A Concepção de Educação a partir da Sociologia de Max Weber e suas Possíveis Consequências na Prática Pedagógica Juliana Salvador Alves1
Resumo :
O presente artigo é resultado de um trabalho realizado na disciplina Introdução à Sociologia para Biblioteconomia, da 2ª fase do curso de graduação em Biblioteconomia. A intenção é pesquisar - por meio de pesquisa bibliográfica - as concepções teóricas de Max Weber e suas implicações no campo educacional e apresentar suas possíveis consequências nas práticas pedagógicas. A escolha do tema deve-se pela familiaridade com o autor, foco de um seminário de estudo aprofundado realizado na citada disciplina, e pela minha trajetória profissional, há 14 anos, atuando como professora dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Apresento, inicialmente, algumas pesquisas de outros autores sobre os aspectos educacionais da sociologia de Weber e, por fim, me proponho a relacionar a parte teórica com a prática docente. Palavras-chave:
educação, sociologia weberiana, concepções pedagógicas.
O presente artigo é resultado de um trabalho realizado na disciplina Introdução à Sociologia para Biblioteconomia, da 2ª fase do curso de graduação em Biblioteconomia, a partir de estudos ao longo de um semestre letivo. A intenção é pesquisar qual a concepção de educação que podemos inferir a partir da sociologia de Weber e apresentar suas possíveis consequências nas práticas pedagógicas. O trabalho foi encaminhado por meio de pesquisa bibliográfica a partir da leitura de textos de autores que pesquisaram as concepções teóricas de Max Weber e suas implicações no campo educacional. A escolha do tema deve-se pela familiaridade com o autor, foco de um seminário de estudo aprofundado realizado na citada disciplina, e pela minha trajetória profissional, há 14 anos, atuando como professora dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A partir de minha experiência nessa função, pretendo fazer inferências sobre como a sociologia weberiana pode conduzir e delimitar as concepções e as ações docentes. Para isto, no texto, apresento inicialmente as pesquisas de outros autores sobre os aspectos educacionais da sociologia de Weber e, por fim, me proponho a relacionar a parte teórica com a prática docente. Minha 1
Acadêmica do Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Matrícula 11206082 1
intenção não é repetir um estudo aprofundado sobre as ideias de Max Weber – isto poderá ser lido em outras fontes – mas sim, citá-las, exemplificando-as, se necessário, com a finalidade de compreendê-las e poder lançá-las no campo educacional. Ao me debruçar sobre a sociologia weberiana para estudar e apresentar um seminário sobre suas principais ideias e elaborar este artigo, pude observar a sua presença marcante em nossa prática cotidiana ainda na atualidade. De acordo com os autores pesquisados, que esclarecem e conceituam as ideias de Weber, ele não deixou obras que tratam especificamente sobre a educação, mas podemos encontrar referências ao tema em três de seus textos: A Ciência como Vocação , Os Letrados Chineses e Burocracia Burocracia.
Segundo Cassin (2008), em A Ciência como Vocação, Weber analisa e compara as condições de produção científica e da carreira universitária na Alemanha e nos Estados Unidos, apresentando a tendência da racionalização, burocratização e a especialização cada vez maior na Alemanha
(p. 154). Para Weber, os professores universitários passavam, naquele
contexto, pelo mesmo processo de desapropriação de suas ferramentas e da especialização do trabalho que os artesões haviam passado com o aparecimento da indústria
(idem). Ainda
de acordo com Cassin, no texto “Os Letrados Chineses”, Weber traz os seus “tipos ideais” de pedagogia e suas finalidades, sendo elas: a pedagogia do carisma; seu oposto, a pedagogia do treinamento; e, entre elas, a pedagogia do cultivo. Finalizando, em Burocracia Burocracia, Weber apresenta o conceito de desencantamento, que é resultado da dominação racional-legal burocrática
(idem).
Com a finalidade de utilizar um dos conceitos elaborados por Max Weber e dar continuidade à explanação, recorro à Souza, Fonteles e Silva, no texto Sociedade e Educação em Max Weber , para pontuar “tipos ideais”:
Trata-se de uma construção teórica abstrata a partir dos casos particulares analisados. O conceito, ou tipo ideal é previamente construído e testado, depois aplicado a diferentes situações em que dado fenômeno possa ter ocorrido. O tipo ideal não é um modelo perfeito a ser buscado pelas formações sociais históricas nem mesmo qualquer realidade observável. É um instrumento de análise científica, numa construção do pensamento que permite conceituar fenômenos e formações sociais e identificar na realidade observada suas manifestações. Permite ainda comparar tais manifestações (p. 08).
Cassin aponta, também, a relação entre os tipos ideais de pedagogia e os tipos ideais de dominação para Weber. Desta forma, a pedagogia do carisma está relacionada à dominação carismática2; a pedagogia do cultivo, à dominação tradicional3; e a pedagogia do treinamento, 2 3
Por meio de uma liderança individual (revelação, heroísmo ou outras qualidades) (Quintaneiro, 2002). Por reconhecimento e orientação habitual para o conformismo (IDEM). 2
ligada à dominação racional-legal4. Segundo Quintaneiro, a dominação é o que mantém a coesão social, garante a permanência das relações sociais e a existência da própria sociedade (por meio dos costumes culturais, imposição de normas e convivência ou por organização de regras). Viana (2004) reitera essa relação apontando que a educação carismática e tradicional são características das sociedades pré-capitalistas e a educação burocrática é comum na capitalista. A educação confuciana dos letrados chineses, segundo o autor, é uma educação tradicional e se diferencia da educação burocrática moderna. Esta se desvincula do caráter carismático e surge como um processo racional, especializado e burocrático. Dando continuidade à relação entre os conceitos da sociologia weberiana e a educação, Souza, Fonteles e Silva, trazem a comparação de que - para Weber - a educação burocrática moderna serve ao treinamento dos indivíduos para operar funções do Estado e de empresas de forma racional. Assim, o Estado Moderno requer uma formação para a administração burocrática em moldes racionais, com um funcionalismo treinado e politicamente orientado pela racionalidade em detrimento do funcionalismo não especializado e resistente a regras rígidas. Dentro desta perspectiva, os autores consideram que educar no sentido da racionalização também passou a ser fundamental para a empresa capitalista, por ela se pautar pela lógica do lucro, do cálculo de custo e benefícios benefícios e precisar de profissionais para isso (p. 11). A educação racionalizada, que é baseada na pedagogia do treinamento, é utilizada
como instrumento de ascensão social e obtenção de status e é conduzida pela razão instrumental dos fins e estes são subordinados à lógica do capitalismo. Os autores citam que Weber apresentou a distinção entre as vocações do político e do cientista, apresentando o primeiro como o que faz julgamento de valor e o segundo, julgamento de fatos – ao mostrar mos trar os prós e os o s contras de forma contextualizada. context ualizada. O cientista cientis ta ou pesquisador ou, ainda, o professor deveria despir-se de um julgamento de valor e julgar um fato de acordo com o contexto no qual está inserido e tomar uma posição de acordo com suas afinidades intelectuais. Ou seja, ao tomar uma perspectiva de pesquisa ou de postura pedagógica, lança um olhar sob o que estuda de acordo com seu tempo e lugar na sociedade em que atua. Ainda que Weber tente separar o cidadão da prática pedagógica, os autores apontam que isso é muito difícil, porque na prática profissional de cada professor ou pesquisador das ciências ciências sociais perpassam valores a partir do lugar que cada um ocupa
(p.
04).
4
Por meio da validade do estatuto legal, cumprimento das obrigações (Quintaneiro, 2002). 3
Alonso Bezerra de Carvalho é citado pelos autores do texto Sociedade e Educação em Max Weber Weber , ao colocar que na concepção de Weber,
O verdadeiro professor, se quiser manter a sua “integridade intelectual”, há de separar uas (sic) situações. Por um lado, “apresentar os fatos, determinar as suas relações matemáticas e lógicas, ou a estrutura interna dos valores culturais”, ou seja, as conexões causais concretas dos fatos (compreender o sentido das ações sociais) e, por outro, responder a perguntas sobre o valor da cultura e seus conteúdos individuais e à questão de como devemos agir na comunidade cultural e nas associações políticas. Isto é, distinguir com o máximo rigor conhecimento empírico (de fatos) e juízo de valor, pois sempre que o homem de ciência introduz seu julgamento pessoal de valor, cessa a plena compreensão co mpreensão e exposição dos do s fatos. Eis os limites a que um professor deveria obedecer enquanto ministra uma aula (p. 05).
Para Weber, segundo os autores, é necessário que o professor e o pesquisador, para contribuírem com a ciência, busquem compreender o sentido dos fenômenos e das ações sociais. Assim, cada um, de acordo com sua compreensão dos fenômenos, dentro de um contexto histórico, deve tomar as medidas necessárias para a boa condução de suas ações. De acordo com Gonzalez, Weber acreditava ser possível evitar que os preconceitos tomassem conta da formação dos alunos, considerando-se que o professor não devia fazer julgamentos. Aponta ainda que, o professor em seu comportamento ideal não deveria expôr seus pontos de vista, sua atribuição seria reconhecer os fatos e analisá-los de acordo com o contexto. Por fim, a autora traz que, dentro da perspectiva weberiana, a educação é analisada como mecanismo que contribui para a manutenção da situação dominante de acordo com a dominação: costumes culturais (dominação tradicional), aparato racional-legal (dominação burocrática) ou pela influência pessoal (dominação carismática). A partir deste breve levantamento, considero que os pontos que podemos inferir sobre a influência da sociologia weberiana no campo educacional são: - a tendência à racionalização, burocratização e especialização do trabalho; - o desencantamento do mundo, por meio da dominação racional-legal burocrática; - a relação direta entre cada tipo de dominação e pedagogia; - a educação burocrática para o treinamento dos indivíduos para operar as funções do Estado e de empresas; - a formação de profissionais que buscam pela lógica do lucro do cálculo de custo e benefícios; - a educação racionalizada – baseada na pedagogia do treinamento – como instrumento de ascensão social; 4
- a busca pela compreensão dos fenômenos e das ações sociais; - a apresentação dos fatos sociais de acordo com as conexões causais concretas dos fatos; - a dominação como fator predominante para a manutenção da situação social vigente. Pretendo agora lançar essas ideias no campo educacional e traçar algumas ideias sobre como elas podem conduzir e delimitar as concepções e as ações docentes. Para isto, pontuarei alguns dos aspectos que devem ser levados em consideração por um professor na sua atuação docente, quais sejam: - o objetivo da educação; - o público alvo; - o contexto no qual está inserido; - a seleção de conteúdos; - a preparação de materiais; - a metodologia das aulas; - a forma de avaliação. Com a finalidade de visualizar as possibilidades que vejo no campo educacional a partir das inferências de outros autores sobre a educação na perspectiva da sociologia weberiana, apresento as seguintes relações entre os fatores: •
O objetivo da educação seria manter o funcionamento da sociedade, priorizar o
treinamento especializado e esclarecer os fenômenos e as ações sociais. •
O público alvo (crianças, jovens e adultos) ditaria qual enfoque seria dado para a
educação: racionalização para compreender os aspectos sociais; treinamento para o trabalho; burocratização para servir aos interesses do Estado Moderno e das empresas; e manutenção da situação social. •
O contexto do público alvo seria o lugar do qual o professor ou pesquisador e os
alunos estudariam e buscariam compreender os fenômenos sociais. •
A seleção de conteúdos seria realizada de acordo com os objetivos da educação:
racionalização, especialização e dominação. •
A metodologia e a avaliação buscariam os julgamentos dos fatos e não o julgamento
de valores, o professor deveria avaliar conforme as metas e os conteúdos estabelecidos.
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Uma escola pautada na perspectiva weberiana ou, mesmo, a forma como nossas pesquisas são direcionadas no ensino superior, requerem que o aluno ou o professor faça – os tão mencionados – recortes da realidade para analisar cada aspecto dentro de seu contexto social. Dentro das ideias de Weber, o professor ou o aluno, pesquisador, deve fazer escolhas, que são pautadas em seus valores, mas não deve julgar os fatos sociais por meio de seus valores, mas sim analisá-los. Porém, a seleção de conteúdos e a metodologia encaminhada são uma forma de posicionamento de valores, uma vez que cada professor escolhe os conteúdos e a forma como irá ministrá-lo de acordo com sua perspectiva teórica – seus valores. Ainda que seja claro que trabalha a partir disso, suponho que o professor – na perspectiva weberiana – deve, como o cientista social, citado por Quintaneiro (2002): estabelecer leis e fatores hipotéticos; analisar e expôr ordenadamente os fatores historicamente dados; remontar ao passado para observar o desenvolvimento dos dados e avaliar as possibilidades futuras, diante das probabilidades. Em nossas pesquisas no meio acadêmico, inclusive orientados por disciplinas como “Metodologia da Pesquisa” e similares, a forma como Weber pensou a racionalização e o distanciamento do pesquisador se faz presente e é incentivada pelos professores. Minhas monografias acadêmicas, em outros cursos de graduação, foram frequentemente balizadas por estes requisitos: “escolha um tema, delimite uma problemática, seja um pesquisadorobservador, não faça julgamentos, não deixe seus valores influenciarem no resultado de sua pesquisa (de campo ou bibliográfica)”. De forma geral, penso que já partimos do princípio de que a escolha denuncia nossos valores. Tanto a escolha do tema, quanto a escolha da delimitação, da problemática e, inclusive, da metodologia. Todos estes passos para a pesquisa ou para um estudo mais aprofundado são feitos considerando-se nossas escolhas pessoais e, não é possível, despirmonos de nossa formação pessoal, nossa forma de ver o mundo e nossas concepções acerca do mundo. Na área da educação, penso que menos ainda, pois ao fazer uma escolha, no caso, por uma proposta pedagógica, não só há um posicionamento por meio de valores, como as práticas se orientam e denotam os valores e as concepções. Voltando aos aspectos educacionais citados anteriormente, apresento de uma forma dicotômica como a escolha pedagógica será baliza para: •
O objetivo da educação: manter o funcionamento da sociedade ou provocar mudanças,
priorizar o treinamento especializado ou propor formas de ver e lidar com diferentes áreas. 6
•
O público alvo (crianças, jovens e adultos) ditaria qual enfoque seria dado para a
educação: racionalização para compreender os aspectos sociais, mas considerando-se o posicionamento político do professor e do aluno; treinamento para o trabalho ou o trabalho como forma de agir sobre o mundo; burocratização para servir aos interesses do Estado Moderno e das empresas ou lidar de forma a trabalhar em prol do coletivo; e manutenção da situação social ou provocação para mudanças. •
O contexto do público alvo seria o lugar do qual o professor ou pesquisador e os
alunos estudariam e buscariam compreender os fenômenos sociais, mas poderia não buscar o distanciamento, como se os envolvidos não estivessem se posicionando politicamente. •
A seleção de conteúdos seria realizada de acordo com os objetivos da educação:
racionalização, especialização e dominação ou a escolha priorizaria os conteúdos críticos, voltados à participação social e às mudanças do status quo . •
A metodologia e a avaliação buscariam os julgamentos dos fatos e não o julgamento
de valores, sendo assim, o professor precisaria considerar o modo de aprendizagem de cada aluno, dentro de seu contexto social. Considero que, assim como os outros clássicos da sociologia - Durkheim e Marx - , Weber também está presente em muitas das ações pedagógicas em nossas escolas e universidades. Suas influências se dão na forma de delimitar e especializar as áreas de estudos, na busca pela quase imparcialidade e – de acordo com as escolhas teóricas de cada professor – na metodologia das aulas ministradas.
Referências Bibliográficas:
CASSIN, Marcos. Sociedade Capitalista e Educação: Uma Leitura dos Clássicos da Sociologia .
Revista HISTEDBR On-line Artigo. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
Universidade de São Paulo. GONZALEZ, Wânia R. C. A Educação à luz da Teoria Sociológica Weberiana. www.anped.org.br/reunioes/25/.../educacaoteoriaweberiana.doc
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QUINTANEIRO, T. et. al. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim e Weber . Belo Horizonte: UFMG, 2002. SOUSA, Ana Célia Furtado Orsano de; FONTELES, Marcelino de Oliveira e SILVA, Oscarina Maria da. Sociedade e Educação em Max Weber . Mestrado em Educação/UFPI NIEPSEF/UFPI VIANA, Nildo. Weber: Tipos de Educação e Educação Burocrática . In: GUANICUNS; Revista da Faculdade de Educação e Ciências Humanas de Anicuns. FECHA/FEA - Goiás, 01, 117-132, 2004.
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