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CONCEITO DE INFÂNCIA NA CONCEPÇÃO DE JEAN JACQUES ROUSSEAU Sandra Conceição Gonçalves Maia 1 Reginaldo Aliçandro Bordin 2
Resumo: A presente pesquisa investiga o conceito de infância em Jean-Jacques Rousseau e o lugar por ela assumido em seu projeto pedagógico, o qual concebia a existência de uma educação natural. Investiga ainda as contribuições quanto ao papel do educador nessa perspectiva educacional. Rousseau compreende que a infância era indispensável à constituição do ser humano, em especial por considerála o início de todo e qualquer tipo de formação. Busca-se, portanto, com este trabalho, compreender como o autor caracteriza a infância e os possíveis reflexos pedagógicos derivados de tal caracterização. Palavras chaves: Educação, Rousseau, Infância. Abstract: This research investigates the concept of childhood in Jean-Jacques Rousseau and the place that it has assumed in his pedagogical project, which conceived the existence of a natural education. It also investigates contributions on the role of educator in this educational perspective. Rousseau comprehends that childhood was indispensable to the constitution of human being, especially for considering it as the beginning of all and any type of formation. Thus, this work seeks to comprehend how the author characterizes childhood and possible pedagogical reflections derived from such characterization. Keywords: Education, Rousseau, Childhood.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente estudo busca a compreensão do conceito de infância de Jean Jacques Rousseau. Nascido em Genebra, filho de Isaac Rousseau e Suzanne Bernard, cuja morte ocorreu poucos dias após o nascimento do filho, fato que causou forte impacto na vida de Rousseau. Cresceu aos cuidados do tio, Gabriel Bernard, Jean Jacques Rousseau foi educado por um pastor protestante em Bossey (Suíça). Em 1749, escreveu seu primeiro trabalho e também contribuiu com a Enciclopédia de Diderot. Em 1762, escreveu suas obras mais conhecidas, dentre as
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Graduanda em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior de Maringá (Unicesumar). Orientador. Graduado em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração (1999), Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2003), Doutor em História da Educação, Uem. É professor do Centro de Ensino Superior de Maringá (Unicesumar).
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quais, o Emílio ou da educação, livro que debate sobre a formação do jovem, apresentando novos princípios educativos. Rousseau viveu no século XVIII, período identificado pelo Iluminismo e também marcado por ricas reflexões pedagógicas. Nesse período, as mudanças sociais apontavam para o completo esgotamento dos elementos feudais que ainda resistiam, como um Estado atrasado, sob o controle da igreja e de uma camada da nobreza, em face do desenvolvimento do comércio e da burguesia. Os conflitos de classe se manifestavam também na filosofia e na educação: na filosofia, o Iluminismo se colocava como o movimento que iria combater a religião e exaltar a razão como fundamento do conhecimento; na educação, por sua vez, procurou exaltar a liberdade e a autonomia do homem. É nessa conjuntura que a reflexão pedagógica de Rousseau se estabelece: opôs-se às concepções tradicionais de educação e propôs, em sua obra Emílio, repensar a formação da criança. A partir desse entendimento é que se interroga a concepção de educação de Rousseau e sua relação com o conhecimento (ARANHA, 2007). O Emílio ou Da educação teve seu primeiro escrito em 1762, constitui-se como obra em que o autor repensa os princípios que orientam a formação das crianças e jovens, realçando os elementos que considerava naturais. Por meio da educação, Rousseau acreditava que era possível retirar aqueles comportamentos avaliados como corruptos para redimensionar a formação do homem para ser político e moral. Essa perspectiva aponta a relação entre a educação e a política, a moralidade e o conhecimento, bem como as potencialidades naturais das crianças, o que faz dele um pensador original, justificando uma pesquisa sobre suas obras. Além disso, propõe o entendimento sobre a construção do ser criança. Segundo Cambi (1999), no livro de Rousseau, o papel do preceptor é o de caminhar lentamente o aprendizado, de modo a evitar qualquer antecipação do conhecimento fora do período. Permitir que Emílio, personagem fictício de Rousseau, tenha uma infância longa, que, para o filósofo, é a idade da alegria e da liberdade e este conceito de infância encontra respostas no Livro I e II, em Emilio. A fim de entender as questões propostas nesta pesquisa, o artigo se desenvolve a partir de levantamentos bibliográficos de autores que se dedicaram ao tema, buscando confrontá-los com o pensamento de Rousseau. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica que buscou a compreensão do pensamento pedagógico do filósofo, sobretudo ao que se refere à concepção de infância. Este
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trabalho foi realizado com a análise da obra Emilio ou Da educação, e de outros estudos, os quais contribuem para o entendimento da concepção de infância que o autor elaborou. É o ato de educar que implicará a formação do homem fornecendo os meios e os instrumentos para que esse perfil se forme diante a exigência que o momento histórico solicita. Ainda que esse momento seja mais complexo do que o do Rousseau, sua abordagem continua atual e rica, oferecendo elementos para repensarmos os processos de formação, não como atos formais e mecânicos, mas educar para construir sentidos para a própria existência humana (PAIVA, 2007). Nas obras de Rousseau, a exemplo de Emilio, merece destaque o entendimento de que a criança deveria ser compreendida em suas próprias características, ressalta com valor que as crianças teriam que ser mantidas com suas mães e estas amamentarem seus filhos. No que diz respeito às atividades desenvolvidas pelas crianças, Rousseau propõe o brinquedo e o esporte. Propõe ainda que a criança teria de ter o contato com a agricultura, assim ela aprende com a natureza que é o objetivo do Rousseau (ROUSSEAU,1999). Para ele, a criança tem o seu processo de desenvolvimento, cabe ao educador respeitar este processo natural, não forçar a criança a viver de forma corrompida. Emilio foi educado como uma criança inocente e não tinha consigo nenhuma noção sobre os princípios morais. Para ele, segundo definiu Rousseau, não havia compreensão sobre bem e mal, bom ou ruim, verdade ou mentira. E assim deverá permanecer, pois quanto mais longe a criança estiver e demorar a aderir esses conceitos, melhor é para ela (ROUSSEAU, 1999). Embora Rousseau não fosse um educador, contribuiu com a política da educação, afinal, para ele, o educador tinha de educar a partir de uma ação natural, que levasse em consideração as peculiaridades da infância. Foi ele que mostrou a importância das fases do desenvolvimento da criança para a educação e, por isso, Rousseau é considerado como aquele que mudou a referência da ação educativa, centralizando os interesses pedagógicos na criança e não mais no educador (ARANHA, 2007). Sua filosofia partia de uma educação natural, a qual está vinculada a uma ação otimista do homem e à natureza. Seu princípio educativo e político era unir a natureza e a humanidade. “A humanidade tem seu lugar na ordem das cois as e a
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infância tem o seu na ordem da vida humana é preciso considerar o homem no homem e a criança na criança’’ (ROUSSEAU, 1999, p.69).
Neste sentido, Rousseau preconizou o entendimento que desde a infância até a fase adulta é função do professor, a saber: desenvolver o que é apto a cada idade. Dessa maneira, o filósofo formulou, com muita vivacidade, princípios educativos que permanecem até os dias de hoje. Segundo Dalbosco (2012), por meio dos pensamentos de Rousseau, deparamo-nos com uma crítica ao que considerava ser educação bárbara ou tradicional. Para ele, o modo como os adultos e pedagogos de sua época tratavam as crianças contribuía para corrompê-las, ou como afirmava, estragá-las (DALBOSCO, 2012). Assim, diante desses aspectos, interessa-nos a compreensão do sentido da infância para Rousseau, com vistas a ampliar o conhecimento sobre o assunto, já que Rousseau é considerado o pai da Pedagogia contemporânea, crê-se na ideia de que os futuros Pedagogos tenham compreensão deste conceito.
1. ROUSSEAU E O ILUMINISMO Jean-Jacques Rousseau foi um pensador do século XVIII, cujas ideias tiveram grande influência na Revolução Francesa. Esse período foi identificado por ser o século das luzes, no qual o objetivo libertar o homem da escuridão, incivilidade e falta de conhecimento. Segundo Marcondes (2007), este período refletiu no âmbito político e social da época como um todo, mas também foi obtendo particularidades de acordo com o país e com a época em que se manifestava. Portanto, o Iluminismo não se resumiu em princípio filosófico ou teórico, mas, na realidade, consistiu-se em um conjunto de ideias e valores compartilhados por diferentes correntes com formas de expressão distintas nas ciências, nas letras e nas artes. A própria noção de Iluminismo, Ilustração, ou ainda Esclarecimento, como o termo é por vezes traduzido, indica, através da metáfora da luz e da claridade, uma oposição às trevas, ao obscurantismo, à ignorância, à superstição, ou seja, à existência de algo oculto, enfatizando, ao contrário, a necessidade do real em todos os seus aspectos, tornar-se transparente à razão. O grande instrumento do
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Iluminismo é a consciência individual, autônoma em sua capacidade de conhecer o real (MARCONDES, 2007, p.207).
É nítido afirmar que o conhecimento, a educação e a ciência foram os recursos utilizados nesse período por estudiosos que queriam se livrar do que consideravam um momento de escuridão medieval.
2. CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA NOS LIVROS I E II DE
EMILIO
OU
DA
EDUCAÇÃ O
Em Emilio ou da Educação, Rousseau elabora o princípio fundamental da “educação natural”, ou seja, a educação deve ocorrer de modo natural, longe das
circunstâncias corruptoras da sociedade e valorizando as necessidades desprovidas das crianças. O autor chama a atenção também para as condições de desenvolvimento e de necessidades específicas da criança. Portanto, nesse momento, a ideia do adulto em miniatura desaparece e entra em foco um tratamento diferenciado, já que a criança possui características próprias, indispensáveis em uma titulação adequada, que considerasse suas características. A obra em destaque é subdividida em cinco livros, mas para a compreensão que almeja este trabalho, serão explícitas as principais ideias dos dois primeiros livros, em que Rousseau enfatiza mais a questão da infância. Discorre-se então na seguinte ordem, no livro I, que vai do nascimento do bebê até os dois anos de idade, compreende que a criança necessita ser conceituada em seu próprio mundo, que é concebido por ele e por meio da análise da relação entre mãe e filho, desde o ato de amamentar o bebê como ato instituído de seu primeiro contato afetivo e social. O autor valoriza uma educação natural, esboça uma nova perspectiva epistemológica da educação: rejeita os princípios inatos do conhecimento para afirmar o pressuposto de que o conhecimento e, por extensão, a educação, deve começar pelos sentidos. Nesse ponto, Rousseau considerou que a educação não deve iniciar-se com abstrações racionais, para não antecipar coisas com as quais as crianças não estariam preparadas, a fim de não confundi-las (DALBOSCO, 2012). Para isso, o que se compreende é o fato de Rousseau entender que a criança, em sua infância, necessita de toda liberdade necessária para uma
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adequada formação, sem que esteja presa a esquemas que a engesse. Essa opção pode ser aludida no período em que as crianças deveriam ser principiadas na formação que, segundo ele, deveria iniciar-se já no ventre da mãe. Outra situação que o autor instiga em sua discussão referente à infância é que a cri ança, mal sai do ventre de sua mãe, já é privada da liberdade de se movimentar e alongar seus membros, colocando nestes faixas, laços, prendendo-os, com as cabeças e pernas esticadas, com os braços firmes ao lado do corpo, são envoltos aos panos negandolhes qualquer tipo de movimento, sorte daquelas que conseguiam respirar em meio a toda aquela proteção. Afirma o autor que todo infante necessita esticar e mover os membros para não impedir seus movimentos. Para Rousseau, deixar as crianças presas em cueiros e panos é privar- lhes de todo movimento natural, para ele, o ideal seria deixar os bebês com os cueiros mais soltos possíveis. Nesse primeiro livro, o autor trata mais dos cuidados que se tem de ter com Emilio que ainda é um bebê, refletindo aspectos que origina esse tempo. No que diz respeito às atividades desenvolvidas pelas crianças, Rousseau propõe o brinquedo, o esporte e o fato de que a criança teria de ter contato com a agricultura, para que aprendesse em contado com a natureza. Para ele, a criança tem o seu processo de desenvolvimento e cabe ao educador respeitá-lo, não a forçando viver em uma sociedade, cujas regras são antinaturais e consideradas corrompidas (ROUSSEAU, 1999). Ainda que não deixe de ter o mundo da criança como seu principal fator, Rousseau considera que a vontade da criança deve ser orientada. Os adultos, porém, frequentemente, cedem demasiadamente às vontades das crianças. Um aspecto que Rousseau crítica é o fato de que as mães jogam suas responsabilidades nas amas de leites, confiando seus filhos a mulheres estranhas para viver a vida na cidade. A criança, entretanto, tem mais necessidade da mãe do que apenas o seio para se fartar de leite. Em relação ao choro, afirma o autor que essa é à primeira relação que a criança tem com o mundo e que ela usa o choro para ter aquilo que deseja. Os primeiros choros das crianças são pedidos; se não tomarmos cuidado logo se tornaram ordens. Começam por se fazer ajudar e acabam por se fazer servir. Assim, de sua fraqueza, de onde provém inicialmente o sentido de dependência (ROUSSEAU, 1999, p. 52).
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O autor ainda relata que a criança necessita da família e do Estado para poder ter suas habilidades plenas. Com isso, Rousseau justifica a importância e o propósito da educação. Segundo o pensador suíço, “Moldam-se as plantas pela cultura, e os homens pela educação”. Os primeiros progressos da infância dão-se
quase todos na mesma época. A criança aprende a falar, a comer e a andar na grande maioria no mesmo tempo. Esta é exatamente a primeira fase de sua vida. Antes, não é nada mais do que aquilo que era no ventre da mãe; mal tem sensações e nem mesmo percebe a sua própria existência (ROUSSEAU, 1999). No livro II, Rousseau trata da segunda fase da vida, o desenvolvimento da educação que segue dos dois aos doze anos de idade. Nesta etapa, Rousseau salienta que deve ser o momento de praticar os exercícios físicos e não deixar com que as crianças nos dominem pelo choro. Para ele, a partir dessa fase, o choro é trocado pela fala. Portanto, quando se chora muito, ela quer nos fazer vencer por ele. Também não devemos privá-las de toda a dor, considerando que é necessário que passem por isso. Porém, é necessário cuidado para que a criança não se machuque, mas não teria sentido se ela passasse por esta fase sem se ferir, crescer sem conhecer a dor. O autor afirma ser nesta fase que tomam as primeiras lições de coragem, aprendendo assim com as dores leves para que, quando vierem as grandes, conseguir suportá-las. É explícito o desejo do autor de que não se devem mimar as crianças e nem livrá-las de toda a dor. Não deixá-las apreensivas, não obrigá-las a ser obedientes, mas causar este desejo nelas (ROUSSEAU, 1999). A educação que Rousseau propõe nesta fase é oposta à educação bárbara, já que considera o indivíduo um ser moral que começa a tomar consciência de si mesmo. Ressalta que a humanidade tem seu lugar na ordem das coisas, e a infância tem o seu na ordem da vida humana e, para isso, é extremamente importante considerar o homem no homem e a criança na criança. Determinar cada um em seu lugar, assim como o bem e o mal são comuns a todos, mas com proporções diferentes. Muitas vezes a felicidade em exagero traz uma condição negativa, mas o que pode causar a felicidade plena é com que sabedoria usufruir dela, diminuindo o excesso de desejo, tentando igualar a vigor e a vontade. Somente assim, afirma Rousseau, o homem se encontrará bem ordenado e feliz, quando usa de maneira livre suas faculdades.
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Além disso, Jean-Jacques Rousseau relata que pais introduzem as crianças na vida civil antes da idade, dando a elas mais necessidades do que elas têm, não sanam suas fraquezas, mas as aumentam. Rousseau exibe que o homem sábio sabe permanecer em seu lugar, mas a criança que não sabe o seu lugar não poderá permanecer nele. Para elas, existem mil lugares onde possam estar, porém, cabe aos que educam estabelecer o local ideal, sabendo que não se trata de uma tarefa fácil. A criança não deve ser nenhum animal, nem homem, mas sim ela mesma, já que o filósofo compreende que a felicidade dos homens e das crianças consiste no uso da sua liberdade. A criança necessita de uma liberdade, não deve fazer permanecer em um local onde não é de seu agrado. Elas necessitam correr, pular, gritar quando têm vontade. Mas, nos primeiros anos, esta liberdade é limitada pela fraqueza. Essas afirmações de Rousseau sugerem que quem faz o que quer é feliz quando basta a si mesmo: sendo a condição do homem que vive no estado da natureza; e quem faz o que quer não é feliz quando ultrapassar suas forças: também é o caso da criança que vive neste mesmo estado. As crianças, até mesmo no estado da natureza, só gozam de uma liberdade imperfeita, igual aos homens no estado civil (ROUSSEAU,1999). Ainda ressalta o filósofo existirem dois tipos de dependência: julga ser das coisas, que é a da natureza, e a dos homens, que é a da sociedade. Não tendo nenhuma moralidade, a submissão das coisas não prejudica a li berdade e assim não gera vícios; a submissão dos homens, sendo desordenada, gera todos os vícios, e é por ela que o senhor e o escravo depravam-se mutuamente. Se conservar a criança unicamente na dependência das coisas, terá seguido a ordem da natureza no progresso da educação. Lembrai que só a experiência e a i mpotência são lei para as crianças (ROUSSEAU, 1999). Rousseau enfatiza que o único vício que a criança deve ter é o de não obter nenhum. Afirmando ainda que a criança não deve ser submetida a lições verbais, mas sim receber lições somente da experiência, o que sugere uma concepção de educação vinculada também a uma de conhecimento que se aproxima do empirismo. Em relação ao raciocínio, cabe à criança fazer uso da razão, mas, para Rousseau, é coisa que a criança ainda não tem.
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De que serve escrever em suas cabeças um catálogo de signos que nada representam para elas? Ao aprender as coisas, não aprenderão os signos? [...] E, no entanto, que perigosos preconceitos não começamos lhe inspirar fazermos tomar como ciência palavras que não tem nenhum sentido para elas! (ROUSSEAU, 1999 p. 120).
Porém, se a criança tem um cérebro flexível que o torna próprio para receber todos os tipos de impressões, não significa que pode colocar tais conteúdos como fatos históricos, nomes dos governantes, reis, datas, estudo do globo e assim sucessivamente. Para o autor, se a criança não estudar nos livros, a espécie de memória que um infante pode ter não permanece por isso ociosa, mas tudo o que ela ver e ouvir a impressionará e guardará para ela os registros das ações e, assim, o seu livro ficará mais enriquecido (ROUSSEAU, 1999). Rousseau (1999) afirma que Emilio, o modelo de criança, jamais aprenderá nada de cor, nem mesmo fábula, nem as de La Fontaine, por mais puras e encantadoras que sejam. Elas só enganam as crianças, com suas palavras agradáveis e encantadoras. Para as crianças é necessário dizer somente a verdade, pois a moral dessas fábulas é tão confusa e desproporcional para sua idade que induz as crianças mais ao vício do que a virtude. O autor indaga que como podem ser cegos que não vemos que nada de moral as fábulas podem passar às crianças, a não ser mentiras e momentos de diversão (ROUSSEAU, 1999). Rousseau (1999) quer que se retirem os livros do convívio da criança e não se deve transformar o seu quarto em uma tipografia. Não significa que a criança não deva aprender a ler, mas apenas no momento ideal. Não importa o método de leitura, mas o que deve ensinar a criança é o desejo de aprender. Dessa maneira, sua filosofia expressa uma concepção pedagógica nova: partia de uma educação natural, procurando vinculá-la a uma concepção otimista do homem e da natureza. Seu princípio educativo era unir a natureza e a humanidade, processo que contava com a educação. Rousseau relata às mães, mas não cita as que abandonam os filhos e nem as super protetoras. Esses dois tipos de mães, na sua concepção, afastam a criança da natureza. Uma porque negligencia seus deveres, e a outra porque exagera. Tratando-se de família, Rousseau compreende que pai e mãe têm suas funções definidas. Ao pai caberia promover a base material, moral e afetiva. Com o entendimento pedagógico de que o adulto não deve precipitar verticalmente sua postura no mundo da criança, Rousseau pretende evitar a
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inferência excessiva do adulto e incumbir um papel importante aos pais e à família no sentido de proteger a criança contra a invasão precoce e prejudicial da hostilidade social no mundo da infantil. Ele intenciona evitar aí, na verdade, a “colonização adulta” do mundo da criança e, com isso, evitar que a criança
modifique apenas em um departamento ou suplemento do mundo adulto. No entanto, por outro lado, considerando que não se pode e não se deve isolar completamente a criança do mundo adulto e nem do convívio social mínimo, a questão é como evitar essa colonização sem isolá-la. Justamente aí reside uma das tarefas centrais da educação natural, a saber, a de pensar e preparar o ingresso progressivo da criança na sociedade, evitando que tal acesso signifique, ao mesmo tempo, a desfiguração infantil. “ A sutileza desta tarefa consiste no fato de que ela deve ser preparada pedagogicamente de tal forma que possa proteger socializando a criança”, evitando com isso que ela seja tratada desde o início só como um pequeno adulto (DALBOSCO 2009, p. 6). Rousseau, em sua obra Contrato Social , afirma que a mais antiga de toda a sociedade, e única natural, é a família, pois os filhos permanecem com os pais o tempo necessário para sua conservação. Assim, não havendo mais essa necessidade, dissolve-se o laço natural. As crianças, livrando-as da obediência devida ao pai, o pai isento dos cuidados devidos aos filhos, reentram todos igualmente na libertação. Na concepção de Rousseau, se permanecem unidos, já não é naturalmente, mas voluntariamente, e a família apenas se mantém por convenção. Para Rousseau, é a família o primeiro modelo das sociedades políticas: o chefe é a imagem dos filhos, e havendo nascido todos livres e iguais, não alienam a liberdade a não ser em troca da sua função. Toda desigualdade consiste em que, na família, o amor do pai pelos filhos o compensa dos cuidados que estes lhes dão, ao estágio que, no estado, “o júbilo de comandar substitui o amor que o chefe não sente pelo seu povo ” (ROUSSEAU, 2006, p34).
3. CONTRIBUIÇÕES DE ROUSSEAU PARA A EDUCAÇÃO Segundo Boeira (2010), Rousseau destaca que a educação é um processamento complexo e que seu êxito não depende unicamente de uma pessoa, ou de um tipo de educação isolada, mas exige um conjunto de reforço de todos os
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tipos de educação que compõem a formação humana. Quanto ao tipo de educação dos homens; ressalta-se que a responsabilidade e a influência sobre a educação da criança provêm de seus pais, depois dos familiares e amigos. O que Rousseau propõe é que a relação adulto-criança seja capaz de adequar à criança um conhecimento maioral do mundo que a cerca, de modo que ela tenha possibilidade de se posicionar com firmeza e flexibilidade frente às realidades, sabendo conhecer-se, descobrir suas competências, tirar proveitos de si mesmo. No entanto, segue um caminho seguro rumo à felicidade e que a mesma seja compartilhada e aceita por seus iguais. Elias (2000) entende que, para Rousseau, a criança não é um adulto em miniatura porque tem sua própria história, um ser objetivo e real, que desde cedo edifica suas experiências. E por meio da verdadeira educação deve conduzir para uma liberdade natural. Conforme Sahd (2005), Rousseau caracteriza essa liberdade por ações tomadas pelo indivíduo com o objetivo de satisfazer seus instintos, isto é, com o objetivo de satisfazer suas necessidades. O homem, neste estado de natureza, desconsidera as consequências de suas ações para com os demais, ou seja, não tem a ânsia e nem o dever de manter o vínculo das relações sociais. Outra característica é a sua total liberdade, desde que tenha forças para colocá-la em prática, obtendo a euforia de suas necessidades, moldando a natureza. “O homem realmente livre faz tudo que lhe agrada e convém, basta apenas deter os meios e adquirir força suficiente para realizar os seus desejos” (SAHD, 2005, p. 101).
Segundo Elias (2000), para o autor genebriniano, o projeto educativo pressupõe um efeito, uma finalidade, este deve iniciar desde o nascimento da criança, que passa a ter contato com o mundo, com as pessoas e com as coisas, a ser conduzida durante todo o processo. É uma arte que requer uma apreciação constante, personalidade preparada, ambiente adequado etc., não podendo delimitar-se ao ato automático do ensinar, da mera transmissão de conhecimentos; ao contrário, deve demonstrar o quanto o significado dessa história contribui para o desenvolvimento do indivíduo. Rousseau declara três tipos de educação, procedente de três instâncias: a natureza, os homens e as coisas. Se a primeira não depende de nós e a das coisas é em parte dependente, a educação exige ação planejada que favorece ao homem a
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experiência do real, o trabalho livre e disciplinado, a liberdade de expressão, a iniciativa, a apropriação e a construção — individual e coletiva — do saber. O ponto de início será sempre o sujeito, com suas peculiaridades e necessidades, e o de chegada, um ser livre, que compreende o que conhece. Deve haver equilíbrio entre o desenvolvimento físico e o cognitivo. Como exemplo, toma o modo de vida do homem primitivo, que, ao desenvolver seu corpo, volta sua preocupação para a própria conservação, privando sua intervenção apenas o domínio do meio; o homem, vivendo na simplicidade, é sujeito a poucos males; cultivando o que tem em comum com os animais e plantas, tem condições de viver uma completa felicidade. Se não há iniquidade original no coração humano, a educação pode assegurar o livre desenvolvimento das faculdades naturais do educando. A formação deve levar em conta todos os âmbitos, físicos e morais, intelectuais e afetivos, o que torna mais obscuro o trabalho educativo. Rousseau recompõe a história da evolução humana, retornando às origens do homem, ser situado no tempo e lugar, ser que naturalmente conhece, para mostrar que o conhecimento é um processo interno, que acontece de dentro para f ora. Durante séculos, filósofos e pedagogos buscaram métodos e técnicas para ensinar, sinal de que a escola ainda não contribuía para os verdadeiros saber e saber-fazer. Com a melhoria das ciências e, muito especialmente, da psicologia da criança, tais métodos têm ajudado a escola a deixar de ser o que era: um campo abrangente de ensino pelas palavras, desligada do seu conteúdo objetivo, em que o livro liderava e a memória era agravada (ELIAS, 2010). As novas propostas pedagógicas mostram que a escola ainda não corresponde (como não correspondia naquela época) aos padrões de qualidade. No entanto, segundo Elias (2000), Rousseau foi o primeiro a perceber isso, ao mostrar que ensinar não é só questão de métodos. Para que o ensino concorra a verdadeira educação, segundo ele, é preciso haver outra relação com o conhecimento e com a sociedade. Qualquer recurso que apoie apenas a memorização não norteará a aprendizagem e está condenado ao fracasso. Rousseau confirma regularmente a importância do método natural, de não confundir aprendizagem com aquisição de conhecimentos, e dizia que o conhecimento precisa ser construído, pois todos, mesmo os mais simples, possuem conhecimentos. Afirmava que, se o seu método fosse seguido, isto é, se se
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aproximasse a criança da natureza, mantendo-a atenta a si mesma e àquilo que diretamente lhe diz respeito, por si só ela desenvolveria seus conhecimentos. Elias (2000) relata que Rousseau, dois séculos antes, forneceu os determinantes do conhecimento, que seriam descritos por Piaget, ao propor uma metodologia base na observação, comparação e exploração de objetos e na interação com o meio ambiente, estratégias utilizadas na educação do personagem Emílio. Ao fazer suas experiências, Emílio ia descobrindo a ciência, criando seus próprios conceitos e construindo o próprio conhecimento, sendo sujeito de sua educação. Julga-se preciso estudar bem a criança, considerando-a sujeito da própria aprendizagem, e só depois definir o tipo de trabalho a ser feito. As atividades infantis podem e devem ser disciplinadas e orientadas pela educação, mas não se pode esquecer a natureza humana. Contrariá-la, dizia ele, ou impor-lhe o impossível foi o grande erro da pedagogia tradicional, a qual Rousseau abomina, pois para haver aprendizagem significativa é necessário estimular na criança o desejo de aprender e conhecer, o valor é o que conduz à verdadeira aprendizagem, dar espaço para a criança ir conquistando a própria autonomia, e não apenas formar o homem pela inteligência. Em vários pontos de Emílio, Rousseau certifica a importância de conhecer a criança, a sua faixa etária, observar atividades que experimenta e vivencia. Ao professor, cabe colocar à escolha da criança os objetos que poderão vir a influenciar, positivamente, o seu desenvolvimento, deixando-a experimentar em vez de fazer por ela. Observando a atividade da criança, o educador saberá o que precisa fazer e quando. Elias (2000) aponta, também, que o autor valoriza o aspecto afetivo entre educador e educando, o qual deve ser suficientemente forte para um trabalho conjunto, de amigos. Só convivendo com os alunos, observando seus comportamentos, conversando com eles, amando-os, favorecendo os seus jogos e prazeres, o educador poderá auxiliar na sua aprendizagem e no seu desenvolvimento. A infância, segundo ele, não é apenas um período de carência intelectual, antes, porém, períodos que devem ser estudados e compreendidos pelos educadores, períodos estes estabelecidos em sua principal obra Emílio ou da Educação.
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CONTRIBUIÇÕES FINAIS A partir da análise da obra de Rousseau, Emilio ou da Educação, é possível observar permanências do seu entendimento sobre a criança e a educação que consuma a sociedade contemporânea. E como é necessário estudar a história da educação, por mais que seja uma pequena parte, é primórdio para o entendimento dos conceitos atuais e como chegaram até nós. O autor expõe todo um trabalho pedagógico, orientando como deve ocorrer com o infante desde o ventre da mãe para que esse não sofra tanto com as corrupções das sociedades, mesmo compreendendo que ele não estará livre disso. No entanto, é nítido que Rousseau foi muito criticado em sua época, pois ele mesmo relata em sua obra esse fato, pois não se trata de um tratado para a educação, mas com a leitura e análise de Emilio, nota-se que as contribuições para a educação são eficazes. Por meio dos estudos de Rousseau, percebe-se o nascimento do conceito de infância, conceito este que conduziu a pedagogia durante séculos. Hoje se presencia o fim da infância, pois as crianças não têm mais tempo para brincar, divertirem-se e serem livres. Com a era da informatização, as crianças passam a maior parte do dia diante de um computador ou televisão ou ainda com jogos eletrônicos. Assim, a fase de maior espontaneidade, de liberdade, que vai do nascimento até os doze anos, fica prejudicada. Sua inocência infantil foi posta de lado pela indústria do entretenimento e consumismo. Buscar a concepção de Rousseau sobre infância, natureza, preocupação, com a criança na sua totalidade e aplicá-la novamente, nos dias atuais, é essência para se resgatar a infância esquecida. A criança deve aprender a ler, a escrever, mas deve também, correr, cair, brincar, ser respeitada e ser estimulada desde o momento em que nasce. Só assim, teremos uma educação que, ao valorizar a infância e a criança, irá contribuir para um mundo mais fraterno, tomando o seu lugar nele, de onde nunca deveria ter saído.
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