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REFORMADOR
Cristianismo Redivivo Haroldo Dutra Dias
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Sumário História da Era Apostólica .................................................................................................... 3 (Século I) – Parte I ............................................................................................................... 3 História da Era Apostólica .................................................................................................... 7 (Século I) – Parte II .............................................................................................................. 7 História da Era Apostólica .................................................................................................. 10 Supranaturalismo x Racionalismo ..................................................................................... 10 História da Era Apostólica .................................................................................................. 13 Racionalismo ..................................................................................................................... 13 História da Era Apostólica .................................................................................................. 16 Novas perguntas................................................................................................................ 16 História da Era Apostólica .................................................................................................. 19 Jesus – Governador Espiritual do Orbe ............................................................................. 19 História da Era Apostólica .................................................................................................. 22 A fé transporta montanhas................................................................................................. 22 Esperança .......................................................................................................................... 25 História da Era Apostólica .................................................................................................. 28 Nascimento de Jesus......................................................................................................... 28 As parábolas de Jesus....................................................................................................... 31 História da Erade Apostólica .................................................................................................. 34 A crucificação Jesus ..................................................................................................... 34 O candidato a discípulo ..................................................................................................... 37 História da Era Apostólica .................................................................................................. 41 Os alicerces da Igreja Cristã .............................................................................................. 41 A lição do arado ................................................................................................................. 44 História da Era Apostólica .................................................................................................. 47 O Primeiro Mártir ............................................................................................................... 47 No trato com a Revelação ................................................................................................. 50 História da Era Apostólica .................................................................................................. 53 A conversão de Saulo ........................................................................................................ 53 Caminho para Deus ........................................................................................................... 56 História da Era Apostólica .................................................................................................. 59 A preparação no deserto ................................................................................................... 59 Revelação Divina ............................................................................................................... 62 História da Era Apostólica .................................................................................................. 65 O regresso a Tarso ............................................................................................................ 65 Vida e morte ...................................................................................................................... 68 História da Era Apostólica .................................................................................................. 71 A Igreja de Antioquia.......................................................................................................... 71 História da Era Apostólica .................................................................................................. 74 Síntese da Cronologia ....................................................................................................... 74 História da Era Apostólica .................................................................................................. 78 Ainda a Síntese Cronológica ............................................................................................. 78 Profecias bíblicas............................................................................................................... 82 O Novo Testamento ........................................................................................................... 85 Redação ............................................................................................................................ 85 O resgate do Cristianismo Nascente ................................................................................. 88
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Reformador Junho 2007 - Ano 125 Nº 2.139 – PAG 34/240 – 36/242
1 - Cristianismo Redivivo
“Não podemos conhecer o Jesus ‘real’ através da pesquisa histórica, quer isto signifique sua realidade total ou apenas um quadro biográfico razoavelmente completo. No entanto podemos conhecer o ‘Jesus histórico’. Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica.”(1) _______________ 1. ME IER , John P. U m judeu m arginal: repensando o Imag o, 1993. p. 35.
Jesus h istórico. 3 . e d. Rio de Janeiro:
HAROLDO DUTRA DIAS
No Dallas Theological Seminary (Texas, USA), no mês de maio de 1965, Harold W.Hoehner defendeu sua tese de doutorado sobre a cronologia da Era Apostólica. Seu trabalho contrariava a tradicional e respeitada posição dos eruditos do seu tempo, propondo uma completa releitura das fontes históricas sobre o tema. Ao estabelecer uma nova cronologia para o primeiro século do Cristianismo, o autor apontava a necessidade de revisar todas as conclusões dos estudiosos que o antecederam. A tese de Hoehner foi timidamente acolhida nos meios acadêmicos, a ponto de receber o nome de “cronologia alternativa”. Atualmente, porém, vários pesquisadores têm confirmado as proposições do professor norte-americano, incorporando muitas de suas ideias. Surpreendentemente, a leitura meticulosa dos romances psicografados por Francisco um fato inusitado: as datas estabelecidas pelo Emmanuel,Cândido nessas Xavier obras, revelou eram frequentemente idênticas àquelas defendidas porEspírito Harold Hoehner. À guisa de exemplo, podemos citar três episódios da vida do Cristo: o seu nascimento (ano 5 a.C.), o início do seu ministério (ano 30 d.C.) e a crucificação (ano 33 d.C.), todos ocorridos, segundo estes dois autores, nas datas acima especificadas. Vê-se que Jesus foi crucificado com trinta e oito anos! (2) _______________ 2. XAVIER, Fr anc isc o Când ido . Crô ni cas de alé m -túm ulo . Pelo Esp írit o Hum ber to de Camp os. 15. ed. Rio de Janeiro : FEB, 2007 . Ca p. 15, p. 90 (a data de nasc im ento de Jesu s será abor dada com maio res detalhes em fut uro s artigo s desta colu na).
No romance Paulo e Estêvão, o Espírito Emmanuel desenvolveu um quadro cronológico das atividades apostólicas que se assemelha àquele elaborado pelo professor do Texas. Um detalhe, porém, salta aos olhos: o romance foi psicografado no primeiro semestre de 1941, na provinciana cidade de Pedro Leopoldo (MG), ao passo que a tese foi defendida 24 anos mais tarde, na famosa universidade de teologia norte-americana. A constatação desses fatos nos conduz a profundas reflexões sobre o caráter da Revelação dos Espíritos, e, mais especificamente, sobre o tríplice aspecto da Doutrina Espírita. O Espiritismo é uma Ciência com identidade própria, já que possui objeto de
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estudo próprio (o mundo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo) e método de pesquisa próprio (mediunidade). Nesse sentido, são valiosas as considerações do Codificador a respeito do assunto: Assim como a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da Natureza, aque reagir incessantemente sobre princípio e reciprocamente, segue-se o conhecimento de um nãoo pode estarmaterial completo sem o conhecimento do outro. O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente [...].(3) _______________ 3. KA RDEC, Allan . O espiritism Cap . III, item 16, p. 100.
o n a sua expr essão m ais sim ples. Rio de Jan
eiro: FEB , 20 06.
Essa relação de complementação entre a Ciência e o Espiritismo pode ser vista como união de esforços com vistas ao aprimoramento do saber humano, já que possibilita uma abordagem integral dos problemas, levando em conta seus aspectos materiais e espirituais concomitantemente. No prólogo deste artigo há uma citação do historiador John P. Meier, professor na Universidade Católica de Washington D. C., considerado um dos mais eminentes pesquisadores bíblicos de geração. estabelecer os limites da ao Ciência da investigação humanas, ele sua adverte: “Por Ao Jesus da história, refiro-me Jesuse que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”. A atitude de cautela e humildade, esboçada por inúmeros cientistas como John Meier, tem sido o traço da Ciência pós-moderna, favorecendo o diálogo com a Doutrina Espírita, que, por sua vez, oferece subsídios valiosos, inacessíveis aos “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”. Não se trata de sobrepujar a Ciência, desprezar suas conclusões, numa atitude mística incompatível com a fé raciocinada. O desafio é “complementar”, “unir”, “dialogar”, onde as duas partes estão dispostas a ouvir e falar. As palavras do Codificador, mais uma vez, lançam inestimáveis luzes sobre a questão em debate. A Ciência e a Religião não puderam, até hoje, entender-se, porque, encarando cada uma as coisas do seu ponto de vista exclusivo, reciprocamente se repeliam. Faltava com que encher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse. Esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo, leis tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Uma vez comprovadas pela experiência essas relações, nova luz se fez: a fé dirigiu-se à razão; esta nada encontrou de ilógico na fé: vencido foi o materialismo. Mas, nisso, como em tudo, há pessoas que ficam atrás, até serem arrastadas pelo movimento geral, que as esmaga, se tentam resistir-lhe, em vez de o acompanharem.[...] (4) _______________ 4. KAI,RDEC, Cap. item 8,Allan p. 61.. O evangelh o segu ndo o espi ritism o. 126 . ed. R io de Janeiro : FEB, 2 006 .
Seguindo as pegadas de Allan Kardec, Emmanuel e outros Benfeitores do mundo espiritual, o presente artigo inaugura uma nova coluna na revista Reformador, intitulada “Cristianismo Redivivo”. Nossa proposta é salientar a contribuição oferecida pela revelação espiritual no equacionamento de graves problemas relativos à história de
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Jesus, dos seus seguidores diretos e do Cristianismo, de modo geral, visando a apropriação, com maior segurança e legitimidade, da essência da Boa Nova, alicerce de todas as propostas de renovação veiculadas pela Doutrina dos Espíritos. O esforço não é novo. A tarefa de unir pesquisa histórica e revelação espiritual pode ser encontrada na obra A Caminho da Luz. Desse livro monumental, destacamos dois trechos que servem de baliza à nossa iniciativa, ao mesmo tempo em que definem os rumos da nossa busca. Não deverá ser este um trabalho história doamundo estásagrada compilada feita. Nossa contribuição será à tesehistórico. religiosa,Aelucidando influência da fée e o ascendente espiritual, no curso de todas as civilizações terrestres. [...] (5) _______________ 5. XAVIER , Francis co Când ido . A c amin ho da lu z. Pe lo Es pírito Emm anuel. 34. e d. Rio d e
Janeiro: FEB, 2006. “Antelóquio”, p. 11.
Esse esforço de síntese será o da fé reclamando a sua posição em face da ciência dos homens, e ante as religiões da separatividade, como a bússola da verdadeira sabedoria.(6) _______________ 6. I dem , ibidem . “Introdução”, p. 13.
O Espíritocompetindo-lhe, Emmanuel esclarece que não tem a função de repetir o espiritual trabalho dos historiadores, essencialmente, revelar o ascendente da evolução humana. Com isto, depreende-se que a leitura dos historiadores, a conjugação das informações por eles oferecidas com a revelação dos Espíritos, enfim, a pesquisa puramente humana, representa a parcela de trabalho que nos compete nessa empreitada. Feitas estas considerações, convidamos o leitor a iniciar uma longa jornada pelos trilhos da história do Cristianismo, conjugando fé e razão, revelação mediúnica e pesquisa histórica. Dedicaremos inúmeros artigos à construção da cronologia do primeiro século do Cristianismo, utilizando, basicamente, a tese de Harold W. Hoehner e a obra Paulo e Estêvão. Paralelamente, aproveitaremos o ensejo para abordar questões históricas, geográficas, culturais e linguísticas necessárias ao aprofundamento da análise. Nesse caso, será indispensável recorrer à literatura especializada, relacionando-a com o acervo mediúnico de Francisco Cândido Xavier, como um todo. Como nossa proposta é fomentar o diálogo entre Espiritismo e Ciência, por vezes será necessário esclarecer o estado atual da pesquisa acadêmica antes de cotejar os dados oferecidos pela Espiritualidade Superior. Todavia, uma advertência se impõe. Não se trata de oferecer todas as respostas, nem de resolver todos os enigmas. Por vezes, teremos de nos contentar com o aprimoramento de nossas indagações. Afinal de contas, saber perguntar é o primeiro passo para encontrar a verdade. Mais uma vez, é Emmanuel que vem em nosso socorro. Além do túmulo, o Espírito desencarnado não encontra os milagres da sabedoria, e as novas realidades do plano imortalista transcendem aos quadros do conhecimento contemporâneo, conservando-se numa esfera quase inacessível às cogitações humanas, escapando, pois, às nossas possibilidades de exposição, em face da ausência de comparações analógicas, único meio de impressão na tábua de valores restritos da mente humana. Além doaomais, encontramos num plano evolutivo, sem que possamos trazer vossoainda círculonos de aprendizado as últimas equações, nesse ou naquele setor de investigação e de análise. É por essa razão que somente poderemos cooperar convosco sem a presunção da palavra derradeira. Considerada a nossa contribuição nesse conceito indispensável de relatividade, buscaremos concorrer com a nossa modesta parcela de experiência, sem nos determos no exame técnico das
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questões científicas, ou no objeto das polêmicas da Filosofia e das religiões, sobejamente movimentados nos bastidores da opinião, para considerarmos tão- somente a luz espiritual que se irradia de todas as coisas e o ascendente místico de todas as atividades do espírito humano dentro de sua abençoada escola terrestre, sob a proteção misericordiosa de Deus. (7) _______________ 7. XAVIER, F rancis co Când ido . O co nso lador . Pelo Esp írito Emm anuel. 27. ed. Rio de Jane iro: FEB, 2007. “Definição”, p. 20.
Assim, está dado o primeiro passo da nossa jornada de muitas milhas. Que Deus nos abençoe os propósitos.
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Reformador Julho 2007 - Ano 125 Nº 2.140 – PAG 34/280 – 36/282
2 - Cristianismo Redivivo
“Do Jesus revolucionário e violento ao Jesus mago e folgazão, do fanático apocalíptico ao mestre de sabedoria ou filósofo cínico e indiferente à escatologia, qualquer situação que se possa conceber, qualquer teoria extrema que se possa imaginar já foram há muito propostas, com as posições antagônicas anulando-se mutuamente e com os erros do passado sendo repetidos por novos escritores afoitos. Num certo sentido, existem tantos ‘livros sobre Jesus’ que dariam para três vidas, e um budista pecador poderia muito bem ser condenado a passar as próximas três encarnações lendo-os todos.”(1) _______________ 1. M EI ER, Joh n P. Um jud eu m arginal: repensando o
Jesus h istóri co. 3. e d. Rio de Janeiro:
Imag o, 1993. p. 13.
HAROLDO DUTRA DIAS
Prosseguindo em nossa jornada pelas estradas do Cristianismo do primeiro século, torna-se necessário esclarecer o estado atual da pesquisa acadêmica, fazendo um balanço dos seus avanços e retrocessos nos últimos três séculos, antes de relacioná-la com as revelações da Espiritualidade Superior. Duas razões justificam esse procedimento. De um lado, a constatação de que foram propostas, ao longo do tempo, as maiores extravagâncias com relação à pesquisa da vida de Jesus, “com os erros do passado sendo repetidos por novos escritores afoitos”, na feliz expressão de John Meier, exigindo do leitor alta dose de senso crítico, antes de defender essa ou aquela ideia. De outro lado, o reconhecimento de que as obras mediúnicas, igualmente, exame acurado, para que não se adote postura mística incompatível com areclamam fé raciocinada. Corroborando nossas assertivas, a advertência de Emmanuel é providencial. Além do túmulo, o Espírito desencarnado não encontra os milagres da sabedoria, e as novas realidades do plano imortalista transcendem aos quadros do conhecimento contemporâneo, conservando-se numa esfera quase inacessível às cogitações humanas, escapando, pois, às nossas possibilidades de exposição,
em face da ausência de comparações analógicas, único meio de impressão na tábua de valores restritos da mente humana .(2) (Destaque do autor) _______________ 2. XAVIER , Francisc o C. O co nso lador . Pelo Espí rito Emm anuel. 27. ed. Rio d e Janeiro:
FEB, 2007. “Definição”, p. 20.
Assim, ao combinar revelação mediúnica e pesquisa histórica, torna-se essencial definir quais autores serão consultados, tanto no plano físico quanto no plano espiritual. Do ponto de vista espiritual, privilegiamos a Codificação e a produção mediúnica de Francisco Cândido Xavier, sem que isso represente qualquer menosprezo de nossa parte a outros médiuns confiáveis e honrados. O motivo da escolha se deve à especificidade do tema em estudo, mais amplamente desenvolvido neste conjunto de obras.
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Com relação aos trabalhos acadêmicos, a questão se torna mais tormentosa. A investigação histórica sobre Jesus e sobre o Cristianismo do primeiro século, como todo trabalho científico, apresenta fases de desenvolvimento, refletindo o progresso da pesquisa. Nesse sentido, é imperioso saber a que fase pertence determinado autor, sob pena de se tomar como verdade conclusões que já foram amplamente rechaçadas pela geração posterior de estudiosos. Vê-se que o desafio será, a cada passo, conjugar revelação espiritual segura com pesquisa histórica séria, embasada. Feitas essasatualizada, considerações, faremos um breve resumo das fases da pesquisa sobre o Cristianismo Primitivo, apontando os autores mais representativos de cada etapa, suas propostas, conclusões, erros e acertos. Mãos a obra!
Primeira Fase: Nos domínios da Oralidade Nos três primeiros séculos do Cristianismo, a busca pelo “Jesus histórico” era realizada junto às testemunhas oculares, que haviam presenciado seus feitos, suas prédicas, seu sacrifício extremo. Todos queriam beber na fonte da tradição apostólica. O material de consulta disponível era fruto da narrativa dos apóstolos e dos demais seguidores do Mestre, bem como do testemunho dos beneficiários das curas, dos milagres, enfim, das confidências de todas as pessoas simples e anônimas que tiveram o privilégio do contato direto com o Cristo. Nessa época, a história do Cristianismo Primitivo estava sendo construída, ao preço do sacrifício e da renúncia. Muitas vidas foram ceifadas para que a luz da Boa Nova pudesse atravessar os séculos. Com o sangue do martírio foram traçadas as mais belas páginas desta epopeia. Neste quadro de perseguição, é compreensível o pouco interesse pela sistematização da história do Cristianismo. Coube a Lucas, sob a orientação de Paulo de Tarso, dar os primeiros passos, compondo dois livros: O Evangelho e Atos dos Apóstolos. Todavia, o objetivo deste autor, com a redação destas obras, é mais de um evangelizador do que de um historiador. Nem poderia ser diferente. Com a conversão do Romano. imperadorNo Constantino 312 d.C.),da o Cristianismo se torna a religião oficial do Império entanto, as(ano autoridades época enfrentam um problema crucial para a sobrevivência dessa aliança. Como conciliar a simplicidade e pureza daquele movimento, cujo fundador fora um galileu humilde, que vivera nas margens do Tiberíades, com a pompa do Império? Como harmonizar os aspectos essencialmente judaicos da Boa Nova, resultado de mais de dois mil anos de história do povo hebreu, com a cultura greco-romana? Por fim, como estabelecer o monoteísmo onde vigorava o culto aos deuses tutelares da família, da agricultura, da raça? A Igreja Romana foi a resposta, historicamente bem-sucedida, para essas indagações. A institucionalização das igrejas, o estabelecimento do papado, a pompa emprestada ao culto, a proliferação de imagens e rituais aplacou a sede greco-romana dos cidadãos do Império, convertidos ao movimento do Profeta de Nazaré, não obstante sua doutrina tenha sido completamente descaracterizada, sobretudo em razão do rompimento total com as suas srcens. No período compreendido entre o ano 400-1700 d.C., o profeta galileu, simples e austero, bondoso e justo, considerado pelos seus contemporâneos como o Messias de Israel, foi transformado em uma das pessoas da Trindade, ao mesmo tempo Filho e Pai,
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feito da mesma substância do Criador. Um verdadeiro Deus, à moda dos deuses gregos Zeus, Apolo, Hermes. Esse “endeusamento” da figura do Cristo estancou a busca pelas suas srcens, sua cultura, seus ensinos. Nessa época, vigorava a mais absoluta confusão entre o “Jesus histórico” e o “Jesus da fé”. Adorado como o Deus encarnado, nenhum estudioso tinha tamanha autonomia intelectual para transformar esse personagem em objeto de pesquisa histórica, nem coragem para enfrentar as fogueiras da Inquisição. Num de escassos e reduzidos leitores, de admirar hegemonia tradição oral,mundo de confusão entre pergaminhos Religião e Estado, não seria de se queda a abordagem objetiva, imparcial, criteriosa da vida de Jesus fosse uma utopia. Essa primeira fase, cuja duração atingiu a marca dos dezessete séculos, pode muito bem ser compreendida como a etapa da abordagem puramente religiosa e teológica. Não havia Ciência, tal como é hoje compreendida, razão pela qual crença e preconceito, opinião e certeza, frequentemente, se misturam, exigindo prudência.
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Reformador Novembro 2007 - Ano 125 Nº 2.144 – PAG 36/442 – 38/444
3 - Cristianismo Redivivo
“A Ciência e a Religião não puderam, até hoje, entender-se, porque, encarando cada uma as coisas do seu ponto de vista exclusivo, reciprocamente se repeliam. Faltava com que encher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse. Esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo, leis tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Uma vez comprovadas pela experiência essas relações, nova luz se fez: a fé dirigiu-se à razão; esta nada encontrou de ilógico na fé: vencido foi o materialismo. Mas, nisso, como em tudo, há pessoas que ficam atrás, até serem arrastadas pelo movimento geral, que as esmaga, se tentam resistir-lhe, em vez de o _______________
acompanharem [...].”(1)
1. KA RDEC, Allan . O evangelh o segu nd o o esp iritism o. 127 . ed. R io de Janeiro : FEB, 2 007 . Cap. I, item 8, p. 61.
HAROLDO DUTRA DIAS
Em edições anteriores, destacamos que a Primeira Fase do estudo da vida de Jesus pode muito bem ser compreendida como a etapa da abordagem puramente religiosa e teológica. [Ver Reformador dos meses de junho/ 07, p. 34, e julho/07, p. 34.] O “endeusamento” da figura do Cristo estancou a busca pelas suas srcens, sua cultura, seus ensinos. Nessa época, vigorou o chamado supranaturalismo (2), visto como credulidade ingênua nos milagres e nas curas de Jesus, e na unidade da natureza divina e_______________ da natureza humana na pessoa do Cristo (dogma da encarnação). 2. O que acon tece na natu reza, m as não dec orr e das fo rças ou do s p roc edim entos da natur eza e não p od e ser exp licado com base neles. É um con ceito próprio da Teolog ia
Cristã, que atribui à fé a crença no sobrenatural, assim entendido.” ABBAGNANO, Nicola. Dicion ário de fil oso fia. 5. ed. revista e
amp liada. Martins
Font es. p. 1080.
Na esteira do Empirismo Inglês (3) (Francis Bacon, 1561-1626) e do Racionalismo Continental (4) (René Descartes, 1596-1650) surge Baruch Spinoza (1632-1677), propondo a leitura e interpretação dos livros bíblicos, como todo e qualquer escrito, à luz do Racionalismo. _______________ 3. Corrente
filos ófica para
a qu al tod a ideia é pro veniente
de u ma percep ção sens orial
(cin co s enti do s), log o a exp eriênc ia écr ité rio o u n or m a da verd ade. Nesse s enti do , toda verdad e po de e dev e ser p ost a à pro va, e, em con sequ ência, m odif icada, cor rig ida ou abandonada. Entre se us representantes pod emos citar Fra ncis B acon, Hobbes, Locke, Berk eley, Hum e. 4. Po si ção f il o sóf ic a do s s é cu lo s XV II e XVIII, na Eu ro pa , su p os tam en te em o p o si ção à escola que predominava nas ilhas britânicas, o Empirismo, tendo como expoentes Descartes, Malebranch e, Spin oza, Leibn iz, Wolf f.
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A oposição à fé e à religião, herança do Renascimento, culminaria no estabelecimento do Iluminismo (Aufklärung). Immanuel Kant, um expoente da filosofia desta época, definiu o Iluminismo como “a saída dos homens do estado de menoridade (não-emancipação) devido a eles mesmos. Menoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. Essa menoridade será devida a eles mesmos se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão e coragem para utilizar o intelecto como guia. Sapere aude! Ousa saber! É o lema do iluminismo”.(5) _______________ 5. ABB AGNA NO, Nicola. Dicion 618.
ário de filo so fia. 5. ed. revista e am
pliada. Martins
Font es. p.
O século das luzes, trazendo em seu bojo o Empirismo, o Racionalismo, a crítica histórica e textual, o Enciclopedismo, não poupou os textos bíblicos. O complexo desenvolvimento de concepções e metodologias, abrangendo várias áreas de estudo, favoreceu a aplicação da crítica aos textos sagrados. A leitura tradicional e piedosa dos Evangelhos, filha da credulidade ingênua, eivada de dogmatismo religioso milenar, sofre duro golpe. Influenciado pelo Iluminismo, H. S.Reimarus (1694-1768) inaugura a abordagem rigorosamente histórica dos quatro Evangelhos. Tem início, com a publicação dos seus fragmentos, a “busca do Jesus histórico”. A Segunda Fase ( 6) do estudo da vida de Jesus, iniciada por Reimarus, é marcada pelo espírito da época – Racionalismo. Nesse contexto, há uma resistência sistemática a todos os fatos ditos miraculosos, descritos nas páginas do Novo Testamento. O nascimento virginal, a ressurreição, as curas e os milagres despertam o interesse de inúmeros pesquisadores, que buscam, cada um à sua maneira, explica ções “racionais” para esses eventos extraordinários da vida do Mestre. _______________ 6. A maior parte dos estudioso s d o tema p refere chamar o período inaugur ado po r H. S. Reimaru s d e Prim eira Fase, já qu e desc ons ideram tod a a pr odu ção do Supr anaturalis m o.
Em certo sentido, estão corretos já que não se pode falar em “busca do Jesus histórico”, antes do t rabalho d aquele autor. Todavia, com o preten dem os traç ar um esb oço do est udo da figura d e Jesus, em sentido amplo, preferimos incluir o p eríodo anterior ao Iluminism o.
Assim, concomitante ao lançamento dos “fragmentos de wolffenbüttel”, (7) há uma profusão de publicações conhecidas como “Vidas de Jesus do Racionalismo”, caracterizadas como tentativas da Teologia alemã de explicar, do modo mais claro e racional possível, o elemento supranatural das narrativas evangélicas. _______________ 7. Nome dado aos sete fragmentos escritos por H. S. Reimarus, publicados por Gothold Ephraim Lessing, em 1778, na Alemanha.
A premissa básica desses autores consiste em rejeitar, por falta de embasamento histórico, todos aqueles fatos que não possam ser compreendidos com o auxílio das leis naturais. A dimensão espiritual da vida é rotulada de “sobrenatural” e, consequentemente, desprezada. A Ciência, embora ensaiando os primeiros passos, já se revestia da arrogância, tão duramente criticada na Religião. Na próxima edição, traçaremos um esboço das ideias principais dos racionalistas, citando os autores mais representativos do período. Antes, porém, cumpre avaliar a atitude desses estudiosos à luz da revelação espiritual. Abordando a questão do Racionalismo, o Espírito Emmanuel faz considerações valiosas a respeito do assunto:
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Questão 199 – Poderá a Razão dispensar a Fé? – A razão humana é ainda muito frágil e não poderá dispensar a cooperação da fé que a ilumina, para a solução dos grandes e sagrados problemas da vida. Em virtude da separação de ambas, nas estradas da vida, é que observamos o homem terrestre no desfiladeiro terrível da miséria e da destruição. [...] Questão 202 – No problema da investigação, há limites para aplicação dos métodos racionalistas? – Esses limites existem, não só para a aplicação, como também para a
observação; limites esses que são condicionados pelas forças espirituais que presidem à evolução planetária, atendendo à conveniência e ao estado de progresso moral das criaturas. É por esse motivo que os limites das aplicações e das análises chamadas positivas sempre acompanham e seguirão sempre o curso da evolução espiritual das entidades encarnadas na Terra.(8) _______________ 8. XAVIER, Francisco Cândido. O consolador Janeiro: FEB, 2003.
. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de
Vê-se que a proposta da Espiritualidade superior reside na conjugação da Razão e da Fé, não somente assuntospacífica, relacionados mas, expressão sobretudo, na construção de uma nos sociedade justa ao e conhecimento, fraterna. Na feliz do Codificador,(9) é preciso encher o vazio que separa Religião e Ciência com o conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo. _______________ 9. Texto uti lizado co m o ep ígr afe des te arti go (Referênc ia 1).
Uma vez compreendidas essas relações, os milagres, as curas, e outros fenômenos eminentemente espirituais, descritos nos Evangelhos, serão vistos como decorrentes de leis imutáveis. Vencida essa resistência tola, imposta pela ciência materialista pós-iluminista, o aprendiz do Mestre estará em condições de extrair o espírito da letra, recolhendo as lições imorredouras que fluem dos fatos extraordinários da Vida de Jesus.
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Reformador Dezembro 2007 - Ano 125 Nº 2.145 – PAG 32/478 – 34/480
4 - Cristianismo Redivivo
“Como apreciar os racionalistas que se orgulham de suas realizações terrestres, nas quais pretendem encontrar valores finais e definitivos? – Quase sempre, os que se orgulham de alguma coisa caem no egoísmo isolacionista que os separa do plano universal, mas, os que amam o seu esforço nas realizações alheias ou a continuidade sagrada das obras dos outros, na sua atividade própria, jamais conservam pretensões descabidas e nunca restringem sua esfera de evolução, porquanto as energias profundas da espiritualidade lhes santificam os esforços sinceros, conduzindo-os aos grandes feitos através dos elevados caminhos da inspiração.”(1) _______________ 1. XAVIER Francisc o C.. O co nso lador . Pelo Espí rito Emm anuel. 24. ed. Rio d e Janeiro: FEB , 2003. ,Qu es tão 203
HAROLDO DUTRA DIAS
A Segunda Fase do estudo da vida de Jesus, resultado do Iluminismo, é marcada pelas características daquele movimento – Racionalismo, Empirismo, oposição aos dogmas da Igreja – e pode muito bem ser compreendida como a primeira etapa (2) da abordagem científica dos textos bíblicos. _______________ 2. A maior parte dos estudioso s d o tema p refere chamar o período inaugurado por H. S . Reimaru s d e Prim eira Fase, já qu e desc on sideram tod a a pr od ução do su pranatu ralism o.
Em certo sentido, estão corretos já que não se pode falar em “busca do Jesus histórico”, antes do dt rabalho autor.amplo, Todavia, com o pr etendem osodo tr aç ar um esb oço do est o. udo da figura e Jesus,demaquele sentido preferimos incluir o p erí anterior ao Iluminism
Albert Schweitzer (3) divide esse período (Segunda Fase) em quatro etapas distintas: 1a) Inicial (H. S. Reimarus), 2a) Racionalismo primitivo (J. J.Hess, F.V. Reinhardt, J. A. Jakobi e J. G.Herder), 3a) Racionalismo pleno (H. E. G. Paulus, K. A. Hase, F. E. D. Schleiermacher), 4a) Final (David. F. Strauss). Os dois autores principais deste período, sem dúvida, são H. S. Reimarus e David F. Strauss, responsáveis pelo surgimento e pelo encerramento deste Movimento. _______________ 3. SCHWEITZER, Alb
ert. A bu sc a do Jes us his tóric o. São Pau lo: Nov o Sécu lo, 2003
Em edições anteriores, apresentamos um breve resumo da contribuição de Reimarus ao estudo dos textos puramente evangélicos, salientando seu caráter em razão de ter adotado uma perspectiva histórica no tratamento do inovador, tema, e destacando suas duas preciosas contribuições: a divisão metodológica entre o “Jesus histórico” e o “Cristo da fé”, e a proposição de que a pregação de Jesus só pode ser compreendida a partir do contexto da religião judaica do seu tempo. Por outro lado, urge esclarecer que, simultaneamente ao lançamento dos “fragmentos de wolffenbüttel”,(4) houve uma profusão de publicações conhecidas como
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“Vidas de Jesus do Racionalismo Primitivo” (2a etapa), sobre as quais discorreremos nesta edição. _______________ 4. Nome dado aos sete fra gm entos escritos p Ephr aim Less ing , em 177 8, na Aleman ha.
or H. S. Reimarus, publicados p
or Gotho ld
O Racionalismo primitivo coloca-se entre o sobrenaturalismo ingênuo, que confia cegamente no dogma seja receptivo aos racionais aspectos da espirituais da vida, e o racionalismo pleno , queembora aceita apenas os aspectos religião com absoluta exclusão do elemento espiritual. Na avaliação de Schweitzer, as melhores características do Racionalismo primitivo são a ingenuidade e a honestidade. É digno de nota o esboço desta etapa traçado pelo ilustre autor(5): _______________ 5. Albert Sch weitzer (18 75-1 965) foi o rgani sta co ncert ista de fam a, teó rico da m úsica, pasto r e preg ador, p rofes sor de Teolo gia, direto r d e um semi nário teológico , médico , hu man ista, e ganh ador d o Prêmi o No bel da Paz.
As primeiras Vidas de Jesus racionalistas estão, de um ponto de vista estético, entre as menos agradáveis de todas as produções teológicas. O sentimentalismo de suas representações não tem limites. limite também, ainda inaceitável, é a falta de respeito para com aSem linguagem de Jesus.e Ele temmais que falar de uma forma racional e moderna, e portanto todas as suas falas são reproduzidas num estilo da mais polida modernidade. Nenhuma frase foi deixada como foi falada; todas elas são feitas em pedaços, parafraseadas, expandidas, e, algumas vezes, com o fim de torná-las realmente vívidas; elas são refundidas no molde do diálogo livremente inventado. Em todas estas Vidas de Jesus, nem uma só de suas falas mantém sua forma autêntica. E, no entanto, não podemos ser injustos com os seus autores. O que eles pretendiam era trazer Jesus para perto do próprio tempo deles, e assim fazendo tornaram-se os pioneiros do estudo histórico de Sua vida. Os defeitos de suas obras, em relação ao senso estético e ao fundo histórico, são suplantados pela atratividade do pensamento propositado e não preconceituoso que aqui desperta, espreguiça-se e começa a mover--se com liberdade.(6)
_______________ 6. SCHWEITZER, Al p. 39.
bert . A bu sc a do Jes us hi stóri co . São Pau lo: Nov o S é cu lo, 2003. Cap. III,
Os autores da Segunda Fase esforçam-se por libertar a mensagem do Cristo dos séculos de dogma e superstições que a encobriram. No entanto, a proposital exclusão do elemento espiritual bem como a confiança cega na incipiente ciência da época nos transmite a impressão de que houve apenas a troca do dogmatismo religioso pelo dogmatismo científico. Encerrando esse período, surge a figura de David F. Strauss, o mais renomado expoente do Racionalismo pleno. Na sua concepção, todos os elementos extraordinários da vida de Jesus devem ser categorizados à conta de mitos. Partindo do estudo comparativo das religiões, Strauss procura identificar nas narrativas evangélicas grandes temas míticos, também presentes nas demais religiões do Orbe, imprimindo às suas avaliações um cunho fortemente psicológico. A proliferação de biografias liberais de Jesus no século XIX, incluindo os nomes de David F. Strauss (1808-1874), de Ernest Renan (1823-1892), de H. H. Holtzmann (1832-
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1910) e de Johannes V. Weiss (1863-1914), revela que o ideal da objetividade e da isenção, tão proclamado pelo Racionalismo, nunca foi atingido. Albert Schweitzer (7) formula dura crítica à concepção que orientou a investigação realizada pelos autores do século XIX, revelando a fragilidade e a inconsistência das “vidas de Jesus” escritas no espírito do liberalismo da época. Ficou demonstrado que cada autor retratava Jesus à sua própria imagem. _______________ 7. Idem, ibidem .
O conhecimento desses fatos serve de alerta, sobretudo para os espíritas, competindo-nos examinar as pesquisas dos estudiosos do mundo com atenção e cuidado, mas sempre cotejando suas conclusões com a revelação espiritual. Em suma, urge reconhecer o caráter eminentemente subjetivo da ciência humana, ainda distante das equações definitivas no que respeita ao estudo dos textos sagrados. Consoante às orientações do Benfeitor Emmanuel no lide deste artigo: [...] os que amam o seu esforço nas realizações alheias ou a continuidade sagrada das obras dos outros, na sua atividade própria, jamais conservam pretensões descabidas e nunca restringem sua esfera de evolução, porquanto as energias profundas da espiritualidade lhes santificam os esforços sinceros, conduzindo-os aos grandes feitos através dos elevados caminhos da inspiração.(8) _______________ 8. XAVIER , Francisc o C. O co nso lador . Pelo Espí rito Emm anuel. 24. ed. Rio d e Janeiro: FEB , 2003. Qu es tão 203 .
Assim, fugindo de toda extravagância intelectual, mantendo a humildade, vivenciando o ensino do Mestre, aprimorando a capacidade de análise através do estudo metódico e consistente, nos habilitamos ao recebimento da inspiração superior, que nos conduz, invariavelmente, ao porto seguro da verdade.
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5 - Cristianismo Redivivo
“A diversidade de imagens de Jesus levanta a suspeita de que os retratos de Jesus sejam na verdade auto-retratos de seus autores.”(1) _______________ 1. THEI SEN, Gerd; M ERZ, An nett e. O Jesu s hi st órico . São Pau lo : Lo yo la, 2002 . p. 31.
HAROLDO DUTRA DIAS
O reinado de Guilherme II (1859-1941) assistiu, na Alemanha, ao florescimento do liberalismo teológico e da pesquisa “clássica” sobre a história do Cristianismo, cuja característica da marcante foi a exploração das fontes literárias, visando reconstrução personalidade e da vidahistórico-crítica de Jesus, ao menos na concepção dos seusa expositores mais destacados. Inaugurava-se a Terceira Fase da pesquisa histórica do Cristianismo sob a influência de desmedido otimismo. F. Baur defendia a primazia dos sinóticos sobre o Evangelho de João. H. Holzmann propunha a teoria das duas fontes, segundo a qual Marcos e “Q” (2) representavam as mais antigas e confiáveis fontes para a reconstrução do quadro biográfico do Cristo. _______________ 2. Ter mo alemão que significa “fonte”. Schleiermacher foi o primeiro a propor a existência de um a coletâ nea de declaraç ões de Jesus co m o um a das fontes do s evangelh os. Alg uns crítico s acr editam que Papi as faz referê ncia a ess e doc um ento qu ando m encio na a ex is tên cia das “Logias” de Levi. Todavia, cumpre salientar que não há comprovação histórica existê ncianos do refeevangelhos rido docudemento. d a usentes os estudno iosos tem sid selecionarda ditos de Jesus, Mate Oustrabalho e Lu cas, evangelho de o Marcos, prop o ndo que essa seleção aponte para a suposta fonte “Q”. Em resumo, estamos diante de um a hipótese que deve ser analisa da com cautela.
O colapso do liberalismo teológico, porém, veio mais cedo do que se imaginava, em virtude de três fatores: a constatação do caráter fragmentário dos evangelhos, que impediria qualquer esforço de extrair um “desenvolvimento” da personalidade de Jesus a partir da sequência narrativa do evangelho de Marcos; o caráter tendencioso das fontes antigas, visto que o evangelista privilegiava determinada mensagem, ainda que em detrimento de uma suposta “precisão histórica”; o elemento projetivo das biografias sobre Jesus, uma vez que os biógrafos retratavam a personalidade do Mestre ao sabor das suas preferências e conveniências pessoais. O ocaso da Teologia Liberal contribuiu para surgimentosegundo da chamada “Teologia Dialética”, herdeira da filosofia existencialista de oHeidegger, a qual “o ser humano conquista sua ‘autenticidade’ apenas na decisão, a qual não pode ser assegurada mediante argumentos objetiváveis (como o conhecimento histórico). Para um existencialismo cristão a decisão é a resposta ao chamado de Deus no querigma (3) da cruz e da ressurreição de Cristo, que o ser humano compreende por meio de um morrer e viver existencial em Cristo”.(4)
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_______________ 3. No grego, essa palavra (querigma) significa “a coisa pregada”, a pregação dos primeiros cris tãos, o u m elhor, o co nju nto de c renças básic as p or eles defend idas e div ulg adas. 4. THEI SEN, Gerd; M ERZ, An nett e. O Jesu s hi st órico . São Pau lo : Lo yo la, 2002 . p. 31.
O trabalho de R. Bultmann (1884-1976), o mais destacado exegeta da Teologia Dialética, reflete o ceticismo histórico que tomou conta dos pesquisadores, após o colapso da pesquisa tradicional. Na sua concepção, o Cristianismo começa apenas com a Páscoa, razão pela qual conclui que o ensino de Jesus não é relevante para uma Teologia Cristã. Nessa abordagem, o Jesus histórico não é objeto nem fundamento da pregação neotestamentária, que se baseia exclusivamente no “Cristo” percebido e divulgado após o Pentecostes (Cristo Querigmático).(5) _______________ 5. O Cri sto retr atado na p reg ação do s ap óstol os e d os pr im eiro s cri stãos do Sé cu lo I.
A Quarta Fase da pesquisa, desenvolvida no círculo dos discípulos de Bultmann, propõe uma “nova pergunta” pelo Jesus histórico, buscando o elo entre a pregação póspascal dos apóstolos e a pregação do próprio Jesus. Enquanto a “antiga pergunta” (Teologia Liberal) contrapunha Jesus à pregação da Igreja, a “nova pergunta” procura harmonizar esses dois elementos. No se lugar da reconstrução crítico-literária fontes, metodologia Teologia Dialética concentra na comparação entre adas história dasa religiões e ada história da tradição evangélica. Nesse contexto, assume papel relevante o intitulado “critério da diferença”, segundo o qual, para se reconstruir um mínimo de tradição autêntica sobre Jesus, torna-se necessário excluir tudo que possa ser derivado tanto do Judaísmo quanto da pregação apostólica, na busca da voz “srcinal” do Cristo. Na opinião dos estudiosos do tema: [...] com o fim da escola bultmaniana ficaram cada vez mais evidentes as arbitrariedades da “nova pergunta” pelo Jesus histórico. Ela era basicamente determinada pelo interesse teológico de fundamentar a identidade cristã ao distingui-la do judaísmo e de garanti-la ao separá-la de heresias cristãs primitivas (como a gnose e o entusiasmo carismático). Por isso ela deu preferência a fontes ortodoxas e canônicas.(6) _______________ 6. THEI SEN, Gerd; M ERZ, An nett e. O Jesu s hi st órico . São Pau lo : Lo yo la, 2002 . p. 28.
Assim, o esforço para minimizar os contornos judaicos da mensagem cristã constitui o aspecto problemático dessa abordagem, já que favoreceu o anti-semitismo, desfigurando o pano de fundo histórico dos evangelhos para torná-lo mais palatável aos existencialistas. A Quinta Fase da pesquisa, também conhecida como terceira busca (Third Quest), que se desenvolveu, sobretudo, nos países de fala inglesa, procura superar essas idiossincrasias. Nela, o interesse histórico-social substitui o interesse teológico, ao passo que a inserção de Jesus no Judaísmo substituiu o interesse de separá-lo das suas bases históricas e sociais. Há, também, maior abertura a fontes não-canônicas (em parte heréticas), tais como os apócrifos. Em suma, munidos dos novos instrumentos da pesquisa hodierna, tais como história antiga, crítica literária, crítica textual, filologia, papirologia, arqueologia, geografia, religião comparada, os atuais pesquisadores tentam reconstruir o ambiente sociocultural de Jesus, de modo a experimentar o efeito que as palavras do Mestre produziram nos ouvintes da sua época. Nesse esforço, procura-se evitar juízos preconcebidos, premissas rígidas, preconceitos étnicos, deixando que a mensagem se estabeleça ainda que contrariamente
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às expectativas dos crentes atuais. No entanto, ao montar o quebra--cabeça da história do Cristianismo Primitivo com as escassas peças disponíveis, nem sempre é possível ao pesquisador humano dispensar certa dose de imaginação. Na avaliação de Gerd Theisen: [...] todas as descrições de Jesus contêm um elemento construtivo que vai além dos dados contidos nas fontes. A imaginação histórica cria com suas hipóteses uma “aura de ficcionalidade” em torno da figura de Jesus, assim como a imaginação religiosa do Cristianismo Pois tanto como atua uma grande acesa pela mesma primitivo. figura histórica. Em aqui ambos os lá casos, ela opera deforça formaimaginativa, aberta: símbolos religiosos, imagens e mitos permitem sempre nova interpretação, hipóteses históricas permitem sempre nova correção. Neste processo, nem a construção religiosa, nem a reconstrução histórica da história de Jesus procede com arbitrariedade, mas com base em convicções axiomáticas. A imaginação religiosa do cristianismo primitivo é conduzida pela sólida crença de que por meio de Jesus é possível fazer contato com Deus, a realidade última. A imaginação histórica é determinada pelas convicções básicas da consciência histórica: todas as fontes se srcinam de seres humanos falíveis e devem, portanto, ser submetidas à crítica histórica .(7) _______________ 7. THEI SEN, Gerd; M ERZ, An nett e. O Jesu s hi st órico . São Pau lo : Lo yo la, 2002 . p. 31.
O espírita-cristão, abençoado pela revelação dos Espíritos superiores, especialmente na produção mediúnica de Francisco Cândido Xavier, conta com um elemento precioso, muitas vezes negligenciado. Os romances do Benfeitor Emmanuel constituem detalhado processo de reconstrução dos três primeiros séculos do Cristianismo. Nesses romances, alguns dados da pesquisa histórica puramente humana são confirmados, todavia, muitas retificações são feitas, de forma sutil. Exige-se do leitor exame cuidadoso, sob pena de serem divulgadas informações espiritualmente incorretas, apenas porque determinado pesquisador encarnado as defenda em suas obras. Nesse sentido, é valiosa a advertência de Emmanuel: [...] Hipóteses incontáveis foram aventadas, mas os sábios materialistas, no estudo das ideias religiosas, não puderam sentir que a intuição está acima da razão e, ainda uma vez, falharam, em sua maioria, na exposição dos princípios e na apresentação das grandes figuras do Cristianismo. [...] É que, portas a dentro do coração, só a essência deve prevalecer para as almas e, em se tratando das conquistas sublimadas da fé, a intuição tem de marchar à frente da razão, preludiando generosos e definitivos conhecimentos.(8) _______________ 8. XAVIER , Francis co Când ido . A c amin ho da lu z. Pe lo Es pírito Emm anuel. 36. e d. Rio d e Janeiro: FEB, 2007. Cap. XIV, item “A redação dos textos definitivos”, p. 124-125.
Vê-se que a proposta da Espiritualidade superior reside na conjugação da Razão e da Fé, razão pela qual, antes de iniciarmos nosso estudo da “História Apostólica”, à luz da obra Paulo e Estêvão, decidimos fazer um histórico da pesquisa acadêmica, a fim de evitar, ou pelo menos conhecer, as extravagâncias e equívocos de seus expositores.
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6 - Cristianismo Redivivo
“Não podemos conhecer o Jesus ‘real’ através da pesquisa histórica, quer isto signifique sua realidade total ou apenas um quadro biográfico razoavelmente completo. No entanto podemos conhecer o ‘Jesus histórico’. Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica.”(1) _______________ 1. M EI ER, Joh n P. Um jud eu m arginal: repensando o Imag o, 1993. p. 35.
Jesus h istóri co. 3. e d. Rio de Janeiro:
HAROLDO DUTRA DIAS
Um longo itinerário foi percorrido para que pudéssemos resumir as fases da pesquisa histórica sobre o Cristianismo, antes de compará-la com o material revelado pela Espiritualidade superior. Novamente, utilizamos como epígrafe a citação do historiador John P. Meier, professor na Universidade Católica de Washington D. C., considerado um dos mais eminentes pesquisadores bíblicos de sua geração. Ao estabelecer os limites da ciência e da investigação humanas, ele adverte: Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos “resgatar” e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica. A atitude de prudência e humildade esboçada por esse autor, favorece o diálogo com a Doutrina Espírita que, por sua vez, oferece subsídios valiosos, inacessíveis aos “instrumentos científicos moderna pesquisa histórica”. Não se trata de sobrepujar a Ciência, desprezar suasdaconclusões, numa atitude mística incompatível com a fé raciocinada. O desafio é “complementar”, “unir”, “dialogar”, onde ambas as partes estão dispostas a ouvir e a falar, sem submissão ou subserviência. Doravante, destacaremos a contribuição oferecida pela revelação espiritual no equacionamento de graves problemas relativos à história de Jesus, dos seus seguidores diretos, e do Cristianismo, de modo geral, visando à apropriação, com maior segurança e legitimidade, da essência da Boa Nova, alicerce de todas as propostas de renovação veiculadas pela Doutrina dos Espíritos. Nessa linha de raciocínio, somos inevitavelmente levados a indagar: Quem é Jesus na visão da Espiritualidade superior? A resposta, em O Livro dos Espíritos, é sobejamente conhecida, mas ainda nos convida a profundas reflexões: 625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?
“Jesus.” Para o homem, Jesus representa o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no lo oferece como o mais perfeito modelo, e a doutrina que ensinou é a mais pura expressão de sua lei, porque,
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sendo Jesus o ser mais puro que já apareceu na Terra, o Espírito Divino o animava. Se alguns dos que pretenderam instruir o homem na lei de Deus, algumas vezes o desencaminharam, ensinando-lhe falsos princípios, foi porque se deixaram dominar por sentimentos demasiado terrenos e porque confundiram as leis que regulam as condições da vida da alma, com as que regem a vida do corpo. Muitos deles apresentaram como leis divinas o que eram simples leis humanas, para servir às paixões e para dominar os homens. (Comentário de Kardec.)criadas (2) _______________ 2. KA RDEC, Al lan. O l ivr o do s es pírito s. Ed ição Co m em or ativ a do Sesq uic ent enário . Rio d e Janeiro : FEB, 2007.
O Benfeitor Emmanuel, por sua vez, enriqueceu nossos estudos com surpreendentes informações sobre o papel desempenhado por Jesus na condução dos destinos humanos: Rezam as tradições do mundo espiritual que na direção de todos os fenômenos, do nosso sistema, existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida de todas as coletividades planetárias. Essa Comunidade de angélicos é Jesus dos membros quea nosseres foi dado saber,e perfeitos, apenas jádasequal reuniu, nasum proximidades dadivinos, Terra, ao para solução de problemas decisivos da organização e da direção do nosso planeta, por duas vezes no curso dos milênios conhecidos.
Espíritos puros: Superioridade intelectual e moral absoluta A primeira, verificou-se quando o orbe terrestre se desprendia da nebulosa solar, a fim de que se lançassem, no Tempo e no Espaço, as balizas do nosso sistema cosmogônico e os pródromos da vida na matéria em ignição, do planeta, e a segunda, quando se decidia a vinda do Senhor à face da Terra, trazendo à família humana a lição imortal do seu Evangelho de amor e redenção.(3) _______________ 3. XAVIER , Francisc o C. A cam inh o d a luz. Pelo Espí rito Emm anuel. 36. ed. Rio d e Janeiro: FEB, 2007. Cap. I , item A Com un idade d os Espírito s Pu ros , p. 17.
Diante do assombro dessas revelações de Emmanuel, resta-nos indagar o que são Espíritos puros. A informação é encontrada em O Livro dos Espíritos, nas respostas dadas pelos benfeitores espirituais a Allan Kardec, nas seguintes questões: CARACTERÍSTICAS GERAIS – Nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta, com relação aos Espíritos das outras ordens. 113. Primeira classe. Classe única . Percorreram todos os graus da escala [ver questões 100 e seguintes] e se despojaram de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm que sofrer mais provas, nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus. .................................................................................. 112.
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128. Os seres que chamamos anjos, arcanjos, serafins, formam uma categoria especial, de natureza diferente da dos outros Espíritos?
“Não; são os Espíritos puros: os que se acham no mais alto grau da escala e reúnem todas as perfeições.” .................................................................................. 170. Em que se transforma o Espírito depois da sua última encarnação? “Em Espírito bem-aventurado; em Espírito puro.”(4)
_______________ 4. KA RDEC, Al lan. O l
ivr o do s espírit os . Edição Co m em or ativ a do Sesq uic ent enário . Rio d e
Janeiro : FEB, 2007.
É forçoso concluir, com o professor John P. Meier, que os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica não são capazes de nos mostrar o “Jesus real”. Talvez seja essa a razão pela qual os historiadores, como demonstrado nos artigos anteriores, acabam por apresentar uma imagem distorcida de Jesus. Jesus é o Governador Espiritual do Planeta, em cujas mãos repousam os destinos de toda a humanidade terrena. A tentativa de reduzir o Mestre aos parâmetros estritamente humanos decorre da visão materialista da maioria dos pesquisadores. É nesse ponto que a revelação espiritual pode contribuir para a reconstituição do “Jesus real”, restabelecendo a legítima compreensão do Cristianismo. Emmanuel destaca a relevância da atuação do Mestre, a pujança da sua influência, no que diz respeito aos rumos do progresso terrestre. Encerramos este artigo com mais uma notável citação desse Espírito, que descortina detalhes do Governo espiritual do Cristo: Vê-se, então, o fio inquebrantável que sustenta os séculos das experiências terrestres, reunindo-as, harmoniosamente, umas às outras, a fim de que constituam o tesouro imortal da alma humana em sua gloriosa ascensão para o Infinito. .................................................................................. Na tela mágica dos nossos estudos, destacam-se esses missionários que o mundo muitas vezes crucificou na incompreensão das almas vulgares, mas, em tudo e sobre todos, irradia-se a luz desse fio de espiritualidade que diviniza a matéria, encadeando o trabalho das civilizações, e, mais acima, ofuscando o “écran” das nossas observações e dos nossos estudos, vemos a fonte de extraordinária luz, de onde parte o primeiro ponto geométrico desse fio de vida e de harmonia, que equilibra e satura toda a Terra numa apoteose de movimento e divinas claridades. Nossos pobres olhos não podem divisar particularidades nesse deslumbramento, mas sabemos que o fio da luz e da vida está nas suas mãos. É Ele quem sustenta todos os elementos ativos e passivos da existência planetária. No seu coração augusto e misericordioso está o Verbo do princípio. Um sopro de sua vontade pode renovar todas as coisas, e um gesto seu pode transformar a fisionomia de todos os horizontes terrestres.(5) _______________ 5. XAVIER, F rancis co
C. A cam inh o d a luz. Pelo Espí rito Em m anuel. 36. ed. Rio de Jan eiro:
FEB, 2007. “Introdução”, p. 14-15.
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7 - Cristianismo Redivivo
“Acredita-me, mulher, vem a hora em que nem nesta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai [...] Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade.”(1) _______________ 1. B íbl ia d e J eru s alé m . 3. ed . São Pau lo : P A UL US, 2 004. J oão , 4: 21-24 , p . 185 1.
HAROLDO DUTRA DIAS
A passagem acima citada diz respeito ao encontro da mulher de Samaria com Jesus. A (Samaria) samaritanaou, indaga quanto ao local de adoração a Deus,lhe se responde, no monte Gerazim ao contrário, noverdadeiro monte Sião (Jerusalém). O Mestre todavia, que os verdadeiros adoradores adoram a Deus em espírito e verdade, não em pontos geográficos fixos. Com o Cristo, transportam-se as montanhas sagradas, da tradição bíblica, para o interior da alma. Assim, haverá um santuário espiritual erguido ao Criador em todos os lugares da Terra onde estiver presente um espírito sincero e fervoroso, visto que a adoração terá lugar portas adentro do coração. A fé transporta montanhas. Mudando o enfoque, urge reconhecer que a edificação do “Reino de Deus” representa verdadeira obra divina a desdobrar--se, também, no coração dos seres. No entanto, não raro, exige trabalhos ingentes, inúmeros sacrifícios e lutas acerbas, decorrentes do esforço de superação das nossas deficiências íntimas. Desse modo, com o propósito de debelar o pessimismo, o desânimo, a incerteza, a hesitação, Jesus nos ensina que: “[...] se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta montanha: transporta-te daqui para lá, e ela se transportará, e nada vos será impossível”.(2) _______________ 2. I dem , ibid em. Mateu s, 17: 20, p. 1 735.
A fé “é força que nasce com a própria alma, certeza instintiva na Sabedoria de Deus que é a sabedoria da própria vida [...]”,(3) não obstante as adversidades de cada dia. Consoante o ensino de Emmanuel: _______________ 3. XAVIER, Francis co C. Pensamen to e vida. Pelo Jan eiro : FEB , 2006 . Cap. 6 , p. 32.
Espírito Emm anuel. 17. ed. Rio de
Ter fé é guardar no coração a luminosa certeza em Deus, certeza que ultrapassou o âmbito da crença religiosa, fazendo o coração repousar numa energia constante de realização divina da personalidade. Conseguir a fé é alcançar a possibilidade de não mais dizer: “eu creio”, mas afirmar: “eu sei”, com todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento.
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Essa fé não pode estagnar em nenhuma circunstância da vida e sabe trabalhar sempre, intensificando a amplitude de sua iluminação, pela dor ou pela responsabilidade, pelo esforço e pelo dever cumprido. Traduzindo a certeza na assistência de Deus, ela exprime a confiança que sabe enfrentar todas as lutas e problemas, com a luz divina no coração, e significa a humildade redentora que edifica no íntimo do espírito a disposição sincera do discípulo, relativamente ao “faça-se no escravo a vontade do Senhor”.(4) _______________ 4. XAVIER , Francisc o C. O co nso lador . Pelo Espí rito Emm anuel. 27. ed. Rio d e Janeiro: FEB , 2007. Qu es tão 354 .
Sensível aos desafios que o progresso espiritual apresenta, Allan Kardec asseverou: [...] As montanhas que a fé desloca são as dificuldades, as resistências, a má vontade, em suma, com que se depara da parte dos homens, ainda quando se trate das melhores coisas. Os preconceitos da rotina, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo e as paixões orgulhosas são outras tantas montanhas que barram o caminho a quem trabalha pelo progresso da Humanidade.[...] (5) _______________ 5. KA RDEC, Allan . O E vang
elho s egun do o Espir itism o. 127 . ed. Rio de Janeiro
: FEB, 20 07.
Cap. XIX, item 2.
A fé transporta montanhas. Noutro giro, consultando o dicionário constata-se que o vocábulo “fé” cobre um amplo espectro de significados, tais como: “[...] confiança absoluta (em alguém ou algo); [...] crédito, [credibilidade] (um homem digno de fé); [...] asseveração, afirmação, comprovação de algum fato; [...] compromisso assumido de ser fiel à palavra dada, de cumprir exatamente o que se prometeu”. (6) (Destaque do autor.) _______________ 6. HOUAISS, An tônio; VILLA R, Mauro de Salles; FRA NCO, Francisc o M. M. Dicio nário Hou aiss da líng ua p ort ug ues a. 2. ed. Rio de Jan eiro : OBJ ETIVA, 2007. p. 1317.
A palavra “fé” é utilizada para traduzir, na Bíblia hebraica ( Velho Testamento), o radical “aman” (confirmar, sustentar; estabelecer-se; ser fiel; estar certo, crer em), bem como os seus derivados, em especial, os termos “omen” (verdade, fidelidade) e “emuna” (firmeza, fidelidade). Vê-se que, no âmago dos significados dessa raiz, está a idéia de certeza, mas também o sentido de “ser fiel” (2 Crônicas 19:9). Por sua vez, no Novo Testamento, utiliza-se o vocábulo “fé” para traduzir a expressão grega (7) “pistis” (fé, confiança depositada nas pessoas ou nos deuses), e especialmente seu derivado “to piston” (confiabilidade ou fidelidade daqueles que se obrigam por um contrato). _______________ 7. T odos os m anuscritos do Novo Testamento, encon trados e catalogados atéo p resente m om ento , estão red igid os n a líng ua gr ega, excetu and o-s e os m anu sc rit os r eferent es às div ersas t radu ções dess e m esmo texto.
Nesse ponto, Humberto de Campos vem em nosso socorro, reproduzindo belíssimo diálogo de Jesus com os discípulos:
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– Na causa de Deus, a fidelidade deve ser uma das primeiras virtudes. Onde o filho e o pai que não desejam estabelecer, como ideal de união, a confiança integral e recíproca? Nós não podemos duvidar da fidelidade do nosso Pai para conosco. Sua dedicação nos cerca os espíritos, desde o primeiro dia. Ainda não o conhecíamos e já Ele nos amava. E, acaso, poderemos desdenhar a possibilidade de retribuição? Não seria repudiarmos o título de filhos amorosos, o fato de nos deixarmos absorver no afastamento, favorecendo a negação? .................................................................................. [...] É certo que as forças destruidoras reclamarão a indiferença e a submissão do filho de Deus; mas, o filho de coração fiel a seu Pai se lança ao trabalho com perseverança e boa vontade. Entrará em luta silenciosa com o meio, sofrer-lhe-á os tormentos com heroísmo espiritual, por amor do Reino que traz no coração plantará uma flor onde haja um espinho; abrirá uma senda, embora estreita, onde estejam em confusão os parasitos da Terra; cavará pacientemente, buscando as entranhas do solo, para que surja uma gota d’água onde queime um deserto. Do íntimo desse trabalhador brotará sempre um cântico de alegria, porque Deus o ama e segue com atenção.(8) _______________ 8. XAVIER, Francis co C. B oa n ova. Pelo Es pírito Hum berto de Camp os. 3. ed. especial. Rio de J aneir o: FEB, 2007. Cap. 6, p. 49 -50 e 53- 54.
Munidos de fé sincera estaremos em condições de atravessar esses difíceis momentos de transição do orbe terrestre, bem como triunfar nas provas e expiações, rumo à iluminação espiritual. É preciso procurar “[...] as águas vivas da prece para lenir o coração, mas não nos esqueçamos de acionar os nossos sentimentos, raciocínios e braços, no progresso e aperfeiçoamento de nós mesmos, de todos e de tudo, compreendendo que Jesus reclama obreiros diligentes para a edificação de seu Reino em toda a Terra”.(9) _______________ 9. XAVIER , Francisc o C. Fon te viv a. Pe lo Es pírito Emm anuel. 36. e d. Rio d e Janeiro : FEB, 2007. Cap . 69, p. 180-181.
A fé transporta montanhas.
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8 - Cristianismo Redivivo
“[...] Que providências adotar contra o desânimo destruidor? – Espera! – disse ela [Abigail] ainda, num gesto de terna solicitude, como quem desejava esclarecer que a alma deve estar pronta a atender ao programa divino, em qualquer circunstância, extreme de caprichos pessoais. Ouvindo-a, Saulo considerou que a esperança fora sempre a companheira dos seus dias mais ásperos. Saberia aguardar o porvir com as bênçãos do Altíssimo. [...]”(1) _______________ 1. XAV IER, Franc isc o Când id o. Pau lo e Es têvão. Pel o Esp írito Em m anu el. 44. ed. Rio Jan eiro : FEB , 2007 . Segun da Part e, cap. II I, p. 381-382 .
de
HAROLDO DUTRA DIAS
O Apóstolo dos gentios nunca perdeu o ensejo de exaltar as virtudes cristãs nas inúmeras cartas que dirigiu às comunidades do Cristianismo nascente. Recordando-se, talvez, das lições recebidas de sua noiva espiritual, Abigail, sempre manteve o firme propósito de debelar o pessimismo e o desânimo, conservando e semeando a esperança, mesmo no curso de dolorosas provações. Em meio a açoites, calúnias, perseguições, naufrágios, prisões e padecimentos físicos, o Apóstolo sempre encontrava a palavra de bom ânimo. As inspiradas exortações de Paulo se tornaram célebres: [...] permaneçamos sóbrios, revestidos com a couraça da fé e do amor, e com o capacete da esperança.(2) _______________ 2. Bíbli a do pereg rin o. São Paulo : PA ULUS, 2002. I Tess
alon icen ses, 5: 8, p. 2841.
O que se escreveu então foi para a nossa instrução, para que pela paciência e consolação da Escritura tenhamos esperança.(3) _______________ 3. Bíbli a do pereg rin o. São Paulo : PA ULUS, 2002. Rom ano s, 15:4, p. 2732.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, e a caridade. [...](4) _______________ 4. B íb lia sagrada. Revista e Atualizada. Traduzida por João Ferreira de Almeida. 2. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. I Coríntios, 13:13, p. 1232.
A palavra portuguesa “esperança”, encontrada nessas passagens, é uma tradução do vocábulo grego elpis (esperança, expectativa), substantivo derivado do verbo elpidzo (esperar, ter esperança, prever). Não é difícil perceber que a esperança é luz espiritual que “[...] vem de cima, à maneira do Sol que ilumina do alto e alimenta as sementeiras novas, desperta propósitos diferentes, cria modificações redentoras e descerra visões mais altas”.(5) _______________
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5. XAVIER, Fran cis co Câ nd id o. Vinh a de luz. Pelo Esp írito Emm anu el. 17. ed. Rio de Jan eiro : FEB , 2008. Cap. 75, p. 173- 174.
É, no mínimo, curiosa a metáfora utilizada por Paulo de Tarso, quando compara a esperança a um capacete, ao lado da fé e do amor no papel de couraça, já que esta indumentária é típica de um guerreiro. Consoante o ensino de Emmanuel: O capacete é a defesa da cabeça em que a vida situa a sede de manifestação do pensamento e Paulo não podia lembrar outro símbolo mais adequado à vestidura do cérebro cristão, além do capacete da esperança na salvação. Se o sentimento, muitas vezes, está sujeito aos ataques da cólera violenta, o raciocínio, em muitas ocasiões, sofre o assédio do desânimo, à frente da luta pela vitória do bem, que não pode esmorecer em tempo algum. Raios anestesiantes são desfechados sobre o ânimo dos aprendizes por todas as forças contrárias ao Evangelho salvador. Por isso mesmo, talvez, o apóstolo não se refere à touca protetora. Chapéu, quase sempre, indica passeio, descanso, lazer, quando não defina convenção no traje exterior, de acordo com a moda estabelecida. Capacete, porém, é indumentária esforço, defensiva. E o discípulo de Jesus é um combatente efetivo contradeo luta, mal, que não dispõe de muito tempo para cogitar de si mesmo, nem pode exigir demasiado repouso, quando sabe que o próprio Mestre permanece em trabalho ativo e edificante.(6) _______________ 6. XAVIER, F ranci sco Când ido . Fonte viva. Pelo Espírito Emm anuel. 36. ed. Rio d FEB , 2007. Cap. 94, p. 243-245.
e Janeiro :
Allan Kardec, com extrema sensibilidade, ao organizar os capítulos do livro O Evangelho segundo o Espiritismo, selecionou belíssima comunicação de “Um Espírito amigo”, que assevera: A vida é difícil, bem o sei. Compõe-se de mil nadas, que são outras tantas picadas de alfinetes, mas que acabam por ferir. Se, porém, atentarmos nos deveres que nos são impostos, nas consolações e compensações que, por outro lado, recebemos, havemos de reconhecer que são as bênçãos muito mais numerosas do que as dores. O fardo parece bem menos pesado, quando se olha para o alto, do que quando se curva para a terra a fronte. Coragem, amigos! Tendes no Cristo o vosso modelo. [...] (7) _______________ 7. KA RDEC, Allan . O evangelh o segu nd o o esp iritism o. 127 . ed. R io de Janeiro : FEB, 2 007 . Cap. IX, item 7, p. 180-181.
Para bem compreendermos as virtudes do Cristo, necessitamos estudá-lo nos momentos de adversidade. Já foi dito alhures que ninguém passa pela última prova do seu caráter enquanto não sofre. A vinda do Mestre ao Orbe se deu em época de recenseamento, obrigando seus pais a longo deslocamento, não obstante a gravidez adiantada de Maria. Não havia lugar para Ele. Sua única estalagem foi a manjedoura humilde. Tão logo é anunciado seu nascimento, o rei Herodes determina sua morte. Conserva--se na casa simples de Nazaré, por longo tempo, em trabalho ativo na carpintaria do pai.
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Inicia seu ministério na Galiléia, região rural, repleta de homens simples e rústicos, pescadores e lavradores, gente humilde e sofrida, calejada pelo tempo e pelo trabalho árduo. Não há maior teste à paciência de um artista do que ser obrigado a utilizar instrumentos demasiadamente grosseiros à expressão do seu ideal, incompatíveis com o seu talento e apuro. No entanto, na edificação do Reino Divino, os ignorantes do mundo, os fracos, os sofredores, os desalentados, os doentes e os pecadores seriam, nas mãos do Embaixador material de base, semelhante a formoso mármore, destinado à eterna e sublimeCeleste, construção. Seus companheiros de ideal, apóstolos e discípulos, mal conseguem entender a grandeza da sua missão, perdendo-se em querelas sobre qual deles seria o maior, entregando-se ao fermento da discórdia e da traição, como no caso de Judas, abandonando o Mestre no momento mais áspero do testemunho. Nos derradeiros instantes da sua missão divina, despede-se do mundo em meio a zombarias, acusações, ingratidão dos beneficiários, abandono dos amigos e seguidores, açoites e martírios. Suas últimas palavras, no entanto, são filhas do perdão incondicional e da inabalável esperança na vitória final do bem. Toda a vida do Mestre é um cântico de esperança, a despeito das dificuldades enfrentadas. Nesse ponto, confirmando o otimismo e a esperança do Cristo, Humberto de Campos nos brinda, reproduzindo a exortação de Jesus ao discípulo Bartolomeu, conhecido pelo seu temperamento grave e sensível, porém, profundamente triste: – A nossa doutrina, entretanto, é a do Evangelho ou da Boa Nova e já viste, Bartolomeu, uma boa notícia não produzir alegria? Fazes bem, conservando a tua esperança em face dos novos ensinamentos; mas, não quero senão acender o bom ânimo no espírito dos meus discípulos. Se já tive ocasião de ensinar que o meu Reino ainda não é deste mundo, isso não quer dizer que eu desdenhe o trabalho de estendê-lo, um dia, aos corações que mourejam na Terra. Achas, então, que eu teria vindo a este mundo, sem essa certeza confortadora? [...] .................................................................................. – A vida terrestre é uma estrada pedregosa, que conduz aos braços amorosos de Deus. O trabalho é a marcha. A luta comum é a caminhada de cada dia. Os instantes deliciosos da manhã e as horas noturnas de serenidade são os pontos de repouso; mas, ouve-me bem: na atividade ou no descanso físico, a oportunidade de uma hora, de uma leve ação, de uma palavra humilde, é o convite de nosso Pai para que semeemos as suas bênçãos sacrossantas. [...] .................................................................................. [...] O Evangelho não poderia reclamar estados especiais de seus discípulos; porém, é preciso considerar que a alegria, a coragem e a esperança devem ser traços constantes de suas atividades em cada dia. Por que nos firmarmos no pesadelo de uma hora, se conhecemos a realidade gloriosa da eternidade com o nosso Pai? (8) _______________ 8. XAVIER,
Francis co Când ido . Bo a nov a. Pelo Espí rito Hum berto
de Cam po s. 3. ed.
esp ecial. Rio d e Janeir o: FEB , 20 07. Cap. 8, p. 66-68.
Agora, portanto, permaneça a esperança em nossos corações.
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9 - Cristianismo Redivivo
“Para quem está familiarizado com a história antiga, não deve ser motivo de perturbação o fato de que as principais datas na vida de Jesus sejam apenas aproximadas. [...] Na verdade, as datas de nascimento até mesmo de alguns imperadores romanos não são certas [...].”(1) _______________ 1. ME IER , John P. U m judeu m arginal: repensando o Imag o, 1993. p. 367.
Jesus histórico. 3 . e d. Rio de Janeiro:
HAROLDO DUTRA DIAS
No prólogo deste artigo há uma citação do historiador John P. Meier, professor na Universidade Católica de Washington D. C., considerado um dos mais eminentes pesquisadores bíblicos de sua geração. Ao estabelecer os limites da ciência e da investigação humanas, ele adverte: “Por Jesus da história, refiro-me ao Jesus que podemos ‘resgatar’ e examinar utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”.(2) _______________ 2. Idem, ibidem. p. 35.
A pesquisa histórica baseia-se em fontes (documentos, registros, inscrições, ossuários, obras de historiadores, achados arqueológicos) e adota métodos específicos, adequados ao tipo de fonte analisada, com vistas à interpretação consistente dos dados coletados. Por vezes, seja em razão da escassez dessas fontes, seja em decorrência da ausência de parâmetros na interpretação dos dados colhidos, somos obrigados a reconhecer a limitação dos “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica”. Nesse ponto, consideramos preciosa a contribuição dada pela Doutrina Espírita no equacionamento de graves questões. No caso da cronologia da vida de Jesus, é lícito concluir que a obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier supre inúmeras lacunas, impossíveis de serem transpostas sem o auxílio da revelação espiritual, tendo em vista as limitações da historiografia. Os dados cronológicos mais importantes da vida de Jesus encontram-se nas narrativas da infância (Mateus, 2; Lucas, 1:5, 2:1-40) e nas narrativas da paixão (Mateus, 26-27; Marcos, 14-15; Lucas, 21--23; João, 13-19). Outros dados relevantes podem ser encontrados nos evangelhos de Lucas e João (Lc., 3:1-2 e 23; Jo., 2:20). Os historiadores do Cristianismo, porém, chamam a atenção para o fato de que os Evangelhos não são essencialmente obras de história, no sentido atual da palavra. Os Evangelistas não pretendiam produzir uma biografia completa ou mesmo um sumário da vida de Jesus. Ao contrário, escreveram com a finalidade de transmitir o ensino do Mestre, os fatos principais da sua vida, de modo a legar à posteridade o testemunho da fé.
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Nesse sentido, é justo considerar que os Evangelistas organizaram o material da tradição (oral e/ou escrita) de acordo com um propósito redacional. Compilaram e organizaram as narrativas sem se preocuparem com a ordem histórica dos acontecimentos. É o que nos demonstra o pesquisador norte-americano: [...] Tais compilações ainda são visíveis em Marcos: por exemplo, as passagens polêmicas localizadas no início do ministério de Jesus na Galiléia (2:1; 3:6), em contraposição a outra12:34); série de passagens semelhantes já de em milagres Jerusalém, ao final do ministério (11:27; uma seção central de relatos e palavras de Jesus, agrupados pela palavra--chave “pão” (6:6; 8:21) e uma coletânea de parábolas (4:1; 34). Não há motivo para considerarmos essas compilações como tendo preservado a inviolável ordem cronológica dos eventos, especialmente porque Mateus e Lucas não o fizeram. Mateus, por exemplo, reordena livremente os relatos de milagres que aparecem em Marcos, para criar um grupo conciso de nove relatos divididos em três grupos intercalados por material de “enchimento” (Mateus, 8-9). O grande Sermão da Montanha, em Mateus, reaparece, em parte, em Lucas como o Sermão da Planície, menor que o outro (ambos como tendo ocorrido na Galiléia) e, parcialmente, em material espalhado por todo o longo relato da jornada final de Jesus até Jerusalém, em Lucas, 9:51; 19:27 [...]”.(3) _______________ 3. ME IER , John P. U m judeu m arginal: repensando o Imag o, 1993. p. 50-51.
Jesus histórico. 3 . e d. Rio de Janeiro:
Por outro lado, seria temerário acusar os Evangelistas de terem distorcido os fatos para adequá-los a propósitos teológicos. Nesse caso, vale lembrar que escreveram para contemporâneos, muitos deles testemunhas oculares dos fatos narrados, razão pela qual não se justifica o ceticismo exagerado com relação aos dados contidos nos Evangelhos. Deve ser encontrada uma posição de equilíbrio que prime pela fé raciocinada. Assim, considerando o relato dos Evangelistas, pode-se afirmar que Jesus nasceu no tempo do imperador Augusto (37 a.C.-14 d. C.), antes da morte de Herodes, o Grande. No ano 525 d.C., o papa João I (470-526 d.C.) pediu a Dionísio (4) que elaborasse um calendário com o cálculo dos ciclos pascais, as datas futuras da Páscoa. Frei Dionísio, além de elaborar uma efeméride pascal, estabeleceu um novo calendário, em oposição ao sistema alexandrino, da era diocleciana, fixando a data do nascimento de Jesus em 25 de dezembro de 753 A.U.C.,(5) declarando 1º de janeiro de 754 A.U.C. como o início do primeiro ano da Era Cristã, o “Anno Domini” (Ano do Senhor). _______________ 4. Dio ny siu s Exig uu s (470-540
d.C.) nas ceu n a Scyt hia Men or (Ro m ênia/B ulg ária), transferindo-se para Roma po r vo lta do ano 500 d.C. , onde se tor nou tradutor de inú meras ob ras d a Igreja Roman a, impo rtantes p ara o d ireito c anô nico , além de ter elabo rado a tabela com as datas da Pá sco a. Todavia, seu no me entr ou p ara a his tória por ser o c riado r do
“Anno Domini”, alterando o calendário da época. 5. A.U.C. (Ann o Urbis Cond itae) – A no da fu nd ação d a cid ade de Ro ma. Os his toriad ores fixam a data da f un dação d aquela ci dade n o ano 753 a. C., acolhen do os info rm es do historiador romano “Varrão”. É comum confundir-se a sigla A .U. C. com Ab Urbe Cond ita, títu lo d o li vr o d e Tito Lívio so br e a his tória d e Rom a.
Posteriormente, descobriu-se que a data estabelecida por Dionísio estava absolutamente equivocada, visto que fixava o nascimento de Jesus três anos após a morte de Herodes, o Grande. Para se encontrar a data da morte de Herodes, utilizou-se preciosa informação fornecida pelo historiador judeu Flávio Josefo (Antiguidades Judaicas, livro XVII, cap. 6, §
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4, item 167), segundo o qual teria ocorrido um eclipse lunar pouco antes do falecimento daquele monarca. Com base em cálculos astronômicos precisos, é possível afirmar que a morte daquele rei se deu por volta de março/abril do ano 750 A.U.C. (4 a.C.), logo após o referido eclipse. Desse modo, concluem os exegetas que Jesus, seguramente, nasceu antes do ano 4 a.C. (data da morte de Herodes, o Grande). Todavia, esses pesquisadores são unânimes em reconhecer a impossibilidade de se determinar o ano exato do nascimento de Jesus, base nas fontes históricas atualmente disponíveis. Os com “instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica” nos permitem chegar somente até esse ponto. É nesse momento que a revelação espiritual pode e deve ser conjugada com as pesquisas humanas, no intuito de resolver questões intricadas, mas extremamente relevantes para o estudo do Cristianismo Nascente. Nesse sentido, merece ser transcrito o extraordinário texto do Espírito Humberto de Campos, revelando a data do nascimento do Cristo: [...] o Senhor chamou o Discípulo Bem-Amado ao seu trono de jasmins matizado de estrelas. O vidente de Patmos não trazia o estigma da decrepitude, como nos seus últimos dias entre os espórades. Na sua fisionomia pairava aquela mesma candura adolescente que o caracterizava no princípio do apostolado. – João – disse-lhe o Mestre –, lembras-te do meu aparecimento na Terra? – Recordo-me, Senhor. Foi no ano 749 da era romana, apesar da arbitrariedade de Frei Dionísio, que, calculando no século VI da era cristã, colocou erradamente o vosso natalício em 754 .
– Não, meu João – retornou docemente o Senhor –, não é a questão cronológica que me interessa, ao te arguir sobre o passado. É que nessas suaves comemorações vem até mim o doce murmúrio das lembranças!... – Ah! sim, Mestre Amado – retrucou pressuroso o Discípulo –, compreendo-vos. Falais da significação moral do acontecimento. Oh!... se me lembro... a manjedoura, a estrela guiando os poderosos ao estábulo humilde, os cânticos harmoniosos dos pastores, a alegria ressoante dos inocentes, afigurando-se-nos que os animais vos compreendiam mais que os homens, aos quais ofertáveis a lição da humildade, com o tesouro da fé e da esperança.[...] (6) (Grifo nosso.) _______________ 6. XAVIER, Fr anc isc o Când ido . Crô ni cas de alé m -túm ulo . Pelo Esp írit o Hum ber to de Cam po s. 15. ed. Rio d e Janeir o: FEB , 2007 . Cap. 1 5, p. 89-90.
Assim, consoante a revelação espiritual, pelas mãos do respeitável médium Francisco Cândido Xavier, Jesus nasceu no ano 749 da era romana. Considerando que o primeiro ano do calendário gregoriano (Anno Domini – Ano 1), atualmente em vigor no mundo ocidental, corresponde ao ano 754 U.A.C. (ano da fundação de Roma), e tendo em vista que não há ano zero, nesse calendário, basta considerar a sequência 753 U.A.C. = 1 a.C.; 752 U.A.C. = 2 a.C.; 751 U.A.C. = 3 a.C.; 750 U.A.C. = 4 a.C. e 749 U.A.C. = 5 a.C. Desse modo, pode-se concluir que o nascimento do Mestre se deu no ano 5 a.C.
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10 - Cristianismo Redivivo
“As parábolas do Evangelho são como as sementes divinas que desabrochariam, mais tarde, em árvores de misericórdia e de sabedoria para a Humanidade.”(1) _______________ 1. XAVIER, Francis co Când ido . O co nso lador . Pelo Espí rito Emm anuel. 28. ed. Rio de Jan eir o: FEB , 2008. Qu est ão 290.
HAROLDO DUTRA DIAS
Uma das características mais marcantes do ensino de Jesus é a utilização, frequente e admirável, das parábolas. Muitas delas inspiraram poetas, artistas, moralistas, pensadores, e influenciam, até hoje, a linguagem cotidiana: o bom samaritano, esconder uma candeia, enterrar um talento... A interpretação das parábolas de Jesus, todavia, tem sido dificultada pela falsa compreensão da sua natureza. Que é uma parábola? Quais ditos de Jesus pertencem a essa categoria? Estamos diante de um método pedagógico que utiliza palavras ou textos simples, historinhas límpidas e de fácil compreensão para transmitir uma mensagem? A parábola é uma espécie de simplificação, clarificação, exemplificação? O vocábulo grego parabolé deriva do verbo “parabállein (colocar ao lado de; comparar)”, razão pela qual significa literalmente “(palavra) colocada ao lado de”. O sentido comum é de uma “justaposição, comparação, analogia, ilustração”. A noção ocidental de parabolé encontra-se em Aristóteles, na sua obra intitulada Retórica, II, XX, 2-4, com o sentido de justaposição, ou seja, colocação de uma coisa ao lado de outra com a finalidade de comparação, ilustração, indicação de casos paralelos ou análogos. Nesse tratado, o grande filósofo grego classifica as figuras de linguagem, formas específicas de discurso retórico, em: 1) Imagem (eikón); 2) Metáfora (metaphorá); 3) Comparação (homoiósis); 4) Parábola (parabolé); 5) História ilustrativa (parádeigma); 6) Alegoria (allegoría). Nesse quadro teórico, a parábola era vista como um recurso simples e convincente, destinado a iluminar o que estava obscuro, ajudando a platéia a compreender alguma coisa, quando lhe fosse difícil seguir uma longa série de raciocínios abstratos. Chegava-se a afirmar que uma parábola deve ser de mais fácil compreensão do que aquilo que pretende ilustrar, razão pela qual seria um erro, no uso desse recurso retórico, o emprego do desconhecido e do pouco familiar. Essa é a ideia que uma inteligência formada pelos métodos ocidentais de pensamento faz das parábolas da Bíblia. De fato, em alguns casos essa noção é adequada e suficiente. Existem parábolas nos Evangelhos queum podem ser tomadas como exemplos concretos destinados a ilustrar, esclarecer, iluminar princípio geral, como no caso da Parábola do Bom Samaritano (Lucas, 10:29-37). Todavia, o exame acurado das ocorrências do vocábulo parabolé no Novo Testamento revela as limitações e inconsistências desse modelo teórico grego quando aplicado a textos semítico--orientais da Palestina do primeiro século. Eis alguns exemplos:
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Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já os seus ramos se renovam e as folhas brotam, sabeis que está próximo o verão. (Mateus, 24:32.) Disse-lhes Jesus: Sem dúvida, citar-me-eis esta parábola: Médico, cura-te a ti mesmo; tudo o que ouvimos ter-se dado em Cafarnaum, faze-o também aqui na tua terra. (Lucas, 4:23.) Também lhes disse uma parábola: Ninguém tira um pedaço nova e ào velha. põe em veste 5:36.) velha; pois rasgará a nova, e o remendo da nova de nãoveste se ajustará (Lucas, Propôs-lhes também uma parábola: Pode, porventura, um cego guiar a outro cego? Não cairão ambos no barranco? (Lucas, 6:39.) Então, lhes propôs Jesus esta parábola(2) Qual, dentre vós, é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la? (Lucas, 15:3-4.) _______________ 2. JEREM IAS , Jo ach im . As par ábo las de J esu s. Tr adu ção d e Jo ão Rezen de Co st a. 8. ed. São P aul o: Pau lu s, 1986. p . 13.
Nada homem que, penetrando o que há sai no do exterior homem,do isso é o que o torna impuro.nele, o possa tornar impuro; mas Se alguém tem ouvidos para ouvir ouça! E quando, ao deixar a multidão, entrou em casa, seus discípulos o interrogaram sobre a parábola. (Marcos, 7:15-17.) Essas passagens são suficientes para demonstrar que o uso do vocábulo parabolé nos Evangelhos se afasta sensivelmente do quadro teórico proposto pelos gregos. Isso se deve ao fato de que a palavra parabolé é regularmente utilizada na LXX (Septuaginta) (3) para traduzir o substantivo hebraico mashal, ou a expressão aramaica mathla. _______________ 3. A Sep tu agi nt a, tam bé m co nh eci da co m o V ers ão d os Seten ta (L XX), éa tr ad ução g reg a da bíbli a heb raic a, feita apro xim adam ente n o ano 200 a.C ., seg un do a tradi ção, po r d uzent os sábio s ju deu s. Ess a trad ução ex erc eu p ro fu nd a inf luênc ia no s au to res c ris tãos do pr im eiro sé culo , inclu sive n os Evangelis tas, qu e a utilizam co mo m od elo d e escrit a. Muitas cit ações do Velho Testament o, encon tradas n os Evan gelho s, são cópias qu ase perfeitas dessa trad u ção .
Na literatura hebraica, o termo mashal/mathla apresenta uma enorme variedade de significados. Os Evangelistas, não obstante utilizarem em seus escritos o idioma grego, operavam mentalmente com categorias semíticas, utilizando constantemente as mesmas expressões encontradas na tradução grega da bíblia hebraica (Septuaginta). Nesse ponto, merece destaque a lição do renomado exegeta bíblico Joachim Jeremias, em obra específica destinada ao tema: [...] O mashal hebraico e o mathla aramaico designava, mesmo no judaísmo pósbíblico, sem que se possa fazer um quadro esquemático, toda sorte de linguagem figurada: Parábola, comparação, alegoria, fábula, provérbio, revelação apocalíptica, dito enigmático, pseudônimo, símbolo, figura de ficção, exemplo (tipo), motivo, argumentação, apologia, objeção, piada. [...].(4) _______________
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4. JEREM IAS , Jo ach im . As par ábo las de J esu s. Tr adu ção d e Jo ão Rezen de Co st a. 8. ed. São P aul o: Pau lu s, 1986. p . 13.
Em resumo, a expressão parabolé assume no Novo Testamento o sentido de narrativa parabólica (Lucas, 10:29-37), comparação (Lucas, 5:36), de figura simbólica (Marcos, 13:28), provérbio ou máxima (Lucas, 4:23, 6:39), enigma (Marcos, 7:17), ou simples regra (Lucas, 14:7). Desse modo, deve ser entendida no sentido largo de mashal/mathla. Como salienta Jeremias, forçar essas passagens a se encaixarem no quadro das categorias da retórica grega seria “impor às parábolas de Jesus uma norma que lhes é estranha”.(5) _______________ 5. I dem , ibidem .
Na mesma linha, afirma o filósofo francês Paul Ricoeur: [...] A parábola não é um meio auxiliar de prova. Não há pensamento literal [...]. O erro inicial consiste em identificar o mashal da literatura hebraica com a parabolé da retórica grega que é, por sua vez, uma parte da lógica aristotélica [...]. O mashal hebraico liga diretamente a significação do que é dito com a disposição correspondente na esfera da existência humana […].(6) _______________ 6. RICOEUR, P aul . A her m enêut ic a bíbl ic a. São Pau lo : L oy ol a, 2006. TT6. p. 181.
Nesse sentido, é lícito concluir que, enquanto a parábola grega foi qualificada como figura de retórica, o mashal/mathla deve ser qualificado como “hermenêutico”, tendo em vista o trabalho de interpretação que ele requer para a sua exata compreensão. Na tarefa interpretativa dos ensinos de Jesus, contamos com a Doutrina Espírita, possibilitando-nos não somente a compreensão mas, sobretudo, propiciando terreno fértil para a vivência, para a exemplificação, consoante a advertência dos Espíritos superiores: Já que Jesus ensinou as verdadeiras leis de Deus, qual a utilidade do ensino dado pelos Espíritos? Terão eles mais alguma coisa a nos ensinar?
“Muitas vezes a palavra de Jesus era alegórica e em forma de parábolas, porque Ele falava de acordo com a época e os lugares. Agora, é preciso que a verdade seja inteligível para todos. É necessário explicar e desenvolver aquelas leis, já que pouquíssimos são os que as compreendem e menos ainda os que as praticam. [...].”(7) _______________ 7. KA RDEC, All an. O li vr o d os esp írito s. Trad ução d e Evan dr o No leto Bezerr a. Ed. Com em or ativa. Rio d e Janeir o: FEB , 2007. Ques tão 627.
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11 - Cristianismo Redivivo
“Para quem está familiarizado com a história antiga, não deve ser motivo de perturbação o fato de que as principais datas na vida de Jesus sejam apenas aproximadas. [...]”(1) _______________ 1. ME IER , John P. U m judeu m arginal: repensando o Imag o, 1993. p. 367.
Jesus histórico. 3 . e d. Rio de Janeiro:
HAROLDO DUTRA DIAS
Os dados cronológicos mais importantes da vida de Jesus encontram-se nas narrativas14-15; da infância (Mateus, Lucas,13-19). 1:5, 2:1-40) da Paixão (Mateus, 26-27; Marcos, Lucas, 21-23; 2;João, Outrose nas dados relevantes podem ser encontrados nos Evangelhos de Lucas e João (Lc., 3:1-2 e 23; Jo., 2:20). Os historiadores do Cristianismo, porém, chamam a atenção para o fato de que os Evangelhos não são essencialmente obras de história, no sentido atual da palavra. Os Evangelistas não pretendiam produzir uma biografia completa ou mesmo um sumário da vida de Jesus. Ao contrário, escreveram com a finalidade de transmitir o ensino do Mestre, os fatos principais da sua vida, de modo a legar à posteridade o testemunho da fé. Nesse sentido, é justo considerar que os Evangelistas organizaram o material da tradição (oral e/ou escrita) de acordo com um propósito redacional. Compilaram e organizaram as narrativas sem se preocuparem com a ordem histórica dos acontecimentos. em secom tratando de cronologiadedo Cristianismo Nascente, precisoAssim, contentar-se o estabelecimento intervalos temporais, dentro por dos vezes, quais háé maior probabilidade de ocorrência de determinado fato. As limitações das fontes históricas disponíveis justificam essa situação. Seguindo o relato dos Evangelistas, entre o nascimento de Jesus e o início de seu ministério público, houve um período de “cerca de trinta anos” (Lucas, 3:23). Considerando que seu nascimento se deu no outono/inverno do ano 5 a.C., (2) é possível estabelecer que sua missão pública entre os homens desenvolveu-se entre os anos 25 e 45 d.C. O intervalo é excessivamente extenso, e pode ser reduzido com base em outros dados. _______________ 2. Consultar o artigo intitulado “Nascimento de Jesus”, publicado na revista Reformador, de jun ho de 2008 , p.
Jesus foi crucificado quando Pôncio Pilatos era procurador da Judéia (TÁCITO, Anais, XV, 44; FLÁVIO JOSEFO, Antiguidades Judaicas, XVIII, 63; Relato dos evangelistas), ou seja, entre 26 e 36 d.C. Já conseguimos uma considerável redução no
intervalo.
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João Batista iniciou seu ministério no ano décimo quinto de Tibério César (Lucas, 3:1). Levando-se em conta as divergências na fixação desta data,(3) tal fato ocorreu entre os anos 27 e 29 d.C. _______________ 3. Alguns pesquisado res cons ideram, para contagem d os q uinze anos, o perí odo em q ue Tibério Cé sar se t orn ou co -regen te d e Au gu sto , ao p ass o q ue o ut ros rec us am ess e m é to do de con tagem as severand o qu e deve ser con tabilizado apenas o período em q ue ele regeu sozinho, após a morte do imp erador. V isto q ue Aug usto falece u em 19 de agosto de 14 d.C ., a cont agem d everia se iniciar após essa data.
Jesus, por sua vez, deu início ao seu ministério público após João Batista ter iniciado o seu. Computando-se um período razoável de duração do ministério do Cristo, o ano da sua morte, na opinião da maioria dos pesquisadores, deve se situar entre os anos 29 e 34 d.C. Nesta, houve uma redução drástica daquele intervalo temporal inicialmente proposto. Sobre isso, julgamos oportuna a transcrição de pequeno trecho sobre a crucificação encontrado em famoso dicionário bíblico: [...] Dentre as tentativas feitas para determinar o ano da crucificação, a mais frutífera tem sido feita com a ajuda da astronomia. De conformidade com todos os quatro evangelhos, a crucificação teve sexta-feira; enquanto queo nos sinóticos essa sexta-feira é 15 de lugar Nisã,numa em João é 14 demas Nisã. Portanto, problema que tem que ser solucionado com a ajuda da astronomia, é o de determinar em qual dos anos 26--36 d.C. é que 14 e 15 de Nisã caíram numa sexta-feira. Mas, visto que nos tempos neotestamentários o mês judaico era lunar, e o tempo de seu início era marcado pela observação da lua nova, esse problema é basicamente o de resolver quando a lua nova se tornou visível. Estudando esse problema, Fotheringham e Schoch chegaram cada qual a uma só fórmula mediante cuja aplicação descobriram que 15 de Nisã caiu numa sexta-feira somente no ano 27 d.C., e que 14 de Nisã caiu numa sexta-feira somente nos anos 30 e 33. Visto que o ano de 27 como ano da crucificação está fora de questão, a escolha recai entre os anos 30 d.C. (7 de abril) e 33 d.C. (3 de abril). [...].(4) (Grifo nosso.) _______________ 4. DOUGLAS, J. D. O n
ov o d ic io nário da b íbl ia. 3. ed. Sã o P aul o: Vid a No va, 2006. p .
Portanto, usando todos os recursos e métodos da moderna pesquisa histórica, pode-se afirmar que a crucificação ocorreu no dia 7 de abril do ano 30 d.C. ou no dia 3 de abril do ano 33 d.C.
A opção por qualquer dessas datas não isenta o pesquisador de responder a objeções fundadas. É nesse ponto da pesquisa que julgamos conveniente conjugar esforço humano e revelação espiritual, numa operação chamada por Allan Kardec de “fé raciocinada”. Nesse sentido, dois textos encontrados na obra psicográfica de Francisco Cândido Xavier chamam nossa atenção: Nos primeiros dias do ano 30, antes de suas gloriosas manifestações, avistou-se Jesus como Batista, no deserto triste da Judéia, não muito longe das areias ardentes da Arábia [...].(5) _______________ 5. XAVIER, Francis co Când ido . Bo a nov a. Pelo Espí rito Hum berto especial. Rio d e Janeiro: FEB, 2008 . Cap.
de Cam po s. 3. ed.
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Aproximava-se a Páscoa no ano 33. Numerosos amigos de Públio haviam aconselhado a sua volta temporária a Jerusalém, a fim de intensificar os serviços da procura do filhinho, no curso das festividades que concentravam, na época, as maiores multidões da Palestina [...]. .................................................................................. [...] De uma sala contígua ao seu gabinete, notou que Públio atendia a numerosas pessoas que o procuravam particularmente, em atitude discreta; e o interessante éassunto, que, segundo suas inesperada observações, senador o mesmo isto é, aasprisão detodos Jesusexpunham Nazareno ao – acontecimento que desviara todas as atenções das festividades da Páscoa, tal o interesse despertado pelos feitos do Mestre, em todos os espíritos. [...] (6) _______________ 6. XAVIER, Franc isc o Când ido . Há do is m il ano s. Pelo E sp írito Em m anu el. 48 . ed. Rio d e Jan eiro : FEB , 2007. Prim eira Part e, cap. VIII , p. 144, 14 7 e 148.
Assim, consoante a revelação espiritual, pelas mãos do respeitável médium Francisco Cândido Xavier, Jesus iniciou seu ministério no ano 30 d.C. e foi crucificado no ano 33 d.C..( Ora, considerando-se que a crucificação se deu em abril//maio do ano 33 d.C.,(7) a conversa se deu após o outono de 34 d.C., mas antes de abril de 35 d.C. ou seja, antes de se completarem dois anos da crucificação.) _______________ 7. A fes ta d a Pásc oa c om eça no
cr ep úsc ul o d a sex ta-f eir a (14 de Nis ã), ou s eja, no in íci o d o sábado (15 de Nisã ), um a vez que o s ju deus con tavam o d ia a partir d as dezoito hor as. Essa fest a dur ava um a sem ana, find and o no sábad o seg uin te (22 de Nisã ).
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12 - Cristianismo Redivivo
“[...] O Compositor compõe uma música, e a obra está terminada. O Escultor cinzela o seu mármore, e um dia a estátua está acabada. Mas a tarefa do exegeta nunca tem fim. Ele pode parar, apenas, para registrar, um tanto timidamente, as suas descobertas em certo ponto do tempo, orando para que elas tenham alguma utilidade para outras pessoas, e para que ele tenha sido fiel ao que lhe foi dado, até então. [...].” (1) _______________ 1. BA ILEY, Kenneth E. Through 1983. Preface, p . 7.
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Michigan: Eerdm
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HAROLDO DUTRA DIAS
N a visão profética de Jeremias, Deus compara sua palavra com “um martelo que despedaça a rocha” (Jr., 23:29). E o Talmud comenta: “Tal qual a rocha que se parte em muitos fragmentos sob o golpe do martelo, assim cada palavra do Santíssimo, bendito seja, foi dividida em setenta expressões” (B. Shabat, 83b) – uma multiplicidade de significados e interpretações. Por esta razão, diz o Midrash que “a Torah(2) tem setenta faces” (Midrash Rabá, Números, 13:15). _______________ 2. Torah, em sen tid o amplo, significa a “revelação divina”. Em sentido estrito, significa o pentateu co m os aico, ou seja, os cinc o prim eiros liv ros d a Bíblia hebraica.
Advertidos da complexidade que envolve a atividade do intérprete das Escrituras, podemos examinar a bela passagem do Evangelho de Lucas, na qual o candidato a discípulo pede a Jesus a concessão de tempo, antes de aceitar o convite para segui-lo; eis o texto: E disse a outro: Segue-me. Mas, ele disse: Permite-me ir primeiro enterrar meu pai. Mas, ele respondeu: Deixa que os mortos enterrem seus mortos; tu, porém, vai e proclama o Reino de Deus. (Lucas, 9:59-60.) Muitos intérpretes acreditam que o pai acabara de morrer ou estava prestes a expirar. Nesse caso, o candidato a discípulo pedia singela permissão para oferecer ao cadáver do genitor a bênção da sepultura. O sepultamento dos pais era considerado um dever religioso dos judeus, uma espécie de desdobramento do mandamento “honrar pai e mãe”. (Gênesis, 50:5; Êxodo, 20:12;Deuteronômio, 5:16; Tobias, 4:3-4.) Desse dever estavam isentos somente o sumo sacerdote aqueles que fizeram o votomaldição, de nazireuuma (Levítico, 21:10-11; Números, 6:6-7). Nãoe ser sepultado era uma vergonha (Deuteronômio, 28:26; Salmos, 79:2), razão pela qual o dever do sepultamento tinha primazia sobre o estudo da Lei, o serviço do Templo, o sacrifício da Páscoa, a observância da circuncisão, a recitação do Shemá e a leitura da Megillah (B. Berakhot 3a; B. Megillah 3b). Até os sacerdotes, que deveriam evitar a contaminação do contato com cadáveres, tinham permissão para sepultar seus pais (Levítico, 21:2-3).
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A questão, posta nestes termos, oferece enormes dificuldades ao exegeta. Joaquim Jeremias salientou algumas delas: [...] Ao chamar para o círculo dos discípulos que o acompanhavam, Jesus imprimiu um tom de urgência ao seu apelo. A Eliseu foi permitido despedir-se da sua família (1Rs., 19:20), mas Jesus não concede essa licença (Lc., 9:61), e até mesmo rejeita o pedido de um filho que roga se lhe permita cumprir o mais elementar dever deno umpróprio filho, adia saber, o de sepultar o seu pai. O sepultamento se fazia na Palestina da morte e em seguida faziam-se dois dias de luto, quando a família enlutada recebia as expressões de condolência. Jesus não pode conceder essa prorrogação. Por que tanta urgência? [...]. (3) _______________ 3. JEREMI AS, Joaq uim . Teologia d o n ovo testam ento. São Paulo : Edito ra Hagno s, 200 8. Cap . IV, p. 208.
Observando essa primeira “face” da interpretação do texto, concluímos que a exigência de Jesus é superior à de Elias, que permitiu a Eliseu despedir-se de seus pais (1Reis, 19:19-21), mas iguala-se à exigência de Deus, que não permitiu ao profeta Ezequiel fazer luto por sua mulher (Ez., 24:15-24). Jesus redefine o núcleo familiar sobre as bases da obediência à vontade de Deus, ee exige não sobre os laços sanguíneos 12:46-50), advertindo que o discipulado é duro, um compromisso absoluto(Mateus, e permanente. Allan Kardec resume magistralmente essa ideia: Sem discutir as palavras, deve-se aqui procurar o pensamento, que era, evidentemente, este: “Os interesses da vida futura prevalecem sobre todos os interesses e todas as considerações humanas”, porque esse pensamento está de acordo com a substância da doutrina de Jesus, ao passo que a idéia de uma renunciação à família seria a negação dessa doutrina.(4) _______________ 4. KA RDEC, Allan . O evangelh o segu ndo o espi ritism o. 127 . ed. R io de Janeiro : FEB, 2 007 . Cap. XXIII , item Ab and on ar p ai, mãe e filh os .
Os comentaristas orientais, por sua vez, considerando os aspectos culturais do texto, fazem observações interessantes. Ibn al-Salibi comenta: Deixa-me ir sepultar significa: deixa-me ir e servir meu pai enquanto ele é vivo; depois que ele morrer, eu o sepultarei e virei.(5) _______________ 5. IBN AL-SALIB, apud BA ILEY , Kenneth E. Through peasant eye s. Comb ined Edition. Michigan: Eerdm ans Publis hing Comp any, 19 83 . Chapter 2, p. 2 6.
A mesma idéia é apresentada pelo comentarista árabe Sa’id: [...] O segundo (discípulo) está olhando para um futuro longínquo, pois adia sua decisão de seguir Jesus para um tempo posterior à morte do seu pai [...]. Se o seu pai tivesse realmente morrido, por que naquele exato momento ele não estava velando o corpo dele? Na verdade, ele pretende adiar o assunto de seguir Jesus para um futuro distante, quando o seu pai, velho, morresse. Mal sabe ele que Jesus, dentro de muito pouco tempo entregará o seu espírito. [...].(6) _______________
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6. S A'ID, apud BA ILEY , Kenneth E. Throu gh peasant eyes. C Eerdm ans Pub lish ing Co mp any, 198 3. Chapter 2, p. 26.
om bined Editio
n. Michigan:
Kenneth Bailey, após ter vivido 47 anos em comunidades agrícolas do Oriente Médio, pesquisando os aspectos culturais e literários que estão por trás dos textos do Novo Testamento, afirma: [...] A frase “enterrar o pai” do é expressão refere especificamente aos deveres filho de ficaridiomática em casa tradicional e cuidar deque seussepais até que eles jazam em paz, para descansar com todo o respeito. Este escritor ouviu exatamente esta expressão sendo usada repetidamente entre os habitantes do Oriente Médio discutindo a emigração. Em certo ponto da conversa alguém pergunta: “Você não vai sepultar primeiro a seu pai?”. A pessoa que interroga geralmente está se dirigindo ao futuro emigrante, que tem cerca de trinta anos de idade. Geralmente, o pai em discussão ainda deve ter cerca de vinte anos para viver. A ideia é: “Você não vai ficar até cumprir o dever tradicional de tomar conta de seus pais até a sua morte, e depois pensar em emigrar?”. Outros coloquialismos expressam a mesma ideia cultural Na língua síria coloquial de aldeias isoladas da Síria e do Iraque, quando um filho rebelde procura reafirmar a sua independência em relação ao seu pai, a repreensão final e contundente do di gurtly (“Você quer me enterrar”). A ideia é: “Você quer que eu me pai é: kabit apresse a morrer para que a minha autoridade sobre você termine, e você fique por sua própria conta” [...]. Aqui estamos tratando de expectativas da comunidade, que podem ser mal traduzidas em termos ocidentais [...]. O recruta à margem da estrada está dizendo: “A minha comunidade me faz certas exigências, e a força dessas exigências é muito grande. Certamente, o senhor não espera que eu frustre as expectativas da minha comunidade, não é?”. Não obstante, é exatamente isto que Jesus requer [...]. (7) _______________ 7. BA ILEY , Kenneth E. Through peasant eye s. Combin ed Edition. Michigan: Eerdmans Publ ishi ng Co mp any, 198 3.C hapter 2, p. 2 6.
Observando essa segunda “face” da interpretação do texto, concluímos que o candidato a discípulo pedia muito mais tempo do que o necessário para o sepultamento. Na verdade adiava o compromisso por tempo indeterminado. No entanto, a resposta de Jesus engloba as duas situações expostas na primeira “face” e na segunda “face” da interpretação. O sentido de prioridade, urgência e devotamento exigidos pelo chamamento do Cristo permanece intacto nas duas abordagens. Allan Kardec, ao comentar os versículos em estudo (Lucas, 9:59--60), asseverou: A vida espiritual é, com efeito, a verdadeira vida, é a vida normal do Espírito, sendo-lhe transitória e passageira a existência terrestre, espécie de morte, se comparada ao esplendor e à atividade da outra. O corpo não passa de simples
vestimenta grosseira que temporariamente cobre o Espírito, verdadeiro grilhão que o prende à gleba terrena, do qual se sente ele feliz em libertar-se. [...] Era isso o que aquele homem não podia por si mesmo compreender. Jesus lho ensina, dizendo: Não te preocupes com o corpo, pensa antes no Espírito; vai ensinar o reino de Deus; vai dizer aos homens que a pátria deles não é a Terra, mas o céu, porquanto somente lá transcorre a verdadeira vida.(8) (Grifo nosso.) _______________ 8. KA RDEC, Allan . O evangelh o segu ndo o espi ritism o. 127 . ed. R io de Janeiro : FEB, 2 007 . Cap. XXIII, item 8.
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No tocante ao ensino “deixa que os mortos enterrem seus mortos”, é valiosa a lição de Emmanuel: O cadáver é carne sem vida, enquanto que um morto é alguém que se ausenta da vida. Há muita gente que perambula nas sombras da morte sem morrer. Trânsfugas da evolução, cerram-se entre as paredes da própria mente, cristalizados no egoísmoemousepulcros na vaidade, negando-se a partilhar a experiência comum. Mergulham-se de ouro, de vício, de amargura e ilusão. [...].(9) _______________ 9. XAVIER, Franc isc o Când id o. Fon te viv a. Pelo Esp írit o Em m anu el. 36. ed. 1a reim pr ess ão. Rio d e Janeir o: FEB , 2008.Cap. 143.
Espiritualmente falando, apenas conhecemos um gênero temível de morte – a da consciência denegrida no mal, torturada de remorso ou paralítica nos despenhadeiros que marginam a estrada da insensatez e do crime. É chegada a época de reconhecermos que todos somos vivos na Criação Eterna .(10) _______________ 10. __ __ __ . Pão n o s s o . Pel o Es p írito Em m an u el . 29 . ed . Ri o d e J an ei ro : FE B , 20 07 . Ca p . 42 .
Urge atender ao chamado do Cristo no tempo intitulado “hoje”.
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Reformador Novembro 2008 - Ano 126 Nº 2.156 – PAG 34 – 36
13 - Cristianismo Redivivo
“Os filósofos do mundo sempre pontificaram de cátedras confortáveis, mas nunca desceram ao plano da ação pessoal, ao lado dos mais infortunados da sorte. Jesus renovara, com exemplos divinos, todo o sistema de pregação da virtude. Chamando a si os aflitos e os enfermos, inaugurara no mundo a fórmula da verdadeira benemerência social.”(1) _______________ 1. XAV IER, Franc isc o Când ido . Paul o e Es têvão. Pel o Esp írito Em m anu el. 44. ed. Rio Jan eiro : FEB, 2007. Prim eira par te, cap. II I, p. 72.
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HAROLDO DUTRA DIAS
A s festividades da Páscoa,(2) na Palestina do ano 33 d.C., (3) terminaram de forma inesperada, gravando no coração dos Apóstolos as penosas lições do calvário. O Mestre deixara-se imolar, aceitando o supremo sacrifício sem qualquer reprovação ou murmúrio. _______________ 2. A fes ta d a Pásc oa c om eça no cr epúsc ul o d a sex ta-fe ira (14 d e Nis ã), ou s eja, no in íci o d o sábado (15 de Nisã ), um a vez que o s ju deus con tavam o d ia a partir d as dezoito hor as. Essa fest a dur ava um a sem ana, find and o no sábad o seg uin te (22 de Nisã ). 3. Consultar o artigo i ntitulado “A crucificação de Jesus”, publicado na revista Reformador, de setem bro de 2008 , p. 3 3, no q ual se dem on stro u qu e a crucif icação oc orr eu po r vo lta do dia 3 de abr il de 33 d.C.
De alma envolta em perplexidade e tristeza, o colégio apostólico se dispersou. Jesus, todavia, compadecendo-se da fragilidade humana, ressurgiu das sombras da morte confirmando a imortalidade da alma. A notícia espalhou-se rapidamente, nutrindo o coração dos seguidores de imorredoura esperança. Ao cabo de sete semanas (cinquenta dias),(4) na festa de Pentecostes, quando Jerusalém recebia os mais diversos peregrinos, inaugurou-se nova era para a Humanidade sob os auspícios “[...]dos Espíritos redimidos e santificados que cooperam com o Divino Mestre, desde os primeiros dias da organização terrestre [...]”,(5) também conhecidos pelo nome de Espírito Santo. Nesse sentido, o texto de Emmanuel é esclarecedor: _______________ 4. A fest a de Pentecos tes, palavra grega qu
e sign ifica cin qu enta, écelebrada sete sem
anas
após a P ásc“festa oa, o ude s eja, no qu ou in qufesta agé sim d ia após na o squal ábadcelebram o Pas cal. oOs heb reus ada denominam Shavuot” daso semanas, recebimento
Torah no monte Sinai, razão pela qual é também conhecida como a festividade do “dom da Torah”. Nesse caso, o pentecostes descrito no livro “Atos dos Apóstolos” ocorreu por vol ta do di a 24 de maio de 33 d.C. 5. XAVIER, F ranci sco Când ido . O co nso lador . Pelo Esp írito rei m pr ess ão. Rio d e Jan eir o: F EB , 2008. Qu est ão 312.
Emm anuel. 28. ed. 1ª
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No dia de Pentecostes, Jerusalém estava repleta de forasteiros. Filhos da Mesopotâmia, da Frígia, da Líbia, do Egito, cretenses, árabes, partos e romanos se aglomeravam na praça extensa, quando os discípulos humildes do Nazareno anunciaram a Boa Nova, atendendo a cada grupo da multidão em seu idioma particular. Uma onda de surpresa e de alegria invadiu o espírito geral. Não faltaram os céticos, no Simão divino Pedro concerto, atribuindo à loucura que e à se embriaguez a prometida revelação observada. destaca-se e esclarece trata da luz pelos céus à escuridão da carne. Desde esse dia, as claridades do Pentecostes jorraram sobre o mundo, incessantemente. Até aí, os discípulos eram frágeis e indecisos, mas, dessa hora
em diante, quebram as influências do meio, curam os doentes, levantam o espírito dos infortunados, falam aos reis da Terra em nome do Senhor. O poder de Jesus se lhes comunicara às energias reduzidas. Estabelecera-se a era da mediunidade, alicerce de todas as realizações do Cristianismo, através dos séculos.
Contra o seu influxo, trabalham, até hoje, os prejuízos morais que avassalam os caminhos do homem, mas é sobre a mediunidade, gloriosa luz dos céus oferecida às criaturas, no Pentecostes, que se edificam as construções espirituais de todas as comunidades sinceras da Doutrina do Cristo e é ainda ela que, dilatada dos apóstolos ao círculo de todos os homens, ressurge no Espiritismo cristão, como a alma imortal do Cristianismo redivivo. (6) (Grifo nosso.) _______________ 6. XAVIER, Francisco Când ido . Camin ho, v erdade e vid a. Pe lo Espírito Emm anuel. 28. ed. 1a reim pres são. Rio de J aneir o: FEB, 2008. Cap. 10, p. 35.
Doravante, guiado pela Espiritualidade superior, Simão Pedro transfere-se para Jerusalém, no segundo semestre do ano 33 d.C., fundando a instituição conhecida como “Casa do Caminho”, posto avançado de atendimento a inúmeros necessitados, além de foco irradiador da Boa Nova. A descrição de Emmanuel da veneranda instituição é insuperável: Desde que viera do Tiberíades para Jerusalém, Simão transformara-se em célula central de grande movimento humanitarista. [...] .................................................................................. Era por esse motivo que a residência de Pedro, doação de vários amigos do “Caminho”, regurgitava de enfermos e desvalidos sem esperança. Eram velhos a exibirem úlceras asquerosas, procedentes de Cesaréia; loucos que chegavam das regiões mais longínquas, conduzidos por parentes ansiosos de alívio; crianças paralíticas, da Iduméia, nos braços maternais, todos atraídos pela fama do profeta nazareno, que ressuscitava os próprios mortos e sabia restituir tranquilidade aos corações mais infortunados do mundo. Natural era que nem todos se curassem, o que obrigava o velho pescador a agasalhar consigo todos os necessitados, com carinho de um pai. Recolhendo-se ali, com a família, eraFilipe auxiliado particularmente por Tiago, filho de e por João; mas, em breve, e suas filhas instalavam-se igualmente emAlfeu, Jerusalém, cooperando no grande esforço fraternal.[...] (7) _______________ 7. XAV IER, Franc isc o Când ido . Paul o e Es têvão. Pel o Esp írito Em m anu el. 44. ed. Rio Jan eiro : FEB, 2007. Prim eira par te, cap. II I, p. 72-73.
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Vê-se que o ano 33 d.C. representa um marco inicial para o Cristianismo Nascente. O retorno do Mestre ao mundo espiritual implicaria a distribuição de encargos e responsabilidades graves, tendo em vista a necessidade de concretização no plano físico do prometido “Reino de Deus”, fruto da vivência plena do Evangelho. Jerusalém nunca mais seria a mesma. As sementes do Cristo, quais minúsculos grãos de mostarda, se transformariam em frondosas árvores de amor e sabedoria. Em meio ao pântano das mais pervertidas paixões, desabrochariam lírios de pura espiritualidade. O Espiritismo, na sua feição de Cristianismo Redivivo, repete o esforço dos primeiros cristãos, procurando conjugar, na intimidade da “Casa Espírita”, os verbos amar, estudar, compreender, perdoar, buscando a legítima caridade. Nesse esforço de aperfeiçoamento, encontra nas primeiras instituições do Cristianismo Nascente um modelo de vivência cristã à altura dos ensinos de Jesus. A “Casa do Caminho” é exemplo vivo, não obstante o transcurso dos séculos. Por esta razão, urge estudar e refletir sobre os grandes acontecimentos que marcaram o primeiro século do Cristianismo, não somente pelos vultos que trabalharam pela causa do Mestre, mas também pela experiência registrada por estes pioneiros, que jamais pode ser esquecida, sob pena de cometermos antigos e graves erros capazes de comprometer nossa ascensão espiritual. Irmãos de jornada, avancemos! Luz acima!
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14 - Cristianismo Redivivo
“O ato de seguir a Jesus não é definido como a sensação de uma luz interior, ou a percepção de uma consciência intelectual, mas é comparado com a execução de uma tarefa criativa, consumidora e ativa, como a de colocar a mão no arado e dirigir uma junta de bois.”(1) _______________ 1. BA ILEY, Kenneth E. Through 1983. Cap . 2, p. 32.
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HAROLDO DUTRA DIAS
Narra o Evangelho de Lucas a pitoresca história do impetuoso candidato a discípulo, cuja lealdade estava divida entre a obediência aos padrões culturais da sua época e o suave jugo do Cristo: Disse também outro: Senhor, eu te seguirei, mas permita-me despedir-me dos que estão em minha casa. Jesus, porém, lhe disse: Ninguém que põe sua mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus. (Lucas, 9:61-62.) Muitos intérpretes salientam que o “despedir-se” da família, no mundo oriental, implicava o pedido de permissão para partir. A autoridade dos genitores, sobretudo a do pai, era suprema, motivo pelo qual a pessoa que partia precisava pedir permissão a quem ficava. Quando alguém iniciava um novo empreendimento, costumava visitar seu pai na aldeia a fim de lhe pedir a bênção e a permissão para o cometimento, ainda quando se tratasse de um homem independente. No caso em exame, o candidato condicionava sua adesão ao Cristo à aprovação dos pais, ou seja, buscava conciliar a exigência social da sua época com a convocação espiritual do Mestre. Em resposta à sua súplica, Jesus estabelece um programa árduo, mostrando que a tarefa de segui-lo exige concentração, dedicação e abnegação. Arar a terra na Palestina do primeiro século envolvia um conjunto complexo de providências. Joaquim Jeremias salientou algumas delas: [...] O arado palestino, muito leve, é guiado com uma só mão. Esta mão, geralmente a esquerda, precisa ao mesmo tempo conservar o arado na posição vertical, suaestejam profundidade levantá-lo pedras eregular rochas aque em seumediante caminho. pressão, O arador eusa a outra por mãosobre para guiar o boi teimoso com um aguilhão com cerca de um metro de comprimento, provido de uma ponta de ferro. Ao mesmo tempo ele precisa ficar olhando continuamente entre as pernas traseiras do animal, para não perder o sulco de vista. Esta forma primitiva de arado requer destreza, atenção, e concentração. Se o arador olhar para os lados, um novo sulco é aberto fora da linha. Desta forma,
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quem quiser seguir a Jesus precisa estar resolvido a quebrar os laços com o passado, e fixar os olhos apenas no Reino vindouro de Deus [...].(2) _______________ 2. JEREMIAS, Jo aqu im . As p arábo las d e Jesu s. 9. ed. São Pau lo: Edi to ra Paul us , 200 4. Part e III , cap . VI, p. 196.
Não bastasse a dificuldade de manejo do arado, o processo de aragem do campo desdobrava--se emvista: múltiplas atividades, tornando a tarefa muito mais exigente do que se imagina à primeira [...] A aração era cuidadosa e minuciosa; logo que se quebrava o restolho depois da colheita, abriam-se sulcos com margens largas entre eles, para facilitar a absorção das chuvas. Ao arar, depois das primeiras chuvas, sulcos mais próximos, divididos por canteiros, eram abertos para propiciar a drenagem; só na terceira aração, antes da semeadura, os sulcos eram feitos consecutivamente, sem canteiros entre eles. O trabalho final era o de cobrir a semente... esse implemento era maior e mais pesado do que o moderno arado árabe, que em geral se parece com ele [...].(3) _______________ 3. APPELEBAUM. The je peasant eyes. C 30.
wish people in the first century
om bined Edition
. Michigan: Eerdmans
, a pud BA ILEY , Kenneth E. T hrou gh Publishing
Comp any, 19 83. Cap. 2 , p.
Kenneth Bailey, após ter vivido 47 anos em comunidades agrícolas do Oriente Médio, pesquisando os aspectos culturais e literários que estão por trás dos textos do Novo Testamento, afirma: [...] É claro que a aração era uma operação muito exata, iniciando-se com a abertura de estrias para a absorção da água. Em um estágio posterior, os sulcos eram feitos de forma a permitir a drenagem. Uma terceira aração preparava o solo, e uma quarta cobria a semente depois do plantio. Obviamente qualquer pessoa que desejasse desincumbir-se de uma responsabilidade destas precisava dar atenção irrestrita ao que estava fazendo [...].(4) _______________ 4. BA ILEY , Kenneth
E. Through peasant eye s. Combin ed Edition. Michigan: Eerdmans Publ ishi ng Com pany , 1983. Cap. 2 , p. 3 0.
Refletindo acerca da lição do arado, é forçoso concluir que o arador distraído poderá bater com o arado em uma rocha, quebrar sua ponta de madeira, cansar inutilmente a parelha de animais, cortar, sem rumo, o campo não arado, ou destruir o trabalho já realizado. Em suma, o arador deve equilibrar o serviço feito, o que está por fazer, e aquele que está sendo realizado, já que qualquer distração tornará sua ação não apenas improdutiva, mas também destruidora. No tocante ao símbolo do arado, é valioso o ensino de Emmanuel: O arado é aparelho de todos os tempos. É pesado, demanda esforço de colaboração entre o homem e a máquina, provoca suor e cuidado e, sobretudo, fere a terra para que produza. Constrói o berço das sementeiras e, à sua passagem, o terreno cede para que a chuva, o Sol e os adubos sejam convenientemente aproveitados. É necessário, pois, que o discípulo sincero tome lições com o Divino Cultivador, abraçando-se ao arado da responsabilidade, na
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luta edificante, sem dele retirar as mãos, de modo a evitar prejuízos graves à “terra de si mesmo”. .................................................................................. Um arado promete serviço, disciplina, aflição e cansaço; no entanto, não se deve esquecer que, depois dele, chegam semeaduras e colheitas, pães no prato e celeiros guarnecidos.(5) _______________ 5. XAVIER, Franci FEB, 2007. Cap. 3. sc o Când ido . Pão n os so . Pelo Esp írito Emm anu el. 29 . ed. Rio de J aneiro :
O servidor do Cristo conhece o cansaço, jamais o desânimo. Conhece o peso e a rotina do arado, mas aprende no trabalho de cada dia que a disciplina não é um cárcere, é a chave da porta, como dizia Chico Xavier.
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Reformador Janeiro 2009 - Ano 126 Nº 2.158 – PAG 29/27 – 31/29
15 - Cristianismo Redivivo
“Em teus dias de dor, recorda alma querida, que a dor é para vida, aquilo que o buril, severo e contundente, entre as mãos do escultor, é para o mármore sem forma. Golpe aqui, golpe ali, outro mais e mais outro, um corte de outro corte se aproxima, e o bloco se transforma em celeste beleza de obra-prima das.[...]”(1) _______________ 1. XAVIER, Fran cis co Când ido . Mãos m arcad as. Es pírito s Div erso s. São P aulo : Ins titu to de Dif u são Es píri ta, 1972. Cap . 13 –“Maria Dolores”.
HAROLDO DUTRA DIAS
O alicerce da obra imorredoura do Cristo formou--se à base de renúncia, sacrifício e abnegação. Três séculos de Cristianismo Nascente testemunharam o martírio de discípulos corajosos, que se imolaram no altar da fé para que a luz do Evangelho se estendesse ao mundo, inaugurando nova era de fraternidade e amor. Inspirados no exemplo do próprio Mestre, eles conheceram as feras, o suplício, a perseguição, o confisco, a brutalidade em todos os seus matizes, gravando para sempre, no coração dos homens, a lição da resignação, do amor e do perdão. Na seara de Jesus, os trabalhadores da primeira hora foram mártires. Estêvão, o grande mártir da Era Apostólica, inaugurou o “tempo dos sacrifícios”. Seu testemunho de fé e de bravura, diante da mais alta corte judicial da nação hebraica, mudaria os rumos do movimento cristão e deixaria marcas indeléveis no coração do seu próprio algoz, um homem intrépido universalização do Cristianismo – Pauloedesincero, Tarso. que se tornaria o responsável pela O apedrejamento de Estêvão se deu no verão do ano 35 d.C. A informação pode ser encontrada na obra mediúnica Paulo e Estêvão,(2) mas somente após uma leitura inteligente e atenta dos textos. Na verdade, é necessária uma combinação harmoniosa e criteriosa de dados. _______________ 2. XAV IER, Franc isc o Când ido . Paul o e Es têvão. Pel o Esp írito Em m anu el. 44. ed. Rio Janeiro : FEB, 2007.
de
Emmanuel descreve acontecimentos, aparentemente desconexos, com enorme precisão. Uma vez reunidas, essas descrições formam um quadro cronológico coerente e convincente, senão vejamos: A manhã enfeitava-se de muita alegria e de sol [...]. No ar brincavam as mesmas brisas perfumadas, que sopravam de longe [...]. .................................................................................. Nesse ano de 34, a cidade em peso fora atormentada por violenta revolta dos escravos oprimidos.
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[...] Em breve, a galera das águias dominadoras, auxiliada por ventos favoráveis, trazia no bojo as autoridades da missão punitiva, cuja ação deveria esclarecer os acontecimentos.(3) _______________ 3. Idem , ibid em. Prim eira part e, cap. I , p. 11-13.
[...] O coração paternal adivinhava. Àquela hora, Jeziel, conforme o programa por ele mesmo traçado, arava a terra, preparando-a para as primeiras semeaduras.[...] (4) _______________ 4. XAV IER, Franc isc o Când ido . Paul o e Es têvão. Pel o Esp írito Em m anu el. 44. ed. Rio Janeiro : FEB , 2007 . Prim eira parte, cap . I, p. 2 0.
de
De Corinto, a grande embarcação aproara em Cefalônia e Nicópolis, de onde deveria regressar aos portos da linha de Chipre, depois de ligeira passagem pela costa da Palestina, consoante o itinerário organizado para aproveitar o tempo seco e tendo em vista que o inverno paralisava toda a navegação.(5) _______________ 5 Idem, ibi dem . Prim eira par te, cap. II I, p. 60.
– Há maistriste de um – exclamou o Apóstolo apagando entre a vivacidade com lembrança – foiano crucificado aqui mesmo em Jerusalém, os ladrões. (6) a _______________ 6. XAV IER, Franc isc o Când ido . Paul o e Es têvão. Pel o Esp írito Em m anu el. 44. ed. Rio Jan eiro : FEB, 2007. Prim eira par te, cap. II I, p. 76.
de
Estamos na velha Jerusalém, numa clara manhã do ano 35.(7) _______________ 7. Idem, ibidem. Primeira parte, cap. IV, p. 84.
Naquelas primeiras horas da tarde, o sol de Jerusalém era um braseiro ardente. Não obstante o calor insuportável, a massa deslocou-se com profundo interesse. Tratava-se do primeiro processo concernente às atividades do “Caminho”, após a morte do seu fundador. [...] (8) _______________ 8. Idem, ibidem. Primeira parte, cap. VIII, p. 187-188.
Antes de comparar os textos, é imperiosa uma ligeira exposição a respeito do clima, agricultura e navegação na região da Acaia (sul da Grécia). Nos países banhados pelo Mar Mediterrâneo, o clima é muito semelhante, com verões secos e quentes, e invernos moderados e chuvosos. As estações do ano se dividem em dois grandes blocos: primavera–verão (abril–setembro) e outono–inverno (outubro–março). A semeadura de cereais se dava no início do outono, após a preparação da terra no final do verão, com vistas ao máximo aproveitamento da época das chuvas (inverno). Pela mesma razão, a navegação no Mar Mediterrâneo começava em abril e se encerrava em outubro. Era extremamente perigoso navegar no inverno, em razão das tempestades e da impossibilidade de se orientar pelo Sol e pelas estrelas. O livro se inicia com a descrição de uma manhã de sol, com brisas perfumadas, e ruas desertas, além da presença maciça de guardas romanos nas vias públicas, em decorrência de uma revolta de escravos ocorrida em Corinto, naquele mesmo ano, ou seja, em 34 d.C.
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A galera romana teria aproveitado os ventos favoráveis para se deslocar de Roma até Acaia, a fim de conter o levante, o que nos permite concluir, seguramente, que a navegação se deu na primavera, pois o tempo favorável à navegação começava em abril. Na sequência, o pai de Jeziel (Estêvão) o encontra arando a terra, preparando-a para as primeiras semeaduras. Naquela região do Mediterrâneo, a terra era arada no final de setembro (fim do verão), ao passo que a semeadura se dava no final de outubro (em pleno outono). Sendo a informação da “manhã sol, coma brisas e “aragem da assim, terra”, conjugando pode-se concluir que a tragédia que de acometeu famíliaperfumadas” de Estêvão se deu no final do verão do ano 34 d.C . Jeziel (Estêvão) é enviado para as galeras, como prisioneiro, realizando uma viagem marítima, cujo itinerário foi organizado para “aproveitar o tempo seco” já que “o inverno paralisava toda navegação”. Nesse ponto, a descrição de Emmanuel é rigorosamente precisa. Não há margem para dúvidas. A embarcação partiu no outono do ano 34 d.C. Após sua chegada em Jerusalém, Jeziel é acolhido por Simão Pedro, na Casa do Caminho. Nesse momento, surge o diálogo entre eles, no qual o pescador de Cafarnaum relata que “há mais de um ano [...] foi crucificado”, referindo-se a Jesus. Ora, considerando-se que a crucificação se deu em abril//maio do ano 33 d.C. ,(9) a conversa se deu após o outono de 34 d.C., mas antes de abril de 35 d.C. ou seja, antes de se completarem dois anos da crucificação. _______________ 9. Consultar o artigo intitulado “A crucificação de Jesus”, publicado na revista Reformador, ano 126, n. 2. 154, setemb ro de 2008, p. 33 .
Mais adiante, afirma Emmanuel: “Estamos na velha Jerusalém, numa clara manhã do ano 35”, confirmando todos os cálculos precedentes. Por fim, quando descreve o martírio de Estêvão, o Benfeitor espiritual utiliza a seguinte expressão: “Naquelas primeiras horas da tarde, o sol de Jerusalém era um braseiro ardente. Não obstante o calor insuportável [...]”. Assim, é lícito concluir que Estêvão foi martirizado no verão do ano 35 d.C.
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Reformador Fevereiro 2009 - Ano 127 Nº 2.159 – PAG 29/67 – 31/69
16 - Cristianismo Redivivo
“Ninguém põe vinho novo em odres velhos; caso contrário, o vinho novo estourará os odres, derramar-se-á, e os odres ficarão inutilizados. Põe-se, antes, vinho novo em odres novos.” (1) _______________ 1. B íbl ia d e Je ru s alé m . 3. ed. São P au lo : PA UL US, 200 4. Lu ca s 5: 37-38 .
HAROLDO DUTRA DIAS
Reunidos na modesta residência de Simão Pedro, em Cafarnaum, comentavam os presentes a sublimidade da nova revelação, quando Sara, esposa de um criador de cabras da região, expôs ao Mestre suas dificuldades para vencer o egoísmo, o ciúme e o apego, não obstante reconhecesse a grandeza do Evangelho. O Mestre, reconhecendo a legitimidade das suas dúvidas e a sinceridade da sua confissão espontânea, utiliza elementos do cotidiano daquela nobre senhora, que vivia da venda do leite de cabras, encarecendo a necessidade de se lavar, cautelosamente, o vaso em que ele seria depositado, sob pena de azedume de todo o líquido, recolhido com enorme esforço. Transpondo o ensino para o domínio das realidades espirituais, Jesus alerta os ouvintes para a necessidade de se adotar o mesmo cuidado no trato com a revelação divina, e acrescenta: – Assim é a revelação celeste no coração humano. Se não purificamos o vaso da alma, o conhecimento, não obstante superior, se confunde com as sujidades de nosso íntimo, como que se degenerando, reduzindo a proporção dos bens que poderíamos recolher. Em verdade, Moisés e os profetas foram valorosos portadores de mensagens divinas, mas os descendentes do povo escolhido não purificaram suficientemente o receptáculo vivo do Espírito para recebê-las. É por isto que os nossos contemporâneos são justos e injustos, crentes e incrédulos, bons e maus ao mesmo tempo. O leite puro dos esclarecimentos elevados penetra o coração como alimento novo, mas aí se mistura com a ferrugem do egoísmo velho. Do serviço renovador da alma restará, então, o vinagre da incompreensão, adiando o trabalho efetivo do Reino de Deus. .................................................................................. – O orvalho num lírio alvo é diamante celeste, mas, na poeira da estrada, é gota lamacenta. Não te esqueças desta verdade simples e clara da Natureza.(2) _______________ 2. XAVIER, Franci sc o Când ido . Jesu s n o lar . Pelo Esp írito Neio L úcio . 37. ed. Rio d e Jan eiro : FEB , 2008. Cap. 3, p. 21-22 .
Findo o encontro com Nicodemos, em conversa íntima com Tiago a respeito do escândalo e do resgate das faltas, o Mestre voltou ao tema da dificuldade humana em lidar com as revelações divinas:
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O Mestre apreendeu a amplitude da objeção e esclareceu aos discípulos, perguntando: – Dentro da lei de Moisés, como se verifica o processo da redenção? Tiago meditou um instante e respondeu: – Também na lei está escrito que o homem pagará “olho por olho, dente por dente”. – Também tu, Tiago, estás procedendo como Nicodemos – replicou Jesus com todos talvez, os homens, tensmandamento raciocinado, mas não tens generoso sorriso. – Como sentido. Ainda não ponderaste, que oaliás, primeiro da Lei é uma determinação de amor. Acima do “não adulterarás”, do “não cobiçarás”, está o “amar a Deus sobre todas as coisas, de todo o coração e de todo o entendimento”. Como poderá alguém amar o Pai, aborrecendo-lhe a obra? Contudo, não estranho a exiguidade de visão espiritual com que examinaste o texto dos profetas. Todas as criaturas hão feito o mesmo. Investigando as revelações do Céu com o egoísmo que lhes é próprio, organizaram a justiça como o edifício mais alto do idealismo humano. E, entretanto, coloco o amor acima da justiça do mundo e tenho ensinado que só ele cobre a multidão dos pecados. [...].(3) (Grifo nosso.)
_______________ 3. XAVIER,
Francis co Când ido . Bo a nov a. Pelo Espí rito Hum berto
esp ecial. 1a reim pr ess ão. Rio de J aneir o: FEB, 2008. Cap. 14,
de Cam po s. 3. ed.
p.118-119.
Não são raros os comentaristas que se debruçam sobre o texto de Lucas, naquela passagem que trata do vinho novo em odres velhos, na tentativa de opor a revelação do Velho Testamento ao Evangelho, asseverando, equivocadamente, que os odres velhos representam o trabalho dos profetas. No entanto, é preciso reconhecer que, sob a direção e assistência de Jesus, “[...] os homens receberão sempre as revelações divinas de conformidade com a sua posição evolutiva”.(4) Sendo assim, não há problema com o “vinho” da revelação divina, nossos desafios dizem respeito aos recipientes, “odres”, que simbolizam o coração do aprendiz. _______________ 4. XAVIER, F ranci sco Când ido . O co nso lador . Pelo Esp írito rei m pr ess ão. Rio d e Jan eir o: F EB , 2008. Qu est ão 271.
Emm anuel. 28. ed. 1ª
A misericórdia do Cristo envia, de tempos em tempos, missionários e benfeitores, desde as mais remotas eras. O próprio Cristo desceu ao Orbe, espalhando bênçãos e consolações, mas o coração humano permanece atado ao egoísmo e ao orgulho. Os Espíritos superiores que conduziram o trabalho do Codificador adotaram um emblema para a Revelação Espírita: Porás no cabeçalho do livro a cepa que te desenhamos, porque é o emblema do trabalho do Criador. Aí se acham reunidos todos os princípios materiais que melhor podem representar o corpo e o espírito. O corpo é a cepa; o espírito é a seiva; a alma ou espírito ligado à matéria é o bago. O homem quintessencia o espírito pelo trabalho e tu sabes que é somente pelo trabalho do corpo que o espírito adquire conhecimentos.(5) _______________ 5. KA RDEC, All an. O li vr o d os esp írito s. Trad ução d e Evan dr o No leto
Comemorativa. Rio de Janeiro: FEB, 2007. “Prolegômenos”, p. 71.
Bezerr a. Ed.
Não deve causar admiração o fato de Jesus ter escolhido o vinho para simbolizar a revelação espiritual.
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Urge renovar o coração, libertando-o das sombras do egoísmo destruidor, para que o vinho celeste não se transforme no vinagre das criações puramente humanas. A Doutrina Espírita é orvalho límpido e reluzente, ofertado pelos céus. É imprescindível, porém, purificar os vasos da alma, sob pena de misturarmos a bênção do Cristo aos velhos enganos, que insistem em dominar nossos corações. Expressando, talvez, sua preocupação com esse quadro desalentador, afirmou o Benfeitor Emmanuel: Asseveram muitos que o Céu estancou a fonte das dádivas, esquecendo-se de que a generalidade dos crentes entorpeceu a capacidade de receber. Onde a coragem que revestia corações humildes, à frente dos leões do circo? onde a fé que punha afirmações imortais na boca ferida dos mártires anônimos? onde os sinais públicos das vozes celestiais? onde os leprosos limpos e os cegos curados? As oportunidades do Senhor continuam fluindo, incessantes, sobre a Terra. A misericórdia do Pai não mudou. A Providência Divina é invariável em todos os tempos. A atitude dos cristãos, na atualidade, porém, é muito diferente. Raríssimos perseveram na doutrina dos apóstolos, na comunhão com o Evangelho, no espírito de fraternidade, nos serviços da fé viva. A maioria prefere os chamados “pontos de vista”, comunga com o personalismo destruidor, fortalece a raiz do egoísmo e raciocina sem iluminação espiritual.(6) _______________ 6. XAVIER, Fran cis co Câ nd id o. Vinh a de luz. Pelo Esp írito Emm anu el. 27 . ed. Rio d e Jan eiro : FEB , 2008. Cap. 39, p. 97-9 8.
Não podemos nos esquecer de que os puros de coração verão a Deus.
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Reformador Março 2009 - Ano 127 Nº 2.160 – PAG 36/114 – 37/115
17 - Cristianismo Redivivo
“O Mestre chama-o, da sua esfera de claridades imortais. Paulo tateia na treva das experiências humanas e responde: – Senhor, que queres que eu faça? Entre ele e Jesus havia um abismo, que o Apóstolo soube transpor em decênios de luta redentora e constante.”(1) _______________ 1. XAVIER, Fran cis co C. Paul o e Est êvão. Pelo Esp írit o Em m anu el. 44. ed. Rio FEB , 2007. B rev e n ot íci a, p. 9.
de J aneir o:
HAROLDO DUTRA DIAS
A s lições sublimes do Evangelho, como pérolas, se revelam nos menores gestos do Mestre. Do círculo dos perseguidores do Cristianismo, Jesus convoca o verdugo de Estêvão, o primeiro mártir, para transformá-lo no apóstolo dos gentios. O chamado de Saulo guarda a marca do perdão, com que a Providência Divina renova as oportunidades aos filhos transviados. Verdugo e vítima se unem, espiritualmente, para a maior tarefa de propagação do Cristianismo Nascente, conferindo à mensagem da Boa Nova seu inigualável sabor de universalidade. A universalização do Cristianismo é contribuição de Paulo, no plano físico, e de Estêvão, no plano espiritual, sob a égide do Cristo, que não cessa de prodigalizar bênçãos e serviços, visando o aprimoramento de seus tutelados na Terra. A conversão de Saulo representa a retomada de um destino, de uma missão espiritual, que o risco de soçobrar, não a misericórdia Mestre. Neste focalizamos a corria data da referida conversão, emfosse nossa tentativa de do levantamento dosartigo, fatos marcantes do primeiro século do Cristianismo no mundo. Novamente, urge realizar uma combinação harmoniosa e criteriosa de dados, com vistas à formação de um quadro cronológico coerente e convincente, baseado nas informações de Emmanuel: “Estamos na velha Jerusalém, numa clara manhã do ano 35”. (2) _______________ 2. I dem , ibid em. P. 1, cap. 4, p. 84.
Naquelas primeiras horas da tarde, o sol de Jerusalém era um braseiro ardente. Não obstante o calor insuportável, a massa deslocou-se com profundo interesse. Tratava-se do primeiro processo concernente às atividades do “Caminho”, após a morte do seu fundador.[...] (3) _______________ 3. Idem, ibidem. Cap. 8, p. 187-188.
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Oito meses de lutas incessantes passaram sobre a morte de Estêvão, quando o moço tarsense, capitulando ante a saudade e o amor que lhe dominavam a alma, resolveu rever a paisagem florida da estrada de Jope, onde por certo reconquistaria o afeto de Abigail, de maneira a reorganizarem todos os projetos de um futuro ditoso.(4) _______________ 4. I dem , ibid em. Cap. 9, p. 210.
Quando as sombras crepusculares se faziam mais densas, dois homens desconhecidos entravam nos subúrbios da cidade. Embora a ventania afastasse as nuvens tempestuosas na direção do deserto, grossos pingos de chuva caíam, aqui e ali, sobre a poeira ardente das ruas. As janelas das casas residenciais fechavam-se com estrépito. Damasco podia recordar o jovem tarsense [...]. (5) _______________ 5. XAVIER, Franci
sc o C.Op. ci t. P. 1 , cap. 10, p. 250.
Antes de comparar os textos, é conveniente relembrar algumas datas importantes do primeiro século do Cristianismo, todas detalhadamente explicadas em edições anteriores desta revista. Sendo assim, considerando-se que a crucificação se deu em abril/maio do ano 33 d.C.,(6) o encontro de Estêvão com Simão Pedro, na Casa do Caminho, ocorreu após o outono de 34 d.C., mas antes de abril de 35 d.C. , ou seja, antes de se completarem dois anos da crucificação.(7)
_______________ 6. DUT RA, Harold o D. Cristianism o redivi vo: his tória da era apo stólica, a cru cificaç ão d e Jes us , Reform ado r, ano 126, n. 2. 154, p. 33 (351) -35(3 53), set. 2008. 7. I dem , ibid em. O p rim eiro m árti r, Refor m ado r, ano 127, n. 2. 158, p. 29( 27)-- 31(29) , jan. 2009.
Ao introduzir o episódio do martírio de Estêvão, afirma Emmanuel: “Estamos na velha Jerusalém, numa clara manhã do ano 35”, confirmando todos os cálculos precedentes. Na descrição, propriamente dita, do referido martírio, o Benfeitor espiritual utiliza a seguinte expressão: “Naquelas primeiras horas da tarde, o sol de Jerusalém era um braseiro Não obstante o calor [...]”. Assim, é lícito concluir: O ardente. apedrejamento de Estêvão se insuportável deu no verão do ano 35 d.C.(8) _______________ 8. I dem , ibidem .
Decorridos oito meses da morte do primeiro Mártir, Saulo procura Abigail na pequena propriedade rural situada na estrada de Jope, surpreendendo-a em grave estado de saúde. Esse dramático encontro entre Saulo e Abigail só pode ter ocorrido no início do ano 36 d.C. Saulo de Tarso, profundamente abatido com a morte de Abigail, renova os processos de perseguição aos cristãos e organiza a célebre viagem à cidade de Damasco, em busca de Ananias. Na véspera de sua chegada, após viagem longa e penosa, o apóstolo dos gentios é surpreendido pela visita do próprio Cristo, alterando-se definitivamente o rumo da sua existência. Adentrando em Damasco, acometido de temporária cegueira, o jovem Saulo sente que “grossos pingos de chuva caíam, aqui e ali, sobre a poeira ardente das ruas”. Nos países banhados pelo mar Mediterrâneo, o clima é muito semelhante, com verões secos e
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quentes, e invernos moderados e chuvosos. As estações do ano se dividem em dois grandes blocos: primavera–verão (abril–setembro) e outono–inverno (outubro–março). A primavera tem início no mês de abril, quando cessam as chuvas. Nesse caso, é plausível postular, com base nos informes de Emmanuel, que a conversão de Saulo se deu antes da primavera, ou seja, no primeiro trimestre do ano 36 d.C.
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Reformador Abril 2009 - Ano 127 Nº 2.161 – PAG 36/154 – 38/156
18 - Cristianismo Redivivo
“Eu sou o Caminho.”(1) _______________ 1. B íbl ia d e J eru s alé m . 3. ed . São Pau lo : P A UL US, 2 004. J oão , 14: 6, p . 1879.
HAROLDO DUTRA DIAS
Às vésperas da sua prisão no Getsêmani, o Mestre reuniu a pequena comunidade dos seus discípulos diletos, com desvelado carinho, revelando os ásperos testemunhos que os aguardavam, apontando as diretrizes do trabalho apostólico e consolando o coração aflito e temeroso dos seus seguidores. Naquele momento, entregaria o Cristo aos homens a revelação inesquecível acerca da sua pessoa e missão: “Eu sou o Caminho, a Verdade, e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim”.1 O emissário celeste, com vistas à implantação do Reino de Deus no mundo, estabelecia o sublime roteiro, consubstanciado no seu Evangelho de Amor. A presença do Cristo no Orbe era prova de que o Céu descera à Terra, vencendo gigantesco abismo, para revelar e provar a bondade e a misericórdia infinitas de Deus. Pelo trabalho infatigável de suas mãos augustas, surgira para a Humanidade o luminoso caminho entre o coração humano e o Pai. A comunhão da criatura com o Criador tornarase uma realidade. A comunidade cristã primitiva, incluindo os apóstolos, costumava utilizar em suas citações do Antigo Testamento uma versão grega, elaborada no século II a.C., conhecida como Septuaginta ou Versão dos Setenta (LXX). Na Septuaginta, o vocábulo grego hodos (caminho) traduz a palavra hebraica derek (caminho). No sentido comum, esse termo indica o lugar no qual se anda, dirige ou marcha. Porém, desde a Antiguidade, a expressão é empregada em sentido figurado, significando “medidas, procedimentos, o meio de atingir o alvo, o estilo e o modo de realizar algo”, ou ainda “o modo pelo qual se vive”. Assim, hodos (caminho) pode significar os atos ou o comportamento dos homens, a forma como a vida é conduzida (Êxodo, 18:20). A vida como um todo, ou nos seus aspectos individuais, pode ser chamada “um caminho” (Salmos, 119:105; Isaías, 53:6). Nesse contexto, a vida de uma pessoa pode ser qualificada de um modo positivo (Jeremias, 6:16; Provérbios, 8:20) ou de um modo negativo (Jeremias, 25:5; Provérbios, 8:13). O ponto de referência, no Antigo Testamento, para avaliar o caminho que o homem segue, é a vontade de Deus. Se o homem permite que a vontade Divina seja o fator determinante ações, significa quepara andasino caminho de Deus. Caso ele apenas seguedas umsuas caminho que escolheu (Jeremias, 7:23--24), que écontrário, o “caminho dos pecadores” (Salmos, 1:1). Por esta razão, os textos dos Profetas constituem um verdadeiro chamamento ao arrependimento dos maus caminhos (Jeremias, 25:5; Isaías, 55:7). É nesse sentido que pode ser entendido o trabalho de João Batista como precursor, ou seja, aquele que
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prepara o caminho para Jesus, mediante o anúncio da vinda do Messias, e também, mediante o chamamento ao arrependimento. Expressando esse ângulo do ensinamento, asseverou o Benfeitor Emmanuel: Se o determinismo divino é o do bem, quem criou o mal? – O determinismo divino se constitui de uma só lei, que é a do amor para a comunidade universal. Todavia, confiando em si mesmo, mais do que em Deus, o homem transforma sua fragilidade em focoindébita de ações a essa mesma lei, efetuando, dessea modo, uma intervenção na contrárias harmonia divina. Eis o mal. Urge recompor os elos sagrados dessa harmonia sublime. Eis o resgate. [...] O Criador é sempre o pai generoso e sábio, justo e amigo, considerando os filhos transviados como incursos em vastas experiências. Mas, como Jesus e os seus prepostos são seus cooperadores divinos, e eles próprios instituem as tarefas contra os desvios das criaturas humanas, focalizam os prejuízos do mal com a força de suas responsabilidades educativas, a fim de que a Humanidade siga retamente no seu verdadeiro caminho para Deus .(2) (Grifo nosso.) _______________ 2. XAVIER, Francis co C. O con so lador. Pelo
Espírito Emm anuel. 28. e d. 1. reimp. Rio
de
Jan eiro : FEB , 2008 . Q. 135.
Não é por outra razão que a expressão “andar nos caminhos do Senhor” significa, no Antigo Testamento, agir de acordo com a vontade de Deus, revelada em seus mandamentos, estatutos e ordenanças (1Reis, 2:3; 8:58). A lei de Deus é chamada “o caminho do Senhor” (Jeremias, 5:4), e os Profetas se esforçam para convencer as pessoas da necessidade de sua observância, porque Israel sucumbe, vezes sem conta, à tentação de evitar as admoestações Divinas (Êxodo, 32:8; Malaquias, 2:8). Considerando-se as enormes dificuldades encontradas para manter-se fiel aos desígnios divinos, pode-se entender a euforia do salmista: “Guardei os caminhos do Senhor” (Salmos, 18:21). Nessa linha interpretativa, Emmanuel assim se expressa: A vida deveria constituir, por parte de todos nós, rigorosa observância dos sagrados interesses de Deus.(3) _______________ 3. I dem . Caminh o, verdad e e vid a. Pe lo Espírito Emm anuel. 28. e d. Rio d e Janeiro: 2008. Cap . 21.
FEB,
É por essa razão que vemos o Messias coroando sua obra com o sacrifício extremo, tomando a cruz da ignomínia sem uma queixa, deixando-se imolar, sem qualquer reprovação aos seus algozes. Do cimo do madeiro, exemplificava a sua fidelidade a Deus, aceitando serenamente os desígnios do Céu, em testemunho sublime do seu inexcedível amor pelos rebeldes tutelados. Na hora sombria da cruz, caminha humilde, coroado de espinhos, ensinando a renúncia por amor ao Reino de Deus, revelando à Humanidade o caminho da redenção. Emmanuel, enfocando essa nuance do ensino, relata: A localização histórica de Jesus recorda a presença pessoal do Senhor da Vinha. O Enviado de Deus, o Tutor Amoroso e Sábio, veio abrir caminhos novos e estabelecer a luta salvadora para que os homens reconheçam a condição de eternidade que lhes é própria .(4)
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_______________ 4. I dem , ibid em. Cap . 133, p. 282.
Por fim, no Evangelho de João, a palavra hodos (caminho) se aplica à pessoa de Jesus, de modo sem igual no Novo Testamento. O discípulo amado registra para a posteridade as suaves exortações do Senhor, nos últimos instantes de sua presença física entre eles. Mais uma vez, Emmanuel esclarece o tema: Jesus é o nosso caminho permanente para o Divino Amor. Junto dele seguem, esperançosos, todos os espíritos de boa vontade, aderentes sinceros ao roteiro santificador. Dessa via bendita e eterna procedem as sementes da Luz Celestial para os homens [...] (5) _______________ 5. Idem. Pã o n os so . Pelo Es pírito Em m anu el. 29. ed. 1 . reim p. Rio d e Jan eiro : FEB , 2008. Cap. 25.
Não podemos nos esquecer.
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19 - Cristianismo Redivivo
“O ex-rabino modificara o próprio aspecto, ao contato direto das forças agressivas da Natureza. [...] Entretanto, a solidão, as disciplinas austeras, o tear laborioso, lhe haviam enriquecido a alma de luz e serenidade. Os olhos calmos e profundos atestavam os novos valores do espírito. Entendera, finalmente, aquela paz desconhecida que Jesus desejara aos discípulos.”(1) _______________ 1. XAVIER, Fran cis co C. Paul o e Est êvão. Pelo Esp írit o Em m anu el. 44. ed. Rio FEB, 2007. P. 2, cap . 2, p. 313.
de J aneir o:
HAROLDO DUTRA DIAS
O romance mediúnico Paulo e Estêvão representa uma dádiva da Espiritualidade superior. Além de relatar o perfil dos personagens mais destacados do Cristianismo Nascente, bem como suas transformações ao longo do tempo, fornece dados históricos extremamente importantes para a reconstrução do primeiro século, tornando possível a compreensão de pontos obscuros do Novo Testamento. Novamente, urge realizar uma combinação harmoniosa e criteriosa de dados, com vistas à formação de um quadro cronológico coerente e convincente, baseado nas informações de Emmanuel: Quando as sombras crepusculares se faziam mais densas, dois homens desconhecidos entravam nos subúrbios da cidade. Embora a ventania afastasse as direçãodas do deserto, de chuva caíam, aquinuvens e ali, tempestuosas sobre a poeiranaardente ruas. Asgrossos janelas pingos das casas residenciais fechavam-se com estrépito. Damasco podia recordar o jovem tarsense [...] (2) _______________ 2. I dem , ibid em. P. 1, cap. 9, p. 250.
Naquela tarde, Gamaliel deixou a rústica choupana, dirigindo-se com o exdiscípulo à casa do irmão, que acolheu, desde então, o jovem tarsense [...] [...] o velho rabino de Jerusalém expôs ao negociante a situação do seu protegido. [...] esclareceu que ele tencionava trabalhar como tecelão nas tendas do deserto [...] Daí a três dias, Saulo despedia-se do mestre, debaixo de profunda comoção.(3) _______________ 3. Idem, ib idem . P. 2, cap. 2, p. 301-302 e 30
4.
Quando mais de um ano havia corrido sobre aquela soledade, uma caravana vinda de Palmira trazia-lhe um bilhete lacônico. O negociante comunicava-lhe a morte súbita do irmão, aliás de há muito esperada.
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A partida de Gamaliel para os reinos da morte não deixou de ser uma dolorosa surpresa. [...] (4) _______________ 4. XAVIER, Franci
sc o C. Op. cit . P. 2, cap. 2, p. 314.
Com efeito, depois da passagem da grande caravana que lhes trazia os substitutos, servidos de um camelo, os três irmãos do “Caminho” deixaram o oásis em carinho. direção a Palmira, onde a família de Gamaliel os acolheu com desvelado Áquila e a mulher ali ficariam algum tempo ao serviço de Ezequias, até que pudessem realizar o formoso ideal de trabalho na poderosa Roma dos césares, mas Saulo de Tarso, agora resistente como um beduíno, depois de agradecer a generosidade do benfeitor e despedir-se dos amigos com lágrimas nos olhos, tomou novamente o rumo de Damasco, radicalmente transformado pelas meditações de três anos consecutivos, passados no deserto. (5) (Grifo nosso.) _______________ 5. Idem , ibid em. p. 320.
Em dois minutos achou-se novamente na via pública. Era quase meio-dia, um dia quente. Sentiu sede e fome. Consultou a bolsa, estava quase vazia. Um resto do que recebera das generosas do irmão de Gamaliel, ao deixar Palmira definitivamente. [...] mãos (6) _______________ 6. I dem , ibid em. P. 2, cap. 3, p. 340.
Antes de comparar os textos, é conveniente relembrar algumas datas importantes, todas detalhadamente explicadas em edições anteriores desta revista. Após organizar a célebre viagem à cidade de Damasco, em busca de Ananias, Saulo adentra em Damasco, acometido de temporária cegueira, e sente que [...] “grossos pingos de chuva caíam, aqui e ali, sobre a poeira ardente das ruas”. Nos países banhados pelo mar Mediterrâneo, o clima é muito semelhante, com verões secos e quentes e invernos moderados e chuvosos. As estações do ano se dividem em dois grandes blocos: primavera–verão (abril–setembro) e outono– inverno (outubro–março). A primavera tem início no mês de abril, quando cessam as chuvas. Nesse caso, é plausível postular, com base nos informes de Emmanuel, que a conversão de Saulo se deu antes da primavera, ou seja, no primeiro trimestre do ano 36 d. C. (7)
_______________ 7. DI AS, Harold o D. Cristianis m o red ivivo : his tória da era apos Refor m ado r, ano 127, n. 2.16 0, p. 36(114) -37( 115) , m ar. 2009.
tólica, a con versão d e Saulo,
O tempo de permanência do antigo doutor da lei no deserto de Palmira foi estabelecido de forma precisa por Emmanuel: três anos. Durante sua estada no Oásis de Dan, foi surpreendido com a notícia da morte do seu grande orientador, Gamaliel. Retornando para Damasco, Paulo se vê obrigado a fugir da cidade, em razão de mandado de prisão expedido pelo Sinédrio. Empreende, então, a primeira viagem à cidade de Jerusalém, após sua conversão. Nesse ponto, o Benfeitor Emmanuel, utilizando recurso por nós conhecido, menciona as condições climáticas da cidade de Jerusalém, de modo a construir sua
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cronologia com base nas estações do ano, evitando-se imprecisões decorrentes da conversão do calendário judaico para o gregoriano. Sendo assim, não é difícil concluir que a chegada de Paulo em Jerusalém se deu num dia quente de verão, três anos após sua conversão em Damasco. Portanto, a primeira viagem de Paulo a Jerusalém ocorreu no verão do ano 39 d.C. Trata-se de uma data importantíssima para toda a cronologia do primeiro século do Cristianismo, bem como para a cronologia da própria vida de Paulo. Na segunda aos Coríntios, Paulo menciona “etnarca do rei Aretas” guardava Damascoepístola por ocasião de sua fuga dramática emque um ocesto (2 Cor. 11:32-33). Ora, o rei nabateu Aretas IV morreu entre 38 e 40 d.C. (provavelmente em 39 d.C.). Asseveram os pesquisadores ser improvável o controle nabateu de Damasco antes do ano 37 d.C., quando a ascensão de Calígula ao trono assinalou uma nova política romana para com os reis dependentes. Por esta razão, acreditam que a fuga de Damasco se deu entre 37 e 39 d.C. O romance mediúnico nos confirma que a fuga se deu no ano 39 d.C. Na epístola aos Gálatas (Gl., 1:16-20), o Apóstolo dos gentios descreve sua conversão, sua permanência de três anos na Arábia e sua primeira visita a Jerusalém, que, somadas ao relato de Atos dos Apóstolos (At., 9:1-30), nos confirmam os eventos, todavia, não nos oferecem um referencial seguro para a estruturação da cronologia. Nesse caso, as indicações detalhadas de Emmanuel, na obra mediúnica, representam uma importante contribuição da Espiritualidade para a determinação precisa desses marcos cronológicos.
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Reformador Junho 2009 - Ano 127 Nº 2.163 – PAG 29/227 – 31/229
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“Eu sou [...] a Verdade.”(1) _______________ 1. B íbl ia d e J eru s alé m . 3. ed . São Pau lo : P A UL US, 2 004. J oão , 14: 6, p . 1879 .
HAROLDO DUTRA DIAS
Frequentemente, nas proximidades do Tiberíades, o Mestre reunia seus discípulos para a pregação da Boa Nova do reino. Não raro, inúmeras pessoas, entre transeuntes e moradores da região, se juntavam ao grupo de seguidores do Cristo, atraídos pela doçura e pelo vigor daquelas palavras. Assim, as primeiras peregrinações de Jesus e de seus discípulos alcançaram inesquecíveis triunfos, sobretudo entre os desfavorecidos e marginalizados, que se enchiam de consolações ante promessas divinas do Evangelho. Naquele tempo, a palavra reinava soberana, por se tratar de uma cultura em que predominava a transmissão oral do conhecimento, reservando-se à escrita uma posição secundária. Na verdade, os textos que compõem o Novo Testamento representam apenas uma minúscula parcela da tradição oral. Podemos afirmar com segurança que o Evangelho é fruto da pregação e da exemplificação do Cristo. João Evangelista inicia seu livro com a frase: “No princípio era o Verbo”, demonstrando a força da pregação na difusão do Cristianismo. No texto hebraico do Antigo Testamento, a palavra emet (verdade) significa aquilo que é fidedigno, confiável, razão pela qual muitas vezes é traduzida como fidelidade, lealdade, firmeza. No contexto sociocultural do Antigo Testamento, a verdade não era meramente um conceito abstrato, teórico, localizado em um âmbito atemporal, ou extra-histórico, mas pelo contrário era vista como algo que podia ser comprovado na experiência prática, aquilo que era testemunhado diariamente na palavra e na conduta do homem. Pode-se confiar em uma verdade deste tipo, pois ela é firme, segura. Daí o sentido de fiel, fidedigno, confiável. A LXX (Versão dos Setenta) traduz emet (verdade) não somente como aletheia (verdade), mas também como pistis (fé ou fidelidade). Desse modo, pode-se concluir que essa palavra hebraica abarca os dois sentidos, verdade e fidelidade, razão pela qual, constantemente, é usada em oposição a engano ou falsidade. No Novo Testamento, encontramos Jesus utilizando a palavra verdade em muitas de suas pregações. Seus ditos atacavam a hipocrisia, ou, de modo mais geral, qualquer discrepância entreenganosas, a palavra ebaseadas a ação, ounuma entrecontradição a palavra e entre a realidade. Condenava todas aquelas atitudes o que se diz e o que se faz. Jesus é o Messias em palavras e em ações, mostrando uma vida íntegra que culmina na cruz. Sua vida fornece o exemplo de suas prédicas. Não apenas prega como também testemunha, demonstrando absoluta correspondência entre palavra e ação.
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Considerando essa relação entre ação e palavra como uma das características da verdade, foi que Jesus ensinou: “Para isso nasci e para isso vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Quem é da verdade escuta a minha voz”. (João 18:37.) Noutra ocasião afirmou: “Santifica-os na verdade; tua palavra é verdade”. (João, 17:17.) O Benfeitor Emmanuel, com pleno conhecimento desse aspecto do vocábulo verdade, bem como da importância da tradição oral, na época do Cristo, asseverou: Toda dissertação moldada bem é fez útil. discursos Jesus veiode ao renovação, mundo para comentou isso, pregou a verdade em todos os no lugares, a necessidade do amor para a solução de nossos problemas. No entanto, misturou palavras e testemunhos vivos, desde a primeira manifestação de seu apostolado sublime até a cruz. Por pregação, portanto, o Mestre entendia igualmente os sacrifícios da vida. [...] (2) _______________ 2. XAVIER, Francis co C. Caminh o, verd ade e vid a. Pelo Espí rito Emm anuel. 28. e d. Rio d e Jan eiro : FEB , 2008 . Cap. 38 , p. 92.
Um dos usos mais distintivos que Paulo faz da palavra aletheia (verdade) é o emprego deste vocábulo para designar o próprio Evangelho. (Gálatas, 2:5; 5:7.) Nesse contexto paulino, a Boa Nova é a mensagem da salvação, revelada por Deus, em contraste com imaginações Paulo herda o pontoporque de vista profético hebraico de quemeras a verdade divina sehumanas. opõe à idolatria, precisamente a idolatria é logro e ilusão. (Romanos, 1:25.) Essa nuance de significado da palavra verdade não passou despercebida do Espírito Emmanuel: [...] Alicerçando o serviço salvador que Ele mesmo trazia das esferas mais altas, proclama o Cristo à Humanidade que só existe um Senhor Todo-Poderoso – o Pai de Infinita Misericórdia. Sabia, de antemão, que muitos homens não aceitariam a verdade, que almas numerosas buscariam escapar às obrigações justas, que surgiriam retardamento, má vontade, indiferença e preguiça, em torno da Boa Nova; no entanto, sustentou a unidade divina, a fim de que todos os aprendizes se convencessem de que lhes seria possível envenenar a liberdade própria, criar deuses fictícios, erguer discórdias, trair provisoriamente a Lei, estacionar nos caminhos, ensaiar a guerra e a destruição, contudo, jamais poderiam enganar o plano das verdades eternas, ao qual todos se ajustarão, um dia, na perfeita compreensão de que “o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um só”. (3) _______________ 3. Idem. Pã o n os so . Pelo Es pírit o Em m anu el. 29. ed. Rio d e Jan eiro : FEB , 2008. Cap. 105.
No Evangelho de João, no entanto, aletheia (verdade) se liga à pessoa do próprio Cristo. (João, 14:6.) Jesus é o caminho e o alvo, ou seja, aquilo que o homem busca e o modo de atingi-lo. Nesse sentido, a verdade não é abstrata, pelo contrário é revelada na vida pessoal e real do Cristo. Por outro lado, Jesus é a revelação de Deus aos homens, portanto, o testemunho do próprio Deus. Ele diz Deus, na medida em que reflete o Criador em toda sua pureza. (João, 14:7.) Nesse sentido, vale transcrever o ensino de Emmanuel no tocante a este aspecto do vocábulo: Diante de cada discípulo, no reino individual, Jesus é a verdade sublime e reveladora.
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Todo aquele que lhe descobre a luz bendita absorve-lhe os raios celestes, transformadores... E começa a observar a experiência sob outros prismas, elege mais altos padrões de luta, descortina metas santificantes e identifica-se com horizontes mais largos. O reino do próprio coração passa a gravitar ao redor do novo centro vital, glorioso e eterno. E à medida que se vai desvencilhando das atrações da mentira, cada discípulo do Senhor penetra mais intensivamente na órbita da Verdade, que é a Pura Luz.(4) _______________ 4. XAVIER, Francis co 2008. Cap. 175, p. 388.
C. Vinha d e luz. Pelo Esp írito Emm anuel. 27. ed. Rio de J
aneiro: FEB,
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“Concedamos que pudéssemos atrair para o Mestre toda cidade. E depois? Deverias e poderias responder por todos os que aderissem ao teu esforço? A verdade é que poderias atrair, nunca, porém, converter. [...] Se Jesus, que tudo pode neste mundo sob a égide do Pai, espera com paciência a conversão do mundo, por que não poderemos esperar, de nossa parte?”(1) _______________ 1. XAVIER, Fran cis co C. Paul o e Est êvão. Pelo Esp írit o Em m anu el. 44. ed. Rio FEB , 2007. P. 2, cap . 3, p. 363.
de J aneir o:
HAROLDO DUTRA DIAS
Paulo de Tarso, ao retornar pela primeira vez a Jerusalém, após sua conversão, é constrangido a colher os frutos da sementeira infeliz, realizada anos antes, quando se arvorou em perseguidor implacável dos primeiros cristãos. A Lei Divina, com suas disposições soberanamente justas e misericordiosas, proporcionaria ao Doutor da Lei o ensejo da renovação dos quadros dolorosos de outrora, mediante o trabalho paciente e árduo. Por esta razão, a primeira visita a Jerusalém reveste-se de significado especial na vida do Apóstolo dos Gentios. Não obstante a profunda transformação espiritual, favorecida pela longa permanência no deserto, ao contemplar o panorama de lutas, trabalhos e sacrifícios que o aguardavam, Paulo sente necessidade de retomar sua vida no ambiente familiar de Tarso. A cidade natal do tecelão oferecia as condiçõesefavoráveis paraindispensáveis que a planta tenra do Evangelho pudesse alcançar o crescimento a robustez ao desempenho dos compromissos assumidos na seara do Cristo. Por conseguinte, fixar a data em que Paulo se instalou em Tarso, bem como o tempo de sua permanência naquela cidade, equivale a lançar luz sobre os primeiros dias de sua atividade missionária. Novamente, combinando textos, estabelecemos um quadro cronológico baseado nos informes de Emmanuel: [...] Saulo de Tarso, agora resistente como um beduíno, depois de agradecer a generosidade do benfeitor e despedir-se dos amigos com lágrimas nos olhos, tomou novamente o rumo de Damasco, radicalmente transformado pelas meditações de três anos consecutivos, passados no deserto .(2) (Grifo nosso.) _______________ 2. Idem , ibid em. p. 320.
Em dois minutos achou-se novamente na via pública. Era quase meio-dia, um dia quente. Sentiu sede e fome. Consultou a bolsa, estava quase vazia. Um resto do
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que recebera das mãos generosas do irmão de Gamaliel, ao deixar Palmira definitivamente. (3) (Grifo nosso.) _______________ 3. XAVIER, Fran cis co C. Paul o e Est êvão. Pelo Esp írito Em m anu el. 4. ed. Rio FEB , 2007. P. 2, cap . 3, p. 340.
de J aneir o:
– À vista do que ocorreu – prosseguiu o ex-pescador serenamente –, importa que te vás logo que que os caia a noite. A luta iniciada na Sinagoga dos cilícios é muito mais importante atritos de Damasco. [...] (4) _______________ 4. Idem , ibid em. p. 364.
[...] A atitude paterna só lhe agravara as desilusões. Repelindo-o, o genitor lançava-o num abismo .Agora começava a compreender que, reencetar a existência, não era volver à atividade no ninho antigo, mas principiar, do fundo dalma, o esforço interior, alijar o passado nos mínimos resquícios, ser outro homem enfim. [...] Quando deu acordo de si, a noite havia fechado de todo. O céu oriental resplandecia de estrelas. Ventos suaves sopravam de longe, refrescando-lhe a fronte incandescida.[...] (5) _______________ 5. I dem , ibid em. p . 375 -376.
Mais tarde na II Epístola aos Coríntios (12:2-4) Saulo afirmava: – “Conheço um homem em Cristo que há 14 anos [...]”. Dessa gloriosa experiência o Apóstolo dos gentios extraiu novas conclusões sobre suas ideias notáveis, referentemente ao corpo espiritual. (6) (Grifo nosso.) _______________ 6. Idem , ib id em . Not a de r od ap é , n. 1, p. 376-377.
Assim, durante três anos, o solitário tecelão das vizinhanças do Tauro exemplificou a humildade e o trabalho, esperando devotadamente que Jesus o convocasse ao testemunho.(7) (Grifo nosso.) _______________ 7. Idem , ibid em. p. 385.
Sabemos que a chegada de Paulo em Jerusalém se deu num dia quente de verão, três anos após sua conversão em Damasco, ou seja, no verão do ano 39 d.C. Sua permanência na Judeia foi extremamente curta, pois se viu obrigado a fugir da perseguição dos membros da Sinagoga dos cilícios, após ter feito ardorosa pregação naquele local. Confirmando a sequência cronológica, Emmanuel descreve mais uma vez, aparentemente de forma despretensiosa, a situação climática de Tarso. Não há dúvidas de que continuamos no verão do ano 39 d.C. Adormecendo naquele ambiente agreste, Paulo foi transportado espiritualmente à região de grande elevação, onde encontrou Estêvão e Abigail. Em nota de pé de página, Emmanuel esclarece que essa visão foi narrada na II Epístola aos Coríntios 12:2-4. Nessa carta, diz o Apóstolo que a experiência se deu 14 anos atrás. Logo, a carta foi escrita no ano 53 d.C. Essa data confere com as hipóteses levantadas pelos estudiosos que situam sua redação entre os anos 53 d.C. e 56 d.C.
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O tecelão permaneceu em Tarso por três anos, até que Barnabé o convidasse para os trabalhos promissores na Igreja de Antioquia.
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22 -Cristianismo Redivivo
“Eu sou [...] a Vida.”(1) _______________ 1. Bíblia de Jerusalém. 3. ed. São Paulo: PAULUS, 2004. João, 14:6, p. 1879.
HAROLDO DUTRA DIAS
No limiar do Saltério, encontramos o belíssimo verso “Feliz o homem que não vai ao conselho dos ímpios, não para no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores”. (2) (Grifo nosso.) Este Salmo oferece uma síntese perfeita dos ensinamentos morais encontrados nas Escrituras. Há dois caminhos: o do justo e o do injusto. _______________ 2. I dem , ibid em. Salm o, 1:1, p. 864.
O primeiro nos conduz à plenitude da “vida”, ao passo que o segundo nos leva à perdição da “morte”. Comentando o referido poema, os sábios da Palestina diziam haver uma espécie de encadeamento, uma progressão na prática do mal. Quem segue o conselho dos criminosos acaba se detendo no caminho dos perversos, e termina por zombar das realidades divinas. Por outro lado, aquele que se entrega à prática do bem é semelhante a uma árvore frondosa, plantada próxima de um riacho, cujas folhas nunca murcham e os frutos nunca se acabam, segundo a linguagem poética do referido salmo. No Evangelho de João encontramos a inusitada afirmativa de Jesus: “Eu sou [...] a Vida”. A assertiva merece atenção e reclama interpretação cuidadosa à luz dos ensinamentos trazidos pela Espiritualidade Superior, sistematizados e codificados na Doutrina Espírita. Sugerimos que, para a judiciosa compreensão do vocábulo “vida”, no sentido empregado por Jesus naquele versículo, é imperioso o exame de sua antítese: “morte”. Compreendendo o significado do termo “morte” nas Escrituras, poderemos apreender o sentido pleno da palavra “vida”. Há três textos de Emmanuel que podem nos socorrer nessa tarefa: Espiritualmente falando, apenas conhecemos um gênero temível de morte – a da consciência denegrida no mal, torturada de remorso ou paralítica nos despenhadeiros que marginam a estrada da insensatez e do crime.(3) (Grifo nosso.) _______________ 3. XAVIER, Franc is co
C. Pão n os so . Pelo Esp írito Em m anu el. 29. ed. 1. reim p. Rio de Jan eiro : FEB, 2008. Cap. 42.
No concerto das lições divinas que recebe, o cristão, a rigor, apenas conhece, de fato, um gênero de morte, a que sobrevém à consciência culpada pelo desvio da Lei; e os contemporâneos do Cristo, na maioria, eram criaturas sem atividade
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espiritual edificante, de alma endurecida e coração paralítico. [...] (4) (Grifo
nosso.) _______________ 4. I dem . Caminh o, verdad e e vida. Pelo Es FEB, 2009. Cap. 108.
pírito Emm anuel. 28. ed. 2. reimp. Rio d
e Janeiro :
O bem semeia a vida, o mal semeia a morte. O primeiro é o movimento evolutivo na escala ascensional para a Divindade, o segundo é a estagnação. Muitos Espíritos, de corpo em corpo, permanecem na Terra com as mesmas recapitulações durante milênios. A semeadura prejudicial condicionou-os à chamada “morte no pecado”. Atravessam os dias, resgatando débitos escabrosos e caindo de novo pela renovação da sementeira indesejável. A existência deles constitui largo círculo vicioso, porque o mal os enraíza ao solo ardente e árido das paixões ingratas.(5) (Grifo nosso.) _______________ 5. XAVIER, Francis co C. Caminh o, verd ade e vid a. Pelo Esp írito Emm anuel. 28. ed. 2. reimp. Rio d e Jan eiro: FEB, 2009. Cap. 3 5, p. 85- 86.
É notória a semelhança entre o vocabulário utilizado pelo salmista e por Emmanuel. Pode-se concluir que essa intencional analogia de palavras, adotada pelo Benfeitor espiritual interpretativo. em seus comentários do Evangelho, tenha uma finalidade didática: facilitar o processo Essas lições nos revelam que o caminho da injustiça, da maldade e da inferioridade moral guarda a marca da “paralisia” espiritual, da “estagnação”. Enfim, da prisão do ser ao “círculo vicioso” retratado no Salmo acima citado. Mesmo quando o mal procede do exterior, somente se enraíza em nosso ser, se com ele nos afinamos, na intimidade do coração. Por esta razão, advertem-nos os amigos espirituais que a extensão de nossa inferioridade se mede pela natureza das coisas e situações que nos atraem. O mal, nesta ótica, é a estagnação da alma que permitiu o desvio dos seus sentimentos mais nobres. Milênios de fixação nos caminhos do mal acabam por constituir em nós “o fundo viciado e perverso da natureza humana primitivista”.(6) _______________ 6. I dem , ibid em. Cap . 129, p. 274.
O Cristo, tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem para lhe servir de guia e modelo, representa a “vida” – estado de alma alcançado por aquele que se dispõe a trilhar o “caminho” do amor, expressando em sua individualidade os clarões da “verdade” – pois o Mestre reflete a bondade e a sabedoria divinas em sua conduta, conforme atestam os registros evangélicos acerca da sua passagem pela Terra. Não é por outra razão que Jesus ressuscitou Lázaro, símbolo da Humanidade escravizada no mal, e “morta no pecado”. Da mesma forma, continua ressuscitando cons ciências, devolvendo-lhes o sagrado dom da “vida”. Nessa linha interpretativa, Emmanuel assim se expressa: Em razão disso, o Divino Mestre veio até nós para que sejamos portadores de vida transbordante, repleta de luz, amor e eternidade. [...] Não nos visitou o Cristo, como doador de benefícios vulgares. Veio ligar-nos a lâmpada do coração à usina do Amor de Deus, convertendo-nos em luzes inextinguíveis. (7) (Grifo nosso.)
_______________
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7. XAVIER, Francis co C. Caminh o, verd ade e vid a. Pelo Esp írito Emm anuel. 28. ed. 2. rei Rio d e Jan eiro: FEB, 2009. Cap. 1 66, p. 34 7-348.
mp .
A alma voltada para o Cristo quase sempre foi ressuscitada por seu amor, escapando à sombra dos pesadelos intelectuais que operam a morte do sentimento... Muitos homens estão mortos, soterrados nos sepulcros da indiferença, do egoísmo, da negação. Quando um companheiro, como Lázaro, tem aem felicidade seratitudes. tocado pelo Cristo, eis que se estabelece a curiosidade geral torno dede suas Todos desejam conhecer-lhe as modificações .(8) (Grifo nosso.) _______________ 8. I dem , ibid em. Cap . 113, p. 241-242.
Por fim, cumpre ressaltar que a expressão “caminho, verdade e vida” constitui uma autêntica progressão no bem e no amor. Primeiramente é preciso trilhar o caminho do justo, traçado no Evangelho pela exemplificação do Mestre. Em seguida, é imperioso harmonizar palavra e ação, de modo que nossa vida reflita verdadeiramente nossa fé. Por fim, cumpre edificar o “Reino de Deus” no coração, para que nos desvencilhemos dos laços da “morte” no mal, a fim de alcançarmos a plenitude da vida imortal com o Cristo. Nesse contexto, vale lembrar as assertivas do Benfeitor Emmanuel: [...] Expressões transitórias de poder humano não atestam o Reino de Deus. A realização divina começará do íntimo das criaturas, constituindo gloriosa luz do templo interno. Não surge à comum apreciação, porque a maioria dos homens transita semicegos, através do túnel da carne, sepultando os erros do passado culposo. A carne é digna e venerável, pois é vaso de purificação, recebendo-nos para o resgate preciso; entretanto, para os espíritos redimidos significa “morte” ou “transformação permanente”. O homem carnal, em vista das circunstâncias que lhe governam o esforço, pode ver somente o que está “morto” ou aquilo que “vai morrer”. O Reino de Deus, porém, divino e imortal, escapa naturalmente à visão dos humanos.(9) (Grifo nosso.) _______________ 9. I dem , ibid em. Cap . 107, p. 229-230.
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23 - Cristianismo Redivivo
“A instituição fora iniciada por discípulos de Jerusalém, sob os alvitres generosos de Simão Pedro. [...] Antioquia era dos maiores centros operários. Não faltavam contribuintes para o custeio das obras [...] entretanto, escasseavam os legítimos trabalhadores do pensamento. [...] A instituição de Antioquia era, então, muito mais sedutora que a própria igreja de Jerusalém. Vivia-se ali num ambiente de simplicidade pura [...]. Havia riqueza, porque não faltava trabalho. Todos amavam as obrigações diuturnas, aguardando o repouso da noite nas reuniões da igreja, qual uma bênção de Deus. [...] A união de pensamentos em torno de um só objetivo dava ensejo a formosas manifestações de espiritualidade. Em noites determinadas, havia fenômenos de ‘vozes diretas’” (1) _______________ 1. XAVIER, Fran cis co
C. Paul o e Est êvão. Pelo Esp írit o Em m anu el. 44. ed. Rio FEB , 2007. P. 2, cap . 4, p. 387-388, 391-392.
de J aneir o:
HAROLDO DUTRA DIAS
Sabemos que a chegada de Paulo em Jerusalém se deu num dia quente de verão, três anos após sua conversão em Damasco, ou seja, no verão do ano 39 d.C. Sua permanência na Judeia foi extremamente curta, pois se viu obrigado a fugir da perseguição dos membros da Sinagoga dos cilícios, após ter feito ardorosa pregação naquele local. Em seguida, aconselhado por Simão Pedro, o tecelão fixou residência em sua cidade natal, Tarso, pelo período de três anos, até que Barnabé o convidasse para os trabalhos promissores na Igreja de Antioquia. Novamente, combinando textos, estabelecemos um quadro cronológico baseado nos informes de Emmanuel e Irmão X: Assim, durante três anos, o solitário tecelão das vizinhanças do Tauro exemplificou a humildade e o trabalho, esperando devotadamente que Jesus o convocasse ao testemunho.(2) (Grifo nosso.) _______________ 2. I dem , ibid em. P. 2, cap. 3, p. 385.
[...] Ainda, aí, entrou a compreensão de Pedro para que não faltasse ao tecelão de Tarso o ensejo devido. Observando as dificuldades, depois de indicar Barnabé para a direção do núcleo do “Caminho”, aconselhou-o a procurar o convertido de Damasco, a fim de que sua capacidade alcançasse um campo novo de exercício espiritual. [...] Pressuroso e prestativo, Saulo de Tarso em breve se instalava em Antioquia, onde passou a cooperar ativamente com os amigos do Evangelho.(3) _______________ 3. I dem , ibid em. P. 2, cap. 4, p. 388.
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Com efeito, daí a meses, um portador da igreja de Jerusalém chegava apressadamente a Antioquia, trazendo notícias alarmantes e dolorosas. Em longa missiva, Pedro relatava a Barnabé os últimos fatos que o acabrunhavam. Escrevia na data em que Tiago, filho de Zebedeu, sofrera a pena de morte , em grande espetáculo público. [...] (4) (Grifo nosso.) _______________ 4. XAVIER, Fran cis co C. Paul o e Est êvão. Pelo Esp írit o Em m anu el. 44. ed. Rio
de J aneir o:
FEB , 2007. P. 2, cap . 4, p. 395.
Onze anos após a crucificação do Mestre , Tiago, o pregador, filho de Zebedeu, foi
violentamente arrebatado por esbirros do Sinédrio, em Jerusalém, a fim de responder a processo infamante. [...] O antigo pescador e aprendiz de Jesus é atado a grande poste e, ali mesmo, sob a alegação de que Herodes lhe decretara a pena, legionários do povo passam-no pela espada, enquanto a turba estranha lhe apedreja os despojos. (5) (Grifo nosso.) _______________ 5. I dem . Cont os des ta e do ut ra vi da. Pelo Esp írit o Irm ão X. 2. ed. 1. reim p. Rio de J aneir o: FEB , 2008. Cap. 23, p. 111-112.
Imensas surpresas aguardavam os emissários de Antioquia, que já não encontraram Simão Pedro em Jerusalém. As autoridades haviam efetuado a prisão do ex-pescador de Cafarnaum, logo após a dolorosa execução do filho de Zebedeu. [...] (6) _______________ 6. Idem. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 44. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. P. 2, cap. 4, p. 396-397.
Dentro em pouco, cheios de confiança em Deus, Saulo e Barnabé, seguidos por João Marcos, despediam-se dos irmãos, a caminho de Selêucia. A viagem para o litoral decorreu em ambiente de muita alegria. De quando a quando, repousavam à margem do Oronte, para a merenda salutar. À sombra dos carvalhos, na paz dos bosques enfeitados de flores , os missionários comentaram as primeiras esperanças. (7) (Grifo nosso.)
_______________ 7. Idem, ibidem. p. 410.
Considerando que Paulo permaneceu três anos em Tarso, podemos concluir que a sua chegada em Antioquia se deu por volta do ano 42 d.C., durante ou após o verão. No livro Atos dos Apóstolos (Cap.11, 12 e 13), há relatos de inúmeros fatos ocorridos durante a permanência do Apóstolo em Antioquia. Alguns merecem especial destaque para os nossos propósitos: 1) A mudança do nome dos seguidores de Jesus, que passaram a se chamar “cristãos”, um ano depois da chegada de Paulo (Atos, 11:26); 2) As previsões do profeta Ágabo a respeito dos martírios em Jerusalém (Atos, 11:28); 3) O martírio de Tiago, filho de Zebedeu, e irmão de João Evangelista (Atos, 12:2); 4) A prisão de Simão Pedro (Atos, 12:3); 5) A morte de Herodes (Atos, 12:23); 6) A viagem de Paulo e Barnabé a Jerusalém (Atos, 12:25); 7) A primeira viagem missionária de Paulo e Barnabé (Atos, 13:2-4). O martírio de Tiago ocorreu, segundo o relato do Espírito Irmão X, onze anos após a crucificação. Em publicações anteriores demonstramos que a crucificação de Jesus se deu em abril/maio do ano 33 d.C. , (8)
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portanto, Tiago morreu no ano 44 d.C., data em que Simão Pedro escreveu a missiva para Barnabé, que se encontrava em Antioquia. _______________ 8. Consultar o artigo intitulado Cristianismo redivivo: história da era apostólica, a cr uc ific ação d e Jesu s,Haro ldo Dutr a Dias, pub lic ado em Refor m ado r, ano 126, n. 2.154, p. 33(351)-35(353), set. 2008.
Herodes Agripa I, filho mais novo de Herodes Magno (Herodes, o Grande), foi condecorado com o título real pelo imperador romano Calígula no ano 37 d.C., mas somente reinou, efetivamente, a partir do ano 41 d.C. Os historiadores divergem quanto à data da sua morte, especulando que ela tenha ocorrido entre setembro/outubro de 43 d.C. e fevereiro de 44 d.C. Harold Hoehner, em sua tese de doutorado intitulada Chronology of the Apostolic Age,(9) postula que Herodes morreu no ano 44 d.C., apresentando diversas evidências documentais e arqueológicas bastante convincentes.Ademais, sua data se encaixa perfeitamente com aquela informada pelo Espírito Irmão X. _______________ 9. O le itor não d eve con fun dir es sa tese de do uto rado , não p ub licada, com out ro liv ro d e Harold Hoehner intitulado Chrono logical Aspects o f the Life of C hrist, publicado pela edito ra Zond ervan, de cará ter estritam ente religio so. Sua tese de dou torad o reú ne tod os o s requ ra acadê deve apresentar d a á r ea ,isito ao csoqu n treáuma rio dob o seu liv ro , mi ac ca im a c itad o , q u e fopara i d irser ig idaceita o ao pelos p úb licesp o r el ig ioecialistas so.
Após o recebimento da carta de Simão Pedro, Paulo e Barnabé se dirigiram a Jerusalém, onde foram surpreendidos pela ausência do próprio Simão, que havia se retirado da cidade, em função da sua anterior prisão. Ao regressarem da cidade santa, formulam o plano da primeira viagem missionária, que foi integralmente endossado pela Espiritualidade superior. Nessa viagem, Paulo e Barnabé trouxeram de Jerusalém o jovem João Marcos, que se tornaria mais tarde o conhecido evangelista. Não é demais lembrar, repetimos, que nos países banhados pelo Mar Mediterrâneo, o clima é muito semelhante, com verões secos e quentes e invernos moderados e chuvosos.As estações do ano se dividem em dois grandes blocos: primavera–verão (abril–setembro) e outono–inverno (outubro–março). Emmanuel, aode descrever o início da primeira viagem missionária, aos– “bosques enfeitados flores”, nas margens do Oronte. Essa referênciafaz – járeferência o sabemos não é meramente ilustrativa ou poética. Sua função é nos esclarecer que a referida viagem teve início na primavera do ano 44 d.C.
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Reformador Janeiro 2010 - Ano 128 Nº 2.170 – PAG 33/31 – 35/33
24 - Cristianismo Redivivo
“Desde já, vejo os críticos consultando textos e combinando versículos para trazerem à tona os erros do nosso tentame singelo. [...] e ao pedantismo dogmático, ou literário, de todos os tempos, recorremos ao próprio Evangelho para repetir que, se a letra mata, o espírito vivifica.”(1) _______________ 1. XAVIER, Fran cis co C. Paul o e Est êvão. Pelo Esp írito Em m anu el. 44. ed. 2. reim Jan eiro : FEB , 2009. Brev e n otícia, p . 10.
p. Rio de
HAROLDO DUTRA DIAS
A simplicidade e humildade do Benfeitor espiritual Emmanuel pode levar o estudioso iniciante a crer que haja erros nas informações trazidas pelo romance histórico Paulo e Estêvão. Na época em que essa extraordinária obra veio a lume (1942), é certo que a maioria dos dados históricos, sobretudo aqueles relacionados à cronologia, estavam em discordância com as pesquisas bíblicas publicadas na primeira metade do século XX. Ainda hoje, enciclopédias, dicionários bíblicos, artigos esparsos, produzidos por autores daquele período ou por pessoas que não atualizaram seus estudos, contêm dados, datas, informes diametralmente opostos ao daquela obra mediúnica. Por outro lado, a mais recente pesquisa acadêmica (1980-2009) parece confirmar cada detalhe deste romance espiritual, como se pode constatar do trabalho de John P. Meier, E. P. Sanders, W. D. Davies, Craig Evans, Bruce Chilton, James H. Charlesworth, Joseph Fitzmyer, Ehrman, David Flusser, Geza Vermes, Haroldo Hoehner, para citar apenas os Barth mais conhecidos. Temos abordado nesta coluna, ainda que de forma resumida e simples, as datas mais significativas do primeiro século do Cristianismo, conjugando essa recente pesquisa histórica com as revelações espirituais presentes na obra Paulo e Estêvão, no intuito de fornecer um quadro cronológico desse período, capaz de auxiliar o leitor na leitura e compreensão do Novo Testamento, em especial do livro Atos dos Apóstolos. Nesse sentido, transcorridos mais de um ano desse esforço, sentimos necessidade de fornecer um resumo dos dados apresentados até o presente momento, na esperança de que essa “tabela cronológica” seja útil a todos que anseiam por uma compreensão mais precisa da “História da Era Apostólica”, com vistas a uma melhor apropriação do conteúdo espiritual da mensagem evangélica. Naturalmente, não poderemos explicar meticulosamente todas as datas apresentadas, remetendo o leitor aos números anteriores da revista Reformador, onde poderão ser encontrados informes mais detalhados, com a dedução de cada data específica. Todas essas datas são apresentadas com a menção da estação do ano correspondente, tendo em vista a impossibilidade, na maioria dos casos, de se fixar o dia e o mês exato do evento. Por esta razão, cumpre lembrar que nos países banhados pelo
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Mar Mediterrâneo o clima é muito semelhante, com verões secos e quentes e invernos moderados e chuvosos. As estações do ano se dividem em dois grandes blocos: primavera–verão (abril–setembro) e outono–inverno (outubro–março). É importante ressaltar que o romance mediúnico Paulo e Estêvão representa uma espécie de “bastidores”, making-off do livro bíblico Atos dos Apóstolos, razão pela qual é indispensável sua leitura e citação. O fio condutor de toda a história apostólica se encontra em Atos dos Apóstolos e Emmanuel irá seguir esse roteiro de forma rigorosa. (2) ao nesse A crucificação Jesus se deu emdias abril/maio ano 33data. d.C.,Ainda passo ano, que Pentecostes (Atos, 2)deocorreu cinquenta depois do daquela Pedro discursou no Templo de Jerusalém (Atos, 3:1; 4:31). _______________ 2. Consultar o artigo intitulado “A crucificação de Jesus”, publicado na revista Reformador, ano 126, n. 2.154 , setem br o de 2008, p. 33(351) -35(3 53).
No ano 34 d.C., Pedro fixa residência na cidade de Jerusalém, fundando a “Casa do Caminho”, primeiro núcleo cristão de assistência aos necessitados e divulgação do Evangelho. Por essa época, ocorreu a pitoresca morte de Ananias e Safira (Atos, 4:32; 5:11). Os primeiros acontecimentos descritos no romance Paulo e Estêvão ocorreram na primavera/verão do ano 34 d.C., ocasião em que Jeziel (Estêvão) é levado cativo para as galeras romanas (outonododeCaminho” 34 d.C.),noe inverno acaba aportando doente em Jerusalém, sendo conduzido para a “Casa de 34/35 d.C., ou seja, final daquele ano e início do outro. Nesse mesmo período, talvez, Pedro foi preso e discursou no Sinédrio (Atos, 5:1242), sendo libertado em função da célebre intervenção de Gamaliel. Na primavera do ano 35 d.C., Estêvão é nomeado para ser um dos sete trabalhadores que cooperariam com os Apóstolos nos trabalhos da igreja nascente (Atos, 6:1-7), sendo preso e apedrejado pouco tempo depois, no verão do ano 35 d.C .(3) (Atos, 6:8; 7:60). _______________ 3. Consultar o artigo intitulado “O primeiro Mártir”, publicado na revista Reformador, ano 127, n. 2.158, jan eiro de 2009, p. 29(27)-31(29).
Decorridos oito meses da morte do primeiro Mártir, Saulo procura Abigail na pequena propriedade rural situada na estrada de Jope, surpreendendo-a em grave estado de saúde. Esse dramático encontro entre Saulo e Abigail só pode ter ocorrido no início do ano 36 d.C.(4) _______________ 4. Consultar o artigo intitulado “A conversão de Saulo”, publicado na revista Reformador, ano 127, n. 2.160, m arço d e 2009, p. 36(114)-37(115).
Adentrando em Damasco, acometido de temporária cegueira, após a gloriosa visão do Cristo, o jovem Saulo sente que “grossos pingos de chuva caíam, aqui e ali, sobre a poeira ardente das ruas”.(5) A primavera tem início no mês de abril, quando cessam as chuvas. _______________ 5. XAVIER, Fran cis co C. Paul o e Est êvão. Pelo Esp írito Em m anu el. 44. ed. 2. reim Jan eiro : FEB , 2009. P. 1, cap. 10, p. 250 .
p. Rio de
Nesse caso, é plausível postular, com base nos informes de Emmanuel, que a conversão de Saulo se deu antes da primavera, ou seja, no primeiro trimestre do ano 36 d.C.(6)
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_______________ 6. Consultar o artigo intitulado “A conversão de Saulo”, publicado na revista Reformador, ano 127, n. 2.160, m arço d e 2009, p. 36(114)-37(115).
Após breve estada em Damasco, Paulo se retira para o deserto (Atos, 9:8-25; Gálatas, 1:15-18). O tempo de permanência do antigo doutor da lei no deserto de Palmira foi estabelecido de forma precisa: três anos (Gálatas, 1:17-18). Emmanuel confirma e esclarece detalhes período. Durante sua estada noGamaliel. Oásis de surpreendido com asobre notíciaesse da morte do seu grande orientador, (7)Dan, Paulo foi _______________ 7. Consultar o artigo intitulado. “A preparação no deserto”, publicado na revista Refor m ado r, ano 127, n. 2. 162, maio de 2009, p. 34(19 2)-36( 194).
Ao retornar do Oásis de Dan, no deserto da Arábia, Paulo passa por Damasco (Gálatas, 1:17), de onde se retira às pressas, escondido em um cesto, tendo em vista a ordem de prisão contra ele expedida (Atos, 9:19-25). A chegada de Paulo em Jerusalém (Atos, 9:26-29; Gálatas, 1:18--20) verificou-se num dia quente de verão, três anos após sua conversão em Damasco, ou seja, no verão do ano 39 d.C. Sua permanência na Judeia foi extremamente curta, pois se viu obrigado a fugir da perseguição dos membros da Sinagoga dos cilícios, após ter feito ardorosa pregação naquele local.(8) _______________ 8. Consultar o artigo intitulado “O regresso a Tarso”, publicado na revista Reformador, ano 127,n.2. 164,julh o de 2009, p.34(272) -35(2 73).
Aconselhado por Simão Pedro, o tecelão fixou residência em sua cidade natal, Tarso (Atos, 9:30; Gálatas, 1:21), pelo período de três anos. Essas informações podem ser encontradas no romance Paulo e Estêvão: [...] Saulo de Tarso, agora resistente como um beduíno, depois de agradecer a generosidade do benfeitor e despedir-se dos amigos com lágrimas nos olhos, tomou novamente o rumo de Damasco, radicalmente transformado pelas meditações de três anos consecutivos, passados no deserto. (9) (Grifo nosso.) _______________ 9. XAVIER, Fran cis co
C. Paul o e Est êvão. Pelo Esp írit o Em m anu el. 39. ed. Rio FEB , 2003. P. 2, cap . 2, p. 320.
de J aneir o:
Assim, durante três anos, o solitário tecelão das vizinhanças do Tauro exemplificou a humildade e o trabalho, esperando devotadamente que Jesus o convocasse ao testemunho.(10) (Grifo nosso.) _______________ 10. Idem , ibid em. p. 385.
Desse modo, a permanência de Paulo em Tarso se estendeu do verão do ano 39 d.C. ao verão do ano 42 d.C., “até que Barnabé o convidasse para os trabalhos promissores na Igreja de Antioquia”.(11) _______________ 11. Consultar o artigo intitulado “O regresso a Tarso”, publicado na revista Reformador, ano 127, n. 2.164, julh o d e 2009, p. 34(272) -35(2 73).
Em resumo, da data de sua conversão em Damasco até sua chegada em Antioquia, transcorreram seis longos anos (primeiro trimestre do ano 36 d.C. até o verão
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do ano 42 d.C.), nos quais o Apóstolo dos Gentios consolidou as profundas transformações que o encontro com Jesus lhe provocou.
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Reformador Fevereiro 2010 - Ano 128 Nº 2.171 – PAG 34/72 – 36/74
25 - Cristianismo Redivivo
“Desde já, vejo os críticos consultando textos e combinando versículos para trazerem à tona os erros do nosso tentame singelo. [...] e ao pedantismo dogmático, ou literário, de todos os tempos, recorremos ao próprio Evangelho para repetir que, se a letra mata, o espírito vivifica” (1) _______________ 1. XAVIER, Fran cis co C. Paul o e Est êvão. Pelo Esp írito Em m anu el. 44. ed. 2. reim Jan eiro : FEB , 2009. Brev e n otícia, p . 10.
p. Rio de
HAROLDO DUTRA DIAS
Atendendo ao alvitre de Simão Pedro, Barnabé convidou Paulo para os trabalhos promissores na Igreja de Antioquia. No artigo anterior [publicado em jan. 2010, p. 33-35], concluímos que, da data de sua conversão em Damasco até sua chegada em Antioquia, transcorreram seis longos anos (primeiro trimestre do ano 36 d.C. até o verão do ano 42 d.C.), nos quais o Apóstolo dos Gentios consolidou as profundas transformações que o encontro com Jesus lhe provocou. Consoante os informes de Emmanuel e Irmão X: [...] Ainda, aí, entrou a compreensão de Pedro para que não faltasse ao tecelão de Tarso o ensejo devido. Observando as dificuldades, depois de indicar Barnabé para a direção do núcleo do “Caminho”, aconselhou-o a procurar o convertido de Damasco, a fim de que sua capacidade alcançasse um campo novo de exercício espiritual. [...] Pressuroso e prestativo, Saulo de Tarso em breve se instalava em Antioquia, onde passou a cooperar ativamente com os amigos do Evangelho. [...] (2) _______________ 2. I dem , ibid em. P. 2, cap. 4, p. 388.
Com efeito, daí a meses, um portador da igreja de Jerusalém chegava apressadamente a Antioquia, trazendo notícias alarmantes e dolorosas. Em longa missiva, Pedro relatava a Barnabé os últimos fatos que o acabrunhavam. Escrevia na data em que Tiago, filho de Zebedeu, sofrera a pena de morte , em grande espetáculo público. [...] (3) (Grifo nosso.) _______________ 3. Idem , ibid em. p. 395.
Onze anos após a crucificação do Mestre , Tiago, o pregador, filho de Zebedeu, foi
violentamente arrebatado por esbirros do Sinédrio, em Jerusalém, a fim de responder a processo infamante. (Grifo nosso.) [...]
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O antigo pescador e aprendiz de Jesus é atado a grande poste e, ali mesmo, sob a alegação de que Herodes lhe decretara a pena, legionários do povo passam-no pela espada, enquanto a turba estranha lhe apedreja os despojos.(4) _______________ 4. XAVIER, Franc isc o C. Con to s d esta e d ou tra v id a. Pelo Esp írit o Irm ão X. 2. ed. 2 . reim p. Rio d e Jan eiro: FEB, 2009. Cap. 2 3. p. 111 -112.
Imensas surpresas aguardavam os emissários de Antioquia, já nãoa encontraram Simão Pedro em Jerusalém. As autoridades haviamque efetuado prisão do ex-pescador de Cafarnaum, logo após a dolorosa execução do filho de Zebedeu. [...] (5) _______________ 5. Idem . Paulo e Est êvão. Pel o Esp írito Emm anu el. 44. ed. 2. reim 2007. P. 2, cap. 4, p. 396.
p. Rio de J aneiro : FEB ,
Nos capítulos 11, 12 e 13 do livro Atos dos Apóstolos encontramos uma descrição parcial dos fatos ocorridos durante a permanência do Apóstolo em Antioquia, entre eles a mudança do nome dos seguidores de Jesus, que passaram a se chamar “cristãos”, um ano depois da chegada de Paulo (Atos, 11:26); as previsões do profeta Ágabo a respeito dos martírios em Jerusalém (Atos, 11:28); o martírio de Tiago, filho de Zebedeu, e irmão de João 12:2); a prisãoa de Simão Pedro, a morte de Herodes (Atos, 12:3 e 23)Evangelista e a viagem (Atos, de Paulo e Barnabé Jerusalém (Atos, 12:25). Essa descrição parcial é bastante enriquecida com os dados trazidos pelo Benfeitor Emmanuel, no romance Paulo e Estêvão, permitindo-nos organizar um quadro razoavelmente detalhado do período. Desse modo, conjugando as informações, é possível determinar que o martírio de Tiago ocorreu, segundo o relato do Espírito Irmão X, onze anos após a crucificação. Em publicações anteriores demonstramos que a crucificação de Jesus se deu em abril/maio do ano 33 d.C.,(6) portanto, Tiago morreu no ano 44 d.C., (7) data em que Simão Pedro escreveu a missiva para Barnabé, que se encontrava em Antioquia. _______________ 6. Consultar o artigo intitulado “A crucificação de Jesus”, publicado na revista Reformador, ano 126, n. 2.154, set. 2008, p. 33(351)-35(353). 7. Consultar o artigo intitulado “A Igreja de Antioquia”, publicado na revista Reformador, ano 127, n. 2.167, out . 2009, p. 34(392)--36(394).
Herodes Agripa I, filho mais novo de Herodes Magno (Herodes, o Grande), foi condecorado com o título real pelo imperador romano Calígula no ano 37 d.C., mas somente reinou, efetivamente, a partir do ano 41 d.C. Os historiadores divergem quanto à data da sua morte, especulando que ela tenha ocorrido entre setembro/outubro de 43 d.C. e fevereiro de 44 d.C. Harold Hoehner, em sua tese de doutorado intitulada Chronology of the Apostolic Age,(8) postula que Herodes morreu no ano 44 d. C., apresentando diversas evidências documentais e arqueológicas bastante convincentes. Ademais, sua data se harmoniza perfeitamente com aquela informada pelo Espírito Irmão X. _______________ 8. O le itor não d eve con fun dir es sa tese d e dout orad o, não p ub licada, com out ro li vro de Harold Hoehner intitulado Chrono logical Aspects o f the Life of C hrist, publicado pela Edito ra Zond ervan, de cará ter estritam ente religio so. Sua tese de do uto rado r eúne tod os o s requ isito s qu e uma ob ra acadê m ica deve apresentar para ser aceita pelos esp ecialistas da área , ao c o n tr ário d o seu liv ro , ac im a c itad o , q u e fo i d ir ig id o ao p úb lic o r el ig io s o .
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Após o recebimento da carta de Simão Pedro, Paulo e Barnabé dirigiram-se a Jerusalém, onde foram surpreendidos pela ausência do próprio Simão, que havia se retirado da cidade, em função da sua anterior prisão. Não obstante, Barnabé e Paulo entregaram a coleta de donativos ao apóstolo Tiago, regressando a Antioquia profundamente impressionados com as mudanças ocorridas na Igreja de Jerusalém, que perdera suas características de simplicidade e independência. resumo das datascom mencionadas nestemencionados artigo e no anterior ser conferido tabela O acima, enriquecida outros eventos no livro pode Atos dos Apóstolos.na
_______________ 9. Consultar o artigo intitulado “A crucificação de Jesus”, publicado na revista Reformador, ano 126, n. 2.154, set. 2008, p. 33(351)-35(353). 10. Consultar o artigo intitulado “O primeiro Mártir”, publicado na revista Reformador, ano 127, n. 2.158, jan . 2009, p. 29(27)-31(29). 11. Consultar o artigo intitulado “A Igreja de Antioquia”, publicado na revista Reformador, ano 127, n. 2.167, out . 2009, p. 34(392)-36(394).
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EVENTOS Crucificação
DATA abril/maio do ano 33 d.C.(9)
Pentecostes
maio do ano 33d.C.
Escolha dos Diáconos Martírio de Estevão
primavera do ano 35 d.C. verão do ano 35 d.C.(10) 1º trimestre do ano 36 d.C. verão do ano 36 d.C./verão do ano 39 d.C (10). verão do ano 39 d.C.
Conversão de Saulo Paulo em Damasco/Arábia Primeira visita a Jerusalém Paulo em Tarso Paulo em Antioquia Martírio de Tiago Segunda visita a Jerusalém
REFERÊNCIA Mateus 27:27-50; Marcos, 15:16-37: Lucas, 23:26-46; João, 19:17-30 Atos, 2:1-36 Ato, 6:1-7 Ato, 6:8; 7:60 Atos, 9:1-18 Atos, 9:8-25; Gálatas 1:15-18 Atos, 9:26-29; Gálatas 1:18-20 Atos, 9:30; Gálatas 1:21
verão do ano 39 d.C./verão do ano 42 d.C. verão do ano 42 d.C. Ato, 11:25-26 ano 44 d.C.(11) Ato, 12:1-23 verão do ano 44 d.C. Atos, 11:30; Gálatas 2:110
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Reformador Março 2010 - Ano 128 Nº 2.172 – PAG 36/114 – 38/116
26 - Cristianismo Redivivo
“O resultado final de um acontecimento pode, portanto, ser certo, por se achar nos desígnios de Deus; como, porém, quase sempre, os detalhes e o modo de execução se encontram subordinados às circunstâncias e ao livre-arbítrio dos homens, podem ser eventuais os caminhos e os meios.”(1) _______________ 1. KARDEC, All an. A gênese. Trad. Evand 16, item 14.
ro Noleto Bezerra. Rio d e Janeiro : FEB , 200 9. Ca p.
HAROLDO DUTRA DIAS
Ao discorrer sobre o fenômeno da predição do futuro, em sua magnífica obra A Gênese, o Codificador esclarece que a Providência Divina regula os acontecimentos que
envolvam interesses gerais da Humanidade, salientando que os homens concorrem para a execução dos desígnios divinos, mas nenhum deles é indispensável ao seu cumprimento, visto não estar o Criador à mercê de suas criaturas. Por esta razão, “os detalhes e os modos de execução” constituem estratégias da Providência Divina, que podem variar segundo o grau de adesão da Humanidade aos propósitos celestes, que buscam invariavelmente o progresso e o aperfeiçoamento intelectual e moral dos seres humanos. O livre-arbítrio do homem, relativo e sempre subordinado à vontade soberana do Criador, pode opor inúmeros obstáculos ao progresso individual e coletivo, como também pode representar poderosa alavanca na execução desses desígnios. Em matéria de predição dos acontecimentos concernentes ao futuro da Humanidade, ou seja, no tocante à profecia bíblica, urge compreender e meditar a respeito das questões acima mencionadas, de modo a não incorrer em falsas interpretações ou em alarmismo inconveniente. Nunca é demais lembrar que o amor e a misericórdia integram a Justiça Divina, razão pela qual os planos da Providência visam sempre o aperfeiçoamento dos seres. Nesse caso, provações, expiações, calamidades, guerras constituem instrumentos didáticos da pedagogia divina, que jamais desampara os seres durante seus sofrimentos, por considerá-los todos como filhos de Deus, Espíritos imortais em evolução. No limiar do Apocalipse, encontramos o belíssimo versículo: “E dei-lhe um tempo para que se arrependa, mas não quer se arrepender da sua prostituição”.(2) _______________ 2. Ap ., 2:21. Trad ução d o a rt ic ul is ta.
Emmanuel mais uma vez nos socorre na tarefa de interpretação deste versículo: Muita gente insiste pela rigidez e irrevogabilidade das determinações de srcem divina, entretanto, compete-nos reconhecer que os corações inclinados a semelhante interpretação, ainda não conseguem analisar a essência sublime do amor que apaga dívidas escuras e faz nascer novo dia nos horizontes da alma.
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Se entre juízes terrestres existem providências fraternas, qual seja a da liberdade sob condição, seria o tribunal celeste constituído por inteligências mais duras e inflexíveis? A Casa do Pai é muito mais generosa que qualquer figuração de magnanimidade apresentada, até agora, no mundo, pelo pensamento religioso. Em seus celeiros abundantes, há empréstimos e moratórias, concessões de tempo e recursos que a mais vigorosa imaginação humana jamais calculará.(3) (Grifo nosso.)
_______________ 3. XAVIER, Franc is co
C. Pão n os so . Pelo Esp írito Em m anu el. 29. ed. 2. reim p. Rio de Jan eiro : FEB , 2009. Cap. 92, p. 199- 200.
O Altíssimo conjuga todas as providências e recursos para que o progresso das almas se efetue em clima de harmonia e paz, sob os auspícios do seu infinito amor. A tormenta, o desajuste, o desequilíbrio e a expiação decorrem do abandono voluntário do Amor Divino. Não há determinações rígidas e irrevogáveis nos códigos celestes. Se o condenado(4) pela justiça humana é acompanhado durante o cumprimento de sua pena, tendo em vista a possibilidade da concessão de diversos benefícios, dependendo do seu comportamento na prisão, não há razão para aguardar comportamento diverso da Providência Divina, no curso das nossas expiações e provas. _______________ 4. Na legi sl ação b ras ilei ra, o
c on den ado , du ran te a ex ecu ção d e su a pen a, éch am ado de Penal.
“reeducando”, o que revela a nova visão humanista do Direito
“A profecia é revelada para que não se cumpra” Pelo contrário, a programação espiritual de uma existência ou de um ciclo de progresso da civilização humana é sempre feita com base em cálculos de probabilidade. Os caminhos são tão intricados e dependem de tantas variáveis que lembram uma teia de aranha, com suas vigorosas ramificações. Nessa linha interpretativa, Emmanuel assim se expressa: Cada homem possui, com a existência, uma série de estações e uma relação de dias, estruturadas em precioso cálculo de probabilidades. [...] (5) _______________ 5. XAVIER, F ranc isco C. Vinha de lu z. Pelo Esp írito Emm anuel. 27. ed. 1. reimp. Rio Jan eiro : FEB , 2008. Cap. 113, p. 258.
de
Nesse contexto, podemos asseverar que todas as predições/profecias da Bíblia se acham subordinadas a um paradoxo, que pode ser expresso nos seguintes termos: “A profecia é revelada para que não se cumpra”. A afirmação pode causar certa estranheza ao leitor. Pensando nisto, transcrevemos a seguir o trecho de uma entrevista concedida pelo médium Francisco Cândido Xavier sobre o assunto em estudo, que muito tem nos auxiliado na compreensão desse palpitante tema: O Célebre Nostradamus assinala os meses de julho e outubro de 1999 como sendo o período final do tempo que estamos atravessando; com a ocorrência de imensos cataclismos astronômicos e sociais. Nostradamus deve ser levado a sério?
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– Com respeito às profecias de Nostradamus que, aliás, devemos estudar com o maior respeito ao mensageiro humano dos vaticínios conhecidos, pede-nos Emmanuel para lermos com meditação a Parábola de Jonas no Antigo Testamento.(6) (Grifo nosso.)
_______________ 6. XAVIER , Francisc o C.; ARA NTES, H é rcio M. C. Auto res d iverso s. Enc ont ros no temp o. São Pau lo : IDE, 1979. Cap . 1, q . 6.
Sendo assim, no tocante ao cumprimento das profecias, sobretudo as bíblicas, o paradigma deve ser a Parábola de Jonas, encontrada no Antigo Testamento (Jonas, 3-4), segundo nos orienta o Benfeitor Emmanuel. O profeta Jonas foi encarregado de transmitir à cidade de Nínive tenebrosos vaticínios de destruição e morte, caso os cidadãos daquele local não se arrependessem dos seus erros. Todavia, contrariando as expectativas do profeta, os habitantes de Nínive se arrependeram, passando a viver segundo as determinações da Lei Divina, motivo pelo qual a profecia foi anulada, não obstante a revolta de Jonas, que se sentiu humilhado pelo suposto fracasso da sua missão. Quando o profeta descansava do Sol ardente, sob a sombra de uma mamoneira, Deus enviou vermes que destruíram a planta, expondo o profeta novamente ao calor escaldante. Diante da revolta de Jonas, Deus exclamou, na instrutiva parábola do Velho Testamento: “Tu tens pena da mamoneira, que não te custou trabalho e que não fizeste crescer, que em uma noite existiu e em uma noite pereceu. E eu não terei pena de Nínive, a grande cidade, onde há mais de cento e vinte mil seres humanos, que não distinguem entre direita e esquerda, assim como muitos animais!”(7) _______________ 7. Bíblia de Jerusalém. 3. imp. São Paulo: PAULUS, 2004. Jonas, 4:10-11, p. 1.633.
Sendo assim, considerando-se o infinito amor de Deus por todas as suas criaturas, bem como o caráter pedagógico de toda revelação acerca dos acontecimentos futuros, individuais ou coletivos, é lícito asseverar que “a profecia é revelada para que não se cumpra”
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Reformador Junho 2010 - Ano 128 Nº 2.175 – PAG 34/248 – 36/250
27 - Cristianismo Redivivo
“E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”(1) _______________ 1. DIAS,Harol do D. (Tradu to r). O n ov o t estam ento . Br asília: EDICEI, 2010. João, 8:32.
HAROLDO DUTRA DIAS
N a época de Jesus eram utilizados rolos de papiro ou de pergaminho para o registro de livros, cartas, documentos públicos ou privados. Havendo necessidade de uma cópia do srcinal (autógrafo), recorria-se ao trabalho dos copistas profissionais, que estavam deoequipamento e técnica indispensáveis ao êxito da difícile empreitada. Domunidos contrário, interessado deveria lançar-se ao trabalho meticuloso exaustivo de produzir sua própria cópia, correndo o risco de perder o material, papiro ou pergaminho, por falhas no processo de escrita, acondicionamento ou preparo físico das tintas e dos rolos. Ao longo dos séculos, os livros que compõem a coletânea chamada Novo Testamento (NT) foram copiados por milhares de pessoas nos mais diversos locais ao redor do Mar Mediterrâneo. A maior parte dessas cópias se perdeu, algumas por desgaste natural do material utilizado, papiro ou pergaminho, outras por ignorância do local onde foram guardadas pelos copistas. Por volta do século XVIII, foram descobertos diversos locais naquela região onde estavam acondicionados manuscritos do Novo Testamento. Essas descobertas desencadearam verdadeira corrida em busca dos “papiros e pergaminhos” antigos. Atualmente, estão catalogados cerca de 5.500 manuscritos gregos do NT, sem contar os manuscritos das traduções feitas ao longo dos séculos, tais como manuscritos da Vulgata Latina, da versão Siríaca, Armênia, Egípcia (Copta), além das citações dos Pais da Igreja. A catalogação e comparação desses manuscritos ganharam fôlego na década de 70, ocasião em que se reuniram os maiores especialistas do mundo para publicarem as duas edições críticas do texto grego do NT, uma, destinada aos tradutores (UBS), e outra, aos especialistas (Nestle-Aland). As duas adotam o mesmo texto--padrão, variando apenas as notas de rodapé, que no caso da edição Nestle-Aland é mais robusta e completa. A essa altura o leitor deve estar se perguntando: o que vem a ser uma “edição crítica”? Antes de responder a essa aparentemente singela pergunta, convém esclarecer alguns pontos. O ramo do conhecimento que lida com a comparação e catalogação de manuscritos antigos se chama “Crítica Textual”. O estudioso da área, por sua vez, é denominado “Crítico Textual”. Considerando que a imprensa foi inventada somente no século XVI, não é difícil imaginar que, antes dessa data, há uma profusão de manuscritos, nas mais diversas línguas, de um número incalculável de autores. Existem os manuscritos gregos de
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Homero, Platão, Aristóteles; os manuscritos em latim de Virgílio, Horácio, Santo Agostinho; os manuscritos egípcios, hindus, hebreus, chineses, entre outros. Em suma, toda a literatura antiga está preservada em cópias manuscritas. Desse modo, os críticos textuais acabam se especializando em determinado autor e/ou livro, razão pela qual não devemos nos surpreender com a existência de especialistas em manuscritos do NT. O primeiro trabalho de um crítico textual consiste na catalogação, datação, determinação da srcem cada manuscrito particular que contenha determinado livro ou fragmento dele. Umade vez realizado esse em trabalho preliminar, compete-lhe a explicação da história da transmissão daquele texto, separando os manuscritos por região, época, tipo de escrita, tradição textual. Ao reconstruir a história da transmissão do texto, o crítico textual deve especificar quais são os manuscritos mais antigos, os mais completos, os mais bem redigidos, demonstrando como esses ancestrais chegaram até nós e quais cópias derivam deles, numa espécie de construção da árvore genealógica dos manuscritos. Encerrado o trabalho de catalogação, inicia-se a comparação crítica de cada frase para se descobrir em quais pontos os manuscritos divergem. Essas divergências são conhecidas como “variantes textuais”. Obtida a lista de variantes para cada frase do texto, no caso do NT para cada versículo, o crítico textual deve ser capaz de explicar a existência de cada uma em particular, apontando quais delas são alterações intencionais e quais são decorrentes de erro ou desatenção do copista. A edição crítica de um texto antigo, portanto, representa a definição do texto adequado, ou seja, aquele que melhor reflete o “texto srcinal perdido (autógrafo)”, após catalogação e comparação do maior número possível de cópias manuscritas disponíveis, acompanhadas de notas de rodapé com as variantes textuais mais importantes. Em se tratando de textos redigidos antes da invenção da imprensa, os especialistas utilizam apenas edições críticas, pois elas constituem um resumo de todo o material manuscrito disponível para determinado livro, possibilitando ao estudioso a comparação das variantes textuais e a reconstituição da história da transmissão daquele texto. É o caso do Novo Testamento, que dispõe de duas edições críticas, como já mencionado, cuja diferença reside apenas nas notas de rodapé, uma contendo mais variantes textuais do que a outra. Considerando que essas duas edições críticas somente foram publicadas na década de 70, todas as traduções do NT feitas no século XX se baseiam nesse texto crítico da UBS//Nestle-Aland. O estudo da edição crítica do texto grego do Novo Testamento nos permite compreender as variantes textuais de todos os versículos, para podermos avaliar de forma crítica quais foram introduzidas com interesse teológico e quais são resultado de simples erro dos copistas. Por outro lado, é muito comum alguém dizer que determinado versículo foi acrescentado, mas sem embasamento da Crítica Textual, ou seja, sem dizer em quais manuscritos aquele texto está ausente, de modo a comprovar suas afirmações. Não vale apenas dizer algo, é preciso demonstrar mediante provas manuscritas a veracidade das afirmações. Para tanto, é imprescindível conhecer a “edição crítica” a fundo. É bom lembrar buscar nenhum o autógrafo (manuscrito srcinal) dos textos antigos. No caso do que Novoé ilusão Testamento, srcinal foi encontrado. Todos os manuscritos que possuímos (5.500) são cópias feitas ao longo de 1.500 anos. Esse fato, porém, não nos deve preocupar. Há livros antigos de autores famosos cujos manuscritos são escassos. Alguns deles contam com apenas dois ou três manuscritos descobertos, mas nem por isso duvida-se da autenticidade deles.
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O Novo Testamento é o único livro antigo que conta com essa infinidade de cópias manuscritas, portanto, é o livro mais bem atestado da Humanidade. A imensidade de cópias, não obstante o trabalho que oferece aos estudiosos, representa nossa maior segurança, pois permite a definição do texto-padrão com muito mais segurança do que qualquer outro livro antigo. Seguramente, foi a estratégia adotada pela Espiritualidade superior para preservação dos textos da segunda revelação.
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Reformador Novembro 2010 - Ano 128 Nº 2.180 – PAG 11/425 – 12/426
28 - Entrevista HAROLDO DUTRA DIAS
Haroldo Dutra Dias, articulista desta Revista e recente tradutor de O Novo Testamento, comenta suas motivações para os estudos sobre os Evangelhos e destaca a vasta contribuição da obra de Emmanuel, psicografada por Chico Xavier, para o resgate do Cristianismo Nascente Reformador: Qual foi sua motivação inicial para redigir a coluna “Cristianismo Redivivo” nesta revista? Haroldo: Após anos de pesquisa em torno da obra Paulo e Estêvão, percebi que havia
sérias questões, relacionadas à cronologia e história do Cristianismo Nascente, que eram revisadas pelo autor espiritual daquele romance histórico. Emmanuel propunha uma nova cronologia do primeiro século da Era Cristã, além de abordar e esclarecer inúmeros pontos obscuros. Pude notar, igualmente, que os dados históricos contidos naquele livro estavam em total desacordo com a literatura acadêmica produzida na primeira metade do século XX, mas em absoluta concordância com as mais recentes pesquisas sobre o assunto, levando-nos a concluir que essa obra mediúnica havia antecipado descobertas e pesquisas históricas que seriam feitas somente 50, 60 anos mais tarde. Esses fatos motivaram a redação da coluna “Cristianismo Redivivo”. A intenção é compartilhar essas informações com os leitores de Reformador. Reformador: Você dá ênfase às obras de Emmanuel? Por quê? Haroldo: Acreditamos que Emmanuel tem a missão, como atesta a vasta literatura por
ele ditada a Chico Xavier, de resgatar o Cristianismo Nascente, na sua integral pureza e srcinalidade, tudo com base na Codificação Kardequiana. Nesse sentido, sua obra é um monumento espiritual por a desafiar nossa capacidade de leitura, estudo, pesquisa e reflexão. Os livros produzidos esse Benfeitor espiritual representam “parada obrigatória” para todos os estudiosos sérios do Cristianismo, que já entenderam o papel complementar da revelação mediúnica para a pesquisa acadêmica relativa a esse tema. Reformador: E a tradução de O Novo Testamento – há pouco editada pela EDICEI –, tem relação com os estudos citados? Haroldo: A tradução de O Novo Testamento é fruto desse esforço para compreender a
vasta contribuição legada pelo Benfeitor Emmanuel. Na medida em que aprofundávamos na pesquisa, cada vez mais sentíamos necessidade de um texto do Novo Testamento neutro, objetivo, fidedigno, que pudesse ser apresentado com isenção a qualquer estudioso sincero. Noutro giro, considerando as inúmeras pesquisas e descobertas científicas relativas aos manuscritos gregos do Novo Testamento, ao ambiente cultural, histórico linguístico qual viveu necessária uma tradução atualizada, moderna,eque pudesse no incorporar todasJesus, essas era recentes descobertas. Reformador: Como concretizou tal tradução? Haroldo: A tradução foi feita em três anos, nos quais trabalhava em média seis horas por
dia, embora ela tenha sido precedida de uma pesquisa que já dura dezessete anos. Para esse escopo, formamos uma biblioteca especializada em Cristianismo com mais de três
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mil volumes, fora a viagem feita a Jerusalém, onde foi possível adquirir meia tonelada de livros da tradição judaica, o mesmo material que serviu de base para os estudos de Paulo de Tarso. Foram consultados mais de 40 dicionários especializados em grego, em mais de cinco idiomas, dezenas de dicionários de hebraico, aramaico, inúmeras enciclopédias e dicionários bíblicos, e mais de 120 traduções do Novo Testamento em português, inglês, espanhol, francês, alemão, latim, siríaco. Reformador: Chico Xavier? Como avalia o impacto da análise dos Evangelhos pela psicografia de Haroldo: A interpretação do Novo Testamento feita por Emmanuel representa uma
profunda mudança de paradigma na hermenêutica bíblica. Páginas sintéticas, vazadas em linguagem simples, escondem soluções de profundos enigmas exegéticos, como também revelam o caráter prático e vivencial desse trabalho, todo voltado para a vivência efetiva e plena do Evangelho. Acreditamos, sinceramente, que esse material interpretativo, embora trazido diretamente por Emmanuel, tenha sua srcem em esferas superiores, nas quais esse Benfeitor pôde colher sugestões e a colaboração de grandes vultos do Cristianismo Nascente. Reformador: Qual sua percepção pelo Centenário de Chico Xavier? Haroldo: O Centenário de Chico Xavier tem sido a grande oportunidade para nos
reunirmos em torno da grandiosa literatura por ele psicografada, com o objetivo de entender a dimensão e a profundidade desse trabalho, além de representar um valioso momento de reflexão acerca da exemplificação desse grande missionário que, com sua vida e seu trabalho, traçou para todos nós um roteiro de como pode e deve ser a vida de um verdadeiro discípulo de Jesus. Reformador: Uma mensagem para o leitor de Reformador. Haroldo: Com os leitores desta respeitável Revista tenho a grata satisfação de
compartilhar uma reflexão que muito me conforta: se a Humanidade mereceu o carinho e o esforço da Espiritualidade superior que permitiu se concretizasse no mundo a obra insuperável do Codificador e essa literatura mediúnica subsidiária, como continuidade ao trabalho iniciado por Moisés e exemplificado por Jesus, podemos guardar a certeza de que todos estamos mergulhados em um oceano de amor, no qual Deus aguarda o nosso aprimoramento espiritual como um Pai afetuoso que pretende nos atrair para o seu coração amoroso.