Dogmática Hermenêutica ou a Ciência do Direito como Teoria da Interpretação Interpretação
1- A dogmática analítica x A dogmática hermenêutica y y
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A dogmática analítica cuida, precipuamente, da tarefa de identificar o direito; Uma vez identificado esse direito, é preciso entendê-lo, fixar-lhe um sentido;
Qual é a tarefa, então, da dogmática hermenêutica? y
A determinação dos sentidos das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade dos conflitos.
Obs.: Trata-se, pois, de uma finalidade prática: Não se refere a um conhecimento desinteressado. É preciso conhecer, tendo em vista as condições de decidibilidade com base na norma enquanto diretivo para o comportamento. São garantidos a todos os cidadãos o direito de liberdade e igualdade O que significa cidadão? Ex.:
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Ora, encarando a norma como um fenômeno comunicacional, o qual enseja entendimento, é necessário que a seletividade do emissor coincida com a seletividade do receptor. 4- Ocorre que a comunicação normativa se dá através de símbolos. Esses, no entanto, por característica: São, semanticamente, vagos e ambíguos Sintaticamente, nem todos combinam entre si agmaticamente, servem para propósitos os mais variados distintos: uso Pr agmaticamente ga descritivo, uso expressivo, uso diretivo, uso operativo. Possuem, ainda, car ga y y
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emocional
5- Ademais, os símbolos nada significam tomados individualmente. Para significar precisam estar em determinado contexto, dependem do seu uso. 6- A problemática da determinação do sentido da norma nos coloca numa questão: Como captar a mensagem normativa como um dever-ser para o agir humano? Como alcançar um sentido válido de uma comunicação normativa, a qual manifesta uma relação de autoridade? Res.: Kelsen aduz que não é possível tomar a interpretação como um ato de conhecimento, não seria possível descobrir a interpretação verdadeira. Segundo o mestre, os conteúdos normativos como já mencionado, são plurívocos. Possuem vários sentidos. Cabe aos órgãos competentes fixar um sentido dentre os possíveis. Essa fixação, para ele, nada mais é do que um ato de vontade. y
Obs.: Nesse sentido, o saber dogmático acaba ficando frustrado enquanto conhecimento racional do direito. Seu fundamento teórico aparece, então, como um mero arbítrio. 7-
Não teria nenhum valor racional buscar, nessa senda, um fundamento teórico para a atividade da doutrina quando ela busca e atinge o sentido unívoco das palavras da lei? Res.: Existe, sim. Ora, o saber dogmático enseja a necessidade de criar condições de decidibildade. Decidir significa a existência de uma interpretação final que ponha um fim prático às múltiplas possibilidades interpretativas. Mais do que isso, essa decisão precisa ser proferida com o mínimo de perturbação social possível. Esse mínimo de perturbação social possível se perfaz através duma interpretação que seja encarada como um procedimento racional. Obs.: Como se verá adiante, o fato de ser racional quer dizer que a interpretação não é simplesmente um ato arbitrário. Quer dizer que é um ato arbitrário social competente e neutralizado.
8- Posto isso, para entender-se como se dá o processo interpretativo, façamos uma incursão sobre a origem da palavra hermenêutica: y
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Hermenêutica
vem de Hermes. Hermes, na mitologia grega, era um semideus e tinha um dom de conversar tanto com os deuses quanto com os mortais. Por isso, servia de meio de comunicação entre ambos. Desse mito decorre que a interpretação seja também chamada por hermenêutica. Vejam que Hermes é um terceiro responsável pela comunicação (tradução) entre a língua dos deuses e a língua dos mortais.
Ora, assim como Hermes faz a passagem da língua dos deuses para a língua dos mortais, é preciso haja comunicação (a passagem) entre a língua do legislador empírico e a língua do destinatário normativo. Como então realizá-la? Isso nos mostrará a hermenêutica jurídica: y
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Através do processo de passagem de uma língua, a das prescrições normativas (LN), para outra língua, a da realidade (LR). Essa passagem se dá através de uma terceira língua a língua técnica da hermenêutica dogmática (L H) que tem como regra básica a do dever-ser ideal, o qual tem por pressuposto fundamental a idéia de um legislador racional. É a essa terceira língua que se atribui o enfoque privilegiado (competente) que confere sentido à norma em face da realidade. Por meio da língua hermenêutica reconstrói-se o discurso do ordenamento, como se o intérprete fizesse de conta que suas normas constituam um todo harmônico, capaz, então, de ter um sentido na realidade.
10- O uso da língua hermenêutica pressupõe, portanto, um uso competente. A idéia de interpretação verdadeira repousa, pois, nesse pressuposto. A questão é como, no contexto da língua hermenêutica produzem-se interpretações que serão aceitas e outras que serão rechaçadas, sendo umas tidas, por conseguinte por competentes e outras não? Res.: Isso se dá em decorrência do poder de violência simbólica. 11- Para entender tal questão (do poder de violência simbólica), é preciso, mais uma vez, compreender a norma como um fenômeno comunicacional: - A norma enuncia proposições, isto é, usa proposições (expressões lingüísticas). Isso quer dizer que as proposições normativas são manifestadas, tendo em conta variadas condições, estruturas gerais de possíveis situações discursivas. a) Ora a primeira dessas situações discursivas se consubstancia nas relações sintagmáticas: As relações sintagmáticas são as que se estabelecem entre os símbolos na proposição prescritiva, conjugando, pois, símbolos presentes. Ex Matar + por + motivo + fútil b) A segunda se consubstancia nas relações associativas: As relações associativas se dão entre símbolos ausentes, conjugando, pois, símbolos que não aparecem no enunciado. Isso se percebe quando se atribui carga valorativa aos símbolos presentes no texto. Ex.: acentuação, no caso do exemplo anterior, da palavra fútil ou motivo.
Obs.: Observe que as relações sintagmáticas fazem com que os símbolos se conectem um após o outro em linearidade. Acontece, porém, que ao interpretar, o jurista cinde, divide esse espaço em alto/baixo. Isso quer dizer que alguns símbolos presentes no mesmo estão acima, em posição de superioridade em relação aos outros: daí a díade alto/baixo.
Não fosse só isso, a interpretação verticalizada permite que o jurista veja também os limites internos e externos da norma: daí a díade dentro/fora. Em outras palavras, ao valorar a norma, é possível delimitá-la. Até onde é possível interpretar? Quais são os limites da interpretação? Em última conseqüência, isso desemboca que o que está delimitado (dentro) está por alto. Por outro lado, o que está fora dos limites, está por baixo.
c) Acontece que nem sempre a relação hierarquia e participação é congruente. O espaço da comunicação é então cortado diagonalmente por uma terceira díade: claro/escuro. Diante dessa estrutura organizadora, o espaço é ocupado de forma cheia. Isso significa que o foco lançado sobre determinado símbolo dá o enfoque.
Quer fizer, então, que aquilo a que é dado relevância (iluminação) será também o que está dentro e torna-se superior. Obs.: A estrutura formal da relevância é fundamental para o processo interpretativo, pois é responsável pela codificação dos valores dos símbolos em conexão. Nele se encontra o elemento ideológico da comunicação normativa. 12- Como não existe um sistema ideológico de valores para o mundo, não existe também um enfoque universal ou acordo sobre a interpretação dos símbolos normativos. Como se forma, portanto, a estrutura do uso competente que goza de confiança e que prevalece? Res.: A uniformização de sentido tem a ver com um fator normativo de poder, o poder de violência simbólica. Trata-se, em verdade, do poder capaz de impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento da própria força. Obs.: Esse poder não coage, não é perceptível, não se substitui ao outro. Quem age é o receptor. Poder, nessa esteira, é controle, é neutralização: São conservadas as possibilidades de ação do receptor, mas de forma que este aja conforme o sentido, o esquema de ação do emissor. Por isso a neutralização. Controlar, por isso, é neutralizar, é fazer com que, embora consideradas certas alternativas de interpretação como possíveis, não sejam levadas em consideração.
AS ESTRUTURAS DO USO COMPETENTE PRIVILEGIAM, ASSIM, UM ARBITRÁRIO S OCIALMENTE PREVALECENTE
ENFOQUE:
O
13- Como, então, são neutralizadas, controladas, as alternativas de interpretação existentes? Res.: Através das relações de poder (poder-autoridade; poder-liderança; poderreputação), que impõe, respectivamente, determinadas condições interpretativas: a) Poder-autoridade/ Correção Hierárquica: Poder de demonstrar que a expressão objeto de interpretação tem, no sistema do ordenamento, respaldo em outras normas e compõe com ela um sistema coerente. b) Poder- liderança / Participação consensual: Poder de demonstrar que a expressão objeto de interpretação atua na realidade conforme um consenso óbvio, conquanto existam eventuais comportamentos divergentes c) Poder-reputação / Relevância funcional: Poder de demonstrar que a expressão objeto de interpretação serve a determinadas finalidades, tais quais à segurança jurídica ou à justiça. 14- Vejam que ao utilizar-se de critérios, os quais desembocam em métodos, a hermenêutica identifica o sentido da norma, dizendo como ele deve-ser (dever-ser ideal). Nesse sentido, é realizada uma paráfrase. Isto é, é realizada a reformulação do texto cujo resultado é um substituto mais persuasivo, não um sinônimo, pois exarado
em termos mais convenientes para o legislador racional. Nesse sentido, ele realiza um ato de violência simbólica. A INTERPRETAÇÃO É VERDADEIRA, PORTANTO, NÃO POR FIDELIDADE AO PENSAMENTO DO LEGISLADOR, MUITO MENOS AOS FATORES OBJETIVOS DA REALIDADE, MAS À MEDIDA QUE SERVE A UMA RELAÇÃO DE PODER DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA. 15- Por fim, o que explicaria as divergências hermenêuticas? Res.: A possibilidade de se decodificar os códigos normativos de maneira forte ou fraca, abrindo, portanto, uma grande margem de manobra ao intérprete. Ora, sabe-se que o legislador racional trabalha com ambos os códigos. Tanto com o código forte (restrito, rigoroso), quanto o fraco (aberto, extensivo: moralidade, probidade, etc.). O intérprete, de acordo com a situação existencial e atendendo à exigência de imperatividade global do sistema, variará, em nome do legislador racional, sua decodificação conforme um código forte ou fraco.
A paráfrase interpretativa não se resume, finalmente, ao exercício duma decodificação rigorosa, mas pode variar, conforme as circunstâncias, desde que se reforce o poder de violência simbólica. Esse poder é reforçado sempre que se efetue o ajustamento entre o poder-autoridade (consubstanciado na correção hierárquica); poder-liderança (consubstanciado na participação consensual); e poder-reputação (consubstanciado na relevância funcional).