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Curso Online de Filosofia OLAVO DE CARVALHO
Resumos de Aulas Vol. III Elaborado por Mário Chainho
Índice Aula 11 – 20/06/2009 Aula 12 – 27/06/2009 Aula 13 – 04/07/2009 Aula 14 – 11/07/2009 Aula 15 – 18/07/2009
Pag. 2 10 15 23 31
Notas: 1) Este material é para uso exclusivo dos alunos do Curso Online de Filosofia. Estes devem sempre recorrer às gravações e transcrições das aulas, como fontes primárias, para limitar a propagação dos erros involuntários aqui contidos e colmatar as lacunas. 2) Os resumos foram escritos em português de Portugal.
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Aula 11 – 20/06/2009 Sinopse: No actual estado da sociedade não basta cuidar da educação intelectual mas
há que refazer a educação moral e a educação social. A educação moral é recebida em casa, onde se forma a personalidade, correspondendo a um património de valores que nos acompanha por toda a vida. A educação social é recebida na escola e dita as regras e as normas de conduta a utilizar na vida pública. Este modelo disciplinar começou também a invadir a educação intelectual, que se transformou apenas num adestramento que simula uma verdadeira actividade intelectual. Uma das consequências da deterioração da linguagem foi a perda da sua capacidade nominativa, observável na utilização deslocada de figuras de linguagem. Romper com este analfabetismo consagrado irá colocar-nos numa posição de solidão por algum tempo, mas teremos de atingir uma posição de pura dádiva onde já não necessitamos de obter aprovação. Apenas com esta maturidade estaremos habilitados para o caminho da filosofia. A educação moral refaz-se pela prática da confissão e a técnica, a esta preparatória, do exame de consciência descrita por Adolphe Tanquerey. O nosso exame de consciência deve ainda ser complementando sondando em nós alguns aspectos mais: a cobardia, a necessidade de segurança e aprovação que nos foram induzidas; o ódio ao conhecimento e a inveja destrutiva em relação aos melhores; e o mimetismo neurótico. Relativamente à educação social, devemos desde já ter em conta que nos estamos a capacitar para ocupar posições que actualmente não existem e terão de ser criadas, tendo nós, desde já, que começar a ver os meios de alcançar novas formas de actuação. Sobre a linguagem, há ainda o problema das categorias que a cultura colocou à disposição serem inadequadas e deformantes, como a utilização de intelecto e emoções para descrever o ser humano, conduzindo a todo o tipo de distorções. No Exercício de Leitura Lenta devemos não só evocar experiências que demonstrem o conteúdo positivo das afirmações mas também exemplos opostos que esclareçam os seus limites semânticos. O nascimento da filosofia na Grécia introduziu um novo princípio orientador da sociedade, que já não era o da ordem cósmica mas o do auto-conhecimento e da alma humana na busca da perfeição. O porquê da d a filosofia fil osofia só ter nascido na Grécia Gréci a prende-se, acima de tudo, tu do, com a intensa actividade política, que levava à disputa de lugares públicos mediante a utilização de discursos retóricos, todos eles eficientes, mas que levantavam contradições que suscitaram em Sócrates a vontade de os comparar para verificar a sua veracidade.
A necessidade de refazer a educação O currículo da Educação Liberal é insuficiente para as necessidades dos alunos do COF, que vivem num contexto onde a vida intelectual desapareceu e é necessário criar os postos, papéis e actividades que existiriam para os intelectuais numa sociedade normal. Existe a necessidade de refazer a educação nas suas diversas vertentes, aqui denominadas, por convenção, de moral, social e intelectual. A educação moral é recebida em casa e fornece um património de valores básicos que nos orientará por toda a vida, correspondendo à grande parte da formação da personalidade. Na escola, a formação vai ser ao nível social, que lida com as questões da vida pública, se bem que
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Aula 11 – 20/06/2009 Sinopse: No actual estado da sociedade não basta cuidar da educação intelectual mas
há que refazer a educação moral e a educação social. A educação moral é recebida em casa, onde se forma a personalidade, correspondendo a um património de valores que nos acompanha por toda a vida. A educação social é recebida na escola e dita as regras e as normas de conduta a utilizar na vida pública. Este modelo disciplinar começou também a invadir a educação intelectual, que se transformou apenas num adestramento que simula uma verdadeira actividade intelectual. Uma das consequências da deterioração da linguagem foi a perda da sua capacidade nominativa, observável na utilização deslocada de figuras de linguagem. Romper com este analfabetismo consagrado irá colocar-nos numa posição de solidão por algum tempo, mas teremos de atingir uma posição de pura dádiva onde já não necessitamos de obter aprovação. Apenas com esta maturidade estaremos habilitados para o caminho da filosofia. A educação moral refaz-se pela prática da confissão e a técnica, a esta preparatória, do exame de consciência descrita por Adolphe Tanquerey. O nosso exame de consciência deve ainda ser complementando sondando em nós alguns aspectos mais: a cobardia, a necessidade de segurança e aprovação que nos foram induzidas; o ódio ao conhecimento e a inveja destrutiva em relação aos melhores; e o mimetismo neurótico. Relativamente à educação social, devemos desde já ter em conta que nos estamos a capacitar para ocupar posições que actualmente não existem e terão de ser criadas, tendo nós, desde já, que começar a ver os meios de alcançar novas formas de actuação. Sobre a linguagem, há ainda o problema das categorias que a cultura colocou à disposição serem inadequadas e deformantes, como a utilização de intelecto e emoções para descrever o ser humano, conduzindo a todo o tipo de distorções. No Exercício de Leitura Lenta devemos não só evocar experiências que demonstrem o conteúdo positivo das afirmações mas também exemplos opostos que esclareçam os seus limites semânticos. O nascimento da filosofia na Grécia introduziu um novo princípio orientador da sociedade, que já não era o da ordem cósmica mas o do auto-conhecimento e da alma humana na busca da perfeição. O porquê da d a filosofia fil osofia só ter nascido na Grécia Gréci a prende-se, acima de tudo, tu do, com a intensa actividade política, que levava à disputa de lugares públicos mediante a utilização de discursos retóricos, todos eles eficientes, mas que levantavam contradições que suscitaram em Sócrates a vontade de os comparar para verificar a sua veracidade.
A necessidade de refazer a educação O currículo da Educação Liberal é insuficiente para as necessidades dos alunos do COF, que vivem num contexto onde a vida intelectual desapareceu e é necessário criar os postos, papéis e actividades que existiriam para os intelectuais numa sociedade normal. Existe a necessidade de refazer a educação nas suas diversas vertentes, aqui denominadas, por convenção, de moral, social e intelectual. A educação moral é recebida em casa e fornece um património de valores básicos que nos orientará por toda a vida, correspondendo à grande parte da formação da personalidade. Na escola, a formação vai ser ao nível social, que lida com as questões da vida pública, se bem que
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a tendência é enviar as crianças cada vez mais cedo para a escola para que esta não transmita apenas os códigos sociais mas que passe também a moldar nas crianças as reacções íntimas e por vezes quase inconscientes. A educação recebida em casa, a autoridade, as regras, proibições, imposições, tem apenas validade naquele contexto e cada família tem o seu modelo próprio. Na escola existe apenas um código para todos; o tratamento é impessoal e frio, contam apenas os direitos e deveres, não sendo como em casa onde as crianças podem também fazer as suas chantagens. A educação social não se limita a direitos e deveres, passando também por uma série de códigos necessários para a vida em sociedade. Aos poucos, a escola entra também na educação intelectual, com o adestramento da linguagem, matemática, ciências, etc. Não se trata de uma verdadeira educação no início porque não existe um foco na compreensão mas na obtenção de resultados pelo seguimento de protocolos. Este carácter puramente disciplinar se continuamente aplicado a disciplinas como a matemática será muito prejudicial pois conduzirá a uma indução de obediência. Como a matemática é altamente complexa, este puro adestramento pode dar a ilusão de ser o exercício de uma actividade intelectual, mas é apenas um comportamento de macaco adestrado que não sabe o que faz. A matemática já é uma arte do imaginário, puramente construtiva e sem relação com a realidade, e se nos deslumbrarmos pelas suas dificuldades e complexidades estaremos a nos bloquear à verdadeira compreensão. A ênfase no princípio disciplinador no ensino das ciências e das artes, que se prolonga até à universidade, foi instigada pelos proponentes da revolução cultural, que querem substituir a compreensão por adestramento comportamental, onde as pessoas nunca percebam a sua realidade mas sejam facilmente mobilizáveis e reajam da forma como os seus gurus ordenem. É um sistema mitológico, onde se fala muito de liberdade e pensamento crítico, mas o que realmente existe é um autoritarismo sem paralelo. A crítica só é exercida sobre coisas ausentes e nunca sobre a própria situação. Quando já não nos reconhecemos como os agentes das situações que produzimos estamos na alienação total, impossibilitados de pesar qualquer decisão e de assumir responsabilidades. A substituição da educação intelectual pela “educação disciplinar” instituiu um sistema onde se visa obter a aprovação do grupo de referência através do simulacro de conhecimento. Esta exibição de “bom-mocismo” é complementada pela demonização dos seus adversários, que muitas vezes são totalmente imaginários. Actualmente existem apenas papéis sociais para quem está disposto a viver na mentira existencial total. É necessário criar novos papéis sociais ligados à vida intelectual, mas isso não pode ser feito apenas na base da educação intelectual, sendo necessário intervir também nas componentes moral e social, através de um exame retroactivo da nossa formação recebida para perceber realmente aquilo que nos foi inculcado. A educação social já não pode ser recebida por nós a um nível disciplinar mas através da meditação crítica da nossa própria experiência. O foco da educação intelectual é o despertar da inteligência, ao que se liga a capacidade de compreender a realidade da experiência. A maior parte das pessoas não sabe que é possível fazer isto, a sociedade reprime isto, o que significa que a obtenção de uma educação intelectual vai fazer-nos entrar numa situação de conflito. Temos de nos transformar em autoridades capazes de impor novos modelos de conduta.
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Precisamos de ver se a nossa formação de base não nos formatou para sermos cobardes, o que nos levará instintivamente à recusa em assumir as responsabilidades inerentes à vida intelectual. Temos de ter especial atenção para o medo que nos foi incutido em relação a situações imaginárias, vagas e que apenas se manifestam como ameaças, pois mostrariam a sua fragilidade ao se cumprirem. O medo do imaginário não tem limites. Como antídoto, devemos fazer uma lista de pessoas que respeitamos, porque elas querem que sejamos independentes, fortes e conhecedores. Essas são as únicas pessoas que nos devem interessar, não vamos querer a aprovação das outras. O exercício da filosofia não é compatível com a covardia, nem física, nem moral e muito menos intelectual, e por isso temos de examinar se existe a presença destes elementos corruptores em nós, introduzidos desde a infância.
A perda da capacidade nominativa da linguagem Para Karl Bühler a linguagem tem três funções. A primeira é a função expressiva onde se manifestam sentimentos, estados interiores, etc. A segunda é a função apelativa, que requer um recuo do sujeito em relação à sua linguagem para poder agir sobre a consciência de outros. Para isto há que ter um domínio da função expressiva, mas esta tem que ser algo reprimida para não trair o objectivo da apelação. Com a função nominativa pretendemos descrever a realidade e por isso as outras duas funções têm que recuar. Descrever a realidade deixou de ser um objectivo, as pessoas apenas dizem algo para se sentirem melhor, e aí usam a função expressiva, ou então usam a função apelativa para moldar a cabeça dos seus interlocutores. Se os sujeitos tivessem a noção que fazem isto já teriam algum domínio da linguagem, mas como são hábitos consolidados, de origem esquecida, os indivíduos acham que estão mesmo a falar da realidade. Daqui resulta um uso abstruso das figuras de linguagem, exemplificado por Emir Sader que escreveu sobre os seus heróis, Marx, Fidel, Che, como sendo inexprimíveis, inefáveis. Percebe-se o ridículo disto quando constatamos que somente Deus pode transcender a linguagem humana, e mesmo assim a teologia consegue falar algo sobre Ele. O que Emir Sader mostra, ao atribuir características divinas aos seus ídolos, é um exemplo de idolatria psicótica. A identificação grupal e a intervenção pública Quando aparece alguém que sabe escrever, ele pode apenas ser compreendido no contexto do analfabetismo consagrado. Vamos obter reacções de pessoas habituadas apenas a buscar certos símbolos, emblemas, lugares comuns que evocam um senso de concordância que assinala a pertença a um grupo. Com a educação emocional que tiveram, as pessoas são carentes, covardes e apenas procuram na leitura estas muletas. Não há aqui qualquer compreensão do que realmente se está a falar e muito menos poderá haver compreensão de algo realmente bem escrito. Há aqui apenas a tentativa de pertencer a um grupo e encontrar os seus semelhantes, uma característica puramente animal. Quem pretende manter o conforto grupal está impossibilitado de entrar no mundo do conhecimento, que implica uma abertura para uma dimensão que não existia antes. A transição não é directa, implica uma “travessia do deserto”,
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durante a qual vamos achar que estamos perdidos e sem saída, mas isso é apenas transitório. Mesmos depois de termos feito a “travessia do deserto” podemos cair no erro de procurar aprovação de colegas, família, conhecidos. Agora somos diferentes e queremos que eles aprovem o diferente. Não temos que discutir com ninguém nem temer ser incompreendidos. Não podemos esquecer o que disse Nicolás Gómez Dávila: “vencer um tonto nos humilha”. Nós já temos a comunidade do COF e fora disso a intervenção pública só é lícita se estivermos em missão, para desmascarar alguém que ocupa uma posição intelectual sem qualquer mérito, por exemplo. Intervir publicamente com o objectivo de obter aprovação não é lícito, dentro do espírito do COF, além de que nos coloca numa posição frágil onde facilmente seremos derrotados pela sociedade. Temos de atingir uma posição de simples dádiva porque já não necessitamos de aprovação ou algum tipo de auto-satisfação. Temos de ter consciência de que estamos a trabalhar para o bem das pessoas e por isso não precisamos que elas gostem de nós.
A conquista da maturidade A vida intelectual, tal como entendida no COF, é a condensação e melhoramento da educação nas suas três vertentes. Nesse percurso vamos obter respeito por nós mesmos e a consciência do que fazemos. Só assim podemos conquistar a maturidade, sem esquecer que Aristóteles dizia que o homem maduro é o homem ideal para a filosofia. Na educação dos filhos, por exemplo, o homem maduro revela-se ao interferir o mínimo na vida das crianças mas, quando a situação o exigir, impondo a sua autoridade sem ter a necessidade de dar explicações. Muitos pais fazem o oposto, querem decidir tudo na vida dos filhos, mas também não se querem responsabilizar por nada, chamando os filhos para opinar sobre assuntos para os quais eles não estão capacitados, esperando assim obter a aprovação deles. Neste contexto, o homem maduro é aquele que é capaz de dar o amor sem esperar receber algo em troca. Em filosofia a maturidade é essencial para criar uma atitude de procura sincera da verdade. A satisfação tem de estar contida na actividade em si e não no conteúdo das respostas. Devemos ter muito cuidado com a racionalização dos auto-enganos. Não somos melhores que as outras pessoas e se alguma vantagem podemos ter é a consciência de que temos também em nós a raiz do mal e isso leva-nos a um exame de consciência, que pode ser feito diariamente antes do adormecer. “O mundo é composto de dois tipos de pessoas: pessoas boas que se acham más e pessoas más que se acham boas” (Barbey d’Aurevilly ou Léon Bloy). Refazer a Educação Moral A entrada na vida intelectual implica refazer as três etapas da educação, começando pela vertente moral. A educação moral refaz-se a partir da prática da confissão. Não é uma questão religiosa, simplesmente não existe outra técnica. Pode ser complementada com outras práticas, como a técnica platónica de recordar tudo o que fizemos num dia antes de adormecermos ou os exercícios do Narciso Irala, mas não pode ser
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substituída. A psicanálise, por exemplo tem um âmbito de actuação muito limitado e não serve como instrumento de auto-conhecimento. As Confissões, de Santo Agostinho, foram uma conquista da civilização, onde pela primeira vez o homem ocidental assumiu a responsabilidade por tudo o que se passa na sua alma. A confissão é um ritual mas também uma arte e uma técnica. Não pode ser feita por curiosidade mórbida, na ânsia de descobrir apenas o que há de mal. Vamos descobrir em nós, mais que a maldade, a mediocridade e a mesquinharia, e perceberemos que somos como todas as outras pessoas. Para preparar a confissão existe o exame de consciência proposto por Adolphe Tanquerey no livro Tratado de Teologia Ascética e Mística . Este exame de consciência pretende ajudar a ultrapassar o difícil problema de realizar uma confissão sincera, e consta em cerca de 10 perguntas para cada um dos 10 mandamentos. Respondendo às 100 perguntas inevitavelmente saberemos algo mais sobre nós, mas não podemos cair na tentação de querer parecer “bom menino” perante Deus; Ele já nos desaprovou devido ao pecado original; Ele está ali para nos revelar algo sobre nós que desconhecíamos. Através da confissão iremos corrigir inúmeras distorções da nossa educação moral. Temos de ainda meditar noutras questões não referidas explicitamente por Tanquerey. Em primeiro lugar devemos prestar atenção à subtil indução de covardia a que fomos submetidos deste tenra idade, o que também conduz a uma carência afectiva. Fomos habituados a procurar segurança, protecção, aprovação de um grupo de referência ou de um chefe e, por outro lado, fomos habituados a temer os desafios. Temos de sondar em nós também o ódio ao conhecimento e a inveja destrutiva em relação aos melhores. A sociedade tem horror ao conhecimento, substituindo-o por símbolos exteriores burocráticos, como a escola, o diploma, o grau académico. O verdadeiro intelectual, se não estiver preparado, de tanto ser desprezado acabará por ser destruído. E quando atingir esse ponto será apreciado pela sociedade, porque se redimiu da sua capacidade. O ódio ao conhecimento é o ódio à verdade e isto é o pecado contra o Espírito Santo que não pode ser perdoado. Alguns livros de Lima Barreto retratam bem o ódio ao conhecimento na sociedade brasileira: Recordações do Escrivão Isaías Caminha, Triste Fim de Policarpo Quaresma e Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá . Devemos ainda estar atentos ao nosso eventual mimetismo neurótico. A imitação passou a ser um valor em si mesmo, como se a realidade fosse um mero acessório da encenação. Machado de Assis retratou bem este mundo do auto-engano e ele é odiado porque nunca se deixou destrui pela sociedade. Contudo, a imitação é a mãe do aprendizado, mas tem que ser encarada como um instrumento para adquirir uma habilidade e não uma forma de obter um brilho social. O actor é que tem a imitação como um fim, mas nós queremos mesmo ser aquilo. Será a imitação consciente utilizada como instrumento pedagógico, também ao nível da educação intelectual, que nos irá livrar da imitação neurótica. A imitação dos grandes escritores já nos foi proposta como meio de obter a própria voz, que não tem apenas que transmitir o que queremos mas também ser uma expressão do que somos. Na medida em que iremos progredir na nossa educação, ficaremos diferentes e incompreensíveis para as outras pessoas que, todavia, não deixarão de encontrar critérios para nos julgar à luz de uma
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autoridade que eles atribuíram a si mesmos para se iludirem de terem compreendido alguma coisa.
Educação Social – O posição a ocupar A formação obtida no COF não é feita à medida de alguma posição social já existente. Pelo contrário, vão ter de ser criadas novas posições e o caminho para alcançar isso vai ter de ser aberto à força. Precisamos desde já pensar em descobrir novas formas de actuação, intervenção, novos meios de subsistência que permitam obter independência e uma recompensa existencial. Ortega y Gasset dizia que génio é aquele que inventa a sua profissão e hoje em dia a Internet abre muitas possibilidades. O próprio exemplo do professor Olavo mostra que é possível criar um lugar que não existia anteriormente. A utilização de categorias desajustadas Juntando à perda do domínio da linguagem, reflectida no desaparecimento da função nominativa e no uso incorrecto de figuras de linguagem, adiciona-se o problema das categorias que a cultura coloca à nossa disposição serem inadequadas e muitas vezes autênticos espelhos deformantes. Vencer esta situação não é nenhum acto de heroísmo mas implica alguma coragem para atravessar a solidão da travessia do deserto. Como exemplo dessas categorias inadequadas temos a caracterização do ser humano feita em termos de intelecto e emoções, muito utilizadas na sociedade americana. Como ao intelecto se associa a objectividade e as funções relacionadas com a ciência e às emoções foram associadas à subjectividade e aos estados interiores, isso criou apreciações incongruentes, como acreditar mais naquele sujeito que diz serenamente que 2 mais 2 são 5 do que naquele que diz, indignado, que são 4, como realçou Schuon. O recuo que o conhecimento exige não pode ser indiferença. Refrear as emoções no conhecimento é uma forma de auto-defesa para evitar ser atingido, e as pessoas passam a ser vistas como fantoches, mas não é assim que o sujeito quer ser visto. O que simula ser um distanciamento objectivo, na verdade, é resultado de uma emoção muito baixa e infantil, de medo e até de ódio e sadismo. Por outro lado, a emoção é uma repercussão que um facto, real ou imaginário, teve na totalidade do nosso ser psico-físico, pois não é possível isolar a parte física da mental na decorrência da emoção. A emoção mede a importância que algo tem para nós, e se a escamoteamos vamos ignorar o nosso posicionamento no quadro e estaremos a ignorar qual é ali a nossa função. Isto é totalmente irracional porque razão significa acima de tudo proporção. A emoção não pode ser afastada mas tem que ser educada para reflectir a realidade e não uma fantasia imaginária, o que configura um caso de histeria. A histeria passou a ser o traço fundamental dos sujeitos falantes depois que ocorreu a dispersão da paralaxe cognitiva e a inversão sujeito-objecto. A histeria não pode ser combatida pelo afastamento das emoções porque perderíamos o sentido das proporções. Por outro lado, também é pernicioso separar a emoção da imaginação. A emoção é complementada pela imaginação para esclarecer os dados da realidade que não estão
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plenamente manifestos ou, no caso da histeria, substitui os próprios dados da realidade. Já a emoção serve para refrear a imaginação, pois sem esta não haveriam limites. Mas tanto a emoção como a imaginação são despertadas por uma terceira coisa, que não são os dados da realidade, pois estes provocam reacções imaginárias e emocionais diferentes para cada pessoa. Tudo é desencadeado por uma espécie de reacção imediata que funciona como percepção antecipatória, algo a que os escolásticos chamavam de estimativa. S. Tomás de Aquino dava um exemplo do que era a estimativa quando disse que uma ovelha que nunca tenha visto um lobo, a primeira vez que avistar um sabe que aquilo não presta. Ela não tem uma impressão negativa sobre o lobo porque ficou com medo, é o oposto, pois é a estimativa que faz uma ponte entre os dados dos sentidos e a imaginação e as emoções. Hoje em dia já ninguém sabe o que é a estimativa e as pessoas vão cair em categorias toscas como intelecto e emoções, resultado de um grande empobrecimento conceptual da psicologia moderna relativamente à psicologia escolástica, apesar de todas as descobertas feitas. Outro resultado é a falsa oposição entre fé e razão, alimentadas por pessoas que nunca tiveram a experiência real de nenhuma delas.
O Exercício de Leitura Lenta e os limites da verdade Os livros de Aristóteles que nos chegaram são resumos de aula e só podem ser lidos da maneira exemplificada no Exercício de Leitura Lenta. Precisamos de complementar as notas de Aristóteles com a imaginação, para poder recrear os exemplos que ele terá dado nas aulas. O texto em si não pode ser visto como um objecto mas como um instrumento que permite recriar o mundo interior do autor, que é muito mais rico que o nosso, com muito mais coisas, mais nítidas e organizadas. Mas não podemos nos ater apenas ao conteúdo positivo das afirmações. O que muitos comentadores fazem é ler uma frase, dar-lhe um sentido absoluto e partir para a contestação. Isto revela um desconhecimento sobre o que é a leitura, pois cada verdade tem o seu conteúdo positivo e os seus limites. Precisamos ler, em especial no Exercício de Leitura Lenta, evocando exemplos que demonstrem o que está sendo afirmado e outros, em sentido oposto, que dão o círculo semântico da validade. Só com esta noção dos limites saberemos o peso relativo que o autor colocou em algo. O nascimento da filosofia na Grécia Na Suméria e no Egipto existiram civilizações avançadas em termos tecnológicos, legislativos, musicais, poéticos, mas a filosofia nasceu apenas na Grécia. Muitos dos elementos culturais anteriores foram incorporados pelos gregos e o que constituiu novidade foi a transferência do princípio organizador da sociedade, antes colocado na ordem cósmica, para a alma humana e para o auto-conhecimento. Antes de Sócrates não existia uma crítica à sociedade e o que ele fez foi observá-la a partir da busca da verdade dentro de si. Ter a busca da perfeição da alma como um princípio organizador só é acessível a quem se dedica a essa tarefa, algo a que o resto da sociedade no início se alheia e por isso não reconhece essa função como tendo utilidade pública. Sócrates não queria mudar a sociedade, queria apenas aumentar o nível de consciência dela. A autoridade intelectual que Sócrates alcançou, devido à sua procura sincera da verdade
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e não de uma mera opinião, não o impediu de achar que a sociedade continuava a ter autoridade sobre ele, e por isso aceitou a sentença de morte que sobre ele recaia. Várias são as razões que levaram a ser na Grécia, especificamente, o local de nascimento da filosofia. A principal razão terá sido a intensa actividade política originada pela democracia grega, onde uma enorme disputa de cargos públicos era feita por pessoas bem preparadas pela retórica. Causou perplexidade a Sócrates a multiplicidade de discursos retóricos, todos eles eficientes, mas que levantavam contradições. Daí surgiu a vontade de comparar esses discursos, já não em termos de eficiência mas em termos de veracidade. Aristóteles também chamou a atenção de que o conhecimento só pode surgir com um certo domínio material e económico da situação. Isto pode ser visto a vários níveis de profundidade. Por um lado, quem vive apenas para manter a subsistência não terá nem sequer tempo para o conhecimento. Mas o conhecimento requer ainda um certo afastamento e serenidade que não estão presentes no homem que vive aterrorizado com medo da fome, da miséria, da morte e da própria natureza, que é um conceito que só aparece depois de se obter alguma protecção do recinto urbano. Mas há ainda um terceiro elemento subentendido. O domínio material e económico da situação refere-se sobretudo a uma confiança de que é possível resolver aqueles problemas, é um domínio sobretudo interior e não apenas a própria obtenção de abastança, que pode até produzir uma falta de confiança devido ao medo de perder tudo. É preciso passar de uma situação em que se vive sempre à mercê das circunstâncias para outra em que se experimenta a obtenção dos mesmos resultados partindo dos mesmos procedimentos racionais. E só aqui pode surgir a confiança na capacidade intelectual.
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Aula 12 – 27/06/2009 Sinopse: Nesta
aula procura-se saber até que ponto é possível agir para além daquilo que o ambiente determina. Contudo, “ambiente” é muitas vezes utilizado como figura de linguagem, como na escola behaviorista, podendo significar uma infinidade de coisas. Para nos esclarecermos temos de usar o “ambiente” como um conceito descritivo. O ambiente é uma série de círculos onde estabelecemos relações, e algumas dessas relações são a mediação para outras, por exemplo, para a criança a relação familiar medeia a relação com o ambiente espacial. A cada momento vamos ter um universo de referências decorrentes das relações em cada círculo do ambiente e que servem para nossa orientação. Para conhecer, validar e controlar as nossas reacções e simpatias temos de examinar essas referências e a sua origem, sem esquecer as nossas tendências genéticas. Na busca de maior autonomia, o ser humano vive uma dialéctica permanente entre poder e autoridade. Poder é uma imposição directa enquanto a autoridade é um valor aceite que nos liberta de um poder mais imediato. Este processo é a verdadeira educação e continua sempre com a busca de uma autoridade mais elevada, que vai nos libertar da antiga autoridade, que passa a ser vista como um poder depois de esvaziada do seu valor. A superação do ambiente cultural e social consiste em conceber e penetrar sempre numa autoridade mais elevada, sendo Deus a mais elevada de todas e, por isso, a que menos se impõe, caso contrário seria poder. A máxima autoridade humana é a comunidade dos sábios, e para estar submetido a ela temos não só de ter coragem mas também um grande domínio da linguagem abstracta. A liberdade não pode ser vista como separada das determinações, porque ela é um jogo entre distintas determinações. O ambiente não nos determina univocamente, mas ele fornece um conjunto de círculos de determinações mutuamente contraditórios que implicam a nossa escolha. A máxima liberdade é a busca das determinações mais elevadas, que correspondem às autoridades mais altas. Conferir uma autoridade absoluta a certas ideias pode produzir severas limitações. Um exemplo é a escolha feita por lorde Bacon de um ponto de vista, na ciência, que privilegia o sujeito e considerava a natureza um código oculto que implicava forçá-la para obter respostas. O resultado veio a ser, mais tarde, o nascimento do subjectivismo moderno, a alienação em relação à realidade concreta e a perda de consciência da sua presença total em todas as nossas experiências.
Determinismo e ambiente O determinismo como teoria metafísica tem um alcance total, exemplificado por Lutero e Calvino que achavam que no momento do nascimento já era tarde para salvar ou danar a pessoa. Este tipo de determinismo entra em contradição com o dogma da bondade de Deus, pois se já estamos pré-determinados, então Deus nos enganou permitindo-nos a ilusão do livre arbítrio. O determinismo defendido por B. F. Skinner e pela escola behaviorista tem um alcance muito mais limitado e refere-se apenas à dificuldade, real, que as pessoas têm de pensar e agir para além daquilo que o ambiente determina. A teoria é auto-contraditória porque se apoia numa circularidade insustentável. O ambiente, que supostamente tudo molda nos indivíduos nele
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inseridos, é o objecto que os behavioristas pretendem alterar. Mas eles mesmos também seriam fantoches na mão do seu ambiente, o que faria do ambiente uma entidade consciente e inteligente capaz de decidir o seu próprio destino. Na realidade, os behavioristas colocam-se fora desta circularidade pois acham que eles podem moldar o ambiente alheio, mas eles mesmos não se acham moldados pelo seu próprio ambiente. Tem que existir uma esfera de livre arbítrio para a experiência científica poder se realizar, pois esta baseia-se na escolha entre hipóteses contrastantes. Pregar o determinismo neste contexto é ignorar as condições básicas onde se desenrola a experiência, um caso extremo de paralaxe cognitiva. Estas contradições ficam camufladas em muitas teorias científicas quando estas usam conceitos que não são descritivos mas figuras de linguagem. Neste caso, “ambiente” é uma figura de linguagem que significa apenas tudo aquilo que não é o indivíduo considerado. Isso pode significar uma infinidade de coisas, pois podemos considerar vários tipos de ambiente, temporal, espacial, ecológico, cósmico, e dentro de cada um deles traçar limites, por exemplo, se considerarmos o ambiente temporal, vamos considerar toda a História da humanidade, apenas a história do indivíduo desde que nasceu ou somente as ocorrências da sua última semana? Se não especificarmos ao certo a que se refere o ambiente, a teoria behaviorista não diz absolutamente nada. No entanto, a pergunta levantada, saber em que medida o ambiente condiciona os indivíduos, é pertinente e acaba por ser o tema da aula. Para obter algumas respostas temos que abandonar o “ambiente” como figura de linguagem e abordá-lo como conceito descritivo.
O ambiente como mediador A questão do “ambiente” fica bastante simplificada no caso da percepção de uma criança. Para ela só existe o ambiente físico imediato e o ambiente familiar. Já existe nas crianças mais novas a intuição de que o ambiente físico imediato não esgota todo o ambiente físico, mas para que a relação com o espaço aumente é necessária a mediação da relação familiar. São os pais o mapa do espaço para a criança, que impedem que ela se perca mas também aumente o seu domínio espacial, ficando cada vez mais autónoma em relação a este. Depois será a linguagem a entrar em cena possibilitando o aumento e o domínio do nosso ambiente familiar. Uma nova relação com um novo ambiente será sempre a chave para as relações anteriores. O universo de referências Em cada momento possuímos um conjunto de referências que derivam da nossa interacção com cada um dos ambientes, que nos dão uma série de conhecimentos e expectativas que nos servem para orientação, determinando e limitando as nossas possibilidades de agirmos e aprendermos. Essas referências, espaciais, temporais, linguísticas, afectivas, foram dadas pelo ambiente mas não seleccionadas por este. A educação consiste na dilatação desse quadro de referências, ampliando o domínio sobre elas e aumentando a consciência da unidade interna do sistema para que ele se torne inteligível para o indivíduo. A influência que o ambiente tem sobre nós é indirecta, mediada pela capacidade de aprendizagem, que não é determinada pelo
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ambiente. Cabe-nos a interrogação sobre a consciência que temos sobre as nossas próprias referências e sua origem. Sem este exame não podemos conhecer, validar ou controlar as nossas simpatias e reacções. Um aspecto frequentemente esquecido é o “Carma Familiar”, que Szondi aludia como sendo o peso dos antepassados em nós exigindo a repetição dos seus destinos. A ampliação do quadro de referências, que corresponde à nossa margem de manobra, dá-se através do conhecimento, onde é indispensável a existência de um eu consciente que pode fazer escolhas entre influências ambientais e tendências genéticas que entram em todo o tipo de contradições. O processo é longo porque muitas das condutas que temos parecem ser inteiramente nossas mas vieram de fora. É uma perda de tempo entrar na questão do determinismo versus livre arbítrio quando o que interessa é reconhecer o ambiente como uma série de influências sobrepostas e frequentemente contraditórias, e nesse contexto há factores que nos determinam e limitam e outros que nos abrem novas possibilidades, sendo isto uma dádiva do ambiente e não resultado de uma liberdade metafísica incorporada em nós.
Poder e autoridade Poder e autoridade são aqui usados como figuras de linguagem que ajudam a descrever a dialéctica permanente no ser humano na busca de maior autonomia ao avançar nos círculos que compõem o ambiente. O poder é uma imposição directa e silenciosa, sendo o exemplo mais óbvio o ambiente espacial que nos confina a um lugar. A autoridade representa um valor, respeitado e desejado, que não se impondo tão directamente nos vai livrando do poder mais imediato. A família é a autoridade que nos liberta do ambiente espacial, mas depois a família passa a ser vista também como um poder que é superado pelo aparecimento de novos ambientes vistos como autoridade, como a televisão ou a escola. O poder é como uma autoridade esvaziada de valor pelo surgimento de uma autoridade mais elevada que é aceite e já não vista como imposição. A educação consiste em fomentar esta dialéctica entre poder e autoridade, onde se busca sempre uma autoridade mais elevada e o processo definha se não for possível concebê-la. A comunidade dos sábios Superar o próprio ambiente cultural e social consiste em conceber e penetrar numa autoridade mais elevada. Este é um processo que depende da educação, mas não da educação oferecida pelo próprio ambiente, que apenas pode dar os meios para lidar dentro desse contexto. É preciso buscar sempre uma autoridade mais elevada até chegar à máxima autoridade humana, que é a comunidade dos grandes sábios que existiram ao longo da humanidade. É para estes que vamos pedir o julgamento e a quem devemos prestar reverência. São eles que podem fazer tremer os nossos alicerces, mas no seu conjunto eles subscrevem um conjunto muito menor de convicções que qualquer comunidade científica moderna. Além disso, o conjunto de teses positivas subscritas por toda a filosofia universal é de natureza muito genérica e não oferece solução para problemas concretos. Os sábios dão-nos um encorajamento implícito para investigarmos e procurarmos respostas utilizando caminhos ainda não
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traçados, mas para a comunidade científica actual isso é heresia; eles não toleram um desvio de percurso que questione as suas convicções, embora essas convicções estejam sempre se alterando pois sofrem de um provincianismo temporal. A opinião dos sábios é um cruzamento de olhares que abre inúmeras possibilidades, não é uma forma específica de disciplinar o olhar, que é o que já faz a comunidade académica. Para nos colocarmos sobre a autoridade dos sábios precisamos de muita coragem, mas sem a visão dos sábios diante de nós não há verdadeira educação e a realidade não pode ser apercebida. Só temos acesso aos sábios pela leitura, e eles só podem dizer “sim” ou “não”, não podendo exercer qualquer tipo de pressão individual ou social sobre nós. Mas a partir do momento em que nos colocamos sobre a sua autoridade, a pressão do meio já não nos irá constranger mais. Acima disto só há a autoridade divina e o que é revelado dessa forma não é uma ideia ou uma opinião mas um facto brutal da realidade que, ao invés de necessitar de explicação, termina com todas as explicações. Estamos agora em condições de avaliar a questão da liberdade e do determinismo com maior clareza. O ambiente não é uma substância mas um conjunto de círculos de determinações mutuamente contraditórios. Isso implica uma escolha, que é a nossa liberdade em escolher o que nos determina e não em não estar determinado por nada, o que seria a liberdade divina, contraditória com a condição humana. A máxima liberdade é a busca das determinações mais elevadas que, pela sua natureza, são as que menos se impõem. Deus não se pode impor de forma alguma ou seria um poder e não uma autoridade. A liberdade não pode ser desligada das determinações porque ela é um jogo entre distintas determinações e estas só podem ser efectivadas pela escolha dos entes livres. Para subir na escala das determinações, e estar submetido a autoridades cada vez mais elevadas, é necessário desenvolver cada vez mais a linguagem. Só é possível aceder aos sábios tendo um grande domínio da linguagem abstracta, para poder descodificar uma rede imensa e subtil de relações.
Um exemplo de uma falsa autoridade A ciência moderna apoia-se numa ideia de lorde Bacon que produziu muitos resultados técnicos mas provocou um afastamento em relação à realidade. Bacon considerava a natureza como um código escondido que, para ser desvendado, implicava a realização de experiências onde se forçava a natureza a se comportar de forma não natural. Kant dirá mais tarde que o cientista tem de assumir uma postura de policial que espreme a natureza para forçá-la a dizer o que se pretende. Os resultados obtidos, sendo reais, verificam-se apenas para as condições em que a experiência se deu, ou seja, a experiência mostra como a natureza reage à acção humana mas não como se comporta em si mesma. O cientista pode fazer um número infinito de perguntas e para cada uma obterá uma resposta diferente. Para conhecer a natureza real é preciso considerar o facto concreto, que é o facto tomado não apenas na sua dimensão lógica mas com a totalidade dos acidentes necessários para que ele aconteça. Para tal é necessário uma observação contemplativa que aceite o facto como algo misterioso, como faziam os escolásticos e por isso eram criticados pelos filósofos da entrada da modernidade. As duas aproximações podem ser combinadas, mas se concedermos uma autoridade absoluta à premissa estabelecida por lorde Bacon estaremos a sair da realidade e a
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esquecer que a ciência moderna estuda apenas certas relações co-proporcionais à pergunta feita. O conjunto de todas as ciências origina uma série de linhas que confluem em alguns pontos, mas não compõem de forma alguma um universo real, são apenas um conjunto de esquemas hipotéticos, funcionando uns melhores que outros. A escolha feita por lorde Bacon acabou por originar o subjectivismo moderno. A partir da atitude policial do cientista face à natureza, Kant avançou que o conhecimento da natureza é apenas resultado da projecção dos nossos esquemas cognitivos sobre o objecto, que permanece inalcançável. Mais tarde, Kuhn e Foucault declararam explicitamente o subjectivismo ao afirmarem que as teorias científicas podiam mudar a sua estrutura de repente e sem motivo algum. Privilegiar o ponto de vista do observador e não o do objecto fará com que todo o conhecimento pareça sempre subjectivo. Esta perspectiva activa e interrogativa teria de ser complementada com o ponto de vista contemplativo e passivo que aceita a natureza tal como ela se apresenta. Mas o que a ciência moderna faz, ao invés, é introduzir a medição e a exactidão matemática para compensar o deslocamento em relação ao objecto. Mas a medição e a exactidão matemática não podem reconstruir o objecto porque também provêm do sujeito. A ciência moderna acabou por se construir também construindo o subjectivismo moderno, ao ponto dos dois serem indiferenciáveis. Não tem, por isso, sentido usar a ciência como autoridade para terminar uma discussão em nome da sua objectividade. A ciência moderna nasce com o Iluminismo e a pretensão da razão, mas na realidade o processo nunca se conseguiu desvincular das suas origens ocultistas e mágicas, que ainda se mantém hoje camufladas. Foi a época em que o ocidente aprendeu a mentir e a verdade só se revelou mais tarde, mentindo, nos romances. O objectivo da educação ministrada no COF é superar os limites que a ciência moderna introduziu, devido a ser demasiado selectiva, o que fez com que certos aspectos substituíssem a realidade concreta. O objectivo é desenvolver a consciência quase permanente da presença total da realidade, que não é quantitativa, já que isso só é acessível a Deus.
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Aula 13 – 04/07/2009 Sinopse: É
feito aqui um resumo das primeiras aulas do curso na óptica dos deveres do aluno. Vamos ter de assistir cada aula pelo menos 3 vezes para conseguir apreendê-la e o ideal é fazer a sua transcrição. As aulas são o centro pedagógico do curso no início mas depois iremos ganhar progressiva autonomia. Vamos ter de refazer o Exercício do Necrológio muitas vezes, que nos dá uma imagem do futuro que nos orienta agora de forma provisória e hipotética, e na medida em que vamos realizando essa imagem ela passará a ser um dever. O Exercício do Testemunho, de Louis Lavelle, é um alerta permanente para não fugirmos à responsabilidade da nossa existência. A Gramática Latina, de Napoleão Mendes de Almeida, para além do latim, vai ensinar-nos a escrever português, aprendizagem que será continuada com a imitação dos grandes escritores de língua portuguesa. A técnica da confissão refaz a nossa educação moral, e como preparação fazemos o exame de consciência recomendado por Adolphe Tanquerey. O Exercício de Leitura Lenta mostra como devemos ler livros de filosofia, colocando o foco no objecto e não no texto, pela evocação de experiências análogas às que motivaram o autor. Os exercícios de Narciso Irala dão-nos ferramentas de percepção que nos colocam na pista da presença total. Imaginar a vida de outras pessoas como um romance combate a nossa tendência de acharmos que só existe o nosso “eu” e todos os outros são apenas cenas separadas do nosso drama. A audição de peças de música pode ajudar-nos a descobrir os ritmos de fundo que existem na vida. A leitura de romances serve, entre outras coisas, para nos fornecer modelos de vida que passarão a ser nossos instrumentos de percepção. A Biblioteca Imaginária é um novo exercício, como que um começo da vida de estudos, onde iremos listar todos os livros que iremos ler com base em questões com importância existencial para nós. A timidez é vencida deixando de dar tanta importância a nós mesmos e nos centrando no amor ao próximo, que pode ser um exercício levado ao extremo durante algum tempo para que o hábito da generosidade fique incorporado em nós. Refazer a história que certas ideias e conceitos têm em nós é uma forma de nos libertarmos de figuras de linguagem que mascaram ficções ideológicas. Esta aula é baseada numa mensagem colocada no fórum, que se encontra disponível em http://www.seminariodefilosofia.org/node/400.
Aulas – Assistência, transcrição e notas Na primeira parte do curso o centro pedagógico estará colocado nas aulas e não nas leituras. Depois o aluno vai ganhando progressiva autonomia, especialmente com a indicação de trabalhos de investigação, que não são meros exercícios como os ministrados inicialmente. No final do curso os alunos deverão estar em condições de programar os seus próprios estudos. A compreensão das aulas só será efectiva quando as coisas já se tiverem incorporado em nós como se fossem um novo órgão de percepção e não será necessário recordar as palavras usadas na aula. A assistência às aulas não é suficiente para isso, é necessário
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ouvir novamente a aula, ler as transcrições e tirar notas. O ideal é fazer as transcrições, sem ter obsessão de seguir palavra por palavra já que a expressão oral é por natureza imprecisa. As notas e resumos que fizermos das aulas devem ser vistos como património comum e ser colocados à disponibilidade de todos se acharmos que têm já têm valor documental.
Exercício do Necrológio No Exercício do Necrológio concebemos uma imagem do futuro que nos vai orientando de forma hipotética e provisória. A nossa situação real vai também alterar a nossa imagem do futuro, que se vai tornando cada vez mais precisa porque a vamos realizando em nós e ela deixa de ser tão abstracta e hipotética e ganha consistência de realidade. Nesse percurso a renúncia a vários projectos é um componente essencial. Depois de fazer o exercício uma primeira vez por escrito, ele terá de ser refeito muitas vezes sem ser necessário ser por escrito. Temos de ter sempre diante de nós a imagem do que queremos ser para que exista uma tensão permanente que formará a nossa história. As nossas decisões mais próximas são aquelas que se irão confrontar directamente com a imagem do “eu ideal”. Exercício do Testemunho – Louis Lavelle Há na vida momentos privilegiados (…) A sabedoria consiste em conservar a lembrança desses momentos fugidios, em saber fazê-los reviver, em fazer deles a trama da nossa existência cotidiana e, por assim dizer, a morada habitual do nosso espírito.
A tendência humana é fugir à responsabilidade da sua existência e refugiar-se na banalidade. Evitar os dilemas e os conflitos impede a chegada à maturidade e o indivíduo permanece sempre pueril em termos morais, espirituais e intelectuais. A consciência dos próprios actos apaga-se e o indivíduo sofre de uma permanente repressão da consciência moral, achando-se sempre inocente. Numa simulação de modéstia, as coisas mais elevadas são afastadas e a pessoa declara que aquilo é demais para ela, que apenas pode se preocupar com coisinhas. Mesmo pessoas que ocupem postos de relevância social sofrem também do mesmo problema de terem uma moral infantil. Uma das coisas que distingue o ser humano é a capacidade de sofrimento moral. Sem pressão exterior ele consegue se horrorizar consigo e se corrigir. Isso é o princípio da filosofia, que se iniciou com Sócrates com o apelo à responsabilidade moral e cívica e não como metafísica ou lógica. O que se pode pedir ao ser humano não é uma coerência lógica mas uma consistência interior, que é uma consciência da existência de elementos contraditórios em nós, que nos possibilitam fazer diferentes coisas e nos provocam impulsos contraditórios em luta entre si; é uma coerência dialéctica, opositiva, necessariamente complexa e dolorosa. Se não conseguirmos ter uma visão do que seja uma personalidade complexa não conseguiremos compreender os filósofos nem os grandes escritores, e restará apenas um esquema simplista e
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desumano. Muitos indivíduos acham que são pessoas simples mas são um enorme depósito de demónios camuflados.
Gramática Latina A Gramática Latina de Napoleão Mendes de Almeida é um livro único não só no estudo do latim, não havendo paralelo no estudo de outras línguas. As propriedades da língua latina levam a que a sua aprendizagem conduza também à aprendizagem do português. Os exercícios resolvidos da Gramática Latina estão ser progressivamente publicados no seguinte blog: http://mestrenapoleao.blogspot.com/ Imitação dos Grandes Escritores de Língua Portuguesa A imitação deve começar pelos escritores que utilizem poucos recursos expressivos e um vocabulário não muito alongado. Começar com um escritor como Aquilino Ribeiro pode ser problemático, devido à riqueza do seu vocabulário e dos efeitos semânticos que não se conseguem compreender numa primeira leitura. Mas se sentirmos uma afinidade especial com o escritor podemos arriscar. Confissão – Santo Agostinho e Adolphe Tanquerey A educação moral refaz-se através da prática da confissão, cujo mestre é Santo Agostinho. A técnica de Tanquerey é um exame de consciência prévio à confissão e consiste simplesmente em fazer 10 perguntas para cada um dos 10 mandamentos. Como o mundo se complicou formidavelmente desde então, precisamos de complementar esta prática examinando outros aspectos que podem residir em nós, como a covardia e a necessidade de segurança, o ódio ao conhecimento, a inveja destrutiva em relação aos melhores e, ainda, o mimetismo neurótico. Exercício de Leitura Lenta Não se pretende com este exercício fazer uma análise do texto. É uma fase de absorção passiva, depois da qual a análise torna-se fácil, onde vamos preencher de conteúdo existencial sensível as estruturas verbais. Assim ficamos sintonizados com a imaginação, os sentimentos e as percepções do autor, e é esse compartilhar de experiências interiores a essência do aprendizado da filosofia. Cada frase, e depois cada filósofo, terão que se tornar para nós janelas de percepção, e depois vamos obtendo um mundo de reacções platónicas, lavellianas, etc., a partir do imaginário dos filósofos sobre os quais nos debruçamos. Nem todos os filósofos são hábeis na sua expressão escrita e em alguns casos, como em Aristóteles que nos deixou apenas notas de aulas, o material em falta é enorme, pelo que ainda se torna mais fundamental este exercício imaginativo. As teorias são elaboradas em cima de experiências humanas, para as quais temos de evocar análogos ao fazer o exercício. O que se faz hoje em dia é o oposto, com o desconstrucionismo o texto é visto como um objecto em si e é feita abstracção da experiência interior, se bem que eles não
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toleram que se faça o mesmo com os textos desconstrucionistas. Eles dizem que um texto se compõe apenas de outros textos, mas quem compõe um texto tem que ler outros textos. Há aqui um acto físico e o próprio texto de referência existe num suporte físico e ambas as coisas são elementos externos. O desconstrucionismo é uma técnica aprimorada de não entender nada que apenas tem interesse sociológico ou psicopatológico. No extremo oposto está Louis Lavelle que conseguia textos de uma estrutura lógica perfeita mas a sua atenção estava votada apenas para a descrição de um estado interior transposto não em linguagem poética ou narrativa mas em conteúdo inteligível do que havia de imanente. Não era a tentativa de uma construção lógica, que faz desaparecer os objectos do discurso, mas era a unidade do discurso utilizada como instrumento para expor a unidade da realidade, e a coerência lógica era uma consequência disso. Ser filósofo não consiste em fazer construções lógicas mas em expressar o conteúdo inteligível de algo vivenciado e percebido. Em filosofia, a fidelidade total ao texto é utópica e muito menos importante que a apreensão das estruturas gerais das experiências ali descritas, e por vezes as duas coisas entram em conflito. Não podemos esquecer que os filósofos, excepto em reflexões autobiográficas, estão debruçados sobre objectos que não são eles mesmos. Por isso é um erro desviar o foco do objecto que está a ser tratado e incidi-lo no próprio autor. Nós conseguimos compreender os intelectuais passados porque eles falam de algo que existe para além dos textos. A análise filológica, assim como a análise histórica, pode nos socorrer em várias situações, mas usada em exclusivo é uma perversão cognitiva. O Exercício de Leitura Lenta tem a sua ênfase no foco no objecto e não do texto. Mesmo quando o texto esteja errado, como nós conhecemos o objecto podemos corrigir o autor. Eric Voegelin dizia que devíamos estudar a realidade e não Aristóteles ou Platão, porque foi o que eles fizeram e servem para nós como portas de acesso.
Exercícios do Narciso Irala O livro de Narciso Irala destina-se a fornecer exercícios para o aprimoramento do controlo cerebral e emocional, mas o fim a que se destinam neste curso é outro. Pretende-se apreender a diferença entre o que é percepção e o que é construção mental. No início há apenas o foco na percepção sensível, mas mais tarde nós podemos perceber a nossa presença no espaço, o que já não é uma experiência puramente sensível, nós sabemos que o chão tem uma certa densidade e não termina onde o nosso olhar alcança. Mas isto não é uma construção mental, é também uma percepção imediata. Já a experiência de suprimir o universo é um exercício construtivo, de imaginação. Vai sempre sobrar alguma coisa, por mais que forcemos, até chegarmos a um mundo kantiano onde só existem aparências fenoménicas, mas mesmo aí existe o outro lado das coisas, mesmo que dimensão infinitesimal, que mostra que não nos isolamos totalmente do ambiente exterior. Podemos estar sempre a refazer estas experiências. Há a experiência da densidade do mundo e da nossa presença nele, que pode ser feita quando estamos deitados no chão e nos apercebemos que ele se prolonga para baixo e para os lados, e quando ele termina começa outra coisa, nunca deixando de haver continuidade. Outra experiência tenta
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suprimir a nossa presença, onde imaginamos que morremos e fomos para o nada. Mas como no nada nunca nada existiu, a nossa existência, por mais breve que seja, excluinos eternamente do nada. É uma experiência oposta à experiência da impermanência dos filósofos gregos, onde tudo parecia fluir e extinguir-se. Mas o evento mais simples não pode “desacontecer” e ser expulso para o nada, o tempo é irreversível. Isto já nos dá uma experiência da permanência e uma antevisão da eternidade, onde “nada jamais passa”. A eternidade não pode caber dentro do tempo pois o tempo é apenas uma linha dentro da eternidade, e isto é algo acessível como experiência e não como teoria. Nem Deus pode devolver a ocorrência mais básica ao nada porque Ele teria de estar e ser o nada. O nosso esquecimento não pode ser dado como medida de algo existir ou não. Perguntar se as coisas continuam existindo mesmo se não as estivermos percebendo já demonstra uma inversão da ordem real da experiência. A memória não é soberana, ela necessita do repositório que vem da realidade. Nas experiências de privação sensorial o indivíduo fica em pouco tempo num estado de desordem. Duvidar da existência do mundo exterior quando nele não estamos reparando só se tornou possível depois de Descartes nos ter iludido que apenas o “eu” é real e o resto é duvidoso. Só existe o “eu” dentro da estabilidade do mundo exterior. O método que iremos usar é o inverso, é assumir cada vez mais a densidade do real e nossa presença nele. É um acto de responsabilidade cognitiva. A honestidade intelectual consiste em não fingir saber o que não se sabe, nem fingir não saber o que se sabe. Os exercícios são para esse fim, tendo o seu análogo metafísico na confissão, e por isso acabam por ser também uma confissão. A confissão moral só é válida se confessarmos a realidade, que temos de assumir ser partilhada por todos. Nos séculos XVI e XVII os intelectuais passaram a viver no mundo do “eu”; é uma vivência numa névoa kantiana, pejada de irrealismo, onde a confissão verdadeira torna-se utópica. O “eu” atomístico, para não se esfarelar, tem que se situar em algum lugar e no tempo. Apenas Louis Lavelle despertou do pesadelo criado por intelectuais como Descartes ou Kant, onde a tentativa de levar uma vida moral leva à loucura, pois as normas e os valores ficam desligados da densidade do real. Deus é substituído por um acto de vontade própria, que seria a fonte dos direitos que cada um tem, e aí criam-se expectativas irrealistas, não temos a mesma capacidade de perdoar que tem Deus. Entramos num “subjectivismo absoluto”, que dá ao indivíduo a ilusão de estar acima do universo, quando isso na verdade é o fim do “eu”, que não pode existir por si mesmo. O “eu” é uma espécie de relação com a realidade que só pode existir plenamente com a consciência da sua inserção na presença total. O livro de Narciso Irala está disponível em: http://www.4shared.com/account/file/119203865/edf2fd4a/Control_cerebral_y_emoci onal.html
A vida de outras pessoas imaginada como um romance Se imaginarmos a vida de pessoas que conhecemos como um romance vão acontecer várias coisas. Veremos que a vida das pessoas tem uma forma e que o sentido dos factos só aparece à luz da biografia dela, da sua história passada e das expectativas
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futuras. Deixamos de ver apenas uma sucessão de eventos e descortinamos ali um drama de alguém que quer ser algo, nem que seja continuar a ser o mesmo. Veremos como acidentes podem forçar os indivíduos a mudar de rumo, como eles são regidos pela busca de um significado, mesmo que ilusório. Nós conseguimos contar este drama em relação a poucas pessoas, e em geral não as vemos a não ser como personagens ocasionais de cenas separadas que ocorrem no nosso drama. Para sairmos deste egocentrismo temos de contar a história das outras pessoas tal como contamos a nossa, sentindo a sua unidade. Os bons romancistas fazem este exercício e por essa razão alguns escritores, como Dostoiévski, entendiam melhor a realidade que os filósofos do seu tempo. Outros exercícios imaginativos consistem em transformar um filme numa narrativa verbal e, por sua vez, pegar uma narrativa verbal e imaginar um filme ou uma peça de teatro. Com estes exercícios entenderemos o que é uma narrativa e o que consiste a sua tradução e condensação em símbolos visuais e corporais, como no caso do teatro.
Exercício da Aceitação Plena Foi referido o exercício de aceitar tudo o que nos acontece, sem queixas e lamentos, a ser feito mais tarde. Este exercício desdobra-se em vários, sendo um deles imaginar que tudo o que nos acontece é responsabilidade nossa. Este é um exercício construtivo que se destina a perceber que tal presunção, de um carma pessoal que tudo determina em nós, é impossível, pois tal inviabilizaria que mais alguém tivesse carma pois estão simplesmente ali à disposição da nossa pessoa. Complementamos depois este exercício com outro, onde nos imaginamos como uma vítima inerme, tudo na nossa vida resulta da acção alheia. Ambas estas perspectivas são falsas mas formam uma tensão onde em algum ponto se encontra a realidade das coisas. Audição de peças de música A música é a arte da continuidade e o nosso objectivo, no âmbito do COF, é conseguir memorizar e “reproduzir” algumas peças que nos refaçam a sucessão de experiências interiores. A grande música é uma sequência de experiências sensoriais e emocionais muito bem organizada. Essa sequência pode servir de modelo para perceber outras harmonias na vida, mas para isso temos de memorizar a sequência e não fazer análise musical. No livro Sound and Symbol, Victor Zuckerkandl diz que a música revela uma experiência peculiar que envolve a percepção de algo mais que o imediato sensorial, abrindo a porta para um reino de significados que se estende para muito além dos signos. A música ajuda-nos a perceber certos ritmos da vida, que tem muito maior variedade de ritmos que os da música, onde há uma condensação e depuração. Mas na vida, para além dos elementos acidentais, também se encontram ritmos musicais. No limite conseguiremos ter uma percepção musical da vida inteira.
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Leitura de romances A leitura de romances tem várias finalidades. Dos romances dos escritores de língua portuguesa adquirirmos instrumentos expressivos que nos ajudam a modelar a nossa voz própria. Romances de autores como Machado de Assis, Lima Barreto são úteis para fazermos o exame de consciência que refaz a nossa educação moral e nos esclarecem sobre o meio social onde vivemos. Mas a utilidade mais importante retirada dos romances está nos modelos de vida que nos fornecem e permitem que contemos a nossa própria vida e a dos outros. Para cumprir o segundo mandamento temos de ter um sentido dramático sobre a nossa própria vida, pois só assim nos podemos amar e, depois, usar esse amor como modelo do amor a devotar ao próximo, pois o passamos a ver também com um “eu” onde se desenrola um drama. Existe, então, uma exigência cognitiva implícita à realização do segundo mandamento. Este material literário que vamos usar nesta primeira fase dá-nos instrumentos de percepção que depois servem para pesar aquilo que os filósofos dizem, pois sem esta base imaginativa eles são-nos inacessíveis. Biblioteca Imaginária Neste exercício faremos a lista de todos os livros que iremos ler para resto da vida, algo impossível de acontecer realmente porque nos falta sempre alguma informação que é necessário ir sempre completando. Esta lista parte do nosso universo de interesses, mas não devemos nos basear numa simples curiosidade por certas áreas de estudo mas em algo que tenha uma importância existencial. A partir daí é que vamos tentar encaixar disciplinas que nos possam esclarecer, sempre sem esquecer que o nosso universo de estudos não pode criar um abismo com a realidade. Vamos começar por fazer a lista de livros que ainda não lemos mas nos parecem importantes. A partir da nossa definição de áreas de perplexidade, iremos fazer uma bibliografia essencial de cada uma delas. A Internet é uma fonte útil e na bibliografia final do livro “The Great Ideas” (Mortimer J. Adler) existe uma bibliografia final com certa de 1500 ou 2 mi livros que é um bom começo. Depois de pegarmos as áreas que nos interessam e excluirmos as outras, vamos procurar livros sobre a história dessas áreas, que nos darão uma lista de autores e livros. Mas podem existir omissões brutais que teremos de complementar com outras histórias e outro tipo de pesquisa bibliográfica. Os pontos onde existem dúvidas, aqueles onde uns autores dão muito relevo e outros esquecem totalmente ou dão uma interpretação oposta, são preciosos. São estes pontos de conflito que mostram o coração do problema. Há também outro tipo de omissões que podem depender de circunstancialismos temporais ou de “tendências incomunicáveis”, como aquela descrita por José Ferrater Mora, que dizia que havia 3 tradições filosóficas independentes e incomunicáveis: a continental, onde predominava a fenomenologia, o existencialismo, etc.; a anglosaxónica, com o predomínio da filosofia analítica e, ainda, a tradição marxista. Não há uma história da filosofia que consiga mostrar essas três tradições em pé de igualdade. Mas tudo o que são abismos na filosofia são a revelação de temas contraditórios, os quais são aqueles potencialmente mais ricos.
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A Biblioteca Imaginária é como um começo da vida de estudos, que nos dá o nosso reportório de ignorância, que é aquilo que não sabemos mas precisamos saber. Isso nos levará a uma busca que não se encaixa na vida académica com as suas divisões bem compartimentadas.
Vencer a timidez e o egocentrismo A timidez excessiva deriva da ilusão de nos vermos a nós como um “eu” mas os restantes como forças que estão ali presentes apenas para nos inibir. A solução para vencer a timidez é também o amor ao próximo, que fará o outro deixar de parecer um estranho. Mas enquanto pensarmos que a timidez é um problema nosso, isso irá criar uma pressão difícil de superar. Por isso, ao invés de pensarmos que temos um problema de timidez devemos nos questionar se não temos falta de amor ao próximo. Muitas técnicas em voga para vencer a timidez limitam-se a reforçar o egoísmo, mas o sujeito é ainda um tímido mas disfarçado de arrogância, agressividade ou inconveniência. A solução é sair do centro e deixar a luz incidir nos verdadeiros problemas das outras pessoas. A civilização burguesa deu ao indivíduo ilusão dele estar coberto de direitos e ser o centro do mundo, o que só veio causar uma série de frustrações. Um exercício para vencer a timidez e o egocentrismo, ou seja, um treino para amar o próximo, consiste em ser atento, cuidadoso e generoso com cada pessoa que encontrarmos. Não vamos abrir excepções, tem que ser com cada pessoa, mesmo que ela não preste. Vamos tentar que a nossa passagem pela vida de outras pessoas faça diferença, e mesmo que algumas se comecem a aproveitar de nós, vamos encarar isso como parte do exercício. Somos como um balcão de reclamações onde fazemos abstracção dos nossos interesses. É algo para fazer apenas durante uns meses pois não é possível viver assim em permanência, mas alguma desta generosidade vai ficar incorporada em nós. A história das ideias em nós Quando falamos da evocação da experiência real há sempre o perigo de evocarmos ficções ideológicas, que são figuras de linguagem disfarçadas de conceitos efectivos. Uma figura de linguagem não transmite nada de real mas é uma amálgama de impressões nossas. Estas possuem várias camadas de significação e, conforme o contexto, podem se adequar ou não. Elas referem um objecto indirectamente, pelas emoções que nos infundem, e não podem ser analisadas segundo as categorias de verdade ou falsidade pois não estão na clave denominativa. Para saber se estamos a tomar as figuras de linguagem por entidades reais, temos de decompor as suas várias camadas de significação. Para além da confissão, existe o exercício de reconstituir a história de certas ideias e conceitos em nós. Iremos constatar que, na maior parte dos casos, existiu uma impregnação por osmose; ligamos apenas para aquilo que as pessoas disseram e nunca examinamos o objecto em si mesmo.
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Aula 14 – 11/07/2009 Sinopse: O
problema da verdade não pode ser seriamente equacionado a não ser rastreando o momento em que a experiência da verdade chegou até nós como algo diferenciado, como uma coisa que não pode ser negada e onde o seu valor aparece por contraste. Sobreposto a isto acrescenta-se a experiência de saber que se sabe e a percepção da existência de um mecanismo que se pode repetir muitas vezes. A verdadeira dimensão da verdade revela-se quando reconhecemos um acto biográfico nosso, onde se torna patente que a experiência fundamental ali envolvida é a confissão. A sinceridade é um elemento intrínseco da verdade, sendo aquilo que coloca o nosso desempenho actual dentro de um quadro real determinado pelas nossas acções passadas, revelando assim a existência de duas verdades simultâneas. A lógica de Aristóteles foi criada como um instrumento de verificação e averiguação da coerência do discurso, pois só um discurso coerente com ele mesmo pode se aplicar à realidade. Aristóteles defendia que tudo o que existe tem uma forma inteligível que é perceptível ao ser humano. A declaração sincera articula várias verdades, a verdade da relação causa/efeito, a verdade da sucessão dos actos e a verdade da nossa declaração no momento onde assumimos um papel verdadeiro. Hegel vai afirmar que a principal capacidade cognitiva no homem era a de se isolar de tudo e elevar-se ao plano da universalidade, mas tinha consciência de que isso poderia dar ao ego a tentação de impor as suas regras ao mundo. A proposta socrática é o inverso disto e tenta sempre trazer o indivíduo desde as suas construções teóricas para o mundo da experiência real, afinal, o método da confissão, que mostra que o outro também faz parte do nosso aparato mental. O Iluminismo prometia acabar com uma era de fé, misticismo e autoridade, e inaugurar uma época em que todos iriam fazer uso da razão, em que floresceriam as liberdades civis e desaparecia o jugo na natureza sobre o homem, mas todas estas promessas não foram cumpridas porque a proposta iluminista vinha carregada com várias camadas de falsificação. Quem se encontra numa periferia cultural pode aproveitar o facto de não estar comprometido com uma tradição cultural envenenada de Iluminismo.
A colocação do problema da verdade Não podemos perder tempo discutindo com relativistas sobre a existência de uma verdade objectiva, tal é a importância que o conceito da verdade tem para nós. A primeira coisa que temos de fazer é interrogarmo-nos sobre a primeira vez que a ideia de verdade e a sua experiência chegaram até nós. Tudo o que nos acontece é verdadeiro mas há um momento em que a experiência adquire um valor especial porque não pode ser negada. A verdade vem associada à negação e o seu valor aparece pelo contraste que aquela experiência, como a experimentação de uma peça correcta num puzzle, tem em relação a outras.
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Componentes da verdade Um dos componentes da verdade é a noção de que aquela é uma experiência diferenciada em relação a um primeiro nível de experiência que não trás consigo qualquer significado. Um rato de laboratório pode atingir este nível, mas nos seres humanos existe uma segunda experiência de retorno sobreposta à primeira, que é o saber que se sabe. A isto ainda se pode juntar a percepção de sabermos aquilo que outros não sabem. A verdade também nunca vem sozinha, ela abre uma certa perspectiva sobre a possibilidade de novas acções, porque naquele momento percebemos automaticamente um mecanismo que se pode repetir muitas vezes em situações do mesmo tipo. Mas estas coisas não são a verdade empírica, são apenas seus componentes, em que a mais diferenciadora em relação a outro tipo de experiências é que a verdade é uma experiência que não pode ser negada. A verdade no confronto biográfico A dimensão efectiva da verdade não se revela num jogo ou quebra-cabeças mas quando se trata de reconhecer aquilo que fizemos ou pensamos. Negar o que sabemos implica criar um outro passado para colocar no lugar da verdade e ao fazer isto passamos da função memorativa para a função construtiva. Para quase todos nós a verdade surge com algo oposto à mentira, não apenas uma oposição ao erro. E esta oposição surge no confronto com o que fizemos, pensamos ou quisemos. Fica assim patente que a experiência fundamental da verdade é a confissão. Quando se trata de confessar algo que só nós sabemos, esta experiência torna-se extremamente valiosa. Como podemos inventar uma história para colocar no lugar do que se passou, a verdade vem automaticamente carregada de um senso de responsabilidade. Criar uma história para a colocar no lugar da realidade, para além de falsificar a nossa vida, torna falsa toda a situação: inventamos um teatro para agirmos sobre as outras pessoas e lhes dar novos papéis, e esta é uma nova situação que tem que ser mantida por nós. Mas se confessarmos a verdade encaixamos a situação presente num passado que só nós conhecemos mas que passou a ser do domínio público. Não há mudança de papéis ou de funções, apenas o reencaixe da situação do momento dentro da linha normal do tempo. A verdade ligada à sinceridade Nunca podemos separar a questão da verdade da sinceridade, pois é a sinceridade que restabelece a linha do tempo. A sinceridade consiste na verdade da nossa declaração no momento onde é expressa a verdade dos factos passados. Muitos filósofos fazem a abstracção do problema da sinceridade e dão apenas importância ao problema teórico da verdade. Mas quando se opta por uma abordagem lógica estamos a fugir da realidade, porque a lógica é apenas uma articulação de relação possíveis, funcionando tanto se preenchida com factos reais ou conteúdo imaginário. Em lógica é considerado verdade tudo o que seja confirmado por uma proposição anterior. Mas para existir um conceito de verdade lógica é necessário existir um conceito efectivo de verdade.
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A sinceridade é um elemento essencial na busca da verdade porque é aquilo que coloca o nosso desempenho actual dentro do quadro real que já foi determinado pelas acções passadas. Ao reconhecermos que fizemos uma certa coisa não estamos apenas a verbalizar uma verdade passada mas estamos também praticando uma acção que naquele instante nos torna verdadeiros; existem, então, duas verdades ali. As crenças cépticas e relativistas são desenvolvidas por pessoas que nunca fizeram um esforço sincero para procurar a verdade no que quer que fosse e apenas se referem à verdade como um conceito genérico e nunca a verdades concretas e específicas que elas conhecem. Uma verdade genérica que seja verdadeira independentemente da sua ligação com o mundo da experiência real, realmente não existe. Procurar a verdade em relação às questões últimas será uma busca vazia enquanto não tivermos suficiente base de experiência para investigá-las. Uma discussão que começa sobre a verdade facilmente é trocada por outra de um género diferente, onde se discute apenas a coerência de possibilidades. Mas algo pode ser verdade no plano da lógica sem o ser no plano da experiência. Para escapar dos dilemas cépticos e relativistas temos de sair do plano hipotético e voltar para o plano real onde estamos e o discurso se desenrola. Os cépticos e relativistas dizem duvidar de tudo mas há coisas que eles nunca pensariam negar.
A lógica de Aristóteles como instrumento de verificação e averiguação Aristóteles escreveu sobre lógica com a pretensão que esta se aplicasse à realidade, e a lógica foi retirada da realidade, da observação do mundo natural. Se bem que a lógica seja um mero jogo formal, ela foi criada para ser um instrumento de verificação e averiguação, mas não de descoberta. A coerência do discurso era para Aristóteles uma expressão da unidade e da densidade do próprio real. Com a invenção da lógica de sinais, dez séculos depois, percebeu-se que esta tinha uma estrutura e regras próprias. Aristóteles sabia desta autonomia da lógica mas o que lhe interessava era desenvolver uma técnica de discurso que permitisse manter a coerência naquilo que se fala sobre a realidade e não sobre outra coisa, o que seria apenas um mero jogo. A verificação que interessava a Aristóteles fazer era a da coerência do discurso com ele mesmo, porque só assim ele podia ser conferido com a realidade. Para Aristóteles o discurso lógico (analítico) não fornecia qualquer conhecimento. A sua função é a averiguação da coerência do discurso, que é algo preliminar à verificação da sua veracidade ou falsidade. Se o discurso não é coerente não poderá se referir à realidade. A investigação propriamente dita funcionava de outra forma e enfoca o objecto real, quer este seja físico, social ou da alma humana. As formas inteligíveis Aristóteles acreditava que tudo o que existe, material ou imaterial, possui em si uma forma inteligível perceptível ao ser humano. Os desenhos das crianças de seres humanos ou casas não são semelhantes aos objectos reais, mas mostram as suas formas internas que fazem os objectos ser aquilo que são. A inteligência humana apreende por trás da aparência sensível a forma inteligível, mas muitos filósofos discordaram desta ideia imbatível de Aristóteles, achando que apenas podemos captar as formas sensíveis
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das coisas, o que tornaria impossível de dizer que apenas captamos as formas sensíveis das coisas.
As várias verdades na declaração sincera Quando prestamos uma declaração verdadeira sobre o nosso passado criamos uma relação lógica de causa e efeito que imita a sequência temporal, não em toda a complexidade, mas representa-a de forma reduzida num esquema de causa e efeito, e este acto rearticula a situação presente com a situação passada dentro de uma sequência real. Existem aqui várias verdades: a verdade esquemática da relação causa/efeito; a verdade temporal da sucessão dos actos; e a verdade da nossa declaração no momento onde assumimos um papel verdadeiro numa nova situação. Apenas neste novo papel podemos compreender a realidade passada, porque se decidíssemos inventar uma outra história teríamos de criar uma nova estrutura, uma nova temporalidade hipotética e agir de acordo com este cenário. Mas como este seria um teatro concebido por nós não poderia ter todos os elementos do mundo real mas apenas aqueles que seleccionamos, o que o torna muito incompleto e esquemático, não é possível viver nele mas apenas fazer a sua simulação por momentos, e mesmo para fazer essa simulação é necessário ter consciência que se trata mesmo de uma simulação. Aristóteles criou a lógica para que esta expressa-se as relações entre as formas inteligíveis reais, e desta forma os discursos lógicos não estavam separados do mundo real. Mas a lógica de sinais considerada como um universo em si, separado e sem relação com o mundo real, aplicada a Pedro Abelardo, seu criador, no momento de criação desta lógica, vai fazer aparecer contradições. Então, a grande preocupação daqui em diante será evitar o exame das próprias acções pela lógica de sinais, e lógica será elevada a um plano específico que só vale para ela mesma, o que dá início à paralaxe cognitiva. A maneira correcta de investigar o problema da verdade A investigação do conceito da verdade é uma armadilha, porque o conceito quando adquire independência em relação à experiência real torna-se incognoscível e daí sai a proclamação de que a verdade não existe. Para investigar a verdade, e não o seu conceito, temos de nos colocar numa teia de relações que não seja criada pela nossa mente mas que seja aquilo que a realidade nos impôs. Temos, então, de rastrear como a noção de verdade chegou até nós. Iremos aí reconhecer a relação intrínseca entre verdade e sinceridade, o que significa que a armadura lógica utilizada para relatar os factos passados também se aplica ao próprio acto de narração. Perceberemos que o reconhecimento de um simples facto nosso contém, no mesmo acto, a afirmação da unidade do real, da unidade da sequência temporal e da inseparabilidade das causas e efeitos. Por isso, o reconhecimento sincero coloca-nos numa posição real tanto em relação ao nosso próprio passado como em relação ao nosso interlocutor e ainda reafirma a unidade de tudo isso. Reconhecemos o nosso passado apenas se reconhecermos o que estamos fazendo agora, e isso implica reconhecer a realidade do nosso interlocutor, reconhecer a relação que existe entre nós e o nosso acto, reconhecer
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a relação entre o nosso passado e o nosso presente e ainda reconhecer a relação entre o nossa narração presente e o nosso futuro no que diz respeito à reacção que contamos obter da outra pessoa. Tudo isto aparece articulado num simples acto sincero de reconhecimento, onde a unidade de tudo é afirmada. Daqui poderemos nunca chegar a um conceito de verdade mas teremos uma noção suficientemente clara para a reconhecermos quando ela se apresentar de novo. O método de investigação da verdade pode reduzir-se ao método da confissão. Isto é o oposto do que propôs Descartes e foi seguido desde então, que é colocar tudo em dúvida. Ao invés, iremos reconhecer tudo aquilo que já sabemos e aquilo que não podemos deixar de saber para poder colocar a questão sobre a investigação da verdade. Descartes queria uma afirmação, um juízo, que fosse verdadeira em todas as circunstâncias, logo não poderia depender de nenhuma condição externa e assim poderia ser isolada de tudo o resto no alto da sua suprema infalibilidade. Mas nós queremos antes nos elucidar sobre o que realmente aconteceu, procuramos que a investigação da verdade esteja inserida no tecido real onde a procura da verdade surgiu e como entramos no problema, e não obter uma afirmação ou um juízo. “Penso, logo existo” é uma frase vazia, que até independe do sujeito pensar, ao qual Descartes chegou começando por falsificar a sua própria experiência, e isto não é filosofia. Isto foi analisado nas apostilas “Descartes e a psicologia da dúvida” e “Consciência e estranhamento”, disponíveis em: http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes.htm http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes2.htm
A história da separação da verdade da realidade Descartes propôs que duvidássemos de tudo, o que significaria colocar o mundo entre parênteses para restar apenas o “eu pensante” como única certeza. Noutra etapa, Espinosa aparece negando qualquer validade ao conhecimento por experiência, defendendo que o conhecimento deve ser apenas obtido por dedução pura, que é um método que resulta nas não se refere a absolutamente nada existente. É um jogo onde é fácil manter a coerência, pois fomos nós que o inventamos, já que o problemático é que essa coerência exista lidando com os dados do mundo real, que chegam incompletos, fragmentários e em permanente mutação. O culminar dá-se com Hegel, que acreditava que a capacidade cognitiva fundamental no ser humano é a possibilidade dele poder se isolar de toda a realidade existente, e fazendo a abstracção de toda a realidade poderia ascender ao plano da universalidade. Este método na verdade não investiga a verdade mas apenas a armadura lógica do próprio discurso, que pode nada ter a ver com a realidade. Isto constitui uma ruptura com a proposta de Aristóteles, e o próprio Hegel percebeu que daqui poderia vir a tentação do ego impor as suas regras ao mundo que, sendo derivadas da racionalidade abstracta, só podiam ser a regra do niilismo e da destruição total. O artigo “Uma lição de Hegel” contém mais explicações a este respeito, disponível em: http://www.olavodecarvalho.org/semana/081114dc.html
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O método grego da confissão No diálogo Ménon, Sócrates apela ao método da anamnese quando mostra ao escravo que ele tem conhecimentos implícitos de regras de geometria. Isto é o método da confissão, um apelo à memória e não à capacidade construtiva. Este é um método poderoso de obter conhecimento: interrogarmo-nos sobre as coisas que temos necessariamente de saber para ter chegado àquilo que confessamos saber. A questão da ligação da verdade à sinceridade apenas surge quando existe outra pessoa a quem dirigirmos a nossa confissão, o que significa que a outra pessoa também faz parte do nosso aparato mental. A consciência em relação à verdade revela logo que esta tem algo a ver com o olhar o humano e a limpidez das relações humanas, onde há a confissão da verdade para alguém que nos reconhece, ocorrendo uma confissão mútua, Nesse mútuo reconhecimento restaura-se a sequência real dos acontecimentos e aparece um articulado de várias conexões, entre passado e presente, sujeito e objecto, agente e paciente, causa e efeito. Apenas quando estamos presentes ao real nos apercebemos deste tecido de um densidade formidável, e o que Sócrates fazia era precisamente trazer os seus interlocutores desde as suas construções teóricas de volta ao tecido da experiência real. Isto é o oposto da proposta de Descartes ou Hegel, que preconiza uma subida a uma universalidade absoluta e livre dos condicionamentos da experiência, mas que na realidade não existe. Após dois séculos em que a construção tomou o lugar da narração, Kant vai dizer que todos os conhecimentos não se referem a coisas em si mas a formas da nossa mente. A filosofia moderna fica marcada pela fala de sinceridade, o que não acontecia com Leibnitz, apesar de pertencer também à escola racionalista. O conhecimento da natureza e o conhecimento do mundo humano Em contra-mão com o resto da Europa, Gibatistta Vico dizia que só aquilo que nós fizemos podemos conhecer, e por isso era possível conhecer o mundo da alma humana, da sociedade e da História, mas não seria possível conhecer perfeitamente a natureza porque não era coisa feita pelos humanos. A ideia moderna acha que o mundo humano é uma coisa nebulosa e apenas nas ciências naturais se pode obter conhecimento objectivo. O que acontece é que a ciência, ao invés de estudar a natureza, limita-se apenas a observar e comparar certas relações mensuráveis, com a finalidade de poder operá-las de certa maneira. Isto era aquilo que Bertrand Russel chamava de “verdade técnica”. É um conhecimento que diz sobretudo respeito às acções humanas que podemos realizar com o objecto, o que revela algo do potencial deste, útil em termos tecnológicos, mas nunca saberemos se será o seu potencial principal. Se juntarmos centenas de possibilidades de acção sobre o objecto, saberemos algo sobre ele, mas será impossível articular as possibilidades vindas de várias ciências. Na verdade, a ciência moderna caracteriza-se por ter desistido de compreender a realidade e ater-se às possibilidades tecnológicas que um objecto revela, mas isto ainda está dentro da acção humana, o que confirma a previsão de Vico de ser mais fácil compreender o mundo humano do que a natureza. Quando confundimos essas relações técnicas com os próprios objectos em si, falseamos a nossa visão sobre a natureza, que se tornou num enigma supremo cujo estudo se torna tabu, um Golem que ataca o seu criador. A própria concepção da sociedade humana fica
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falseada porque se passou a basear numa ideia substitutiva de natureza que a ciência moderna oferecia.
As três promessas não cumpridas do Iluminismo O mundo medieval costuma ser descrito como um universo regido pela fé, misticismo e princípio da autoridade. Para Kant o homem era imaturo porque se submetia voluntariamente a uma autoridade, devido à sua cobardia, mas na nova era ele emancipar-se-ia através do uso da própria razão. A nova era prometia trazer três desenvolvimentos: (1) emancipação em relação à autoridade que inauguraria também uma época de liberdade civil, direitos humanos, governo constitucional, etc. ; (2) libertação intelectual e espiritual, onde todos os homens iriam despertar para o uso da razão; (3) libertação do próprio jugo da natureza pelo aumento do poder do homem sobre esta. Em vez da liberdade civil tivemos uma sequência de guerras, revoluções e tiranias inimagináveis para os homens pretéritos devido ao alcance do controlo dos governos sobre os cidadãos. Ao invés de um florescimento generalizado da inteligência, tivemos o aparecimento das massas totalmente estupidificadas e exigindo serem imbecilizadas. O poder do homem sobre a natureza de facto aumentou, mas apenas de alguns homens, que para o materializarem têm de se valer de uma organização hierárquica, pelo que aumentou também o poder do homem sobre o homem. A falsidade da proposta iluminista O Iluminismo proclamou o fim da fé, do misticismo e da autoridade e, em seu lugar, disse colocar a razão, a ciência e a análise crítica. Trata-se apenas de um proclamação que não corresponde à realidade, pois foi a partir dos séculos XVI e XVII que apareceu um grande florescimento da alquimia, do ocultismo, da astrologia e da magia, e foi daqui que saíram poderosos conselheiros da nova classe dirigente, ocupando postos anteriormente preenchidos por conselheiros eclesiásticos. Os autores escolásticos tentavam tratar de assuntos como a alquimia ou a astrologia da maneira mais científica possível, mas com o aparecimento da astrologia moderna é lançada a confusão geral, e para terminar com o delírio as universidades de Oxford e Sorbonne proibiram o ensino da astrologia e fizeram declarações em seu desfavor. Temas como a astrologia, alquimia ou magia deixaram de poder ser investigados serenamente, sendo, a partir daí, apenas passíveis de paixões contra ou a favor. A ciência materialista moderna foi apresentada como livre de resquícios de fé e misticismo, acrescentando ainda o poder na matematização, que se tornou castrador quando todas as outras formas de investigação se tornaram proibidas. Mas a ciência materialista foi imposta por maçons, que nas suas lógicas continuavam com os seus rituais esotéricos, os seus símbolos e procedimentos mágicos. O que eles inauguraram foi a linguagem dupla e a paralaxe cognitiva e não o reino da razão. Foram os elementos mágicos, alquímicos, astrológicos que inauguraram a época moderna, com o intuito de enfraquecer a Igreja, mas depois a História é retroactivamente falsificada para fazer crer que existiu uma imposição da ciência moderna pelos seus méritos.
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O Iluminismo na verdade foi um obscurantismo com várias camadas de falsificação. A primeira falsificação foi a substituição dos objectos pela sua matematização, pois a matematização teria de ser sempre complementada pela teoria das formas substanciais de Aristóteles. Ao contrário do que se julga, não é a ciência que governa a tecnologia mas o inverso. A segunda camada de falsificação é quando se quer fazer crer na existência de uma revolução científica, quando esta foi apenas uma consequência de uma revolução ocultista. A ciência moderna não se livrou dos resquícios da sua génese, apenas os encobriu. Em terceiro lugar, há a falsificação da própria História da ciência, onde e junta a paralaxe cognitiva, as falsas auto-biografias (Descartes, Montaigne) e a concepção do mundo como um teatro, e isto dá origem a uma mescla indistinta entre ficção e realidade. O indivíduo moderno vai passar férias nas montanhas e vem de lá achando que esteve num mundo de sonho, quando as montanhas estão lá há milhões de anos, em contraste com o seu mundo “real” composto pela sua rotina inventada ontem. A civilização moderna é apenas uma busca pela sobrevivência, onde há apenas trabalho e lazer. O sujeito moderno é tomado por uma apatia que age nele como mecanismo de defesa contra o que lhe parece assombroso. Da mesma forma, o sujeito da academia refugia-se no seu provincianismo temporal por achar que aquele é um domínio onde ele ainda tem algum poder.
A alternativa ao modernismo A tradição intelectual na Europa e nos Estados Unidos está comprometida com a tradição consolidada em cima de várias camadas de falsificação, sendo mais fácil para alguém numa periferia cultural como o Brasil abordar todo o tipo de questões sem comprometimento. Esse afastamento em parte tornou possíveis fenómenos como o Mário Ferreira dos Santos ou Gilberto Freyre. Os alunos do COF não podem abdicar da liberdade de tomar em mãos todas as referências que lhes pareçam boas. De início podemos temer ser influenciados, mas esse é um receio típico de pessoas influenciáveis, que acreditam num eu isolado e acabado. Não devemos temer ser influenciados, temos de nos abrir à experiência, quer esta seja intelectual, imaginativa ou emocional. Só depois dessa abertura podemos fazer escolhas e é daí que podemos vir a saber quem somos.
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Aula 15 – 18/07/2009 Sinopse: A experiência das cartas relatada na aula revela um raciocínio “imediato” e
mudo ao fim de 10 jogadas, e outro que só se tornou explícito ao fim de 50 jogadas e totalmente exposto ao fim de 80. O segundo raciocínio, a partir da jogada 50, é o típico raciocínio por indução, elaborado a partir de elementos da memória. A primeira apreensão também é um raciocínio indutivo mas feito com os próprios elementos da experiência. O raciocínio lógico típico vem acompanhado da sensação de certeza porque é inteiramente construído por nós e ilude-nos de ser um domínio cognitivo sobre a situação real, mas o raciocínio “imediato” é mais confiável por trabalhar sobre os dados imediatos da situação. O propósito da educação devia ser o aprimoramento da percepção da realidade e das conexões fácticas, ao conferir uma atitude de aceitação e contemplação, mas tem se enfocado no raciocínio e em outras funções melhor desempenhadas por um computador. O raciocínio “imediato” é mudo porque não é possível exprimir a percepção directa mas apenas signos, e daí advém a falta de sensação de certeza. Mas só aqui estamos no domínio da verdade porque só aqui se revela a conexão entre formas inteligíveis dos seres em si mesmos. A ciência moderna não busca este tipo de conhecimento mas uma confiabilidade colectiva em relação a algumas coisas. O raciocínio lógico só se torna evidente mediante a percepção intuitiva, pelo que não existe conhecimento racional mas apenas intuitivo. A cultura científica e a cultura literária expressam indirectamente a realidade, diferindo no tipo de símbolos que produzem. Em ambos os casos, a validade da conexão entre os raciocínios montados avém da capacidade de referência indirecta à razão divina. A grande perversão cultural, derivada da substituição do mundo por uma ideia nossa, é a do domínio da prova sobre a realidade, estabelecendo assim o nosso construtivismo subjectivo como autoridade suprema. A limpidez que uma prova lógica oferece, devido à abstracção dos elementos acidentais, é precisamente a razão de ser tão difícil uma prova ser válida na realidade. A lógica pode ser utilizada como elemento representativo de estruturas reais, mas como leitores temos de perceber o que se esconde por detrás dos símbolos fornecidos pela lógica. O projecto filosófico não tem uma unidade linear mas desenrola-se a partir do projecto socrático englobando inúmeros percalços internos e externos, alguns deles funcionando como elementos opositivos.
A experiência das cartas A verdade é um domínio, em termos psicológicos, onde estamos ou não estamos, já que existencialmente estamos sempre na verdade. Uma experiência decorrida na Universidade de Iowa ajudará a esclarecer esta questão: foram colocadas quatro pilhas de cartas de baralho, duas azuis e duas vermelhas. Os indivíduos retiravam uma carta de qualquer pilha e, conforme o resultado, recebiam ou pagavam uma certa quantia de dinheiro. Este jogo estava viciado porque as cartas não estavam distribuídas de forma uniforme, e as cartas vermelhas davam prémios altos mas multas maiores ainda, ao passo que as cartas azuis davam prémios pequenos mas multas menores ainda. Em média, as pessoas percebiam ao fim de 50 rondas que o jogo estava viciado e que era
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mais vantajoso retirar cartas azuis. Ao fim de 80 jogadas, em média, as pessoas já tinham uma explicação inteira para o que estava acontecendo. Mas os indivíduos também estavam ligados a máquinas que mediam a quantidade de suor nas mãos, como indicador da quantidade de stress. O que se verificou foi que a partir da décima jogada, em média, a quantidade de suor começava a aumentar quando a mão se aproximava das cartas vermelhas, e daí para a frente havia maior tendência para retirar cartas azuis, isto 40 jogadas antes dos próprios terem percebido que tinham tomado esta decisão. Os psicólogos explicam estas coisas com o conceito de inconsciente adaptativo, que seria um mecanismo decisório que permitiria a adaptação a uma situação antes de ter dela uma compreensão consciente. Mas esta análise não chega ao fundo do problema, porque a psicologia não pode estudar o processo cognitivo e o seu objecto, que não faz parte da psicologia. Para prosseguirmos onde a psicologia parou temos de considerar o processo inteiro, a relação estabelecida entre o sujeito do processo cognitivo e a situação real.
Dois tipos de raciocínio Na experiência das cartas, o que acontece entre as jogadas 50 e 80 é o típico raciocínio por indução, onde são reunidos indícios que apontam num sentido, dos quais se retira uma regra hipotética que explica não só os casos passados mas todos os futuros. Mas a primeira “reacção” também não pode ser descrita como intuição ou pressentimento porque também ali existiu um raciocínio indutivo, só que com uma casuística menor. Os psicólogos colocam a diferença fundamental no tipo de raciocínio ser ou não consciente. Mas em termos filosóficos isto é mero acidente, além de que o nível de inconsciência no primeiro raciocínio varia de pessoa para pessoa. A diferença fundamental é outra. No segundo caso, o processo normal, o raciocínio é feito apelando à memória e não com os próprios elementos da experiência. Este raciocínio é realizado com materiais inteiramente criados pela nossa mente, que têm uma relação com a experiência real mas já não são as cartas da mesa e sim outras que foram transformadas na nossa memória em símbolos. Já o primeiro raciocínio, também indutivo, trabalha não com signos da nossa mente, mas com os próprios objectos da experiência. Existem, então, duas ordens de conexões lógicas, uma fáctica, que é dada nos próprios objectos e na sequência dos factos, e outra mental ou comummente chamada de lógica, que ocorre nos nossos pensamentos, que reproduzem a situação posteriormente. Os graus de certeza dos raciocínios A percepção imediata não nos dá, aparentemente, a certeza lógica que retiramos de um raciocínio lógico inteiro que pode ser verificado. Mas a percepção imediata é também um raciocínio indutivo não menos falível que o raciocínio lógico, mas nós sentimos que se trata apenas de um pressentimento ou de uma vaga intuição. O segundo raciocínio só parece mais confiável porque foi inteiramente construído por nós, e o domínio que temos sobre as formas mentais criadas por nós, para reproduzir a situação
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real, ilude-nos de ser um domínio cognitivo sobre a situação real. Na realidade, o raciocínio mais certeiro é o primeiro porque não é feito indirectamente através de signos mas com os dados imediatos da situação. Esta é uma confusão que resulta de quatro séculos de subjectivismo filosófico, que educou as pessoas no sentido de fazerem raciocínios cada vez mais precisos e exactos mas sem tentar captar a conexão lógica real entre os factos em si mesmos, considerada algo subjectivo, próprio da intuição. Isto é uma inversão completa porque o objectivo passou a ser aquilo que a nossa mente cria e o subjectivo aquilo que é dado na própria situação. O raciocínio lógico criado por nós, apesar de nos dar a sensação de certeza, é apenas uma conexão lógica entre conceitos e não uma conexão fáctica entre coisas. É a diferença entre uma situação que se apresenta e outra que se representa. As teorias elaboradas pelas pessoas a partir da jogada 50 divergiam, apesar de virem acompanhadas de uma sensação de certeza, ao passo que a reacção na décima jogada era mesma para todos, certeira, mas sem vir acompanhada da sensação de certeza.
O propósito deslocado da educação A educação moderna visa o aprimorar do raciocínio e de outras funções que um computador pode realizar em nosso lugar e de forma bem mais competente. O que a educação despreza são as funções que só podem ser feitas por sujeitos reais, incluindo a percepção da realidade e das conexões fácticas, que apenas podem ser desempenhadas por quem tem a consciência da sua responsabilidade de conhecer a realidade. O treinamento filosófico no COF destina-se precisamente à apreensão de conexões fácticas, algo que só é trabalhado como técnica psicológica em contextos deslocados. A mente construtiva é um empecilho neste processo, porque ela vai querer tirar conclusões lógicas antes dos factos revelarem a suas conexões. Mais sobre isto encontra-se na apostila “Da contemplação amorosa”, disponível em: http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/amorosa.htm Não existe nenhuma técnica que possa aprimorar directamente o processo de decisão “imediato”, uma vez que a substância está nos factos, que são a parte activa, e não em nós, que somos receptores. O nosso corpo, ou o nosso inconsciente adaptativo, já tem a passividade necessária para receber e aceitar os factos tal como eles são. O desenvolvimento de uma atitude de aceitação e contemplação irá ocorrer no COF, aos poucos, através de uma educação que nos ensinará a aceitar as coisas como elas são e a termos mais confiança na nossa percepção directa do que nos nossos raciocínios. O raciocínio servirá para confirmar o que já sabemos, mas o conhecimento efectivo não pode ser uma construção da mente mas apenas uma reacção de um sujeito real, vivente, presente a uma situação actual e real. Só naquele momento é que existe conhecimento efectivo e este acontecimento amplia a nossa alma, enriquece-a, incorpora-se nas nossas reacções, na nossa maneira de ser e na nossa memória. Um conhecimento inexprimível Os dados utilizados no primeiro tipo de raciocínio são presenças reais oferecidas pela realidade, não são signos. E nós só podemos expressar o que foi pensado com signos.
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Como a primeira decisão é muda, ela é acompanhada de uma sensação de falta de domínio, pelo que tentamos compensar a insegurança criando uma situação mental onde temos o domínio, por ser criação nossa, e achamos que estamos a dominar intelectualmente o assunto. Mas nesta nossa criação há uma passagem dos factos aos conceitos e destes aos raciocínios, um percurso onde se podem introduzir inúmeros erros, que não serão apenas de lógica mas também de denominação, descrição ou classificação em categorias. Estes erros são evitados na primeira forma de raciocínio porque os factos já aparecem com a sua conexão auto-evidente e auto-exibida, por isso, quanto mais nos atermos a este tipo de raciocínio mais livres estaremos do erro e mais firmemente estaremos ancorados no terreno da verdade, ainda que não consigamos expressar aquilo. Os erros de percepção também existem, mas são em muito menor número, como atestam as milhares de decisões que são necessárias tomar por alguém que está conduzindo, decisões tomadas com uma enorme velocidade e precisão. Quando passamos à esfera da representação e do pensamento construtivo, os erros sucedem-se uns aos outros, algo a que nem os grandes filósofos escapam, porque a relação com a realidade é indirecta e meramente simbólica, quando não convencional. Podemos dar provas deste tipo de raciocínio, repeti-lo e permitir que outras pessoas o confirmem, mas essa confirmação visa apenas a lógica interna e não a conexão dos factos. Mesmo que verifiquemos por experimento a conexão do raciocínio com os factos, nunca é a totalidade da experiência que está em causa, apenas alguns pontos abstraídos esquematicamente, mas é sobre a crença nesta validação que a civilização ocidental vem sendo construída nos últimos quatro séculos. A ciência moderna tornou-se numa actividade social porque busca acima de tudo a confiabilidade colectiva em relação a algumas coisas. O testemunho colectivo confirma o raciocínio e, no máximo, alguns pontos de coerência entre o raciocínio e o facto mediante experimentação. Mas se estamos interessados em obter conhecimento para nós mesmos, e não entrar numa roda de auto-engano, temos de nos interessar pela primeira modalidade de conhecimento já que é a única que nos pode dar certeza total e absoluta, sabendo que dificilmente conseguiremos produzir um discurso a respeito que seja confiável para outras pessoas. Quase tudo o que iremos descobrir será intransmissível, mas essa coisa muda é a nossa verdadeira substância. Se optarmos apenas por aquilo que conseguimos contar estaremos a optar por um simulacro. No outro caso, optamos por assumir a responsabilidade do conhecimento, que é a de saber coisas que os outros não sabem e até podem nem entender e muito menos querer saber. Aceitar apenas o que os outros já sabem implica o nivelamento por algum nível de burrice. É o que ocorre nas discussões públicas, onde ninguém diz a verdade, ninguém tem olhar próprio, apenas o olhar do outro, que também confia em outro igual, pelo que todos se enganam uns aos outros sem perceber. A filosofia surgiu como arte de perceber as coisas como elas são, sem ilusões de ser possível compartilhar isto por todos. A vantagem é saber mais ou menos como as coisas são e prever um pouco como vão ser, mais precisamente, apreender o capítulo seguinte que já está decorrendo mas aparece oculto para os demais que se preocupam com a prova e não confiam na intuição directa.
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O domínio da verdade Aristóteles já sabia perfeitamente a diferença entre conexão lógica entre conceitos e conexão fáctica entre dados da realidade, e que apenas uma parte ínfima do que é perceptível na esfera dos dados pode ser transposta para uma demonstração lógica. O primeiro tipo de raciocínio, “imediato”, só é possível porque os dados em si têm uma estrutura inteligível. A criação de um conceito é a tradução em palavras de algo percebido da forma inteligível dos objectos, algo que os representa mas não os apresenta. A ciência experimental serve para verificar se a ordem lógica colocada nos conceitos toca a ordem dos factos em alguns pontos, mas o primeiro tipo de raciocínio vai mais além porque é uma percepção da lógica interna entre entes com as suas formas inteligíveis. Só aqui estamos no domínio da verdade porque só desta forma se revela a conexão entre formas inteligíveis dos seres em si mesmos. Actualmente quem entra nos círculos filosóficos e científicos não busca o domínio da verdade mas apenas obter de outros a confirmação do seu discurso. É o solo das relações humanas, da subjectividade colectiva. Mas a relação objectiva com a realidade é pessoal e muda, ocorrendo no momento da percepção da realidade. Podemos transmitir algo do nosso conhecimento efectivo, mas a sua transformação em linguagem humana é um processo altamente complexo e falível, onde se dá uma perda enorme. Por isso um livro de filosofia nunca pode dizer tudo e é imprescindível fazer o exercício imaginário, treinado com o Exercício de Leitura Lenta, de completar imaginariamente a exposição para fazer sair o fundo de experiencia que motivou o autor. Isto também nos pode ajudar a produzir expressões culturalmente eficientes, mas isto não significa prova. Escolher o domínio da verdade faz-nos perceber que “saber é saber algo que os outros não sabem”, e optar por um conhecimento por outros partilhado é a movimentação numa esfera comum onde se fez um recorte da realidade. Mas este conhecimento adquiriu autoridade social pela facilidade em se fazer a sua transmissão, reprodução e verificação, sendo este conjunto confundido com os critérios que dão validade intrínseca a um conhecimento. Quanto maior o edifício universitário, maior a quantidade de pessoas que confirmam os discursos umas das outras, criando uma pressão tal que se torna impossível fazer a correcção disto dentro do establishment . O paroxismo da irracionalidade é achar que a ciência pode corrigir as nossas percepções. A observação directa nos últimos séculos foi relegada para um papel de matéria-prima sobre a qual se colocaria em cima um raciocínio, como se ela mesma fosse irracional. Mas a observação directa também é um raciocínio e o único que nos coloca no domínio da verdade, ao passo que o raciocínio lógico apenas nos coloca no domínio da representação, do subjectivo e do discurso. A primazia da evidência Edmund Husserl coloca como condição para a existência de uma ciência ideal a existência da «evidência», a percepção directa de alguma coisa, que só é válida para quem a tem. Os restantes necessitam de um evidência indirecta ou prova, que é uma série de afirmações que têm uma conexão lógica não só entre si mas também nos dados apresentados pela testemunha e pela própria situação. Mas quando ligamos duas
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premissas e apresentamos uma conclusão não há aqui apenas uma conexão lógica, é também necessária uma evidência para que as conexões entre afirmações sejam também percebidas intuitivamente, ou então entraríamos numa série infinita de necessidade de provas. Então, não existe conhecimento racional mas apenas intuitivo, baseado na evidência, feito com elementos da própria situação e não com signos. O que chamamos de racional é ainda uma conexão intuitiva que já não é dada pelos factos mas mentalmente pelos conceitos que nós criamos. A partir daqui conseguimos criar esquemas transmissíveis mas que só podem se referir muito indirectamente ao conhecimento. Como o foco da educação está aqui, a burrice vai aumentar com a quantidade de estudos.
A cultura científica e a cultura literária Na senda de Saul Bellow, existe no mundo anglo-saxónico um debate sobre a divisão entre duas culturas. A cultura científica está conotada com a formulação de doutrinas, ideias, hipóteses e a sua discussão. A cultura literária está conotada com a expressão mais directa das impressões genuínas. Este é um debate viciado que separa a ciência da observação directa, como se isso fosse um domínio “irracional” remetido para a literatura, artes, religião, misticismo, etc. Na realidade, a única diferença que existe entre as duas culturas está na forma como lidam com a conexão lógica, na cultura literária a partir do que é exibido pelos próprios factos, e na cultura científica com base na imitação mental posterior. A ciência lida com a experiência de forma indirecta, através dos conceitos, mas a literatura também não pode exprimir directamente a percepção real, pois esta é muda, tendo também de seguir uma via indirecta através de uma transformação simbólica. Em qualquer dos casos só conseguimos alguma conexão entre os raciocínios que montamos na medida em que nos conseguimos referir indirectamente à razão divina, que é a racionalidade do próprio real. A grande perversão cultural Nunca é possível fazer a apropriação da razão divina, teríamos de ser Deus para fazer isto, mas ainda assim podemos desvalorizá-la face às estruturas criadas pela nossa mente, a ciência, a arte, a filosofia, etc. É uma operação blasfema que substitui o mundo por uma ideia nossa e isso dá-nos segurança. Mas o nosso mundo interior faz parte da realidade e esta não é dominada por nós. Isto dá origem a uma grande perversão cultural, que é a do domínio da prova sobre a realidade, do signo sobre o significado. Mas toda a prova é relativa, nunca dá a certeza absoluta, sendo apenas confirmada pela percepção directa. Querer apenas provas demonstra a vontade de acreditar em alguma coisa que seja socialmente aprovada, um refúgio na autoridade e um medo do conhecimento. O que temos de fazer no COF é quebrar nas nossas cabeças a autoridade de formas culturais hipnóticas, porque apenas a autoridade do real tal como experimentado imediatamente pode servir para nós. Não temos que aprimorar a percepção directa, que em si mesma já é perfeita, mas cultivar a nossa personalidade durante uma vida inteira para aceitarmos os dados do real.
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A exigência que as pessoas fazem da prova vem também da impregnação de um raciocínio judicial, porque não se pode condenar ninguém sem ter provas cabais. Mas em outros domínios, na política, na guerra, não se pode esperar por essa prova, e o facto é que os grandes generais erram menos que os juízes e têm de tomar decisões estratégicas muito complexas a uma grande velocidade. A prova só serve para tirar dúvidas, mas ela não pode ser feita com elementos da realidade, pois não é possível fazer acontecer de novo, diante de todos, o sucedido, podemos apenas nos socorrer de elementos secundários e artificiais. Se privilegiamos a prova em relação à realidade, então, apenas tomamos decisões em relação ao nosso mundo subjectivo e não à realidade. Esta é uma fuga que denota medo da verdade, medo de errar. O resultado é a eleição do nosso construtivismo subjectivo a autoridade suprema, no qual acreditamos mais que nos nossos olhos e fingimos que existe uma comunidade intelectual simbólica que lhe presta vassalagem. Isto é o supra-sumo do argumento da autoridade, uma alienação que destrói a nossa inteligência. A filosofia verdadeira não tenta provar nada, pretende apenas descrever as coisas como elas são e, sendo aquilo verdadeiro, as provas irão aparecer, leve o tempo que levar.
Os problemas associados à prova Prova significa purificar, ter uma visão mais límpida de algo. A visão construída na nossa mente é sempre mais límpida que aquilo que é percebido na realidade porque nós fazemos abstracção de todos os elementos acidentais, algo que não podemos fazer na percepção directa. Para que esta também se torne límpida teremos de “limpar os nossos olhos” para percebermos a conexão directa quando ela se apresenta a nós. Um acontecimento só pode ocorrer com uma série de elementos acidentais, eles são a sua substância, e como a prova faz a sua abstracção, ela terá de ser corrigida, o que pode ser um processo sem fim. Um processo alternativo, mas que ainda não está criado, seria uma dialéctica que dissolvesse a prova lógica ao ponto de restabelecer as suas conexões com a realidade. A prova é uma tentativa de encaixe de uma coisa da ordem física, que transcorre no tempo, dentro de um esquema metafísico, que é a esfera atemporal das relações lógicas que apenas exprimem esquemas de possibilidades. Este encaixe é problemático e terá de ser sempre a prova a fazer a adequação à percepção e não o contrário. Algo verdadeiro pode ser provado de milhares de pontos de vista diferentes, e uma percepção da realidade pode nos dar logo um vislumbre de inúmeras provas a desenvolver. Mas a prova será sempre especulação de símbolos e não conhecimento. Nem Deus conseguiu ter um conhecimento tão certo que o conseguisse provar e obter a aceitação de todos, por isso devemos ter noção que a nossa condição humana implica as pessoas duvidarem dos nossos conhecimentos efectivos. A razão de uma prova ser válida na realidade é um dos maiores problemas da filosofia universal. A lógica utilizada na prova expressa relações entre conceitos obtidos da realidade através da abstracção. Mas a abstracção não é um processo lógico mas a captação de uma forma inteligível. Por isso o raciocínio sobre a realidade está sempre condicionado ao conhecimento da realidade, algo que o precede e transcende e a única coisa que o pode validar. Sem essa capacidade de perceber a realidade só existiriam
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raciocínios formais sem ligação à realidade e não teria sentido falar de ciência ou conhecimento. Todas as pessoas têm esta capacidade de perceber a realidade quase por igual, por isso todos podemos aprender a conduzir e a tomar decisões totalmente adequadas à realidade que, por isso mesmo, exprimem conhecimento. No domínio cognitivo, a mente exibe uma tendência diabólica para procurar contradições na linguagem de forma a não perceber a coerência da realidade, o que no limite nos pode fazer duvidar da nossa própria existência. A dúvida metódica de Descartes, ao invés de ser um método refinado, é apenas um acentuar de uma tendência maligna da inteligência humana. Quando a dúvida se intromete entre a percepção e o pensamento vamos exigir a prova e então passamos a acreditar mais na nossa dúvida do que naquilo que vimos. Induzir este estado de paralisação total é um dos grandes propósitos da educação moderna.
A lógica como instrumento representativo As aulas do COF são ministradas não com um intuito de exibir um raciocínio mas sim como a exposição de uma visão da realidade tal como ela surgiu. É feita uma tentativa de transmitir uma impressão autêntica para que o receptor também a reconheça na sua experiência. Os alunos podem se focar no discurso por automatismo, mas isso irá originar um mecanismo de procura da objecção lógica, que na verdade dá origem a um processo dialéctico porque ao desfazer a objecção não se prova nada mas apenas se mostra a inviabilidade de uma objecção. Mas se os alunos estiverem sintonizados na percepção de realidade irão reconhecer neles aquelas experiências. Como a lógica é uma arte muito aprimorada, ela tem todas as subtilezas necessárias para a expressão de uma visão intelectual, mas permanece ainda como sendo apenas um símbolo desta. S. Tomás de Aquino utilizava a estrutura lógica do raciocínio como instrumento representativo das estruturas do mundo espiritual que ele tinha percebido. A validade disto não advém da lógica mas da imitação que o raciocínio faz das conexões entre formas inteligíveis percebidas. Nós só vamos conseguir captar a amplitude do pensamento de Aquino se percebermos o que está por trás do símbolo, e isso é feito pela sequência “pensar, meditar e contemplar” descrita por Hugo de S. Vítor. Pensar é transitar de uma ideia para outra, enquanto a meditação opera no sentido inverso, rastreando cada ideia até ao seu fundamento. A contemplação é a observação de várias meditações no seu conjunto. Só assim perceberemos que S. Tomás de Aquino não estava tentando provar alguma coisa, mas utilizava a demonstração lógica apenas como um simbolismo, poderiam ser outros, de uma imensa estrutura espiritual que ele captou de uma só vez. Quando ele disse no fim da vida que tudo o que escrevera fora palha, mostrou que nunca se fechou num universo de símbolos e teve sempre consciência que a realidade era uma coisa sempre maior. O projecto filosófico A filosofia não nasce pronta mas como um projecto a realizar ao longo dos tempos, o que ocorre de forma não linear. Ao projecto inicial surgem críticas, sugestões de alternativas e de fusão com outros projectos (religiões, ideologias, etc.) Hegel