Habitar São Paulo: reflexões sobre a gestão urbana Nabil Bonduki Thatiane Barella
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Habitar São Paulo: reflexões sobre a gestão urbana ± Nabil Bonduki 1 Thatiane Barella2
1.
Uma nova política polít ica habitacional habitacion al
Para enfrentar a questão urbana, onde o Estado tem orientado a atuação do poder público sobre as cidades, necessita-se de uma postura baseada:
y
Na descentralização, parceria popular, parceria com ONGs, respeito ao meio ambiente e a busca do direito à cidade, uma vez que visam construir cidades menos desiguais e mais humanas. (pag 17)
y
Miséria, violência, degradação ambiental, precariedade habitacional, inexistência de saneamento, carência de transporte coletivo (são problemas gerados pela ordem estrutural e se mostram insalubres enquanto politica econômica excludente, pois geram maiores índices de desemprego, desigualdade social e não estimulo ao investimento produtivo).
No Brasil, existem grandes números de iniciativas implementadas pelas prefeituras, ONGs, movimentos sociais e institutos de pesquisa, que apresentam respostas concretas e objetivas a esses problemas. Mas tais programas ³permanecem ocultos aos olhos dos chamados formuladores de opinião, perdidos no tecido labiríntico da cidade real, e seus resultados, embora significativos
para
a
população
diretamente
atendida,
muitas
vezes
desaparecem nos mares de carência social´. (18)
Há ³uma nova fase nas Politicas Públicas urbanas, que se contrapõe ao modelo de gestão das cidades - Central-desenvolvimentista ±esboçado no país a partir do 1º governo Vargas (1930-1945) consolidando-se durante o regime militar (1964-1985), mais ainda, marcando fortemente a ação do poder público nas cidades do país´. (19) 1 2
Fichamento Fichamento do l ivro Assistente Social. Graduada em Serviço Social pela Universidade Nove de Julho.
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O modelo central-desenvolvimentista
Foi
um
modelo
consolidado
e
intensificado
no
processo
de
urbanização, gerando crescimento econômico e desigualdade, devido a baixa remuneração, pós-64, ocasionando os problemas urbanos.
Este modelo caracteriza-se pela ³crença de que o desenvolvimento e o crescimento a qualquer custo seriam sempre positivos e que a centralização de poderes no Estado para intervir sobre a cidade traria as soluções adequadas para resolver seus problemas´. (20)
Assim, o modelo é marcado por:
y
Autoritarismo;
y
Centralização da gestão;
y
Ausência de participação dos usuários e da sociedade;
y
Desrespeito ao meio ambiente e ao patrimônio cultural;
y
Desarticulação das políticas setoriais;
y
Priorização do transporte individual;
y
Preferencia pelas grandes obras canalizando recursos públicos e;
y
Priorização para setores de maior renda nos financiamentos habitacionais.
Por esta razão, o SFH ± por intermédio do BNH ± financiou a produção de 4,5 milhões de moradias. Assim, o BNH ³difundiu um tipo de intervenção urbana que foi dotado em quase todas as cidades do país´. (21)
Essas moradias, entretanto, caracterizavam-se por:
y
Monotonia de sua arquitetura;
y
Ausência de relação com o entorno;
y
Localização periférica, atendida horizontalmente;
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Despreocupação com a qualidade dos projetos e com o meio físico, resultando depredação ambiental;
y
Negação dos processos de participação comunitária, preferindo uma gestão centralizada e;
y
Contratação de empreiteiras, entregando moradias próprias prontas.
Por este modelo de política habitacional e no equilíbrio financeiro do sistema, acabou por excluir parcelas da demanda que não dispunham de renda mínima para ter acesso ao programa. Desta forma, o BNH reduziu o custo da moradia, em vez de alterara o processo de gestão e produção, reduzindo também ³a qualidade da construção e tamanho da unidade, edificando moradias cada vez menores, mais precárias e distantes´. (23)
Esse quadro de escassez de oferta habitacional provocou ³o crescimento das ocupações de terra e da favelização e abertura generalizada de loteamentos irregulares, ou clandestinos´. (23)
Para o modelo central-desenvolvimentista, esta situação ³deveria ser substituído por um modelo de produção formal, que, entretanto, demandaria uma quantidade de recursos indisponível para o poder público, [e por isso] ações para integra-la e melhorar a qualidade de vida de seus moradores [perpetua] as péssimas condições habitacionais ali existentes´. (24)
-
Postura ambiental-participativa
A postura ambiental-participativa caracteriza-se por:
y
Gestão descentralizada e democrática, com ênfase no papel do poder local e na articulação das políticas setoriais. Permite que as prefeituras elaborem suas próprias intervenções, devido a participação do Estado estar cada vez menor.
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Criação de espaços institucionais de participação popular, como conselhos de gestão urbana, fórum de habitação e participação dos cidadãos nas decisões sobre as prioridades de governo com a elaboração do orçamento participativo e acompanhamento de execução orçamentaria.
y
Inversão de prioridades para garantir o direito à habitação e à cidade.
y
Parceria entre o poder público e ONG para o desenvolvimento de programas e projetos por meio do estimulo a processos de autogestão e de co-gestão na produção de habit e de geração de emprego e renda.
y
Busca de barateamento da produção habitacional por novas formas de gestão, produção e pelo financiamento direto para o usuário final e reconhecimento da cidade real, por meio de regularização fundiária e urbanização das áreas ocupadas espontaneamente.
y
Compatibilização
entre
preservação
do
meio
ambiente
e
implantação de projetos urbanos, produção habitacional e recuperação ambiental de áreas de preservação já ocupadas. y
Busca de reaproveitamento visando à preservação ambiental e sua reutilização em programas públicos.
y
Prioridade para o transporte coletivo e a segurança no trafego.
A
auto-gestão na produção de habitação: um programa de qualidade e baixo custo
- Antecedentes:
do BNH às formas alternativas de produção de moradia
Nos anos 60, os ³organismos internacionais de financiamento, preocupados com o avanço do comunismo´ vêm propondo a incorporação da autoconstrução e de mutirões ³como forma de reduzir o custo unitário da casa
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popular e assim, viabilizar os financiamentos habitacionais à população de baixa renda´. (37)
Em 70, o BNH passou a financiar tais programas. Entretanto, foi quando se configurou a crise do SFH, novas alternativas de produção de moradia passaram a ser consideradas com seriedade pelo poder público. E em 75, o BNH lançou a Profilurb ± Programa de Financiamentos de Lotes Urbanos para Autoconstrução.
Em 1980, com a plena crise econômica, econômica, a estratégia da autoconstrução passou a ser considerada como uma alternativa para intervir na questão. No entanto, essa ação visava apenas o barateamento da moradia, sem preocuparse com a qualidade de moradia.
-
O papel dos movimentos de moradia e das assessorias técnicas na
formulação de uma nova política pública inovadora
Para a elaboração da política pública inovadora levou quase 10 anos ± investigando, refletindo, propondo e lutando ± e, assim, foram se articulando e propondo alternativas. E, entre 1980 e 1983, houve um quadro de revolta em relação à política habitacional implantado pelo BNH. Por esta razão, alguns movimentos ± opunham-se à politica habitacional vigente ± passaram a defender propostas que contemplam o mutirão e a autogestão.
Mas, ³as administrações faziam o possível para ignorar as propostas de autogestão, uma vez que as autoridades não concebiam a participação popular para além da sua contribuição na construção, como mão-de-obra´. (40)
Nos anos compreendidos entre 1984 e 1988 foram implantados empreendimentos habitacionais, ou seja, o mutirão autogerido. A luta era fazer com que a Prefeitura ou o governo assumissem seu papel como agente financiador.
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- A
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autogestão vira política pública
O desafio do mutirão de autogestão era mostrar que poderia ³garantir uma produção maciça de moradias, a baixo custo e em prazos curtos´. (40) Nos anos 80, essa proposta não foi para frente devido à falta de apoio do poder público. E, somente em 1989, foi possível priorizar os setores sociais e inovar no que se refere à política pública.
Assim, foram criados:
y
Funaps
comunitário
Habitacionais
em
±
Programa
mutirão
e
de
Construção
autogestão
de
Unidades
(implementado
pela
Superintendência da Habitação Popular ± Habi); y
Programa de desapropriação de terras;
y
Programa de produção de unidades habitacionais novas;
y
Programa de urbanização e regularização fundiária em favelas; e,
y
Programa de intervenção em habitações coletivas.
Desta
maneira,
os
mutirões
autogeridos
apresentam
melhores
resultados em termos de qualidade, custo e participação popular.
- As
y
vantagens da autogestão
Recursos para ela mesma contratar e remunerar a assessoria técnica e poder controlar seu desempenho.
Resultados dessa assessoria: y
Racionalização do canteiro, elevando a produtividade;
y
Implantação de pequenas usinas;
y
Novas tipologias arquitetônicas;
y
Adequação do sistema construtivo.
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10%do financiamento para custear a mão-de-obra podendo contar com profissionais da construção civil;
y
4% para montagem do canteiro de obra;
y
Construção de galpões para instalação desses canteiros;
y
Compra de materiais de construção; e,
y
Eliminação do beneficio e despesas indiretas.
- As
operações interligadas como instrumentos de captação dos recursos
para a habitação social
A Lei nº 10.209 de 9 de dezembro de 1986, instituiu as operações interligadas, cujo objetivo era a descaracterização do zoneamento e a intenção intenção de eliminar as favelas situadas nas áreas nobres.
As Operações Interligadas atendia ao interessa das empresas, pois ³possibilitavam alterações pontuais nas restrições à ocupação do solo e nos coeficientes de aproveitamento sem tornar necessárias mudanças gerais no zoneamento, [e porque] criavam uma forma concreta de remover favelas incomodas, [devido] sua localização em áreas valorizadas da cidade´. (57)
E,
³A administração de Jânio Quadros abriu processos de reintegração de posse de milhares de favelados que ocupavam terrenos públicos. O despejo das favelas resistiu, devido à sociedade organizada e a oposição dos técnicos efetivos do próprio órgão responsável pelo enfraquecimento do problema´. (58)
E mais,
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³encontrar instrumentos capazes de gerar recursos que possibilitassem a remoção de favelados [...] sem onerar os recursos do orçamento municipal [...] era essencial para colocar em pratica os objetivos segregadores da administração janista´. (58)
Por esta razão, as alterações ficavam restritas aos terrenos ocupados nas favelas que seriam removidas, pois ³a lei estipulava que os proprietários deveriam se responsabilizar pela construção das casas destinadas a remoção dos favelados e que apenas após a obtenção do habite-se dessas casas seria liberado o habite-se da construção beneficiada pela alteração do zoneamento´. (60)
³Assim, para superar essa dificuldade e viabilizar as ocupações, o prefeito JQ assina o Decreto nº 26.913, de 16/09/88, onde faculta aos interessados contratar o Funaps para construir as casas destinadas aos favelados. Esse decreto foi proposto, basicamente, para atender aos interesses dos empresários´. (60)
- A
operacionalização da Lei do Desfavelamento
Esta operacionalização ocorreu em varias etapas ± as quais retardaram a sua aprovação. A saber:
y
Publicação de um edital das condições para a proposição de operações;
y
Analise da proposta do ponto de vista urbanístico ± pela equipe técnica da Sempla;
y
Avaliação da valorização do imóvel; e,
y
Porcentagem a ser pago pelo promotor para a Prefeitura.
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Entretanto, para o Partido dos Trabalhadores, ³a política correta seria a urbanização das favelas e nunca sua remoção, sempre visto como uma forma de segregar a pobreza para liberar as áreas nobres da cidade para a elite e a especulação imobiliária´. (62)
Assim, o PT tomou as seguintes medidas:
y
Reviram as operações cuja aprovação tinha sido polemica;
y
Transformou o instrumento para obtenção de recursos a fim de implementar a política habitacional do município.
Desta forma, o novo projeto previa:
y
Os recursos obtidos com as alterações dos índices urbanísticos e de características de uso e ocupação do solo poderiam ser utilizados numa gama variada de programas habitacionais;
y
Não seriam aceitas propostas de alterar as zonas de uso Z1, 9, 14, 15, 16, 8-100, 8-CR1, Z8-CR2 e nas áreas de proteção dos mananciais;
y
As contrapartidas a serem pagas pelo beneficiário não poderiam ser inferiores a 60% da valorização obtida.
Mas, este projeto não foi aprovado, por ser considerado ³um novo balcão de negócios´, continuando em vigor a Lei anterior. E, assim, o desfavelamento tornou-se um instrumento auxiliar da política habitacional, pelas seguintes ações:
y
Transformação de favelas muito densas e bem localizadas em conjuntos habitacionais de excelente qualidade;
y
Remoção de parte da população moradora em favelas de grande dimensão;
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Desfavelamento e remoção integral de núcleos situados em áreas de risco de vida, regiões improprias à urbanização ou em áreas necessárias à realização de obras públicas de real interesse para a cidade.
-
Os resultados: as operações interligadas como instrumento para
financiar a política habitacional
Entre 1988 e 19922, o país viveu ³uma grave crise econômica e política [...], com destaque para a conjuntura gerada pelo governo Fernando Collor de Mello, com o confisco da poupança, restringindo agudamente os investimentos na promoção imobiliária e, em consequência, as oportunidades da proposição de Operações Interligadas´. (66)
³Ressalvado
essa
conjuntura,
pode-se
afirmar
com
segurança que os resultados obtidos demonstram a potencialidade do instrumento e, de um modo geral, enorme capacidade do mercado imobiliário como fonte de obtenção de recursos para financiar não só a política habitacional do município como outros programas de desenvolvimento urbano e social´. (66)
E,
³Apenar do limitado numero de operações que chegaram ao final do processo, as 47 propostas [...] geraram recursos de ordem de aproximadamente 31 milhões de dólares, equivalente à construção de 3.881 his no padrão definido pela CNLV´. (67)
Portanto, ³verifica-se que o instrumento somado à competência, vontade política, compromisso com o interesse público e honestidade, influenciam na correta utilização dos recursos obtidos no processo imobiliário´. (69)
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Construção, desmonte e resistência: o empenho em viabilizar
uma nova política habitacional
No ano de 1983, o Funaps ³passou a financiar material de construção com grande subsidio [...] recebendo recursos que não exigem retorno financeiro [...] permitindo, assim, atender famílias de renda baixa´. (103)
Com a criação do Funaps Comunitário, possibilitou a participação popular na gestão; e assim, dividiu o poder e as responsabilidades da administração pública com a sociedade organizada.
Já o mutirão autogerido constitui uma forma de superar a baixa produtividade e o atraso tecnológico, ganhando em custo, tempo e qualidade.
Assim, a política habitacional municipal passa a reconhecer a importância de se construir conjuntos habitacionais com boa arquitetura e baixo custo. No entanto, a Habi se preocupa com: ³a inovação das tipologias, a implantação de conjuntos respeitando o meio físico, a busca de soluções para romper coma uniformidade e a pobreza arquitetônica e urbanística dos conjuntos. A elaboração de padrões do desenho urbano mais compatíveis com a habitação de interesse social´. (104)
Por esta razão, faz-se necessário ações que garantam o direito à terra: ³regularização
fundiária
das
favelas,
desapropriação
de
terrenos
para
implantação de moradias, apoio a entidades de assistência jurídica à população´. (109)