termos (nesse caso, usa-se vírgula antes e depois).
O barulho da britadeira, de manhã até a noite, está me deixando louco.
A vírgula é opcional
Quando os adjuntos adverbiais deslocados para o início da oração tiverem extensão curta.
Hoje será anunciado o resultado do concurso.
Não se deve usar a vírgula
Entre o sujeito e o predicado.
“Bate outra vez com esperanças o meu coração” (Cartola)
Entre o verbo e seus complementos.
O técnico pediu dedicação adicional aos jogadores naquela partida.
1. Justifique o uso ou a ausência de vírgulas nas orações a seguir. a) Desde 2015, não visito minha cidade natal. b) Eu e o meu amor nascemos um para o outro. c) Já está pronto o novo padrão de software para celulares. d) Em passagem pelo país, líder de banda metaleira ironiza Axl Rose. e) Ontem perdi meu celular. f) A maior estrela do rock nacional completa 60 anos. g) Nicolau, durante as aulas, ficava aéreo e disperso. 2. Leia as orações a seguir e identifique as informações enfatizadas em cada uma ou a mudança de sentido relacionada à ordem dos termos na oração. a) É maravilhosa a festa de réveillon no Rio de Janeiro. A festa de réveillon é maravilhosa no Rio de Janeiro. b) Na minha casa, ninguém entra com os pés sujos. Ninguém entra com os pés sujos na minha casa. c) A religião não importa. Não importa a religião. ANOTE
Não se separam, com a vírgula, os termos essenciais da oração (sujeito e predicado), nem o verbo e seus complementos. A vírgula marca o deslocamento dos adjuntos adverbiais para o início da oração ou sua intercalação em outros termos. Quando a vírgula é opcional, seu uso enfatiza o elemento deslocado na ordem inversa. 202
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5/28/16 2:30 PM
Em dia com a escrita
Aposto e vocativo e sinais de pontuação
Os indonésios criaram o kopi luwak um café feito com grãos comidos e excretados pela algália uma espécie de gato. […] Superinteressante, São Paulo, Abril, n. 314, jan. 2013. Adaptado.
Flávia logo percebeu que as outras moradoras do prédio mães dos amiguinhos de seu filho Paulinho de seis anos olhavam-na com um ar de superioridade. […] Novaes, Carlos Eduardo. Essas mães maravilhosas e suas máquinas infantis. In: A cadeira do dentista. São Paulo: Ática, 2003. p. 18. Adaptado.
Um homem do Arizona com um interesse especial por Batman e Robin comprou o Batmóvel original dirigido na clássica série de televisão com um lance de 4,2 milhões de dólares em um leilão no sábado. […] Batmóvel usado na série Batman, exibida pela primeira vez na TV entre 1966 e 1968. Foto de 2012.
Barrett-Jackson/George Barris/AP Photo/Glow Images
Como você viu, há dois tipos principais de aposto: o especificativo e o explicativo. O aposto especificativo individualiza o termo a que se refere e é empregado sem vírgula. Já o aposto explicativo é sempre isolado por sinal de pontuação. Observe alguns exemplos. ••Com vírgulas A seleção brasileira vai enfrentar o Japão, ex-time do técnico Zico, durante a Copa. Herói do clássico, Washington festeja os dois gols. Com travessões •• A seleção brasileira vai enfrentar o Japão – ex-time do técnico Zico – durante a Copa. Durante a Copa, a seleção brasileira vai enfrentar o Japão – ex-time do técnico Zico. ••Com dois-pontos Para a excursão, você deve levar o seguinte material: lápis, borracha e régua. O vocativo, termo por meio do qual o enunciador se dirige a seu interlocutor ou o chama, não faz parte da estrutura oracional; por isso, deve ser sempre isolado por um sinal de pon tuação. Veja. — Marina! Você esqueceu sua bolsa! — Vou dar uma festa nesse final de semana, pessoal. — Por favor, senhor, onde fica a rua dos Pinheiros? 1. Os trechos de textos a seguir tiveram alguns sinais de pontuação suprimidos. Reescreva-os no caderno, identificando os apostos e isolando-os com os sinais de pontuação adequados.
O Estado de S. Paulo, 21 jan. 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2016. Adaptado.
2. Explique a inadequação na pontuação das frases a seguir e reescreva-as adequadamente. a) Ivan Lin Koh. Nascido em 1950 em Seul Coreia do Sul, imigrou para o Brasil em 1963. b) A diretora do hospital, Ieda Maia e seu esposo compareceram à cerimônia. c) José Saramago autor de Ensaio sobre a cegueira nasceu em Portugal. 3. O uso de sinais de pontuação pode produzir enunciados com sentidos diferentes. Analise os pares de oração a seguir e indique as diferenças de estrutura sintática e de sentido. a) Carlos, o instrutor de natação, está acompanhando essa turma? Carlos, o instrutor de natação está acompanhando essa turma? b) Você conhece, Pedro? Você conhece Pedro? c) Hoje à noite, Luís, seu irmão, vai sair comigo. Hoje à noite, Luís, seu irmão vai sair comigo. ANOTE
O vocativo deve ser sempre isolado por um sinal de pontuação. O aposto especificativo é empregado sem vírgula; o explicativo deve ser demarcado por vírgulas, travessões ou dois-pontos.
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5/28/16 2:30 PM
Articulando
A língua politicamente correta
Ao longo das últimas décadas, para evitar a disseminação de preconceitos, alguns grupos sociais reivindicaram que termos considerados ofensivos fossem substituídos por outros de teor supostamente neutro. Os textos a seguir apresentam diferentes opiniões sobre o uso dessa linguagem “politicamente correta”. O primeiro foi retirado de uma revista eletrônica publicada pelo departamento de Letras da UFSCar; o segundo, do blog do linguista Aldo Bizzocchi. Texto 1
[…] A linguagem politicamente correta é a expressão do aparecimento na cena pública de identidades que eram reprimidas e recalcadas: mulheres, negros, homossexuais, etc. Revela ela a força dessas “minorias”, que eram discriminadas, ridicularizadas, desconsideradas. Pretende-se, com ela, combater o preconceito, proscrevendo-se um vocabulário que é fortemente negativo em relação a esses grupos sociais. A ideia é que, alterando-se a linguagem, mudam-se as atitudes discriminatórias. […] como já ensinava Aristóteles, na Retórica, aquele que fala ou escreve cria, ao produzir um texto, uma imagem de si mesmo. Sem dúvida nenhuma, a presença de certas palavras num determinado texto faz que ele seja racista, machista, etc., criando uma imagem de que seu autor é alguém que tem preconceito contra as mulheres, os negros, os índios, os homossexuais e assim por diante. O que é preciso saber é se combater o uso de palavras ou expressões que patenteiam a discriminação é um instrumento eficaz de luta contra ela. De um lado, é verdade que a linguagem modela sentimentos e emoções. Se alguém sempre ouviu certos termos ou expressões, como negro, bicha ou coisa de mulher, ditos com desdém ou com raiva, certamente vai desenvolver uma atitude machista ou racista. Quem é tratado com gritos ou com ameaças seguramente não vai introjetar atitudes de bondade ou doçura. Portanto, usar uma linguagem não marcada por fortes conotações pejorativas é um meio de diminuir comportamentos preconceituosos ou discriminatórios. De outro lado, porém, é preciso atentar para dois aspectos. O primeiro é que o cuidado excessivo na busca de eufemismos para designar certos grupos sociais revela a existência de preconceitos arraigados na vida social. […] Em segundo lugar, os defensores da linguagem politicamente correta acreditam que existam termos neutros ou objetivos, o que absolutamente não é verdade. Todas as palavras, ensina Bakhtin, são assinaladas por uma apreciação social. […] Isso ocorre porque as condições de produção de discursos sobre a mulher, o negro, o homossexual, etc. são as de existência de fortes preconceitos em nossa formação social.
Isso significa que não basta mudar a linguagem para que a discriminação deixe de existir. Entretanto, como a conotação negativa é uma questão de grau, não é irrelevante deixar de usar os termos mais fortemente identificados com atitudes racistas, machistas, etc. Há, porém, duas posições dos defensores da linguagem politicamente correta que contrariam a natureza do funcionamento da linguagem e que, portanto, são irrelevantes para a causa que defendem. A primeira é a crença de que a palavra isolada carrega sentido e apreciação social. Na verdade, um termo funciona num discurso e não isoladamente. Por isso, nem todos os usos do vocábulo negro com valor negativo denotam racismo. Por exemplo, dizer que há racismo na expressão nuvens negras no horizonte do país é um equívoco, porque o sentido conotativo de “situação preocupante”, que aparece no discurso político ou econômico, está relacionado à meteorologia, nada tendo a ver com raças ou etnias. Na verdade, considerar que a palavra exerce sua função independentemente do contexto é afirmar então que as expressões passar em branco todos aqueles anos ou dar um branco, no sentido de “passar sem ter realizado coisa alguma aqueles anos” ou “sofrer uma incapacidade de lembrar ou de raciocinar” são racistas. […] Uma outra coisa que produz efeito contrário ao pretendido é o uso de eufemismos francamente cômicos, quando a língua não possui um termo “não marcado” para fazer uma designação que é vista como preconceituosa: por exemplo, dizer “pessoa verticalmente prejudicada” em lugar de anão; “pessoa de porte avantajado” em vez de gordo; “pessoa em transição entre empregos” por desempregado. Isso gera descrédito para os que pretendem relações mais civilizadas entre as pessoas. Por isso, as piadas já começam a surgir. As palavras ferem e, como diz o poeta Pepe, “as lágrimas não cicatrizam”. Por isso, para criar um mundo melhor, é importante usar uma linguagem que não machuque os outros, que não revele preconceitos, que não produza discriminações. É necessário, porém, que, para ter eficácia, esse trabalho sobre a palavra respeite a natureza e o funcionamento da linguagem.
Vocabulário de apoio
arraigado: enraizado, fixado introjetar: incorporar ao pensamento os valores e crenças dos outros patentear: tornar evidente pejorativo: desfavorável, depreciativo proscrever: proibir, desaconselhar recalcado: excluído do campo da consciência
Fiorin, José Luiz. A linguagem politicamente correta. Linguasagem. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2016.
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A língua não serve só para comunicar. É também poderoso instrumento de persuasão e manipulação. Afinal, dominar pessoas por meio de discursos é mais eficiente do que manter um soldado em cada esquina. E, muitas vezes, a manipulação ideológica se oculta sob um manto de boas intenções. É o caso da chamada linguagem politicamente correta (PC, para simplificar). […] nossa língua já oferece palavras perfeitas para expressar noções como “cego”, “surdo”, “aleijado”… Os próprios clássicos fazem um nada pejorativo uso desses vocábulos. Ou será que Machado de Assis e Eça de Queirós viraram politicamente incorretos? Por que mascarar a realidade com expressões mais longas e menos precisas? Se um deficiente (ou “especial”) é alguém cujas aptidões e características físicas estão abaixo do normal, então, do ponto de vista semântico, um míope não deixa de ser deficiente visual; um calvo (ou melhor, careca) também é deficiente físico, e assim por diante. Da mesma forma, por que se referir a negros como “afrodescendentes” e não a brancos como “eurodescendentes”? Esse eufemismo tro duzido no criado pelos americanos e in português é, além de tudo, equivocado, como todos os termos PC: um brasileiro branco descendente de egípcios brancos é afrodescendente, não é? Aliás, se a África é o berço da humanidade, então geneticamente somos todos afrodescendentes. Sem necessidade A verdadeira democracia se apoia em direitos iguais a todos. Mas há distância entre democracia e demagogia. […]
Exemplo de lei demagógica: no Brasil, chamar um negro de “negro” (embora seja essa a sua cor) é crime inafiançável (racismo), mas matar um negro – ou qualquer pessoa – é afiançável (homicídio). Ou seja, o que a lei diz nas entrelinhas é: se você não gosta de negros, mate-os, mas não os chame de negros. […] Chamar o negro de “moreno” ou “de cor”, embora pareça atitude de respeito, esconde um racismo: se evitamos usar “negro”, é porque consideramos ser negro um defeito. Apesar da aparente boa intenção, a linguagem PC só contribui para acentuar o preconceito. É claro que há linguagem adequada a cada situação. Nenhum jornal vai referir-se ao desfile do orgulho gay como “passeata de bichas na Paulista” (embora um jornal tenha noticiado “mulherada se reúne em Campinas” sobre encontro de feministas). Trata-se de usar a linguagem com respeito, não com falsa piedade. Nesse sentido, o conceito de “politicamente correto” deveria ser substituído pelo de “linguisticamente adequado”. […] O que a linguagem PC faz é acobertamento ideológico pelo discurso, camuflando o problema em lugar de resolvê-lo (ao darmos nomes bonitos a coisas feias, elas nos parecerão menos feias). […] Palavras como “democracia”, “cidadania”, “inclusão social”, “direitos humanos” e outras, de tão repetidas, tornam-se desgastadas e vazias de sentido ou, pior, passam a significar o contrário do que diziam originalmente. […]
Adriana Alves/ID/BR
Texto 2
Vocabulário de apoio
demagogia: ação ou discurso supostamente bem-intencionado, com o intuito de captar ou manipular o apoio popular
Bizzocchi, Aldo. É correto ser politicamente correto? Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2016.
DEBATE
1. Em grupo, identifique os argumentos citados pelos autores dos textos para defender ou atacar o uso da linguagem politicamente correta. As questões a seguir podem ajudá-lo nessa identificação. a) A língua é um instrumento de dominação cultural e social? Por quê? b) Ela reflete preconceitos da sociedade? Ela pode gerar preconceitos? Como? c) Segundo os que defendem o uso da linguagem politicamente correta, por que ela contribui para diminuir os preconceitos? E segundo aqueles que a atacam, por que ela não cumpre essa função? 2. Faça um levantamento de termos utilizados no contexto escolar que poderiam ser identificados como preconceituosos. Você acredita que eles revelam preconceito? Que termos ou expressões poderiam ser usados no lugar? Isso ajudaria a diminuir o preconceito? 3. Registre por escrito a posição de seu grupo e os argumentos que a sustentam. 4. Apresente aos colegas da classe a posição de seu grupo e ouça as conclusões a que os outros grupos chegaram. O debate será mediado por seu professor.
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A língua tem dessas coisas Libras – a língua brasileira de sinais As pessoas surdas se comunicam, entre outros recursos, pelas línguas de sinais. Em geral, cada país possui uma língua de sinais própria. No Brasil, utiliza-se a Libras, sigla para “Língua brasileira de sinais”. Ao contrário do que muitos pensam, ela não é formada por gestos e mímicas aleatórios. A Libras tem um sistema de funcionamento próprio, com sinais diferentes para letras e palavras e uma sintaxe que determina sua combinação para que produzam sentido. Assim como o português falado, ela também apresenta variações regionais, sendo possível, em alguns casos, identificar a origem geográfica de uma pessoa surda pela maneira como ela sinaliza. Os sinais da Libras são formados por uma associação de cinco parâmetros: a configuração das mãos (formas produzidas pela mão predominante ou por ambas), o movimento (se o sinal é feito em ponto fixo ou apresenta movimento), as expressões faciais e corporais (responsáveis por dar a entonação aos sinais), a orientação (direção para onde as mãos e o rosto se dirigem) e o ponto de articulação (o local onde é feito o sinal – tocando uma parte do rosto/ corpo ou em um espaço neutro). A variedade ocorre quando há diferença em pelo menos um desses parâmetros nos sinais usados pelas várias comunidades linguísticas. Leia esta notícia sobre um estudo que busca ampliar os registros de um dicionário de Libras.
Edusp/Arquivo da editora
Estudo inédito do IP registra sinais de Libras típicos do Nordeste A língua de sinais praticada no Nordeste brasileiro, Não se trata, portanto, apenas de um manual, mas de assim como na língua falada, tem particularidades e ex- uma obra de referência para todos aqueles que se comupressões regionais que agora estão devidamente cata- nicam em Libras. logadas. Em pesquisa inédita realizada no Instituto de Verbetes Nordestinos O projeto original do Dicionário foi desenvolvido a Psicologia (IP) da USP, a especialista em Libras Janice Temoteo percorreu os nove estados nordestinos e do- partir do contato com os próprios surdos. Consultados cumentou mais de 4 200 sinais originais. “Trata-se da pelos professores, eles indicavam quais eram os sinais paregião com o maior índice de surdos proporcional à po- ra cada uma das palavras ou expressões. Por uma questão pulação do Brasil”, conta a pesquisadora. O estudo tam- de logística, a primeira versão da obra, desenvolvida no bém traz uma inovação metodológica, com a produção Lance, valeu-se apenas da colaboração de surdos da região de vídeos que facilitaram a catalogação dos novos sinais. de São Paulo, mais acessíveis aos pesquisadores da USP. “Como cearense, nordestina, apesar de admirar muito A tese Lexicografia da língua de sinais brasileira do nordeste, além de representar uma grande contribuição na divul- a qualidade do Deit-Libras, senti falta da representação do gação dos sinais em âmbito nacional, possui um grande Nordeste no livro”, explica potencial de integração a partir de elementos próprios da Janice. A especialista procultura regional nordestina. O estudo foi desenvolvido no curou então, com orientaLaboratório de Neurolinguística Cognitiva Experimental ção do professor Capovilla, (Lance), do IP, sob orientação do professor Fernando Ca- documentar e criar verbepovilla. A pesquisa seguiu o padrão de registro dos sinais tes próprios do Nordeste do “Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Lín- brasileiro, como “Farol da gua de Sinais Brasileira” (Deit-Libras), cuja autoria é do Barra” (na Bahia) e “Baião próprio Capovilla e da professora Walkiria Duarte Raphael, de Dois”, entre outros. Patambém do IP. A obra teve sua primeira versão lançada em ra tanto, contou com a 2001, e em 2009 ganhou uma extensão com maior núme- cooperação de 32 surdos espalhados em 15 cidades ro de sinais, chamando-se “Novo Deit-Libras”. Como um dicionário de língua oral, as obras Deit-Li- dos nove estados da rebras contêm verbetes de “A a Z”, com o significado de gião. Ao todo foram capta- Capa do dicionário cada expressão, além de apresentarem explicações e ilus- dos mais de 10 mil sinais Novo Deit-Libras. trações de como cada um dos sinais deve ser realizado. do Nordeste […]. Truz, Igor. Agência USP de Notícias, 8 maio 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2016.
1. O que motivou a elaboração da pesquisa de Janice Temoteo sobre a língua de sinais praticada no Nordeste brasileiro? 2. Você conhece palavras e expressões típicas de sua região que não estão nos dicionários tradicionais? Aponte tais expressões e explique seu significado. 3. Qual a importância de um dicionário de Libras? 206
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Vestibular e Enem (Fatec-SP) Texto para a questão 1. Logo depois, transferiu-se para o trapiche [local destinado à guarda de mercadorias para importação ou exportação] o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava. Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles meninos, moleques de todas as cores e de idades, as mais variadas, desde os 9 aos 16 anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam, indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que vinham das embarcações… Amado, Jorge. O trapiche. Capitães da Areia. São Paulo: Livraria Martins Ed., 1937. Adaptado.
1. Assinale a alternativa em que o verbo destacado tem como sujeito aquele apresentado entre colchetes. a) Logo depois, transferiu-se para o trapiche o depósito dos objetos… [os objetos] b) … o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava. [o depósito dos objetos] c) Estranhas coisas entraram então para o trapiche. [estranhas coisas] d) … indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando… [o casarão] e) … com os ouvidos presos às canções que vinham das embarcações… [as embarcações] (Udesc) Texto para a questão 2.
Capítulo XXII A grande prisão de Bagdá tinha o aspecto de uma fortaleza persa ou chinesa. Atravessava-se, ao entrar, pequeno pátio em cujo centro se via o famoso Poço da Esperança. Era ali que o condenado, ao ou5 vir a sentença, deixava cair, para sempre, todas as esperanças de salvação. Ninguém poderá imaginar a vida de sofrimentos e misérias daqueles que eram atirados ao fundo das masmorras da gloriosa cidade árabe. 10 A cela em que se achava o infeliz Sanadique estava localizada na parte baixa da prisão. Chegamos ao horripilante subterrâneo do presídio guiados pelo carcereiro e auxiliados por dois guardas. Um escravo núbio, agigantado, conduzia o grande archote cuja luz nos 15 permitia observar todos os recantos da prisão. Depois de percorrermos um corredor estreito, que mal dava passagem a um homem, descemos uma escadaria úmida e escura. No fundo do subterrâneo achava-se o pequeno calabouço onde fora 1
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encarcerado Sanadique. Ali não entrava a mais tênue réstia de luz. O ar pesado e fétido mal se podia respirar, sem náuseas e tonteiras. O chão estava coberto de uma camada de lama pútrida e não havia entre as quatro paredes nenhuma peça 25 ou catre de que se pudesse servir o condenado. À luz do archote que o hercúleo núbio erguia, vimos o desventurado Sanadique, seminu, a barba espessa e emaranhada, os cabelos em desalinho a lhe caírem pelos ombros, sentado sobre 30 uma laje, as mãos e os pés presos a correntes de ferro. Tahan, Malba. O homem que calculava. 46. ed. Rio de Janeiro: Record, 1990. p. 125.
2. Analise as proposições extraídas do texto, em relação às regras formais do sujeito sintático. I. Em “Ali não entrava a mais tênue réstia de luz” (linhas 20 e 21), o termo sublinhado exerce a função de sujeito da oração. II. Em “A grande prisão de Bagdá tinha o aspecto de uma fortaleza” (linhas 1 e 2), o termo destacado constitui o núcleo do sujeito. III. Em “não havia entre as quatro paredes nenhuma peça” (linha 24), o termo destacado exerce a função de sujeito da oração. IV. Em “Ninguém poderá imaginar a vida” (linha 7), o sujeito é inexistente. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I, II e III são verdadeiras. b) Somente a afirmativa I é verdadeira. c) Somente a afirmativa III é verdadeira. d) Somente as afirmativas II, III e IV são verdadeiras. e) Todas as afirmativas são verdadeiras. (IFMT) Texto para a questão 3.
1 […]
Com a mão, puxou o bentinho preso por um cordão ao pescoço, que não reparara antes. Guardou-o com todo o cuidado. Depois, arrastou-o até dentro da água, tirou o punhal da cintura e, 5 abrindo-lhe a camisa, rasgou um corte profundo, desde o peito à barriga. […] — Adeus mesmo, Salomão! E, dando meia-volta, foi-se embora. O céu passava de rubros ao preto. A luazinha azul de10 pendurada. Subiu o barranco, a mão no bolso acariciando o bentinho. Deve estar aí dentro — pensava —, deve estar aí. Passou sob os ingazeiros e foi chegando ao acampamento. Uma estrela cadente voou em curva. Entrou na maloca de palha 15 e acendeu o lampeãozinho. A luz fraca percorreu as paredes de barro. Pendurou-o num prego e sentou-se na rede. Tirou do bolso o bentinho e, com a ponta do punhal, abriu-o cuidadosamente, aparando nas mãos um diamante do tamanho dum 207
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Vestibular e Enem grão de café, xibiu encastoado em carbonato, em bruto, que refulgiu à luz num brilho incomparável. 20 Os grandes beiços se lhe abriram num sorriso largo. Que peso tinha isso em suas mãos? Nenhum. Estudou silenciosamente aquela pedra, 25 olhando-a durante muito tempo na palma rosada da mão calosa. Depois, guardou-a numa caixa de fósforos 25 vazia, enrolada num pedacinho de pano, que escondeu num vão da parede, no alto, perto do armador da rede. 30 — Por Deus, que foi fácil… — disse para si mesmo. […] Mas aquela pedra era dele, pelo menos a metade, segundo o trato. Isso fora tudo: trato de homem: 30 meia a meia: e agora que Salomão achara a pedra, não queria dividi-la nem nada, e se ia embora […] 20
Dicke, Ricardo Guilherme. Os semelhantes. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2011. p. 9.
3. Ao criar um texto, o escritor seleciona cuidadosamente as palavras e elabora as construções, produzindo efeitos de sentido interessantes. Assinale a alternativa que justifica corretamente o uso do termo em destaque. a) Em “[…] abrindo-lhe a camisa […]” (linha 5), o elemento destacado exerce a função sintática de objeto indireto e estabelece uma relação de posse entre o personagem Salomão e camisa. b) Em “Guardou-o com todo o cuidado” (linha 3), o termo grifado desempenha a função sintática de objeto direto e remete-se a cordão. c) Em “E, dando meia-volta, foi-se embora” (linha 8), o vocábulo sublinhado é uma partícula apassivadora e retoma a figura do narrador do texto. d) Em “Os grandes beiços se lhe abriram num sorriso largo” (linhas 22 e 23), o termo grifado é um complemento nominal e reforça o tamanho dos grandes beiços. e) Em “Que peso tinha isso em suas mãos?” (linha 23), a palavra em destaque exerce a função sintática de predicativo do sujeito, reduzindo a estatura do personagem à condição de “coisa”. (Unir-RO) Texto para a questão 4.
A raça humana A raça humana é Uma semana Do trabalho de Deus A raça humana é ferida acesa Uma beleza, uma podridão O fogo eterno e a morte A morte e a ressurreição A raça humana é Uma semana Do trabalho de Deus
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
A raça humana é o cristal de lágrima Da lavra da solidão Da mina, cujo mapa Traz na palma da mão A raça humana é Uma semana Do trabalho de Deus A raça humana risca, rabisca, pinta A tinta, a lápis, a carvão, a giz O rosto da saudade Que traz do Gênesis Dessa semana santa Entre parênteses Desse divino oásis Da grande apoteose Da perfeição divina Na Grande Síntese A raça humana é Uma semana Do trabalho de Deus Gil, Gilberto. CD Raça Humana.
4. Sobre a construção sintática do texto, marque V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas. ( ) Para conceituar a raça humana foi empregado o predicado nominal, como em A raça humana é o cristal de lágrima. ( ) Verbos transitivos diretos foram empregados para indicar o que a raça humana faz, a exemplo de A raça humana risca, rabisca, pinta/ A tinta, a lápis, a carvão, a giz/ O rosto da saudade. ( ) Na construção da metáfora em A raça humana é ferida acesa, foi usado verbo de ligação e predicativo do sujeito. ( ) No refrão, a expressão de Deus funciona como complemento nominal da palavra trabalho. Assinale a sequência correta. a) V, F, F, V. c) V, V, V, F. e) F, F, V, V. d) F, V, V, F. b) V, V, F, F. 5. (Cásper Líbero-SP) Assinale a alternativa que indica, respectivamente, a função sintática exercida pelos termos em destaque: I. À cunhada de Mário ficava entregue a gelatina com frutas. II. À cunhada de Mário ficava entregue a gelatina com frutas. III. A cunhada de Mário ficava entregue à gelatina com frutas. IV. A cunhada de Mário ficava entregue à gelatina com frutas. a) Objeto indireto, sujeito, predicativo, predicativo. b) Predicativo, objeto indireto, predicativo, sujeito. c) Objeto indireto, sujeito, sujeito, predicativo. d) Predicativo, objeto indireto, sujeito, predicativo. e) Objeto indireto, objeto indireto, sujeito, sujeito.
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unidade
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O período composto
Nesta unidade 23
Orações coordenadas
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Orações subordinadas substantivas
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Orações subordinadas adjetivas
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Orações subordinadas adverbiais
Sacilotto, Luiz. Concreção 9216, 1992. Têmpera acrílica sobre tela, 120 cm × 150 cm. Coleção particular. Coleção particular. Fotografia cedida por Walter Sacilotto
Na obra abaixo, identificam-se sequências verticais de quadrados ou de paralelogramos. Na sequência horizontal, a associação desses elementos gera outro resultado. Essas duas maneiras de olhar a tela podem ilustrar dois mecanismos de articulação de orações que constituem um período composto. Em um deles, as orações se articulam mantendo sua independência sintática, como nas sequências verticais. No outro, uma oração é sintaticamente dependente da outra para formar uma unidade de sentido completa, como na combinação horizontal de quadrados e paralelogramos. Nesta unidade, você estudará esses dois mecanismos – a coordenação e a subordinação, respectivamente – e investigará sua relação com a produção de sentidos na língua.
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capítulo
o que você vai estudar A estrutura do período composto. Período composto por coordenação. Orações coordenadas assindéticas. Orações coordenadas sindéticas: alternativas, aditivas, adversativas, conclusivas e explicativas.
Neste capítulo, você conhecerá os diferentes tipos de relação entre as orações do período composto e explorará o mecanismo da coordenação.
A estrutura do período composto Leia parte de um samba-enredo da escola de samba União da Ilha.
É hoje A minha alegria atravessou o mar E ancorou na passarela Fez um desembarque fascinante No maior show da terra Será que eu serei o dono dessa festa Um rei no meio de uma gente tão modesta Eu vim descendo a serra Cheio de euforia para desfilar O mundo inteiro espera Hoje é dia do riso chorar […] É hoje o dia da alegria e a tristeza Nem pode pensar em chegar
Diga espelho meu se há na avenida alguém mais feliz que eu Celso Pupo/Fotoarena
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Orações coordenadas
Desfile da União da Ilha, Rio de Janeiro. Foto de 2014.
Neves, Gustavo Adolpho de Carvalho Baeta (Didi); Santos, Reinaldo Ferreira dos (Mestrinho). É hoje. Intérprete: Dudu Nobre. In: Os mais belos sambas-enredo de todos os tempos. Rio de Janeiro: Universal, 2007. 1 CD. Faixa 2.
1. O enredo de uma escola de samba define o tema e os episódios apresentados pelos carros alegóricos e pelas alas. A partir desse tema, elabora-se o samba-enredo cantado durante o desfile. Qual você supõe ter sido o tema do samba-enredo acima? Explique. 2. Ao empregar o verbo chorar, o eu lírico está expressando tristeza? Explique. 3. Considere o contexto de produção do samba-enredo. a) A ausência de pontuação prejudica o entendimento do texto? Justifique sua resposta. b) Se ele fosse escrito em prosa, como seria a pontuação? Reescreva-o dessa forma. Entre as orações de um período composto podem existir dois tipos de relação. Observe. Oração 1
Oração 2
Oração 3
É hoje o dia da alegria
e a tristeza nem pode pensar
em chegar.
O período contém dois blocos sintáticos completos. O primeiro é representado pela oração 1. O segundo, pelo conjunto das orações 2 e 3. Embora os dois blocos se complementem semanticamente, não dependem sintaticamente um do outro: tanto “É hoje o dia da alegria” quanto “E a tristeza nem pode pensar em chegar” são unidades sintáticas completas. No entanto, as orações 2 e 3 apresentam uma relação de outra natureza: elas são sintaticamente dependentes uma da outra. Isso ocorre porque a locução verbal pode pensar é transitiva, ou seja, projeta um argumento que, se não for preenchido, torna a oração 2 incompleta. E quem faz o papel do argumento necessário (o objeto indireto) é uma oração: a 3. Quando as orações de um período composto são sintaticamente independentes, diz-se que se relacionam por coordenação. Quando uma oração constitui uma unidade que desempenha uma função sintática no interior de outra oração, elas se relacionam por subordinação. 210
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Sintaxe das orações coordenadas Fermando Gonsales/Acervo do artista
Leia a tira a seguir.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea: botando os bofes de fora. São Paulo: Devir, 2002. p. 22.
Na conhecida fábula da lebre e da tartaruga, os animais apostam uma corrida e, em razão da persistência da tartaruga e da arrogância da lebre, a primeira sai vitoriosa. Na tira, o coelho saiu-se vencedor e exigiu que a tartaruga desempenhasse seu papel no número de mágica, criando uma situa ção inusitada que produz humor. Diante do espanto do mágico, a tartaruga procura explicar a situação. Sua fala no terceiro quadrinho apresenta um período composto por duas orações: uma estruturada em torno do verbo perder e outra estruturada em torno do verbo pagar. Entre elas existe uma relação de coordenação, uma vez que cada uma poderia, individualmente, constituir um só período. Observe. Oração 1 sujeito oculto
[Eu]
Oração 2
predicado verbal
sujeito oculto
Perdi
a corrida.
VTD
OD
[Eu]
predicado verbal
Estou pagando
a aposta.
VTD (locução verbal)
OD
Mesmo quando as orações são colocadas em um mesmo período, essa relação de independência sintática permanece. Contudo, o sentido do período se constitui pela combinação entre as duas orações. Observe o papel da conjunção e na fala da tartaruga. Ao unir as orações, ela indica que há uma complementaridade semântica e uma sequência entre as ações expressas. Assim, é possível ao leitor deduzir a relação entre os eventos que levaram a tartaruga a estar na cartola do mágico: perdeu uma corrida que envolvia uma aposta e, dessa forma, está cumprindo o combinado. As orações que se coordenam por meio de conjunção chamam-se coordenadas sindéticas: “Perdi a corrida e estou pagando a aposta”. As conjunções que possibilitam o mecanismo de coordenação chamam-se conjunções coordenativas. Nem todos os períodos compostos por coordenação apresentam conjunções. Muitas vezes, as orações são apenas justapostas, com a presença de vírgula, ponto e vírgula, dois-pontos ou travessão. Nesse caso, elas são identificadas como coordenadas assindéticas. Veja. O mágico puxou a cartola; uma tartaruga saiu de dentro dela.
Lembre-se
Além de conectar orações, as conjunções também podem unir palavras e sintagmas que exercem função sintática semelhante em um enunciado: “Aflitos e Dois Irmãos são bairros do Recife”.
saiba mais
A palavra grega syndeton expressa a ideia de “ligação entre vários elementos”. Dela, originou-se a palavra síndeto, que em português significa “presença de conjunção coordenativa”. Sindético é, portanto, a qualidade daquilo em que há conjunção. Assindético, iniciado pelo sufixo a- (que indica negação, privação), refere-se à qualidade daquilo em que não há conjunção.
ANOTE
Cada oração de um período composto por coordenação é denominada oração coordenada. As orações sindéticas são antecedidas por uma conjunção coordenativa. Aquelas que não apresentam conjunção denominam-se assindéticas.
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Tipos de coordenadas sindéticas Essas orações se classificam de acordo com a conjunção que as articula.
Oração coordenada sindética alternativa
Lembre-se
As principais conjunções coordenativas são as seguintes: 1998 Tribune Media Services, Inc/Ipress
Examine a tira a seguir.
Wagner. Os bichos. In: Calvin & Cia. São Paulo: Opera Graphica, 2001. n. 2.
Na tira, “pular para o outro lado” e “voltar 200 km para trás” são ideias excludentes, que foram articuladas pela conjunção alternativa ou. Veja. Oração coordenada assindética
Oração coordenada sindética alternativa
Podemos pular para o outro lado
ou voltar 200 km para trás.
Alternativas: ou. Aditivas: e; nem (para adição de orações com valor negativo: “Eles não quiseram saltar o abismo nem voltar”); mas também (para adição de orações com valor oposto: “Eles não ajudam mas também não atrapalham”). Adversativas: mas, porém, no entanto, contudo e entretanto. Conclusivas: então, portanto, assim, por isso e logo. Explicativas: pois, porque e que.
Oração coordenada sindética aditiva Os animais decidem refazer um caminho de 200 km para não atravessar o abismo. Ao sugerir aos companheiros que voltassem 200 km para trás, o alce incluiu outra ação além do retorno: atravessar o rio. A oração que expressa essa ideia foi articulada à anterior por meio da conjunção aditiva e. Oração coordenada assindética
Oração coordenada sindética aditiva
Podemos voltar 200 km para trás
e cruzar o rio.
Oração coordenada sindética adversativa Observe agora outra relação expressa por meio de uma oração coordenada. Oração coordenada assindética
Os animais tinham pressa,
Oração coordenada sindética adversativa
mas escolheram o caminho mais longo.
A conjunção adversativa mas indica, nesse enunciado, uma quebra de expectativa, uma vez que os animais tinham pressa.
Oração coordenada sindética conclusiva
saiba mais
São muitas as relações expressas pelas conjunções adversativas, especialmente por mas. Em geral, elas indicam uma desigualdade entre duas ideias, tendo importante papel na organização de informações e na estruturação argumentativa.
Capítulo 23 – Orações coordenadas
Leia. Oração coordenada assindética
Oração coordenada sindética conclusiva
Os alces tinham medo do precipício,
então fizeram outro percurso.
A oração coordenada é introduzida por uma conjunção conclusiva, indicando que seu conteúdo é resultado do conteúdo da primeira oração.
Oração coordenada sindética explicativa No período a seguir, a segunda oração, introduzida pela conjunção explicativa pois, indica uma justificativa para o conteúdo da primeira. Oração coordenada assindética
Oração coordenada sindética explicativa
Os alces fizeram outro percurso,
pois não há pegadas por aqui.
ANOTE
As orações coordenadas sindéticas são classificadas como alternativas, aditivas, adversativas, conclusivas ou explicativas.
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Prática de linguagem Will Leite/Acervo do artista
1. Leia a tira.
Leite, Willian. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2016.
a) A frase do primeiro quadrinho – “Penso, logo existo” – foi originalmente formulada pelo filósofo francês René Descartes (1596-1650). I. Que ideia a conjunção logo expressa? II. Explique o que essa conjunção permite pressupor a respeito da opinião de Descartes sobre a existência do ser humano. III. Você concorda com essa máxima de Descartes? Justifique. b) No terceiro quadrinho, o gnomo declara não querer pensar. Analise a tira e responda: Por que ele fala isso? Podemos relacionar sua fala a algum estereótipo? Qual? c) Que classificação recebem as duas orações que formam o período composto “Penso, logo existo”? Ministério do Turismo/Governo Federal
2. Examine a seguir uma propaganda do Ministério do Turismo, divulgada em 2008.
Se você quiser ver esta paisagem de cinema, aonde você precisa ir? A ( ) Pipa, RN B ( ) Guarda do Embaú, SC C ( ) Angra dos Reis, RJ D ( ) Lençóis Maranhenses, MA Se você é brasileiro e não sabe a resposta, está na hora de conhecer melhor o Brasil. [Resposta D – Lençóis Maranhenses, MA] NAS FÉRIAS, VIAJE PELO BRASIL. É BOM PARA VOCÊ. É BOM PARA O PAÍS.
a) Qual é o objetivo da propaganda? Que estratégias verbais e não verbais foram empregadas para atingir essa finalidade? Dê pelo menos três exemplos. b) Releia. Nas férias, viaje pelo Brasil. É bom para você. É bom para o país. Esse slogan apresenta três períodos simples. Reescreva-o criando um período composto que contenha uma oração coordenada explicativa e uma oração coordenada aditiva. c) Compare a versão produzida por você e o slogan original. Que diferenças expressivas é possível notar? d) Releia. Se você é brasileiro e não sabe a resposta, está na hora de conhecer melhor o Brasil. A relação estabelecida entre as duas primeiras orações do período não é de simples adição e revela, nas entrelinhas, um juízo de valor. Explique essa afirmação. Não escreva no livro.
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Prática de linguagem 3. Leia o trecho de uma coluna publicada em um jornal.
Procrastinadores […] [Dan Ariely] escolheu três de suas turmas no MIT e combinou diferentes regimes para a entrega dos três trabalhos exigidos. Na primeira, cada aluno definiria sozinho as datas e perderia pontos no caso de atrasar. Na segunda, Ariely estabeleceu que os três “papers” deveriam ser entregues até o último dia de aula. Na terceira, agiu ditatorialmente: determinou datas escalonadas para cada um dos textos.
Os alunos da terceira classe […] conseguiram as melhores notas. Os da segunda […] se saíram pior. […]. Os estudantes da primeira turma não foram, na média, tão bem quanto os da terceira […]. Quem espaçou mais as datas de entrega teve notas comparáveis às da classe submetida à tirania. Ocorre, contudo, que a decisão mais racional para essa classe […] era fixar a entrega dos três textos para a última ocasião possível.
Schwartsman, Hélio. Folha de S.Paulo, 29 abr. 2012.
a) Qual é a diferença básica entre as propostas feitas para a primeira e para a segunda classes, já que ambas poderiam escolher entregar os três trabalhos no último dia? b) No último parágrafo, a conjunção contudo não articula orações, e sim períodos. Observe as duas ideias que, resumidamente, a conjunção articula.
Vocabulário de apoio
escalonado: em escala, distribuído em ordem sequencial MIT: sigla em inglês para Massachusetts Institute of Technology (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) paper: em inglês, ensaio, trabalho procrastinador: que adia, que deixa para depois tirania: governo autoritário e opressivo
I. Quem espaçou as datas de entrega teve notas melhores. II. A maioria dos alunos estabeleceu a entrega para a última ocasião possível. Que oposições podem ser observadas entre ambas? c) Articule os quatro períodos a seguir empregando três conjunções coordenativas coerentes. As pessoas não gostam de realizar tarefas chatas. Adiam-nas. Isso muitas vezes cria problemas. Não se pode, por exemplo, adiar a entrega da declaração de imposto de renda. usina literária Leia este trecho de um poema de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.
VII Da minha aldeia vejo quanto da terra [se pode ver do universo… Por isso a minha aldeia é tão grande [como outra terra qualquer, Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura… Nas cidades a vida é mais pequena
Vocabulário de apoio
cimo: cume, topo
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar [para longe de todo o céu, Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os [nossos olhos nos podem dar, E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza [é ver.
outeiro: colina, morro
Pessoa, Fernando. O guardador de rebanhos. In: Poesia completa de Alberto Caeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 27.
1. De modo geral, o que o poema revela sobre a personalidade do eu lírico? 2. Nos versos 7 e 8, as orações são coordenadas assindéticas, ou seja, não são sintaticamente interligadas e a relação entre elas não é explícita. Todavia, pelo conteúdo, é possível perceber uma relação entre a segunda e a terceira orações e entre a primeira e o conjunto formado pelas duas orações seguintes. Indique quais são essas relações. 3. As orações “tornam-nos pequenos” e “e tornam-nos pobres” se coordenam às três anteriores. Explique por que a articulação por meio de orações coordenadas é importante para o sentido global do poema. 214
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Língua viva
Orações coordenadas assindéticas e efeitos de sentido
O melhor amigo A mãe estava na sala, costurando. O menino abriu a porta da rua, meio ressabiado, arriscou um passo para dentro e mediu cautelosamente a distância. Como a mãe não se voltasse para vê-lo, deu uma corridinha em direção de seu quarto. — Meu filho? — gritou ela. — O que é? — respondeu, com ar mais natural que lhe foi possível. — Que é que você está carregando aí? Como podia ter visto alguma coisa, se nem levantara a cabeça? Sentindo-se perdido, tentou ainda ganhar tempo: — Eu? Nada… — Está sim. Você entrou carregando uma coisa. Pronto: estava descoberto. Não adiantava negar — o jeito era procurar comovê-la. Veio caminhando desconsolado até a sala, mostrou à mãe o que estava carregando: — Olha aí, mamãe: é um filhote… Seus olhos súplices aguardavam a decisão. — Um filhote? Onde é que você arranjou isso? — Achei na rua. Tão bonitinho, não é, mamãe? Sabia que não adiantava: ela já chamava o filhote de isso. Insistiu ainda: — Deve estar com fome, olha só a carinha que ele faz. — Trate de levar embora esse cachorro agora mesmo! — Ah, mamãe… — já compondo uma cara de choro. — Tem dez minutos para botar esse bicho na rua. Já disse que não quero animais aqui em casa. Tanta coisa para cuidar, Deus me livre de ainda inventar uma amolação dessas. O menino tentou enxugar uma lágrima, não havia lágrima. Voltou para o quarto, emburrado: a gente também não tem nenhum direito nesta casa — pensava. Um dia ainda faço um estrago louco. Meu único amigo, enxotado desta maneira!
— Que diabo também, nesta casa tudo é proibido! — gritou, lá do quarto, e ficou esperando a reação da mãe. — Dez minutos — repetiu ela, com firmeza. — Todo mundo tem cachorro, só eu que não tenho. — Você não é todo mundo. — Também, de hoje em diante eu não estudo mais, não vou mais ao colégio, não faço mais nada. — Veremos — limitou-se a mãe, de novo distraída com a sua costura. — A senhora é ruim mesmo, não tem coração! — Sua alma, sua palma. Conhecia bem a mãe, sabia que não haveria apelo: tinha dez minutos para brincar com seu novo amigo, e depois… ao fim de dez minutos, a voz da mãe, inexorável: — Vamos, chega! Leva esse cachorro embora. — Ah, mamãe, deixa! — choramingou ainda: — Meu melhor amigo, não tenho mais ninguém nesta vida. — E eu? Que bobagem é essa, você não tem sua mãe? — Mãe e cachorro não é a mesma coisa. — Deixa de conversa: obedece sua mãe. Ele saiu, e seus olhos prometiam vingança. A mãe chegou a se preocupar: meninos nessa idade, uma injustiça praticada e eles perdem a cabeça, um recalque, complexos, essa coisa toda… Meia hora depois, o menino voltava da rua, radiante: — Pronto, mamãe! E lhe exibia uma nota de vinte e uma de dez: havia vendido o seu melhor amigo por trinta dinheiros. — Eu devia ter pedido cinquenta, tenho certeza que ele dava — murmurou, pensativo.
Adriana Alves/ID/BR
O texto a seguir foi publicado em uma coletânea de crônicas de Fernando Sabino.
Vocabulário de apoio
inexorável: inflexível recalque: mecanismo psicológico em que os desejos de uma pessoa passam do campo da consciência para o do inconsciente ressabiado: desconfiado “Sua alma, sua palma”: provérbio com o qual se reprova a atitude de um interlocutor súplice: que suplica
Sabino, Fernando. A vitória da infância. São Paulo: Ática, 1995. p. 35-38.
Sobre o texto 1. Às vezes, a crônica assemelha-se a um artigo de opinião; outras vezes, apresenta afinidades com um conto. Que elementos da crônica lida aproximam-na do gênero conto? 2. A característica essencial da crônica é a vinculação com o cotidiano. A partir de uma situação real ou fictícia, o cronista sugere uma reflexão e, ainda que implicitamente, sustenta um ponto de vista crítico sobre a realidade. a) Qual é a tese sustentada nessa crônica? Explique. b) De que maneira o título da crônica reforça essa tese? Não escreva no livro.
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Língua viva
Orações coordenadas assindéticas e efeitos de sentido
I. Não adiantava negar – o jeito era procurar comovê-la. II. Sabia que não adiantava: ela já chamava o filhote de isso. a) Com que finalidade o menino tenta comover sua mãe (trecho I)? Que estratégias ele utiliza para alcançar tal objetivo? b) O que a referência ao filhote como isso (trecho II) revela sobre a disposição da mãe em relação ao cachorro? c) Em cada fragmento, um sinal de pontuação poderia ser substituído por uma conjunção coordenativa. Que conjunção poderia ser empregada em cada caso? d) Esses trechos correspondem ao discurso do narrador entre as falas do menino e sua mãe. Quanto tempo teria se passado entre as falas que antecedem e sucedem os trechos lidos? e) De que maneira o emprego das orações coordenadas assindéticas contribui para representar o conflito da crônica? f) Identifique outro trecho do texto em que a omissão da conjunção produza efeito semelhante. 5. Releia.
Adriana Alves/ID/BR
3. O humor também é uma característica muito presente nas crônicas. Essa afirmação se aplica ao texto lido? Explique. 4. Releia os trechos a seguir.
O menino tentou enxugar uma lágrima, não havia lágrima. Voltou para o quarto, emburrado: a gente também não tem nenhum direito nesta casa — pensava. a) O trecho em destaque é formado por um período composto e um período simples. Como ele poderia ser articulado em um só período, com o emprego de conjunções coordenativas? b) Compare o efeito da versão que você propôs no item anterior com o da versão original. Quais são os efeitos de sentido criados pela versão original? c) Nesse trecho, qual é a função dos sinais de dois-pontos e travessão? ANOTE
A ausência de conjunções em períodos compostos por coordenação corresponde à figura de linguagem denominada assíndeto. O assíndeto pode expressar simultaneidade e agilidade na descrição de quadros rápidos. Além disso, apenas sugere relações entre ideias, em vez de explicitá-las. texto em construção As orações coordenadas costumam ser associadas a uma estrutura sintática simples e curta – embora esse não seja um traço obrigatório do período composto pelo mecanismo de coordenação. De qualquer modo, essa maneira pela qual as orações coordenadas podem ser construídas costuma ser explorada em slogans publicitários e de propaganda. Em um anúncio publicitário (Produção de texto, capítulo 34), o emprego das orações coordenadas se justifica pela rapidez com que se articulam, o que as torna facilmente memorizáveis. Elas podem até mesmo criar um efeito sonoro mar-
cante, que pode dar ares de vinheta musical ao slogan de um anúncio publicitário. A independência sintática que existe entre as orações coordenadas também pode contribuir para o efeito de fluidez que marca o conto psicológico (Produção de texto, capítulo 29). Sejam assindéticas, sejam sindéticas, as coordenadas marcam prioritariamente os fatos e as sensações que vêm à consciência, e não o nexo entre estas e aqueles. Isso, é claro, ocorre em conjunto com outros recursos linguísticos explorados no conto, pois, em contexto diverso, as mesmas orações coordenadas podem encaminhar um raciocínio mais articulado.
1. Cite um exemplo de outro gênero estudado neste volume em que as orações coordenadas podem encaminhar um raciocínio mais articulado.
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Em dia com a escrita
A pontuação das orações coordenadas
O quadro a seguir resume e exemplifica os princípios que regem a pontuação das orações coordenadas nos textos escritos conforme a norma-padrão. Observe. Princípios para a pontuação das orações coordenadas I. As orações coordenadas assindéticas são normalmente separadas por vírgula, ponto e vírgula, dois-pontos ou travessão. II. A vírgula é mais empregada em orações coordenadas em sequência. III. Entre orações assindéticas com sujeitos diferentes, costuma-se empregar ponto e vírgula. IV. A separação com o emprego de dois-pontos ou travessão destaca a oração que os sucede, além de reforçar o caráter explicativo nessas orações. V. Antes de orações adversativas, conclusivas e explicativas, sempre se emprega vírgula. VI. Se a conjunção adversativa ou conclusiva for intercalada no meio da oração sindética, deve ser separada por um par de vírgulas. VII. Se as orações ligadas por uma conjunção aditiva tiverem sujeitos diferentes, deve ser empregada vírgula antes da conjunção.
Exemplos “Estava aposentado; levantava-se, lia o jornal (apenas a seção de curiosidades e passatempos); ia para a Praça da Alfândega, conversava com os amigos, engraxava os sapatos.” Scliar, Moacyr. Uma casa. In: Histórias fantásticas. São Paulo: Ática, 1996. p. 65 (Coleção Para gostar de ler).
O prefeito quer promover uma festa; os vereadores preferem investir em novas escolas. “O homem olha: é a mesma casa […].” Scliar, Moacyr. Op. cit. p. 66.
“É de manhã, mas o sol não surgiu.” Scliar, Moacyr. Op. cit. p. 68.
É de manhã; o sol, porém, não surgiu. “As tábuas estalam, e ele ouve sussurros […].” Scliar, Moacyr. Op. cit. p. 66.
2. Coordene as frases a seguir empregando as conjunções adequadas e uma pontuação que lhes dê expressividade. Faça as alterações que julgar necessárias. A dona da casa viu o jardineiro conversar com as flores. Ela espantou-se. O jardineiro olhou para a dona da casa sorrindo. O jardineiro explicou. As flores precisam de água. As flores precisam de bons amigos. Não adiantou. A patroa continuou assustada.
Adriana Alves/ID/BR
1. Crie períodos compostos com as orações a seguir, articulando-as com a conjunção mais adequada. Empregue a pontuação conforme os princípios apresentados no quadro acima. a) nem – logo – entretanto Vivemos no século XXI com esguios padrões de beleza. Nosso corpo mantém o mecanismo da estocagem de gordura responsável pela sobrevivência da espécie há centenas de milhares de anos. b) mas – portanto – ou saiba mais Os padrões de beleza valorizam pessoas cada vez mais magras. Quando períodos e parágrafos As pessoas estão sempre preocupadas com regimes e dietas. são articulados por conjunções adc) e – mas – pois versativas (exceto mas) e conclu Todos, em geral, querem emagrecer. sivas, elas podem ser seguidas de Alguns não conhecem os princípios de uma alimentação saudável. vírgula. Ex.: “Portanto, o grande número d) portanto – contudo – e de pessoas beneficiadas deu-lhe o Adotam uma dieta pobre em nutrientes. crédito necessário”. Exageram na atividade física. e) e – assim – por isso – no entanto O melhor caminho é procurar orientação. Um médico poderá avaliar seu estado de saúde. Um nutricionista poderá indicar uma programação alimentar balanceada.
ANOTE
A pontuação das orações coordenadas segue fundamentalmente princípios sintáticos; no entanto, por vezes eles podem ser flexibilizados para que se criem efeitos expressivos.
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Orações subordinadas substantivas
capítulo
o que você vai estudar Orações subordinadas substantivas. Subjetivas, objetivas diretas e indiretas, completivas nominais, predicativas e apositivas.
Você já viu que as orações dos períodos compostos podem ser articuladas por coordenação ou por subordinação e que, nos períodos compostos por subordinação, uma oração depende sintaticamente da outra. Neste capítulo, você vai estudar as orações subordinadas que exercem, em relação à oração principal, as funções sintáticas desempenhadas pelos sintagmas nominais no período simples.
Sintaxe das orações subordinadas substantivas Leia a tira. Fernando Gonsales/Acervo do artista
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Orações subordinadas substantivas
Reduzidas.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea: tédio no chiqueiro. São Paulo: Devir, 2006. p. 44.
1. Que motivo o dragão pode ter para não deixar a filha sair com o cuspidor de fogo? 2. O que produz o efeito de humor da tira? 3. Releia a fala do pai no segundo quadrinho. a) Qual é o sujeito de cada verbo do período? Qual é a transitividade desses verbos? b) Que termo exerce o papel de complemento do verbo transitivo? Conforme exposto no capítulo 21, os verbos transitivos projetam argumentos que, se não forem preenchidos, podem tornar a oração sintaticamente incompleta. Os elementos que preenchem esses argumentos são chamados de complementos verbais. No período simples, de acordo com a maneira como se ligam ao verbo, os complementos são classificados como objetos diretos ou indiretos e compostos de sintagmas nominais antecedidos ou não por preposição. No período composto, o papel de objeto de um verbo transitivo pode ser exercido por uma oração. Observe. Oração 1 sujeito simples
O pai
decidiu
que ela não ia.
VTD
[argumento: OD]
Oração 2
Nos estudos gramaticais, a oração que desempenha uma função sintática no interior de outra oração do período composto é chamada de oração subordinada. É o caso da oração 2, que exerce a função de objeto direto da oração 1, chamada de oração principal. Em um período composto, outras funções sintáticas do período simples, realizadas por sintagmas nominais, podem ser desempenhadas por uma oração. Assim, as orações subordinadas podem exercer também a função de sujeito, de objeto indireto, de complemento nominal, de predicativo, de aposto e de agente da passiva, em relação à oração principal. As orações que desempenham alguma dessas funções são chamadas de orações subordinadas substantivas. 218
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Tipos de oração subordinada substantiva As orações subordinadas substantivas são classificadas de acordo com sua função sintática.
Oração subordinada substantiva subjetiva É a oração que desempenha função sintática de sujeito da oração principal. Veja o exemplo. Oração principal
É
certo
que não vou me dar por vencido.
VL
PS
[argumento: sujeito] Oração subordinada substantiva subjetiva
O verbo de ligação ser projeta um argumento externo ao predicado: O que é certo? Essa função de sujeito é desempenhada pela oração subordinada. Adriana Alves/ID/BR
Oração subordinada substantiva objetiva direta É a oração que exerce a função de objeto direto do verbo da oração principal. Observe. Oração principal suj.
Lúcia pensou
[argumento: objeto direto] Oração subordinada substantiva objetiva direta
VTD
que chegaria a tempo.
O verbo pensar projeta um argumento no predicado sem necessidade de preposição: Lúcia pensou o quê? A oração subordinada substantiva objetiva direta preenche esse argumento.
Oração subordinada substantiva objetiva indireta No exemplo a seguir, a oração subordinada também preenche um argumento projetado pelo verbo lembrar no predicado, mas requer preposição, pois cumpre função de objeto indireto. Oração principal
Lembrei- me VTDI
OD
de que chegaria a tempo. [argumento: objeto indireto] Oração subordinada substantiva objetiva indireta
Oração subordinada substantiva completiva nominal Assim como o complemento nominal no período simples, a oração completiva nominal completa o sentido de um nome transitivo da oração principal (teve a impressão de quê?). Veja. Oração principal suj.
O jogador teve VTD
a impressão
de que ia desmaiar em campo.
OD (subst. trans.)
[argumento: complemento nominal] Oração subordinada substantiva completiva nominal
Oração subordinada substantiva predicativa A função de predicativo do sujeito pode ser desempenhada por uma oração. Veja. Oração principal suj.
A verdade
é
que prefiro cinema a teatro.
VL
[argumento: predicativo do sujeito] Oração subordinada substantiva predicativa
Oração subordinada substantiva apositiva Essa oração funciona como aposto de um nome da oração principal (coisa). Veja. Oração principal suj.
O técnico disse uma única coisa: que precisava da colaboração de todos os jogadores. VTD
OD
[argumento: aposto] Oração subordinada substantiva apositiva
ANOTE
A Nomenclatura Gramatical Brasileira aponta seis tipos de oração subordinada substantiva: subjetiva, objetiva direta, objetiva indireta, completiva nominal, predicativa e apositiva. Embora não previstas pela NGB, há orações que podem exercer a função de agente da passiva. Não escreva no livro.
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saiba mais
Veja um exemplo de oração com função de agente da passiva: “As regras também devem ser seguidas por quem as cria”. Ela se liga à oração principal por preposição + pronome indefinido (ou locução pronominal indefinida – quem quer que, todos que, etc.). 219
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Articulação das orações subordinadas substantivas Algumas palavras funcionam como conectivos na articulação das orações subordinadas substantivas com a oração principal. São elas: as conjunções integrantes, os pronomes interrogativos e os advérbios interrogativos.
Conjunções integrantes Mike Luckovich © 1999 Tribune Media Services, Inc/Ipress
Leia a tira.
Luckovich, Mike. Super Zeros. In: Calvin & Cia. São Paulo: Opera Graphica, 2001. n. 2.
Na tira, há duas orações subordinadas substantivas objetivas diretas. Veja. Oração principal
Não sei dizer
se vocês são super-heróis autênticos. Oração subordinada substantiva objetiva direta
Oração principal
[É melhor]
você achar
que somos apenas uns bobos com capas. Oração subordinada substantiva objetiva direta
No primeiro exemplo, a oração subordinada é introduzida pela conjunção subordinativa se, que revela incerteza, dúvida por parte do enunciador; a segunda é introduzida por que, conjunção que tem valor semântico de afirmação, certeza. As duas conjunções possibilitam que as orações subordinadas substantivas integrem (completem) a oração principal, que até então estava sintaticamente incompleta porque faltava o objeto direto do verbo. Por isso, as palavras que e se são chamadas de conjunções integrantes.
Lembre-se
Pronomes interrogativos são palavras usadas para formular perguntas diretas ou indiretas, indicando o elemento sobre o qual se deseja obter uma informação. Advérbios interrogativos também são usados para formular perguntas sobre as circunstâncias em que se deu a ação ou o estado expresso por um verbo. Também podem ser empregados em frases interrogativas diretas ou indiretas.
Pronomes e advérbios interrogativos Pronomes interrogativos e advérbios interrogativos também podem articular uma oração subordinada substantiva à principal. Veja estes exemplos de oração subordinada introduzida por pronome interrogativo. Capítulo 24 – Orações subordinadas substantivas
Oração principal
Não sei dizer
Orações subordinadas substantivas objetivas diretas
que herói é você. quem são vocês. quais disfarces vocês usam. quantas identidades secretas um super-herói esconde.
Já nos exemplos a seguir, a oração subordinada substantiva objetiva direta é introduzida por um advérbio ou uma locução adverbial interrogativa. Oração principal
Não sei dizer
Orações subordinadas substantivas objetivas diretas
quando vocês vão revelar sua identidade. como vocês mantêm sua identidade em segredo. onde vocês vivem. por que vocês se arriscam.
ANOTE
A articulação entre a oração principal e a oração subordinada substantiva é feita por meio das conjunções integrantes que e se, pelos pronomes interrogativos que, quem, qual(is) e quanto(as) e pelos advérbios interrogativos quando, como, onde e por que.
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saiba mais
Veja as diferentes funções de por que, por quê?, porque e porquê. Por que – locução adverbial interrogativa ou preposição + pronome relativo (introduz orações subordinadas adjetivas, que você vai conhecer no capítulo 25). Por quê? – locução adverbial interrogativa usada em fim de período antes do sinal de pontuação. Porque – conjunção subordinativa e coordenativa. Articula orações no período composto. Porquê – substantivo (formado por derivação imprópria). Nos enunciados, costuma vir antecedido de artigo.
Não escreva no livro.
5/28/16 2:50 PM
Orações subordinadas substantivas reduzidas Garfield, Jim Davis © 1983 Paws, Inc. All Rights Reserved / Dist. Universal Uclick
Leia a tira.
Davis, Jim. Garfield: um gato em apuros. Porto Alegre: L&PM, 2008. v. 9. p. 17.
O último quadrinho revela que Jon e Garfield não terão um retorno tranquilo das férias. Releia a fala de Jon nesse quadrinho. Ela se constrói em torno de dois verbos: é e voltar. O verbo é projeta um argumento – com função de sujeito da oração “é sempre bom” (o que é sempre bom?) – preenchido pela oração “voltar para casa”. Observe, no entanto, que a oração “voltar para casa” não se liga à oração principal por meio de conectivo. Ela apresenta forma reduzida. As orações reduzidas se caracterizam quase sempre pela ausência de conectivo e se cons troem em torno de uma das formas nominais: infinitivo, gerúndio ou particípio. Na oração subordinada reduzida do exemplo (“voltar para casa”), o verbo está no infinitivo. Veja. Or. principal conj. integr.
É sempre bom
que
voltemos para casa.
Oração subordinada substantiva subjetiva desenvolvida (forma nominal)
voltar
para casa.
Oração sub. subs. subjetiva reduz. de infinitivo
Em geral, as orações subordinadas substantivas reduzidas têm verbo no infinitivo. Veja. Or. principal
Desejava
esclarecer a situação. Or. sub. subst. objetiva direta reduz. de infinitivo
Or. principal
Encarreguei-o
de esclarecer a situação. Or. sub. subst. objetiva indireta reduz. de infinitivo
Or. principal
O melhor agora é
esclarecer a situação. Or. sub. subst. predicativa reduz. de infinitivo
Or. principal
Não tinha a pretensão
de esclarecer a situação. Or. sub. subst. completiva nominal reduz. de infinitivo
Só existe uma solução:
esclarecer a situação. Or. sub. subst. apositiva reduz. de infinitivo
A apositiva reduzida também pode apresentar verbo no gerúndio. Veja. Or. principal
O melhor jeito de conseguir um bom creme é este:
Adriana Alves/ID/BR
Or. principal
batendo muito bem as claras. Or. sub. subst. apositiva reduz. de gerúndio
ANOTE
As orações em forma reduzida geralmente não apresentam conectivo e se constroem em torno de uma das formas nominais (infinitivo, gerúndio ou particípio). Não escreva no livro.
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Prática de linguagem 1. Leia este trecho de uma reportagem sobre a prática da ioga.
Nem malhação, nem religião [...] No século passado a prática de ioga oscilou entre dois extremos – o da alma, na forma de uma religião ou filosofia, e o do corpo, como um exercício físico puro e simples. Nas décadas de 1960 e 1970, marcadas pela cultura hippie, o pêndulo oscilou para o lado da alma. Ioga era coisa de bicho-grilo, de quem queria atingir outros níveis de consciência ou curtir uma viagem espiritual. O entusiasmo de ídolos como os Beatles ajudou a reforçar o aspecto transcendental [...]. No final dos anos [19]90, foi a vez do pêndulo oscilar para o lado do corpo. A cantora Madonna estampou capas de revistas com formas enxutas, obtidas com uma modalidade de ioga que virou moda nas academias, a ashtanga. Os alunos queriam músculos bem torneados. E só. Nos últimos dez anos, no embalo de estudos científicos que mostram os efeitos da ioga sobre o cérebro e o organismo, a prática se tornou menos do que uma filosofia e mais do que uma atividade física. Encontrou um novo centro entre Beatles e Madonna. “Hoje, os praticantes não estão em uma busca espiritual nem querem apenas um corpo perfeito”, diz Shakti Leal, coordenadora do Espaço Nirvana, estúdio de ioga no Rio de Janeiro. “Eles querem o bem-estar da mente.” [...] A ciência começa a explicar por que praticantes de ioga narram sensações de conforto físico e mental. [...] Ao centrar a atenção em nossa respiração e nos mantras, mandamos para o cérebro a mensagem de que ele pode desacelerar. Com isso, aumentam as ondas cerebrais do tipo alfa, associadas ao estado de atenção relaxada. É o suficiente para manter nosso raciocínio afiado, mas sem aumentar a ansiedade. [...] “As pessoas entenderam que a ioga é autoconhecimento sem misticismo.”
Petra Elster/ID/BR
Marcela Buscato
Revista Época, São Paulo, n. 663, p. 70-73, jan. 2011.
a) A autora inicia a reportagem descrevendo a prática da ioga nas décadas de 1960 e 1970 e como ela passou a ser vista no final dos anos 1990. Em qual dessas décadas a ioga foi considerada uma prática espiritual? Justifique com passagens do texto. b) No último período do trecho, o verbo entender sugere que a visão que se tinha da ioga no passado estava equivocada. Que tipo de oração substantiva esse verbo introduz? c) Observe a seguinte reformulação do último período. As pessoas entenderam a ioga como meio de autoconhecimento sem misticismo. Essa versão torna a frase mais fácil de ser compreendida do que a original? Por quê? d) Identifique as orações presentes nos dois primeiros períodos do terceiro parágrafo. Classifique as orações substantivas quanto à função sintática que desempenham e quanto à sua forma (desenvolvida ou reduzida). Adriana Alves/ID/BR
2. Leia esta crônica de Rubem Alves. O ato de ouvir exige humildade de quem ouve. E a humildade está nisso: saber, não com a cabeça mas com o coração, que é possível que o outro veja mundos que nós não vemos. Mas isso, admitir que o outro vê coisas que nós não vemos, implica reconhecer que somos meio cegos... Vemos pouco, vemos torto, vemos errado. Bernardo Soares diz que aquilo que vemos é aquilo que somos. Assim, para sair do círculo fechado de nós mesmos, em que só vemos nosso próprio rosto refletido nas coisas, é preciso que nos coloquemos fora de nós mesmos. Não somos o umbigo do mundo. E isso é muito difícil: reconhecer que não somos o umbigo do mundo! Alves, Rubem. Sobre o ouvir. In: Ostra feliz não faz pérola. São Paulo: Planeta do Brasil, 2008. p. 47.
De acordo com o trecho, de que maneira poderíamos sair do círculo fechado de nós mesmos, se “aquilo que vemos é aquilo que somos”? 222
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3. Releia. [...] saber, não com a cabeça mas com o coração, que é possível que o outro veja mundos que nós não vemos. a) Quantas orações há nesse trecho? Escreva-as no caderno. b) O verbo saber é transitivo direto. Qual oração do período complementa esse verbo e como ela é classificada? c) Que oração desempenha a função de sujeito da oração “é possível”? Como ela é classificada? d) Reescreva o trecho transcrito acima eliminando uma das conjunções integrantes. Para isso, transforme uma das orações subordinadas desenvolvidas em oração reduzida. 4. Releia este outro trecho do texto de Rubem Alves. [...] é preciso que nos coloquemos fora de nós mesmos. Não somos o umbigo do mundo. E isso é muito difícil: reconhecer que não somos o umbigo do mundo! a) Quantas orações há no primeiro período do trecho? Classifique-as. b) Se o trecho após os dois-pontos fosse eliminado do último período, haveria mudança de sentido. Explique essa afirmação. c) Como o trecho poderia ser reescrito sem a oração subordinada apositiva, de modo que o seu sentido geral não fosse alterado? d) Do ponto de vista expressivo, o que a reescrita do trecho perde em relação ao original? usina literária Leia a letra de um samba de Candeia regravado por Marisa Monte. Deixe-me ir, preciso andar vou por aí a procurar rir pra não chorar quero assistir ao sol nascer
ver as águas dos rios correr ouvir os pássaros cantar eu quero nascer, quero viver
Se alguém por mim perguntar diga que eu só vou voltar quando eu me encontrar
Adriana Alves/ID/BR
Preciso me encontrar
Candeia. Preciso me encontrar. Intérprete: Marisa Monte. In: Marisa Monte (MM). Rio de Janeiro: EMI, 1989. 1 CD. Faixa 5.
1. A canção diz respeito a uma busca e se dirige a um interlocutor. a) O que o eu lírico estaria buscando? Qual parece ser a sua relação com o interlocutor? b) Qual é o papel da natureza nessa busca? Explique sua resposta. 2. Releia: “eu quero nascer,/ quero viver”. a) Indique a transitividade do verbo querer. b) Aponte que função sintática os termos nascer e viver desempenham em relação a quero. c) Como essas orações são classificadas quanto à função sintática e à forma? d) Que interpretação você daria a esses versos no contexto da canção? Explique. 3. Releia: “vou por aí a procurar/ rir pra não chorar”. a) Do ponto de vista sintático, há duas leituras possíveis para esses versos. Explique. b) A expressão “rir para não chorar” é um lugar-comum. Que sentidos podem ser atribuídos a ela? c) Que relação pode haver entre os sentidos apontados no item b e a busca pelo contato com os elementos da natureza? 4. A letra dessa canção é composta basicamente por períodos compostos por subordinação, com orações subordinadas substantivas objetivas diretas. Indique uma possível relação entre essa estrutura sintática e a construção de sentidos no texto.
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Língua viva
Discursos direto e indireto na construção do ponto de vista
A seguir, você lerá uma notícia publicada em dezembro de 2015 sobre o adiamento do projeto de Reorganização Escolar do governo do estado de São Paulo após diversas manifestações de estudantes do ensino médio.
Jovens protagonizaram debate sobre ensino em SP em 2015, diz especialista O protagonismo dos estudantes secundaristas no debate sobre mudanças no ensino no estado de São Paulo marcou 2015. Para Ocimar Munhoz, especialista em sistemas educacionais e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), a participação do movimento estudantil proporcionou um salto no debate sobre a reorganização escolar. “Os estudantes entraram em cena e isso mudou, porque deu visibilidade à questão. Expôs limitações profundas dessa proposta do governo do estado”, disse o docente. “Foi uma tentativa, na verdade, de fazer valer outros interesses como racionalização de custos e a municipalização do que, propriamente, a melhoria da qualidade.” A proposta de reorganização escolar, do governo estadual, previa o fechamento de 94 escolas e a transferência de 311 mil alunos para instituições de ensino na região onde moram. A reorganização separaria em ciclos alunos com idades entre 6 e 10 anos, adolescentes de 11 a 14 anos e jovens entre 15 e 17 anos. Estudantes, então, ocuparam escolas para mostrar a insatisfação com a proposta. Segundo Munhoz, o projeto passou a ser debatido na mídia após as ocupações das escolas. Apesar de ampliar as discussões, faltou iniciativa do governo estadual, na avaliação do professor. “Tinha que haver um debate, mas não só pela imprensa. Isso não consolidou, de fato, o debate”, disse. Histórico das ocupações A primeira ocupação, no dia 9 de novembro, foi a da Escola Estadual Diadema, na grande São Paulo. O movimento cresceu gradativamente e, cerca de um mês depois, no auge, aproximadamente 200 escolas foram ocupadas. Os alunos também foram às ruas protestar, sendo, diversas vezes, duramente reprimidos pela Polícia Militar. Os estudantes argumentavam que a comunidade escolar não foi ouvida sobre as mudanças. Outra crítica é que as alterações e transferências, se colocadas em prática, causariam a ruptura da relação que os alunos desenvolveram com colegas e prejudicariam a logística dos pais, que muitas vezes pedem aos filhos mais velhos para levar os irmãos mais novos para a escola. O governo estadual disse que houve queda de 1,3% ao ano da população em idade escolar no estado. Desde 1998, a rede estadual perdeu 2 milhões de alunos. Segundo o governo, com a divisão por ciclo, as escolas estariam mais preparadas para as necessidades de cada etapa de ensino. “Entre diversos estudos que foram utilizados para a proposta da reorganização, está o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp), que mostrou que unidades que atendem alunos de apenas uma faixa etária têm desempenho melhor”, informou o governo, em nota. [...] Debate em 2016 Para a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a iniciativa dos alunos estimulou o debate. “Essas ocupações provocaram os alunos de tal forma que eles vão dizer: eu não quero mais sentar em frente à lousa. Eu vou querer sentar no chão, vou querer outro tipo de aula, e isso vai requerer nova dinâmica para organizar o tempo, o espaço escolar. Estamos falando da necessidade de ter biblioteca, de ter laboratório, para que os alunos sintam que são convidados a ir e a ficar na escola”. A Secretaria da Educação do Estado prometeu um debate mais aprofundado em 2016 sobre a reorganização escolar. De acordo com a assessoria de imprensa, a metodologia desse debate ainda não foi definida. Para Ocimar Munhoz, as discussões precisam ser mais amplas que as feitas anteriormente à decisão da reorganização. “Essa reorganização foi uma medida sem um projeto, esse é um primeiro elemento que tenho destacado. Uma medida que afeta milhares de estudantes, professores, pais, tinha que ter uma fundamentação”, declarou o especialista. A secretaria informou, por sua vez, que houve diálogo com a comunidade. As audiências ocorreram em setembro e cada uma das 91 diretorias de ensino definiu um método diferente para essas reuniões. Ocimar Munhoz defende que, em 2016, o governo dedique também atenção especial ao Plano Estadual da Educação, contemplando a carreira dos docentes e as condições das escolas. “A melhoria da qualidade da escola passa por um conjunto de fatores. Em São Paulo, tem a valorização da carreira dos professores, que hoje é precária”, disse. Cruz, Fernanda. Agência Brasil, 27 dez. 2015. Disponível em: . Acesso em: 26 maio 2016. © Creative Commons
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Sobre o texto 1. O texto se constrói a partir de opiniões de diferentes enunciadores. a) Aponte as vozes que podem ser identificadas na notícia. b) Liste os enunciadores que seriam a favor e os que seriam contra a reorgani- Ato em apoio às escolas ocupadas. Na faixa le-sê “- cortes + escolas”. zação escolar. Foto de 2015. c) Resuma os pontos positivos e negativos citados no texto a respeito da reorganização. 2. Observe como são citadas as falas de terceiros em discursos direto e indireto. a) Quais foram os verbos dicendi utilizados? Liste-os no caderno. b) Além dos verbos dicendi, que outras expressões foram utilizadas?Liste-as no caderno. c) Analisando os verbos e as expressões listadas, é possível depreender um posicionamento da jornalista quanto ao assunto tratado? Explique. 3. Por que, para Ocimar Munhoz, a participação do movimento estudantil proporcionou um salto no debate sobre a reorganização escolar? 4. Segundo Maria Izabel Azevedo Noronha, de que forma a ocupação provocou os alunos para um debate além da reorganização? 5. Segundo o 8o parágrafo do texto, houve um debate anterior à proposta de reorganização. a) Busque no texto maiores informações sobre esse debate. Escreva-as no caderno. b) Quais são as críticas que podem ser percebidas a respeito desse debate? c) Qual a expectativa de Ocimar Munhoz para os debates de 2016? ANOTE
Sob a aparente objetividade e neutralidade da notícia, há sempre a construção de um ponto de vista, que pode se apoiar tanto no uso do discurso direto quanto do discurso indireto. No discurso indireto, são os verbos dicendi escolhidos pelo produtor do texto que revelam, em grande parte, sua avaliação sobre as atitudes dos enunciadores envolvidos na notícia. Já o discurso direto põe em evidência as contradições na fala dos entrevistados, enfatiza responsabilidades e, muitas vezes, revela críticas do produtor do texto que não se materializam no seu próprio discurso, e, sim, nas palavras daqueles cujas declarações a notícia reproduz.
Tiago de Carli/Fotoarena
Repertório
A Proposta de Reorganização Escolar consistia em fechar 94 escolas estaduais de São Paulo, destinar seus espaços a outras finalidades educativas e estender a existência do ciclo único a um número maior de unidades. Histórico dos protestos 23.9.2015: Anúncio da Reorganização Escolar pela Secretaria de Educação do estado de São Paulo. Começo de outubro: Início dos protestos e manifestações nas ruas. 8.10.2015: Instauração de inquérito, pelo Ministério Público, questionando a Reorganização. 28.10.2015: Divulgação oficial da lista de escolas afetadas pelo projeto. 9.11.2015: Primeira escola ocupada (Escola Estadual Diadema). 23.11.2015: Negação, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, do pedido de reintegração de posse das escolas ocupadas solicitado pelo governo estadual. 30.11.2015: Primeira manifes tação com bloqueio de ruas. 3.12.2015: Ministério Público e Defensoria Pública pedem, judicialmente, a suspensão da Reorganização Escolar. 4.12.2015: Anúncio oficial do adiamento da Reorganização Escolar.
texto em construção Nesta seção, vimos o emprego de alguns verbos dicendi. No trecho da notícia da página 224, encontramos alguns desses verbos: “‘A nossa reivindicação agora, além da garantia de que os que participaram do movimento não serão retaliados, é pela melhoria da educação nas escolas e o aumento da participação na administração. A eleição do diretor pela comunidade é uma das propostas”, destaca Fabrício Ramos, que cursa o terceiro ano do ensino médio na Escola Caetano de Campos, região central da capital.” “[…] O governador Geraldo Alckmin, que suspendeu a reorganização escolar, disse que fará debates em 2016 para ouvir a sociedade. ‘Decidimos adiar a reorganização e rediscuti-la escola por escola, com a comunidade, com
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os estudantes e, em especial, com os pais dos alunos. Acreditamos nos benefícios da reorganização, 2016 será um ano de aprofundarmos o diálogo’, afirmou Alckmin.” O capítulo 29 trata do conto psicológico, realização contemporânea da forma literária criada no século XIX que costuma investigar o interior das personagens: seus pensamentos, dilemas e estados de alma. 1. Releia o conto “Uma esperança” (p. 284-285), de Clarice Lispector. Identifique os verbos dicendi utilizados nesse conto e discuta com a turma as diferenças de sentido entre o uso dos verbos dicendi nos textos jornalísticos e nos literários. 225
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Em dia com a escrita
As orações substantivas reduzidas e a concisão
As orações subordinadas substantivas podem estar na forma reduzida ou na forma desenvolvida: a intencionalidade do enunciador e o contexto ajudam a definir a melhor escolha. Quando o objetivo é produzir um texto enxuto, a forma reduzida pode ser mais adequada. Em outros casos, o melhor é alternar orações desenvolvidas e reduzidas. Leia a seguir o trecho do prefácio de um livro. […] Escrevi este livro para convencer as pessoas de que não basta ser inteligente, ter uma boa formação universitária, falar várias línguas, para ser bem-sucedido. Meu objetivo é convencê-las de que o verdadeiro sucesso depende da habilidade de relacionamento interpessoal, da capacidade de compreender e comunicar ideias e emoções. Abreu, Antônio Suárez. A arte de argumentar : gerenciando razão e emoção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. p. 10.
Nesse parágrafo, há duas orações subordinadas substantivas na forma desenvolvida. Veja.
••“de que não basta” (oração subordinada substantiva objetiva indireta; funciona como objeto
indireto de convencer); ••“de que o verdadeiro sucesso depende da habilidade de relacionamento interpessoal, da capacidade” (oração subordinada substantiva objetiva indireta; funciona como objeto indireto de convencer). Há também seis orações subordinadas substantivas na forma reduzida. Observe. ••“ser inteligente” (oração subordinada substantiva subjetiva; funciona como sujeito de basta); ••“ter uma boa formação universitária” (idem); ••“falar várias línguas” (idem); ••“convencê-las” (oração subordinada substantiva predicativa; funciona como predicativo do sujeito meu objetivo); ••“de compreender e comunicar ideias e emoções” (orações subordinadas substantivas completivas nominais; coordenadas entre si, funcionam como complementos nominais de capacidade). Compare o texto original com esta versão em que as orações reduzidas foram desenvolvidas. Escrevi este livro para convencer as pessoas de que não basta que alguém seja inteligente, que tenha uma boa formação universitária, que fale várias línguas, para ser bem-sucedido. Meu objetivo é que elas se convençam de que o verdadeiro sucesso depende da habilidade de relacionamento interpessoal, da capacidade de que compreendam e comuniquem ideias e emoções.
Alexandre Teles/ID/BR
Em um período composto longo, as orações substantivas desenvolvidas tornam necessária a repetição das conjunções integrantes que e se. No parágrafo acima, além de haver a repetição do que, a comunicação das ideias torna-se menos objetiva. Entretanto, no texto original, ao optar pela forma reduzida de algumas orações, o autor construiu um parágrafo com bastante informação, porém direto e conciso. 1. Examine o trecho a seguir, que foi adaptado de um livro. Um desafio há séculos enfrentado pela astrologia é que ela explique como é possível que os gêmeos – que, afinal, têm o mesmo horóscopo – frequentemente tenham destinos tão dessemelhantes. Kloetzel, Kurt. O que é superstição. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 48. Adaptado.
a) Identifique as três orações subordinadas substantivas desenvolvidas do parágrafo. b) Para evitar o uso excessivo da conjunção que, reescreva o trecho de duas formas diferentes: torne reduzida a primeira oração subordinada substantiva; depois, torne reduzida a terceira oração subordinada substantiva. c) Das duas versões que você escreveu, qual é mais clara e permite uma leitura mais fluente? Justifique sua resposta. 226
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[…] De modo que me ocorreu escrever algumas coisas que em certos momentos quis lhe contar mas não soube, ou não ousei. Quando um pai fala de um assunto filosófico, é preciso ficar olhando para ele, fazendo cara de interesse embora sonhando com o momento libertador de sair correndo para ver televisão. Mas um livro você pode ler quando dá vontade, em horas perdidas, e sem necessidade de mostrar respeito: ao virar as páginas, você pode bocejar ou rir, com toda a liberdade. Uma vez que a maior parte do que vou lhe dizer tem justamente a ver com a liberdade, é mais adequado para ser lido do que para ser ouvido como sermão. Mas, isso sim, será preciso prestar um pouco de atenção em mim (aproximadamente a metade da atenção que você dedica a aprender um novo jogo de computador) e ter um pouco de paciência, principalmente nos primeiros capítulos. […] Savater, Fernando. Ética para meu filho. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 13.
a) No primeiro período do texto, está destacada uma oração substantiva na forma reduzida. Reescreva-o, substituindo a forma reduzida pela forma desenvolvida correspondente. b) Por que o autor do texto optou pela forma reduzida da oração? c) No segundo e no quinto período, desenvolva as orações reduzidas destacadas. d) Como você justifica a escolha pela forma reduzida nesses períodos?
Veridiana Scarpelli/ID/BR
2. Leia o trecho a seguir, retirado de um livro do escritor espanhol Fernando Savater.
3. Examine o trecho a seguir. Uma das alegrias da literatura está em que ela cria a possibilidade de estabelecer conversas mansas com pessoas ausentes e mesmo mortas. […] Alves, Rubem. Amigos ausentes. In: Ostra feliz não faz pérola. São Paulo: Planeta, 2008. p. 59.
a) O que você entende por “conversas mansas com pessoas ausentes e mesmo mortas”? b) Compare a frase original com a versão a seguir. Uma das alegrias da literatura está em criar a possibilidade de estabelecer conversas mansas com pessoas ausentes e mesmo mortas.
Nessa versão, uma informação deixa de ser explicitada. Qual? c) Pensando na resposta que você deu ao item b, aponte outro aspecto a ser considerado quando se opta pelo uso da forma reduzida ou desenvolvida de uma oração. 4. Neste texto, os números indicam quatro orações subordinadas substantivas suprimidas. As ideias expressas por elas estão nos períodos simples apresentados na sequência. Reescreva o texto, reinserindo as orações subordinadas. Use a forma reduzida quando possível. O mérito de Lamarck foi, sem dúvida, [I] a que está sujeito o meio. Ele reconhecia, em todos os seres vivos, uma tendência constante a [II]. […] O erro de Lamarck foi [III] […]. Desse modo, ele supunha [IV], o que não é verdade. Branco, Samuel Murgel. Evolução das espécies: o pensamento científico, religioso e filosófico. São Paulo: Moderna, 1994. p. 22-23. Adaptado.
I. Lamarck reconheceu o processo evolutivo como uma decorrência necessária das mudanças constantes. II. Os seres vivos se tornam cada vez mais complexos e organizados. III. Lamarck seguiu uma lógica muito cartesiana, de causa e efeito. IV. O meio poderia exercer uma influência direta sobre o mecanismo hereditário. ANOTE
O emprego de orações reduzidas confere concisão a um texto. É um recurso útil quando o parágrafo é longo e tem várias orações encadeadas, quando o objetivo é evitar o uso excessivo das conjunções que e se e quando se pretende chamar a atenção do leitor de maneira rápida e direta.
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capítulo
o que você vai estudar Orações subordinadas adjetivas.
Você já estudou as orações subordinadas substantivas; agora, vai conhecer as orações subordinadas adjetivas.
Sintaxe das orações subordinadas adjetivas Leia um trecho da letra de um rap.
• Restritiva e explicativa. • Orações reduzidas.
Vocabulário de apoio
CDD: Cidade de Deus, favela do Rio de Janeiro (RJ)
A voz do excluído MV Bill tá em casa Pode acreditar Terrorismo: A voz do excluído tá no ar Mais um guerreiro do Rio de Janeiro Buscando alternativa pra sair do coma [brasileiro Considerado louco por ser realista Maluco e não me iludo com vidinha de [artista Guiado por Jesus tenho minha missão Guerreiro do inferno, traficante de [informação Chapa quente, favelado é o nome Falo pelo menor que nunca teve danone [como você
Sei que é difícil de entender Você nunca sofreu como eu lá na CDD Não acredito que o povo é contente Quem ri da própria miséria não é feliz, [está doente […] André Hanni/Brazil Photo Press/ Folhapress
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Orações subordinadas adjetivas
O rapper MV Bill canta em São Paulo (SP). Foto de 2014.
Garrido, Toni; Da Gama; Lazão; Farias, Bino; MV Bill. A voz do excluído. Intérprete: Cidade Negra e MV Bill. In: Enquanto o mundo gira. Rio de Janeiro: Sony BMG, 2000. 1 CD. Faixa 8.
1. O eu lírico se diz um “guerreiro […] buscando alternativa para sair do coma brasileiro”. No contexto da letra, qual é o sentido da expressão “coma brasileiro”? 2. O rap apresenta uma espécie de lição. a) Quem é o interlocutor do eu lírico, a quem ele se dirige pelo pronome você? b) O eu lírico fala em nome de um jovem específico, e não em nome de todos os jovens. Que verso esclarece quem é esse jovem? c) Outras palavras poderiam ter sido empregadas no lugar de menor, como criança, jovem, adolescente. Que efeito de sentido a opção pelo termo menor cria no texto? d) Danone é uma marca comercial. Por que esse nome foi grafado com letra minúscula? Observe este período simples, constituído de uma única oração. núcleo (subst.)
adj. adn. (adj.)
Falo pelo menor excluído. Na expressão “pelo menor excluído”, o adjetivo excluído exerce função de adjunto adnominal da palavra menor. No rap, essa mesma função é exercida por uma oração. Observe. Or. principal
Falo pelo menor
que nunca teve danone como você. Oração subordinada adjetiva [função: adjunto adnominal da palavra menor]
As orações que exercem, junto à oração principal, o papel de adjunto adnominal de um nome (em qualquer função sintática) são denominadas orações subordinadas adjetivas. 228
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Tipos de oração subordinada adjetiva As orações subordinadas adjetivas se classificam em restritivas ou explicativas, de acordo com a forma como se relacionam com o termo da oração principal modificado por elas.
Oração subordinada adjetiva restritiva Fernando Gonsales/Acervo do artista
Observe a tira.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea: com mil demônios! São Paulo: Devir, 2002. p. 13.
Na tira, o cientista admira o fato de o rato ter conseguido sair do labirinto. A fala do rato e o desenho do labirinto, porém, revelam que o teste não era difícil (bastava andar em linha reta), o que produz um efeito de humor. Releia este período composto, observando a oração subordinada adjetiva. Or. principal
O rato conseguiu
sair do labirinto
que eu inventei.
Or. sub. substantiva
Or. sub. adjetiva
O artigo definido o antes da palavra labirinto indica que o cientista fala de um labirinto específico, não de um labirinto qualquer. Somado a isso, a oração “que eu inventei” indica que o cientista é diretamente responsável pelo nível de dificuldade apresentado pelo teste, informação fundamental para a produção do efeito de humor na tira. Assim, a oração “que eu inventei” especifica, delimita, restringe o sentido do termo labirinto, pois apresenta uma característica que não se aplica a todos os labirintos. Esse tipo de oração é denominada oração subordinada adjetiva restritiva.
Oração subordinada adjetiva explicativa Leia o período. Or. principal
O cantor falou sobre o rap,
que se originou em Nova York. Oração subordinada adjetiva
A oração subordinada adjetiva “que se originou em Nova York” acrescenta ao substantivo rap uma informação que se aplica a todo esse gênero musical, indicando tal característica como inerente, própria do gênero rap. Orações adjetivas que apresentam uma informação ou característica como inerente, constitutiva do termo da oração principal modificado por elas chamam-se orações subordinadas adjetivas explicativas. Costumam ser separadas da oração principal por vírgulas, travessões ou parênteses.
saiba mais
Os adjetivos também exercem uma função restritiva ou explicativa em relação ao nome que modificam. Nos versos “Ó mar salgado, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal!” (do poema “Mar portuguez”, de Fernando Pessoa), salgado apresenta uma característica inerente ao mar. É como, então, se desse ênfase a esse atributo: “Ó mar, que é salgado, quanto do teu sal…”. Já em “verdes mares bravios de minha terra natal”, do início do romance Iracema, de José de Alencar, os adjetivos restringem o sentido de mares, pois nem todos os mares poderiam ser descritos como verdes, bravios e de minha terra natal.
ANOTE
As orações adjetivas restritivas delimitam, especificam o sentido do termo a que se referem, auxiliando na identificação de seu referente. As orações adjetivas explicativas apresentam uma informação como intrínseca, inerente ao termo modificado da oração principal. Não escreva no livro.
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A articulação das orações subordinadas adjetivas Garfield, Jim Davis © 1983 Paws, Inc. All Rights Reserved/Dist. Universal Uclick
Leia a história em quadrinhos.
Davis, Jim. Garfield: um gato em apuros. Porto Alegre: L&PM, 2008. p. 62.
Na fala de Garfield no segundo quadrinho, a segunda oração do período tem função de oração subordinada adjetiva restritiva em relação ao termo criança da oração principal. Veja. Or. principal
Eles têm uma criança
que não cabe mais nas roupas de bebê. Oração subordinada adjetiva restritiva
Capítulo 25 – Orações subordinadas adjetivas
O pronome relativo que é responsável pela articulação entre as duas orações. Ele substitui o sujeito “a criança” na segunda oração (que [= a criança] “não cabe mais nas roupas de bebê”). As orações subordinadas adjetivas são iniciadas por pronome relativo. Veja. Eles têm apenas uma criança, a qual não cabe mais nas roupas de bebê. [Eles têm apenas uma criança./ A criança não cabe mais nas roupas de bebê.] Eles têm uma criança de quem cuidam bem. Lembre-se [Eles têm uma criança./ Eles cuidam bem da criança.] Pronomes relativos – que, quem, onde, cujo(s) e o(s)/ Eles têm uma criança cujo sono é tranquilo. a(s) qual(is) – retomam um [Eles têm uma criança. / O sono da criança é tranquilo.] termo antecedente. Garfield vasculhou a lata de lixo onde estavam esses objetos. [Garfield vasculhou a lata de lixo./ Esses objetos estavam na lata de lixo.]
Orações subordinadas adjetivas reduzidas As orações adjetivas também podem se apresentar na forma reduzida. Observe. que era feito de pano, Or. principal
O brinquedo,
Or. sub. adj. explicativa desenvolvida
feito de pano,
Or. principal
já virou lixo.
Or. sub. adj. explicativa reduzida de particípio
Veja outros exemplos.
••Oração subordinada adjetiva reduzida de infinitivo
Garfield não era gato de se dar por vencido facilmente. (= que se desse por vencido facilmente)
••Oração subordinada adjetiva reduzida de gerúndio
Encontrei um gato mexendo no lixo. (= que mexia no lixo)
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Prática de linguagem Laerte/Acervo do artista
1. Leia a tira a seguir.
Laerte. Hugo para principiantes. São Paulo: Devir, 2005. p. 50.
a) Qual parecia ser a expectativa da personagem ao comprar o equipamento? b) Há uma informação subentendida na frase “pensei que era maquiagem”. Qual é ela? c) O humor da tira se constrói com base em uma estrutura repetitiva. Que elementos verbais e visuais permanecem iguais ao longo da tira? Quais se modificam? d) De que maneira o sentido atribuído pelas orações subordinadas adjetivas ao seu termo antecedente contribuem para gerar efeito de humor? 2. Examine as definições a seguir. I. Cartão inteligente é uma lâmina plástica que possui um microprocessador em seu interior. II. Pressão arterial é aquela que o sangue exerce contra as paredes das artérias. Enciclopédia dos 1001 porquês. São Paulo: Visor, 2000. p. 124, 151. Adaptado.
a) Que função sintática as expressões destacadas exercem? Qual é o núcleo de cada uma? b) As orações introduzidas por que têm função de adjunto adnominal. Como se classificam? c) Qual é a importância dessas orações na definição de cartão inteligente e pressão arterial? d) Com base em sua resposta anterior, você diria que a classificação dessas orações como “subordinadas” se baseia em um critério sintático ou semântico? Explique sua resposta. usina literária O “Poema acumulativo”, de Affonso Romano de Sant’Anna, tem três partes e quarenta estrofes. Leia um trecho. 1. Este é o homem e esta é a casa – que o homem construiu. Este é o trigo – que está na casa que o homem construiu. Este é o rato – que roeu o trigo que está na casa que o homem construiu. […]
Este é o galo – que acordou o padre que casou o homem que beijou a moça que ordenhou a vaca que chifrou o cão que mordeu o gato que comeu o rato que roeu o trigo que está na casa que o homem construiu.
Este é o homem que é dono do galo. Se esse homem é dono do galo – é dono do padre é dono da moça é dono da vaca […] esse homem é dono do homem e de tudo que o homem construiu. […]
Sant’Anna, Affonso Romano de. Poema acumulativo. In: A implosão da mentira e outros poemas. São Paulo: Global, 2007. p. 49, 51.
1. A primeira parte do poema lembra brincadeiras orais infantis. Em que aspectos? 2. Qual é a relação entre o título do poema e a resposta à atividade anterior? 3. Como a oração subordinada adjetiva, explorada no poema, contribui para a noção de acúmulo? 4. Considerando o tema desenvolvido no poema, a que mais pode ser associado o termo acumulativo? Explique.
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Língua viva
As orações adjetivas explicativas e a argumentação
Leia a seguir a introdução de uma entrevista com o autor de um livro sobre bullying.
Tão jovens, tão cruéis Para professor que teve o filho morto por causa do bullying, a hostilidade na escola é disfunção de toda a sociedade Como explicar o comportamento esdrúxulo de três jovens que agrediram um casal de gays numa festa de faculdade desferindo contra os dois, além de chutes, xingamentos e latinhas de cerveja, toda a sua ira homofóbica? Como entender a atitude de um grupo de rapazes que achou que seria um tanto cômico tratar suas colegas como montaria subindo-lhes nas costas e gritando: “Pula, gorda!”? E ainda qual o problema da menina de 14 anos que usou a lâmina do próprio apontador para cortar – nove vezes – o rosto da companheira de classe? Afinal, jovens, por que tanta raiva? Educador há mais de 37 anos e pai de Curtis – que morreu em consequência de uma vida inteira de bullying –, Allan Beane é hoje um militante da causa “mais respeito, por favor!”. O autor de Proteja Seu Filho do Bullying diz que o problema não se circunscreve à juventude. É um mal de toda a sociedade, que de modo geral está mais tolerante à violência – nas ruas, nas escolas, dentro de casa. Estamos apáticos em relação à dor dos outros, e lentos demais para ir em defesa de quem está sendo rechaçado, pisoteado, humilhado. E ainda por cima, comenta Beane, gostamos de responsabilizar as vítimas de agressão pelas próprias indiscrições (“Também, com aquele vestidinho rosa, o que ela esperava?”). Somos nós, portanto, enquanto sociedade, que estamos disfuncionais. […] Rossetti, Carolina. O Estado de S. Paulo, 31 out. 2010. Aliás, p. J4.
Sobre o texto
Vocabulário de apoio
apático: indiferente, insensível circunscrever: limitar, ficar restrito disfuncional: que funciona de modo anormal ou prejudicado esdrúxulo: que causa espanto homofóbico: que apresenta homofobia (rejeição ou aversão a homossexuais e à homossexualidade) indiscrição: qualidade do que é chamativo militante: que defende ativamente uma causa rechaçado: rejeitado, não aceito
1. O primeiro parágrafo do texto é constituído por quatro períodos, todos formados por frases interrogativas. O que as interrogações expressam nesse caso? Explique. 2. A presença do vocativo jovens, no final do primeiro parágrafo, indica que a entrevista jornalística tem esse grupo como público-alvo? Justifique. 3. Quanto à progressão de ideias presente no texto, qual é a relação entre o primeiro e o segundo parágrafo? 4. Que ponto de vista o entrevistado apresenta em relação ao bullying na escola? Comprove. 5. Releia este trecho. Educador há mais de 37 anos e pai de Curtis – que morreu em consequência de uma vida inteira de bullying –, Allan Beane é hoje um militante da causa “mais respeito, por favor!”
a) Observe a oração adjetiva destacada. Ela expressa um fato ou uma opinião? b) Qual é a importância dessa oração para a argumentação do texto? c) Em que outro momento do texto essa mesma informação é destacada? d) Em qual desses casos a informação tem mais força argumentativa: no trecho acima ou no identificado por você no item c? Levante uma hipótese para explicar por quê. 6. Agora, releia este outro trecho. A oração adjetiva destacada expressa um ponto de vista. O autor de Proteja Seu Filho do Bullying diz que o problema não se circunscreve à juventude. É um mal de toda a sociedade, que de modo geral está mais tolerante à violência – nas ruas, nas escolas, dentro de casa.
a) Que outra frase do texto retoma, com outras palavras, a mesma opinião? b) O que a oração destacada permite subentender sobre as causas do bullying na escola? c) Embora emita uma opinião, a informação expressa pela oração adjetiva explicativa acima também pode ser entendida como um fato. Explique essa afirmação. 232
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A instituição que chamamos de restaurante é muito recente na história da humanidade. Comer em restaurante é uma coisa de 250 anos, do final do século 18, quando surgiram os primeiros restaurantes na França. Antes disso, as pessoas saíam para comer fora eventualmente, mas a regra era comer em casa. […] Durante anos, os restaurantes eram exclusivamente franceses e depois foram se espalhando pela Europa. Esses estabelecimentos são fruto do desenvolvimento das cidades, pois até mesmo hoje, nas cidades pequenas, se der para a pessoa ir para casa comer, ela vai. Então o crescimento das metrópoles favoreceu a multiplicação dos restaurantes. Na época da Revolução Francesa, final do século 18, surgiu o restaurante gastronômico, que não tinha a ver com praticidade. Esses restaurantes, que são o modelo que existe até hoje, eram como teatros, em que se vai para viver o espetáculo da gastronomia. Assim como hoje, as pessoas iam a esses lugares para viverem uma experiência cultural, conhecerem o trabalho de um artista, que é um chef de cozinha, ter contato com ingredientes incomuns no dia a dia da sua casa. Na alta gastronomia, os grandes chefs da Antiguidade, desde o Império Romano até a França do século 18, trabalhavam para famílias, eram chefs de palácios.
Petra Elster/ID/BR
7. Leia este depoimento do crítico gastronômico Josimar Melo sobre a origem dos restaurantes.
Melo, Josimar. Caldeirão de sabores. Revista E, São Paulo, Sesc, n. 9, ano 18, p. 36, mar. 2012.
a) Qual é a relação entre a multiplicação de restaurantes e o crescimento das metrópoles? b) De acordo com o texto, o que são restaurantes gastronômicos? c) Examine esta versão reescrita de uma passagem do trecho. Esses estabelecimentos são fruto do desenvolvimento das cidades, pois até mesmo hoje, nas cidades pequenas, se der para a pessoa ir para casa comer, ela vai. Então o crescimento das metrópoles favoreceu a multiplicação dos restaurantes. Na época da Revolução Francesa, final do século 18, surgiu o restaurante gastronômico. Esses restaurantes eram como teatros. Assim como hoje, as pessoas iam a esses lugares para viverem uma experiência cultural, conhecerem o trabalho de um artista, ter contato com ingredientes incomuns no dia a dia da sua casa.
Compare-a com a versão original e responda: Qual a importância das orações adjetivas (em destaque no original) para o esclarecimento de informações ao leitor? d) Classifique as orações adjetivas do original que foram suprimidas na versão reescrita. ANOTE
Ao modificar um termo da oração principal, as orações subordinadas adjetivas explicativas conferem-lhe atributos não essenciais à identificação de seu referente no contexto discursivo. Esses atributos podem não ser inerentes ao termo modificado, mas adquirem o status de inerentes. Assim, nos gêneros textuais em que predomina a argumentação, essas orações se tornam um recurso privilegiado para o autor apresentar informações — baseadas em fatos ou opiniões — que podem influenciar a opinião do leitor sobre o que é dito de modo favorável ou desfavorável. texto em construção Como visto, as orações subordinadas adjetivas explicativas podem apresentar fatos e opiniões, servindo como argumento para influenciar a visão do leitor. As orações subordinadas adjetivas restritivas também cumprem um papel importante para a estratégia argumentativa.
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1. Leia o artigo de opinião “Feminicídio” (Produção de texto, capítulo 35, p. 332). Depois identifique as orações subor dinadas adjetivas restritivas do segun do parágrafo. Que papel elas cumprem na construção argumentativa do texto? 233
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Em dia com a escrita
O uso da pontuação nas orações subordinadas adjetivas
O uso da pontuação nas orações subordinadas adjetivas tem uma função sintática bastante definida. Enquanto as orações restritivas são necessárias à identificação do termo que modificam, as explicativas acrescentam uma informação a esse termo que é tomada como inerente a ele. Dessa forma, o uso de pontuação nas orações explicativas indica o caráter não essencial de seu conteúdo em relação à oração principal – ao menos do ponto de vista sintático. Já a ausência de pontuação nas orações restritivas indica sua íntima associação à oração principal. Veja os exemplos. Foram rejeitadas as propostas, cujo custo era alto.
Or. subord. adjetiva explicativa
Foram rejeitadas as propostas cujo custo era alto. Or. subord. adjetiva restritiva
O uso da vírgula no primeiro exemplo cria a noção de que todas as propostas custavam caro. No segundo, a ausência da vírgula confirma a noção de que nem todas as propostas custavam caro. Assim, as orações subordinadas adjetivas explicativas podem vir entre vírgulas, travessões ou parênteses, ao contrário das restritivas, que não se separam do termo a que se referem. Leia o texto, observando a pontuação das orações subordinadas adjetivas.
saiba mais
O uso ou não de vírgulas em orações adjetivas não é fruto de uma escolha do enunciador, mas determinado pela própria natureza do que é dito. Examine. “Os vereadores, que são mantidos com verba pública, devem satisfações à população.” → Todos os vereadores são mantidos com verba pública; a informação é inerente ao grupo como um todo. “Os vereadores que faltaram àquela sessão devem satisfações à população.” → Nem todos os vereadores faltaram à sessão; a informação delimita um subgrupo dentro do grupo de vereadores.
“O rap ganha força a partir da utilização da musicalidade para lutar contra injustiças sociais, mas não perde o poder de entreter. Há sempre o diálogo com os dois”, explica Bill, que, apesar de ser conhecido pelas letras politizadas, tem “também uma sobre briga de casal que é uma das mais pedidas pelo público”. Como outros nomes do cenário nacional, ele despreza a preferência pelo hip hop norte-americano (que com o universo de luxo, joias e mulheres […] se faz o oposto de sua proposta musical) –, mas vislumbra um horizonte otimista para os rappers tupiniquins. “As rádios daqui ainda enxergam de forma diminutiva o hip hop feito aqui. Existem erros internos no próprio gênero, mas estamos passando por uma transição”, avalia. “O mercado vai começar a exigir cada vez mais música boa. Logo, novos nomes irão despontar no país, a cena é promissora.” Para somar ao trabalho que faz com a música, o cantor embarcou também em três livros: Cabeça de porco, de 2005, sobre a juventude no crime (ao lado de Celso Athayde e Luiz Eduardo Soares), Falcão – meninos do tráfico e Falcão – mulheres e o tráfico (também com Athayde). O segundo rendeu polêmico documentário homônimo, outra parceria com Athayde (a dupla comanda a ONG Cufa – Central Única das Favelas), exibido pela TV Globo em 2006. […]
Bruno Gonzalez/Agência O Globo
Entretenimento 3 conscientização
ONG Cufa (Central Única das Favelas) promove um dia de grafiti para jovens artistas, no Complexo do Alemão. Foto de 2010.
Problemas à parte, MV Bill segue trabalhando em prol de suas crenças – seja por meio de versos ou junto àqueles que o enxergam não apenas como rapper, mas como porta-voz. “O rap é música da rua, faz o diálogo com a juventude. Não sei se vou ter paciência de ficar por dentro desse meio jovem quando eu tiver meus 45 anos. Penso na música como um hobby, mas talvez eu esteja militando e atuando de outras formas.”
Douglas, Adriana. MV Bill se renova em novo disco. Rolling Stone Brasil, São Paulo, Spring, 24 jul. 2009.
1. Releia a seguir um trecho do texto, observando as partes destacadas. “O rap ganha força a partir da utilização da musicalidade para lutar contra injustiças sociais, mas não perde o poder de entreter. Há sempre o diálogo com os dois”, explica Bill, que, apesar de ser conhecido pelas letras politizadas, tem “também uma sobre briga de casal que é uma das mais pedidas pelo público”. 234
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Justifique o uso da vírgula depois de trabalho. d) Classifique a oração “que para ele é como um hobby”. 3. Identifique no texto mais duas orações subordinadas adjetivas desenvolvidas e classifique-as. 4. Leia, a seguir, o trecho de uma reportagem sobre o frevo.
Como de costume, o frevo pede passagem, mas não só nas ruas e durante o carnaval. Além de ter um dia em sua homenagem – comemorado em 9 de fevereiro –, o reconhecimento como Patrimônio Imaterial da Humanidade oficializado em dezembro de 2012, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), revigorou as forças de um ritmo que se manifesta na dança e no som […].
itora
apas de livros dos C quais MV Bill é coautor.
Veetmano Prem/Fotoarena
Pernambuco ferve
Objetiva/Ar
Para somar a seu trabalho, que para ele é como um hobby, o cantor embarcou em três livros.
quivo da ed
itora
a) Por que, nesse enunciado, uma vírgula depois de trabalho comprometeria o sentido? b) Como se classifica a oração “que faz com a música”? c) Considere agora uma frase como esta.
rquivo da ed
Para somar ao trabalho que faz com a música, o cantor embarcou também em três livros [...]
Objetiva/A
a) Classifique as orações do trecho destacado que são introduzidas por pronome relativo. b) Qual seria a mudança de sentido se fosse suprimida a vírgula depois do nome Bill? c) Por que não há vírgula depois de briga de casal? 2. Observe.
Participantes da maior dança de frevo do mundo em Olinda (PE). Foto de 2015.
Revista E, São Paulo, Sesc, ano 19, n. 8, p. 23, fev. 2013.
a) Identifique duas orações subordinadas adjetivas reduzidas presentes no texto. b) Reescreva o parágrafo, transformando as orações adjetivas reduzidas em desenvolvidas. Atente para a pontuação. c) Classifique as duas orações adjetivas reduzidas que você identificou no texto. 5. Reescreva os períodos a seguir no caderno, pontuando quando necessário. a) Todas as pessoas que desejarem participar da montagem teatral devem pegar uma senha. b) Em todas as sessões de que participei a plateia estava lotada. c) Todas as sessões que neste teatro só acontecem aos sábados e domingos serão gratuitas. d) No teatro onde a peça está sendo encenada há saídas de emergência. e) No Rio de Janeiro onde há inúmeras peças sendo encenadas tivemos público menor. f) Só posso comentar a carreira dos artistas cuja trajetória eu conheço. g) A carreira de Bibi Ferreira cuja trajetória eu conheço é cheia de histórias curiosas. h) A TV regional de cuja publicidade podemos vir a precisar solicitou uma entrevista. i) Este é o empresário cujo apoio financeiro permitiu a montagem da peça. ANOTE
O uso ou não da pontuação nas orações subordinadas adjetivas ajuda a evidenciar sua relação sintático-semântica com a oração principal. As orações restritivas são necessárias à identificação do termo modificado por elas e não são separadas da oração principal por vírgulas, travessões ou parênteses. Já as explicativas, cujo conteúdo é tomado como inerente ao termo antecedente a que se referem, são em geral grafadas entre tais sinais.
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capítulo
26 o que você vai estudar Orações subordinadas adverbiais.
Orações subordinadas adverbiais Neste capítulo você conhecerá as orações subordinadas adverbiais, que desempenham função semelhante à dos adjuntos adverbiais.
Sintaxe das orações subordinadas adverbiais Leia a tira a seguir.
Orações reduzidas. Período misto.
Hagar © 2010 King Features Syndicate/Ipress
• Causal, comparativa, concessiva, condicional, conformativa, consecutiva, final, proporcional, temporal e modal.
Browne, Dik. O melhor de Hagar, o Horrível. Porto Alegre: L&PM, 2007. p. 41.
1. Os elementos enumerados por Hagar no terceiro quadrinho quebram a expectativa do leitor quanto a suas afirmações anteriores, provocando o riso. Explique. 2. No segundo quadrinho, que elemento não verbal reforça a ideia de que a fala de Hagar deve ser interpretada em sentido literal? 3. No primeiro quadrinho, se a oração “pra serem felizes” fosse suprimida, o restante do período em que ela está inserida ficaria sintaticamente completo? Explique. 4. Qual sentido a oração “pra serem felizes” acrescenta ao período? Compare as construções a seguir. Vikings não precisam de uma casa grande ou um navio imenso. adjunto adverbial (advérbio)
Às vezes, vikings não precisam de uma casa grande ou um navio imenso. adjunto adverbial (locução adverbial)
Vikings não precisam de uma casa grande ou um navio imenso para serem felizes. (função de adjunto adverbial) Oração subordinada adverbial
Você já estudou que a função sintática de adjunto adnominal pode ser desempenhada pela oração subordinada adjetiva. Viu que as funções sintáticas de sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, aposto e predicativo do sujeito podem ser desempenhadas pela oração subordinada substantiva. Da mesma forma, a função de adjunto adverbial pode ser exercida por uma oração subordinada adverbial. É o caso de “para serem felizes”, oração que cumpre função adverbial em relação à oração principal, acrescentando informações ao seu conteúdo semântico. As orações subordinadas adverbiais geralmente são classificadas conforme o tipo de conjunção que as articula à oração principal. A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) reconhece dez tipos de conjunção subordinativa: integrantes, causais, comparativas, concessivas, condicionais, conformativas, consecutivas, finais, temporais e proporcionais. Com exceção das conjunções integrantes, que introduzem as orações subordinadas substantivas, todas as demais indicam tipos de oração subordinada adverbial. 236
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Tipos de oração subordinada adverbial I Na primeira parte deste capítulo, você vai estudar quatro tipos de oração subordinada adverbial: causal, comparativa, concessiva e condicional.
Oração subordinada adverbial causal Peanuts, Charles Schulz © 1987 Peanuts Worldwide LLC. / Dist. by Universal Uclick
Leia a tira.
Schulz, Charles. Snoopy: como você é azarado, Charlie Brown! Porto Alegre: L&PM, 2008. p.101.
No primeiro quadrinho, Charlie Brown indica o fato que causou a impossibilidade de abrir a lata: a ausência de um abridor. Para expressar essa noção, empregou uma oração com valor adverbial. Orações iniciadas por conjunções e locuções conjuntivas porque, já que, visto que e uma vez que indicam a causa do que está expresso na oração principal. Veja. Oração principal
Não posso abrir sua lata de ração porque não acho o abridor de latas.
conj. sub. causal Oração subordinada adverbial causal
Oração subordinada adverbial comparativa As orações subordinadas adverbiais comparativas são indicadas pelas conjunções ou locuções conjuntivas como, assim como, que nem, do que (depois de menos, mais), qual (depois de tal), quanto (depois de tão, tanto), entre outras. Veja o exemplo. Oração principal
Sua fome não é tão grande
quanto
você diz.
conj. sub. comparativa Oração subordinada adverbial comparativa
Oração subordinada adverbial concessiva As orações subordinadas adverbiais concessivas, introduzidas pelas conjunções e locuções conjuntivas embora, mesmo que, ainda que, apesar de que, por mais (menos/muito) que, entre outras, indicam um obstáculo que normalmente impediria a concretização do que está expresso na oração principal, mas não a impede de fato. Veja um exemplo. Oração principal
A comida vai demorar,
por mais que você insista.
loc. conj. sub. concessiva Oração subordinada adverbial concessiva
saiba mais
As orações coordenadas sindéticas explicativas e as orações subordinadas adverbiais causais têm uma diferença semântica bas tante sutil. As orações causais estabele cem uma relação de “causa-efeito” com a oração à qual se articulam. “Causa” supõe anterioridade tem poral; é algo que provoca outro fa to ou fenômeno, uma consequên cia. Assim, “não poder abrir uma lata” é resultado direto de “não achar o abridor de latas”. Nas orações explicativas, tem -se uma possível “explicação”, e não uma causa evidente. Exem plo: “Não posso abrir sua lata de ração, pois enlatados fazem mal à saúde”. O conteúdo expresso pe la segunda oração não é causa su ficiente para impedir alguém de abrir uma lata de ração; indica, an tes, uma crença do falante.
Oração subordinada adverbial condicional Introduzidas pelas conjunções e locuções conjuntivas condicionais se, caso, desde que, contanto que, sem que, a menos que, entre outras, essas orações apresentam uma condição para que ocorra ou não ocorra o que foi expresso na oração principal. Também podem indicar uma hipótese, como ocorre neste trecho da fala de Charlie Brown. Oração principal
Tenha paciência,
a menos que
tenha alguma ideia.
loc. conj. sub. condicional Oração subordinada adverbial condicional
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saiba mais
É muito comum que os períodos compostos por oração subordinada adverbial comparativa sofram uma elipse (apagamento) do verbo da oração subordinada: “Sua fome é tão grande quanto [era] antes”. 237
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Prática de linguagem Calvin & Hobbes, Bill Watterson © 1989 Watterson / Dist. by Universal Uclick
1. Leia a tira a seguir.
Watterson, Bill. Calvin e seus amigos. In: Nova escola online. Disponível em: . Acesso em: 13 maio 2016.
a) No segundo quadrinho, o pai de Calvin oferece uma resposta à pergunta feita pelo filho. A mãe parece concordar com ele? Explique. b) Analise a frase a seguir. Sempre leio para você porque essa é minha tarefa.
Com base em seus conhecimentos linguísticos, você diria que a conjunção porque no iní cio da segunda oração marca uma relação de causa ou de explicação em relação à oração anterior? Justifique sua resposta. c) A história que o pai de Calvin anuncia no último quadrinho não é um conto infantil tra dicional. Que intenção ele parece ter ao anunciá-la? Que elemento não verbal comprova sua resposta? d) A última fala da mãe de Calvin revela que ela não ouviu bem a frase dita pelo marido? Explique. 2. Leia o início de uma reportagem.
Vida interrompida O que acontece quando postes, árvores, caminhões, postos de gasolina e frentistas estão em seu caminho Se for beber, não dirija. Ou melhor: não dirija se for beber. A ordem dos fatores pode alterar o produto – no caso, o risco de você provocar um acidente de trânsito. Há quem afirme que só sendo imperativo negativo
para livrar o motorista da condicional. Só di zendo de imediato “Não faça isso”, em maiús cula, é que você entenderia o peso da coisa. Porque o álcool é categórico no seu corpo. […]
Manir, Mônica. O Estado de S. Paulo, p. J5, 17 fev. 2008.
a) No início do texto, há uma retificação, ou seja, uma reformulação de algo que foi dito an teriormente. Qual é a marca linguística que confirma essa afirmação? b) Essa retificação muda o sentido da primeira afirmação? Explique. c) Os textos escritos permitem planejamento e revisões, o que eliminaria a necessidade de tornar explícita uma reformulação desse tipo. Quais são os efeitos desses recursos no texto em questão? d) Segundo a autora, “Há quem afirme que só sendo imperativo negativo para livrar o mo torista da condicional”. Explique o duplo sentido contido nessa afirmação. e) “Imperativo categórico” é uma proposição do sistema filosófico de Immanuel Kant (1724-1804) segundo a qual se deve agir da maneira que se gostaria que fosse transfor mada em lei universal, praticada por todos. Explique como a autora utiliza essa referên cia em seu texto. 238
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Garfield, Jim Davis © 1994 Paws, Inc. All Rights Reserved / Dist. Universal Uclick
3. Leia a tira.
Davis, Jim. Garfield: numa boa. Porto Alegre: L&PM, 2008. p. 112.
a) Garfield aponta dois aspectos a se considerar durante a compra de uma árvore de Natal. O que permite o leitor concluir que Jon levou em conta um desses aspectos? b) “Seu teto nunca é tão alto quanto você pensa.” Classifique o trecho destacado com base no tipo de relação que ele estabelece com a primeira oração. c) O que levaria um comprador a supor que seu teto é mais alto do que de fato é? 4. Leia o seguinte trecho de um artigo publicado em uma revista de divulgação científica.
A ciência da boa lábia Persuasão é coisa de político, marqueteiro e vendedor, gente com uma habilidade natural para seduzir, certo? Errado. […] Mesmo que existam pessoas com o dom da lábia, técnicas de influência amparadas na ciência podem ser aprendidas por qualquer um. É o que afirma o Ph.D. em psicologia social Robert Cialdini, um dos maiores especialistas na área. […] Basta uma rápida reflexão para perceber o quanto essa necessidade de persuadir está presente em nosso dia a dia. Ela dá as caras ao pedir passagem no trânsito, pleitear aumento ao chefe [...]. Ser bem-sucedido ou não nes sas tarefas […] não depende apenas de bons argumentos. Requer saber usar os chamados atalhos mentais, atitu des que, mesmo sem ter uma relação com a ideia que você tenta passar, fazem ela ser aceita com mais facilidade. A investigação desses atalhos começa com os estudos do psicólogo e Prêmio Nobel Daniel Kahneman, que des creveu o mecanismo rápido de tomada de decisões do cérebro. […] Quando percebemos, por exemplo, que produ tos caros normalmente têm qualidade superior, fazemos uma associação automática na nossa mente. Depois disso, todas as vezes que olharmos para um produto caro, a tendência será pensar que ele é melhor, mesmo que nada mais indique isso. Esse tipo de pré-conceito mental entra em cena várias vezes durante uma argumentação. Se dissermos que a ideia que estamos passando é amparada por um Prêmio Nobel (como acabamos de fazer), aumentam as chances de você se mostrar mais receptivo a ela, mesmo que seja um absurdo – o que, vamos deixar claro, não é o caso aqui. Esses pensamentos intuitivos foram batizados de Sistema 1 (ou associativo) e, embora não pareçam, são bené ficos. Eles economizam energia e tempo cerebral. […] O contraponto é o Sistema 2 (ou analítico), usado quando precisamos meditar por um tempo antes de agir. As estratégias de persuasão operam principalmente em cima do Sistema 1, tentando capturar o interlocutor sem que ele reflita demais sobre o assunto, e se valem do fato de que uma parte da nossa maneira de pensar não se guia apenas pela racionalidade. […] Sponciato, Diogo. Galileu, São Paulo, Globo, n. 257, p. 52-53, dez. 2012.
a) Explique o provável efeito que a associação entre boa e lábia, feita no título, causa no leitor. b) Que relação é possível estabelecer entre o título e o conteúdo global do texto? c) O primeiro parágrafo apresenta o conceito de persuasão próprio do senso comum e um ponto de vista que difere dele. Quais são as duas estratégias textuais que sinalizam isso? d) Releia este trecho do quarto parágrafo. Esses pensamentos intuitivos foram batizados de Sistema 1 (ou associativo) e, embora não pareçam, são benéficos.
Por que os pensamentos intuitivos (os atalhos mentais) são benéficos? Transcreva a ora ção do período que expressa a ideia de que eles não são vistos dessa forma. e) Cite um exemplo, não mencionado anteriormente, de oração subordinada adverbial con cessiva presente no texto e explique a importância dela no período em que se insere. Não escreva no livro.
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Vocabulário de apoio
demover: motivar alguém a desistir Ph.D.: abreviação da expressão latina Philosophiae Doctor (doutor em filosofia), que designa a pessoa que tem um curso de doutorado pleitear: requerer, reivindicar
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Tipos de oração subordinada adverbial II Leia o trecho de um artigo de opinião sobre futebol.
[…] Durante a transmissão de Bélgica 3 Rússia, Galvão Bueno defendia a tese de que o problema da nossa zaga “é técnico, não tático”. O depoimento de Falcão, confessando que tinha dificuldade para marcar bolas cruzadas pelo alto, reforçava sua teoria. Se Luiz Felipe [técnico da seleção em 2002] convocou dois zagueiros que têm problemas na marcação das jogadas aéreas porque já foram volantes, convocou muito mal. Polga e Edmilson não poderiam ser considerados bons zagueiros – muito menos zagueiros de seleção – se carregassem uma deficiência herdada da função anterior. Imagine dizer algo assim de outra posição: “Esse meia tem dificuldade no desarme, mas é porque antes ele era atacante”. É inaceitável! O jogador tem de responder bem pelas funções que lhe cabem agora. E o que se espera é que ele mantenha as qualidades da função anterior, não as deficiências. Ainda que Galvão tenha razão, a única coisa que Felipão pode fazer agora é uma mudança tática: escalar dois zagueiros… e um meio-campo que os proteja melhor. C.q.d.
Alexandre Teles/ID/BR
Questão tática, como queríamos demonstrar
Francine, Soninha. Folha de S.Paulo, 15 jun. 2002. Esporte.
1. Considerando as possibilidades de erro técnico ou de erro tático, a posição da autora e a do locutor esportivo convergem ou divergem? Comprove com trechos do artigo. 2. Ao afirmar que o problema é técnico, Galvão atribuiu a responsabilidade a quem? Por quê? 3. Em que aspecto a autora concorda com o locutor? Em que aspecto ela discorda? 4. A quem a autora atribui a responsabilidade pelo problema da seleção? 5. Explique de que forma a autora, ao concordar com o locutor, justifica a tese contrária à dele. Além das orações subordinadas adverbiais estudadas na primeira parte do capítulo, há mais cinco tipos previstos pela NGB: conformativas, consecutivas, finais, proporcionais e temporais. Você as conhecerá a seguir, começando pela conformativa, a partir de um exemplo do texto.
Oração subordinada adverbial conformativa Observe. segundo
Capítulo 26 – Orações subordinadas adverbiais
Oração principal
O problema da seleção era tático,
a autora.
adjunto adverbial (locução adverbial)
como
queríamos demonstrar.
conj. sub. conformativa Oração subordinada adverbial conformativa
A oração subordinada adverbial conformativa, introduzida pelas conjunções como, conforme, consoante e segundo, indica conformidade com o que está expresso na oração principal.
Oração subordinada adverbial consecutiva A oração subordinada adverbial consecutiva indica uma consequência da ação expressa na oração principal ou do modo como essa ação ocorreu. A conjunção que introduz essa oração subordinada, relacionando-a aos advérbios de intensidade tão, tanto, tal para expressar a ideia de consequência. Veja. Oração principal
O técnico foi tão criticado
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que
pediu demissão.
conj. sub. consecutiva Oração subordinada adverbial consecutiva
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Oração subordinada adverbial final Liniers/Acervo do artista
Leia esta tira.
Liniers. Macanudo. Folha de S.Paulo, 8 jul. 2009.
A oração subordinada adverbial final, introduzida por meio das locuções conjuntivas a fim de que e para que, indica a intenção ou a finalidade do pensamento ou fato expresso na oração principal. Observe o exemplo. Oração principal
Eu comprei estes fones de ouvido para que você possa assistir aos seus filmes. loc. conj. sub. final Oração subordinada adverbial final
Oração subordinada adverbial proporcional Essa oração expressa algo que aumenta ou diminui na proporção do que está expresso na oração principal. As locuções conjuntivas à proporção que, à medida que, ao passo que introduzem orações proporcionais. A proporção também é expressa por meio da correlação quanto mais (menos/melhor/pior/maior/menor), mais (menos/melhor/pior/maior/menor). Veja. Oração principal
Quanto menos
você gritar,
melhor eu vou dormir.
loc. conj. sub. proporcional Oração subordinada adverbial proporcional
Oração subordinada adverbial temporal A oração subordinada adverbial temporal expressa o momento da realização do que é expresso na oração principal. As conjunções e locuções conjuntivas que a introduzem são quando, sempre que, antes que, depois que, assim que, logo que, enquanto, mal, desde que, até que. Oração principal
Quando
você grita,
eu acordo.
conj. sub. temporal Oração subordinada adverbial temporal
Oração subordinada adverbial modal Embora não prevista pela NGB, a oração subordinada adverbial modal costuma ser referida por alguns estudiosos. Ela indica o modo como se dá aquilo que está expresso na oração principal. Veja o exemplo. Oração principal
Você pode assistir aos seus filmes
sem que
eles me acordem.
loc. conj. sub. modal Oração subordinada adverbial modal
ANOTE
A Nomenclatura Gramatical Brasileira aponta nove tipos de oração adverbial: causal, comparativa, concessiva, condicional, conformativa, consecutiva, final, proporcional e temporal. Além dessas, também há orações modais. Não escreva no livro.
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Orações subordinadas adverbiais
Orações subordinadas adverbiais reduzidas As orações subordinadas adverbiais também podem apresentar forma reduzida. Leia o seguinte trecho da propaganda de divulgação de um programa de TV para jovens.
Oração principal
Três jovens saem da cola dos pais
para viver uma nova vida.
Capítulo 26 – Orações subordinadas adverbiais
Or. sub. adv. final reduz. de infinitivo
A oração subordinada acima apresenta a forma nominal infinitiva viver. Essa oração também poderia ser desenvolvida, empregando-se a locução conjuntiva subordinativa final para que, a qual introduz orações subordinadas adverbiais finais: “Três jovens saem da cola dos pais para que vivam uma nova vida”. Note, no entanto, que isso geraria uma ambiguidade: quem deve viver uma nova vida, os jovens ou os pais? Nesse caso, a oração reduzida torna clara a intenção da propaganda de atribuir a nova vida aos jovens. As orações subordinadas adverbiais reduzidas mais comuns são aquelas com o verbo no infinitivo. Veja outros exemplos. 1. Três jovens saem da cola dos pais por desejar autonomia. (causal) 2. Três jovens saem da cola dos pais apesar de gostarem deles. (concessiva) 3. Os jovens se sairão bem a depender de seu empenho. (condicional) 4. Os jovens insistiram a ponto de convencer os pais. (consecutiva) 5. Os jovens decidiram morar juntos após conversarem com seus pais. (temporal) Também são comuns as orações subordinadas adverbiais reduzidas de gerúndio. Observe os exemplos. 1. Desejando autonomia, três jovens saem da cola dos pais. (causal) 2. Os pais concordaram com a decisão dos filhos, mesmo ficando preocupados. (concessiva) 3. Os pais concordarão com a decisão dos filhos, dependendo da sensatez das atitudes desses jovens. (condicional) 4. Os jovens insistiram muito, convencendo os pais. (consecutiva) 5. Voltando das férias, os jovens tomaram sua decisão. (temporal) Por fim, há, em menor número, orações adverbiais reduzidas de particípio. Veja. 1. Dispostos a assumir o aluguel, os jovens aceitaram a proposta de emprego. (causal) 2. Ainda que admitida a possibilidade de fracasso, os jovens estavam decididos. (concessiva) 3. Partilhadas as despesas, os jovens poderiam mobiliar seu novo lar. (condicional) 4. Concluída a mudança, os jovens deram uma festa. (temporal) Alguns estudiosos também consideram a existência de orações adverbiais reduzidas que expressam a ideia de modo, meio ou instrumento. No que diz respeito ao sentido veiculado, elas se aproximariam das orações subordinadas adverbiais modais, descritas na página anterior. Observe alguns exemplos.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Oração principal
O rapaz recebeu a notícia
chorando de emoção. Or. sub. adv. modal reduz. de gerúndio
Oração principal
O empresário eliminou suspeitas contra si ao apresentar provas documentais.
Or. sub. adv. modal reduz. de infinitivo
ANOTE
As orações subordinadas adverbiais reduzidas de infinitivo podem expressar finalidade, causa, concessão, condição, consequência e tempo. As reduzidas de gerúndio podem expressar causa, concessão, condição, consequência e tempo. As reduzidas de particípio podem expressar causa, concessão, condição e tempo. As ideias de modo, meio ou instrumento podem ser expressas por orações reduzidas de infinitivo ou gerúndio.
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Não escreva no livro.
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Período misto Fernando Gonsales/Acervo do artista
Leia esta tira.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea: botando os bofes de fora. São Paulo: Devir, 2002. p. 11.
O período que constitui o texto dessa tira é composto de quatro orações.
Oração 1
Oração 3
Alguns cães fazem festinha quando o dono chega; outros fazem festonas quando o dono sai.
Oração 2
Oração 4
A oração 2 se subordina à oração 1, exercendo a função de adjunto adverbial de tempo. A oração 4 também se subordina à oração 3, exercendo a função de adjunto adverbial de tempo. Assim, temos nesse período duas relações de subordinação. Além disso, percebe-se que o conjunto formado pelas orações 1 e 2 (“Alguns cães fazem =festinha em certo momento”) se coordena com o conjunto formado pelas orações 3 e 4 (“outros fazem festonas em outro momento”). É como se o primeiro conjunto (orações 1 e 2) fosse uma oração coordenada assindética, e o segundo (orações 3 e 4) fosse outra oração coordenada =assindética. Assim, temos também uma relação de coordenação no período. Portanto, o período analisado acima é composto por subordinação e por coordenação ao mesmo tempo. Esse tipo de período é chamado de misto. Nesta unidade, ao longo de quatro capítulos, você estudou separadamente os dois mecanismos de articulação de orações – a coordenação e a subordinação. Na produção de um texto, no entanto, faz-se uso desses dois mecanismos simultaneamente e em níveis diversos. Isso quer dizer que não só as orações mas também as palavras e os sintagmas se coordenam e se subordinam. O importante é que as relações criadas em um texto fiquem claras para o leitor. Leia os trechos abaixo, extraídos de um ensaio sobre o romance Dom Quixote, e observe o esquema que representa o entrelaçar das ideias pelo uso de mecanismos de coordenação e subordinação. As orações dispostas paralelamente estão coordenadas, e as dispostas sob outras estão subordinadas. O vendeiro, diante da incrível aparência de Dom Quixote, diverte-se com sua evidente loucura, participa de sua fantasia e o recebe como se fosse um verdadeiro cavaleiro. Manzano, Thais Rodegheri. Artimanhas da ficção: ensaios de literatura. São Paulo: Terceiro Nome, 2008. p. 18.
O vendeiro […] diverte-se […], participa de sua fantasia
e o recebe
como [receberia] se fosse um verdadeiro cavaleiro.
No dia seguinte, para livrar-se do louco, o vendeiro imita a cerimônia de sagração e o declara membro da cavalaria. Manzano, Thais Rodegheri. Artimanhas da ficção: ensaios de literatura. São Paulo: Terceiro Nome, 2008. p. 18.
No dia seguinte, o vendeiro imita a cerimônia de sagração
e o declara membro da cavalaria. para livrar-se do louco
ANOTE
Chamam-se períodos mistos os períodos compostos simultaneamente por coordenação e subordinação. Não apenas orações, mas também palavras e sintagmas podem se articular por coordenação e subordinação.
Não escreva no livro.
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Prática de linguagem 2000 Wiley Miller/Dist. by Universal Uclick
1. Examine este cartum.
Miller, Wiley et al. Calvin & Cia. São Paulo: Opera Graphica, 2001. n. 2.
a) Que tipo de pessoa parece estar retratado no cartum? Como você chegou a essa conclusão? b) A expressão “chegar ao topo” apresenta duplo sentido no cartum. Quais são esses sentidos? c) “Chegar ao topo” costuma ser algo positivo, mas o cartum adverte que essa conquista traz um problema. Explique-o, relacionando-o aos dois sentidos da expressão. d) A ironia do cartum se constrói a partir de uma oração subordinada adverbial final. Identifique-a e relacione-a à produção do humor. 2. O texto a seguir é a transcrição de uma aula de História. Nele, a professora comenta a resposta de um aluno sobre o que caracteriza a Revolução Francesa. Leia-o.
muito bem... olha o Michel tá ficando... tá ficando um “expert” em História... começou... no princípio foi ótimo... não ter ido muito bem na primeira prova... não foi? foi ótimo foi ótimo porque ele se interessou de tal maneira... que agora dá aula... nós vimos que ela assinala... como disse o colega aí... a elevação da sociedade burguesa... e capitalista... à História da França... ou melhor... ah:... assinala a subida... ao poder... da sociedade burguesa... e capitalista... ora... pode-se já ver nisso... o que é uma revolução... uma revolução significa o quê? uma mudança... de classe... em assumindo o poder... você vê por exemplo... a Revolução Francesa... o que que ela significa? [...] a burguesia cresceu... ela ti/ a burguesia possuía... o poder... econômico... mas ela não tem prestígio social... nem poder político... então... através desse poder econômico da burguesia... que controlava o comércio... [...] então nós vamos ver que através... de uma Revolução... ela vai... de forma violenta... ela vai conseguir o poder... isso é uma revolução porque significa a ascensão de uma classe e a queda de outra... mas qual é a classe que cai? é a aristocracia... tanto que... o Rei teve a cabeça cortada... não é isso? caiu... o poder das classes privilegiadas e uma nova classe subiu ao poder... [...] isso é que é o que mostra... o que é uma revolução... Projeto da Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro (Nurc-RJ). Disponível em: . Acesso em: 5 fev. 2016.
a) A professora afirma que no final o aluno se beneficiou por não ter ido muito bem na primeira prova. Organize em um esquema o período misto que contém essa informação, explicitando a oração coordenada explicativa e a oração subordinada adverbial consecutiva. b) Releia o trecho a seguir. nós vimos que ela assinala... como disse o colega aí... a elevação da sociedade burguesa... e capitalista... à História da França...
Que função pode ter, no contexto da aula, o comentário destacado? Que tipo de relação a conjunção como expressa na oração? c) No texto acima, identifique dois exemplos de repetição típicos do gênero oral aula que ajudam o interlocutor a compreender melhor um conceito ou fato. d) Retextualize o texto, eliminando as repetições e suprimindo as referências à situação discursiva, supondo que ele vá ser aproveitado como resposta escrita à questão “O que caracteriza a Revolução Francesa?”. Faça as adaptações necessárias. 244
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Fernando Gonsales/Acervo do artista
3. Leia esta tira.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea: botando os bofes de fora. São Paulo: Devir, 2002. p. 17.
a) A oração reduzida “vendo televisão” possibilita duas interpretações sobre o período em que se insere. Escreva duas versões desenvolvidas dessa oração, explicitando esses sentidos. b) Sintaticamente, como se explica essa possibilidade de interpretação dupla? c) Qual é a expectativa, criada pelos primeiros quadrinhos, que se quebra no último? 4. Observe a propaganda ao lado. a) No período “Venha comemorar pedalando”, que termo expressa o modo como o público deve comemorar? b) Qual é a função sintática desse termo? c) Do ponto de vista de sua estrutura, “Venha comemorar pedalando” é um período composto. Como se classifica a oração constituída pelo termo que você identificou no item a? d) Quanto à forma em que se apresenta, essa oração é desenvolvida ou reduzida? e) Compare o período “Venha comemorar pedalando” com a seguinte versão dele.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 23 out. 2010, p. C11.
Pedalada de primeiro ano da CicloFaixa. Venha comemorar pedalando. Domingo, dia 24 de outubro, às 10 horas, no Parque das Bicicletas. (Concentração a partir das 9h)
Venha comemorar com uma pedalada.
Explique por que a opção original pode ser considerada melhor para a proposta do anúncio. O Estado de S. Paulo, 23 out. 2010, p. C11.
usina literária Leia o poema abaixo, da escritora Alice Ruiz.
nenhum coração suporta o pouco
1. O poema não tem título. Qual é a implicação disso para o leitor? 2. Em que experiência de vida um corpo comporta outro? Petra Elster/ID/BR
depois que um corpo comporta outro corpo
Ruiz, Alice. Dois em um. São Paulo: Iluminuras, 2009. p. 95.
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3. Do ponto de vista da organização sintática, como o poema é constituído? 4. Levando em conta essa organização, explique a relação estabelecida no poema entre corpo e coração. 5. Que sentido pode ser atribuído à segunda estrofe? 6. Os recursos sonoros do poema enfatizam a associação entre corpo e coração. Cite alguns desses recursos. 245
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Língua viva
O valor argumentativo das orações subordinadas adverbiais
Leia a seguir o artigo de opinião publicado na coluna escrita pelo médico Drauzio Varella para o jornal Folha de S.Paulo.
A obesidade é a maior das ameaças à saúde do século 21. O processo inflamatório crônico, os hormônios e os mediadores químicos produzidos e liberados pelo tecido adiposo, acumulado em excesso, aumentam o risco de doenças cardiovasculares, metabólicas, pulmonares e de diversos tipos de câncer. No Brasil, metade da população adulta está acima da faixa de peso saudável. Nos Estados Unidos, esse número ultrapassa 70%: cerca de 30% estão com excesso de peso, 30% são obesos e 10% sofrem de obesidade grave. A continuarmos no mesmo ritmo, é provável que nos próximos dez ou 20 anos estejamos na situação deles. A característica mais assustadora dessa epidemia é o número crescente de crianças e adolescentes obesos, consequência do acesso ilimitado a alimentos de alta densidade energética e da vida em frente da TV e dos computadores. O impacto dessa nova realidade será tão abrangente, que a próxima geração provavelmente terá vida mais curta do que a atual, previsão demográfica que os avanços da medicina não conseguirão reverter. Os custos da assistência médica aos portadores das doenças crônicas associadas à obesidade arruinarão as finanças dos sistemas de saúde de países como o nosso. O consumo de refrigerantes e sucos açucarados é uma das maiores fontes de calorias ingeridas por crianças e adolescentes. Um levantamento mostrou que os adolescentes americanos consomem em média 357 calorias diárias dessa fonte. É possível que os nossos não fiquem para trás. Se para cada 9 mil calorias ingeridas em excesso o corpo acumula um quilo de gordura, um exagero de apenas 357 calorias por dia significa um quilo a mais por mês ou 12 kg a cada ano que passa. Ao contrário dos carboidratos complexos contidos nos alimentos ricos em fibras, como as frutas e as verduras, as bebidas açucaradas são pobres em nutrientes, não induzem saciedade e estão ligadas a maus hábitos alimentares, como o consumo de “fast food”, doces, biscoitos e salgadinhos empacotados.
Acabam de ser publicados três estudos sobre a relação entre refrigerantes e obesidade em crianças e adultos. No primeiro, um grupo de Harvard acompanhou cerca de 33 mil mulheres e homens, que tiveram a predisposição genética avaliada por meio da detecção laboratorial de 32 genes ligados à obesidade. Os resultados mostraram que quanto maior o número desses genes e maior o consumo de refrigerantes com açúcar, maior o risco de ganhar peso. Por exemplo, entre os portadores de 30 genes, o número de obesos foi cinco vezes mais alto do que naqueles sem nenhum dos 32 genes, mas que consumiam o mesmo volume de refrigerantes. […] No segundo estudo, um grupo da Universidade de Amsterdã distribuiu refrigerantes com e sem açúcar para 641 crianças de cinco a 12 anos. As bebidas vinham sem nenhuma indicação no rótulo que permitisse à criança identificar se continham açúcar ou adoçante artificial. Depois de 18 meses, os que recebiam os refrigerantes com açúcar pesavam em média 1,02 kg a mais, apresentavam maior relação cintura/altura e maior quantidade de gordura no corpo. No terceiro, também conduzido em Harvard, 224 adolescentes obesos ou com excesso de peso foram divididos em dois grupos. No grupo-controle, os participantes continuaram a tomar a mesma quantidade de refrigerantes que estavam habituados a consumir todos os dias, enquanto os demais praticamente pararam de tomá-los. Depois de um ano, os adolescentes do grupo-controle pesavam em média 1,9 kg mais. Dois anos mais tarde, essa diferença havia desaparecido. Tomados em conjunto, esses três estudos sugerem que as calorias dos refrigerantes não são a única causa, mas contribuem para a disseminação da epidemia de obesidade. As recomendações do Ministério da Saúde para que crianças e adultos evitem refrigerantes e sucos açucarados e, principalmente, aumentem os níveis de atividade física devem ser levadas a sério.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Refrigerantes açucarados
Vocabulário de apoio
mediador químico: substância que atua como intermediária nas transmissões de impulsos nervosos tecido adiposo: tecido conjuntivo constituído por células capazes de armazenar gordura
Varella, Drauzio. Folha de S.Paulo, 15 dez. 2012.
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Sobre o texto
HIPERTEXTO
1. De forma geral, qual é o objetivo do texto? 2. Em sua estratégia argumentativa, o autor começa afirmando os riscos da obesidade. a) O primeiro argumento que ele emprega para isso é, de modo geral, conhecido do público. Qual é esse argumento? b) Releia o seguinte trecho do texto. O impacto dessa nova realidade será tão abrangente, que a próxima geração provavelmente terá vida mais curta do que a atual […].
Nesse trecho, o autor empregou duas orações subordinadas adverbiais. Identifique-as e classifique-as. Por que esse trecho é importante como estratégia argumentativa? 3. Para tornar a obesidade algo presente no horizonte de seus leitores, o autor apresenta dados sobre o assunto referentes ao Brasil e aos Estados Unidos. a) Qual a estatística sobre a obesidade nesses dois países? b) Para aproximar a situação desses dois países, foi empregado um período composto que apresenta uma oração subordinada adverbial. Identifique esse período e classifique as orações nele presentes. c) Explique por que esse período é importante na estratégia argumentativa do texto.
As estratégias argumentativas são um recurso muito utilizado em artigos de opinião, como o do professor Vladimir Safatle, para convencer o leitor da tese ou proposição defendida pelo autor. Conheça mais sobre essas estratégias na parte de Produção de texto (capítulo 35, p. 332-333).
5. Além da citação de dados estatísticos, o texto faz uso do “argumento de autoridade” ao mencionar instituições de credibilidade para atestar a veracidade do que apresenta. a) O primeiro estudo, realizado por um grupo da Universidade de Harvard, se baseou na influência de genes ligados à obesidade. Localize no texto e copie no caderno o período que apresenta a conclusão a que esse estudo chegou. b) Que relação há entre as orações desse período? c) Que conclusão pode ser obtida pelo terceiro estudo, também realizado por um grupo de Harvard?
Petra Elster/ID/BR
4. Para dar ao leitor a dimensão do que foi apurado entre os estadunidenses, o autor apresenta um cálculo. a) Para isso, emprega um período composto formado por uma oração subordinada adverbial. Localize no texto esse período e copie-o. b) Que conjunção introduz a oração subordinada presente nesse período? Qual a ideia expressa por essa conjunção? c) Qual a importância desse período na estratégia argumentativa do texto?
6. Em sua opinião, o autor atingiu o objetivo indicado na atividade 1? Justifique seu ponto de vista. ANOTE
No artigo de opinião e em outros gêneros textuais argumentativos, noções como as de causa, consequência, finalidade, condição e concessão, entre outras, são fundamentais para delimitar o ponto de vista defendido e construir a rede argumentativa que o sustenta. Essas noções podem ser expressas de diversas formas, inclusive por meio da oração subordinada adverbial. texto em construção A análise de um problema da realidade, seguida de uma sugestão de intervenção, é um procedimento presente em muitos artigos de opinião. Previsivelmente, esse tipo de reflexão explora a expressão de causa e de finalidade, pois tais noções – comumente indicadas por orações adverbiais – contribuem para que o texto aponte a raiz de um problema e sugira possíveis soluções.
No artigo de opinião “Lei do Feminicídio vai diminuir tolerância de crimes contra mulher” (capítulo 35, p. 328-329), empregam-se, entre outras orações, as adverbiais causais e finais. O texto é concluído de forma criativa, explorando a estrutura da oração adverbial temporal. Releia o último parágrafo desse artigo e responda à pergunta.
1. Classifique a oração adverbial que finaliza o artigo e explique o sentido expresso por ela.
Não escreva no livro.
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Orações subordinadas adverbiais
Em dia com a escrita
A pontuação nas orações subordinadas adverbiais
Desde o tempo das cavernas, o homem tem utilizado desenhos e outros elementos gráficos para retratar suas aventuras e misticismos. No entanto pode-se dizer que as precursoras das histórias em quadrinhos surgiram apenas no século passado [século XIX]. Não apresentavam, ainda, a forma atual, mas estavam muito próximas. As ilustrações predominavam, e os textos, quando existiam, eram diminutos e apareciam sob cada quadro ou desenho. Em geral vinham em forma de prosa ou verso e o diálogo praticamente inexistia.
Alexandre Teles/ID/BR
O sinal de pontuação que frequentemente está associado à oração subordinada adverbial é a vírgula. Para compreender o que determina o uso desse sinal junto da oração, convém retomar alguns princípios sobre seu emprego. Em um período simples, formado por uma única oração, o adjunto adverbial pode ocupar três posições. Se seguir a ordem direta dos termos na oração, ele se encontrará no final dela. Todavia, por questões de ênfase e produção de sentidos especiais, ele pode ser deslocado para o início ou vir intercalado no interior da oração. Quando na ordem direta – sua posição normal –, o adjunto adverbial não é, por princípio, marcado com vírgula. Caso contrário, para assinalar seu deslocamento, ele é separado por uma vírgula, se está no início da oração, ou por um par delas, se está em seu interior. Leia o texto a seguir e veja alguns exemplos do uso da vírgula com adjuntos adverbiais.
Iannone, Leila R.; Iannone, Roberto A. O mundo das histórias em quadrinhos. São Paulo: Moderna, 1994. p. 27.
Releia estas passagens. Lembre-se
[…] as precursoras das histórias em quadrinhos surgiram apenas no século passado. adj. adv. de tempo
Desde o tempo das cavernas, o homem tem utilizado desenhos e outros elementos gráficos […].
adj. adv. de tempo
Não apresentavam, ainda, a forma atual […]. adj. adv. de tempo
Os mesmos princípios adotados no período simples vigoram quando os adjuntos adverbiais são constituídos por orações subordinadas adverbiais. Leia outro trecho. Alexandre Teles/ID/BR
Embora conviva com as tiras e lâminas, a grande maioria dos leitores praticamente desconhece essa nomenclatura. “Tira diária” é o nome da história com três ou quatro quadrinhos, que aparece diariamente nos jornais. A “lâmina”, também conhecida como tabloide, equivale à história editada em uma única página. Iannone, Leila R.; Iannone, Roberto A. O mundo das histórias em quadrinhos. São Paulo: Moderna, 1994. p. 26.
Comprove a correspondência com o que foi exposto acima, analisando passagens dos dois trechos. […] o homem tem utilizado desenhos e outros elementos gráficos para retratar suas aventuras e misticismos.
Oração sub. adv. final reduz. de infinitivo
Embora conviva com as tiras e lâminas, a grande maioria dos leitores praticamente desconhece essa nomenclatura. Oração subordinada adverbial concessiva
[…] os textos, quando existiam, eram diminutos [...].
Oração subordinada adverbial temporal
Quando a oração subordinada adverbial vem logo após a oração principal, muitas vezes ela não é antecedida por vírgula. Se está antes ou intercalada, então pode ser separada por vírgula. 248
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Mesmo no final da oração, um adjunto adverbial pode ser separado por vírgula se essa ênfase criar um efeito de sentido: “Você pode dormir aqui, hoje”. Também é possível que os adjuntos adverbiais no início e no interior da oração não estejam separados por vírgula, se forem considerados curtos: “Ali ninguém punha os pés”.
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1. Leia o texto que segue. Collins está de volta, em meio ao conturbado cenário de 2009, para explicar por que empresas poderosas quebram e como homens e mulheres de negócios considerados brilhantes podem ser incapazes de enxergar o abismo à frente. As razões
para o fracasso são várias. Mas talvez a mais nociva delas seja a perda da alma. Como o próprio Collins diz em outras palavras, não há gestão de sucesso se não houver paixão pelos valores essenciais de um negócio.
Exame, edição especial, n. 946, São Paulo, Abril, p. 7, 1o jul. 2009.
a) No último período, há três orações. Identifique-as e indique aquelas que desempenham a função sintática de adjunto adverbial. b) Em relação à oração principal, que posição as orações subordinadas que você identificou no item anterior ocupam no período? c) Essas orações estão adequadamente pontuadas no período em que se encontram? Justifique sua resposta. d) No primeiro período, o que justifica o uso da vírgula antes da oração subordinada adverbial final “para explicar”? 2. No texto a seguir, uma oração subordinada foi destacada por um par de travessões. Leia-o. Enquanto registra queda de 63 bilhões de reais na arrecadação de 2009, o governo federal enfrenta a ameaça de o Congresso aprovar seis propostas previdenciárias com potencial para implodir o já precário equilí-
brio fiscal. De acordo com o economista Raul Velloso, tais medidas – se aprovadas na totalidade – poderiam custar 83 bilhões de reais aos cofres públicos já no primeiro ano de vigência.
Exame, edição especial, n. 946, São Paulo, Abril, p. 18, 1o jul. 2009.
George Colomb (1856-1945), professor da Universidade de Sorbonne, em Paris, é apontado por muitos como o verdadeiro criador da fórmula que originou as histórias em quadrinhos. Inicialmente fazia desenhos para contar histórias ao filho e, quando este aprendeu a ler, juntou textos às ilustrações. Depois, sob o pseudônimo de Christophe, passou a vender os desenhos para aumentar a renda familiar. […] […] Seus desenhos dão a ideia clara do movimento entre uma imagem e outra, e a história é habilmente dividida em pequenos quadros, para evidenciar o desenrolar dos acontecimentos. [...]
Alexandre Teles/ID/BR
a) Os travessões têm função sintática correspondente à que as vírgulas desempenhariam? Explique. b) O efeito criado pelos travessões corresponde ao das vírgulas? Explique. 3. No texto a seguir, duas orações subordinadas estão destacadas.
Iannone, Leila R.; Iannone, Roberto A. O mundo das histórias em quadrinhos. São Paulo: Moderna, 1994. p. 29-30.
a) Explique a ausência de vírgulas em relação à primeira oração grifada. b) Explique a presença de vírgulas em relação à segunda oração grifada. c) A segunda vírgula empregada no último parágrafo tem função sintática ou expressiva? Justifique. ANOTE
A pontuação das orações subordinadas adverbiais segue os princípios da pontuação do adjunto adverbial no período simples, ou seja, são destacadas por vírgulas quando no início ou no meio do período. Se elas estão no final, a vírgula não é necessária sintaticamente, mas pode ser usada como recurso expressivo.
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Articulando
Modismos da língua
Leia a seguir dois textos que tratam de palavras e expressões da língua que, por motivos diversos, passam a ser utilizadas maciçamente, criando uma espécie de “modismo” linguístico. Ambos foram escritos por jornalistas que se dedicam a questões da língua portuguesa. Texto 1
Muitos criticam a adoção de certas palavras, especialmente verbos terminados em “-izar”, como “disponibilizar”, “penalizar”, “relativizar” e “absolutizar”, sob o argumento de que são desnecessárias, já que a língua dispõe de outros vocábulos, mais simples e tradicionais, para expressar os mesmos conceitos. Na opinião desses críticos, em vez de “disponibilizar”, devemos empregar “oferecer”; em lugar de “penalizar”, “punir”, e assim por diante. A questão oculta por trás dessa argumentação não é propriamente se tais palavras são de fato ociosas, já que existem sinônimos para elas. Afinal, sinônimos nunca são demais: sempre precisamos deles, nem que seja para tornar menos monótona a redação. “Oferecer”, “ofertar”, “disponibilizar”, com certeza há lugar para todas essas palavras na língua. Então, por que o uso desses termos incomoda algumas pessoas? A meu ver, há algo de ideológico nisso. Certas expressões têm alta frequência de uso em algumas épocas e em determinados grupos sociais ou profissionais. Assim, na década de 1960 qualquer coisa muito boa ou que cumprisse muito bem suas funções estava “inserida no contexto”. Nos anos 1980, explicação que se prezasse tinha de ser iniciada por “Veja bem”. Certos modismos são odiados justamente por serem modismos, o que revelaria falta de personalidade ou estilo por parte de quem os usa. Muitos deles são, aliás, deformações do jargão acadêmico ou da linguagem especializada, o que os tornaria ainda mais caricatos (por exemplo, “enquanto” e “a nível de” no sentido de “como”: “o homem, enquanto ser social”, “a nível de espécie animal, o ser humano...”). Talvez seja esse o caso de “disponibilizar”, “absolutizar”, etc. Do ponto de vista morfológico, não há nada de errado com essas palavras: se o sufixo “-izar” significa “tornar”, então disponibilizar é tornar disponível, absolutizar é tornar absoluto, e assim por diante. O problema é que esses termos surgem em determinados meios (empresarial, publicitário, econômico) e se tornam emblemáticos dessas atividades. Tornadas assim palavras-emblema, elas passam a carregar o estigma das profissões que as ostentam como senha.
Se desacredito dos economistas e de suas mirabolantes previsões, o jargão econômico se transforma em “economês”, língua de empulhação, destinada a ludibriar a opinião pública. E, portanto, seus termos passam a ser emblemas dessa empulhação. Há também a falsa erudição. Sendo termos nascidos em algum jargão técnico, “disponibilizar”, “relativizar”, etc., conferem a quem os pronuncia um status de pessoa letrada, de nível superior. O abuso dessas formas como índice de cultura é o que gera a caricatura. Infelizmente, no próprio discurso letrado, o vazio de ideias acaba preenchido por uma pletora de vocábulos-emblema. Em textos acadêmicos, é comum lermos que “este artigo procura lançar um olhar sobre”, “é preciso tornar o aluno sujeito de seu próprio processo de ensino-aprendizagem”, etc. etc. O costume de lançar olhares em vez de simplesmente analisar, examinar, estudar, bem como o emprego de palavras e construções que revelem algo da ideologia do autor (por exemplo, termos como “inclusão”, “resgate da cidadania”, “dívida histórica”, “situação de risco social”, “ação afirmativa” fazem parte de certas agendas político-partidárias), nos predispõe imediatamente contra ou a favor da argumentação subsequente, pois, de cara, percebemos tratar-se de um texto desta ou daquela linha ideológica. O mesmo raciocínio vale para as investidas eugenistas contra certos vocábulos, como “homossexualismo”, ao qual os puristas querem contrapor “homossexualidade”, alegando o caráter mais neutro do sufixo “ dade” […]. Ora, não existem termos neutros na linguagem, tudo tem conotações, a própria busca da neutralidade emblematiza (gostaram?) uma postura ideológica, a do igualitarismo radical. O fato é que a língua se pauta menos pela lógica do que pelo uso. Se alguém propõe um novo termo, por menos razoável que seja (e o que há de razoável em chamar radar de trânsito de pardal?), e ele “pega”, não há o que fazer. Criticá-lo, combatê-lo, incitar as pessoas a boicotá-lo, nada disso dá resultado e só revela o lado rancoroso de alguns falantes, que se comprazem em estigmatizar (!) a fala alheia.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
O estigma das palavras
Vocabulário de apoio
caricatura: reprodução deformada de alguma coisa; imitação ridícula emblema: símbolo estigma: marca negativa, de desonra empulhação: tapeação; mentira eugenista: purista. pletora: excesso
Bizzocchi, Aldo. O estigma das palavras. Blog do Aldo Bizzocchi. São Paulo, jul. 2013. Disponível em: . Acesso em: 13 maio 2016.
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Texto 2
Vou sinalizar com a maior clareza: tome cuidado com o verbo “sinalizar”. Estamos diante de um modismo vocabular avassalador, tão nocivo em sua onipresença quanto já foram expressões como “a nível de” e “por conta de”. Na recente campanha eleitoral, da qual o país saiu rachado, a mania da sinalização foi um raro ponto de concórdia. Governo e oposição, todo mundo sinalizou que foi uma beleza. “Considero lamentável que a presidenta Dilma sinalize que fugirá dos debates”, alertava Eduardo Campos em abril. Em julho, falando sobre o programa Minha Casa Minha Vida, Dilma optou pela sinalização dupla: “Estamos sinalizando para os empresários que esse programa vai continuar. Queremos deixar sinalizado para os trabalhadores, movimentos de moradias, que estamos pensando em 3 milhões para a próxima etapa”. Passado o primeiro turno, Marina Silva preparou o apoio a Aécio Neves com o seguinte diagnóstico: “O Brasil sinalizou claramente que não concorda com o que está aí”. No primeiro debate do segundo turno, o candidato do PSDB afirmou, referindo-se a Armínio Fraga: “Felizmente já tenho um nome que sinaliza para a previsibilidade na nossa economia”. Não é só o vocabulário da política e da economia que sinaliza dia após dia sua rendição incondicional ao verbo “sinalizar”. A imprensa – em todas as editorias – não fica atrás. Basta dar uma volta pelo noticiário eletrônico ou de papel para comprovar isso. (Veja.com não está imune ao vírus da sinalização. Ninguém está.)
Antigamente, quando havia compromisso firmado com algum evento futuro, como no exemplo de Dilma ali atrás, conjugavam-se verbos como garantir, prometer, afirmar, assegurar, planejar. Não existindo compromisso, mas razoável certeza de determinado desdobramento, ia-se de apontar, anunciar, indicar, assinalar, atestar, prever, deixar claro. Quando a segurança era menor, preferia-se o uso de sugerir, acenar com, dar a entender, insinuar. Para certezas menores ainda: especular, ventilar… Hoje ficou mais fácil: o verbo-ônibus “sinalizar” resolve todos os problemas. Se ele passa a motoniveladora sobre os matizes que dão precisão e colorido à linguagem, paciência. Isso deve ser a sinalização de alguma coisa. [...] Seria um equívoco conservador alegar que todos esses usos de “sinalizar” estão simplesmente “errados” [...]. Embora as acepções dicionarizadas do verbo sejam quase todas coladas na sinalização literal – a que é feita com bandeiras, placas, cores, símbolos –, é preciso levar em conta que empregos figurados e expansões semânticas não são apenas inevitáveis em línguas vivas. São saudáveis também. O que definitivamente não é saudável é o modismo que deixa todo mundo falando igual, que atenta contra a diversidade vocabular e a elegância de pensamento, que aplaina sutilezas de sentido, que instaura a repetição e o tédio e que – para resumir – torra a paciência da nação. Fica a sinalização, quer dizer, o toque.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
“Sinalizar”: um novo “a nível de” na área
Vocabulário de apoio
aplainar: tornar plano, liso matiz: nuance, variedade de detalhes motoniveladora: máquina usada na nivelação do terreno
Rodrigues, Sérgio. “Sinalizar”: um novo “a nível de” na área. Veja, São Paulo, 2 nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 13 maio 2016.
DEBATE
1. Reúna-se em grupo de cinco pessoas e, em relação à questão dos modismos na língua, responda às questões. a) Que explicações o texto 1 apresenta para essa ocorrência? b) O que, precisamente, sustenta essa postura no texto 2? 2. Que testemunho concreto da validade dos modismos os dois textos apresentam? 3. Que comportamento cada texto recomenda em relação aos modismos na língua? 4. Enumere os modismos linguísticos citados nos textos. Discuta com seu grupo quais se mantêm estigmatizados. 5. Com seu grupo, defina uma posição em relação à seguinte questão: O modismo linguístico é algo a ser evitado ou consiste em um fenômeno natural?
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A língua tem dessas coisas Uma língua pode morrer? Se dizemos que a língua é “viva”, temos de assumir que está submetida à possibilidade de “morrer”. Mas será a extinção de uma comunidade linguística a única forma pela qual uma língua pode deixar de existir? Descubra, lendo o texto a seguir.
Railda Manaitá, 79, permanece calada enquanto tenta lembrar como se diz “bananeira” em poianaua. Ela olha para cima e se concentra. Até conseguir dizer “xiku”, aliviada, são longos 30 segundos de silêncio e apreensão. Os poianauas contam com a memória de Railda, única pessoa que ainda fala bem a língua indígena. Precisam dela para salvar da extinção um idioma proibido quase cem anos atrás. O desafio é grande. A única história conhecida de língua que ressurgiu é a do hebraico, que perdeu o uso durante a diáspora judaica e ficou restrito à liturgia por cerca de 1 800 anos. Foi recriado e hoje é língua oficial de Israel. O poianaua começou a desaparecer por volta de 1910, quando os índios foram sequestrados e escravizados numa fazenda de extração de borracha. Os seringalistas proibiram a língua e criaram uma escola para ensinar o português. Quem falava poianaua era castigado. Podia ter os olhos furados e dentes e unhas arrancados sem anestesia, de acordo com o linguista Aldir de Paula, da Universidade Federal de Alagoas. “Os patrões foram inteligentes. É pela língua que existe controle social.” Hoje, os poianauas vivem onde funcionava a fazenda, em Mâncio Lima (AC), quase na fronteira com o Peru. Entre os cerca de 500 índios, outros dois lembram da língua: o irmão de Railda, Luiz Manaitá, 85, e o ex-cacique Mario Puyanawa, 65. Mas só ela é fluente. Os três aprenderam porque pertenciam às poucas famílias que desobedeciam às regras. Na época, também, o preconceito fez com que muitos parassem de falar por vergonha. A transmissão cessou nessa geração. Os filhos e netos deles não aprenderam a língua.
Escola indígena A valorização da cultura veio com o processo de demarcação de terras, concluído em 2001. Um ano antes, a escola adotou um modelo de ensino que valoriza a diversidade. [...] A escola vai do ensino infantil ao médio. Os 232 alunos respondem à chamada em poianaua e dançam músicas típicas. O professor do idioma traduz o que é ensinado nas disciplinas. Na aula de matemática, por exemplo, falam os números também em poianaua. [...] Como os professores não são falantes plenos da língua, o resultado é limitado. O aprendizado é restrito a nomes de animais, partes do corpo, números e frases simples.
Disponível em: . Acesso em: 29 maio 2013.
Língua proibida revive no Acre
Professora da escola Ixubãy Rabuy Puyanawa, em Mâncio Lima (AC), exibindo cartaz com as partes do corpo humano escritas na língua poianaua. Foto de 2010.
Para tornar viável a comunicação, Aldir de Paula está produzindo uma gramática. Mas o sucesso do projeto dos poianauas ainda depende de Railda. Só ela sabe, por exemplo, a entonação das palavras. Recentemente, os poianauas descobriram outra esperança de contato com a língua “real”. Ouviram falar que, no Peru, vivem representantes da etnia, que teriam escapado quando os indígenas foram capturados.
Língua difícil Enquanto isso não é provado, Jósimo Constante, 20, tenta aprender com Railda. Fala inglês e espanhol, mas diz que poianaua é “mais complicado”. A dificuldade é reflexo de um sistema linguístico que traduz uma forma diferente de enxergar o mundo. São essas riquezas, escondidas na diversidade dos idiomas, que desaparecem com a morte das línguas. No poianaua, por exemplo, existem quatro formas de falar nós: uma que inclui quem está ouvindo, uma que exclui, uma que inclui quem ouve e quem fala e uma que significa todos os seres e criaturas. [...] Os poianauas sabem que também vai levar muito tempo até o projeto de recuperação dar resultado. Esperam que isso aconteça nas próximas gerações, se os alunos transmitirem o idioma para seus filhos. [...]
Bandeira, Luiza. Folha de S.Paulo, 8 jul. 2009.
1. Leia o texto e explique os três fatores que podem levar ao desaparecimento de uma língua. 2. Quais medidas podem ajudar na revitalização de uma língua? 3. A extinção de uma língua traz perdas não apenas à comunidade que a fala. Explique. 252
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Vestibular e Enem 1. (PUC-SP) Observe o trecho: O fino suporte de madeira sobre o qual o retrato foi pintado sofreu uma deformação desde que especialistas em conservação examinaram a pintura pela última vez…
Nele, o elemento coesivo “desde que”, mais do que ligar duas orações, estabelece uma relação de sentido entre elas. Dentre as alternativas abaixo, assinale aquela que indica a relação de sentido estabelecida pelo “desde que” no referido trecho: a) condição. b) causa. c) concessão. d) proporção. e) tempo. (Vunesp) Texto para a questão 2.
MÃOS Mãos de veludo, mãos de mártir e de santa, o vosso gesto é como um balouçar de palma; o vosso gesto chora, o vosso gesto geme, o vosso [gesto canta! Mãos de veludo, mãos de mártir e de santa, rolas à volta da negra torre da minh’alma. Pálidas mãos, que sois como dois lírios doentes, Caridosas Irmãs do hospício da minh’alma, O vosso gesto é como um balouçar de palma, Pálidas mãos, que sois como dois lírios doentes... Mãos afiladas, mãos de insigne formosura, Mãos de pérola, mãos cor de velho marfim, Sois dois lenços, ao longe, acenando por mim, Duas velas à flor duma baía escura. Mimo de carne, mãos magrinhas e graciosas, Dos meus sonhos de amor, quentes e brandos ninhos, Divinas mãos que me heis coroado de espinhos, Mas que depois me haveis coroado de rosas! Afilhadas do luar, mãos de rainha, Mãos que sois um perpétuo amanhecer, Alegrai, como dois netinhos, o viver Da minha alma, velha avó entrevadinha. (Eugênio de Castro. Obras poéticas, 1968.)
2. Na última estrofe do poema, os termos “Afilhadas do luar”, “mãos de rainha” e “Mãos que sois um perpétuo amanhecer” funcionam, no período de que fazem parte, como a) orações intercaladas. b) apostos.
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
c) adjuntos adverbiais. d) vocativos. e) complementos nominais. (Unifor-CE) Texto para a questão 3. Ainda que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada [seria. É só o amor, é só o amor. Que conhece o que é verdade. O amor é bom, não quer o mal. Não sente inveja ou se envaidece. O amor é o fogo que arde sem se ver. É ferida que dói e não se sente. É um contentamento descontente. É dor que desatina sem doer. Ainda que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada [seria. É um não querer mais que bem querer. É solitário andar por entre a gente. É um não contentar-se de contente. É cuidar que se ganha em se perder. Legião Urbana. CD As quatro estações. São Paulo: EMI-Music, 1989.
3. A oração presente no primeiro verso da primeira estrofe pode ser classificada como: a) oração subordinada adjetiva restritiva. b) oração subordinada adjetiva explicativa. c) oração subordinada substantiva subjetiva. d) oração subordinada adverbial consecutiva. e) oração subordinada adverbial concessiva. 4. (Ufam) Assinale a opção em que está incorreta a classificação da oração grifada: a) A estrela brilhava no eterno azul como uma vela. (subordinada adverbial comparativa) b) A Lua dizia que a claridade do Sol resumia toda a luz. (subordinada substantiva objetiva direta) c) Como estava enfarado de sua enorme e desmedida umbela, o Sol invejava o vaga-lume. (subordinada adverbial causal) d) A Lua admirava a auréola de nume que o sol ostentava. (subordinada adjetiva restritiva) e) Enquanto bailava no ar, o inquieto vaga-lume fitava com ciúme da estrela. (subordinada adverbial proporcional) 253
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Vestibular e Enem (UFRN) Texto para a questão 5.
Prólogo
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No princípio era o pântano, com valas de agrião e rãs coaxantes. Hoje é o parque do Anhangabaú, todo ele relvado, com ruas de asfalto, […] a Eva de Brecheret, a estátua de um adolescente nu que corre – e mais coisas. Autos voam pela via central, e cruzam-se pedestres em todas as direções. Lindo parque, civilizadíssimo. Atravessando-o certa tarde, vi formar-se ali um bolo de gente, rumo ao qual vinha vindo um polícia apressado. Fagocitose, pensei. A rua é a artéria; os passantes, o sangue. O desordeiro, o bêbado, o gatuno são os micróbios maléficos, perturbadores do ritmo circulatório. O soldado da polícia é o glóbulo branco – o fagócito de Metchennikoff. Está de ordinário parado no seu posto, circunvagando olhares atentos. Mal se congestiona o tráfego pela ação antissocial do desordeiro, o fagócito move-se, caminha, corre, cai a fundo sobre o mau elemento e arrasta-o para o xadrez. Foi assim naquele dia. […] Alguém perturbara a paz do jardim, e em redor desse rebelde logo se juntou um grupo de glóbulos vermelhos, vulgo passantes. E lá se vinha o fagócito fardado restabelecer a harmonia universal.
Lobato, Monteiro. O fisco (Conto de Natal). In: ______. Negrinha. São Paulo: Globo, 2008. p. 63-64.
5. Corresponde a uma forma desenvolvida da oração reduzida “Atravessando-o certa tarde […]” (linha 8): a) Certa tarde, a ponto de atravessá-lo. b) Quando ia atravessá-lo, certa tarde. c) Certa tarde, enquanto o atravessava. d) Conquanto o atravessasse, certa tarde. (Unifesp) Texto para a questão 6.
Dercy Gonçalves, a trágica Ao Brasil a palavra “infantil” talvez não caiba, mas a Dercy Gonçalves cabe. Ela era infantilizada e infantilizadora. O palavrão era sua arma. Que graça pode haver num palavrão? A mesma de um tombo do palhaço: em princípio, exceto em ocasiões muito inesperadas, nenhuma. Mas as crianças acham engraçado. Igualmente, o palavrão, exceto em ocasiões precisas, não tem graça. Entre Dercy e sua plateia, no entanto, o grande intermediário, a solda, o agente infalível do riso, era o palavrão. “O palavrão… quando virá o palavrão?”, perguntava-se a plateia, ansiosa, quando ele tardava. Dercy
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Gonçalves sem falar p.q.p. ou filha da p. seria o mesmo que Carmen Miranda sem o turbante e os balangandãs. Dercy não fraudava a expectativa. Se o palhaço não pode deixar de tropeçar, ela não podia deixar de soltar o palavrão. A plateia, tão infantilizada quanto a artista, esbaldava-se. No Carnaval de 1991, Dercy, aos 83 anos, desfilou pela escola de samba Viradouro com os seios de fora. Faziam-lhe uma homenagem, mas não bastava sua presença. Era preciso fazer o tipo. Como não lhe deram o microfone para dizer palavrões, ofereceu o corpo. Na opinião predominante, foi um gesto bonito e libertário, mas também era possível enxergar ali um momento semelhante ao encenado por Garrincha na mesma avenida, anos antes – um Garrincha inchado e zumbi, exibido como bicho de circo. Identificada à comédia, Dercy também podia ser entendida como personagem de tragédia. Veja, 30 jul. 2008. Adaptado.
6. O trecho “Se o palhaço não pode deixar de tropeçar, ela não podia deixar de soltar o palavrão” pode ser parafraseado e substituído por: a) À medida que o palhaço não pode deixar de tropeçar, ela não podia deixar de soltar o palavrão. b) O palhaço não pode deixar de tropeçar, no entanto ela não podia deixar de soltar o palavrão. c) Embora o palhaço não pode deixar de tropeçar, ela não podia deixar de soltar o palavrão. d) O palhaço não pode deixar de tropeçar, tanto que ela não podia deixar de soltar o palavrão. e) Assim como o palhaço não pode deixar de tropeçar, ela não podia deixar de soltar o palavrão. (FGV-SP) Texto para a questão 7.
A última nota solta A habilidade dos governantes da Bruzundanga é tal, e com tanto e acendrado carinho velam pelos interesses da população, que lhes foram confiados, (I) que os produtos mais normais à Bruzundanga, mais de acordo com a sua natureza, são comprados pelos estrangeiros por menos da metade do preço (II) pelo qual os seus nacionais os adquirem. Barreto, Lima. Os bruzundangas. Porto Alegre: L&PM, 1998. p. 213.
7. As duas orações subordinadas em destaque no texto têm sentido de: a) (I) consequência e (II) restrição. b) (I) explicação e (II) consequência. c) (I) causa e (II) tempo. d) (I) finalidade e (II) restrição. e) (I) causa e (II) finalidade.
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unidade
Aspectos da sintaxe na norma-padrão
Nesta unidade 27
Colocação pronominal
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Concordância e regência
O quadro, encomendado por dom Pedro II, foi pintado 66 anos após a independência. Américo, Pedro. Independência ou morte, 1888. Óleo sobre tela, 415 cm × 760 cm. Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Museu Paulista da USP, São Paulo. Fotografia: ID/BR
A famosa tela de Pedro Américo (1843-1905) retrata de forma idealizada o episódio em que dom Pedro I teria declarado a Independência do Brasil, o que gera algumas distorções, como trajes de gala no lugar de uniformes e cavalos no lugar de mulas ou jumentos. Tracemos um paralelo entre essa tela e a língua: por muito tempo, a tradição gramatical defendeu como ideal linguístico uma variedade criada artificialmente (a norma-padrão), inspirada em obras literárias, que não corresponde ao que os falantes das variedades urbanas de prestígio usam na atualidade. Em nome de sua pretensa superioridade, e tomado como parâmetro de correção, beleza e elegância, esse ideal direciona o ensino escolar e tem prestígio social até hoje. Nesta unidade, você estudará alguns aspectos de sua sintaxe e os confrontará com usos efetivos da língua.
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capítulo
27 o que você vai estudar Revisão dos pronomes pessoais.
Colocação pronominal Neste capítulo, você conhecerá as regras de colocação dos pronomes na norma-padrão e investigará como a colocação pronominal ocorre no uso cotidiano da língua.
Revisão: pronomes pessoais Leia a tira. Jim Davis, 1978 Paws, Inc. All Rights Reserved/Dist. by Universal Uclick
Regras da colocação pronominal na norma-padrão. A colocação pronominal no uso cotidiano da língua na atualidade.
Davis, Jim. Garfield: em grande forma. Porto Alegre: L&PM, 2005. p. 105.
1. A tira apresenta um contraste entre a maneira como a personagem se expressa e o conteúdo de seu discurso, produzindo um efeito de humor. Explique. 2. Observe a posição ocupada pelo pronome se (segundo quadro) e pelo pronome nos (terceiro quadro). Em que outras posições dos enunciados eles poderiam ser colocados? Os pronomes pessoais indicam as pessoas do discurso. Eles podem se apresentar nos casos reto e oblíquo, conforme a função sintática que desempenham. Veja o quadro. Átonos
Tônicos
a
eu
me
mim, comigo
a
tu
te
ti, contigo
a
ele, ela
o, a, lhe, se
ele, ela, si, consigo
a
nós
nos
nós, conosco
1 pessoa Singular
2 pessoa 3 pessoa 1 pessoa
Plural
Pronomes pessoais oblíquos
Pronomes pessoais retos
a
2 pessoa
vós
vos
vós, convosco
3a pessoa
eles, elas
os, as, lhes, se
eles, elas, si, consigo
O português do Brasil apresenta, ainda, dois termos que atuam como pronomes pessoais: a gente, que indica a primeira pessoa do plural; e você(s), classificado como pronome de tratamento, conjugado na terceira pessoa, mas que indica a segunda pessoa. Nas variedades urbanas de prestígio, os pronomes pessoais do caso reto ocupam, nas orações, a função sintática de sujeito: “Eu já estudei”, “Ela chegou”, “A gente vai ao cinema”, etc. Mais raramente, desempenham a função de predicativo: “O melhor de tudo é ele”. Os pronomes do caso oblíquo átono funcionam principalmente como complementos verbais, mas podem também ter a função de adjunto adnominal e de sujeito. Observe. Funções sintáticas dos pronomes oblíquos nas variedades urbanas de prestígio
Argumentos objeto direto objeto indireto adjunto adnominal sujeito (de verbo no infinitivo) 256
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Exemplos As pessoas me julgam sem saber dos fatos. Emprestei-lhe meu caderno com as anotações. O namorado olhou para a garota e tomou-lhe as mãos. (lhe = da garota) Façam-no comer. (= Façam ele comer.)
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A norma-padrão prescreve regras específicas para a colocação dos pronomes oblíquos átonos nos enunciados, qualquer que seja seu papel sintático. Essas regras foram criadas com base em critérios de eufonia (do grego eu, que significa “bom”, + fonia, que significa “som”) – ou seja, foram elaboradas de acordo com o que “soava bem” para determinado grupo social em determinado momento. Segundo esse ponto de vista, os pronomes oblíquos átonos podem ocupar três posições em relação ao verbo. Veja. ••Próclise: pronome antes do verbo. Ex.: Eu lhe dei um susto. ••Mesóclise: pronome entre o radical e as desinências do verbo*. Ex.: Dar-lhe-ia um susto. ••Ênclise: pronome depois do verbo. Ex.: Dei-lhe um susto.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Norma-padrão e eufonia
* Posição só verificada com formas verbais do futuro do presente ou do futuro do pretérito.
Regras de colocação pronominal da norma-padrão Próclise
diversidade
Fatores de ocorrência
Exemplos
Advérbio antes do verbo
Nunca me levam a sério./Aqui se vive bem.
Pronome relativo antes do verbo
Ocultei o lugar onde nos encontrarão.
Pronome substantivo antes do verbo
Isto nos parece loucura./Nada o atinge.
Conjunção ou locução conjuntiva antes do verbo
Você estava certo, portanto lhe devo desculpas.
Frases exclamativas e interrogativas diretas Quanto lhe devo!/Quem te disse isso? iniciadas por pronomes indefinidos e interrogativos Formas verbais proparoxítonas
Nós a aceitávamos como era.
Verbo no futuro com sujeito expresso na frase
João se aproveitará dessa brecha na lei.
Mesóclise Fator de ocorrência Verbo no futuro do presente ou no futuro do pretérito iniciando oração
Exemplos Vê-lo-ei amanhã. /Dir-lhe-ia que a proposta é boa.
Ênclise Fatores de ocorrência
Na atualidade, a mesóclise vem sendo evitada, mesmo no registro formal, na modalidade escrita. A ênclise é aplicada quase exclusivamente no registro formal, quando há verbos iniciando oração e verbos no imperativo afirmativo. No registro informal, é comum encontrar a próclise: “Me avisaram da mudança”; “Pedro, se liga!”. A próclise é uso preferencial no português brasileiro.
Exemplos
Verbo iniciando oração (em outra flexão que não o futuro do presente ou o futuro do pretérito)
Deram-nos um prazo de dois dias.
Verbo no modo imperativo
Atenha-se aos enunciados.
Orações reduzidas de infinitivo e de gerúndio
Vim desejar-lhe boa sorte. Vi Márcia acenando-nos da esquina.
Pausa forte, parêntese, vírgula, oração intercalada antes do verbo (mesmo que haja palavra que atue como fator de próclise)
Ao sair, deixe-lhe os documentos. Aqui, vive-se bem.
Tempos compostos e locuções verbais Podem ocorrer próclise e ênclise nos tempos verbais compostos. Exemplos. Eu lhe preciso escrever. (próclise com verbo auxiliar) Preciso lhe escrever. (próclise com verbo principal) Verbo auxiliar + infinitivo Preciso escrever-lhe (ênclise com verbo principal) Eu lhe estou escrevendo. (próclise com verbo auxiliar) Estou lhe escrevendo. (próclise com verbo principal) Verbo auxiliar + gerúndio Estou escrevendo-lhe. (ênclise com verbo principal) Eu lhe tenho escrito. (próclise com verbo auxiliar) Verbo auxiliar + particípio Eu tenho-lhe escrito. (ênclise com verbo auxiliar) Não escreva no livro.
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Prática de linguagem Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Mafalda 3 – Global, 1982.
1. Leia a tira.
Quino. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 85.
a) Por que a fala de Susanita no segundo quadrinho deixa Filipe irritado? b) O que o comentário de Susanita no fim da tira revela? c) Identifique, no primeiro quadrinho, a oração que contém um pronome oblíquo átono em posição proclítica. d) Esse uso está de acordo com a prescrição da norma-padrão? Explique. e) Como se justifica a opção por essa colocação pronominal na tira?
[…] ART. V Dos amoladores Toda a pessoa que sentir necessidade de contar os seus negócios íntimos, sem interesse para ninguém, deve primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidência se ele é assaz cristão e resignado. No caso afirmativo, perguntar-lhe-á se prefere a narração ou uma descarga de pontapés. Sendo provável que ele prefira os pontapés, a pessoa deve imediatamente pespegá-los. No caso, aliás extraordinário e quase absurdo, de que o passageiro prefira a narração, o proponente deve fazê-la minuciosamente, carregando muito nas circunstâncias mais triviais, repetindo os ditos, pisando e repisando as coisas, de modo que o paciente jure aos seus deuses não cair em outra. […]
Coleção particular. Fotografia: ID/BR
2. Leia a seguir o trecho de uma crônica de Machado de Assis dirigida aos usuários de bonde, que, de acordo com o autor, deveriam seguir determinadas regras de convivência.
artão-postal de 1909 C mostrando bonde que operava na época na cidade de São Paulo.
Machado de Assis, J. M. In: Gledson, John (Org.). Crônicas escolhidas. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2013. p. 53.
a) A crônica apresenta um “artigo V”, que trata dos “amoladores”. Quem são eles? b) As recomendações do artigo tornariam o comportamento dos passageiros de bonde mais adequado? Explique. c) O texto traz um exemplo de colocação pronominal pouco comum no português falado no Brasil atualmente. Qual? Como é denominada essa colocação? d) A norma-padrão abonaria o emprego desse pronome em outra posição? Explique. e) Releia, atentando para os pronomes destacados. […] a pessoa deve imediatamente pespegá-los. […] o proponente deve fazê-la minuciosamente […]
Vocabulário de apoio
amolador: que aborrece, irritante assaz: muito; bastante pespegar: aplicar, assentar com violência proponente: aquele que propõe resignado: conformado
A que termos mencionados anteriormente se referem esses pronomes oblíquos átonos? f) Considere a locução verbal no trecho “[…] o proponente deve fazê-la […]”. Há outras possibilidades de colocação do pronome oblíquo átono nesse caso. Quais? 258
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3. Leia um trecho do capítulo sobre colocação pronominal da Gramática metódica da língua portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998), cuja primeira edição é de 1943. […] A palavra regra, quando se fala em “regras para a colocação dos pronomes oblíquos”, deve ser bem compreendida. A causa, o móvel, o eixo, o princípio fundamental, que explica a diversidade de posição, na frase, do pronome oblíquo, é tão-só, única e exclusivamente um: a eufonia […]. Mas que é, realmente, em gramática, eufonia? […] é eufônico, numa língua, o que é habitual, o que é costumeiro, o que é geral, e neste sentido é que o aluno deve compreender afirmações como “a posposição não é agradável ao ouvido”, “repugna ao ouvido…”. O uso, repetimos, tanto relativo a um grupo quanto a um indivíduo é que torna eufônica, ou não, determinada incidência tônica: a agradabilidade do som e a suavidade da pronúncia são decorrência natural do hábito. […] “Virei buscá-lo”, “Virei te buscar”: Por que essa disparidade de topologia pronominal? Não é válido alegar eufonia. Eufonia é consequência, e não causa de procedimento; o ouvido, quando generalizado o erro, repele o acerto. A coerência de procedimento de colocação dos oblíquos exige o que se impõe para colocar vértebras e espinha no lugar: ginástica, repetição, assiduidade de exercício corretivo. […] Almeida, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. 44. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 491, 501.
a) O que, segundo esse trecho, tornaria uma construção linguística eufônica? b) De acordo com o segundo parágrafo, a eufonia seria a causa ou a consequência de um determinado modo de agir? c) Que trecho do primeiro parágrafo poderia comprovar sua resposta ao item b? Que trecho do primeiro parágrafo parece contradizer sua resposta ao item b? d) De acordo com o texto, o que o autor provavelmente considera um “erro” quanto à ordenação dos pronomes oblíquos em um enunciado? e) Como essas construções são tratadas na perspectiva da variação linguística? f) Segundo o autor, as construções “erradas” tornam-se eufônicas. Como isso acontece? g) Qual é a visão do autor sobre esse fenômeno? Como a analogia entre o uso da língua e a postura corporal revelam essa visão? h) Pensando no que você estudou a respeito da variação linguística, esclareça de que forma a eufonia pode ser responsável pelas diferentes possibilidades de colocação do pronome oblíquo átono em um enunciado.
Vocabulário de apoio
alegar: apresentar como justificativa assiduidade: frequência, constância disparidade: desigualdade, diferença eixo: o ponto mais importante incidência: ocorrência móvel: causa, razão de ser posposição: posição que vem depois de outro elemento em uma sequência repelir: evitar, não acolher repugnar: recusar, não aceitar topologia: estudo sobre a colocação das palavras na frase
usina literária O texto a seguir é um poema de Mario Quintana. Leia-o para responder às questões.
Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim! Se me queres, enfim, tem que ser bem devagarinho, Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Bilhete
Quintana, Mario. Literatura comentada. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 81.
1. Indique a que regras da norma-padrão a colocação pronominal do primeiro verso obedece.
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2. No segundo verso, a recomendação do eu lírico não deve ser entendida de forma literal. a) O que ele pede à sua amada nesse verso? b) O que é retomado pelo pronome oblíquo átono o? Por que ele foi usado em próclise? 3. Releia o último verso. a) Relacione a ideia contida nesse verso com o título do poema. b) Que palavras e expressões reiteram essa ideia ao longo do poema? c) Observe a extensão dos primeiros seis versos e explique de que forma essa estrutura se relaciona ao sentido do poema. d) Observe a colocação pronominal no quarto e no quinto versos. Inverta as formas átona e tônica do pronome dos dois versos e indique o que muda no efeito expressivo do poema. 259
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Língua viva
A colocação pronominal na língua cotidiana
No livro Preconceito linguístico: o que é, como se faz (lançado em 1999), o linguista brasileiro Marcos Bagno (1961-) questiona certos mitos a respeito da língua portuguesa e, principalmente, combate o preconceito contra a variação linguística – e contra os falantes que não dominam a norma-padrão e as variedades urbanas de prestígio. Bagno é nome atuante na mídia e defensor de profundas mudanças na cultura de educação linguística do país. Leia a seguir um artigo que ele escreveu para a revista Caros Amigos.
Marcos Muzi/Acervo do fotógrafo
Deixem eu ser brasileiro!
O linguista Marcos Bagno. Foto de 2008.
Sou tradutor profissional há mais de vinte e cinco anos e a experiência acumulada nesse tempo me confere uma cristalina certeza: os revisores que trabalham nas nossas editoras pertencem a uma seita secreta com a missão de boicotar ao máximo o português brasileiro, impedir que ele se consagre na língua escrita para preservar tanto quanto possível a norma-padrão obsoleta que eles julgam ser a única forma digna de receber o nome de “língua portuguesa”. Sempre fico irritado quando recebo os meus exemplares de tradutor e, ao reler o que escrevi, encontro uma infinidade de “correções” que representam a obsessão paranoica de expurgar do texto escrito qualquer “marca de oralidade”, qualquer característica propriamente brasileira de falar e de escrever o português. É sistemático, é premeditado (só pode ser). Todos os num e numa que uso são devidamente desmembrados em em um e em uma, como se essas contrações, presentes na língua há mais de mil anos, fossem algum tipo de vício de linguagem. Me pergunto por que não fazem o mesmo com nesse, nisso etc., ou com no e na. Por que essa perseguição estúpida ao num, numa? O mesmo acontece com o uso de tinha na formação do mais-que-perfeito composto: tinha visto, tinha dito, tinha falado são implacavelmente transformados em havia visto etc., embora qualquer criancinha saiba
que o verbo haver, no português brasileiro, é uma espécie em extinção, confinada a raríssimos ecossistemas textuais… É claro que o sintoma mais visível e gritante desse boicote consciente ao português brasileiro é a putrefacta colocação pronominal. A próclise, isto é, o pronome antes do verbo, é veementemente combatida, ainda que ela seja a única regra natural de colocação dos pronomes oblíquos na nossa língua. O combate é tão furibundo que até mesmo onde a tradição gramatical exige a próclise ela é ignorada, e os livros saem com coisas como não conheço-te, já formei-me, porque viram-nos. Isso para não mencionar a jurássica mesóclise, que alguns necrófilos ainda acham que é uma opção de colocação pronominal, desprezando o fato de que se trata de um fenômeno gramatical morto e enterrado na língua dos brasileiros há séculos. Senhoras revisoras e senhores revisores, deixem a gente escrever em português brasileiro, pelo amor de Oxum! Consultem os seus calendários: estamos no século 21! Vão estudar um pouco, saiam de sua redoma de vidro impermeável às mudanças da língua e venham aprender como se fala e se escreve o português do Brasil! Leiam alguns verbetes dos nossos melhores dicionários e aprendam que não tem nada de errado em escrever assisti o filme, deixa eu ver, que a forma entre eu e você não é nenhum atentado contra a língua, nem muito menos eu custo a crer! […] Ouçam os apelos de José de Alencar, Mário de Andrade, Monteiro Lobato e tantos outros que há tanto tempo pedem, suplicam, imploram: deixem eu falar e escrever na minha língua, na língua que é a única capaz de expressar meus sentimentos, emoções e ideias! Deixem eu ser brasileiro, deixem eu escrever para ser entendido pelos meus contemporâneos!
Vocabulário de apoio
expurgar: limpar, eliminar furibundo: furioso necrófilo: que se sente atraído por cadáveres obsoleto: ultrapassado; que não se usa mais putrefacto: que está em putrefação, podre
Bagno, Marcos. Revista Caros Amigos, São Paulo, Casa Amarela, fev. 2009.
Sobre o texto 1. Marcos Bagno dá alguns exemplos de correções feitas por revisores de texto que, a seu ver, representam um apego excessivo à norma-padrão, contrariando o modo próprio de falar e escrever do brasileiro. Identifique três desses exemplos. 260
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2. Releia esta afirmação.
Repertório
a) Que argumento do autor do texto está contido nessa afirmação? b) Explique como Marcos Bagno introduz, na própria construção sintática desse enunciado, a crítica às regras de colocação pronominal. 3. Que metáfora Marcos Bagno utiliza para se referir às regras de colocação pronominal? Justifique com exemplos retirados do texto. 4. Releia o título do texto. a) Quanto à forma, como ele confirma a posição defendida pelo autor? b) Que relação o artigo estabelece entre “ser brasileiro” e a crítica feita aos revisores de texto? 5. Segundo Bagno, o apego às regras de colocação pronominal é tão excessivo que acaba gerando a desobediência a essas próprias regras. a) Identifique o trecho do texto em que ele faz essa afirmação. b) Explique por que as construções usadas por Bagno para exemplificar esse fenômeno contrariam a norma-padrão. 6. Releia. Leiam alguns verbetes dos nossos melhores dicionários e aprendam que não tem nada de errado em escrever assisti o filme, deixa eu ver, que a forma entre eu e você não é nenhum atentado contra a língua, nem muito menos eu custo a crer!
a) Como essas expressões deveriam ser reescritas para estar de acordo com a norma-padrão? b) Consulte o verbete correspondente aos verbos assistir e custar em dois dicionários. Eles confirmam a tese de Marcos Bagno? Justifique. 7. No final do texto, Marcos Bagno emprega um argumento de autoridade muito utilizado pelos defensores da norma-padrão, revertendo-o a favor dos usos típicos do português brasileiro. Explique essa afirmação. 8. Segundo Bagno, a língua por ele usada é a única capaz de expressar seus sentimentos, suas emoções e ideias. Você concorda com isso? Justifique.
“Tupi or not tupi” parodia a famosa frase “To be or not to be, that is the question” (“Ser ou não ser, eis a questão”), dita pela personagem Hamlet na peça de mesmo nome de William Shakespeare (1564-1616). No “Mani festo Antropófago” de 1928, “Tupi or not tupi” sintetizava a proposta modernista de “devoração ritual” da arte europeia e seu reaproveitamento à moda brasileira (veja mais sobre o Modernismo no capítulo 5, p. 58-63). Essa preocupação dos modernistas em criar uma arte brasileira se relaciona ao ponto de vista de Marcos Bagno, que defende o registro do português brasileiro sem apego excessivo à norma-padrão.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Me pergunto por que não fazem o mesmo com nesse, nisso etc., ou com no e na.
ANOTE
Nas diversas variedades linguísticas do português do Brasil, há uma preferência pela próclise, mesmo quando a norma-padrão recomenda a ênclise. A mesóclise está caindo em desuso e tende a ser considerada um arcaísmo. No entanto, as prescrições de colocação pronominal da norma-padrão ainda têm enorme prestígio social. Por isso, é importante conhecer essas regras e saber utilizá-las quando o contexto de uso da língua assim exigir. texto em construção No gênero perfil biográfico, estudado no capítulo 32, o jornalista interage, em geral, oralmente, com a pessoa sobre quem está escrevendo e com as pessoas que dão depoimentos sobre ela. Ele utiliza trechos dessas interações orais na composição do perfil biográfico, o que exige uma delicada atividade de retextualização. As declarações originais,
muitas vezes anotadas e/ou gravadas em áudio e vídeo, devem ser transformadas para que apareçam no texto escrito adequadas ao veículo que as publica e ao público que as lê. Mas isso deve ser feito sem que a voz das pessoas ouvidas seja descaracterizada. Nesse processo, as colocações pronominais, estudadas neste capítulo, exercem grande importância.
1. Em sua opinião, no perfil biográfico das páginas 306-307, a voz das pessoas ouvidas foi respeitada? Explique.
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Em dia com a escrita
Informatividade e progressão textual
A informatividade diz respeito ao grau de novidade ou previsibilidade que um texto apresenta ao leitor/ouvinte. Se, por um lado, um texto com muitas novidades é altamente informativo, por outro, pode também se tornar de difícil compreensão. Nesse equilíbrio entre informações retomadas ao longo dos parágrafos e informações novas, encontra-se a progressão textual. As informações retomadas permitem ao leitor reconhecer o assunto do texto no decorrer dos parágrafos, e as informações novas, acrescentadas ao que já se sabe, fazem-no progredir. O texto a seguir é a apresentação de um livro que contém depoimentos de adolescentes envolvidos em ações de protagonismo juvenil. Leia-o.
Pra começar
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Julia, Edina, Kauê, Mariana Manfredi, Juliana, Douglas, Mariana Rosa, Heitor, Maria Lívia, Alan e Leandro. Adolescentes que fazem parte de um time antenado, que não para de crescer. Com suas histórias de compromisso social, esses jovens provam que estão errados aqueles que ainda teimam em vê-los como um “problema social”, “rebeldes sem causa” ou uma “geração alienada”. Soluções para os problemas esses adolescentes apresentam. Causas, eles também têm. E rebeldia não é exatamente o que lhes falta, já que promovem iniciativas ousadas, criam coletivos ou organizações sem fins lucrativos no desabrochar de suas adolescências – alguns antes mesmo de completarem os dez anos de idade. Que causas são essas? As mesmas de todo cidadão e de toda cidadã consciente: a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, da educação de qualidade, da moradia digna, da reforma agrária, da igualdade racial, do meio ambiente, da diversidade sexual, da democratização da cultura… Enfim, a defesa de um Brasil de todos e de todas; não de poucos e administrado por “machões”, brancos e ricos. Esses adolescentes e jovens – você vai ver – são ligados no 220, preocupados e ocupados com a transformação do mundo. Uma transformação – eles dizem – que começa, antes de tudo, dentro de cada um de nós e no seio da família. Depois, que se estende para a comunidade e para o bairro, ganha as ruas da cidade e do país, até se tornarem políticas públicas. E por falar em adolescentes que fazem do voluntariado um credo de todos os santos dias, como não podia ser diferente, este livro também é fruto de um trabalho coletivo, que reuniu esforços voluntários de um grupo de profissionais de comunicação. Foram dias e noites de dedicação para transformar as histórias de vida, os sonhos e ideais de um grupo de adolescentes – a maioria engajada em movimentos sociais desde criança – em uma publicação recheada de boas histórias para ler, contar e publicar. São entrevistas que viraram testemunhos. Trajetórias narradas em primeira pessoa do singular, que revelam suas identidades. Mas que devem ser lidas na primeira pessoa do plural, pois esses e essas adolescentes evidenciam que seus olhares vão anos-luz além dos próprios umbigos, atravessam fronteiras marcadas por séculos de estereótipos e preconceitos, cercas da ganância e da injustiça, véus de incompreensão, dominação e imposição, que impediram o Brasil de se tornar um país dono do próprio nariz e seu povo, feliz. Seus relatos de vida são quase um manifesto em que querem ser reconhecidos e reconhecidas como sujeitos de direito, como cidadãos e cidadãs que podem realizar escolhas informadas, e com a contribuição dos adultos. Com todas as letras, vírgulas e parágrafos, esses meninos e meninas reivindicam e afirmam o direito humano à participação e à expressão. Nada, portanto, de uma geração futura. Nada, pois, de algum tipo de futuro (do pretérito ou do presente). Eles e elas querem que conjuguemos o verbo no presente do indicativo: “Estamos na luta! O futuro é agora!”. Com desejo por mudanças, atitude e ousadia, eles e elas querem compartilhar decisões em prol de objetivos comuns. Não querem apenas ser consultados pelos adultos na elaboração de programas e na formulação de políticas públicas. Querem também ter o direito e o poder de decidir. E por que não?! Afinal, a participação é um direito fundamental de cidadania. Paulo Lima Editor Próspero, Daniele; Gianecchini, Laura; Lima, Paulo. Galera em movimento: uma turma que agita a transformação do Brasil. São Paulo: Projeto/Revista Viração, 2007. p. 7-8.
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1. O texto divide-se em 11 parágrafos. Copie o quadro no caderno e registre a principal ideia contida em cada parágrafo. Siga os exemplos. Parágrafo
Ideia principal
1
Apresentação dos jovens protagonistas
2
Refutação da imagem do senso comum sobre os adolescentes
3
…
2. Duas expressões do segundo parágrafo servem de gancho para o desen volvimento do parágrafo seguinte. a) Que expressões são essas? b) Explique como o autor as retoma no terceiro parágrafo. 3. O quarto parágrafo dá continuidade a um assunto do terceiro. a) Qual foi o recurso usado para articular os parágrafos? b) Que palavra do início do quarto parágrafo exerce uma função anafórica em relação ao terceiro? c) O quarto parágrafo apresenta duas afirmações que têm valor argumentativo. Identifique-as.
Lembre-se
Um termo com função anafórica retoma um elemento apresentado anteriormente no discurso. Por exemplo, no enunciado “Os amigos foram ao cinema. Aquele era seu lugar preferido na cidade”, o pronome demonstrativo aquele tem função anafórica, pois retoma o termo cinema.
4. O sexto parágrafo introduz uma informação nova, mas o faz aproveitando um gancho do parágrafo anterior. a) Que expressão indica essa mudança de assunto? b) Que relação se cria entre o quinto e o sexto parágrafos para a manutenção do tema? 5. Releia um trecho do sétimo parágrafo. Trajetórias narradas em primeira pessoa do singular […]. Mas que devem ser lidas na primeira pessoa do plural […].
Qual é o significado dessa metáfora no contexto da apresentação do livro?
7. O nono parágrafo começa a conduzir o texto para uma conclusão. a) Que palavras do parágrafo comprovam essa afirmação? b) De que maneira esse parágrafo garante a manutenção do tema trabalhado até então? 8. O décimo parágrafo retoma e amplia as ideias de qual parágrafo anterior? Comprove com trechos do texto. 9. Com base nas respostas anteriores, identifique de que maneira se dá a progressão do texto lido. a) Que parágrafos do texto introduzem informações inéditas? b) Que parágrafos desenvolvem informações introduzidas em parágrafos anteriores? c) Que parágrafos retomam informações já mencionadas?
Navegue Projeto Viração O livro Galera em movimento foi produzido no contexto do Projeto Viração, um programa de educomunicação realizado com a colaboração de jovens brasileiros. Com uma revista, uma agência de notícias e outras iniciativas, o projeto tem como objetivo a produção de conteúdo por e para jovens. Conheça as ações da
Viração visitando o site: . Acesso em: 16 maio 2016. Disponível em: . Acesso em: 19 de jan. 2016.
6. Por meio da coesão nominal, o oitavo parágrafo estabelece uma continuidade semântica em relação ao anterior, mas acrescenta uma informação ao texto. a) Que palavras do oitavo parágrafo retomam os termos entrevista e testemunho, presentes no sétimo? b) Que significado elas acrescentam às palavras retomadas?
ANOTE
Um texto deve alternar diferentes graus de informatividade. Espera-se que ele mantenha o tema do começo ao fim, mas também apresente progressão textual. Os parágrafos novos devem retomar informações dos anteriores (desenvolvendo-as ou contrapondo-se a elas) e acrescentar outros dados.
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capítulo
o que você vai estudar Concordância nominal e verbal na norma-padrão.
Agora, você estudará dois fenômenos morfossintáticos: concordância e regência.
Concordância Leia a história em quadrinhos abaixo. Fernando Gonsales/Acervo do artista
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Concordância e regência
Regência de alguns verbos na norma-padrão. Regência e concordância no uso cotidiano da língua.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016.
HIPERTEXTO No capítulo 18 (p. 151), você aprendeu o conceito de gramaticalidade. Embora um falante nativo produza enunciados muitas vezes inadequados às regras da gramática normativa, dificilmente seus enunciados serão agramaticais. Isso porque o falante nativo tem, em sua gramática interna, os princípios básicos de gramaticalidade de sua língua, independentemente da variedade linguística adquirida. Apenas enunciados agramaticais podem ser definidos como errados, pois comprometem a inteligibilidade do ato comunicativo.
1. Níquel Náusea foi pego em uma armadilha. a) Qual é a provável profissão do captor? Como ele atrai Níquel para ser capturado? b) Níquel pensou ter se safado da captura. Por que seu pensamento não se comprovou? c) Há, na fala do captor, indícios de que ele não seja falante nativo do português brasileiro. Explique. Um dos aspectos da língua portuguesa é a flexão, fenômeno em que algumas palavras incorporam informações gramaticais de gênero, número, tempo, modo e pessoa, mediante o acréscimo de morfemas desinenciais. Esse fenômeno dá origem à concordância. As palavras que acompanham o núcleo de um sintagma nominal (SN) adaptam-se às suas características de gênero e número. No sintagma verbal (SV), o núcleo determina as características de número e pessoa do sujeito ou do predicativo do sujeito que ele projeta. sujeito simples (SN)
predicado verbal (SV) SN dentro do SV concordância nominal
concordância nominal (masculino plural)
(feminino singular)
Os
ratos brancos
(art.)
(subst.)
adj. adn. núcleo
adj. adn. (adjetivo)
não
caíram
na
(adv.)
(verbo)
(prep. + art.)
adj. adv.
núcleo
minha armadilha adj. adv. (loc. adv.)
(pron.)
(subst.)
concordância verbal a (3 pessoa plural)
ANOTE
Concordância é a relação morfossintática entre os elementos de um sintagma. A concordância nominal ocorre entre o núcleo de um sintagma nominal (SN) e seus determinantes; a concordância verbal, entre o núcleo do sintagma verbal (SV) e o sujeito ou predicativo do sujeito.
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Concordância nominal Embora haja exceções, pela regra geral de concordância nominal segundo a gramática normativa, os modificadores (adjetivos, artigos, numerais e particípios) concordam em gênero (masculino ou feminino) e número (singular ou plural) com o núcleo do sintagma nominal (substantivo, pronome ou numeral substantivo) do qual fazem parte. Assim, em os ratos brancos, tem-se o núcleo do SN (ratos) no masculino plural acompanhado de artigo (os) e adjetivo (brancos) também flexionados no masculino plural.
Concordância em SN de um ou mais núcleos Quando o sintagma nominal tem dois ou mais núcleos, a concordância dependerá de dois fatores: posição (anteposto ou posposto ao núcleo nominal) e função sintática (adjunto adnominal ou predicativo) dos modificadores.
Modificador em função de adjunto adnominal Modificador anteposto ao núcleo ••Concorda em gênero e número com o núcleo mais próximo. Exemplos:
diversidade
Cuidado com o preconceito linguístico! Embora enunciados como “Eu preciso de uns ratinho branco pras minha experiência” não estejam de acordo com as regras da gramática normativa, eles não podem ser considerados errados, pois são gramaticais segundo a gramática interna de nossa língua. Nessa variedade linguística, não há necessidade de se repetir a marca de plural em todos os elementos do sintagma pelo princípio de economia linguística. No entanto, em contextos mais monitorados da língua, como na escrita e em situações formais de uso, essa variedade deve ser evitada.
Encontrei lindas pulseiras e broches na loja de antiguidades. Encontrei lindos broches e pulseiras na loja de antiguidades. Modificador posposto ao núcleo Concorda em gênero e número com o núcleo mais próximo ou com todos os núcleos. Exemplos: Gosto muito de assistir a filmes e séries antigas. (Entende-se que antigas refere-se apenas a séries) Gosto muito de assistir a filmes e séries antigos. (No caso de núcleos de gêneros diferentes, a concordância é feita no masculino).
Há exceções quando os núcleos do sintagma nominal são nomes próprios ou palavras que indicam parentesco. Nesse caso, os modificadores flexionam no plural (e no feminino apenas se este for o gênero dos dois núcleos). Exemplos:
Lembre-se
Palavras como mesmo, só, anexo, junto, alto, caro, disparado, sério não sofrem flexão quando empregadas como advérbio: “Atitudes impensadas custam caro”. Se usadas em função adjetiva, essas palavras concordam com o núcleo do SN que modificam: “Escolheram os bens mais caros”.
Gostamos da companhia dos excêntricos João e Pedro. As talentosas mãe e tia de Joana preferem o anonimato.
Modificador em função de predicativo O modificador em função de predicativo do sujeito composto ou de dois objetos é flexionado no masculino plural, ou no feminino, se ambos os núcleos do SN modificado pertencerem a esse gênero. Veja. O diretor e a atriz principal são estupendos. O divulgador considerou a exposição e a palestra adequadas ao público. Se o verbo de ligação está no singular e anteposto ao sujeito composto, o predicativo do sujeito concorda com o núcleo mais próximo. Observe. Foi aplaudida a estreia e o discurso do diretor. Não escreva no livro.
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Concordância verbal Conheça, a seguir, as regras de concordância verbal com sujeito simples ou sujeito composto e com predicativo do sujeito. diversidade
Sujeito simples A regra geral da concordância verbal é o verbo concordar em número e pessoa com o núcleo do sujeito a que se refere. Veja. sujeito simples (SN)
predicado verbal (SV)
Os cinéfilos de plantão
encontro marcado nesta sexta-feira.
têm
núcleo
núcleo
(subst.)
(V.T.D.)
concordância verbal (3a pessoa plural)
Regras especiais Conheça as principais regras especiais de concordância verbal para orações com sujeito simples. Nos itens com mais de uma opção, vale observar que o efeito de sentido produzido pode ser diferente.
Embora estudos apontem que mesmo os falantes das variedades urbanas de prestígio não realizam a concordância em todas as circunstâncias previstas pela gramática normativa, o domínio de suas regras torna-se um importante instrumento de ascensão social, uma vez que a baixa frequência de uso dessas regras está associada a variedades linguísticas estigmatizadas.
Concordância verbal – sujeito simples (um núcleo)
Capítulo 28 – Concordância e regência
Sujeito
Regra especial de concordância
Exemplo
Expressão partitiva (parte de/metade de + nome plural)
concorda no singular ou no plural
Metade dos emigrantes trabalha em situação precária.
Quantidade aproximada (cerca de/mais de + numeral plural)
concorda no plural
Mais de 100 mil foram desalojados de suas casas no Iêmen.
Pronome relativo que
concorda em número e pessoa com o antecedente do pronome
Presidente do STJ critica aqueles que não acreditam no êxito dos Juizados Especiais Federais.
Pronome relativo que (antecedente um dos/uma das)
concorda na 3a pessoa do plural ou do singular
Ensino a distância é um dos que mais crescem no país.
Metade dos trabalhadores da construção civil estão ilegais.
O Brasil é um dos que menos protege a Amazônia.
a
Pronome relativo quem
concorda na 3 pessoa do singular Os conselheiros do clube são quem decide.
Pron. inter., dem. ou indef. plural + de (dentre) nós
concorda na 1a ou na 3a pessoa do plural
Quantos de nós estaremos curados da ilusão romântica? Quantos de nós estarão interessados nisso?
Plural aparente sem determinante concorda no singular (nomes próprios de obras, lugares)
Estados Unidos declara estado de emergência devido às fortes chuvas.
Plural aparente com determinante concorda no plural (nomes próprios de obras, lugares)
Os Estados Unidos declaram hoje apoio aos esforços da Colômbia.
Porcentagem
concorda com o número ou com o modificador
Numeral fracionário
corcorda com o núcleo
70% da classe obtiveram média maior que 7. 70% da classe obteve média maior que 7. Um terço das desistências deve-se ao aumento de preço. Dois terços dos desistentes reivindicam indenização.
Sujeito composto O verbo concorda com o sujeito composto na terceira pessoa do plural. Observe. sujeito composto (SN)
Atores núcleo
(subst.)
e diretores núcleo
(subst.)
predicado verbal (SV)
homenageiam Ingmar Bergman. núcleo (V.T.D.)
concordância verbal a (3 pessoa plural)
Quando um dos núcleos se refere à primeira pessoa, o verbo a acompanha no plural. Veja. Eu e meus amigos gostamos de cinema.
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Regras especiais Conheça as principais regras especiais para orações com sujeito composto. Nos itens com mais de um exemplo, a escolha dependerá da ênfase pretendida. Concordância verbal – sujeito composto (dois ou mais núcleos)
Regra especial de concordância
Núcleos do sujeito
Exemplo
Pospostos ao verbo
concorda com o mais próximo ou no plural
Foi aprovada a aluna e o seu irmão.
Em sinonímia
concorda com o mais próximo ou no plural
Amor e compreensão não é suficiente para educar.
Em enumeração (gradação)
concorda com o mais próximo ou no plural
Infinitivos
concorda no singular
Falar e fazer é muito diferente de só falar.
Infinitivos em antonímia
concorda no plural
Falar e fazer são completamente diferentes.
Resumidos por pronome indefinido
concorda no singular
Amor, compreensão, tudo é importante.
Ligados pelas conjunções ou/nem (predicado aplicável a ambos)
concorda no plural
Nem a aluna nem seu irmão chegaram ainda.
Ligados pelas conjunções ou/nem excludentes
concorda no singular
Seu pai ou sua mãe virá te buscar.
tanto… quanto/não só… mas também
concorda no plural
Tanto o pai quanto o filho são conhecidos.
Saíram minha irmã e sua amiga. Alegria e felicidade são essenciais na vida de uma pessoa. O amor, a compaixão, a fraternidade é necessária. A miséria, a pobreza, a carência assombram a humanidade.
Predicativo do sujeito Em geral, a concordância verbal é feita entre o núcleo do SV e o sujeito da oração. No entanto, há casos de orações com verbos de ligação em que o verbo concorda com o predicativo do sujeito. Observe. Concordância verbal – predicativo do sujeito (verbo ser)
Sujeito
Regra de concordância
Exemplo Quem são os dez maiores guitarristas de todos os tempos?
Pronome interrogativo que ou quem
concorda com o predicativo
Pronome isto, isso, aquilo, tudo ou o (= aquilo)
concorda com o predicativo ou com o sujeito
Tudo são diferentes maneiras de ver.
Expressão de sentido coletivo (o resto)
concorda com o predicativo
O resto são boatos.
Inexistente (orações impessoais com o verbo ser)
concorda com o predicativo
Eram seis horas da tarde.
Expressão numérica considerada na totalidade
concorda com o predicativo
Três é demais.
Tudo ainda é especulações.
Concordância ideológica (silepse) A gramática normativa admite que, em determinados casos, a concordância não se dê no plano morfossintático, mas no semântico. Assim, embora a concordância não se expresse em morfemas desinenciais de tempo, pessoa, número ou gênero, fica implícita a adaptação da palavra modificadora ou do verbo à ideia associada ao SN. Esse tipo de concordância, que pode ser nominal ou verbal, é chamado concordância ideológica ou silepse. Veja os exemplos a seguir.
Lembre-se
Exceto nos casos em que o verbo ser indica tempo, os verbos impessoais não sofrem flexão: “Havia muitas pessoas descontentes aqui”.
Concordância ideológica (silepse)
Tipo
Ocorrência
Exemplo
pronomes de tratamento
Fica Vossa Senhoria intimado a comparecer no cartório.
pronomes indefinidos de gênero neutro
Alguém aqui parece muito bem informada!
número
substantivo coletivo
Pessoal, preparem-se para a notícia.
pessoa
primeira e terceira pessoas
Os brasileiros somos um povo persistente.
gênero
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Prática de linguagem Garfield, Jim Davis © 2015 Paws, Inc. All Rights Reserved/Dist. Universal Uclick
1. Leia a tira e a definição de dicionário apresentadas a seguir.
Davis, Jim. Garfield.
bronco adj.s.m. […] 3. que ou quem é ignorante, grosseiro 4. que ou quem é dado a ser áspero no trato 5. que ou quem demonstra pouca inteligência; obtuso 6. que ou quem carece de graciosidade; desajeitado, tosco. Houaiss, Antonio; Villar, Mauro de Salles; Franco, Francisco Manoel de Mello (Dir.). Dicionário Houaiss eletrônico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 1 CD-ROM.
Laerte/Acervo do artista
a) Por que Jon diz que Garfield é bronco? b) Ao chamar Garfield de bronco, a qual acepção da palavra Jon está se referindo? c) Quando responde “nóis sêmo o Garfield”, o gato manifesta uma acepção de bronco diferente da de Jon. Qual? d) Tendo em vista o que você já aprendeu sobre concordância, variação linguística, gramati calidade e preconceito linguístico, explique a resposta de Garfield e o motivo pelo qual sua acepção de bronco é inadequada. 2. Leia a tira.
Laerte. Deus segundo Laerte. São Paulo: Olho d’Água, 2009. p. 10.
a) Inicialmente, qual parece ser o referente de pessoal? Explique. b) Justifique as duas concordâncias verbais do primeiro quadrinho. c) Por que Deus demonstra impaciência diante da pergunta do anjo? d) Explique a relação entre a autoria das perguntas e o humor presente na tira. 3. Leia um trecho do artigo da revista Capitolina.
EXPRESSÕES QUE VOCÊ DEVE PARAR DE USAR A PARTIR DE ONTEM
[…] “Não sou tuas nêga” Você pode ter querido dizer que não é qualquer uma, que o jeito de lidar com você não é o mesmo com que os outros estão acostumados. Mas o que acaba saindo é muito pior e maior que isso. Essa expressão é totalmente ligada com a escravidão, quando as negras eram literalmente propriedade de homens brancos. […] Pense: e se a expressão dissesse “não sou tuas branca”? Ela passaria a mesma ideia? Certamente não. É possível que ela jamais chegue a ser reproduzida. […]
Capitolina. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016.
a) Em sua opinião, por que a expressão “não sou tuas branca” nunca seria reproduzida? b) As expressões “não sou tuas nêga” e “não sou tuas branca” estão de acordo com as regras de concordância da gramática normativa? Explique. 268
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Regência Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Toda Mafalda – Martins Fontes, 1991.
Leia a tira.
Quino. Toda Mafalda. Trad. Andréa Stahel M. da Silva et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 4.
1. Por que Mafalda desmaiou ao abrir a porta? Indique pelo menos duas hipóteses. 2. As histórias de Mafalda foram produzidas pelo cartunista argentino Quino nas décadas de 1960 e 1970. Por que essa informação é importante para o entendimento da tira? 3. Pode-se dizer que o humor presente na tira é produzido por uma ambiguidade relacionada à transitividade do verbo colocar. a) Linguisticamente, como essa ambiguidade se manifesta? b) Que recurso não verbal foi utilizado pelo cartunista para sustentar essa ambiguidade? As palavras transitivas – que precisam de um complemento para serem entendidas adequadamente – são denominadas regentes. As palavras que completam o sentido das palavras regentes são denominadas regidas. ANOTE
Chama-se regência nominal a relação entre os substantivos, adjetivos e advérbios transitivos e seus complementos. A relação entre os verbos transitivos e seus complementos é chamada regência verbal.
Regência verbal A regência verbal está relacionada à transitividade do verbo; por isso, é importante retomar esse conceito estudado no capítulo 21 (p. 184). O tipo de transitividade do verbo determinará a relação entre ele e seu complemento: verbos de transitividade direta ligam-se ao seu complemento sem o auxílio de preposição; verbos de transitividade indireta requerem o uso de preposição. A mudança de regência de um verbo, em alguns casos, pode acarretar mudança de sentido. Veja.
Lembre-se
Os verbos podem ser intransitivos, transitivos diretos, transitivos indiretos ou transitivos diretos e indiretos. diversidade
Geralmente, em situações menos controladas de uso da língua, verbos como assistir, namorar, implicar e visar não seguem a regência determinada pela gramática normativa. No entanto, em situações formais e na mo dalidade escrita, a regência de acordo com a norma-padrão deve ser observada.
Regência verbal – significado de alguns verbos transitivos diretos
Verbo aspirar assistir implicar visar
Regência
Preposição regente
VTD
–
sorver, atrair o ar para os pulmões
É bom aspirar o ar marinho.
VTI
a
desejar ardentemente; pretender
Os jogadores aspiravam ao título de campeões mundiais.
VTD
–
socorrer, acompanhar, ajudar
O médico assistiu o doente.
VTI
a
ver; estar presente
Sempre assistimos à TV antes de dormir.
VTD
–
requerer, envolver
Uma transformação verdadeira implica muito esforço.
VTI
com
ter implicância
Não implique com minhas manias.
VTD
–
mirar; rubricar, assinar
O menino visou o pássaro no galho da árvore.
VTI
a
ter por objetivo
Esta aula visa à discussão sobre o papel da mídia.
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Significado
Exemplo
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Sempre que houver dúvida quanto à regência de um verbo, pode-se conferir sua transitividade no dicionário. A seguir, você pode observar a regência verbal de alguns verbos conforme prescreve a gramática normativa. Regência de alguns verbos e suas preposições
Verbo
Regência
Preposição regente
Exemplo
acarretar
VTD
–
A crise acarretou insegurança financeira.
chegar
VI / VTI
a (indicando lugar)
Chegarei ao teatro às 18h.
consistir
VTI
em
Minha participação consiste em ouvir e opinar.
(des)obedecer
VTI
a
O motorista desobedeceu ao sinal de trânsito.
ir
VI VTI
a (indicando lugar)
Vou ao cinema.
namorar
VTD
–
Priscila namora Luís.
perdoar
VTDI
a
Perdoei a dívida ao meu amigo.
preferir
VTDI
a
Prefiro comida chinesa à japonesa.
Regência nominal Não são apenas os verbos que podem requerer complementos. Alguns substantivos, adjetivos e advérbios também podem ser transitivos e, portanto, precisar de outro elemento para ter seu sentido completo. As palavras que completam o sentido de um nome são os complementos nominais. Conheça a regência nominal de alguns adjetivos, substantivos e advérbios.
Capítulo 28 – Concordância e regência
Adjetivos acessível a
difícil de
insensível a
adequado a
digno de
inseparável de natural de
agradável a
disposto a
alheio a
diverso de
necessário a
ansioso de, por
dotado de
negligente em
apto a, para
doutor em
nocivo a
atento a, em
duro de
obediente a
avesso a
escasso de
odioso a, para
benéfico a
essencial para
oposto a
capaz de, para
estranho a
passível de peculiar a
cego a
exato em
compatível com
grato a
posterior a
comum a, de
hábil em
prejudicial a
constante em
habituado a
propício a
contrário a
idêntico a
próximo a, de rente com, a, de
cruel com, para com
impossível de
cuidadoso com
impróprio para
sedento de, por
cúmplice em
incansável em
semelhante a
desatento a
incompatível com
severo com, para com, em
descontente com
incompreensível a
sito em
desejoso de
indiferente a
superior a
desfavorável a
inimigo de
único em
Substantivos
Advérbios
capacidade de, para
ódio a, de, contra, para com
coerentemente com
concordância a, com, de, entre dificuldade com, de, em, para horror a obediência a obrigação de
permissão de, para piedade de respeito a, de, por serviço em tentativa contra, de, para, para com
concomitantemente a consecutivamente a independentemente de paralelamente a relativamente a
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Prática de linguagem 2013 King Features Syndicate/Ipress
1. Leia a tira.
McDonnell, Patrick. Mutts: os vira-latas. São Paulo: Devir, 2008. p. 106.
a) Os pássaros estão se preparando para migrar para o Sul. Qual é o sentido da resposta que o pássaro macho dá à fêmea no segundo quadrinho? b) Por que a resposta da fêmea, no terceiro quadrinho, produz um efeito de humor na tira? c) A fala do pássaro macho, no segundo quadrinho, apresenta uma oração subordinada adjetiva restritiva. Identifique-a e indique qual é o pronome relativo que a introduz. d) Por que essa construção não está adequada às regras de regência verbal da gramática normativa? Ela é inadequada ao contexto de produção da tira? Explique. e) Reescreva a fala da personagem de modo que ela fique de acordo com a regência prescrita pela gramática normativa. usina literária Em 1984, o movimento Diretas Já, composto de diversos setores da sociedade civil e partidos de oposição ao regime ditatorial (em vigor no País desde a década de 1960), clamava pelo direito à eleição direta para presidente da República. Leia a seguir a letra de uma canção que se tornou o “hino informal” desse momento político.
Inútil A gente não sabemos escolher presidente. A gente não sabemos tomar conta da gente. A gente não sabemos nem escovar os dente. Tem gringo pensando que nóis é indigente.
A gente faz música e não consegue gravar. A gente escreve livro e não consegue publicar. A gente escreve peça e não consegue encenar. A gente joga bola e não consegue ganhar.
A gente faz carro e não sabe guiar. A gente faz trilho e não tem trem pra botar. A gente faz filho e não consegue criar. A gente pede grana e não consegue pagar.
Inútil! A gente somos inútil! Inútil! A gente somos inútil!
Moreira, Roger Rocha. Intérprete: Ultraje a rigor. In: Warner 30 anos: Ultraje a rigor. São Paulo: Warner, 2007. 1 CD. Faixa 3.
1. Releia a primeira estrofe. a) À primeira vista, quem parece ser o eu lírico da canção? Em que você se baseou para responder? b) Com base no contexto da leitura da canção, explique o significado da palavra indigente. 2. Releia a terceira estrofe. a) Que relação você percebe entre os três primeiros versos da estrofe e a situação política do País na década de 1980? b) O último verso da estrofe faz referência à derrota da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1982. Como é possível relacionar esse fato ao sentido global da canção? 3. Identifique, na letra da canção, dois exemplos de concordância verbal e um exemplo de concordância nominal que não estejam de acordo com a gramática normativa. 4. “A gente somos” é uma construção típica de variedades linguísticas estigmatizadas. Há algum tipo de concordância verbal aceito pela gramática normativa que poderia sustentar a legitimidade desse uso? Explique. 5. É possível afirmar que a letra da canção “Inútil” produz um efeito de ironia. De que maneira esse efeito se manifesta na construção e no conteúdo da letra?
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Língua viva
Regência e concordância no uso cotidiano da língua
O Museu da Pessoa é um museu virtual e colaborativo de relatos de vida de indivíduos comuns; qualquer pessoa pode contar sua história. A organização tem hoje mais de 17 mil narrativas em textos, vídeos e áudios. Em 2012, a Rede Globo fez uma parceria com o Museu da Pessoa e registrou em vídeo o relato de alguns atores que participaram da minissérie Suburbia. Leia o relato de Lecão (Alexsander Costa Magalona), que representou o papel de Lulu.
Cenas da vida de Lecão Arquivo/Museu da pessoa
Meu pai já é falecido e minha mãe sempre trabalhou pras pessoas. Uma longa história, tipo lavando roupa pra poder sustentar nós de casa. Minha mãe não teve estudo e nunca trabalhou de carteira assinada, sempre lavando a roupa aqui, lavando a louça pra alguém, carregando balde d’água pra poder ganhar um dinheiro e poder sustentar meus irmãos. A gente morava num barraco, e quando o sol batia dava pra ver que era os pedacinhos de sol, que era tudo esburacado. E a minha mãe sempre foi batalhadora pra poder sustentar a gente. […] Eu sempre fui uma pessoa tranquila, sem arrumar problema, sem briga. E minha mãe é uma pessoa muito preocupada com os filhos e tal. Qualquer coisinha ela se preocupa. Ela não deixava muito eu ficar na rua brincando, então eu não sei rodar pião, jogar bola de gude, eu não jogo futebol, não solto pipa. Porque se eu aparecesse com um pião em casa minha mãe dizia: “Larga isso aí que é perigoso, você vai rodar, pode pegar no vidro da casa dos outros e eu não tenho dinheiro pra pagar”. Eu andava com um grupo e tal, mas sempre perto do portão de casa. Quando eles cis- O ator Lecão em foto de 2012. mavam de ir pra outros lugares eu: “Vou não, mano, por causa da minha mãe”. Eu comecei a estudar na escolinha que se diz particular, era uma pessoa conhecida da gente, que é a tia Maria e é bem amiga. Comecei a estudar lá primeiro e aprendi muita coisa. Já na escola eu dava uma aprontada de leve, mas nunca vacilei pra diretora chamar minha mãe. Sempre fui responsável. Eu zoava, mas na minha. Eu estudei, mas na verdade eu nunca gostei de estudar, pra ser sincero, mas eu terminei. Lá no AfroReggae eles não deixam ficar sem estudar, tem que terminar, então eu tava muito empolgado, queria saber só de música, fazer show, fui reprovado, mas depois eu pensei bem e tive que estudar, tive que terminar e terminei. Na verdade o AfroReggae foi pra Vigário em 1993. Já existia em 1992, só que não tinha música, era AfroReggae Notícia, era um jornal e eles tinha um baile funk. […] E eu sempre falava: “Nunca vou entrar no AfroReggae”, porque eles ficavam batucando. [...]. E aí o Anderson Sá, que é vocalista, me convidou pra fazer oficina de capoeira. Na verdade minha mãe falou com ele porque ela queria ocupar o meu tempo. Eu sempre gostei de cantar, mas eu nunca me considerava como vocalista. E antigamente eu imitava muito o vocalista da banda AfroReggae, que é o LG. Teve uma época que eu tava imitando tanto, que ele é meio gordinho, tem um dente separado, e eu pegava uma parada pra separar o dente. Quando eu fui cantar samba, cantava igual. Os cara falavam: “Aqui você é o Lecão, você não é o LG”. Eu fui achando o meu caminho, e hoje eu posso dizer que eu sou o Lecão, hoje eu tenho minha personalidade. Eu trabalhei com a trupe de teatro como músico, mas ao mesmo tempo eu era meio que ator, tinha que fazer parte das cenas. Não fiz um curso de teatro, mas eu fiz uma oficina pro Cidade de Deus. Não fiz o filme, mas eu fiz a oficina. Isso me ajudou pra caramba. Na verdade o teatro, a música, dança, se transforma em um só. Um ajuda o outro. É aquela sincronia toda. Quando começou os ensaios do Suburbia, minha mãe: “Vai pra onde?”, “Vou na cidade resolver um negócio”. Eu só gosto de falar quando tá tudo certo. Depois falei pra minha mãe: “Eu tô indo ensaiar”, “Ensaiar aonde?”, “Eu tô indo lá em Jacarepaguá ensaiar, eu passei no teste”, “Teste de quê? Tu não me fala nada, não sei o que, be be be”, “Passei no teste, vou fazer uma minissérie, uma participação”. O olho dela já começou a encher d’água. “Isso aí, meu filho, segue o seu caminho, be be be, que Deus te ajude”. Aí já dá vontade de chorar também. Às vezes eu sou muito durão, eu fico controlando. Eu gosto de chorar sozinho, sei lá, ir pro quarto, botar uma música e chorar sozinho. Lembrar das coisas, coisas boas, coisas ruins. Na série eu sou o Lulu, cantor de funk, e dança também junto com a Jéssica e o Dudu. Eu acho que tem a ver o personagem, que eu tô com esse lance de favela. Eu moro aqui, o baile é no final daquele muro, então já convivi com esse lance de baile. Meus irmãos sempre foram pra baile funk. Magalona, Alexsander Costa. Museu da Pessoa, 1o out. 2012. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016. ©Creative Commons.
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1. Lecão teve uma vida semelhante à de sua personagem da minissérie Suburbia. Você considera necessário que um ator tenha essa experiência para interpretar uma personagem? Por quê? 2. Considere o texto do relato como um todo. A linguagem do texto está mais próxima de um registro formal ou informal? Justifique sua resposta com exemplos retirados do texto. 3. O relato lido é uma retextualização da fala de Lecão. Localize no texto dois exemplos de marcas típicas do discurso oral. 4. Relacione a variedade linguística usada pelo ator com o contexto de produção de seu texto e o papel social desempenhado por ele. 5. O relato apresenta construções sintáticas que não seguem as regras da norma-padrão. Localize no texto e copie no caderno trechos referentes aos itens abaixo. Reescreva-os de acordo com a norma-padrão. a) Concordância nominal em desacordo com a norma-padrão. b) Concordância verbal em desacordo com a norma-padrão. 6. Releia.
Leia Suburbia, de Pedro Franz. São Paulo: Retina 78, 2012. A história em quadrinhos Suburbia foi baseada na série homônima, dirigida por Luiz Fernando Carvalho. Os quadrinhos contam a história de Conceição, uma menina que fugiu da miséria em que vivia em Belo Horizonte (MG) e foi para o subúrbio do Rio de Janeiro, onde se tornou a rainha do funk. Retina 78. Fotografia: ID/BR
Sobre o texto
Quando eles cismavam de ir pra outros lugares eu: “Vou não, mano, por causa da minha mãe”. a) O trecho apresenta uma preposição regente em desacordo com a norma-padrão. Reescreva o trecho, adequando-o a essa norma. b) Qual das construções é típica na fala cotidiana: a do trecho original ou a da versão reescrita por você? c) Em sua opinião, a formulação da frase em desacordo com a regência da norma-padrão na frase de Lecão é proposital? Justifique.
Capa da HQ Suburbia. TV Globo/Conteúdo Expresso
ANOTE
Não se pode reforçar o preconceito linguístico segundo o qual apenas falantes de determinadas classes sociais, regiões e escolaridade não seguem a norma-padrão. No uso cotidiano da língua, é comum os falantes utilizarem construções que não estão de acordo com as regras de regência e concordância da gramática normativa. Isso acontece até em situações discursivas mais formais que envolvem não somente falantes de variedades linguísticas estigmatizadas, mas também falantes das variedades urbanas de prestígio. No entanto, como já vimos, certas construções são mais desvalorizadas do que outras: o domínio da norma-padrão torna-se, assim, importante instrumento de ascensão social. texto em construção Em alguns contextos, a norma-padrão acaba sendo a escolha mais indicada. É o que acontece, por exemplo, nos gêneros textuais utilizados na busca por uma vaga no mercado de trabalho, como o currículo, estudado no capítulo 31 (p. 300-305). Após a entrega ou envio do currículo, o passo seguinte ao qual o candidado a um posto de trabalho costuma ser submetido é a entrevista de emprego, assunto tratado no boxe Repertório da página 301. Na entrevista de emprego, o cuidado com a escolha da variedade linguística utilizada e a opção pela norma-padrão, além do uso de um nível de formalidade adequado, podem ser um importante diferencial para obtenção de sucesso, pois revelam a capacidade do candidato de se comunicar em diferentes situações, dependendo do momento.
Suburbia é uma série de televisão brasileira. Dirigida por Luiz Fernando Carvalho, foi exibida pela Rede Globo, de novembro a dezembro de 2012. A minissérie retrata o subúrbio carioca e parte do elenco foi constituída por jovens de comunidades do Rio de Janeiro, entre eles Lecão.
1. Cite exemplos de outros contextos, orais ou escritos, em que o uso da norma-padrão é o mais indicado.
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Em dia com a escrita
A crase
É possível que, ao escrever, você tenha dificuldade para saber se deve ou não grafar o acento grave (`), indicativo da crase, sobre a palavra a. Há uma confusão entre o fenômeno da crase (que ocorre na fala) e sua representação gráfica, por meio do acento grave, na ortografia da língua. Leia estas orações em voz alta. Ele conhece muito bem os seus defeitos
os seus
Os padrinhos do noivo usaram gravatas iguais
noivo usaram
Em cada frase há dois sons iguais que, pronunciados seguidamente, soam como se fossem um. É esse fenômeno sonoro que se chama “crase”. Porém, ocorrências como as dos exemplos acima não são sinalizadas na escrita. Pela convenção ortográfica, a crase só deve ser sinalizada na escrita quando representar a fusão de dois sons /a/ bem específicos. Veja as regras para isso. Regra
Sinaliza-se a crase
A sinalização da crase é optativa
Não se sinaliza a crase
Caso
Exemplos
1. No encontro da preposição a com o artigo a ou as.
A rua onde moro é paralela à avenida central. [paralela a (preposição) + a (artigo) avenida central]
2. No encontro da preposição a com os pronomes demonstrativos aquele (e suas flexões) e aquilo.
Refiro-me àquele show de ontem. [referir-se a (preposição) + aquele (a inicial do pronome) show]
3. Em locuções adverbiais de tempo, modo e lugar com núcleo feminino: às vezes, à tarde, às pressas, à moda, à milanesa, à frente, à esquerda, etc.
Às vezes, vou ao clube à tarde. O prato do dia é filé à milanesa. Sente-se mais à frente.
4. Em locuções prepositivas com núcleo feminino: à frente de, à custa de, à moda de, etc.
Prefeito quer candidato à frente de aliança para 2016. A mais pedida é a pizza à moda da casa.
5. Nas locuções conjuntivas à medida que e à proporção que.
O país se desenvolve à medida que investe em educação.
6. Nas expressões que indicam horário iniciadas pela preposição a.
A reunião será às 10h30. Voltaram à uma da madrugada.
7. Diante de nomes próprios femininos que sejam antecedidos de preposição a.
Ofereceram um novo emprego à /a Maria. [oferecer a (preposição) + a (artigo) Maria/ oferecer a (preposição) + Maria (sem artigo)]
8. Diante de pronomes possessivos femininos que sejam antecedidos de preposição a.
Perguntei à /a minha mãe o motivo de tudo. [perguntar a (preposição) + a (artigo) minha mãe/ perguntar a (preposição) + minha mãe (sem artigo)] Voltou-se inteiramente às/a suas questões. [voltar-se a (preposição) + as (artigo) suas questões/ voltar-se a (preposição) + suas questões (sem artigo)]
9. Após a preposição até, empregada antes de substantivo feminino.
A greve deve durar até à /a semana que vem. [durar até a (preposição) + a (artigo) semana/ durar até a (artigo) semana]
10. Nas locuções adverbiais de instrumento com núcleo feminino: a bala, a mão, a máquina, a vela, a tinta, etc.
Essa carta foi escrita a mão. Nunca andei de barco a vela.
11. Em locuções adverbiais de modo formadas pela repetição de substantivos femininos.
Finalmente eles se viram cara a cara. Sorveu gota a gota até o fim do copo.
Por vezes, a palavra feminina cujo artigo se funde com a preposição a está oculta. Veja. Sua resposta não foi igual à dele.
igual a (preposição) + a (artigo) [resposta] dele
Para saber se um substantivo próprio que é nome de cidade, estado ou país exige artigo, use-o em orações em que ele é regido pelas preposições de, em ou por. Se aparecerem da, na ou pela, o artigo é empregado. Veja. Bahia – Venho da Bahia/Moro na Bahia/Passo pela Bahia.
Vou à Bahia.
Manaus – Venho de Manaus/Moro em Manaus/Passo por Manaus. 274
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Vou a Manaus.
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1. Identifique por que a crase foi sinalizada em cada uma das situações a seguir. a) Seguiram as pistas do criminoso praticamente às escuras. b) Brindamos à sua saúde. c) A carta se referia àquilo que discutimos. d) No próximo quarteirão, vire à esquerda. e) Tire suas dúvidas à medida que elas forem surgindo. f) Marcaram de se encontrar às 18h30. 2. Indique em quais das orações abaixo não é obrigatório sinalizar a crase, segundo a convenção ortográfica. Justifique sua resposta. a) Da teoria à prática há uma grande distância. b) Raquel fez uma saída à francesa. c) A medida foi aprovada às pressas pelo Senado. d) Receita Federal recomenda consulta à certidão negativa. e) Ministério da Justiça inicia combate à pirataria.
4. Copie no caderno as orações a seguir, completando-as com a, as, à ou às. a) Nas férias, vou praia. b) Aberto de segunda sábado, das oito vinte horas. c) Prepare comida sua maneira. d) roupas estão venda em 145 lojas espalhadas pela cidade. e) Espero por você direita da escola. f) Estarei em casa noite. g) Prefiro torta salgada empada. 5. Observe a tira ao lado. a) A tira satiriza um problema comum nas grandes cidades. Que problema é esse? b) Indique se a ausência da sinalização de crase na expressão “movido a chuva” está de acordo com as regras estudadas nesta seção. Explique por quê.
Laerte/Acervo do artista
3. Explique por que não há acento grave no a ou as das expressões destacadas. a) A equipe de informática instalou uma nova impressora a laser. b) O trio elétrico percorreu a cidade de ponta a ponta. c) Vendem-se toalhas com bordados feitos a mão. d) A vistoria está marcada para as 16h30. e) Não devo satisfações a ninguém.
Laerte. Classificados. São Paulo: Devir, 2001. v. 1. p. 62.
6. Leia o poema a seguir.
Nada além O amor bate à porta e tudo é festa. O amor bate a porta e nada resta. Santos, Cineas. Pétala. Teresina: Edições Oficina da Palavra, 2010. p. 103.
Explique como a sinalização da crase é responsável pela construção de sentido no poema. ANOTE
A crase é um fenômeno da língua falada em que dois sons iguais são pronunciados como um só. Na escrita, a ocorrência da crase é sinalizada com o acento grave (`) apenas quando há fusão de duas ocorrências seguidas do som /a/ em situações específicas.
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Articulando
Língua e protagonismo
Você vai ler dois textos e refletir sobre as diferentes maneiras pelas quais a língua pode ser um instrumento de protagonismo social. O primeiro texto é uma entrevista com a jornalista e escritora Eliane Brum, que revela como sua relação com a língua a transformou e a formou; o segundo traz a história de uma curitibana que transformou a escrita de cartas às autoridades locais em um exemplo de protagonismo. Texto 1
A delicadeza e o tom suave da voz não deixam transparecer, à primeira vista, o universo de histórias do mundo e de si mesma que Eliane Brum traz. É no transcorrer da conversa, alternada entre o “tu” e o “você”, ou misturando os dois, que a premiada jornalista e escritora gaúcha enreda o interlocutor como se estivesse narrando uma boa história ou uma empolgante reportagem, quase a mesma sensação que se tem ao ler seus textos publicados na imprensa – em novembro passado ela estreou como colunista, em língua portuguesa, da edição para internet do jornal espanhol El País. Eliane falou de experiências pessoais, da relação com os livros, com as palavras, do ato vital de escrever e das delícias da “melhor profissão do mundo”, a de repórter. Quase sempre iniciamos nossas conversas querendo saber da história do entrevistado como leitor. Como foi seu caminho pela leitura e pela escrita? Que papel teve a escola? Minha história com os livros começa antes de eu saber ler e escrever, ouvindo meu pai. Minha família é de agricultores, imigrantes italianos, que foram parar na zona rural de Ijuí, num povoado chamado Picada Conceição. Meu pai foi o primeiro que estudou, por conta de uma história de romance, que se passa no final do século XIX: o filho de um grande estancieiro, parente do general Andrade Neves, família tradicional do Rio Grande, se apaixonou por uma escrava; ela engravidou e, ao contrário do que faziam os homens daquela geração, ele assumiu o filho e o amor, mas foi deserdado. A escrava – nunca descobri o nome dela – morreu, e esse homem, criado para ser um grande general ou advogado, começou a peregrinar pelo Rio Grande do Sul como professor, com sua filha mulata, que se chamava Luzia. E foi a Luzia com o pai dela, Sabino Andrade Neves, que chegaram à Picada Conceição para fazer uma escolinha. Graças a essa escolinha meu pai aprendeu a ler e a escrever. Por um tempo ficou repetindo o mesmo ano, até que não tinha mais para onde ir e a própria Luzia o colocou em uma charrete, levou-o à prefeitura e disse: “Esse guri precisa de bolsa para estudar” – meu pai vai parar no internato e continua os estudos até virar professor. Eu nunca conheci a Luzia, ela está enterrada no cemitério desse povoadinho, e meu pai
– hoje com 83 anos – nos leva lá todo ano, dizendo: “Essa mulher, Luzia, foi quem nos tirou da ‘cegueira’ das letras”. A Luzia, esse nome meio profético, deu à luz pelas letras. Aí começa o meu interesse pelas letras. E já tinha ideia de que ler e ter contato com os livros era transformador? Intuía: pelo que meu pai dizia de Luzia, pelo que via no rosto dele quando falava dela, mas não sabia que mistério era esse, sabia que tinha algo importante quando as pessoas liam. Sou filha “temporã”, tenho dois irmãos mais velhos e outra irmã, que vinha depois, mas morreu. Quando nasci, todo mundo já lia e, na minha família, todo mundo lê muito. Então, eles ficavam lendo e eu ficava impressionada com aquilo, cada um tendo as expressões mais diferentes possíveis: rindo, chorando. E eu estava fora daquele mundo. Quando começo a ler, me transformo de uma maneira que não sabia que era possível. Fui uma criança muito triste, desde muito pequena tenho uma aflição da vida, como uma coisa árida, e do mundo, como uma coisa bastante dolorosa. Sempre fui muito mais uma “escutadeira” e uma “olhadeira” que uma “faladeira”; quando ia à zona rural, ficava escutando as histórias dos meus parentes. Você chega à escola com essa história? Sim, mas com a perspectiva de que algo vai me transformar. E transforma, porque é a partir dos livros, da palavra escrita, que minha vida passa a existir. Passo a ler compulsivamente e descubro que pelos livros posso ser alienígena, vampiro, fantasma, bicho, planta, fada, duende… posso ser muitos, posso penetrar outras vidas, ir para outros mundos, e é isso que a leitura me dá, é como um portal. Apesar de minha mãe ser professora de literatura e meu pai, de história econômica, os dois deram aulas de português. Eles nunca me disseram o que ler ou proibiram qualquer leitura, porque entendiam que a descoberta era de cada um. Eu ia para as prateleiras da nossa biblioteca e começava a procurar. Minha busca era orientada pelos meus interesses, encontrava todas as minhas respostas nos livros. […]
Zanone Fraissat/Folhapress
Entrevista: Eliane Brum
A jornalista e escritora Eliane Brum. Foto de 2014.
Vocabulário de apoio
enredar: desenvolver enredo, contar estancieiro: proprietário de fazenda intuir: perceber, deduzir peregrinar: andar em peregrinação, viajar temporão: filho que nasce muito depois do irmão que o precede
Gurgel, Luiz Henrique. Escrevendo o futuro. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016.
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Alexandre/Gazeta do Povo/Folhapress
Texto 2
Sete mil cartas para mudar o Rio Bonito Moradora da periferia de Curitiba cria correio para que moradores enviem seus pedidos às autoridades. Iniciativa virou um movimento Pouco tempo atrás, se perguntassem à estudante de Direito Luciana Cortes de Oliveira, 37 anos, o que era uma fila para consulta médica, ela faria caras e bocas. “Uma abstração”, brinca. Moradora da Água Verde, tinha lá as suas pedras no sapato, mas nada que a obrigasse pular da cama às 4 da madrugada e passar horas à espera de uma senha. Até que lhe veio o infortúnio [...] Novo endereço: Moradias Rio Bonito, loteamento popular com espantosos 28 mil habitantes, no Cam po de Santana, a 33 quilômetros do Centro. De tudo o que encontrou na periferia – de ônibus passando de hora em hora a crateras lunares em vez de asfalto –, o que mais lhe impressionou foi a quantidade de pessoas, no meio da noite funda, acampadas na porta da unidade de saúde, como se fosse ali um campo de refugiados. “Fiquei revoltada. Aquilo virava quadra. Perguntei como é que eles não botavam a boca no mundo. Ninguém me respondeu”, conta a mulher que decidiu comandar o serviço ela mesma. Mostrou a língua e soltou o verbo. [...]
Misericórdia “Bom dia, meu nome é Luciana e estou aqui para ouvi-los…” É assim que começa sua fala, nas visitas madrugueiras à Unidade de Saúde Rio Bonito. Caderno universitário nas mãos, faz as vezes de escrevinhadora das cartas, prometidas às autoridades. Ouve histórias de pasmar: “A senhora anda quatro quilômetros e meio para chegar aqui? Misericórdia”. Anota as reclamações – do médico pouco dado ao batente, passando ao que acontece da porta para fora: som alto, cachorro que não para de latir, bandidagem que grassa solta, excesso de ruas
com o sobrenome “Bertoldi” e a lamúria hors concours – falta de vaga nas creches. Diante da demanda, a ativista decidiu deixar “caixas de correio” pela comunidade, para que os moradores postassem ali seus acertos de contas, de próprio punho. [...] Semana a semana, ajudada pelo marido, Fernando, Luciana recolhe as missivas, classifica-as e se prepara para levá-las, breve, ao lugar de direito: à Câmara Municipal o que é da Câmara, à Fundação de Ação Social o que é da Fundação, e assim por diante. “Quero chegar a 7 mil cartas. Entregues nas repartições, cada uma delas vai gerar um protocolo. Digo pro povo – escrevam uma carta por dia”, bota meta, causa impressão.
Vila Lambari Os resultados apareceram antes mesmo de terminar as remessas que, aposta, cairão feito plumas na mesa de vereadores, secretários e burocratas. O número de atendimentos na unidade de saúde passou de 22 para 60 por dia. No lugar onde não havia termômetros, hoje 38 peças estão à disposição de mães aflitas e seus pequenos em febres. […]. “Tentaram me inibir, é claro. Mas a gente só quer cumprir a Constituição”, conta. Se tem detratores, Luciana conta com apoios. Como muitos moradores têm dificuldade com a escrita, voluntários se somaram à empreitada, como a vizinha Lindacir Monteiro, 71 anos. Há quem dite in loco, a turma do movimento escreve. […] Embora viva um autoexílio no Rio Bonito, Luciana Cortez não pretende sair dali tão cedo. Tem apoio. A população fez dela presidente do Conselho de Saúde. Difícil quem não conheça a “guria das cartas”, aquela “sempre cheia de ideias”. A última foi bater na porta das quatro escolas da região, sugerindo que a prática das “mal traçadas linhas” seja uma atividade pedagógica. Teve apoio.
Luciana Cortes, na biblioteca caseira que divide com o marido Fernando, mostrando uma das famosas caixas que atiçaram a participação popular no Rio Bonito. Vocabulário de apoio
abstração: ato ou efeito de abstrair(-se); abstraimento detrator: que ou quem detrata, difama grassar: propagar-se, espalhar-se hors-concours: termo de origem francesa que se refere a algo que não possui competição por ser superior aos demais in loco: no próprio local infortúnio: adversidade, acontecimento infeliz missiva: carta, bilhete
Fernandes, José Carlos. Gazeta do Povo, 3 out. 2015. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016.
DEBATE
1. Em grupos de até cinco pessoas, procure responder oralmente às seguintes questões, com base na leitura dos textos. Depois, o professor ajudará os grupos a expor as conclusões a que chegaram, registrando no quadro de giz a síntese do debate. a) De que maneira cada uma das duas experiências relatadas permite identificar as relações existentes entre língua e protagonismo? b) Em seu bairro ou cidade, há iniciativas semelhantes às descritas nos textos? Quais? c) Pensando no que você estudou durante o Ensino Médio, reflita: Que outras formas de protagonismo social a língua possibilita? Elas são acessíveis aos jovens? Que iniciativas você e seus colegas poderiam começar a implantar desde já?
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A língua tem dessas coisas Com quantos países se faz uma lusofonia?
Ondjaki promove “novas línguas portuguesas” em Pequim
Carlos Cecconello/Folhapress
Que em Portugal e no Brasil se fala português não é novidade. Mas em quantos países do mundo, de fato, o português é falado? A Lusofonia – conjunto de países que têm o português como língua oficial – é composta de nove nações: além de Brasil, Portugal, Angola e Moçambique, também Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste participam desse grupo. Eles compõem a chamada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), criada em 1996 para oficializar a cooperação internacional em assuntos políticos, sociais e econômicos entre esses países. Leia, no artigo a seguir, entre outras coisas, a opinião do escritor angolano Ondjaki sobre a influência das línguas africanas na língua portuguesa.
Uma nova geração de autores lusófonos africanos usa “bué” palavras do tipo “desconseguir”, “bazar” e “à toa”, desenvolvendo à sua maneira a identidade expressa pelo romancista moçambicano Mia Couto: “A minha pátria é a minha língua portuguesa”. É uma frase de Fernando Pessoa a que Mia Couto acrescentou um segundo “minha”, mas neste pronome possessivo cabe toda a liberdade: “É a minha língua portuguesa”, reafirmou o escritor angolano Ondjaki em Pequim. “Eu tenho pelo menos duas línguas portuguesas: a que aprendi na escola e a que adquiri quando comecei a escrever”, disse Ondjaki, escritor angolano. Foto de 2010. Ondjaki na 9a edição do Bookworm Literary Festival, concluída. [...] “Sou de Angola, mas não tenho a certeza se aquilo que faço é literatura angolana. Não ponho carimbo nas coisas: o meu trabalho não é esse”, afirmou Ondjaki. Pseudónimo de Ndalu de Almeida, Ondjaki nasceu e cresceu em Luanda, filho de um engenheiro e de uma professora. Num inglês fluente, contou que o seu nome literário “é uma palavra umbundu”, língua do sul de Angola, que tem vários significados, desde “guerreiro” a “traquinas”, e pode significar também “aquele que enfrenta desafios”. “Há cerca de 3.000 palavras do português que são de origem africana”, disse. Batuque, bunda, capanga, gingar, minhoca, moleque, parlapié e missanga são alguns exemplos mais conhecidos dessa influência. Ondjaki vive no Rio de Janeiro, mas continua a ir regularmente a Luanda: “A corrupção não é a única coisa que está a acontecer em Angola, no Uganda ou pela África fora. Há muitas coisas positivas a acontecer. São coisas por vezes invisíveis, mas o que interessa é que aconteçam”. […], disse. Ondjaki já publicou cerca de vinte livros (poesia, teatro, contos, romance e literatura infantil) e está traduzido em mais de uma dezena de países, de Cuba à Suécia. Em 2012, o jornal britânico The Guardian considerou-o um dos cinco melhores escritores africanos. África Today, 6 abr. 2015. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2016.
1. O texto que você leu foi publicado em um site de notícias angolano. Você notou alguma diferença entre o português angolano e o português brasileiro? Qual? 2. Explique por que o título do artigo diz que Ondjaki promove “novas línguas portuguesas”? 3. Reúna-se com os colegas em grupos de até cinco pessoas e escolha um dos países lusófonos ou uma região que tem o português como língua oficial. O grupo realizará uma pesquisa sobre esse país ou região. Os seguintes dados devem ser identificados. a) Características gerais do país ou região (localização, sistema político, população, etc.). b) Línguas faladas no país ou região, além do português (porcentagem de falantes). c) Características da variedade do português falada no país ou na região. d) Perspectivas da língua no local (possíveis ameaças, previsões de fortalecimento, etc.). e) Exemplos de literatura local. 4. Realize uma discussão com a sala sobre os países pesquisados, identificando semelhanças e diferenças entre os dados encontrados. 278
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Vestibular e Enem 1. (Enem) Diante do número de óbitos provocados pela gripe H1N1 — gripe suína — no Brasil, em 2009, o Ministro da Saúde fez um pronunciamento público na TV e no rádio. Seu objetivo era esclarecer a população e as autoridades locais sobre a necessidade do adiamento do retorno às aulas, em agosto, para que se evitassem a aglomeração de pessoas e a propagação do vírus. Fazendo uso da norma-padrão da língua, que se pauta pela correção gramatical, seria correto o Ministro ler, em seu pronunciamento, o seguinte trecho: a) Diante da gravidade da situação e do risco de que nos expomos, há a necessidade de se evitar aglomerações de pessoas, para que se possa conter o avanço da epidemia. b) Diante da gravidade da situação e do risco a que nos expomos, há a necessidade de se evitarem aglomerações de pessoas, para que se possam conter o avanço da epidemia. c) Diante da gravidade da situação e do risco a que nos expomos, há a necessidade de se evitarem aglomerações de pessoas, para que se possa conter o avanço da epidemia. d) Diante da gravidade da situação e do risco os quais nos expomos, há a necessidade de se evitar aglomerações de pessoas, para que se possa conter o avanço da epidemia. e) Diante da gravidade da situação e do risco com que nos expomos, tem a necessidade de se evitarem aglomerações de pessoas, para que se possa conter o avanço da epidemia. (UFSM-RS) Texto para a questão 2. Um algoritmo vale mais que o charme? Uma nova safra de sites de namoro a tecnologia para juntar as pessoas à moda antiga. Vale até um PowerPoint sobre a sua vida. As redes sociais ampliaram não só os grupos de amigos, mas também o número de pessoas com as quais ter um relacionamento amoroso. Mas o problema é que as redes sociais aumentaram a quantidade e não a qualidade dos candidatos. O novo desafio amoroso é exatamente este: filtrar as pessoas que interessam. Daí serviços, como o eHarmony.com e Match.com, que ajudam a selecionar parceiros(as) dentro e fora da sua rede com a ajuda de algoritmos que analisam a compatibilidade entre duas pessoas. Outros aplicativos, como o Pair, grande importância à privacidade num mundo onde as interações são cada vez mais públicas. E se der tudo errado, vários sites de divórcio. Se você quiser manter o lado tradicional da separação, mas sem a lentidão da Justiça, hospede-se no DivorceHotel.com. Lariu, Alessandra. Um algoritmo vale mais que o charme? INFO, jul. 2012, p. 30. Adaptado.
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
2. Assinale a alternativa que preenche, adequadamente, as lacunas do texto, segundo os princípios da norma-padrão da língua portuguesa. a) usa – se pode – entram – dão – existem b) utiliza – é possível – surgem – tem dado – há c) usam – pode-se – entram – dão – existem d) utiliza – é possível – surge – estão dando – há e) utilizam – se pode – entra – dão – existe (Enem) Texto para a questão 3. Novas tecnologias Atualmente, prevalece na mídia um discurso de exaltação das novas tecnologias, principalmente aquelas ligadas às atividades de telecomunicações. Expressões frequentes como “o futuro já chegou”, “maravilhas tecnológicas” e “conexão total com o mundo” “fetichizam” novos produtos, transformando-os em objetos do desejo, de consumo obrigatório. Por esse motivo carregamos hoje nos bolsos, bolsas e mochilas o “futuro” tão festejado. Todavia, não podemos reduzir-nos a meras vítimas de um aparelho midiático perverso, ou de um aparelho capitalista controlador. Há perversão, certamente, e controle, sem sombra de dúvida. Entretanto, desenvolvemos uma relação simbiótica de dependência mútua com os veículos de comunicação, que se estreita a cada imagem compartilhada e a cada dossiê pessoal transformado em objeto público de entretenimento. Não mais como aqueles acorrentados na caverna de Platão, somos livres para nos aprisionar, por espontânea vontade, a esta relação sadomasoquista com as estruturas midiáticas, na qual tanto controlamos quanto somos controlados. Sampaio, A. S. A microfísica do espetáculo. Disponível em: . Acesso em: 1o mar. 2013. Adaptado.
3. Ao escrever um artigo de opinião, o produtor precisa criar uma base de orientação linguística que permita alcançar os leitores e convencê-los com relação ao ponto de vista defendido. Diante disso, nesse texto, a escolha das formas verbais em destaque objetiva a) criar relação de subordinação entre leitor e autor, já que ambos usam as novas tecnologias. b) enfatizar a probabilidade de que toda população brasileira esteja aprisionada às novas tecnologias. c) indicar, de forma clara, o ponto de vista de que hoje as pessoas são controladas pelas novas tecnologias. d) tornar o leitor copartícipe do ponto de vista de que ele manipula as novas tecnologias e por elas é manipulado. e) demonstrar ao leitor sua parcela de responsabilidade por deixar que as novas tecnologias controlem as pessoas. 279
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UNIDADES 10 Narrar 11 Relatar 12 Expor
A pluralidade em destaque Coleção particular. Fotografia: Susana Bravo
Produção de texto
13 Argumentar
Bravo, Susana. Às cinco da tarde (detalhe), 2010. Técnica mista sobre tela, 120 cm 3 130 cm. Coleção da artista. A pluralidade da artista portuguesa Susana Bravo manifesta-se tanto nas personagens de seus quadros quanto nas técnicas artísticas que utiliza para criá-las. 280
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Neste volume, na parte de Produção de tex to, colocamos em evidência a pluralidade de protagonistas da sociedade contemporânea e a multiplicidade de referências culturais que orientam seu comportamento. A pluralidade está presente no conto psicológico, que inves tiga as diferentes formas de viver e ser. Ela também se revela no seminário, gênero textual que reúne pontos de vista diferentes, pois é produzido coletivamente, e no discurso de orador de formatura, produzido para repre sentar um grupo. Ela é determinante, ainda, no
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anúncio publicitário, que mobiliza diferentes discursos e linguagens para atingir públicos heterogêneos. O perfil biográfico, por sua vez, realiza uma abordagem mais detida e subje tiva da vida de personalidades que têm certa relevância social, enquanto o currículo apre senta o candidato a uma vaga de emprego ao empregador, que busca o trabalhador adequa do à realidade da empresa como um todo. Já o artigo de opinião e a dissertação são manei ras de expressar diferentes posicionamentos em relação a questões sociais.
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unidade
10 Nesta unidade 29
Conto psicológico
Narrar O século XX foi marcado pela aceleração das inovações tecnológicas, entre elas o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e a produção de mercadorias em grande escala. Embora tenham trazido benefícios, essas mudanças acarretaram graves problemas sociais e políticos, como guerras e aumento das desigualdades sociais. O indivíduo imerso nessas circunstâncias também foi afetado. Com o crescimento das cidades, intensificaram-se as experiências de solidão e violência. E muitas vezes experimenta-se o desconforto na relação com um meio que tende a calar a singularidade e favorecer a padronização.
Imagem da página ao lado: Farkas, Thomaz. Autorretrato com gato, 1946. Fotografia. Dimensões não disponíveis. Instituto Moreira Salles, Brasil. Esta é uma obra do fotógrafo húngaro-brasileiro Thomaz Farkas (1924-2011). Sua fotografia revela uma forma bastante particular de olhar o cotidiano, como acontece no gênero conto psicológico.
Nesse contexto, surgiram novas formas de entender o ser humano, entre elas a psicanálise. As pesquisas de Sigmund Freud e de outros estudos relacionados ao sujeito influenciaram também as artes. Assim, há uma produção artística vasta em que o artista recorre a diferentes formas de expressão, na tentativa de exprimir sua interioridade. Nesta unidade, você estudará o conto psicológico, um gênero literário marcado pela brevidade e que procura apresentar as sutilezas da subjetividade.
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Thomaz Farkas/Acervo Instituto Moreira Salles
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capítulo
o que você vai estudar Como identificar e produzir um conto psicológico. O estranhamento como recurso literário. A escolha de palavras e o campo semântico.
Vocabulário de apoio
devanear: divagar com o pensamento; imaginar ferocidade: estado de feroz; violência indubitável: que não gera dúvida; incontestável renitente: que teima, obstinado transladar: mudar de um lugar para outro
Conto psicológico O conto psicológico investiga o mundo interior das personagens: seus pensamentos, dilemas e estados de alma. Muitas vezes, eventos triviais, aparentemente sem importância, levam a personagem a refletir sobre sua própria existência. Neste capítulo, você conhecerá melhor esse gênero e também terá a oportunidade de produzir um conto psicológico.
Leitura O conto a seguir, de Clarice Lispector, foi publicado na coletânea Felicidade clandestina, de 1971. Leia com atenção o texto e responda às questões.
Uma esperança Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica-se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto. Houve um grito abafado de um de meus filhos: — Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser. — Ela quase não tem corpo, queixei-me. — Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças. Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender. — Ela é burrinha, comentou o menino. — Sei disso, respondi um pouco trágica. — Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita. — Sei, é assim mesmo. — Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas. — Sei, continuei mais infeliz ainda. Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse. — Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim. Andava mesmo devagar — estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo. Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança: — É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte... — Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
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Pedro Hamdan/ID/BR
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Pedro Hamdan/ID/BR
— Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros — falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança. O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo. Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la. Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada. Lispector, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 92-94.
Situação de produção
Arquivo/Tate Images
Descobertas psicológicas O século XX operou uma grande transformação na autoimagem do ser humano ocidental. A psicanálise, teoria e método terapêutico elaborados pelo médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), contribuiu com um novo entendimento da psique humana, e esse olhar sobre a interioridade influenciou também a narrativa literária. No final do século XIX, Freud estudou o funcionamento da mente humana e sugeriu que o comportamento é determinado tanto por processos conscientes como inconscientes. Em outras palavras, haveria conteúdos subjetivos que, apesar de agirem ativamente na vida psíquica, são desconhecidos pelo próprio indivíduo. Uma das formas de ter acesso a esses conteúdos inconscientes é a associação livre. Nessa técnica, o psicanalista propõe ao paciente que fale livremente tudo o que vier à sua mente e procura, por meio das associações feitas, investigar e nomear os processos inconscientes que estão por trás do sofrimento psíquico. Esse método explicativo e investigativo proposto por Freud influenciou a produção literária da época – passaram a ser produzidas narrativas que evidenciam o fluxo de pensamento das personagens e conduzem o leitor para além do estritamente dito. Com o objetivo de revelar ou denunciar algo oculto sobre a realidade vivenciada pelo indivíduo moderno, os contos ganharam cada vez mais elementos psicológicos. No conto contemporâneo, a forma é enfatizada: os aspectos construtivos da narrativa devem ser percebidos pelo leitor, porque é por meio deles que se constrói o sentido. Assim, a ação externa fica em segundo plano, perdendo importância em prol dos dramas interiores. A linguagem se aproxima do modo como se constitui a subjetividade. Aparecem os monólogos e as técnicas de fluxo de consciência, que procuram recriar, no texto, a espontaneidade, a fragmentação e a experiência interna do tempo no pensamento. O leitor passa a participar ativamente da construção do sentido, que se completa apenas no ato da leitura. Ao enxergar a construção narrativa, identificar-se com uma personagem que aparece exposta em suas entranhas, chocar-se com uma linguagem que visa denunciar ou revelar, o leitor se torna capaz de constituir um sentido novo para o texto e, também, para a realidade que o cerca.
Woodman, Francesca. Sem título, 1975-80. Fotografia, 141 mm 3 140 mm. Tate/Galeria Nacional de Scotland, Reino Unido.
A criação de um “clima” psicológico não é exclusiva da literatura. A personagem retratada nessa obra parece acuada e desamparada. Sua postura e o fato de estar em um lugar ermo produzem uma sensação de aflição e desamparo.
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Ler um conto psicológico 1. O conto de Clarice Lispector é construído em torno do duplo sentido da palavra esperança, ora substantivo concreto, ora abstrato. a) Qual é o significado de esperança como substantivo concreto? b) E como substantivo abstrato? 2. Releia a frase a seguir. Aqui em casa pousou uma esperança.
HIPERTEXTO Clarice Lispector (capítulo 15, p. 128) é um dos mais importantes nomes da terceira fase do Modernismo no Brasil. Em seus contos e romances, em geral, ocorrem poucos fatos externos, predominando os elementos da vida interior, que mostram o turbilhão de sentimentos, sensações e reflexões das personagens.
Devido ao duplo sentido da palavra esperança, a primeira frase do conto inaugura ao menos duas narrativas. Quais são elas? ANOTE
Muitas vezes, no conto psicológico recorre-se ao uso de palavras polissêmicas para ampliar o sentido da narrativa. Priorizando investigar as reflexões, memórias e sentimentos das personagens, narram-se ao menos dois tipos de eventos: externos e internos à consciência do indivídio. A história desenvolve-se, portanto, ora na relação da personagem com seu entorno, ora em sua própria mente.
3. Indique no caderno o sentido de esperança em cada um dos trechos. a) “— Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! [...].” b) “[…] Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede.” c) “[...] Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, mais magra e verde não poderia ser.” d) “— Ela quase não tem corpo, queixei-me.” e) “— Ela só tem alma, explicou meu filho [...].” f) “— Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.” ANOTE
No conto psicológico é comum que fatos, eventos ou até mesmo objetos aparentemente triviais desencadeiem na personagem uma tomada de consciência e repentina compreensão da própria existência. A esse fenômeno, dá-se o nome de epifania.
4. Releia o trecho a seguir.
Capítulo 29 – Conto psicológico
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.
Explique o sentido dessa frase no conto. 5. Descreva a trajetória do inseto na parede da sala. 6. Conte a história das reações que a presença da esperança na parede da sala causa nos membros da família. 7. Qual é a relação da narradora-personagem com o sentimento de esperança? ANOTE
A análise da consciência individual transfere o foco da narrativa da ação à introspecção. O autor não mais estrutura sua narrativa de acordo com o encadeamento de ações vividas pelas personagens, mas, sim, descreve a repercussão de tais ações no indivíduo.
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Repertório
Freud e o inconsciente O conceito de inconsciente formulado por Sigmund Freud mudou a autoimagem do indivíduo. Desde a criação da psicanálise, passou-se a buscar uma compreensão mais profunda da vida interior. Freud afirmou a duplicidade da psique (mente) humana. Para ele, a psique não tem conhecimento completo de seus conteú dos e divide-se em consciência (ego), impulso de prazer (id) e autocensura (superego), que é a lei social internalizada. Os conteúdos do id e do superego são inconscientes, ou seja, agem no comportamento, sem que o indivíduo se dê conta disso. Tudo se passa como se id e superego disputassem o acesso de seus conteúdos ao ego, para o qual se apresentam disfarçados e irreconhecíveis. Assim, o ego dirige suas ações baseando-se em justificativas falsas ou deformadas, que substituem verdadeiras motivações inconscientes.
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8. Qual é a função narrativa da aranha no conto? Justifique. 9. Releia o trecho a seguir: “Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê-la”. a) Que efeito de sentido a exclamação intercalada na frase provoca? b) Qual é o sentido de “queríamos menos que comê-la”? 10. Releia o trecho a seguir: “Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança”. a) O que o filho pretendia fazer? b) Por que a mãe está confusa? c) Explique o duplo sentido que a expressão “perder a esperança” adquire nesse momento da narrativa. Fundação Gala-Salvador Dalí, Figueres, Espanha/Fondation Gala – Salvador Dalí/Licenciado por AUTVIS, Brasil, 2009.
ANOTE
Assim como nos contos de enigma policial, drama amoroso e humor, no conto psicológico também há personagens antagonistas ou dificuldades a serem enfrentadas pela subjetividade. O conflito psicológico narra as lutas subjetivas enfrentadas pelo indivíduo.
11. O conto “Uma esperança” progride como uma narrativa de fatos, entremeada por reflexões, até o último parágrafo. O que acontece com o tempo do conto no último parágrafo? ANOTE
O conto psicológico participa de um movimento da literatura contemporânea de levar os elementos psicológicos aos aspectos construtivos da narrativa. Assim, as narrativas desenvolveram uma forma especial de lidar com o tempo, que não obedece à sequência linear do tempo histórico, mas busca imitar a experiência subjetiva do tempo. Os estudiosos passaram com isso a dividir o tempo narrativo em tempo cronológico e tempo psicológico.
12. Releia o último parágrafo do conto. a) Explique o sentido da expressão “como se uma flor tivesse nascido em mim”. b) Que efeito de sentido produz a frase: “E, acho que não aconteceu nada”?
Dalí, Salvador. Homem com a cabeça cheia de nuvens, c. 1936. Óleo sobre papelão, 18,1 cm 3 14 cm. Fundação Gala-Salvador Dalí, Figueres, Espanha.
No século XX, tanto os escritores quanto os pintores buscaram formas diversas para representar o ser humano.
ANOTE
A participação do leitor no conto psicológico é decisiva. Ao compreender e acompanhar os pensamentos de uma personagem, o leitor participa de sua subjetividade. Ele deve dar-se conta dos aspectos construtivos do conto para elaborar sua interpretação.
O fluxo de consciência Em 1922, o irlandês James Joyce (1882-1941) publicou a obra Ulisses, marco da literatura moderna. Suas mais de 800 páginas (na edição brasileira, com tradução de Antônio Houaiss) descrevem um dia na vida da personagem, um homem comum que realiza, nesse único dia, a saga do herói grego Ulisses. A técnica forjada por Joyce para representar a subjetividade da personagem chama-se fluxo de consciência e passou a ser amplamente utilizada na literatura. Essa técnica utiliza monólogos interiores e fluxos de palavras que procuram imitar a lógica do pensamento em sua liberdade, fragmentação e autonomia em relação ao tempo externo.
Lipnitzki/Roger Viollet/Getty Images
Repertório
James Joyce em foto de 1934.
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Conto psicológico
Entre o texto e o discurso – O estranhamento O conto psicológico busca produzir no leitor um efeito de estranhamento: por meio da história que narra e, sobretudo, no modo como narra, o autor cria marcas subjetivas que surpreendem e desconcertam. O leitor é levado a estranhar a narrativa e a refletir sobre ela. Leia as narrativas a seguir e observe os destaques.
O enigma da televisão brasileira
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Vocabulário de apoio
Se alguém me matasse. Se eu fosse abatido a tiros por uma namorada, pelo marido de uma de minhas amantes, por um enfermeiro que errasse na dose do medicamento, por um fã neurótico pela fama, por um serial killer americano que tivesse vindo ao Brasil, pelo engano de um traficante, por um assaltante num cruzamento, por uma das milhares de balas perdidas que cruzam a cidade, por uma dessas motos enraivecidas que alucinam o trânsito, por um colega de profissão inconformado com a minha fama. Se morresse numa inundação, atingido por um raio ou por uma árvore derrubada por um vendaval. Por um remédio com data vencida, por uma comida estragada. Seria uma tragédia noticiada por toda a mídia, alimentada e realimentada, provocando manchetes vorazes, devoradas com prazer pelo público, estruturando a minha legenda. Melhor que fosse algo misterioso. O noticiário duraria mais tempo, o caso seria revisto por curiosos dispostos a desvendar enigmas. Provocar a necessidade de uma autópsia, de uma exumação. [...] Ser o enigma do século, essa é a minha glória. Se eu tivesse essa certeza, não me incomodaria de estar morto.
autópsia: exame feito em um cadáver para determinar o momento e a causa da morte exumação: desenterramento
Brandão, Ignácio de Loyola. O anônimo célebre. São Paulo: Global, 2002. p. 140. Vocabulário de apoio
Quem coleciona selos para o filho do amigo; quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava; quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia; quem se detém no caminho para ver melhor a flor silvestre; quem se ri das próprias rugas; quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso sentimental; quem procura na cidade os traços da cidade que passou; quem se deixa tocar pelo símbolo da porta fechada; quem costura roupa para os lázaros; quem envia bonecas às filhas dos lázaros; quem diz a uma visita pouco familiar: Meu pai só gostava desta cadeira; quem manda livros aos presidiários; quem se comove ao ver passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a fera do colégio; quem escolhe na venda verdura fresca para o canário; quem se lembra todos os dias do amigo morto; quem jamais negligencia os ritos da amizade; quem guarda, se lhe deram de presente, o isqueiro que não mais funciona; quem, não tendo o hábito de beber, liga o telefone internacional no segundo uísque a fim de conversar com amigo ou amiga; quem coleciona pedras, garrafas e galhos ressequidos; quem passa mais de dez minutos a fazer mágicas para as crianças; quem guarda as cartas do noivado com uma fita; quem sabe construir uma boa fogueira; quem entra em delicado transe diante dos velhos troncos, dos musgos e dos liquens; quem procura decifrar no desenho da madeira o hieróglifo da existência; quem não se acanha de achar o pôr do sol uma perfeição; quem se desata em sorriso à visão de uma cascata; quem leva a sério os transatlânticos que passam; quem visita sozinho os lugares onde já foi feliz ou infeliz; quem de repente liberta os pássaros do viveiro; quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o motivo; quem julga adivinhar o pensamento do cavalo; todos eles são presidiários da ternura e andarão por toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da armadilha terrestre.
hieróglifo: unidade gráfica do sistema de escrita do Egito Antigo; símbolo enigmático lázaro: leproso; miserável negligenciar: descuidar ressequido: seco; muito magro
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Capítulo 29 – Conto psicológico
Acorrentados
Campos, Paulo Mendes. O anjo bêbado. Rio de Janeiro: Sabiá, 1969. p. 105.
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Observe como as narrativas de Ignácio de Loyola Brandão e Paulo Mendes Campos produzem, de forma similar, um efeito de estranhamento. Com base na repetição insistente de construções sintáticas deliberadamente incompletas, a narrativa fica suspensa até a última frase, quando afinal o leitor compreende o sentido de toda a sequência anterior. Tanto em “O enigma da televisão brasileira” quanto em “Acorrentados”, uma longa enumeração de orações subordinadas sem oração principal vai criando uma expectativa no leitor: a que levará tudo isso? Em ambos, há uma colagem de cenas que compõem um mosaico do tema abordado. No texto de Ignácio de Loyola Brandão, o mosaico de tantos modos possíveis de morrer ressalta a ideia da morte e os significados associados a ela, como a permanência da memória. No conto de Paulo Mendes Campos, por sua vez, o mosaico de atitudes de motivação afetiva põe em relevo os gestos que rompem com o automatismo do cotidiano e apontam para um sentido existencial, para além do âmbito meramente individual. Assim, ambas as narrativas cumprem seu objetivo mesmo antes da frase final, a qual conclui os caminhos em suspenso. Em “O enigma da televisão brasileira”, a enumeração de maneiras de morrer induz o leitor a refletir sobre os horrores da vida urbana contemporânea. Em “Acorrentados”, a enumeração de atitudes que revelam amor a alguém, à natureza ou à própria vida promove uma reflexão sobre o lugar da ternura e dos sentimentos no dia a dia. Há muitas formas de produzir estranhamento. É possível deduzir, com base na leitura das narrativas da página anterior, alguns procedimentos eficazes: ••inovação na atitude da personagem e na forma do texto; ••representação de um cotidiano opaco e/ou opressor; Silveira, Regina (em colaboração com Mirella ••quebra de padrões sociais de comportamento e reflexão. 1. Pense em um ambiente que você frequenta e nos elementos que o compõem. Como você poderia descrevê-los produzindo um efeito de estranhamento? 2. Escreva um parágrafo sobre esse ambiente e mostre-o a um colega. Pergunte a ele se seu texto consegue criar um efeito de estranhamento. Troquem sugestões para intensificar esse efeito.
Estúdio Regina Silveira. Fotografia: Cortesia de Luciana Brito Galeria
O estranhamento no modo de narrar
Bentivoglio). Transitório/durevole, 1998. Pintura industrial sobre madeira, 6 m 3 6 m. Luciana Brito Galeria, São Paulo.
O estranhamento nas artes plásticas: essa imagem quebra os padrões de perspectiva do desenho.
observatório da língua A escolha de palavras e o campo semântico Em um conto, o escritor deve escolher com precisão e sensibilidade as palavras mais apropriadas para o sentido que quer produzir. A noção de campo semântico pode ajudar. O campo semântico é um agrupamento de palavras que pertencem ao mesmo universo de significado. Observe. Se morresse em uma inundação, atingido por um raio ou por uma árvore derrubada por um vendaval. Repare que, nessa construção, há dois tipos de repetição. A estrutura sintática é marcada por uma enumeração de adjuntos adverbiais vinculados à palavra atingido: “por um raio”; ”por uma árvore derrubada por um vendaval”. Essa estrutura sintática, baseada em uma construção condicional iniciada pela conjunção se, sugere duas situações hipotéticas relacionadas a um mesmo fato: a morte do narrador em uma inundação.
Para reforçar essa ideia, cada um dos elementos dos sintagmas iniciados pela preposição por contém palavras do campo semântico “tempestade”: raio e vendaval.
Quem coleciona selos para o filho do amigo; quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava; quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia [...]. Nesse trecho, o paralelismo sintático, marcado pela repetição do pronome quem no início de cada oração, é reforçado por um paralelismo semântico: os três enunciados delimitados por ponto e vírgula contêm palavras do campo semântico das relações afetivas: filho, amigo, desgosto, amava, chora, reencontro, pai, carícia. Ao utilizar paralelismos sintáticos e semânticos, esses textos afastam-se da narrativa convencional e reforçam a subjetividade característica dos contos psicológicos.
1. Escolha um campo semântico ligado a um sentimento (alegria, tristeza, amor, etc.). 2. Faça experimentos para obter uma estrutura sintática que possa expressar esse sentimento. 3. Desenvolva um texto com o campo semântico escolhido, utilizando paralelismos sintáticos e semânticos.
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Produzir um conto psicológico Proposta Escolha um dos temas a seguir para escrever um conto psicológico, que será publicado em em uma antologia de contos produzida pela sua turma. O modo de contar a história deve contribuir para a construção do conflito psicológico. Procure criar uma trama envolvente. Tema 1 – Drama Fato vivido entre duas (ou mais) pessoas revela algo sobre o Eu em sua relação com o Outro. ••O que aconteceu? Como esse acontecimento afetou os envolvidos? ••Que aspecto do relacionamento humano o texto pode revelar? Como? Exemplo: “Eu estava ali deitado”, de Luiz Vilela → A desilusão amorosa leva o narrador-personagem a um estado de grande prostração: não tirou os sapatos para se deitar, não almoçou. A mãe e, depois, o pai aparecem, preocupados. A situação revela aspectos sobre a relação familiar. A ausência de sinais de pontuação reforça o traço psicológico da narrativa, que se assemelha à subjetividade da personagem. Tema 2 – Contemplação Acontecimento externo (ou interno) leva à compreensão de algum aspecto subjetivo. ••O que foi vivido, visto ou presenciado? ••Que compreensão foi alcançada? Ou que reflexão? ••Como o texto expressará essa descoberta? Exemplo: “Uma esperança”, de Clarice Lispector → Uma esperança (o inseto) entra na sala de estar e a narradora-personagem, que está com seu filho pequeno, reflete sobre o papel da esperança (sentimento) na existência humana. As confluências entre inseto e sentimento, entre vida exterior e interior, ampliam os sentidos da palavra esperança.
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto a ser produzido. Gênero textual
Capítulo 29 – Conto psicológico
conto psicológico
Público jovens e adultos
Finalidade produzir um texto narrativo cuja forma imite a interioridade, e a ação (reduzida) desencadeie um drama psicológico
Meio livro: antologia de contos
Linguagem a
a
1 ou 3 pessoa, com descrição de estados de alma e suspense psicológico
Evitar
Incluir
excesso de mistério ou dubiedade: o texto deve ser compreensível
intersecção de campos semânticos com duplo sentido
2. Reflita por algum tempo sobre as perguntas relacionadas ao tema que você escolheu. 3. Registre seus pensamentos no caderno. 4. Delineie a personagem principal (ou o narrador-personagem). •• O que ele(a) está sentindo? •• Como é física e psiquicamente? •• Qual é seu conflito com o mundo? •• Como ele(a) se transforma (ou não) ao longo da narrativa? 5. Defina o(s) campo(s) semântico(s) que você utilizará na narrativa. a) Faça uma lista de palavras que expressem o conflito psicológico do(a) protagonista. b) Imagine outro campo semântico ou universo de sentido que possa expressar o conflito psicológico de maneira concreta. Faça uma nova lista de palavras. c) Crie intersecções e pontos de cruzamento: Que ideias ou palavras podem pertencer, simultaneamente, aos dois campos semânticos? 6. Como a forma do texto vai contribuir para a produção de sentido? Haverá outro(s) recurso(s) de linguagem para reforçar aspecto(s) do conflito psicológico, além da escolha de palavras? 7. Qual será a ação (ou experiência interior) vivida ou narrada no conto? 8. Defina, em linhas gerais, a progressão do texto: começo, meio e fim.
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Elaboração 9. Agora você já pode escrever o conto psicológico. Para isso, utilize o material que você produziu durante a etapa de planejamento.
Avaliação 10. Forme uma dupla e troque seu texto com o do colega. 11. Copie e complete, em uma folha avulsa, o quadro abaixo, com base na leitura do conto do colega. Em seguida, faça um comentário geral sobre o texto, apontando qualidades e sugerindo mudanças. Sim
Atenção
»»Há sempre uma sequência
de fatos exteriores acompanhando o desenrolar da narrativa psicológica. Não deixe de considerá-la em seu texto.
»»Não se esqueça de dar um
título expressivo ao seu conto.
Não
O texto é compreensível? A linguagem geral do texto foi bem construída? Há algum recurso especial de linguagem que colabora para a construção da vida interior da personagem? O conflito psicológico está claro? Os fatos exteriores que geraram o conflito podem ser deduzidos pelo leitor? As palavras foram cuidadosamente escolhidas? Há uso produtivo de campos semânticos diversos? O texto aponta para um sentido final?
Reescrita 12. Troque novamente de texto com o colega. a) Leia com atenção o quadro de avaliação preenchido por ele. b) Releia seu texto, buscando compreender as intervenções realizadas pelo colega. DICA: Se estiver com um lápis na mão, vá anotando no seu texto as possíveis modificações. Caso tenha alguma dúvida, peça ajuda ao professor. 13. Reescreva o conto psicológico. a) Faça todas as alterações que julgar necessárias para adequar seu texto à variedade linguística condizente com o perfil de suas personagens. Diferenças de ortografia, pontuação e construções sintáticas em relação à norma-padrão são aceitas, mas devem ser intencionais, estar a serviço da produção de efeitos de sentido. b) Faça alterações na história e na linguagem para aprofundar o conflito psicológico ou torná-lo mais claro.
Assista Paranoid Park. Direção de Gus Van San, EUA, 2007, 85 min. Esse filme tem como protagonista Alex, um adolescente que frequenta uma pista de skate (Paranoid Park) com seu melhor amigo. A câmera acompanha todos os acontecimentos do ponto de vista do adolescente, de modo que o espectador tem uma visão fragmentada dos eventos. Chama a atenção o distanciamento entre Alex e o mundo dos adultos. Em uma das cenas, a voz de um adulto que conversa com Alex é reproduzida com abafamento. Parece que o adulto está muito distante do jovem, mas na verdade ambos estão no mesmo ambiente. O modo como o diretor manipula a linguagem cinematográfica o aproxima de um escritor de contos psicológicos. MK2/The Kobal Collection/Other Images
Comentário geral sobre o texto
14. Ao reescrever o conto, reveja minuciosamente a escolha de palavras e a pontuação. Dê atenção aos campos semânticos utilizados e procure extrair deles o máximo de sentido.
Publicação 15. Depois de reescreverem os textos, organizem a antologia de contos da turma. Procurem digitá-los e, em seguida, estruturem a antologia em formato de livro com: capa, sumário, contos e quarta capa. Não escreva no livro.
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Paranoid Park: mundos exterior e interior misturados, como em um conto psicológico.
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Vestibular e Enem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Das três opções oferecidas na prova de redação do vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC-SC) em 2014, uma (a proposta 2) relaciona-se especialmente aos temas desta unidade. Mobilize seus conhecimentos sobre o conto psicológico para produzir um texto a partir dessa proposta. (UFSC-SC, adaptada) Leia os excertos abaixo observando os perfis de mulheres traçados nos textos de diferentes épocas. PROPOSTA 2 Narre um novo desfecho para a história de uma das personagens no contexto das obras literárias citadas nos excertos. “Não se nasce mulher, torna-se mulher.” O segundo sexo, primeira edição em 1949. Simone de Beauvoir (1908-1986).
“Era dócil, afável, inteligente [...]. Havia nela a jovialidade da menina e a compostura da mulher feita, um acordo de virtudes domésticas e maneiras elegantes [...]. Era pianista distinta, sabia desenho, falava correntemente a língua francesa, um pouco a inglesa e a italiana. Entendia de costura e bordados e toda a sorte de trabalhos feminis. [...] — Fui procurar um livro na sua estante. — E que livro foi? — Um romance. — Paulo e Virgínia? — Manon Lescaut. — Oh! exclamou Estácio. Esse livro... — Esquisito, não é? Quando percebi que o era, fechei-o e lá o pus outra vez. — Não é livro para moças solteiras... — Não creio mesmo que seja para moças casadas, replicou Helena rindo e sentando-se à mesa. Em todo o caso, li apenas algumas páginas. Depois abri um livro de geometria... e confesso que tive um desejo... — Imagino! interrompeu D. Úrsula. — O desejo de aprender a montar a cavalo, concluiu Helena.” Helena, primeira edição em 1876. Machado de Assis (1839-1908).
“Só depois é que [Macabéa] pensava com satisfação: sou datilógrafa, e virgem, e gosto de coca-cola. Só então vestia-se de si mesma, passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser.” A hora da estrela, primeira edição em 1977. Clarice Lispector (1920-1977).
“Gabriela rodopiava em frente ao espelho, admirando-se. Era bom ser bonita: os homens enlouqueciam, murmuravam-lhe frases com voz machucada. Gostava de ouvir, se era um moço a dizer. [...] Era ruim ser casada, gostava não...” Gabriela, cravo e canela, primeira edição em 1958. Jorge Amado (1912-2001).
Mulheres são mais instruídas que homens e ampliam nível de ocupação O Censo 2010 mostrou que, em dez anos, o nível de instrução das mulheres continuou mais elevado que o dos homens e elas ganharam mais espaço no mercado de trabalho. O nível de ocupação [...] das mulheres de 10 anos ou mais de idade passou de 35,4% para 43,9% de 2000 para 2010, enquanto o dos homens foi de 61,1% para 63,3%. Censo 2010. Disponível em: . Acesso em: 2 set. 2013.
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unidade
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Relatar No discurso de orador de formatura se faz um relato: conta-se a trajetória de um grupo até a conclusão do curso. Trata-se de um gênero textual cuja realização é oral, mas que, em geral, é planejado por escrito. O orador mostra em seu texto a união entre os colegas e recorda episódios que resumem as qualidades dos formandos.
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Discurso de orador de formatura
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Currículo
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Perfil biográfico
O discurso do orador é um dos momentos mais aguardados da formatura, pois retrata experiências significativas do grupo. baona/iStock/Getty Images
Além desse gênero, nesta unidade você também estudará o currículo e o perfil biográfico. O primeiro é um gênero essencial para quem deseja se inserir no mercado de trabalho, enquanto o segundo aproxima o jornalismo da literatura por meio da abordagem da vida de alguém.
Nesta unidade
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capítulo
30 o que você vai estudar Como identificar e produzir um discurso de orador de formatura. A conquista da empatia dos ouvintes. Recursos de ênfase.
Discurso de orador de formatura O discurso de orador de formatura é um gênero presente em cerimônias de encerramento do Ensino Fundamental e do Médio e de colação de grau universitário. Esse tipo de discurso é proferido por um dos formandos, escolhido pela turma, diante dos convidados. Neste capítulo, você conhecerá melhor esse gênero para, depois, produzir seu discurso.
Leitura O texto a seguir é a versão escrita do discurso do orador da formatura de 2013 dos alunos do Centro Estadual de Educação Profissional em Gestão, Negócios e Turismo Luiz Navarro de Brito, instituição que oferece cursos técnicos de nível médio e de qualificação profissional localizada em Salvador, na Bahia. Leia o texto atentamente e responda às questões propostas nas páginas 296-297.
Discurso de formatura Arquivo pessoal/Alef Almeida Nascimento
Senhoras e senhores, boa noite. Em nome dos formandos dos Técnicos de Nível Médio da Educação Profissional da Bahia 2013, cumprimento a todos os presentes na noite de hoje; desde pais, avós, irmãos, amigos e amores. Cumprimento nosso Exmo. Governador, Sr. Jaques Wagner; o Secretário da Educação, Prof. Osvaldo Barreto, o Superintendente de Educação Profissional, Prof. Almerico Lima; os gestores da Educação Profissional, os professores e funcionários homenageados e demais autoridades. Hoje é um dia muito especial para todos nós. A data é única. É o nosso dia e estamos aqui com nossos familiares, amigos, professores e demais autoridades, dividindo esta alegria com os presentes e celebrando a conclusão de uma etapa importante de nossas vidas, a realização de mais um sonho. Os anos passarão e este dia será lembrado como o último momen- Alef Almeida Nascimento proferindo seu dircurso to em que estivemos juntos numa circuns- de orador de formatura em 2013. tância escolar. Ao longo desse percurso, muita coisa aconteceu. São várias lembranças. O tempo passava e um sentimento tomava conta dos nossos corações: ansiedade. Tínhamos muitas expectativas e ao mesmo tempo medo; não sabíamos o que encontraríamos pela frente e por muitas vezes nos questionamos: Será que devo continuar o curso? E se eu não me identificar com a área depois de formado? Esses foram alguns dos questionamentos que nos afligiram, mas não nos deixamos desanimar e seguimos em frente. 294
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À medida que aprendíamos mais sobre o Mundo do Trabalho e a sua importância, essas dúvidas viraram certeza e percebíamos que era isso que realmente queríamos. Quanto conhecimento construído! Aprendemos o significado e a importância da nossa formação profissional, dos nossos cursos técnicos. Com o tempo, eles passaram por algumas mudanças e quem estuda ou já estudou sabe como eles trazem resultados positivos para as organizações, e como têm influenciado nossas vidas. E cada um construiu muito conhecimento. Portanto, tudo o que aprendemos, o conhecimento que construímos nunca poderá ser tirado de nós, pois na vida podem nos tirar tudo, exceto o nosso conhecimento, pois o levaremos por toda a vida. Todos nós, formandas e formandos, ouvimos palavras de incentivo, fomos desafiados a superar dificuldades, motivados a persistir a despeito dos obstáculos que marcam a caminhada. Além de conhecimento, construímos amizades! Amigos que não ficaram restritos às paredes da sala de aula. Construímos vínculos de amizade também com os professores, funcionários e diretoras e diretores. Amigos que jamais esqueceremos, pois nos ensinaram o verdadeiro significado da palavra amizade e nos tornaram mais humanos. Por isso, só temos a agradecer a Deus, porque sem Ele nada é possível, aos nossos pais e familiares, aos nossos amigos, aos nossos professores e a todos que direta ou indiretamente nos apoiaram e contribuíram para que chegássemos até aqui. Essa vitória também é de vocês! Não poderíamos deixar de agradecer ao Governo do Estado, à Secretaria da Educação e à Superintendência de Educação Profissional, que nos possibilitaram o acesso a cursos técnicos de nível médio, numa escola pública de qualidade. Bem maiores que essas palavras são os desejos e os sonhos que transitam em nós. Queremos voar mais alto e buscar novos conhecimentos, pois temos a consciência de que muito ainda temos a aprender e que somente a educação é capaz de transformar pessoas e mudar o mundo. Como disse uma vez Nelson Mandela: “A educação é o grande motor do desenvolvimento pessoal. É através dela que a filha de um camponês se torna médica, que o filho de um mineiro pode chegar a chefe de mina, que um filho de trabalhadores rurais pode chegar a presidente de uma grande nação”. Assim como a terra seca precisa da chuva e tem sede dela, assim também somos nós, precisamos e melhoramos com a educação, pois ela é a nossa chuva! E agradecemos aos nossos Centros de Educação Profissional e unidades escolares por nos terem proporcionado essa chuva e nos preparado não só para o mundo do trabalho, mas também para a vida. Enfim… Cumprimos a parte dessa Jornada, e agora somos Técnicos de Nível Médio, e não podemos deixar de dizer… Valeu! Muito obrigado! Nascimento, Alef Almeida. Discurso de formatura no Centro de Educação Profissional em Gestão, Negócios e Turismo Luiz Navarro de Brito, 2013. Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2016.
Solenidade e emoção O discurso do orador integra o ritual das cerimônias de formatura, ocasião solene em que formandos recebem seus diplomas diante de amigos e familiares. O evento é repleto de símbolos, o juramento de se exercer eticamente o conhecimento recebido, as vestes e os adereços especiais. Esses símbolos celebram a etapa vencida e comunicam o novo papel social dos formandos. O discurso do orador é um dos momentos mais aguardados da cerimônia, sendo proferido de modo expressivo e, em geral, bem-humorado.
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Situação de produção
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Ler um discurso de orador de formatura 1. O discurso lido tem como mote as conquistas ao longo de determinado período escolar. a) Segundo o orador, que conquistas foram essas? b) O orador apresenta afirmações relacionadas diretamente a essas conquistas. Cite-as. 2. Que tempo verbal predomina nos trechos citados na atividade 1b? Levante uma hipótese para explicar esse predomínio. 3. Há também ocorrência de outros tempos verbais nos trechos citados na atividade 1. Quais são eles? Considerando o contexto, qual é a importância do uso desses tempos verbais? ANOTE
O orador representa os formandos. Seu discurso recupera momentos marcantes do curso, apresentando encadeamento lógico de ideias com unidade temática. Proferido em momento de celebração, destaca vivências positivas.
4. De acordo com o orador, os formandos têm expectativas de superar o que já foi conquistado. a) Que expectativas são essas? Em que parágrafo do discurso isso se expressa? b) Para reforçar essa expectativa positiva em relação ao futuro dos formandos, o orador faz uso de um recurso argumentativo. Que recurso é esse? c) Que efeito de sentido o uso desse recurso argumentativo produz? 5. Discursos de formatura costumam se encerrar com uma “chave de ouro”, que pode ser uma citação ou uma mensagem de forte impacto. a) Qual é a chave de ouro do texto lido? b) Que efeito o orador busca produzir na audiência com esse encerramento? 6. Releia esse trecho do parágrafo final.
Capítulo 30 – Discurso de orador de formatura
Assim como a terra seca precisa da chuva e tem sede dela, assim também somos nós, precisamos e melhoramos com a educação, pois ela é a nossa chuva! E agradecemos aos nossos Centros de Educação Profissional e unidades escolares por nos terem proporcionado essa chuva e nos preparado não só para o mundo do trabalho, mas também para a vida.
a) Qual é o sujeito do verbo destacado no trecho? A quem ele se refere? b) Nesse trecho, a quem se refere o pronome nós? c) Qual é o efeito de sentido produzido a partir dessa referência? ANOTE
O discurso de orador de formatura procura envolver os ouvintes por meio da emoção, do ineditismo ou do humor.
7. Nesse trecho de outro discurso de formatura, o orador cria um jogo para satirizar elementos comumente encontrados nesse gênero tex tual. Leia-o. […] É incrível como muitos discursos de formatura se assemelham […]. […] Então, eu montei o graduation bingo, para vocês terem uma outra forma de entretenimento além dos joguinhos no celular para os momentos de tédio em discursos intermináveis de formatura. O jogo se chama graduation bingo, e não bingo de formatura, porque tudo o que não é sério tem uma palavrinha em inglês no meio, né? Então, vamos lá. No graduation bingo, você encontra os seguintes itens para ticar:
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Repertório
As vestes dos formandos A origem dos trajes utilizados pelos formandos remete aos antigos clérigos romanos e foram adotados pelas universidades a partir do século XIII. Em geral, os formandos vestem beca preta, que simboliza a sabedoria. O capelo, colocado na cabeça no momento da outorga de grau, simboliza o grau obtido e é uma analogia à coroação. À cintura, veste-se faixa na cor da área de conhecimento. Em algumas instituições, os formandos também utilizam a murça, uma túnica pendente dos ombros ao cotovelo.
ação e cidadania
Nelson Mandela Nelson Mandela (1918-2013) é considerado um dos mais importantes líderes políticos da África do Sul, tendo lutado contra o processo de discriminação instaurado pelo apartheid, o qual obrigava os negros a viverem separados. Formou-se em Direito, tornando-se um líder da resistência não violenta da juventude. No entanto, acabou como réu em um julgamento por traição, tendo permanecido 27 anos na prisão. Após uma campanha internacional, foi libertado em 1990. Em 1994, foi eleito o primeiro presidente da África do Sul livre, governando o país até 1999. Mandela foi o principal responsável pelo fim do regime segregacionista no país. Recebeu o Nobel da Paz em 1993, entre mais de 250 prêmios e condecorações pelo reconhecimento de sua luta em prol dos direitos sociais.
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– citações: ouviu uma citação profunda de algum poeta, ou autoridade em algum assunto, tica. […] – reflexões sobre o papel da profissão na sociedade: um clássico, tica. – necessidade de mudanças na sociedade: […] tica. – momentos históricos: citaram a revolução francesa, a repressão militar no Brasil, […] tica. […] – o estranho sentimento de que a faculdade acabou e começa-se uma nova etapa da vida: nooooooooooooooooooossa, esse vai ser o primeiro que você vai ticar concorrendo com o próximo item que é: – a alegria e orgulho de ter passado no vestibular. – retrospectiva dos bons momentos na faculdade: esse você vai ticar logo na sequência, com certeza. – mudanças que a faculdade promoveu em seus alunos: outro clássico, também tica. – lições de vida: ouviu alguém dizendo o que você não pode deixar de lado na sua vida, tica. – palavras com ar de erudição, […] tica. – trechos altamente bregas: […] “uma luz que apaga a escuridão da dor” ou “desde a aurora de nossas vidas”. Ouviu algo assim, nooooooooossa, tica. – agradecimento aos pais: esse você vai ticar mais pro final. […] Oyamada, Alexandre Hiroki Miliorini. Discurso de formatura ECA-USP, 2006. Texto coletado para esta edição. (Arquivo da editora).
Embora o trecho lido seja de um discurso de formatura em uma faculdade (Escola de Comunicação e Artes da USP), itens do “graduation bingo” podem ser vistos no discurso das páginas 294-295. Copie no caderno as partes inicial e final dos trechos em que eles aparecem. 8. Compare o trecho de discurso da atividade 7 ao discurso das páginas 294 e 295. a) Que diferenças se observam em relação à linguagem empregada? Justifique com exemplos. b) Releia uma frase de cada texto. Enfim… Cumprimos a parte dessa Jornada, e agora somos Técnicos de Nível Médio, e não podemos deixar de dizer… Valeu! Muito obrigado! […] porque tudo o que não é sério tem uma palavrinha em inglês no meio, né?
O que as expressões em destaque têm em comum? ANOTE
O discurso de orador se situa entre a oralidade e a escrita. Escrito previamente, preserva elementos que remetem à espontaneidade da fala, como os marcadores conversacionais (né?, entende?, etc.). Esses elementos podem colaborar para a conquista da empatia dos ouvintes.
Observatório da língua Recursos de ênfase Em textos falados, pode-se destacar uma ideia com gestos, expressões faciais, pausas, alongamento de vogais, alterações no volume e no tom de voz. Na escrita, podem-se usar reticências, exclamação, aspas, itálico, negrito, sublinhado, maiúscula sequencial, entre outros recursos gráficos, de modo a auxiliar o leitor na construção de sentido do texto. Em um texto escrito para ser proferido oralmente, esses recursos indicam como destacar determinadas palavras ou trechos. Releia um fragmento do discurso das páginas 294 e 295 e outro do trecho da atividade 7. I. Enfim… Cumprimos a parte dessa Jornada, e agora somos Técnicos de Nível Médio, e não podemos deixar de dizer… Valeu! Muito obrigado!
II. trechos altamente bregas: […] “uma luz que apaga a escuridão da dor” ou “desde a aurora de nossas vidas”. Ouviu algo assim, nooooooooossa, tica.
No trecho I, as reticências sinalizam uma pausa mais alongada, de modo a expressar emoção e subjetividade, e a exclamação denota uma ênfase. No trecho II, a repetição da letra o aponta para o alongamento da vogal, e as aspas que destacam as expressões consideradas bregas sugerem uma mudança de entonação. 1. Escreva um parágrafo sobre um fato marcante ocorrido em sua turma. Use diferentes recursos gráficos para indicar ênfase. 2. Peça a um colega que leia seu texto em voz alta. Observe se ele reproduz as marcas de ênfase da maneira
como você imaginou.
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Produzir um discurso de orador de formatura Proposta Você produzirá um discurso de orador para a formatura do Ensino Médio de sua escola. Primeiro, apresentará seu texto para mais quatro colegas. Juntos, vocês escolherão um dos discursos para concorrer com os outros grupos. Por fim, a turma escolherá o melhor texto para participar de um concurso que elegerá o discurso oficial dos formandos do ano. Na elaboração, leve em conta os conhecimentos trabalhados neste capítulo e as recomendações da especialista em comunicação Rene Shimada Siegel, reproduzidas abaixo.
••Adequação: […] um rapaz contou ao público que, quando tinha cinco anos, pensava em
ser motorista de ônibus. Mas acabou percebendo que merecia ter objetivos maiores na vida. Sem querer, acabou fazendo um comentário elitista e inapropriado. […] não esqueça que um grande discurso deve ser como um presente seu para o público […]. ••Público: Durante a formatura, outro orador encerrou o discurso com uma frase popular do filme Jogos Vorazes: “Parabéns, turma de 2012. Que as diferenças estejam a seu favor” […]. Os estudantes e seus pais se animaram e brindaram. “Às vezes uma frase familiar, uma imagem, música ou uma referência cultural – algo familiar ao seu público – pode fazer você marcar pontos e conquistar a audiência […]”. ••Prática: […] Se a mensagem é importante para [seus] parceiros ou colegas, diga isso em voz alta quantas vezes sejam necessárias para fazer o discurso com convicção e confiança. ••Paixão. Os melhores discursos são autênticos e transparentes e vêm direto do coração […]. Saiba como se preparar e fazer um grande discurso. Pequenas Empresas & Grandes Negócios, São Paulo, Globo, 4 ago. 2014.
Planejamento 1. Observe as características do texto a ser produzido. Gênero textual
Capítulo 30 – Discurso de orador de formatura
discurso de orador de formatura
Público colegas, professores, funcionários da escola, familiares e amigos
Finalidade
Meio
relatar os apresentação momentos mais oral marcantes do curso, destacando as vivências positivas
Linguagem nível de formalidade adequado ao evento
Evitar excesso de informalidade, piadas de mau gosto, ofensas e críticas
Incluir trechos impactantes que emocionem os ouvintes
2. Defina um mote para seu discurso. Qual é a ideia central que você deseja destacar? 3. Relembre alguns momentos marcantes ou curiosos da trajetória de sua turma na escola. 4. Pense no que define a identidade de sua turma. Há algo em comum entre os alunos que possa ser destacado? Que argumentos sustentam esse ponto de vista? 5. Defina como agradecer aos pais, aos professores e aos funcionários. No caso dos dois últimos, é possível citar cada um nominalmente, destacando uma característica marcante. 6. Crie uma mensagem positiva para a turma (uma lembrança, um desejo ou encorajamento). 7. Escolha uma chave de ouro para seu discurso. Ela deve surpreender os ouvintes pela emoção, pelo ineditismo ou pelo humor. Considere a possibilidade de incluir uma citação, uma frase familiar ou uma referência cultural. 8. Com base nas características do evento, defina o nível de formalidade e o tom do discurso. a) Você vai saudar os participantes no início da fala? b) Os ouvintes serão tratados por vocês ou por senhores? c) Como você se referirá à turma: como nós ou a gente? d) É possível incluir gírias e expressões mais informais no texto? e) A situação comporta piadas e brincadeiras (desde que não ofendam ninguém)? 9. Escreva seu texto. Organize-o em uma sequência lógica, com início, meio e fim.
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10. Digite o discurso em fonte tamanho 14 e espaço duplo. Utilize recursos gráficos de ênfase para orientar sua leitura em voz alta (negrito e itálico, por exemplo). 11. Ensaie a apresentação. Leia o discurso em voz alta algumas vezes, cronometrando o tempo. Se ele estiver ultrapassando cinco minutos, corte trechos supérfluos.
Elaboração
Atenção
»»O discurso deve durar
aproximadamente cinco minutos para não cansar os ouvintes, especialmente se houver outros discursos previstos no evento.
»»Se o orador se sentir seguro,
12. Agora você está pronto para apresentar seu discurso aos colegas de seu grupo. Antes de iniciar as apresentações, todos já devem ter copiado o quadro do item Avaliação em folhas avulsas (veja abaixo) para preenchê-lo. a) Ao se apresentar, fale com voz alta e firme. Se ficar nervoso, não se apresse. Faça uma breve pausa, respire e retome de onde parou. b) Faça pausas, gesticule e mude a entonação para tornar o pronunciamento mais expressivo. c) Durante a leitura, tome cuidado para que o papel em que o texto está escrito não cubra seu rosto. Procure manter contato visual com os ouvintes. d) Enquanto um aluno se apresenta, os outros membros do grupo devem preencher as fichas de avaliação.
Avaliação
poderá incluir algum comentário improvisado. Entretanto, deve garantir que todos os tópicos do texto escrito sejam abordados e que o tempo estabelecido para o discurso seja respeitado.
Repertório
Sim
Não
O discurso relata momentos marcantes vividos pela turma? Destaca a identidade da turma, com base em argumentos? Apresenta uma mensagem positiva aos formandos? Agradece a professores, pais e funcionários? Encerra-se com chave de ouro? Organiza-se em uma sequência lógica, com unidade temática? Apresenta nível de formalidade adequado ao evento? O orador falou com voz alta, clara e firme? Seu tom de voz e suas expressões ajudaram a construir os sentidos de sua fala? O orador fez contato visual com os ouvintes?
14. Entregue as avaliações aos colegas e observe o que eles anotaram sobre seu discurso.
Discursos de paraninfo e de patrono Uma cerimônia de formatura pode incluir outros discursos além do proferido pelo orador da turma. O paraninfo (do grego paránymphos, “aquele que vai ao lado dos noivos”, remetendo à ideia de padrinho) é um professor escolhido pelos alunos ou uma personalidade acadêmica na área em que estão se formando. Em seu discurso, costuma apresentar conselhos e encorajar a turma. O patrono, por sua vez, é uma figura da categoria profissional dos formandos, alguém que os inspire. Seu discurso é opcional e costuma destacar aspectos do mundo profissional. Jack Arent/Palo Alto Daily News/AP Photo/ Glowimages
13. Durante as apresentações dos colegas, assinale “sim” ou “não” para cada item do quadro abaixo.
Reelaboração 15. Reescreva seu texto com base nos apontamentos dos colegas. 16. Uma vez reformulado, apresente-o novamente ao grupo para que possam escolher o mais apropriado. 17. Cada grupo escolherá um discurso a ser apresentado por seu orador para toda a turma. Ao final, deve ser feita uma votação para escolher o melhor discurso da turma.
Publicação 18. O texto escolhido deve ser gravado em vídeo e compartilhado entre todos os alunos do 3o ano. Os professores organizarão uma votação para eleição do discurso oficial a ser proferido na formatura. Não escreva no livro.
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Steve Jobs (1955-2011), fundador da Apple, discursando aos formandos da Universidade de Stanford, Estados Unidos, em 2005.
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capítulo
31 o que você vai estudar Como identificar e produzir um currículo. Como tornar o texto do currículo mais claro e objetivo. A importância do uso adequado das variedades urbanas de prestígio em currículos.
Currículo O currículo é um gênero textual muito utilizado no mercado de trabalho para apresentar dados profissionais de seu autor. Neste capítulo, você vai conhecer melhor esse gênero e depois será sua vez de produzir um currículo.
Leitura O texto abaixo é um currículo de um jovem estudante de um curso técnico de administração de empresas. Algumas informações foram parcialmente suprimidas a fim de preservar o autor. Leia-o com atenção e responda às questões propostas na página 301.
David Avelino DADOS PESSOAIS Data de nascimento: 10.11.1993 Idade atual: 22 anos Solteiro Endereço: Rua , 236, Ribeirânia, Ribeirão Preto – SP Telefone: (16) 98164E-mail: @gmail.com
OBJETIVO Conseguir um emprego que eu possa conciliar com os estudos.
HABILIDADES – Domínio de programas da Adobe, como Photoshop, Illustrator, Flash e outros. – Noções em 3DS MAX e Maya da Autodesk. – Pintura digital e vetorização.
PERFIL PROFISSIONAL Comunicativo e dedicado.
FORMAÇÃO Curso técnico em Administração de Empresas Situação: Cursando na ETEC José Martimiano da Silva. Previsão de conclusão: julho/2016 Ensino Médio Situação: Concluído em 2014 pelo Sistema Alfa de Ensino Diferenciado (SAED).
CURSOS DE APERFEIÇOAMENTO
Situação de produção Curriculum vitae A palavra currículo vem da expressão latina curriculum vitae (“trajetória de vida”), que ainda hoje é bastante utilizada no mercado de trabalho. O currículo é o documento escrito mais utilizado na contratação de profissionais por empregadores e empresas de todos os tipos.
Pintura Digital Situação: Concluído em 2014 na School of Art, Game and Animation (SAGA). Animação 2D Situação: Concluído em 2014 na School of Art, Game and Animation (SAGA).
IDIOMAS Inglês instrumental aplicado à informática.
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL Coca-Cola (desde abril/2015) Aprendiz no setor de Planejamento Comercial – Desenvolvimento de Produto. Supermercado Savegnago (de novembro/2014 a abril/2015) Empacotador/carrinhos. Salão de beleza Personalité (2014) Criação de logo. Pizzaria Madre Massa (2013) Criação de logo. Avelino, David. Currículo, abr. 2016. Texto cedido para esta edição.
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Ler um currículo skynesher/iStock/Getty Images
1. Qual era a formação de David Avelino quando fez esse currículo? 2. Que função o autor do currículo ocupava na época? 3. Quais experiências profissionais David já havia tido anteriormente? 4. Que dados pessoais o autor apresenta em seu texto? ANOTE
Dados pessoais, formação acadêmica (educação), experiência profissional (trabalho), cursos e outras habilidades formam os tópicos indispensáveis em um currículo.
5. Observe um dos itens do currículo de David. FORMAÇÃO Curso técnico em Administração de Empresas Situação: Cursando na ETEC José Martimiano da Silva. Previsão de conclusão: julho/2016 Ensino Médio Situação: Concluído em 2014 pelo Sistema Alfa de Ensino Diferenciado (SAED).
Em relação à sequência dos dados apresentados nesse item, qual foi o critério utilizado pelo autor para apresentá-los? Justifique sua resposta. ANOTE
O currículo apresenta os dados de acordo com a ordem de importância. Frequentemente, a experiência profissional é apresentada em ordem cronológica inversa, ou seja, dos eventos mais recentes para os mais antigos.
6. Releia, no currículo de David Avelino, o item “Experiência profissional”. O que você pode observar em relação à ordem com que os dados são apresentados nesse item? 7. Quais são as informações temporais presentes no currículo? Por que essas informações são importantes? ANOTE
O currículo é um texto produzido para ser utilizado imediatamente. Seus dados devem estar totalmente atualizados no momento em que ele é encaminhado ou entregue pessoalmente à empresa.
8. Qual é a validade desse currículo profissional? O autor poderá utilizá-lo dez anos depois, por exemplo? Por quê? 9. Observe as características gráficas do currículo de David e responda às questões a seguir. a) Qual a informação de maior destaque no currículo? Por quê? Como esse destaque é evidenciado? b) Que outras informações têm destaque no currículo? De que modo o destaque foi feito? c) Os destaques no currículo de David poderiam ter sido feitos de outras formas? Se sim, quais? ANOTE
O currículo é um texto objetivo, direto, curto e informativo. O texto deve permitir uma leitura rápida, que detenha o máximo de informação sobre a trajetória profissional de seu autor em poucas palavras. São várias as possibilidades de formatação do currículo, dependendo do gosto de seu autor, mas é preciso sempre zelar pela clareza e pela objetividade do texto. Não escreva no livro.
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Repertório
O passo seguinte depois do currículo Na busca por trabalho, o envio do currículo costuma ser seguido por uma entrevista de emprego, ocasião em que o empregador tem oportunidade de adquirir informações que o currículo, sozinho, não fornece sobre o candidato à vaga. Veja, a seguir, algumas dicas para uma boa entrevista de emprego: 1. Antes da entrevista, pesquise sobre a empresa que se interessou por seu currículo. 2. No dia da entrevista, use uma roupa adequada ao ambiente dessa empresa. 3. Mantenha o celular desligado durante toda a entrevista. 4. Dê respostas curtas, mas demonstre interesse pelo que está acontecendo. 5. Se possível, mencione durante a entrevista alguns dos dados levantados em sua pesquisa sobre a empresa, deixando claro seu interesse em trabalhar lá.
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Entre o texto e o discurso – O que está implícito Embora o currículo apresente texto curto e objetivo, a análise de suas características tex tuais pode revelar elementos e aspectos implícitos. Leia o currículo abaixo, de um professor de História, e observe os boxes laterais, que destacam informações não explícitas que podem ser subentendidas. O autor optou pela forma latina em vez da aportuguesada currículo, mais usada atualmente, o que pode indicar, por parte dele, apego às tradições ou resistência a mudanças.
curriculum vitae dados pessoais Edgar Correia Nascimento: 16.11.1978 Brasileiro Endereço: R. X. Xxxxxxxx Xxxxxxx, 80, apto. 133, Vila Andrade – São Paulo – SP Telefone residencial: 2157-XXXX Celular: 97637-XXXX E-mail: [email protected]
área de atuação Lecionar História nos Ensinos Fundamental, Médio ou em cursos preparatórios para vestibular.
O nome do autor do currículo não é o item de maior destaque no currículo, mas o nome do gênero (curriculum vitae). Esse fato, além de dificultar a rápida visualização do nome do candidato por um possível recrutador, pode indicar timidez por parte do autor do texto.
O segundo item de maior destaque neste currículo é a área de atuação do autor (ou seu objetivo). O grau de especificidade desse objetivo demonstra objetividade e clareza por parte do autor.
Capítulo 31 – Currículo
A ausência do código de área dos números de telefone (DDD) pode indicar que o autor tem interesse apenas em trabalhar em regiões próximas a sua casa.
qualificações principais Tendo trabalhado por anos em empresas de comunicação, desenvolvi habilidades relativas a criatividade e inovação, além do relacionamento e abordagem de assuntos técnicos, visando ao esclarecimento de dúvidas e à solução de problemas. Somadas a isso, minhas últimas experiências ministrando aulas proporcionaram-me confiança e bagagem para assumir turmas de todos os níveis educacionais.
educação Licenciatura em Educomunicação (cursando): ECA – Escola de Comunicação e Artes – Universidade de São Paulo (USP) Graduação e licenciatura em História – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) – Universidade de São Paulo (USP) Curso Técnico em Artes Gráficas (antigo 2º Grau Técnico): Escolas Senai Theobaldo De Nigris e Felício Lanzara – Especialização em Produção Visual Gráfica. De 1994 a 1997.
experiência profissional Docente do Carandá Vivavida Educação Atividades: Aulas de História para turmas do Ensino Médio. Docente do Colégio Saint Clair
Atividades: Aulas de História para turmas dos Ensinos Fundamental II e Médio, além de plantões de dúvidas em História e Geografia para os mesmos níveis (utilização de Sistema Anglo).
Docente do Curso de extensão curricular Pró-Universitário ‘NAEG’ – USP Atividades: Aulas de História geral e do Brasil para formandos do Ensino Médio da rede estadual de ensino, preparando-os para o exame vestibular. O projeto é uma parceria da Secretaria Estadual de Educação e da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo (USP).
Docente do Cursinho dos Alunos da PUC – Atividade voluntária
Atividades: Aulas de gramática para alunos de baixa renda, formandos e formados, do Ensino Médio.
Crescer – Educação e reforço
Atividades: Aulas particulares de História, Geografia e Português para alunos dos Ensinos Fundamental e Médio. […]
Estágio na seção de levantamento e pesquisa do dep. de Patrimônio Histórico – Prefeitura de São Paulo A especificação de como o curso era conhecido e da época em que estudou, o que não ocorre com os cursos mais recentes, reforça que o autor já não é tão jovem.
A data de nascimento pode dar indícios ou criar expectativas em relação à formação acadêmica e à experiência profissional do autor.
Atividades: Desenvolvimento de pesquisas e apresentações sobre a história da cidade, dos bairros e dos elementos patrimoniais de São Paulo.
As qualificações principais do autor (ou seu perfil profissional) revelam que ele nem sempre trabalhou em escolas, mas suas experiências em outras áreas lhe permitiram desenvolver habilidades relevantes para a atividade docente.
Este trecho demonstra que o autor do currículo é uma pessoa versátil, pois trabalha com Geografia além de História e se adapta a novas metodologias de trabalho (plantão de dúvidas e sistemas de ensino).
línguas Inglês para leitura e técnico Espanhol para leitura Correia, Edgar. Currículo cedido para esta edição.
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O fato de o autor incluir línguas, mas não conhecimentos de informática, pode indicar que ele não considera que esses conhecimentos sejam relevantes para a atividade profissional que pretende desenvolver.
O fato de ter feito trabalho voluntário revela, no autor, caráter altruísta e humanitário.
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As informações implícitas no currículo O currículo é um gênero cujos elementos constitutivos são bastante fixos. É preciso dizer: ••quem é o autor e como encontrá-lo (dados pessoais); ••por que ele está enviando o currículo (objetivo); ••suas características como profissional (perfil profissional); ••o que, onde e, preferencialmente, quando estudou (formação acadêmica); ••onde e, preferencialmente, quando trabalhou anteriormente (experiência profissional); ••que cursos e habilidades (idiomas, informática) possui. Apesar da rigidez característica do gênero, a forma como o autor constrói seu texto e faz determinadas escolhas ao formatá-lo, deixa subentendidas diversas informações que podem ou não auxiliá-lo no momento em que seu currículo for avaliado por um empregador. Veja alguns exemplos de elementos do currículo que podem dar margem a interpretações desfavoráveis ao autor por parte do avaliador do currículo: ••ausência de elementos constitutivos do gênero, como conhecimentos de informática e formação acadêmica; ••informações incompletas, de modo que itens como datas, referências profissionais, detalhamento do cargo, etc. ora são apresentados, ora não; ••informações excessivas, como relatos de acontecimentos em empregos muito antigos e detalhes da vida pessoal; ••dados antigos ou desatualizados. Para elaborar um currículo objetivo e livre de características que possam prejudicar o autor como candidato a uma vaga, é importante fazer uma revisão cuidadosa e, se possível, pedir a outra pessoa que o leia e sugira mudanças para aprimorar o texto. 1. Indique, no caderno, os trechos destacados no currículo de Edgar Correia, em que você faria modificações para livrá-los de elementos que podem prejudicar o autor do texto. No caderno, realize essas modificações. 2. No currículo de David Avelino, há algum elemento que você modificaria? Qual? Que modificação seria essa?
ação e cidadania
Trabalho voluntário O trabalho voluntário se define pelo conjunto de ações que são inteiramente dedicadas ao próprio trabalho, sem nenhuma espécie de remuneração, e que são oferecidas a instituições que não visem ao lucro. O trabalho voluntário é regulamentado no Brasil pela Lei n. 9.608/1998, que considera voluntária “a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade”. Esse tipo de trabalho é extremamente valorizado no mercado de trabalho, não somente porque pode ensinar e oferecer reais acréscimos à ex periência profissional, mas porque pode, além disso, revelar uma personalidade comprometida com causas humanitárias, capaz de doar seu tempo e disposição para ajudar a construir um mundo melhor.
observatório da língua Uso adequado das variedades urbanas de prestígio O currículo é um texto que deve funcionar como um Nesse trecho, a utilização correta do plural, estabeleespelho das qualidades profissionais de seu autor. Para cendo a concordância nominal entre substantivos, colaisso, o texto precisa estar adequado às variedades urba bora para a valorização do currículo. Observe como pronas de prestígio da língua e apresentar as qualidades gramas refere-se à soma dos substantivos subsequentes: declaradas por quem o redigiu, seja na formatação, na “Photoshop, Illustrator, Flash e outros”. clareza e na assertividade da linguagem, ou na organização e na objetividade, por exemplo. […] visando ao esclarecimento de dúvidas e à soluÉ possível candidatos serem eliminados de procesção de problemas. sos seletivos por uma vaga no mercado de trabalho em função do mau uso das variedades urbanas de prestígio, Embora facultativa, a crase foi bem utilizada neste seja em currículos, seja em entrevistas de emprego. Por caso, pois representa a contração da preposição a, conisso, deve-se estar atento a aspectos como ortografia, forme regência do verbo visar, na acepção de “ter como acentuação, concordância, etc. Observe. objetivo”, e o artigo feminino a, que qualifica o substantivo “solução”. Ao escrever seu currículo leve em conta Domínio de programas da Adobe, como esses aspectos, sempre lembrando que é esse texto que Photoshop, Illustrator, Flash e outros. fará a sua primeira apresentação à empresa. 1. Recolha dos textos do capítulo outros dois exemplos de uso adequado das variedades urbanas de prestígio e explique a utilização observada.
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Produzir um currículo Proposta Você vai escrever seu currículo e, caso seja de seu interesse, encaminhá-lo para empresas filiadas ao Programa Jovem Aprendiz. O programa possui âmbito nacional e se apoia na Lei da Aprendizagem (no 10.097/2000). No texto, devem constar seus dados pessoais, sua trajetória escolar, cursos extracurriculares e experiência no mundo do trabalho. Se você tiver realizado qualquer tipo de trabalho voluntário, deve acrescentá-lo também. São relevantes, ainda, as qualificações e habilidades que você adquiriu na área de informática e multimídia, em línguas e outras competências técnicas ou artísticas. Aproveite os recursos de que você dispõe para produzir um texto objetivo e fiel a sua trajetória de vida.
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto a ser produzido. Gênero textual currículo
Público empresas filiadas ao Programa Jovem Aprendiz
Finalidade
Meio
expor e-mail ou sites trajetória de das empresas vida escolar cadastradas e profissional para concorrer a uma vaga
Linguagem organização e objetividade
Evitar desorganização, inadequações às variedades urbanas de prestígio, informações desnecessárias
Incluir dados pessoais, objetivo, formação, cursos, habilidades e experiências profissionais anteriores
2. Defina seu objetivo como profissional ao produzir esse currículo. Que cargo, vaga no mercado de trabalho ou papel social deseja alcançar no momento? 3. Reflita sobre o tipo de instituição ou empresa em que gostaria de atuar e faça uma pesquisa a esse respeito. Para quais instituições e empresas você enviaria seu currículo? 4. Procure na internet modelos de currículos e analise-os, enfocando os aspectos que mais lhe agradam em cada um. Utilize os resultados dessa pesquisa para pensar em como você formatará seu texto. 5. Copie e preencha o quadro abaixo com os dados que vão compor seu currículo. Dados pessoais Objetivo/perfil profissional Formação (educação) Cursos/línguas Experiência profissional
Capítulo 31 – Currículo
6. Certifique-se de que não há mais nenhum dado a acrescentar. a) Há alguma experiência não profissional relevante, como participação em mutirões, grupos amadores ou trabalho voluntário? b) Você frequentou algum curso ou tem alguma qualificação que possa acrescentar informações sobre suas habilidades? c) Alguma informação pessoal foi esquecida? 7. Certifique-se de que todas as informações selecionadas são mesmo relevantes. a) Essas informações estão afinadas com o objetivo que você declarou no currículo? b) Alguma informação contradiz as habilidades e qualificações que você deseja reforçar em seu texto? 8. Volte ao quadro da questão 5 e redefina todas as informações que vão integrar seu currículo. 9. Organize as informações de acordo com a sequência temporal, ou seja, em ordem cronológica inversa (dos fatos mais recentes para os mais antigos).
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10. Agora você já pode escrever seu currículo. Utilizando um programa de edição de texto em um computador, defina as fontes (tipos de letra), o tamanho delas e a organização gráfica de seu currículo.
Avaliação 11. Troque de texto com um colega. Você pode enviá-lo a seu colega ou entregar uma versão impressa. Verifique com o professor qual a melhor maneira de organizarem essa avaliação. 12. Copie o quadro abaixo em uma folha separada. Em seguida, complete-o com base na leitura do currículo de seu colega. Faça também um comentário geral sobre o texto, apontando qualidades e sugerindo mudanças. Sim
Digite cuidadosamente seu currículo e revise-o.
Não
O texto está inteiramente de acordo com as variedades urbanas de prestígio? É organizado e atraente à leitura? Está completo, apresentando os tópicos indispensáveis (dados pessoais, objetivo, formação, experiência profissional, cursos e informações extras)? Os dados são confiáveis e podem ser comprovados com documentos? A sequência temporal dos dados apresentados está clara e precisa? Comentário geral sobre o texto
Reescrita 13. Troque novamente o texto com o colega. a) Leia com atenção o quadro com a avaliação que ele fez. b) Agora, releia seu texto, buscando compreender as observações realizadas por ele. 14. Reescreva seu currículo. a) Faça todas as alterações que julgar necessárias para adequar seu texto às variedades urbanas de prestígio. b) Realize alterações para tornar seu texto mais interessante e deixar as informações ainda mais precisas e fiéis a sua trajetória. 15. Ao reescrever seu currículo, observe o tratamento dado à linguagem. É importante adequar-se ao meio profissional em que deseja atuar, mas procure não utilizar termos que você não domina. É preferível empregar palavras que você conheça bem. 16. Imprima seu currículo e revise-o mais uma vez, agora no papel. Certifique-se de que ele está adequado às variedades urbanas de prestígio. Caso encontre alguma inadequação, marque-a no papel e corrija-a no arquivo digital.
Publicação 17. Se for de seu interesse ingressar no mercado de trabalho neste momento, envie por e-mail ou entregue pessoalmente seu currículo às empresas ou instituições nas quais você gostaria de trabalhar. Não escreva no livro.
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Atenção
»»Verifique se você não
apresenta em seu texto nenhuma inadequação ortográfica, de acentuação, pontuação ou concordância. O uso adequado da língua costuma ser um critério importante na seleção de candidatos.
»»Dê atenção à sequência
cronológica das informações veiculadas. A cronologia deve ser clara e organizada, sem lacunas ou confusões. 305
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capítulo
32 o que você vai estudar Como identificar e produzir um perfil biográfico.
Perfil biográfico O perfil biográfico é um gênero textual que, partindo de uma apuração jornalística, realiza o retrato de uma pessoa que tem certa relevância social. Sua linguagem pode aproximar-se da literatura, ao recriar imagens e relatar detalhes muito particulares da pessoa retratada. Neste capítulo, vamos conhecer melhor esse gênero, e depois será a sua vez de produzir um perfil biográfico.
A relevância social da pessoa retratada.
Leitura
Discursos direto, indireto e indireto livre.
O texto abaixo é um perfil biográfico publicado na revista mensal Vida simples. Leia-o com atenção e responda às questões propostas. Ed Kashi/Corbis/Fotoarena
Zé Peixe
Ele passou a vida dentro d’água, buscando navios a nado. Conheça a incrível história desse velho do mar por Marcia Bindo
Do alto do barco, dá para ouvir a imensidade de mar chamando. Uma voz macia, sussurrada. Ele apruma os pés na beirada, estende os braços para trás, estufa o peito e salta num voo ligeiro. A água suaviza a queda, envolve-o com um abraço de boas-vindas. Está em casa. Logo os botos vêm chegando, como de costume, para fazer companhia na travessia. Esta é a história de um peixe chamado José. Há mais de seis décadas ele passa a maior parte do tempo na água. Nada quase diariamente cerca de 10 quilômetros […], está habituado a saltar de navios de mais de 40 metros de altura e é capaz de façanhas homéricas no mar mesmo com seus 80 anos. Zé Peixe, como é conhecido em Aracaju, é reverenciado por marinheiros dos sete cantos por sua humildade, bravura e profundo conhecimento das coisas do mar. Uma lenda viva. E, como toda lenda, tem suas particularidades. Desde que começou a trabalhar no porto de Aracaju, Zé Peixe nunca mais tomou um bom banho de chuveiro. Para quê, se está sempre na água? Também quase não bebe água doce. Gosta mesmo é de dar uns golinhos de água salgada nos trajetos que nada. “Faz um bem danado à saúde”, diz ele. Conhece como ninguém os segredos da Boca da Barra, onde o rio Sergipe se abre para o mar e bancos de areia se formam de 306
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Zé Peixe, em seu tradicional salto em direção ao mar. Aos 80 anos, ele ainda nadava cerca de 10 quilômetros por dia. Foto de 2002.
uma hora para outra, colocando em risco as embarcações. Sabe a profundidade das águas pela cor e as correntezas pela variação de temperatura e direção do vento. Zé Peixe é o prático mais conhecido do planeta. Prático é o sujeito que ajuda os comandantes a conduzir os barcos na entrada e saída do porto, orientando-os a manobrar com segurança. Sua presença é obrigatória em qualquer cais do mundo no momento de atracagem e saída dos navios. O que faz de Zé Peixe uma espécie rara é a maneira como trabalha: ele vai buscar o navio a nado, enquanto seus colegas recorrem a um barco de apoio. E, quando tira o navio do porto, em vez de voltar de barco ele zapt!, salta no mar. Faz assim: enrola a camisa, coloca junto com os documentos e os trocados em um saco plástico e amarra firme no calção; mergulha e volta para casa com braçadas elegantes, ritmadas, sem movimentar as pernas para não atiçar os tubarões. […] Quando Zé Peixe chega ao porto é uma alegria só. Ele curva seu corpo para cumprimentar funcionários, marujos e capitães, como se os estivesse reverenciando. “Não
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existe ninguém como ele”, diz um. “Uma figura lendária de Aracaju”, afirma outro. “Peixinho é um ídolo”, conta outro homem do mar. […] Zé é peixe miudinho. Tem apenas 1,60 metro de altura e 53 quilos. Mesmo franzino, já realizou muitas grandezas. A maior proeza foi quando socorreu o navio Mercury, que ardia em chamas em alto-mar, vindo das plataformas da Petrobras e com funcionários a bordo. Zé pegou carona num rebocador, ligeiro chegou ao navio e conduziu a embarcação até um ponto onde todos pudessem saltar e nadar para terra firme. “Eu só fiz o que tinha de fazer, compreende?” Ele não gosta de falar muito de si mesmo. Por causa de sua condição física exemplar, ele conseguiu salvar inúmeras vidas, conta Brabo, o chefe dos práticos, que há 26 anos convive com Peixinho. Em 1941, ele e toda a população de Aracaju viram na praia os corpos de náufragos de três navios bombardeados por embarcações alemãs na Segunda Guerra Mundial. A partir daí, ninguém nunca mais se afogou perto dele. Maré cheia
Desde menino novo, Zé dá suas pernadas no rio Sergipe. Os pais, dona Vectúria e seu Nicanor, que ensinaram. De sua casa, era só cruzar a rua de terra para dar no rio. Em tempo de maré cheia, a água vinha bater na porta. Moleque arretado, José Martins Ribeiro Nunes aprendeu a atravessar o rio para chupar caju na outra margem do rio. Aos 12 anos já nadava muito bem. Sua casa era vizinha à Capitania dos Portos e logo foi reparado pelos marinheiros. De observar a destreza do menino, um almirante o batizou novamente – virou Zé Peixe. Quando chegou o tempo certo, com 17 anos, formou-se prático. […] Zé nunca saiu da casa onde nasceu, umas das mais antigas de Aracaju. […] “Vou morrer aqui”, diz. “Mas só quando o capitão lá de cima desejar.” Hoje uma avenida asfaltada o separa do rio. […] O casebre por fora é pintado de branco, mas dentro é todo azul. Está entulhado de cacarecos que juntou pela vida, entre eles títulos e medalhas.
Não joga nada fora e não gosta que arrumem sua bagunça. Tudo remete ao mar: miniaturas de barcos espalhados pelos cômodos e desenhos de lápis de cor grudados nas paredes. E muitas imagens de santos católicos. Quem chega da família já vai pedindo a bênção. E tem também quem chega para pedir uns trocados. É que Zé costuma distribuir seu salário aos pedintes. Velhos pescadores que não podem mais trabalhar, desempregados e inválidos conhecem de perto sua bondade. Espécie rara
Mesmo aposentado há mais de 20 anos, Zé Peixe continua trabalhando por gosto. Acorda cedo, com o escuro. Não tem hora certa para trabalhar. Depende do fluxo de navios no porto. E das marés. Acostumou seu corpo a comer pouquinho, porque barriga cheia não se dá com o mar. Dá gastura. De manhã, basta um pão com café preto. E, depois, só fruta. Quando passa o dia inteiro no porto, faz jejum. O doutor já confirmou: Zé tem coração de menino. Nunca fumou nem bebeu. Seu vício mesmo é o mar. […] “Ele é meu herói”, diz o deputado Fernando Gabeira. Quando estava exilado na Alemanha, o deputado viu uma reportagem sobre Zé Peixe. A história do bravo nadador chamou sua atenção. Quando retornou ao Brasil, foi conhecer de perto o tal sergipano. “É uma figura extraordinária. Tentei fazer um filme sobre a vida dele, mas ele não quis”, conta. Zé viveu numa época em que não havia carro nem televisão. Viu o manguezal sendo aterrado e os navios minguando com o impulso rodoviário da década de 1950. Enquanto Aracaju é tomada por edifícios e shopping centers que vão transformando os horizontes da cidade, Zé Peixe ainda ensina aos sobrinhos e aos filhos destes os mistérios do rio e do mar. Dizem que o mar não estará para peixe em algumas décadas. Enquanto isso não acontecer, Zé Peixe continuará nadando por lá. E como sempre, ao emergir do mar, fará um pequeno sinal na testa, agradecendo por mais um dia na água.
Bindo, Marcia. Vida simples, São Paulo, Abril, abr. 2007.
Situação de produção Com um pé na literatura O perfil biográfico ganhou força nos anos 1960 com o Novo Jornalismo estadunidense (New Journalism), corrente que realizava o chamado jornalismo literário. Na revista Esquire, em 1966, circulou um dos principais perfis biográficos já escritos, assinado por Gay Talese: “Frank Sinatra has a cold” [Frank Sinatra está resfriado] (a tradução desse perfil foi publicada no livro Fama e anonimato, pela Companhia das Letras, em 2004). No Brasil, à
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mesma época, o jornalista Joel Silveira já havia se tornado conhecido por seus perfis biográficos. Diferentemente da biografia em livro, em que o autor deve investigar minúcias da vida do biografado, o perfil pode focalizar apenas um momento da vida de quem vai retratar. É um texto mais curto, tanto em extensão como no “prazo de validade” das informações, em geral baseadas nas interpretações do repórter.
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Ler um perfil biográfico 1. Releia este trecho: “Ele passou a vida dentro d’água, buscando navios a nado. Conheça a incrível história desse velho do mar”. Em sua opinião, a história de Zé Peixe é mesmo incrível? Por quê? 2. Releia os dois primeiros parágrafos e observe como eles formam uma introdução ao perfil biográfico. a) Localize no primeiro parágrafo duas expressões que se aproximam da linguagem poética. Copie-as no caderno e explique o efeito de sentido que produzem. b) Localize no segundo parágrafo as informações principais sobre Zé Peixe e responda: O que justifica a escolha dessa pessoa para constituir matéria de um perfil biográfico? ANOTE
O jornalista seleciona uma pessoa real para escrever seu perfil biográfico. O texto mostra as características distintivas dessa pessoa, transformando-a em personagem.
Repertório
Jornalismo: “pacto de realidade” com o leitor O texto jornalístico supõe um “pacto de realidade” entre jornalista e leitor. O jornal se responsabiliza pela verdade das informações veiculadas, e o leitor supõe que esse compromisso esteja sendo respeitado. No caso do perfil biográfico, que se aproxima muito da literatura, contribui para esse pacto o fato de o leitor encontrar o texto em seções reservadas para esse gênero.
Ed Kashi/Corbis/Fotoarena
3. Releia: “E, como toda lenda, tem suas particularidades”. Quais são as particularidades de Zé Peixe? 4. O que diferencia Zé Peixe dos outros práticos? 5. Faça um pequeno resumo da trajetória biográfica de Zé Peixe, enumerando os fatos em ordem cronológica. ANOTE
O texto de um perfil biográfico centra seus esforços na exposição e na explicação das características da personagem que justificam um relato de sua vida e atividades: sua relevância social, suas peculiaridades e sua trajetória pessoal.
6. Localize no texto todos os trechos em que aparecem depoimentos. a) Quantos depoimentos de conhecidos de Zé Peixe há no texto? b) O que eles informam sobre Zé Peixe? 7. Nesse perfil biográfico, há o depoimento de uma figura pública. a) Quem é? Escreva o que você sabe sobre ela. b) O que ela diz sobre Zé Peixe? c) Você concorda com essa opinião? Localize no texto e copie no caderno uma passagem que justifique sua concordância ou discordância.
Capítulo 32 – Perfil biográfico
ANOTE
O perfil biográfico recolhe informações privilegiadas, por meio de depoimentos de amigos, familiares, colegas de atividade e conhecidos, para oferecer ao leitor uma imagem social da personagem. Também aparecem personalidades conhecidas que, com sua voz de autoridade, ajudam a legitimar o perfil traçado.
8. No perfil lido, há uma grande quantidade de detalhes que revelam a personalidade de Zé Peixe. Faça uma lista para cada item abaixo: a) detalhes físicos; b) detalhes psicológicos e hábitos pessoais; c) detalhes do ambiente em que vive e dos seus objetos. 9. Localize no texto os depoimentos de Zé Peixe. a) Copie essas falas no caderno. b) Que impressão elas causam no leitor?
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Zé Peixe faleceu em 2012, aos 85 anos. Foto de 2002.
ação e cidadania
Zé Peixe: um velho com “coração de menino”. Mesmo aos 80 anos, ele continuava trabalhando e mantendo hábitos saudáveis que o ajudaram a ter uma vida longa. No Brasil de hoje, porém, inúmeros idosos não têm condições de vida dignas e, além disso, muitos sofrem maus-tratos. Não são raras notícias como esta: “Casos de violência contra os idosos cresceram 16% em um ano” (disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2016). O Estatuto do Idoso, de 2003, ampliou os direitos do cidadão com mais de 60 anos, estabelecendo que ele não pode ser vítima de violência ou negligência e que o cuidado com o idoso é dever de toda a sociedade.
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Repertório
Para compor o perfil biográfico, o detalhamento é indispensável. São reveladores as frases típicas, os detalhes referentes à aparência física, aos traços psicológicos, aos objetos que compõem o ambiente de vida e trabalho, etc.
10. Procure identificar, nas expressões abaixo, quais destes recursos linguísticos foram utilizados: metáfora, personificação, discurso indireto livre, onomatopeia. Explique suas respostas. a) “Esta é a história de um peixe chamado José.” b) “A água suaviza a queda, envolve-o com um abraço de boas-vindas.” c) “Zé Peixe nunca mais tomou um bom banho de chuveiro. Para quê, se está sempre na água?” d) “[…] em vez de voltar de barco ele zapt!, salta no mar.” e) “O que faz de Zé Peixe uma espécie rara é a maneira como trabalha: ele vai buscar os navios a nado, enquanto seus colegas recorrem a um barco de apoio.” f) “Vou morrer aqui”, diz. “Mas só quando o capitão lá de cima desejar.” ANOTE
O perfil biográfico é um dos textos jornalísticos mais próximos da literatura. Utiliza metáforas e outras figuras de linguagem, valoriza detalhes com significado subjetivo, descreve poeticamente pessoas e cenários e pode usar o discurso indireto livre, entre outros recursos associados à prosa literária.
11. O último parágrafo, a conclusão do texto, apresenta as transformações de Aracaju ao longo da vida de Zé Peixe. Discuta as possibilidades da permanência do modo de vida de Zé Peixe nesse contexto.
Observatório da língua Discursos direto, indireto e indireto livre Há três formas possíveis de apresentar falas em textos jornalísticos ou literários: discurso direto, discurso indireto e discurso indireto livre. O discurso direto ocorre quando o texto reproduz uma fala em primeira pessoa, geralmente acompanhada por marcas linguísticas – o travessão ou as aspas – que indicam a fala. Pode conter também um verbo dicendi. Observe esta passagem do texto sobre Zé Peixe:
Ruptura do “pacto de realidade” Às nove horas da noite do dia 30 de outubro de 1938, a rádio CBS estadunidense transmitiu ao vivo uma invasão de marcianos à Terra. Todos os elementos que colaboravam para o efeito de realidade nas transmissões da época foram utilizados. Como se fosse uma edição extraordinária do jornal radiofônico, houve interrupção da programação normal, efeitos sonoros, depoimentos de especialistas, entrevistas, repórteres nas ruas, notícias de última hora. Ao proceder assim, o programa rompeu o “pacto de realidade” estabelecido com o ouvinte de noticiários jornalísticos, pois veiculou com o formato de programa noticioso o que, na verdade, era uma obra de ficção: tratava-se da adaptação de Guerra dos mundos, uma obra de ficção científica de H. G. Wells. O resultado dessa adaptação, empreendida pelo jovem Orson Welles, foi o pânico generalizado de milhares de pessoas, com congestionamentos gigantescos e histeria em New Jersey, Nova York e Newark, nos Estados Unidos. Em 2005, uma nova adaptação do livro chegou às telas de cinema pelas mãos de Steven Spielberg. Paramount/Everett Collection/Fotoarena
ANOTE
“Faz um bem danado à saúde”, diz ele. O discurso indireto ocorre quando o autor utiliza a terceira pessoa, reproduzindo o conteúdo da fala da personagem. Não aparecem marcas linguísticas de fala, mas podem aparecer os verbos dicendi: Por causa de sua condição física exemplar, ele conseguiu salvar inúmeras vidas, conta Brabo […] O discurso indireto livre mescla os discursos direto e indireto. Em geral, mantém a terceira pessoa do discurso, mas incorpora a fala da personagem ao discurso do autor ou narrador: Acostumou seu corpo a comer pouquinho, porque barriga cheia não se dá com o mar. Dá gastura. 1. O exemplo de discurso indireto livre acima surgiu provavelmente da conversa entre a jornalista e Zé Peixe, seu biografado. Reescreva o trecho transformando-o em um diálogo, usando discurso direto.
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Cena do filme Guerra dos mundos (2005, EUA), baseado no livro de H. G. Wells que tem o mesmo título.
HIPERTEXTO Em notícias e reportagens, o uso dos discursos direto e indireto é frequente. Veja os usos desses discursos em uma notícia na parte de Linguagem (capítulo 24, p. 224-225).
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Produzir um perfil biográfico Escolha uma pessoa de destaque na escola para escrever o perfil biográfico: pode ser um professor, um colega, um funcionário da escola. O texto será publicado em uma revista produzida pela classe. Dê preferência a alguém que seja próximo a você, assim será mais fácil observar e entrevistar essa pessoa. Os critérios de relevância social variam conforme os veículos de imprensa em que são publicados os perfis. Consulte revistas ou jornais que circulam em sua cidade para observar esses critérios e verifique se você se identifica com algum deles. Ao escolher a personalidade que constituirá o tema do perfil biográfico, será útil para você definir claramente seu critério de relevância social. Escreva, então, um perfil biográfico sobre a personalidade escolhida. Utilize os conhecimentos que você adquiriu neste capítulo. Procure aproveitar todos os recursos de que dispõe para redigir um texto que seja, ao mesmo tempo, informativo e literário.
Editora Trip/ID/BR
Proposta
Capa de revista de cultura e informação dirigida ao público feminino. Foto de 2015.
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto que você vai produzir. Gênero textual perfil biográfico
Público comunidade escolar
Finalidade relatar as características distintivas de uma personalidade de destaque na comunidade escolar
Meio revista produzida pela classe
Linguagem
Evitar
Incluir
terceira pessoa; detalhamento
admiração excessiva pela personalidade retratada
detalhes do ambiente, da aparência física, de hábitos, gestos, etc.
2. Copie o roteiro abaixo no caderno e complete-o conforme for recolhendo as informações. Se necessário, utilize um gravador nas conversas, para não perder os detalhes. Perfil biográfico de: •• apelido: •• idade: Capítulo 32 – Perfil biográfico
•• profissão: •• relevância social: •• aparência física: •• ambiente em que vive, trabalha ou circula:
•• d epoimentos de amigos e pessoas de suas relações: •• d epoimento ou argumento de autoridade: •• histórias interessantes: •• particularidades: •• minhas impressões pessoais:
DICAS: Não apresente o roteiro acima à pessoa escolhida para o perfil. Converse informalmente com ela, observe-a, deixe-a falar com liberdade. Tome cuidado para não inibi-la com as anotações que você for fazendo. Converse com conhecidos dela. A coleta dos dados do roteiro será o resultado de todas essas ações. Use o último item como base para a aproximação literária: anote sensações e imagens que lhe vierem à cabeça; elas podem ser aproveitadas no momento da escrita.
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3. Realize a apuração jornalística de seu perfil, buscando o máximo de informações e detalhes significativos sobre sua personagem. Separe frases significativas e detalhes interessantes que possam ser usados no texto final. Mantenha o “pacto de realidade”: não insira dados falsos sobre a pessoa biografada.
Elaboração
Atenção
»»Observe se o seu texto 4. Agora você já pode escrever o perfil biográfico. mantém sempre o 5. Organize a sequência das informações que você vai apresentar ao leitor, respeito em relação à utilizando o roteiro abaixo. personalidade retratada. a) Introdução: apresente os dados principais da personagem, sua relevância »»Dê atenção à transcrição social e sua particularidade humana. e à retextualização de falas ao usar os b) Relato da personalidade: defina uma sequência de temas e depoimentos discursos direto, para relatar ao leitor todos os detalhes que você recolheu. indireto e indireto livre. c) Conclusão: defina uma informação, imagem ou ideia para fechar seu perfil. 6. Procure enriquecer seu texto com recursos expressivos. a) Crie metáforas e/ou outras figuras de linguagem para expressar sua experiência pessoal no contato com a personalidade retratada. b) Escolha um ou mais depoimentos que possam ser assumidos pela voz narrativa para serem expressos em discurso indireto livre.
Avaliação 7. Forme uma dupla e troque seu texto com o colega. 8. Copie e complete, em uma folha separada, o quadro abaixo, a partir da leitura do perfil biográfico feito por seu colega. Em seguida, faça um comentário geral, apontando qualidades e sugerindo mudanças. Sim
Não
A escolha da personagem está claramente justificada no texto? O relato dá conta da trajetória biográfica da personagem até alcançar sua condição atual? Há detalhamento de aspectos físicos e psicológicos da personagem, bem como do ambiente em que ela se insere? Os depoimentos colaboram para a construção da personalidade retratada? As frases da personagem são reveladoras sobre quem ela é? Os momentos de aproximação com a linguagem literária foram bem realizados? O texto consegue compor o esboço de uma personalidade? Comentário geral sobre o texto
Reescrita 9. Pegue de volta seu texto com o colega e devolva o dele. a) Leia com atenção o quadro que ele preparou ao avaliar o perfil biográfico redigido por você. b) Releia seu texto, com atenção às observações de seu colega. DICA: Mantenha todas as anotações feitas durante o processo da entrevista, da apuração e da elaboração. Na reescrita, elas podem ser úteis para tornar seu texto mais claro e interessante. c) Faça todas as alterações que julgar necessárias para adequar seu texto à norma-padrão. d) Retome as anotações que você fez durante o planejamento e altere o texto de modo a aproveitar melhor a apuração jornalística.
Publicação 10. Uma vez finalizados os perfis biográficos, reúna seu texto aos da sala e, juntos, produzam uma revista. Pense com os colegas em um nome para a revista, além da capa, texto de apresentação e organização geral da publicação. Para isso, a turma pode eleger um editor executivo para ficar responsável por esses aspectos. Não escreva no livro.
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Vestibular e Enem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
O vestibular da Universidade da Amazônia (Unama) pediu, como segunda opção para a prova de redação, que se escrevesse uma carta argumentativa. A carta deveria responder ao texto de Fernanda Young, reproduzido na proposta B. Nesse texto, a escritora produz, por meio de uma carta, um perfil do Brasil, com o qual o candidato deve concordar ou discordar. Você poderia aproveitar essa proposta para compor um perfil do Brasil segundo sua opinião. Para isso, os conhecimentos adquiridos neste capítulo podem lhe ser úteis. Além disso, observe, por exemplo, as referências no texto de Young à bandeira, ao hino nacional, às características do povo brasileiro, sua imagem e autoimagem, ou seja, ao detalhamento que fornece corpo ao perfil. Observe também como o texto personifica a pátria, o que torna possível a composição de um perfil biográfico. (Unama-PA) Estamos lhe apresentando duas propostas temáticas para que, a partir da escolha de uma delas, você desenvolva a sua redação. Após fazer sua escolha, construa seu texto, valendo-se dos elementos da coletânea necessários à elaboração, bem como das experiências que a vida já lhe proporcionou. Atenção: •• Faça sua redação com o mínimo de 15 linhas e o máximo de 30. •• O uso dos textos de apoio não se deve limitar à mera transcrição. •• Seu texto deve ser escrito em prosa. PROPOSTA TEMÁTICA B: CARTA ARGUMENTATIVA Leia, com atenção, a seguinte carta argumentativa:
À Pátria amada Salve, salve, Como está? Melhorou? As notícias que recebo de seus filhos não são boas, mas sei que você é forte e há de vencer mais essa. Tantas crises e traições seguidas devem estar abalando você, mas saiba que é amada, idolatrada e jamais será abandonada. Pátria minha, posso ser sincera com você? Você é rica, gentil e generosa, mas dá muita bandeira, por isso abusam de sua boa vontade. Aproveitadores prometem servi-la e roubam de seus cofres. Falam besteiras em seu nome, debocham de seus defeitos, sonegam o que lhe devem. Por outro lado, você nunca esteve tão livre. Tão respeitada pelas colegas. Sua beleza e sua simpatia sempre foram reconhecidas, mas agora elogiam também sua inteligência e seu bom gosto. Copiam o que você veste, querem saber a fonte de sua energia. Assuma, Pátria, que você é legal, mas vacila. Aprenda a punir quem abusa de seus favores e a tratar bem quem procura seus serviços. Afaste-se dos puxa-sacos e abrace seus desvalidos. Seus verdadeiros amigos não estão nos banquetes em sua honra. A hipocrisia, maldita praga que seu ardor atrai, é a raiz dos seus problemas. Mas, calma, tudo tem jeito, você já resistiu bravamente a dias piores. Quando nem sabia quanto roubavam de você. Quando sujavam seu nome em porões de tortura. Quando seu dinheiro valia tão pouco que era motivo de piada. […] Por mim você abandonava de vez esse positivismo cafona e incoerente, que um dia lhe impuseram como lema na bandeira. Não é pela ordem que seus filhos se destacam pelo mundo, é pela bagunça e festa, não é? E o progresso? Vem naturalmente quando se vive em paz, num ambiente fértil. Se é necessário um mote para completar a lacuna, que o escolham de onde sua alma se manifesta: nos para-choques de caminhão. Já imaginou você de verde-amarelo e, na faixa, em sua testa estrelada escrito assim: “Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho.” Ou simplesmente: “Existo porque insisto”. É atrás da pompa dos palanques que se escondem seus inimigos. Com amor, Fernanda Young (Escritora, roteirista e apresentadora de TV. Texto publicado na revista Cláudia, out. 2007.)
Como você pôde constatar, Fernanda Young escreveu uma carta ao Brasil, mostrando virtudes e defeitos desse ente que se materializa em um espaço continental com mais de 200 milhões de habitantes. Ao final da carta, ela rejeita o lema da bandeira brasileira e pede sua substituição. Agora, de acordo com a proposta, escreva uma carta argumentativa à escritora. Procure responder: você concorda com o perfil que a autora faz da pátria? 312
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unidade
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Expor Expor um conhecimento é compartilhá-lo. A habilidade de expor é utilizada em muitos momentos, especialmente na divulgação de conhecimentos. A exposição de saberes torna-os acessíveis a um número cada vez maior de pessoas, ampliando e transformando sua visão de mundo.
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Seminário
Os indígenas Guarani Kaiowá são um subgrupo da etnia Guarani. Os Guarani, que vivem hoje nas fronteiras entre Brasil, Argentina e Paraguai, constituem uma das populações indígenas de maior presença territorial no continente sul-americano. Os Guarani Kaiowá têm lutado há décadas pela demarcação de suas terras, disputadas por fazendeiros, no Mato Grosso do Sul (MS), e em defesa de seus direitos. Cacique Guarani Kaiowá em Dourados (MS). Foto de 2015.
Cassandra Cury/Pulsar Imagens
Nesta unidade, você entrará em contato com um gênero textual destinado à divulgação de saberes humanos, o seminário. O seminário, seja na escola, seja na universidade, seja na empresa, promove a troca de informações e experiências, com a apresentação oral de um grupo que expõe saberes a uma plateia. Nesse gênero, a cooperação entre os integrantes é fundamental para o êxito da exposição.
Nesta unidade
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capítulo
o que você vai estudar Como identificar, produzir e apresentar um seminário. As tarefas individuais e o ponto de vista do grupo. Registros de linguagem: formal 3 informal.
Vocabulário de apoio
OIT: Organização Internacional do Trabalho ONU: Organização das Nações Unidas
Seminário O seminário é um gênero textual bastante utilizado em colégios e universidades. Um grupo de pessoas estuda, pesquisa e discute determinados conteúdos para apresentá-los, também em grupo, a um público constituído geralmente por colegas. Mas há também outras formas de seminário, que compartilham algumas características com o seminário escolar. Uma delas é apresentada no texto a seguir.
Leitura Em agosto de 2015, o Museu da Justiça do Rio de Janeiro, em parceria com a Associação Indígena Aldeia Maracanã e a Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, promoveu o seminário “O Rio de Janeiro continua índio”, a fim de discutir a herança indígena e valorizar sua contribuição histórica, étnica e cultural na formação do povo brasileiro. O texto abaixo é uma seleção de trechos da mesa “Os índios em contexto urbano e o movimento indígena no Rio de Janeiro hoje”, em que lideranças indígenas das aldeias Maracanã e Guarani compartilharam suas histórias pessoais, pontos de vista e preocupações a respeito do passado, do presente e do futuro dos indígenas no Brasil.
Toni Lotar/Acervo do artista
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Mesa “Os índios em contexto urbano e o movimento indígena no Rio de Janeiro hoje”. Foto de 2015.
Arassari Pataxó, da aldeia Maracanã […] Eu saí da minha aldeia muito cedo, porque eu perdi meu avô também na guerra de 51 – e isso eu trago pra minha realidade. Hoje, quando eu vejo meus irmãos sendo mortos, sem justiça, eu fico em pânico porque eu não sei pra onde eu vou recorrer! Eu passei quase dez anos da minha vida dentro de um casarão caindo aos pedaços, que foi o primeiro Museu do Índio da América Latina – onde passou a memória do povo brasileiro, passou a memória dos povos indígenas – passamos dez anos lá debaixo daquele casarão caindo aos pedaços… nem sequer apareceu alguém pra falar assim “índio, vamos restaurar a casa de vocês”. Só aparecia o contrário. […] Eu vejo um punhado de leis: OIT, organização internacional… ONU, a própria Constituição Federal de 88… Nós temos muitas leis, nós temos direitos, o que mais nós temos são direitos, os quais, na prática, não valem nada, não valem nada… Me desculpe! É um crime demolir um espaço histórico de nosso país! O nosso primeiro Museu do Índio, que tá ali, foi condenado à demolição. […] Essas instituições, essas casas, esses grandes prédios… estão todos em cima de uma aldeia, de várias aldeias, cujos [índios] foram mortos cruelmente! Esse solo que nós estamos pisando, aqui embaixo tem osso do meu povo! Tem osso dos nossos parentes tupinambá, tupiniquim… E aí hoje nós só vemos relatos em livros! Rio de Janeiro é, sim, pra ter respeito com os povos indígenas! Rio de Janeiro e o Brasil têm uma dívida impagável com os povos indígenas! E essa dívida vai ser cobrada e vai ser paga com sabedoria e inteligência… Aquele indígena que usava o arco e flecha, hoje em dia ele usa a sabedoria! E eu quero construir junto com as universidades, junto com vocês da sociedade, a verdadeira escola dos povos indígenas! […]
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Boa noite! Eu sou Algemiro da Silva Karai Mirim, filho do cacique João da Silva, da aldeia Sapukai de Bracuhy […] onde tem 400 índios guarani […]. Sei que pra nós é muito difícil vir pra cidade, principalmente aqui no Rio de Janeiro: pra vir pra cá, por exemplo, eu saí 5 horas da manhã pra chegar 9, 10 horas aqui. Por isso que a gente fica um pouco desanimado quando se fala em seminários ou encontros. Chegando aqui o meu parente que mora lá em Itaipuaçu perguntou pra mim “o que é esse encontro aqui que se chama seminário?” Aí eu falei pra ele assim “olha tem vários seminários que o povo branco inventa, mas é legal!” […] Só que a gente ouve muita conversa, bate-papo, e a gente fica desanimado, né, quando a gente só ouve essa conversa. […] Em cada seminário a gente aprende alguma coisa. Nós guarani, nós índios, fazendo esse diálogo com todo mundo, aprendemos e também ensinamos, acredito que ensinamos alguma coisa. […] Eu estudei, fiz faculdade na Universidade Rural Seropédica, na qual eu tinha que fazer pesquisa. Algumas pesquisas fiz dentro da minha aldeia, da minha própria comunidade. Isso é lindo! Eu acho legal isso, mas só que acaba ficando no papel também. […]
Ivanilde Kerexu Pereira da Silva, da aldeia Guarani de Paraty-Mirim Meu nome é Ivanilde, eu sou da Aldeia de Paraty-Mirim, sou representante da aldeia. Falando em questão dos direitos, em modo geral: direito à educação, direito à saúde, direito a ir e vir – tudo isso, quando a gente tem uma aldeia que é demarcada, as pessoas acham que os aldeados não têm mais aquela necessidade [desses direitos]. Mas, na verdade, o estado não reconhece – o estado, o município, o governo federal mesmo […], o próprio governo que reconheceu os direitos indígenas não faz na prática, não acontece na prática, como na nossa aldeia, né, que é uma aldeia demarcada. […] [São direitos] que foram conquistados através dos mais velhos, dos caciques, das lideranças. Foram os nossos antepassados que lutaram e morreram – por isso que a gente conseguiu esses direitos. Não foi conquistado porque eles [o governo] deram pro índio. Não foi assim. Teve muito índio, muitos caciques mortos. Até hoje acontece […]. Estamos presentes aqui lutando, vivos, para que nossos direitos não sejam esquecidos! E sempre vamos estar lutando para que a gente tenha direitos, porque na verdade a gente tem! A maioria das vezes eu ouço o pessoal falar assim: “Ah, o índio quer direito pra quê?”. A gente não tá querendo dinheiro, a gente não tá querendo riqueza. A gente quer apenas o respeito que nos foi tirado. A gente tá querendo apenas um pouco de olhar carinhoso para nossa população, pras nossas crianças, pras mulheres… Hoje tem várias mulheres guerreiras que lutam pelos seus direitos e é isso aí! Eu acho que a gente tem que fazer isso mesmo porque senão quem pode falar por nós? Somos nós! […]
Repertório
Antigo Museu do Índio e Aldeia Maracanã O antigo Museu do Índio está situado no bairro do Maracanã, no Rio de Janeiro. O prédio histórico foi doado em 1865 pelo Duque de Saxe ao governo imperial, com o intuito de abrigar um órgão de estudos e pesquisas sobre as culturas indígenas brasileiras. O edifício sediou o Museu do Índio de 1953 a 1977, quando este foi transferido para seu atual endereço, no bairro de Botafogo. Abandonado desde então, o prédio foi ocupado em 2006 por indígenas de diversas etnias, os quais fundaram ali a aldeia Maracanã. Em 2012, no entanto, o governo do Rio de Janeiro condenou o prédio à demolição com o intuito de viabilizar as obras para a Copa do Mundo da FIFA de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Após confrontos armados com moradores e apoiadores da aldeia Maracanã e forte pressão popular, o governo do estado reconsiderou sua decisão e declarou, em 2013, o tombamento do edifício. André Lobo/UOL/Folhapress
Algemiro da Silva Karai Mirim, da aldeia Guarani de Angra dos Reis
Indígenas protestam contra a demolição da aldeia Maracanã. Foto de 2012.
Seminário “O Rio de Janeiro continua índio”, Rio de Janeiro: Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 21 ago. 2015. Transcrição feita para esta edição.
Situação de produção Seminário escolar e fóruns de discussão Além do seminário que ocorre dentro das instituições educacionais, com finalidades pedagógicas, também são chamadas de seminários as reuniões em fóruns de discussão de assuntos relevantes para a vida pública ou, ainda, para uma categoria profissional ou um grupo. Esses encontros consistem em falas alternadas entre os participantes da mesa, os quais geralmente respondem a perguntas do público apresentadas no final do evento. As associações de médicos ou dentistas, por
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exemplo, promovem seminários para apresentar os resultados obtidos em suas experiências com novos tipos de tratamento. O seminário escolar, o fórum de discussão e o seminário profissional têm algumas características comuns: a apresentação é coletiva e realizada diante de um auditório; várias pessoas falam alternadamente; há uma preparação prévia, que consiste na realização de estudos e pesquisas e na elaboração de roteiro escrito que serve de apoio para a apresentação oral.
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Ler um seminário 1. Observe as informações fornecidas sobre o seminário “O Rio de Janeiro continua índio”. Indique o local em que o evento foi realizado, seus objetivos e a quem correspondem os trechos transcritos. 2. Os três participantes cujas falas correspondem aos trechos transcritos são indígenas. Qual a importância desse fato para o tema que está sendo exposto? ANOTE
O seminário é uma exposição oral, previamente organizada, realizada por integrantes de um grupo. Nos seminários, são discutidos temas de relevância social ou científica para uma comunidade, um bairro, uma escola ou universidade, uma categoria profissional, etc.
Navegue Vídeo nas aldeias A ONG Vídeo nas Aldeias (VNA) tem como objetivo apoiar, preservar e fortalecer a cultura e a identidade dos povos indígenas do Brasil por meio da produção de obras audiovisuais. O VNA conta hoje com um centro de produção de vídeos e uma escola de formação audiovisual, além de um acervo de mais de 70 filmes (muitos deles premiados nacional e internacionalmente) produzidos ao longo das três décadas do projeto. A maior parte dessa produção está disponível no site da ONG: . Acesso em: 27 maio 2016).
ANOTE
O seminário em grupo exige a distribuição da fala entre seus integrantes. Não apenas a preparação deve ser compartilhada, mas a fala do grupo também precisa ser distribuída. Um critério simples e muito utilizado de distribuição é a divisão do assunto do seminário em subtemas, um para cada integrante. O tempo de fala é outro aspecto a ser considerado.
5. O título do seminário “O Rio de Janeiro continua índio” faz intertextualidade com a letra da famosa canção “Aquele Abraço” do cantor e compositor Gilberto Gil. Você conhece essa canção? Em sua opinião, porque escolheram essa canção para compor o título do seminário? 6. Observe a fala de Ivanilde Kerexu Pereira da Silva. Segundo ela: a) Quais são os direitos básicos dos indígenas? b) Na prática, esses direitos são respeitados? c) Como foi a conquista desses direitos pelos povos indígenas? ANOTE
Vincent Carelli/Vídeo nas Aldeias
3. Por que Arassari Pataxó alega que o Rio de Janeiro e o Brasil têm uma dívida impagável com os povos indígenas? 4. Algemiro da Silva, em certo momento de sua fala, opina sobre o gênero seminário. a) Segundo ele, quais seriam os pontos positivos e negativos dos seminários dos quais participa? b) A partir de sua resposta ao item a, de que forma seminários e pesquisas acadêmicas se aproximariam? A ONG Vídeo nas Aldeias promove o protagonismo indígena.
HIPERTEXTO Um dos recursos para uma apresentação oral é observar a ordem das palavras. Na língua portuguesa, a ordem das palavras na frase não é aleatória. Algumas inversões podem tornar o enunciado agramatical; outras podem alterar totalmente seu sentido. Alterar a ordem de certas palavras também pode acrescentar expressividade ao enunciado, sem que seu sentido se altere profundamente. Leia mais sobre isso na seção Língua viva do Capítulo 18, p. 154-155, onde se estuda a ordem das palavras e a produção de sentido.
O conteúdo do seminário é organizado em temas e subtemas e depende da experiência anterior e do conhecimento prévio de cada pessoa e/ou da realização de pesquisa voltada especialmente para a apresentação.
7. As três falas do seminário “O Rio de Janeiro continua índio” revelam um ponto de vista unificado? Explique sua resposta citando um trecho (ou mais) que a justifique. Capítulo 33 – Seminário
ANOTE
O seminário depende de preparação prévia em dois momentos. Há as tarefas individuais – como a pesquisa de conteúdo e o preparo do suporte para a apresentação – e a elaboração do roteiro escrito que guiará a fala. Tais tarefas dependem da orientação que o grupo definiu para o seminário. O grupo discute o conteúdo que servirá de base para seu posicionamento crítico ante o tema e define a sequência em que a apresentação será organizada. É a partir da formação de um ponto de vista do grupo que as tarefas individuais podem ser distribuídas.
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A formalidade é um aspecto importante no seminário em grupo. Ela ajuda a produzir o distanciamento entre expositores e plateia e garantir que o grupo não perca sua função comunicativa de exposição objetiva sobre um tema. O uso de formas de tratamento de cunho formal na abertura e no encerramento das falas também contribui para instituir a situação de produção do seminário.
Observatório da língua Registro de linguagem: formal × informal Tanto a fala quanto a escrita podem ter níveis variados de formalidade ou informalidade, a depender da situação de produção e do propósito do texto. Em geral, o registro informal promove subjetividade e aproximação ao discurso, enquanto o formal lhe confere objetividade e distanciamento. A demanda pelo uso do registro formal ou informal, portanto, não é definida por gêneros específicos, mas por objetivos distintos de comunicação. Sendo assim, um e-mail enviado a um amigo sobre assuntos pessoais requer registro mais informal do que um e-mail sobre prazos e andamento de tarefas encaminhado a um colega de trabalho. No gênero oral seminário, em que o propósito da comunicação é debater e expor determinado tema sobre o qual se tem domínio, o uso do registro formal se mostra eficiente, pois promove o distanciamento e a objetividade necessários para uma comunicação clara e efetiva. O registro informal, por sua vez, não deve ser ignorado, pois também pode ser utilizado em momentos pontuais da fala como recurso de aproximação entre palestrante e plateia, engajando-a no tema exposto. Observe que há diferentes níveis de informalidade e formalidade nas falas do seminário “O Rio de Janeiro continua índio”. Ao tratar de sua experiência pessoal de violação dos direitos dos indígenas, Arassari Pataxó faz uso do registro informal, o que contribui para o efeito de sentido de subjetividade e envolvimento emocional com o que se está narrando. Eu passei quase dez anos da minha vida dentro de um casarão caindo aos pedaços, que foi o primeiro Museu do Índio da América Latina […] passamos dez anos lá debaixo daquele casarão caindo aos pedaços… nem sequer apareceu alguém pra falar assim “índio, vamos restaurar a casa de vocês”. Por sua vez, Ivanilde Kerexu Pereira da Silva, embora também discuta a violação dos direitos indígenas, opta por fazer observações objetivas, recorrendo para isso ao uso do registro formal da linguagem.
Meu nome é Ivanilde, eu sou da Aldeia de Paraty-Mirim, sou representante da aldeia. Falando em questão dos direitos, em modo geral: direito à educação, direito à saúde, direito a ir e vir – tudo isso, quando a gente tem uma aldeia que é demarcada, as pessoas acham que os aldeados não têm mais aquela necessidade [desses direitos].
Gilberto Gil: Eletracústico, Direção de Bernardo Palmeiro, Brasil, 2004, 169 min. Eletracústico é a gravação da turnê mundial homônima do cantor e compositor Gilberto Gil. No DVD, você pode assistir à canção “Aquele abraço”, além de outros 18 sucessos do artista e alguns itens extras, entre eles a apresentação das canções “Filhos de Gandhi”, “Não chores mais” e “Soy loco por ti América” feita por Gil na sede da ONU, em Nova York.
Capa do DVD Gilberto Gil: Eletracústico.
Ouça Fala de bicho, fala de gente, de Marlui Miranda, 2014. Considerada a mais importante intérprete e pesquisadora de música indígena no Brasil, Marlui Miranda, em parceria com o músico John Surman, recriou para o álbum Fala de bicho, fala de gente 15 cantos tradicionais dos Juruna, os quais não apenas aprovaram o projeto como também participaram das gravações via Skype. SESC/ID/BR
ANOTE
Ouça
Warner Music/ID/BR
8. Há, entre as três falas, uma que esteja mais próxima do registro formal e outra que se mostre mais próxima do registro informal? Explique.
Portanto, cabe ao orador equilibrar o uso dos registros formal e informal de acordo com a objetividade que seu discurso requer e o público para o qual se dirige. 1. A partir de sua experiência como expositor e/ou público de apresentações orais: a) Descreva o comportamento inadequado de um expositor que não tenha conseguido realizar sua fala satisfatoriamente. b) Descreva o comportamento de um expositor que tenha conseguido envolver seu público e transmitir seus conhecimentos.
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Capa do CD Fala de bicho, fala de gente.
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Produzir um seminário Proposta Fox Filmes/ID/BR
A classe organizará um seminário sobre direitos humanos. Cada grupo deverá escolher um dos subtemas abaixo para apresentar. O grupo deve dividir as tarefas de pesquisa, reunir-se para compartilhar resultados, planejar a apresentação e preparar os suportes a serem utilizados. Todos os integrantes do grupo devem participar da apresentação oral. Os conhecimentos sobre seminário abordados neste capítulo devem servir de orientação. Procure aproveitar todos os recursos de que você dispõe para preparar e apresentar o seminário de maneira clara e consistente. O seminário deverá ser gravado em vídeo e disponibilizado no blog da turma. ••Direitos da mulher (Lei Maria da Penha – Lei n. 11.340; Lei do feminicídio – Lei n. 11.104; equiparação salarial; etc.) ••Direitos da criança e do adolescente (Lei da palmada – Lei n. 13.010; maioridade penal; trabalho infantil; etc.) ••Direitos do idoso (Estatuto do idoso) ••Direitos LGBT (homofobia, bifobia e transfobia; adoção de crianças por casais homossexuais; reconhecimento civil de uniões homoafetivas; direito ao uso do nome social por transexuais; etc.) ••Direitos indígenas (educação indígena; identidade étnica; demarcação de terras; etc.) ••Discriminação racial (cotas raciais; movimento #BlackLivesMatter; colorismo, etc.) ••Intolerância religiosa ••Crise dos refugiados
Cartaz do documentário Malala (Emirados Árabes Unidos/EUA, 2015), que apresenta a luta da adolescente paquistanesa Malala Yousafzai pelo direito das garotas de todo o mundo à educação.
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto a ser produzido. Gênero textual seminário
Público estudantes e professores de Ensino Médio
Finalidade
Meio
expor apresentação conhecimentos oral à classe oralmente, em grupo
Linguagem
Evitar
Incluir
fala objetiva, relativamente formal
opiniões sem embasamento, falta de preparação, informalidade inadequada
dados pesquisados, suportes como cartazes e slides
2. Defina e delimite, com seu grupo, o tema escolhido. a) Selecione um tema entre os sugeridos e dê um subtítulo que o especifique ainda mais. b) Faça uma lista de aspectos do tema que podem ser abordados pelo grupo.
Capítulo 33 – Seminário
3. Escolha uma tarefa de pesquisa. (O grupo deve dividir a lista de aspectos do tema entre seus integrantes, para que cada um realize uma pesquisa individual.) 4. Realize a pesquisa individual. a) Busque no mínimo três fontes diferentes para pesquisar o aspecto que lhe coube. b) Anote todas as informações que puder. Cite as fontes consultadas. c) Tome cuidado com textos da internet. Verifique se o site é confiável, pesquise o currículo de seus colaboradores na Plataforma Lattes, disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2016. Se nesse site não constar o currículo do colaborador, isso pode ser um indício de que ele não está plenamente integrado à comunidade científica. 5. Reúna-se com seu grupo. a) Partilhem as informações e impressões resultantes das pesquisas individuais. b) Definam a visão do grupo sobre o tema. c) Realizem um roteiro completo do texto oral a ser apresentado pelo grupo. d) Definam os materiais de apoio que serão utilizados. e) Determinem a fala de cada um e o respectivo tempo.
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6. Prepare-se individualmente. a) Faça um roteiro escrito de sua fala e ensaie sua participação. b) Realize sua parte na preparação do material do grupo.
Atenção
»»Fale com voz alta, clara e
firme. Todas as pessoas presentes devem conseguir ouvir você.
Elaboração 7. Agora você já pode iniciar sua participação no seminário. a) O grupo terá de 10 a 30 minutos para se apresentar. Esse tempo será previamente combinado com o professor. b) Os últimos minutos deverão ser reservados para as perguntas do público e as respostas dos expositores.
»»Atente-se à formalidade que a situação de produção do seminário requer.
8. Certifique-se de que seus colegas de turma tenham à mão as fichas de avaliação (ver item 9).
Avaliação 9. Copie o quadro abaixo em folhas separadas, destinando uma folha para avaliar cada grupo que se apresentar. Tema da avaliação: Expositores
Sim
Não
A postura e a linguagem dos expositores foram adequadas?
O conteúdo exposto foi consistente e proveniente de pesquisa prévia bem realizada? Comentário geral sobre o seminário Comentários sobre o desempenho de cada um dos expositores
10. Preencha o quadro durante a apresentação de cada grupo. 11. Entregue sua ficha de avaliação aos integrantes do grupo correspondente. 12. Reúna-se com seu grupo para realizar uma autoavaliação. a) Avalie com o grupo o desempenho geral de seu seminário. b) Avalie com o grupo o desempenho individual de cada participante. c) Leve em consideração, além das anotações dos colegas, a participação de cada integrante na preparação do seminário. d) Registre a autoavaliação no caderno.
Reelaboração 13. Ao apresentar novamente o seminário, dê especial atenção à formalidade e à adequação de seu texto ao ambiente social onde ele será exposto. A forma como você se apresenta, sua empatia com o público e a segurança vinda de uma boa preparação contam para decidir a relação que você estabelecerá com seu interlocutor. Outro fator importante para uma boa apresentação é a integração demonstrada pelo grupo, resultado de uma divisão democrática de tarefas e responsabilidades.
ação e cidadania
Declaração Universal dos Direitos Humanos A fim de combater abusos de poder de Estados ditatoriais, como os que ocorreram na Segunda Guerra Mundial, a ONU proclamou, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH): uma norma comum de proteção aos direitos humanos a ser alcançada por todos os povos e nações. Desde sua publicação, a DUDH foi traduzida para mais de 360 idiomas e mantém o recorde de documento mais traduzido do mundo. A versão em português está disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2016. ONU. Fac-símile: ID/BR
O grupo distribuiu adequadamente as falas e utilizou racionalmente o tempo?
Publicação 14. Após finalizarem as apresentações, publiquem as gravações dos seminários no blog da turma. Deixe a postagem aberta a comentários e perceba a repercussão das discussões de seus seminários na sua comunidade escolar. Não escreva no livro.
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Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Vestibular e Enem
Utilize os conhecimentos adquiridos nesta unidade e na produção de seu seminário para desenvolver a proposta de redação do Enem de 2015. Com o título “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, essa proposta solicita que você escreva um texto dissertativo-argumentativo apresentando um posicionamento que se expresse numa proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Lembre-se de que apenas em 2015 a lei do feminicío foi sancionada no Brasil. (Enem) A partir da leitura dos textos motivadores seguintes e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista. Texto I
Nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas no país acima de 92 mil mulheres, 43,7 mil só na última década. O número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, que representa um aumento de 230%, mais que triplicando o quantitativo de mulheres vítimas de assassinato no país. Walselfisz, J. J. Mapa da Violência 2012. Atualização: homicídio de mulheres no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 8 jun. 2015.
51,68%
Violência física 31,81%
Violência psicológica Violência moral
ENEM, 2015. Fotografia: ID/BR
TIPO DE VIOLÊNCIA RELATADA
ENEM, 2015. Fotografia: ID/BR
Texto II Texto III
Violência sexual 9,68% 2,86%
Violência patrimonial 1,94% 1,76%
Cárcere privado
0,26%
Tráfico de pessoas
Brasil. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Balanço 2014. Central de Atendimento à Mulher: Disque 180. Brasília, 2015. Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2015. Adaptado.
Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2015. Adaptado.
Texto IV
O IMPACTO EM NÚMEROS
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processos que envolvem a Lei Maria da Penha chegaram, entre setembro de 2006 e março de 2011, aos 52 juizados e varas especializados em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher existentes no País. O que resultou em:
33,4%
de processos julgados
9.715 1.577
prisões preventivas decretadas
237 mil
58 mulheres e 2.777
homens enquadrados na Lei Maria da Penha estavam presos no País em dezembro de 2010. Ceará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul não constam desse levantamento feito pelo Departamento Penitenciário Nacional
relatos de violência foram feitos ao Ligue 180, serviço telefônico da Secretaria de Políticas para as Mulheres
ENEM, 2015. Fotografia: ID/BR
O IMPACTO EM NÚMEROS Com base na Lei Maria da Penha, mais de 330 mil processos foram instaurados Com base na Lei Maria da Penha, mais de 330 mil apenas nos juizados e varas especializados. apenas nosprocessos juizados foram e varasinstaurados especializados
Sete de cada dez vítimas que ter sido agredidas pelos companheiros
Conselho Nacional de Justiça, Departamento Penitenciário Nacional e Secretaria de Políticas para as Mulheres. Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2015. Adaptado.
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unidade
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Argumentar Nesta unidade, você vai estudar três gêneros argumentativos. O anúncio publicitário é um dos gêneros que utilizam a imagem e a criatividade como formas de argumentação. Seu objetivo é despertar no leitor o desejo de consumir os produtos e os serviços anunciados ou de agir em nome de uma causa. No artigo de opinião, a argumentação tem características mais explícitas. Embora seu objetivo seja persuadir o leitor, expressa uma opinião assinada, que procura convencer com estratégias de raciocínio e argumentos consistentes.
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Anúncio publicitário
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Artigo de opinião
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Dissertação para o Enem e para o vestibular
Montagem com cartazes do projeto “Leitura Alimenta”, que incentiva a leitura por meio da distribuição conjunta de livros doados e cestas básicas.
Projeto Leitura Alimenta/Agência Leo Burnett
O texto dissertativo para o vestibular tem uma série de regras que devem ser seguidas à risca. Exige do autor uma apurada estratégia de argumentação e o conhecimento dos principais fatos da atualidade.
Nesta unidade
IMAGEM
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capítulo
o que você vai estudar Como identificar e produzir um anúncio publicitário. Intertextualidade e interdiscursividade.
Anúncio publicitário Produtos, ideias e comportamentos são divulgados em veículos de comunicação por meio de anúncios publicitários. Neste capítulo, você vai conhecer melhor esse gênero. Depois, será a sua vez de produzir um anúncio.
Leitura O anúncio a seguir foi publicado na mídia impressa. Leia-o com atenção. Alê Catan/Agência Lew’Lara/TBWA
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TEXTO DO ANÚNCIO Assinatura: Nome da marca, que aparece no canto inferior direito Slogan da marca: O banco da sua vida Chamada: Nós apoiamos o universitário, porque ele pode fazer a diferença no mundo. Texto principal: Como Aline, que trabalha em uma ONG ensinando as pessoas a não desperdiçar alimentos. Esses cursos geram renda para a ONG e, assim, ajudam a alimentar 22 mil pessoas por dia. Fala da personagem (na lousa, dentro do balão): “consumo consciente” Slogan da campanha: Que mundo você quer? Reinvente. Faça com a gente.
Atributos do produto: 10 dias sem juros por mês; limite de crédito pré-aprovado; 4 modelos de cartão de crédito internacional + minicard. As letras miúdas: Os produtos estão sujeitos a análise de crédito e inexistência de restrição cadastral. As condições ora oferecidas podem ser alteradas ou extintas em qualquer momento, sem aviso prévio. A partir do 11o dia de utilização, serão cobrados juros por todo o período utilizado. No caso do produto cartão de crédito, as cláusulas e condições podem ser previamente consultadas no contrato disponível no site. Autor: LEW’LARA\TBWA (na lateral direita, em letras miudíssimas)
Situação de produção A sedução da publicidade e a realização dos desejos Os anúncios publicitários são veiculados em meios de comunicação (jornais, revistas, sites, rádio, televisão), distribuídos (folhetos) ou afixados em locais públicos (cartazes, painéis). Eles atendem à necessidade de empresas e instituições de divulgar seus produtos e serviços ao público. As empresas contratam publicitários para criar o conceito e os textos dos anúncios e elaborar a apresentação gráfica, o slogan e maneiras de serem veiculados.
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O primeiro público a ser conquistado pelo anúncio é o próprio anunciante, nos momentos destinados à aprovação das ideias dos publicitários. Após a peça publicitária ser aprovada e finalizada, o anunciante pagará por sua inserção nos meios de comunicação. Depois, é comum o anunciante e os publicitários avaliarem o impacto do anúncio no público, expresso nas vendas e no modo como o consumidor se recorda do anúncio, do produto e da marca.
Não escreva no livro.
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Ler um anúncio publicitário 1. Quem é o público-alvo do anúncio da página anterior? ANOTE
As características de um anúncio publicitário são definidas com base no público-alvo. Assim, o anúncio utilizará uma linguagem que o aproxime do público, veiculará seus valores, imitará suas roupas e acessórios, e tentará aludir a seus gostos e referências culturais.
2. Em que época o anúncio foi veiculado? Por meio de quais elementos do anúncio você chegou a essa conclusão? ANOTE
Para aproximar-se de seu leitor, o anúncio publicitário emprega referências a outros discursos sociais com os quais o leitor se identifique. Os acontecimentos históricos e políticos, os programas televisivos de maior audiência, as personalidades mais famosas, a moda e os valores sociais do presente são referências constantes nos anúncios publicitários.
Agência W/Brasil/ID/BR
3. Leia agora outro anúncio publicitário.
TEXTO DO ANÚNCIO Assinatura: Nome da marca, que aparece ao fundo Slogan da marca: 1 001 utilidades (na embalagem) Chamada: “Se você TAMBÉM quer a Casa Branca, use Good Bril.” Autor: W/Brasil (na lateral direita, em letras miudíssimas)
a) Qual é o público-alvo desse anúncio? b) A qual acontecimento político esse anúncio faz referência? O que você sabe sobre esse fato? 4. Observe o uso da expressão “CASA BRANCA”. a) Quais sentidos podem ser atribuídos a essa expressão? b) Explique como a escolha de compor todo o texto em maiúsculas (caixa-alta) contribui para enfatizar o duplo sentido da frase. ANOTE
Ambiguidade é a possibilidade de expressar, com as mesmas palavras, ideias diferentes. Embora a ambiguidade possa gerar prejuízo à comunicação, é amplamente utilizada em anúncios publicitários, pois permite a formulação de trocadilhos e associações inusitadas.
5. De acordo com o anúncio da questão 3, por que o produto deve ser comprado? 6. No anúncio da página anterior, quais são os motivos citados para que o leitor adquira o serviço oferecido? Não escreva no livro.
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ANOTE
O anúncio publicitário procura passar uma ideia ao consumidor, o conceito. O conceito é apresentado na chamada, que funciona como uma espécie de título do anúncio. A imagem também deve veicular o conceito do anúncio, traduzindo-o em linguagem visual.
7. O anúncio da página 322 apresenta uma ação social. a) Quem é o responsável pela ação social citada? b) Qual foi o papel do banco na ação realizada? 8. Observe as características da personagem do anúncio. Por que ela foi escolhida para protagonizá-lo? 9. Examine o balão que aparece no anúncio da página 322. a) As imagens correspondem às palavras expressas na lousa? Explique. b) Que elemento na imagem indica tratar-se de um sonho? c) Descreva a imagem que representa o conteúdo do sonho. Por que ela foi composta dessa forma? Que mensagem sua ordenação produz? 10. Releia o trecho.
HIPERTEXTO O anúncio publicitário também pode usar imagem de personagens conhecidas. Para obter sucesso com essa estratégia, certifica-se de que o público-alvo conhece a personagem. Veja na parte de Linguagem (capítulo 19, p. 162) um anúncio em que as falas da personagem escolhida constroem a imagem de um vencedor que superou grandes obstáculos pessoais e sociais.
Que mundo você quer?
Reinvente. Faça com a gente. a) Segundo o anúncio, quem deve agir sobre o mundo? E qual é o papel do anunciante? b) Observe a construção linguística: que características marcantes podem ser notadas? c) Que apelo ao leitor essa frase contém? Ela “fisgou” você? ANOTE
O anúncio publicitário produz frases curtas e sonoras – às vezes utilizando recursos literários, como a rima – que pretendem se fixar facilmente na mente do leitor. Essas frases, chamadas slogans, são usadas para que o consumidor se lembre do produto na hora de comprar, associando-o a ideias positivas. Muitas vezes eles acompanham a assinatura, ou seja, a marca que identifica o anunciante.
Capítulo 34 – Anúncio publicitário
11. Que benefícios o banco promete a quem adquirir a conta bancária? Eles atraíram você? Por quê? 12. Releia, no anúncio da página 322, o texto escrito com letras miúdas e responda. a) O que esse texto informa em relação aos serviços anunciados pelo banco, isto é, quais são as condições e restrições desses serviços? b) Após a leitura do texto com letras miúdas, você mudou de opinião sobre as vantagens desses serviços? ANOTE
O texto principal do anúncio frequentemente apresenta informações com valor argumentativo. Ele procura oferecer esclarecimentos ao consumidor sobre o produto, valorizando suas qualidades, reforçando o conceito do anúncio. Mas há textos que são essencialmente criativos, que desenvolvem o conceito do anúncio de forma mais livre, utilizando discursos literários, jornalísticos, humorísticos, etc. Às vezes, aparecem textos em letras miúdas, que apresentam as informações obrigatórias por lei sobre o produto ou suas condições de venda. Muitas vezes, elas corrigem exageros e ilusões que a chamada, a imagem e o texto possam ter provocado no leitor do anúncio.
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Repertório
A sedução Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, sedução é o “conjunto de qualidades e características que despertam em outrem simpatia, desejo, amor, interesse etc.”. Sedução é “magnetismo, fascínio”, é “capacidade de persuasão”, é atrair alguém “através do estímulo à sua espe rança ou desejo”. Assim, a sedução, presente nas relações humanas amorosas, está também presente, em maior ou menor grau, na argumentação, na qual é utilizada para conquistar ou convencer o interlocutor.
Não escreva no livro.
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AlmapBBDO/ID/BR
13. Leia o texto de um anúncio de sandálias veiculado em um período de passagem de ano.
TEXTO DO ANÚNCIO Assinatura: Nome da marca, que aparece escrito na sandália Texto escrito nas fitas enroladas em torno do pé: Que pedir a um ano novo Fama, grana, remissão? Pra quê, há coisas mais bacanas Quero sossego e Havaianas
Não teria mais porto Atracaria em areias distantes Potiguares, gaúchas, baianas Como viajariam minhas Havaianas
Até me dissolver na espuma Curtir o cabelo na água e sal Pente algum desfaria as tramas Se eu vivesse só de Havaianas
Como eu seria simples Espicharia o casco ao sol Divagaria bobagens tamanhas Pé no chão, só as Havaianas
Aproveitaria cada minuto Boiaria, mergulharia Até me agarraria a barbatanas Pra depois adormecer de Havaianas
Mandaria o chefe às favas Viveria de brisa fresca Sobreviveria à base de bananas Meu reino por um pé de Havaianas
a) Qual é o conceito do anúncio? b) Como o texto escrito nas fitas combina com esse conceito? ANOTE
A linguagem publicitária aproxima-se frequentemente da poesia e da literatura. São utilizados rimas, versos, metáforas, onomatopeias, figuras de linguagem, provérbios e ditos populares. A publicidade costuma utilizar também o humor, em trocadilhos, anedotas, piadas e tiradas sarcásticas. Busca, assim, nos diversos discursos sociais, a expressão da subjetividade do desejo.
observatório da língua Intertextualidade e interdiscursividade O discurso da publicidade aproveita-se amplamente de outros discursos, como a poesia, a política e o jornalismo, para produzir seus anúncios, o que dá a ele a característica da interdiscursividade. Muitas vezes, os textos publicitários referem-se explicitamente a outros textos, evidenciando sua intertextualidade. Observe. Viveria de brisa fresca Sobreviveria à base de bananas
Aqui, além da estrutura em versos e estrofes, que demonstram a interdiscursividade da publicidade, há uma referência intertextual a uma poesia de Manuel Bandeira, “Brisa”, que diz: “Vamos viver de brisa, Anarina”. A intertextualidade pode ser considerada uma qualidade de todo texto ou discurso porque tudo o que se diz dialoga com textos anteriores, com os quais os locutores entram em contato por meio de conversas ou pelo aproveitamento de outros registros (escritos ou audiovisuais). A intertextualidade pode, além disso, ser utilizada de forma consciente e intencional, inscrevendo no texto marcas visíveis desse diálogo.
1. Encontre, nas propagandas deste capítulo, outros exemplos de intertextualidade e interdiscursividade. Explique-os. 2. Produza um trecho de texto publicitário que faça referência explícita a um texto anterior conhecido por você e os colegas.
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Produzir um anúncio publicitário Proposta Escolha um dos produtos abaixo para criar um anúncio publicitário de mídia impressa que será afixado em um mural de grande visibilidade na escola. Você deve compor texto e imagem de forma a produzir um discurso argumentativo que use a sedução na sua estratégia. Procure aproveitar todos os recursos que você conheceu neste capítulo. B) produto sustentável
dores, além dos oferecidos pelo concorrente mais vendido ••um laptop desenvolvido especialmente para estudantes de Ensino Médio e universitários
••uma nova marca de roupas que aposta na sustentabilidade
Tatiana Paiva/ID/BR
A) produto tecnológico
••um celular que apresenta recursos inova-
••uma marca reconhecida mundialmente que inicia uma campanha para mudança de hábitos, com o objetivo de preservar o meio ambiente (e vender seus produtos)
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto a ser produzido. Gênero textual anúncio publicitário
Público
Finalidade
comunidade escolar
produzir um texto argumentativo que realize um apelo ao desejo do leitor
Meio mural de grande visibilidade na escola
Linguagem
Evitar
Incluir
variedade adequada ao público-alvo, recursos poéticos e de humor
erros de informação ou linguagem, má-fé nas promessas do produto
imagem, referências a outros discursos sociais
2. Defina o produto que será anunciado. a) Quais são suas principais qualidades e fragilidades (estas não devem ser destacadas)? b) Crie a logomarca (nome e forma, tipo de letra, cores, etc.) para designar o produto. c) Formule o slogan: uma frase curta e marcante que atribua ao produto alguma qualidade ou recomende-o ao consumidor. Use rimas, se quiser.
Capítulo 34 – Anúncio publicitário
3. Defina seu público-alvo, considerando os itens a seguir. a) Faixa etária e) Referências culturais b) Grupo social f) Fatos históricos que marcaram o grupo c) Condição financeira g) Hobbies e hábitos d) Aparência (moda, cabelo, acessórios, etc.) h) Valores 4. Escolha uma característica do produto ou uma ideia, que se encaixe no perfil de seu público-alvo e que seja um forte argumento para o consumo, para servir de conceito ao seu anúncio. O conceito deve ser claro e convincente. 5. Escreva a chamada, expressando de forma instigante e atraente o conceito do anúncio. 6. Crie a imagem que vai acompanhar o seu produto, de forma que ela represente visualmente o conceito expresso na chamada. 7. Escreva o texto principal de acordo com uma das diretrizes abaixo, ou unindo-as em um texto que atenda a ambas. a) Texto informativo: revela as características do produto associadas ao conceito do anúncio e acrescenta outras informações que possam reforçar qualidades do produto. b) Texto criativo: desenvolve textualmente o conceito da chamada, com estrutura narrativa, poética ou utilizando a intertextualidade como base. 8. Se necessário, acrescente informações obrigatórias sobre o produto ou suas condições de venda em letras miúdas. (Sempre que a chamada ou o texto do anúncio sugerir algo que o produto não oferece, quando houver regulamento específico, no caso de promoções, assinaturas ou planos de adesão, e quando for necessário relativizar as informações veiculadas ou sugeridas.) 9. Antes de produzir o anúncio, teste com representantes do público-alvo a aceitabilidade de suas ideias. Realize as alterações necessárias para torná-las mais atraentes e eficazes.
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Elaboração 10. Agora você já pode compor o anúncio publicitário. Verifique se todos os itens estão adequados, certificando-se de que o texto possui: chamada, texto principal, nome e marca do produto, slogan, assinatura. Faça acertos na composição de texto e imagem até chegar à forma ideal. 11. Inclua a autoria em letras diminutas na lateral direita do anúncio.
Avaliação
Atenção
»»A linguagem do texto
deve adequar-se à comunicação com o público-alvo. Use variedades da língua, se quiser reforçar a especificidade e a diferenciação desse público.
»»Não repita formas gastas
13. Copie e complete, em uma folha à parte, o quadro abaixo, a partir da leitura do anúncio publicitário de seu colega. Em seguida, faça um comentário geral sobre o texto do colega, apontando qualidades e sugerindo mudanças. Sim
Não
Está claro quem é o público-alvo do anúncio? A chamada é atraente? A imagem traduz o conceito da chamada? O texto traz informações importantes e/ou colabora decisivamente para convencer o leitor? O slogan é de fácil fixação mental e expressa bem o produto ou a marca? Há assinatura, autoria, imagem e marca do produto no anúncio? O anúncio convence o leitor a consumir o produto? Comentário geral sobre o texto
Reescrita 14. Troque novamente os textos com o colega. a) Leia com atenção o quadro que o colega preencheu. b) Agora, releia o seu texto, buscando compreender as intervenções realizadas pelo colega. DICA: Se estiver com um lápis na mão, anote no seu texto as possíveis modificações. 15. Reescreva o anúncio publicitário. a) Faça todas as alterações que julgar necessárias para adequar seu texto à variedade linguística escolhida. Diferenças de ortografia, pontuação e construções sintáticas em relação à norma devem ser intencionais. b) Faça alterações no texto e na imagem para associar de forma mais intensa e consistente o seu produto aos valores compartilhados pelo público-alvo, para torná-lo mais claro, mais divertido e eficaz.
nem utilize ideias muito difundidas. A publicidade sempre tenta inovar em suas produções.
Repertório
Propaganda publicidade As palavras propaganda e publicidade, usadas muitas vezes como sinônimos, apresentam significados diferentes no jargão publicitário. A propaganda é utilizada para as campanhas que não vendem produtos, mas que buscam a adesão a alguma ideia ou comportamento. Elas intentam uma aproximação ideológica com o público-alvo, para estimulá-lo a, por exemplo, alterar algo em seu modo de vida. É o caso de campanhas contra o preconceito ou em favor do uso racional da água. A publicidade é um termo reservado para as campanhas cujo objetivo é vender produtos. Assim como a propaganda, também tem como objetivo alterar o comportamento do consumidor, estimulando-o a determinada ação. A publicidade tenta persuadir o leitor a comprar o produto anunciado. S.O.S Mata Atlântica/F/Nazca
12. Forme uma dupla e troque os anúncios publicitários.
16. Ao reescrever o anúncio, faça adaptações para atingir com maior precisão o seu público-alvo. Use expressões que possam ser compreendidas por todos, mas que fisguem especialmente o público almejado.
Publicação 17. Imprima seu anúncio com qualidade, em tamanho razoável para leitura, e o divulgue no mural da escola. É importante que o mural esteja em um espaço de grande circulação de pessoas. Não escreva no livro.
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“Quem destrói florestas, não mata apenas árvores” é um exemplo de propaganda; não vende produtos, mas divulga uma ideia. Cartaz da Fundação SOS Mata Atlântica.
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capítulo
35 o que você vai estudar Como identificar e produzir um artigo de opinião. Estratégias argumentativas: as citações e o argumento de autoridade. Orações subordinadas adverbiais na argumentação.
Artigo de opinião No meio jornalístico, o artigo de opinião representa um espaço aberto à participação de especialistas que desejam tornar público seu ponto de vista sobre uma questão polêmica. Em jornais, revistas e blogs, eles defendem ideias sobre temas variados. O artigo expressa uma opinião com o objetivo de contribuir para o debate público. Depois de conhecer melhor esse gênero, será a sua vez de produzir um artigo de opinião.
Leitura O texto a seguir foi escrito pela representante do escritório da ONU Mulheres Brasil, dra. Nadine Gasman. O artigo foi inicialmente publicado na seção Opinião do site UOL logo após a tipificação do feminícidio no Código Penal brasileiro, em 2015. Leia o texto com atenção e responda às questões.
Lei do Feminicídio vai diminuir tolerância de crimes contra mulher Por Nadine Gasman, especial para o UOL. Publicado em 17/03/2015 6h00
Há uma semana, a tipificação do feminicídio como crime hediondo no Código Penal tornou-se lei no Brasil após a presidente Dilma Rousseff sancionar o projeto proposto pelo Legislativo. O compromisso político de tolerância zero à violência de gênero, firmado pela presidente no Dia Internacional da Mulher, é uma demonstração do fortalecimento das políticas para as mulheres. Esse instrumento legal recém-conquistado se agrega à Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, adotada, em 1993, pela Assembleia Geral das Nações Unidas; à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que completa 20 anos em 2015; e à resolução da 57a Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) das Nações Unidas, sobre a preocupação com mortes de mulheres e meninas com motivação de gênero. O feminicídio é um problema global, sendo nomeado como tal na América Latina e Caribe. É crime praticado com requintes de crueldade e terror pela carga de ódio, na sua grande maioria, deflagrados quando as mulheres decidem dar um basta numa relação afetiva. Elas são interpeladas do direito de decidir sobre as suas vidas, com quem vão se relacionar e a maneira como a relação afetiva vai terminar. Na América Latina, desde 2007, 15 países aprovaram leis que tipificam o feminicídio: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela. De acordo com o Mapa da Violência 2012, produzido pelo Centro Brasileiro de Estudos Latinoamericanos, o Brasil ocupa a 7a posição de maior número de assassinatos de mulheres no mundo, num ranking com 84 países. Entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres no Brasil, 43,7 mil somente na última década. Ou seja, a cada duas horas, uma brasileira foi morta sob condições violentas, em sua maioria no ambiente doméstico. Conforme esse estudo, o número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, o que representa um aumento de 230%. Em seguimento à tipificação do feminicídio no Código Penal, é necessário falar sobre ele e nomeá-lo como tal. É preciso torná-lo visível e presente na opinião pública, nas universidades, nas delegacias, nas perícias, nas promotorias, nas defensorias públicas e nos tribunais de justiça. Não é possível que a morte violenta das mulheres seja vista como algo natural ou inexistente. É preciso considerar a violência e o feminicídio como eventos atípicos, como expressões de práticas cruéis a serem coibidas com toda a força da lei. 328
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NADINE GASMAN 57 anos, é representante da ONU Mulheres Brasil.
Vocabulário de apoio
bojo: parte fundamental, cerne, âmago coibir: impedir que continue deflagrar: fazer surgir repentinamente, incitar, provocar IML: Instituto Médico Legal inquérito: investigação que tem por objetivo apurar um crime interpelar: perguntar ou pedir explicação de modo impetuoso requinte: excesso friamente calculado
Charles Sholl/Futura Press
Reparação O Brasil foi escolhido pela ONU Mulheres e pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos como país piloto no processo de adaptação do Modelo de Protocolo Latinoamericano para Investigação das Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero. A seleção está baseada nos índices e na crueldade de mortes violentas de mulheres, na capacidade de execução do sistema de justiça, nas parcerias existentes entre os órgãos públicos e na capacidade técnica dos escritórios da ONU Mulheres. No Brasil, o projeto se realiza em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, e com o apoio da embaixada da Áustria, da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais. Profissionais de segurança pública e de justiça, de diferentes regiões do país, estão colaborando no debate técnico para garantir a diversidade de boas práticas dessas áreas e as realidades distintas sobre as situações de violência de gênero. O protocolo latinoamericano reúne esforços para que as investigações e processos penais integrem fatores individuais, institucionais e estruturais como elementos para entender o crime e, em seguida, responder adequadamente às mortes violentas de mulheres pelo fato de serem mulheres. Consideramos que, se bem registradas as informações sobre as vítimas nos boletins de ocorrência, laudos do IML e inquéritos policiais, a justiça terá mais condições de adotar sentenças severas. Contudo, o sistema de justiça precisa considerar, no bojo dos seus processos e fluxos de trabalho, a perspectiva de gênero. Isso implica fazer justiça às sobreviventes e às vítimas fatais do feminicídio. Significa perceber a crueldade com que as suas vidas foram atingidas e as sequelas físicas e sociais dessa violência, isto é, na vida das mulheres, das pessoas que convivem com elas e para a sociedade brasileira como um todo. A reparação às vítimas significa vencer a falta de vontade, o desinteresse e a cumplicidade que fazem com que esses crimes fiquem impunes e sem repressão da justiça e da sociedade. Para a ONU Mulheres, o reconhecimento institucional e social do feminicídio, o fim da impunidade e a visibilidade pública dos assassinatos violentos de mulheres por razões de gênero são caminhos que não podemos mais deixar de percorrer. É crucial que seja feita reparação às vítimas e seja fortalecida a mensagem de que essas condutas não são toleradas pela sociedade, a fim de prevenir o avanço do feminicídio no Brasil.
Nadine Gasman em evento que discute o progresso das mulheres no mundo. Foto de 2015.
Gasman, Nadine. UOL. São Paulo, 17 mar. 2015. Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2016.
Situação de produção Forma de participação social O artigo de opinião permite tanto ao autor quanto ao leitor participar de um debate maior, proporcionando a troca de opiniões entre pessoas que não ocupam o mesmo lugar social. Opinar sobre um assunto não é apenas informar, mas sim estabelecer uma relação com o leitor, cujo objetivo é fazê-lo crer na opinião do autor sobre um tema polêmico. A linguagem é um instrumento de ação entre pessoas e a argumentação é utilizada para convencer o público leitor. Para conseguir isso, usa estratégias de argumentação eficientes, nas quais o leitor possa confiar. O autor do artigo, que pode ser um especialista no assunto sobre o qual escreve, busca construir uma imagem que evoque no leitor a ideia de credibilidade. Simultaneamente, desenvolve uma argumentação que comprove seu ponto de vista. Nem sempre esse ponto de vista coincide com o do veículo em que o texto é publicado.
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Com a internet, o artigo de opinião ampliou sua circulação para além da esfera jornalística, ganhando as páginas de blogs e sites. Como circula nas comunidades virtuais ou em publicações especializadas, tende a se moldar aos assuntos e às áreas de interesse de seu público-alvo. Por exemplo, se o artigo for direcionado ao público jovem, eventualmente usará uma linguagem e referências mais próximas a esse público. Se, por sua vez, for direcionado ao mundo acadêmico, emprega-se uma linguagem formal e raciocínios complexos pertencentes ao domínio científico. O artigo de opinião “Lei do Feminicídio vai diminuir tolerância de crimes contra mulher” é um texto que interessa a todos os cidadãos porque diz respeito a uma importante modificação no Código Penal brasileiro e aborda uma conquista na luta a favor da segurança das mulheres.
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Ler um artigo de opinião
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ANOTE
O artigo de opinião é assinado e pode apresentar a opinião de um especialista sobre o tema para um debate público. Por isso, os veículos por onde circulam os artigos de opinião costumam identificar o autor do texto com dados que o identificam e o tornam reconhecível ao público leitor (profissão, idade, experiência, fotografia, etc.).
2. Descreva a linguagem do artigo quanto aos itens: a) vocabulário; b) dificuldade de compreensão; c) nível de formalidade; d) tipo de relação com o leitor. 3. Explique o significado das expressões a seguir, levando em conta o contexto em que aparecem no artigo de opinião. a) Feminicídio. b) Crime hediondo. c) País piloto.
ONU Mulheres Criada em julho de 2010 pela Assembleia Geral da ONU, a ONU Mulheres tem o objetivo de acelerar a implementação das metas sobre a igualdade de gênero e empoderamento das mulheres. No site oficial da instituição, são apontadas como suas principais funções: Apoiar os organismos intergovernamentais como a Comissão sobre o Status da Mulher na formulação de políticas, padrões e normas globais, e ajudar os Estados-membros a implementar estas normas, fornecendo apoio técnico e financeiro adequado para os países que o solicitem, bem como estabelecendo parcerias eficazes com a sociedade civil. ONU Mulheres. Disponível em: . Acesso em: 29 fev. 2016. ONU. Fac-símile: ID/BR
1. A autoria é um dado relevante para a análise e a compreensão do gênero artigo de opinião. a) Quem é o(a) autor(a) do texto “Lei do Feminicídio vai diminuir tolerância de crimes contra mulher”? b) Qual é a relação do cargo que ele(a) ocupa com o tema do texto?
ANOTE
4. Releia o primeiro parágrafo do texto. a) Que tese a autora do artigo defende? b) O que justifica a defesa dessa tese? ANOTE
O artigo de opinião é um texto argumentativo que defende uma tese. Muitas vezes o autor faz uma análise de sua proposição, apontando os limites e as qualidades de seu ponto de vista.
Capítulo 35 – Artigo de opinião
5. Observe, do terceiro ao décimo quarto parágrafos, como a autora organiza seus argumentos. Para preencher o quadro no caderno, dê título aos parágrafos e resuma-os em poucas palavras. Observe o exemplo abaixo. Parágrafo o
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Título Instrumento legal
Resumo O instrumento legal, em conjunto com outras iniciativas, reforça a prevenção de mortes de mulheres e meninas.
6. Qual é a importância de os boletins de ocorrência, laudos do IML e inquéritos policiais serem bem registrados? 7. A partir do décimo quinto parágrafo, o texto traz uma justificativa para as propostas apresentadas. a) O que justificaria, segundo a autora, as medidas propostas? b) Você concorda com o argumento da autora? Justifique sua resposta.
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Logotipo oficial da ONU Mulheres.
Navegue Vamos conversar? Em 2016, a Secretaria Adjunta de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do Distrito Federal, o Ministério Público, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e a ONU Mulheres lançaram a cartilha Vamos conversar?: cartilha de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres. Uma iniciativa de combate à violência de gênero, a cartilha é em formato de quadrinhos e quem assina a arte é a designer Carol Rossetti. De forma didática, são abordados os tipos de violência contra as mulheres, os detalhes da Lei Maria da Penha, além de oferecer informações sobre como pedir ajuda em caso de risco. A cartilha pode ser acessada em: . Acesso em: 22 abr. 2016. ONU. Fac-símile: ID/BR
A credibilidade do artigo de opinião depende da forma como o autor se apresenta, não apenas em função de seus dados, mas por meio de sua linguagem. A linguagem do artigo (informal, formal) define seu público (amplo, restrito, etc.).
Capa da cartilha Vamos conversar?
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A reparação às vítimas significa vencer a falta de vontade, o desinteresse e a cumplicidade que fazem com que esses crimes fiquem impunes e sem repressão da justiça e da sociedade.
João Prudente/Pulsar Imagens
8. Releia.
Com base no que foi apresentado no artigo lido, quem precisa vencer a falta de vontade, o desinteresse e a cumplicidade em relação à impunidade dos crimes contra as mulheres? A Justiça, de Alfredo Ceschiatti, instalada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília (DF). A figura de uma mulher para representar a justiça é recorrente ao longo da história. Na escultura de Ceschiatti, ela aparece sentada, de olhos vendados e segurando uma espada: simbologia da imparcialidade necessária para a aplicação justa da lei.
9. Releia os parágrafos a seguir. De acordo com o Mapa da Violência 2012, produzido pelo Centro Brasileiro de Estudos Latinoamericanos, o Brasil ocupa a 7a posição de maior número de assassinatos de mulheres no mundo, num ranking com 84 países. Entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres no Brasil, 43,7 mil somente na última década. Ou seja, a cada duas horas, uma brasileira foi morta sob condições violentas, em sua maioria no ambiente doméstico. Conforme esse estudo, o número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, o que representa um aumento de 230%. a) Os dados apresentados nesses dois parágrafos reforçam qual opinião da autora? Por quê? b) Esses dados são confiáveis? Como é possível saber? c) Agora, leia os dados abaixo, apresentados no Mapa de Violência 2015. Com sua taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, o Brasil, num grupo de 83 países com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, ocupa uma pouco recomendável 5a posição, evidenciando que os índices locais excedem, em muito, os encontrados na maior parte dos países do mundo. Mapa da violência 2015. Disponível em: . Acesso em: 2 mar. 2016.
Compare os dados acima aos apresentados no artigo de opinião. Faça uma análise desses dados, mostrando as principais diferenças que ocorreram entre as edições relativas a 2012 e a 2015 do Mapa da violência. ANOTE
O artigo de opinião deve ser crível, coerente, consistente. Os argumentos devem se apoiar em dados convincentes, experiências generalizáveis e discursos valorizados.
10. Releia os dois últimos parágrafos do texto “Lei de Feminicídio vai diminuir a tolerância de crime contra mulheres” e responda às questões. a) Como a autora conclui seu raciocínio (décimo quinto e décimo sexto parágrafos)? b) Como a autora conclui o texto (décimo sétimo e décimo oitavo parágrafos)? ANOTE
A conclusão de um artigo de opinião tem dupla função: ela encerra o raciocínio argumentativo desenvolvido ao longo do texto e encerra também o próprio texto. É comum artigos de opinião terminarem com reflexões mais abrangentes, citações e frases de efeito. Não escreva no livro.
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Entre o texto e o discurso – Estratégias argumentativas O artigo de opinião utiliza uma série de estratégias argumentativas para convencer o leitor. Leia o artigo abaixo, escrito por Vladimir Safatle, professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP. Os boxes laterais ressaltam algumas estratégias presentes no texto. O título deixa claro ao leitor o tema que será tratado no artigo de opinião.
OPINIÃO
Feminicídio Vladimir Safatle
O uso das aspas na expressão “razões de gênero” e na palavra “populismo” deixa evidente que são trechos citados de outro texto, neste caso o editorial da Folha de S.Paulo.
Neste final de semana, esta Folha publicou editorial criticando a proposta de ampliar a pena daqueles que assassinam mulheres por “razões de gênero”. O texto alega que tal “populismo” jurídico seria extravagância, já que todas as circunstâncias agravantes que poderiam particularizar o homicídio contra mulheres (motivo fútil, crueldade, dificuldade de defesa) estariam contempladas pela legislação vigente. Neste sentido, criar a categoria jurídica “razões de gênero” de nada serviria, a não ser quebrar o quadro universalista que deveria ser o fundamento da lei. No entanto, é difícil concordar com o argumento geral. Primeiro porque não é correta a ideia de que dispositivos jurídicos que particularizam a violência de grupos historicamente vulneráveis sejam ineficazes. A Lei Maria da Penha, só para ficar em um exemplo, mostra o contrário. Pois, ao particularizar, o direito dá visibilidade a algo que a sociedade teima em não reconhecer. Ele indica a especificidade para um tipo de violência que só pode ser combatido quando nomeado. Neste contexto, apagar o nome é uma forma brutal de perpetuação da violência. Estudo do Ipea estima anualmente, no Brasil, algo em torno de 527 mil tentativas e casos de estupros, sendo que 88,5% das vítimas são mulheres e mais da metade tem menos de 13 anos. Só em 2011, foram notificados no Sinan 33 casos de estupro por dia, ou seja, esse foi o número de vítimas que procuraram o serviço médico. Diante de números aterradores, é difícil não reconhecer que existe uma violência específica contra as mulheres, assim como há específicas contra homossexuais, travestis, entre outros. Que o direito sirva-se de sua capacidade de particularizar sofrimentos para lutar contra tais especificidades, eis uma de suas funções mais decisivas em sociedades em luta para criar um conceito substantivo de democracia. Nesse sentido, há de se lembrar que não se justifica usar o argumento da necessidade de respeitar a natureza universalista da lei em situações sociais nas quais tal universalidade mascara desigualdades reais. O direito deve usar, de forma estratégica e provisória, a particularização a fim de evidenciar o vínculo entre violência e certas formas de identidade, impulsionando com isto a criação de um universalismo real. Se a sociedade brasileira chegou a este estágio de violência contra a mulher é porque há coisas que ela nunca quis ver e continuará não vendo enquanto o direito não nomeá-las. Quando tal violência passar, podemos voltar ao quadro legal generalista. Desta forma, ao menos desta vez, o governo agiu de maneira correta.
A frase que abre o segundo parágrafo, mostra que o autor do artigo é contrário à opinião apresentada no editorial da Folha de S.Paulo. A partir desse parágrafo, o autor começa a apresentar argumentos em defesa de sua opinião. O autor argumenta, ainda, que é difícil não reconhecer que não há violência contra as mulheres, sobretudo ao analisar os dados divulgados por instituições confiáveis.
Capítulo 35 – Artigo de opinião
Reforça novamente a posição contrária à apresentada no editorial da Folha de S.Paulo. Defende que particularizar a violência é uma estratégia provisória para se alcançar a universalidade da lei. De acordo com os argumentos apresentados, o autor conclui que a justiça precisa nomear esse tipo de violência, já que o estágio que se encontra a violência da mulher é grave no país.
Safatle, Vladimir. Feminicídio. Folha de S.Paulo. São Paulo, 10 mar. 2015. p. A2.
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No primeiro parágrafo, o autor refere-se ao editorial publicado pela Folha de S.Paulo e apresenta, de modo resumido, os argumentos utilizados pelo jornal para criticar a Lei do Feminicídio. Desse modo, ele contextualiza o leitor acerca do que será analisado ao longo do artigo.
Os parênteses acrescentam ao texto, de modo objetivo, os critérios que particularizam o homicídio contra as mulheres no Código Penal.
Como primeiro argumento, o autor demonstra que a Lei Maria da Penha é exemplo de um eficaz dispositivo jurídico que particularizou a violência de um grupo específico.
Vocabulário de apoio
alegar: apresentar argumentos em defesa de algo aterrador: pavoroso, aterrorizador, ameaçador Ipea: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Sinan: Sistema de Informações de Agravos de Notificação (tem por objetivo fornecer informações para análise do perfil da morbidade do País)
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O artigo de Vladimir Safatle apresenta uma resposta ao editorial “Feminicídio?”, publicado na Folha de S.Paulo no dia 7 de março de 2015. A estratégia argumentativa utilizada é a de, primeiramente, contrapor o argumento de um texto publicado no mesmo veículo jornalístico. Em seguida, o autor apresenta argumentos baseados em exemplos e dados de pesquisa divulgados por instituições confiáveis, a fim de convencer o leitor de que particularizar os homicídios contra as mulheres não é um ato de “populismo jurídico”. O currículo de professor livre-docente de Filosofia da USP de Vladimir Safatle o investe de autoridade para falar de um tema que requer análise constante das decisões políticas tomadas no país. O fato de não ser um especialista da área, ou seja, não ser da área do direito penal, por exemplo, não invalida seus argumentos. Como o autor recorre a fontes confiáveis para sustentar sua argumentação, isso confere ao texto a credibilidade necessária ao artigo de opinião. Além disso, o autor, por meio do raciocínio lógico, contesta as afirmações do editorial da Folha de S.Paulo, ampliando o debate e apresentando outro ponto de vista sobre o tema. Nesse sentido, o leitor sai ganhando, pois em um mesmo jornal pode-se ter acesso a opiniões contrárias e chegar às próprias conclusões sobre o assunto. No texto “Lei do Feminicídio vai diminuir tolerância de crimes contra mulher”, a dra. Nadine Gasman diz: Para a ONU Mulheres, o reconhecimento institucional e social do feminicídio, o fim da impunidade e a visibilidade pública dos assassinatos violentos de mulheres por razões de gênero são caminhos que não podemos mais deixar de percorrer. Como Gasman é representante do escritório da ONU Mulheres Brasil, ela tem autoridade para reportar aquilo em que essa instituição acredita, e isso confere credibilidade ao seu argumento. O fato de se tratar de uma profissional experiente na área, alguém que exerce um cargo importante em uma instituição reconhecida socialmente, dá peso à opinião e à opinadora. 1. Reescreva os argumentos de autoridade de Nadine Gasman, abaixo, transformando-os em citações. Para isso, utilize conjunções adverbiais conformativas e, quando necessário, empregue as aspas. I. O feminicídio é um problema global, sendo nomeado como tal na América Latina e Caribe. II. Em seguimento à tipificação do feminicídio no Código Penal, é necessário falar sobre ele e nomeá-lo como tal. III. Consideramos que, se bem registradas as informações sobre as vítimas nos boletins de ocorrência, laudos do IML e inquéritos policiais, a justiça terá mais condições de adotar sentenças severas.
Danilo Verpa/Folhapress
O argumento de autoridade no artigo de opinião
Vladimir Safatle, professor livredocente de Filosofia da USP. Foto de 2013.
HIPERTEXTO Nos gêneros textuais argumentativos, as orações subordinadas adverbiais contribuem para delimitar o ponto de vista defendido e construir a argumentação. Veja como isso ocorre lendo o artigo de opinião “Refrigerantes açucarados” na parte de Linguagem (capítulo 26, p. 246).
Observatório da língua As orações subordinadas adverbiais O advérbio expressa a circunstância em que se deu o processo verbal. Como foi? Com que instrumento? Com que intenção? Quando? Onde? Por quê? Em dissertações e artigos de opinião, a função de advérbio é frequentemente preenchida por orações subordinadas adverbiais, importantes elementos de coesão textual. Observe. O texto alega que tal “populismo” jurídico seria extravagância, já que todas as circunstâncias agravantes que poderiam particularizar o homicídio contra mulheres (motivo fútil, crueldade, dificuldade de defesa) estariam contempladas pela legislação vigente. A locução conjuntiva subordinada adverbial já que indica que a oração subordinada exporá a causa relacionada ao conteúdo da oração principal.
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1. Encontre duas conjunções adverbiais no artigo de opinião “Feminicídio”. Identifique que circunstâncias elas informam ao leitor. 2. Escreva frases usando as seguintes conjunções/ locuções conjuntivas adverbiais: a) comparativa (tal qual, assim como) b) causal (porque, devido a) c) condicional (caso, se) d) concessiva (ainda que, mesmo que) e) proporcional (quanto mais…, mais…) f) conformativa (segundo, de acordo com, conforme) g) final (para que, de modo a) h) consecutiva (tão… que, tanto que) i) temporal (depois que, logo que)
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Produzir um artigo de opinião Proposta Leia os textos abaixo para produzir um artigo de opinião sobre alimentação saudável. Seu artigo será publicado no blog da classe. Para escrever, reflita: O que esse tema leva você a pensar? Participe do debate social que o tema propõe, desenvolvendo seu ponto de vista. Texto 1 Trecho de uma notícia publicada no site da Asbran (Associação Brasileira de Nutrição).
Relatório busca reverter aumento de obesidade infantil O relatório da Comissão pelo Fim da Obesidade Infantil […], da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado no final de janeiro, propõe uma série de recomendações aos governos voltadas para a reversão da tendência de crescimento do sobrepeso e obesidade em menores de 5 anos. Ao menos 41 milhões de crianças nessa faixa etária são obesos ou apresentam sobrepeso, sendo que o maior aumento é proveniente de países de renda baixa e média. Segundo o relatório, muitas crianças estão crescendo hoje em ambientes que incentivam o ganho de peso e obesidade. Impulsionada pela globalização e urbanização, a exposição a ambientes insalubres está aumentando em países de alta, média e baixa renda e em todos os grupos socioeconômicos. A comercialização de alimentos pouco saudáveis e bebidas não alcoólicas foi identificada como um fator importante para o aumento do número de crianças com sobrepeso e obesidade, particularmente no mundo em desenvolvimento. A prevalência de sobrepeso entre menores de 5 anos aumentou de 4,8% para 6,1% entre 1990 e 2014, passando de 31 milhões para 41 milhões de crianças afetadas durante esse período. […] Associação Brasileira de Nutrição. Disponível em: . Acesso em: 20 mai. 2016.
Texto 2 O Ministério da Agricultura apresenta programas voltados para a produção de alimentos orgânicos. Para serem classificados como tal, precisam se enquadrar nas descrições abaixo.
Na agricultura orgânica não é permitido o uso de substâncias que coloquem em risco a saúde humana e o meio ambiente. Não são utilizados fertilizantes sintéticos solúveis, agrotóxicos e transgênicos. [...] Para ser considerado orgânico, o produto tem que ser produzido em um ambiente de produção orgânica, onde se utiliza como base do processo produtivo os princípios agroecológicos que contemplam o uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, respeitando as relações sociais e culturais.
Lucas Lacaz/Folhapress
O que são alimentos orgânicos
Foto de alimentos orgânicos.
Capítulo 35 – Artigo de opinião
Ministério da Agricultura. Disponível em: . Acesso em: 4 mar. 2016.
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto a ser produzido. Gênero textual
Público
artigo de opinião leitores do blog da classe
Finalidade produzir um texto argumentativo que defenda uma opinião pessoal
Meio blog da classe na internet
Linguagem nível de linguagem adequado ao público; conjunções e locuções conjuntivas adverbiais
Evitar contradição nas ideias, confusão na forma
Incluir argumentos consistentes, citações, raciocínio lógico
2. Defina o tema de seu artigo, com base nos textos que você leu. 3. Qual será sua posição? (Escreva a tese de seu artigo de opinião.)
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4. Defina seus principais argumentos, que podem envolver: propostas de solução, críticas a atitudes dos envolvidos, reflexões sobre as causas e/ou consequências da situação, associações com outros problemas. 5. Organize seus argumentos em uma sequência lógica. 6. Fortaleça o conteúdo com fatos, dados, exemplos, testemunhos. 7. Defina em linhas gerais como será sua conclusão. Você pode escrevê-la em duas etapas: conclusão do raciocínio argumentativo; conclusão do texto (com frases de efeito e reflexões mais gerais). 8. Pesquise uma ou duas citações para conferir credibilidade ao texto e aproximar o leitor. 9. Escreva uma ficha biográfica que apresente você como autor do artigo.
Elaboração
Atenção
»»À linguagem do texto. Alguma
Avaliação 11. Forme uma dupla e troque seu artigo de opinião com o do colega. 12. Copie e complete o quadro abaixo em uma folha avulsa, com base na leitura do artigo de opinião de seu colega. Em seguida, faça um comentário geral sobre o texto, apontando qualidades e sugerindo mudanças. Sim
Não
O artigo de opinião tem uma tese clara? Os argumentos são consistentes? As citações foram bem utilizadas? Há outras estratégias argumentativas usadas corretamente? As conjunções adverbiais foram usadas adequadamente? O artigo de opinião é convincente? Utilizou dados de fontes confiáveis? Comentários gerais sobre o texto
informalidade pode favorecê-lo. Se utilizada em excesso, porém, pode minar a credibilidade da opinião defendida.
»»Ao conteúdo do texto. O autor deve estar seguro das informações e dos dados apresentados. Sua opinião deve ser consistente, para que alcance relevância no debate social.
Assista Muito além do peso. Direção de Estela Renner, Brasil, 2012, 83 min. Este documentário, produzido por Maria Farinha Filmes com apoio do Instituto Alana, tem por objetivo apresentar a qualidade da alimentação das crianças brasileiras, mostrando os efeitos dos anúncios publicitários na escolha alimentar na infância e suas consequências. Maria Figrinha Filmes /ID/BR
10. Agora você já pode escrever o artigo de opinião. Ao fazê-lo, use estratégias discursivas que promovam credibilidade, contribuam com a construção de uma imagem positiva e estabeleçam uma relação consciente com o leitor. Para isso, recorra a contextualização, citações, dados estatísticos de instituições confiáveis, pontuação expressiva, argumentos de autoridade, referências culturais, clareza, objetividade, uso da norma-padrão, refutação antecipada a argumentos que sustentem ponto de vista contrário, etc.
Reescrita 13. Troque novamente de texto com seu colega. Leia com atenção o quadro que ele preencheu. Agora, releia seu texto, buscando compreender as intervenções e os comentários realizados pelo colega. 14. Reescreva o artigo de opinião fazendo todas as alterações que julgar necessárias para adequar seu texto à norma-padrão e à linguagem apropriada ao público a quem você se dirige. 15. Observe o uso das conjunções adverbiais. Elas podem colaborar na coesão textual, ligando termos com maior propriedade. 16. Cuide bem das sequências e ligações de conteúdos no seu texto: elas são fundamentais para o bom desenvolvimento da argumentação.
Publicação 17. Os artigos de opinião produzidos pela turma deverão ser publicados online no blog da classe. Se julgarem necessário, façam uma votação para escolher os melhores artigos de opinião da turma. Deixem o post aberto a comentários para ampliar a discussão sobre o assunto. Não escreva no livro.
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Cartaz de divulgação do documentário Muito além do peso.
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capítulo
36 o que você vai estudar Como produzir uma dissertação para o vestibular. Estratégias conclusivas: “fechar com chave de ouro”. Estereótipos e preconceitos.
Dissertação para o Enem e para o vestibular Para escrever uma dissertação bem-sucedida, é importante dominar as técnicas argumentativas, articular conhecimentos e revelar autonomia de pensamento. Depois de estudar esse gênero, você produzirá uma dissertação para um simulado em sua escola.
Leitura Leia a proposta de redação da prova de 2012 apresentada pela Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), organizadora do vestibular da Universidade de São Paulo (USP). Depois, leia também umas das melhores redações, daquele mesmo ano, publicada no site da instituição. Texto 1 A ciência mais imperativa e predominante sobre tudo é a ciência política, pois esta determina quais são as demais ciências que devem ser estudadas na pólis. Nessa medida, a ciência política inclui a finalidade das demais, e, então, essa finalidade deve ser o bem do homem. Aristóteles. Adaptado.
Texto 2 O termo “idiota” aparece em comentários indignados, cada vez mais frequentes no Brasil, como “política é coisa de idiota”. O que podemos constatar é que acabou se invertendo o conceito original de idiota, pois a palavra idiótes, em grego, significa aquele que só vive a vida privada, que recusa a política, que diz não à política. Talvez devêssemos retomar esse conceito de idiota como aquele que vive fechado dentro de si e só se interessa pela vida no âmbito pessoal. Sua expressão generalizada é: “Não me meto em política”. Cortella, M. S.; Ribeiro, R. J. Política: para não ser idiota. Adaptado.
Texto 4
Texto 3
FILHOS DA ÉPOCA Somos filhos da época e a época é política. Todas as tuas, nossas, vossas coisas diurnas e noturnas, são coisas políticas. Querendo ou não querendo, teus genes têm um passado político, tua pele, um matiz político, teus olhos, um aspecto político. O que você diz tem ressonância, o que silencia tem um eco de um jeito ou de outro, político. […] Szymborska, Wislawa. Poemas.
As instituições políticas vigentes (por exemplo, partidos políticos, parlamentos, governos) vivem hoje um processo de abandono ou diminuição do seu papel de criadoras de agenda de questões e opções relevantes e, também, do seu papel de propositoras de doutrinas. O que não significa que se amplia a liberdade de opção individual. Significa apenas que essas funções estão sendo decididamente transferidas das instituições políticas (isto é, eleitas e, em princípio, controladas) para forças essencialmente não políticas primordialmente as do mercado financeiro e do consumo. A agenda de opções mais importantes dificilmente pode ser construída politicamente nas atuais condições. Assim esvaziada, a política perde interesse. Bauman, Zygmunt. Em busca da política. Adaptado.
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Vocabulário de apoio Fuvest, 2012. Fac-símile: ID/BR
Texto 5
Folha de S.Paulo, 5 out. 2011.
Os textos aqui reproduzidos falam de política, seja para enfatizar sua necessidade, seja para indicar suas limitações e impasses no mundo atual. Reflita sobre esses textos e redija uma dissertação em prosa, na qual você discuta as ideias neles apresentadas, argumentando de modo a deixar claro o seu ponto de vista sobre o tema Participação política: indispensável ou superada? Fuvest 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016.
Precisa-se de cidadãos Cientistas políticos notaram que a consolidação das instituições democráticas acaba diminuindo a frequência de plebiscitos ou outras formas de participação política popular extraeleitorais. O fato foi tomado, incorretamente, por muitos, como a superação gradual da participação política, que nos levaria ao surgimento de tecnocracias; a realidade, porém, é outra: não há diminuição da relevância da participação política, ocorre que a solidificação democrática refina essa participação, aumentando o poder e a importância do voto, claramente indicando a indispensabilidade das eleições. Em uma realidade globalizada, neoliberal, vemos emergir o capital como dirigente supremo da organização social, seja através da política “tradicional” com os lobbies promovidos por grandes corporações, ou pela influência midiática dos anunciantes. A incapacidade dos governos atuais de balancear os interesses do bem comum, equilibrando as liberdades capitalistas com as necessidades das camadas sociais mais baixas cria uma população cética perante às instituições políticas em geral. A “despolitização” (Brecht chamaria de “analfabetização”) da sociedade aumenta o vácuo entre as ações estatais e a vontade do povo, deixando o homem médio à mercê do corporativismo: afastado da política ele perde sua única possibilidade de defender seus interesses e direitos, bem como sua última chance de alterar (ou ao menos discutir) a ordem vigente e, consequentemente, sua realidade diária. Entendendo-se a política como busca do bem comum, como a defesa dos pequenos contra os maiores, da supremacia do justo sobre o injusto, como desejo do equilíbrio entre os interesses e direitos diversos, rejeitando estender um laissez-faire a todas as questões sociais e a barbárie a que seríamos levados, vislumbra-se a participação política não apenas como um direito cada vez mais importante, mas também como uma necessidade imprescindível, um dever. Autoria desconhecida. Fuvest 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016.
Situação de produção
barbárie: o que é contrário ao progresso e ao desenvolvimento Bertolt Brecht: dramaturgo e escritor alemão do século XX laissez-faire: “deixar fazer”, expressão do liberalismo que define que o mercado deve funcionar livre de interferências governamentais lobby: atividade de pressão de um grupo organizado a fim de exercer influência sobre políticos e o poder público neoliberal: relativo à doutrina do neoliberalismo, que defende a absoluta liberdade de mercado, restringindo a intervenção estatal sobre a economia ao mínimo possível e apenas em setores imprescindíveis plesbiscito: manifestação da vontade do povo acerca de assunto de grande interesse político ou social por meio de votação tecnocracia: sistema de governo baseado no conhecimento científico
Limitação de tempo e articulação de conhecimentos O Enem e os vestibulares assustam mui- mais do que o domínio da técnica de constos alunos. O fato de o sucesso de cada can- trução de texto. didato, após tantos meses ou anos de prepaO Enem e os exames vestibulares em geral ração, depender do desempenho na prova é avaliam nos estudantes não apenas sua habilivisto como um intenso fator de pressão. Co- dade para escrever textos e formular raciocímo o tempo entre conhecer a proposta e o nios, mas também o alcance de sua compreentema da dissertação e finalizar o texto é res- são do mundo. Não se espera que eles saibam trito, leva vantagem o estudante que estiver tudo sobre todos os assuntos, mas é indispenhabituado com as tarefas envolvidas nesse sável que sejam pessoas informadas. A disserprocesso. É preciso desenvolver a capaci- tação é uma forma de avaliar o conhecimento do dade de organização e planejamento para candidato sobre temas relevantes da atualidade fazer bom uso desse tempo, o que envolve e sua capacidade de articular conhecimentos.
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1. Geralmente, as propostas de redação do Enem e dos exames vestibulares trazem uma coletânea de textos de apoio para que o aluno possa entrar em contato com o tema proposto. Analise a coletânea da Fuvest 2012 e responda às questões. a) Qual o argumento de Aristóteles para sustentar sua tese de que “a ciência mais imperativa e predominante sobre tudo é a ciência política”? b) De que modo o poema de Wislawa Szymborska se alinha ao pensamento de Aristóteles sobre a importância da política? Explique. c) Por que Cortella e Ribeiro afirmam que o conceito de “idiota” sofreu uma inversão de seu sentido original no comentário “política é coisa de idiota”? d) Segundo Zygmunt Bauman, a diminuição do papel das instituições políticas vigentes não amplia a liberdade de opção individual. Por quê? e) Em sua opinião, e tendo em vista os demais textos da coletânea, por que o Homem-legenda iguala a pessoa apolítica a alguém ignorante? 2. De acordo com a proposta da redação, os candidatos deveriam expressar seu ponto de vista sobre o seguinte tema:
Participação política: indispensável ou superada? Há um posicionamento claro sobre esse tema nos textos da coletânea? Explique. ANOTE
A escrita de uma dissertação pressupõe preparação: a compreensão da proposta – sempre bastante geral e ampla – e a delimitação do tema. A compreensão da proposta facilita a tarefa, uma vez que estimula o candidato a querer participar do debate expondo sua opinião. Além de compreender, é preciso refletir sobre a proposta: ela se relaciona a algum fato atual? Que problema ético ela apresenta?
Janek Skarzynski/AFP
Ler uma dissertação para o Enem e para o vestibular
A escritora polonesa Wislawa Szymborska (1923-2012) ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1996 por sua “poesia que, com precisão irônica, permite que o contexto histórico e biológico apareçam em fragmentos da realidade humana”. Foto de 2009.
Capítulo 36 – Dissertação para o Enem e para o vestibular
3. Qual é a tese declarada no primeiro parágrafo do texto “Precisa-se de cidadãos”? Escreva-a no caderno. 4. De que modo a tese apresentada no primeiro parágrafo relaciona-se ao tema proposto? Explique. 5. É possível, a partir do primeiro parágrafo, identificar o posicionamento do autor quanto ao tema? Justifique, fazendo referência ao que é dito no texto. ANOTE
A introdução costuma ser desenvolvida nos primeiros parágrafos do texto. Em geral, ela contém a tese – o ponto de vista inicial do candidato sobre o tema – expressa em uma frase. Pode ainda contextualizar, explicar ou relativizar esse ponto de vista inicial.
6. Retome o seguinte trecho da redação “Precisa-se de cidadãos”. Cientistas políticos notaram que a consolidação das instituições democráticas acaba diminuindo a frequência de plebiscitos ou outras formas de participação política popular extraeleitorais. O fato foi tomado, incorretamente, por muitos, como a superação gradual da participação política, que nos levaria ao surgimento de tecnocracias […] a) Na coletânea de textos, há referência a essa informação? b) De que modo essa informação contribui para a formulação da tese do texto?
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7. Liste, no caderno, os conhecimentos e informações usados em “Precisa-se de cidadãos”, mas que não fazem parte da coletânea de textos apresentada. 8. Em sua opinião, em que medida o uso de conhecimentos prévios relacionados ao tema ajudou o autor a articular suas ideias? ANOTE
O desenvolvimento é uma sequência de argumentos construídos com base em informações, dados, exemplos, testemunhos, conhecimentos, etc.
9. Segundo a dissertação reproduzida, o que leva uma população a se tornar cética em relação às instituições políticas? 10. De acordo com esse texto, por que a despolitização não é benéfica à população? ANOTE
Estratégias argumentativas não devem ser confundidas com argumentos. As estratégias são os recursos de que o autor dispõe para construir a credibilidade e a aceitabilidade do texto e a identificação do leitor com o ponto de vista defendido. Lipnitzki/Roger Viollet/Getty Images
11. Bertolt Brecht não é um autor que faz parte da coletânea apresentada pela Fuvest. Qual a importância da referência a esse autor para a argumentação usada no texto? ANOTE
Algumas estratégias argumentativas eficazes na dissertação são: •• citar informações relacionadas a notícias e temas atuais; •• demonstrar conhecimentos sobre literatura, história, linguística, medicina, tecnologia, geografia, filosofia, psicologia, jornalismo, antropologia, sociologia, pedagogia, política, etc.; •• trazer argumentos de autoridade: opiniões de pessoas especialistas e estudiosas do assunto; •• demonstrar capacidade de articulação de conceitos de diferentes áreas do conhecimento; •• explorar técnicas argumentativas como o silogismo, as citações (argumento de autoridade), a apresentação de contra-argumentos, a refutação de ponto de vista adversário, etc.
12. Releia o último parágrafo de “Precisa-se de cidadãos”. a) Para o autor, qual é o entendimento de “política”? b) Qual seria a consequência de estender o laissez-faire a todas as questões sociais? 13. Quais foram as estratégias que o autor utilizou para realizar sua conclusão? 14. Em sua opinião, essas e as demais estratégias usadas no texto foram eficientes? Justifique. ANOTE
A conclusão aparece em dois momentos, que podem ou não coincidir: 1) no fechamento do raciocínio argumentativo, confirmando ou desenvolvendo a tese; e 2) ao final do texto (com frase de efeito, citação, provérbio, generalização, proposta de solução, etc.).
Bertolt Brecht (1898-1956) foi um proeminente dramaturgo e escritor alemão, conhecido por sua teoria do “teatro épico”. A frase “O pior analfabeto é o analfabeto político” é muitas vezes a ele atribuída; no entanto, sua fonte é incerta e não pode ser confirmada. Foto de 1954.
Paramount/Courtesy Everett Collection/Fotoarena
Assista A grande aposta. Direção de Adam McKay, EUA, 2015, 130 min. Para saber mais sobre políticas neoliberais, sua aplicação e riscos na vida prática da sociedade, assista ao filme A grande aposta. Baseado no livro homônimo de 2010 de Michael Lewis, o filme aborda a crise financeira de 2007-2008 deflagrada pela bolha imobiliária dos Estados Unidos. Ganhador do Oscar de melhor roteiro adaptado, o filme conta com atores de peso no elenco, como os premiados Christian Bale, Steve Carell, Ryan Gosling e Brad Pitt.
Cena do filme A grande aposta.
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Entre o texto e o discurso – Estratégias de conclusão Muitas vezes são utilizadas estratégias de conclusão que reforçam a argumentação construída ao longo do texto. Observe duas redações a seguir.
A política como base às ações humanas Ao se analisar o estágio atingido pela evolução da sociedade moderna, percebe-se que houve mudanças significativas ao longo do tempo. […] A presença praticamente indissociável do capitalismo na vida social elevou as grandes empresas ao topo do patamar político […] Essa inversão, no entanto, não caracteriza a separação do homem de seu aspecto político […] Deve-se compreender que o pensamento político embasa as atividades humanas. Nas palavras de Aristóteles: “a ciência mais imperativa e predominante sobre tudo é a ciência política”. Essa afirmação valida-se na medida em que o homem constitui-se fundamentalmente de um aspecto político, a partir do qual coordena suas demais atividades. […] […] Em sua obra Em busca da política, Zygmunt Bauman afirma que as “instituições políticas vigentes” abandonaram seu papel de “propositoras de doutrinas” e passaram-no para “forças essencialmente não políticas – primordialmente as do mercado financeiro”. […] As ações políticas sofreram modificações que seguiram a evolução da sociedade. Deve-se compreender que o estágio de configuração capitalista transformou as grandes empresas em detentoras do poder político. Essa transição, contudo, não deve ser vista como o fim da política, mas como uma mudança na ordem da dinâmica social, uma vez que as práticas políticas pautam as demais atividades da sociedade e a elas dão base.
CONCLUSão A configuração capitalista trans feriu o poder político às grandes empresas; no entanto, isso não significa o fim da política, uma vez que esta embasa as demais atividades sociais. A conclusão reafirma a tese já apontada no título da dissertação: a política é base das ações humanas; assim, mesmo havendo transição do poder político, a política sempre fará parte da sociedade.
Autoria desconhecida. Fuvest 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016.
Capítulo 36 – Dissertação para o Enem e para o vestibular
Vocabulário de apoio
A política está morta? A organização de um Estado está atrelada a sua estrutura política. No entanto, ao observar o mundo de hoje, é claro o movimento de despolitização em favorecimento do consumo e do mercado financeiro. Tal processo é negativo para a sociedade, uma vez que a maneira mais eficaz de promover mudanças efetivas é o engajamento político […] Gilles Lipovetsky, no texto “Narciso sob medida”, de seu livro A era do vazio, discute as causas desse processo de despolitização. De acordo com o filósofo, um conjunto de acontecimentos históricos […] e crises econômicas teriam levado a uma descrença nas figuras políticas. Dessa forma, o desejo de alcançar um mundo melhor de maneira coletiva, tão presente na década de 1960, é deixado para trás e as pessoas mergulham em um processo de individualização narcisista. […] A partir das ideias de Gilles conclui-se que a situação de indiferença das pessoas quando se trata de política não é um fato recente. […] No entanto, não é correto afirmar que a participação política foi superada. No ano de 2011, uma série de revoltas eclodiram ao redor do planeta […] e levaram à queda de governos autocráticos, tanto no Egito quanto na Líbia. Dessa forma, apesar do distanciamento da sociedade em relação à política, sua importância continua sendo inegável e fundamental para o funcionamento de um país (como já era evidente na Grécia antiga). Não se pode afirmar que a participação política foi superada, pois é ela a responsável por promover mudanças efetivas nas estruturas sociais, como ocorreu no ano de 2011 no mundo árabe. É necessário resgatar a tradição política que foi se perdendo a partir do fim da década de 1960, pois ela faz parte da história da humanidade e ecoa até hoje.
autocrático: regime político em que o governante detém poder ilimitado e absoluto narcisista: quem ou o que é voltado para si mesmo ou para sua imagem
CONCLUSão A participação política não foi superada, pois ela ainda é responsável por promover mudanças efetivas nas estruturas sociais. Neste caso, a conclusão responde às perguntas propostas no tema (“Participação política: indispensável ou superada?”) e no título (“A política está morta?”) – trazendo um fato concreto (as revoltas ocorridas no mundo árabe em 2011) para corroborar a posição do autor – e faz um apontamento para o futuro: deve-se resgatar a tradição política perdida no fim da década de 1960.
Autoria desconhecida. Fuvest 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016.
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Conclusão: “fechar com chave de ouro” Quando o trecho final de um texto, um filme ou um discurso convence o leitor ou o espectador, deixando uma impressão agradável e favorável em relação ao que foi apresentado, diz-se que “fechou com chave de ouro”. Na dissertação para o Enem e para o vestibular, em primeiro lugar é preciso fechar a argumentação. O texto da conclusão pode resumir o raciocínio ou retomar a tese expressa na introdução ou no título. Se a argumentação for bem-sucedida e estiver encadeada, levará naturalmente à conclusão. Há ainda o fechamento do texto, que em geral coincide com o fechamento da argumentação, mas pode vir depois, com uma frase de efeito ou um pensamento instigante. Para intensificar o efeito produzido pela argumentação, podem ser empregadas uma citação conhecida, um provérbio, uma proposta de solução ao problema analisado ou uma generalização da questão. 1. Em sua opinião, qual das três redações lidas no capítulo “fechou com chave de ouro”? Justifique sua resposta. 2. Exercite a construção de uma conclusão. a) Escreva, primeiramente, um silogismo sobre o tema “Participação política: indispensável ou superada?”, da Fuvest 2012, que expresse sua opinião. Crie uma premissa maior, uma premissa menor e uma conclusão. b) Elabore uma conclusão usando o silogismo como um resumo da argumentação. Acrescente alguma(s) das estratégias de conclusão sugeridas nesta seção. c) Agora escreva, se quiser, o texto todo. Revise a conclusão original e amplie ainda mais seus efeitos.
Lembre-se
A construção do raciocínio no silogismo é demonstrada no exemplo clássico do filósofo grego Aristóteles: •• premissa maior (afirmação universal) “Todo homem é mortal.” •• premissa menor (afirmação particular) “Sócrates é homem.” •• conclusão (afirmação necessária) “Logo, Sócrates é mortal.”
observatório da língua Estereótipos e preconceitos A dissertação para o Enem e para o vestibular exige que o estudante expresse pensamentos autônomos e originais, evitando ideias prontas, frases feitas, preconceitos, conceitos sem fundamento e estereótipos. Procure sempre justificar suas afirmações com argumentos sustentados por conhecimentos e reflexões construídas por você. Observe a seguir alguns trechos de redações cuja proposta se baseia na pergunta “Favela e cidade: as distâncias sociais desapareceram?”. […] é a distância social entre a favela e a cidade, que é causada por ambas as partes, e sem chegar a um consenso. Autoria desconhecida. As favelas. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016.
No trecho acima, a ideia pronta de que “a relação entre duas partes é responsabilidade de ambas” é aplicada à relação da favela com a cidade. Não há, no entanto, justificativa ou explicação que esclareça o senti do pretendido com a frase. O resultado é um esboço estereotipado e vago dessa relação.
A expansão da troca de culturas e o aumento do poder de compra e da voz política dos moradores da favela demonstram que o espaço urbano quebrou barreiras, não só físicas, mas também sociais. Autoria desconhecida. Herança quilombola. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016.
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Veja, nesse outro texto, que a relação entre favela e cidade, considerada dentro de um movimento de quebra de barreiras, é fundamentada pelo conhecimento dessa realidade: “expansão da troca de culturas” e “aumento do poder de compra e da voz política” são informações que conferem consistência ao texto.
Nós rotulamos os favelados de bandidos, desordeiros, vagabundos e os vemos como a parte desajustada da sociedade, a escória, e não gostamos de tê-los como vizinhos, mas sabemos que não podemos generalizar e que alguns moram na favela e não se ajustam ao ambiente e que buscam uma melhor perspectiva de vida. Autoria desconhecida. Uma ilha cercada de cidade. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016.
Observe como o texto acima fracassa em desmontar estereótipos sociais. A enumeração de rótulos preconceituosos usados para se referir aos moradores das favelas, que circulam no senso comum, não é seguida de uma crítica consistente. O emprego da palavra alguns, longe de desmentir tais rótulos, pode funcionar como a exceção que confirma a regra. O texto, tentando combatê-los, acaba reproduzindo esses preconceitos. 1. Reveja o texto que você produziu na atividade 2 da seção Entre o texto e o discurso. Identifique e elimine afirmações vagas, estereótipos e preconceitos.
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Produzir uma dissertação para o Enem e para o vestibular Proposta Os textos a seguir são o ponto de partida para a produção de uma dissertação para um exame simulado na escola. Leia-os com atenção.
Fenaj diz que decisão do Supremo “rebaixa” exercício do jornalismo no Brasil O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo, considerou um “prejuízo imenso e histórico” para a categoria a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que nesta quarta-feira (17) declarou inconstitucional a obrigatoriedade do diploma em curso superior específico para o exercício da profissão de jornalista no Brasil. O Ministério do Trabalho não pode mais exigir o diploma para conceder registro de jornalista a qualquer cidadão. “Aparentemente, não precisa de nenhum critério. Inclusive pessoas sem formação escolar, analfabetas, podem obter o registro de jornalista. Não sei se o STF tomou pé do nível de rebaixamento em que coloca o jornalismo no Brasil neste momento”, criticou Murillo. [...] Soalheiro, Marco Antonio. EBC Notícias, 17 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016. © Creative Commons.
Senado aprova obrigatoriedade do diploma de jornalismo O Senado aprovou nesta terça-feira, 7, por 60 votos a favor e 4 contrários, o segundo turno da proposta de emenda constitucional que torna obrigatória a obtenção do diploma de curso superior de jornalismo para o exercício da profissão. […] Em 2009, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a exigência do diploma, imposta no regime militar, atenta contra a liberdade de expressão. […] O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) foi o único a se manifestar contra a proposta […]. Ele lembrou que […] a profissão de jornalista será a única a constar na Constituição. “Existem médicos, advogados e outros profissionais que são bons jornalistas, sem a necessidade de ter um diploma específico”, defendeu. […]
Capítulo 36 – Dissertação para o Enem e para o vestibular
Costa, Rosa. O Estado de S. Paulo, 7 ago. 2012. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2016.
A escola organizará, com a ajuda dos professores, um exame simulado de redação. Com base nos textos apresentados, escreva um texto dissertativo sobre o tema: “A formação universitária deve ser requisito obrigatório para o exercício profissional?”. A banca examinadora (formada pelos professores) escolherá as cinco melhores e as publicará no blog da escola. ••O texto deve ter de vinte a trinta linhas manuscritas. Utilize caneta de tinta preta ou azul. ••Você receberá, com a folha oficial, uma folha de rascunho; a qual não será considerada na correção.
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto a ser produzido. Gênero textual dissertação para o Enem e para o vestibular
Público examinadores (banca de professores da escola)
Finalidade
Meio
produzir um texto exame argumentativo simulado que se posicione na escola eticamente diante de um problema
Linguagem terceira pessoa, clareza, coesão, precisão no vocabulário
Evitar estereótipos, preconceitos, afirmações vagas
Incluir estratégias argumentativas e de conclusão, reflexões pessoais, título
2. Após ler cuidadosamente a proposta, delimite o tema do texto e seu posicionamento ético (escreva a tese da dissertação). Utilize, para isso, a folha de rascunho. 3. Defina seus principais argumentos e organize-os em uma sequência lógica.
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4. Fundamente o conteúdo com fatos, dados, exemplos, citações, informações e reflexões. 5. Elabore a conclusão. Ela deve fechar o raciocínio argumentativo e o texto.
Elaboração
Atenção
»»Letra legível mostra respeito pelo leitor do texto.
»»Lembre-se de pôr o título.
6. O simulado terá duração de 1h10. Utilize aproximadamente quarenta minutos para escrever o rascunho de sua dissertação no espaço apropriado, reservando o restante do tempo para a reescrita do texto definitivo, à tinta, na folha oficial. 7. Use estratégias argumentativas que confiram credibilidade e demonstrem um posicionamento ético diante dos temas sociais. 8. Não assine seu texto. As folhas oficiais deverão ter um código para identificação posterior. Anote-o no caderno.
Avaliação 9. Antes de passar seu texto para a folha oficial, confira se ele atende aos seguintes critérios: Sim
Não
O tema está adequadamente delimitado com base na proposta? Quanto ao conteúdo, há uso apropriado de dados, informações, exemplos, citações e conhecimentos de outras áreas? A dissertação apresenta estrutura argumentativa, com título, introdução, desenvolvimento e conclusão apropriados? São usados recursos de coesão textual adequados à argumentação, à fluência e à clareza? Em termos de registro, é empregada a norma-padrão?
Reescrita 10. Reescreva sua dissertação, melhorando-a sobretudo no que diz respeito a critérios eventualmente não atendidos, conforme registrado no quadro da atividade 9. Kerry Hayes/Open Road Films/ID/BR
11. Ao reescrever a dissertação, analise as afirmações e os argumentos. Eles refletem bem sua opinião sobre o tema ou repetem velhas ideias sem reflexão? Você é capaz de identificar a origem das informações e dos conhecimentos mencionados, garantindo que estão de acordo com sua visão de mundo, ou eles expressam um lugar-comum, uma ideia trivial? Para não reproduzir estereótipos nem preconceitos, informe-se, reflita sobre a realidade e posicione-se eticamente. 12. Quando estiver satisfeito com o resultado final de sua redação, passe seu texto à tinta para a folha oficial e entregue-a ao professor.
Publicação 13. Após a seleção das cinco melhores redações pela banca examinadora, leiam coletivamente as redações escolhidas. 14. Publiquem as redações selecionadas no blog da escola. Deixem o post aberto para comentários e atentem-se a eles. Lembrem-se de que nos vestibulares e no ENEM as temáticas abordadas são relevantes socialmente, e os comentários podem indicar possíveis caminhos de discussão. Não escreva no livro.
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Cena do filme Spotlight: segredos revelados, direção de Tom McCarthy (EUA/Canadá, 2015), baseado na história real de como um grupo de jornalistas do The Boston Globe desmascarou o acobertamento de casos de abuso sexual e pedofilia cometidos por membros da arquidiocese católica de Boston. Essa investigação ganhou o Prêmio Pulitzer de Serviço Público em 2003 e demonstra a importância do jornalismo a serviço da sociedade. 343
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Vestibular e Enem Em geral, os exames vestibulares propõem em suas provas de redação um texto do tipo dissertativo-argumentativo. A edição 2016 do vestibular da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP) propôs que os candidatos redigissem uma dissertação com argumentos que sustentassem seu ponto de vista sobre um destes dois temas: “A relação público/privado nas redes sociais” ou “O papel do consumo na formação da identidade e/ou dos valores dos indivíduos”. Já a prova de redação do vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP) de 2016 solicitou que o candidato, com base na leitura de uma fábula de La Fontaine, elaborasse uma resenha. Por fim, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no vestibular de 2013, requisitou a produção de um artigo de opinião sobre a liberdade nas redes sociais. Para atender a essas propostas, você pode contar com os conceitos e reflexões que compuseram esta unidade. 1. (ESPM-SP) Tema 1 Uma das consequências involuntárias da revolução informática foi a fragilização das fronteiras entre o público e o privado, confundindo-se ambos num happening em que todos somos ao mesmo tempo espectadores e atores, em que nos exibimos reciprocamente, ostentando nossa vida privada e nos divertindo observando a alheia, num strip tease generalizado no qual nada ficou a salvo da mórbida curiosidade. Mario Vargas Llosa
PROPOSTA: Com base nas informações do texto e em outras de seu conhecimento sobre o assunto, elabore um texto dissertativo que apresente considerações acerca da relação público/privado nas redes sociais. Tema 2 Numa época em que os produtos estão cada vez mais em igualdade técnica, é preciso encontrar um meio de se destacar, de atrair o olhar pelo “algo mais” que permite diferenciá-los. O sucesso da Apple se deve em grande parte a essa distinção assegurada pelo design, no qual sempre apostou prioritariamente… A companhia soube conceber o mundo Apple em que o computador, por suas linhas, seu sistema de navegação, seu grafismo, define um estilo de vida e induz o pertencimento a um grupo que compartilha seus valores. Lipovetsky, Gilles; Serroy, Jean. A estetização do mundo.
PROPOSTA: Com base nas informações do texto e em outras de seu conhecimento sobre o assunto, elabore um texto dissertativo que apresente considerações acerca do papel que o consumo vem assumindo atualmente na formação da identidade/valores dos indivíduos. •• Escolha um dos temas acima e desenvolva uma dissertação com o mínimo de 20 linhas e o máximo de 30 linhas, considerando-se letra de tamanho regular. •• […] •• Dê um título sugestivo e criativo à sua redação. •• Defenda ou refute as ideias apresentadas através de uma dissertação integrada, coerente, organizada e estruturada. Fundamente suas ideias com argumentos, sem sair do tema. Aderência ao tema é um dos itens de avaliação. Importante: Não há uma resposta ou alternativa certa ou errada a ser encontrada. Não vamos julgar suas opiniões, mas sua capacidade de análise e argumentação. 2. (Unicamp-SP) Você é um estudante universitário que participará de um concurso de resenhas, promovido pelo Centro de Apoio ao Estudante (CAE), órgão que desenvolve atividades culturais em sua Faculdade. Esse concurso tem o objetivo de estimular a leitura de obras literárias e ampliar o horizonte cultural dos estudantes. A resenha será lida por uma comissão julgadora que deverá selecionar os dez melhores textos, a serem publicados. Você escolheu resenhar a fábula de La Fontaine transcrita abaixo. Em seu texto, você deverá incluir: a) uma síntese da fábula, indicando os seus elementos constitutivos; b) a construção de uma situação social análoga aos fatos narrados, que envolva um problema coletivo; c) um fechamento, estabelecendo relações com a temática do texto original. Seu texto deverá ser escrito em linguagem formal, deverá indicar o título da obra e ser assinado com um pseudônimo. 344
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Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Vocabulário de apoio
A Deliberação Tomada pelos Ratos Rodilardo, gato voraz, aprontou entre os ratos tal matança, que deu cabo de sua paz, de tantos que matava e guardava na pança. Os poucos que sobraram não se aventuravam a sair dos buracos: mal se alimentavam. Para eles, Rodilardo era mais que um gato: era o próprio Satã, de fato. Um dia em que, pelos telhados, foi o galante namorar, aproveitando a trégua, os ratos, assustados, resolveram confabular e discutir um modo de solucionar esse grave problema. O decano, prudente, definiu a questão: simples falta de aviso, já que o gato chegava, solerte. Era urgente amarrar-lhe ao pescoço um guizo, concluiu o decano, rato de juízo. Acharam a ideia excelente, e aplaudiram seu autor. Restava, todavia, um pequeno detalhe a ser solucionado: quem prenderia o guizo – e qual se atreveria? Um se esquivou, dizendo estar muito ocupado; Outro alegou que andava um tanto destreinado em dar laços e nós. E a bela ideia teve triste final. Muita assembleia, ao fim nada decide – mesmo sendo de frades ou de veneráveis abades…
abade: superior de ordem religiosa que dirige uma abadia. frade: indivíduo pertencente a ordem religiosa cujos membros seguem uma regra de vida e vivem separados do mundo secular. decano: o membro mais velho ou mais antigo de uma classe, assembleia, corporação, etc. guizo: pequena esfera de metal com bolinhas em seu interior que, quando sacudida, produz um som tilintante. solerte: engenhoso, esperto, sagaz, ardiloso, arguto, astucioso
Deliberar, deliberar… conselheiros, existem vários; mas quando é para executar, onde estarão os voluntários? Fábulas de La Fontaine. Trad. Milton Amado; Eugênia Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 2003. p. 134-136.
3. (UFRN) Em todo o mundo, as denominadas redes sociais, como Twitter e Facebook, além de agilizarem a comunicação entre milhões de pessoas, vêm se revelando como um instrumento útil na projeção de questões políticas e sociais, criando novas possibilidades de expressar opiniões e mobilizar pessoas. No Brasil, pelo menos um terço da população manifesta, nesses espaços virtuais, a sua opinião sobre qualquer tema. Essas manifestações vão desde aquelas que têm como objetivo a justiça social até as que expressam algum tipo de ódio ou preconceito contra grupos tidos como minoritários. Diante dessa polêmica em torno do papel das redes sociais, o jornal Voz digital criou uma seção destinada à publicação de artigos de opinião sobre o assunto. Para participar desse debate, escreva um artigo de opinião em que você se posicione sobre a seguinte questão: Redes sociais: exercício ou abuso da liberdade? Seu artigo deverá, obrigatoriamente, atender às seguintes exigências: •• […] •• não ser escrito em versos; •• apresentar explicitamente um ponto de vista, fun•• conter, no máximo, 40 linhas; damentado em, no mínimo, dois argumentos; •• não ser assinado (nem mesmo com pseudônimo). •• ser redigido na variedade padrão da língua portuguesa; ATENÇÃO Será atribuída nota zero à redação em qualquer um dos seguintes casos: •• texto com até 14 linhas; •• identificação do candidato (nome, assinatura ou pseudônimo); •• fuga ao tema ou à proposta; •• artigo escrito em versos. •• letra ilegível; 345
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Projeto 1 Feira de profissões O que você vai fazer
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Neste projeto, você e os colegas vão organizar uma feira de profissões, que será uma exposição aberta à comunidade. Em grupos, vocês pesquisarão profissões de diferentes áreas: a formação necessária para exercê-las, o perfil do profissional da área, a rotina de trabalho, o mercado de trabalho, etc. Depois, organizarão um evento em que as profissões serão apresentadas ao público. Essa pode ser uma experiência interessante neste momento de conclusão do Ensino Médio, pois em breve, precisarão tomar decisões relativas à vida profissional.
São muitas as profissões e áreas de atuação de cada profissional, assim como há diferentes ambientes de trabalho possíveis, de acordo com a formação profissional de cada pessoa.
Objetivos
•• Identificar os interesses profissionais da turma. •• Pesquisar sobre diferentes profissões e seu exercício. •• Apresentar resultados de pesquisa.
Elaboração Este projeto será elaborado em quatro etapas, descritas a seguir.
1. Escolha das profissões •• A classe deve se organizar, primeiramente, em três grupos, de acordo com o interesse dos alunos. a) Profissões do campo das Ciências Humanas. b) Profissões do campo das Ciências Exatas. c) Profissões do campo das Ciências Biológicas. •• Cada grupo vai fazer uma lista de profissões que fazem parte do campo pelo qual ficou responsável. Para isso, pesquisem na internet e em guias de profissões. •• Realizem uma votação no grupo e anotem as cinco profissões pelas quais houve maior interesse. 2. Pesquisa sobre as profissões •• Façam uma pesquisa sobre as cinco profissões escolhidas. Essa pesquisa pode ser executada na internet e/ou por meio de conversas com pessoas que atuem nessas profissões. Sigam alguns aspectos a ser contemplados. a) Formação: Que curso(s) é (são) necessário(s) fazer? Qual é a duração? Onde está(ão) disponível(is)? Como ingressar nesse(s) curso(s)? 346
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b) Perfil profissional: Que características de personalidade esse profissional precisa ter? Que características pessoais podem prejudicá-lo? c) Rotina de trabalho: Como é o dia a dia desse profissional? O que ele faz? Quais costumam ser os horários de trabalho? d) Tendências de mercado: Como está o mercado de trabalho para essa profissão? Quais são as tendências para os próximos anos? e) Outros aspectos que o grupo deseja contemplar. •• Para cada profissão, organizem as informações em uma ficha avulsa.
3. Preparação das apresentações •• Os integrantes de cada grupo devem se organizar em cinco subgrupos. Cada um ficará responsável por uma profissão. •• Releiam a ficha da profissão pela qual ficaram responsáveis e elaborem um cartaz com as principais informações nela contidas. Nesse cartaz, vocês podem fazer ilustrações ou colar fotos relacionadas à profissão. O cartaz ficará exposto no estande do grupo no dia da exposição. •• Imprimam, ou recortem de jornais e revistas, notícias, reportagens, anúncios publicitários e outros textos que façam referência à profissão. Reúnam esse material em um dossiê, que pode ser uma pasta em cuja capa a profissão esteja identificada. Esse dossiê ficará disponível para os visitantes do evento e depois poderá ser doado à biblioteca da escola, formando uma coleção de dossiês das profissões que futuramente poderá ser consultada por outras turmas de terceiro ano. •• Se possível, reúnam uniforme, traje característico ou objetos relacionados à profissão para decorar o espaço de vocês no estande de exposição. •• Com base na ficha da profissão e na organização dos outros materiais, preparem a fala que vocês dirigirão aos visitantes do estande durante a feira. a) Apresentação da profissão: com o apoio do cartaz elaborado, organizem a apresentação dos resultados da pesquisa, mencionando todas as características da profissão. b) Apresentação do dossiê: finalizem o dossiê da profissão para os visitantes consultá-lo. c) Abertura para perguntas: reservem um momento para os visitantes fazerem perguntas sobre a profissão. d) Agradecimento: preparem um agradecimento formal aos visitantes. 4. Organização da feira de profissões •• A feira de profissões poderá acontecer em uma data conveniente à comunidade, no pátio da escola ou em outro espaço que comporte o evento. •• Cada grupo terá um estande, que poderá ser organizado com as próprias carteiras da sala de aula. Os cartazes confeccionados pelos subgrupos deverão ser afixados na parede, e os integrantes do grupo deverão se posicionar entre os cartazes e as carteiras, onde ficarão expostos os dossiês sobre as profissões e os objetos a elas relacionados. •• Cada grupo deve confeccionar um cartaz ou uma faixa que identifique o campo a que pertencem as profissões. •• Profissionais podem ser convidados para falar sobre seu trabalho no dia do evento. •• Cada subgrupo deve se revezar de modo que todos visitem os demais estandes e conheçam as profissões apresentadas pela turma.
Avaliação
•• Após o evento, reúna-se com toda a turma e busque identificar se este projeto os auxiliou de
alguma forma na escolha da futura profissão. Conversem também sobre as dificuldades, os erros e os acertos ocorridos na realização do projeto. Quais foram os aspectos positivos? O que poderia ter sido melhor? Como o grupo avalia o envolvimento da comunidade? 347
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Projeto 2 Empreendedorismo juvenil Você e os colegas vão organizar uma página de rede social sobre empreendedorismo juvenil. Em grupos, vocês pesquisarão sobre o assunto e coletarão textos interessantes sobre o tema. Também realizarão, na turma, um levantamento de ideias empreendedoras e verificarão a possibilidade de colocá-las em prática. Depois, criarão e divulgarão uma página em rede social em que publicarão os textos que encontraram na primeira etapa do trabalho, dando o crédito devido aos autores dos textos. Nessa página, vocês também podem compartilhar as ideias empreendedoras que resolverem executar.
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O que você vai fazer
O trabalho em grupos pode proporcionar a oportunidade de que boas ideias surjam.
Objetivos •• Pesquisar sobre empreendedorismo juvenil. •• Identificar ideias empreendedoras na turma. •• Utilizar uma página de rede social como meio de divulgação de resultados de pesquisa e de ideias.
Elaboração Este projeto será elaborado em quatro etapas, descritas a seguir.
1. Pesquisa sobre empreendedorismo juvenil •• A turma deverá se organizar em dois grandes grupos, que manterão constante diálogo entre si durante as pesquisas. a) O primeiro grupo ficará responsável por realizar uma pesquisa, em meio impresso e eletrônico, com o objetivo de elaborar uma definição de empreendedorismo juvenil. A pesquisa deverá ser compartilhada com o segundo grupo e transcrita em um documento. b) O segundo grupo deverá pesquisar na internet exemplos bem-sucedidos de empreendedorismo juvenil, focando, principalmente, no modo como a iniciativa teve início. Todos os links interessantes que selecionarem deverão ser compartilhados com os colegas do primeiro grupo e reservados para serem utilizados posteriormente. 2. Levantamento de ideias empreendedoras •• Com a definição de empreendedorismo juvenil em mente e após ler os exemplos selecionados, a turma deve se reunir em uma roda de conversa para levantar ideias empreendedoras, individuais ou coletivas. Todas as ideias citadas devem ser anotadas por alguém previamente escolhido. a) Em primeiro lugar, devem se manifestar, se houver, todos os alunos que, de alguma forma, já exercem atividade empreendedora. b) Em segundo lugar, devem ser compartilhadas as ideias empreendedoras dos alunos que, durante a pesquisa, pensaram em alguma atividade que poderiam fazer individualmente. 348
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c) Por último, se um grupo de alunos pensou em algo que possa fazer coletivamente, também deve compartilhar essa ideia. d) Tenham em mente que uma ideia empreendedora pode partir do que vocês já sabem fazer. Se houver alguém na turma com alguma habilidade (cozinhar, consertar objetos, etc.), isso também deve ser anotado. e) Nem sempre as ideias empreendedoras visam ao lucro pessoal. Pensem também na possibilidade de ajudar a comunidade em algo de que ela precise. f) Atualmente, muitos adolescentes e jovens têm canais de vídeos na internet sobre assuntos diversos, e isso é uma forma de empreendedorismo juvenil. Se alguém na turma costuma fazer vídeos e postá-los, essa atividade também deve ser inserida na lista.
3. Transformando ideias em realidade •• A pessoa que ficou responsável pelas anotações das ideias empreendedoras deve organizá-las em forma de lista e registrá-las no quadro de giz ou, se possível, projetá-las. •• A classe deverá analisar a lista e, com base nas pesquisas já realizadas, verificar quais dessas ideias podem ser colocadas em prática. Selecionem três delas, inicialmente. Depois, outras ideias poderão ser selecionadas. •• Com base na pesquisa realizada, toda a turma deve auxiliar esses alunos ou grupos de alunos a se tornar empreendedores juvenis. •• No caso dos alunos mencionados nos itens a e f da etapa anterior, busquem formas de ajudá‑los a melhorar o que já fazem e compartilhem com eles algumas sugestões. •• Elaborem, com o auxílio de programas de computador, anúncios publicitários com o objetivo de divulgar na internet os empreendimentos juvenis da turma, tomando os cuidados necessários quanto à segurança. •• Escrevam uma reportagem sobre o caminho percorrido por esses empreendedores. 4. Organização e lançamento da página na rede social •• Criem a página de empreendedorismo da turma em uma rede social. a) Elejam alguns alunos para administrá-la. b) Postem na página a definição de empreendedorismo juvenil que elaboraram e os textos que pesquisaram na internet sobre o assunto. c) Utilizem a página para divulgar os empreendimentos juvenis da classe, postando a reportagem escrita por vocês e os anúncios publicitários criados. •• Organizem um evento para o lançamento da página na rede social, que deverá ser aberto a toda a comunidade. Esse evento deverá acontecer em um fim de semana ou em outra ocasião, de acordo com o que for mais conveniente para a escola e para a comunidade extraescolar. a) Escolham um local de grande visibilidade para colar o cartaz com a definição de empreendedorismo elaborada por vocês. b) Separem espaços para que os empreendedores juvenis da turma divulguem e demonstrem seus serviços. c) Elejam um ou dois alunos para fazer um relato oral das etapas do projeto e seus resultados. d) O principal momento do evento será quando a turma dará o clique que colocará a página no ar. Se possível, exibam esse momento em um telão em que a página esteja projetada.
Avaliação
•• Em uma roda de conversa, reúnam-se e discutam a realização do projeto e seus resultados.
Nessa ocasião, terão especial participação os empreendedores juvenis que foram descobertos e os que se desenvolveram durante a execução do projeto. Citem os aspectos positivos e o que poderia ter sido melhor e comentem a participação da comunidade. 349
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Siglas dos exames e das universidades Cásper Líbero-SP – Faculdade Cásper Líbero
Uespi – Universidade Estadual do Piauí
Enem – Exame Nacional do Ensino Médio
Ufam – Universidade Federal do Amazonas
ESPM-SP – Escola Superior de Propaganda e Marketing
Ufes – Universidade Federal do Espírito Santo
Fatec-SP – Faculdade de Tecnologia de São Paulo FGV-SP – Fundação Getúlio Vargas IFMT – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Mato Grosso IFPE – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco PUC-Campinas-SP – Pontifícia Universidade Católica de Campinas PUC-PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUC-RJ – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Udesc – Universidade do Estado de Santa Catarina UEM-PR – Universidade Estadual de Maringá Uenp-PR – Universidade Estadual do Norte do Paraná Uepa – Universidade Estadual do Pará Uesc-BA – Universidade Estadual de Santa Cruz
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFRGS-RS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFSC-SC – Universidade Federal de Santa Catarina UFSM-RS – Universidade Federal de Santa Maria UFTM-MG – Universidade Federal do Triângulo Mineiro Unama-PA - Universidade da Amazônia Unicamp-SP – Universidade Estadual de Campinas Unifesp – Universidade Federal de São Paulo Unifor-CE – Universidade de Fortaleza Unir-RO – Universidade Federal de Rondônia Vunesp – Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual
Paulista
Créditos complementares de textos p. 41 © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto p. 67 © Oswald de Andrade p. 67 © Oswald de Andrade p. 68 © Oswald de Andrade p. 68 © Oswald de Andrade p. 69 © Oswald de Andrade p. 69 © Oswald de Andrade p. 98 Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond.
www.granadrummond.com.br p. 100 Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond.
www.granadrummond.com.br p. 101 Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond.
www.granadrummond.com.br p. 101 Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond.
www.granadrummond.com.br p. 103 © by herdeiros de Murilo Mendes p. 103 © by herdeiros de Murilo Mendes p. 104 © by herdeiros de Jorge de Lima p. 105 © by herdeiros de Jorge de Lima p. 105 © by herdeiros de Jorge de Lima
p. 117 © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto p. 117 © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto p. 132 © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto p. 133 © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto p. 133 © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto p. 134 © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto p. 135 © by herdeiros de João Cabral de Melo Neto p. 153 © by herdeiros de Manoel de Barros p. 187 © by Marina Colasanti p. 189 © by Elena Quintana p. 199 © by Adelia Prado p. 223 Preciso me encontrar, Candeia. © by Universal Mus Pub MGB
Brasil Ltda. p. 224 © Creative Commons p. 240 “Questão tática, como queríamos demonstrar”, de Soninha, Folha
de S. Paulo, 13.08.2009, fornecido pela Folhapress. p. 259 © by Elena Quintana p. 272 © Creative Commons p. 288 © by herdeiros de Paulo Mendes Campos p. 342 © Creative Commons
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