2ª Edição
D I S C I P L I N A
Arquitetura Atômica e Molecular
As ligações iônicas Autores
Ótom Anselmo de Oliveira Joana D’Arc Gomes Fernandes
aula
11
Governo Federal Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Educação
Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância
Ronaldo Motta
Reitor
José Ivonildo do Rêgo Vice-Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz Secretária de Educação a Distância
Vera Lucia do Amaral
Secretaria de Educação a Distância (SEDIS) Coordenadora da Produção dos Materiais
Célia Maria de Araújo Coordenador de Edição
Ary Sergio Braga Olinisky Projeto Gráfico
Ivana Lima Revisores de Estrutura e Linguagem
Eugenio Tavares Borges Marcos Aurélio Felipe Pedro Daniel Meirelles Ferreira
Ilustradora
Carolina Costa Editoração de Imagens
Adauto Harley Carolina Costa Diagramadora
Mariana Araújo de Brito Adaptação para Módulo Matemático
Thaisa Maria Simplício Lemos
Revisoras de Língua Portuguesa
Janaina Tomaz Capistrano Sandra Cristinne Xavier da Câmara
Divisão de Serviços Técnicos Catalogação da publicação na Fonte. Biblioteca Central Zila Mamede – UFRN
Oliveira, Ótom Anselmo de Arquiteturaa atômica e molecular / Ótom Anselmo de Oliveira, Joana D’arc Gomes Fernandes – Natal Arquitetur (RN) : EDUFRN – Editora da UFRN, 2006. 280 p.
ISBN 85-7273-278-0 1. Ligações químicas. 2. Modelos atômicos. 3. Tabela periódica. I. Fernandes, Joana D”arc Gomes. II. Título.
RN/UF/BCZM
2006/18
CDU 541 CDD 541.5
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa da UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
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Apresentação rosseguindo com o estudo das ligações químicas, passaremos a discutir os mecanismos de interação entre espécies iônicas que sempre resultam na formação de sólidos cristalinos. Destes, a grande maioria é de natureza inorgânica, embora algumas espécies orgânicas também se liguem através de mecanismos semelhantes. Em todos esses mecanismos, porém, o que se verifica é a união entre íons positivos e negativos, gerando redes tridimensionais bem organizadas.
P
Nesse tipo de composto, as ligações podem ser analisadas em termos das energias envolvidas na formação dos cristais e das relações de tamanho entre os íons formadores de cada substância. Nesta aula, daremos maior atenção aos aspectos energéticos, mas, ma s, também, utilizaremos dados relativos às dimensões dos íons, especialmente àqueles necessários a cálculos de parâmetros energéticos.
Objetivos Após esta aula, você deverá: conhecer os mecanismos envolvidos nas ligações iônicas, podendo descrever cada etapa de reação; saber analisar as energias envolvidas nesses mecanismos e realizar cálculos de alguns parâmetros termodinâmicos das reações; interpretar os fatores determinantes das diferentes geometrias desses compostos e correlacionar as geometrias com as energias de formação dos cristais. Além disso, você poderá compreender as causas de algumas propriedades desse tipo de composto, tais como estabilidade térmica, ponto de fusão, solubilidade e condutibilidade elétrica.
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1
Detalhando as ligações iônicas s ligações iônicas são estabelecidas entre íons de cargas opostas. Esses íons são formados mediante transferência de elétrons entre átomos ou grupos de átomos, conferindo-lhes determinadas cargas. Nesses processos, a espécie que fica com carga positiva é denominada cátion e a que fica com carga negativa recebe o nome de ânion.
A
Os compostos que apresentam esse tipo de ligação, ao invés de formarem moléculas isoladas, formam aglomerados de íons, assumindo a forma sólida à temperatura ambiente, sendo cristalinos, duros, não condutores de eletricidade quando puros, mas bons condutores quando em solução. Nos arranjos estruturais desses compostos, os íons positivos e negativos se alternam formando estruturas tridimensionais (o cristal do composto), com alta estabilidade termodinâmica. A título de exemplo, vamos analisar a formação do cloreto de sódio em todas as suas etapas, objetivando entender o mecanismo e as energias envolvidas na formação desse composto que, guardadas certas peculiaridades, se assemelham à de outros compostos dessa natureza. Inicialmente, podemos dizer que a síntese do NaCl se faz pela reação entre o sódio metálico e o cloro gasoso, num processo que pode ser expresso na forma: Na(s) + ½Cl2(g) NaCl(s);
H f = - 412 kJ mol-1.
A variação de entalpia observada em reações dessa natureza (síntese a partir dos elementos constituintes) é definida como entalpia de formação ( H f ) e como, nesse caso, o seu valor é bastante negativo (-412 kJ mol -1), pode-se dizer que a síntese do cloreto de sódio é bastante exotérmica, o que indica que as ligações entre os íons Na + e Cl- são muito fortes nesse composto. É interessante registrar que tais ligações resultam da combinação de uma série de etapas, as quais passaremos a analisar para melhor compreender os mecanismos dessas ligações. Como vocês já sabem, a configuração eletrônica do sódio é 1 s 2, 2s 2, 2 p6, 3s 1 e a do cloro é 1s 2, 2s 2, 2 p6, 3s 2, 3 p5. Assim, para que os dois assumam configuração de octeto no nível de valência, basta o sódio transferir um elétron para o cloro. Porém, no estado padrão, os átomos de sódio estão ligados entre si formando um sólido (Na (s)) e os átomos de cloro estão ligados formando moléculas (Cl 2(g)). Portanto, para que os dois possam reagir, é necessário que os seus átomos rompam tais ligações. Ou seja: é necessário que ocorram os processos: Na(s) Na(g) ; ½Cl2(g) Cl(g) ;
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entalpia de sublimação = 108 kJ mol-1; H 2 entalpia de dissociação = 121 kJ mol-1. H 1
≡
≡
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Em seguida, é necessário que haja a retirada de um elétron de um átomo de sódio gasoso formando o cátion Na +. Nessa etapa, apesar do potencial de ionização do sódio ser baixo, são consumidos 494,5 kJ mol-1. Ou seja: Na(g)
Na+(g) + e -(g) ;
H 1
energia de ionização = 495kJ mol-1.
≡
Veja que essas três etapas são endotérmicas, portanto, desfavoráveis à reação. reaçã o. Porém, as etapas seguintes são exotérmicas e é isso que assegura a formação do composto iônico (NaCl). Destas, a primeira corresponde à recepção de um elétron pelo cloro, formando o íon cloreto e, como o cloro tem uma alta afinidade eletrônica, ocorre liberação de energia. Ou seja: Cl(g) + e -(g) C l-(g) ; H 4 afinidade eletrônica = -349 kJ mol-1. ≡
Em seguida, pode-se imaginar que os íons formados se ligam por forças eletrostáticas gerando pares iônicos (“moléculas” de NaCl) que imediatamente continuam a se ligar, alternando íons sódio e íons cloreto, formando o retículo cristalino do cloreto de sódio num processo também exotérmico, já que ocorre pela interação entre partículas com cargas opostas. (energia reticular) Na+(g) + Cl-(g) NaCl(g) NaCl(s) ; H U (energia 5≡
A determinação da variação de entalpia dessas duas etapas da formação do NaCl (ou de qualquer outro composto iônico) é inviável experimentalmente. Mas, pode ser facilmente calculada, desde que se disponha das variações de energia das outras etapas, bem como da reação global de formação do sal. Para isso, basta que se use a Lei de Hess. Por essa Lei, a variação de entalpia de uma reação é igual à soma das entalpias de um conjunto de reações que reproduzam a reação que se pretende analisar. Assim, podemos dizer que, no caso em estudo, a entalpia de formação do NaCl é dada pela expressão: H f = H 1 + H 2 + H 3 + H 4 + U
Pode-se observar que, de fato, a soma das várias etapas da formação do NaCl reproduz a reação global: Na(s) Na(g) ½Cl2(g) Cl(g) Na(g) Na+(g) + e-(g) Cl(g) + e-(g) Cl-(g) Na+(g) + Cl-(g) NaCl(s) Na(s) + ½Cl2(g)
H 1 = 108 kJ mol-1 H 2 = 121 kJ mol-1 H 3 = 494 kJ mol-1 H 4 = - 348 kJ mol-1 H 5 = -U
(Etapa 1) (Etapa 2) (Etapa 3) (Etapa 4) (Etapa 5)
Lei de Hess Germain Henry Hess, em 1840, verificou que a variação de entalpia de uma reação depende somente do estado inicial e final, não importando o mecanismo da reação. Esse importante fato ficou conhecido como Lei de Hess.
NaCl(s); H f = H 1 + H 2 + H 3 + H 4 + U
Reorganizando essa equação, podemos expressar a entalpia reticular do cloreto de sódio na forma: U = H f - H 1 - H 2 - H 3 - H 4
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Assim, para calcular a entalpia reticular do cloreto de sódio, basta introduzir os valores das entalpias de cada etapa da reação global, obtendo-se a igualdade: = - 412 - 108 – 121 U =
– 494 + 348
= - 787 kJ mol-1 U =
Esse resultado indica que a etapa de formação do retículo cristalino (etapa 5) é muito importante para a estabilidade termodinâmica do composto (libera muita energia), fato que se repete em todos os sólidos iônicos. Já a formação dos ânions (etapa 4) pode ser favorável, como ocorre neste caso, mas nem sempre isso acontece, o que contribui para que muitos elementos não formem compostos iônicos. Entre as etapas desfavoráveis (etapas 1, 2 e 3), a formação dos cátions (etapa 3) merece um maior destaque, porque, com freqüência, é essa etapa que, pelos seus altos valores de energia absorvida, impede muitos elementos de formar ligações iônicas. Os efeitos energéticos da formação de um composto iônico podem ser visualizados com a utilização de diagramas, nos quais aparecem as variações de entalpia de cada etapa da reação, que são denominados ciclos (ou diagramas) de Haber-Born e, no caso da formação do cloreto de sódio, assumem a forma mostrada na Figura 1. Na+(g) + e- + Cl(g)
∆H 4 ° ∆H 3°
a i g r e n E
Na+(g) + Cl-(g)
Na (g) + Cl (g)
∆H 2 ° ∆H 1°
E n t a l p i a
Na (g) + Cl 2(g)
r e t i c u l a r d o N a C l
Na (s) + Cl 2(g)
( U )
∆H f ° [NaCl(s)]
NaCl(s) Figura 1 – Ciclo da Haber-Born
4
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Outros dados ilustrativos sobre aspectos energéticos relativos à síntese de compostos iônicos são apresentados no Quadro 1. Metais
Não metais
H 1
Li
H 2
15 8
Na
520
1 08
K
496
90
Mg
146
Ca
1 78
419
2.189
(a)
1.735
(b)
H 3
Compostos - H 4
H f
U
F2
15 8
328
LiF
- 605
1. 0 4 4
Cl2
24 2
349
L i Cl
- 410
861
Br2
19 3
325
LiBr
- 35 1
818
F2
15 8
328
Na F
- 56 9
92 9
Cl2
24 2
349
Na C l
- 412
787
Br2
19 3
325
Na B r
- 360
751
F2
15 8
328
KF
- 58 6
82 6
Cl2
24 2
349
KCl
- 435
717
Br2
19 3
325
KBr
- 393
689
Cl2
24 2
349
MgCl2
- 64 0
2. 5 2 4
O2
496
- 503
MgO
- 6 02
3 . 8 50
Cl2
24 2
349
Ca Cl 2
- 46 9
2. 6 7 0
O2
496
- 503
Ca O
- 636
3. 461
(b)
(b)
Quadro 1 – Parâmetros termodinâmicos relativos à formação de alguns compostos iônicos
Entalpia de sublimação do metal; H 3 Entalpia de dissociação do ametal Entalpia de ionização do metal; H 4 Eletroafinidade do ametal Entalpia de formação do composto; U Entalpia reticular do composto (a) Soma das duas primeiras energias de ionização. (b) Soma das duas energias de eletroafinidade. Todos os valores de entalpia entalpi a estão expressos em kJ mol -1. H 1 H 2 H f
=
=
=
=
=
=
Um aspecto que deve ser enfatizado é o fato das ligações iônicas sempre se formarem entre metais e não metais, uma vez que, para os primeiros, geralmente as energias de ionização (fator desfavorável ao processo) são pequenas; e os não metais normalmente apresentam afinidades eletrônicas negativas, favorecendo a ocorrência das reações, além do que, quando seus valores são positivos (desfavoráveis ao processo), são pequenos. Não devemos esquecer, porém, da existência de muitos compostos iônicos formados mediante ligações entre íons poliatômicos, como NaC2H5O2 ou NH4CL, os quais, por sua maior complexidade, não serão discutidos nesta aula.
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Atividade 1 1 2
Acredito que você já conhece a definição de muitos parâmetros termodinâmicos. Mas, para revisar os mais utilizados em algumas das nossas aulas, defina e ilustre com exemplos o que são entalpias de formação, dissociação, sublimação, ionização, eletroafinidade e reticular. Descreva as etapas de reação para formação do brometo de potássio e do óxido de cálcio, partindo dos seus elementos constituintes.
3
Construa um diagrama de Haber-Born para a formação de um haleto alcalino (que não seja o NaCl) e, usando parâmetros termoquímicos, determine a entalpia reticular do composto que você escolheu.
4
Qual a etapa que mais contribui e que mais dificulta a formação dos compostos constantes no Quadro 1? Justifique cada uma das respostas.
Estruturação Estrut uração do doss sólid sólidos iônicos iônicos
A
Um sólido iônico pode ser definido como um aglomerado de íons positivos e negativos, empacotados num arranjo estrutural regular repetitivo em que os cátions e os ânions fazem ligações sucessivas que se propagam em três dimensões, gerando a estrutura cristalina correspondente a cada composto. Nessas estruturas, cada íon fica rodeado por outros de cargas opostas, cujas posições e quantidades têm como um dos fatores determinantes os tamanhos desses íons, conforme se pode perceber observando a Figura 2.
Figura 2 – Acomodação de íons num composto em função do tamanho
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Pode-se observar que um cátion pequeno não comporta muitos ânions em torno dele. Já se o cátion e o ânion tiverem dimensões semelhantes, o número desses íons que se rodeiam mutuamente pode ser maior. Nos cristais iônicos reais, o número de íons que fica em torno de outro de carga oposta é chamado de número de coordenação (NC). Assim, no cristal do cloreto de sódio, que é mostrado na Figura 3, pode-se observar que cada íon sódio fica rodeado por seis íons cloretos e cada íon cloreto fica rodeado por seis íons sódio. Partindo dessa constatação, podemos dizer que os dois íons têm número de coordenação 6.
Figura 3 – Modelo de sólido cristalino do tipo do cloreto de sódio
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A energia energia reticu reticular lar e as estr estrutu uturas ras dos compostos iônicos A energia reticular é definida como a energia liberada na formação de um mol do composto na forma cristalina, no estado padrão, a partir dos íons que o constituem. Esse processo corresponde à etapa 5, apresentada anteriormente para a formação do NaCl, que de uma forma genérica, pode ser expresso pela equação: Mm+(g) + Xn-(g)
MnXm(s);
U
energia reticular reticular..
=
A determinação desse parâmetro experimentalmente não é uma tarefa fácil, mas, para muitos compostos, isso pode ser feito a partir de modelos teóricos com relativa facilidade e com resultados satisfatórios. Para tanto, pode-se definir a energia de atração eletrostática de um par iônico do tipo M X através da equação: m+ n-
E =
(z + e) (z − e)
4
r 0 MX
=
(z + z − )e
4
r 0 MX
,
onde z + e 2 z - são as cargas dos íons, e , a carga do elétron, r MX é a distância entre os centros dos dois íons e 0 é a permissividade do vácuo ( = 8,854.10-2 C2 m-1 J-1). 0
Assim, para o cloreto de sódio, como as cargas dos íons sódio (1+) e cloro (1-) são iguais, diferindo apenas pelo fato de uma ser positiva e a outra negativa, essa equação pode ser escrita na forma: (1+) (1− )e E = 4 r
e 2
2
0 NaCl
ou ainda,
E =
–
4
r
0 NaCl
Porém, compostos iônicos na forma de pares iônicos só existem em altas temperaturas e em baixas pressões. Nas condições ambientais, tais compostos se estabilizam na forma sólida, com os íons positivos e negativos formando ligações que se propagam nas três dimensões, gerando estruturas cristalinas constituídas por grandes aglomerados de íons. Dessa maneira, cada íon interage com os demais íons do cristal. Os de cargas opostas atraindo-se, e os de cargas de mesmo sinal repelindo-se mutuamente. Como já foi mostrado, nos cristais de cloreto de sódio cada íon fica rodeado por seis íons de carga oposta, com os seus núcleos separados por uma distância correspondente correspondente à soma do raio do íon sódio mais o raio do íon cloreto. Essa distância equivale ao comprimento comprimento de ligação que, a partir de agora, passará a ser simbolizada por r 0 . Assim, a energia de ligação entre um íon sódio e os seis íons cloreto que interagem mais diretamente com ele pode ser escrita na forma:
8
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6 e 4 0 r 0 2
E =
–
Porém, após essa camada de cloretos vem uma camada de doze íons sódio que ficam a √ uma distância igual a ro 2, sendo repelidos pelo sódio central e contribuindo negativamente √ para a formação do cristal. Em seguida, a uma distância igual a ro 3, vem uma nova camada constituída constit uída por oito cloretos, que contribui para a estabilização estabilização do cristal. Assim Assim,, com a sucessão sucess ão de camada camadass de íons positivos e negativos, ocorre a formação do crista cristal,l, nos quais as distâncias interiônicas interiônicas podem ser definidas por relaç relações ões trigonométricas, trigonométricas, como pode ser visto na Figura 4.
Figura 4 – Estrutura do cloreto de sódio mostrando as distâncias interiônicas
A disposição dos íons Na+ e Cl- nos cristais de cloreto de sódio faz com que a energia de ligação do íon de referência na Figura 4, em relação aos demais, seja expressa pela equação:
= E =
e2
1
−
4πεo
6
ro
12e2 8e2 √ + √ ro 2 ro 3
−
−
6e2 24e2 + √ 2ro ro 5
−...
Colocando os termos comuns dessa equação em evidência, obtém-se:
E =
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e2
−
4πεo ro
6−
12 8 √ + √ 2 3
−
6 24 + √ 2 5
−...
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Nessa equação, todos os termos entre parênteses são constantes, e a operação dos mesmos gera outra constante, conhecida como constante de Madelung ( M M ). Com isso, a equação anterior pode ser escrita na forma: E
= −
e 2 M
4
r
0 0
Deve-se registrar que os valores da constante de Madelung independem da composição do sólido cristalino, variando com as geometrias dos compostos, como se pode perceber analisando os dados contidos no Quadro 2. Assim, o NaCl e o CaO, que são compostos diferentes, apresentam o mesmo valor de M . Já os minerais blenda e wurtizita, apesar de terem a mesma composição (ZnS), têm valores de M diferentes porque seus cristais apresentam geometrias diferentes. Fórmula
Estrutura
Número de Coordenação
Constante de Madelung
Cs Cl
Cloreto de césio
(8,8)
1 , 7 63
Na C l
Cloreto de sódio
(6,6)
1, 74 8
Ca O
Óxido de cálcio
(6,6)
1, 7 4 8
Zn S
Bl e n d a d e Z i n c o
(4,4)
1 , 6 38
Zn S
Wurtzita
(4,4)
1, 641
CaF2
Fluorita
(8,4)
2, 520
TiO2
Rutilo
(6,3)
2, 408
SiO2
B-cristobalita
(4,2)
2, 298
Al2O3
Co r í n d o n
(6,4)
4 , 17 2
Quadro 2 – Constante de Madelung de alguns retículos cristalinos mais comuns
Agora, para expressar a energia de ligação por mol de cloreto de sódio formado, basta introduzir o número de Avogrado (N ), obtendo-se a equação: E
= −
e 2 MN
4
r
0 0
Não se deve esquecer, porém, que na formação do retículo cristalino os cátions e os ânions ficam próximos, fazendo surgir repulsões entre os elétrons desses íons e gerando uma energia de repulsão eletrostática que é expressa pela equação: E rep = −
e 2 BN
4r n
onde B é é uma constante, r é é a distância entre os íons em qualquer distância finita, e n é um termo associado à compressibilidade dos íons, o qual é denominado expoente de Born.
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Durante a formação do retículo cristalino, no instante em que as forças atrativas entre os íons de cargas opostas se iguala às forças repulsivas (devidas principalmente às repulsões entre os elétrons desses íons), a distância interiônica (r ) é igual a r 0 , e a energia eletrostática total por mol do composto formado é dada pela equação: e 2 MN
E total = E Atração + E Repulsão = −
4
NB
+
r
r 0 n
0 0
Essa energia é a nossa já conhecida energia reticular (U ) e corresponde à energia necessária para sublimar um mol do composto no estado padrão (temperatura de 273 K e pressão de 1 bar). Assim, com um pequeno rearranjo, a equação que expressa esse parâmetro pode ser escrita na forma: E total = U =
e2 M N
−
4πεo
1 ro
+ N B
1
Sublimação Sublimação é a passagem de um composto da fase sólida para a fase gasosa sem passar pela fase líquida.
ron
O uso dessa equação pode ser simplificado, eliminando-se a constante B e e expressando-a de outra forma. Para tanto, basta fazer a derivada da energia reticular (U ) em função da distância entre os íons (r ).). Como essa derivada em r = r 0 é igual a zero, podemos expressá-la pela equação:
dU dr
=
e2 M N
4πεo
1 2
ro
n
− NB
n−1 o
r
=
Partindo dessa equação, B pode pode ser expresso pela igualdade: e 2 M
B =
4
r 0 n-1
n
0
Se agora introduzirmos o termo correspondente a B na na equação que define a energia reticular e reorganizarmos essa equação, pode-se expressar a energia reticular de um composto de íons de cargas unitárias (como o NaCl) na forma: U =
e2 M N
−
4πεo ro
1−
1 n
Agora, introduzindo os termos constantes universais e fazendo as operações aritméticas pertinentes, a equação assume uma forma mais simples, podendo ser aplicada a qualquer composto constituído por íons de carga unitária, bastando se conhecer a distância interiônica, a constante de Madelung e o expoente de Born. Ou seja, U passa passa a ser expressa por: U = 1389
M ro
1−
1 n
Nessa equação, o fator 1389 está dimensionado para se utilizar a distância interiônica (r 0 ) em angstrom (Å). 2ª Edição
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Por fim, pode-se reintroduzir os termos z + e z -, tornando a equação genérica, podendo ser utilizada para cálculos de energias reticulares de compostos formados por íons com quaisquer cargas elétricas (z + = 1+, 2+, 3+,..., ou z- = 1-, 2-, 3- ...). Assim, a equação anterior assume a forma: U =
−1389
z− z+ M ro
1−
1 n
Essa equação é conhecida como equação de Born-Landé e, para se calcular a energia reticular de qualquer composto, basta que se conheçam a sua geometria e a distância entre os seus íons r � . A rigor, também seria necessário determinar o expoente de Born (n), o que é feito experimentalmente a partir do coeficiente de compressibilidade do composto. Porém, esse parâmetro pode ser calculado teoricamente, fazendo-se a média dos valores n correspondentes aos gases nobres isoeletrônicos com os íons considerados. Assim, para o NaCl, por exemplo, cujos íons Na + e Cl- são isoeletrônicos com o neônio e argônio, respectivamente, o expoente de Born é dado pelo cociente: nNaCl =
nNe + n Ar
2
=
7+9 2
=8
A diferença entre esse resultado e o valor de n obtido experimental é de 1,1 unidade, e, conforme se observa nos outros haletos alcalinos apresentados no Quadro 3, a diferença ainda é menor. Com isso, as diferenças entre as energias reticulares (U ) calculadas com valores do expoente de Born empíricos e teóricos são sempre inferiores a 3%, como se pode verificar analisando os dados contidos no Quadro 3. Composto Li F
Valor de n e exxperimental 5, 9
Valor de n calculado 6, 0
Gás nobre He
Valor de n 5
L i Cl
8, 0
7, 0
Ne
7
L i Br
8, 7
7, 5
Ar
9
Na C l
9, 1
8, 0
Kr
10
Na B r
9, 5
8, 5
Xe
12
Quadro 3 – Valores do expoente de Born em algumas espécies químicas
12
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2ª Edição
Como ilustração, aplicando-se esse método de cálculo para determinar a energia reticular do cloreto de sódio, cujas cargas iônicas são +1 e -1, a distância interiônica, r 0 , é 282 pm e n é igual a 9,1, a energia reticular é igual a: (+1)(-1)1,748 U = = - 1389 2,82
1−
1 9, 1
1,748 U = = - 1389 2,82
U = 860 − 95 = 765 kJ mol
1−
1 9, 1
−1
Usando agora o valor de n calculado, obtém-se:
1,748 U = 1389(+1)(−1) 2,82
1−
1 8
= 1389
1,748 2,82
1−
1 8
kJ mol-1 Pode-se observar que a diferença entre a energia reticular (U ) calculada com o expoente de Born (n) experimental e o estimado teoricamente é de 13 kJ mol-1, o que corresponde a uma diferença de apenas 1,3%, de um em relação ao outro. U = =
1389 - 108 = 752
Comparando-se agora a energia reticular (U ) determinada experimentalmente através de um ciclo de Haber-Born, que é igual a 787 kJ mol -1, com os resultados obtidos teoricamente usando o expoente de Born experimental e o que é estimado a partir dos gases nobres de mesma configuração (cujos valores são 765 kJ mol -1 e 752 kJ mol-1), verificamos que as diferenças encontradas são de, apenas, 22 kJ mol -1 e 35 kJ mol-1. Isso corresponde a diferenças de, somente, 2,7 % e 4,4% em relação ao valor obtido experimentalmente, demonstrando que os cálculos teóricos oferecem resultados de boa qualidade para qualquer análise sobre esse parâmetro. Além disso, os dados contidos no Quadro 4 indicam que esse comportamento é muito mais geral, podendo ser usado para os sólidos iônicos com perspectivas de bons resultados. É necessário destacar que existem outras equações para cálculos das energias reticulares (U ) dos sólidos iônicos. Uma delas inclui parâmetros relacionados com a covalência da ligação (presente mesmo nos compostos iônicos), com as repulsões entre os elétrons dos íons (de um íon sobre o outro) e a energia do ponto zero . Outra é a equação de Kapustinskii que é menos precisa, mas pode ser aplicada mesmo quando não se conhece a estrutura cristalina do composto. Resultados pela via experimental e pelos três modelos teóricos citados são apresentados no Quadro 4.
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Energia do ponto zero De acordo com a mecânica quântica, uma partícula nunca está parada. Se isso ocorresse, sua energia seria zero, o que iria de encontro ao Princípio da Incerteza. Assim, mesmo no zero absoluto de temperatura, cada partícula ainda tem certa quantidade de energia, que é denominada energia do ponto zero.
Kapustinskii A.F. Kapustinskii A.F. estabelece que a energia reticular (U ) de um composto iônico pode ser estimada pela equação U =
1−
120200 νz + z− ro 34,5
kJ mol −1
ro
Nessa equação, ν é o número de íons por fórmula do composto.
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Energias reticulares Composto
Experimental
Modelos de teóricos Simples
Mais completo
Kapustinskii
1 .0 0 8
1033
9 53
Li F
1. 046
L i Cl
8 61
811
845
804
L i Br
8 18
766
79 8
793
Li I
759
708
740
713
N aF
929
902
91 5
885
N a Cl
787
7 55
7 78
75 3
N a Br
751
7 19
739
71 3
N aI
700
663
69 2
674
KF
826
797
813
789
K Cl
7 17
687
709
681
K Br
6 89
660
679
67 5
KI
645
623
640
614
Quadro 4 – Entalpias reticulares determinadas experimentalmente e calculadas por métodos diferentes
Conclusão Durante esta aula, quase sempre consideramos que as ligações iônicas são estabelecidas, apenas, por interações de natureza eletrostática entre íons ou esferas de cargas positivas e negativas. Neste contexto, podemos concluir que tais ligações são mais simples do que as que fazem pelo modelo da covalência. Pela natureza dessas ligações, os sólidos cristalinos apresentam altos pontos de fusão e são quebradiços, pois como os íons se ligam em redes, ao ocorrer rompimento de ligações, estas ocorrem em toda a superfície de clivagem do cristal. Não devemos esquecer que tais simplificações feitas no tratamento das ligações iônicas podem levar a conclusões equivocadas, uma vez que, em qualquer ligação, sempre existe alguma covalência. De fato, existem compostos, como muitos m uitos dos haletos alcalinos, em que o caráter covalente pode ser desconsiderado para muitas das interpretações que se deseja fazer. Porém, em compostos formados por elementos com eletronegatividade não muito diferentes, a covalência tem caráter mais significativo. Outro aspecto que dever ser registrado é que as redes cristalinas nem sempre são perfeitas. Na formação dos cristais, freqüentemente ocorrem defeitos (por descontinuidade da rede ou pela presença de impurezas) que podem fazer o composto mudar algumas das suas propriedades, e isso possibilita diversos usos interessantes para esses materiais.
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Atividade 2 1
Agora que você já estudou as ligações covalentes e iônicas, faça uma discussão sobre diferenças entre esses dois modelos de ligação.
2
Descreva diferenças de três propriedades físicas que sejam causadas pelo tipo de ligação, presentes nos compostos.
3
Comente esta afirmação: todas as ligações, mesmo as tidas como iônicas típicas, sempre têm algum caráter covalente.
4
Nesta aula, foi demonstrada a obtenção da equação de BornLandé, tomando como referência o cristal do cloreto de sódio. Seria interessante você repetir esse procedimento, analisando cada etapa da sua demonstração. Para quebrar a rotina, use como referência o brometo de potássio, cuja geometria é igual à do cloreto de sódio. Faça-o, pois assim você ficará mais seguro sobre o assunto.
1.
2.
3.
a t s o p s e r a u s
4.
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Resumo As ligações iônicas são formadas entre elementos ou grupos de elementos que apresentem grandes diferenças de eletronegatividade. Nesta aula, estudamos os mecanismos envolvidos nessas ligações, abordando questões relacionadas à formação dos íons e à interação entre estes para gerar compostos iônicos, que sempre são sólidos cristalinos. Demos maior atenção aos aspectos energéticos e estruturais, porque são esses fatores que determinam a formação dos compostos iônicos. Sobre isso, vimos que a fase que mais contribui (liberando energia) para estabilizar tais compostos é a formação do retículo cristalino e que a geometria dos cristais formados depende das dimensões dos íons constituintes de cada composto. Vimos, também, que os dois fatores (energia reticular e geometria) são tão dependentes um do outro a ponto de permitir correlações matemáticas teóricas que reproduzem resultados experimentais com grande precisão, chegando, por vezes, a desvios da ordem aproximada de 1%.
Auto-avaliação 1
Qual a razão das ligações entre os elementos alcalinos e halogênios terem caráter predominantemente iônico?
2
Relembrando carga nuclear efetiva, você acha que esse parâmetro tem alguma relação com a formação de ligações iônicas? Justifique.
3
Ordene os dois conjuntos de compostos seguintes de acordo com suas estabilidades termodinâmicas: a) NaF, NaCl e NaBr b)LiF,, NaF e KF. b)LiF KF. Agora, comente suas repostas.
4 5 16
Os íons Na+ e Mg2+ são isoeletrônicos; o F- e o O2- também. Então, qual a razão da energia reticular do NaF ser 929 kJmol-1 e a do MgO ser 3.850 kJ mol-1?
Qual a razão do número de coordenação no NaCl ser 6:6 e no CsCl ser 8:8?
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Quais fatores são expressos pela constante de Madelung?
7
Qual a razão para que o NaCl e o CaO tenham a mesma constante de Madelung?
8
Nos compostos iônicos, quais as duas grandezas que se equivalem quando os cátions e os ânions ficam separados pela distância r 0 (comprimento das ligações na rede cristalina)?
9
Estime o expoente de Born para o CsCl e, usando a equação de Born-Landé, calcule a entalpia reticular do CsCl, sabendo que a distância de ligação Cs—Cl é igual a 3,5 Å e a constante de Madelung é 1,763.
10
O expoente de Born experimental do KBr é 8,7. Qual a percentagem de erro no valor da energia reticular calculada, usando-se o expoente de Born estimado a partir dos valores referentes aos gases nobres isoeletrônicos aos íons desse sal?
Referências ATKINS, P. W.; JONES, L. Princípios de química. Porto Alegre: Bookman, 2001. BRADY, J. E.; RUSSEL, J. E.; HOLUM, J. R. Química: a matéria e suas transformações. 3.ed. BRADY, Rio de Janeiro: LTC, 2003. v. 1 e 2. GARRITZ, A.; CHAMIZO, J. A. Química. São Paulo: Prentice Hall, 2003. J. D. LEE. Química inorgânica não tão concisa . 5.ed. São Paulo: Paul o: Edgard Blücher LTDA, 1999. KOTZ, J. C.; TREICHEL JR, P. Química e reações químicas . 4.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2002. v. 1 e 2. MAHAN, B. M.; MYERS, R. J. Química: um curso universitário. 4.ed. São Paulo: Edgard Blücher LTDA, 1993. SHRIVER, D. F. E ATKINS, P. W. Química inorgânica. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2003. 2ª Edição
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Anotações
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Anotações
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Anotações
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Arquitetura Atômica e Molecular – INTERDISCIPLINAR
EMENTA
Estrutura atômica e periodicidade dos elementos. Estrutura molecular e as ligações químicas. Forças intermoleculares. intermoleculares.
As interações nos líquidos. Ligações químicas nos sólidos. Química nuclear.
AUTORES
> Ótom Anselmo de Oliveira > Joana D´Arc Gomes Fernandes
AULAS
01
Evolução dos modelos atômicos de Leucipo a Rutherford
02
Quantização de energia e o modelo de Bohr
03
Natureza ondulatória da matéria
04
O Modelo atômico atual e os números quânticos
05
A Configuração eletrônica dos átomos
06
Tabela Ta bela periódica dos elementos
07
Propriedades periódicas dos elementos
08
Ligações químicas: como se formam?
09
Ligações covalentes – formas moleculares e hibridização
10
Ligações covalentes - teoria do orbital molecular
11
As ligações iônicas
12
Ligação metálica e a teoria das bandas
13
As forças intermoleculares
14
O estado sólido
15
Radioquímica