ensino médio
língua portuguesa 1º ano
Língua
Portuguesa
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Organizadora: Edições SM Obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida por Edições SM. Editora responsável: Andressa Munique Paiva Ricardo Gonçalves Barreto Marianka Gonçalves-Santa Bárbara Cecília Bergamin
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Língua
Portuguesa
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ensino médio
língua portuguesa 1º ano
Organizadora: Edições SM Obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida por Edições SM. Editora responsável: Andressa Munique Paiva
• Bacharela em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. • Especialista em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). • Especialista em Fundamentos da Cultura e das Artes pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). • Editora de livros didáticos.
Ricardo Gonçalves Barreto
• Bacharel e Licenciado em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. • Mestre e Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). • Professor de Literatura Brasileira na rede particular de ensino.
Marianka Gonçalves-Santa Bárbara
• Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG-PB). • Mestra em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP. • Professora do Curso de Leitura e Produção de Texto na Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão (Cogeae) da PUC-SP.
3a edição São Paulo 2016
Cecília Bergamin
• Bacharela em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. • Mestra em Letras no programa Literatura Brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. • Professora de Língua Portuguesa e Literatura na rede particular de ensino.
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Ser protagonista – Língua portuguesa – 1 © Edições SM Ltda. Todos os direitos reservados
Direção editorial Juliane Matsubara Barroso Gerência editorial Roberta Lombardi Martins Gerência de design e produção Marisa Iniesta Martin
Edição executiva Andressa Munique Paiva Edição: Ana Alvares, Ana Spínola, Camila Ribeiro, Luciana Pereira da Silva, Millyane M. Moura Moreira, Natália Coltri, Talita Mochiute, Wilker Sousa Colaboração técnico-pedagógica: André Renato Oliveira Silva, Greta Marchetti, Lívia Bueloni Gonçalves, Neide Luzia de Rezende, Rodrigo Saffuan, Saulo da Silva Oliveira, Vanessa Gonçalves Coordenação de controle editorial Flavia Casellato Suporte editorial: Alzira Bertholim, Camila Cunha, Giselle Marangon, Mônica Rocha, Talita Vieira, Silvana Siqueira, Fernanda D’Angelo Coordenação de revisão Cláudia Rodrigues do Espírito Santo Preparação e revisão: Ana Rogéria Brasil Ribeiro, Angélica Lau P. Soares, Berenice Baeder, Luciana Chagas, Maíra Cammarano, Rosinei Aparecida Rodrigues Araujo, Sâmia Rios, Taciana Vaz, Marco Aurélio Feltran (apoio de equipe) Coordenação de design Rafael Vianna Leal Apoio: Didier Dias de Moraes Design: Leika Yatsunami, Tiago Stéfano Coordenação de arte Ulisses Pires Edição executiva de arte: Melissa Steiner Edição de arte: Andressa Fiorio Diagramação: Marcos Dorado Coordenação de iconografia Josiane Laurentino Pesquisa iconográfica: Bianca Fanelli, Susan Eiko Tratamento de imagem: Marcelo Casaro Capa Didier Dias de Moraes, Rafael Vianna Leal Imagem de capa Donatas1205/Shutterstock.com/ID/BR Projeto gráfico cldt Editoração eletrônica MRS Editorial Ilustrações Adriana Alves, Daniel Almeida, Daniel Araujo, Ian Herman, Pedro Hamdan, Veridiana Scarpelli Fabricação Alexander Maeda Impressão
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Barreto, Ricardo Gonçalves Ser protagonista : língua portuguesa, 1o ano : ensino médio / Ricardo Gonçalves Barreto, Marianka Gonçalves-Santa Bárbara, Cecília Bergamin ; organizadora Edições SM ; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida por Edições SM ; editora responsável Andressa Munique Paiva. – 3. ed. – São Paulo : Edições SM, 2016. – (Coleção ser protagonista) Suplementado pelo manual do professor. Bibliografia. ISBN 978-85-418-1377-8 (aluno) ISBN 978-85-418-1378-5 (professor) 1. Português (Ensino médio) I. Barreto, Ricardo Gonçalves. II. Gonçalves-Santa Bárbara, Marianka. III. Bergamin, Cecília. IV. Paiva, Andressa Munique. V. Título. VI. Série. 16-02707 CDD-469.07 Índices para catálogo sistemático: 1. Português : Ensino médio 469.07 3ª edição, 2016
Edições SM Ltda. Rua Tenente Lycurgo Lopes da Cruz, 55 Água Branca 05036-120 São Paulo SP Brasil Tel. 11 2111-7400
[email protected] www.edicoessm.com.br
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Apresentação Caro estudante: As novas tecnologias dão acesso a um vasto acervo de informações e a novos meios de interação e publicação de conteúdos. Essa realidade nos impõe alguns desafios: Como lidar com tantos dados de forma crítica, sem ser superficial? Como transformar a facilidade de acesso a conteúdos em conhecimentos que contribuam para a formação de cidadãos éticos e autônomos? Como nos responsabilizar pela criação e publicação de conteúdos? Essas questões relacionam-se profundamente com o estudo de Língua Portuguesa, pois a linguagem está em tudo o que diz respeito à vida em sociedade. Esta coleção tem o objetivo de ajudá-lo a se tornar um leitor atento do mundo e, com isso, contribuir para que você participe ativamente e de maneira construtiva de nossa sociedade. Esse propósito permeia os três volumes da coleção, repletos de atividades de leitura, análise e produção, abrangendo grande variedade de textos verbais e não verbais, nas três partes em que cada um está organizado: Literatura, Linguagem e Produção de texto. Na parte de Literatura, você vai entrar em contato com leituras literárias. Isso significa conectar-se com questões que caracterizam a experiência humana em diferentes épocas e que enriquecem sua formação e seu repertório cultural. Ao ler e estudar textos que remetem à tradição literária em língua portuguesa, você vai acompanhar como escritores experimentaram e ampliaram as possibilidades de expressão em nosso idioma. Na parte de Linguagem, você vai refletir sobre a língua em suas várias dimensões – social, cultural, política, ideológica, expressiva –, ao mesmo tempo que vai estudar de forma crítica os principais temas da tradição gramatical. Nessa abordagem, damos destaque à noção de adequação linguística, que não passa por um julgamento sobre o que é “certo” ou “errado” na língua – uma vez que esse tipo de distinção, em geral, acaba por discriminar grupos de falantes que não têm o mesmo prestígio social do que aqueles que conhecem a norma-padrão. Sem dúvida, é fundamental conhecê-la para o exercício pleno da cidadania, para o enriquecimento cultural e para o prosseguimento dos estudos formais. No entanto, além desse conhecimento essencial, você também encontrará nesta coleção diversas manifestações da nossa língua, patrimônio de todos os falantes da língua portuguesa. Na parte de Produção de texto, você não aprenderá simplesmente um conjunto de técnicas para elaborar um texto, você terá clareza sobre a finalidade de sua produção, seja oral, seja escrita; levando em conta sua intenção e seu interlocutor. Produzir um texto significa ocupar um lugar social, relacionar-se com outros, participar de uma prática que envolve saberes diversos. Alguns dos gêneros textuais que você vai produzir o desafiarão a propor soluções fundamentadas para problemas da sociedade atual. Literatura, Linguagem e Produção de texto. Três caminhos para você aprofundar sua leitura do mundo e estimular sua participação na sociedade do século XXI.
Equipe editorial 3
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A organização do livro Pilares da coleção Esta coleção organiza-se em quatro pilares, cada qual com objetivos próprios.
contextualização e interdisciplinaridade
Apresentar conceitos de outros campos do conhecimento pertinentes ao assunto estudado, para que você possa estabelecer relações ao ler um texto e ampliar seu conhecimento de mundo.
compromisso
visão crítica
iniciativa
Relacionar o conteúdo apresentado a aspectos ligados à vida em sociedade, de modo a despertar em você a consciência sobre seus direitos e deveres como cidadão.
Articular conceitos de determinado período literário com assuntos referentes ao mundo contemporâneo e promover reflexão sobre variação linguística, para que você possa desenvolver uma visão crítica sobre a literatura e a língua.
Incentivar a atitude proativa e o trabalho em grupo para que você e os demais colegas possam, por meio da realização de projetos, aproximar a realidade à vida escolar.
As seções e os boxes que se propõem a trabalhar esses eixos estão indicados pelos ícones que os representam.
Partes
Este livro é organizado em três partes – Literatura, Linguagem e Produção de texto – subdivididas em unidades e capítulos. Alguns boxes e seções propõem articulações entre elas.
Literatura As unidades de Literatura proporcionam o contato com textos de diferentes linguagens, épocas e lugares. Para auxiliar as leituras, os capítulos apresentam conceitos, procedimentos e recursos próprios dos estudos literários.
Linguagem As unidades de Linguagem realizam a revisão crítica dos principais temas da tradição gramatical, tomando-os como ponto de partida para a reflexão sobre os usos efetivos da língua.
Produção de texto As unidades de Produção de texto propõem o estudo de grupos de gêneros textuais orais e escritos. Cada capítulo aborda a leitura e a produção de um gênero específico.
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Atividades em seções e boxes Literaturas de um continente em movimento
AbdulA, Naguib Elias. Sementes com beijos fabulíricos, 2004. Terra vermelha, cola vulcano 7, médio vinílico, pasta acrílica e acrílico sobre tela, 86 cm 3 130 cm. Coleção particular.
O artista moçambicano Naguib Elias Abdula (1955-) mistura referências da arte tradicional africana, como os grafismos e as máscaras, com a liberdade da linguagem da arte contemporânea, com que teve bastante contato em seus estudos artísticos na Europa. A utilização de terra como material pictórico é uma característica que simboliza sua profunda ligação com a natureza e as raízes culturais africanas. capítulo
Criar criar estrelas sobre o camartelo guerreiro paz sobre o choro das crianças paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato paz sobre o ódio
criar criar amor com os olhos secos.
Criar criar criar liberdade nas estradas escravas algemas de amor nos caminhos paganizados do amor sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forças simuladas
Literatura Em Literatura, a seção Sua leitura propõe abordagens variadas para o texto literário: leitura comparada com outras linguagens, articulação com o contexto de produção, observação dos recursos expressivos, etc. O boxe Margens do texto explora, em determinados momentos, características específicas do texto literário lido. No fim do capítulo, o boxe O que você pensa disto? convida à reflexão sobre um tema da atualidade.
Literatura e interação
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O homem diz que se chama Russell e é fotógrafo, ou ganha a vida como fotógrafo, e seu laboratório fica na rua Bacaray, e ele passa meses sem sair de casa reconstruindo periodicamente os bairros do sul, que o transbordamento do rio arrasa e inunda sempre que chega o outono. Prosa Leia Russell acredita que a cidade real depende de sua réplica, e por isso está louco. Ou melhor, por isso não é um simDa mesma forma que a poesia, a prosa produzida por escritores que vi-ples fotógrafo. AvóDezanove e o segredo do soviético, Alterou as relações de representação, de modo que a cidade real é a que esconde em sua casa, enquande Ondjaki. São Paulo: Seguinte, 2009. venciaram as etapas mais duras e sangrentas do regime colonial em Angolato a outra é apenas uma miragem ou uma lembrança. também se orienta pelo uso de temas relacionados à opressão e à alienação O vendedor de passados, de José Eduardo A planta acompanha o traçado da cidade geométrica imaginada por Juan de Garay quando fundou Buenos Aires, Agualusa. Rio de Janeiro: Gryphus, 2012. política e social que atingiam nativos e assimilados. com as ampliações e modificações que a história impôs à remota estrutura retangular. Entre os barrancos que se avis(1977-) e José Eduardo Agualusa Durante a leitura de um texto literário, nossas e sensações são atualizadas Dentreideias os escritores que contribuíram para– ae formação de uma literatu-tam doOndjaki rio e os altos edifícios que formam sua muralha na fronteira norte permanecem os rastros da velha Buenos (1960-) são dois autores angolanos até mesmo transformadas – graças à interação entre as palavras e o universo partira angolana, destaca-se a figura de Luandino Vieira. Nascido em Portugal,Aires, bastante conhecidos no Brasil. Na obra de com seus tranquilos bairros arborizados e seus campinhos de grama seca. ambos, o tema da identidade é significativo. cular do leitor. E, como nenhum leitor éem igual a outro, é singular o entendi1935, comotambém José Vieira Mateus da Graça, adota o nome de Luandino O homem imaginou umadocidade perdida na memória e a repetiu tal como a lembra. O real não é o objeto da repreunidade Em AvóDezanove e o segredo soviético, mento do texto, embora o compartilhamento de valores, crenças e ideologias – derivado de Luanda, capital de Angola possa – no momento em que se inte-sentação, maséocontada espaço que se dá um mundo fantástico. a história sobem a perspectiva resultar em interpretações semelhantes. gra às forças revolucionárias pela libertação. Ou seja, a história pessoal de infantil. Os miúdos (crianças) da Praia Do A construção só pode ser visitada por um espectador de cada vez. Essa atitude incompreensível para todos é, no Bispo inventam um plano para preservar o A obra literária dialoga o tempo todoLuandino com o leitor aose mobilizar chamados horiVieira confundeoscom a própria história da luta de homens eentanto, clara para mim: o está fotógrafo bairro em que vivem e que sob riscoreproduz na contemplação da cidade o ato de ler. Aquele que a contempla é um zontes de expectativas, isto é, tanto asmulheres expectativas o leitor tem relação à para aque independência deem Angola. mudar completamente devidosozinho. à obra de Essa aspiração à intimidade e ao isolamento explica o sigilo que cercou seu leitor, de e portanto precisa estar obra, tomando como base sua experiência de e de vida, quantoobras as expectativas grande monumento. Construída com Emleitura uma de suas principais – Luuanda –, o autor volta-se para aprojetoumaté hoje. linguagem poética, a narrativa mescla fatos que a obra, dadas suas características específicas, a despertar no leitor. exploração visa dos conflitos na vida dos musseques, habitantes de grandes aglo- A leitura, dizia Ezra Pound, é uma arte da réplica. Às vezes os leitores vivem num mundo paralelo e às vezes imagihistóricos, biográficos e muita imaginação. Em Oesse vendedor de passados, personagem merados habitacionais, entre o espaço urbano e o rural. O potencial revo-nam que mundo entra ana realidade. É fácil imaginar o fotógrafo iluminado pela luz vermelha de seu laboratório sua leitura Félix tem o ofício de construir passados para silêncio da noite, pensa que sua máquina sinóptica é uma chave secreta do destino e que o que se altera em lucionário dessa parcela da população angolana torna-se a força motriz dasque, no aqueles que não estão satisfeitos com o que sua cidade seNessa reproduz em seguida nos bairros e nas ruas de Buenos Aires, só que ampliado e sinistro. As modificatrêsdonarrativas que compõem Observe a reprodução da obra Dia e noite, artista plástico holandêsLuuanda. Maurits Cornelis tiveram. reconstrução, evidenciam-se da sociedade angolana, ostraumas desgastes por que passa oa desejo réplica – os pequenos desmoronamentos e as chuvas que alagam os bairros baixos Escher (1898-1972), e, em seguida, leia o “Prólogo”, do livro O último leitor, argentino No primeiro conto do livro, pordo exemplo, o jovem Zeca e sua avó Xíxições e os de autoconstrução uma novaAires identidade reais emdeBuenos sob a forma de breves catástrofes e acidentes inexplicáveis. Ricardo Piglia (1940-). Responda às questões no caderno. tentam encontrar um lugar na ordem social imposta pelo regime colonial.– tornam-se e a impossibilidade de esquecer o que está A cidade se refere, portanto, na memória individual e coletiva.a réplicas e representações, à leitura e à percepção solitária, à presença do que se perZeca é um jovem que se preocupa com sua aparência – incomoda-se com Dia e noite suas orelhas de abano e com as poucas roupas que possui –, ao passo quedeu. Sem sombra de dúvida se refere ao modo de tornar visível o invisível e de fixar as imagens nítidas que já não vemos, mas que continuam insistindo como fantasmas e que vivem entre nós. Xíxi é uma anciã presa a valores tradicionais que desaparecem nessa nova realidade movida pelo consumo. Vivendo em um lugar marcado pela extre- Essa obra privada e clandestina, construída pacientemente no sótão de uma casa de Buenos Aires, vincula-se secretamente a certas tradições da literatura do rio da Prata; para o fotógrafo do bairro de Flores, assim como para ma pobreza, ambos não conseguem entender os mecanismos sociais que os Onetti ou para Felisberto Hernández, a tensão entre objeto real e objeto imaginário não existe, tudo é real, tudo está oprimem, não conseguem refletir sobre o mundo em que vivem, tornandoaqui, e nos movemos entre os parques e as ruas deslumbrados por uma presença sempre distante. -se sujeitos alienados e passivos. Abaixo, vê-se Ao o parágrafo encerra o lado,que é reproduzida do Capas uma doscidade livrostela AvóDezanove epintor o segredo A diminuta é como uma moeda grega submersa a brilhar sobre o leito de um rio à última luz da tarde. Não redo soviético e O vendedor de passados. conto. Zeca, em um lapso de compreensão, se dá conta da miséria em que Nesta uNidade alemão August Macke (1887-1914). mulher presenta nada, somente oUma que se perdeu. Está ali, fechada mas fora do tempo, e possui a condição da arte; desgasta-se, se encontram e da falta de saída para essa situação. não envelhece, foi feita comocom um objeto precioso que comanda o intercâmbio e a riqueza. em meio a um ambiente doméstico, Margens do texto Piglia, Ricardo. O último leitor. Trad. Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 11-13. Com5umLiteratura peso grande aeagarrar-lhe no coração, uma tristeza que enchia vocabuLário postura relaxada, lê umUmpequeno livro. de apoio dos aspectos que chamam todo o corpo e esses barulhos da vida lá fora faziam mais grande, Zeca interação diminuto: na obra de Luandino Vieivoltou dentro e dobrou as calças muito bem, paraAaguentar vincos. DeSobreatenção os textos obraosretrata Elizabeth, esposa artista, de pequenas ra é o modo como eledo aproxima a pois, nada mais que ele podia fazer já, encostou a cabeça no ombro baidimensões 1. Descreva brevemente a disposição narração Comente parece alheia eà oralidade. a tudo a suaumdos elementos e o jogo de cores na obra de Escher. xo de vavó Xíxi Hengele e desatou a chorar que um choro de grandes soluçosao pintor réplica: cópia, exemplo dessa aproximação. Observe com atenção a linha vertical que se forma no centro da imagem. imitação parecia era monandengue, a chorar lágrimas compridas e quentes volta, nada alémque do2.que acontece nas páginas que há de inusitado quanto às formas? começaram correr nos riscos teimosos as fomes já tinham posto na cara a) OVoCAbuLário sinóptico: que do livro lhe interessa. Com cores vibrantes, de Apoio permite ver de b) Que efeito esse estranhamento promove em relação às figuras representadas à direita e dele, de criança ainda. criança,linha? jovem uma só vez as esquerda pintura captura o atoàmonandengue: de ler edessa o singular VieirA, José Luandino. Vavó Xíxi e seu neto Zeca Santos. In: a Luuanda: estórias. São Paulo: Companhia partes de um vavó: avó, vovó 2006. 43. Holanda. conjunto 3. Em e O último leitor, o narrador cita um homem que vive isolado em sua casa construindo EschEr, M. C. Dia e noite, 1938. Xilogravura, 39,2 cm × 67,6das cm.Letras, Cordon Art,p. Baarn, encontro entre o texto seu leitor. ininterruptamente a réplica de uma cidade. 129 Prólogo a) Qual a motivação desse o homem em dedicar-se a essa tarefa? Nesta unidade, você refletirá sobre papel Não escreva no livro. Não escreva no livro. b) Otexto narrador defende quelendo tal homem não é um simples fotógrafo. Por quê? Várias vezes me falaram do homem que, numa casa do bairro de Flores, esconde a réplica do leitor diante de um literário, de uma cidade em que trabalha há anos. Construiu-a com materiais mínimos e numa escala 4. A construção da réplica da cidade obedeceu a um critério. Qual foi a proposta de recriação ensaios e conto que tematizam essa questão e tão reduzida que podemos vê-la de uma só vez, próxima e múltipla e como que à distância da cidade realizada pelo fotógrafo? No5/19/16 caderno, copie a alternativa correta. 4:34 PM SP_LPO1_LA_PNLD2018_U05_C08_128A139.indd 129 4:34 PM exigem leitores ativos. na suave claridade5/19/16 do amanhecer. a) O homem fotografou vários bairros da cidade, procurando destacar os aspectos mais imA cidade sempre está longe, e essa sensação de afastamento, tão de perto, é inesquecível. portantes de cada um deles para ter uma base sobre a qual poderia compor sua maquete. as especificidades da Veem-se os edifícios e as praças e as avenidas e se vê o subúrbio que declina para oeste até Também vai analisar b) O fotógrafo, a fim de construir um espaço impessoal, recorreu a antigas representações perder-se no campo. palavra literária e conhecer osrealizadas conceitos de diversos. da cidade por escritores Não é um mapa nem uma maquete, é uma máquina sinóptica; toda a cidade está ali, conc) O homem recorreu à memória, lembrando-se de experiências que teve no espaço real intertextualidade e interdiscursividade. centrada em si mesma, reduzida a sua essência. A cidade é Buenos Aires, porém modificada da cidade. e alterada pela loucura e pela visão microscópica do construtor. Você vai descobrir, portanto, como é
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Pfalzgalerie Museu, Kaiserslautern, Alemanha. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix
Criar criar sobre a profanação da floresta sobre a fortaleza impúdica do chicote criar sobre o perfume dos trocos serrados criar criar com os olhos secos
Seguinte/Companhia das Letras/Arquivo da editora
Poesia Nesse contexto, surge uma tríade de escritores que fundam essa etapa histórica da literatura angolana: Agostinho Neto (1922-1979), António Jacinto (1924-1991) e Viriato da Cruz (1928-1973). Autores de uma poesia em que o sentimento de liberdade se faz presente de maneira contundente, esses poetas influenciam gerações posteriores de escritores empenhados em causas nacionalistas e sociais na África de expressão portuguesa. Observe como isso se revela no poema a seguir, de Agostinho Neto.
a literatura e o leitor Gryphus/Arquivo da editora
A literatura angolana: estratégias da memória No final dos anos 1940, surgiu o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola: um grupo de jovens negros, mulatos e brancos reunidos em torno de ideias sintetizadas na frase “Vamos descobrir Angola!”. Eles se voltaram para a riqueza das línguas nativas e do repertório da cultura oral e popular. Buscavam uma forma de escrita que afirmasse o orgulho de ser africano. Paralelamente, desempenhavam atividades permeadas de intenso engajamento político, o que fez da literatura instrumento de resistência à opressão colonial.
Capítulo 8 – Literaturas de um continente em movimento
criar criar paz com os olhos secos
Neto, Agostinho. Sagrada esperança. Luanda: Maianga, 2004. p. 71-72.
Para compreender a literatura produzida atualmente nos países africanos de língua portuguesa, é importante considerar uma série de acontecimentos ocorridos durante o período do colonialismo. O diálogo com tradições externas (europeias e você brasileiras), o que vaida estudar o sentimento de afirmação própria nacionalidade, a expressãoO de formas de ser e leitor na de sentir originadas da mistura de várias etconstrução do sentido do texto. nias e a preocupação com a forma literária são alguns aspectos queAmerecem palavra ser discutidos para entender essaliterária. produção escrita. Na sequência, veja algumas considerações sobre a literatura recenteObra escrita em Angola, literária, um Moçambique e Cabo Verde. objeto social.
Criar Criar criar criar no espírito criar no músculo criar no nervo criar no homem criar na massa criar criar com os olhos secos
Criar criar gargalhadas sobre o escárnio da palmatória coragem nas pontas das botas do roceiro força no esfrangalhado das portas violentadas firmeza no vermelho sangue da insegurança criar criar com os olhos secos
The M.C. Escher Company B.V.,The Netherlands /The M.C. Escher Foundation
Coleção particular. Fotografia: ID/BR
Literatura e liberdade
fundamental, para a construção do sentido escreva no livro. do texto, a relaçãoNãoentre autor–obra–leitor, considerando ainda os diálogos estabelecidos entre textosSP_LPO1_LA_PNLD2018_U03_C05_072A085.indd e discursos. 5/18/16 9:10 PM 75
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Não escreva no livro.
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Imagem da página ao lado: Macke, August. Elizabeth lendo, 1911. Óleo sobre cartão, 49,5 cm × 37,9 cm. Museu Pfalzgalerie, Kaiserslautern, Alemanha.
Agora, você é convidado a interagir com os textos literários a seguir e participar na criação de novas leituras.
Elizabeth Macke, esposa do pintor, concentra-se na leitura. 72
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Prática de linguagem 4. As palavras a seguir foram formadas por diferentes processos de derivação. Identifique-os. a) desgaste d) endoidecer b) renascimento e) ajuda c) joelheira f) entardecer
Fernando Gonsales/Acervo do artista
1. Leia a tira a seguir.
5. Leia o texto a seguir, parte de uma crônica publicada na antiga revista O Cruzeiro.
expressivos
próprios de cada aMBrojo, Joan Carles. UOL mídia global, 18 jul. 2008. Disponível em:
. Acesso em: 8 abr. 2016. modalidade.
a) Na reportagem, o que significa peterpanismo? Por que a palavra está entre aspas? b) Além da justaposição das duas palavras que compõem o nome próprio Peter Pan, que outro processo de formação ocorreu para a formação da palavra peterpanismo? c) Crie outras cinco palavras a partir do mesmo processo de formação de peterpanismo, informando o significado de cada uma.
Se hoje sem você eu sofro tanto, Tens no meu pranto a certeza de um amor; […] Dai-me outro viés de ilusão
Introdução aos estudos sobre a linguagem escrita e letramento
A escrita não é aprendida espontaneamente. Alguns estudiosos defendem a ideia de que a criança, ao se apropriar do sistema de escrita alfabética, percorre etapas que se assemelham às que a humanidade percorreu ao criar a escrita. A primeira representação gráfica usada pelo ser humano foi a escrita Pois minha paixão tu não compras mais com teu olhar, pictográfica, baseada em ícones chamados de pictogramas. Nessa escrita, o desenho de um sol representava o sol com base na semelhança física. Leva esse sorriso falso embora Com o tempo, os pictogramas passaram a ser usados para representar Ou fale agora que entendes meu penar; Gonsales, Fernando. Níquel Náusea. outros conceitos. O do sol, por exemplo, adquiriu o sentido de “dia”, “caA lágrima que escorre do meu peito Castells é uma prática tradicional dados região lor”. Em alguns casos, os traços pictogramas também foram simplifica1. Como é representada graficamente a língua falada pelo ET? É de direito, pois eu sei que tens um outro alguém; dos, gerando outro tipo de representação gráfica: os ideogramas. Perdendo NEStA UNIDADE Catalunha (Espanha) que consiste em 2. No segundo quadrinho, que recursos não verbais ratopra utiliza se fazer entender? Mas opeço que, para um dia, se pensares emda trazer-me seus olhares, as principais semelhanças físicas com o objeto representado, os ideogramas construir verdadeiros “castelos” humanose deram origem à escrita ideográfica. convém; 3. No terceiro quadrinho, qual é o sentido da Faça fala porque do ET?teQue elementos nos permitem se tornaram signos convencionais 9 deduzir esse sentido? […] Linguagens, Em seu processo de representação gráfica, o ser humano passou, postepor meio de uma intrincada arquitetura. linguagem verbal riormente, a usar uma escrita alfabética, em que sons, e não mais conceiNo primeiro quadrinho, a fala do rato revelaCaMeLo um, lugar-comum histórias sobre In: ETs. Marcelo. Azedume. das Intérprete: Los Hermanos. Los Hermanos. São Paulo: Abril Music, 1999. 1 CD. Faixa 6. Considerada Patrimônio da Humanidade pela e línguao que ele diz, porque sabe tos, eram representados. Nesse sistema, os signos que representam os sons Mesmo sem conhecer a língua do visitante, o rato compreende a) A canção retrata o diálogo entre o eu lírico e um interlocutor. Unesco desde 2010, a prática dos castells são chamados de letras. Por possuir um conjunto relativamente pequeno que em histórias desse tipo os extraterrestres, em seu primeiro contato, pedem para ser lede signos (o alfabeto), podemum ser combinados de muitas formas, a esI. Que relação parece existir entre eles? 10 Uma vados até o líder local. No segundo quadrinho, elementos nãolíngua, verbais ligados à fala ajudam organiza a cada dois anos, desdeque 1980, crita alfabética é bastante econômica. II. Qual é o apelo querelacionados o eu lírico faz a esse interlocutor? as personagens a se entender. No terceiro quadrinho, recursos gráficos à escrimuitas línguas festival casteller em Nas Terragona, berço grafocêntricas, da chamadas sociedades mesmo quem não é alfabeta, aliados ao contexto da tira, dão pistas ao leitor o sentido da fala do ET. As personab) sobre O título da música, “Azedume”, é uma palavra derivada. Indique como ela se formou. tizado algum grau de letramento, termo usado para referir-se à tradição Na apresenta imagem gens partilham conhecimentos (e o leitor também) que a atribuição de sentidos. c) Em umpermitem dos versos há uma palavra formada a partir castellera. da derivação imprópria. Localize-a ao e lado, participação do indivíduo nas práticas sociais que envolvem a escrita. Esse A linguagem verbal se materializa em dois meios: o sonoro e o gráfico. Esses meios remedescreva como se deu sua formação. podemos observargrau a beleza dessas estruturas: pode variar desde a capacidade mais elementar de reconhecer os sigtem a duas modalidades de uso da língua, a fala e a escrita. É impossível situar com exatinos linguísticos e numéricos que indicam, por exemplo, o destino de um centenas de homens e mulheres das mais dão o momento em que o ser humano adquiriu a capacidade de emitir sons com a voz. Espe245 aténo os usos mais sofisticados da escrita, como escrever um livro. Não escreva no livro. no entanto, que o surgimento Nãoda escreva livro. ocorrido há cerca de cemvariadas cialistas supõem, falanotenha mil idades seônibus, unem projeto de formar A escrita também conta com recursos expressivos específicos. Além dos anos. No que diz respeito à escrita, parece lógico que a habilidade da leitura tenha preceesses castelos humanos em um esforço sinais de pontuação, determinantes para o encadeamento lógico do texto, dido sua invenção, já que, por princípio, o objetivo de toda escrita é possibilitar a leitura. os parágrafos exercem uma função organizadora, e os destaques em negrito conjunto e organizado. Os índices talvez tenham sido os primeiros signos a mediar a relação do ser huma5/18/16 3:35 PM SP_LPO1_LA_PNLD2018_U09_C16_238A245.indd 245 5/18/16 3:35 PMgêneros, como as hise itálico ajudam a indicar ênfases. Em determinados no com a natureza. Por meio deles, nossos ancestrais aprenderam a “ler o mundo” para tórias em quadrinhos, o tamanho, a cor e o tipo de letra também dão pistas garantir sua sobrevivência, por exemplo, reconhecendo pegadas de animais que pode- A formação dos castells pode ser sobre o estado emocional e as intenções das personagens. riam servir de alimento. Provavelmente, a percepção humana sobre sua capacidadecomparada de à concepção de língua de ler sinais da natureza inspirou a criação de seus próprios signos gráficos. Isso ocorreu ANOTE Ferdinand de Saussure (1857-1913). Para esse entre os anos 3400 a.C. e 3200 a.C., na região ao sul da Mesopotâmia denominada A oralidade diz respeito às práticas a língua é um produto social da que envolvem a fala. O letramento Suméria (Ásia). Assim, quase cem mil anos separam o provável surgimento da falalinguista, do diz respeito à participação do indivíduo nas práticas que envolvem a escrita. nascimento da escrita. faculdade de linguagem. É “um sistema de
Quino. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
a) O que causa um efeito cômico na reação de Susanita à notícia divulgada no jornal? b) Explique o processo de formação da palavra coitadinho, presente no último quadrinho. c) Por que podemos dizer que o uso dessa palavra reforça o humor presente na tira? Lembre-se
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O signo é uma representação, um elemento que aparece no lugar de outro. Índices são signos cujo significado é construído com base em uma relação lógica aprendida na experiência humana.
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Pedro Hamdan/ID/BR
Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Toda Mafalda – Martins Fontes, 1991
3. Leia a tira a seguir.
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quem nasceu primeiro, a fala ou a escrita?
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Ricardo Azoury/Pulsar Imagens
Alguns adultos estancaram no caminho para a maturidade, do mesmo modo que encontramos entre adolescentes que demoram a assumir a independência. Com frequência seRelações veem referências a fala e escrita. essas pessoas como afetadas por uma síndrome ou um complexo de Peter Pan. […] As condições Sabel Gabaldón Fraile, psiquiatra do Hospital de Sant Joan de Déu dede Barcelona, é defiprodução do nitivo: “Não está tipificada como síndrome. Não é nada mais que um fenômeno social, a texto falado e dificuldade de crescer”. Gabaldón opina que o “peterpanismo” é apenas tentativa douma texto escrito. de alguns profissionais de buscar artifícios literários. […] Os recursos
HiPerteXto Conheça algumas qualidades de um bom produtor de textos orais formais em contexto público na parte de Produção de texto (capítulo 23, p. 314).
é transpassado
dades gregas da Antiguidade exercitavam-se as artes da retórica e na Clássica, frente da oratória, técnicas de persuasão por meio de elaborados discursos orais. Agimos e nos relacionamos por meio da língua falada e da língua escrita, masde raraa) O autor do texto revela que Castelar Carvalho utilizava uma palavra sentidode negativo Nasdeculturas tradição oral, como as indígenas, os membros mais velhos – baiuca – para se referir de forma mente pensamos sobre a relação entre essas duas modalidades da língua. Nãoafetiva ques-ao lugar onde trabalhava.transmitem os conhecimentos de seu grupo social por meio de narrativas tionamos, por exemplo, qual delas nasceu primeiro; nãopassagem nos damos dos recursos I. Que do conta texto comprova que se tratava de um uso afetivo orais da quepalavra? preservam a memória coletiva. Mesmo nas sociedades que utiunidade expressivos de cada uma; nem de qual é o papel o prestígio fala e da escrita em em que palavras de sentido lizamgeralmente a escrita, anegaoralidade continua presente em todas as esferas da vida II. eLocalize mais da duas passagens do texto são usadas com tom afetivo. Justifique suas escolhas. pessoal: familiar, escolar, pública, profissional, etc. nossa sociedade. São essas questões que você vaitivo investigar neste capítulo. A língua falada apresenta diversos recursos expressivos. A entonação e b) Nas passagens identificadas por você, uma das palavras foi formada pelo processo de a modulação da voz, o ritmo da fala, os gestos e as expressões faciais, por derivação sufixal. Qual? exemplo, contribuem para a construção de sentidos do texto oral. 6. Leia o trecho da letra de uma canção do grupo Los Hermanos. Dependendo da situação de produção, os textos orais podem ser criados Na tira a seguir, a personagem Níquel Náusea recebe a visita de dois extraterrestres. coletivamente. Em uma conversa, por exemplo, os interlocutores alternam Tira esse azedume do meu peito turnos de fala e reformulam e reveem posições a todo momento. E com respeito trate minha dor; David Nasser é o espadachim da palavra. O Cruzeiro, 18 jul. 1964.
Pintura rupestre no Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato (PI), um exemplo de escrita pictográfica. Foto de 2010.
assista Central do Brasil. Direção de Walter Salles, Brasil, 1998, 113 min. Dora trabalha na estação de trem Central do Brasil redigindo cartas ditadas por pessoas que não sabem escrever. É lá que conhece o menino Josué, cuja mãe morre atropelada, deixando-o sozinho. O sonho de Josué é conhecer o pai, e Dora decide acompanhá-lo nessa busca. Nas cenas iniciais do filme, os clientes ditam a Dora as cartas que desejam enviar. Percebe-se que todos conhecem o gênero carta e respeitam suas características; eles mostram, portanto, algum grau de letramento. Europa Filmes. Fotografia: ID/BR
o que você Adultos não conseguem amadurecer e querem continuar sendo crianças vai estudar
da fala para a escrita, da escrita para a fala
Fernando Gonsales/Acervo do artista
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a) A tira produz humor contrapondo as palavras história e pré-história. Explique como. b) Qual foi o processo de formação da palavra pré-história? c) Dê cinco exemplos de palavras da língua portuguesa formadas pelo mesmo processo. 2. Leia o texto a seguir, traduzido de uma reportagem do jornal espanhol El país.
vocabuLário de aPoio
adernado: Uma tarde, lá pelos tempos de 1937, dava entrada na redação de A Noite um moço de andar tombado para um marinheiro, meio adernado no vestir, de fala mansa e olhar de relâmpago. O velho Castelar lado; diz-se da de Carvalho, com suas longas barbas de judeu das Escrituras, disse mais ou menos assim: embarcação permanentemente — Se eu fosse dono desta baiuca (a baiuca era o seu querido jornal) botava esse sujeitiinclinada para nho de 20 anos na balança e pagava o peso dele em ouro. Vale por uma redação inteira e Fala e oralidadeuma das pontas equipada. baiuca: biboca, Olhei para o lado. O sujeitinho que Castelar de Carvalho queria contratar, a poder de barA língua falada é aquela local quedea péssima criança adquire primeiro, de maneira esras de ouro do Banco do Brasil, era David Nasser em pessoa, de paletó-saco e jornal mão. pontânea, emna suas primeirascategoria relações sociais. Por meio da fala, expressamos Agora o velho Castelar é uma saudade e o ano de 1937 apenas uma lembrança de calendário. paletó-saco: e constituímos nossa identidade como sujeitos e como membros de determiMas a frase ficou: paletó pouco nados grupos sociais. elegante, que não — Vale por uma redação inteira. A oralidade diz respeito às práticas sociais que envolvem a fala. Nas ci-
capítulo GonsaLes, Fernando.
Fernanda Montenegro como Dora, personagem de Central do Brasil.
saiba mais
Sociedades grafocêntricas são aquelas centradas na escrita, em que o texto escrito aparece em várias situações sociais, cumprindo papel significativo. Em contraponto, nas sociedades ágrafas não existe registro escrito da língua.
signos”, ou seja, um conjunto de unidades Não escreva no livro. que se relacionam organizadamente dentro de um todo. Assim como os castells, a língua não pode ser modificada em nível individual, 5/19/16 9:10 AM SP_LPO1_LA_PNLD2018_U07_C12_186A193.indd 187 pois obedece às leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade. Nesta unidade, você dará início à investigação da língua, patrimônio de seus falantes enquanto sociedade.
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Não escreva no livro.
Imagem da página ao lado: Concurso de castells de Tarragona, na Espanha. Foto de 2014.
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Pau Barrena/Corbis/Fotoarena
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Elaboração
imago/Xinhua/Fotoarena
De que formas a notícia pode influenciar a opinião do leitor. Como se constrói a coesão no texto.
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto a ser produzido. Gênero textual notícia
Público jovens da comunidade escolar
Finalidade
Meio
relatar um jornal fato atual de impresso interesse do ou público-alvo on-line
Linguagem
Evitar
objetiva; terceira opinião pessoal; depoimentos pessoa do discurso; primeira pessoa e citação de conjunções do discurso; fontes adequadas; ordem juízo de valor; direta; verbos dicendi; excesso de advérbios de tempo adjetivos e modo
2. Defina em que seção do suplemento a notícia será publicada. Capítulo 19 – Notícia
Incluir
3. Após definir o fato central da notícia, copie o quadro ao lado no caderno e preencha-o com as informações sobre o fato. a) Crie um título que resuma, em poucas palavras (entre cinco e oito), o fato central e que possa chamar a atenção do leitor. Lembre-se de que os verbos devem estar no presente. b) Defina qual será a linha fina da notícia. Que informações serão destacadas?
Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Por quê?
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Notícia
Sim
verbos dicendi. Eles podem transmitir informações importantes ao leitor a respeito do comportamento dos entrevistados.
Não
A estrutura composicional da notícia (título, linha fina, lide, intertítulo) foi respeitada? O lide apresenta todas em as informações essenciais à A notícia é um gênero textual da esfera jornalística que circula diferentes meios de compreensão do fato? comunicação. Produzida para ser consumida rapidamente, tem um “prazo de validade” verbos título estão no tempo E os do corpo bastante curto. Apresenta informações sobre oOsque sedo passa à nossa voltapresente? - em nossa da notícia, estão predominantemente no passado? cidade, país ou no mundo - e propõe reflexões a respeito da realidade e de formas As conjunções de agir sobre ela. Neste capítulo, você vai conhecer melhor foram esse utilizadas gênero eadequadamente se apropriarpara de dar coesão texto? alguns conhecimentos necessários para se tornar umao bom leitor e produtor de notícias.
unidade
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Reprodução da postagem original do presidente Barack Obama em sua conta no Twitter.
Com a aprovação da lei, casais homossexuais poderão receber benefícios federais, como Previdência e fazer declaração conjunta do imposto REPERtóRio de renda, entre outros benefícios. Atualmente, que existam 390 mil casais do mesmo sexo nos A ediçãoestima-se jornalística Leia atentamente o texto abaixo, reproduzido do site da revista Carta Capital. de acordo a Universidade da Califórnia, que acompaReescrever não écom tarefa ape8. Caso você tenha respondido “não” a alguma das perguntas do qua- Estados Unidos, dados demográficos de gays e lésbicas americanos. Outros 70 mil de sala de aula. Em grande dro, faça uma anotação a lápis no texto do colega, apontando o as- nha osnas casais,parte que vivem em estados onde o casamento gay não é permitido, dos veículos jornalísticos pecto identificado. devem(jornais, se casar nos próximos revistas, etc.),três a anos. notíInternacional 9. Aponte, também a lápis, outros aspectos do texto que podem ser mecia é retrabalhada antes de ser No Brasil lhorados (ortografia, acentuação, publicada. Suprema Corte dos EUA reconhece legalidade do casamento gay pontuação, regência, concordância, Em 2011, o Supremo Tribunal (STF) reconheceu no Brasil a escolha de palavras, etc.).gay em todo o país A primeira versão do textoFederal geEm decisão histórica, a Corte máxima dos Estados Unidos legalizou o casamento união ralmente homoafetiva. a união é feitaCom peloisso, repórter que entre casais do mesmo sexo foi e obriga estados com legislações contrárias à união de casais do mesmo sexo a aderir à nova lei reconhecida como uma entidade realizou a apuração dos familiar fatos e os direitos previstos no Código Reescrita por Redação — publicado 26/06/2015 12h09, última modificação 26/06/2015 13h13 Civil àque união estável de casais heterossexuais também passaram a valer serão noticiados. Depois A Suprema Corte norte-americana legalizou nesta sexta-feira 26para o casamento em respondeu “não” na avalia- para casais 10. Observe os tópicos os quais ogay colega disso,gays. a notícia costuma ser editodos os estados do país, após duas décadasção de discussão sobre o tema. A decisão foi de seu texto. Retome o seu planejamento e veja o que precisa ser Entre os direitos obtidos porredação casais normalmente na Contar uma história étada, algo tão antigo e do mesmo sexo com a decisão da celebrada por ativistas no lado de fora do tribunal. do veículo,estão: por outra pessoa: um à comunhão parcial de bens e a o direito à adoção, mudado. Veja também as outras anotações feitas por ele no texto origi- Corte brasileira NESTA UNIDADE essencial paraaosoaponser pensões humano quanto vidade Segundo a instância máxima da Justiça dos nal. Estados Unidos, é inconstitucional lei jornalista que exerce aafunção do INSS, entre outros. Caso tenha alguma dúvida ou uma discordância com relação federal que define o casamento como “a união tamentos entre um homem e uma mulher”. isso, editor, redator ou copidesque. do colega, peça ajuda Com ao professor. Atualmente, o casamento gay ainda em sociedade. Os sentidos das histórias se não é previsto no Brasil, uma vez a legalidade do casamento gay é assegurada no país. disso, os juízes argumentaram A edição éa um trabalho de meé necessária criação de uma lei específica sobre a questão pelo 18 Além Conto humor 11. Lembre-se desexo quede nesse gênero ocompletam critério para definir a ordem queque naqueles as ouvem leem, que a proibição do casamento entre duas pessoas de mesmo afronta a Quintatextual Emenda diação entre a origemou do texto (o Congresso Nacional. apresentação dos dados, sobretudo no lide, deve levar em conta a da Constituição, que estabelece que as pessoasdesão igualmente livres. repórter) e seu destino (o leitor). quecronológica são levados a refletir sobre a condição importância de cada informação, e não aeordem dos aconPensando esse profissional Carta Capital. Disponívelnisso, em: . Acesso em: 26 abr. 2016. todos os estados que possuem sa condição. do um resultado mais interessanleis proibindo o casamento A figura do griô nas sociedades africanas, te, que, idealmente, deve ter situação deopRodução gay a reconhecê-lo. Antes, o por exemplo, remonta amáximo milhares de anossem e de clareza e fluência Publicação casamento entre pessoas do Notícia tem prazo adeprecisão validade comprometer dos faé comumente associada à sobrevivência de mesmo sexo era proibido em 12. Com o professor, selecione as notícias mais representativas produzidas A notícia pode circular em diversos meios de comunicação: jornais, tos apurados pelo repórter. 14 estados norte-americanos. revistas, rádio, e internet. Em cada um deles, o gênero ganha além detelevisão contar histórias, por sua turma e publique-as no jornal damuitas escola. culturas. Muito Na Suprema Corte, a lei foi características próprias. o griô tem a função de reconstruir e manter a aprovada por 5 votos a 4. Na impossibilidade de relatar o presente, a notícia 287 busca tornar acessível NãoOescreva no livro.Barack Obama Não escreva no livro. presidente identidade de seu povo por meio memória, o passado mais recente.da Como declara sua data, logo se torna descartável. disse, em sua conta no Twitter, “O jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã”, como se dizia antigamente. sendo um verdadeiro artista da palavra e da que a decisão da Corte “é um Na internet, no rádio e na TV, as notícias podem ser atualizadas a qualhistórico passo à frente para o tradição. quer tempo. Embora tenham a vantagem da rapidez, esses meios de co9:35 PM 5/18/16 9:35 PM casamento entre5/18/16 iguais”, com SP_LPO1_LA_PNLD2018_U11_C19_284A287.indd 287 municação correm o risco de apresentar dados menos confiáveis e fazer O hábito de compartilhar é a hashtag “o amor vence”. Em análises menosnarrativas profundas. 2012, Obama mudou sua posie as revistasformas. semanais de atualidades, por outro lado, têm universal e se realiza Os dejornais diferentes ção a respeito do tema. Antes mais tempo para checar as informações e agregar dados e análises noNesta unidade, vocêvas. vai um pouco favorável apenas à “união Porconhecer isso, têm mais possibilidades de construir uma imagem de confiabilidade narrativo e constituir-se como civil”, Obama passou a defen- Ativista comemora a legalidade do casamento gay em frente ao sobre o conto, um gênero queo espaço em que se busca o real alcance prédio da Suprema Corte americana. dos fatos noticiados. der o casamento gay. As informações do texto foram apresentadas em ordem de importância?
Leitura
Produção de texto Todos os capítulos de Produção de texto contam com uma seção de leitura e outra de produção textual. O boxe Situação de produção introduz informações sobre o gênero em questão: quem produz, público leitor, suporte, etc. Na seção Produzir um(a) [nome do gênero textual], o planejamento, a elaboração, a avaliação, a reescrita e a publicação do texto são orientados passo a passo. Em alguns capítulos, a seção Entre o texto e o discurso aprofunda um aspecto discursivo do gênero estudado. O boxe Observatório da língua relaciona o gênero a questões linguísticas.
Narrar
O autor evitou emitir explicitamente sua opinião pessoal?
ação e cidadaNia
Em 2011, baseado nos princípios de liberdade e igualdade previstos na Constituição, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a equiparação da união homoafetiva à heterossexual no Brasil. Apesar de a aprovação do STF estar relacionada à união estável entre pessoas do mesmo sexo; em 2013, uma medida aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça passou a obrigar os cartórios a celebrar casamento de casais homoafetivos. A alteração do estado civil (de união estável para casado) garante a legitimidade das relações homoafetivas.
encanta, instiga e diverte leitores, além de propiciar novas visões sobre si e seu entorno.
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Não escreva no livro.
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Imagem da página ao lado: Meninos descendentes de uma longa linhagem de griôs em Mali. Foto de 2006.
Adriana Alves/ID/BR
Como identificar e produzir uma notícia.
7. Faça uma dupla com um colega para que cada um avalie a notícia produzida pelo outro. Após a leitura da notícia do colega, copie e preencha o quadro abaixo no caderno.
Ian Herman/ID/BR
o que você vai estudaR
Avaliação
281
Não escreva no livro.
Ao estudar o conto e preparar-se para produzir o seu, você também entrará em contato um recurso muito utilizado pelos 5/18/16 9:33 com PM SP_LPO1_LA_PNLD2018_U11_C19_279A283.indd 281 escritores para alterar a percepção do leitor sobre a realidade ou propor uma reflexão sobre ela: o humor.
Rebecca Blackwell/AP Photo/Glowimages
19 C
conjunções na produção de seu texto. Lembre-se de que elas devem expressar adequadamente a relação entre as orações.
» Escolha com cuidado os
Mark Wilson/Getty Images
capítulo
6. Acrescente um depoimento de uma testemunha, um especialista no tema tratado ou um representante de uma instituição relacionada ao assunto noticiado. Não se esqueça de citar todas as fontes consultadas. Aline Arruda/UOL/Folhapress
b
» Dê especial atenção às
5. Redija a seguir mais quatro ou cinco parágrafos, com informações complementares sobre o fato relatado (Como? Por quê?).
Ed Alves/CB/D.A Press
A
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AtENção
4. Agora que os aspectos principais da notícia já estão definidos, escreva o lide (primeiro parágrafo), registrando os dados fundamentais do acontecimento (Quem? O quê? Onde? Quando?).
Proposta Escreva uma notícia voltada ao público jovem a ser publicada no suplemento juvenil do jornal de sua escola. Observe as fotografias abaixo e inspire-se em uma delas para lembrar de algum acontecimento importante que tenha ocorrido recentemente, sobre o qual você escreverá seu texto. Se preferir, pode ser um assunto que não esteja relacionado às fotografias. Você deverá pôr em prática os aspectos da notícia estudados neste capítulo.
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Twitter. Fac-símile/ID/BR
Produzir uma notícia
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Linguagem Em Linguagem, a seção Prática de linguagem apresenta atividades com textos variados. O boxe Usina literária propõe o estudo da língua em textos literários. A seção Língua viva dá destaque a questões de uso da língua, com base na leitura de um texto, e o boxe Texto em construção propõe a observação de um recurso linguístico pertinente a um gênero estudado. A seção Em dia com a escrita focaliza diferentes aspectos do texto escrito (ortografia, pontuação, recursos de coesão textual, prescrições relativas à norma-padrão, etc.).
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comportamento 10. Em sua opinião, o que pode respeito ser feitodo para melhorar o transporte coletidos entrevistados. do milho!”? vo emasua cidade? ada um avalie notícia prooduzir oANOTE humor tira. Como isso ocorre? do colega, copie eda preencha Pedro Hamdan/ID/BR
A cartasão de reclamação umaonomatoreação a problemas reais que atingem a vida , tique-taque chamadasé de Dessanos forma, constitui um instrumento relevante de atuação social. tivo. Édaso pessoas. que exemplos abaixo. SimocorreNão
lide, 11. Apósnão apresentar reclamação à empresa, o autor do e-mail acrescenona,corrupto passou sua de blá-blá-blá. uma informação putadortaecoava pela casa.agravante aos fatos relatados por ele.
A organização do livro
a) Qual é esse agravante?
o paravab)seu tique-taque”. Note que indica Você concorda com a gravidade atribuída ao fato pelo autor do texto? Expliquepodem sua resposta. que as onomatopeias ter diferentesEm dia com a escrita o corpo 12. O autor do utilizam. e-mail refere-se aos motoristas de ônibus pelo nome. e falantes que as
Revisão de ortografia (I): os fonemas /s/ e /z/
Boxes de ampliação e sistematização do conteúdo
a) Quais são os motoristas citados? a dar b) Que efeito o autor produz ao citar Você essesrecordará nomes? dois fonemas cuja representação gráfica pode trazer dúvidas no momento da s ou ruídos. Em atividades que o ajudarão a identificar regularidades e irregu13. Qual deveria ser, em sua opinião, aescrita. conduta daseguida, empresafará em algumas relação aos dem de laridades relacionadas a esses fonemas e às letras que os representam. fatos ocorridos?
ssoal?
REPERtóRio
ANOTE
ação e Cidadania
DiVERsiDaDE
Fonema /s/ Fonema /z/ (como na palavra sapo) (como palavra formadas partir da letra inicial ou que essapronunciado notícia não traz indicação que épronunciado atribuída na àElaboração redaçãozebra) da AObserve edição jornalística Transporte urbano: A carta dea reclamação é 8. um um gênero textual argumentativo. O recla- de autoria,
iglas publicação. Representações glas também surgem novas de palavras, mante defende a posição quem foiprolesado eméseus direitos consumiReescrever não tarefa ape- de ma das perguntas do quaExemplos
* Em algumas regiões do Brasil, um Representações círculo vicioso Exemplos AtEnçãO 6. Ao estruturar os parágrafos, exercite ono usoestado do tópico gráficas dofrasal. Aproveite a) Que pessoa do discurso predomina no texto? dor e/ou em sua condição denas cidadão. Para isso, expõe todas as falhas da de sala de gráficas aula. Em grande As condições dos ônibus no centrais previstas emcomo as ideias seu planejamento e transforme-as na o colega, apontando o as» O uso do tópico frasal deve Rio de Janeiro e ema partir delas. instituição reclamada em relação ao rompido. O autor pode ainda primeira desenvolvendo-os parte dosacordo veículos jornalísticos b) Procure marcas presença deapreensão um autor na notíciaBrasil que você leu. Quaisdas sãoideais os elementos estão no oração de cada parágrafo, s da s longe hipnose ajudá-lo a criar parágrafos outras zonas cos e refletir sobre o citar papel social da instituição, revistas, etc.),como a notíque você pode marcas de autoria? que se refere a pontualidade 7. Seus e argumentos devem estar alinhados a um pensamento ético e prelo) acrescentar dados agravantes(jornais, com a ideia central a pronúncia ssantes ou nobreza o texto quecomo podem sera mebem sobre relação ideal dela com seus clientes cisam poder ser defendidos emteiras, uma sociedade justa e livre. cia é retrabalhada de público. ser retrocesso claramente anunciada. lotação dosz veículos. Isso incenANOTE imento Democrático Brasileiro) do fonema /s/ em Evite construir parágrafos ão, regência, concordância, tiva muitas a comprar çaprofunda ou detenção x pessoas exame O publicada. boxe Repertório estabelece relações com os temas estudados. O boxe Açãopalavras e cidadania aborda que tenham mais de uma como exAvaliação Para obter o efeito de objetividade necessário à credibilidade da informação, o autor da noduas vias cruzadas um automóvel, para usufruir 14. O autor da carta de reclamação que estamos A primeira versãoestudando do texto ge-utilizou grande ideia central, e não deixe de 1.cou Indique dois momentos em que Cortella menciona situação dePara produposição gera o som tícia procura apagar atenuar os vestígios de sua subjetividade naéconforto linguagem de interesse coletivo que merecem sua Já oaboxe apresenta reflexões asele. Leia atenDiferentemente de outros momentos históricos, atualmente não possível 8.Diversidade uma dupla com um colega e troque desobre texto com decisão de atenção. maior noutilizada. dia aForme dia. ralmente é feita pelode repórter que parte de seu texto paraquestões formular sugestões procedimentos à empredesenvolvê-la com exemplos, ção do texto, fazendo referência ao seminário do qual participa. [ ∫], como o repre isso, faz uso verbos impessoais e da terceirapor pessoa do discurso. Nagerais. construção das frases, tamente o texto dele. definir a produção literária contemporânea meio de análises e outros recursos. Ocaracterísticas excesso de veículos nas cidarealizou a de apuração dos fatos variedades não padrão da língua. sa reclamada. privilegia aNa ordem direta. A linguagem da notícia adjetivos eestilos, juízostende valor que sugiram pela letra x sc verifica-se fascinante atualidade, grande variedade de evita grupos, correntes, 9. Copie quadro a seguir em umasentado folha separada e preencha-o conforme al(is) dea) outras des, porém, aumenta o tempo deo Legisque serão noticiados. Depois » Se estiver em dúvida sobre a 2. Qual é a importância de se falar sobre ética em uma Assembleia Copiepalavras. os temas das sugestões, anunciados no início dos itens. uma opinião sobre o fato relatado. na palavra enxada. dências e movimentos nos quais as interações com o público se particularizam. as instruções descritas. validade de um argumento, respondeu “não”um nabreve avaliaviagem tanto dos ônibus quanto a notícia costuma ser noediBrasil? Justifique. é possível sçlativa nasço b) Faça resumodisso, de cada sugestão. No entanto, em meio a essa multiplicidade, destacar duas tenveja se é possível criar uma nto e veja o que precisa ser dos automóveis. Os especialistada, normalmente na redação Ficha de avaliação da dissertação escolar Nota quantas letras se faz um fonema? ção), forma reduzida de dências na3.literatura brasileira contemporânea: uma representação Lembre-se HiperteXto saiba mais sequência argumentativa Criar criarvoltada àdados criar 9. Copie no caderno osatrechos da exposição notícia que apresentam numéricos e informações Releia. 15. Observe como os argumentos que sustentam reclamação de Donelli * x tas nesse assunto dizem que sodo veículo, por outra pessoa: um feitas por eleescritas no textoalfabéticas origi1. linguagem. Demonstrou domínio da norma-padrão na modalidade crítica daquantidades sociedade e outra, aomeio trabalho experimental da linguagem lite(silogismo) em que ele seja a gargalhadas sobre o escárnio da palmatória criar paz com os olhos secos relacionadas a e medidas. Em seguida, explique a importância desses elemenincípio das é representar os sons da fala por de letras. em situações informais. estendem suas sugestões. Localize eaexplique, em cada item das escrita. Os sistemas uma sensível melhora dos jornalista que Leia exerce a função dedo conclusão resultante de uma ncia comserelação aos às aponPalavras como vocês e nós, usadas por rária. seguir ados opinião romancista Rubens Figueiredo (1956-) sobre coragem nasmente pontas das botas do roceiro Não confunda abreviação tos para a compreensão fatos relatados. xc exceção o esse princípio, cada letra do alfabeto deveria representar um fonema. Isto é,transporte. fazer o que vocês fazendo aqui. E oviolentadas que vocês estão fa-criar Criar sugestões, a crítica feita aos serviços empresa de premissa maior e outra menor. 2. tema e tese. Compreendeu a proposta, desenvolveu o temaoral, não pictórico eportas Cortella em sua comunicação transportes públicos motivará editor, redator ou copidesque. essesda dois modos de pensar a criação literária naestão atualidade. força no esfrangalhado das or. orado(a) abreviatura. Abreviatu adequadamente e assumiu um ponto de vista. ora a língua portuguesa se baseie com noANOTE princípio da escrita alfabética, ela também secriar liberdade nas estradas escravas têm um referente previamente definido. zendodeaqui? Nós estamos aquinonestes dias paradarecusar, recusar a ideia ideográfico os proprietários de automóveis firmeza vermelho sangue insegurança A edição um trabalho me-constitui 16.para Entre as sugestões apresentadas por éDonelli, umatem delas a se verA maneira como elas adquirem sentido algemas de amor nos caminhos paganizados do amor ra é a redução gráfica de pa 3. argumentação. Sustentou adequadamente o seu ponto de vista, Um romance grande chance de tornar irrelevante se não fizer ritério definir a ordem Rubens Figueiredo é autor de O passageiro nheiro a norma ortográfica, e os sistemas ortográficos não apresentam correspondência de que não há alternativa de futuro […]. criar representam 1.empresa setransportes. as letras dígrafos em destaque estão representando o fonema /s/ ounoe/z/. a deixar seu veículo em casa. diação entre aIndique origem do texto (o eou dadeira em solicitação àvaler de argumentos válidos bem construídos. uso da línguados é abordada naforças partesimuladas de do fim dodos dia com (Companhia das Letras, 2010). A dirige precisão das informações divulgadas na notícia confere credibilidade aconsons festivos sobre o balanceio corpos em seu poder de letra(s) conhecer de investigar o com mundo histórico. criar os olhos secosNas últi- ao relato lavras à(s) primeira(s) lide, conta a que ele entredeve som levar e letra. Por exemplo: significados, O premiado romance narra percurso de repórter) emas seu destino (oparte leitor). a) explícito e)mundial exemplo estático m) oextorquir Linguagem 13, p. 208-209). décadas, boa dada literatura ideia de i)que só tecimentos. Por isso, a linguagem notícia busca apostou oferecernamedidas (distância, altura, peso, 4. de organização textual. Apresentou (capítulo título, introdução, a) Que solicitação umareferir viagem ônibus, abordando temas o tomando o lugar for-é essa? rdem cronológica dosda aconacrescida(s) ou não da letra fi a) Quais são os pronomes usados por Cortella para se a si mesconceitos. criar Pensando nisso, esse profissional desenvolvimento e conclusão. Construiu parágrafos iniciados por é no possível serem crítico a sério concentrando-se nacriar exploração linguagem Criar b)texto exagero f) etc.) extensão j) extáticocomo a desigualdade exacerbar etc.) e quantidades (unidades, percentuais, com precisão da numérica. en) a violência na Poratendeu que essaa solicitação aparece forma de sugestão? esentação ortográfica fonética Correspondência letra-fonema tópicos frasais quecom tornam ideia central e que foram criar amor os clara olhosa sua secos. mo erespectivamente, àem plateia? serve se b) você es-Representação exemplo, nal emais seguida ponto, como da construção si. O legado todo essesobre esforço me pareceguerreiro hoje conceitos estrelas o Por camartelo reelabora omesma, original buscanSaiba etexto Lembre-se, indicam e retomam Hipertexto é o boxe que indica c) de análise g) de exaltação k) exaurirsociedade brasileira. o) ascensão adequadamente desenvolvidos. decepcionante. Em vez de radicalidade, o que me parece prevalecer é uma o signo para paz sobre o choro das crianças ouça p. (página), cód. (código), sr. [ka´zaku] 6 letras é 6 fonemas ANOTE do um resultado mais interessanb) Que efeito é produzido com a mudança de um pronome para o outro 10. Há uma citação de uma pertinentes postagem de Barack Obama no Twitter. do e informações breves, ao desenvolvimento capítulo. d) ensino h) auxílio l) excelência p) exoneração 5. ética. Apresentou reflexões sobre possíveis soluções paraentre o articulações diversas as falta de vitalidade, um acanhamento. Talvez seja exagero, mas hoje às veuma paz sobre o suor“Sol” sobre seria a lágrima do contrato problema abordado, mostrando respeito aos ematógrafo te, que, idealmente, deve ter o no trecho analisado? (senhor). Ligada exclusivamen direitos humanos. [a´ksila] 5 letras éresumo 6 fonemas Além do véu de Maya, de Tribo de Jah. São a) A pode notícia apresenta tradução em português da postagem do presidente dos EUA na zes até pressintouma nessa opção uma forma insidiosa de autocensura, ou no O final da carta de reclamação ser composto por um que representação três partes do livro. paz abaixo sobre o ódio máximo demínimo clareza epossível fluência sem 2. Registre no caderno as palavras em que a letra x não representa o fonema /z/. ropolitano te à escrita, a abreviatura está Paulo: Indie Records, 2000. 1 CD. Comentário geral sobre o texto: nota final: época. Como é atestar a veracidade dessa tradução? de conformismo. Não necessariamente por uma opção conscienc) O que une Cortella a seus ouvintes, ou seja, o que eles têm de co˜ [´ɔme] 5 letras é 3 fonemas reforce a solicitação feita e por sugestões dea encaminhamento por parte Nda icônica do Sol, comprometer precisão dos fa-relação eto, Agostinho. Sagrada esperança. Luanda: Maianga, 2004. p. 71-72. te do escritor. exclusividade d)ao excursão g) asfixia j) exalarTribo de Jah é uma banda de reggae submetida aa) convenções, não mum em tema abordado? b) de Que parece ter5sido para a inclusão dessa declaração? leitura empresa,Sua acompanhadas ou [´mãta] não umcritério prazo para solucionar oéproblema. ou seja, um letrasutilizado 4 fonemas representativas produzidas tos apurados pelo repórter. originária de São Luís (MA). Cinco lota, a Roberto; PasChe, Marcos. Saber demais: entrevista com Rubens Figueiredo. Jornal Rascunho. admitindo co b)flexibilidade êxito e) exasperação h)doexistência k) excomunhão a) Atribua uma nota de 0 a 2 para cada item do quadro. Para orientar-se Navegue Prosa Assista ouça desenho Sol. Leia 4.. Releia trecho. músicos da banda têm deficiência Leia a letra de rap a seguir,[´gɛRa] deANOTE autoria Disponível de Emicida, e responda às outro questões propostas. em: Acesso em: 3 maio 2016. cola. 6este letras é 4 fonemas na atribuição da pontuação, considere os seguintesvisual indicadores: c) axila f) oxítona i)poesia, axioma l)escritores exatidão e que se conheceram na Escolae odesegredo Cegos Diferentemente 17. Observe o final do e-mail.mum às abreviações. Literatura na rede O sorriso do do chefe. Direção de Marco Da mesma forma que a a prosa produzida por vi#SCQPLC, dede AvóDezanove dodo soviético, #SCQPLC, Literatura na rede AvóDezanove e o segredo do O sorriso chefe. Direção 2,0 – excelente realização 0,5 – realização somente esboçada Entre aàs representação imediata realidade e uma literatura afeita à A notícia dá vozSe testemunhas não me matou,mais meenvolvidas fez forte dano Casa Maranhão. O vocalista, nascido no interior Bechis, Itália, 2012, min. Emicida. Rio de de Ondjaki. São Paulo: Seguinte, 2009. Na internet, é possível encontrar inúmeras daEmicida. escrita venciaram ascom etapas mais duras e sangrentas do 1,5 regime colonial em Angola Rioprisoviético, de Ondajki. São Paulo: de Marco Bechis,75Itália, 2012, Mas para isso, evidentemente, você e euSony precisamos afastar oé–mais O que ade saudação ae respeito daÉ odisposição do autor relao se vê, oa)número fonemasrevela defato uma pode ser igual, maior ouem menor queopta boa realização 0 – realização Na internet, possível encontrar 3. Agrupe palavras aRubens seguir de acordo suas terminações. experimentação da linguagem, Figueiredo claramente pela caos como cais; sem norte Janeiro: apalavra especialistas e as instituições relacionadas de São Paulo, juntou-se ao grupoinadequada pouco publicações, com perfis bem variados, 287 Esse documentário trata do uso feito pelo Ôôô ôô também se orienta pelo uso de temas relacionados à opressão e à alienação O vendedor de passados, de José Eduardo de Janeiro: Seguinte, 2009. 75 min. alfabética, os 1,0 –que realização aceitável poderoso, odemais poderoso negativo do nosso tempo, é que ção instituição reclamada? Justifique. meira. questiona a ideia que outilizar teor crítico elemento e a seriedade seriam inúmeras publicações, com perfis No CD Além do véu de Maya, a Music, 2015.alcanVenci teimoso, zombando morte relacionadas à literatura, contribuem regime fascista italiano da imagem e do ro de letras. O àquadro abaixo descreve algumas possibilidades de correspondência depois. ao assunto tratado. Emde notícias, pode-se a)Ele tirolesa f)da dormisse k) arrogância p) argumentasse Agualusa. Rio de Janeiro: Gryphus, 2012. Lá fora é selva política e social que atingiam nativos e assimilados. 1 CD. Sony Music, com a formação de leitores e divulgam cinema. O filme mostra imagens de uma signos nesses çáveis apenas pela via do experimentalismo estético. Para adeptos do experiSem amor, uma casa é só moradia bem variados, relacionadas à O vendedor de passados, de José Esse documentário trata do uso faixa do “O colega abismo doaspectos consumismo” faz uma aoescreva ideia do carpe diem. b) Marque a lápis no texto os podem ser melhob) AAlém da assinatura, que outros direto elementos autor acrescentou ao fiNão no livro. pode nema e letra na entre língua Observe queb)um mesmo fonema ser repre-os escritores o discurso (citação entre aspas) ou o indiOndjaki (1977-) e que José Eduardo Agualusa sós luz eportuguesa. trevas novos e antigos escritores. Conheça: população trabalhadora, comprometida beleza pobreza l)1 CD. meninice q)deesquisitice A sigla que Dentre que contribuíram para arados. formação umacom literatu2015. De afeto, vazia mentalismo, o uso de formas Rafael literáriasg) consagradas, muitas sistemas delas centenárias, não crítica consumo desenfreado, literatura que contribuem a ao Eduardo Rio de Janeiro: feito regime fascista italiano Acrescente breves explicações, se necessário. (1960-) sãoAgualusa. dois autoresprática angolanos com ospelo esforços de guerra e os ideais do nal presos de suanessas carta? que finalidade Donelli fases de guerra, medo e com dá título ao Ciber & Poemas: Além de divulgação de retocomo (descrição da fala). Em ambos os casos, são por letras Nós, diferentes (caso 1),Provavelmente, bem por mais de uma letra (caso 2). Já uma lera angolana, destaca-se a figura de Luan dino Vieira. Nascido em Portugal, Tijolo e teto, fria c) substância h) distância m) tristeza r) carinhoso comumente observada napontuação sociedade bastante conhecidos no Brasil. obra item. de implica um anacronismo, como se o artista olhasse para o mundo atual com Calcule a nota final com base na soma da deNacada regime. O diretor acha importante resgatar representam sons. primeiro álbum poemas visuais e ciberpoemas, há também a)chances, Que verbos pronome pessoal poderia substituir “você e eu” na c) frase? [monstros, feztanto isso?fonemas diferentes utilizados os verbos que indicam ambos, tema da identidade criticamente esse período e essas imagens Sobre é bom atual egeral abordada por Cortella emapontando sua é significativo. e representar (caso 3)d)como mais de umvê-las fonema (caso 4) como em 1935, José Vieira Mateus da possibilidade Graça, o nome de Luandino de estúdio as lentes dodicendi, passado, ignorando limitações formais que a História sedoencarde interação on-line. d)adota Escreva um sobre o otexto lido, e explicantasse i) 9:35 famoso n) sorrisse s) comentário perseverança 5/18/16 PM tipo Jogos Vorazes Em AvóDezanove e o segredo do soviético, porque, segundo ele, tais “técnicas de rapper Emicida Disponível em: . fala, como informar, garantir, expor, declarar, conÀs vezes se perde o telhado, pra ganhar as comunicação oral. b) Desse O quemodo, a frase de Cortella ganha com o uso dede “você e eu”? – derivado de Luanda, capital Angola – noecando momento em que see inteas qualidades os problemas encontrados. regou de e expor. formal seria também um ato crítico Em Linguagem Produção dea invenção texto, Ouça, Navegue, Leia Assista, respectivamente, dão dicas de música, sites, livros filmes quesão hum fonema (caso 5). a história é contada sob a perspectiva manipulação paraefins políticos ainda quer dizer e) edoidice j) milanesa o) confiança t) duquesa Acesso em: 21 abr. 2016. [estrelas fessar, considerar comemorar. verbos infantil. Os miúdos (crianças) da Praia Do gra às forças revolucionárias pela libertação. Ou seja, a história pessoal de em si mesmo, ainda que Esses a temática socialpoestivesse ausente. É pau, pedra, é míssil Não escreva noélivro.
Warner Music/ID/BR
8:54 PM o boxe Anote resume conceitos e5/18/16 servir de fonte de pesquisa e ampliar seu repertório em relação Bispo inventam um plano para preservar o Tendeu? ANOTE quadris, informações É preciso, contudo, destacar quesobre nãoLuandino seoidentificou trata deVieira umapodem divisão rigorosa, se confunde com própria história da lutaresenhas, de homens e reescrita Apresenta vídeos,anotícias, 4. Relacione osimportantes grupos que você na atividade 3 acom as letras seguir. E crer, é cada vez mais difícildem transmitir Relação fonema-letra Exemplos Explicação bairro em que vivem e que está sob risco céu éobra meu pai pesadelos e críticas, ensaios egrau artigos, além de comoabordados seOuma de temática social não demandasse trabalho estético mulheres para ou aoindependência de Angola. no capítulo. daquele que fala ou sobre o ponto de mudar completamente devido à obra de A escolha dos pronomes pessoais de tratamento determina o Entende o negócio: nunca informações foicomportamento fácil lições de casa”. A terra, mamãe(adjetivos) 10. Troque novamente de texto com o colega. produções inéditas de prosa e poesia. alavras diferentes, um mesmo fonema girassol écom [ʒira´sɔw] O ou fonema /ʒ/ pode sermais representado A – Palavras que indicam lugar de origem. um grande monumento. Construída com a palavra; como se a outra, metalinguística, estivesse isenta de Em uma de suas principais obras – Luuanda –, o autor volta-se para a Entre osetemas Solo não dócil, esperança fóssil de vista do autor da ainteiro respeito dessa fala.casa proximidade do com seus ouvintes também oDisponível grau de em:forma. Ede onotícia mundo é tipo aorador minha linguagem poética, a narrativa mescla fatos “Sobre crianças,
utilizadas na política atual”. aos assuntos estudados.
a) Releia seu texto, buscando compreender as intervenções do colega. ser representado por letras diferentes. jiló équalquer [ʒi´lɔ] viéspelas letras g e j. Nas produções literárias recentes, abordados histórico e social. possíO samba deu conselhos: ouça em: 21alguém. abr. 2016.de grandes aglodos conflitos naénas vida dos musseques, B –Olidade Palavras (adjetivos) queexploração conferem característica aAcesso algo ouhabitantes históricos, biográficos e muita imaginação. céu é meu dopai texto. Em uma situação deuma maior formalidade, o orador pode estão a b) eDiscuta com o colega quedeainda lhea personagem causam dúviveltrês notar tanto amamãe criação/∫/depode novas formas estéticashabitacionais, quanto faixas, umarealidade visão pro1_LA_PNLD2018_U13_C25_328A335 331 bolsa, 5/18/16 5:25para PM sobre Em O vendedor passados, Jacaré que dorme,pode vira Jornal Rascunho: Espaço ma palavra, um único fonema ser11.amor O fonema ser representado merados entre o espaço urbano o rural. potencial revo- as questões dura A terra, Releia os últimos parágrafos da notícia. C – Palavras (verbos) que indicam ações ou estados possíveis ou desejáveis. dirigir-se ao público usando a expressão “as senhoras e os senhores”; jáOexclusivo chuva éfunda [´∫uva] Se necessário, fale com o professor. Félix tem o ofício de construir passados para discussõesda. literárias. Ensaios, resenhas das questões sociais e/ou existenciais contemporâneas. Eu disse no começo da periferia sentado por mais de uma letra. pelas letras ch. Capa do CD dessa parcela da população angolana torna-seentrevistas a força com motriz das Eem oque mundo inteiromais é tipo a minha lucionário casa podem aqueles que não estão satisfeitos com o que e notícias inéditos enós situações informais, ser usados termos como a gente, a) Nesse trecho, informação é acrescentada à notícia? D – Palavras (substantivos) que indicam um título de nobreza. dos grandes É quem tem valor, versus quem tem preço 11. Com base na avaliação do colega, reescreva suareconstrução, dissertação escolar. Ao Além doevidenciam-se véu três narrativas que centros compõem Luuanda. escritores tiveram. Nessa brasileiros contemporâneos alavras diferentes, mesma letra é [´aza] A letra s pode representar os urbanos repertório ouPalavras Segueuma teu instinto, que ainda é b) asa final, o professor faráavó umaXíxi avaliação e decidirá quais foram os melhoos traumas da sociedade angolana, o desejo de Maya. circulam versões on-lineee sua impressa. Qual é a importância informação para os leitores revista? E –Ah, (substantivos) que originaram de outras palavras avocês. gente dessa já se Nose primeiro conto do livro, por exemplo, onas(substantivos/adjetivos) jovem Zeca eda outras representar fonemas fonemas /z/acostumou e /s/. deblog autoconstrução de uma nova identidade Disponível em: . Deus e o diferentes. Diabo na terra do sol sapo é [´sapu]Que res textos para serem publicados no da turma. feridas sociais aindicam alegria pode ser breve estados, e qualidades, ações ou sentimentos. tentam encontrar um lugar na ordem social e a impossibilidade de esquecer o que está Acesso imposta em: 21 abr.pelo 2016.regime colonial. 12. Releia o último parágrafo da notícia. Os processos culturais brasileiras, Onde a felicidade, se pisca, é isca ma palavra, uma única letra pode táxi é [´taksi]Mostre A letra x pode representar a o sorriso, tenha juízo na memória individual e coletiva. Zeca é um jovemquerer que preocupa com suaouvintes aparência –& co.: incomoda-se com Revista Modo de usar com Dedica-se comose o racismo Osequência que Mario Sergio Cortella parece nos E a realidade, trisca, anzol pode-se observar em umpara conjunto deprovocar pro- as palavras sentar dois fonemas. anexo é [a´nɛksu] dos fonemas /k/ ecom /s/.base 5. Atualmente, Observe os fatores quea cultura você considerou agrupar na atividade (termina A5. inveja tem sono leve publicação àroupas poesia sonora epossui visual. Na e a escravidão. repertório suas orelhas de abano eAuma com as poucas que –,versão ao3passo que Ferramenta de leitura cessos se inter-relacionam, os chamados processos culturais. seguir, Corre! Atualmente, oeessa casamento gay ainda não é Cite previsto no Brasil, vez que ésignificado). necessária a Com comunicação oral? alguma passagem do texto quepublica justifique Àque espreita, pesadelos impressa, autores contemporâneos. O CD tem ção) para identificar os grupos na atividade 4 (forma e base nesses ma palavra, uma letra pode não A letra h não representa nenhum Xíxi é uma anciã presa a valores tradicionais que desaparecem nessa nova no blog, façam uma introdução no post, O diretor Marco Bechis, em fotografia 12. Para as dissertações alguns deles: Disponível em:publicar . participações hora é [´ɔra] criação deveja uma leicomo específica sobre a questão pelo Congresso Nacional. São desfiladeiros Agora, leia um poema do escritor maranhense Ferreira Gullar (1930-). sua de 2011. O cineasta Literatura eresposta. sociologia os grupos sponder a nenhum fonema. critérios, rearranje modo a perceber regularidades presentes naCarpe relação Acesso abr. 2016. explicando aos leitores que as dissertações produzidas na na escola especiais de as Vivendo Emforam Literatura, seção Ferramenta dedirigiu também o movida pelo consumo. emem: um21lugar marcado pela extreDeslocamento cultural — substituiçãorealidade dede formas consideradas obsoleO céu fonema. é meu pai Chão, emquebrasa diem O açúcar Da mesma forma há uma história da literatura, na qual podemos documentário Terra vermelha (Itália/ Caetano Veloso ecana foram avaliadas pelosque alunos e pelo professor. Organizem as disseridentificar marcosde da produção literária no decorrer do tempo, há também Siga o exemplo. ma pobreza, não conseguem entender os mecanismos sociais os tasfonema/letra. e uma “lentas” produção ecaminho transmissão cultural pordemonstrar hábitos e tecnologias Oambos branco açúcar que adoçará meu café Este açúcar era A terra, mamãe Brasil, 2008). 6. Uma das maneiras de o orador conhecimento sobre o tema Nunca se esqueça o de casa história da leitura, que conta como gerações de leitores comentaram, eIpanema Vanessa da leitura, o trabalho com o texto literário é a) Quais são as diferenças entre as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal no nesta manhã de e veio dos canaviais extensos A expressão latina carpe diem é tações sempre com título, texto e, no final, o nome do autor. analisaram e interpretaram as obras literárias, aproximando-se várias vezes mais aceleradas. não foi produzido por mimOuça nascem por acaso E o mundo inteiro é tipo a minha casa oprimem,de não conseguem refletir sobrequeonãomundo em que vivem, tornandoMata. de outros campos do saber humano. nem surgiu dentro dode açucareiro por milagre. autores. tratado é dapor meioCorte da citação ideias outros no regaço do vale. Brasil e asDifusão tomadas pela Conceitos e noções da sociologia,Suprema psicanálise, da geografia social, da dos EUA? o rape“Casa” considerada um tema recorrente enriquecido por conceitos da crítica literária cultural — transmissão de objetos, ideias,alienados comportamentos e Abaixo, vê-se O céu é meu pai -se sujeitos passivos. o parágrafo que encerra o O céu é meu pai Representação história, da linguística, da mitologia, da filosofia e da própria teoria literáVejo-o puro Capas dos livros AvóDezanove e o segredo Em lugares distantes, onde não há hospital e enriqueça ria, entre outros, podem transformar-se em ferramentas para a leitura de Exemplo Forma Significado Terminação Fonema e afável ao paladar a)uma Qual é omais autor citado por Cortella no texto? de cultura para outra. b) Um casal homoafetivo tem amparo nos EUA ou no Brasil? Por quê? nem escola, A terra, mamãe na que literatura ocidental, trabalhaAtextoterra, mamãe do soviético vendedor deáreas passados. do conhecimento, como a se deve confundir os encontros vocálicos e ostradições encontros consonantais com alegal repreum literário. Esses conceitos funcionariam como uma espécie de “lenconto. Zeca, embeijoum lapso se dá conta Não escreva no livro.da miséria em como de moça, águamaisde compreensão, ainda e dee Ooutras homens que não sabem lergráfica e morrem te” através da qual o leitor analisa e/ou interpreta a obra, constituindo uma pele, flor aos vinte e sete anos Transculturação —daapreensão de formas culturais naque provenientes deaçúcar ou- para essa E o mundo inteiro é tipo a minha casa 1Oosque EGrupo oparamundo inteiro é tipo a minha casa “chave” encontrar sentidos obra. atividade, dissolve na boca. Mas estesaída do por escritores em momentos e se encontram da essa falta deorador? situação. b) essa citação acrescenta àeseesa fala do plantaram e colheram a cana de um fonema por duas letras, isto ANOTE é, com o tro dígrafo, também ser vocálico Usar uma ferramenta de leitura exige esforço. pode Afinal, assim como os esnão foi feito por mim. substantivo indica título de /z/ s duquesa grupo a que ponto substituir práticas culturais próprias. que viraria açúcar. prestando Filosofia e a Sociologia. O literários céu é meude pai tudos construíram seus modos de entender a obra literária ao lonestilos de época diferentes. No Este açúcar veio Margens do texto cigo de séculos, as demais áreas do saber também formularam seus conceitos atenção ras representam umaovogal) consonantal (duas letras uma consoante). c) representam Em sua opinião, uma frase citada tem o àsmesmo efeito de uma frase nobreza Em usinas escuras, Ressignificação — processo em que uma cultura, aoopinião interagir com Aos quinze, Saara naou ampulheta dapeso mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, terra, mamãe noA interior de um sistema de pensamento próprio. Com um grande agarrar-lhe no coração, O produtor de uma explicitamente sua ou ponto de vista. Nouma en-tristeza que enchia homens de vida amarga relações aentre dono da mercearia. nema, esseUm conceito foi celebrizaO primeironotícia contato com uma não ferramenta expõe de leitura deve ser visto como outra, reinterpreta os desta de quê? acordo com lógicas cultu-SP_LPO1_LA_PNLD2018_U13_C24_324A327 e dura Aos trinta, tempo é treta do próprio orador? Por dos aspectos que chamam Este açúcar veio E o mundo inteiro é tipo a casa uma tentativa de ampliação da leitura deelementos um texto literário eminha como um con327 todo o corpo e esses barulhos da vida lá fora faziam mais grande, Zeca letra e música. produziram este açúcar direde uma de açúcar em Pernambuco tanto, conta com alguns recursos dousinaleitor em uma determinada vite para que o leitor se aprofunde nesse para novo campoconduzir do saber, buscando a opinião do no filmeatenção Sociedade poetas Vieirais próprias, ressignificando-os. e puro inicial do site Ciber & Poemas. na obrados de Luandino ou no Estado do Rio Rápido como um cometa Página entender como ele pode se relacionar com a literatura. dentro e dobrou as calças muitobranco para aguentar os vincos. Deque meu café esta manhã em Ipanema. e tampouco o fez o dono da usina. a seleção com ura [´awra] etnia [et´nia] antro [e´s˜ eleitura, sja] voltou Para[´ãtru] essência compreender melhor como fazer usode de umatestemunhas ferramenta de ção,nacomo depoimentos e de especialistas, ebem, aadoço ordenação ra é1989), o modo dirigido como ele aproxima a mortos (EUA, por Hoje a fé numa gaiola, o sonho gavetao uso dos leia o trecho de uma obra ligada aos estudos daCachoeira, sociologia, cujos autores ANOTE Salve Jardim Corisco, Jardim 252 pois, nada mais que ele podia fazer já, encostou a cabeça no ombro baiexploram o conceito de papel desocial.vocabulário. à oralidade. Comente um texto escreva no livro. Foi pelo riso delas que vim de informações e aA escolha [Fontalis, Furnas, Peter Weir.narração NoNão filme, o carpe diem, xoganhar de vavósobre XíxioHengele e desatou acitação chorar umde choro de grandes soluços definição homem como pessoa implica que, oral no âmbito das conA docomunicação pode credibilidade com frases 1. Nos primeiros versos, o poema apresenta umaa referência espacial: encontro encontro dígrafo dígrafo exemplo dessa aproximação. dições sociais emJoamar, que vive e antes dePão ter consciência de si, o homem deve No mesmo caminho por nós, tipo Mágico de Oz Jardim de Mel, Jaçanã, Ipanema. Ao longo do texto, a referência espacial se desloca para 105 parecia era monandengue, a chorar lágrimas compridas e quentes que Não escreva norepresentar livro. determinados papéis como semelhantes de outros. “aproveite o dia”, é uma ideia lisempre quais locais? vocálico vocálico consonantal ou ideias de outras valorizadas socialmente. Para as isso, nojáentanEm consequência desses papéis e em relação com os seuspessoas semelhantes, Meu coração éconsonantal tamborim, tem voz, sim Nova Galvão, Jardim Felicidade Cada uma dasnos referências espaciais seteimosos liga a uma figura humana. riscos fomes tinham posto nabertadora, cara ele é o que é: filho de uma mãe, aluno de um professor, membro de uma começaram2. correr utilizada como motivo VoCAbuLário Identifique essa associação entre os lugares e as pessoas. tribo, praticante de uma profissão. Assim, essas relações não são, para 283 to, essas citações não podem ser é preciso que sejam pertinentes, de Apoio Ainda batefonológico veloz 12, Barrocada, das Pedras, Rica gráfico fenômeno Não escreva no livro. fenômeno dele, degratuitas: criança ainda. ele, algo extrínseco mas relações Jardim em que se determina a seu próprio res- Vila 3. Que relação se pode estabelecer o espaço e o trabalho exercido Capa do CD entreEntre textos de resistência e transgressão peito, como filho, aluno ou o que for. Quem quisesse prescindir desse por cada um dos homens citados no poema? monandengue: criança, jovem em Tamo junto, rua é nóiz! Entre drones e almas, flores SP_LPO1_LA_PNLD2018_U09_C16_246A253.indd e sorte #SCQPLC, de articuladas com o que acrescentem informações bem caráter funcional da pessoa,apara procurar em cada um seu significado novas e se mostrem 4. O açúcar é o elemento comum que une os homens citados no poema. 252 5/18/16 8:54 PM Laboratório Fantasma/Sony Music/Arquivo da editora
produtivo do açúcar: como representantes da arte literária. Desde meados do século XIX, os gêneros narrativos moder• a produção (empresário e trabalhadores);nos, principalmente o romance, se tornaram os mais produzidos e consumidos no Ocidente. Veja a • a comercialização (Oliveira); seguir três narrativas que revelam a diversidade assumida pelos gêneros narrativos modernos. • o consumo (eu lírico do poema). 5/18/16 TEXTO 1 Essa relação entre o homem e o sistema produtivo aponta para uma tufiño, Rafael. Cortador de cana, 1950-51. Xilogravura, 35,5 cm × 25,4 cm. El Museo del visão positiva ou pessimista da realidade social? Justifique sua Mãe Lu, Barrio, Nova York, EUA. resposta. Diferentemente dos gêNessa xilogravura (técnica de gravura em Veja isto: fui pegar tua carta, que eu tinha tirado do envelope e deixado 6. Considerando como ferramenta de leitura o conceito de papel neros literários clássicos, relevo sobre madeira) de Rafael Tufiño sobre a mesa. os Quando(1922-2008), peguei a carta, senti alguma coisa estadunidense radicado em um pouco que seguiam um conjunto social, desenvolvido por Horkheimer e Adorno,aberta o poema denuncia Porto Rico, a figurae do trabalhador mais dura na mão, mas não dei importância fechei mais aconfundemão pra segurar de regras pouco variáveis males sociais decorrentes da exploração nas relações trabalhistas. -se com a paisagem. Seuscom braços e pernas melhor a carta. Aí doeu Fui ver e estava uma gilete fincada na em sua composição e na Seu efeito estético se concretiza por um trabalho expressivo com a e sangrou. têm os mesmos contornos que as folhas da palma da uns mão.vivem Agorauma me explica isso. [...]como o facão que ele empunha, escolha de determinados cana, assim linguagem, que constrói 129 uma visão sobre a sociedade: O trabalho do indivíduo para suas necessidades SP_LPO1_LA_PNLD2018_U05_C08_128A139.indd tanto é satisfação das Mãecafé. Lu, corta essa que vocêe seu vai rosto vir logo, que está com saudade e tal. Eu já esconde-se atrás do chapéu. temas, os gêneros narravida miserável para que outros possam adoçar seu suas necessidades como da dos outros; e a satisfação das suas necessidades Desse modo, reforça-se a ideia de uma quase tinha acostumado com essa estória de você ficar por aí, mas ultimamentivos modernos em prosa só é conseguida em virtude do trabalho dos outros. “identidade” (ou ausência dela) construída a) Em sua opinião, o eu lírico se vê fora ou dentro desse processo apresentam uma enorme te não tá muito legal.de Acho que você pirou de vez mesmo, me perguntando no trabalho, de uma figura anônima que exploração? variedade de possibilidapelo meu pai. Que pai? Eu tenho Detesto quando existe pai? socialmente apenas comovocê parteme do trata como Apud horKheiMer, Max; Adorno, Theodor W. Temas básicos da sociologia. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: des. No texto ao lado, por b) E você, como leitor, se percebe implicado nesse processo? Cultrix-Edusp, 1973. p. 52. processo da cana-de-açúcar. criança, como me tratou na sua carta.produtivo Vocês piraram todos, cada um pro seu exemplo, os capítulos são lado, e eu que me vire. Você não me disse nada de novo na sua carta. constituídos de cartas que Nos poucos dias que estou aqui, o tio Tico tem sido ótimo. Estou curtindo33ele 32 as personagens trocam Não escreva no livro. Não escreva no livro. e acho que ele está me curtindo também. Tem me levado pra cima e pra baixo, entre si. Essa estratégia me mostrado coisas na cidade que eu nunca tinha visto antes, coisas que eu já narrativa, porém, não é tinha visto mas que acho que nunca prestei atenção. Tem umas partes na cidanova: no século XVIII, alde que me metem medo. Não é nada assim muito claro, é só um medo da ciSP_LPO1_LA_PNLD2018_U01_C02_026A037.indd 32 5/18/16 9:03 PM SP_LPO1_LA_PNLD2018_U01_C02_026A037.indd 33 5/18/16 9:03 PM gumas das narrativas ficdade. Pareço um bobão, às vezes. Um medo como se eu fosse criança outra vez. cionais mais importantes o Me lembro de pouca coisa de quando eu era criança. Uma vez fui com o pai pra estruturavam-se mediante Santos, você deve saber disso melhor que eu. Ele me levou pro porto. Parece a troca de correspondênuma outra vida. Nem sei como ele era, meu pai, quero dizer. Na minha memócias, como Os sofrimentos ria ele é uma sombra, naquele dia. Acho que a gente ia passar pro outro lado do SP_LPO1_LA_PNLD2018_U12_C23_310A318.indd 312 do jovem Werther (1774), canal, que na época eu nem sabia que existia. Lembro vagamente de um barco de Goethe, e As ligações que pegamos. Mas antes de pegar esse barco passamos por um enorme navio perigosas (1782), de Lanegro ancorado no porto. Fiquei apavorado, aquela imensa montanha de ferro, clos. e eu acho que nem sabia que era ferro naquele momento. Aquela imensa massa preta do meu lado, muito alta, e eu andando embaixo. Fiquei apavorado. Nunca mais vou me esquecer dessa imagem. Acho que tenho medo de navio até agora. Te conto isso porque o que senti outro dia, outra noite aqui em São Paulo foi a mesma coisa, na Marginal, de noite, a gente andando ao lado dos prédios iluminados pelos postes altos. É um outro tipo de medo, mas é um medo. Mas ele tem me dado a maior força. Considerando as circunstâncias. Por um lado, acho ele mais preocupado do que da última vez, mas pode ser minha impressão. Por outro lado, ele está ótimo. A nova mulher dele está fazendo muito bem a ele. Bom, não é mulher dele, porque ela é casada, parece, pelo que pude entender. Sei lá, a mulher com quem ele está andando. Acho péssima essa mania que vocês coroas têm de dizer namorada, pra alguém da idade deles. Não sei se você sabe quem é, uma tal de Lina. Ela é simpática. Um pouco afetada, sofisticada, mas é simpática. Deve estar acostumada com dinheiro. 100 5/18/16 9:14 PM Dinheiro, mãe. Dinheiro que o tio Tico não tem. 5/19/16 9:11 AM Lu, o que eu queria era te contar umas coisas. Às vezes sinto falta de você. Não ia adiantar nada, mas eu queria te contar mesmo assim. Eu vou dar umas R despesas pro Tico, você vai ter de acertar depois com ele. Tô tentando descolar /B ID lli/ uns frila por aí, mas não está fácil. Mas esse também não é o problema principe ar Sc pal. Sei que não dá, mas você não conseguia me mandar uma passagem pra eu iana rid Ve passar uns tempos por aí?
Sobre oseparar texto as sílabas de uma palavra Não escrevado no livro. ezes, é necessário final da linha.três Essetrechos procedi7. no Localize e copie texto em que o orador retoma a ideiachamado 1. transli neação.o canto Recorde o que devemarcas levar em conta ao fazê-lo. Por aproximar da fala, o rapvocê apresenta de oralidade, ouno seja, da língua fala-comunicação oral. Qual é a importân-chave expressa título de sua da. Transcreva algum trecho de “Casa” em que secia notadessa a oralidade. repetição ao longo da fala de Cortella?
Não separar2. Em “É pau, é pedra, Exemplos Separaro negócio: nunca foi é míssil/ E crer, é cada vez mais difícil/ Entende
Exemplos
fácil/ Solo não dócil, esperança fóssil”, o rapper usou recursos musicais típicos da poesia. mau, céu 312sua resposta. s e tritongos a) Quais são esses recursos? Justifique hiatos pa-ís, du-e-to U-ru-guai, en-xa-guei b) Transcreva outros trechos em que esses recursos aparecem. ch, lh, nh, gu3.e O qurap citado fi-cha, fi-lha, ba-nho, que-ro rr, popular ss, sc, sç,que xc auxilia na fixação de car-ro, nas-cer, ex-ce-to apresenta ainda um recurso típicodígrafos da canção versos. Qual é esse recurso? encontros consonantais cujo 2 fonema é os consonantaisdeterminados cujo ên-cli-se, a-brir rit-mo, ad-mi-tir da periferia dos ma é /l/ ou /r/4. Um dos temas mais recorrentes no rap é o cotidiano diferente de /l/ e /r/ emgrandes sílabascentros internasurbanos. Esse é o caso da canção apresentada acima? Explique.
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A seção Entre textos aponta relações intertextuais dos textos estudados na unidade com textos de diferentes épocas e/ou linguagens.
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asiMov, Isaac. Despertar dos deuses. São Paulo: Hemus, s. d. p. 26.
A humanidade desce à terra
Antigamente, todos os homens viviam no céu. Alguns ainda estão lá, são as estrelas. Não escreva No notempolivro. da vida celeste, um velho, numa caçada, viu um tatu e o perseguiu. O tatu
enfiou-se terra adentro e o homem cavava cada vez mais fundo para apanhá-lo. Cavou o dia todo sem conseguir pegar o tatu. Voltou para casa, mas no dia seguinte recomeçou a cavar. Dizia à mulher: — Quero pegar o tatu! Cavou durante oito dias e estava quase apanhando o tatu quando o animal caiu num buraco. O velho o viu descer como um avião, cair num campo e correr em direção à floresta. Ele alargou o buraco para poder olhar para baixo, mas o vento estava tão violento que o levou de volta à superfície. O vento continuava a soprar pelo buraco, aumentando cada vez mais a abertura. Quando o velho voltou à aldeia, os outros lhe perguntaram: — Onde está o tatu? — Caiu numa terra debaixo da nossa, uma terra de belos campos, que não é como a nossa, é coberta de florestas. Mas o vento soprou e me trouxe de volta para cá. A história foi discutida no ngobe, a casa dos homens. Os homens mandaram um meokre, que é um menino de treze a catorze anos, buscar o velho para que ele contasse o que lhe acontecera. Toda a assembleia resolveu ir ver o buraco. O vento o alargara e dava para ver os belos campos. Tomados pelo desejo de descer, os homens juntaram todas as cordas e fios de algodão que possuíam. Fizeram uma corda única que experimentaram no outro dia, mas ainda era muito curta, só chegava à metade do caminho. Com outras pontas de fios, os homens encompridaram a corda até que ela alcançasse a terra. Um kuben-kra (que quer dizer o filho de um homem) quis ser o primeiro a descer. Amarraram-no bem e o fizeram escorregar. O vento o empurrava de um lado para outro. Enfim, ele chegou aos campos, achou-os belíssimos e subiu de volta. No céu, ele disse: — Os campos lá embaixo são lindíssimos, vamos viver lá! Fizeram-no descer mais uma vez e ele amarrou a extremidade inferior da corda numa árvore. Então, homens, mulheres e crianças escorregaram ao longo da corda. Pareciam formigas descendo por um tronco. Muitos não tiveram coragem de descer, preferindo ficar no céu. E cortaram a corda para impedir mais uma descida.
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Coelho, Teixeira. Os histéricos: uma novela. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 104106.
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TEXTO 2
Foi também Hallam quem apresentou ao público alguns aspectos da teoria com mais sucesso. [...] Num artigo já famoso no North American Sunday Teletimes Weekly, escreveu: “Não podemos afirmar em quantas diferentes maneiras as leis do para-Universo diferem das nossas próprias, mas podemos conjeturar, com certa margem de certeza, que a interação nuclear forte, que é a força mais poderosa conhecida em nosso Universo, é ainda mais poderosa no para-Universo: talvez cem vezes mais poderosa. Isto significa que os prótons são mais facilmente mantidos agregados contra sua própria atração eletrostática e que um núcleo requer menos nêutrons para produzir estabilidade. [...]
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TEXTO 3
Não escreva no livro.
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O surgimento das narrativas de ficção científica no século XIX está relacionado ao impacto causado pelas descobertas científicas do período. Destaca-se nesse gênero a mistura entre as descobertas científicas e a capacidade imaginativa dos autores. Nesse gênero, estão nomes como Júlio Verne, H. G. Wells e Isaac Asimov.
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está sendo dito.
horKheiMer, Max; Adorno, Theodor W. Temas básicos da sociologia. São Paulo: Cultrix-Edusp, 1973. p. 48.
O texto afirma que, para a sociologia, o ser humano é, por definição, um ser em relação com outros. Essa relação ocorre à medida que ele desempeSP_LPO1_LA_PNLD2018_U11_C19_279A283.indd 283 nha papéis sociais: filho, irmão, patrão, empregado, amigo; enfim, ele exerce diferentes papéis em suas relações cotidianas. Desse modo, a ideia de indivíduo como “unidade social fundamental” é questionada, pois suporia alguém que pudesse ser compreendido isolado das relações sociais. Essa compreensão do ser humano também pode ser aplicada ao universo do trabalho. Em uma passagem do mesmo texto, Adorno e Horkheimer citam o filósofo Hegel, para quem:
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uma escola conservadora e extremamente opressiva, onde era impossível pensar livremente e se 9:33 PM divertir sem que se enfrentasse poderosa repressão.
único e absoluto, não conseguiria chegar ao indivíduo puro, em sua sin-VieirA, José Luandino. Vavó Xíxi e seu neto Zeca Santos. In: Luuanda: estórias. São Paulo: Companhia O que a repetição da expressão “este açúcar” expressa Emicida. No finalnodapoema? Idade Média, alguns gêneros narrativos em prosa despertaram o interesse dosvavó: leito- avó, vovó gularidade indefinível, mas apenas a um ponto de referência sumamente SP_LPO1_LA_PNLD2018_U04_C07_102A111.indd 105 9:20 PM eMiCiDa; levy, Xuxa; ogi. Casa. Intérprete: Emicida. In: Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa. São Paulo:das Sony, 2015. 1 CD. Letras, 2006. 5.p.As43. personagens do poema estão em diferentes sistema do gênero épico, romances, crônicas, novelas, etc. começaram5/18/16 res.etapas Com ododeclínio a ganhar espaço abstrato […].
3. araçãoFaixade sílabas na escrita
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Gullar, Ferreira. Toda poesia (1950/1980). 15. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p.165-166.
Acervo El Museu del Barrio, Nova York. Fotografia: ID/BR
Capítulo 23 – Comunicação oral
Theodor Adorno (1903-1969) foi um importante teórico das ciências humanas no século XX. Era membro da Escola de Frankfurt, instituto de pesquisa que se dedicou ao estudo da cultura de massa e produziu importantes ensaios a respeito desse tema. Foto da década de 1960.
Gryphus/Arquivo da editora
afos vocálicos e consonantais
Capítulo 6 – Literatura e outras linguagens artísticas
Seguinte/Companhia das Letras/Arquivo da editora
Disponível em: . Acesso em: abril, 2016.
AKG-Images/Latinstock
Seções de fim de unidade
Alessandro Albert/Getty Images
331 e à arte. Cronópios: Dedica-se à literatura,
Daniel Araujo/ID/BR
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Paula Giolito/Folhapress
Ler uma comunicação oral
Oriundas da tradição oral, as narrativas dos povos indígenas têm como uma de suas finalidades a afirmação da identidade, construindo vínculos entre indivíduos e grupos sociais. As narrativas exercem, nesse caso, o papel de instrumento socializador da memória, cumprindo uma função social que remonta às origens da própria literatura, período em que o ato de narrar era também o de ensinar o outro a ouvir, a refletir e a ver com os olhos da imaginação.
Mindlin, Betty. O primeiro homem e outros mitos dos índios brasileiros. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2001. p. 2528.
Não escreva no livro.
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A língua tem dessas coisas Trocadilhos e o desconcerto do humor
texto 2
Gramática e ensino
texto 1
o papel da escola é ensinar língua-padrão
[…] não é necessário estudar gênero, número, concordância etc., a não ser quando os alunos efetivamente erram e naqueles casos em que erram. […] Por exemplo: é provavelmente uma enorme perda de tempo ensinar a alunos de primeiro grau que existem diminutivos e aumentativos, para, em seguida, solicitar que efetuem exercícios do tipo “dê o diminutivo de”, “dê o aumentativo de”. […] Em resumo, parece razoável ensinar apenas quando os alunos erram, exatamente como fazem os adultos com as crianças. Se os alunos usam estruturas como “os livro”, que essas estruturas sejam objeto de trabalho; mas se nunca dizem “vaca preto”, para que insistir em estudar o gênero de “vaca”?
Todos os que falam sabem falar […] Saber falar significa saber uma língua. Saber uma língua significa saber uma gramática. […] Saber uma gramática não significa saber de cor algumas regras que se aprendem na escola, ou saber fazer algumas análises morfológicas e sintáticas. Mais profundo do que esse conhecimento é o conhecimento (intuitivo ou inconsciente) necessário para falar efetivamente a língua. As crianças, por exemplo, não estudam sintaxe de colocação antes de ir à escola, mas, sempre que falam sequências que envolvem, digamos, um artigo e um nome, dizem o artigo antes e o nome depois […]. Resumidamente, pode-se dizer que saber uma gramática é saber dizer e saber entender frases. Quem diz e entende frases faz isso porque tem um domínio da estrutura da língua. […] […] a escola de fato não ensina língua materna a nenhum aluno […]. A escola recebe alunos que já falam […].
[…] o domínio efetivo e ativo de uma língua dispensa o domínio de uma metalinguagem técnica. […] conhecer uma língua é uma coisa e conhecer sua gramática é outra. […] saber uma língua é uma coisa e saber analisá-la é outra. […] Para dar um exemplo óbvio, sabe evidentemente mais inglês uma criança de três anos que fala inglês usualmente com os adultos e outras crianças para pedir coisas, xingar, reclamar ou brincar, do que alguém que tenha estudado a gramática do inglês durante anos, mas não tem condições de guiar um turista americano para passear numa cidade brasileira. […] Falar contra a “gramatiquice” não significa propor que a escola só seja “prática”, não reflita sobre questões de língua. Seria contraditório propor esta atitude, principalmente porque se sabe que refletir sobre a língua é uma das atividades usuais dos falantes e não há razão para reprimi-la na escola. Trata-se apenas de reorganizar a discussão, de alterar prioridades […].
Gatinho, você é tão fofinho!
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Sabemos o que os alunos ainda não sabem?
[…] Talvez deva repetir que adoto sem qualquer dúvida o princípio (quase evidente) de que o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. […] Em que consistiria o domínio do português padrão? Do ponto de vista da escola, trata-se em especial (embora não só) da aquisição de determinado grau de domínio da escrita e da leitura. […] parece razoável imaginar, como projeto, que a escola se proponha como objetivo que os alunos, aos 15 anos de vida e 8 de escola, escrevam, sem traumas, diversos tipos de texto (narrativas, textos argumentativos, textos informativos, atas, cartas de vários tipos etc. […]) e leiam produtivamente textos também variados: textos jornalísticos, como colunas de economia, política, educação, textos de divulgação científica em vários campos, textos técnicos (aí incluindo o manual de declaração do imposto de renda, por exemplo) e, obviamente, e com muito destaque, literatura. […]
Ensinar língua ou ensinar gramática?
Quem lida com o ensino da gramática na escola sabe que uma língua histórica (como a portuguesa, a inglesa, a alemã, a italiana etc.) é um conjunto de sistemas […]. De modo que nenhum falante conhece toda uma língua histórica, mas sim usa uma variedade sintópica (um dialeto regional), sinstrática (um nível social) e sinfásica (um estilo de língua). […] […] a rigor, cada modalidade da língua […], ou, em outros termos, toda língua funcional […] tem a sua gramática como reflexo de uma técnica linguística que o falante domina e que lhe serve de intercomunicação na comunidade a que pertence ou em que se acha inserido. […] No fundo, a grande missão do professor de língua materna […] é transformar seu aluno num poliglota dentro de sua própria língua, possibilitando-lhe escolher a língua funcional adequada a cada momento de criação […]. […] Em vista disto, não se pode, a rigor, fazer uma descrição linguística de uma língua histórica em sua plenitude; a descrição só pode abranger […] uma língua funcional. […] A não consideração desses fatos […] tem permitido certa crítica injusta à gramática escolar, que é vista como a descrição da própria língua em sua totalidade histórica, como a descrição do único uso possível da língua. O ensino dessa gramática escolar, normativa, é válido como ensino de uma modalidade “adquirida”, que vem juntar-se (não contrapor-se imperativamente!) a outra, “transmitida”, a modalidade coloquial ou familiar. […] Educação linguística e sistema educacional […] O currículo tradicional, que se põe em execução com vistas à educação linguística, se mostra, em geral, na prática, antieconômico, banal, inatural e, por isso mesmo, improdutivo. Antieconômico por ensinar aos alunos fatos da língua que eles, ao chegarem à escola, já dominam, graças
ao saber linguístico prévio […]; banal, porque o tipo de informações que são subministradas aos alunos nada ou pouco adiantam à capacidade operativa do falante, limitando-se, quase sempre, a fornecer-lhes capacidade classificatória, e […] inatural, porque muitas vezes segue o caminho estruturalmente inverso à Há fatos que direção do desenvolvimento linguíscontribuem para tico dos alunos, partindo dos como crescimento da ponentes linguísticos não dotados de empresa. significação para os dotados dela; por exemplo, da fonética e fonologia para a morfologia e, depois, a sintaxe e a semântica. […] A linguística, a gramática escolar e o ensino da língua portuguesa […] [o ensino da gramática normativa] pretende mostrar ao falante como dizer isso e repelir aquilo para atender aos usos e seleções esperados de uma pessoa culta. É uma atitude modelar diante da língua, igual à que deve assumir ao se dirigir aos mais velhos ou ao sair de um elevador, por exemplo, entre outras “boas maneiras”. […] A língua portuguesa admitirá, por exemplo, construções como há fatos / tem fatos / têm fatos / houveram fatos, que se distribuem por línguas funcionais diferentes. Talvez na língua funcional que utilize há fatos, também se registre a regência chegar a casa, enquanto chegar em casa só apareça naquelas outras línguas funcionais onde ocorre tem fatos /têm fatos / houveram fatos. E assim por diante. Desse modo, a glotodidática não pode, sem uma análise mais profunda, adotar como normais na gramática escolar “desvios” da chamada língua-padrão só pelo peso da sua frequência na chamada língua coloquial ou familiar.
PossenTi, Sírio. O humor e a língua. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, SBPC, v. 30, n. 176, out. 2001.
1. Com relação às piadas do início da página, identifique os itens a seguir. a) O(s) mecanismo(s) linguístico(s) envolvido(s) na produção do efeito de humor (semelhança sonora entre palavras, duplo sentido, diferentes formas de segmentação de um grupo de palavras). b) Os conhecimentos de mundo necessários para que o falante complete o sentido da piada.
primeiro grau: designação dada anteriormente ao ciclo que hoje corresponde ao Ensino Fundamental metalinguagem: linguagem usada para falar sobre a própria linguagem
VocABulário De Apoio
corpus: conjunto de enunciados de uma língua, colhidos de situações reais de uso, que servem como material para análise linguística empírico: baseado na experiência e na observação
HiperTexTo O que Sírio Possenti afirma sobre as piadas se estende aos textos de humor em geral. Artur Azevedo explorou, em “De cima para baixo” (parte de Produção de texto, capítulo 18, p. 272-273), as relações de poder no trabalho, usando o humor como instrumento de crítica social.
2. Crie ou pesquise mais cinco piadas baseadas em trocadilhos e indique em que mecanismo(s) linguístico(s) se baseia seu efeito de humor. 198
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A seção A língua tem dessas coisas destaca aspectos curiosos ou engraçados da língua.
VocAbUláRio de Apoio
debAte
1. Em grupos, identifiquem a opinião de cada especialista a respeito das questões a seguir. a) O que a escola deve ensinar nas aulas de português? b) Os alunos chegam à escola conhecendo gramática ou a aprendem nas aulas de português? c) Qual deve ser a postura do professor quando os alunos usam estruturas em desacordo com a norma-padrão? 2. Os dois especialistas afirmam que há “tipos de gramática”. Ambos se referem à gramática que todo falante domina naturalmente (a gramática internalizada), à gramática associada à norma-padrão (a gramática normativa) e à gramática como descrição do funcionamento da língua (a gramática descritiva). Ainda em grupos, respondam: Que importância cada especialista dá ao ensino da gramática normativa? E da descritiva? 3. Você concorda com a opinião dos especialistas? Justifique sua resposta e exponha o resultado de sua reflexão.
Mas as piadas também podem servir de suporte empírico para uma teoria mais aprofundada e sofisticada de como funciona uma língua, especialmente porque se trata de um corpus que, além de expor traços do que nela é sistemático (gramatical) e, paradoxalmente, “desarrumado”, contribui para deixar muito claro que uma língua funciona sempre em relação a um contexto culturalmente relevante e que cada texto requer uma relação com outros textos. […] A conclusão óbvia é que uma língua não é como nos ensinaram: clara e relacionada diretamente a um fato ou situação que ela representa como um espelho. Praticamente cada segmento da língua deriva para outro sentido, presta-se a outra interpretação, por razões variadas. Pelo menos, é o que as piadas mostram. E elas não são poucas. Ou, no mínimo, nós as ouvimos muitas vezes.
Assim, pode-se dizer que o humor, ao proporcionar surpresa, quebra de expectativa e revelação de sentidos aos quais se está pouco atento, põe em evidência tanto o “desconcerto do mundo” – um mundo menos harmônico e previsível do que se gostaria – quanto o “desconcerto da língua” – que é, como disse o linguista, menos clara e exata do que se ensina.
Bechara, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática, 1993. p. 12-50.
VocAbUláRio de Apoio
— O que o canibal vegetariano come? — A planta do pé e a batata da perna.
Há algum tempo, venho estudando as piadas, com ênfase em sua constituição linguística. Por isso, embora a afirmação a seguir possa parecer surpreendente, creio que posso garantir que se trata de uma verdade quase banal: as piadas fornecem simultaneamente um dos melhores retratos dos valores e problemas de uma sociedade, por um lado, e uma coleção de fatos e dados impressionantes para quem quer saber o que é e como funciona uma língua, por outro. Se se quiser descobrir os problemas com os quais uma sociedade se debate, uma coleção de piadas fornecerá excelente pista: sexualidade, etnia/raça e outras diferenças, instituições (igreja, escola, casamento, política), morte, tudo isso está sempre presente nas piadas que circulam anonimamente e que são ouvidas e contadas por todo mundo em todo o mundo. […]
O ensinO da gramática
Leia a seguir dois textos que discutem a necessidade e a importância (ou não) de ensinar gramática na escola. O primeiro foi escrito por Sírio Possenti, professor de Linguística da Unicamp. O segundo foi escrito pelo gramático Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras e professor da Uerj e da UFF. Após a leitura, você participará de um debate no qual concordará ou discordará da opinião desses especialistas.
— Por que a vaca foi para o espaço? — Para se encontrar com o vácuo.
— O que um cromossomo disse para o outro? — Oh! Cromossomos felizes!
Todas essas piadas se baseiam em um mecanismo linguístico denominado trocadilho – jogo criado com base na semelhança sonora entre palavras com sentidos distintos, no duplo sentido de uma palavra/enunciado ou em diferentes formas de segmentação das palavras, entre outras possibilidades. O trocadilho causa uma quebra de expectativa, uma surpresa no ouvinte. Muitas vezes, mais de um desses fatores ocorrem ao mesmo tempo para produzir o humor. Além da percepção desses mecanismos próprios da língua, a compreensão de uma piada requer do falante determinados conhecimentos de mundo para que o efeito de humor se complete. É o que comenta Sírio Possenti, linguista que estuda os efeitos de humor produzidos pelo manejo da língua.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Articulando
— Como o elétron atende ao telefone? — Próton!
Pedro Hamdan/ID/BR
Leia as piadas a seguir.
Em Linguagem, a seção Articulando propõe o debate de questões linguísticas atuais e de relevância social, com base na leitura de textos de especialistas.
glotodidática: ensino e aprendizagem das línguas em todos os seus aspectos. O elemento glot(o)- está em palavras como poliglota e significa “língua” imperativamente: de forma imperativa, autoritária subministrar: apresentar, expor
Possenti, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2009. p. 17-52.
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Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Vestibular e Enem
Todas as unidades se encerram com a seção Vestibular e Enem, que apresenta questões relacionadas ao tema da unidade. Na parte de Produção de texto, há propostas de redação.
O exame vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP) dá aos candidatos a opção de escolher entre três propostas de produção textual, que devem ser realizadas com base na leitura de uma coletânea de textos. Entre as propostas do exame de 2010 estavam a elaboração de uma carta e de uma dissertação. Com base nas atividades de leitura e elaboração dos gêneros dissertação escolar e carta de reclamação desta unidade, reflita como você mobilizaria os conhecimentos adquiridos, para desenvolver as propostas apresentadas a seguir. (Unicamp-SP)
foram tomadas como referência pelos executivos mais jovens. Aqueles “grandes executivos” foram considerados portadores de uma “visão de conjunto” dos problemas empresariais, que os colocava no campo superior da “administração estratégica”, enquanto o principal atributo da nova geração passa a ser a contemporaneidade tecnológica. Os constrangimentos advindos do choque geracional encarregaram-se de fazer esses “jovens” encarnarem essa característica, dando a esse trunfo a maior rentabilidade possível. Assim, exacerbaram-se as diferenças entre os recém-chegados e os antigos ocupantes dos cargos. No plano simbólico, toda a ética construída nas carreiras autodidatas é posta em xeque no conflito que opõe a técnica dos novos executivos contra a lealdade dos antigos funcionários que, no mais das vezes, perdem até a capacidade de expressar o seu descontentamento, tamanha é a violência simbólica posta em marcha no processo, que não se trava simplesmente em cada ambiente organizacional isolado, mas se generaliza.
Orientação geral: Leia atentamente O tema geral da prova da primeira fase é Gerações. A redação propõe recortes desse tema. Propostas: Cada proposta apresenta um recorte temático a ser trabalhado de acordo com as instruções específicas. Escolha uma das propostas para a redação (dissertação […] ou carta). Coletânea: A coletânea é única e válida para as [duas] propostas. Leia toda a coletânea e selecione o que julgar pertinente para a realização da proposta escolhida. Articule os elementos selecionados com sua experiência de leitura e reflexão. O uso da coletânea é obrigatório. ATENÇÃO – sua redação será anulada se você desconsiderar a coletânea ou fugir ao recorte temático ou não atender ao tipo de texto da proposta escolhida. Apresentação da coletânea
Grün, Roberto. Conflitos de geração e competição no mundo do trabalho. Cadernos Pagu, Campinas, v. 13, p. 63-107, 1999. Adaptado.
Em toda sociedade convivem gerações diversas, que se relacionam de formas distintas, exigindo de todos o exercício contínuo de lidar com a diferença.
Neste projeto, você e os colegas vão realizar um sarau sobre cultura juvenil que será aberto à comunidade.
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Objetivo • Compartilhar com pessoas da comunidade textos de diversos gêneros e modalidades, como meio de apresentar e valorizar a cultura juvenil, o trabalho em equipe e a troca de experiências.
Elaboração • A elaboração deste projeto contará com cinco etapas, apresentadas a seguir. 1. Divisão das equipes e formação da comissão organizadora • A turma deve definir seis equipes de trabalho. Uma delas constituirá a comissão organizadora; cada uma das outras ficará responsável por uma das seguintes tarefas: produção administrativa, produção do espaço, divulgação, registro audiovisual e produção artística. • Entre outras tarefas, a comissão organizadora se responsabilizará por tomar as decisões finais acerca do sarau e monitorar o andamento do trabalho das equipes.
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2. Realização da pesquisa dos textos • As equipes devem escolher textos verbais, imagens e vídeos que representem a cultura juvenil, para ler e expor no evento. • Pesquisem na biblioteca da escola, em livros, revistas e na internet. Façam leituras para escolher os textos que serão apresentados (que podem ser poemas e textos em prosa). Fiquem atentos para as equipes não escolherem textos iguais.
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Binho/Sarau do Binho
3. Seleção dos poemas e planejamento da apresentação • Com a ajuda da comissão organizadora, as equipes devem fazer a seleção final dos textos e decidir como serão apresentados. • As apresentações podem ser intercaladas com vídeos ou com música, dança, etc. • Façam ensaios para garantir a organização, o controle do tempo e a qualidade das apresentações.
Unicamp 2010. Fac-símile: ID/BR
Unicamp 2010. Fac-símile: ID/BR
3. A partir do advento do computador, as empresas se reorganizaram rapidamente nos moldes exigidos por essa nova ferramenta de gestão. As organizações procuraram avidamente os “quadros técnicos” e os encontraram na quantidade demandada. Os primeiros quadros “bem formados” tiveram em geral carreiras fulminantes. Suas trajetórias pessoais
por propor uma data e um local de apresentação (verificar quantas pessoas cabem no local), SP_LPO1_LA_PNLD2018_U13_C26_336A345 344 acertar a participação de convidados especiais, digitar e imprimir a programação para o público. Produção do espaço: equipe responsável por planejar e produzir o ambiente do sarau. Deve providenciar com antecedência os objetos e as ferramentas que serão necessários (iluminação, cadeiras, água, cenário, almofadas, microfones e caixas de som, equipamento audiovisual, etc.). A equipe deve ficar a postos no dia do evento, para auxiliar caso haja problemas com os equipamentos. Também deve afixar as imagens no local onde ficarão expostas durante o evento. Divulgação: equipe responsável por produzir e distribuir os convites e os cartazes de divulgação Cartaz de divulgação do sarau Chuva de Livros, realizado em São Paulo (SP), em 2016. do evento dentro e fora da comunidade escolar. Responsável também por recepcionar e orientar o público no dia da apresentação, distribuindo o material com a programação do evento. Registro audiovisual: equipe responsável por filmar e fotografar o sarau, bem como editar o material coletado. Para isso, pode-se solicitar o equipamento disponível na escola ou mesmo utilizar celulares. Este grupo pode também fazer a divulgação do evento nas redes sociais, compartilhando as fotografias e os vídeos. Para fazer um registro completo, pode, ainda, produzir um making-of, mostrando o trabalho das equipes durante a organização do evento. Produção artística: equipe responsável pelo figurino, pela maquiagem e pela realização dos ensaios com os participantes. Também deve selecionar as músicas e os vídeos que serão exibidos durante o evento.
ção e a reconstrução da tradição no espaço dos grupos sociais. A transmissão dos saberes não é linear; ambas as gerações possuem sabedorias que podem ser desconhecidas para a outra geração, e a troca de saberes possibilita vivenciar diversos modos de pensar, de agir e de sentir, e assim, renovar as opiniões e visões acerca do mundo e das pessoas. As gerações se renovam e se transformam reciprocamente, em um movimento constante de construção e desconstrução.
Carvalho, Maria Clotilde B. N. M. de. Diálogo intergeracional entre idosos e crianças. Rio de Janeiro: PUC-RJ, 2007. p. 52. Adaptado.
Disponível em: .
Proposta B Leia a coletânea e elabore sua carta a partir do seguinte recorte temático: As diferenças entre gerações são percebidas também no plano institucional como, por exemplo, no ambiente de trabalho. Instruções: 1. Coloque-se na posição de um gerente, recém-contratado por uma empresa tradicional no mercado, que precisa convencer os acionistas da necessidade de modernizá-la. 2. Explicite as mudanças necessárias e suas implicações. 3. Dirija-se aos acionistas por meio de uma carta em que defenda seu ponto de vista. Obs.: Ao assinar a carta, use apenas suas iniciais, de modo a não se identificar. […]
Sarmento, Manuel Jacinto. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p. 361-378, maio/ago. 2005. Disponível em: . Adaptado.
• Produção administrativa: equipe responsável
O que você vai fazer
4. Organização do sarau pelas equipes • Comissão organizadora: grupo responsável pelo andamento do trabalho das outras equipes, controlando os prazos e verificando se todos estão trabalhando conforme o combinado. Deve orientar os participantes, controlar o tempo das apresentações, conferir presenças e ausências – reorganizando a sequência de participantes em função de imprevistos – e escolher um(a) apresentador(a) para conduzir o evento.
de classe, de gênero ou de raça na caracterização das posições sociais, mas conjuga-se com eles, numa relação que não é meramente aditiva nem complementar, antes se exerce na sua especificidade, ativando ou desativando parcialmente esses efeitos.
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Sarau da cultura juvenil
5. As relações intergeracionais permitem a transforma-
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Cooperifa/ID/BR
Projeto 2
Goldani, Ana Maria. Relações intergeracionais e reconstrução do estado de bem-estar. Por que se deve repensar essa relação para o Brasil? p. 211. Disponível em: .
Proposta A Leia a coletânea e elabore sua dissertação a partir do seguinte recorte temático: A relação entre gerações é frequentemente caracterizada pelo conflito. Entretanto, há outras formas de relacionamento que podem ganhar novos contornos em decorrência de mudanças sociais, tecnológicas, políticas e culturais. Instruções: 1. Discuta formas pelas quais se estabelecem as relações entre as gerações. 2. Argumente no sentido de mostrar que essas diferentes formas coexistem. 3. Trabalhe seus argumentos de modo a sustentar seu ponto de vista.
Disponível em: .
consiste em um grupo de pessoas nascidas na mesma época, que viveram os mesmos acontecimentos sociais durante a sua formação e crescimento e que partilham a mesma experiência histórica, sendo esta significativa para todo o grupo. Estes fatores dão origem a uma consciência comum, que permanece ao longo do respectivo curso de vida. A interação de uma geração mais nova com as precedentes origina tensões potencializadoras de mudança social. O conceito que aqui está patente atribui à geração uma forte identidade histórica, visível quando nos referimos, por exemplo, à “geração do pós-guerra”. O conceito de “geração” impõe a consideração da complexidade dos fatores de estratificação social e da convergência sincrônica de todos eles; a geração não dilui os efeitos
brasileiras com filhos pequenos deteriorou-se com relação à das famílias de idosos. Ao mesmo tempo, há crescentes evidências de que os idosos aumentaram sua responsabilidade pela provisão econômica de seus filhos adultos e netos.
6.
1.
2. Para o sociólogo húngaro Karl Mannheim, a geração
4. Ao longo da década de 1990, a renda das famílias
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Nas páginas finais do livro estão dois projetos semestrais. Com orientações detalhadas, eles apresentam propostas a serem desenvolvidas com a comunidade escolar e extraescolar.
5. Realização do sarau • O sarau se inicia com a entrada do(a) apresentador(a), que fará um breve resumo da programação do evento, agradecendo tanto o trabalho das equipes como a presença do público convidado. É necessário estar em contato com a comissão organizadora e conduzir a programação chamando as atrações ao palco. • O grupo responsável pelo registro deve filmar o evento e tirar fotografias das apresentações e do público. Se possível, esse grupo pode gravar pequenos depoimentos da plateia, para que integrem o vídeo de registro do projeto. • Após as apresentações, o(a) apresentador(a) encerra o evento, agradecendo a todos os participantes e à plateia. • Concluído o evento, a equipe que cuidou do registro audiovisual deverá editar o material coletado e produzir um filme que será apresentado a toda a comunidade escolar. Esse filme, que integrará o acervo da biblioteca da escola, também poderá ser divulgado na internet.
Avaliação • Depois de finalizarem o projeto, as equipes devem se reunir para discutir sobre como foi o sarau
e comentar a importância da participação de cada integrante. Podem levantar questões como: As expectativas iniciais em relação ao evento foram alcançadas? O público gostou do sarau? Anotem os pontos positivos e os negativos e escrevam o que poderia ser melhorado.
Estudantes da Escola Estadual Francisco D’Amicio, em Taboão da Serra (SP), realizam um sarau. Foto de 2015.
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Sumário Literatura: Experiências de leitura Unidade 1 Capítulo 1
Ao encontro da literatura
12
Capítulo 4 Gêneros literários.................................... 50
14
50 52
Por que ler literatura?.............................. 16 Sua leitura: Menino de ilha (Vinicius de Moraes)...................................... Sobre Ilha do Governador (Encontra Ilha do Governador)...................... Literatura e criação........................................... Funções da literatura......................................... Sua leitura: Trecho de discurso do escritor Luiz Ruffato................................. A literatura contra o efêmero (Umberto Eco)................................................ A literatura como direito................................... Sua leitura: Se nada mais der certo leia Clarice (José Eduardo Agualusa)............. Sistema literário................................................ Sua leitura: Cooperifa: antropofagia periférica (Sérgio Vaz)...................................
16 17 18 19 21 21 22 22 24 25
Capítulo 2 A criação literária.................................... 26 Literatura e realidade........................................ Sua leitura: Gato de lluvia (Xurxo Martínez)............................................ Na tarde, com zelo (Paulo Roberto Cecchetti)............................. Texto ficcional e não ficcional.......................... Obra aberta ........................................................ Sua leitura: Um animal sonhado por Kafka (Jorge Luis Borges).........................................
26
60 62 63 64 65 66 67 67 68
28 29 30
Vestibular e Enem ....................................................................... 70
Unidade 3 A
31
Capítulo 5 Literatura e interação.............................. 74
Texto 2 – Oceano Nox (Antero de Quental).................................. 34 Texto 3 – Ismália (Alphonsus de Guimaraens)............................ 35 Texto 4 – É doce morrer no mar (Dorival Caymmi)....................... 35 Vestibular e Enem ....................................................................... 36
38
Capítulo 3 Aspectos da linguagem literária............... 40 Sua leitura: Diversonagens suspersas (Paulo Leminski) ........................................... Um outro (ou mais um) Leminski (Tida Carvalho).............................................. Sobre verso e prosa........................................... A sonoridade do poema.................................... Sua leitura: brasil (Oswald de Andrade)...... HQ de I-Juca Pirama (Gonçalves Dias) .......... I-Juca-Pirama (Gonçalves Dias)..................... Elementos da narrativa..................................... Herói e anti-herói............................................... Sua leitura: O vencedor: uma visão alternativa (Moacyr Scliar)............................ Eros e Psique (Fernando Pessoa)...................
56 58
28
Entre textos: Texto 1 – Elegia para os que ficaram na sombra do mar (Joaquim Cardozo)........................................................ 34
linguagem literária
Ferramenta de leitura: Por que ler os clássicos?....................... Iniciação Literária (Carlos Drummond de Andrade)........... Fim (Carlos Drummond de Andrade).... Entre textos: Texto 1 – Mãe Lu, (Teixeira Coelho)..............................................
53 54
Texto 2 – Despertar dos deuses (Isaac Asimov)............................ 69
Ferramenta de leitura: Literatura e sociologia.......................... 32 O açúcar (Ferreira Gullar)...................... 33
Unidade 2 A
Os gêneros literários: uma abordagem clássica........................................... Sua leitura: a costureira (Eucanaã Ferraz)...... Não desperdicem um só pensamento (Bertolt Brecht)..................... Gênero dramático.............................................. Sua leitura: Cena IV de Macbeth (William Shakespeare)................................... Gênero épico...................................................... Sua leitura: Os Lusíadas (Luís Vaz de Camões)..................................... Diversidade de gêneros..................................... Epopeias cotidianas.......................................... Sua leitura: Homem no mar (Rubem Braga)............................................... sexta-feira da paixão (Ana Cristina César).......................................
40
Texto 3 – A humanidade desce à terra (Betty Mindlin)................. 69
literatura e o leitor
72
Sua leitura: Dia e noite (M. C. Escher).......... Prólogo (Ricardo Piglia)................................. A construção do sentido do texto.................... A palavra literária.............................................. Obra literária, um objeto social....................... Sua leitura: Cigarra, formiga & cia. (José Paulo Paes)........................................... Sua leitura: A caçada (Lygia Fagundes Telles).................................
74 74 76 77 78 79 80
Ferramenta de leitura: O leitor e sua identidade...................... 82 Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra (Fernando Pessoa).................. 83 Entre textos: Texto 1 – Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)....................................................... 84 Texto 2 – Isto (Fernando Pessoa)................................................. 84
41 42 43 44 44 45 46 47 48 48
Vestibular e Enem ....................................................................... 85
Unidade 4 A
literatura e o mundo contemporâneo
86
Capítulo 6 Literatura e outras linguagens artísticas................................ 88 Sua leitura: Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)........................................ 88 Memórias póstumas (André Klotzel e José Roberto Torero)........... 88
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Perve Galeria, Lisboa, Portugal. Fotografia: ID/BR
Ferramenta de leitura: A condição pós-moderna.................... 118 Os bêbados e os sonâmbulos (Bernardo Carvalho)............................ 119 Entre textos: Texto 1 – Os cegos (Charles Baudelaire).................................... 120 Texto 2 – As ilusões perdidas (Honoré de Balzac)...................... 120 Vestibular e Enem ..................................................................... 121
Unidade 5 Panorama
das literaturas africanas em língua portuguesa
122
Capítulo 8 Literaturas de um continente em movimento....................................... 124
Literatura e HQ................................................... 90 Sua leitura: Dom Quixote (Caco Galhardo).... 92 Dom Quixote de la Mancha (Miguel de Cervantes).................................... 93 Literatura e pintura........................................... 94 Sua leitura: Composição (Joan Miró)..................................................... 96 O sim contra o sim (João Cabral de Melo Neto)........................... 96 Sua leitura: amortemor (Augusto de Campos)..................................... 97 Literatura e música............................................ 98 Sua leitura: Casa (Emicida, Xuxa Levy e Ogi)............................. 100 Filosofia (André Filho e Noel Rosa)............. 101
Capítulo 7 Vertentes da literatura contemporânea...................................... 102 Sua leitura: Autorretrato (Wouter Van Riessen).................................. 102 Quanto, (Fabiano Calixto)............................ 103 A condição pós-moderna e a situação da literatura hoje............................................. 104 Veredas do romance........................................ 106 Sua leitura: Domingos sem Deus (Luiz Ruffato)............................................... 108 Órfãos do Eldorado (Milton Hatoum)........... 109 Tendências da prosa curta.............................. 110 Sua leitura: Os outros (Antonio Prata)....... 111 Versos de tantas vozes.................................... 112 Sua leitura: Exílios (Fabrício Corsaletti).... 113 rilke shake (Angélica Freitas)....................... 113 Caminhos da dramaturgia contemporânea................................................ 114 Sua leitura: Por Elise (Grace Passô)........... 116 O nome do sujeito (Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano)..... 116
Sua leitura: A cela (Malangatana Valente Ngwenya)................. 124 Drama na cela disciplinar (António Cardoso)........................................ 125 Diversidade e identidade: a formação da África lusófona........................ 126 Literatura e liberdade..................................... 128 Sua leitura: November without water (Paula Tavares)............................................ 130 Em julho no Lubango (Manuel Rui).............. 130 Eu, o narrador, sou Milagre (Pepetela)......... 131 Sua leitura: Descolonizámos o Land-Rover (Albino Magaia)............................................ 134 Sua leitura: XI (Pedro Cardoso).................. 138 Herança (Aguinaldo Fonseca)...................... 138 Ferramenta de leitura: O engajamento político e a literatura....................................... 140 Naturalidade (Rui Knopfli)................... 141 Entre textos: Texto 1 – Grande Sertão: veredas (Guimarães Rosa).................. 142 Texto 2 – Capitães da Areia (Jorge Amado)................................ 142 Vestibular e Enem ..................................................................... 143
Linguagem: Ser no mundo e com o outro 144 Unidade 6 Introdução
aos estudos sobre a linguagem
146
Capítulo 9 Linguagens, linguagem verbal e língua....................................... 148 Linguagens........................................................ 148 Os estudos sobre a linguagem verbal........... 150 Prática de linguagem ................................ 152 Língua viva: A língua e a percepção da realidade................................................. 154 Um povo que não batizou o azul................... 154 Em dia com a escrita: A ortografia como convenção.......................................... 156
Capítulo 10 Uma língua, muitas línguas.................... 158 Variação linguística......................................... 158 Prática de linguagem ................................ 160 Língua viva: O falante poliglota em sua própria língua........................................ 162 Cultura (Luis Fernando Verissimo).............. 162 9
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Sumário Articulando: O ensino da gramática......................................... 166 A língua tem dessas coisas: Difícil tradução........................... 168 Vestibular e Enem ..................................................................... 169
Unidade 9 Linguagem
e materialidade
227
Capítulo 15 A língua no microscópio......................... 228 Fonema e letra.................................................. 228
e comunicação 171
Prática de linguagem ................................ 231 As unidades mínimas de sentido das palavras...................................................... 232
Capítulo 11 Relações comunicativas......................... 172
Prática de linguagem ................................ 234
Teoria da comunicação.................................... 172 Prática de linguagem ................................ 175 As limitações da teoria da comunicação...... 177 Prática de linguagem .................................180 Língua viva: Papéis sociais e linguagem... 182 Família (Jorge Amado)................................. 182 Em dia com a escrita: As aspas e a construção de sentido no texto................... 184
Língua viva: A poesia concreta: jogos de som, forma e significado.............. 236 Terra (1956) (Décio Pignatari).....................236 pluvial/fluvial (Augusto de Campos)............236
Unidade 7 Linguagem
Capítulo 12 Da fala para a escrita, da escrita para a fala............................. 186 Quem nasceu primeiro, a fala ou a escrita?..................................................... 186 Duas modalidades, uma língua...................... 188 Prática de linguagem ................................ 190 A retextualização do oral para o escrito........................................ 192 Programa Roda Viva (Suzana Herculano-Houzel) ........................ 192 Em dia com a escrita: O hipertexto........... 194 Articulando: A internet e os riscos da língua........................... 196 A língua tem dessas coisas: Trocadilhos e o desconcerto do humor..................................................................................... 198 Vestibular e Enem ..................................................................... 199
Unidade 8
Linguagem e sentido
201
Capítulo 13 As palavras e as coisas........................... 202 Semântica: os modos de criar sentido.......... 202 As relações lexicais......................................... 203 Prática de linguagem ................................ 206 Língua viva: As referências que o sujeito cria na língua................................... 208 A seta e o alvo (Paulinho Moska e Nilo Romero)................. 208 Em dia com a escrita: Os parônimos........... 210
Capítulo 14 A linguagem opaca................................. 212 Figuras de linguagem...................................... 212 Princípios de construção das figuras de linguagem.................................................... 213 Prática de linguagem ................................ 217 Língua viva: O sentido figurado no texto de divulgação científica..................... 219 Brasileira descobre “orfanato” de estrelas (Rafael Garcia)............................................. 219 Em dia com a escrita: Revisão de acentuação gráfica (I).................................. 221
Em dia com a escrita: Revisão de acentuação gráfica (II)................................ 237
Capítulo 16 De onde vêm as palavras?...................... 238 Palavras que se juntam para formar outras: composição............................. 238 Prática de linguagem ................................ 240 Palavras nascidas de outras palavras: derivação......................................... 242 Prática de linguagem ................................ 244 Outros processos de renovação do léxico ... 246 Neologismos..................................................... 247 Prática de linguagem ................................ 248 Língua viva: Os neologismos e a língua que não para de mudar.................... 250 Filantropias (Roberto Damatta)................... 250 Em dia com a escrita: Revisão de ortografia (I): os fonemas /s/ e /z/.............. 252
Capítulo 17 As tramas da língua............................... 254 Tecer com palavras.......................................... 254 Como se costuram os sentidos de um texto?..................................................... 255 Mecanismos de coesão.................................... 256 Mecanismos de produção de coerência........ 257 Prática de linguagem ................................ 258
Sérgio Caparelli/Acervo do artista
Em dia com a escrita: O novo acordo ortográfico e o hífen.................................... 164
Articulando: O acordo ortográfico............................................ 222 A língua tem dessas coisas: Palavras que vêm de longe........ 224 Vestibular e Enem ..................................................................... 225 10
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Pablo Bernardo/Acervo do fotógrafo
Língua viva: A repetição e a progressão textual....................................... 260 O amor acaba (Paulo Mendes Campos).............................. 260 Em dia com a escrita: Revisão de ortografia (II): os fonemas /ʒ/ e /∫/............ 262 Articulando: Empréstimos linguísticos..................................... 264 A língua tem dessas coisas: Anagrama, lipograma e pangrama................................................................ 266 Vestibular e Enem ..................................................................... 267
Produção de texto: Tecendo sentidos Unidade 10
Narrar
268 270
Capítulo 18 Conto de humor..................................... 272 Leitura: De cima para baixo (Artur Azevedo)................................................. 272 Ler um conto de humor................................... 274 Produzir um conto de humor.......................... 276 Vestibular e Enem ..................................................................... 278
Unidade 11
Relatar
279
Capítulo 19 Notícia.................................................. 280 Leitura: Suprema corte dos EUA reconhece legalidade do casamento gay (Carta Capital)................................................... 280 Ler uma notícia................................................ 282 Entre o texto e o discurso – A questão da imparcialidade.......................... 284 Produzir uma notícia....................................... 286
Capítulo 20 Reportagem........................................... 288 Leitura: São Paulo tem quilômetros de rios soterrados por asfalto (Suzana Bizerril Camargo)................................ 288 Ler uma reportagem........................................ 290 Produzir uma reportagem............................... 292
Capítulo 21 Relato de experiência vivida.................. 294 Leitura: Relato de Mitermayer Galvão dos Reis (Rede Bahia Revista)......................................... 294 Ler um relato de experiência vivida.............. 296 Entre o texto e o discurso – A experiência vivida como exemplo.............. 298 Produzir um relato de experiência vivida..... 300 Vestibular e Enem ..................................................................... 302
Unidade 12
Expor
303
Capítulo 22 Resumo................................................. 304
Entre o texto e o discurso – As qualidades do orador................................. 314 Produzir uma comunicação oral..................... 316 Vestibular e Enem ..................................................................... 318
Unidade 13
Argumentar
319
Capítulo 24 Dissertação escolar................................ 320 Leitura: Publicidade infantil em questão no Brasil (Enem 2014)................... 320 Ler uma dissertação escolar........................... 322 Entre o texto e o discurso – O que é argumentar......................................... 324 Produzir uma dissertação escolar................. 326
Capítulo 25 Carta de reclamação.............................. 328 Leitura: Reclamação de Rafael Donelli à Metroplan a respeito da empresa Estelar Transportes............................................. 328 Ler uma carta de reclamação.......................... 330 Entre o texto e o discurso – Como se organiza o discurso argumentativo.......... 332 Produzir uma carta de reclamação................ 334
Capítulo 26 Mesa-redonda........................................ 336 Leitura: Mulheres na ciência (Luiza Chomenko, Adriana Corrêa e Elena Schuck)................................................. 336 Ler uma mesa-redonda.................................... 338 Entre o texto e o discurso – As trocas de turno no discurso oral............... 340 Produzir uma mesa-redonda.......................... 342
Leitura: O rap e o funk na socialização da juventude (Juarez Dayrell)............................ 304 Ler um resumo.................................................. 306 Produzir um resumo........................................ 308
Vestibular e Enem ..................................................................... 344
Capítulo 23 Comunicação oral.................................. 310
Bibliografia..................................................................... 350
Leitura: Nós não nascemos prontos (Mario Sergio Cortella)...................................... 310 Ler uma comunicação oral.............................. 312
Projeto 1: Mapeamento linguístico da comunidade................. 346 Projeto 2: Sarau da cultura juvenil........................................... 348
Siglas dos exames e das universidades............................ 352 Créditos complementares de textos.................................. 352 11
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UNIDADES 1 Ao encontro da literatura
Dan Kitwood/Getty Images
literatura
Experiências de leitura
2 A linguagem literária 3 A literatura e o leitor 4 A literatura e o mundo contemporâneo 5 Panorama das literaturas africanas em língua portuguesa
Imagem do labirinto de sebes do Palácio Hampton Court, antiga residência real, no sudoeste de Londres, na Inglaterra. Foi concebido por volta de 1 700 pelos arquitetos paisagistas George London e Henry Wise. Foto de 2002. 12
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Nestas páginas, é reproduzida uma fotografia de um dos labirintos mais antigos de Londres, na Inglaterra. Situado no Palácio Hampton Court, tem formato de trapézio e atrai muitos visitantes, que se perdem por suas ruelas. Como andar por um labirinto, a experiência da leitura literária possibilita inúmeras rotas. Para cada leitor, essa vivência proporciona diferentes descobertas: reflexões sobre a linguagem, novas percepções sobre si e outros olhares sobre a realidade presente e passada. Por isso, convidamos você a embarcar em uma viagem para conhecer um pouco da literatura nacional e estrangeira. Você entrará em
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contato com muitos textos de diferentes épocas e lugares. Para que possa aproveitar o itinerário, ao longo deste volume, você será apresentado a alguns conceitos, procedimentos e recursos importantes para a compreensão do texto literário. Também pensará sobre os diálogos entre obras, leitores e seu tempo histórico. Desse modo, poderá reconher as escolhas estéticas feitas na construção textual. A proposta aqui é despertar seu interesse pela literatura, propiciando vivências formativas e a ampliação do seu repertório literário e de suas referências culturais.
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unidade
1 Nesta unidade 1 Por que ler literatura? 2 A criação literária
Ao encontro da literatura Ao participar do jogo da leitura literária, muitas vezes, em um primeiro momento, você pode considerar um texto indecifrável ou enigmático. Aí pode residir o que há de interessante na experiência da leitura de uma obra literária ou das artes visuais. A obra ao lado, Interior metafísico, do italiano Giorgio de Chirico (1888-1978), desafia o espectador. Os objetos representados são reconhecíveis, mas estão organizados de tal modo que se criam múltiplas perspectivas e o efeito de um quadro dentro do quadro. Nesta unidade, você vai ler diversos textos literários com o objetivo principal de observar as sensações, os sentimentos e as reflexões que eles lhe proporcionam. Você refletirá a respeito das diferentes funções que a literatura desempenhou ao longo dos tempos, investigando o que é a literatura e as razões de nos dedicarmos à leitura de textos literários.
Imagem da página ao lado: Chirico, Giorgio de. Interior metafísico, 1917. Óleo sobre tela, 73,5 cm × 60 cm. Museu Van der Heydt, Wuppertal, Alemanha. Detalhes de construções arquitetônicas, réguas, quadro, esquadros, armações e cavaletes se justapõem, formando uma composição que parece inverter o princípio lógico e instiga o olhar do espectador.
Também terá a oportunidade de pensar sobre as relações entre literatura e realidade, além de conhecer as ferramentas de leitura – uma forma de ler os textos literários que nos acompanharão ao longo de toda a coleção.
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Von der Heydt Museum, Wuppertal, Alemanha. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix
capítulo
1 o que você vai estudar Funções da literatura. Direito à literatura. Sistema literário.
Por que ler literatura? Há muitas maneiras de responder a essa pergunta. A literatura, em suas diversas formas, sempre esteve presente nas práticas dos grupos sociais humanos, em diferentes culturas e partes do mundo. Esse caráter universal do fenômeno literário já seria razão suficiente para justificar a importância de conhecê-lo, estudá-lo, analisá-lo. No entanto, a melhor maneira de descobrir “por que ler literatura” é experimentar o que os textos literários oferecem ao leitor. Ao ler literatura, é possível ver e compreender a realidade de uma maneira diferente, bem como mudar a percepção sobre si mesmo e sobre aquilo que está ao nosso redor. Por isso, este capítulo se inicia com um convite à leitura.
Sua leitura A crônica a seguir é de Vinicius de Moraes e aborda o tempo em que o autor morou, quando menino, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. O segundo texto traz a descrição da história e da geografia da ilha. Leia-os e responda às questões. Texto 1
Vocabulário de apoio
abóboda: construção de teto curvilíneo alísio: tipo de vento aragem: vento brando escrúpulo: atitude cuidadosa ilhéu: relativo a ilha marulhar: ruído das ondas recôndito: encoberto tremeluzir: luzir de modo cintilante
Menino de ilha Às vezes, no calor mais forte, eu pulava de noite a janela com pés de gato e ia deitar-me junto ao mar. Acomodava-me na areia como numa cama fofa e abria as pernas aos alísios e ao luar; e em breve as frescas mãos da maré cheia vinham coçar meus pés com seus dedos de água. Era indizivelmente bom. Com um simples olhar podia vigiar a casa, cuja janela deixava apenas encostada; mas por mero escrúpulo. Ninguém nos viria nunca fazer mal. Éramos gente querida na ilha, e a afeição daquela comunidade pobre manifestava-se constantemente em peixe fresco, cestas de caju, sacos de manga espada. E em breve perdia-me naquela doce confusão de ruídos... o sussurro da maré montante, uma folha seca de amendoeira arrastada pelo vento, o gorgulho de um peixe saltando, a clarineta de meu amigo Augusto, tuberculoso e insone, solando valsas ofegantes na distância. A aragem entrava-me pelos calções, inflava-me a camisa sobre o peito, fazia-me festas nas axilas, eu deixava a areia correr de entre meus dedos sem saber ainda que aquilo era uma forma de contar o tempo. Mas o tempo ainda não existia para mim; ou só existia nisso que era sempre vivo, nunca morto ou inútil. Quando não havia luar era mais lindo e misterioso ainda. Porque, com a continuidade da mirada, o céu noturno ia desvendando pouco a pouco todas as suas estrelas, até as mais recônditas, e a negra abóbada acabava por formigar de luzes, como se todos os pirilampos do mundo estivessem luzindo na mais alta esfera. Depois acontecia que o céu se aproximava e eu chegava a distinguir o contorno das galáxias, e estrelas cadentes precipitavam-se como loucas em direção a mim com as cabeleiras soltas e acabavam por se apagar no enorme silêncio do Infinito. E era uma tal multidão de astros a tremeluzir que, juro, às vezes tinha a impressão de ouvir o burburinho infantil de suas vozes. E logo voltava o mar com o seu marulhar ilhéu, e um peixe pulava perto, e um cão latia, e uma folha seca de amendoeira era arrastada pelo vento, e se ouvia a tosse de Augusto longe, longe. Eu olhava a casa, não havia ninguém, meus pais dormiam, minhas irmãs dormiam, meu irmão pequeno dormia mais que todos. Era indizivelmente bom. Havia ocasiões em que adormecia sem dormir, numa semiconsciência dos carinhos do vento e da água no meu rosto e nos meus pés. É que vinha-me do Infinito uma tão grande paz e um tal sentimento de poesia que eu me entregava não a um sono, que não há sono diante do Infinito, mas a um lacrimoso abandono que acabava por raptar-me de mim mesmo. E eu ia, coisa volátil, ao sabor dos ventos que me levavam para aquele mar de estrelas, sem forma e sem peso, mesmo sentindo-me moldar à areia macia com o meu corpo e ouvindo o breve cochicho das ondas que vinham desaguar nas minhas pernas.
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Mas – como dizê-lo? – era sempre nesses momentos de perigosa inércia, de mística entrega, que a aurora vinha em meu auxílio. Pois a verdade é que, de súbito, eu sentia a sua mão fria pousar sobre a minha testa e despertava do meu êxtase. Abria os olhos e lá estava ela sobre o mar pacificado, com seus grandes olhos brancos, suas asas sem ruído e seus seios cor-de-rosa, a mirar-me com um sorriso pálido que ia pouco a pouco desmanchando a noite em cinzas. E eu me levantava, sacudia a areia do meu corpo, dava um beijo de bom-dia na face que ela me entregava, pulava a janela de volta, atravessava a casa com pés de gato e ia dormir direito em minha cama, com um gosto de frio em minha boca. Moraes, Vinicius de. Menino de ilha. In: Werneck, Humberto (Org.). Boa companhia: crônicas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 137-139.
Texto 2 A Ilha do Governador localiza-se no lado ocidental do interior da Baía de Guanabara, no estado do Rio de Janeiro. Compreende catorze bairros do município do Rio de Janeiro. É a região da Zona Norte do Rio de Janeiro com maior poder aquisitivo e com um dos melhores índices de desenvolvimento humano do município. História Contendo uma superfície de 36,12 quilômetros quadrados, compreende quatorze bairros da cidade do Rio de Janeiro – Bancários, Cacuia, Cocotá, Freguesia, Galeão, Jardim Carioca, Jardim Guanabara, Moneró, Pitangueiras, Portuguesa, Praia da Bandeira, Ribeira, Tauá e Zumbi –, com uma população total de aproximadamente 210 mil habitantes. Tradicionalmente residencial, atualmente apresenta características mistas, compreendendo ainda indústrias, comércio e serviços. Os moradores da ilha costumam enaltecê-la, tendo o termo insulano um significado especial para quem é dessa região da cidade. Descoberta em 1502 por navegadores portugueses, os índios Temiminós foram os seus primeiros habitantes. Chamavam-na de Ilha de Paranapuã, sendo também chamada de Ilha dos Maracajás (espécie de grandes felinos, então abundantes na região) pelos índios Tamoios, inimigos dos Temiminós. [...] O nome Ilha do Governador surgiu somente a partir de 5 de setembro de 1567, quando o governador-geral do então Estado do Brasil (e interino da Capitania do Rio de Janeiro) Mem de Sá doou ao seu sobrinho, Salvador Correia de Sá (o Velho – Governador e Capitão-general da Capitania Real do Rio de Janeiro de 1568 a 1572), mais da metade do seu território. [...]
Ricardo Funari/Brazil Photos/ LightRocket via Getty Images
Sobre Ilha do Governador
Vista aérea da Ilha do Governador e da Baía de Guanabara. Foto de 2012.
Encontra Ilha do Governador. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2016.
Sobre os textos 1. A crônica “Menino de ilha” desenrola-se no espaço de tempo de apenas uma noite. Descreva, brevemente, o acontecimento narrado. 2. Vinicius de Moraes nasceu em 1913 no bairro da Gávea, Rio de Janeiro. Em 1916, mudou-se para o bairro de Botafogo e, aos 9 anos, em 1922, em decorrência do adoecimento de sua mãe, mudou-se novamente com a família para a Ilha do Governador, no mesmo estado. Com base nessas informações e na leitura da crônica “Menino de ilha”, responda às questões. a) A relação do menino com o novo ambiente em que mora é positiva ou negativa? Explique. b) É possível identificar, pela crônica, se o menino foi bem recebido pela comunidade? Justifique com partes do texto. 3. “Sobre Ilha do Governador” é um texto informativo disponibilizado pelo site Encontra Ilha do Governador, o qual se configura como um guia para o local, oferecendo informações sobre o comércio, a geografia, os serviços disponíveis, etc. a) Em sua opinião, o que diferencia a descrição do lugar feita por Vinicius de Moraes e a oferecida pelo texto “Sobre Ilha do Governador”? Explique. b) Há alguma informação do site que contradiz a descrição da ilha feita pelo cronista? Qual? 4. Em sua opinião, o que um texto literário como “Menino de ilha” tem a oferecer ao leitor que um texto informativo, como “Sobre Ilha do Governador”, não tem?
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Emak-Bakia. Direção de Man Ray, França, 1926, 18 min. Esse curta-metragem é caracterizado pela “invenção” de uma sequência poética de imagens que misturam realidade e sonho. O título vem de uma expressão em basco, língua falada no norte da Espanha, que significa Deixe-me em paz.
Fotograma do filme Emak-Bakia (1926). Esse “cinepoema” é descrito pelo diretor como uma série de invenções de formas e de movimentos luminosos. Ao longo de cinco anos, o fotógrafo Eder Chiodetto visitou 36 escritores brasileiros, colhendo seus depoimentos e capturando, em fotografias, seu espaço de escrita. O projeto virou o livro O lugar do escritor, publicado pela editora Cosac Naify em 2002 e ganhador de menção honrosa do importante Prêmio Jabuti, em 2004. Nessa foto, o escritor Manoel de Barros é retratado em seu escritório, na cidade de Campo Grande: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira. Não tenho inspiração. Não sei o que é isso e não espero por ela para escrever. Até porque, dizem, ela é preguiçosa, só aparece quando dá na veneta. Eu não. Escrevo religiosamente todo dia das sete ao meiodia. Me fecho no escritório e não saio de lá por nada. Não atendo telefone, não olho pela janela, não ouço música”. Foto de 2002.
Capítulo 1 – Por que ler literatura?
Eder Chiodetto/Acervo do fotógrafo
A literatura, assim como as demais artes, expressa os dilemas, os sentimentos e as diversas experiências do ser humano. Por meio da palavra, dá asas à imaginação, transportando o leitor para situações e lugares surpreendentes, ao mesmo tempo que permite a observação de aspectos da vida comum que escapam à nossa percepção. A criação literária, diferentemente do que se possa supor, não é apenas o resultado de um momento de inspiração ou do domínio de técnicas de composição escrita. Também faz parte da obra literária a representação de determinados problemas sociais e de determinadas formas de expressão da sociedade. Isso quer dizer que o texto literário dialoga, de modo mais ou menos explícito, com situações sociais, culturais e políticas relacionadas aos contextos em que circula. O texto literário reflete ainda os sentimentos, as angústias e as vivências humanas, e também os modos como nos relacionamos uns com os outros. Ou seja, a literatura explora as dimensões mais íntimas do homem, suas crenças e incertezas, seus conflitos interiores e suas atitudes diante dos impasses do mundo que o cerca. A criação exerce um papel decisivo na composição literária. Independentemente de basear-se ou não em experiências vividas por aquele que a escreve, a obra literária pode ser considerada uma exposição de situações passíveis de serem compartilhadas entre escritores e leitores. Portanto, o texto literário é tanto o registro de uma experiência singular quanto de uma experiência coletiva. Partindo de estímulos variados (fatos, episódios, lembranças, invenções, achados, etc.), o escritor utiliza-se da linguagem para mostrar ou evidenciar a condição humana. O modo como o escritor cria, trabalhando esteticamente a linguagem, entre outras razões, é que faz o texto literário ser distinto de um texto informativo, por exemplo. É o que ocorre na crônica de Vinicius de Moraes lida anteriormente: a narrativa literária descreve não apenas a relação do autor, quando criança, com esse novo ambiente de moradia, como também a rememoração subjetiva desse espaço, a qual é permeada de afetividade e idealizações.
Assista
MCMLXXII/Raymond Rohauer
Literatura e criação
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Funções da literatura
ação e cidadania
Ao longo da história, o ser humano sempre questionou o papel da arte na sociedade. A discussão sobre o papel da arte, se ela tem um compromisso com a crítica social ou, inversamente, é um fim em si mesma (e não um meio para atingir outra finalidade), encontra diferentes respostas em cada época e varia de acordo com o meio social. O mesmo ocorre com a literatura. Uma vez que a obra literária só existe como objeto social, que se completa na leitura e na interação com o leitor, a “função” da literatura depende daquilo a que o leitor se propõe quando busca o texto literário. Além disso, como disse o escritor Umberto Eco (1932-2016), as grandes produções literárias tiveram profundo impacto na sociedade, o que extrapola sua importância para além da relação imediata entre leitor e obra. Por isso, investigar algumas das funções desempenhadas pela literatura ao longo do tempo é um modo de reconhecer seu poder transformador.
O romance Germinal denuncia as precárias condições de trabalho dos mineiros do norte da França no fim do século XIX e sua forma de resistência: a greve. No Brasil, o direito à greve é previsto pela Constituição Federal e regulamentado por lei desde 1989. Perante a lei, a greve é considerada legítima quando todas as tentativas de acordo entre empregadores e empregados tiverem se esgotado. No entanto, ela deve atender a algumas condições para que não seja considerada abusiva: os trabalhadores devem informar o empregador sobre a greve com 48 horas de antecedência; a greve deve ser pacífica e não pode violar nenhum direito legal. Quando os empregados desobedecem a alguma dessas regras e a greve se configura como abusiva, o empregador pode descontar os dias de paralisação do salário do empregado e até mesmo demiti-lo por justa causa.
A literatura como denúncia social Em 1884, Émile Zola publicava Germinal, romance que narra uma greve de trabalhadores das minas de carvão no norte da França, em um movimento deflagrado pela redução de salários e pelas péssimas condições de trabalho. No trecho a seguir, Estêvão, recém-chegado à mina de Voreux, conhece Boa-Morte, que lá trabalha há mais de cinquenta anos.
Zola, Émile. Germinal. Trad. Eduardo Nunes Fonseca. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 18-19.
O caráter realista do texto e a crueza na descrição da personagem Boa-Morte trazem à tona as dificuldades vividas pelos mineiros e seus enfrentamentos com a classe patronal. Nesse sentido, Germinal funciona como um instrumento de denúncia social, não apenas da realidade vivenciada por aquele grupo específico de mineiros, mas também por outros grupos que vivem em condições semelhantes.
Margens do texto 1. A personagem Boa-Morte prefere continuar trabalhando para obter uma aposentadoria de maior valor. Qual é a importância dessa postura para o efeito de denúncia social produzido pelo texto? 2. Escolha um trecho do diálogo que, em sua opinião, seja particularmente expressivo ou impactante. Registre-o no caderno e explique o que chamou sua atenção na maneira como o texto foi construído.
Coleção particular. Fotografia: Other Images
— Eu — disse ele — sou de Montsou, chamo-me Boa-Morte. — É apelido? — perguntou Estêvão, admirado. O velho teve um risinho de contentamento e, apontando para Voreux: — Pois é… Tiraram-me três vezes dali em pedaços, de uma vez com a pele toda tostada, de outra com terra até a goela, e da terceira com o bandulho cheio de água como uma rã… E então, quando viram que eu não queria dar a carcaça, chamaram-me Boa-Morte, por brincadeira… […] Tendo tossido, com a garganta machucada por um pigarrear profundo, escarrou ao pé da fogueira, e a terra pretejou. Estêvão examinava-o e examinava o chão que ele assim manchava. […] — Dizem-me para descansar — continuou ele —, mas eu é que não quero. Julgam-me algum idiota… hei de ir até os sessenta, para ter a pensão de cento e oitenta francos. Se eu hoje me despedisse, davam-me logo a de cento e cinquenta. Esses velhacos são vivos! Tirante as pernas, estou forte. Foi a água, com certeza, que me encharcou. Durante a extração, fica-se o tempo todo dentro dela; há dias em que não posso mexer um pé sem gemer. Interrompeu-o um ataque de tosse. […] Subiu-lhe da garganta um pigarrear, e escarrou um catarro preto. — É sangue? — perguntou Estêvão. Boa-Morte, mansamente, limpava a boca com as costas da mão: — É carvão… Tenho tanto carvão no corpo que poderei me aquecer com ele o resto dos meus dias. […]
Pôster da peça Germinal, c. 1884. Litografia. Note a diferença na postura das três personagens: uma está soterrada pelo carvão, outra apresenta-se combativa e a terceira oferece heroicamente seu peito como alvo.
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A literatura como investigação psicológica Na continuação de Germinal, Estêvão passa a liderar a greve dos mineiros. Leia o trecho a seguir e observe a investigação que o narrador faz sobre as motivações de alguns atos da personagem. Doravante, Estêvão era o chefe incontestado. […] Ele lia sem parar, recebia maior número de cartas; tinha mesmo assinado o Vengeur, folha socialista da Bélgica: e este jornal, o primeiro que entrava no cortiço, atraíra-lhe da parte dos camaradas uma consideração extraordinária. Sua popularidade crescente emprestava-lhe uma deliciosa embriaguez. Ter larga correspondência, discutir a sorte dos trabalhadores aos quatro cantos da província, dar consultas a todos os mineiros da Voreux, tornar-se principalmente um centro, sentir o mundo girar em volta dele era uma contínua tumefação de orgulho para ele, o antigo maquinista, o cortador de mãos gordurentas e negras. […] E o sonho de chefe popular embalava-o de novo: Montsou a seus pés, Paris numa miragem de nevoeiro, quem sabe? A deputação um dia, a tribuna de uma sala rica, onde se via ameaçando os burgueses, com o primeiro discurso pronunciado por um operário, num parlamento. Zola, Émile. Germinal. Trad. Eduardo Nunes Fonseca. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 202-203.
Estêvão está profundamente envolvido com a causa dos mineiros, mas o narrador deixa transparecer que o jovem também alimenta sentimentos de outra natureza, como a vaidade e a ambição. Os aspectos contraditórios do ser humano diante das adversidades da vida também aparecem de forma privilegiada na literatura, que pode, assim, provocar reflexões sobre as motivações humanas diante de circunstâncias históricas.
A literatura como entretenimento
Repertório
Apesar de a imaginação ser fundamental para a criação literária, muitas vezes o escritor “mergulha” em uma determinada realidade para escrever sobre ela. Comprometido em denunciar o processo de desumanização dos trabalhadores das minas, Émile Zola passou alguns meses experimentando de perto a vida nas minas de carvão e nas vilas operárias, de onde extraiu material para a construção de suas personagens. Outros escritores desenvolveram processos de criação distintos. Gustave Flaubert (1821-1880), por exemplo, escrevia em seu escritório, “berrando” seus textos; Marcel Proust (1871-1922) isolou-se em um quarto fechado, escuro e à prova de som. Os ritos ligados ao processo criativo de escritores e artistas, em geral, alimentam a curiosidade do público, especialmente a partir do século XIX.
Capítulo 1 – Por que ler literatura?
Depois de um breve instante de silêncio, Emily Brent falou com decisão: — Há alguma coisa de muito singular em tudo isso. Recebi uma carta com uma assinatura que não era fácil de ler. O remetente se passava por uma mulher que encontrei em certa casa de veraneio, dois ou três anos atrás. Supus que o nome fosse Ogden ou Oliver. Conheço uma senhora Oliver, e também uma senhorita Ogden, mas tenho plena certeza de que jamais conheci ou fiz amizade com uma pessoa chamada Owen. O juiz Wargrave perguntou: — Ainda tem consigo essa carta, senhorita Brent? — Sim, vou buscá-la para o senhor. Saiu da sala e um minuto depois estava de volta com a carta. Christie, Agatha. E não sobrou nenhum. Trad. Renato Marques de Oliveira. São Paulo: Globo, 2014. p. 84-85.
Na sequência, uma série de assassinatos acontece na ilha. O leitor seguirá as pistas dadas pelo narrador, mantendo-se alerta para tudo o que possa esclarecer o mistério: quem convidou essas pessoas para a ilha e qual é o motivo dessas mortes? Assim, a literatura também cumpre outra função: entreter, ou seja, dar ao leitor a oportunidade de passar o tempo de forma agradável e prazerosa.
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Museu d’Orsay, Paris. Fotografia: ID/BR
Em um romance da inglesa Agatha Christie, dez personagens que não se conhecem estão hospedadas em uma casa em uma ilha. Na primeira noite, após o jantar, ainda sem entender o porquê da ausência dos donos da casa, são surpreendidas por uma voz misteriosa que acusa cada uma delas da morte de uma pessoa. Na cena reproduzida abaixo, após descobrir que os empregados desconhecem a identidade do dono da casa, os acusados recordam de que maneira foram convidados a ir à ilha e se dão conta de estarem envolvidos em uma situação estranha.
Manet, Edouard. Retrato de Émile Zola, 1868. Óleo sobre tela, 146,5 cm 3 114 cm. Museu d’Orsay, Paris, França.
HIPERTEXTO O entretenimento proporcionado pela literatura manifesta-se com bastante clareza nas crônicas e nos contos de humor. Na parte de Produção de texto (capítulo 18, p. 272-273), você pode ler o divertido conto “De cima para baixo”, de Artur Azevedo.
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Sua leitura A seguir, há dois trechos de textos que discorrem sobre a importância da literatura. O primeiro é um fragmento do discurso do escritor brasileiro Luiz Ruffato (1961-) apresentado na abertura da Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, em 2013. Na sequência, o ensaísta italiano Umberto Eco discute as funções da literatura. Texto 1 Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida? Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro – seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual – como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora. Ruffato, Luiz. O Estado de S. Paulo, 8 out. 2013. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2016.
Texto 2 Mas para que serve esse bem imaterial, a literatura? Eu poderia responder, como já fiz noutras vezes, dizendo que ela é um bem que se consuma “gratia sui” e que portanto não serve para nada. Mas uma visão tão crua do prazer literário corre o risco de igualar a literatura ao jogging ou às palavras cruzadas, que, além do mais, também servem para alguma coisa, seja manter o corpo saudável, seja enriquecer o léxico. Do que estou tentando falar é, portanto, da série de funções que a literatura tem na nossa vida individual e social. A literatura mantém a língua em exercício e, sobretudo, a mantém como patrimônio coletivo. A língua, por definição, vai para onde ela quer, nenhum decreto superior, nem político nem acadêmico, pode interromper seu caminho nem desviá-lo para situações que se pretendem ótimas. A língua vai para onde quer, mas é sensível às sugestões da literatura. Sem Dante não teria existido um italiano unificado. Dante, em “De Vulgari Eloquentia”, analisa e condena os vários dialetos italianos, propondo-se a forjar uma nova língua vulgar ilustrada.
Vocabulário de apoio
gratia sui: expressão latina que significa “em razão de si mesmo” consumar: realizar jogging: corrida a pé em ritmo moderado léxico: vocabulário
Eco, Umberto. A literatura contra o efêmero. Folha de S.Paulo, 18 fev. 2001. Caderno Mais. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2016.
Sobre os textos 1. Considerando a opinião de Luiz Ruffato, por que a literatura pode afetar o leitor? De que modo essa transformação individual pode gerar uma mudança coletiva? 2. Segundo Umberto Eco, qual é a função da literatura? Por que, para o autor, a literatura é um patrimônio imaterial coletivo? 3. Com base nos dois textos lidos, responda. a) Quais são as semelhanças e as diferenças entre os pontos de vista apresentados? b) Em sua opinião, qual é a principal função da literatura?
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A literatura como direito Marcos Santos/USP Imagens
Para além de funções e finalidades, a literatura é um direito de todos. É o que defende o crítico literário Antonio Candido em seu texto “O direito à literatura”. Antes de apresentar seus argumentos, o estudioso explica o que define como literatura. Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações. Candido, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Duas Cidades, 2004. p. 174.
O conceito amplo de literatura, tal qual Candido define, ultrapassa a noção comum de que a literatura consiste apenas de romances, poemas, contos, crônicas, etc. A citação às formas orais (o folclore, a lenda) e aos textos de caráter humorístico (chiste) revela que o direito à literatura não se confunde com a leitura exclusiva de obras canônicas, ou seja, obras mais conhecidas ou consideradas mais importantes por críticos ou especialistas. Em seguida, Candido argumenta que, entendida dessa forma, a literatura é um fenômeno universal de todos os tempos e os lugares, inseparável da vida humana. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. O sonho assegura durante o sono a presença indispensável deste universo, independentemente da nossa vontade. E durante a vigília a criação ficcional ou poética, que é a mola da literatura em todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós, analfabeto ou erudito, como anedota, causo, história em quadrinhos, noticiário policial, canção popular, moda de viola, samba carnavalesco. Ela se manifesta desde o devaneio amoroso ou econômico no ônibus até a atenção fixada na novela de televisão ou na leitura corrida de um romance. Candido, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Duas Cidades, 2004. p. 174-175.
Depois, o autor conclui que a literatura é parte indispensável da “humanização” do homem, devendo ser entendida como um “direito incompressível”, que não pode ser negado a ninguém. Assim, o contato com a literatura é um direito fundamental do ser humano. Por isso, ainda que um leitor não tenha grande interesse pelos textos literários, ele não pode ser privado da possibilidade de conhecê-los e de desfrutar deles, razão suficiente para que a literatura seja parte dos estudos de linguagem na escola. Logo, negar o contato com qualquer tipo de representação artístico-literária é privar o sujeito de exercer plenamente sua humanidade.
A contribuição de Antonio Candido (1918-) para os estudos da literatura é inestimável. Sua obra Formação da literatura brasileira, publicada em 1959, é referência para entender a maneira como, no Brasil, as relações entre autor, obra e público passam a constituir um sistema literário a partir de meados do século XIX, em contraposição às “manifestações literárias” que as precederam e não compunham, ainda, uma tradição. Para ele, só a partir desse momento é efetivamente possível falar de uma literatura brasileira, entendida como instituição cultural e patrimônio social. Foto de 2013.
Sua leitura Capítulo 1 – Por que ler literatura?
Leia a seguir um conto do escritor angolano José Eduardo Agualusa.
Se nada mais der certo leia Clarice Tenho medo de ligar a televisão, como quem entra no metrô à hora de ponta, e de que por descuido ou por maldade alguém me pise a inteligência: “desculpe, sim?!, foi sem querer”. Ligo o aparelho, encolhido no meu canto, fingindo que nem estou ali, mas se por acaso os meus olhos tropeçam nalgum sujeito com aspecto de bárbaro, saio logo. A seguir fecho os olhos e sonho um peixe. Foi um velho pesca-
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dor pernambucano quem me ensinou isto. Eu estava sentado nas areias de Itamaracá, com um bloco de papel nos joelhos, concluindo uma aguarela. Ele veio por trás e ficou um momento observando: — Por que faz isso? — perguntou. — O mar não cabe aí! Sentou-se do meu lado. Disse-me que às vezes, ao acordar, lhe doía, do lado esquerdo Não escreva no livro.
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— Nossa Senhora Aparecida?! Qual Nossa Senhora, rapaz?! Quem me apareceu foi Clarice Lispector!… Em todas as estórias de pescadores há sempre exageros, por vezes até mentiras descaradas, ou não seriam estórias de pescadores. Neste ponto, porém, peremptório – uso esta palavra pela primeira vez na vida; não veem que reluz? – ele lia! Era um grande devoto de Clarice Lispector e Alberto Caeiro. Contou-me que Clarice lhe apareceu de madrugada, trazendo nas mãos Uma Maçã no Escuro, e lhe leu o romance inteiro. A seguir, depois que o achou mais recomposto, ensinou-o a sonhar peixes. — Sonhar peixes faz bem à alma. Lembre-se que por cada homem mau no mundo há no mar mil peixes bons. O meu pescador não tinha televisão. Às vezes acontecia demorar-se num bar, ou na praça (havia uma televisão na praça), e o fragor das guerras alheias roubava-lhe o sono. Ele sofria com o erro dos outros. Andava pela ilha com A Hora da Estrela debaixo do braço, tentando, sem sucesso, converter os demais. Só eu lhe dava atenção: — Se nada mais der certo leia Clarice. Uma tarde vi-o sonhar um golfinho. — Foi o meu primeiro mamífero — disse-me depois exausto pelo esforço —, para a semana vou tentar uma orca. Nunca mais voltei a Itamaracá, nunca mais o vi, mas calculo que por esta altura ele já tenha conseguido sonhar a sua baleia azul. Já a deve ter lançado ao mar, cento e trinta toneladas de puro sonho, e o canto dela há de estar ressoando nas águas. Um dia as baleias virão para salvar os homens.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
do peito, a humanidade. Caminhava então até a praia, estendia-se de costas na areia, e sonhava um peixe. — Foi Clarice, sabe? Ela me iniciou. Na altura não compreendi a quem o velho se referia. Começou por sonhar peixes pequenos, muito rudimentares, só um veloz traço de prata, só uma ligeira vírgula refulgindo no ar, mas com o tempo, à medida que desenvolvia a técnica, passou a sonhar garoupas, meros, inclusive espadartes. A ambição dele era sonhar uma baleia. Uma baleia azul. — Esteja atento à cor das águas — preveniu-me. — Por exemplo, de manhã, bem cedinho, se o mar estiver liso e prateado, é bom para sonhar savelhas. O camarupim, que é um peixe nosso, grande, se sonha muito bem depois que chove e os rios anoitecem o mar. Já os xaréus são melhor sonhados quando o mar azula. E as sereias? ele olhou-me atônito: — Sereias?! Servem para quê, as sereias? Sereias são bichos mal sonhados, como os ornitorrincos ou os generais. Você há de conseguir fazer melhor. Venho tentando. Nunca soube o nome do pescador. Era um sujeito alto, aprumado como um poste, de olhos acesos e uma pele sadia, bem esticada sobre os ossos. Tinha uma voz tão clara e calorosa que, à noite, enquanto falava, era como se cuspisse pirilampos. Uma voz daquelas devia poder transmitir-se em testamento. A mim fazia-me lembrar a do Fernando Alves. Contava-se na ilha que o velho estivera três semanas perdido no mar. Salvara-se por milagre, porque ao décimo terceiro dia Nossa Senhora Aparecida lhe apareceu no saveiro, trazendo um pernil de porco e uma garrafa de Coca-Cola. Ele próprio me desmentiu o milagre, até um pouco irritado:
Vocabulário de apoio
aprumado: empinado camarupim: espécie de peixe comum no Norte e no Nordeste do Brasil, com até 2,5 m de comprimento e dorso alongado espadarte: espécie de peixe que tem o maxilar superior em formato de espada fragor: ruído mero: espécie de peixe encontrada em águas tropicais do Atlântico que mede até 3 m de comprimento peremptório: decisivo, definitivo recomposto: arrumado refulgir: brilhar savelha: sardinha encontrada na região Sudeste do país xaréu: espécie de peixe bastante comum no Nordeste brasileiro que pode ter coloração de marrom-escura a negra
Agualusa, José Eduardo. Manual prático de levitação. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005. p. 63-67.
Sobre o texto 1. Qual é o significado do título do conto? 2. Ao longo do conto, além de Clarice Lispector, o narrador menciona outro escritor: Alberto Caeiro, heterônimo do poeta português Fernando Pessoa. Faça um breve levantamento sobre a obra de Caeiro e indique ao menos duas características desse autor que explique o interesse do pescador por seus poemas. 3. De acordo com Antonio Candido, “Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado”. De que maneira o “universo fabulado” está representado no conto de Agualusa? 4. Todos têm direito à literatura. Um dos aspectos dessa afirmação diz respeito ao fato de que a literatura não deve ser exclusiva a determinadas classes ou a determinados grupos sociais. De que modo o fato de a personagem principal do conto ser um pescador reafirma essa ideia?
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Sistema literário O leitor comum geralmente lê uma narrativa, uma peça teatral ou um poema, por exemplo, sem necessariamente se questionar sobre quais relações existem entre esses e outros textos. No entanto, a obra literária sempre dialoga com as obras produzidas em momentos anteriores, seja para reafirmá-las, seja para negá-las ou reinventá-las. Alguns temas, gêneros e formas são recuperados e revalorizados ou descartados em nome de novas necessidades de expressão. Um dos aspectos que caracteriza o estudo metódico da literatura é justamente entendê-la como um conjunto organizado de obras que estabelecem entre si variadas relações. Ou seja, a literatura pode ser considerada um sistema de obras articuladas por traços comuns. Alguns desses traços se referem a elementos internos das obras (temas e imagens que se repetem, usos da língua que se assemelham, metáforas recorrentes, etc.). Outros traços, que fazem parte de um universo de natureza social ou psicológica e ultrapassam a literatura por pertencerem à civilização, também podem ser entendidos como internos. As visões de mundo, os discursos históricos, sociais, filosóficos, religiosos, etc. são internalizados pela obra literária. O conto “Se nada mais der certo leia Clarice”, de José Eduardo Agualusa, lido anteriormente, por exemplo, tem elementos internos que dizem respeito, entre outras coisas, à escolha vocabular do narrador para contar a história do pescador, devoto da obra da escritora Clarice Lispector. As referências que sutilmente surgem ao longo do conto, que dizem respeito à contraposição entre a realidade objetiva e tecnológica (representada pela imagem da televisão) e o mundo dos sonhos (quando o pescador fecha os olhos para sonhar com peixes), podem ser entendidas como elementos internalizados. Quando tratamos do estudo da literatura (e da arte), outros fatores externos ao texto também são importantes e devem ser considerados no momento do estudo: a existência de um conjunto de escritores, ou produtores literários, com uma consciência mais ou menos estabelecida de seu papel; e um conjunto de leitores, ou receptores da literatura produzida, formado por diferentes tipos de público, sem os quais a obra não sobrevive. A relação autor–obra–leitor constitui o que chamamos de sistema literário. Veja o que diz Antonio Candido a esse respeito. O conjunto dos três elementos dá lugar a um tipo de comunicação inter-humana, a literatura, que aparece sob este ângulo como sistema simbólico, por meio do qual as veleidades mais profundas do indivíduo se transformam em elementos de contato entre os homens, e de interpretação das diferentes esferas da realidade. Candido, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007. p. 25.
Capítulo 1 – Por que ler literatura?
O conceito de sistema permite compreender que um texto literário não é um objeto/fato isolado, criado a partir do nada. Ao escrever um texto, organizando-o com base no trabalho com a linguagem e disponibilizando-o para a leitura do público, um escritor passa a pertencer a um universo no qual circulam outros escritores, que vivem ou não vivem em seu tempo e lugar. Quando a atividade dos escritores de um dado período se integra em tal sistema, ocorre outro elemento decisivo: a formação da continuidade literária, – espécie de transmissão da tocha entre corredores, que assegura no tempo o movimento conjunto, definindo os lineamentos de um todo. É uma tradição, no sentido completo do termo, isto é, transmissão de algo entre os homens, e o conjunto de elementos transmitidos, formando padrões que se impõem ao pensamento ou ao comportamento, e aos quais somos obrigados a nos referir, para aceitar ou rejeitar. Sem esta tradição não há literatura, como fenômeno de civilização. Candido, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007. p. 25-26.
O conceito de tradição é a chave para a compreensão da literatura como um sistema. Ele está relacionado, em um primeiro momento, com a necessidade de conservação de ideias, hábitos e costumes de um determinado grupo social. Em um segundo momento, o conceito de tradição pode ser entendido como um ponto a partir do qual se pode inovar, romper limites e extrapolar visões predeterminadas.
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Sua leitura Segundo o crítico literário Antonio Candido, o direito à literatura não deve se limitar à divulgação, à circulação e ao reconhecimento de obras eleitas por especialistas como as “mais importantes” do ponto de vista estético. Outras manifestações literárias podem e devem ser lidas. Leia a seguir a apresentação do livro Cooperifa: antropofagia periférica, de Sérgio Vaz, que trata do Sarau da Cooperifa, movimento cultural nascido na periferia de São Paulo em 2001. Há mais de doze anos, o sarau promove eventos literários para incentivar a leitura e a criação poética.
Apresentação: Poesia das ruas A literatura é a dama triste que atravessa a rua sem olhar para os pedintes, famintos por conhecimento, que se amontoam nas calçadas frias da senzala moderna chamada periferia. Frequenta os casarões, bibliotecas inacessíveis a olho nu, e prateleiras de livrarias que crianças não alcançam com os pés descalços. Dentro do livro ou sob o cárcere do privilégio, ela se deita com Victor Hugo, mas não com os miseráveis. Beija a boca de Dante, mas não desce até o inferno. Faz sexo com Cervantes e ri da cara do Quixote. É triste, mas a rosa do povo não floresce no jardim plantado por Drummond. Quanto a nós, capitães de Areia e amados por Jorge, não restou outra alternativa a não ser criar o nosso próprio espaço para a morada da poesia. Assim nasceu o Sarau da Cooperifa. Nasceu da mesma emergência de Mário Quintana e antes que todos fossem embora pra Pasárgada, transformamos o boteco do Zé Batidão num grande centro cultural. Agora, todas as quartas-feiras, guerreiros e guerreiras de todos os lados e de todas as quebradas vêm comungar
o pão da sabedoria que é repartido em partes iguais, entre velhos e novos poetas sob a bênção da comunidade. Professores, metalúrgicos, donas de casa, taxistas, vigilantes, bancários, desempregados, aposentados, mecânicos, estudantes, jornalistas, advogados, entre outros, exercem a sua cidadania através da poesia. Muita gente que nunca havia lido um livro, nunca tinha assistido a uma peça de teatro, ou que nunca tinha feito um poema, começou, a partir desse instante, a se interessar por arte e cultura. O Sarau da Cooperifa é nosso quilombo cultural. A bússola que guia a nossa nau pela selva escura da mediocridade. Somos o grito de um povo que se recusa a andar de cabeça baixa e de joelhos. Somos o poema sujo de Ferreira Gullar. Somos o rastilho da pólvora. Somos um punhado de ossos, de Ivan Junqueira, tecendo a manhã de João Cabral de Melo Neto. Neste instante, nós somos a poesia. É tudo nosso!
Vaz, Sérgio. Cooperifa: antropofagia periférica. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008. p.12.
Sobre o texto Veridiana Scarpelli/ID/BR
1. Organize um grupo com cinco colegas e identifique as menções a escritores feitas por Sérgio Vaz em seu texto de apresentação. Faça uma breve pesquisa sobre esses autores. 2. Utilizando o levantamento feito sobre os escritores mencionados por Sérgio Vaz, discuta com os colegas a contraposição que há entre o segundo e o terceiro parágrafos. Qual é o sentido da expressão “nós, capitães de Areia e amados por Jorge”? 3. Ainda em grupo, comente a frase “O Sarau da Cooperifa é nosso quilombo cultural”, relacionando-a com as ideias de Antonio Candido sobre o direito à literatura. Depois, compartilhe com a turma o que discutiram. 4. Com base nos três elementos constituintes do sistema literário (autor–obra–leitor) e no texto de Sérgio Vaz, debata as questões a seguir com a turma, em uma roda de conversa. a) De que maneira o movimento cultural da Cooperifa dialoga com a tradição literária brasileira? b) Que novidades esse movimento traz para o campo literário nacional?
Fernando Amorim/Ag. A Tarde/ Folhapress
O que você pensa disto?
Ter a leitura como hábito ainda é algo distante da realidade de muitos brasileiros. Por isso, órgãos governamentais e setores da sociedade civil vêm promovendo iniciativas de estímulo à leitura entre os jovens, com o objetivo de possibilitar o acesso dessa parte da população ao livro e à literatura. 1. Para você, o “prazer de ler” é algo que pode ser ensinado? Se sim, qual é o papel da escola nesse processo? Se não, como esse prazer pode ser desenvolvido?
Pessoas em estande na 10a Bienal do Livro da Bahia, em Salvador. Foto de 2011.
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capítulo
A criação literária © Successión Pablo Picasso/AUTVIS, Brasil, 2016. Fotografia: bruno ehrs/Corbis/Fotoarena
2 o que você vai estudar Relação entre literatura e realidade. Noções de verossimilhança. Textos ficcionais e não ficcionais.
Picasso, Pablo. Guernica, 1937. Óleo sobre painel, 349 cm × 776 cm. Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madri, Espanha.
Picasso criou esse painel ao saber da destruição da cidade de Guernica, causada por um bombardeio em 1937, durante a Guerra Civil Espanhola. A obra representa um repúdio à violência. Hoje, é considerada um exemplo da expressão artística daquele episódio histórico.
Literatura e realidade Como as demais formas de arte, a literatura cria modos de representação do mundo e do ser humano. Há obras que correspondem de maneira mais direta a objetos, fenômenos, pessoas e acontecimentos do mundo concreto. Seu universo ficcional, assim, é mais próximo da realidade. Já outras obras distanciam-se do mundo real e propõem novas realidades. Portanto, a literatura é uma representação da realidade, feita com base na criatividade e na imaginação. Ao recriar o mundo real, o artista expressa um ponto de vista e produz novos sentidos. Mesmo quando se trata de uma obra literária que se afasta de um modo de representação mais realista, é possível estabelecer ligações entre essa representação e os elementos do mundo exterior, por meio da leitura interpretativa da obra. A obra Guernica, acima, é do pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973). Junto ao artista francês Georges Braque (1882-1963), Picasso foi fundador do Cubismo. Sua obra Les Demoiselles d’Avignon (As senhoritas de Avignon), finalizada em 1907, marca o início desse movimento. O Cubismo é uma corrente artística caracterizada pelo rompimento com a ideia de arte como imitação da natureza e passa a retratar a realidade por meio de cubos, formas geométricas entrecortadas e sobrepostas sem utilizar noções de profundidade. No quadro, há elementos que remetem ao mundo concreto, como a mulher que segura a criança no colo, o touro e o cavalo. Porém, ao tratar de um episódio de guerra, Picasso renuncia a uma imitação fiel da realidade. Para enfatizar as atrocidades da guerra e repudiar a violência, ele opta por uma composição em branco e preto, com alguns tons de cinza, sem separação clara entre as figuras e o fundo, e com dimensões imensas. As figuras expressam o terror, e o modo de organização dos elementos no painel exprimem a destruição. Trata-se, portanto, da visão singular do artista a respeito de um fato histórico. Outro fato marcante do século XX, a bomba atômica lançada na cidade japonesa de Hiroshima em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, foi objeto para reflexão do poeta brasileiro Vinicius de Moraes. Leia o poema a seguir e observe como o escritor trata do episódio e cria imagens para representar suas impressões sobre ele. 26
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Margens do texto 1. De que modo o leitor percebe que, no poema, a rosa não representa uma flor no sentido literal? 2. Associe ao uso das formas verbais “pensem” e “não se esqueçam” ao ponto de vista sobre o fato histórico expresso no poema. Ouça
Moraes, Vinicius de. In: Moriconi, Italo (Org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 147.
Verossimilhança
Fernando Gonsales/Acervo do artista
Um conceito muito importante para os estudos literários e ligado à relação entre realidade e obra de arte é a verossimilhança. No universo da ficção, verossímil é aquilo que, no conjunto da obra artística, se relaciona de modo coerente para a produção de sentidos. Diferentemente da noção de “verdade” ou de “verdadeiro”, na literatura o verossímil está ligado à coerência interna da obra de arte.
Secos & Molhados, de Secos & Molhados. Continental, 1973. LP. Em seu primeiro disco, a banda Secos & Molhados musicou o poema “A rosa de Hiroxima”, de Vinicius de Moraes. Esse disco também apresenta outros poemas musicados, como “Rondó do Capitão”, de Manuel Bandeira. Warner Music Brasil/ID/BR
Veridiana Scarpelli/ID/BR
A rosa de Hiroxima Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroxima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose A antirrosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada.
Capa do primeiro disco da banda Secos & Molhados, 1973.
HIPERTEXTO A palavra verossimilhança vem do latim verisimilis, cujo sentido se refere a algo que provavelmente poderia ter acontecido. Uma obra verossímil é aquela que, mesmo pertencendo ao universo ficcional, pode ser entendida como “possível” pelo leitor. Saiba mais sobre o conceito de verossimilhança lendo o boxe Observatório da língua na parte de Produção de texto (capítulo 18, p. 275).
Na tirinha de Gonsales, o diálogo entre as personagens produz humor em função de uma brincadeira com o conceito de verossimilhança. Ao rejeitar a ideia de tomar uma “poção da invisibilidade”, alegando que tal poção não existe, o ratinho da esquerda ignora que partiu dele mesmo a sugestão de pensar em um “mundo mágico”. Repertório
Uma obra influente Considerada uma das obras mais influentes no campo da estética, a Poética é uma compilação das reflexões de Aristóteles sobre o fazer poético, com explicações sobre o conceito de verossimilhança, entre outros. Registrada por volta de 335 a.C., a obra ainda sistematiza os gêneros literários da Grécia Antiga, com destaque para a tragédia e a épica.
Rare Books and Special Collections, University of Sydney Library. Fac-símile/D/BR
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea. Folha de S.Paulo, 6 jun. 2009.
Capa do livro Poética, de Aristóteles, em uma edição inglesa de 1780.
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Sua leitura Os dois textos a seguir são exemplos da produção artística contemporânea. O primeiro é um grafite feito em um espaço público na cidade de Granada, na Espanha. Ou seja, representa a chamada street art. O segundo é um haicai do poeta niteroiense Paulo Roberto Cecchetti. Xurxo Martínez/Acervo do artista
Texto 1
Martínez, Xurxo. Gato de lluvia, s.d. Grafite. Dimensões não disponíveis. Granada, Espanha.
Texto 2 Na tarde, com zelo, meu gato rola novelo: sonho ou pesadelo? Cecchetti, Paulo Roberto. In: Calcanhoto, Adriana. Haicai no Brasil. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014. p. 100.
Capítulo 2 – A criação literária
Sobre os textos 1. Forme um grupo com quatro colegas da turma. Observe a obra de street art e leia o poema. Depois, o grupo deve escrever um breve comentário sobre cada obra. 2. Em grupo, pensem sobre as relações entre literatura e representação da realidade, retomando o conceito de verossimilhança. Converse com os colegas sobre a relação entre realidade e representação. As questões abaixo servem para nortear o debate. a) Como a figura do gato é representada no texto 1? É possível reconhecer essa representação como uma “cópia” de um gato real? b) Que outros elementos da representação do gato na street art distanciam-se de uma cópia fiel do animal existente na realidade? c) Em um texto sobre o que é haicai, a poeta Alice Ruiz disse: “Sua melhor definição, na opinião de muitos, é uma fotografia em palavras”. Para seu grupo, o haicai acima se assemelha a uma foto? Justifique. d) Uma obra verossímil é aquela que, mesmo pertencendo ao universo ficcional e literário, pode ser entendida como “possível” para o leitor. Converse com seu grupo e responda: A obra de street art e o poe ma apresentam atributos verossímeis? Justifique. 3. Agora, o grupo deve sintetizar as discussões sobre os dois textos e compartilhar o resultado com os demais colegas da turma.
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saiba mais
Haicai Forma de poesia japonesa caracterizada pela brevidade e pela força imagética. Em sua estrutura clássica, o haicai é composto de três versos, com cinco, sete e cinco sílabas poéticas, tendo como tema a natureza ou as estações do ano. Muitos poetas brasileiros escreveram haicais, como Guilherme de Almeida, Paulo Leminski e Alice Ruiz.
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Texto ficcional e não ficcional
É hoje uma opinião amplamente aceita que os textos literários são de natureza ficcional. Por esta classificação, distinguem-se manifestamente dos textos que, não possuindo esta característica, são em geral relacionados ao polo oposto à ficção, ou seja, à realidade. A oposição entre a realidade e a ficção faz parte do repertório elementar de nosso “saber tácito”, e com esta expressão, cunhada pela sociologia do conhecimento, faz-se referência ao repertório de certezas que se mostra tão seguro a ponto de parecer evidente por si mesmo. […]
Leia O filho eterno, de Cristovão Tezza. São Paulo: Record, 2007. Nesse romance, Tezza ficcionaliza sua experiência de criar um filho com síndrome de Down. Na história, o narrador, pai de Felipe, é apresentado como um homem que deseja ser escritor e que nunca se julgou preparado para assumir a função paterna. De repente, ele se vê diante de um destino que não imaginara. Nessa obra, os limites entre o que de fato aconteceu e o que é invenção estão mesclados. Editora Record/Arquivo da editora
Uma das marcas da literatura contemporânea é a mistura de fatos/personagens inventados com acontecimentos/personagens reais ou autobiográficos. Essa mescla ocorre principalmente nos gêneros em prosa. Ricardo Lísias, Julián Fuks e Paloma Vidal são alguns dos escritores brasileiros que seguem essa tendência. Na literatura internacional, destacam-se o argentino Ricardo Piglia, o estadunidense Philip Roth e o sul-africano J. M. Coetzee. A fronteira entre ficção e realidade é cada vez mais tênue na atualidade. Essa tendência, ao contrário do que se possa pensar, não se limita ao literário. Os reality shows, por exemplo, surgiram como programas televisivos cuja proposta era mostrar a vida real. No entanto, apresentam um alto grau de ficcionalização. Muitos participantes desses programas constroem um personagem para si mesmos. Além disso, geralmente, a produção dos programas inventa histórias sedutoras para atrair a audiência. É característica de nossa época esse processo de ficcionalizar parte da rea lidade ao nosso redor. E isso nos leva a uma pergunta importante para os estudos literários: Quais são as diferenças entre textos ficcionais e não ficcionais?
Imagem da capa do livro O filho eterno, de Cristóvão Tezza.
Iser, Wolfgang. Os atos de fingir ou o que é fictício no texto ficcional. Trad. Heidrun Krieger Olinto e Luiz Costa Lima. In: Lima, Luiz Costa. Teoria da literatura em suas fontes. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. v. 2. p. 957.
[…] A relação opositiva entre ficção e realidade retiraria da discussão sobre o fictício no texto uma dimensão importante, pois, evidentemente, há no texto ficcional muita realidade que não só deve ser identificável como realidade social, mas que também pode ser de ordem sentimental e emocional. Estas realidades por certo diversas não são ficções, nem tampouco se transformam em tais pelo fato de entrarem na apresentação de textos ficcionais. […]
Assista Jogo de cena. Direção de Eduardo Coutinho, Brasil, 2007. 107 min. Dezenas de mulheres enviaram relatos pessoais ao cineasta Eduardo Coutinho, atendendo a um anúncio de jornal. Após a seleção das narrativas, ele convidou algumas dessas mulheres para contarem suas próprias histórias diante da câmera. Também pediu a atrizes que interpretassem essas histórias reais. O resultado é um filme em que o espectador não consegue delimitar as fronteiras entre ficção e realidade. Matizar/VideoFilmes
Comumente, o que diferencia um texto ficcional de outro não ficcional é o fato de, no texto ficcional, o autor criar um mundo imaginário. No texto não ficcional, há uma história vivida e relatada por uma pessoa. Segundo essa perspectiva, ficção e não ficção se opõem. Ao abordar a literatura e a realidade como extremos opostos, o teórico da literatura Wolfgang Iser dá um passo adiante: estabelece a noção de “saber tácito”. Ou seja, identifica a habilidade de todo leitor para diferenciar aquilo que parece fazer parte da realidade e o que se caracteriza como ficção. Contudo, essa compreensão leva à seguinte pergunta: Não haveria um jogo de influências mútuas entre ficção e realidade em boa parte dos textos?
Iser, Wolfgang. Os atos de fingir ou o que é fictício no texto ficcional. Trad. Heidrun Krieger Olinto e Luiz Costa Lima. In: Lima, Luiz Costa. Teoria da literatura em suas fontes. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. v. 2. p. 958.
As considerações de Wolfgang Iser nos ajudam a pensar que, mais do que tentar estabelecer limites claros e definitivos entre o que é pura ficção e o que não faz parte dela, a leitura literária deve se voltar para o entendimento dos modos pelos quais um texto, mediante o trabalho com a linguagem, incorpora e problematiza a realidade, assim como dialoga com ela.
A atriz Marília Pêra interpreta uma das histórias reais selecionadas pelo cineasta Eduardo Coutinho.
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Obra aberta Como vimos no capítulo 1, a literatura pode desempenhar várias funções. É possível supor que, no ato de criação, cada escritor tenha em mente um público leitor e determinadas intenções. No entanto, a obra de arte ultrapassa seu autor e pode abranger leitores de diferentes épocas e lugares, ganhando sentidos diversos de acordo com os novos contextos. Uma obra literária, nesse sentido, estabelece relações múltiplas com a realidade, dependendo de quem lê, quando e onde se lê. A leitura de um texto literário pode mobilizar ideias, sensações e sentimentos diversos em diferentes leitores (ou em um mesmo leitor, quando ele relê uma obra, por exemplo). Assim, não se pode afirmar que a função de uma obra literária esteja determinada no momento em que ela é escrita, pois há leituras distintas de um mesmo texto que podem ser coerentes. Ao entrar em contato com o texto literário, o leitor passa a participar de um jogo interpretativo, pois deve buscar um sentido com base nas referências explícitas e implícitas presentes no texto. Leia o conto a seguir.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Faroeste Naquele tempo o mocinho era bom. Puro do cavalo branco até o chapelão imaculado. A camisa limpa, com a estrela de xerife. Luvas de couro, tímido e olho baixo. Namorando a mocinha, cisca nas pedras e espirra estrelinha com a espora da botina. Nunca despenteia o cabelo nas brigas. Defende órfão e viúva. Com os brutos, implacável porém justo. Frequenta o boteco pra chatear os bandidos. Bebe um trago e disfarça a careta. Atira só em legítima defesa. O mocinho é sempre mocinho, nunca brinca de bandido. Ah, o vilão todo de preto, duas pistolas no cinto prateado e um punhal (escondido) na bota — o segundo mais rápido do oeste. Bigodinho fino, risadinha cínica. Bebe, trapaceia no jogo. Cospe no chão. Mata pelas costas. Covarde, patético, chora na cadeia. E morre, bem feito!, na forca. Qual dos dois é o vilão hoje? Se um quer roubar o ouro da mina do pai da mocinha, o outro também. Sem piscar, um troca a mocinha pelo cavalo do outro. Os punhos nus eram a arma do galã. Hoje briga sujo. Inimigo vencido, a cara no pó? Chuta de letra o nariz até esguichar sangue. Costeleta e bigodinho ele também. Sem modos, entra de chapelão na casa do juiz. Corteja a heroína, já viu, aparando as unhas? Pífio jogador de pôquer, o toque na orelha esquerda significa trinca de sete. A cada estalido na sombra já tem o dedo no gatilho — seu lema é atire primeiro e pergunte depois. Você por acaso fecha o olho do bandido que matou? Nem ele. E a mocinha, de cachinho loiro e tudo, que vergonha! Começa que moça direita nunca foi. Cantora fuleira de cabaré, gira a valsa do amor nos braços de um e de outro. Por interesse, casa com o chefão do bando. Casa com o pai do mocinho. Até com o mocinho ela se casa. Deixa estar, guri não é trouxa. Torce pelo bandido.
Capítulo 2 – A criação literária
Trevisan, Dalton. O beijo na nuca. Rio de Janeiro: Record, 2014. p. 66-67.
No conto, o escritor organiza dois “faroestes” distintos. O primeiro é típico das narrativas de filmes de caubói, produzidos nos EUA nas décadas de 1940 e 1950. Já o segundo faroeste apresenta referência temporal por meio da palavra hoje na frase: “Qual dos dois é o vilão hoje?”. Fica implícito ao leitor que o autor tematiza a contemporaneidade em contraponto à época que era “fácil” reconhecer o vilão, ao menos nos filmes. Para alguns leitores, o fato de não ser possível reconhecer quem é o vilão nos dias de hoje pode levar à reflexão sobre a crueldade, a falta de ética e a um profundo pessimismo. Assim, a primeira parte do conto pode despertar uma sensação de nostalgia em relação a uma época em que o bem e o mal pareciam ser claramente reconhecíveis. Porém, essa é apenas uma possibilidade de leitura do conto “Faroeste”. Outras referências podem ser percebidas pelo leitor durante o ato de ler.
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Margens do texto 1. Estabeleça a relação entre o título do conto, “Faroeste”, e sua narrativa. 2. Como o mocinho e o vilão são caracterizados no início do conto? 3. Associe o uso dos marcadores temporais “naquele tempo” e “hoje” à construção da oposição entre mocinho e bandido no início do conto.
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Sua leitura
Um animal sonhado por Kafka É um animal com uma grande cauda, de muitos metros de comprimento, parecida com a da raposa. Às vezes eu gostaria de segurar aquela cauda na mão, mas é impossível; o animal está sempre em movimento, a cauda sempre de um lado para outro. O animal tem alguma coisa de canguru, mas a cabeça pequena e oval não é característica e tem alguma coisa de humana; só os dentes têm força expressiva, quer os oculte ou os mostre. Costumo ter a impressão de que o animal quer amestrar-me; senão, que objetivo pode ter subtrair-me a cauda quando quero segurá-la, e depois esperar tranquilamente que ela torne a atrair-me, e depois tornar a saltar? Borges, Jorge Luis. O livro dos seres imaginários. Trad. Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 21.
Leia A metamorfose, de Franz Kafka. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. A novela A metamorfose, de Kafka, foi publicada pela primeira vez em 1915. O livro apresenta a história de Gregor Samsa, um homem que estranhamente se metamorfoseia em um inseto. De acordo com o tradutor Modesto Carone: “[...] as causas da metamorfose em inseto são um enigma não só para quem lê como também para o próprio herói”. Companhia das Letras/Arquivo da editora
Na sequência, leia um conto do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). O conto está presente em O livro dos seres imaginários, publicado pela primeira vez em 1957. Esse livro é composto pela descrição de 116 criaturas que frequentam a imaginação da humanidade desde tempos imemoriais. O livro estabelece também um diálogo direto com um tipo de escrita que teve importância durante a Idade Média: os chamados Bestiários – livros em que monges esmiuçavam características de animais reais e imaginários, seguidas, muitas vezes, de pequenos textos moralizantes.
Capa do livro A metamorfose, de Franz Kafka.
Sobre o texto 1. O narrador apresenta comparações com animais reais ao descrever o ser imaginário. Quais são os animais a que ele faz referência? Por meio da descrição, é possível imaginar como é esse animal? Explique. 2. Apesar de o conto descrever um animal, o narrador interage com ele. Copie dois trechos em que isso ocorre. 3. Leia abaixo o início da novela do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924) A metamorfose. Depois, compare a relação entre ser humano e animal nos dois textos. Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Kafka, Franz. A metamorfose. Trad. Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 7.
Ao longo deste capítulo, você refletiu sobre a relação entre literatura e realidade. Muitas vezes entendidos como opostos, o texto ficcional e o texto não ficcional estabelecem, na cultura contemporânea, um diálogo muito intenso. Relembre, por exemplo, os diversos anúncios publicitários com histórias reais, os romances autobiográficos publicados nas últimas décadas e as performances artísticas. 1. Em sua opinião, o estreitamento dos limites entre ficção e realidade é um indício de que, atualmente, a literatura e a arte em geral estão mais integradas ao cotidiano? Ou, ainda assim, essas obras apresentam uma linguagem de difícil acesso à maioria das pessoas? Abramovic, Marina; Ulay. The Lovers: The Great Wall Walk. China, 1988.
Os artistas Marina Abramovic e Ulay terminaram um relacionamento de mais de uma década com a performance artística The Lovers. Partindo cada um de um dos extremos da Muralha da China, eles andaram mais de 2 500 quilômetros até se encontrarem, depois de noventa dias, para a despedida. Esse ritual de separação foi registrado em vídeo, e o drama pessoal se transformou em arte.
© 2010 Marina Abramovic´. Courtesy Marina Abramovic´ and Sean Kelly Gallery/ Artists Rights Society (ARS), New York
O que você pensa disto?
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Ferramenta de leitura AKG-Images/Latinstock
Literatura e sociologia
Theodor Adorno (1903-1969) foi um importante teórico das ciências humanas no século XX. Era membro da Escola de Frankfurt, instituto de pesquisa que se dedicou ao estudo da cultura de massa e produziu importantes ensaios a respeito desse tema. Foto da década de 1960.
Da mesma forma que há uma história da literatura, na qual podemos identificar marcos da produção literária no decorrer do tempo, há também uma história da leitura, que conta como gerações de leitores comentaram, analisaram e interpretaram as obras literárias, aproximando-se várias vezes de outros campos do saber humano. Conceitos e noções da sociologia, da psicanálise, da geografia social, da história, da linguística, da mitologia, da filosofia e da própria teoria literária, entre outros, podem transformar-se em ferramentas para a leitura de um texto literário. Esses conceitos funcionariam como uma espécie de “lente” através da qual o leitor analisa e/ou interpreta a obra, constituindo uma “chave” para encontrar os sentidos da obra. Usar uma ferramenta de leitura exige esforço. Afinal, assim como os estudos literários construíram seus modos de entender a obra literária ao longo de séculos, as demais áreas do saber também formularam seus conceitos no interior de um sistema de pensamento próprio. O primeiro contato com uma ferramenta de leitura deve ser visto como uma tentativa de ampliação da leitura de um texto literário e como um convite para que o leitor se aprofunde nesse novo campo do saber, buscando entender como ele pode se relacionar com a literatura. Para compreender melhor como fazer uso de uma ferramenta de leitura, leia o trecho de uma obra ligada aos estudos da sociologia, cujos autores exploram o conceito de papel social. A definição do homem como pessoa implica que, no âmbito das condições sociais em que vive e antes de ter consciência de si, o homem deve sempre representar determinados papéis como semelhantes de outros. Em consequência desses papéis e em relação com os seus semelhantes, ele é o que é: filho de uma mãe, aluno de um professor, membro de uma tribo, praticante de uma profissão. Assim, essas relações não são, para ele, algo extrínseco mas relações em que se determina a seu próprio respeito, como filho, aluno ou o que for. Quem quisesse prescindir desse caráter funcional da pessoa, para procurar em cada um seu significado único e absoluto, não conseguiria chegar ao indivíduo puro, em sua singularidade indefinível, mas apenas a um ponto de referência sumamente abstrato […]. Horkheimer, Max; Adorno, Theodor W. Temas básicos da sociologia. São Paulo: Cultrix-Edusp, 1973. p. 48.
O texto afirma que, para a sociologia, o ser humano é, por definição, um ser em relação com outros. Essa relação ocorre à medida que ele desempenha papéis sociais: filho, irmão, patrão, empregado, amigo; enfim, ele exerce diferentes papéis em suas relações cotidianas. Desse modo, a ideia de indivíduo como “unidade social fundamental” é questionada, pois suporia alguém que pudesse ser compreendido isolado das relações sociais. Essa compreensão do ser humano também pode ser aplicada ao universo do trabalho. Em uma passagem do mesmo texto, Adorno e Horkheimer citam o filósofo Hegel, para quem: O trabalho do indivíduo para suas necessidades tanto é satisfação das suas necessidades como da dos outros; e a satisfação das suas necessidades só é conseguida em virtude do trabalho dos outros. Apud Horkheimer, Max; Adorno, Theodor W. Temas básicos da sociologia. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix-Edusp, 1973. p. 52.
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Agora, leia um poema do escritor maranhense Ferreira Gullar (1930-).
O açúcar O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Este açúcar era cana e veio dos canaviais extensos que não nascem por acaso no regaço do vale.
Vejo-o puro e afável ao paladar como beijo de moça, água na pele, flor que se dissolve na boca. Mas este açúcar não foi feito por mim.
Em lugares distantes, onde não há hospital nem escola, homens que não sabem ler e morrem aos vinte e sete anos plantaram e colheram a cana que viraria açúcar.
Este açúcar veio da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia. Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco ou no Estado do Rio e tampouco o fez o dono da usina.
Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura produziram este açúcar branco e puro com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Gullar, Ferreira. Toda poesia (1950/1980). 15. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p.165-166. Acervo El Museu del Barrio, Nova York. Fotografia: ID/BR
Sobre o texto 1. Nos primeiros versos, o poema apresenta uma referência espacial: Ipanema. Ao longo do texto, a referência espacial se desloca para quais locais? 2. Cada uma das referências espaciais se liga a uma figura humana. Identifique essa associação entre os lugares e as pessoas. 3. Que relação se pode estabelecer entre o espaço e o trabalho exercido por cada um dos homens citados no poema? 4. O açúcar é o elemento comum que une os homens citados no poema. O que a repetição da expressão “este açúcar” expressa no poema? 5. As personagens do poema estão em diferentes etapas do sistema produtivo do açúcar: •• a produção (empresário e trabalhadores); •• a comercialização (Oliveira); •• o consumo (eu lírico do poema). Essa relação entre o homem e o sistema produtivo aponta para uma visão positiva ou pessimista da realidade social? Justifique sua resposta. 6. Considerando como ferramenta de leitura o conceito de papel social, desenvolvido por Horkheimer e Adorno, o poema denuncia os males sociais decorrentes da exploração nas relações trabalhistas. Seu efeito estético se concretiza por um trabalho expressivo com a linguagem, que constrói uma visão sobre a sociedade: uns vivem uma vida miserável para que outros possam adoçar seu café. a) Em sua opinião, o eu lírico se vê fora ou dentro desse processo de exploração? b) E você, como leitor, se percebe implicado nesse processo? Não escreva no livro.
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Tufiño, Rafael. Cortador de cana, 1950-51. Xilogravura, 35,5 cm × 25,4 cm. El Museo del Barrio, Nova York, EUA.
Nessa xilogravura (técnica de gravura em relevo sobre madeira) de Rafael Tufiño (1922-2008), estadunidense radicado em Porto Rico, a figura do trabalhador confunde-se com a paisagem. Seus braços e pernas têm os mesmos contornos que as folhas da cana, assim como o facão que ele empunha, e seu rosto esconde-se atrás do chapéu. Desse modo, reforça-se a ideia de uma “identidade” (ou ausência dela) construída no trabalho, de uma figura anônima que existe socialmente apenas como parte do processo produtivo da cana-de-açúcar. 33
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Entre textos As obras literárias dialogam constantemente com textos de outros lugares e tempos. Dessa forma, criam-se vínculos que possibilitam ao leitor acompanhar visões diversas. Um dos temas explorados por muitos escritores ao longo da história da literatura é o mar. Apresentada como cenário, e sugerindo uma atmosfera ora de alegria, ora de mistério, a imagem do mar evoca sensações e insinua significados múltiplos. Veja a seguir quatro textos dos séculos XIX e XX que fazem referência ao mar por meio de formas poéticas variadas; algumas delas remetem a tradições literárias muito antigas. Texto 1
Elegia para os que ficaram na sombra do mar Noite avançada, muita chuva no mar, Uivos, latidos de ventos soltos, desesperados, Vozes rezando de naufragados. Ouço que estão batendo à minha porta. São aqueles que vivem na escuridão do mar São aqueles que moram com a noite no fundo do mar E com a noite e com a chuva estão batendo à minha [porta: São piratas, são guerreiros, São soldados que voltavam das Índias, São frades que iam para o Japão, São soldados, são guerreiros, São marinheiros. São eles que passam levados pelo vento Ao longo dos mocambos dos pescadores; São eles que giram como grandes e estranhas [mariposas Em torno do farol. Sim, são eles que vão a estas horas, voando Nas asas da chuva e da noite e das ondas do mar. São soldados, são guerreiros São marinheiros. Cardozo, Joaquim. Poesias completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. p. 27-28.
Antero de Quental (1842-1891), poeta de Açores (arquipélago português situado no Atlântico nordeste), escolheu a forma poética do soneto para retratar o diálogo interno que o eu lírico trava diante do mar (a palavra nox significa “noite” ou “noturno” em latim). Composto de 14 versos decassílabos dispostos em dois quartetos e dois tercetos, o soneto é a mais conhecida das formas líricas. Sua estrutura modelar se fixou em meados do século XIV. Nesse poema de Quental, a solidão e a angústia diante do mar podem ser também a solidão e a angústia diante da ausência de sentido da vida, que nada tem a dizer em resposta aos questionamentos do eu lírico. 34
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A elegia é uma forma poética que tem como elemento central o lamento por uma perda. A ideia da morte e as reflexões que se podem realizar sobre ela também surgem em seus versos. No poema do pernambucano Joaquim Cardozo (1897-1978), esse lamento não é direcionado a uma pessoa específica, mas sim àqueles que morreram no mar. Essa elegia, escrita em 1937, resgata não só a forma poética originária dos gregos, mas também o culto à memória dos navegadores, personagens centrais de epopeias criadas na Antiguidade Clássica.
Vocabulário de apoio
bramido: rugido de animal gravitar: girar em torno de algo intermitente: que se realiza em intervalos, que apresenta interrupções queixume: lamento mocambo: moradia rústica
Texto 2
Oceano Nox Junto do mar, que erguia gravemente A trágica voz rouca, enquanto o vento Passava como o voo dum pensamento Que busca e hesita, inquieto e intermitente, Junto do mar sentei-me tristemente, Olhando o céu pesado e nevoento, E interroguei, cismando, esse lamento Que saía das cousas, vagamente… Que inquieto desejo vos tortura, Seres elementares, força obscura? Em volta de que ideia gravitais? − Mas na imensa extensão, onde se esconde O inconsciente imortal, só me responde Um bramido, um queixume, e nada mais… Quental, Antero de. In: Moisés, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 29. ed. São Paulo: Cultrix, 2004. p. 350.
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Texto 3
Ismália Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar… Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar.
Utilizando versos em redondilha maior em cinco quartetos, o mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) escreveu “Ismália”. Construído na oposição entre céu e mar, o poema remete às dualidades corpo/alma, razão/insanidade, vida/morte, sonho/realidade. Ismália aparece como um sujeito dividido entre dois desejos opostos que por fim convergem em um desfecho trágico, em que o mar, mais uma vez, se torna um lugar de descanso eterno.
No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar… Queria subir ao céu, Queria descer ao mar… E no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar… Estava perto do céu, Estava longe do mar…
Vocabulário de apoio
desvario: loucura pender: inclinar
E como um anjo pendeu As asas para voar… Queria a lua do céu, Queria a lua do mar…
ruflar: encrespar as asas para alçar voo
As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par… Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar… Guimaraens, Alphonsus de. In: Moriconi, Italo (Org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 45-46.
Biscoito Fino/ID/BR
Os versos do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001), musicados por seu conterrâneo Dorival Caymmi (1914-2008), cantam a perda do amor, dando voz a um eu lírico feminino. Vale lembrar que, em sua origem, a poesia lírica era entoada ao som de uma lira, instrumento de cordas, marcando a união entre a música e o poema. A referência a Iemanjá, divindade do candomblé e orixá das águas salgadas, acrescenta um elemento brasileiro ao tema da morte no mar, aqui tratada de forma serena e delicada.
Texto 4
É doce morrer no mar É doce morrer no mar Nas ondas verdes do mar A noite que ele não veio, foi Foi de tristeza pra mim Saveiro voltou sozinho Triste noite foi pra mim É doce… Saveiro partiu de noite, foi Madrugada, não voltou O marinheiro bonito Sereia do mar levou. É doce… Nas ondas verdes do mar, meu bem Ele se foi afogar Fez sua cama de noivo No colo de Iemanjá.
A cantora Mônica Salmaso regravou a canção “É doce morrer no mar” em seu CD Iaiá, de 2004.
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Caymmi, Dorival; Amado, Jorge. É doce morrer no mar. Intérprete: Mônica Salmaso. In: Iaiá. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2004. 1 CD. Faixa 12.
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Vestibular e Enem Enem 2013. Fac-símile: ID/BR
(Enem) Texto para a questão 1.
Museu da Língua Portuguesa. Oswald de Andrade: o culpado de tudo. 27 set. 2011 a 29 jan. 2012. São Paulo: Prof. Gráfica. 2012. (Foto: Reprodução.)
1. O poema de Oswald de Andrade remonta à ideia de que a brasilidade está relacionada ao futebol. Quanto à questão da identidade nacional, as anotações em torno dos versos constituem: a) direcionamentos possíveis para uma leitura crítica de dados histórico-culturais. b) forma clássica da construção poética brasileira. c) rejeição à ideia do Brasil como o país do futebol. d) intervenções de um leitor estrangeiro no exercício de leitura poética. e) lembretes de palavras tipicamente brasileiras substitutivas das originais. (PUC-MG) Para responder à questão 2, leia o texto que segue, um fragmento do conto “Os dinossauros”, do escritor Italo Calvino. Os dinossauros Permanecem misteriosas as causas da extinção dos dinossauros, que tinham evoluído e crescido durante todo o Triássico e o Jurássico, e foram por cento e cinquenta milhões de anos os dominadores incontestáveis dos continentes. Talvez fossem incapazes de se adaptar às grandes alterações do clima e das vegetações que ocorreram no Cretáceo. No fim daquela era haviam todos desaparecido. Todos menos eu, precisou Qfwfq, porque fui também, em certo período, dinossauro – digamos, durante uns cinquenta milhões de anos; e não me arrependo: ser dinossauro naquela época era ter consciência de ser justo, fazendo-se respeitar. Depois a situação mudou, é inútil que lhe conte as particularidades; começaram os aborrecimentos de toda a espécie, desconfianças, erros, dúvidas, traições, pestilências. Uma nova população crescia na Terra, e era nossa inimiga. Caíam-nos em cima vindos de todos os lados e não havia modo de escapar. Andavam a dizer agora que o gosto do declínio,
a paixão de sermos destruídos, faziam parte de nosso espírito de dinossauros desde o princípio. Não sei: eu nunca provei tal sentimento, se os outros o tinham, é porque já se sentiam perdidos. Prefiro não deixar a memória voltar à época da grande mortandade. Nunca pensei que dela pudesse escapar. A longa migração que me pôs salvo, eu realizei através de um cemitério de carcaças descarnadas, em cujo solo um cocurito, ou um chifre, ou uma lâmina da couraça, ou um frangalho de pele da escamada lembrava o antigo esplendor do ser vivente. E ao lado desses restos trabalhavam os bicos, as presas, as patas, as ventosas dos novos senhores do planeta. Quando não vi mais traços nem de vivos, nem de mortos, parei. Naqueles altiplanos desertos passei muitos e muitos anos. Tinha sobrevivido às emboscadas, às epidemias, à inanição, ao gelo, mas estava só. Não podia continuar lá no alto para sempre. Pus-me a caminho para descer. Calvino, Ítalo. Os dinossauros. In: As cosmicômicas. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 95-113.
2. Todas as considerações sobre o conto podem ser interpretadas como corretas, exceto: a) O conto é introduzido por uma epígrafe de teor científico, que aborda o que virá a ser a narrativa, mas esta acaba por ignorar a sua explicação objetiva para dar uma abordagem mágica e fantástica ao fenômeno narrado. b) O conto tem como pano de fundo a origem do universo e o desenvolvimento dos primeiros seres terrestres. O narrador personagem é um ser cósmico, pois viveu no universo, antes mesmo da criação de qualquer planeta ou galáxia. c) O herói Qfwfq é um dinossauro, que se apresenta na pele de um único membro dos primeiros vertebrados terrestres. d) Qfwfq, como narrador, se desenha como uma testemunha ocular das teorias científicas e antropomórficas do surgimento de tudo. (Enem) Textos para a questão 3. Texto 1
Onde está a honestidade? Você tem palacete reluzente Tem joias e criados à vontade Sem ter nenhuma herança ou parente Só anda de automóvel na cidade… E o povo pergunta com maldade: Onde está a honestidade? Onde está a honestidade? O seu dinheiro nasce de repente E embora não se saiba se é verdade Você acha nas ruas diariamente Anéis, dinheiro e felicidade…
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Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Vassoura dos salões da sociedade Que varre o que encontrar em sua frente Promove festivais de caridade Em nome de qualquer defunto ausente… Rosa, Noel. Disponível em: . Acesso em: abr. 2010.
Texto 2 Um vulto da história da música popular brasileira, reconhecido nacionalmente, é Noel Rosa. Ele nasceu em 1910, no Rio de Janeiro; portanto, se estivesse vivo, estaria completando 100 anos. Mas faleceu aos 26 anos de idade, vítima de tuberculose, deixando um acervo de grande valor para o patrimônio cultural brasileiro. Muitas de suas letras representam a sociedade contemporânea, como se tivessem sido escritas no século XXI. Disponível em: . Acesso em: abr. 2010.
3. Um texto pertencente ao patrimônio literário-cultural brasileiro é atualizável, na medida em que ele se refere a valores e situações de um povo. A atualidade da canção Onde está a honestidade?, de Noel Rosa, evidencia-se por meio: a) da ironia, ao se referir ao enriquecimento de origem duvidosa de alguns. b) da crítica aos ricos que possuem joias, mas não têm herança. c) da maldade do povo a perguntar sobre a honestidade. d) do privilégio de alguns em clamar pela honestidade. e) da insistência em promover eventos beneficentes. (Enem) Texto para questão 4. Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. […] Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos — sou eu que escrevo o que estou escrevendo. […] Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes. Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual — há dois anos e meio venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde saberei. Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não inicio pelo fim que justificaria o começo — como a morte parece dizer sobre a vida — porque preciso registrar os fatos antecedentes. Lispector, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
4. A elaboração de uma voz narrativa peculiar acom panha a trajetória literária de Clarice Lispector, culminada com a obra A hora da estrela, de 1977, ano da morte da escritora. Nesse fragmento, nota-se essa peculiaridade porque o narrador: a) observa os acontecimentos que narra sob uma ótica distante, sendo indiferente aos fatos e às personagens. b) relata a história sem ter tido a preocupação de investigar os motivos que levaram aos eventos que a compõem. c) revela-se um sujeito que reflete sobre questões existenciais e sobre a construção do discurso. d) admite a dificuldade de escrever uma história em razão da complexidade para escolher as palavras exatas. e) propõe-se a discutir questões de natureza filosófica e metafísica, incomuns na narrativa de ficção. (Enem) Texto para questão 5. A discussão sobre “o fim do livro de papel” com a chegada da mídia eletrônica me lembra a discussão idêntica sobre a obsolescência do folheto de cordel. Os folhetos talvez não existam mais daqui a 100 ou 200 anos, mas, mesmo que isso aconteça, os poemas de Leandro Gomes de Barros ou Manuel Camilo dos Santos continuarão sendo publicados e lidos — em CD-ROM, em livro eletrônico, em “chips quânticos”, sei lá o quê. O texto é uma espécie de alma imortal, capaz de reencarnar em corpos variados: página impressa, livro em Braille, folheto, “coffee-table book”, cópia manuscrita, arquivo PDF… Qualquer texto pode se reencarnar nesses (e em outros) formatos, não importa se é Moby Dick ou Viagem a São Saruê, se é Macbeth ou O livro de piadas de Casseta & Planeta. Tavares, B. Disponível em: .
5. Ao refletir sobre a possível extinção do livro impresso e o surgimento de outros suportes em via eletrônica, o cronista manifesta seu ponto de vista, defendendo que: a) o cordel é um dos gêneros textuais, por exemplo, que será extinto com o avanço da tecnologia. b) o livro impresso permanecerá como objeto cultural veiculador de impressões e de valores culturais. c) o surgimento da mídia eletrônica decretou o fim do prazer de se ler textos em livros e suportes impressos. d) os textos continuarão vivos e passíveis de reprodução em novas tecnologias, mesmo que os livros desapareçam. e) os livros impressos desaparecerão e, com eles, a possibilidade de se ler obras literárias dos mais diversos gêneros. 37
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unidade
2 Nesta unidade 3 Aspectos da linguagem literária 4 Gêneros literários
A linguagem literária Nesta unidade, você terá a oportunidade de investigar as possibilidades da linguagem literária, isto é, a abertura de sentidos que as imagens, os sons e o uso de outros recursos provocam nos textos. Primeiro, você vai estudar os aspectos formais do poema e da prosa, para conhecer as características desses dois modos de organização do texto literário. Depois, você vai descobrir um pouco mais sobre diferentes elementos dos textos literários que nos permitem classificá-los em gêneros. Também refletirá sobre os limites dessa categorização clássica. O objetivo é que você se aproprie de conceitos fundamentais da área dos estudos literários e, principalmente, que possa utilizá-los no momento em que estiver em contato efetivo com o texto literário.
Imagem da página ao lado: Schmied, François-Louis. O navio de Odisseu, 1930-33. Litografia colorida. Dimensão não disponível. Coleção The Stapleton, Paris, França. Nessa ilustração do livro Odisseia, de Homero, publicada em Paris, Odisseu coloca-se na proa do navio no momento do desembarque em uma praia.
Ao lado, uma cena de Odisseia, de Homero, obra grega exemplar do gênero épico e essencial para a história da literatura ocidental. Nela, Odisseu, um dos heróis da guerra de Troia, navega pelos mares por muitos anos até retornar ao seu reino, Ítaca. A imagem retrata o astuto Odisseu e sua tripulação no navio.
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Coleção particular. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix
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capítulo
3 o que você vai estudar Aspectos gerais da prosa e da poesia. Sonoridade do poema: ritmo, metro e rima. Elementos da narrativa: ação, tempo, espaço e ponto de vista.
Aspectos da linguagem literária A literatura está presente no cotidiano de diversas maneiras. O ato de contar um caso ou uma anedota, o hábito de assistir a filmes, seriados e telenovelas e a prática de inventar uma história para uma criança são formas de contato com o universo da imaginação e da ficção. Além de ser parte de ações rotineiras e de momentos de lazer em diferentes fases da vida, da infância à velhice, a literatura é também objeto de estudo nas escolas e nas universidades, podendo ser abordada por diferentes perspectivas. Neste capítulo, retomaremos e aprofundaremos os conhecimentos relativos a duas formas básicas de organização do texto literário: a prosa e a poesia. Estudaremos os aspectos gerais e os principais elementos de cada uma delas com suas especificidades: nos poemas, o ritmo, o metro e a rima; nos textos narrativos, a ação, o tempo, o espaço e o ponto de vista.
Sua leitura A seguir você lerá dois textos que possibilitam pensar em alguns aspectos da prosa e da poesia. Após lê-los, responda às questões da página seguinte. O primeiro texto é um poema de autoria do escritor curitibano Paulo Leminski (1944-1989). Além de poeta, Leminski foi crítico literário, tradutor e professor. O segundo texto é um artigo escrito por Tida Carvalho, professora de Literatura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e pesquisadora da obra de Leminski, para um jornal on-line. Texto 1
Meu verso, temo, vem do berço. Não versejo porque quero, versejo quando converso e converso por conversar. Pra que sirvo senão pra isto, pra ser vinte e pra ser visto, pra ser versa e pra ser vice, pra ser a supersuperfície onde o verbo vem ser mais? Não sirvo pra observar. Verso, persevero e conservo um susto de quem se perde no exato lugar onde está. Onde estará meu verso? Em algum lugar de um lugar, onde o avesso do inverso começa a ver e ficar. Por mais prosas que eu perverta, não permita Deus que eu perca meu jeito de versejar.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Diversonagens suspersas
Leminski, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 220.
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Texto 2 Retomemos agora um aspecto existencial: o que é a vida? A vida é um tecido mesclado ou alternativo de prosa e de poesia. Pode-se chamar de prosa as atividades práticas, técnicas e materiais que são necessárias à existência. Pode-se chamar de poesia aquilo que nos coloca num estado segundo: primeiramente, a poesia em si mesma, depois a música, a dança, o gozo e, é claro, o amor. Prosa e poesia eram intimamente entrelaçadas nas sociedades arcaicas. Por exemplo, antes de partir em expedição ou no momento das colheitas, havia ritos, danças, cantos. Encontramo-nos numa sociedade que tende a disjuntar prosa e poesia e na qual há uma imensa ofensiva da prosa ligada ao desenvolvimento técnico, mecânico, cronometrado (as teses de doutorado) em que tudo se paga, tudo é monetarizado. A poesia tem, certamente, ensaiado defender-se nos jogos, festas, bandos de companheiros, nas férias. Cada um, em nossa sociedade, ensaia resistir à prosa do mundo, como, por exemplo, nos amores clandestinos, por vezes efêmeros, sempre erráticos. Em resumo, a poesia é a estética, o amor, o gozo, o prazer, a participação e, no fundo, é a vida! Mas o que é uma vida racional? Implica levar uma vida prosaica? Loucura! Mas somos obrigados a isso, porque se tivéssemos uma vida permanentemente poética, não a sentiríamos mais. É-nos necessária a prosa para que possamos ressentir a poesia. […] Carvalho, Tida. Um outro (ou mais um) Leminski. Paraná Online. 27 ago. 2002. Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2016.
Sobre os textos
Por mais prosas que eu perverta, não permita Deus que eu perca meu jeito de versejar.
Esse trecho do poema de Leminski remete a uma parte do famoso poema: “Canção do exílio”, do poeta brasileiro Gonçalves Dias (1823-1864). Leia. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. Dias, Gonçalves. Canção do exílio. In: Antologia. São Paulo: Melhoramentos, 1966. p. 41.
A “Canção do exílio” trata da saudade do eu lírico, que se encontra distante de seu país natal. Que diálogo o poema de Leminski estabelece com o de Gonçalves Dias? 5. O eu do poema de Leminski apresenta uma diferença em sua relação com a prosa e com a poesia. Qual é essa diferença? 6. Para Tida Carvalho, no texto 2, qual é a relação entre as experiências da vida e os modos de escrita em verso e em prosa?
Ouça Liminskanções, de Estrelinski E/Os Paulera. Curitiba: Whols Produções, 2014. 2 CD. O poema “Diversonagens suspersas” integra o álbum duplo Liminskanções, produzido por Estrela Leminski, filha de Paulo Leminski. São 25 composições do curitibano, reunindo poesias escritas anteriormente para músicas feitas por ele ou criadas em parceria com outros compositores, como Itamar Assumpção. O álbum está disponível para download gratuito no site: . Acesso em: 27 abr. 2016. Tratore/ID/BR
1. No título do poema, Paulo Leminski inventa duas palavras a partir de outras já existentes na língua portuguesa. Explique a formação dessas novas palavras e o sentido de cada uma no poema. 2. Qual é o tema principal desse poema? Justifique. 3. Na leitura do poema, é possível notar a repetição de sons. Quais são eles? Em sua opinião, que impressão essa sonoridade causa no leitor? 4. Releia os seguintes versos do poema de Leminski.
7. Releia o trecho a seguir: Encontramo-nos numa sociedade que tende a disjuntar prosa e poesia […]
Como você interpreta essa afirmação?
Capa do álbum Liminskanções.
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Sobre verso e prosa O poema “Diversonagens suspersas”, lido anteriormente, é um texto escrito em versos. Prosa e poema são duas possíveis formas de construção de um texto literário, das quais derivam, por exemplo, o conto, a crônica, o poema-narrativo, etc. Que é prosa? Que é poesia? Que é conto, crônica, novela e romance? Para diminuir a angústia do diletante e estabelecer as coordenadas mínimas e o repertório básico que permitirão que todos falem a mesma língua, eu voltei do Monte Sinai com a seguinte tábua de definições: Poesia é a qualidade presente em certos artefatos culturais, capaz de despertar o sentimento do belo e provocar o encantamento estético. Poema é o texto composto em versos e estrofes. Prosa é o texto composto em orações, períodos e parágrafos. O poema é feito de linhas breves, a prosa é feita de linhas longas. Ponto-final. Observem que a definição de poesia me permite buscar essa qualidade em todas as artes. Me permite falar da poesia que há nos bons poemas, nos bons contos, na boa arquitetura, no bom cinema, no bom teatro, na boa escultura… Oliveira, Nelson de. Os sinais do Sinai. Germina: revista de literatura e arte, ago. 2006. Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2016.
Nesse texto do escritor brasileiro contemporâneo Nelson de Oliveira (1966-), merece destaque o significado atribuído ao termo poesia. Presente em várias manifestações estéticas, a poesia não se limita ao texto escrito, mas faz parte de várias manifestações culturais. Na sequência, o autor apresenta diferenças entre poema e prosa. O poema é composto de versos e estrofes, já a prosa se organiza em orações, períodos e parágrafos. Outra característica que os distingue é a utilização de linhas breves, no caso do poema, e linhas longas, no caso dos textos literários em prosa. Outros aspectos podem ser acrescentados para estabelecer as diferenças entre prosa e poema ou explorar pontos comuns entre ambos. O poema, especialmente, explora a sonoridade das palavras, que também pode ser percebida na prosa. Mas, caso fosse possível estabelecer uma escala contínua entre a prosa e o poema, esse aspecto estaria mais próximo do poema. A narratividade, isto é, o desenvolvimento de uma ação no tempo e no espaço, não é uma característica exclusiva da prosa. Ela está presente também em muitos poemas.
HIPERTEXTO Conheça, na parte de Linguagem (capítulo 14, p. 213), duas formas de trabalhar com a sonoridade das palavras: a assonância e a aliteração.
As musas da mitologia grega Na mitologia grega, Mnemosine, a personificação da memória, teve com Zeus, deus dos deuses, nove filhas, as musas que inspiravam as artes. Em muitos textos da literatura grega, o poeta faz uma invocação às musas. As nove musas são: •• Calíope – musa da poesia épica. •• Clio – musa da História. •• Érato – musa da poesia lírica. •• Euterpe – musa da música. •• Melpômene – musa da tragédia. •• Polímnia – musa dos hinos. •• Talia – musa da comédia. Meynier, Charles. Calíope, musa da poesia épica, •• Terpsícore – musa da dança. 1789. Óleo sobre tela. •• Urânia – musa da astronomia. 275 cm × 177 cm. Museu de
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Arte de Cleveland, Ohio, EUA.
Cleveland Museum of Art, OH, EUA. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix
Capítulo 3 – Aspectos da linguagem literária
repertório
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A sonoridade do poema Três recursos se destacam para conferir sonoridade aos poemas: o ritmo, o metro e a rima.
Ritmo
I-Juca-Pirama Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi: Sou filho das selvas,
Veridiana Scarpelli/ID/BR
O ritmo se constrói com a alternância de sons fracos e fortes. Veja o exemplo a seguir, retirado de um poema de Gonçalves Dias, em que as sílabas em destaque são pronunciadas de maneira mais forte. Nas selvas cresci; Guerreiros, descendo Da tribo Tupi.
Dias, Gonçalves. I-Juca-Pirama. In: Poesia indianista. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 48.
Metro O metro é a sequência de sílabas, que podem ser “medidas” em um verso. Por isso, são chamadas de sílabas métricas ou poéticas. A metrificação é o ato de aplicar um conjunto de regras relativas à medida e à organização do verso ou da estrofe (conjunto de versos). Na poesia, a contagem das sílabas é diferente da que acontece na gramática. As vogais finais e iniciais das palavras podem se unir para formar uma única sílaba durante a leitura. Além disso, a contagem é feita até a última sílaba forte do verso, sendo desconsideradas as sílabas fracas posteriores. Veja um exemplo de contagem das sílabas em um verso de Fernando Pessoa. Sou/ vil,/ sou/ re/ les,/ co/ mo/ to/ da a/ gen/ te 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
junção de sílaba vogais final forte e inicial
sílaba fraca após última sílaba forte (não entra na contagem)
Algumas medidas de versos têm nomes específicos. O primeiro verso do poema de Gonçalves Dias, por exemplo, é uma redondilha menor, ou seja, composta de 5 sílabas poéticas. Já o verso de Fernando Pessoa apresentado acima é decassílabo, pois contém 10 sílabas poéticas. Também são comuns as redondilhas maiores (7 sílabas poéticas) e os versos alexandrinos (12 sílabas poéticas, também chamados de dodecassílabos). Veja mais um exemplo de verso decassílabo (de Camões) e um de verso alexandrino (de Olavo Bilac).
Bus/ que a/ mor/ no/ vas/ ar/ tes,/ no/ vo en/ ge/ nho 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
En/ tre as/ flo/ res,/ a/ go/ ra, u/ ma ou/ tra/ flor/ ful/ gu/ ra 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
HIPERTEXTO É preciso conhecer as regras gramaticais de separação de sílabas para fazer a contagem de sílabas poéticas. Recorde essas regras na parte de Linguagem (capítulo 15, p. 230).
As estrofes podem conter um monóstico (um verso), um dístico (dois versos), um terceto (três versos), um quarteto (ou quadra), uma quintilha, uma sextilha, uma sétima, uma oitava, uma nona ou uma décima. Estrofes com mais de dez versos são chamadas irregulares.
Rima A rima pode ser interna ou final. Versos sem rimas são chamados de brancos. As rimas se organizam de diversas maneiras. Rimas emparelhadas ou paralelas – AABB (os versos rimam em pares). •• Rimas intercaladas ou opostas – ABBA (o primeiro e o quarto versos rimam entre si, assim •• como o segundo e o terceiro). ••Rimas alternadas ou cruzadas – ABAB (a rima ocorre entre o primeiro e o terceiro versos, assim como entre o segundo e o quarto). ••Rimas misturadas – não obedecem a esquema fixo. Não escreva no livro.
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Sua leitura Nesta seção, você vai ler três textos. O primeiro foi escrito pelo modernista brasileiro Oswald de Andrade (1890-1954). Os dois últimos fazem parte do Canto IV da obra I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias. Releia as primeiras estrofes em uma versão em história em quadrinhos. Depois, conheça o restante do poema. Texto 1
O Zé Pereira chegou de caravela E preguntou pro guarani da mata virgem — Sois cristão? — Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte Teterê tetê Quizá Quizá Quecê! Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu! O negro zonzo saído da fornalha Tomou a palavra e respondeu — Sim, pela graça de Deus — Canhém Babá Canhem Babá Cum Cum! E fizeram o Carnaval
Veridiana Scarpelli/ID/BR
brasil
Andrade, Oswald de. Obras completas: poesias reunidas. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. p. 169-170.
Sobre o texto 1. Analise a sonoridade do poema “brasil”. a) Que tipo de métrica predomina no poema? b) Classifique o esquema de rimas do poema. c) No caderno, copie e sublinhe as sílabas tônicas do primeiro e do quarto versos. Há diferença no jogo rítmico dos dois versos? Em caso afirmativo, o que ela indica? 2. Ao tratar da formação étnica e cultural brasileira, o poema “brasil” refere-se ao colonizador (branco), ao indígena e ao negro. a) Como a figura do colonizador é representada no poema? b) A menção ao colonizador difere da referência ao indígena e ao negro? Por quê? 3. Com base no poema, o que caracteriza a visão oswaldiana sobre o passado brasileiro?
Silvino, Peirópolis/Arquivo da editora
Capítulo 3 – Aspectos da linguagem literária
Texto 2
Dias, Gonçalves. I-Juca Pirama. Ilustr. Laerte Silvino. São Paulo: Peirópolis, 2012. p. 17.
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Texto 3
Vocabulário de apoio
[…] Andei longes terras Lidei cruas guerras Vaguei pelas serras Dos vis Aimoréis; Vi lutas de bravos, Vi fortes – escravos! De estranhos ignavos Calcados aos pés.
Meu pai a meu lado Já cego e quebrado, De penas ralado, Firmava-se em mi: Nós ambos, mesquinhos, Por ínvios caminhos, Cobertos d’espinhos Chegamos aqui!
Eu era o seu guia Na noite sombria, A só alegria Que Deus lhe deixou: Em mim se apoiava, Em mim se firmava, Em mim descansava, Que filho lhe sou.
E os campos talados, E os arcos quebrados, E os piagas coitados Já sem maracás; E os meigos cantores, Servindo a senhores, Que vinham traidores, Com mostras de paz.
O velho no entanto Sofrendo já tanto De fome e quebranto, Só qu’ria morrer! Não mais me contenho, Nas matas me embrenho, Das frechas que tenho Me quero valer.
Ao velho coitado De penas ralado, Já cego e quebrado, Que resta? – Morrer. Enquanto descreve O giro tão breve Da vida que teve, Deixai-me viver!
Aos golpes do imigo, Meu último amigo, Sem lar, sem abrigo Caiu junto a mi! Com plácido rosto, Sereno e composto, O acerbo desgosto Comigo sofri.
Então, forasteiro, Caí prisioneiro De um troço guerreiro Com que me encontrei: O cru dessossego Do pai fraco e cego, Enquanto não chego Qual seja, – dizei!
Não vil, não ignavo, Mas forte, mas bravo, Serei vosso escravo: Aqui virei ter. Guerreiros, não coro Do pranto que choro: Se a vida deploro, Também sei morrer.
acerbo: árduo ignavo: inativo, ocioso ínvio: intransitável maracá: chocalho indígena piaga: pajé talado: devastado troço: corpo de tropas
Dias, Gonçalves. I-Juca-Pirama. In: Poesia indianista. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 49-52.
Sobre os textos 1. O título “I-Juca Pirama” significa, na língua tupi, “aquele que vai ser morto”. O poema narra a história de um indígena tupi capturado pelos timbiras. Antes de ser morto pelo inimigo, conforme manda o ritual, ele deve contar seus feitos de guerra. a) Como o indígena se descreve antes de se tornar prisioneiro dos timbiras? b) Em sua opinião, o modo como o indígena é representado na história em quadrinhos condiz com o relato da própria personagem sobre si? Justifique. 2. Descreva a estrutura formal do IV Canto de “I-Juca Pirama”, considerando os versos apresentados nos balões da história em quadrinhos. 3. De que maneira os elementos que conferem sonoridade ao poema “I-Juca Pirama” contribuem para a história nele narrada? 4. De acordo com o relato do indígena, o que ocorreu com a tribo tupi? 5. Releia o poema “brasil”, de Oswald de Andrade. Observe que o verso “Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte” parodia os seguintes versos de Gonçalves Dias: “Sou bravo, sou forte/ Sou filho do Norte”. Explique essa troca da palavra Norte por Morte. 6. Qual é a diferença entre o indígena retratado pelo poeta romântico Gonçalves Dias e o indígena retratado pelo modernista Oswald de Andrade? 7. Reúna-se com mais dois colegas, selecione uma passagem de “I-Juca Pirama” e crie uma página de HQ. Nos balões, mantenha a estrutura rítmica que caracteriza o poema.
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Elementos da narrativa Ação, tempo e espaço O elemento central da narrativa é a ação, ou seja, uma sequência de acontecimentos unidos por relações de causa e efeito que formam um enredo. Ela se desenvolve em determinado tempo e espaço, progredindo até o desfecho de um conflito, uma oposição entre duas forças ou personagens. Quando o conflito transcorre na mente da personagem, a ação é interior. Quando ocorre no embate entre uma personagem e uma força externa, tem-se a ação exterior.
Em seu livro Como funciona a ficção, o crítico inglês James Wood afirma que a casa da ficção tem muitas janelas, mas só duas ou três portas. As portas referem-se aos modos de narração. É possível contar uma história na primeira ou na terceira pessoa. As janelas correspondem a um conceito fundamental na construção narrativa: o ponto de vista ou foco narrativo. A escolha da posição em que o narrador se situa em relação à história torna o texto único em relação aos demais. Há casos em que o narrador está muito próximo dos fatos contados. Ele participa da história e a narra na primeira pessoa, a partir de um ponto fixo e limitado a suas percepções, tendo, assim, uma visão parcial dos acontecimentos. É um narrador-personagem. Quando o narrador observa a história e descreve os fatos e as personagens a partir de uma perspectiva distanciada, de fora, adotando a terceira pessoa, recebe o nome de narrador-observador. Quando não participa dos acontecimentos, mas sabe tudo o que se passa na história, incluindo as circunstâncias da ação bem como os pensamentos e o estado de espírito das personagens, é chamado de narrador onisciente. Ele conta a história em terceira pessoa e, algumas vezes, pode assumir a primeira pessoa para fazer intromissões na narrativa. Leia o trecho inicial do romance Tom Jones (1749), escrito pelo inglês Henry Fielding (1707-1754).
Capítulo 3 – Aspectos da linguagem literária
Breve descrição do fidalgo Allworthy e uma descrição mais completa da srta. Bridget Allworthy, sua irmã Na parte ocidental deste reino habitualmente denominado Somersetshire, vivia há pouco tempo, e talvez ainda viva, um cavalheiro que tinha o nome de Allworthy, e ao qual se poderia chamar muito bem o favorito, assim da Natureza como da Fortuna; pois ambas pareciam havê-lo, à competência, abençoado e enriquecido. […] Esse cavalheiro casara-se quando moço, com uma senhora sumamente formosa e digna, que ele amara apaixonadamente: e que lhe dera três filhos, todos os quais haviam morrido pequenos. Tivera igualmente o infortúnio de enterrar a esposa muito amada, cerca de cinco anos antes do tempo em que esta história principia. Essa perda, por maior que fosse, suportou-a ele como homem sensato e constante, embora seja necessário confessar que falava, com frequência, um tanto fantasticamente sobre o caso […]. Fielding, Henry. Tom Jones. Trad. Octávio Mendes Cajado. São Paulo: Abril Cultural, 1971. p. 14.
A construção do ponto de vista é um dos elementos mais importantes desse trecho. O narrador descreve com simpatia o fidalgo Allworthy. Mas, ao mencionar certa dose de fantasia nas falas do fidalgo a respeito da morte da esposa, vê-se obrigado a “confessar” que havia algo de estranho nesse comportamento. É um caso exemplar de narrador onisciente intruso.
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saiba mais
A distinção entre autor e narrador é uma noção importante para a compreensão do ponto de vista. O autor refere-se ao escritor, uma pessoa real que escreve a ficção. Já o narrador é uma entidade fictícia que tem a função de contar a história. Às vezes, o narrador é uma personagem da narrativa; outras vezes, não é. HIPERTEXTO No conto “De cima para baixo” (parte de Produção de texto, capítulo 18, p. 272 ‑273), o narrador é onisciente: conhece todas as circunstâncias da ação e tem acesso ao que se passa no interior das personagens, isto é, ao que elas pensam e sentem, mesmo que não o expressem.
Margens do texto Logo nas primeiras linhas do fragmento, já se percebe que a visão do narrador sobre a história é parcial. Que trecho revela esse dado? Coleção particular. Fotografia: ID/BR
Ponto de vista
Cartum de autoria desconhecida da revista Punch, v. 101, 5 dez. 1891.
Uma jovem esposa em lua de mel comenta com seu marido: “Oh, Edwin, querido! Veja, é Tom Jones. Papai advertiu-me que não o lesse até me casar. Finalmente chegou o dia! Compre para mim, Edwin querido”. Por trás da história de amor de Tom Jones e Sophia, há uma contundente crítica à sociedade inglesa do século XVIII, com seus valores aristocráticos marcados pelo preconceito de classe. Não escreva no livro.
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Herói e anti-herói Nos textos em prosa, é muito comum a figura do herói, que tem origem na Antiguidade grega. Na mitologia clássica, o herói era um homem valoroso que vencia os obstáculos da natureza. Nas epopeias, como em Odisseia, de Homero, esse ser forte e virtuoso representava a grandeza de sua nação. Muitas vezes, ele contava com a ajuda dos deuses para superar grandes batalhas. Nas narrativas modernas, o herói é uma pessoa comum que enfrenta dificuldades cotidianas e tenta afirmar sua identidade. Um exemplo é a jovem aristocrata Clarissa, do romance homônimo do inglês Samuel Richardson, que luta contra a família para não se casar com um homem imposto a ela. Com variações, esse tipo de herói permaneceu na literatura até meados do século XIX, quando surgiu o anti-herói, personagem que perdeu sua força física e moral. Historicamente, esse surgimento coincide com a ascensão da burguesia na Europa, quando todas as classes sociais passam a ser representadas na literatura. O anti-herói em nada se diferencia dos demais seres humanos. Sua única distinção é ter sido escolhido pelo autor para ganhar vida na obra literária. Estudiosos identificam a origem do anti-herói em Dom Quixote de La Mancha, do espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), obra precursora do romance moderno, que se consolidaria no século XVIII. Publicada entre 1605 e 1612, parodiava as novelas de cavalaria, que narravam as aventuras de cavaleiros movidos por ideais elevados. Dom Quixote era um fidalgo idoso e de juízo abalado que pensava ser descendente dos nobres cavaleiros da Idade Média. […] este fidalgo, nos intervalos que tinha de ócio (que eram os mais do ano), se dava a ler livros de cavalaria, com tanta afeição e gosto, que se esqueceu quase de todo do exercício da caça, e até da administração dos seus bens; e a tanto chegou a sua curiosidade e desatino neste ponto, que vendeu muitos trechos de terra de semeadura para comprar livros de cavalarias que ler; com o que juntou em casa quantos pôde apanhar daquele gênero. Dentre todos eles, nenhuns lhe pareciam tão bem como os compostos pelo famoso Feliciano da Silva, porque a clareza da sua prosa e aquelas intrincadas razões suas lhe pareciam de pérolas; e mais, quando chegava a ler aqueles requebros e cartas de desafio, onde em muitas partes achava escrito: “A razão da sem-razão que à minha razão se faz, de tal maneira a minha razão enfraquece, que com razão me queixo da vossa formosura”. E também quando lia: “… os altos céus que de vossa divindade divinamente com as estrelas vos fortificam, e vos fazem merecedora do merecimento que merece a vossa grandeza”.
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Paródia é uma obra que imita outra obra ou conjunto de obras com o objetivo de provocar humor, fazer uma crítica, etc. Em geral, a paródia promove a ridicularização da obra imitada, mas também pode homenageá-la.
Margens do texto O narrador faz uma paródia dos livros de cavalaria, que fizeram Quixote enlouquecer. Que recurso foi usado para criar um efeito de humor na menção ao conteúdo desses livros?
Cervantes, Miguel de. Dom Quixote de La Mancha. Trad. Viscondes de Castilho e de Azevedo. São Paulo: Nova Cultural, 2002. p. 31.
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Paulo Jares/Conteúdo Expresso
Há grande distância entre o herói clássico, com grandiosas qualidades físicas e morais, e Dom Quixote, personagem envelhecida e louca.
Herói e anti-herói: Peri, herói do romance romântico de José de Alencar, vivido por Marcio Garcia no filme O Guarani (direção de Norma Bengell, 1997); e Macunaíma, anti-herói da obra homônima de Mario de Andrade, interpretado por Grande Otelo (na foto à direita) na versão cinematográfica desse clássico modernista (direção de Joaquim Pedro de Andrade, 1969).
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Sua leitura Você vai ler a seguir um conto e um poema. O primeiro é de Moacyr Scliar (1937-2011), escritor gaúcho com intensa produção literária de contos, crônicas, ensaios e romances. O segundo é de Fernando Pessoa (1888-1935), considerado pela crítica um dos mais importantes poetas portugueses.
O vencedor: uma visão alternativa Nos sete primeiros assaltos, Raul foi duramente castigado. Não era de espantar: estava inteiramente fora de forma. Meses de indolência e até de devassidão tinham produzido seus efeitos. O combativo boxeador de outrora, o homem que, para muitos, fora estrela do pugilismo mundial, estava reduzido a um verdadeiro trapo. O público não tinha a menor complacência com ele: sucediam-se as vaias e os palavrões. De repente, algo aconteceu. Caído na lona, depois de ter recebido um cruzado devastador, Raul ergueu a cabeça e viu, sentada na primeira fila, sua sobrinha Dóris, filha do falecido Alberto. A menina fitava-o com os olhos cheios de lágrimas. Um olhar que trespassou Raul como uma punhalada. Algo rompeu-se dentro dele. Sentiu renascer em si a energia que fizera dele a fera do ringue. De um salto, pôs-se de pé e partiu como um touro furioso para cima do adversário. A princípio o público não se deu conta do que estava acontecendo. Mas quando os fãs perceberam que uma verdadeira ressurreição se tinha operado, passaram a incentivá-lo. Depois de uma saraivada de golpes certeiros e violentíssimos, o adversário foi ao chão. O juiz procedeu à contagem regulamentar e proclamou Raul o vencedor. Todos aplaudiam. Todos deliravam de alegria. Menos este que conta a história. Este que conta a história era o adversário. Este que conta a história era o que estava caído. Este que conta a história era o derrotado. Ai, Deus.
Vocabulário de apoio
assalto: cada um dos períodos de três minutos em que se divide uma luta de boxe complacência: gentileza, delicadeza devassidão: vida desregrada indolência: preguiça, falta de esforço pugilismo: boxe saraivada: grande quantidade
Scliar, Moacyr. Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 58-59. Vocabulário de apoio
Eros e Psique … E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. DO RITUAL DO GRAU DE MESTRE DO ÁTRIO NA ORDEM TEMPLÁRIA DE PORTUGAL.
Capítulo 3 – Aspectos da linguagem literária
Conta a lenda que dormia Uma Princesa encantada A quem só despertaria Um Infante, que viria De além do muro da estrada. Ele tinha que, tentado, Vencer o mal e o bem, Antes que, já libertado, Deixasse o caminho errado Por o que à Princesa vem. A Princesa Adormecida, Se espera, dormindo espera. Sonha em morte a sua vida, E orna-lhe a fronte esquecida, Verde, uma grinalda de hera. Longe o Infante, esforçado, Sem saber que intuito tem, Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado. Ela para ele é ninguém. Mas cada um cumpre o Destino – Ela dormindo encantada, Ele buscando-a sem tino Pelo processo divino Que faz existir a estrada. E, se bem que seja obscuro Tudo pela estrada fora, E falso, ele vem seguro, E, vencendo estrada e muro, Chega onde em sono ela mora.
adepto: aquele que, após iniciação, se torna partidário de uma religião fadado: predestinado grinalda de hera: coroa feita de ramos de planta trepadeira infante: filho do rei sem direito ao trono neófito: recém-batizado ou iniciado em uma religião templário: membro de ordem religiosa (cavaleiro do Templo) tino: consciência, entendimento
E, inda tonto do que houvera, À cabeça, em maresia, Ergue a mão, e encontra hera, E vê que ele mesmo era A Princesa que dormia.
Pessoa, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. p. 181.
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1. Em um primeiro momento, o que você imaginou que seria a “visão alternativa” de um vencedor? 2. O primeiro parágrafo do conto condensa muitas informações para que o leitor se situe na narrativa. Quais são esses dados? 3. A figura do boxeador quase nocauteado (segundo parágrafo), observando sua sobrinha órfã em lágrimas, é um recurso bastante utilizado principalmente em filmes. Que efeito esse lugar-comum tem para o desenvolvimento da narrativa? 4. Ao chegar ao final do conto, qual elemento da narrativa causa surpresa no leitor? 5. O poema “Eros e Psique” conta, em versos, a busca do Infante pela Princesa que dormia. a) Que elementos conferem ao poema seu caráter narrativo? Explique. b) Use seus conhecimentos sobre ritmo, metro e rima para descrever a estrutura do poema. 6. O título do poema remete ao mito grego de Eros e Psique. Leia, ao lado, a respeito dessas duas personagens mitológicas. Explique que elementos do mito foram aproveitados para a elaboração do poema. 7. Na última estrofe do poema, o leitor encontra um desfecho inesperado para a narrativa. a) É possível afirmar que, em alguma medida, a solução do conflito proposto pelo poema transforma a figura do Infante em um anti-herói? Explique sua resposta. b) Embora surpreendente, o desfecho do poema recorre a uma fórmula bastante comum em alguns textos literários: a de transformar em sonho tudo o que havia acontecido antes. Como o texto tira proveito desse lugar-comum para criar um efeito de originalidade e expressividade? 8. Tanto no conto de Moacyr Scliar quanto no poema de Fernando Pessoa, determinados recursos de construção quebram a expectativa do leitor e conduzem a um final surpreendente. a) Em cada texto, destaque uma passagem que contribui para que o leitor espere um desfecho diferente daquele que acaba ocorrendo. Justifique sua escolha. b) Em sua opinião, essa quebra de expectativa pode contribuir para alterar a percepção do leitor sobre a realidade ou, ao contrário, fazê-lo sentir-se frustrado com o desfecho?
Repertório
Eros e Psique A linda Psique despertou a inveja de Afrodite, deusa da beleza, a qual ordenou que seu filho Eros (o Cupido) fizesse Psique se apaixonar pelo homem mais feio que existisse. Eros, no entanto, enamorou-se de Psique. Levada a uma montanha por ordem de Apolo (disfarce de Eros), onde supostamente seria desposada por uma serpente, Psique caiu em sono profundo e despertou em um lindo castelo. Sem revelar seu rosto, Eros tomou-a nos braços, alertando-a para jamais tentar descobrir quem ele era. Uma noite, incentivada por suas irmãs invejosas, Psique aproximou uma lamparina do rosto adormecido de Eros. A lamparina caiu de sua mão e despertou Eros, que, irado, expulsou-a do castelo. Inconformada, Psique pro curou Afrodite, que lhe impôs uma série de tarefas. Psique deveria buscar no mundo inferior a beleza da deusa Perséfone e trazê-la em uma caixa. Psique não deveria abrir a caixa, mas não resistiu. Desse objeto, saiu um sono profundo que a acometeu imediatamente. Eros partiu em socorro de Psique, aprisionou seu sono na caixa e, com a permissão de Zeus, tomou a amada como esposa. Museu do Louvre, Paris. Fotografia: RMN/Christian Jean/Glowimages
Sobre os textos
O que você pensa disto?
1. Por que você acha que isso acontece? 2. Em sua opinião, o que seria necessário para aumentar o número de leitores de poemas? Contrariando as expectativas do mercado editorial, em 2013, o livro Toda poesia, antologia que reúne mais de 630 poemas de Leminski, liderou por algumas semanas o ranking de livros mais vendidos, superando o romance Cinquenta tons de cinza, de E. L. James, fenômeno de vendas naquele ano.
Companhia das Letras/Arquivo da editora
Ao longo deste capítulo, você entrou em contato com diversos textos e estudou aspectos do poema e elementos da narrativa. Provavelmente, você já tem sua preferência por um desses dois modos de organizar o texto literário, mas é comum as pessoas se identificarem mais com a prosa, o que as leva a ler poucos poemas.
Canova, Antonio. Psique revivida pelo beijo de Eros, 1793. Escultura em mármore. 1,55 × 1,68 m. Museu do Louvre, Paris, França.
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capítulo
Gêneros literários PHAS/UIG/Getty Images
4 o que você vai estudar Gênero lírico. Gênero épico. Gênero dramático. Diversidade de gêneros.
Mosaico das Musas, Torre de Palma, séc. IV d.C. Dimensões não disponíveis. Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa, Portugal.
Neste painel da vila romana de Torre de Palma, em Monforte, na Itália, aparecem as nove musas da criação artística. No gênero épico, elas inspiram o poeta a contar a história dos heróis.
Os gêneros literários: uma abordagem clássica A primeira tentativa de sistematização das formas literárias teria sido feita pelo filósofo Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), por meio da observação dos elementos estáveis dos textos literários. Em sua obra Poética, Aristóteles descrevia seis formas literárias e detalhava três delas: a epopeia, a tragédia e a comédia. Os pensadores da Antiguidade Clássica, com base nas lições deixadas por Aristóteles, passaram a se preocupar em organizar as várias expressões literárias em conjuntos de textos chamados gêneros, termo que remete a “linhagem, espécie, família”. Nos estudos literários, ele se refere à recorrência de características comuns relacionadas à estrutura do texto, ao modo pelo qual certos conteúdos são representados e à maneira como cada texto “imita” a realidade. O conceito de gênero literário se transformou ao longo da História. Mais do que organizar textos com base em semelhanças e diferenças, a discussão sobre os gêneros tem tratado de questões importantes para a literatura: as relações entre o que é individual e o que é universal, as relações entre visão de mundo e forma artística, a existência de regras de composição, etc. As categorias descritivas de Aristóteles serviram de base para outros estudiosos da literatura. Durante o Renascimento (séculos XIII a XVII), as teorias poéticas italianas incluíram a poesia lírica entre as formas descritas por Aristóteles. Assim, especialmente a partir do século XVIII, assumiu-se como divisão clássica da produção literária os gêneros épico, lírico e dramático, que podem ser caracterizados da seguinte maneira: ••Lírico: texto em que o “eu” vivencia e manifesta emoções; construção que explora o universo íntimo do ser humano. A subjetividade é sua característica marcante. Define-se pela expressão em primeira pessoa do singular localizada no presente. ••Dramático: as personagens, com palavras e gestos, apresentam um acontecimento localizado em um espaço específico (o palco). Utiliza o discurso direto, sem mediação. ••Épico: texto criado a partir de uma estrutura narrativa de fundo histórico. Tem como assunto os feitos heroicos e os grandes ideais de um povo. Apresenta um narrador distante dos acontecimentos; esse distanciamento é necessário porque os fatos relatados já aconteceram. Como trata de eventos vivenciados por outros, o narrador se expressa na terceira pessoa do discurso. 50
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Gênero lírico A poesia lírica, desde sua origem na Grécia Antiga, apresenta aspectos da subjetividade de um “eu” – seus comportamentos, pensamentos, sentimentos e vivências interiores. Sendo apenas expressão de um estado emocional e não a narração de um acontecimento, o poema lírico puro não chega a configurar nitidamente o personagem central (o Eu lírico que se exprime) […] Rosenfeld, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1985. p. 22.
No poema lírico há sempre um “eu” que se expressa. É em torno desse eu que todo o poema se constrói. Mas não se deve confundir o eu lírico com o eu autobiográfico, isto é, com a figura do escritor que produziu o poema. O texto literário se insere em um universo fictício em que os elementos da realidade concreta se misturam e entram em tensão com a imaginação, criando assim uma realidade na qual a figura do autor desaparece. Em outras palavras, na poesia lírica, está em jogo a subjetividade do eu para além das experiências vivenciadas pelo autor. Algumas marcas são típicas do universo da poesia lírica, embora também estejam presentes na poesia épica ou dramática. Veja algumas delas. ••musicalidade – o termo lírico tem sua origem em uma espécie de composição poética grega que era cantada e acompanhada por um instrumento musical: a lira. Em vários períodos da história da literatura, como na Antiguidade Clássica e na era medieval, a poesia era musicada. Mesmo depois, quando o poema lírico se tornou um objeto voltado para a leitura, ele conservou uma relação estreita com a sonoridade. Isso se deve ao trabalho com o ritmo e com outros aspectos sonoros próprios da língua. ••repetição – inicialmente, é importante lembrar que a palavra verso tem, em seu significado originário, o sentido de “retorno, volta”. Para alguns teóricos, a característica fundamental da linguagem poética é o paralelismo, que se manifesta no ritmo, no metro e na estrofação. O refrão, presente nas canções, tem sua origem na poesia lírica como um recurso cujo objetivo era repetir um trecho importante do poema. ••liberdade no uso da linguagem – a poesia, como a literatura no geral, busca criar formas de compreender a realidade, fugindo das representações já conhecidas. Uma das maneiras de romper com os discursos prontos é experimentar com a linguagem. ••alogicidade – muitas vezes, o imaginário poético não se ajusta ao discurso lógico. Faz parte da poesia lírica a busca por formas de expressão subjetivas que se tornem únicas. O eu lírico, portanto, não se limita a reproduzir um discurso racional e objetivo, mas procura modos de dizer que expressem de maneira mais intensa sua subjetividade. Observe como se exprime o eu lírico no poema a seguir.
a voz me falta acordada é esse sono sem volta
Margens do texto Veridiana Scarpelli/ID/BR
tua voz volta em sonho volto solta para a vida
Há no poema de Alice Ruiz uma contradição. Aponte os versos em que esse recurso é utilizado e explique seu significado no contexto do poema.
Ruiz, Alice. Dois em um. São Paulo: Iluminuras, 2008. p. 43.
Esse poema explora elementos musicais valendo-se da repetição sonora e visual das palavras escritas com a consoante v. O eu lírico parece flutuar em um estado que varia entre o sono e a vigília, subvertendo a racionalidade ao buscar recompor a “voz que falta” (alguém que se foi?) em uma espécie de sonolência, não na lembrança. A dimensão lírica desse poema está, entre outras possibilidades de interpretação, na exploração da subjetividade que expressa poeticamente a ausência de alguém. Não escreva no livro.
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Sua leitura Nesta seção, você lerá dois poemas. O primeiro foi escrito pelo poeta carioca contemporâneo Eucanaã Ferraz (1961-). O segundo é de autoria do alemão Bertold Brecht (1898-1956). Texto 1 HIPERTEXTO
a costureira Ela ouve o tecido, ela pousa o ouvido, ela ouve com os olhos. À fibra e ao feixe interroga sobre o que se entrelaçara, distinguindo a linha, o intervalo, o vão, o entreato, atenta para o que na fala geométrica e repetida dos fios é um outro vazio: o de antes da trama, ato
flutua, folha, flor, agulha; fecha os olhos; ouve com as pontas dos dedos; indaga do tecido o modo, os limites, a função, a oficina, a forma que ele quer ter,
Veridiana Scarpelli/ID/BR
anterior ao enredo; óculos postos para a escuta, a escuta desfia-se no vento, o olho
a coisa, a casa que ele quer ser; e costura como quem à mão e à máquina descosturasse o dicionário, rasgando em moles móbiles seus hábitos, o vinco de sua farda. Ferraz, Eucanaã. Cinemateca. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 34-35.
Sobre o texto
Capítulo 4 – Gêneros literários
1. Um dos aspectos que fazem parte do gênero lírico é o trabalho com a musicalidade. Como esse recurso está representado no poema? Indique um verso ou uma estrofe em que se possa observá-lo.
Ao escrever um texto, um autor deseja produzir determinado sentido no leitor. Este, por sua vez, percorre, ao ler, os traços deixados pelo autor para complementar os sentidos, costurando novas leituras. Conheça os elementos que contribuem para a construção das relações de sentido de um texto na parte de Linguagem (capítulo 17, p. 254).
Vocabulário de apoio
feixe: conjunto de fibras entreato: intervalo entre dois atos consecutivos de uma representação; entrecena móbile: que se move; enfeite feito de material leve, suspenso por fios, que oscila ao vento
2. O título do poema aponta para o assunto a ser discutido: o ato de costurar. No entanto, no contexto em que aparece, essa atividade assemelha-se a outra atividade humana. Qual? Justifique sua resposta com base em passagens do texto. 3. A sinestesia, figura de linguagem caracterizada pela mistura de sentidos, aparece algumas vezes ao longo do poema. a) Transcreva o verso da primeira estrofe em que há uma sinestesia. b) Explique o efeito de sentido produzido por essa sinestesia. 4. A regularidade formal também é um dos atributos do poema. Que elemento formal do texto apresenta regularidade? 5. O texto de Eucanaã Ferraz é um exemplo de poema lírico. Como se expressa a subjetividade do eu lírico no texto?
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Texto 2
Vocabulário de apoio
Não desperdicem um só pensamento
algoz: carrasco
1
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Não desperdicem um só pensamento Com o que não pode mudar! Não levantem um dedo Para o que não pode ser melhorado! Com o que não pode ser salvo Não vertam uma lágrima! Mas O que existe distribuam aos famintos Façam realizar-se o possível e esmaguem Esmaguem o patife egoísta que lhes atrapalha [os movimentos Quando retiram do poço seu irmão, com as [cordas que existem em abundância. Não desperdicem um só pensamento com o [que não muda! Mas retirem toda a humanidade sofredora do [poço Com as cordas que existem em abundância!
Aquele sentimento de participação e triunfo De que somos tomados ante as imagens da [revolta no encouraçado Potemkin No instante em que os marinheiros jogam [seus algozes na água É o mesmo sentimento de participação e [triunfo Ante as imagens que nos mostram o primeiro [voo sobre o Polo Sul.
2
Assim como os técnicos desejam por fim [dirigir na velocidade máxima O carro sempre aperfeiçoado e construído [com tamanho esforço Para dele extrair tudo o que possui, e o [camponês deseja Retalhar a terra com o arado novo, assim [como os construtores de ponte Querem largar a draga gigante sobre o [cascalho do rio Também nós desejamos dirigir ao máximo e [levar ao fim A obra de aperfeiçoamento deste planeta Para toda a humanidade vivente.
Que triunfo significa o que é útil! Mesmo o alpinista sem amarras, que nada [prometeu a ninguém, [somente a si mesmo Alegra-se ao alcançar o topo e triunfar Porque sua força lhe foi útil ali, e portanto [também o seria Em outro lugar. E depois dele vêm os homens Arrastando seus instrumentos e suas medidas [ao pico agora escalável Instrumentos que avaliam o tempo para os [camponeses e para os aviões.
Eu presenciei como Mesmo os exploradores foram tomados por [aquele sentimento Diante da ação dos marinheiros [revolucionários: assim Até mesmo a escória participou Da irresistível sedução do Possível, e das [severas alegrias da Lógica.
draga: embarcação para retirar areia do fundo do mar, do rio ou de canais escória: no contexto, remete a indivíduos desprezíveis patife: canalha Potemkin: navio de guerra russo no qual houve, em 1905, uma revolta de marinheiros contra a tirania de seus comandantes
Carol Guedes/Folhapress
Brecht, Bertolt. Poemas 1913-1956. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Editora 34, 2000. p. 89-90.
Sobre o texto 1. Esse poema foi escrito em meados do século XX. a) O que se supõe sobre a realidade social daquela época? b) Qual é a postura do eu lírico diante dessa realidade? 2. O poema traz a imagem de um “poço” de onde se retira a “humanidade sofredora”. O que esse poço representa? 3. Em sua opinião, a “denúncia” feita pelo eu lírico se aplica aos dias de hoje? 4. Em que medida esse poema se aproxima do gênero lírico? 5. Para Brecht, a arte deveria ser revolucionária, ou seja, deveria levar as pessoas à reflexão e à ação transformadora. Tomando como referência essa afirmação, quem seria o suposto leitor a quem o poema se dirige?
Denise Fraga na montagem de A alma boa de Setsuan, de Bertolt Brecht, em São Paulo (SP), em 2008. No Brasil, o escritor ficou mais conhecido por suas peças e por sua teoria sobre o “teatro épico”, que, em oposição ao teatro dramático, tem como pressuposto o “efeito de distanciamento”. Na visão de Brecht, o teatro deve tornar evidentes seus artifícios cênicos e seu caráter ideológico, para que o espectador não se identifique com as personagens e questione a realidade.
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Gênero dramático O gênero dramático abarca os textos criados para serem encenados em um palco. Em sua origem, o drama se dividia em duas vertentes: a tragédia e a comédia.
Tragédia A tragédia, na Grécia Antiga, era um evento festivo realizado para celebrar Dionísio, deus da música e do vinho, mas, depois, assumiu a forma teatral. Em Poética, Aristóteles apontou a tragédia como “a imitação de ações de caráter elevado”. Para o filósofo, ela tem um efeito pedagógico de purificação do espectador por meio dos sentimentos de terror e piedade, conhecido como catarse. Em geral, a tragédia apresenta a luta de um herói contra o destino que lhe foi determinado pelos deuses. No trecho abaixo, extraído de Antígona, de Sófocles, a protagonista, que dá título à peça, não manifesta arrependimento por ter tentado enterrar o irmão Polinice contra a vontade do rei Creonte. Ela argumenta que seguira a lei divina, segundo a qual era necessário enterrar os mortos para que suas almas alcançassem o plano dos deuses. A contradição é que, ao defender o cumprimento das leis divinas, Antígona encaminha-se para a morte precoce, castigo divino aplicado a ela e a seus irmãos, que são fruto do casamento incestuoso de Édipo e Jocasta.
SENTINELA Aqui está ela. Foi surpreendida quando cumpria os ritos fúnebres. […] […] CREONTE E tu, tu aí que inclinas a cabeça para o chão, vais negar ou confirmar o que ele diz?
Capítulo 4 – Gêneros literários
ANTÍGONA Confirmo o que fiz. Não o nego, absolutamente.
cativo: presa decretar: promulgar uma lei; ordenar desditoso: infeliz leis cunhadas pelo poder: leis criadas pelo poder ritos fúnebres: rituais oferecidos aos mortos
ANTÍGONA Sim, pois para mim, não foi Zeus quem a decretou, e nem Dike, a que vive entre os deuses de baixo, que deu aos homens semelhantes leis. Os teus decretos não têm o poder de obrigar um mortal a desobedecer às leis dos deuses, pois, embora não escritas, elas são poderosas e imutáveis. Ninguém sabe quando surgiram, mas foram criadas para todo o sempre e não para o passado ou o presente. Não temo o castigo por violar leis cunhadas pelo poder de um homem, mas por desobedecer às leis dos deuses. Sei que estou diante da morte, e como não saberia? Afinal, ela foi anunciada. Mas afirmo que morrer antes do tempo será para mim uma vantagem. Quando alguém carrega, como eu, tantas dores, vê a morte como um ganho, não é verdade? Pois para mim, o destino que tu me reservas não me parece uma desgraça. Mas saber que o corpo do filho de minha mãe permaneceria sem sepultura, isso sim iria me fazer sofrer. E se te parece que agi de forma insana, talvez mais insano seja quem me acusa de insanidade. Marco Manieri/Alamy/Latinstock
CORO (corifeu) Divino poder, duvido do que vejo, um assombro, mas não há como negar: essa criança, de fato, é Antígona. Oh, desditosa filha de Édipo, um desditoso pai, o que aconteceu? Trazem-na cativa por haver desobedecido às leis do palácio ou por ter cometido alguma insensatez?
Vocabulário de apoio
CREONTE Tu podes partir para onde bem quiseres, livre da acusação que pesava sobre ti. E tu, quero que fales, com poucas palavras, se sabias que isso havia sido proibido por mim. ANTÍGONA Sabia! Como não saberia? Todos sabiam. CREONTE E ainda assim, ousaste passar por cima da lei.
Vista do Teatro de Epidauro, na Grécia, construído no século IV a.C., com capacidade para 12 mil pessoas. Foto de 2010.
Sófocles. Édipo Rei; Antígona. Trad. Ordep Serra e Sueli de Regino. São Paulo: Martin Claret, 2015. p. 189, 191-192.
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O santo e a porca O pano abre na casa de EURICO ÁRABE, mais conhecido como EURICÃO ENGOLE-COBRA. Caroba – E foi então que o patrão dele disse: “Pinhão, você sele o cavalo e vá na minha frente procurar Euricão…” Euricão – Euricão, não. Meu nome é Eurico. Caroba – Sim, é isso mesmo. Seu Eudoro Vicente disse: “Pinhão, você sele o cavalo e vá na minha frente procurar Euriques…” Euricão – Eurico! Caroba – “Vá procurar Euríquio…” Euricão – Chame Euricão mesmo. Caroba – “Vá procurar Euricão Engole-Cobra…” Euricão – Engole-Cobra é a mãe! Não lhe dei licença de me chamar de Engole-Cobra, não! Só de Euricão! Suassuna, Ariano. O santo e a porca. 25. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011. p. 33.
A primeira linha desse texto traz uma rubrica, uma orientação para a montagem da peça no palco. A rubrica pode conter informações sobre o cenário e a iluminação ou, ainda, sobre os gestos e as atitudes das personagens. O público espectador conhecerá o texto por meio das falas e das ações das personagens.
Teatro medieval Durante a Idade Média, surgiram outros dois gêneros dramáticos: o auto e a farsa, ambos bastante populares. O auto é uma peça breve, geralmente de cunho religioso e moralizante, características que remetem à forte influência da Igreja católica naquele período. Em geral, as personagens dos autos não representam indivíduos, mas sim ideias abstratas, como pecado, hipocrisia e piedade. A farsa também é uma peça breve, porém de cunho profano. Geralmente, tem poucas personagens e explora de modo caricato, assim como ridiculariza, as situações do cotidiano. Um dos principais autores desses dois gêneros é o português Gil Vicente (1465?-1537?). Com sua pena, os autos e as farsas adquiriram uma profundidade inédita, pois transcenderam o didatismo religioso e a simples caricatura para se tornar poderosos instrumentos de crítica social.
Montagem da peça O santo e a porca pela companhia carioca de teatro Limite 151. Foto de 2010.
Margens do texto No trecho lido, a maneira como Eurico e Caroba interagem revela um pouco do perfil de cada um e da relação entre eles. O que é possível perceber sobre esses dois aspectos?
Assista O Auto da Compadecida, Direção de Guel Arraes, Brasil, 1999, 105 min. Baseado na peça homônima, de 1955, de Ariano Suassuna, O Auto da Compadecida é um filme brasileiro de comédia dramática lançado em 1999. Essa versão contém elementos das obras O santo e a porca e Torturas de um coração, ambas do dramaturgo pernambucano. Dirigido por Guel Arraes e com roteiro de Adriana Falcão, o filme recebeu várias premiações, como melhor diretor, melhor roteiro, melhor lançamento e melhor ator. Globo Filmes/ID/BR
A comédia também teria nascido das festividades em homenagem a Dionísio, mas com uma origem mais obscura. Segundo Aristóteles, a comédia é “a imitação de homens inferiores”; uma vez que, ao se aproximar da vida real, coloca em evidência aspectos pouco nobres da natureza humana. O imprevisto da ação gera o ridículo ou a surpresa, e, pelo riso, o espectador toma consciência de suas próprias falhas. Dessa forma, a comédia também tem uma função educativa. Leia o início da peça O santo e a porca, de Ariano Suassuna (1917-2014), escrita em 1957. No diálogo entre Eurico Árabe e sua empregada Caroba, anuncia-se a chegada de Eudoro Vicente e seu criado Pinhão. Eurico escondia uma fortuna dentro de uma porca de barro e atribui a visita de Eudoro ao interesse deste por seu dinheiro. Entretanto, o que Eudoro queria era a permissão para se casar com a filha do avarento. Caroba aproveita-se da situação para obter vantagens.
Claudia Ribeiro/Acervo da fotógrafa
Comédia
Capa do DVD da versão cinematográfica de O Auto da Compadecida.
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Sua leitura Leia uma cena de Macbeth, de Shakespeare (1564-1616). Na peça, Macbeth e a esposa tramam uma série de assassinatos para tomar o poder do rei da Escócia. No trecho, o casal oferece um banquete após a morte do general Banquo. Ao final, faça uma leitura dramática com a turma.
Macbeth – Os senhores conhecem suas posições. Sentai-vos. Para começar e para encerrar, nossas calorosas boas-vindas. Lordes – Somos gratos a Vossa Majestade. Macbeth – Nossa pessoa irá socializar com os senhores e desempenhará o papel de humilde anfitrião. Nossa anfitriã mantém seu posto, no trono que lhe cabe, mas, no momento apropriado, pediremos a ela que lhes dê as boas-vindas. Lady Macbeth – Pronuncie-as por mim, senhor, para todos os nossos amigos, pois é meu coração quem diz que eles são bem-vindos. [Entra o Primeiro Assassino.] Macbeth – Vê, eles te saúdam com os corações agradecidos. Temos igual número de convivas de um lado e de outro da mesa. Aqui sento-me eu, no centro. Fiquem à vontade, divirtam-se! Logo beberemos uma rodada. [Vai até a porta.] Há sangue no seu rosto. Assassino – Então é sangue de Banquo. Macbeth – Melhor assim, esse sangue manchando tua pele e não nas veias dele correndo. Está ele liquidado? Assassino – Meu Rei, ele tem a garganta cortada, e isso eu fiz por ele. Macbeth – O senhor é o melhor dos degoladores, mas também é bom quem fez o mesmo por Fleance. Se o senhor degolou-os a ambos, não há quem se lhe compare. Assassino – Sua Alteza Real, Fleance escapou. Macbeth – Então voltam os meus piores temores. Do contrário, eu estaria em perfeita segurança, íntegro como o mármore, sólido como uma rocha, tão livre e liberado como o ar que nos circunda. Agora, porém, estou confinado, coibido, contido, amarrado por dúvidas intrusas, encurralado em pavorosas suspeitas. Mas Banquo está seguro? Assassino – Sim, meu Rei. Perfeitamente seguro, numa vala que lhe serve de morada, com vinte profundos talhos abertos em sua cabeça, o menor dos quais suficiente para uma morte na Natureza. Macbeth – Por isso somos gratos. Lá jaz a serpente madura. O verme que fugiu é de uma natureza que a seu tempo produzirá veneno, mas que por ora não dispõe de dentes. O senhor está dispensado. Amanhã encontramo-nos de novo, e então conversamos. [Sai o Assassino.] Lady Macbeth – Meu Real Senhor, o senhor não está entretendo os seus convidados. Arruína-se a festa que se desenrola sem que o anfitrião reitere várias vezes aos presentes como eles são bem-vindos. Sentem eles que melhor seria alimentarem-se em suas casas. Por isso, a cortesia cerimoniosa é o molho de cada prato, é o encanto do encontro que, sem cordialidades, ficaria insosso.
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Macbeth – Doce lembrete. – Agora, que a boa digestão preste homenagem ao apetite, e que a saúde homenageie a ambos. Lennox – Não gostaria Sua Alteza de sentar-se? [Entra o fantasma de Banquo e senta-se no lugar de Macbeth.] Macbeth – Teríamos aqui, agora, a totalidade dos mais honrados nobres de nossa terra estivesse presente conosco a graciosa pessoa de nosso querido Banquo. Prefiro nele censurar esta descortesia que imaginar um infortúnio com que compadecer-me. ROSS – A ausência dele, Senhor, acusa-o de faltar com a palavra empenhada. Não seria do agrado de Vossa Alteza conceder-nos a graça de sua real companhia? Macbeth – A mesa está cheia. Lennox – Aqui há um lugar reservado, Senhor. Macbeth – Onde? Lennox – Aqui, meu bom Rei. O que o está deixando assim alterado, Alteza? Macbeth – Qual dos senhores fez isso? Lordes – O quê, meu bom Rei? Macbeth – Não podes dizer que eu fiz isso. Não sacudas diante de mim teu cabelo ensanguentado. ROSS – Cavalheiros, ergam-se de seus assentos. Sua Alteza não está bem. Lady Macbeth – Sentem-se, valorosos amigos. O senhor meu marido fica algumas vezes assim, e isso desde a juventude. Peço-lhes que permaneçam sentados. O acesso é momentâneo, e, antes que os senhores possam dizer uma palavra, ele estará bem de novo. Se nele prestarem muita atenção, estarão ofendendo Sua Majestade e aumentando seu ânimo exaltado. Comam, e não mais olhem para ele. – És homem ou não? Macbeth – Sim, e de coragem, pois me atrevo a encarar aquilo que poderia deixar apavorado o próprio Diabo. Lady Macbeth – Mas que asneira! Isso é um quadro que pintaste com as tintas do teu medo. Isso é aquela adaga planando em pleno ar que, como tu disseste, conduziu-te até Duncan. Ah, esses rompantes e sobressaltos (impostores, e não o verdadeiro medo) estariam bem encaixados numa história contada por uma mulher, ao pé do fogo, e com a aprovação da avó. Toma vergonha na cara! Por que fazes tais trejeitos? Depois que tudo passou, não vês mais que uma cadeira. Guilherme Artigas/ Fotoarena/Folhapress
Capítulo 4 – Gêneros literários
Cena IV O salão de banquetes do palácio. O banquete está servido. Entram Macbeth, Lady Macbeth, Ross, Lennox, Lordes e Serviçais.
Cena de Macbeth, montagem com os atores Thiago Lacerda e Giulia Gan, exibida no Festival de Teatro de Curitiba (PR). Foto de 2016.
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Macbeth – Eu te suplico, olha ali. Vê, olha, enxerga! – O que me dizes? – Mas, também, o que me importa? – Se consegues acenar com a cabeça, podes falar. Fala! – Se os cemitérios, se nossas sepulturas precisam nos mandar de volta aqueles que enterramos, melhor seria que nossos túmulos fossem as moelas dos abutres. [Sai o Fantasma.] Lady Macbeth – O quê? Totalmente desvirilizado nessa tua loucura? Macbeth – Tão certo como aqui estou, na tua frente, eu o vi. Lady Macbeth – Fora! Que vergonha! Macbeth – Muito sangue foi derramado em outros tempos, num passado anterior a terem as leis dos homens purgado uma nação civilizada. Sim, e depois disso também, assassinatos foram cometidos, terríveis demais para serem descritos. Já se foi o tempo em que um homem morria quando lhe arrancavam os miolos e… fim, estava liquidado o assunto. Nos tempos de agora, eles se põem de pé de novo, com vinte golpes mortais na cabeça, e nos tomam a cadeira. Isso é ainda mais criminoso que uma tal morte. Lady Macbeth – Meu valoroso Rei, teus nobres amigos sentem tua falta. Macbeth – Já estava esquecendo. – Não se espantem comigo, meus caríssimos amigos. Sofro de estranha enfermidade, que não significa nada para aqueles que me conhecem. Vamos lá, saúde e amor a todos. E agora vou me sentar. – Sirvam-me de vinho, podem encher o copo até a borda. [Entra o Fantasma.] Faço um brinde à alegria geral de todos os aqui presentes e ao nosso querido amigo Banquo, de quem sentimos falta nesta mesa. Se ao menos ele pudesse estar aqui. Bebemos à saúde de todos, à dele, e a tudo de bom para todos nós. Lordes – Ao nosso dever, que é jurar-vos lealdade, Alteza. Macbeth – Vai-te embora daqui, desaparece de minha vista, deixa que a terra te cubra. Teus ossos carecem de medula, teu sangue está gelado. Não há perspicácia nesses olhos com que me fixas o olhar. Lady Macbeth – Pensem nisto, nobres pares, como algo rotineiro. É tão somente isso, só que nos estraga a alegria deste momento. Macbeth – O que o homem ousa eu ouso. Aproxima-te, mas vem como o brutal urso da Rússia, como os beligerantes rinocerontes, até mesmo o tigre da Hircânia. Assume qualquer forma, menos essa tua, e meus nervos firmes jamais padecerão de medo. Ou então, aparece-me vivo de novo e desafia-me com tua espada para que nos defrontemos em lugar deserto. Se este corpo que abriga o meu ser puser-se então a tremer, apregoa aos quatro ventos que não sou mais que uma mocinha. Afasta-te, sombra medonha, arremedo de fantasma, some-te daqui! [Sai o Fantasma.]
Pois, ora!… Tendo se ido, volto eu a ser homem. – Peço aos senhores que permaneçam em seus lugares. Lady Macbeth – Desnorteaste a alegria, despedaçaste uma boa reunião com esse teu surpreendente desarranjo. Macbeth – Podem tais coisas sucederem-se e de nós tomarem conta… como chuvas de verão… sem que sejam para nós uma especial surpresa? Tu fazes com que eu me sinta um estranho até mesmo frente às minhas próprias inclinações naturais, quando penso agora que tu consegues enxergar tais cenas e manter o corado natural de tuas faces quando meu rosto fica pálido de terror. Ross – Que cenas, meu Rei? Lady Macbeth – Peço-lhe que o senhor não fale mais nada. Ele está ficando cada vez pior. Enfurecem-no as perguntas que lhe fazem. – Já lhes desejo uma boa noite a todos. Levantem-se, e não há necessidade de respeitarem a ordem de saída, mas saiam de uma vez. Lennox – Boa noite. Estimo as melhoras de Sua Majestade. Lady Macbeth – Uma muito boa noite a todos. [Saem os Lordes.] Macbeth – Haverá sangue, dizem eles. Sangue chama mais sangue. Sabe-se de pedras que se movem e de árvores que falam. Augúrios e relações implícitas foram postos a descoberto por gralhas, corvos e abutres, trazendo à tona o homem mais oculto dentre os sanguinários. – A que horas da noite estamos? Lady Macbeth – Naquela hora em que luta a noite com o amanhecer, sem que se saiba qual está levando vantagem. Macbeth – Que te parece, Macduff ter-nos negado a presença de sua pessoa, mesmo tendo recebido convite formal para esta nossa grande solenidade? Lady Macbeth – Enviaste a ele um mensageiro, meu Senhor? Macbeth – Foi por acaso que me inteirei desse assunto. Mas mandarei a ele um mensageiro. Não há um único deles em cuja casa não tenha um criado que por mim é pago. Irei amanhã (e irei cedo) ter com as Estranhas Irmãs. Terão de me dizer mais, pois agora estou determinado a saber o pior, pelos piores meios. Para meu próprio bem, todas as causas agora são secundárias à minha vontade. Estou atolado em sangue a um tal ponto que prosseguir nessa lama não me é possível e, no entanto, recuar é outra impossibilidade. Minha cabeça está tomada por ideias estranhas, que pedem para ser executadas, e que devem ser levadas a cabo antes de serem examinadas. Lady Macbeth – A ti falta aquilo que tempera a natureza, preserva as criaturas: o sono. Macbeth – Vem, vamos dormir. Os maus-tratos que infligi a mim mesmo, iludindo-me tão estranhamente, não é mais que o medo dos recém-iniciados numa matéria que requer experiência. Somos ainda muito verdes nessas coisas. [Saem.]
Shakespeare, William. Macbeth. Trad. Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2000. p. 68-77.
Sobre o texto 1. O que as visões do fantasma de Banquo revelam sobre o comportamento de Macbeth?
Vocabulário de apoio
apregoar: anunciar em voz alta
2. Como Lady Macbeth reage ao comportamento do marido? Por que ela age dessa forma?
beligerante: que faz guerra
3. Em sua opinião, a ânsia pelo poder corrompe uma pessoa? O poder corrompe ou revela o caráter de alguém?
desvirilizado: enfraquecido
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Gêneros literários
Gênero épico O gênero épico era, em sua origem, um longo poema narrativo, também chamado de epopeia ou épica, que contava acontecimentos grandiosos protagonizados por heróis.
Heróis extraordinários Há dois tipos de herói na poesia épica: o individual e o coletivo. Dois exemplos de heróis individuais são Aquiles e Ulisses, das épicas gregas Ilíada e Odisseia, escritas no século VI a.C. e atribuídas a Homero. Como exemplo de herói coletivo, temos o povo português, como sugere o título da obra-prima de Luís de Camões, Os Lusíadas. Os versos a seguir, extraídos da Odisseia, talvez a mais conhecida das epopeias, exaltam o herói Ulisses (ou Odisseu), que retorna para casa após longos anos lutando na Guerra de Troia.
Odisseia
urbe: cidade
Do varão me narra, Musa, do muitas-vias, que muito vagou após devastar a sacra cidade de Troia. De muitos homens viu urbes e a mente conheceu, e muitas aflições sofreu ele no mar, em seu ânimo, tentando garantir sua vida e o retorno dos companheiros.
varão: homem destemido
Algumas epopeias, porém, não apresentam, de modo estabelecido, um tipo de herói, como é o caso de Eneida, escrita pelo poeta romano Virgílio no século I a.C. Nesse texto, há uma certa ambiguidade: por vezes, o herói, de nome Eneias, parece ser individual, ainda que a intenção maior do poema seja enaltecer o povo romano.
História, invenção e forma Nas primeiras poesias épicas, os acontecimentos narrados tinham um teor legendário, o que não significa que fossem fruto somente da invenção do poeta, mas sim uma mistura entre fatos ocorridos e situações criadas pela imaginação. Com o tempo, essa mescla de acontecimentos históricos e fictícios firmou-se como uma das principais características desse gênero. Embora seja escrita em versos, o que a princípio remete ao gênero lírico, a epopeia é uma narrativa longa na qual um narrador se propõe a contar feitos extraordinários para um público específico. Se o assunto se refere a elementos culturais característicos de uma comunidade, o público é restrito; mas, caso remeta a temas universais, o público pode ser mais amplo. Como o assunto da epopeia é de caráter excepcional, ela apresenta, naturalmente, estilo elevado, característica observada na seleção vocabular, na sintaxe extremamente elaborada e na utilização abundante de recursos estilísticos. Isso se evidencia na estrofe de abertura da epopeia portuguesa Os Lusíadas. As armas e os barões assinalados Que, da Ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando, E aqueles que por obras valorosas Se vão da lei da Morte libertando: Cantando espalharei por toda parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Assista Spartacus. Direção de Stanley Kubrick, EUA, 1961, 198 min. Tradicionalmente, o termo épico se refere a um gênero poético. No cinema, diz respeito a cenas grandiosas, como batalhas que envolvem multidões de soldados. Confira algumas delas em Spartacus, que conta a história de um escravo romano. Universal Pictures/ID/BR
Homero. Odisseia. Trad. Christian Werner. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 123.
Capítulo 4 – Gêneros literários
Vocabulário de apoio
Pôster do filme Spartacus.
Vocabulário de apoio
barões: homens ilustres Taprobana: ilha ao sul da Índia
Camões, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 17.
Note que, para introduzir o assunto do poema (as proezas lusitanas nas Grandes Navegações), Camões utiliza vários hipérbatos (inversões sintáticas). O primeiro verso, por exemplo, é o objeto direto do verbo cantar, presente apenas no penúltimo verso da segunda estrofe. Parafraseando em ordem direta, seria algo como: “Se a tanto me ajudar o engenho e arte, cantando espalharei por toda parte as armas e os barões assinalados”.
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Intervenção divina Uma das principais características do gênero épico é o intercâmbio entre o plano do herói e o plano dos deuses mitológicos. Essa mistura pode ser vista, por exemplo, no fato de o destino do herói provocar discussões entre os deuses. Essa característica é flagrante no início da Odisseia, em que é narrada a assembleia dos deuses. Atendendo ao pedido da deusa Atena, Zeus ordena à ninfa Calipso que liberte Ulisses para que este possa retornar a Ítaca. Porém, Posêidon, deus supremo do mar, deseja impedir a todo custo o retorno de Ulisses. Mas quando o ano chegou e os ciclos volveram-se, os deuses destinaram-lhe à casa retornar, rumo a Ítaca, e nem lá escapou de provas, e estava entre os seus. Os deuses se apiedavam, todos, salvo Posêidon. Incansável, manteve a ira contra o excelso Odisseu até esse em sua terra chegar.
Vocabulário de apoio
apiedar: ter piedade excelso: ilustre volver: voltar
Homero. Odisseia. Trad. Christian Werner. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 123-124.
E assim se empenha Posêidon, ao desencadear uma tempestade que lança Ulisses e sua jangada em direção à ilha dos feácios. Atena não tarda em intervir em favor do herói, ao entrar no sonho da jovem Nausícaa, filha do rei feácio Alcínoo, induzindo-a a lavar roupa na beira do rio, perto de onde Ulisses dormia. Em Os Lusíadas, esses papéis cabem principalmente aos deuses romanos Baco e Vênus. Baco impõe diversos empecilhos aos navegantes portugueses rumo às Índias, ao passo que Vênus se empenha em ajudá-los. A exemplo do que ocorre na Odisseia, há um concílio dos deuses, no qual, entre outras discussões, Vênus defende os portugueses da ira de Baco. Sustentava contra ele Vênus bela, Afeiçoada à gente Lusitana, Por quantas qualidades via nela Da antiga, tão amada sua, Romana;
Nos fortes corações, na grande estrela, Que mostraram na terra Tingitana, E na língua, na qual quando imagina, Com pouca corrupção crê que é a Latina.
Vocabulário de apoio
afeiçoado: que manifesta afinidade Tingitana: norte da África conquistado por Portugal
Camões, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 28.
Para lá se inclinava a leda frota; Mas a Deusa em Citera celebrada, Vendo como deixava a certa rota Para ir buscar a morte não cuidada, Não consente que em terra tão remota, Se perca a gente dela tanto amada, E com ventos contrairos a desvia Donde o piloto falso a leva e guia. Camões, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 45. Vocabulário de apoio
consentir: permitir; tolerar contrairo: contrário Draper, Herbet James. Ulisses e as sereias, c. 1909. Óleo sobre tela, 176 cm × 213 cm. Ferens Art Gallery, Hull Museums, Reino Unido.
Ferens Art Gallery, Hull Museums, UK. Fotografia: Bridgeman Images/Keystone
Segundo o mito, Vênus foi gerada pelas espumas do mar, o que sugere a afinidade da deusa com os navegantes portugueses. Mas, no trecho em questão, essa afinidade justifica-se principalmente pela origem latina da “gente Lusitana”. Outro exemplo de intervenção de Vênus em favor dos portugueses ocorre no episódio em que um falso piloto tenta conduzir Vasco da Gama e sua frota à temida ilha de Quíloa, em Moçambique. Para salvar os portugueses, Vênus lança um vento em sentido contrário.
Na imagem, as sereias tentam levar Ulisses ao fundo do mar. Para enfrentá-las, ele pede a seus homens que tapem os ouvidos com pedaços de cera. Ele, porém, não tendo feito o mesmo, solicita que o amarrem ao mastro do navio. Não escreva no livro.
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Sua leitura A seguir, você lerá um episódio de Os Lusíadas que narra a chegada dos portugueses ao Cabo das Tormentas. Em meio à tempestade que se forma, surge a terrível figura de Adamastor.
Tão temerosa vinha e carregada, Que pôs nos corações um grande medo; Bramindo, o negro mar de longe brada. Como se desse em vão nalgum rochedo. “Ó Potestade (disse) sublimada: Que ameaço divino ou que segredo Este clima e este mar nos apresenta, Que mor cousa parece que tormenta?” Não acabava, quando uma figura Se nos mostrava no ar, robusta e válida De disforme e grandíssima estatura; O rosto carregado, a barba esquálida, Os olhos encovados, e a postura Medonha e má e a cor terrena e pálida; Cheios de terra e crespos os cabelos, A boca negra, os dentes amarelos. Tão grande era de membros, que bem posso Certificar-te que este era o segundo De Rodes estranhíssimo Colosso, Que um dos sete milagres foi do mundo, Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso, Que pareceu sair do mar profundo. Arrepiam-se as carnes e o cabelo, A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!
Capítulo 4 – Gêneros literários
E disse: “Ó gente ousada, mais que quantas No mundo cometeram grandes cousas, Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, E por trabalhos vãos nunca repousas, Pois os vedados términos quebrantas E navegar meus longos mares ousas, Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, Nunca arados de estranho ou próprio lenho: Pois vens ver os segredos escondidos Da natureza e do úmido elemento, A nenhum grande humano concedidos De nobre ou de imortal merecimento, Ouve os danos de mim que apercebidos Estão a teu sobejo atrevimento, Por todo o largo mar e pola terra Que inda hás-de subjugar com dura guerra. Sabe que quantas naus esta viagem Que tu fazes, fizerem, de atrevidas, Inimiga terão esta paragem, Com ventos e tormentas desmedidas!
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E da primeira armada, que passagem Fizer por estas ondas insofridas, Eu farei de improviso tal castigo, Que seja mor o dano que o perigo! Aqui espero tomar, se não me engano, De quem me descobriu suma vingança. E não se acabará só nisto o dano De vossa pertinace confiança: Antes, em vossas naus vereis, cada ano, Se é verdade o que meu juízo alcança, Naufrágios, perdições de toda sorte, Que o menor mal de todos seja a morte! E do primeiro Ilustre, que a ventura Com fama alta fizer tocar os Céus, Serei eterna e nova sepultura, Por juízos incógnitos de Deus. Aqui porá da Turca armada dura Os soberbos e prósperos troféus; Comigo de seus danos o ameaça A destruída Quíloa com Mombaça.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Porém já cinco Sóis eram passados Que dali nos partíramos, cortando Os mares nunca de outrem navegados, Prosperamente os ventos assoprando, Quando uma noite, estando descuidados Na cortadora proa vigiando, Um nuvem, que os ares escurece, Sobre nossas cabeças aparece.
Outro também virá, de honrada fama, Liberal, cavaleiro, enamorado, E consigo trará a formosa dama Que Amor por grão mercê lhe terá dado. Triste ventura e negro fado os chama Neste terreno meu, que, duro e irado, Os deixará dum cru naufrágio vivos, Pera verem trabalhos excessivos. Verão morrer com fome os filhos caros, Em tanto amor gerados e nascidos; Verão os Cafres, ásperos e avaros, Tirar à linda dama seus vestidos; Os cristalinos membros e preclaros À calma, ao frio, ao ar, verão despidos, Depois de ter pisada, longamente, Cos delicados pés a areia ardente. E verão mais os olhos que escaparem De tanto mal, de tanta desventura, Os dois amantes míseros ficarem Na férvida e implacável espessura. Ali, depois que as pedras abrandarem Com lágrimas de dor, de mágoa pura, Abraçados, as almas soltarão Da formosa e misérrima prisão.” Mais ia por diante o monstro horrendo, Dizendo nossos Fados, quando, alçado, Lhe disse eu: “Quem és tu? Que esse estupendo Corpo, certo, me tem maravilhado!” A boca e os olhos negros retorcendo E, dando um espantoso e grande brado, Me respondeu, com voz pesada e amara, Como quem da pergunta lhe pesara: Não escreva no livro.
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“Eu sou aquele oculto e grande Cabo A quem chamais vós outros Tormentório, Que nunca a Ptolomeu, Pompônio, Estrabo, Plínio, e quantos passaram fui notório. Aqui toda a Africana costa acabo Neste meu nunca visto Promontório, Que para o Polo Antártico se estende, A quem vossa ousadia tanto ofende! Fui dos filhos aspérrimos da Terra, Qual Encélado, Egeu e o Centímano; Chamei-me Adamastor, e fui na guerra Contra o que vibra os raios de Vulcano; Não que pusesse serra sobre serra, Mas, conquistando as ondas do Oceano, Fui capitão do mar, por onde andava A armada de Netuno, que eu buscava. Amores da alta esposa de Peleu Me fizeram tomar tamanha empresa. Todas as Deusas desprezei do Céu, Só por amar das águas a Princesa. Um dia a vi, com as filhas de Nereu, Sair nua na praia: e logo presa A vontade senti de tal maneira, Que ainda não sinto cousa que mais queira. Como fosse impossível alcançá-la, Pela grandeza feia de meu gesto, Determinei por armas de tomá-la E a Dóris este caso manifesto. De medo a Deusa então por mim lhe fala; Mas ela, cum formoso riso honesto, Respondeu: “Qual será o amor bastante De Ninfa, que sustente o dum Gigante? Converte-se-me a carne em terra dura; Em penedos os ossos se fizeram; Estes membros, que vês, e esta figura Por estas longas águas se estenderam. Enfim, minha grandíssima estatura Neste remoto Cabo converteram Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas, Me anda Tétis cercando destas águas.” Contudo, por livrarmos o Oceano De tanta guerra, eu buscarei maneira Com que, com minha honra, escuse o dano. Tal resposta me torna a mensageira.
Eu, que cair não pude neste engano (Que é grande dos amantes a cegueira), Encheram-me, com grandes abondanças, O peito de desejos e esperanças. Já néscio, já da guerra desistindo, Uma noite, de Dóris prometida, Me aparece de longe o gesto lindo Da branca Tétis, única, despida. Como doido corri, de longe, abrindo Os braços pera aquela que era vida Deste corpo, e começo os olhos belos A lhe beijar, as faces e os cabelos. Oh! Que não sei de nojo como o conte! Que, crendo ter nos braços quem amava, Abraçado me achei cum duro monte De áspero mato e de espessura brava. Estando cum penedo fronte a fronte, Que eu pelo rosto angélico apertava, Não fiquei homem, não, mas mudo e quedo E, junto dum penedo, outro penedo! Ó Ninfa, a mais formosa do Oceano, Já que minha presença não te agrada, Que te custava ter-me neste engano, Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada? Daqui me parto, irado e quase insano Da mágoa e da desonra ali passada, A buscar outro mundo, onde não visse Quem de meu pranto e de meu mal se risse. Eram já neste tempo meus Irmãos Vencidos e em miséria extrema postos, E, por mais segurar-se os Deuses vãos, Alguns a vários montes sotopostos. E, como contra o Céu não valem mãos, Eu, que chorando andava meus desgostos, Comecei a sentir do Fado immigo, Por meus atrevimentos, o castigo. Assi contava; e, cum medonho choro, Súbito de ante os olhos se apartou. Desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro Bramido muito longe o mar soou. Eu, levantando as mãos ao santo coro Dos Anjos, que tão longe nos guiou, A Deus pedi que removesse os duros Casos, que Adamastor contou futuros.
Camões, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 154-160.
Sobre o texto 1. Considerando esse trecho de Os Lusíadas, por que a obra pertence ao gênero épico? 2. Qual referência histórica está presente no trecho?
Vocabulário de apoio
amaro: amargo avaro: mesquinho Cabo Tormentório: Cabo das Tormentas, no extremo sul do continente africano Cafres: população do Sudoeste africano Colosso de Rodes: estátua de Apolo na ilha de Rodes Dóris: mãe de Tétis Encélado, Egeu e o Centímano: gigantes escusar: perdoar esquálido: descuidado Fado: destino mor: maior immigo: inimigo Ó Potestade […] sublimada: Ó Deus poderoso paragem: região marítima alcançável pela navegação pertinace: persistente Plínio: cientista da Roma antiga pola: pela preclaro: ilustre Promontório: cabo formado por penhascos altos Ptolomeu, Pompônio, Estrabo: geógrafos quebrantar: violar, infringir sotoposto: posto debaixo Tétis: ninfa do mar, segundo a mitologia grega ventura: destino
3. Com base no que foi discutido sobre o gênero épico, comente a estrutura e a linguagem empregadas no texto. 4. Organize com os colegas uma seção de leitura de passagens da obra Os Lusíadas, alternando os leitores: um aluno executa a função do narrador enquanto outros leem os trechos em que se manifestam as demais personagens do poema.
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Diversidade de gêneros
Repertório
Os gêneros correspondem a diversas modalidades da expressão literária, definindo diferentes maneiras de escrita. Ao escolher um determinado gênero, ou seja, ao selecionar uma forma/linguagem específica, o escritor possibilita ao leitor ver e sentir a realidade de maneiras múltiplas. A linguagem literária – assim como a ciência, a filosofia, a política e outras – constitui-se como meio que possibilita ao homem explicar o mundo que o cerca, interpretando-o e nele interferindo.
O que faz um texto ser considerado literário? Segundo a tradição herdada da Antiguidade, para que um texto seja literário, deve se enquadrar nas características de um dos três gêneros fundamentais. Uma das marcas da literatura contemporânea, porém, é alargar os horizontes da criação estética, definindo novas possibilidades de uso da linguagem artística. O teórico da literatura Jonathan Culler tomou para si a tarefa de propor uma resposta a essa questão. Em seu texto “O que é literatura e tem ela importância?”, ele define cinco pontos que devem ser levados em conta para se avaliar a dimensão literária de um texto. 1. o trabalho com a linguagem – trata-se da ideia de que um texto literário requer do escritor um elaborado trabalho de construção. 2. a integração da linguagem – diz respeito à complexa articulação manifesta entre todos os componentes (som, tema, etc.) do texto. 3. a ficção do texto – o texto literário envolve a imaginação, solicitando do leitor níveis de interpretação que não são definitivos. 4. a literatura como objeto estético – a literatura serve para estimular a sensibilidade e a capacidade reflexiva do homem. 5. a intertextualidade e a autorreflexão do texto – o texto literário se insere em um universo de representações estéticas em que cada novo texto não é um ato isolado: uma obra é sempre escrita a partir de outras obras.
Gêneros e sistemas literários
personagens: Ele (O escritor) Ela (A jornalista) cenário: Apartamento de quarto e sala, pequenos e conjugados, as portas do banheiro e cozinha também visíveis no corredor junto à entrada. Dentro do apartamento, a maior desordem: cama desarrumada, roupas e sapatos pelo chão, onde também se veem garrafas, copos, jornais, cinzeiros cheios etc. Junto a uma das paredes, há várias almofadas e, mais ao centro, uma mesa com máquina de escrever e uma lâmpada de foco dirigido. Mas a maior parte do espaço é ocupada por uma estante cheia de livros. […]
Beca/Arquivo da editora
Capítulo 4 – Gêneros literários
A escolha de um gênero no momento de criação não depende apenas da preferência do escritor. A produção de um texto literário está intimamente relacionada a um sistema literário. Em cada época histórica, elementos de caráter artístico, religioso, social, econômico, científico, entre outros, definem novas formas de representar e interpretar o mundo. Em determinados momentos surgem formas artísticas que melhor representam aquele universo. A organização da produção literária nos três gêneros fundamentais, lírico, épico e dramático, realizada segundo as ideias dos filósofos da Antiguidade Clássica, principalmente Platão e Aristóteles, passou a ser questionada em vista das novas formas de representação artística e literária que surgiram na Idade Média e em alguns períodos do século XVI. Diante desse novo contexto, como dar conta de textos que, apesar de serem escritos com uma finalidade literária, não se ajustavam completamente aos critérios de um poema lírico, épico ou dramático? No final do século XVII, por exemplo, muitos escritores e pensadores da literatura e de outras artes passaram a questionar a validade das ideias herdadas dos gregos: os três gêneros poderiam sintetizar todas as probabilidades de uso da linguagem artística? Havia uma vasta produção artística que não se encaixava nas teorias propostas pela tradição clássica. Nessa mesma época, surgiram outros gêneros, como a tragicomédia e a poesia pastoral dramática. O homem havia mudado sua percepção da realidade, o que exigia dos escritores uma postura de ruptura com a tradição dos três gêneros. Enfim, o surgimento e a popularização de gêneros como o romance, a crônica, o conto, as várias modalidades do poema, o melodrama, a comédia musical, as narrativas de terror, as variações do teatro de improviso, entre outros, requerem do leitor uma capacidade de compreensão e interpretação que não pode se restringir a algumas regras. Não bastasse essa pluralidade de gêneros, em alguns casos é difícil precisar a que gênero pertence um determinado texto, tamanho o intercâmbio de elementos formais nele presentes. O trecho a seguir foi extraído de Um romance de geração, de Sérgio Sant’Anna. Embora essa obra seja um romance, ela tem a estrutura de uma peça de teatro, como evidenciam as rubricas.
Capa do livro Teoria literária: uma introdução, de Jonathan Culler, no qual se encontra o capítulo “O que é literatura e tem ela importância?”.
Sant’Anna, Sérgio. Um romance de geração. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. p. 1.
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Epopeias cotidianas akg-images/Pictures From History/Latinstock
A obra literária dialoga com a tradição e a época em que foi escrita. Um escritor que se propõe a narrar a luta de uma personagem pela realização de seus sonhos, adotando a escrita em prosa, dialogará com o romance. Ao criar obstáculos a essa personagem, o artista envolverá, conscientemente ou não, impasses vividos ou observados por ele, estabelecendo um diálogo com seu tempo.
Romance, novela, conto e crônica Quanto maior o distanciamento temporal, mais perceptível a relação entre a obra e seu tempo. Em meados do século XVIII, a ascensão da burguesia evidenciou a figura do indivíduo comum, obstinado em fazer valer seus ideais em uma sociedade contrária a ele. Para contar a trajetória desse indivíduo, convinha adotar o viés narrativo centrado na figura do herói; marca típica da epopeia, mas sem seu caráter solene. Desse modo, abdicou-se da escrita em verso e de heróis extraordinários em favor de uma narrativa em prosa sobre indivíduos comuns, o que deu origem ao romance. Em geral, o romance apresenta uma trama em torno da qual se organizam várias personagens e diversos núcleos temáticos. Por abarcar uma rede complexa de personagens e acontecimentos, sua temporalidade costuma ser diluída (entre saltos e recuos, a trama pode se desenrolar ao longo de décadas, séculos). Há, porém, exceções radicais, como a obra Ulisses, de James Joyce, cujo enredo se passa em apenas 18 horas. Embora não tão celebrados quanto o romance, a novela, o conto e a crônica são gêneros narrativos importantes da tradição literária. Uma das obras-primas da literatura é a novela A metamorfose, de Franz Kafka. Mais breve que o romance, a novela apresenta linearidade temporal e ritmo acelerado, a trama é narrada com começo, meio e fim, sem interrupções. O conto é ainda mais conciso. Em geral, apresenta um único núcleo temático em torno do qual se desenrola a trama, o que exige grande habilidade do escritor em extrair, do mínimo de elementos, o máximo de tensão e significado. A crônica, embora seja escrita em prosa, não é tão centrada na narrativa quanto o romance, a novela e o conto. Breve e com linguagem simples, a crônica se caracteriza principalmente pelo lirismo que emana do cotidiano, ou seja, privilegia o olhar sensível de um eu que narra os acontecimentos da vida diária. No trecho a seguir, extraído da crônica Mineirinho, Clarice Lispector (1920-1977) se revela perplexa diante da brutalidade com que fora assassinado o bandido que dá título à crônica, alvejado pela polícia com 13 tiros à queima-roupa.
O tcheco Franz Kafka (1883-1924) é o autor de A metamorfose (1915), umas das obras-primas da literatura mundial. Embora também seja conhecido por romances como O processo (1925) e O castelo (1926), Kafka escreveu várias narrativas curtas de grande relevância literária. Pouco antes de sua morte, Kafka pediu ao amigo Max Brod que destruísse toda a sua obra inédita. Para o bem da literatura, Brod lhe desobedeceu. Foto de 1910.
Vocabulário de apoio
Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência inocente – não nas consequências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta. Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estremeça. A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. Só depois que um homem é encontrado inerte no chão, sem o gorro e sem os sapatos, vejo que esqueci de lhe ter dito: também eu.
aplacar: abrandar, tranquilizar aturdido: atordoado furtivo: oculto, imperceptível
Lispector, Clarice. Mineirinho. In: Para não esquecer. São Paulo: Círculo do Livro, 1980. p. 217.
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Sua leitura Você vai ler a seguir uma crônica de Rubem Braga (1913-1990) e um poema de Ana Cristina César (1952-1983). Aproveite a leitura para refletir sobre alguns dos conceitos estudados ao longo deste capítulo.
Homem no mar De minha varanda vejo, entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende ao sol. O vento é nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das águas, pequenas espumas que marcham alguns segundos e morrem, como bichos alegres e humildes; perto da terra a onda é verde. Mas percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando. Ele nada a uma certa distância da praia, em braçadas pausadas e fortes; nada a favor das águas e do vento, e as pequenas espumas que nascem e somem parecem ir mais depressa do que ele. Justo: espumas são leves, não são feitas de nada, toda sua substância é água e vento e luz, e o homem tem sua carne, seus ossos, seu coração, todo seu corpo a transportar na água. Ele usa os músculos com uma calma energia; avança. Certamente não suspeita de que um desconhecido o vê e o admira porque ele está nadando na praia deserta. Não sei de onde vem essa admiração, mas encontro nesse homem uma nobreza calma, sinto-me solidário com ele, acompanho o seu esforço solitário como se ele estivesse cumprindo uma bela missão. Já nadou em minha presença uns trezentos metros; antes, não sei; duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás das árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça, e o movimento alternado de seus braços. Mais uns cinquenta metros, e o perderei de vista, pois um telhado a esconderá. Que ele nade bem esses cinquenta ou sessenta metros; isto me parece importante; é preciso que conserve a mesma batida de sua braçada, e que eu o veja desaparecer assim como o vi aparecer, no mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento, sereno. Será perfeito; a imagem desse homem me faz bem. É apenas a imagem de um homem, e eu não poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os traços de sua cara. Estou solidário com ele, e espero que ele esteja comigo. Que ele atinja o telhado vermelho, e então eu poderei sair da varanda tranquilo pensando — “vi um homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza e correção; esperei que ele atingisse um telhado vermelho, e ele o atingiu”. Agora não sou mais responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu o seu. Admiro-o. Não consigo saber em que reside, para mim, a grandeza de sua tarefa; ele não estava fazendo nenhum gesto a favor de alguém, nem construindo algo de útil; mas certamente fazia uma coisa bela, e a fazia de um modo puro e viril.
Vocabulário de apoio
tanger: traçar uma tangente viril: com vigor
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Texto 1
Braga, Rubem. 200 crônicas escolhidas. 27. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 272-273.
Capítulo 4 – Gêneros literários
Sobre o texto 1. Comente brevemente a linguagem e a sintaxe empregadas no texto. 2. Indique o tipo de narrador utilizado no texto e caracterize a personagem representada por ele. 3. Conforme exposto neste capítulo, a crônica tem como uma de suas características o olhar lírico para acontecimentos do cotidiano. a) No caso do texto de Rubem Braga, qual é o fato cotidiano em destaque? b) Por que a abordagem desse fato pode ser considerada lírica? Justifique sua resposta com base em alguma passagem do texto. 4. O comportamento do narrador diante da realidade e a estrutura do texto apresentam semelhanças com outros gêneros literários. Quais? Justifique sua resposta.
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sexta-feira da paixão Alguns estão dormindo de tarde, outros subiram para Petrópolis como meninos tristes. Vou bater à porta do meu amigo, que tem uma pequena mulher que sorri muito e fala pouco, como uma japonesa. Chego meio prosa, sombras no rosto. Não tenho muitas palavras como pensei. “Coisa ínfima, quero ficar perto de ti”. Te levo para a avenida Atlântica beber de tarde e digo: está lindo, mas não sei ser engraçada. “A crueldade é seu diadema…” O meu embaraço te deseja, quem não vê? Consolatriz cheia das vontades. Caixa de areia com estrelas de papel. Balanço, muito devagar. Olhos desencontrados: e se eu te disser, te adoro, e te raptar não sei como dessa aflição de março, bem que aproveitando maus bocados para sair do esconderijo num relance? Conheces a cabra-cega dos corações miseráveis? Beware: esta compaixão é é paixão.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Texto 2
Vocabulário de apoio
Beware: expressão em inglês cuja tradução para o português é “tome cuidado” cabra-cega: brincadeira infantil em que um participante vendado deve agarrar outro participante
César, Ana Cristina. Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 111.
Sobre os textos 1. Destaque ao menos dois elementos formais que permitem identificar que o texto 2 pertence ao gênero lírico. 2. O poema apresenta uma sequência de acontecimentos que envolvem algumas personagens. a) Resuma, com suas palavras, essa sequência de acontecimentos. b) Esse encadeamento de ações remete a que outros gêneros literários? 3. Comente a linguagem empregada no texto 2 e relacione-a com o tratamento dado ao tema. 4. Compare “Homem no mar” e “sexta-feira da paixão” com base nos elementos enunciador (narrador e eu lírico), tema e linguagem. 5. Considerando o estudo a respeito dos gêneros literários, apresente uma breve conclusão sobre os dois textos lidos. O que você pensa disto?
1. Em sua opinião, por que o romance é o gênero literário mais consumido? Se você gosta de romances, justifique sua resposta com base em suas experiências de leitura. Mas, se prefere outro gênero literário, como poesia ou drama, não deixe de comentar suas predileções com os colegas.
Paulo Fehlauer/Folhapress
O site PublishNews (acesso em: 23 mar. 2016), dedicado ao mercado editorial, publica semanalmente uma lista dos livros mais vendidos no Brasil. Na categoria ficção, dedicada a obras de todos os gêneros literários, os campeões de venda são os romances.
Estudante em uma livraria em São Paulo (SP). Foto de 2008.
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Ferramenta de leitura Ulf Andersen/Aurimages/AFP
Por que ler os clássicos?
Ítalo Calvino, escritor ítalo-cubano. Foto de 1984.
O estudo da literatura apresenta uma série de desafios. Um deles certa mente se refere à seleção dos textos que devem fazer parte do repertório de leitura. Devemos ler somente os livros que tratam de assuntos que nos interessam? Mas como saber, antes de ter um livro em mãos, se ele vai nos in teressar, mesmo que seu “assunto” não faça parte, a princípio, de nosso campo de interesse? Será válido restringir previamente a possibilidade de ler um livro que nos chame a atenção pelos mais diversos fatores (alguém que conhecemos recomendou a obra; a capa pareceu interessante; o título provocou o desejo de folhear algumas páginas, etc.) só porque não trata dos temas que consideramos agradáveis ou legais? Outra questão que envolve os estudos literários refere-se à leitura de li vros considerados clássicos. Sabe-se que esses livros não correspondem, na maior parte das vezes, aos mais famosos ou aos mais vendidos. Eles corres pondem a obras que devem fazer parte de um conjunto de leituras decisi vas para a formação de um leitor. O escritor ítalo-cubano Ítalo Calvino (1923-1985) escreveu um texto que levanta algumas hipóteses sobre a importância de ler os clássicos. Es crito a partir de afirmações sobre a relação que os leitores estabelecem com os textos considerados fundamentais, Calvino desdobra a discussão sobre o que, afinal, podemos chamar de “clássico”. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de tê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.
Companhia das Letras/Arquivo da editora
Calvino, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 10.
Essa definição sobre o que é um clássico merece algumas considerações. Em primeiro lugar, cabe analisar a ideia segundo a qual um clássico está associado a uma espécie de “riqueza” que se volta para seu leitor. Ou se ja, uma obra, segundo Calvino, não é considerada clássica apenas por uma convenção, por uma escolha arbitrária de um conjunto de pessoas, sejam elas estudiosos, sejam professores. Outro ponto refere-se ao fato de que o leitor, para fruir da leitura dos clássicos, deve estar nas “melhores condições para apreciá-los”. Quanto mais preparado para a leitura, mais o leitor será capaz de se deixar tocar por um bom livro, de senti-lo e de compreender sua qualidade. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual. Calvino, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 10-11.
Por que ler os clássicos, de Ítalo Calvino.
Quando integra nossas lembranças, um clássico se transforma em algo que nos permite fazer parte de um universo maior que nossa própria expe riência de leitura, pois, segundo Calvino: Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes). Calvino, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 11.
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Leia agora dois poemas do escritor mineiro Carlos Drummond de Andrade. Em seguida, responda às questões propostas. Vocabulário de apoio
Iniciação literária Leituras! Leituras! Como quem diz: Navios… Sair pelo mundo voando na capa vermelha de Júlio Verne. Mas por que me deram para livro escolar a Cultura dos Campos de Assis Brasil? O mundo é só fosfatos – lotes de 25 hectares – soja – fumo – alfafa – batata-doce – mandioca – pastos de cria – pastos de engorda.
Assis: Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938), político e escritor brasileiro propagandista da República fosfato: sal ou éster do ácido fosfórico ou ânion dele derivado hectare: unidade de medida para superfícies agrárias correspondente a cem ares ou um hectômetro quadrado Júlio Verne: escritor francês (1828-1905)
Se algum dia eu for rei, baixarei um decreto condenando este Assis a ler a sua obra. Andrade, Carlos Drummond de. Boitempo. In: Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988. p. 549. Vocabulário de apoio
Fim Por que dar fim a histórias? Quando Robinson Crusoé deixou a ilha, que tristeza para o leitor do Tico-Tico.
Robinson Crusoé: protagonista do romance homônimo escrito por Daniel Defoe em 1719 no Reino Unido Tico-Tico: revista brasileira publicada entre 1905 e 1962
Era sublime viver para sempre com ele e com Sexta-Feira, na exemplar, na florida solidão, sem nenhum dos dois saber que eu estava aqui. Largaram-me entre marinheiros-colonos, sozinho na ilha povoada, mais sozinho que Robinson, com lágrimas desbotando a cor das gravuras do Tico-Tico. Andrade, Carlos Drummond de. Boitempo. In: Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988. p. 549-550.
Sobre os textos 1. Os poemas fazem referência a dois autores clássicos da literatura mundial: Júlio Verne e Daniel Defoe. a) Você já leu alguma obra desses autores ou já ouviu falar deles? Se sim, escreva um comentário. Se não os conhece, faça uma breve pesquisa sobre eles, selecionando as informações que considerar mais relevantes. b) Que relação é possível estabelecer entre esses autores e a iniciação literária? 2. Explique a postura do eu lírico do primeiro poema frente ao livro A cultura dos campos, de Assis Brasil. 3. Comente o seguinte verso do poema “Fim”: “Era sublime viver para sempre com ele e com o Sexta-Feira”. 4. A julgar pela reação do eu lírico desses poemas diante da leitura das obras de Júlio Verne e Daniel Defoe, qual ideia de leitura dos clássicos pode-se depreender de ambos os poemas? 5. Publicada entre 1905 e 1962, a revista Tico-Tico (mencionada no poema “Fim”) é considerada a primeira e mais importante revista brasileira dedicada ao público infantojuvenil. Com base nas ideias de Ítalo Calvino, poderíamos considerar a revista Tico-Tico um clássico? Não escreva no livro.
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Entre textos No final da Idade Média, alguns gêneros narrativos em prosa despertaram o interesse dos leitores. Com o declínio do gênero épico, romances, crônicas, novelas, etc. começaram a ganhar espaço como representantes da arte literária. Desde meados do século XIX, os gêneros narrativos modernos, principalmente o romance, se tornaram os mais produzidos e consumidos no Ocidente. Veja a seguir três narrativas que revelam a diversidade assumida pelos gêneros narrativos modernos. TEXTO 1
Mãe Lu, Veja isto: fui pegar tua carta, que eu tinha tirado do envelope e deixado aberta sobre a mesa. Quando peguei a carta, senti alguma coisa um pouco mais dura na mão, mas não dei importância e fechei mais a mão pra segurar melhor a carta. Aí doeu e sangrou. Fui ver e estava com uma gilete fincada na palma da mão. Agora me explica isso. [...] Mãe Lu, corta essa que você vai vir logo, que está com saudade e tal. Eu já quase tinha acostumado com essa estória de você ficar por aí, mas ultimamente não tá muito legal. Acho que você pirou de vez mesmo, me perguntando pelo meu pai. Que pai? Eu tenho pai? Detesto quando você me trata como criança, como me tratou na sua carta. Vocês piraram todos, cada um pro seu lado, e eu que me vire. Você não me disse nada de novo na sua carta. Nos poucos dias que estou aqui, o tio Tico tem sido ótimo. Estou curtindo ele e acho que ele está me curtindo também. Tem me levado pra cima e pra baixo, me mostrado coisas na cidade que eu nunca tinha visto antes, coisas que eu já tinha visto mas que acho que nunca prestei atenção. Tem umas partes na cidade que me metem medo. Não é nada assim muito claro, é só um medo da cidade. Pareço um bobão, às vezes. Um medo como se eu fosse criança outra vez. Me lembro de pouca coisa de quando eu era criança. Uma vez fui com o pai pra Santos, você deve saber disso melhor que eu. Ele me levou pro porto. Parece uma outra vida. Nem sei como ele era, meu pai, quero dizer. Na minha memória ele é uma sombra, naquele dia. Acho que a gente ia passar pro outro lado do canal, que na época eu nem sabia que existia. Lembro vagamente de um barco que pegamos. Mas antes de pegar esse barco passamos por um enorme navio negro ancorado no porto. Fiquei apavorado, aquela imensa montanha de ferro, e eu acho que nem sabia que era ferro naquele momento. Aquela imensa massa preta do meu lado, muito alta, e eu andando embaixo. Fiquei apavorado. Nunca mais vou me esquecer dessa imagem. Acho que tenho medo de navio até agora. Te conto isso porque o que senti outro dia, outra noite aqui em São Paulo foi a mesma coisa, na Marginal, de noite, a gente andando ao lado dos prédios iluminados pelos postes altos. É um outro tipo de medo, mas é um medo. Mas ele tem me dado a maior força. Considerando as circunstâncias. Por um lado, acho ele mais preocupado do que da última vez, mas pode ser minha impressão. Por outro lado, ele está ótimo. A nova mulher dele está fazendo muito bem a ele. Bom, não é mulher dele, porque ela é casada, parece, pelo que pude entender. Sei lá, a mulher com quem ele está andando. Acho péssima essa mania que vocês coroas têm de dizer namorada, pra alguém da idade deles. Não sei se você sabe quem é, uma tal de Lina. Ela é simpática. Um pouco afetada, sofisticada, mas é simpática. Deve estar acostumada com dinheiro. Dinheiro, mãe. Dinheiro que o tio Tico não tem. Lu, o que eu queria era te contar umas coisas. Às vezes sinto falta de você. Não ia adiantar nada, mas eu queria te contar mesmo assim. Eu vou dar umas despesas pro Tico, você vai ter de acertar depois com ele. Tô tentando descolar uns frila por aí, mas não está fácil. Mas esse também não é o problema principal. Sei que não dá, mas você não conseguia me mandar uma passagem pra eu passar uns tempos por aí?
Diferentemente dos gêneros literários clássicos, que seguiam um conjunto de regras pouco variáveis em sua composição e na escolha de determinados temas, os gêneros narrativos modernos em prosa apresentam uma enorme variedade de possibilidades. No texto ao lado, por exemplo, os capítulos são constituídos de cartas que as personagens trocam entre si. Essa estratégia narrativa, porém, não é nova: no século XVIII, algumas das narrativas ficcionais mais importantes estruturavam-se mediante a troca de correspondências, como Os sofrimentos do jovem Werther (1774), de Goethe, e As ligações perigosas (1782), de Laclos.
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Coelho, Teixeira. Os histéricos: uma novela. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 104-106.
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TEXTO 2
Foi também Hallam quem apresentou ao público alguns aspectos da teoria com mais sucesso. [...] Num artigo já famoso no North American Sunday Teletimes Weekly, escreveu: “Não podemos afirmar em quantas diferentes maneiras as leis do para-Universo diferem das nossas próprias, mas podemos conjeturar, com certa margem de certeza, que a interação nuclear forte, que é a força mais poderosa conhecida em nosso Universo, é ainda mais poderosa no para-Universo: talvez cem vezes mais poderosa. Isto significa que os prótons são mais facilmente mantidos agregados contra sua própria atração eletrostática e que um núcleo requer menos nêutrons para produzir estabilidade. [...]
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O surgimento das narrativas de ficção científica no século XIX está relacionado ao impacto causado pelas descobertas científicas do período. Destaca-se nesse gênero a mistura entre as descobertas científicas e a capacidade imaginativa dos autores. Nesse gênero, estão nomes como Júlio Verne, H. G. Wells e Isaac Asimov.
Asimov, Isaac. Despertar dos deuses. São Paulo: Hemus, s. d. p. 26.
A humanidade desce à terra Antigamente, todos os homens viviam no céu. Alguns ainda estão lá, são as estrelas. No tempo da vida celeste, um velho, numa caçada, viu um tatu e o perseguiu. O tatu enfiou-se terra adentro e o homem cavava cada vez mais fundo para apanhá-lo. Cavou o dia todo sem conseguir pegar o tatu. Voltou para casa, mas no dia seguinte recomeçou a cavar. Dizia à mulher: — Quero pegar o tatu! Cavou durante oito dias e estava quase apanhando o tatu quando o animal caiu num buraco. O velho o viu descer como um avião, cair num campo e correr em direção à floresta. Ele alargou o buraco para poder olhar para baixo, mas o vento estava tão violento que o levou de volta à superfície. O vento continuava a soprar pelo buraco, aumentando cada vez mais a abertura. Quando o velho voltou à aldeia, os outros lhe perguntaram: — Onde está o tatu? — Caiu numa terra debaixo da nossa, uma terra de belos campos, que não é como a nossa, é coberta de florestas. Mas o vento soprou e me trouxe de volta para cá. A história foi discutida no ngobe, a casa dos homens. Os homens mandaram um meokre, que é um menino de treze a catorze anos, buscar o velho para que ele contasse o que lhe acontecera. Toda a assembleia resolveu ir ver o buraco. O vento o alargara e dava para ver os belos campos. Tomados pelo desejo de descer, os homens juntaram todas as cordas e fios de algodão que possuíam. Fizeram uma corda única que experimentaram no outro dia, mas ainda era muito curta, só chegava à metade do caminho. Com outras pontas de fios, os homens encompridaram a corda até que ela alcançasse a terra. Um kuben-kra (que quer dizer o filho de um homem) quis ser o primeiro a descer. Amarraram-no bem e o fizeram escorregar. O vento o empurrava de um lado para outro. Enfim, ele chegou aos campos, achou-os belíssimos e subiu de volta. No céu, ele disse: — Os campos lá embaixo são lindíssimos, vamos viver lá! Fizeram-no descer mais uma vez e ele amarrou a extremidade inferior da corda numa árvore. Então, homens, mulheres e crianças escorregaram ao longo da corda. Pareciam formigas descendo por um tronco. Muitos não tiveram coragem de descer, preferindo ficar no céu. E cortaram a corda para impedir mais uma descida.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
TEXTO 3
Oriundas da tradição oral, as narrativas dos povos indígenas têm como uma de suas finalidades a afirmação da identidade, construindo vínculos entre indivíduos e grupos sociais. As narrativas exercem, nesse caso, o papel de instrumento socializador da memória, cumprindo uma função social que remonta às origens da própria literatura, período em que o ato de narrar era também o de ensinar o outro a ouvir, a refletir e a ver com os olhos da imaginação.
Mindlin, Betty. O primeiro homem e outros mitos dos índios brasileiros. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2001. p. 25-28.
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Vestibular e Enem 1. (UEM-PR) Tendo em vista os gêneros literários, assi nale o que for correto. (01) Uma das principais características do gênero lírico é a tendência à objetividade, encontrada na expressão do mundo exterior por parte de um eu lírico que dele não participa. (02) No gênero épico, verifica-se um distanciamento entre sujeito e objeto, e o mundo representado é trabalhado por meio de categorias como tempo, espaço, personagem, foco narrativo e enredo. (04) Uma vez que “drama” equivale à “ação”, o gênero dramático caracteriza-se por obras feitas para serem encenadas (no caso, a encenação das ações das personagens no palco), de modo que o espetáculo é um dos elementos fundamentais desse gênero. (08) O soneto, cuja composição pressupõe o acompanhamento musical e a participação do coro, é um dos elementos expressivos do espetáculo teatral. (16) Apesar de cada gênero literário possuir características próprias, de modo que seja possível separá-los, essa separação não é precisa, havendo obras em que são notados elementos de mais de um gênero. (Enem) Texto para a questão 2. FABIANA, arrepelando-se de raiva — Hum! Ora, eis aí está para que se casou meu filho, e trouxe a mulher para minha casa. É isto constantemente. Não sabe o senhor meu filho que quem casa quer casa… Já não posso, não posso, não posso! (Batendo com o pé). Um dia arrebento, e então veremos! Pena, M. Quem casa quer casa. . Acesso em: 7 dez. 2012.
2. As rubricas em itálico, como as trazidas no trecho de Martins Pena, em uma atuação teatral, constituem: a) necessidade, porque as encenações precisam ser fiéis às diretrizes do autor. b) possibilidade, porque o texto pode ser mudado, assim como outros elementos. c) preciosismo, porque são irrelevantes para o texto ou para a encenação. d) exigência, porque elas determinam as características do texto teatral. e) imposição, porque elas anulam a autonomia do diretor. (Enem) Texto para a questão 3.
O peru de Natal O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai acontecida cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes,
nesse sentido muito abstrato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser desprovido de qualquer lirismo, duma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres. Andrade, M. In: Moriconi, I. Os cem melhores contos brasileiros do século. São Paulo: Objetiva, 2000. Fragmento.
3. No fragmento do conto de Mário de Andrade, o tom confessional do narrador em primeira pessoa revela uma concepção das relações humanas marcada por: a) distanciamento de estados de espírito acentuado pelo papel das gerações. b) relevância dos festejos religiosos em família na sociedade moderna. c) preocupação econômica em uma sociedade urbana em crise. d) consumo de bens materiais por parte de jovens, adultos e idosos. e) pesar e reação de luto diante da morte de um familiar querido. 4. (UPF-RS) No conto “Amor”, de Laços de família, a personagem Ana volta para casa, de bonde, trazendo no colo uma sacola de tricô com as compras do mercado, quando vê um cego na rua mascando chi cletes. Tal acontecimento desestabiliza Ana. Ela deixa cair a sacola de tricô e solta um grito, o condutor manda parar o bonde, um moleque junta a sacola e devolve-a para a dona, e Ana constata que os ovos embrulhados no jornal se partiram. O embrulho de jornal é lançado fora, e o bonde dá nova arrancada de partida. Nesse momento do texto, lê-se: A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil e perecível… O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão – e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir.
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Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
No trecho transcrito, é possível perceber algumas das conquistas formais que se tornaram constantes na ficção de Clarice Lispector e que ajudaram a definir o seu estilo singular. Entre essas conquistas, encontram-se: a) a narração em primeira pessoa, o monólogo interior e o encadeamento lógico entre motivos e situações. b) a motivação causal entre as ações, o tempo cronológico e a caracterização física das personagens com contornos firmes e claros. c) o uso da metáfora insólita, a ruptura com o enredo factual e a entrega ao fluxo da consciência. d) o registro cronológico das ações, a linguagem clara e direta e a narração em primeira pessoa. e) o distanciamento do narrador em relação aos fatos narrados, a linguagem clara e direta e o monólogo interior. (Enem) Texto para a questão 5. Gênero dramático é aquele em que o artista usa como intermediária entre si e o público a representação. A palavra vem do grego drao (fazer) e quer dizer ação. A peça teatral é, pois, uma composição literária destinada à apresentação por atores em um palco, atuando e dialogando entre si. O texto dramático é complementado pela atuação dos atores no espetáculo teatral e possui uma estrutura específica, caracterizada: 1) pela presença de personagens que devem estar ligados com lógica uns aos outros e à ação; 2) pela ação dramática (trama, enredo), que é o conjunto de atos dramáticos, maneiras de ser e de agir das personagens encadeadas à unidade do efeito e segundo uma ordem composta de exposição, conflito, complicação, clímax e desfecho; 3) pela situação ou ambiente, que é o conjunto de circunstâncias físicas, sociais, espirituais em que se situa a ação; 4) pelo tema, ou seja, a ideia que o autor (dramaturgo) deseja expor, ou sua interpretação real por meio da representação. Coutinho, A. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973. Adaptado.
5. Considerando o texto e analisando os elementos que constituem um espetáculo teatral, conclui-se que: a) a criação do espetáculo teatral apresenta-se como um fenômeno de ordem individual, pois não é possível sua concepção de forma coletiva. b) o cenário onde se desenrola a ação cênica é concebido e construído pelo cenógrafo de modo autônomo e independente do tema da peça e do trabalho interpretativo dos atores. c) o texto cênico pode originar-se dos mais variados gêneros textuais, como contos, lendas, romances, poesias, crônicas, notícias, imagens e fragmentos textuais, entre outros. d) o corpo do ator na cena tem pouca importância na comunicação teatral, visto que o mais importante
é a expressão verbal, base da comunicação cênica em toda a trajetória do teatro até os dias atuais. e) a iluminação e o som de um espetáculo cênico independem do processo de produção/recepção do espetáculo teatral, já que se trata de linguagens artísticas diferentes, agregadas posteriormente à cena teatral. (Unesp) A questão 6 toma por base a letra da toada Boiadeiro, de Armando Cavalcante (1914-1964) e Klecius Caldas (1919-2002):
Boiadeiro De manhãzinha, quando eu sigo pela estrada Minha boiada pra invernada eu vou levar: São dez cabeças; é muito pouco, é quase nada Mas não tem outras mais bonitas no lugar. 5 Vai boiadeiro, que o dia já vem, Leva o teu gado e vai pensando no teu bem. De tardezinha, quando eu venho pela estrada, A fiarada tá todinha a me esperar; São dez filinho, é muito pouco, é quase nada, 10 Mas não tem outros mais bonitos no lugar. Vai boiadeiro, que a tarde já vem Leva o teu gado e vai pensando no teu bem. E quando chego na cancela da morada, Minha Rosinha vem correndo me abraçar. 15 É pequenina, é miudinha, é quase nada Mas não tem outra mais bonita no lugar. Vai boiadeiro, que a noite já vem, Guarda o teu gado e vai pra junto do teu bem! Cavalcante, Armando; Caldas, Klecius. Boiadeiro. In: Cançado, Beth. Aquarela brasileira. Brasília: Editora Corte Ltda., 1994. v. 1. p. 59.
6. Um dos melhores recursos expressivos empregados na letra de Boiadeiro é o processo de repetição da mesma estrutura sintática com a mudança de apenas um vocábulo, que faz progredir o sentido, tal como se verifica, por exemplo, entre os versos 5, 11 e 17. Tal recurso é conhecido como: a) paralelismo. b) metáfora. c) comparação. d) pleonasmo. e) metonímia. 71
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unidade
3 Nesta unidade 5 Literatura e interação
A literatura e o leitor Ao lado, é reproduzida uma tela do pintor alemão August Macke (1887-1914). Uma mulher em meio a um ambiente doméstico, com postura relaxada, lê um pequeno livro. A obra retrata Elizabeth, esposa do artista, que parece alheia ao pintor e a tudo a sua volta, nada além do que acontece nas páginas do livro lhe interessa. Com cores vibrantes, a pintura captura o ato de ler e o singular encontro entre o texto e seu leitor. Nesta unidade, você refletirá sobre o papel do leitor diante de um texto literário, lendo ensaios e conto que tematizam essa questão e exigem leitores ativos. Também vai analisar as especificidades da palavra literária e conhecer os conceitos de intertextualidade e interdiscursividade. Você vai descobrir, portanto, como é fundamental, para a construção do sentido do texto, a relação entre autor–obra–leitor, considerando ainda os diálogos estabelecidos entre textos e discursos.
Imagem da página ao lado: Macke, August. Elizabeth lendo, 1911. Óleo sobre cartão, 49,5 cm × 37,9 cm. Museu Pfalzgalerie, Kaiserslautern, Alemanha.
Agora, você é convidado a interagir com os textos literários a seguir e participar na criação de novas leituras.
Elizabeth Macke, esposa do pintor, concentra-se na leitura. 72
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Pfalzgalerie Museu, Kaiserslautern, Alemanha. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix
capítulo
5 o que você vai estudar O leitor na construção do sentido do texto. A palavra literária. Obra literária, um objeto social.
Literatura e interação Durante a leitura de um texto literário, nossas ideias e sensações são atualizadas – e até mesmo transformadas – graças à interação entre as palavras e o universo particular do leitor. E, como nenhum leitor é igual a outro, também é singular o entendimento do texto, embora o compartilhamento de valores, crenças e ideologias possa resultar em interpretações semelhantes. A obra literária dialoga o tempo todo com o leitor ao mobilizar os chamados horizontes de expectativas, isto é, tanto as expectativas que o leitor tem em relação à obra, tomando como base sua experiência de leitura e de vida, quanto as expectativas que a obra, dadas suas características específicas, visa a despertar no leitor.
Sua leitura Observe a reprodução da obra Dia e noite, do artista plástico holandês Maurits Cornelis Escher (1898-1972), e, em seguida, leia o “Prólogo”, do livro O último leitor, do argentino Ricardo Piglia (1940-). Responda às questões no caderno. The M.C. Escher Company B.V.,The Netherlands /The M.C. Escher Foundation
Dia e noite
Escher, M. C. Dia e noite, 1938. Xilogravura, 39,2 cm × 67,6 cm. Cordon Art, Baarn, Holanda.
Prólogo Várias vezes me falaram do homem que, numa casa do bairro de Flores, esconde a réplica de uma cidade em que trabalha há anos. Construiu-a com materiais mínimos e numa escala tão reduzida que podemos vê-la de uma só vez, próxima e múltipla e como que à distância na suave claridade do amanhecer. A cidade sempre está longe, e essa sensação de afastamento, tão de perto, é inesquecível. Veem-se os edifícios e as praças e as avenidas e se vê o subúrbio que declina para oeste até perder-se no campo. Não é um mapa nem uma maquete, é uma máquina sinóptica; toda a cidade está ali, concentrada em si mesma, reduzida a sua essência. A cidade é Buenos Aires, porém modificada e alterada pela loucura e pela visão microscópica do construtor. 74
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O homem diz que se chama Russell e é fotógrafo, ou ganha a vida como fotógrafo, e seu laboratório fica na rua Bacaray, e ele passa meses sem sair de casa reconstruindo periodicamente os bairros do sul, que o transbordamento do rio arrasa e inunda sempre que chega o outono. Russell acredita que a cidade real depende de sua réplica, e por isso está louco. Ou melhor, por isso não é um simples fotógrafo. Alterou as relações de representação, de modo que a cidade real é a que esconde em sua casa, enquanto a outra é apenas uma miragem ou uma lembrança. A planta acompanha o traçado da cidade geométrica imaginada por Juan de Garay quando fundou Buenos Aires, com as ampliações e modificações que a história impôs à remota estrutura retangular. Entre os barrancos que se avistam do rio e os altos edifícios que formam sua muralha na fronteira norte permanecem os rastros da velha Buenos Aires, com seus tranquilos bairros arborizados e seus campinhos de grama seca. O homem imaginou uma cidade perdida na memória e a repetiu tal como a lembra. O real não é o objeto da representação, mas o espaço em que se dá um mundo fantástico. A construção só pode ser visitada por um espectador de cada vez. Essa atitude incompreensível para todos é, no entanto, clara para mim: o fotógrafo reproduz na contemplação da cidade o ato de ler. Aquele que a contempla é um leitor, e portanto precisa estar sozinho. Essa aspiração à intimidade e ao isolamento explica o sigilo que cercou seu projeto até hoje. A leitura, dizia Ezra Pound, é uma arte da réplica. Às vezes os leitores vivem num mundo paralelo e às vezes imaginam que esse mundo entra na realidade. É fácil imaginar o fotógrafo iluminado pela luz vermelha de seu laboratório que, no silêncio da noite, pensa que sua máquina sinóptica é uma chave secreta do destino e que o que se altera em sua cidade se reproduz em seguida nos bairros e nas ruas de Buenos Aires, só que ampliado e sinistro. As modificações e os desgastes por que passa a réplica – os pequenos desmoronamentos e as chuvas que alagam os bairros baixos – tornam-se reais em Buenos Aires sob a forma de breves catástrofes e acidentes inexplicáveis. A cidade se refere, portanto, a réplicas e representações, à leitura e à percepção solitária, à presença do que se perdeu. Sem sombra de dúvida se refere ao modo de tornar visível o invisível e de fixar as imagens nítidas que já não vemos, mas que continuam insistindo como fantasmas e que vivem entre nós. Essa obra privada e clandestina, construída pacientemente no sótão de uma casa de Buenos Aires, vincula-se secretamente a certas tradições da literatura do rio da Prata; para o fotógrafo do bairro de Flores, assim como para Onetti ou para Felisberto Hernández, a tensão entre objeto real e objeto imaginário não existe, tudo é real, tudo está aqui, e nos movemos entre os parques e as ruas deslumbrados por uma presença sempre distante. A diminuta cidade é como uma moeda grega submersa a brilhar sobre o leito de um rio à última luz da tarde. Não representa nada, somente o que se perdeu. Está ali, fechada mas fora do tempo, e possui a condição da arte; desgasta-se, não envelhece, foi feita como um objeto precioso que comanda o intercâmbio e a riqueza. Piglia, Ricardo. O último leitor. Trad. Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 11-13.
Sobre os textos 1. Descreva brevemente a disposição dos elementos e o jogo de cores na obra de Escher. 2. Observe com atenção a linha vertical que se forma no centro da imagem. a) O que há de inusitado quanto às formas? b) Que efeito esse estranhamento promove em relação às figuras representadas à direita e à esquerda dessa linha? 3. Em O último leitor, o narrador cita um homem que vive isolado em sua casa construindo ininterruptamente a réplica de uma cidade. a) Qual a motivação desse homem em dedicar-se a essa tarefa? b) O narrador defende que tal homem não é um simples fotógrafo. Por quê?
Vocabulário de apoio
diminuto: de pequenas dimensões réplica: cópia, imitação sinóptico: que permite ver de uma só vez as partes de um conjunto
4. A construção da réplica da cidade obedeceu a um critério. Qual foi a proposta de recriação da cidade realizada pelo fotógrafo? No caderno, copie a alternativa correta. a) O homem fotografou vários bairros da cidade, procurando destacar os aspectos mais importantes de cada um deles para ter uma base sobre a qual poderia compor sua maquete. b) O fotógrafo, a fim de construir um espaço impessoal, recorreu a antigas representações da cidade realizadas por escritores diversos. c) O homem recorreu à memória, lembrando-se de experiências que teve no espaço real da cidade.
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A construção do sentido do texto
Capítulo 5 – Literatura e interação
Há tanta diferença entre a “atitude” de quem lê e a de quem escreve? Um dos problemas cruciais do leitor e do escritor é a falta de tempo, decorrente da pressão do dia a dia. Os escritores que vivem de sua pena não podem escolher uma hora do dia ou da noite para trabalhar. Mesmo os que tiveram ou têm a sorte de não depender do trabalho da escrita, revelam-se compulsivos, ávidos para narrar. O que deve ser escrito é inadiável. Deixar para escrever mais tarde, amanhã ou outro dia qualquer só atrapalha o andamento da narrativa. Adiar um trabalho pode ser um alívio para um burocrata, não para um escritor. Ainda assim, há momentos de pausa e reflexão, de pesquisa e anotações, e, às vezes, de interrupções forçadas, um verdadeiro castigo para quem escreve. E há também pausas para leitura: a urgência de escrever não é menor nem menos intensa do que a urgência de ler. “Escrevo porque leio”, afirmam alguns escritores. Mas um leitor poderia dizer: não escrevo nada, mas é como se a leitura fosse um modo de escrever, de imaginar situações, diálogos e cenas que a memória registra no ato da leitura. O pior leitor é o passivo, resignado, que aceita tudo e lê o livro como uma receita ou bula para o bem viver. Este é o não leitor. Porque o texto de autoajuda é um compêndio de trivialidades, palavras que não questionam, não intrigam nem fazem refletir sobre o mundo e sobre nós mesmos. II Um bom leitor reescreve o livro com a imaginação de um escritor. Alguns vão mais longe. Com os olhos no texto e um lápis na mão, eles fazem anotações nas margens das páginas, sublinham frases, cravam aqui e ali pontos de interrogação. Há os que elaboram fichas com resumos ou esquemas do enredo, árvores genealógicas, comentários sobre o tempo da narrativa, posição do narrador, personagens, ideias, metáforas, ambiente político, social etc. Esse leitor incansável seria o leitor ideal, mencionado por Umberto Eco no ensaio Seis passeios pelo bosque da ficção. No Tempo redescoberto – último volume do Em busca do tempo perdido –, o narrador de Proust faz uma reflexão sobre esse tema. Um livro, diz o narrador proustiano, pode ser sábio demais, obscuro demais para um leitor ingênuo. A imagem que Proust evoca é a de uma lente embaçada entre o olhar e as palavras: um anteparo à leitura. Mas o inverso também acontece quando o leitor astucioso revela capacidade e talento para ler bem. De acordo com o autor francês, “cada leitor é, quando está lendo, o leitor de si próprio”. Ou seja, uma obra literária permite ao leitor discernir tudo aquilo que, sem a leitura dessa obra, ele não teria visto ou percebido em sua própria vida. […]
Leia Como um romance, de Daniel Pennac. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. Com base em sua experiência como romancista e professor, o francês Daniel Pennac escreveu Como um romance, cujo tema central é o hábito da leitura entre jovens. Ao recriar, no âmbito da ficção, o ambiente de sala de aula, Pennac explora de maneira instigante e bem-humorada a relação do jovem com a leitura, mostrando que ler é, acima de tudo, um ato de prazer. Um dos trechos mais interessantes do livro é aquele em que o autor enumera os dez direitos do leitor. São eles: 1. O direito de não ler. 2. O direito de saltar páginas. 3. O direito de não acabar um livro. 4. O direito de reler. 5. O direito de ler não importa o quê. 6. O direito de confundir um livro com a vida real. 7. O direito de ler em qualquer lugar. 8. O direito de ler trechos soltos. 9. O direito de ler em voz alta. 10. O direito de não falar do que leu. Rocco/Arquivo da editora
Vimos que uma obra literária faz parte de um sistema que envolve dois elementos: o autor e o leitor; afinal, uma obra só se realiza no ato da leitura. Cabe ao leitor participar ativamente da obra atribuindo-lhe significados. Leia a seguir uma reflexão sobre o papel do leitor segundo o escritor brasileiro Milton Hatoum.
Capa do livro Como um romance.
Hatoum, Milton. Leitores incomuns. Entrelivros, n. 28, ago. 2007. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2016.
De acordo com o escritor, não existe postura única na leitura de um texto literário. Um leitor que não estabelece nenhum tipo de interação com aquilo que lê, que se posiciona de modo passivo diante de um texto, não se torna capaz de pensar sobre si mesmo e sobre o mundo que o cerca. O significado de qualquer obra artística, incluindo-se aí a literária, depende do movimento de busca do leitor pelos significados que pode encontrar e criar. Cabe a ele, portanto, mobilizar seu horizonte de expectativas, pois o texto literário está sempre aberto para novas e diferentes leituras.
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A palavra literária A literatura utiliza a linguagem verbal para produzir no leitor um efeito estético. A palavra estética, diretamente ligada às manifestações artísticas, tem origem em um termo grego relacionado ao que é “perceptível pelos sentidos, sensível”. O cinema, o teatro, a dança e a música fazem uso de outros recursos expressivos: imagens, gestos, cores e sons, associados ou não às palavras. Na literatura, a palavra está no centro da criação artística e é a matéria-prima do escritor para produzir sentidos, efeitos, impressões, sensações.
Polissemia
Choque de tarifas segue em março, com alta do preço de energia e ônibus O choque das tarifas públicas e preços controlados pelo governo, responsável pela forte pressão da inflação neste ano, seguirá em março. Estão programados reajustes de energia em praticamente todas as capitais, além de aumentos nas taxas de água e esgoto e ônibus em algumas cidades. Foi divulgado nesta sexta-feira (6) o IPCA, índice oficial de inflação, usado pelo governo como base para a política de juros no país, que subiu 7,7% em 12 meses até fevereiro, na maior alta para o período desde 2005.
HIPERTEXTO Vários fatores podem determinar a multiplicidade de sentidos de uma palavra: o contexto em que é utilizada, as variações na entonação (no caso da modalidade oral), os conhecimentos prévios do falante, sua relação com o interlocutor, etc. Você saberá mais sobre a polissemia e os sentidos denotativo e conotativo na parte de Linguagem (capítulo 13, p. 203).
Nilton Cardin/Folhapress
Uma das características da linguagem verbal é a polissemia, a propriedade de produzir diferentes sentidos conforme o contexto. Por exemplo, uma palavra como santo pode remeter a múltiplos significados (“sagrado”, “divino”, “puro”, “perfeito”, “bondoso”, “isento de culpa”, “pessoa que se finge de inocente”, “simples”, “ingênuo”, etc.). Duas palavras de sentidos aparentemente distintos também podem ser usadas em relação de equivalência, como em “marca de carro” e “marca de passarinho”: a ideia de “espécie”, ligada ao reino animal, é substituída pela de “marca”, própria das mercadorias ou produtos. O mesmo vale para trechos mais longos de textos. Um dos casos mais célebres é o romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. Como o único acesso à história são as palavras de Bentinho, narrador encolerizado de ciúme, o leitor passa a desconfiar se Capitu de fato traiu esse narrador. Uma mesma frase de Capitu que, para Bentinho, só faz delatar o adultério de sua esposa, pode ser interpretada de outro modo pelo leitor, sugerindo, por exemplo, a complexidade da personagem. Machado explora como poucos a polissemia e a ambiguidade, haja vista que, nesse e em outros textos de sua autoria, pairam hipóteses em detrimento de respostas. Entretanto, sendo a polissemia própria da linguagem verbal, não se pode dizer que ela seja exclusiva do texto literário. Todo texto é aberto a mais de uma interpretação; no entanto, naqueles que têm por objetivo regular a vida em sociedade, tais como as leis, essa abertura é mais sutil. Na literatura, a polissemia é particularmente importante para o trabalho do escritor; portanto, a possibilidade de diferentes interpretações é esperada e desejável. No dia a dia, os falantes também brincam com a linguagem e produzem sentidos novos e inusitados com o objetivo de fazer rir, impressionar, agredir, agradar, provocar. A imprensa frequentemente usa a polissemia no título de notícias, muitas vezes com o propósito de chamar a atenção do leitor para o assunto tratado no texto. Veja o exemplo com a palavra choque.
Torres de transmissão de eletricidade entre os municípios Gavião Peixoto e Araraquara (SP). Foto de 2015.
Soares, Pedro. Folha Online, 6 mar. 2015. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2016.
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Obra literária, um objeto social Como vimos, há um elemento que participa de forma decisiva na significação do texto literário: o leitor. Entendida desse modo, a obra literária é um objeto social, ou seja, existe porque alguém a escreve e outro alguém a lê. Leia o trecho de um ensaio do argentino Jorge Luis Borges. […] enquanto não abrimos um livro, esse livro, literalmente, geometricamente, é um volume, uma coisa entre as coisas. Quando o abrimos, quando o livro dá com seu leitor, ocorre o fato estético. E, cabe acrescentar, até para o mesmo leitor o mesmo livro muda, já que mudamos, já que somos (para voltar a minha citação predileta) o rio de Heráclito, que disse que o homem de ontem não é o homem de hoje e o homem de hoje não será o de amanhã. Mudamos incessantemente e é possível afirmar que cada leitura de um livro, que cada releitura, cada recordação dessa releitura renovam o texto. Também o texto é o mutável rio de Heráclito.
Margens do texto É fácil entender que os seres humanos mudam. A imagem do rio em transformação também é clara, ao se pensar que as águas se renovam constantemente. Mas, se o livro não sofre nenhuma transformação em suas letras, palavras, linhas, parágrafos, páginas, como ele pode ser o “rio mutável de Heráclito”?
De acordo com o texto, o “fato estético” – a concretização da possibilidade de um texto literário provocar sensações, impressões e novas percepções sobre a realidade – só acontece na leitura, no contato entre leitor e texto. Para ilustrar essa afirmação, o ensaio retoma uma referência de Heráclito de Éfeso (540 a.C.-470 a.C.). O “rio de Heráclito” sintetiza o sistema filosófico proposto por esse pensador: tudo na natureza se move e flui; portanto, um ser humano nunca pode banhar-se duas vezes em um mesmo rio, pois, assim como a água que percorre um rio nunca é a mesma, a pessoa que nele se banha nunca o é, pois também se modifica ao longo do tempo. Ao aproximar a relação entre leitor e texto à imagem do rio e do ser humano em permanente transformação, o ensaio de Borges atesta a constante renovação dos textos literários. A literatura promove, portanto, um espaço de interação estética entre o autor e seu público. Interação pressupõe troca, diálogo e um conhecimento de mundo que deve ser compartilhado, em um trabalho de cooperação ativa do leitor no “preenchimento de lacunas” deixadas pelo texto.
Capítulo 5 – Literatura e interação
Intertextualidade e interdiscursividade A menção do ensaio de Borges ao rio de Heráclito possibilita uma importante constatação: a interação, na literatura, não se restringe à relação autor– obra–leitor. Cada parte desse conjunto também participa de outros conjuntos; um escritor também é um leitor. É o caso, por exemplo, de Borges, que leu Heráclito e revelou essa influência em seu ensaio. Da mesma forma, para fazer suas interpretações, o leitor mobiliza suas experiências pessoais e relaciona o que lê a outras experiências de leitura. Para um leitor que tenha lido Heráclito, a menção ao rio será mais imediatamente identificável. A intertextualidade, portanto, diz respeito a esse emaranhado de textos que, de forma explícita ou implícita, dialogam na produção e na leitura de outros textos. Na literatura, esses diálogos passam a constituir uma tradição, em que as obras permanentemente retomam as referências do passado em movimentos de reverência, negação ou renovação. Quanto maior a experiência de leitura, maiores as possibilidades de um leitor perceber os diálogos entre um texto literário e a tradição que o antecedeu ou sucedeu. Outra percepção que a experiência do leitor promove é a constatação de que o texto literário, em função de sua natureza polissêmica, carrega dentro de si ideologias e concepções sobre o homem e as coisas que o cercam. Neles atravessam discursos diversos: filosóficos, sociológicos, religiosos, científicos, etc. Há, portanto, um efeito de interdiscursividade que também é uma marca do objeto literário.
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Pinacoteca de Brera, Milão, Itália. Fotografia: Electa/Leemage/Other Images
Borges, Jorge Luis. Sete noites. In: Obras completas de Jorge Luis Borges. São Paulo: Globo, 2000. v. 3. p. 284.
Bramante, Donato. O filósofo que chora (Heráclito) e o que ri (Demócrito), 1477. Afresco transferido para tela, 102 cm × 107 cm. Pinacoteca de Brera, Milão, Itália.
Demócrito e Heráclito viveram na Antiguidade clássica. O primeiro concebeu a teoria atômica. O segundo é considerado o pai da dialética. As reputações de “filósofo que chora” e “filósofo que ri” advêm da literatura clássica romana, de autores como Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), que atribuíram uma personalidade alegre e divertida a Demócrito e outra obscura e melancólica a Heráclito.
HIPERTEXTO Veja, na parte de Linguagem (capítulo 11, p. 179), como a intertextualidade, dialogando com textos diferentes, e a interdiscursividade, dialogando com discursos diferentes, atuam na construção de sentidos.
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Sua leitura O texto a seguir trata-se de uma “refábula” (como afirma o próprio escritor) de uma das mais conhecidas fábulas de todos os tempos. Leia e responda às questões no caderno.
Cigarra, formiga & cia. Cansadas dos seus papéis fabulares, a cigarra e a formiga resolveram associar-se para reagir contra a estereotipia a que haviam sido condenadas. Deixando de parte atividades mais lucrativas, a formiga empresou a cigarra. Gravou-lhe o canto em discos e saiu a vendê-los de porta em porta. A aura de mecenas a redimiu para sempre do antigo labéu de utilitarista sem entranhas. Graças ao mecenato da formiga, a cigarra passou a ter comida e moradia no inverno. Já ninguém a poderia acusar de imprevidência boêmia. O desfecho desta refábula não é róseo. A formiga foi expulsa do formigueiro por lhe haver traído as tradições de pragmatismo à outrance e a cigarra teve de suportar os olhares de desprezo com que o comum das cigarras costuma fulminar a comercialização da arte. Paes, José Paulo. Socráticas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 63.
Sobre o texto 1. O que a leitura do título do texto acima evoca no leitor familiarizado com fábulas tradicionais? 2. A passagem “resolveram associar-se para reagir contra a estereotipia a que haviam sido condenadas” indica uma reação das personagens em relação aos comportamentos que apresentam na fábula original. a) Quais são esses comportamentos? b) De que maneira, no texto de José Paulo Paes, a cigarra e a formiga reagem à “estereotipia a que haviam sido condenadas”? 3. Essa “refábula”, como a definiu seu autor, também promove uma mudança de cenário. Qual? 4. A mudança de atitude das personagens deu a elas um destino glorioso? Justifique sua resposta com base no texto e compare o desfecho com o da fábula original. Fernando Gonsales/Acervo do artista
5. Leia a tirinha a seguir.
Vocabulário de apoio
à outrance: expressão francesa que significa “sem piedade, a qualquer preço” aura de mecenas: comportamento de um patrocinador artístico estereotipia: algo não original, que repete um modelo conhecido, lugarcomum fabular: que se relaciona à fábula; inventado fulminar: destruir, censurar de forma violenta imprevidência: descuido labéu: má reputação pragmatismo: atitude em defesa da praticidade redimir: livrar, salvar utilitarista sem entranhas: que dá muita importância à utilidade das coisas, sem se preocupar se isso é correto ou não
Gonsales, Fernando. Jornal de Londrina, 23 out. 2003.
Que relações podem ser estabelecidas entre a refábula de José Paulo Paes e a tirinha de Fernando Gonsales? 6. As fábulas são narrativas que costumam apresentar, a partir da personificação de animais, uma situação da qual se extrai uma moral. A fábula “A cigarra e a formiga” ensinava a importância de se pensar sobre o futuro. Considerando isso, responda às questões. a) Pode-se dizer que o texto “Cigarra, formiga & cia.”, de José Paulo Paes, sugere uma moral ligada, possivelmente, à relação entre quais profissões? b) Considerando a hipótese criada no item anterior sobre as profissões das personagens identificadas como cigarra e formiga, explique a moral da história.
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Sua leitura Leia o conto de Lygia Fagundes Telles proposto a seguir e responda às questões.
Capítulo 5 – Literatura e interação
A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus panos embolorados e livros comidos de traça. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou voo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas. — Bonita imagem — disse ele. A velha tirou um grampo do coque e limpou a unha do polegar. Tornou a enfiar o grampo no cabelo. — É um São Francisco. Ele então voltou-se lentamente para a tapeçaria que tomava toda a parede no fundo da loja. Aproximou-se mais. A velha aproximou-se também. — Já vi que o senhor se interessa mesmo é por isso. Pena que esteja nesse estado. O homem estendeu a mão até a tapeçaria, mas não chegou a tocá-la. — Parece que hoje está mais nítida… — Nítida? — repetiu a velha, pondo os óculos. Deslizou a mão pela superfície puída. — Nítida, como? — As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma coisa nela? A velha encarou-o. E baixou o olhar para a imagem de mãos decepadas. O homem estava tão pálido e perplexo quanto a imagem. — Não passei nada. Por que o senhor pergunta? — Notei uma diferença. — Não, não passei nada, essa tapeçaria não aguenta a mais leve escova, o senhor não vê? Acho que é a poeira que está sustentando o tecido – acrescentou, tirando novamente o grampo da cabeça. Rodou-o entre os dedos com ar pensativo. Teve um muxoxo: — Foi um desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro. Eu disse que o pano estava por demais estragado, que era difícil encontrar um comprador, mas ele insistiu tanto. Preguei aí na parede e aí ficou. Mas já faz anos isso. E o tal moço nunca mais me apareceu. — Extraordinário… A velha não sabia agora se o homem se referia à tapeçaria ou ao caso que acabara de lhe contar. Encolheu os ombros. Voltou a limpar as unhas com o grampo. — Eu poderia vendê-la, mas quero ser franca, acho que não vale mesmo a pena. Na hora que se despregar, é capaz de cair em pedaços. O homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em que tempo, meu Deus! em que tempo teria assistido a essa mesma cena. E onde?… Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apontando para uma touceira espessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador espreitava por entre as árvores do bosque, mas esta era apenas uma vaga silhueta, cujo rosto se reduzira a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro caçador, a barba violenta como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à espera de que a caça levantasse para desferir-lhe a seta.
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A caçada […] — Parece que hoje tudo está mais próximo — disse o homem em voz baixa. — É como se… Mas não está diferente? A velha firmou mais o olhar. Tirou os óculos e voltou a pô-los. — Não vejo diferença nenhuma. — Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta… — Que seta? O senhor está vendo alguma seta? — Aquele pontinho ali no arco… A velha suspirou. — Mas esse não é um buraco de traça? Olha aí, a parede já está aparecendo, essas traças dão cabo de tudo — lamentou, disfarçando um bocejo. Afastou-se sem ruído com suas chinelas de lã. Esboçou um gesto distraído: — Fique aí à vontade, vou fazer meu chá. O homem deixou cair o cigarro. Amassou-o devagarinho na sola do sapato. Apertou os maxilares numa contração dolorosa. Conhecia esse bosque, esse caçador, esse céu — conhecia tudo tão bem, mas tão bem! Quase sentia nas narinas o perfume dos eucaliptos, quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada, ah, essa madrugada! Quando? Percorrera aquela mesma vereda, aspirara aquele mesmo vapor, que baixava tenso do céu verde… Ou subia do chão? O caçador de barba encaracolada parecia sorrir perversamente embuçado. Teria sido esse caçador? Ou o companheiro lá adiante, o homem sem cara espiando por entre as árvores? Uma personagem de tapeçaria. Mas qual? Fixou a touceira onde a caça estava escondida. Só folhas, só silêncio e folhas empastadas na sombra. […] Apertou o lenço contra a boca. A náusea. Ah, se pudesse explicar toda essa familiaridade medonha, se pudesse ao menos… E se fosse um simples espectador casual, desses que olham e passam? Não era uma hipótese? Podia ainda ter visto o quadro no original, a caçada não passava de uma ficção. “Antes do aproveitamento da tapeçaria…” — murmurou, enxugando os vãos dos dedos no lenço. […] Saiu de cabeça baixa, as mãos cerradas no fundo dos bolsos. Parou meio ofegante na esquina. Sentiu o corpo moído, as pálpebras pesadas. E se fosse dormir? Mas sabia que não poderia dormir, desde já sentia a insônia a segui-lo na mesma marcação da sua sombra. Levantou a gola do paletó. Era real esse frio? Ou a lembrança do frio da tapeçaria? “Que loucura!… E não estou louco”, concluiu num sorriso desamparado. Seria uma solução fácil. “Mas não estou louco.” Vagou pelas ruas, entrou num cinema, saiu em seguida e quando deu acordo de si, estava diante da loja de
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antiguidades, o nariz achatado na vitrina, tentando vislumbrar a tapeçaria lá no fundo. Quando chegou em casa, atirou-se de bruços na cama e ficou de olhos escancarados, fundidos na escuridão. A voz tremida da velha parecia vir de dentro do travesseiro, uma voz sem corpo, metida em chinelas de lã: “Que seta? Não estou vendo nenhuma seta…” Misturando-se à voz, veio vindo o murmurejo das traças em meio de risadinhas. O algodão abafava as risadas que se entrelaçaram numa rede esverdinhada, compacta, apertando-se num tecido com manchas que escorreram até o limite da tarja. Viu-se enredado nos fios e quis fugir, mas a tarja o aprisionou nos seus braços. No fundo, lá no fundo do fosso podia distinguir as serpentes enleadas num nó verde-negro. Apalpou o queixo. “Sou o caçador?” Mas ao invés da barba encontrou a viscosidade do sangue. Acordou com o próprio grito que se estendeu dentro da madrugada. Enxugou o rosto molhado de suor. Ah, aquele calor e aquele frio! Enrolou-se nos lençóis. E se fosse o artesão que trabalhou na tapeçaria? Podia revê-la, tão nítida, tão próxima que, se estendesse a mão, despertaria a folhagem. Fechou os punhos. Haveria de destruí-la, não era verdade que além daquele trapo detestável havia alguma coisa mais, tudo não passava de um retângulo de pano sustentado pela poeira. Bastava soprá-la, soprá-la! Encontrou a velha na porta da loja. Sorriu irônica: — Hoje o senhor madrugou. — A senhora deve estar estranhando, mas…
— Já não estranho mais nada, moço. Pode entrar, pode entrar, o senhor conhece o caminho. “Conheço o caminho” — murmurou, seguindo lívido por entre os móveis. Parou. Dilatou as narinas. E aquele cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro? E por que a loja foi ficando embaçada, lá longe? Imensa, real só a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com suas manchas esverdinhadas. Quis retroceder, agarrou-se a um armário, cambaleou resistindo ainda e estendeu os braços até a coluna. Seus dedos afundaram por entre galhos e resvalaram pelo tronco de uma árvore, não era uma coluna, era uma árvore! Lançou em volta um olhar esgazeado: penetrara na tapeçaria, estava dentro do bosque, os pés pesados de lama, os cabelos empastados de orvalho. Em redor, tudo parado. Estático. No silêncio da madrugada, nem o piar de um pássaro, nem o farfalhar de uma folha. Inclinou-se arquejante. Era o caçador? Ou a caça? Não importava, não importava, sabia apenas que tinha que prosseguir correndo sem parar por entre as árvores, caçando ou sendo caçado. Ou sendo caçado?… Comprimiu as palmas das mãos contra a cara esbraseada, enxugou no punho da camisa o suor que lhe escorria pelo pescoço. Vertia sangue o lábio gretado. Abriu a boca. E lembrou-se. Gritou e mergulhou numa touceira. Ouviu o assobio da seta varando a folhagem, a dor! “Não…” – gemeu, de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração.
Telles, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 77-83.
Vocabulário de apoio
arca: baú arquejante: que respira com dificuldade coque: arranjo no cabelo dar cabo: destruir dilatar: alargar embuçado: encapado empastado: formando uma pasta esbraseado: inflamado esgazeado: espantado esmaecido: desmaiado farfalhar: som de folhagem agitada pelo vento gretado: rachado lívido: pálido muxoxo: pequeno estalo que se faz com a boca ou os lábios para mostrar desagrado puído: gasto retesado: duro seta: flecha touceira: tipo de planta com raízes vereda: caminho
Sobre o texto 1. Comente a relação do protagonista com a tapeçaria observada por ele. 2. Releia o antepenúltimo parágrafo do conto e responda às questões. a) O emprego do narrador em terceira pessoa pressupõe distanciamento em relação aos fatos, falas e pensamentos narrados. Esse é o caso do narrador de “A caçada”? Explique a distinção entre o discurso do narrador e o discurso da personagem. b) Considerando o conto em sua totalidade, que efeito a posição do narrador provoca? 3. O que sugere o desfecho do conto? 4. Esse conto trabalha metaforicamente o ato da leitura? Por quê?
Segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2011, promovida pelo Instituto Pró-livro, a média de leitura do brasileiro é de dois livros por ano. Mas a quantidade de eventos relacionados à leitura aumenta ano a ano. 1. Em sua opinião, o que explica essa contradição? As medidas de incentivo à leitura têm sido efetivas? Qual a melhor maneira de estimular a leitura? Se você se considera um leitor assíduo, compartilhe com seus amigos o que o levou ao gosto pela leitura. Se ler não é uma de suas predileções, comente qual seria a melhor forma de estimular em você o interesse pela leitura.
Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press/Folhapress
O que você pensa disto?
Público na XXIII Bienal Internacional do Livro em São Paulo, 2014.
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Ferramenta de leitura Effigie/Leemage/AFP
O leitor e sua identidade
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Foto de 2012.
Palavra de origem latina, formada a partir do termo “idem” (cujo significado é “o mesmo”) e do sufixo “-dade” (indicador de um estado ou qualidade), identidade pode ser entendida como aquilo que é idêntico a si mesmo, ou seja, aquilo que de alguma forma permanece. Desde os primeiros pensadores, a identidade está ligada à preocupação em definir o que são as coisas que existem na realidade, o que constitui sua essência. No mundo atual, em que a identidade tem se mostrado cada vez mais dissolvente, em que as características particulares de cada um estão em constante trânsito, podemos nos contrapor àquilo em que acreditavam os pensadores antigos e afirmar que uma pessoa não tem uma única identidade. O que somos não apresenta uma unidade coerente e estável. Somos resultado de um choque de identidades oriundas de várias fontes, acessadas por nossa própria escolha ou a nós impostas. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman é um dos estudiosos contemporâneos que discute a formação da identidade humana em meio à realidade sempre mutável em que vivemos. Em um de seus livros, intitulado justamente Identidade (2005), Bauman afirma: As “identidades” flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as primeiras em relação às últimas. Bauman, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Trad.: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005, p. 19.
No trecho acima, o sociólogo chama a atenção para o fato de que muitas “identidades” nos são atribuídas. Em outras palavras, o que somos frequentemente deixa de ser aquilo que queremos ser para se transformar em algo que nos impõem. Daí o “alerta” de Bauman: nossas atitudes são fruto do líquido mundo moderno e, para construirmos e sustentarmos as referências comuns de nossas identidades em movimento, é necessário saber que não somos uma mesma coisa por toda a vida. É nossa identidade que nos faz pertencer a determinado grupo ou comunidade, da mesma forma que, dialeticamente, é o pertencimento que nos ajuda a escolher alternativas a partir das quais formamos nossa identidade. Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”. Bauman, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Trad.: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005, p. 17.
Como afirma o sociólogo, são as escolhas do indivíduo que determinam sua própria identidade e o lugar a que pertence. Na sociedade em que vivemos, as escolhas – e não uma “identidade” pronta – definem os rumos que tomamos, os vínculos sociais que estabelecemos e os modos pelos quais queremos contar nossa história. No que diz respeito à literatura, a identidade de um texto encontra-se intimamente ligada à relação entre texto e leitor: como o leitor muda (sua identidade vive em constante transformação), o sentido do texto também muda, vindo a integrar significados novos que passam a ser notados pelo leitor a cada nova leitura. 82
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As ideias expostas podem nos auxiliar na leitura do poema a seguir, de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa (1888-1935). Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra, Ao luar e ao sonho, na estrada deserta, Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça, Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro [mundo, Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter, Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar [mas seguir? Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em [Lisboa, Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado [em Lisboa. Sempre esta inquietação, sem propósito, sem nexo, sem [consequência, Sempre, sempre, sempre, Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma, Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na [estrada da vida… Maleável aos meus movimentos subconscientes no [volante, Galga sob mim comigo, o automóvel que me [emprestaram. Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita. Em quantas coisas que me emprestaram eu sigo no [mundo! Quantas coisas que me emprestaram guio como minhas! Quanto que me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou! À esquerda o casebre – sim, o casebre – à beira da [estrada. À direita o campo aberto, com a lua ao longe. O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade, É agora uma coisa onde estou fechado, Que só posso conduzir se nele estiver fechado, Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a [mim. À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que [modesto.
A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha. Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é [que é feliz. Talvez à criança espreitando pelos vidros da janela do [andar que está em cima Fiquei (com o automóvel emprestado) como um sonho, [uma fada real. Talvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela janela [da cozinha No pavimento térreo, Sou qualquer coisa do príncipe de todo o coração de [rapariga, E ela me olhará de esguelha, pelos vidros, até à curva em [que me perdi. Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os [deixa? Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel [emprestado que eu guio? Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos [e a noite, Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente, Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que [alcanço, E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível, Acelero… Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me [desviei ao vê-lo sem vê-lo, À porta do casebre, O meu coração vazio, O meu coração insatisfeito, O meu coração mais humano do que eu, mais exacto que [a vida. Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao [volante, na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação, na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra, na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim…
Pessoa, Fernando. Poesia completa de Álvaro de Campos. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007. p. 312-314.
Sobre o texto 1. Releia os dois últimos versos da terceira estrofe. De um verso para outro, qual é a mudança na relação do eu lírico com as coisas que lhe emprestaram? O que essa mudança revela sobre a identidade do eu lírico? 2. A liberdade é normalmente associada ao automóvel, pois quem o conduz supostamente pode ir aonde quiser. Liberdade é a palavra que melhor descreve a sensação do eu lírico ao guiar o automóvel? Justifique sua resposta com base no texto. 3. Em sua opinião, a relação do eu lírico com o automóvel encontra paralelos no mundo atual? 4. Com base nas ideias de Bauman sobre identidade, comente o poema de Fernando Pessoa. Articule seu comentário com versos do poema. Não escreva no livro.
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Entre textos A importância do leitor para a construção do sentido de um texto literário ocupou o centro das discussões nesta unidade. Como desdobramento desse tema, há a inserção da figura do leitor no texto, estratégia criativa que apresenta infinitas intenções, razão pela qual é sempre interessante analisar caso a caso. Vejamos como esse procedimento aparece em um romance e em um poema e quais suas implicações para a construção de sentido de ambos.
Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho que fazer; e, realmente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem… E caem! – Folhas misérrimas do meu cipreste, heis de cair, como quaisquer outras belas e vistosas; e, se eu tivesse olhos, dar-vos-ia uma lágrima de saudade. Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar… Heis de cair. Machado de Assis, J. M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2016.
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TEXTO 1
Um dos escritores mais talentosos no que diz respeito à inclusão do leitor no cerne do texto literário, Machado de Assis ora o coloca em uma posição de interlocutor formal, ora utiliza expressões como “caro leitor”, “leitora que é minha amiga”, “leitora castíssima”, “leitora minha devota”, “fino leitor”, etc. Machado de Assis utiliza o leitor como cúmplice na montagem da narrativa ficcional. Seus papéis vão de simples “convidado” a refletir sobre o significado de alguma cena ou ação a um “colaborador” de quem se espera algo que possa ajudar a tarefa do narrador.
TEXTO 2
Isto
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Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação. Não uso o coração. Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê!
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A exemplo de outros poemas célebres de Fernando Pessoa, como “Autopsicografia”, “Isto” volta-se para a própria criação poética, em particular para uma das questões-chave da poética de Pessoa: o fingimento. Desde o primeiro verso, a julgar pelo emprego da indeterminação do sujeito (“Dizem que finjo ou minto”), deixa-se para o leitor a tarefa de preencher algumas lacunas de sentido. Cabe a ele, por exemplo, decidir se o que dizem do eu lírico é correto ou não. Pouco depois, é desdobrada a tese: para escrever um poema, o eu lírico não usa o coração, mas sim a imaginação. Na poesia de Pessoa, a força da imaginação cria o próprio sentimento que parece animar o poema. Mas, se há apenas um “sentimento imaginado”, a poesia é, então, destituída de sentimento? A resposta para essa questão é o que dá singularidade à obra: o último verso traz a figura do leitor para dentro do poema e resolve o impasse criado pelo próprio texto: “Sentir? Sinta quem lê!”. Em outras palavras, o sentimento presente no poema não é o de quem escreve, mas o de quem lê.
Pessoa, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987. p. 99.
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Vestibular e Enem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
(Enem) Texto para a questão 1. Com o texto eletrônico, enfim, parece estar ao alcance de nossos olhos e de nossas mãos um sonho muito antigo da humanidade, que se poderia resumir em duas palavras, universalidade e interatividade. As luzes, que pensavam que Gutenberg tinha propiciado aos homens uma promessa universal, cultivavam um modo de utopia. Elas imaginavam poder, a partir das práticas privadas de cada um, construir um espaço de intercâmbio crítico das ideias e opiniões. O sonho de Kant era que cada um fosse ao mesmo tempo leitor e autor, que emitisse juízos sobre as instituições de seu tempo, quaisquer que elas fossem e que, ao mesmo tempo, pudesse refletir sobre o juízo emitido pelos outros. Aquilo que outrora só era permitido pela comunicação manuscrita ou a circulação dos impressos encontra hoje um suporte poderoso com o texto eletrônico. Chartier, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Unesp, 1998.
1. No trecho apresentado, o sociólogo Roger Chartier caracteriza o texto eletrônico como um poderoso suporte que coloca ao alcance da humanidade o antigo sonho de universalidade e interatividade, uma vez que cada um passa a ser, nesse espaço de interação social, leitor e autor ao mesmo tempo. A universalidade e a interatividade que o texto eletrônico possibilita estão diretamente relacionadas à função social da internet de a) propiciar o livre e imediato acesso às informações e ao intercâmbio de julgamentos. b) globalizar a rede de informações e democratizar o acesso aos saberes. c) expandir as relações interpessoais e dar visibilidade aos interesses pessoais. d) propiciar entretenimento e acesso a produtos e serviços. e) expandir os canais de publicidade e o espaço mercadológico. (Enem) Texto para a questão 2.
Enem 2004. Fac-símile/ID/BR
TEXTO 1
TEXTO 2 Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo… Por isso minha aldeia é grande como outra qualquer Porque sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura… (Alberto Caeiro)
2. A tira “Hagar” e o poema de Alberto Caeiro (um dos heterônimos de Fernando Pessoa) expressam, com linguagens diferentes, uma mesma ideia: a de que a compreensão que temos do mundo é condicionada, essencialmente, a) pelo alcance de cada cultura. d) pela idade do observador. b) pela capacidade visual do observador. e) pela altura do ponto de observação. c) pelo senso de humor de cada um. Enem 2012. Fac-símile:/D/BR
(Enem) Texto para a questão 3. 3. O efeito de sentido da charge é provocado pela combinação de informações visuais e recursos linguísticos. No contexto da ilustração, a frase proferida recorre à a) polissemia, ou seja, aos múltiplos sentidos da expressão “rede social” para transmitir a ideia que pretende veicular. b) ironia para conferir um novo significado ao termo “outra coisa”. c) homonímia para opor, a partir do advérbio de lugar, o espaço da população pobre e o espaço da população rica. d) personificação para opor o mundo real pobre ao mundo virtual rico. e) antonímia para comparar a rede mundial de computadores com a rede caseira de descanso da família. 85
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unidade
4 Nesta unidade 6 Literatura e outras linguagens artísticas 7 Vertentes da literatura contemporânea
A literatura e o mundo contemporâneo O grafite ao lado, do artista paulistano Walter Nomura (1973-), conhecido como Tinho, traz duas figuras isoladas e solitárias sobre uma pilha de livros. O menino está em uma postura pensativa. Já a jovem olha diretamente para o espectador, convidando-o a abandonar sua rotina e refletir sobre a presença da arte naquela parede da cidade alemã de Frankfurt. Esse deslocamento do olhar é uma provocação feita, com frequência, pela arte e pela literatura. No mundo contemporâneo, marcado por novas relações com o tempo e o espaço, as artes ultrapassam os limites dos museus e das livrarias para ocupar novos espaços. Elas também passam por um processo de maior intercâmbio entre suas diferentes linguagens.
Imagem da página ao lado: Tinho. Sem título, 2013. Grafite. Dimensões não disponíveis. Frankfurt, Alemanha. Na parede de um antigo presídio de Frankfurt, na Alemanha, Tinho grafitou duas figuras sobre estacas de livros que estão cravadas em um monte de roupas. A obra fez parte de uma série de eventos na cidade, em 2013, ligados à divulgação da arte brasileira. A literatura do nosso país foi destaque na Feira Literária de Frankfurt.
Nesta unidade, você terá contato com esse rico diálogo entre a literatura e outras linguagens artísticas, como cinema, pintura e música. Também conhecerá um pouco da grande diversidade de estilos e propostas que caracterizam a produção literária brasileira atual na poesia, na prosa e na dramaturgia, descobrindo caminhos possíveis que podem ser trilhados no seu percurso como leitor.
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Tinho/Acervo do artista
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capítulo
6 o que você vai estudar Literatura e cinema. Literatura e HQ. Literatura e pintura. Literatura e música.
Literatura e outras linguagens artísticas Ao longo da história, a literatura tem estabelecido um diálogo intenso com outras manifestações artísticas. O cinema, as HQs, a pintura e a música são apenas algumas das possibilidades de diálogo que a literatura pode estabelecer com as demais artes. Durante o século XX, um processo de diluição dos limites rígidos entre as diferentes linguagens artísticas, além de promover uma série de correspondências entre as obras, incentivou o surgimento de gêneros híbridos, que misturam palavras, imagens, sons e gestos. Além disso, os avanços tecnológicos possibilitaram novos processos artísticos que dialogam com elementos pertencentes ao universo literário. Essas inovações no campo da arte começaram a exigir de leitores/espectadores/ouvintes um modo diferente de apreciação estética. Esse processo de aproximação e diálogo entre a literatura e as outras linguagens tem se prolongado no século XXI, resultando em diferentes expressões artísticas. Ao longo do capítulo, você poderá perceber como uma manifestação artística se transforma e se constrói a partir de outra e como duas obras se aproximam, se distanciam e se complementam nesse processo de transposição.
Sua leitura A seguir, você vai ler o início do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e o trecho inicial do roteiro do filme baseado nesse livro. Vocabulário de apoio
cabo: fim, término campa: sepultura, laje que cobre o túmulo hesitar: ficar em dúvida, vacilar introito: começo, início óbito: morte, falecimento Pentateuco: cinco livros iniciais do Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio póstumo: que se passa após a morte de alguém
Texto 1 Dedicatória Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas. […] Capítulo 1 – Óbito do autor Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco. Machado de Assis, J. M. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: FTD, 2010. p. 13, 15-16.
Texto 2 Todos os Letreiros Iniciais menos o Título. Termina com o letreiro: Este filme é dedicado, com saudade, ao verme que primeiro roeu as frias carnes de meu cadáver. Sequência 1 -int/dia- Fundo Neutro. O FANTASMA DE BRÁS, num fundo neutro. FANTASMA Antes de começarmos a história, é importante prestarmos um esclarecimento ao público. Este não é um filme tradicional. É uma história que comporta alguma liberdade. Foi filmada
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Superfilmes/Lumiere
com o espírito da piada, mas o sentimento da tristeza. O filme não tem um mocinho contra um vilão, nem monstros ou maremotos. Também não é um filme de grande profundidade intelectual e quem quiser alguma teoria filosófica poderá ficar frustrado. Assim corro o risco de não agradar ao espectador que só deseja diversão nem ao que deseja pensamentos profundos. Mas se ainda tenho a chance de conquistar a você espectador, a melhor maneira é não explicar muita coisa. Por isso mesmo não importa como eu, um morto, estou contando esta história aqui do outro mundo: a explicação seria muito longa e desnecessária ao entendimento da história. O que importa é que você, espectador, já está assistindo ao filme e agora é tarde para se arrepender. Letreiro: MEMÓRIAS PÓSTUMAS Sequência 2 -intext/dia- Cemitério. (1869) Dia chuvoso. Brás Cubas dentro de um caixão. Fecham o caixão e começa a sair o féretro com umas 10 pessoas acompanhando, guarda-chuvas abertos. Vemos o rosto de Brás dentro do caixão (câmera dentro do caixão). FANTASMA (Off) Algum tempo pensei se a história deveria começar pelo começo ou pelo fim, isto é, se eu contaria antes o meu nascimento ou a minha morte. O caixão percorre o cemitério e chega a uma cova aberta. VIRGÍLIA em especial destaque durante o percurso. FANTASMA (Off) Normalmente se começa a contar uma história pelo nascimento, mas eu resolvi fazer o contrário por dois motivos. O caixão é posto no solo. Num corte para plano geral, vemos a cena do enterro ao fundo, enquanto o Fantasma de Brás, pálido, fala em primeiro plano. FANTASMA O primeiro é que como eu ressuscitei para ser o autor destas memórias, eu não sou um autor defunto, mas um defunto autor. Para mim a sepultura foi outro berço. O segundo é que a história fica renovada e moderna. Moisés, que também contou a sua morte na bíblia, começou pelo nascimento e não pela morte. Aliás, esta é uma diferença radical entre a minha história e a bíblia. […]
O ator Reginaldo Faria como Brás Cubas (Fantasma) no filme Memórias póstumas de Brás Cubas, de 2001.
Vocabulário de apoio
féretro: caixão frustrado: aquele que não atinge o ideal pretendido off: no cinema, trata-se da locução da personagem ou do narrador sobreposta às imagens
Klotzel, André (roteiro); Torero, José Roberto (diálogos). Memórias póstumas. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2016.
Sobre os textos 1. O texto do romance é apenas para ser lido; o roteiro, por sua vez, serve de suporte para uma filmagem. a) Transcreva um trecho do roteiro que evidencie sua função de suporte para uma filmagem. b) Essa característica apresenta semelhança com qual outro gênero literário? c) No romance, Brás Cubas é um narrador em primeira pessoa, ou seja, é o “eu” que enuncia a história, como indicam os verbos na primeira pessoa do singular: “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim”. De que maneira esse recurso é representado no roteiro? 2. No prólogo do romance, Brás Cubas afirma que “a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual”, ou seja, chama atenção para o fato de o livro não ser um romance tradicional. Como o roteirista adaptou essa característica não convencional para o cinema? Justifique sua resposta com base em uma passagem do roteiro. 3. Como Brás Cubas é denominado no roteiro do filme Memórias póstumas? Por quê? 4. O roteiro preserva as falas de Brás Cubas tal como estão no romance? Justifique com base nos textos e, em seguida, comente possíveis implicações da escolha feita pelo roteirista. 5. Há quem considere que uma boa adaptação cinematográfica de uma obra literária é aquela que se mantém fiel ao livro. Você concorda? Explique sua opinião.
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Leia
Embora nascidas na mesma época em que surgiu o cinema, as histórias em quadrinhos (comics, como são conhecidas nos países de língua inglesa) não obtiveram prestígio imediato. Enquanto o cinema logo foi alçado ao posto de “sétima arte”, as HQs ficaram durante muito tempo relegadas a um segundo plano. Voltadas basicamente ao público infantojuvenil e com uma linguagem considerada menos elaborada, eram vistas apenas como entretenimento que não apresentava grandes preocupações estéticas. Na década de 1970, porém, esse cenário começou a mudar graças ao interesse de estudiosos por essa forma de contar histórias, que se valia de imagens e balões de fala encadeados quadro a quadro. Will Eisner (1917-2005), um dos mais importantes artistas e estudiosos de HQs, designou essa nova forma de narrativa como o mais bem acabado exemplo de arte sequencial. E é exatamente essa natureza sequencial das HQs que permite seu diálogo com outras linguagens narrativas, como o cinema, e outros gêneros literários, como o conto e o romance. Não à toa, diversos filmes são inspirados em HQs, e obras literárias têm sido cada vez mais adaptadas para esse formato.
Life in pictures: vida em quadrinhos, de Will Eisner. São Paulo: Criativo, 2013. Nessa graphic novel, Will Eisner apresenta seu autorretrato e uma crônica de sua carreira, demonstrando a visão do cartunista sobre a vida, a arte e sua obra com o humor inteligente e crítico que lhe é característico. Criativo/Arquivo da editora
Literatura e HQ
Capa de Life in pictures: vida em quadrinhos.
Capítulo 6 – Literatura e outras linguagens artísticas
Para muitos estudiosos, o tipo de linguagem empregada nas HQs já aparece nas mais remotas representações feitas pelo homem. As pinturas rupestres no fundo das cavernas, os hieróglifos egípcios, os desenhos esculpidos em alto-relevo, a arte das igrejas medievais que narravam os milagres dos santos, as peças de tapeçaria com ilustrações de cenas de batalhas, etc. Em suma, todas as formas de representação que se valem de imagens organizadas em uma sequência narrativa (arte sequencial) poderiam ser consideradas os antepassados das HQs. Mas, apesar dos prenúncios dessa linguagem em diversas culturas, foi no final do século XIX que surgiram as primeiras HQs. Há, porém, divergências quanto ao marco inicial. Alguns atribuem o pioneirismo à revista britânica Comic Cuts, cuja primeira edição data de 1890; outros, à tirinha (HQ curta) The Yellow Kid, publicada no jornal estadunidense The New York World em 1895. Apesar das divergências, o fato é que a tirinha da personagem Yellow Kid, assinada por Richard Outcault (1863-1928), foi a primeira a utilizar balões para representar as falas das personagens. Na revista britânica, os textos apareciam inicialmente acima e abaixo das imagens, como se pode notar na reprodução ao lado. Um fato curioso, mas importante para o estudo das HQs, diz respeito aos meios em que circulavam. Os jornais sensacionalistas de Nova York eram o alvo dos cartunistas, que, para atingir um público maior para suas tirinhas, buscavam representar situações de humor. Durante a semana, as HQs eram publicadas em preto e branco, e, aos domingos, geralmente em cores.
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Beinecke Rare Book and Manuscript Library, Yale University. Fac-símile: ID/BR
Uma história quadro a quadro
Primeira edição da revista Comic Cuts, 1890. Note a grande quantidade de textos em praticamente todos os quadrinhos. Essa característica, própria de algumas publicações mais antigas, revela a proximidade entre as histórias contadas nos livros e nas HQs: os textos que acompanham cada quadrinho cumprem um papel semelhante ao do narrador do livro tradicional, ao desempenhar uma função que é a de focalizar os elementos fundamentais para que se possa compreender o que se passa em cada tira/cena. Não escreva no livro.
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Há alguns anos, editoras importantes buscam estreitar os vínculos entre literatura e HQs. A iniciativa resulta não apenas em HQs com textos cada vez mais bem elaborados, mas também na adaptação de obras da literatura brasileira e universal para a linguagem dos quadrinhos, visando, entre outros objetivos, aproximar o público jovem dos clássicos da literatura. É claro que uma obra literária adaptada para HQ, para o cinema ou para qualquer outra linguagem artística não substitui sua leitura integral, pois linguagens diferentes exigem diferentes leituras; afinal, a literatura dispõe apenas de palavras, ao passo que o cinema, por exemplo, além delas, dispõe de imagens e sons; e as HQs apresentam imagens e palavras. Conclui-se, portanto, que o vínculo entre as linguagens reinventa modos de leitura e de interpretação do texto verbal. Veja abaixo uma página da versão em HQ do romance Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade (1893-1945). A página narra uma parte do enredo que aparece em duas páginas do romance, o que evidencia a concisão do texto na adaptação da obra literária. Esse procedimento é muito comum, seja para tornar o texto mais acessível a um público específico, seja para acomodá-lo no pouco espaço que lhe é reservado nas histórias em quadrinhos. Essa concisão, porém, não compromete o fluxo narrativo (fundamental em ambas as artes), pois o leitor nota a progressão do enredo quadro a quadro. Outro elemento que chama atenção é a riqueza das cores, que ressalta a importância por elas exercida em Macunaíma, já que boa parte da narrativa se passa em um cenário natural. Além disso, a opção pelo traço não realista (diferente da imagem que temos das formas da realidade) permite integrar Macunaíma de maneira mais efetiva à natureza a seu redor. É o que se pode observar no quadrinho situado quase no centro da página, que representa as “noites de amargura” vividas pelo herói. Se no romance essa integração entre personagem e natureza é feita por meio de uma comparação (“Nas noites de amargura ele trepava num açaizeiro de frutas roxas como a alma dele […]”), na versão em quadrinhos ela ganha novo sentido por meio da semelhança de tons. Isso possivelmente explica a omissão do trecho “de frutas roxas como a alma dele” no quadrinho; afinal, o desenho comunica esse estado da perAbu, Angelo. Macunaíma em quadrinhos. São Paulo: Peirópolis, 2016. p. 28. sonagem com suas formas e cores.
Peirópolis/Arquivo da editora
Adaptações da literatura para os quadrinhos
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Sua leitura Leia a primeira página da HQ Dom Quixote, de Caco Galhardo, e um trecho do romance Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes. Em seguida, organize-se em um grupo de até quatro integrantes e, juntamente com os colegas, responda às questões propostas.
Capítulo 6 – Literatura e outras linguagens artísticas
Caco Galhardo, Peirópolis/Arquivo da editora
Texto 1
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Galhardo, Caco. Dom Quixote. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 5.
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Texto 2 CAPÍTULO I QUE TRATA DA CONDIÇÃO E EXERCÍCIO DO FAMOSO FIDALGO DOM QUIXOTE DE LA MANCHA Num lugar de La Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, vivia, não há muito, um fidalgo, dos de lança em cabido, adarga antiga, rocim fraco e galgo corredor. [...] Tinha em casa uma ama que passava dos quarenta, uma sobrinha que não chegava aos vinte, e um moço da poisada e de porta afora, tanto para o trato do rocim, como para o da fazenda. Orçava na idade o nosso fidalgo pelos cinquenta anos. Era rijo de compleição, seco de carnes, enxuto de rosto, madrugador, e amigo da caça. Querem dizer que tinha o sobrenome de Quijada ou Quesada, que nisto discrepam algum tanto os autores que tratam na matéria; ainda que por conjeturas verossímeis se deixa entender que se chamava Quijana. Isto, porém, pouco faz para a nossa história; basta que, no que tivermos de contar, não nos desviemos da verdade nem um til. É pois de saber que este fidalgo, nos intervalos que tinha de ócio (que eram os mais do ano), se dava a ler livros de cavalaria, com tanta afeição e gosto, que se esqueceu quase de todo o exercício da caça, e até da administração dos seus bens; e a tanto chegou sua curiosidade e desatino neste ponto, que vendeu muitos trechos de terra de semeadura para comprar livros de cavalaria que ler, com o que junto em casa quantos pôde apanhar daquele gênero. [...] Com estas razões perdia o pobre cavaleiro o juízo e, desvelava-se por entendê-las e desentranhar-lhes o sentido, que nem o próprio Aristóteles o lograria, ainda que só para isso ressuscitara. Não se entendia lá muito bem com as feridas que Dom Belianis dava e recebia, por imaginar que, por grandes facultativos que o tivessem curado, não deixaria de ter o rosto e todo o corpo cheio de cicatrizes e costuras. Porém, contudo louvava no autor aquele acabar o seu livro com a promessa daquela inacabável aventura, e muitas vezes lhe veio o desejo de pegar na pena, e finalizar ele a coisa ao pé da letra, como ali se promete; e sem dúvida alguma o fizera, e até o sacara à luz, se outros maiores e contínuos pensamentos lho não estorvaram. Teve muitas vezes testilhas com o cura do seu lugar (que era homem douto, graduado em Siguenza) sobre qual tinha sido melhor cavaleiro: se Palmeirim de Inglaterra, ou Amadis de Gaula; Mestre Nicolau, barbeiro do mesmo povo, dizia que nenhum chegava ao Cavaleiro do Febo; e que, se algum se lhe podia comparar, era Dom Galaor, irmão de Amadis de Gaula, o qual era para tudo, e não cavaleiro melindroso nem tão chorão como seu irmão, e que em pontos de valentia lhe não ficava atrás. Em suma, tanto naquelas leituras se enfrascou, que passava as noites de claro em claro e os dias de escuro em escuro, e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro, de maneira que chegou a perder o juízo. Encheu-se-lhe a fantasia de tudo que chegava nos livros, assim de encantamentos, como pendências, batalhas, desafios, feridas, requebros, amores, tormentas, e disparates impossíveis; e assentou-se-lhe de tal modo na imaginação ser verdade toda aquela máquina de sonhadas invenções que lia, que para ele não havia história mais certa no mundo. […] Afinal, rematado já de todo o juízo, deu no mais estranho pensamento em que nunca jamais caiu louco algum do mundo, e foi: parecer-lhe convinhável e necessário, assim para aumento de sua honra própria, como para proveito da república, fazer-se cavaleiro andante, e ir-se por todo o mundo, com as suas armas e cavalo, à cata de aventuras, e exercitar-se em tudo em que tinha lido se exercitavam os da andante cavalaria, desfazendo todo o gênero de agravos, e pondo-se em ocasiões e perigos, donde, levando-os a cabo, cobrasse perpétuo nome e fama.
Vocabulário de apoio
adarga: escudo oval de couro agravo: injúria, dano cabido: lugar onde se colocavam as armas compleição: constituição física. desvelar-se: empenhar-se galgo: cão lograr: alcançar, conseguir poisada: pousada rematar: aperfeiçoar rocim: cavalo de trabalho
Cervantes, Miguel de. Dom Quixote de la Mancha. Trad. Viscondes de Castilho e de Azevedo. São Paulo: Nova Cultural, 2002. p. 31-33.
Sobre os textos 1. Façam um breve comentário sobre a versão em HQ da história de dom Quixote. Na opinião do grupo, Caco Galhardo soube captar o essencial do enredo do romance? O que a linguagem dos quadrinhos trouxe de novo para a história do famoso cavaleiro andante? 2. A versão em HQ apresenta bem menos palavras do que o trecho do romance em que se baseou. Quanto ao estilo do texto literário, há também diferenças significativas em relação ao romance ou houve um esforço em preservá-lo? Justifiquem com base nos textos. 3. O estilo de desenho utilizado na HQ é realista, isto é, pessoas, cenários e objetos são representados de modo semelhante à maneira como são vistos na realidade? Na opinião do grupo, que efeito de sentido sugere esse estilo empregado por Caco Galhardo? 4. Que diferenças podem ocorrer na postura do leitor diante desses dois textos?
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Literatura e pintura Ao contrário de outras artes, como cinema e HQ, cujo viés narrativo é o principal elo com a literatura, no caso da pintura essa aproximação ocorre, sobretudo, em relação aos elementos poéticos. O romano Horácio (65a.C.-8a.C.) foi um dos primeiros a refletir sobre essa articulação. Uma de suas frases, ut pictura poesis (“como a pintura, é a poesia”), sintetizava sua concepção sobre a similaridade entre essas artes. Outro escritor, de nome Plutarco, também se debruçou sobre os vínculos entre poesia e pintura. Ele citava a frase do poeta grego Simónides de Céos, para quem “a pintura é poesia calada e a poesia, pintura que fala”. Em outros períodos da História, estudiosos procuraram definir os modos como a literatura se valia de elementos da pintura e vice-versa. Para o pintor e poeta francês do século XVII Du Fresnoy, “Um poema assemelha-se a um quadro; deste modo um quadro deveria também assemelhar-se a um poema.
Um quadro é muitas vezes considerado como poesia muda; e a poesia um quadro falante”.
A imagem no poema e na pintura
Musees Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Bruxelas, Bélgica. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix
Muitas vezes, é possível indentificar semelhanças entre o literário e o pictórico. Tomemos como exemplo o poema de Ana Martins Marques (1977-) e a pintura de Pieter Bruegel (1525-1569).
Ícaro (2) Nesta altura dos acontecimentos (pensou) só espero poder tocar o sol antes do solo Marques, Ana Martins. Da arte das armadilhas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 69.
Capítulo 6 – Literatura e outras linguagens artísticas
Bruegel, Pieter. A queda de Ícaro, 1558. Óleo sobre tela, 73,5 cm × 112 cm. Museu Real de Belas-Artes, Bruxelas, Bélgica.
Inicialmente, podemos destacar o título do poema, “Ícaro (2)”, que remete o leitor a um episódio da mitologia grega no qual o inventor Dédalo, para fugir de um labirinto, constrói um par de asas para si e para seu filho Ícaro, utilizando penas coladas com cera de abelhas. Antes de alçarem voo, o pai avisou a Ícaro para não voar muito perto do Sol, pois este poderia derreter a cera, o que o faria cair. O filho, no entanto, desobedeceu ao pai e acabou caindo no mar. O “eu” do poema pode representar Ícaro e seu desejo antes de cair ou, ainda, outra pessoa, que, à semelhança de Ícaro, está se lançando a um ambicioso desafio, mas acredita que o risco vale a pena mediante a recompensa que pode ser conquistada, mesmo que apenas por um instante, antes da possível (ou inevitável) queda. A obra de Bruegel, assim como o poema, não apresenta o mito de maneira óbvia. Em vez de representar Ícaro em destaque, no momento em que está prestes a tocar o Sol e cair, o artista optou por representar apenas suas pernas, após a queda no mar, enquanto as pessoas continuam seus afazeres cotidianos.
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A partir do século XX, o diálogo entre literatura e imagem expandiu-se para outras artes visuais além da pintura. Em alguns casos, a imagem é incorporada ao texto, produzindo novos efeitos de sentido. Em outros, mais extremos, a própria palavra serve de material para a criação de efeitos visuais sobre a página, que deixa de ser apenas um suporte para o texto verbal e passa a ser vista como um campo fértil para experimentações plásticas das mais diversas, como revela o poema “Rio”, de Arnaldo Antunes. Observe ao lado. A disposição inusitada das letras sobre a página é o que gera o efeito poético. Se fosse apenas grafado repetidas vezes de forma convencional, o substantivo “rio” estaria restrito a seu sentido denotativo. Contudo, o modo como essa repetição é explorada no poema gera sentidos conotativos, ou seja, metafóricos. A circularidade da imagem e a leitura no sentido inverso das letras do centro para fora (O IR) podem sugerir o curso constante dos rios. No Brasil, essa vertente da literatura foi explorada ao máximo pelo Concretismo, movimento artístico nascido na década de 1950 sob a liderança dos poetas Décio Pignatari (1927-2012) e dos irmãos Haroldo (1929-2003) e Augusto de Campos (1931-). Para os concretistas, a poesia deve ser feita de “palavras-coisa”, ou seja, além de signo verbal, a palavra é um objeto a ser explorado visualmente, como exemplifica o poema abaixo, de Augusto de Campos:
Arnaldo Antunes/Acervo do artista
A visualidade da palavra
Antunes, Arnaldo. 2 ou + corpos no mesmo espaço. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 45.
Augusto de Campos/ID/BR
Margens do texto De que maneira a disposição visual das palavras agrega sentido ao poema? Vocabulário de apoio
Campos, Augusto de. Ovonovelo, 1956. In: Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos – 1950-1960. São Paulo: Duas Cidades, 1975. p. 133.
infante: criança novelo: coisa que se encontra enrolada
Formas modernas das artes plásticas têm potencializado a visualidade da palavra. Seja em móbiles (esculturas formadas de elementos individuais suspensos) ou painéis interativos, as palavras ganham corpo ao deixar a superfície plana do papel para serem suspensas e até mesmo tocadas, ampliando ainda mais seus efeitos de sentido. Veja, na imagem ao lado, o poema-escultura Infinitozinho, de Arnaldo Antunes. Como se pode notar, a obra chama atenção por sua grande dimensão. A palavra infinitozinho é composta de baixo para cima, formando uma instalação de seis metros de altura. Anos mais tarde, em 2010, essa obra inspirou a criação de outra que também se destaca pela dimensão, mas em sentido oposto. Com o auxílio de físicos, a palavra “infinitozinho” foi grafada em uma estrutura mil vezes mais fina do que um fio de cabelo, tornando-se o primeiro nanopoema do Brasil.
Arquivo pessoal/Acervo do cedente
Além do papel
Antunes, Arnaldo. Infinitozinho, 2003.
A obra foi feita para a II Bienal de Artes Visuais do Mercosul, que aconteceu em Porto Alegre em 2003. Não escreva no livro.
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Sua leitura A seguir, você lerá dois textos. O primeiro é uma pintura do catalão Joan Miró (1893-1983), e o segundo, um trecho do poema “O sim contra o sim”, do pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Texto 1
Composição © Successión Miró/ AUTVIS, Brasil, 2016. Fotografia: Active Museum/Alamy/Latinstock
Texto 2
O sim contra o sim […] Miró sentia a mão direita demasiado sábia e que de saber tanto já não podia inventar nada. Quis então que desaprendesse o muito que aprendera, a fim de reencontrar a linha ainda fresca da esquerda. Pois que ela não pôde, ele pôs-se a desenhar com esta até que, se operando, no braço direito ele a enxerta. A esquerda (se não é canhoto) é mão sem habilidade: reaprende a cada linha, cada instante, a recomeçar-se. […] Melo Neto, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 298.
Miró, Joan. Composição, 1930. Óleo sobre tela, 230,2 cm × 165,5 cm. Museu de Grenoble, Grenoble, França.
Capítulo 6 – Literatura e outras linguagens artísticas
Sobre os textos 1. Caracterize brevemente, com suas próprias palavras, a pintura de Miró. 2. Essa obra pode ser considerada figurativa, isto é, suas formas assemelham-se à visão que temos da realidade? Justifique sua resposta. 3. O poema de João Cabral faz referência a Miró. Na primeira estrofe, a mão direita do pintor é definida como “demasiado sábia”, o que atrapalha seu processo criativo (“e que de saber tanto/ já não podia inventar nada”). a) Levando-se em consideração o ofício de Miró, como pode ser entendida a inteligência de sua mão direita? b) Por que essa inteligência atrapalha o processo criativo do artista? 4. As estrofes seguintes comentam a decisão tomada por Miró de pintar com a mão esquerda. a) Tendo em vista o contexto do poema, o que simboliza essa decisão? b) Estabeleça um diálogo entre a simbologia de pintar com a mão esquerda e o quadro de Miró. 5. Uma das principais marcas da poesia de João Cabral é a ausência de ornamentos, ou seja, a linguagem é contida, racional e rigorosa. Nesse sentido, é possível estabelecer um paralelo com a obra de Miró? Explique.
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Sua leitura
Augusto de Campos/Acervo do artista
Leia abaixo um poema de Augusto de Campos e responda às questões propostas.
Campos, Augusto de. amortemor. Equivocábulos. São Paulo: Invenção, 1970.
Sobre o texto 1. Faça um breve comentário sobre as relações entre palavra e imagem no poema acima. 2. Não há separação entre as letras no interior do triângulo, o que possibilita a formação de diversas palavras. a) Quais palavras podem ser identificadas na imagem? b) A relação entre essas palavras gera vários efeitos de sentido. Com base no contexto do poema, combine essas palavras criando, ao menos, duas interpretações possíveis. 3. Duas letras ficam fora do triângulo. a) Esse procedimento produz qual efeito de linguagem? b) Por que essas letras externas estão ausentes na base do triângulo? Justifique sua resposta dialogando com os efeitos de sentido sugeridos pelas letras que ocupam o interior do triângulo. 4. Com base em suas respostas anteriores, relacione o triângulo com os sentidos sugeridos pelas letras internas e externas. Navegue Com o advento da internet, há muitos sites que oferecem diferentes experiências envolvendo a poesia, tais como galerias de poemas visuais, sonoros e cinéticos (poemas criados com animações e técnicas variadas) e fábricas de poemas (sites que possibilitam que o usuário crie seu próprio poema). Além dessas, há também páginas onde é possível ouvir gravações de declamações de poemas feitas pelos próprios poetas ou por leitores. Uma experiência interessante, realizada pelo poeta Sérgio Capparelli, pode ser encontrada em seu site, na aba “Poesia digital”, com exemplos de poemas visuais e de poemas interativos, chamados pelo poeta de ciberpoemas. Disponível em: . Acesso em: 5 maio 2016.
Disponível em: . Acesso em: abril, 2016.
A poesia e a internet
Página inicial do site do poeta gaúcho Sérgio Capparelli.
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Literatura e música Roy Miles Fine Paintings; Swiss. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix
As relações entre a literatura (principalmente a poesia) e a música têm suas origens em tempos remotos. Na Grécia Antiga, por exemplo, a literatura e a música eram praticamente inseparáveis: a poesia era composta para ser cantada, acompanhada de um instrumento, preferencialmente a lira. Assim, surgiu o gênero lírico, uma das modalidades da literatura, segundo os gregos. Por muito tempo, uma parcela da produção poética era destinada ao canto e ao acompanhamento musical. Na Idade Média, menestréis e trovadores tocavam instrumentos, recitavam poemas e entoavam canções. Com a invenção da imprensa, uma parte substancial dos poemas passou a ser registrada por escrito, o que levou a poesia lírica a se distanciar do canto, em meados do século XVI, para ser lida silenciosamente.
A música das palavras Embora desvinculada do canto e do acompanhamento musical, a poesia preservou recursos musicais. Leia abaixo um trecho de “Redondilhas”, um dos mais conhecidos poemas líricos de Luís de Camões. Os bons vi sempre passar no mundo graves tormentos; e, para mais m’espantar, os maus vi sempre nadar em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim o bem tão mal ordenado, fui mau, mas fui castigado. Assim que, só para mim anda o mundo concertado. […]
Kauffmann, Angelica. Érato, a musa da poesia lírica com um querubim, século XVIII. Óleo sobre tela, 94 cm × 111 cm. Coleção particular.
Filha de Zeus e Mnemosine, Érato é a musa da poesia lírica, o que explica a presença de escritos em suas mãos e da lira próxima a seus pés. Essa representação evidencia a ligação entre poesia e música na Antiguidade grega.
Camões, Luís de. Obra completa. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. p. 475-476.
Capítulo 6 – Literatura e outras linguagens artísticas
Nesses versos, a musicalidade é construída com base em dois recursos poéticos principais: as rimas alternadas e a métrica regular composta de sete sílabas poéticas, a chamada redondilha maior. Além desses recursos, há também outros menos flagrantes: a aliteração (repetição de sons consonantais) e a assonância (repetição de sons vocálicos). A aliteração é perceptível em trechos como “anda o mundo” e “sempre passar”, em que são reforçados, respectivamente, os sons de “n” e “s”; e a assonância, em “para mais m’espantar”, onde se repete a sonoridade da vogal “a”. Leia agora as seguintes estrofes, extraídas do poema “Não me deixes”, de autoria de Gonçalves Dias. Debruçada nas águas dum regato A flor dizia em vão A corrente, onde bela se mirava… “Ai, não me deixes, não! “Comigo fica ou leva-me contigo” “Dos mares à amplidão, “Límpido ou turvo, te amarei constante “Mas não me deixes, não!”
E a corrente passava, novas águas Após as outras vão; E a flor sempre a dizer curva na fonte: “Ai, não me deixes, não!”
HIPERTEXTO Conheça, na parte de Linguagem (capítulo 14, p. 213), duas formas de exploração da sonoridade das palavras: a assonância e a aliteração.
E das águas que fogem incessantes À eterna sucessão Dizia sempre a flor, e sempre embalde: “Ai, não me deixes, não!” […]
Dias, Gonçalves. Não me deixes. In: Moisés, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 136.
Além da rima em “ão”, presente em boa parte dos versos, a musicalidade é obtida por meio do refrão, isto é, da repetição sistemática de um verso (“Ai, não me deixes, não!”). Muito comum nas cantigas trovadorescas, em que poesia e canto eram indissociáveis, o refrão permaneceu na produção poética posterior, como revelam esses versos de Gonçalves Dias, escritos no século XIX.
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A canção popular Um dos gêneros musicais que mais dialoga com a literatura é a canção popular. Se é verdade que o Brasil pode ser lido por meio de sua produção literária, o mesmo pode ser dito em relação às letras das canções brasileiras dos mais variados gêneros – das modinhas imperiais, passando pelo samba e pela bossa-nova, até o hip hop. Para além de sua relevância cultural, canção e literatura estabelecem entre si um rico intercâmbio de linguagens. O diálogo entre a literatura e a música ocorre de várias maneiras: pode aparecer por meio de citações, da musicalização de um poema ou, ainda, do emprego de recursos formais típicos da poesia em letras de música. Cabe ainda destacar o fato de muitos autores transitarem entre as duas linguagens, como os poetas e letristas Vinicius de Moraes (1913-1980), Paulo Leminski (1944-1989). Dessa estreita relação, surgiram letras de raro conteúdo poético, como “Resposta ao tempo”, escrita por Aldir Blanc e Cristovão Bastos.
Resposta ao tempo Batidas na porta da frente, é o tempo Eu bebo um pouquinho pra ter o argumento Mas fico sem jeito, calado, ele ri Ele zomba do quanto eu chorei Porque sabe passar e eu não sei Um dia azul de verão sinto o vento Há folhas no meu coração, é o tempo Recordo um amor que perdi, ele ri Diz que somos iguais, se eu notei Pois não sabe ficar e eu também não sei
E gira em volta de mim Sussurra que apaga os caminhos Que amores terminam no escuro sozinhos Respondo que ele aprisiona, eu liberto Que ele adormece as paixões, eu desperto E o tempo se rói com inveja de mim Me vigia querendo aprender Como eu morro de amor pra tentar reviver No fundo é uma eterna criança que não soube amadurecer Eu posso, ele não vai poder me esquecer
Bastos, Cristovão; Blanc, Aldir. A resposta ao tempo. Intérprete: Nana Caymmi. In: A resposta ao tempo. São Paulo: EMI, 1998. 1 CD. Faixa 1
Nessa canção, é possível observar o emprego de alguns recursos estéticos próprios da poesia. A começar por elementos musicais como rimas (“caminhos”/“sozinhos”, entre outras) e aliterações (“Batidas na porta da frente”). Do ponto de vista semântico (sentido), é marcante o uso de duas figuras de linguagem: a prosopopeia (personificação) e a antítese (oposição de ideias). A primeira aparece no primeiro verso, afinal é o tempo quem bate à porta do eu lírico e dele zomba e ri. Já a antítese marca a relação conflituosa entre o eu lírico e o tempo (“ele aprisiona, eu liberto”/ “ele adormece as paixões, eu desperto”).
Poética da canção Em uma canção, a relação entre letra e música envolve muitas variáveis. Para alguns compositores, o processo criativo é simultâneo, ou seja, melodia e música são criadas juntas. Há, porém, quem componha apenas melodias para letras ou letras para melodias. Seja qual for o processo, existe sempre um diálogo complexo entre elementos musicais e textuais, conforme comenta o ensaísta e compositor Francisco Bosco:
HIPERTEXTO Na parte de Linguagem (capítulo 14, p. 212), são apresentadas as figuras de linguagem, como prosopopeia, antítese e outras.
[…] de uma perspectiva estrutural, letra e música são sempre contemporâneas. Assim, se um letrista recebe uma melodia para “letrar”, ele o fará levando em conta essa espécie de superforma fixa que é a melodia-para-ser-letrada (mais complexa e mais restritiva que a forma fixa em poesia, já que exige que se respeite, não apenas o metro, a estrofação e o esquema de rimas, mas sílabas longas e breves, modulações, variações rítmicas, mudanças de intensidade, eventualmente até fonemas etc.), procurando criar uma letra que, junto a essa pré-estrutura, forme uma estrutura definida; da mesma maneira, se um músico recebe uma letra-para-ser-musicada, ele o fará levando em conta a pré-estrutura deste texto (uma letra-para-ser-musicada é uma pré-estrutura ou estrutura parcial), procurando atingir os mesmos objetivos de formar, ao cabo, a estrutura definida e definitiva da canção. Bosco, Francisco. Por uma ontologia da canção: poema e letra. Cult, São Paulo, Begrantini, ed. 102, mar. 2016. Disponível em: . Acesso em: 5 maio 2016.
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Sua leitura Casa Ôôô ôô Lá fora é selva A sós entre luz e trevas Nós, presos nessas fases de guerra, medo e [monstros, tipo Jogos Vorazes É pau, é pedra, é míssil E crer, é cada vez mais difícil Entende o negócio: nunca foi fácil Solo não dócil, esperança fóssil O samba deu conselhos: ouça Jacaré que dorme, vira bolsa, amor Eu disse no começo É quem tem valor, versus quem tem preço Segue teu instinto, que ainda é Deus e o Diabo na terra do sol Onde a felicidade, se pisca, é isca E a realidade, trisca, anzol Corre!
Capítulo 6 – Literatura e outras linguagens artísticas
O céu é meu pai A terra, mamãe E o mundo inteiro é tipo a minha casa O céu é meu pai A terra, mamãe E o mundo inteiro é tipo a minha casa Aos quinze, o Saara na ampulheta Aos trinta, tempo é treta Rápido como um cometa Hoje a fé numa gaiola, o sonho na gaveta Foi pelo riso delas que vim No mesmo caminho por nós, tipo Mágico de Oz Meu coração é tamborim, tem voz, sim Ainda bate veloz Entre drones e almas, flores e sorte
Se não me matou, me fez forte É o caos como cais; sem norte Venci de teimoso, zombando da morte Sem amor, uma casa é só moradia De afeto, vazia Tijolo e teto, fria Sobre chances, é bom vê-las Às vezes se perde o telhado, pra ganhar as [estrelas Tendeu? O céu é meu pai A terra, mamãe E o mundo inteiro é tipo a minha casa O céu é meu pai A terra, mamãe E o mundo inteiro é tipo a minha casa Ah, a gente já se acostumou Que a alegria pode ser breve Mostre o sorriso, tenha juízo A inveja tem sono leve À espreita, pesadelos São como desfiladeiros Chão, em brasa Nunca se esqueça o caminho de casa O céu é meu pai A terra, mamãe E o mundo inteiro é tipo a minha casa O céu é meu pai A terra, mamãe E o mundo inteiro é tipo a minha casa Salve Jardim Corisco, Cachoeira, Jardim [Fontalis, Furnas, Jardim Joamar, Pão de Mel, Jaçanã, Nova Galvão, Jardim Felicidade 12, Barrocada, Jardim das Pedras, Vila Rica Tamo junto, a rua é nóiz!
Emicida; Levy, Xuxa; Ogi. Casa. Intérprete: Emicida. In: Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa. São Paulo: Sony, 2015. 1 CD. Faixa 3.
Ouça #SCQPLC, de Emicida. Rio de Janeiro: Sony Music, 2015. 1 CD. A sigla que dá título ao primeiro álbum de estúdio do rapper Emicida quer dizer “Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa”. Entre os temas abordados nas faixas, estão a dura realidade da periferia dos grandes centros urbanos e outras feridas sociais brasileiras, como o racismo e a escravidão. O CD tem participações especiais de Caetano Veloso e Vanessa da Mata. Ouça o rap “Casa” e enriqueça ainda mais essa atividade, prestando atenção às relações entre letra e música.
Capa do CD #SCQPLC, de Emicida.
Laboratório Fantasma/Sony Music/Arquivo da editora
Leia a letra de rap a seguir, de autoria de Emicida, e responda às questões propostas.
Sobre o texto 1. Por aproximar o canto da fala, o rap apresenta marcas de oralidade, ou seja, da língua falada. Transcreva algum trecho de “Casa” em que se nota a oralidade. 2. Em “É pau, é pedra, é míssil/ E crer, é cada vez mais difícil/ Entende o negócio: nunca foi fácil/ Solo não dócil, esperança fóssil”, o rapper usou recursos musicais típicos da poesia. a) Quais são esses recursos? Justifique sua resposta. b) Transcreva outros trechos em que esses recursos aparecem. 3. O rap citado apresenta ainda um recurso típico da canção popular que auxilia na fixação de determinados versos. Qual é esse recurso? 4. Um dos temas mais recorrentes no rap é o cotidiano da periferia dos grandes centros urbanos. Esse é o caso da canção apresentada acima? Explique.
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Filosofia
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O mundo me condena E ninguém tem pena Falando sempre mal do meu nome Deixando de saber Se eu vou morrer de sede Ou se eu vou morrer de fome Mas a filosofia Hoje me auxilia A viver indiferente assim Nesta prontidão sem fim Vou fingindo que sou rico Pra ninguém zombar de mim. Não me incomodo Que você me diga Que a sociedade é minha inimiga Pois cantando neste mundo, Vivo escravo do meu samba Muito embora vagabundo.
Quanto a você da aristocracia Que tem dinheiro Mas não compra alegria Há de viver eternamente Sendo escrava dessa gente que cultiva hipocrisia.
Ouça Noel pela primeira vez, de Noel Rosa. Rio de Janeiro: NovoDisc, 2002. 7 CDs. Embora tenha vivido pouco, pois morreu de tuberculose aos 26 anos, o carioca Noel Rosa compôs mais de trezentas músicas e construiu uma das obras mais significativas da música popular brasileira. Com letras e melodias originais, Noel contribuiu para o incremento e a divulgação do samba. Essa coletânea reúne 229 gravações de Noel Rosa em suas versões originais, inclusive a canção “Filosofia”. Ao longo do tempo, essa canção foi regravada por diversos nomes importantes da música nacional, como Chico Buarque, Paulinho da Viola e Maria Gadú. Também vale a pena ouvir essas diferentes versões, facilmente encontradas na internet. Galeão Music/ID/BR
Alguns sambas antigos, como os de Noel Rosa (1910-1937), embora tratem de questões específicas de seu tempo, mostram-se relevantes para entendermos a realidade presente. Leia a letra de uma das músicas mais conhecidas de Noel Rosa e responda às questões propostas.
Capa da coletânea Noel pela primeira vez, com 7 CDs duplos.
Filho, André; Rosa, Noel. Filosofia. Intérprete: Noel Rosa. In: Noel pela primeira vez. Rio de Janeiro: NovoDisc, 2002. 7 CDs. Faixa 7.
Sobre o texto 1. Destaque elementos que dão musicalidade à letra da canção. 2. Descreva brevemente as características do “eu” da canção e comente a importância que ele dá à filosofia. 3. O “eu” da canção dirige-se a um interlocutor a quem chama de “você”. a) Descreva brevemente esse interlocutor. b) Qual é a relação do “eu” da canção com esse interlocutor? 4. “Tem dinheiro, mas não compra a alegria”. Essa afirmação, presente na canção de Noel Rosa, tem como origem um dito popular. Qual? 5. Em sua opinião, há elementos nessa canção que podem ser considerados atemporais, isto é, que não são restritos ao tempo em que ela foi gravada? Justifique sua resposta.
Nos últimos anos, o livro digital tem dividido atenções com o livro impresso. Algumas editoras têm optado até mesmo por publicar apenas no formato digital, atentas às múltiplas e cada vez mais desenvolvidas plataformas de leitura para esse formato de livro. 1. Com o incremento desse tipo de tecnologia, as obras literárias poderão incorporar diversas linguagens (áudios, vídeos, links) para criar novos efeitos de sentido no texto escrito, expandindo assim as fronteiras dos gêneros literários. Você concorda com a incorporação de novas linguagens ou acha que a literatura deve se restringir ao trabalho com as palavras?
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O que você pensa disto?
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capítulo
7 o que você vai estudar A condição pós-moderna. Veredas do romance hoje. Tendências da prosa curta.
Vertentes da literatura contemporânea A literatura no século XXI apresenta tamanha multiplicidade que não pode ser compreendida com base em conceitos estreitos ou movimentos artísticos de grande impacto. Expressão da diversidade do mundo em que vivemos, a literatura feita nas últimas décadas mantém um diálogo intenso com outras formas artísticas, além de interagir com uma vasta tradição literária, criticando-a ou filiando-se a algumas estéticas. A multiplicidade de ideias, processos, usos da linguagem, visões sobre a própria literatura nos permite experienciar várias formas de leitura. Estudar a grande diversidade que caracteriza a literatura contemporânea brasileira é o propósito deste capítulo.
Rumos da poesia. Caminhos da dramaturgia contemporânea.
Sua leitura Você vai ler dois textos: uma fotografia do artista holandês Wouter Van Riessen (1967-) e um poema do escritor brasileiro Fabiano Calixto (1973-). Em seguida, algumas perguntas vão ajudá-lo a explorar a imagem e o poema. Wouter van Riessen/AUTVIS, Brasil, 2016.
Texto 1
Riessen, Wouter Van. Autorretrato, 2007. Fotografia. 33 cm 3 25 cm. Acervo do artista. Amsterdã, Holanda.
Wouter Van Riessen é um artista visual holandês. Como muitos dos seus contemporâneos, transita por diferentes linguagens: fotografia, pintura e música. Essa imagem faz parte de uma série de autorretratos, nos quais o artista experimenta diferentes máscaras. 102
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Texto 2
entre noites melancólicas, ruas sem saída, dia após dia piorando a ferida aberta, custou-me, nuvens perdidas, passeios só, suor a contragosto, frio, no fundo do poço, catarata cobrindo o corpo todo, contas sem pagar, falta de ar, febre amarela, febre de rato, tifoide, deixando de lado o amor, sopro cosmo humano, disenteria erros calculados, a poesia?
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Quanto,
Calixto, Fabiano. Música possível. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 20.
Sobre os textos 1. Ao considerarmos o título Autorretrato, é possível concluir que a fotografia de Riessen apresenta como tema a própria figura do artista. a) Descreva a expressividade do rosto de Riessen. b) Que elementos chamam sua atenção ao olhar a fotografia? 2. Na fotografia de Riessen, o rosto aparece em duas imagens. Que efeito de sentido a justaposição dessas imagens cria? Justifique sua resposta. 3. O título do poema “Quanto,” mostra-se diferente do título da maioria dos poemas. Qual é essa diferença e que efeito ela provoca no início da leitura dos versos? 4. O poema “Quanto,” trata do custo da escrita poética. Quais são os versos em que o eu lírico melhor explicita seu “gasto” ao realizar o poema? 5. Preste atenção ao ritmo do poema. a) Caracterize o ritmo do poema e explique quais recursos contribuem para esse efeito. b) É possível estabelecer um diálogo entre o ritmo do poema e a experiência do indivíduo no mundo contemporâneo? Explique. 6. Apesar das diferenças de linguagem, a fotografia e o poema lidos apresentam traços em comum, um deles diz respeito à abordagem do tema da subjetividade do indivíduo no mundo contemporâneo. Como o “eu” está representado na fotografia? E de que modo essa representação dialoga com o eu lírico de “Quanto,”? Não escreva no livro.
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A condição pós-moderna e a situação da literatura hoje Uma das discussões que vem ganhando importância a partir dos anos 1990 trata das principais marcas que melhor caracterizariam a produção literária contemporânea, não apenas do ponto de vista estético, mas também da relação entre o autor, a obra e o leitor. Em uma sociedade amplamente globalizada, em que a informação é acessível em escala nunca antes vivenciada pelo homem e em que a arte e a literatura são vistas também como mercadorias, surgiu entre os estudiosos um conceito que se tornou chave para a compreensão dos rumos das artes e da literatura (assim como de todas as ciências humanas) nos anos recentes: a condição pós-moderna. Essa condição, na qual se insere tanto o artista como o leitor, caracteriza-se pela mescla de referências múltiplas: do universo pop ao registro erudito de uma cultura estabelecida por críticos especializados (que podemos chamar de canônica); dos espetáculos em dimensão global, que atingem milhões de pessoas simultaneamente, a elementos de uma cultura fragmentada que dialoga com diferentes grupos sociais. No entanto, ainda que a literatura contemporânea promova a integração do leitor com um panorama tão vasto de referências, ela não deixa de possibilitar o contato com um universo pessoal, subjetivo. Afinal, a leitura sempre será uma das atividades em que o indivíduo mais se volta para si mesmo. Longe de ser uma atitude isolada ou individualista, a relação entre o leitor e o texto literário pode ser considerada um momento de abertura do indivíduo para o mundo.
O aumento do número de editoras, a produção de livros digitais e a ampliação do acesso gratuito ao livro, propiciados pelas tecnologias de comunicação, além das inúmeras publicações virtuais e impressas sobre literatura, têm modificado a relação entre o livro e leitor. Os livros digitais ganham cada vez mais espaço e produzem mudanças significativas na forma como as obras literárias são comercializadas, uma vez que apenas alguns segundos separam o livro digital do leitor nas vendas pela internet. Há, também, uma infinidade de obras disponíveis gratuitamente em bibliotecas virtuais de todo o mundo, o que tem contribuído para a democratização do acesso à literatura. Outra forma de circulação e divulgação de obras literárias que surgiu com a difusão do acesso à internet é o blog. Os autores encontram nessa plataforma uma alternativa às editoras tradicionais e, em geral, a utilizam para publicar, por conta própria, gêneros breves, como contos, crônicas e poemas. Os leitores, por sua vez, fazem dos blogs e dos videoblogs um canal de compartilhamento das impressões de leitura e de variados comentários ligados ao universo literário. Há ainda aqueles que utilizam o ciberespaço para publicar as fanfictions, narrativas recriadas por fãs. Os leitores se baseiam em personagens e enredos de seus livros preferidos para inventar novas ficções. Diante desse novo contexto, é possível afirmar que o leitor tem se tornado cada vez mais ativo e participativo no universo literário.
TEC/Acervo do artista
Capítulo 7 – Vertentes da literatura contemporânea
Novas plataformas
Tec. Projeto Pipa, 2015.
Nascido em Córdoba, na Argentina, Tec apresenta como um dos aspectos centrais de sua obra a exploração das interações entre diferentes mídias. Em 2015, o artista produziu o inédito Projeto Pipa: série de intervenções realizadas em ladeiras do bairro de Americanópolis, em São Paulo. Seus desenhos de grandes proporções foram filmados utilizando a inovadora tecnologia dos drones, dando à sua arte uma nova perspectiva de apreciação.
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Duas vias cruzadas
Lota, Roberto; Pasche, Marcos. Saber demais: entrevista com Rubens Figueiredo. Jornal Rascunho. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2016.
Entre a representação mais imediata da realidade e uma literatura afeita à experimentação da linguagem, Rubens Figueiredo opta claramente pela primeira. Ele questiona a ideia de que o teor crítico e a seriedade seriam alcançáveis apenas pela via do experimentalismo estético. Para adeptos do experimentalismo, o uso de formas literárias consagradas, muitas delas centenárias, implica um anacronismo, como se o artista olhasse para o mundo atual com as lentes do passado, ignorando limitações formais que a História se encarregou de expor. Desse modo, a invenção formal seria também um ato crítico em si mesmo, ainda que a temática social estivesse ausente. É preciso, contudo, destacar que não se trata de uma divisão rigorosa, como se uma obra de temática social não demandasse o trabalho estético com a palavra; ou como se a outra, mais metalinguística, estivesse isenta de qualquer viés histórico e social. Nas produções literárias recentes, é possível notar tanto a criação de novas formas estéticas quanto uma visão profunda das questões sociais e/ou existenciais contemporâneas. Repertório
Os processos culturais Atualmente, pode-se observar a cultura com base em um conjunto de processos que se inter-relacionam, os chamados processos culturais. A seguir, veja alguns deles: Deslocamento cultural — substituição de formas consideradas obsoletas e “lentas” de produção e transmissão cultural por hábitos e tecnologias mais aceleradas. Difusão cultural — transmissão de objetos, ideias, comportamentos e tradições de uma cultura para outra. Transculturação — apreensão de formas culturais provenientes de outro grupo a ponto de substituir práticas culturais próprias. Ressignificação — processo em que uma cultura, ao interagir com outra, reinterpreta os elementos desta de acordo com lógicas culturais próprias, ressignificando-os.
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Rubens Figueiredo é autor de O passageiro do fim do dia (Companhia das Letras, 2010). O premiado romance narra o percurso de uma viagem de ônibus, abordando temas como a desigualdade e a violência na sociedade brasileira.
Navegue Literatura na rede Na internet, é possível encontrar inúmeras publicações, com perfis bem variados, relacionadas à literatura, que contribuem com a formação de leitores e divulgam novos e antigos escritores. Conheça: Ciber & Poemas: Além de divulgação de poemas visuais e ciberpoemas, há também possibilidade de interação on-line. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016. Cronópios: Dedica-se à literatura, e à arte. Apresenta vídeos, notícias, resenhas, críticas, ensaios e artigos, além de produções inéditas de prosa e poesia. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016. Jornal Rascunho: Espaço exclusivo para discussões literárias. Ensaios, resenhas e notícias inéditos e entrevistas com escritores brasileiros contemporâneos circulam nas versões on-line e impressa. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016. Revista Modo de usar & co.: Dedica-se à poesia sonora e visual. Na versão impressa, publica autores contemporâneos. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016. Disponível em: . Acesso em: abril, 2016.
Um romance tem grande chance de se tornar irrelevante se não fizer valer seu poder de conhecer e de investigar o mundo histórico. Nas últimas décadas, boa parte da literatura mundial apostou na ideia de que só é possível ser crítico a sério concentrando-se na exploração da linguagem mesma, da construção em si. O legado de todo esse esforço me parece hoje decepcionante. Em vez de radicalidade, o que me parece prevalecer é uma falta de vitalidade, um acanhamento. Talvez seja exagero, mas hoje às vezes até pressinto nessa opção uma forma insidiosa de autocensura, ou no mínimo de conformismo. Não necessariamente por uma opção consciente do escritor.
Paula Giolito/Folhapress
Diferentemente de outros momentos históricos, atualmente não é possível definir a produção literária contemporânea por meio de características gerais. Na atualidade, verifica-se grande variedade de grupos, correntes, estilos, tendências e movimentos nos quais as interações com o público se particularizam. No entanto, em meio a essa multiplicidade, é possível destacar duas tendências na literatura brasileira contemporânea: uma voltada à representação crítica da sociedade e outra, ao trabalho experimental da linguagem literária. Leia a seguir a opinião do romancista Rubens Figueiredo (1956-) sobre esses dois modos de pensar a criação literária na atualidade.
Página inicial do site Ciber & Poemas.
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Veredas do romance A ambientação da trama em cenários urbanos é uma das marcas da prosa nacional recente. Enquanto o espaço rural foi preponderante em muitas obras canônicas da segunda fase do nosso Modernismo, nos tempos atuais, há predominância, especialmente no caso do romance, de histórias que se passam no contexto das cidades. Desdobramento desse recorte temático, a representação da violência urba na é outra constante nos romances contemporâneos. De um lado, são produzidas narrativas que muitas vezes lembram a tradição do romance policial, repleto de personagens moralmente questionáveis e situações envolvendo a criminalidade. De outro, faz-se presente a descrição de situações que ocorrem em espaços de marginalidade. Em ambas, porém, há personagens que representam sujeitos sociais marcados pela exclusão econômica e social. Mais próxima à realidade, essa vertente do romance contemporâneo privilegia o enredo linear e a linguagem direta, muitas vezes coloquial, como evidencia o trecho a seguir, extraído do romance Manual prático do ódio, do paulistano Ferréz (1975-).
Autoficção Outra tendência que tem ganhado força na prosa recente é a autoficção. Trata-se de uma mescla de autobiografia e ficção, categorias, a princípio, opostas. Não raro narradas por um “eu” com o mesmo nome do autor, as histórias de autoficção fundem dados da vida pessoal do autor com a liberdade imaginativa da ficção, implodindo as fronteiras entre ficção e realidade. Vários autores nacionais e estrangeiros têm escrito romances autoficcionais. Entre os brasileiros, destacam-se Ricardo Lísias (1975-), Julián Fuks (1981-) e Cristovão Tezza (1952-).
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Régis não podia acreditar, estava azarado demais, só foi passar a ponte que a polícia o abordou, mostrou os documentos e os guardas o olharam com desprezo, pediram para sair do carro, ele saiu, logo que viu que seria revistado disse estar armado, Aires pegou a arma e colocou na cinta, e logo em seguida pediu para Régis entrar na viatura, Régis perguntou se não tinha ideia, a resposta foi seca. — Tem ideia lá com o delegado.
Repertório
Eduardo Knapp/Folhapress
Violência urbana
Ferréz. Manual prático do ódio. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003. p. 189.
Vocabulário de apoio
despojo: fragmento, resto inexorável: que se recusa a ceder, inflexível
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Sei que escrevo meu fracasso. Não sei bem o que escrevo. Vacilo entre um apego incompreensível à realidade — ou aos esparsos despojos de mundo que acostumamos chamar de realidade — e uma inexorável disposição fabular, um truque alternativo, a vontade de forjar sentimentos que a vida se recusa a dar. Nem com esse duplo artifício alcanço o que pensava desejar. Queria falar do meu irmão, do irmão que emergisse das palavras mesmo que não fosse o irmão real, e, no entanto, resisto a essa proposta a cada página, fujo enquanto posso da história dos meus pais.
Ricardo Lísias, autor de Divórcio (2013), tornou-se um dos escritores mais representativos da autoficção na literatura brasileira. São Paulo. Foto de 2011.
Scarpelli/ID
Será que as formas tradicionais de contar histórias são efetivas para a representação dos dilemas individuais e coletivos da humanidade? Existiria, enfim, uma forma efetiva de narração? Essas perguntas perpassam outra vertente do romance contemporâneo, aquela que se debruça sobre os impasses da narrativa. Nas obras mais alinhadas a essa vertente, há o questionamento dos princípios que consagraram a forma do romance, como a soberania do narrador (que tudo sabe, tudo vê) e a linearidade temporal. Esse questionamento aparece, entre outros aspectos, sob a forma de um narrador confessadamente falho ao organizar fatos e sentimentos. Porém, essa limitação não deve ser confundida com ausência de enredo, pois o narrador não se furta a contar histórias, ao contrário, enfrenta sua missão ciente dos impasses envolvidos nesse processo. No excerto abaixo, o narrador Sebastián, alter ego do autor Julián Fuks, revela impasses ao narrar a história do irmão.
Veridiana
Capítulo 7 – Vertentes da literatura contemporânea
Impasses narrativos
Fuks, Julián. A resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 95.
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A multiplicidade da literatura contemporânea Embora seja possível apontar algumas tendências, elas certamente não dão conta da multiplicidade da prosa recente. Prova disso são as diferenças entre as obras de três importantes romancistas brasileiros da atualidade: Milton Hatoum, Marçal Aquino e Luiz Ruffato.
Milton Hatoum: identidade e diferença A família que se desfaz: segundo parte da crítica, esse é um dos temas mais recorrentes da prosa do amazonense Milton Hatoum (1952-). O desencontro no interior do ambiente doméstico, entretanto, é um espelho do deserto do homem contemporâneo, que busca em suas origens um lugar que dê sentido para sua vida. Além disso, as características naturais da região amazônica – floresta, mangues, regime das chuvas – são um espaço primordial na narrativa de Hatoum. Um relâmpago havia provocado um curto-circuito na Casa Rochiram. O bazar indiano tornara-se um breu na tarde sombria, coberta de nuvens baixas e pesadas. Entrei no meu quarto, este mesmo quarto nos fundos da casa de outrora. [...] O toró que cobria Manaus, trégua na quentura do equador, me aliviava. Frutas e folhas boiavam nas poças que cercavam a porta do meu quarto. Nos fundos, o capim crescera, e a cerca de pau podre, cheia de buracos, não era mais uma fronteira com o cortiço. Desde a partida de Zana eu havia deixado ao furor do sol e da chuva o pouco que restara das árvores e trepadeiras. Zelar por essa natureza significava uma submissão ao passado, a um tempo que morria dentro de mim.
Margens do texto No fragmento ao lado, o narrador lamenta a morte de seu passado. Identifique, no trecho, os recursos do autor para figurativizar essa morte.
Hatoum, Milton. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 264-265.
No texto, o clima da cidade torna-se um reflexo dos conflitos internos da personagem, que lamenta a decadência do presente, apegando-se ao passado.
A fala direta de Marçal Aquino e os tipos sociais de Luiz Ruffato
Aos poucos, Berenice se instalou no apartamento. Ele percebeu o que acontecia, mas não fez nada a respeito. Gostava dela, ou ao menos pensou que gostava. Não do jeito que gostara, gostara?, de Marlene. Menos. Brito tinha esperança de que a coisa aumentasse de intensidade com o tempo. Era só tirar os comprimidos de cena. Berenice dava festas, recebia amigos para jantar. Gente colorida, alegre, cuja noção de futuro não ia muito além da programação das noites da semana. Brito e Marlene nunca recebiam ninguém no apartamento, e ele ficou em dúvida se o isolamento dos dois não contribuíra para o fim. Os convidados de Berê o divertiam. Eram todos bem mais jovens do que ele, mas o tratavam de igual para igual, e Brito gostava daquilo. Uma vez, numa festa, um barbudo cheio de brincos e anéis perguntou como ele ganhava a vida. Eu mato gente.
Adriana Alves/ID/BR
As obras de Marçal Aquino (1958-) e de Luiz Ruffato (1961-) são dois outros exemplos da literatura de hoje. As personagens das obras de Luiz Ruffato fazem parte de uma parcela da população que se movimenta entre as classes baixa e média. São tipos sociais que convivem com as marcas da miséria econômica, que se estende para outros campos simbólicos e psicológicos. Para representá-los, Ruffato lança mão de um estilo que mescla o registro direto e coloquial com experimentações diversas, desde frases entrecortadas que mais parecem versos a páginas inteiras em preto. A obra de Marçal Aquino contempla produções jornalísticas, literárias e de roteiros, as quais se influenciam mutuamente. Apresenta, ainda, uma forma despojada e direta no trato das situa ções e das personagens, quase sempre envolvidas em tramas cercadas de violência. O texto a seguir foi extraído de Cabeça a prêmio (2003), romance posteriormente adaptado para o cinema cujas personagens são Brito e Albano, dois matadores de aluguel.
Aquino, Marçal. Cabeça a prêmio. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 173-174.
A fala direta, sem rebuscamento, mostra o universo da criminalidade sem atribuir-lhe valor depreciativo. Dessa forma, o leitor tem a possibilidade de tecer suas próprias considerações. Não escreva no livro.
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Sua leitura Você vai ler dois fragmentos que representam alguns dos caminhos percorridos pela produção literária nas últimas décadas. O primeiro é um trecho do romance Domingos sem Deus (2011), de Luiz Ruffato. O segundo foi retirado do romance Órfãos do Eldorado (2008), de Milton Hatoum. Leia atentamente os textos e responda às questões. Texto 1
comezinho: comum crestado: queimado fícus: figueira pintalgado: que apresenta manchas de várias cores puído: surrado, desgastado sibipiruna: tipo de árvore comumente usada na arborização urbana no Brasil
Scarpelli/ID
Veridiana
Capítulo 7 – Vertentes da literatura contemporânea
/BR
Mirou a mãe, a pele do rosto crestada, rugas de uma velhice antecipada, os braços e as mãos pintalgados de manchas-de-sol, toda a vida debruçada a um fogão, labutando manhã à noite, escrava dos seus, ausentes fins de semana, feriados, nada de festas, nada de alegrias comezinhas, nunca um desejo, visitar os parentes dispersos por Ubá, Astolfo Dutra, Juiz de Fora, conhecer o mar em Mataraízes, passear à toa na Praça Rui Barbosa ou na Rua do Comércio, apenas a primeira missa domingueira na Matriz de Santa Rita de Cássia, ano após ano assistindo os filhos crescerem, os dias virarem noites virarem dias, e, de supetão, anunciou, Mãe, vou embora pra São Paulo, porque sabia, demorasse muito talvez permanecesse para sempre atolado naquela cidade, naquele bairro, naquela morada, naquele pedaço estagnado do tempo, e ela, atônita, perguntou, Embora? São Paulo? Desde quan, mas nada mais escutou, galgou os degraus, dois em dois, bateu a porta da rua e andou a esmo, a tudo contemplando, os amigos, os conhecidos, os estranhos, os homens e as mulheres, os rapazes e as moças, os velhos e as velhas, as crianças e os bebês, as árvores copadas, as mudas mirradas, as fábricas de tecidos, as oficinas mecânicas, as bancadas de eletricistas, as bancas de jornais, as lojas e os armarinhos, os armazéns e as quitandas, as padarias, os bares, os botequins, os carros e os ônibus e os caminhões e as carretas, os gatos, os cachorros, os fícus, as sibipurunas, os salões paroquiais, os salões dos crentes, os salões de cabeleireiros, os salões de dança, os prostíbulos, a Prefeitura, os hotéis suspeitos, a Câmara Municipal, os estádios de futebol, os campos de pelada, os centros espíritas, os centros de macumba, o Centro, o Rio Pomba, o Rio Meia-Pataca, o córrego Lava-Pés, o córrego Romualdinho, a Ponte Nova, a Ponte Velha, o colégio, o ginásio, os grupos-escolares, a escola de samba, como se fosse a primeira vez, sendo a última. São Paulo é um mundo, as palavras do pai ressoaram na noite iluminada por uma enfermiça lâmpada de quarenta velas, sombras disformes escorrendo pânicas pelas paredes. Sentados à mesa, recoberta por uma puída toalha xadrez, devoravam a broa-de‑fubá, ainda quente, recém-desenformada. A mãe, encurvada, arrastando suas varizes de um lado para o outro, perguntava, Mais café, quer?, adivinhando, angustiada, que naquele exato instante perdia o caçula, irremediavelmente… O Toninho mastigava satisfeito, todo olhos para a noiva, a Delinha, filha do falecido seu Miguel Carroceiro, que Deus o tenha!, que retribuía, recatada, sorrisos envergonhados. A Júlia, rodando a Praça Rui Barbosa, bateando alguém que pudesse libertá-la daquela sina, daquela escrita, operária de fábrica; o Lalado, rodando pela Rio-Bahia, Roberto Carlos esgoelando no toca-fitas.
Vocabulário de apoio
Ruffato, Luiz. Domingos sem Deus. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 76-77.
Sobre o texto 1. Faça um breve comentário sobre o estilo do texto. Considere elementos como linguagem, representação da fala das personagens e pontuação. 2. Conforme exposto neste capítulo, muitas das personagens do escritor Luiz Ruffato são tipos sociais às voltas com a pobreza. Como essa característica está presente no trecho acima, extraído de Domingos sem Deus? 3. O que a ida a São Paulo representa para a personagem e sua família? 4. Explique a seguinte metáfora presente no texto: “pedaço estagnado do tempo”.
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Saímos de Manaus numa lancha pequena, e no meio da manhã navegamos no coração do arquipélago das Anavilhanas. A ânsia de encontrar Dinaura me deixou desnorteado. A ânsia e as lembranças da Boa Vida. A visão do rio Negro derrotou meu desejo de esquecer o Uaicurapá. E a paisagem da infância reacendeu minha memória, tanto tempo depois. Costelas de areia branca e estriões de praia em contraste com a água escura; lagos cercados por uma vegetação densa; poças enormes, formadas pela vazante, e ilhas que pareciam continente. Seria possível encontrar uma mulher naquela natureza tão grandiosa? No fim da manhã alcançamos o paraná do Anum e avistamos a ilha do Eldorado. O prático amarrou os cabos da lancha no tronco de uma árvore; depois, procuramos o varadouro indicado no mapa. A caminhada de mais de duas horas na floresta foi penosa, difícil. No fim do atalho, vimos o lago do Eldorado. A água preta, quase azulada. E a superfície lisa e quieta como um espelho deitado na noite. Não havia beleza igual. Poucas casas de madeira entre a margem e a floresta. Nenhuma voz. Nenhuma criança, que a gente sempre vê nos povoados mais isolados do Amazonas. O som dos pássaros só aumentava o silêncio. Numa casa com teto de palha pensei ter visto um rosto. Bati à porta, e nada. Entrei e vasculhei os dois cômodos separados por um tabique da minha altura. Um volume escuro tremia num canto. Fui até lá, me agachei e vi um ninho de baratas-cascudas. Senti um abafamento; o cheiro e o asco dos insetos me deram um suadouro. Lá fora, a imensidão do lago e da floresta. E silêncio. Aquele lugar tão bonito, o Eldorado, era habitado pela solidão. No fim do povoado encontramos uma casa de farinha. Escutamos uns latidos; o prático apontou uma casa na sombra da floresta. Era a única coberta de telhas, com uma varanda protegida por treliça de madeira e uma lata com bromélias ao lado da escadinha. Um ruído no lugar. Na porta vi o rosto de uma moça e fui sozinho ao encontro dela. Escondeu o corpo, e eu perguntei se morava ali.
Daniel Almeida/ID/BR
Texto 2
Vocabulário de apoio
asco: nojo estrião: que possui o formato de estrias, que possui sulcos paraná: braço de um rio mais ou menos caudaloso separado do tronco principal por uma série de ilhas suadouro: ato ou efeito de suar Uaicurapá: nome de um rio amazônico varadouro: lugar de descanso ou de conversa; lugar onde se consertam ou se guardam os barcos vazante: movimento de esvaziamento da maré
Hatoum, Milton. Órfãos do Eldorado. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 101-102.
Sobre o texto 1. Quais são as características do espaço da narrativa?
Aquele lugar tão bonito, o Eldorado, era habitado pela solidão.
a) Que recurso expressivo se observa nessa passagem? b) Que efeito é criado por esse recurso? 4. O cenário externo pode ser entendido como um reflexo da condição interna do narrador. a) Que elementos propiciam certa tranquilidade ao narrador, apesar de sua ansiedade? Explique sua resposta. b) Que elemento do cenário reflete a turbulência interna do narrador?
Sobre os textos 1. A linguagem usada na narrativa contemporânea costuma se aproximar da fala cotidiana. Pode-se afirmar que os textos lidos apresentam essa característica? Justifique sua resposta.
Não escreva no livro.
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Leia Cinzas do Norte, de Milton Hatoum. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Esse terceiro romance de Milton Hatoum também se passa na cidade de Manaus (AM). A história trata da longa amizade entre Olavo e Raimundo entre os anos 1950 e 1960. É considerada pela crítica “a história moral” da geração do escritor. Companhia das Letras/Arquivo da editora
2. As personagens de Hatoum associam-se aos espaços em que vivem ou no qual se encontram. Que características do espaço de Eldorado podem ser associadas a Dinaura? 3. Releia.
Capa do livro Cinzas do Norte.
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Tendências da prosa curta Leia Os melhores jovens autores brasileiros, Revista Granta, v. 9, Rio de Janeiro, Objetiva, 2012. Essa edição especial da Revista Granta reúne textos de 20 escritores brasileiros com menos de 40 anos de idade na época da seleção. Entre eles, estão Antonio Prata, Chico Mattoso, Daniel Galera, João Paulo Cuenca, Michel Laub e Vanessa Barbara. Os autores foram selecionados por um grupo de sete jurados, os quais avaliaram contos e trechos de romance inéditos enviados à revista. Os textos reunidos nesse volume caracterizam-se por sua diversidade de estilos e temas e representam um verdadeiro guia da nova literatura contemporânea. Objetiva/Acervo do fotógrafo
Nas últimas décadas, as formas narrativas breves têm partilhado com o romance algumas características como o predomínio da ambientação urbana e da linguagem direta, próxima ao registro coloquial. Porém, devido à pluralidade de formas, é difícil abarcar toda a produção contemporânea de contos e crônicas com base em um conjunto de categorias rígidas. No que se refere aos contos, é possível destacar algumas inovações formais, mas que não abalam a essência do gênero, marcado pela concisão e pela tensão narrativa, ou seja, por um enredo curto, envolvente e pleno de significados. Um exemplo desse tipo de produção literária é o conto “Umbilical”, do escritor paulista João Carrascoza (1962-). Narrado em um único parágrafo, o conto apresenta mudanças sucessivas do narrador em primeira pessoa: ora o “eu” representa a mãe, ora o filho, procedimentos que potencializam a simbologia do amor que une as personagens. No trecho a seguir, note ainda que a consciência da personagem é representada por meio da escrita em itálico. Quando ele entrou em casa, eu estava na cozinha e não poderia escutar o ruído da chave girando na fechadura, nem o rangido da porta a se abrir, rascante como o da colher de pau no fundo da panela na qual àquela hora ela fazia o molho para a macarronada, porque as folhas da árvore no jardim zumbiam em meus ouvidos com a ventania e, pelo cheiro da comida no ar, eu logo pensei, A mãe deve estar acabando a janta, [...] Carrascoza, João Anzanello. Umbilical. In: O volume do silêncio. São Paulo: Cosac Naify, 2012. p. 153.
Gênero híbrido, pois transita livremente entre o lirismo e a narração, a crônica tem preservado seu caráter prosaico ao registrar com linguagem leve e precisa as impressões cotidianas que escapam ao olhar comum. Herdeiros da tradição brasileira a que pertencem nomes como João do Rio (1881-1921) e Rubem Braga (1913-1990), cronistas contemporâneos, cada qual à sua maneira, presenteiam seus leitores com retratos inusitados do tempo atual, como exemplifica o trecho a seguir, extraído de uma crônica do jornalista e escritor cearense Xico Sá (1962-).
Margens do texto
Até que o status do Facebook nos separe Curtir ou não curtir, converso aqui com meus botões, é o de menos, caro Mark Zuckerberg. O que importa é o status amoroso, ainda muito pobre de opções diante dos vínculos e sentimentos fragmentados dos nossos dias. Não adianta apenas chorar o amor líquido que escorre pelo ralo. Temos também que tirar uma buena onda do atual estadão das coisas. As opções existentes – solteiro, casado, noivo, divorciado, viúvo etc. – são válidas, mas ainda estão muito ligadas aos tempos católicos do “até que a morte vos separe”. Yes, Mr. Zuckerberg, o “estou em um relacionamento aberto” já foi um belo avanço do seu Facebook. O “relacionamento complicado” idem, oferece humor para quem não cai no conto de transformar a rede social em um novo e falso paraíso. Veridiana Scarpelli/ID/BR
Capítulo 7 – Vertentes da literatura contemporânea
Capa da Revista Granta, edição especial reuniu jovens escritores brasileiros.
A relação estreita com os acontecimentos do cotidiano é uma das características da crônica. Qual fa to da atualidade é abordado nessa crônica?
Vocabulário de apoio
buena: palavra em espanhol cuja tradução para o português é “boa” Mark Zuckerberg: fundador do Facebook status: estado, situação
Sá, Xico. Disponível em: . Acesso em: 2 maio 2016.
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Sua leitura A seguir, você vai ler uma crônica de Antonio Prata (1977-). Depois, responda às perguntas.
Vocabulário de apoio
Os outros
ontológico: relativo à ontologia, doutrina filosófica voltada ao estudo do ser em suas variadas formas tacanho: insignificante
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Você não acha estranho que existam os outros? Eu também não achava, até anteontem, quando tive o que, por falta de nome melhor, chamei de SCA – Súbita Consciência da Alteridade. Estava no carro, esperando o farol abrir, e comecei a observar um pedestre, vindo pela calçada. Foi então que, do nada, senti o espasmo filosófico, a fisgada ontológica. Simplesmente entendi, naquele instante, que o pedestre era um outro: via o mundo por seus próprios olhos, sentia um gosto em sua boca, um peso sobre seus ombros, tinha antepassados, medo da morte e achava que as unhas dos pés dele eram absolutamente normais – estranhas eram as minhas e as suas, caro leitor, pois somos os outros da vida dele. O farol abriu, o pedestre ficou para trás, mas eu não conseguia parar de pensar que ele agora estava no quarteirão de cima, aprisionado em seus pensamentos, embalado por sua pele, tão centro do Cosmos e da Criação quanto eu, você e sua tia-avó. Sei que o que estou dizendo é de uma obviedade tacanha, mas não são essas verdades as mais difíceis de enxergar? A morte, por exemplo. Você sabe, racionalmente, que um dia vai morrer. Mas, cá entre nós: você acredita mesmo que isso seja possível? Claro que não! Afinal, você é você! Se você acabar, acaba tudo e, convenhamos, isso não faz o menor sentido. As formigas não são assim. Elas não sabem que existem. E, se alguma consciência elas têm, é de que não são o centro nem do próprio formigueiro. Vi um documentário, ontem de noite. Diante de um riacho, as saúvas africanas se metiam na água e formavam uma ponte, com seus próprios corpos, para que as outras passassem. Morriam afogadas, para que o formigueiro sobrevivesse. Não, nenhuma compaixão cristã brotou em mim naquele momento, nenhuma solidariedade pela formiga desconhecida. (Deus me livre, ser saúva africana!). O que senti foi uma imensa curiosidade de saber o que o pedestre estaria fazendo naquela hora. Estaria vendo o mesmo do cumentário? Dormindo? Desejando a mulher do próximo? Afinal, ele estava existindo, e continua existindo agora, assim como eu, você, o Bill Clinton, o Moraes Moreira. São sete bilhões de narradores em primeira pessoa, soltos por aí, crentes que, se Deus existe, é conosco que virá puxar papo, qualquer dia desses. Sete bilhões de mundinhos. Sete bilhões de chulés. Sete bilhões de irritações, sistemas digestivos, músicas chicletentas que não desgrudam da cabeça e a esperança quase tangível de que, mês que vem, ganharemos na loteria. Até a rainha da Inglaterra, agorinha mesmo, tá lá, minhocando as coisas dela, em inglês, por debaixo da coroa. Não é estranhíssimo?
alteridade: condição do outro
Prata, Antonio. Os outros. In: Meio intelectual, meio de esquerda. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 17-18.
Sobre o texto 1. Preste atenção ao narrador da crônica. a) Qual é o tipo de narrador utilizado? b) Quem ele representa? 2. No âmbito temático, a crônica se caracteriza por uma interpretação particular e inusitada de ações cotidianas aparentemente banais. Com base nessa informação, explique quais aspectos característicos da crônica se apresentam no texto de Antonio Prata. 3. Caracterize brevemente a linguagem empregada no texto. Que efeito ela produz no leitor? 4. Compare a reação do narrador ao ver as saúvas africanas no documentário ao sentimento que ele teve ao observar o pedestre. Há diferença? Por quê? 5. Explique o sentido do neologismo minhocando, que aparece no fim da crônica.
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Vertentes da literatura contemporânea
Versos de tantas vozes
Livre diálogo com a tradição Até meados do século XVIII, o bom poeta era aquele que mantinha com a tradição uma relação de reverência, pois, para ser reconhecido, devia seguir à risca formas e temas pré-estabelecidos. A partir de meados do século XIX, porém, ganhou força a ideia de originalidade, ou seja, o ineditismo tornou-se quase uma condição para o reconhecimento. O desejo pelo novo, pelo diferente, ainda persiste nos tempos atuais, mas não deve ser entendido como recusa à tradição da poesia. É possível verificar a presença de um diálogo com obras clássicas, porém ele é feito com liberdade, uma vez que é permitido ao poeta reinventar formas tradicionais de composição ou até mesmo misturar temas eruditos com elementos das culturas pop e popular. Leia abaixo os versos de Paulo Henriques Britto (1951-). Será que é não querer que se deseja? Então ter tudo é a solução de tudo? O meu mundo é teu. Toma aí. Pode pegar. E então? É pra viagem ou vai comer aqui e agora? Não é todo dia não que o mundo cai no colo, de bandeja. Difícil responder assim de chofre. Queria tanto querer não querer...
Dez conversas: diálogos com poetas contemporâneos, de Fabrício Marques. Belo Horizonte: Gutemberg, 2007. O que os poetas contemporâneos têm a dizer sobre a poesia? Com base em uma série de entrevistas realizadas entre 1997 e 2003 com poetas consagrados, o jornalista e poeta Fabrício Marques organizou o livro Dez conversas: diálogos com poetas contemporâneos, em que se discutem os projetos estético-literários de cada um deles. Affonso Ávila, Armando Freitas Filho, Chacal, Maria do Carmo Ferreira, Millôr Fernandes, Ricardo Aleixo, Sebastião Nunes e Sebastião Uchoa Leite são alguns dos entrevistados. O resultado é um excelente panorama da produção poética na passagem do século XX para o XXI.
Capa do livro Dez conversas: diálogos com poetas contemporâneos.
Margens do texto Observe que o poema é construído com o uso de algumas expressões coloquiais. Identifique-as.
Britto, Paulo Henriques. Macau. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 59.
O poema é o terceiro da série “Dez sonetoides”, que integra o livro Macau (2003). Como evidencia o nome da série, o poema dialoga livremente com a forma fixa do soneto. Muito usado na tradição da lírica ibérica do século XVI, o soneto apresenta catorze versos decassílabos, divididos em dois quartetos e dois tercetos. À primeira vista, é possível notar que Paulo Henriques Britto subverte essa forma clássica, pois seu poema apresenta dez versos, divididos em dois tercetos e dois dísticos. Além disso, a métrica irregular e a linguagem coloquial contribuem para a quebra do rigor formal e do tom elevado, característicos do soneto. Esse diálogo com a tradição é ainda mais marcante na obra da gaúcha Angélica Freitas (1973-). Em sua poesia, referências a grandes nomes da literatura misturam-se a situações banais, corriqueiras, como exemplificam os versos: “ah, sim, shakespeare é muito bom / mas e beterrabas, chicória e agrião?”. Além de irreverente, esse procedimento desmitifica a tradição, uma vez que, nesses versos, a relevância de “shakespeare” (não gratuitamente grafado com a inicial minúscula) é comparada à de legumes e verduras.
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Coletivo Transverso/Arquivo do fotógrafo
Capítulo 7 – Vertentes da literatura contemporânea
Epa. Resposta dada. Ué? Já vai? Nem mais um pouquinho de enxofre?
Leia
Autêntica/Arquivo da editora
Há tempos a poesia brasileira deixou de ser privilégio de um grupo restrito de leitores e autores familiarizados com o cânone do gênero lírico. Da incorporação da fala cotidiana empreendida há quase um século pelos modernistas, passando pelos saraus, que se espalham país afora, até o uso de redes sociais para a produção e a difusão de literatura, a poesia passou a dar voz às mais diversas subjetividades. A poesia atual, assim como as outras produções literárias contemporâneas, não pode mais ser organizada com base em alguns movimentos estéticos rigorosos, tamanha a diversidade de expressões poéticas nos últimos anos.
Intervenção urbana poética do Coletivo Transverso. Criado em Brasília, em 2011, o grupo tem como objetivo espalhar sua arte pelas ruas. Como muitos artistas da atualidade, o coletivo mescla diferentes linguagens para afetar o cotidiano das pessoas. Rio de Janeiro. Foto de 2013. Não escreva no livro.
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Sua leitura A seguir, você lerá dois poemas de autores representativos da poesia brasileira contemporânea.
Exílios o nariz da minha mulher lembraria o focinho de uma capivara de pelúcia se vivêssemos numa ilha selvagem onde as capivaras fossem os únicos
animais e corressem risco de extinção — desde que conheci minha mulher me sinto exilado dentro de mim mesmo
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Texto 1
Corsaletti, Fabrício. Esquimó. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 37.
Texto 2
rilke shake salta um rilke shake com amor & ovomaltine quando passo a noite insone e não há nada que ilumine eu peço um rilke shake e como um toasted blake sunny side para cima quando estou triste & sozinha enquanto o amor não cega bebo um rilke shake e roço um toasted blake na epiderme da manteiga
Vocabulário de apoio
nada bate um rilke shake no quesito anti-heartache nada supera a batida de um rilke com sorvete por mais que você se deite se deleite e se divirta tem noites que a lua é fraca as estrelas somem no piche e aí quando não há cigarro não há cerveja que preste eu peço um rilke shake engulo um toasted blake e danço que nem dervixe
Freitas, Angélica. Rilke shake. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: Viveiros de Castro Editora, 2006. p. 39.
Sobre os textos 1. Em sua opinião, o texto 1 é um exemplo clássico de poema de amor? Justifique sua resposta. 2. O eu lírico de “Exílios” faz uma comparação inusitada entre o nariz de sua mulher e o de uma capivara de pelúcia. a) Em que circunstância o nariz dela lembraria o focinho de uma capivara de pelúcia? b) O que essa circunstância sugere? c) Considerando suas respostas anteriores e o poema, essa comparação pode ser considerada ofensiva? 3. Compare brevemente os recursos formais empregados em ambos os textos. Sua resposta deve contemplar os seguintes elementos: métrica, rima e vocabulário. 4. O texto 2 é repleto de expressões inusitadas, muitas delas com palavras de língua inglesa. a) No que se refere ao som e à grafia, a que palavra se assemelha a expressão rilk shake, que intitula o poema? b) R. M. Rilke (1875-1926) e William Blake (1757-1827) são dois importantes poetas da literatura ocidental. Considerando essa informação e o poema como um todo, qual é o efeito gerado pelas expressões rilke shake e toasted blake? c) Em sua opinião, essas alusões a poetas consagrados assumem no poema um tom de reverência ou de crítica à tradição literária? 5. Considerando a relação entre tema e forma, qual é o efeito sugerido pelo uso exclusivo de iniciais minúsculas em ambos os textos?
Não escreva no livro.
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dervixe: monge do Oriente Médio conhecido por dançar em círculos durante cerimônia religiosa heartache: palavra em inglês cuja tradução literal é “dor do coração”. Equivale a “mágoa”. sunny side para cima: ovo frito com a gema virada para cima toasted: palavra em inglês cuja tradução para o português é “tostado”
HIPERTEXTO Observe o uso das palavras inglesas shake e tostead no poema. Depois, leia a seção Articulando, na parte de Linguagem (capítulo 17, p. 264-265), sobre a polêmica em torno dos empréstimos linguísticos.
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Caminhos da dramaturgia contemporânea
Teatro Vertigem/BR3/Rio Encena
Capítulo 7 – Vertentes da literatura contemporânea
No Brasil de hoje, a produção dramática é marcada pela multiplicidade, assim como a escrita de prosa ficcional e a poesia. Há inúmeros autores criando textos com diferentes temáticas e para propostas cênicas bem diversas, entre os quais destacam-se nomes como Bosco Brasil, Grace Passô, Hugo Possolo, Luís Alberto de Abreu, Mário Bortolotto, Marici Salomão, Newton Moreno e Samir Yazbek. Tamanha diversidade dificulta a determinação de um perfil da dramaturgia brasileira desde a última década do século XX. No entanto, é possível delinear alguns caminhos que ela tem percorrido. Nos anos 1990, além do desenvolvimento do trabalho de dramaturgia autoral, surgiu na cena brasileira, com os teatros de grupo, a dramaturgia coletiva. Os textos começaram a ser criados por meio de processos colaborativos entre os membros da companhia, com base nas pesquisas estéticas realizadas por eles. Nesses coletivos, as funções tradicionais (ator, dramaturgo e diretor) são fluidas. A tradicional ideia da hegemonia do texto teatral também é questionada. A encenação, muitas vezes, não se origina de um texto escrito. Geralmente, após jogos cênicos, um membro da companhia assina a versão final da peça. Um dos principais coletivos teatrais do país que trabalha com processo colaborativo é a Companhia do Latão. Criada em 1996, destaca-se pela crítica social e pelo uso de poucos elementos cênicos, o que ressalta a teatralidade das obras, sejam elas autorais ou releituras de textos, como os do alemão Bertolt Brecht (1898-1956). Outra renomada companhia dessa tendência é o Teatro da Vertigem, fundada em 1991, cuja marca é a experimentação da linguagem teatral em espaços não convencionais. Esse grupo já montou espetáculos em igreja, presídio e hospital. Em 2006, a peça BR-3 inovou ao ser encenada em barcos sobre as águas poluídas do rio Tietê em São Paulo (SP). Além da montagem de peças em locais inusitados, o teatro brasileiro contemporâneo caracteriza-se ainda pela interatividade com o público e pelo diálogo com diversas linguagens. Em inúmeros espetáculos, a plateia é convidada a sair da posição de mera espectadora, interagindo com os atores. Há, também, peças em que música, dança e instalações visuais mesclam-se com a linguagem teatral. Cabe ainda destacar o trabalho de grupos, como a Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes e Clowns de Shakespeare, empenhados na pesquisa de vertentes do teatro popular, como a comédia, o auto, a farsa e a commedia dell’arte (gênero medieval italiano marcado pelo improviso). Portanto, o que existe hoje é um teatro múltiplo, que explora experimentações diversas e tenta contribuir para a formação crítica do espectador.
O espetáculo BR-3 foi resultado de um intenso trabalho de pesquisa sobre a identidade nacional. A encenação ocorreu em pequenos barcos no trecho urbano do rio Tietê na cidade de São Paulo. Foto de 2006.
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Trânsito entre os gêneros No teatro brasileiro contemporâneo, é cada vez mais comum a colaboração de autores de outros gêneros literários. Há autores tão versáteis que o substantivo escritor talvez seja a saída mais simples para designar o ofício multifacetado de um profissional que produz romances, crônicas, peças de teatro, roteiros de cinema e de televisão. Um exemplo é Fernando Bonassi (1962-), que já trabalhou com todos esses gêneros. Em parceria com o Teatro da Vertigem, Bonassi escreveu a versão final de Apocalipse 1,11 (1999), peça inspirada no apocalipse bíblico e encenada em um presídio desativado. Para a mesma companhia, colaborou o premiado escritor Bernardo Carvalho (1960-), responsável pela dramaturgia da peça BR-3. É certo que os diferentes gêneros têm suas especificidades, mas o trânsito entre eles pode resultar em um interessante intercâmbio de linguagens, como sugere o fragmento abaixo, extraído do romance Luxúria (2015), de Fernando Bonassi. Note que o emprego de verbos no presente e as descrições ágeis e diretas assemelham a narração às rubricas de um espetáculo teatral ou às instruções de um roteiro de cinema. Este é o dia em que uma viatura da polícia militar foi metralhada por uma gangue desconhecida numa avenida importante. Os policiais sobreviveram porque estavam tomando café numa padaria das proximidades, mas a viatura ficou totalmente destruída. É um tanto longe de onde o casal está, mas a reação em cadeia atinge e congestiona a região. O homem estica o pescoço para fora do carro e abre bem os olhos, como se pudesse enxergar através dos carros enfileirados até o fim do mundo. Cuidado! Ele sente o olhar da mulher formigar na sua cara. E já sabe o que ela vai dizer, antes de começar: Uma piscina, é? Hum-hum. O tom é amistoso. E ele não evita o sorriso da vitória, olhando-se no espelho, com orgulho de si mesmo. O que será que deu em você? Nada. Tudo. Ela, fazendo questão de parecer preocupada, segura na perna dele. Ele, fazendo questão de parecer descontraído, continua parado, mas com a tensão do fingimento de estar dirigindo o tempo todo. O pescoço duro e reto, lá adiante, e um olho aqui do lado: Por quê? Eu posso saber? Por que não? Você pode me dizer? Ela pensa. E diz o que diz, mais para sondar o marido do que por estar preocupada com qualquer coisa, já que ela não sabe quanto ele tem, nem quanto ele ganha, e muito menos o que pode custar uma piscina: porque custa dinheiro, por exemplo. O homem explode num riso forçado, esnobando a ponderação da mulher. É quando anoitece de repente, e as luzes dos freios pisados têm a força de um incêndio no escuro do asfalto. Bonassi, Fernando. Luxúria. Rio de Janeiro: Record, 2015.
Ações artísticas efêmeras Nas últimas décadas, intensificaram-se ações artísticas efêmeras que articulam diferentes linguagens nas ruas das grandes cidades brasileiras. É o caso das performances, dos happenings e das intervenções. Caracterizam-se por serem eventos geralmente únicos, que não podem ser reproduzidos, a não ser pelo registro em vídeos, fotografias ou relatos pessoais. Em muitas dessas ações, o diálogo com a literatura está presente. Há grupos que levam poesia ao transporte público ou escrevem poemas nos muros, como os Poetas Ambulantes. Já outros artistas criam intervenções literárias, como Daniel Viana, que colocou sua máquina de escrever na rua para ouvir as histórias dos transeuntes e criar microcontos.
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Samir Haddad/Acervo do fotógrafo
Repertório
Daniel Viana na intervenção Guardanapos poéticos, no Parque da Água Branca, São Paulo (SP), em 2015.
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Sua leitura Você vai ler os trechos iniciais de dois espetáculos teatrais contemporâneos. O primeiro fragmento é da peça Por Elise (2005), do grupo teatral mineiro Espanca, que aborda as relações de sujeitos quase ilhados em sua realidade. O segundo é O nome do sujeito, da Companhia do Latão (1998), que traz a história de um barão a partir da perspectiva de quem está no seu entorno. Texto 1
Raízes Profundas Dona de Casa está com medo e fala para a plateia. Dona de Casa: Historinhas eu tenho mil. Poderia contar várias aqui para vocês. [...] Dona de Casa: ...e há outras estórias sobre moradores daqui. E em volta daqui, é claro, existem várias outras pessoas: moradores, passantes... No entanto a vida aqui é curta e nós poderemos mostrar só algumas dessas pessoas e dos encontros que eu já presenciei entre elas: encontros delicados. Bem, quanto a mim, muito prazer... Cai, vindo do alto, um abacate próximo a Dona da Casa. Ela sente medo. Dona de Casa: Eu sou a mulher que há alguns anos plantou um simples pé de abacate no quintal de sua casa. E ele cresceu. E então eu vivo assim. Assim! (ela sente medo!) Cuidado com o que planta no mundo! Mas por aqui, como eu, existem outros moradores desprotegidos, mesmo com cães dentro de casa. Companheiros de muros: muros de tijolos, muros de pele. Sabe, “proteção” é mesmo bem importante. Eu, por exemplo, sempre quis colocar colchões largos em volta do pé de abacate da minha casa. Sim, colchões. Já passei muito tempo imaginando essa cena: de abacates que caem sem medo do alto dos ramos das árvores. Sem medo. Em colchões. Lá do alto eles talvez pensassem a dureza que seria o fim da queda, mas não seria. Eu queria a natureza mais doce. [...]
Cai outro abacate. Dona de Casa sente medo. Dona de Casa: Está vendo? É que tem coisa que espanca, mas espanca doce. É por isso que eu peço: cuidado com o que planta no mundo. Cuidado com o que toca; com a capacidade que gente tem de se envolver com as coisas. Não adianta fingir que não sente. Gente sente tudo, se envolve com tudo! Sou eu que estou pedindo isso. Façam isso por mim. Por mim!, por mim!, por mim! (agora para os atores) Por mim! Isso também vale para vocês. Não se envolvam tanto! Escutem, vocês podem estar pensando que o que eu estou falando agora, nesse momento, foi memorizado antes também, mas agora não... nesse momento eu juro que não, agora sou eu que estou falando: eu!, eu!, eu! Por favor, não se envolvam tanto quando forem contar as histórias aqui. Não vale a pena. Olha, existem técnicas. Sim, técnicas para não precisarem sentir as coisas que vamos contar. Técnica é isso. Façam assim. Ela sussurra para os atores da peça como devem fazer. Eles respondem positivamente, atentos. Ela continua a ensinar as técnicas-de-não-sentir, até que cai mais um abacate. Ela sente medo e se desconcentra. Dona de Casa: Oh meu Deus! Tudo bem... Eu estou falando assim, compulsivamente, porque eu sei o que vai acontecer aqui, nesse lugar. A vida não é assim tão imprevisível.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Um homem e uma mulher Mulher e Homem brincam. Divertem-se e riem.
Capítulo 7 – Vertentes da literatura contemporânea
Passô, Grace. Por Elise. Rio de Janeiro: Cobogó, 2012. p. 14-17.
Texto 2
Prólogo na rua No saguão do teatro. Um bonequeiro se mistura ao público com seu boneco num carrinho. Bonequeiro: Distinto público, muito boa noite. Um minuto da vossa atenção enquanto aguardam o espetáculo. Sou artista popular de três gerações passadas: meu pai, o pai do meu pai, o pai do pai do meu pai. Deles herdei a tradição do teatro, sem respeito dos governantes, sem apoio dos endinheirados, sigo adiante por teimosia, e com a ajuda dos que agrado. Ludwigo: Esse aí não sabe cantar nada. Bonequeiro: Ora, vejam só quem apareceu. Fique calado, Ludwigo, que o palco agora é meu. Ludwigo: Palco? Você está na rua, homem, e ninguém quer te escutar.
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Bonequeiro: Meus senhores, esse teatro uma vez já pegou fogo, quem garante que não pega de novo? Por isso, desistam de entrar e fiquem aqui fora me ouvindo cantar. Ludwigo: E eu, imbecil? E eu? Não vai me exibir para esta cambada? Bonequeiro: Não ofenda a sensibilidade do público, cabeça de pau. Ludwigo: Se o teatro dependesse do público já tinha acabado. Veja aquela senhora ali, ela não veio para ver, mas para ser vista. E aquele outro, está olhando o relógio desde agora, só quer saber a que horas termina. E aquele lá? Vai dormir durante a peça mas vai sair cheio de opiniões. Você precisa fazer um número de interesse universal, que fala de coisa mais importante para essa gente. Bonequeiro: Ah é? E do quê, por exemplo? Não escreva no livro.
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Ludwigo: De dinheiro, eis um tema grandioso. [Grita e se remexe] Dinheiro! Bonequeiro: Meus senhores, não deem importância à alma angustiada deste homúnculo de pau. Também gostaria de entrar para assistir ao espetáculo. Mas como não posso me contento em correr o chapéu. Ludwigo e Bonequeiro: – [Cantam.] Quem é bom já nasce feito Quem quer se fazer não pode Mais que queira dar um jeito Boi é boi e bode é bode. Regente: [Interrompendo o número.] Ei, chega. Senhores espectadores, o espetáculo é aqui dentro. E já está para começar. Vamos, entrem, entrem! Bonequeiro: – Não se esqueçam de mim. Regente: [Já dentro do teatro, com pouquíssimas luzes acesas, ao público que entra.] Boa noite, senhores. Não estranhem nada, está tudo sob controle, não estranhem nada, é assim mesmo, não estranhem nada.
Prólogo no teatro No escuro total. Surge o regente com uma lamparina. Regente: Senhoras, senhores, venho lhes trazer uma notícia que seus olhos já percebem: estamos no escuro, sem luz, no breu. O fluxo de eletricidade de nossa casa artística foi bruscamente interrompido, de maneira que se torna impossível reproduzir no palco tantos efeitos assombrosos e os artifícios teatrais comoventes preparados pelos artistas com tanto zelo. [Pausa.] Nesta situação obscura, observem o estado dos atores. [Aproxima-se com a lanterna e ilumina o rosto de um ator.] Observem a desolação estampada no rosto deste. E esta outra, assim tão triste, e este... É realmente lamentável. Até onde eu sei, eles iam representar uma história antiga, sobre um homem muito acima do comum, um espírito tão elevado que nunca se preocupou com coisas banais, como conferir o troco ou reclamar dos juros do crediário. Uma história de quando as cidades cresciam e o mundo já não podia ser o mesmo. Mas estamos no escuro: o que fazer?
Carvalho, Sérgio de; Marciano, Márcio. O nome do sujeito. In: Companhia do Latão 7 peças. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 38-40.
Sobre os textos Veridiana Scarpelli/ID/BR
1. No texto 1, qual efeito é gerado pela conversa da Dona de Casa com a plateia? 2. Considere o seguinte trecho do texto 1: “Escutem, vocês podem estar pensando que o que eu estou falando agora, nesse momento, foi memorizado antes também, mas agora não... nesse momento eu juro que não, agora sou eu que estou falando: eu!, eu!, eu!”. Qual é o intuito da personagem Dona de Casa ao pronunciar essa fala? 3. No texto 1, como a personagem lida com os sentimentos? 4. No contexto do texto 1, o que simboliza a queda dos abacates? 5. Embora as falas da Dona de Casa se aproximem da fala cotidiana, há recursos literários, como o emprego de figuras de linguagem. Transcreva ao menos um trecho em que é utilizada uma figura de linguagem e justifique sua escolha. 6. Como a crítica social aparece no trecho de O nome do sujeito? 7. No texto 2, de acordo com a personagem, a ausência de energia elétrica inviabiliza os efeitos teatrais. O que essa informação revela à plateia com relação aos elementos cênicos? 8. Considere este trecho do texto 2: “Até onde eu sei, eles iam representar uma história antiga, sobre um homem muito acima do comum, um espírito tão elevado que nunca se preocupou com coisas banais, como conferir o troco ou reclamar dos juros do crediário”. As características do espetáculo que seria encenado remetem a que gênero dramático clássico? Por quê? 9. O que há em comum entre os trechos selecionados das peças do Espanca e da Cia. do Latão?
A violência urbana é um dos temas recorrentes de parte da literatura contemporânea. Descrita de várias formas e a partir dos pontos de vista mais inusitados — cômico, documental, dramático, etc. —, a violência, tal qual é retratada na literatura, traz à tona variadas formas de opressão, muitas delas aceitas socialmente. 1. Em sua opinião, na atualidade, a sociedade brasileira é complacente com algumas formas de violência? Por quê?
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Publifolha/Arquivo da editora
O que você pensa disto?
Capa do livro Violência urbana (Publifolha, 2003), que traz reflexões sobre o tema.
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Ferramenta de leitura Janduari Simões/Folhapress
A condição pós-moderna
David Harvey participa da 9a edição do Fórum Social Mundial em Belém (PA). Foto de 2009.
Uma maneira totalmente nova de vivenciar o tempo e o espaço: essa parece ser uma das definições mais recorrentes entre os estudiosos sobre as últimas décadas. Um conjunto de noções que talvez pareça comum às pessoas que vivem em um mundo globalizado pareceria estranho a homens e mulheres que viveram até a metade do século passado. Hiperespaço, realidade virtual, interatividade, mobilidade digital, portabilidade, convergência digital. Por trás de cada uma dessas e de outras palavras semelhantes, existe uma nova maneira de experimentar o tempo e o espaço, que, em razão de avanços tecnológicos e mudanças sociais, foram “comprimidos” – uma mensagem é capaz de circular no globo em questão de segundos; uma especialista em neurologia situada na Austrália pode acompanhar uma cirurgia em tempo real que está sendo realizada no norte da Inglaterra; um período de seca que aflige a Região Sul do Brasil interfere imediatamente no valor de grãos negociados na Bolsa de Valores de Tóquio. O geógrafo britânico David Harvey destaca-se entre os vários pensadores contemporâneos que se debruçam sobre o estudo desse efeito de compressão do tempo e do espaço. De acordo com Harvey, nas últimas décadas, ocorreu uma mudança extraordinária na forma como as pessoas experimentam o espaço e o tempo. Para analisá-la, ele entende ser fundamental o estudo de formas culturais pós-modernas nascidas no interior do modo capitalista de produção, que ganhou uma amplitude global. Leia a seguir o fragmento de um texto de Harvey sobre a condição pós-moderna. A história da mudança social é em parte apreendida pela história das concepções de espaço e de tempo, bem como dos usos ideológicos que podem ser dados a essas concepções. Além disso, todo projeto de transformação da sociedade deve apreender a complexa estrutura da transformação das concepções e práticas espaciais e temporais. Harvey, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 2009. p. 201.
Para Harvey, os tempos pós-modernos em que vivemos podem ser caracterizados pelo modo como o homem se relaciona com a realidade. A flexibilidade pós-modernista, por seu turno, é dominada pela ficção, pela fantasia, pelo imaterial (particularmente do dinheiro), pelo capital fictício, pelas imagens, pela efemeridade, pelo acaso e pela flexibilidade em técnicas de produção, mercados de trabalho e nichos de consumo [...]. Harvey, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 2009. p. 303-305.
Em suma, o espaço e o tempo atuais perdem, na visão do autor, um elemento de estabilidade que era central em outras épocas. Um mundo sempre em transformação é um mundo cheio de rupturas, de possibilidades, de ambiguidades e de contradições. Agora, você vai considerar essas ideias para a leitura de um fragmento da narrativa intitulada Os bêbados e os sonâmbulos (1996), do escritor brasileiro Bernardo Carvalho (1960-), autor de romances premiados como Nove noites (2002) e Mongólia (2003). Na história, um homem descobre um tumor no cérebro. Lutando contra o tempo, ele faz um investigação sobre seu passado e procura a si mesmo. Ao acompanhar essa viagem, o leitor depara com uma voz narrativa que está em constante mutação. 118
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Foram cinco anos sem que ninguém a visse na rua, desde que chegou no carro azul com o advogado, até aparecer aquele homem, o morto, e ela sair para vê-lo depois de mais de meia hora parada na janela, do lado de dentro, a observá-lo. O homem, o morto, tinha ligado antes (o advogado disse que ela ainda lhe telefonou, perguntando o que devia fazer, mas a secretária não conseguiu localizá-lo). O morto explicou-lhe ao telefone quem era (disse que era o sobrevivente), queria vê-la. Ela não sabia o que podia querer mais de vinte anos depois do acidente. Pediu que não viesse, mas ele respondeu que iria assim mesmo. Ela o esperava, portanto, contra a sua vontade. Por isso, deve ter ficado na janela. Dissera-lhe, ao telefone, que não via razões para conhecê-lo. Preferia não vê-lo. Mesmo assim ele veio. Os dois ficaram se olhando, ela na janela e ele na rua. Não era só ela que temia. Quando resolveu sair finalmente, caminhou decidida até ele. Falou-lhe qualquer coisa que não pude ouvir. Na verdade, não entendi do que falavam. Falavam de uma criança. Ele lhe perguntou se ela se lembrava de um homem e de um outro menino que estavam com a criança quando o avião caiu. Queria que ela lhe dissesse alguma coisa sobre aquele homem e aquele outro menino, qualquer coisa, como eram, se se pareciam com ele (mostrava-lhe o próprio rosto com as mãos), se os tinha ouvido falar, se os tinha visto mortos, se sabia por que tinham morrido. Se o homem tinha provocado o acidente. Ela balançou a cabeça e disse: “A criança estava no chão, no corredor, sozinha na minha frente. Não vi mais ninguém. Você estava no meu caminho”. Nessa hora, ele lhe entregou um envelope, que tirou de dentro do paletó. Ela pareceu não entender. Perguntou o que era aquilo. Ele não disse nada. Só a observou, mas já com certa dificuldade. Não tirava a mão da cabeça. Ela abriu o envelope e leu a carta. O morto tentava manter com esforço os olhos abertos, nem que fosse apenas para testemunhar o que tinha diante de si pela última vez. Ela lhe perguntou: “Onde está ele?”. Mas o morto não disse nada. Era como se não tivesse ouvido. Ela o segurou pelos ombros e repetiu a pergunta: “Onde você conseguiu isso? Quando conseguiu isso? Ele está vivo?”. […] Os outros dois vieram num carro preto que surgiu a toda na esquina, bem antes da ambulância, e parou diante dela e do homem deitado na calçada. A mulher gorda desceu dizendo alguma coisa que não entendi; pelos gestos, exigia alguma coisa (não se reconheceram, embora tivessem se encontrado vinte anos antes, muito rapidamente, no local do acidente; já não podiam se lembrar; a mulher gorda tinha apenas seguido o morto), e a brasileira, como se estivesse dormindo também, agora como o morto, dormindo acordada, lhe estendeu a carta (que era o que a outra exigia), para em seguida se levantar, dar-lhe as costas e sair andando, deixando o morto estendido na calçada. Saiu andando. A mulher gorda virou-se para o sujeito que vinha com ela no carro, que estava na direção e agora tinha descido também, ignorando tanto o homem deitado no chão como a brasileira, que a esta altura já tinha virado a esquina e desaparecido […]
Daniel Almeida/ID/BR
Os bêbados e os sonâmbulos
Carvalho, Bernardo. Os bêbados e os sonâmbulos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 109-111.
Sobre o texto 1. Que acontecimento do passado envolveu as duas personagens do trecho? 2. O narrador ora parece saber tudo o que se passa com as personagens, ora só sabe daquilo que vê. Justifique essa afirmação com dois exemplos. 3. A narração dos eventos temporais não é linear. Exemplifique essa característica do texto. 4. A que traços da pós-modernidade os efeitos observados nas atividades 2 e 3 se relacionam? Explique sua resposta. Não escreva no livro.
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Entre textos Uma das formas possíveis de se pensar a literatura das últimas décadas é procurar entender a influência que textos produzidos em lugares e tempos distantes exercem sobre os textos contemporâneos, particularmente os mais radicais e inventivos. A procura por influências, aliás, é um exercício infindável. A seguir, você lerá um poema e um texto em prosa de autores do século XIX que dialogam com a literatura contemporânea. Texto 1
Os cegos Em um ensaio de 1863, o poeta Charles Baudelaire (1821-1867) define a modernidade: “é o transitório, o efêmero, o contingente; é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável”. Baudelaire talvez tenha sido um dos primeiros artistas a observar, na realidade ainda marcada pela presença de formas e ideias do passado medieval, um indivíduo totalmente voltado para o urbano e o moderno. A transitoriedade e a provisoriedade que o poeta vê no mundo é uma das matrizes do pensamento pós-moderno. Nesse sentido, os “cegos” do poema são uma metáfora grotesca do ser humano do passado, que olha para o céu sem o enxergar e, ao mesmo tempo, tropeça nas calçadas das cidades.
Contempla-os, ó minha alma; eles são pavorosos! Iguais aos manequins, grotescos, singulares, Sonâmbulos talvez, terríveis se os olhares, Lançando não sei onde os globos tenebrosos. Suas pupilas, onde ardeu a luz divina, Como se olhassem a distância, estão fincadas No céu; e não se vê jamais sobre as calçadas Se um deles a sonhar sua cabeça inclina. Cruzam assim o eterno escuro que os invade, Esse irmão do silêncio infinito. Ó cidade! Enquanto em torno cantas, ris e uivas ao léu, Nos braços de um prazer que tangencia o espasmo, Olha! também me arrasto! e, mais do que eles pasmo, Digo: que buscam estes cegos ver no Céu?
Texto 2
Baudelaire, Charles. In: As flores do mal. Edição bilíngue. Trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 343.
As ilusões perdidas Durante o seu primeiro passeio vagabundo através dos bulevares e da rua da Paz, Luciano, como todos os recém-chegados, ocupou-se mais das coisas que das pessoas. Em Paris, o conjunto das construções e das atividades urbanas chamam logo atenção: o luxo das lojas, a altura das casas, a afluência das carruagens, os permanentes contrastes que apresentam o extremo luxo e a extrema miséria, antes de tudo despertam o interesse. Surpreendido por aquela multidão à qual se sentia es tranho, aquele homem de imaginação sentiu como que uma imensa diminuição de si mesmo. As pessoas que, no interior, gozavam de certa consideração, e que ali a cada passo encontram provas de sua importância, não se acostumam de modo algum a essa perda total e súbita de seu valor. Ser algo em sua terra e ser nada em Paris são dois estados que requerem transições; e aqueles que passam muito bruscamente de um para o outro caem numa espécie de aniquilamento. Para o jovem poeta habituado a encontrar eco para cada um de seus sentimentos, um confidente para todas as suas ideias, uma alma para compartilhar as suas menores sensações, Paris ia ser um espantoso deserto. Balzac, Honoré de. As ilusões perdidas. Trad. Ernesto Pelanda e Mário Quintana. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 93.
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A forma pela qual Balzac (1799-1850) retratou a cidade em seus textos instituiu uma espécie de categoria: os chamados romances de espaço. Neles, a cidade se torna uma personagem. Essa concepção do elemento espacial e de sua importância no conjunto do texto serve como referência para vários escritores contemporâneos.
Vocabulário de apoio
afluência: fluxo intenso de coisas ou pessoas aniquilamento: destruição, anulação ao léu: à toa, a esmo bulevar: rua ou avenida larga, em geral com árvores contemplar: observar com atenção, fixamente espasmo: contração involuntária dos músculos em momento de exaltação pasmar: ficar admirado, assombrar-se tangenciar: estar muito perto de, beirar
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(UEMG) Leia o seguinte texto, presente na obra eles eram muitos cavalos, de Luiz Ruffato, e responda à questão 1: 13. Natureza-morta A tia girou a chave, empurrou a porta, Ê!, algo a emperrava, estranhou. O corpo no ombro direito, a custo cedeu, pororoca estraçalhando, arrastando, O quê? Em algazarra, as crianças, às suas costas, espiavam-na, assustadiças, curiosas. Pela fresta, antecipou-se a manhã frágil iluminando o quadro de avisos – feltro verde colado sobre uma placa de cortiça – agora ponte em diagonal ligando o rodapé à maçaneta, garatujas e desenhos ainda assentados com tachinhas. No corredor, onde desaguavam as três salas de-aula, gizes esmigalhados, rastros de cola colorida, massinhas de modelar esmagadas, folhas de papel sulfite estragadas, uma lousa no chão vomitada, trabalhinhos rasgados, pincéis embebidos de fezes que riscaram abstrações nas paredes brancas, pichações ininteligíveis, uma garrafa de coca-cola cheia de mijo, um cachimbo improvisado de crack – a capa de uma caneta bic espetada lateralmente num frasco de Yakult. Ao fundo, a fechadura arrombada, cacos do vidro do basculante, do barro do filtro d’água, marcas de chutes nas laterais do fogão, panelas e talheres amassados. Em correria, gritos atravessam as telhas francesas, olhos mendigam explicações. Puxada, empurrada, vozes choramingas, “A hortinha, a hortinha...”, conduziram a tia ao quintal: à sua frente, fuçadas as leiras, legumes e verduras repisados, arrancados, enterrados, brotos de cenoura, beterrabas, alfaces, couves, tomates, tanto carinho desperdiçado, nunca mais vingariam, as crianças caminhando, com cuidado, por entre os pequenos cadáveres verdes, olhos baços, e ela, até onde a vista alcança, observa as escandalosas casas de tijolos à mostra, esqueletos de colunas, lajes por acabar, pipas singrando o céu cinza, fedor de esgoto, um comichão na pálpebra superior esquerda e a solidão e o desespero.
1. Nesse fragmento da obra de Luiz Ruffato, há o seguinte procedimento de construção textual: a) Ambiguidade: o título remete a um modo de pintura e a uma cena concreta presente no texto. b) Metalinguagem: a menção aos “gizes esmigalhados” e à “caneta bic” constitui um indício de que o texto reflete sobre sua própria estrutura. c) Ironia: a exclamação das crianças sobre a “hortinha” parece exprimir pesar, mas soa ironicamente. d) Musicalidade: o parágrafo final do texto explora propositalmente a reiteração de fonemas, a fim de sensibilizar o leitor.
(Enem) Texto para a questão 2. Primeiro surgiu o homem nu de cabeça baixa. Deus veio num raio. Então apareceram os bichos que comiam os homens. E se fez o fogo, as especiarias, a roupa, a espada e o dever. Em seguida se criou a filosofia, que explicava como não fazer o que não devia ser feito. Então surgiram os números racionais e a História, organizando os eventos sem sentido. A fome desde sempre, das coisas e das pessoas. Foram inventados o calmante e o estimulante. E alguém apagou a luz. E cada um se vira como pode, arrancando as cascas das feridas que alcança. Bonassi, M. F. 15 cenas do descobrimento de Brasis. In: Moriconi, Í. (Org.). O cem melhores contos do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
2. A narrativa enxuta e dinâmica de Fernando Bonassi configura um painel evolutivo da história da humanidade. Nele, a projeção do olhar contemporâneo manifesta uma percepção que: a) recorre à tradição bíblica como fonte de inspiração para a humanidade. b) desconstrói o discurso da filosofia a fim de questionar o conceito de dever. c) resgata a metodologia da história para denunciar as atitudes irracionais. d) transita entre o humor e a ironia para celebrar o caos da vida cotidiana. e) satiriza a matemática e a medicina para desmistificar o saber científico. (Unicamp-SP) Texto para a questão 3. UNICAMP, 2014. Fac-símile: ID/BR
Vestibular e Enem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2013.
3. A intervenção urbana acima foi reproduzida pelo Coletivo Transverso, um grupo envolvido com arte urbana e poesia, que afixou cartazes como esses em muros de uma grande cidade. a) Que outro texto está referido em “SEGURO MORREU DE TÉDIO”? b) A relação entre os dois textos – o do cartaz e aquele a que ele remete – é importante para a interpretação dessa intervenção urbana? Justifique sua resposta. 121
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unidade
5 Nesta unidade 8 Literaturas de um continente em movimento
Panorama das literaturas africanas em língua portuguesa A obra Hebo, reproduzida ao lado, faz parte de uma série do artista angolano Hamilton Francisco (1974-), conhecido como Babu, sobre memória e identidade. O título remete a uma figura do folclore angolano: Hebo, um ser de longa gestação que, segundo o artista, nasce para marcar a diferença. Nesse projeto, Babu resgata o imaginário africano e reflete sobre as relações entre tradição e contemporaneidade. São temas caros à produção artística e literária de Angola e de outros países africanos lusófonos. A herança da colonização portuguesa é um fator de aproximação entre Brasil, Moçambique, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau. A evidência mais forte é o caráter oficial da língua portuguesa nesses países, convivendo com línguas nativas que resistiram fortemente à dominação europeia. Há ainda muitos outros pontos de contato na produção cultural e artística desses países.
Imagem da página ao lado: Babu, Hamilton Francisco. Hebo, 2014. Serigrafia artesanal sobre tela, 0,60 cm × 0,80 cm. Coleção particular. Na tela do artista angolano Babu, desenhos sobrepostos e traçados na cor preta se misturam aos tons vermelho, amarelo, laranja e azul.
Nesta unidade, você se aproximará do contexto de produção dos países africanos de língua portuguesa e conhecerá alguns autores de países como Angola, Moçambique e Cabo Verde, que tiveram projeção na literatura lusófona da atualidade.
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Coleção particular, Luanda, Angola. Fotografia: ID/BR
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Literaturas de um continente em movimento
capítulo
8
Literaturas de um continente em movimento O escritor moçambicano Mia Couto (1955-) certa vez atribuiu ao continente africano uma “tripla condição restritiva”: ele seria prisioneiro de um passado inventado por outros, estaria amarrado a um presente imposto pelo exterior e seria refém de metas construídas por instituições internacionais no comando da economia. Para conhecer a África, é preciso desfazer estereótipos e abandonar ideias preconcebidas; buscar, para além da percepção de seu conjunto como um bloco homogêneo e uniforme, as singularidades de seus grupos sociais que, durante séculos, foram sufocadas pela sujeição política, econômica e social do continente ao imperialismo. A África é um continente “em movimento”, e o mesmo pode ser dito sobre suas literaturas.
o que você vai estudar Sistema literário dos países africanos de língua portuguesa. Literatura e sociedade em Angola, Moçambique e Cabo Verde.
Sua leitura Conheça, a seguir, um desenho do moçambicano Malangatana Valente Ngwenya (1936-2011) e um poema do angolano António Cardoso (1933-2006), observando a proximidade temática entre eles e as particularidades de linguagem e estilo.
Coleção Família Ngwenya. Fotografia: Malangatana Valente Ngwenya/Fundação Mário Soares
A cela
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O trabalho do artista plástico moçambicano Malangatana Valente Ngwenya é diversificado. Suas obras incluem pinturas, desenhos, aquarelas, gravuras, cerâmicas, tapeçarias. Preso pela polícia secreta portuguesa (Pide) na época da luta pela Independência de Moçambique, Malangatana esteve encarcerado por 18 meses. Desse período, surgiram desenhos em que retrata os horrores da prisão. Após a Independência, Malangatana tornou-se deputado e membro da Assembleia Municipal de Maputo. Artista de renome internacional, também tem importante inserção social como um dos fundadores do Movimento para a Paz, da Associação do Centro Cultural de Matalana, e como colaborador do Fundo das Nações Unidas para a Infância (em inglês, United Nations Children’s Fund — Unicef.) Ngwenya, Malangatana Valente. A cela, s. d. Tinta da china sobre papel, 44,5 cm × 33,5 cm. Coleção Família Ngwenya.
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Vocabulário de apoio
apepsia: indigestão
A aranha monstruosa está com apepsia: Dou-lhe a aprazada mosca sempre à hora habitual, Mas não galga o violino como já fazia, Solerte, amarela e negro, para a fatal Deglutição. E só já reage à terceira Fumarada do meu cigarro. Enfim, zangada: Não me lembrei ver se aquela insulta rameira, Já tonta, que lhe dei, estaria tocada Pelo inseticida de horas antes. Farricoco De moscardos à boa vida ou domador Falhado, restam-me as paredes e eu – oco No cerne – estes fonemas a doer, o calor E o frio, a loucura, os janízaros bem pouco Amigos, a colite, os versos sem valor…
aprazado: em que se estabeleceu prazo Adriana Alves/ID/BR
Drama na cela disciplinar
cerne: centro, âmago colite: inflamação do cólon (parte do intestino grosso) farricoco: indivíduo que carregava o caixão em um enterro galgar: escalar, subir janízaro: antigo soldado de elite turco moscardo: mosca grande rameira: prostituta solerte: esperto, malandro
Cardoso, António. In: Apa, L.; Barbeitos, A.; Dáskalos, M. A. (Org.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 96.
Sobre os textos 1. Toda obra de arte cria modos de representação do mundo e do ser humano, relacionando-se, em alguma medida, a elementos pertencentes a uma certa realidade. a) Descreva o desenho de Malangatana Valente Ngwenya quanto a tema, tipo de traço e disposição dos elementos no espaço. b) Aponte como a representação do real se manifesta no desenho. 2. No fundo do desenho, vê-se a imagem de uma porta meio aberta, na qual se identifica a figura de um olho. Que relação é possível estabelecer entre essas representações e a ideia de liberdade? 3. Assim como no desenho, percebe-se no poema a existência de dois “planos”, ou seja, de imagens que são oferecidas ao leitor de imediato e outras que só aparecem em um segundo momento. a) Quais são as imagens representadas em “primeiro plano”? b) O que se encontra no “plano de fundo” do poema? c) Qual é o efeito expressivo produzido por essa disposição dos elementos em dois planos? Explique.
5. Poema e desenho apresentam uma visão de dois países: Angola e Moçambique. Qual é a perspectiva apresentada nessas obras? 6. Que recursos comuns são utilizados pelo poeta e pelo artista para representar a realidade dos países em que viveram?
CorreiaPM/Acervo do fotógrafo
4. Considerando os diferentes sentidos associados à palavra drama, comente o título do poema em relação ao seu desenvolvimento.
Colônia penal de Tarrafal, também conhecida como “Campo de concentração do Tarrafal”. Inaugurada pelo governo colonial português em 1936, na Ilha de Santiago, uma das que compõem o arquipélago de Cabo Verde, destinava-se sobretudo a confinar presos políticos de Portugal e das colônias. No local, ficou encarcerado o escritor angolano António Cardoso. Foto de 2008.
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Repertório
Coexistência do português com as línguas nativas da África A língua portuguesa trava um diálogo “tenso e intenso” com as línguas nativas, nas palavras do estudioso Maurício Pedro da Silva. Em Angola, convive com o umbundu, o kikongo, o chokwe-lunda, o kioko-lunda e o kimbundu; em Cabo Verde, com o cabo-verdiano; na Guiné-Bissau, com o bissau e o cacheu; em Moçambique, com as línguas do grupo bantu, particularmente o emakhuwa, o xichangana e o elomwe; em São Tomé e Príncipe, com o forro, o angolar, o tonga e o monto. Enquanto em Angola e Moçambique a língua portuguesa efetivamente incorporou-se ao cotidiano de boa parte da população como língua materna ou segunda língua, nos demais países lusófonos ela está restrita ao ensino, à imprensa, ao âmbito administrativo e às relações internacionais. No dia a dia, é nas línguas nativas ou nos falares crioulos – mesclas de português arcaico com as línguas africanas – que se dão as relações sociais.
A herança do colonialismo português aproxima o Brasil da África lusófona. Mesmo destacando a diversidade e a riqueza dos processos históricos anteriores à entrada europeia no continente, a configuração da África atual revela marcas profundas deixadas pelo imperialismo colonial, pelo racismo e pela luta pelas liberdades. Podem-se apontar quatro grandes períodos da história da África lusófona a partir do início da colonização de Portugal em algumas partes desse continente, no século XVI: o período da exploração ultramarina, até meados do século XIX; o período colonial, até a primeira metade do século XX; as lutas pela independência, nas décadas de 1960 e 1970; e o período pós-independência, que se estende até a contemporaneidade. Teses racistas que defendiam a superioridade biológica dos europeus sobre os africanos, considerados “selvagens” e “primitivos”, eram usadas para justificar o tráfico de trabalhadores escravizados para as “colônias ultramarinas” portuguesas. Foi esse tráfico que, por exemplo, financiou a colonização da América. Existiram movimentos de resistência africanos durante todo o período em que predominou o imperialismo europeu, porém eles não puderam se sobrepor à força bélica dos exploradores. Até cerca de 1880, o controle direto europeu no continente africano era limitado. A presença portuguesa na África se acentuou com a independência brasileira, em 1822. Em 1885, na Conferência de Berlim, negociações diplomáticas conferiram à África uma divisão geopolítica que levava em conta os interesses das potências europeias, desconsiderando as especificidades culturais, religiosas e linguísticas dos povos africanos. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, estimulados por forte sentimento nacionalista, intelectuais e grupos civis da África lusófona engajaram-se na Guerra de Libertação. Em abril de 1974, a Revolução dos Cravos em Portugal decretou o fim do regime totalitário de Salazar. No mesmo ano, a independência de Guiné-Bissau foi reconhecida pela comunidade internacional. Em 1975, foi a vez de Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe tornarem-se independentes. Mesmo imbuídos do espírito de reconstrução, as elites políticas africanas pouco questionaram as divisões geopolíticas impostas pela Conferência de Berlim ocorrida no século anterior; com isso, numerosos conflitos e guerras civis continuaram acontecendo nos países africanos pós-independência.
Fontes de pesquisa: Silva, Maurício Pedro da. Novas diretrizes curriculares para o estudo da história e da cultura afro‑brasileira e africana: Lei n. 10 639/2003. EccoS, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 39-52, jan./jul.2007; Medeiros, Adelardo A. D. A língua portuguesa. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2016.
Choque entre culturas A chamada política de assimilação obrigava o africano a abandonar seus costumes e a submeter-se aos padrões de comportamento dos europeus. Tal política era imposta por Portugal desde o século XVI e foi transformada em lei pela ditadura de Salazar em 1926. A denúncia da assimilação é percebida no trecho do poema “Que é S. Tomé”, do angolano Alexandre Dáskalos (1927-1961). Este mente, aquele mente outro mente… tudo igual. O sítio da minha embala onde fica afinal?
A terra que é nossa cheira e pelo cheiro se sente A minha boca não fala a língua da minha gente.
Dáskalos, Alexandre. In: Apa, L.; Barbeitos, A.; Dáskalos, M. A. (Org.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 52-53.
A tradição oral, outro aspecto igualmente central na cultura africana, é preservada e transmitida pelos “guardiões da palavra falada”. Já os griots ou diélis, contadores públicos de histórias, contam narrativas míticas que simbolizam a gênese dos povos africanos e suas trajetórias.
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Vocabulário de apoio
embala: casebre, choupana feita de materiais leves e coberta de folhas onde habita o soba, chefe ou líder de determinados grupos sociais ao sul da Angola sítio: lugar Michael Mauney/Getty Images
Capítulo 8 – Literaturas de um continente em movimento
Diversidade e identidade: a formação da África lusófona
O escritor estadunidense Alex Haley, em viagem à Gâmbia, ganha abraço de Binta Kinte Fofana, viúva de um contador griot. Foto de 1977. Não escreva no livro.
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As literaturas africanas de expressão portuguesa abrangem obras que, depois de séculos de domínio português “europeizante”, traduzem certa “africanidade” em temáticas específicas do período pós-colonial.
Os sistemas literários africanos O desenvolvimento do ensino oficial, a expansão do ensino particular, a instalação da imprensa e a gradual conquista da liberdade de expressão criaram campo propício para o desenvolvimento dos sistemas literários em vários países africanos a partir da década de 1940. Espontaneidade da minha alma (1940), do angolano José da Silva Maria Ferreira, foi o primeiro livro impresso na África lusófona. Embora escrita na língua do colonizador, a obra já não o tomava como centro do universo, o que significaria uma ruptura importante na relação dominador-dominado. A partir daí, algumas produções passaram a mesclar a língua portuguesa aos idiomas locais, dirigindo-se aos nativos e afastando-se do leitor europeu. Entre 1940 e 1970, as lutas pela independência caracterizam uma produção literária de forte marca ideológica. Após 1975, embora essa preocupação social persistisse, ganharam espaço obras com outras temáticas, como aquelas mais existenciais. Essa produção pós-1975 não busca mais sustentar sua “autenticidade” na visão de mundo dividido entre o explorador e o colonizado, uma vez que passa a abranger muitas formas de ver a realidade. Como disse o angolano José Eduardo Agualusa, os escritores africanos finalmente podem se posicionar como escritores, e não como militantes. Essas literaturas circulam em espaços restritos da África, pois a língua portuguesa e a cultura escrita não fazem parte do cotidiano de grande parte da população. Em Portugal e no Brasil, escritores de Angola, Moçambique e Cabo Verde ganham cada vez mais projeção, mas a produção literária de Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe ainda é pouco conhecida.
O papel da tradição As literaturas ultramarina e colonial, inscritas na tradição literária portuguesa, retratavam a África pela ótica do português colonizador. A literatura neoafricana rompe com essa tradição, buscando um modo próprio de se relacionar com outros aspectos das culturas africanas e a língua portuguesa. Para tanto, estabelece um intenso diálogo com a tradição oral, em processo caracterizado pela oraturização (apropriação dos elementos da oralidade pela escrita) e pela remitologização (uso do fantástico como forma de denunciar o absurdo da realidade, mas também de revelar princípios imutáveis e eternos). Esse diálogo foi assim sintetizado pelo escritor angolano Ondjaki: “a arte é expressão da modernidade, e a modernidade é via de manutenção da tradição”. Também é digna de nota a relação entre as literaturas africanas e a literatura brasileira. Sobre essa proximidade, o poeta moçambicano José Craveirinha disse: […] Nós, na escola, éramos obrigados a passar por um João de Deus, Dom Dinis etc., os clássicos de lá [Portugal]. Mas chegava uma certa altura que nós nos libertávamos e então enveredávamos para uma literatura “errada”: Graciliano Ramos e por aí afora. […] A nossa literatura tinha reflexos da literatura brasileira. Então, quando chegou o Jorge Amado, estávamos em casa. […] Chaves, Rita. Entrevista: José Craveirinha. In: Angola e Moçambique: experiência colonial e territórios literários. São Paulo: Ateliê Editorial, 2005. p. 226.
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Ouça Cesária Évora A cabo-verdiana Cesária Évora (1941 ‑2011) foi considerada por muitos críticos uma das mais expressivas cantoras da chamada World Music e a “rainha da Morna”, uma espécie de canção tradicional de Cabo Verde. A intérprete também foi embaixadora da boa vontade pela Unesco. Veja a seguir trecho da letra de uma das canções interpretadas por ela, em crioulo.
Sorte Trinta e cinco óne despôs El tchega na mim El rodeá na bêra d’muto caboverdeano Moda borleta El sentá na mim Li el otchá mel el otchá fel Qu’m tava ta guardá’l El otchá-me pronto pá el Sorte di nha vida ’M tava ta esperó-be Já bô tchega, dali bô ca tá bai […] [tradução] Trinta e cinco anos depois Ela chega a mim Ela girava em torno de muito cabo-verdiano Tal uma borboleta Ela pousa em mim Ela aspergiu em mim mel e fel Eu estava a aguardá-la E estava pronta para ela Sorte de minha terra Eu a estava esperando Você já chegou e agora Você não sairá mais daqui [...] Sicite, Nika; Chantre, Teofilo. Sorte. Intérprete: Cesária Évora. In: Café Atlântico. Paris: BMG, 1999. 1 CD. Faixa 5. ANP Foto/Keystone
A literatura africana em língua portuguesa
Cesária Évora em show na Holanda. Foto de 2005.
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Literaturas de um continente em movimento
Coleção particular. Fotografia: ID/BR
Literatura e liberdade Abdula, Naguib Elias. Sementes com beijos fabulíricos, 2004. Terra vermelha, cola vulcano 7, médio vinílico, pasta acrílica e acrílico sobre tela, 86 cm 3 130 cm. Coleção particular.
O artista moçambicano Naguib Elias Abdula (1955-) mistura referências da arte tradicional africana, como os grafismos e as máscaras, com a liberdade da linguagem da arte contemporânea, com que teve bastante contato em seus estudos artísticos na Europa. A utilização de terra como material pictórico é uma característica que simboliza sua profunda ligação com a natureza e as raízes culturais africanas.
Para compreender a literatura produzida atualmente nos países africanos de língua portuguesa, é importante considerar uma série de acontecimentos ocorridos durante o período do colonialismo. O diálogo com tradições externas (europeias e brasileiras), o sentimento de afirmação da própria nacionalidade, a expressão de formas de ser e de sentir originadas da mistura de várias etnias e a preocupação com a forma literária são alguns aspectos que merecem ser discutidos para entender essa produção escrita. Na sequência, veja algumas considerações sobre a literatura recente escrita em Angola, Moçambique e Cabo Verde.
Capítulo 8 – Literaturas de um continente em movimento
A literatura angolana: estratégias da memória No final dos anos 1940, surgiu o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola: um grupo de jovens negros, mulatos e brancos reunidos em torno de ideias sintetizadas na frase “Vamos descobrir Angola!”. Eles se voltaram para a riqueza das línguas nativas e do repertório da cultura oral e popular. Buscavam uma forma de escrita que afirmasse o orgulho de ser africano. Paralelamente, desempenhavam atividades permeadas de intenso engajamento político, o que fez da literatura instrumento de resistência à opressão colonial.
Poesia Nesse contexto, surge uma tríade de escritores que fundam essa etapa histórica da literatura angolana: Agostinho Neto (1922-1979), António Jacinto (1924-1991) e Viriato da Cruz (1928-1973). Autores de uma poesia em que o sentimento de liberdade se faz presente de maneira contundente, esses poetas influenciam gerações posteriores de escritores empenhados em causas nacionalistas e sociais na África de expressão portuguesa. Observe como isso se revela no poema a seguir, de Agostinho Neto.
Criar Criar criar criar no espírito criar no músculo criar no nervo criar no homem criar na massa criar criar com os olhos secos
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Criar criar sobre a profanação da floresta sobre a fortaleza impúdica do chicote criar sobre o perfume dos trocos serrados criar criar com os olhos secos Não escreva no livro.
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Criar criar gargalhadas sobre o escárnio da palmatória coragem nas pontas das botas do roceiro força no esfrangalhado das portas violentadas firmeza no vermelho sangue da insegurança criar criar com os olhos secos
criar criar paz com os olhos secos
Criar criar estrelas sobre o camartelo guerreiro paz sobre o choro das crianças paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato paz sobre o ódio
criar criar amor com os olhos secos.
Criar criar criar liberdade nas estradas escravas algemas de amor nos caminhos paganizados do amor sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forças simuladas
Neto, Agostinho. Sagrada esperança. Luanda: Maianga, 2004. p. 71-72.
Prosa
Com um peso grande a agarrar-lhe no coração, uma tristeza que enchia todo o corpo e esses barulhos da vida lá fora faziam mais grande, Zeca voltou dentro e dobrou as calças muito bem, para aguentar os vincos. Depois, nada mais que ele podia fazer já, encostou a cabeça no ombro baixo de vavó Xíxi Hengele e desatou a chorar um choro de grandes soluços parecia era monandengue, a chorar lágrimas compridas e quentes que começaram correr nos riscos teimosos as fomes já tinham posto na cara dele, de criança ainda. Vieira, José Luandino. Vavó Xíxi e seu neto Zeca Santos. In: Luuanda: estórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 43.
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AvóDezanove e o segredo do soviético, de Ondjaki. São Paulo: Seguinte, 2009.
Gryphus/Arquivo da editora
O vendedor de passados, de José Eduardo Agualusa. Rio de Janeiro: Gryphus, 2012. Ondjaki (1977-) e José Eduardo Agualusa (1960-) são dois autores angolanos bastante conhecidos no Brasil. Na obra de ambos, o tema da identidade é significativo. Em AvóDezanove e o segredo do soviético, a história é contada sob a perspectiva infantil. Os miúdos (crianças) da Praia Do Bispo inventam um plano para preservar o bairro em que vivem e que está sob risco de mudar completamente devido à obra de um grande monumento. Construída com linguagem poética, a narrativa mescla fatos históricos, biográficos e muita imaginação. Em O vendedor de passados, a personagem Félix tem o ofício de construir passados para aqueles que não estão satisfeitos com o que tiveram. Nessa reconstrução, evidenciam-se os traumas da sociedade angolana, o desejo de autoconstrução de uma nova identidade e a impossibilidade de esquecer o que está na memória individual e coletiva. Seguinte/Companhia das Letras/Arquivo da editora
Da mesma forma que a poesia, a prosa produzida por escritores que vivenciaram as etapas mais duras e sangrentas do regime colonial em Angola também se orienta pelo uso de temas relacionados à opressão e à alienação política e social que atingiam nativos e assimilados. Dentre os escritores que contribuíram para a formação de uma literatura angolana, destaca-se a figura de Luandino Vieira. Nascido em Portugal, em 1935, como José Vieira Mateus da Graça, adota o nome de Luandino – derivado de Luanda, capital de Angola – no momento em que se integra às forças revolucionárias pela libertação. Ou seja, a história pessoal de Luandino Vieira se confunde com a própria história da luta de homens e mulheres para a independência de Angola. Em uma de suas principais obras – Luuanda –, o autor volta-se para a exploração dos conflitos na vida dos musseques, habitantes de grandes aglomerados habitacionais, entre o espaço urbano e o rural. O potencial revolucionário dessa parcela da população angolana torna-se a força motriz das três narrativas que compõem Luuanda. No primeiro conto do livro, por exemplo, o jovem Zeca e sua avó Xíxi tentam encontrar um lugar na ordem social imposta pelo regime colonial. Zeca é um jovem que se preocupa com sua aparência – incomoda-se com suas orelhas de abano e com as poucas roupas que possui –, ao passo que Xíxi é uma anciã presa a valores tradicionais que desaparecem nessa nova realidade movida pelo consumo. Vivendo em um lugar marcado pela extrema pobreza, ambos não conseguem entender os mecanismos sociais que os oprimem, não conseguem refletir sobre o mundo em que vivem, tornando-se sujeitos alienados e passivos. Abaixo, vê-se o parágrafo que encerra o conto. Zeca, em um lapso de compreensão, se dá conta da miséria em que se encontram e da falta de saída para essa situação.
Leia
Capas dos livros AvóDezanove e o segredo do soviético e O vendedor de passados.
Margens do texto Um dos aspectos que chamam atenção na obra de Luandino Vieira é o modo como ele aproxima a narração à oralidade. Comente um exemplo dessa aproximação. Vocabulário de apoio
monandengue: criança, jovem vavó: avó, vovó
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Sua leitura Você lerá a seguir três textos da literatura angolana: dois poemas e um fragmento de um romance. O primeiro poema é de Ana Paula Tavares (1952-), ou apenas Paula Tavares, historiadora, poeta e cronista. O segundo poema foi escrito por Manuel Rui (1941-), escritor que fez parte de uma importante revista cultural chamada Vértice. Nesses dois poemas, há uma leitura sensível da realidade do povo angolano em tempos de pós-guerra. O fragmento em prosa foi retirado de Mayombe, um dos mais emblemáticos romances angolanos, de Pepetela (cujo nome verdadeiro é Arthur Maurício Pestana dos Santos), nascido em Benguela (Angola) em 1941. Mayombe é o nome de uma floresta tropical na região angolana de Cabinda, onde ocorreram inúmeros combates entre o exército português e os revolucionários do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Apesar de ser uma narrativa ficcional, o romance realiza aquilo que se pode chamar de “observação participante” da realidade das lutas pela libertação de Angola, uma vez que a base para sua escrita é retirada diretamente das experiên cias do autor durante sua participação na luta armada. Texto 1
November without water
Olha-me estas crianças transporte animais de carga sobre os dias percorrendo a cidade até aos bordos carregam a morte sobre os ombros despejam-se sobre o espaço enchendo a cidade de estilhaços.
Adriana Alves/ID/BR
Olha-me p’ra estas crianças de vidro cheias de água até às lágrimas enchendo a cidade de estilhaços procurando a vida nos caixotes do lixo.
Tavares, Paula. Amargos como os frutos: poesia reunida. Rio de Janeiro: Pallas, 2011. p. 95.
Capítulo 8 – Literaturas de um continente em movimento
Em julho no Lubango Há uma bruma matinal até o sol ser todo luz que se filtra numa calma azul sem nuvem o céu se faz de um infinito para além dos largos ombros das colinas.
do frio. Em Julho e bem no alto dos seios do Lubango os montes que o circundam ainda se vê um cristo miradouro saudoso saudosista a despedir-se de um tempo que abraçou Em Julho nem todas as flores estão despertas. e que findou. Há no entanto o verde inatingível Em Julho no Lubango dos arbustos que defrontam a geada. oásis meio / caminho perto de um deserto / No mais os troncos nus dos homens que [atravessam [resistente em Julho no Lubango milhões de pensamentos e distância para contar Novembro há sempre gente: na nómada paz de uma manada “E foi na serra a guerra as emboscadas e os meninos que são também pastores até chegar o dia da vitória na cidade de carne e leite laboriosa infância e nós clandestinos já cá estávamos à beira de estrada. e havia muito povo E os seios meios contrários do pudor de armas na mão desenterradas.”
Vocabulário de apoio
nómada: nômade, que não tem lugar fixo
Adriana Alves/ID/BR
Texto 2
Rui, Manuel. In: Apa, L.; Barbeitos, A.; Dáskalos, M. A. (Org.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 86-87.
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Texto 3
Nasci em Quibaxe, região kimbundo, como o Comissário e o Chefe de Operações, que são dali próximo. Bazuqueiro, gosto de ver os caminhões carregados de tropa serem travados pelo meu tiro certeiro. Penso que na vida não pode haver maior prazer. A minha terra é rica em café, mas o meu pai sempre foi um pobre camponês. E eu só fiz a Primeira Classe, o resto aprendi aqui, na Revolução. Era miúdo na altura de 1961. Mas lembro-me ainda das cenas de crianças atiradas contra as árvores, de homens enterrados até o pescoço, cabeça de fora, e o trator passando, cortando as cabeças com a lâmina feita para abrir terra, para dar riqueza aos homens. Com que prazer destruí há bocado o buldôzer! Era parecido com aquele que arrancou a cabeça do meu pai. O buldôzer não tem culpa, depende de quem o guia, é como a arma que se empunha. Mas eu não posso deixar de odiar os tratores, desculpem-me. E agora o Lutamos fala aos trabalhadores. Talvez explique que os quis avisar antes, mas que foi descoberto. E deixam-no falar! O Comandante não liga, ele não estava em Angola em 1961, ou, se estava, não sofreu nada. Estava em Luanda, devia ser estudante, que sabe ele disso? E o Comissário? Nestas coisas o Comissário é um mole, ele pensa que é com boas palavras que se convence o povo de Cabinda, este povo de traidores. Só o Chefe de Operações… Mas esse é o terceiro no Comando, não tem força. E eu fugi de Angola com a mãe. Era um miúdo. Fui para Kinshasa. Depois vim para o MPLA, chamado pelo meu tio, que era dirigente. Na altura! Hoje não é, foi expulso. O MPLA expulsa os melhores, só porque eles se não deixam dominar pelos kikongos que o invadiram. Pobre MPLA! Só na Primeira Região ele ainda é o mesmo, o movimento de vanguarda. E nós, os da Primeira Região, forçados a fazer a guerra aqui, numa região alheia, onde não falam a nossa língua, onde o povo é contrarrevolucionário, e nós que fazemos aqui? Pobre MPLA, longe da nossa Região, não pode dar nada! Caminharam toda a tarde, subindo o Lombe. Pararam às cinco horas, para procurarem lenha seca e prepararem o acampamento: às seis horas, no Mayombe, era noite escura e não se podia avançar. A refeição foi comum: arroz com feijão e depois peixe, que Lutamos e um trabalhador apanharam no Lombe. Os trabalhadores não tentavam fugir, se bem que mil ocasiões se tivessem apresentado durante a marcha. Sobretudo quando Milagre caiu com a bazuca e os guerrilheiros vieram ver o que se passara; alguns trabalhadores tinham ficado isolados e sentaram-se, à espera dos combatentes, se escaparem. A confiança provocava conversas animadas.
Adriana Alves/ID/BR
Eu, o narrador, sou Milagre
Vocabulário de apoio
bazuqueiro: quem empunha uma bazuca (arma que lança granadas-foguetes) buldôzer: trator de lâmina kikongo: etnia angolana kimbundo: etnia angolana miúdo: criança
Pepetela. Mayombe. São Paulo: Ática, 1982. p. 32-33.
Sobre os textos 1. O poema “November without water” tematiza a vida das crianças pobres abandonadas à própria sorte nas cidades. Tendo essa ideia como referência, de que maneira o título do texto (em tradução livre para o português: “Novembro sem água”) se relaciona com o contexto de produção da literatura angolana? 2. No poema “Em julho no Lubango”, há também uma referência ao mês de novembro, simbolicamente importante para os angolanos: a independência do país foi proclamada em 11 de novembro de 1975. Compare essa referência temporal nos dois textos. 3. Apesar do título, o texto “Eu, o narrador, sou Milagre”, trecho do romance Mayombe, está dividido em duas partes com narradores diferentes. a) Que aspectos gráficos ajudam a identificar a passagem de uma parte para a outra? b) O que caracteriza o narrador de cada uma dessas partes? c) Que efeito é proporcionado pela presença desses dois narradores? 4. O trecho do romance Mayombe apresenta quais indícios da violência do processo de colonização? E das rivalidades étnicas e ideológicas? 5. Como o trecho do romance revela o desejo de consolidar a independência angolana pela literatura? 6. De maneiras distintas, cada um dos três textos apresenta uma realidade histórica e social de Angola. Segundo sua leitura, indique no caderno quais aspectos discutidos ao longo deste capítulo são comuns nos poemas e no fragmento do romance lidos.
Não escreva no livro.
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A literatura em Moçambique: sombras no tempo Perve Galeria, Lisboa, Portugal. Fotografia: ID/BR
Assim como em Angola, a literatura que se desenvolveu em Moçambique apresenta um forte componente nacionalista em seus anos de afirmação, situados a partir da década de 1940. No contexto das lutas pela independência, os escritores utilizaram a literatura como via de expressão de suas angústias e opiniões. Nessa literatura, é possível observar certa tensão entre as tradições dos povos nativos e a herança portuguesa. Deve-se ainda assinalar a influência hindu e a presença de elementos oriundos das culturas de outras possessões portuguesas, particularmente as de origem oriental.
José Craveirinha por ele mesmo Em depoimento autobiográfico realizado em 1977, o poeta José Craveirinha assim se definia: “Nasci a primeira vez em 28 de maio de 1922. Isto num domingo. Chamaram-me Sontinho, diminutivo de Sonto [que significa domingo em ronga, língua da capital]. Isto por parte da minha mãe, claro. Por parte do meu pai, fiquei José. Aonde? Na Av. do Zichacha entre o Alto Maé e como quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres. Nasci a segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato… A seguir, fui nascendo à medida das circunstâncias impostas pelos outros. […]” Ngomane, Nataniel. José Craveirinha: nota biobibliográfica. Via Atlântica, São Paulo, n. 5, p. 15, out. 2002. Coleção particular/Cedida por José Craveirinha Filho
Aforismo Havia uma formiga compartilhando comigo o isolamento e comendo juntos. Adriana Alves/ID/BR
Capítulo 8 – Literaturas de um continente em movimento
Um dos nomes de destaque da literatura produzida em Moçambique é o poeta José Craveirinha (1922‑2003). Filho de pai português e mãe moçambicana, foi obrigado a decidir entre os costumes dos habitantes que povoa vam a periferia da capital, Lourenço Marques (atual Maputo), onde viviam negros e pobres, e os dos habitantes do centro da cidade, lugar de brancos e ricos colonizadores. Segundo o próprio autor, sua consciência de “mulato” o fez buscar pelas raízes que muitos outros, mulatos como ele, procuraram esconder. Participante das lutas pela independência, Craveirinha registrou poeticamente os sentimentos de falta de liberdade, da formação da identidade social e cultural e de resistência diante das violências do regime colonial.
Não era interrogada e por descuido podiam pisá-la.
Na obra do artista plástico moçambicano Ernesto Shikhani (1934-), há exemplos de diálogo entre a linguagem moderna, a tradição étnica e o senso histórico. Nesta pintura, vê-se uma representação do medo a partir de elementos abstratos. Para muitos críticos, as artes plásticas hoje desenvolvidas em vários territórios africanos são essencialmente conceituais.
Repertório
Poesia
Estávamos iguais com duas diferenças:
Shikhani, Ernesto. O medo transformado, 2004. Óleo sobre tela, 160 cm × 120 cm. Perve Galeria, Lisboa, Portugal.
Mas aos dois intencionalmente podiam pôr-nos de rastos mas não podiam ajoelhar-nos. Craveirinha, José. Cela 1. Lisboa: Edições 70, 1980. p. 16.
Chama atenção a forma simples do poema: o encadeamento dos versos se aproxima do uso da linguagem falada, e o vocabulário busca palavras comuns e de fácil comunicabilidade. Esse uso da expressão direta, pela fala que procura ser clara, está designado já no título do poema: Aforismo, ou seja, sentença filosófica dita de forma breve. A opção por uma poesia que dialoga com setores populares da sociedade e que traz em si passagens da história dura vivida em território moçambicano faz parte do projeto literário de José Craveirinha.
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José Craveirinha em foto de 1994.
Margens do texto Comente a comparação estabelecida entre homem e formiga.
Não escreva no livro.
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A literatura africana em língua portuguesa acompanhou as lutas pela independência das antigas colônias, reinventando a história nacional de cada uma delas a partir da diferença entre o olhar do colonizador e o construído pelos povos locais. O retorno ao passado das tradições das variadas etnias que haviam sido subjugadas pela dominação política e econômica, assim como a identificação com traços de outras culturas – por exemplo, a brasileira –, constituiu-se como ponto de partida para a definição de uma africanidade na produção literária. Com o fim das guerras de independência, novas identidades começaram a ser construídas. Nesse sentido, a literatura pós-colonial exerceu papel decisivo na definição de uma África diferente da imagem pitoresca do Continente Negro, exótico, selvagem e misterioso. Uma das obras que melhor representa a complexidade desse processo de afirmação de uma identidade cultural moçambicana foi escrita por Mia Couto. A um só tempo, sua literatura apresenta elementos que apontam para um estilo contemporâneo e para aspectos da tradição dos povos de Moçambique. Essa temática está presente, por exemplo, no romance O outro pé da sereia, publicado em 2006. Nessa narrativa, a protagonista Mwadia Malunga conversa com o curandeiro Lázaro Vivo sobre a necessidade de ela retornar à sua cidade de origem, Vila Longe, a fim de depositar em um lugar santo a imagem de Nossa Senhora que se perdeu em Moçambique durante a passagem do missionário português dom Gonçalo da Silveira por aquele lugar, em 1560.
Adriana Alves/ID/BR
— Você não tem aparecido a entregar cabritos. — Não tem dado. — Ainda tem aí sal e petróleo que é da última venda dos bichos. — Deixe ficar mais uns tempos. — Mas venha estes dias porque eu estou para viajar para o Zimbabwe. Tenho encomendas lá, aquela gente está mal, coitada. Mas ligue-me, minha filha, ligue-me… — Ligar-lhe? — A partir da fronteira tenho rede de telemóvel, você pode-me ligar dos correios de Vila Longe. Se for preciso, é claro. — Não vai ser preciso. — Eu só tenho mais um assuntozinho, aliás, um pedido… — Diga o que precisa, compadre Lázaro. — Quero que saiba como é que, lá na capital, se pode meter anúncio na televisão para os meus serviços de curandeiro.
Ulf Andersen/Aurimages/AFP
Prosa
O escritor moçambicano Mia Couto em sua participação na Festa Literária Internacional de Parati (FLIP), em 2007.
Margens do texto Nesse diálogo entre Mwadia e Lázaro, é possível, pelo modo como cada personagem se expressa, imaginar algumas de suas características pessoais. A forma sucinta da fala de Mwadia indica que aspectos da personagem?
Vocabulário de apoio
telemóvel: aparelho celular
Couto, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 46.
No fragmento acima, veem-se misturados dois modos de vida relativos a dois tempos: um passado imemorial – representado pelos serviços de curandeiro e pela troca de animais por itens básicos como o sal e o petróleo, sem intermediação de dinheiro – e o tempo em que a comunicação ocorre por meio de telemóveis (aparelhos de celular) e de anúncios em canais de televisão. Na obra de Mia Couto estão em jogo alguns temas cruciais da cultura pós-colonial, como a identidade que se divide entre conservar seus vínculos com o passado ou assumir valores da sociedade moderna, a memória que tenta retomar os fios da história pessoal e coletiva e a situação do homem africano em tempos de globalização. Não escreva no livro.
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Sua leitura Você vai ler a seguir um poema do escritor moçambicano Albino Magaia (1947-2010). Jornalista, poeta e ficcionista, ele foi presidente da Associação Moçambicana de Escritores no ano de 1989. Repare, no poema, como a presença da figura do colonizador se entranha na vida do país em tempos pós-coloniais.
Capítulo 8 – Literaturas de um continente em movimento
Já não é carro cobrador de impostos Nós descolonizámo-lo. Já não é terror quando entra na povoação Já não é Land-Rover do induna e do sipaio. É velho e conhece todas as picadas que pisa. É experiente este carro britânico Seguro aliado do chicote explorador. Mas nós descolonizámo-lo. No matope e no areal Sua tracção às quatro rodas Garante chegada às machambas mais distantes Às cooperativas dos camponeses. Entra na aldeia e no centro piloto Ruge militante nas mãos seguras do condutor Obedece fiel a todas as manobras Mesmo incompleto por falta de peças. — Descolonizámos o Land-Rover Com nossos produtos Comprámos o combustível que consome Com nossa inteligência Consertamos avarias que surgem Com nossa luta Transformámos em amigo este inimigo. Nós, descolonizadores, Libertámos o Land-Rover Porque também ficou independente, afinal Transformaram-se os objectivos que servia E hoje é militante mecânico Um desviado reeducado Uma prostituta reconvertida em nossa companheira. Descolonizámo-la e com ela casámos E não haverá divórcio. De Tete a Cabo Delgado Do Niassa a Gaza Da sede provincial ao círculo Este jeep saúda quando passa O caterpillar, seu irmão Outro descolonizado fazedor de estradas E cruza-se com o Berliet atarefado Ex-pisador de minas Eles aprenderam com a G3 Menina vanguardista na mudança de rumo A primeira a saber e a gostar A diferença antagónica Entre a carícia libertadora das nossas mãos
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Daniel Almeida/ID/BR
Descolonizámos o Land-Rover
Vocabulário de apoio
avaria: quebra Berliet: uma espécie de caminhão caterpillar: marca de trator G3: espingarda automática utilizada em guerras induna: chefe militar, oficial Land-Rover: marca de jipe machamba: propriedade rural matope: lodo endurecido onde se desenvolvem os mangais picada: trilha, caminho sipaio: agente policial africano que trabalha a serviço do colonizador
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Vocabulário de apoio
pedir boleia: pedir carona
Veridiana Scarpelli/ID/BR
e o aperto sufocante e opressor do inimigo que servia. As mãos dos operários que o fabricam são iguais às mãos dos operários de nossa terra. Essas mãos inglesas que o criam Um dia saberão que ajudaram a fazer a revolução E vão levantar o punho fechado da solidariedade. Ruge este militante nas picadas da Zambézia Galga as difíceis estradas de Sofala Passa pelos pomares de Manica Pelo milho de Gaza Pelas palmeiras de Inhambane Na cidade do Maputo descansa. Transporta pelo país os olhos dos estrangeiros amigos Que querem conhecer de perto a nossa Revolução — Descolonizámos uma arma do inimigo Descolonizámos o Land-Rover! Aquelas quatro rodas de um motor potente Aquela cabine dos mecanismos de comando Aquelas linhas da carroçaria irmanadas ao medo Já não afugentam o povo: Homens, Mulheres e Crianças do campo fazendo sinal ao condutor, pedem boleia. Nós descolonizamos o Land-Rover Por isso o povo já não foge. Magaia, Albino. Descolonizámos o Land-Rover. In: Saúte, Nelson (Org.). Nunca mais é sábado: antologia de poesia moçambicana. Lisboa: Dom Quixote, 2004. p. 437-440. Ortografia de acordo com a edição portuguesa.
Sobre o texto 1. O título do poema remete a que contexto da história de Moçambique? 2. Alguns poetas, como José Craveirinha, entendem ser a poesia um patrimônio que deve se aproximar da população. Tendo essa ideia como pano de fundo, responda às seguintes questões. a) A forma do poema se aproxima muito das narrativas orais. Que significado essa opção formal confere ao texto? b) A todo o momento, o eu lírico se coloca em primeira pessoa do plural. Qual é o motivo dessa escolha? 3. De que maneira a repetição do verso “Descolonizámos o Land-Rover” se associa ao caráter nacionalista que atravessa a literatura moçambicana?
JP Laffont/Sygma/Corbis/Fotoarena
4. Nos primeiros 16 versos, o automóvel é visto de duas maneiras diferentes. Quais são elas? 5. Em “Menina vanguardista na mudança de rumo”: a) A que o termo menina vanguardista se refere? b) A partir desse verso, o poema é marcado pela presença de imagens com valor afetivo. Destaque algumas delas. 6. Não apenas o Land-Rover pode ser entendido como um “espólio” da guerra, ou seja, como uma conquista do povo. Outras máquinas também foram incorporadas à vida do país. a) Destaque essas outras incorporações e aponte seus novos usos indicados no texto. b) Contudo, temos também uma referência a outros mecanismos, associados à guerra propriamente dita: as minas e as espingardas G3. Que oposição pode ser estabelecida entre essas máquinas e as anteriores?
Não escreva no livro.
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Samora Machel, comandante-chefe do movimento pela libertação de Moçambique, e Marcelino dos Santos, comemorando com um abraço a assinatura da Constituição de Moçambique, em 25 de junho de 1975.
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Uma literatura que se pode chamar efetivamente de cabo-verdiana surgiu com a reunião de intelectuais crioulos em torno de uma revista literária denominada Claridade, publicada a partir de 1936. Até então, as manifestações literárias ali ocorridas apresentavam um distanciamento em relação aos processos sociais e culturais vivenciados no arquipélago. Cultivava-se uma poesia que se pretendia sofisticada, com um vocabulário difícil e temas elevados, uma poesia, portanto, distante da realidade local. As obras e os autores veiculados pela revista representaram o rompimento com essa poesia esvaziada e artificial. Em Eugénio Tavares (1867-1930), exemplo de boa realização literária cabo-verdiana, notam-se ainda resquícios de uma visão da poesia como algo elevado. Algumas passagens, porém, apelam para um vocabulário simples. Observe o poema a seguir.
Partindo Triste, por te deixar, de manhãzinha Desci ao porto. E logo, asas ao vento, Fomos singrando, sob um céu cinzento, Como, num ar de chuva, uma andorinha. Olhos na Ilha eu vi, amiga minha, A pouco e pouco, num decrescimento, Fugir o Lar, perder-se num momento A montanha em que o nosso amor se aninha.
Nada pergunto; nem quero saber Aonde vou: se voltarei sequer; Quanto, em venturas ou lágrimas, me espera Apenas sei, ó minha Primavera, Que tu me ficas, lagrimosa e triste. E que sem ti a Luz já não existe.
Capítulo 8 – Literaturas de um continente em movimento
Tavares, Eugénio. In: Apa, L.; Barbeitos, A.; Dáskalos, M. A. (Org.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 122.
Nesse soneto, que se caracteriza pela linguagem fluente, as imagens evocadas representam a paisagem da ilha cercada pelo mar e pelas aves. Mas o espaço não apresenta elementos que o caracterizem em sua especificidade nacional. A ilha é representada como lar, em que se encontra a “montanha” na qual se aninha o amor entre o eu lírico e sua amada. O tema universal da separação amorosa se sobrepõe aos traços locais. A geração de autores posterior, que surge em meados dos anos de 1930, desejava uma poesia mais marcadamente local e contemporânea, que respirasse os novos ares da arte moderna, com uma linguagem mais dinâmica e comunicativa. No texto a seguir, vê-se um exemplo desse novo desejo. A linguagem perde a solenidade, os versos são livres (sem metrificação regular) e há, diferentemente do intimismo amoroso do soneto de Eugénio Tavares, referências a um coletivo (“nós”, “nossas”) de pessoas que têm como ponto em comum a vinculação à sua terra.
Poema do mar O drama do Mar, o desassossego do Mar, sempre sempre dentro de nós! O Mar! cercando prendendo as nossas Ilhas, desgastando as rochas de nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces [dos pescadores, roncando nas areias das nossas praias, batendo a sua voz de encontro aos montes, baloiçando os barquinhos de pau que vão [por estas costas… [...]
Coleção particular. Fac-símile/ID/BR
A literatura em Cabo Verde: reinvenção de raízes
revista Claridade A reuniu um conjunto de escritores que procuravam se afastar de uma literatura de cunho romântico que ainda predominava na produção cabo-verdiana. A necessidade de incrementar a formação cultural da população que habitava as ilhas de Cabo Verde estava entre as principais ideias do movimento que se instituiu em torno dessa publicação, que teve seus dois primeiros números publicados em 1936 e 1937.
Vocabulário de apoio
baloiçar: balançar salitre: tipo de sal
Barbosa, Jorge. In: Apa, L.; Barbeitos, A.; Dáskalos, M. A. (Org.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 125.
Merece destaque no poema de Jorge Barbosa (1902-1971) a paisagem, especialmente o mar, que deixa de servir como cenário passivo, tal como se vê no soneto de Eugénio Tavares. O mar, agora desassossegado e dramático, ocupa um espaço no íntimo do eu lírico e de outros que a ele se assemelham: o mar “dentro de nós”.
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Cultura mestiça e utopia
Crioulo Há em ti a chama que arde com inquietação e o lume íntimo, escondido, dos restolhos, – que é o calor que tem mais duração. A terra onde nasceste deu-te a coragem e a resignação. Deu-te a fome nas estiagens dolorosas. Deu-te a dor para que, nela sofrendo, fosses mais humano. Deu-te a provar de sua taça o agridoce da compreensão, e a humildade que nasce do desengano… Adriana Alves/ID/BR
E deu-te esta esperança desenganada em cada um dos dias que virão e esta alegria guardada para a manhã esperada em vão… Lopes, Manuel. In: Apa, L.; Barbeitos, A.; Dáskalos, M. A. (Org.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 141.
Outra marca da poesia escrita em Cabo Verde é sua aproximação e identificação com a poesia brasileira. Um dos traços em comum é o tema da saudade de tempos passados e felizes, presente em parte na literatura tradicional brasileira e também em autores modernos como Manuel Bandeira. O mito de Pasárgada, algumas vezes parafraseado e outras vezes negado pelos poetas de Cabo Verde, é uma das referências para um sentimento de utopia, seja de um mundo imaginário onde se pode “viver pelo sonho o que a vida madrasta não dá”, como diz a poesia de Bandeira, seja pela recusa a um afastamento da realidade social que aponta para a pobreza e para a miséria a que são submetidos os habitantes do arquipélago cabo-verdiano em tempos de colonização.
Não há pássaros no meu canto não há pássaros no meu canto montanhas de gritos trespassam-me a garganta se o meu canto irrompe não liberta voos
canta contra lamenta para quê a fuga de um pássaro que nunca me habitou
Fonseca, Mário. In: Apa, L.; Barbeitos, A.; Dáskalos, M. A. Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 163.
A metáfora do “pássaro” que, em fuga, ultrapassa os limites em busca de novos espaços é recusada nesse poema. Uma poética amena, em que a voz do eu lírico se confunde com o trinar dos pássaros, é afastada. Um tom mais realista, um canto que “canta contra” e “não liberta voos”, parece ocupar esse poema. Em vez de fuga da realidade, sugere-se seu enfrentamento. Não escreva no livro.
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Vocabulário de apoio
agridoce: simultaneamente ácido e doce estiagem: período de pouca chuva lume: luz restolho: parte dos cereais que permanece enraizada depois da colheita
Repertório
Amilcar Cabral Articulando ações de caráter político e cultural, Amilcar Cabral (1924-1973) é considerado um dos maiores responsáveis pela independência de Cabo Verde e Guiné-Bissau. Profundo conhecedor das péssimas condições sociais a que estava submetida a população de Cabo Verde e de Guiné-Bissau, em 1959, funda clandestinamente o Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Participa das lutas armadas em prol da libertação da Guiné. Em 1973, é assassinado por um membro de seu próprio partido. O contato estreito com a terra e sua gente mobilizou muitos de seus versos, como no poema intitulado “Regresso”, reproduzido a seguir. [...] Dizem que o campo se cobriu [de verde, da cor mais bela, porque é a cor [da esp’rança. Que a terra, agora, é mesmo [Cabo Verde. — É a tempestade que virou [bonança… [...] Cabral, Amilcar. Regresso. In: Centro Cultural Português em Bissau; União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. Antologia poética da Guiné-Bissau. Lisboa: Inquérito, 1990. p. 36. Coleção particular. Fotografia: ID/BR
A formação de um sistema literário e cultural em Cabo Verde inicia-se com a conscientização do nativo sobre o processo histórico no qual se insere. Segundo o poeta e ensaísta cabo-verdiano Gabriel Mariano, Cabo Verde se distingue de outras colônias portuguesas, pois “em Angola, Moçambique, Guiné ou São Tomé e Príncipe coube ao português o poder de comandar o fluir e o refluir dos acontecimentos locais. Em Cabo Verde, o mulato adquiriu desde cedo grande liberdade de movimentos. A cultura se fez de baixo para cima”, é uma cultura genuinamente mestiça, a qual dá espaço às diversas vozes que, caladas por conta do domínio colonial, começam a se fazer ouvir em tempos atuais.
Selo em homenagem ao poeta e líder político Amilcar Cabral.
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Sua leitura Você lerá agora dois poemas que partem de uma mesma temática: a identidade histórica. São duas maneiras de compreender a formação histórica de Cabo Verde. Texto 1
Vocabulário de apoio
XI A minha Pátria é uma montanha Olímpica, tamanha! Do seio azul do Atlântico brotada E aos astros com vigor arremessada Pelo braço potente do Criador, Sobranceia cem léguas em redor.
alevantado: levantado altivo: majestoso cambraia: tecido fino ou transparente clâmide: manto antigo de alto valor preso ao ombro por um broche ou colocado por sobre o ombro
E tão alta que acima do seu cume Só o plaustro de Apolo coruscante, Só o bando estelar de águias de lume E a mente ousada de um Camões ou Dante! Como é formosa E majestosa A minha amada Terra natal!
Além das nuvens alevantada, O bravo Oceano a seus pés desmaia!
doirado: dourado plaustro: tipo de carro descoberto de duas rodas sobrancear: exceder
Adriana Alves/ID/BR
Quer do Sol sob a clâmide doirada, Quer da Lua sob a lúcida cambraia, é tão formosa que não tem rival!
coruscante: que tem brilho intenso
Para a glória do mando fê-la Deus Altiva e forte, generosa e brava: Assim foram outrora os filhos seus! […] Cardoso, Pedro. In: Apa, L.; Barbeitos, A.; Dáskalos, M. A. (Org.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 123. Vocabulário de apoio
Herança
borrasca: tempestade
O meu avô escravo legou-me estas ilhas incompletas este mar e este céu.
cordame: conjunto de cabos de uma embarcação
As ilhas por quererem ser navios ficaram naufragadas entre mar e céu. Agora aqui vivo eu e aqui hei-de morrer. Meus sonhos de asas desfeitas pelo sol da vida deslocam-se como répteis sobre a areia quente e enroscam-se raivosos no cordame petrificado da fragata das mil partidas frustradas.
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encarcerado: preso legar: deixar como herança
Adriana Alves/ID/BR
Capítulo 8 – Literaturas de um continente em movimento
Texto 2
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Repertório
Como tu também tenho a esmola do luar e por amante essa mulher de bruma, universal, fugaz, que vai e vem passeando à beira-mar ou cavalgando sobre o dorso das borrascas chamando, chamando sempre, na voz do vento e das ondas. Fonseca, Aguinaldo. In: Apa, L.; Barbeitos, A.; Dáskalos, M. A. (Org.). Poesia africana de língua portuguesa: antologia. Rio de Janeiro: Lacerda, 2003. p. 138-139.
Sobre os textos 1. “A minha Pátria é uma montanha/ Olímpica, tamanha”. Nesses versos que iniciam o primeiro poema, é possível ver uma referência à cultura clássica. a) Explique qual é essa referência. b) O que justifica a comparação entre a pátria e a referência ao clássico? 2. No poema “Herança”, há também uma referência à Antiguidade Clássica nos versos “Meus sonhos/ de asas desfeitas pelo sol da vida”. a) A que narrativa da mitologia grega esses versos aludem? Justifique. b) Considerando o sentido geral do poema, qual é a função dessa referência à cultura clássica? 3. Do ponto de vista formal, há no primeiro poema um cuidado na composição dos versos e das estrofes. Que análise é possível fazer de sua estrutura? 4. Compare e diferencie o vocabulário utilizado nos dois poemas. 5. Diferentemente do que ocorre no primeiro texto, no poema “Herança” a descrição da ilha (representação de Cabo Verde) não é feita mediante uma linguagem grandiloquente. Para cada poema, copie no caderno um exemplo que mostre o modo como cada eu lírico constrói sua visão sobre a ilha. 6. Como fica claro em uma primeira leitura, ambos os poemas têm como objeto a ilha. No primeiro, ela é vista como originária de vontades divinas; no segundo, como “herança” deixada por ancestrais, ou seja, por homens. Formule uma hipótese que justifique essa diferença.
O funaná A música e a dança cabo-verdianas apresentam uma diversidade considerável. Um dos tipos mais característicos é o chamado funaná (semelhante ao forró brasileiro), surgido a partir de estilos musicais portugueses introduzidos em Cabo Verde no início do século XX. Segundo algumas fontes orais, o funaná derivou-se da importação do acordeão como substituto barato aos órgãos, principalmente para a realização de liturgias religiosas; segundo outras fontes orais, a vinda do acordeão serviu de estratégia de aculturação dos povos nativos. Por muito tempo, o funaná foi um estilo de música associado às camadas menos favorecidas da população. AngeloTondini/CuboImages/Glowimages
Ah meu avô escravo como tu eu também estou encarcerado neste navio fantasma eternamente encalhado entre mar e céu.
Jovens cabo-verdianos dançando funaná. Foto de 2007.
Ainda que, nos dias de hoje, muito se fale das raízes africanas como fundamentais para a constituição do povo brasileiro, muitas pessoas não sabem quais países africanos têm o português como língua oficial, nem sabem onde se localizam no mapa do continente. 1. Em sua opinião, por que a cultura e a história da África são motivos de preconceitos e estereótipos em nosso país? Obra do Mestre Didi: escultor, pesquisador e sacerdote, é referência no mundo religioso afro-brasileiro e tem seu trabalho artístico reconhecido no mundo inteiro.
Não escreva no livro.
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Coleção do artista. Fotografia: ID/BR
O que você pensa disto?
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Ferramenta de leitura Rene Saint Paul/Rue des Archive/Getty Images
O engajamento político e a literatura
Jean-Paul Sartre em seu escritório em Paris. O filósofo e escritor francês foi um dos pensadores mais influentes do século XX. Foto de 1964.
A literatura nos países africanos de língua portuguesa tem como um de seus pontos mais relevantes a formação da identidade. Historicamente, uma elite intelectualizada composta por negros, mestiços e brancos identificou-se com a terra, incorporando elementos da cultura local em suas obras. A tradição europeia trazida pelos colonizadores misturou-se com as culturas locais, gerando uma literatura única. Nesse contexto, a literatura desempenhou importante papel. Resgatou, por exemplo, aspectos de culturas orais que se perdiam em meio à sociedade letrada de base escrita. A junção entre o idioma do colonizador português e as línguas locais funcionaram como canal de manifestação de um sentimento de pertencimento àquelas regiões e da criação de identidades próprias. Por isso, pode-se dizer que a literatura feita nas chamadas colônias ultramarinas – principalmente a partir da década de 1930 – apresentava como elemento essencial a ideia de engajamento (envolvimento a serviço de ideias ou causas). Essa literatura não se limitava a entreter o leitor. Ela buscava denunciar os processos de dominação colonial. O filósofo e escritor Jean-Paul Sartre (1905-1980) discute o papel da literatura como um instrumento de crítica social. Partindo da pergunta “O que é escrever?”, ele assim define a finalidade social da escrita literária. Tentaremos mais adiante determinar qual poderia ser o objetivo da literatura. Mas desde já podemos concluir que o escritor decidiu desvendar o mundo e especialmente o homem para outros homens, a fim de que estes assumam em face do objeto, assim posto a nu, a sua inteira responsabilidade. Sartre, Jean-Paul. Que é a literatura? São Paulo: Ática, 2006. p. 21.
Para Sartre, no contato com o texto literário o leitor vê o mundo tal como desvendado pelo escritor. O mundo desvendado é o mundo sem máscaras, “posto a nu”, para que o leitor possa criar sua própria visão crítica. O escritor “engajado” sabe que a palavra é ação: sabe que desvendar é mudar e que não se pode desvendar senão tencionando mudar. Ele abandonou o sonho impossível de fazer uma pintura imparcial da Sociedade e da condição humana. Sartre, Jean-Paul. Que é a literatura? São Paulo: Ática, 2006. p. 20-21.
Completando seu raciocínio, o filósofo articula a atitude do escritor, engajado na tarefa de desvendar o mundo a seu redor, e do leitor diante do texto. Do mesmo modo, a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele. E uma vez engajado no universo da linguagem, não pode nunca mais fingir que não sabe falar: quem entra no universo dos significados, não consegue mais sair [...] por que você [escritor] falou disso e não daquilo, já que você fala para mudar, por que deseja mudar isso e não aquilo? Sartre, Jean-Paul. Que é a literatura? São Paulo: Ática, 2006. p. 21-22.
Segundo Jean-Paul Sartre, portanto, o escritor se engaja no propósito de mudar o mundo pela palavra literária, ao mesmo tempo que o leitor deve se engajar no universo da linguagem, eximindo-se de uma postura “inocente”. Agora você vai ler um poema do escritor moçambicano Rui Knopfli (1932-1997). Leia-o com atenção e responda às perguntas propostas, utilizando-se das ideias de Sarte para pensar sobre o engajamento na literatura. 140
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Naturalidade
Não sei se o que escrevo tem a raiz de algum pensamento europeu. É provável… Não. É certo, mas africano sou. Pulsa-me o coração ao ritmo dolente desta luz e deste quebranto. Trago no sangue uma amplidão de coordenadas geográficas e mar Índico. Rosas não me dizem nada, caso-me mais à agrura das micaias e ao silêncio longo e roxo das tardes com gritos de aves estranhas. Chamais-me europeu? Pronto, calo-me. Mas dentro de mim há savanas de aridez e planuras sem fim com longos rios langues e sinuosos, uma fita de fumo vertical, um negro e uma viola estalando.
Daniel Almeida/ID/BR
Europeu, me dizem. Eivam-me de literatura e doutrina europeias e europeu me chamam.
Vocabulário de apoio
agrura: aspereza dolente: doloroso, lastimoso doutrina: princípios fundamentais de uma crença eivar: contaminar langue: frouxo micaia: árvore nativa da África tropical planura: planície quebranto: feitiço
Knopfli, Rui. In: Lisboa, Eugénio (Org.). Antologia poética. Belo Horizonte: Ed UFMG, 2010. p. 17.
Sobre o texto 1. O poema apresenta um ponto de vista sobre a identidade do eu lírico relacionada à sua nacionalidade. Que ponto de vista é esse? 2. O título do poema, “Naturalidade”, tem um significado imediato, que é o de local de nascimento. Mas é possível outra leitura, na qual naturalidade pode significar “a qualidade daquilo que é natural”. De que forma esse segundo sentido se relaciona ao poema? 3. Apesar de se sentir africano, o eu lírico não contesta inteiramente a ideia de parecer europeu. Indique um trecho do poema que comprove essa afirmação. Justifique sua escolha. 4. Esse é um poema que fala do sentimento de pertencimento. Além da identificação do eu lírico com o espaço africano, há também uma identificação com a gente que ali vive. a) Selecione passagens do poema que sugiram essa ideia de pertencimento por meio da identificação com elementos da natureza local. b) Destaque uma imagem que transmita a ideia de identificação com o povo africano. c) Explique como se desenvolve, no poema, a ideia de pertencimento. 5. Segundo Jean-Paul Sartre, a literatura deve fazer que o leitor “assuma sua inteira responsabilidade” diante do mundo desvendado pelo escritor. Como isso acontece na leitura do poema de Rui Knopfli? 6. A procura da identidade, o intimismo e a relação entre o ser humano e a natureza são três motivos poéticos presentes em “Naturalidade”. Selecione um desses temas e explique de que forma ele é desenvolvido no poema.
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Entre textos
Adriana Alves/ID/BR
Há inúmeras afinidades entre a literatura produzida nos países africanos de língua portuguesa e a literatura feita no Brasil. Essa influência de mão dupla é fundamental na formação tanto da identidade brasileira quanto das identidades africanas. Entre o místico e o político, entre o poético e o histórico, transitam sentidos, palavras e ideias. Leia, a seguir, dois textos de autores brasileiros do século XX que falam de um território imaginário singular, constituído pelos laços entre Brasil e África.
Nos últimos anos, foram publicados inúmeros estudos sobre as relações entre as obras de Guimarães Rosa e de Mia Couto. O próprio escritor angolano já destacou o modo como a linguagem poética de Guimarães compõe artisticamente um universo em que camadas sociais e culturais diversas são colocadas em confronto. Como ponto de contato entre as obras dos dois prosadores, há o resgate de uma tradição oral, a representação de uma memória coletiva e a semelhança das realidades geográficas e sociais do sertão mineiro e a das savanas moçambicanas. Chama ainda a atenção, no projeto estético de ambos autores, a capacidade de exploração da linguagem estética na recriação da realidade.
TEXTO 2
Capitães da areia A voz o chama. Uma voz que o alegra, que faz bater seu coração. Ajudar a mudar o destino de todos os pobres. Uma voz que atravessa a cidade, que parece vir dos atabaques, que ressoam nas macumbas da religião ilegal dos negros. Uma voz que vem com o ruído dos bondes, onde vão os condutores e motorneiros grevistas. Uma voz que vem do cais, do peito dos estivadores, de João de Adão, de seu pai morrendo num comício, dos marinheiros dos navios, dos saveiristas e dos canoeiros. Uma voz que vem do grupo que joga a luta da capoeira que vem dos golpes que o Querido-de-Deus aplica. Uma voz que vem mesmo do padre José Pedro, padre pobre de olhos espantados diante do destino terrível dos Capitães da Areia. Uma voz que vem das filhas-de-santo do candomblé de Don’ Aninha, na noite que a polícia levou Ogum. Voz que vem do trapiche dos Capitães da Areia. […] Amado, Jorge. Capitães da areia. 69. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 228.
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TEXTO 1
Grande Sertão: veredas Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser – se viu –; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram – era o demo. Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abusões. O senhor ri certas risadas… Olhe: quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente – depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo há – fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães… O sertão está em toda parte. Rosa, Guimarães. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 8-9.
A literatura brasileira que se desenvolveu no Nordeste durante os anos 1930 serviu de parâmetro para o delineamento de parte da prosa escrita por escritores africanos. A semelhança cultural, a preocupação em representar a parcela da população mais pobre e a forma direta de narrar chamaram a atenção de escritores do além-mar. Somado a isso, outro aspecto ganhou interesse na leitura desses romances: seu conteúdo ideológico.
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Vestibular e Enem (PUC-MG) Texto para a questão 1. “No princípio,/ a casa foi sagrada/ isto é, habitada/ não só por homens e vivos/ como também por mortos e deuses” (Sophia de Mello Breyner).
1. A epígrafe inicial de Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, de Mia Couto, revela uma característica marcante no livro: a memória ligada à ancestralidade. Assinale o fragmento do romance em que essa característica se faz presente: a) “Abstinêncio Mariano despendera a vida inteira na sombra da repartição. A penumbra adentrou-se nele como um bolor e acabou ficando saudoso de um tempo nunca havido, viúvo mesmo sem nunca ter casado.” b) “Por fim, avisto a nossa casa grande, a maior de toda a Ilha. Chamamo-lhe Nyumba-Kaya, para satisfazer familiares do Norte e do Sul. ‘Nyumba’ é a palavra para nomear ‘casa’ nas línguas nortenhas. Nos idiomas do Sul, casa se diz ‘kaya’.” c) “Ainda bem que chegou, Mariano. Você vai enfrentar desafios maiores que as suas forças. Aprenderá como se diz aqui: cada homem é todos os outros. Esses outros não são apenas os viventes.” d) “A cozinha me transporta para distantes doçuras. Como se, no embaciado dos seus vapores, se fabricasse não o alimento, mas o próprio tempo. Foi naquele chão que inventei brinquedo e rabisquei os meus primeiros desenhos.” 2. (PUC-MG) Segundo Tânia Macedo, “Se a cidade de Luanda é o espaço privilegiado trilhado pela maioria dos textos ficcionais angolanos no pré e pós-independência, talvez poucas personagens possam exemplificar as transformações pelas quais passou o país e a literatura de Angola nos últimos cinquenta anos como as infantis […]”. Assinale a passagem em que não comparecem indícios das transformações a que se refere o comentário: a) “Eu ainda avisei a tia Rosa, ‘cuidado com as minas’, ela não sabia que ‘minas’ era o código para o cocó quando estava assim na rua pronto a ser pisado.” b) “Depois do lanche o Sol ia embora de repentemente. Os soviéticos abandonavam a obra do Mausoléu e ficávamos ali, no muro que dividia a casa da avó Agnette da casa do senhor Tuarles.” c) “Naquele tempo, antes de sairmos de casa para o nosso desfile de crianças mascaradas, a disputa era quem ia levar o apito na boca. Esse que tinha o poder de apitar fazia a vez daqueles que, no desfile de verdade, vão à frente a marcar o ritmo do grupo.” d) “Chegámos à casa dos camaradas professores Ángel e María. O camarada professor não estava vestido com a calça militar dele, tinha uma camisa tipo ‘goiabera’ e uma calça justa. […] Um pingo de
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
chuva, sozinho, caiu-me na cabeça, nessa que foi a última vez que vimos aqueles camaradas professores cubanos.” (UnB-DF) Texto para a questão 3. Discutindo Literatura (DL) – Tendo vivido em Moçambique, a questão do racismo foi importante para você em sua literatura? Mia Couto (MC) – Sim, com certeza. A cidade onde eu nasci é um lugar onde a discriminação racial é muito grande. Era tanta que na minha adolescência não precisaram explicar para mim o que era a colonização, por exemplo, pois eu sentia na pele o que era o colonialismo. Isso me fez ter uma atitude de engajamento político muito cedo na minha vida. DL – Há uma literatura tipicamente africana? MC – Não sei exatamente o que seria uma literatura tipicamente africana. O escritor africano, ao contrário do europeu ou do americano, precisava quase sempre prestar provas de autenticidade. Havia quase um olhar de que aquilo seria um artesanato e não uma arte que se pretendesse universal, fora de seu tempo e lugar. A necessidade de pertencer a um contexto histórico e étnico prejudicou em muito a dinâmica da literatura africana. Mas hoje há autores que vão além dessa limitação e estão fazendo literatura. Ponto final. Não tem que ser literatura africana ou tipicamente qualquer coisa. Discutindo Literatura, São Paulo, ano 3, n. 16, p. 11-13. Adaptado.
3. Considerando as ideias do texto acima, julgue, assinalando C (certo) ou E (errado), os itens a seguir. a) Infere-se do texto que, de acordo com Mia Couto, há profunda relação entre discriminação racial e colonialismo. b) De acordo com Mia Couto, seu precoce engajamento político levou-o a perceber a existência do racismo em Moçambique e a denunciá-la em sua literatura. c) Infere-se do texto que, para Mia Couto, os escritores africanos são mais autênticos que os europeus e americanos. d) Ao afirmar que a literatura produzida pelos escritores africanos era vista como “um artesanato”, Mia Couto recusa a visão exótica da literatura produzida na África. e) Considerando as opiniões de Mia Couto acerca do caráter típico da literatura africana, é correto inferir que um dos dilemas vividos por essa literatura foi a necessidade de ser local e, ao mesmo tempo, universal. f) A tese defendida por Mia Couto em sua resposta à segunda pergunta é a de que a literatura africana deve ignorar o contexto histórico e étnico de sua produção em favor dos modelos da literatura universal. 143
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linguagem
Ser no mundo e com o outro
UNIDADES 6 Introdução aos estudos sobre a linguagem 7 Linguagem e comunicação 8 Linguagem e sentido 9 Linguagem e materialidade
Instalação do artista Wladimir Dias-Pino (1927-) da exposição A Experiência da Arte, realizada no Sesc Santo André (SP), em 2015. A instalação foi inspirada em seu livro-poema A Ave, importante obra do artista lançada em 1956 na Exposição Nacional de Arte Concreta. 144
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exigem o uso da língua em suas diversas formas – por isso, é essencial conhecê-las, apropriar-se delas. Neste volume, você vai investigar as linguagens, em especial a linguagem verbal, e descobrir como a Linguística – ciência que estuda a linguagem verbal e as línguas – surgiu no início do século XX, transformando-se até os dias atuais. Em seguida, refletirá sobre a dimensão comunicativa da linguagem e como ela produz sentidos. Por fim, estudará as partes que compõem as palavras da língua portuguesa.
Joana Cunha/Acervo da fotógrafa
A instalação de Wladimir Dias-Pino traz palavras e expressões do livro A Ave (1956) impressas em ímãs dispostas aleatoriamente sobre uma superfície magnética. O artista convida o público a interagir com sua obra, fazendo-o pensar sobre a língua, criando novos sentidos para as palavras inicialmente desorganizadas. A língua é um bem público. Ela está viva, e os seus usuários a transformam ao longo do tempo. Desse ponto de vista, não existe certo ou errado, mas situações de interação, que
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unidade
6 Nesta unidade 9
Linguagens, linguagem verbal e língua
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Uma língua, muitas línguas
Imagem da página ao lado: Concurso de castells de Tarragona, na Espanha. Foto de 2014.
Introdução aos estudos sobre a linguagem Castells é uma prática tradicional da região da Catalunha (Espanha) que consiste em construir verdadeiros “castelos” humanos por meio de uma intrincada arquitetura. Considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 2010, a prática dos castells organiza a cada dois anos, desde 1980, um festival casteller em Terragona, berço da tradição castellera. Na imagem ao lado, podemos observar a beleza dessas estruturas: centenas de homens e mulheres das mais variadas idades se unem no projeto de formar esses castelos humanos em um esforço conjunto e organizado. A formação dos castells pode ser comparada à concepção de língua de Ferdinand de Saussure (1857-1913). Para esse linguista, a língua é um produto social da faculdade de linguagem. É “um sistema de signos”, ou seja, um conjunto de unidades que se relacionam organizadamente dentro de um todo. Assim como os castells, a língua não pode ser modificada em nível individual, pois obedece às leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade. Nesta unidade, você dará início à investigação da língua, patrimônio de seus falantes enquanto sociedade.
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Pau Barrena/Corbis/Fotoarena
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Linguagens, linguagem verbal e língua
capítulo
9 o que você vai estudar Linguagens. Signos. Os estudos sobre a linguagem verbal. A língua e a percepção sobre a realidade.
Linguagens, linguagem verbal e língua Ao se relacionar com o mundo e com outras pessoas, o ser humano estabelece associações entre diferentes elementos, muitas vezes sem se dar conta disso. Imagine, por exemplo, que alguém de sua família preparou um prato especial no dia do seu aniversário. Provavelmente, você interpretaria essa atitude como um gesto de carinho. Nesse caso, estaria associando o elemento “comida” ao elemento “afeto”, uma relação que talvez não fosse óbvia à primeira vista. Além de vivenciar essas associações em suas experiências do dia a dia, o ser humano também as investiga cientificamente. Nessa investigação, os conceitos que ele formula o ajudam a compreender a si mesmo e a entender suas relações com os outros seres humanos. Neste capítulo, você estudará alguns desses conceitos, conhecendo um pouco mais sobre a reflexão científica a respeito das linguagens.
Linguagens Garfield, Jim Davis © 2016 Paws, Inc. All Rights Reserved / Dist. Universal Uclick
Leia a tira a seguir para responder às questões.
Davis, Jim. Garfield. Folha de S.Paulo. Ilustrada, 21 abr. 2016. p. C5.
1. No primeiro quadrinho, o que Garfield parece estar fazendo? 2. No segundo quadrinho, Garfield aponta para a fileira e diz: “formigas”. Isso tornou mais claro ao leitor o sentido do que ele estaria fazendo? Explique. 3. Explique a associação lógica feita por Garfield entre formigas e piquenique no terceiro quadrinho.
saiba mais
Pictórico é o termo utilizado para designar algo relativo à pintura, referindo-se a imagens em geral.
A personagem Garfield, sendo um gato com habilidades humanas, põe em destaque uma característica da relação do ser humano com o mundo que o cerca: o fato de estabelecermos conexões entre elementos, de tal forma que um deles pode representar (“aparecer no lugar de”) outro. A interpretação de Garfield ao ver uma fila de formigas indica uma relação de associação entre dois elementos: “formigas” está em relação lógica (na concepção de Garfield) com “comida”. Esse tipo de relação se dá na linguagem e pela linguagem. Dá-se o nome de linguagem a formas de interação humana que utilizam sistemas organizados de signos para comunicar algo a alguém. Esses sistemas são compostos de recursos gráficos, sonoros, gestuais, etc. São exemplos de linguagem a música, a pintura, a dança, as línguas naturais, a fotografia, a arquitetura, a moda, a culinária, etc. O gênero tira, como a de Garfield, geralmente é classificado como sincrético, pois são usadas duas linguagens: a pictórica (materializada por cores, formas, linhas) e a verbal (materializada pelas palavras escritas).
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O signo é a unidade de significação de uma linguagem. Ele se caracteriza por ser um elemento que significa algo. Todo signo tem um significante (aspecto material) e um significado (ideia ou conceito veiculado). A palavra casa, a fotografia de uma casa ou a maquete de uma casa são signos que, sob formas variadas, significam o conceito “casa”. Toda produção humana que possui sentido é um signo, uma forma de as pessoas apreenderem a realidade. Na tira da página anterior, o elemento observado por Garfield também tornou-se um signo, já que ele associou a fila de formigas a um determinado evento: piquenique. Nesse caso, a associação se dá pela experiência, por meio da qual os seres humanos relacionam uma coisa a outra quando há entre elas uma suposta conexão lógica. É o mesmo tipo de relação estabelecida, por exemplo, no ditado popular “onde há fumaça, há fogo” (a fumaça indica a presença do fogo). No cartum de Caulos, o artista gráfico utilizou a barra que representa o conceito de proibição nas placas de trânsito para mostrar, de forma expressiva, que a lógica das grandes cidades inverte as relações entre o ser humano e a natureza: de acordo com a imagem, as “árvores” são proibidas nas cidades. Para que seja possível compreender que a placa com a árvore cortada com uma barra diagonal significa “proibido”, é necessário que haja um acordo entre os membros de um determinado grupo: o valor de proibição associado a esse signo é produto de uma regra estabelecida socialmente.
Caulos/Acervo do artista
Signos
Caulos. Só dói quando eu respiro. Porto Alegre: L&PM, 2001. p. 10.
Linguagem verbal e signo linguístico A linguagem verbal tem como unidades de significação os signos linguísticos, também constituídos por um significante e por um significado. O significante do signo linguístico é uma imagem acústica, a impressão dos sons que guardamos em nossa mente. Ele é considerado a parte “material” do signo porque serve de transmissor de conceitos, podendo se manifestar concretamente por meio da fala ou da escrita (simulacro dessa impressão de sons). Já o significado é o conjunto de conceitos associados a um significante. Esses conceitos correspondem ao modo como os indivíduos de uma comunidade linguística apreendem a rea lidade. Por exemplo, os falantes de português têm o signo “irmã”, que significa “aquela que tem genitores em comum com alguém”. Já os falantes de húngaro têm o signo “néne” (“aquela que, tendo nascido antes, tem genitores em comum com alguém”) e o signo “húg” (“aquela que, tendo nascido depois, tem genitores em comum com alguém”). Falantes de português e falantes de húngaro apreendem a realidade de forma diferente; assim, associam significados diferentes a significantes diferentes.
Língua No dia a dia, as palavras língua e linguagem são usadas com sentidos próximos. Para a Linguística, ciência que estuda a linguagem verbal, trata-se de dois conceitos diferentes. A língua é a maneira particular como a linguagem verbal se realiza nas interações de um grupo social específico. ANOTE
Linguagem é uma forma de interação humana que utiliza um sistema organizado de signos. A linguagem verbal conta com os signos linguísticos, constituídos por um significado e um significante verbal. O modo como ela se realiza nas diferentes comunidades sociais compõe as línguas naturais.
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Linguagens, linguagem verbal e língua
Os estudos sobre a linguagem verbal
Nos estudos sobre a linguagem verbal realizados do século XVII ao XIX, duas tendências principais podem ser percebidas: a racionalista, que tomava a linguagem como representação do pensamento, e a comparativa, que pressupunha a existência de uma única “língua de origem” e buscava reconstituí-la analisando o “parentesco” entre as línguas existentes. Ambas foram determinantes para os estudos linguísticos futuros e para a constituição da Linguística como ciência no século XX.
A língua como sistema Saussure desejava estudar aquilo que a linguagem verbal tinha de sistemático e entender que princípios determinavam seu funcionamento. Para tanto, precisou definir o que deveria e o que não deveria fazer parte de sua pesquisa. Primeiro, desconsiderou as condições específicas em que a linguagem era usada pelos falantes. Ou seja, não incluiu em seus estudos questões como os sentidos implícitos que o contexto poderia gerar, o grupo social que usava a linguagem daquela forma, etc. O que interessava a Saussure era o funcionamento interno da linguagem. Ao mesmo tempo, o linguista suíço abandonou a perspectiva histórica ao realizar suas análises. Ele buscava pensar na linguagem como uma fotografia, congelada no tempo, na qual seria possível observar de que forma os elementos se relacionavam naquele momento. Assim, Saussure definiu que o objeto da Linguística seria a língua, enten dida como o sistema de signos linguísticos que compõe a linguagem verbal. Ela se oporia à fala, que seria a realização concreta da linguagem pelos falantes. Saussure compreendia a língua como algo social e a fala como algo individual. Em outras palavras, apesar das falas particulares, variá veis, as pessoas se entenderiam pelo fato de disporem da mesma língua. Nessa visão, a língua é algo sistemático e que pode ser estudado. Capítulo 9 – Linguagens, linguagem verbal e língua
ANOTE
Para Saussure, o objeto da Linguística seria a língua, em oposição à fala. Essa visão de língua excluía tanto a sua realização concreta pelos falantes quanto a sua evolução ao longo do tempo.
A ampliação do campo de estudos da Linguística Devido à sua preocupação em delimitar o campo de estudos sobre a linguagem verbal e criar métodos próprios de investigação, Saussure é considerado o “pai” da Linguística moderna. Sua obra é hoje ponto de partida para todos os estudos linguísticos. No entanto, outras correntes de estudo foram surgindo com o tempo, especialmente a partir da segunda metade do século XX. Muitas delas passaram a se dedicar aos aspectos que Saussure havia desconsiderado, tais como o uso concreto da língua pelos falantes e a transformação desse uso ao longo do tempo. Sem deixar de lado as contribuições desse linguista, atualmente a visão de língua como sistema é considerada insuficiente para entender a complexidade e a amplitude da linguagem verbal.
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Stringer/Keystone/Getty Images
O surgimento da Linguística
Ferdinand de Saussure O linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) elaborou teorias sobre a linguagem que tinham um enfoque estrutural, ao contrário do enfoque histórico, comum na época. Essas teorias propiciaram o nascimento da Linguística. Seu livro mais conhecido, Curso de linguística geral (1916), foi escrito por dois alunos seus, com base em anotações feitas durante cursos ministrados por Saussure.
Saussure fotografado em janeiro de 1900.
Assista O escafandro e a borboleta. Direção de Julian Schnabel, França/EUA, 2007, 112 min. Após sofrer um acidente vascular cerebral, um famoso editor de revistas tem de reaprender a se comunicar usando a única parte de seu corpo que não perdeu os movimentos: o olho esquerdo. Apesar de sua capacidade de se expressar se mostrar absolutamente restrita, sua mente continua funcionando. O filme faz refletir sobre as possibilidades e as limitações da fala e da comunicação no contato com o mundo. Imovision/ID/BR
A linguagem verbal sempre foi objeto de interesse e investigação humana. No início do século XX, os estudos do suíço Ferdinand de Saussure permitiram que tal investigação formasse um campo de saber autônomo, com objeto de estudo e método próprios.
Repertório
Capa do DVD O escafandro e a borboleta.
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A língua como prática social Adão Iturrusgarai/Acervo do artista
Leia a tira a seguir.
Iturrusgarai, Adão. Aline. Folha de S.Paulo, 17 maio 2004.
Repertório
Aline: jornais, revistas e TV A tira Aline foi criada pelo cartunista gaúcho Adão Iturrusgarai (nascido em 1965). É publicada nos jornais Folha de S.Paulo (SP) e O Liberal (PA) e em algumas revistas do exterior. Muitas das tiras dessa personagem tematizam o relacionamento entre ela e seus dois namorados, Otto e Pedro. As aventuras do trio foram adaptadas para a televisão, no especial Aline. Devir/Arquivo da editora
Observe a frase da personagem Otto no segundo quadrinho (“Vê se capricha no sotaque!”). Na tira, a recomendação se relacionava ao objetivo dos amigos: impressionar a namorada passando-se por “caipiras”. A mesma frase, em outro contexto, poderia ter um significado diferente. Por exemplo, se dirigida ao candidato a uma vaga profissional que exigisse o domínio de uma língua estrangeira, poderia indicar critério de aprovação. A fala de Otto revela a imagem que ele faz de Aline: alguém que se impressiona com certo estilo de roupa e jeito de falar. Também revela algo sobre ele: a sedução, em seu entendimento, está vinculada à aparência. Já a resposta afirmativa de Pedro (“Só!”) permite identificá-lo como integrante de determinado grupo de falantes jovens de ambientes urbanos. Pedro e Otto não são “genuínos caipiras”, nem conhecem esse grupo. O leitor percebe isso devido à fala de Pedro no último quadrinho: ao tentar imitar o “sotaque caipira”, ele usa termos associados a grupos de falantes da região Nordeste do Brasil. No contexto da tira, “Só!” é uma forma perfeitamente adequada de expressar concordância; já na situação de uma entrevista de emprego, por exemplo, soaria excessivamente informal. Assim como a frase “Vê se capricha no sotaque!” poderia assumir múltiplos significados de acordo com o contexto, a fala de Otto no último quadrinho poderia ser compreendida como insinuante; no entanto, ela provoca riso. Esse efeito de humor é esperado durante a leitura de uma tira. Nela, não só o conteúdo das falas das personagens, mas também o tipo de letra usado, o formato dos balões, as expressões corporais e faciais das personagens, as cores e as formas são aspectos considerados em conjunto na produção de sentido. Se, em vez de apresentada em uma tira, essa situação fosse encenada em um seriado de TV, certamente a variação na intensidade da voz dos atores e sua postura em cena seriam fundamentais para a produção do efeito de humor. Essa análise da tira é um pequeno exemplo das muitas perspectivas possíveis para observação da língua, revelando como a visão de língua proposta por Ferdinand de Saussure foi ampliada. Diferentes textos podem ser analisados por diversas abordagens, como: os fatores que determinam a produção de sentido em uma situação de uso; a maneira como os falares refletem ou constituem a identidade dos falantes; os valores sociais que a língua revela ou esconde; as relações que se estabelecem entre os participantes de uma interação; os usos mais ou menos adequados a cada situação ou contexto; os meios e os modos como a língua se realiza; entre outras. Diferentes áreas da Linguística se dedicam a estudar a língua privile giando cada uma dessas perspectivas. Para isso, delimitam um campo ou ângulo de investigação, deixando de lado outros aspectos. ANOTE
Os estudos de Linguística nos dias atuais envolvem diferentes abordagens sobre a língua, que passou a ser entendida como uma prática social.
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Capa de Aline: cama, mesa e banho.
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Prática de linguagem 1. No depoimento a seguir, publicado na revista Superinteressante, o escritor italiano Umberto Eco fala sobre o valor simbólico das vestimentas humanas.
Pedro Hamdan/ID/BR
“[O ser humano] Tinha frio e cobria-se, não há dúvida. Mas também não há dúvida de que, poucos dias depois da invenção do primeiro traje de peles, se terá criado a distinção entre os bons caçadores – munidos das suas peles, conquistadas pelo preço de uma dura luta– eoutros, os inaptos, os sem-peles. Não é preciso muita imaginação para enxergar a circunstância social em que os caçadores envergaram as peles, já não para proteger-se do frio, mas para afirmar que pertenciam à classe dominante”, diz Eco. Citado por Miranda, Celso; Sambugaro, Adriano. E se… Não usássemos roupas? Superinteressante, ed. 181, p. 40, out. 2002.
a) De acordo com o trecho lido, pode-se afirmar que a pele de animal usada pelos seres humanos nos primórdios da história da humanidade era um signo? Explique. b) Na sociedade atual, uma peça do vestuário tem o mesmo valor simbólico que uma pele de animal usada pelos antigos caçadores? Explique sua resposta. c) Mencione um elemento que não é parte do vestuário e que assume, na sociedade atual, papel semelhante ao da pele de animal nos primórdios da humanidade. Justifique. 2. Leia o trecho de uma reportagem publicada no site de uma revista de curiosidades destinada a jovens.
Até o século XI, quase todo mundo comia com as mãos. Os mais educados eram aqueles que usavam apenas três dedos para levar o alimento à boca. Naquele século, Domenico Salvo, membro da corte de Veneza, casou-se com a princesa Teodora, de Bizâncio. Ela trouxe no enxoval um objeto pontudo, com dois dentes, que usava para espetar os alimentos. Esse primeiro garfo foi considerado uma heresia: o alimento, fornecido por Deus, era sagrado e tinha de ser comido com as mãos. Mas, pouco a pouco, membros da nobreza e do clero foram adotando o talher. […]
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Como surgiram os talheres?
Disponível em: . Acesso em: 2 abr. 2016.
3. Entre as placas de trânsito utilizadas no Brasil estão as que indicam serviços auxiliares. Observe uma delas. a) Esta placa pode ser considerada um signo? Justifique sua resposta.
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Detran. Fac-símile: ID/BR
a) Explique por que, na situação apresentada no texto, o garfo pode ser considerado um signo. b) Pode-se afirmar que o garfo constitui um signo na cultura ocidental? Justifique sua resposta. c) As boas maneiras podem ser consideradas parte de uma linguagem. Indique no caderno, entre os itens abaixo, os que comprovam essa declaração. I. As boas maneiras são uma forma de as pessoas interagirem. II. As boas maneiras constituem um sistema organizado de representação da realidade. III. As boas maneiras revelam aspectos históricos, sociais e culturais.
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Apartamentos (24)
Cofre
Ar-condicionado
Ventilador de teto
TV p/ assinatura Frigobar
Chuveiro aquecimento elétrico
Tel.
Ducha higiênica
Marcelo Casaro/ID/BR
b) Leia o excerto ao lado, extraído de um guia turístico. Observando o signo não verbal presente no trecho, que significado pode ser associado ao seu significante?
2009 King Features Syndicate/Ipress
4. Examine a tira a seguir.
Browne, Chris. Hagar, o Horrível. Folha de S.Paulo, 27 jul. 2003.
a) Considere a pergunta de Hagar. A fala de Helga no segundo quadrinho responde à questão formulada por ele? Explique sua resposta. b) Em sua opinião, Helga entendeu a pergunta de Hagar? Em que você se baseou para dar sua resposta? c) Que aspectos o leitor precisa considerar para entender o que, de fato, Hagar desejava? Explique. d) Os aspectos que você apontou no item anterior são internos ou externos à língua como sistema? Que tipo de análise eles indicam? usina literária No livro Passaporte, o escritor Fernando Bonassi registra em pequenas crônicas alguns episódios colhidos em viagens ao redor do mundo. Veja o que ele conta a respeito de um convento em Minas Gerais.
Uma das maiores atrações do Convento do Caraça, em Minas Gerais, além das três refeições à base de porco, feijão & farinha, é a presença dos lobos-guará. À noite, uma bandeja de carne é colocada na porta da igreja e um padre começa a chamar os lobos pelos nomes que deu. Grande tensão entre os turistas quando aparece um deles, apanha um naco de carne e come-o sob as luzes dos flashes. Não consigo me render ao espetáculo. Pior: parece que posso vê-lo voltar pra sua toca como um maldito palhaço, arrancar sua pele de lobo e voltar à condição natural de vira-lata.
Pedro Hamdan/ID/BR
Cachorros em pele de lobos
Bonassi, Fernando. Passaporte. São Paulo: Cosac Naify, 2001. p. 119.
1. Os guias turísticos e a publicidade de viagens exercem grande poder de atração ao construir uma imagem para um lugar. Com base no texto, descreva a imagem criada para o Convento do Caraça que teria tornado o lugar atraente para os turistas. 2. Quando aparecem os lobos-guará, o narrador afirma: “Não consigo me render ao espetáculo”. O que ele quer dizer com essa frase? 3. Explique o título do texto com base na experiência narrada pelo cronista.
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Língua viva
A língua e a percepção da realidade
Leia a seguir o trecho de um texto publicado na revista Época sobre uma descoberta relacionada à língua de um povo da Oceania.
Sobre o texto 1. Releia o início do texto, transcrito a seguir. As florestas de Papua-Nova Guiné, na Oceania, são azuis. Pelo menos para os berinmos […].
a) O leitor é levado a criar uma hipótese sobre a percepção dos berinmos em relação às cores. Que hipótese é essa? b) Essa compreensão se modifica após a leitura completa do texto. O que significa, exatamente, a afirmação de que as florestas são azuis “pelo menos para os berinmos”? 2. Quando declara que “os berinmos classificam suas cores de modo particular”, quem o texto toma como referência? 3. O que, possivelmente, motiva os esquimós a terem várias denominações para a cor que chamamos unicamente de branco? 4. Observe o esquema a seguir. a) Em quantas partes o esquema se divide? O que nos permite perceber essa divisão? b) Que nome os falantes da língua portuguesa empregam para designar a cor que preenche essas partes? c) Com base nas respostas anteriores, pode-se afirmar que os falantes do português classificam as cores de modo particular? Justifique. 5. O título do texto apresenta uma informação coerente com o conteúdo expresso nele? Explique sua resposta. 6. Levando em conta os conceitos estudados neste capítulo, a que o texto se refere ao fazer menção à “linguagem humana”? 7. O texto apresenta uma indagação comum entre alguns estudiosos da cultura e da linguagem humanas. Qual? 154
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Jornalismo científico Diferentemente dos textos de divulgação científica que são escritos por especialistas de uma determinada área, o jornalismo científico é produzido por profissionais da área de comunicação. Revistas como Galileu e Superinteressante são especializadas em jornalismo científico, ou seja, publicam reportagens, notícias, artigos, infográficos sobre novidades e curiosidades científicas. Além dessas revistas, jornais diá rios e revistas semanais também reservam espaço para publicações como essa, como é o caso do texto “Um povo que não batizou o azul”, da revista Época. Abril/Arquivo da editora
Um povo que não batizou o azul. Época, São Paulo, Globo, p. 16, 22 mar. 1999.
Repertório
tora
à forma como vemos o mundo ou se a forma como vemos o mundo depende do modo como usamos a linguagem. A descoberta feita em Papua-Nova Guiné sugere que a classificação das cores pode variar segundo a cultura. Estudos com esquimós chegaram a resultado semelhante. Há vários nomes para o branco, equivalentes aos matizes que os esquimós enxergam na neve e no gelo.
da edi Globo/Arquivo
As florestas de Papua-Nova Guiné, na Oceania, são azuis. Pelo menos para os berinmos, povo primitivo que habita o país. Pesquisadores das universidades de Londres e Surrey, na Inglaterra, descobriram que os berinmos classificam suas cores de modo particular. O verde e o azul, por exemplo, são uma cor só. Eles dão nomes a apenas outras quatro cores, equivalentes ao vermelho, amarelo, branco e preto. Por muitos anos, psicólogos e antropólogos discutiram se a linguagem humana evoluiu para adequar-se
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Um povo que não batizou o azul
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8. O autor do texto responde à pergunta? Explique. 9. Analise o texto abaixo.
Repertório
Adriana Alves/ID/BR
Etnocentrismo
Estudo do idioma pirahã desafiou teoria consagrada da linguística O idioma pirahã, falado por cerca de 400 indígenas que vivem às margens do Rio Maici, no sul do Amazonas, talvez fosse apenas mais uma das dezenas de línguas brasileiras ameaçadas pela extinção não fosse pelo estudo de um linguista americano. As pesquisas conduzidas por Daniel Everett, entre o final da década de 1970 e o início deste século, levaram-no a questionar um conceito consagrado no mundo da linguística […]. […] A teoria de Everett é que a gramática pirahã não contém um conceito básico da gramática universal: a possibilidade de recursividade, ou seja, inserir frases dentro de outras frases indefinidamente como no exemplo “João disse que Maria disse que Pedro disse que Joana comprou uma casa”. “Quando você escuta um discurso ou uma história pirahã, você não encontra recursividade em orações individuais. Eles até têm recursividade cognitiva, mas eles não têm recursividade na sintaxe”, explica. Na hipótese de Everett, a gramática não é algo biológico, mas uma ferramenta aprendida culturalmente, com base nas necessidades de cada sociedade. “A linguagem é um processo de resolver o problema da comunicação, e cada cultura tem respostas diferentes. Não vejo nenhuma necessidade de propor uma gramática inata”, diz. […] Mas as singularidades do pirahã não param por aí. No idioma, não há palavras para cores ou números. Os objetos são contados em palavras como poucos ou muitos. “Os pirahãs não têm números simplesmente pela sua falta de utilidade nas aldeias. Eles não precisam dos números. Pessoas dizem que números são inatos, mas eles mostram que o ser humano não é tão previsível”, conta Everett. […]
Etnocentrismo é o julgamento que alguém faz sobre uma cultura diferente tomando como base de comparação sua própria cultura, vista como melhor ou mais importante. No livro do historiador português Pero de Magalhães Gândavo, publicado em Lisboa em 1576, a descrição da língua falada no Brasil no século XVI demonstra uma visão etnocêntrica.
“Alguns vocábulos há nela de que não usam senão as fêmeas, e outros que não servem senão para os machos: carece de três letras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem desordenadamente sem terem além disto conta, nem peso, nem medida.” Gândavo, Pero de Magalhães. História da província Santa Cruz. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980. p. 124.
Abdala, Vitor. Agência Brasil, 11 nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 2 abr. 2016.
a) Segundo o pesquisador Everett, qual é a relação entre linguagem e cultura? b) Além da ausência da recursividade, o pesquisador chama a atenção para outras duas características presentes no idioma pirahã. Uma delas reforça a hipótese do pesquisador. Justifique essa afirmação. ANOTE
Mais do que “representar” uma realidade previamente compreendida, a língua participa da construção do entendimento humano sobre o mundo, que é diferente para os diversos grupos sociais. texto em construção Na parte de Produção de texto (capítulo 18, p. 272-273), ao estudar o gênero conto de humor, o conto “De cima para baixo” apresenta uma situação em que o efeito de humor é gerado a partir da atribuição da responsabilidade por um erro a diversas pessoas na hierarquia de uma repartição pública, do funcionário mais elevado ao subordinado que não tinha ninguém abaixo de si. 1. Suponha que esse conto fosse traduzido para uma língua que não tivesse tantas palavras para os diversos cargos no mesmo escritório. Explique se o conto teria o mesmo efeito de humor que tem para o leitor brasileiro.
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Em dia com a escrita
A ortografia como convenção
O último acordo ortográfico e a acentuação gráfica
No final de 2008, foi regulamentado no Brasil um acordo internacional que unificou a ortografia da língua portuguesa a partir de janeiro de 2009. No entanto, a nova ortografia passou a ser obrigatória somente em 2016. Isso quer dizer que os países falantes da língua portuguesa passaram a adotar uma grafia comum. Veja abaixo algumas mudanças no sistema de acentuação gráfica. 1. Os ditongos eu, ei, oi são acentuados apenas em monossílabos tônicos (mói) ou quando forem tônicos na última sílaba (herói). a) Qual destas grafias você deve adotar: heróico ou heroico? Por quê? b) Como seria a frase ao lado se, em vez de O anel ficou preso no anzol. um anzol e um anel, houvesse dois? c) Explique a redação dada à frase na resposta do item anterior. 2. A primeira vogal tônica dos hiatos oo e ee não é acentuada. a) Escreva no plural o sujeito das frases abaixo. Faça as adaptações necessárias. Ele vê algum sentido nisso? Ele relê os capítulos indicados pelo professor. b) Escreva na primeira pessoa do singular o sujeito da frase a seguir. Faça as adaptações necessárias. Eles enjoam em estradas com curvas acentuadas. 156
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Em: Mário de Camargo. Gráfica: arte e indústria no Brasil-180 anos de história. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Bandeirantes Gráfica, 2003. 174 p.: il. 28 cm. Fac-símile/ID/BR
Em: Mário de Camargo. Gráfica: arte e indústria no Brasil-180 anos de história. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Bandeirantes Gráfica, 2003. 174 p.: il. 28 cm. Fac-símile/ID/BR
A ortografia de uma língua corresponde à maneira correta de grafar as palavras que pertencem ao repertório linguístico de seus usuários. O critério para a definição do que é “certo” ou “errado”, nesse caso, é bastante claro: a ortografia é uma norma, tem valor de lei, e não admite variações ou opções individuais. Seu objetivo é fixar uma maneira unificada de registrar por escrito as palavras da língua, que são bastante diversificadas em sua realização oral. Por isso mesmo, é importante perceber que a ortografia não é uma transcrição dos sons da fala, e sim o resultado de um acordo social que estabeleceu uma forma de grafia autorizada para determinado grupo linguístico. Trata-se, portanto, de uma convenção. No caso da língua portuguesa, essa unificação só aconteceu na primeira metade do século XX, inicialmente em Portugal e depois no Brasil. De lá para cá, a norma ortográfica já passou por modificações, estimuladas por estudiosos da língua que identificaram a necessidade de alguns ajustes. Esse tipo de iniciativa costuma desagradar parte dos usuários, que precisam se acostumar à nova forma de grafar determinadas palavras. Independentemente da legitimidade dessas opiniões, é necessário adequar-se às mudanças. Embora a ortografia de uma língua tenha natureza arbitrária, ela carrega muitas informações históricas a respeito do povo que a utiliza. Além disso, aprender a grafar as palavras segundo essa norma não é uma tarefa puramente reprodutiva, que exige apenas memorização. Mesmo sem se dar conta, o usuário da língua coloca em prática conhecimentos linguísticos variados ao grafar uma palavra conforme o padrão ortográfico. Peças publicitárias da época em que Brasil e Portugal começavam a estabelecer uma grafia comum. O primeiro anúncio grafa assucar com dois ss e sem o acento agudo na letra u; o segundo dobra a letra l em cabello. Ambas as grafias caíram após o Formulário Ortográfico, vigente no Brasil a partir de 1943.
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3. Dos acentos diferenciais obrigatórios, apenas dois permanecem: pôr (verbo no infinitivo) e pôde (no pretérito perfeito). No caderno, copie as frases que seguem as novas regras e reescreva as que precisam de correção. a) O tempo não pára. b) A Terra é achatada nos polos. c) Faltou energia: ela não pôde enviar a mensagem pelo computador. d) Muitos mamíferos apresentam o corpo coberto por pêlos. e) Após o último acordo ortográfico, não é mais preciso pôr acento em certas palavras. 4. Antes do acordo, i e u tônicos que formassem sílaba sozinhos (ou seguidos de s) e estivessem em hiato com a sílaba anterior eram acentuados. Isso não acontece mais em um caso: quando i e u forem tônicos em paroxítonas e formarem hiato com um ditongo anterior. a) No caderno, separe as palavras em sílabas e circule a sílaba tônica. ciúme – feiura – balaústre – reúno – egoísmo – cafeína – sanduíche b) Quanto à posição da sílaba tônica, como se classificam essas palavras? c) Por que feiura não recebeu acento? 5. O u dos grupos que, qui, gue, gui recebia acento agudo quando a vogal tônica era pronunciada (em oposição ao trema usado quando o u era pronunciado, porém não tônico – como em conseqüência). Com o acordo, tanto esse acento quanto o trema deixaram de ser usados. Levando essas regras em conta, copie as frases, substituindo o pela forma correta do verbo já empregado na frase. a) Todos acham que é preciso averiguar a veracidade daquelas informações. Por isso querem que eu pessoalmente no prazo de um mês. b) Na próxima ocasião, outro professor vai arguir os candidatos, porque os que sempre estão em licença. c) É preciso apaziguar os ânimos. Sugerem que o senador com um discurso extra. d) Não vai mais arguir as testemunhas o juiz que usualmente as . ANOTE
Embora o u tônico não receba mais acento, ele continua a ser pronunciado. O trema só continua sendo usado em nomes próprios estrangeiros e suas variações.
6. Leia um trecho de uma notícia e responda às perguntas.
Sem chuva, Salvador tem 613 incêndios em 17 dias Estiagem prolongada, aumento da temperatura, tempo seco e gente irresponsável: a conjunção desses fatores são a principal explicação para o registro de 613 ocorrências de incêndios em vegetação na capital do dia 1o até ontem. Em apenas 17 dias, o número de chamados ao Corpo de Bombeiros Militar da Bahia já ultrapassa todos os registros do mês passado […]. A última chuva intensa registrada em Salvador foi em 29 de agosto e, desde então, as precipitações têm sido bastante moderadas. Neste mês, por exemplo, choveu em apenas três dias, e pouco: 3 de novembro (0.3 mm), 9 (0.2 mm) e 11 (0.6 mm), segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Para se ter uma ideia, o índice pluviométrico médio nos meses de novembro é de 137.1 mm. Marquezini, Giulia. Correio, 18 nov. 2015. Disponível em: . Acesso em: 2 abr. 2016.
a) O título da notícia antecipa o problema tratado no texto. Que problema é esse? b) Nessa notícia, o verbo ter é grafado de duas maneiras. Observando a situação de uso, o que justifica cada uma das formas de registrar esse verbo? c) Pelo contexto, qual regra ortográfica relacionada ao verbo ter pode ser apreendida? ANOTE
A regra de acentuação para as palavras tem/têm e vem/vêm (e as formas verbais equivalentes dos verbos derivados de ter e vir) não mudou com o novo acordo ortográfico.
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capítulo
10 o que você vai estudar Tipos de variação linguística. A diferença entre erro e adequação linguística. A importância de conhecer diferentes variedades linguísticas.
Uma língua, muitas línguas Ao pensar na diversidade dos grupos humanos e em sua constante transformação, é fácil perceber que a língua reflete e também ajuda a construir essa diversidade. Isso é perceptível não apenas em relação a línguas diferentes, mas também no interior de uma mesma língua. Neste capítulo você conhecerá mais sobre a variação linguística.
Variação linguística Leia, a seguir, o trecho de uma crônica originalmente publicada em 1962.
Antigamente Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé de alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Andrade, Carlos Drummond de. Caminhos de João Brandão. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p. 86.
1. A que se refere a palavra antigamente, título da crônica? 2. Para desenvolver a crônica, Carlos Drummond de Andrade utiliza vários exemplos. Qual é a importância desses exemplos para a construção do sentido do texto? 3. O que o uso dos exemplos mencionados na crônica revela sobre a diversidade da língua portuguesa? 4. No dia a dia, você ou outras pessoas de seu convívio usam algumas das palavras e expressões citadas nos exemplos da crônica? Se sim, quais são elas e o que significam? A crônica “Antigamente”, de Carlos Drummond de Andrade, é composta de expressões, substantivos e adjetivos que caracterizam uma geração precedente ao momento em que o texto foi escrito, em 1962. Tal caracterização revela como muitos vocábulos surgiram, assim como muitas palavras e expressões pertencentes ao léxico deixaram de ser usadas com frequência. Essa renovação lexical é resultado do caráter dinâmico das línguas, que se transformam, acompanhando as modificações da sociedade e as influências regionais e sociais. Todas as línguas do mundo se modificam, e cada uma delas apresenta diversas variedades. ANOTE
Variação linguística é o fenômeno comum às línguas de apresentar variações em função da época, da região, da situação de uso e das particularidades dos falantes. A língua usada por um grupo social específico, com características próprias, constitui uma variedade linguística.
Variação histórica: o tempo passa, a língua muda A língua carrega muitas transformações ocorridas ao longo do tempo. Diversas palavras e construções sofreram mudanças de som, de forma ou de significado. O léxico e os modos de dizer também se modificam constantemente. Essa transformação é chamada de variação histórica. Na crônica “Antigamente”, identificam-se alguns casos de variação histórica. Por meio de palavras e expressões idiomáticas, o cronista revela o dinamismo da língua com o passar do tempo. 158
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Variação regional: região e expressão
Variação social: os diferentes contextos sociais Os falantes de uma mesma língua são pessoas de diferentes idades, classes socioeconômicas, níveis de escolarização e atividades profissionais. É natural que sua maneira de se expressar seja influenciada por esses diferentes contextos sociais. Esse fenômeno é chamado de variação social. As diferentes formas de falar contribuem para a construção da identidade dos diversos grupos humanos. Ou seja, partilhar uma mesma variedade linguística é um dos elementos necessários para que um conjunto de pessoas se constitua como grupo e construa uma identidade coletiva.
Variação situacional: língua, para que te quero? Não se usam as mesmas palavras ou expressões em uma entrevista de emprego, em uma situação de paquera ou para falar com uma criança pequena, sob o risco de não ser entendido, causar impressão negativa ou não alcançar o objetivo pretendido. Um mesmo falante, portanto, usa diferentes variedades linguísticas de acordo com a situação de uso da língua.
Leia Preconceito linguístico, de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2015. Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília (UnB), apresenta nessa obra alguns resultados de pesquisas sobre o tema preconceito linguístico. De acordo com o autor, é necessário que todo cidadão que frequenta a escola receba uma educação linguística crítica e bem informada, na qual as variedades da língua sejam reconhecidas como instrumentos adequados para expressar e construir a experiência humana. Parábola/Arquivo da editora
A variação regional ou geográfica diz respeito às diferenças que uma língua apresenta nas diversas regiões em que é falada, representando as possibilidades expressivas do idioma. Essa variação refere-se às diferenças lexicais (de vocabulário), fonológicas (de pronúncia ou “sotaque”) e/ou sintáticas (referentes à construção gramatical das frases) observadas entre falantes de diferentes regiões geográficas e que utilizam a mesma língua.
Capa do livro Preconceito linguístico.
Norma-padrão, norma culta e adequação Os membros das comunidades linguísticas naturalmente atribuem diferentes valores aos modos de falar. Do ponto de vista puramente linguístico, não há uma forma de falar que seja melhor ou pior do que outra, embora algumas sejam mais adequadas a determinadas situações. Qualquer falante é usuário competente de sua língua materna (aquela que ele adquiriu naturalmente, em sua comunidade linguística). Em geral, o julgamento sobre o valor de uma variedade linguística está muito mais associado à imagem que se tem dos falantes ou grupos que a utilizam. Historicamente, os escritores literários clássicos foram tomados como referencial de uso da língua. Na tradição de ensino, os manuais de gramática procuraram descrever esse modelo (vamos chamá-lo de norma-padrão) e elevá-lo à categoria de “português correto”. Os estudos linguísticos demonstraram que essa norma-padrão era uma idealização: não correspondia sequer aos usos linguísticos registrados nas obras literárias consagradas, ao menos não de maneira uniforme. Ela também não era observada nos veículos conceituados da imprensa nem em obras de referência, como enciclopédias. Hoje há iniciativas de descrição dos usos linguísticos dos falantes considerados “cultos”, segundo critérios definidos pelos pesquisadores (por exemplo, nível de escolaridade, hábitos culturais, etc.). Esses usos corresponderiam à efetiva norma culta da língua, mas também não representam um bloco uniforme, sendo mais adequado referir-se a eles no plural, como variedades urbanas de prestígio. Adequar-se linguisticamente significa empregar a variedade adequada a cada contexto de uso. Sendo as variedades urbanas de prestígio aquelas que dão acesso a boa parte das oportunidades profissionais e de participação na vida pública, é fundamental conhecê-las e apropriar-se delas. Não escreva no livro.
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ação e cidadania
Entre as formas de intolerância e discriminação que ainda precisam ser combatidas está o preconceito linguístico. Ele é fruto de uma série de mitos linguísticos que se perpetuaram em nossa sociedade, levando as pessoas a acreditar que existem formas superiores, mais corretas ou mais cultivadas de falar e, por oposição, modos de falar errados, inferiores ou até ridículos. Essa crença é muitas vezes reforçada pela grande imprensa e por publicações que prometem ensinar o falante a não “errar” no uso da própria língua. O valor social atribuído às variedades urbanas de prestígio é inegável e é um direito de todo cidadão brasileiro ter acesso a elas. No entanto, isso não significa que um falante deva ser discriminado ou ridicularizado por utilizar uma variedade não padrão.
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Prática de linguagem Swim Ink 2/Latinstock
1. Leia este texto, uma “crônica de anúncios” de uma revista de 1957, e responda às questões.
Falando de compras com Nancy Sasser Uma crônica de anúncios para a mulher brasileira O verão traz as delícias da praia e os gostosos banhos de mar e piscina, mas… será que vale a pena molhar os cabelos? Vale sim, amiga. Depois v. poderá secá-los e fazer a “mise-en-plis” num instante. Basta ter um Secador de Cabelos GILDA. Tenho um e v. não imagina o serviço que me presta! Seca o cabelo em alguns minutos apenas, com um jacto de ar quente ou frio. É portátil e como poupa tempo e gastos em cabeleireiros! Falando de compras com Nancy Sasser. Revista Seleções, dez. 1957.
a) Considerando a finalidade com a qual o texto foi escrito, que tipo de efeito ele provoca no leitor dos dias de hoje? b) Cite dois exemplos de variação histórica presentes no texto. c) É possível afirmar que a variação histórica presente na linguagem do texto também reflete um contexto social diferente dos dias de hoje? Explique. d) Reescreva o texto no caderno, supondo que ele se dirigisse a uma mulher contemporânea. Para isso, avalie qual é a linguagem mais adequada para a tarefa de convencer essa mulher a comprar o secador de cabelo. 2. Leia a seguir um trecho do poema “Noturno de Belo Horizonte”, de Mário de Andrade. Que importa que uns falem mole descansado Que os cariocas arranhem os erres na garganta Que os capixabas e paroaras escancarem as vogais? Que tem se os quinhentos réis meridional Vira cinco tostões do Rio pro Norte? Juntos formamos este assombro de misérias e grandezas, Brasil, nome de vegetal!...
Vocabulário de apoio
mise-en-plis: técnica de penteado para ondular os cabelos com rolos aplicados sobre o cabelo molhado
Vocabulário de apoio
meridional: próprio das regiões do sul réis: plural de unidade monetária paroara: homem ou mulher natural do Pará
Andrade, Mário de. Poesias completas. 6. ed. São Paulo: Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia, 1987. p. 188.
a) A que tipo de variação linguística o eu lírico faz referência nesse trecho do poema? b) Em quais versos esse tipo de variação linguística é evidenciado? c) De que forma o eu lírico compreende essas diferenças da língua? Que expressão presente no poema confirma sua resposta? d) Apesar dessa variação linguística, o eu lírico elabora uma conclusão relacionada à identidade brasileira. Que conclusão é essa? 3. Leia a seguir o trecho de uma notícia.
tostão: antiga moeda brasileira cujo valor correspondia a 100 réis
Assim como o zagueiro Kanu, o Vitória não deixou de provocar o arquirrival Bahia neste sábado (21). Após o triunfo de 3 a 0 sobre o Luverdense e a garantia do acesso à Série A do Campeonato Brasileiro, o clube, através do Facebook, cutucou o tricolor, que foi mais uma vez derrotado e disputará a Série B de 2016. “No dia 4 de Fevereiro de 2015, um jovem afirmou que na Bahia só existia um clube grande, de ponta e que era respeitado por todos. O tempo passou e percebemos que, mesmo com os impulsos da juventude, o garoto estava certo”, escreveu o rubro-negro. […]
Raul Spinassé/Ag. A Tarde/ Estadão Conteúdo
Nas redes sociais, Vitória cutuca o Bahia:“Quem ficou, chora”
Zagueiro Kanu, do Vitória, comemora seu gol. Foto de 2015.
Bahia Notícias, 21 nov. 2015. Disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2016.
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a) No título e ao longo da notícia, um verbo é utilizado em situação informal. De que verbo se trata? Considerando o contexto, qual é o sentido expresso por esse verbo? b) Além desse verbo, há uso de uma expressão informal no título da notícia. Qual? c) Qual é a relação entre o uso dessa expressão e o conteúdo da notícia? d) Considerando o conteúdo abordado na notícia, responda: A linguagem utilizada é adequada ao contexto? Justifique. 4. Leia, a seguir, dois textos sobre um medicamento. O primeiro é a transcrição da fala de uma médica em um programa de televisão. O segundo é um trecho da bula desse medicamento. Tem que ser um uso moderado. O que existe, a gente vê muitas vezes na prática, é o paciente com dengue ou suspeita de dengue, ou com febre prolongada, ele se encharcar de paracetamol. Já peguei paciente que estava tomando dois, três comprimidos de paracetamol a cada quatro horas porque não passava a febre, não passava a dor, ele ia somando, né, sobrecarregando na dose, e esse paciente teve uma hepatite muito séria, muito importante, pela droga associada à lesão que o próprio vírus já traz, entendeu? Então, essa associação dengue que produz hepatite, paracetamol que tem toxicidade no fígado, isso pode conjuntamente piorar a situação. Mas não é contraindicado usar paracetamol na dengue. Lobo, Isa. Uso indiscriminado do paracetamol pode causar estragos no fígado. 18 fev. 2011. Disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2016. Transcrição feita para esta edição.
Vocabulário de apoio
hepatoxicidade: toxicidade no fígado metabolização: transformações pelas quais uma substância passa no organismo sudorese: transpiração toxicidade: característica do que é tóxico
O paracetamol em altas doses pode causar hepatotoxicidade em alguns pacientes. Em adultos e adolescentes, pode ocorrer hepatotoxicidade após a ingestão de mais que 7,5 a 10 g em um período de 8 horas ou menos. Fatalidades não são frequentes (menos que 3-4% de todos os casos não tratados) com superdoses menores que 15 g. Em caso de suspeita de ingestão de altas doses de Paracetamol, procure imediatamente um centro médico de urgência. As crianças são mais resistentes que os adultos no que se refere à hepatotoxicidade, uma vez que casos graves são extremamente raros, possivelmente devido a diferenças na metabolização da droga. Uma superdose aguda de menos que 150 mg/kg em crianças não foi associada à hepatotoxicidade. Apesar disto, da mesma forma que para adultos, devem ser tomadas as medidas corretivas descritas a seguir nos casos de superdose em crianças. Os sinais e sintomas iniciais que se seguem a uma dose potencialmente hepatotóxica de paracetamol são: náusea, vômito, sudorese intensa e mal-estar geral. Os sinais clínicos e laboratoriais de toxicidade hepática podem não estar presentes até 48 a 72 horas após a ingestão da dose maciça. Paracetamol. Responsável técnico Marcos Antonio Mendes de Carvalho. Floriano: Laboratório Industrial Farmacêutico Sobral, 2009. Bula de remédio.
a) Qual é o assunto comum aos dois textos? b) A que contextos profissionais os textos se relacionam? Justifique. c) Sob o ângulo da variação situacional, explique as diferenças entre a linguagem utilizada no primeiro texto e a utilizada no segundo. Dê exemplos. usina literária Leia o trecho de um conto do escritor gaúcho Simões Lopes Neto.
— Foi depois da batalha de Ituzaingó, no passo do Rosário, pra lá de São Gabriel, do outro lado do banhado do Inhatium. Vancê não sabe o que é inhatium? É mosquito: bem posto nome! Banhado do Inhatium... Virge’Nossa Senhora!... Mosquito aí fumaceia no ar! Eu era gurizote: teria, o muito, uns dez anos; e andava na companhia do meu padrinho, que era capitão, para carregar os peçuelos e os avios do chimarrão. [...] Neto, Simões Lopes. O anjo da vitória. Contos gauchescos. Porto Alegre: Artes & Ofícios, 2008. p. 121.
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1. A personagem explica o significado de inhatium. Segundo ela, por que o nome é adequado ao Banhado do Inhatium? 2. Os termos gurizote e vancê são consi derados regionalismos próprios do Rio Grande do Sul. Qual seria o efeito criado no texto se o escritor escolhesse palavras com menor apelo regional? 3. Com base nas respostas anteriores, explique a afirmação: As variedades linguísticas são expressão da identidade dos grupos sociais, ao mesmo tempo que constituem essa identidade.
Vocabulário de apoio
avio: apetrecho, ou equipamento necessário para a realização de uma tarefa peçuelos: alforje de couro, em duas partes, posto sobre o lombo do cavalo
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Língua viva
O falante poliglota em sua própria língua
Leia a seguir trechos de uma crônica de Luis Fernando Verissimo publicada no livro As mentiras que os homens contam. Após a leitura, responda às questões propostas.
Ele disse: “O teu sorriso é como o primeiro suave susto de Julieta quando, das sombras perfumadas do jardim sob a janela insone, Romeu deu voz ao sublime Bardo e a própria noite aguçou seus ouvidos.” E ela disse: “Corta essa.” E ele disse: “A tua modéstia é como o rubor que assoma à face de rústicas campônias acossadas num quadro de Bruegel, pai, enaltecendo seu rubicundo encanto e derrotando o próprio simular de recato que a natureza, ao deflagrá-lo, quis.” E ela disse: “Cumé que é?” E ele: “Eu te amo como jamais um homem amou, como o Amor mesmo, em seu autoamor, jamais se considerou capaz de amar.” E ela: “Tô sabendo…” “Tu és a chuva e eu sou a terra; tu és ar e eu sou fogo; tu és estrume, eu sou raiz.” “Pô!” “Desculpe. Esquece este último símile. Minha amada, minha vida. A inspiração é tanta que transborda e me foge, eu estou bêbado de paixão, o estilo tropeça no meio-fio, as frases caem do bolso…” “Sei…” “Os teus olhos são dois poços de águas claras onde brinca a luz da manhã, minha amada. A tua fronte é como o muro de alabastro do templo de Zamaz-al-Kaad, onde os sábios iam roçar o nariz e pensar na Eternidade. A tua boca é uma tâmara partida… Não, a tua boca é como um… um… Pera só um pouquinho…”
“Tô só te cuidando.” “A tua boca, a tua boca, a tua boca… (Uma imagem, meu Deus!)” “Que qui tem a minha boca?” “A tua boca, a tua boca… Bom, vamos pular a boca. O teu pescoço é como o pescoço de Greta Garbo na famosa cena da nuca em Madame Walewska, com Charles Boyer, dirigido por Clarence Brown, iluminado por…” “Escuta aqui…” “Eu tremo! Eu desfaleço! Ela quer que eu a escute! Como se todo o meu ser não fosse uma membrana que espera a sua voz para reverberar de amor, como se o céu não fosse a campana e o Sol o badalo desta sinfonia especial: uma palavra dela…” “Tá ficando tarde.” “Sim, envelhecemos. O Tempo, soturno cocheiro deste carro fúnebre que é a Vida. Como disse Eliot, aliás, Yeats – ou foi Lampedusa? –, o Tempo, esse surdo-mudo que nos leva às costas…” “Vamos logo que hoje eu não posso ficar toda a noite.” […] “Já sei!” “O quê? Volta aqui, pô…” “Como um punhado de amoras na neve das estepes. A tua boca é como um punhado de amoras na neve das estepes!”
Verissimo, Luis Fernando. In: As mentiras que os homens contam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 149-151.
Sobre o texto 1. Qual é a situação da vida cotidiana retratada pela crônica de Verissimo? 2. A crônica é escrita em terceira pessoa e a voz do narrador aparece apenas no início. a) Em sua opinião, por que a voz do narrador “desaparece” em determinado momento? b) Como na crônica não há descrição das personagens, o que as caracteriza? c) Com base em sua resposta anterior, trace um breve perfil de cada personagem. 3. Na crônica, há um descompasso nas expectativas das personagens. De que forma a linguagem manifesta esse descompasso? 4. Releia o trecho a seguir. “Escuta aqui…” “Eu tremo! Eu desfaleço! Ela quer que eu a escute! […]”
Explique por que a resposta da personagem masculina ao comentário da personagem feminina produz um efeito de humor. 162
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Adriana Alves ID/BR
Cultura
Vocabulário de apoio
acossar: perseguir aguçar: avivar alabastro: pedra usada para fins ornamentais assomar: surgir badalo: peça do sino que vibra sonoramente bardo: poeta ou declamador (na cultura celta ou gaulesa) campana: sino campônia: camponesa enaltecer: engrandecer estepe: tipo de formação campestre fronte: rosto insone: que não dorme reverberar: ressoar rubicundo: de faces avermelhadas símile: recurso de linguagem por meio do qual se estabelece a comparação entre dois termos soturno: sombrio, melancólico
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5. Releia este outro trecho. “Tu és a chuva e eu sou a terra; tu és ar e eu sou fogo; tu és estrume, eu sou raiz.”
Sunset Boulevard/Corbis/Fotoarena
a) Que tipo de relação existe entre os pares de elementos citados pela personagem masculina? Qual era sua intenção ao compará-los a si e à amada? b) Como a personagem masculina justifica a imagem infeliz do último par de elementos? c) Cite outro trecho da crônica em que a personagem masculina utiliza o mesmo recurso de linguagem presente nesse fragmento. 6. Qual é o sentido, na crônica, da fala: “Tô só te cuidando.”? 7. Releia o trecho a seguir. E ele disse: “A tua modéstia é como o rubor que assoma à face de rústicas campônias acossadas num quadro de Bruegel, pai, enaltecendo seu rubicundo encanto e derrotando o próprio simular de recato que a natureza, ao deflagrá-lo, quis.” E ela disse: “Cumé que é?”
a) Reescreva a fala da personagem masculina usando a variedade linguística empregada pela personagem feminina, preservando a intenção comunicativa. b) Agora faça o inverso: reescreva a fala da personagem feminina usando a variedade linguística da personagem masculina. 8. O que o desfecho revela a respeito da personagem masculina? 9. Leia um trecho de uma conferência proferida pelo gramático Evanildo Bechara.
[…] Como, de manhã, a pessoa abre o seu guarda-roupa para escolher a roupa adequada aos momentos sociais que ela vai enfrentar durante o dia, assim também, deve existir, na educação linguística, um guarda-roupa linguístico, em que o aluno saiba escolher as modalidades adequadas a falar com gíria, a falar popularmente, a saber entender um colega que veio do Norte ou que veio do Sul, com os seus falares locais, e que saiba também, nos momentos solenes, usar essa língua exemplar […]. Bechara, Evanildo. Conferência proferida na Academia Brasileira de Letras em 4 jul. 2000. Disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2016.
Explique de que maneira a crônica de Verissimo ilustra a opinião do professor Bechara sobre o aprendizado de língua portuguesa na escola. ANOTE
Nenhuma variedade linguística é superior a outra. O falante competente é aquele que consegue ser um poliglota em sua própria língua, ou seja, que conhece muitas variedades linguísticas – inclusive as variedades urbanas de prestígio – e é capaz de escolher a mais adequada a cada contexto ou situação de uso.
Um dos artifícios usados pela personagem masculina para impressionar sua amada é compará-la a Greta Garbo (foto acima), atriz sueca que viveu nos Estados Unidos, considerada um dos rostos mais bonitos de Hollywood. Em 1937, atuou no filme citado na crônica, Madame Walewska, de Clarence Brown, como amante de Napoleão Bonaparte, interpretado pelo francês Charles Boyer.
texto em construção Um dos recursos linguísticos utilizados em textos do gênero conto de humor, estudado na parte de Produção de texto (capítulo 18, p. 272-277), é a representação da variação linguística. A apresentação de personagens com diferentes perfis sociais (idade, gênero, profissão), regionais, entre outros, possibilita a criação do efeito de humor. O humor pode decorrer,
por exemplo, do desconhecimento de uma das personagens quanto ao significado de expressões utilizadas por um grupo de falantes. No entanto, é fundamental que a representação das variedades linguísticas não seja estereotipada nem ridicularize os falantes retratados, de forma a assegurar o respeito às diferentes formas de expressão.
1. Você conhece algum conto de humor que tematize as variedades linguísticas? A abordagem presente no texto revela respeito às diferentes formas de expressão de nossa língua? Explique.
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Uma língua, muitas línguas
Em dia com a escrita
O novo acordo ortográfico e o hífen
Entre as mudanças propostas pelo novo acordo ortográfico, nenhuma causou tanta polêmica quanto o uso do hífen. É o que comenta o professor Evanildo Bechara: “O problema do hífen é o maior desafio. Cada diacrítico (sinal gráfico), como o acento agudo, o grave, o circunflexo, tem uma função específica. Ao hífen atribuíram-se várias funções: fonética, gramatical, semântica, estilística” (O Estado de S. Paulo, 10 jan. 2009). Apesar das dificuldades, a proposta do acordo teve como critério a simplificação, como explica o professor Carlos Alberto Faraco: “O hífen é, tradicionalmente, um sinal gráfico mal sistematizado na ortografia da língua portuguesa. O texto do Acordo tentou organizar as regras, de modo a tornar seu uso mais racional e simples” (Linguasagem, jan. 2009). Recorde as mudanças estabelecidas pelo acordo em relação ao uso do hífen.
Usa-se o hífen
Não se usa o hífen
Caso
Exemplos
Exceção
1. Nas palavras formadas por dois elementos em que o segundo começa por h.
pré-história, super-homem, semi-hospitalar, sub-humano
Palavras formadas com os elementos des- e in- nas quais o segundo elemento perdeu o h inicial (nesses casos, grafa-se desumano, inábil, inumano).
2. Nas palavras compostas em que o primeiro elemento termina com a mesma vogal com que se inicia o segundo elemento.
contra-almirante, micro-ondas
Palavras iniciadas pelos elementos co- e re-. Nesses casos, não se usa o hífen (cooperação, reescrita).
3. Nos seguintes casos especiais: a) com os elementos circum- e pan- antes de m, n e vogal (além do h, já citado) b) com os elementos pré-, póse próc) com os elementos ex-, vice-, sota-, soto- e vizod) com os elementos além-, aquém-, recém- e seme) com o elemento sub- antes de b e r (além do h, já citado)
circum-navegação, pan-americano, pós-graduação, ex-presidente, vice-governador, além-mar, recém-casados, sem-cerimônia sub-regional
Nas palavras em que os elementos pre-, pos- e pro- não são tônicos. Nesses casos, não se usa hífen (prever, prorrogar, posfácio).
1. Em algumas palavras compostas em que se perdeu a noção de composição.
paraquedas, paraquedismo, mandachuva
A maior parte das palavras compostas continua sendo grafada com hífen. É preciso estudar cada caso.
2. Nas palavras compostas em que o segundo elemento começa com r ou s, devendo tais consoantes ser duplicadas.
antirreligioso, contrarregra, infrassom
Quando o primeiro elemento da palavra termina com r, como hiper-, inter- e super- (nesses casos, grafa-se hiper-requintado, inter-resistente, super-revista).
3. Nas palavras em que o primeiro elemento termina em vogal e o segundo elemento começa com uma vogal diferente.
extraescolar, autoestrada, autoaprendizagem, hidroelétrica
Não há.
Ilustrações: Pedro Hamdan/ID/BR
Nova regra
1. No caderno, registre mais um exemplo de palavra que se enquadra em cada uma das seis regras citadas na tabela, inclusive exemplos de exceção (quando houver). 2. Indique se as palavras a seguir estão ou não grafadas segundo o último acordo ortográfico. Em caso negativo, reescreva-as corretamente, indicando qual regra justifica sua grafia. m) recém-nascido i) intermunicipal e) mini-saia a) anteontem n) antiidade j) reedição f) anti-social b) ex-namorado o) cooptar k) sub-raça g) sem-número c) auto-escola l) superaquecimento p) promover h) microondas d) contra-regra 164
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3. Utilizando a tabela abaixo, forme vinte palavras existentes na língua portuguesa a partir da junção de um elemento da primeira coluna com um elemento da segunda coluna. Grafe-as segundo as regras ortográficas vigentes. agro hiper anti multi foto geo arqui pós sobre bio auto super tele micro inter ultra extra pseudo poli ex
Segundo elemento faturado crítica nacional realista política negócios grafia estima higiênico humano ritmo ativo ajuda ônibus horário inflamatório inimigo rival racial romântico
4. Os títulos de notícia a seguir, extraídos da internet, foram redigidos antes de o novo acordo ortográfico entrar em vigor. Reescreva-os de modo a adequá-los às novas regras. a) “Auto-serviço em supermercado pode ser proibido” (Direito 2) b) “Morales se une ao projeto ‘antiimperialista’ de Venezuela e Cuba” (UOL Notícias) c) “Senado aprova MP que muda acesso a documentos ultra-secretos” (Direito 2) d) “Israel se preocupa com onda anti-semita no mundo” (JusBrasil) e) “Negada indenização por construção de auto-estrada” (JusBrasil) f) “Pára-quedas reserva salva soldado em exibição a Jobim” (Paraná-Online) g) “Fórum pede a países ricos co-responsabilidade nas migrações” (UOL Notícias) h) “Rússia instala defesa anti-aérea nas embaixadas” (Diário IOL) i) “Campanha contra o câncer de mama dá ênfase ao auto-exame” (Estadão) j) “Saúva se ‘associa’ a microorganismos para proteger a colônia” (Paraná-Online) 5. Entre os pares abaixo, indique a grafia que está conforme as regras do acordo. a) antiinfeccioso/anti-infeccioso f) semissólido/semi-sólido b) suprarrenal/supra-renal g) auto-imune/autoimune c) extraoficial/extra-oficial h) extra-seco/extrasseco d) anti-rugas/antirrugas i) antiibérico/anti-ibérico e) auto-suficiente/autossuficiente j) semi-árido/semiárido
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Primeiro elemento
6. Agrupe as palavras que exemplificam regras específicas do acordo. Em seguida, indique qual é a regra que rege cada grupo. a) autoafirmação g) semi-integral m) inabitual b) contrassenso h) antirroubo n) auto-observação c) preencher i) sobre-humano o) pós-operatório d) pré-histórico j) pré-pago p) anti-inflamatório e) pronome k) extracurricular f) corredator l) desumanizar
Volp O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) é uma publicação elaborada pelos dicionaristas da Academia Brasileira de Letras com o objetivo de registrar a grafia oficial das palavras do nosso idioma, indicando sua classificação gramatical, sem descrever seu significado. A quinta edição, lançada em 2009, foi supervisionada pelo professor Evanildo Bechara e conta com cerca de 370 mil palavras. Como o novo acordo ortográfico apresentava regras gerais e alguns exemplos, coube aos estudiosos interpretar as regras e aplicá-las à grafia dos demais vocábulos da língua. A quinta edição do Volp é o resultado desse esforço. Ela também pode ser consultada pela internet, no site da Academia Brasileira de Letras. Disponível em: . Acesso em: 8 abr. 2016.
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Global/Arquivo da editora
Repertório
Capa da quinta edição do Volp.
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Articulando
O ensino da gramática
Leia a seguir dois textos que discutem a necessidade e a importância (ou não) de ensinar gramática na escola. O primeiro foi escrito por Sírio Possenti, professor de Linguística da Unicamp. O segundo foi escrito pelo gramático Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras e professor da Uerj e da UFF. Após a leitura, você participará de um debate no qual concordará ou discordará da opinião desses especialistas. Texto 1
O papel da escola é ensinar língua-padrão
[…] não é necessário estudar gênero, número, concordância etc., a não ser quando os alunos efetivamente erram e naqueles casos em que erram. […] Por exemplo: é provavelmente uma enorme perda de tempo ensinar a alunos de primeiro grau que existem diminutivos e aumentativos, para, em seguida, solicitar que efetuem exercícios do tipo “dê o diminutivo de”, “dê o aumentativo de”. […] Em resumo, parece razoável ensinar apenas quando os alunos erram, exatamente como fazem os adultos com as crianças. Se os alunos usam estruturas como “os livro”, que essas estruturas sejam objeto de trabalho; mas se nunca dizem “vaca preto”, para que insistir em estudar o gênero de “vaca”?
Todos os que falam sabem falar […] Saber falar significa saber uma língua. Saber uma língua significa saber uma gramática. […] Saber uma gramática não significa saber de cor algumas regras que se aprendem na escola, ou saber fazer algumas análises morfológicas e sintáticas. Mais profundo do que esse conhecimento é o conhecimento (intuitivo ou inconsciente) necessário para falar efetivamente a língua. As crianças, por exemplo, não estudam sintaxe de colocação antes de ir à escola, mas, sempre que falam sequências que envolvem, digamos, um artigo e um nome, dizem o artigo antes e o nome depois […]. Resumidamente, pode-se dizer que saber uma gramática é saber dizer e saber entender frases. Quem diz e entende frases faz isso porque tem um domínio da estrutura da língua. […] […] a escola de fato não ensina língua materna a nenhum aluno […]. A escola recebe alunos que já falam […].
[…] o domínio efetivo e ativo de uma língua dispensa o domínio de uma metalinguagem técnica. […] conhecer uma língua é uma coisa e conhecer sua gramática é outra. […] saber uma língua é uma coisa e saber analisá-la é outra. […] Para dar um exemplo óbvio, sabe evidentemente mais inglês uma criança de três anos que fala inglês usualmente com os adultos e outras crianças para pedir coisas, xingar, reclamar ou brincar, do que alguém que tenha estudado a gramática do inglês durante anos, mas não tem condições de guiar um turista americano para passear numa cidade brasileira. […] Falar contra a “gramatiquice” não significa propor que a escola só seja “prática”, não reflita sobre questões de língua. Seria contraditório propor esta atitude, principalmente porque se sabe que refletir sobre a língua é uma das atividades usuais dos falantes e não há razão para reprimi-la na escola. Trata-se apenas de reorganizar a discussão, de alterar prioridades […].
Gatinho, você é tão fofinho!
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Sabemos o que os alunos ainda não sabem?
[…] Talvez deva repetir que adoto sem qualquer dúvida o princípio (quase evidente) de que o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. […] Em que consistiria o domínio do português padrão? Do ponto de vista da escola, trata-se em especial (embora não só) da aquisição de determinado grau de domínio da escrita e da leitura. […] parece razoável imaginar, como projeto, que a escola se proponha como objetivo que os alunos, aos 15 anos de vida e 8 de escola, escrevam, sem traumas, diversos tipos de texto (narrativas, textos argumentativos, textos informativos, atas, cartas de vários tipos etc. […]) e leiam produtivamente textos também variados: textos jornalísticos, como colunas de economia, política, educação, textos de divulgação científica em vários campos, textos técnicos (aí incluindo o manual de declaração do imposto de renda, por exemplo) e, obviamente, e com muito destaque, literatura. […]
Ensinar língua ou ensinar gramática?
Vocabulário de apoio
primeiro grau: designação dada anteriormente ao ciclo que hoje corresponde ao Ensino Fundamental metalinguagem: linguagem usada para falar sobre a própria linguagem
Possenti, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2009. p. 17-52.
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Texto 2
Quem lida com o ensino da gramática na escola sabe que uma língua histórica (como a portuguesa, a inglesa, a alemã, a italiana etc.) é um conjunto de sistemas […]. De modo que nenhum falante conhece toda uma língua histórica, mas sim usa uma variedade sintópica (um dialeto regional), sinstrática (um nível social) e sinfásica (um estilo de língua). […] […] a rigor, cada modalidade da língua […], ou, em outros termos, toda língua funcional […] tem a sua gramática como reflexo de uma técnica linguística que o falante domina e que lhe serve de intercomunicação na comunidade a que pertence ou em que se acha inserido. […] No fundo, a grande missão do professor de língua materna […] é transformar seu aluno num poliglota dentro de sua própria língua, possibilitando-lhe escolher a língua funcional adequada a cada momento de criação […]. […] Em vista disto, não se pode, a rigor, fazer uma descrição linguística de uma língua histórica em sua plenitude; a descrição só pode abranger […] uma língua funcional. […] A não consideração desses fatos […] tem permitido certa crítica injusta à gramática escolar, que é vista como a descrição da própria língua em sua totalidade histórica, como a descrição do único uso possível da língua. O ensino dessa gramática escolar, normativa, é válido como ensino de uma modalidade “adquirida”, que vem juntar-se (não contrapor-se imperativamente!) a outra, “transmitida”, a modalidade coloquial ou familiar. […] Educação linguística e sistema educacional […] O currículo tradicional, que se põe em execução com vistas à educação linguística, se mostra, em geral, na prática, antieconômico, banal, inatural e, por isso mesmo, improdutivo. Antieconômico por ensinar aos alunos fatos da língua que eles, ao chegarem à escola, já dominam, graças
ao saber linguístico prévio […]; banal, porque o tipo de informações que são subministradas aos alunos nada ou pouco adiantam à capacidade operativa do falante, limitando-se, quase sempre, a fornecer-lhes capacidade classificatória, e […] inatural, porque muitas vezes segue o caminho estruturalmente inverso à Há fatos que direção do desenvolvimento linguíscontribuem para tico dos alunos, partindo dos como crescimento da ponentes linguísticos não dotados de empresa. significação para os dotados dela; por exemplo, da fonética e fonologia para a morfologia e, depois, a sintaxe e a semântica. […] A linguística, a gramática escolar e o ensino da língua portuguesa […] [o ensino da gramática normativa] pretende mostrar ao falante como dizer isso e repelir aquilo para atender aos usos e seleções esperados de uma pessoa culta. É uma atitude modelar diante da língua, igual à que deve assumir ao se dirigir aos mais velhos ou ao sair de um elevador, por exemplo, entre outras “boas maneiras”. […] A língua portuguesa admitirá, por exemplo, construções como há fatos / tem fatos / têm fatos / houveram fatos, que se distribuem por línguas funcionais diferentes. Talvez na língua funcional que utilize há fatos, também se registre a regência chegar a casa, enquanto chegar em casa só apareça naquelas outras línguas funcionais onde ocorre tem fatos /têm fatos / houveram fatos. E assim por diante. Desse modo, a glotodidática não pode, sem uma análise mais profunda, adotar como normais na gramática escolar “desvios” da chamada língua-padrão só pelo peso da sua frequência na chamada língua coloquial ou familiar. Veridiana Scarpelli/ID/BR
Gramática e ensino
Bechara, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática, 1993. p. 12-50.
DEBATE
1. Em grupos, identifiquem a opinião de cada especialista a respeito das questões a seguir. a) O que a escola deve ensinar nas aulas de português? b) Os alunos chegam à escola conhecendo gramática ou a aprendem nas aulas de português? c) Qual deve ser a postura do professor quando os alunos usam estruturas em desacordo com a norma-padrão? 2. Os dois especialistas afirmam que há “tipos de gramática”. Ambos se referem à gramática que todo falante domina naturalmente (a gramática internalizada), à gramática associada à norma-padrão (a gramática normativa) e à gramática como descrição do funcionamento da língua (a gramática descritiva). Ainda em grupos, respondam: Que importância cada especialista dá ao ensino da gramática normativa? E da descritiva? 3. Você concorda com a opinião dos especialistas? Justifique sua resposta e exponha o resultado de sua reflexão.
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Vocabulário de apoio
glotodidática: ensino e aprendizagem das línguas em todos os seus aspectos. O elemento glot(o)- está em palavras como poliglota e significa “língua” imperativamente: de forma imperativa, autoritária subministrar: apresentar, expor
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A língua tem dessas coisas Difícil tradução Embora a linguagem verbal seja um fenômeno comum a todas as comunidades humanas, certas palavras apresentam grande dificuldade de ser traduzidas. E, em alguns casos, são difíceis de compreender até mesmo por falantes do próprio idioma que usam uma variedade linguística diferente. É o que mostra a crônica a seguir, publicada no jornal O Povo.
Quando as palavras mudam de casa Semana passada o escritor angolano José Eduardo Agualusa publicou um texto sobre duas palavras intraduzíveis da língua portuguesa: saudades e cafuné. Ambas têm camadas de significados que só quem fala em português sente por inteiro. O texto foi inspirado em uma conversa com o seu tradutor para o inglês, o premiado e muito competente Daniel Hahn. Quando li essa crônica do Agualusa lembrei da minha própria experiência quando o mesmo Daniel Hahn traduziu meu romance A cabeça do Santo, que foi publicado na Inglaterra em 2014 com o título The head of the Saint. Sendo uma história que acontece nas cidades de Juazeiro do Norte, Tauá, Canindé e na ficcional Candeia (uma mistura de Cococi com Caridade); vivida por personagens com pouca ou nenhuma instrução, foi absolutamente natural que algumas expressões do nosso peculiar vocabulário cearense surgissem no texto. As perguntas já começaram nas leituras da equipe da Companhia das Letras, em São Paulo. Minha querida editora, Julia Bussius, perguntou, com toda delicadeza, o que era o tal lambedor que um dos personagens toma para curar uma doença. “Seria algum tipo de unguento?”, ela indagou, depois de procurar no dicionário e continuar sem entender. Expliquei, com saudades, que lambedor é um remédio caseiro milagroso, um mel espesso com mastruz, pepaconha, malvarisco, eucalipto, alho e tantos outros ingredientes, que marcou a infância de toda criança criada com costumes do sertão. Já durante o processo da tradução para o inglês, Daniel Hahn me pediu para ter uma conversa por Skype com o intuito de esclarecer algumas questões. A maioria foi bem fácil de explicar. Já no fim da conversa, o polido tradutor me confessou, constrangido, sua dificuldade em lidar com um momento do texto. O pai da personagem
Adriano Vizoni/Folhapress
Socorro Acioli
A cearense Socorro Acioli (1975-) é jornalista e escritora. Foto de 2010.
Mariinha ficou sabendo de seu namoro com Manoel e expulsou a moça de casa, com o argumento que não iria sustentar mulher bulida. Daniel é inglês, filho de mãe brasileira, carioca. Ele me confessou que ligou para a mãe e perguntou o que seria uma “mulher bulida”. Ela também não sabia. Nem suas tias. Eu achei muita graça e mandei para ele um vídeo da cantora Marines e sua gente cantando o forró “Bulir com tu”, para tentar introduzi-lo ao contexto da arte do bulimento. Ao final da conversa conseguimos nos entender. Depois do livro traduzido, a equipe da editora inglesa Hot Key Books também precisou esclarecer algumas dúvidas. A mais séria delas era sobre o cuscuz. Uma das editoras vem muito ao Brasil, mas só conhecia o cuscuz paulista, salgado, com verduras, ovo cozido, azeitona e carnes. Mandei para ela um vídeo do cuscuz que me criou, puro, amarelo como o sol, pra comer com leite e açúcar. Apesar de ser nascida e criada em Fortaleza, meu coração é do sertão, onde minha avó nasceu e viveu. Gosto de ambientar histórias em cidades pequenas e certamente ainda vou dar trabalho aos meus editores com expressões que só entende quem é dessas bandas. Juízo emborcado, nó das tripas, pé da barriga, querendo gripar e bodejado estão no topo da lista.
Acioli, Socorro. Quando as palavras mudam de casa. O Povo, 23 jun. 2015. Caderno Vida & Arte.
1. Retome os exemplos de palavras intraduzíveis apresentadas no primeiro parágrafo do texto. Por que elas são consideradas intraduzíveis? É possível afirmar que elas se referem a fenômenos ou situações reconhecíveis apenas pelos falantes da língua portuguesa? Explique. 2. Justifique a afirmação a seguir: Nas três ocasiões em que houve dúvida quanto ao significado de palavras que a autora da crônica usou em seu livro, foi necessário que ela fizesse uma tradução. 3. Você conhece as expressões citadas no último parágrafo do texto? Pesquise e explique o significado de cada uma delas. 4. Selecione cinco palavras e expressões típicas de sua comunidade falante (escola, círculo de amigos, cidade, região) que remetam a situações específicas e sejam de difícil tradução para outras línguas ou grupos sociais. Depois, dê o significado delas. 168
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Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Vestibular e Enem Caulos/Acervo do artista
(Uerj) Texto para a questão 1.
c) “pão-de-pobre” é designação específica para a planta da região amazônica. d) os nomes designam espécies diferentes da planta, conforme a região. e) a planta é nomeada conforme as particularidades que apresenta. (UFRN) Texto para a questão 3.
Xaxado Chiado Gabriel O Pensador / André Gomes
CAULOS Só dói quando eu respiro. Porto Alegre: L&PM, 2001.
1. No cartum apresentado, o significado da palavra escrita é reforçado pelos elementos visuais, próprios da linguagem não verbal. A separação das letras da palavra em balões distintos contribui para expressar principalmente a seguinte ideia: a) dificuldade de conexão entre as pessoas. b) aceleração da vida na contemporaneidade. c) desconhecimento das possibilidades de diálogo. d) desencontro de pensamentos sobre um assunto. (Enem) Texto para a questão 2.
MANDIOCA – mais um presente da Amazônia Aipim, castelinha, macaxeira, maniva, maniveira. As designações da Manihot utilissima podem variar de região, no Brasil, mas uma delas deve ser levada em conta em todo o território nacional: pão-de-pobre – e por motivos óbvios. Rica em fécula, a mandioca – uma planta rústica e nativa da Amazônia disseminada no mundo inteiro, especialmente pelos colonizadores portugueses – é a base de sustento de muitos brasileiros e o único alimento disponível para mais de 600 mi lhões de pessoas em vários pontos do planeta, e em particular em algumas regiões da África. O melhor do Globo Rural. Fev. 2005. Fragmento.
2. De acordo com o texto, há no Brasil uma variedade de nomes para a Manihot utilissima, nome científico da mandioca. Esse fenômeno revela que: a) existem variedades regionais para nomear uma mesma espécie de planta. b) mandioca é nome específico para a espécie existente na região amazônica.
Eu botei o som na caixa e testei o microfone no capricho mas o som saiu chiado Eu tentei fazer um xote, um chorinho ou um maxixe mas não sei quem foi que disse que o que eu fiz era xaxado Ó xente, vixe! Um xaxado diferente, de repente tá chegando pra ficar Resolvi dar uma chegada lá no Sul pra mostrar o meu xaxado porque achei que lá embaixo iam gostar Chinelo, chapéu, xampu Enchi minha mochila e parti pro Sul Encaixei um toca-fitas no chevete e achei o meu cassete do Raul Na estrada eu nem parei na lanchonete porque eu tinha pouco cash e esperei até chegar Em território gaúcho só pra rechear o bucho de chuleta na chapa na churrascada de lá Ó xente, vixe! É o xaxado é o maxixe! Não se avexe, chefe, chega nesse show só de chinfra Ó xente, vixe! É o xaxado é o maxixe! Não se avexe, se mexe, meu chefe, chama na xinxa! Uai, sô! Que trem doido sô! Que som doido sô! Que troço doido é esse? Uai, sô! Que trem doido sô! Que som doido sô! Que trem bão! […] Disponível em: . Acesso em: 8 jun. 2010.
3. Considerando o tema apresentado no texto, os autores: a) ao utilizarem a expressão “chuleta na chapa”, caracterizam o modo de falar da região de origem do sujeito apresentado no texto. b) ao mesmo tempo que tratam da aproximação entre diversos ritmos musicais, também apresentam a diversidade linguística regional. c) ao escolherem o título da canção, pretendem mostrar que o resultado do seu trabalho de composição musical é genuinamente nordestino. d) ao usarem a expressão “Não se avexe, chefe”, revelam a formalidade da fala do sujeito apresentado no texto diante de seu superior. 169
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Vestibular e Enem (Enem) Texto para a questão 4. Óia eu aqui de novo xaxando Óia eu aqui de novo pra xaxar Vou mostrar pr’esses cabras Que eu ainda dou no couro Isso é um desaforo Que eu não posso levar Que eu aqui de novo cantando Que eu aqui de novo xaxando Óia eu aqui de novo mostrando Como se deve xaxar. Vem cá morena linda Vestida de chita Você é a mais bonita Desse meu lugar Vai, chama Maria, chama Luzia Vai, chama Zabé, chama Raque Diz que tou aqui com alegria. Barros, A. Óia eu aqui de novo. Disponível em: . Acesso em: 5 maio 2013. Fragmento.
4. A letra da canção de Antônio Barros manifesta aspectos do repertório linguístico e cultural do Brasil. O verso que singulariza uma forma do falar popular regional é: a) “Isso é um desaforo”. b) “Diz que eu tou aqui com alegria”. c) “Vou mostrar pr’esses cabras”. d) “Vai, chama Maria, chama Luzia” e) “Vem cá, morena linda, vestida de chita”. 5. (Fuvest-SP) Entrevistado por Clarice Lispector, para a pergunta “Como você encara o problema da maturidade?”, Tom Jobim deu a seguinte resposta: “Tem um verso do Drummond que diz: ‘A madureza, esta horrível prenda…’ Não sei, Clarice, a gente fica mais capaz, mas também mais exigente”.
Nota: O verso citado por Tom Jobim é o início do poema “A ingaia ciência”, de Carlos Drummond de Andrade, e sua versão correta é: “A madureza, essa terrível prenda”. a) Aponte dois recursos expressivos empregados pelo poeta na expressão “terrível prenda”. b) Reescreva a resposta de Tom Jobim, eliminando as marcas de coloquialidade que ela apresenta e fazendo as alterações necessárias. 6. (UFV-MG) Suponha um aluno se dirigindo a um colega de classe nestes termos:
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
“Venho respeitosamente solicitar-lhe que se digne emprestar-me o livro.”
A atitude desse aluno se assemelha à atitude do indivíduo que: a) comparece ao baile de gala trajando “smoking”. b) vai à audiência com uma autoridade de “short” e camiseta. c) vai à praia de terno e gravata. d) põe terno e gravata para ir falar na Câmara dos Deputados. e) vai ao Maracanã de chinelo e bermuda. (Fuvest-SP) Texto para as questões 7 e 8. Todas as variedades linguísticas são estruturadas, e correspondem a sistemas e subsistemas adequados às necessidades de seus usuários. Mas o fato de estar a língua fortemente ligada à estrutura social e aos sistemas de valores da sociedade conduz a uma avaliação distinta das características das suas diversas modalidades regionais, sociais e estilísticas. A língua padrão, por exemplo, embora seja uma entre as muitas variedades de um idioma, é sempre a mais prestigiosa, porque atua como modelo, como norma, como ideal linguístico de uma comunidade. Do valor normativo decorre a sua função coercitiva sobre as outras variedades, com o que se torna uma ponderável força contrária à variação. Cunha, Celso. Nova gramática do português contemporâneo. Adaptado.
7. Depreende-se do texto que uma determinada língua é um: a) conjunto de variedades linguísticas, dentre as quais uma alcança maior valor social e passa a ser considerada exemplar. b) sistema de signos estruturado segundo as normas instituídas pelo grupo de maior prestígio social. c) conjunto de variedades linguísticas cuja proliferação é vedada pela norma culta. d) complexo de sistemas e subsistemas cujo funcionamento é prejudicado pela heterogeneidade social. e) conjunto de modalidades linguísticas, dentre as quais algumas são dotadas de normas e outras não o são. 8. De acordo com o texto, em relação às demais variedades do idioma, a língua padrão se comporta de modo: a) inovador. b) restritivo. c) transigente. d) neutro. e) aleatório.
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unidade
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Linguagem e comunicação Na segunda metade do século XX, dando continuidade ao trabalho de Ferdinand de Saussure, uma corrente dos estudos linguísticos passou a entender a língua como um “instrumento de comunicação”. Nesse contexto, as contribuições da chamada teoria da comunicação ganharam importância. Posteriormente, esse entendimento de língua acabou se revelando limitado. Nesta unidade, você conhecerá um pouco mais sobre a teoria da comunicação e também algumas críticas formuladas a ela.
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Relações comunicativas
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Da fala para a escrita, da escrita para a fala
Rochlitz, Barbara. Dia de feira (detalhe), 2008. Óleo sobre tela, 40 cm × 60 cm. Galeria Jacques Ardiès, São Paulo.
Galeria Jacques Ardiès. Fotografia: Jacques Ardiès
Nos dias de hoje, estudiosos preocupam-se em investigar como as práticas sociais se materializam por meio da fala e da escrita, e de que forma essas duas modalidades da língua se relacionam. Esse tema também será abordado nesta unidade.
Nesta unidade
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capítulo
11 o que você vai estudar Elementos da comunicação. Funções da linguagem.
Relações comunicativas A comunicação é um tema relevante para estudiosos de várias áreas. Neste capítulo, você conhecerá uma das principais teorias sobre a comunicação desenvolvidas no contexto dos estudos linguísticos. Em seguida, entenderá por que essa teoria é hoje considerada insuficiente para explicar a complexidade das interações humanas.
Teoria da comunicação
Limites da teoria da comunicação.
Ministério da Saúde/Governo Federal
Leia o cartaz de uma campanha promovida pelo Ministério da Saúde.
Cartaz de divulgação da Campanha Nacional de Incentivo à Doação de Órgãos, de 2009.
1. Qual é a finalidade das campanhas institucionais em geral? E dessa em particular? 2. Quem poderia ser o público-alvo dessa campanha? Justifique. 3. Por que a campanha estimula o público-alvo a conversar com a família para ser um doa dor de órgãos? Que elemento não verbal do texto remete a essa conversa? A análise do texto da campanha ajuda a perceber que uma situação de comunicação envolve diversos aspectos: conteúdos, pessoas, relações e finalidades. Buscando identificar esses aspectos e a maneira como a linguagem se organiza em função deles, em meados do século XX, o linguista russo Roman Jakobson ampliou e reformulou um modelo da teoria da comunicação. Seu interesse principal, naquele momento, era investigar as relações entre a Linguística e a Literatura. Para tanto, Jakobson primeiro identificou os elementos envolvidos na situação de comunicação, propondo o que se denomina modelo de comunicação.
Elementos da comunicação De acordo com esse modelo, em um ato comunicativo uma pessoa (emissor) envia uma mensagem a outra (receptor) segundo um código (conjunto de possibilidades de escolha e combinação de signos). Emissor e receptor partilham um mesmo referente. A mensagem é transmitida por um meio físico, o canal. Veja um esquema desse modelo. REFERENTE Emissor
MENSAGEM canal
RECEPTOR
CÓDIGO
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Funções da linguagem
Repertório
A partir do modelo que propôs, Jakobson pôde mostrar em que medida os elementos da comunicação estão ligados às finalidades em geral presentes nas situações comunicativas. Seu estudo resultou, então, na definição de seis funções da linguagem. Em cada função, um dos elementos da comunicação ganha destaque. Os textos centrados no emissor têm predominância da função emotiva. Buscando criar efeitos de subjetividade, empregam em geral a primeira pessoa, atributos subjetivos, palavras que denotam impressões, opiniões ou emoções e outras marcas de expressividade (pausas, exclamações, prolongamento de vogais). Leia um trecho do poema “O pastor amoroso” que exemplifica essa função da linguagem.
American Photographer/Private Collection/ Archives Charmet/Bridgeman Images/Easypix
Jakobson: as funções da linguagem Roman Jakobson (1896-1982) foi um dos mais influentes linguistas do século XX. Inicialmen te na Europa e depois nos Estados Unidos, estudou as estruturas da língua e analisou suas relações com a criação artística. O texto em que propõe a classificação das seis funções da linguagem foi publicado em 1960.
Agora que sinto amor Tenho interesse nos perfumes. Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro. Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova. Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia. São coisas que se sabem por fora. Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça. Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira. Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver. Pessoa, Fernando. Poemas completos de Alberto Caeiro. São Paulo: Nobel, 2008. p. 81.
Os textos centrados no receptor têm predomínio da função apelativa, ou conativa. Com finalidade de convencimento ou persuasão, em geral se dirigem diretamente ao receptor, com o uso dos verbos no imperativo e uso do vocativo. Veja, por exemplo, esta tira de Níquel Náusea. Fernando Gonsales/Acervo do artista
O linguista russo Roman Jakobson. Foto da década de 1930.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea.
No primeiro quadrinho, o pintor explica sua especialidade: pintar natureza-morta, ou seja, seres ou objetos inanimados. Diante disso, a personagem ordena que seu cachorro finja-se de morto. Para isso, utiliza o vocativo (Rex) e o verbo oculto no imperativo: “Rex, [fica] mortinho!”. Os textos centrados no referente têm predominância da função referencial. Buscando criar efeitos de objetividade, usam, em geral, a terceira pessoa do discurso, atributos objetivos, argumentos lógicos, dados e exemplos. O texto a seguir, extraído de um verbete de enciclopédia, apresenta predomínio da função referencial, segundo a teoria de Jakobson.
Acará Acará ou cará é o nome genérico atribuído a diversos peixes da família dos ciclídeos. A espécie mais comum no Brasil meridional é o acará-açu […], que pode atingir até 25 cm de comprimento. Grande enciclopédia Barsa. 3. ed. São Paulo: Barsa Planeta Internacional, 2005. p. 39.
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Socorro, não estou sentindo nada. Nem medo, nem calor, nem fogo, Não vai dar mais pra chorar Nem pra rir. Socorro, alguma alma, mesmo que penada, Me empreste suas penas. Já não sinto amor nem dor, Já não sinto nada. […] Socorro, alguma rua que me dê sentido, em qualquer cruzamento, acostamento, encruzilhada, Socorro, eu já não sinto nada. Socorro, não estou sentindo nada. Antunes, Arnaldo; Ruiz, Alice. Intérprete: Arnaldo Antunes. In: Um som. São Paulo: BMG, 1998. 1 CD. Faixa 6.
Capítulo 11 – Relações comunicativas
Na canção, o eu lírico pede socorro por não “sentir nada”, criando um efeito de estranhamento. Primeiro, pela dificuldade de se imaginar um ser humano desprovido da capacidade de sentir; segundo, por esse mesmo ser humano pedir para ser socorrido, para ser salvo dessa condição. A função poética do texto resulta, principalmente, do modo de dizer. É o arranjo particular das palavras no verso, como no jogo entre nada, penada e penas, que cria um efeito estético, atingindo os sentimentos e as emoções do ouvinte ao mesmo tempo que o leva a refletir. Para Jakobson, a função poética encontraria na literatura sua expressão mais significativa, mas não estaria restrita aos textos literários. Os textos centrados no canal têm predominância da função fática. Empregam recursos que buscam favorecer ou garantir a manutenção do contato comunicativo por meio de certas fórmulas ou modos de dizer cristalizados, como no início deste trecho da crônica “O nariz”.
saiba mais
O efeito de estranhamento acon tece quando a linguagem nos distancia da maneira habitual de apreen der a realidade e nos faz vê-la de modo novo, particular. Assista O fabuloso destino de Amélie Poulain. Direção de Jean-Pierre Jeunet, França, 2001, 120 min. Filha de pais desajeitados que não lhe deram muitas oportunidades de conviver com outras pessoas na infância, Amélie cresceu construindo para si um mundo particular, pautado por uma lógica própria. A imaginação ocupa grande parte de seu tempo e a faz elaborar planos para unir casais, vingar funcionários oprimidos e levar alegria a pessoas solitárias. A função poética, que predomina no filme, resulta da maneira particular como a narrativa é construída. Lumière/ID/BR
Os textos centrados na mensagem têm predomínio da função poética. Buscando produzir um efeito de originalidade, que cause estranhamento no destinatário, são resultado de um cuidadoso trabalho de seleção e combinação de signos. Leia a seguir um trecho da canção “Socorro”.
Capa do DVD do filme O fabuloso destino de Amélie Poulain.
— Papai… — Sim, minha filha. — Podemos conversar? — Claro que podemos. — É sobre esse seu nariz… Verissimo, Luis Fernando. O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 2003. p. 87.
Por fim, nos textos centrados no código, predomina a função metalinguística. Neles, a mensagem está voltada para a própria linguagem (verbal ou não verbal). Palavras e expressões que indicam a significação de algo costumam estar presentes em textos com predomínio dessa função. No verbete a seguir, essas marcas estão subentendidas na relação entre o termo e seu significado. trovão s.m. forte ruído provocado por descarga elétrica na atmosfera. Houaiss, Instituto Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. CD-ROM.
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Prática de linguagem Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Toda Mafalda – Martins Fontes, 1991
1. Na tira a seguir, Mafalda presencia o encontro casual de velhos amigos.
Quino. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
a) Que elementos da tira sugerem familiaridade entre os homens? b) Que função da linguagem predomina no diálogo que se estabelece entre eles? Explique sua resposta. c) No último quadrinho, que avaliação Mafalda parece fazer sobre o conteúdo do diálogo entre os amigos? Nesse caso, que função da linguagem estaria em primeiro plano na conversa entre eles? Justifique. Fernando Gonsales/Acervo do artista
2. Leia a tira.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea. Folha de S.Paulo, 18 jul. 2005.
a) O rato elaborou um plano para conseguir um queijo. Explique qual era o plano. b) O fracasso do plano do rato deveu-se, em parte, a um problema relacionado a um dos elementos da comunicação descritos por Jakobson. Identifique o elemento e explique por que ele comprometeu a eficácia do ato comunicativo. c) Ainda que o rato tivesse feito uso adequado desse elemento, é possível afirmar que ele alcançaria sua finalidade comunicativa? Justifique sua resposta. 3. Leia este poema de Mario Quintana.
Elegia urbana Rádios. Tevês. Gooooooooooooooooooooooolo!!! (O domingo é um cachorro escondido debaixo da cama) Quintana, Mario. Nova antologia poética. São Paulo: Globo, 2007. p. 108.
a) Qual é a situação de comunicação que os versos do poema sugerem? b) Com base nos dois primeiros versos do poema, identifique quem/o que corresponde a cada elemento de comunicação na situação representada. c) A que fato o último verso faz referência? d) Que noção o último verso cria a respeito do domingo? Explique. Não escreva no livro.
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Prática de linguagem
2009 Cedraz/Ipress
4. Leia a tira.
Cedraz. A turma do Xaxado. Salvador: Cedraz, 2007.
a) Que função da linguagem predomina no primeiro quadrinho? b) No segundo quadrinho, é possível afirmar que a personagem interpretou a “mensagem” do “emissor” para além dessa função? Por quê? 5. Leia o texto a seguir para responder às questões.
Não é todo dia que uma imagem de Zé Carioca ilustra uma apresentação sobre genômica, mas o malandro arquetípico da Disney tinha um bom motivo para figurar no Powerpoint de Francisco Prosdocimi, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro): o tema era o genoma “dele”. Ou melhor, o do papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva), que está entre as espécies mais comuns do bicho em cativeiro. O objetivo de Prosdocimi e seus colegas é vasculhar o DNA da ave em busca de pistas que ajudem a explicar sua proverbial tagarelice. Para atingir esse objetivo, o papagaio-verdadeiro não é o único alvo. O grupo de cientistas, batizado de Sisbioaves, pretende sequenciar (grosso modo, “soletrar”) o genoma de outras espécies tipicamente brasileiras, como o sabiá-laranjeira e o bem-te-vi. Em comum, esses bichos possuem o chamado aprendizado vocal – a capacidade, similar à dos seres humanos, de aprender padrões de vocalização ao longo da vida. […]
Fabio Colombini/Acervo do fotógrafo
Brasileiros vão decifrar genomas do papagaio e do sabiá-laranjeira
Lopes, Reinaldo José. Brasileiros vão decifrar genomas do papagaio e do sabiá-laranjeira. Folha de S.Paulo, 26 set. 2012. Caderno Ciência. p. C9.
a) Nas reportagens, a função referencial da linguagem costuma predominar. Isso acontece no texto lido? Justifique. b) A quem se refere a palavra dele, no primeiro parágrafo? Por que ela está entre aspas? c) Segundo o texto, qual é o nome popular do Amazona aestiva? Que efeito de sentido o autor do texto cria ao mencionar esse nome? d) Com base em suas respostas aos itens b e c, identifique outra função da linguagem presente na reportagem. Justifique sua resposta. e) Compare os dois trechos que mencionam a produção sonora dos papagaios. O objetivo […] é vasculhar o DNA da ave em busca de pistas que ajudem a explicar sua proverbial tagarelice. […] esses bichos possuem […] a capacidade, similar à dos seres humanos, de aprender padrões de vocalização ao longo da vida. A função referencial da linguagem predomina em que trecho? No outro trecho, que função da linguagem aparece também? Justifique. 176
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Vocabulário de apoio
genoma: conjunto completo de genes contidos nos cromossomos de um indivíduo ou de uma espécie genômica: estudo da organização e da função dos genomas Powerpoint: programa de computador que permite a criação de apresentações gráficas para projeção em aparelho multimídia; a própria apresentação criada nesse programa proverbial: conhecido, famoso soletrar: especificar, na ordem correta, letras que compõem uma palavra (na reportagem, identificar a sequência dos genes que compõem o genoma da espécie, representados por letras) vocalização: emissão de sons da voz, falados ou cantados
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5/20/16 11:58 AM
As limitações da teoria da comunicação Caulos/Acervo do artista
Leia os quadrinhos para responder às questões. 1. No primeiro quadrinho, que função da linguagem predo mina na conversa iniciada pelo sabiá? 2. No segundo quadrinho, por que o sabiá não parece satisfeito com a resposta da outra personagem? 3. Ao entendermos, no quarto quadrinho, que o sabiá falava com o papagaio, passamos a avaliar as respostas deste último como naturais. Por quê? 4. Por que a fala do papagaio no último quadrinho deixa o sabiá surpreso? 5. Como a imagem que o sabiá tinha do papagaio e de si próprio mudou no decorrer da história?
Caulos. Vida de passarinho. Porto Alegre: L&PM, 1997.
Ao responder às perguntas sobre a HQ, você deve ter percebido que apenas identificar os elementos da comunicação e as funções da linguagem propostos pela teoria da comunicação não seria suficiente para compreender como se dá a construção de sentido no texto.
Nas últimas décadas, estudiosos da linguagem verbal passaram a entendê-la como uma prática social humana, uma interação entre sujeitos. A palavra prática, aqui, indica uma ação feita com regularidade. Já a palavra sujeito remete a um indivíduo marcado por uma história, crenças, valores, conhecimentos. A palavra interação indica ação que se realiza na relação com o outro. Pois bem: os sujeitos produzem linguagem e, ao mesmo tempo, são constituídos por ela. O que isso significa? Mais do que simples expressão do pensamento ou instrumento de comunicação, a linguagem expressa e cria a identidade dos falantes. Percebemos isso na HQ acima, em que as personagens, embora animais, apresentam características humanas. O sabiá, que pretendia conversar com o papagaio, logo pensa que o interlocutor apenas conseguia repetir as palavras ditas por ele. No final da HQ, o sabiá percebe que havia sido enganado. Enquanto interagem, cada personagem se revela para a outra, e também para o leitor do texto, produzindo o efeito de humor da HQ. A linguagem, portanto, não pode ser separada dos sujeitos, e vice-versa. Insere-se no universo das relações humanas, que a todo momento reavaliam posições, ideias, emoções e intenções. Como é uma forma de interação viva entre sujeitos em constante transformação, a linguagem cria sentidos pouco previsíveis. Por isso, o modelo da teoria da comunicação mostra-se limitado: um “emissor” envia uma mensagem pronta, um “pacote” a ser recebido por um “receptor”, como se esses sujeitos não se modificassem durante a interação e como se os sentidos que produzem já estivessem prontos. Em vez de falar em emissores e receptores, falaremos em interlocutores, sujeitos constituídos na interação pela linguagem, que produzem efeitos de sentido em um contexto social e histórico específico.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Sujeito, interação e sentido
ANOTE
A linguagem é uma prática social humana de interação entre sujeitos. Por meio dela, os interlocutores expressam e constituem sua identidade, em situações de uso ocorridas em contextos sócio-históricos determinados. Não escreva no livro.
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Relações comunicativas
A complexidade da interação entre sujeitos
Iotti/Acervo do artista
Para além dos elementos da comunicação e das funções da linguagem, é preciso levar em conta as relações em jogo entre os sujeitos da interação. Veja alguns fatores que interferem nessas relações. •• A imagem que alguém que se comunica tem do outro e de si mesmo, re lacionada também aos papéis sociais que desempenham, pode se modi ficar de forma positiva ou negativa ao longo da interação. Leia a tira abaixo.
Iotti. Radicci 2. Porto Alegre: L&PM, 2007.
Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Toda Mafalda – Martins Fontes, 1991
A intenção da personagem masculina fica explícita no primeiro quadri nho. Para ele, a mãe vai se comover com seu apelo. Ela, no entanto, lhe oferece um “chá de marcela” (camomila) no lugar da moto, sugerindo que ele deveria se acalmar. O humor da tira decorre justamente da quebra da expectativa do filho quanto à reação da mãe, que acaba se revelando menos influenciável do que ele supunha. •• A compreensão do que o outro disse também pode receber interferência de diversos fatores. Leia a tira.
Capítulo 11 – Relações comunicativas
Quino. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
A personagem Suzanita tem um problema de comunicação: fala demais, sem parar, não dando aos interlocutores a possibilidade de participar da conversa. Eles ficam atordoados, cansados ou desatentos. Além dos fatores de ordem psicológica, como o apresentado na tira de Quino, há aqueles de ordem física (por exemplo, barulho) ou cultural (língua ou variedade desconhecida pelo interlocutor, falta de conheci mentos partilhados entre os sujeitos). A •• discordância e a concordância fazem parte da conversação. Um grau maior de concordância gera maior afinidade entre os interlocutores; um grau maior de discordância cria um estado de desconforto. As duas si tuações influenciam o sentido que atribuímos aos textos. Por exemplo, em uma reunião entre representantes de governos que discutem acordos bilaterais, há interesses e pontos de vista divergentes em jogo, o que traz à tona o caráter polêmico da linguagem.
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textualidade acontece quando um texto cita outro, de forma direta ou indireta. Um leitor que reconhece versos de “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, em outros poemas, por exemplo, consegue estabelecer relações entre os textos e enriquecer sua interpretação. Já a interdiscursividade ocorre quando um texto faz referência à maneira de pensar e de agir de determinado meio ou grupo. Ao exibir os dedos em “V”, no sinal de “paz e amor”, você está fazendo referência ao discurso hippie, movimento jovem que, nos anos 1960, defendia ideais de igualdade e justiça. Cada texto já recebeu influência de muitos outros textos e discursos, e naturalmente recorremos ao nosso repertório para atribuir sentido a eles.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
•• A intertextualidade e a interdiscursividade são fundamentais na produção de sentido. A inter
Ler o mundo Dada a complexidade das relações humanas, a reconstrução de sentido de um texto requer uma atitude reflexiva e crítica. Para isso, é preciso considerar, além dos elementos da comuni cação ou as funções da linguagem, as relações sociais. Leia a coluna publicada em um jornal.
Um centenário RIO DE JANEIRO – Cientista político, sociólogo de fama, palestrante disputado pelas faculdades, professor emérito de duas universidades, Ph.D em história e economia, somente ele poderia ser convidado para falar sobre Nelson Rodrigues, cujo centenário estamos comemorando. Com sua potente voz, sua pronúncia maravilhosa de qualquer idioma asiático, assumiu a tribuna e começou: “Serei breve. Nelson Falcão Rodrigues nasceu em 1912, dez anos antes da Semana de Arte Moderna e da fundação do Partido Comunista Brasileiro. Dois anos depois, o estudante Gravilo Princip mataria a tiros o arquiduque da Áustria, em Sarajevo, provocando uma guerra mundial que só terminaria quatro anos depois, gerando o Tratado de Versalhes, que irritou a Alemanha com o peso das indenizações que criaria os elementos principais para o surgimento do nazismo, com suas atrocidades que culminariam no Holocausto do povo judeu. Foi também o ano do naufrágio do Titanic, que levou para os abismos do Atlântico Norte centenas de vítimas que confiavam no navio mais seguro produzido pela tecnologia da época. Dezoito anos após, tivemos a Revolução de 30, que desalojou do poder a Velha República. Nem se passaram dois anos e tivemos a revolução paulista, que exigia uma Constituição, a qual, cinco anos mais tarde, seria rasgada por um ditador que criaria um Estado Novo, que só acabaria em 1945, com o fim de mais uma guerra mundial, marcada pelo início da era nuclear, com a explosão da bomba atômica em Hiroshima. Foi neste contexto histórico, núcleo inamovível do século 20, o século da penicilina, do assassinato de Kennedy, do Concílio Vaticano 2o e da bossa nova, que nasceu o nosso homenageado de hoje”. Palmas. O orador é efusivamente cumprimentado. Cony, Carlos Heitor. Um centenário. Folha de S.Paulo, 29 abr. 2012. Primeiro Caderno, p. A2.
O primeiro parágrafo sugere que será comentada uma homenagem ao escritor Nelson Rodri gues, ocorrida no centenário do seu nascimento, em 2012. Nesse momento, não se percebe que o nome do orador não foi citado – o que seria esperado quando se elogia alguém. O leitor cria a expectativa de que o palestrante irá discorrer sobre a biografia do escritor, seu estilo, a importância de sua obra. Isso parece se confirmar quando ele menciona o nome com pleto do homenageado e sua data de nascimento. A alusão a episódios do início do século pare ce apenas uma referência ao contexto histórico da obra de Nelson Rodrigues. E o leitor aguarda o momento em que o orador chegará ao ponto importante. No entanto, a expectativa gerada no início do texto não se confirma, e o colunista termina descrevendo o encanto que o orador produziu sobre o público. Dessa forma, trata-se de uma crítica a discursos vazios e ao comportamento de plateias que às vezes não entendem o que ou vem, mas, constrangidas, preferem aplaudir. Essa interpretação só é possível graças à negociação de sentidos que ocorre ao longo da leitura. O título ganha novo sentido: a palavra centenário não se refere ao Nelson Rodrigues, mas ao pe ríodo histórico de cem anos e alguns de seus principais acontecimentos. ANOTE
O sentido do que se fala não está inteiramente estabelecido de antemão. Em boa medida, ele é construído durante a interação, resultando de uma negociação entre os sujeitos. Ao mesmo tempo, remete para outros textos (intertextualidade) e discursos (interdiscursividade). Não escreva no livro.
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Prática de linguagem 1. Leia o trecho de uma reportagem publicada na revista Veja. […] Membro da Academia Brasileira de Letras, [Evanildo] Bechara completou 80 anos na semana passada e está colhendo os merecidos tributos. […] Homem de fala calma e ponderada, Bechara é ainda assim muito incisivo na crítica ao estado do ensino de português no Brasil. Por influência de certas teorias equivocadas da sociolinguística, a educação brasileira, afirma Bechara, estaria se deixando levar por uma exaltação impensada da língua espontânea ou “popular”. “Os sociolinguistas acreditam que ensinar a língua-padrão é uma forma de preconceito social. É um erro. O domínio do padrão é parte essencial da competência linguística do falante”, diz Bechara. Autores vinculados a essa vertente, é claro, têm suas restrições a Bechara – mas o respeitam. […] o linguista Marcos Bagno, da Universidade de Brasília, autor de Preconceito linguístico, considera que a filiação de Bechara à Academia por si só já demonstraria sua vinculação a “um ideário conservador e elitista” – mas Bagno também diz que Bechara é “o mais importante gramático brasileiro vivo”. Na segunda parte, está certo. Teixeira, Jerônimo. O decano do português. Veja, ano 41, n. 9, p. 114-115, mar. 2008.
a) A reportagem menciona dois especialistas. Como cada um é retratado? b) Qual dos especialistas a reportagem tende a valorizar? Justifique. c) Releia este trecho. Por influência de certas teorias equivocadas da sociolinguística, a educação brasileira, afirma Bechara, estaria se deixando levar por uma exaltação impensada da língua espontânea ou “popular”. […] Autores vinculados a essa vertente, é claro, têm suas restrições a Bechara – mas o respeitam.
Vocabulário de apoio
decano: alguém que se destaca em uma atividade; o membro mais antigo de uma instituição ideário: conjunto de ideias de um movimento ou de um sistema de pensamento incisivo: firme, enérgico ponderado: equilibrado, sereno tributo: homenagem, demonstração pública de admiração e respeito por alguém vertente: corrente, ramo de estudos
Com base na expressão em destaque, qual é o ponto de vista do autor da reportagem sobre aqueles que pensam de modo distinto do de Bechara? Explique. d) Compare o último período do trecho a esta outra versão: Autores vinculados a essa vertente respeitam Bechara – mas têm suas restrições a ele.
Dos dois fatos apresentados (restrições e respeito), qual tem mais peso na versão original? E na reformulação? 2. Leia o trecho de uma carta escrita por Marcos Bagno em resposta à revista Veja. […] passados mais de cem anos de surgimento, crescimento e afirmação da Linguística moderna como ciência autônoma, a mídia continua a dar as costas à investigação científica da linguagem […]. Isso é ainda mais surpreendente quando se verifica que, na abordagem de outros campos científicos, os meios de comunicação se mostram muito mais cuidadosos e atenciosos para com os especialistas da área. […] O que devemos ensinar a nossos alunos em sala de aula? Uma resposta concisa e rápida seria: devemos ensinar a norma-padrão. […] Ensinar o padrão se justificaria pelo fato dele ter valores que não podem ser negados – em sua estreita associação com a escrita, ele é o repositório dos conhecimentos acumulados ao longo da história. Esses conhecimentos, assim armazenados, constituiriam a cultura mais valorizada e prestigiada, de que todos os falantes devem se apoderar para se integrar de pleno direito na produção/condução/transformação da sociedade de que fazem parte. […] Bagno, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 49. ed. São Paulo: Loyola, 2007. p. 168, 179.
Com base no início da carta, qual parece ser o grau de concordância entre Bagno e a revista? Como isso se relaciona com a maneira como ele é retratado na reportagem lida na atividade 1? 180
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3. Com a leitura da reportagem de Veja e da carta de Marcos Bagno, percebemos algumas relações de interdiscursividade. O discurso da revista dialoga com qual discurso presente na sociedade? E o discurso de Bagno?
Laerte/Acervo do artista
Laerte/Acervo do artista
4. Leia a seguir duas tiras de Laerte.
Laerte. Classificados. São Paulo: Devir, 2001. v. 1. p. 26, 32.
a) A primeira tira constrói seu humor invertendo a lógica de uma situação comum. Explique. b) O tratamento de um concerto musical como barulheira causa estranheza ao leitor? Essa estranheza põe em evidência os valores de que grupo social? c) Embora termine com um ponto de interrogação, a fala da personagem na primeira tira não expressa propriamente uma pergunta. Explique. d) A segunda tira apresenta uma semelhança temática em relação à primeira. Qual? e) Que elemento não verbal se associa à resposta da personagem no terceiro quadrinho para provocar o riso? f) Nas duas tiras, o efeito de humor se relaciona, em alguma medida, aos papéis sociais desempenhados pelas personagens. Explique essa afirmação.
Um poema visual articula linguagem verbal e não verbal para produzir um efeito expressivo.
1. Como isso ocorre no poema ao lado? Explique. 2. Com um colega, pesquise outros poemas visuais que estabeleçam uma relação de intertextualidade com o texto ao lado e apresente um deles à sua turma. Justifique sua escolha.
Sérgio Caparelli/Acervo do artista
usina literária
Caparelli, Sérgio; Gruszynski, Ana Cláudia. Poesia visual. São Paulo: Global, 2002. p. 8.
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Língua viva
Papéis sociais e linguagem
Leia um trecho de um capítulo do romance Capitães da areia, de Jorge Amado, no qual um grupo de meninos percorre as ruas de Salvador buscando formas de sobreviver. No trecho a seguir, um deles consegue entrar na casa de uma família rica com a intenção de descobrir on de ficam os objetos de valor para passar a informação aos amigos que, depois, irão roubá-los.
Família [...] O menino tocou de novo [a campainha] e na janela de um quarto do primeiro andar assomou a cabeça grisalha de uma senhora, que mirou com os olhos apertados ao Sem-Pernas: — Que é, meu filho? — Dona, eu sou um pobre órfão... A senhora fez com a mão sinal que ele esperasse e dentro de poucos minutos estava no portão sem ouvir sequer as desculpas da empregada por não ter atendido à porta: — Pode dizer, meu filho — olhava os farrapos do Sem-Pernas. — Dona, eu não tenho pai, faz só poucos dias que minha mãe foi chamada pro céu — mostrava um laço preto no braço, laço que tinha sido feito com a fita do chapéu novo do Gato, que se danara. — Não tenho ninguém no mundo, sou aleijado, não posso trabalhar muito, faz dois dias que não vejo de comer e não tenho onde dormir. Parecia que ia chorar. A senhora olhava muito impressionada: — Você é aleijado, meu filho? O Sem-Pernas mostrou a perna capenga, andou na frente da senhora forçando o defeito. Ela o fitava com compaixão: — De que morreu sua mãe? — Mesmo não sei. Deu uma coisa esquisita na pobre, uma febre de mau agouro, ela bateu a caçoleta em cinco dias. E me deixou só no mundo... Se eu ainda aguentasse o repuxo do trabalho, ia me arranjar. Mas com esse aleijão só mesmo numa casa de família... A senhora não tá precisando de um menino pra fazer compra, ajudar no trabalho da casa? Se tá, dona... E como o Sem-Pernas pensasse que ela ainda estava indecisa completou com cinismo, uma voz de choro: — Se eu quisesse me metia aí com esses meninos ladrão. Com os tal de Capitães da Areia. Mas eu não sou disso, quero é trabalhar. Só que não aguento um trabalho pesado. Sou um pobre órfão, tou com fome... Mas a senhora não estava indecisa. Estava era se lembrando de seu filho, que tinha morrido com a idade daquele e que ao morrer matara toda a sua alegria e a do marido. Este ainda tinha as suas coleções de obras de arte, mas ela tinha apenas a recordação daquele filho que a deixara tão cedo. Por isso olha o Sem-Pernas, esfarrapado, com um grande carinho e ao lhe falar sua voz tem uma doçura diferente da de sempre. Há como que um pouco de alegria na doçura da sua voz, e isso espanta a criada: — Entre, meu filho. Deixe estar que vou arranjar um trabalho para você... — pôs a mão fina e aristocrática, onde brilhava um solitário, na cabeça suja do Sem-Pernas e falou para a criada: — Maria José, prepare o quarto de cima da garagem para este menino. Mostre o banheiro a ele, dê um roupão de Raul, depois dê comida a ele... [...] Depois perguntou como ele se chamava, e o Sem-Pernas deu o primeiro nome que lhe passou pela cabeça: — Augusto... — e como repetia o nome para si mesmo, para não se esquecer que se chamava Augusto, não viu no primeiro momento a emoção da senhora, que murmurava: — Augusto, o mesmo nome... Disse em voz alta, porque agora o Sem-Pernas olhava seu rosto emocionado: — Meu filho também se chamava Augusto... Morreu quando tinha assim o seu tamanho... Mas entre, meu filho, vá se lavar para comer.
Vocabulário de apoio
agouro: predição a respeito do que vai acontecer assomar: mostrar-se; aparecer bater a caçoleta: morrer capenga: que não funciona perfeitamente; coxa repuxo: esforço solitário: anel com uma só pedra preciosa
Amado, Jorge. Capitães da areia. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 109-111.
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Sobre o texto 1. Com base na variedade linguística utilizada por Sem-Pernas, descreva seu provável perfil social. Justifique com um exemplo. 2. Localize e registre os argumentos de Sem-Pernas para buscar a colaboração da mulher. 3. Ao utilizar esses argumentos, Sem-Pernas obteve o que desejava? Justifique sua resposta. 4. Como a estratégia de Sem-Pernas representava uma ameaça que a senhora desconhecia? 5. Releia o trecho abaixo. — Entre, meu filho. Deixe estar que vou arranjar um trabalho para você... — pôs a mão fina e aristocrática, onde brilhava um solitário, na cabeça suja do Sem-Pernas [...] a) O que essa descrição revela quanto à imagem que se tem das personagens? b) O que a linguagem verbal e não verbal da senhora revela sobre seus sentimentos em relação ao menino? Explique. 6. Sem querer, Sem-Pernas emociona a senhora mais do que pretendia. Como isso acontece? 7. Leia outro trecho do capítulo, com acontecimentos posteriores ao que já foi narrado. Na tarde em que se foi, mirou a casa toda, acariciou o gato Berloque, conversou com a criada, olhou os livros de gravura. Depois foi ao quarto de dona Ester, disse que ia até o Campo Grande passear. Ela então lhe contou que Raul traria uma bicicleta do Rio para ele e então todas as tardes ele andaria nela pelo Campo Grande, em vez de passear a pé. O Sem-Pernas baixou os olhos, mas antes de sair veio até dona Ester e a beijou. Era a primeira vez que a beijava, e ela ficou muito alegre. Ele disse baixinho, arrancando as palavras de dentro de si: — A senhora é muito boa. Eu nunca vou esquecer... Saiu e não voltou. Essa noite dormiu no seu canto no trapiche. Pedro Bala tinha ido com um grupo para a casa. Amado, Jorge. Capitães da areia. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 121.
a) Qual o desfecho do episódio de Sem-Pernas na casa de dona Ester? b) Você acha que Sem-Pernas ficou satisfeito com esse desfecho? Justifique sua resposta. 8. Considerando as respostas anteriores e pensando nos papéis sociais ocupados pelas personagens, conclua: a) Qual era o objetivo de Sem-Pernas? Dona Ester também tinha um objetivo. Qual? b) Quais eram as “armas” de Sem-Pernas e as de dona Ester para alcançar seus objetivos? c) Em sua opinião, quem obteve sucesso e quem fracassou em seus objetivos? Explique. ANOTE
Toda situação de interação humana envolve uma relação de poder, relacionada aos papéis sociais desempenhados pelos interlocutores. Essa relação se manifesta, de diferentes modos, no jogo da linguagem que se estabelece entre os sujeitos. texto em construção A carta de reclamação é escrita para indicar o descumprimento de uma obrigação estabelecida por norma legal ou contrato: o reclamante (aquele que se considera lesado) redige a carta ao reclamado (o responsável pelo produto ou serviço prestado), solicitando a solução do problema. Para atingir esse objetivo, é importante que o reclamante selecione os argumentos que estarão na reclamação, assim como planeje a forma de apresentá-los. O papel social assumido por quem elabora um texto do gênero carta de reclamação pode favorecer a colaboração do interlocutor. De acordo com a situação, é possível selecionar fórmulas textuais que podem ser usadas tanto em cartas de reclamação quanto em outras situações formais, como pode ser verificado no boxe Observatório da língua (Produção de texto, capítulo 25, p. 333). 1. Como essas fórmulas textuais podem ajudar o indivíduo reclamante a atingir seu objetivo?
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HIPERTEXTO Veja na parte de Produção de texto (capítulo 25, p. 328-329) como um usuário de uma empresa de transportes, ao escrever uma carta de reclamação, demonstrou sua insatisfação sem indispor-se com seu interlocutor e aumentou as chances de ser atendido.
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Em dia com a escrita
As aspas e a construção de sentido no texto
Recorde as diferentes finalidades dos usos das aspas. I. Indicar o uso de gírias, palavras não dicionarizadas ou estrangeiras, expressões populares, etc. II. Indicar citações de outro texto ou autor. III. Realçar o uso de uma palavra em seu sentido não usual ou irônico. IV. Destacar uma palavra ou expressão. 1. Relacione cada um dos exemplos de uso das aspas a seguir a uma das finalidades descritas acima. a) Acabei descobrindo que João era meu “amigão”. Na hora que mais precisei de ajuda, ele simplesmente sumiu. b) A palavra “formidável” causou desconfiança. c) Ela se comportou como uma verdadeira “lady”. d) Como disse Drummond, “Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?”. 2. Agora, releia estes trechos retirados de Capitães da areia, de Jorge Amado. Neles, encontram-se manchetes acerca do grupo de meninos carentes autointitulado Capitães da Areia. Leia e responda aos itens a seguir. Trecho 1 O Jornal da Tarde trouxe a notícia em grandes títulos. Uma manchete ia de lado a lado na primeira página: PRESO O CHEFE DOS “CAPITÃES DA AREIA” Depois vinham os títulos que estavam em cima de um clichê, onde se viam Pedro Bala, Dora, João Grande, Sem-Pernas e Gato cercados de guardas e investigadores: Uma menina no grupo — a sua história — recolhida a um orfanato — o chefe dos “Capitães da Areia” é filho de um grevista — os outros conseguem fugir — “O Reformatório o endireitará”, nos afirma o Diretor. [...] Vinha a notícia: [...] O diretor do Reformatório Baiano de Menores Abandonados e Delinquentes é um velho amigo do “Jornal da Tarde”. [...] Hoje ele se achava na polícia esperando poder levar consigo o menor Pedro Bala. A uma pergunta nossa, respondeu. — Ele se regenerará. Veja o título da casa que dirijo: “Reformatório”. Ele se reformará. E a outra pergunta nossa, sorriu: — Fugir? Não é fácil fugir do Reformatório. Posso lhe garantir que não o fará. Trecho 2 Professor lê a manchete do Jornal da Tarde: “O CHEFE DOS ‘CAPITÃES DA AREIA’ CONSEGUE FUGIR DO REFORMATÓRIO” Trazia uma longa entrevista com o diretor furioso. Todo o trapiche ri. Até o padre José Pedro, que está com eles, ri em gargalhadas, como se fosse um dos Capitães da Areia. Amado, Jorge. Capitães da areia. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 185-186; 189; 205.
No trecho 1, além do travessão, outro sinal gráfico indica a fala do diretor. a) Que sinal é esse? b) Por que há essa diferença de sinais na indicação das falas do diretor? c) No trecho, as aspas são utilizadas em quais palavras e expressões? Por quê? 3. Explique o uso das aspas duplas e das aspas simples no trecho 2. 184
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Eram seis da manhã quando o telefone de Mattos tocou. “Sou eu.” Silêncio. “Lembra-se de mim?” Alice. Apenas três anos haviam se passado. “Sei que você gosta de acordar cedo, por isso liguei a esta hora…” Era como se ele estivesse à beira de um abismo, prestes a cair. Três anos antes ele ligara para a casa de Alice, a mãe viera ao telefone e dissera que Alice não queria falar com ele, que não ligasse mais. Alice viajara para o exterior, passara seis meses na Europa. Na volta casara com um grã-fino, cujo nome ele não lembrava. Três anos. Na beira do abismo. “Gostaria de me encontrar com você. Tomar um chá. Que tal a Cave? Ainda não fecharam a Cave, fecharam?”
Luciana Leal/Agência O Globo
4. O texto a seguir foi retirado do livro Agosto, do escritor brasileiro Rubem Fonseca. Leia-o prestando atenção ao emprego das aspas.
O livro Agosto, de Rubem Fonseca, foi adaptado para a televisão no formato de minissérie, em 1993. Na foto, a atriz Vera Fischer interpreta a personagem Alice.
Fonseca, Rubem. Agosto. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 43.
a) Com que função as aspas são empregadas no texto? b) Há outro sinal de pontuação que pode exercer a mesma função que as aspas desempenham nesse trecho. Qual é esse sinal de pontuação? c) Embora o texto seja narrado em terceira pessoa, é possível perceber que o narrador tem acesso aos pensamentos e sentimentos mais íntimos da personagem Mattos. Em sua opinião, de que maneira o uso das aspas no lugar de outros sinais de pontuação contribui para esse efeito expressivo?
Quando acabei de falar, ela perguntou-me, E agora, que pensa fazer, Nada, disse eu, Vai voltar àquelas suas colecções de pessoas famosas, Não sei, talvez, em alguma coisa haverei de ocupar o meu tempo, calei-me um pouco a pensar e respondi, Não, não creio, Porquê, Reparando bem, a vida delas é sempre igual, nunca varia, aparecem, falam, mostram-se, sorriem para os fotógrafos, estão constantemente a chegar ou a partir, Como qualquer de nós, Eu, não, Você, e eu, e todos, também nos mostramos por aí, também falamos, também saímos de casa e regressamos, às vezes até sorrimos, a diferença é que ninguém nos faz caso […] Saramago, José. Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 197.
a) Como são marcadas as falas das personagens? b) Compare esse procedimento com os outros recursos usualmente empregados para marcar as falas das personagens. Em sua opinião, qual é o efeito expressivo obtido pelo autor ao optar por essa maneira de registrar um diálogo?
Assista O homem duplicado. Direção de Denis Villeneuve, Canadá, 2013, 100 min. O filme, uma adaptação da obra literária homônima de José Saramago, apresenta a situação inusitada de um professor universitário de história (Adam) que, ao alugar um filme, descobre um sósia (Anthony) seu entre os figurantes. Adam torna-se obcecado por Anthony e a trama vai ganhando um clima de suspense até o encontro dos dois. Imagem Filmes/ID/BR
5. O escritor português José Saramago foi ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1997. Leia um trecho de seu livro Todos os nomes.
ANOTE
As aspas desempenham diversas funções no texto escrito, tais como destacar palavras, indicar seu emprego em um sentido diferente do habitual, demarcar citações ou falas de personagens e sinalizar o uso de metalinguagem (a linguagem como objeto de outra linguagem). Elas também podem contribuir para a produção de um efeito expressivo no texto. A substituição das aspas por outros sinais gráficos gera ainda outros efeitos de sentido.
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Cartaz do filme O homem duplicado, baseado no livro homônimo de Saramago.
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capítulo
12 o que você vai estudar Relações entre fala e escrita. As condições de produção do texto falado e do texto escrito.
Da fala para a escrita, da escrita para a fala Agimos e nos relacionamos por meio da língua falada e da língua escrita, mas raramente pensamos sobre a relação entre essas duas modalidades da língua. Não questionamos, por exemplo, qual delas nasceu primeiro; não nos damos conta dos recursos expressivos de cada uma; nem de qual é o papel e o prestígio da fala e da escrita em nossa sociedade. São essas questões que você vai investigar neste capítulo.
Quem nasceu primeiro, a fala ou a escrita?
Os recursos expressivos próprios de cada modalidade.
Fernando Gonsales/Acervo do artista
Na tira a seguir, a personagem Níquel Náusea recebe a visita de dois extraterrestres.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea.
1. Como é representada graficamente a língua falada pelo ET? 2. No segundo quadrinho, que recursos não verbais o rato utiliza para se fazer entender? 3. No terceiro quadrinho, qual é o sentido da fala do ET? Que elementos nos permitem deduzir esse sentido?
Lembre-se
O signo é uma representação, um elemento que aparece no lugar de outro. Índices são signos cujo significado é construído com base em uma relação lógica aprendida na experiência humana.
No primeiro quadrinho, a fala do rato revela um lugar-comum das histórias sobre ETs. Mesmo sem conhecer a língua do visitante, o rato compreende o que ele diz, porque sabe que em histórias desse tipo os extraterrestres, em seu primeiro contato, pedem para ser levados até o líder local. No segundo quadrinho, elementos não verbais ligados à fala ajudam as personagens a se entender. No terceiro quadrinho, recursos gráficos relacionados à escrita, aliados ao contexto da tira, dão pistas ao leitor sobre o sentido da fala do ET. As personagens partilham conhecimentos (e o leitor também) que permitem a atribuição de sentidos. A linguagem verbal se materializa em dois meios: o sonoro e o gráfico. Esses meios remetem a duas modalidades de uso da língua, a fala e a escrita. É impossível situar com exatidão o momento em que o ser humano adquiriu a capacidade de emitir sons com a voz. Especialistas supõem, no entanto, que o surgimento da fala tenha ocorrido há cerca de cem mil anos. No que diz respeito à escrita, parece lógico que a habilidade da leitura tenha precedido sua invenção, já que, por princípio, o objetivo de toda escrita é possibilitar a leitura. Os índices talvez tenham sido os primeiros signos a mediar a relação do ser humano com a natureza. Por meio deles, nossos ancestrais aprenderam a “ler o mundo” para garantir sua sobrevivência, por exemplo, reconhecendo pegadas de animais que poderiam servir de alimento. Provavelmente, a percepção humana sobre sua capacidade de ler sinais da natureza inspirou a criação de seus próprios signos gráficos. Isso ocorreu entre os anos 3400 a.C. e 3200 a.C., na região ao sul da Mesopotâmia denominada Suméria (Ásia). Assim, quase cem mil anos separam o provável surgimento da fala do nascimento da escrita.
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Escrita e letramento A escrita não é aprendida espontaneamente. Alguns estudiosos defendem a ideia de que a criança, ao se apropriar do sistema de escrita alfabética, percorre etapas que se assemelham às que a humanidade percorreu ao criar a escrita. A primeira representação gráfica usada pelo ser humano foi a escrita pictográfica, baseada em ícones chamados de pictogramas. Nessa escrita, o desenho de um sol representava o sol com base na semelhança física. Com o tempo, os pictogramas passaram a ser usados para representar outros conceitos. O do sol, por exemplo, adquiriu o sentido de “dia”, “calor”. Em alguns casos, os traços dos pictogramas também foram simplificados, gerando outro tipo de representação gráfica: os ideogramas. Perdendo as principais semelhanças físicas com o objeto representado, os ideogramas se tornaram signos convencionais e deram origem à escrita ideográfica. Em seu processo de representação gráfica, o ser humano passou, posteriormente, a usar uma escrita alfabética, em que sons, e não mais conceitos, eram representados. Nesse sistema, os signos que representam os sons são chamados de letras. Por possuir um conjunto relativamente pequeno de signos (o alfabeto), que podem ser combinados de muitas formas, a escrita alfabética é bastante econômica. Nas chamadas sociedades grafocêntricas, mesmo quem não é alfabetizado apresenta algum grau de letramento, termo usado para referir-se à participação do indivíduo nas práticas sociais que envolvem a escrita. Esse grau pode variar desde a capacidade mais elementar de reconhecer os signos linguísticos e numéricos que indicam, por exemplo, o destino de um ônibus, até os usos mais sofisticados da escrita, como escrever um livro. A escrita também conta com recursos expressivos específicos. Além dos sinais de pontuação, determinantes para o encadeamento lógico do texto, os parágrafos exercem uma função organizadora, e os destaques em negrito e itálico ajudam a indicar ênfases. Em determinados gêneros, como as histórias em quadrinhos, o tamanho, a cor e o tipo de letra também dão pistas sobre o estado emocional e as intenções das personagens. ANOTE
A oralidade diz respeito às práticas que envolvem a fala. O letramento diz respeito à participação do indivíduo nas práticas que envolvem a escrita. Não escreva no livro.
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HIPERTEXTO Conheça algumas qualidades de um bom produtor de textos orais formais em contexto público na parte de Produção de texto (capítulo 23, p. 314).
Ricardo Azoury/Pulsar Imagens
A língua falada é aquela que a criança adquire primeiro, de maneira espontânea, em suas primeiras relações sociais. Por meio da fala, expressamos e constituímos nossa identidade como sujeitos e como membros de determinados grupos sociais. A oralidade diz respeito às práticas sociais que envolvem a fala. Nas cidades gregas da Antiguidade Clássica, exercitavam-se as artes da retórica e da oratória, técnicas de persuasão por meio de elaborados discursos orais. Nas culturas de tradição oral, como as indígenas, os membros mais velhos transmitem os conhecimentos de seu grupo social por meio de narrativas orais que preservam a memória coletiva. Mesmo nas sociedades que utilizam a escrita, a oralidade continua presente em todas as esferas da vida pessoal: familiar, escolar, pública, profissional, etc. A língua falada apresenta diversos recursos expressivos. A entonação e a modulação da voz, o ritmo da fala, os gestos e as expressões faciais, por exemplo, contribuem para a construção de sentidos do texto oral. Dependendo da situação de produção, os textos orais podem ser criados coletivamente. Em uma conversa, por exemplo, os interlocutores alternam turnos de fala e reformulam e reveem posições a todo momento.
Pintura rupestre no Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato (PI), um exemplo de escrita pictográfica. Foto de 2010.
Assista Central do Brasil. Direção de Walter Salles, Brasil, 1998, 113 min. Dora trabalha na estação de trem Central do Brasil redigindo cartas ditadas por pessoas que não sabem escrever. É lá que conhece o menino Josué, cuja mãe morre atropelada, deixando-o sozinho. O sonho de Josué é conhecer o pai, e Dora decide acompanhá-lo nessa busca. Nas cenas iniciais do filme, os clientes ditam a Dora as cartas que desejam enviar. Percebe-se que todos conhecem o gênero carta e respeitam suas características; eles mostram, portanto, algum grau de letramento. Europa Filmes. Fotografia: ID/BR
Fala e oralidade
Fernanda Montenegro como Dora, personagem de Central do Brasil.
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Sociedades grafocêntricas são aquelas centradas na escrita, em que o texto escrito aparece em várias situações sociais, cumprindo papel significativo. Em contraponto, nas sociedades ágrafas não existe registro escrito da língua. 187
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Duas modalidades, uma língua Leia os dois textos a seguir. Texto 1 Você acredita que por falar desses sentimentos universais é que seus filmes emocionam pessoas de idades variadas? Minha praia são acontecimentos internos. Tanto que em As Melhores Coisas do Mundo só tem duas cenas de ação. Dou espaço para o silêncio cheio de informação. Por exemplo, a cena dos irmãos [vividos por Francisco Miguez e Fiuk] é, para mim, de uma intimidade que só é possível entre irmãos, com a intimidade de uma vida. Tem as dores do mundo que você vai dividir com aquele que acha que te entende mais. Quando a gente fez a pesquisa perguntava para os adolescentes: “Você tem alguém que admira?”. Muitos falaram: “Meu irmão”. Você tem irmãos? Tenho duas meias-irmãs, por parte de pai. [...] Abdallah, Ariane. Olhar profundo. TPM, n. 99, jun. 2010. p. 30.
Cientistas de três universidades americanas desenvolveram um tipo de dispositivo eletrônico ultrafino, um chip, que se dissolve depois de instalado. […] O processador usa camadas extremamente finas de condutores feitos de substâncias como silício e magnésio. Mas, em vez de as camadas serem revestidas de materiais difíceis de serem reciclados, estão envolvidas num material que é resistente, mas é biodegradável: a seda. Isso permite que o chip se dissolva em água ou nos fluidos do corpo. Dependendo da composição, a seda pode se dissolver em dias, semanas ou até em anos. Nos testes de laboratório, o chip inserido em ratos cumpriu com sucesso o objetivo de controlar a aplicação de antibióticos e, dias depois, se dissolveu no organismo dos animais. A descoberta abre novas possibilidades em muitas áreas. Na medicina, por exemplo, chips poderão ser implantados para obter diagnósticos ou controlar a absorção de drogas e depois se dissolverão no corpo. Na natureza, esses processadores temporários poderão medir o impacto de desastres ambientais, como vazamentos de petróleo. Na área tecnológica, telefones e computadores se tornarão mais fáceis de reciclar, já que dentro deles os chips serão biodegradáveis.
Adriana Alves/ID/BR
Texto 2
Capítulo 12 – Da fala para a escrita, da escrita para a fala
Reportagem do Jornal Nacional, da Rede Globo, veiculada em 27 set. 2012. Transcrição feita para esta edição.
O texto 1, trecho de uma entrevista com a cineasta brasileira Laís Bodanszky, foi publicado em uma revista impressa e em uma página da internet. O texto 2, por sua vez, é a transcrição de um trecho de reportagem de um telejornal, que foi, portanto, veiculada oralmente. A entrevista é um gênero textual que, via de regra, é concebido oralmente, na interação face a face de entrevistador e entrevistado ou, ao menos, via telefone. O resultado final da entrevista não é uma simples transposição do texto oral para o escrito. O texto 1 já sofreu o apagamento de repetições, hesitações, reformulações, sobreposição das vozes do entrevistador e do entrevistado. É possível que respostas tenham sido agrupadas, palavras tenham sido trocadas, informações tenham sido apresentadas em ordem diferente. O texto 2 também não apresenta marcas de oralidade. Embora reproduzido oralmente, ele foi concebido de forma escrita. Mesmo que a transcrição comportasse algumas características da maneira como o texto foi proferido (por exemplo, reproduzindo o prolongamento de vogais e consoantes, as pausas, o aumento no volume da voz, etc.), ele não apresentaria outras marcas típicas de um texto oral, tais como as hesitações, os truncamentos, as reformulações, os marcadores conversacionais. Uma reportagem apresentada por um telejornal ou uma entrevista reproduzida em revista estão submetidas a condições de circulação semelhantes. Contam, cada uma em seu meio (oral ou gráfico), com um espaço determinado, que deve ser ocupado com dados relevantes, acessíveis e de interesse de seu público. Os exemplos indicam que não há oposição entre língua falada e língua escrita. Nas diversas práticas sociais cotidianas, elas frequentemente se mesclam, se sobrepõem, apresentando condições de produção parecidas e exigindo a mobilização de estratégias também semelhantes.
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O continuum entre fala e escrita
COMUNICAÇÕES PESSOAIS
COMUNICAÇÕES PÚBLICAS
TEXTOS INSTRUCIONAIS
TEXTOS ACADÊMICOS
E S C R
F A
- c artas pessoais - bilhetes - avisos
- notícias de jornal - cartas do leitor - anúncios classificados
- atas de reuniões - instruções de uso - receitas
- artigos científicos - leis - documentos oficiais
- conversa telefônica - conversa espontânea entre amigos
- reportagens ao vivo - entrevistas em rádio/TV - debates
- noticiário de rádio/TV - relatos - exposições informais
- exposições acadêmicas - discursos oficiais
CONVERSAÇÕES
ENTREVISTAS
APRESENTAÇÕES E REPORTAGENS
I T A
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Retextualização é o processo de reformulação de um texto da fala para a escrita, da escrita para a fala, da fala para a fala ou da escrita para a escrita. HIPERTEXTO Na parte de Produção de texto, o conto “De cima para baixo”, de Artur Azevedo (capítulo 18, p. 272-273) é um exemplo de texto escrito que faz uso da informalidade, enquanto a comunicação oral “Nós não nascemos prontos”, proferida por Mario Sergio Cortella (capítulo 23, p. 310-311), é um exemplo de texto oral em que a linguagem é mais formal.
Ministério da Saúde/ID/BR
Ilustrações: Veridiana Scarpelli/ID/BR
Durante muito tempo, os estudiosos das relações entre fala e escrita defenderam que elas constituíam dois “sistemas” distintos. Hoje, com a ampliação do entendimento da língua como uma prática social de interação entre sujeitos, é consenso a ideia de que fala e escrita, essenciais a essa prática, são duas modalidades que não se excluem nem se opõem. Assim, podemos representar os gêneros textuais em um continuum ou gradação entre fala e escrita, de modo que há textos mais propriamente orais, como um debate, e gêneros mais próximos da escrita, como uma carta do leitor. Entre os polos do continuum (fala e escrita), está distribuída uma ampla variedade de gêneros. É o que mostra o esquema.
L A
EXPOSIÇÕES ACADÊMICAS
Esquema baseado em diagrama do livro de Marcuschi, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2007. p. 41.
Na parte superior do esquema, observam-se gêneros produzidos em meio gráfico; na parte inferior, gêneros que se materializam em meio sonoro. Em cada coluna, os gêneros agrupados apresentam algumas semelhanças. Uma consequência importante de pensar os gêneros orais e escritos em um continuum é desfazer o equívoco de associar a fala à informalidade e a escrita à formalidade. Um discurso oficial, por exemplo, tem de respeitar um alto grau de formalidade para transmitir credibilidade. Já entrevistas em rádio são mais espontâneas e buscam criar uma aproximação com o público ouvinte. Inversamente, um artigo científico exige formalidade, enquanto um bilhete para um amigo pode ser bastante informal. Veja como o cartaz ao lado transita entre formalidade e informalidade para atingir seu objetivo: persuadir os pais a levarem seus filhos menores de 5 anos para tomar vacina contra a poliomielite. Ao mesmo tempo que destaca a importância da vacinação, o cartaz também se aproxima de seu público-alvo, de forma a garantir a adesão à campanha. Assim, emprega-se um registro que apela para certo grau de informalidade (“Não dá pra vacilar. Mais uma vez, tem que vacinar.” – note também o uso da redução pra, típica de oralidade), bem como para alguma formalidade (“Todas as crianças com menos de 5 anos devem tomar a segunda dose.”). Com isso, articulam-se as duas finalidades do cartaz de campanha institucional: informar e persuadir. Para além das semelhanças e das diferenças entre fala e escrita, o que realmente importa é selecionar os recursos oferecidos pela linguagem para produzir textos adequados aos seus propósitos. Um falante competente sabe o momento certo de ser formal ou informal, seja na língua falada, seja na língua escrita. Além disso, transita naturalmente entre gêneros orais e escritos, realizando em seu cotidiano frequentes atividades de retextualização. Não escreva no livro.
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Cartaz da Campanha Nacional de Vacinação contra Poliomielite, veiculado em 2009.
HIPERTEXTO A retextualização é trabalhada na reportagem e no resumo, estudados na parte de Produção de texto. Na reportagem, adaptam-se depoimentos orais de entrevistados à modalidade escrita (boxe Observatório da língua, capítulo 20, p. 291); no resumo, um texto é adaptado para uma versão reduzida e simplificada (capítulo 22, p. 304-305).
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Prática de linguagem
Campanha publicitária criada pela Sociedade DDP em cima de imagem de Gustavo Rosa para a Exposição Einstein desenvolvida pelo Instituto Sangari.
1. Observe a propaganda de uma exposição sobre Albert Einstein e o trecho em destaque, com parte do texto da propaganda.
“A curiosidade e a imaginação são mais importantes do que o conhecimento.”
Propaganda da exposição Einstein, promovida pelo Instituto Sangari em São Paulo (SP), 2008.
a) A propaganda faz uso de alguns recursos próprios da modalidade escrita. Indique-os. b) A ilustração de Einstein foi feita por meio de colagens. De que maneira essa imagem contribui para a construção de sentido na frase “As várias faces de Einstein”? c) A frase destacada foi escrita com letra cursiva e está entre aspas. O que o uso desses recursos sugere para o leitor? 2. O texto a seguir é uma pequena crônica publicada em um livro infantil que retrata a conversa entre uma mãe e uma filha. Leia-o. — Manhê, eu vou me casar. — Ãh… Que foi? Agora não, Lívia… Não tá vendo que eu tô no telefone? — Por favor, por favoooooor, me faz um lindo vestido de noiva, urgente?! — Pois é, Carol. A Tati disse que comprava e no final mudou de ideia. Foi tudo culpa da… — Mãe, presta atenção! O noivo já foi escolhido e a mãe dele já tá fazendo a roupa. Com gravata e tudo! — Só um minuto, Carol. Vestido de… Casar?! Que é isso, menina, você só tem dez anos! Alô, Carol? — Me ouve, mãe! Os meus amigos também já foram convidados! E todos já confirmaram a presença.
— Carol, tenho que desligar. Você está louca, Lívia? Vou já telefonar para o teu pai. — Boa! Diz pra ele que depois vai ter a maior festança. […] E diz para ele não esquecer: quero fogueira e muito rojão para soltar na hora do “sim, eu aceito”. Mãe? Mãe… Manhêêê!!! Caiu pra trás… Mããããããe?! Vinte minutos depois. — Acorda, mãe… Desculpa, eu me enganei, a escola vai providenciar os comes e bebes. O papai não vai ter que pagar nada, mãe, acoooooorda. Ô vida! Que noiva sofre eu já sabia. Mas até noiva de quadrilha?!
Bras, Tereza Yamashita; Bras, Luiz. Conversa de mãe e filha. In: Dias incríveis. São Paulo: Callis, 2006. p. 17.
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Adriana Alves/ID/BR
a) A crônica é um gênero textual que abrange uma grande variedade de formas e temas. Em geral, parte de uma situação cotidiana para produzir humor, revelar um aspecto social controverso ou conduzir a uma reflexão sobre a condição humana. Em qual dessas vertentes da crônica podemos situar o texto lido? Que recursos os autores da crônica usaram para obter esse efeito? b) A crônica acima procura representar, em meio gráfico, uma conversação espontânea entre uma mãe e uma filha. Dê dois exemplos de recursos utilizados pelos autores para representar características próprias da oralidade. Explique-os. c) Além de marcas de oralidade, a crônica apresenta ocorrências de registro informal. Aponte um exemplo desse tipo de registro e explique-o. Não escreva no livro.
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2013 Cedraz/Ipress
3. Leia a tira abaixo, com a personagem Arturzinho, de A turma do Xaxado, e responda às questões.
a) Qual é a provável intenção de Arturzinho com sua fala no primeiro quadrinho? b) No segundo quadrinho, há palavras que não estão escritas de acordo com as normas ortográficas da língua portuguesa. Quais são essas palavras? c) Por que as palavras identificadas no item anterior foram escritas dessa forma? d) Por que, na situação de uso apresentada na tira, essa forma de grafar as palavras não é considerada um erro ortográfico?
Museu da Alves & Cia/Acervo Horizonte Escola, Belo
Cedraz, Antonio. A turma do Xaxado.
a/Acervo Mus
Só tive a felicidade, De dá um pequeno insaio, In dois livro do iscritô, O famoso professô, Filisberto de Carváio. Foi os livro de valô, Mais maió que vi no mundo, Apenas daquele autô, Li o premêro e o segundo, Mas, porém, essa leitura, Me tirô da treva escura, Mostrando um caminho certo, Bastante me protegeu. Eu juro que Jesus deu, Sarvação a Filisberto. [...]
L ivros da série O primeiro livro de leitura, do professor Felisberto de Carvalho, publicados em 1892.
ímile: ID/BR
Poetas niversitáro, Poetas de cademia, De rico vocabularo Cheio de filosofia, Se a gente canta o que sente, Eu quero pedir licença, Pois mesmo sem português, Nestes verso eu apresento, O prazer e o sofrimento, De um poeta camponês. Eu nasci aqui no mato, Vivi sempre a trabalhá, Neste meu pobre recato, Eu nada pude estudá. No verdor da minha idade,
Alves & Ci
Aos poetas clássicos
Coleção particular. Fac-s
Leia o trecho de um poema do cordelista Patativa do Assaré em que o eu lírico comenta sua experiência com dois livros didáticos do professor Felisberto de Carvalho.
eu da Esco Belo Horiz la, onte
usina literária
Assaré, Patativa do. Aos poetas clássicos. In: Bedran, Bia. A arte de cantar e contar histórias: narrativas orais e processos criativos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
Coleção particular. Fac-símile: ID/BR
1. Que importância os livros do professor Felisberto de Carvalho tiveram para o eu lírico? 2. O eu lírico pede licença para, “mesmo sem português”, falar sobre sua experiência de poeta camponês. Comente essa afirmação do ponto de vista da variação linguística. 3. O poema registra características da variedade linguística dos falantes da cidade de Assaré. É possível identificar regularidades nessas marcas, ou seja, há um padrão de grafia para representar determinados sons da fala? Se sim, comprove com exemplos. 4. Ao longo deste capítulo, estudamos diversas características da língua falada e da língua escrita, demonstrando que elas não se opõem, e sim fazem parte de um continuum. De que maneira o poema de Patativa do Assaré ilustra essa afirmação? Folhetos de cordel.
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Língua viva
A retextualização do oral para o escrito
O uso da língua muitas vezes requer a reformulação de textos, a exemplo do que ocorre ao se transmitir a alguém uma informação dada por outro. Imagine um funcionário dizendo a seu chefe: “Seu Carlos, falei para a secretária que preciso de um atestado justificando ausência no curso de inglês e ela me orientou que pedisse ao senhor”. Aqui, o pedido feito em um primeiro momento para a secretária transformou-se em novo texto. Possivelmente, a fala anterior foi algo como: “Bom dia, Isabel, você pode me atender? É o seguinte: fiz hora extra no último sábado e não deu para ir no inglês. Como as faltas lá são controladas, vou precisar de um atestado”. Nessa situação, um texto oral resultou em outro texto oral. Há, no entanto, casos em que um texto oral resulta em um texto escrito. Isso ocorre, por exemplo, quando se registra em uma ata o conteúdo de uma reunião. Outras vezes, o ponto de partida é um texto escrito e o texto resultante é oral. Observa-se essa situação, por exemplo, quando uma pessoa conta a outra o laudo de um exame médico. Um texto escrito também pode ser transformado em outro texto escrito: um resumo apresenta, de forma reduzida, o conteúdo de outro texto. Esse procedimento de transformação dos textos é chamado de retextualização. A retextualização faz parte da produção linguística diária de qualquer falante, mas o grau de consciência que um falante tem em relação às retextua lizações que pratica é variável. Um aluno que reescreve a resposta de uma ati vidade e um jornalista que transforma uma entrevista em parte de uma reportagem retextualizam de maneira pensada, monitorando sua atividade. Leia, a seguir, a transcrição de parte da entrevista realizada no programa Roda viva, da TV Cultura, com a neurocientista Suzana Herculano-Houzel. Ela é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e atua em projetos de divulgação científica. Nesse trecho, a entrevistada fala sobre a descoberta dos neurônios-espelho. O texto traz alguns sinais usados em transcrições (leia o boxe Repertório). Suzana Herculano-Houzel: Eu acho que o que tem de mais fascinante no… são várias coisas fascinantes sobre os neurônios-espelho, né? Éh, como você falou, empatia, a/o aprendizado por imitação, você conseguir intuir a intenção do outro, repetir mentalmente o gesto do outro. Éh, uma das coisas que eu acho mais fascinantes, com o/a descoberta dos neurônios-espelho, é a gente notar que muita parte/é uma parte muito grande do/da nossa/do nosso relacionamento com os outros, né?, do/do trato social que a gente imaginava que fosse racional, que dependesse exclusivamente de valores culturais aprendidos, né?, transmitidos pela nossa história pessoal… éh, na verdade são respostas automáticas do cérebro. Quando você vê uma pessoa se machucar ou::… a/ até sorrir, né?, o/a resposta automática do seu cérebro é imitar aquele gesto, é imitar aquela emoção, o que permite, é claro, que você sinta junto com a outra pessoa, que você sofra junto com a outra pessoa. É a base da empatia, é a base de/de colocar-se no lugar do/do outro, né? Mas eu acho que a/a implicação mais profunda ainda por trás de todas essas… éh:: o/o se colocar no lugar do outro, né?, é, é notar que isso acontece, quer você queira quer não. É claro que algumas pessoas são mais empáticas do que as outras, esse processo acontece mais/com mais facilidade, com mais rapidez, né? Até a imitação do bocejo, quando você vê uma pessoa bocejando, né?, e você boceja por imitação, a ideia é que o mesmo processo tá envolvido, e isso pega, digamos, mais facilmente em algumas pessoas do que as outras. Pega justamente, pega justamente com mais facilidade nas pessoas mais empáticas, né? Mas eu acho que essa… o/a gente descobrir que esse processo social, esse fenômeno social de contágio, né?, de empatia é uma propriedade automática do cérebro, eu acho isso fantástico.
RETEXTUALIZAÇÃO Texto oral
Texto escrito
gera
Texto oral
Texto escrito
Repertório
Transcrição de textos orais A produção de textos orais apresenta marcas bastante específicas, como pausas, hesitações, alongamento de sílabas, sobreposição de vozes, além de gestos e expressões faciais dos interlocutores, auxiliares na produção de sentido. Ao se gerar uma versão escrita de tais textos, boa parte dessas marcas se perde devido à impossibilidade de representá-las graficamente. Outras, porém, podem ser recriadas usando algumas convenções próprias da escrita. Os sinais de pontuação, por exemplo, ajudam a representar a entonação da fala. Outros sinais gráficos têm função similar, como os que se encontram na transcrição da entrevista ao lado. Veja o significado deles. …
Pausa
::
Alongamento (pronúncia mais demorada) de vogal ou de consoante
/
Truncamento (abandono de um começo de fala, recomeço de outro jeito)
Vocabulário de apoio
empatia: sentimento de identificação de uma pessoa com os sentimentos ou com a situação de outra trato: relação, convivência
Trecho do programa Roda viva, da TV Cultura, com Suzana Herculano-Houzel, veiculado em 17 mar. 2008. Transcrição feita para esta edição.
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1. Segundo a cientista, qual seria a razão de uma pessoa imitar o gesto ou apresentar o mesmo sentimento de outra? 2. A teoria defendida pela cientista se contrapõe a que ideia comumente aceita para explicar a empatia? 3. Neurônios são células que recebem estímulos do meio, como calor e luz, e os transmitem para outras células, possibilitando uma resposta do organismo. Com base nessa informação e no texto, o que podemos entender por neurônios-espelho? 4. Você vai agora retextualizar o depoimento da cientista, adaptando-o para ser publicado em um site. Para isso, copie-o no caderno e realize as etapas indicadas a seguir. a) Elimine marcas conversacionais (né?, éh), hesitações, alongamentos e truncamentos. b) Elimine repetições e pronomes (eu, nós) que podem ser recuperados pelo contexto. c) Insira palavras ou expressões que ajudem a construir a articulação entre as partes do texto, especialmente das estruturas truncadas (fazendo a concordância, se necessário). d) Substitua palavras por outras mais precisas ou formais, reformule estruturas e reordene termos e trechos maiores, de modo a deixar o texto mais claro. Repontue, se necessário. e) Faça outras alterações que sejam convenientes ao objetivo da retextualização.
Biophoto Associates/Science Source/Latinstock
Sobre o texto
Imagem de neurônio obtida com auxílio de microscópio.
Veja a seguir alguns exemplos de interferência no texto. Mecanismo de retextualização
Trecho da versão transcrita
Eliminação de marcas conversacionais, “[…] pessoa se machucar ou::… a/até sorrir, hesitações, alongamentos e truncamentos né?, o/a resposta automática […]”
Trecho da versão retextualizada “[…] uma pessoa se machucar ou até sorrir, a resposta automática […]”
Eliminação de repetições e pronomes que podem ser recuperados no contexto
“[…] que você sinta junto com a outra pessoa, “[…] que você sinta junto com a outra pessoa, sofra que você sofra junto com a outra pessoa.” junto com ela.”
Inserção de palavras ou expressões para articular partes do texto
“[…] pessoas são mais empáticas do que as outras, esse processo acontece […]”
“[…] pessoas são mais empáticas do que as outras, e que nelas esse processo acontece […]”
Substituição de palavras por outras mais precisas ou formais
“são várias coisas fascinantes sobre os neurônios-espelho […]”
“Há várias coisas fascinantes sobre os neurônios-espelho […]”
ANOTE
Na retextualização de textos falados para textos escritos, a eliminação de marcas de oralidade e o uso de recursos gráficos como sinais de pontuação e parágrafos favorecem a reconstrução de sentidos do texto pelo leitor.
Um exemplo de comunicação que envolve tanto características da oralidade como da escrita é a fala preparada para a exposição de determinado conteúdo a outras pessoas, não se restringindo à leitura de um texto (veja a parte de Produção de texto, capítulo 23, p. 310). Quando a comunicação oral é feita ao vivo, a interação com o público pode modificar o encaminhamento da fala, tanto em relação ao conteúdo quanto ao modo como é apresentada (entonação, expressão facial, etc.). No entanto, mesmo com essa flexibilidade comunicativa, é importante que o orador esteja atento ao controle do tempo e à progressão de sua fala, uma vez que a comunicação oral, em geral, cumpre um tempo rígido de apresentação. A comunicação oral pode ocorrer em contextos mais ou menos formais, como seminários, apresentações orais, palestras, entre outros.
TEDGlobal 2013/Arquivo do evento
texto em construção
A cientista Suzana Herculano-Houzel palestrando no evento TEDGlobal 2013. Edimburgo, Escócia. Foto de 2013.
1. Você já participou de alguma situação em que houve uma comunicação oral? Se sim, qual foi o conteúdo abordado e como ele foi desenvolvido? O orador estabeleceu uma relação de empatia com o público? 2. Em sua trajetória, você já teve de preparar uma comunicação oral? Se sim, como você se preparou para essa situação?
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Em dia com a escrita
O hipertexto
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Uma sociedade grafocêntrica – na qual o texto escrito está presente em várias situações sociais e cumpre papel significativo – exige dos falantes um grau cada vez maior de letramento, ou seja, de habilidades que possibilitem a participação efetiva nas práticas sociais que envolvem a escrita. Na chamada “era digital”, o conceito de escrita se expandiu e não diz mais respeito apenas ao texto impresso. É necessário saber se relacionar com a escrita nas diversas mídias em que ela se faz presente. Em muitas delas, ocorre a circulação de um tipo especial de texto: o hipertexto. Disponibilizado em um espaço virtual, o hipertexto possibilita uma leitura não linear, em função de sua organização em blocos de conteúdo que se conectam por nós ou elos hipertextuais (também conhecidos como links). A rigor, as habilidades mobilizadas para produzir ou ler um hipertexto são as mesmas utilizadas para a leitura ou escrita de um texto convencional. No entanto, o hipertexto torna mais evidentes alguns desses processos, como o percurso realizado pelo autor durante o planejamento e a elaboração do texto e a reconstrução de sentidos pelo leitor. Um texto escrito de forma convencional é a materialização de um processo de interação discursiva que exige atividades como pesquisa, seleção e articulação de dados e opiniões. Ele pode apresentar alguns indícios desse processo de elaboração (como hierarquização por meio de títulos e subtítulos, notas de rodapé, divisão em capítulos, etc.). Já o hipertexto demanda do seu autor, desde o início, o desenho de um mapa de leitura, no qual se estabelecem uma clara hierarquia entre informações centrais e secundárias, possibilidades de percursos distintos entre os blocos de conteúdo, conexões com textos externos, palavras-chave para servir de elos hipertextuais, entre outros recursos. Diante de um hipertexto, o leitor tem mais liberdade para escolher, entre os caminhos oferecidos pelo autor, em que aspectos aprofundar sua leitura, quais blocos de conteúdo deseja ignorar ou retomar, que sugestões de conexão externa deseja acatar. Todas essas possibilidades, embora já estivessem presentes no texto convencional, ampliam-se com o hipertexto. 1. Com um colega, escolha um dos endereços eletrônicos a seguir para investigar como se estrutura e organiza o hipertexto de um portal. Doutores da alegria Alfabetização solidária Aprendiz A cor da cultura
Comunicação e cultura Fundação Abrinq Ação Educativa Promundo
Acessos em: 26 abr. 2016.
2. Utilize o roteiro a seguir para fazer o levantamento da estrutura hipertextual da página principal (home page) do portal em que vocês vão pesquisar. a) Que informações, conteúdos e elementos são visíveis na página principal? Como eles estão organizados? b) Quantos menus há na página inicial? Eles estão dispostos nos espaços laterais ou na parte superior da tela? c) Quais são os nós hipertextuais oferecidos no menu? Eles estão organizados em uma sequência lógica? Qual é o critério de ordenação utilizado? 194
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3. Escolha dois nós hipertextuais para prosseguir em sua investigação. a) Os nós hipertextuais escolhidos direcionam o texto para outras páginas ou para janelas do tipo pop-up? b) Como estão organizadas as informações nas novas páginas ou janelas acessadas pelos nós hipertextuais? Há novos menus nessas páginas? c) Há nós hipertextuais entre as páginas ou janelas do menu? E para páginas externas, ou seja, de outro portal? E para informações adicionais? De que tipo? d) Qual parece ter sido o critério utilizado para selecionar as palavras-chave que dão acesso aos nós hipertextuais? 4. Com o colega, organize um esquema que exemplifique, em linhas gerais, a estrutura hipertextual do portal visitado.
6. Com o colega, você criará uma matriz de hipertexto para um portal sobre a sua escola. Você pode seguir a mesma estrutura hipertextual encontrada no portal visitado ou elaborar uma estrutura própria, com outro desenho. Siga os passos indicados a seguir. a) Estabeleça e nomeie entre cinco e dez blocos de conteúdo que comporão as páginas centrais do portal. Organize-os em ordem de importância, de modo a figurar em um menu lateral ou superior da página principal. b) Planeje a forma de navegação oferecida entre essas páginas (Elas serão acessíveis apenas na página principal ou haverá nós hipertextuais entre elas? Será indicada alguma sequência de leitura?). c) Faça um esquema dos principais conteúdos a serem apresentados em cada página. d) Identifique palavras-chave que possam remeter às outras páginas do portal ou a ligações externas. Indique-as. e) Caso deseje criar nós hipertextuais a partir das palavras-chave para janelas pop-up, indique qual será o conteúdo dessas janelas. f) Planeje a forma de organização das informações no interior de cada página (Será linear? Nessa páginas também haverá menu? Como tornar a sua apresentação mais interessante? Que imagens disponibilizar?). g) Indique os dados, as informações e os elementos que estarão visíveis na página principal. h) Com base nas decisões anteriores, crie um esquema que exemplifique a matriz elaborada para o portal.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
5. Identifique aspectos do hipertexto que poderiam ser melhorados para a navegação pelo portal e também para a localização das informações, especialmente no que diz respeito aos nós hipertextuais.
7. Troque a matriz do seu portal com outra dupla. Verifique se todos os aspectos indicados no roteiro acima foram pensados e adequadamente planejados. Indique pontos de melhoria. 8. Com base nas observações da outra dupla, reveja a matriz do seu portal. 9. Crie os textos planejados para ocupar os espaços do portal (página principal, páginas secundárias, janelas pop-up). Faça uma pesquisa iconográfica para selecionar as imagens que serão disponibilizadas em cada espaço. 10. Com o professor e os demais colegas da turma, organize uma maneira de expor os resultados da atividade à sua comunidade escolar. Se for possível, criem o hipertexto na internet. Outra opção é fazer uma exposição em mural ou painel. ANOTE
O texto escrito convencional opera de forma linear. Por isso, ainda que seja facultada ao leitor a possibilidade de pular trechos, localizar informações específicas, estabelecer conexões com outros textos e retomar trechos anteriores, essa multiplicidade de leituras não é planejada pelo autor. Já o hipertexto opera com o princípio da não linearidade, da não sequencialidade. Assim, ao planejá-lo, o produtor deve ter em mente uma clara hierarquização das informações e as diferentes formas pelas quais o leitor poderá percorrê-las, estabelecendo, para isso, nós hipertextuais por meio de palavras-chave.
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Articulando
A internet e os riscos da língua
Leia a seguir três textos que argumentam a respeito da ameaça (ou não) à língua representada pelo internetês, forma de escrita usada na internet. O primeiro é parte de uma entrevista concedida pelo professor de Literatura Brasileira Luís Augusto Fischer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; o segundo foi extraído de uma entrevista concedida pelo acadêmico Arnaldo Niskier; e o terceiro apresenta o ponto de vista do escritor Cristóvão Tezza.
A linguagem da internet prejudica a escrita? A internet possui uma espécie de código escrito com muitas alterações com relação ao código culto de Português brasileiro. […] É importante dizer que isto não é uma exclusividade da Língua Portuguesa; em outros países também ocorre. Não dá para fazer um grande barulho em torno disto e achar que nós estamos no fim do mundo. Trata-se de um contexto novo. […] Esta forma de escrever não vai atrapalhar o aluno no futuro? […] Há um temor dos professores de que, se o pessoal se acostumar a escrever muito com palavras abreviadas ou de maneira expressiva (escrever naum, em vez de não, por exemplo), pode ser que esta forma de escrever “contamine” a escrita formal da escola. Eu penso, no entanto, que isto não tem uma relação de causa e consequência imediata. Vamos fazer uma analogia. Todo mundo maneja vários registros de fala, instintivamente. Aprendemos na convivência que podemos chamar alguém de tu, de você ou de senhor. Descobrimos que estas são formas de tratamento usadas em diferentes contextos. […] [toda criança] Sabe que pode usar uma concordância mais frouxa com os amigos e uma concordância mais rigorosa com os adultos. Na fala, podemos usar mais de um código. Então na escrita também. Não vejo problema que crianças e jovens aprendam que há um código para as situações formais de comunicação […] e outro para a comunicação imediata, instantânea, on-line, que eles fazem no messenger ou no e-mail. Pode ser que alguma pessoa tenha maior dificuldade, mas não vejo isso como um fenômeno geral. Pode acontecer de alguma manha da internet virar oficial, na escrita culta? […] Se olharmos com “lente larga” na história, situações semelhantes já aconteceram. O tratamento você, por exemplo, não existia, pois era muito informal. […] A diferença é que atualmente existe muito material publicado e, portanto, a língua escrita tem uma resistência
maior à mudança; diferente de 100 anos atrás. Quando havia menos coisas publicadas, as inovações eram aceitas mais facilmente. […] Se a internet e os estrangeirismos não são tão problemáticos para a escrita, o que é? A coisa mais problemática no Brasil, na verdade, é a falta de escolas. […] Temos um universo de pessoas fora da escola, com pouca escolaridade ou sem leitura, que realmente vivem um Português diferente desse que estamos usando. […] Por exemplo, do ponto de vista linguístico, não há problema alguém dizer nóis vai porque ela se faz compreender. Mas nós sabemos que aí há um problema de concordância, que o correto deveria ser nós vamos. Tem-se um grande patamar da comunicação real brasileira que está funcionando com um Português ultrassimplificado. […] Escrever para que e para quem? […] Pensamos que para o aluno escrever precisa saber toda a conjugação dos verbos em todos os tempos ou todas as regras de acentuação. Não é verdade. Quando temos dúvidas, vamos ao dicionário. É o que qualquer ser humano deveria fazer. Não precisa usar palavras raras. Quando os jovens estão na internet, tendo uma situação comunicacional relevante e um interlocutor conhecido, eles escrevem. A redação do vestibular é outro papo. […] Além da estrutura exigida, conforme a universidade, a situação bastante problemática para o aluno é que ali ele não está escrevendo para se comunicar. Está escrevendo para ser avaliado. Aliás, na escola também é assim. […] Não se tem, na escola, uma situação de comunicação na qual a escrita entra como elemento relevante, enquanto na internet é diferente. […] Não tenho nada contra televisão e internet, mas se forem as únicas coisas no universo do jovem, não se pode esperar que ele vá escrever bem.
Adriana Franciosi/Agência RBS/Folhapress
Texto 1
O professor e crítico literário Luís Augusto Fischer. Foto de 2013.
Escrevendo em tempos de internet. Mundo Jovem, n. 379, ago. 2007. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2016.
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Texto 2
TRIBUNA DA IMPRENSA – Como o senhor analisa esta nova maneira de se comunicar dos jovens pela internet? ARNALDO NISKIER – Batizei este novo linguajar de “internetês”. Acho que inventaram no Brasil uma nova forma de comunicação que considero, como educador, passageira. Isso é um pouco fruto da própria expansão do uso do computador entre nós. Agora, condeno este uso porque já é tão difícil saber escrever adequadamente a língua portuguesa que considero este desvio um contrassenso. O pior é que muitos professores estão achando engraçadinho deixar que isso aconteça nas escolas. Se o aluno resolver em sua casa escrever o que quiser, é problema dele e de seus pais. Contudo, na escola, é problema dos professores. Eles deveriam interferir para impedir que esta economia de palavras não represente também uma economia de ideias. Então, as crianças ficam duas, três horas por dia naquele bate-papo meio sem nexo, virtual, e estão adorando. Quando se conversa com qualquer uma delas, acham uma curtição. Mas estão brincando com uma coisa séria que é a língua portuguesa. O que pode acarretar para a língua esta nova maneira de se expressar? Prejuízo, porque a língua portuguesa é difícil. Diria, por exemplo, que é o papel principal da Academia Brasileira de Letras lutar pela preservação da língua portuguesa e seu aperfeiçoamento. Agora, aperfeiçoar a língua portuguesa não é desvirtuá-la. […] Mas a língua é dinâmica, não? É, mas aquilo não é exatamente uma língua e sim uma deformação. O dinamismo da língua nunca pegará este tipo de brincadeira. Isso posso garantir como quem já está na Academia há 23 anos e conhece bem as diversas fases pelas quais passa. A Academia está fazendo alguma coisa no sentido de conscientizar os professores? Sim. Quando nós discutimos qualquer aspecto da língua portuguesa, e são muitos, sempre se faz uma crítica a este tipo de atividade deformadora. Temos que lutar, sobretudo nós que somos mais alfabetizados, pela norma culta. É admissível que se fale em determinadas regiões de uma forma diferente, mas escrever, nunca! Para redigir tem que seguir a norma culta. [...] Muitas gírias hoje constam nos dicionários. Isso não pode acontecer com o “internetês”? Não, tenho certeza que não. A gíria é o produto da expressão popular que existe no Brasil. O “internetês” é um desvirtuamento de nossa língua. Não tem nada a ver e nem é comparável com a gíria. A gíria tem graça e o “internetês” não tem graça nenhuma. Giffoni, Carla. Arnaldo Niskier: “Lnga ñ pde mpbcr”. Tribuna da imprensa, Rio de Janeiro, 6 nov. 2006. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2016.
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Texto 3
[…] Considero um total equívoco dizer que a internet faz com que os jovens escrevam de forma errada. No Brasil, por exemplo, saímos de uma era da televisão, que era totalmente ágrafa (vendo televisão, você não vê uma palavra escrita, só ouve). Dos anos 70 aos 90, a televisão foi o grande agente civilizador do Brasil. E a televisão é a cultura da oralidade. O advento da internet foi uma explosão brutal no sentido contrário – qualquer página que você abre na internet está cheia de coisas escritas. Ou seja, a palavra escrita voltou para o palco. As pessoas estão voltando a escrever – chats, e-mails, blogs, etc. A escrita passou a ser o mediador de toda a comunicação, de todo o processo de informação. A palavra escrita voltou com toda força. É um absurdo encarar a internet como um problema. […] Temos de pensar o que há de positivo em todo este fenômeno. Na minha experiência ao corrigir redações do vestibular da UFPR, em mais de 20 mil textos, não se encontra sequer uma abreviatura utilizada na comunicação na internet. O aluno não é burro. Ele sabe perfeitamente a diferença entre escrever num chat e uma redação para a escola. […] Tezza, Cristóvão. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2016. Vocabulário de apoio
contrassenso: ato ou dito contrário à boa lógica; à razão; disparate.
DEBATE
1. Reúna-se com os colegas em um grupo de até cinco pessoas. a) Identifique: Qual dos textos argumen ta a favor da internet e não a considera uma ameaça à língua? Qual apresenta argumentos contrários ao uso da linguagem da internet? Qual contrapõe os pontos positivos e os negativos a respeito da internet e sua relação com a língua? b) Localize os trechos de cada texto que apresentam argumentos explícitos contra e/ou a favor do “internetês” e que permitem identificar o ponto de vista dos especialistas. 2. Pesquise a opinião de outras pessoas ligadas à educação. Reúna os argumentos e opte pelo ponto de vista com o qual você se identifica. 3. Cada grupo deve expor seu ponto de vista à turma e sustentá-lo com argumentos. 197
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A língua tem dessas coisas Trocadilhos e o desconcerto do humor — Como o elétron atende ao telefone? — Próton!
— Por que a vaca foi para o espaço? — Para se encontrar com o vácuo.
— O que um cromossomo disse para o outro? — Oh! Cromossomos felizes!
— O que o canibal vegetariano come? — A planta do pé e a batata da perna.
Pedro Hamdan/ID/BR
Leia as piadas a seguir.
Todas essas piadas se baseiam em um mecanismo linguístico denominado trocadilho – jogo criado com base na semelhança sonora entre palavras com sentidos distintos, no duplo sentido de uma palavra/enunciado ou em diferentes formas de segmentação das palavras, entre outras possibilidades. O trocadilho causa uma quebra de expectativa, uma surpresa no ouvinte. Muitas vezes, mais de um desses fatores ocorrem ao mesmo tempo para produzir o humor. Além da percepção desses mecanismos próprios da língua, a compreensão de uma piada requer do falante determinados conhecimentos de mundo para que o efeito de humor se complete. É o que comenta Sírio Possenti, linguista que estuda os efeitos de humor produzidos pelo manejo da língua. Há algum tempo, venho estudando as piadas, com ênfase em sua constituição linguística. Por isso, embora a afirmação a seguir possa parecer surpreendente, creio que posso garantir que se trata de uma verdade quase banal: as piadas fornecem simultaneamente um dos melhores retratos dos valores e problemas de uma sociedade, por um lado, e uma coleção de fatos e dados impressionantes para quem quer saber o que é e como funciona uma língua, por outro. Se se quiser descobrir os problemas com os quais uma sociedade se debate, uma coleção de piadas fornecerá excelente pista: sexualidade, etnia/raça e outras diferenças, instituições (igreja, escola, casamento, política), morte, tudo isso está sempre presente nas piadas que circulam anonimamente e que são ouvidas e contadas por todo mundo em todo o mundo. […]
Mas as piadas também podem servir de suporte empírico para uma teoria mais aprofundada e sofisticada de como funciona uma língua, especialmente porque se trata de um corpus que, além de expor traços do que nela é sistemático (gramatical) e, paradoxalmente, “desarrumado”, contribui para deixar muito claro que uma língua funciona sempre em relação a um contexto culturalmente relevante e que cada texto requer uma relação com outros textos. […] A conclusão óbvia é que uma língua não é como nos ensinaram: clara e relacionada diretamente a um fato ou situação que ela representa como um espelho. Praticamente cada segmento da língua deriva para outro sentido, presta-se a outra interpretação, por razões variadas. Pelo menos, é o que as piadas mostram. E elas não são poucas. Ou, no mínimo, nós as ouvimos muitas vezes.
Possenti, Sírio. O humor e a língua. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, SBPC, v. 30, n. 176, out. 2001.
Assim, pode-se dizer que o humor, ao proporcionar surpresa, quebra de expectativa e revelação de sentidos aos quais se está pouco atento, põe em evidência tanto o “desconcerto do mundo” – um mundo menos harmônico e previsível do que se gostaria – quanto o “desconcerto da língua” – que é, como disse o linguista, menos clara e exata do que se ensina. 1. Com relação às piadas do início da página, identifique os itens a seguir. a) O(s) mecanismo(s) linguístico(s) envolvido(s) na produção do efeito de humor (semelhança sonora entre palavras, duplo sentido, diferentes formas de segmentação de um grupo de palavras). b) Os conhecimentos de mundo necessários para que o falante complete o sentido da piada.
Vocabulário de apoio
corpus: conjunto de enunciados de uma língua, colhidos de situações reais de uso, que servem como material para análise linguística empírico: baseado na experiência e na observação
HIPERTEXTO O que Sírio Possenti afirma sobre as piadas se estende aos textos de humor em geral. Artur Azevedo explorou, em “De cima para baixo” (parte de Produção de texto, capítulo 18, p. 272-273), as relações de poder no trabalho, usando o humor como instrumento de crítica social.
2. Crie ou pesquise mais cinco piadas baseadas em trocadilhos e indique em que mecanismo(s) linguístico(s) se baseia seu efeito de humor. 198
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Vestibular e Enem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
(Mackenzie-SP) Texto para a questão 1. Calvin & Hobbes, Bill Watterson © 1990 Watterson / Dist. by Universal Uclick
O melhor de Calvin |Bill Watterson
1o quadrinho
1. Assinale a alternativa correta sobre o texto do 1o quadrinho. a) A relação entre linguagem verbal e visual destaca sobremaneira a presença da função metalinguística, considerando o objetivo principal do texto: apontar para possíveis técnicas de construção das diferentes linguagens. b) A grande quantidade de traços fortes que reproduzem a chuva e a fala caudalosa do garoto estabelecem uma relação entre o verbal e o visual e apontam a presença da função poética, revelando cuidado especial com a construção da mensagem. c) Encontra-se na fala do garoto exclusivamente a função conativa, uma vez que estão ausentes elementos que apontam para uma expressividade no processo comunicativo. d) Observa-se, além do emprego da função emotiva (marcada pela raiva e desespero do garoto ao relatar seu sonho), o uso destacado da função fática, presente, por exemplo, na linguagem formal e conotativa do monólogo. e) A função referencial da linguagem sobrepõe-se à função emotiva, na medida em que a tira transmite essencialmente informações de caráter objetivo. (Enem) Texto para a questão 2.
É água que não acaba mais Dados preliminares divulgados por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) apontaram o Aquífero Alter do Chão como o maior depósito de água potável do planeta. Com volume estimado em 86 000 quilômetros cúbicos de água doce, a reserva subterrânea está localizada sob os estados do Amazonas, Pará e Amapá. “Essa quantidade de água seria suficiente para abastecer a população mundial durante 500 anos”, diz Milton Matta, geólogo da UFPA.
2o quadrinho
Em termos comparativos, Alter do Chão tem quase o dobro do volume de água do Aquífero Guarani (com 45 000 quilômetros cúbicos). Até então, Guarani era a maior reserva subterrânea do mundo, distribuída por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Época, n. 623, 26 abr. 2010.
2. Essa notícia, publicada em uma revista de grande circulação, apresenta resultados de uma pesquisa científica realizada por uma universidade brasileira. Nessa situação específica de comunicação, a função referencial da linguagem predomina porque o autor do texto prioriza: a) as suas opiniões, baseadas em fatos. b) os aspectos objetivos e precisos. c) os elementos de persuasão do leitor. d) os elementos estéticos na construção do texto. e) os aspectos subjetivos da mencionada pesquisa. (Enem) Texto para a questão 3.
Pequeno concerto que virou canção Não, não há por que mentir ou esconder A dor que foi maior do que é capaz meu coração Não, nem há por que seguir cantando só para [explicar Não vai nunca entender de amor quem nunca [soube amar Ah, eu vou voltar pra mim Seguir sozinho assim Até me consumir ou consumir toda essa dor Até sentir de novo o coração capaz de amor Vandré, G. Disponível em: . Acesso em: 29 jun. 2011.
3. Na canção de Geraldo Vandré, tem-se a manifestação da função poética da linguagem, que é percebida na elaboração artística e criativa da mensagem, por meio de combinações sonoras e rítmicas. 199
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Vestibular e Enem Pela análise do texto, entretanto, percebe-se, também, a presença marcante da função emotiva ou expressiva, por meio da qual o emissor: a) imprime à canção as marcas de sua atitude pessoal, seus sentimentos. b) transmite informações objetivas sobre o tema de que trata a canção. c) busca persuadir o receptor da canção a adotar um certo comportamento. d) procura explicar a própria linguagem que utiliza para construir a canção. e) objetiva verificar ou fortalecer a eficiência da mensagem veiculada. (Enem) Texto para a questão 4. eu acho um fato interessante… né… foi como meu pai e minha mãe vieram se conhecer… né… que… minha mãe morava no Piauí com toda a família… né… meu… meu avô… materno no caso… era maquinista… ele sofreu um acidente… infelizmente morreu… minha mãe tinha cinco anos… né… e o irmão mais velho dela… meu padrinho… tinha dezessete e ele foi obrigado a trabalhar… foi trabalhar no banco… e… ele foi… o banco… no caso… estava… com um número de funcionários cheio e ele teve que ir para outro local e pediu transferência prum mais perto de Parnaíba que era a cidade onde eles moravam e por engano o… o…escrivão entendeu Paraíba… né… e meu… minha família veio parar em Mossoró que exatamente o local mais perto onde tinha vaga pra funcionário do Banco do Brasil e:: ela foi parar na rua do meu pai… né… e começaram a se conhecer… namoraram onze anos… né… pararam algum tempo… brigaram… é lógico… porque todo relacionamento tem uma briga… né… e eu achei esse fato muito interessante porque foi uma coincidência incrível… né… como vieram se conhecer… namoraram e hoje… e até hoje estão juntos… dezessete anos de casados. Cunha, M. F. A. (Org.) Corpus discurso & gramática: a língua falada e escrita na cidade de Natal. Natal: EdUFRN, 1998.
4. Na transcrição de fala, há um breve relato de ex periência pessoal, no qual se observa a frequente repetição de “né”. Essa repetição é um: a) índice de baixa escolaridade do falante. b) estratégia típica da manutenção da interação oral. c) marca de conexão lógica entre conteúdos na fala. d) manifestação característica da fala nordestina. e) recurso enfatizador da informação mais relevante da narrativa. (Enem) Texto para a questão 5. A biosfera, que reúne todos os ambientes onde se desenvolvem os seres vivos, se divide em unidades menores chamadas ecossistemas, que podem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
ser uma floresta, um deserto e até um lago. Um ecossistema tem múltiplos mecanismos que regulam o número de organismos dentro dele, controlando sua reprodução, crescimento e migrações. Duarte, M. O guia dos curiosos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
5. Predomina no texto a função da linguagem: a) emotiva, porque o autor expressa seu sentimento em relação à ecologia. b) fática, porque o texto testa o funcionamento do canal de comunicação. c) poética, porque o texto chama a atenção para os recursos de linguagem. d) conativa, porque o texto procura orientar comportamentos do leitor. e) referencial, porque o texto trata de noções e informações conceituais. (Enem) Texto para a questão 6. Canção do vento e da minha vida O vento varria as folhas, O vento varria os frutos, O vento varria as flores… E a minha vida ficava Cada vez mais cheia De frutos, de flores, de folhas. […] O vento varria os sonhos E varria as amizades… O vento varria as mulheres… E a minha vida ficava Cada vez mais cheia De afetos e de mulheres. O vento varria os meses E varria os teus sorrisos… O vento varria tudo! E a minha vida ficava Cada vez mais cheia De tudo. Bandeira, M. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1967.
6. Predomina no texto a função da linguagem: a) fática, porque o autor procura testar o canal de comunicação. b) metalinguística, porque há explicação do significado das expressões. c) conativa, uma vez que o leitor é provocado a participar de uma ação. d) referencial, já que são apresentadas informações sobre acontecimentos e fatos reais. e) poética, pois chama-se a atenção para a elaboração especial e artística da estrutura do texto.
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unidade
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Linguagem e sentido No quadro reproduzido abaixo, René Magritte brinca com a ideia de representação. Diante da pintura realista de um cachimbo, duvidamos de nossa percepção, com a frase “Isto não é um cachimbo” (em francês). A imagem de um cachimbo não é o próprio objeto, mas um signo que representa esse elemento com base na semelhança física. A palavra cachimbo também é uma representação. Do ponto de vista gráfico, ela representa o modo como certos sons da fala devem ser registrados em língua portuguesa. Como signo linguístico, remete ao conceito de cachimbo, e não a um cachimbo real, particular. Ou seja, a relação entre as palavras e as coisas é bem menos direta do que se pode imaginar.
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As palavras e as coisas
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A linguagem opaca
Magritte, René. A traição das imagens (detalhe), 1928-1929. Óleo sobre tela, 64,6 cm × 94,1 cm. Museu de Arte de Los Angeles, EUA.
Museu de Arte de Los Angeles/© Photothèque R. Magritte, “A traição das imagens”, 1928-29, licenciado por AUTVIS, Brasil, 2009.
Nesta unidade, você investigará mais a fundo a relação entre palavras e coisas e explorará as figuras de linguagem.
Nesta unidade
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capítulo
13 o que você vai estudar A Semântica. • As relações lexicais. • Sentido denotativo, sentido conotativo e polissemia.
As palavras e as coisas A maneira como as palavras se relacionam com a realidade a que se referem é complexa e variável. É fácil perceber isso quando pensamos, por exemplo, que uma mesma palavra pode expressar muitos sentidos ou que termos diferentes podem indicar um mesmo objeto ou fenômeno. E a forma como as palavras se relacionam entre si também é flexível. Neste capítulo, você vai aprender mais sobre a significação das palavras e sobre a maneira como os falantes atribuem sentido a elas.
Semântica: os modos de criar sentido Leia a tira a seguir. Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Toda Mafalda – Martins Fontes, 1991
• Sinônimos. • Antônimos. • Hipônimos e hiperônimos. • Homônimos e parônimos. As referências que o sujeito cria na língua.
Quino. Toda Mafalda.São Paulo. Martins Fontes, 2012.
1. O sentido da palavra veículo é o mesmo na fala de Felipe e de Mafalda? Explique. 2. Que elementos você considerou para indicar os sentidos da palavra veículo na tira?
ANOTE
Semântica é a área do saber que estuda a significação, a relação das palavras com o mundo e a produção de sentido na linguagem verbal.
Para responder às questões anteriores, você refletiu sobre algumas operações cognitivas que, no dia a dia, os falantes realizam de maneira quase sempre inconsciente ou intuitiva. A linguagem envolve, na verdade, um sofisticado trabalho mental. Afinal, os significados das palavras estão previamente definidos ou são construídos na situação de uso? Se uma mesma palavra pode se referir a fenômenos distintos, como o interlocutor é capaz de perceber o sentido pretendido pelo falante? E se há mais de uma palavra para designar uma mesma coisa, o que nos faz optar por uma palavra e não por outra? Os mecanismos por meio dos quais a língua dá significado ao mundo sempre foram investigados pelos estudiosos da linguagem. As perspectivas de análise, porém, foram se modificando ao longo do tempo. Isso se deveu também às mudanças de percepção dos estudiosos sobre as relações entre a linguagem e a maneira de o ser humano se relacionar com o mundo. Houve, por exemplo, estudos que entendiam a linguagem como representação pura e simples da realidade, como se as palavras fossem etiquetas de um mundo previamente ordenado. Para outros, a linguagem seria parte do processo de compreensão e ordenação da realidade pelo ser humano e teria influência direta na maneira como este a percebe. De acordo com essa perspectiva, povos com línguas distintas veriam o mundo de maneiras diferentes; distinguiriam outras cores, ordenariam as quantidades por meio de variados sistemas de contagem, etc. (conforme abordado na seção Língua viva do capítulo 16, p. 250-251). Apesar da variedade de perspectivas teóricas sobre a produção de sentido na linguagem, essas investigações foram reunidas em um domínio do conhecimento chamado Semântica.
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As relações lexicais Para compreender a língua, é preciso relacionar o sentido ao uso que os falantes fazem das palavras. Pense, por exemplo, na quantidade de vezes que você utilizou em diferentes con textos palavras que indicam partes do corpo humano, como braço e pé, e como elas são usadas para se referir a objetos diversos. Dependendo da situação em que é utilizada, a palavra pode assumir significados diversos, por exemplo: braço da cadeira, pé da página.
Sentido denotativo, sentido conotativo e polissemia No uso da língua, frequentemente as palavras adquirem significados novos, diferentes dos mais usuais. Isso cria dois polos de sentido: o denotativo ou literal e o conotativo ou figurado. Muitas pessoas definem o sentido denotativo como “aquele que está no dicionário”. No entanto, como os dicionários registram vários significados associados às palavras em diferentes contextos de uso, apresentam também algumas definições mais conotativas. Na ordem de apresentação das acepções, parte-se das mais frequentes (denotativas) para as menos comuns (conotativas). Para constatar esse fato, leia os trechos de dois verbetes do dicionário eletrônico Houaiss, que registra oito acepções para o verbo assinar e 19 para o verbo pintar. Assinar v. (936) 1 t.d.bit. determinar limites; demarcar 2 t.d. marcar com um sinal (p.ex. o nome, selo, brasão etc.) [...] 4 t.d. fazer ver de modo preciso; assinalar, apontar [...] 7 bit. conceder por direito, mérito; outorgar, conferir [...] Houaiss, Instituto. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. CD-ROM.
Pintar v. (sXIII) 1 t.d. representar por meio de traços, cores, combinações de cores 2 t.d. realizar obra artística de pintura [...] 6 t.d. cobrir com uma ou mais camadas de tinta [...] 13 int. B infrm. surgir mais ou menos ao acaso; aparecer, apresentar-se [...] Houaiss, Instituto. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. CD-ROM.
não discuto com o destino o que pintar eu assino
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Leia agora um poema de Paulo Leminski.
Góes, Fred; Martins, Álvaro (Org.). Melhores poemas de Paulo Leminski. São Paulo: Global, 2002. p. 64.
No poema, o eu lírico descreve seu modo de lidar com o futuro, demonstrando tranquilidade em relação às surpresas do destino. Para isso, além do formato conciso, usa nos dois últimos versos as palavras pintar e assinar em sentido conotativo, remetendo à informalidade. Pintar, nesse poema, está relacionado à ideia de aparecer. Já assinar sugere concordância do eu lírico com os fatos. Observe que esses sentidos foram registrados pelo dicionário. No entanto, o leitor não precisa consultá-lo para compreender o poema. É possível concluir, portanto, que o sentido conotativo é tão natural à linguagem quanto o denotativo. ANOTE
Sentido denotativo ou literal é o sentido mais frequentemente associado a uma palavra ou um enunciado. Sentido conotativo ou figurado ocorre quando uma palavra, aplicada em determinado contexto, se afasta de seu significado mais comum.
A existência dos sentidos denotativo e conotativo da linguagem revela que ela é polissêmica, ou seja, é capaz de produzir diferentes sentidos. De forma ampla, o que determina o sentido de um enunciado é a situação de uso ou o contexto, ou seja, sua enunciação. ANOTE
Polissemia é a propriedade inesgotável da linguagem de produzir diferentes sentidos.
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Keith Douglas/Alamy/Latinstock
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Cuson/Shutterstock.com/ID/BR
A língua não é uma simples representação das coisas do mundo. A maneira como as palavras se relacionam entre si demonstra isso. Para entender essas relações, diga que palavra lhe vem à mente ao olhar o objeto representado ao lado. Agora, verifique se você poderia usar essa mesma palavra para designar os objetos a seguir.
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Sinônimos
A palavra que você utilizou para se referir ao primeiro objeto também pode ser usada para se referir aos objetos que apareceram na sequência? É possível que ao se deparar com essas imagens você tenha pensado na palavra semáforo. Mas, caso se lembrasse da palavra farol, seria possível dizer que se equivocou? Não, pois semáforo e farol têm significados equivalentes, por isso podem ser consideradas sinônimos. Várias palavras poderiam igualmente designar esse objeto em diferentes regiões do Brasil: sinal, sinaleiro, sinaleira. ANOTE
Sinônimos são palavras que apresentam significados equivalentes em determinados contextos. A relação entre dois sinônimos é chamada de sinonímia.
Embora todos os sinônimos citados se refiram a um mesmo objeto, cada termo carrega informações diferentes. A opção por farol, em vez de sinaleiro, pode revelar pistas sobre o falante, como sua origem geográfica ou sua faixa etária. Além disso, um falante pode escolher entre sinônimos para produzir um efeito de sentido específico. Leia o título e subtítulo de uma notícia.
Moradores de bairro em São Luís deixam suas casas após ameaças
Famílias abandonaram as casas por causa da ameaça de traficantes. Moradores pediram apoio da polícia para deixar as casas em segurança. G1 Maranhão, 18 jun. 2015. Disponível em: . Acesso em: 6 abr. 2016.
Deixar e abandonar, embora usadas como sinônimos, carregam informações diferentes: a primeira causa a impressão de que os moradores simplesmente saíram de suas casas, já a segunda reforça a ideia de que os moradores foram coagidos a sair de suas casas. As palavras deixar e abandonar também podem ter sido usadas como sinônimos para evitar repetições.
Capítulo 13 – As palavras e as coisas
Antônimos Considere os pares de palavras grande/pequeno, noite/dia, acelerar/desacelerar. Em todos eles há uma relação de oposição de sentido. Por isso, as palavras de cada par são antônimos. A relação de antonímia entre palavras pressupõe a existência de uma propriedade comum entre os elementos designados que possibilita uma comparação. Por exemplo, grande e pequeno são características relacionadas a coisas que apresentam tamanho. Ao mesmo tempo, a negação do conceito grande não implica, necessariamente, a condição de pequeno. A afirmação “O Fusca não é grande” não indica necessariamente que ele seja pequeno. Comparado a um alfinete, ele é bem grande! O uso de palavras como grande e pequeno para caracterizar pessoas, objetos, sentimentos ou estados é relativo, pois representa uma gradação. Já noite e dia apresentam uma antonímia especial, pois, em um enunciado, a negação de uma implica a afirmação da outra: “não é noite” equivale a “é dia”. ANOTE
Antônimos são palavras que apresentam sentidos opostos ou representam pontos distintos em uma gradação. A relação entre antônimos é chamada de antonímia.
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A pipa é um brinquedo, mas nem todos os brinquedos são pipas. Logo, a palavra pipa é um hipônimo da palavra brinquedo; e o termo brinquedo é um hiperônimo da palavra pipa. Essas relações entre palavras de sentido próximo, em que uma apresenta um sentido mais restrito e a outra um sentido mais abrangente, são denominadas hiponímia e hiperonímia. Observe. hiperônimo (sentido mais abrangente) hipônimos (sentido mais restrito)
pipa
bola
brinquedo
peão
boneca
patinete
EduardHarkonen/iStock/Getty Images
Hipônimos e hiperônimos
carrinho
ANOTE
Hipônimo é a palavra que apresenta um significado aproximado ao de outra, mas com sentido mais restrito. Já o hiperônimo possui sentido mais amplo em relação ao hipônimo. A relação que um hipônimo estabelece com um hiperônimo é chamada de hiponímia. A relação do hiperônimo com o hipônimo denomina-se hiperonímia.
Em um texto, a retomada de hipônimos por meio de hiperônimos é um importante recurso para garantir a articulação entre suas partes. Além disso, a opção por um hipônimo ou por um hiperônimo, ou mesmo a escolha entre dois hiperônimos, pode produzir efeitos de sentido diferentes. Entre as palavras e as coisas do mundo não há pares de correspondência única, ou seja, um termo não está relacionado apenas a um elemento e vice-versa. A escolha de uma palavra revela intenções específicas de um falante e constrói sentidos diversos.
Homônimos e parônimos Algumas palavras são idênticas na grafia e/ou na pronúncia, embora apresentem significados distintos. Esse tipo de relação é chamado de homonímia. Os homônimos perfeitos têm grafia e pronúncia idênticas. Nos enunciados “Leve o resto da pizza” ou “Você escolheu uma mala leve”, a forma verbal leve e o adjetivo leve são homônimos perfeitos. Os homônimos homófonos têm a mesma pronúncia, mas grafia distinta. Por exemplo, em “O concerto durou três horas” e “O conserto ficou perfeito”, os substantivos concerto e conserto são homônimos homófonos, sendo o primeiro referente a uma apresentação musical e o segundo relativo ao reparo de algo quebrado. Os homônimos homógrafos têm grafia idêntica, mas apresentam diferença de pronúncia. Em “Eu almoço sempre ao meio-dia” e “Não chegue tarde para o almoço”, a forma verbal almoço e o substantivo almoço apresentam um som distinto, representado pela mesma letra (o primeiro o). Apesar da semelhança, não é necessário ter conhecimento científico sobre a linguagem para perceber que a forma lexical usada em cada contexto tem um significado diferente. O contexto fornece as pistas para que o interlocutor compreenda o sentido das palavras. ANOTE
Homônimos são palavras que apresentam identidade na pronúncia e/ou em sua grafia, mas significados distintos. A relação entre palavras homônimas é chamada de homonímia.
Quando as palavras apresentam semelhança na pronúncia e na grafia e significados distintos, são chamadas de parônimos. É o caso de pares como infligir (impor, aplicar) e infringir (desobedecer, desrespeitar), ou de retificar (corrigir) e ratificar (confirmar), que têm significados opostos (são, portanto, antônimos também). ANOTE
Parônimos são palavras que apresentam semelhança na pronúncia e na grafia, mas têm significados distintos. A relação lexical entre dois parônimos é chamada de paronímia.
As noções de homonímia e de paronímia – que se estabelecem entre palavras que se relacionam por meio do significante – são particularmente importantes no estudo da ortografia. Não escreva no livro.
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Prática de linguagem 1. Leia o seguinte trecho de uma reportagem.
Cem anos de Nelson Rodrigues: fonte de boas histórias para o cinema brasileiro Marcia Ramalho/Editora Abril
O autor pernambucano é conhecido pela polêmica e genialidade. As histórias criadas por ele foram transportadas para o cinema por vários realizadores no decorrer das décadas. Apesar de sua obra estar intimamente relacionada com as paisagens cariocas, Nelson Rodrigues nasceu em Pernambuco em 23 de agosto de 1912. Ainda na infância, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde seguiu os passos do pai no jornalismo. Escreveu crônicas esportivas, reportagens, contos, romances e peças de teatro. Seus textos inspiraram muitas produções televisivas e mais de 20 longas-metragens. O escritor, jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues. Foto publicada na revista Veja em 1986. [...] Mesmo com a anuência do autor, finado em 1980, os especialistas concordam que toda a genialidade de Nelson Rodrigues não transparece nas adaptações cinematográficas. “Muitas vezes, o autor serviu de inspiração para diretores que buscavam apenas histórias chocantes que atraíssem o público pela curiosidade”, diz a jornalista Ana Acker […]. Fernandes, Edu. Saraiva Conteúdo, 20 out. 2012. Disponível em: . Acesso em: 6 abr. 2016.
a) A princípio, o título da reportagem parece indicar um elogio às adaptações da obra de Nelson Rodrigues feitas para o cinema. Em que parte do trecho fica evidente uma crítica negativa a essas adaptações? b) Qual é o sentido da palavra fonte no contexto da reportagem? Esse sentido é o mais usualmente atribuído ao termo? Explique. c) Considerando sua resposta ao item anterior, que recurso linguístico é possível identificar quanto ao uso da palavra fonte? Em que outras palavras ou expressões do trecho esse recurso está presente? 2. Leia um trecho de notícia sobre uma pesquisa que estudou as transformações do samba. […] Vale lembrar que, a rigor, pagode é sinônimo de samba. “A característica mais marcante do pagode suingado ou pagode pop de hoje é a explicitude das letras. Além disso, o universo temático é bastante reduzido, girando quase que exclusivamente em torno da questão amorosa. O samba tradicional, ao contrário, fazia uma crônica social muito mais ampla, que abordava, por exemplo, assuntos relacionados à problemática social e à religião”, compara Dilzete [da Silva Mota, pesquisadora do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp], que foi orientada pela professora Anna Bentes. Filho, Manuel Alves. Do embalo do samba ao samba embalado. Jornal da Unicamp, Campinas, n. 387, p. 12, 3 a 9 mar. 2008.
a) Qual é o sentido da palavra sinônimo nesse texto? b) Segundo o texto, no uso efetivo da língua, a palavra pagode estabelece uma relação de hiponímia ou de hiperonímia em relação à palavra samba? Que trechos do texto confirmam sua resposta? 206
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3. Leia a tira a seguir. Ziraldo/Acervo do artista
a) A mensagem da tira pode ser interpretada tanto em sentido literal quanto figurado? Justifique sua resposta. b) Na sua opinião, há algum sentido que rente seja mais coe para a compreensão da tira? Explique. Ministério do Meio Ambiente/Governo Federal
Ziraldo. Revista do Menino Maluquinho. 1994.
4. Leia o banner de divulgação ao lado. a) A quem o banner se dirige? Em que elementos do texto você se baseou para responder? b) O slogan do banner, “Saco é um saco”, explora diferentes sentidos associados à palavra saco. Indique-os. c) O banner também faz uso de uma expressão cristalizada na língua, “perder as contas”. Qual é o seu significado? d) O que o produtor do texto busca enfatizar com a frase “A natureza continua contando”?
ação e cidadania
Banner de divulgação de campanha do Ministério do Meio Ambiente para redução do uso de sacolas plásticas, veiculada em 2009.
A decomposição de uma sacolinha comum, de matéria-prima derivada do petróleo, pode levar centenas de anos. O excesso desse material descartado no meio ambiente é causa de graves problemas, como impermeabilização do solo em aterros e lixões, entupimento de bueiros, poluição de rios e mares, além da morte de animais – principalmente nos oceanos. No Brasil, há campanhas locais e nacionais para conscientização da população, apresentando materiais alternativos mais facilmente degradáveis: caixas de papelão, sacolas de TNT e amido, etc. O uso de sacolinhas é apenas uma pequena parte de um grande problema: o destino do lixo. usina literária
Teologia A minhoca cavoca que cavoca. Ouvira falar da grande luz, o Sol. Mas quando põe a cabeça de fora, a Mão a segura e a enfia no anzol.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Antes de ler o poema “Teologia”, levante uma hipótese sobre a sua temática com base no título do texto. Anote-a no caderno. Em seguida, leia o poema e faça as atividades.
Paes, José Paulo. Socráticas: poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 87.
1. A hipótese levantada anteriormente a respeito da temática do poema se confirmou? Que recurso o autor utilizou para causar um efeito de surpresa no leitor? 2. O sentido conotativo das palavras Sol, Mão e anzol amplia a interpretação do poema? 3. O leitor precisa ter conhecimento sobre determinados contextos para atribuir sentido ao poema. Quais são esses contextos? Que conhecimento relativo a eles é necessário?
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Língua viva
As referências que o sujeito cria na língua
Leia a letra de uma canção do álbum Contrasenso, de Paulinho Moska. (A partir da vigência do atual acordo ortográfico, a palavra contrassenso passou a ser grafada com o dígrafo ss.)
A seta e o alvo
Eu ando num labirinto E você numa estrada em linha reta Te chamo pra festa Mas você só quer atingir sua meta Sua meta É a seta no alvo Mas o alvo, na certa, não te espera
Era a seta no alvo Mas o alvo, na certa, não te espera Eu grito por liberdade Você deixa a porta se fechar Eu quero saber a verdade E você se preocupa em não se machucar Eu corro todos os riscos Você diz que não tem mais vontade Eu me ofereço inteiro E você se satisfaz com metade
Eu olho pro infinito E você de óculos escuros Eu digo: “te amo” E você só acredita quando eu juro
É a meta de uma seta no alvo Mas o alvo, na certa, não te espera Então me diz qual é a graça De já saber o fim da estrada Quando se parte rumo ao nada?
Eu lanço minha alma no espaço Você pisa os pés na terra Eu experimento o futuro E você só lamenta não ser o que era E o que era?
Sempre a meta de uma seta no alvo Mas o alvo, na certa, não te espera Então me diz qual é a graça De já saber o fim da estrada Quando se parte rumo ao nada?
Pedro Hamdan/ID/BR
Eu falo de amor à vida Você, de medo da morte Eu falo da força do acaso E você, de azar ou sorte
Moska, Paulinho; Romero, Nilo. Intérprete: Paulinho Moska. In: Contrasenso. Rio de Janeiro: Sony Music, 1997. 1 CD. Faixa 1.
Sobre o texto 1. Podemos dizer que a canção “A seta e o alvo”, de Paulinho Moska e Nilo Romero, contrapõe duas formas de viver. Explique com suas palavras em que consistem essas formas. 2. O eu lírico ilustra essas maneiras de viver por meio das atitudes das duas personagens. a) Registre no caderno dois versos em que atitudes opostas são descritas de forma literal. b) Agora, copie no caderno um par de versos que, também retratando atitudes opostas, solicita uma interpretação com base no sentido conotativo da linguagem. c) Escreva as atitudes descritas no item b usando a linguagem denotativa. 3. Releia. Sua meta É a seta no alvo Mas o alvo, na certa, não te espera Nesses versos, o eu lírico sintetiza o principal argumento para afirmar que uma dessas formas de viver é mais acertada do que a outra. Que argumento é esse? 4. Em certa medida, a última estrofe da canção apresenta uma contradição. Explique por quê. 5. Ao contrapor duas visões de mundo a partir das atitudes de duas personagens, os compositores da canção optaram por usar as palavras eu e você. a) É possível determinar quem são as personagens retratadas na canção? O que se pode afirmar sobre elas? b) Em que medida o efeito expressivo da canção está relacionado ao uso dessas palavras? 208
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2009 King Features Syndicate/Ipress
6. Agora leia esta tira, que apresenta um diálogo entre as personagens Hamlet e Hérnia.
Browne, Chris. Hagar, o Horrível.
a) No primeiro quadrinho, por que o comentário de Hamlet produz humor? b) Que informação seria necessária para saber em que mês do ano Hamlet presenteou Hérnia? Explique. c) A quem se referem as palavras você e eu no primeiro quadrinho da tira? Em que você baseou sua resposta? d) Podemos dizer que o comentário de Hérnia no segundo quadrinho quebra a expectativa do leitor. Por que isso acontece? e) O que Hérnia quis dizer ao afirmar “aquilo foi lá – isso é agora!”? f) A que cada uma das palavras abaixo se refere no contexto da tira?
7. Se as palavras eu e você têm referentes distintos na música de Paulinho Moska e na tira acima, como somos capazes de identificar cada referente? 8. Que estratégia você utilizou para identificar os referentes das palavras isso, aquilo, lá e agora na tira? 9. A palavra lá, em geral, indica uma referência espacial. Qual é o sentido presente na fala de Hérnia? Esse uso dificulta a compreensão do que ela diz? Explique sua resposta. ANOTE
Os dêiticos (derivado de deixis, do grego antigo, que significa “ação de mostrar”) são palavras que possibilitam aos interlocutores situar o que foi dito no tempo, no espaço e em relação aos sujeitos que participam da enunciação. Em um diálogo em que uma das pessoas diz: “Traga-me aquela bacia”, o demonstrativo aquela é um dêitico que indica uma bacia presente no lugar onde estão os interlocutores, localizando-a espacialmente. texto em construção Os dêiticos conferem agilidade à língua. No entanto, os elementos dêiticos só são compreendidos adequadamente se relacionados às situações em que são utilizados. Os gêneros de caráter literário contêm vários dêiticos e apresentam referentes diversos, o que exige do leitor a habilidade de acompanhar a narrativa, associando os enunciados às situações a que remetem. 1. Leia o conto de humor na parte de Produção de texto, capítulo 18 (p. 272 e 273). O enunciado “Estou furioso!” se repete no conto, mas seu referente muda a cada uso. Quais são os outros elementos dêiticos utilizados no conto para identificar as personagens? Eles mudam ou são os mesmos? 2. Em quais outros gêneros a presença dos dêiticos torna-se fundamental para a localização dos referentes?
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Repertório
Hamlet Hamlet é o título de uma peça teatral escrita pelo dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616), na qual o protagonista tenta vingar a morte do pai. Em seu percurso, frequentemente Hamlet tem dúvidas existenciais e filosóficas. Na tira acima, pode-se perceber que a personagem Hamlet ocupa-se com questões nada semelhantes às do Hamlet shakespeariano. Ao dar esse nome à personagem, o criador da tira estabelece uma relação intertextual com o texto clássico de Shakespeare, gerando humor. Rodrigo Marcondes/Folhapress
aquilo lá isso agora
Vagner Moura interpreta Hamlet, na montagem brasileira encenada no teatro da Fundação Armando Álvares Pentendo (FAAP), na cidade de São Paulo (SP). Foto de 2016.
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Em dia com a escrita
Os parônimos
Os parônimos podem causar dificuldades aos usuários de uma língua, tanto na fala quanto na escrita, e gerar problemas de compreensão. Um exemplo disso são as palavras ratificar e retificar, que têm apenas um som diferente (/a/ e /e/): ratificar significa confirmar; retificar tem o sentido oposto, de corrigir, voltar atrás. Veja a seguir alguns pares de parônimos e seu significado. Parônimos
absolver
inocentar, liberar de penalidade
absorver
incorporar, consumir
comprimento
extensão de um objeto de uma extremidade a outra
cumprimento
gesto de cortesia; realização de algo
deferir
conceder, atender
diferir
ser diferente; adiar
descrição
conjunto de características de algo
discrição
qualidade de quem não chama a atenção
descriminar
isentar de culpa, absolver
discriminar
listar especificando; tratar mal alguém em razão de alguma característica pessoal
despercebido
que não foi notado
desapercebido
desprevenido
discente
aluno, relativo àquele que estuda
docente
professor, relativo àquele que ensina
dispensa
permissão
despensa
cômodo ou móvel para armazenar alimentos
emergir
subir à superfície, vir à tona
imergir
afundar, mergulhar
emigrante
quem deixa seu país
imigrante
quem chega a um país novo
eminente
importante, distinto
iminente
que está prestes a acontecer
fuzil
tipo de arma de fogo
fusível
dispositivo que garante a segurança de uma instalação elétrica
infligir
aplicar pena; causar, provocar
infringir
violar, desrespeitar
saldar
liquidar uma dívida
saudar
fazer uma saudação
soar
produzir som
suar
produzir suor
a) Um sino de bronze tocou no Parque Comemorativo da Paz, em Nagasaki. b) Crise mundial não pega Brasil desprevenido. c) Motorista que desobeder faixa de pedestres vai levar multa. d) História pessoal de escritor McEwan vem a público e revela irmão. e) Papa saúda multidão na Praça de São Pedro antes de missa inaugural. f) As atitudes do réu foram absolvidas no julgamento. g) O mais respeitado especialista em Bernini fala da última obra-prima do artista. h) Juiz surpreende ao atender reivindicação de sindicato.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
1. Reescreva os títulos das notícias a seguir, substituindo as expressões destacadas por um dos termos acima, preservando o sentido das orações. Faça as modificações necessárias.
2. Reescreva as orações a seguir, substituindo as palavras destacadas por expressões de sentido equivalente. Se necessário, modifique a estrutura da frase para garantir a clareza. a) Unesp reabre inscrições de Concurso para Docente em Registro. b) Relacionamento amoroso no trabalho requer discrição. c) Prefeitura salda dívida de precatórios trabalhistas. d) O Brasil está na iminência de ficar livre da aids? e) Convidado passa despercebido na festa de Osasco. f) Protesto contra discriminação toma o centro de Budapeste. g) Aprenda a organizar sua despensa como um minimercado. 210
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O sábio se achava muito esperto e queria mudar o mundo. [...] um dia, deitado na relva, o sábio viu um bando de gaivotas voando sobre ele, enquanto um boi passava vagarosamente pelo pasto. Pensou com seus botões: “Outro equívoco, outra injustiça! Bois e vacas, que são tão úteis, se arrastam pelas estradas lentamente enquanto pássaros, tão ágeis e inúteis, voam livres pelo céu!”. Nesse exato momento, alguma coisa lhe caiu sobre a cabeça. Ele passou a mão e descobriu que era titica de passarinho. Então, olhou pra cima e disse: — Retifico. Já pensou se boi voasse? Ziraldo. Novas anedotinhas do Bichinho da Maçã. São Paulo: Melhoramentos, 2006. p. 41.
a) O efeito de humor produzido pela piada pressupõe o conhecimento de uma palavra que frequentemente é confundida com um parônimo. Diga que palavra é essa e explique como se produz o humor na piada. b) Indique um trecho da piada que esteja em desacordo com a norma-padrão. c) É possível dizer que há inadequação linguística nesse trecho? Justifique.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
3. Leia a piada a seguir.
4. Leia o texto a seguir, retirado de um site de notícias jurídicas.
Empresa é condenada a recontratar portador do HIV demitido por descriminação O TST (Tribunal Superior do Trabalho) condenou uma empresa a reintegrar empregado portador do vírus HIV, por concluir que sua dispensa se dera em virtude de discriminação social. A Seção Especializada em Dissídios Individuais do tribunal manteve, nesta quinta-feira (4/12), a decisão da 1a Turma e condenou a PMSPV Empreendimentos e Participações a recontratar empregado portador do vírus HIV. [...] Jusbrasil, 4 dez. 2008. Disponível em: . Acesso em: 6 abr. 2016.
Observe o uso das palavras descriminação (no título) e discriminação (no corpo do texto). Qual dos dois parônimos veicula o sentido pretendido pelo autor da notícia? Justifique. Panda Books/Arquivo da editora
5. Observe a fotografia a seguir e leia o texto que a acompanha para responder às atividades.
O motor da minha lancha É de polpa de caju Faz dez milhas com um litro E jamais não deu chabu Serve polpa de acerola De pitanga ou de umbu. Camargo, José Eduardo; Soares, L. O Brasil das placas. São Paulo: Panda Books, 2007. p. 102-103.
a) O que, possivelmente, se pretendia divulgar com a placa? b) Em que se baseia o humor do texto que acompanha a fotografia? c) Considerando o contexto da placa, você diria que a palavra polpa foi usada adequadamente nesse caso? Explique. ANOTE
Trocar um parônimo por outro pode comprometer o sentido do que se quer dizer. Em caso de dúvida, consulte um dicionário.
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capítulo
14 o que você vai estudar As figuras de linguagem e seus princípios de construção. • Som e sentido.
A linguagem opaca No capítulo anterior, você viu que há sentidos mais frequentes e menos frequentes associados aos enunciados, mas a fronteira entre eles nem sempre é clara. O sentido figurado está relacionado à natureza polissêmica da linguagem. Neste capítulo, você estudará as figuras de linguagem, uma forma particular de polissemia na linguagem.
Figuras de linguagem A seguir, Manoel de Barros compara o ofício do poeta e o do arqueólogo.
• Estruturação sintática. • Aspecto semântico. • Signo e referente. Fronteiras entre linguagem poética e linguagem jornalística.
Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. No começo achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar osso por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterrados por séculos naquele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. […] Comecei a fazer isso sentado em minha escrivaninha. Passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, trancado, a escovar palavras. Logo a turma perguntou: o que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto? Eu respondi a eles, meio entressonhado, que eu estava escovando palavras. Eles acharam que eu não batia bem. Então eu joguei a escova fora.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Barros, Manoel de. Memórias inventadas: as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Planeta, 2010. p. 15.
Lembre-se
Para Jakobson, nos textos que buscam causar estranhamento no leitor, por meio de um trabalho especial com a linguagem, predomina a função poética.
1. No texto, Manoel de Barros compara os ossos às palavras. Explique essa relação. 2. Qual é a relação entre o ofício do poeta e o ato de “escovar palavras”? 3. Como a última frase do texto pode ser interpretada? Para falar sobre sua relação com o fazer poético, o narrador aproxima palavras com sentidos aparentemente incompatíveis. Não parece possível realizar o ato de “escovar palavras”, já que elas são signos. Essa imagem revela o mecanismo de construção da mais conhecida das figuras de linguagem, a metáfora, construída por meio da identificação de semelhanças entre coisas aparentemente diferentes. Os estudos sobre o sentido figurado organizaram as múltiplas relações entre significantes e significados nas figuras de linguagem e esclareceram que tipo de lógica rege essas relações. Embora os resultados dessa organização sejam variados, em geral mostram um traço comum a todas as figuras: a opacidade. Opaco é antônimo de transparente. Uma das tendências das figuras é se deixar perceber predominantemente como linguagem. Quanto mais se aproxima do sentido denotativo, menos a linguagem é percebida, porque se torna “automatizada”. As figuras, por associar sentidos inusitados aos enunciados, exigem uma atenção nova para a construção de sentido. Nesse momento, a linguagem é lembrada e se torna densa, espessa (opaca). Outra tendência é o fato de o sentido figurado, ao mesmo tempo, revelar a materialidade da linguagem (sua sonoridade, musicalidade) e a capacidade do ser humano de, a partir dessa materialidade, construir imagens – e assim recuperar, na sua imaginação, a existência real das coisas. Daí as manifestações do sentido figurado serem chamadas de figuras de linguagem. ANOTE
Figuras de linguagem são recursos linguísticos que exploram o som, o sentido e a estrutura da língua, bem como suas relações com as coisas do mundo, para criar sentidos novos e expressivos.
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Princípios de construção das figuras de linguagem Conheça os quatro princípios de construção responsáveis pelo efeito expressivo das figuras de linguagem e alguns exemplos de figuras encontradas em textos literários e não literários.
Relações entre som e sentido As figuras que exploram relações de som e sentido baseiam-se no princípio de que sons semelhantes correspondem a sentidos semelhantes. Segundo estudiosos, embora esse princípio não tenha base científica, estaria presente de forma implícita na consciência dos falantes. As figuras mais comuns baseadas nesse princípio são a aliteração e a assonância.
Assonância e aliteração Leia em voz alta o trecho do soneto e o provérbio a seguir.
De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. […]
Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Domínio público.
Moraes, Vinicius de. Livro Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. p. 307.
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Soneto de fidelidade
Em ambos os textos, nota-se a repetição de determinados sons. No soneto, predominam os fonemas das vogais nasais /ã/ e / ˜e/. No provérbio, o fonema /ƒ/ é recorrente. A figura que se constrói pela repetição de vogais se chama assonância; a que se constrói pela repetição de consoantes se chama aliteração. Essas figuras costumam ser exploradas com frequência em canções e poemas, pois conferem sonoridade e musicalidade aos versos. No soneto acima, a repetição das vogais nasais cria um ritmo pausado, sugerindo um clima romântico, de fidelidade e galanteio. Já no provérbio, a repetição do fonema contribui para reforçar o sentido da frase e para que sua memorização ocorra mais facilmente.
Relações sintáticas As figuras que exploram as relações sintáticas dos enunciados baseiam-se no princípio de que a mudança na ordenação típica das palavras ou orações pode produzir novos efeitos de sentido. Conheça três figuras construídas a partir desse princípio: a anáfora, o assíndeto e o polissíndeto.
Anáfora porque eu te olhava e você era o meu cinema, a minha Scarlet O’Hara, a minha Excalibur, a minha Salambô, a minha Nastassia Filípovna, a minha Brigitte Bardot, o meu Tadzio, a minha Anne, a minha Lou Salomé, a minha Lorraine, a minha Ceci, a minha Odete Grecy, a minha Capitu, a minha Cabocla, a minha Pagu, a minha Barbarella, a minha Honey Moon, o meu amuleto de Ogum, a minha Honey Baby, a minha Rosemary, a minha Merlin Monroe, o meu Rodolfo Valentino, a minha Emanuelle, o meu Bambi, a minha Lília Brick, a minha Poliana, a minha Gilda, a minha Julieta, e eu dizia a você do meu amor e você ria, suspirava e ria.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Leia o poema em prosa a seguir, do poeta, músico e compositor Arnaldo Antunes.
Antunes, Arnaldo. Psia. 4. ed. São Paulo: Iluminuras, 2001.
À medida que o eu lírico se declara para o ser amado, temos a impressão de sermos transportados para uma sala de cinema. Esse efeito é obtido pela repetição de referências a filmes e personagens. É a sequência de expressões que se iniciam com o meu…/ a minha… que produz a anáfora. A repetição de palavras ou expressões reforça a declaração de amor do eu lírico e cria um efeito de coesão, ao mesmo tempo que o tema é desenvolvido. Não escreva no livro.
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Assíndeto e polissíndeto Leia trechos de um poema e de uma crônica. Segue o teu destino, Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra De árvores alheias. […]
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[…] É apenas um sino, mas é de ouro. De tarde seu som vai voando em ondas mansas sobre as matas e os cerrados, e as veredas de buritis, e a melancolia do chapadão, e chega ao distante e deserto carrascal, e avança em ondas mansas […]. E a cada um daqueles homens pobres ele dá cada dia sua ração de alegria. Braga, Rubem. O sino de ouro. In: A borboleta amarela. 7. ed. Rio de Janeiro: Record, 1984. p. 51.
Pessoa, Fernando. Poema de Ricardo Reis. Obra poética: volume único. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. p. 270.
No poema, o eu lírico indica ao interlocutor o que lhe parece essencial na vida, recomendando que descarte o supérfluo, “a sombra de árvores alheias”, já que a realidade não nos atende em nossos desejos mais íntimos. Essa busca pelo essencial é reforçada pela justaposição de orações sem palavras que as conectem (conjunções), criando o assíndeto. Na crônica, o narrador descreve a alegria que um sino espalha aos homens pobres do sertão de Goiás. A repetição da conjunção e, ao mesmo tempo que dá ritmo ao texto, sugere o movimento do sino. É o uso repetitivo de uma conjunção que cria o polissíndeto.
Relações semânticas Algumas figuras de linguagem exploram diferentes relações de sentido entre palavras ou entre uma palavra e seu significado. Conheça seis figuras que se apoiam nesse princípio: comparação, metáfora, metonímia, prosopopeia, antítese e paradoxo.
Vocabulário de apoio
carrascal: vegetação típica de regiões áridas vereda: região da caatinga com abundância de vegetação e de água
Comparação e metáfora Leia o fragmento de um poema de Mario Quintana. Veridiana Scarpelli/ID/BR
Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão. […] Quintana, Mario. Os poemas. In: Esconderijos do tempo. São Paulo: Globo, 2005. p. 27.
Capítulo 14 – A linguagem opaca
Ao chamar os poemas de pássaros, o eu lírico aproxima esses elementos tão distintos por meio de uma característica comum. Ela não é explicitada, o que obriga o leitor a reconstruí-la.
poemas • são escritos em versos • estão em livros • se o livro está fechado, já foram lidos ou ainda o serão
possível característica comum Os poemas lidos podem voar, como os pássaros, na imaginação do leitor.
pássaros • são aves voadoras • às vezes são aprisionados em gaiolas ou alçapões
A metáfora, portanto, equipara dois elementos a partir de uma relação de semelhança, sem que essa característica comum seja explicitada. Um elemento se funde ao outro, um sentido associado a um elemento é deslocado para o outro. Os poemas, aqui, não são como pássaros; eles são pássaros. Se houvesse sido explicitada a semelhança, por meio das conjunções como ou tal qual, teria sido construída uma comparação. É o que ocorre nos dois últimos versos: os poemas alçam voo dos livros, como os pássaros alçam voo de um alçapão.
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Veja ao lado a capa de um livro lançado em 2012. A palavra número, no título do livro, faz referência ao número de um aparelho celular: a protagonista da história perde seu telefone celular, que é encontrado por outra personagem, com quem passa a trocar mensagens para recuperá-lo. A relação entre os elementos equiparados (número = celular) é de contiguidade, que significa proximidade, vizinhança. O número, que identifica o celular, representa esse objeto; em outras palavras, uma parte representa o todo. Assim se constrói a metonímia. Essa relação de proximidade pode se dar de diversas formas. Veja alguns tipos de metonímia. a) Um conteúdo representado por seu continente (aquilo que o contém). Ex.: Aceitou tomar mais um copo [a bebida que estava no copo]. b) Uma obra representada pelo nome de seu autor. Ex.: Gosto de ler [a obra de] Drummond. c) Um elemento concreto representado por um elemento abstrato. Ex.: O amor [Aquele que ama] é cego. d) Um elemento abstrato representado por um elemento concreto. Ex.: Ele age com o coração [de acordo com seus sentimentos].
Record/Arquivo da editora
Metonímia
Capa do livro Fiquei com o seu número, de Sophie Kinsella, 2012.
Prosopopeia MP Publicidade/Hortifruti
Leia o anúncio publicitário a seguir.
Anúncio publicitário de uma rede de lojas que vende frutas, verduras e legumes, divulgado em 2008.
Observe que, além de a fruta ganhar status de celebridade, ela fala – faz uma revelação que cria um efeito de humor no texto. Ao apresentar a fruta dessa forma, o anunciante vale-se da prosopopeia, uma figura que consiste na atribuição de características humanas a animais ou de características animadas a seres inanimados.
Antítese e paradoxo Leia um trecho de poema e um aforismo. Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida, descontente, Repousa lá no Céu eternamente, E viva eu cá na terra sempre triste. […] Camões, Luís de. Lírica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p. 15.
O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive.
saiba mais
Aforismo é uma sentença que explicita em poucas palavras uma reflexão prática ou moral.
Vieira, Padre Antônio. Citado por Carrenho, Carlos; Magno, Rodrigo Diogo (Org.). O livro entre aspas: o que se diz do que se lê. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. p. 16.
A estrofe de Camões contrasta dois pares de versos que opõem o céu e a terra, o mundo espiritual e o mundo físico, o espaço da amada e o espaço do eu lírico. Essas palavras expressam sentidos contrários: Alma/vida; lá/cá; Céu/terra. A contraposição de opostos cria a antítese. No aforismo criado por Padre Antônio Vieira, afirma-se a possibilidade de que os opostos se realizem simultaneamente. Está aí criado o paradoxo. Usando a linguagem figurada, Vieira ressalta o poder dos livros de produzir um impacto profundo na vida de quem os lê. Não escreva no livro.
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Relações entre o signo e seu referente Algumas figuras exploram a possibilidade de o signo intensificar, amenizar ou negar aquilo que representa. Conheça a hipérbole, o eufemismo, a gradação e a ironia.
Hipérbole, eufemismo e gradação
Lembre-se
Referente é o elemento (real ou imaginário) da realidade extralinguística ao qual o signo linguístico remete.
[…] O passar dos anos e o desgaste natural das células cerebrais finalmente deram razão ao comentário feito tantos anos atrás por prima Justina – que, a estas alturas, já tinha embarcado em sua própria viagem para o desconhecido. O coração, que tem razões que a própria razão ignora, concluiu que não havia mais nada para ela fazer por aqui […] […] Parei na varanda. Estava tonto, atordoado, as pernas bambas, o coração parecendo querer sair pela boca. Não me atrevia a ir até o quintal da casa da vizinha, onde eu sabia que Capitu me esperava. Comecei a andar de um lado para outro, feito barata tonta.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Leia os trechos a seguir, retirados da obra Dom Casmurro e os discos voa dores, uma releitura contemporânea do romance de Machado de Assis.
Manfredi, Lúcio. Dom Casmurro e os discos voadores. Machado de Assis. São Paulo: Lua de Papel, 2010. p. 27-30.
[…] Goza, goza da flor da mocidade, Que o tempo trota a toda ligeireza, E imprime em toda a flor sua [pisada.
Oh não aguardes, que a madura [idade Te converta em flor, essa beleza Em terra, em cinza, em pó, em [sombra, em nada.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Nos trechos, há expressões que amenizam ou intensificam aquilo que anunciam. No primeiro, a referência à morte da personagem Justina é amenizada pela expressão “viagem para o desconhecido”, que cria um eufemismo. No segundo, ao afirmar que o coração parecia querer “sair pela boca”, o narrador constrói uma hipérbole, ou seja, um exagero da expressão. Leia o final de um poema feito para Maria, musa de Gregório de Matos.
Matos, Gregório de. In: Amado, James (Ed.). Gregório de Matos: obra poética. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1992. v. 1. p. 507.
Nessas estrofes, o eu lírico reflete sobre a passagem do tempo e a efemeridade da vida diante da morte, enumerando, no último verso, as etapas finais da existência da amada. Assim, cria uma gradação, em que cada elemento intensifica o anterior.
Capítulo 14 – A linguagem opaca
Ironia Leia um trecho da crônica “Natal”, de Rubem Braga. De repente um carro começa a buzinar com força, junto ao meu portão. Talvez seja algum amigo que venha me desejar Feliz Natal ou convidar para ir a algum lugar. Hesito ainda um instante; ninguém pode pensar que eu esteja em casa a esta hora. […] é um caminhão de lixo. […] Bonito presente de Natal! Braga, Rubem. 200 crônicas escolhidas. 17. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 156.
Ao exclamar “bonito presente de Natal!” após perceber a chegada do caminhão de lixo, o narrador produz uma ironia. Sua intenção ao utilizá-la é afirmar exatamente o oposto do enunciado: “que porcaria de presente de Natal!”.
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Prática de linguagem Fernando Gonsales/Acervo do artista
1. Leia a tira a seguir.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea.
a) Que situação da vida humana está representada na tira? Justifique. b) Com que sentido a personagem emprega a palavra metáfora no segundo quadrinho? c) Qual é a relação entre esse sentido e o efeito de humor da tira? 2. Leia o aforismo a seguir. Escrever é um ócio muito trabalhoso. Goethe, Johann Wolfgang. Citado por Carrenho, Carlos; Magno, Rodrigo Diogo (Org.). O livro entre aspas: o que se diz do que se lê. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. p. 87.
a) Explique por que essa afirmação é um paradoxo. b) Por que o aforismo de Goethe produz efeito de humor? c) Goethe era um escritor. A quem ele poderia ter dirigido esse aforismo? Justifique. Peanuts, Charles Schulz. © 1959 Peanuts Worldwide LLC./Dist. by Universal Uclick
3. Leia a tira a seguir.
Schulz, Charles. Charlie Brown.
a) O que pode ter levado Charlie Brown a interpretar o gesto de Linus como um suborno? b) Linus afirma que as flores para a professora são um “investimento”. Explique. c) Relacione a hipérbole e o eufemismo ao uso das palavras suborno e investimento. Justifique sua resposta. 4. Leia um miniconto do livro Os cem menores contos brasileiros do século.
38 Gago sem álibi cospe lapsos para o sr. delegado. Sá, Xico. 38. In: Freire, Marcelino (Org.). Os cem menores contos brasileiros do século. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. p. 100.
a) Qual seria a reação de um gago suspeito que não tivesse um álibi? b) A palavra lapso significa “intervalo”, “erro que se comete falando ou escrevendo” e “ausência, falta”. Em quais desses sentidos ela pode ser entendida no miniconto? Justifique sua resposta. c) O texto apresenta aliterações e assonâncias. Que vogais e consoantes se repetem? Indique a relação entre essas repetições e a temática do miniconto. d) Qual seria a possível relação entre o título do miniconto e seu desenvolvimento? Não escreva no livro.
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Prática de linguagem
© 2016 King Featres Syndicate/Ipress
5. Leia a tira a seguir.
Browne, Chris. Hagar, o Horrível.
a) Descreva, no caderno, o espaço onde Hagar e Eddie Sortudo se encontram. Leve em conta tanto o texto visual quanto o verbal. b) Explique de que modo o texto visual nega o que está sendo dito no texto verbal. c) Qual é a figura de linguagem predominante na tirinha? 6. Os trechos a seguir fazem parte da crônica “Para uma menina com uma flor”. Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, que aliás você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado. […] E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio
da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta mas não concorda porque é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. […] […] E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro. […]
Moraes, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004. p. 790-791.
a) A conjunção e liga repetidamente orações que parecem não se relacionar uma à outra. Que relação existe entre essa aparente falta de conexão e o estado de “enamoramento”? b) A oração “porque você é uma menina com uma flor” se repete no início de cada parágrafo. Que efeito essa repetição produz na crônica? c) Quais são as figuras construídas a partir das repetições tratadas nos itens a e b? d) No segundo parágrafo, o narrador usa a prosopopeia como um possível recurso persuasivo para que a namorada reclame menos de suas atitudes. Explique essa afirmação. usina literária Leia a seguir um poema de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. Passa uma borboleta por diante de mim E pela primeira vez no Universo eu reparo Que as borboletas não têm cor nem movimento, Assim como as flores não têm perfume nem cor. A cor é que tem cor nas asas da borboleta, No movimento da borboleta o movimento é que se move, O perfume é que tem perfume no perfume da flor. A borboleta é apenas borboleta E a flor é apenas flor. Pessoa, Fernando. O guardador de rebanhos. In: Obra poética: em um volume. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. p. 224.
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1. O eu lírico faz uma descoberta. Que descoberta é essa? Explique com suas palavras. 2. Essa descoberta causa admiração no eu lírico? Justifique com um trecho do poema. 3. Pense na matéria-prima dos escritores. Você saberia dizer qual é a borboleta que não tem cor nem movimento? 4. Por que, em certo sentido, o eu lírico produz uma “antimetáfora” nesse poema?
Não escreva no livro.
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Língua viva
O sentido figurado no texto de divulgação científica
Leia a seguir uma notícia, publicada no jornal Folha de S.Paulo, que divulgou uma descoberta no campo da astronomia.
Brasileira descobre “orfanato” de estrelas Uma astrônoma brasileira da Nasa anunciou ontem ter encontrado um conjunto de estrelas “órfãs”, nascidas fora de grandes galáxias. Duilia de Mello, cientista do Centro Goddard de Voos Espaciais, da agência americana, descobriu esses pequenos aglomerados de estrelas jovens na forma de bolhas azuis no espaço sideral. O “orfanato” estelar foi identificado pela brasileira ao cruzar imagens do satélite Galex, que capta luz ultravioleta, e do Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA, que “enxerga” ondas de rádio. “Eu tinha visto as bolhas azuis com o Galex, mas com as imagens de rádio vi que havia mais alguma coisa ali”, disse Mello. A região era uma nuvem de hidrogênio, local onde normalmente se formariam estrelas. Mas era rarefeita demais para ser um berçário viável. Astrônomos russos já tinham olhado para aquela área do espaço na década de 1980, mas com um telescópio menos potente. “Na época, apareciam umas duas ou três estrelas, mas com o [telescópio] Hubble nós pudemos ver que são 2 000”, disse Mello. A descoberta foi anunciada no encontro anual da AAS (Sociedade Astronômica Americana), no Texas. O Hubble foi crucial para a descoberta de Mello, detalhada em estudo a ser publicado na revista The Astronomical Journal. Só com as imagens do telescópio espacial foi possível descobrir as idades das estrelas vistas. Como elas são “jovens” com menos de 30 milhões de anos (daí sua coloração azul), só podem ter sido produzidas ali, e não importadas de galáxias próximas.
Ao lado das imagens da descoberta, os cientistas também apresentaram uma proposta de explicação para o fato de o grupo de estrelas ter nascido “no meio do nada”. Normalmente, a formação estelar ocorre em zonas de alta densidade de gases, e tais regiões só existem dentro das galáxias. As bolhas azuis encontradas por Mello não estão em uma região como essa, mas vivem uma condição especial. Elas estão no meio de duas galáxias próximas, que se deslocam e interagem entre si por meio da força da gravidade, dando origem a fenômenos inusitados. Alguns astrônomos acreditam que as duas galáxias (e mais uma galáxia anã) passaram “de raspão” uma perto da outra há cerca de 200 milhões de anos, num evento em que umas “roubaram” algumas estrelas da borda das outras. A quase-colisão também criou uma zona de turbulência na área de gás rarefeito, possibilitando então que algumas estrelas nascessem em região menos densa. Na fronteira turbulenta, a matéria conseguia se agregar com mais facilidade. Segundo Mello, a existência de estrelas desse tipo pode explicar por que o Universo está “poluído” com nuvens de elementos mais pesados que hidrogênio e hélio (e que fornecem a matéria-prima para a formação de planetas). Esses elementos são produzidos nos núcleos de estrelas velhas e expelidos quando elas morrem. A morte de estrelas dentro de galáxias, porém, não deixa sujeira espalhada, pois ela é contida pela gravidade galáctica.
Garcia, Rafael. Folha de S.Paulo, 9 jan. 2008.
Sobre o texto
Orfanato de estrelas
Berçário [de estrelas]
Estrelas órfãs
Galáxia anã
Estrelas jovens
Roubo de estrelas
Quem? O quê? Onde? Quando? Como?
Veridiana Scarpelli/ID/BR
1. A notícia é um gênero textual que relata fatos relevantes da atualidade, buscando preservar a precisão das informações e garantir a clareza, a concisão e a objetividade. Releia a notícia e, em seguida, copie no caderno o quadro ao lado e preencha-o com informações retiradas do texto. 2. Observe as expressões a seguir, retiradas da notícia.
Por quê? Outras informações
a) Qual foi a principal figura de linguagem empregada pelo autor da notícia? b) O uso dessa figura trouxe vantagens para a elaboração do texto. Quais? Não escreva no livro.
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Língua viva
O sentido figurado no texto de divulgação científica
3. No caderno, crie um esquema para cada uma das expressões apresentadas na atividade 2, procurando evidenciar o deslocamento de sentido que possibilitou a construção de cada figura de linguagem. Siga o exemplo. orfanato: estabelecimento assistencial que abriga e educa órfãos e crianças abandonadas
orfanato de estrelas: local que abriga estrelas que surgiram fora das galáxias
estrelas: corpos celestes que nascem dentro de galáxias
4. Compare os esquemas criados por você com os de seus colegas e avalie os itens a seguir. a) Houve dificuldade ou variação na interpretação dos deslocamentos de sentido propostos nas figuras de linguagem do texto? Em caso positivo, dê exemplos. b) Em geral, as expressões denotativas dos esquemas da atividade 3 são mais extensas ou mais concisas do que as figuras de linguagem? 5. Observe os enunciados a seguir. Duilia de Mello […] descobriu esses pequenos aglomerados de estrelas jovens na forma de bolhas azuis […]. Como elas [as estrelas] são “jovens” com menos de 30 milhões de anos […], só podem ter sido produzidas ali […]. Por que a palavra jovens foi grafada sem aspas no primeiro enunciado e está entre aspas no segundo? 6. No sétimo e no oitavo parágrafos, há duas expressões que estão ligadas a um mesmo referente, embora uma se aproxime mais da linguagem denotativa e a outra, da linguagem conotativa. Localize-as e registre-as no caderno. ANOTE
Existe uma grande afinidade entre o sentido figurado e a literatura. No entanto, não se pode afirmar que as figuras de linguagem estejam restritas ao universo literário. Elas estão presentes no uso cotidiano da linguagem e são comumente utilizadas pelos falantes para produzir e ampliar sentidos, referir novos fenômenos, criar efeitos de humor, de expressividade, de estranhamento, etc. No texto de divulgação científica, as metáforas ajudam a tornar conceitos e fenômenos complexos mais acessíveis ao público leigo (não especializado). texto em construção Utilizar figuras de linguagem em notícias e reportagens pode tornar a informação mais compreensível para o leitor que não é especialista. Quando se trata de um tema de uma área específica, as figuras de linguagem podem ajudar na explicação de teorias sem perder a precisão no relato dos fatos exigida pela linguagem jornalística. Por exemplo, o título da notícia “Cupins camicases”, da atividade 3 (Produção de texto, capítulo 19, p. 282), lança mão de uma figura de linguagem que altera o sentido normalmente atribuído à palavra camicase para facilitar o entendimento do tema abordado. 1. Você sabe o significado de camicase? Se necessário, consulte um dicionário. 2. De acordo com as figuras de linguagem estudadas, que figura foi utilizada no título da notícia “Cupins camicases”? Explique. 3. Agora, procure em artigos publicados em jornais ou revistas expressões figurativas que contribuem para dar sentido ao texto. Procure textos que apresentem temas relacionados à ciência, pois, nesses casos, o uso das figuras de linguagem é mais frequente. Leve os textos para a sala de aula para discutir com os colegas o significado das expressões encontradas.
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Em dia com a escrita
Revisão de acentuação gráfica (I)
Leia as palavras a seguir em voz alta. nenúfar
cabuleté
Observe se você pronunciou a primeira sílaba de pândego com mais intensidade; se enfatizou a segunda sílaba de nenúfar; e se em cabuleté colocou o maior peso na última sílaba. Em caso positivo, você incorporou o princípio básico da acentuação gráfica na ortografia da língua portuguesa: marcar a tonicidade das palavras. Uma das funções dessa acentuação é possibilitar ao falante que pronuncie adequadamente palavras que ele ainda não conhece. Outra é diferenciar palavras com tonicidade distinta, mas cuja grafia, sem o acento gráfico, seria igual. Na convenção ortográfica da língua portuguesa, o critério utilizado para definir que palavras devem ou não ser acentuadas foi o da economia, ou seja, palavras cuja pronúncia foge do padrão da maioria são acentuadas. 1. Agrupe as palavras abaixo de acordo com sua tonicidade. Use a tabela como modelo. gasômetro parabéns guaraná selvagem pacote parâmetro ninguém sacis cabelos
tatus biquíni prótese hábito epígrafe lágrima néctar década imagens
pavê lápis líquido jiló cortador gentil círculo beco loja
abacaxi manhã camelôs álbuns durex fórum
ênfase ética tórax íon cáctus comuns
Proparoxítonas
picolés ágil bíceps órfão ímã Paroxítonas
antes algum neon peão cólica
Veridiana Scarpelli/ID/BR
pândego
Oxítonas
2. Observe a coluna das proparoxítonas. O que a quantidade de palavras desse tipo indica quanto ao comportamento tônico padrão das palavras da língua portuguesa? 3. Reagrupe as paroxítonas e as oxítonas em acentuadas e não acentuadas. 4. Organize as oxítonas e as paroxítonas em duplas com a mesma terminação (cada dupla deve ter uma palavra oxítona e outra paroxítona). Observe se alguma palavra ficou sozinha. 5. Observe as duplas formadas na atividade anterior. O que você conclui a respeito da acentuação de oxítonas e paroxítonas? 6. Analise os resultados obtidos nas atividades anteriores e preencha a tabela a seguir. São acentuadas
Proparoxítonas
Paroxítonas
Oxítonas
Sempre Quando terminadas em a(s), e(s), o(s) Quando terminadas em em(ns) (duas ou mais sílabas) Quando terminadas em ã(s), ão(s), i(s) Quando terminadas em um, uns, us, l, n, r, x, ps
7. Leia as palavras abaixo em voz alta.
ímã/órfão
camelôs/jiló
picolés/pavê
a) O til (~) marca a sílaba tônica nas palavras ímã e órfão? Justifique. b) Que diferença de pronúncia os acentos circunflexo (^) e agudo (´) representam nas palavras camelôs e jiló? E nas palavras picolés e pavê? ANOTE
Os acentos gráficos agudo (´) e circunflexo (^) só aparecem na sílaba tônica das palavras. O sinal til (~) sobre as vogais a e o indica nasalidade e não é um acento gráfico.
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Articulando
O acordo ortográfico
Leia a seguir dois textos que discutem aspectos positivos e negativos do acordo ortográfico assinado entre os países falantes do português. O texto 1 é um trecho de uma entrevista concedida pelo linguista Marcos Bagno ao Jornal Opção, de Goiás. No texto 2, quem se pronuncia é a lexicógrafa portuguesa Ana Salgado. Texto 1
[…] Como fica a questão do acordo ortográfico entre os países de língua portuguesa? Eu prefiro falar sobre “desacordo ortográfico”. Essa questão foi muito interessante para mostrar justamente as posições dominantes em Portugal. Foi um processo catalisador que trouxe à superfície toda a questão da ideologia linguística vigente na cultura dos portugueses. Para os portugueses, no acordo, seria preciso alterar 1% do vocabulário da língua; para nós brasileiros, apenas 0,5%. […] Os portugueses dizem que vão abrasileirar a língua […] e se opõem ao acordo ortográfico. Também acho que esse acordo é um grande problema. A melhor solução teria sido as duas formas de escrita valerem igualmente. […] Por exemplo, em Portugal, quando escrevemos determinadas letras que consideramos mudas, isso no português europeu significa que a vogal é aberta. Quando escrevemos “diretor”, nós pronunciamos “diretor”; os portugueses escrevem “director” e falam “dirétor”, se o e é aberto, aquele c tem de estar ali. A fonética portuguesa é extremamente complicada. […] A grafia para os portugueses ainda traz muitas indicações de pronúncia. Então, quando algumas coisas desaparecem com a reforma, para eles isso se torna mais complicado. De todo modo, é uma questão que está aí para ser resolvida ou não. […] Mas Portugal está cedendo mais e o Brasil cedendo menos nesse acordo? Eu quis dizer que, segundo as novas regras ortográficas, só meio por cento das palavras escritas no português brasileiro vai sofrer alteração; em Portugal, vai ser 1%. Essa que é a diferença. Para os portugueses, a diferença fonética é considerável. Não é mais fácil para os brasileiros fazerem concessões? Não se trata de fazer concessões. Diante das palavras que já existem e estão grafadas na língua, são pouquíssimas as mudanças, se nós aplicarmos o acordo. Nós, que trabalhamos com editoras, por exemplo, quando temos de relançar um livro que foi lançado antes do
acordo, temos de passar o texto para o novo acordo. Tirar o acento de “idéia”, retirar o trema. É tão pouco que as regras do novo acordo cabem em uma página […]. Mas isso não é exclusivo do nosso acordo ortográfico. Eu traduzi, recentemente, um livro de Florian Coulmas, um sociolinguista alemão muito famoso, que se chama “Escrita e Sociedade”, lançado pela [editora] Parábola no final do ano passado. O livro tem um capítulo só sobre reformas ortográficas. Ele trata do alemão, do francês e do inglês, mas parece que está falando do Brasil, pois é a mesma coisa. Na Alemanha, eles resolveram fazer uma minúscula, uma ínfima reforma na ortografia. Foi o que bastou para que os jornais se enchessem de cartas de leitores, criaram-se associações em defesa da língua alemã. A questão da língua faz parte da nossa identidade; a escrita também, pois é um aprendizado demorado, doloroso, leva muito tempo até dominá-la. Então, com qualquer tipo de mudança as pessoas se sentem feridas intimamente. “Ah, vamos tirar o trema de lingüística” — eu mesmo acho horrível escrever linguística, sem trema. Já estava habituado, acho tão bonitinho (risos). E para nós que ensinamos tem uma coisa que precisa ficar claríssima: o importante é a política educacional de um país, o sistema de escrita pouco interessa. Por exemplo, não existe ortografia mais caótica no universo do que a da língua inglesa; no entanto, os países que têm o inglês como a língua materna oficial têm taxa de analfabetismo de 0,000001%. Se você chegar à Austrália, à Nova Zelândia, ao Canadá, ao Reino Unido, não vai ver analfabeto. E a língua que se escreve é aquela maluquice. A mesma coisa no francês. O espanhol, que tem a escrita e a fala muito próxima, quase ideal. Em Cuba tem 100% de gente alfabetizada em espanhol; na Guatemala, são 40% de analfabetos. População de tamanhos semelhantes e a mesma língua. Qual a diferença? Política educacional. […] No francês se coloca um acento circunflexo para dizer que no século 12 tinha um s depois da letra. “Île” [“ilha”, em francês] tem um acento que não serve para nada e todo mundo lá sabe ler e escrever bem. […]
Vocabulário de apoio
caótico: confuso, desordenado concessão: ato de ceder direito a outrem
O português brasileiro precisa ser reconhecido como uma nova língua. E isso é uma decisão política. Jornal Opção, ed. 2084, 14 a 20 jun. 2015. Disponível em: . Acesso em: 7 abr. 2016.
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O Novo Acordo Ortográfico: Ambrósio, reveja-me os textos! O novo Acordo Ortográfico é uma realidade e está gradualmente a ser introduzido em vários setores. De nada nos vale entrar em dramatismos. […] O acordo ortográfico para unificar a ortografia da língua portuguesa nos países lusófonos já se encontra em vigor, na ordem jurídica interna, desde o dia 13 de maio de 2009 […]. A ortografia da língua portuguesa passa a ter uma norma única em todo o espaço lusófono, mas isso significará uma escrita igual para todos? Pois bem, a unificação da ortografia não se traduz numa escrita única: as diferenças ortográficas da tradição lexicográfica entre a norma do português europeu e do português do Brasil (“connosco” e “conosco”) e as divergências no interior dos próprios países ou comunidades (“fino - imperial, café - bica”) irão permanecer, uma vez que o texto oficial não faz referência a estes casos. Os portugueses discutem o “TGV”, “apanham o autocarro”, vão ao “talho” e comem “beringelas”; os brasileiros discutiriam o “trem-bala”, “pegam o ônibus”, vão ao “açougue” e comem “berinjelas” [...]. Também a diferença de pronúncia de alguns vocábulos nas duas normas, ou mesmo no interior de uma delas, origina numerosos casos de grafias duplas: nós, portugueses, passaremos a escrever “excecional” sem “p”, mas os brasileiros continuarão a grafar esta consoante. Apenas a forma como escrevemos certas palavras é alterada. A presente reforma não interfere noutros planos da língua (orais e gramaticais). Resta contudo dizer que se as diferenças ortográficas não são totalmente eliminadas, um dos objetivos deste acordo é alcançado, na medida em que se observa uma redução das diferenças ortográficas que existiam entre as duas normas oficiais da língua portuguesa. Os olhos do leitor, habituados à ortografia vigente até agora, irão estranhar certamente as novas grafias. Garanto-lhe, estimado leitor, que tudo não passará de uma questão de hábito. Quer tenhamos ou não simpatia por esta reforma em particular, a verdade é que regras são regras, e não temos alternativa possível a não ser conhecê-las e aplicá-las. Há que atualizar a escrita!
A resistência à mudança não é de agora. O tema da ortografia da língua portuguesa foi sempre um assunto controverso e, de certa forma, apaixonado. […] Desde a primeira grande reforma ortográfica de 1911, a língua portuguesa tem sido objeto de vários (des)acordos, numa tentativa de criação de uma norma ortográfica única para os países de expressão portuguesa. De uma dessas tentativas resultou o Acordo Ortográfico de 1945, ou mais propriamente a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, não ratificada pelo Brasil e que, salvo pequenas alterações em 1973, originou as Bases Analíticas do Acordo de 1945, documento que tem ditado até agora a forma correta de grafarmos as palavras. Uma outra tentativa foi o projeto de 1986, que tendo provocado uma conhecida e acesa discussão nacional por ser demasiado drástico (propunha a supressão geral dos acentos nas palavras esdrúxulas e graves), acabou por ser rejeitado. O acordo ortográfico que está hoje na agenda mediática foi assinado em 1990 por representantes de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e, posteriormente, por Timor-Leste, contando ainda com a adesão da delegação de observadores da Galiza. Ao longo destes anos, houve ainda a celebração de dois protocolos modificativos, o último dos quais estipulava que o Acordo poderia entrar em vigor quando três países o ratificassem. […] O novo Acordo Ortográfico visa reforçar o papel e o prestígio da língua portuguesa enquanto língua de comunicação internacional e garantir uma maior harmonização ortográfica entre os vários países cuja língua oficial é o português. Tendo como referência a base lexical da Porto Editora, num universo de 200 000 unidades, 8 710 são afetadas pelo acordo, isto é, a percentagem de palavras cuja ortografia é alterada não ultrapassa os 2%. […] O que é verdadeiramente do interesse do prezado leitor e o que importa agora é conhecer as novas regras ortográficas e saber o que de facto sofre alteração. […]
Salgado, Ana. Revista Me, Porto, Portugal, p. 72-75, 9 jun. 2015.
DEBATE
1. Em grupos de até cinco pessoas, identifique e registre no caderno os argumentos favoráveis e os argumentos contrários ao acordo ortográfico apresentados nos dois textos. 2. Com seu grupo, avalie a força de cada argumento favorável ou contrário, numerando-os no caderno por ordem de importância. 3. Discuta com seu grupo qual é a opinião da maioria em relação a esses argumentos. 4. Após chegar a uma conclusão sobre a opinião que predominou no grupo, é hora de ampliar o debate. Cada grupo deverá expor suas considerações aos demais, defendendo um ponto de vista sobre o acordo. 5. Após a exposição, os grupos devem dirigir perguntas aos que defenderam pontos de vista contrários ao seu. O debate será mediado pelo professor.
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Adriana Alves/ID/BR
Texto 2
Vocabulário de apoio
adesão: manifestação de apoio, aprovação bica: café expresso (Portugal) drástico: radical esdrúxulo: estranho, esquisito fino: tipo de cerveja servida em copo fino (Porto, Portugal), essa bebida é denominada imperial em Lisboa.
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A língua tem dessas coisas Palavras que vêm de longe O Carnaval é tão importante no Brasil que chega a nos fazer pensar que é uma festa brasileira, que só poderia ter sido inventada por nosso povo. Mas se engana quem pensa assim. Festejos semelhantes ao nosso Carnaval ocorrem em países tão distintos quanto a Alemanha, a França, os Estados Unidos e a Espanha, ainda que o Carnaval brasileiro seja o mais famoso do mundo. Da mesma forma, poderíamos imaginar que a palavra folia, com a qual os brasileiros tanto se identificam, não teria nascido em outra língua que não o português. Pois saiba que não só essa, mas também outras palavras “tipicamente brasileiras” têm origem em outros idiomas e culturas das quais, por vezes, pouco ou nada sabemos. É o que conta o estudioso Márcio Bueno. Leia a seguir as explicações desse autor sobre a origem das palavras folia, pagode e xote.
Xote
Entre outros significados, o termo designa farra, brincadeira ruidosa, festa, carnaval de clube ou de rua. A origem é o termo folie, do francês, língua em que significa “loucura”. E, de fato, as festas, especialmente de carnaval, são frequentemente associadas a loucuras. Nas transmissões de carnaval, os repórteres constroem frases muito curiosas, considerando-se a origem da palavra: “A folia na praça Castro Alves está uma verdadeira loucura”.
Pagode
Antiga dança de salão, cujos passos são semelhantes aos da polca. Quem disser que o xote deve ser uma dança nossa, possivelmente nordestina, vamos dizer assim, meio parecida com o xaxado, vai ter que dobrar – ou enrolar – a língua. “Xote” vem do alemão schottisch. O termo significa “escocês” ou “escocesa” e é uma redução de “polca escocesa”. Enquanto o nome em português tem duas vogais e duas consoantes, em alemão tem igualmente duas vogais, mas são necessárias oito letras para representar as consoantes. Não é pouca coisa.
Certo gênero de samba, ou reunião informal onde se cantam e tocam ritmos populares, especialmente o samba. De onde viria o termo? Sua procedência seria o grego, o latim, línguas africanas, o sânscrito ou gírias das escolas de samba cariocas? A resposta certa é seguramente a menos provável. O termo vem do sânscrito, antiga língua clássica da Índia. O termo original, bhagavati, designava os templos consagrados ao culto de Buda e, mais tarde, as festas que eram realizadas nesses locais. A palavra sofreu adaptações em línguas do sul da Índia (pagôdi e pagˇodi) e depois disso chegou à língua portuguesa como pagode. Por intermédio da forma assumida na língua portuguesa, o termo chegou a várias línguas europeias – em inglês e espanhol, por exemplo, foi adaptado para pagoda, ainda com os significados originais. Na língua portuguesa, especialmente no português brasileiro, viria a incorporar vários outros sentidos, incluindo o de um gênero de samba.
Templo Bhagavati em Kathmandu, Nepal. Foto de 2005.
Indiapicture/imago/Fotoarena
Folia
Bueno, Márcio. A origem curiosa das palavras. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. p. 108, 239 e 245.
Em grupos, a turma disputará o jogo “Origem curiosa das palavras”. Leia as instruções. 1. Os grupos criarão, para cada uma das palavras a seguir, um texto plausível (ou seja, no qual as pessoas possam acreditar) que explique sua origem. a) amarelinha b) banana-nanica c) brechó d) cavanhaque 2. O texto sobre a origem de cada palavra deve ser redigido em uma folha de papel avulsa, assinada com o nome dos membros do grupo. Os grupos não devem saber as versões criadas pelos demais. 3. O professor receberá as folhas de cada grupo e reunirá as histórias relativas a cada palavra. Então, lerá todas as versões sobre a origem de uma mesma palavra para a turma, fora da ordem recebida e sem revelar quem são os autores. No meio delas, lerá também a história verdadeira, sem revelar que não se trata de uma das versões criadas pelos grupos. 4. Cada grupo deve votar na versão que considera verdadeira. Se um grupo votar na versão de outro grupo, os autores ganham um ponto. Quem identificar a história verdadeira ganha três pontos. 224
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Vestibular e Enem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
(Fuvest-SP) Texto para a questão 1. Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia – o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia. Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua. Rio, João do. A alma encantadora das ruas.
1. Em “nas cidades, nas aldeias, nos povoados” (linha 3), “Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia” (linha 6) e “levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis” (linhas 6 e 7), ocorrem, respectivamente, os seguintes recursos expressivos: a) eufemismo, antítese, metonímia. d) gradação, inversão, antítese. b) hipérbole, gradação, eufemismo. e) metonímia, hipérbole, metáfora. c) metáfora, hipérbole, inversão. (Insper-SP) Textos para a questão 2. A metáfora é uma concentração semântica. No eixo da extensão, ela despreza uma série de traços e leva em conta apenas alguns traços comuns a dois significados que coexistem. Com isso, dá concretude a uma ideia abstrata […], aumentando a intensidade do sentido. Poder-se-ia dizer que o sentido torna-se mais tônico. Ao dar ao sentido tonicidade, a metáfora tem um valor argumentativo muito forte. O que estabelece uma compatibilidade entre os dois sentidos é uma similaridade, ou seja, a existência de traços comuns a ambos. A metáfora é, pois, o tropo em que se estabelece uma compatibilidade predicativa por similaridade, restringindo a extensão sêmica dos elementos coexistentes e aumentando sua tonicidade.
Fernando Gonsales/Acervo do artista
Fiorin, José Luiz. Disponível em: .
Gonsales, Fernando. Folha de S.Paulo, 7 mar. 2011.
2. A frase do último quadrinho mostra que o personagem que a proferiu reconhece que não foi bem‑sucedido ao tentar criar uma metáfora. De acordo com os conceitos apresentados no texto que precede a tirinha, isso ocorreu porque, em sua tentativa: a) não houve “traços comuns a dois significados que coexistem”. b) não houve uma comparação subentendida para dar “concretude a uma ideia abstrata”. c) a “similaridade” proposta contém, na verdade, antagonismos. d) o “valor argumentativo muito forte” tornou-se grosseiro. e) houve “compatibilidade entre os dois sentidos”, mas ela foi depreciativa. 3. (UFRN) Constata-se uso de personificação no seguinte fragmento do Livro de poemas de Jorge Fernandes: a) “O dia acorda bochecha água fina em cima das árvores Que ficam pesadas e contentes…” b) “E as cobras e os tejus, toda versidade de bichos Se estorce correndo das locas” 225
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Vestibular e Enem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
c) “O mistério sombrio dos sítios cheios de cajueiros Carregados de cajus todos virgulados de castanhas” d) “Té-téu — canela fina — Vive para despertar todos os bichos do campo…” 4. (Unicentro-PR) No fragmento “Esses brasileiros se sentirão como a geração de 1968, que ainda cultiva as lembranças das heroicas passeatas contra a ditadura, como os manifestantes de 1984, que se emocionam com as imagens dos comícios das Diretas-já, e como os caras-pintadas de 1992, que decretaram o fim de um governo corrupto”, as três ocorrências do termo “como” marcam a presença do recurso de linguagem: a) ironia. d) metáfora. b) metonímia. e) comparação. c) exemplificação. 5. (Fuvest-SP)
O autoclismo da retrete RIO DE JANEIRO – Em 1973, fui trabalhar numa revista brasileira editada em Lisboa. Logo no primeiro dia, tive uma amostra das deliciosas diferenças que nos separavam, a nós e aos portugueses, em matéria de língua. Houve um problema no banheiro da redação e eu disse à secretária: “Isabel, por favor, chame o bombeiro para consertar a descarga da privada”. Isabel franziu a testa e só entendeu as quatro primeiras palavras. Pelo visto, eu estava lhe pedindo que chamasse a Banda do Corpo de Bombeiros para dar um concerto particular de marchas e dobrados na redação. Por sorte, um colega brasileiro, em Lisboa havia algum tempo e já escolado nos meandros da língua, traduziu o recado: “Isabel, chame o canalizador para reparar o autoclismo da retrete”. E só então o belo rosto de Isabel se iluminou. Castro, Ruy. Folha de S.Paulo.
a) Em São Paulo, entende-se por “encanador” o que no Rio de Janeiro se entende por “bombeiro” e, em Lisboa, por “canalizador”. Isto permitiria afirmar que, em algum desses lugares, ocorre um uso equivocado da língua portuguesa? Justifique sua resposta. b) Uma reforma que viesse a uniformizar a ortografia da língua portuguesa em todos os países que a utilizam evitaria o problema de comunicação ocorrido entre o jornalista e a secretária. Você concorda com essa afirmação? Justifique. (Unifesp) Texto para a questão 6.
Chove chuva, chove sem parar O óbvio, o esperado. Nos últimos dias, o comentário que teimou e bateu ponto em qualquer canto de Curitiba, principalmente nos botecos, foi um só: — Mas que chuvarada, né? De olho no nível das águas do pequeno riacho que passa junto à mansão da Vila Piroquinha, Natureza Morta procurou o lado bom de tanta chuva ininterrupta. Concluiu que, pelo excesso de uso, dispositivo sempre operante, o tempo fez a alegria do pessoal que conserta limpador de para-brisa. Desse pessoal e, nem tanto, de quem vende guarda-chuva. Afinal, do jeito que a coisa andava, agravada pelo frio, a freguesia – de maneira compulsória – praticamente desapareceu das ruas. Gazeta do Povo, 2 ago. 2011.
6. As expressões no texto utilizadas como equivalentes são: a) óbvio e comentário (ambas no 1o parágrafo). b) teimou e bateu ponto (ambas no 1o parágrafo). c) sem parar (no título) e ininterrupta (no 3o parágrafo). d) chuvarada (no 2o parágrafo) e águas (no 3o parágrafo). e) pelo excesso de uso e de maneira compulsória (ambas no 4o parágrafo). 226
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unidade
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Linguagem e materialidade A imagem abaixo mostra duas esculturas. Analisando-as, nota-se que representam dois cães e foram construídas com brinquedos e outros objetos do cotidiano. Ao reorganizar esses objetos, o artista criou uma nova unidade de sentido. A linguagem verbal também possibilita esse tipo de análise. O texto é uma unidade de sentido que se constrói em determinada situação comunicativa. As palavras que o constituem, se decompostas, revelam unidades de sentido (morfemas) que, por sua vez, podem ser decompostas em unidades menores (fonemas). A língua é, assim, formada por diferentes grupos de elementos que se relacionam.
15
A língua no microscópio
16 De
onde vêm as palavras?
17
As tramas da língua
Bradford, Robert. Spencer, 2012. Esculturas feitas com objetos do cotidiano e brinquedos. Peter Macdiarmid/Getty Images
Mas um texto não é a mera soma dos elementos que o compõem. Assim como acontece entre a obra de arte e o espectador, na linguagem verbal os sentidos dos textos são produzidos nas interações entre os falantes.
Nesta unidade
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capítulo
15 o que você vai estudar Fonema e letra. • Vogal, consoante e semivogal.
A língua no microscópio Neste capítulo, a língua será examinada como se estivesse sob a lente de um microscópio, com o objetivo de investigar os diferentes comportamentos dos sons da fala, a maneira como eles se relacionam com as letras e como esses elementos se agrupam em segmentos maiores que, combinados, compõem as palavras.
Fonema e letra
• Encontros vocálicos e consonantais.
Leia, a seguir, uma notícia publicada no site de uma instituição de Ensino Superior. Em seguida, responda às questões.
• Dígrafos vocálicos e consonantais.
Projeto Bibliotroca estimula a leitura com troca de livros
• Divisão silábica.
A biblioteca do Campus Itabaiana deu início nesta semana ao projeto Bibliotroca. A iniciativa consiste na doação de um exemplar de literatura que poderá ser trocado por exemplares doados por outros usuários. “O projeto visa a diversificação do acervo de literatura através de doações, e o estímulo ao envolvimento pela leitura e à atitude colaborativa”, diz Jeane Gomes, Bibliotecária do Campus. A dinâmica do projeto é simples. Os livros ficarão disponíveis no carrinho da biblioteca e o empréstimo e a devolução dos exemplares serão feitos sem necessidade de registro no sistema. As únicas exigências são que o exemplar doado esteja bem conservado, sem páginas rasgadas ou riscadas, e que o doador menor de idade tenha autorização dos responsáveis para a entrega da obra.
Morfemas: radical, desinência, prefixo, sufixo, vogal temática. • Elementos mórficos: vogal e consoante de ligação. Como som e forma se articulam para produzir sentido.
Instituto Federal de Sergipe, 25 mar. 2015. Disponível em: . Acesso em: 7 abr. 2016.
1. Bibliotroca é uma palavra que não existe no dicionário. Qual é o sentido dessa palavra no texto? 2. Qual efeito o uso dessa palavra, não dicionarizada, provoca em quem lê o nome do projeto? Ao nomear um projeto que propicia a troca de livros de literatura entre os usuários de uma biblioteca, usou-se uma palavra nova – bibliotroca. Veja quais e quantos elementos distinguem a palavra bibliotroca de biblioteca:
biblioteca
Se trocarmos o e por r + o…
bibliotroca
… formamos uma palavra diferente.
Chamam-se fonemas as unidades sonoras que, por contraste, criam distinções de significado entre palavras, como ocorre com biblioteca e bibliotroca. Nas escritas alfabéticas, os fonemas são representados graficamente por letras. A Fonologia é a área que estuda como os fonemas diferenciam os sentidos entre as palavras de uma língua. Já a Fonética estuda como os fonemas podem ser “produzidos” fisicamente de formas diversas (originando, por exemplo, os sotaques de uma língua). ANOTE
Fonema é uma unidade sonora que, em relação de oposição com outros fonemas, estabelece diferença de significado entre as palavras de uma língua. Letra é a representação gráfica dos fonemas nos sistemas de escrita alfabéticos. 228
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Vogais, consoantes e semivogais As vogais são fonemas pronunciados sem nenhuma interrupção do fluxo de ar que vem dos pulmões e faz vibrar as pregas vocais. Na língua portuguesa, cada sílaba apresenta, necessariamente, uma única vogal, acompanhada ou não de outros fonemas. Observe os exemplos. único
[´u-ni-ku] para vogais
[´pa-ra] aeroporto
[a-e-ro-´por-tu]
vogais
vogais
As consoantes se formam quando o ar vindo dos pulmões encontra algum obstáculo ao passar pela boca. Na língua portuguesa, não há sílabas formadas apenas por fonemas consonantais. Veja as mesmas palavras, agora com destaque nas consoantes. único
[´u-ni-ku] para
[´pa-ra] aeroporto
consoantes
[a-e-ro-´por-tu]
consoantes
consoantes
saiba mais
As transcrições fonológica (representação gráfica dos fonemas) e fonética (representação gráfica do modo como os sons da fala são articulados) fazem uso de um sistema internacional de símbolos. Na transcrição fonológica, os fonemas costumam ser grafados isoladamente e vêm destacados entre barras oblíquas //. Já na transcrição fonética, os sons da fala são representados entre colchetes [ ]. A sílaba mais forte da palavra é precedida de um acento (´) ou apóstrofo (’).
As semivogais também são pronunciadas sem obstáculos ao fluxo de ar dos pulmões. No entanto, na articulação dos fonemas, as semivogais apresentam som mais fraco que o das vogais. Uma semivogal sozinha não constitui uma sílaba, necessitando para isso acompanhar uma vogal. Os fonemas /i/ e /u/, além de serem vogais, funcionam como semivogais. Nesses casos, são transcritos foneticamente como [j] e [w]. Observe. Fonema
Função de vogal
Função de semivogal
/i/
sino é [´si-nu]
papai é [pa-´paj]
/u/
fúnebre é [´fu-ni-bri]
catatau é [ka-ta-´taw]
Encontros vocálicos e consonantais
DLILLC/Corbis/Fotoarena
Os encontros entre vogais e destas com semivogais em uma mesma palavra são chamados de encontros vocálicos. Eles são classificados em hiato, ditongo e tritongo. Encontros vocálicos Classificação hiato
Definição
Exemplo país é [pa-´is] saída é [sa-´i-da]
Duas vogais seguidas em sílabas diferentes.
ditongo
Uma vogal e uma semivogal na mesma sílaba.
patrão é [pa-´trãw] rei é [Rej]
tritongo
Uma vogal entre duas semivogais na mesma sílaba.
iguais é [i-´gwajs] quão é [´kwãw]
Na palavra patrão há também um encontro consonantal (/patrãw/). Nesse tipo de encontro, as consoantes podem estar em uma mesma sílaba ou em sílabas sequenciais. Encontros consonantais Na mesma sílaba
Em sílabas sequenciais
blecaute é [ble-´kaw-ti] criança é [kri-´ã-sa]
apto é [´ap-tu] advogado é [ad-vo-´ga-du]
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Os chimpanzés possuem as mesmas áreas neurológicas que, nos seres humanos, são responsáveis pela fala. Segundo pesquisadores, o que impediria esses animais de vocalizar como os humanos seria a posição elevada de sua laringe, em função da curvatura de seu crânio, o que limita a emissão de sons. 229
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Com quantas letras se faz um fonema?
Lembre-se
O princípio das escritas alfabéticas é representar os sons da fala por meio de letras. Segundo esse princípio, cada letra do alfabeto deveria representar um fonema. Embora a língua portuguesa se baseie no princípio da escrita alfabética, ela também segue uma norma ortográfica, e os sistemas ortográficos não apresentam correspondência perfeita entre som e letra. Por exemplo: Representação ortográfica
Representação fonética
Correspondência letra-fonema
casaco
[ka´zaku]
6 letras é 6 fonemas
axila
[a´ksila]
5 letras é 6 fonemas
homem
˜ [´ɔme]
5 letras é 3 fonemas
manta
[´mãta]
5 letras é 4 fonemas
guerra
[´gɛRa]
6 letras é 4 fonemas
Como se vê, o número de fonemas de uma palavra pode ser igual, maior ou menor que o número de letras. O quadro abaixo descreve algumas possibilidades de correspondência entre fonema e letra na língua portuguesa. Observe que um mesmo fonema pode ser representado por letras diferentes (caso 1), bem como por mais de uma letra (caso 2). Já uma letra pode representar tanto fonemas diferentes (caso 3) como mais de um fonema (caso 4) ou nenhum fonema (caso 5). Relação fonema-letra
Exemplos
Os sistemas pictórico e ideográfico representam significados, conceitos. Por exemplo, o signo para “Sol” seria uma representação icônica do Sol, ou seja, um desenho do Sol. Diferentemente da escrita alfabética, os signos nesses sistemas não representam sons.
Explicação
1. Em palavras diferentes, um mesmo fonema girassol é [ʒira´sɔw] O fonema /ʒ/ pode ser representado pode ser representado por letras diferentes. jiló é [ʒi´lɔ] pelas letras g e j. 2. Em uma palavra, um único fonema pode ser representado por mais de uma letra. 3. Em palavras diferentes, uma mesma letra pode representar fonemas diferentes.
O fonema /∫/ pode ser representado pelas letras ch.
chuva é [´∫uva] asa é [´aza] sapo é [´sapu]
A letra s pode representar os fonemas /z/ e /s/.
táxi é [´taksi] anexo é [a´nɛksu]
4. Em uma palavra, uma única letra pode representar dois fonemas. 5. Em uma palavra, uma letra pode não corresponder a nenhum fonema.
hora é [´ɔra]
A letra x pode representar a sequência dos fonemas /k/ e /s/. A letra h não representa nenhum fonema.
Dígrafos vocálicos e consonantais Não se deve confundir os encontros vocálicos e os encontros consonantais com a representação de um fonema por duas letras, isto é, com o dígrafo, que também pode ser vocálico (duas letras representam uma vogal) ou consonantal (duas letras representam uma consoante). aura
[´awra] etnia
Capítulo 15 – A língua no microscópio
encontro vocálico
[et´nia] antro encontro consonantal
dígrafo vocálico
fenômeno fonológico
[´ãtru] essência
[e´s˜ esja]
dígrafo consonantal
fenômeno gráfico
Separação de sílabas na escrita Por vezes, é necessário separar as sílabas de uma palavra no final da linha. Esse procedimento é chamado translineação. Recorde o que você deve levar em conta ao fazê-lo. Não separar
Exemplos
Separar
ditongos e tritongos
mau, céu U-ru-guai, en-xa-guei
hiatos
dígrafos ch, lh, nh, gu e qu
fi-cha, fi-lha, ba-nho, que-ro
dígrafos rr, ss, sc, sç, xc
encontros consonantais cujo 2o fonema é /l/ ou /r/
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ên-cli-se, a-brir
Exemplos pa-ís, du-e-to car-ro, nas-cer, ex-ce-to o
encontros consonantais cujo 2 fonema é diferente de /l/ e /r/ em sílabas internas
rit-mo, ad-mi-tir
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Prática de linguagem 1. Durante a Segunda Guerra Mundial, o escritor brasileiro Guimarães Rosa trabalhava como diplomata na Alemanha. Leia um trecho de seu diário pessoal. 12 de março de 1941 – 11 e 25’ = A casa estremeceu toda, profundamente! Bombas caíram aqui perto. Ainda estou no quarto. Caíram mais bombas, fragorosamente! 12, 20’ = O tiroteio continua, e as bombas! I-n-i-n-t-e-r-r-u-p-t-o! 12, 25 = Estourou uma granada aqui pertinho da minha casa. Uma granada de Flak. Estremeci na cadeira e, oh ilusão, sugestão!… Cheguei até a sentir um cheiro de pólvora de foguete, por alguns segundos… Engraçado: quando caem bombas perto, a minha casa às vezes treme de sul a norte (sudeste a noroeste?) ou de leste a oeste – isto é: ou da porta do quarto de dormir até o rádio, ou da sacada à Heizmoz? Miné, Elza; Cavalcante, Neuma. Memória da leitura e rememoração da viagem: cartas de João Guimarães Rosa para Aracy de Carvalho Guimarães Rosa. In: Fantini, Marli (Org.). A póetica migrante de Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2008. p. 438.
Vocabulário de apoio
Flak: termo alemão para artilharia antiaérea fragorosamente: de forma estrondosa Heizmoz: calefação (sistema de aquecimento de ambientes fechados)
a) Veja o modo como o autor registrou a palavra ininterrupto. I. Que relação de sentido essa grafia estabelece com o significado da palavra? II. Qual é o efeito expressivo desse recurso gráfico no relato de Guimarães Rosa? b) Observe este trecho do texto: “Estremeci na cadeira e, oh ilusão, sugestão!…”. I. O que chama a atenção na construção desse fragmento? II. O que o uso da palavra oh no relato indica? III. De que outra forma seria possível grafá-la segundo a ortografia da língua portuguesa? c) Leste e oeste designam dois pontos cardeais, e sudeste e noroeste, dois pontos colaterais. I. Como é possível que as palavras leste e oeste tenham o mesmo número de letras, mas diferente número de sílabas? II. Que fonemas sul e leste perderam para compor sudeste? III. Que fonema foi acrescido na junção das duas palavras? Apresente uma hipótese para esse acréscimo. d) Faça a divisão silábica das palavras tiroteio, estourou, foguete, noroeste.
2. Lewis Carroll, autor do livro Alice no país das maravilhas, criou um jogo de palavras cha mado doublets. Veja quatro doublets criados pelo poeta Augusto de Campos. BEM PROSA LONGE sem presa monge som preta monte sol poeta ponte sal POEMA ponto MAL porto PERTO
SIM vim vem nem neo NÃO
Campos, Augusto de. In: Carrol, Lewis. Aventuras de Alice. 3. ed. Trad. e org. Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Summus, 1980. p. 263-264.
a) Considerando o número de letras, o que há em comum entre a primeira e a última palavra de cada doublet? Que relação de sentido há entre essas palavras? b) Quantos e quais elementos do doublet mudam de uma linha para a outra? c) Explique em que consiste o doublet, considerando que entre a primeira e a última linha deve haver o menor número possível de palavras intermediárias. d) Crie doublets com os pares de palavras a seguir. Compare-os com os de seus colegas e veja quem conseguiu criar os doublets com o menor número de palavras intermediárias. (Atenção: os pares de palavras propostos nesta atividade não têm a mesma relação de sentido que os pares dos doublets criados por Augusto de Campos.) SETE – VELA CABE – TUDO
Não escreva no livro.
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TEM – COR SOU – LEI
SETE – VIDA FIM – SÓS
TEM – VOZ MEU – GOL 231
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A língua no microscópio
As unidades mínimas de sentido das palavras O texto a seguir foi publicado na seção Pergunte ao Jones, PHD em tudo, da revista Galileu. Leia-o.
Quais são as chances de eu ser atingido na cabeça por um meteorito no caminho da minha casa para o trabalho?
Veridiana Scarpelli/ID/BR
RE: É menor que ser atingido por um raio, morrer por picada de abelha, cair no poço do elevador ou ganhar na loteria. Um estudo publicado em 1991 pela Universidade de Harvard contabilizava, entre 1790 e 1990, apenas 69 meteoritos que atingiram construções, sendo que 25 deles passaram a poucos metros de alguém. E, apesar de em junho passado um adolescente na Alemanha ter sua mão lambida por um do tamanho de uma bola murcha, desde 1954 não se registrava algo assim. “Pouquíssimos atingem o solo. A maioria é destruída ao entrar na atmosfera”, diz Jorge Ducati, professor de astronomia da UFRGS. Então, da próxima vez que faltar ao trabalho, arranje uma desculpa melhor. Revista Galileu, São Paulo, Globo, p. 30, ago. 2009.
1. A palavra meteorito indica que esse corpo celeste é menor do que um meteoro. De acordo com o texto, qual é o tamanho do meteorito que caiu na Alemanha? 2. Releia esta frase do texto. E, apesar de em junho passado um adolescente na Alemanha ter sua mão lambida por um do tamanho de uma bola murcha, desde 1954 não se registrava algo assim.
O que significa a palavra lambida, nesse contexto? 3. Quais recursos o texto emprega para chamar a atenção do leitor? E para provocar humor?
Capítulo 15 – A língua no microscópio
Os fonemas são as menores unidades sonoras da língua que possibilitam distinguir sentido entre palavras. No entanto, um fonema por si só não possui um sentido próprio. Já a unidade sonora -ito traz uma informação que completa o sentido de uma palavra. Entre meteoro e me teorito, há indício de diferença de tamanho. As mínimas unidades das palavras capazes de veicular um sentido são denominadas morfemas. O morfema -ito, embora apresente um sentido por si só, não se refere a nenhum elemento externo à língua ao qual possa ser associado, e não pode, sozinho, compor uma palavra. Já o morfema astr-, que compõe a palavra astronomia, aponta para um referente que está fora da língua e, a partir dele, são produzidas outras palavras, como astronauta ou astrônomo. Chamamos morfemas como -ito de gramaticais e morfemas como astr- de lexicais. Os morfemas gramaticais ocorrem em número definido e restrito dentro de um idioma e, por isso, são considerados uma “classe fechada”. Já os morfemas lexicais são uma “classe aberta”, por serem a parte da língua que se renova (uma vez que a realidade se modifica constantemente e as formas de nomeá-la também). Uma língua ainda apresenta elementos mórficos, que, embora não carreguem sentido, auxiliam na ligação entre os morfemas para a formação das palavras.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
4. De que forma o redator demonstra para o leitor que as informações do texto são confiáveis?
ANOTE
Morfemas são as menores unidades da língua capazes de veicular sentido. Articulados ou não a outros morfemas, eles constituem as palavras.
Tipos de morfema Os morfemas lexicais também são chamados de radicais. Os morfemas gramaticais recebem diferentes nomes de acordo com a função que exercem. Entre eles temos as desinências, os afixos e as vogais temáticas. Vamos estudar a seguir cada um desses tipos de morfema.
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Radical Os radicais dão origem a palavras que têm a mesma base de significação, constituindo uma família de palavras ou um conjunto de palavras cognatas. Observe os exemplos. arte artista artístico celebrar celebração radical
radical
Desinência
saiba mais
As desinências atribuem a um radical características de gênero, número, tempo, modo e pessoa, em um processo denominado flexão. As palavras seguram, segurava e seguremos, por exemplo, são flexões do mesmo verbo: segurar. As desinências podem ser nominais ou verbais. As desinências nominais indicam a variação de gênero e número dos substantivos, adjetivos e alguns pronomes. O masculino e o singular das palavras nominais não têm desinência. gatas aquele sonhadores radical des. nom. des. nom. de gên. de no (feminino) (plural)
radical
des. nom. de gên. = Ø (masculino)
des. nom. de no = Ø (singular)
radical
des. nom. de gên. = Ø (masculino)
des. nom. de no (plural)
As desinências verbais indicam o tempo, o modo, o número e a pessoa dos verbos. substituiremos radical
des. verbal modo-temporal (fut. do pres. do indicativo)
desinência verbal número-pessoal (1a pessoa do plural)
Em geral, o gênero feminino é indicado pela desinência -a, e o número plural, pela desinência -s. O gênero masculino e o número singular são marcados por “morfemas zero” (morfema Ø), ou seja, é a ausência de desinência que indica que se trata de uma palavra no masculino e/ou no singular.
Afixo Afixos são morfemas que se juntam ao radical para produzir novas palavras, em um processo denominado derivação. Quando o afixo é acrescentado antes do radical, recebe o nome de prefixo; quando é acrescentado depois do radical, recebe o nome de sufixo. Veja os exemplos. exportar revisar bananal dedão prefixo
radical
prefixo radical
radical
sufixo
radical
sufixo
Vogal temática Algumas palavras contam com um elemento que “prepara” o radical para receber desinências. Esse elemento é chamado vogal temática e pode ser nominal ou verbal. A vogal temática nominal une-se a um radical na formação de um substantivo ou adjetivo. As vogais -a, -e, -o exercem essa função, não indicando o gênero masculino ou feminino. pianos dentistas alegre vogal temática nominal
vogal temática nominal
vogal temática nominal
A vogal temática verbal liga o verbo às suas desinências e indica sua conjugação. ligam correm sorriam radical
vogal temática verbal (1a conj.: -ar)
radical
vogal temática verbal (2a conj.: -er)
radical
vogal temática verbal (3a conj.: -ir)
Legenda morfemas: Radical Desinência nominal de gênero Desinência nominal de número Desinência verbal modo-temporal Desinência verbal número-pessoal Prefixo Sufixo Vogal temática nominal Vogal temática verbal
Tipos de elementos mórficos São elementos mórficos as vogais e consoantes de ligação, que ligam o radical ao sufixo para facilitar a pronúncia da palavra derivada. Elas não exercem uma função de significação; por isso, não são consideradas morfemas. Exemplos: o i em bananicultura e o l em chaleira. Não escreva no livro.
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Prática de linguagem 1. Leia a seguir um verbete de um dicionário de termos literários. BIBLIOGRAFIA – Fr. bibliographie, do gr. biblíon, livro, graphía, escrita, gráphein, escrever. Descrição material, sistemática e histórica dos livros; arrolamento alfabético das obras de um autor ou a seu respeito, de uma época, movimento, tendência, etc. Quando acompanhada de julgamento acerca do conteúdo das obras, recebe o nome de bibliografia crítica. E as listas em que se enumeram as classificações sistemáticas dos livros chamam-se bibliografia das bibliografias. À mesma raiz pertencem os vocábulos bibliófilo, apaixonado pelos livros, bibliologia, estudo da nomenclatura usada em bibliografia, ou dos conhecimentos relativos aos livros, bibliomania, paixão pelos livros, biblioteca, coleção de livros ou lugar onde se guardam, bibliofobia, horror aos livros. Moisés, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004. p. 55-56.
a) Explique por que, na primeira linha do verbete, são apresentadas algumas palavras em francês (“Fr.”) e em grego (“gr.”). b) Ao longo do verbete aparecem palavras cognatas em língua portuguesa. Identifique-as. c) Essas palavras foram formadas a partir de um mesmo radical. Que radical é esse? d) Liste outras três palavras com esse mesmo radical. Se necessário, consulte o dicionário. Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Toda Mafalda – Martins Fontes, 1991
2. Leia a seguinte tira da personagem Mafalda.
Quino. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
a) Observe as expectativas de Susanita em relação ao futuro. O que elas revelam? b) Na tira, Susanita usa uma palavra inventada: invejólogo. Identifique o radical e os demais morfemas dessa palavra e explique seu significado. c) Cite três palavras da língua portuguesa que tenham o mesmo sufixo de invejólogo. 3. Leia um trecho de notícia que trata da descoberta de uma nova espécie de abelha.
Nova espécie de abelha é batizada em homenagem a Ronaldinho Um biólogo da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), apaixonado pelo Atlético Mineiro, resolveu fazer sua segunda homenagem ao clube do coração honrando também o novo craque do time. Seu mais recente gol científico é a descoberta da espécie de abelha Eulaema quadragintanovem, ou 49, em latim – tal como a camisa que Ronaldinho veste no time de Belo Horizonte. De futebolística a abelha propriamente dita não tem nada – ela vive longe dos grandes palcos do esporte, no interior do Ceará. […] Segundo Nemésio [autor da pesquisa junto com Rafael Ferrari], a dupla quebrou a cabeça para escolher o nome científico do bichinho porque as formas latinizadas do nome do jogador, ronaldinhoi ou ronaldinhi, soavam muito mal. [...] Lopes, Reinaldo José. Folha Online, 13 set. 2012. Disponível em: . Acesso em: 7 abr. 2016.
a) Qual foi a homenagem que o biólogo prestou a seu clube do coração? b) Pensando no significado de futebolística, o que se entende da afirmação destacada? c) Latinizadas é uma palavra da mesma família de latim. Que outras palavras dessa família poderiam indicar as mudanças de morfema que ocorreram de um termo para o outro? latim
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latinizadas
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4. Lewis Carroll escreveu este poema traduzido por Augusto de Campos. Leia.
Jaguadarte Era briluz. As lesmolisas touvas Roldavam e relviam nos gramilvos. Estavam mimsicais as pintalouvas E os momirratos davam grilvos. Veridiana Scarpelli/ID/BR
“Foge do Jaguadarte, o que não morre! Garra que agarra, bocarra que urra! Foge da ave Felfel, meu filho, e corre Do frumioso Babassura!” […] Um dois! Um, dois! Sua espada mavorta Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante! Cabeça fere, corta e, fera morta, Ei-lo que volta galunfante. “Pois então tu mataste o Jaguadarte! Vem aos meus braços, homenino meu! Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!” Ele se ria jubileu. […] Campos, Augusto de. In: Carroll, Lewis. Aventuras de Alice. 3. ed. Trad. e org. Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Summus, 1980. p. 147.
a) Sobre o que trata o texto? Que pistas você usou para responder? b) A palavra homenino foi criada por Carroll/Campos a partir de duas outras. Identifique quantos e quais radicais compõem essa palavra e diga qual poderia ser o sentido dela no poema. c) Faça o mesmo com as palavras a seguir. roldavam relviam
grilvos galunfante
bravooh bravarte
usina literária Leia este poema, do curitibano Paulo Leminski (1944-1989). isso sim me assombra e deslumbra como é que o som penetra na sombra e a pena sai da penumbra? Leminski, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 285.
1. Que vogais e consoantes se repetem no poema, criando sonoridade? 2. O eu lírico afirma “assombrar-se” e “deslumbrar-se” com dois fatos. a) Metaforicamente, como você entende a ideia de que, no fazer poético, o “som penetra na sombra”? b) A palavra pena pode tanto fazer referência ao objeto usado para escrever quanto à ideia de sofrimento. Como esses dois sentidos se relacionam ao último verso? 3. Você criou uma interpretação para dois versos do poema com base no sentido das palavras som, sombra, pena e penumbra. Que outra interpretação é possível considerando o som e a grafia dessas palavras?
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Assista Alice no País das Maravilhas. Direção de Tim Burton, EUA, 2010, 108 min. Nesta adaptação para o cinema da obra homônima de Lewis Carroll, Alice é uma jovem que, ao seguir um coelho branco apressado, cai em um buraco que a leva ao País das Maravilhas, onde já havia estado antes, embora não se lembrasse. Nesse lugar, ela encontra personagens estranhas e seres fantásticos, como o temível Jaguadarte. Walt Disney Pictures/The Kobal Collection/AFP
briluz lesmolisas
Cena da luta entre Alice e o monstro Jaguadarte no filme de Tim Burton.
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Língua viva
A poesia concreta: jogos de som, forma e significado
O Concretismo foi um movimento cultural da década de 1950 que envolveu a música, as artes plásticas e a literatura. No Brasil, foi instaurado por Décio Pignatari e pelos irmãos Augusto de Campos e Haroldo de Campos. Você vai ler um poema concreto de Décio Pignatari e outro de Augusto de Campos.
Pignatari, Décio. Terra (1956). In: Poesia pois é poesia. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. p. 126.
Augusto de Campos/Acervo do artista
1. Quais são os fonemas vocálicos e consonantais que se repetem ao longo do poema “Terra”? 2. O poema de Pignatari se constrói em torno da repetição de uma palavra. Que palavra é essa? 3. A repetição dessa palavra, com diferentes segmentações, forma outras no poema. a) Identifique as duas palavras inteiras que compõem a primeira linha. b) Faça o mesmo com relação à segunda linha do poema. c) Na sétima linha, identifique um verbo no presente do indicativo que significa “cultivar a terra”. d) Na oitava linha, identifique um adjetivo feminino que significa “em pequeno número”. 4. Observe a disposição dos fonemas no poema atentando para os espaços em branco maiores, entre eles. Como essa disposição se relaciona com o significado da palavra terra? Como ela pode ser interpretada? 5. O verbo aterrar, que no poema aparece flexionado (aterra), tanto significa “cobrir com terra” quanto “encher de terror”. Como esses significados se aplicam ao poema? 6. O que a repetição de fonemas e palavras poderia sugerir em relação à temática tratada no texto de Pignatari? 7. Agora, leia o poema “pluvial/fluvial”, de Augusto de Campos, ao lado. a) Que palavras se repetem nesse poema concreto? b) Que fonemas consonantais diferenciam essas palavras no poema? c) Qual o significado de cada uma dessas palavras? Se necessário, pesquise antes de responder. d) Explique como o poema expressa visualmente a relação de sentido entre essas palavras: I. na forma como as letras foram distribuídas. II. na relação estabelecida entre uma palavra e outra.
Décio Pignatari/Acervo do artista
Sobre os textos
ANOTE
A repetição, a substituição e o rearranjo de fonemas e morfemas são recursos explorados na literatura para a geração de novos sentidos e a produção de um efeito expressivo.
Campos, Augusto de. pluvial/fluvial. In: Viva vaia. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1979.
texto em construção Como foi estudado, a literatura pode ter várias funções. No caso dos poemas concretos abordados nesta seção, além de entreter o leitor, eles o fazem refletir sobre algumas temáticas que poderiam estar presentes em textos de outros gêneros e outras esferas além da literária. Releia-os e, atento aos grupos de gêneros presentes na parte de Produção de texto (Relatar, Expor e Argumentar), responda às perguntas. 1. Qual deles tem uma temática que costuma estar presente em textos do grupo Relatar (unidade 11, p. 279)? 2. Qual deles tem uma temática comumente explorada em textos do grupo Expor (unidade 12, p. 303)? 3. Qual deles tem uma temática que poderia ser tratada em um texto do grupo Argumentar (unidade 13, p. 319)? 236
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Em dia com a escrita
Revisão de acentuação gráfica (II)
Aproveite o estudo sobre fonemas para revisar as regras especiais de acentuação gráfica. 1. Você estudou, na página 229, que os encontros vocálicos são fenômenos fonológicos. Copie as palavras a seguir, separando-as em sílabas, e circule as sequências de letras que representam encontros vocálicos. •• Bocaiuva •• faísca
•• baú •• ciúme
•• açaí •• saída
•• feiura •• cacoete
•• seara •• Sauipe
•• moída
a) Indique se cada sequência de letras que representa um encontro vocálico é um ditongo ou um hiato. b) Em quais palavras a letra que representa a vogal tônica dos hiatos é acentuada? c) Que letras representam a vogal tônica nessas palavras? d) Quais são as palavras em que essas letras não são acentuadas? e) Com relação à tonicidade, qual é a classificação das palavras identificadas no item d? f) O que as palavras identificadas no item d têm de especial, considerando os demais encontros vocálicos observados na atividade? g) As perguntas c, d, e e f indicam as condições para que uma palavra com hiato na sílaba tônica seja acentuada. Redija a regra especial relacionada a esse item. 2. Copie as palavras a seguir e circule as sequências de letras que representam ditongos. •• seu •• chapéu
•• ideia •• ladeira
•• coisa •• heroico
•• pincéis •• dói
•• céu •• joia
•• azaleia
a) Separe as palavras em duas colunas. Na primeira, escreva as palavras cujos ditongos têm vogal tônica com timbre aberto (como nas palavras estreia/caubói). Na segunda, as palavras cujos ditongos têm vogal tônica com timbre fechado (como em areia/boi). b) Separe as palavras com ditongo aberto em monossílabas, oxítonas e paroxítonas. c) Redija a regra especial para acentuação de ditongos, considerando os critérios observados nesta atividade. 3. Observe as palavras a seguir. •• avisá-lo
•• recebê-los
•• incluí-lo
•• decompô-las
•• conduzi-lo
a) Se, nesses exemplos, o segmento anterior ao hífen fosse considerado isoladamente, qual regra geral (estudada na página 221) e especial (estudada nesta seção) explicaria a ocorrência ou não de acento gráfico? b) Redija a regra especial de acentuação de formas verbais com pronomes oblíquos. 4. Leia as orações a seguir. I. Ele não pôde evitar ligar novamente. IV. Ele é a cara da mãe, sem tirar nem pôr. II. Não se pode dizer que ele não foi avisado. V. O amor não tem tamanho. III. Inês já passou por aqui. VI. Aqui os fracos não têm vez. a) Qual é a diferença sonora e semântica entre as palavras destacadas em I e II? b) Com relação às palavras destacadas em III e IV, qual delas é um monossílabo tônico? Qual é a classe gramatical de cada palavra? c) Considerando que as palavras pôde e pôr são as únicas a receber um acento chamado diferencial, redija uma regra explicando seu uso. d) Por que a palavra tem recebe acento em VI e não em V? e) Redija essa regra especial, estendendo-a aos verbos derivados de ter e vir. ANOTE
Além das regras gerais de acentuação relacionadas à tonicidade das palavras, o sistema ortográfico da língua portuguesa apresenta também regras especiais que determinam as condições para o uso de acento gráfico nos encontros vocálicos, nas formas verbais seguidas de pronome oblíquo e na diferenciação de palavras homônimas.
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capítulo
De onde vêm as palavras?
16 o que você vai estudar Como se formam as palavras em nossa língua. • Composição.
A língua, tal como a humanidade, está em constante transformação. Conforme mudam os contextos sociais – as profissões, os objetos, as condições de vida, os sentimentos –, mudam também os modos de o ser humano referir-se aos fenômenos que vivencia, partindo de rearranjos dos elementos da língua. Neste capítulo, você estudará as diferentes maneiras pelas quais a língua se modifica e se renova.
Palavras que se juntam para formar outras: composição
• Derivação. • Outras formas de renovação do léxico.
Leia o texto a seguir, extraído do site de uma revista.
• Contribuições da fala e das línguas estrangeiras.
O sal de fruta, que combate o mal-estar, tem sal e fruta mesmo? Sim, o remédio mistura ácidos extraídos de frutas com uma composição de sais […]. Um dos principais ingredientes do sal de fruta é o ácido anidro, que “está na maioria das frutas, sobretudo em cítricos como o limão e a laranja, sendo responsável pelo sabor ácido e refrescante do produto”, explica Gilberto de Nucci, professor de farmacologia e biomedicina da USP. Melaço de cana e sucos de frutas como tamarindo, abacaxi e uva são as principais matérias-primas. Muita gente, aliás, pensa que o nome Eno, de uma marca de sal de frutas, se deve ao ácido tartárico, presente em uvas e vinhos, na composição. É que o termo “eno” é usado em palavras relacionadas à uva, como enologia (ciência que estuda vinhos). Na verdade, o remédio foi batizado com o nome do inventor, James Crossley Eno. […] Linardi, Fred. Mundo Estranho, jun. 2010. Disponível em: . Acesso em: 8 abr. 2016.
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1. O que pode ter levado o leitor a enviar essa pergunta à revista Mundo Estranho? 2. A palavra enologia apresenta os elementos eno e logia. Que outra palavra do texto contém o elemento logia? Qual é o significado dessa palavra? 3. Liste no caderno outras palavras formadas com o elemento eno significando “vinho”. 4. Que elementos formam as palavras biomedicina e matérias-primas?
Lembre-se
Radical é o elemento básico que expressa o significado da palavra.
A palavra biomedicina tem um elemento em comum com biografia e biodegradável. Matéria-prima tem um elemento em comum com obra-prima e primogênito. Todas essas palavras se formaram pelo processo de composição, junção de dois ou mais radicais resultando na formação de uma nova unidade. Palavras formadas por composição são chamadas de compostas. Palavras que apresentam apenas um radical são chamadas de simples. A percepção de uma palavra como simples ou composta depende do estágio em que se encontra uma língua e do grau de consciência do falante sobre ela. Certas palavras podem ser facilmente reconhecidas como compostas porque o sentido original de seus componentes ainda é evidente, como saca-rolhas, girassol, planalto, aguardente. Contudo, os falantes podem perder a noção da composição relacionada a outras palavras, tais como embora (em + boa + hora), fidalgo (filho + de + algo) ou vinagre (vinho + acre, que significa “azedo”). ANOTE
Composição é a junção de dois ou mais radicais para a formação de uma palavra composta. Palavras com apenas um radical são chamadas de simples.
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Composição por justaposição Os radicais que compõem a palavra para-choque não sofreram alteração fonológica. A forma verbal para e o substantivo choque estão intactos sonoramente. A esse tipo de composição dá-se o nome de justaposição. Veja mais exemplos.
••papel-alumínio ••bate-papo ••saca-rolhas
••benquisto ••passatempo ••paraquedas
Lembre-se
O último acordo ortográfico alterou grande parte das regras para uso do hífen em palavras compostas. Em caso de dúvida, consulte a seção Em dia com a escrita do capítulo 10 (p. 164-165). Acostume-se também a consultar um dicionário em caso de dúvida.
É o critério fonológico, e não o gráfico, que define a justaposição. Em benquisto, por exemplo, o elemento bem sofreu alteração gráfica (a letra m deu lugar à letra n), mas não fonológica (o fonema / ˜e/ não foi alterado). Navegue
Composição por justaposição é o processo de formação de palavras por meio da junção de radicais que se mantêm intactos fonologicamente.
Composição por aglutinação Os radicais que compõem a palavra vinagre – vinho e acre – tiveram sua forma original alterada fonologicamente. A esse tipo de composição dá-se o nome de aglutinação. Note como nem sempre é fácil perceber que se trata de palavras compostas, pela dificuldade na identificação dos radicais. Veja mais exemplos.
••boquiaberto ••lobisomem ••aguardente
CPLP Conheça o site da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Trata-se de um grupo de nove nações “irmanadas por uma herança histórica, pelo idioma comum [o português] e por uma visão compartilhada do desenvolvimento e da democracia”, do qual o Brasil faz parte. Disponível em: . Acesso em: 8 abr. 2016. Disponível em: . Acesso em: 12 jan. 2016.
ANOTE
••pernilongo ••planalto ••petróleo
ANOTE
Composição por aglutinação é o processo de formação de palavras por meio da junção de radicais em que pelo menos um deles sofre alteração fonológica.
Página do site da CPLP.
As palavras podem ser formadas a partir da junção de elementos de línguas distintas, no processo denominado hibridismo. Na língua portuguesa, em geral, as palavras híbridas são resultado da união entre o grego e o latim (por exemplo, bígamo, em que o elemento bi é proveniente do latim e o elemento gamo provém do grego). Mas também há palavras formadas da junção de elementos do grego ou do latim com outras línguas, como burocracia, com os radicais bureau (francês) e cracia (grego). Os hibridismos podem ocorrer, por fim, na junção de radicais de outras línguas com o português, como ocorre em biodança (grego bio e português dança). Muitas palavras de nossa língua são híbridas. É o caso, por exemplo, de automóvel (auto, radical grego, e móvel, radical latino), assim como palavras usadas em contextos mais informais, como fumódromo, bafômetro e chutômetro. ANOTE
Em língua portuguesa, diversas palavras são formadas por morfemas de línguas distintas. Esse processo é denominado hibridismo. Não escreva no livro.
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Uma palavra, fusão de línguas: o hibridismo
saiba mais
O último acordo ortográfico determina que, na separação de palavras com hífen de uma linha para outra, se a divisão coincidir com o final de um dos elementos, o hífen seja repetido no início da linha seguinte. Ex: cavalo-marinho. 239
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Prática de linguagem Garfield, Jim Davis © 1979 Paws, Inc. All Rights Reserved/ Dist. Universal Uclick
1. Leia a tira e responda às questões.
Liniers. Macanudo. Campinas: Zarabatana Books, 2008. n. 1. p. 56.
a) Que palavra da tira se formou a partir do processo de composição? b) Decomponha a palavra de forma a encontrar seus dois radicais. Trata-se de uma composição por aglutinação ou justaposição? Justifique sua resposta. c) O humor da tira surge de um processo intertextual. Explique. 2. No caderno, associe as palavras do quadro a seguir aos seus respectivos significados, apresentados abaixo, fora de ordem. operação-tartaruga outrossim lambe-botas
joão-teimoso barriga-verde borra-botas
Nascido no estado de Santa Catarina. Em outros tempos, antigamente. Torcedor dos times de futebol Palmeiras e Coritiba, ou relativo às cores branca e verde. Pessoa sem importância, desprezível. Da mesma forma, igualmente. Boneco que volta a ficar de pé a cada tentativa de derrubá-lo. Bajulador, quem elogia em excesso. Torcedor do time de futebol Flamengo, ou relativo às cores vermelha e preta. Greve parcial, em que os funcionários exercem suas funções lentamente.
3. Responda às perguntas a seguir, considerando as palavras listadas na atividade anterior. a) Quais dessas palavras você não conhecia? b) Foi possível deduzir o significado delas apenas observando seus radicais? Justifique sua resposta com exemplos. 4. Aracnofobia é o nome de um filme estadunidense dirigido por Frank Marshall e lançado em 1990. Observe a capa do DVD, reproduzida ao lado, e responda às questões a seguir. a) Explique como se formou a palavra aracnofobia. b) Qual pode ser a temática desse filme? Levante uma hipótese com base no significado dos radicais que compõem a palavra aracnofobia. c) Registre no caderno outras cinco palavras formadas a partir da junção de um dos radicais de aracnofobia com outros radicais. Você pode consultar um dicionário, se quiser. 240
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I. II. III. IV. V. VI. VII. VIII. IX.
rubro-negro outrora alviverde
Capa do DVD do filme Aracnofobia (EUA, 1990).
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Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Toda Mafalda – Martins Fontes, 1991
5. Leia a tira a seguir.
Quino. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
a) Qual é o processo de formação da palavra democracia? b) Qual é a reação de Mafalda ao descobrir os componentes e o significado dessa palavra? c) Que elementos não verbais auxiliam o leitor a compreender a duração dessa reação? d) Que crítica está implícita nessa reação ao significado da palavra democracia? 6. Leia o trecho de uma entrevista com o cineasta brasileiro Fernando Meirelles.
Fernando Meirelles: “Quando não sou ecochato, sou biodesagradável” Adriana Spaca/Brazil Photo Press/Folhapress
O cineasta Fernando Meirelles não tem medo de ser chamado de “ecochato” ou “biodesagradável”. Depois de grandes sucessos como Cidade de Deus, Ensaio sobre a cegueira e O Jardineiro fiel, o diretor vem emprestando seu talento a melhorar a comunicação das causas ambientais. Fernando coproduziu o filme A Lei da Água sobre crises hídricas e nascentes florestais. Está ajudando a transmitir a mensagem de urgência no enfrentamento das mudanças climáticas. E assumiu o desafio de comunicar aos brasileiros o valor da biodiversidade e [dos] ambientes naturais. Fernando está escalado para falar sobre comunicação ambiental no VIII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. […] Na entrevista a seguir, Fernando conta como despertou para a ecologia e como vê o O cineasta Fernando Meirelles em encontro sobre políticas desafio de apresentar o tema a um público amplo. culturais. Foto de 2014. […] Época: Você tem medo de ser tachado de ecochato em algum momento por vincular seu prestígio artístico à causa ambiental? Fernando: Quando não sou ecochato, sou biodesagradável. O interesse ou preocupação com o tema já vem com o bullying no pacote. Faz parte. A boa notícia é que isso está mudando rapidamente. O clima era a principal preocupação para 6% dos ingleses em 2008, em 2013 ele já é a maior preocupação para 25%. Os números no Brasil são semelhantes. Na Suíça 36% da população acredita ser este o maior problema do mundo. O aquecimento global é de fato o único tema que consegue reunir líderes do mundo todo como acontecerá novamente em Paris no final deste ano. Não há nenhum outro assunto que mobilize tanto o mundo como um todo. Já não dá mais para ficar dizendo que se preocupar com clima é coisa de chatos. Mansur, Alexandre. Época Online, 13 maio 2015. Disponível em: . Acesso em: 8 abr. 2016.
a) Na entrevista, Meirelles confirma ser caracterizado como ecochato. De acordo com o contexto, o que significa essa palavra? b) Além do termo ecochato, Meirelles utiliza uma outra palavra para caracterizar a si mesmo. Que palavra é essa? c) O processo de formação das duas palavras utilizadas pelo cineasta para caracterizar a si mesmo faz uso de dois radicais gregos. Quais são esses radicais? d) Considerando o contexto, qual é o efeito de sentido provocado pelo uso dessas palavras? e) Nesse trecho da entrevista, Meirelles evidencia que a caracterização ecochato está ultrapassada. Quais informações o cineasta utiliza para comprovar sua afirmação? Não escreva no livro.
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Palavras nascidas de outras palavras: derivação 2009 King Features Syndicate/Ipress
Leia a tira a seguir.
Browne, Chris. Hagar, o Horrível.
1. A tira produz humor a partir de uma situação da vida cotidiana. Qual? 2. A palavra desreclamador se relaciona a outra da tira: reclamar. Que informações os elementos -des e -dor acrescentam ao conceito veiculado pelo radical de reclamar? 3. No contexto da tira, qual é o significado da palavra desreclamador? A palavra desreclamador contribui para o humor do texto por ser um eufemismo: uma palavra que substitui outra de sentido mais forte ou desagradável, atenuando seu significado. Mesmo sem fazer parte do léxico do português, desreclamador tem seu sentido compreendido por qualquer falante da língua, que reconhece nela elementos responsáveis pela formação de muitas outras palavras de uso corrente: o prefixo -des e o sufixo -dor. Assim, temos a pista de outro processo de formação: a derivação. Ela é resultado, em geral, do acréscimo de prefixos e/ou sufixos ao radical de uma palavra e, menos frequentemente, da supressão de morfemas. A palavra formada por meio da derivação é chamada de derivada; a palavra que originou a derivada é chamada de primitiva. ANOTE
A derivação ocorre, em geral, com o acréscimo ou a supressão de prefixos e/ou sufixos a um radical. As palavras formadas a partir da derivação são chamadas derivadas. A palavra (ou radical) que dá origem a uma palavra derivada é chamada primitiva.
Derivação prefixal Algumas palavras se formam a partir do acréscimo de um prefixo ao radical de uma palavra primitiva. Veja exemplos.
••vice-presidente (vice- + presidente) ••antessala (ante- + sala) ••inábil (in- + hábil)
••anti-herói (anti- + herói) ••preconceito (pré- + conceito) ••contrapor (contra- + pôr)
Capítulo 16 – De onde vêm as palavras?
ANOTE
Derivação prefixal é o acréscimo de um prefixo ao radical de uma palavra primitiva.
Derivação sufixal Algumas palavras se formam a partir do acréscimo de um sufixo ao radical de uma palavra primitiva. Veja os exemplos.
••pastelaria (pastel + -aria) ••barrigudo (barrig + -udo) ••sensatez (sensat + -ez)
••rapidamente (rápid + [a] -mente) ••servente (serv + -ente) ••gotejar (got + -ejar)
ANOTE
Derivação sufixal é o acréscimo de um sufixo ao radical de uma palavra primitiva.
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Não escreva no livro.
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Derivação prefixal e sufixal Há palavras derivadas por sufixação que recebem prefixos, e palavras derivadas por prefixação que recebem sufixos. Observe.
••provável (radical prov + sufixo -ável) > improvável (prefixo in- + radical prov + sufixo -ável) ••infeliz (prefixo in- + radical feliz) > infelizmente (prefixo in- + radical feliz + sufixo -mente) Ao analisar uma palavra com essa formação, às vezes é difícil saber qual é a forma original. Veja.
••inalterável (in- + alter + -ável) ••atemporal (a- + tempo + -ral)
••desajustado (des- + ajust + -ado) ••retrocedido (retro- + ced + -ido)
ANOTE
Derivação prefixal e sufixal é o acréscimo de um prefixo e um sufixo a um radical, que também aceitaria apenas o prefixo, ou apenas o sufixo, para a formação de uma nova palavra.
Derivação parassintética Há palavras que resultam do acréscimo simultâneo de prefixo e sufixo a um radical. Nesse caso, a palavra não existiria com o acréscimo de apenas um dos afixos. Observe.
••acompanhar (a- + companh + -ar) ••ensurdecer (en- + surd + -ecer)
••subterrâneo (sub- + terr + -âneo) ••desalmado (des- + alm + -ado)
Pense nas palavras primitivas que originaram essas palavras: companhia, surdo, terra e alma. O acréscimo apenas do prefixo (“acompanhia”, “ensurdo”, “subterra” e “desalma”) ou apenas do sufixo (“companhar”, “surdecer”, “terrâneo” e “almado”) não produziria formas reconhecíveis. ANOTE
Derivação parassintética é o acréscimo simultâneo de um prefixo e um sufixo a um radical que não aceitaria apenas o prefixo ou apenas o sufixo para a formação de uma nova palavra.
Derivação regressiva Certas palavras se formam pela supressão de morfemas da palavra primitiva. Com frequência se trata de substantivos derivados de verbos, como abalo (de abalar). Veja exemplos.
••mergulho (de mergulhar) ••corte (de cortar)
••anseio (de ansiar) ••dúvida (de duvidar)
Nem sempre é possível saber, em palavras como abalo e abalar e lixa e lixar, qual é a primitiva e qual é a derivada. Embora pareçam exemplos de um mesmo processo de formação, abalo é um substantivo deverbal derivado de abalar em derivação regressiva, ao passo que lixar é um verbo derivado de lixa por derivação sufixal. O importante é perceber que as palavras pertencem a uma mesma família, ou seja, estão relacionadas ao mesmo radical. ANOTE
Derivação imprópria A mudança de classe gramatical de uma palavra sem alteração morfológica é chamada derivação imprópria. Trata-se de um fenômeno perceptível apenas na situação de uso da língua, já que não há acréscimo ou supressão de morfemas da palavra primitiva. Por exemplo:
••céu azul (adjetivo)
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Derivação regressiva é a supressão de morfemas de uma palavra primitiva. Substantivo deverbal é o substantivo derivado de um verbo a partir da derivação regressiva.
O azul do céu (substantivo)
ANOTE
Derivação imprópria é a mudança de classe gramatical sem alteração morfológica.
Não escreva no livro.
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Prática de linguagem Fernando Gonsales/Acervo do artista
1. Leia a tira a seguir.
Gonsales, Fernando.
a) A tira produz humor contrapondo as palavras história e pré-história. Explique como. b) Qual foi o processo de formação da palavra pré-história? c) Dê cinco exemplos de palavras da língua portuguesa formadas pelo mesmo processo. 2. Leia o texto a seguir, traduzido de uma reportagem do jornal espanhol El país.
Adultos não conseguem amadurecer e querem continuar sendo crianças Alguns adultos estancaram no caminho para a maturidade, do mesmo modo que encontramos adolescentes que demoram a assumir a independência. Com frequência se veem referências a essas pessoas como afetadas por uma síndrome ou um complexo de Peter Pan. […] Sabel Gabaldón Fraile, psiquiatra do Hospital de Sant Joan de Déu de Barcelona, é definitivo: “Não está tipificada como síndrome. Não é nada mais que um fenômeno social, a dificuldade de crescer”. Gabaldón opina que o “peterpanismo” é apenas uma tentativa de alguns profissionais de buscar artifícios literários. […] Ambrojo, Joan Carles. UOL mídia global, 18 jul. 2008. Disponível em: . Acesso em: 8 abr. 2016.
a) Na reportagem, o que significa peterpanismo? Por que a palavra está entre aspas? b) Além da justaposição das duas palavras que compõem o nome próprio Peter Pan, que outro processo de formação ocorreu para a formação da palavra peterpanismo? c) Crie outras cinco palavras a partir do mesmo processo de formação de peterpanismo, informando o significado de cada uma. Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Toda Mafalda – Martins Fontes, 1991
3. Leia a tira a seguir.
Quino. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
a) O que causa um efeito cômico na reação de Susanita à notícia divulgada no jornal? b) Explique o processo de formação da palavra coitadinho, presente no último quadrinho. c) Por que podemos dizer que o uso dessa palavra reforça o humor presente na tira? 244
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Não escreva no livro.
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4. As palavras a seguir foram formadas por diferentes processos de derivação. Identifique-os. a) desgaste d) endoidecer b) renascimento e) ajuda c) joelheira f) entardecer 5. Leia o texto a seguir, parte de uma crônica publicada na antiga revista O Cruzeiro.
Vocabulário de apoio
Uma tarde, lá pelos tempos de 1937, dava entrada na redação de A Noite um moço de andar marinheiro, meio adernado no vestir, de fala mansa e olhar de relâmpago. O velho Castelar de Carvalho, com suas longas barbas de judeu das Escrituras, disse mais ou menos assim: — Se eu fosse dono desta baiuca (a baiuca era o seu querido jornal) botava esse sujeitinho de 20 anos na balança e pagava o peso dele em ouro. Vale por uma redação inteira e equipada. Olhei para o lado. O sujeitinho que Castelar de Carvalho queria contratar, a poder de barras de ouro do Banco do Brasil, era David Nasser em pessoa, de paletó-saco e jornal na mão. Agora o velho Castelar é uma saudade e o ano de 1937 apenas uma lembrança de calendário. Mas a frase ficou: — Vale por uma redação inteira. David Nasser é o espadachim da palavra. O Cruzeiro, 18 jul. 1964.
adernado: tombado para um lado; diz-se da embarcação permanentemente inclinada para uma das pontas baiuca: biboca, local de péssima categoria paletó-saco: paletó pouco elegante, que não é transpassado na frente
a) O autor do texto revela que Castelar de Carvalho utilizava uma palavra de sentido negativo – baiuca – para se referir de forma afetiva ao lugar onde trabalhava. I. Que passagem do texto comprova que se tratava de um uso afetivo da palavra? II. Localize mais duas passagens do texto em que palavras de sentido geralmente negativo são usadas com tom afetivo. Justifique suas escolhas. b) Nas passagens identificadas por você, uma das palavras foi formada pelo processo de derivação sufixal. Qual? 6. Leia o trecho da letra de uma canção do grupo Los Hermanos.
Pois minha paixão tu não compras mais com teu olhar, Leva esse sorriso falso embora Ou fale agora que entendes meu penar; A lágrima que escorre do meu peito É de direito, pois eu sei que tens um outro alguém; Mas peço pra que, um dia, se pensares em trazer-me seus olhares, Faça porque te convém; […]
Pedro Hamdan/ID/BR
Tira esse azedume do meu peito E com respeito trate minha dor; Se hoje sem você eu sofro tanto, Tens no meu pranto a certeza de um amor; […] Dai-me outro viés de ilusão
Camelo, Marcelo. Azedume. Intérprete: Los Hermanos. In: Los Hermanos. São Paulo: Abril Music, 1999. 1 CD. Faixa 6.
a) A canção retrata o diálogo entre o eu lírico e um interlocutor. I. Que relação parece existir entre eles? II. Qual é o apelo que o eu lírico faz a esse interlocutor? b) O título da música, “Azedume”, é uma palavra derivada. Indique como ela se formou. c) Em um dos versos há uma palavra formada a partir da derivação imprópria. Localize-a e descreva como se deu sua formação. Não escreva no livro.
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De onde vêm as palavras?
Outros processos de renovação do léxico O vocabulário se renova por meio de outros processos além da derivação e da composição.
Onomatopeia Fernando Gonsales/Acervo do artista
Leia a tira e responda às perguntas.
Gonsales, Fernando. Níquel Náusea.
1. Por que, no primeiro quadrinho, o rato diz “Hora do milho!”? 2. A percepção do rato sobre seu engano ajuda a produzir o humor da tira. Como isso ocorre? Pedro Hamdan/ID/BR
Palavras como ronc, bang, zzz, atchim, blá-blá-blá, tique-taque são chamadas de onomatopeias. Em certos contextos, elas têm valor de substantivo. É o que ocorre nos exemplos abaixo.
••Para os eleitores enganados, o discurso do político corrupto não passou de blá-blá-blá. ••À noite, o tique-taque contínuo no teclado do computador ecoava pela casa. Observe o uso de tique-taque na frase “O relógio não parava seu tique-taque”. Note que indica sons diferentes nessa frase e na anterior. Isso mostra que as onomatopeias podem ter diferentes significados, dependendo do contexto e dos grupos de falantes que as utilizam. ANOTE
Onomatopeia é a palavra que busca representar sons ou ruídos.
Siglonimização e abreviação Termos como RG, CPF, Embrafilme e Detran são siglas formadas a partir da letra inicial ou das letras iniciais de um conjunto de palavras. Das siglas também surgem novas palavras, processo chamado de siglonimização. Observe.
••Uspiano: relativo à USP (Universidade de São Paulo) ••Peemedebista: relativo ao PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) ••Petista: relativo ao PT (Partido dos Trabalhadores) ANOTE
Capítulo 16 – De onde vêm as palavras?
Sigla é a palavra formada a partir da(s) letra(s) inicial(is) de outras palavras.
Outro processo comum é a abreviação (ou redução), forma reduzida de uma palavra. Veja alguns exemplos, muitos só usados em situações informais.
••neura – de neurose ••Maraca – de Maracanã
••ex – de ex-namorado(a) ••dindim – de dinheiro
Algumas abreviações acabam disputando ou mesmo tomando o lugar da forma original da palavra na língua. Veja.
••lipo – de lipoaspiração ••pneu – de pneumático
••cinema – de cinematógrafo ••metrô – de metropolitano
ANOTE
Abreviação é a forma reduzida de uma palavra.
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saiba mais
Não confunda abreviação com abreviatura. Abreviatu ra é a redução gráfica de pa lavras à(s) primeira(s) letra(s) acrescida(s) ou não da letra fi nal e seguida de ponto, como p. (página), cód. (código), sr. (senhor). Ligada exclusivamen te à escrita, a abreviatura está submetida a convenções, não admitindo a flexibilidade co mum às abreviações.
Não escreva no livro.
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Empréstimos linguísticos saiba mais
Muitas palavras estrangeiras se incorporaram à comunicação cotidiana.
••shopping, show, living, on-line – de origem inglesa ••tour, vernissage, réveillon – de origem francesa ••quorum, status – de origem latina
Palavras estrangeiras não apor tuguesadas devem ser escritas entre aspas ou em itálico.
Algumas dessas palavras passaram por adaptação fonológica e gráfica e se integraram formalmente ao nosso idioma – foram aportuguesadas.
••açúcar – do árabe as-sukkar ••abajur – do francês abat-jour ••xampu – do inglês shampoo
HIPERTEXTO
ANOTE
Empréstimos são palavras estrangeiras incorporadas à língua. Aqueles que não sofreram aportuguesamento são chamados de estrangeirismos.
Profissões, hábitos e objetos de outras culturas trazem consigo novas palavras. Muitas vezes, isso enriquece o idioma. Em outras, o uso de estrangeirismos reflete um modismo, uma sujeição a outra cultura. Esse limite é sutil.
O uso de empréstimos linguísticos pode ter um efeito expressivo. Veja com que propósito o filósofo Mario Sergio Cortella emprega um termo em inglês na frase “tudo é fast”, no terceiro parágrafo do texto “Nós não nascemos prontos”, para falar sobre um aspecto da sociedade contemporânea (parte de Produção de texto, capítulo 23, p. 310).
Neologismos Neologismo é o nome genérico dado às novas palavras que se formam na língua, ou a novos significados atribuídos a palavras já existentes. Veja. Processos
Exemplos
Composição
agroboy, chocólatra
Derivação
chavismo (modo de governo implementado por Hugo Chávez, falecido presidente da Venezuela), peterpanismo, desreclamador
Abreviação
fone, net
Transformações da escrita da internet
naum, pq, vc, bjo, xau, blz, tc, flw
Palavra-valise — acoplamento de duas palavras com alteração fonológica e gráfica de pelo menos uma delas
fla-flu (jogo de futebol entre Flamengo e Fluminense), portunhol (português + espanhol)
As novas palavras podem, com o tempo, se incorporar ao léxico da língua. Leia
Neologismo é uma nova palavra criada na língua, ou a atribuição de um novo significado a uma palavra já existente.
Gírias e jargões Gírias são neologismos que expressam a identidade cultural do falante.
••Quero ficar sussa. (sossegado)
••O filme era da hora. (ótimo)
O vocabulário técnico ligado a um ramo de atividade é chamado jargão. Entre os jornalistas, por exemplo, usa-se furo, nariz de cera, barriga. Enquanto as gírias são vistas por alguns como “deselegantes”, jargões ligados a profissões de prestígio gozam de status. Percepções sobre a deselegância de determinadas expressões não se devem a fatores linguísticos. O que entra em jogo, nesse caso, é o valor social atribuído aos falantes. ANOTE
Gírias são palavras que expressam a identidade cultural de um grupo. Jargões são o vocabulário técnico de um ramo de atividade. Não escreva no livro.
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Dicionário de porto-alegrês, de Luís Augusto Fisher. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2007. Se você não é de Porto Alegre (RS), provavelmente abichornado, baia e pilchado não significam o que você está imaginando. “Sem graça”, “casa” e “bem-vestido” seriam formas de se referir aos mesmos fenômenos, mas sem o toque porto-alegrense, que Luís Augusto Fisher procurou registrar em seu Dicionário de porto-alegrês, uma obra que mostra como as gírias expressam a identidade de um grupo social.
L&PM/Arquivo da editora
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Capa do livro Dicionário de porto-alegrês.
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Prática de linguagem Garfield, Jim Davis © 1979 Paws, Inc. All Rights Reserved/Dist. Universal Uclick
1. Leia a tira.
Davis, Jim. Garfield de bom humor. São Paulo: L&PM, 2006. p. 27.
a) A tira explora um lugar-comum sobre carteiros e animais de estimação. Explique qual. b) Qual é a origem da palavra gato-fu? Como se explica seu processo de formação? c) Por que é possível dizer que a fala de Garfield, no terceiro quadrinho, é irônica? 2. Leia, a seguir, o trecho introdutório de uma entrevista publicada em um site de notícias.
“Se o agressor é rico, é pitboy; se pobre, é bandido” [O ator] Thiago Martins, 22 anos, tem provocado tanta raiva como o pitboy Vinícius, [da novela] Insensato Coração, que por pouco não apanha na rua. “Umas senhoras me con fundiram com o personagem e quiseram me bater de bengala”, conta. […] O Dia online, 11 jun. 2011. Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2016.
a) O título do texto estabelece uma relação entre o significado das palavras pitboy e bandido. Que relação é essa? b) Explique a formação da palavra pitboy e seu significado. c) Que crítica está contida na frase do ator Thiago Martins, reproduzida no título do texto? 3. Leia, a seguir, o trecho de uma reportagem.
Bastidores da criação conjugam o verbo “deletar” À frente de um computador, escritores preferem apagar os caminhos que os conduziram ao texto final […] a informatização da produção literária deve extinguir em breve as charmosas edições de manuscritos, cartas e toda a sorte de documentos que costumam cercar um escritor que passa para a posteridade. As cartas de Zelda e Scott Fitzgerald, os manuscritos que detalham o processo de criação de Guimarães Rosa até
chegar à perfeição de Grande Sertão: Veredas, a correspondência entre os modernistas de 1922, para citar alguns exemplos, não existiriam hoje, quando quase não se escreve à mão e as conversas são eletronicamente digitadas e apagadas quando a caixa de e-mails fica lotada.
Villalba, Patrícia. O Estado de S. Paulo, 11 jun. 2006.
a) Qual é o sentido, no contexto da reportagem, de “conjugar o verbo deletar”? b) O uso de deletar, derivação sufixal do empréstimo delete (do inglês, originado do radical latino delere), contribui para o efeito expressivo do título da reportagem. Explique. c) O verbo deletar também é usado em contextos não virtuais, em conversas cotidianas in formais. Que sentido ele tem nesses casos? Dê um exemplo. 248
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Calvin & Hobbes, Bill Watterson © 1995 Watterson/ Dist. by Universal Uclick
4. Leia a tira a seguir.
Watterson, Bill. Calvin e Haroldo.
a) O que a babá pode supor a respeito da natureza do jogo calvinbol? Justifique. b) Assim como calvinbol, outras palavras do português ligadas a jogos e esportes nasceram de empréstimos linguísticos do inglês. Cite pelo menos três exemplos. 5. Leia o trecho de uma notícia publicada em um site.
Comercial de Natal emociona e viraliza na internet O comercial de Natal de uma de rede de supermercados da Alemanha emocionou o público e viralizou na internet. Publicado na semana passada, o vídeo já tem mais de 5 milhões de visualizações. A peça conta a história de um idoso que chega em casa após as compras no supermercado e ouve os recados dos filhos, na secretária eletrônica, dizendo que, naquele ano, não poderiam passar a data festiva com o pai. No recado, os filhos prometem estar presentes no próximo ano, mas três anos se passam e ele continua sozinho no Natal. No ano seguinte, os filhos recebem uma correspondência avisando que o pai havia falecido e, só então, eles voltam para casa. No entanto, quando chegam à casa do pai, encontram a mesa organizada e uma ceia posta para todos. No momento, o pai sai pela porta da cozinha e pergunta: “De que outra forma eu conseguiria que estivéssemos todos juntos?”. Então, todos começam a sorrir e se abraçar e, logo depois, a família aparece reunida na mesa de Natal. [...] Marzano, Francelle, 30 nov. 2015. Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2016.
a) No título da notícia há uso do termo viralizar. Como se deu a formação desse neolo gismo e como ele se relaciona com o desenvolvimento do texto? b) A criação de palavras na língua geralmente atende à necessidade de se referir a no vos fenômenos sociais. Justifique essa afirmação com a palavra viralizar. usina literária Leia a seguir um poema do mato-grossense Manoel de Barros.
Agora só espero a despalavra: a palavra nascida para o canto – desde os pássaros. Vocabulário de apoio A palavra sem pronúncia, ágrafa. ágrafa: que não Quero o som que ainda não deu liga. tem registro escrito Quero o som gotejante das violas de cocho. viola de cocho: viola popular com A palavra que tenha um aroma ainda cego. cinco cordas Até antes do murmúrio. Que fosse nem um risco de voz. Que só mostrasse a cintilância dos escuros. A palavra incapaz de ocupar o lugar de uma imagem. O antesmente verbal: a despalavra mesmo. Barros, Manoel de. Retrato do artista quando coisa. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 53.
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1. Por que a despalavra buscada pelo eu lírico parece impossível de se en contrar? 2. Que figuras de linguagem podem ser reconhecidas nos versos 6 e 9? 3. Por qual processo se formou a palavra antesmente? Que significado pode ser atribuído a “antesmente verbal”? 4. Pensando na maneira como nascem as palavras e como elas refletem fenô menos e relações sociais, qual é o sig nificado da despalavra desejada pelo eu lírico?
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Língua viva
Os neologismos e a língua que não para de mudar
O texto a seguir, escrito pelo antropólogo Roberto Damatta, faz referência a um termo que surgiu nos últimos anos nos meios de comunicação: pilantropia. Leia-o com atenção e, em seguida, responda às questões.
No mundo humano qualquer coisa pode ser digerida e metabolizada. Pode não ser comida, mas é sempre metabolizada pois não há nada sem sentido dentro do que chamamos de sociedade, linguagem ou sistema de valores. […] Filantropia significa profundo amor à Humanidade. Caridade tem a ver com Deus, filantropia, com uma moderna concepção de vida em comum. Ajudar aos pobres com a certeza de que se está emprestando a Deus é fazer a caridade, é agir conscientemente cego em relação a objetivos imediatos ou a pessoas específicas. Ajudar a universidade onde se estudou, ou crianças de rua, índios e a recuperação do planeta, medindo resultados e solicitando verbas do governo, é filantropia. […] […] Nas universidades americanas particulares, os ex-alunos, reconhecidos do que ali aprenderam e sabedores de que os pobres têm dificuldades especiais naquele sistema, fundam uma instituição especial para que eles [os pobres] não passem o que eles [ex-alunos] passaram. E como o que cada ser humano sofre é infinito na sua variedade e intensidade, há fundações filantrópicas para muitas necessidades e estados sociais. Em Harvard, no ano de 1968, recebi uma bolsa Harvey, destinada a ajudar estudantes com poucos recursos que escreviam suas teses de doutorado. Se fosse milionário, instituiria uma fundação para atender alunos brasileiros de antropologia com mais de dois filhos e que gostassem de ler os grandes romancistas… Só no Brasil as fundações construídas em memória de alguém são atendidas pelo governo. Agências filantrópicas são perdoadas de irregularidades que as transformam em “pilantrópicas” por medida provisória*. É vergonhoso e inaceitável descobrir falcatruas nessas instituições porque elas têm como raiz o voluntariado, a brecha deixada pelo Estado. Quando fazem “pilantropia”, o altruísmo é substituído pelo mais raso egoísmo. […]
Adriana Alves/ID/BR
Filantropias
* Referência a uma medida provisória proposta em 2008 para regulamentar as atividades de instituições filantrópicas brasileiras, tornando automática a aprovação dos pedidos de renovação dos certificados dessas entidades, inclusive das que tinham pendências na Justiça. Damatta, Roberto. Filantropia. O Globo, 19 nov. 2008.
Sobre o texto 1. No segundo parágrafo, o autor conceitua caridade e filantropia por meio de contrastes, apro ximações e exemplos. Escreva uma definição para cada um desses vocábulos, sem recorrer à exemplificação e usando suas palavras. 2. Releia: “E como o que cada ser humano sofre é infinito na sua variedade e intensidade, há fundações filantrópicas para muitas necessidades e estados sociais”. Como essa afirmação se relaciona a uma das diferenças entre caridade e filantropia apontada por Roberto Damatta no texto? 3. No quarto parágrafo do texto, o autor afirma que as agências filantrópicas se transformam em pilantrópicas quando cometem irregularidades. a) Do ponto de vista fonológico, o que mudou de uma palavra para a outra? b) E do ponto de vista morfológico (estrutura da palavra)? c) Qual foi a mudança de sentido obtida por essas alterações? 4. No texto, Roberto Damatta afirma que, ao fazer pilantropia, as instituições substituem altruísmo por egoísmo. a) Faça uma pesquisa na biblioteca ou na internet e decomponha as palavras altruísmo e egoísmo. Indique o significado dessas palavras. b) Como é possível relacionar filantropia e pilantropia a altruísmo e egoísmo? 250
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HIPERTEXTO O emprego do neologismo pilantropia é uma forma de usar o humor para fazer uma crítica social. No capítulo 18 da parte de Produção de texto (p. 272), o humor é apresentado como um recurso muito eficiente para alterar nossa percepção sobre a realidade.
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5. Considere o sentido global do texto. O que o título “Filantropias” dá a entender? 6. Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, metabolismo é o “conjunto de transfor mações, num organismo vivo, pelas quais passam as substâncias que o constituem”. Qual é o sentido da palavra metabolizar no primeiro parágrafo do texto? 7. Uma das características do humor é pôr em evidência, de forma crítica, os desvios da socieda de. Como o trocadilho entre as palavras filantropia e pilantropia ilustra isso? 8. Apesar de construído em torno desse trocadilho, o texto não é humorístico. Localize e registre o único trecho em que há um tom de comicidade e informalidade. 9. Leia um trecho de reportagem da revista Época.
Terceiro setor: O crescimento da “pilantropia” entre as ONGs Nos anos 90 [do século XX], em decorrência da insuficiência dos Estados em suprir as necessidades da população, proliferou o que hoje se chama terceiro setor, formado por entidades privadas dedicadas ao bem público: ONGs, instituições religiosas, entidades beneficentes, etc. Nessa onda, o número de ONGs cresceu tanto que o acadêmico ameri cano David Korten, ex-professor de Harvard e referência mundial nessa área, criou uma classificação para elas. As ONGs da primeira geração, segundo ele, operam com urgên cias, distribuem serviços, alimentos e remédios. Dão o peixe. As ONGs da segunda gera ção se empenham em fazer com que as comunidades pobres encontrem a solução para os próprios problemas. Ensinam a pescar. As da terceira geração transitam no campo das ideias, da formação moral, da cidadania. Elas se propõem a ser motores de mudanças políticas e sociais. Korten não previu uma quarta – e indesejável – geração de ONGs: as “pilantrópicas”. São ONGs suspeitas de ser usadas como laranjas para burlar leis de licitações, desviar recursos, fazer caixa dois de campanhas eleitorais e propiciar enriquecimento ilícito. São também aquelas dedicadas a aproveitar reivindicações de minorias para achacar empresas. […]
Vocabulário de apoio
achacar: ameaçar, intimidar beneficente: que faz caridade burlar: enganar, praticar fraude ilícito: ilegal, proibido laranja: alguém cujo nome é usado por outro na prática de fraudes licitação: escolha de fornecedores para órgãos públicos, feita por concorrência proliferar: multiplicar-se
Clemente, Isabel. Terceiro setor: o crescimento da “pilantropia” entre as ONGs. Época, n. 420, 5 jun. 2006.
a) O sentido dado à palavra pilantropia na reportagem é o mesmo empregado no texto de Roberto Damatta? Justifique. b) Explique o sentido das expressões “dar o peixe” e “ensinar a pescar” na reportagem. c) Em sua opinião, a palavra pilantropia será incorporada aos dicionários de língua portu guesa? Justifique. ANOTE
Todo falante é capaz de criar vocábulos a partir de seus conhecimentos linguísticos, usando os mesmos processos de formação pelos quais passaram os demais termos da língua. Os neologismos podem contribuir para ampliar a expressividade de um texto, apontar para fenômenos sociais novos ou produzir novos efeitos de sentido. Quando se popularizam no falar cotidiano, a tendência é que sejam incorporados aos dicionários. texto em construção Em textos do gênero conto de humor, estudado em Produção de texto, capítulo 18 (p. 272), os neologismos podem ser uma importante ferramenta para a construção do efeito humorístico. Ter mos com sentidos inesperados e jogos de palavras podem ampliar a comicidade de um texto, sur preendendo o leitor a partir de um léxico original e adequado a determinado contexto. Além do uso de neologismos, os contistas utilizam diversos recursos linguísticos a fim de criar efeitos expressivos de humor, como uso de jargões e gírias, de forma a caracterizar deter minada situação ou personagem. 1. Você já fez uso de neologismos para expressar alguma situação inusitada? 2. Quais outros recursos da linguagem você percebe como possíveis para que sejam construídos efeitos de humor? Em quais contextos você percebe esses usos com maior frequência?
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Em dia com a escrita
Revisão de ortografia (I): os fonemas /s/ e /z/
Você recordará dois fonemas cuja representação gráfica pode trazer dúvidas no momento da escrita. Em seguida, fará algumas atividades que o ajudarão a identificar regularidades e irregularidades relacionadas a esses fonemas e às letras que os representam. Fonema /s/ (como pronunciado na palavra sapo)
Fonema /z/ (como pronunciado na palavra zebra)
Exemplos
s
apreensão
s
hipnose
ss
retrocesso
z
nobreza
ç
detenção
x
exame
c
decisão
sc
fascinante
sç
nasço
x
exposição*
xc
exceção
* Em algumas regiões do Brasil, como no estado do Rio de Janeiro e em outras zonas cos teiras, a pronúncia do fonema /s/ em palavras como exposição gera o som [∫], como o repre sentado pela letra x na palavra enxada.
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Exemplos
Representações gráficas
Representações gráficas
diversidade
1. Indique se as letras ou dígrafos em destaque estão representando o fonema /s/ ou /z/. a) explícito e) exemplo i) estático m) extorquir b) exagero f) extensão j) extático n) exacerbar c) análise g) exaltação k) exaurir o) ascensão d) ensino h) auxílio l) excelência p) exoneração 2. Registre no caderno as palavras abaixo em que a letra x não representa o fonema /z/. a) exclusividade d) excursão g) asfixia j) exalar b) êxito e) exasperação h) existência k) excomunhão c) axila f) oxítona i) axioma l) exatidão 3. Agrupe as palavras a seguir de acordo com suas terminações. a) tirolesa f) dormisse k) arrogância b) beleza g) pobreza l) meninice h) distância m) tristeza c) substância d) cantasse i) famoso n) sorrisse e) doidice j) milanesa o) confiança
p) argumentasse q) esquisitice r) carinhoso s) perseverança t) duquesa
4. Relacione os grupos que você identificou na atividade 3 com as letras a seguir. A – Palavras (adjetivos) que indicam lugar de origem. B – Palavras (adjetivos) que conferem uma característica a algo ou alguém. C – Palavras (verbos) que indicam ações ou estados possíveis ou desejáveis. D – Palavras (substantivos) que indicam um título de nobreza. E – Palavras (substantivos) que se originaram de outras palavras (substantivos/adjetivos) e indicam qualidades, estados, ações ou sentimentos. 5. Observe os fatores que você considerou para agrupar as palavras na atividade 3 (termina ção) e para identificar os grupos na atividade 4 (forma e significado). Com base nesses critérios, rearranje os grupos de modo a perceber as regularidades presentes na relação fonema/letra. Siga o exemplo.
Grupo 1
Forma
Significado
substantivo
indica título de nobreza
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Terminação -esa
Fonema /z/
Representação gráfica s
Exemplo duquesa
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6. Observando os grupos formados na atividade 5, redija regras que descrevam as regularida des identificadas na relação entre os fonemas /s/ e /z/ e suas representações gráficas. Siga o exemplo. A – Nos substantivos que indicam título de nobreza, com terminação -esa, o fonema /z/ é representado pela letra s. Exemplo: duquesa. 7. Observe as palavras a seguir. a) honrosa d) concorrência g) altivez j) solidez b) sensatez e) paquistanês h) espirituosa k) dormência c) compusesse f) marquês i) dissesse l) cerimoniosa Embora nenhuma delas apresente terminação igual às das palavras das atividades anterio res, é possível deduzir novas regularidades entre os fonemas /s/ e /z/ e suas representa ções. Veja o exemplo e redija outras quatro regras. A – Nos substantivos que indicam título de nobreza, com terminação -ês, o fonema /s/ é re presentado pela letra s. Exemplo: marquês. 8. Aponte que fonema está sendo representado pelas letras ou dígrafos em destaque. Indique com um R as palavras cuja relação entre fonema e letra (ou dígrafo) corresponde a algum dos casos de regularidade que você estudou nas atividades anteriores. a) bizarrice g) piscina m) auspicioso s) arsenal b) conflituoso h) druidesa n) bonança t) portentosa c) acinte i) ensaio o) aragonês u) comilança d) algoz j) giz p) velhice v) repreensão e) instância k) ascendência q) assonância w) benevolência f) balinês l) avareza r) concessão x) destreza 9. Use seus conhecimentos sobre a relação entre a grafia balinês – druidesa – ascendência – avareza – das palavras, sua forma e significado para deduzir o auspicioso – bonança – aragonês – assonância sentido dos termos do quadro ao lado, registrando-os no – portentosa – benevolência – destreza caderno. Siga o exemplo. Exemplo: Bali – ilha da Indonésia. Balinês: indivíduo que nasceu em Bali. a) druida – sacerdote celta b) ascendente – que tem influência ou de quem se descende (laço familiar) c) avarento – sovina, mesquinho d) auspício – bom pressentimento, presságio e) bonançoso – ameno, tranquilo f) Aragão – região da Península Ibérica hoje anexada à Espanha g) assonante – que possui uma sonoridade parecida h) portento – acontecimento extraordinário, indivíduo muito talentoso i) benevolente – bem intencionado, que quer bem ao outro j) destro – quem escreve com a mão direita, quem é habilidoso 10. Considere o que você aprendeu nesta seção e deduza a grafia das palavras indicadas a se guir. O termo em destaque é a referência para a derivação da palavra, e a informação entre parênteses pode ajudá-lo na escrita correta. a) Qualidade de quem é sutil (substantivo). b) Nascido na região da Bengala, entre a Índia e Bangladesh (adjetivo). c) Qualidade do que é verossímil (substantivo). d) Aquilo que tem muita substância (adjetivo). e) Qualidade de quem é desfaçado, descarado (substantivo). f) Qualidade de quem é polido, educado (substantivo). g) Aquele que tem zelo, cuidado (adjetivo). h) Qualidade de quem é resiliente, se recobra facilmente de dificuldades (substantivo). ANOTE
Uma vez que não há correspondência única entre letra e fonema na convenção ortográfica, co nhecer as regularidades entre os fonemas /s/ e /z/ e suas representações gráficas auxilia a dedu zir a ortografia das palavras, inclusive das que não conhecemos.
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capítulo
17 o que você vai estudar Como se constroem as relações de sentido no texto. Fatores de textualidade (coesão e coerência). A repetição e a progressão textual.
As tramas da língua Um texto verbal, falado ou escrito, é resultado de uma relação entre sujeitos. Entre eles, há uma espécie de “pacto”: quem fala ou escreve quer que seu texto produza determinado efeito no leitor/ouvinte; este, por sua vez, busca colaborar para que se efetivem as intenções comunicativas do autor/locutor. Assim, entre intenções e expectativas, existe o texto concretamente produzido, no qual certos fatores favorecem as chances de que tal “pacto” se efetive. É o que você estudará neste capítulo.
Tecer com palavras Leia o texto a seguir.
Os seres humanos e Zeus Diz-se que os animais foram os primeiros a serem feitos. Uns se viram dotados pelo dom de força, outros de velocidade, outros ainda de um par de asas. O homem, que permanecia nu, disse ao deus: — Só eu não fui aquinhoado com nada. Mas Zeus lhe respondeu: — Não te dás conta do presente que te dei? No entanto, foste tu que recebeste o mais belo. Recebeste a razão, cujo poder é grande entre os deuses e os homens: quem pode mais e quem é mais rápido? Reconhecendo que se tratava de um belo presente, o homem se inclinou e se afastou agradecido. O deus honrou todos os homens dando-lhes a razão: mas alguns não se dão conta da honra que lhes foi concedida e preferem invejar os animais que não têm razão nem sentimento.
Museu do Louvre, Paris. Fotografia: Hervé Lewandowski/RMN/Glowimages
Esopo. In: Souza, Ana A. A. de. O mundo dos homens gregos e latinos: lendo os clássicos na escola. Campo Grande: UFMS, 2005. p. 65.
Artista desconhecido. Júpiter de Esmirna, século II a.C. 2,34 m (altura). Museu do Louvre, Paris, França.
Na tradição latina, Júpiter é identificado ao deus grego Zeus.
1. Que termos o narrador utiliza para retomar a palavra animais? 2. Qual é o sentido da palavra aquinhoar, no segundo parágrafo? Como você descobriu? 3. No texto, a expressão no entanto indica um contraste entre que ideias? 4. Zeus diz ao homem: “quem pode mais e quem é mais rápido?”. a) Que argumento está por trás da questão formulada por Zeus? b) Por que o homem não precisou responder verbalmente para concordar com Zeus? Ao responder às questões, você observou alguns fatores que lhe permitiram reconstruir os sentidos do texto. Ao escrevê-lo, a autora certamente levou em conta aspectos linguísticos e contextuais que seriam necessários para sua compreensão. Há, portanto, fatores que operam no momento da produção, da compreensão e da avaliação de textos e que permitem que, em maior ou menor grau, os sentidos pretendidos pelo produtor textual sejam recuperados, reconstruídos e até mesmo extrapolados por seu interlocutor. Esse conjunto de fatores produz a chamada textualidade. ANOTE
Textualidade é o conjunto de fatores que operam no momento da produção, da compreensão e da avaliação de textos, os quais permitem ao leitor/ouvinte reconstruir os sentidos pretendidos pelo produtor textual.
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A textualidade tem diversos fatores: além da intencionalidade – esforço do produtor do texto para atingir seus objetivos ou intenções de fazer-se compreender – e da aceitabilidade – esforço do interlocutor para entender o sentido de um texto –, também operam na reconstrução de sentidos a situacionalidade, a informatividade, a intertextualidade, a coesão e a coerência. A coesão é o mecanismo de ligação entre as partes do texto. A palavra coesão quer dizer “associação íntima, unidade lógica”. No texto, os elementos coesivos que possibilitam ao leitor costurar as ideias são, entre outros, as próprias palavras. Elas indicam o encadeamento, a retomada e a antecipação de componentes do texto. Leia ao lado um poema de Álvaro de Cam[…] pos, heterônimo de Fernando Pessoa. Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas, A repetição da expressão Quanto mais, do Quanto mais personalidades eu tiver, primeiro ao quinto verso, liga os versos do Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver, poema e contribui para a continuidade temáQuanto mais simultaneamente sentir com todas elas, tica. A repetição preserva a unidade de sentido Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento, do texto, ao mesmo tempo que novos elemenEstiver, sentir, viver, for, tos são acrescentados a cada verso. Assim, o Mais possuirei a existência total do universo, poema progride, traz informações novas ao inMais completo serei pelo espaço inteiro fora. terlocutor (ganhando, também, em informatividade). No terceiro e no quarto versos, os pro[…] nomes as (em “as tiver”) e elas (em “todas elas”) Pessoa, Fernando. Obra poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. p. 406. retomam a palavra personalidades, do segundo (Coleção Biblioteca Luso-Brasileira – Série Portuguesa) verso, contribuindo para a coesão do poema. A coerência diz respeito à apresentação lógica e harmônica dos sentidos do texto, possibilitando que ele seja interpretado. Com base em seus conhecimentos linguísticos e de mundo, o leitor/ouvinte pode considerar um texto coerente ou incoerente. Os textos de humor, por exemplo, muitas vezes usam a quebra da coerência para gerar comicidade. O humor está relacionado ao não atendimento das expectativas do interlocutor, ou daquela que pareceria ser a sequência semântica “natural” anunciada pelo texto. No entanto, essa quebra de expectativa não gera incômodo; o deslocamento de sentido acaba criando uma nova coerência e torna o texto interpretável. Esse é o fator chamado de situacionalidade: aquilo que sustenta a coerência do texto em função da situação em que é lido, dos modelos sociais de comunicação dos quais participa (o que inclui seu gênero, o veículo em que circula, o contexto de interação, etc.). Leia a tira.
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Como se costuram os sentidos de um texto?
Davis, Jim. Garfield.
No segundo quadrinho, o pensamento de Garfield provoca um efeito cômico ao apresentá-lo como “um gato” (informação óbvia para o leitor) e apontar Jon como “seu cartunista” (uma relação de “posse” inusitada). No terceiro quadrinho, ao pensar em comida, Garfield contraria a fala de Jon, segundo o qual a única preocupação dos dois seria entreter o leitor. A coerência de um texto também está ligada à não contradição de sentidos expressos entre suas partes. Assim, o sentido de cada parte de um texto depende das demais, com as quais se relaciona para criar um sentido global. ANOTE
A coesão diz respeito aos elementos que contribuem para o encadeamento do texto, auxiliando na produção da coerência, que se refere à possibilidade de interpretá-lo. Não escreva no livro.
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Mecanismos de coesão Leia o trecho da notícia “É oficial: o rio Doce está completamente morto”.
O rompimento das barragens em Mariana-MG é um desastre social […]. Aos poucos, porém, uma outra face da tragédia vem se revelando: o desastre ambiental provocado pelo rompimento. Por enquanto o rio Doce – o mais importante de Minas Gerais – é a principal vítima. Especialistas já declaram que ele está oficialmente morto. Uma análise laboratorial encomendada após o desastre encontrou na água do rio partículas de metais pesados como chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e mercúrio. […] Além desses metais pesados, a própria força da lama prejudicou a biodiversidade do rio para sempre – ambientalistas não descartam a possibilidade de que espécies endêmicas inteiras tenham sido soterradas pela lama. A quantidade de lama é tamanha (cerca de 20 mil piscinas olímpicas) que o rio teve o seu curso natural bloqueado, fazendo com que perdesse força e formasse lagoas que também não devem ter vida longa, já que, além dos minérios de ferro, esgoto, pesticidas e agrotóxicos também estão sendo carregados pelas águas. […] Galileu, São Paulo, Globo, 13 nov. 2015. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016.
No primeiro parágrafo, o autor refere-se ao rio Doce como ele. Esse mecanismo coesivo é chamado referenciação, a qual se constrói por antecipação ou retomada. A retomada do referente é denominada anáfora. É o caso do pronome pessoal ele, que recuperou o substantivo rio Doce. A catáfora ocorre quando um elemento antecipa um referente localizado em um elemento linguístico ou em todo um enunciado. Observe: “Aos poucos, porém, uma outra face da tragédia vem se revelando: o desastre ambiental provocado pelo rompimento”. A expressão outra face funciona como um elemento catafórico, pois o leitor só saberá qual é a segunda tragédia se der continuidade à leitura do texto. Outros pronomes, como os demonstrativos este(s), esta(s) e isto são comumente utilizados como elementos catafóricos. ANOTE
Referenciação é o preenchimento de sentido de um elemento a partir de outro elemento linguístico ou extralinguístico, chamado referente.
Outro recurso coesivo comum é a elipse. Observe: “[…] o rio teve o seu curso natural bloqueado, fazendo com que perdesse força e formasse lagoas […]”. A palavra rio, que antecederia o verbo perdesse, sofreu elipse, pois não foi preciso repeti-la para dar sentido à frase. ANOTE
Elipse é o apagamento de palavra ou trecho que pode ser recuperado pelo contexto.
Capítulo 17 – As tramas da língua
As conjunções também exercem papel coesivo. Ao dizer que as lagoas formadas não terão vida longa “já que, além dos minérios de ferro, esgoto, pesticidas e agrotóxicos também estão sendo carregados pelas águas”, o uso da locução conjuntiva já que anuncia a explicação para o desastre provocado pelo rompimento das barragens. ANOTE
As conjunções ajudam a estabelecer relações de sentido entre orações.
Há, ainda, a coesão lexical. No primeiro parágrafo, há o hiperônimo metais pesados, fazendo referência aos hipônimos chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e mercúrio. Mas, para que o leitor observe o efeito de sentido que a coesão lexical produz, ele precisa saber que os metais pesados são um grupo de elementos químicos presentes na natureza, entre os quais estão os descritos pelos citados hipônimos. ANOTE
Coesão lexical é a repetição ou a retomada de um referente por sinônimos, hipônimos, hiperônimos ou expressões de sentido equivalente.
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Lembre-se
Sinônimos são palavras de sentido equivalente. O hipônimo apresenta significado mais restrito do que seu hiperônimo. O sentido do hiperônimo abarca o do hipônimo.
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Mecanismos de produção de coerência A coerência não está materialmente presente no texto, mas se constrói na interação que o leitor/ouvinte estabelece com ele. Em um texto informativo, os elementos contextuais necessários à atribuição de sentido são indispensáveis. Veja um exemplo na entrevista com o equilibrista francês Philippe Petit, publicada em uma revista semanal.
Soprana, Paula. Philippe Petit: “Dei às pessoas a imagem de que nada é impossível”, Época, São Paulo, Globo, 11 nov. 2015. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016.
Observe que as informações entre colchetes – “são 887 estátuas, também conhecidas como Cabeças da Ilha de Páscoa” – não foram citadas pelo entrevistado. No entanto, o entrevistador achou necessário apresentá-las para que o leitor compreendesse a referência feita por Petit. Repare, ainda, que o entrevistador menciona o documentário Man on Wire [O equilibrista], fazendo uma referência explícita a outro texto, estabelecendo intertextualidade. Mesmo quando não é explícita, a intertextualidade – diálogo que um texto mantém com outros textos – é um fator de textualidade e um mecanismo usado para assegurar a coerência. Em textos literários ou anúncios publicitários, por exemplo, frequentemente são usados mecanismos mais sofisticados de construção de coerência. Veja um exemplo. Senhoras e senhores, “de grão em grão a galinha enche o papo”. Não é menos verdade que: tanto “macaco velho não bota a mão em cumbuca” como “gato escaldado tem medo de água fria”. Afinal há fortes evidências de que tanto “a cavalo dado não se olham os dentes” como também que “mais vale um pássaro na mão que dois voando”. Segue-se pois que “cão que ladra não morde” e que “uma andorinha só não faz verão”. […] Bertazzo, Ivaldo. Folheto do espetáculo Ciranda dos homens… Carnaval dos animais. 1998.
Dificilmente seria possível considerar esse texto coerente sem ter acesso a informações extratextuais. O texto foi escrito para um espetáculo do coreó grafo Ivaldo Bertazzo no qual um ator, interpretando um orador, iniciava um longo discurso que, à primeira vista, não parecia fazer sentido. O que se percebia era que os ditos populares que recheavam o texto – clara relação de intertextualidade – sempre faziam referência a animais (justamente o tema do espetáculo). Isso gerava um efeito cômico, construído a partir da percepção da plateia de que é possível falar sobre coisas banais com ares de importância. Nesse caso, a situacionalidade é crucial para a construção da coerência – o sentido do texto só se completa com informações sobre o contexto em que foi produzido. ANOTE
A coerência se estabelece na relação leitor-texto-autor (ou ouvinte-texto-locutor). A situacionalidade e a intertextualidade contribuem para a construção da coerência.
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saiba mais
A inclusão de informações adicionais para o esclarecimento do leitor em entrevistas e citações é geralmente marcada com um par de colchetes: [ ].
Repertório
Ivaldo Bertazzo Dançarino, coreógrafo e terapeuta corporal brasileiro. Desde os anos 1970 atua na área de educação corporal e optou por democratizar a arte da dança, incorporando pessoas comuns, de diferentes profissões e classes sociais, em seus espetáculos. Lançou, assim, o conceito de “cidadão dançante”. Em 1976, fundou a Escola de Reeducação do Movimento e o Método Bertazzo de Reeducação do Movimento. Ao longo de sua trajetória profissional, criou mais de trinta espetáculos, além de desenvolver o projeto Dança Comunidade, voltado diretamente para o trabalho com jovens da periferia, transformando sua realidade por meio da dança e da reeducação corporal. Gal Oppido/Escola do Movimento Ivaldo Bertazzo
ÉPOCA – Em Man on Wire, o senhor menciona que as Torres Gêmeas são o objeto do seu sonho naquele momento. Qual o objeto do seu sonho agora? Petit – Bem, eu continuo com sonhos, projetos de equilibrismo. Um deles é caminhar sobre um cabo na Ilha de Páscoa, onde existem bonitas e enigmáticas esculturas chamadas Moai [são 887 estátuas, também conhecidas como Cabeças da Ilha de Páscoa]. Tenho muitos projetos e ideias, eu vivo assim. Quero continuar com filmes, livros (eu já escrevi 10 livros), com desenhos, enfim, com todas as minhas artes. Meu sonho é nunca parar.
Espetáculo Samwaad – Rua do Encontro, de Ivaldo Bertazzo, apresentado em 2004, cujos bailarinos eram jovens de ONGs de São Paulo (SP).
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Prática de linguagem 1. Leia a nota a seguir, reproduzida de uma revista.
Fatos históricos do mês de julho Dia 2 – 1839 – Revolta no navio – Na Costa de Cuba A bordo da embarcação espanhola La Amistad, 53 escravos recém-trazidos da África se revoltam. Sob a liderança de Joseph Cinqué, eles fazem com que um navegador os leve a caminho da terra natal. Mas eles são enganados, e a embarcação é capturada pela Marinha dos Estados Unidos. Os rebelados são presos em Connecticut. Em 1841, as forças contrárias à escravidão conseguem que a Suprema Corte coloque os escravos em liberdade. Em 1997, o caso foi retratado em um filme. Cristianini, Maria Carolina. Aventuras na História, São Paulo, Abril, jul. 2008.
a) O texto faz uso de três marcas temporais para indicar a sequência em que os acontecimentos ocorreram. Localize essas marcas no texto e registre-as no caderno. Relacione cada marca temporal a um dos fatos relatados na nota. b) Indique que termos foram usados no texto para retomar a palavra escravos. c) Que mecanismos de coesão foram utilizados no emprego desses termos? d) No último período da nota, uma única expressão usada como anáfora retoma todos os fatos relatados anteriormente. Que expressão é essa? 2. Leia a seguir o título de uma notícia que remete a uma declaração do ministro da Economia do governo Lula, em 2008.
Mantega descarta freio na economia Folha de S.Paulo, p. 1, 19 out. 2008.
Sabendo que o título de uma notícia deve condensar o máximo de informação em um mínimo de palavras, responda às questões a seguir. a) O que o leitor deve saber a respeito do funcionamento da língua para interpretar adequadamente a informação do título da notícia? b) Para que o leitor compreenda o sentido do título da notícia, é necessário que ele o relacione a determinados conhecimentos de mundo. Justifique essa afirmação com dois exemplos relacionados ao título da notícia. Garfield, Jim Davis © 1995 Paws, Inc. All Rights Reserved/ Dist. Universal Uclick
3. Leia a tira a seguir.
Davis, Jim. Toneladas de diversão. Porto alegre: L&PM, 2006. p. 14.
a) No primeiro quadrinho, qual era a intenção de Jon ao se dirigir a Garfield? b) No terceiro quadrinho, que reação o pensamento de Garfield parece provocar em Jon? Por que ele causa essa reação? c) De que maneira o seu conhecimento de mundo contribuiu para que se produzisse um efeito de humor durante a leitura da tira? 258
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4. Leia a nota a seguir.
Dia de Iemanjá atrai restaurantes Divindade das religiões afro-brasileiras, Iemanjá tem seu dia comemorado nesta segunda (2) com oferendas ao mar e jantares especiais como os do Bar Iemanjá, na vila Madalena, e do restaurante Obá, no Jardim Paulista. “A comida da rainha das águas leva milho branco, coco e frutos do mar”, explica a cozinheira baiana Jôse da Conceição, que criou alguns dos pratos do 4o Festival de Iemanjá do Obá. Em vez do tradicional manjar branco, Jôse preparou uma musse de coco mole. “É um dia festivo, vale fazer um pouco de tudo.” Gonçalves, Daniel Nunes. Veja São Paulo, São Paulo, Abril, 28 jan. 2011.
a) Localize no texto dois termos que recuperam o referente Iemanjá. b) A última frase da cozinheira, no fim da nota, apresenta um argumento para justificar uma informação apresentada anteriormente na notícia. Que informação é essa? c) Nessa frase, há uma informação subentendida, que pode ser recuperada a partir do contexto da notícia. Que mecanismo de coesão foi usado nesse trecho e qual é a informação omitida? d) Qual é o referente da expressão “um pouco de tudo”? e) Explique a brincadeira criada pelo autor do texto no título da nota.
Toada do amor E o amor sempre nessa toada: briga perdoa perdoa briga. Não se deve xingar a vida, a gente vive, depois esquece. Só o amor volta para brigar, para perdoar, amor cachorro bandido trem.
Mas, se não fosse ele, também que graça que a vida tinha? Mariquita, dá cá o pito, no teu pito está o infinito.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
5. Leia o poema abaixo, publicado em Alguma poesia, primeiro livro do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade.
Andrade, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 13.
a) Toada é uma canção simples e monótona. Com base nessa definição, estabeleça uma relação entre o poema e seu título. b) Observe a repetição de palavras no segundo verso da primeira estrofe. Qual é o efeito expressivo produzido por essa repetição? c) O último verso da segunda estrofe apresenta palavras aparentemente desconexas. No entanto, o verso apresenta uma coerência no conjunto do poema. Que sentido pode ser estabelecido entre essas palavras? usina literária
Infância Um gosto de amora comida com sol. A vida chamava-se “Agora”.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
O haicai é uma forma poética de origem japonesa, marcada pela concisão. A forma mais usual de haicai é composta de três versos: um de cinco sílabas poéticas, outro de sete e outro de cinco. Leia este haicai do poeta brasileiro Guilherme de Almeida.
Almeida, Guilherme de. Os melhores poemas de Guilherme de Almeida. Seleção de Carlos Vogt. 3. ed. São Paulo: Global, 2004.
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1. O poema faz referência a elementos que parecem não ter relação entre si. Como é possível uni-los ao título na construção de sentido global para o texto? 2. Como coesão e coerência se relacionam no poema? Explique.
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Língua viva
A repetição e a progressão textual
Leia a seguir a crônica “O amor acaba”, do escritor mineiro Paulo Mendes Campos (1922-1991). Ela foi publicada em um livro de mesmo nome, com o subtítulo “Crônicas líricas e existenciais”. Paulo Mendes Campos ficou conhecido como um dos maiores cronistas brasileiros.
O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
O amor acaba
Vocabulário de apoio
bruma: neblina, nevoeiro compulsão: imposição interna irresistível de se fazer alguma coisa dissonância: falta de harmonia epifania: momento de percepção sobre o significado essencial de alguma coisa a partir de algo banal ou inesperado eriçar: arrepiar errante: que anda sem destino certo escarlate: cor vermelha muito viva frivolidade: futilidade gineceu: órgão feminino de uma flor libido: desejo sexual périplo: viagem longa póstumo: posterior à morte usura: apego excessivo ao dinheiro
Campos, Paulo Mendes. O amor acaba: crônicas líricas e existenciais. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 22-24.
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Sobre o texto 1. O autor enumera diversas situações e lugares, relacionando-os ao fim do amor. a) Essa enumeração revela uma visão pessimista ou otimista sobre o amor? Justifique sua resposta. b) Você concorda com esse ponto de vista? Por quê? 2. A crônica se refere a um único tipo de amor? Justifique com exemplos do texto. 3. Como você entende a afirmação de que o amor pode acabar na “epifania da pretensão ridícula dos bigodes”? (Veja o que significa epifania no boxe Vocabulário de apoio.) 4. Releia o fragmento a seguir. […] em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro […]
[…] uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba […]
a) Imagine uma situação em que o amor poderia acabar por causa de uma carta que “chegou depois”. Que situação seria essa? b) E o que poderia ilustrar o fim de um amor em função de uma carta que “chegou antes”? c) O que a crônica sugere ao colocar lado a lado essas situações opostas? d) Localize outra passagem da crônica que sugira uma imagem semelhante. Justifique. 6. Observe a pontuação usada pelo autor. a) Quais são os sinais de pontuação que predominam na crônica lida? b) O uso recorrente desses sinais cria um efeito expressivo na crônica. Que sensação ele desperta no leitor? c) Relacione o uso da pontuação e o ponto de vista sobre o amor apresentado pela crônica. 7. Ao longo do texto, repete-se constantemente a frase “o amor acaba”. Explique qual é o efeito textual obtido por meio dessa repetição. 8. Releia a última frase da crônica. Em sua opinião, esse desfecho contraria de alguma forma a visão de amor construída ao longo do texto? Justifique sua resposta.
Adriana Alves/ID/BR
a) Com base em seu conhecimento de mundo e nos elementos citados, identifique a caracte rística que a crônica associa a cada cidade. b) Como cada uma dessas características poderia causar o fim do sentimento amoroso? 5. Releia o trecho a seguir.
ANOTE
A repetição pode ser um importante recurso coesivo, além de, em determinados casos, contribuir para a obtenção de um efeito expressivo. A repetição não se opõe à progressão, isto é, é possível usá-la a favor da construção de sentidos, sem que o texto se torne redundante. texto em construção Para o linguista Luiz Antônio Marcuschi, repetir não é simplesmente um ato tautológico, ou seja, uma repetição desnecessária, pois a cada repetição há a expressão de algo novo. Isso significa, portanto, que a repetição de uma palavra ou construção pode não equivaler à repetição de um conteúdo. Utilizar intencionalmente repetições pode contribuir para expandir o efeito expressivo dos textos. Na comunicação oral “Nós não nascemos prontos” (capítulo 23, p. 310-311), a repetição é usada por Cortella para a reiteração de sua ideia-chave, acrescentando a ela novos significados. O autor do conto “De cima para baixo” (capítulo 18, p. 272-273), por exemplo, também lança mão da repetição para a construção de seu texto. Releia esse conto e responda à pergunta. 1. O que muda e o que se repete na história? Qual o efeito de sentido gerado pelo uso da repetição?
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Em dia com a escrita
Revisão de ortografia (II): os fonemas /ʒ/ e /∫/
Fonema /ʒ / (como pronunciado na palavra jeito)
Fonema /∫/ (como pronunciado na palavra chuva)
Representações gráficas
Exemplos
Representações gráficas
Exemplos
j
berinjela
x
enxada
g
engenheiro
ch
achado
Pedro Hamdan/ID/BR
Relembre mais dois fonemas que costumam trazer dificuldades no momento da escrita. Faça as atividades abaixo para identificar regularidades e irregularidades relacionadas a esses fonemas e às letras que os representam.
1. Observe os grupos de palavras a seguir. •• estágio •• colégio •• prestígio •• relógio •• presságio •• sacrilégio •• prodígio •• refúgio a) O que esses grupos de palavras têm em comum no aspecto gráfico? b) Redija uma regra que indique o uso da letra g para representar o fonema /ʒ/ nas palavras analisadas acima. 2. Examine estes outros grupos de palavras. •• viagem •• fuligem •• penugem •• amostragem •• vertigem a) O que esses grupos de palavras têm em comum quanto à grafia? b) Redija uma regra que indique o uso da letra g para representar o fonema /ʒ/ nas palavras analisadas, informando que a palavra pajem constitui uma exceção a essa regra. 3. Considere os grupos de palavras a seguir. •• chapéu – enchapelar/enchapelado •• chumaço – enchumaçar/enchumaçado •• charco – encharcar/encharcamento/encharcado •• cheio – encher/enchente/encheção/enchimento Do ponto de vista da grafia, o que há em comum entre as palavras derivadas (grafadas em preto), em todos os grupos? 4. Observe as palavras a seguir. •• enxada •• enxaqueca •• enxerto •• enxoval •• enxaguar •• enxergar •• enxofre •• enxugar a) O que essas palavras têm em comum com as palavras grafadas em preto na atividade 3? b) O que elas têm de diferente? c) Observando esses dois grupos de palavras, redija uma regra que indique o uso da letra x ou do dígrafo ch para representar o fonema /∫/ nos casos analisados. 5. A palavra caucho designa uma árvore nativa do Brasil, mais conhecida como seringueira (dela se extrai o látex, matéria-prima para a produção da borracha). De caucho derivam as palavras recauchutar, recauchutagem, recauchutado e recauchutadora, todas relativas ao processo de recobrir um pneu com uma nova camada de borracha para reparar as partes desgastadas pelo uso. Agora, observe as palavras a seguir. •• madeixa •• baixo •• peixe •• faixa •• eixo •• gueixa •• trouxa •• ameixa a) Do ponto de vista fonológico, o que esse grupo de palavras tem em comum com a palavra caucho e seus derivados? b) Redija uma regra que indique o uso da letra x ou do dígrafo ch para representar o fonema /∫/ nas palavras analisadas nesta atividade. Considere que a família de palavras ligada a caucho constitui uma exceção a essa regra. 262
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Pedro Hamdan/ID/BR
6. Conheça algumas acepções da palavra mecha. •• cavilha usada para unir peças de madeira •• parte do mastro dos navios •• incômodo •• entrave em negócios As palavras derivadas de mecha, como mechar ou mechado, também apresentam diversas acepções. Veja algumas para mechar. •• fazer mecha ou reflexo em cabelos •• encaixar peças de madeira com mecha Agora observe o grupo de palavras a seguir. •• mexeção •• mexerico •• mexerica •• mexicano •• mexilhão •• mexe-mexe a) Do ponto de vista fonológico, o que esse grupo de palavras tem em comum com a família de palavras derivada de mecha? b) Considere que mecha e seus derivados são a exceção a uma regra. Redija essa regra (mencionando sua exceção) para indicar o uso da letra x ou do dígrafo ch na representação do fonema /∫/ nas palavras analisadas.
Persépolis (Completo), de Marjane Satrapi. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. A Revolução Islâmica é contada da perspectiva de uma adolescente que viveu na pele as transformações de seu país. Marjane Satrapi tinha 13 anos quando se instalou o regime xiita no Irã. Depois de 25 anos, sua história deu origem a uma HQ e, posteriormente, a uma animação (Persépolis, direção de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud, França/EUA, 2007). Companhia das Letras/Arquivo da editora
7. A grafia das palavras muitas vezes dá informações sobre sua origem e história. Veja, por exemplo, as palavras xeque e cheque. A primeira, de origem árabe, designa os chefes ou anciãos muçulmanos e também significa uma situação perigosa ou um movimento do xadrez em que a peça do rei é atacada, além de nomear o ato de colocar algo em dúvida. Já cheque veio do inglês e designa o documento por meio do qual o titular de uma conta emite uma ordem de pagamento para o banco. Conheça outros pares de homônimos homófonos em que o fonema /∫/ é grafado ora com x, ora com ch.
Leia
Capa do livro Persépolis (Completo).
Homônimos homófonos chá (origem chinesa – do dialeto mandarim) – infusão preparada com ervas
xá (origem persa) – título que designava os monarcas iranianos antes da Revolução Islâmica de 1979 e que também se aplicou aos soberanos de outros reinos do Oriente
tachar (origem francesa) – desaprovar, apontar defeitos (pejorativo); passar um traço sobre algo (riscar)
taxar (origem latina) – avaliar, estimar, fixar preço; impor limites; atribuir qualidades ou defeitos a alguém
cocho (origem controversa) – vasilha; tabuleiro para transportar cal amassada; caixa do aparelho dos amoladores; bebedouro ou comedouro para o gado
coxo (origem latina) – manco, que apresenta irregularidade ao caminhar; diz-se de objeto que tem uma perna mais curta do que a outra; incompleto, inconcluso
Agora, registre as orações a seguir no caderno, completando-as com a palavra cuja grafia indica o sentido sugerido pelo contexto. a) Seguiram o aconselhamento jurídico, o qual de excelente. b) árabe faz oferta para comprar 40% do Milan. c) Esse objeto típico do meio rural também dá nome à viola de . d) Promotoria põe em versão de advogada brasileira. e) Mohammad Reza Pahlevi, o último da Pérsia, foi deposto no ano de 1979. f) Os cartões de débito tendem a tornar os ultrapassados. g) Líder político de “ato terrorista” a ocupação da Cisjordânia. h) Na Inglaterra, o “ das cinco” é servido a partir das duas da tarde. ANOTE
É possível identificar algumas regularidades na representação dos fonemas /ʒ/ e /∫/. Nos casos dos homônimos homófonos escritos com x ou ch, a grafia das palavras dá pistas sobre sua origem e história.
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Articulando
Empréstimos linguísticos
Em 1999, o então deputado federal Aldo Rebelo apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei que propunha a proibição do uso de palavras estrangeiras na língua portuguesa. Embora o projeto não tenha sido aprovado, as opiniões se dividem a respeito desse polêmico assunto: os empréstimos linguísticos enriquecem nossa língua ou refletem a submissão do Brasil a outras culturas? Leia um trecho do projeto de lei de Aldo Rebelo e parte de uma entrevista com o professor e gramático Evanildo Bechara, para se inteirar do assunto e debatê-lo com seus colegas.
[…] Art. 4o Todo e qualquer uso de palavra ou expressão em língua estrangeira, ressalvados os casos excepcionados nesta lei e na sua regulamentação, será considerado lesivo ao patrimônio cultural brasileiro, punível na forma da lei. […] JUSTIFICATIVA A História nos ensina que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua. Por quê? Porque é o modo mais eficiente, apesar de geralmente lento, para impor toda uma cultura – seus valores, tradições, costumes, inclusive o modelo socioeconômico e o regime político. Foi assim no antigo oriente, no mundo greco-romano e na época dos grandes descobrimentos. E hoje, com a marcha acelerada da globalização, o fenômeno parece se repetir, claro que de modo não violento; ao contrário, dá-se de maneira insinuante, mas que não deixa de ser impertinente e insidiosa, o que o torna preocupante, sobretudo quando se manifesta de forma abusiva, muitas vezes enganosa, e até mesmo lesiva à língua como patrimônio cultural. De fato, estamos a assistir a uma verdadeira descaracterização da língua portuguesa, tal a invasão indiscriminada e desnecessária de estrangeirismos – como “holding”, “recall”, “franchise”, “coffee-break”, “self-service” – e de aportuguesamentos de gosto duvidoso, em geral despropositados – como “startar”, “printar”, “bidar”, “atachar”, “database”. E isso vem ocorrendo com voracidade e rapidez tão espantosas que não é exagero supor que estamos na iminência de comprometer, quem sabe até truncar, a comunicação oral e escrita com o nosso homem simples do campo, não afeito às palavras e expressões importadas, em geral do inglês norte-americano, que dominam o nosso cotidiano, sobretudo a produção, o consumo e a publicidade de bens, produtos e serviços, para não falar das palavras e expressões estrangeiras que nos chegam pela informática, pelos meios de comunicação de massa e pelos modismos em geral.
Ora, um dos elementos mais marcantes da nossa identidade nacional reside justamente no fato de termos um imenso território com uma só língua, esta plenamente compreensível por todos os brasileiros de qualquer rincão, independentemente do nível de instrução e das peculiaridades regionais de fala e escrita. Esse – um autêntico milagre brasileiro – está hoje seriamente ameaçado. Que obrigação tem um cidadão brasileiro de entender, por exemplo, que uma mercadoria “on sale” significa que esteja em liquidação? Ou que “50% off” quer dizer 50% a menos no preço? Isso não é apenas abusivo; tende a ser enganoso. E à medida que tais práticas se avolumam (atual mente de uso corrente no comércio das grandes cidades), tornam-se também danosas ao patrimônio cultural representado pela língua. O absurdo da tendência que está sendo exemplificada permeia até mesmo a comunicação oral e escrita oficial. É raro o documento que sai impresso, por via eletrônica, com todos os sinais gráficos da nossa língua; até mesmo numa cédula de identidade ou num talão de cheques estamos nos habituando com um “Jose” – sem acentuação! E o que falar do serviço de “clipping” da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados, ou da “newsletter” da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, ou, ainda, das milhares de máquinas de “personal banking” do Banco do Brasil – Banco DO BRASIL – espalhadas por todo o País? O mais grave é que contamos com palavras e expressões na língua portuguesa perfeitamente utilizáveis no lugar daquelas (na sua quase totalidade) que nos chegam importadas, e são incorporadas à língua falada e escrita sem nenhum critério linguístico, ou, pelo menos, sem o menor espírito de crítica e de valor estético. […]
hxdbzxy/Shutterstock.com/ID/BR
Texto 1
Loja usando a palavra sale, em inglês, para anunciar liquidação.
Vocabulário de apoio
afeito: acostumado, habituado iminência: qualidade do que está prestes a acontecer insidioso: enganador, traiçoeiro insinuante: não explícito, sedutor lesivo: danoso, prejudicial permear: passar através de rincão: lugar afastado, longínquo truncar: tornar incompleto, omitir parte importante de algo
Projeto de Lei n. 1 676 de 1999. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016.
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[…] É fato que o português está sendo invadido por expressões inglesas ou americanizadas – como background, playground, delivery, fast food, baby sitter, download… Isso o preocupa? Não. É preciso diferenciar língua e cultura. O sistema da língua não sofre nada com a introdução de termos estrangeiros. Pelo contrário, quando esses termos entram no sistema têm de se submeter às regras de funcionamento da língua, no caso, o português. Um exemplo: nós recebemos a palavra xerox. Ao entrar na língua, ela acabou por se submeter a uma série de normas. Daí surgiram xerocar, xerocopiar, xerografar, enfim, nasceu uma constelação de palavras dentro do sistema da língua portuguesa. Então esse processo não é ruim? É até enriquecedor, pois incorpora palavras. Não há língua que tenha o seu léxico livre dos estrangeirismos. A língua que mais os recebe, curiosamente, é o inglês, por ser um idioma voltado para o mundo. Hoje fala-se “delivery”. Mas poderíamos dizer “entrega a domicílio”. E há quem diga que o correto é “entrega em domicílio”. Será? Na dúvida, há quem fique com o “delivery”. A palavra inglesa delivery não chegou a entrar no sistema da nossa língua, pois dela não resultam outras palavras. Apenas entrou no vocabulário do dia a dia, no contexto dos alimentos. Agora deram de falar que “entrega em domicílio” é melhor do que “entrega a domicílio”. Não sei de onde isso saiu, porque o verbo entregar normalmente se constrói com
a preposição a. Fulano entregou a alma a Deus. De qualquer modo, a língua se enriquece quando você tem dois modos de dizer a mesma coisa. E por que usar “delivery” se temos uma expressão própria em português? Não é mais um badulaque desnecessário? Não sei se é badulaque, o fato é que a língua, que não tem vida independente, também admite modismos, além de refletir todas as qualidades e os defeitos do povo que a fala. Estrangeirismos aparecem, somem e podem ser substituídos por termos nossos. Foi o que aconteceu com a terminologia clássica e introdutória do futebol no Brasil, quando se falava em goalkeeper, off side, corner. Com o passar do tempo e sem nenhuma atitude controladora, os termos estrangeiros do futebol foram dando lugar a expressões feitas no Brasil, como goleiro, impedimento, escanteio. Pior que estrangeirismo é quando leio em artigos de jornal expressões como “tá bom”. Isso é muito mais prejudicial ao destino do português do que o estrangeirismo que vai e volta. Mas as pessoas falam despreocupadamente “tá bom”… Falar é uma coisa, escrever é outra. Em casa, você se veste como quiser, mas, quando sai, deve se arrumar, não é? Essa mesma relação se estabelece entre a língua falada e a língua escrita. […]
AKG/Latinstock
Texto 2
Pôster do governo dos Estados Unidos, com imagem do Tio Sam, um símbolo nacional, convocando jovens a se alistarem no exército estadunidense durante a Primeira Guerra (“Quero você no exército dos Estados Unidos. Aliste-se já.”).
Greenhalgh, Laura. Camões não tem medo do Tio Sam. Entrevista de Evanildo Bechara. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 16 jan. 2005. Aliás, p. J4.
DEBATE
1. Em grupos de até cinco pessoas, você e seus colegas discutirão oralmente os textos 1 e 2. Ao longo de seus estudos, você já leu e discutiu diversos aspectos relacionados à língua e ao seu funcionamento. Você tem, portanto, condições de avaliar os argumentos apresentados nos textos com base em informações científicas, apoiadas por estudos, e não apenas em impressões pessoais. 2. É importante começar identificando os argumentos de cada texto, registrá-los no caderno e perceber qual é o ponto de vista defendido. Lembre-se de avaliar a pertinência e a relevância de cada argumento. 3. Discuta a incorporação dos empréstimos linguísticos à língua portuguesa, além da importância e da necessidade de se propor a regulação do uso de estrangeirismos mediante uma lei e a possibilidade de punir quem não cumpri-la. 4. Segundo Evanildo Bechara, o inglês também recebe empréstimos de outras línguas. Pesquise em grupo como o processo de empréstimo linguístico ocorre nas línguas inglesa e espanhola. 5. Os grupos devem expor sua avaliação a respeito dos pontos de vista defendidos por Aldo Rebelo e Evanildo Bechara, bem como sua própria opinião sobre o assunto. O professor deve mediar o debate e garantir que todos os grupos se manifestem e sejam também questionados pelos outros alunos.
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A língua tem dessas coisas Anagrama, lipograma e pangrama Veja as duas imagens a seguir. 150°O
120°O
90°O
60°O
Allmaps/ID/BR
180°O
30°O
Círculo Polar Ártico
Alasca (EUA)
CANADÁ
NO
NE
SO
SE
Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo. Fotografia: ID/BR
Mapa da América
ESTADOS UNIDOS
OCEANO HONDURAS ATLÂNTICO BAHAMAS Trópico de Câncer HAITI REP. DOMINICANA JAMAICA CUBA GUIANA SURINAME Guiana Francesa (FRA)
BELIZE MÉXICO GUATEMALA EL SALVADOR NICARÁGUA COSTA RICA Equador PANAMÁ
0°
VENEZUELA
OCEANO PACÍFICO
BRASIL
PERU BOLÍVIA
COLÔMBIA EQUADOR PARAGUAI CHILE
Trópico de Capricórnio
ARGENTINA
0
1 207,5
URUGUAI
2 415 km
Fonte de pesquisa: Atlas geográfico escolar. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2004.
Parreiras, Antônio. Iracema, 1909. Óleo sobre tela, 61 cm 3 92 cm. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo.
As imagens mostram uma representação cartográfica da América e uma pintura de Iracema, a heroína do romance homônimo de José de Alencar. O que há em comum entre América e Iracema? Simples: uma palavra é um anagrama da outra. Um anagrama (do grego an = voltar ou repetir + graphein = escrever) é uma palavra formada a partir das mesmas letras de outra palavra. Os artistas muitas vezes utilizam esse recurso para estabelecer relações entre coisas aparentemente desconexas, de forma perceptível apenas a leitores e espectadores mais atentos. É o que comenta o autor do texto a seguir, divulgado em um site da internet.
[…] Lembro-me de um filme do paranaense Sílvio Back em que parte da ação se desenrolava numa hospedaria chamada “Hotel Florida”, evidente anagrama de “Adolfo Hitler”, e que foi a maneira inteligente de situar certos personagens polêmicos no quadro da política brasileira da época. A coisa não para por aí. Daria um ensaio imenso, mas não é meu objetivo atual e só vou mencionar alguns, como exemplo, para avivar algumas memórias mais descansadas: “Iracema”, anagrama de “América” na obra clássica de José de Alencar, “Soares Guiamar”, pseudônimo de “Guimarães Rosa” e a famosa “Rita” [anagrama de “trai”]. Gouveia, Sérgio. Anagrama. Herança do Multiply, 17 jun. 2005. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016.
Os jogos com a língua não param por aí. Alguns escritores gregos se dedicavam a escrever textos que não apresentassem uma determinada letra. A partir do século XVIII, essa técnica passou a ser conhecida como lipograma (do grego lipo = retirar + grama = letra). Um espanhol chamado Alonso de Alcalá produziu cinco novelas de amor; em cada uma, omitiu uma vogal. O pangrama (do grego pan = todas + grama = letras) propõe o desafio de escrever utilizando a maior variedade possível de letras com o mínimo de repetições. E o texto tem de fazer sentido! O pangrama mais conhecido vem do inglês: “The quick brown fox jumps over the lazy dog” (“A ágil raposa marrom pula por sobre o cachorro preguiçoso”). Em português, temos este exemplo: “Foi em Pernambuco que vi Jerry Hall degustar kiwi com xerez”. 1. Identifique cinco pares de palavras da língua portuguesa que formam anagramas. 2. Escreva um parágrafo curto e coerente sem utilizar a letra s. 3. Escreva uma frase com a maior variedade de letras e o mínimo de repetições que conseguir. 266
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Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Vestibular e Enem 1. (UFRJ)
2. Considere a formação da palavra “Desencontrários”, título do poema de Paulo Leminski. Separe seus elementos mórficos. Em seguida, nomeie o primeiro morfema que a compõe e indique seu significado.
O ex-cineclubista (João Gilberto Noll)
a) O vocábulo ex-cineclubista resulta da aplicação de quatro processos de formação de palavras. Identifique-os, valendo-se de elementos constitutivos desse vocábulo. b) O texto […] procura reproduzir na escrita uma característica da linguagem cinematográfica: “o filme, sob o ponto de vista formal, pode ser considerado como uma sequência de espaços e tempos concretamente apresentados pela imagem.”
3. (Unicamp-SP) Fernando Gonsales/Acervo do artista
Aquele homem meio estrábico, ostentando um mau humor maior do que realmente poderia dedicar a quem lhe cruzasse o caminho e que agora entrava no cinema, numa segunda-feira à tarde, para assistir a um filme nem tão esperado, a não ser entre pingados amantes de cinematografias de cantões os mais exóticos, aquele homem, sim, sentou-se na sala de espera e chorou, simplesmente isso: chorou. Vieram lhe trazer um copo d’água logo afastado, alguém sentou-se ao lado e lhe perguntou se não passava bem, mas ele nada disse, rosnou, passou as narinas pela manga, levantou-se num ímpeto e assistiu ao melhor filme em muitos meses, só isso. Ao sair do cinema, chovia. Ficou sob a marquise, à espera da estiagem. Tão absorto no filme que se esqueceu de si. E não soube mais voltar.
(Gonsales, Fernando. “Níquel Náusea”. Folha de S.Paulo online em ).
a) No primeiro quadrinho, a menção a “palavrões” constrói uma expectativa que é quebrada no segundo quadrinho. Mostre como ela é produzida, apontando uma expressão relacionada a “palavrões”, presente no primeiro quadrinho, que ajuda na construção dessa expectativa. b) No segundo quadrinho, o cômico se constrói justamente pela quebra da expectativa produzida no quadrinho anterior. Entretanto, embora a relação pressuposta no primeiro quadrinho se mantenha, ela passa a ser entendida num outro sentido, o que produz o riso. Explique o que se mantém e o que é alterado no segundo quadrinho em termos de pressupostos e relações entre as palavras. (UFRJ) Texto para a questão 4.
(Enciclopédia Mirador-Internacional, s.v. cinema – 13.1.1).
Justifique a afirmativa, tomando por base a organização do plano sintático do texto. (Uerj) Texto para a questão 2.
Desencontrários Mandei a palavra rimar, ela não me obedeceu. Falou em mar, em céu, em rosa, em grego, em silêncio, em prosa. Parecia fora de si, a sílaba silenciosa. Mandei a frase sonhar, e ela se foi num labirinto. Fazer poesia, eu sinto, apenas isso. Dar ordens a um exército, para conquistar um império extinto. Paulo Leminski Góes, F.; Marins, A. (Org.). Melhores poemas de Paulo Leminski. São Paulo: Global, 2001.
Flagra (Rita Lee & Roberto de Carvalho)
No escurinho do cinema Chupando drops de anis Longe de qualquer problema Perto de um final feliz Se a Deborah Kerr que o Gregory Peck Não vou bancar o santinho Minha garota é Mae West Eu sou o Sheik Valentino Mas de repente o filme pifou E a turma toda logo vaiou Acenderam as luzes, cruzes! Que flagra! Que flagra! Que flagra!
4. No texto, a pronúncia dos nomes de atores célebres do cinema americano no 5o verso leva a um criativo efeito cômico. a) Explique esse efeito, valendo-se de elementos fônicos e morfossintáticos. b) Identifique, no plano vocabular, a relação semântica entre o 5o e o 6o versos. 267
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Produção de texto
Tecendo sentidos
UNIDADES
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Relatar
12
Expor
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Argumentar
Galeria Jacques Ardies, São Paulo. Fotografia: Jacques Ardies
10 Narrar
Netto, Rodolpho Tamanini. Trianon (detalhe), 2012. Óleo sobre tela, 60 cm 3 70 cm. Galeria Jacques Ardies, São Paulo. A obra reproduz uma paisagem da cidade de São Paulo (SP). Ao fundo, está o vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp); no primeiro plano, observa-se o parque Trianon, onde duas pessoas sentadas no banco parecem conversar. 268
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Nas sociedades letradas, a capacidade de escrever é fundamental para o acesso ao conhecimento, à participação política e social e ao mundo do trabalho. Escrever é mais que conhecer o alfabeto ou assinar o nome. É saber, antes de tudo, para que serve a escrita e o que se quer com ela. Mas não produzimos textos apenas escrevendo. Por meio da fala também interagimos e produzimos sentidos. Além disso, para produzir um bom texto, é importante entender em que contexto ele vai circular, quem vai lê-lo ou
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ouvi-lo, que sentidos se quer produzir. É preciso compreender o que está em cena, por exemplo, em uma conversa com amigos, no ambiente profissional, na escola, na vida pública. Ao longo do tempo, os textos produzidos em determinado contexto e esfera social adquiriram características mais ou menos regulares. Ao planejar um texto para ser falado ou escrito, recorremos a essas regularidades, percebendo como as “famílias” de texto se estruturam, sobre o que tratam e de que maneira a linguagem se articula. É o que faremos aqui.
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unidade
10 Nesta unidade 18
Conto de humor
Narrar Contar uma história é algo tão antigo e essencial para o ser humano quanto a vida em sociedade. Os sentidos das histórias se completam naqueles que as ouvem ou leem, e que são levados a refletir sobre a condição humana e sobre a ordem social em que vivem. A figura do griô nas sociedades africanas, por exemplo, remonta a milhares de anos e é comumente associada à sobrevivência de muitas culturas. Muito além de contar histórias, o griô tem a função de reconstruir e manter a identidade de seu povo por meio da memória, sendo um verdadeiro artista da palavra e da tradição. O hábito de compartilhar narrativas é universal e se realiza de diferentes formas. Nesta unidade, você vai conhecer um pouco sobre o conto, um gênero narrativo que encanta, instiga e diverte leitores, além de propiciar novas visões sobre si e seu entorno.
Imagem da página ao lado: Meninos descendentes de uma longa linhagem de griôs em Mali. Foto de 2006.
Ao estudar o conto e preparar-se para produzir o seu, você também entrará em contato com um recurso muito utilizado pelos escritores para alterar a percepção do leitor sobre a realidade ou propor uma reflexão sobre ela: o humor.
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capítulo
o que você vai estudar Como identificar e produzir um conto de humor. Como e para que se cria o humor. O que é e como se constrói a verossimilhança.
Conto de humor Os contistas dispõem de diversas estratégias para chamar a atenção de seus leitores. Neste capítulo, você conhecerá melhor o funcionamento do conto caracterizado pelo uso do humor. Depois, será a sua vez de produzir um texto desse gênero.
Leitura O texto a seguir foi escrito por Artur Azevedo (1855-1908), contista e dramaturgo brasileiro do século XIX. Leia-o atentamente e, depois, responda às questões.
De cima para baixo Naquele dia o ministro chegou de mau humor ao seu gabinete, e imediatamente mandou chamar o diretor-geral da Secretaria. Este, como se movido fosse por uma pilha elétrica, estava, poucos instantes depois, em presença de sua excelência, que o recebeu com duas pedras na mão. — Estou furioso! — exclamou o conselheiro. — Por sua causa passei por uma vergonha diante de sua majestade o imperador! — Por minha causa? — perguntou o diretor-geral, abrindo muito os olhos e batendo nos peitos. — O senhor mandou-me na pasta um decreto de nomeação sem o nome do funcionário nomeado! — Que me está dizendo, excelentíssimo?… E o diretor-geral, que era tão passivo e humilde com os superiores, quão arrogante e autoritário com os subalternos, apanhou rapidamente no ar o decreto que o ministro lhe atirou, em risco de lhe bater na cara, e, depois de escanchar a luneta no nariz, confessou em voz sumida: — É verdade! Passou-me! Não sei como isto foi!… — É imperdoável esta falta de cuidado! Deveriam merecer-lhe um pouco mais de atenção os atos que têm de ser submetidos à assinatura de sua majestade, principalmente agora que, como sabe, está doente o meu oficial de gabinete! E, dando um murro sobre a mesa, o ministro prosseguiu: — Por sua causa esteve iminente uma crise ministerial: ouvi palavras tão desagradáveis proferidas pelos augustos lábios de sua majestade, que dei a minha demissão!… — Oh!… — Sua Majestade não a aceitou… 272
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18
— Naturalmente; fez sua majestade muito bem. — Não a aceitou porque me considera muito, e sabe que a um ministro ocupado como eu é fácil escapar um decreto mal copiado. — Peço mil perdões a vossa excelência — protestou o diretor-geral, terrivelmente impressionado pela palavra demissão. — O acúmulo de serviço fez com que me escapasse tão grave lacuna; mas afirmo a vossa excelência que de agora em diante hei de ter o maior cuidado em que se não reproduzam fatos desta natureza. O ministro deu-lhe as costas e encolheu os ombros, dizendo: — Bom! Mande reformar essa porcaria! *** O diretor-geral saiu, fazendo muitas mesuras e, chegando ao seu gabinete, mandou chamar o chefe da 3a seção, que o encontrou fulo de cólera. — Estou furioso! Por sua causa passei por uma vergonha diante do senhor ministro! — Por minha causa? — O senhor mandou-me na pasta um decreto sem o nome do funcionário nomeado! E atirou-lhe o papel, que caiu no chão. O chefe da 3a seção apanhou-o, atônito, e, depois de se certificar do erro, balbuciou: — Queira Vossa Senhoria desculpar-me, sr. diretor… são coisas que acontecem… havia tanto serviço… e todo tão urgente!… — O sr. ministro ficou, e com razão, exasperado! Tratou-me com toda a consideração, com toda a afabilidade, mas notei que estava fora de si! — Não era caso para tanto… — Não era caso para tanto? Pois olhe, sua excelência disse-me que eu devia suspender o chefe de seção que me mandou isto na pasta! — Eu… vossa senhoria… — Não o suspendo; limito-me a fazer-lhe uma simples advertência, de acordo com o regulamento. — Eu… vossa senhoria. Não escreva no livro.
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— Não me responda! Não faça a menor observação! Retire-se, e mande reformar essa porcaria! *** O chefe da 3a seção retirou-se confundido, e foi ter à mesa do amanuense que tão mal copiara o decreto: — Estou furioso, sr. Godinho! Por sua causa passei por uma vergonha diante do sr. diretor-geral! — Por minha causa? — O senhor é um empregado inepto, desidioso, desmazelado, incorrigível! Este decreto não tem o nome do funcionário nomeado! E atirou o papel, que bateu no peito do amanuense. — Eu devia propor a sua suspensão por 15 dias ou um mês: limito-me a repreendê-lo, na forma do regulamento! O que eu teria ouvido, se o sr. diretor-geral me não tratasse com tanto respeito e consideração! — O expediente foi tanto, que não tive tempo de reler o que escrevi… — Ainda o confessa! — Fiei-me em que o sr. chefe passasse os olhos… — Cale-se!… Quem sabe se o senhor pretende ensinar-me quais sejam as minhas atribuições?!… — Não, senhor, e peço-lhe que me perdoe esta falta… — Cale-se, já lhe disse, e trate de reformar essa porcaria!… *** O amanuense obedeceu. Acabado o serviço, tocou a campainha. Apareceu um contínuo. — Por sua causa passei por uma vergonha diante do chefe da seção! — Por minha causa? — Sim, por sua causa! Se você ontem não tivesse levado tanto tempo a trazer-me o
caderno de papel imperial que lhe pedi, não teria eu passado a limpo este decreto com tanta pressa que comi o nome do nomeado! — Foi porque… — Não se desculpe: você é um contínuo muito relaxado! Se o chefe não me considerasse tanto, eu estava suspenso, e a culpa seria sua! Retire-se! — Mas… — Retire-se, já lhe disse! E deve dar-se por muito feliz: eu poderia queixar-me de você!… *** O contínuo saiu dali, e foi vingar-se num servente preto, que cochilava num corredor da secretaria. — Estou furioso! Por sua causa passei pela vergonha de ser repreendido por um bigorrilhas! — Por minha causa? — Sim. Quando te mandei ontem buscar na portaria aquele caderno de papel imperial, por que te demoraste tanto? — Porque… — Cala a boca! Isto aqui é andar muito direitinho, entendes? Porque, no dia em que eu me queixar de ti ao porteiro estás no olho da rua. Serventes não faltam!… O preto não redarguiu. *** O pobre diabo não tinha ninguém abaixo de si, em quem pudesse desforrar-se da agressão do contínuo; entretanto, quando depois do jantar, sem vontade, no frege-moscas, entrou no pardieiro em que morava, deu um tremendo pontapé no seu cão. O mísero animal, que vinha, alegre, dar-lhe as boas-vindas, grunhiu, grunhiu, grunhiu, e voltou a lamber-lhe humildemente os pés. O cão pagou pelo servente, pelo contínuo, pelo amanuense, pelo chefe da seção, pelo diretor-geral e pelo ministro!…
Vocabulário de apoio
afabilidade: amabilidade, delicadeza amanuense: escrevente, copista atônito: confuso, atrapalhado bigorrilhas: joão-ninguém contínuo: entregador (o que é hoje o office boy) desforrar-se: vingar-se desidioso: preguiçoso desmazelado: desleixado, negligente escanchar: abrir. No caso, para colocar a luneta no nariz exasperado: furioso, irritado frege-moscas: restaurante precário fulo: furioso iminente: prestes a acontecer inepto: incompetente luneta: pincenê, tipo antigo de óculos mesura: cumprimento cerimonioso pardieiro: prédio velho, arruinado redarguir: responder, argumentar
Azevedo, Artur. De cima para baixo. In: Contos de Artur Azevedo. São Paulo: DCL, 2005. p. 22-27.
Situação de produção Opção pela simplicidade Leia a seguir um depoimento de Artur Azevedo, em que ele revela o público que tinha em mente quando escrevia. Desde que pela primeira vez me aventurei a rabiscar nos jornais, observei que a massa geral dos leitores se dividia em dois grupos distintos: um muito pequenino, muito reduzido, de pessoas instruídas ou ilustradas, que procuravam em tudo quanto liam
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gostoso pasto para os seus sentimentos estéticos, e o outro numeroso, formidável, compacto, de homens do trabalho, que iam buscar na leitura dos jornais um derivativo para o cansaço do corpo, e exigiam que não lhes falassem senão em linguagem simples, que eles compreendessem. Tendo que escolher os meus leitores entre esses dois grupos, naturalmente escolhi os do segundo. Azevedo, Artur. Contos de Artur Azevedo. São Paulo: DCL, 2005. p. 67.
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Ler um conto de humor 1. O boxe Situação de produção traz o depoimento do escritor Artur Azevedo sobre sua escolha de escrever em linguagem simples, para atingir seu público. Você acha que essa escolha contribui para que um texto de humor cumpra o objetivo de fazer rir? Por quê? 2. Textos narrativos desenvolvem-se em torno de um conflito, isto é, de uma oposição ou tensão entre forças ou personagens. Qual é o conflito a partir do qual se desenvolve o conto “De cima para baixo”? 3. Localize no conto e copie no caderno as expressões que indicam: a) o tempo da ação. b) o espaço em que se passa a ação. ANOTE
O conto concentra-se em geral em torno de um único conflito. Costuma entrar direto no assunto de que vai tratar e desenvolve-o continuamente até o desfecho. As descrições de personagens e as referências ao tempo e ao espaço são reduzidas ao essencial. No entanto, a narrativa é trabalhada de forma a criar o máximo de tensão e intensidade.
4. Copie e complete o quadro abaixo no caderno. Acrescente as personagens que faltam e as formas de tratamento que são usadas para se dirigir a elas. Personagem/posição
Forma de tratamento
imperador
Majestade
ministro
Excelência
5. Não são apenas as formas de tratamento que mudam conforme as personagens vão descendo na escala social. Releia os diálogos do texto e explique a mudança que há também em relação: a) à linguagem utilizada nas “broncas”. b) à oportunidade que cada personagem tem de se explicar ao seu superior. 6. Releia. — Peço mil perdões a Vossa Excelência — protestou o diretor-geral, terrivelmente impressionado pela palavra demissão.
7. Observe no texto os relatos que os chefes fazem, a seus funcionários, das conversas que tiveram com os superiores. a) Esses relatos estão de acordo com o que realmente aconteceu? Justifique. b) Que mentira o diretor-geral usa para ameaçar o chefe da 3a seção? Por que o leitor sabe que ele está mentindo? c) Depois de observar o comportamento das personagens do conto, o que é possível supor a respeito do relato feito pelo ministro sobre sua conversa com o imperador, a única que o leitor não “testemunha”?
A maneira como cada personagem se dirige ao seu superior ou subordinado está diretamente relacionada aos papéis sociais ocupados por elas e revela, também, as relações de poder que se estabelecem, por meio da linguagem, no momento da interação. Esse assunto é tratado na parte de Linguagem (capítulo 11, p. 182-183).
8. Releia. O mísero animal, que vinha, alegre, dar-lhe as boas-vindas, grunhiu, grunhiu, grunhiu, e voltou a lamber-lhe humildemente os pés.
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Capítulo 18 – Conto de humor
a) A quem a palavra demissão se refere no diálogo? b) Por que essa palavra deixa o diretor-geral “terrivelmente impressionado”? Esse significado está explícito no texto ou fica subentendido?
HIPERTEXTO
Compare a atitude do cão com a das personagens humanas da história.
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ANOTE
O humor quase sempre trata de temas polêmicos. São objeto de piadas e humorismo a sexualidade, os costumes e as instituições, os preconceitos e os estereótipos, os sentimentos e os comportamentos socialmente reprováveis (agressividade, mentira, inveja, etc.), a loucura, a desumanização, as diferenças físicas, a morte, entre outros.
9. Releia a descrição que o narrador faz do diretor-geral. […] era tão passivo e humilde com os superiores, quão arrogante e autoritário com os subalternos […]
10. A estrutura do conto revela um padrão repetitivo de comportamento das personagens. a) Copie no caderno expressões das falas das personagens que demonstram essa repetição. b) O texto apresenta certa teatralidade na descrição de algumas ações ao ressaltar expressões e gestos de personagens. Que gesto é repetido por personagens diferentes nas três primeiras cenas do conto? c) Ao narrar os acontecimentos dessa forma, o conto critica um aspecto negativo da sociedade. Que aspecto é esse?
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a) Defina, com base no conto, a palavra subalterno. b) Explique as semelhanças e as diferenças (de forma e de significado) entre as palavras subalterno e submisso. Se necessário, consulte um dicionário. c) Há outras personagens no texto para quem essa descrição do diretor-geral também seria apropriada? Em caso afirmativo, quais seriam essas personagens e por que a descrição seria adequada a elas? d) Com base em sua resposta à pergunta anterior, o que se pode concluir sobre o comportamento das personagens do conto “De cima para baixo”?
ANOTE
Um dos efeitos do humor é realçar o que há de automatizado e rígido no comportamento humano como forma, muitas vezes, de criticá-lo. Para isso, as repetições são um recurso importante. Nos contos de humor, gestos, frases ou situações podem se repetir, de forma idêntica ou invertida, com trocas de papéis, como em “De cima para baixo”.
11. Agora, responda: O que faz do texto “De cima para baixo” um conto de humor? Explique e justifique, levando em consideração tanto a forma quanto o conteúdo do conto.
observatório da língua A verossimilhança na ficção A ficção constrói um mundo à parte, independente da realidade. Seres humanos transformam-se em insetos, como em A metamorfose, de Franz Kafka, ou viajam pelo espaço sideral, como a turma do Sítio do Picapau Amarelo em Viagem ao céu. Os mundos criados por contos, romances, fábulas, quadrinhos, filmes, etc. são regidos por leis internas que estabelecem seus próprios critérios de coerência. Ao fazer isso, a ficção cria sua própria verdade, sua verossimilhança. Embora a palavra verossimilhança signifique, literalmente, “semelhança com a verdade”, no caso da ficção essa semelhança não é com a realidade, mas com a verdade estabelecida internamente no mundo inventado pela própria ficção. Em uma história do Super-Homem, por exemplo, é verossímil que ele consiga deter um avião em pleno voo, mas é inverossímil que consiga derrubar uma pessoa se estiver perto de uma pedra de criptonita, seu ponto fraco, a menos que isso seja justificado por algum outro elemento do texto. 1. Identifique que elementos propiciam a construção da verossimilhança no conto de Artur Azevedo. Para isso, observe: a) Que aspectos da narrativa poderiam parecer inverídicos ou improváveis se esse fosse o relato de um acontecimento da vida real? b) De que maneira o narrador garante que esses aspectos se tornem verossímeis no conto?
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Produzir um conto de humor Você vai produzir um conto de humor a ser inscrito no concurso de contos da classe. Exige-se que o texto tenha no máximo duas páginas digitadas em fonte 12 e espaço simples. Os dez melhores contos serão publicados em um livro que será alocado na biblioteca da escola. O regulamento prevê que a narrativa se desenvolva a partir de uma das situações descritas a seguir. Escolha uma delas e coloque em prática os pontos estudados neste capítulo. Dê especial atenção à forma do texto. A narrativa concentra-se no conflito apresentado, mas deve construir certa tensão e intensidade para “fisgar” o leitor. Use recursos que possam tornar o texto engraçado e crítico. Situação A – Uma personagem consegue se livrar de um presente indesejável, mas, depois de algumas “peripécias”, o objeto acaba vol tando para suas mãos. (Situação inspirada em “A obra de arte”, de Anton Tchecov.) Situação B – Uma personagem inocente se envolve sem querer em uma situação muito comprometedora. Como tem certeza de que a verdade será entendida como “desculpa esfarrapada”, assume a culpa por algo que, na verdade, não cometeu. (Situação inspirada em “A aliança”, de Luis Fernando Verissimo.) Situação C – Uma família (ou grupo de amigos) “invade” um velório e toma conta da situação, terminando por expulsar a verdadeira família. (Situação inspirada em “Comportamento nos velórios”, de Julio Cortázar.) Situação D – Uma situação de escritório como a apresentada no cartum ao lado.
Quino. Que gente má! Trad. Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 85. Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Que gente má - Martins Fontes, 2003
Proposta
Planejamento
Capítulo 18 – Conto de humor
1. Observe no quadro abaixo as características do texto que você vai produzir. Gênero textual
Público
Finalidade
Meio
Linguagem
Evitar
Incluir
conto de humor
colegas de classe e leitores da biblioteca da escola
narrar uma história, evidenciando um aspecto da realidade sob a perspectiva do humor
livro
informal; precisão e economia nas descrições de personagens, tempo e espaço
passagens desnecessárias; frouxidão narrativa; elementos inverossímeis
detalhes cômicos; repetições significativas
2. Defina o tema e qual aspecto da realidade você quer evidenciar em seu conto. 3. Defina e caracterize, de maneira breve: a) as personagens principais de seu conto; b) o tempo em que se passa a ação; c) o espaço no qual acontecem os fatos. 4. Faça uma lista de todos os fatos da história que você vai contar, do início ao fim. Lembre-se de que o conto se caracteriza por apresentar um único conflito.
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Elaboração 5. Use um estilo de linguagem que seja engraçado e apropriado ao assunto tratado. Para isso, certo grau de informalidade é desejável. 6. Você pode usar diálogos sempre que contribuírem para o andamento da narrativa ou para produzir humor. Eles revelam, sobretudo, aspectos que aparecem apenas nas relações entre personagens, como mentiras, ameaças, intimidações, seduções, etc. 7. Releia seu conto em voz alta para verificar se o texto tem ritmo, fluência, ou se o detalhamento excessivo de determinadas partes poderia aborrecer o leitor e tirar o foco do conflito. 8. Ao concluir seu texto, não se esqueça de criar um título que instigue a curiosidade do leitor sem “entregar o ouro” sobre a resolução do conflito.
Avaliação 9. Copie o quadro abaixo no caderno e faça uma autoavaliação. Se necessário, reescreva seu conto.
Atenção
»»Observe a verossimilhança
na produção de seu texto. Lembre‑se de que deve haver coerência entre as partes, as ideias e os fatos para que o leitor fique convencido da possibilidade ficcional de seu texto.
»»Como o conto tem forma
concisa, a precisão na linguagem é um instrumento essencial. Pequenos detalhes cômicos podem produzir grande efeito humorístico.
10. Em seguida, o professor vai distribuir aleatoriamente os contos para que cada aluno avalie três deles. Para isso, copie o quadro abaixo em três folhas separadas. Dê uma nota de 0 a 2,0 pontos para cada critério. A nota final do conto será a soma das notas dadas. Deve ser garantido o sigilo do autor do conto. Ficha de avaliação do conto de humor
NOTA
A estrutura do conto foi respeitada? (Há personagens, tempo e espaço?) Há concisão narrativa? Apenas passagens necessárias estão presentes? O conto revela algum aspecto negativo ou inusitado do ser humano?
Laerte/Acervo do artista
O conto é verossímil? Há coerência entre partes, fatos e/ou ideias? Há precisão e comicidade no uso da linguagem? O conto é engraçado? O humor foi bem construído?
11. Anote, também a lápis, outros aspectos que podem ser melhorados nos textos dos colegas (ortografia, acentuação, pontuação, etc.).
Reescrita 12. Leia as notas que os colegas atribuíram a cada critério de avaliação de seu texto. Há algo que pode ser melhorado, segundo essa avaliação? 13. Revise mais uma vez outros aspectos do texto que possam ser melhorados: ortografia, acentuação, pontuação, etc. 14. O efeito de humor pode ser produzido pelo uso de repetições intencio-
nais e significativas, na estrutura narrativa, na descrição dos gestos das personagens ou em suas falas. Utilize esses recursos.
15. Reescreva seu conto e entregue ao professor para seleção. Os dez melhores contos devem ser lidos para a turma e compilados em um livro, que deverá ficar disponível na biblioteca da escola.
Publicação 16. Após a seleção dos textos, junto com a turma, elabore um livro com os dez melhores contos. Se necessário, procure alguns tutoriais na internet para ajudá-lo na confecção e na diagramação do material. Não escreva no livro.
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Laerte. Classificados. São Paulo: Devir, 2001. v. 1. p. 44.
A repetição como recurso humorístico: a quadrinista repete, com pequenas variações, a mesma situação e a mesma construção sintática. 277
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Vestibular e Enem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Os exames vestibulares costumam pedir em suas provas de redação, em geral, que o candidato produza um tex to dissertativo-argumentativo. No entanto, às vezes é oferecida a possibilidade de desenvolver o tema em um texto narrativo, como é o caso das duas propostas apresentadas abaixo. Elas permitem que você utilize seus conhecimentos sobre o conto para produzir as narrativas. Leia as propostas com atenção e produza uma narrativa utilizando os conceitos e os conhecimentos adquiridos neste capítulo. Lembre-se de que geralmente o conto se concentra em torno de um único conflito. Além disso, em geral, entra-se direto no assunto que será abordado, desenvolvendo-o continuamente até o desfecho. As descrições de personagens e as referências ao tempo e ao espaço são reduzidas ao essencial. No entanto, a narrativa é trabalhada de forma a criar o máximo de tensão e intensidade. Utilize alguns minutos para fazer uma revisão final do seu texto e verifique se ele segue a orientação da proposta. 1. (Fatec-SP – Adaptada) Leia este fragmento de uma reportagem para elaborar o seu texto.
43% preferem trabalho flexível a aumento, diz pesquisa Mais dinheiro ou mais tempo? Segundo um estudo, 43% dos profissionais negariam um aumento de salário de 10%, se pudessem ter mais flexibilidade no trabalho. Quando confrontados com a possibilidade de ganhar 20% a mais, 36% dos entrevistados ainda assim prefeririam dias e horários mais adaptáveis. Outra descoberta da pesquisa foi que um terço das pessoas trocaria de empregador se recebesse uma oferta de trabalho mais flexível do que a atual. A preocupação com a qualidade de vida é a principal explicação por trás dos números. Entre as razões mais citadas estão a facilidade para lidar com responsabilidades familiares (43%) e a possibilidade de ter mais tempo livre (38%). [...] Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2015. Adaptado.
Proposta de produção de texto A partir do fragmento dessa reportagem, redija um texto narrativo, em prosa, sobre o tema: O que é mais importante: um salário maior ou um horário de trabalho mais flexível? Orientações: •• Narração – explore adequadamente os elementos: fato, personagens, tempo e lugar. •• Empregue em seu texto apenas a variedade culta da língua portuguesa. •• Faça um rascunho antes de passar a limpo seu texto. •• Utilize caneta de tinta azul ou preta para elaborar a versão definitiva. •• Organize seu texto em parágrafos. •• Não copie o texto apresentado. •• Não redija o texto em versos. 2. (PUC-Campinas-SP) Uma propaganda na TV alerta a população sobre equívocos provocados pelo fato de pessoas terem o mesmo nome, explorando de modo bem-humorado o caso dos homônimos. No saguão de um aeroporto, um homem carrega uma pequena tabuleta com o nome da pessoa que espera, a quem, evidentemente, nunca vira antes. Quando chega, o homem cujo nome está escrito na tabuleta é levado para casa onde sua suposta família o espera com uma festa de boas-vindas. Na hora do encontro, evidencia-se o engano: o recém-chegado, que nada tem de oriental, é recepcionado por uma família de japoneses. No aeroporto, o japonês esperado pela família permanece aguardando. Redija uma narração em que se relate um caso de engano vivido por duas personagens homônimas. O narrador que você escolher deve contar como o equívoco se gerou e explorar a reação tanto dessas personagens quanto de outras presentes na situação imaginada. Procure ser bem criativo no desfecho. 278
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unidade
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Relatar Os meios de comunicação são uma das fontes de informação da sociedade. É com base na informação que as pessoas emitem opiniões a respeito dos fatos, tomam decisões, agem sobre a realidade. Por isso, é importante interagir, de forma crítica, com as informações veiculadas pela mídia e refletir sobre os interesses que existem por trás da informação publicada.
19
Notícia
20
Reportagem
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Relato de experiência vivida
Redação do jornal Agora São Paulo. Foto de 2015. Ronny Santos/Folhapress
Nesta unidade, você vai exercitar a produção de gêneros textuais que circulam, em geral, na esfera jornalística e exigem o domínio da capacidade de relatar acontecimentos. Para isso, você vai estudar certos recursos e estratégias utilizados para informar e, de forma implícita ou explícita, transmitir um ponto de vista sobre os fatos relatados.
Nesta unidade
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capítulo
19 o que você vai estudar Como identificar e produzir uma notícia. De que formas a notícia pode influenciar a opinião do leitor.
Notícia A notícia é um gênero textual da esfera jornalística que circula em diferentes meios de comunicação. Produzida para ser consumida rapidamente, tem um “prazo de validade” bastante curto. Apresenta informações sobre o que se passa à nossa volta - em nossa cidade, país ou no mundo - e propõe reflexões a respeito da realidade e de formas de agir sobre ela. Neste capítulo, você vai conhecer melhor esse gênero e se apropriar de alguns conhecimentos necessários para se tornar um bom leitor e produtor de notícias.
Leitura
Como se constrói a coesão no texto.
Leia atentamente o texto abaixo, reproduzido do site da revista Carta Capital.
Internacional
Suprema Corte dos EUA reconhece legalidade do casamento gay
Em decisão histórica, a Corte máxima dos Estados Unidos legalizou o casamento gay em todo o país e obriga estados com legislações contrárias à união de casais do mesmo sexo a aderir à nova lei por Redação — publicado 26/06/2015 12h09, última modificação 26/06/2015 13h13
Mark Wilson/Getty Images
A Suprema Corte norte-americana legalizou nesta sexta-feira 26 o casamento gay em todos os estados do país, após duas décadas de discussão sobre o tema. A decisão foi celebrada por ativistas no lado de fora do tribunal. Segundo a instância máxima da Justiça dos Estados Unidos, é inconstitucional uma lei federal que define o casamento como “a união entre um homem e uma mulher”. Com isso, a legalidade do casamento gay é assegurada no país. Além disso, os juízes argumentaram que a proibição do casamento entre duas pessoas de mesmo sexo afronta a Quinta Emenda da Constituição, que estabelece que as pessoas são igualmente livres. A decisão histórica obriga todos os estados que possuem leis proibindo o casamento gay a reconhecê-lo. Antes, o casamento entre pessoas do mesmo sexo era proibido em 14 estados norte-americanos. Na Suprema Corte, a lei foi aprovada por 5 votos a 4. O presidente Barack Obama disse, em sua conta no Twitter, que a decisão da Corte “é um histórico passo à frente para o casamento entre iguais”, com a hashtag “o amor vence”. Em 2012, Obama mudou sua posição a respeito do tema. Antes favorável apenas à “união civil”, Obama passou a defen- Ativista comemora a legalidade do casamento gay em frente ao prédio da Suprema Corte americana. der o casamento gay. 280
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Twitter. Fac-símile/ID/BR
Reprodução da postagem original do presidente Barack Obama em sua conta no Twitter.
Com a aprovação da lei, casais homossexuais poderão receber benefícios federais, como Previdência e fazer declaração conjunta do imposto de renda, entre outros benefícios. Atualmente, estima-se que existam 390 mil casais do mesmo sexo nos Estados Unidos, de acordo com a Universidade da Califórnia, que acompanha os dados demográficos de gays e lésbicas americanos. Outros 70 mil casais, que vivem em estados onde o casamento gay não é permitido, devem se casar nos próximos três anos.
ação e cidadania
Em 2011, baseado nos princípios de liberdade e igualdade previstos na Constituição, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a equiparação da união homoafetiva à heterossexual no Brasil. Apesar de a aprovação do STF estar relacionada à união es tável entre pessoas do mesmo sexo; em 2013, uma medida aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça passou a obrigar os cartórios a celebrar casamento de casais homoafetivos. A alteração do estado civil (de união estável para casado) garante a legitimidade das relações homoafetivas.
No Brasil
Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu no Brasil a união homoafetiva. Com isso, a união entre casais do mesmo sexo foi reconhecida como uma entidade familiar e os direitos previstos no Código Civil à união estável de casais heterossexuais também passaram a valer para casais gays. Entre os direitos obtidos por casais do mesmo sexo com a decisão da Corte brasileira estão: o direito à adoção, à comunhão parcial de bens e a pensões do INSS, entre outros. Atualmente, o casamento gay ainda não é previsto no Brasil, uma vez que é necessária a criação de uma lei específica sobre a questão pelo Congresso Nacional. Carta Capital. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2016.
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Ian Herman/ID/BR
Notícia tem prazo de validade A notícia pode circular em diversos meios de comunicação: jornais, revistas, rádio, televisão e internet. Em cada um deles, o gênero ganha características próprias. Na impossibilidade de relatar o presente, a notícia busca tornar acessível o passado mais recente. Como declara sua data, logo se torna descartável. “O jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã”, como se dizia antigamente. Na internet, no rádio e na TV, as notícias podem ser atualizadas a qualquer tempo. Embora tenham a vantagem da rapidez, esses meios de comunicação correm o risco de apresentar dados menos confiáveis e fazer análises menos profundas. Os jornais e as revistas semanais de atualidades, por outro lado, têm mais tempo para checar as informações e agregar dados e análises novas. Por isso, têm mais possibilidades de construir uma imagem de confiabilidade e constituir-se como o espaço em que se busca o real alcance dos fatos noticiados.
Adriana Alves/ID/BR
Situação de produção
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Ler uma notícia 1. A notícia “Suprema Corte dos EUA reconhece a legalidade do casamento gay” foi publicada na seção Internacional do site de uma revista. Em que outros cadernos ou seções de uma revista ou de um jornal, essa notícia poderia ter sido veiculada? Por quê? 2. Explique a importância do fato relatado na notícia. ANOTE
A notícia é um gênero textual que relata fatos da atualidade. Com informações supostamente relevantes, tem como finalidade contribuir para a melhor compreensão do público sobre o mundo que o cerca.
3. Observe como, usualmente, se estrutura uma notícia de jornal. Chapéu: identifica o nome da seção ou do caderno.
Data: em letras miúdas, faz parte da estrutura da notícia.
Título: em fonte maior (ou letra grande), condensa a ideia central da notícia.
Linha fina: antecipa informações gerais sobre o fato.
Lide (do inglês lead, “conduzir”): primeiro parágrafo da notícia, traz as informações essenciais ao entendimento do fato - quem, o que, onde e quando.
Arquivo CB/CB/D.A Press
As informações complementares vão sendo desenvolvidas nos parágrafos seguintes, por ordem de importância.
Olho: trecho da notícia destacado em letras maiores no meio da página. Intertítulo: facilitador de leitura, chama a atenção para o aspecto específico que será tratado a seguir, ou organiza as informações em blocos menores.
Agora, identifique cada uma das partes descritas acima na notícia “Suprema Corte dos EUA reconhece legalidade do casamento gay”. 4. Observe que a notícia publicada no site da Carta Capital não apresenta somente data, mas também hora de publicação. Qual é a importância dessa informação? 5. A notícia lida traz imagens relacionadas aos fatos relatados. O que as imagens retratam?
Capítulo 19 – Notícia
6. Observe os tempos verbais usados em cada parte da notícia. a) Que tempo verbal foi utilizado no título e na linha fina da notícia? Qual é o efeito obtido pelo uso desse tempo verbal? b) Que tempo verbal predomina no corpo do texto? c) Conclua: Quais são os tempos verbais típicos do título de uma notícia? E do corpo da notícia? 7. Copie o quadro ao lado no caderno e complete-o com as informações do primeiro parágrafo da notícia das páginas 280 e 281. ANOTE
Na notícia, o que determina a ordem de apresentação das informações é sua importância, e não a ordem cronológica dos fatos. As informações principais aparecem resumidas no primeiro parágrafo, chamado lide. Neste parágrafo, costuma-se responder às perguntas fundamentais sobre um fato: Quem? O quê? Onde? Quando? Nos parágrafos seguintes, aparecem as informações complementares e os depoimentos de pessoas entrevistadas.
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Quem? O quê? Onde? Quando?
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8. Observe que essa notícia não traz indicação de autoria, que é atribuída à redação da publicação. a) Que pessoa do discurso predomina no texto? b) Procure marcas da presença de um autor na notícia que você leu. Quais são os elementos que você pode citar como marcas de autoria? ANOTE
Para obter o efeito de objetividade necessário à credibilidade da informação, o autor da notícia procura apagar ou atenuar os vestígios de sua subjetividade na linguagem utilizada. Para isso, faz uso de verbos impessoais e da terceira pessoa do discurso. Na construção das frases, privilegia a ordem direta. A linguagem da notícia evita adjetivos e juízos de valor que sugiram uma opinião sobre o fato relatado.
9. Copie no caderno os trechos da notícia que apresentam dados numéricos e informações relacionadas a quantidades e medidas. Em seguida, explique a importância desses elementos para a compreensão dos fatos relatados. ANOTE
A precisão das informações divulgadas na notícia confere credibilidade ao relato dos acontecimentos. Por isso, a linguagem da notícia busca oferecer medidas (distância, altura, peso, etc.) e quantidades (unidades, percentuais, etc.) com precisão numérica.
10. Há uma citação de uma postagem de Barack Obama no Twitter. a) A notícia apresenta uma tradução em português da postagem do presidente dos EUA na época. Como é possível atestar a veracidade dessa tradução? b) Que critério parece ter sido utilizado para a inclusão dessa declaração? A notícia dá voz às testemunhas envolvidas no fato e a especialistas e instituições relacionadas ao assunto tratado. Em notícias, pode-se utilizar o discurso direto (citação entre aspas) ou o indireto (descrição da fala). Em ambos os casos, são utilizados os verbos dicendi, verbos que indicam fala, como informar, garantir, expor, declarar, confessar, considerar e comemorar. Esses verbos podem transmitir informações importantes sobre o comportamento daquele que fala ou sobre o ponto de vista do autor da notícia a respeito dessa fala.
Daniel Araujo/ID/BR
ANOTE
11. Releia os três últimos parágrafos da notícia. a) Nesse trecho, que informação é acrescentada à notícia? b) Qual é a importância dessa informação para os leitores da revista? 12. Releia o último parágrafo da notícia. Atualmente, o casamento gay ainda não é previsto no Brasil, uma vez que é necessária a criação de uma lei específica sobre a questão pelo Congresso Nacional. a) Quais são as diferenças entre as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil e as tomadas pela Suprema Corte dos EUA? b) Um casal homoafetivo tem mais amparo legal nos EUA ou no Brasil? Por quê? ANOTE
O produtor de uma notícia não expõe explicitamente sua opinião ou ponto de vista. No entanto, conta com alguns recursos para conduzir a opinião do leitor em uma determinada direção, como o uso dos depoimentos de testemunhas e de especialistas, a seleção e a ordenação de informações e a escolha de vocabulário. Não escreva no livro.
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Entre o texto e o discurso – A questão da imparcialidade Ao longo deste capítulo, você aprendeu que a notícia é um gênero textual que busca relatar fatos relevantes da atualidade de forma objetiva. O produtor da notícia evita emitir sua opinião pessoal. Mas será que é possível ser inteiramente imparcial em um relato? Leia a notícia a seguir e preste atenção aos trechos destacados. meio ambiente
A informação privilegiada no título da notícia é o fato de a lei já existir há um ano. Essa mesma informação é repetida outras duas vezes em lugares de destaque: na linha fina e no primeiro parágrafo da notícia, reforçando a demora no cumprimento da lei.
Um ano após lei, Ceará mantém 284 lixões irregulares Por lei federal, o Estado deveria ter erradicado os depósitos clandestinos há um ano, mas a quantidade de lixões permanece estável. Construção de aterros sanitários ainda enfrenta dificuldades no interior
A escolha dessas formas verbais na linha fina e no primeiro parágrafo sugere uma obrigação não cumprida.
Rômulo Costa
Um ano após a data-limite para a extinção dos lixões no País, o Ceará ainda mantém 284 espaços do tipo ao longo de seu território. Pelo que determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, lei nº 12.305/10), todos eles deveriam ter sido substituídos por aterros sanitários desde agosto de 2014. De lá para cá, nada mudou no Estado. A quantidade de lixões permanece exatamente a mesma há, pelo menos, quatro anos. Nenhum foi desativado. E “o número pode ser ainda maior”, arrisca Maria Dias, secretária-executiva da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). Segundo ela, a construção de novos aterros sanitários esbarra na falta de recursos das prefeituras e, principalmente, na pouca preocupação dos gestores com a destinação do lixo. Para auxiliar as administrações, o Governo do Estado aglutinou municípios cearenses em 22 consórcios que tentam viabilizar a construção de novos aterros sanitários. A lógica é simples: juntas, as prefeituras dividiriam os custos e os benefícios dos equipamentos. Ainda assim, a situação não caminhou. Hoje, apenas cinco desses grupos concluíram os projetos de execução. Outros oito estão em fase de elaboração de propostas, enquanto nove nem efetivaram os consórcios. [...]
A conjunção adversativa mas reforça o caráter negativo do que deixou de ser feito.
Depois de apontar três vezes que a lei deveria ter sido cumprida há um ano, a data é explicitada: desde agosto de 2014.
Capítulo 19 – Notícia
A fala citada da secretária-executiva revela que, além de nenhum lixão ter sido desativado, é possível que o número tenha aumentado.
O advérbio ainda, na linha fina e no primeiro parágrafo, intensifica o atraso em cumprir a lei.
O uso dos pronomes nada e nenhum intensifica a informação, dada duas vezes, de que a quantidade de lixões não diminuiu. Apesar de a notícia dizer que “a lógica é simples”, a situação continua a mesma.
Realidade distante O caminho até a erradicação dos lixões no Ceará ainda é “longo”, de acordo com a secretária-executiva da Sema. “Dizer que até o final da gestão tudo estaria resolvido seria utópico”. Como parte da solução, a secretaria planeja dividir o Estado em 14 regiões de ação integrada, cada uma tendo um ou dois municípios como polos gestores. Nessas áreas, a Sema pretende estimular a coleta seletiva e outras atitudes que devem reduzir os resíduos encaminhados aos lixões. [...]
As informações numéricas apresentadas reafirmam o pouco que foi feito: cinco grupos fizeram o que deveriam, dezessete não fizeram.
Costa, Rômulo. Um ano após lei, Ceará mantém 284 lixões irregulares. O Povo, 31 jul. 2015. Caderno Cotidiano.
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O intertítulo Realidade distante demonstra uma visão pessimista em relação ao cumprimento da lei, reforçada pela escolha lexical da única entrevistada: o caminho é longo, e dizer o contrário seria utópico.
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Relatar também é construir um ponto de vista Um relato é uma representação, por meio da linguagem verbal, de experiências vividas e situadas no tempo. A rigor, uma notícia não deveria veicular opiniões, e sim oferecer fatos para que o leitor formasse a sua própria opinião. Porém, ao colher dados e consultar fontes, o produtor do texto naturalmente constrói um ponto de vista sobre o fato. Esse ponto de vista é influenciado por muitos fatores: valores e crenças pessoais, caderno, seção ou editoria nos quais a notícia será inserida (determinante para o enfoque dado ao assunto), posicionamento ideológico do veículo, quem é o seu público-alvo, entre outros. Assim, ao relatar os fatos, o produtor da notícia o faz a partir do seu ponto de vista sobre eles. Ele procura criar um efeito de objetividade; para isso, atenua marcas linguísticas de seu posicionamento pessoal. No entanto, não existe linguagem imparcial ou neutra. Vários fatores textuais podem influenciar a opinião do leitor. Observe alguns elementos da notícia que podem ajudar o leitor a perceber o ponto de vista do texto, favorável ou desfavorável aos fatos noticiados: ••a ordem de apresentação dos fatos ou das informações ••a escolha de palavras e as repetições delas ••a seleção das informações ••as vozes de autoridade sobre o assunto 1. Volte à notícia “Suprema Corte dos EUA reconhece legalidade do casamento gay”. É possível identificar o ponto de vista do texto a respeito do fato relatado? Explique sua resposta. 2. Crie um título, uma linha fina e um lide para uma notícia sobre algum tema de seu interesse. a) Escolha palavras e selecione informações favoráveis aos fatos noticiados. b) Reescreva-os, agora escolhendo palavras e selecionando informações desfavoráveis aos fatos noticiados. c) Acrescente em cada uma das notícias criadas um depoimento de autoridade que reforce o ponto de vista favorável ou desfavorável ao assunto.
HIPERTEXTO As conjunções, palavras que ligam termos e orações, são um importante recurso de coesão textual. A coesão e outros mecanismos de textualidade são tratados na parte de Linguagem (capítulo 17, p. 254).
observatório da língua As conjunções e a construção de sentidos no texto Releia trechos da notícia do jornal O Povo. Por lei federal, o Estado deveria ter erradicado os depósitos clandestinos há um ano, mas a quantidade de lixões permanece estável. Para auxiliar as administrações, o Governo do Estado aglutinou municípios cearenses em 22 consórcios que tentam viabilizar a construção de novos aterros sanitários. [...] Hoje, apenas cinco desses grupos concluíram os projetos de execução. Outros oito estão em fase de elaboração de propostas, enquanto nove nem efetivaram os consórcios. 1. Observe os pares de orações a seguir.
No primeiro trecho, o autor da notícia contrapõe o que deveria ter sido feito e a realidade. Observe que esse contraste é indicado pelo uso da conjunção adversativa mas. No segundo trecho, a conjunção enquanto reforça o atraso de municípios cearenses que não efetivaram os consórcios. As conjunções têm uma função importante na ligação entre as partes de um texto, esclarecendo ou enfatizando a natureza da relação entre as ideias. Quando utilizadas adequadamente, as conjunções auxiliam o leitor a interpretar o que lê. No entanto, uma conjunção que não explicita corretamente a relação entre orações compromete a leitura e pode inclusive induzir a equívocos. Portanto, ao utilizá-las, certifique-se de que as conjunções contribuem para a construção de sentidos no texto, indicando de forma adequada a conexão entre orações.
Os consumidores estão otimistas para o cenário financeiro./A crise financeira internacional está causando pressão em bancos e empresas. A baixa umidade do ar pode provocar complicações alérgicas e respiratórias./Recomenda-se que à tarde sejam evitados esportes e atividades físicas ao ar livre. Ex-aluno será indenizado./Curso não era reconhecido pelo MEC. a) Copie as orações no caderno, conectando-as por meio de uma conjunção que aponte adequadamente a relação existente em cada par. Faça as modificações necessárias, mas sem alterar a ordem das orações. b) Agora, inverta a ordem das orações e observe se as conjunções escolhidas continuam adequadas. Com base nessa observação, faça as substituições necessárias.
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Produzir uma notícia Proposta
B
Ed Alves/CB/D.A Press
A
Aline Arruda/UOL/Folhapress
Escreva uma notícia voltada ao público jovem a ser publicada no suplemento juvenil do jornal de sua escola. Observe as fotografias abaixo e inspire-se em uma delas para lembrar de algum acontecimento importante que tenha ocorrido recentemente, sobre o qual você escreverá seu texto. Se preferir, pode ser um assunto que não esteja relacionado às fotografias. Você deverá pôr em prática os aspectos da notícia estudados neste capítulo.
imago/Xinhua/Fotoarena
C
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto a ser produzido. Gênero textual notícia
Público
Finalidade
Meio
Linguagem
jovens da comunidade escolar
relatar um fato atual de interesse do público-alvo
jornal impresso ou on-line
objetiva; terceira pessoa do discurso; conjunções adequadas; ordem direta; verbos dicendi; advérbios de tempo e modo
Evitar
Incluir
opinião pessoal; depoimentos primeira pessoa e citação de do discurso; fontes juízo de valor; excesso de adjetivos
Capítulo 19 – Notícia
2. Defina em que seção do suplemento a notícia será publicada. 3. Após definir o fato central da notícia, copie o quadro ao lado no caderno e preencha-o com as informações sobre o fato. a) Crie um título que resuma, em poucas palavras (entre cinco e oito), o fato central e que possa chamar a atenção do leitor. Lembre-se de que os verbos devem estar no presente. b) Defina qual será a linha fina da notícia. Que informações serão destacadas?
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Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Por quê? Não escreva no livro.
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Elaboração
Atenção
4. Agora que os aspectos principais da notícia já estão definidos, escreva o lide (primeiro parágrafo), registrando os dados fundamentais do acontecimento (Quem? O quê? Onde? Quando?). 5. Redija a seguir mais quatro ou cinco parágrafos, com informações complementares sobre o fato relatado (Como? Por quê?). 6. Acrescente um depoimento de uma testemunha, um especialista no tema tratado ou um representante de uma instituição relacionada ao assunto noticiado. Não se esqueça de citar todas as fontes consultadas.
Avaliação 7. Faça uma dupla com um colega para que cada um avalie a notícia produzida pelo outro. Após a leitura da notícia do colega, copie e preencha o quadro abaixo no caderno. Sim
»»Dê especial atenção às
conjunções na produção de seu texto. Lembre-se de que elas devem expressar adequadamente a relação entre as orações.
»»Escolha com cuidado os
verbos dicendi. Eles podem transmitir informações importantes ao leitor a respeito do comportamento dos entrevistados.
Não
A estrutura composicional da notícia (título, linha fina, lide, intertítulo) foi respeitada? O lide apresenta todas as informações essenciais à compreensão do fato? Os verbos do título estão no tempo presente? E os do corpo da notícia, estão predominantemente no passado? As conjunções foram utilizadas adequadamente para dar coesão ao texto? As informações do texto foram apresentadas em ordem de importância? O autor evitou emitir explicitamente sua opinião pessoal?
8. Caso você tenha respondido “não” a alguma das perguntas do quadro, faça uma anotação a lápis no texto do colega, apontando o aspecto identificado. 9. Aponte, também a lápis, outros aspectos do texto que podem ser melhorados (ortografia, acentuação, pontuação, regência, concordância, escolha de palavras, etc.).
Reescrita 10. Observe os tópicos para os quais o colega respondeu “não” na avaliação de seu texto. Retome o seu planejamento e veja o que precisa ser mudado. Veja também as outras anotações feitas por ele no texto original. Caso tenha alguma dúvida ou discordância com relação aos apontamentos do colega, peça ajuda ao professor. 11. Lembre-se de que nesse gênero textual o critério para definir a ordem de apresentação dos dados, sobretudo no lide, deve levar em conta a importância de cada informação, e não a ordem cronológica dos acontecimentos. Ao reescrever a sua notícia, observe se você atendeu a essa condição.
Publicação 12. Com o professor, selecione as notícias mais representativas produzidas por sua turma e publique-as no jornal da escola. Não escreva no livro.
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Repertório
A edição jornalística Reescrever não é tarefa apenas de sala de aula. Em grande parte dos veículos jornalísticos (jornais, revistas, etc.), a notícia é retrabalhada antes de ser publicada. A primeira versão do texto geralmente é feita pelo repórter que realizou a apuração dos fatos que serão noticiados. Depois disso, a notícia costuma ser editada, normalmente na redação do veículo, por outra pessoa: um jornalista que exerce a função de editor, redator ou copidesque. A edição é um trabalho de mediação entre a origem do texto (o repórter) e seu destino (o leitor). Pensando nisso, esse profissional reelabora o texto original buscando um resultado mais interessante, que, idealmente, deve ter o máximo de clareza e fluência sem comprometer a precisão dos fatos apurados pelo repórter.
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capítulo
20 Reportagem Como identificar e produzir uma reportagem. Diferenças e semelhanças entre a notícia e a reportagem. Como adequar um texto oral à modalidade escrita.
Retranca ou chapéu: identifica a seção Título Linha fina: resume o conteúdo da reportagem Assinatura
O gênero reportagem apresenta muitas semelhanças com o gênero notícia. Sob certo ponto de vista, a reportagem pode ser considerada uma “versão ampliada” da notícia. No entanto, a reportagem tem características próprias que vão muito além do seu tamanho. Neste capítulo, você vai saber quais são essas características e conhecer um pouco do trabalho do repórter. Em seguida, você produzirá uma reportagem.
Leitura O texto a seguir foi publicado no site da revista Superinteressante. Leia-o, observando os aspectos destacados quanto à sua forma. Em seguida, responda às questões propostas.
COMPORTAMENTO
Piervi_Fonseca/iStock/Getty Images
o que você vai estudar
São Paulo tem quilômetros de rios soterrados por asfalto A cidade, que hoje sofre com a crise hídrica, tem mais de 3 mil quilômetros de rios correndo no subsolo. POR Suzana Bizerril Camargo EDITADO POR Felipe Van Deursen Edição 344 Março de 2015
Vista do rio Pinheiros, em São Paulo, que foi canalizado e está comprimido entre avenidas marginais. Foto de 2014.
De cada 100 paulistanos, apenas cinco viram o Rio Pinheiros com curvas e várzeas. Quem tem menos de 70 anos só o conhece como ele é hoje: um canal reto, poluído e cercado por enormes avenidas e prédios espelhados em suas margens. As pessoas que nunca saíram de São Paulo não sabem o que é conviver com um rio. Tocar nas águas geladas de um córrego? Parar para ouvir o barulho de um riacho? Programa de férias. Mas nem sempre foi assim na metrópole mais importante do Brasil. E não por causa dos seus dois rios fétidos (além do Pinheiros, tem o infame Tietê). Mas por causa das centenas de riachos e córregos que a cidade tem. Isso mesmo, centenas. Estima-se que a capital paulista tenha entre 300 e 500 rios concretados embaixo de casas, edifícios e ruas. São impressionantes 3 mil quilômetros de cursos d’água escondidos. São Paulo deu as costas a seus rios, o que não é nem de longe uma novidade. “Nunca os tratamos bem”, diz o geógrafo Luiz de Campos Júnior. “Desde o início, quando uma casa era construída, ela não ficava de frente para um córrego. Os riachos sempre ficavam relegados ao fundo do quintal”. A água era vista como um excelente meio para levar embora tudo o que não se quer mais. Campos é um dos idealizadores do movimento Rios e Ruas, que organiza expedições para que as pessoas encontrem os chamados rios invisíveis da metrópole, que estão debaixo da terra, mas ainda podem ser vistos e ouvidos por bueiros e meios-fios. Triste ironia para a cidade que está passando pela maior crise de abastecimento de água de sua história. Logo ela, fundada no alto de uma colina entre três rios, Tietê, Anhangabaú e Tamanduateí, e que ganhou o nome de Vila de São Paulo de Piratininga devido à abundância de peixes (em tupi-guarani, “pira” é peixe). Por séculos, os paulistanos usaram os rios. Além de transporte de mercadorias, pesca e criação de animais, sua água era usada para todas as necessidades da casa. No começo do século 20, remar e nadar no Pinheiros e no Tietê eram atividades comuns. Não é à toa que o distintivo do time mais popular da cidade tenha uma âncora e um par de remos. No Corinthians dos anos 30, o remo era um dos principais esportes. Os rios faziam parte da vida da cidade. Stela Goldenstein, diretora da Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, 288
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lembra que as pedras usadas na construção do Theatro Municipal, um dos edifícios mais icônicos de São Paulo, chegaram em embarcações por meio do Tamanduateí. Ora, usar um rio para transportar materiais para uma obra soa normal, não? Não em São Paulo. Trocando água por concreto A primeira grande reforma do Tamanduateí aconteceu na década de 1910. Em 1928, as obras que eliminaram as curvas do Pinheiros tiveram início. Nas décadas seguintes, o desenvolvimento econômico do país sepultou de vez a bacia hidrográfica paulistana. O carro se tornou símbolo do Brasil pujante dos anos 50. Com as novas fábricas de automóveis instaladas, surgiu a demanda por vias para eles trafegarem. E o único espaço para fazer avenidas era sobre os rios, pois os morros já estavam ocupados. Então, os cursos d’água começaram a ser canalizados e, frequentemente, aterrados, para dar lugar a grandes avenidas. Hoje, muito do que é conhecido por asfalto, concreto, corredores de veículos e arranha-céus era, na verdade, água. O Vale do Anhangabaú, tradicional ponto turístico e de manifestações populares, tem esse nome por conta do Rio Anhangabaú, que nasce perto da Avenida Paulista. Algumas das principais vias da cidade estão sobre rios canalizados. Isso foi nefasto para São Paulo, até do ponto de vista psicológico. É mais fácil esquecer o que está enterrado e invisível. Para as gerações mais jovens, nem há o que esquecer, já que milhões de pessoas nem sabem que existem rios e córregos debaixo de seus pés. E esses cursos d’água continuam lá, vivos. Rios limpos, com água corrente e margens arborizadas enfeitam qualquer cidade e melhoram a qualidade de vida. Mas eles podem fazer muito mais. Asfalto e concreto impedem que a água da chuva seja absorvida e fazem com que ela leve sujeira das ruas para os rios. Mais rios a céu aberto, então, significa menos enchentes na cidade. Outras vantagens são o incremento do turismo e a criação de melhores e mais saudáveis espaços gratuitos de convivência. Certo, nesse verão a preocupação foi mais com a falta d’água do que com as enchentes. Mas a seca que ameaça São Paulo (e boa parte do Sudeste) nos últimos tempos também tem a ver com o descaso dado aos rios. A despoluição de um rio e a renaturalização da paisagem ajudam a refrescar o clima e, consequentemente, a trazer mais chuvas, lembra a arquiteta Pérola Brocaneli, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e especializada no assunto. No interior do Estado, uma cidade vivenciou isso. Em 1990, Iracemápolis sofria com falta d’água. A prefeitura procurou ajuda do biólogo Ricardo Rodrigues, da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq-USP), que iniciou um projeto de recuperação da mata ciliar e conservação do solo. Em 2014, Rodrigues voltou à região e viu que, enquanto as cidades vizinhas enfrentam a Rio Sena, em Paris, revitalizado. crise hídrica, Iracemápolis vai bem, obrigado. Foto de 2008. [...] Revitalização de rios é possível Desde 2000, a política na União Europeia é bastante rígida com a limpeza de seus rios. Isso acelerou o processo de despoluição em vários deles. O Sena, em Paris, considerado morto em 1960, hoje tem mais de 30 espécies de peixes. Quem se atreve a poluí-lo pode pagar multa de 100 milhões. O Tâmisa, em Londres, já foi símbolo de rio imundo. Hoje é exemplo de recuperação. Nos Estados Unidos também há casos assim. No entorno do principal rio de Chicago, a prefeitura está construindo ciclovias e calçadões e estimulando os passeios de barco, uma das principais atrações turísticas locais. Camargo, Suzana Bizerril. Revista Superinteressante. Disponível em:. Acesso em: 27 abr. 2016.
Situação de produção Reportagem é investigação temática Costuma-se dizer que a reportagem é uma notícia ampliada. A notícia se atém ao fato. A reportagem investiga um tema. A reportagem é um relato de pesquisas, entrevistas e documentos, mas também uma interpretação do tema abordado, o que inclui o ponto de vista do veículo de publicação.
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A pauta da reportagem As reportagens costumam ser planejadas e discutidas na reunião de pauta. A pauta tem duas finalidades básicas: convencer o editor de que certo assunto merece ser tratado e delimitar objetivos para o trabalho do repórter.
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Ler uma reportagem 1. Qual é a relevância, para o público, do tema tratado na reportagem lida? 2. Se você fosse o repórter dessa reportagem, que justificativa você daria ao editor para defender essa pauta? Escreva a justificativa no caderno. ANOTE
As etapas da reportagem são: pauta, apuração, redação e edição. Conforme indicação da pauta, o repórter inicia a investigação dos fatos ou assuntos, chamada no meio jornalístico de apuração. A partir do material recolhido, ele desenvolve a redação do texto, que apresenta uma visão do tema abordado. Depois, a reportagem é editada (revisada e/ou reorganizada) para atingir a forma ideal de apresentação ao público, segundo o padrão do veículo de comunicação em que será publicada.
3. O chapéu classifica a reportagem pelo assunto tratado. Suponha que você seja o editor da revista e que nela não exista a seção “Comportamento”. Escolha outro chapéu para a reportagem “São Paulo tem quilômetros de rios soterrados por asfalto”. Justifique sua escolha. 4. A linha fina antecipa o conteúdo da reportagem. Que informações ela acrescenta ao título? 5. A primeira imagem da reportagem, uma fotografia do rio Pinheiros em São Paulo, acrescenta informações ou pretende despertar interesse sobre o tema? Justifique. ANOTE
A estrutura da reportagem apresenta “pistas” para que o leitor identifique seu tema e se interesse por ela antes mesmo de ler o texto. O autor do texto, o título, a linha fina e o chapéu que informa a seção a que pertence a reportagem, assim como as fotografias, os quadros, os gráficos, as tabelas e os infográficos que eventualmente a acompanham.
Apu Gomes/Folhapress
6. Releia um trecho da reportagem. Mas nem sempre foi assim na metrópole mais importante do Brasil. E não por causa dos seus dois rios fétidos (além do Pinheiros, tem o infame Tietê). Mas por causa das centenas de riachos e córregos que a cidade tem. Isso mesmo, centenas. a) O que as expressões destacadas revelam sobre a opinião da repórter a respeito dos dois principais rios de São Paulo? b) O que a expressão “Isso mesmo” revela sobre a relação de interlocução que o repórter estabelece com os leitores? ANOTE
Como a notícia, a reportagem é um gênero textual de caráter informativo. No entanto, nela a subjetividade do repórter pode aparecer de forma mais explícita, por meio de expressões em primeira pessoa, opiniões e mesmo histórias pessoais relacionadas à busca por fontes e informações.
Rio Tietê, em São Paulo (SP). Foto de 2014.
7. O quadro abaixo apresenta as diferentes partes do texto. Copie-o no caderno e complete-o com a frase inicial de cada parte. Estrutura da reportagem “São Paulo tem quilômetros de rios soterrados por asfalto”
Capítulo 20 – Reportagem
Parte
Frase inicial
Introdução ao tema – convivência com rio Fato principal – 300 a 500 rios em SP Eventos atuais e depoimento – movimento Rios e Ruas História dos rios paulistanos – antes das canalizações História dos rios paulistanos – início das canalizações Crítica à situação atual – sujeira e enchente Defesa de um caminho – revitalização de rios Boxe – casos internacionais
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8. Qual é a tese defendida pela reportagem sobre os 3 mil quilômetros de rios canalizados? 9. Responda às questões abaixo para verificar quais são os argumentos utilizados para defender o ponto de vista apresentado na reportagem. a) Como é a relação dos moradores com os rios da cidade de São Paulo? b) Como é a relação da população com os rios ou riachos na cidade onde você mora? c) De acordo com a reportagem, que problemas as canalizações dos rios trazem à cidade e que benefícios os rios não canalizados podem oferecer aos moradores da cidade? ANOTE
A seleção de fontes confiáveis é essencial em uma reportagem, tanto na pesquisa de dados, fatos e documentos, que pode ser feita na internet, quanto na consulta a especialistas e envolvidos nos fatos relatados.
10. O repórter fez entrevistas e registrou depoimentos para produzir sua reportagem. Indique a função dos depoimentos de: Luiz de Campos Júnior, Stela Goldenstein e Pérola Brocaneli. ANOTE
Além de fornecer dados e informações para uma reportagem, os depoimentos podem ser utilizados para expressar a opinião sobre os acontecimentos relatados pelas pessoas envolvidas e para realizar a averiguação técnica sobre os fatos. As entrevistas passam por um procedimento de retextualização: são registradas em discurso direto, entre aspas, ou em discurso indireto, acompanhados de verbos dicendi, como declarou, acrescenta, etc.
11. O trecho do final da reportagem reforça a tese de que revitalizar os rios de uma grande cidade é possível e desejável. Responda a estas questões sobre esse trecho da reportagem. a) Em que cidades há exemplos de revitalização bem-sucedida de rios? b) Como esses exemplos podem servir de modelo para a realidade brasileira? c) Compare a segunda fotografia da reportagem com a primeira. Que impacto a comparação entre as imagens produz?
HIPERTEXTO A retextualização é uma atividade cotidiana na vida dos falantes, não se restringindo apenas à adaptação de um texto oral para a modalidade escrita. Leia mais sobre a retextualização e as relações entre fala e escrita na parte de Linguagem (capítulo 12, p. 192).
observatório da língua A adequação de um texto oral à modalidade escrita
Mano Brown foi sendo construído, cê sabe que Mano Brown foi apelido dado por outros, né? Era Brown porque:: [...] Então eu fazia samba, certo? E eu tocava repique de mão. Sempre no final do samba ou no fun/pronto para chegar, eu começava a fazer umas batidas americanizadas no repique de mão. E sempre tinha alguém que levava um rap… fazia aquele som tipo Grandmaster Flash. Tinha uns amigo meu que cantava. Tinha uns cara que cantava Whodini [...], uns refrão de bailão e no repique que era um som. E os cara: “Ó o Denis Brown!” “Ó o Denis Brown!”... Que era o James Brown [...] não era um elogio. Aí, eu gostei do Brown. No começo eu chamava Paulinho Brown. [...]
Bruno Poletti/Folhapress
Quando o produto final da reportagem é um texto escrito, mas o material selecionado – como depoimentos – foi colhido oralmente, ocorre o processo de retextualização, em que as características específicas do discurso oral (conhecidas como marcas de oralidade) são eliminadas ou reformuladas. Podem ser consideradas marcas de oralidade: repetições, pausas, truncamentos (frases interrompidas e reformuladas), formas reduzidas de palavras (como cê, em lugar de você, ou tá, em vez de está), marcadores conversacionais – palavras e expressões usadas para assegurar que a interação esteja funcionando bem (né? entende?) –, alongamento de vogais e de consoantes, aumento no tom de voz, etc. Observe a seguir uma transcrição que conserva algumas dessas marcas de oralidade. Trata-se de uma fala de Mano Brown, do grupo de rap Racionais Mc’s, em que explica a origem de seu nome artístico.
Mano Brown na pré-estreia do filme Na quebrada, do direitor Fernando Grostein Andrade. Foto de 2014.
Entrevista ao canal do Youtube TV Cult, veiculada em 19 ago. 2014. Transcrição feita para esta edição. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2016.
1. No caderno, use os recursos necessários para adequar essa fala de Mano Brown à modalidade escrita. 2. Formule um parágrafo em que a fala do entrevistado esteja no discurso direto. Indique o nome dele e o papel social que desempenha em relação ao assunto abordado na entrevista. 3. Agora, formule um parágrafo em que a fala do entrevistado esteja no discurso indireto.
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Produzir uma reportagem Proposta
Pauta A – Saúde: os infomaníacos .
Hoje em dia, é cada vez mais comum a compulsão pelo uso de computador, internet e videogames. Esse vício pode ser perigoso para a saúde física e mental? Como? Pesquisar dados e opinião de especialistas. Entrevistar alguém que use o computador em excesso e um membro da família dessa pessoa.
Pauta B – Comportamento: os jovens e o trabalho. Quais são as tendências na sua região? Há mais trabalho voluntá rio, temporário, autônomo ou fixo para os jovens? Em que áreas? Que motivos os levam a trabalhar? Entrevistar jovens que exercem atividades remuneradas e jovens que realizam trabalhos voluntários. Se possível, entrevistar representante de alguma instituição que se beneficie do trabalho juvenil.
seyephoto/Shutterstock.com/ID/BR
Kevin O´Hara/Keystone
Você vai escrever uma reportagem a ser publicada no blog da turma. Escolha uma das pautas abaixo. Aproveite os recursos de que você dispõe para criar um texto com um tom informativo e instigante.
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto que você vai produzir. Gênero textual reportagem
Público
Finalidade
Meio
leitores interessados em análises aprofundadas – mas acessíveis ao público em geral – sobre fenômenos relacionados a saúde ou comportamento
investigar e relatar um conjunto de fatos atuais
blog da classe
Linguagem
Evitar
Incluir
objetiva, com marcas de subjetividade; terceira pessoa do discurso predominante; verbos dicendi; retextualização de depoimentos
excesso de opinião pessoal e de adjetivos
depoimentos, citações de fontes e quadros ilustrativos
2. Usando a pauta escolhida como orientação, busque as fontes e os dados necessários para elaborar seu texto. Faça anotações. Esse é o momento da apuração. 3. Você pode usar como referência as perguntas que orientam a produção da notícia (capítulo 19): Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Por quê? Responda-as no caderno. 4. Copie e complete o quadro abaixo no caderno. Assim, você terá um esquema bastante completo do seu texto. Estrutura
Sua reportagem
Capítulo 20 – Reportagem
Título: não revela todo o tema, mas visa instigar o leitor – muitas vezes brinca com as palavras Linha fina: revela o tema central da reportagem, já anunciando, se quiser, o posicionamento defendido Introdução: de forma indireta, responde à pergunta “Por que esse tema desperta interesse?” O que é: definição, explicação e/ou origem do fato relatado Depoimentos: de representantes de instituições e empresas, autoridades, usuários, especialistas no assunto, etc. Desdobramento: novo aspecto que desenvolve o tema central Desfecho: frase final
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Elaboração 5. Lembre-se de que a reportagem é mais longa e desenvolvida do que a notícia e que revela opiniões; portanto, apresente comentários sobre os dados sem perder de vista o intuito informativo. 6. Fotografias, ilustrações, mapas, gráficos e tabelas são conteúdos complementares que podem enriquecer uma reportagem. Se utilizar algum desses recursos, lembre-se de produzir legendas explicativas.
Avaliação 7. Agora você vai fazer o papel de editor. Troque seu texto com um colega e aponte a lápis os aspectos que podem ser melhorados no texto dele: trechos confusos, inadequação ao público-alvo (por exemplo, a escolha de palavras muito informais), informações repetitivas, ausência de dados importantes, etc. Se houver problemas de ortografia, acentuação, pontuação, etc., aproveite para indicá-los também. 8. Copie e preencha o quadro abaixo e entregue-o ao colega. Sim
Não
A estrutura da reportagem foi respeitada (chapéu, título, linha fina, introdução, definição/explicação, depoimentos, desdobramentos, desfecho, conteúdos complementares)?
Atenção
»»À introdução e ao desfecho.
Cuide especialmente do início de seu texto. Não é necessário que seja longo, mas deve introduzir o assunto ao leitor, justificando e criando interesse. O trecho final merece o mesmo cuidado, pois ajuda a formar a última impressão que o leitor terá ao ler o texto.
»»Às operações de
retextualização. Ao adaptar depoimentos de entrevistados para o texto escrito, elimine as marcas de oralidade, mas mantenha o sentido original que o depoente quis dar à própria fala.
O texto apresenta os dados essenciais à compreensão dos fatos (responde às perguntas: Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Por quê?)? Há a construção de um ponto de vista (o texto apresenta uma visão específica dos acontecimentos)? Há adaptação adequada do discurso oral para o escrito (caso de materiais colhidos de fonte oral, como depoimentos)?
9. Se você respondeu “não” a alguma das perguntas do quadro, faça anotações, explicando cada um dos problemas encontrados. 10. Para completar sua avaliação, escreva um comentário geral, indicando as qualidades da reportagem que você leu e o que pode ser melhorado.
11. Devolva o texto do colega com as anotações e a avaliação feitas por você. Receba o seu texto comentado por ele. 12. Na reportagem, a reescrita é o momento da edição do texto. a) Leia os comentários do colega e veja como ele preencheu o quadro. b) Releia seu texto, buscando compreender as intervenções de seu colega. Em seguida, realize as mudanças que você julgar necessárias para que a reportagem fique mais clara e mais interessante. c) Lembre-se de transpor adequadamente os depoimentos colhidos, que podem ser apresentados em discurso indireto ou em discurso direto, com o uso das aspas. Sempre que necessário, os verbos dicendi são usados para contextualizar as falas e fazer breves comentários sobre a disposição do enunciador.
Assista Todos os homens do presidente. Direção de Alan J. Pakula, EUA, 1976, 138 min. Ganhador de quatro Oscars, este é um dos mais elogiados filmes que tematizam o trabalho de reportagem. Baseado em fatos reais, ele conta como os jornalistas estadunidenses Bob Wodward (Robert Redford) e Carl Bernstein (Dustin Hoffman) revelaram ao mundo o caso Watergate, escândalo que desencadeou a renúncia de Richard Nixon, ex-presidente dos Estados Unidos. Everett Collection/Fotoarena
Reescrita
Publicação 13. As reportagens produzidas deverão ser publicadas no blog da turma. Caso vocês não tenham um blog próprio, busquem na internet tutoriais que os auxiliem na criação de um e escolham uma das diversas plataformas gratuitas de hospedagem disponíveis. Divulgue o link para colegas e familiares. Não escreva no livro.
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Robert Redford (à esquerda) e Dustin Hoffman em cena de Todos os homens do presidente.
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capítulo
21 o que você vai estudar Como planejar e realizar um relato de experiência vivida. O presente como resultado de uma trajetória de vida. A experiência como exemplo. A localização da experiência no tempo e no espaço.
Relato de experiência vivida O gênero relato de experiência vivida tem a finalidade de compartilhar experiências reais de vida de um indivíduo ou grupo de pessoas, relacionadas a situações específicas situadas no tempo, de forma a construir uma memória acerca dessas vivências. Neste capítulo, vamos conhecer melhor esse gênero. Depois, será a sua vez de planejar e apresentar um relato de experiência vivida.
Leitura O texto a seguir é uma retextualização do relato oral do cientista Mitermayer Galvão dos Reis, coordenador do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Bahia, sobre a trajetória que o levou de menino pobre do sul do estado da Bahia a médico e pesquisador que criou um teste rápido para diagnosticar a leptospirose. O relato foi veiculado no quadro Vida Nova do programa Rede Bahia Revista, da Rede Bahia. Leia-o e responda às questões. Eu sou um itajuipense, nascido no povoado de União Queimada. Meu pai era um pequeno comerciante no União Queimada, minha mãe uma senhora… doméstica, né, trabalhava cuidando dos filhos, que não foram poucos. […] Eu vivi nesse povoado até os meus doze anos de idade e aproveitei muito… né, tudo aquilo que o local propiciava. Com doze anos minha família mudou para Coaraci, então fomos mudar… fomos morar na cidade de Coaraci. E fiquei em Coaraci, até os meus catorze anos. Já naquela época eu imaginava que… eu gostaria de ser médico. E a primeira vez que eu externei isso, já na cidade de Coaraci, eu lembro que as pessoas olharam assim… com espanto, achando que era muita pretensão de alguém do União Queimada, que veio morar em Coaraci, situação muito… é… difícil, pudesse galgar a uma posição de médico. Felizmente, eu… me tornei médico. […] Mas aconteceu uma coisa assim… inusitada. Dois tios, um primo e uns amigos, e eles foram visitar minha família, lá em Coaraci. Então eles me perguntaram o que que eu gostaria de ser na vida. Eu tinha dito que eu gostaria muito de ser médico, mas que infelizmente não… devido às condições da minha família naquele momento, não teria condições de ser médico, teria que estudar, talvez até acumular algum dinheiro, quem sabe no futuro… Então eles me fizeram um desafio, se eu não gostaria de vir morar no Pau da Lima. Eu disse “claro que vou”. Fui morar em São Marcos, quase não tinha casas em São Marcos. É… foi uma época muito interessante, curiosa, porque era muito pequeno, tudo era ocupado pelo comércio, o quarto… onde eles guardavam saco de açúcar, saco de farinha… Então às vezes nós tínhamos que dormir ou em cima do saco de farinha, ou em cima do saco de açúcar, quando tínhamos sorte. Quando não tinha sorte, às vezes, chegava mais tarde por alguma razão, eu providenciava uma cama, eu botava assim uns engradados de cerveja, botava os jornais, jogava o lençol e dormia. Dormia tranquilo, amanhecia bem, às vezes com um pouquinho de dor, mas feliz. […] Olha, eu me divertia muito e… namorava, paquerava muito, criava um cabelo, na época, na minha maneira simples, não é… tinha as paqueras, procurava ser engraçado, eu nunca fui um cara bonito mas tentava ser simpático, ser agradável né, mas realmente eu tinha um foco… que era estudar. Eu tenho um fato na minha vida que foi muito curioso. Eu acho que vocês devem lembrar é… do Toni Tornado que cantava na “BR-3”, as pessoas usavam aquele sa/cabelo black power, sapato com salto bem alto… […] Um dia eu… eu… fui andando, procurando ver se tinha alguma festa, para ver se tinha festa né em algum lugar, se eu conhecia alguém, para ter oportunidade de participar da festa.
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Mateus Pereira/Secom/ Governo do Estado da Bahia
Quando eu cheguei lá no Tamarineiro tinha uma festa, uma animação enorme. E tavam tocando justamente esta música do Tornado, a “BR-3”. E eu olhei assim, tinha aquela casa assim, passado uma cera bem encerada, e eu já entrei riscando na casa de costas dançando. E dancei e dancei, imediatamente eu vi que pararam o som. Pararam o som e olharam para mim assim “o senhor foi convidado de quem aqui?”. Eu disse “olha, eu não fui convidado de ninguém, mas eu vi que isso tava tão animado aqui que eu entrei”. Aí O cientista Mitermayer Galvão dos alguém disse “poxa, esse cara é tão cara de pau, deixa ele Reis, coordenador da Fiocruz Bahia. aqui”. E eu virei amigo desse pessoal, fiquei muito tempo e Foto de 2011. continuei na festa. […] Eu não tinha como pagar a Escola Bahiana. O primeiro… pagamento, a primeira parcela, várias pessoas contribuíram para pagar. Da segunda em diante, eu não tinha como pagar. E… eu consegui uma bolsa e estudei todo o curso com bolsa. Eu fiz um mestrado aqui, depois do mestrado eu fui pra os Estados Unidos, estudar na Key West, universidade americana, depois fui para Harvard, onde estudei mais um ano. […] Sobre leptospirose, nós, acho que demos boas contribuições para a ciência. É… primeiro, foi o primeiro trabalho que nós publicamos que foi de um impacto muito grande. Esse trabalho saiu numa revista extremamente importante, que é o Lancet. Isso foi um trabalho que nós nos ba seamos nos casos de leptospirose que chegaram ao [hospital] Couto Maia em 1996. Então muitos dos indivíduos, em 1996, aí foram 303 casos graves que chegaram ao Couto Maia, eram indivíduos que os diagnósticos a grande maioria foi de lep/de dengue. Quando na verdade eles tinham leptospirose. Nós desenvolvemos um teste, que é um teste que você, enquanto o médico está entrevistando o paciente, ele chega com febre, dor de cabeça, dor muscular. Esperamos… coletar uma gota de sangue você colocar lá no teste e em vinte minutos você fazer o diagnóstico. Aí se o paciente tem leptospirose você vai tratar esse paciente com um antibiótico que salva a vida. O que me alegra agora é que as pesquisas que eu estou fazendo, curiosamente, boa parte das pesquisas no Pau da Lima, estão gerando resultados que são bons para a comunidade de Pau da Lima, para o Brasil e talvez para o mundo. […] Um conselho que eu daria para a pessoa. Primeiro é querer, né, você tem que querer. Segundo é ter esperança, sempre acreditar, né, que você pode conseguir. Fazer um projeto e não se desanimar quando você encontrar uma certa dificuldade. Quer dizer, eu tive várias dificuldades, como relatei aqui, né, e fui gradativamente… passando essas dificuldades com apoio das pessoas, né. Tenha certeza que se você tiver determinação… ti/e for uma pessoa honesta, ética, correta, as pessoas vão te ajudar. Agora, nunca esqueça também daqueles que te ajudaram. E… eu… fui uma das pessoas que recebeu muita ajuda. Eu recebi tanto ajuda que eu tenho uma sensação que já não me pertenço.
Vocabulário de apoio
black power: em tradução literal, “poder negro”; estilo de penteado que foi moda nos anos 1970 e consiste em deixar os cabelos naturalmente crespos, sem alisamento, desfiando-os com um pente para dar mais volume Escola Bahiana: tradicional escola de medicina da cidade de Salvador, na Bahia, fundada na década de 1950 galgar: alcançar, obter inusitado: inesperado, fora do comum itajuipense: natural de Itajuípe, município do sul da Bahia Pau da Lima: bairro periférico da cidade de Salvador, na Bahia São Marcos: parte do bairro Pau da Lima
Relato de Mitermayer Galvão dos Reis no quadro Vida Nova do programa Rede Bahia Revista, da Rede Bahia, veiculado em 16 set. 2012. Transcrição feita para esta edição.
Situação de produção Compartilhar experiências de vida Quando uma pessoa (ou um grupo de pessoas) relata fatos vivenciados por ela, relacionados a situações específicas situadas no tempo, está realizando um relato de experiência vivida. Com frequência, relatos de experiência vivida têm um caráter exemplar, ou seja, buscam inspirar as pessoas a agir ou pensar de determinada forma, tendo como exemplo a experiência relatada. Assim, o produtor do texto mobiliza sua memória para transmitir aos ouvintes sua trajetória – de onde partiu e pelo que passou para chegar ao ponto em que se encontra no presente –, supondo que essa trajetória será produtiva para seus interlocutores.
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Muitas vezes, o relato é produzido oralmente, com o orador falando a uma plateia ou tendo seu depoimento gravado em áudio ou vídeo para circular no rádio, na TV, em podcasts na internet, etc. Também acontece de o relato ser retextualizado para circular em livros, revistas, etc. Por fim, há relatos que já são produzidos diretamente em registros escritos. Quando o relato é produzido oralmente, o orador pode apoiar-se em uma sequência de fatos preestabelecida – um tema que sirva de fio condutor entre diversos acontecimentos – ou focalizar um acontecimento central. A preparação (com a elaboração de um esquema de apoio, por exemplo) ajuda o orador a não se perder ou se desviar de seu foco.
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Ler um relato de experiência vivida 1. Qual é a importância, para Galvão, de falar sobre sua história de vida? 2. Em que momento do texto é possível perceber isso? 3. O relato de experiência vivida de Mitermayer Galvão dos Reis foi produzido oralmente e retextualizado para a escrita. a) Localize no texto e copie no caderno dois trechos em que um sinal gráfico é utilizado para representar as pausas características da fala. b) Que sinal gráfico foi usado para demarcar as falas de Galvão quando jovem e de outras pessoas? c) Que outras marcas típicas da fala podem ser observadas no texto? Exemplifique-as com trechos do relato.
HIPERTEXTO Recorde alguns sinais utilizados para representar características da oralidade em textos retextualizados para a escrita, no boxe Repertório intitulado “Transcrição de textos orais” (parte de Linguagem, capítulo 12, p. 192).
ANOTE
Quando produzido oralmente, o relato de experiência vivida apresenta as marcas características dos textos orais, que são perfeitamente adequadas à transmissão oral do relato: hesitações, repetições, truncamentos e reformulações, entre outros. Na retextualização do relato para a escrita, algumas dessas marcas são eliminadas, e sinais gráficos são introduzidos para favorecer a reconstrução dos sentidos do texto pelo leitor: sinais de pontuação, divisão em parágrafos, etc.
4. Releia a primeira frase do texto. Eu sou um itajuipense, nascido no povoado de União Queimada. a) Por que esse dado é importante para compreender a trajetória do médico? b) Localize no texto o trecho em que Mitermayer Galvão relata sua partida de União Queimada. Onde ele foi morar e quantos anos tinha? 5. Segundo o relato, ao declarar às pessoas de Coaraci sua intenção de ser médico, Mitermayer Galvão não foi levado a sério. a) Por que isso aconteceu? b) Que adversidades Galvão enfrentou para alcançar seu objetivo? ANOTE
6. Releia o trecho em que Galvão fala sobre a mudança para Pau da Lima. a) Como eram suas condições de vida nessa época? Descreva-as. b) Com que disposição ele viveu esses fatos? Cite um trecho que comprove sua resposta.
Toni Tornado e a BR-3 A composição “BR-3”, de Tibério Gaspar e Antonio Adolfo, tratava do perigo vivido pelo motorista que se aventurava nessa rodovia, que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro (hoje conhecida como BR-040). A canção, interpretada por Toni Tornado e o Trio Ternura, foi a grande vencedora da fase nacional do V Festival Internacional da Canção (FIC) de 1970. Na época, o estilo irreverente, a afirmação da cultura negra e o ritmo dançante fizeram de “BR-3” uma canção bastante popular. Toni Tornado se tornou um ator conhecido por suas participações em telenovelas e filmes nacionais. Há vários sites onde é possível ouvir a canção, bastando fazer uma pesquisa na internet.
7. Apesar de se divertir bastante naquela época, Galvão tinha um foco. a) Que exemplos ele apresenta para comprovar que sabia se divertir? b) Qual era o foco dele?
Adhemar Veneziano/Abril Imagens/Latinstock
Capítulo 21 – Relato de experiência vivida
Frequentemente, o relato de experiência vivida apresenta histórias de superação ou de realização pessoal que servem de exemplo para outras pessoas. Elas pressupõem o enfrentamento de obstáculos e dificuldades.
Ouça
8. Releia. Eu tenho um fato na minha vida que foi muito curioso. Eu acho que vocês devem lembrar é… do Toni Tornado que cantava na “BR-3”. […] a) Que afirmação anterior de Galvão serviu de mote para que ele passasse a contar esse episódio? b) Que características de Galvão são reveladas nesse episódio? c) Volte ao final do texto e explique como essas características colaboraram para que Galvão alcançasse seus objetivos.
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Toni Tornado e Trio Ternura apresentando a canção “BR-3”, vencedora do V Festival Internacional da Canção, em 1970.
Não escreva no livro.
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ANOTE
O relato de experiência vivida é constituído de episódios dispersos que se articulam por meio de um tema. Comumente, eles exemplificam dificuldades e emoções que constituíram a experiência do produtor do texto.
9. Mesmo sem ter condições financeiras, Mitermayer Galvão conseguiu se tornar médico. a) Como ele pôde manter-se estudando durante a faculdade? b) Como ele complementou sua formação após cursar a graduação? c) Em sua opinião, o que garantiu a Mitermayer Galvão uma trajetória tão bem-sucedida? 10. Em seu relato, Galvão fala de sua experiência como pesquisador da Fiocruz Bahia. Explique a importância de um diagnóstico rápido e precoce da leptospirose para a saúde pública no Brasil. ANOTE
O relato de experiência vivida revela o percurso que levou o produtor do texto à sua situação no presente (entendido como o momento em que o relato se realiza). Nesse sentido, esse tipo de texto pode ser uma forma de, por meio do passado, explicar o presente e apontar para o futuro.
11. É possível dividir o relato de experiência vivida das páginas 294 e 295 em três partes, de acordo com os temas desenvolvidos. Copie e complete o quadro a seguir com as frases iniciais de cada parte. Detalhe os assuntos abordados nelas.
ação e cidadania
Leptospirose e enchentes A leptospirose é uma doença bacteriana transmitida pela urina de roedores como ratos e ratazanas, presentes em fossas, lagos e riachos. Por isso, o risco de contraí-la aumenta muito em enchentes nas grandes cidades, tornando-se um problema de saúde pública bastante relevante. A doença leva de dois a 45 dias para se manifestar e pode não apresentar muitos sintomas. Os mais comuns são febre com calafrios, dor de cabeça, dores musculares nas pernas, náuseas, olhos vermelhos e icterícia (pele amarelada) – esta presente em casos graves, que podem levar à morte. Porém, se diagnosticada e tratada a tempo, a leptospirose não oferece maiores riscos.
Partes do texto
Temas
Expressão inicial de cada parte
Assuntos (detalhamento de cada tema)
Infância Formação Atuação profissional ANOTE
Um recurso útil para garantir a organização da fala em relatos orais são as anotações escritas, elaboradas previamente. Pode-se registrar a sequência de acontecimentos que se quer relatar e também palavras-chave que remetam a detalhes a serem explorados em cada momento do relato.
12. Mitermayer Galvão termina seu relato aconselhando jovens estudantes com aspirações semelhantes às que ele tinha na infância. Há algo na trajetória de vida de Mitermayer Galvão que você possa aproveitar em sua vida? Em caso positivo, o quê? 13. Ao concluir seu relato, Mitermayer Galvão dos Reis afirma: Eu recebi tanto ajuda que eu tenho uma sensação que já não me pertenço. Que sentido é possível atribuir a essa fala? ANOTE
O relato de experiência vivida pode terminar com um conselho ou uma mensagem. O produtor do texto faz um balanço de sua experiência, buscando nela qualidades que possam ser aproveitadas por outras pessoas em situação semelhante. Não escreva no livro.
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Relato de experiência vivida
Entre o texto e o discurso – A experiência vivida como exemplo
Capítulo 21 – Relato de experiência vivida
O começo do relato revela já uma dificuldade enfrentada por Luislinda. O fato de ter nascido em uma família muito pobre a levou a trabalhar na infância para ajudar no sustento de casa.
Luislinda prossegue seu relato e conta um episódio marcante e traumático de sua infância – a discriminação que sofreu na escola, por ser pobre e negra. Usando o discurso direto, ela cede espaço para a fala do professor que a discriminou. No relato de experiência vivida, recorrer a esse tipo de discurso para reproduzir a fala do outro pode ser eficiente para aumentar a carga emocional do texto.
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Eu fui de origem… muito pobre, eu já pesquei marisco, humm, na maré para:::… vender uma parte e a outra parte… nós comprarmos… a farinha, o arroz… Aos nove anos, eu estudava já num colégio, e um professor pediu um material de desenho e chegando lá::: ele não gostou do material que eu exibi pra ele… Em plena sala de aula ele me disse: “Menina, se você não pode estudar, não pode comprar um material, seu pai é pobre, você também, sua mãe, então pare de estudar e vá fazer um/uma feijoada na casa dos brancos, vai ser melhor pra você”. Chorei desesperadamente… não gosto nem de me lembrar porque foi um momento… marcante… Depois aos… catorze anos a minha mãe faleceu e me deixou três irmãos, inclusive uma com dois anos… Fiz vestibular e fui aprovada. Eu me formei e no dia seguinte abriram-se as inscrições para o concurso para procurador federal. Eu passei em primeiro lugar… a nível nacional. Logo em seguida eu fiz o concurso… para a magistratura da Bahia. Aí também eu fui aprovada. Prolatei a primeira sentença… no mundo… contra a discriminação racial… Eu sou a primeira juíza negra do Brasil, saúde eu tenho… uma casa pra morar eu também tenho, um filho maravilhoso, uma família espetacular, o que é que eu quero mais? Relato de Luislinda Valois, veiculado na novela Viver a vida, Rede Globo, 5 maio 2010. Transcrição feita para esta edição.
Rejane Carneiro/Agência A Tarde/Estadão Conteúdo
Você aprendeu que o relato de experiência vivida pode apresentar uma trajetória de vida marcada pela superação de dificuldades, servindo de exemplo para outras pessoas. Você vai ler a seguir a retextualização de um relato de experiência vivida veiculado na telenovela Viver a vida, exibida em 2010. Ao final de cada capítulo dessa novela, eram apresentados relatos reais de pessoas anônimas e conhecidas, editados para durar cerca de um minuto. A autora do relato é a desembargadora baiana Luislinda Valois, a primeira mulher brasileira negra a exercer a magistratura. Durante a leitura do relato, acompanhe os comentários nas laterais de cada parágrafo.
A desembargadora baiana Luislinda Valois. Foto de 2009.
As expressões que organizam o relato ao longo do tempo são fundamentais nesse gênero. Primeiro, a origem; depois, a infância; agora, a adolescência. Em cada fase, o fio condutor da dificuldade enfrentada por Luislinda se mantém. Infância pobre, discriminação racial e, agora, a perda da mãe na adolescência, acrescida da responsabilidade sobre os irmãos mais novos.
Por ter enfrentado tantas dificuldades, os fatos de ser aprovada no vestibular, concluir a graduação em Direito e ser aprovada em primeiro lugar no concurso para procurador federal são ainda mais valorizados por Luislinda Valois. O relato de sua trajetória de vida deixa implícitos certos valores sem os quais ela não teria obtido sucesso, tais como coragem, determinação e ética.
Não escreva no livro.
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A exemplaridade articula os episódios relatados Um elemento que pode articular episódios diversos em um relato de experiência é o fato de eles funcionarem como um exemplo. A exemplaridade funciona, assim, como uma espécie de fio condutor que garante que os episódios construam uma unidade de sentido para o ouvinte ou leitor. No caso do relato de Mitermayer Galvão, ele conta episódios sobre sua adolescência que não têm relação direta com sua formação em medicina e suas conquistas na área. No entanto, esses episódios colaboram para construir a mensagem de superação que seu relato de experiência vivida visa transmitir. 1. Localize no texto de leitura das páginas 294 e 295 dois episódios que Mitermayer Galvão relata detalhadamente, ainda que não tenham rela ção direta com sua trajetória como médico e cientista. a) Que episódios foram esses? b) Explique como esses episódios colaboram para formar a ideia de uma trajetória de vida exemplar. 2. O relato de experiência vivida pode envolver outras pessoas, além do orador. Nesse caso, é possível que as vozes desses terceiros apareçam no texto. Isso acontece no segundo parágrafo do breve relato da de sembargadora Luislinda Valois. Explique por que o final do relato dela pode ser considerado uma resposta a essa fala.
ação e cidadania
Diversos grupos de ajuda mú tua encontram no relato compar tilhado de experiências vividas um auxiliar poderoso para a trans formação de comportamentos. No caso de grupos como Vigi lantes do Peso, Alcoólicos Anô nimos e outros, o participante escuta depoimentos de pessoas em diversos estágios de enfren tamento de suas dificuldades. Ao relatar sua experiência, ele se sente parte de uma comuni dade que o compreende e incen tiva. Também encontra compa nhia e acolhimento nas pessoas que passaram por experiências semelhantes às suas. Os exem plos contidos nesses relatos in centivam a mudança de atitudes e a perseverança para enfrentar momentos difíceis.
observatório da língua A localização da experiência no tempo e no espaço O relato de experiência vivida abarca episódios diversos, situando-os no tempo e no espaço. É importante em pregar adequadamente termos e expressões responsáveis por organizar a experiência ao longo da passagem do tempo e localizá-la no espaço. Observe. Eu sou um itajuipense, nascido no povoado de União Queimada. Meu pai era um pequeno comerciante no União Queimada […]. Ao se apresentar, Mitermayer Galvão declara sua origem em Itajuípe, pequena cidade do interior da Bahia, no povoado de União Queimada. E fiquei em Coaraci, até os meus catorze anos. Já naquela época eu imaginava que… eu gostaria de ser médico. […] Eu fiz um mestrado aqui, depois do mestrado eu fui pra os Estados Unidos, estudar na Key West, universidade americana, depois fui para Harvard, onde estudei mais um ano. […] O que me alegra agora é que as pesquisas que eu estou fazendo [...] estão gerando resultados que são bons para a comunidade de Pau da Lima, para o Brasil e talvez para o mundo. […] Mitermayer Galvão organiza o relato de sua experiência combinando referências ao espaço e ao tempo. Note que, ao rememorar fatos passados, pode existir um distanciamento do orador, explicitado, por exemplo, por meio da expressão “já naquela época”. Em relatos de experiência vivida, são frequentes as alternâncias entre um “hoje” e um “ontem”, entre um “aqui” e um “lá”. 1. Observe os termos e as expressões destacados nos trechos acima. a) Localize as expressões que indicam lugar. Explique como os locais mencionados por Mitermayer Galvão acompanham sua trajetória de menino do interior a pesquisador da Fiocruz Bahia. b) Localize as expressões que indicam tempo. Relacione seu uso com o deslocamento espacial do orador.
Não escreva no livro.
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Produzir um relato de experiência vivida Você vai apresentar à sua classe um relato de experiência vivida. Eleja um tema que seja capaz de organizar sua trajetória e por meio do qual você possa transmitir uma experiência exemplar. Lembre-se de que o tema deve ser relevante para seus interlocutores. Grave em áudio ou vídeo a apresentação de seu relato e disponibilize-a no blog da turma. Veja a seguir algumas perguntas que podem ajudá-lo a definir esse tema. Características pessoais – Há alguma dificuldade que você tenha superado em suas relações pessoais? Timidez, agressividade, insegurança, dificuldade de comunicação, etc.? Como sua experiência em relação a essa dificuldade pode auxiliar outras pessoas a superar problemas semelhantes aos que você enfrentou? Atividades – Há algum esporte, jogo, hobby, área de estudo ou outra atividade na qual você tenha se desenvolvido superando obstáculos? Como suas atitudes e vivências contribuíram para seu sucesso no enfrentamento desses obstáculos?
Buda Mendes/Getty Images
Proposta
Daniel Dias, nadador paraolímpico, é um dos maiores medalhistas do Brasil nos Jogos Parapan-Americanos. Em 2015, em Toronto, no Canadá, conquistou oito medalhas de ouro. Para as pessoas que desejam alcançar seus objetivos, Daniel dá o seguinte conselho: “Queria falar para vocês que não coloquem limites na vida de vocês, porque, quando a gente não coloca limites, a gente vai muito longe”. Foto de 2015.
Planejamento 1. Após ter definido seu tema, observe no quadro abaixo as características do texto que você vai produzir. Gênero textual relato de experiência vivida
Público alunos do Ensino Médio
Finalidade relatar uma experiência de vida que tenha caráter exemplar
Meio apresentação oral para a classe
Linguagem primeira pessoa; organização temporal e espacial
Evitar
Incluir
voz baixa, excesso de informalidade, improviso e desvios do tema
episódios engraçados ou emocionantes, conselho ou mensagem final
2. Faça uma lista dos principais acontecimentos que você vai relatar. 3. Copie o esquema abaixo no caderno e preencha as colunas “Conteúdo” e “Detalhamento” respondendo às questões de acordo com as orientações. Ele servirá de apoio no momento da fala. Lembre-se de usar palavras-chave para facilitar a consulta. Esquema de apoio à apresentação oral do relato de experiência vivida
Capítulo 21 – Relato de experiência vivida
Partes do texto
Conteúdo
Detalhamento
Introdução
Como você vai iniciar sua fala e abordar seu assunto?
Defina o momento em que sua história começa e a forma como vai abordá-la.
Desenvolvimento
O que será exposto? • principais fatos que compõem sua trajetória • episódios – escolha momentos divertidos ou especiais para narrar com mais detalhes
Anote detalhes e informações extras que possam ajudá-lo a prender a atenção da plateia ou intensificar a carga emocional do relato.
Encerramento
Que mensagem você quer transmitir ao final da fala? O que dirá para encerrar seu relato?
Você pode retomar o que disse no início do relato, ou acrescentar uma mensagem que seja decorrente da trajetória apresentada.
Elaboração 4. Ensaie sua apresentação em voz alta. Procure prestar atenção no tom de voz adotado e no modo como conduz o relato. Prepare-se para gravar seu relato e os dos colegas. No dia das apresentações, leve um celular, uma câmera de vídeo ou um gravador.
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Atenção
5. Agora você apresentará seu relato de experiência vivida. Quando chegar sua vez, mantenha a calma e apoie-se em seu esquema, mas não o leia. 6. Durante as apresentações, cada aluno avaliará o relato de experiência de um colega, pelo qual também será avaliado. Leia a ficha de avalia ção antes das apresentações e defina quem fará dupla com você.
Avaliação 7. O quadro abaixo indica os critérios que serão levados em conta na ava liação do relato de experiência vivida. Ficha de avaliação do relato de experiência vivida
»»Fale alto, claro e com firmeza. »»Não abuse da informalidade; seja organizado e objetivo.
»»Não faça desvios muito longos ao contar algum detalhe.
»»Planeje a duração de seu
relato: ele não deve demorar mais do que cinco minutos.
Nota/dica para melhorar o item
Adequação da postura corporal do orador em relação ao público (postura natural, mas sem excesso de informalidade) Clareza e firmeza da voz (voz em altura suficiente para que todos os ouvintes escutem) Fluência no relato oral (fala com poucas pausas, interrupções e repetições desnecessárias) Bom uso das anotações (serviram de apoio para a sequência do relato, mas sem leitura em voz alta) Bom uso de verbos e advérbios de tempo e espaço (o orador situou a plateia em relação à temporalidade e à espacialidade da experiência vivida) Exposição clara dos fatos (a trajetória que o orador queria comunicar ficou clara para todos)
Para cada item, atribua uma nota que vai de 1 a 3. 1. Item precisa ser melhorado. 2. Item realizado de forma satisfatória, mas ainda pode ser melhorado. 3. Item realizado de forma excelente. a) Copie o quadro em uma folha separada e preencha-o durante a apre sentação que você estiver avaliando. Entregue suas anotações ao cole ga. Ele fará o mesmo. b) Seja generoso e educado: anote críticas para ajudar seu colega a me lhorar e não se esqueça de registrar as características positivas da apresentação. 8. Caso você tenha atribuído nota 1 ou 2 a algum item do quadro, acres cente uma explicação ou dica para melhorar o problema identificado. 9. Troque de folha com seu colega. Leia o que ele escreveu e certifique-se de que você entendeu. Se houver qualquer dúvida, pergunte a ele.
Reelaboração 10. Observe os tópicos para os quais seu colega atribuiu nota 1 ou 2, leia seus comentários e adeque o seu relato. 11. Antes de apresentar seu relato novamente, dê atenção ao tom com que abordará suas experiências. Acrescente às anotações palavras-chave que o ajudem a lembrar o tom pretendido em cada momento do relato.
Janette Pellegrini/Getty Images
Interesse e exemplaridade do relato (o relato prendeu a atenção dos ouvintes e transmitiu o sentido desejado)
Em discurso no TEDxEuston 2013, na Inglaterra, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie relatou a primeira vez em que fora chamada de feminista. A partir dessa experiência, ela reflete sobre a situação das mulheres na atualidade. Esse discurso já teve mais de 1 milhão de visualizações na internet. Foto de 2015.
12. Reapresente seu relato à turma. Grave-o em áudio ou vídeo para poste rior publicação.
Publicação 13. Após a apresentação de todos os relatos, selecione, junto com seu profes sor, os relatos mais marcantes e publique-os no blog da turma. Não escreva no livro.
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Vestibular e Enem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
(UEM-PR-adaptado) O texto 1 trata dos fatores que podem contribuir para o sucesso no vestibular. No texto 2, destaca-se um desses fatores, a inteligência como elemento para o sucesso nas áreas pessoal e profissional. Tendo esses textos como apoio, redija o gênero textual solicitado. Texto 1
O segredo do vestibular Para conseguir uma vaga, muitos investem pesado nos estudos. Paula Gabriela Marin Figueira, 16 anos, pretende prestar Medicina. A paulista estuda no tradicional Colégio Bandeirantes, um dos campeões em aprovação no vestibular. […] Mas, por “garantia”, matriculou-se em um cursinho. “Anoto tudo o que os professores falam durante as aulas, assim gravo melhor as informações”, afirma. Maira Teresa Lima Pereira, 22 anos, faz cursinho para conseguir uma vaga em Medicina Veterinária. No ano passado, passou para a segunda fase na Universidade Estadual Paulista (Unesp), mas foi reprovada porque errou todas as questões da prova de Matemática. “Este ano eu não vou zerar porque tenho estudado muito mais. Estou mais confiante. Desta vez eu passo”. Maira é mais uma estudante que abdicou das horas de lazer para ficar mais tempo com os livros. Mas qual é o segredo para passar no vestibular? […] O neurologista Ibsen Tadeo Damiani, professor da Santa Casa de São Paulo e secretário da divisão de neurologia da Associação Paulista de Medicina (APM), explica que os vestibulandos têm que assimilar muita informação em um curto período de tempo. E o problema é que muitos dados acabam se perdendo pelo meio do caminho. “Quando estamos lendo, as informações visuais são transmitidas ao córtex occipital e percorrem um longo caminho até chegar ao lobo temporal”, explica. “No processo, há uma alteração na taxa de disparos químicos entre os neurônios, as células que fazem a comunicação de dados no cérebro. Essa é a memória de curto prazo, que você usa rapidamente e esquece em seguida”. Isso significa que, para lembrar um dado duas semanas depois de tê-lo captado na mente, é preciso convertê-lo em memória de longo prazo. Esse trabalho fica a cargo do hipocampo, segundo o médico. “Depois que os dados são integrados aos circuitos do cérebro, o hipocampo descansa e quem trabalha é o lobo frontal, estrutura responsável pelo processo de recordação. É ele que traz à tona todas as informações que foram devidamente estocadas”. […] Não basta ter um Q.I. elevado e não saber manter a calma Quem não faz muito esforço para aprender as matérias é Herbert Sollmann, 17 anos, ex-aluno do Programa Objetivo de Incentivo ao Talento (Point), voltado para superdotados. Ele dispensa os simulados do cursinho e garante que não estuda mais que quatro horas por dia. […] O psicólogo Rubens Riveras Valverde […] acredita que o sucesso no vestibular não é exclusividade do gênio ou do conhecido “CDF”. “A força de vontade faz que muitos adolescentes que não são considerados inteligentes convertam esse sentimento em capacidade de passar em uma prova”, diz. […] Adaptação do texto disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2013.
Texto 2
O poder da inteligência Pesquisas revelam que as pessoas com Q.I. elevado têm também inteligência emocional com alto potencial e boas chances de realização pessoal e profissional. Sabe-se agora que o nível de inteligência da humanidade tem aumentado muito. E, segundo os especialistas, existe um arsenal de recursos para expandir a capacidade mental das pessoas, sobretudo a inteligência das crianças. A Mensa Brasil é o braço brasileiro de um clube internacional, nascido na Inglaterra em 1946, que reúne alguns dos donos dos mais altos quocientes de inteligência (Q.I.) de todo o planeta. Conversar com essa gente é uma experiência que comprova algumas das últimas descobertas feitas pelos cientistas que pesquisam a inteligência e o comportamento humanos. Essas pessoas tendem a ser mais curiosas, seus interesses abrangem um universo maior e a relação delas com o mundo é mais rica. Há os gênios ranzinzas e os sábios ermitãos, mas tudo indica que estes são exceção à regra. Pelo que a ciência vem reafirmando, o quociente de inteligência medido pelos testes mais tradicionais (aqueles que detectam a capacidade de raciocínio linguístico, matemático e lógico) indica também o potencial da pessoa para se relacionar com os outros e para enfrentar os problemas do dia a dia. Nessa perspectiva, o Q.I. seria um fator importantíssimo para o sucesso. […] Adaptação do texto disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2013.
Considerando-se um professor de ensino médio, relate, em até 15 linhas, a experiência de um ex-aluno que foi apro vado no vestibular valendo-se da inteligência, do esforço e da sorte. Para nomear esse aluno, utilize os nomes Margarete ou Gastão. 302
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unidade
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Expor A exposição de um conteúdo para alguém requer uma preparação por parte daquele que expõe. Antes de produzir o resumo de um texto ou apresentar determinados saberes em uma comunicação oral, é preciso atentar para algumas etapas: estudar ou pesquisar o assunto sobre o qual se quer expor, ler e compreender textos que possam estabelecer conexão com o mesmo assunto, registrar aquilo que se aprendeu e, então, procurar a melhor forma de apresentar esses novos conhecimentos a alguém.
22
Resumo
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Comunicação oral
70 a sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Nova York, EUA. Foto de 2015. Drop of Light/Shutterstock.com/ID/BR
É isso o que você fará nesta unidade.
Nesta unidade
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capítulo
22 o que você vai estudar Como identificar, planejar e produzir um resumo. As duas etapas da retextualização: compreender e expor. A referenciação e a construção de sentidos no texto.
Resumo O resumo consiste na exposição reduzida de um texto falado ou escrito na qual apenas aspectos principais desse texto são apresentados. É um recurso eficiente para estudos, pois permite identificar e destacar os conteúdos mais relevantes, auxiliando a memória. Para fazer um resumo, é preciso compreender o texto. Entender a função de cada uma de suas partes e o sentido do conjunto permite expor o que se aprendeu.
Leitura Veja a seguir o resumo de um artigo acadêmico produzido por Juarez Dayrell (professor da Universidade Federal de Minas Gerais) para a revista Educação e Pesquisa, da Universidade de São Paulo. O artigo tem o intuito de expor o resultado de uma pesquisa sobre a participação de jovens da periferia de Belo Horizonte em grupos de rap e funk e o modo como essa participação modifica a vida desses jovens. Após o resumo, há um trecho do artigo no qual é apresentada, especificamente, a relação dos jovens com o rap. Leia os textos e faça as atividades.
O rap e o funk na socialização da juventude Juarez Dayrell Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
O texto se propõe a discutir a importância dos grupos musicais juvenis nos processos de socialização vivenciados por jovens pobres na periferia de Belo Horizonte, problemati zando o peso e o significado de ser membro de um grupo musical no conjunto da vida de cada um. Tem como foco os integrantes de três grupos de rap e três duplas de funk, pro curando analisar as suas experiências cultu rais e o sentido que tais práticas adquirem no conjunto dos processos sociais que os constituem como sujeitos. Significa compreen der como eles elaboram as suas vivências em torno do estilo, e os significados que atribuem a elas, no contexto social onde se inserem como jovens pobres.
A discussão aponta que os jovens rappers e funkeiros encontram poucos espaços nas instituições do mundo adulto para construir referências e valores por meio dos quais possam se construir como sujeitos. Os esti los rap e funk assumem uma centralidade na vida desses jovens por intermédio das for mas de sociabilidade que constroem, da música que criam, e dos eventos culturais que promovem. Esses estilos possibilitaram e vêm possibi litando a esses jovens práticas, relações e símbolos por meio dos quais criam espaços próprios, significando uma referência na elaboração e vivência da sua condição juve nil, além de proporcionar a construção de uma autoestima e identidades positivas.
Palavras-chave Juventude – Socialização – Cultura juvenil – Sociabilidade. Dayrell, Juarez. O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 117, jan./jun. 2002.
[...] Vocabulário de apoio
latência: aquilo que está oculto pretensão: desejo, aspiração
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Os jovens e o rap
O rap começou a difundir-se em Belo Hori zonte a partir do final dos anos 1980. Desde então, veio se construindo uma cena rap que, mesmo ocupando um espaço marginal
no circuito cultural, se mantém viva e atuante, apesar das oscilações entre momentos de latência e de maior visibilidade. [...] Em cada grupo sempre existe um que tende a compor as “rimas”, através das quais desen volvem uma interpretação poética de si mes Não escreva no livro.
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mos e da condição social em que vivem. Para muitos deles, compor a letra é um momento de extravasar, de traduzir em forma de poesia os sentimentos que vivenciam: Escrever as letras é tipo assim, uma muleta, quando eu tô sentindo muita melancolia, quando eu tô sentindo muitas vezes só, eu sento e escrevo… Eu sempre escrevo quando eu tô muito melancólico… (Nilson, 25 anos) Nessa produção poética, a estrutura das letras, a fideli dade ao território e a explicitação de uma temática social são elementos identificadores do rap em qualquer lugar, seja no Brasil ou nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o conteúdo poético tende a refletir o lugar social concreto onde cada jovem se situa e a forma como elabora suas vivências, numa postura de denúncia das condições em que vive: a violência, as drogas, o crime, a falta de pers pectivas, quando sobreviver é o fio da navalha. Mas tam bém cantam a amizade, o espaço onde moram, o desejo de um “mundo perfeito”, a paz. Como diz um deles, eu sou um mero observador do comportamento do ser humano… num tenho estudo, num sou nada, mas eu fico observando o comportamento das pessoas. Nesse sentido, o rap pode ser visto como uma crônica da realidade da periferia. Eles atribuem a si mesmos o papel de “porta-vozes” da periferia, um dos elementos da identidade do estilo. Alguns deles se atribuem a “missão” de problematizar a realidade em que vivem através das músicas que cantam, com a pretensão de “conscientizar os caras” dos proble mas e riscos que o meio social lhes impõe: O que a gente passa com a música é um pouquinho de consciência, de amor próprio, de autoestima… a gente quer levar o nosso povo pra frente, a minha vontade é essa, de revolucionar, abrir a cabeça de um e de outro para eles terem consciência e saber o que está fazendo, aprender o direito deles, nem que for um pouquinho, entendeu? (Pedro, 26 anos, rapper)
Para muitos desses jovens, o rap torna-se uma forma de intervenção social, mas em outros moldes. Por meio da linguagem poética, do corpo, do lazer propõem uma pedagogia própria, que tem como um dos instrumentos a polêmica. Talvez esteja aí uma das dificuldades de esta belecerem um diálogo com as organizações políticas do mundo adulto, como sindicatos, partidos e até mesmo o movimento negro, diante dos quais se mostram descon fiados, mantendo distanciamento. Ao mesmo tempo, os grupos Máscara Negra e Raiz Negra desenvolvem espora dicamente algumas atividades sociais, como oficinas de hip hop em escolas públicas e festas beneficentes. Um momento muito significativo para todos os grupos são as apresentações que realizam. Para muitos, é no palco que se sentem verdadeiramente rappers. A frequên cia e o caráter dos shows são diferentes entre os grupos: enquanto o Processo Hip Hop tem um número limitado de apresentações e sempre em eventos no próprio bairro, o Raiz Negra e o Máscara Negra se apresentam com mais regularidade tanto em eventos quanto em festas promo vidas em danceterias no centro da cidade. Todos os jovens reforçam a importância dos shows na vida de cada um. Alguns ressaltam a emoção e o prazer – a maior adre nalina – de estarem no palco mostrando o resultado da sua produção. Outros ressaltam a autoafirmação do que os shows representam, sendo uma forma de resgatar a própria dignidade: Trabalhava de faxina e o maior orgulho meu era estar lá fazendo faxina e quando eu chegava no palco eu era um rapper, entendeu? Eu tenho pouco estudo, nunca tive um emprego bom, mas eu tenho uma cabeça pra revolucionar, eu tenho dignidade porque eu chego em casa e sou um rapper, tenho uma missão… (Pedro, Máscara Negra) […]
Dayrell, Juarez. O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 126-127, jan./jun. 2002.
Finalidades diversas A produção de um resumo consiste em uma ativi dade de retextualização, ou seja, na transformação de um texto em outro. Como modo de informar rapidamen te o interlocutor sobre determinado assunto, o resumo apresenta-se em diferentes esferas da vida cotidiana. Resumos de artigos, livros, filmes, peças teatrais, etc. podem ter finalidade publicitária, como a sinopse de um filme na embalagem de um DVD, ou informativa, como a antecipação do que trata um artigo acadêmico. Em geral, o resumo é encontrado em estado “pu ro”, não mesclado a outros gêneros textuais, somen te nas situações escolares. Fora da escola, aparece como componente de outros gêneros. Na escola, o aluno pode resumir um texto como forma de estudar um assunto. Para fazer um bom re sumo, no entanto, é necessário entender o texto ori ginal e identificar o que ele tem de fundamental.
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Repertório
O hip hop nasceu na periferia negra de Nova York, nos Estados Unidos da América, na década de 1970, como uma cultura que englobava música, o rap, dan ça de rua, o break, e arte, o grafite. Essa periferia ti nha entre seus moradores muitos imigrantes da Ja maica e outros países caribenhos, pelo que herdou influências do reggae. O nome hip hop está associa do à batida eletrônica da música que serve de base para uma melodia falada que expressa letras políticas ou amorosas. No Brasil, o hip hop e o rap se popularizaram pri meiro no centro de São Paulo, na década de 1980, e toma ram as periferias das grandes cidades, permanecendo no sé O rapper paulista Thaíde culo XXI como uma expressão em um evento no importante da cultura das pe Citibank Hall, em São Paulo (SP). Foto de 2015. riferias.
Bruno Poletti/Folhapress
Situação de produção
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Ler um resumo 1. É necessário ler “O rap e o funk na socialização da juventude” para compreender o resumo acadêmico que o acompanha? Por quê? 2. A que público específico esse resumo se dirige? Pablo Bernardo/ Acervo do fotógrafo
3. Releia um trecho do resumo do artigo acadêmico Os estilos rap e funk assumem uma centralidade na vida desses jovens por intermédio das formas de sociabilidade que constroem, da música que criam, e dos eventos culturais que promovem. a) Selecione no trecho “Os jovens e o rap” a parte que se associa a essas afirmações feitas no resumo. Transcreva-a no caderno. b) Descreva as diferenças entre o trecho do resumo e o trecho do trabalho acadêmico, considerando os seguintes aspectos: •• extensão • presença de detalhes •• presença de depoimentos • descrição de ações e emoções
Duelo de MCs no viaduto Santa Tereza, Belo Horizonte (MG). Foto de 2016.
ANOTE
Na produção do resumo, o texto-base é reduzido a suas ideias principais e transformado, as sim, em um novo texto, mais curto. Para isso, é necessário primeiro ler com atenção e compreender o texto original. Em seguida, pode-se realizar um esquema a partir do qual se redige o resu mo, cuja finalidade é expor o conteúdo essencial do texto-base.
4. Copie e complete o esquema abaixo com a estrutura do trecho do artigo de Juarez Dayrell. Resuma cada parte do texto, transcrevendo seu conteúdo principal. Estrutura: “Os jovens e o rap”
Partes do texto
Conteúdo
Parágrafo 1: Início do rap em Belo Horizonte Parágrafos 2 e 3: A relação dos jovens com a música Parágrafo 4: O conteúdo poético Parágrafos 5 e 6: O papel dos rappers Parágrafo 7: O rap e a sociedade Parágrafo 8: As apresentações de rap Parágrafo 9: Reconhecimento e autoestima
5. No subtítulo “Os jovens e o rap” do artigo acadêmico, identifique depoimentos de atores sociais envolvidos na pesquisa e comente a função desses depoimentos no texto. ANOTE
Capítulo 22 – Resumo
Após reduzir ao essencial cada uma das partes – capítulos, seções, parágrafos –, o resumo recompõe o texto-base, sem a apresentação de opiniões, críticas, considerações ou comentários. No entanto, é comum que trechos resumidos façam parte de outros gêneros, como ocorre em “O rap e o funk na socialização da juventude”, que apresenta o resumo como uma exigência para a publicação de uma pesquisa acadêmica.
6. Observe as palavras-chave atribuídas ao artigo acadêmico por Juarez Dayrell. Juventude – Socialização – Cultura juvenil – Sociabilidade. a) Selecione trechos do texto “Os jovens e o rap” que remetam a cada um desses temas ex pressos pelas palavras-chave e transcreva-os no caderno. b) Explique o critério de seleção das palavras-chave. c) Você incluiria outra(s) palavra(s)-chave a esse resumo? Justifique sua resposta.
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ANOTE
Na produção do resumo, realiza-se uma série de operações linguísticas redutoras, como a enumeração e a eliminação de repetições, de detalhes e de aspectos secundários e/ou comple mentares. Nas enumerações, é comum o uso de substantivos.
Foi Darwin quem pôs em evidência o valor das minhocas como beneficiadoras do solo; contou ele o número de exemplares que vivem num metro quadrado; verificou até que profundidade estendem seu trabalho e calculou, por fim, o volume de terra que esses vermes revolvem. Chegou, assim, a conclusões interessantíssimas, que demonstram a utilidade das minhocas para a agricultura; elas não só arejam a terra, com o que se torna possível o trabalho dos germes aeróbios em camadas profundas, como também beneficiam diretamente o subsolo, levando para lá detritos fertilizantes. Posteriormente, as observações de Darwin foram controladas por outros pesquisadores e assim podemos aceitar como bem comprovados, para certas espécies, os seguintes dados. As minhocas são vermes de hábitos principalmente noturnos; preferem a umidade e por isto mantêm-se à flor da terra de noite e quando chove, escondendo-se nas camadas mais profundas no tempo da seca. Para se enterrar, a minhoca ou estira ou adelgaça o corpo, enfiando-se pelos interstícios e aproveitando a porosidade, ou então vai comendo a terra e esta vai-lhe passando pelo tubo digestivo; desta forma o verme não encontra obstáculo para seguir seu caminho. Conforme a qualidade do solo, foram contadas de 300 a 700 minhocas por metro quadrado […]. Seu alimento consiste não só em substâncias orgânicas, que encontram misturadas à terra, como também levam folhas, sementes e outras substâncias vegetais para seus túneis e lá aproveitam o que podem desse material. Para esvaziar o tubo digestivo, vêm à superfície e é deste modo, principalmente, que contribuem para o revolvimento do subsolo […]. Ihering, Rodolpho von. Dicionário dos animais do Brasil. São Paulo: Universidade de Brasília, 1940. p. 511-512.
a) Copie no caderno os verbos principais de todas as orações do trecho. b) Selecione os verbos que expressam as ideias essenciais de cada parágrafo. c) Reescreva essas ideias com suas palavras, resumindo as principais informações do texto. d) Certifique-se de que suas formulações apresentem ideias claras e completas.
observatório da língua A referenciação e a construção de sentidos Ao escrever um texto, é necessário garantir que seus elementos estejam adequadamente articulados. Um mecanismo utilizado para isso é a referenciação, ou seja, o uso de palavras que antecipam ou retomam um elemento do texto (chamado de referente). Como evitam a repetição – às vezes, de uma longa sequência de texto –, os termos que an tecipam ou retomam referentes são um recurso muito importante para a elaboração de resu mos. No entanto, o uso inadequado dessas palavras pode comprometer a clareza do texto. Isso acontece, por exemplo, quando não fica claro qual é o elemento ou a sequência de elementos que estão sendo antecipados ou retomados. 1. Copie os trechos a seguir no caderno. Neles, as expressões que antecipam ou retomam elementos do texto estão destacadas. Grife os referentes dessas expressões. a) Os especialistas citam várias causas para os altos índices de criminalidade no Brasil – a falta de ética dos governantes, a miséria, as más condições de vida de uma enorme parcela da população –, e alertam que todas elas precisam ser combatidas. b) Aponta-se como estratégia de combate à violência a integração das polícias civil e militar, mas faz-se a ressalva de que tal medida dependeria em grande parte de vontade política. c) A conclusão do estudo é esta: grande parte da população está disposta a se unir para combater a violência.
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IanDagnall Computing/Alamy/Latinstock
7. Leia o texto abaixo. Depois, faça o que se pede a fim de exercitar a identificação das infor mações principais.
O cientista inglês Charles Darwin (1809-1882), elaborador da teoria evolucionista. Foto de 1875. Vocabulário de apoio
adelgaçar: estreitar, diminuir aeróbio: que necessita de oxigênio para seu desenvolvimento detrito: resíduo, sobra estirar: esticar interstício: pequeno espaço vazio, fenda porosidade: qualidade do que é poroso, perfurado, arejado
HIPERTEXTO A referenciação é um dos mecanismos que promovem a coesão textual. Esse e outros recursos coesivos são abordados na parte de Linguagem (capítulo 17, p. 256)
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Produzir um resumo Proposta Você vai escrever um resumo a ser compartilhado com colegas da escola que não tenham lido o texto abaixo, escrito por Paulo Freire (1921-1997), educador pernambucano que se empenhou em democratizar o ensino no Brasil. Seu texto deverá ser afixado em um mural da escola em que haja grande circulação de alunos de séries variadas. Nesse resumo, seu objetivo será expor o conteúdo principal das ideias defendidas por Paulo Freire sobre a autonomia do adolescente ao tomar suas próprias decisões. Mas lembre-se: antes de tudo, é preciso compreender bem o texto-base. Utilizando os conhecimentos que adquiriu neste capítulo, escreva um texto claro, que contenha as ideias principais do texto original.
Capítulo 22 – Resumo
Ensinar exige liberdade e autoridade
Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 103-105.
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Vocabulário de apoio
abespinhar: irritar-se assunção: ação de assumir algo forjar: criar
Bengt Oberger/Acervo do fotógrafo
Gostaria uma vez mais de deixar bem expresso o quanto aposto na liberdade, o quanto me parece fundamental que ela se exercite assumindo decisões. Foi isso pelo menos, o que marcou minha experiência de filho, de irmão, de aluno, de professor, de marido, de pai e de cidadão. A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do Estado. É claro que, nem sempre, a liberdade do adolescente faz a melhor decisão com relação a seu amanhã. É indispensável que os pais tomem parte das discussões com os filhos em torno desse amanhã. Não podem nem devem omitir-se, mas precisam saber e assumir que o futuro é de seus filhos e não seu. É preferível, para mim, reforçar o direito que tem à liberdade de decidir, mesmo correndo o risco de não acertar, a seguir a decisão dos pais. É decidindo que se aprende a decidir. Não posso aprender a ser eu mesmo se não decido nunca porque há sempre a sabedoria e a sensatez de meu pai e de minha mãe a decidir por mim. Não valem argumentos imediatistas como: “Já imaginou o risco, por exemplo, que você corre, de perder tempo e oportunidade, insistindo nessa ideia maluca?”. A ideia do filho, naturalmente. O que há de pragmático em nossa existência não pode sobrepor-se ao imperativo ético de que não podemos fugir. O filho tem, no mínimo, o direito de provar a “maluquice da sua ideia”. Por outro lado, faz parte do aprendizado da decisão a assunção das consequências do ato de decidir. Não há decisão a que não sigam efeitos esperados, pouco esperados ou inesperados. Por isso é que a decisão é um processo responsável. Uma das tarefas pedagógicas dos pais é deixar óbvio aos filhos que sua participação no processo de tomada de decisão deles não é uma intromissão mas um dever, até, desde que não pretendam assumir a missão de decidir por eles. A participação dos pais se deve dar sobretudo na análise, com os filhos, das consequências possíveis da decisão a ser tomada. A posição da mãe ou do pai é a de quem, sem nenhum prejuízo ou rebaixamento de sua autoridade, humildemente, aceita o papel de enorme importância de assessor ou assessora do filho ou da filha. Assessor que, embora batendo-se pelo acerto de sua visão das coisas, jamais tenta impor sua vontade ou se abespinha porque seu ponto de vista não foi aceito. O que é preciso, fundamentalmente mesmo, é que o filho assuma eticamente, responsavelmente, sua decisão, fundante de sua autonomia. Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. Por que, por exemplo, não desafiar o filho, ainda criança, no sentido de participar da escolha da melhor hora para fazer seus deveres escolares? Por que o melhor tempo para esta tarefa é sempre o dos pais? Por que perder a oportunidade de ir sublinhando aos filhos o dever e o direito que eles têm, como gente, de ir forjando sua própria autonomia? Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade. […]
Engström, Pye. Depois do banho, 1971-76. Escultura em calcário. Dimensões não disponíveis. Estocolmo, Suécia.
Escultura de Paulo Freire (o segundo da esquerda para a direita) entre personalidades internacionais como Pablo Neruda e Mao Tsé-Tung. Não escreva no livro.
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Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto que você vai produzir. Gênero resumo
Público leitores que não leram o texto-base
Finalidade expor o conteúdo reduzido de um texto-base
Meio mural da escola
Linguagem objetiva; terceira pessoa do discurso; mecanismos de referenciação para evitar repetições
2. Elabore no caderno um esquema com as principais informações do texto. Para isso, copie as ideias mais importantes de cada parágrafo e dê um título a cada um. Reescreva as ideias principais com palavras novas, sempre que possível.
Evitar opinião pessoal; detalhes e informações suplementares desnecessários; palavras que não tenham um referente explícito
dados essenciais do texto
Atenção
»»Também no resumo
você deve dar especial atenção à articulação das partes do texto. Se utilizar mecanismos de referenciação, como antecipação e retomada de elementos, lembre-se de garantir a clareza dos referentes.
Elaboração 3. Defina a sequência dos dados a serem apresentados em seu resumo. Não é necessário seguir a ordem do texto-base, se você entender que há um modo melhor de expor o conteúdo em poucas palavras. 4. Agora você pode escrever seu resumo. Ele deverá ter, aproximadamente, dez linhas digitadas em fonte tamanho 12 ou quinze linhas escritas à mão.
Avaliação
Incluir
»» Não perca de vista a
finalidade de seu resumo: expor as ideias principais do texto-base.
5. Forme uma dupla com um colega de sua turma para que cada um avalie o resumo produzido pelo outro. Após a leitura do texto de seu colega, copie e preencha o quadro abaixo em uma folha avulsa que será entregue a ele posteriormente. Sim
Não
Os dados essenciais do texto-base estão presentes? O sentido do texto-base está claro no resumo (os dados estão bem articulados)? Os procedimentos redutores (enumeração, uso de substantivos, eliminação de repetições e dados suplementares, etc.) foram bem usados? A ordem de apresentação das informações favorece seu entendimento? Quando há referenciação, o texto deixa claro quais são os referentes retomados ou antecipados por outras palavras?
6. Caso você tenha respondido “não” a alguma das perguntas do quadro, faça uma anotação a lápis no texto de seu colega apontando cada um dos problemas identificados. 7. Aponte, também a lápis, outros aspectos do texto que podem ser melhorados (ortografia, acentuação, pontuação, escolha de palavras, etc.).
Reescrita 8. Observe os tópicos para os quais seu colega respondeu “não” na avaliação de seu texto. Retome o esquema que você fez para o resumo e veja o que precisa ser mudado. 9. É preciso eliminar do resumo as repetições desnecessárias. Para isso, pode-se fazer uso da referenciação. Ao reescrever seu texto, observe se você usou adequadamente esse recurso, deixando claros os referentes antecipados ou retomados por outras palavras. 10. Reescreva seu resumo, mesmo que seu colega tenha respondido “sim” a todos os itens da avaliação. Agora, faça-o de forma ainda mais sintética: redija cerca de cinco linhas digita das em fonte 12 ou sete linhas escritas à mão.
Publicação 11. Junto com o professor, organize os resumos de sua turma e afixe-os em um mural da escola localizado em um ponto no qual haja grande circulação de alunos. Não escreva no livro.
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capítulo
23 o que você vai estudar Como planejar e realizar uma comunicação oral. As qualidades do orador. A pergunta retórica como recurso expressivo. A construção de sentidos no texto oral planejado.
Comunicação oral A comunicação oral apresenta uma importante diferença em relação às produções escritas: o tempo da “realização” do texto é o mesmo de sua “recepção” pelos ouvintes e, frequentemente, são feitas referências diretas a essa situação de interação. Por isso mesmo, o texto precisa ser muito bem planejado para que o orador possa fazer uma boa apresentação. Neste capítulo, vamos conhecer melhor esse gênero e, depois, será a sua vez de planejar e apresentar uma comunicação oral.
Leitura O texto a seguir é a retextualização (com supressão de alguns trechos, nos locais indicados) da fala realizada pelo filósofo e educador Mario Sergio Cortella na Assembleia Legislativa de Santa Catarina em 2007. Em seu texto, Cortella trata sobre a construção de uma personalidade ética, tema proposto pelo seminário “Família, escola e cidadania: quais os caminhos?”. Leia o texto e responda às questões das páginas 312 e 313.
Nós não nascemos prontos […] E aí um dos livros que está aí é o Não nascemos prontos. Aliás, ele está apoiado numa lógica que vale para a vida, para a sociedade. Aliás, a razão deste seminário é que nós não nascemos prontos. Porque, se prontos tivéssemos nascido, não daria para existir educação, construção, enfim. No que que ele está apoiado? Tem uma frase que circula por aí que diz que uma pessoa, quanto mais ela vive, mais velha ela fica. Cuidado, isso é uma bobagem. Para que alguém quanto mais vivesse mais velho ficasse, teria que ter nascido pronto e ir se gastando. Isso não acontece com gente, isso acontece com fogão, sapato, geladeira… Fogão, sapato, geladeira é que nasce pronto e vai se gastando. Gente nasce não pronta e vai se fazendo. […] Personalidade ética, ela é construída quando nós prestamos atenção, quando nós inclusive olhamos para o jovem – atenção, que eu vou amarrando as ideias –, quando eu olho para o jovem com o olhar dele como sendo um outro. E sem arrogância. Tem pai e mãe que quando o filho chega em casa da escola fala assim: “E aí, filho, o que que você aprendeu hoje?”. Isso é auditoria. Você quer saber o que seu filho aprendeu? Mas quer fazê-lo de um jeito que ele vai gostar? “E aí, filho, que que você pode me ensinar hoje?” Você vai obter o mesmo efeito. A diferença é que crianças e jovens adoram ensinar. Os valores que ele terá são os valores que nós passarmos para ele. Se ele não tem ideia de processo porque a família não estrutura, ele não tem dificuldade nenhuma: ele não sabe que, para o quarto dele aparecer limpo, ou, às vezes, para a comida aparecer na mesa, alguém tem que fazer. E tem que plantar, e tem que carregar a cebola, e tem que fazer uma série de coisas. Tudo é fast. Tudo é imediato. Atenção – e aí vou fechando –, essa sociedade do imediato, ela nos atinge. Quer ver um exemplo? E essa é uma coisa séria. Ela nos pega em cheio. Sabe quando? Quando a gente vai perdendo a nossa paciência. Quando nós achamos que “as coisas são assim, o que que eu posso fazer?”. Aliás, quando nós começamos a procurar o prático, em vez de procurar o certo. Quando você e eu começamos por exemplo a desistir. Quando o peixe, ao apodrecer pela cabeça, vai contaminando. Quando nós esquecemos uma coisa ótima: eles não nasceram prontos, nem nós. E, portanto, nós podemos nos fazer e refazer de vários modos. Um deles é, de fato, fazendo um seminário, voltando à discussão, trazendo pessoas, pensando. Isto é, fazer o que vocês estão fazendo aqui. E o que vocês estão fazendo aqui? Nós estamos aqui nestes dias para recusar, recusar a ideia de que não há alternativa de futuro, de que as coisas, elas estão numa saída que está fechada. Ao contrário. Mas para isso, evidentemente, você e eu precisamos afastar o mais poderoso, o mais poderoso elemento negativo do nosso tempo, que é a ideia do carpe diem. Hoje você é incentivado 310
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o tempo todo numa sociedade comunista, e quando eu digo comunista não é socialista, é comunista de partilhar de forma comum o deus mercado. O tempo todo fica em torno do consumo de bens materiais. É uma sociedade que te impulsiona para dizer o tempo todo: aproveite o dia. Carpe diem. Que, aliás, é um lema do mundo romano na decadência. Pessoas repetem carpe diem como se ela fosse uma coisa do mundo romano, do aproveitar a vida, mas ela é da decadência do império romano. Quando o império romano estava esboroando, aí a regra era salve-se quem puder, cada um por si, Deus por todos, aproveite o dia, viva cada dia como se fosse o último, porque senão o dia se acerta. E aí o que acontece com o jovem? Tem pai e mãe que vira, ou professor, para o jovem e diz assim: “Vocês não terão futuro. Não vai haver futuro. Não haverá meio ambiente, não haverá segurança, não haverá emprego. Vocês não vão ter futuro.”. Aliás, vou dizer uma coisa para vocês: “Vocês não têm passado. Eu tive infância.”. E eu digo para eles: “Vocês não têm presente, sabe por quê? Porque isso que vocês comem não é comida, é porcaria; isso que vocês usam não é roupa, é andrajo.”. O que é que eu estou dizendo para o jovem? Que ele não tem história. E quando eu digo a alguém que ele não tem história, só resta a ele uma alternativa: viver o presente até o esgotamento. Viver o presente até o esgotamento significa – e aqui eu quero ir fechando – que aí, você, nesta lógica, você chega em casa hoje à noite, quarta-feira, você chega lá às 7 horas da noite, tua menina está saindo. Você fala: “Ué, filha, aonde você vai?”. “Ué, mãe, vou para uma balada.” “Mas numa quarta-feira, filha?” “Mãe, pode ser a última balada da minha vida.” Seu filho fala: “Mãe, vou viajar com os amigos no fim de semana, vou lá para Bombinhas.”. “Mas, filho, as aulas começaram agora, você nem…”. “Pá, mãe, pode ser a última viagem da minha vida…”. Como que um ser humano com 15 anos, 16, acha que a vida se esgota desse modo? Sabe qual é a lógica? A lógica é, olha só, a lógica é que o mundo não tem história, e quem não tem história vive o presente até o esgotamento. […] Aí você olha e pensa assim, e eu quero aproveitar esse minuto final para pensar esta ideia, olha só: construir uma personalidade ética exige de nós um trabalho concomitante de construir uma família ética, uma escola ética, que, entre outras coisas, claro, precisa deixar qualquer possibilidade que você ou eu tenhamos de cinismo, isto é: alguém tem que fazer alguma coisa! E a segunda, é sermos capazes de aprender, conhecer, estudar, isto é, de nos prepararmos. Porque o nosso trabalho só terá sucesso se ele for marcado pela amorosidade, mas a amorosidade sem competência é mera boa intenção. Uma amorosidade tem que ser competente. E para ela ser competente ela precisa se preparar. […] E quero concluir com a frase de um homem que eu aprecio imensamente que é François Rabelais. Ele tem uma frase que eu vou dizê-la duas vezes, pela força que ela carrega, e ela vale para nós. E ela, no meu entendimento, explicita muito bem a razão dessa parceria entre a Escola Legislativa e a escola de pais. Rabelais, grande nome da Renascença Francesa – aqui quem gosta da área deve ter lido Gargântua, Pantagruel, obras clássicas do século XVI –, Rabelais diz o seguinte: “Conheço muitos que não puderam quando deviam porque não quiseram quando podiam”. Digo de novo: “Conheço muitos que não puderam quando deviam porque não quiseram quando podiam”. A gente quer, deve, pode. Alguém tem que fazer alguma coisa! Cá estamos. Obrigado.
Educador Mario Sergio Cortella, professor de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foto de 2015.
Cortella, Mario Sergio. Palestra apresentada no seminário “Família, escola e cidadania: quais os caminhos?”, da Escola da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, em 15 ago. 2007. Transcrição feita para esta edição.
Situação de produção Conhecimento compartilhado O que estamos chamando de comunicação oral é a fala preparada para a exposição de determinado conteúdo a outras pessoas em um momento definido, e que não se caracteriza pela mera leitura de um texto. Não estão incluídas aí as falas espontâneas, não planejadas, nem as aulas regulares (como as da escola). Os contextos variam entre situações de maior ou menor formalidade: seminários, apre sentações orais, palestras, colóquios, etc. A plateia é um item fundamental dessa situação de produção. Como se trata de uma comunicação “ao vivo”, a interação com o públi-
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co muitas vezes modifica o rumo previamente imaginado para a fala. Ao assistir ao vídeo da palestra “Nós não nascemos prontos”, disponível na internet, é possível perceber como Cortella responde às reações do público. Isso se revela não só no conteúdo do texto, mas também no modo como ele é falado – na entonação, na expressão facial, nos gestos do orador. Outro aspecto importante é a restrição de tempo. Em geral, esse tipo de apresentação cumpre um horário rígido. Assim, o orador necessita controlar o tempo e organizar a progressão de sua fala.
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Ler uma comunicação oral 1. Indique dois momentos em que Cortella menciona a situação de produção do texto, fazendo referência ao seminário do qual participa. 2. Qual é a importância de se falar sobre ética em uma Assembleia Legislativa no Brasil? Justifique. HIPERTEXTO
3. Releia.
a) Quais são os pronomes usados por Cortella para se referir a si mesmo e à plateia? b) Que efeito é produzido com a mudança de um pronome para o outro no trecho analisado? c) O que une Cortella a seus ouvintes, ou seja, o que eles têm de comum em relação ao tema abordado? 4. Releia este outro trecho. Mas para isso, evidentemente, você e eu precisamos afastar o mais poderoso, o mais poderoso elemento negativo do nosso tempo, que é a ideia do carpe diem. a) Que pronome pessoal poderia substituir “você e eu” na frase? b) O que a frase de Cortella ganha com o uso de “você e eu”? ANOTE
A escolha dos pronomes pessoais ou de tratamento determina o grau de proximidade do orador com seus ouvintes e também o grau de formalidade do texto. Em uma situação de maior formalidade, o orador pode dirigir-se ao público usando a expressão “as senhoras e os senhores”; já em situações mais informais, podem ser usados termos como a gente, nós ou vocês.
Capítulo 23 – Comunicação oral
5. O que Mario Sergio Cortella parece querer provocar nos ouvintes com essa comunicação oral? Cite alguma passagem do texto que justifique sua resposta. 6. Uma das maneiras de o orador demonstrar conhecimento sobre o tema tratado é por meio da citação de ideias de outros autores. a) Qual é o autor citado por Cortella no texto? b) O que essa citação acrescenta à fala do orador? c) Em sua opinião, uma frase citada tem o mesmo efeito de uma frase do próprio orador? Por quê? ANOTE
A comunicação oral pode ganhar credibilidade com a citação de frases ou ideias de outras pessoas valorizadas socialmente. Para isso, no entanto, essas citações não podem ser gratuitas: é preciso que sejam pertinentes, acrescentem informações novas e se mostrem bem articuladas com o que está sendo dito.
7. Localize e copie três trechos do texto em que o orador retoma a ideia-chave expressa no título de sua comunicação oral. Qual é a importância dessa repetição ao longo da fala de Cortella?
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Palavras como vocês e nós, usadas por Cortella em sua comunicação oral, não têm um referente previamente definido. A maneira como elas adquirem sentido no uso da língua é abordada na parte de Linguagem (capítulo 13, p. 208-209).
Ouça Além do véu de Maya, de Tribo de Jah. São Paulo: Indie Records, 2000. 1 CD. Tribo de Jah é uma banda de reggae originária de São Luís (MA). Cinco músicos da banda têm deficiência visual e se conheceram na Escola de Cegos do Maranhão. O vocalista, nascido no interior de São Paulo, juntou-se ao grupo pouco depois. No CD Além do véu de Maya, a faixa “O abismo do consumismo” faz uma crítica ao consumo desenfreado, prática comumente observada na sociedade atual e abordada por Cortella em sua comunicação oral. Warner Music/ID/BR
Isto é, fazer o que vocês estão fazendo aqui. E o que vocês estão fazendo aqui? Nós estamos aqui nestes dias para recusar, recusar a ideia de que não há alternativa de futuro […].
Capa do CD Além do véu de Maya.
Repertório
Carpe diem A expressão latina carpe diem é considerada um tema recorrente na literatura ocidental, trabalhado por escritores em momentos e estilos de época diferentes. No cinema, esse conceito foi celebrizado no filme Sociedade dos poetas mortos (EUA, 1989), dirigido por Peter Weir. No filme, o carpe diem, “aproveite o dia”, é uma ideia libertadora, utilizada como motivo de resistência e transgressão em uma escola conservadora e extremamente opressiva, onde era impossível pensar livremente e se divertir sem que se enfrentasse poderosa repressão.
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8. Em “Nós não nascemos prontos”, predomina a formalidade ou a informalidade? Explique. 9. Localize no texto um momento de maior informalidade. Copie-o e justifique sua escolha. ANOTE
Apesar de poder apresentar momentos de maior informalidade, a comunicação oral estabelece distanciamento entre o público e o orador. Este faz sua comunicação sem ser interrompido, mantendo-se centrado no assunto, que deve ser tratado com objetividade e coerência.
10. No texto “Nós não nascemos prontos”, são mencionados diversos exemplos. a) Cite três exemplos utilizados por Cortella. b) Qual é a função desses exemplos na fala do orador? ANOTE
O exemplo – que pode assumir a forma de história pessoal, dados pesquisados, casos, ilustrações, gráficos, etc. – completa o sentido do texto, mostrando a aplicação das afirmações feitas.
11. Em sua fala, Cortella utiliza algumas palavras que, embora pouco comuns, podem ter seu sentido compreendido em função do contexto em que são apresentadas. a) Registre no caderno os trechos em que as palavras esboroando e andrajo aparecem. Sem consultar um dicionário, atribua significado a elas a partir do contexto. b) Agora, procure essas palavras no dicionário e verifique se você indicou adequadamente o significado de cada uma. Anote no caderno as eventuais diferenças de sentido.
a) De acordo com esse trecho, o carpe diem é uma ideia negativa. Qual é a concepção que Cortella tem sobre esse valor romano? b) Leia o boxe Repertório sobre o carpe diem. Em que medida essa expressão pode ser considerada um valor positivo? c) Diante dessas possibilidades, como você se posicionaria? Para você, carpe diem é uma ideia positiva ou negativa? Por quê? ANOTE
A comunicação oral pode tratar de qualquer assunto ou tema. Porém, sempre que a comunicação oral desperta o interesse do público e leva o ouvinte a refletir e conhecer mais sobre determinado tema, a tendência é de que a interação entre orador e ouvinte torne essa comunicação mais dinâmica e cativante.
13. Copie e complete o quadro a seguir com o número dos parágrafos correspondentes a cada parte do texto. Depois, divida essas partes novamente, indicando os assuntos desenvolvidos em cada uma.
monkeybusinessimages/iStock/Getty Images
Mas para isso, evidentemente, você e eu precisamos afastar o mais poderoso, o mais poderoso elemento negativo do nosso tempo, que é a ideia do carpe diem.
David Shopper/Corbis/Fotoarena
12. Releia.
Exemplos de situações de produção de comunicação oral.
Estrutura do texto “Nós não nascemos prontos”
Partes (número dos parágrafos)
Subpartes (assuntos desenvolvidos)
Introdução Desenvolvimento Encerramento ANOTE
Um instrumento que auxilia nessa organização são os esquemas: anotações elaboradas previamente pelo orador, com os tópicos que vai abordar e a sequência em que fará isso. Não escreva no livro.
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Entre o texto e o discurso – As qualidades do orador Você aprendeu que a comunicação oral é um gênero textual que se realiza no momento de sua produção, com orador e ouvintes em contato. Observe, na figura abaixo, o que é preciso fazer para realizar uma boa exposição de um conhecimento por meio da fala.
Postura e naturalidade Estar à vontade favorece muito a comunicação oral. Porém, isso não significa assumir uma postura desleixada. O importante é não deixar a vergonha ou o nervosismo desempenharem o papel principal. Para isso, o orador deve se concentrar em sua fala e no conteúdo abordado.
Fluência Quando o texto flui, os ouvintes o acompanham com prazer. Para conseguir isso, o orador deve evitar exceder-se nas interrupções, fazer muitos desvios, gaguejar ou ficar longamente em silêncio. Deve também procurar dizer cada ideia com clareza, falar com calma e organizar previamente os conteúdos de seu texto, para que sua fala seja interessante e articulada.
Adriana Alves/ID/BR
Tom de voz As pessoas precisam conseguir ouvir o que o orador tem a dizer. Usar seu tom de voz normal não será suficiente: é necessário projetar a voz – para que ela soe firme, alta e clara –, além de articular bem as palavras.
Expressão Como o orador usa a voz para expor um conhecimento, a entonação e a modulação devem contribuir para expressar os sentidos pretendidos. Os gestos e a expressão facial também colaboram na construção dos sentidos.
squema do texto e E conhecimento prévio O conteúdo apresentado pelo orador deve ser coerente, e sua fala deve ter coesão. Os dados, exemplos, argumentos e explicações utilizados devem ser claros e consistentes. Elaborar um bom esquema do texto a ser produzido pode ser muito útil. Esse esquema – um conjunto de anotações de leitura rápida – tem a função de dirigir a progressão do conteúdo da fala do orador e ajudá-lo a se lembrar de exemplos e informações adicionais que precisam ser mencionados.
Capítulo 23 – Comunicação oral
A pergunta retórica e a expressividade Quando Cortella pergunta “E o que vocês estão fazendo aqui?”, ele não espera que alguém da plateia levante a mão e dê uma resposta. A intenção é outra: instigar cada um dos ouvintes a refletir sobre o que os levou a participar de um seminário sobre a construção de personalidades éticas. O suspense dura apenas um instante, pois o próprio Cortella apresenta uma razão: “Nós estamos aqui nestes dias para recusar, recusar a ideia de que não há alternativa de futuro […]”. Esse era o ponto a que o orador queria chegar quando formulou a questão. Mas a frase teria um impacto diferente se ele não tivesse feito aquela pergunta antes. Esse recurso expressivo, muito usado na comunicação oral, tem um nome: pergunta retórica. Trata-se de uma interrogação que não tem como finalidade receber do ouvinte uma resposta, e sim chamar sua atenção e fazê-lo pensar sobre o significado da pergunta. Cortella conhece a eficácia desse recurso, que pode ter várias funções. Veja. “E aí o que acontece com o jovem?” [cria expectativa sobre o que vai ser dito] “Como que um ser humano com 15 anos, 16 acha que a vida se esgota desse modo?” [funciona quase como uma exclamação: expressa espanto, incapacidade de compreender, indignação] “Sabe qual é a lógica?” [anuncia uma proposta de interpretação para a situação que acaba de ser apresentada]
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2. Releia o trecho abaixo. “Ué, filha, aonde você vai?” “Ué, mãe, vou para uma balada.” a) A pergunta da mãe é retórica? Por quê? b) Na sequência, a mãe diz: “Mas numa quarta-feira, filha?”. Essa é uma pergunta retórica? Por quê? c) A análise das respostas dadas pela filha às perguntas da mãe ajuda a perceber que uma dessas perguntas é retórica. Explique por quê. 3. No texto, aparece duas vezes uma pergunta retórica que tem um “não” como resposta implícita. Esse “não” – que pode ser murmurado, dito com um gesto de cabeça ou apenas pensado pelo ouvinte – é uma espécie de “senha” para a continuidade da fala. Qual é essa pergunta?
Observatório da língua A construção de sentido na comunicação oral A comunicação oral tem uma particularidade que influi muito em sua produção: ela é uma fala contínua que será ouvida ininterruptamente por um grupo de pessoas. O sentido do texto precisa ser apreendido de imediato, pois, ao contrário do que ocorre durante a leitura de um texto escrito, ou em uma conversa informal, na comunicação oral não é possível, em geral, recuperar passagens perdidas. Assim, o orador precisa organizar sua fala de modo a ajudar o ouvinte a acompanhar sua linha de raciocínio. A etapa de planejamento é crucial para um bom resultado no momento de expor conhecimentos. Se, por exemplo, uma passagem é fundamental para o sentido do texto, vale a pena chamar a atenção da plateia para a importância do que se vai falar. Observe no trecho abaixo como Cortella faz isso, utilizando os recursos de antecipação e de ênfase.
Repertório
Rabelais O escritor francês François Rabelais (1484-1553) é conhecido principalmente por seus livros Gargântua e Pantagruel. Os protagonistas dessas obras satíricas são gigantes rústicos e engraçados, que viajam em um mundo dominado por ambição, estupidez e violência. À época em que tais obras foram escritas, o alvo dessa crítica eram as autoridades feudais e a Igreja. Rabelais inaugurou uma forma literária que usa o humor e a paródia como meios de criticar a cultura oficial e as forças autoritárias. Sua obra influenciou muitos escritores dos séculos seguintes, entre os quais o espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), autor de D. Quixote de La Mancha, que compartilhava com Rabelais uma visão satírica dos romances de cavalaria medievais. Biblioteca Nacional da França, Paris. Fotografia: ID/BR
1. Localize no texto a pergunta retórica “O que é que eu estou dizendo para o jovem?”. Considerando o contexto em que ela é feita, indique a qual das funções referidas na página anterior ela pode ser relacionada.
E quero concluir com a frase de um homem que eu aprecio imensamente que é François Rabelais. Ele tem uma frase que eu vou dizê-la duas vezes, pela força que ela carrega […]. Rabelais diz o seguinte: “Conheço muitos que não puderam quando deviam porque não quiseram quando podiam”. Digo de novo: “Conheço muitos que não puderam quando deviam porque não quiseram quando podiam”. Há outro elemento que, embora também possa estar presente em gêneros textuais escritos, é especialmente útil na comunicação oral: trata-se das expressões reformulativas, que sinalizam para o ouvinte alguns movimentos do texto. Veja as expressões reformulativas mais comuns. correções – ou melhor, aliás, na verdade, na realidade, para ser mais exato explicações – isto é, ou seja exemplos – por exemplo, a saber, tais como reafirmação ou ênfase – de fato, realmente, com efeito 1. Em sua comunicação oral, Cortella demonstra preferência pela expressão isto é, que ele usa para desenvolver melhor suas ideias em algumas passagens. Localize no texto essas passagens e substitua essa expressão por aquela que você considerar mais adequada ao sentido pretendido por Cortella em cada contexto. Se desejar, consulte o quadro abaixo. ou melhor ou seja
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em outras palavras dito de outro modo
quer dizer
Doré, Gustave. Pantagruel. Gravura. Biblioteca Nacional, Paris, França.
HIPERTEXTO Os recursos de antecipação e de ênfase e as expressões reformulativas, particularmente úteis no texto oral planejado, também são recursos de coesão, que ajudam a interligar as partes do texto. Conheça outros mecanismos de coesão na parte de Linguagem (capítulo 17, p. 256).
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Produzir uma comunicação oral Proposta
1987 Watterson/Dist. by Atlantic Syndication/Universal Uclick
Escolha um assunto para expor à sua classe em uma comunicação oral. Dê preferência a um tema com o qual você já tenha alguma familiaridade, mas realize uma boa pesquisa para fundamentar sua fala. Você terá cinco minutos para se apresentar. Você pode gravar um vídeo ou o aúdio de sua comunicação para publicá-la no blog da turma. Os campos de interesse a seguir podem inspirá-lo a definir seu tema. Esporte: escolha uma técnica específica do esporte que você pratica ou admira. Não faltam opções: futebol, vôlei, basquete, tênis, atletismo, ciclismo, esportes radicais, etc. Mania: exponha os motivos que levam as pessoas a colecionar algo, ter uma mania ou um hobby. Explique os hábitos dos praticantes. As opções de hobbies são muitas: quadrinhos, mangás, super-heróis, RPG, música, coleções de objetos, jogos, miniaturas, etc. Conhecimento: escolha algum tema específico de sua disciplina escolar predileta ou de uma área de conhecimento de que você goste: astronomia, problemas de lógica, mitologia, etc.
Watterson, Bill. Calvin.
Muitas vezes, em uma situação de comunicação oral, aparece o desejo de fugir do público e da tarefa a ser realizada, especialmente se ela não foi adequadamente preparada.
Planejamento 1. Observe no quadro a seguir as características do texto que você vai produzir. Gênero textual comunicação oral
Público
Finalidade
Meio
Linguagem
Evitar
Incluir
alunos do Ensino Médio
expor um conhecimento oralmente
apresentação para a classe; blog da turma
primeira pessoa; distanciamento do público, objetividade, uso de esquema
voz baixa, timidez, pressa, excesso de informalidade, despreparo
introdução, desenvolvimento e encerramento; exemplos
2. Defina um tema bem específico, dentro dos campos de interesse sugeridos anteriormente. 3. Pesquise sobre o tema escolhido. Certifique-se de que as fontes consultadas são confiáveis. Capítulo 23 – Comunicação oral
4. Copie o esquema abaixo e responda às questões. Ele servirá de apoio no momento da fala. Movimento
Conteúdo
Detalhamento
tema
Qual será o tema de sua fala?
Indique o motivo de sua escolha.
introdução
Como você vai iniciar sua fala e abordar seu assunto?
Pense em como você fará a passagem da introdução para o desenvolvimento.
desenvolvimento
O que será exposto? • definição – explique seu tema • exposição – exponha seu conhecimento sobre o tema
Anote exemplos, dados adicionais, histórias, casos, informações extras que você pretende usar ao lado da informação à qual eles se referem.
conclusão
Que reflexão você gostaria de propor ao seu público, a partir do tema escolhido?
Se optar por usar uma citação, anote as informações sobre a frase escolhida: autor, data, contexto, etc.
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5. Você pode ensaiar sua apresentação em casa, pedindo a alguém que controle o tempo e o ajude a ajustar sua fala. 6. Apresente sua comunicação oral para a classe. Quando chegar sua vez de falar, mantenha a tranquilidade e se concentre. Se você se preparou bem, vai se sentir seguro e confiante em sua apresentação. Lembre-se de gravar um vídeo ou áudio de sua comunicação.
Avaliação
Atenção
»»Lembre-se de falar alto, de maneira clara e firme.
»»Seja natural, mas não abuse
da informalidade. Mantenha uma postura adequada à situação.
»»Não se aflija se esquecer algo:
dê uma rápida olhada no 7. O quadro a seguir indica os critérios para avaliação da comunicação esquema e prossiga em sua fala. oral. Leia-o antes das apresentações de seus colegas. Para cada item, atribua uma nota, como indicado abaixo: 1,0 – Item precisa ser melhorado. Ficha de avaliação da comunicação oral Nota 2,0 – Item realizado de forma satisfatória, mas ainda pode ser melhorado. Adequação da postura corporal do orador à situação de produção (postura natural, mas sem desleixo) 3,0 – Item realizado de forma plenamente satisfatória. Clareza e firmeza da voz (voz em altura suficiente para que todos da classe possam ouvir) a) Forme um trio com mais dois colegas. Copie o quadro em duas folhas separaFluência na exposição das e preencha-o, atribuindo notas du(fala com poucas pausas, interrupções e repetições desnecessárias) rante a comunicação oral de cada um. Bom uso do esquema b) Os colegas de seu trio farão o mesmo (apoio na apresentação, mas sem leitura em voz alta) com você. Dessa maneira, cada aluno seBom uso de expressões reformulativas ou de antecipação rá avaliado por outros dois e poderá ve(organizadores textuais ajudam a situar a plateia em relação rificar como pessoas diferentes consideaos principais movimentos da fala) raram seu desempenho. Exposição satisfatória do saber 8. Caso você tenha atribuído nota 1,0 a algum (os ouvintes entendem o que o orador quer comunicar e dos itens do quadro, acrescente uma expliaprendem coisas novas) cação ou dica para ajudar seus colegas a Interesse e relevância da fala melhorar em relação a cada problema iden(os ouvintes se envolvem durante a exposição e mantêm a tificado. Registre também as qualidades atenção ao longo da comunicação oral) das apresentações deles. 9. Troque as folhas de avaliação com seus colegas. Leia o que eles escreveram e certifique-se de que você entendeu. Se tiver restado alguma dúvida, peça esclarecimentos a eles.
Reelaboração 10. Observe os tópicos para os quais seus colegas atribuíram nota 1,0. Você concorda com essa nota? 11. Reescreva seu esquema de modo a adequar sua comunicação oral a uma nova apresentação. Se puder, apresente efetivamente essa comunicação oral, em casa, para seus familiares ou amigos. 12. Há aspectos expressivos do texto oral que podem ser previstos no esquema. Pense em modos envolventes de abordá-lo. Anote exemplos que dinamizem a apresentação e sinalize informações que mereçam ser antecipadas e repetidas, ditas com mais vagar e ênfase. Ao reescrever seu esquema, dê atenção especial a esses aspectos expressivos. 13. Apresente novamente sua comunicação oral e grave-a em áudio ou vídeo para posterior publicação.
Guilherme Artigas/Fotoarena/Folhapress
Elaboração
Assim como atores ensaiam as cenas de uma peça teatral, o orador que vai se apresentar em público pode ensaiar sua fala várias vezes diante de um público menor (familiares ou amigos), para controlar o tempo de apresentação e ganhar confiança. Na foto, os atores Izabella Bicalho e Gracindo Jr. em cena da peça O beijo no asfalto, em 2016.
Publicação 14. Com o professor, selecione as comunicações mais representativas e publique-as no blog da turma. Não escreva no livro.
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Vestibular e Enem
Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
Veja as duas propostas de redação apresentadas a seguir. A primeira foi retirada do vestibular da Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR) e pede ao candidato que produza o resumo de um texto sobre o lugar ocupado pelos idosos na sociedade contemporânea. A segunda foi extraída da prova aplicada pela Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc-BA) e aborda questões existenciais próximas daquelas que Cortella discutiu em sua comunicação oral estudada neste capítulo. Ao realizar essas propostas, você pode exercitar seus conhecimentos sobre o resumo e ampliar sua reflexão a respeito de alguns temas desenvolvidos nesta unidade. (UEM-PR) Texto 1 Senilidade e a invisibilidade social Camila Maciel Polonio
[…] A maioria dos idosos no Brasil encontra-se em condição de invisibilidade, social, política e muitas vezes familiar. Morte social? Morte familiar? Estão vivos, mas não possuem lugar. A visão sobre o ancião mudou, do patriarca para… para o quê? Em muitas famílias não há o espaço para o idoso. Há alguns anos atrás o idoso era tido como patriarca, que era dotado de sabedoria. […] O ancião era o guia familiar, os mais novos pediam conselho e ouviam as suas orientações. Eles exerciam um papel que, após o término da sua função de produtividade, assumiam o de líderes familiares. O idoso saía do lugar de provedor, cargo este assumido por seus filhos, para ocupar o de orientador. A sabedoria nada tinha a ver com estudos, era o arquivo das experiências da vida. Hoje, algumas famílias encontram-se cada vez mais fechadas e mais focadas na produção, aquele que não produz não tem espaço. O idoso dessa forma perde o seu lugar na família e na sociedade. No entanto, acredito que, assim como os jovens conseguiram, ao longo da história, mudar a sua posição social e familiar, tornando-se importante foco da sociedade, a senilidade conseguirá novamente o respeito. Como? Se cada família jovem conseguir compreender que, em determinado momento, precisará cuidar de seus idosos, irá construir em seus filhos a mesma compreensão. Se conseguir sair das justificativas capitalistas, conseguir valorizar o saber, sobrepondo o valor da produção, irá reconstruir o valor do idoso. Se pais, filhos e netos assimilarem o ciclo vital e conseguirem ressignificar os papéis familiares, todos terão direito e lugar na sociedade. […] A população está envelhecendo e precisamos modificar o nosso olhar, a nossa educação e o respeito por aqueles que fizeram e fazem parte da história. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2011.
Redija um resumo, em até 15 linhas, que exponha as ideias e as informações consideradas fundamentais para a compreensão da temática sobre a posição do idoso em nossa sociedade, abordada no texto 1. (Uesc-BA) A existência do homem não é a simples sobrevivência biológica. O fundamental dela reside em um segundo plano, que normalmente se chama de simbólico e que envolve as mitologias, os ritos, as religiões, as línguas, os costumes, os saberes… Nem de longe o homem pode ser visto como ser movido apenas pelo estômago: por isso é preciso que em sua vida pulsem também o intelecto, a imaginação, assim como as emoções caracteristicamente humanas. Lázaro, André et al. A cultura e a formação da sociedade ocidental. In: Rocha, Everaldo (Org.). Cultura & imaginário: interpretação de filmes e pesquisa de ideias. Rio de Janeiro: Mauad, 1998. p. 43.
Com base nas ideias do fragmento em destaque e em suas vivências cotidianas, produza um texto argumentativo, enfocando a existência humana como algo que vai além da satisfação das necessidades puramente biológicas. Observações: 1. Mostre que a existência biológica não é característica distintiva da sociedade humana. 2. Evidencie de que modo as relações interpessoais contribuem com a construção do plano simbólico da existência. 3. Justifique a importância da imaginação como atributo fundamental na relação do homem com o ato criador. 318
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unidade
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Argumentar Por meio do raciocínio lógico e da articulação de conhecimentos de diversas áreas, o discurso argumentativo defende um ponto de vista, procurando levar o interlocutor a concordar com a posição defendida. Ao longo da história, foram registrados discursos argumentativos decisivos, como o proferido pelo filósofo grego Sócrates durante seu julgamento, no século IV a.C., pouco antes de sua condenação à morte, retratada na tela abaixo.
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Dissertação escolar
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Carta de reclamação
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Mesa-redonda
Sócrates argumentando sobre a imortalidade enquanto recebe a dose de cicuta. David, Jacques-Louis. A morte de Sócrates, 1787. Óleo sobre tela, 129,5 cm × 196,2 cm. Metropolitan Museum, Nova York, EUA.
Metropolitan Museum, Nova York. Fotografia: Alamy/Latinstock
Argumentar é fundamental para o exercício da cidadania, por isso você vai entrar em contato com três gêneros centrados na argumentação: a dissertação escolar, que ajuda o estudante a se preparar para provas seletivas; a carta de reclamação, que é um instrumento relevante de atuação social; e a mesa-redonda, que pode ampliar a capacidade argumentativa na modalidade oral.
Nesta unidade
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capítulo
24 o que você vai estudar Como interpretar uma proposta, redigir e avaliar uma dissertação. A sequência argumentativa. O parágrafo dissertativo: tópico frasal e complementos.
Dissertação escolar A dissertação escolar é um importante espaço para a expressão do pensamento crítico e a tomada de posição sobre temas importantes para a sociedade.
Leitura A proposta de dissertação a seguir foi aplicada em 2014 pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que teve como tema “Publicidade infantil em questão no Brasil”. Leia os textos motivadores. Texto 1 A aprovação, em abril de 2014, de uma resolução que considera abusiva a publicidade infantil, emitida pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), deu início a um verdadeiro cabo de guerra envolvendo ONGs de defesa dos direitos das crianças e setores interessados na continuidade das propagandas dirigidas a esse público. Elogiada por pais, ativistas e entidades, a resolução estabelece como abusiva toda propaganda dirigida à criança que tem “a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço” e que utilize aspectos como desenhos animados, bonecos, linguagem infantil, trilhas sonoras com temas infantis, ofertas de prêmios, brindes ou artigos colecionáveis que tenham apelo às crianças. Ainda há dúvida, porém, sobre como será a aplicação prática da resolução. E associações de anunciantes, emissoras, revistas e de empresas de licenciamento e fabricantes de produtos infantis criticam a medida e dizem não reconhecer a legitimidade constitucional do Conanda para legislar sobre publicidade e para impor a resolução tanto às famílias quanto ao mercado publicitário. Além disto, defendem que a autorregulamentação pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) já seria uma forma de controlar e evitar abusos. Idoeta, P. A.; Barba, M. D. A publicidade infantil deve ser proibida? Disponível em: www.bbc.co.uk. Acesso em: 23 maio 2014. Adaptado.
Enem 2014. Fac-símile: ID/BR
Texto 2
Fontes de pesquisa: OMS e Conar/2013. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 24 jun. 2014. Adaptado.
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Texto 3 Precisamos preparar a criança, desde pequena, para receber as informações do mundo ex terior, para compreender o que está por trás da divulgação de produtos. Só assim ela se tornará o consumidor do futuro, aquele capaz de saber o que, como e por que comprar, ciente de suas reais necessidades e consciente de suas responsabilidades consigo mesma e com o mundo. Silva, A. M. D.; Vasconcelos, L. R. A criança e o marketing: informações essenciais para proteger as crianças dos apelos do marketing infantil. São Paulo: Summus, 2012. Adaptado. Enem 2014. Disponível em: . Acesso em: 17 maio 2016.
Leia a seguir a transcrição do texto “Criança: futuro consumidor”, da candidata Giovanna Lazzaretti Segat, que obteve nota máxima no exame. Criança: futuro consumidor A propaganda é a principal arma das grandes empresas. Disseminada em todos os meios de comunicação, a ampla visibilidade publicitária atinge seu principal objetivo: expor um produ to e explicar sua respectiva função. No entanto, essa mesma função é distorcida por anúncios apelativos, que transformam em sinônimos o prazer e a compra, atingindo principalmente as crianças. As habilidades publicitárias são poderosas. O uso de ídolos infantis, desenhos animados e trilhas sonoras induzem a criança a relacionar seus gostos a vários produtos. Dessa maneira, as indústrias acabam compartilhando seus espaços; como exemplo as bonecas Monster High fazendo propaganda para o fast food Mc Donalds. A falta de discussão sobre o assunto é eviden ciada pelas opiniões distintas dos países. Conforme a OMS, no Reino Unido há leis que limitam a publicidade para crianças como a que proíbe parcialmente – em que comerciais são proibidos em certos horários –, e a que personagens famosos não podem aparecer em propagandas de ali mentos infantis. Já no Brasil há a autorregulamentação, na qual o setor publicitário cria normas e as acorda com o governo, sem legislação específica. A relação entre pais, filhos e seu consumo se torna conflituosa. As crianças perdem a noção do limite, que lhes é tirada pela mídia quando a mesma reproduz que tudo é possível. Como forma de solucionar esse conflito, o governo federal pode criar leis rígidas que restrinjam a publi cidade de bens não duráveis para crianças. Além disso, as escolas poderiam proporcionar oficinas chamadas de “Consumidor Consciente” em que diferenciam consumo e consumismo, ressaltando a real utilidade e a durabilidade dos produtos, com a distribuição de cartilhas didáticas introdu zindo os direitos do consumidor. Esse trabalho seria efetivo aliado ao diálogo com os pais. Sérgio Buarque de Holanda constatou que o brasileiro é suscetível a influências estrangeiras, e a publicidade atual é a consequência direta da globalização. Por conseguinte é preciso que as crianças, desde pequenas, saibam diferenciar o útil do fútil, sendo preparados para analisar infor mações advindas do exterior no momento em que observarem as propagandas. Segat, Giovana Lazzaretti. Disponível em: . Acesso em: 7 abr. 2016.
situação de produção Treino de argumentação Dissertação e redação são termos às ve zes tratados equivocadamente como sinôni mos. Isso ocorre porque a dissertação – ou texto dissertativo argumentativo – é um gê nero de texto muito solicitado em atividades de redação em exames, ainda que outros gê neros também sejam pedidos. Na escola, a produção de textos dissertati vos é praticada com a finalidade de aprendiza gem. É uma maneira de exercitar a argumen tação na escrita e, assim, convidar o aluno a
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refletir sobre temas importantes à sociedade. Também é comum, dentro e fora da escola, a utilização de dissertações como meio de ava liar a capacidade de expressão escrita. Além do Enem, vestibulares e concursos geralmente solicitam textos dissertativos. As dissertações são textos submetidos à ava liação. Por isso, na sua escrita, o público princi pal a ser considerado será o avaliador. O obje tivo da argumentação desse texto é convencer o leitor, respeitando os direitos humanos.
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Ler uma dissertação escolar
A partir da leitura dos textos motivadores seguintes e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em norma-padrão da língua portuguesa sobre o tema Publicidade infantil em questão no Brasil, apresentando proposta de intervenção, que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.
a) Que conhecimentos o candidato ao Enem deve mobilizar para atender à proposta de redação? b) Explique o que significa “proposta de intervenção” de acordo com a proposta de redação do Enem. c) De modo geral, você considera que a dissertação “Criança: futuro consumidor” atendeu ao que foi pedido? Justifique.
Navegue Criança e consumo O projeto Criança e consumo tem o objetivo de apresentar soluções para minimizar e prevenir os prejuízos gerados pela publicidade de serviços e produtos dirigidos às crianças de até 12 anos. Além de ter representação no Conanda e no Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), o Criança e consumo é uma das frentes de atuação do Instituto Alana, que apoia projetos que buscam “honrar a criança”. Acompanhe as principais informações do projeto Criança e consumo no site: . Acesso em: 7 abr. 2016. Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2015.
1. Releia o primeiro texto motivador da proposta do Enem 2014 e responda às questões a seguir. a) Qual é o significado da sigla Conanda? b) Qual é o significado da sigla Conar? c) O que propõe a resolução do Conanda, aprovada em 2014? d) Explique a polêmica em torno dessa resolução apresentada no trecho do texto I. 2. Observe o infográfico presente na coleção de textos motivadores e responda aos itens a seguir. a) O infográfico apresenta informações sobre que tipo de publicidade? b) Quais são os critérios de comparação utilizados no infográfico? c) Quais são os países mais rigorosos em relação ao tipo de publicidade tratado? E os menos rigorosos? Justifique. d) De acordo com os textos I e II, há leis para esse tipo de publicidade no Brasil? Por quê? 3. Releia com atenção o terceiro trecho inserido na proposta do Enem “Publicidade infantil em questão no Brasil” e responda às questões. a) Na sua opinião, por que uma criança desde pequena precisa “compreender o que está por trás da divulgação de produtos”? b) Quem é o consumidor do futuro segundo o texto III? c) Na sua opinião, que medidas devem ser adotadas para que esse “consumidor do futuro” possa existir? 4. Antes dos textos motivadores, o Enem apresenta um texto com a proposta de redação. Leia a proposta original de 2014.
Página do projeto Criança e consumo.
Repertório
Milc O Movimento Infância Livre de Consumismo (Milc) divulga todo ano campanhas para evitar o consumismo no Dia das Crianças. Observe que a propaganda mostra que em vez de objetos e junk food (comida com baixa qualidade nutritiva) somente o afeto poderá fazer a criança se sentir realmente livre na comemoração do Dia das Crianças. MILC. Fac-símile: ID/BR
Capítulo 24 – Dissertação escolar
ANOTE
A compreensão da proposta é essencial para a dissertação escolar. O aluno deve interpretar adequadamente os textos motivadores e as imagens apresentados para deles extrair o tema. Além disso, deve apresentar um ponto de vista sobre os problemas e propor soluções a eles.
5. Releia o título da dissertação e o terceiro texto motivador: As expressões “futuro consumidor” e “consumidor do futuro” apresentam o mesmo sentido? ANOTE
O título é a “porta de entrada” do texto; por isso, deve ser instigante, provocar interesse. O título também pode ter um valor argumentativo. Na dissertação apresentada, o título revela parcialmente o tema e a posição do autor em relação a ele.
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Campanha de 2015 do Milc. Disponível em: . Acesso em: 7 abr. 2016.
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6. Releia o primeiro parágrafo da dissertação, na página 321. a) De acordo com o primeiro parágrafo, por que a propaganda é a principal arma das empresas? b) O que são “anúncios apelativos”? c) O que há de prejudicial na relação entre compra e prazer, na sua opinião? ANOTE
A introdução da dissertação é formada pelo(s) parágrafo(s) inicial(is). Ela apresenta o tema a ser desenvolvido e, muitas vezes, já declara a tese do autor – o ponto de vista que ele vai defender a respeito desse tema.
7. Resuma a tese da dissertação, que revela o tema que será desenvolvido no decorrer do texto. 8. Segundo a dissertação, as empresas compartilham espaços para conquistar o público infantil. a) Qual é o exemplo utilizado pela autora para ilustrar essa afirmação? b) Quais podem ser as consequências, para as crianças, dessas associações empresariais? 9. No segundo parágrafo, a candidata cita uma informação retirada do infográfico “A publicidade para crianças no mundo”. a) Quais são os dados apresentados que foram retirados do infográfico? b) Qual é o argumento defendido pela candidata a partir desses dados? c) A candidata apenas copia as informações do infográfico? Justifique.
HIPERTEXTO Como visto na parte de Linguagem (capítulo 11, p. 173), os textos com função apelativa são centrados no receptor com finalidade de convencimento ou persuasão, conforme proposto pelo linguista Roman Jakobson (1896‑1982).
ANOTE
O desenvolvimento da dissertação é formado por argumentos, afirmações menos gerais do que a tese que ajudam a construí-la. Esses argumentos são explicados e ampliados por meio de exemplos. O conjunto de argumentos e exemplos apresentados cria uma sequência lógica. Se o leitor concordar com eles, deve ser levado a aceitar a tese como verdadeira.
11. No último parágrafo da dissertação, a candidata faz um jogo de palavras, opondo duas palavras com sons parecidos, mas sentidos diversos. a) Quais são essas palavras? b) Explique o efeito de sentido alcançado por esse jogo de palavras. 12. Releia o último parágrafo do texto e responda. Que intelectual brasileiro a autora cita nesse parágrafo? Qual é o efeito argumentativo que essa citação produz? ANOTE
A conclusão retoma a tese exposta e a reafirma. Se o produtor do texto conseguiu desenvolvê-lo adequadamente, por meio de argumentos que pareçam válidos, pertinentes e suficientes ao leitor, o desfecho do texto pode contar com a sua adesão ao ponto de vista defendido.
Madalena Shwartz/Instituto Antonio Carlos Jobim
10. No terceiro parágrafo, são apresentadas as propostas de intervenção para o problema da publicidade infantil no Brasil. Quais são elas?
13. Se as afirmações feitas pela autora da dissertação “Criança: futuro consumidor” forem consideradas válidas pelo leitor, o que ele será levado a afirmar sobre: a) as críticas à regulamentação da publicidade no Brasil? b) as propostas de solução? ANOTE
A dissertação trata de temas relevantes para a sociedade, discutindo comportamento e ética. Ao expor suas ideias, o autor precisa demonstrar que elas estão alinhadas a um pensamento ético, ou seja, que podem ser defendidas em uma sociedade livre e justa, sem ferir os direitos humanos.
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O historiador, crítico literário e professor Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) com seu filho Chico Buarque em São Paulo (SP). Foto de 1981. 323
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Dissertação escolar
Entre o texto e o discurso – O que é argumentar Neste capítulo, você viu que a dissertação escolar é um gênero textual cujo objetivo é propiciar ao aluno uma reflexão sobre temas socialmente relevantes e um exercício de argumentação. Saber construir um discurso argumentativo é uma competência necessária à realização de inúmeras atividades da vida cotidiana. Leia a seguir o texto do sociólogo Antonio Candido e observe os elementos destacados. Introdução: o autor do texto anuncia a situação de produção, situa seu tema em um contexto maior e justifica a abordagem escolhida
O direito à literatura O assunto que me foi confiado nesta série é aparentemente meio desligado dos problemas reais: “Direitos humanos e literatura”. As maneiras de abordá-lo são muitas, mas não posso começar a falar sobre o tema específico sem fazer algumas reflexões prévias a respeito dos próprios direitos humanos. [...] [...] pensar em direitos humanos tem um pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós é também indispensável para o próximo. Esta me parece a essência do problema, inclusive no plano estritamente individual, pois é necessário um grande esforço de educação e autoeducação a fim de reconhecermos sinceramente este postulado. Na verdade, a tendência mais funda é achar que os nossos direitos são mais urgentes que os do próximo. [...] a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. [...] Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito. [...] Portanto, a luta pelos direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis da cultura. A distinção entre cultura popular e cultura erudita não deve servir para justificar e manter uma separação iníqua, como se do ponto de vista cultural a sociedade fosse dividida em esferas incomunicáveis, dando lugar a dois tipos incomunicáveis de fruidores. Uma sociedade justa pressupõe o respeito aos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável.
2a fase do argumento: “premissa menor” – afirmação particular, que insere um elemento específico (B) no conjunto da afirmação geral (A): a literatura (B) é indispensável para o ser humano (A).
3a fase do argumento: “conclusão” – resultado necessário das afirmações anteriores, que transfere a qualidade (C) atribuída ao conjunto (A) para o elemento particular (B): se a literatura (B) é indispensável ao ser humano (A), então ela é um direito humano (C).
Capítulo 24 – Dissertação escolar
Conclusão final: a luta pelos direitos humanos inclui a democratização da arte e da literatura.
O título do texto anuncia sua tese: a literatura como parte integrante na luta pelos direitos humanos.
1a fase do argumento: “premissa maior” – afirmação geral, que liga um conjunto de elementos (A) a uma qualidade (C): tudo o que é indispensável para o ser humano (A) é um direito humano (C).
Vocabulário de apoio
fabulação: ato de fantasiar, de criar versões romanceadas para os fatos fruidor: aquele que aproveita alguma coisa de forma satisfatória e prazerosa inalienável: que não pode ser vendido ou cedido iníquo: injusto, perverso postulado: fato reconhecido por todos e admitido sem necessidade de demonstração
Candido, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Duas Cidades, 2004. p. 169, 172, 174-175, 191.
Argumentar: definir e sustentar um ponto de vista Em “O direito à literatura”, Candido diz ter sido incumbido de tratar de um tema que ainda não se encontrava problematizado: “Direitos humanos e literatura”. Podendo abordá-lo de muitas maneiras, o autor preocupa-se em contextualizá-lo entre os “problemas reais” e mobiliza seus conhecimentos para definir uma tese: a literatura é parte da luta pela defesa dos direitos humanos. Definir uma tese significa posicionar-se em relação a uma questão controversa, que afeta a vida das pessoas (no plano individual ou no plano coletivo) e cuja resposta pode ser formulada de mais de uma maneira. Essa resposta não admite demonstração científica e, por isso, permanece no campo da opinião.
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1. Formule uma tese a respeito de cada um dos temas a seguir. A. A escolha dos representantes políticos pelos brasileiros. B. Cotas raciais e/ou sociais nas universidades. 2. Copie e complete as sequências argumentativas. Siga o exemplo. Premissa maior
Premissa menor
O que impede uma relação direta com a realidade pode legitimar regimes autoritários.
Imagens impedem uma relação direta com a realidade.
a) O que transmite juízo de valor pode influenciar as pessoas.
Imagens transmitem juízos de valor.
b) Aquilo que assegura a
Dicionário de direitos humanos Escrito de forma colaborativa por membros do Ministério Público e especialistas em diversas áreas, esse dicionário digital compila verbetes com definições e informações relacionadas à concretização dos direitos humanos. No verbete “Literatura”, retoma-se a defesa de Antonio Candido de que ela é imprescindível à humanização, constituindo, portanto, um direito fundamental e inalienável de todos.
Disponível em: . Acesso em: 7 abr. 2016.
Conclusão Imagens podem legitimar regimes autoritários.
O cinema hollywoodiano sustentou a ideologia do “estilo de vida americano”.
reprodução da ideologia dominante a sustenta.
c)
Navegue
O ser humano é capaz de imaginar.
O ser humano é capaz de se expressar por ícones.
Página do Dicionário de direitos humanos.
Disponível em: . Acesso em: 27 nov.2015.
A postura crítica exige que argumentos sustentem um ponto de vista. Para defender sua tese, Candido desenvolve seu texto em torno de um único argumento lógico. Veja como ele pode ser expresso por um silogismo. Tese – a literatura é um direito humano Premissa maior – tudo o que é indispensável para o ser humano é um direito humano (A = C) Premissa menor – a literatura é indispensável para o ser humano (B = A) Conclusão – a literatura é um direito humano (B = C) Se o leitor admitir o valor de verdade de cada premissa, estará inclinado a aderir à tese de Candido.
observatório da língua O tópico frasal e a estruturação do parágrafo Uma estratégia para garantir a clareza na construção de um parágrafo é iniciá-lo pela afirmação de sua ideia central e, em seguida, desenvolvê-la mediante exemplos, contrastes, comparações, explicações, etc. Essa afirmação inicial é chamada de tópico frasal. Observe. [...] a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. [tópico frasal] Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. [explicação e justificação] Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. [...] [comparação com uma realidade familiar para o leitor] 1. Leia este trecho do mesmo artigo de Antonio Candido. Falei há pouco de Castro Alves [...]. A sua obra foi em parte um poderoso libelo contra a escravidão [...]. O seu efeito foi devido ao talento do poeta, que fez obra autêntica porque foi capaz de elaborar em termos esteticamente válidos os pontos de vista humanitários e políticos. Animado pelos mesmos sentimentos e dotado de temperamento igualmente generoso foi Bernardo Guimarães, que escreveu o romance A escrava Isaura também como libelo. No entanto, visto que só a intenção e o assunto não bastam, esta é uma obra de má qualidade e não satisfaz os requisitos que asseguram a eficiência real do texto. [...] A eficácia humana é função da eficácia estética, e portanto o que na literatura age como força humanizadora é a própria literatura, ou seja, a capacidade de criar formas pertinentes. Candido, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Duas Cidades, 2004. p. 181-182.
a) Registre no caderno a ideia principal do parágrafo. b) Reescreva o parágrafo transformando a ideia principal em um tópico frasal.
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Produzir uma dissertação escolar Proposta Extraia um tema dos textos motivadores a seguir e escreva uma dissertação escolar. Ao final, os melhores textos serão publicados no blog da turma. Texto 1 Em sua “Arte poética”, Aristóteles define a poesia (como chamava a literatura de sua época) como imitação. Leia trechos a seguir. “Todas [as formas de poesia] vêm a ser, de modo geral, imitações. [...] Parece, de modo geral, darem origem à poesia duas causas, ambas naturais. Imitar é natural ao homem desde a infância – e nisso difere de outros animais, em ser o mais capaz de imitar e de adquirir os primeiros conhecimentos por meio da imitação – e todos têm prazer em imitar. [...] Outra razão é que aprender é sumamente agradável não só aos filósofos, mas igualmente aos demais homens [...].” Aristóteles. Arte poética. In: Aristóteles; Horácio; Longino. A poética clássica. Trad. Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1992. p. 19, 21, 22.
Texto 3
Corbis/Fotoarena
Texto 2
Chaplin interpreta o tirano Adenoid Hynkel em O grande ditador (EUA, 1940, direção de Charles Chaplin). A paródia a Adolph Hitler é percebida, entre outros elementos, pela semelhança física e pela imitação da saudação nazista, conferindo tom humorístico à cena.
Internet e pesquisa O professor oferece um tema a ser pesquisado e deseja o produto final em suas mãos. O aluno, então, liga seu computador, seleciona um buscador em um portal de sua preferência, lança a palavra-chave, lê as primeiras linhas da primeira informação coerente com o tema que surgiu na relação resultante de busca, copia, cola, imprime, entrega. Santos, Else Martins dos. Pesquisa na internet: copia/cola???. In: Araújo, Júlio César (Org.). Internet & ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. p. 275.
Planejamento 1. Observe no quadro a seguir as características do texto que você vai produzir. Gênero textual
Capítulo 24 – Dissertação escolar
dissertação escolar
Público
Finalidade
professores e alunos do Ensino Médio
produzir um discurso argumentativo, sustentando um ponto de vista com um ou mais argumentos
2. Qual tema resulta da leitura dos textos da proposta? 3. Qual é a sua posição sobre o tema? Escreva a tese de sua dissertação. 4. Elabore uma sequência argumentativa (silogismo), com duas premissas e uma conclusão, para comprovar sua tese. 5. Copie o quadro ao lado no caderno e complete-o para concluir o planejamento.
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Meio
Linguagem
blog da turma
objetiva; adequada à norma-padrão; uso de tópicos frasais
Estrutura
Evitar
Incluir
opiniões que não estejam sustentadas por argumentos; desrespeito aos direitos humanos
exemplos, comparações, explicações, análises
Função
Título
• instigar o leitor e anunciar o “tom” do texto
Introdução
• explicar o tema • falar da relevância social do tema • formular a tese
Desenvolvimento
• expor os argumentos
Conclusão
• apresentar reflexão sobre possíveis soluções • formular desfecho que recupera a tese
Minha dissertação
Não escreva no livro.
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Elaboração 6. Ao estruturar os parágrafos, exercite o uso do tópico frasal. Aproveite as ideias centrais previstas em seu planejamento e transforme-as na primeira oração de cada parágrafo, desenvolvendo-os a partir delas. 7. Seus argumentos devem estar alinhados a um pensamento ético e precisam poder ser defendidos em uma sociedade justa e livre.
Avaliação 8. Forme uma dupla com um colega e troque de texto com ele. Leia atentamente o texto dele. 9. Copie o quadro a seguir em uma folha separada e preencha-o conforme as instruções descritas. Ficha de avaliação da dissertação escolar
Nota
1. linguagem. Demonstrou domínio da norma-padrão na modalidade escrita. 2. tema e tese. Compreendeu a proposta, desenvolveu o tema adequadamente e assumiu um ponto de vista.
Atenção
»»O uso do tópico frasal deve
ajudá-lo a criar parágrafos com a ideia central claramente anunciada. Evite construir parágrafos que tenham mais de uma ideia central, e não deixe de desenvolvê-la com exemplos, análises e outros recursos.
»» Se estiver em dúvida sobre a
validade de um argumento, veja se é possível criar uma sequência argumentativa (silogismo) em que ele seja a conclusão resultante de uma premissa maior e outra menor.
3. argumentação. Sustentou adequadamente o seu ponto de vista, com argumentos válidos e bem construídos. 4. organização textual. Apresentou título, introdução, desenvolvimento e conclusão. Construiu parágrafos iniciados por tópicos frasais que tornam clara a sua ideia central e que foram adequadamente desenvolvidos. 5. ética. Apresentou reflexões sobre possíveis soluções para o problema abordado, mostrando respeito aos direitos humanos. nota final:
a) Atribua uma nota de 0 a 2 para cada item do quadro. Para orientar-se na atribuição da pontuação, considere os seguintes indicadores: 2,0 – excelente realização 0,5 – realização somente esboçada 1,5 – boa realização 0 – realização inadequada 1,0 – realização aceitável b) Marque a lápis no texto do colega os aspectos que podem ser melhorados. Acrescente breves explicações, se necessário. c) Calcule a nota final com base na soma da pontuação de cada item. d) Escreva um comentário geral sobre o texto lido, apontando e explicando as qualidades e os problemas encontrados.
Reescrita
Assista O sorriso do chefe. Direção de Marco Bechis, Itália, 2012, 75 min. Esse documentário trata do uso feito pelo regime fascista italiano da imagem e do cinema. O filme mostra imagens de uma população trabalhadora, comprometida com os esforços de guerra e os ideais do regime. O diretor acha importante resgatar criticamente esse período e essas imagens porque, segundo ele, tais “técnicas de manipulação para fins políticos ainda são utilizadas na política atual”. Alessandro Albert/Getty Images
Comentário geral sobre o texto:
10. Troque novamente de texto com o colega. a) Releia seu texto, buscando compreender as intervenções do colega. b) Discuta com o colega sobre as questões que ainda lhe causam dúvida. Se necessário, fale com o professor. 11. Com base na avaliação do colega, reescreva sua dissertação escolar. Ao final, o professor fará uma avaliação e decidirá quais foram os melhores textos para serem publicados no blog da turma.
Publicação 12. Para publicar as dissertações no blog, façam uma introdução no post, explicando aos leitores que as dissertações foram produzidas na escola e foram avaliadas pelos alunos e pelo professor. Organizem as dissertações sempre com título, texto e, no final, o nome do autor. Não escreva no livro.
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O diretor Marco Bechis, em fotografia de 2011. O cineasta dirigiu também o documentário Terra vermelha (Itália/ Brasil, 2008).
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capítulo
25 o que você vai estudar Como identificar e produzir uma carta de reclamação. Como se organiza o discurso argumentativo. As fórmulas textuais da carta de reclamação.
Carta de reclamação A carta de reclamação é um importante instrumento para o exercício da cidadania e do direito do consumidor. É um gênero textual argumentativo, porque a reclamação deve ser justificada. Neste capítulo, você conhecerá os principais aspectos desse gênero. Em seguida, será sua vez de exercitar a cidadania, reclamando seus direitos.
Leitura A carta de reclamação a seguir foi enviada por e-mail à empresa responsável pelo serviço em questão e depois reproduzida no blog do autor. Rafael Donelli, morador de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, aparece na carta com seu nome real, assim como a Metroplan, órgão público do governo estadual gaúcho que fiscaliza os serviços de transporte metropolitano. O nome da empresa foi trocado. Leia o texto e responda às questões.
[E-mail enviado dia 29/9/2008, às 13:35]
Para: SAC Estelar Transportes Cc: SAC Metroplan
Assunto: Linha: Canudos-Porto Alegre (Praia de Belas, seletivo metropolitano) – horário de saída 6:30 Venho reiterar a reclamação efetivada junto à Metroplan a respeito da Empresa Estelar Transportes, por não cumprir os horários e, portanto, provocar meu atraso junto à empresa onde atuo (Conselho Regional de Contabilidade do RS). Infelizmente é o quarto dia seguido que, por função da troca de motorista, estamos chegando atrasados. Como o horário de saída é às 6:30 é inadmissível que, mesmo com o trânsito apresentado, cheguemos após as 8:30 no bairro Cidade Baixa, especificamente junto ao Ipergs [Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul]. Esses reiterados atrasos estão me causando profundo constrangimento junto à coordenação e direção da organização onde trabalho, pois possuímos avaliação sistemática, na qual um dos indicadores de desempenho é a PONTUALIDADE! Com o motorista anterior, o Sr. Luz, chegávamos a tempo de cumprir os horários. Infelizmente, segundo relatos de outros passageiros, o motorista experiente na sua função parece ter sofrido alguma sanção disciplinar na qualidade de retirá-lo da linha. Pois toda sanção disciplinar aplicada a um funcionário, se for esse o caso em questão, seja de que natureza for, NUNCA DEVERÁ PREJUDICAR O CLIENTE. Posto que me sinto profundamente prejudicado e não tenho mais explicações plausíveis para minha coordenação, aguardo de sua parte um memorando pelo qual eu possa explicar os motivos de meu atraso junto à minha Direção. Infelizmente hoje, mesmo após a troca do motorista, não somente chegamos atrasados, como também fomos ultrapassados e chegamos posteriormente ao ônibus que faz o horário das 6:50, pelo motorista Dilamar. É inadmissível que, saindo antes, pegando menos ou o mesmo trânsito, isso venha a ocorrer. Logo, somente posso afirmar que uma sucessão de erros deve estar sendo cometida pela Estelar Transportes e que não somente eu, mas vários passageiros, estão bastante descontentes. Dessa forma, na minha humilde opinião, vários critérios operacionais devem ser revistos e, como não é de minha índole somente reclamar, deixo as seguintes sugestões: 328
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Não escreva no livro.
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Adriana Alves/ID/BR
a) Acompanhamento dos procedimentos operacionais: até hoje NUNCA vi um fiscal ou analista de processos, devidamente identificado, que esteja no ônibus acompanhando como funciona o processo de cobrança, tampouco controlando o fluxo de passageiros ou o tempo dos processos. A saber, o Sr. David Neeleman, da Jetblue, empresa de aviação americana líder no seu mercado, sempre acompanha pessoalmente alguns voos para saber o nível de satisfação dos CLIENTES, bem como avaliar seu próprio serviço. Fica a sugestão de algum diretor da Estelar Transportes acompanhar pessoalmente uma de nossas viagens! Ficaria feliz em recebê-lo junto à parada em frente à Fenac/NH [Novo Hamburgo], para acompanhá-lo e trocar algumas ideias! b) Horários: como parece não haver controle sobre fluxo de passageiros, fica a sugestão de que seja feita uma análise sobre o número de passageiros médios por parada, pois, quanto mais passageiros entram e descem, mais atrasado chegará o ônibus, levando-se em consideração os tempos de resposta de aceleração e frenagem. Claro que a dupla função do motorista em dirigir e cobrar também é um empecilho, atrasando ainda mais. Contudo esse segundo item deverá ser minimizado com a bilhetagem eletrônica, caso realmente seja adotada (em breve). Caso necessário, que seja efetivada a antecipação do horário de saída, pois a mim, como usuário, parece claro que o número de passageiros vem aumentando, tanto em função da menor disponibilidade de bancos já na minha parada, como pela falta de oportunidades de trabalho em NH e Vale, o que provoca uma migração para concursos e vagas supridas pela capital. c) Restauração de motorista com experiência na linha: infelizmente tenho que dizer que gostaria muito de ver o Sr. Luz de volta à sua função, não pela pessoa simpática e sorridente que sempre nos recebia (e isso é bom para a empresa), mas pela competência na função. d) Processo de Tomada de Decisão: esse é um item controverso, pois como passageiros não temos conhecimento de como é o processo de tomada de decisão do motorista em alterar o itinerário original. Por várias vezes nosso ônibus sofreu alterações no itinerário, não somente na última semana, assim como também nos horários de final de tarde. Contudo, a decisão do motorista é baseada em que fato analítico? Sorte? Pois várias vezes ficamos trancados no trânsito de uma via alternativa, quando a via principal parecia fluir com relativa naturalidade. Assim, sugiro que a Estelar Transportes, junto aos demais órgãos metropolitanos, institua um sistema de monitoramento de tráfego que possa, via rádio talvez, instruir os motoristas a tomar a melhor decisão ba seada em fatos e não na “sorte”. Chamamos isso de sistema de apoio à decisão. Sem mais para o momento, aguardo por sua apreciação. Rafael Donelli – Analista de sistemas Rafael Donelli é bacharel em Informática, colabora com projetos de software livre e mantém o site .
Disponível em: . Acesso em: 8 jan. 2016.
Situação de produção Reclamação pública A carta de reclamação nasce do descumprimento de uma obrigação estabelecida por norma legal ou contrato. O reclamante – quem se considera lesado – redige a carta, endereçada ao reclamado – pessoa, instituição ou empresa responsável pelo produto ou serviço – solicitando a solução do problema. Rafael Donelli tornou pública a carta acima em seu blog mantido na época. Além de apresentar informações essenciais sobre o assunto da reclamação, o autor faz um convite para que outros usuários da linha se manifestem. Veja, abaixo, a introdução da postagem: “Reclamação sobre serviços de transporte metropolitano entre Novo Hamburgo e Porto Alegre – Seletivo Metropolitano Venho a vós deixar pública minha reclamação sobre o serviço de transporte inter-
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municipal (metropolitano) prestado pela Estelar Transportes aos usuários da linha Canudos (NH) / POA-Praia de Belas-Seletivo Metropolitano, horário de saída 6:30 (NH), antiga linha conduzida pelo motorista Sr. Luz. Após uma semana de tropeços por parte da empresa, nós, CLIENTES, não podemos ficar de braços cruzados. Sendo assim, o e-mail que segue foi enviado para a Estelar Transportes e para a Metroplan, na intenção de dar parte de minha indignação com relação à qualidade do serviço prestado. Convido você, usuário dessa linha, a manifestar seu descontentamento junto à empresa e aos órgãos reguladores através de e-mail ou telefone, pois somente assim poderemos construir uma relação que busque o crescimento e a melhoria contínua dos serviços.”
Vocabulário de apoio
apreciação: avaliação bilhetagem eletrônica: sistema de liberação da catraca do ônibus pela aproximação de cartão com chip que armazena créditos adquiridos pelo usuário controverso: polêmico empecilho: dificuldade índole: caráter, temperamento itinerário: caminho, trajeto plausível: razoável, aceitável sanção: pena, punição
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Ler uma carta de reclamação 1. Releia um trecho da introdução de Rafael Donelli à sua carta de reclamação (boxe Situação de produção). Venho a vós deixar pública minha reclamação sobre o serviço de transporte intermunicipal […]
a) A quem Donelli se dirige por meio do pronome vós? b) No último parágrafo dessa introdução, o autor faz um apelo usando o pronome você. A que se deve a mudança de pessoa (da segunda do plural, vós, à terceira do singular, você)? c) Com base nas respostas anteriores, explique com que objetivo o autor publicou essa carta em seu blog na internet. 2. Que informações o cabeçalho do e-mail apresenta? Que outras informações poderiam ser encontradas no cabeçalho de uma carta?
Veridiana Scarpelli/ID/BR
3. Releia os quatro primeiros parágrafos do e-mail. Observe que o início do texto apresenta os motivos da reclamação. a) Qual é a reclamação de Rafael Donelli? b) Que detalhes relatados por Donelli reforçam o prejuízo pessoal sofrido por ele? c) Segundo o autor do e-mail, o que deu origem à situação da qual ele reclama? 4. O autor da carta solicita da empresa uma atitude concreta para minimizar seu prejuízo individual. a) Em qual parágrafo essa solicitação está localizada? b) Explique com suas palavras em que consiste essa solicitação. 5. Observe a diferença de ênfase entre as duas frases abaixo: I. “até hoje nunca vi um fiscal ou analista de processos, devidamente identificado” II. “até hoje NUNCA vi um fiscal ou analista de processos, devidamente identificado”
Em sua opinião, o e-mail de Rafael Donelli mostra que é possível expressar indignação de maneira formal e demonstrando respeito pelo interlocutor? Justifique. ANOTE
Capítulo 25 – Carta de reclamação
Por estar inserida no contexto de uma relação comercial ou institucional, a carta de reclamação é um texto formal. O tom do texto deve favorecer a negociação, mesmo que deixe transparecer alguma indignação ou ironia.
6. Esta não é a primeira vez que Rafael Donelli reclama da empresa de transportes. a) Localize no primeiro parágrafo a palavra que comprova tal afirmação. Anote-a no caderno. b) No terceiro parágrafo, Donelli utiliza um adjetivo, para se referir aos repetidos atrasos na chegada do ônibus, que pertence à mesma família da palavra que você localizou no item anterior. Localize-o e registre-o no caderno. 7. Observe os horários de saída e chegada dos ônibus registrados no e-mail. a) O que esses horários revelam sobre os fatos narrados? b) Que outros dados precisos sobre os fatos ocorridos são registrados no e-mail?
saiba mais
Na comunicação escrita, sobretudo as mais informais (conversas via chats, e-mails, torpedos, etc.), o uso de maiúsculas significa uma ênfase (o equivalente, na linguagem oral, a falar em tom de voz elevado).
HIPERTEXTO Recorde o conceito de família de palavras relendo o tópico sobre o morfema Radical na parte de Linguagem (capítulo 15, p. 233).
ANOTE
Todas as especificações técnicas relevantes devem ser mencionadas na carta de reclamação. A precisão nas informações é indispensável – nomes e características de produtos, descrição de serviços contratados e prestados, meios utilizados para reclamação e negociação, datas e horários: tudo deve ser registrado e, se possível, documentado.
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8. Na expressão “tempos de resposta de aceleração e frenagem”, as palavras aceleração e frenagem estabelecem uma relação de antonímia. Qual é, portanto, o significado desta última? 9. Você utiliza, em sua vida cotidiana, o transporte coletivo? Se sim, descreva o serviço que utiliza e comente a qualidade dele. (Se não, escreva em aproximadamente cinco linhas o que você sabe sobre o tema.) 10. Em sua opinião, o que pode ser feito para melhorar o transporte coletivo em sua cidade?
HIPERTEXTO Há diversos tipos de relação lexical, ou seja, de relação entre as palavras. A antonímia é uma delas. Saiba mais sobre esse assunto na parte de Linguagem (capítulo 13, p. 204).
ANOTE
A carta de reclamação é uma reação a problemas reais que atingem a vida das pessoas. Dessa forma, constitui um instrumento relevante de atuação social.
11. Após apresentar sua reclamação à empresa, o autor do e-mail acrescenta uma informação agravante aos fatos relatados por ele. a) Qual é esse agravante? b) Você concorda com a gravidade atribuída ao fato pelo autor do texto? Explique sua resposta. 12. O autor do e-mail refere-se aos motoristas de ônibus pelo nome. a) Quais são os motoristas citados? b) Que efeito o autor produz ao citar esses nomes? 13. Qual deveria ser, em sua opinião, a conduta da empresa em relação aos fatos ocorridos? ANOTE
A carta de reclamação é um um gênero textual argumentativo. O reclamante defende a posição de quem foi lesado em seus direitos de consumidor e/ou em sua condição de cidadão. Para isso, expõe todas as falhas da instituição reclamada em relação ao acordo rompido. O autor pode ainda acrescentar dados agravantes e refletir sobre o papel social da instituição, bem como sobre a relação ideal dela com seus clientes ou público.
14. O autor da carta de reclamação que estamos estudando utilizou grande parte de seu texto para formular sugestões de procedimentos à empresa reclamada. a) Copie os temas das sugestões, anunciados no início dos itens. b) Faça um breve resumo de cada sugestão. 15. Observe como os argumentos que sustentam a reclamação de Donelli se estendem às suas sugestões. Localize e explique, em cada item das sugestões, a crítica feita aos serviços da empresa de transporte. 16. Entre as sugestões apresentadas por Donelli, uma delas constitui a verdadeira solicitação que ele dirige à empresa de transportes. a) Que solicitação é essa? b) Por que essa solicitação aparece no texto em forma de sugestão?
ação e cidadania
Transporte urbano: um círculo vicioso As condições dos ônibus no Brasil estão longe das ideais no que se refere a pontualidade e lotação dos veículos. Isso incentiva muitas pessoas a comprar um automóvel, para usufruir de maior conforto no dia a dia. O excesso de veículos nas cidades, porém, aumenta o tempo de viagem tanto dos ônibus quanto dos automóveis. Os especialistas nesse assunto dizem que somente uma sensível melhora dos transportes públicos motivará os proprietários de automóveis a deixar seu veículo em casa.
ANOTE
O final da carta de reclamação pode ser composto por um resumo que reforce a solicitação feita e por sugestões de encaminhamento por parte da empresa, acompanhadas ou não de um prazo para solucionar o problema.
17. Observe o final do e-mail. a) O que a saudação revela a respeito da disposição do autor em relação à instituição reclamada? Justifique. b) Além da assinatura, que outros elementos o autor acrescentou ao final de sua carta? Provavelmente, com que finalidade Rafael Donelli fez isso? Não escreva no livro.
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Entre o texto e o discurso – Como se organiza o discurso argumentativo Ao longo deste capítulo, você aprendeu que a carta de reclamação é um gênero textual que nasce de uma situação real de quebra de acordo (comercial, institucional) ou de violação de direitos. Assim, ao se dirigir à pessoa, à empresa ou à instituição responsável, o autor da carta apresenta fatos e argumentos que sustentam sua tese e justificam sua queixa. Mas isso não é feito de forma aleatória. Veja como Rafael Donelli organizou essas informações em seu e-mail. 1) Substituiu motorista experiente Sucessão de erros da empresa de transportes
2) Não faz acompanhamento dos procedimentos operacionais
Justificativa
Sanção disciplinar
Causas 3) Não faz controle do fluxo de passageiros (para definir horário de saída)
Atrasos vêm acontecendo há quatro dias
Reclamação
Fatos
4) Não tem processo de tomada de decisão instituído (critérios para alterações no itinerário)
Duas horas de viagem entre o ponto de saída e o ponto de chegada
Contra-argumento
Sanção não pode prejudicar o cliente
Ônibus demora mais que outros ônibus com horário de saída posterior Constrangimento do usuário perante a direção da empresa em que atua Consequências Vários passageiros descontentes
Justificativa: pontualidade é indicador de desempenho individual na empresa em que o usuário trabalha
Capítulo 25 – Carta de reclamação
Danilo Verpa/Folhapress
Atraso no horário de chegada de ônibus da linha Canudos-Porto Alegre
Call center de uma multinacional em Taubaté (SP), fotografado em 2011. Reclamações por telefone podem ser eficazes para a resolução de problemas com produtos ou serviços insatisfatórios. No entanto, selecione e organize os dados a serem reportados antes de fazer a ligação. É importante também registrar todas as informações relativas ao atendimento, para referência posterior: data e horário do telefonema, nome do atendente, número do protocolo e compromisso expresso pelo atendente.
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Argumentar: selecionar, interpretar e organizar dados Ao construir seu discurso argumentativo, o autor da carta de reclamação selecionou dados que comprovassem a legitimidade de sua queixa. Além disso, fez uma interpretação desses dados (nem sempre de forma explícita). Finalmente, organizou-os de maneira a aumentar as chances de ter sua solicitação atendida. Com relação às causas do problema identificado, apresentou-as de duas formas distintas: ••em forma de queixa, sustentada por argumentos (a substituição do motorista experiente foi o motivo do atraso – antes, os atrasos não aconteciam); ••em forma de sugestões (acompanhar procedimentos operacionais, controlar fluxo de passageiros, instituir processo de tomada de decisão). Quanto aos fatos apresentados pelo autor da carta, eles indicam uma interpretação que reforça a gravidade da situação: ••o atraso ocorre há quatro dias seguidos – portanto, não se pode afirmar que o problema tenha acontecido de forma isolada; ••a viagem de Novo Hamburgo a Porto Alegre tem levado duas horas – logo, não se pode dizer que seja um atraso pequeno; ••o ônibus das 6h30 chegou ao seu destino depois do ônibus das 6h50 – portanto, não se pode atribuir o atraso ao trânsito. Finalmente, o autor apresenta duas consequências do problema relatado: prejuízo pessoal (na empresa em que trabalha, a pontualidade é indicador de desempenho); •• descontentamento dos demais passageiros. •• 1. Retome a leitura da carta de reclamação de Rafael Donelli. a) Em que parágrafos estão apresentadas as causas do problema relatado? b) Em que parágrafos estão registrados os fatos agravantes do problema? c) Em que parágrafos estão citadas as consequências da situação-problema? 2. Com base nas respostas da atividade anterior, descreva a maneira como o autor da carta organizou os dados selecionados e interpretados por ele ao longo de seu texto.
observatório da língua Fórmulas textuais da carta de reclamação A carta de reclamação, assim como outros tipos de carta que circulam em contextos mais formais, conta com algumas fórmulas textuais, um conjunto de frases feitas convencionalmente utilizadas nesse gênero. Veja a seguir alguns exemplos. A maioria deles foi reproduzida do e-mail de Rafael Donelli. Observe como essas frases revelam a disposição do reclamante em relação ao reclamado. Forma de tratamento – “Prezado(a) senhor(a),” Apresentação do autor e motivo da escrita da carta – “Venho reiterar a reclamação […]” Solicitação – “[…] gostaria muito de ver o Sr. Luz de volta à sua função […]” Apresentação de sugestões – “[…] como não é de minha índole somente reclamar, deixo as seguintes sugestões: […]” Saudação – “Sem mais para o momento, aguardo por sua apreciação.” Caso a situação assim o exigisse, essas fórmulas poderiam apresentar maior grau de formalidade, de ênfase no papel social ocupado pelo autor, de exigência de pronta restauração dos danos causados, de demonstração de indisposição para negociações, de urgência na manifestação do reclamado, entre outros. 1. Escreva as fórmulas textuais que julgar mais adequadas para atender aos itens a seguir. a) Forma de tratamento – carta dirigida ao presidente de uma empresa. b) Apresentação do autor – reclamante manifestando-se em nome da comunidade de seu bairro. c) Solicitação – exigência de medidas urgentes para interromper o lançamento de dejetos industriais no rio que abastece a região em que o reclamante mora. d) Ultimato – indicação de prazo para o cumprimento do solicitado, sob o risco de recurso a medidas judiciais. e) Saudação – despedida cordial com indicação de aguardo de manifestação urgente.
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HIPERTEXTO A escolha das fórmulas textuais mais adequadas a cada situação de produção está diretamente ligada ao papel social ocupado pelo produtor da carta e pelo seu interlocutor, e revela as relações de poder que se estabelecem entre eles. Leia mais sobre papéis sociais na parte de Linguagem (capítulo 11, p. 182-183).
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Produzir uma carta de reclamação Proposta Você vai escrever uma carta de reclamação para ser enviada a uma empresa ou a uma instituição. Veja o exemplo de algumas situações em que uma carta de reclamação pode ser enviada. Ilustrações: Adriana Alves/ID/BR
A. Produto. Se você comprou um celular que não funciona adequadamente ou outro produto que veio com defeito, pode escolher reclamar por carta à empresa responsável pelo produto. Acrescente nessa carta todas as informações referentes às tentativas de resolver o problema pessoalmente ou por telefone. B. Serviço. Se você está insatisfeito com sua operadora de internet, ou foi mal atendido em um restaurante, ou viveu qualquer situação prejudicial ao contratar um serviço, pode reclamar por meio de correspondência. Como você não quer arcar com o prejuízo, vai escrever uma carta de reclamação ao responsável pela empresa. C. Administração pública. Você percebe em seu bairro algum problema causado pela má administração pública? Escreva uma carta de reclamação a ser encaminhada ao órgão responsável.
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto que você vai produzir. Gênero textual carta de reclamação
Público empresa ou instituição reclamada
Finalidade
Meio
relatar os problemas ocorridos e argumentar em favor de seus direitos
carta ou e-mail
Linguagem formal e objetiva; primeira pessoa do discurso; fórmulas textuais da carta
Evitar
Incluir
informações vagas; tom hostil
fatos e dados técnicos do problema; prazo para solução
2. Defina os dados específicos: marca e modelo do produto, nome da empresa ou instituição, valores pagos, serviços que seriam realizados, datas e locais dos acontecimentos. 3. O que aconteceu exatamente? Faça uma lista dos fatos que serão apresentados na carta. 4. Defina os argumentos que justificam a reclamação contra a empresa ou instituição. 5. Escolha as fórmulas textuais mais apropriadas para sua carta de reclamação. 6. Copie e complete no caderno o quadro ao lado, preenchendo-o com os dados de seu texto.
Estrutura da carta de reclamação
9,3%
TV por assinatura
8,8%
Telefonia móvel pós-paga
8,6%
Capítulo 25 – Carta de reclamação
Aparelho celular 7,1%
Telefonia móvel pré-paga Telefonia fixa
7,0%
Cartão de crédito/Débito/Loja
6,9% 5,9%
Internet fixa
5,1%
Pacote de serviços (combo) Internet móvel Televisão
4,3% 3,3%
Ilustrações: Veridiana Scarpelli/ID/BR
Assuntos mais reclamados 1. Cabeçalho
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a) local e data b) destinatário c) assunto d) forma de tratamento a) identificação de seu papel social
2. Identificação do autor como autor da reclamação e do objetivo da carta b) solicitação 3. Reclamação e argumentação (os itens desta parte podem mesclar-se ou aparecer em outra ordem)
a) relato dos fatos b) dados técnicos c) falhas da instituição d) tentativas anteriores de negociação e solução
4. Proposta de solução e prazo
a) proposta de solução b) definição de prazo (opcional)
5. Saudação e assinatura
a) saudação adequada ao tom da carta de reclamação b) assinatura com identificação social
* Dados de jun/2014 e maio/2015
Fonte de pesquisa: Convergência Digital. Disponível em: . Acesso em: 22 dez. 2015.
Detalhamento
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Elaboração 7. Agora você já pode escrever sua carta de reclamação.
Atenção
8. Se quiser, expresse (de forma objetiva) sua opinião em relação ao problema. A carta de reclamação frequentemente deixa transparecer as emoções do reclamante e os prejuízos pessoais sofridos por ele.
Avaliação
»»A objetividade é fundamental na carta de reclamação. Certifique-se de que sua reclamação está clara e seu texto, conciso.
»» Dê atenção à formalidade; use
9. Troque de texto com um colega. 10. Após a leitura do texto do colega, copie em uma folha avulsa o quadro a seguir e preencha-o. Use o espaço destinado aos comentários para elogiar as qualidades do texto e apontar o que pode ser melhorado. Sim
fórmulas textuais adequadas ao tom de sua carta.
Não
A estrutura formal da carta foi respeitada? O autor se apresenta adequadamente? O objetivo da carta foi expresso claramente? A linguagem da carta é clara, objetiva e respeitosa? Os dados selecionados são suficientes para legitimar a reclamação? A interpretação e a organização dos dados contribuem para o convencimento do reclamado sobre a necessidade de atender à solicitação? Comentário geral
11. Caso você tenha respondido “não” a alguma das perguntas do quadro, faça uma anotação a lápis no texto do colega, apontando cada um dos problemas identificados. 12. Aponte, também a lápis, outros aspectos do texto que podem ser melhorados (ortografia, acentuação, pontuação, escolha de palavras, etc.). 13. Troque novamente os textos e os comentários com o colega. Leia com atenção o quadro preenchido por ele.
Reescrita 14. Observe os tópicos para os quais o colega respondeu “não” na avaliação de seu texto. Retome seu planejamento e veja o que precisa ser mudado. Não esqueça os outros aspectos linguísticos apontados por ele. Caso tenha alguma dúvida, peça ajuda ao professor. 15. Reescreva sua carta de reclamação.
saiba mais
Ombudsman (palavra de origem sueca que significa “representante”) é o nome do profissional que, dentro de uma empresa, exerce a função de intermediário imparcial entre a instituição e seus usuários ou consumidores, recebendo críticas, sugestões e reclamações. No Brasil, são poucas as empresas que têm esse profissional no quadro de funcionários.
16. Para que uma carta de reclamação atinja seu objetivo de convocar uma pessoa, empresa ou instituição a reparar um dano, é preciso selecionar, interpretar e organizar adequadamente os dados desse discurso argumentativo. Ao reescrever sua carta de reclamação, observe se você deixou de lado alguma informação importante e se a ordem de apresentação das informações favorece sua intenção de convencer o reclamado sobre a necessidade de atender à sua solicitação.
Publicação 17. Envie sua carta de reclamação para a fábrica de produtos, a empresa de serviços ou o órgão público responsável pelo problema que você sofreu. Não escreva no livro.
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capítulo
o que você vai estudar Como identificar e produzir uma mesa-redonda. O papel dos participantes. A alternância de turnos. O valor argumentativo da repetição.
Mesa-redonda A mesa-redonda é muito comum em programas televisivos, nas universidades e na internet. Por meio dela, podem-se debater temas variados.
Leitura A retextualização da mesa-redonda, a seguir, propõe um debate sobre as mulheres na ciência com as convidadas Luiza Chomenko, Adriana Corrêa (biólogas) e Elena Schuck (cientista política). Para iniciar, a mediadora pergunta às cientistas sobre suas experiências de trabalho em um ambiente predominantemente masculino. Atente aos sinais gráficos que indicam ocorrências de oralidade: reticências (…): pausa ou hesitação; barra oblíqua (/): truncamento (palavra ou frase interrompida, reformulada); e sequência de dois-pontos (::): alongamento de vogal ou consoante. Leia o trecho da mesa-redonda e responda às questões.
Mulheres na ciência Luiza Chomenko – Então, eu, por exemplo, é que eu tra-
balho fora da universidade. […] E eu sempre trabalhei muito num meio masculino, sempre foi, né? E foi/ foi muito difícil, realmente no início assim foi muito difícil e eu estava justo comentando com um colega agora no intervalo, né, então… Mas é interessante porque ã:: eu comecei a trabalhar com produtores rurais e no Rio Grande do Sul, principalmente, se tu tem um evento onde... Eu fui ver uma área que era uma lavoura e aí o senhorzinho estava/o dono da propriedade e mais o filho dele, que já era mais jovem, mas o dono já era um senhor mais bem de idade, aí disse bem assim: “Ah, mas na minha propriedade eu não quero fiscalização, eu não gosto de vistoria, eu não gosto de funcionário público, e não trabalho com mulher!”. Aí eu olhei pra ele assim, né, e eu disse: “Bah, mas que ruim para o senhor, né?”. Ele disse: “Como assim?”. Eu disse: “É porque eu sou os quatro e na minha equipe só tem eu. [risos] Então, o senhor quer a vistoria, então eu vou ter que…” “Ah, mas é… mas é…” Aí ele já se perdeu todo, daí o filho dele disse assim: “Não, papai, deixa que eu acompanho”. E tal, né? Aí, lá nós fizemos a vistoria toda, percorremos a área toda. Aí, quando chegou no final, ele até nos acompanhou um pedaço, aí quando chegou no final, ele falou assim: “Gostei do seu serviço, até acho que eu vou licenciar as outras propriedades também”. […] Mas eu acho que a gente rompe barreiras, eu acho que são mais difíceis de romper, mas eu acho que aí muito vai também da nossa educação aqui do Rio Grande do Sul, nesse meio no qual eu trabalhei, é diferente um pouco do que vocês relatam [apontando para as demais cientistas]. É isso. […]
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Heitor Jardim/A Bioquímica como ela é
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Mesa-redonda “Mulheres na ciência” da Semana Acadêmica de Biologia ocorrida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foto de 2015.
Adriana Corrêa – Então, eu acho que/comentaram de como/as estratégias tal que ela [mediadora] falou/eu acho que de alguma forma tu enfrentou essas questões. Então… eu mesma, assim, se eu, com a especificidade de ser mulher negra e tal, deixo com que as pessoas falem certas coisas, eu não contribuo para que/para uma mudança. Eu/se eu vir para casa e chorar toda vez que me falarem alguma coisa… Luiza Chomenko – Eu chorei bastante. Depois resolvi o problema… Adriana Corrêa – É… Exatamente. [...] porque eu vejo isso também, a organização em coletivos, em grupos, eu acho que quando a gente trabalha com o coletivo, tu reforça, porque a experiência dos outros é que te coloca. Por exemplo, vocês estavam falando das meninas e tal, nas Sociais aconteceu… ã:: não faz um mês, onde uma menina do Negração, a Mari, não sei se ela chegou a te relatar [para uma pessoa da plateia], que ela também saiu chorando de dentro da sala de aula porque ela foi defender um ponto de que… é:: não necessariamente a gente tem que só/só seguir uma rota de referenciais europeus. Então, sair um pouco desse eurocentrismo e tal. Ela foi rechaçada pela turma inteira! A turma inteira. Os trinta botaram a boca nela: “Como assim, tu vai dizer
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Vocabulário de apoio
que o Marx e…” O outro, quem era? “Que o Fern/” Ã:: Ai, esqueci o nome do outro cara… [pessoa da plateia] – O Engels? Adriana Corrêa – Não, não, era um brasileiro daqui tal/mas são sociólogos super-renomados e tal. E ela: “Não, eu não estou dizendo que esses caras estão errados, eu estou dizendo que tem outros. Não que eles estão errados, quero adicionar literaturas e cois/”. Todo mundo rechaçou ela na hora, mas ela enfrentou, daí o professor teve que rever alguns conceitos e tal, não vai mudar a cadeira e tal... quem sabe? Mas eu acho que os enfrentamentos da mulher ali no/pena que assim... dos dados que a gente tem, tem mais mulheres em toda a universidade, em todo o meio da pesquisa, exceto nas engenharias. E as meninas da engenharia sempre têm a questão de quando elas estão lá, eles sempre colocam elas como leslis, ã leslis, olha eu... como lésbicas. Ã:: Como a:: “aquela machinha lá”, então sempre tem um pejorativo, não sei se aconteceu contigo ao longo da vida e tal… [para Luiza] Então, a mulher, além dela estar num meio muito masculinizado, é:: colocarem em xeque a questão da heterossexualidade dela, da homossexualidade dela, que também não justifica nada a tua profissão determinar escolhas sexuais. E aí sempre elas terem que ter um refúgio, assim: “Ah, não, eu tenho que me maquiar superbem, eu tenho que estar sempre no salto, porque daí assim vão me aceitar”. […] Elena Schuck – [...] Eu concordo com a Adriana, eu acho que é muito importante/enfim, eu acho que nós somos de uma geração assim de pós-graduandas que percebeu que o coletivo é muito importante, né, então essas conversas assim como essas são muito importantes, ã:: para justamente a gente entender que tipo de dificuldades nós temos ainda, né? Então é:: eu ali na Ciência Política/eu acho que eu sou/não sei se eu não sou a primeira a fazer/eu estou escrevendo uma tese sobre feminismo. Ã:: Teve pessoas que já escreveram teses pensando na questão da mulher, mas falar em teoria feminista? Eu acho que eu sou a primeira. Sabe,
ali da Ciência Política. E:: nossa, isso é bem complicado, assim, com o corpo docente, né? É:: primeiro porque… ã:: existe uma dificuldade de aceitar que a teoria política feminista seja uma teoria política, que assim, né, que o feminismo também seja político, e uma ciência. Então ã::/então... eu sou estudante pós-graduanda, doutoranda e militante, eu acabo sendo, né, porque eu tenho que militar para poder estudar o que eu quero estudar e dizer que isso é::/é ciência política. Eu já tive professores que, né, disseram que: “Ah, nós vamos estudar os paradigmas da ciência política, né, epistemologia”. E:: daí, eu disse: “Ó, eu estudo o feminismo, então vou usar o paradig/o paradigma do feminismo para a ciência política”. Aí ele disse: “Ah, isso não é um paradigma da ciência política”. Ele me disse isso, né, escreveu no e-mail dele, eu tenho salvo. […] Então é complicado, porque a própria ciência social, assim como a menina que sofreu a discriminação, ela estava reivindicando… é:: na verdade, um olhar pós-colonial, né?… Adriana Corrêa – É. Exatamente… Elena Schuck – A questão de/de/de questionar até que ponto as teorias… é:: produzidas na Europa, nos Estados Unidos, ou mesmo as teorias produzidas aqui no Brasil, mas com olhar eurocêntrico, branco, heteronormativo, né, são válidas para o contexto que a gente vive, né? Então é:: eu acho que é isso, o feminismo pós-colonial, ele/ele está preocupado com isso, né? Ele está preocupado em pensar as questões de gênero, ã::… interligadas com raça, com classe e com sexualidade. Né? Que/eu acho que é o que a gente precisa, assim, para esse contexto, e eu acho que é uma discussão que é válida para todos os campos, né, da universidade. E eu acho que é muito importante esse diálogo, assim, interdisciplinar, né, que eu aqui da política, tu da… é:: [olhando para Adriana] Adriana Corrêa – Biológicas. Elena Schuck – Biológicas. E enfim das outras áreas, Física, enfim… Artes também/acho que é interessante trazer, assim, na universidade. Mas eu acho que é isso. [Mediadora abre para perguntas.]
corpo docente: grupo dos professores de uma escola ou universidade epistemologia: estudo do conhecimento eurocentrismo: adotar ponto de vista importado da Europa ou que tenha a Europa como centro heteronormativo: regido por padrões heterossexuais tradicionais paradigma: modelo ou pressuposto para determinado conhecimento pejorativo: palavra com sentido desfavorável ou ofensivo
Que biólogxs queremos formar? Mesa-redonda: Mulheres na ciência. Semana Acadêmica da Biologia – UFRGS, 11 jun. 2015. Transcrição feita para esta edição.
Situação de produção Conversando para uma plateia Na mesa-redonda, gênero oral da esfera pública, um grupo de interlocutores, com mediação, emite opiniões a respeito de um tema preestabelecido sobre o qual detém conhecimentos anteriores. A mesa-redonda é produzida para um público que a acompanha presencialmente ou a distância (pela TV, pelo rádio ou pela internet). O público pode propor perguntas aos convidados, o que pode ser feito pessoalmente ou por meio de mensagens virtuais.
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Ler uma mesa-redonda 1. Antes de iniciar a mesa-redonda, as cientistas escolheram quem seria a primeira a responder à mediadora. Leia a transcrição. Luiza Chomenko – Bom, posso começar… Adriana Corrêa – A mais experiente… Luiza Chomenko – Então, eu, por exemplo […]
a) Qual foi o critério utilizado para definir quem responderia primeiro? b) Quem definiu a sequência de falas nessa mesa-redonda? 2. Leia a seguir como a mediadora iniciou a mesa-redonda “Mulheres na ciência”. Mediadora – Vamos aproveitar que aqui a gente está nisso né… Ã:: como que vocês lidam assim/quais as estratégias que vocês lidam/que vocês fazem para lidar com isso [mulheres na ciência]… nos ambientes de vocês, nos ambientes que permeiam vocês e no ambiente da ciência e tudo isso? Porque a gente tem algumas estratégias pessoais, né, pra lidar com isso, assim, ao longo da vida vão se alterando, mas eu queria saber um pouco…
ANOTE
A mesa-redonda conta com um mediador. É ele quem introduz o tema a ser debatido e apresenta os convidados. Nessa introdução, o mediador pode ler um texto em voz alta ou contar com um esquema escrito que o ajude a organizar sua fala.
3. No primeiro depoimento transcrito, Luiza Chomenko faz um relato de suas experiências profissionais. Quais foram as principais dificuldades enfrentadas por ela, segundo esse relato? 4. Releia o final da fala de Luiza. Mas eu acho que a gente rompe barreiras, eu acho que são mais difíceis de romper, mas eu acho que aí muito vai também da nossa educação aqui no Rio Grande do Sul, nesse meio no qual eu trabalhei, é diferente um pouco do que vocês relatam. É isso.
a) Que expressão ela utiliza para terminar sua fala? b) Qual é o sentido dessas considerações finais em relação ao depoimento que ela havia feito sobre suas experiências profissionais?
HIPERTEXTO Veja as relações entre fala e escrita na parte de Linguagem (capítulo 12, p. 186-193).
Repertório
Marie Curie (1867-1934) Apesar da dificuldade do meio predominantemente masculino, diversas mulheres se destacaram na ciência. Entre elas, a polonesa Marie Skłodowska Curie, com seus estudos sobre radiotividade, nos quais pôde isolar isótopos de rádio e polônio. Curie foi a primeira mulher a ganhar o prêmio Nobel – em Química, em 1903 – e a única pessoa que o ganhou duas vezes – a segunda foi em Física, em 1911. Corbis/Latinstock
a) Quais características da oralidade podemos identificar nessa fala? b) Como a transcrição da fala da mediadora poderia ser reelaborada para se tornar uma apresentação escrita?
Capítulo 26 – Mesa-redonda
ANOTE
Os participantes de uma mesa-redonda produzem seus textos no momento em que estão falando. Por isso, podem aparecer muitas reformulações, repetições e hesitações.
5. O início da fala de Adriana Corrêa apresenta uma série de reformulações. a) Por que isso ocorre? b) Em determinado momento, Adriana inicia seu discurso com um dos tópicos desenvolvidos anteriormente. Transcreva, no caderno, o trecho em que isso ocorre. c) Observe o início de cada fala das cientistas. O que há em comum entre esses inícios? Dê exemplos.
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A química Marie Curie em seu laboratório. Foto de 1905.
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6. A fala de Adriana Corrêa introduz um novo tema (ou tópico discursivo), que será retomado por Elena Schuck. a) Identifique no texto o momento em que Elena Schuck retoma esse tópico e copie-o no caderno. b) Qual é a relação que Elena Schuck estabelece entre esse tópico e o tema central da mesa-redonda?
saiba mais
Tópico discursivo é cada um dos temas desenvolvidos em um texto oral, individual ou coletivo.
ANOTE
Nas mesas-redondas, os participantes precisam defender sua opinião com propriedade. Além disso, podem retomar exemplos dados pelas pes soas que participam da mesa para reforçar uma ideia e também defendê-la.
7. As convidadas da mesa-redonda “Mulheres na ciência” tratam de diferentes aspectos da condição feminina no trabalho. Faça uma síntese da fala de cada uma, abordando o aspecto central desenvolvido por elas.
ANOTE
Cabe ao mediador da mesa-redonda fazer perguntas aos convidados, sugerir mudanças de tema, distribuir a palavra entre os participantes e abrir para questões da plateia. Se a plateia for muito numerosa, é comum que as perguntas sejam encaminhadas por escrito para o mediador.
9. Imagine que você foi convidado(a) para essa mesa-redonda. Faça um esquema com sua opinião sobre o tema e uma experiência vivida ou história conhecida que sirva de exemplo para reforçar essa opinião.
Assista Hoje eu quero voltar sozinho. Direção de Daniel Ribeiro, Brasil, 2014, 96 min. O filme Hoje eu quero voltar sozinho aborda, de maneira muito sutil, a descoberta da orientação sexual de um adolescente. O protagonista Leonardo, um jovem deficiente visual, se apaixona por Gabriel, um garoto recém-chegado na escola. Vitrine Filmes/ID/BR
8. Ao final das falas das cientistas, a mediadora abriu para perguntas, e qualquer pessoa presente no evento poderia se inscrever para apresentar uma questão às convidadas. Escolha uma das participantes e formule por escrito uma pergunta que você faria a ela.
10. Releia um trecho da fala de Adriana Corrêa. E aí sempre elas terem que ter um refúgio, assim: “Ah, não, eu tenho que me maquiar superbem, eu tenho que estar sempre no salto, porque daí assim vão me aceitar”.
a) Quais aspectos da aparência física são associados ao gênero feminino, segundo Adriana? b) Em sua opinião, também há padrões sociais que determinam a identidade de gênero masculina? Justifique sua resposta. c) Você concorda com essas determinações? Por quê? ANOTE
Em uma mesa-redonda, as discordâncias são inevitáveis e até mesmo desejáveis. Cabe ao mediador, em grande parte, a tarefa de destacar a contribuição da fala de cada participante na construção do texto coletivo, buscando uma relativa conciliação.
Cartaz do filme Hoje eu quero voltar sozinho.
Repertório
Pós-colonialismo Pós-colonialismo é o nome que se dá a uma série de teorias sociológicas, históricas, estéticas, etc. que têm como objetivo criar uma alternativa para o pensamento produzido na Europa como referência para todo o mundo. A ideia é marcar o fato de que o ponto de vista segundo o qual se pensa determinado fenômeno interfe-
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re nas conclusões a que se pode chegar. Assim, o ponto de vista chamado “eurocêntrico” estaria determinado pelos princípios de dominação que levaram europeus a colonizar outros países. A obra considerada fundadora dessa corrente de pensamento é Orientalismo, de Edward Said, publicada em 1970.
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Entre o texto e o discurso – As trocas de turno no discurso oral Uma característica da mesa-redonda é a relativa liberdade dos participantes de tomar a palavra quando consideram oportuno. Os trechos abaixo integram a mesa-redonda parcialmente transcrita nas páginas 336-337. Observe como se dão as trocas de turno (a vez de cada um falar) entre os participantes. A mediadora abre a mesa-redonda apresentando o tema em forma de uma pergunta geral às participantes e deixando aberta a palavra.
Mediadora – Vamos aproveitar que aqui a gente está nisso né… Ã:: como que vocês lidam assim/quais as estratégias que vocês lidam/que vocês fazem para lidar com isso [mulheres na ciência]… nos ambientes de vocês, nos ambientes que permeiam vocês e no ambiente da ciência e tudo isso? Porque a gente tem algumas estratégias pessoais, né, pra lidar com isso, assim, ao longo da vida vão se alterando, mas eu queria saber um pouco… Luiza Chomenko – Bom, posso começar… Adriana Corrêa – A mais experiente… Luiza Chomenko – Então, eu, por exemplo, é que eu trabalho fora da universidade. […]
Adriana lança mão de uma série de reformulações até estabilizar o início de seu turno de fala.
Adriana Corrêa – Não, eu acho que/comentaram de como/as estratégias tal que ela falou/eu acho que vai/de alguma forma tu enfrentou essas questões. Então… eu mesma, assim, se eu, com a especificidade de ser mulher negra e tal, deixo com que as pessoas falem certas coisas, eu não contribuo para que/para uma mudança. Eu/se eu vir para casa e chorar toda vez que me falarem alguma coisa… Luiza Chomenko – Eu chorei bastante. Depois resolvi o problema... Adriana Corrêa – É. Exatamente. Eu dou um tapa na cara, depois eu choro em casa, sabe, porque a gente/porque eu vejo isso também, a organização em coletivos, em grupos, eu acho que quando a gente trabalha com o coletivo, tu reforça, porque a experiência dos outros é que te coloca […]
Adriana retoma o turno de fala, desta vez para desenvolver seu discurso mais longamente. Adriana faz uma série de pausas ao esquecer o nome do sociólogo que ela queria mencionar. Adriana desiste de mencionar o nome do sociólogo e continua sua narrativa.
Adriana Corrêa – […] Os trinta botaram a boca nela: “Como assim, tu vai dizer que o Marx e…”. O outro, quem era? “Que o Fern/” Ã:: Ai, esqueci o nome do outro cara… [pessoa da plateia] – O Engels? Adriana Corrêa – Não, não, era um brasileiro que estava/mas são sociólogos super-renomados e tal […]
Capítulo 26 – Mesa-redonda
Adriana resume seu discurso na ideia de que “é bem difícil”, o que anuncia o encerramento de seu turno de fala. Com as expressões “sei lá” e “assim”, ela passa o turno para a próxima convidada.
Adriana Corrêa – […] Então, é bem difícil. Sei lá… assim. Elena Schuck – É. [trecho inaudível] Pelos relatos que eu ouço. Eu ach/eu concordo, como é teu nome? Adriana Corrêa – Adriana. Elena Schuck – Adriana. Eu concordo com a Adriana, eu acho que é muito importante/enfim, eu acho que nós somos de uma geração assim de pós-graduandas que percebeu que o coletivo é muito importante […]
Elena estabiliza seu turno de fala e desenvolve seu discurso, incorporando a informação que lhe faltava: o nome da convidada que havia falado antes dela. Elena retoma em sua fala o exemplo desenvolvido por Adriana, para conceituá-lo. Dá margem para que Adriana a interrompa.
Elena Schuck – Então é/então é complicado, porque a própria ciência social, assim como a menina que sofreu a discriminação, ela estava reivindicando… é:: na verdade, um olhar pós-colonial, né?… Adriana Corrêa – É. Exatamente… Elena Schuck – A questão de/de/de questionar até que ponto as teorias… é:: produzidas na Europa, nos Estados Unidos, ou mesmo as teorias produzidas aqui no Brasil, mas com olhar eurocêntrico, branco, heteronormativo, né, são válidas para o contexto que a gente vive, né? Que biólogxs queremos formar? Mesa-redonda: Mulheres na ciência. Semana Acadêmica da Biologia – UFRGS 2015. 11 jun. 2015. Transcrição feita para esta edição.
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Luiza Chomenko se apresenta para iniciar a mesa ‑redonda. Adriana interrompe Luiza para confirmá-la como portadora do turno de fala inicial. Luiza assegura o turno de fala e inicia seu depoimento. Luiza faz um pequeno assalto de turno para confirmar o gancho de Adriana e complementar seu depoimento pessoal. Ela retribui o gesto inicial de Adriana de confirmar seu turno de fala. O esquecimento de Adriana dá a chance para a interferência de uma pessoa da plateia, que procura ajudá-la a lembrar-se do nome do sociólogo. Elena inicia seu turno em voz baixa, e emite algumas palavras inaudíveis até decidir-se a concordar com a fala anterior. Com uma pergunta, ela passa o turno. Adriana responde à pergunta e devolve o turno de fala. Adriana interrompe Elena para confirmar sua análise, procurando deixar claro que já sabia de que se tratava do tópico pós-colonialismo. Elena sustenta o turno e desenvolve o raciocínio iniciado antes da interrupção.
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Nesta iluminura de um manuscrito do século XV, vê-se o rei Arthur e seus cavaleiros em torno de uma távola (mesa) redonda. Segundo lendas criadas no século XI, Arthur teria vivido na Inglaterra no século VI. A távola redonda representaria a igualdade de condições e de voz entre o rei e seus cavaleiros.
1. Localize, no trecho da mesa-redonda das páginas 336 e 337, exemplos que ilustrem cada situação abaixo. Copie-os no caderno. a) Turno completo. b) Passagem de turno. c) Tentativa de assalto. d) Sustentação de turno. e) Justificativa para o assalto.
Veridiana Scarpelli/ID/BR
Qualquer gênero oral coletivo que não preveja regras estritas de distribuição das falas implica disputa pela vez de falar. Os participantes negociam as trocas de turno – que ocorrem cada vez que um interlocutor fala depois do outro – ao longo do texto, tomando e cedendo a vez de falar. Turno de fala – Cada fala ininterrupta de um interlocutor. Passagem de turno – Ocorre quando alguém está falando e aos poucos diminui o volume de voz, reduz a velocidade ou encerra sua fala com uma pausa, cedendo o turno para outro interlocutor. Assalto ao turno – Ocorre quando há interrupção da fala de um interlocutor por outro. Pode se dar na ocorrência de brechas involuntárias, como hesitações e pausas, ou em momentos nos quais o falante usa um marcador de interação como né?, você entende?, etc. Também pode se dar de forma abrupta e inesperada, o que, em alguns casos, pode ser considerado falta de polidez. É comum que o assaltante de turno peça desculpas e justifique sua atitude. Sustentação – Ocorre quando o falante lança mão de recursos para sustentar seu turno: elevar o volume de voz, repetir as últimas palavras, etc. Negociação – Ocorre quando o falante ainda não encerrou sua fala e o interlocutor já quer iniciar a dele. Pode ocorrer um período de sobreposição de vozes, hesitações, interrupções, repetições, etc., que indicam que há disputa pelo turno conversacional. Em geral, os interlocutores chegam a um acordo sobre quem deve continuar falando e a conversa segue até a próxima disputa.
Biblioteca Nacional da França, Paris. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix
Assalto ao turno e passagem de turno – Tomando e cedendo a vez de falar
Observatório da língua Repetição e correção na oralidade Na mesa-redonda, as falas são planejadas quase ao mesmo tempo que são produzidas. Por isso, a hesitação, a repetição, a correção e a reformulação são características desse gênero. Observe estes exemplos. Luiza Chomenko – […] Mas é interessante porque ã:: eu comecei a trabalhar com produtores rurais e no Rio Grande do Sul principalmente se tu tem um evento onde/eu fui ver uma área que era uma lavoura e aí o senhorzinho/estava o dono da propriedade e mais o filho dele, que já era mais jovem, mas o dono já era um senhor assim de mais bem de idade, aí disse bem assim: “Ah, mas na minha propriedade eu não quero fiscalização, eu não gosto de vistoria, eu não gosto de funcionário público, e não trabalho com mulher”. [...]
Elena Schuck – […] Então ã::/então/eu acabo/eu sou estudante pós-graduanda, doutoranda e militante […] Muitas vezes, a repetição e a correção também têm um valor argumentativo, enfatizando o que está sendo dito. Veja o exemplo.
Adriana Corrêa – […] Ela foi rechaçada pela turma inteira! A turma inteira. Os trinta botaram a boca nela […]
1. Localize, em qualquer trecho da mesa-redonda, nas páginas 336 e 337, e transcreva no caderno: a) um exemplo de repetição e correção que demonstra a simultaneidade de planejamento e produção do texto; b) um exemplo de repetição e/ou correção com valor argumentativo (de ênfase).
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Produzir uma mesa-redonda Proposta Você vai participar de uma mesa-redonda a ser apresentada para a turma. A classe deve se dividir em grupos de quatro integrantes: em cada grupo haverá um mediador e três convidados. Gravem a mesa-redonda em vídeo para compartilhá-la na internet com outros colegas. Cada grupo terá até dez minutos para desenvolver coletivamente um aspecto relacionado a um tema. Veja os temas sugeridos a seguir. A. Futebol – rodada da semana/últimas contratações dos times brasileiros B. Política – combate à corrupção C. Cotidiano de sua comunidade – segurança/saúde/educação/meio ambiente D. Comportamento da juventude – trabalho/estudo/relacionamentos/responsabilidade e autonomia Recorde o papel de cada participante da mesa-redonda. Mediador: apresenta o tema da mesa e cada um dos convidados. Em seguida, dirige a eles uma pergunta para iniciar a conversa. Pode interferir e reorganizar os turnos de fala dos convidados, quando necessário. Convidados: falam sobre o tema, sobre o qual detêm conhecimento. Público: deve permanecer em silêncio. Ao final, o mediador poderá abrir oportunidade para perguntas aos convidados.
Planejamento 1. Observe no quadro abaixo as características do texto que você vai produzir. Gênero textual
Capítulo 26 – Mesa-redonda
mesa-redonda
Público
Finalidade
Meio
Linguagem
plateia de estudantes do Ensino Médio
produzir um texto coletivo resultante de opiniões diversas sobre um tema; argumentar em favor de seu ponto de vista
apresentação oral para a classe (pode ser gravada em áudio ou vídeo)
polida; argumentos consistentes; clareza; foco no tema
Evitar assaltar o turno de forma abrupta; falta de objetividade
Incluir repetições com valor argumentativo; dados que sustentem seu ponto de vista
2. Depois de escolher o tema, o grupo deve definir que aspecto dele será desenvolvido na mesa-redonda e criar um título para o evento. 3. O grupo deve definir quem será o mediador e quais serão os convidados. Também deve criar, para cada convidado, uma identidade que justifique sua presença na mesa-redonda. 4. Faça uma pesquisa sobre o aspecto do tema a ser desenvolvido em sua mesa-redonda. a) Busque em jornais, revistas e portais da internet informações recentes sobre o tema. Anote no caderno, de forma resumida, os dados que julgar mais relevantes. b) Consulte a opinião de familiares, amigos e conhecidos a respeito do tema, para desenvolver um ponto de vista próprio com base no que ouviu. c) Reflita: Você já se sente em condições de falar durante alguns minutos sobre o tema, respondendo a perguntas e apresentando seu ponto de vista? Em caso negativo, aprofunde sua pesquisa. 5. Com base nos dados que você encontrou e nos aspectos que julga importante abordar na mesa-redonda, elabore duas questões a serem propostas pelo mediador após a introdução ou em momentos oportunos e entregue-as a ele. 6. Faça anotações em fichas a serem consultadas durante a mesa-redonda. Escreva em itens, usando poucas palavras, de forma legível e organizada. Dê preferência para informações, dados e números que tenham valor argumentativo. 7. Faça um ensaio de cerca de cinco minutos com seu grupo. Se possível, peçam para alguém assistir a esse ensaio e dar sugestões para melhorar o desempenho de cada um.
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Elaboração 8. Agora você está pronto para participar da mesa-redonda de seu grupo. Mantenha a calma e procure ser natural. Esteja atento não apenas ao que pretende falar, mas também ao desenvolvimento do texto coletivo na mesa-redonda. Durante a apresentação, a plateia deve anotar em suas fichas a avaliação da mesa-redonda (ver o modelo da ficha no item Avaliação). a) O mediador inicia a mesa-redonda introduzindo o tema, apresentando-se e apresentando cada um dos convidados. b) Em seguida, dirige uma questão aos convidados. c) Um ou mais convidados comentam a questão. d) O mediador deve lançar perguntas sempre que a conversa “esfriar” e, caso algum convidado esteja fazendo uso excessivo da palavra, deve tentar assaltar o turno com polidez. e) Após cinco minutos, o mediador encerra a mesa-redonda.
Atenção
»»Seja sempre respeitoso e
educado, mesmo quando estiver assaltando um turno.
»»Dê consistência às suas
afirmações, mas procure ser objetivo e breve.
Avaliação 9. Copie o quadro abaixo em folhas avulsas e preencha-o a cada mesa-redonda a que você assistir. Sim
Não
A mesa-redonda contribuiu para ampliar o conhecimento da plateia sobre o tema desenvolvido? O mediador realizou bem seu papel de organizar os turnos de fala? E de conduzir o tema da conversação?
Todos foram respeitosos e firmes na disputa pelo turno de fala? O grupo fez uso adequado de suas anotações? (Levantaram-se questões relevantes com base nessas anotações?) As repetições e as correções foram usadas como recurso de ênfase, com valor argumentativo, sem comprometer o desenvolvimento da mesa? Comentário geral
10. Troque as fichas de avaliação com os colegas de outros grupos. a) Leia com o grupo a avaliação e os comentários dos colegas. b) Com base nas avaliações recebidas, realize oralmente uma autoavaliação do grupo, discutindo acertos e dificuldades. c) Façam uso das gravações para verificar o que poderia melhorar.
Repertório
Mesa-redonda e futebol O programa Mesa redonda, da TV Gazeta, no ar desde 1975, adota o nome do gênero textual preferido dos programas esportivos de domingo à noite na televisão brasileira. Logo após as rodadas mais importantes do futebol nacional, que acontecem na tarde do domingo, os participantes desses programas analisam as partidas de futebol nacional e internacional ocorridas ao longo da semana. TV Gazeta/ID/BR
Os convidados demonstraram conhecimento prévio sobre o tema e apresentaram seu ponto de vista com propriedade?
Reelaboração 11. Se houver interesse do grupo, façam uma nova apresentação da mesa-redonda para seus amigos ou familiares, prestando atenção ao que foi apontado nas avaliações dos colegas.
Publicação 12. Encerradas as mesas-redondas, assistam às gravações e escolham a que melhor desenvolveu a discussão do tema. Em seguida, façam a edição do vídeo e o publiquem no blog da turma, contextualizando os leitores e pedindo que também opinem sobre o assunto. Não escreva no livro.
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Participantes do programa Mesa redonda, da TV Gazeta, exibido em março de 2015.
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Vestibular e Enem O exame vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP) dá aos candidatos a opção de escolher entre três propostas de produção textual, que devem ser realizadas com base na leitura de uma coletânea de textos. Entre as propostas do exame de 2010 estavam a elaboração de uma carta e de uma dissertação. Com base nas atividades de leitura e elaboração dos gêneros dissertação escolar e carta de reclamação desta unidade, reflita como você mobilizaria os conhecimentos adquiridos, para desenvolver as propostas apresentadas a seguir. (Unicamp-SP) Orientação geral: Leia atentamente O tema geral da prova da primeira fase é Gerações. A redação propõe recortes desse tema. Propostas: Cada proposta apresenta um recorte temático a ser trabalhado de acordo com as instruções específicas. Escolha uma das propostas para a redação (dissertação […] ou carta). Coletânea: A coletânea é única e válida para as [duas] propostas. Leia toda a coletânea e selecione o que julgar pertinente para a realização da proposta escolhida. Articule os elementos selecionados com sua experiência de leitura e reflexão. O uso da coletânea é obrigatório. ATENÇÃO – sua redação será anulada se você desconsiderar a coletânea ou fugir ao recorte temático ou não atender ao tipo de texto da proposta escolhida. Apresentação da coletânea Em toda sociedade convivem gerações diversas, que se relacionam de formas distintas, exigindo de todos o exercício contínuo de lidar com a diferença. Unicamp 2010. Fac-símile: ID/BR
1.
Disponível em: .
2. Para o sociólogo húngaro Karl Mannheim, a geração consiste em um grupo de pessoas nascidas na mesma época, que viveram os mesmos acontecimentos sociais durante a sua formação e crescimento e que partilham a mesma experiência histórica, sendo esta significativa para todo o grupo. Estes fatores dão origem a uma consciência comum, que permanece ao longo do respectivo curso de vida. A interação de uma geração mais nova com as precedentes origina tensões potencializadoras de mudança social. O conceito que aqui está patente atribui à geração uma forte identidade histórica, visível quando nos referimos, por exemplo, à “geração do pós-guerra”. O conceito de “geração” impõe a consideração da complexidade dos fatores de estratificação social e da convergência sincrônica de todos eles; a geração não dilui os efeitos
de classe, de gênero ou de raça na caracterização das posições sociais, mas conjuga-se com eles, numa relação que não é meramente aditiva nem complementar, antes se exerce na sua especificidade, ativando ou desativando parcialmente esses efeitos. Sarmento, Manuel Jacinto. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p. 361-378, maio/ago. 2005. Disponível em: . Adaptado.
3. A partir do advento do computador, as empresas se reorganizaram rapidamente nos moldes exigidos por essa nova ferramenta de gestão. As organizações procuraram avidamente os “quadros técnicos” e os encontraram na quantidade demandada. Os primeiros quadros “bem formados” tiveram em geral carreiras fulminantes. Suas trajetórias pessoais
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Atenção: todas as questões foram reproduzidas das provas originais de que fazem parte. Responda a todas as questões no caderno.
foram tomadas como referência pelos executivos mais jovens. Aqueles “grandes executivos” foram considerados portadores de uma “visão de conjunto” dos problemas empresariais, que os colocava no campo superior da “administração estratégica”, enquanto o principal atributo da nova geração passa a ser a contemporaneidade tecnológica. Os constrangimentos advindos do choque geracional encarregaram-se de fazer esses “jovens” encarnarem essa característica, dando a esse trunfo a maior rentabilidade possível. Assim, exacerbaram-se as diferenças entre os recém-chegados e os antigos ocupantes dos cargos. No plano simbólico, toda a ética construída nas carreiras autodidatas é posta em xeque no conflito que opõe a técnica dos novos executivos contra a lealdade dos antigos funcionários que, no mais das vezes, perdem até a capacidade de expressar o seu descontentamento, tamanha é a violência simbólica posta em marcha no processo, que não se trava simplesmente em cada ambiente organizacional isolado, mas se generaliza. Grün, Roberto. Conflitos de geração e competição no mundo do trabalho. Cadernos Pagu, Campinas, v. 13, p. 63-107, 1999. Adaptado.
4. Ao longo da década de 1990, a renda das famílias brasileiras com filhos pequenos deteriorou-se com relação à das famílias de idosos. Ao mesmo tempo, há crescentes evidências de que os idosos aumentaram sua responsabilidade pela provisão econômica de seus filhos adultos e netos.
Goldani, Ana Maria. Relações intergeracionais e reconstrução do estado de bem-estar. Por que se deve repensar essa relação para o Brasil? p. 211. Disponível em: .
5. As relações intergeracionais permitem a transformação e a reconstrução da tradição no espaço dos grupos sociais. A transmissão dos saberes não é linear; ambas as gerações possuem sabedorias que podem ser desconhecidas para a outra geração, e a troca de saberes possibilita vivenciar diversos modos de pensar, de agir e de sentir, e assim, renovar as opiniões e visões acerca do mundo e das pessoas. As gerações se renovam e se transformam reciprocamente, em um movimento constante de construção e desconstrução.
Carvalho, Maria Clotilde B. N. M. de. Diálogo intergeracional entre idosos e crianças. Rio de Janeiro: PUC-RJ, 2007. p. 52. Adaptado.
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6.
Disponível em: .
Proposta A Leia a coletânea e elabore sua dissertação a partir do seguinte recorte temático: A relação entre gerações é frequentemente caracterizada pelo conflito. Entretanto, há outras formas de relacionamento que podem ganhar novos contornos em decorrência de mudanças sociais, tecnológicas, políticas e culturais. Instruções: 1. Discuta formas pelas quais se estabelecem as relações entre as gerações. 2. Argumente no sentido de mostrar que essas diferentes formas coexistem. 3. Trabalhe seus argumentos de modo a sustentar seu ponto de vista. Proposta B Leia a coletânea e elabore sua carta a partir do seguinte recorte temático: As diferenças entre gerações são percebidas também no plano institucional como, por exemplo, no ambiente de trabalho. Instruções: 1. Coloque-se na posição de um gerente, recém-contratado por uma empresa tradicional no mercado, que precisa convencer os acionistas da necessidade de modernizá-la. 2. Explicite as mudanças necessárias e suas implicações. 3. Dirija-se aos acionistas por meio de uma carta em que defenda seu ponto de vista. Obs.: Ao assinar a carta, use apenas suas iniciais, de modo a não se identificar. […] 345
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Projeto 1 Mapeamento linguístico da comunidade O que você vai fazer Neste projeto, você e os colegas vão pesquisar a variação linguística (ver capítulo 10) na comunidade do entorno da escola e apresentar um seminário com os resultados obtidos. Com base em entrevistas com moradores, que serão transcritas e analisadas, será produzido um grande painel linguístico da comunidade.
Objetivos •• Observar a variação linguística na fala das pessoas da comunidade que moram no entorno da
escola, para traçar sua identidade coletiva, com o objetivo de valorizar a diferença e exercer a inclusão social. •• Investigar as concepções que essa comunidade tem sobre a língua.
Elaboração •• Este projeto deve ser elaborado em seis etapas, apresentadas a seguir. 1. Divisão das equipes em áreas •• O primeiro passo do projeto é definir a área de abrangência do mapeamento linguístico. Serão formadas equipes de três a seis integrantes. Cada equipe realizará a pesquisa em uma pequena área, entrevistando pessoas de pelo menos cinco moradias diferentes. 2. Preparação dos roteiros de entrevista •• Elaborem um questionário, a fim de levantar as informações básicas. No caso da variação linguística, alguns dados são indispensáveis, como a idade e a região de origem do entrevistado. Vocês podem utilizar o roteiro de entrevista abaixo como modelo. •• Usem o roteiro apenas como base, procurando estabelecer uma conversa descontraída com o entrevistado. O roteiro não deve ser muito longo porque, posteriormente, vocês deverão transcrever minuciosamente a fala do entrevistado. Roteiro para entrevista Idade: Nome: Profissão: Escolaridade: Local de origem: 1. Você percebe diferenças entre a sua fala e a dos seus vizinhos? Dê exemplos. 2. Você percebe diferenças entre a sua fala e a dos apresentadores de telejornal? Dê exemplos. 3. Em sua opinião, existe só uma forma de falar a língua corretamente? Explique. 4. Como a escola transforma a fala das pessoas? Como aconteceu na escola que você frequenta ou frequentou? Como você acha que deveria ser? 5. Você está satisfeito(a) com a sua forma de falar? Por quê?
3. Realização das entrevistas com moradores da comunidade •• A entrevista deve ser solicitada ao morador, que tem o direito de recusá-la. Vocês devem se apresentar dizendo o próprio nome, o nome da escola e o objetivo do projeto. Será necessário gravar a entrevista em áudio ou vídeo (mediante autorização prévia do entrevistado). •• Vocês também podem fazer anotações e registrar impressões para servir de guia no momento da análise. 346
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5. Produção do painel e preparação da apresentação •• Uma comissão de estudantes deve montar um grande painel de cartolinas emendadas (ou papel kraft) com uma representação da região coberta pela pesquisa, como em um mapa. Cada equipe terá um espaço no painel para fixar sua produção. •• Com base nas anotações do grupo, vocês produzirão o material a ser afixado no painel. Caso tenham tirado fotografias, escolham algumas e elaborem os perfis dos entrevistados com seus dados principais (nome, profissão, escolaridade, exemplo de fala, etc.). Selecionem trechos da gravação em áudio ou vídeo para Sugestão de painel ou mapa linguístico. exibir durante a apresentação.
Adriana Alves/ID/BR
4. Transcrição das entrevistas e análise dos resultados obtidos •• A transcrição deve ser o mais fiel possível à realização linguística do entrevistado (pronúncia, entonação, pausas, hesitações, etc.). Os sinais de transcrição e representação gráfica das marcas de variação devem ser combinados previamente (ver capítulo 26). •• Depois de feitas as transcrições, o grupo deve analisar os resultados, levando em conta o modo de falar dos entrevistados e suas opiniões a respeito da língua. Por exemplo: Que padrões linguísticos se repetem na comunidade investigada? Eles são semelhantes aos que se encontram na escola? Que diferenças há entre os modos de falar dos entrevistados? A que características pessoais eles se relacionam (origem geográfica, idade, escolaridade, etc.)? Como os entrevistados veem a própria fala? O que pensam sobre haver ou não uma “língua correta” e o modo como a escola transforma a fala das pessoas? •• Anotem as principais conclusões do grupo.
6. Realização do seminário •• O seminário será aberto à comunidade. Os entrevistados podem ser convidados. Os convites devem ser feitos antecipadamente e entregues na escola e na vizinhança. •• No dia marcado, cada grupo apresentará os resultados de sua parte da pesquisa e o material produzido, fixando-o no grande painel no momento de sua apresentação. Assim, a plateia poderá ver surgir o mapa linguístico da comunidade do entorno da escola enquanto assiste às apresentações. •• Depois do seminário, o painel pode ser transferido para um local de visibilidade na escola. As gravações em áudio das falas da comunidade podem ficar arquivadas na biblioteca.
Avaliação •• Depois de realizado todo o trabalho, reúna-se com sua equipe para discutir as principais
dificuldades encontradas e os acertos, tanto durante a pesquisa quanto na apresentação do seminário. •• Avaliem se as expectativas iniciais em relação ao projeto foram alcançadas. Foi possível realizar o mapeamento linguístico da comunidade? Como a comunidade recebeu o grupo para as entrevistas? Como participou do seminário? O que poderia ter sido feito de forma diferente? A equipe conseguiu descobrir como os moradores da comunidade pensam a língua? Produza um texto-síntese com as conclusões finais de sua equipe. 347
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Projeto 2 Sarau da cultura juvenil O que você vai fazer Neste projeto, você e os colegas vão realizar um sarau sobre cultura juvenil que será aberto à comunidade.
Objetivo •• Compartilhar com pessoas da comunidade textos de diversos gêneros e modalidades, como meio de apresentar e valorizar a cultura juvenil, o trabalho em equipe e a troca de experiências.
Elaboração •• A elaboração deste projeto contará com cinco etapas, apresentadas a seguir. 1. Divisão das equipes e formação da comissão organizadora •• A turma deve definir seis equipes de trabalho. Uma delas constituirá a comissão organizadora; cada uma das outras ficará responsável por uma das seguintes tarefas: produção administrativa, produção do espaço, divulgação, registro audiovisual e produção artística. •• Entre outras tarefas, a comissão organizadora se responsabilizará por tomar as decisões finais acerca do sarau e monitorar o andamento do trabalho das equipes.
3. Seleção dos poemas e planejamento da apresentação •• Com a ajuda da comissão organizadora, as equipes devem fazer a seleção final dos textos e decidir como serão apresentados. •• As apresentações podem ser intercaladas com vídeos ou com música, dança, etc. •• Façam ensaios para garantir a organização, o controle do tempo e a qualidade das apresentações. 4. Organização do sarau pelas equipes •• Comissão organizadora: grupo responsável pelo andamento do trabalho das outras equipes, controlando os prazos e verificando se todos estão trabalhando conforme o combinado. Deve orientar os participantes, controlar o tempo das apresentações, conferir presenças e ausências – reorganizando a sequência de participantes em função de imprevistos – e escolher um(a) apresentador(a) para conduzir o evento.
Binho/Sarau do Binho
2. Realização da pesquisa dos textos •• As equipes devem escolher textos verbais, imagens e vídeos que representem a cultura juvenil, para ler e expor no evento. •• Pesquisem na biblioteca da escola, em livros, revistas e na internet. Façam leituras para escolher os textos que serão apresentados (que podem ser poemas e textos em prosa). Fiquem atentos para as equipes não escolherem textos iguais.
Estudantes da Escola Estadual Francisco D’Amicio, em Taboão da Serra (SP), realizam um sarau. Foto de 2015.
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por propor uma data e um local de apresentação (verificar quantas pessoas cabem no local), acertar a participação de convidados especiais, digitar e imprimir a programação para o público. •• Produção do espaço: equipe responsável por planejar e produzir o ambiente do sarau. Deve providenciar com antecedência os objetos e as ferramentas que serão necessários (iluminação, cadeiras, água, cenário, almofadas, microfones e caixas de som, equipamento audiovisual, etc.). A equipe deve ficar a postos no dia do evento, para auxiliar caso haja problemas com os equipamentos. Também deve afixar as imagens no local onde ficarão expostas durante o evento. •• Divulgação: equipe responsável por produzir e distribuir os convites e os cartazes de divulgação Cartaz de divulgação do sarau Chuva de Livros, realizado em São Paulo (SP), em 2016. do evento dentro e fora da comunidade escolar. Responsável também por recepcionar e orientar o público no dia da apresentação, distribuindo o material com a programação do evento. •• Registro audiovisual: equipe responsável por filmar e fotografar o sarau, bem como editar o material coletado. Para isso, pode-se solicitar o equipamento disponível na escola ou mesmo utilizar celulares. Este grupo pode também fazer a divulgação do evento nas redes sociais, compartilhando as fotografias e os vídeos. Para fazer um registro completo, pode, ainda, produzir um making-of, mostrando o trabalho das equipes durante a organização do evento. •• Produção artística: equipe responsável pelo figurino, pela maquiagem e pela realização dos ensaios com os participantes. Também deve selecionar as músicas e os vídeos que serão exibidos durante o evento.
Cooperifa/ID/BR
•• Produção administrativa: equipe responsável
5. Realização do sarau •• O sarau se inicia com a entrada do(a) apresentador(a), que fará um breve resumo da programação do evento, agradecendo tanto o trabalho das equipes como a presença do público convidado. É necessário estar em contato com a comissão organizadora e conduzir a programação chamando as atrações ao palco. •• O grupo responsável pelo registro deve filmar o evento e tirar fotografias das apresentações e do público. Se possível, esse grupo pode gravar pequenos depoimentos da plateia, para que integrem o vídeo de registro do projeto. •• Após as apresentações, o(a) apresentador(a) encerra o evento, agradecendo a todos os participantes e à plateia. •• Concluído o evento, a equipe que cuidou do registro audiovisual deverá editar o material coletado e produzir um filme que será apresentado a toda a comunidade escolar. Esse filme, que integrará o acervo da biblioteca da escola, também poderá ser divulgado na internet.
Avaliação •• Depois de finalizarem o projeto, as equipes devem se reunir para discutir sobre como foi o sarau
e comentar a importância da participação de cada integrante. Podem levantar questões como: As expectativas iniciais em relação ao evento foram alcançadas? O público gostou do sarau? Anotem os pontos positivos e os negativos e escrevam o que poderia ser melhorado. 349
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Siglas dos exames e das universidades Enem – Exame Nacional do Ensino Médio Fuvest-SP – Fundação Universitária para o Vestibular Fatec-SP – Faculdade de Tecnologia de São Paulo Insper-SP – Instituto de Ensino e Pesquisa Mackenzie-SP – Universidade Presbiteriana Mackenzie PUC-Campinas-SP – Pontifícia Universidade Católica de Campinas PUC-MG – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais UEM-PR – Universidade Estadual de Maringá UEMG – Universidade Estadual de Minas Gerais
Uerj – Universidade do Estado do Rio de Janeiro Uesc-BA – Universidade Estadual de Santa Cruz UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UnB-DF – Universidade de Brasília Unicamp-SP – Universidade Estadual de Campinas Unifesp – Universidade Federal de São Paulo UPF-RS – Universidade de Passo Fundo
Créditos complementares de textos p. 35 Texto 4: Copyright (1963) by Mangione, Filhos & Cia Ltda.
p. 162 © by Luis Fernando Verissimo
Todos os direitos autorais reservados para todos os países do mundo. All rights reserved for all countries of the word. Grapiuna Produções/Copyrights Consultoria p. 48 © by herdeiros de Moacyr Scliar p. 67 Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond. www.calosdrummond.com.br p. 67 Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond. www.calosdrummond.com.br p. 80 © Lygia Fagundes Teles p. 158 Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond. www.calosdrummond.com.br
p. 174 © by Luis Fernando Verissimo p. 175 © Elena Quintana p. 185 © by Rubem Fonseca p. 214 © Elena Quintana p. 219 “Brasileira descobre ‘orfanato’ de estrelas”, de Rafael Garcia,
Folha de S.Paulo, 9.1.2008. Fornecido pela Folhapress. p. 259 Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond
www.calosdrummond.com.br p. 260 © by Joan A. Mendes Campos.
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