Faculdade de Direito da UCP
HIPÓTESES PRÁTICAS DE DIREITO PENAL 2011/2012
Aplicação da Lei no Tempo I Em Dezembro de 2005, Abel comprou um computador no valor de 1000 €,
mediante a emissão de um cheque nesse montante. Devido à falta de provisão do cheque em causa, Abel foi acusado da prática de um crime de emissão de cheque sem provisão. Em Janeiro de 2006 foi publicada no Diário da República a Lei X, onde se podia ler que “não é passível de responsabilidade penal a emissão de cheques sem provisão”.
Aprecie a eventual responsabilidade penal de Abel. É princípio geral da validade das leis no tempo que as leis só valem depois de publicadas e decorrido o período de vacatio leges estabelecido por elas próprias ou genericamente por lei (art. 5º CC). É igualmente princípio geral que a lei só dispõe para o futuro (art. 12º CC) e que deixa de vigorar quando for revogada por outra lei (art. 7º CC). Contudo, há leis revogadas que continuam a aplicar-se mesmo depois da revogação (ultra-actividade) (ultra-actividade) e leis novas que se aplicam a factos que ocorreram antes da sua entrada em vigor (retroactividade). Decorre do Princípio da Legalidade que ninguém pode ser condenado senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão, mas pode suceder que no momento do julgamento a lei vigente à data da prática dos factos já tenha sido revogada. No Direito Penal aplica-se o Princípio da Proibição da Retroactividade em tudo quanto funcione contra reum ou in malem partem, sendo que só será punido o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior a momento da prática do facto. Segundo o Prof. Germano Marques da Silva, o que o Princípio da Legalidade garante com a exigência de lei prévia à prática do facto é que o facto seja punível por lei vigente à data da sua prática, mas não impõe que seja essa a lei aplicável. Deste modo, nenhum facto pode ser punível se à data da sua prática não havia havia lei que o qualificasse como como crime e o sancionasse com uma pena ou com uma medida de segurança criminais e que ao facto não seja aplicável sanção criminal mais grave do que a que lhe correspondia por lei à data da sua prática. No presente caso estamos estamos perante uma descriminalização descriminalização de facto (art. 2º/2 CP), ou seja existe uma norma (Lei X, Janeiro de 2009) que elimina uma norma incriminadora (norma que vigorava em Dezembro de 2005). A descriminalização consiste na eliminação da previsão do facto como crime: eliminação da norma primário, deixando o tipo de existir. Para que exista efectivamente crime é necessário que este seja: típico (elementos objectivos (acção, nexo de causalidade e evento) e subjectivos (dolo ou negligencia); ilícito (contrariedade à ordem pública e inexistência de causas de justificação); culposo (responsabilidade penal (imputabilidade); imputação do facto Maria Luísa Lobo – 2011/2012
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Faculdade de Direito da UCP (consciência da ilicitude e exigibilidade de comportamentos conforme à ordem pública) e inexistência de causas de exclupação); e punível). Se o facto antes qualificado como crime, ou seja se aquele facto correspondia a uma violação dos direitos fundamentais que põem em causa a personalidade p ersonalidade ética do homem ou o seu livre desenvolvimento na sociedade, deixa de o ser, cessa a razão para a punição do agente, independentemente independentemente de se considerar que a pena tem como fim a prevenção geral geral negativa (prevenção (prevenção pelo medo, aplicando-se aplicando-se sanções para para exemplo dos demais) ou positiva (visa educar, mostrando a todos que existem certos actos com uma extrema importância para a vida em sociedade, que sendo violados são objecto de sanções); a prevenção especial (quando se aplica a alguém uma pena espera-se que o prazer do crime não tenha compensado o sacrifício da pena); quer a retribuição ou reintegração social do delinquente. No primeiro caso, caso a pena tivesse como fim a prevenção geral ou especial não existe mais razão para prevenir a pratica daquele facto uma vez que não sendo mais considerado como crime deixa de ter relevância penal. No segundo caso, caso a pena tivesse como fim a retribuição ou reintegração social não existe mais motivo que justifique o castigo pela sua prática, nem o agente deve ser convencido pelo sofrimento da pena que aquele facto f acto é desvalioso. A descriminalização funciona enquanto prova que afinal o agente ao praticar aquele facto não estava a afrontar valores essenciais à vida em sociedade. Em suma, cessando a razão que determinava o legislador a qualificar o facto como crime não se justifica mais a punição do agente do facto, ainda que praticado em momento em que existia lei que o qualificava como crime e o punia (art. 2º/2). 2
II Desde Agosto de 2005 que Abel, de 80 anos de idade, se encontrava acamado devido a um cancro em fase terminal. Para aliviar as dores intensas que sentia o médico receitou-lhe uma injecção diária de morfina. João, filho de Abel, não aguentando mais assistir à degradação e sofrimento do pai e sabendo que, desde sempre, fora apologista da eutanásia, resolve em Janeiro de 2006 quadruplicar a dose diária de morfina, o que provocou a morte de Abel. Em Abril de 2006, o Ministério Público acusou João do crime de homicídio qualificado, ao abrigo do disposto no artigo 132º, nº 2, alínea a), do Código Penal. Em Julho de 2006, entrou em vigor a Lei X que estabelecia o seguinte: "Age sem culpa quem, em caso de doença séria, dolorosa e terminal, praticar um facto ilícito contra a vida da pessoa que padece dessa enfermidade, com o intuito de extinguir o seu s ofrimento”. Aprecie fundamentadamente fundamentadamente a responsabilidade penal de Abel. É princípio geral da validade das leis no tempo que as leis só valem depois de publicadas e decorrido o período de vacatio leges estabelecido por elas próprias ou genericamente por lei (art. 5º CC). É igualmente princípio geral que a lei só dispõe para o futuro (art. 12º CC) e que deixa de vigorar quando for revogada por outra lei (art. 7º CC). Contudo, há leis revogadas que continuam a aplicar-se mesmo depois da revogação (ultra-actividade) (ultra-actividade) e leis novas que se aplicam a factos que ocorreram antes da sua entrada em vigor (retroactividade).
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Faculdade de Direito da UCP Decorre do Princípio da Legalidade que ninguém pode ser condenado senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão, mas pode suceder que no momento do julgamento a lei vigente à data da prática dos factos já tenha sido revogada. revogada. No Direito Penal aplica-se o Princípio da Proibição da Retroactividade em tudo quanto funcione contra reum ou in malem partem, sendo que só será punido o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior a momento da prática do facto. Segundo o Prof. Germano Marques da Silva, o que o Princípio da Legalidade garante com a exigência de lei prévia à prática do facto é que o facto seja punível por lei vigente à data da sua prática, mas não impõe que seja essa a lei aplicável. Deste modo, nenhum facto pode ser punível se à data da sua prática não havia havia lei que o qualificasse como como crime e o sancionasse com uma pena ou com uma medida de segurança criminais e que ao facto não seja aplicável sanção criminal mais grave do que a que lhe correspondia por lei à data da sua prática. No presente caso estamos estamos perante uma descriminalização descriminalização de facto (art. 2º/2 CP), ou seja existe uma norma (Lei X, Julho de 2006) que elimina uma norma incriminadora (norma que vigorava em Abril de 2006). A descriminalização consiste na eliminação da previsão do facto facto como crime: eliminação eliminação da norma primário, deixando o tipo de existir. Para que exista efectivamente crime é necessário que este seja: típico (elementos objectivos (acção, nexo de causalidade e evento) e subjectivos (dolo ou negligencia); ilícito (contrariedade à ordem pública e inexistência de causas de justificação); culposo (responsabilidade (responsabilidade penal (imputabilidade); ( imputabilidade); imputação do facto (consciênc ( consciência ia da ilicitude e exigibilidade de comportamentos conforme à ordem pública) e inexistência de causas de exclupação); exclupação); e punível). Se o facto antes qualificado como crime, ou seja se aquele facto correspondia a uma violação dos direitos fundamentais que põem em causa a personalidade p ersonalidade ética do homem ou o seu livre desenvolvimento na sociedade, deixa de o ser, cessa a razão para a punição do agente, independentemente independentemente de se considerar que a pena tem como fim a prevenção geral geral negativa (prevenção (prevenção pelo medo, aplicando-se aplicando-se sanções para para exemplo dos demais) ou positiva (visa educar, mostrando a todos que existem certos actos com uma extrema importância para a vida em sociedade, que sendo violados são objecto de sanções); a prevenção especial (quando se aplica a alguém uma pena espera-se que o prazer do crime não tenha compensado compensado o sacrifício da pena); quer a retribuição ou reintegração social do delinquente. No primeiro caso, caso a pena tivesse como fim a prevenção geral ou especial não existe mais razão para prevenir a pratica daquele facto uma vez que não sendo mais considerado como crime deixa de ter relevância penal. No segundo caso, caso a pena tivesse como fim a retribuição ou reintegração social não existe mais motivo que justifique o castigo pela sua prática, nem o agente deve ser convencido pelo sofrimento da pena que aquele facto é desvalioso. A descriminalização funciona enquanto prova que afinal o agente ao praticar aquele facto não estava a afrontar valores essenciais à vida em sociedade. Em suma, cessando a razão que determinava o legislador a qualificar o facto como crime não se justifica mais a punição do agente do facto, ainda que praticado em momento em que existia lei que o qualificava como crime e o punia (art. 2º/2). O legislador, exigindo apenas que se encontrassem verificados determinados requisitos, considera que João agiu sem culpa.
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III O artigo 24.º do Decreto-Lei 13004, de 12 de Janeiro de 1927, dispunha que: «Ao sacador de um cheque cujo não pagamento, por falta de provisão, tiver sido verificado nos termos e no prazo prescritos nos artigos 21.º e 22.º do presente decreto com força de lei será aplicada, a pedido do portador do cheque, a pena de seis meses a dois anos de prisão correccional.» correccional.» Por seu lado, o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, passou a dispor que: «Será condenado nas penas previstas para o crime de burla, observando-se o regime geral de punição deste crime, quem, causando prejuízo patrimonial: a) Emitir e entregar a outrem cheque de valor superior ao indicado no art. 8.º (5.000$00) que não for integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos e prazos da Lei Uniforme Relativa ao Cheque». 1. Carlos adquire a Duarte um televisor no valor de 500.000$00 em 5 de Janeiro de 1990. Ficou acordado entre ambos que o pagamento seria feito em 5 prestações mensais, no valor de 100.000$00 cada uma. Para o efeito, Carlos entregou a Duarte, no mesmo dia, 5 cheques, no valor de 100.000$00, com datas de 5 de Janeiro, 5 de Fevereiro, 5 de Março, 5 de Abril e 5 de Maio de 1990, ficando combinado entre ambos que Duarte só os apresentaria a pagamento nas datas respectivas. Sucede que Duarte atravessa inesperadas dificuldades económicas, pelo que apresenta os últimos 3 cheques a pagamento no dia 5 de Março de 1990, os quais são devolvidos por falta de provisão em 9 de Março de 1990. Iniciado o competente processo penal, na sequência da queixa apresentada por Duarte, o Ministério Público deduz acusação contra Carlos, imputando-lhe a prática de 3 crimes de emissão de cheque sem provisão. No julgamento, que tem lugar lug ar em 1993, ficam provados os factos acima descritos. Como deve decidir o juiz? ssento o n.º n .º6/1993, 6/1 993, de 27.01.1993 27.01.1 993 ) (A ssent
É princípio geral da validade das leis no tempo que as leis só valem depois de publicadas e decorrido o período de vacatio leges estabelecido por elas próprias ou genericamente por lei (art. 5º CC). É igualmente princípio geral que a lei só dispõe para o futuro (art. 12º CC) e que deixa de vigorar quando for revogada por outra lei (art. 7º CC). Contudo, há leis revogadas que continuam a aplicar-se mesmo depois da revogação (ultra-actividade) (ultra-actividade) e leis novas que se aplicam a factos que ocorreram antes da sua entrada em vigor (retroactividade). Decorre do Princípio da Legalidade que ninguém pode ser condenado senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão, mas pode suceder que no momento do julgamento a lei vigente à data da prática dos factos já tenha sido revogada. revogada. No Direito Penal aplica-se o Princípio da Proibição da Retroactividade em tudo quanto funcione contra reum ou in malem partem, sendo que só será punido o facto descrito e Maria Luísa Lobo – 2011/2012
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Faculdade de Direito da UCP declarado passível de pena por lei anterior a momento da prática do facto. Segundo o Prof. Germano Marques da Silva, o que o Princípio da Legalidade garante com a exigência de lei prévia à prática do facto é que o facto seja punível por lei vigente à data da sua prática, mas não impõe que seja essa a lei aplicável. Deste modo, nenhum facto pode ser punível se à data da sua prática não havia havia lei que o qualificasse como crime crime e o sancionasse com uma pena ou com uma medida de segurança criminais e que ao facto não seja aplicável sanção criminal mais grave do que a que lhe correspondia por lei à data da sua prática. No presente caso caso estamos perante um um fenómeno de sucessão sucessão de leis (art. 2º/4 do CP), ou seja o facto que era punível pela lei anterior continua a sê-lo pela nova existindo uma continuidade da incriminação do mesmo facto, ainda que as consequências possam ser diversas (art. 2º/4 do CP e art. 29º/4, in i n fine CRP). A Regra nestes casos é simples: aplica-se sempre a norma que se mostre mais favorável ao delinquente, seja a lei que vigorava à data da prática do facto ou qualquer outra posterior de conteúdo mais favorável. Nos casos em que a nova lei altere as consequências jurídicas que ao facto se ligam, nomeadamente a pena, a medida de segurança ou os efeitos penais do facto também a lex mellior, ou seja a aplicação da lei mais favorável ao agente que praticou o facto, deve ser aplicada retroactivamente. Em relação ao Decreto-Lei de 1927, Carlos praticou um crime (violação dos direitos fundamentais que põem em causa a personalidade ética do homem ou o seu livre desenvolvimento na sociedade), sendo que o cheque tem a obrigação de garantir o pagamento do crédito. Impunha-se que o cheque devesse ter cobertura como forma de garantir a segurança – tutela antecipada do património do cheque. Deste modo, de acordo com o referido DL estamos perante um crime de perigo que assentava na tutela da confiança do comércio jurídico, sendo a data do cheque irrelevante para o banco uma vez que este não pode recusar um cheque ainda que seja pós datado. Aplicando o DL de 1927, Carlos seria condenado pela prática de três crimes correspondentes aos três cheques sem provisão. Em relação ao Decreto-Lei de 1991 é necessário verificar em relação a qual dos cheques Duarte sofre um prejuízo patrimonial. Coloca-se a questão de saber qual o momento em que o crime ficaria consumando se se entendesse que o prejuízo patrimonial constituía um elemento do crime. Tal ocorreria quando se verificasse na esfera jurídica do lesado, neste caso de Duarte, uma diminuição do seu património, mais concretamente quando sofresse um dano (prejuízo) patrimonial na sua esfera patrimonial. Existindo um contrato que consagrava que no dia 5 de cada mês o credor, Duarte, teria o direito de exigir o vencimento de uma das prestação, não é possível admitir a existência de qualquer expectativa jurídica do referido credor quando à exigibilidade dos demais dois cheques. Ou seja no dia 5 de Março de 1990, uma vez que a prestação não se venceu o património de Duarte, credor, sofre um dano (dano em sentido de perda patrimonial, não existindo um aumento que resulta dos termos do contrato). Contudo, tal dano só se verifica em relação a um dos três cheques, uma vez que as partes haviam fixado que cada cheque seria vencido no dia 5 de cada mês, pelo que não existe nenhuma expectativa jurídica do credor face aos demais dois cheques. Deste modo, à luz do DL de 91, Carlos seria apenas condenado pela prática de um crime, mais concretamente daquele que acarretou prejuízos patrimoniais para Duarte, e que se Maria Luísa Lobo – 2011/2012
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Faculdade de Direito da UCP deveria vencer em Março, não sendo os demais dois cheques susceptíveis de aplicação de pena criminal à luz do DL de 91. No presente caso estamos perante uma descriminalização de facto (art. 2º/2 CP) em relação aos dois cheques não susceptíveis de aplicação da pena criminal. A descriminalização consiste na eliminação da previsão do facto como crime: eliminação da norma primário, deixando o tipo de existir. Para que exista efectivamente crime é necessário que este seja: típico (elementos objectivos (acção, nexo de causalidade e evento) e subjectivos (dolo ou negligencia); ilícito (contrariedade à ordem pública e inexistência de causas de justificação); culposo (responsabilidade penal (imputabilidade); imputação do facto (consciência da ilicitude e exigibilidade de comportamentos conforme à ordem pública) e inexistência de causas de exclupação); e punível). Quanto ao primeiro cheque, aquele que efectivamente se deveria vencer em Março, é susceptíveis de aplicação da pena criminal, e uma vez que estamos perante uma sucessão de leis no tempo coloca-se a questão de saber qual a lei penal concretamente mais favorável ao arguido. A lei de 27 consagrava uma pena de prisão entre os seis meses e os dois anos, e a lei de 97 remete para o crime de burla (art. 217º CP), que consagra uma pena de prisão até três anos. Para determinar se uma lei é mais ou menos favorável deve-se avaliar as consequências no seu conjunto e no caso concreto, ou seja comparam-se os resultados de aplicação de uma e de outra lei aplicáveis ao caso concreto. A escolha dos regimes penais em confronto, em sede de aplicação da lei penal no tempo, deve ser feita em bloco não podendo criar-se uma uma norma abstracta com os elementos elementos mais favoráveis favoráveis das várias leis. leis. Será ainda de salientar que alem de se ter de verificar quais os prazos de prescrição é ainda necessário ter em consideração as regras de determinação da medida concreta que se encontrem em vigor no momento da prática do facto (art. 71º/1 e art. 73º/1do CP).
2. Suponha agora que o julgamento de Carlos só tem lugar em 1998, data em que já estão em vigor as alterações ao artigo 11.º do Decreto-Lei Decreto-Lei n.º 454/91, introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 28 de Dezembro, em virtude das quais a sua redacção passou a ser a seguinte: «1. Quem, causando prejuízo patrimonial ao tomador do cheque ou a terceiro: t erceiro: a) Emitir e entregar a outrem c heque para pagamento de quantia superior a € 62,35 que não seja integralmente pago por falta de provisão(...) (...) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (...). 2. O disposto no n.º 1 não é aplicável quando o cheque seja emitido com data posterior à da sua entrega ao tomador». A sua resposta é a mesma? No presente caso estamos estamos perante uma descriminalização descriminalização de facto (art. 2º/2 CP), ou seja existe uma norma que elimina uma norma incriminadora. A descriminalização consiste na eliminação da previsão do facto como crime: eliminação da norma primário, deixando o tipo de existir. Para que exista efectivamente crime é necessário que este Maria Luísa Lobo – 2011/2012
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Faculdade de Direito da UCP seja: típico (elementos objectivos (acção, nexo de causalidade e evento) e subjectivos (dolo ou negligencia); ilícito (contrariedade à ordem pública e inexistência de causas de justificação); culposo (responsabilidade penal (imputabilidade); imputação do facto (consciência da ilicitude e exigibilidade de comportamentos conforme à ordem pública) e inexistência de causas de exclupação); e punível). Em relação ao número 1 da presente hipótese, esta segunda hipótese apresenta a especial diferença que com as alterações referidas Carlos não será punido por qualquer crime, inclusive o de 5 de Março uma vez que este foi emitido com data posterior à da sua entrega ao tomador. O legislador quis descriminalizar o facto anterior, consagrando que só serão crimes os cheques que sejam entregues como ordem de pagamento. A razão de ser desta solução deriva do facto de a tutela dos cheques ter-se vindo a restringir, na medida em que o cheque estava a ser completamente desvirtuado sendo utilizado como meio de concessão de credito: se ele não pagasse era punido criminalmente, o que constituía uma ameaça muito forte.
IV 1. Imagine que António é acusado, em Outubro de 2006, da prática de um facto punível com uma multa de 40 €, a título de transgressão rodoviária, prevista no Código da Estrada em vigor na altura da prática do facto. Sucede, porém, que, por força da Lei X, de Junho de 2007, todas as transgressões rodoviárias vêm a ser is. transformadas em contra-ordenações. Quid iur is. 7
córd ão do S.T.J S.T .J., ., de 05/01/95 05/01 /95,, pr oc. Nº N º047080 0470 80 ) (A córdã
As condutas consideradas na Lei 25/2006 e de 28/2006 que deixam de ser contravenções/transgressões contravenções/transgressões penais e passam a ser contra-ordenações contra-ordenações englobam o leque de situações complexas provenientes da descriminalização (art. 2º/2 CP). AS condutas praticadas antes da entrada em vigor do novo regime r egime já são sancionadas sancionadas como contraordenações, sem prejuízo da aplicação do regime mais favorável nomeadamente quanto à medida da sanção. Os processos que se encontrem a pendentes continuam ai a sua transmitação, mas a sanção aplicada será a coima (sanção administrativa e não penal). Se o processo ainda não houver sido instaurado correrá já perante as autoridades administrativas, mesmo que o facto tenha sido praticado na vigência do regime contravencional.
2. Suponha agora que a Lei X tinha uma disposição com o seguinte teor: « Regime transitório 1 - As contravenções e transgressões praticadas antes da data da entrada em vigor da presente lei são sancionadas como contra-ordenações, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis. 2 - Os processos por factos praticados antes da data da entrada em vigor da presente lei pendentes em tribunal nessa data continuam a correr os seus termos perante os tribunais em que se encontrem, sendo-lhes aplicável, até ao Maria Luísa Lobo – 2011/2012
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Faculdade de Direito da UCP trânsito em julgado da decisão que lhes ponha termo, a legislação processual relativa às contravenções e transgress transgressões.» ões.» A sua resposta é a mesma? (Ac. do T.C. n.º 221/2007) Em regra, todos os factos praticados anteriormente são considerados como transgressões, podendo ser contudo aplicado o regime contra-ordenacional se tal for mais favorável ao arguido. Os factos anteriores já não serão mais transgressões na medida em que passam a ser considerados contra-ordenações, deixando de ter natureza penal, e consequentemente à luz do Direito Penal, relevância penal. Aceitando considerar como contra-ordenações os factos anteriores à entrada em vigor da norma ocorre uma violação do art. 2º do Regime Geral das Contra-Ordenações e do art. 29º da CRP. O Tribunal Constitucional apercebendo-se apercebendo-se que sempre que ocorresse esta desgraduação a factos anteriores praticados antes da entrada em vigor da norma estes ficariam impunes considerou que a aplicação do art. 29º da CRP não é realizada a toda a realidade sancionatória, mas apenas aquela que se encontra consagrada no art. 29º/1 e 4 CRP, ou seja apenas aos crimes ou as medidas de segurança. A garantia da irretroactividade da lei penal só se encontra dirigida ao direito penal e dentro destes aos crimes não se podendo estender a todas as outras formas de direito sancionatório.
V 1. António foi acusado pelo Ministério Público pela prática de determinado crime. De acordo com a lei em vigor no momento da prática dos factos, o prazo de prescrição era de 5 anos. Sucede que, em virtude de uma alteração que entrou em vigor na pendência do processo, este prazo foi encurtado para 2 anos. Se for aplicável a nova lei, o prazo de prescrição já decorreu, enquanto que, por aplicação da lei anterior, o mesmo prazo ainda não foi ultrapassado. ult rapassado. Qual Qual das duas leis deve o juiz de julgamento aplicar? A regra sobre a aplicação no tempo das leis processuais consta do art. 5º do Código do Processo Penal. Esta norma consagra que a lei processual penal é de aplicação imediata da nova lei, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência de lei l ei anterior – o o critério não é o da pratica do facto mas sim o do processo estar ou não pendentes. O facto de se poder aplicar aos processos pendentes derivado do facto de a lei processual se limitar a estabelecer o procedimento para o julgamento dos crimes, não interferindo no que é ou não crime. Se existe uma lei processual processual nova é necessário partir do principio que é melhor do que a anterior, não se podendo violar as expectativas dos agente, ou seja não se esta a punir o agente de um crime que não existia quando ele actuou.
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Faculdade de Direito da UCP Existem contudo algumas leis que disciplinam o processo e têm natureza mista, processual ou substantiva, substantiva, sendo que a essas leis deve ser aplicado o regime substantivo enquanto concretamente for mais favorável ao arguido. Tal é o que se passa com as leis sobre prescrição do procedimento criminal. Entendendo que a lei tem efeitos sobre a penalidade concreta aplicável ao arguido, ela deve ser considerada de natureza material ainda que o seja também de natureza processual, ou seja é de natureza mista-processual. mista-processual. No que respeita as normas sobre a prescrição do procedimento criminal é hoje quase pacifica a orientação que tem natureza material que deste modo são de aplicação retroactiva quanto mais favoráveis ao arguido. Tal deriva do facto de as normas sobre a prescrição efectuarem a delimitação da infracção necessariamente necessariamente afectada pela extinção do direito de acção penal, constituem causa de afastamento de punição e de condicionarem condicionarem a efectivação da responsabilidade penal. Deste modo, leis sobre a prescrição são leis de natureza substantiva e consequentemente a alteração das regras sobre a prescrição fica sujeitas as regras previstas no Código Penal e não do Código do Processo Penal. Considerando que a lei sobre a prescrição tem natureza processual ou substantiva (indiferente) aplicar-se ia a Lei 2 uma vez que é a lei nova, logo tem aplicação Imediata conforme consagra o Princípio da Aplicação da Lei Processual (natureza processual) e é a mais favorável ao arguido (natureza substantiva). Nos casos em que a nova lei encurta o prazo de prescrição e o prazo já decorreu em princípio ocorreu uma sucessão de leis no tempo (art. 2º/4 CP), sendo contudo necessário ter em conta o critério do facto concreto e embora o tipo legal permaneça o juiz já não deve condenar este arguido tendo em conta este facto concreto uma vez que o prazo terminou, e consequentemente ocorreu uma descriminalização.
2. Suponha agora que, nos termos da lei em vigor no momento da prática do facto, o prazo de prescrição já decorreu. Porém, entrou em vigor uma nova lei que aumentou esse mesmo prazo, o qual ainda não decorreu quando o juiz vai proferir a sentença. Qual das duas leis deve o juiz de julgamento aplicar? ssento o de 19 de N ovembr o de 1975, 1975 , D .R., I . ªSé r i e A, de 17.12.1975 17.12.1 975 ) (A ssent
Neste caso a solução difere do caso anterior, contudo uma vez que hoje é pacificamente aceite que as normas de prescrição do procedimento criminal tem natureza substantiva a solução será a de aplicar a Lei 1 por ser mais favorável ao arguido, uma vez que a Lei 2 iria aumentar o prazo de prescrição. Aplica-se o Princípio da Irretroactividade da Lei Penal, não podendo falar-se em sucessão das leis no tempo na medida em que tal implicaria a aplicação de uma lei retroactivamente. A lei aplicável é a lei aplicável no momento da pratica do facto e não no momento da consumação, uma vez que é no momento da pratica que o agente pode optar entre agir e não agir e tem de ‘’saber com o que contar’’ para alem de que é neste momento que há a Maria Luísa Lobo – 2011/2012
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Faculdade de Direito da UCP reprovação ética da conduta. Já para a prescrição o que conta é a lei vigente à data da consumação consumação começando o prazo a correr no momento da consumação.
VI Pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Novembro, foi aprovado o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras. Dispunham os seus arts. 2.º e 5.º: « A r ti go 2º 2 º(I n ício ci o da ef i cácia ci a tempo t emporr al ) As nor n ormas, mas, ain da que qu e de natur nat ur eza pr oces ocessual , do Re R egime gi me Ju r ídico di co das I n f r acções F i scai scaiss não A duan du aneir eir as só só se se apli cam a f actos prati pr ati cados posteri posteri ormente or mente àentr nt r ada em em vigor vi gor do pre pr esente dipl oma. A r ti go 5º 5 º(Âmbi (Âm bi to da r evogaç evoga ção) 2.- M antêm-se em vigor as nor mas de dir di r eito contr avenci avenci onal ante ant er i or atéque qu e haj a decisã deci sã o, com co m tr ân sito sit o em j u l gado, gado , sobre sobr e as tran tr ansgr sgres essõ sões prati pr ati cadas atéàdata da ent r ada em vigor vi gor do pr esente esente dipl di ploma.» oma.»
Suponha que António praticou determinado crime fiscal em data anterior à entrada em vigor do referido diploma legal, sendo que este diploma, já se encontra em vigor na data em que tem lugar o seu julgamento. Sucede que o regime introduzido pelo referido diploma é, em concreto, mais favorável do que aquele que vigorava na data da prática dos factos imputados a António. Como deve decidir o juiz? (A cór ) cór dão Tr i bun al Constituci Constit uci onal n.º 150/94 No presente caso estamos perante uma norma de direito transitório que pretende determinar em que termos é aplicável a nova lei. Com esta nova lei o legislador pretendeu disciplinar a sucessão de leis no tempo delimitando o âmbito de aplicação da nova norma e impedir a aplicação retroactiva da lei mais favorável. f avorável. É necessário ter em consideração que as normas constantes do art. 2º do CP possuem consagração constitucional, sendo necessário ainda ter em consideração que ambas as leis se encontram no mesmo plano de ordem hierárquica. Deste modo, nos termos do art. 29º/4 da CRP o art. 2º do DL sofre de inconstitucionalidade uma vez que veda a aplicação retroactiva da lei posterior mais favorável.
VII A revogação do Código de Trabalho de 2003, operada pelo art.º 12º, nº 1, al. a), da Lei nº 7/2009, de 12/2, implicou a eliminação do número das infracções das contraordenações tipificadas no art.º 671º do mesmo código, já que a manutenção em vigor desta disposição não foi ressalvada, designadamente pelo nº 3, al. a), do referido art.º 12º.
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Faculdade de Direito da UCP Sucede que, nos termos da Declaração de Rectificação nº 21/2009, publicada no D.R. a 18/3/2009, rectificou-se a redacção do aludido art.º 12º, nº 3, al. a), nele passando a referenciar também o art.º 671º do C.T. de 2003, de modo a que este artigo não fosse afinal revogado. Está pendente, na fase judicial, um processo que tem por objecto a eventual prática de uma contra-ordenação laboral, que terá ocorrido em 2008. Como deve decidir o juiz? (ac. da Rel. de Évora, de 05.05.2009, Proc. 2595/08-2) No caso sub Júdice encontramo-nos perante uma descriminalização descriminalização (art. 2º/2 do CP), descriminalização esta que não era suposta uma vez que não era esta a intenção do legislador. O caso assenta no facto de o Novo Código do Trabalho não englobar o regime contraordenacional, havendo actos que a luz do antigo código era considerados contraordenações deixam de o ser. Não podendo existir uma lei retroactiva uma vez que tal violaria o Princípio da Irretroactividade da Lei Penal, o legislador lembra-se de realizar uma declaração de rectificação, sendo que esta tem eficácia retroactiva. A decisão de rectificação pretende promover alterações que não possuam um conteúdo novatório, na medida em que esta tem uma característica muito própria (modo como se aplica no tempo): sendo a rectificação válida é retroactiva. A declaração de rectificação visa corrigir lapsos do legislador podendo sofrer alterações substanciais, sendo ainda admitida nos casos de discrepância entre o texto originar e o texto publicado (divergência material de textos). O Tribunal considerou que a declaração de rectificação seria inexistente, mas na medida em que seguia o procedimento administrativo comum seria uma lei. Contudo enquanto lei que é materialmente falta-lhe a promulgação (as declarações de rectificação nunca são promulgadas na medida em que só visam a alteração de aspectos matérias do próprio texto não havendo nada que possa ser objecto de promulgação, promulgação, até porque o texto original já foi promulgado). Deste modo, de acordo com o art. 137º da CRP a lei não promulgada é inexistente e os factos anteriores continuaram a ser considerados como contra-ordenações. contra-ordenações. Os factos que ocorreram entre o Código de Trabalho 2 e o Código de Trabalho 3 não são puníveis, ou seja tudo o que seja objecto de processo pendente não teve relevância sancionatória salvo aqueles que já eram considerados crimes. Tal deriva do facto de o Código de Trabalho 3 só se aplicar para o futuro.
VIII 1. Imagine que Armando é condenado em 1ª instância, em Março de 2006, a uma pena concreta de 6 anos de prisão, pela prática do crime de ofensa à integridade física grave (artigo 144º, do CP). A sentença transita em julgado em Abril de 2007. Maria Luísa Lobo – 2011/2012
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Faculdade de Direito da UCP Ora, em Junho de 2007, surge uma nova lei que determina novas regras de determinação da medida concreta da pena que, se aplicadas à situação jurídicopenal de António, determinariam a condenação do mesmo numa pena concreta de 4 anos de prisão. Tendo isso em conta, Armando quer que se lhe aplique a nova lei. Quid iur is. is.
(A cór cór dãos do Tr T r i bun bu n al Con C onstit stitu u cion ci onal al n .º164/2008 e n.º 265/2008 ) No processo penal o respeito pela definitividade da decisão transitada em julgado acaba por ser mais relativo do que no processo civil (ex: ADN – mostra mostra que o condenado era inocente). Nestas situações seria intolerável que o arguido tivesse de cumprir a pena ate ao fim apenas por respeito ao valor da segurança jurídica. Uma primeira solução para o caso seria a norma do art. 29º/6 da CRP e do art. 449º do CPP, no entanto tal serve para se poderem rever decisões já transitadas em julgado mas que se considerem injustas (casos de absolvição do indivíduo), não se aplicanco portanto ao caso concreto concreto uma vez que a condenaçã condenaçãoo em questão não é uma condenação condenação injusta. No presente caso estamos perante uma sucessão de leis no tempo (art. ( art. 2º/4), ou seja o facto que era punido criminalmente pela lei anterior continua a ser punido pela nova lei havendo uma continuidade da incriminação do mesmo facto, ainda que as consequências consequências possam ser diversas. Na redacção anterior do Código Penal, antes da revisão de 2007, entendia-se que não se podia aplicar ao caso transitado transitado em julgado a lei mais favorável. Razão Razão de ser: enquanto nos casos de descriminalização não existem tantos inconvenientes processuais, processuais, bastando o juiz proferir despacho a determinar que as pessoas condenadas por tal crimes estão em liberdade, no caso da sucessão de leis no tempo ter-se-ia de proferir uma nova sentença e isso implicaria a realização de um novo julgamento (excepção do art. 2º/4, in fine CP). Contudo, o Principio da Retroactividade consagrado no art. 29º/4 da CRP não faz qualquer referência às decisões transitadas em julgado, pelo que começaram a surgir vozes que invocavam a inconstitucionalidade da antiga redacção do art. 2º/4 do CP. Foi na sequencia destas proclamações de inconstitucional que surgiu a nova redacção do art. 2º/4 do CP. Deste modo, o Prof. Germano Marques da Silva defende que se após a decisão com transito em julgado, mas antes de a pena estar cumprida, entrar em vigor lei mais favorável do que aquela que foi aplicada, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicada o novo regime, dando-se desse modo cumprimento ao disposto na Constituição que determina a aplicação retroactiva mais favorável.
2. Imagine agora que Maria é condenada, com sentença transitada em julgado, em Março de 2004, a uma pena concreta de 4 anos de prisão, pela prática do crime de infanticídio (artigo 136º, do CP). Acontece que, em Fevereiro de 2008, surge uma nova lei que procede a diversas alterações ao Código Penal, entre as quais, estabelece que a punição pela prática do crime de infanticídio deve corresponder a uma “pena de prisão de um a três
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Faculdade de Direito da UCP anos”. Maria quer que se lhe aplique a nova lei,
sendo que já cumpriu 3 anos e dois
meses de prisão. Quid iu ri s.
Segundo o Prof. Germano Marques da Silva defende que se após a decisão com trânsito em julgado, mas antes de a pena estar cumprida, entrar em vigor lei mais favorável do que aquela que foi aplicada, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicada o novo regime, dando-se desse modo cumprimento ao disposto na Constituição que determina a aplicação retroactiva mais favorável. Uma vez que Maria já cumpriu 3 anos e 2 meses de prisão, ou seja já cumpriu mais do que o máximo que a nova lei estabelece, não é necessário reabrir o processo (art. 371º A CPP), devendo Maria ser libertada imediatamente por força do art. 2º/4, in fine do CP. Caso Maria ainda não tivesse cumprido 3 anos de prisão, então seria necessário requerer a abertura do processo, reabertura essa que deveria ser requerida r equerida por Maria.
3. Imagine que Bernardo é condenado em 1ª instância, em Abril de 2006, a uma pena concreta de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime de violência doméstica (artigo 152º, do CP). A sentença transita em julgado em Outubro do mesmo ano. Ora, em Setembro de 2007, surge uma nova lei que permite a suspensão da execução de penas de prisão não superiores a 5 anos, enquanto que a lei anterior só o permitia se a pena não fosse superior a 3 anos. Bernardo está convencido de que se verificam os pressupostos da suspensão de execução da pena de prisão a que foi condenado, mas a verdade é que, como a lei anterior não o permitia, não foi produzida prova, na audiência de julgamento, destinada a demonstrar a verificação dos mesmos pressupostos, pelo que este terá de invocar e provar factos novos que nunca foram discutidos em julgamento. Tendo isso em conta, Bernardo pretende que se proceda à reabertura da audiência de julgamento para que possa produzir prova relativamente a esses novos factos, de modo a que a pena a que foi condenado seja suspensa. Quid iur is. is. Tr i bun al Constitu C onstitu cion al n º164/2008 e A c. do STJ n.º n .º15/2009 ) (A c. Tri
Em princípio dever-se-ia aplicar a nova lei uma vez que é mais favorável ao arguido. Contudo, para a aplicação da nova lei é necessário a produção de novas provas. O Tribunal Constitucional afirmou que esta produção de provas é ainda possível desde que indispensável para a aplicação de nova lei, no caso a suspensão da pena de prisão, em obediência ao princípio da retroactividade da lex mellior. Deste modo, sendo necessária a verificação de nova prova é admissível quando esta obrigue a apreciação de factos que não foram objecto de apreciação no julgamento inicial, ou a factos que embora tenham sido apreciados não o tenham sido de acordo com aquela nova prova, ou ainda podem ser apresentados novos factos mas não podem ser colocados em causa os factos anteriores.
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Faculdade de Direito da UCP IX António é julgado e condenado pela prática de um determinado crime público, a uma pena de prisão efectiva de 2 anos. Durante o processo o ofendido juntou aos autos um documento pelo qual declarou que desistia da queixa, mas esta desistência não foi homologada, em virtude de o crime não ter natureza semipública. Sucede que, 6 meses depois de a sentença transitar em julgado entra em vigor uma nova redacção do CP, nos termos da qual o crime pelo qual António foi condenado passou a ter natureza semi-pública. Poderá António beneficiar da aplicação desta nova lei? Em que termos? S.T.J , de 10.07.1984, B .M .J., n .º 339, pp. 353 e segs segs.; .; Acs. do Tribunal (A c. do S.T.J, Constitucional n.º 644/98 e 677/98)
Crime Semi-Público Abertura do Procedimento Criminal: depende da apresentação de queixa pelo titular do bem jurídico; relatam-se factos (manifestações de ciência), sendo que o conteúdo varia. Existe uma Manifestação de Vontade que se inicia no procedimento criminal. Se o queixoso desistir da queixa o processo arquivado, desde que o arguido consinta (pode ter interesse em provar a sua inocência)
Crime Público Abertura do Procedimento Criminal: embora se possa apresentar uma queixa, o impulso processual pode ocorrer apenas pelo conhecimento (minimamente credível) do facto pelo Ministério Público – basta a notícia do crime. Caso o queixoso desista da queixa o processo continua. Ex: violência domestica, tortura, homicídio, ofenda à integridade física.
O Prof. Germano Marques da Silva defende que se após a decisão com transito em julgado, mas antes de a pena estar cumprida, entrar em vigor lei mais favorável do que aquela que foi aplicada, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicada o novo regime, dando-se desse modo cumprimento ao disposto na Constituição que determina a aplicação retroactiva mais favorável. A nova lei reúne elementos processuais e elementos materiais, sendo que uma vez que torna este crime semi-público a desistência da queixa levaria à absolvição de António. Na medida em que estamos perante uma lei mista e como é material encontra-se sujeita à aplicação da retroactiva da lex mellior. Ou seja, estaríamos perante um caso de descriminalização (art. 2º/2 do CP), uma vez que esta alteração na norma se encontra relacionada com a previsão do facto como crime. Com esta nova lei existe um óbice e as condições do facto levam a que aquele nunca mais poderá ser considerado como crime ilícito e culposo.
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