FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
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Funda undame ment ntos os da elet eletro roco conv nvul ulso sote tera rapi pia a [rec [recur urso so elet eletrô rôni nico co]] / Organizadores, Moacyr Moacyr Alexandro Rosa, Rosa, Marina Odebrecht Odebrecht Rosa. – Porto Alegre : Artmed, 2015. Editado também como livro impresso em 2015. ISBN 978-85-8271-147-7 1. Psiquiatria. 2. Eletroconvulsoterapia. I. Rosa, Moacyr Alexandro. II. II. Rosa, Marina Odebrecht. Odebrecht. CDU 615.869 Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094
Moacyr Alexandro Rosa Marina Odebrecht Rosa Organizadores
FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
Versão impressa desta obra: 2015
2015
© Artmed Editora Ltda., 2015 Gerente editorial: Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição: Coordenadora editorial: Cláudia Bittencourt Editora: Mirela Favaretto Preparação de originais: Ivaniza Oschelski de Souza Leitura final: Maísa Lopes Capa: Maurício Pamplona Imagem da capa: Shutterstock/128576252 Projeto e editoração: TIPOS – design editorial e fotografia
Nota
A medicina é uma ciência em constante evolução. À medida que novas pesquisas e a experiência clínica ampliam o nosso conhecimento, são necessárias modificações no tratamento e na farmacoterapia. Os autores desta obra consultaram as fontes consideradas confiáveis, em um esforço para oferecer informações completas e, geralmente, de acordo com os padrões aceitos à época da publicação. Entretanto, tendo em vista a possibilidade de falha humana ou de alterações nas ciências médicas, os leitores devem confirmar estas infor mações com outras fontes. Por exemplo, e em particular, os leitores são aconselhados a conferir a bula de qualquer medicamento que pretendam administrar, para se certificar de que a informação contida neste livro está correta e de que não houve alteração na dose recomendada nem nas contraindicações para o seu uso. Essa recomendação é particularmente importante em relação a medicamentos novos ou raramente usados.
Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 – Porto Alegre, RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 – Pavilhão 5 Cond. Espace Center – Vila Anastácio 05095-035 – São Paulo – SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br
AUTORES
MOACYR ALEXANDRO ROSA . Psiquiatra. Mestre e Doutor em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutor em Neuromodulação pela Universidade de Colúmbia. Professor Afiliado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Fundador e Diretor do Instituto de Pesquisas Avançadas em Neuroestimulação (IPAN). MARINA ODEBRECHT ROSA . Psiquiatra. Mestre em Psiquiatria pela USP. Pósdoutora em Neuromodulação pela Universidade de Colúmbia. Fundadora e Diretora do IPAN. BRUNO PAZ MOSQUEIRO . Psiquiatra. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica. Mestrando em Psiquiatria no Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). FERNANDA LUCIA CAPITANIO BAEZA . Psiquiatra. Doutoranda em Psiquiatria no Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria da UFRGS. FLAVIA SALLES DE SOUZA . Anestesiologista. Mestre em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. GIORDANO ESTEVÃO . Psiquiatra. Diretor do Serviço de Psiquiatria do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) de São Paulo. GUILHERME LOZI ABDO . Psiquiatra. Especialista em Eletroconvulsoterapia e em Estimulação Magnética Transcraniana de Repetição pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. Médico colaborador do Programa de Doenças Afetivas (Prodaf) da Unifesp. Membro do IPAN.
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AUTORES
JOSÉ EDUARDO SANT’ANNA PORTO . Psiquiatra. Fellowship em Eletroconvulsoterapia pela Universidade de Colúmbia. Encarregado no Serviço de Psiquiatria do HSPE de São Paulo. JULIETA MEJIA GUEVARA . Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria do Trabalho pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Mestre em Neurociências pelo Instituto de Altos Estudios Universitarios (IAEU), pela Universidade de Barcelona. Certificação em Métodos Biológicos, Eletroconvulsoterapia pela Universidade de Nova York (NYU) e Estimulação Magnética Transcraniana pela Universidade de Harvard. LIGIA A. S. T. MATHIAS . Anestesiologista. Mestre em Farmacologia pelo Instituto de Ciências Médicas da USP (ICB-USP). Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP. Professora Adjunta de Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. MARCELO PIO DE ALMEIDA FLECK . Psiquiatra. Mestre e Doutor em Clínica Médica pela UFRGS. Professor Associado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). MARCO AURÉLIO BUZETTI ANDRADE . Psiquiatra. Especialista em Estimulação Magnética Transcraniana e Eletroconvulsoterapia pela Universidade de Colúmbia. MAURÍCIO VIOTTI DAKER . Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria Geriátrica e em Medicina do Sono pela ABP e pela Associação Médica Brasileira (AMB). Doutor em Medicina: Psiquiatria pela Universidade de Heidelberg. Professor Associado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). MAURO FERNANDO MUMIC FERREIRA . Médico. Especialista em Cardiologia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Membro consultor do Corpo Clínico do Hospital Felício Rocho. MERCÊDES ALVES . Médica. Especialista em Psiquiatria pela ABP/AMB. Membro da Comissão de Neuromodulação da ABP.
AGRADECIMENTOS
Dedicamos esta obra a João Guilherme e Gabriel, que são a materialização perfeita de um amor infinito. Deus quer, o homem sonha, a obra nasce (Fernando Pessoa). Sonhamos com este livro e provavelmente Deus quis, pois a obra finalmente nasceu. Contudo, não bastou sonhar (e rezar). Foi necessário muito esforço e, obviamente, a ajuda de muitas pessoas para a sua realização. Certamente cometeremos injustiças omitindo nomes importantes por culpa da nossa falível memória. Agradecemos primeiro aos nossos colaboradores, especialistas renomados que enriqueceram de forma inestimável o conteúdo técnico-científico do livro. Agradecemos também a Sra. Jussara Reis, que teve paciência e competência infinitas para organizar nossas vidas pessoais e profissionais de forma que dispuséssemos de tempo extra para este trabalho sem prejuízo do contato familiar ou do atendimento aos pacientes. Agradecemos ao Dr. Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, pelo apoio incondicional à publicação desta obra. Também agradecemos aos mestres que nos iniciaram no conhecimento da eletroconvulsoterapia, especialmente o professor Giordano Estêvão (colaborador da obra) e o professor Marcelo Feijó de Mello, bem como aos nossos mentores, Dra. Sarah Lisanby, Dr. Harold Sackeim, Dra. Joan Prudic, Prof. Angel Peterchev, Dr. Richard Weiner e Dr. Max Fink. Agradecemos ao Dr. Vaughn McCall, editor do Journal of ECT , pelo apoio e pela amizade. Agradecemos especialmente ao Prof. José Alberto del Porto, modelo exemplar de pesquisador, professor e médico, autoridade respeitável e grande defensor da eletroconvulsoterapia no Brasil.
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AGRADECIMENTOS
Por fim, agradecemos aos nossos pacientes, sem os quais nosso trabalho não teria sentido. É por meio deles que aprendemos e ganhamos experiência e é para ajudá-los que aperfeiçoamos a técnica cada vez mais. Graças a isso mais pessoas poderão se beneficiar dessa modalidade de tratamento. OS ORGANIZADORES
APRESENTAÇÃO
Neste momento em que a psiquiatria está vivendo uma grande fase na luta contra o estigma e o preconceito com relação às doenças mentais, às formas de tratamento e até em relação aos próprios psiquiatras, o Prof. Moacyr Rosa e a Dra. Marina Rosa nos brindam com esta importante obra sobre um tema tão polêmico em nossa sociedade. A eletroconvulsoterapia (ECT) é o tratamento mais antigo ainda em uso na psiquiatria devido a sua resolutividade e eficácia, conforme preconizado pelo próprio Ministério da Saúde do Brasil em seu manual sobre Suicídio. Continua, entretanto, cercada de desinformação e preconceito. Os autores conseguiram, com a participação de um valoroso grupo de colaboradores, editar uma obra organizada, didática, esclarecedora, técnica e prática. Dividido em 10 capítulos, o livro conta com uma equipe de especialistas com anos de pesquisa e prática, e aborda desde as bases históricas até os benefícios na qualidade de vida do paciente após a ECT, passando pelos fundamentos técnicos, pelas indicações e contraindicações. Esta obra é, hoje, sem dúvida alguma, a mais atualizada sobre o tema editada em língua portuguesa e vem preencher um importantíssimo espaço, até hoje vazio, em nossa literatura médica. O livro servirá de auxílio aos especialistas que realizam o tratamento com ECT e também àqueles que poderão vir a indicar o tratamento, pois foi escrito pensando nos médicos de todas as especialidades, principalmente psiquiatras e neurologistas, bem como nos estudantes de medicina. Todos se beneficiarão muito com a leitura desta obra, que tem o objetivo de esclarecer e ensinar por que e quando usar a ECT. Boa leitura! ANTÔNIO GERALDO DA SILVA Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
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PREFÁCIO
Livrando-nos das vicissitudes de modas e entusiasmos passageiros, o conhecimento da História permite-nos avaliar as terapêuticas que marcaram a evolução da Medicina. Oitenta anos se passaram desde que Ladislas von Meduna, em Budapeste, empregou pela primeira vez a convulsoterapia para tratar um paciente psiquiátrico. Quatro anos depois, em 1938, Ugo Cerletti e Lucio Bini, na Itália, empregaram a corrente elétrica para induzir as convulsões terapêuticas de maneira mais segura e sem os inconvenientes das substâncias químicas até então empregadas (a exemplo do cardiazol). A experiência clínica, aliada a numerosas metanálises, continua comprovando a excelente eficácia da eletroconvulsoterapia (ECT) para uma gama de transtornos psiquiátricos, a exemplo das depressões, do transtorno bipolar, das catatonias, de certas formas da esquizofrenia, entre outras condições neurológicas e psiquiátricas. O interesse pela eletroconvulsoterapia, nas últimas décadas, vem se somar aos avanços na área da neuromodulação, mais abrangente, que inclui a estimulação cerebral profunda (DBS, ou deep brain stimulation), a estimulação magnética transcraniana (TMS, ou transcranial magnetic stimulation), a estimulação transcraniana por corrente contínua, a magnetoconvulsoterapia, para citar apenas os mais conhecidos dentre os métodos emergentes. A neuromodulação, cuja pedra angular continua sendo a eletroconvulsoterapia, encontra-se na ordem do dia e tem suscitado a publicação de um número cada vez maior de artigos científicos, na fronteira entre as neurociências, a neurologia e a psiquiatria. Chega-nos assim, em boa hora, o livro a respeito da eletroconvulsoterapia organizado e editado pelo Prof. Moacyr Rosa e pela Dra. Marina Rosa, que contou com excelentes colaboradores. O livro aborda, de forma igualmente profunda e didática, as bases fisiológicas e os fundamentos da eletricidade necessários para a compreensão do método, para chegar à técnica da aplicação
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PREFÁCIO
e às indicações clínicas da ECT. Com cuidado, são consideradas a populações especiais (gestantes, idosos, portadores de comorbidades clínicas) e os efeitos sobre a cognição. Muito bem abordadas estão as inovações técnicas (entre elas a utilização unilateral de pulsos ultrabreves), que permitem preservar a eficácia ao mesmo tempo em que minimizam certos efeitos colaterais. A abordagem científica da ECT e o estudo do seu impacto sobre a evolução dos pacientes, aliado à melhoria de sua qualidade de vida, fazem parecer muito longínquos os ecos da chamada “antipsiquiatria”, que tanto prejudicou o debate objetivo a respeito do método. De fato, como este livro demonstra, a substituição dos preconceitos ideológicos pela análise científica já é realidade. Cumpre ainda disseminar os conhecimentos existentes para que o estigma preconceituoso já não prive os pacientes dos benefícios da eletroconvulsoterapia. JOSÉ ALBERTO DEL PORTO Professor Titular Departamento de Psiquiatria Escola Paulista de Medicina Universidade Federal de São Paulo
SUMÁRIO
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BASES HISTÓRICAS
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Moacyr Alexandro Rosa Marina Odebrecht Rosa
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BASES FÍSICAS
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Moacyr Alexandro Rosa Marina Odebrecht Rosa
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FUNDAMENTOS TÉCNICOS
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Moacyr Alexandro Rosa Marina Odebrecht Rosa
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INDICAÇÕES E EFICÁCIA
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Guilherme Lozi Abdo Marco Aurélio Buzetti Andrade
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RISCOS E CONTRAINDICAÇÕES DA ELETROCONVULSOTERAPIA
95
Mercêdes Alves Mauro Fernando Mumic Ferreira Maurício Viotti Daker
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ANESTESIA E RELAXAMENTO MUSCULAR
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Flavia Salles de Souza Ligia A. S. T. Mathias
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ELETROCONVULSOTERAPIA EM POPULAÇÕES ESPECIAIS Marco Aurélio Buzetti Andrade Guilherme Lozi Abdo
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SUMÁRIO
ELETROCONVULSOTERAPIA E FUNCIONAMENTO COGNITIVO CEREBRAL
143
Julieta Mejia Guevara
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TEORIAS SOBRE O MECANISMO DE AÇÃO
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Giordano Estevão José Eduardo Sant’Anna Porto
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QUALIDADE DE VIDA E ELETROCONVULSOTERAPIA
171
Bruno Paz Mosqueiro Fernanda Lucia Capitanio Baeza Marcelo Pio de Almeida Fleck
ÍNDICE
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CAPÍTULO
1
BASES HISTÓRICAS Moacyr Alexandro Rosa Marina Odebrecht Rosa
Não é nosso dever defender as terapias de choque, mas é nosso dever aliviar o sofrimento dos doentes mentais. (Ugo Cerletti)
SURGE A CONVULSOTERAPIA “Doutor Meduna!”, chamou o paciente com um sorriso nos lábios. “Como você sabe o meu nome?”, respondeu o médico. “Ah, eu ouvi tudo enquanto estava doente”, respondeu o paciente. “Ouvi seus colegas dizendo que fariam algum tipo de experimento maluco. O senhor fez?” Meduna ficou silencioso pensando que “não podia mentir e era muito cedo para dizer a verdade.” 1 O referido paciente chamava-se Zoltan L. e esteve em estupor catatônico por quatro anos. Foi o primeiro paciente na história da medicina moderna a se beneficiar do novo tratamento desenvolvido por Ladislas (ou Lazlo) Meduna, que consistia na injeção intramuscular de cânfora para induzir crises convulsivas.2 A eletroconvulsoterapia (ECT) é um dos capítulos do uso da eletricidade na medicina, mas tem uma ligação mais próxima com o desenvolvimento de tratamentos conhecidos na psiquiatria como “biológicos”. Três abordagens, todas desenvolvidas em Viena, podem ser consideradas como as predecessoras da convulsoterapia: a febre malárica (criada por Julius Wagner-Jauregg), a sonoterapia (criada por Jakob Klaesi) e o coma insulínico (criado por Manfred Sakel). Apesar de abandonadas na atualidade e até consideradas muito agressivas para a visão moderna, as abordagens abriram caminho para o desenvolvimento de tratamentos para transtornos até então considerados incuráveis.3
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A primeira técnica consistia na injeção de sangue de pacientes portadores de malária em pacientes portadores de neurolues (sífilis com comprometimento do sistema nervoso central). Baseava-se no fato conhecido de que sifilíticos que apresentavam episódios febris tinham uma melhora no quadro clínico. Depois de desenvolver alguns quadros febris, os pacientes eram tratados com medicação antimalárica. Essa abordagem foi abandonada por completo após o surgimento da penicilina, mas teve o grande mérito de demonstrar que uma doença mental tinha uma origem cerebral (coisa que já era amplamente aceita) e que podia ter o seu curso modificado com uma intervenção. Com isso, Jauregg recebeu o prêmio Nobel de 1927.3 A segunda técnica, a sonoterapia, desenvolvida por Klaesi – ele mesmo fora diagnosticado com psicose maníaco-depressiva – consistia no uso de barbitúricos para induzir o sono nos pacientes, sono este que podia durar de um até 10 dias, tempo suficiente para quebrar as “defesas” e torná-los receptivos à psicanálise. Muitos indivíduos desenvolviam pneumonias devido ao longo tempo em decúbito associado à inibição dos centros respiratórios pelos barbitúricos. Um de cada 20 pacientes morria. Por fim, a técnica do coma induzido por injeções de insulina, que rendeu a Sakel várias nomeações ao prêmio Nobel (que nunca recebeu),4 além de grande notoriedade e riqueza financeira ainda em vida. A insulina, hormônio descoberto em 1922 na Universidade de Toronto, e com óbvia aplicação no tratamento do diabetes, foi utilizada inicialmente na psiquiatria para estimular o apetite de pessoas subnutridas. Foi também utilizada para tratar pacientes com delirium tremens por Edith Klemperer, em 1926 (na Universidade de Viena, sob a direção de Wagner-Jauregg). Para o tratamento de quadros psicóticos houve alguns relatos como, por exemplo, na Universidade de Budapeste por Dezsö Miskolczy e Julius Schuster (este último até mesmo quis se apoderar do mérito de criador do método do coma insulínico atribuído a Sakel). Também Hans Steck, em um hospital em Lausanne-Céry, testou o método. Ao que parece, todos os que testaram a insulina tinham receio de deixar os pacientes chegarem a comas profundos ou prolongados e de que desenvolvessem convulsões, mas notaram mudanças comportamentais que fundamentaram a ideia de Sakel. Ele inicialmente utilizou insulina em viciados em heroína. Um de seus pacientes era também esquizofrênico e caiu em um coma hipoglicêmico, melhorando seus sintomas depois de retornar com a injeção de glicose (no ano de 1927). Em 1934, um homem de 46 anos de idade foi admitido na clínica psiquiátrica de Viena e diagnosticado com esquizofrenia. Sakel tentou a nova abordagem por ele vislumbrada e que consistia na repetição de injeções de insulina até a indução do “choque” insulínico, ou seja, uma intensa reação hipoglicêmica com sonolência e coma com sudorese. Na terceira semana de tratamento, o paciente apresentou uma crise convulsiva generalizada que foi terminada com injeção de glicose. As sessões continuaram até completarem quatro semanas, quando o paciente
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foi julgado normal, com crítica de sua doença, recebendo alta do hospital. O título do seu primeiro relato foi “o tratamento da esquizofrenia com insulina bem como com choque hipoglicêmico”. Existe uma controvérsia em relação às convulsões; Sakel classificava os comas em “choques molhados” (com sudorese intensa) e “choques secos” (que apresentavam convulsões) e, posteriormente, atribuiu a si mesmo a criação da convulsoterapia. Contudo, seu método não tinha a convulsão como finalidade e esta era considerada uma complicação. Das três técnicas citadas, a insulinoterapia foi a de maior impacto e importância, pois se propunha a tratar a esquizofrenia, uma doença considerada incurável até aquele momento. Personalidades famosas, como Vaslav Nijinsky (diagnosticado com esquizofrenia pelo próprio Eugen Bleuler), foram tratadas por Sakel. Sua técnica se espalhou por toda a Europa e Estados Unidos (Sakel mudou-se em setembro de 1937 para Nova York, onde morou até sua morte, em 1957).2 A convulsoterapia “moderna” surgiu de fato com Ladislas (ou Lazlo) J. Meduna, um médico e pesquisador húngaro com formação em neuropatologia e psiquiatria. 1 Aos 26 anos, recém-formado em medicina, conseguiu um emprego como pesquisador, trabalhando para Karl Schaffer, então diretor do instituto de pesquisa de Budapeste. Seu primeiro interesse foi a glândula pineal, na época uma misteriosa formação anatômica no meio do encéfalo. Após dois anos de trabalho tedioso e tenaz, publicou seu primeiro artigo sobre “a evolução da glândula pineal em crianças”. Entre 1923 e 1930 estudou alterações neuropatológicas em animais de laboratório com deficiência de vitamina B e com envenenamento por chumbo. Em 1927, descreveu alterações patológicas na micróglia em inanição, encefalite, raiva, deficiência de vitamina B e alta temperatura. Seus achados sobre a glia foram publicados em uma monografia com 79 páginas e impressionaram seu diretor, o professor Schaffer. Este assumiu, em 1927, a direção do Instituto de Psiquiatria do hospital universitário e levou com ele seus pupilos, incluindo Meduna. A partir de então, Meduna começou a sua formação em psiquiatria clínica. Em sua humildade, ele mesmo refere que, naquela época, era incapaz de reconhecer um paciente com esquizofrenia. Contudo, o novo diretor tinha uma postura mais arrogante e aconselhava os seus alunos a “olhar com caridade cristã para aqueles que queriam estudar psiquiatria sem antes ter estudado o cérebro”. Após um ano examinando e descrevendo centenas de pacientes hospitalizados, Meduna começou a atender no ambulatório e, depois de seis meses, tornou-se o chefe do setor. Nessa época, tinha pouco tempo para se dedicar a sua paixão: o cérebro. Fazia seus estudos e suas pesquisas à noite e, certamente estimulado pelo seu trabalho clínico, passou a interessar-se pelos cérebros dos pacientes que apresentavam dois dos transtornos mais comumente atendidos pelos psiquiatras: a esquizofrenia e a epilepsia. Observou que a glia (assunto de sua especialidade) dos pacientes com esquizofrenia não apresentava a reação glial às lesões inespecíficas que os neurônios
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sofriam. No caso dos epilépticos, ele notou o contrário, uma reação glial excessiva, como uma espécie de crescimento parasítico da glia. Meduna publicou seus achados de hipofunção da glia na esquizofrenia e hiperfunção na epilepsia em 1932, sem saber que essas observações dariam origem à convulsoterapia. Ele começou, então, a buscar na literatura outras descrições que corroborassem suas observações. O professor Julius Nyirö relatou, em 1929, que cerca de 16% dos pacientes com epilepsia que desenvolvessem esquizofrenia teriam a cura da epilepsia. Ele tentou, inclusive, tratar a epilepsia injetando sangue de pacientes com esquizofrenia, mas abandonou a ideia por não encontrar efeitos positivos. Os dados estatísticos também pareciam fortalecer a ideia de uma contraposição entre as patologias. Meduna cita o relato de Steiner e Strauss, de 1932, de apenas 20 casos de epilepsia em uma população de 6 mil pacientes esquizofrênicos, e do doutor G. Müller, de 1930, sobre o desaparecimento de sintomas esquizofrênicos em indivíduos que desenvolviam ataques epilépticos (“de forma semelhante ao efeito das crises febris maláricas para o tratamento da paralisia geral progressiva”). O suíço Alfred Glaus, em 1931, e o alemão M. Mikorey, em 1935, chegaram a conclusões semelhantes e simplesmente não seguiram a sequência lógica de testar o modelo em animais, coisa que Meduna se propôs a fazer. Várias substâncias foram testadas. A primeira foi a estricnina, depois a tebaína, a coramina, a cafeína, a brucina e o absinto. Nenhuma dessas substâncias pareceu adequada. Meduna encontrou, então, uma monografia do doutor Muskens, que havia utilizado cânfora para a indução de crises epilépticas. Fez testes em animais e a substância pareceu bastante adequada, sendo a dose para indução das crises bem menor do que a dose tóxica/letal. A porta estava aberta para a experimentação em seres humanos. Segundo Meduna, a primeira crise induzida ocorreu em 23 de janeiro de 1934 em um paciente chamado Zoltan L. A instituição escolhida foi o Instituto de Psiquiatria em Budapeste/Lipótmezö, um hospital estadual, 5 e não o hospital universitário, dirigido por Schaffer que, inclusive, não sabia dos experimentos. Contudo, fichas de pacientes daquele hospital6 contradizem o relato de Meduna. Zoltan L. foi, na verdade, o décimo paciente a receber a injeção de cânfora. Na primeira tentativa, feita no dia 2 de janeiro de 1934, Meduna injetou 2 mg de cânfora intramuscular em cinco pacientes e 4 mg em um paciente. Nenhum dos seis teve uma crise neste dia. No dia seguinte, 3 de janeiro, cinco pacientes receberam 4 mg cada e um (Nandor F.) recebeu 8 mg. Neste dia, Nandor F. desenvolveu uma convulsão de 30 segundos e outro paciente chamado Juzsef W. desenvolveu um ataque tardio (uma hora depois da injeção) que durou 40 segundos. Ninguém sabe ao certo porque Meduna omitiu na sua autobiografia esses “testes-piloto” em que, certamente, tentava ajustar a dosagem adequada para a indução segura e eficaz de uma convulsão. Talvez a razão principal foi que Zoltan L. foi o primeiro paciente a apresentar um benefício terapêutico acentuado. Outra
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possibilidade é que as tentativas iniciais foram realizadas de forma discreta, com poucas ou mesmo nenhuma testemunha, pois na primeira sessão oficial ele descreve a presença de médicos e enfermeiros ao seu redor. Mesmo sabendo dos experimentos anteriores, a descrição de Meduna sobre o “primeiro” paciente é comovente:1 Finalmente, em 23 de janeiro de 1934, eu dei a primeira injeção de cânfora a um paciente previamente selecionado, às 10h30min da manhã. Após 45 minutos de espera ansiosa e temerosa, o paciente teve um ataque epiléptico clássico que durou 60 segundos. Durante o período de observação, fui capaz de manter a minha compostura e fazer os exames necessários com calma aparente e de maneira detida. Examinei os seus reflexos, as pupilas dos olhos, e estava pronto para ditar as minhas observações para os médicos e enfermeiras que estavam ao meu redor. Mas quando o ataque terminou e o paciente recuperou a consciência, as minhas pernas falharam. O meu corpo começou a tremer, um profuso suor me encharcou e, como depois me disseram, o meu rosto ficou cinza. Nada aconteceu depois da crise. O paciente continuou em estupor catatônico como antes. Depois de cinco injeções, no dia 10 de fevereiro pela manhã, Zoltan L. levantou da cama, começou a falar, pediu café da manhã, vestiu-se sozinho e não acreditava que estava no hospital há quatro anos. Curiosamente, a sexta injeção não foi capaz de induzir uma convulsão (possivelmente por um aumento do limiar convulsígeno) e ele recaiu em estupor. Com o aumento da dose e mais algumas sessões teve nova melhora. Conta Meduna que, depois de melhorar, ele fugiu do hospital e descobriu sua esposa com um suposto primo que era, na verdade, seu amante. Ele bateu no amante e o pôs para fora de casa e deu uma surra na esposa, dizendo que não queria mais viver em um mundo louco onde essas coisas aconteciam e que ia voltar para o hospital psiquiátrico estadual onde havia paz e honestidade. Ao saber do ocorrido, Meduna o considerou curado e conta que ele permaneceu bem até, pelo menos 1939, quando o médico deixou a Europa. Ao todo, cinco pacientes foram tratados e apresentaram melhora. Meduna sabia que havia desenvolvido algo muito especial e decidiu relatar seus achados para o professor Schaffer, a quem respeitava profundamente. Este teve uma reação assustadora: chamou-o de patife, trapaceiro e desonesto, “todos os maus nomes que conseguiu recordar”, diz Meduna. Como ele ousava dizer que desenvolvera uma cura para a esquizofrenia, uma doença endógena e hereditária? E acrescentou que, caso Meduna publicasse os dados, ele negaria conhecê-lo ou
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que tivesse sido seu discípulo e não deixaria o seu nome ser mencionado na sua presença. Meduna cedeu em parte: “Eu não vou publicar esse artigo, sua excelência, mas vou continuar trabalhando. Concordo que cinco casos não são suficientes para convencê-lo, mas acredito que será convencido por uma casuística maior”. Meduna comentou ainda com certo amargor que “este foi o primeiro choque que recebeu por desenvolver a terapia de choque...” Após 25 casos, conseguiu fazer seu primeiro relato com o aval semicontrariado do professor Schaffer (“você ainda não me convenceu, doutor Meduna”). Decidiu, então, deixar a universidade e continuar seus experimentos no hospital estadual. Graças a acusações de que havia roubado a ideia de Melchior Adam Weickhardt, que havia usado cânfora oral em 1798, na Rússia, ele conseguiu descobrir uma série de relatos anteriores. Leopold von Auenbrugger, o criador do método da percussão para o exame do coração e dos pulmões, por exemplo, havia tratado casos de loucura com cânfora oral a cada duas horas. O doutor William Oliver publicou um artigo intitulado “Account of the Effects of Camphor in a Case of Insanity”. Em resumo, havia muitos relatos esporádicos isolados, mas Meduna foi o primeiro a experimentar a técnica de forma sistemática e com base teórica que explicava o seu uso.7 Com a imagem desgastada em seu próprio país, sua fama fora da Hungria somente crescia. Em 1937, a Sociedade Neuropsiquiátrica da Suíça organizou um encontro internacional para discutir o tratamento da esquizofrenia e Meduna foi o único húngaro convidado. Nesse mesmo encontro, ele recorda um artigo lido por um jovem cientista italiano, que não causou muita impressão por ter sido lido em italiano (por ordem de Mussolini...). O jovem cientista, que se chamava Lucio Bini, conversou em fluente alemão com Meduna depois da palestra. Contou sobre os experimentos que ele e Ugo Cerletti desenvolviam com indução de crises por meio da eletricidade. Perguntou se Meduna achava que isso poderia ser utilizado de forma terapêutica, como as crises químicas, ao que Meduna respondeu: “Não é a cânfora ou o metrazol que curam, mas a convulsão. Se você consegue produzir convulsões com eletricidade, vá em frente!”.1 Meduna migrou para os Estados Unidos em 1939, trabalhando primeiro na Loyola University e depois no Illinois Psychiatric Institute, onde permaneceu até a sua morte, em 1964. Estudou o metabolismo da glicose na esquizofrenia, o conceito de oneirofrenia e desenvolveu a terapia com CO 2 para neuroses. A frase com que termina a autobiografia reflete bem sua postura diante da ciência: Um verdadeiro cientista tem a alma de Fausto, incansável e insaciável. Ele não pode dizer nunca para o momento: fique para sempre, pois você é muito bonito para passar. Cada porta leva para outra sala com inumeráveis portas que têm de ser abertas novamente até que toda a raça com-
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plete o seu destino, o de encontrar descanso apenas quando o último homem inclinar a sua cabeça diante do Eterno. A propósito, antes de sua morte, o professor Schaffer reconheceu o seu erro e fez questão de que Meduna fosse o primeiro a receber o prêmio com seu nome (dado a cada dois anos pela Associação Médica Húngara para o psiquiatra que mais contribuísse para o avanço da psiquiatria).8 CONVULSOTERAPIA ELÉTRICA
Duas personalidades se destacam na história da criação do que veio a ser popularmente conhecido como eletrochoque: Ugo Cerletti e Lucio Bini. Cerletti nasceu em Conegliano Veneto, Itália, em 22 de setembro 1877 e faleceu em 25 de julho de 1963, em Roma, pouco antes de completar 86 anos. Recebeu o diploma de médico em 1901, pela Universidade de Roma. Teve oportunidade de estudar neuropsiquiatria em Heidelberg, com Franz Nissl, e em Munique, com Emil Kraepelin e Aloysius Alzheimer. Ao retornar, estabeleceu um laboratório de anatomia patológica do sistema nervoso em Roma. Depois da Primeira Guerra Mundial trabalhou e fundou laboratórios em Mombello, Affori, Bari e Gênova. Em 1935, convidado a voltar para Roma, foi nomeado diretor da Clínica Neuropsiquiátrica, na qual ficou até aposentar-se, em 1948, e onde permaneceu ativo até 1955. Foi nomeado para o prêmio Nobel de medicina inúmeras vezes e por várias pessoas (em 1943 e consecutivamente em todos os anos de 1947 até 1953).4 Contudo, nunca foi condecorado. Os que o conheceram descrevem-no como uma personalidade fascinante e criativa. “Olhando no microscópio, seus olhos semicerrados brilhavam sob sua prominente sobrancelha [...]. Era como um falcão alto no céu procurando uma presa no chão”, relata Ferdinando Accornero. “Uma pessoa muito brilhante e cheia de ideias” diz Lothar Kalinowsky. Uma dessas ideias resultou na criação da eletroconvulsoterapia (ECT). Durante essa fase histórica e repleta de novos tratamentos para os transtornos mentais, il Maestro, como era chamado por seus assistentes, reuniu uma equipe para estudar essas novas técnicas. Em 1936 foi com Lucio Bini e Lothar Kalinowsky para Viena, onde viram, pela primeira vez, a insulinoterapia e o choque cardiazólico. Cerletti retornou logo para Roma, mas os outros dois médicos permaneceram por vários meses em Viena para aprender as técnicas. Quando voltaram e relataram a Cerletti sobre o cardiazol e a indução de uma crise convulsiva, ele teria comentado: “Por que não usam a eletricidade para induzir as crises?”. Logo a equipe foi montada para estudar o choque cardiazólico e a insulinoterapia. Lucio Bini ficou encarregado de tornar a indução com eletricidade algo seguro para ser usado em seres humanos. E foi o que fez. No ano
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seguinte, Bini conheceu Meduna pessoalmente na Suíça, conforme relatado anteriormente. Bini nasceu em 18 de setembro de 1908 e faleceu em 1964. Ele era bem mais jovem que Cerletti (tinha 30 anos quando ocorreu a invenção da ECT) e foi seu assistente mais próximo. Foi graças ao seu entusiasmo e persistência que a ECT se tornou possível. Foi dele a ideia de estimular apenas o crânio para evitar que a corrente elétrica passasse pelo coração. Ele criou e patenteou o primeiro aparelho comercial de ECT. Não teve o mesmo reconhecimento em vida que Cerletti, apesar de também ter sido nomeado para o prêmio Nobel (bem menos vezes que il Maestro).4 Teve uma carreira modesta de professor e foi o autor principal (com Tullio Bazzi) de um importante tratado de psiquiatria clínica publicado na Itália em 1954. De quem foi o mérito da criação da ECT? Todos que estiveram presentes no início (especialmente Accornero e Kalinowsky),9,10 acreditam que Cerletti e Bini foram ambos coinventores. A ideia do uso da eletricidade para fazer o que Meduna fazia foi mérito de Cerletti, mas tornar essa ideia algo real foi mérito de Bini. Kalinowsky lamenta que Cerletti considerou Bini apenas um técnico e que até tentou denegrir sua reputação e atrapalhou seu progresso acadêmico como professor. Sobre a primeira convulsão induzida eletricamente em seres humanos há um certo mistério e controvérsias. É possível que os relatos sejam confusos e contraditórios, pois se basearem, inicialmente, em entrevistas e relatos orais, nos quais o esquecimento tem grande influência, e por existir uma tendência a dar uma versão mais heroica e bem-sucedida dos acontecimentos. Até recentemente não se sabia ao certo a data em que havia sido realizada a primeira sessão. Nem se sabe ainda exatamente quem estava presente nessa sessão. De acordo com Endler11 estavam Cerletti, Bini, Mario Felici e Ferdinando Accornero, bem como Vittorio Challiol (neurologista), Spartaco Mazanti (atendente hospitalar) e Ezio Capelletti (enfermeiro). O relato de Cerletti inclui também Edoardo Balsuzzi, Kalinowsky e Giovanni Flescher. A inclusão de Kalinowsky (que em entrevista disse que não estava na primeira, mas sim na segunda sessão), já levanta dúvida sobre o relato de Cerletti. É possível que ele e Accornero tenham desconsiderado a primeira sessão por não ter havido uma crise convulsiva, ou tenham juntado ambas como se fossem uma continuação da outra. Assim, a segunda seria, de fato, a continuação da primeira... De acordo com Kalinowsky (que esteve presente no segundo tratamento), 9 Cerletti realizou a primeira sessão em segredo, por receio de que algo errado acontecesse. Segundo conta um dos presentes, Ferdinando Accornero,10 a sessão considerada “oficialmente” a primeira (20 de abril de 1938) foi, na verdade, a segunda. Conta ele que, na primeira de fato (não diz a data, mas apenas “em uma manhã de abril”) foram dados dois estímulos que não induziram a uma convulsão, o primeiro com 80 V por 1/10 segundo, depois 90 V por 1/10 segundo
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e, por fim, o terceiro, que induziu uma crise de grande mal, quando usada a máxima corrente (possivelmente queria dizer a máxima voltagem, que era 110 V, por 2/10 de segundo, de acordo com Endler).10 Depois do segundo estímulo, o paciente teria dito: “o primeiro foi incômodo; o segundo foi mortal”. Esse relato parece combinar dois dias em um só. Graças ao caderno de notas de Bini12 sabe-se que a primeira sessão foi, na realidade, em 11 de abril de 1938, às 11 h15 min da manhã, e pode-se dizer que foi um relativo fracasso. Fracasso porque não conseguiram induzir uma crise generalizada; relativo porque não houve complicações e a estimulação mostrouse bastante segura. O paciente, Enrico X, estava deitado em posição supina, com eletrodos presos por uma tira elástica. O estímulo inicial foi de 80 V por um quarto de segundo. Houve um leve espasmo dos músculos do tronco e dos membros, o paciente ficou pálido e começou a cantar alto. Após 10 minutos foi dado o segundo estímulo, com 80 V, por meio segundo. Houve uma discussão sobre se um terceiro estímulo deveria ser dado, e o paciente disse “cuidado, mais um é mortífero” (segundo Accornero). Cerletti decidiu dar um terceiro estímulo 15 minutos depois, com 80 V por três quartos de segundo. Novamente, não houve perda de consciência ou crise convulsiva. “O paciente é liberado”, anotou Bini, “levanta de imediato, anda calmamente de volta para a enfermaria falando do seu modo desconexo habitual”. Segundo Shorter e Healy2 a segunda sessão foi em 20 de abril de 1938. Segundo Endler,11 a segunda, que foi a primeira oficial, teria ocorrido em 15 de abril de 1938 e que, nessa vez, decidiram aplicar voltagens maiores. Com 92 V por meio segundo, o paciente teve um espasmo tônico seguido de contrações clônicas dos membros e do tronco, com cerca de 80 segundos de duração, seguidos por um período de 105 segundos sem respirar. Bini contou em voz alta a duração da apneia. A descrição de Accornero é bastante viva:10 O paciente teve um espasmo tônico dos músculos, mas desta vez ele não relaxou. Ao contrário, espasmos rítmicos ocorreram. Era a fase tônico-clônica da crise. Ele parou de respirar; sua face ficou pálida, depois cianótica; a mandíbula estava apertada e o reflexo corneano ausente. Eu auscultei com meu estetoscópio: seu coração batia cada vez mais rápido. Bini contou os segundos de apneia no seu relógio... cinco...dez...quinze. A face do paciente estava roxeada; ele ainda estava tremendo...vinte....vinte e cinco...trinta... A frequência cardíaca continuava a aumentar. Eu sentia seu pulso ficar mais forte sob os meus dedos... trinta e cinco... quarenta... Os abalos ficaram menos frequentes; os músculos relaxaram... quarenta e cinco... No segundo 48 o paciente
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emitiu uma expiração estertorosa, a cianose diminuiu e seu pulso normalizou. Suspiramos aliviados. [...] Nós olhamos uns para os outros; em nossos olhos uma nova luz brilhava. Uma placa comemorativa do 100 o aniversário natalício de Cerletti foi colocada na sala onde foi realizado o primeiro tratamento. Na placa está escrito “in questa stanza nelle mese di aprile 1938 UGO CERLETTI e LUCIO BINI effettuarono il primo elettroshock. 22 settembre 1977” (nesta sala no mês de abril de 1938 Ugo Cerletti e Lucio Bini realizaram o primeiro eletrochoque. 22 de setembro de 1977). APRIMORAMENTO DA TÉCNICA
O primeiro grande progresso na técnica foi a introdução do relaxamento muscular com anestesia geral. Para redução de fraturas e deslocamentos causados pelo cardiazol, o curare foi tentado inicialmente por Abram Bennett (psiquiatra da universidade de Nebraska). Logo em seguida foi utilizado também com a indução elétrica das crises, mas era considerado uma medicação perigosa, que criava muitos riscos para um procedimento que, apesar de ser desagradável, era muito seguro. Dois médicos do Instituto Karolinska, em Estocolmo, Carl Gunnar Holmberg (psiquiatra) e Stephen Thesleff (anestesista e farmacologista)13-15 propuseram o uso de succinilcolina para o bloqueio da junção neuromuscular. Para isso, seria necessário o uso da anestesia geral, que foi, então, introduzido na técnica. Apesar das críticas que a introdução do relaxamento muscular com anestesia geral receberam na época (pois tornavam o procedimento “complicado”), essa foi a primeira grande modificação na técnica, tornando-a mais tolerável e confortável para os pacientes. O segundo progresso foi na qualidade de aparelhos e mudanças no estímulo elétrico. Anteriormente, algumas mudanças na corrente utilizada nos procedimentos já haviam sido propostas, logo que iniciaram o uso da técnica. Em 1942, Emerick Friedman e Paul H. Wilcox (em Massachussets) propuseram o uso de ondas unidirecionais para a indução de uma crise mais “leve”. Eles também utilizaram ondas senoidais “cortadas” e sugeriram o posicionamento unilateral dos eletrodos (vértex e têmpora) para concentrar a corrente no córtex motor, maior responsável pela crise tônico-clônica. Em 1944, Wladmir Liberson (em Connecticut) propôs tratamentos com “estímulo breve”. Em 1948, utilizando uma máquina desenhada por Franklin Offner, obteve resultados excelentes em pacientes com depressão. Em 1949, Douglas Goldman (em Ohio) utilizou pulso breve associado a posicionamento unilateral direito para evitar a área da fala. Como esses pacien-
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tes não perdiam a consciência imediatamente, barbitúricos passaram a ser utilizados de forma rotineira. Nos anos de 1950, Max Hamilton (criador de uma famosa e difundida escala para medir a gravidade da depressão) comentou (de acordo com Edward Shorter, citado por Larry Tye): “Se um médico não prescrever ECT (para depressão resistente) ele deve ser considerado incompetente”. O uso da ECT apresentou um declínio nas décadas de 1960 e 1970, com a introdução das medicações psicotrópicas, mas seu uso nunca foi completamente abandonado. Devido às limitações dos medicamentos (quadros refratários e intolerância a efeitos colaterais), associados a um refinamento técnico que a tornou extremamente segura e confortável, com riscos mínimos e poucos efeitos colaterais, houve um “ressurgimento” da ECT. Um dos mais importantes marcos para esse “ressurgimento” da ECT foram os trabalhos da task force da American Psychiatric Association (APA) que fundamentaram as bases científicas e padronizaram o uso da técnica naquele país, influenciando todo o mundo.16 Também o Royal College of Psychiatrists, na Inglaterra 17 e o mais restritivo grupo National Institute for Clinical Excellence (NICE)18 confirmaram e padronizaram o uso do tratamento naquele país. HISTÓRIA DA ECT NO BRASIL Ao que parece, quem trouxe a técnica para o Brasil foi Antonio Carlos Pacheco e Silva, então catedrático de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Ele publicou uma descrição detalhada de como conheceu a técnica nos Estados Unidos, onde visitou serviços e comprou dois aparelhos que trouxe para o Brasil.19 As primeiras sessões foram realizadas em julho de 1941, em três diferentes hospitais de São Paulo (Clínica Esperança, Hospital Pinel e Clínica Psiquiátrica da Universidade de São Paulo). A maioria dos primeiros pacientes já fazia ou tinha se beneficiado anteriormente da convulsoterapia com cardiazol e todos preferiram a então “nova” técnica. A técnica se difundiu pelo país e teve mais ou menos o mesmo destino que em outros lugares: um declínio do uso com o surgimento dos medicamentos e um ressurgimento posterior. Um marco de grande importância na história da ECT no Brasil foi a resolução do Conselho Federal de Medicina que, em 2002, proibiu o uso sem anestesia. 20 Apesar do limitado acesso ao tratamento, a técnica nunca deixou de ser utilizada no país. O FUTURO DA ECT Ninguém é capaz de prever o que acontecerá com a eletroconvulsoterapia no futuro. Seu desaparecimento já foi previsto por muitos, mas ainda não ocorreu,
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certamente por falta de uma técnica equivalente tão segura e eficaz. Uma tentativa ocorreu com a convulsoterapia inalatória, utilizando flurothyl (Indoklon). Esse gás anestésico foi utilizado como indutor de convulsões por John C. Krantz Jr. e colaboradores21 no departamento de farmacologia da Universidade de Maryland, em 1957, mostrou-se bastante eficaz,22 mas foi abandonado por ser de difícil manipulação e controle. 23 Recentemente, Sarah Lisanby e Harold Sackeim, na Universidade de Columbia, desenvolveram a convulsoterapia magnética, que está em fase de aprimoramento técnico e parece promissora. A técnica utiliza um aparelho de estimulação magnética transcraniana de repetição para induzir às convulsões. A eletroconvulsoterapia é, sem dúvida, o tratamento mais polêmico que ainda está em uso na medicina. Parte da polêmica tem origem na ignorância e no mau uso que sofreu ao longo da história. Talvez o seu estigma nunca desapareça. Filmes e livros mostram a técnica como era realizada no passado, sem anestesia. Essa é a imagem que a maioria das pessoas tem, como algo agressivo e doloroso. A imagem de um tratamento “agressivo” se esvai ao ser comparada com diversos outros procedimentos médicos mais invasivos (basta pensar em procedimentos neurocirúrgicos, por exemplo). A agressividade de um quadro depressivo (que pode destruir uma vida, levando até ao suicídio) não pode ser subestimada. Sem dúvida, novos tratamentos surgirão, mas, por enquanto, a ECT mantém um lugar de honra no arsenal terapêutico psiquiátrico. REFERÊNCIAS 1. Fink M. Historical article: autobiography of L. J. Meduna Convuls Ther. 1985;1(1):43-57. 2. Shorter E, Healy D. Shock therapy: a history of electroco nvulsive treatment in mental illness. New Brunswick: Rutgers University; 2007. 3. Nobel Prize in Physiology or Medicine 1927: Julius Wagner-Jauregg [Internet]. Stockholm: Nobel Foundation;c2014 [capturado em 05 jul. 2014]. Disponível em: www.nobelprize.org/nobel_prizes/ medicine/laureates/1927/. 4. Nomination Database for the Nobel Prize in Physiology or Medicine [Internet]. Stockholm: Nobel Foundation;c2014 [capturado em 05 jul. 2014]. Disponível em: www.nobelprize.org/nomination/ medicine/index.html. 5. Gazdag G, Baran B, Kárpáti M, Nagy Z. The history of Lipotmezo, the site of the first convulsive therapy. J ECT. 2007;23(4):221-3. 6. Gazdag G, Bitter I, Ungvari GS, Baran B, Fink M. Laszlo Meduna’s pilot studies with camphor inductions of seizures: the first 11 patients. J ECT. 2009;25(1):3-11. 7. Oliver W. Account of the effects of camphor in a case of insanity. London Med J. 1785;6:120-30.
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CAPÍTULO
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BASES FÍSICAS Moacyr Alexandro Rosa Marina Odebrecht Rosa
INTRODUÇÃO Para que as propriedades do estímulo utilizado em eletroconvulsoterapia (ECT) sejam entendidas é necessário o conhecimento de alguns conceitos de eletricidade. Noções básicas a respeito dos princípios físicos ajudam o clínico a compreender melhor em que consistem os estímulos elétricos e os parâmetros utilizados podendo, assim, combiná-los de forma otimizada. Esse conhecimento também ajuda a manejar os equipamentos utilizados em ECT.1 Apesar de todos os aparelhos comercializados de ECT na atualidade utilizarem corrente alternada (que será discutida a seguir), alguns conceitos são mais bem compreendidos se for apresentada a situação mais simples da corrente contínua. O estímulo consiste no fluxo de corrente elétrica entre dois eletrodos. No caso da ECT, a cabeça do paciente estará entre os eletrodos e a corrente sairá de um eletrodo, passará pela cabeça e atingirá o outro eletrodo. Para que a corrente passe, é preciso “empurrá-la” de alguma forma. Os aparelhos fazem isso, criando uma voltagem (medida em volt – V), ou uma diferença de potencial elétrico. Essa é a força eletromotriz que empurra os elétrons por um condutor, da mesma forma que uma pressão hidráulica empurra água por um tubo. Uma corrente é o fluxo de elétrons empurrado em determinada direção pela força da voltagem. Utilizando a mesma comparação, seria a quantidade de água que passa pelo tubo em determinado tempo. Por fim, a resistência é a limitação do fluxo imposta pelo meio através do qual a corrente é forçada a passar.2 Em resumo, as principais variáveis envolvidas na eletricidade são a voltagem (V), medida em volts (V), a corrente (i), medida em ampères (A) e a resistência (R), medida em ohms (Ω). Quanto maior a resistência ao fluxo, maior a voltagem necessária para manter a mesma corrente, ou seja, o fluxo de corrente através de um condutor varia diretamente com a voltagem (quanto maior a voltagem, maior o fluxo) e
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inversamente com a resistência (quanto maior a resistência, menor o fluxo). A relação entre voltagem, corrente e resistência é conhecida como Lei de Ohm: Corrente = voltagem/resistência ou i = V/R Assim, a corrente é diretamente proporcional à voltagem e inversamente proporcional à resistência; quanto maior a voltagem, maior a corrente que passa; quanto maior a resistência, menor a corrente que passa (Fig. 2.1).
FORMAS DE ONDA O estímulo elétrico pode ser realizado de várias formas. Apesar de Weaver e colaboradores3 terem demonstrado que um único pulso de corrente contínua de longa duração (ao redor de 500 ms) é capaz de induzir uma crise convulsiva em roedores, esta se mostrou pouco eficaz para a indução de convulsões em humanos. Por esse motivo e por sua fácil disponibilidade nas tomadas de parede, a corrente alternada foi utilizada desde o começo da ECT. As correntes em tomadas de parede, além de alternadas, são do tipo senoidal. Correntes senoidais são caracterizadas por uma mudança contínua de fluxo de elétrons, que fluem em direções opostas, com frequência de 50 a 60 pares por segundo (um positivo e um negativo), sendo a unidade de medida mais comum a de hertz (Hz), ou número de pares por segundo. Essa é a forma de onda encontrada em todo o mundo nas tomadas de parede e foi a primeira a ser utilizada em ECT. Nesse tipo de onda, o fluxo de elétrons cresce e decresce gradualmente, invertendo
FIGURA
2.1
ANALOGIA COM UM DUTO DE ÁGUA.
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sua direção na fase seguinte. Cada fase tem a duração de 8,3 ms (para tomadas com 60 Hz, como as disponíveis nos Estados Unidos e no Brasil) (Fig. 2.2). O segundo tipo de onda utilizado em ECT é a onda “quadrada” ou em “pulso breve” (Fig. 2.3), que tem um rápido tempo de “subida” e “descida” e foi logo reconhecida como um meio mais eficiente e mais fisiológico para a indução de convulsões. Ela sobe e desce quase verticalmente, liberando toda a sua intensidade em torno de um milésimo de segundo ou menos. A corrente fica desligada (intervalos entre os pulsos) a maior parte do tempo em que o estímulo é administrado (p. ex., administrando um estímulo com 1,0 ms de duração com frequência de 70 Hz por 1 segundo, a corrente fluirá por apenas 0,14 segundo; o restante do tempo consiste em intervalos sem fluxo elétrico). A onda em pulso breve induz a crises com uma quantidade de carga e energia substancialmente menores do que a onda senoidal, atingindo os mesmos efeitos terapêuticos, com significativa redução de perda de memória e de anormalidades no eletroencefalograma (EEG) (Fig. 2.4).4,5 Tentativas de reduzir a possível neurotoxicidade do estímulo com ondas senoidais cortando uma porção da fase (p. ex., aparelhos Siemens Konvulsator e Ectron Duopulse) foram parcialmente eficazes,6 mas foram abandonados com a introdução dos pulsos breves. Pelo que foi comentado até o momento, pode-se entender porquê o uso de aparelhos com ondas senoidais é considerado obsoleto.
FIGURA
2.2
ONDA ELÉTRICA SENOIDAL. A: duração da fase (ms); B: frequência (Hz); C: duração do estímulo (segundos); D: corrente (ampères).
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FIGURA
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2.3
ONDA EM PULSO BREVE OU QUADRADA. A: duração do pulso (ms); B: frequência (Hz); C: duração do estímulo (segundos); D: corrente (ampères).
FIGURA
2.4
COMPARAÇÃO ENTRE UMA FASE DA ONDA SENOIDAL COM UM PULSO DA ONDA QUADRADA (SUPONDO INTENSIDADES DE CORRENTE SEMELHANTES).
Uma comparação entre os estímulos utilizados em aparelhos mais antigos com os atuais pode ajudar a entender parte da evolução que a técnica sofreu. Nos aparelhos antigos havia um botão que controlava a voltagem, ou seja, eram de voltagem constante. Nessa situação, de acordo com a Lei de Ohm, a corrente que passaria estava na dependência da resistência encontrada (que é muito variável entre indivíduos). Com a voltagem fixa, resistências muito altas levavam a correntes baixas, enquanto resistências muito baixas levavam a um aumento da corrente. Contudo, é praticamente impossível prever a resistência
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antes da passagem do estímulo. Como a corrente (passagem de elétrons) é o mais importante para o estímulo do tecido cerebral, foram desenvolvidos aparelhos com corrente constante. Em aparelhos modernos, a corrente é predeterminada (pelo usuário ou pelo fabricante, dependendo do modelo do aparelho). Nesse caso, a voltagem varia (aumenta ou diminui) de acordo com a resistência encontrada, mas o fluxo de elétrons se mantém fixo. Os conceitos de voltagem, resistência e corrente se aplicam a cada fase (para ondas senoidais) ou pulso (para ondas quadradas) de estimulação. Cada fase/pulso dura um período curto de tempo (na ordem de milissegundos) e se repete ao longo do tempo, indo e voltando de um eletrodo para o outro. Existem, então, quatro parâmetros principais que podem ser combinados de diferentes formas para a indução da convulsão cerebral: a corrente, a duração do pulso, a frequência e a duração do estímulo. Todos os aparelhos disponíveis comercialmente permitem o ajuste desses parâmetros (com exceção da corrente, que é fixa nos modelos “Thymatron” em 0,9 A). Comentaremos a seguir um pouco sobre cada parâmetro.
CORRENTE A corrente pode ser definida como a quantidade de elétrons que passa por um meio em determinado tempo. É medida em ampère (A). Quando se pensa em “intensidade” do estímulo, ela é determinada pela corrente. Os outros parâmetros consistem na duração de cada pulso com uma intensidade e na repetição de pulsos com a intensidade ao longo do tempo. A corrente usada em ECT é alternada, e não contínua. Conforme comentado, isso significa que o fluxo elétrico atinge determinada intensidade por algum tempo e é interrompido. A corrente é, também, bidirecional (ou bifásica). Isso quer dizer que vai de um eletrodo para outro e depois retorna do segundo para o primeiro e assim sucessivamente. Os aparelhos comerciais permitem uma variação na intensidade da corrente de 0,5 a 0,9 A. Apesar de não haver fundamentação clara para isso, na prática clínica as convulsões são, em geral, induzidas utilizando-se 0,8 ou 0,9 A. Raramente são utilizadas correntes menores. Um ponto interessante é que a intensidade da corrente vai determinar a “focalidade” do estímulo. Quanto menor a corrente, mais focal o estímulo. Trabalhos com modelos computacionais têm sido desenvolvidos e poderão ajudar a compreender melhor a distribuição da corrente no tecido cerebral.7,8 Devido à resistência craniana, apenas 10% da corrente atinge o tecido cerebral. Os outros parâmetros (duração de pulso, frequência e tempo) obviamente não são afetados pela resistência craniana.
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DURAÇÃO DO PULSO A duração do pulso (também chamada de largura do pulso; em inglês, pulse width) corresponde ao tempo que a corrente está “ligada” ou fluindo, ou seja, faz referência à duração de cada pulso de estímulo e é medida em milésimos de segundo (ms). Quanto mais longo o pulso, mais corrente será aplicada. A corrente que vai de um eletrodo a o outro aumenta de intensidade (aos poucos em ondas senoidais e de forma quase imediata nos de pulso breve) até atingir o máximo desejado e depois diminui até voltar a zero. Para entender qual é a duração de pulso mais adequada para a indução das crises, alguns conceitos são necessários. A dose elétrica mínima que iniciará a despolarização do neurônio, se administrada por um tempo teoricamente infinito, é denominada reobase.2 A duração mínima correspondente ao dobro dessa dose elétrica mínima é denominada cronaxie (Fig. 2.5). O cronaxie é, primariamente, uma função da constante tempo da membrana neuronal. Em outras palavras, cronaxie é a duração de tempo ideal para que uma voltagem atinja o limiar do neurônio e induza um potencial de ação. Uma estimulação mais curta faria a voltagem necessária para a despolarização ser muito alta, e uma estimulação mais longa seria desnecessária e desperdiçada, pois o neurônio já estaria despolarizado. Estima-se que o cronaxie dos neurônios de mamíferos esteja em torno de 70% do tempo da constante de membrana. Caso o estímulo seja administrado por meio de ondas em pulso breve, sua duração não deveria exceder o cronaxie, pois a porção do estímulo que continua depois de ocorrer a despolarização será desperdiçada, reduzindo a eficiência do estímulo. Estimativas modernas do cronaxie de motoneurônios corticais humanos sugerem um valor 0,2 ms, 9,10 consistente com a estimativa de 0,15 ms provinda dos primeiros estudos em animais.11 Isso significa que durações de pulso substancialmente maiores do que 0,2 ms são ineficientes para a despolarização do axônio. Além de utilizarem voltagem constante (que não é o ideal, como foi discutido), os aparelhos senoidais (antigos) tinham fases que duravam 8,3 ms. Isso parece pouco, mas, conforme demonstrado, é muito para os axônios que têm o *
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A membrana não se despolariza de forma imediata com a passagem da corrente, mas “acumula” parte da carga e, por isso, existe um tempo para que ocorra a despolarização; esse tempo é chamado de constante de membrana. É importante salientar que falamos de eficiência na despolarização do axônio e, por conseguinte, na eficiência para a indução da crise, mas não necessariamente para a eficácia clínica. Deve-se lembrar que a constante de membrana do corpo celular e dos dendritos é mais variável (e geralmente mais longa) e pode ter um papel importante na determinação da eficácia clínica e dos efeitos colaterais. *
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FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
FIGURA
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2.5
CURVA INTENSIDADE/DURAÇÃO DO ESTÍMULO LIMIAR PARA DESPOLARIZAÇÃO NEURONAL. Fonte: Mogyoros, Kiernan e Burke. 12
seu cronaxie (duração ideal de estímulo) ao redor de 0,20 ms. A longa duração fazia o neurônio continuar estimulado depois de ter disparado o potencial de ação (no período refratário). Além de muito longas, as fases tinham um aumento lento, que promovia o fenômeno de acomodação na membrana neuronal, dificultando a sua despolarização. Isso torna as ondas senoidais pouco eficientes na despolarização de neurônios, necessitando de correntes maiores para o mesmo efeito e, assim, fornecendo grandes quantidades de estimulação elétrica abaixo do limiar convulsígeno. Essa estimulação ineficiente subliminar contribui pouco para a intensidade ou generalização da crise (efeito terapêutico), mas parece contribuir bastante para os efeitos colaterais cognitivos da ECT.13 Acredita-se que esse seja o principal motivo para o maior prejuízo cognitivo causado por tal tipo de estímulo, quando comparado aos pulsos breves. Os aparelhos mais modernos utilizam pulsos breves. Nesses, o aumento da corrente é quase imediato, atingindo a intensidade desejada e mantendo-a por poucos milésimos de segundo (em geral de 0,25 a 2 ms). Esses pulsos são mais
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fisiológicos e conseguem despolarizar os neurônios com correntes proporcionalmente menores. Por isso, já se tornaram o padrão utilizado em ECT. Por convenção, os pulsos com duração menor que 0,5 ms são chamados de ultrabreves.
FREQUÊNCIA A frequência faz referência à repetição dos pulsos (ou fases) ao longo do tempo e é medida em hertz (Hz). Tradicionalmente, por serem usados pulsos bidirecionais (vão e voltam entre os eletrodos), a frequência é medida em pares de pulsos (negativo e positivo) por segundo. Assim, uma frequência de 10 Hz consiste em 20 pulsos (10 para um lado e 10 para o outro, alternadamente) durante cada segundo. Os aparelhos comercialmente disponíveis oferecem uma variação de 10 a 140 Hz. Não se sabe qual é a frequência ideal, se é que ela existe, para a indução adequada de uma crise generalizada terapêutica. Deve-se considerar, em primeiro lugar, que o período refratário absoluto neuronal dura em torno de 1 ms. Acumular pulsos de estímulo em um intervalo muito curto de tempo (frequências muito altas) pode estimular os neurônios enquanto ainda estão refratários. Frequências maiores que 250 Hz (500 pulsos por segundo) reestimulam o neurônio durante seu período refratário absoluto (1-2 ms) e podem ser ineficazes por esse motivo. Contudo, a reestimulação durante o período refratário relativo (ou parcialmente refratário), apesar de menos eficiente, é capaz de reduzir o potencial da membrana a um grau mensurável, contribuindo para o processo de somação temporal e indução da convulsão. Estudos em seres humanos14 utilizando pulsos de 1 ms de duração demonstraram uma grande redução da carga necessária para ultrapassar o limiar convulsígeno de um estímulo com a frequência de sete pulsos por segundo (3,5 Hz) até 100 pulsos por segundo (50 Hz), mantendo-se inalterada depois (ou caindo pouco) até a frequência máxima estudada de 300 pulsos por segundo (150 Hz). Da mesma forma, um modelo padrão de neurônio eletrônico mostra que, para um pulso de 0,8 ms de duração, a frequência de 150 Hz causa somação temporal (ou seja, despolariza o axônio, facilitando o efeito do pulso seguinte, ao qual se somam os efeitos), caso a corrente tenha intensidade suficiente.9,10 Estudos recentes utilizando macacos Rhesus, realizados por Peterchev, Chan e Lisanby,15 iniciados na Universidade de Columbia, em Nova York, e continuados na Universidade de Duke (Trinity, Carolina do Norte) sugerem um padrão em sino invertido quando plotados intensidade e frequência em relação à capacidade de indução de crises (Fig. 2.6). Em outras palavras, frequências muito baixas ou muito altas seriam ineficazes, pois a frequência ideal estaria ao redor de 25 a 60 pulsos por segundo (12,5 a 30 Hz).
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FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
FIGURA
2.6
RELAÇÃO INTENSIDADE/FREQUÊNCIA PARA INDUÇÃO DE CRISE GENERALIZADA.
DURAÇÃO DO ESTÍMULO A duração faz referência ao tempo total de estimulação, sendo medida em segundos. É a duração do estímulo em segundos multiplicada pelo dobro da frequência (pares de pulsos por segundo) que vai definir o número total de pulsos fornecidos. Por exemplo, a frequência de 20 Hz (40 pulsos) com duração de dois segundos representará um total de 80 pulsos. Os aparelhos atualmente disponíveis variam a duração de 0,5 a 8 segundos.
IMPEDÂNCIA Ao passar por um meio, a corrente encontra graus variados de resistência, já que não segue simplesmente o caminho de menor resistência, ignorando os de maior resistência. Ela passa por todos os caminhos, mas se distribui de maneira inversamente proporcional à resistência dos tecidos que atravessa. Em ECT a corrente passará por três tecidos principais: o escalpe (incluindo a interface pele-eletrodo), o crânio e o cérebro. O escalpe e o cérebro têm resistências relativamente baixas, com um valor médio de 222 Ω /cm para o escalpe e 220 Ω /cm para o cérebro.16 Por esse motivo, a maior parte da corrente vai por esse caminho. Em contrapartida, o crânio tem alta resistência, com um valor médio estimado em 17.760 Ω /cm (em média 80 vezes maior que o valor do escalpe). Assim, uma parte proporcionalmente menor de corrente atravessará o crânio. Em unidades de condutância elétrica (o recíproco da resistência), o valor para o escalpe é de, aproximadamente, 0,45 S/m (Siemens por metro) e para o crânio é de cerca de 0,000563 S/m.2
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Os valores citados são apenas estimativas. Por exemplo, a resistência dos músculos do escalpe varia caso o fluxo da corrente seja transversal ou longitudinal às fibras musculares, com valores de 1.000 Ω /cm e 300 Ω /cm, respectivamente.17 As meninges e o líquido cerebrospinal estão entre a dura-máter e o cérebro. A impedância do líquido cerebrospinal é baixa e próxima de 65 Ω /cm.18 No tecido neuronal, a substância cinzenta tem uma impedância estimada de 250 Ω /cm e a substância branca de 750 Ω /cm.9,10 A resistência do crânio é a maior responsável pelo desvio de corrente (shunt) por meio do escalpe (deixando de entrar no cérebro). Utilizando cadáveres, Smitt e Wegner19 estimaram que 90 a 95% da queda na voltagem ocorria no escalpe e no crânio. Hayes20 observou aproximadamente 80% de desvio da corrente através do escalpe em macacos. A proporção de corrente que irá penetrar no cérebro varia muito entre os indivíduos. Essa variabilidade deve estar relacionada a diferenças individuais na anatomia (tamanho e local das suturas, espessura, calcificações, etc.) e na espessura do crânio, que sabidamente são grandes.21 Driscoll22 relatou diferenças individuais importantes na resistência do crânio, com o valor citado de 17.760 Ω /cm, sendo apenas a mediana encontrada por ele em uma variação muito ampla. É provável, portanto, que as diferenças no limiar convulsígeno sejam causadas pelo grau de desvio da corrente através do escalpe e do crânio. Na prática clínica, um ponto importante está na interface pele-eletrodo. A impedância varia em função do tamanho dos eletrodos, dos métodos utilizados para preparar a pele, da qualidade do contato e da distância entre os eletrodos.23,24 Eletrodos menores resultam em maior impedância. Investigadores europeus geralmente utilizam uma impedância média de 300 Ω, enquanto norteamericanos assumem uma impedância de 200-220 Ω. Essa diferença está associada ao uso de eletrodos com superfície de área maior (20,43 cm2) nos Estados Unidos. Um preparo ruim ou a falta de contato firme da pele com os eletrodos durante o estímulo aumenta a impedância de modo significativo. Sob condições de maior impedância, os aparelhos de corrente constante aumentam a voltagem (até um limite seguro de 400-500 V). É útil e desejável que os aparelhos de ECT tenham a capacidade de testar a impedância do circuito (chamada de impedância estática) antes de liberar o estímulo. Isso é realizado passando uma corrente de alta frequência e baixa intensidade (que é imperceptível) pelo circuito e calculando a resistência encontrada. No entanto, a impedância observada durante a passagem do estímulo (durante o tratamento) é chamada de impedância dinâmica. Essa distinção é feita porque a passagem do estímulo de alta intensidade durante a ECT resulta em uma impedância composta menor do que aquela medida com corrente de alta frequência e baixa intensidade do estímulo de teste. Condições de impedância excessiva podem levar a uma voltagem muito alta (caso não haja um limite de segurança), com possíveis queimaduras na pele.
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Outro aspecto a ser comentado no que tange à impedância é que, quanto menor a distância entre os eletrodos, mais corrente será desviada através do escalpe. A distância entre os eletrodos difere para os posicionamentos bilateral e unilateral utilizados. Com os posicionamentos padrão, a distância é maior no ECT bilateral (frontotemporal). Consequentemente, no posicionamento unilateral uma porcentagem maior de corrente será desviada do cérebro, resultando em menor densidade de corrente neuronal. 25 Vários posicionamentos foram propostos para a ECT unilateral, como será descrito no próximo capítulo. Quanto maior a distância entre os eletrodos, melhor, devido ao menor desvio da corrente. Por isso, a posição de d’Elia parece oferecer a maior densidade de corrente intracerebral para uma mesma carga, quando utilizado posicionamento unilateral. Além da distância entre os eletrodos, a variação na anatomia do crânio também tem influência, especialmente a espessura. Por exemplo, na localização unilateral de Muller26 um dos eletrodos está no osso frontal, que é particularmente espesso (além de incluir os seios frontais). Intensidades altas de estímulo podem ser necessárias com esse posicionamento.27 *
MEDIDAS QUE COMBINAM E RESUMEM OS PARÂMETROS Tradicionalmente, tenta-se resumir os parâmetros elétricos utilizados em um conceito ou medida única, que funciona como a “dose” elétrica fornecida. A principal finalidade é simplificar a técnica, resumir muitas informações em um único conceito. Isso é útil em parte, mas pode gerar confusões sobre a importância específica de cada parâmetro. Duas unidades são mais utilizadas, a “energia”, medida em Joule (J), e a “carga”, medida em Coulomb (C). A energia compila a potência (em Watts) ao longo do tempo. A potência (e, por consequência, a energia) leva em consideração a resistência e consiste na voltagem multiplicada pela corrente (i × V) ou (o que é o mesmo) o quadrado da corrente multiplicado pela resistência (i2 × R). A principal limitação da energia é que ela somente pode ser estimada com uma resistência média (geralmente 220 Ω). Só é possível saber a energia real utilizada depois da passagem do estímulo (quando se saberá a impedância dinâmica). Já a carga faz referência à corrente fornecida ao longo do tempo, sem considerar a resistência. É a medida de compilação preferida pelos “ecetólogos”, mas pode ser enganadora. Combinações diferentes de corrente, frequência, duração do
N. de R.: A posição d´Elia consiste em colocar um ele trodo na região temporal direita e outro, com o centro a cinco centímetros, à direita do vértice. *
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pulso e duração do estímulo podem levar a uma mesma carga, mas com efeitos biológicos bastante distintos. A carga pode e deve ser utilizada, mas com cuidado, lembrando que cada parâmetro tem um papel próprio na composição do estímulo. Ao longo da história da ECT, depois da voltagem (mais utilizada para os aparelhos senoidais), a unidade de energia (E) foi o parâmetro composto mais utilizado para quantificar a dosagem do procedimento. 28 Ela faz referência à capacidade de realizar um trabalho e ultrapassar uma resistência, sendo a sua unidade de medida o Joule (J) ou Watt por segundo. Pode-se conceber essa capacidade de trabalho como a quantidade integrada de esforço dispendida ao longo do tempo. De fato, um Joule é equivalente ao trabalho necessário para levantar 1 kg a uma altura de 10 cm. Potência é a taxa de transferência de energia, medido em Watts (W) e é calculado multiplicando-se a corrente pela voltagem: P=V×i O cálculo da energia requer a integração da potência (P) transmitida através do circuito ao longo do tempo (t). A fórmula seguinte expressa isso: E = ∫ P × dt t
Pela Lei de Ohm, outras fórmulas podem ser expressas: E = ∫ i × V × dt E = ∫ i × R × dt E = ∫ V /R × dt t
t
2 t
2 t
t
t
As fórmulas são apenas para entender a relação entre as variáveis que compõem o conceito de energia. Os aparelhos atuais calculam a energia automaticamente. Antes do estímulo há uma estimativa da energia (o cálculo é realizado com uma impedância fixa de 220 Ω) e após o estímulo aparece a energia real que foi utilizada (já com a impedância dinâmica). O ponto mais importante é que a energia leva em consideração a resistência. O uso de Joules para descrever o estímulo pode ser enganoso. Caso a impedância de um paciente dobre de um tratamento para outro (p. ex., porque a pele não foi apropriadamente limpa), a energia também dobrará, sugerindo de forma errônea que um estímulo maior foi fornecido ao cérebro. Além disso, a variação do limiar convulsígeno é menor utilizando unidades de energia, sendo o dobro em unidades de carga (que será comentada a seguir). Ainda há as diferenças de limiar entre os sexos, que são mais difíceis de serem detectadas em unidades de energia.
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Por fim, a carga faz referência à quantidade de elétrons fluindo através de um condutor ao longo de determinado tempo. Ela é medida em Coulombs (C) ou milicoulombs (mC) e integra a força e a duração da exposição à corrente. Um Coulomb equivale a 6,28 × 10 19 elétrons ou prótons. Utilizando-se ondas bidirecionais, a direção do fluxo da corrente não parece ter consequências em ECT, e a carga total é assim expressa: Q = ∫ |i | × dt t
A relação entre carga e energia pode ser vista na seguinte expressão: Energia (em Joules) = Carga (em Coulombs) × corrente (em ampères) × impedância dinâmica (em ohms) Para demonstrar o cálculo desses valores pode-se tomar como exemplo um paciente que é tratado com um aparelho de corrente constante e de pulso breve de 0,8 A bidirecional, utilizando pulsos de 1 ms de duração e frequência de 50 Hz por dois segundos (consequentemente, um total de 200 pares de pulsos são liberados). Supondo que o estímulo encontre uma impedância dinâmica de 200 Ω: • • •
• •
A voltagem será de 160 V (0,8 A × 200 Ω). A potência de cada pulso será de 128 W (160 V × 0,8 A). Como foram administrados 200 pulsos, cada um com 1 ms de duração, a duração do fluxo da corrente foi de 200 ms, ou 0,2 segundos. Assim, a energia foi de 25,6 J (0,8 A × 160 V × 0,2 s). Por fim, a carga foi de 160 mC (800 mA × 0,2 s).
As Figuras 2.7 e 2.8 mostram exemplos de relatórios que dois diferentes aparelhos forneceram com os parâmetros individuais e compostos, além de outros dados do tratamento.
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FIGURA
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2.7
DISPLAY DE UM APARELHO MECTA SPECTRUM 4000Q LOGO APÓS UMA SESSÃO COM RESULTADOS DO TRATAMENTO. ®
Estática: cálculo dos valores antes do estímulo mostrando a impedância estática e a energia com uma impedância média de 220 Ω; dinâmica: cálculo dos valores depois do estímulo, mostrando a impedância dinâmica e a consequente energia com essa impedância. Notar que a barra à esquerda também fornece o valor da impedância estática (640 Ω) e uma escala visual desse valor. A: carga; B: duração do pulso; C: frequência; D: duração do estímulo; E: energia calculada com impedância de 220 Ω; F: corrente; G: impedância fixa de 220 Ω; H-K: botões para controle individual dos parâmetros em aparelho modelo “Q”. Fonte: Mecta.29
FIGURA
2.8
EXEMPLO DE RELATÓRIO IMPRESSO DOS APARELHOS DA LINHA THYMATRON . ®
Fonte: Somatics.30
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FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
CAPÍTULO
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3
FUNDAMENTOS TÉCNICOS Moacyr Alexandro Rosa Marina Odebrecht Rosa
INTRODUÇÃO A prática da eletroconvulsoterapia (ECT) consiste em três aspectos principais. O primeiro é a seleção dos pacientes, que inclui conhecimentos sobre as indicações, as contraindicações e os riscos do procedimento. Cada um desses itens será tratado em diferentes capítulos desta obra. O segundo aspecto principal trata do conhecimento básico sobre a anestesia, incluindo noções sobre os efeitos e mecanismos das medicações anestésicas e as doses a serem utilizadas para uma maior eficácia das crises. Esse aspecto tão importante será abordado em um capítulo específico. No terceiro aspecto está a realização do tratamento propriamente dito. Para que se realize um tratamento otimizado e individualizado é importante ter uma aparelhagem adequada e moderna, mas de forma alguma isso é suficiente. O especialista em ECT não é apenas um técnico que aperta um botão e deixa o aparelho fazer o procedimento de forma automática. Pelo contrário, deve ter uma posição ativa, conhecer e decidir qual o melhor posicionamento de eletrodos a ser utilizado para um paciente específico; deve determinar individualmente a dose elétrica que será utilizada e saber quando e quanto será necessário modificar essa dose; deve monitorar as crises em todas as suas manifestações para garantir que tenham a maior eficácia clínica e o menor prejuízo cognitivo; por fim, deve ter intimidade com a aparelhagem a ser utilizada, para seu manejo seguro e eficaz. Esse terceiro aspecto será considerado neste capítulo.
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POSICIONAMENTO DE ELETRODOS ECT BILATERAL Para a indução da crise são utilizados dois eletrodos de estimulação posicionados na cabeça do paciente. Classicamente existem dois principais posicionamentos de eletrodos: o bilateral e o unilateral (Fig. 3.1). Habitualmente (mas nem sempre), quando se fala em ECT bilateral se faz referência ao posicionamento bitemporal (ou, mais precisamente, bifrontotemporal) (Fig. 3.1A). Da mesma forma, quando se fala em ECT unilateral, costuma-se (mas também nem sempre) fazer referência ao posicionamento de d’Elia (com um dos eletrodos na região frontotemporal e o outro tangencial ao vértex).1 O conceito de ECT bilateral faz referência ao fato de ambos os hemisférios serem estimulados durante a indução da crise, enquanto no posicionamento unilateral apenas um hemisfério é estimulado durante a indução. Lucio Bini foi o responsável pelo desenvolvimento do posicionamento de eletrodos mais utilizado na história da ECT desde a sua criação, conhecido como bilateral (ou, mais precisamente, bifrontotemporal). O posicionamento bifrontotemporal foi o primeiro utilizado e ainda é o posicionamento bilateral mais comum. Existem, no entanto, outras formas de ECT bilateral. O posicionamento bifrontal, por exemplo, criado por Abrams e Fink2 foi abandonado inicialmente, pois os eletrodos ficavam muito próximos e havia um maior risco de queimadura da pele. Esse posicionamento foi retomado e modificado (os eletrodos ficam mais afastados um do outro, com o centro na linha do canto dos olhos) posteriormente por Lawson e colaboradores3 e ganhou nova atenção com os trabalhos de Letemendia no Canadá4 (Fig. 3.1B), que, atualmente, está sob intensa investigação. Outro exemplo de posicionamento bilateral foi criado por Conrad Swartz em Illinois, Chicago e é conhecido como LART (left anterior/ right temporal).5 O LART mistura os posicionamentos frontal de um lado e temporal do outro. O eletrodo à esquerda fica na posição supraorbital e o da direita na posição temporal clássica.
ECT UNILATERAL Desde o início da ECT houve várias tentativas de minimizar os efeitos colaterais cognitivos. As primeiras tentativas consistiam em variar o posicionamento dos eletrodos. Acredita-se que Goldman foi o primeiro a descrever um posicionamento unilateral com a finalidade de evitar as áreas corticais relacionadas à fala6,7 e que Thenon,8 na Argentina, foi o primeiro a descrever um menor prejuízo mnêmico dessa técnica. Por fim, Lancaster criou o termo “eletroconvulsoterapia unilateral”.9
FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA Vértex
A
FIGURA
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Vértex
B
Vértex
C
3.1
POSICIONAMENTOS DE ELETRODOS MAIS UTILIZADOS. A: bitemporal; B. bifrontal; C: unilateral direita (d’Elia).
Inúmeras formas de posicionamento unilateral já foram testadas (Fig. 3.2) e em praticamente todas um dos eletrodos é posicionado na região frontotemporal (mesma posição do ECT bitemporal), enquanto o outro eletrodo é posicionado em diferentes partes do mesmo lado da cabeça. As posições mais utilizadas, além da de d’Elia,1 são a de Lancaster e colaboradores9 e a de Muller.10 A de Lancaster foi quase abandonada quando se começou a utilizar eletrodos maiores, pois estes ficavam muito próximos um do outro. A de Muller utiliza um eletrodo na região frontal direita, tangenciando a linha central e o outro na região temporal. Esse posicionamento permitia que uma cinta de borracha segurasse os dois eletrodos (o que não acontece com outros posicionamentos unilaterais). É pouco utilizada com o argumento de que o limiar convulsígeno é aumentado pela espessura óssea frontal aliada à presença do seio frontal. Contudo, esse posicionamento nunca foi estudado de forma sistemática. Saxby Pridmore, da Austrália, criou um posicionamento unilateral original, no qual um eletrodo fica no vértex e o outro na fronte, para o lado estimulado.11 Também esse posicionamento não foi estudado de forma detalhada.
MECANISMOS DE INDUÇÃO DA CRISE Para que ocorra uma crise convulsiva induzida por ECT, dois mecanismos neurofisiológicos principais devem ocorrer e estão intimamente relacionados: a somação temporal e a espacial. A somação temporal consiste no acúmulo de pulsos ao longo do tempo. Alguns neurônios serão despolarizados já no início do estímulo, outros no final, com maior número de pulsos acumulados. Ao que parece, esta somação vai
ROSA & ROSA (orgs.)
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d´Elia, 1970 Lancaster, 1958 Muller, 1971 Zinkin e Birtchmell, 1968 McAndrew, 1967 Impastato e Karliner, 1966 Halliday, 1968 Eletrodo fixo
ECT UNILATERAL
FIGURA
3.2
VARIANTES DE POSICIONAMENTO UNILATERAL DE ELETRODOS.
levar à despolarização de um número de neurônios suficiente para que se inicie uma propagação cortical. Isso ocorre quando uma quantidade suficiente de elétrons passa pelo cérebro, atingindo as membranas dos neurônios. A somação espacial, também chamada de recrutamento neuronal, ocorre quando outros neurônios são despolarizados por meio de potenciais pós-sinápticos excitatórios. Esse processo atinge o tronco cerebral, presumivelmente ativando uma área que começa a disparar rítmica e repetidamente. Por meio de suas projeções esse “marca-passo” neuronal dispara o resto do cérebro de modo harmônico e completo. A localização e a própria existência dessa região são temas de debate entre os especialistas. Com a estimulação, um ou mais neurônios próximos aos eletrodos de estimulação são despolarizados a cada pulso, enquanto outros mais distantes têm apenas o seu limiar reduzido. A redução cumulativa dos potenciais de membrana neuronais individuais por estímulos subliminares, até que a despolarização ocorra (somação temporal), contribui e é paralela a somação espacial (recrutamento). Assim, gera focos convulsivos que coalescem e se espalham pela superfície cortical e, a seguir, pela região subcortical, chegando a ativar o gerador que iniciará os disparos sincrônicos característicos da crise.
FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
51
Cada pulso individual de um estímulo efetivo fornece uma corrente suficiente para que ao menos uma porção dele penetre no escalpe, no crânio e no cérebro. Por exemplo, considerando que em torno de 10% da intensidade de cada estímulo penetra o cérebro, um pulso com uma corrente de 1 A e uma duração de pulso de 0,5 ms fará que 0,05 mC atinjam o cérebro. Devido ao fato de a corrente aplicada ser constante, o pulso penetra o crânio e atinge o cérebro com os seus parâmetros intactos (apenas a intensidade reduzida a 10%). Assim, um pulso único de 1A com duração de 0,5 ms aplicado no escalpe seria registrado na superfície do córtex como um pulso de 0,1 A com 0,5 ms de duração (ver Cap. 2). Esses parâmetros estão na faixa necessária para iniciar a despolarização de um neurônio único. A duração do pulso, a frequência na qual são disparados e o número total de pulsos determinam se e quando a crise generalizada será induzida.
DETERMINAÇÃO DA DOSE ELÉTRICA LIMIAR CONVULSÍGENO O melhor método disponível para determinar a dose elétrica a ser utilizada é o da titulação do limiar convulsígeno. Cerletti e Bini realizaram a primeira titulação do limiar da história ao oferecer intensidades crescentes de estímulo até que houvesse uma generalização da crise. Essa titulação não foi intencional, especialmente porque a anestesia ainda não era utilizada em ECTs e estímulos subliminares (com intensidade insuficiente para induzir uma crise generalizada) eram extremamente dolorosos. O método moderno de titulação foi desenvolvido e sistematizado por Harold Sackeim na Universidade de Columbia, Nova York.12-14 Atualmente é o método adotado e sugerido pela American Psychiatric Association (APA).15 Ele leva em consideração o fato de que pessoas diferentes necessitam de doses diferentes de eletricidade para a indução de uma crise terapêutica. Também considera que os efeitos terapêuticos e os efeitos colaterais cognitivos são proporcionais a quão acima do limiar convulsígeno está a dose elétrica utilizada. O limiar convulsígeno é definido como a dose elétrica mínima necessária para induzir uma crise terapêutica generalizada. Com os dados disponíveis até o presente momento, sugere-se que, para o posicionamento bilateral de eletrodos, seja utilizada para o tratamento uma carga próxima ao limiar convulsígeno (1,5 a 2,5 vezes o limiar em mC, utilizando pulso breve de 0,5 a 1,0 ms); enquanto para posicionamento unilateral (pulso breve ou pulso ultrabreve) seja utilizada uma carga ao redor de seis vezes o limiar convulsígeno em mC (para atingir esse valor, caso o aparelho utilizado permita, sugere-se que seja aumentada primeiro a duração do estímulo e depois a frequência).
ROSA & ROSA (orgs.)
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Existe uma série de fatores que podem tornar o limiar maior ou menor. É importante conhecer estes fatores para explicar melhor as diferenças observadas, mas nenhum deles prediz o limiar individual com uma margem adequada. Na prática clínica, utilizando aparelhos de pulso breve com corrente constante, a variação de limiar entre os indivíduos pode chegar a 40 vezes. Isso significa que, sem a titulação, é praticamente impossível saber previamente o limiar individual. Além disso, essa estimativa de variação foi calculada em estudos com pacientes sem uso de psicotrópicos. A realização da ECT com uso concomitante de medicações (que podem alterar o limiar de diferentes formas) torna ainda mais difícil prever o limiar. De qualquer forma, é importante saber o efeito qualitativo de diferentes variáveis sobre ele (Tab. 3.1). Essas variáveis serão discutidas a seguir.
Posicionamento de eletrodos Apesar da menor distância entre os eletrodos na ECT unilateral, com estimulação de pulso breve e com corrente constante, o limiar é mais baixo com a posição de d’Elia1 do que com o posicionamento bilateral padrão. Isso pode parecer um paradoxo, pois com a menor distância, menor será a densidade de carga neuronal na ECT unilateral (por ser maior o desvio ou shunt da corrente). A explicação para isso parece estar nas vias nas quais a corrente se concentra. Com ECT bilateral, a densidade de carga no cérebro não é maior na linha que conecta os eletrodos perpendicularmente ao crânio, mas é maior no tecido frontal, bem anterior a esta linha, caindo abruptamente no tecido mais posterior.
TABELA 3.1
FATORES QUE INFLUENCIAM O LIMIAR CONVULSÍGENO LIMIAR MAIS ALTO
LIMIAR MAIS BAIXO
Sexo
Masculino
Feminino
Idade
Idoso
Jovem
Posicionamento de eletrodos Bilateral
Unilateral
Medicações concomitantes
Anticonvulsivantes em Antipsicóticos, geral (benzodiazepínicos, antidepressivos, lítio, estabilizadores do humor estimulantes do SNC. – exceto lítio)
Duração dos pulsos
Pulsos longos (>1,0 ms)
SNC: sistema nervoso central.
Pulsos curtos (0,3-0,5 ms)
FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
53
Em contrapartida, em parte devido ao desvio através do escalpe, que serve como um grande eletrodo virtual, a densidade de carga máxima com ECT unilateral está mais uniformemente distribuída pelos dois terços anteriores do córtex, ipsilateral aos eletrodos. A densidade de carga é menor nas regiões corticais contralaterais. Por isso, com cargas um pouco acima do limiar convulsivo, as crises com ECT bilateral iniciam nas regiões pré-frontais, enquanto na ECT unilateral as crises começam na região perirrolândica (córtex motor), que possui um limiar intrinsecamente menor.
Impedância dinâmica Existe uma correlação negativa entre impedância dinâmica e limiar convulsivo. Inicialmente, é possível pensar que uma impedância menor estaria relacionada a uma maior carga chegando ao cérebro, mas não é isso o que acontece. A medida da impedância dinâmica faz referência mais à corrente que é desviada e passa pela pele e pelos anexos. Com uma menor impedância dinâmica, uma maior quantidade de corrente será desviada (flui pelo caminho mais fácil, por assim dizer) e menos entrará no cérebro. No entanto, uma impedância dinâmica maior fará um maior fluxo penetrar no tecido cerebral. A impedância, contudo, tem papel limitado na previsão do limiar, já que somente pode ser calculada a posteriori. Gênero e idade Esses são dois fatores que sabidamente influenciam o limiar. O maior fator limitante à entrada da corrente no cérebro é a calota óssea. As mulheres, por exemplo, tendem a ter crânios menos espessos e, consequentemente, um menor limiar. Já os homens tendem a uma calota mais espessa, e pessoas idosas tendem a uma calota mais calcificada. Em ambas as situações, há uma tendência ao aumento do limiar convulsígeno. Medicações concomitantes O limiar poderá variar em uma série de situações clínicas, especialmente com o uso (ou a retirada) de substâncias psicoativas. Anticonvulsivantes e depressores do sistema nervoso central ( SNC) (como o álcool) aumentam o limiar, enquanto antipsicóticos, antidepressivos e lítio reduzem o limiar. A retirada deles pode ter um efeito inverso. Parâmetros elétricos Sabe-se que diferentes combinações de parâmetros serão mais ou menos eficientes para a indução das crises. O parâmetro que parece ter mais influência na eficiência da convulsão (além da intensidade, que costuma ser fixa) é a duração do pulso. Pulsos mais próximos ao cronaxie (ver Cap. 2) são mais eficientes e terão um limiar convulsígeno menor nas medidas compostas de dose elétrica. 16
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A determinação do limiar é realizada na primeira sessão da técnica e consiste na estimulação repetida com cargas progressivas até que haja generalização da crise. É importante observar um intervalo, de cerca de 20 segundos, entre cada estímulo, pois a generalização pode ser mais demorada com cargas próximas ao limiar. Não existe um limite no número de estimulações a ser tentado nessa primeira sessão. Isso será definido de acordo com o tempo de duração da anestesia (inclusive uma nova indução poderá ser realizada, caso indicado) e de acordo com possíveis riscos cardiovasculares individuais. O único risco da estimulação subliminar repetida é a indução de uma bradicardia ou até assistolia por liberação parassimpática. O uso de um anticolinérgico nessa sessão está indicado (geralmente atropina IV 0,4 mg ou glicopirrolato IV 0,2 mg) e é bastante eficaz.17,18 Não existe um método unânime aceito para a titulação. Foram criadas tabelas nos principais centros de referência que utilizam esta técnica. O grau de precisão na titulação pode variar conforme a necessidade, com passos mais longos ou mais curtos. É possível aumentar diferentes parâmetros, como a duração, a frequência ou a porcentagem da carga máxima do aparelho, mas é importante ter o conceito em mente, pois não existe uma precisão matemática. Na prática clínica é aceitável uma variação, pois o limiar é apenas um guia que evitará excessos que poderão ser tóxicos, porém evitará doses subterapêuticas, que poderão ser ineficazes. As Tabelas 3.2 a 3.6 são exemplos de como pode ser titulado o limiar com diferentes aparelhos e diferentes durações de pulso.
FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
TABELA 3.2
55
TITULAÇÃO PARA APARELHOS COM BOTÃO ÚNICO – PULSO BREVE (0,5-1,5 ms) a
THYMATRON (DGX OU SYSTEM IV)
MECTA (SPECTRUM 4000M E 5000M)
PASSO
NÍVEL DO ESTÍMULO (% DA CARGA)
CARGA (mC)b
CARGA (mC)b
1
5
25
29
2
10
50
58
3
15
76
86
4
25
126
144
5
35
176
202
6
50
252
288
7
70
353
403
8
100
504
576
Utilizar para ECT bilateral ou unilateral. b Valor da carga arredondado; corrente fixa de 0,9 A (Thymatron) ou 0,8 A (Mecta). Fonte: Adaptada de Mankad e colaboradores. 19 a
TABELA 3.3 PASSO
b
TITULAÇÃO PARA APARELHOS MECTA 4000Q E 5000Q – PULSO BREVE (1,0 ms)
FREQUÊNCIA DURAÇÃO (Hz) (segundos)
CARGA CARGA (mC) (mC) PARA TRATAMENTO (1,5 × O LIMIAR)
c
CARGA (mC) PARA TRATAMENTO (2,5 × O LIMIAR)
d
CARGA (mC) PARA TRATAMENTO (6 × O LIMIAR)
1
20
1
32
48
80
192
2
20
2
64
96
160
384
3
20
4
128
192
320
768 f
4
20
6
192
288
480
1152 g
5
40
6
384
576
960 f
1152f,g
6
80
6
768f
1152f
1152f
1152f,g
7
120
6
1152 f 1152 f,g
1152 f,g
1152f,g
e
Baseado na tabela de titulação do New York State Psychiatric Institute – Columbia University. Corrente fixa de 0,8 A. c Para ECT bilateral (carga baixa). d Para ECT bilateral (carga alta). e Para ECT unilateral. f Aparelhos de 200 J. g Limiar muito alto; tratar com carga máxima do aparelho. Fonte: Mecta.20 a
b
ROSA & ROSA (orgs.)
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TABELA 3.4
TITULAÇÃO PARA APARELHOS THYMATRON DGX OU SYSTEM IV – PULSO ULTRABREVE (0,25 ms) a
PASSO
NÍVEL DO ESTÍMULO (% DA CARGA)
CARGA (mC)b
CARGA PARA TRATAMENTO EM mC (% DA CARGA TOTAL)d
1
5
25
170 (30%)
2
10
50
290 (50%)
3
15
76
460 (90%) c
4
25
126
560 (100%) c
5
35
176
560 (100%) c
6
50
252
560 (100%) c
7
70
392c
560 (100%) c
8
100
560c
560 (100%) c
Utilizar somente para ECT unilateral. b Valor da carga arredondado; corrente fixa de 0,9 A. c Somente em modelos de 200 J ( double dose). d Aparelhos Thymatron 100 J não oferecem cargas acima de 50% com pulso de 0,25 ms. Contudo, a experiência clínica com pulsos ultrab reves sugere que os limiares raramente sobrepassam 10% (50 mC). É possível até modificar o programa com o fornecedor e incluir passos de 1% no início (de 1 a 5%) para um ajuste mais fino nos limiares mais baixos. Fonte: Adaptada de Mankad e colaboradores. 19 a
TABELA 3.5
TITULAÇÃO PARA APARELHOS MECTA 4000M E 5000M – PULSO ULTRABREVE (0,3 ms) a
MODELO 100 J
MODELO 200 J
PASSO NÍVEL DO CARGA CARGA ESTÍMULO (mC)b PARA (% DA CARGA) TRATAMENTO (mC)c
NÍVEL DO CARGA CARGA ESTÍMULO (mC)b PARA (% DA CARGA) TRATAMENTO (mC)c
1
2
12
69 (12%)
1
12
69 (6%)
2
4
23
138 (24%)
2
23
138 (12%)
3
8
46
276 (48%)
4
46
276 (24%)
4
16
92
553 (96%)
8
92
553 (48%)
5
32
184
576 (100%)
16
184
1106 (96%) >
FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
TABELA 3.5
57
TITULAÇÃO PARA APARELHOS MECTA 4000M E 5000M – PULSO ULTRABREVE (0,3 ms) (CONTINUAÇÃO) a
MODELO 100 J
MODELO 200 J
PASSO NÍVEL DO CARGA CARGA ESTÍMULO (mC) b PARA (% DA CARGA) TRATAMENTO (mC)c
NÍVEL DO CARGA CARGA ESTÍMULO (mC)b PARA (% DA CARGA) TRATAMENTO (mC)c
6
64
369
576 (100%) c
32
369
1152 (100%) d
7
100
576
576 (100%) c
64
737
1152 (100%) d
100
1152
1152 (100%) d
8
Utilizar somente para ECT unilateral; baseado na tabela de titulação do New York State Psychiatric Institute – Columbia University. b Valor da carga arredondado; corrente fixa de 0,8 A. c Carga 6 vezes o limiar convulsígeno. d Limiar muito alto (raro com pulso ultrabreve): não é possível tratar com 6 vezes o valor (utiliza-se o máximo da capacidade do aparelho). Fonte: Mecta.20 a
TABELA 3.6
TITULAÇÃO PARA APARELHOS MECTA 4000Q E 5000Q – PULSO ULTRABREVE (0,3 ms) a
PASSO
FREQUÊNCIA (Hz)
DURAÇÃO (segundos)
CARGA (mC)
CARGA (mC) PARA TRATAMENTO (6 × O LIMIAR)
1
20
1
9,6
57,6
2
20
2
19,2
115,2
3
20
4
38,4
230,4
4
20
8
76,8
460,8
5
40
8
153,6
921,6 f
6
80
8
307,2
1152 f
7c
120
8
614,4d
1152f
b
Utilizar somente para ECT unilateral; baseado na tabela de titulação do New York State Psychiatric Institute – Columbia University. b Corrente fixa de 0,8 A. c Nesse passo a duração do pulso é aumentada para 0,4 ms. d Para aparelhos de 200 J. f Limiar muito alto: não é possível tratar com pulso ultrabreve (utilizar 0,6-0,75 ms). Fonte: Mecta.20 a
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CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PARÂMETROS Alguns pontos importantes sobre o que fazer com cada parâmetro elétrico durante a titulação merecem destaque: 1) DURAÇÃO DO PULSO. A duração do pulso não deve ser habitualmente modificada (aumentada) durante a titulação. Ela deve ser escolhida de acordo com o posicionamento dos eletrodos utilizados. Acredita-se que a duração do pulso influencia bastante no limiar e, caso haja necessidade de mudança, uma nova titulação deverá ser realizada com a nova duração de pulso escolhida. Por exemplo, pacientes que recebem ECT unilateral ultrabreve (duração = 0,3-0,4 ms) e passam a receber ECT unilateral breve (p. ex., 1 ms), terão outro limiar (geralmente mais alto) que deverá ser calculado para evitar cargas subterapêuticas. Dados disponíveis até o momento sugerem que pulsos ultrabreves podem ser subterapêuticos para ECT bilateral. Por esse motivo, sugerimos que seja utilizado, preferencialmente, pulso de 1 ms (ou, no mínimo, de 0,5 ms) para esse posicionamento. Pulsos mais longos (até 2 ms) ainda existem em aparelhos comercializados, mas seu uso é menos comum. 2) CORRENTE. Nas tabelas de titulação disponíveis, a corrente também é fixa (habitualmente em 0,8 ou 0,9 A). Até que resultados de estudos em andamento que testam a titulação da corrente forneçam dados mais específicos, a corrente deve ser mantida fixa durante a titulação. Uma situação pouco comum ocorre quando a impedância é muito alta e a voltagem resultante para uma determinada corrente ultrapassa os limites de segurança do aparelho. Nessa situação, reduzir a corrente (pela Lei de Ohm) fará que a voltagem também diminua e, possivelmente, fique nos limites de segurança (< 500 V), permitindo o disparo da máquina. 3) DURAÇÃO E FREQUÊNCIA . A melhor técnica de titulação parece consistir em começar com frequência baixa e aumentar a duração até o máximo que o aparelho permite. Após esse máximo, caso não haja generalização, deve-se aumentar a frequência também até o máximo permitido pelo aparelho, para que seja obtida a indução da crise.21 Existem algumas situações especiais que merecem consideração. Aparelhos com limitação de energia (e, consequentemente, de carga) * poderão não ser
Nos Estados Unidos, o Food and Drug Administration (FDA) limitou a energia dos aparelhos a 100 J (considerando uma impedância média de 220 Ω). Com isso, os aparelhos atingem ao redor de 500 mC como carga máxima. Limitação semelhante existe no Brasil pela Anvisa, apesar da existência de aparelhos com carga “dupla” (que atingem ao redor de 1.000 mC) em muitas instituições nacionais. *
FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
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capazes de induzir crises em até 5% dos pacientes. Esses geralmente são pacientes do sexo masculino, mais velhos, com posicionamento bilateral de eletrodos e com pulsos breves (≥ 0,5 ms). Tentativas heroicas para reduzir o limiar em situações semelhantes já foram tentadas. A mais conhecida é o uso da cafeína por via intravenosa. Vaughn McCall e colaboradores 22,23 provaram de forma clara que a cafeína não reduz substancialmente o limiar convulsígeno, mas apenas aumenta o tempo de duração das crises. Entretanto, ela aumenta o risco de complicações cardiovasculares e, por esse motivo, seu uso foi abandonado. Doses mais baixas de anestésico (especialmente derivado barbitúrico, como o metoexital ou o tiopental), bem como a hiperoxigenação prévia podem ajudar a reduzir o limiar. A retirada de medicamentos que aumentem o limiar e o possível acréscimo de medicamentos que reduzem o limiar (antidepressivos ou antipsicóticos, sempre conforme a indicação clínica individual), também podem ser úteis em casos extremos. Mesmo com aparelhos sem limitação de energia, há casos raros em que o limiar convulsígeno está acima da carga máxima oferecida pelo aparelho. Mesmo aparelhos com energia de 200 J (a 220 Ω) serão insuficientes para tais casos. Por fim, pacientes que utilizam cronicamente benzodiazepínicos, nos quais a retirada para o tratamento pode ter consequências ruins, se beneficiarão do uso de flumazenil (0,2 mg IV) durante a sessão. Cuidados com crises agudas de ansiedade deverão ser tomados nessa circunstância.
OUTROS MÉTODOS PARA DETERMINAÇÃO DA DOSE ELÉTRICA Outros métodos para determinar a dose a ser utilizada estão disponíveis, mas o mais utilizado na prática clínica é a própria experiência do ecetólogo. Alguns psiquiatras (geralmente os mais antigos, que realizaram muitas sessões antes de obter a titulação) acreditam que sua experiência seja suficiente para decidir que carga um determinado paciente necessita. Isso é totalmente falacioso. Mesmo levando em consideração fatores como idade, gênero e posicionamento de eletrodos, não é possível prever mais do que 30% (e mesmo assim, com baixa precisão) dos casos (70% dos casos receberiam carga inadequada, excessiva ou subterapêutica). Além do método da titulação do limiar, existe o da idade ou da metade da idade, sendo este o segundo método mais utilizado na prática clínica. Neste considera-se que a idade tende a aumentar o limiar. Existem formulações práticas nas quais se multiplica a idade do paciente por 2,5 (para ECT bilateral) ou por 5 (para ECT unilateral) e o resultado é a carga em mC. Por ser melhor do que o método da “experiência” e por sua praticidade, esse método é o preferido em muitos ambientes, inclusive acadêmicos. Aparelhos que utilizam um único botão e fornecem a carga em porcentagens de um total também têm grande
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ROSA & ROSA (orgs.)
aceitação no mercado. Seus fabricantes desenvolveram uma proporção entre idade e porcentagem da carga máxima (que está ao redor de 500 mC). Assim, pacientes com 30 anos de idade receberiam 30% da carga, pacientes com 55 anos receberiam 55% e assim sucessivamente. Como foi demonstrado que esse método tende a oferecer uma carga bem maior do que o limiar na maioria dos pacientes,24-25 foi desenvolvida uma variante da metade da idade.26 Assim, pacientes com 30 anos, por exemplo, receberiam 15% da carga máxima e assim por diante. Apesar de muito “populares”, essas são todas tentativas ruins de “prever” o limiar, o que apenas ressalta a importância da sua determinação. Além de sua óbvia imprecisão, essas tentativas não levam em consideração outros fatores como diferentes combinações de parâmetros, que determinam uma mesma carga (p. ex., utilização de durações de pulso diferentes). Esses métodos devem ser reservados para situações raras, nos quais a titulação pode ser muito arriscada (p. ex., pacientes portadores de cardiopatias graves).
MONITORAÇÃO FISIOLÓGICA Durante muitos anos acreditou-se que a duração da crise era o fator mais importante para garantir a eficácia terapêutica da ECT. Nos primeiros anos, somente a crise motora era monitorada e a sua duração era, praticamente, o único parâmetro existente para avaliar a qualidade da crise. Foi criada, então, a crença de que era necessário que a crise durasse ao menos 20 segundos para ser eficaz, caso contrário, um novo estímulo seria aplicado com uma dosagem elétrica maior. Ninguém sabe ao certo de onde veio o valor de 20 segundos e não há fundamentação científica alguma para esse número. O que se sabe é que convulsões longas não aumentam a eficácia; pelo contrário, elas aumentam apenas os efeitos colaterais cognitivos. Além disso, o aumento da carga oferecida (que oferece um maior potencial terapêutico) tende, em geral, a encurtar as crises, o que contradiz a suposta relação duração/eficácia. Mais recentemente, a American Psychiatric Association (APA)15 “reduziu” o valor mínimo aceito para 15 segundos (pela monitoração motora ou pelo EEG), sendo também este um valor arbitrário. A duração deve ter alguma importância, pois se for zero não há convulsão. Contudo, não se sabe o mínimo. O valor de 15 segundos é um bom referencial, mas é apenas isto, um referencial. Anestésicos diferentes resultam em durações de convulsão diferentes (propofol, por exemplo, reduz substancialmente a duração), apesar de nenhum anestésico ter se mostrado superior do ponto de vista da eficácia terapêutica.27,28 Outras características além da duração devem ser avaliadas (principalmente a resposta clínica; se o paciente tem crises
FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
61
de 12 segundos de duração, por exemplo, mas apresenta uma melhora clínica, não há por que modificar a técnica). Com a introdução do EEG para monitorar a crise de forma mais acurada, já foi possível descrever outras características que se mostraram mais importantes do que a simples duração em segundos, como será discutido a seguir. A crise induzida terá uma série de manifestações em vários níveis (incluindo neuroendócrino, como liberação de prolactina). Na prática clínica, três manifestações devem ser cuidadosamente monitoradas para que se confirme a ocorrência de uma crise generalizada e para que se avalie a sua qualidade e a sua relação com a eficácia clínica e com os efeitos colaterais. Essas são a manifestação motora, a central e a autonômica.
MANIFESTAÇÃO (CRISE) MOTORA Rigorosamente falando, o termo “eletroconvulsoterapia” perdeu sua precisão com o advento do relaxamento muscular. Doses diferentes do relaxante permitirão que haja, também, graus variados de manifestação da crise motora, mas esta deve ser reduzida ao mínimo ou abolida por completo. Nunca houve comprovação de que existe correlação entre manifestações motoras e resposta clínica, apesar disso ter sido considerado uma possibilidade no passado. No entanto, é importante confirmar e monitorar que houve uma generalização da crise e isso pode ser feito quando se confirma a ocorrência do envolvimento do córtex motor. Para a monitoração da manifestação motora é utilizado o método do “garroteamento” do membro. Geralmente, a perna (mas pode ser o braço) é garroetada com um manguito utilizado para medir a pressão arterial, que deve ser insuflado após a injeção do anestésico (para que não seja incômodo) e antes da injeção do relaxante muscular. Deve-se insuflar até uma medida acima da pressão arterial sistólica do paciente (geralmente 10 a 20 mmHg acima), para garantir que aquele membro não seja afetado pelo relaxante. Quando a técnica é bem-feita, é possível observar claramente nos pés (ou mãos) a generalização da crise, com a fase tônica (contração isométrica) e a fase clônica (contrações rítmicas) se manifestando sequencialmente, terminando com o relaxamento do membro. Alguns aparelhos permitem o registro desta manifestação (com eletromiograma nos modelos Thymatron e sensor opticomotor nos modelos Mecta), mas a observação visual costuma ser suficiente. O uso de um estimulador periférico para avaliar o grau de relaxamento muscular não é obrigatório, mas é extremamente útil e deve ser posicionado no membro contrário àquele garroteado.
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MANIFESTAÇÃO CENTRAL (CRISE CEREBRAL) A monitoração motora não é suficiente para avaliar e garantir a qualidade terapêutica da convulsão induzida. Tampouco, é suficiente para avaliar a presença de crises prolongadas (que poderão ter efeitos cognitivos deletérios) pois, geralmente, não têm manifestação motora. A manifestação central é o fenômeno mais importante do ponto de vista terapêutico 29,30 e do ponto de vista de efeitos colaterais cognitivos. 31 Por isso, deve ser monitorada com extremo cuidado. Tradicionalmente, o EEG para ECT utiliza dois eletrodos frontais (correspondente às posições Fpz 1 e Fpz 2 (Fpz – eletrodos na fronte) do sistema 10/20 de posicionamento de eletrodos (Fig. 3.3).15 Outros posicionamentos podem ser utilizados, bem como um número maior de eletrodos, mas raramente há necessidade disso na prática clínica diária. A região frontal foi a escolhida por dois motivos principais: por ser uma região fácil para a colocação de eletrodos (fácil preparo da pele e sem cabelos, que aumentam muito a impedância) e porque acredita-se que a manifestação central deva chegar às regiões frontais, que são a parte do córtex mais implicada nos sintomas depressivos. A montagem do EEG para ECT é, geralmente, referencial, ou seja, a voltagem do registro das regiões frontais é comparada com uma referência. Nesse caso, utiliza-se, muitas vezes, a região mastoide como referência. Habitualmente, a manifestação motora é mais curta ou tem, no máximo, a mesma duração que a manifestação central monitorada por meio do eletroencefalo-
Eletrodos na fronte (Fpz)
Eletrodos no processo mastoide
FIGURA
3.3
ELETRODOS PARA EEG.
FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
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grama (EEG). Uma das possibilidades para essa discrepância é que o EEG registra a parte frontal e não a região do córtex motor. Sugere-se que dois eletrodos frontomastoides sejam utilizados sempre que for possível, principalmente porque a comparação entre os hemisférios é importante e, também, porque algumas vezes os artefatos ou o descolamento durante a manipulação ventilatória podem causar a perda de um dos registros. A manifestação central pode ser dividida em quatro fases, mas, muitas vezes, nem todas se manifestam claramente (Fig. 3.4). Durante a estimulação ou logo após o término desta ocorrem os fenômenos de somação temporoespacial que consistem na fase de recrutamento. Em seguida, surge a fase de poliespículas, quando os disparos são sincrônicos com amplitude alta de registro e alta frequência, o que corresponde à contração tônica motora. Acredita-se que a fase seguinte, de poliespículas e ondas lentas, seja a manifestação do cérebro iniciando uma reação para eliminar os disparos. Nessa fase a frequência é mais lenta e a amplitude menor, correspondendo à contração clônica motora. Por fim, a última fase, chamada de silêncio ou supressão, que não é apenas o retorno à linha basal, mas uma redução temporária da manifestação elétrica basal. Na prática clínica os pacientes poderão apresentar uma infinidade de manifestações durante a atividade elétrica cerebral, com predominância de uma fase sobre a outra ou com a completa ausência do registro de alguma das fases. Exemplos de registros em papel fornecidos por diferentes aparelhos podem ser vistos nas Figuras 3.5 e 3.6. A análise das manifestações eletroencefalográficas durante as crises trouxe muitos dados sobre os mecanismos envolvidos durante o tratamento, mas apenas uma manifestação foi encontrada claramente correlacionada com a melhora clínica: a supressão pós-ictal. Não se sabe ao certo se esta é um fenômeno importante em si ou se é apenas um epifenômeno sugestivo de que a crise teve intensidade suficiente e o cérebro também reagiu de forma proporcional para terminá-la, o que tornou a sessão terapêutica. De qualquer forma, é uma mani-
Recrutamento
FIGURA
Poliespículas
Espículas/ Onda lenta
Supressão pós-ictal
3.4
FASES DA MANIFESTAÇÃO CENTRAL GENERALIZADA REGISTRADAS PELO EEG.
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FIGURA
3.5
REGISTRO EM PAPEL COM MECTA 5000M E 5000Q. Fonte: Mecta.20
EEG – Fp1 (Esquerdo)
EEG – Fp2 (Direito)
EMG
ECG
FIGURA
3.6
REGISTRO EM PAPEL COM APARELHO THYMATRON DGX E SYSTEM IV. Fonte: Cortesia de Somatics. 34
festação importante. Quando ela está presente, geralmente não há necessidade de modificar os parâmetros para aumentar a eficácia do tratamento. No entanto, quando está ausente, não significa que o paciente não vá melhorar, mas é possível que o tratamento ainda não tenha chegado ao máximo da eficiência possível.
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A resposta clínica deve ser o principal guia. Em muitos pacientes (em torno de 5%) não será possível determinar o ponto exato do término da crise no EEG. A maioria apresentará melhora clínica mesmo assim. Outras manifestações foram correlacionadas em menor escala com a resposta clínica: a amplitude do registro (ou poder em µV) e a coerência inter-hemisférica (o grau de semelhança na manifestação dos dois lados observados). Pode-se realizar a observação visual, que é bastante útil e eficiente na análise dessas manifestações. Alguns aparelhos fornecem programas de computador que analisam as características da crise e oferecem números sobre o grau de eficácia daquela sessão específica (Tab. 3.7).
MANIFESTAÇÃO AUTONÔMICA Por fim, há manifestações autonômicas características que devem ser monitoradas, pois confirmam a generalização da crise32 e, também, pelas complicações que delas possam derivar.33 Deve ser lembrado que as manifestações autonômicas variam de acordo com o uso ou não de medicamentos prévios (p. ex., anticolinérgicos ou anti-hipertensivos), de acordo com o anestésico utilizado e de acordo com o posicionamento de eletrodos.35
TABELA 3.7
EXEMPLO DE ANÁLISE DA CRISE REALIZADO POR UM APARELHO THYMATRON IV
PROGRAMA: TAXA DE CARGA ÓTIMA
Pico da frequência cardíaca
128/min
Índice de energia médio da crise
72 µV2
Índice de supressão pós-ictal
96%
Poder máximo sustentado
77.841 µV2
Tempo para atingir a amplitude de pico
33 s
Máxima coerência sustentada
95%
Tempo para atingir a coerência de pico
33 s
Amplitude ictal inicial
133 µV
Amplitude no meio da crise
264 µV
Amplitude pós-ictal
10 µV
Fonte: Somatics.34
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O estímulo elétrico sempre causará uma descarga parassimpática (mesmo se a crise não generalizar). Por esse motivo, quando há somente uma bradicardia após o estímulo, é sinal de que não houve generalização. Se a crise generalizar, há uma liberação simpática, com aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial.36 Essa manifestação poderá ser a última a retornar ao nível basal (após a crise motora e após a manifestação no EEG).37,38 A monitoração autonômica inclui o ECG, a pressão arterial e a oximetria. Esta última, além de sua óbvia utilidade para a monitoração ventilatória anestésica, é útil para avaliar manifestações autonômicas que ocorrem durante o estímulo (o oxímetro não sofre interferência durante o estímulo elétrico, mas o ECG sim).
APARELHOS DISPONÍVEIS E SEU MANEJO Existem dois principais aparelhos de corrente alternada com pulso breve/ultrabreve comercialmente disponíveis no Brasil, ambos de fabricação norteamericana: Thymatron® (Somatics Inc) e Mecta® (Mecta Corp). As Figuras 3.7, 3.8, 3.9 e 3.10 mostram alguns modelos. Apesar dos fabricantes afirmarem a superioridade do seu aparelho sobre o do concorrente, ambos oferecem todo o necessário para um tratamento dentro dos mais altos padrões. A intimidade com o funcionamento de cada um é extremamente importante e a leitura cuidadosa do manual do usuário é fortemente encorajada. Algumas diferenças merecem consideração. Os modelos Spectrum 5000® da Mecta® e todos os Thymatron® têm um módulo de tratamento e um módulo de monitoração (EEG, EMG/OMS, ECG). Eles também têm como opcional um programa de computador para armazenagem dos dados de tratamento e de monitoração. Os modelos Spectrum 4000® da Mecta não têm o módulo de monitoração, mas apenas o módulo de tratamento. Nessa situação sugere-se que um aparelho de EEG/ECG/EMG portátil seja acoplado para o procedimento. Um exemplo de EEG portátil está na Figura 3.10. Os aparelhos Thymatron® têm a corrente fixa em 0,9 A, enquanto os modelos Mecta® permitem uma variação de 0,5 a 0,8 A (alguns modelos mais recentes chegam a 0,9 A). Tanto os aparelhos Thymatron® quanto os Mecta® tipo “Q” (4000Q e 5000Q) permitem o ajuste individual dos três parâmetros básicos (duração do pulso, frequência e duração do estímulo). Como os Thymatron ® têm apenas um botão para regular a porcentagem da carga, para modificar parâmetros individuais é necessário utilizar o flex-dial no painel frontal. Já os Mecta® tipo “Q” têm quatro botões de regulagem (incluindo a corrente). Os modelos Mecta® tipo “M” (4000M e 5000M) apresentam combinações predeterminadas de parâmetros, o que permite uma flexibilidade menor no seu ajuste.
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FIGURA
3.7
MECTA SPECTRUM 5000Q. Fonte: Mecta.20
FIGURA
3.8
MECTA SPECTRUM 4000M. Fonte: Mecta.20
FIGURA
3.9
THYMATRON SYSTEM IV. Fonte: Somatics.34
FIGURA
3.10
ELETROENCEFALÓGRAFO PORTÁTIL DIGITAL. Fonte: Neurosoft.39
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Pequenas diferenças técnicas existem, mas não comprometem ou favorecem nenhum equipamento.
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CAPÍTULO
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INDICAÇÕES E EFICÁCIA Guilherme Lozi Abdo Marco Aurélio Buzetti Andrade
INTRODUÇÃO A eletroconvulsoterapia (ECT) foi utilizada pela primeira vez como tratamento em 1938. Seu uso se expandiu até o surgimento da terapia farmacológica para depressão nos anos 1950 e, a partir de então, sua indicação passou a declinar. Até a década de 1970, a ECT tinha suas indicações clínicas pouco definidas e era indicada primariamente para transtornos depressivos. Estudos subsequentes de eficácia e diversos relatos de caso passaram a definir as indicações clínicas para quadros como mania, catatonia, síndrome neuroléptica maligna, estados epilépticos e doença de Parkinson. Porém, até os dias atuais, os transtornos de humor ainda são a principal indicação, seguidos pela esquizofrenia. Nas últimas décadas, o refinamento técnico do tratamento e consequente minimização dos efeitos cognitivos contribuiu para o crescente e renovado interesse pela ECT. 1 Tal fato também foi corroborado com a recomendação formal de associações acadêmicas como a American Psychiatric Association (APA) 2 e o Comitê Especial em ECT de Londres (Royal College of Psychiatrists Special Committee on ECT) 3 fazendo que houvesse uma expansão de serviços que disponibilizam o tratamento. Os principais fatores para a indicação de eletroconvulsoterapia ainda estão baseados na refratariedade aos psicotrópicos, na gravidade da sintomatologia clínica e na cronicidade dos casos, apesar de estudos indicarem que o favorecimento da cronificação dificulta a resposta à ECT. A despeito das evidências sugerirem que a ECT tem um efeito antidepressivo mais robusto quando comparado aos medicamentos antidepressivos, 4 na maioria dos casos a indicação ocorre após o tratamento medicamentoso falhar, apesar de haver critérios específicos recomendando o uso como o primeiro tratamento a ser instituído. Tais critérios são: situações de maior gravidade e potencial mor talidade, em que há necessidade de uma resposta efetiva e rápida, como risco de suicídio e desnutrição; história de resposta medicamentosa pobre ou situações nas quais a medicação
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é contraindicada, como em idosos, pacientes intolerantes e gestantes. 2 Deve-se considerar também como primeira indicação a história prévia de resposta à ECT e a preferência do paciente. Apesar de evidências na literatura que respaldam seu uso de forma segura, a ECT ainda é indicada aquém das necessidades reais. Isso porque ainda há um conceito distorcido de que o procedimento é mais caro, mais invasivo ou até mais perigoso, o que leva à menor aceitação por parte de pacientes e familiares. Há décadas já é sabido, por meio de ensaios clínicos controlados e randomizados, que a ECT é um tratamento seguro e com ótima tolerabilidade, mesmo se realizado em pacientes portadores de doenças sistêmicas. Deve-se, portanto, ter em mente que a exposição prolongada a um episódio depressivo maior pode favorecer uma crescente resistência a qualquer tipo de tratamento. 5 Mesmo que em pequena escala, a ECT teve sua indicação expandida por conta da percepção dos médicos de que os psicotrópicos têm sua eficácia limitada e efeitos colaterais bastante deletérios e potencialmente letais para muitos pacientes. Atualmente, outro importante manejo adquirido em pacientes submetidos à ECT é a administração ambulatorial. Esta tende a reduzir os custos, o que pode ser considerado como fator que facilita sua indicação, alcançando, portanto, um maior número de pacientes que necessitam do tratamento. Em função de diversas evidências científicas sobre eficácia, segurança e tolerabilidade, cabe o questionamento a respeito de seu uso como primeira opção de tratamento, considerando sua indicação em casos de maior gravidade. Apesar da resistência a sua utilização, é consenso entre as associações acadêmicas e alguns autores que a ECT deve ser indicada em tais situações clínicas.
DEPRESSÃO A partir de 1950, com a introdução dos antidepressivos tricíclicos e inibidores da monoamina oxidase (iMAOs), diversos estudos randomizados encontraram significativa vantagem terapêutica da ECT em relação aos antidepressivos. 6-8 Muitos estudos apresentam problemas metodológicos, como amostras pequenas, doses baixas de antidepressivos e a técnica da ECT não descrita de for ma completa. Um dos poucos estudos duplo-cego 9 comparou pacientes com depressão endógena por 12 semanas. Um grupo usava imipramina (150 mg) e ECT simulado, e outro usava ECT bilateral e medicação placebo. Os resultados foram semelhantes entre os grupos, e uma melhora mais rápida foi observada no grupo que recebeu ECT bilateral. Alguns trabalhos foram realizados para avaliar o efeito placebo da eletroconvulsoterapia. Todas as metanálises concluíram que a ECT é consistentemente mais eficaz quando comparada à ECT simulada. 10-12 Há apenas um estudo controlado que relata que a ECT real não apresentava maior benefício em relação
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à ECT simulada.13 Nesse estudo foi utilizado um posicionamento de eletrodo associado à baixa intensidade do estímulo dado, tornando o tratamento ineficaz. Não pode-se esquecer que fatores técnicos relacionados à aplicação da ECT estão intimamente ligados a sua eficácia na depressão, o que compreende posicionamento dos eletrodos, formato da onda elétrica, dose total do estímulo elétrico aplicado, número de sessões e uso de medicações concomitantes. Estudos mais antigos não apresentavam a preocupação em descrever os parâmetros elétricos utilizados no tratamento, tampouco o posicionamento dos eletrodos. Essa falha metodológica compromete a eficácia do tratamento, pois há evidências de que o resultado clínico depende do posicionamento dos eletrodos e da dosagem do estímulo. 14 Uma importante metanálise mostrou uma taxa de resposta à ECT 20% mais alta em relação aos antidepressivos tricíclicos e 45% mais alta em relação aos iMAOs.10 A maioria dos estudos considerados fez uso de aparelhos de onda senoidal. Em outra metanálise que avaliou a melhora de sintomas depressivos em 15 estudos, Kho e colaboradores 11 encontraram superioridade da ECT em comparação à medicação e à ECT simulada. No mesmo ano, uma revisão sistemática do UK ECT Review Group, de 2003, avaliou 73 ensaios clínicos e comparou a eficácia da ECT real com a ECT simulada, a farmacoterapia e as diferentes técnicas da ECT. O resultado demonstrou que a ECT real foi significativamente mais eficaz do que a ECT simulada e do que a farmacoterapia (1.144 pacientes). Em relação à técnica, a ECT bilateral foi moderadamente mais efetiva do que a ECT unilateral (1.408 pacientes). Pagnin e colaboradores12 revisaram estudos controlados e randomizados que compararam a ECT ao placebo, aos medicamentos (tricíclicos, inibidores da monoamina oxidase e combinação de tricíclico com carbonato de lítio) e à ECT simulada. Da mesma forma, também revisaram estudos observacionais que comparavam a ECT aos antidepressivos (2.275 pacientes). Sua metanálise utilizou critérios diagnósticos mais restritos, adotando dados dicotômicos para avaliar a resposta dos sintomas depressivos. Dessa forma, pacientes com relato de melhora clínica moderada foram excluídos. Os resultados encontrados foram uma significativa superioridade da ECT em relação a todos os grupos comparados. Não houve distinção entre o posicionamento dos eletrodos. Em um estudo único que comparou a eficácia da ECT com um antidepressivo inibidor seletivo de recaptação de serotonina (paroxetina), Folkerts e colaboradores16 mostraram melhor resposta da ECT a curto prazo em pacientes com depressão refratária à medicação. Não há estudos com outros antidepressivos, como mirtazapina, venlafaxina, bupropiona e duloxetina. Um grupo de estudos multicêntricos chamado CORE (Consortium for Research in ECT) patrocinado pelo NIMH (National Institute of Mental Health), realizou uma série de estudos para evidenciar a eficácia da ECT. Os pacientes receberam ECT bilateral na fase aguda da depressão maior unipolar, três vezes ,
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por semana, totalizando 531 pacientes. Destes, 341 (64,2%) remitiram e 137 (25,8%) desistiram do estudo. Entre os que finalizaram (394), 87% alcançaram remissão.17 Husain e colaboradores18 demonstraram uma rápida velocidade de resposta da ECT, relatando uma taxa de remissão de 34% em duas semanas, 60% em três semanas e 75% em quatro semanas. Esses achados foram corroborados por Post e colaboradores19 e Williams e colaboradores, 20 os quais encontraram rápida resposta após as primeiras sessões. Outro sintoma pesquisado foi o alívio da intenção suicida ao longo do tratamento em 444 pacientes portadores de depressão maior unipolar. Destes, 29,5% relataram pensamentos ou atos suicidas. Após três sessões de ECT (uma semana), a remissão do sintoma ocorreu em 38,2% dos pacientes. Ao final de seis sessões (duas semanas), 61,1% apresentaram remissão e 80,9% apresentaram remissão da intenção suicida ao final do tratamento. 21 As sessões foram realizadas com pulso breve e posicionamento bitemporal dos eletrodos. A American Psychiatric Association (APA) recomenda a indicação da ECT antes do uso de psicotrópico em situações nas quais é necessária uma resposta clínica rápida em função da gravidade dos sintomas psiquiátricos.2 Keshtkar e colaboradores 22 realizaram um ensaio clínico controlado e randomizado para comparar a eficácia da ECT com a estimulação magnética transcraniana de repetição (EMTr) em 73 pacientes com depressão maior refratária. Os instrumentos de avaliação utilizados foram o Inventário de Depressão de Beck e a Escala de Avaliação para Depressão de Hamilton. Os resultados demonstraram que ambos os tratamentos melhoraram os sintomas depressivos a curto prazo, porém apontaram para uma maior eficácia antidepressiva da ECT. Da mesma forma, a ECT levou a uma redução mais significativa no comportamento suicida em relação à EMTr. Os resultados convergem com as evidências científicas atuais, que sugerem a indicação primária da ECT em pacientes com risco de suicídio. Diversos estudos tentaram definir fatores preditivos de resposta positiva à ECT. Pesquisas mais antigas apontaram que quadros depressivos com características melancólicas ou neurovegetativas têm melhor reposta à ECT,23,24 enquanto estudos mais recentes não sugeriram essa sintomatologia como valor prognóstico favorável.25,26 Em outra publicação do grupo de estudos CORE, Fink e colaboradores 27 falharam em demonstrar que sintomas melancólicos são fatores preditores de resposta à ECT. Foi estudada uma amostra de 489 pacientes deprimidos, sendo que 311 (63,6%) preenchiam o critério para características melancólicas. Ao final do tratamento com ECT bitemporal, houve remissão de 62,1% dos pacientes com sintomas melancólicos e 78,7% dos pacientes sem sintomas melancólicos. Da mesma forma, Rasmussen28 concluiu em uma revisão de literatura que a
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maioria dos estudos modernos em ECT não demonstraram sintomas melancólicos como preditores de resposta. Um único estudo29 avaliou os sintomas de uma escala de avaliação para depressão refratária como preditor de resposta à ECT. Foram avaliados 24 pacientes, os quais apresentavam pontuação de, pelo menos, 21 pontos na Escala de Avaliação para Depressão de Montgomery & Åsberg (MADRS). Os sintomas foram separados em três núcleos. O primeiro núcleo compreende três itens que representam disforia, incluindo tristeza relatada, pensamentos pessimistas e suicidas. O segundo núcleo, definido por quatro itens e representando retardo, inclui lassidão, incapacidade de sentir tristeza aparente e dificuldade de concentração. Já o terceiro núcleo representado por sintomas vegetativos, inclui três itens compreendidos por tensão interior, redução do apetite e sono diminuído. Os pacientes foram submetidos a duas sessões por semana, em um total de seis sessões, e foi utilizado pulso breve e posicionamento bilateral dos eletrodos. Os resultados encontrados sugerem que a maior pontuação do primeiro núcleo de sintomas (disforia) foi um bom fator preditor de eficácia em ECT. Outro achado do estudo também considerou que os pacientes com maior pontuação de sintomas vegetativos (terceiro núcleo) melhoraram após uma semana do término do tratamento. Portanto, foi considerada uma resposta mais tardia para o grupo de sintomas vegetativos. Em relação aos subtipos de depressão, há substanciais evidências clínicas de que a depressão com sintomas psicóticos apresenta taxas superiores de resposta se comparada à depressão sem sintomas psicóticos. 30 Da mesma forma, sintomas catatônicos estariam presentes em um transtorno depressivo. Segundo a APA,2 essa particularidade na apresentação clínica pode ser um prognóstico favorável (ver o tópico Catatonia). Petrides e colaboradores31 compararam 253 pacientes com depressão unipolar, sendo 77 com sintomas psicóticos e 176 não psicóticos. Foram realizadas 12 sessões utilizando eletrodos de posicionamento bilateral (bitemporal). O limiar convulsivo foi determinado por meio do método de titulação da dose. Os resultados apontaram para uma taxa de remissão de 95% para os pacientes com sintomas psicóticos em comparação a 83% para os pacientes não psicóticos. A taxa de remissão global foi de 87%. O grupo com sintomas psicóticos também apresentou resposta clínica mais rápida, evidenciando remissão de 53% dos pacientes ao final de sete ou menos sessões. Já os pacientes sem características psicóticas apresentaram remissão de 41% no mesmo tempo. Na metanálise de Kho e colaboradores 11 citada anteriormente, também foi encontrada evidência de que a ECT foi mais eficaz na depressão com sintomas psicóticos em comparação a depressão sem sintomas psicóticos. A idade do paciente também tem sido associada à eficácia do tratamento. Diversos estudos afirmam que pacientes mais idosos têm maior probabilidade
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de apresentar uma resposta clínica mais significativa se comparados a pacientes mais jovens.32 Damm e colaboradores33 avaliaram a eficácia e a tolerabilidade da ECT em relação à idade em um grupo de 380 pacientes. Destes, 74,4% tinham diagnóstico de transtorno depressivo maior. Os pacientes com mais de 60 anos representavam 30% do total da amostra, e foi observada melhora clínica em todas as idades. Os resultados foram congruentes com estudos prévios, confirmando uma significativa eficácia da ECT em idosos e um excelente perfil de tolerabilidade. Em um estudo naturalístico e prospectivo, Khalid e colaboradores 34 analisaram os resultados de 38 pacientes portadores de depressão refratária, submetidos à ECT unilateral ou bilateral bitemporal. A resposta clínica, caracterizada por melhora em, pelo menos, 50% na Escala de Avaliação para Depressão de Hamilton de 24 itens (HDRS), foi encontrada em 65,8% dos pacientes. Já a remissão dos sintomas (pontuação ≤ 10 e melhora de ≥ 60% na HDRS) foi encontrada em 53,3% dos pacientes. Esse estudo também mostrou que uma maior duração do episódio depressivo e uma falha na resposta ao antidepressivo não foram fatores preditores de menor resposta ao tratamento. A principal indicação para o uso da ECT ainda é a resistência medicamentosa. A sua utilização pode ter contribuído para que as taxas de remissão de depressão maior diminuíssem nas últimas décadas. 35 Esperava-se que cerca de 90% dos pacientes alcançassem a remissão, porém esse índice encontra-se substancialmente reduzido nas pesquisas atuais. 36 Esse declínio pode ser explicado por diversos fatores como a diferença ao longo das décadas nos métodos de avaliação, a administração da ECT ou a população heterogênea nos estudos. 35 Uma série de estudos tem observado que pacientes com quadros depressivos de longa duração tendem a menor resposta à ECT. Em pacientes que recebem ECT no primeiro episódio depressivo, as taxas de remissão têm sido estimadas entre 80 e 90%. Já em pacientes que não responderam a, pelo menos, um tipo de antidepressivo em dose adequada, as taxas de remissão são significativamente mais baixas, em torno de 50 a 60%.37 Uma metanálise baseada em sete estudos observacionais38 evidenciou uma taxa de remissão com ECT de 48% entre os pacientes que apresentaram falha na resposta farmacológica e de 64,9% entre os pacientes sem falha medicamentosa prévia, concluindo que a ECT foi significativamente superior entre os pacientes sem história de resistência medicamentosa. Um estudo multicêntrico chamado STAR*D (Sequenced Treatment Alternatives to Relieve Depression) avaliou 3.671 pacientes portadores de transtorno depressivo maior.39 Seus resultados foram bastante elucidativos para mostrar a diminuição das taxas de remissão à medida que avançava no tratamento proposto por um algoritmo. O primeiro passo apresentou remissão de 36,8% e o quarto e último passo alcançou remissão de 13%.40 Apesar de a ECT não fazer
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parte do algoritmo como indicação para pacientes que não obtiveram resposta ao tratamento proposto, os resultados evidenciaram que a não remissão dos sintomas dificulta uma resposta clínica subsequente.
MANIA Em relação à depressão unipolar e à esquizofrenia, um número menor de pesquisas respaldam a utilização da ECT em quadros de mania. Desde meados de 1940 já havia relatos da eficácia da ECT para essa condição. 2 Há evidências na literatura que apontam para uma remissão ou significativa melhora clínica de, aproximadamente, 80% dos pacientes maniformes. 41 Segundo a APA, as propriedades antimaníacas da ECT são iguais ou superiores à farmacoterapia. 2 Diversas recomendações de tratamento sugerem que a indicação de ECT seja feita apenas para pacientes refratários ao tratamento ou casos extremamente graves, como risco de suicídio e potencial violência. 42 Apesar de ser um tratamento comprovadamente eficaz nessa síndrome, ainda não é considerado como primeira opção,43 sendo indicado, portanto, em situações clínicas em que os agentes antimaníacos e antipsicóticos de segunda geração não oferecem resposta clínica satisfatória. A literatura científica carece de estudos que comparem a eficácia entre os estabilizadores de humor e a ECT. 2,44 Segundo Abrams,45 a ECT é uma das terapêuticas mais eficazes para casos de mania grave e pode ser o tratamento escolhido nos casos de mania refratária aos medicamentos. Há evidências de estudos clínicos prospectivos e retrospectivos indicando que um número significativo de pacientes em mania, refratários aos medicamentos, podem se beneficiar da ECT.40,46 Deve-se ressaltar também que a velocidade de resposta do agente antimaníaco pode ser menor, se comparada a pacientes submetidos à ECT como primeira opção de tratamento. 2 Mukherjee e colaboradores 40 randomizaram pacientes para ECT com posicionamento dos eletrodos unilateral à direita e à esquerda, em uma primeira fase, e uso de carbonato de lítio e haloperidol ou ECT unilateral à direita, à esquerda ou bitemporal. Dos pacientes tratados com ECT, 59% apresentaram remissão dos sintomas de mania. Não houve resposta dos pacientes tratados com medicação. Entre os pacientes com diferentes posicionamentos de eletrodos não houve diferença na resposta. Em relação ao posicionamento dos eletrodos, Barekatain e colaboradores47 realizaram um ensaio clínico randomizado e duplo-cego para comparar a eficácia e a segurança da ECT bitemporal com a ECT bifrontal no tratamento de 28 pacientes com mania grave, os quais foram diagnosticados segundo os critérios do DSM-IV ( Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4a edição)48 como portadores de Transtorno Afetivo Bipolar tipo I em fase de mania.
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Todos os pacientes foram submetidos a, no mínimo, seis sessões de ECT, três vezes por semana. O limiar convulsivo foi determinado por meio da técnica de titulação da dose e utilizado pulso breve (1,0 milissegundo) para todos os pacientes. Nas aplicações subsequentes, o grupo de ECT bitemporal foi estimulado com uma carga 50% acima do limiar convulsivo e o grupo de ECT bifrontal foi estimulado pouco acima do limiar convulsivo. Os resultados revelaram que ambos os posicionamentos de eletrodos são igualmente eficazes, havendo apenas diferença quanto aos efeitos na cognição, sendo favoráveis à ECT bifrontal. Em um estudo controlado, randomizado e duplo-cego, Sikdar e colaborado49 res compararam a ECT bitemporal com a simulada (placebo). Ambos os grupos de pacientes em mania (15 pacientes em cada grupo) faziam uso de 600 mg de clorpromazina. O estudo evidenciou superioridade da ECT bilateral, com remissão de 12 dos 15 pacientes que receberam oito aplicações. Já o grupo de ECT simulada apresentou resposta em apenas um paciente. Em uma revisão sistemática, Versiani e colaboradores 43 avaliaram a eficácia e a segurança da ECT em pacientes com transtorno afetivo bipolar. Foram selecionados 28 artigos, os quais evidenciaram superioridade da ECT em relação à ECT simulada, ao carbonato de lítio e à combinação de carbonato de lítio e haloperidol no tratamento de pacientes em mania. Apesar de não haver estudos com metodologia adequada para o tratamento da mania no transtorno afetivo bipolar, devemos considerar a indicação de ECT em casos de refratariedade aos medicamentos e a gravidade dos sintomas. Também deve-se considerar nos casos de mania com ciclagem rápida, podendo representar uma alternativa eficaz de tratamento. 50
ESTADOS MISTOS É bastante escasso na literatura o número de trabalhos que investigam a eficácia da ECT nos estados mistos, 51-52 principalmente no que concerne a ensaios clínicos. O mesmo ocorre com os tratamentos farmacológicos, cuja baixa resposta terapêutica é destacada na literatura existente. Diversos autores relatam resposta pobre ao lítio em 60 a 70% dos pacientes em estado misto, 53-55 condição essa que pode acometer até 40% dos portadores de transtorno afetivo bipolar.56 As evidências referentes à terapêutica da ECT nos estados mistos se limitam a relatos de casos57 e a alguns trabalhos prospectivos e retrospectivos, que mostram um resultado favorável da ECT nesta particular condição clínica dos transtornos afetivos bipolares. Em um estudo prospectivo, Medda e colaboradores58 compararam a resposta da ECT em pacientes portadores de transtorno afetivo bipolar tipo I resistentes ao tratamento farmacológico. Dos 96 pacientes incluídos, 46 estavam em fase depressiva e 50 em estado misto. Foi utilizado posicionamento bilateral dos
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eletrodos e pulso breve para aplicação de duas sessões semanais. A taxa de resposta global foi de 67,4% para os pacientes com depressão bipolar e 76% para os pacientes em estado misto. Já a taxa global de remissão foi de 41,3% para depressão bipolar e 34,8% para estado misto. O estudo concluiu que a ECT deve ser considerada como alternativa de tratamento em pacientes bipolares tipo I em estado misto que não responderam ao tratamento farmacológico convencional. Em outro estudo prospectivo,59 os resultados indicaram que a ECT levou a significativa redução dos sintomas. Entre os 41 pacientes diagnosticados em estado misto (DSM-IV), 23 tiveram resposta clínica (56%), uma resposta significativamente maior se comparada aos 26% de resposta dos pacientes com depressão bipolar. Os pacientes de ambos os grupos foram considerados refratários aos psicotrópicos. Os autores também ressaltaram uma maior velocidade de resposta clínica no grupo de pacientes em estado misto. Devanand e colaboradores60 realizaram um estudo retrospectivo para comparar a eficácia da ECT em pacientes com depressão bipolar, mania e estado misto. Além do método, outra limitação do estudo foi o pequeno número de pacientes avaliados. Os resultados enfatizaram que os três grupos de pacientes apresentaram uma robusta resposta clínica. No grupo de pacientes em estado misto, a resposta clínica foi de 80%. Entretanto, os pesquisadores apontaram para uma tendência de número maior de sessões nos pacientes em estado misto em comparação com os outros grupos. Também concluíram que a ECT é uma ferramenta terapêutica para pacientes em estado misto sem resposta medicamentosa. Apesar de nos depararmos com importantes limitações metodológicas, como falta de ensaios clínicos controlados, tamanho pequeno de amostras e estudos retrospectivos sem avaliação sistematizada, a ECT teve sua indicação estabelecida e a maioria dos estudos apontou para uma resposta clínica significativa no tratamento do estado misto. 2
ESQUIZOFRENIA Nos primeiros 10 anos de existência da ECT, na década de 1940, diversos relatos de casos já apontavam para a eficácia da prática. Apesar de a ECT ter sido utilizada pela primeira vez em um paciente portador de esquizofrenia, logo surgiram evidências da melhor eficácia desse tratamento em transtornos do humor.4 A consagração dos antipsicóticos fez que a ECT tivesse seu uso bastante reduzido, porém, nas últimas décadas, essas medicações evidenciaram que, além de provocarem uma enorme gama de efeitos colaterais, são, também, ineficazes em muitos casos.61 Atualmente, as evidências estatísticas são bastante limitadas no que concerne o desfecho clínico da ECT se comparada aos antipsicóticos. Isso se deve, principalmente, a limitações metodológicas, como o método das pesquisas e
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estudos não controlados e a grande variação nos critérios diagnósticos existentes, o que favorece amostras heterogêneas, assim como a sua não randomização. Estudos mais antigos, que comparavam ECT real com ECT simulada em pacientes com esquizofrenia, não evidenciaram benefício terapêutico. 62 Em contrapartida, estudos mais modernos mostraram a resposta clínica substancial da ECT real em relação à ECT simulada. 63 São apontados como fatores que podem justificar essas diferenças a cronicidade dos pacientes estudados e o uso concomitante de antipsicóticos. 64 Os estudos mais antigos selecionavam pacientes com a doença em curso cronificado e de difícil remissão, enquanto pacientes com exacerbações agudas eram, normalmente, selecionados em estudos mais recentes.2 Isso teve importante impacto no que tange à intensidade da resposta terapêutica. Na prática atual, considera-se que um quadro agudo de esquizofrenia, ou seja, a exacerbação dos sintomas psicóticos (sintomas positivos) é fator preditor de resposta favorável à ECT, ao passo que sintomas crônicos ou sintomas negativos tendem a uma resposta mais discreta.2 Portanto, a duração do episódio é considerada pelos estudos como um fator preditivo mais consistente de resposta à ECT.2 A eficácia da ECT parece estar mais relacionada aos quadros com características catatônicas.2,4 Como os transtornos de humor costumam ter uma resposta mais consistente, podemos considerar também um fator prognóstico positivo quando os sintomas catatônicos têm etiologia afetiva. 2 Pacientes com quadros agudos têm uma taxa de remissão ou resposta de 40 a 80%,65 enquanto pacientes portadores de quadros crônicos apresentam uma taxa de remissão entre 5 e 10%. 4 Atualmente, considera-se a indicação clínica para ECT nos casos em que os pacientes são refratários ao tratamento com antipsicóticos.2 Há sugestões na literatura de que um maior número de sessões de ECT possam ser necessárias na esquizofrenia para alcançar uma melhor resposta terapêutica.2,66 Entretanto, não há pesquisas recentes que confirmem a hipótese. Estudos que compararam a eficácia da ECT e antipsicóticos de forma separada e em uso associado demonstraram fortes evidências de maior resposta quando em uso concomitante. Em uma revisão de literatura em que foram identificados 42 artigos incluindo 1.371 pacientes, Braga e Petrides, 67 apesar de ressaltarem que as evidências clínicas ainda são insuficientes para per mitir conclusões definitivas, afirmaram que a literatura revisada indica que o tratamento combinado com ECT e antipsicóticos é seguro e eficaz para pacientes esquizofrênicos, especialmente se considerados refratários ao tratamento medicamentoso. Em outra revisão, que compreendia 498 pacientes, a associação de ECT e antipsicóticos foi superior ao uso apenas do antipsicótico, principalmente durante as primeiras semanas de tratamento.68 Em um estudo controlado, Chanpattana e colaboradores69 mostraram que a combinação de ECT e antipsicótico foi extremamente eficaz na prevenção de
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recaída. A amostra de pacientes era refratária aos antipsicóticos. Não há dados consistentes na literatura que demonstrem os efeitos terapêuticos do uso combinado a longo prazo, tampouco o impacto dos efeitos cognitivos. 70 Um estudo retrospectivo mostrou que a ECT de continuação combinada ao uso de antipsicótico foi associada a um desfecho clínico melhor em relação ao uso da medicação isoladamente. Também foi associada a uma melhor qualidade de vida e a um melhor funcionamento a longo prazo. 66 Um moderno estudo controlado, randomizado e duplo-cego comparou ECT real e simulada no tratamento da esquizofrenia crônica refratária. 71 Todos os pacientes desse estudo receberam antipsicóticos (em média 500 mg/dia de clorpromazina) e, ao final do tratamento (após seis sessões), o grupo submetido ao tratamento com ECT real apresentou uma melhora significativa na pontuação da Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica (Brief Psychiatric Rating Scale). O mesmo grupo também teve um menor número de hospitalizações (20%) em relação ao grupo-controle (70%). Chanpattana e Chakrabhand 72 realizaram importante estudo, o qual possuía uma amostra de 293 pacientes que não respondiam a três antipsicóticos em altas doses. Evidenciaram uma resposta com ECT em 54% dos pacientes e apontaram como fatores idade menor, menor tempo de duração da doença e história familiar de esquizofrenia reduzida. Observaram também que a resposta clínica foi mais consistente em pacientes que apresentavam sintomas positivos, achado congruente com a maioria dos estudos. Nothdurfter e colaboradores 73 realizaram um estudo retrospectivo com 455 pacientes submetidos a 5.482 sessões de ECT para avaliar os efeitos dos antipsicóticos em relação aos parâmetros da ECT. O tratamento combinado foi considerado mais eficaz com a associação de antipsicóticos de segunda geração. O uso combinado também não aumentou a probabilidade de efeitos adversos relacionados à ECT. Chanpattana e Sackeim, 74 em um estudo prospectivo, avaliaram a resposta de 253 pacientes portadores de esquizofrenia refratária que foram submetidos à ECT em uso associado de flupentixol. Entre os pacientes, 138 (54,5%) apresentaram resposta clínica. Foram descritos como fatores preditores de resposta menor a longa duração do episódio e maior gravidade dos sintomas negativos. Ressaltaram também que a melhora observada foi mais significativa em relação aos sintomas positivos e parcial em relação aos sintomas afetivos, sem resposta em relação aos sintomas negativos. A duração mais curta da doença foi associada à resposta clínica apenas em pacientes do sexo feminino. A associação da ECT com clozapina tem se mostrado promissora em uma série de casos clínicos 75,76 e alguns estudos prospectivos e retrospectivos, apesar de relatos de surgimento de anormalidades no eletroencefalograma, risco de crise prolongada, convulsão tardia e taquicardia supraventricular serem
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descritos.67,77 Na maioria desses casos, não foi encontrada uma relação causal com o uso da clozapina. Em uma revisão de literatura que compreendia 21 pacientes esquizofrênicos refratários à clozapina, Havaki-Kontaxaki e colaboradores 78 observaram significativa melhora clínica a curto prazo em 16 pacientes. Outro importante estudo, que observou a eficácia da associação ECT-clozapina,79 mostrou que dos nove pacientes que completaram o tratamento, oito apresentaram resposta. Não foram relatados eventos adversos significativos. A despeito do pequeno tamanho das amostras dos estudos existentes e a falta de ensaios randomizados e controlados, as evidências clínicas atuais apontam para o uso seguro e eficaz da combinação entre ECT e clozapina.67 A sugestão da literatura é que os benefícios a curto prazo trazidos pela ECT são equivalentes aos antipsicóticos. Evidências estatísticas também sugerem de forma consistente que a associação de ECT e antipsicóticos está relacionada a melhor desfecho clínico na fase aguda do tratamento se comparado à ECT ou aos antipsicóticos de maneira isolada. 66 Portanto, a APA tem como recomendação o uso de ECT em pacientes com sintomas psicóticos agudos, esquizofrenia de subtipo catatônico, história prévia favorável ao tratamento e sintomas psicóticos sem outra especificação, desde que possuam apresentação clínica semelhante às indicações principais.2
TRANSTORNO ESQUIZOAFETIVO Há limitação na literatura relativa aos transtornos esquizoafetivos, os quais são baseados eminentemente em séries e relatos de casos. Há diversas questões a serem elucidadas, como a equivalência de resposta tanto em sintomas afetivos quanto em sintomas psicóticos. Em um único estudo prospectivo, Swoboda e colaboradores80 estudaram os efeitos da ECT de manutenção durante um ano em oito pacientes com transtorno esquizoafetivo e compararam com um grupo que recebeu medicação como tratamento de manutenção. Apesar da pequena amostra, o grupo de ECT de manutenção apresentou menor número de reinternação e menor tempo de internação quando hospitalizado e permaneceu mais tempo sem necessitar de internação. Um estudo retrospectivo analisou nove pacientes com transtorno esquizoafetivo, os quais não haviam apresentado resposta aos antipsicóticos. 81 Em um seguimento de até 18 meses, sete pacientes mantiveram a resposta clínica obtida com um curso de oito sessões de ECT unilateral. Postula-se que pacientes portadores do transtorno esquizoafetivo tipo depressivo tenham melhor resposta clínica com a ECT. Entretanto, não há evidências científicas que respaldam esses relatos.
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CATATONIA Anteriormente a catatonia era considerada uma entidade clínica distinta, mas, atualmente, os sintomas catatônicos podem ser observados em diversos transtornos psiquiátricos, confirmando seu caráter sindrômico. Esse reconhecimento foi confirmado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4a edição ( DSM-IV ), APA,48 e na Classificação Internacional de Doenças, 10 a revisão (CID-10) (Organização Mundial da Saúde-WHO). 82 Portanto, a catatonia pode estar associada a algumas condições médicas sistêmicas e/ou neurológicas (catatonia orgânica), configurando um transtorno mental orgânico e condições psiquiátricas como transtornos de humor e transtornos psicóticos. Os sintomas catatônicos podem apresentar-se da seguinte forma: imobilidade motora ou estupor, atividade motora excessiva, negativismo extremo ou mutismo ou alterações nos movimentos voluntários, como estereotipias, maneirismos, ecolalia e/ou ecopraxia. Essa diversidade sintomatológica não é contemplada nos estudos de ECT, os quais focam principalmente na forma aguda, de retardo dos movimentos.70 A presença de perplexidade, que pode sugerir um quadro catatônico, é considerada por alguns autores como um fator preditivo de resposta favorável à ECT.83 Alguns estudos evidenciam que pacientes catatônicos, cuja etiologia seja um quadro agudo de esquizofrenia, respondem de forma mais discreta se comparados a pacientes catatônicos cuja etiologia seja um transtorno de humor. 2,70 Há estudos que apontam a ECT como o tratamento que deve ser escolhido para sintomas catatônicos, mesmo se comparado a antipsicóticos e benzodiazepínicos, chegando a evidenciar uma eficácia de 100% em pacientes tratados com ECT.84 Na catatonia associada à depressão, o acentuado retardo psicomotor com a síndrome foi considerado por décadas como preditor de boa resposta à ECT,85 porém diversos estudos falharam na tentativa de confirmar essa hipótese. 86 Um único estudo de seguimento 87 relatou 19 pacientes portadores de depressão maior e sinais de catatonia, os quais foram seguidos até sete anos. Todos os pacientes apresentaram resposta à ECT. Maletzky5 também demonstrou melhora significativa de 13 pacientes com depressão e sintomas catatônicos. Nesse estudo, a ECT foi indicada como primeira opção de tratamento. Sinais de catatonia também estão presentes na mania. Alguns estudos não conseguiram evidenciar resposta ao tratamento com ECT em pacientes com quadros maníacos.49,52 Já Abrams e Taylor88 mostraram que, entre pacientes com catatonia, 62% apresentavam um quadro de mania e 67% desses pacientes tiveram boa resposta à ECT.
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Apesar de pouco indicado, os sintomas catatônicos em função de uma condição médica geral podem ser eficazes e seguros, apesar de evidências de falha na resposta terapêutica. 70 Quando presentes, geralmente estão associados a quadros clínicos graves, o que pode justificar a relutância de médicos em aplicar o tratamento.70 A indicação da ECT, portanto, acaba por ficar reservada para casos resistentes ao tratamento padronizado ou que requerem uma resposta urgente.2 Existem evidências de resposta à ECT em casos de doenças sistêmicas com acometimento secundário do sistema nervoso central e diversas doenças neurológicas que se apresentam com sintomas catatônicos. 70 Pontikes e colaboradores89 relataram um caso em que um paciente foi submetido à ECT e apresentou resposta satisfatória dos sintomas catatônicos decorrentes da esclerose múltipla. Há relatos de eficácia 2 e também resposta mais discreta ao tratamento do lúpus eritematoso sistêmico, 90 o que pode ser justificado por maiores complicações no sistema nervoso central. 91
DOENÇA DE PARKINSON As evidências científicas encontradas na literatura apontam para um uso favorável da ECT na doença de Parkinson. Geralmente utilizada para tratamento de complicações psiquiátricas, como depressão, psicose e mania, 92-95 os sintomas motores costumam apresentar uma melhora concomitante.96 Entretanto, o tempo em que a função motora tem sua melhora sustentada é extremamente variado. Algumas evidências indicam que o tratamento de manutenção pode ajudar a prolongar esses efeitos terapêuticos.97 Alguns autores relatam que pacientes com fenômeno on-off da doença de Parkinson podem evidenciar uma melhora mais significativa. 98 Faber e Trimble92 encontraram relatos de 34 pacientes que receberam aplicações de ECT para melhora dos sintomas on-off . Entre os pacientes, 22 apresentaram melhora. Em um estudo controlado e duplo-cego, Andersen e colaboradores 99 observaram melhora dos sintomas motores em 9 dos 11 pacientes, porém a melhora se mostrou transitória e durou de horas a meses. Pintor e colaboradores,100 em um estudo prospectivo, observaram a resposta em portadores de doença de Parkinson em pacientes com sintomas axiais residuais não responsivos à L-dopa. Nove pacientes foram submetidos a oito sessões de ECT bilateral, sendo que seis completaram o estudo. A largura de pulso utilizada foi de 1,6 a 2 milissegundos. Houve diferença significativa na fase on do fenômeno on-off , com melhora no número de passos e episódios de congelamento. Não foi observada diferença significativa na fase off (flutuações motoras e discinesias). Os pacientes não eram portadores de nenhum transtor no psiquiá-
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trico. Os autores concluíram que a ECT pode ser uma opção terapêutica segura e eficaz em pacientes resistentes à L-dopa com sintomas de predomínio axial (fenômeno on). Portanto, a ECT é um tratamento apropriado para portadores de doença de Parkinson que apresentem comorbidades psiquiátricas. Da mesma for ma, um benefício adicional pode ser alcançado em relação as alterações motoras decorrentes desse transtorno do movimento, mesmo que de for ma transitória.
SÍNDROME NEUROLÉPTICA MALIGNA Diversos relatos de casos evidenciam o potencial benefício da ECT na síndrome neuroléptica maligna (SNM), 101,102 uma grave condição médica, cuja taxa de mortalidade tem sido descrita por volta de 4 a 20%.103 A indicação é realizada especialmente se não houver resposta terapêutica com os medicamentos padronizados (dantrolene e bromocriptina). Uma interessante vantagem que a ECT tem relação aos tratamentos farmacológicos diz respeito a seu potencial efeito terapêutico não só para a SNM, mas também para o transtorno psiquiátrico subjacente. Isso se torna particularmente importante, dada a condição clínica do paciente, que pode apresentar instabilidade autonômica, restringindo, portanto, a administração de psicotrópicos.2 Nisijima e colaboradores104 relataram cinco casos de SNM tratados com ECT. Todos obtiveram resposta clínica na primeira ou na segunda sessão, e os sintomas da SNM apresentaram remissão na terceira ou quarta sessão, e o tempo médio para a remissão total dos sintomas foi de seis dias. Alguns estudos compararam o tempo de resposta de tratamento com dantrolene e bromocriptina e relataram a necessidade de cerca de nove dias para recuperação completa dos sintomas da SNM. 105,106 Trollor e colaboradores107 relataram nove pacientes tratados por eles e 46 casos da literatura. A ECT foi utilizada para tratar apenas os sintomas da SNM em 73% dos casos, com recuperação completa dos sintomas em 63% e parcial em 28% dos casos. Portanto, houve benefício global do tratamento em 90% dos pacientes. A ECT foi usada para tratar de forma concomitante a SNM e a psicose em 18% dos casos. Apesar de não haver estudos controlados que comparem a eficácia da ECT em relação aos medicamentos, os relatos encontrados na literatura respaldam seu uso seguro e eficaz na SNM. 108,109 A ECT pode ser considerada como primeira indicação quando os sintomas são graves, com potencial risco de complicações, quando a apresentação principal da SNM é uma síndrome catatônica, ou quando o transtorno psiquiátrico subjacente é uma depressão psicótica. 110
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STATUS EPILEPTICUS
A APA sugere como tratamento a abordagem com ECT para status epilepticus, cuja mortalidade chega a aproximadamente 20% em adultos. 111 A falta de estudos controlados torna a indicação de ECT para esse quadro neurológico bastante rara e até desconhecida, apesar de ser utilizada na prática clínica desde 1943. 112 As evidências científicas baseiam-se, principalmente, em relatos de caso que descrevem a aplicação de sessões de ECT após falha no tratamento medicamentoso convencional, o qual consiste no uso de anticonvulsivantes e barbitúricos. As crises produzidas pela ECT são bem distribuídas e desencadeiam a liberação de prolactina, semelhante às crises tônicoclônicas generalizadas. Também ativam os mecanismos inibitórios necessários para se abortar uma crise, o que não ocorre no status epilepticus, tampouco a liberação de prolactina. Essas características fisiopatológicas diferenciam a crise induzida na ECT em relação à crise no status epilepticus. Gonzalez e colaboradores 113 descrevem um caso em que o paciente apresentou recuperação completa de seu quadro um mês após submetido a seis sessões de ECT. Lisanby e colaboradores114 relataram o caso de um homem de 36 anos com diagnóstico de epilepsia refratária. Após cinco aplicações utilizando cargas altas, as crises refratárias foram abortadas. O paciente não apresentou recuperação completa, o que foi atribuído ao fato de a ECT ter sido utilizada tardiamente neste caso. Cline e colaboradores 115 apresentaram o caso de um homem de 39 anos, portador de suposta encefalite viral, que recebeu três sessões de ECT por três dias consecutivos, após exauridas todas as intervenções farmacológicas padronizadas. Uma melhora no padrão eletroencefalográfico foi notada após a primeira aplicação. O paciente apresentou recuperação bastante satisfatória, mantendo-se estável após 12 meses das sessões de ECT, sendo manejado ambulatorialmente com medicação antiepiléptica. Os relatos de casos publicados evidenciam vários graus de eficácia clínica em relação ao uso da ECT no status epilepticus refratário. Todos demonstram supressão da atividade epiléptica, seja por diminuição do número de crises ou por sua completa remissão. Alguns autores sugerem que o atraso na indicação desse tratamento tem implicações em sua recuperação, por causa do dano cerebral ocorrido. Portanto, dada a potente ação anticonvulsivante que a ECT possui, esta deve ser considerada como importante opção nos protocolos de tratamento do status epilepticus.
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CAPÍTULO
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RISCOS E CONTRAINDICAÇÕES DA ELETROCONVULSOTERAPIA Mercêdes Alves Mauro Fernando Mumic Ferreira Maurício Viotti Daker
INTRODUÇÃO A eletroconvulsoterapia (ECT) é um tratamento biológico de excelência, indicado para variados quadros mentais, em especial para aqueles em que há o risco iminente de suicídio. Pacientes portadores de comorbidades graves, principalmente cardíacas, impedidos de usar psicofármacos, têm na ECT, talvez, a sua única alternativa terapêutica. Constitui-se em um procedimento médico que usa um estímulo elétrico para provocar uma convulsão cerebral. A supressão elétrica pós-ictal parece ser a base de todo o tratamento. A descarga elétrica promove uma cascata de modificações envolvendo todo o corpo do paciente. Embora date de longo tempo, a ECT vem agregando aperfeiçoamentos e requintes, no que se refere a técnicas e equipamentos, tornando o procedimento mais eficaz e seguro. Classificada pela Associação Médica Brasileira como Procedimento Ambulatorial de Porte 3C e regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina conforme Resolução CFM no 1640/2002,1 não tem contraindicação formal e absoluta, mas pode apresentar riscos aumentados de acordo com as comorbidades presentes, exigindo cuidados especiais. Este capítulo tratará do assunto de forma prática, discutindo grande parte das situações clínicas e complicações que podem ocorrer antes, durante e após o procedimento e as devidas manobras de resolução.
AVALIAÇÃO PRÉ-ELETROCONVULSOTERAPIA Os procedimentos médicos, cirúrgicos ou anestésicos de qualquer natureza devem ser precedidos por uma avaliação clínico-cardiológica envolvendo exame físico, testes laboratoriais e outros exames complementares, sempre consisten-
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tes com a história clínica e os sintomas apresentados, com especial ênfase para a idade do paciente. Essa avaliação tem por objetivo conhecer integralmente o paciente, visando minimizar riscos e otimizar resultados. Os testes laboratoriais requeridos precisam de uma rotina mínima, que pode variar de acordo com as peculiaridades de cada paciente. Conforme as diretrizes da American Psychiatric Association (APA),2 essa rotina inclui hemograma (hematócrito ou hemoglobina), glicemia, eletrólitos plasmáticos e eletrocardiograma. Recentemente alguns autores questionaram a necessidade do eletrocardiograma e a dosagem de eletrólitos plasmáticos em pacientes adultos jovens e sem doença cardíaca, uma vez que estudos clínicos utilizando exames de eletrocardiografia dinâmica de 24 horas (sistema Holter), realizados antes e após a ECT, não mostraram alterações na variabilidade da frequência cardíaca, na ocorrência de eventos ventriculares e supraventriculares ou mudanças do segmento ST.3-5 Assim, de maneira geral, a literatura reporta que a ECT é segura para pacientes sem cardiopatia. Os pacientes com história de doença cardíaca exigem cuidados adicionais, que serão discutidos neste capítulo.
EXAMES LABORATORIAIS A rigor, é prudente solicitar um hemograma completo do paciente, para afastar a possibilidade de anemia ou leucocitose decorrentes de quadros infecciosos ou inflamatórios subjacentes, que podem ser mascarados pela doença mental. A atividade de protrombina com INR (International Normalized Ratio) ou PTT (Partial Thromboplastin Time) é necessária para pacientes que utilizam anticoagulantes. A glicemia basal norteia condutas clínicas, já que durante o curso da ECT há uma diminuição significativa do metabolismo da glicose e redução do fluxo sanguíneo frontal, por mecanismos desconhecidos.6 As provas de função renal (ureia e creatinina) são essenciais para subsidiar a escolha dos medicamentos a serem ministrados durante o procedimento. De forma semelhante, as provas de função hepática, incluindo a TGP (transaminase glutâmico-pirúvica), a TGO (transaminase glutâmico-oxalacética) e a GGT (gama-glutamil transpeptidase) respaldam a escolha da medicação para a ECT. O hormônio estimulante da tireoide (TSH) deve ser dosado antes da aplicação, mais para fins de diagnóstico diferencial do que propriamente para o procedimento, pois sabidamente haverá um aumento de sua concentração plasmática durante o curso da ECT, à semelhança do que ocorre com a prolactina, a vasopressina, a ocitocina e o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Alguns fármacos como o lítio, a oxcarbazepina, o ácido valproico e a carbamazepina devem ser dosados antes da ECT, para evitar convulsões frustradas
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(concentração plasmática elevada dos anticonvulsivantes) e confusão mental (litemia acima de 0,5 mEq/mL).
EXAMES DE IMAGEM Os exames de imagem, como as radiografias simples, as tomografias computadorizadas (TC) ou a ressonância magnética (RM) devem ser utilizados de acordo com a história do paciente. Atenção especial deve ser dada ao paciente com espondilite anquilosante cervical, que impede ventilação satisfatória, gerando a necessidade de tubo endotraqueal, em função da limitação de movimentos da coluna cervical.
ELETROENCEFALOGRAMA (EEG) Nos casos em que a ECT for realizada em caráter eletivo, não havendo urgência para seu início, o eletroencefalograma (EEG) constitui-se em mais um recurso a ser estudado, especialmente em pacientes portadores de epilepsias.
ELETROCARDIOGRAMA (ECG) Esse exame faz parte da rotina mínima para avaliação do risco cardíaco e anestésico prévios à ECT. Trata-se de um exame de fácil realização, que registra as diferenças de potencial elétrico geradas pelo miocárdio. Deve ser sempre interpretado considerando-se a história clínica do paciente. Embora muitas vezes possa ser de interpretação difícil para o médico não familiarizado com o método, com frequência, é um exame de fácil interpretação, que presta um excelente auxílio no diagnóstico. O psiquiatra deve conhecer minimamente esse recurso, pois durante a ECT podem ocorrer alterações eletrocardiográficas, principalmente arritmias cardíacas. É possível a ocorrência de arritmias fugazes, de caráter benigno, que não exigem qualquer manobra. Porém, arritmias bradicardizantes podem reduzir o débito cardíaco e a perfusão cerebral em nível grave, e devem ser corrigidas com presteza. A ocorrência de insuficiência coronária aguda pode traduzir-se pelo aparecimento de ondas Q profundas, não observadas no ECG pré-procedimento. Por exemplo, uma pessoa sadia poderá apresentar uma onda Q profunda na derivação DIII, no ECG basal, sem nenhum significado patológico. Porém, o aparecimento de novas ondas Q em outras derivações, ou o aumento da profundidade das ondas Q preexistentes, poderá ser a manifestação de um infarto
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agudo do miocárdio. Como um critério prático, deve-se lembrar que a presença de pequenas ondas Q associadas à inversão de onda T, na derivação DIII, pode ser um achado normal. Todavia, sempre significará alguma anormalidade se estes achados forem observados nas derivações DI e DII.7 A propósito, durante a sessão, a monitoração do ECG deve ser realizada em uma derivação DI ou aVL, uma derivação DIII ou aVF e em uma derivação V1 ou V2.
TESTES NEUROPSICOLÓGICOS Podem ser indicados antes e após a ECT, sempre que o tratamento for eletivo, especialmente para estudo da memória.
RISCOS DO TRATAMENTO A ECT é um tratamento extremamente seguro e dificilmente apresentará um desfecho desfavorável. Embora alguns autores questionem a confiabilidade dos dados epidemiológicos encontrados, a ECT apresenta uma taxa de mortalidade de 0,002% por sessão e de 0,01% por paciente, o que lhe confere um perfil absolutamente satisfatório no quesito de segurança. Quanto à morbidade, estima-se que haja uma complicação para cada 1.400 procedimentos. Os poucos óbitos documentados foram relacionados às complicações cardiorrespiratórias. É interessante que o risco de hipertensão intracraniana, durante a ECT, é desprezível, e o de eventos tromboembólicos é extremamente raro. 8 Há situações clínicas em que, além do distúrbio psiquiátrico, ocorrem comorbidades que aumentam o risco de complicações, durante e após a realização da ECT; algumas delas serão tratadas a seguir.
RISCOS CARDÍACOS A ECT pode apresentar algum risco para pacientes com função cardíaca comprometida, como ocorre na doença arterial coronariana (DAC), nas arritmias crônicas ou na insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Apesar desse risco não ter sido sistematicamente abordado em estudos prospectivos, os psiquiatras devem ser conservadores e cautelosos na indicação da ECT para pacientes portadores de doenças cardíacas. Estudos indicaram que indivíduos portadores de cardiopatias apresentam uma maior taxa de complicações cardíacas durante a ECT, quando comparados com aqueles que não as têm9 e que o tipo da anormalidade preexistente costuma
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predizer o tipo de complicações que podem ocorrer. Portanto, arritmias pósECT estão correlacionadas com a presença de arritmias pré-ECT.10 Entretanto, a maioria das intercorrências cardíacas são de caráter transitório e não apresentam gravidade suficiente para indicar a interrupção do tratamento. Um estudo retrospectivo de pacientes com marca-passo, submetidos à ECT, mostrou que não se faz necessária qualquer precaução extra, além da monitoração eletrocardiográfica de rotina.11 Pacientes com marca-passos, em geral, têm menor probabilidade de apresentar arritmias, devido à natureza artificial do ritmo cardíaco. Os marca-passos de demanda podem exigir conversão para o modo fixo, no momento do tratamento, para prevenir a inibição do gerador ou a sua ativação inapropriada, mas com geradores de marca-passos mais modernos nenhuma conduta especial precisa ser tomada, desde que as instalações do equipamento da ECT e o paciente estejam corretamente aterrados. Os cardioversores-desfibriladores implantáveis (CDI) constituem um grupo de equipamento diversificado e complexo implantado em pacientes que já sofreram um ou mais episódios de parada cardíaca por arritmia, ou que apresentam risco elevado para essa condição. Devem ser desativados imediatamente antes de cada sessão da ECT,12 após o início da monitoração do ECG. A II Diretriz de Avaliação Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), publicada em março de 2011, não contempla o caso específico da ECT, mas recomenda que, se a função antitaquicardia for desativada, o médico assistente deverá preparar-se para tratar uma arritmia de alto risco. Nesse caso, está indicada a presença do especialista junto a equipamento de programação do CDI para os ajustes que se fizerem necessários.14 Imediatamente após o estímulo elétrico, durante a convulsão e no período pós-ictal agudo, o sistema nervoso autônomo é intensamente ativado. No início, a ativação parassimpática produz uma queda transitória da frequência cardíaca (FC). Na sequência, a ativação simpática aumenta a frequência cardíaca, a pressão arterial sistêmica e o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Essa ativação simpática provoca alterações tão relevantes que induzem a uma compensação parassimpática (reflexo vagovagal), que produz a queda rápida da FC por alguns poucos segundos, até a estabilização do padrão basal em poucos minutos. O estímulo elétrico em si já promove uma elevação da FC, podendo chegar a 160, 180 batimentos por minuto, replicando o teste cardíaco de estresse induzido farmacologicamente.15 A ativação simpática, ocasionalmente, provoca o aparecimento de arritmias ou eventos isquêmicos transitórios do miocárdio. Podem ocorrer arritmias como a fibrilação atrial, a extrassistolia ventricular e até a taquicardia ventricular, especialmente em pacientes com isquemia cardíaca preexistente. As Figuras 5.1, 5.2, 5.3, 5.4 e 5.5 representam exemplos de arritmias benignas e graves.
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FIGURA
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5.1
TAQUICARDIA SINUSAL (BENIGNA): RITMO SINUSAL COM FREQUÊNCIAS SUPERIORES A 100 BATIMENTOS POR MINUTO E INFERIORES A 160, EM UM ADULTO. Fonte: Armstrong.7
FIGURA
5.2
BRADICARDIA SINUSAL (BENIGNA): RITMO SINUSAL COM FREQUÊNCIAS INFERIORES A 60 BATIMENTOS POR MINUTO. Fonte: Armstrong.7
FIGURA
5.3
BLOQUEIO COMPLETO DO RAMO DIREITO (BENIGNA): QRS COM 0,12 SEGUNDOS OU MAIS; ONDAS S LARGAS E ESPESSADAS EM V 5-6; COMPLEXOS RSR’ EM V 3R, V1 E V2 COM AUSÊNCIA DE ONDAS Q; DEFLEXÃO INTRINSECOIDE AUMENTADA EM V 3R, V1 E V2 E ONDA S LARGA NA DERIVAÇÃO I. Fonte: Armstrong.7
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FIGURA
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5.4
BLOQUEIO COMPLETO DE RAMO ESQUERDO (GRAVE): O TRAÇADO VARIA DE ACORDO COM A POSIÇÃO DO CORAÇÃO. NO CORAÇÃO HORIZONTAL HÁ ONDA R ALARGADA E ESPESSADA EM V5-6 INTERVALO QRS COM 0,12 SEGUNDOS; DEFLEXÃO INTRINSECOIDE AUMENTADA, AVL SEMELHANTE A V5-6 , DERIVAÇÃO I SEMELHANTE A AVL E V5-6 COM DEPRESSÃO DO SEGMENTO ST E INVERSÃO DAS ONDAS T. Fonte: Armstrong.7
FIGURA
5.5
TAQUICARDIA VENTRICULAR (GRAVE, EXIGE CARDIOVERSÃO): FREQUÊNCIA VARIA ENTRE 140 A 250 BATIMENTOS POR MINUTO; RITMO LEVEMENTE IRREGULAR; OS COMPLEXOS QRS DOS BATIMENTOS PREMATUROS VENTRICULARES SÃO ALARGADOS E ESPESSADOS; NÃO SE DISTINGUEM O SEGMENTO ST E AS ONDAS T; HÁ UMA FREQUÊNCIA DE P INDEPENDENTE E MAIS LENTA, MAS AS ONDAS P, COM FREQUÊNCIA, ESTÃO ENGLOBADAS NO COMPLEXO QRS. Fonte: Armstrong.7
A FC constitui um indicador clínico bastante confiável e é utilizada para verificação da atividade convulsiva induzida pelo estímulo elétrico. Como regra, o pico da frequência cardíaca reflete com mais fidelidade a atividade convulsiva em estrutura cerebral profunda (diencéfalo) do que o eletroencefalograma (EEG) e a atividade motora presente em membro garroteado pelo esfigmomanômetro. Isso é importante porque o efeito terapêutico da ECT na melancolia, na catatonia e nas psicoses pode ser primariamente subcortical.
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O pico da FC ocorre entre 10 a 20 segundos após o estímulo. Assim, ele não resulta da liberação de fatores hormonais, como a noradrenalina e a adrenalina, na corrente sanguínea (pela glândula suprarrenal), mas reflete o aumento da atividade do sistema nervoso central. As catecolaminas liberadas na circulação periférica se mantêm por mais tempo após o estímulo bitemporal do que após o estímulo unilateral direito, por isso a superioridade de qualidade do segundo estímulo. No laboratório, estímulos na medula direita provocam aumento da FC, e na medula esquerda provocam bradicardia. Após o estímulo unilateral direito, o pico da FC é mantido por mais tempo do que após o unilateral esquerdo no mesmo paciente. O hemisfério cerebral direito é superior, quando comparado ao esquerdo, para desencadear o aumento da FC. Assim, a maior elevação da FC é encontrada após estímulos unilaterais direitos e após a estimulação bitemporal. A hiperventilação durante a anestesia da ECT produz maior frequência cardíaca do que diferentes métodos de ventilação, chegando a uma média de 131 e 113, respectivamente. Esse resultado é atribuído a baixos níveis de dióxido de carbono (acidose) e a altos níveis de oxigênio (alcalose), que promovem atividade convulsiva mais intensa. A oxigenação prévia, e durante a convulsão, diminui o risco de eventos cardíacos indesejáveis e aumenta a duração da convulsão, que é alimentada pelo oxigênio. Pode ser um recurso para diminuir o impacto cognitivo, especialmente o mnemônico, sem impedir a resposta clínica, durante a fase adiantada do curso da ECT.16 A duração da taquicardia, presumivelmente, está correlacionada com uma maior generalização da convulsão no cérebro e uma provável maior eficácia. Como a elevação da FC aumenta o consumo de oxigênio pelo miocárdio, o risco cardiovascular da ECT é um produto do estresse do procedimento em si e da gravidade da doença arterial coronariana (DAC).17 Por isso, pacientes hipertensos ou portadores de doença arterial coronariana, com ou sem manifestação de insuficiência cardíaca congestiva, devem ser estabilizados antes do início do tratamento. Uma vez estabilizados, devem receber a medicação sintomática antes de cada aplicação. Segundo as diretrizes do American College of Cardiology and American Heart Association18 a isquemia miocárdica recente (um mês) constitui-se em uma condição cardíaca ativa de alto risco. Antes de se submeterem à ECT, esses pacientes deverão ser avaliados por um cardiologista. Uma variedade de breves mudanças no ECG pode acontecer durante e logo após a convulsão, incluindo modificação na duração do intervalo PR, do intervalo QT e mudanças no segmento ST e onda T. A arritmia mais comum nas sessões da ECT é a fibrilação atrial paroxística, de curta duração. Também podem ocorrer extrassístoles atriais e ventriculares, taquiarritmias supraventriculares paroxísticas e episódios curtos de taquicardia ventricular não sustentada, sem
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repercussão clínica ou hemodinâmica.4 A maioria desses distúrbios do ritmo cardíaco é de caráter benigno e não requer tratamento. A ocorrência de taquicardias com FC muito elevada, ou a presença de bradiarritmias com comprometimento hemodinâmico, necessitam de tratamento imediato. Padrões eletrocardiográficos de bloqueio de ramo direito ou esquerdo do feixe de His são frequentes em cardiopatas e fazem parte do quadro clínico de várias cardiopatias. Em especial, a presença de bloqueio do ramo esquerdo sempre é associada a alguma doença mais grave, como miocardiopatia isquêmica ou casos de insuficiência cardíaca, ao contrário do que ocorre com o bloqueio do ramo direito. Há relatos em que avaliação ecocardiográfica transtorácica foi realizada durante ou após a ECT e, nesses casos, pode ocorrer disfunção sistólica ventricular esquerda (global ou regional). Tal como as arritmias, esse achado costuma ser transitório e se resolve de forma espontânea, sem maiores consequências.
Considerações medicamentosas Os indivíduos portadores de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) devem ser cautelosamente avaliados e monitorados antes e durante a ECT. Esses pacientes são particularmente sensíveis à estimulação do sistema nervoso simpático, o que, de modo rotineiro, ocorre durante a ECT, podendo agravar o comprometimento da função ventricular esquerda. Embora a avaliação da função ventricular esquerda pelo ecocardiograma não seja preditora de eventos isquêmicos durante a aplicação da ECT18 pode auxiliar na escolha dos medicamentos a serem usados imediatamente antes e após o procedimento. Pacientes com insuficiência cardíaca descompensada não devem ser sub metidos à ECT até que a condição cardíaca seja estabilizada com tratamento
otimizado. Pacientes compensados dificilmente apresentam complicações na ECT. Nestes, como já discutido, deve-se cuidar as alterações do ritmo cardíaco, que podem ser muito difíceis de tratar se o diagnóstico e o tratamento forem retardados. A importância da avaliação intertratamento de pacientes portadores de ICC é demonstrada pelo relato de caso reportado por Goldberg e Badger 19 em que o paciente foi a óbito por descompensação cardíaca e ICC iniciadas vários dias após o último tratamento de ECT. Agentes anticolinérgicos, como o glicopirrolato ou a atropina, ajudam a reduzir e a controlar a ocorrência de bradiarritmias durante a ECT, mas também podem aumentar a carga de trabalho miocárdica. A prática corrente, talvez a mais correta, é iniciar com uma dose baixa de anticolinérgicos e, eventualmente, retirá-los em futuros tratamentos, se não se fizerem necessários ou se promoverem efeitos colaterais muito desconfortáveis, como a retenção urinária. O uso de antagonistas de receptores beta-adrenérgicos ou betabloqueadores (propranolol, atenolol, metoprolol, bisoprolol e carvedilol) ajuda a prevenir a hipertensão induzida por estimulação simpática, a descompensação ventricular
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esquerda e as arritmias. Porém, tais agentes devem ser usados com cautela, pois podem promover efeitos danosos na função de bombeamento ventricular. Existe a possibilidade de diminuir o pico da FC e da pressão arterial, mas não foi comprovado que diminua o risco de isquemia miocárdica. Pacientes portadores de doença arterial coronariana (DAC), submetidos a angioplastia por balão, com implante de stents, devem manter o uso de antiplaquetários ou anticoagulantes durante o tratamento de ECT, para prevenir trombose coronariana aguda. A medicação cardiológica deve ser ministrada pela manhã, antes do procedimento, com um pouco de água, em tempo suficiente para ser absorvida antes da ECT. Os diuréticos de alça, como a furosemida, não devem ser utilizados na manhã do procedimento, para evitar ruptura de bexiga (o paciente deve ser orientado a esvaziar a bexiga imediatamente antes do tratamento) ou incontinência urinária durante a convulsão. Entretanto, diuréticos tiazídicos de ação lenta podem ser utilizados. Alguns autores recomendam a administração de diuréticos para evitar a ocorrência de edema pulmonar. Porém, a diminuição abrupta de volume sanguíneo, provocada pelo uso de diuréticos potentes, pode ser tão perigosa quanto o próprio edema pulmonar. De qualquer maneira, a relação custo-benefício do uso de medicamentos sintomáticos deve ser avaliada caso a caso e entre as sessões de tratamento, pois o quadro clínico do paciente pode variar de acordo com as circunstâncias.
Doença valvular A presença de próteses valvulares implantadas não constitui um alto risco para a ECT. Esses pacientes podem ou não usar anticoagulantes e devem realizar as provas de coagulação já mencionadas. Os pacientes portadores de estenose aórtica podem apresentar rápida e significativa queda da FC, diante do aumento da demanda de oxigênio pelo miocárdio, que ocorre na ECT. A estenose mitral também tolera mal o aumento da FC. Esses pacientes devem realizar um ecocardiograma antes da ECT para avaliar a gravidade da valvulopatia. Durante o procedimento, a melhor estratégia é monitorar o paciente para evitar a hipotensão e a consequente isquemia miocárdica. A hipotensão deve ser tratada com administração de fluidos intravenosos e controle da FC. Anticoagulação A fibrilação atrial (FA) crônica, a trombose venosa profunda (TVP), e a presença de prótese valvular cardíaca mecânica não são diagnósticos incomuns em pacientes submetidos à ECT que necessitam de anticoagulação. A monitoração apropriada dos índices de coagulação sanguínea, como a atividade de protrombina com INR ou PTT deve ser feita antes e periodicamente
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durante o curso da ECT. A manutenção da anticoagulação terapêutica parece ser segura.20 Rasmussen e Mueller,21 em 2009 relataram que não fazem a substituição da varfarina pela heparina durante a ECT, mantendo a medicação em uso. Sempre é importante lembrar que o membro acometido por trombose venosa profunda não deve ser garroteado durante a ECT.
RISCO METABÓLICO – DIABETES Pacientes psiquiátricos portadores de diabetes melito frequentemente se submetem à ECT. Esses indivíduos, de maneira geral, não necessitam de controle glicêmico e a dosagem da insulina administrada não necessita ser modificada após cada aplicação ou no decurso da ECT,22 embora variações individuais possam ocorrer. Estudos têm mostrado que a ECT não modifica essencialmente o nível de glicose do sangue,23 embora seu metabolismo (intracelular) esteja diminuído em pacientes deprimidos e ainda apresente acentuada piora durante e após a ECT.6 É possível que em função do jejum prolongado, de sólidos e líquidos, exigido para a submissão da ECT, alguns pacientes diabéticos precisem ter sua medicação hipoglicemiante ajustada e devem ter os níveis de glicose plasmáticos verificados antes de cada tratamento. As dosagens de insulina podem ser reduzidas ou divididas nos dias em que o paciente fizer a aplicação de ECT. Pacientes com diabetes tipo II não devem receber hipoglicemiante oral ou insulina antes da ECT. Para os portadores de diabetes tipo I, que por definição são dependentes de insulina e cuja glicemia tende a mostrar grandes flutuações, a ECT deve ser feita tão logo possível após o paciente acordar, sem usar a insulina, ou usando apenas meia dose. A outra metade deve ser administrada no desjejum, assim que o paciente recobrar a consciência, após a ECT. Em diabéticos tipo I a glicemia deve ser medida antes e depois da ECT e em ambos os casos os diabéticos devem ser monitorados atentamente. Caso o paciente precise esperar um tempo maior, desde o despertar até a aplicação da ECT, em função da rotina do serviço, poderá receber glicose diluída em soro, gota a gota. Como a hipoglicemia aumenta o risco metabólico de convulsão, o nível glicêmico deve ser dosado 30 minutos antes da aplicação.
DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA (DPOC) E ASMA A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e a asma são comuns em nosso meio e, com frequência, estão presentes nos serviços de ECT. Os asmáticos exigem cuidados especiais, pelo risco de broncoespasmo consequente a anestesia geral. Entretanto, de modo geral, a ECT parece segura para esses pacientes.
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As pessoas que fazem uso de inaladores com broncodilatadores devem usá-los pela manhã, pouco antes da ECT. A teofilina, que raramente é utilizada para distúrbios pulmonares, foi associada ao risco de convulsões prolongadas e de status epilepticus na ECT, pois aumenta de maneira significativa a duração da convulsão. Há autores que sugerem a suspensão da teofilina, quando da aplicação da ECT, para asmáticos que fazem seu uso continuado. Outros sugerem apenas que seus níveis plasmáticos sejam titulados e que a ECT seja postergada, caso esteja em alta concentração, para prevenir convulsões prolongadas.
DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS Demências Há muitos relatos de casos que demonstram que a ECT pode ser eficaz para depressão ou mania em pacientes com demência, mas não existem relatos sobre a ECT provocar efeitos cognitivos agudos ou de longo prazo em tais pacientes. Para responder a essa questão seria necessário estudar uma população portadora de demência bem caracterizada (Alzheimer, Lewy ou vascular) com uma síndrome psicopatológica responsiva à ECT. Swartz24 sugere que os eletrodos sejam colocados em qualquer posição diferente da bitemporal, visando minimizar os efeitos cognitivos. Com o mesmo objetivo, pode-se optar por aplicações duas vezes na semana, em vez de três. Os pacientes com demência são, muitas vezes, tratados com inibidores de colinesterase, que prolongam a ação da succinilcolina. Portanto, ou esses medicamentos são suspensos durante a ECT, quando seu benefício não estiver claro, ou são mantidos com o alerta para a possibilidade da ação prolongada da succinilcolina. Epilepsia Reconhecidamente os anticonvulsivantes prejudicam o desencadeamento da convulsão provocada na ECT, embora haja alguma evidência de que isso não ocorra com a lamotrigina.25 Em geral, as doses dos anticonvulsivantes são reduzidas ou a dose do dia da ECT é atrasada e ministrada após a aplicação. Lunde e colaboradores,26 em 2006, observaram que a maioria dos 43 pacientes de uma revisão feita por eles apresentou convulsões adequadas sem a diminuição das doses dos anticonvulsivantes, embora alguns pacientes tenham precisado de uma carga maior de estímulo. Os autores também observaram a ocorrência de convulsões espontâneas. Recentemente, observamos em nosso serviço o aparecimento espontâneo de crises parciais complexas, mais de meia hora após o término da convulsão provocada pelo estímulo elétrico.
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Aneurismas cerebrais Os portadores de aneurismas cerebrais devem fazer exames de imagem antes da ECT e ser avaliados por especialistas para que estratégias de diminuição de riscos sejam preparadas. O uso de bloqueadores de receptores beta-adrenérgicos é recomendado para tais pacientes durante a ECT, a fim de evitar episódio hipertensivo intenso durante o procedimento. Os pacientes previamente hipertensos devem estar controlados, mas caso apresentem episódios hipertensivos podem ser estabilizados com um reforço da dose dos mesmos anti-hipertensivos que já usam. Além disso, sabe-se que a pressão sanguínea não aumenta durante a duração da sessão de ECT. Normalmente, a elevação pressórica não se estende após o período de recuperação pós-ictal.27 Aneurismas intracerebrais representam situação de alto risco para ECT. Assim, deve ser a última opção de tratamento e, nesse caso, medidas agressivas devem ser usadas para prevenir picos de hipertensão durante as convulsões. Doença cerebrovascular Para avaliar a segurança da ECT em pacientes pós-acidente vascular cerebral (AVC), deve-se considerar o tempo da ocorrência, sua dimensão e natureza (hemorrágico ou tromboembólico). Embora não haja dados científicos em relação ao intervalo seguro entre a ocorrência do AVC e o início do tratamento de ECT, é preferível que esta seja evitada nesses pacientes. A prudência dita a espera de várias semanas, principalmente para os acidentes hemorrágicos. Agentes anti-hipertensivos podem ser usados como estratégia de proteção, caso a ECT se faça urgente. Nesses casos, a hipotensão deve ser cuidadosamente evitada, já que poderia comprometer a circulação cerebral. Os indicadores de coagulação (atividade de protrombina com INR e PTT) devem ser monitorados em pacientes anticoagulados. Distúrbios de movimentos O distúrbio de movimento mais encontrado em pacientes de ECT é a doença de Parkinson. Há vasta literatura que aponta para efeito antiparkinsoniano da ECT.4 Os efeitos colaterais comuns da ECT nesses pacientes incluem delirium e discinesia (efeito dopaminérgico). Os efeitos desagradáveis podem ser minimizados com a diminuição da dosagem dos agonistas de dopamina, sob a supervisão de um neurologista. A duração do efeito terapêutico antiparkinsoniano promovido pela ECT é variável, portanto, a frequência das aplicações de manutenção também deverá
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ser variável. Há pacientes parkinsonianos que se submetem à ECT de manutenção para estender o tempo da melhora motora e prevenir recaídas. Notou-se prejuízo cognitivo em alguns casos. Recomenda-se o tratamento duas vezes por semana e cuidado na localização dos eletrodos, visando causar menos perda cognitiva.
Lesões expansivas O risco da ECT em pacientes portadores de lesão expansiva é pequeno na ausência de sinais neurológicos focais, edema cerebral, efeito de massa e papiledema. Os portadores de massa intracraniana devem ser avaliados por um neurocirurgião para uma melhor definição do momento para a ressecção, se antes ou depois da ECT, além da sugestão de estratégias de redução de riscos. Corticoides, diuréticos e anti-hipertensivos podem ser usados como parte dessas estratégias. A lesão expansiva com aumento da pressão intracraniana já foi tida como contraindicação absoluta à ECT, mas a análise individual da relação custobenefício determinará seu uso. Status epilepticus Status epilepticus (SE) ou estado de mal epiléptico é definido como uma convulsão com duração acima de 30 minutos ou convulsões repetidas, sem que haja recuperação da consciência por um período também de 30 minutos.28,29 O diagnóstico de SE sempre é realizado prospectivamente, ou seja, não espera-se que o diagnóstico seja firmado para iniciar condutas terapêuticas. Sabe-se que a mortalidade e a morbidade dessa emergência neurológica estão relacionadas não só com os fatores etiológicos, mas, principalmente, com a rapidez e a eficácia das medidas terapêuticas adotadas. Essas medidas devem buscar a manutenção da homeostase cardiorrespiratória e metabólica, além do abortamento farmacológico da atividade convulsiva cerebral e o manejo dos fatores precipitantes. Durante uma sessão de ECT ocasionalmente ocorre uma convulsão prolongada, que se refere a um registro eletroencefalográfico de convulsão com duração de, pelo menos, dois minutos30,31 ou três minutos.2 Após a aplicação de ECT, status epilepticus não convulsivo é raro, mas possível; portanto, a monitoração de EEG é necessária para assegurar que os sinais de convulsão tenham cessado. Caso a convulsão não termine, deve-se abandonar o protocolo de ECT e adotar o protocolo de status epilepticus.28,29 O início do quadro é caracterizado pelo aumento do metabolismo cerebral. Os mecanismos fisiológicos são inicialmente suficientes para compensar o distúrbio. Há um aumento importante do fluxo sanguíneo cerebral e a oferta de glicose é mantida, a princípio. Posteriormente, ocorre aumento do lactato sistêmico e cerebral, gerando acidose láctica. As alterações autonômicas se manifestam com elevação da pres-
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são arterial e da frequência cardíaca, o que acarreta em um aumento do débito cardíaco. Sudorese, hiperpirexia, salivação excessiva, secreção brônquica aumentada, vômitos, liberação de adrenalina e noradrenalina com consequente aumento da glicemia estão presentes. A evolução do quadro após 30 minutos de convulsões subentrantes ou ininterruptas não é benigna. Há uma exaustão dos processos fisiológicos compensatórios, com queda progressiva da autorregulação cerebral, com hipotensão, diminuição do fluxo sanguíneo cerebral e possível lesão metabólica ou isquêmica. A insuficiência respiratória central evolui para o edema pulmonar. O aumento da pressão intracraniana e a hipotensão arterial sistêmica, consequências inevitáveis da evolução do quadro, provocam comprometimento da circulação cerebral e edema local, realimentando o SE. As alterações cardiovasculares se manifestam por hipertensão pulmonar e edema, mesmo com hipotensão sistêmica. Arritmias cardíacas são observadas devido a ativação autonômica direta, liberação de catecolaminas, hipoglicemia, acidose láctica, distúrbios eletrolíticos (hiper/hipocalemia e hiponatremia) e possível terapêutica cardiotóxica. Com a diminuição do débito cardíaco, pode ocorrer ICC. Em casos graves, já foram observadas necrose tubular aguda por mioglobulinúria ou desidratação, insuficiência hepática e rabdomiólise. É uma intercorrência grave, de alto risco, e deve ser equacionada o mais breve possível, logo que percebida, pois após 60 minutos de convulsão, mesmo que seja possível o aporte de oxigênio, o risco de lesão neuronal é eminente. Recomenda-se a hidantoinização do paciente por linha venosa, em diluição segura (hidantoína em 15 mg/kg de peso, diluídas em 250 mL de soro fisiológico), que, de maneira geral, é capaz de abortar a convulsão em, no máximo, 20 minutos. A hidantoína diminui a transmissão simpática, bloqueando os canais de sódio e não permitindo a recuperação do estado de inatividade, inibindo os neurônios e encerrando a repetida excitação de células que resulta na convulsão. Nas Figuras 5.6 e 5.7 temos os registros de apenas um canal de EEG, equipamento Thymatron. Deve-se dar atenção ao tempo registrado em segundos, pois refere-se a status epilepticus com duração total de 19 minutos após hidantoinização. Essa medida saneadora não exclui as demais, que também podem ser eficazes e incluem os anestésicos, os barbituratos, o propofol, os benzodiazepínicos intravenosos (midazolan e diazepam). Também a retirada do oxigênio (evitar a alcalose) deve ser lembrada, mantendo-se sua saturação em níveis seguros.
GRAVIDEZ A gravidez não se constitui em contraindicação, embora seja aconselhável a assessoria obstétrica para uma monitoração fetal não invasiva durante o curso da ECT. No
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FIGURA
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5.6
STATUS EPILEPTICUS –
REGISTRO DO INTERVALO 177-184 SEGUNDOS.
Fonte: Alves.6
FIGURA
5.7
STATUS EPILEPTICUS –
REGISTRO DO INTERVALO 235-245 SEGUNDOS.
Fonte: Alves.6
primeiro trimestre de gravidez, a convulsão induzida de forma elétrica é, provavelmente, inofensiva para o feto. A medicação usada durante o procedimento não apresenta efeitos teratogênicos e é de metabolização muito rápida, deixando o feto protegido da exposição demasiada aos agentes farmacológicos em questão. O risco das medicações anestésicas é pequeno, e deve ser comparado com aquele da medicação psicotrópica sintomática que se usaria em substituição à ECT. Nos estágios avançados de gravidez, preocupações com o parto prematuro e a ruptura de placenta se tornam maiores. O risco de refluxo gástrico também é relevante no último trimestre de gravidez, em função do volume abdominal materno estar bastante aumentado e são necessários cuidados especiais. Estes incluem o jejum mais prolongado que o adotado (10 horas para sólidos, em vez de 8, e 5 horas para líquidos, em vez de 4) e medicação que acelere o esvaziamento gástrico, como metoclopramida.
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Os riscos de câimbras e de circulação prejudicada nos membros inferiores, por compressão direta da aorta abdominal pelo bebê, devem ser considerados, e pode-se evitá-los ou minimizá-los por meio de manobras posturais próprias. Quando a mãe for posicionada em decúbito dorsal para a passagem do estímulo elétrico, o bebê poderá ser deslocado para a esquerda, evitando a compressão da porção abdominal da aorta (anatomicamente com leve desvio para a direita). Tão logo o estímulo passe e haja estabilização respiratória, deve ser feita a mudança do decúbito da mãe, para lateral esquerda ou direita, posição que evita a compressão aórtica. As mudanças de decúbito, de maneira geral, estão relacionadas com queda abrupta da pressão arterial, de duração fugaz, mas que pode estender-se por mais tempo, exigindo intervenção imediata com volume ou, se necessário, com hipertensores (efedrina).
GRANDES QUEIMADURAS É alarmante o aumento da taxa de suicídio em nosso país. A tentativa de suicídio por fogo apresentava taxa de 16% em 2003 e atualmente representa 39% na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital João XXIII, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – referência regional para o tratamento de queimaduras.32 A estabilização do paciente com queimaduras grandes envolve duas fases. A primeira, de ressuscitação, ocorre nas primeiras 24 horas, e a segunda após as 24 horas. A fase de ressuscitação exige reposição volêmica de grande porte, com a infusão de oito, 10, 12 e até 16 litros de solução isotônica, e dois terços desse volume devem ser infundidos nas primeiras oito horas, visando um débito urinário de 30 a 50 mL/hora em adultos. A frequência cardíaca abaixo de 120 batimentos por minuto é sempre um bom indicador do sucesso da reposição volêmica; acima desse valor indica insucesso. A pressão arterial (PA) e a pressão venosa central (PVC) não são bons parâmetros de avaliação da volemia. A primeira não é confiável em função da liberação maciça de catecolaminas endógenas, podendo ser encontrada uma pressão sistólica de 120 mmHg mesmo em franca hipovolemia. A segunda (PVC) porque reflete apenas as pressões registradas nas cavidades direitas do coração e não propriamente a volemia. Os medicamentos de eliminação renal devem sempre ser evitados ou ter suas doses ajustadas, porque o queimado pode ter seu clearence de creatinina aumentado em até 200% por mecanismos desconhecidos.33 Há algum tempo, acreditava-se que a função renal era a mais comprometida no paciente queimado. Sabe-se, hoje, que a volemia é a mais prejudicada e que
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merece maior atenção. Na verdade, a hipovolemia leva à falência renal e ao óbito. Após as primeiras 24 horas inicia-se uma nova fase. O edema é grande e deve ser resgatado. Os poros vasculares, até então bastante alargados, retornaram ao seu tamanho original e é necessário restaurar a pressão osmótica coloidal.34 Pacientes queimados precisam de balanço hidroeletrolítico rigoroso antes da ECT. Nesses pacientes o uso de succinilcolina pode ser particularmente perigoso, devendo ser considerado o uso de relaxante muscular não despolarizante, pelo risco de hipercalemia, do mesmo modo que ocorre com lesões de medula espinal. A indicação da ECT para pacientes queimados deve ser feita de maneira cautelosa, pelas particularidades que apresentam. É necessário conhecer a evolução do quadro mental desde a ocorrência traumática (queimadura) e o melhor momento para a ECT. De maneira geral, logo após a queimadura o paciente desenvolve um quadro de delirium. Também conhecido como rebaixamento do nível de consciência, estado confusional ou confusão mental, o delirium é um instituto nosológico de fisiopatologia desconhecida. Especula-se que a insuficiência colinérgica reduza o metabolismo oxidativo, levando a uma diminuição da síntese de acetilcolina, que responderia pelo transtorno psíquico. Há comprometimento global das funções psíquicas e, principalmente, das cognitivas. Alterações do nível da consciência e da atenção são imperativas. Fixação e evocação mnemônicas estão alteradas, gerando falsos reconhecimentos e lacunas de memória. É agudo e breve, tendo duração de horas ou dias. O ciclo circadiano mostra-se alterado, com inversão do ciclo sono-vigília. O fenômeno sundowing está presente com deterioração do quadro mental ao cair da tarde e com grande piora durante a noite. Exceto em situações de agitação extrema, a postura do psiquiatra deve ser expectante. A ECT não está indicada nesse momento. Quando o paciente estabiliza clinicamente e começa a ter consciência, o quadro mental (delirium) é substituído pelo de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) com sintomatologia que inclui recordações aflitivas, recorrentes e intrusivas do evento, com imagens, pensamentos e percepções; sonhos angustiantes com o mesmo conteúdo; revivências da experiência, incluindo alucinações, ilusões e flash-backs dissociativos; frequentemente é acompanhado por alterações neurovegetativas (taquicardia, sudorese, ondas de calor, etc.) e, geralmente, tem um curso breve.35 Nesta fase a ECT está contraindicada, podendo até piorar o quadro. A partir do segundo mês de internação, mais ou menos quando o paciente está lúcido, sem revivências traumáticas e começando a pensar em seu futuro – com cicatrizes físicas e morais –, pode desenvolver um quadro depressivo
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que exigirá a ECT como resolução rápida, evitando nova tentativa de suicídio e promovendo melhor curso do tratamento clínico-cirúrgico.
RISCOS DAS MEDICAÇÕES ESPECÍFICAS PARA ECT INDUTORES DE ANESTESIA A anestesia geral tem sido usada na ECT, desde o final dos anos 1950. O anestésico ideal tem início de ação rápido, curta duração, baixa atuação no limiar convulsígeno e até algum efeito pró-convulsivante. Deve ser de baixo custo, de fácil aquisição, indolor na injeção e ter um perfil cardíaco favorável. Os barbituratos foram a primeira classe de hipnóticos usados para induzir a anestesia na ECT e os mais usados são o metoexital, o tiopental e o tiamilal. São todos de ação curta, aumentam o limiar convulsígeno e diminuem a duração da convulsão. No entanto o metoexital parece ter o menor impacto desses fatores, sendo considerado padrão-ouro. É amplamente utilizado, mas não está disponível no mercado brasileiro. Entre os desenvolvidos recentemente, o mais usado tem sido o propofol, apesar de sua ação anticonvulsivante. Causa dor na injeção intravenosa e está contraindicado em qualquer forma de porfiria. Outros efeitos colaterais reportados incluem hipotensão, tremores, soluços e necrose de tecido mole no local da injeção. O propofol é um indutor de início de ação rápido e, também, de curta duração. Devido ao seu efeito antiemético, os pacientes podem ter menos náusea, comparado com outros anestésicos intravenosos. Os pacientes apresentam maior estabilidade pressórica e frequência cardíaca no pós-ECT do que com os barbituratos. Tem efeito anticonvulsivante potente, aumentando o limiar convulsígeno e diminuindo a duração da convulsão. É usado em 0,75 mg por kg de peso e, apesar de seu efeito anticonvulsivante, dose-dependente, a duração da convulsão é comparável a uma dose standard de metoexital. É recomendado apenas para pacientes que requerem atenuação da resposta hemodinâmica, apresentem convulsões prolongadas e propensão à náusea ou a vômitos pós-anestesia. Há evidências preliminares recentes de que o propofol estaria relacionado a diminuição dos efeitos colaterais cognitivos da ECT. 36 O etomidato é usado em doses de 0,15 a 0,3 mg por kg de peso. Produz anestesia de início rápido. Movimentos involuntários mioclônicos são comuns durante a indução anestésica. A mioclonia é causada pela desinibição cortical e não está relacionada à atividade convulsiva cortical. Quando comparado ao metoexital, tiopental e propofol, a indução anestésica com o etomidato é relacionada com a presença de convulsões de longa duração. Deve ser considerado
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quando sessões prévias de ECT resultaram em convulsões curtas ou frustradas. Como resultado do perfil cardiovascular benigno do etomidato e sua habilidade em melhorar a atividade convulsiva pode ser usado para induzir anestesia em pacientes com comorbidades clínicas. Sua infusão é dolorosa, mas a dor pode ser evitada com a injeção prévia de lidocaína (1% e sem vasoconstritor) na veia que será injetado, com o membro garroteado a uma distância de mais ou menos 10 centímetros do local do acesso venoso. Depois de injetar a lidocaína, aguarda-se dois minutos, libera-se o garrote e imediatamente o etomidato é infundido. O resultado é muito bom, porque a dor relacionada a esse fármaco é abolida. A ketamina é um anestésico com propriedades analgésicas e sedativas únicas, e associado com menor incidência de depressão respiratória quando comparado aos outros agentes anestésicos. Comparado ao metoexital, a ketamina tem início de ação mais lento, atraso na recuperação e aumento na incidência de náuseas, ataxia, hipersalivação e alucinações durante a recuperação. Por atuar diretamente no sistema nervoso simpático, a ketamina aumenta a pressão arterial e a frequência cardíaca. Estudos recentes mostraram que a duração da convulsão foi aumentada com ketamina em 0,7 a 2,8 mg por kg de peso, quando comparada ao metoexital; há aumento da evidência eletroencefalográfica da intensidade da convulsão. Foi postulado que teria efeito antidepressivo durante a ECT.37 É usada em pacientes com alto limiar convulsígeno que podem ser refratários à indução da convulsão, independente das configurações máximas dos equipamentos. Doses típicas intravenosas são de 0,5 a 2,0 mg por kg de peso. Recentemente, narcóticos de ação ultracurta, como anfetanil e remifetanil, têm sido usados sozinhos ou combinados com propofol, metoexital e etomidato na ECT. Geralmente esse uso conjunto reduz a dose hipnótica, podendo aumentar a duração da convulsão e atenuar a resposta hemodinâmica aguda à ECT. Seu uso não atrasa a recuperação, nem aumenta a incidência de efeitos colaterais. A dose típica de fentanil é de 10 µg por kg de peso e 1 µg por kg de peso para remifetanil, quando combinados.
RELAXANTES MUSCULARES A succinilcolina figura entre os mais usados relaxantes musculares. É o único relaxante muscular despolarizante disponível no mercado atualmente e tem sido o mais usado em ECT, por décadas. Sua popularidade é devida tanto ao seu início rápido de ação (30 a 60 segundos), como por sua vida curta (em geral, menos de 10 minutos, o que coincide com a duração da anestesia intravenosa da ECT). De maneira geral, é usada a dose de 0,5 a 1,0 mg por kg de peso, mas pode ser ajustada individualmente. Altas doses são usadas em pacientes com risco de fratura durante a ECT (osteoporose, fratura preexistente, hérnia de
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disco, artrites, espondilite anquilosante). Há uma longa lista de efeitos colaterais relacionados a esse medicamento. Por sua semelhança estrutural com a acetilcolina, possui uma atividade parassimpática. Pode provocar bradicardia sinusal e até assistolia, após a segunda dose. Os níveis plasmáticos de potássio são aumentados entre 0,5 e 1,0 mEq/mL após a injeção da succinilcolina. Assim, pacientes predispostos (insuficiência renal, AVC, grandes queimaduras, secção de medula, esmagamentos, imobilidade prolongada e politraumatizados) poderão desenvolver grave hipercalemia, com consequente parada cardíaca.38 A succinilcolina aumenta a pressão intraocular, intragástrica e intracraniana e eleva o tônus do músculo masseter. Pode desencadear hipertermia maligna, apresentando-se com súbita taquicardia e acidose aguda metabólica ou respiratória, hipercarbia e hipertermia. Pacientes com história familiar de hipertermia maligna e distrofias musculares quaisquer (Duchenne, King-Deborough) não devem usar a succinilcolina. Embora a hipertermia e a síndrome neuroléptica maligna se apresentem clinicamente de forma semelhante, suas etiologias são completamente diferentes, e a succinilcolina tem sido usada com segurança na síndrome neuroléptica maligna. A ECT é salvadora de vidas em casos de impregnação maligna, síndrome neuroléptica maligna ou outras formas de catatonia maligna causadas por problemas médicos ou ocorrendo como parte da história natural do transtorno psiquiátrico.2 A questão que se impõe é se a succinilcolina seria segura nas catatonias malignas dada a semelhança clínica com a hipertermia maligna. A hipertermia maligna envolve uma disfunção na junção neuromuscular e a catatonia é de origem central. Na dúvida diagnóstica aconselha-se o uso de relaxantes musculares não despolarizantes. A succinilcolina é metabolizada pela pseudocolinesterase (plasma colinesterase e butirilcolinesterase) e pacientes com defeitos genéticos da enzima (aqueles com pseudocolinesterase atípica) têm um bloqueio neuromuscular mais longo e apneia com succinilcolina.39 Um em cada 50 pacientes (heterozigóticos) terá um bloqueio de 20 a 30 minutos, e um em cada 3 mil pacientes (homozigóticos) poderá ter um bloqueio de 4 a 8 horas de duração, pois a enzima atípica tem pouca ou nenhuma afinidade por succinilcolina. Não é aconselhável a dosagem plasmática de pseudocolinesterase por resultados falso-positivos. Recentemente, foi desenvolvido o fármaco sugamadex, uma opção para reversão breve do rocurônio (fármaco não despolarizante que necessita de reversão tardia), e, com isso, a succinilcolina foi substituída (despolarizante de metabolismo plasmático que, portanto, não exige reversão), considerando a sua contraindicação absoluta ou relativa, como a presença de glaucoma. O fármaco pode mudar a classificação da American Society of Anesthesiologists (ASA) para esses pacientes.40 Ver Quadro 5.1, a seguir.
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QUADRO
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5.1
CLASSIFICAÇÃO ASA
Classe I
Normal saudável
Classe II
Com doença sistêmica leve
Classe III Com doença sistêmica grave Classe IV
Com doença sistêmica grave/ameaça constante à vida
Classe V
Em estado terminal/difícil sobrevivência por 24 horas com ou sem operação
Fonte: Alves.
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A entubação pode ser necessária para pacientes com alto risco de aspiração pulmonar, como aqueles que estão com o estômago cheio, obesos mórbidos, gravidez avançada e aqueles com dificuldades com máscara de ventilação. Os pacientes com osteoporose grave devem ser avaliados cuidadosamente para relaxamento muscular completo, para evitar fraturas.
CONTRAINDICAÇÕES DA ECT A ASA convencionou categorias de risco anestésico, validadas internacionalmente, conforme Quadro 5.1. Os pacientes classificados como ASA V não têm indicação para ECT. Os categorizados em ASA III e IV exigem cuidados especiais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A ECT tem se mostrado eficaz e segura ao longo dos anos, sendo o tratamento escolhido, em diversas situações clínico-psiquiátricas. Embora seus mecanismos de ação permaneçam obscuros, já foram constatadas inúmeras modificações provocadas por ela no sistema nervoso central e fora dele. A neurogênese (brotos dentríticos), a neuroplasticidade (fibras musgoides), a neuroproteção (robustez do citoesqueleto), a indução genética, o decréscimo na expressão do gene blc-Xs (responsável por marcar apoptose) são exemplos indiscutíveis de sua ação. A diminuição da concentração liquórica dos marcadores de degeneração neuronal e de células gliais (proteína tau, neurofilamentos e proteína S-100 beta), assim como o aumento da concentração do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e fator de crescimento fibroblástico (FGF-2) constituem-se em provas contundentes do benefício promovido pela ECT.
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A busca incessante por esclarecimento sobre seus efeitos, inclusive os deletérios, especialmente quanto à memória, tem levado a descobertas interessantes, por exemplo, a importância da localização da colocação dos eletrodos durante o procedimento. Especula-se que a técnica recente de magnetoconvulsoterapia talvez substitua com menos riscos a eletroconvulsoterapia, mas serão necessários mais estudos para confirmar o postulado. Entretanto, talvez haja a possibilidade do “silêncio elétrico pós-ictal” ser conseguido de outra forma, sem convulsão. Buscar métodos eficazes de anulação da ação glutaminérgica ou artifícios capazes de impedir o influxo de cálcio na célula nervosa durante a convulsão, minimizando o prejuízo mnemônico, parece uma demanda unânime do staff acadêmico. Deverá ainda esclarecer-se muitas informações sobre os riscos e os benefícios da ECT.
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CAPÍTULO
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ANESTESIA E RELAXAMENTO MUSCULAR Flavia Salles de Souza Ligia A. S. T. Mathias
INTRODUÇÃO A moderna eletroconvulsoterapia (ECT) vem se mostrando uma opção terapêutica bastante segura e eficiente, principalmente no tratamento dos quadros depressivos graves, quando não há resposta satisfatória com outras terapias, como a medicamentosa e a pscicoterápica, quando as medicações não são toleradas pelos pacientes ou em casos em que há ameaça à vida do paciente, além de outros transtornos. A técnica começou a ser aplicada em 1938, sem anestesia. Assim continuou por quase 30 anos. Avanços na técnica anestésica contribuíram com uma parcela muito grande para a segurança e o conforto oferecidos aos pacientes que se submetem à ECT nos dias atuais.
TÉCNICA A ECT é aplicada sob anestesia geral e relaxamento muscular. A monitoração dos sinais vitais (pressão arterial, frequência cardíaca e saturação periférica de oxigênio) aumentam a segurança do procedimento. Um acesso venoso para administração de fármacos e uma fonte de oxigênio suplementar devem estar disponíveis, assim como todos os materiais necessários para atendimento de emergência (tubos traqueais, sistema máscara-bolsa, laringoscópios, fármacos de reanimação, etc.). Após monitoração e punção venosa do paciente, a sequência do procedimento consiste em pré-oxigenação (administração de oxigênio a 100% por 2 a 3 minutos), administração do agente indutor de hipnose, seguido do agente bloqueador neuromuscular após perda da consciência. O paciente é ventilado sob máscara facial enquanto o bloqueador neuromuscular estabelece seu efeito.
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Coloca-se um protetor de mordida na boca, com a finalidade de proteger dentes, língua e lábios; e aplica-se o estímulo elétrico. Aguarda-se o fim da crise convulsiva e mantém-se a ventilação assistida ou auxiliada pelo anestesiologista até o reestabelecimento da ventilação espontânea e a metabolização dos fármacos, terminando com o despertar do paciente. O tempo de duração do procedimento é de pouco menos de 10 minutos.1 A monitoração básica deve ser mantida na sala de recuperação, assim como a oferta de oxigênio suplementar até que a saturação seja adequada em ar ambiente. A maioria dos pacientes recupera-se rapidamente e pode ser liberada de acordo com os critérios de alta hospitalar. Os efeitos adversos mais comuns são confusão mental, agitação, comportamento violento, amnésia, cefaleia, mialgia e náuseas e/ou vômitos. A presença de uma equipe treinada e familiarizada com o procedimento e com o paciente pode ser bastante reconfortante. Em casos de agitação extrema, pequenas doses de benzodiazepínicos (midazolam) podem ser úteis para o retorno a um estado calmo. Os principais efeitos fisiológicos da ECT são: •
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Cardiovasculares – resposta secundária à ativação do sistema nervoso autônomo que inicia com o estímulo elétrico; há, inicialmente, uma descarga parassimpática que dura, aproximadamente, 10 a 15 segundos, podendo resultar em bradicardia, hipotensão e assistolia. A seguir, apresenta-se uma resposta simpática e nesse período pode-se observar arritmias, aumento da pressão arterial e frequência cardíaca, aumentando o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Como foi desencadeada uma crise convulsiva, a oferta de oxigênio para o miocárdio pode diminuir e pode ocorrer isquemia miocárdica e infarto, principalmente em indivíduos com doença preexistente. Cerebrais – o consumo de oxigênio cerebral e o fluxo sanguíneo cerebral aumentam, assim como a pressão intracraniana. Podem ocorrer hemorragias, deficits transitórios por isquemia e outras complicações, como convulsões prolongadas e status epilepticus. Tais ocorrências são infrequentes. Mais comuns são os efeitos cognitivos adversos, como desorientação (principalmente em pacientes com demência prévia) e problemas de memória (amnésia anterógrada, retrógrada). Outros efeitos – devido ao estímulo parassimpático inicial, pode haver aumento da secreção salivar e das pressões intraocular e intragástrica, sem importância significativa do ponto de vista clínico. Antes do uso do bloqueador neuromuscular, havia uma alta incidência de fraturas e luxações, que são raras atualmente. Danos aos dentes e lacerações da cavidade oral são evitados com a proteção apropriada; outros sintomas, como cefaleia, mialgia, tontura e náuseas podem ocorrer, porém costumam ser de fraca intensidade.
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Portanto, os elementos essenciais da anestesia para ECT incluem: rápida perda da consciência, atenuação dos efeitos cardiovasculares, prevenção de movimentos grosseiros, interferência mínima na atividade convulsiva e recuperação rápida da ventilação espontânea e da consciência.2 A anestesia para ECT deve ser realizada por um profissional experiente, com pleno conhecimento dos efeitos fisiológicos e farmacológicos relacionados ao procedimento.3 A descarga elétrica gerada pela eletroconvulsoterapia estimula o sistema nervoso autônomo, provocando alterações hemodinâmicas na circulação sistêmica e cerebral. Alterações críticas na frequência cardíaca, na pressão arterial e na função cardíaca devem ser prevenidas com fármacos anticolinérgicos e anti-hipertensivos.
PREPARO No preparo dos pacientes, anestesiologista e psiquiatra devem conversar com o paciente candidato à ECT sobre riscos e benefícios. Deve-se tratar cada caso individualmente.
AVALIAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA Antes do início das sessões de ECT, cada paciente deve ser avaliado. É importante salientar que alguns candidatos à ECT apresentam-se pouco sociáveis ou até avessos a contato, fazendo-se necessário conversar com familiares e com outros profissionais da equipe que os acompanham durante a realização da anamnese para realizar questionamento sobre antecedentes patológicos, anestésico-cirúrgicos e alergias. Muitos pacientes são idosos, com uma variedade de comorbidades. Deve-se focar na identificação de condições que possam aumentar o risco de morbimortalidade durante o tratamento. Alterações do sistema cardiovascular, especialmente história de infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão arterial, aneurismas e arritmias devem ser investigadas e compensadas junto ao médico especialista. Essas condições clínicas, juntamente com aneurismas cerebrais não tratados, trombose venosa profunda não anticoagulada, fraturas instáveis, osteoporose grave, feocromocitoma, glaucoma e descolamento de retina constituem contraindicações à ECT. No exame físico, deve-se procurar por sinais de descompensação clínica, como arritmias, falência cardíaca, hipertensão não controlada, desidratação e estado da dentição. Todos os pacientes devem realizar eletrocardiograma para avaliar potenciais problemas cardíacos, hemograma para detecção de anemia e/ou infecção e dosagem de eletrólitos (sódio e potássio). Outros exames complementares ficarão a critério dos médicos, conforme indicação.
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O consentimento para a realização do procedimento deve ser obtido após todos os esclarecimentos serem fornecidos pelo anestesiologista. É importante ressaltar que se o paciente é capaz de entender a natureza e o propósito do tratamento, assim como os riscos e benefícios, a ECT não pode ser realizada sem o seu consentimento. Se o paciente é ou está incapaz de consentir, deve-se obter a aprovação da família. A relação de medicamentos em uso pelo paciente deve ser revista e, junto com o psiquiatra, decide-se quais serão mantidos ou suspensos para evitar interferência na atividade convulsiva. Muitos fármacos usados em psiquiatria têm uma variedade de efeitos colaterais ou potencial interação com fármacos anestésicos. Medicamentos com propriedades anticonvulsivantes, como os benzodiazepínicos e os barbitúricos mostram-se contraproducentes, devendo ser suspensos e/ou substituídos por outros. As medicações mantidas podem ser tomadas com pequena quantidade de água, no dia do tratamento. Os pacientes devem esvaziar a bexiga antes do procedimento, uma vez que é comum ocorrer incontinência urinária durante a crise convulsiva.4
MEDICAÇÃO PRÉ-ANESTÉSICA Normalmente não é necessária e pode prolongar o período de recuperação. É necessário que a equipe de saúde mental esteja treinada para tranquilizar e manter os pacientes calmos.5
JEJUM Deve ser mantido pelo período de 6 a 8 horas antes da ECT, para minimizar o risco de vômitos durante ou após o tratamento. Os pacientes devem ser observados atentamente durante o período de jejum, a fim de evitar ingestas de líquidos ou sólidos “às escondidas”. Muitos psiquiatras preferem realizar o procedimento no período da manhã para que os pacientes fiquem menos tempo em jejum e para que possam seguir com sua rotina após o tratamento.
CONDUÇÃO DA ANESTESIA Após o preparo do paciente, deve-se ter em mente aqueles elementos essenciais da anestesia para ECT. Para alcançar tais objetivos, a escolha dos fármacos utilizados deve resultar em um equilíbrio entre propiciar a anestesia adequada, minimizando os efeitos indesejados e com mínima interferência na crise convulsiva, ou seja, na eficácia da eletroconvulsoterapia.
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AGENTES DE INDUÇÃO METOEXITAL . Durante muitas décadas, foi o agente mais utilizado como hipnótico,
pois apresentava propriedades como rápida indução, rápido despertar e pouca interferência na crise convulsiva. É considerado o hipnótico de primeira escolha ou padrão-ouro pela American Psychiatric Association (APA).6,7 Entretanto, não está disponível para uso. TIOPENTAL SÓDICO.
Não é um fármaco de escolha, por encurtar a duração da crise convulsiva e, também, por desencadear efeitos hemodinâmicos indesejáveis.2 Além disso, apresenta efeito mais duradouro, prolongando o despertar e a recuperação. . Quando comparado com outros agentes de indução, o etomidato geralmente está associado a crises convulsivas de maior duração. Por apresentar efeitos cardiodepressores mínimos, pacientes que recebem etomidato como agente hipnótico tendem a apresentar uma resposta cardiovascular mais exacerbada quando comparados àqueles que receberam propofol ou barbitúricos.8 O etomidato propicia rápida recuperação, mas causa dor durante a injeção e também pode causar mioclonias, de modo bastante frequente. 8,9 É indicado para aqueles pacientes que apresentam crises curtas quando submetidos à anestesia com outros agentes indutores. ETOMIDATO
PROPOFOL . É um hipnótico bem tolerado, de curta duração e que propicia rápido
despertar; tem efeito cardiodepressor, podendo causar hipotensão e bradicardia, principalmente em pacientes vulneráveis. Em relação às convulsões, o propofol encurta seu tempo, mas isso pode ser minimizado utilizando-se as doses mínimas eficazes do propofol. Alguns estudos mostram que esse efeito não prejudica a eficácia do tratamento. Considerando o metoexital como o padrão-ouro, não é possível substituí-lo por outro fármaco, tendo em vista que todos apresentam alguma desvantagem. A dose do hipnótico pode ser inicialmente determinada pelo peso corporal do paciente, mas deve ser adequada ao longo do tratamento, quando necessário, dependendo da resposta à ECT e de qualquer alteração que se apresente nas crises e/ou no limiar convulsivo. Entretanto, todos os agentes citados são consideradas alternativas aceitáveis e o psiquiatra e o anestesiologista devem dialogar ao longo do tratamento para encontrar a melhor opção.
BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES O uso do bloqueador neuromuscular tem como principal objetivo prevenir a contratura muscular vigorosa que é desencadeada pelo estímulo elétrico e pela
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convulsão subsequente. Essa contratura pode ocasionar complicações, como fraturas e/ou luxações, além de mialgia. O fármaco deve ser administrado logo após o agente hipnótico. Em geral, não é desejável, e nem necessário, um grau de paralisia profunda, pois tal efeito está associado com um tempo de apneia mais prolongado.10 A succinilcolina é, até os dias atuais, o bloqueador neuromuscular mais utilizado em anestesia para ECT, pois se trata de um agente de início de ação e de duração ultracurtas. Altas doses de succinilcolina devem ser evitadas, pois seus efeitos colaterais variam de reações anafiláticas/anafilactoides a bradiarritmias e hipercalemia. Seu uso é contraindicado em pacientes suscetíveis à hipertermia maligna e a síndrome neuroléptica maligna. Uma dose adequada (estudos sugerem 0,5 mg/kg) é suficiente para atenuar as contrações musculares e permitir a avaliação da crise convulsiva pelo psiquiatra. 2,4,5 Doses maiores podem ser utilizadas em pacientes com osteoporose grave, fraturas prévias ou quadros de caquexia. Nos casos em que a succinilcolina está contraindicada, um bloqueador neuromuscular despolarizante pode ser utilizado. Entre as opções disponíveis estão o mivacurium (agente de curta duração) e rocurônio e vecurônio, que são agentes bloqueadores de duração intermediária e possuem um antagonista específico (sugamadex sódico) – que deve ser administrado após o término da crise convulsiva –, promovendo reversão total do bloqueio em tempo menor do que a recuperação da succinilcolina, sem seus efeitos adversos.11
FÁRMACOS ADJUVANTES Vários fármacos têm sido utilizados com o objetivo de minimizar os efeitos indesejáveis da eletroconvulsoterapia. Entretanto, não é recomendado o tratamento profilático em todos os pacientes candidatos à ECT. Quadros hipertensivos ou arritmias significativas devem ser tratados conforme a ocorrência e a profilaxia deve ser considerada nas sessões de ECT subsequentes. 10 Os anticolinérgicos são utilizados para controlar os efeitos cardiovasculares parassimpáticos, como as bradicardias e sialorreia. O glicopirrolato tem maior efeito antissialogogo, nenhum efeito sobre o sistema nervoso central e resulta em menor taquicardia pós-ECT. Já a atropina aumenta a frequência cardíaca e o seu uso diário não é recomendado, devido ao aumento do trabalho cardíaco e do consumo de oxigênio pelo miocárdio. Betabloqueadores são utilizados para atenuar os efeitos simpáticos decorrentes da ECT. Podem ser administrados antes ou durante o procedimento anestésico. Os mais estudados são o atenolol, o labetalol e o esmolol, pois reduziram
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significativamente a intensidade da resposta cardiovascular na ECT, mantendo a frequência cardíaca e a pressão arterial sob controle de modo mais efetivo.5 Entretanto, os esforços iniciais devem ser dirigidos à obtenção de controle da hipertensão arterial e da frequência cardíaca com administração diária de um ou mais agentes por via oral. Bloqueadores de canais de cálcio, alfa-agonistas, também podem ajudar a minimizar a resposta cardiovascular desencadeada pela ECT, em associação com os betabloqueadores ou separadamente.
GRUPOS ESPECIAIS SÍNDROME NEUROLÉPTICA MALIGNA Trata-se de um quadro produzido por alguns medicamentos antipsicóticos que compartilha algumas semelhanças com a hipertermia maligna. Nele estão presentes a rigidez muscular, a febre, o aumento de creatinofosfoquinase, o delirium e a instabilidade autonômica. Nesses casos, a succinilcolina está contraindicada por se tratar de agente desencadeador desses quadros, de extrema gravidade.
GESTANTES Muitos estudos sugerem que a ECT é segura e eficaz durante toda a gestação, preferível à tratamentos medicamentosos. Algumas complicações, como broncoaspiração e trabalho de parto prematuro podem ocorrer. Durante o ato anestésico, pode-se fazer necessária a entubação traqueal para proteção das vias aéreas. A tocólise profilática pode ser útil em pacientes com história pregressa de trabalho de parto prematuro.4
CONCLUSÕES A eletroconvulsoterapia é uma modalidade de tratamento de pacientes psiquiátricos segura e eficiente. O conhecimento da ECT, de seus efeitos sobre o organismo e da farmacologia dos agentes utilizados na anestesia são de extrema importância para a otimização do cuidado anestésico. É importante reconhecer também como pode-se modificar esses efeitos e os fatores relacionados à anestesia que podem influenciar a eficiência da ECT.
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CAPÍTULO
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ELETROCONVULSOTERAPIA EM POPULAÇÕES ESPECIAIS Marco Aurélio Buzetti Andrade Guilherme Lozi Abdo
INTRODUÇÃO A eletroconvulsoterapia eletroconvulsoterapia tem sido sido utilizada desde desde 1938, quando Cerletti Cerletti e Bini introduziram introduziram a técnica de convulsão induzida por corrente elétrica. Desde então, a eletroconvulsoterapia tem passado por múltiplos questionamentos, principalmente pela mídia atual. Essa modalidade de tratamento é, até hoje, utilizada em razão de sua alta eficácia e de sua capacidade de salvar vidas. Também, é largamente utilizada utilizada em transtornos psiquiátricos, sendo sua principal indicação para os quadros de depressão maior. Além de muito eficaz quando bemindicada, tem um alto perfil de segurança, o que torna grupos populacionais específicos, que poderiam poderiam ser considerados de risco, aptos para esse tratamento. Neste capítulo discutiremos a eletroconvulsoterapia aplicada em idosos, em gestantes, em crianças e em adolescentes.
POPULAÇÃO GERIÁTRICA A eletroconvulsoterapia eletroconvulsoterapia tem tem um papel importante no tratamento tratamento de transtortranstorno depressivo, mania e outras condições psiquiátricas em pacientes idosos. A técnica é amplamente usada neste perfil populacional, populac ional,1 sendo uma intervenção interven ção muito segura, já que a taxa de mortalidade não é maior do que na população jovem, ou seja, de 2 a 3 óbitos óbitos a cada 10 mil pacientes. pacientes.1,2 Sabe-se que a população geriátrica geralmente tem uma menor resposta ao tratamento medicamentoso, além de uma menor tolerabilidade a medicações como antidepressivos, neurolépticos e estabilizadores do humor. 3 Além disso, depressão grave que cursa com inanição, recusa recus a alimentar, sintomas psicóticos psicótic os e tendência suicida são características mais comuns nesse perfil populacional. A ECT, ECT, por seu perfil de segurança segurança já estabelecido, estabelecido,4 incluindo a população geriá-
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trica e os pacientes com complicações clínicas,5,6 é uma modalidade terapêutica importante nesses grupos populacionais. Entre as indicações encontram-se a falha terapêutica com psicofármacos, a não tolerância aos efeitos colaterais dos psicotrópicos, a boa resposta prévia à ECT e quando não se pode aguardar o efeito de medicações e/ou psicoterapia.7 Segundo dados recentes, costuma-se indicar a ECT na população geriátrica de forma proporcionalmente maior do que na população geral.8 Por exemplo, na Califórnia um estudo revelou que a relação entre pacientes submetidos à ECT entre 10 mil habitantes acima de 65 anos foi de 3,97, em 1990, e 3,82, em 1994. Já em pacientes entre 25 a 64 anos essa relação foi de 0,71, em 1990, e 0,48, em 1994. 9 Também é importante considerarmos que a população geriátrica é mais acometida por problemas clínicos diversos, como doenças neurológicas, cardiovasculares e respiratórias.10 Tais Tais complicações complicaç ões devem ser consideradas quanquan do a ECT é indicada, e o manuseio cuidadoso deve ser individualizado, conforme confor me a patologia concomitante. No entanto, a presença de tais condições, mesmo que graves, não podem ser consideradas como contraindicação absoluta à ECT. ECT.10 Vários estudos de ampla amostragem confirmam a ECT como um procedimento extremamente seguro. 4 Além do perfil de segurança, a eficácia também tem sido correlacionada com a idade, sendo este fator um preditor positivo positivo de respos3,11 ta à ECT. As taxas de respostas em idosos deprimidos variam de 63 a 98%, com características benignas de efeitos colaterais similares às dos pacientes jovens.6,11 Outro aspecto importante a ser considerado é a cognição. Zervas e colaboradores12 observaram que pacientes idosos com depressão têm deficits de memória anterógrada e retrógrada mais graves quando comparados a pacientes jovens, sendo este um fator limitante ao uso da ECT em virtude da possível gênese de efeitos cognitivos adversos.13 O prejuízo cognitivo parece de natureza transitória e pode ser minimizado pela redução na frequência de tratamento, ou seja, o número de sessões por semana.6,14 Além do deficit de memória, outra preocupação é que os pacientes idosos tendem, com maior frequência, a desenvolver confusão pós-ictal durante o tratamento.15 Vários estudos restrospectivos têm indicado que a idade do paciente e suas condições clínicas são preditoras do desenvolvimento de confusão persistente durante o curso da ECT.6 Um estudo examinou a relação entre a preexistência de deficit cognitivo e a magnitude da amnésia anterógrada anterógrada e retrógrada ao final do tratamento e após dois meses de seguimento. Pacientes com deficit cognitivos significativos pré-ECT manifestaram as maiores taxas de amnésia retrógrada durante o tratamento. Nesse estudo, tanto a duração da confusão pós-ictal e a avaliação da memória pré-ECT predisseram um deficit de memória retrógrada prolongada.16 Gardner e colaboradores17 concluíram em seu estudo comparativo entre ECT unilateral e bilateral
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em pacientes idosos, que ambas as técnicas de posicionamento de eletrodos não tiveram diferença significativa na memória pessoal e nas informações autobiográficas. No entanto, Stoppe e colaboradores encontraram efeitos adversos cognitivos mais acentuados na ECT bilateral, mesmo quando qua ndo comparados à carga elétrica alta na ECT unilateral, concluindo que a ECT unilateral pode ser o tratamento de primeira linha, mesmo para aqueles com depressão grave, incluindo a depressão depressão psicótica.13 Quanto ao limiar convulsivo individual, sabe-se que tende a aumentar conforme a idade,3 exigindo doses maiores de corrente elétrica em idosos, o que aumenta a probabilidade probabilidade de haver comprometimento cognitivo.18 No contexto de limiar convulsivo elevado, sugere-se sugere-se que seja realizada a redução ou a suspensão de sedativos, hipnóticos e benzodiazepínicos, benzodiazepínico s, que sabidamente aumentam o limiar convulsivo, bem como a substituição da lidocaína por outra medicação antiarrítmica.19 Outra alternativa é minimizar o uso de anestésicos barbitúricos, garantir a ventilação adequada e substituir a lidocaína profilática por outra medicação antiarrítmica. antiar rítmica. Também Também deve-se considerar a troca do fármaco fárma co anestésico como, por exemplo, o etomidato. Um grupo especial a ser abordado são os pacientes portadores de demência. Até o momento momento não há nenhuma publicação de estudo estudo controlado envolvendo esse grupo grup o populacional populaciona l quando submetido à ECT, ECT, o que limita qualquer possibilidade de conclusão sobre indicação, eficácia e efeitos colaterais nesse grupo. A depressão é, frequentemente, frequentemente, observada em pacientes que sofrem de síndromes demenciais, como o Alzheimer ou a demência vascular, vascular, com estimativa de prevalência de 80%.20 Dados na literatura revelam revelam que 69% dos pacientes com Alzheimer Alzheimer e depressão depressão respondem respondem bem à ECT bilateral bilateral ou unilateral. unilateral.21 É importante a especificação da etiologia da demência para facilitar as conclusões posteriores e avaliar os resultados (Alzheimer, corpúsculos de Lewy, Lewy, vascular, etc.). Trata-se de pacientes com deficit cognitivo grave, sendo de extrema dificuldade determinar se tais deficit são em função do quadro demencial ou de sintomas depressivos, muito comu comuns ns em pacientes com a síndrome demencial.20 O tratamento é relatado como bem tolerado tolerado nesse perfil populacional, embora a confusão transitória pós-ECT possa ser maior para esses pacientes se comparados aos sem demência.22 A pseudodemência, por tratar-se de um transtorno depressivo grave que mimetiza quadros demenciais, tem indicação precisa, pois a resposta à ECT tende a ser melhor quanto mais grave for a depressão, além da relação positiva da idade versus a resposta terapêutica que foi discutida anteriormente. Por tratar-se de pacientes com deficit cognitivo grave, deve-se dar preferência ao posicionamento unilateral de eletrodos, ou bifrontal, que sabidamente cursam com menor deficit cognitivo. 13 Deve-se optar também pelo pulso ultrabreve no caso da ECT unilateral, que, além de ser mais eficaz, cursa com menores índices de deficit cognitivo.
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GRAVIDEZ E PUERPÉRIO GRAVIDEZ O tratamento de transtornos psiquiátricos durante a gravidez permanece um desafio para a psiquiatria, pois a possibilidade do uso de medicamentos é restrita, já que muitos fármacos oferecem riscos teratogênicos para o recém-nascido. A eletroconvulsoterapia é um tratamento a ser considerado na gravidez e no puerpério, eliminando o risco de teratogenicidade induzida por medicações que incluem malformação, toxicidade neonatal ou aborto espontâneo. A APA sugere a ECT como tratamento para depressão maior e transtorno afetivo bipolar durante a gravidez, além de assegurar sua segurança e eficácia.2 A prevalência de depressão durante a gravidez parece ser maior se comparada a outras fases da vida das mulheres.23 As pacientes que não obtiveram resposta ao tratamento com antidepressivos ou apresentam sintomas psicóticos, tendência suicida ou sintomas depressivos graves são candidadas à eletroconvulsoterapia. Também deve-se considerar a indicação da eletroconvulsoterapia nesse grupo populacional em razão de sua rapidez de resposta. Outras indicações incluem catatonia maligna, esquizofrenia, transtorno psicótico breve e epilepsia. Dados recentes têm colocado a ECT como um procedimento seguro nos três trimestres da gestação,24 no puerpério e também durante o aleitamento materno.25 Embora as metanálises sejam raras, uma delas, de 300 casos de ECT durante a gravidez, mostrou que as complicações mais comuns incluem distúrbio no ritmo cardíaco fetal, sangramento vaginal, indução de contrações uterinas e trabalho de parto prematuro. 26 A complicação mais frequente é a indução de trabalho prematuro, com uma prevalência de casos revisados de 3,5%.27 Durante a gravidez os dados relativos ao uso de medicações psicotrópicas precisam ser considerados, principalmente durante o primeiro trimestre da gestação, em razão de prováveis efeitos teratogênicos. Benzodiazepínicos, antipsicóticos, lítio e outros estabilizadores de humor têm sido identificados como teratogênicos.28 O lítio, além da associação da teratogenicidade, tem sido relacionado ao trabalho de parto prematuro, ao hipotireoidismo neonatal e aos sintomas de intoxicação no recém-nascido. Hipertonicidade, apneia e alteração da regulação térmica têm sido associadas ao uso de benzodiazepnícos na gestação.28 Já os neurolépticos têm sido relacionados a tremor, a inquietação motora, aos movimentos anormais e a hipertonia neonatais.29 Os antidepressivos, embora mais seguros, devem ser usados com cautela durante a gravidez. O uso de antidepressivos tricíclicos e de inibidores seletivos da recaptação de serotonina durante a gravidez não evidenciaram nenhum risco específico,30 embora o uso crônico de antidepressivos tenha sido associado a sintomas anticolinérgicos
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em recém-nascidos, assim como síndrome de abstinência com sintomas que incluem agitação, irritabilidade e convulsão.29 Todos esses dados colocam a ECT como um procedimento relativamente seguro em detrimento do uso de medicamentos, além de ser um método eficaz e de rápida resposta clínica. Deve-se considerar todos os procedimentos envolvidos na ECT, como a anestesia, o uso de relaxantes musculares, a ventilação durante o procedimento, o uso de medicações como antieméticos, procinéticos, anticolinérgicos e analgésicos. No caso dos anestésicos, no Brasil são usados o etomidato e o propofol. Nos Estados Unidos, por exemplo, são utilizados o tiopental e o metoexital (Brevital®). Tanto o propofol como o etomidato são considerados seguros durante a gravidez, assim como o uso de tiopental e metoexital em outros países, sendo que o risco de teratogenia dessas substâncias são considerados relativamente menores do que com outras alternativas farmacológicas, como os antidepressivos. O propofol, indutor anestésico indicado para gestantes,27 tem sido citado em vários relatos, pois as alterações hemodinâmicas e cerebrovasculares são mais estáveis quando comparado ao uso de barbitúricos.31 Trata-se também de um indutor anestésico usado largamente em cirurgias intrauterinas, com propriedades de indução e recuperação rápidas.32 O uso de anestésicos voláteis, como o sevoflurano, pode ser feito, embora requeira um equipamento de anestesia, tornando essa técnica pouco praticável. O sevoflurano ou outros anestésicos voláteis podem ser úteis em gestações mais tardias, podendo reduzir as contrações uterinas pós-ECT.31 Quanto ao uso de relaxantes musculares, a succinilcolina, por ter baixo potencial de transferência placentária, é um relaxante muscular considerado seguro, devendo ser utilizada em doses usuais.33 Durante o procedimento, alguns cuidados são necessários para minimizar o risco de complicações. Uma pré-oxigenacão adequada é essencial para prevenir bradiarritmias fetais, sendo que a hiperventilação com intuito de reduzir o limiar convulsivo deve ser evitada, pois a alcalose respiratória materna pode reduzir o transporte de oxigênio à hemoglobina fetal. A colocação de um calço elevando o quadril direito para minimizar a compressão aortocava em estágios mais tardios da gravidez pode melhorar a perfusão placentária e minimizar o risco de hipoxia fetal. A cardiotocografia durante o procedimento pode ser utilizada para monitorar a atividade uterina, facilitando a detecção precoce de contrações. Nesse caso, agonistas beta2-adrenérgicos e sulfato de magnésio podem ser administrados.27,34 Outra complicação possível é a aspiração. Embora seja sugerido maior risco de aspiração pulmonar em gestantes recebendo ECT, uma revisão recente de ECT na gravidez não encontrou nenhum caso de pneumonia aspirativa.27 No entanto, o aumento do pH gástrico por meio de bloqueadores H2 (ranitidina 150 mg na noite anterior ao procedimento e pela manhã) pode minimizar o risco de pneumonia aspirativa, devendo também ser evitados agentes anticolinérgicos como profiláticos de bradicardia, já que essas medicações reduzem o
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tônus do esfincter esofágico inferior, aumentando o risco de aspiração.34 Outra alternativa é o uso de pró-cinéticos, como a metoclopramida, que tem sido usada largamente durante a gravidez, sem efeitos de toxicidade ou teratogenicidade aparentes.34 Entre esses, o método mais simples para a prevenção de aspiração durante a ECT é a manobra de Sellick, aplicando-se uma pressão manual constante sobre a cartilagem cricoide durante o procedimento. Já a entubação endotraqueal é sugerida para gestantes no terceiro trimestre de gestação. Na cefaleia e na dor muscular, comuns após o procedimento, o acetominofeno é a medicação de escolha nesse grupo populacional. Devem ser evitados anti-inflamatórios não esteroides e ácido acetilsalicílico, principalmente no terceiro trimestre da gestação, pois estão relacionados ao fechamento precoce do ducto arterioso.35 Já para o tratamento das náuseas podem ser utilizadas a meclizina e a metoclopramida.36 Em idade gestacional acima de 14 semanas, o ritmo cardíaco fetal deve ser mensurado antes e após cada tratamento.34 Acima de 24 semanas é recomendável um teste com cardiotocografia sem estresse (tiras de 30 a 60 minutos), antes e após cada tratamento.34
PUERPÉRIO O período puerperal corresponde aos primeiros 12 meses após o nascimento do bebê. Os transtornos mentais nesse período incluem disforia no pós-parto (maternity blues), depressão pós-parto e psicose puerperal. 37 A disforia pósparto é considerada uma depressão leve, autolimitada, com sintomas que incluem crises de choro, labilidade emocional, cansaço e ansiedade. Já a depressão pós-parto propriamente dita e a psicose puerperal são transtornos mais graves, que podem comprometer a saúde materno-fetal de maneira devastadora. 38 A disforia pós-parto pode ser identificada em 50 a 85% das puérperas, dependendo dos critérios utilizados para o diagnóstico. Já a incidência de depressão pós-parto é estimada em 13% e a prevalência em 14,5%;39 a psicose puerperal é considerada um evento relativamente raro, com incidência estimada em 1 para 1 mil partos realizados.40 Sabidamente os psicotrópicos em algum grau são transmitidos pelo leite materno e ainda há poucos dados sobre o uso dessas medicações durante o puerpério. Os ISRS têm sido os menos detectados no leite materno, sendo que entre eles a sertralina e a paroxetina parecem as melhores opções. 41 Outros medicamentos que têm sido considerados de baixo risco neste perfil populacional incluem a sulpirida, a maioria dos tricíclicos, a moclobemida, o triptofano, os benzodiazepínicios em dose baixa e única, o zolpidem, a carbamazepina, o divalproato em doses baixas e a fenitoína.37 O uso de clozapina, haloperidol e clorpromazina é controverso e geralmente desencorajado durante o aleitamen-
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to.42 O lítio deve ser evitado, e outros antidepressivos, a lamotrigina e os antipsicóticos atípicos foram pouco estudados e o risco que oferecem a lactentes é desconhecido.38 Não obstante, há poucos dados sobre os efeitos em curto e longo prazos em crianças expostas a psicotrópicos durante o aleitamento. A eletroconvulsoterapia tem um papel importante na psicose puerperal e nas apresentações graves de depressão pós-parto. Esses transtornos são considerados uma emergência psiquiátrica e necessitam de intervenção e tratamento imediato, devido ao risco aumentado de prejuízo significativo, tanto à mãe quanto ao recém-nascido.38 Além da vantagem de proporcionar resultado rápido, a eletroconvulsoterapia deve ser indicada para mulheres que não responderam a uma ou mais medicações. A grande dificuldade em tratar esses transtornos se dá porque o tratamento medicamentoso apresenta resposta lenta, além de quase todos os psicotrópicos serem excretados no leite materno. 25 Assim, nesses casos, a eletroconvulsoterapia tem sido sugerida como tratamento de escolha,38 possibilitando, inclusive, a continuidade do aleitamento materno de maneira segura. Há poucos dados na literatura sobre a eletroconvulsoterapia no período puerperal e nenhum estudo randomizado existe até o momento.25,43 Os dados da literatura referem-se a relatos de casos individuais ou amostras muito pequenas. Não obstante, a escassez de dados na literatura, a ECT tem sido usada para transtornos mentais nesse período há mais de 50 anos, especialmente na psicose puerperal.43 A eletroconvulsoterapia, além de eficaz, é considerada segura durante o período puerperal,25 sendo o efeito colateral mais comum o deficit de memória transitório.38 Durante a ECT, o propofol, como indutor anestésico, e a succinilcolina, como relaxante muscular, mostraram-se seguros, devido ao curto período de ação e por terem transferência mínima ao leite materno. Apesar de sessões de ECT serem feitas repetidamente, a exposição aos medicamentos utilizados é mínima, se comparada ao uso contínuo de antidepressivos ou antipsicóticos.43 Um estudo recente sobre os agentes anestésicos midazolam, propofol e fentanil demonstrou que a exposição máxima desses agentes no lactente foi inferior a 0,1% da dose materna, o que é considerado clinicamente insignificante.44 Assim, a recomendação atual é que o aleitamento materno não seja interrompido após a recuperação anestésica.
CRIANÇAS E ADOLESCENTES CONSIDERAÇÕES GERAIS Embora a ECT seja pouco frequente nesse grupo populacional, relatos de casos surgem esporadicamente. Na Califórnia, por exemplo, de 1977 a 1983, apenas uma média de oito pacientes menores de 18 anos receberam ECT por ano,
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perfazendo 0,3% de todos os pacientes tratados com ECT durante esse tempo.1 Já na Austrália, entre os anos de 1990 e 1999, 72 adolescentes entre 14 e 18 anos receberam ECT, com uma média de 8,9 pacientes por ano, equivalente a 1,53/100 mil adolescente sendo tratados com ECT por ano.45 Esses dados evidenciam que o uso da ECT em crianças e adolescentes é ainda raro. Algumas razões para isso podem ser consideradas, como o não reconhecimento de transtornos mentais nessa faixa etária, a escassez de conhecimento sobre a ECT nessa população46,47 e o receio de que convulsões induzidas possam gerar sequelas no desenvolvimento do sistema nervoso desses pacientes. A ECT pode ser um tratamento eficaz em transtornos psiquiátricos graves, principalmente nos transtornos de humor nesse grupo populacional. 48 Entre as indicações de ECT nesta população estão a depressão psicótica, a mania, o transtorno bipolar do humor e a esquizofrenia catatônica. 45 Também foram relatados casos de ECT nessa faixa etária indicados para o tratamento de síndrome neuroléptica maligna e síndrome de Tourette. 49,50 Dados concernentes à eficácia da ECT nesse grupo populacional têm sido animadores. Uma revisão de publicações entre 1990 e a publicação dos parâmetros para o uso de ECT em adolescentes pela American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (AACAP)51 encontraram uma taxa de resposta que variou entre 75 e 100% nos transtornos de humor,52 embora a taxa de remissão entre adolescentes tratados com ECT não seja conhecida. Em outro artigo de revisão, feito na Austrália em 41 hospitais com pacientes menores de 18 anos submetidos à ECT entre os anos de 1990 e 1999, foi encontrada uma melhora significativa dos sintomas após um curso completo de tratamento na maioria dos pacientes, ocorrendo de maneira mais expressiva na depressão psicótica (83%), na mania (100%), no transtorno bipolar do humor (89%) e na esquizofrenia catatônica (80%).47 Nos casos de transtorno de humor com transtorno de personalidade, apenas 27% obtiveram melhora inicial, comparado a 71% nos pacientes com depressão maior sem transtorno de personalidade.47 A ECT em relatos de casos recentes demonstrou-se eficaz para síndrome neuroléptica maligna49 e um relato demonstrou igual eficácia na síndrome de Tourette. 50 Além de eficaz, a ECT tem se mostrado segura nesse grupo populacional. Assim como já demonstrado que em adultos não causa dano cerebral,19 a ausência de efeitos colaterais significativos em relatos recentes tem sugerido que a ECT em crianças e adolescentes é igualmente segura.53 Os efeitos adversos são raramente relatados nessa população e nenhum óbito foi reportado.52 Os efeitos colaterais não são distintos dos observados em adultos, e entre eles incluem-se deficit de memória, convulsões tardias, crise convulsiva prolongada e o risco associado à anestesia; outros efeitos colaterais menos significativos são cefaleia, náuseas, vômitos, dor muscular, confusão e agitação.52 Um estudo demonstrou que entre 10 adolescentes submetidos à ECT, avaliados três anos e meio após o tratamento, não houve diferença significativa, se comparada a indivíduos-con-
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trole em testes, de memória recente e remota, de atenção e de aprendizado. 54 Um outro estudo feito com 16 adolescentes tratados com ECT mostrou que houve diferença no funcionamento cognitivo pré-ECT e após a primeira sessão, embora a recuperação completa tenha ocorrido após alguns meses. 55 Já na Austrália, entre 72 pacientes menores de 19 anos submetidos a 826 sessões de ECT durante toda a década de 1990, a cefaleia (61% dos tratamentos) foi o efeito colateral mais comum encontrado, seguido pela confusão (20%), queixa subjetiva de deficit de memória (19%), náuseas ou vômitos (15%), dores musculares (11%), virada maníaca (4%) e crise convulsiva prolongada (0,4%).45
AVALIAÇÃO CLÍNICA E TERMO DE CONSENTIMENTO A decisão clínica de prescrever ECT nesse grupo populacional deve ser feita pelo psiquiatra responsável pelo paciente. É sugerida a concordância da indicação entre dois psiquiatras com experiência no tratamento de crianças e adolescentes e em eletroconvulsoterapia, sendo que o segundo psiquiatra não deverá envolver-se no caso. Para que haja indicação, deve inicialmente ser realizada cuidadosa avaliação do caso, que deve incluir uma entrevista clínica detalhada, informação dos pais ou de outros informantes confiáveis, relação dos sintomasalvo, além de medida de sintomas por meio de instrumentos de escala confiáveis, quando apropriado. A medida da gravidade da doença deve ser incluída, além de uma avaliação padronizada de funcionamento global do paciente nos seguintes domínios: interpessoal, social, familiar e acadêmico/vocacional.52 Os pais ou responsáveis devem ser informados sobre o procedimento. O consentimento por escrito dos pais ou parentes responsáveis deve ser obtido. O consentimento do menor, principalmente de um adolescente, deve ser obtido sempre que possível. No entanto, um paciente em mania, síndrome confusional, psicose ou gravemente incapaz por outras razões pode não ser capaz de fornecer sua aprovação.52 Sugere-se um intervalo entre o consentimento e o início do tratamento. Alguns estados nos Estados Unidos recomendam uma espera de até 72 horas, podendo, nesse período, ser anulado o consentimento. No termo de consentimento deve ser incluído, além de riscos e benefícios da ECT, a liberdade dos pais ou dos responsáveis de retirarem seu consentimento quando quiserem, mesmo na vigência do tratamento já iniciado.52
TÉCNICA Até a presente data não há nenhum estudo clínico randomizado avaliando os benefícios relativos das diferenças técnicas possíveis nesse grupo populacional, como posição de eletrodos, dosagem, frequência de tratamento, etc. Assim, as
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recomendações existentes são baseadas em dados da ECT em adultos, reportados na literatura. A APA e alguns autores recomendam que a ECT em crianças e adolescentes siga as recomendações do tratamento em adultos.2,56 Com base nas recomendações para adultos, a ECT em crianças e adolescentes deve ser iniciada de forma unilateral, dado o menor risco de deficit de memória, no hemisfério não dominante. O posicionamento bilateral dos eletrodos deve ser considerado em caso de resposta insatisfatória, a menos que haja razões para iniciar com ECT bilateral (recusa alimentar, risco de suicídio, psicose grave, catatonia). Também há dados que sugerem que a ECT bilateral pode ser mais eficaz em caso de mania.52 O limiar convulsivo é sabidamente menor em crianças e adolescentes quando comparados a adultos, sendo esse um fator importante na escolha da dosagem da carga elétrica a ser administrada no tratamento.2 Assim, o uso empírico da titulação da carga elétrica com parâmetros de baixa dosagem inicial é incentivado. A equipe deve estar preparada para crises convulsivas prolongadas, sendo elas mais frequentes em crianças e adolescentes. Medicamentos apropriados para interromper a convulsão devem estar disponíveis, como diazepam, lorazepam, midazolam e propofol.
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CAPÍTULO
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ELETROCONVULSOTERAPIA E FUNCIONAMENTO COGNITIVO CEREBRAL Julieta Mejia Guevara
Pela compreensão do processo de percepção normal e suas caraterísticas, tentaremos descrever o que realmente acontece com a cognição, como um todo, durante o tratamento com eletroconvulsoterapia. A percepção constitui um processo ativo que utiliza informações para elaborar e testar hipóteses. Isso envolve aprendizado e conhecimento de como caraterísticas não visuais, por exemplo, afetam nossa visão dos objetos; o mesmo se aplica, inclusive, ao reconhecimento de expressões faciais. Um amigo ou namorado nos parecem bem diferentes de outras pessoas sem esse significado afetivo ou componente subjetivo. Caçadores diferenciam espécies de pássaros de acordo com seu voo, um aprendizado específico que provavelmente passará despercebido para pessoas com outros interesses ou motivações. A neuroimagem para o radiologista especializado, por exemplo, se reveste de poder diagnóstico por envolver um conhecimento não visual e um determinado foco de interesse. Segundo a citação de Gregory: Podemos imaginar por que o sistema visual tem desenvolvido a habilidade para usar informação não visual para ir além da evidência imediata dos sentidos. Construindo e testando hipóteses, a ação é dirigida não somente para aquilo que foi sentido, mas para o que pode acontecer e é isto que interessa. (Gregory Richard, citado por Carter1). Entretanto, em se tratando da memória, temos que ter em mente que, dependendo do receptor envolvido na captura da informação, o arquivamento ocorre em locais diversos. Por exemplo, a informação visual é captada pelos olhos e arquivada no lobo occipital, mantendo circuitos nas áreas relacionadas; odores são captados pelo bulbo olfativo e enviados diretamente para o sistema límbico e essa via rápida de associação afetiva ou emocional com a memória possibilita
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ativar registros relevantes a partir da percepção do odor de uma pessoa significativa que usa a fragrância com frequência. Estudos de neuroimagem sugerem que os odores percebidos como agradáveis ativam, principalmente, áreas do lobo frontal (área olfativa do lado direito). Já os odores aversivos ativam a amígdala e o córtex temporal (ínsula).2 Isso representa a base biológica que explica como nossa memória é distribuída ao longo do cérebro, dependendo do sistema que captou a informação. Portanto, torna-se impossível selecionar memórias a serem eliminadas dos nossos arquivos. A partir disso entendemos tanto o efeito colateral mnemônico do ECT, amplamente documentado, como o processo pelo qual a percepção é prejudicada quando o psíquico adoece. Determinar como o processo de arquivo acontece e esclarecer as alterações que pertencem à doença pode nos ajudar a entender o deficit cognitivo real esperado nesse tipo de tratamento. Existem duas posições de aplicação para os eletrodos no estímulo bilateral: bitemporal e bifrontal. A dismnésia, ainda que não desejada, pode ser benéfica quando induz a perda de registros de recente aquisição ligada a vivências da doença (hipocampais, Fig. 8.1) no entanto, representam um fator de risco para a piora. Os sintomas que primeiro respondem ao estímulo são a ansiedade e a insônia. A perda mnemônica, mesmo que não objetivada, proporciona uma redução significativa do estímulo adrenérgico e seus efeitos deletérios no tecido neural, sendo conhecidas as consequências das cascatas do estresse oxidativo na neurobiologia cerebral.3,4 Assim, na ideação suicida ou nas comorbidades em que se associa o traço obsessivo ao transtorno do humor, essa localização pode ser indicada. Conseguimos, assim, tanto uma proteção contra fatores de risco da resistência organocerebral ao efeito cerebral desejável, como uma prevenção da recidiva. Por causa do sofrimento sofrido, alguns pacientes deixam de acreditar na capacidade da medicina de restaurar-lhes a saúde mental. Há, também, pacientes cujos sintomas não permitem um único dia livre das manifestações, que remetem a ansiedade ou a angústia vivenciada na ECT; libertá-los desses pensamentos e concepções é, no mínimo, desejável e terapêutico. O que procuramos trabalhar são aqueles circuitos cuja pregnância mnemônica é muito maior em decorrência de a “cola” de nossa memória ser a intensidade da emoção, seja ela positiva ou traumática. Entretanto, em uma série inicial de terapia eletroconvulsiva, nem sempre eliminamos tais informações, o que torna necessário sucessivas aplicações de ECT, de efeito cumulativo, para obtermos resultados positivos em sintomas como ideação suicida ou ruminação negativista. Considerando que as alterações mnemônicas relacionadas à ECT foram documentadas com o estímulo bilateral, podemos migrar para um estímulo unilateral no tratamento de manutenção, quando a melhora já está consolidada. Alguns pesquisadores sugerem que a melhora no humor depressivo e a indução de deficit mnemônico estariam mediados pelo mesmo fenômeno bioló-
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FIGURA
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8.1
EM UM ARTIGO SOBRE MEMÓRIA DE FOER J, STEBER M, ORIGINADO NOS TRABALHOS DE JOHN D. E. GABRIELI, DEPARTMENT OF BRAIN AND COGNITIVE SCIENCES, MIT; LARRY B. SQUIRE AND ERIC KANDEL, MEMORY FROM MIND TO MOLECULES, ART BY BRUCE MORSER; REPORTING AND DESIGN BY JUAN VELASCO, NGM ART. AUTORIZAÇÃO DE GABRIELI J, DE HARVARD, SQUIRE L, DO MIT E VELASCO J. DA NATIONAL GEOGRAPHIC. Fonte: Foer.5
gico. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica por Edward Coffey em The clinical science of ECT .6 Ainda que os autores citados não tenham encontrado o elemento em comum, Calev e colaboradores7 deixam em aberto a possibilidade de que a tecnologia disponível à época possa ser a responsável pelos resultados negativos.8 No texto em que o autor questiona se o deficit mnemônico pós-ECT pode ser melhorado, ele reconhece a necessidade de usar alguns medicamentos para diminuir esse deficit. D’Elia e Frederiksen9,10 e Frederiksen e colaboradores11 falharam em melhorar o deficit com ACTH. Lerer e colaboradores12 e Mattes e colaboradores13 não obtiveram resultado com o uso da vasopressina. Horne e colaboradores14 falharam em prevenir o deficit de memória com dexametasona. Levin e colabo-
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radores15 demonstraram efeito positivo na memória com o uso de fisostigmina, um achado sem replicação posterior. Nesse mesmo ano, Suefeld e colaboradores16 encontraram melhora subjetiva na memória, sem obter uma mudança objetiva usando uma terapia de estimulação em ambiente controlado (REST: restricted enviromental stimulation therapy).
A percepção seleciona, por intermédio do interesse, o que será arquivado; portanto, requer a integridade do sistema volitivo e a manutenção de um juízo crítico objetivo. Nesse ponto, temos que nos deter ao fato de que quando o sintoma psiquátrico aflora já temos diante de nós um circuito neural em disfunção, pois a doença psiquiátrica, per se, afeta significativamente o funcionamento cerebral como um todo. A vontade, a iniciativa, o juízo de morbidade e o juízo crítico e, de modo particular, a memória, são comprometidos durante sua evolução. No caso da depressão, quando o curso do pensamento está lentificado e a iniciativa do indivíduo prejudicada pelo humor depressivo, estamos falando de alteração cognitiva pela doença afetiva. Esses transtornos afetam o ciclo vigília-sono do indivíduo, alterando em consequência o funcionamento da memória. Quando focalizamos na bipolaridade, é característica a aceleração do pensamento com consequências claras na atenção desse paciente, já que não é possível lembrar daquilo onde não mantivemos a atenção. Daí recebemos dos neuropsicólogos, frequentemente, em alguns casos de avaliações cognitivas solicitadas, a informação de que o valor estatístico de desempenho sofre alteração, dependendo da fase em que o indivíduo se encontra (mania ou hipomania). O juízo crítico sofre interferência direta do afeto: o negativismo da depressão altera a percepção de aspectos positivos da vida do sujeito e a desconfiança nos estados mistos afeta a seleção das informações coletadas. Do mesmo modo, há alterações cognitivas extensamente documentadas na literatura específica nas demências e nos transtornos do desenvolvimento. Assim, achados deficitários funcionais na síndrome de Asperger ou na síndrome de Down devem ser estabelecidos antes do tratamento. Concluindo, a doença produz alterações cognitivas significativas na memória, na atenção, no planejamento, na iniciativa e na latência entre desafio e resposta, assim como em outros domínios menos evidentes, como julgamento e raciocínio lógico (autorreferência em pacientes bipolares em fase maníaca ou, ainda, em quadro misto). Levando em consideração que a ECT melhora a curto prazo os sintomas psiquiátricos, obtém-se, então, uma melhora cognitiva quando a resposta clínica se faz presente.17
EFEITOS NA COGNIÇÃO E NA MEMÓRIA Podemos agrupar em três os deficits cognitivos, de acordo com o tempo transcorrido entre o estímulo e a aparição da queixa: agudo, subagudo e de longo
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prazo.18.19 Os efeitos agudos da ECT são definidos como aqueles que acontecem imediatamente após cada série de estímulos, podendo persistir por várias horas. Estão incluídas as alterações de orientação, de memória e de cognição geral. Os efeitos subagudos são definidos como aqueles que persistem por alguns dias ou semanas depois de uma série de ECT. Esses efeitos incluem, principalmente, fenômenos amnésicos. Os efeitos de longo prazo são aqueles observados por meses ou anos após o indivíduo ser submetido a uma série. Nesse ponto, é importante lembrar que a experiência subjetiva pode alterar a percepção e a dimensão que o paciente atribui à queixa específica. É comum que deficit mnemônicos que já faziam parte da doença para a qual foi indicado o procedimento sejam confundidos com efeitos colaterais da ECT durante o tratamento. Em contraposição, a cultura pode ser tendenciosa ao subdimensionar as alterações cognitivas do adoecimento psíquico e hipervalorizar questões referentes ao tratamento. Nesse sentido, o clínico pode estabelecer quais eram as alterações cognitivas preexistentes nas consultas prévias ao procedimento, determinando, assim, uma linha de base que, no decorrer do tratamento, pode ser reavaliada para representar o funcionamento objetivo destes aspectos junto ao paciente e seus familiares (avaliação evolutiva). Aqui lembramos que existem discordâncias entre os autores internacionais a respeito dos efeitos de longo prazo relatados na literatura, pois alguns enfatizam que o perfil cognitivo deficitário da doença psiquiátrica não foi documentado no momento do encaminhamento do paciente ao procedimento. A desorientação faz parte dos deficit agudos, afetando a orientação pessoal, além da relativa ao local e ao tempo, e persiste em média por 45 minutos; a recuperação, por sua vez, acontece de maneira gradual, recuperando-se, primeiro, a identidade, depois a localização e finalmente a temporalidade. No entanto, a desorientação pode ser definida como um problema de evocação a partir da memória semântica (Fig. 8.2). Calev e colaboradores 20 observaram que a recuperação da habilidade dos pacientes para nomear itens em um questionário sob orientação estava relacionada com o tempo de aquisição da informação na vida. Isso é consistente com a lei de amnésia de Ribot,21 que diz: “quanto mais cedo ocorrer a aquisição de um material, menor a possibilidade de disrupção mnemônica” (Fig. 8.3).22 Quando existe dano estrutural nos gânglios da base (p. ex., na doença de Parkinson) ou quanto maior a idade, maior a predisposição para um período de delirium pós-ECT. Esse tipo de desorientação é denominada interictal e pode durar mais tempo, inclusive dias.7 Para evitar esse deficit (ver Quadro 8.1), Sackeim propõe o uso de estímulo unilateral ou a aplicação de carga baixa bilateral, sugerindo um estímulo com 150% da intensidade considerada suficiente para originar a última convulsão com duração eficaz em uma série. O gráfico da Figura 8.2 mostra a média de tempo para se recuperar a orientação após cada estímulo. Nesse ponto, podemos listar as variáveis do tratamento que influenciam a memória: duração excessiva do período convulsivo; distância entre os eletrodos;
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FIGURA
8.2
DESORIENTAÇÃO EM RELAÇÃO AO NÚMERO DE ESTÍMULOS E SUA INTENSIDADE. Diminuição pós-ictal da desorientação depois do primeiro ECT, em relação à orientação autopsíquica, ao local e ao tempo. Foi usado ECT bilateral levemente acima do limiar e pulso breve ( n = 28 ). No eixo vertical está a média de tempo para orientação em minutos. No horizontal o número de estímulos realizados. Fonte: Calev e colaboradores.7
colocação no hemisfério esquerdo (dominante em paciente destro); estímulo unilateral (o frontotemporal afeta a fluência verbal); posicionamento bitemporal (ocasiona amnésia de lobo temporal médio por estar imediatamente acima do hipocampo) (ver Fig. 8.1). O tipo breve de pulso ocasiona um deficit bem menor, pois a onda quadrada permite aumentar a intensidade do pulso sem aumentar o tempo de exposição ao estímulo elétrico. Disso advém que a memória de associação com eventos significativos do paciente não seja afetada, como mostra a Figura 8.3 no modelo de consolidação mnemônico.22,23
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FIGURA
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8.3
CONSOLIDAÇÃO DA MEMÓRIA E LEI DE RIBOT. Larry Squire, Neal Cohen e Lynn Nadel: modelo demonstra a consolidação dos sistemas com base em uma teoria recente que explica o processo cognitivo segundo a lei de Ribot. A interação entre o hipocampo medial temporal e as áreas no neocórtex leva à formação de um circuito inicial, como se fosse uma única memória. O modelo propõe que a interação entre o hipocampo e as áreas neocorticais é necessária para o diálogo inicial, com os sucessivos acessos esta conexão se faz desnecessária, pois os circuitos corticais se reforçam sem esse contato com a porta de entrada. A ativação repetida leva à consolidação (long term potencialization). Fonte: Squire e colaboradores.22
Os efeitos agudos da ECT em memória são classificados em fenômenos anterógrados ou retrógrados. Seguindo a definição de Sackeim e Calev para o fenômeno amnésico anterógrado, ele é tido como uma dificuldade no aprendizado e na retenção do material adquirido após o estímulo. O fenômeno amnésico retrógrado se apresenta como uma dificuldade de evocação da informação aprendida antes do tratamento. Os dois tipos de deficit são recuperados em semanas ou poucos meses após a série de ECT. Entretanto, quando se avalia o desempenho após um mês do tratamento, estamos próximos do funcionamento normal do paciente. Em estudos de seguimento após seis meses, o desempenho mnemônico é melhor do que quando o paciente começou a ECT afetado pela depressão. Anos depois de terminar a série de ECT e estando eliminada a sintomatologia psicopatológica, esses pacientes têm um desempenho indistinguível dos controles normais, que nunca receberam um tratamento.25
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QUADRO 8.1
FATORES DE TRATAMENTO QUE PODEM AUMENTAR OU DIMINUIR A GRAVIDADE DOS EFEITOS COLATERAIS ADVERSOS
FATOR DE TRATAMENTO
ASSOCIADO À PIORA COGNITIVA
PASSOS PARA REDUZIR A PIORA
Tipo de onda
Onda sinusoidal
Mudar para pulso breve
Colocação dos eletrodos direito
Bilateral
Mudar para unilateral
Intensidade do estímulo
Muito acima do limiar
Diminuir a voltagem
Intervalo entre os estímulos
ECT administrada de 3 a 5 vezes por semana
Diminuir o número de estímulos por semana ou suspender a série
Número de episódios convulsivos por estímulo
Múltiplas (duas ou mais) por sessão
Encontrar o melhor estímulo para o limiar do paciente. Permitindo apenas uma convulsão por estímulo
Medicações psicotrópicas concomitantes
Lítio ou medicações com efeitos cognitivos adversos. (p. ex., perguntar sempre por abuso de drogas, THC)
Reduzir ou parar os psicotrópicos (caso possa). Denunciar o uso de drogas para os familiares
Medicação anestésica
Altas doses podem contribuir com amnésia (uso de barbitúricos)
Usar microdoses para um nível suficiente, mais leve, do anestésico
Fonte: Weiner e Coffey.24
Os autores7,20,26-28 relataram esquecimento excessivo da informação apresentada poucos minutos antes da ECT, sendo os pacientes testados imediatamente após o estímulo. Outras alterações na fluência verbal foram documentadas com teste da capacidade de evocação a partir da memória semântica. Para avaliar a memória de repetição, localizada na região perisilviana, foi aplicado o teste de dígitos (testando imediatamente após a sessão de ECT);29 essa memória apresentou-se deficitária logo depois da ECT. A memória semântica não é afetada de maneira relevante por esse procedimento. A inteligência e o vocabulário permanecem inalterados durante a série de ECT. A chamada memória de procedimentos para habilidades intrínsecas não é afetada. Não há evidência de piora nas funções executivas, no raciocínio abstrato, na criatividade ou na memória implícita.
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Informações que levaram a habilidades recentemente aprendidas deverão ser novamente adquiridas, ou reforçadas, com vários acessos mnemônicos que reforcem o circuito. Por exemplo, uma aula recentemente assistida deverá ser novamente ouvida, reforçada com um resumo e fichada para resistir ao esquecimento induzido pela ECT. Também é comum que um endereço fornecido pouco antes do tratamento seja prontamente substituído pela memória espacial quando o indivíduo se dirige ao local. O número de vezes que esse lugar é visitado reforça a informação que no início era apenas um conceito. O componente subjetivo é afetado pelo julgamento dos dados objetivos que o paciente alcança (nível de saúde mental, variável individual). Por exemplo, em um paciente bipolar II, na vigência de quadro misto, a influência da cultura sobre o procedimento pode alimentar dúvidas sobre a confiança que ele deve depositar no método. Poderá ter a sensação de ser ludibriado e concluir que as informações sobre os efeitos colaterais não foram completamente explicitadas. Quando busca-se outras opiniões, poderá destacar as que são contrárias, não as favoráveis, criando, assim, uma ruptura com a melhora. Na segunda edição do livro da American Psychiatric Association (APA)24 a maioria dos pacientes relata após a ECT uma melhora no desempenho cognitivo;13,30 quando comparamos as medidas neuropsicológicas objetivas de avaliação com os testes de autoavaliação preenchidos por eles, houve pouca ou nenhuma associação entre os resultados. Contrastando com esses resultados, associações consistentes foram observadas, entre o estado do humor e as entrevistas de memória autopreenchidas em pacientes que receberam ECT e outras coortes.13,31,32 Os melhores resultados dessas avaliações subjetivas de memória encontraram correspondência com a melhora sintomática do humor. Tendo isso em mente, na existência de queixa de piora cognitiva, devemos reavaliar psicopatologicamente o quadro que indicou o procedimento, além de atualizar testes cognitivos objetivos. Uma pequena minoria de pacientes expressa consequências como amnésia, que se estendem para eventos do passado a ponto de impedir que retornem para suas atividades. Aqui devemos considerar a correlação psicopatológica das entrevistas subjetivas descritas anteriormente e revisar as medicações psicotrópicas em uso para proporcionar objetividade no julgamento dessa situação. Também não devemos esquecer que os neurolépticos de última geração têm um impacto menor na cognição e apresentam boa resposta na sintomatologia ansiosa e um controle suficiente nos sintomas de autorreferência e paranoia. Finalmente, alguns dos transtornos que levam o paciente a este tratamento, infelizmente, apresentam a deterioração cognitiva como parte de sua evolução (esquizofrenias, esquizotipias, transtornos paranoides, mania grave com abuso de drogas).33,34 Em contrapartida, com a melhora da sintomatologia vinculada ao transtorno do humor em pacientes da terceira idade, algumas vezes a série de ECT desmascara um processo demencial subjacente.35,36
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CONCLUSÃO O clínico deve familiarizar-se com a natureza real e a variabilidade de cada efeito colateral cognitivo e apontar, desde o início, o funcionamento real da memória, da atenção, da concentração e o grau de tendenciosidade no julgamento, dar clareza ao paciente e seus familiares sobre como a doença afeta também a cognição. Para isso, deverá focalizar as quatro caraterísticas essenciais desses efeitos: •
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Em primeiro lugar, o tipo e a gravidade da alteração cognitiva varia rapidamente após cada aplicação. Os efeitos cognitivos mais intensos acontecem no período pós-ictal. Imediatamente depois da indução da convulsão, os pacientes passam por um breve período de desorientação com piora na atenção, praxias e memória.18 Em segundo lugar, os métodos usados para cada estímulo têm um profundo impacto na magnitude e na natureza dos deficit cognitivos (ver Quadro. 8.1).26,27 Em terceiro lugar, a extensão e a gravidade dos deficit varia de forma considerável entre os pacientes gravemente deprimidos sem doença neurológica conhecida ou lesões detectadas. A extensão do deficit cognitivo global pré-ECT (medido pelo minimental – MMSE, do inglês mini mental state examination) prediz a magnitude da amnésia retrógrada para informação autobiográfica. No seguimento de longo prazo, a ECT melhora significativamente o estado cognitivo global como resultado da melhora sintomática. Pacientes com alterações neurológicas preexistentes (p. ex., Alzheimer, Parkinson, AVC) terão um risco maior da ECT induzir delirium ou deficit de memória.38 Alterações na imagem de RM com lesões nos gânglios da base ou laudo de extensas hiperintensidades na substância branca predispõem para delirium induzido pelo estímulo. Nesse sentido, medicamentos como lítio e fármacos com efeito anticolinérgico acentuado facilitam a apresentação do delirium, especialmente na população mais idosa. Além disso, há relatos de amnésia persistente maior em determinados períodos da vida.39 Em quarto lugar, casos graves do ponto de vista psicopatológico: psicoses em estado produtivo grave produzem dificuldades de aprendizado e na evocação mnemônica em consequência da desorganização e fragmentação do pensamento, que caracteriza esses estados. Durante a ECT encontraremos deficit de atenção e concentração que melhoram pela evolução benigna psicopatológica, apresentada com o tratamento.18,19,40 Retornar ao trabalho é um dos recursos de reabilitação que mais ajudam tais pacientes.
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Não pode-se esquecer da associação inconsistente entre testes cognitivos objetivos e desempenho real do indivíduo, assim como da forte correlação de medidas subjetivas com piora psicopatológica.17
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CAPÍTULO
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TEORIAS SOBRE O MECANISMO DE AÇÃO Giordano Estevão José Eduardo Sant’Anna Porto
A quase totalidade totalidade dos numerosos numerosos artigos de periódicos periódicos dedicados aos mecanismos de ação da eletroconvulsoterapia eletroconvulsoterapia tem em suas primeiras linhas uma ressalva como a seguinte: “apesar de sua eficácia incomparável, não se conhece um mecanismo definitivo que explique a ação terapêutica da ECT”. De maneira oposta, raramente observa-se essa espécie de justificativa justificativa nos artigos ar tigos sobre os mecanismos de ação dos psicofármacos ou sobre a fisiopatologia das doenças mentais. No entanto, não há uma só razão que justifique essa disparidade. A larga utilização dos psicofármacos e a grande diversidade de diagnósticos diagnósticos presente na nosografia psiquiátrica atual consegue prescindir da ressalva sem basear-se em mecanismos definitivos para se estabelecerem. De forma que seria melhor iniciarmos com uma assertiva: a elucidação ainda incompleta dos mecanismos pelos quais a ECT age sobre o sistema psicobiológico psicobiológico humano não a coloca em um patamar diferente dos outros recursos à disposição da psiquiatria. Propor tratamentos fundamentados em mecanismos faz parte do caráter científico da medicina. A observação cuidadosa dos argumentos a respeito da utilização da ECT1 mostra que, desde sua introdução, há quase 75 anos, foram propostos mecanismos mecanismos compatíveis com os conhecimentos de cada época sobre as doenças mentais a serem tratadas. Neste capítulo pretendemos apresentar as teorias contemporâneas sobre os mecanismos que norteiam a pesquisa e a prática clínica em ECT, bem como propor um raciocínio crítico sobre o nível mais adequado de abordagem do método, com vistas à sua característica característica inespecificidade. A aplicação do estímulo elétrico provoca uma variedade de alterações no funcionamento orgânico como um todo, em diversos níveis: desde a contração dos masseteres com a estimulação direta da musculatura pela corrente elétrica, passando pelos efeitos sobre o sistema nervoso autônomo, endócrino, cardiovascular, e, obviamente, pela crise convulsiva e suas repercussões cerebrais
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metabólicas (consumo de glicose, oxigênio, alterações de fluxo sanguíneo), eletrofisiológicas (padrões de condução do impulso nervoso, ner voso, conexões e redes neuronais), neuroquímicas (ação sobre neurotransmissores, receptores sinápticos, secreção de neuropeptídeos), neuropeptídeos), chegando à expressão gênica e à síntese proteica e, de forma secundária, às modificações da vivência e do psiquismo, o que mais recentemente é chamado de efeitos sobre o comportamento. Diante de tanta complexidade, interessa não somente separar os eventos subjacentes à resposta ao tratamento daqueles que ocorrem paralelamente, bem como os eventos primários dos secundários,2,3 mas, principalmente, definir em que nível o objeto de estudo deverá ser abordado, com o intuito de melhor explicá-lo explicá-lo e obter com essa explicação um resultado útil para a clínica e para a pesquisa. O fenômeno essencial para a eficácia da ECT é a crise convulsiva. Essa posição central da convulsão é observada desde Meduna, o introdutor da convulsoterapia. 4 O pioneiro propunha que as crises convulsivas eram um fator de proteção contra a psicose, baseando-se em estudos estatísticos, que mostravam que epilepsia e esquizofrenia raramente coexistiam, e estudos neuropatológicos n europatológicos (as fibras nervosas nos epilépticos seriam mais espessas que nos esquizofrênicos).1 A partir dessas observações, tendo em mente um mecanismo de oposição entre situações clínicas, passou-se a pesquisar maneiras de induzir crises convulsivas com fins terapêuticos, por meio de substâncias químicas convulsígenas, convulsígena s, que pouco mais tarde seriam substituídas pela proposta do estímulo elétrico por Cerletti e Bini. Estudos comparando a eficácia de tratamentos em que as crises eram induzidas com a ineficácia de tratamentos simulados, sem crise convulsiva, embasaram ainda mais a importância da convulsão como condição necessária para a eficácia do método. As observações de Ottosson 5 sobre a ineficácia de tratamentos cujas convulsões eram interrompidas por meio de infusão de lidocaína, trouxeram fundamento à necessidade de obter uma crise convulsiva generalizada generalizada e com duração suficiente para proporcionar o efeito terapêutico. As pesquisas sobre o posicionamento posicionamento dos eletrodos, visando a indução de crises com menos efeitos colaterais (cognitivos), acabaram por levar à conclusão de que nem todas as crises convulsivas, convulsiva s, ainda que generalizadas, seriam iguais em eficácia. Crises induzidas com os eletrodos aplicados na posição unilateral do hemisfério não dominante (D’Elia), especialmente aquelas com carga pouco superior ao limiar convulsivo, mostraram-se mostraram-se ineficazes.6 Esse achado foi replicado diversas vezes7-9 e estudos sobre essas diferenças entre as crises convulsivas convu lsivas trouxeram dados a respeito das regiões anatômicas de início das crises convulsivas, que permitiram o desenvolvimento de um dos modelos teóricos sobre os mecanismos de ação da ECT, o modelo pré-frontal. A “teoria pré-frontal”2 propõe que a eficácia da ECT está relacionada ao local de início da crise convulsiva induzida. O posicionamento bilateral (bi-
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temporal), de maior eficácia clínica, determina uma distribuição da densidade da corrente elétrica10,11 que inicia a convulsão no córtex pré-frontal independente da carga utilizada. Já o posicionamento unilateral, utilizando carga elétrica discretamente acima do limiar convulsivo, tratamento que comprovou-se sem eficácia clínica, determinaria o início das crises no córtex motor, que teria um limiar convulsivo mais baixo que o pré-frontal. Quando a carga aplicada é aumentada em relação ao limiar convulsivo, com os eletrodos posicionados unilateralmente, é obtido um desvio do foco de início da convulsão para o córtex pré-frontal, tornando a ECT unilateral mais semelhante, em distribuição da densidade da corrente elétrica, com a ECT bilateral, fato que seria comprovado com o aumento da eficácia clínica. Outros dados que sustentam a teoria pré-frontal incluem a associação do córtex pré-frontal à fisiopatologia atribuída aos transtornos de humor,12 particularmente à depressão,13 e também à esquizofrenia.14,15 A observação da redução pós-ECT do fluxo sanguíneo cerebral nas regiões pré-frontais por meio de tomografia por emissão de pósitrons (PET) 16 e o aumento da atividade de ondas lentas (delta) no eletroencefalograma interictal das regiões pré-frontais,17-19 ambos correlacionados à eficácia antidepressiva, são também significativos na teoria pré-frontal. Os estudos citados (redução do fluxo sanguíneo cerebral e lentificação do traçado eletroencefalográfico), bem como a constatação em PET de redução no metabolismo da glicose (taxa metabólica cerebral) 20,21 no período pós-ECT, sugerem a diminuição da atividade cerebral (metabólica e bioelétrica) como resultado. Um estudo com ressonância magnética funcional22 aponta para redução da ativação cerebral em tarefas envolvendo emoção e memória em pacientes tratados com ECT. Esses dados, além de servirem à teoria pré-frontal e serem relacionados à eficácia clínica, também servem de sustentação à “teoria anticonvulsivante” sobre os mecanismos de ação da ECT.23,24 A teoria anticonvulsivante propõe a existência de um mecanismo intrínseco e autolimitante das crises convulsivas induzidas pelo estímulo elétrico, que estaria envolvido com os efeitos antidepressivos observados. O aumento progressivo no limiar convulsivo, associado à resposta clínica, e a progressiva diminuição na duração da crise (independente da eficácia) são os argumentos centrais desse modelo. Entretanto, há controvérsia quanto à correlação do aumento do limiar convulsivo e a eficácia clínica, uma vez que estudos realizados por outros grupos não conseguiram replicar esses resultados.25 Outras observações estão alinhadas com um efeito anticonvulsivante da ECT. Sua aplicabilidade nas epilepsias refratárias 26 e no status epilepticus27 demonstra a capacidade do método de mobilizar uma reação orgânica suficiente para inibir a hiperatividade neurofisiológica, interrompendo as crises convulsivas. Essa reação é atribuída ao aumento dos níveis de neurotransmissores inibitórios, particularmente o ácido gama-aminobutírico – GABA provocado
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pela ECT.28,29 A suposta implicação do aumento das concentrações de GABA nos efeitos terapêuticos da ECT tem ganhado força em estudos que demonstram deficit gabaérgico em pacientes com depressão,30 o que reforçaria a proposta anticonvulsivante da ECT, considerando o seu efeito gabaérgico. A exemplo da ECT, os antidepressivos serotoninérgicos também aumentariam a concentração cortical de GABA,29 o que tem sido atribuído a normalização das baixas concentrações do neurotransmissor antes do tratamento. Pesquisas utilizando parâmetros de estimulação magnética transcraniana (TMS) como ferramenta diagnóstica, apontam para um aumento da excitabilidade cortical em pacientes com transtornos do humor 31,32 e esquizofrenia.33,34 A ECT provocaria diminuição da excitabilidade cerebral, a exemplo de outros métodos de estimulação cerebral. Estudos de biologia molecular em roedores mostram a expressão de um grande número de genes e moléculas pela ECT,35,36 entre os quais proteínas que, injetadas intracelularmente ou induzidas pela ECT,37 diminuem a excitabilidade neuronal. Os estudos citados propõem o envolvimento da transmissão gabaérgica no aumento da inibição cortical. A busca de tratamentos mais focais, com o objetivo de reduzir os efeitos colaterais (cognitivos), levou ao posicionamento unilateral dos eletrodos em ECT, à revisão dos parâmetros do estímulo elétrico e, também, os outros métodos de estimulação cerebral, como estimulação magnética transcraniana (EMT) e magnetoconvulsoterapia ( magnetic seizure therapy , MST). A observação da eficácia ainda inferior desses métodos em comparação à ECT bilateral,38 e a de que tratamentos mais focais, como a ECT unilateral, levam a crises não completamente generalizadas39 sustentam a hipótese de que a convulsão generalizada, atingindo as regiões cerebrais mais diversas, deva ainda ser considerada; por isso a retomaremos em seguida. A “teoria da generalização da crise convulsiva” sobre os mecanismos de ação da ECT atém-se ao nível neurofisiológico, ou seja, não comporta eventos neuroquímicos (apesar de não negar que eventos neuroquímicos subjazem aos neurofisiológicos), sendo, portanto, menos específica do que as demais e, por isso mesmo, mais firmemente estabelecida.2 Propõe que quanto maior a abrangência de diferentes regiões do cérebro, melhor será a resposta antidepressiva. Diversos achados relativos à prática da ECT corroboram a teoria da generalização da crise. Em registros eletroencefalográficos, a amplitude ictal, a supressão pós-ictal e a coerência ictal e pós-ictal40 representam maior generalização e estão associados à eficácia clínica. A resposta taquicárdica, em seu pico e duração, também correlacionada à eficácia,41 bem como a liberação de prolactina,42,43 refletem a abrangência de estruturas diencefálicas, subcorticais. A generalização da crise convulsiva atingindo o diencéfalo, alinha-se com duas outras hipóteses acerca dos mecanismos de ação da ECT: a “teoria diencefálica”2,44 e a “teoria neuroendócrina”.45,46 A primeira diz respeito à localização anatômica dos efeitos funcionais sugeridos na segunda.
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A teoria neuroendócrina sugere que a ECT age corrigindo disfunções no eixo hipotálamo-hipófise associadas aos transtornos do humor, particularmente observadas na melancolia. Essas disfunções estariam envolvidas nas alterações do sono, do apetite e das funções sexuais observadas nesses pacientes. Níveis elevados de cortisol são observados em pacientes melancólicos, com resultados anormais (não supressores) nos testes de supressão pela dexametasona (DST). Alterações da cortisolemia podem levar a quadros psicóticos, maníacos e depressivos. Depois de uma série eficaz de ECT, os níveis de cortisol costumam retornar ao normal e os pacientes voltam a ser supressores no DST.47-49 Esses achados, associados aos que comprovam um aumento de secreção de prolactina,42,43 hormônio adrenocorticotrófico (ACT),50 arginina-vasopressina (AVP)51 e neuropeptídeo Y (NPY),52 como resultado da ECT, corroboram a hipótese de o hipotálamo ser uma estrutura anatômica-alvo para os efeitos terapêuticos da ECT. Demonstrou-se, em estudo com PET, o aumento do fluxo sanguíneo no diencéfalo após a ECT, sugerindo-se que essa região é estimulada com o tratamento.53 A participação do hipotálamo é enfatizada em um estudo que demonstra ativação neuronal e proliferação de células endoteliais54 nos núcleos hipotalâmicos paraventricular, supraóptico e ventromedial de ratos como resultado de tratamento com ECS (electroconvulsive shocks – termo utilizado para a indução elétrica de crises convulsivas em animais de laboratório). A hipercortisolemia associada à depressão e a possibilidade de sua reversão, decorrente dos efeitos neurotróficos da ECT sobre certas regiões cerebrais – sobretudo o hipocampo, lançam luz para hipóteses adicionais sobre os mecanismos de ação da ECT, resumidas por Bolwig38 na “teoria combinada anatomicoictal”. Essa teoria sugere que a ação da convulsão sobre o sistema límbico induz efeitos neurotróficos relacionados à eficácia terapêutica da ECT. Estudos de neuroimagem com ressonância magnética mostraram diminuição de volume do hipocampo em pacientes deprimidos55,56 e o seu aumento depois do tratamento com ECT.57 O aumento do metabolismo no hipocampo após a ECT foi observado em um estudo de PET em pacientes deprimidos.58 Em roedores, observou-se que a aplicação de ECS provoca aumento da neurogênese no hipocampo,59-61 achado também confirmado em primatas não humanos.62 A hipercortisolemia, em modelos de depressão em roedores, foi associada à diminuição da neurogênese no hipocampo. Os tratamentos antidepressivos e ECS podem reverter esses efeitos, aumentando a proliferação dos neurônios hipocampais, sendo que os efeitos provocados pelo ECS mostram-se mais potentes.63-64 Observou-se, ainda, que os neurônios recém-formados são funcionais e capazes de gerar novas sinapses no hipocampo.65 O mecanismo pelo qual ocorre o favorecimento da neurogênese parece envolver o aumento da expressão do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), proteína relacionada à sobrevivência e ao crescimento de novos neurônios e
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sinapses. Observou-se o aumento da expressão de BDNF no hipocampo de roedores tratados com ECS,66 bem como aumento dos níveis séricos da proteína, relacionado à eficácia antidepressiva em pacientes tratados com ECT;67-69 entretanto, um achado não replicado no estudo de Fernandes e colaboradores.70 Uma metanálise mostrou que pacientes com diagnóstico de depressão apresentaram redução das concentrações séricas de BDNF, em comparação com os controles.71 Além de BDNF, aumentos de VEGF (fator de crescimento vascular endotelial) foram correlacionados à eficácia clínica da ECT.72 Quanto aos efeitos neuroquímicos, a ECT provoca alterações nos mais diversos sistemas de neurotransmissores e na expressão de seus receptores. Como sua ação no sistema nervoso central ocorre de maneira inespecífica e no nível neurofisiológico, que podemos considerar hierarquicamente superior ao neuroquímico, a abordagem a partir desse nível (de hierarquia inferior) fica bastante dificultada. Isoladamente, a descrição dos eventos neuroquímicos não tem sido de grande utilidade e, de fato, os estudos que ficam restritos a esse nível, apresentam resultados tão inconclusivos que não têm sido considerados nas revisões mais atualizadas sobre os mecanismos de ação da ECT.2,3,38 Ao contrário, partir-se do nível neurofisiológico para o neuroquímico como, por exemplo, considerar que os processos inibitórios induzidos pela ECT estejam relacionados a um aumento da atividade gabaérgica, é um procedimento em princípio útil para as pesquisas sobre os mecanismos de ação da ECT e sua aplicação clínica. O raciocínio que parte do ponto de vista neuroquímico para a clínica resulta problemático. Considerando a eficácia da ECT em algumas formas de esquizofrenia e na doença de Parkinson, por exemplo, é possível perceber os motivos: enquanto a primeira, pela hipótese dopaminérgica, implicaria um excesso de dopamina nas vias mesolímbicas, a segunda seria causada por deficiência da monoamina na substância negra. Como entender a ação da ECT em ambos os diagnósticos? Se estendermos a questão para explicarmos a ação da ECT a partir daquela dos psicofármacos, continuamos com soluções pouco animadoras: se os neurolépticos ou antipsicóticos, na esquizofrenia, agem pelo bloqueio dos receptores dopaminérgicos levando à redução dos chamados sintomas positivos, mas levam aos sintomas indistinguíveis da doença de Parkinson, e a ECT é capaz de tratar ambas as situações, não se faz possível explicar ambos os tratamentos pelo mesmo mecanismo. Os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina agem por meio do aumento da disponibilidade de serotonina na fenda sináptica, aliviando os sintomas da depressão. É sabido que em contrapartida podem induzir ou exacerbar quadros maníacos. A ECT é eficaz na mania e na depressão, de forma que pensar seus efeitos em termos de inibição de recaptação de serotonina não poderia ser um caminho profícuo para as pesquisas acerca de seus modos de ação na depressão.
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O método modular (decompor o objeto de estudo em fragmentos cada vez menores, na tentativa de explicar o todo pela ação de suas partes isoladas) tem sido utilizado de forma sistemática em psiquiatria, não obstante a crítica de diversos autores73 e os resultados pouco aplicáveis à clínica (as classificações dos “transtornos mentais” da APA e da Organização Mundial de Saúde, a teoria dos neuromediadores como fisiopatogenia das doenças mentais, as tentativas de localizar funções e sintomas psíquicos em determinados circuitos ou áreas cerebrais). As explicações modulares têm se mostrado insuficientes para elucidar tanto o mecanismo de ação da ECT como dos psicofármacos e a fisiopatogenia das doenças mentais. Sobretudo diante de um tratamento com ampla variedade de indicações, com eficácia das catatonias às manias comprovada, das melancolias às esquizofrenias, Parkinson, epilepsia, delirium, síndrome neuroléptica maligna, mecanismos mais abrangentes e menos específicos, a partir de um modelo global de visão do sistema psicobiológico, devem ser considerados. A “teoria da reação ao estresse”75-76 postula que a ECT é um tratamento inespecífico, que age globalmente no organismo por meio do rompimento das mais variadas constantes orgânicas, entre as quais, no nível neurofisiológico, as conexões interneurais enrijecidas que correspondem à atividade psíquica patológica, permitindo a subsequente reação de reorganização, inerente ao próprio organismo, que retomaria formas mais antigas, pré-mórbidas, de funcionamento. À aplicação do estímulo elétrico seguem cascatas de reações de todo o organismo: sucedem-se crises de consciência, convulsivas, autonômicas, de humor e bioelétricas.74 O sistema nervoso autônomo apresenta uma ativação parassimpática inicial, com bradicardia, correspondente à fase tônica. Segue-se de uma resposta simpática, com taquicardia e elevação da pressão arterial, na fase clônica. Depois, um retorno à atividade parassimpática e novamente à simpática, no momento do retorno da anestesia. Alterações do funcionamento orgânico decorrentes desta “hipertonia neurovegetativa” são observadas em todo o metabolismo e nos diversos sistemas: circulatório, respiratório, endócrino, imune. A resposta maciça, aguda e inespecífica das funções orgânicas, frente ao estressor desorganizador, pode ser compreendida à luz da teoria biológica do estresse ou da síndrome geral de adaptação, descritas por Selye. 77 Trata-se de uma reação fisiológica, de manifestações coordenadas (síndrome) de defesa de todo o organismo ( geral), em busca de equilíbrio ( adaptação) e de sua manutenção. A doença empobrece os processos cerebrais, torna-os rígidos (focos inertes) e altera a sua mobilidade, equilíbrio e força. O tratamento consiste em provocar o desabamento de todas as constantes orgânicas, inclusive das associações interneurais, patologicamente rígidas, que dominam a rede encefálica e captam, por competição, estímulos que seriam processados em outras redes ou regiões
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cerebrais e que constituem a base de uma atividade psíquica patológica. Tais ligações patológicas, por serem mais recentes, seriam as primeiras a serem rompidas. Cabe, então, ao organismo reagir a esta enorme desorganização a que foi artificialmente submetido e restabelecer o equilíbrio rompido. Desfeita a organização patológica, o sistema nervoso tem a chance de se reestruturar em um nível adequado, reconstituindo sistemas neurais funcionais e restabelecendo as estruturas mais antigas, pré-mórbidas, de funcionamento. Recentemente foi proposta uma teoria da hiperconectividade relacionada à depressão, onde as regiões cerebrais estabeleceriam conexões hiperfuncionantes e rígidas, que seriam substrato para as manifestações depressivas. 78 Um estudo79 utilizando imagem por ressonância magnética funcional e análise de dados descreve os efeitos da ECT em reduzir a hiperconectividade funcional localizada no córtex pré-frontal de pacientes deprimidos. A redução da atividade cerebral e a ativação do eixo hipotálamo-hipófise, em um recente estudo de revisão, justifica para Fosse80 que a ECT é concebida e entendida como um tratamento baseado em “estresse severo ou trauma cerebral”. São propostas alinhadas à teoria da reação ao estresse. Neurocientistas que abordam as doenças mentais em nível neurofisiológi81 co, a partir das redes de conexão intrínseca (ICN), propõem que a ECT atua ajudando as redes cerebrais a fazerem um reset de disfunções associadas às doenças psiquiátricas, melhorando a função e a conectividade entre redes de conexão intrínseca específicas. Sugerem, ainda, que a ECT não corrige as causas da depressão ou das outras doenças psiquiátricas, e sim altera temporariamente a função de circuitos cerebrais, tornando-os mais receptivos a outros tratamentos. Observações também indicam para a teoria da reação ao estresse. A teoria da reação ao estresse, sem pretensões de se propor definitiva, é uma contribuição que objetiva, a partir de uma abordagem sistêmica, uma apreciação mais lúcida dos eventos subjacentes à eficácia da ECT. Apresenta vantagens em comparação às demais teorias por admitir a inespecificidade como a principal característica do tratamento, não se restringindo a um determinado diagnóstico e nem a uma determinada localização cerebral. Os focos inertes são comuns às variadas doenças mentais, representando-as no nível neurofisiológico. A localização anatômica dos mesmos é dispensável à teoria, uma vez que o tratamento age sobre todo o organismo e, portanto, sobre todo o sistema nervoso. Essas observações são coerentes com aquelas a respeito da importância da generalização da crise e, também, com a estimulação de mecanismos intrínsecos de equilíbrio (reduzir a excitabilidade) e, sobretudo, a estimulação de reconstrução (estimulação e favorecimento da neurogênese, restabelecimento de conexões neuronais funcionais menos intensas e rígidas). Dessa forma, a consideramos como a teoria mais completa e de maior utilidade para a indicação clínica do tratamento e para o desenvolvimento da pesquisa sobre ECT.
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FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOT ELETROCONVULSOTERAPIA ERAPIA
CAPÍTULO
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QUALIDADE DE VIDA E ELETROCONVULSOTERAPIA Bruno Paz Mosqueiro Fernanda Lucia Capitanio Baeza Marcelo Pio de Almeida Fleck
INTRODUÇÃO A eletrocon eletroconvulso vulsotera terapia pia (ECT) mantém-se mantém-se como importante importante recurso recurso terapêut terapêutico, ico, em especial diante das novas técnicas e procedimentos que têm aumentado sua segurança e diminuído seus efeitos adversos. Apresenta comprovada eficácia no tratamento da depressão,1,2 mania3 e episódios mistos refratários a medicações no transtorno bipolar,4 na psicose com esquizofrenia, especialmente em pacientes com agitação e agressividade agressividade intensas,5 apresentando benefícios importantes também em tratamentos tratamentos de manutenção.6 Além disso, é indicada no tratamento de quadros de catatonia, síndrome neuroléptica maligna e doença de Parkinson. Parkinson. Conforme a American Psychiatric Association (APA), é considerada a primeira escolha de tratamento para gestantes em algumas das situações situa ções acima abordadas, tendo em vista a segurança e a eficácia no alívio rápido dos sintomas.7 No entanto, a aceitação da ECT é limitada pela falta de conhecimento das evidências científicas que embasam sua indicação e das diretrizes técnicas que orientam a sua execução. Ainda hoje, por sua natureza, sua história de abuso, bem como informações distorcidas em meios de comunicação, a ECT é, muitas vezes, colocada à margem dos tratamentos usuais na área de saúde mental, permanecendo como foco de múltiplas discussões interdisciplinares. Efeitos colaterais como deficit de memória trazem questionamentos quanto a possíveis prejuízos relacionados ao bem-estar e ao funcionamento dos pacientes que realizam o procedimento. Estudos que relacionam deficit cognitivos associados à depressão a piores desfechos quanto a funcionalidade e qualidade de vida, reforçam tais argumentos.8 O custo maior da ECT em relação a outras abordagens terapêuticas e a necessidade de um suporte técnico adequado para sua realização também limitam sua indicação.
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A partir da perce percepção pção da importân importância cia da satisfa satisfação ção e do bem-es bem-estar tar dos dos pacientes como elemento a ser incluído nos protocolos e nas evidências de eficácia dos tratamentos, em 2003 o comitê britânico do National Institute for Clinical Excellence (NICE) identificou a necessidade de avaliar o impacto da eletroconvulsoterapia vulsoterapia em termos de mudanças funcionais e de qualidade de vida dos pacientes, além dos efeitos colaterais relacionados à cognição e à memória.9 Considerando o valor da ECT no tratamento dos transtornos mentais, fezse necessária a avaliação do seu impacto sob a perspectiva dos pacientes, e não apenas no alívio dos sintomas percebidos e medidos pela equipe de saúde. A avaliação da percepção do paciente ( patient patient reported reported outcomes outcomes) sobre satisfação 10 com o tratamento é um passo adiante no entendimento dos efeitos da ECT e contribui para consolidar o uso adequado do procedimento segundo diretrizes diretrizes consistentes. Este capítulo propõe-se a avaliar as relações entre eletroconvulsoterapia eletroconvulsoterapia e qualidade de vida, abordando seus benefícios e possíveis efeitos adversos, com uma atenção especial a desfechos ligados a avaliações realizadas pelos próprios pacientes submetidos ao tratamento.
QUALIDADE DE VIDA Conforme definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é entendida como “estado de completo de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença”.11 A partir dessa definição, o olhar sobre a saúde e a avaliação da eficácia dos tratamentos tratamentos amplia-se também, oportunizando o surgimento e a aplicação de conceitos como qualidade de vida. Diversas vertentes concorreram para o desenvolvimento do conceito de qualidade de vida. Podemos citar estudos epidemiológicos da década de 1970 que abordavam fatores como felicidade e bem-estar; pesquisas ligadas a aspectos positivos do comportamento humano, estudando elementos adaptativos, não apenas patológicos, como resiliência, esperança, sabedoria, criatividade, coragem e espiritualidade; a busca de indicadores sociais de desenvolvimento humano a partir do início do século XX; os movimentos de humanização na medicina medicina e mesmo a percepção da insuficiência das avaliações objetivas como exames laboratoriais e clínicos para avaliação de desfechos em doenças crônicas nas quais a recuperação funcional, o bem-estar e a satisfação dos pacientes se mostravam também importantes.12 Conforme a OMS, qualidade de vida pode ser definida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto de sua cultura, no sistema de valores em que vive e em relação a suas expectativas, seus padrões e suas preocupações”. preocupa ções”.12 Diretrizes terapêuticas terapêuticas identificam a qualidade de vida como desfecho importante na avaliação dos tratamentos na área de saúde mental10 e vários instru-
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mentos têm sido utilizados buscando contemplar as múltiplas dimensões que se relacionam à qualidade de vida. Uma das escalas mais utilizadas na avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) ou health related quality of life (HRQOL) é a SF-36, que utiliza um indicador ligado à saúde física e outro à saúde mental (Quadro 10.1).13,14 Escalas como a QLDS e BASIS-36 avaliam questões mais relacionadas à qualidade de vida e à saúde em pacientes com depressão. 10 Outros conceitos de qualidade de vida abordam variáveis econômicas e de custo-benefício ligadas à qualidade de vida e à saúde, como o quality adjusted (QA LY).12 life years (QAL Em uma busca da elaboração de um instrumento que contemplasse uma definição ampla e que tivesse aplicação em diversas culturas e contextos, a Organização Mundial da Saúde propôs o instrumento WHOQOL (World Health Organization Quality of Life). O instrumento WHOQOL inclui a subjetividade (percepção do indivíduo quanto a seu estado) e a multidimensionalidade na definição de qualidade de vida.12 A escala WHOQOL-BREF (Quadro 10.2) envolve as principais dimensões de qualidade de vida identificadas em estudos e análises no grupo WHOQOL, apresentando-se como alternativa de aplicação facilitada em estudos de QV.
DESFECHOS RELATADOS PELO PACIENTE O conceito de Desfechos Relatados pelo Paciente Paciente (DRP) ou Patient Patient Reported Outcomes (PRO) envolve de forma ampla uma série de medidas utilizadas na
QUADRO
10.1
DIMENSÕES DA SF-36
Funcionamento físico Funcionamento social Limitações (problemas físicos) Limitações (problemas emocionais) Dor Saúde mental Energia ou vitalidade Percepção geral de saúde Fonte: Adaptado de Brazier e colaboradores. 13
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QUADRO
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WHOQOL-BREF – DOMÍNIOS DE QUALIDADE DE VIDA
1. Físico
Dor e desconforto Energia e fadiga Sono e descanso Mobilidade Atividades da vida cotidiana Dependência de medicação e tratamentos Capacidade de trabalho
2. Psicológico
Sentimentos positivos Pensar, aprender, memorizar e concentrar Autoestima Imagem corporal e aparência Sentimentos negativos Espiritualidade/religião/crenças pessoais
3. Relações sociais
Relações pessoais Apoio social Atividade sexual
4. Meio ambiente
Segurança física e proteção Ambiente no lar Recursos financeiros Cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade Oportunidades de adquirir novas informações e habilidades Participação em e oportunidades de recreação/lazer Ambiente físico (poluição/ruído/trânsito/clima) Transporte
Domínio geral
Qualidade de vida global e percepções de saúde geral
Fonte: Adaptado de Fleck.12
avaliação de desfechos a partir da perspectiva dos pacientes, sem inferências ou interpretações da equipe de saúde. É muito utilizado em doenças crônicas, nas quais o alívio dos sintomas, a satisfação, a adesão, a melhora no funcionamento, a qualidade de vida e mesmo o impacto da doença sobre os cuidadores (caregiver burden) mostram-se questões particularmente importantes.15 A impressão dos pacientes é fator determinante na escolha e no comprometimento com o tratamento, bem como na busca de profissionais e serviços de saúde.12 Além disso, perspectivas subjetivas, como bem-estar e satisfação, são difíceis de ser avaliados apenas por meio de escalas de sintomatologia, testes laboratoriais ou medidas objetivas. A perpectiva dos pacientes, incluindo medidas de qualidade de vida, em relação a tratamentos como o da depressão, têm
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se tornado tão importantes quanto as escalas que avaliam os sintomas, como a Escala de Avaliação para Depressão de Hamilton (HDRS).10 Em 2006, a Food and Drug Administration (FDA) propôs diretrizes para avaliação da eficácia de tratamentos por meio de DRP, considerando sua importância na avaliação de tratamentos usuais e de novos tratamentos em fase de pesquisa, além de guiar políticas de saúde.16 Quando consideramos a controversa questão ideológica em relação à ECT na área de saúde mental, a avaliação por parte do paciente mostra-se de grande importância.
ECT: INDICAÇÕES, DÚVIDAS E SATISFAÇÃO COM O PROCEDIMENTO Embora a existência de evidências claras de eficácia da ECT, variam as razões dos pacientes e das equipes para preterir ou indicar o procedimento. Questionamentos quanto a efeitos colaterais, satisfação do paciente e benefícios na qualidade de vida podem ser fatores que influenciam na sua indicação e aceitação. McCall e colaboradores17 realizaram estudo retrospectivo para avaliar os principais fatores ligados à indicação de ECT pela equipe médica. A hipótese seria de que a ECT é mais indicada em pacientes com pior sintomatologia, nos quais uma resposta ao tratamento se faz mais urgente, como risco de suicídio ou perda ponderal importante, possivelmente em pacientes com pior funcionalidade e de qualidade de vida. Foram estudados 90 pacientes internados com depressão ao longo de um ano, dos quais 31 foram submetidos a ECT. Não foram encontradas diferenças entre os grupos em relação a risco de suicídio, gravidade, cronicidade, gênero, adequação ao tratamento antidepressivo prévio, comorbidades clínicas e suporte social. Os autores demonstraram, entretanto, que pacientes submetidos a ECT tendiam a maior idade, maior perda de peso e pior funcionamento em atividades da vida diária. Incluindo a idade e a perda ponderal, condições de funcionalidade e de qualidade de vida apresentaram influência maior na indicação de ECT do que a gravidade e a cronicidade nos sintomas.17 Em pacientes em cuidados paliativos com quadros de depressão grave, a ECT tem sido indicada considerando o rápido alívio de sintomas de depressão e ansiedade. Relatos e séries de caso indicam benefícios relacionados à qualidade de vida nesse grupo particular de pacientes, em que cada dia precisa ser vivido da melhor forma possível.18,19 Um estudo realizado por Rosenquist avaliou os motivos que levavam pacientes com depressão, que já realizaram ECT, a considerá-la em um futuro tratamento. Após quatro semanas do término das sessões de ECT (n=77), 50% dos
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pacientes se mostraram favoráveis a realizar novamente o procedimento, outros 50% apresentavam dúvidas ou não desejavam. Foram identificados como preditores para futura escolha da ECT a gravidade dos sintomas depressivos e os prejuízos no funcionamento prévios ao tratamento, bem como a melhora percebida nos sintomas. Prejuízos cognitivos ou melhoras na qualidade de vida não foram associados à escolha.20 Diversos estudos na literatura internacional relatam uma boa aceitação e satisfação dos pacientes que realizaram ECT (ver Quadro 10.3), com 52 a 98% deles demonstrando algum interesse na realização futura do procedimento,20 embora encontre-se resultados variáveis em outros estudos. 21-23 Preditores de satisfação com a ECT seriam o grau de conhecimento, os preconceitos e as dúvidas quanto ao método, as reações negativas relacionadas a particularidades da técnica (como anestesia, convulsões induzidas, recuperação pós-ECT), os efeitos adversos e a resposta aos sintomas. Alguns autores questionam-se se a melhora na qualidade de vida e na funcionalidade poderiam ser preditores de satisfação com a ECT. 20
ECT E DEPRESSÃO: PREJUÍZOS OU QUALIDADE DE VIDA? A depressão maior representa uma das síndromes psiquiátricas mais prevalentes no mundo. Pacientes com depressão apresentam pior qualidade de vida em comparação à população em geral24,25 e em comparação com outras condições médicas gerais como diabetes e doença coronariana.10 Mesmo com os recursos terapêuticos disponíveis, como psicofarmacologia, psicoterapias e novas terapias somáticas, em diversos casos não há melhora e muitos pacientes apresentam, além dos episódios depressivos graves, sintomas leves ou moderados de longo curso, recaídas frequentes, com importante impacto sobre a qualidadade de vida.25-27
QUADRO
10.3
POSSÍVEIS PREDITORES DE SATISFAÇÃO DOS PACIENTES COM A ECT
Conhecimento, preconceitos, dúvidas quanto ao método Reações negativas relacionadas a particularidades do procedimento (anestesia, convulsão, etc.) Efeitos adversos Melhora nos sintomas Funcionalidade e Qualidade de Vida Fonte: Adaptado de Rosenquist e colaborador es.20
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A ECT tem inquestionável valor terapêutico nas síndromes depressivas. Apresenta comprovada eficácia no tratamento em quadros graves e refratários.25 Diversas metanálises1,2 atestam a eficácia e a superioridade de efeito da ECT quando comparada à ECT simulada, antidepressivos e outras terapias somáticas. Pacientes com psicose associada à depressão apresentam resposta ainda melhor à ECT.28 Em contrapartida, os efeitos adversos da ECT, como deficit cognitivos e alterações de memória, levantam questionamentos quanto a sua influência na qualidade de vida dos pacientes. Ao mesmo tempo, a própria depressão se apresenta com deficit de memória ligados à concentração, e o impacto da presença de sintomas como humor deprimido, desesperança, ideias de culpa e baixa autoestima, entre outros, também interferem na qualidade de vida. A estimulação magnética transcraniana (TMS) já foi proposta como uma alternativa à ECT no tratamento da depressão, em função da menor incidência de efeitos colaterais cognitivos. Entretanto, estudos que comparam a relação custo-benefício entre ECT e TMS, demonstram maior eficácia e melhor relação custo-benefício da ECT.29-31 Para tentar dirimir questionamentos quanto a benefícios ou prejuízos da ECT relativos a funcionalidade e a qualidade de vida (QV), na última década diversos estudos têm se dedicado à abordagem mais específica do tema. A seguir, apresenta-se uma revisão dos principais estudos que abordam o tema QV e ECT.
ESTUDOS SOBRE QV E ECT EM PACIENTES COM DEPRESSÃO O Quadro 10.4 sintetiza alguns desses estudos recentes. Lapid e colaboradores estudaram as relações entre depressão e qualidade de vida em internação especializada no cuidado de pacientes geriátricos. Foram acompanhados 45 pacientes com depressão maior, dos quais 17 foram submetidos a eletroconvulsoterapia, com uma média de 6 a 8 sessões. Instrumentos autoaplicáveis, como o SF-36 e LASA (escala com 11 itens para avaliação de fatores físicos, cognitivos, sociais e espirituais) foram usados para avaliação de qualidade de vida, além de medidas de sintomatologia depressiva (HDRS), coping (COPE), comorbidades clínicas (CIRS) e avaliação cognitiva (MMSE, EXIT). O estudo demonstrou melhoras significativas na qualidade de vida, com melhora maior quanto a percepção geral de saúde ( general health perception) e vitalidade (vitality ) no grupo submetido à ECT. Pacientes que realizaram ECT apresentavam maior permanência na internação. Não foram identificadas diferenças nas avaliações globais de cognição usando o mini mental state examination (MMSE). No entanto, a escala EXIT (que avalia funções executivas ligadas à cognição) apresentou escores diminuídos para o grupo tratado com ECT, o que não se expressou em piora na funcionalidade ou qualidade de vida.32
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QUADRO
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PRINCIPAIS ESTUDOS RECENTES SOBRE QUALIDADE DE VIDA E ECT NA DEPRESSÃO MAIOR
AUTORES
ANO
LOCAL
Lapid e 2010 EUA 32 colaboradores
DELINEAMENTO •
•
Antunes e 2009 Brasil Fleck e colaboradores 23
•
•
McCall e colaboradores 4
2004 Inglaterra
•
•
•
•
•
McCall e 2006 EUA 24 colaboradores
•
• •
•
McCall e 2011 EUA 25 colaboradores
•
Longitudinal, prospectivo, observacional 45 pacientes idosos com depressão, 17 submetidos a ECT Longitudinal, prospectivo, observacional 58 pacientes submetidos à ECT (alta dose, unilateral), com diagnósticos de depressão, psicose Longitudinal, prospectivo, observacional Randomização técnicas unilateral ou bilateral Sem controle de medicações 77 pacientes com depressão maior Avaliação logo após término da ECT, 2 e 4 semanas depois Longitudinal, prospectivo, observacional Multicêntrico 283 pacientes com depressão maior Avaliação logo após e em 24 semanas Longitudinal, prospectivo, observacional
INSTRUMENTOS
SF-36, LASA HDRS, COPE, CIRS Avaliação cognitiva
• • •
• •
WHOQOL-BREF MINI, CGI, BASIS-32, BPRS
IADL, PSMS, DLRF, RSO BDI, HDRS Avaliação cognitiva
•
• •
SF-36 HDRS Avaliação cognitiva
• • •
SF-36 HDRS Avaliação cognitiva
• • •
>
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QUADRO
10.4
AUTORES
PRINCIPAIS ESTUDOS RECENTES SOBRE QUALIDADE DE VIDA E ECT NA DEPRESSÃO MAIOR (CONTINUAÇÃO) ANO
LOCAL
DELINEAMENTO •
•
•
•
•
INSTRUMENTOS
Randomização para ECT unilateral ou bilateral Avaliações logo após e em 24 semanas 184 pacientes randomizados 122 em manutenção com venlafaxina/ nortriptilina + lítio 74 com mensurações de QV
Um estudo realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre avaliou prospectivamente o impacto da ECT no tratamento de 58 pacientes internados em unidade psiquiátrica, que tinham a indicação de ECT por causa de depressão grave refratária a medicamentos (84%), e em alguns casos psicose (13%) e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) refratário (3%). Foi o primeiro estudo a utilizar o instrumento WHOQOL-BREF da OMS para avaliar desfechos relacionados à qualidade de vida e à ECT. A técnica de ECT utilizada foi unilateral direita de alta dosagem. Mesmo com a exclusão de pacientes impossibilitados de realizar questionários autoaplicáveis (como pacientes desorganizados ou com catatonia, muitos dos quais com melhoras importantes com a ECT), os resultados demonstraram melhoras gerais nas escalas de psicopatologia e melhoras significativas nos itens de qualidade de vida mensurados. Um achado interessante encontrado no estudo foi a demonstração da concordância na avaliação realizada pelos médicos e pacientes quanto às melhoras nos sintomas (escalas BASIS-32 e BPRS) e qualidade de vida (CGI, WHOQOL-BREF). 23 Na Inglaterra, McCall e colaboradores9 avaliaram 77 pacientes com depressão maior tratados com ECT e randomizados para técnicas unilateral direita ou bilateral. Os pacientes no estudo mantiveram o uso de medicações conforme avaliações individuais, de forma naturalística. Houve seguimento de quatro semanas depois do término das sessões de ECT – fator importante, imaginandose uma melhor capacidade reflexiva dos pacientes para avaliar o resultado do procedimento após o período. Foram utilizados instrumentos de avaliação para sintomatologia depressiva, testes cognitivos, além de avaliação ligada à qualida-
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QUALIDADE DE VIDA “A percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto de sua cultura, no sistema de valores em que vive e em relação a suas expectativas, seus padrões e suas preocupações.” Fonte: World Health Organization.33
de de vida – Instrumental Activities of Daily Living Scale (IADL), Personal Self-Maintenance Scale (PSMS), Daily Living and Role Functioning (DLRF), Relationship with self and other (RSO). Os resultados demonstraram melhora nos domínios de qualidade de vida, sintomas depressivos e cognição geral em apenas duas semanas após início do tratamento. A melhora na qualidade de vida relacionava-se à melhora no humor em duas semanas. A melhora cognitiva na quarta semana foi relacionada à melhora na funcionalidade. A maioria dos pacientes apresentou resposta ao tratamento em duas semanas (66%). Destes, no entanto, 37% apresentaram recorrência de sintomas ao término das 4 semanas. Os benefícios ligados à QV mantiveram-se, mesmo considerando-se o retorno nos sintomas depressivos em muitos pacientes. Os pacientes que demonstraram piora funcional e de qualidade de vida tendiam a apresentar menor pontuação nos sintomas depressivos e maior deficit cognitivo prévios ao tratamento e apresentavam com maior frequência prejuízos na memória retrógrada pós-ECT. Não foram identificadas diferenças significativas entre as técnicas de ECT aplicadas. O estudo não controlou as medicações utilizadas pelos pacientes ao longo do seguimento.4
ESTUDOS LONGITUDINAIS O desafio presente nos estudos sobre a eficácia da ECT é a avaliação da sustentabilidade dos benefícios na QV a longo prazo. Recorrências nos sintomas depressivos, alterações na cognição e na memória são alguns questionamentos que se apresentam em um seguimento maior. Alterações cognitivas a curto prazo também dificultam a avaliação mais adequada da qualidade de vida pelos pacientes em medidas autoaplicáveis. McCall e colaboradores24 em um estudo multicêntrico, seguiram por 24 semanas 283 pacientes com depressão maior que realizaram ECT, avaliando a qualidade de vida como um dos desfechos principais, por meio do instrumento
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SF-36. Logo após a ECT, os escores demonstraram melhoras importantes na QV. As melhoras cognitivas globais ao final do seguimento associavam-se a melhores níveis de qualidade de vida. Os benefícios que se referem à QV se mantiveram mesmo diante da recorrência da depressão. A remissão dos sintomas em 24 semanas foi encontrada em apenas 14% dos pacientes.24 A ausência de um delineamento para o seguimento de 24 semanas, incluindo medicações utilizadas e a adesão ao tratamento psicofarmacológico, além da não randomização das técnicas de ECT e possíveis dosagens subótimas utilizadas, foram algumas das limitações no estudo. Em um novo projeto, McCall e colaboradores25 dedicaram-se a uma avaliação mais acurada com o seguimento de pacientes submetidos a ECT. Foram selecionados 184 pacientes com depressão e estes foram randomizados para duas modalidades de ECT (unilateral direita de alta dosagem ou bilateral). Do grupo, 155 pacientes entraram em remissão, mantendo seguimento do estudo com uso de lítio associado à nortriptilina ou venlafaxina. Ao final das 24 semanas, 74 dos 155 pacientes apresentavam o protocolo de questionários completo e foram avaliados quanto à qualidade de vida. Os resultados demonstraram benefícios em relação à qualidade de vida no término do ciclo de ECT em 91,8% dos pacientes. Medicamentos utilizados ou alterações cognitivas não foram associados aos efeitos. O uso de ECT usando a técnica unilateral direita demonstrava maior incremento nos escores de qualidade de vida. Após 24 semanas, foi observada uma melhora progressiva na qualidade de vida em pacientes que apresentaram benefícios iniciais. A recuperação progressiva da memória e da função cognitiva, a melhora nos sintomas depressivos, permitindo melhor apreciação dos benefícios, além dos efeitos psicológicos de reforço positivo e satisfação pessoal, podem explicar benefícios progressivos na percepção dos pacientes. Pacientes que apresentaram recaída nos sintomas depressivos mostravam níveis de qualidade de vida decrescentes, porém não piores em relação aos níveis identificados previamente ao tratamento. Algumas limitações apontadas no estudo se relacionam à análise de qualidade de vida em apenas 74 dos 155 pacientes. Não foram avaliados efeitos cognitivos no término das 24 semanas e a QV não foi comparada com os pacientes que não apresentaram remissão e não seguiram a fase II do estudo.25 Em resumo, a ECT apresenta-se com comprovada eficácia no tratamento da depressão, com melhoras dos sintomas e, também, com importante melhora da qualidade de vida a partir do relato dos pacientes na maioria dos estudos. No entanto, em um estudo, alguns pacientes com depressão menos grave, com deficit cognitivo prévio e que apresentavam efeitos adversos relacionados à memória autobiográfica, apresentaram prejuízos na funcionalidade e na qualidade de vida.24
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ESQUIZOFRENIA: INDICAÇÕES DE ECT E QUALIDADE DE VIDA A esquizofrenia, após a depressão, representa a segunda maior indicação de ECT.6,34 Em pacientes psiquiátricos graves, com quadros de psicose ou agressividade refratários, as alterações na funcionalidade, a diminuição nos sintomas e nas internações, ou mesmo as mudanças na intensidade de uso de serviços de saúde podem representar importantes avanços no bem-estar e na qualidade de vida.35 Um estudo recente realizado no Government Medical College and Hospital of Chandigarh, na Índia, avaliou prospectivamente 30 pacientes com diagnóstico de esquizofrenia refratária submetidos à ECT ambulatorialmente, complementar ao tratamento com antipsicóticos.36 Foi utilizado o instrumento WHOQOLBREF, para avaliação de qualidade de vida, antes e após a aplicação da série de ECT, além de escalas gerais para avaliação de psicopatologia e funcionamento (PANSS, GAF and CGI). Resultados identificaram melhoras significativas na qualidade de vida dos pacientes usando o WHOQOL-BREF nos domínios físico, psicológico e do meio ambiente. Não houve mudanças no domínio das relações sociais. Conforme os autores, a melhora na qualidade de vida se relaciona a melhoras nos itens de preocupações somáticas, sintomas depressivos e ansiosos identificados na escala PANSS.36 Possivelmente, para pacientes com graves transtornos mentais, outras estratégias psicossociais são necessárias para trazer melhorias no domínio na relação pessoal de QV. Outro estudo realizado em 2003, por Chanpattana e colaboradores, avaliou a eficácia de ECT de manutenção associada ao antipsicótico típico flupentixol. Foram estudados a continuidade dos efeitos ligados à qualidade de vida em 59 pacientes com esquizofrenia refratária, com relatos prévios de resposta à eletroconvulsoterapia. Após uma fase inicial, 52 pacientes que alcançaram remissão de sintomas na Fase I do estudo foram acompanhados. Ao longo de 1 ano os resultados demonstraram eficácia mantida dos efeitos agudos da ECT relacionados à qualidade de vida. Foi observada melhora em sintomas positivos e funcionalidade, embora tenha sido identificada piora nos sintomas negativos da esquizofrenia no término do seguimento.37
EFEITOS COGNITIVOS DA ECT E QUALIDADE DE VIDA Um dos questionamentos ligados à ECT se refere a prejuízos ligados a efeitos adversos cognitivos com o procedimento. Em um estudo de McCall, parte dos pacientes submetidos à ECT apresentaram prejuízos na memória retrógrada (autobiográfica) relacionando piora na qualidade de vida e na funcionalidade após a ECT. Esse grupo tendia a menor
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intensidade de sintomas depressivos e maior deficit cognitivo prévios ao tratamento.4 Outros estudos que avaliaram a relação entre os efeitos cognitivos da ECT em pacientes com depressão não associaram o efeito adverso a pioras na qualidade de vida. Mesmo os indivíduos que não apresentavam benefícios com a terapia, não demonstravam piora em relação ao funcionamento basal. Resultados avaliados a curto prazo (até quatro semanas) se mantiveram em seguimentos maiores (24 semanas). Os pesquisadores têm procurado novas técnicas que reduzam os efeitos adversos da ECT e aumentem os benefícios em relação à funcionalidade e à qualidade de vida dos pacientes. As técnicas modernas, com oxigenação adequada e posicionamento unilateral38 reduziram também a incidência e a gravidade de efeitos adversos cognitivos.39,40 Novas ações terapêuticas também têm sido estudadas para minimizar ou contornar eventuais deficit, incluindo a utilização da onda de pulso ultrabreve e técnicas cognitivo-comportamentais.41
CONSIDERAÇÕES FINAIS Diversos estudos demonstram melhorias na qualidade de vida em pacientes com depressão e esquizofrenia submetidos à eletroconvulsoterapia. A avaliação realizada na maioria dos estudos envolve a perspectiva de funcionalidade e de qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS), utilizando escalas como a SF-36. No entanto, estudos utilizando o instrumento WHOQOL-BREF, da OMS, que avaliam a qualidade de vida em uma perspectiva mais ampla, demonstraram benefícios semelhantes. Os estudos que realizaram seguimento a longo prazo mostram a manutenção dos efeitos positivos da ECT sobre a qualidade de vida. McCall e colaboradores25 destacam a importância do seguimento e da monitoração da adesão às medicações, evitando a recorrência dos sintomas na depressão e promovendo a sustentabilidade dos benefícios relacionados à ECT observados em curto prazo. Em pacientes com depressão não avaliou-se o efeito da ECT de manutenção sobre a qualidade de vida. Os efeitos adversos cognitivos não se relacionam à piora na qualidade de vida na maioria dos estudos realizados. Estudos com seguimento maior e com metodologia mais apurada e a avaliação do impacto das novas tecnologias que diminuem efeitos adversos sobre a memória se fazem necessários para uma avaliação mais acurada.39,40 Em pacientes idosos, a ECT também mostra benefícios quanto à qualidade de vida, principalmente para quadros depressivos graves e refratários. Eventuais deficit cognitivos não se associaram à piora na QV ou na funcionalidade.32
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A aprovação e o reconhecimento da ECT na população geral é muito menor se comparada à dos pacientes que realizam o procedimento. 23 A avaliação do paciente com instrumentos próprios, aplicados no momento adequado, à medida que trazem uma avaliação independente da equipe de saúde, são importantes para acabar com preconceitos relacionados à ECT. É possível avançar muito no estudo da ECT avaliando com rigor prejuízos e benefícios cognitivos, na busca da ampliação dos benefícios e diminuição nos efeitos adversos da ECT. Sem dúvida, nesse processo, a inclusão de desfechos relacionados aos pacientes e a percepção de melhora na qualidade de vida contribuem na fundamentação da eficácia e na consolidação da ECT nas diretrizes de tratamento em saúde.
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FUNDAMENTOS DA ELETROCONVULSOTERAPIA
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Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2012. McCall WV, Reboussin DM, Weiner RD, Sackeim HA. Titrated moderately suprathreshold vs fixed high-dose right unilateral electroconvulsive therapy: acute antidepressant and cognitive effects. Arch Gen Psychiatry. 2000;57(5):438-44. Sackeim HA, Prudic J, Devanand DP, Kiersky JE, Fitzsimons L, Moody BJ, et al. Effects of stimulus intensity and electrode placement on the efficacy and cognitive effects of electroconvulsive therapy. N Engl J Med. 1993;328(12):839-46. Sackeim HA, Prudic J, Fuller R, Keilp J, Lavori PW, Olfson M. The cognitive effects of electroconvulsive therapy in community settings. Neuropsychopharmacology. 2007;32(1):244-54. UK ECT Review Group. Efficacy and safety of electroconvulsive therapy in depressive disorders: a systematic review and meta-analysis. Lancet. 2003;361(9360):799-808.
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ÍNDICE
A
B
Adolescentes. Ver Crianças e adolescentes
Bases físicas, 31-44
Anestesia e relaxamento muscular, 121-127
corrente, 35
agentes de indução, 125
duração do estímulo, 39
etomidato, 125
duração do pulso, 36-38
metoexital, 125
formas de onda, 32-35
propofol, 125
analogia com duto de água, 32f
tiopental sódico, 125
onda elétrica senoidal, 33f
bloqueadores neuromusculares, 125-126
onda em pulso breve ou
condução da anestesia, 124
quadrada, 34f
fármacos adjuvantes, 126-127
frequência, 38-39
grupos especiais, 127
impedância, 39-41
gestantes, 127
medidas que combinam e resumem
síndrome neuroléptica maligna, 127 preparo, 123-124
parâmetros, 41-44 Bloqueadores neuromusculares, 125-126
avaliação prévia, 123-124 jejum, 124 medicação prévia, 124 técnica, 121-123
C Catatonia, 83-84
Aneurismas cerebrais, 107
Cognição, efeitos da ECT na, 146-151
Aparelhos disponíveis e manejo, 66-68
Contraindicações. Ver Riscos e
eletroencefalógrafo portátil digital, 67f
contraindicações
mecta spectrum 4000M, 67f
Coração, riscos relacionados ao, 98-105
mecta spectrum 5000Q, 67f
anticoagulação, 104-105
thymatron system IV, 67f
considerações medicamentosas, 103-104
Asma, 105-106
doença valvular, 104 Corrente, 35, 58
190
Crianças e adolescentes, 135-137
ÍNDICE
Etomidato, 125
avaliação clínica, 137
Exames de imagem, 97
técnica, 137-138
Exames laboratoriais, 96-97
termo de consentimento, 137
F D
Frequência, 38-39, 58-59
Demências, 106
Funcionamento cognitivo cerebral e ECT,
Depressão, 72-77, 176-180
143-153
Diabetes, 105
efeitos na cognição e na memória,
Distúrbios de movimentos, 107-108
146-151
Distúrbios neurológicos, 106-109, 110
consolidação da memória e lei de
aneurismas cerebrais, 107 demências, 106
Ribot, 149f Fundamentos técnicos, 47-68
distúrbios de movimentos, 107-108
aparelhos disponíveis, 66-68
doença cerebrovascular, 107
eletroencefalógrafo portátil
epilepsia, 106
digital, 67f
lesões expansivas, 108-109
Mecta spectrum 4000M, 67f
Doença cerebrovascular, 107
Mecta spectrum 5000Q, 67f
Doença de Parkinson, 84-85
Thymatron system IV, 67f
Doença pulmonar obstrutiva crônica
dose elétrica – limiar
(DPOC), 105-106
convulsígeno, 51-57
Doença valvular, 104
gênero e idade, 53
Dose elétrica – limiar convulsígeno, 51-57
impedância dinâmica, 53
gênero e idade, 53
medicações concomitantes, 53
impedância dinâmica, 53
parâmetros elétricos, 53-57
medicações concomitantes, 53 parâmetros elétricos, 53-57
posicionamento de eletrodos, 52-53 mecanismos de indução da crise, 49-51
posicionamento de eletrodos, 52-53
monitoração fisiológica, 60-66, 67f manifestação (crise) motora, 61 manifestação autonômica, 65-66
E
manifestação central (crise
ECG, 97-98
cerebral), 62-65 parâmetros, 58-60
EEG, 97 Efeitos cognitivos da ECT, 182-183
corrente, 58
Eficácia. Ver Indicações e eficácia
duração do pulso, 58
Eletrodos, posicionamento de, 52-53
duração e frequência, 58-59 posicionamento d e eletrodos, 48-49, 50f
ECT bilateral, 48, 49f
ECT bilateral, 48, 49f
ECT unilateral, 48-49
ECT unilateral, 48-49
Eletroencefalógrafo portátil digital, 67f Epilepsia, 106 Escala SF-36, 173q Esquizofrenia e ECT, 79-82, 182
G
Estímulo, 39
Gestantes, 127, 109-111, 132-134
ÍNDICE
191
H
O
História, 15-26
Ondas, 32-35
aprimoramento da técnica, 24-25 convulsoterapia elétrica, 21-24 futuro, 25-26
P
no Brasil, 25
Parâmetros elétricos, 53-57, 58-60
surgimento, 15-21
corrente, 58 duração do pulso, 58 duração e frequência, 58-59
I
Populações especiais, 129-138
Idosos, 129-131
crianças e adolescentes, 135-137
Impedância, 39-41, 53
avaliação clínica, 137
dinâmica, 53
técnica, 137-138
Indicações e eficácia, 71-86
termo de consentimento, 137
catatonia, 83-84
gravidez, 132-134
depressão, 72-77
população geriátrica, 129-131
doença de Parkinson, 84-85
puerpério, 134-135
esquizofrenia, 79-82
Propofol, 125
estados mistos, 78-79
Puerpério, 134-135
mania, 77-78
Pulso, 36-38, 58
síndrome neuroléptica maligna, 85-86 status epilepticus, 86 transtorno esquizoafetivo, 82 Indução da crise, mecanismos de, 49-51
Q Qualidade de vida e ECT, 171-184
Instrumento WHOQOL-BREF, 174q
desfechos relatados pelo paciente, 173-175 dimensões da escala SF-36, 173q
L
ECT e depressão, 176-180
Lesões expansivas, 108-109
estudos, 177-180
Limiar convulsígeno, 51-57
ECT: indicações, dúvidas e satisfação com, 175-176 efeitos cognitivos da ECT, 182-183
M
esquizofrenia e ECT, 182
Mania, 77-78
estudos longitudinais, 180-181
Mecanismo de ação, teorias, 157-164
instrumento WHOQOL-BREF, 174q
Mecta spectrum 4000M, 67f
Queimaduras, 111-113
Mecta spectrum 5000Q, 67f Memória, efeitos da ECT na, 146-151 Metoexital, 125
R
Monitoração fisiológica, 60-66, 67f
Relaxamento muscular. Ver Anestesia e
manifestação (crise) motora, 61
relaxamento muscular
manifestação autonômica, 65-66
Riscos e contraindicações, 95-117
manifestação central (crise cerebral), 62-65
avaliação prévia, 95-98 ECG, 97-98