Comunicação EMPRESARIAL Luiz Roberto Dias de Melo
2010
© 2010 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
M528 Melo, Luiz Robert Robertoo Dias Dias de. / Comunicaçã Comunicaçãoo empresar empresarial. ial. / Luiz Luiz Roberto Dias de Melo. — Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2010. 360 p.
ISBN: 978-85-387-0307-5
1. Comunicação empresarial. 2. Comunicação interpessoal. 3. Comunicação interna. 4. Marketing corporativo. 5. Comunicação oral. 6. Comunicação não verbal. 7. Expressão corporal. I.Título. CDD 658.452
Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.
Todos os direitos reservados.
IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Luiz Roberto Dias de Melo Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo. Ministra várias disciplinas ligadas aos cursos de Publicidade e Propaganda, como Redação Publicitária, Teoria da Comunicação e Planejamento de Mídia. É sócio-diretor da Gemma Comunicação e presidente do Instituto Saber-Aprender,, organização do terceiro setor. Saber-Aprender
o i r á m u s
11
O que é Comunicação Empresarial? 12 | Breve história da Comunicação Empresarial 27 | A Comunicação Empresarial e a Teoria Teoria das Organizações 31 | Uma reflexão sobre o discurso das d as organizações e o lugar do indivíduo indivíd uo
45
Teorias da Comunicação 49 | Paradigma Funcionalista Pragmático 55 | Paradigma Matemático Informacional 57 | Paradigma Crítico Radical 60 | Paradigma Culturológico 61 | Paradigma Midiológico Tecnológico Tecnológico 63 | Paradigma Interpretativo Interpretativo
Comunicação Empresarial: Comunicação 73 natureza, abrangência, função 74 | O poder da d a comunicação na empresa 78 | Comunicação Empresarial: aproximações aproximações conceituais 82 | A missão do comunicador na empresa 88 | Obstáculos à comunicação
Comunicação Empresarial como 99 Comunicação ferramenta estratégica de gestão 102 | Aprenda com os seus públicos 107 | Definindo estratégias eficazes
127
Reputação institucional 129 | Imagem e Reputação 132 | Instituto de Reputação e RepTrak RepTrak 134 | Gerência da Reputação 140 | Sustentabilidade e responsabilidade social
153 Comunicação Comunicaçã o interna 153 | Cultura organizacional, diálogo e engajamento 159 | Cultura organizacional 162 | Planejando a comunicação interna: política, objetivos e metas 171 | Ferramentas de comunicação interna: do quadro de avisos às mídias digitais 178 | Endomarketing
189 Pensamento complexo na empresa e na comunicação 194 | Teoria Organizacional e Complexidade
215 Comunicação Comunicaçã o de marketing, propaganda institucionale corporativa 216 | Comunicação de marketing
239 Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 239 | Comunicação Empresarial na sociedade da informação 250 | Comunicação Empresarial e ética 256 | Relações com o cliente 259 | Relações com investidores 261 | Relações com o governo
269 Relações com a mídia e gestão de crise 270 | É preciso saber orientar a mídia 273 | É preciso saber responder à mídia 276 | É preciso se preparar para o cara a cara com a mídia 278 | Conceito de crise institucional 281 | Comunicação durante a crise
o i r á m u s
293
Fundamentos da comunicação interpessoal 293 | Melhorando o relacionamento no trabalho 297 | Estilos interpessoais 299 | Gestão de conflitos 311 | A linguagem corporal traduz emoções e pensamentos
323
Eficácia na comunicação oral 323 | Falar em público com segurança – fundamentos de oratória 335 | Como fazer apresentações 343 | Preparação de discursos 347 | Excelência em improviso 348 | Timidez 350 | Palestra de negócios
359
Anotações
Apresentação A Comunicação Empresarial é uma área interdisciplinar por definição que articula todas as estratégias de comunicação utilizadas pela organização no relacionamento e interação com seus públicos. Por isso, o leitor encontrará referências a três áreas com profundo nível de alinhamento entre elas e cada uma das suas ferramentas: o marketing, as relações públicas e a comunicação interna. Funções tão diferentes quanto gerência da reputação, gestão de crises, propaganda corporativa, responsabilidade social, relações com os investidores, entre outras, integram o campo de interesse da área. Em direção contrária à visão tradicional sobre a organização, que a concebe como máquina, um mecanismo burocrático, rigidamente regulado por métodos, convenções e demais sistemas de controle, aludimos a uma “máquina de gerar sentido”, metáfora com a qual relacionamos a organização moderna. A comunicação não deve ser vista como uma técnica, um conjunto de procedimentos pré-formatados, a partir do qual a empresa encontraria “respostas” eficazes para todas as suas demandas. Segundo a perspectiva adotada neste livro, a comunicação é o lugar da intersubjetividade e, como tal, contagia a organização como um todo. Portanto, não há como pensar esse processo sem nos remetermos ao campo da teoria das organizações e de algum estudo sobre cultura organizacional.
C o m u n i c a ç ã o E m p r e s a r i a l
A opção pela perspectiva interpretativa, caracterizada pela ênfase na comunicação como elemento do processo simbólico de construção de significados, tenta, contudo, oferecer um contraponto que também nos parece necessário; referimo-nos a uma visão crítica sobre o funcionamento das organizações em geral e da empresa em específico. Daí a introdução do conceito de “discurso competente” (Chaui) e de certa reflexão orientada pelas considerações de Richard Sennet sobre o capitalismo como cultura e seu novo redimensionamento na experiência das organizações globalizadas. A visão pessimista da corrente crítica sobre a organização, embora se anuncie nesses dois momentos, não nos impede de defender o espaço de diálogo necessário e decisivo em que deve se transformar a empresa. Como substrato dessa condição, temos a comunicação, como se destacou, permeando toda a estrutura organizacional, ativando os códigos da sua cultura, projetando a identidade, a sua imagem e dando um sentido efetivo para a reputação. Por fim, convidamos o leitor para o exame e reflexão sobre a intervenção que a Comunicação Empresarial tem realizado nas últimas décadas; a partir dessa disposição, pensamos que o leitor possa encontrar algumas respostas para suas indagações de caráter teórico sobre o funcionamento das empresas pela perspectiva da comunicação, bem como para suas especulações sobre o campo de trabalho no qual estão presentes alguns dos melhores profissionais de comunicação do país.
C o m u n i c a ç ã o E m p r e s a r i a l
O que é Comunicação Empresarial?
Empresas são organismos vivos, muitas vezes estruturas de alta complexidade, que chegam a envolver milhares de colaboradores, os quais, por sua vez, interagem direta e indiretamente com milhões de pessoas em um só país, ou em dezenas de países ao redor do mundo. Independentemente do porte de uma empresa – de um pequeno supermercado de bairro a uma gigante multinacional – aquilo que ela significa para os seus públicos, seu significado como ente dotado de uma missão, é produto do estabelecimento e cumprimento (ou não, e daí tem-se um resultado peculiar) de metas por parte das pessoas envolvidas nessa organização. Do ponto de vista da comunicação, podemos dizer que empresas são “máquinas de gerar sentido” com a finalidade de obter certo tipo de resposta de seus públicos. É possível que você nunca tenha pensado sobre o papel da empresa, considerando a necessidade que ela tem em comunicar determinados aspectos da sua cultura organizacional num processo de construção de sua imagem corporativa. Empresas emitem sinais sobre sua performance o tempo todo. A nós, consumidores, ou destinatários dessas mensagens, cabe decifrá-las, com os recursos que temos em mãos, e participar desse processo de comunicação, realimentando-o de várias maneiras. Por exemplo, a recuperação financeira, ao longo do primeiro semestre de 2009, da empresa que fabrica a lã de aço Bombril, é uma notícia que gerou respostas que extrapolaram o círculo de consumidores do produto e animaram o mercado. Este poderá, por sua vez, ser bastante otimista, ainda que com cautela, ao empenho da gestão da empresa em retirá-la para sempre da zona de perigo em que se viu entre os anos de 2002 e 2006. Nesse período, a Bombril chegou a paralisar a produção por falta de dinheiro para comprar matéria-prima. Do ponto de vista da comunicação, somos impactados com as boas novas, representadas pelo renascimento financeiro da empresa, mas também com a constatação de que em toda aquela fase turbulenta a marca permanecia
O que é Comunicação Empresarial?
intacta. Esta, por sua vez, na condição de “ponte” entre a empresa e o consumidor, é produto de um longo e muitas vezes dificultoso processo de construção de imagem, do qual participa a Comunicação Empresarial. Como o ativo mais valioso das organizações, a marca comunica valores, inspira compromisso, mobiliza desejos e indica um caminho de atendimento às necessidades do consumidor. A Comunicação Empresarial participa da gestão de marca na medida em que esta é beneficiada direta e indiretamente por suas atividades, ações, estratégias e processos articulados entre si para criar e manter a imagem da empresa diante de seus públicos. No Brasil, Comunicação Organizacional, Comunicação Empresarial e Comunicação Corporativa1 são expressões que frequentemente se equivalem. Contudo, é possível pelo menos delimitar a abrangência da primeira e segunda expressões. Parece claro que a área de atuação da “Comunicação Organizacional” não se limita a da empresa, já que uma organização como a Igreja, um sindicato ou uma fundação, fazem uso do ferramental oferecido pela “Comunicação Empresarial” sem, no entanto, serem empresas comerciais. Já a expressão “Comunicação Corporativa” é menos usada, embora haja autores2 que preferem essa designação, a qual parece ficar a meio caminho entre a organização e a empresa, pois o conceito de corporação liga-se a um só tempo à condição de um grupo de pessoas reunidas por afinidades profissionais, filosóficas etc., em uma associação, como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, como também ao mundo das empresas de grande porte.
1
Corporate affairs – expressão corrente nos países de língua inglesa.
2
V. SILVA NETO, Belmiro Ribeiro (coord.) Comunicação Corporativa e Reputação (2010, p. 198).
Kunsch (2009) vê o universo da Comunicação Organizacional Integrada composto por três partes: comunicação institucional, interna e mercadológica. Na primeira, situam-se, por exemplo, a assessoria de imprensa, as relações públicas; na segunda, house-organs3, a intranet e demais recursos digitais e, na última, a publicidade, ao lado de outras ferramentas.
3
House-organs: veículo – jornal ou revista – publicado pela empresa com a finalidade de divulgar fatos de valor institucional (agendas, cumprimento de metas, eventos etc.) geralmente dirigido ao público interno, mas às vezes também distribuído para clientes e outros públicos.
Breve história da Comunicação Empresarial A Comunicação Empresarial – como a conhecemos hoje – é produto de uma lenta construção de políticas e fazeres que nem sempre permite entrever o processo de refinamento de seus conceitos, a abrangência do seu escopo e o aumento do seu grau de complexidade. Por isso, um esforço de caráter historiográfico revela-se útil para situar o leitor, com mais precisão, diante do campo de estudos no qual emergem forças sociais das mais diferentes. 12
O que é Comunicação Empresarial?
Faz parte dessa história o aprendizado com outras áreas do universo da comunicação, como a das Relações Públicas, cujo percurso vamos investigar para dele retirar alguns conceitos que nos interessam. O campo fértil para o início das atividades das Relações Públicas desenha-se nos últimos 25 anos do século XIX, e nos poucos mais de 15 anos do início do século passado, durante a efervescência dos movimentos trabalhistas nos Estados Unidos. A profissão de Relações Públicas deve ser pensada no contexto do surgimento da opinião pública como fenômeno das sociedades democráticas. Somente nas sociedades em que o embate de ideias possa frutificar, sem a intervenção do Estado no papel de censor, e onde possam subsistir condições favoráveis ao convívio entre as diferenças, encontra lugar um trabalho como o das Relações Públicas, cuja razão de ser liga-se também à gestão da informação. A Comunicação Empresarial, ao absorver as Relações Públicas como área estratégica, não apenas se beneficia da experiência acumulada em décadas de trabalho, mas encontra nessa tradição elementos históricos que lhe indicam o caminho a trilhar em busca da transparência e legitimidade de suas funções. É claro que esse processo não está isento de contradições, da assimilação de um certo discurso “chapa-branca” 4, cristalizado pelas organizações, mas o fato disso ocorrer em uma sociedade democrática pode provocar a reação dos públicos, o que não só é salutar, mas decisivo para o aperfeiçoamento organizacional. Das muitas vozes que ecoavam no centro da sociedade civil estadunidense, destacam-se as do movimento trabalhista e dos órgãos representantes das classes patronais. Cada uma por seu lado tentando persuadir a opinião pública em favor de seus interesses. Eis o cenário em que aos poucos vai ganhando nitidez a intervenção de um tipo de profissional com suficiente habilidade em traduzir para o público não apenas as “ideias” da parte que representava, mas convencê-lo sobre a pertinência de certos ideais. Peculiaridades da história e da formação econômica dos Estados Unidos são o pressuposto e a condição mesma do fortalecimento da opinião pública. O país foi o primeiro a se industrializar fora da Europa já nos fins da primeira metade do século XIX. Somam-se a isso diferentes fatores, entre os quais o movimento expansionista, a Guerra de Secessão e a imigração irlandesa.
13
4
Chapa-branca: como são designados veículos automotores do Poder Público, cujas placas são dessa cor; por extensão, atitudes, discursos e equivalentes de caráter oficial, alinhados com o governo.
O que é Comunicação Empresarial?
Nada menos que nove territórios foram anexados por força do movimento expansionista; estados como a Flórida, o Texas e a Califórnia integram o processo, o que basta para demonstrar a imensidão das terras anexadas e, o mais importante, o que isso significava em termos de arranjos sociais e econômicos, tendo como base o deslocamento de aglomerados humanos e o realocamento de mão de obra. A Guerra de Secessão (1861-1865), por sua vez, transformou os vitoriosos estados do Norte do país num polo de riqueza, adicionando um renovado suplemento às forças capitalistas organizadas em torno da construção das estradas de ferro. Como mencionado, compõe também o quadro social desse período a imigração irlandesa que acabou por proporcionar, ao capital, a mão de obra barata do imigrante que fugia de um país martirizado pela fome. A articulação dos dois primeiros fatores acima, em contato com a recém-chegada de irlandeses, municiando o “exército de reserva”, ou seja, o excedente da mão de obra, a parte de trabalhadores descartáveis no jogo capitalista, gera um caldo de cultura em que ganha peso o espírito da livre-iniciativa, de inspiração liberal, e o desejo de tornar-se proprietário. Apenas de passagem, perceba o leitor como esse painel distingue-se bastante da vida social brasileira, onde, de forma arcaica, permanece o trabalho escravo até 1888, mas as relações de dependência mantidas entre proprietários e homens pobres, brancos ou não, seguiriam inalteradas durante muitas décadas. Num ambiente de dependência e de favor, nada mais distante do que a livre-iniciativa e a valorização das liberdades individuais, tão caras à experiência do que no Brasil chamavam de “irmã do Norte”. Ser um pequeno proprietário de terras nos Estados Unidos significava também resistir ao poderio dos trustes, cartéis e monopólios. Por outro lado, ainda que o movimento trabalhista tenha perdido força nesse período, justamente em decorrência do espírito empreendedor de muitos, aos poucos a organização dos trabalhadores em sindicatos alcança tal importância na vida social, que obriga o grande capital a lançar mão de estratégias para melhorar sua imagem diante da opinião pública. Bem antes da quebra da bolsa de Nova York, em 1929, que lança por terra certas ilusões pequeno-burguesas em relação à autonomia dos indivíduos e à propriedade, em vários momentos o país assistiu a movimentos grevistas de expressão. O que poderia ser chamado de consolidação dos movimentos sindicais teve como marco decisivo a tradução do Manifesto Comunista, de 14
O que é Comunicação Empresarial?
Marx e Engels, em 1871. Publicado pela primeira vez em Londres, em 1848, o “Manifest der Kommunistischen Partei” conclamava a classe operária à revolução contra a burguesia, ao mesmo tempo carrasco e herdeira da realeza. Desta, conservava direitos e eternizava princípios ideológicos tão arraigados quanto o da severa divisão do trabalho entre manual e intelectual, com sua consequente carga de alienação para a classe trabalhadora. Em 1869, dois anos antes da tradução do Manifesto Comunista, é fundada nos Estados Unidos a Ordem dos Cavaleiros do Trabalho, primeira organização trabalhista do país, que acabaria por se estruturar como uma imensa central sindical. O número formado por 700 mil associados impressiona até hoje, mas haveria de ser superado nos anos seguintes, ao longo dos quais o movimento trabalhista atraiu multidões, já agora com um discurso abertamente inspirado no documento comunista. A Federação Americana do Trabalho sucedeu à Ordem, em 1886, introduzindo uma nova concepção no plano de organização dos trabalhadores: defendeu e fomentou o aparecimento de vários sindicatos, no lugar de apenas um, revelando, ao mesmo tempo, algo não rotineiro na época: a preocupação do diálogo com a opinião pública. Segundo a organização, era preciso tornar-se “aceitável” aos olhos da economia e da sociedade. Essa atenção reservada à opinião pública era compartilhada, como se enfatizou, com o patronato. Tratava-se de pôr em prática um repertório de estratégias de comunicação, o que, do lado dos trabalhadores, acabaria por favorecer o amadurecimento dos sindicatos como organizações de representação, refinando a natureza de suas reivindicações.
O contragolpe As armas do patronato também haveriam de ser arregimentadas, segundo as exigências de uma sociedade que vinha se tornando mais complexa do ponto de vista da multiplicidade de interlocutores. Não esqueçamos de que está em jogo o controle sobre a massa de trabalhadores distribuídos nos mais diferentes setores da economia. Um dos setores mais poderosos era formado pelos donos das estradas de ferro, o qual fora alvo de uma dura greve em 1877; por isso, não é de se estranhar a existência de uma Associação de Diretores de Estrada de Ferro que, por sua vez, se juntou à Associação Americana Antiboicote. Fundada 15
O que é Comunicação Empresarial?
em 1902, essa última entidade já trazia inscrito no nome um adjetivo que a fazia se identificar com as raízes da nacionalidade, ligado a outro que definia sua função de modo sentencioso, afinal, o boicote (no lugar da palavra greve) deveria ser algo muito condenável e por isso combatido. Duas outras organizações despontavam no período: a Associação Nacional dos Fabricantes e a United States Steel Corporation. Com maior ou menor proximidade uma das outras, as empresas associadas às organizações formavam uma rede tão poderosamente orgânica, tão onipresente na economia, contra a qual a resposta dos sindicatos nunca poderia parecer tímida na forma de condução do movimento e, do ponto de vista da comunicação, insuficientemente perspicaz na emissão de suas mensagens. A virada do século foi marcada por uma sucessão de greves de expressão: mineiros, mecânicos, metalúrgicos e funcionários dos matadouros. Em meio ao cenário convulsivo, os trabalhadores, aos poucos, sentem o impacto causado por uma vertente no âmbito das teorias de administração. Conhecida como “Teoria da Administração Científica”, os postulados, de caráter mecanicista, de Winslow Frederik Taylor, baseavam-se em alguns poucos princípios, que davam ênfase à divisão extrema do trabalho, em pequenos segmentos, tentando-se com isso aumentar o grau de eficiência do próprio. Pinho (2008, p. 28) nota que o taylorismo, como a teoria passara a ser reconhecida, privava o trabalhador do seu principal patrimônio: o conhecimento e a habilidade profissional. Não fica difícil de entrever que, no julgamento de uma classe operária politizada no interior dos sindicatos, tal perda tinha um significado que extrapolava bastante o campo da técnica, com repercussões políticas, cuja raiz era o do controle social das massas: [...] o objetivo maior do taylorismo era fazer com que as tarefas laborais fossem planejadas, classificadas e sistematizadas. O processo de produção era, destarte, escandido, fragmentado, dividido em fases: planejamento, concepção e direção. O processo de trabalho era agora “administrado cientificamente”, segundo procedimentos de tempos e movimentos, que eram capazes de estipular, sob a égide da linha ou cadeia de montagem, um movimento a ser desenvolvido num tempo ideal, devidamente cronometrado.
Acirrando o embate entre patrões e empregados, a Federação Americana do Trabalho fez frente à teoria de Taylor, fato que redundou, em 1912, em um inquérito contra o autor. Um desdobramento, em outro nível, que parecia remoto: greves nos anos de 1911 e 1916 tentaram dar fim à contundente influência da teoria no campo do trabalho. No entanto, bem ao contrário do que se poderia imaginar, o taylorismo, talvez de forma menos perceptível, ou resquícios dele, sobrevivem em montadoras de automóveis, hotéis, restau16
O que é Comunicação Empresarial?
rantes e numa famosa rede de lanchonetes presente em dezenas de países no mundo.
Um caso de Relações Públicas Uma data-chave para o estabelecimento das Relações Públicas é o ano de 1906, quando Ivy Lee abre o seu escritório, em Nova York, dedicando-o ao atendimento de empresas. No entanto, parece que a maioria dos autores concorda que estratégias de Relações Públicas (RP) teriam sido estimuladas a se colocar em campo, quando o filho de um magnata das estradas de ferro pronunciou uma frase que revelava o seu pouco apreço pelo público: “que o público se dane”. O ano era 1882 e o pronunciamento fora desferido na presença de um grupo de jornalistas; no entanto, a frase foi, como se esperava, mal recebida pelos leitores e o empresário depois tentou desmenti-la em entrevista a um jornal, revelando preocupação com o eventual dano à sua imagem. A era dos monopólios teve início no último quarto do século XIX; em 1897, a Associação das Estradas de Ferro dos Estados Unidos usou pela primeira vez a expressão Relações Públicas com o sentido utilizado hoje. Mais uma vez, essa percepção deixa evidente o grau de consciência da necessidade desse elo com a opinião pública, fenômeno que depois contagiaria a órbita governamental. O quadro histórico daqueles primeiros 15 anos do século XX, nos Estados Unidos, é atravessado pela pressão das grandes empresas, detentoras de monopólios, e contra as quais se constituiu uma campanha que não deu trégua durante os anos de 1903 a 1914. Outra intervenção de Ivy Lee, ainda em 1914, e que hoje estaria mais próxima do “marketing social”, foi reverter a imagem negativa da família Rockfeller. A pouca habilidade em negociar com grevistas de uma de suas empresas, colocava o clã de bilionários sob a mira da imprensa e da opinião pública. Lee tornou visível um John Rockfeller ligado a ações de filantropia e benemerência; a operação deu certo, a ponto de, pelo menos no conceito do público, parecer algo perfeitamente coerente que um capitalista até então impiedoso com as pequenas empresas tivesse mudado de opinião. É importante frisar que o trabalho de Lee, num certo sentido, é inseparável das grandes ferrovias, pelo menos na fase embrionária dos seus 17
O que é Comunicação Empresarial?
serviços. Essas empresas, antes mesmo de 1906, ano da abertura do escritório de Lee, já trabalhavam com assessoria de imprensa e Relações Públicas. Mas independentemente do fato de não ter sido ele o criador da expressão, o profissional tornou-se, em 1909, o responsável pelo setor de “divulgação e propaganda” da Pennsylvannia Railroad, lá permanecendo até 1914. Ao contrário do que se possa imaginar, não se tratava de um serviço extensivo ao de publicidade e propaganda, como algumas vezes a própria Comunicação Empresarial parece, aos olhos dos leigos, limitar-se. O serviço revestia-se de caráter político, mobilizador, mas com alcance e efeitos diferentes daqueles eventualmente logrados pela propaganda; isto porque a engenharia informacional posta em prática deveria demonstrar um grau de especificidade tal que a afastava dos objetivos marcadamente comerciais que orientavam o discurso publicitário. Em 1916, Lee abre uma consultoria de Relações Públicas – a Lee & Harris & Lee – que o ajudou a se tornar referência nacional na área. Em 1935, ano de sua morte, Lee trabalhava como RP da Chrysler.
As vozes do poder O painel desenvolvido acima, ao sintetizar as tensões entre grandes empresas e associações patronais de um lado, e sindicatos e centrais de trabalhadores de outro, deixa entrever o que designamos como “terreno fértil” para o surgimento de uma profissão especializada na gestão da informação. Naturalmente, o cenário foi muito simplificado, considerando-se a natureza didática da abordagem. Vale a pena, contudo, insistir numa rápida reflexão sobre o papel dos valores democráticos no contexto de uma sociedade em que a pujança econômica representava uma fração da atual, mas já expunha o seu dinamismo e inventividade, base da futura potência mundial. A quebra da bolsa, em 1929, arrastou multidões para níveis abaixo da pobreza e gerou um sentimento de revolta e impotência nunca antes vivido pelo povo. A esquerda estadunidense, que em parte se confundia com os sindicatos, acusava, juntamente com a maior parte da opinião pública, a ganância capitalista pelos terríveis transtornos. A crise atingiu a todos, mas penalizou mais, como sempre, os menos preparados: 12 a 14 milhões de desempregados (dados de 1933), numa população de cerca de 120 milhões, clamavam por providências urgentes, além de onerar os cofres públicos com políticas assistenciais. 18
O que é Comunicação Empresarial?
Esse estado de coisas exigia do governo medidas profundas, que seriam costuradas aos poucos nos gabinetes de Washington. Por outro lado, como dialogar com um público cético, descrente mesmo da capacidade de reação do governo e agora bastante tocado por um discurso de extração socialista? Mais uma vez seria o caso de se dizer que a experiência acumulada pelas organizações mostrar-se-ia estratégica para o Estado. Como ressaltam Chaumely e Huisman (apud PINHO, 2008, p. 36): Com a grande crise de 1929, a informação deixou de ser um luxo: tornou-se uma necessidade. Abraham Lincoln tinha-o dito: “Com a opinião pública nada pode malograr; sem ela nada pode resultar bem”. Esse apelo à opinião pública tornou-se especialmente urgente pela existência de mais de 12 milhões de desempregados. Não é fácil recordar de que uma revolução iminente tenha podido ameaçar os americanos da década de 1930.
Em 1933, o New Deal, o nome do programa de recuperação da economia do presidente recém-empossado Franklin Delano Roosevelt, estabelece uma série de metas que se fariam notar em todo o mundo. A criação de dezenas de agências federais – equivalentes às nossas autarquias – tentou dar conta de demandas específicas, também elas dependentes de soluções rápidas que o novo formato poderia garantir. Um pacote heterogêneo de medidas intervém em todos os setores, como se pode verificar no perfil de algumas delas: controle sobre bancos e instituições financeiras; construção de obras de infraestrutura para a geração de empregos e aumento do mercado consumidor, e uma, especialmente marcada pela capacidade de diálogo do governo: incentivo à criação de sindicatos, fortalecendo a capacidade de negociação dos trabalhadores e a defesa dos direitos instituídos. Outra vez mostra-se produtivo um paralelo com a experiência brasileira. A Revolução de 30, cuja designação não especifica o golpe de Estado que leva o gaúcho Getúlio Vargas à presidência, no lugar do paulista Júlio Prestes, eleito com mais de 1 milhão de votos, afasta-se notoriamente do clima democrático reinante nos Estados Unidos. O longo governo provisório de Getúlio Vargas, que se estende até 1934 – data da promulgação da Constituição – tentou assimilar alguns princípios e diretivas do governo Roosevelt, traduzidos por um desejo de modernizar o Brasil, mas, no plano do respeito às instituições democráticas, o máximo que ele conseguiu foi a referida promulgação. Contudo, a Constituição de 1934 durou pouco, menos de três anos, até a imposição da ditadura do Estado Novo, tendo à frente o próprio Getúlio. O Estado Novo (1937-1945), como se sabe, suspende direitos políticos, persegue, tortura e elimina opositores do regime, cerceia a liberdade de expressão e cria um onipresente aparelho de Estado, o DIP – Departamento 19
O que é Comunicação Empresarial?
de Imprensa e Propaganda. Esse super órgão governamental controlava toda a propaganda oficial e seus tentáculos se estendiam sobre a imprensa, literatura, teatro, cinema, rádio, esporte e recreação, mantendo estrito controle sobre a produção e divulgação. Com muito prejuízo para o papel do comunicador, e para o sentido da própria comunicação governamental como um todo, esse início da atividade no país tornou-se um marco dos mais deploráveis, com reflexos no segundo ciclo ditatorial de 1964-1984. O pronunciamento frio, distante, ou, outras vezes, peremptório, dos porta-vozes da República, dava o tom com o qual o governo, durante o regime de 1964, dirigia-se à nação. Isso quando esses pronunciamentos não tomavam a forma de longos discursos, lidos de acordo com os princípios da antiga oratória – com suas curvas tonais peculiares – diante das câmeras de televisão em rede nacional. Como veremos, uma cultura autoritária, por parte das organizações empresariais, não era percebida dessa forma, já que per feitamente amoldada a uma vida social com os traços referidos. Do outro lado do Atlântico, Roosevelt, nos anos 1930 e além, por meio de programas de rádio – “conversas ao pé do fogo”, como eram chamados – aproximava-se do ouvinte no lugar mais íntimo do seu imaginário: o seu próprio lar. O presidente vinha a público prestar contas de seu governo, reforçando o sentimento nacionalista e a certeza, por parte do ouvinte, de que estava diante de um presidente sensível aos valores democráticos. É desse período as press conferences (reunião de imprensa), que ocorriam em média 250 vezes ao ano. A habilidade para dialogar com os diferentes públicos, levando em conta as expectativas de uma sociedade bastante organizada e atenta aos seus direitos, deixa de ser marca exclusiva do governo Roosevelt, embora sua passagem por Washington, ao longo de quatro gestões (morreu durante a última), tenha estabelecido padrões de conduta que foram respeitados por vários sucessores. Com certeza alguns desses princípios estão contextualizados numa publicação do ano de 1936: Public Administration and the Public Interest , de Pedleton Herring, apontado como o primeiro livro a estudar as Relações Públicas governamentais. Para se ter uma noção da evolução das Relações Públicas no mundo, valem as considerações de Amaral (1999):
20
O que é Comunicação Empresarial?
Dos Estados Unidos, as Relações Públicas foram sucessivamente para o Canadá (1940), França (1946), Holanda, Inglaterra, Noruega, Itália, Bélgica, Suécia e Finlândia (1950) e Alemanha (1958). Segundo a estudiosa Monique Augras, nos Estados Unidos, em 1936, seis em cada grupo de 300 empresas tinham serviços de Relações Públicas; em 1961, a relação era de 250 em 300; em 1970, beirava 100%.
Comunicação Empresarial no Brasil A questão do “relacionamento estratégico” com os diferentes públicos, que tão bem define a ação das Relações Públicas, não pode ser vista apenas como uma contribuição pontual dessa área à Comunicação Empresarial. Mais do que uma mera atribuição das Relações Públicas, a gramática que elas construíram, no diálogo com os diferentes interlocutores, alçava-se à condição de uma verdadeira pedagogia para os novos comunicadores do universo organizacional, em cujo centro iriam se operar radicais mudanças a partir dos meados dos anos 1950. Muito antes disso, porém, o consagrado patrono das Relações Públicas no Brasil, Eduardo Pinheiro Lobo, em 1914, já oferecia sua contribuição como o responsável pela atividade na Light & Power Co. Ltd., a famosa Light, a empresa canadense que durante décadas iluminou o Estado de São Paulo. Fundada em Toronto, em 7 de abril de 1899, a empresa ganhou concessão no Brasil, durante o governo Campos Salles, em 17 de julho do mesmo ano. A trajetória do engenheiro alagoano é relatada por Tubosaka (2007), em importante livro para se entender os inícios da profissão de Relações Públicas no Brasil. Tubosaka faz um paralelo entre as atribuições de Lobo, o contexto histórico, e as atividades de Ivy Lee nos EUA, cujo modelo fora assimilado pelo primeiro. Com o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, o qual voltara ao governo em 1951, assume o poder – das mãos do vice de Vargas, Café Filho – o mineiro Juscelino Kubitschek com um “Plano de Metas” audacioso, sintetizado no famoso slogan “50 anos em 5”. O presidente “bossa nova”, denominação que lhe caía bem no clima arejado e promissor do período, tomou posse em 1956 e atraiu para o Brasil uma série de empresas estrangeiras, com destaque para as automobilísticas: Fábrica Nacional de Motores, Ford, General Motors,
21
O que é Comunicação Empresarial?
International Harvester Máquinas, Mercedez-Benz, Scania Vabis, Toyota, Simca, Vemag, Volkswagen (no país desde 1953, construiu a fábrica de São Bernardo, SP, em 1956) e a Willys Overland, impulsionadas pelas diretrizes do recém-criado Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA). Como notam Caputo e Melo (2008): O setor de fabricação de veículos foi essencial para o processo de desenvolvimento do país. Essa indústria “liderou” o investimento direto em outras indústrias, como a de borracha, de material plástico, de vidros, de material elétrico e de autopeças. Sua importância foi muito além da sua rópria produção e expansão. Tornou-se símbolo do governo de Juscelino Kubitschek e representou a modernidade e o desenvolvimento dos chamados “Anos Dourados”.
Vale a pena oferecer uma visão do montante de investimentos estrangeiros por setor – entre 1956 e 1960 – bem como a origem desse capital, pois assim ficará evidente a contribuição e o poder de uma cultura organizacional, moldada por padrões internacionais, para o estabelecimento, aos poucos, dos critérios da Comunicação Empresarial entre nós. Tabela 1 – Investimento direto estrangeiro entre 1956-1960
22
Setor de atividade
Valor em US$ milhão
(%) do total
Fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias
178,4
44,05
Fabricação de produtos químicos
50,0
12,35
Fabricação de máquinas e equipamentos
37,8
9,34
Fabricação de artigos de borracha e de material plástico
24,2
5,99
Fabricação de produtos têxteis
18,8
4,64
Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos
15,5
3,83
Metalurgia básica
14,3
3,53
Fabricação de produtos alimentícios e bebidas
12,1
2,98
Fabricação de celulose, papel e produtos de papel
10,7
2,64
Fabricação de outros equipamentos de transporte
10,6
2,61
Extração de minerais metálicos
7,3
1,81
Fabricação de produtos de minerais não metálicos
6,6
1,63
Fabricação de produtos de metal – exceto máquinas e equipamentos
6,0
1,48
Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações
5,9
1,46
Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática
2,1
0,51
Fabricação de móveis e indústrias diversas
1,1
0,28
) 8 0 0 2 , O L E M ; O T U P A C (
O que é Comunicação Empresarial?
Valor em US$ milhão
(%) do total
Edição, impressão e reprodução de gravações
0,9
0,22
Fabricação de equipamentos de instrumentação médico-hospitalares, instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, crônometros e relógios
0,5
0,12
Fabricação de produtos e fumo
0,5
0,12
Correio e telecomunicações
0,4
0,10
Fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool
0,3
0,08
Fabricação de produtos de madeira
0,3
0,007
Não identificado
0,2
0,05
Extração de mineras não metálicos
0,2
0,04
Atividades de informática e serviços relacionados
0,0
0,02
Transporte terrestre
0,0
0,01
Agricultura, pecuária e serviços relacionados
0,0
0,01
Serviços prestados principalmente às empresas
0,0
0,01
Extração de carvão mineral
0,0
0,00
404,9
100,00
Setor de atividade
Total
) 8 0 0 2 , O L E M ; O T U P A C (
Tabela 2 – Países investidores entre 1956-1960 Valor em US$ milhões
(%) do total
EUA
191,4
47,27
Alemanha
75,3
18,60
Suíça
29,8
7,36
Inglaterra
15,4
3,80
Japão
15,4
3,80
França
13,6
3,36
Suécia
9,2
2,27
Bélgica
7,2
1,78
França, Bélgica, Suíça e EUA
6,8
1,68
Itália
5,9
1,46
Panamá
5,9
1,46
França e EUA
5,3
1,31
Canadá
4,7
1,16
Holanda
4,0
0,99
Alemanha e Itália
2,6
0,64
Cuba
2,1
2.54
Total
404,9
100,00
Países investidores
) 8 0 0 2 , O L E M ; O T U P A C (
23
O que é Comunicação Empresarial?
A presença do capital estadunidense é decisiva naqueles anos, como se pode observar acima, embora já se fizesse sentir desde os anos 1920, passando a crescer gradativamente nos anos 1930, em substituição ao capital inglês. A tabela 2 demonstra a diversidade de países que aportaram capital no Brasil, o que naturalmente implicava trazer para cá representantes de suas matrizes com modelos de gestão às vezes sedimentados ao longo de muitas décadas, desde o século XIX. Do ponto de vista das atividades das Relações Públicas, já se percebe que o modelo e o tônus dominante são aqueles determinados pela tradição nos Estados Unidos, mas certamente cada cultura terá introduzido, no diálogo com o público, algo de sua – como poderemos chamar – idiossincrasia. Já em 1955 (SCROFERNEKER, 2008, p. 62) como que se adiantando às mudanças introduzidas pelo novo governo, a Escola Superior de Administração e Negócios, da Fundação de Ciências Aplicadas, de São Paulo, introduziu no currículo a disciplina de Relações Públicas. Em 1958, é a vez do Rio de Janeiro dar sua contribuição: realiza o I Seminário da área. Antes, em 1956, o governador de São Paulo, Jânio Quadros, promove um seminário para os Redatores do Estado, cujo objetivo enfatizava a preocupação com a gestão da informação e o modo como ela poderia afetar a imagem do governo. A década de 1960, no Brasil e no mundo, mostrou-se vertiginosa tanto na produção de acontecimentos, que colocavam no centro das atenções o tema da liberdade e da democracia, quanto na capacidade de promover debates acirrados sobre o papel dos meios de comunicação. São fatos dessa natureza: a inauguração de Brasília, no final da década de 1950; a corrida espacial, entre Estados Unidos e Rússia, iniciada em 1957, e disputada palmo a palmo durante toda a década, até 1975; a construção do Muro de Berlim, em agosto de 1961; a crise dos mísseis em Cuba, em outubro de 1962, tensionando ainda mais a Guerra Fria; o golpe de Estado brasileiro, em 1964; a Guerra do Vietnã a partir de 1965; o movimento estudantil, de maio de 1968; os tanques russos na invasão a Praga, em agosto, e o Ato Institucional n.º 5, decretado pelo presidente Costa e Silva em dezembro do mesmo ano. A partir da segunda metade da década de 1960, inicia-se uma disputa, que duraria cerca de 20 anos, entre jornalistas e RPs pelo mercado de trabalho. Ao contrário da visão integrada entre as funções, posta em prática pela Comunicação Empresarial, profissionais das duas áreas candidatavam-se aos mesmos cargos nas empresas; especialmente os jornalistas acorriam aos postos de assessoria de imprensa ou criavam as suas próprias, como serviço 24
O que é Comunicação Empresarial?
autônomo. No entanto, a profissão de RP, no sentido próprio da palavra, fora incorporada anos antes, em 1960, quando Rolim Valença cria a primeira empresa do ramo, a AAB. Coube a ele iniciar o périplo pelos jornais para solicitar a publicação de informes sobre seus clientes. Considerando-se o cenário econômico cada vez mais complexo a partir do aporte de capital estrangeiro, desenha-se uma política de gestão pública muito afinada com certos preceitos sociotécnicos, principalmente a partir da segunda metade da década de 1960 e ainda mais ao longo dos anos 1970. O efeito imediato é que as empresas necessitavam de mão de obra especializada, inclusive na área de comunicação. A Escola de Comunicações Culturais, depois rebatizada com o nome de Comunicações e Artes, da USP, em 1967, cria o primeiro curso de Relações Públicas e é resultado desse quadro de mudanças. Por outro lado, ao longo dos anos 1960-70, o Estado passa a ter peso desproporcional na economia, sem prejuízo para o poder político, que é exercido com mão de ferro, principalmente depois de 1968, ano do AI-5. Há como que um estreitamento do papel do RP nas organizações, quase que reduzido à redação de jornais internos, boletins e releases e à organização de eventos. Com a censura prévia de jornais da grande imprensa e uma vigilância permanente sobre os demais meios de comunicação, as empresas nacionais e estrangeiras não tinham o que dizer, ou melhor, não se sentiam na obrigação de fazê-lo, acompanhando o clima antidemocrático reinante. Não nos esqueçamos de que um instrumento como o “Código de Defesa do Consumidor”, ou algo que de longe se assemelhasse, não era sequer uma miragem na relação entre empresa e cliente, só para dar uma noção da distância entre as duas partes. Em 8 de outubro de 1967, é fundada a Associação Brasileira dos Editores de Revistas e Jornais de Empresas (Aberje) com o objetivo de reunir profissionais do setor de comunicação e lançar uma pauta de discussão, cuja natureza vamos conhecer abaixo.
Aberje A trajetória da Aberje, que em 1987 passa a ser denominada de Associação Brasileira de Comunicação Empresarial – mantendo a antiga sigla como memória do ato inaugural – traduz-se no esforço, com variados graus de dificuldade, de empreender ações de informação, comunicação e relacionamento entre empresas, instituições, gestores e pesquisadores que exercem atividades ligadas à Comunicação Empresarial e Organizacional. Deve-se à associação, a 25
O que é Comunicação Empresarial?
harmonização, pelo menos em parte, dos interesses entre jornalistas e RPs – os primeiros sempre acusados de invadir o mercado dos segundos. Atualmente, a Aberje lança mão de uma série de instrumentos (revista, seminários, publicações etc.) para a divulgação de suas atividades e do empenho da entidade em valorizar a interface com a administração das empresas. Um informe publicado no site da entidade (Disponível em: ) destaca que A história desse campo das Ciências Sociais Aplicadas evoluiu da atividade de difusão de informações para os trabalhadores industriais dos anos 1960 para um campo teórico e profissional abrangente que tem na atualidade interfaces importantes em Administração, Antropologia, Ciências Sociais, Direito, Psicologia, Tecnologia da Informação e História, entre outras áreas.
O reconhecimento pura e simplesmente dos feitos de uma entidade de classe implicaria um erro de análise de ordem ideológica, como se esse percurso não estivesse sujeito a recuos, contradições, tensões internas e a outros fatores que colocam em xeque uma visão ingênua de “progresso”. Contudo, não há dúvida de que a associação contribuiu e contribui para o aperfeiçoamento das organizações, agora com elementos legados pelo gradativo empoderamento da sociedade civil. A gestão da responsabilidade social e o diálogo com o terceiro setor não são apenas atribuições dos profissionais de comunicação, mas um fator do redimensionamento da atividade em bases significativamente mais dinâmicas. Os eventuais desvios de conduta de profissionais de comunicação na sua relação com os meios – sobretudo na troca de favores, cuja materialização na forma de propina, paga a jornalistas, era quase uma regra do mercado – foram abertamente criticados pela entidade, embora o controle das relações entre os meios não seja atribuição sua.
Abrapcorp A Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp) foi fundada em 13 de maio de 2006, com o objetivo geral de estimular o fomento, a realização e a divulgação de estudos avançados dessas áreas no campo das Ciências da Comunicação. Os Grupos de Trabalhos Temáticos (GTs) Abrapcorp constituem uma das suas principais frentes de atuação. A entidade oferece, também, cursos e apoia eventos técnicos e científicos de comunicação. 26
O que é Comunicação Empresarial?
Anualmente, a Abrapcorp (Disponível em: ) organiza um congresso em nível nacional, para debater as principais tendências e temas contemporâneos de Comunicação Organizacional e Relações Públicas. A Abrapcorp fica localizada na Escola de Comunicações e Artes – USP e se propõe a responder a uma necessidade da área das Ciências de Comunicação, congregando pesquisadores, profissionais e estudantes para a discussão de questões para o desenvolvimento e consolidação dos campos de Comunicação Organizacional e Relações Públicas.
A Comunicação Empresarial e a Teoria das Organizações Organizações são entidades sociais orientadas para o alcance de metas de acordo com sistemas de atividades deliberadamente estruturados e coordenados que, por sua vez, interligam-se ao ambiente externo. Quando ouvimos ou lemos a palavra organização, tendemos a associá-la a edifícios, construções ou a um conjunto de políticas ou procedimentos. No entanto, o essencial de uma organização são as pessoas e o modo como ocorre o seu inter-relacionamento, pois é este que, em um nível avançado, poderá garantir o cumprimento da missão organizacional. Atualmente, a prática tem demonstrado que os gestores de empresas bem-sucedidas lançam mão de estratégias de horizontalização das atividades, embora os departamentos sejam estruturados separadamente. Isso permite maior mobilidade entre indivíduos e grupos e a identificação de lideranças com maior grau de precisão, sociabilizando conhecimentos e exigindo a capacidade de escuta dos gestores e a sua disposição para resolução de problemas em conjunto. Como indicativo dos ganhos da empresa, tem-se uma flexibilidade e um dinamismo que, via de regra, mostram-se estratégicos na resposta aos variados estímulos do ambiente externo. Não esquecendo de se ressaltar, porém, que esse é um desenho, no Brasil, mais ou menos idealizado de organização, não necessariamente assimilável em sua inteireza ou mesmo raro em certas localidades; considere-se, no contexto, a distribuição das organizações no amplo território brasileiro, onde cada Estado apresenta especificidades marcantes na mão de obra, entre as quais a educação formal dos gestores, o acesso à bibliografia especializada, a eventos da área administrativa, à Educação Corporativa etc. 27
O que é Comunicação Empresarial?
A história das empresas demonstra a adoção de modelos de administração que costumam ser divididos em escolas. Já de início é preciso frisar que esses modelos revelam a visão de mundo de seus criadores: não são construções neutras, portanto, e todas estão comprometidas com eficiência, aumento e manutenção dos níveis de produção. O que se busca, nas linhas abaixo, é fazer uma ponte entre um aspecto da Comunicação Empresarial, reconhecido como “comunicação interna”, e contextualizá-lo com algumas teorias sobre a organização. Dada a abordagem didática, partimos de um texto de Angeloni e Fernandes (1999, p. 84-94) que tem o mérito de identificar o fator comunicacional em sua relação com as características de cada modelo. O primeiro desses modelos é o da Escola Racionalista Clássica, no interior da qual se localiza a Administração Científica, de Taylor, citado anteriormente, cujo paradigma concentrava-se no controle absoluto e quantitativamente medido de todos os processos. Fayol5 integra também essa corrente de natureza mecanicista em que o indivíduo tende a se atomizar em sua passividade, entre outros motivos porque a comunicação é formal e descendente, baseando-se na transmissão de informação. Fayol, por exemplo, propôs 14 princípios de administração, entre os quais o de que “cada subordinado recebe ordens de um único superior” (unidade de mando).
5
Jules Henri Fayol (18411925) é mundialmente conhecido por ser o fundador da Teoria Clássica da Administração. É dele a divisão das funções da administração: planejar, organizar, liderar, controlar e coordenar. 6
George Elton Mayo (1880-1949) é o fundador da Escola das Relações Humanas e autor da tese segundo a qual o nível de produção é resultante da integração social. Todas os demais princípios reforçam o lugar do indivíduo no grupo no interior do ambiente de trabalho.
A Escola Racionalista
7
Rensis Likert (1903-1981) foi professor de sociologia e psicologia e diretor do Instituto de Pesquisas Sociais de Michigan. Dedicou toda a sua vida de pesquisador, ao longo de mais de 40 anos, para o desenvolvimento de estudos sobre estilos de liderança e gerência.
Valoriza a informação e não a comunicação.
Estabelece a comunicação formal e descendente.
A informação deve seguir os canais definidos e os circuitos estabelecidos pela direção.
A noção de comunicação é secundária.
Mudanças são ocasionadas por direções e não por meio de funcionários.
O conflito é considerado erro da administração.
8
Douglas McGregor (19061964) – psicólogo social, de grande influência na Escola de Relações Humanas, autor das teorias de motivação X e Y. Para ele, a administração é um processo de criação de oportunidades, de realização de potenciais e, portanto, de emancipação individual.
A segunda Escola é a Psicológica, ou das Relações Humanas, representada por Mayo6, Likert7, McGregor8 e Leavitt9, valoriza o ser humano, cobrando sensibilidade das chefias ao lidar com os subordinados, o que deveria aumentar o grau de comunicação. Os críticos dessa corrente, no entanto, observaram que, a rigor, os empregados continuavam sob o controle absoluto das chefias, embora esse fator fosse amenizado pela natureza paternalista das relações. Deve-se a essa corrente o mérito de ter dado início ao reconhecimento do papel da comunicação na empresa.
9
Harold J. Levitt (19222007) – sua contribuição ao estudo do comportamento nas organizações é uma das mais importantes da área.
28
O que é Comunicação Empresarial?
A Escola Psicológica
Propõe uma nova perspectiva da comunicação organizacional.
Considera a dimensão humana na comunicação.
Valoriza os sentimentos na inter-relação.
Julga facilitar as comunicações com esse procedimento.
Reconhece a comunicação informal como estimulador da cooperação.
A comunicação não é só funcional, mas relacional.
Comunicação interna começa a ser desenvolvida.
Adota o conceito de organização comunicante.
A próxima Escola é a Sociológica, de Frjedberg. Segundo essa vertente, a organização é percebida como um fator determinante no comportamento dos indivíduos, uma vez que sua estrutura hierárquica, o modo pelo qual entende a divisão do trabalho, determina exatamente a autoridade e o sistema de relações, estabelecendo o trajeto, o tipo e a natureza da comunicação. Frjedberg10, Trist11 e Crozier12, entre outros, no entanto, criticam o excesso de formalismo nas organizações, defendendo a descentralização e argumentando em favor da sinergia. Em consequência, a organização passaria a ser um sistema aberto, mais flexível e atento à necessidade de diálogo entre os colaboradores.
10
Ehrard Frjedberg (1942-) – sociólogo francês de origem austríaca. É uma das mais importantes referências no estudo das relações de poder na empresa. Autor de O Poder e a Regra (1995), tradução portuguesa publicada pelo Instituto Piaget. 11
Eric Trist (1911-1993) foi um dos precursores na compreensão sistêmica das organizações e da qualidade de vida no trabalho. Com Frederic Emery (1925-1997), protagonizou uma corrente que se batizaria de “sociotécnica”. As primeiras experiências fabris de aplicação dos conceitos ocorreriam nos Estados Unidos, quase em segredo, no final dos anos 1960 e nos anos 1970. A Procter & Gamble foi o primeiro piloto de “fábrica sociotécnica”.
A Escola Sociológica
Valoriza um sistema de comunicação baseado em relações de independência entre os vários atores.
Reconhece que a flexibilidade na forma da organização favorece contatos mais pessoais.
Defende a comunicação multidirecional.
Valoriza a expressão, o ponto de vista dos atores.
Denuncia a burocracia não comunicante.
Primeiros a descrever a organização comunicante.
12
Michel Crozier (1922- ) é um dos principais teóricos da análise estratégica na sociologia das organizações.
29
O que é Comunicação Empresarial?
Na corrente seguinte, a Gerencial , seus principais representantes, Simon13 e Drucker14 ratificam certos preceitos da Escola Sociológica, como o da participação, o que valoriza de imediato a personalidade de cada colaborador, mas enfatiza a busca de uma “solução satisfatória”, como preconizava Frjedberg, de acordo com os recursos disponíveis no meio.
13
Herbert Alexander Simon (1916-2001) economista de formação, atuou nas áreas de Psicologia Cognitiva, Informática, Administração Pública, Sociologia e Filosofia. Ganhou o prêmio Nobel, em 1978, pela sua “pesquisa precursora no processo de tomada de decisões dentro de organizações econômicas”.
No anseio de coordenação em todos os níveis, a Escola Gerencial naturalmente reconhece o papel importante da comunicação; ao optar pela “administração global”, a organização deve reconhecer em seu horizonte a eventualidade de absorver estruturas novas, pois o administrador tende a decidir em condições de incerteza.
14
Peter Ferdinand Drucker (1909-2005) – filósofo e economista de origem austríaca, é considerado por unanimidade o pai da Gestão moderna.
A Escola Gerencial
A comunicação é importante, pois opta-se pela coordenação em todos os níveis, base da “administração global”.
Reconhecimento de novas variáveis, entre elas o dinamismo da comunicação.
A Administração Pós-Industrial , segundo a concepção de Ouchi15, Peters16, entre outros, é a vertente que reconhece na comunicação papel estratégico, transformando o gestor em um facilitador ou animador. Da interação constante e positiva entre os atores dependem fatores tão determinantes como a disposição para a pesquisa e para a mudança.
15
William Ouchi (1943-) – autor da Teoria Z, uma espécie de continuação e aperfeiçoamento da Teoria X e Y de McGregor, enfatiza que o sucesso das administrações está ligado à motivação humana e não simplesmente à tecnologia dos processos produtivos. As máquinas são ferramentas sofisticadas a serviço do homem, precisando sempre de aperfeiçoamentos do próprio homem.
A Escola Pós-Industrial
16
Thomas J. Peters (1942-) é talvez o nome mais importante da atual teoria da gestão. Sua reflexão sobre motivação na empresa mantém estreita relação com a necessidade de inovação. Esse processo, por sua vez, oferece ao teórico a oportunidade de defender o que se pode de chamar de “ensaio-erro”, ou seja, a permanente disposição para a busca da excelência na empresa por meio da experimentação e dos quase inevitáveis erros do caminho.
30
A comunicação torna-se fundamental; está no centro dos processos.
A estrutura organizacional transforma-se em rede de comunicação.
Comunicação e cultura organizacional estão intimamente ligadas.
O sistema comunicacional é diversificado e informal.
O que é Comunicação Empresarial?
Por último, a corrente Contemporânea, cujos representantes mais importantes são Davenport17, Prusak 18 e Nonaka19 . Eis o desenho organizacional mais discutido e experimentado hoje pelas modernas organizações. Valoriza-se a troca de conhecimento, e não apenas a troca de informação. São organizações aprendizes, sensíveis à autonomia dos atores, mas também à construção do saber em coletividade. Essas entidades veem no conhecimento o mais importante ativo, capaz de proporcionar vantagem competitiva; por sua vez, esse processo prevê o compartilhamento dos saberes, tornando o conhecimento tácito em explícito, e o explícito em bem comum, não apenas no contexto interno da empresa, mas eventualmente com parte de seus públicos, como os fornecedores. Investe-se em tecnologia, em ambientes virtuais, onde o acesso a uma universidade corporativa, por exemplo, não é somente franqueado a todos, mas insistentemente estimulado.
Escola Contemporânea
A comunicação transforma-se em conhecimento e propicia partilha.
Conhecimento produzido também no ciberespaço.
As tecnologias facilitam e disseminam a comunicação interna e externamente.
Uma reflexão sobre o discurso das organizações e o lugar do indivíduo Este tópico tem a função de provocar o debate diante de grande parte do exposto até aqui. No momento em que se festeja a sociedade do conhecimento, em que a intervenção das mídias digitais é indiscutível no âmbito da vida social como um todo e no meio corporativo em particular, não nos deixemos de forma acrítica envolver pelo tom excessivo de certas manifestações.
31
17
Thomas H. Davenport (1964-) – principal teórico da gestão baseada em Tecnologia da Informação. Defende que a análise de dados deve ganhar importância estratégica. 18
Laurence Prusak (1952-) destaca-se por suas reflexões no campo da Gestão do Conhecimento. É um dos mais influentes consultores e suas posições sobre a transformação do Conhecimento em ativo da empresa inspiraram-lhe a publicação de livros que se tornaram referência obrigatória na área. 19
Ikujiro Nonaka (1935-) – alinhado entre os mais importantes teóricos da Gestão de Conhecimento na empresa, é autor de vários livros na área. Como seus pares, sua reflexão considera a empresa como uma comunidade aprendente e envolvida diante dos desafios da complexidade.
O que é Comunicação Empresarial?
A tirar pelo discurso eufórico de grande parte dos teóricos das organizações, seríamos levados a supor que essas construções experimentam um processo contínuo de aperfeiçoamento, cujo mecanismo de superação se dá na forma do avanço conceitual e prático, sem desvãos, de uma Escola de Administração em relação à outra. Um raciocínio preso a uma imagem demasiadamente guiada pela linearidade talvez visualizasse o progresso, nesse campo, como uma linha ascensional, rumo a um céu estrelado, onde o brilho dos astros confunde-se com o sucesso das empresas. É verdade que muita coisa mudou de Taylor para cá; as organizações estão mais arejadas, críticas e até mesmo céticas – o que é muito bom, diga-se de passagem – diante dos modismos do mundo organizacional, assimilados improvisadamente por gestores que sacrificam cargos, salários e pessoas, estimulam terceirizações e quarteirizações injustificáveis e ainda, da forma mais oportunista possível, empunham a bandeira da responsabilidade social. Por outro lado, embora as instituições sindicais estejam enfraquecidas no mundo todo, o poder de reação dos trabalhadores em vários momentos vira o jogo em favor do bom senso e da valorização do trabalho. Os infortúnios causados pelo neoliberalismo, ou por sua deformação (se é que não é ele mesmo a própria deformação do atual sistema econômico, como querem seus críticos), ganharam os contornos de uma crise mundial – desfechada em fins de 2007 – que em vários momentos lembrou a de 1929. As lições que podemos retirar desse duro aprendizado recaem na necessidade de pensar no papel das grandes organizações, o seu procedimento e deveres na comunidade e o discurso às vezes ambíguo diante de seus públicos. Dado o gigantismo de certas organizações, corremos o risco de abstrair as pessoas atrás dos cargos e finalmente divisar aquelas estruturas como autônomas, agindo “por si mesmas”, independentemente da vontade, muitas vezes pessoal e idiossincrática, de seus gestores. Não são poucos os pensadores que deploram o fato de termos alcançado um nível elevado de conhecimento científico e tecnológico e, em contraste, mínimo de autoconhecimento e de refinamento ético. É preciso frisar isso, pois sempre corremos o risco de sermos engolidos pela linguagem técnica e tecnocrática das burocracias. Weber, citado entre os pensadores da corrente clássica, viu na burocracia a expressão de uma racionalidade capaz de garantir eficiência a partir de sua capacidade de instituir elevado grau de organização no interior das empresas. Não poderia prever ele que, ao longo do século 32
O que é Comunicação Empresarial?
passado, a organização incorporasse um repertório de temas, de procedimentos, de termos técnicos e de teorias, capaz de aprofundar a divisão do trabalho, conforme vamos ver a seguir. Em 1977, a filósofa Marilena Chaui participou da reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC – onde, no simpósio “Ideologia e linguagem”, apresentou o texto intitulado “O discurso competente”, aqui em parte parafraseado. Nele, Chaui tenta demonstrar que no capitalismo contemporâneo a dominação e a exploração sobrepõem à divisão de classes uma segunda divisão social que é aquela entre os que sabem, e por isso dirigem, e os que não sabem, e, consequentemente, executam. Tal divisão, entre dirigentes e executantes, cristaliza-se, por sua vez, como uma divisão entre “competentes” e “incompetentes” numa sociedade alicerçada sobre o princípio da organização e da burocracia. Essa última é um processo que impõe ao trabalho, independentemente do nível – direção, gerência e execução de um modo geral –, uma dinâmica tal que tudo em sua órbita (salários, cargos, regime de promoções, divisão de responsabilidades, estabilidade geral no emprego etc.) gira conforme um princípio de status socioeconômico. Os efeitos desse processo não se limitam ao ambiente empresarial, já que podemos observá-los em outros setores da sociedade civil, como nas burocracias escolares, hospitalares, de saúde pública, partidárias, entre outras. Como essas burocracias envolvem toda a sociedade civil, é por esse motivo, portanto, que podemos dizer que o próprio Estado, como organismo político e administrativo com um governo e um espaço territorial próprios, também se sujeita ao processo de burocratização. O processo de burocratização, como vimos, opera no interior da organização, ou seja, dentro das instituições (sendo o Estado a maior delas) que passam a ser o lugar mesmo de uma racionalidade imanente, como se fosse natural, desde sempre, a esse objeto. Para se compreender a natureza da racionalidade a que nos referimos, é preciso vê-la numa perspectiva histórica. Assim, quando a burguesia passa a ser a classe dominante, ela constrói um tipo de conhecimento que não depende mais da imagem de um Deus como poder uno e transcendente, pois essa condição é incorporada pelo Estado, que agora exerce o poder sobre uma sociedade baseada na divisão de classes. No entanto, e eis uma das peculiaridades dessa transformação, não ocorre, concomitantemente, a passagem de uma política teológica a uma política racional ateológica ou ateia,
33
O que é Comunicação Empresarial?
[...] mas apenas uma transferência das qualidades que eram atribuídas à Divina Providência à imagem moderna da racionalidade. A nova ratio [razão] é teológica na medida em que conserva tanto em política quanto em ideologia dois traços fundamentais do poder teológico: de um lado, a admissão da transcendência do poder face àquilo sobre o que este se exerce (Deus face ao mundo criado, o Estado face à sociedade, a objetividade das idéias face àquilo que é conhecido); por outro lado, a admissão de que somente um poder separado e externo tem força para unificar aquilo sobre o que se exerce – Deus unifica o mundo criado, o Estado unifica a sociedade, a objetividade unifica o mundo inteligível [o mundo “visível”, tal como se oferece a nós]. (CHAUI, 2006, p. 6)
O Estado sob o olho racional da organização e da burocracia incorpora e consome as novas ideias que, por assim dizer, não o põem em perigo. Desse modo, o saber, visto como um trabalho de elevação à dimensão do conceito uma situação de “não saber” (por exemplo: Galileu Galilei, a partir das descobertas de Copérnico, coloca em xeque os pressupostos sobre o lugar da Terra no mapa celeste) é aceitável e passível de incorporação quando [...] já foram acionados dispositivos econômicos [transformações no processo de produção], sociais [a legitimação de uma nova classe social no poder] e políticos [o modo de interação da classe dominante com o poder] que permitam acolher o saber novo não porque seja inovador, nem porque seja verdadeiro, mas porque perdeu a força instituinte [de revolução], já se transformou de saber sobre a natureza em conhecimentos físicos, já foi neutralizado, e pode servir para justificar a suposta neutralidade racional de uma certa forma de dominação. (CHAUI, 2006, p. 6)
É nesse contexto que surge o discurso competente, o discurso instituído, o discurso da organização, burocratizado e, como tal, hierarquizado; nele a linguagem sofre uma restrição, resumida por Chaui nos seguintes termos: [...] não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada, isto é, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir, no qual as circunstâncias já foram predeterminadas para que seja permitido falar e ouvir [na hora “certa”, poderíamos dizer] e, enfim, no qual o conteúdo e a forma já foram autorizados segundo os cânones [os modelos, os limites] da esfera de sua própria competência. (CHAUI, 2006, p. 7)
Como não devemos perder de mira os conceitos de burocratização e organização, afinal os processos que instituem o discurso competente como código, devemos atentar para o que Chaui (2006, p. 9) chama de “determinações” tanto de uma quanto de outra: hierarquia; status dos cargos, de tal modo que parece que o cargo possui uma autonomia em relação ao indivíduo que o ocupa, daí serem atribuídas ao primeiro, e não ao segundo, qualidades determinadas; identificação entre os membros de uma burocracia com a função que exercem e o cargo que ocupam, fato realçado por um cerimonial que, por sua vez, fixa os papéis de superiores e subalternos; uma direção que não se coloca acima da burocracia ou da organização, 34
O que é Comunicação Empresarial?
[...] mas também faz parte dela sob a forma de administração, isto é, a dominação tende a permanecer oculta e dissimulada graças à crença em uma ratio administrativa ou administradora tal que dirigentes e dirigidos pareçam ser comandados apenas pelos imperativos racionais do movimento interno à organização. (CHAUI, 2006, p. 9)
É por isso que somos levados a crer que ninguém exerce o poder, o poder existe por ele mesmo, como uma lei que convive em harmonia com a racionalidade do mundo organizado ou, se preferirmos, com a competência dos cargos e funções que, por acaso, estão ocupados por homens determinados, e daí a continuidade do poder como neutralidade. No contexto acima, distinguem-se três registros de discurso competente: o discurso competente do administrador-burocrata, o discurso competente do administrado-burocrata e o discurso competente e genérico de executantes do nível mais inferior da escala hierárquica, homens reduzidos à condição de [...] objetos socioeconômicos e sociopolíticos, na medida em que aquilo que são, aquilo que dizem ou fazem, não depende de sua iniciativa como sujeitos, mas do conhecimento que a organização julga possuir a respeito deles. (CHAUI, 2006, p. 10)
Esse contingente anônimo, pode-se concluir, é indispensável para a manutenção do poder. Pensemos de passagem no período das eleições para os diversos cargos do legislativo. É um momento no qual candidatos incorporam aos seus discursos de campanha significados que atendem de forma determinada às expectativas da “massa”. Assim, há o candidato que se revestirá, por exemplo, com os símbolos do homem da lei e imprimirá à sua campanha os significados próprios desse status: segurança, defesa da pena de morte, instituição da prisão perpétua, intensificação da repressão policial etc. Um outro, apresentar-se-á como a encarnação idealizada do “grande administrador” e como tal se louvará de sua competência como empreendedor e assim por diante. O discurso de campanha, nesses termos, não deve ser confundido com propaganda, no sentido comum de uma ação voltada para a criação e divulgação de uma marca. Se o “homem da lei” e o “grande administrador” se apossam de tais discursos é porque ambos têm consciência da sua posição em relação ao discurso que adotam, do “cargo” que ocupam diante da comunidade e da própria natureza do discurso como uma competência de quem se instalou no “cargo”. É claro que poderíamos argumentar que se ocorre o consumo desses “fatos” é porque eles correspondem a certas necessidades e esperanças dos indivíduos, além deles acreditarem na seriedade e na autoridade de seus candidatos como homens públicos. No entanto, há de se 35
O que é Comunicação Empresarial?
pensar, sobretudo, no conceito genérico e altamente abstrato de “segurança” e de “administração” no âmbito das comunidades em que se reduziu o debate em torno desses temas à reivindicação do fortalecimento do aparelho policial, em relação ao primeiro, e à aposta nos “tocadores de obras”, em relação ao segundo. O especialista em administração e o especialista em segurança nos ensinam como agir diante das urnas. Como parece ter ficado claro, o discurso competente não dependerá de ideias e de valores fortemente sedimentados na tradição humanista e assimilados pelo pensamento burguês na sua forma clássica. Na raiz, o discurso burguês é legislador, ético e pedagógico e isto implica dizer que previa um centro irradiador, o qual se punha acima dos indivíduos. As ideias então possuíam transcendência e eram capazes de gerar critérios para distinguir a natureza das coisas: o certo e o errado; a civilização e a barbárie; o necessário e o eventual; o bem e o mal; o verdadeiro e o falso; o normal e o patológico: “punha ordem no mundo e ensinava” (CHAUI, 2006, p. 10). Digamos que em decorrência desse mundo ordenado, as instituições como pátria, família, empresa, escola, Estado erigiam-se como valores de fato e de direito, daí porque o discurso burguês nomeava os detentores legítimos da autoridade: o pai, o professor, o patrão, o governante, e, consequentemente, deixava explícita a figura dos subordinados e a legitimidade da subordinação. Em uma palavra, havia referenciais seguros porque a autoridade era encarnada – tentando simplificar – pela “pessoa” investida de poder pelas instituições. Graças à razão “administrativa” e “administradora”, característica da organização e da burocratização, a ideologia deixou de ser um discurso legislador, ético e pedagógico fundado na transcendência das ideias e dos valores, para converter-se em discurso anônimo e impessoal , ocultando, assim, o lugar de onde é pronunciado. Não que tenha deixado de ser legislador, ético e pedagógico, mas agora o é tendo como referencial a suposta realidade dos fatos racionais e a suposta eficácia dos meios de ação. Ganhou nova cara: não é identificado mais como um saber instituinte, transformador, mas como discurso neutro da cientificidade ou do conhecimento instituído, cuja função é dissimular a existência real da dominação. Diante do exposto, é possível perceber a complexidade do papel da Comunicação Empresarial. Em um processo de democratização da informação na empresa, e de maior diálogo com os públicos, do qual participa como 36
O que é Comunicação Empresarial?
agente, e, por outro lado, como beneficiária de um sistema socioeconômico e político em vias de democratização, a Comunicação Empresarial pode se relacionar dialeticamente com os fenômenos acima. O caminho exige muito preparo do comunicador e perspicácia na tentativa de rompimento da opacidade, própria do fenômeno da ideologia, nos termos acima. Cabe também a uma nova geração de comunicadores discutir as formas dessa relação e aprender com ela: quer criticando a rígida hierarquização organizacional quer dinamizando a comunicação, para fortalecer o conhecimento, quer ajudando a criar políticas para cristalizar essa experiência como princípio da cultura organizacional.
Ampliando seus conhecimentos
Comunicação integrada: discurso ou realidade estratégica? (SABBATINI, 2009)
A Comunicação Empresarial nos traz frequentemente surpresas quanto à sua dimensão e desenvolvimento nas empresas. Quando imaginamos uma empresa ou organização que se professa praticante dos recursos de Comunicação Empresarial, é possível identificar ao menos dois cenários. Em primeiro lugar, podemos visualizar uma empresa cujas políticas de comunicação estão dispersas e desarticuladas pelos departamentos de marketing (comunicação mercadológica), de relações públicas (comunicação institucional) e de recursos humanos (comunicação interna). Nesse caso, o conceito de comunicação integrada não foi incorporado à gestão estratégica da empresa. Em um segundo caso, pode-se identificar companhias em que as políticas de comunicação respondem a uma preocupação estratégica da empresa e que, por sua vez, pretende integrar todos os departamentos e políticas em benefício do resultado empresarial. Nesse caso, a Comunicação Empresarial seria um instrumento estratégico, incorporado de forma integrada na estrutura organizacional. Infelizmente, esse segundo caso é bem pouco comum na prática organizacional das empresas. Por vezes, podem ser encontradas companhias que adotam explicitamente políticas integradas de comunicação, mas que, na prática, tais políticas não passam de discurso. Este artigo dissertará brevemente sobre as causas da dificuldade em adotar na realidade da gestão corporativa a Comunicação Empresarial como instrumento estratégico. 37
O que é Comunicação Empresarial?
A partir dos anos 1990, as empresas têm enfrentado novos desafios nos mercados em que estão inseridas, tanto economicamente, como social e culturalmente, expondo-se e perdendo muitas vezes espaços já consolidados. Nesse cenário adverso, surge a percepção de que existe a necessidade de promover mudanças significativas de relacionamento e comunicação com seus diversos públicos. Entretanto, o que se observa, de acordo com a literatura da área, é uma ausência bastante grande de estratégias de comunicação integrada na maior parte das empresas. Percebe-se, por isso mesmo, a inexistência de uma cultura empresarial propícia às mudanças de gestão que estimulem o desenvolvimento da Comunicação Empresarial no seu sentido pleno, ou seja, um processo dinâmico e multidisciplinar, que engloba a comunicação da empresa com seus diversos públicos, no âmbito institucional, mercadológico e interno (administrativo). Como nos aponta Curvello (2002), as relações entre as diversas formas de comunicação presentes na empresa, ou seja, especialidades como Jornalismo, Relações Públicas, Publicidade e Propaganda e Marketing, sempre foram muito complexas, dificultando a integração e o trabalho conjunto. Muitas vezes a integração existe na política e no “discurso” da companhia, chegando até a orientar estruturas formais (que figuram nos organogramas empresariais) sem, entretanto, inserir-se como filosofia, ação e política da cultura organizacional. Não se efetivam, no dia a dia das empresas os processos que poderiam refletir a integração das políticas de comunicação. Esse panorama nos aponta para uma das questões centrais do desenvolvimento e da consolidação da Comunicação Empresarial que é a cultura e gestão organizacionais. As empresas, em sua maioria, ainda estão estruturadas sob o paradigma mecanicista, ou seja, têm suas relações e processos de gestão sustentados por estruturas rígidas, orientadas como se fossem máquinas, onde seus funcionários devem “funcionar” de maneira eficiente, sem grandes questionamentos, apenas obedecendo aos ditames impostos e a hierarquia dominante. Entretanto, o cenário, a partir da década de 1990, acaba por demandar alterações significativas e necessidades latentes de adaptação para a sobrevivência das empresas. E aí se encontra o paradoxo vigente na maioria das empresas: como inserir em empresas de história tradicionalmente mecanicista (MORGAN, 1996) conceitos como inovação, diferenciação, flexibilidade, criatividade e competitividade exigidas através do novo padrão de concorrência, em que elementos dinâmicos como: a semelhança dos atribu38
O que é Comunicação Empresarial?
tos de qualidade do produto, a adaptação e customização maciça de produtos e processos, a redução dos níveis de fidelidade, a sofisticação tecnológica, o acesso e a distribuição customizadas, entre outros, acabam por colocar as empresas frente a dificuldades até então desconhecidas? A saída, embora ainda pouco aplicada, é a criação e o desenvolvimento de políticas de Comunicação Empresarial, integradas e sustentadas por uma gestão organizacional e uma cultura interna orgânica e aberta, que valorize o funcionário, supere as estruturas departamentalizadas, e crie instrumentos para a consolidação de um jogo democrático no processo comunicacional, através de uma comunicação fluente e compartilhada, presente em todas os níveis da empresa. “A permanência e o sucesso da empresa hoje, já sabemos disso demais, são função direta da conquista da fidelidade de seus empregados e clientes. Ora, essa conquista de fidelidade não pode dar-se através de símbolos, valores e credos abstratos, nem de golpes de publicidade lenitivos e repetitivos. Ela só é possível se o empregado e o cliente tiverem razões concretas para ser fiéis. Isto é, se antes de tudo, de seu ponto de vista, eles tenham efetivamente vivido experiências, preferivelmente nunca desmentidas, gratificantes e satisfatórias” (AKTOUF, 1986, p. 173). Dessa forma, fica claro que é necessário que o espaço das estratégias de Comunicação Empresarial se torne maior e prioritário dentro das estratégias competitivas estabelecidas pelas empresas. Para tal, devem ser criados instrumentos e estruturas capazes de atender tais requisitos de diferenciação e comunicação da empresa frente às características do mercado no qual está inserida. É a busca pela integração das diversas especialidades, a aglutinação de novos conteúdos (independente da área de origem), a orientação para o mercado e o trabalho conjunto do institucional e do mercadológico, a leitura constante e ampla do macroambiente e, finalmente, trabalhando a comunicação como uma ferramenta de inteligência empresarial. “A resposta está no relacionamento qualificado de uma empresa com seus públicos estratégicos. Relacionamento criado, planejado e administrado como um grande conjunto de processos organizacionais, em que a comunicação é um importante componente, que diferencia e faz a imagem empresarial ser percebida como única” (NASSAR, 2003, p. 118). 39
O que é Comunicação Empresarial?
Atividades de aplicação 1. Na condição de destinatários, direta ou indiretamente, dos “sinais da performance das empresas”, como realimentamos o processo de comunicação? 2. De que modo as transformações econômicas e políticas, em curso nos EUA na virada do século XIX e depois, propiciaram o surgimento da profissão de RP? 3. Descreva, resumidamente, as funções da Aberje.
40
O que é Comunicação Empresarial?
Referências AMARAL, Claudio. A História da Comunicação Empresarial no Brasil . São Paulo, 1999. Disponível em: . Acesso em: 18 ago. 2009. ANGELONI, Maria Terezinha; FERNANDES, Caroline Brito. A comunicação empresarial: um estudo evolutivo das teorias das organizações. Revista de Ciências da Administração (CAD/UFSC), UFSC, v. 1, n. 2, p. 84-94, 1999. CAPUTO, Ana Claudia; MELO, Hildete Pereira de. O Investimento Direto Estrangeiro no Governo Juscelino Kubitscheck . In: Congresso da Sociedade de Economia Política – SEP, 13, 2008. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2009. CHAUI, M. S. Cultura e Democracia. O discurso competente e outras falas. Nova edição revista e ampliada. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2006. 367p. KUNSCH, M. M. K. (Org.). Comunicação Organizacional: histórico, fundamentos e processos. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1. 408p. PINHO, Júlio Afonso. O contexto histórico do nascimento das Relações Públicas. In: MOURA, Claudia Peixoto de. (Org.) História das Relações Públicas: fragmentos da memória de uma área de Moura. Porto Alegre, EDIPUCSRS, 2008. 700p. SABBATINI , Juliana N. Comunicação Integrada: discurso ou realidade estratégica? Disponível em: Acesso em: 21 ago. 2009. SCROFERNEKER, Cleusa Maria Andrade. (Re) Construindo a história das Relações Públicas. In: MOURA, Claudia Peixoto de. (Org.) História das Relações Públicas: fragmentos da memória de uma área de Moura. Porto Alegre: EDIPUCSRS, 2008. 700p. TUBOSAKA, Mirtes Vitoriano Torres. Pensamento Brasileiro em Relações Públicas – Eduardo Pinheiro Lobo: o pioneiro das Relações Públicas no Brasil. Guarapari: Exlibris, 2007.
41
O que é Comunicação Empresarial?
Gabarito 1. Se formos, de fato, impactados por esses “sinais”, nossa resposta ocorre de acordo com as informações e juízos de valor que recuperamos ou mobilizamos e com nosso real interesse em relação à empresa. Por exemplo, a notícia da recuperação financeira de uma empresa pode nos fazer lembrar de sua trajetória de sucesso e daí enxergarmos naquela mensagem a confirmação da competência da empresa etc. O importante, para o profissional de comunicação empresarial, é colher lições no cotidiano. Pequenas e médias empresas, com as quais nos relacionamos todos os dias, expõem, às vezes até sem a perfeita consciência disso, elementos sobre sua capacidade de se comunicar com eficácia com o cliente. Uma loja de roupas que envia um cartão de congratulações na data do aniversário da cliente, mas utiliza-se de mensagem muito desgastada, poderá causar indiferença, em vez de gratidão, no destinatário. 2. Sindicatos e empresas viram-se na contingência de se comunicar melhor com a opinião pública. Era preciso convencer o público sobre a pertinência (e até legalidade) de suas posições. 3. A Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) reúne os profissionais do setor e promove, por vários meios, a integração entre estes e as organizações.
42
Teorias da Comunicação
Uma teoria é um modo sistemático de organizar ideias e informações a propósito de um dado real ou, mais especificamente, em relação a determinado aspecto dessa realidade. O corpo de informações assim organizado tem como pressuposto a capacidade de observação do cientista, acompanhada de pesquisas sobre o objeto de estudo. A organicidade dessas informações, cujo princípio, por sua vez, é balizado pelo chamado método científico, tem como objetivo criar um saber sobre aquele objeto. No caso das ciências humanas, campo de conhecimento no qual se inscrevem as teorias da comunicação, o método científico é o compreensivo-interpretativo. Interpretar significa “traduzir, ajuizar da intenção, do sentido” do objeto de estudo; quem interpreta elucida, ou seja, lança luzes, as do conhecimento, sobre o objeto, em cuja natureza a interpretação se aprofundou. É necessário ainda frisar que no processo de criação da teoria são levantadas hipóteses que podem ou não ser comprovadas ao longo da construção dessa teoria. Do que se conclui que a dinâmica do método científico impõe a si mesma uma contínua regulação do seu trajeto: testam-se hipóteses colhidas durante a observação do objeto de estudo que serão articuladas segundo uma determinada lógica para se constituir o sistema de enunciados característico da teoria. Um outro aspecto importante é o de se tentar diminuir a distância entre teoria e prática e pensá-las dentro do mesmo contexto, reconhecendo, no entanto, que a segunda foi considerada fora do momento em que ocorre, suscitando no espírito do pesquisador o interesse em estabelecer um conjunto de proposições sobre sua natureza. Teorizar sobre a comunicação exige de imediato a compreensão do ato de comunicar e de seus processos. Comunicar significa tornar comum alguma coisa, conforme a palavra latina communicare; a partilha, com alguém ou com toda a comunidade, de certas informações, deixa claro que essa ação não se dá sobre a matéria, mas sobre o outro com o qual se cria algum tipo de vínculo. Comunicar é um processo inerente à vida em comunidade, tornando-se mesmo sua condição determinante, se aceitarmos que sem comunicação não haveria formas de se entender o trabalho ou qualquer outra relação social.
Teorias da Comunicação
Tendo em mira os objetivos deste capítulo, cumpre ainda contextualizar a Comunicação Empresarial com as teorias, cujo inventário vamos efetuar nas linhas abaixo. A questão imposta é da necessidade de se extrair, sempre que possível, elementos que participem da reflexão sobre Comunicação Empresarial. Considerada como área interdisciplinar ou transdisciplinar, a Comunicação Empresarial articula de forma complexa ações, estratégias e políticas originárias das Relações Públicas, Jornalismo, Propaganda e Marketing. Ora, como veremos, de forma separada ou conjugada, ao longo do livro, as teorias da comunicação relacionam-se de diferentes maneiras com essas áreas – e com diversas outras – de cujas experiências e repertórios não apenas assimilam conteúdo, mas realimentam e alteram o campo de significado do qual fazem parte. O corpus especulativo das teorias da comunicação não se detém necessariamente sobre o grau de eficácia do processo comunicativo, isto é, não leva em conta, por definição, se este – dadas certas circunstâncias – cumpre ou não o objetivo de criar vínculo entre emissor e receptor. No entanto, o pragmatismo que orienta a Comunicação Empresarial não pode deixar de fora essa preocupação; com efeito, o comunicador empresarial não apenas estabelecerá o conteúdo e elegerá os meios de comunicação, mas dispensará muita atenção ao modo pelo qual o destinatário poderá responder ao estímulo, realimentando o processo. Ressaltamos essa condição, tanto da parte da teoria, quanto da parte do comunicador empresarial, para que fique claro que o campo de especulação das teorias da comunicação transcende o meramente pragmático, pelo menos na hipótese deste último tentar despregar-se do tecido ético, filosófico, sociológico, antropológico... do qual faz parte. Essa discussão inicial ganha mais nitidez na contemplação do processo de comunicação como um gerador de sentido. Considerando a afirmação que empresas são “máquinas de gerar sentido”, podemos avançar um pouco mais na compreensão desse conceito. De acordo com Vilalba (2006, p. 6-7), o sentido – como resposta mental a um estímulo percebido pelo corpo e transformado na mente em informação – ocorre no interior do processo de comunicação em três estágios:
46
Formação do sentido – geração de uma impressão na mente de um sujeito comunicador 1 (ou emissor); junção da impressão, na mente, com outras, e de forma organizada; a organização determina, no plano mental, a “relação entre interpretantes” do processo de comunicação, gerando valor ou sentido.
Teorias da Comunicação
Apresentação do sentido – “o sentido é codificado em um plano de expressão perceptível a outros sujeitos comunicadores”, transformando-se em um signo1; diante do estímulo “árvore”, ou seja, diante desse objeto, desse ente material, de natureza vegetal, podemos representá-lo com a emissão de determinado som (árvore, em português) e comunicá-lo a outro sujeito da comunicação. Negociação do sentido – decodificação por um sujeito comunicador 2 (ou destinatário) a partir de certa impressão gerada em sua mente; essa impressão “organiza-se com outras, que a pessoa já tem, e recebe, dessa pessoa, um determinado valor, ou seja, é comparada, relacionada, destacada ou integrada às outras impressões mentais” que criarão em sua mente a imagem da árvore. A esse processo, Vilalba (2006) chama de negociação.
Aceito esse esquema, vale enfatizar que na Comunicação Empresarial a negociação do sentido merecerá toda a atenção do comunicador para se evitar ruído, o sinal interferente no processo de comunicação que pode levar a mal entendidos de toda a espécie ou mesmo à interrupção da comunicação. Muitas crises na empresa, em sua relação com o público, são ocasionadas na etapa de negociação do sentido. Organizações que, contrariamente a seu desejo, ferem suscetibilidades como o das escolhas políticas, religiosas ou da orientação sexual dos indivíduos, por exemplo, via de regra não levaram em conta como um certo estímulo seria integrado ao sistema de “impressões mentais” do público ou de parte dele. Não deixa de ser interessante notar que as organizações sustentam uma certa visão sobre comunicação, baseada em pressupostos otimistas, como que apostando que haja de fato uma predisposição dos indivíduos para a assimilação de um determinado e mesmo sentido. O que se pode afirmar com total certeza é que em torno dessa suposta predisposição as organizações investem atualmente bilhões de dólares todos os anos e com bastante frequência cumprem suas metas. Se já não fossem tantos os motivos de ordem estratégica, eis, portanto, mais esse, de natureza econômica, a exigir do comunicador empresarial uma visão geral, ainda que esquemática, sobre as teorias da comunicação: seu alcance, limites, críticas, equívocos e a forma pela qual interagem umas com as outras. Há um número bastante considerável de teorias da comunicação que, todavia, por guardarem semelhanças entre si no recorte de conceitos e terem surgido em contextos sociais e históricos muito específicos, podem 47
1
Signo: tudo (palavra, gesto, sinal, cor, imagem etc.) que pode ser utilizado, em certas circunstâncias e/ou contextos, como parte de um sistema de representação; o signo substitui alguma coisa – por exemplo, uma “montanha” – pela representação desse objeto na forma de uma palavra (falada ou escrita) ou pintura ou gesto etc.
Teorias da Comunicação
ser reunidas sob um mesmo paradigma. Paradigmas são modelos, construções intelectuais para organizar ideias e teorias, os quais ajudam a perceber as identidades entre os elementos comparados a partir de um esforço de relativização das complexidades. Assim procedendo, um paradigma estabelece um padrão, uma referência inicial para a pesquisa; essa matriz permite visualizar as linhas de força que unem certas teorias e, ao mesmo tempo, identificar as teorias que não devem ser absorvidas por esse paradigma em consequência de suas especificidades. Para a exposição sumariada dos paradigmas e das teorias reunidas sob seu amparo, consultamos principalmente Temer; Nery (2004), o citado Vilalba (2006) e DeFleur; Ball-Rokeach (1993). Auguste Comte (1798-1857), desde muito jovem, direcionou seus estudos de filosofia para a investigação não da causa dos fenômenos (Deus ou natureza), mas das suas leis, consideradas como relações abstratas e constantes entre os fenômenos observáveis. O caminho trilhado pelo pensador francês deu origem à sociologia e ao pensamento positivista, escola de grande receptividade na Europa e também no Brasil. Os trabalhos de Comte influenciaram Émile Durkheim (1858-1917), introdutor da noção de divisão social , em meio da qual a comunicação atua como um organizador do espaço econômico. Sua sociologia é chamada de “funcionalista” porque entende a sociedade como um organismo dividido em partes, cada qual com uma “função”, mantendo estreita relação entre estas e o todo, o próprio organismo. Papel importante nas primeiras discussões sobre a emergente sociedade de massas é exercido pela obra do francês Gabriel Tarde, autor de um livro sobre opinião pública; Tarde via no fato social reflexos da intersubjetividade – a relação entre as subjetividades – o que para a época não parecia ser tão evidente quanto hoje. Ao lado de outros intelectuais, Tarde se notabilizou pelos estudos voltados à multidão, os quais viriam a ser decisivos na fundamentação sobre os meios de comunicação. A crítica à sociedade industrializada, dominada pelas massas alocadas nos grandes centros urbanos, mobilizou vários outros intérpretes desse novo universo, entre os quais, e mais importantes, Marx e Weber. Como se verá, a produção intelectual do período, em grande parte alicerçada sobre os nomes citados até aqui, traça o caminho para, já no século XX, produzir-se uma fecunda reflexão sobre os meios de comunicação e suas ligações com 48
Teorias da Comunicação
a sociedade industrial. A partir de 1929, a comunicação integra os planos de recuperação econômica nos Estados Unidos, fato que, como era de se esperar, deu origem a um rico debate sobre os processos de comunicação. Antes de apresentar os paradigmas, vale a pena oferecer ao leitor uma conceituação sobre Escola, de acordo com Vilalba (2006, p. 71): Escolas são correntes científicas e filosóficas formadas por instituições acadêmicas e grupos de pesquisadores associados por alegadas e variadas razões: por terem o mesmo método de abordagem, por se interessarem pelo mesmo objeto de estudo, por fundamentarem seus estudos no mesmo conjunto de conceitos e até por viverem na mesma época e lugar.
Paradigma Funcionalista Pragmático Esse paradigma parte da ótica funcionalista e positiva de Durkeim e, portanto, descarta explicações do tipo metafísico e teológico para os fenômenos, ao mesmo tempo que considera a sociedade como um organismo vivo – em comparação aos organismos biológicos – regulado por trocas, uma das dinâmicas das relações sociais. O paradigma valoriza as pesquisas administrativas e empiristas. Teve grande aceitação nos Estados Unidos e seus principais nomes são os de Harold Lasswell (1902-1978), Paul Larzarsfeld (1901-1976) e Joseph Klapper (1917-1984).
Escola de Chicago Pretende-se dotar a comunicação de um aparato científico, orientando-a para a solução de problemas sociais, tal como o das diferenças entre classes. A Escola de Chicago, de larga influência entre 1910 e 1940, é apontada como a primeira a sistematizar a utilização dos métodos quantitativos na pesquisa científica. Tornou conhecida a expressão “interacionismo simbólico”, usada para enfatizar o modo pelo qual compreende o funcionamento da sociedade: como uma permanente interação entre os indivíduos, daí a comunicação ser vista como um processo de troca de informação, mas também como o próprio organismo simbólico construído pelos indivíduos. Assim entendida, como uma comunidade de ação e comunicação, a sociedade convive com o poder da comunicação em criar uma ordem moral e o chamado senso comum. Daí a mídia poder ser percebida de forma dual; emancipa os indivíduos, no momento em que se torna uma espécie de cimento entre as funções do organismo social, mas também dilacera certos 49
Teorias da Comunicação
princípios do contrato social, tornando mais visíveis diferenças entre as classes. Cabe ao comunicador, daí a visão pragmática da Escola, atuar em favor do aperfeiçoamento da sociedade com as ferramentas que tem nas mãos.
Escola Americana Positivista Como são muitas as correntes que podem ser catalogados nessa Escola, Temer e Nery (2004) dividem-na em oito, conforme veremos na sequência.
Pesquisa em Comunicação de Massa A Pesquisa em Comunicação de Massa, ou Mass Communication Research, é a corrente segundo a qual os veículos de comunicação poderiam, como sugere a expressão, ser utilizados no controle e orientação das “massas”. A vertente não é produto de especulações de cunho científico, no sentido próprio da palavra, pois sintonizada com interesses políticos e econômicos, sobretudo os dos produtores dos veículos de comunicação. O livro de Lasswell, Técnicas de Propaganda em um Mundo em Guerra (1927), é apontado como uma das referências principais. O conceito, presente no livro, de amplitude de canal , utilizado até hoje pelos programadores de mídia das agências de propaganda, reconhece que a comunicação de massa atinge um público anônimo, heterogêneo e fisicamente disperso. Como realçam Temer e Nery (2004), os estudos concentram-se em três áreas: o estudo dos efeitos provocados pelos meios de comunicação de massa na sociedade; o estudo dos efeitos da propaganda política; e o estudo da utilização comercial publicitária dos meios de comunicação. O controle sobre a massa, exercido por uma espécie de “governo invisível”, é uma percepção comum a todos os estudiosos dessa corrente. É de Lasswel o modelo da “agulha hipodérmica” ou “teoria da bala mágica” ou ainda da “correia de transmissão” para a qual as mensagens da mídia são recebidas de forma indistinta pela audiência que, por sua vez, responde de forma direta e imediata a um determinado estímulo. A ideia de público-alvo, tão cara à propaganda e à comunicação empresarial como um todo, tem seu nascedouro na efervescência dessa teoria nos meios políticos e publicitários da época. 50
Teorias da Comunicação
A crença nos meios de comunicação e no seu poder de mobilização era tal que Lasswell chegou a afirmar que a mídia era “o novo malho e bigorna da solidariedade social” (apud DEFLEUR e BELL-ROKEACH, 1993, p. 183).
Teorias das Influências Seletivas O avanço no campo da pesquisa e a percepção de que a teoria hipodérmica demonstrava certas fragilidades conceituais, ao apontar a supremacia dos meios de comunicação, implicou a revisão sobre a influência destes últimos. Temer e Nery (2004), adotando a perspectiva de DeFleur e Bell-Rokeach, reúnem os trabalhos bastante heterogêneos dessa corrente em três grupos:
Teorias das Diferenças Individuais – realça as diferenças psicológicas entre os indivíduos (necessidades, habilidades, percepções, crenças, valores e atitudes diferenciadas) e tenta identificá-las na população.
Teorias das Diferenças Sociais – as diferenças entre os indivíduos são consideradas segundo um conjunto de características representadas pela religião, etnia, profissão, nível de renda, classe social etc.
Teoria da Aprendizagem Social – considera a extensão do material veiculado pela mídia e o número de vezes que foi repetido, visando observar a capacidade de memorização por parte do público.
Fica evidente o nexo dessas teorias com as demandas do mercado. Mais uma vez, a propaganda, nos seus estudos sobre perfil demográfico e psicográfico, realizados sistematicamente pelas agências, beneficiou-se com esse esforço teórico. Termos como recall (memorização), GRP (Gross Rating Points – pontos de audiência bruta), o índice utilizado em televisão para medir o somatório de audiência, considerando-se o número de inserções de um comercial durante a programação, estão direta e indiretamente relacionados com as diretrizes dos estudos mencionados. O estudo das influências seletivas procurava basicamente responder a uma pergunta: como e quantas vezes se deve transmitir uma mensagem para se obter memorização e resposta a certo estímulo. A eficácia da comunicação é determinante, e o esforço do estudioso desloca-se no sentido de assegurá-la. Sabe-se agora que o mecanismo de estímulo-resposta da teoria hipodérmica é insuficiente para dar conta da
51
Teorias da Comunicação
complexidade do processo de comunicação. Essa complexidade, representada pelos “processos psicológicos intervenientes”, originários do indivíduo, deve não apenas ser levada em conta, mas estudada sistematicamente pelo comunicador, cuja missão é o de garantir a eficácia da comunicação. Um conceito muito importante, introduzido pela Teoria das Influências Seletivas, é o do “líder de opinião”, representado pelo setor mais ativo da sociedade nas decisões do processo de formação de atitude. Interessa a todos os veículos de comunicação a aproximação com os “formadores de opinião”, pois eles influenciam indivíduos com os quais interagem. Assim, mais uma vez tenta-se superar a visão mecanicista, segundo a qual não haveria mediação entre emissor e receptor de uma mensagem. A teoria do two step flow , ou fluxo da comunicação em dois tempos, prevê um movimento da mídia para o indivíduo mediado por um funil ou filtro, representado pelos líderes de opinião, responsáveis, por sua vez, pela “tradução” dos fatos, fenômenos etc. no interior do seu grupo.
Abordagem sistêmica Há uma interação entre conjunto social e sistema orgânico; um exemplo de sistema é a vida política, complexo de relações extremamente dinâmico, marcado por entradas e saídas (ação/retroação). O conceito de feedback , proposto por DeFleur nos anos 1960, é um desdobramento das proposições dessa corrente.
Funcionalismo O conceito de “função” ocupa lugar central nessa corrente, cujas especificidades são expostas num livro publicado por Lasswell em 1948: A Estrutura e a Função da Comunicação na Sociedade. Como já destacado, o funcionalismo faz uma analogia entre a sociedade e as estruturas biológicas; a estrutura social comporta o subsistema das comunicações de massa que por sua vez realça e reforça os modelos de comportamento existentes. Superando algumas lacunas apontadas nas proposições de Lasswell, Paul Lazarsfeld e Robert Merton, incluem mais um item nas funções da comunicação: o entretenimento. São deles os conceitos de disfunção narcotizante, fenômeno identificado ao excesso de comunicação – o qual pode levar as massas ao indesejável estado de apatia – e de diferenciação entre funções manifestas, as compreendidas e desejáveis pelos participantes do sistema e as funções latentes, com características opostas às anteriores. 52
Teorias da Comunicação
O modelo funcionalista tem como alicerces, além do conceito de função, os conceitos de relação e dinâmica. São quatro as funções da mídia, segundo essa corrente:
preservação do próprio sistema;
adaptação do indivíduo ao sistema;
dominação parcial do sistema pelo indivíduo; e
integração entre as partes do sistema.
Essas funções tomam a forma de perguntas que podem ser esquematizadas assim: quem diz o quê, por meio de que canal, para quem, com vistas a obter qual efeito? Com pouco de atenção, percebe-se que a preocupação com o emissor, o canal, o receptor, a mensagem e seus efeitos delineia-se nesse esquema, cobrindo o processo de comunicação de ponta a ponta. Embora essa sensibilidade possa ser por demais previsível hoje, não o era ainda no pós-guerra, e foi decisiva para que seus parâmetros fossem logo assimilados mundo afora. Disse 1. Quem
a 2. O quê
4. Quem
3. Em que canal
5. Com que efeitos
) . o d a t p a d A . 5 7 . p , 6 0 0 2 , A B L A L I V d u p a
6. Com que intenções
7. Em que condições
L L E W S A L (
Figura 1 – O esquema de Laswell.
Hipótese do uso e das gratificações Como o nome da corrente já indica, defende-se a ideia de que a adoção de um modelo de conduta ou ação, por parte do indivíduo, está intimamente ligada a alguma gratificação obtida na relação com o meio de comunicação. A gratificação, portanto, deve ser compreendida como fator participante na relação dos indivíduos com os meios de comunicação. Assim, é necessá53
Teorias da Comunicação
rio entender as necessidades dos destinatários das mensagens, ou seja, os motivos que levam à escolha de meios e conteúdos, tendo como referência as influências psicológicas, sociais, ambientais e conjunturais.
Escola de Palo Alto Também conhecida pelo nome de Colégio Invisível, defende que as relações humanas são presididas por uma “gramática” do comportamento, capaz de repercutir sobre a comunicação, e cuja natureza os estudiosos se dispõem a estudar em detalhe. Estes tentam superar os esquemas lineares adotados até então na reflexão sobre o processo comunicativo, admitindo outros níveis de complexidade, de contextos e mesmo de sistemas. Esse parâmetro integrador conduz a uma visão renovada sobre a comunicação, vista agora como um processo permanente que articula padrões verbais e não verbais, por exemplo, as relações subjetivas, às vezes expressas pelos comportamentos corporais.
Estudo dos Efeitos em Longo Prazo Em direção contrária aos postulados da teoria hipodérmica, cuja natureza mecanicista baseada no binômio causa-efeito era evidente, essa corrente afirma que os meios de comunicação de massa não produzem efeitos explícitos sobre ideias e comportamentos em uma sociedade. No entanto, acabam afetando ambos, uma vez que possuem o poder de influenciar o modo pelo qual o indivíduo organiza a sua imagem do ambiente social. Como o parâmetro temporal é outro, os efeitos são estudados a longo prazo, o instrumental de pesquisa utilizado pelos estudiosos não mais se limitava a entrevistas e pesquisas quantitativas, optando-se por metodologias complexas e integradas que deveriam dar conta da percepção do processo pelo qual o indivíduo constrói a realidade. O efeito que interessa aos pesquisadores não é mais aquele identificado a atitudes e valores do indivíduo, impactado pela mensagem, mas o sistema de conhecimento estruturado por ele ao longo do tempo, ou seja, de forma cumulativa. É dada especial atenção ao processo de construção da notícia, sempre em consonância com as quatro características atribuídas aos meios de comunicação:
54
acumulação – traço relacionado à criação e manutenção de um tema, pinçado do conjunto de acontecimentos diários.
Teorias da Comunicação
consonância – presença do mesmo tema em vários meios de comunicação.
onipresença – o público tem ciência de que o conteúdo veiculado pela comunicação de massa é, de fato, público, do conhecimento de todos.
relevância – somatória da consonância em diferentes meios de comunicação, o que denota sua relevância diante do público.
Teoria da Agenda A corrente parte do pressuposto de que os meios de comunicação de massa não persuadem o público, mas impõem uma lista (a agenda) de temas que devem ser pensados, de modo a mobilizar a opinião pública. A leitura do real, portanto, é filtrada pela mídia, sobretudo nos locais onde não se tem acesso a outras fontes de informação. Os estereótipos, em consequência, são um dos efeitos observáveis. Países e culturas inteiras têm sua imagem construída pela mídia: africanos, por exemplo, são tratados de forma indiferenciada, como se todos os países do continente fossem um só; determinados países, geralmente os desenvolvidos, têm virtudes reveladas e valorizadas; o mesmo fenômeno não acontece em favor dos países pobres, principalmente aqueles tachados de “exóticos”. Os desdobramentos da agenda podem ser potencialmente aumentados, caso sejam articulados de forma agregada, reforçando, por exemplo, um certo tema. Levemos em conta a existência de agências internacionais de notícia que distribuem informação para jornais de vários países. A notícia, mundo afora, geralmente é reproduzida de forma passiva, num simples continuum entre o emissor (a agência) e o receptor (o jornal) e, consequentemente, pelos leitores. De acordo com Temer e Nery (2004): A Teoria da Agenda toma como postulado um impacto direto, mas não imediato, sobre os destinatários, analisando-os em dois níveis: a) a ordem do dia dos temas, assuntos e problemas presentes nos meios de comunicação de massa; b) a hierarquia de importância e de prioridade segundo a qual esses elementos estão dispostos na ordem do dia.
Paradigma Matemático Informacional Pesquisas matemáticas e experiências laboratoriais reúnem-se no esforço de dinamizar a transmissão de dados a partir da perspectiva, introduzida por 55
Teorias da Comunicação
Claude Elwood Shannon (1916-2001), de que a comunicação é um problema matemático.
Teoria da Informação Posiciona-se diante do problema da comunicação com uma abordagem eminentemente técnica, ocupando-se da quantidade de informação transmitida e não do conteúdo. Seus primeiros postulados estão presentes em artigo de Shannon, publicado em 1948, e no livro, também desse pesquisador, em co-autoria com o engenheiro Warren Weaver (1894-1978), ambas publicações intituladas de Teoria Matemática da Comunicação. A teoria é considerada um sistema geral e linear de comunicação, cujos nexos são representados pelo:
Emissor – produtor da mensagem, aquele que emite a mensagem.
Codificador – elemento, mecânico ou não, que transforma a mensagem em sinais, permitindo que ela seja reconhecida e enviada por um canal.
Sinal – unidades de transmissão que podem ser determinadas de forma quantitativa, independentemente de seu conteúdo.
Canal – meio, eletrônico ou não, com capacidade de transmissão de sinais.
Decodificador – elemento que reconstrói a mensagem a partir dos sinais recebidos.
Destino – pessoa ou coisa à qual a mensagem é transmitida.
Temer e Nery (2004, p. 78) destacam que Dentro do modelo proposto pela Teoria da Informação, a comunicação é vista como um sistema, no qual os elementos podem ser selecionados, recortados e montados em um modelo. Essa simplificação elimina a ideia de processo, que envolve relações de dependência em constantes mudanças e ignora a inserção social da comunicação. Também não possibilita entender a comunicação em toda a sua complexidade. A partir dessa facilidade, esse modelo passa a ser utilizado como “suporte” em várias pesquisas sobre comunicação.
A grosso modo, tentando fazer uma analogia entre as teorias da comunicação estudadas até aqui, e a Teoria da Informação, pode-se propor o esquema abaixo, resultante das considerações gerais do livro de Coelho (2003, cap. 3) 56
Teorias da Comunicação
Teoria da Informação
Teorias da Comunicação
Estuda a estruturação da mensagem
Estudam o relacionamento mensagem-fonte-receptor
Centrada no código
Centradas no conjunto mensagem-homem
Trata do sistema
É o processo
Conjunto de elementos e suas normas de combinação
Sequência de atos espaço-temporalmente localizados
Cibernética Norbert Winer (1894-1963), o pai da Cibernética, adotou o termo que designa a ciência para ressaltar a ideia de “controle” exercido por humanos e pelos sistemas mecânicos e eletrônicos destinados a substituí-los. De fato, a palavra cibernética origina-se do grego – kibernetiké/kibernetes – , timoreiro, o homem a quem se confia o leme de uma embarcação, daí, por extensão, aquele que regula qualquer coisa, mesmo o objeto do chefe de uma nação, em sentido figurado. É de 1948 a publicação de Cibernética ou Controle e Comunicação no Animal e na Máquina, livro que apresenta as hipóteses e os principais postulados da nova ciência. A ideia geral da Cibernética é a de que certas funções de controle e de processamento de informações são semelhantes em máquinas e seres vivos – e também, de alguma forma, na sociedade – e, portanto, postula-se a equivalência e a redução aos mesmos modelos e leis matemáticas.
Paradigma Crítico Radical O paradigma, fortemente orientado pela tradição da filosofia clássica alemã, embasa sua reflexão sobre a cultura com pesquisas sociológicas, a partir das quais articula as contribuições da ética, psicologia e psicanálise. O conceito de crítica comparece aqui como esforço da razão para avaliar a 57
Teorias da Comunicação
própria razão. Esse empenho pode ser traduzido, no âmbito da comunicação, como crítica impiedosa aos meios de comunicação ou, segundo Vilalba (2006, p. 86), na resposta a duas perguntas: “como a comunicação pode colaborar com o desenvolvimento da razão na consciência das pessoas? Como a comunicação pode favorecer a construção de um mundo que valorize a razão e que seja, por isso, um mundo mais adequado à vida humana?”
Escola de Frankfurt O materialismo marxista e sua dialética são tomados como a orientação filosófica geral dos expoentes da Escola: Walter Benjamin (1892-1940), Theodor Adorno (1903-1969), Max Horkheimer (1895-1973) e Jürgen Habermas (1929). A contribuição da Escola de Frankfurt, para a crítica da “indústria cultural” – expressão criada por Adorno e Horkheimer – talvez seja a análise que com mais contundência aprofundou a discussão sobre cultura na sociedade de massas. Mas não só: também gerou mal entendidos e leituras rasas, além de críticas com alto grau de acuidade, como a do semioticista2 Umberto Eco, em Apocalíticos e Integrados, nos anos 1970.
2
Ciência geral dos signos, a qual estuda fenômenos culturais (literatura, escultura, pintura, teatro, cinema, arquitetura, moda, etiqueta, culinária etc.) ou sociais (a ciência, a política, o direito, a religião etc.) como grandes sistemas de significação. O “semioticista” é o especialista nessa ciência.
Os frankfurtinianos fazem o nexo entre ideologia e os meios de comunicação de massa, estes como suporte daquela; a ideologia deve ser compreendida como um instrumento da luta de classe, uma mitologia social que dissimula o real e, como tal, é utilizado pela classe dominante para a manutenção do poder. Reduzidos à condição de mercadoria, os artefatos da indústria cultural, quer sejam produções radiofônicas, filmes, programas de TV ou propaganda, colocam-se como um continuum na reafirmação da necessidade de consumir. E como um alienante compensador, na forma de entretenimento, de uma vida desprovida de sentido e, portanto, intolerável. Impotente diante do poder de sedução da cultura de massa, o indivíduo aliena-se, degrada-se à condição de objeto, cuja maior função é consumir. Esse processo de reificação, de coisificação, por sua vez, é a condição mesma da manipulação exercida pela classe dominante no exercício de uma racionalidade instrumental.
Espiral do Silêncio O nome da corrente designa o fenômeno segundo o qual as minorias silenciam-se diante da opinião pública, entendida aqui como opinião ma58
Teorias da Comunicação
joritária, veiculada pelos meios de comunicação. Nesse sentido, os meios comparecem como instrumento de controle social, veiculando e ratificando determinadas ideias e posições político-ideológicas que passam a ser passivamente endossadas pelos indivíduos, já que lhes parecem corresponder à visão da maioria. Elizabeth Noelle Neuman (1916), uma cientista social alemã, é a autora da teoria.
Teoria da Ação Comunicativa Num certo sentido, Habermas3 inicia sua reflexão onde os antigos frankfurtinianos pararam: a crítica à racionalidade instrumental operada pelo capitalismo e com o uso dos meios de comunicação. Habermas recoloca o poder emancipatório da razão em evidência, visando à crítica da razão instrumental; a razão comunicativa – livre, racional e crítica – baseia-se não apenas no “diálogo”, ao qual equivocadamente já foi reduzida sua teoria, mas numa complexa rede de interações que se sustenta na coordenação de planos entre dois ou mais indivíduos, cujo projeto é o entendimento. Há duas esferas, segundo a teoria, que valem referência: o sistema e o mundo da vida. Na primeira, opera-se a reprodução material regida pela lógica instrumental – uma ação racional polarizada pela relação entre os meios e os fins – incorporada nas relações hierárquicas (poder político) e de intercâmbio (economia). Na segunda, “o mundo da vida” tem lugar a “reprodução simbólica” da linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objetivos, às normas sociais, sejam aos conteúdos subjetivos. De acordo com o filósofo, a razão pode voltar-se para o agir de três formas distintas: a) uso pragmático da razão prática, baseado na eficácia de determinado fim, não levando em conta valores morais ou éticos; trata-se, portanto, de uma visão utilitária das coisas; b) uso ético da razão prática, baseado na busca do que é bom para o indivíduo e para a coletividade; c) uso moral da razão prática, norteado pela pergunta: “será moralmente certo?”. A moral nasce da interação entre os indivíduos e não é um fenômeno dado a priori ; no momento em que o indivíduo desfecha aquela pergunta, revela a busca da ação justa.
59
3
Jürgen Habermas é representante da segunda fase da Escola da Frankfurt. Autor de vasta obra, dedicada à hermenêutica jurídica; à crítica sistemática ao tecnicismo; ànálise do marxismo e muitos outros temas.
Teorias da Comunicação
Paradigma Culturológico Estudando a cultura de massa e seus elementos antropológicos mais relevantes, como a relação entre o consumidor e o objeto de consumo, o Paradigma Culturológico confere menor importância aos meios e seus efeitos. Os estudos culturais têm raiz marxista, mas desenvolvem uma interpretação particular de Marx, pelo viés cultural de Gramsci4, Althusser5 e Lukács6, e ainda sob a influência do estruturalismo francês.
4
AntonioGramsci (18911937) foi um político, cientista político, comunista e antifacista italiano. Criador de conceitos importantes, no interior da teoria marxista, como “hegemonia” e “bloco hegemônico”. O primeiro desses conceitos equivale à noção de “ideologia” como um fenômeno de dissimulação do real presente no sistema educacional, nas instituições e burocracias. Seus “Cadernos do Cárcere”, escritos na prisão, onde permaneceu de 1929 a 1935, exerceram e exercem influência em gerações de teóricos.
Escola Francesa Tem como referência o pensamento frankfurtiniano, do qual conserva a visão crítica em relação aos meios de comunicação, embora com chave mais dialetizada, uma vez que a abertura antropológica e sociológica renovadas, que orienta grande parte da reflexão, parece ter oferecido um viés enriquecedor aos estudiosos. Edgar Morin (1921), Pierre Bourdier (1930-2002) e Michel Foucault (1926-1984) são os principais nomes dessa Escola.
5
Louis Althusser (19181990). Teórico marxista francês, de origem argelina, tornou-se internacionalmente conhecido com a publicação de ensaios como Marxismo e Humanismo e Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado, sobretudo este último, correntemente citado pela bibliografia especializada.
O marco inicial é o livro de Morin – Cultura de Massa no Século XX: o espírito do tempo – que entre outros sinaliza de novo o interesse pelos meios de comunicação, não para estudar os efeitos, porém para investigar um novo tipo de cultura, a cultura de massa (termo evitado pelos frankfurtinianos para não se confundir com uma cultura autenticamente popular), gerada pelos meios de comunicação de massa.
6
György Lukács ou Georg Lukács (1885 1971). Filósofo marxista, autor de uma das mais influentes obras no interior do que se convencionou chamar de “marxismo ocidental”. A importância de sua obra começa a ser revelada a partir da publicação de História e Consciênia de Classe, em 1923, e de vários escritos sobre literatura e estética, com destaque para a Teoria do Romance, que escreveu ainda muito jovem, ensaio fortemente marcado pela influência de Hegel.
Assim como qualquer cultura, a cultura de massa não prescinde de um sistema de símbolos, valores, imagens e mitos; este sistema integra a vida prática dos indivíduos, insinuando-se como imaginário em cujo interior esses indivíduos se comunicam, fazendo uso de uma “atmosfera” recortada de significados, responsável por sua inserção no mundo. No entanto, o convívio entre outras culturas com a cultura de massa redunda em perda e dano para as primeiras, tal o poder desagregador e aliciante da segunda. Talvez possamos, dentro da cultura brasileira, pensar na relação entre o gênero sertanejo, pasteurizado segundo uma estética mercadológica, e a música caipira, de raiz, que poderá sofrer os influxos da primeira na forma de assimilação de temas estranhos à sua experiência. Numa lógica de consumo intenso e ritualizado, é preciso oferecer o máximo de produtos para atender aos desejos do “homem médio universal”, 60
Teorias da Comunicação
personagem que carrega consigo as marcas da padronização cosmopolita gerada pela indústria cultural.
Escola Britânica dos Estudos Culturais A chamada Escola de Birmingham segue a tendência segundo a qual as estruturas sociais e o contexto histórico são fatores essenciais para o estudo dos meios de comunicação de massa. Seus representantes conferem especial atenção às estruturas globais da sociedade e às circunstâncias concretas. Adotando um marxismo heterodoxo, capaz, portanto, de superar certos parâmetros determinados pelo sistema filosófico, a Escola redefine o conceito de cultura, negando que esta pertença apenas ao campo das ideias, um reflexo das relações de produção, da estrutura econômica – de acordo com a clássica dicotomia mecânica entre infraestrutura e super-estrutura. A Escola procura estudar a cultura não como um espaço simbólico de dominação e reprodução das ideias dominantes, mas fundamentalmente como um lugar de luta entre diversas culturas, vinculadas a determinados estratos da sociedade. Os estudos culturais – ligados a essa Escola – iniciam-se por volta da década de 1960, e se orientam em duas direções: análise do papel dos meios de comunicação (sobretudo a televisão) como lugares de produção da cultura contemporânea; análise da audiência, dos contextos de recepção (marcados pelas relações familiares, de gênero etc.). De modo diferente de Morin, para o qual a cultura de massa encarna uma estrutura dotada de lógica interna, assimilável na forma de reprodução, privilegiam-se as atitudes dos indivíduos, o papel dos sujeitos, das estruturas sociais. Ou seja, as estruturas sociais exteriores aos meios de comunicação de massa também determinam os conteúdos e, por isso, são elementos essenciais na análise.
Paradigma Midiológico Tecnológico Toda tecnologia de comunicação interfere no meio social ao instituir “novos hábitos de percepção”. Os meios de comunicação, portanto, não apenas pressupõem certa estrutura social, como são eles próprios que a de terminam. A invenção e a adoção de certa tecnologia de comunicação implicam transformações sociais, culturais, políticas e de civilização. 61
Teorias da Comunicação
A Escola Canadense Tornou-se célebre a máxima de Marshall McLuhan (1911-1980) – “o meio é a mensagem” (1969) – pois sintetiza um pensamento de acordo com o qual há um amálgama inseparável entre ambos e de tal sorte que conduz nossa atenção para o estudo do meio como determinante para o conteúdo. O desdobramento dessa perspectiva pode-se observar em toda a obra do cientista canadense que revolucionou o início dos anos 1960 com a inesperada mudança de rumo inerente à sua proposição. De fato, estudar a interferência dos meios de comunicação do ponto de vista do canal, do suporte da mensagem, implicava levar em conta o impacto em termos de percepção em relação a esse canal e, com isso, admitir a produção de sentido (conteúdo) gerada por ele. McLuhan chama a atenção para o fato de uma mensagem transmitida por rádio ou televisão, oralmente ou por escrito, operar, em cada caso, diferentes estruturas perceptivas, articular diferenciados mecanismos de compreensão, orientar-se por uma lógica interna sustentada pela materialidade do canal, base da produção de significados. De posse dessa tese central, McLuhan traça o caminho de sua reflexão em dois eixos: 1) estudar a evolução dos meios de comunicação ao longo da história da humanidade e 2) identificar as características de cada meio. Os dois eixos de investigação orientam suas obras fundamentais: Os Meios de Comunicação como Extensão do Homem, de 1964, na qual traça as relações intrínsecas entre cultura e expressão materializada pelos meios de comunicação e A Galáxia de Gutemberg, de 1962 – sua obra mais importante – na qual desenvolve a análise da evolução mediática, a seu ver determinante das transformações da cultura humana. Entre as várias imagens utilizadas pelo crítico ao longo de sua obra, uma que desde o surgimento ganhou a atenção de especialistas é a da “aldeia global”, (1971) a do mundo interligado pela televisão, o meio paradigmático, por excelência, que na época começava a fazer suas primeiras transmissões via satélite. A rigor, somente a internet e as mídias móveis, como o celular, hoje, cristalizam a visão do teórico. Tempo e espaço, com a intervenção da rede de computadores, foram alterados e, em consequência, a nossa percepção sobre o real.
Midiologia Comecemos por transcrever um trecho do livro de Régis Debray (1940) – Curso de Midiologia Geral – no qual o autor, como se é de esperar de quem 62
Teorias da Comunicação
ousa propor uma nova disciplina, lança as bases de sua reflexão, nos inícios dos anos 1990: Em midiologia, mídio designa, em primeira abordagem, o conjunto, técnica e socialmente determinado, dos meios simbólicos de transmissão e circulação. Conjunto que precede e supera a esfera dos meios de comunicação de massa contemporâneos, impressos e eletrônicos, entendidos como meios de difusão maciça (imprensa, rádio, televisão, cinema, publicidade etc.). Meios de informação ainda unilateral, chamados sem razão de “comunicação” (que supõe retorno, encontro, feedback ). Uma mesa de refeição, um sistema de educação, um café-bar, um púlpito de igreja, uma sala de biblioteca, um tinteiro, uma máquina de escrever, um circuito integrado, um cabaré, um parlamento não são feitos para “difundir informações”. Não são “mídia”, mas entram no campo da midiologia enquanto espaços e alternativas de difusão, vetores de sensibilidades e matrizes de sociabilidades. Sem um ou outro desses “canais”, esta ou aquela “ideologia” não chegaria a ter a existência social de que podemos dar testemunho. (grifos do autor). (DEBRAY, 1993, p.15)
Mais uma vez estamos diante do estudo do meio, como o fez McLuhan, agora bastante expandido pela assimilação dos “canais” referidos acima, entre eles materialidades tão diferentes quanto um púlpito e uma máquina de escrever. Debray pretende, com a midiologia, estabelecer um nexo entre os símbolos e sistemas de organização nas sociedades. Segundo o filósofo, os sistemas técnicos (a conexão entre as lógicas internas dos diversos meios, incluídos registros e arquivos num contínuo processo de estocagem) servem de ponto de equilíbrio aos sistemas sociais (econômicos, religiosos, políticos, educativos, jurídicos), o que o leva a afirmar que as funções sociais não podem ser estudadas independentemente das estruturas sociais e materiais de transmissão. Por isso, o conceito de “mediação”, mais amplo que o conceito de “meio”, é evocado para discutir o modo pelo qual um determinado sistema simbólico, como uma religião, uma doutrina ou um gênero artístico, amolda-se a uma forma de organização coletiva quer seja um partido quer seja uma escola, academia... com base nos sistemas técnicos (registro, arquivo, circulação etc.). Significa perguntar, portanto, como determinadas formas simbólicas tornam-se forças materiais?
Paradigma Interpretativo No Paradigma Interpretativo [...] administrar significa gerar encontros e confrontos visando à reconstituição dos significados e à busca do consenso. A formulação do problema refere-se a como as condições organizacionais são interpretadas pelos funcionários e pelos gestores. O problemático é o consenso e a falta de confrontos. O paradigma possui fundamentos no interacionismo, nas relações humanas, no culturalismo [...] A ação humana é determinada e sustentada pelos significados recíprocos que permitem o consenso mínimo a respeito do mundo. Assim, qualquer situação nova que apareça é interpretada com base no sistema de significados partilhados pelos indivíduos de um 63
Teorias da Comunicação
grupo. [...] Dessa forma, a compreensão da realidade passa pela compreensão da relação entre as pessoas e entre as pessoas e as coisas. Nada tem sentido absoluto fora de um contexto, que, variando, pode modificar radicalmente o significado, a potência e a função de um dado. (BULGACOV; BULGACOV, 2007, p. 85-86)
A organização na comunicação: a Escola de Montreal James R. Taylor, professor da Universidade de Montreal, no Canadá, há mais de 30 anos estuda as organizações e a seu modo vem criando uma pequena revolução com sua Teoria da Coorientação. A sua intervenção no debate sobre comunicação, especificamente no mundo organizacional, dá-se no sentido da valorização do diálogo, da interpessoalidade e da construção do conhecimento. Taylor concede especial atenção à linguagem e vê como tarefa indispensável a sua compreensão para a construção de uma teoria, como a que professa, preocupada em “descobrir a organização na comunicação e não mais o estudo da comunicação na organização (a abordagem convencional)” (TAYLOR, 2007, p. 88). A Teoria da Coorientação nasce, portanto, com a missão de transformar a teoria comunicacional em organizacional. De forma direta, Taylor admite que a teoria parte de uma observação muito simples, válida para qualquer organização, a de que esta surge do interesse de se trabalhar coletivamente para gerar um certo tipo de resultado. A relação entre um sujeito A e um sujeito B, beneficiário das gestões do primeiro em torno de um objeto X, dá-se na forma de troca (X trocado por Y: “dinheiro, autoridade, prestígio, qualquer um”), de modo que o foco da relação comunicacional orienta-se para o objeto e sua capacidade de suscitar uma troca: valor para valor, nos termos de Taylor. Entendemos facilmente o sentido da expressão “coorientação” no esquema A – (X) – B, onde esse núcleo da comunicação organizacional, nos termos acima, une dois sujeitos coorientados para o objeto X; enfatiza-se que essa é a condição de a comunicação tornar-se “organizacional”, ou seja, com foco no objeto. Taylor, a partir do exemplo de uma operação complexa de serviços – em que um paciente, num hospital, é enviado, por um médico, a coletar sangue para análise, tal amostra passará depois por um laboratório e retornará ao especialista – chama a atenção para o fato de que esse tipo de relação, com várias transações, em qualquer caso, demonstra sua natureza 64
Teorias da Comunicação
intensamente imbricada, ou seja, sobreposta. Aliás, o mesmo padrão de coorientação pode ser observado mesmo quando o que está em jogo sejam expressões simbólicas como a linguagem. Taylor afirma que um esquema como o que se vem descrevendo mostra-se horizontal, além de imbricado, e não simétrico, mas complementar e isso, de acordo com o teórico, fica claro ao se notar que [...] quando consideramos mais estreitamente as respectivas orientações para X de A e B. Para o agente A, a relação com X é “fazer-para”. Para o beneficiário B, a relação com X é de “feito-para”. Linguisticamente, é o correspondente à diferença entre o sujeito gramatical e o objeto indireto. O resultado é que, embora os dois indivíduos sejam unidos pelo seu interesse conjunto em X, eles são divididos pela complementaridade de seus interesses. (TAYLOR, 2007, p. 90-91)
A partir desse esboço, podemos divisar, sempre de forma muito sumariada, o sistema comunicacional, construindo-se de modo inerente ao movimento interno da empresa, entendido como a combinatória de suas funções, protagonizadas por agentes distribuídos em estruturas hierárquicas de maior ou de menor complexidade. Portanto, a comunicação, vamos dizer, não transparece como algo epidérmico, como uma estratégia delineada à feição de um protocolo que eventualmente pudesse ser “substituído”, e de forma quase mecânica, por outro. A teia de relações fundamentalmente valorizadas por Taylor são as interpessoais, “conversacionais”, no sentido dialógico mesmo da palavra. A conversação é o solo fértil da ação de organizar, pois sem ela não há coorientação no sentido sistêmico e organizacional mais amplo, traduzido na relação da empresa com seus diversos públicos com vistas ao cumprimento de sua missão. A propósito, é importante realçar o papel da “produção de sentido” (sensemaking), esse tipo de engajamento dos atores em certo quadro de referência a partir de estímulos direcionados a eles. Aos poucos, torna-se nítida a tendência de as organizações serem compreendidas, segundo Bastos (2002, p. 67), “como um fenômeno processual, fortemente enraizado nas ações e decisões das pessoas”, processo que “recusa-se a reificar a organização e coloca as pessoas, os grupos, as redes sociais, as cognições gerenciais e os processos decisórios como alicerces do fenômeno organizacional”. Como uma teoria que reflete sobre o papel da linguagem na organização, a Escola de Montreal utiliza o conceito de “texto” – na forma escrita ou falada – como um todo gerador de sentido, instrumento participante da conversação. Elemento que materializa o sensemaking, o texto coorienta ações e participa da gestão das emoções. Não como um simples registro destas, de 65
Teorias da Comunicação
sua carga sentimental, mas como mediador (não necessariamente como um “filtro”), um canal de comunicação, no qual se expressam versões sobre o modo de como se encaram os estímulos, forjando uma identidade, mas também abrindo-se para a negociação.
Ampliando seus conhecimentos
Novo paradigma informacional (SIQUEIRA, 2003)
[...] estamos vivendo um desses raros intervalos da história. Um intervalo cuja característica é a transformação de nossa “cultura material” pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação [...] Manuel Castells
Vivemos em uma sociedade na qual a presença das novas tecnologias de informação, comunicação e entretenimento é cada vez maior, e com elas, os conceitos de informação, conectividade e interatividade. A informação, crescendo continuamente, predomina sobre a energia, e a imagem de representação é dada pelo computador, ao invés de turbinas, silos ou as chaminés das fábricas. Ao trabalhar poeticamente a proposta da leveza, Ítalo Calvino nos apresenta a ideia desse novo paradigma ao dizer que neste mundo “não temos imagens esmagadoras como prensas de laminadores ou corridas de aço, mas bits de um fluxo de informação que corre pelos circuitos sob a forma de impulsos eletrônicos. As máquinas de metal continuam a existir, mas obedientes aos bits sem peso”. Agora, a acumulação de informação é a força orientadora do capitalismo pós-moderno, assim como a acumulação do capital industrial foi do capitalismo moderno. A microeletrônica constitui o novo modelo que se estabelece a partir das atuais inovações tecnológicas e configura uma rede complexa que vai além das transformações de caráter técnico e afeta todos os aspectos de nosso sistema cultural como, por exemplo as formas de operação e regulação dos mercados; a organização do sistema bancário e de créditos; as formas de organização dos trabalhadores e de outros grupos sociais; as questões educacionais etc. Esse novo paradigma tecnoeconômico somado ao fácil acesso da informação, através do binômio trabalho-tecnologia, está organizando “a mais nova divisão internacional do trabalho”(M. Castells).
66
Teorias da Comunicação
No paradigma informacional, a tecnologia da informação é uma tecnologia revolucionária, e sobre esse ponto existe consenso. O desenvolvimento e a difusão abrangente da tecnologia da informação é a principal fonte de transmissão e aceleração do progresso técnico, e está modificando, para melhor ou para pior nosso estilo de vida, como aconteceu com progressos tecnológicos anteriores. Com esse novo paradigma, novas ocupações estão sendo criadas, novas oportunidades se abrem, novas habilidades (competências) estão sendo demandadas, surgindo, assim, uma diversidade de carreiras relacionadas com a informação, o que muda a natureza das ocupações e traz a ideia do surgimento de uma nova classe social, a dos trabalhadores do conhecimento. Esses trabalhadores estão cada vez mais envolvidos nas chamadas “atividades transacionais”, de troca e de relacionamento com recursos imateriais, abstratos. No exercício de capacidades simbólicas, a matéria-prima por excelência é a informação, a qual se torna forma constitutiva de um processo de decisão de complexidade crescente. Como consequência, somos obrigados a repensar as formas de construção das experiências sociais e da identidade das pessoas, dos grupos e das classes. Ao influenciar na reestruturação dos processos produtivo e do trabalho, o novo paradigma informacional também trouxe profundas mudanças nas concepções de tempo e de espaço, gerando-se um novo movimento de “compressão do espaço-tempo” (HARVEY, s. d.), segundo o qual, os horizontes temporais da tomada de decisão se estreitam ao mesmo tempo que a comunicação via satélite possibilita a difusão imediata dessas decisões em um espaço amplo e variado. A comunicação, em tempo real, propiciada pelas novas tecnologias de comunicação e informação, favorece o acesso quase que imediato aos valores de uso criados pelos geradores de informação e também possibilita descentralizar as tarefas e, ao mesmo tempo, coordená-las em uma rede interativa independente da distância espacial, ou seja, isto pode ocorrer entre países, entre espaços localizados na mesma cidade, ou entre os andares de um mesmo prédio.
67
Teorias da Comunicação
O novo paradigma informacional corresponde, portanto, a uma nova lógica industrial, ou aquilo que M.Castells chama de “novo espaço industrial”, que se caracteriza pela separação do processo produtivo em diferentes localizações e, ao mesmo tempo, sua reintegração possibilitada possibilitada pelas tecnologias da informação. Um espaço no qual interagem inovação tecnológica, novas relações de trabalho e ação social conflituosa. Por todos esses aspectos, concordo com M.Castells que esse novo paradigma não diz respeito a uma sociedade/economia da informação (uma vez que a informação, em sentido amplo, foi crucial a todos as sociedades), mas sim a uma sociedade/economia informacional, que se estrutura em redes, diz respeito a um processo tecnológico tecnológico,, político e sociocultural, e na qual a informação, mais do que necessária, tornou-se uma fonte de poder, cujo acesso gera conflitos e potencializa as desigualdades. Nesse sentido, destaco a estreita relação dessas questões com a nova cidadania, a qual, na sociedade/economia informacional diz respeito a um novo tipo de formação para o mundo do trabalho, ao direito da informação, aos conteúdos veiculados, e também à inclusão digital (democratização do uso das novas mídias), e ao respeito e incentivo ao pluralismo cultural. cultural. Educar, nesta sociedade, mais que treinamento para a capacitação tecnológica, significa “desenvolver” as competências dos indivíduos, das quais entre as inúmeras, destaco o “aprender a aprender”, para que possamos ter indivíduos autônomos que sejam capazes de produzir informações e conhecimentos novos, aos invés de apenas consumi-los. Uma das grandes problemáticas de nosso sistema educacional é que o mesmo não foi projetado para essa sociedade/economia informacional. informacional. Porém, as influências dessa sociedade/economia no trabalho, com o conhecimento e na reelaboração da cultura, colocam como exigência novas ações por parte de todos aqueles que trabalham com educação. Como a sociedade/economia informacional se realiza em rede, os projetos educacionais e socioculturais devem ter por base ações interdisciplinares, interdisciplinares, incluindo nestas a questão da técnica, a qual está influenciando por demais nossos modos de trabalhar com o conhecimento, de pensar e de viver no mundo pós-moderno. 68
Teorias da Comunicação
Atividades Atividad es de aplicação 1. Por que a adoção de paradigmas na ciência revela-se uma estratégia importante? 2. Aponte a principal diferença entre o paradigma pragmático-funcionalista e o paradigma culturológico. 3. Além de ter deslocado o eixo de reflexão sobre a mensagem e sobre os efeitos produzidos sobre o receptor para uma investiga investigação ção sobre a natureza do meio (canal), McLuhan chamou a atenção por ter introduzido um conceito que o coloca hoje outra vez em evidência. Explique.
Referências BASTOS, Antonio V. B. Mapas cognitivos e a pesquisa organizacional: explorando aspectos metodológicos. Estudos de Psicologia, n. 7, p. 65-77, 2002. (Edição Especial). BULGACOV, Sergio; BUGACOV, Yára Lúcia M. A construçã BULGACOV, c onstrução o do significado signifi cado nas orgaor ganizações. FACES – Revista de Administração , Belo Horizonte, v. 6, n. 3, p. 81-89, set./dez. 2007. COELHO NETO, José Teixeira. Semiótica, Informação e Comunicaçã Comunicação o. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. 217p. DEBRAY, Régis. Curso de Midiologia Geral. Tradução Tradução de: Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 1993. 419p. DeFLEUR, Melvin L.; BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da Comunicação de Massa . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Zahar, 1993. 397p. MCLUHAN, Marshall. Guerra e Paz na Aldeia Global. Record. Tradução: Ivan Pedro de Martins. 1971. ______. O Meio é a Mensagem . Record. Tradução: Tradução: Ivan Pedro de Martins. 1969. ______. The Gutenberg Galaxy: the extensions of man. Toronto: University of Toronto Press. 1962. ______. Understanding Media: the extensions of man. New York: Mc-Graw-Hill. 1964.
69
Teorias da Comunicação
SIQUEIRA, HOLGONSI S G. Novo Paradigma Informacional. Jornal A Razão, 10 dez. 2003. Disponível em: . l.html>. Acesso em: 20 set. 2009. TAYLOR, James R. Da Tecnologia Tecnologia na Organização Organizaç ão à Organização Organiz ação na Tecnologia Tecnologia . Tradução de: José Pinheiro Neves e Cristina Gonçalves. Lisboa: Comunicação e Sociedade, 2007. v. 12. TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa; NERY, Vanda Cunha Albieri. Para Entender as Teorias da Comunicação . Uberlândia: Asppectus, 2004. 175p. VILALBA, Rodrigo. Teoria da Comunicação: conceitos básicos. São Paulo: Ática, 2006. 126p.
Gabarito 1. Porque é uma forma da comunidade científica determinar um lugar de partida para a pesquisa; o paradigma é uma matriz que é capaz de reunir diferentes teorias a partir de pontos em comum ao mesmo tempo em que relativiza diferenças diferenças para melhor compreender a interação entre elas.
pragmático-funcionalista enxerga a sociedade como um 2. O paradigma pragmático-funcionalista organismo regido por funções. A Escola dedicou grande parte de seu esforço teórico para estudar os efeitos dos meios de comunicação sobre o receptor, individualmente, e sobre a sociedade como um todo. Já o paradigma culturológico interessa-se mais em estudar as relações do receptor com a mensagem. Em relação ao paradigma funcionalista e ao paradigma de inspiração frankfurtiniana, também este orientado pela investigação sobre os efeitos, no caso, ideológicos, dos meios de comunicação,, o paradigma culturológico demonstra uma abordagem comunicação mais heterodoxa no trato com a chamada cultura de massa, reconhecendo-lhe um imaginário próprio sem, no entanto, deixar de apontar os efeitos negativos como produto da necessidade de lucrar. 3. Trata-se do conceito de “aldeia global”, a percepção de uma comunidade planetária conectada pelos meios de comunicação. A rigor, os fios dessa teia tornaram-se mais evidentes apenas com o advento da internet e de outras mídias digitais, todas conectadas em rede, daí o resgate da obra de McLuhan como uma importante contribuição para o tema. 70
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
Comecemos por esmiuçar alguns preceitos da Escola de Palo Alto, uma das vertentes da teoria da comunicação. Trata-se de uma corrente interacionista, pertencente ao paradigma pragmático-funcionalista, para a qual é “impossível não comunicar”, isto é, toda interação tem valor de mensagem, o que significa dizer que o comportamento humano, como um todo, é ele próprio a mensagem. Visto dessa forma, como comunicação, o comportamento deverá ser compreendido em toda a sua extensão, como uma complexa rede de significados que extrapolam o plano verbal, abrangendo também o não verbal: tonalidade, gesto, postura, como componentes da gramática do corpo. Tudo isso no interior de uma moldura formada por tempo e espaço, configurando determinado contexto. Uma propriedade básica do comportamento humano é que ele não tem oposto – não existe um não comportamento, pois um indivíduo não pode não se comportar . Chega-se, portanto, ao axioma segundo o qual “todo comportamento é comunicação e a comunicação afeta o comportamento”. A todo momento a interação entre as pessoas põe lado a lado comportamentos nem sempre fáceis de interpretar, mas que no ambiente da empresa podem afetar, e frequentemente afetam, o andamento do trabalho e mesmo a sua compreensão de forma mais orgânica. Vale Vale dizer que a escuta, a disposição de se escutar o outro, um tema a ser discutido neste capítulo, se fosse um comportamento compor tamento insistentemente insistentemente valorizado pela empresa, e desenvolvido como um componente da cultura organizacional, organizacional, poderia ajudar a resolver problemas estruturais de comunicação, mas com reflexos sobre o cumprimento dos objetivos institucionais como um todo. Essas primeiras considerações trazem consigo outro tema, a saber, o da empresa como máquina de gerar sentido, assim como o tema da negociação de sentido, uma etapa do processo de comunicação. Além de uma noção, mais ampla ainda, e aparentemente óbvia – mas que nem por isso deixa de ser negligenciada pelas empresas – a qual reafirma o papel decisivo das pes-
Comunicação Comunicaçã o Empresarial: natureza, abrangência, função
soas na organização. O essencial de uma organização são as pessoas, pois são essas, na origem e na ponta das relações organizacionais organizacionais com seus públicos, que se relacionam umas com as outras, internamente, para obter resultados com reflexos externos, “gerando sentido” para a empresa, “negociando sentido” em vários níveis, tudo de acordo com um dispositivo conceitual encarnado pela missão da empresa. Se abstrairmos essa condição das organizações, reforçamos a “autonomia”, de fundo ideológico, de cargos, salários, regime de promoções, divisões, como se por detrás destes não houvesse pessoas. Há publicações sobre Comunicação Empresarial que, considerando-se o papel especializado dessa disciplina, simplificam ao máximo esse complexo quadro de relações e imprimem uma visão mecanicista que este jamais possuiu, mesmo em pequenas empresas. É por isso que a discussão encaminhada abaixo abaixo tem que ser compreendida no interior da organização disposta a fazer do diálogo o fator preponderante das relações humanas, surgidas num contexto bem-definido.
O poder da comunicação na empresa Essa permanente interação entre os atores, na forma complexa de múltiplas e imbricadas linguagens (oral, escrita, atitudinal, emocional etc.), conduz-se para o cumprimento das diretrizes organizacionais da empresa, representadas por sua missão, visão, valores e objetivos. Para usar uma palavra-chave da Escola de Montreal, aceitemos que a missão de uma empresa seja um texto fundamental ou fundante dessa organização. A missão é o motivo pelo qual uma empresa vive, sua razão de ser como ente no espaço social; traduzida em texto, a missão é “uma meta corajosa, instigante instigante e audaz que deve ser expressa em linguagem clara, objeobje tiva e bem-definida” (RABINOW; DREYFUS, 1995, p. 247 apud SOUTO SOUTO MAIOR, 2008, p. 6 ). Corajosa e audaz porque porque não restrita à venda de produto ou de serviço, mas orientada para o atendimento de desejos e necessidades do cliente. Assim, aquele famoso fabricante de tênis não se limita a vender pares desse tipo de calçado, mas promete colocar nos pés do público-alvo uma boa dose de atitude, diferença que potencializará o próximo passo do cliente com os valores de um imaginário comum. A par de seu significado específico, como instrumento de dominação, a ideologia é antes de tudo um sistema de ideias, um corpo organizado de valores vigentes na sociedade, daí seu uso em frases como a “ideologi “ideologiaa do par74
Comunicação Comunicaç ão Empresarial: natureza, abrangência, função
tido tal” etc. Nas organizações, os dois sentidos correm lado a lado, como já se sabe, mas se evidencia fortemente esse seu pendor regulatório de todas as ações, essas linhas de força que lhe são próprias e que coadunam os atores em direção a determinados fins. Como destaca Souto Maior (2008, p. 7): O discurso empresarial, cujas formações discursivas se entrecruzam nos dizeres historicamente construídos na evolução do mundo capitalista, procura desenvolver-se numa cenografia onde o ethos dito interpela o sujeito empregado a assumir o compromisso de se envolver com a organização, [o que faz] utilizando enunciados que o estimule a desenvolver competências individuais e coletivas, de modo a assegurá-lo como participante ativo no mundo organizacional. A competitividade acirrada tem colocado como urgente a necessidade de mudanças, principalmente no que se referem aos efeitos de sentido que circulam nos discursos produzidos na empresa, obrigando os gestores a, além de rever posturas, rotinas, procedimentos e hábitos consolidados há décadas, construir formas discursivas típicas do espaço organizacional, evidenciando a produção de sentido em suas múltiplas determinações representando o imaginário da época.
Do ponto de vista administrativo, a missão organizacional é produto da texto, imconversação (Escola de Montreal) de seus líderes, materializada em texto, buído de um caráter ao mesmo tempo expositivo, persuasivo e injuntivo; isso se considerarmos que ele evoca, de forma subjacente, o arquivo instrucional da organização, o modo pelo qual se alcançam objetivos, lembrando um pouco os preceitos da Midiologia, ao se usar a expressão “arquivo”. Não há coorientação sem diálogo e é este o alicerce do conhecimento; como vimos, dois ou mais atores coorientam-se ao objeto e com o objeto, de onde a produção de textos, também compreendidos como versões, e cuja definição e análise vamos construindo ao longo do livro. No entanto, a missão organizacional não admite “versões”, “pontos de vista” diferenciados, pois, se assim fosse, o enunciado que traduz a missão da empresa seria um texto ambíguo, no sentido em que a teoria da literatura usa essa palavra: um texto polissêmico (muitos significados), gerando “várias “várias interpretações”” a respeito interpretações respeito dos objetivos da empresa. Isso seria de todo indesejável. A sua construção como enunciado – o processo mesmo de conversação entre os líderes – deverá ter percorrido (mas não necessariamente, necessariamente, como ocorre em muitas empresas) as etapas de uma negociação negociação.. Esta, por sua vez, é fruto da análise do ambiente externo, onde foram identificadas oportunidades para se agir e avaliadas as forças e fraquezas da organização para atender às demandas no confronto com as ameaças do cenário econômico-político e histórico que a envolve. A missão, como discurso instituído instituído,, ideológico, cristaliza-se num enunciado “objetivo”, com uma semântica “estável” e dita transparente aos olhos do público interno e externo, mas ela é também, e por isso mesmo, um compo75
Comunicação Comunicaçã o Empresarial: natureza, abrangência, função
nente da imagem organizacional e, como tal, será exposta na vitrine. Documentos fundacionais, placas afixadas em lugares estratégicos na empresa, mas, sobretudo, sites e anúncios institucionais, institucionais, em qualquer meio, reforçam essa profissão de fé. Por outro lado, ser estável não significa ser imutável. A dialética é um movimento permanentemente orientado pelos contrários – tese e antítese – que se resolve em síntese, matéria-prima do novo. A abrangência, especificidade e recursos articulados pela missão organizacional sofrem transformações geralmente lentas e, outra vez, nessa reordenação de objetivos e intensificação da jornada, tem lugar a conversação entre os atores, basicamente os líderes, mas não em posição isolada por definição. Pois estes são intérpretes do ambiente externo e catalisadores do clima organizacional e como tal gozam de autoridade para traçar rumos e corrigir órbitas, desígnio em que devem ser auxiliados pelo comunicador empresarial, entre outros agentes. Aliás, e com certa frequência, o comunicador é um desses líderes, mas, mesmo não sendo, sua participação nesse processo é indispensável. O comunicador deve ter suficiente perspicácia para analisar o clima organizacional e extrair dele sinais para agenciar certas demandas. Entende-se clima organizacional como a percepção coletiva que as pessoas têm da empresa, por intermédio da experimentação de práticas, políticas, estrutura, processos e sistemas e a consequente reação a esta percepção. Leonardo Boff (2000)1, utilizando-se de uma estrutura frasal espelhada, afirma que “todo ponto de vista é a vista de um ponto”, o que é verdadeiro e fortalece uma das premissas da Escola de Montreal que enxerga na versão (account ) a expressão desse ponto de vista. Vamos supor que diferentes atores – entre os quais, com destaque, o comunicador empresarial – participem de uma reunião para discutir o posicionamento ou reposicionamen reposicionamento to de uma empresa, o conceito de marketing proposto por Al Ries e Jack Trout. Trout. Como se sabe, esse processo ganhou tal relevo no marketing, que o próprio Philip Kotler – um dos mais conhecidos teóricos do mix de de marketing: 4Ps (Produto, Preço, Ponto de Venda e Promoção) – reserva lugar de antecedência ao posicionamento. Portanto, Portanto, antes mesmo dos famosos quatro Ps, é preciso Pesquisar, segmentar, o que significa estabelecer o Foco e, paralelamente, investir nesse outro P, o de Posicionar.
1
Leonardo Boff, pseudônimo de Genézio Darci Boff (Concórdia, 14 de dezembro de 1938), é um teólogo brasileiro, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação no Brasil. Foi membro da Ordem dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos.
O posicionamento é o modo pelo qual a empresa reserva um lugar na percepção e na mente do cliente. É a sua forma de se fazer distinguir e essa operação afeta os demais Ps. Daí porque podemos enxergar no posiciona76
Comunicação Comunicaç ão Empresarial: natureza, abrangência, função
mento o objeto, por excelência, no centro de um tipo de coorientação (uma unidade mínima de organização) com tendência a se ampliar e revelar a sobreposição de processos, a imbricação. Observando ainda o alcance da discussão, esses atores orientados a um objeto, no caso, o posicionamento da empresa, acabarão por compreender nesse exercício os muitos desdobramentos a que nos referimos, afetando os quatro Ps e, com eles, a missão e a visão da empresa. Empresas sem visão não enxergam perto e muito menos longe; é a perspectiva da empresa a longo prazo, onde ela pretende chegar, chegar, mas sempre levando em conta o exequível, aquilo que efetivamente seja possível de se colocar em prática. Ora, é fácil imaginar que dada a complexidade da tarefa, a do posicionamento, os pontos de vista não sejam necessariamente convergentes; convergentes; a Escola de Montreal afirma que a coorientação é ao mesmo tempo integração e diferenciação,, o que leva cada ator a expor sua versão, sua leitura, objetivando ferenciação diferenciá-la das demais. Essa interação entre os atores cria a identidade do objeto e este, por sua vez, a dos d os atores, que são capazes de operar conjuntamente, reconhecer as regras da operação e, enfim, colher os resultados. Até aqui permanecemos sobre um desenho bastante amplo, pois discutimos alguns preceitos sobre missão, visão e posicionamento, mas com um objetivo metodológico que passamos a esclarecer. Não se deve entender a comunicação, na empresa, como apenas uma “ferramenta” representada por recursos, os meios materiais de que lança mão, e tampouco apenas como um conjunto de procedimentos, técnicas e estratégias adotados pelas diferentes áreas. Nessas perspectivas, a comunicação aparece como um composto vindo de fora e que encontra lugar na organização. Mal comparando, se pensamos a comunicação como “técnica” materializada em ferramentas, talvez fosse possível, de forma mecânica, substituí-la por algo também material que proporcionasse à organização efeitos equivalentes ou maiores. Um pouco como ocorre quando se substitui uma linguagem de computador por outra com o objetivo de usufruir das vantagens identificadas nessa escolha. Ora, a questão da comunicação é mais complexa. Se é verdade que ela é inerente à vida em comunidade não é menos verdade que é anterior ao surgimento das organizações. Pretendemos adotar, portanto, uma visão dialética entre organização e comunicação em que a palavra integração não se refira apenas aos vínculos entre as áreas da Comunicação Empresarial Integrada, mas seja ela mesma a sintaxe e a semântica da organização com um todo. É claro que, como sistema, toda organização é integrada e não reside aí 77
Comunicação Comunicaçã o Empresarial: natureza, abrangência, função
nenhuma novidade. A tarefa, contudo, é demonstrar como que a comunicação se constitui no DNA (com perdão do lugar comum) dessas instituições e quais são os efeitos de tal condição. Por outro lado, nos limites de um livro como este, mais voltado para uma abordagem prática do que filosófica da questão, a proposição acima delineada não deverá ser agora esmiuçada, inclusive para que o leitor tenha um ponto de partida seguro. Por isso, no próximo tópico, tópico, trataremos de colocar lado a lado dois modelos de Comunicação Empresarial, um, talvez, mais tradicional, e outro mais integrador e possivelmente mais exigente.
Comunicação Empresarial: aproximações conceituais Aceito o objetivo traçado acima, em que a comunicação ganha significado mais complexo no universo organizacional, ele poderá ser reformulado nos seguintes termos: desloca-se o foco da gestão dos processos comunicacionais para uma gestão comprometida com soluções de comunicação, de informação, de construção de conhecimento e de interação, tendo como balizas os ambientes interno e externo. De acordo com Kunsch (1997, p. 115): Entendemos por comunicação integrada aquela em que as diversas subáreas atuam de forma sinérgica. Ela pressupõe uma junção da comunicação institucional, da comunicação mercadológica e da comunicação interna, que formam o composto de comunicação organizacional. Este deve formar um conjunto harmonioso, apesar das diferenças e das especificidades de cada setor e dos respectivos subsetores. A soma de todas as atividades redundará na eficácia da comunicação nas organizações [...] A comunicação integrada permite que se estabeleça uma política global, em função de uma coerência maior entre os programas de uma linguagem comum e de um comportamento homogêneo, além de se evitarem as sobreposições de tarefas. Os diversos setores trabalham de forma conjunta, tendo entre os olhos os objetivos gerais da organização e ao mesmo tempo respeitando os objetivos específicos de cada um.
É interessante notar que, não obstante o discurso em defesa da integração integração,, na passagem acima, na visão de um outro teórico (NEVES, 2000, p. 30), os “três “três conjuntos de esforços” – representados pela a) comunicação de Marketing; a “mercadológica” b) institucional e c) interna – resultam em segmentação, o que teria levado as empresas a criarem processos internos para cada “tipo de conjunto” em grande parte controlados por departamentos “estanques, isolados uns dos outros, com estratégias, pessoal e gerência independentes”, gerando conflitos internos. Ainda de acordo com Neves (2000), tal desenho 78
Comunicação Comunicaç ão Empresarial: natureza, abrangência, função
implicaria um tipo de abordagem que relacionaria cada público com uma mensagem específica, o que leva o autor a ressaltar que Está mais do que provado que a segmentação do esforço de comunicação numa empresa significa perda de energia, má utilização de recursos, distração gerencial, quase sempre trabalho perdido, quando não resulta em danos para a própria imagem. (NEVES, 2000, p.30)
Sem querermos nos posicionar ainda por um modelo ou outro, uma coisa é certa: ao contrário do que Kunsch afirma, não se pode pura e simplesmente “somar” as atividades por ela relacionadas e em seguida se obter êxito com tal procedimento. Essa soma parece mesmo dizer que as áreas – por mais que se afirme o contrário – trabalham de forma mais ou menos isolada. Não nos parece apropriado, por outro lado, julgar a visão da autora pelo recorte, muito pontual, do seu texto. Kunsch é, de fato, um nome de grande referência na área, sobre a qual escreveu inúmeros livros e outros escritos. Apenas por interesse de ordem didática, parece-nos mais estratégico, agora, reproduzir o modelo de Neves e juntar a ele, de imediato, uma observação desse autor, segundo a qual existe um sistema de comunicação “paralela e independente”” (NEVES, 2000, p. 31), dentro da organização, que age sobre a independente percepção dos receptores: É a comunicação simbólica. São emissores dessa comunicação: a história da empresa, seus produtos e serviços, o comportamento de seus dirigentes, a atitude profissional dos empregados, a propaganda, a programação visual, as cores, a arquitetura dos prédios, o desenho dos escritórios, os eventos que realiza, os programas sociais e culturais que patrocina, como se relaciona com os diferentes públicos etc. É esse conjunto de elementos – objetivos, visuais e simbólicos – que sustenta a imagem da empresa, fortalecendo os atributos positivos.
Na palavra Midiologia, mídio, para Debray (1993), evoca o conjunto “técnica e socialmente determinado, dos meios simbólicos de transmissão e circulação. Conjunto que precede e supera a esfera dos meios de massa contemporâneos”. Prédios, programação visual de lojas e escritórios e produtos, bens tangíveis, mas também o “sorriso” estampado no rosto de atendentes (com ou sem efeito positivo; lembremo-nos, a propósito, o sorriso forçado dos atendentes da antiga Blockbuster , logo que o Unibanco a trouxe para o Brasil), o modus operandi de de garçons, de balconistas, a cor e o asseio de uniformes, os componentes de um cerimonial, a postura do corpo, a prática de uma “linguagem corporativa”, exercida pelos operadores de telemarketing, tudo isso e muito mais configuram o universo simbólico da empresa, e tudo também é comportamento, como está posto no início do capítulo. Neves (2000) relaciona relacio na o processo de comunicação integrada em seis grandes áreas. Uma das vantagens de apresentá-las, com a letra do próprio autor, 79
Comunicação Comunicaçã o Empresarial: natureza, abrangência, função
como faremos abaixo (no texto em itálico), é que este consegue oferecer uma quantidade enorme de informação, utilizando-se de esquemas que garantem uma visão geral sobre os vários temas tratados na sua obra. Alertamos Aler tamos o leitor, no entanto, de que os nomes das áreas, bem como as siglas que lhes correspondem, não são utilizados pelo mercado, pelo menos tanto quanto tenhamos notícia. Vale, no entanto, o poder de síntese do autor. Nomes e siglas devem ser encarados pelo leitor como um esforço de Neves (2000, p. 32-34) em oferecer um painel organizado de competências, ações e tarefas. 1. Processo Único de Comunicação Empresarial (PUC) – processo que integra todas as funções que se relacionam com os públicos ou que fa zem algum tipo de comunicaç comunicação. ão. Noutras palavras, marketing , vendas, recursos humanos, relações públicas, advogados, ombudsman , serviço de atendimento ao consumidor, telemarketing , lobistas, agência de publicidade, relações com a imprensa, relações com a comunidade. 2. Planejamento Estratégico da Imagem (PEI) – partindo da centralização das informações e das pesquisas, de um check-up organizacional, identificam-se as questões que precisam ser administradas (Issue Management): os elementos da identidade institucional que precisam se harmonizados (Gerência de Comunicação Simbólica); desenham-se os planos de ação e programas que precisam ser desenvolvidos (Gerência da Comunicação Programada); definem-se os objetivos que precisam ser perseguidos (Gerência do Sistema de Objetivos)[...] 3. Gerência da Comunicação Programada (GCP) – são inúmeros os públicos com os quais as empresas têm que se relacionar modernamente. TanTanto faz o tamanho da empresa. Proporcionalmente, uma empresa pequena tem tantos públicos a ela associados quanto uma grande corporação. O importante no processo é a correta identificação dos públicos, análise de suas motivações, descoberta de interesses mútuos, estabelecimento de programas de aproximação aproximação,, abertura de d e canais e sua lubrificação lubrificação.. Cada público tem uma particularidade, uma linguagem própria, protocolos, idiossincrasias, uma tendência a desenvolver certas percepções [...] A Gerência de Comunicaç Comunicação ão Programada objetiva:
80
coordenar a integração dos movimentos táticos (ações, programas, projetos), bem como buscar a otimização dos recursos; recursos;
integrar a comunicação e os marketings institucional (cultural, esportivo, social, ecológico etc.) e comercial (propaganda, publicidade, p ublicidade, promoções, eventos, patrocínios, brindes etc.)
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
unificar o discurso. Mesma mensagem para todos os públicos.
A segmentação somente ocorre na definição dos programas e dos veículos, estes sim, adequados às características do público. Primeiro objetivo dessa abordagem: dar sinergia às mensagens. Exemplo: o consumidor deve saber o que a empresa faz no campo social tanto quanto o público interno ou os formadores de opinião. Segundo: evitar dissonâncias no discurso. Exemplo: a empresa dizer que está bem de vida e anunciar plano de cortes de pessoal. 4. Gerência da Comunicação Simbólica (GSC) – objetiva proteger os atributos de imagem da empresa, assegurando a harmonia e impedindo conflitos, entre si, dos elementos da identidade empresarial; entre eles, o discurso intitucional [...] Neves (2000) tenta traduzir “issue” por questão, portanto, teríamos uma Gerência de Questões voltada, em grande parte, para itens ou fenômenos inesperados. 5. Issue Management – intervenções do Poder Público, polêmicas, celeumas, campanhas, ações e reações da opinião pública, boatos, ataques da concorrência etc. São duas as famílias de issues:
Issues relacionados à imagem. [...] atributos positivos (transparência, agilidade, qualidade de produtos e serviços, qualidade da gerência, tecnologia, boa administração, seriedade, responsabilidade social etc.) e atributos negativos (arrogância, lucros exagerados, insensibilidade social, lentidão, manipulação, caixa preta, atuação predadora, maus produtos e serviços etc. [...]
Issues relacionados a Questões Públicas: problemas e oportunidades que delas podem ser gerados.
6. Gerência do Sistema de Objetivos (GSO) – visa estabelecer objetivos, analisar feedbacks e medir avanços. Para concluir, Neves (2000, p. 32-34) adverte que: Há dois importantes requerimentos no Sistema de Comunicação Integrada sem os quais o conceito não funcionará:
81
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
1 – Participação deste colegiado no Decision Making Process da organização. 2 – Envolvimento total no Top Management no processo. Planejamento estratégico da imagem
Gerência da comunicação programada
) 0 0 0 2 , S E V E N (
Colegiado de comunicação Gerência do sistema de objetivos Issue Management
Gerência de comunicação simbólica
Figura 1 – Sistema de Comunicação Integrada.
A contribuição de Neves para a organização desse extenso conjunto de informações é valiosa, mesmo que não se concorde sempre com a relação de elementos colocados no mesmo grupo e tampouco com o modo como o teórico os classifica. Conservemos esse material como referencial ao qual retornaremos sempre que necessário. Por enquanto, importa, no próximo tópico, refletir sobre o papel do comunicador, agora que já temos um quadro abrangente e complexo de referências.
A missão do comunicador na empresa Missão, visão, valores e posicionamento da empresa são conceitos suficientemente integrados entre si para constituir o quadrante por onde se move o comunicador. As demandas sob sua responsabilidade relacionam-se diretamente a cada um dos conceitos, embora, é claro, o mesmo possa ser dito em relação a outros executivos e funcionários abaixo desse escalão. No entanto, bem mais do que a maioria dos executivos, o comunicador mantém um corpo a corpo diário com os quatro conceitos na medida em que se obriga a traduzi-los como atividade do planejamento estratégico.
82
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
Argenti (2006) afirma que, nos EUA, as atividades englobadas pela área de Comunicação Empresarial já não cabiam naquelas previstas para o RP a partir dos anos 1970, fenômeno que também ocorreria no Brasil, embora com dinâmica diferente. A necessidade de elevar o nível de transparência na organização conduziu a Comunicação Empresarial a um patamar estratégico. A ponto de 77%, segundo dados de 2005, dos comunicadores internos, gastarem uma ”quantidade razoável” ou uma “grande quantidade” de tempo com o desenvolvimento de políticas de comunicação integrada. Há um dado ainda mais flagrante da importância reservada ao assunto: pesquisas da Tuck School of Business, ainda segundo Argenti, revelaram que, na média, os CEOs de uma empresa na lista Fortune 500 gastaram entre 50% e 80% de seu tempo em atividades de comunicação. Por outro lado, agora de acordo com estudo desenvolvido pela Burson-Masteller, em 2005, somente 15% das empresas “das 500 empresas globais que mais geram receitas têm um especialista em comunicação empresarial na diretoria”. No entanto, nada menos que 81% delas possuem profissionais da área nas equipes de gerenciamento sênior. Esse autor aponta uma série de funções para o comunicador: gerenciamento de reputação; propaganda corporativa e ações que beneficiem a sociedade; relações com a mídia; comunicações de marketing; comunicação interna; relações com investidores; responsabilidade social corporativa; relações com o governo; gerenciamento de crise. A figura abaixo representa uma estrutura de empresa na qual o profissional de Comunicação Empresarial tem acesso direto ao CEO, como ocorre com 46% das empresas entrevistadas pela PRWeek s 2005 Corporate Survey. ’
Presidente do Conselho/Chief Executive Officer (CEO)
Vice-presidente de Marketing
Vice-presidente de Produção
Vice-presidente de Finanças (CFO)
Diretor de Relações com a Mídia
Vice-presidente de Comunicação Empresarial
Diretor de Relações com Investidores
Vice-presidente de Relações Humanas
Diretor de Comunicações Internas
Assessoria Jurídica
) 6 5 . p , 6 0 0 2 , I T N E G R A (
Diretor de Relações com o Governo
Figura 2 – Estrutura ideal da função de Comunicação Empresarial.
83
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
No Brasil, uma pesquisa da Aberje, intitulada “Comunicação Corporativa nas Organizações”, de 2008, coletou dados muito reveladores sobre o perfil dos profissionais da área, abrangência das atribuições, lugar do profissional na estrutura hierárquica e assim por diante. A pesquisa entrevistou 282 profissionais das 1 000 maiores empresas relacionadas pela revista Valor Setorial – Comunicação Corporativa, edição de 2007. Alguns desses dados:
84
65% têm cargo de gerência, coordenação ou supervisão na empresa;
aproximadamente 70% das empresas são de capital nacional nas áreas de indústria e serviços;
75% das empresas empregam mais de mil funcionários;
67,4 % creditam à Comunicação Empresarial função estratégica;
as designações para a área variam: Comunicação Empresarial/Institucional/Corporativa;
apenas 5,4% das empresas não possuem uma área de comunicação;
em 73,1% das empresas, a Comunicação Empresarial é uma diretoria ou gerência, principalmente nas estrangeiras;
cerca de 80% das empresas têm equipe de comunicação com menos de 10 funcionários;
no caso das empresas estrangeiras, em 76,1% dos casos, a matriz avalia o trabalho realizado no Brasil como ótimo e bom;
46% das empresas comunicam-se com funcionários por meio da área;
23,9% utilizam os serviços da área para se comunicar com consumidores;
21,3% utilizam os serviços da área para se comunicar com clientes;
32,2% utilizam os serviços da área para se comunicar com o governo;
52,1% utilizam os serviços da área para se comunicar com a imprensa;
47,9% utilizam os serviços da área para se comunicar com a comunidade;
32,3% utilizam os serviços da área para se comunicar com a universidade;
45,4% utilizam os serviços da área para se comunicar com a sociedade civil organizada;
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
52,3% tendem a trabalhar com todos os públicos de forma integrada;
41,6% das empresas gastaram mais com marketing;
19,3% gastaram mais com comunicação;
74,5% das respostas consideram que a Comunicação Empresarial tem “muito impacto”na reputação da organização.
Já sabemos que o quadrante formado por missão, visão, valores e posicionamento, mesmo que muito amplo para estabelecer com precisão as funções do comunicador, dá ideia do grau de imbricação dessa atividade. O trabalho do comunicador empresarial ocorre, portanto, de forma reticulada, conectando áreas, departamentos, programas e projetos, em permanente interação com os públicos. Ele é um agente irradiador de valores da organização, ao mesmo tempo um designer dos sistemas de interação, elegendo, testando e aperfeiçoando canais de comunicação, para os quais conta com a intervenção de outros agentes. Aliás, é sua função também cultivar o espírito de equipe e, nesse sentido, não é apenas um incentivador da coorientação, se formos referendar o conceito de James R. Taylor, mas o próprio artífice de tal política com reflexos na gestão de pessoas. Por essa perspectiva, o comunicador torna-se um agente promovedor de mudanças baseadas no enriquecimento das relações interpessoais, tornando mais sólido o caminho da emancipação dos indivíduos e, portanto, reforçando o processo de construção do conhecimento. Há um código ético que preside os objetivos da comunicação e que influi diretamente sobre sua eficácia. Não há como abrir mão da verdade e da transparência como princípio, do reconhecimento de erros e falhas, do dever de agir de forma coerente e assertiva nas diversas ocasiões em que a empresa for chamada a se pronunciar. Estamos falando em imagem e reputação, os quais não são artefatos publicitários, como um slogan, por exemplo, embora saibamos da força e do eventual sucesso que esses enunciados publicitários possam alcançar na transmissão de um conceito da empresa ou produto. Contudo, será melhor agora enfocar uma atribuição do comunicador que permeia todas as outras e sem o exercício da qual sua missão fica comprometida. Referimo-nos à sua habilidade e competência em escutar. Não apenas ouvir , mas escutar. O profissional de comunicação deve ter essa virtude em alto grau desenvolvida. A escuta nunca é atitude passiva, mas interessada, sinceramente interessada; e por isso capaz de fazer do momento da escuta um elo com o interlocutor e obter dele não apenas uma resposta àquilo para 85
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
o qual se estava preparado para ouvir , mas construir com ele o lugar de sua manifestação sobre aquilo que é necessário escutar . Não se trata de se mistificar ou idealizar a escuta, como se esta fosse um cerimonial, um momento em que tudo em volta silencia para ser ocupado pelo discurso de quem escutamos. Se fosse assim, o gesto perderia a naturalidade, indispensável para ser bem conduzido pelas duas partes em contato e se tornar oportunidade de troca e de benefício para ambos e para a empresa. O educador Paulo Freire reservou em sua última obra, Pedagogia da Autonomia (1996), especial atenção para escuta, a qual vê como primordial na construção da democracia na Escola. Uma empresa não é uma Escola, mas pode ser uma comunidade aprendente, na qual o conhecimento é reconhecido como um ativo institucional. Fala-se mesmo em Pedagogia Empresarial como ação voltada para a melhoria de processos de aprendizagem, sobretudo aqueles compreendidos pela área de educação corporativa, formada por cursos, oficinas etc. Mas não só: a educação corporativa não é produto da simples soma de saberes, pois estes não podem ser “adicionados” uns aos outros como um axioma matemático. Conhecimento é construção que envolve todos na empresa, mas tem na figura do pedagogo e do comunicador seus principais agentes. Convidamos o leitor para a reflexão sobre as linhas abaixo, transcritas de uma entrevista (1997) com esse que foi um dos nossos maiores intelectuais e cuja intervenção no âmbito da educação se fez e faz sentir em várias partes do mundo, o Prof. Paulo Freire: Um outro saber que eu discuto nesse livro [Pedagogia da Autonomia] e que eu acho fundamental na perspectiva democrática é, por exemplo, saber escutar. Como é que pode uma pessoa ser um professor, ou uma professora se, por exemplo, entende que o tempo de sua fala é o tempo total e absoluto? Como que vai dizer que não há mais tempo, se o que escuta a sua fala não tem tempo de fala? Porque o tempo da fala de quem escuta se esgota na audição de quem fala. Quer dizer, essa propriedade do tempo, essa possibilidade do tempo para falar é uma possibilidade autoritária, é antidemocrático. Quer dizer, um professor, ou uma professora, que sonha o sonho democrático, o sonho da formação, o sonho da autonomia de si e do educando, não pode se apoderar do tempo para falar. Então, saber escutar é não apenas a expressão de uma sabedoria democrática, mas é também uma arte, quer dizer, é preciso que eu vá me constituindo na audição de quem fala. O que vale dizer: é preciso que eu limite o meu tempo de fala para que quem me escuta tenha o direito de falar também. E é na medida em que eu aprendo a escutar quem me ouve que eu falo com ele ou com ela. Na medida em que eu não aprenda a escutar quem me ouve, eu falo apenas a quem me ouve e não com quem me ouve. E falar apenas a quem (me ouve) é uma espécie de falar sobre, é um falar d e cima para baixo, que termina por inibir o direito de quem escuta de falar. (FREIRE, 1997)
Não percamos de vista nossa discussão: a interação na empresa se dá de forma diferente daquela que tem lugar na Escola; no entanto, todo investimento em favor da escuta, a valorização dela como princípio de troca e co86
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
nhecimento, deverá ser norteado pela vontade de democratizar as relações humanas e aí tanto a Escola quanto a empresa aperfeiçoam-se ao valorizar a escuta como procedimento. A escuta é mais do que uma atitude ética, de educação e valorização do outro na empresa. Justamente por encarnar essas virtudes, a escuta se impõe como fator da gestão da comunicação. Somente a escuta proporciona, durante a comunicação, “ouvir o que não foi dito”, ler nas entrelinhas, interpretar, como defende Peter Drucker. Nesse contexto, ela é um instrumento de análise do clima organizacional que, como se salientou, é a percepção coletiva que as pessoas formam da empresa. O comunicador não é um “ouvidor” no sentido aparentemente passivo dessa palavra, tampouco ocupa lugar afeiçoado ao da magistratura, com as funções semelhantes ao dos corregedores do passado. Para o público interno, o comunicador escuta e solicita escuta, defende seu direito à escuta e assim dinamiza as relações; para o público externo, ele é o ombudsman a quem se dirigem reclamações e críticas e de quem, idealmente, espera-se imparcialidade na defesa dos direitos do cliente. Nesse sentido, o comunicador não é um escudo no qual ricocheteiam as reações do público, porém o representante da organização muito mais envolvido pela percepção do que ocorre fora da empresa do que pela obrigação de encontrar explicações protocolares para aquela demanda. Movida por esse duplo sinal, o do público interno e do externo, a escuta, para o comunicador, redunda no direito de ser escutado pelo público interno e no dever de informar e esclarecer o público externo. Ela, portanto, é a base do feedback , o retorno, ou realimentação da comunicação, conforme se vê no esquema abaixo, fator indispensável nas relações humanas. Emissor
Mensagem
Receptor
Feedback
Comunicação
Matos (2009, p. 17) chama atenção para o fato de que o retorno é fundamental:
87
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
A comunicação, antes de ser instrumental, é humana. Necessita de resposta para se realizar, pois a informação sem retorno é uma comunicação falha e incompleta. Infelizmente, de um modo geral, é a comunicação formal e burocrática que as empresas mais utilizam no seu cotidiano. Há uma grande preocupação com a eficácia dos mecanismos de transmissão da mensagem e não, propriamente, com a reflexão e a compreensão do seu conteúdo e, consequentemente, com a mobilização e retorno engajado. Dessa forma, fica difícil motivar pessoas e equipes para superar desafios e alcançar metas.
Obstáculos à comunicação Uma importante pesquisa desenvolvida pela Opinion Research Corp. International (ORCI) aponta os principais complicadores da comunicação nas organizações. Matos (2009, p. 23-24) sintetiza-os (texto abaixo em itálico) nos termos a seguir. Sob cada tópico, procuramos fazer alguma reflexão a respeito do problema anunciado e tanto quanto possível indicar pistas para a sua superação, ainda que tenhamos consciência de que apenas o exame do contexto de cada organização possa efetivamente evidenciar caminhos para tal. Critério vicioso: os escalões gerenciais em geral já recebem a informação por “filtros”, o que acaba por favorecer a distorção sobre a realidade dos fatos; [...]
Com frequência, esses “filtros” são representados por um único agente que, dada a urgência de solução para a questão, não a submete a nenhuma outra instância, como a unidade de coorientação ao objeto, proposta por James R. Taylor, e passam essa questão para a frente. O cuidado com o canal de entrada da informação na empresa deve ser sempre repensado. A geração de versões (accounts) deve seguir a lógica da conversação e tomar a forma de um texto que será depois enviado aos escalões gerenciais. Não nos esqueçamos, no entanto, de que o tempo urge! Símbolo de status: muitos chefes retêm informações na pretensão de que com isso tornem-se mais importantes, transmitindo-as, muitas vezes, apenas quando as mesmas podem garantir-lhes prestígio junto aos subordinados. Acredita, dessa forma, que a “confiabilidade” que atribuem às informações reforçam seu poder; [...]
Empresas com espaços muito compartimentalizados estão mais sujeitas a esse fenômeno. De fato, o espaço fechado de salas pode favorecer o sigilo com aquelas premissas indesejáveis. O espaço físico é portador de sentido. Espaços amplos, bem iluminados, com poucas divisórias, móveis funcionais, boa ventilação... influem diretamente na mobilidade das pessoas e o modo
88
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
como se “resolvem” no espaço. De onde se conclui que essa dinâmica ajuda a informação a fluir com mais rapidez e possivelmente com mais eficácia. A retenção de informações é falha grave, mas provavelmente encontra terreno propício na forma como o fluxo da informação ocorre na organização. De um modo geral, é possível que empresas nessa situação façam uso muito restrito ou deficiente dos recursos digitais, no cenário de uma gestão excessivamente centralizada. Mais foco no uso dos recursos digitais (e-mail, intranet etc.) e um trabalho de “desmistificação” da informação, valorizando-a como bem comum da organização, parecem diretrizes acertadas para a solução do caso. Escamoteação de informações para obter vantagens pessoais : não revelam informações que possam ser úteis a possíveis concorrentes; [...]
Embora possa parecer muito genérica a consideração acima, não há como negá-la: o clima organizacional deve denunciar alta carga de competitividade, animosidade e de incerteza. A falha é muito grave e passível de ser punida com demissão dos que a cometem. Criação de “abismos” : profissionais que mantêm “distância” com os subordinados, inibindo-os à manifestação e, com isso, limitando as comunicações ao fluxo descendente; [...]
Esse é um mal comum a empresas com estruturas arcaicas ou com chefias despreparadas, estas às vezes detentoras do cargo há muitos anos e que, eventualmente, sentem-se ameaçadas por novos valores em ingresso na organização. Se assim for, a solução reside na modernização da estrutura, processo lento, custoso e complexo, mas com vantagens frequentemente visíveis. Uma solução apenas, talvez, paliativa, é o surgimento do “preposto”, usando a palavra com o sentido um pouco mais alargado. O funcionário com “cargo de confiança”, orientado por valores renovados da organização, que possa “fazer o meio de campo” com os funcionários subalternos e que, ao mesmo tempo, demonstre lealdade às chefias. Rivalidades interdepartamentais: divergências, mal-entendidos ou especializações exageradas geram, com frequência, permanentes rivalidades no trabalho e comunicações deficientes.
Dentre os casos analisados, este é o mais grave porque a crise das relações é evidentemente sistêmica. Quase sempre é o caso de organizações 89
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
que cresceram desordenadamente, lançaram mão de políticas salariais insatisfatórias, amiúde rotuladas de “injustas”, agravadas por crises financeiras, falta de clareza de objetivos em vários níveis, propiciando uma cultura de tensão permanente como resultado de ressentimentos e de outros fenômenos negativos. Em meio ao aparente caos, a “especialização” referida dota os especialistas de um status sempre posto sob suspeita, como algo resultante de favorecimentos ou de caprichos da alta diretoria. As soluções devem ser pensadas em várias frentes, entre as quais o endomarketing2. Pensando outra vez nos princípios da Escola de Montreal, a “produção de sentido”, inerente à interação entre os agentes, pode ser tanto colaborativa quanto competitiva, mas sempre guiada pelos princípios da conversação. Note-se que nesse modelo promove-se até a competição, mas nunca a rivalidade. A gestão baseada em paradigmas interpretativos, que valorizam a interação e, portanto, o diálogo, não se constrói rapidamente e para ser instituída, em contraposição a um cenário como o descrito, lideranças com peso negativo deverão ser neutralizadas ou substituídas no curto prazo. A situação exige urgente pesquisa de clima organizacional.
2
Endomarketing: Con junto de ações de marketing institucional dirigida para o público interno (colaboradores,fornecedores, acionistas, vendedores).
Para concluir, fica evidente que a ação do comunicador em casos como os descritos não se deu de forma satisfatória, mas em graus diferentes, sobretudo na hipótese dessas empresas terem um profissional da área com acesso direto à presidência. As observações que fizemos foram realizadas “de fora”, como exercício, e daí seu caráter simplificado e pontual, mas que não impede que o leitor se incline a visualizar aqueles cenários e tentar identificar os mesmos problemas nas empresas que conhece.
Ampliando seus conhecimentos
Comunicação integrada para pequenas empresas existe? (EHRENBERG, 2006)
Os estudos e os debates sobre a Comunicação Empresarial sempre giram em torno de cases e exemplos de grandes empresas, muitas delas multinacionais.
90
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
É maravilhoso ver como os departamentos de comunicação, formados por jornalistas, publicitários e relações públicas, utilizam as várias ferramentas disponíveis para alcançar, com sucesso, os objetivos por eles traçados. O posicionamento no mercado, as campanhas publicitárias, o endomarketing, as ações promocionais e as ações sociais são alguns exemplos que servem de vitrine do trabalho realizado pelos profissionais da comunicação. Com boa infraestrutura, bons profissionais e integração entre os departamentos, as empresas estão conseguindo, cada vez mais, utilizar a comunicação em benefício dos negócios. Esta é a realidade de grandes empresas, mas em um país com tantas micro e pequenas empresas, várias perguntas sempre me acompanharam: como implantar um departamento de comunicação que realize ações produtivas dentro de empresas pequenas? Como conseguir investimento em comunicação em uma empresa que muitas vezes fecha o mês apertando suas contas para pagar os colaboradores ou comprar matéria-prima? Como desenvolver ações de comunicação em uma empresa com menos de dez funcionários? Convencer os empresários de que mesmo em empresas pequenas ou em situações de restrição financeira a comunicação não pode parar (seja para alavancar as vendas ou para envolver os colaboradores nas causas da organização) é uma tarefa árdua. A comunicação empresarial oferecida para pequenas empresas normalmente é feita sem planejamento, com ações isoladas (construção de websites, criação de cartões de visita ou folders). Sendo que, em muitos casos, o trabalho é realizado por um vizinho que “sabe mexer em computador” ou por profissionais não qualificados (se é que podemos chamá-los de profissionais!). É comum vermos empresas com potencial que nunca elaboraram um planejamento de comunicação ou que sentem a necessidade de estreitar seus laços com seus clientes ou colaboradores, mas que nunca souberam como fazer isso. O mercado de trabalho para comunicadores que se interessam por esse grande desafio está repleto de oportunidades, o que falta é disposição (e por que não coragem!) para os bons profissionais.
91
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
Muitas pessoas só encontram gratificação quando atuam em grandes empresas ou em grandes agências de comunicação. Realmente deve ser muito bom! Contudo, também é muito gratificante fazer um bom trabalho, ser reconhecido e ter certeza de que muito desse mérito foi conquistado por capacidade própria, já que os recursos, a verba e a infraestrutura são escassos. Atualmente, temos muitos profissionais que descobriram esse árduo prazer. Assim como o alpinista que se deleita com suas perigosas aventuras ou os peregrinos que se glorificam de suas caminhadas, os profissionais de comunicação que atuam com pequenas empresas também têm sua porção de herói. Montar um departamento de comunicação dentro de pequenas empresas é bastante complicado, pois isso demanda a contratação de pessoal e a disponibilidade de estrutura que fugiria das possibilidades financeiras. Porém, terceirizar esse serviço é uma opção viável e eficaz. É crescente o número de profissionais que montam suas próprias agências e atendem organizações que não teriam caixa para pagar as grandes empresas de comunicação. Muitos jornalistas, publicitários e relações públicas encontraram os meios para trabalhar a comunicação de uma maneira eficiente, trazendo resultados positivos e desmistificando a máxima de que empresa pequena não se comunica. É claro que para empresas pequenas as ações de comunicação não podem envolver grandes quantidades de dinheiro ou eventos grandiosos, mas existem alternativas econômicas que garantem a satisfação do cliente e a solução de alguns problemas. Um primeiro passo para fazer essas empresas se comunicarem é construir um bom web site. Esse veículo de comunicação deve conter as principais informações sobre a empresas, um canal para as pessoas contatá-la e também pode trazer informações que sejam úteis para seus clientes e fornecedores. Aí está o primeiro espaço para começar a se comunicar com seu público: fazer do seu web site um local em que as pessoas encontrem informações sobre seu ramo de atividade. Seguindo a mesma linha criativa do site, as pequenas empresas podem montar informativos simples que forneçam mais informações para seu público. Se o problema for o dinheiro para a impressão gráfica, pode optar-se por enviar esse material por e-mail, no formato de e-news (boletins eletrônicos curtos e objetivos que são enviados para uma lista de e-mails pré-selecionados). 92
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
Utilizando essa mesma forma de divulgação, o profissional de comunicação pode elaborar post cards (uma espécie de cartão postal eletrônico) que estreitem sua comunicação com seus clientes e parceiros (felicitando por alguma data importante, informando sobre promoções etc.) Para integrar os colaboradores (mesmo que o número de pessoas seja reduzido), as pequenas empresas podem optar por criar um mural com informações, notícias ou comunicados. Esse espaço também pode ser aberto para que os colaboradores deem sua contribuição, trazendo sugestões do que pode ser disponibilizado nesse mural. Ao invés de grandes eventos comemorativos, essas empresas menores podem optar por realizar reuniões em locais mais simples (como restaurantes, ou até mesmo na sede da empresa) em que a equipe poderá utilizar os momentos de descontração para se integrar ainda mais. Essas são algumas ideias iniciais do que um profissional de comunicação pode oferecer para empresas de pequeno porte. As alternativas são muitas e o mais importante é a criatividade e o jogo de cintura para encontrar soluções adequadas que garantam o objetivo maior de fazer com que a empresa se comunique com seus públicos. Realizar ações de assessoria de imprensa, produzir vídeos ou publicar anúncios em revistas, jornais e emissoras de rádio e televisão são algumas ações da comunicação integrada que despendem bastante dinheiro e que muitas vezes (senão na maioria) não são indicadas para pequenas empresas. O mais importante é a realização de um planejamento estratégico que vai analisar quais os objetivos da empresa, qual (ou quais) é o seu público, quais as suas possibilidades de investimento e quais as ações que podem ser executadas. Para que isso aconteça é necessário que os profissionais de comunicação acreditem no potencial das pequenas empresas. É preciso desmistificar a ideia de que comunicação é algo caro e que só com muito dinheiro e grandes estruturas é possível realizar um trabalho de sucesso. É preciso que os próprios profissionais de comunicação (e por que não as universidades!) acreditem nesse mercado potencial e dediquem um pouco mais de suor e inspiração para o trabalho com as pequenas empresas. Não que trabalhar em uma empresa grande seja fácil, mas apostar em uma empresa pequena também não é nenhuma loucura. 93
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
A comunicação integrada existe. E existe para todos os que estão dispostos a pensar e agir estrategicamente, com pouco ou muito dinheiro, com grandes ou pequenas estruturas, para grandes ou pequenas empresas.
Atividades de aplicação 1. Por que se afirma que a missão de uma empresa é um documento fundamental? 2. Tente explicar o sentido da frase de Leonardo Boff: “todo ponto de vista é a vista de um ponto” e seu sentido no contexto do capítulo. 3. De acordo com Kunsch, quais são as subáreas de interesse da Comunicação Empresarial?
94
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
Referências ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. Tradução de: Adriana Rieche. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 327p. BOFF, Leonardo. A Águia e a Galinha. 35ed. São Paulo: Vozes, 2000. DEBRAY, Régis. Curso de Midiologia Geral. Tradução: Guilherme J. F. Teixeira. Petrópolis: Vozes, 1993. EHRENBERG, Karla. Comunicação integrada para pequenas empresas existe? Revista Digital, v. 3, n. 5, 20 dez. 2006. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2009. FREIRE, Paulo. Entrevista. Essa gravação foi realizada em São Paulo, no Instituto Paulo Freire, para a série Projeto Político-Pedagógico da escola, apresentada no programa Salto para o Futuro/TV Escola/SEED/MEC, de 20/04 a 30/04 de 1997. A série teve a consultoria de Moacyr Gadotti e contou com a mediação de Gaudêncio Frigotto. Disponível em: . Acesso em: 8 set 2009. KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Relações Públicas e Modernidade : novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997. 160p. MATOS, Gustavo Gomes. Comunicação Empresarial sem Complicação . 2. ed. revisada e ampliada. São Paulo: Manole, 2009. 151p. NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral: como gerencial imagem, questões públicas, comunicação simbólica, crises empresariais. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2000. 270p. SOUTO MAIOR, Roberia Cesar. No Discurso Empresarial : a construção da imagem da missão organizacional como estratégia da gestão de pessoas. 2008. (Apresentação de Trabalho/Simpósio). Disponível em: . Acesso em: 9 set. 2009.
95
Comunicação Empresarial: natureza, abrangência, função
Gabarito 1. A missão de uma empresa é um enunciado que apresenta, de forma direta e sucinta, os seus objetivos, qual a sua razão de ser como instituição. Por estar relacionada a um assunto de origem, pensado e discutido entre seus dirigentes, pensa-se na missão como um documento “fundacional”, fundamental. 2. Os pontos de vista possuem uma carga considerável de relatividade, daí o porque serem muitos sobre um mesmo objeto. Isso ocorre também no mundo organizacional e, no contexto do capítulo, e dessa passagem, pode-se relacionar a frase às premissas da Escola de Montreal sobre as várias “versões” em jogo sobre um mesmo objeto. 3. A Comunicação Empresarial pressupõe uma junção da comunicação institucional; comunicação mercadológica e comunicação interna, que formam o composto de comunicação organizacional.
96
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Vamos admitir que o comunicador seja mesmo um “designer dos sistemas de interação” da empresa com seus diversos públicos. Tomamos de empréstimo essa expressão da área de design. De fato, na área de design, o designer de interação é o especialista em artefatos interativos como sites, games, softwares, entre outros baseados na interação homem-máquina. Esse profissional visa ao aperfeiçoamento dessa relação, baseado em pesquisas sobre uso, propiciando maior grau de usabilidade, conceito que vem sendo bastante difundido. Essa observação sobre o sentido da expressão, utilizado aqui de forma ampliada, evita mal entendidos, além de dar ênfase à interação homem-homem (no lugar da relação homem-máquina)-empresa-públicos. Assim, realça-se o papel do designer , como o profissional atento ao processo e disposto a melhorá-lo como resultado de sua capacidade de investigação e de sua perícia. Note-se, ainda, que a interação não se dá de forma retilínea, como o esquema homem-homem-empresa-públicos sugere, mas de forma complexa, pois a empresa como instituição é o ambiente (e o contexto) que propicia a interação e, ao mesmo tempo, modifica-se com tal processo. Além disso, o feedback , ou retorno da comunicação, é etapa das mais importantes e que deve ser sempre analisada no contexto dos objetivos organizacionais. Uma campanha de publicidade, por exemplo, nunca se integralizará como estratégia, caso seu feedback não seja analisado em termos de adesão (ou não) do público aos objetivos dessa campanha. Em administração, costuma-se designar de stakeholder qualquer pessoa ou entidade que afeta ou é afetada pela empresa. Essa parte interessada ou interveniente mostra-se decisiva, como já sabemos, no planejamento estratégico, motivo pelo qual devemos conhecê-la de forma mais detida. No âmbito da Comunicação Empresarial, porém, usa-se com mais frequência o vocábulo “públicos” com o mesmo sentido da palavra de origem inglesa.
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
De forma abrangente, podemos considerar a Comunicação Empresarial como um conjunto complexo de atividades, ações, estratégias, produtos e processos, distribuídos pelas áreas mercadológica, institucional e interna. Esse composto integra o planejamento estratégico da organização e, como tal, gera valor quer pela diferenciação, via comunicação de marketing, dos produtos e serviços, quer pelo modo como a empresa demonstra compromisso com os diversos públicos, quer pela eficiência da comunicação interna. Como resultado da integração das subáreas da Comunicação Empresarial e do alinhamento de todos os seus processos, obtém-se o fortalecimento da imagem, identidade e reputação organizacionais. O planejamento estratégico é um processo gerencial dinâmico e sistemático, centrado no estabelecimento de objetivos e na sua necessária e indispensável contextualização com fatores internos e externos. Uma das ferramentas para análise de ambiente, continuamente utilizada no meio empresarial, é a análise SWOT 1, o levantamento dos pontos fortes e fracos, bem como a avaliação das oportunidades e ameaças detectadas pela organização, conforme se verifica no esquema abaixo, que também relaciona alguns itens, a título de exemplo, para cada um dos fatores.
1
A sigla SWOT é a junção das iniciais das palavras inglesas Strenghts (forças), Weaknesses (fraquezas), Op portunities (Oportunidades) e Threats (Ameaças).
Vantagens? Pontos fortes
Capacidades? Recursos, ativos, pessoas? Marketing – alcance, distribuição, anúncios?
Avaliação interna
Falta de força competitiva? Pontos fracos
Vulnerabilidades já conhecidas? Escalas, pressões, controle de tempo? Sistemas e processos?
Análise SWOT Oportunidades Avaliação externa
Desenvolvimento de Marketing? Desenvolvimento de um novo produto? Efeitos do ambiente?
Ameaças
Demandas de Marketing? Obstáculos a enfrentar? Contratos e parceiros vitais?
Figura 1 – Esquema da análise SWOT.
100
. > r b . m o c . p a m i l e t n i . w w w < : m e l e v í n o p s i D
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
O planejamento estratégico tem início com o delineamento da visão da empresa, que são as intenções e a direção que ela pretende seguir. A visão reflete as aspirações da empresa na forma de como ela se vê no futuro, considerando-se em média um período de cinco a dez anos. A exemplo da missão, a visão toma a forma de um texto, de caráter persuasivo, capaz de convocar os funcionários para a realização do “sonho” nela revelado. Eis a visão, missão e valores da Petrobras: Visão 2020
Seremos uma das cinco maiores empresas integradas de energia do mundo e a preferida pelos nossos públicos de interesse. Missão
Atuar de forma segura e rentável, com responsabilidade social e ambiental, nos mercados nacional e internacional, fornecendo produtos e serviços adequados às necessidades dos clientes e contribuindo para o desenvolvimento do Brasil e dos países onde atua. Valores
Descritos no Plano Estratégico, os valores são a forma como a Companhia pauta suas estratégias, ações e projetos. Eles devem estar presentes na condução das atividades e refletir o jeito de ser da Petrobras. Desenvolvimento sustentável
Perseguimos o sucesso dos negócios com uma perspectiva de longo prazo, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social e para um meio ambiente saudável nas comunidades onde atuamos. (Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2009.)
O esquema a seguir demonstra as etapas do planejamento estratégico. Esse processo tem a vantagem de, graças à sua proatividade, oferecer à empresa a oportunidade de se prevenir contra problemas e, dessa forma, mesmo que ela não consiga evitá-los, pelo menos poderá se preparar para solucioná-los em menor tempo.
101
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Declaração de visão e missão do negócio
Análise do ambiente externo (oportunidades e ameaças) Análise do ambiente interno (forças e fraquezas)
Formulação de metas e objetivos
Formulação de estratégia
Implementação
) 9 9 9 1 , R E L T O K (
Feedback e controle
Figura 2 – O processo de planejamento estratégico do negócio.
Aprenda com os seus públicos Feitas essas observações sobre os públicos, passemos a um rápido exame de cada um deles. Vale desde já ressaltar que o alinhamento dos públicos su jeita-se a uma dinâmica semelhante à do jogo de xadrez; a cada lance, representado no “tabuleiro” abaixo pela entrada em cena de um público, altera-se a relação de forças com os demais, redimensionando sua posição estratégica, que será outra vez modificada assim que o foco recair em outro(s) público(s). Quadro 1 – A empresa e seus públicos Funcionários – inclusive aposentados ou parte deles. Clientes – ativos e inativos. Comunidades onde a empresa tem operações – gestão nacional e internacional de relacionamento com as diversas comunidades. Acionistas/ Investidores – de diferentes portes e status. Formadores de opinião – parte da opinião pública capaz de influenciar a massa. Classe política – políticos e partidos, o que inclui a dinâmica entre esses agentes e entre eles, seus eleitores, formadores de opinião, mídia e governo. Empresas – qualquer entidade com esses status, mas fora do segmento de atuação da organização. Fornecedores – ativos e inativos. Há empresas que mantêm programa de formação de fornecedores ou ações equivalentes, como o acompanhamento efetuado por gerentes de produto durante o desenvolvimento de determinado item. Concorrentes – diretos e indiretos. Prestadores de serviço (autônomos) – eventuais ou fixos (emitem nota fiscal). Comunidade acadêmica – universidades, faculdades, institutos e centros de pesquisa; pesquisadores e/ou professores-colaboradores. 102
. o l e M e d s a i D o t r e b o R z i u L
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Comunidade financeira – bancos, financeiras, agências financiadoras de pesquisa, órgãos de fomento ao desenvolvimento e à pesquisa. Credores – de curto, médio e longo prazo. Meios de comunicação – todos, considerando-se também a convergência entre eles. Sindicatos – entidades de classe e centrais de trabalhadores. Órgãos governamentais – ministérios, secretarias, autarquias, câmaras, agências etc.
. o l e M e d s a i D o t r e b o R z i u L
Organizações Não Governamentais – ONGs, OSCIPs (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), fundações, associações etc. Associações patronais – entidades empresárias organizadas por segmento.
Embora possamos dividir os públicos em dois grupos, o principal (destacado em cinza escuro) e o secundário, não se mostra produtivo considerálos de forma estanque já que, como se afirmou, sempre interagem uns com outros. Há empresas em que os funcionários também são acionistas, o que evidencia a interação, concomitantemente, com duas categorias pertencentes ao mesmo grupo de públicos. Por outro lado, o tempo demonstra que o principal público de uma organização pode mudar. Em um momento de crise, os meios de comunicação quase sempre ganham importância decisiva, por exemplo, no diálogo com passageiros, ou pessoas ligadas a estes, como ocorre logo após um acidente aéreo com vítimas. Nessas ocasiões, o RP é convocado e caberá a ele a difícil missão de divulgar boletins informativos com a máxima precisão, embora nem por isso estes deixem de suscitar reações de parentes, perplexidade, e, não raro, especulação da mídia. Igual raciocínio pode ser aplicado à relação com entidades trabalhistas em caso de greve e de demissão em massa, quando também a aproximação com a mídia não é apenas um protocolo, mas uma exigência, inclusive para tranquilizar acionistas. Note-se ainda que nessas condições multiplicam-se as ações trabalhistas com a consequente tomada de decisão, por parte da empresa, diante do Poder Público. Ao longo de campanhas publicitárias, o relacionamento com um tipo de fornecedor – a agência de comunicação, produtoras de comerciais e veículos – torna-se mais rotineiro e exige maior disponibilidade da empresa para a tomada de decisão. Esta última, por sua vez, afeta não somente aqueles públicos, mas, sobretudo, o cliente, do qual se espera algum tipo de resposta à campanha, além de mobilizar funcionários, que devem corresponder, da maneira que lhes cabe, aos objetivos da campanha.
103
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
O investimento, por assim dizer, nos funcionários, principalmente no período de veiculação de campanha publicitária, expõe com a devida abrangência a interação dos públicos. Uma campanha de endomarketing2 motiva os funcionários e os torna, por um período de tempo imprevisível, mais produtivos, mais cientes das suas funções e da necessidade de engajamento em determinado projeto, por exemplo. Essa disposição, suscitada pelo endomarketing, pode, a exemplo das estratégias desenvolvidas pela Sears (ARGENTI, 2006, p. 35), ser sintetizada no trinômio funcionário-cliente-cadeia produtiva. Não se esqueça também de que funcionários podem e devem ser transformados em “embaixadores de marca”, fortalecendo a imagem da empresa no boca a boca, o que mais uma vez reforça o status da comunicação como um ativo, daí o lugar ocupado no planejamento estratégico.
2
Endo, originário do grego, significa posição ou ação no interior, ou seja, “movimento para dentro”. Endomarketing é, portanto, um conjunto de ações de comunicação interna, dirigido para esse público: colaboradores, fornecedores, acionistas, vendedores. O endomarketing sempre é percebido como uma estratégia para o aumento da motivação, mas não como fim, e sim como meio para o cumprimento de objetivos relacionados à produção.
Duas ferramentas que trabalham de forma paralela e integrada catalisam feedbacks, os quais compõem, por sua vez, parte do “retorno” previsto no planejamento estratégico. São elas: o Serviço de Atendimento ao Cliente – SAC e o ombudsman 3. O primeiro deve ser entendido como uma prova concreta de que a empresa mantém o compromisso em relação a produtos ou serviços vendidos no mercado. Todo tipo de dúvida e reclamação circula por esse serviço e elas devem ser criteriosamente atendidas e solucionadas com rapidez e dedicação. De tempos em tempos, o desempenho do SAC deve ser analisado, tendo como referência os objetivos do serviço e da organização como um todo. Embora estatísticas sobre o atendimento prestado não sejam muito precisas, aceita-se que um cliente contemplado em suas necessidades divulga a empresa, favoravelmente, para mais duas ou três pessoas; já o cliente tratado com negligência, morosidade ou, pior, que acabe por não ser atendido, relatará a má experiência para cerca de oito ou nove pessoas. Algo em torno de 80% desses clientes retornarão à empresa se forem bem atendidos, percentual que sobe para 90%, caso o atendimento seja rápido. O SAC, portanto, é um dos agentes da construção da imagem e da reputação da empresa. Bem administrado é uma fonte de pesquisa, um canal de escuta daquilo que pode até ferir suscetibilidades da organização, mas que deve ser levado tão a sério quanto os resultados positivos de uma campanha publicitária.
3
Ombudsman é um profissional contratado por um órgão, instituição ou empresa que tem a função de receber críticas, sugestões, reclamações e deve agir em defesa imparcial da comunidade.
A legislação brasileira concede especial atenção ao SAC e, recentemente, em 1.º de dezembro de 2008, fez entrar em vigor o Decreto 6.523, de julho daquele ano, que estabelece regras para bancos, empresas de cartão de crédito, de transporte aéreo e terrestre, de telefonia móvel ou fixa, planos de saúde e TVs por assinatura. Entre os itens contemplados pelo dispositivo, encontra-se um que trata especialmente do cancelamento de serviços, pro104
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
cesso sempre moroso e sujeito a manobras por parte de operadores de callcenters, que dificultam a operação ao máximo, sob orientação da empresa, até o limite da paciência do cliente. O ombudsman possui uma espécie de procuração do cliente para representá-lo perante a empresa; sua ética consubstancia-se na escuta, na análise dos relatos dos clientes – manifestações que não são rotuladas apenas como “reclamações” – e na mobilização de pessoas, departamentos e outras estruturas para o atendimento. O ombudsman deve ser dotado de senso crítico e levar a sua função adiante com o necessário desvelo e sem perder o rigor na busca de soluções para os casos a ele relatados. Daí, portanto, o ombudsman ter acesso necessário a diretorias e à presidência. Tanto o SAC quanto o ombudsman devem manter estrito controle sobre o perfil do cliente atendido, a natureza do contato, os efeitos produzidos etc. Esses dados deverão ser somados a outros, coletados em diferentes circunstâncias, e ordenados de tal forma a produzir informação de caráter estratégico. Exemplo disso é a apuração de quantos desses clientes possuem, por exemplo, o cartão de fidelidade da empresa, com que frequência usam os serviços etc. O cruzamento de dados com os recursos da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e a consequente análise do resultado, têm o objetivo de garantir vantagem competitiva, auxiliando a tomada de decisão. Na verdade, empresas de grande porte, já há cerca de duas décadas orientam-se pelos princípios do que o mercado conhece pelo nome de Business Intelligence (BI) ou Inteligência Empresarial4. Coletam-se informações com a finalidade de avaliar o ambiente empresarial, completando-as, em seguida, com pesquisas de marketing, industriais e de mercado, além de análises competitivas. À medida que a BI vai se tornando mais presente no dia a dia da organização, maior é a reflexão sobre seus objetivos e abrangência. Num sentido mais rigoroso, Thomas Davenport e Jeanne Harris (2007, p. 18) utilizam a expressão “Inteligência Analítica” para se referir ao trabalho de coleta, análise e orientação dos dados; para eles, Inteligência Analítica é “ [...] a utilização extensiva de dados, análises quantitativas e estatísticas, modelos explicativos e preditivos e gestão baseada em fatos para orientar decisões e ações”. Segundo os autores, aplica-se inteligência analítica em pricing5, na análise financeira, em P&D6, na gestão de operações, em RH, na atração e retenção de clientes, no relacionamento com o cliente, no relacionamento com for105
4
No Brasil, “Inteligência Empresarial” geralmente define um tipo de competência organizacional, enquanto que Business Intelligence tende a ser relacionada à competência na utilização de recursos tecnológicos. Nos Estados Unidos, a BI incorpora as duas competências. 5
Precificação, o que, em marketing, integra o mix – o segundo dos 4 Ps: Produto, Preço, Praça e Promoção. 6
Pesquisa e Desenvolvimento. Normalmente, refere-se a atividades de longo prazo e/ou àquelas orientadas ao futuro, relacionadas à ciência ou tecnologia, usando técnicas similares ao método científico.
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
necedores etc. Merecem destaque empresas que se utilizam da Inteligência Analítica: Google, Amazon.com, Walmart, Netflix, Procter & Gamble, Capital One, Harra’s, Boston Red Sox, FedEx, entre outras. Atualmente, diante da necessidade de se coordenar de forma mais integrada pessoas e recursos tecnológicos mobilizados pela BI, uma nova conformação física e logística vem ganhando lugar nas empresas: o Business Intelligence Competency Center (BICC )7 ou Centro de Competência em Inteligência de Negócios. A tomada de decisão, como resultado dos esforços coordenados pelo BICC, ganha, por assim dizer, um endereço, um núcleo materializado na empresa. Trata-se, portanto, de uma estrutura organizacional formal e permanente que é provisionada por recursos internos com pessoal de Tecnologia da Informação e Comunicação e de negócios, com funções e atividades bem-definidas.
7
Outras designações para o BICC: Center of Excellence; Competency Center; BI Department; Strategic Information Department.
Quadro 2 – Benefícios proporcionados pelo BICC • Crescimento da satisfação do usuário dos negócios ................ 88% • Crescimento da velocidade de tomada de decisão .................. 86% • Decisões mais precisas .............................................................. 86% • Crescimento do uso de BI .......................................................... 85% • Crescimento da colaboração entre TI e negóci os ..................... 85% • Melhor entendimento do valor de BI ........................................ 71%
. 6 0 0 2 . r b A , d l r o w r e t u p m o C
• Novas maneiras de utilização do BI ........................................... 75% • Diminuição de custos com pessoal ........................................... 51% • Diminuição de custos com software .......................................... 50%
Para se insistir mais uma vez sobre um tema, e para falar com Davenport e Harris (2007), é o fator humano que se mostra decisivo nas abordagens que vimos descrevendo. É certo que a escolha de softwares e sistemas adequados às necessidades da empresa mostra-se importante e erros cometidos nessa fase podem comprometer toda a política relacionada a BI. Contudo, é o fator humano que deve ser valorizado, atitude representada na identificação de uma ”liderança analítica” que pode não existir na empresa, e nesse caso a contratação e treinamento de pessoal exigirá ainda mais das diretorias envolvidas. É atributo altamente desejável do comunicador empresarial esse espírito analítico, o qual, no contexto de BI, demonstraria em que medida as funções desse profissional são de fato estratégicas e partícipes dos ativos da empresa.
106
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Como deve ter ficado claro, o esforço para se considerar a natureza “não estanque” de cada público acaba tendo esse caráter realçado por essa nova abordagem no contexto da Business Intelligence. Como força convergente, a Inteligência Analítica, em sua função de fundamentar a tomada de decisão com os recursos que lhe são peculiares, passa a ser, portanto, o substrato da definição de estratégias eficazes como veremos no próximo tópico.
Definindo estratégias eficazes De forma muito direta, Argenti (2006, p. 29 ss.) aponta três subconjuntos de uma estratégia organizacional com base na comunicação empresarial:
determinar os objetivos de cada comunicação;
decidir que recursos estão disponíveis para alcançar tais objetivos; e
diagnosticar a reputação da organização.
A criação de uma campanha publicitária é uma das tarefas mais difíceis e complexas de comunicação, e por isso mesmo se presta ao nosso exercício de definição de estratégias de comunicação. Lembrando que essa campanha enquadra-se, em termos das áreas relacionadas por Kunsch (1997), na mercadológica, representada pelo marketing, e no interior da qual há outras subáreas, conforme o quadro a seguir. Quadro 3 – Áreas e subáreas da Comunicação Organizacional Integrada
Marketing Comunicação Mercadológica
Publicidade e Propaganda Promoção e Vendas Feiras e Exposições Marketing Direto Merchandising Venda Pessoal
Relações Públicas Comunicação Institucional
Marketing Social Marketing Cultural Jornalismo Empresarial Assessoria de Imprensa Identidade Corporativa Editoração Multimídia Publicidade Institucional
) . o d a t p a d A . 6 1 1 . p , 7 9 9 1 , H C S N U K (
107
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Comunicação Interna Comunicação Administrativa
Processo Comunicativo Fluxos Informativos Redes Formais e Informais Mídias Internas
Se formos tomar as considerações de Neves (2000, p. 32-33) como referência, essa campanha insere-se no Processo Único de Comunicação Empresarial (PUC), ao lado do marketing, relações públicas, entre outros. Vamos imaginar que trabalhamos no Canal Futura, de televisão, portanto, em uma empresa de comunicação, sem fins lucrativos, em cuja mantenedora reúnem-se grupos de grande porte como Globo, Votorantim, Bayer, Sistema FIESP, entre outros. Temos como objetivo encomendar uma campanha publicitária a uma agência de comunicação. Como se sabe, uma campanha publicitária é um esforço de comunicação, baseado na veiculação de uma ou mais peças (anúncio, comercial, spot 8 de rádio, mídia exterior etc.), que deverão manter entre si certas características temáticas e visuais, conforme veremos abaixo.
8
Designação para o anúncio – lido, cantado ou dramatizado – veiculado em rádio.
Como empresa, nosso desafio é saber o objetivo de nossa comunicação. A organização mobiliza o pessoal do marketing, de finanças, o responsável pela comunicação empresarial e tantos quantos julgar necessários. A definição de objetivos claros é a chave para se entender com quem vamos nos comunicar, como, onde, quando e quanto vamos investir, em recursos financeiros e logísticos, nessa tarefa. Em se tratando de uma campanha publicitária, caberá à agência responder a essas perguntas, mas, ao cliente, avaliar o quanto poderá gastar e, o mais importante, por que se comunicar. Saber quais os recursos que deverá mobilizar para uma eficiente comunicação vai além de previsões orçamentárias, já que, nesse caso, o meio utilizado por si só dota a mensagem de significado: o meio é a mensagem. Por outro lado, “saber por que se comunicar” é uma questão de fundo estratégico e prático, que deve gerar uma resposta balizada por esses dois parâmetros. Os profissionais de propaganda, considerando sua necessidade de ajudar o cliente a pensar em termos comunicacionais, perguntarão: “qual o problema de comunicação a ser resolvido”? Esquematicamente, faz-se propaganda em quatro situações-chave: para se fazer reforço da marca (não se esqueçam de mim), motivo pelo qual a Coca-Cola continua sendo um dos maiores anunciantes do planeta; para o lançamento de produtos ou serviços; para posicionamento ou reposicionamento de marcas, produtos ou serviços; para impulsionar ou recuperar vendas.
108
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
A grosso modo, as campanhas institucionais (sem caráter comercial) reforçam a imagem da organização. Mas o que é uma imagem? Para responder a essa pergunta é preciso antes distinguir imagem de identidade. A identidade é um conjunto de traços materiais representados pelo nome (marca), logomarca, logotipo, produtos e linhas de produtos, serviços, slogans, instalações, papelaria9, uniformes e demais itens, na sua maioria, tangíveis, capazes de produzir diferenciação entre o universo de elementos, assim constituído, e o de outra organização. A imagem é a percepção que cada público tem desse conjunto de elementos. Dito de outra forma: a imagem de uma empresa ou de um produto ou serviço é o modo pelo qual os diversos públicos articulam e organizam aqueles elementos físicos, constituindo uma percepção. A percepção muda de público para público, mas a identidade é a mesma. O que vale dizer que a imagem pode não ser favorável para um público, mas ser para outro. É possível se dizer que mesmo não tendo ido a uma determinado shopping center, por exemplo, tenhamos construído uma imagem dele em decorrência das informações que nos chegaram (além da eventual vista exterior das instalações); nesse caso, o que lojistas e administração esperam é que a imagem por fim “experimentada” seja melhor do que a idealizada. Outro fato que se liga aos dois anteriores – identidade e imagem – é a reputação. A reputação de uma empresa é resultado do alinhamento entre identidade e imagem. No entanto, não se pense numa operação mecânica – embora até possa ser representada assim em um esquema – em que a primeira é somada à segunda. A reputação se constrói ao longo do tempo e é resultado do compromisso com o cliente, expresso na conduta responsável e coerente com a visão da empresa. Enquanto que a imagem varia de público para público, a reputação deve gerar a mesma percepção em todos os públicos. De posse desses conceitos, voltemos à pergunta formulada por nossa agência de comunicação: “qual o problema de comunicação a ser resolvido? “Resposta: “Desejamos reforçar nossa imagem institucional por meio de uma campanha”. Eis, portanto, o objetivo da comunicação com o qual temos que nos haver. No nosso caso específico, o da comunicação do Canal Futura, no momento em que este estipulou o objetivo, o primeiro item referido por Argenti (2006), de imediato visualizou também os recursos disponíveis, o segundo item da relação. Esses recursos são os que a agência colocará à disposição do cliente, na condição de prestadora de serviço: o pessoal do atendimento; o de planejamento de campanha, além dos profissionais de mídia e criação. 109
9
Designação genérica para o conjunto de objetos (de papel) padronizados para uso na apresentação pessoal, correspondência e comunicação interna: cartão de visita, envelopes, papel timbrado, pastas etc.
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Diferentemente do lançamento de um produto ou serviço, ou de uma campanha para impulsionar as vendas, a campanha institucional 10 que pretendemos veicular para uma organização sem fins lucrativos, como o Canal Futura, deverá se dirigir a todos os seus públicos. Definir o público-alvo é a primeira tarefa atribuída à empresa no relacionamento com a agência. Este possui um perfil11 bem delineado e naturalmente a mensagem terá que se adequar a ele, aumentando a possibilidade da “venda” de um conceito.
10
Empresas com fins lucrativos também veiculam campanhas institucionais para reforçar missão e a imagem ou para se reposicionar no mercado.
11
As agências trabalham com dados demográficos (classe socioeconômica; sexo; idade; estado civil; escolaridade etc.) e comportamentais (estilo de vida; hábitos de compra; hobbies etc.)
O esquema da “cadeia de comunicação”, utilizado por Corrêa (2004, p. 91-92), ajuda a entender as etapas nas quais se estrutura a campanha. Área de responsabilidade
Anunciante
Agência
I II
III
Mercado
Mídia
IV
) 2 9 1 9 . p , 4 0 0 2 , A Ê R R O C (
V
Etapas
Figura 3 – Cadeia de comunicação.
Vencida a primeira etapa, a da eleição do público-alvo, passa-se a pensar no posicionamento da marca ou do produto. Dentro da relação com a agência, essas duas etapas, como se observa na figura 3, são de responsabilidade do anunciante e será sobre elas que vamos nos deter. Sabemos que posicionar um produto, serviço ou marca significa dizer como desejamos ser percebidos pelo público-alvo, ocupando um lugar em sua mente. Essa conquista de espaço na memória do público é um processo que pode ser expresso pela seguinte fórmula, proposta por Kotler (apud CORRÊA, 2004, p. 94): P = PB + J + ID Onde P é o posicionamento, PB é a promessa básica, J é a justificativa e ID são “os atributos complementares da imagem desejada”, isto é, conforme Corrêa (2004, p. 134) “qualidades intrínsecas ou extrínsecas da marca que se 110
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
quer adicionar aos dois itens anteriores, complementando o posicionamento”. A promessa básica representa o benefício principal a ser divulgado. Num comercial de um produto bancário, como o cheque especial, obteremos seu posicionamento, aplicando a promessa básica, de acordo com a qual o produto é o único no mercado com doze dias sem juros; como justificativa, destaca-se que somente o banco X, com sua capacidade de inovação e permanente sintonia com o cliente, poderia garantir essa oportunidade; por fim, o fechamento, o slogan do banco que, por sua vez, sintetiza o posicionamento da instituição, funciona como a identidade desejada. No agora célebre livro de Al Ries e Jack Trout (1993), esses autores descrevem a batalha travada pelas marcas e produtos para ocupar um lugar na mente do consumidor. Fazem isso ao longo das “22 consagradas leis de marketing”, das quais uma nos interessa particularmente, no trabalho de posicionamento do Canal Futura, como veremos abaixo. Em Posicionamento: a batalha por sua mente (RIES; TROUT, 2009), a dupla alude a um programa de posicionamento, sustentado em perguntas dirigidas à empresa, para se refletir sobre tal necessidade. Vale a pena conhecê-las de passagem e verificar em que medida as perguntas podem nos ajudar a refletir sobre o posicionamento do Canal Futura, considerando-se determinadas perspectivas da organização. Abaixo de cada tópico, há uma síntese de sua proposta:
Que posição você ocupa?
Não é a gerência de marketing que deve responder à pergunta, mas o público. Só ele dirá (por intermédio de pesquisa) como vê determinada empresa. Os autores defendem que se deve penetrar na mente do público “pendurando” a marca, produto ou conceito naquilo que já se encontra na cabeça dele.
Que posição você quer ocupar?
Basicamente a lição é essa: não tente possuir o impossível, ou seja, ocupar um lugar já ocupado por outro. Quando há anos o SBT afirmava ser o “líder absoluto do segundo lugar”, fincava o pé na estratégia da “escada”12 , diante do gigante representado pela TV Globo. Ainda que pudesse um dia brigar pelo primeiro lugar (visão), naquela ocasião o segundo lugar, para o SBT, distinguia-o, com precisão, das demais emissoras. 111
12
“Lei da escada” é o nome utilizado por Ries e Trout para se referirem à estratégia de posicionamento abaixo da marca líder. Segundo os autores, não vencer a batalha pelo primeiro lugar na mente do cliente não é sinônimo de fracasso, pois é possível posicionar-se com sucesso nos dois degraus abaixo do líder.
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Quem é que você tem de enfrentar?
Evite enfrentar o líder de mercado; contorne o desafio lançando mão de outra estratégia. “Engalfinhar-se com os concorrentes é o principal problema de marketing”. A lã de aço Assolan entrou firme no mercado, abocanhando boa parte dele, num momento de crise administrativa na concorrente Bombril, mas nunca tentou demonstrar “mil e uma utilidades” para a dona de casa.
Você tem dinheiro suficiente?
“Custa caro conquistar um lugar na mente das pessoas”. Como há excesso de informação no ar e, consequentemente, uma taxa de ruído enorme na comunicação, o melhor será diminuir a amplitude geográfica sobre a qual se planeja estender o apelo de uma marca. Sugere-se lançar um produto ou uma ideia num mercado específico, em vez de fazê-lo nacionalmente ou em regiões muito amplas.
Você aguenta firme?
Afirmam os autores que, com raras exceções, uma empresa nunca deve mudar seu posicionamento. Aconselham mudar as manobras de curto prazo, mas mesmo estas têm em mira as de longo prazo. Por isso, o melhor é sustentar uma estratégia básica e melhorá-la. Para continuar com exemplos do setor televisivo, não seria esse, o de “ não aguentar firme”, o erro da Rede Bandeirantes ao se reposicionar, sistematicamente, ao longo dos anos? No início parecia uma emissora bastante focada na linha de shows, em seguida, em jornalismo e dramaturgia, depois, em esportes e, finalmente, um retorno a algo que o telespectador ainda não soube identificar...
Você está à altura de sua posição?
“A publicidade que você faz de si mesmo combina com a posição que você ocupa?” Para os autores, a criatividade só tem sentido se aplicada em benefício do posicionamento.
O papel do observador externo
Embora todos precisem de uma agência de propaganda, somente os ricos podem contratar uma. Os que não podem devem saber usar bem o que têm em mãos: observar do lado de fora para se obter objetividade, a mesma oferecida por uma agência, as relações públicas etc. 112
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
O que o observador de fora não oferece
O observador de fora não faz milagre e, por isso, todos que acreditam em criatividade como solução erram. “A criatividade morreu. O nome do jogo na Madison Avenue13 é posicionamento”. Cabe à empresa estabelecer seu posicionamento, mas, como alerta Corrêa (2004), muitas vezes o cliente não sabe traduzi-lo por escrito, razão de a agência acabar tomando para si essa função. Ora, partindo das pistas oferecidas por Ries e Trout, pensamos que o Canal Futura poderia logo afirmar que a sua preocupação por audiência se dá na medida de sua condição de canal nascido como um “projeto social de comunicação, da iniciativa privada e de interesse público”14. Portanto, as perguntas que aludem à “enfrentamento”, à capacidade de se manter (“aguentar firme”) num posicionamento ou de se ter dinheiro suficiente para se posicionar perdem alguma relevância nesse contexto. Devido também à natureza institucional da nossa empresa, não vem muito a propósito perguntar a posição que pretende ocupar, pelo menos não se essa prerrogativa implicar disputa com outra emissora. De qualquer forma, e como vamos ver, o posicionamento do Canal Futura é bastante coerente com seu projeto social, garantindo a sua percepção diante de outras emissoras, sobretudo em relação à Rede Cultura, a emissora com programação conceitualmente mais próxima. Talvez o leitor pense que o cenário traçado acima torne o trabalho da agência mais fácil. Isso não é verdade. A batalha pela mente do telespectador continua viva e, a bem da verdade, pelo fato de a campanha ser institucional, o risco conhecido por todo publicitário de “se chover no molhado”, e de se repetir fórmulas óbvias ou desgastadas é bastante considerável. Comecemos por entender um pouco melhor a empresa Canal Futura. No seu site, lê-se o seguinte:
Educação para a vida O Futura transmite valores e informações úteis ao cotidiano da população, vinte e quatro horas por dia, todos os dias. Alcança crianças, jovens, famílias e trabalhadores. Cria uma linguagem plural para abordar temas de importância e interesse coletivo. Fala de saúde, trabalho, juventude, educação, meio ambiente e cidadania. Um aliado do brasileiro na busca da construção de uma vida melhor. (Disponível em: .) 113
13
Tradicional centro de agências de propaganda em Nova York.
14
Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2009.
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Como também a missão da empresa: Contribuir para a formação educacional da população, desenvolvendo as capacidades básicas da criança, do jovem, do trabalhador e de toda a sua família. Pelo menos como hipótese, no contexto de nosso exercício, vamos admitir que, de fato, o público venha constatando o cumprimento da missão do Futura, materializada nas ações expressas no texto acima. Essa é uma das questões levantadas por Ries e Trout que se mostra decisiva no presente caso. Em consequência, pode-se afirmar que a empresa sabe a posição que ocupa e essa certeza coincide com a percepção do público. Pelo caminho traçado por Kotler, utilizaríamos a sua fórmula: P = PB + J + ID. O posicionamento do Futura, portanto, é a soma de sua promessa básica, aqui representada por sua missão, mais a justificativa para essa promessa, sustentada pelo projeto social da empresa, em sintonia com os valores e princípios das empresas-membro da mantenedora; além disso, somam-se as qualidades intrínsecas da marca Futura, ou seja, sua identidade e imagem alinhadas, devido, no caso, à boa reputação da empresa, traduzida no compromisso com o público ao longo do tempo e no conjunto de ações que ela põe em prática. Se fôssemos solicitados pela agência a estabelecer o posicionamento da emissora, talvez pudéssemos descrevê-lo assim, segundo a fórmula acima: “contribuir para a educação da criança ao adulto com programação original e diversificada”. Note-se, como missão e justificativa estão representadas no enunciado e a “identidade desejada” seria uma espécie de moldura, compreendida pela marca, reforçando os dois itens anteriores. O que acabamos de escrever serve para explicar o slogan15 do Canal Futura, que tenta sintetizar esse posicionamento: “Futura – O canal que liga você”, onde o verbo ligar tem carga ambivalente, pois aponta para um meio eletrônico (“ligado” à rede elétrica) e para a missão de informar, formar, educar (“ligar”, em linguagem do jovem); nesse sentido, o vocábulo “canal” tem essa função reforçada de ser o meio de acesso à promessa básica.
15
Frase de efeito, geralmente de caráter comercial, mas muitas vezes de natureza política ou religiosa. Sintetiza uma ideia a respeito de certo objeto (marca, produto, empresa, pessoas etc.), facilitando a memorização, também em decorrência do número de veiculações a que é submetida.
Um slogan somente cumpre sua função com êxito se souber traduzir o posicionamento da marca ou do produto. Relembrando o posicionamento do SBT, entre os anos de 1981 a 1987, quando o canal, lançando mão de uma estratégia de marketing, apresentava-se como o segundo, ao lado (e como alternativa à) da TV Globo: “Liderança absoluta do segundo lugar”. Ou o seu 114
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
atual posicionamento – quando já não ocupa o segundo lugar na audiência, posto conquistado pela Rede Record – traduzido num slogan que também convoca o telespectador a comemorar os 28 anos da emissora: “SBT – A TV mais feliz do Brasil”, criado pela agência Talent. Em vez de tentar competir com o líder e o vice-líder, a emissora de Silvio Santos dá ênfase ao seu perfil de “canal popular”, embalado pela popularidade e pela animação (a alegria) do seu dono. São muitos os exemplos de slogans que demonstram com precisão o posicionamento da marca: “Globo News – A vida em tempo real”; “Informação é o nosso esporte” (ESPN, canal especializado em esportes); “CBN – A rádio que toca notícia”; “Responsabilidade cultural. Faça parte dessa cultura” – um conceito lançado pela Rede Cultura que procura se alinhar com os já conhecidos conceitos de responsabilidade social e responsabilidade ambiental, defendidos sistematicamente pela emissora. Aliás, cabe frisar que o departamento de marketing da TV Cultura partiu da premissa de que a emissora tem suficiente reputação para lançar o conceito 16, virtude indispensável para a credibilidade do projeto como um todo. Por outro lado, o novo posicionamento da emissora ganhou o seguinte slogan: “TV que faz bem”, onde também se pode notar a ambivalência da palavra “bem”: um advérbio de intensidade (bem feito) ou substantivo (faz (o) bem). Mas voltemos à campanha do Canal Futura. Ries e Trout (1993, p. 19) ensinam que o marketing não é uma batalha de produtos, é uma batalha de percepção. O que vale é como o público percebe a marca: Por exemplo, os três carros japoneses importados pelos EUA mais vendidos são Honda, Toyota e Nissan. A maioria dos profissionais de marketing pensa que a batalha entre as três marcas baseia-se em qualidade, estilo, cavalo-vapor e preço. Nada disso. O que determina a vitória da marca é o que as pessoas pensam sobre um carro Honda, Toyota ou Nissan. O marketing é uma batalha de percepções.
Essa convicção pode ainda nos levar a considerar uma das 22 leis do marketing, relacionadas pelos teóricos, para a análise do slogan do Futura. A “lei do foco” defende a noção de que uma empresa pode obter sucesso se encontrar um modo de se representar por uma palavra na mente do cliente. Deve ser uma palavra simples e já conhecida. A IBM representa computador , assim como a Microsoft representa software, a Skol representa cerveja e assim por diante. Embora a Rede Cultura e o Futura tenham vários pontos em comum, é certo que a segunda emissora não poderia dar conta do projeto institucional da primeira, e nem deseja. O foco do Canal Futura é “educação” e “formação” e assim essas palavras podem traduzi-lo para nossa agência de comunicação. 115
16
Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2009.
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Se o objetivo da nossa comunicação fosse o de subsidiar a agência para a criação do slogan – Futura – o canal que liga você – nosso trabalho estaria terminado. Como sugerem Ries e Trout, teríamos com o nosso posicionamento, calcado na “lei do foco”, indicado um “benefício de maneira sólida”: educação/formação. Porém, não basta veicular nosso slogan para dar por realizada a campanha institucional. Por isso, essa campanha precisará de um conceito que a sustente, o qual, por sua vez, poderá ser reforçado por imagens, além da declaração anunciada pelo slogan. Destaque-se que a formulação desse conceito é tarefa da agência, pois ele também deve ser uma tradução criativa do posicionamento. Não se descarta nunca a participação do departamento de marketing na criação de slogans e mesmo em algumas soluções relacionadas à criação de peças publicitárias. Mas o processo como um todo é de responsabilidade da agência, devendo esta sempre apresentar mais de uma proposta para a campanha. Até aqui o comunicador empresarial se envolveria em todo o processo de discussão sobre o posicionameno; daí em diante, continuaria em contato com a agência ao longo das etapas referidas na figura 3, e finalmente participaria do processo de aprovação das peças. Numa campanha veiculada em 2009, encomendada pelo Futura à agência F/Nazca, o conceito criado foi esse: “Não deixe de ser tudo aquilo que você pode ser”, veiculado na mídia impressa, e com ligeira alteração para a mídia eletrônica: “Seja tudo aquilo que você sonha e que pode ser”. Foram produzidos dois comerciais de 30s cada, o primeiro intitulado “Homem balão”17 e o segundo, “Céu”18. Naquele, um garoto lança um inflável de si mesmo aos céus e o objeto flutua pelo interior de uma biblioteca, de um museu, sobrevoa um campinho de futebol, florestas, geleiras, até ser visto no espaço, fora do planeta. No outro, três amigos escalam uma montanha que eles mesmos construíram com livros, microscópios, aquarelas, lunetas e demais objetos do mundo da cultura, da pesquisa e da escola, até alcançarem o topo. Tanto em um quanto noutro comercial, ouve-se uma voz em off que anuncia o conceito acima.
17
Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2009. 18
Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2009.
Entendemos bem o sentido das imagens e sua relação com o conceito, o qual faz referência a sonho, à superação de limites, simbolizada na experiência da travessia de diferentes lugares, rompendo barreiras geográficas (“Homem...”) e ganhando a amplidão do espaço; e à construção do conhecimento, que se dá aos poucos (o desenvolvimento) na escalada rumo ao topo da montanha (“Céu”). De novo, o “canal que liga você” surge como o meio que propicia essa jornada. Eis o fechamento do círculo em que uma a uma as partes se ligam harmônica e coerentemente. 116
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
No nosso exame das estratégias definidas por Argenti (2006), no início deste tópico, analisamos o objetivo da comunicação, os recursos envolvidos – no caso, aqueles estipulados por nossa empresa, o anunciante – e fizemos uma reflexão sobre a reputação de uma empresa no contexto de uma campanha publicitária. O autor faz menção também a um segundo conjunto de questões: análise do público-alvo, a atitude do público-alvo diante da empresa, o que este sabe sobre o tema discutido e a necessidade de se transmitir adequadamente as mensagens, a escolha do canal e, finalmente, as respostas do público-alvo. Com maior ou menor ênfase, nossa análise também contemplou esse segundo grupo de questões. A análise considerou uma das situações mais complexas no âmbito da comunicação empresarial, que é a veiculação de campanhas publicitárias. Porém, todos os itens citados devem ser lembrados em várias outras situações, com menor complexidade, cujo público-alvo poderá ser apenas uma fração daquele atingido por uma campanha publicitária. O esquema sugerido por Argenti (2006), abaixo, demonstra cada uma dessas etapas. ) 2 4 . p , 6 0 0 2 , I T N E G R A (
Mensagens – Qual é o melhor canal de comunicação? – Como a empresa deve estruturar a mensagem?
Empresa
Públicos
– O que a empresa deseja que cada público faça? – Que recursos estão disponíveis? – Qual é a reputação da empresa?
– Quais são os públicos da empresa? – Qual é sua atitude em relação à empresa e ao tópico em questão?
Respostas do público – Cada público-alvo respondeu da maneira que a empresa desejava? – A empresa deve revisar a mensagem à luz das respostas do público?
Figura 4 – Estrutura expandida da estratégia de Comunicação Empresarial.
117
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Ampliando seus conhecimentos
Comunicação interna é função estratégica (MATOS, 2009)
Uma grande indústria do setor elétrico – que identificaremos como WZ – contratou um conceituado profissional de marketing e criou uma diretoria especial de relações com o mercado. A decisão partiu da iniciativa isolada do seu presidente, que não comunicou o fato nem mesmo aos diretores e funcionários da alta gerência. Os diretores tomariam conhecimento durante a periódica reunião quinzenal da direção, e os gerentes, após um mês, através de memorandos. Dessa forma, ele acreditava que seria possível iniciar algumas mudanças na estratégia de mercado da empresa evitando resistências ou divergências de ideias. No entanto, alguns colunistas da grande imprensa – que mantinham contato direto com o presidente da companhia – divulgaram a notícia com um certo alarde, pois essa medida significava uma grande mudança no estilo de competitividade e política de comunicação da empresa, que até então restringia-se a vultosos gastos em publicidade e propaganda. Essa situação gerou um clima de apreensão entre os diretores, gerentes e funcionários de nível médio, que tomaram conhecimento da notícia pelos jornais. Muitos conversaram sobre o assunto de forma reservada, pois oficialmente a direção ainda não havia se manifestado. Foi nesse clima de disse me disse, que um dos mais importantes clientes da companhia – uma grande construtora –, através do seu diretor comercial – Dr. Peçanha – procurou saber detalhes sobre a notícia que lera no jornal com o gerente de Negócios da WZ, profissional com quem ele fechava as compras de grandes lotes de produtos. Envergonhado, por não saber de nada sobre mudanças na política da empresa, o gerente procurou apurar o assunto com o assessor de comunicação, que por sua vez revelou desconhecer qualquer novidade a respeito, embora coordenasse todo o fluxo de notícias para os ambientes externo e interno da empresa. Ao tentar falar com o presidente da WZ, o único retorno que o Dr. Peçanha conseguiu foi uma resposta evasiva da secretária: o presidente está no exterior e só volta semana que vem.
118
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Diante da incerteza e imprecisão das notícias, que chegaram a gerar boatos de que a empresa estaria em estado pré-falimentar, o cliente preferiu interromper os pedidos em favor de uma proposta do maior concorrente, inclusive fechando um contrato de fornecimento exclusivo por dois anos. Esse exemplo, verídico, retrata bem as consequências comprometedoras que a falta de seriedade no desenvolvimento de uma política de comunicação pode gerar.
Acesso à informação A comunicação interna funciona como base de sustentação para a comunicação externa. Se diretores, assessores, gerentes e funcionários em geral tivessem acesso à informações sobre a real situação da empresa, a WZ poderia ter evitado a perda de tão importante cliente.
[...]
No contexto de globalização, as companhias líderes do seu segmento são aquelas que já concluíram que o público interno precisa ser trabalhado para que tenha condições de repassar ao público externo tudo aquilo que a empresa possui de melhor e que está aprimorando em nível de processos e de produtos.
Ações integradas É ponto fundamental a definição – acompanhada de uma consistente política de divulgação e comunicação interna – de um plano estratégico traçando os rumos para o curto, médio e longo prazos. Dessa forma, as oportunidades, ameaças e desafios podem ser antecipados, o que favorece a adoção de uma linha de atuação mais eficaz. Uma empresa que não possui a sua diretoria e gerência integradas, dificilmente conseguirá impulsionar um processo de mudanças com eficiência e bons resultados. A empresa precisa tornar-se capaz de comunicar-se com seus funcionários, através de ações integradas em um programa de comunicação interna, a fim de mantê-los informados sobre os verdadeiros objetivos da mudança.
119
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Por intermédio de um bem elaborado programa de comunicação interna pode-se motivar os funcionários a comprometerem-se com a nova postura da empresa, cada um em sua área de atuação e através das atividades que desenvolve. Isso implica em trabalhar com a verdade e com a transparência de todas as ações, onde os questionamentos vindos dos funcionários devem ser vistos como merecedores de uma resposta rápida e de uma explicação coerente. Significa desenvolver esforços no sentido de informá-los cada vez mais e melhor. Desse modo, é vital a abertura de canais de comunicação e expressão, que podemos entender como: house organs e jornais murais (elaborados com a participação efetiva dos funcionários), debates e reflexões entre diretoria e funcionários, manuais e campanhas informativas e a promoção de programas culturais e de lazer. As relações interpessoais são a alma da empresa e devem ser levadas em consideração, quando ela está em busca da qualidade e da competitividade. Já está provado pelos mais diversos estudos empíricos, de conceituados psicólogos e pedagogos, que o modo com que as pessoas aprendem, cooperam, inovam e progridem depende basicamente de seus relacionamentos, sejam pessoais ou profissionais. Por essa perspectiva, podemos concluir que a comunicação interna é capaz de estabelecer relacionamentos integrados entre funcionários utilizando programas participativos, capazes de gerar um maior comprometimento de todos, o que, com toda certeza, motivará maiores índices de produtividade e qualidade.
Função estratégica Quem não se comunica se complica, perdendo confiança, produtividade, qualidade, credibilidade e, consequentemente, clientes, negócios e mercado, o que significa baixa competitividade. E no contexto de globalização da economia, perda de competitividade quer dizer a mesma coisa que desempenho negativo ou falência. Esta é uma relação de causa e efeito incontestável. Hoje, no mundo dos negócios é unânime o reconhecimento da comunicação empresarial como uma função estratégica de resultados.
120
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
O processo de globalização da economia tem como uma de suas principais tendências a intensificação das relações que as empresas desenvolvem com seus clientes internos (funcionários) e externos (fornecedores, distribuidores e, até mesmo, concorrentes). Essas novas relações representam uma mudança fundamental no papel e objetivo do marketing: da manipulação do cliente à sua verdadeira participação, da simples venda à comunicação e troca de conhecimentos, da visão meramente consumista à postura de busca de melhoria da qualidade de vida. Dentro do ponto de vista do marketing moderno, que enfatiza a importância do desenvolvimento de relações, o cliente não é visto apenas como consumidor de produtos ou serviços, mas como parceiro na busca de soluções para os desafios da modernidade, que é caracterizada pelas rápidas transformações científicas e tecnológicas. A situação da WZ se repete em muitas outras empresas, que possuem um Plano de Comunicação e Marketing, até mesmo muito bem-estruturado, mas onde, os seus dirigentes agem de forma personalista e centralizadora, o que demonstra um descomprometimento das lideranças com os princípios da administração moderna. Esta que preconiza a transparência no fluxo de informações e a participação e engajamento, nas decisões da empresa, de todos os envolvidos no seu processo de trabalho.
Qualidade O perfil do consumidor compulsivo da sociedade industrial, que caracterizou as décadas de 1970, 1980 e 1990, está sendo substituído pela figura do consumidor consciente da sociedade do conhecimento. Ele é identificado como cidadão conhecedor dos seus direitos e consumidor seletivo, que privilegia a qualidade ao invés da quantidade. Esse enfoque na qualidade distinguiu no meio organizacional a necessidade do trabalho em equipe como a forma mais eficaz de desenvolvimento das pessoas e das empresas nos processos de mudanças. Ao constatar a falta de uma visão coletiva, ou seja, de uma visão compartilhada, as empresas passaram a reavaliar sua maneira de agir com relação a muitos aspectos, inclusive o nível de informação oferecido a seus funcionários e aos clientes externos.
121
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Há muito tempo que as empresas desenvolvem programas de comunicação interna, porém, somente agora que vem se consolidando a atividade da comunicação empresarial sob o ponto de vista estratégico. A comunicação deixou de ser atividade-meio e passou a ser utilizada como ferramenta estratégica de resultados das empresas e organizações líderes no mercado globalizado. Assim como no passado, o início de um novo século – que tem o seu simbolismo intensificado pelo começo do Terceiro Milênio – é marcado pelas mudanças radicais de paradigmas do pensamento e comportamento humanos. Mais do que nunca, dentro desse cenário de grandes transformações, a intensificação da comunicação, através da facilitação do acesso às mais diversas informações, viabilizada pela teleinformática, é uma questão não só de melhoria profissional, como de qualidade de vida das pessoas e de sobrevivência para as empresas.
Atividades de aplicação 1. Um bom princípio no relacionamento com os públicos da empresa é este, segundo o qual não devemos tratá-los de forma isolada uns dos outros. Comente. 2. Que relações podem ser feitas entre o SAC e ombudsman? 3. Qual é a importância do posicionamento da empresa?
Referências ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. Tradução de: Adriana Rieche. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 327p. CORRÊA, Roberto. Planejamento de Propaganda . 9. ed. São Paulo: Global, 2004. 267p. DAVENPORT, Thomas H.; HARRIS, Jeanne G. Competiçao Analítica: vencendo através da nova ciência. São Paulo: Campus, 2007. 268p. KOTLER, Phillip. Marketing para o Século XXI: como criar, conquistar e dominar mercados. Tradução de: Bazán Tecnologia e Linguística. São Paulo: Futura, 1999. 305p. 122
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Relações Públicas e Modernidade : novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997. 160p. MATOS, Gustavo G. Comunicação Interna É Função Estratégica . Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2009. NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral: como gerencial imagem, questões públicas, comunicação simbólica, crises empresariais. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2000. 270p. RIES, Al; TROUT, Jack. Posicionamento : a batalha por sua mente. São Paulo: Makron Books, 2009. 214p. _____. As 22 Consagradas Leis do Marketing . São Paulo: Makron Books, 1993. 128p.
123
Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão
Gabarito 1. De fato, na maioria das vezes, os públicos mantêm interações entre si, de modo que ainda que a empresa, em determinado momento, esteja se comunicando com um público-alvo específico, os desdobramentos dessa relação envolvem outros públicos. Exemplo disso pode ocorrer quando a matriz de uma multinacional, por intermédio de suas filiais, dirige-se ao cliente, convocando-o para o recall de certo produto, o console de um video game, por exemplo. Essa operação envolve, em primeira mão, a comunicação interna matriz-filial e filial-funcionários. Em seguida, assessoria de imprensa, meios de comunicação e o diálogo com as comunidades de video game, que são formadoras de opinião, e assim por diante. Não é menos relevante o fato de vários funcionários da filial serem também consumidores e, nesse caso, como “embaixadores de marca”, teriam argumentos consistentes para divulgar a operação e validá-la no seu círculo de relações. 2. Embora diferentes na essência, os serviços são complementares. Enquanto que o SAC atende a clientes em situações bem específicas (reclamações, dúvidas sobre o funcionamento de equipamentos, preparo de produtos, notificação de defeitos etc.), o ombudsman anota críticas, reclamações e sugestões dirigidas a ele e se posiciona diante delas perante a empresa. Para isso, recorre a diretorias e/ou presidência e propõe medidas apropriadas para cada item. 3. Posicionamento é um conceito introduzido na teoria de marketing por Al Ries e Jack Trout. Os autores defendem que o posicionamento é uma “batalha” pela mente do cliente, já que marketing, de acordo com essa visão, é muito mais uma questão de percepção do que de venda de produtos. Esse trabalho de ocupação da mente do cliente parte da premissa que vivemos em uma sociedade ultra congestionada pela comunicação e daí a necessidade, antes de tudo, de se ser percebido e compreendido dentro da posição que se ocupa no mercado. Kotler, no prefácio do livro Posicionamento: a batalha por sua mente, de autoria da dupla, reconhece que este deve ocorrer antes mesmo do mix de marketing, representado pelos 4 Ps.
124
Reputação institucional
Que o leitor se habitue com o fato de que empresas amam os rankings. Tudo a ver, sobretudo, quando o assunto é reputação. O Reputation Institute1 (RI) publicou, em 2009, como faz periodicamente, uma relação das 600 empresas com maior reputação em todo o mundo. Para isso, a instituição pesquisou empresas distribuídas em 32 países, a partir da consulta a 70 mil convidados. A edição de 2009, do Global Reputation Pulse, coloca algumas empresas brasileiras em posição de destaque. O RI é pioneiro e líder mundial no desenvolvimento de instrumentos de medição de performance organizacional, com presença em mais de 20 países; tem como missão fortalecer a reputação corporativa das empresas por meio do alinhamento entre a visão estratégica, cultura interna e as percepções dos seus públicos estratégicos (stakeholders). Abaixo, as 25 melhores colocadas no ranking, com sua respectiva pontuação na escala que varia de 0 a 100 pontos. Quadro 1 – Ranking das 25 empresas com melhor reputação no mundo Classificação
Empresa
País
Pontuação
1
Ferrero
Itália
85.17
2
Ikea
Suécia
83.98
3
Johnson & Johnson
EUA
83.58
4
Petrobras
Brasil
82.37
5
Sadia
Brasil
82.06
6
Nintendo
Japão
81.63
7
Christian Dior
França
81.37
8
Kraft Foods
EUA
81.09
9
Mercadona
Espanha
80.99
10
Singapore Airlines
Singapura
80.97
11
Tata
Índia
80.89
12
UPS
EUA
80.84
13
General Mills
EUA
80.80
. . e ) d > a o a d i c c a i l t b u u p p e r e s r o o i l e h e m . m w w m w o c < s : i a m e b o l l e g v í n s o a s e p s r i p D m . e t e s u t a i t s a n c e I n h o n i t o c a t / u 8 1 p / e 5 R / ( 0 9 0 0 2 / t p
1
Fundado em 1997, na Holanda, por Charles Fombrun e Cees B. van Riel. Com sede em Nova York, possui escritório no Rio de Janeiro desde 2006 e reúne entre seus clientes Algar, Arcelor, Cemig, Gerdau, Holcim, Itaú, Petrobras, Samarco, Telefônica, Vale e Votorantim que se somaram às quase 500 organizações atendidas pelo RI no mundo.
Reputação institucional
Classificação
Empresa
País
Pontuação
14
El Corte Inglés
Espanha
80.80
15
Matsushita Electric Ind.
Japão
80.31
16
FedEx
EUA
80.30
17
Grupo Bimbo
México
80.22
18
Honda Motor
Japão
79.86
19
Whirlpool
EUA
79.86
20
Votorantim
Brasil
79.59
21
Walt Disney Co.
EUA
79.44
22
China Faw
China
79.35
23
Google
EUA
78.80
24
China Merhchants Bank
China
78.72
25
Caterpillar
EUA
78.69
. ) e . d > a o d i a c c a i t l b u u p p e r e s r o o i h e l e m . m w w m w o c < s : i a m e b o l l e g v í n s o a s e p s r i p D . m e t e s u t a i t s a c n e I n h o n i t o c a / t u 8 1 p / e 5 R / ( 0 9 0 0 2 / t p
Foram pesquisadas 1 300 empresas nas seguintes dimensões:
produtos e serviços;
inovação;
ambiente de trabalho;
governança;
cidadania;
liderança e
desempenho financeiro.
A primeira colocada é a fabricante dos bombons Ferrero Rocher; as quarta e quinta posições foram conquistadas pela Petrobras e Sadia, respectivamente, e a vigésima, pelo Grupo Votorantim. Para se ter uma noção do significado desses desempenhos, por parte das empresas nacionais2, basta observar a posição em grande desvantagem de gigantes como Microsoft (30.° lugar), Philips (holandesa, 33.°), Colgate-Palmolive (36.°) Procter & Gamble (44.°), General Electric (50.°), Amazon (55.°) Coca-Cola (80.°) e Xerox (89.°).
2
A Vale ficou com o 28.° lugar no ranking.
Listas como essa, com maior ou menor abrangência de objetivos, tornaram-se rotineiras no Brasil: há o guia das “Melhores empresas para se traba128
Reputação institucional
lhar” das revistas Exame e Você S/A., o qual relaciona as 150 organizações com melhor pontuação; também o ranking das “Maiores e Melhores Empresas Brasileiras”, outra iniciativa da revista Exame, assim como o Guia da Boa Cidadania Corporativa. Já a revista Carta Capital , há mais de 10 anos aponta as “Empresas Mais Admiradas no Brasil”, pesquisa cuja edição de 2008 identificou, pela ordem, as seguintes organizações: 1. Vale; 2. Natura; 3. Petrobras; 4. Gerdau; 5. Nestlé; 6. Google; 7. Embraer; 8. Apple; 9. Banco Real e 10. Votorantim.
Imagem e Reputação Esse quadro de análises e competições não apenas indica uma tendência internacional, de caráter avaliativo do desempenho das organizações, mas ele por si só já compõe um elemento da imagem das empresas ocupantes das primeiras posições. Portanto, reputação e imagem andam lado a lado. A primeira, produto de uma construção histórica, baseada no compromisso com os públicos e no esforço de contínuo aprimoramento dos serviços; a segunda, resultado da percepção dos diferentes públicos. Carlos Gustavo Fortes Caixeta (2008) faz o seguinte comparativo entre imagem e reputação, de onde se depreende, como fator decisivo, a natureza efêmera da imagem e o caráter histórico e processual da reputação. Quadro 2 – Comparativo entre imagem e reputação Imagem corporativa
Reputação corporativa
Relacionada em grande parte à comunicação.
É o reconhecimento do comportamento.
Caráter conjuntural e efeitos efêmeros.
Caráter estrutural e efeitos duradouros.
Difícil de objetivar.
Verificável empiricamente.
Gera expectativas associadas à oferta.
Gera valor associado à resposta.
Constrói-se fora da organização.
Gerada dentro e fora da organização.
“Como somos percebidos”.
Ações que demonstram o “cumprimento das promessas de marca.”
- ) / . t e e - > a n . o v a i e t r t a a u p r h o s e e r - p r d a i r o l c s . t s e e w l d a w p a w / d i v < o i : a t c i m a t e i c e l n p e u m v o í n m c o o c p s m i D o t (
3
Ana Luísa de Castro Almeida (2005), do Instituto de Reputação no Brasil, lança mão de uma metáfora para comparar reputação e imagem: a imagem é transitória, um take (tomada) em um filme, enquanto que a reputação é o próprio filme. A identidade3 da organização, por sua vez, é o gerenciamento de elementos concretos suficientemente interligados para a criação de um perfil capaz de garantir a distinção entre um modo de ser e o de outro, peculiar à outra organização. Não confundimos instituições bancárias, geralmente muito zelosas de sua identidade corporativa, graças, em primeira ordem, a esse aparato físico. 129
Elementos que compõem a identidade da empresa: logotipo, logomarca, programação visual de escritórios e demais instalações, uniformes, propaganda, papelaria, catálogos, pintura de frotas, sinalização, assinatura de anúncios e peças promocionais, identificação dos produtos. Somam-se a esses itens de natureza concreta, elementos simbólicos como a história da empresa, do ponto de vista da construção de narrativas (história dos fundadores, “tempos heroicos” da fundação etc.).
Reputação institucional
O vocábulo “reputação” é formado pelo antepositivo (elemento que antecede, que tem posição anterior) de origem latina putus: puro, cuidado, sem mistura; daí “puto”, utilizado, em associação, como sinônimo de menino (puro), em Portugal. O feminino “puta” (menina) teve seu sentido primeiramente ampliado para designar a prostituta e depois limitado a essa designação. Aprofundando esse olhar etimológico, orientado pelo discernimento da raiz da palavra, encontramos o vocábulo “deputado”, o representante do povo e, por isso, imaculado, depurado em sua moral. O lastro histórico da reputação, isto é, o conjunto de fazeres, de procedimentos objetivamente organizados ao longo do tempo, sob a orientação de princípios baseados na qualidade de produtos e serviços e no compromisso com os públicos, tem esse caráter temporal realçado em frases como a de Henry Ford4: “Você não pode construir uma reputação baseado no que você ainda vai fazer”. Por outro lado, chamando a atenção para o aspecto extremamente sensível da reputação, Warren Buffett5 afirmou que “são necessários 20 anos para se construir uma reputação e cinco minutos para destruí-la”, o que também deixa evidente o dado relacionado à percepção dos públicos. Ainda para pontuar as diferentes visões que se delineiam ao longo dos séculos sobre o assunto, vale lembrar as palavras de Sócrates (470 a.C.-399 a.C.): “A maneira de se conseguir boa reputação reside no esforço de se ser aquilo que se deseja parecer”. Embora o mais antigo dos três depoimentos, o do filósofo grego mostra-se ainda extremamente moderno porque evoca a questão do ser e do parecer , categorias que se entrecruzam no debate sobre reputação. Uma empresa que “pareça” ter boa reputação, mas não a tenha de fato, mais dia ou menos dia acabará por ter revelada essa sua impostura, pois calcada em uma construção meramente imagética, resultante da comunicação, bem como de um conceito bastante suspeito de marketing; empresas com bons serviços, mas com imagem menor que esse desempenho, necessitam de comunicação eficaz e urgente. Empresas capazes de alinhar a percepção positiva de seus vários públicos, como resultado de sua reputação, demonstram ser possível sintonizar reputação e imagem.
4
Henry Ford (1863-1947) foi o fundador da Ford Motor Company, empresa automobilística que revolucionou o processo de fabricação de veículos com a chamada “linha de montagem”. O processo baixou para 98 minutos o tempo necessário para a fabricação de um veículo, elevando exponencialmente os ín-dices de produtividade e possibilitando à empresa a oferta em massa de automóveis. 5
Warren Buffett nasceu nos EUA em 1930. É atualmente um dos homens mais ricos do mundo, graças a investimentos na bolsa, operação que tem sabido desenvolver com maestria para todos os seus clientes. Mestre pela Escola de Negócios de Colúmbia, Buffett notabilizou-se também por seu pendor filantrópico e por um estilo de vida despojado (guardadas as proporções), o que o levou a doar, em testamento, 85% de sua fortuna, avaliada em cerca de 40 bilhões de dólares, para a Fundação Bill e Melinda Gates, mantida pelo ex-presidente da Microsoft.
São muitos os autores que a partir do início da década de 1990 detiveram-se sobre o conceito de reputação. Um artigo de Fombrun; Rindova e Shanley (1990) lançou as bases teóricas do debate e estimulou o empenho dos estudiosos para o delineamento dos componentes estruturadores da reputação corporativa. Os diferentes sinais (o conjunto de processos e sistemas de interação para a entrega do produto ou serviço) emitidos pela empresa são interpretados pelos stakeholders6 de modo peculiar, conforme o lugar que ocupem em determinada situação.
6
Ao longo deste capítulo, adotamos o termo stakeholder , em vez de sua tradução como “público”, pois no âmbito da teoria da reputação e responsabilidade social, assim como no da administração de um modo geral, os autores costumam não traduzi-lo, conforme se notará nas transcrições a seguir.
130
Reputação institucional
Como nosso principal foco é a Comunicação Empresarial, devemos afastar a possibilidade de passar em revista um grande número de teorias sobre o tema. O quadro abaixo sintetiza como diversas áreas do conhecimento situam o conceito de reputação. Quadro 3 – O conceito de reputação visto por diferentes áreas Disciplinas
Definição de reputação
Economia
Traços ou sinais que descrevem o comportamento provável das empresas em uma situação particular.
Estratégia
Barreira de entrada; uma fonte de vantagem competitiva sustentável. Ativo intangível difícil de ser imitado.
Contabilidade
Ativo intangível difícil de medir, mas que cria valor para as empresas.
Marketing
Ativos com o poder de atrair clientes leais; Associações que os indivíduos estabelecem com o nome de uma empresa.
Comunicações
Traços percebidos da empresa que se originam das relações que esta estabelece com os múltiplos públicos.
Teoria das organizações
Identidade da empresa. Representações cognitivas da empresa que se desenvolvem à medida que os stakeholders reconhecem as atividades da empresa.
Sociologia
Construções sociais que se originam a partir do relacionamento que as empresas estabelecem com o ambiente institucional que compartilha.
) 6 5 . p , 6 0 0 2 , R E N R E L d u p a
, 0 0 0 2 R E V E S ; G R E B D R A G ; M U R B M O F (
Uma abordagem frequente dos vários fatores intangíveis7 da empresa, quer sejam aqueles encarnados pela marca, quer pela comunicação empresarial, como processo organizacional, quer pela identidade, imagem e reputação, essa abordagem realça a virtualidade de cada um dos itens gerar ativos para a empresa. De onde se pergunta: em termos de valor, quanto vale uma boa reputação? A reposta é dada por Ana Luísa Castro de Almeida, diretora do Instituto de Reputação (Brasil), citada acima: Em termos de desempenho financeiro, os estudos mostram que, se a empresa aumentar em 5% a sua reputação, seu valor de mercado crescerá em 3%. A boa reputação exige práticas que são necessárias para a sustentabilidade da empresa. Em relação aos públicos, a boa reputação gera comportamentos de apoio: eu compro, eu invisto, eu gostaria de trabalhar, eu falo bem dessa empresa. Uma empresa com maior reputação desfruta de credibilidade, confiança, respeito e estima. (ALMEIDA, 2005)
A reputação corporativa influencia os stakeholders, pois, como vimos, orienta-os no momento de compra, na decisão sobre trabalhar ou não para determinada organização etc.; além disso, a reputação dispõe os públicos, principalmente clientes, a recomendar a empresa a amigos e participa do julgamento que possam efetuar com relação ao comprometimento da instituição com a comunidade. 131
7
Recursos intangíveis incluem itens como a reputação da empresa, o valor da marca, as habilidades administrativas relacionadas com processos de decisão, habilidades tecnológicas para o sistema organizacional – quer sejam documentadas quer não –, o conhecimento do valor de seus recursos humanos e os relacionamentos com stakeholder s, entre outros fatores.
Reputação institucional
Paul A. Argenti (2006, p. 98) expõe as relações entre identidade, imagem e reputação, considerando que esta última é a soma das imagens percebidas pelos diferentes stakeholders. Embora o autor não enfatize o aspecto efêmero da imagem, é possível, todavia, concluir que a percepção isolada de um tipo de público pode influir muito pouco na construção da reputação como um processo histórico e, portanto, complexo. A reputação de uma editora, por exemplo, não se constrói apenas com a publicação de uma coleção que viesse atender às necessidades de um tipo de público. Além de ter que consolidar sua reputação com um projeto editorial coerente, diversificado e representativo, de acordo com os interesses e necessidades do leitor, teria ainda que demonstrar sensibilidade em compreender sua missão num contexto social que extrapola os limites de sua clientela. A identidade corporativa (nomes, marcas, símbolos, autoapresentações) é percebida por meio da
Imagem para o cliente
Imagem para a comunidade
Imagem para o investidor
Imagem para o funcionário
) 8 9 . p , 6 0 0 2 , I T N E G R A (
a soma de suas percepções equivale à
reputação corporativa Figura 1 – Estrutura da reputação.
Barnett et al. (2006 apud CASTRO, 2008, p. 54 e ss.) consideram a reputação corporativa como um objeto suscetível a três diferentes abordagens: ativos (a reputação como ativo intangível); avaliação (reputação como produto da avaliação moral de seus diversos stakeholders); e percepção (modo pelo qual os públicos, mais especificamente os clientes, percebem a empresa). Os autores ainda discutem a diferença de conceitos para com os de identidade, imagem e “capital reputacional”, e propõem um conceito mais amplo para reputação corporativa.
Instituto de Reputação e RepTrak Fombrun e Gardberg (2000 apud ALMEIDA, 2005) desenvolveram o “Quociente de Reputação”, o qual se baseia em seis dimensões assim compreendidas, validadas e empregadas pelo IR até serem substituídas pelo modelo do RepTrak:
132
Reputação institucional
Apelo emocional – percepção do quanto os indivíduos gostam, admiram e respeitam a organização.
Produtos e serviços – percepção da qualidade, inovação, valor e credibilidade de produtos e serviços.
Desempenho financeiro – percepções de resultados, perspectivas e risco.
Visão e liderança – percepção do processo de gestão da organização; de sua visão de futuro e capacidade de catalisar oportunidades de mercado.
Ambiente de trabalho – percepção do ambiente de trabalho; qualidade de seus empregados e da relação da organização com seus empregados.
Responsabilidade social – percepção de postura de cidadania empresarial ao lidar com comunidades, empregados e meio ambiente.
Por se demonstrar abrangente, orgânico – porque articula cada um dos fatores com os quais trabalha – o conceito de reputação8 do Instituto de Reputação (IR)9 vem sendo constantemente citado pelos especialistas: A reputação empresarial é o que as pessoas pensam e sentem sobre uma empresa, com base em informações (ou desinformações) que elas tenham tido sobre seus produtos, serviços, empregados, iniciativas sociais, desempenho passado ou perspectivas futuras.
Percebe-se que o conceito assim delineado mantém ligações com o estabelecido por Fombrun (fundador do IR) e Rindova (1998, p. 207): A representação coletiva das ações passadas de uma empresa e dos resultados que descrevem a sua habilidade em entregar valor para seus variados stakeholders determina a posição relativa da empresa tanto internamente, para seus empregados, quanto externamente, com relação a seus outros stakeholders.
O Instituto de Reputação desenvolveu uma metodologia para a aferição da reputação denominada de RepTrak, uma marca registrada; como a metodologia, como se verá, associa dimensões e atributos e possui caráter demonstrativo, no sentido de permitir ao observador uma rápida visão sobre o modo de associação entre os dois itens referidos, cremos que uma tradução possível seja “Regulador de Reputação”. Faz-se a associação entre sete dimensões relacionadas à reputação (mencionadas acima) e 23 atributos conforme demonstra a figura a seguir:
133
8
Disponível em: . Acesso em: 2 out. 2009. 9
Adotamos a tradução, já que a empresa possui escritório no Brasil e na imprensa local passou a ser designado assim.
Reputação institucional P r o d u t
h o n
o s
s e
e
D
p e m
– Retorno do investimento – Resultados financeiros sólidos – Perspectivas de crescimento
– Alta qualidade – Relação custo X benefício – Garantia a produtos e serviços – Atende necessidades do cliente
Estima a ç
n
a
r
e
d
i
L
– Bem administrada – Liderança carismática – Excelência do corpo gerencial – Visão clara de futuro
A
a
i
d
t
a
p
m
i
RepTrak
S
– Responsabilidade ambiental – Apoia causas sociais – Contribui para o desenC i d volvimento social a i a
r
a
ç ã
o
C a o ç n n a fi
d
a n
i
m
– Abertura e transparência – Comportamento ético – Justiça na condução dos negócios
– Estímulo a novas ideias – Pioneirismo no mercado – Agilidade para adaptação às mudanças
I n
o
v
) . o d a t p a d A . 9 3 . p , 8 0 0 2 , A T E X I A C (
a ç ã
o
– Recompensa os empregados de forma justa o h – Preocupa-se com a l a saúde e bem-estar b a dos empregados r T – Promove e oportunidades e d t iguais n i e b
A m
G ov ernança
Figura 2 – RepTrak Pulse.
Gerência da Reputação Sociedades complexas encerram um alto grau de mutabilidade que pode ser parcialmente analisado na convergência das mídias e dos muitos subprodutos gerados por essa conformação reticular. Por outro lado, ou talvez até porque o impacto do fenômeno dessa convergência tenha dotado os indivíduos de um maior poder de “observação” das áreas governamentais e institucionais de um modo geral, a verdade é que o clamor público pela transparência da administração é um fato irreversível. Nesse cenário, a responsabilidade social é um dos fatores que ganhou visibilidade no planejamento estratégico e se fez tema constante da pauta do terceiro setor em seu diálogo com as organizações, apenas para citar um tipo de relação em permanente evidência. Uma reputação sólida é um patrimônio inimitável, pois consubstanciado em uma longa jornada vivida de forma peculiar por sujeitos peculiares, pois inseridos em um quadro de forças historicamente bem demarcado. O comunicador tem papel dos mais importantes em todo o processo de construção e preservação da reputação. Ninguém melhor do que ele para 134
Reputação institucional
traçar o perfil dos vários públicos, analisá-los em suas dinâmicas, em suas demandas e, juntamente com agentes internos diretamente envolvidos nesses processos, estabelecer ações e políticas que melhor possam suprir suas necessidades. Retomemos Barnett et al. (apud Castro, 2008), referidos acima, e a abordagem que fazem em três planos da reputação: como ativo intangível; como avaliação realizada pelos stakeholders e como percepção por parte dos stakeholders, sobretudo os clientes. É útil assinalar como os autores conceituam reputação ( apud CAIXETA, 2008, p. 57): “Coleção de julgamentos sobre uma empresa, baseados nas avaliações financeiras, sociais e dos impactos ambientais atribuídos a essa organização ao longo de sua história”.
Reputação como ativo intangível Como destacou Almeida (2005), uma empresa que alcance 5% de crescimento de sua reputação, será valorizada na ordem de 3% no mercado. Se assim for, conclui-se de imediato o impacto sobre funcionários, o valor das ações, as vendas e sobre processos como o de captação de recursos. Em meio à toda turbulência financeira vivida pela Sadia – em grande parte causada pela crise econômica mundial – mesmo assim seu capital reputacional cresceu a ponto de conquistar lugar de destaque entre as empresas com maior pontuação no ranking do IR. Como é de se supor, uma abordagem baseada em ativos tem como referencial conceitos da teoria econômica, entre elas, conforme Castro (2008), a Teoria dos Custos de Transação que evidencia o relacionamento comercial com empresas. Tende-se, segundo o enfoque teórico, a se manter relacionamento com empresas que gozam de boa reputação, pois esta é vista como resultante dos bons serviços prestados pelo parceiro com o qual se inicia a transação comercial. O campo de incerteza que cerca a contratação de uma gráfica para a impressão de embalagens, por exemplo, é amenizado, caso a organização tenha em vista a boa reputação da empresa a ser contratada. Outra teoria orientada por essa perspectiva do ativo intangível é a da visão baseada em recursos, no caso, aqueles recursos tidos como raros, representados pelas competências únicas e essenciais. O sistema de busca implantado pelo Google revolucionou o processo de pesquisa na internet, quando se lançou como alternativa ao Yahoo, líder absoluto de preferência até então. 135
Reputação institucional
A cultura organizacional é também um intangível com impacto na reputação. Compõe a cultura de uma empresa sua escala de valores intrinsecamente ligada ao modo como ela percebe o real e gera significado simbólico e cognitivo. Quando no passado a IBM afirmava acreditar em empregos vitalícios, essa convicção parecia (até uma crise financeira pôr abaixo esse princípio...) ser intrínseca ao seu modo de enxergar as relações trabalhistas. Como o princípio encerrava em si mesmo uma ética do mundo do trabalho, podia-se afirmar que aquele se impunha como diferencial raro e bastante difícil de ser imitado. As metodologias encarnadas pelo Quociente de Reputação (RQ) e pelo RepTrak, acima, podem ser classificadas como de desempenho global e, portanto, regulam cada uma das dimensões com os atributos que lhe são característicos. Cada uma das dimensões pode ser aferida com instrumentos específicos, fato que exige dos agentes envolvidos, no processo, rigor para o estabelecimento de índices, graus e de outras escalas de valor. As aferições realizadas pelas publicações mencionadas no início deste capítulo baseiam-se na avaliação global do desempenho.
Reputação como avaliação Nessa abordagem, a avaliação dos stakeholders é decisiva para a boa reputação da empresa. Estes esperam que a organização demonstre concretamente o seu interesse em participar na busca de soluções para questões comuns, como as relacionadas ao meio ambiente, por exemplo. Há teóricos que propõem uma Teoria dos Stakeholders, tal a relevância desses agentes. Como são muitos os públicos, e diferentes as formas de analisá-los, sugere-se a categorização deles em três quesitos: poder, legitimidade e urgência.
136
Poder – refere-se à percepção de como os stakeholders podem afetar os negócios. No início dos anos 1990, um boato, supostamente criado por uma famosa instituição do terceiro setor, segundo o qual os hambúrgueres da cadeia de lanchonetes McDonald’s eram fabricados com minhocas, causou prejuízos, nos EUA, na ordem de US$30 milhões.
Legitimidade – refere-se ao grau de relevância de certas demandas. Se telespectadores protestarem contra o conteúdo de um comercial, esse sinal, vindo da parte interessada (ainda que não seja toda ela constituída por clientes da empresa veiculadora do comercial), deve ser altamente considerado tanto pela emissora quanto pelo anunciante.
Reputação institucional
Urgência – refere-se ao modo como se responderá à certa demanda e em que tempo. Uma empresa de ônibus que tenha sido acusada de negligência, durante o desembarque de passageiros nos pontos de ônibus, não poderá adiar uma tomada de decisão quanto ao problema.
A responsabilidade social tornou-se nos últimos anos um tema tão constante na pauta das organizações que merece ser tratada também em tópico à parte, embora sua natureza intimamente ligada à avaliação dos stakeholders seja evidente, razão pela qual é incluída nessa abordagem. Castro (2008) lança mão de um esquema proposto por Fombrun para analisar o relacionamento com os stakeholders , tendo a responsabilidade social como objeto, isto é, como ação que gera impacto sobre os vários públicos e como que esse impacto pode ser monitorado para diminuir riscos. Por outro lado, as ações de responsabilidade social também oferecem oportunidades para as empresas, fator relacionado no quadro abaixo. Quadro 4 – Relacionamento com os Stakeholders Stakeholder envolvido
Oportunidades
) . o d a t p a d A . 0 0 0 2 , N U R B M O F (
Minimização de riscos
Comunidade
Criação de legitimidade
Minimizar riscos de má aceitação/conflitos
Mídia
Cobertura favorável
Minimizar risco de cobertura desfavorável
Ativistas
–
Minimizar risco de boicote
Investidores
Geração de valor
Minimizar risco de fuga de investidores
Funcionários
Aumento do comprometimento
Minimizar riscos de comportamento
Consumidores
Fidelização
Minimizar riscos de má aceitação/desentendimentos
Agentes reguladores
Ação legal favorável
Minimizar riscos de ação legal
Parceiros comerciais
Colaboração
Minimizar riscos de defecção
A ética nos negócios é uma das expressões de uma “cultura ética” que, por sua vez, é um forte substrato da reputação. Um código de ética ou um código de valores, nitidamente observado pela alta direção e sistematicamente debatido e divulgado por todos os escalões da organização, serve como guia na relação com os vários públicos e se coloca como tábua de valores para o relacionamento entre os funcionários. 137
Reputação institucional
Alerta Castro (2008) que A organização deve se preocupar em se auditar para garantir que a sua conduta e a de seus funcionários estejam de acordo com os requisitos estabelecidos anteriormente. Essa auditoria deve levar em consideração as necessidades e prioridades de cada um de seus stakeholders porque assim ela consegue se preparar para exigir diferentes padrões de conduta, princípios e posturas para se posicionar de maneira ética frente a esses diferentes stakeholders. É o que Freitas (2000) chama de saúde moral, ou seja, uma atitude crítica permanente de avaliação do campo organizacional interno e externo.
São vários os exemplos de empresas que tiveram a reputação prejudicada em decorrência de desvios éticos. Um dos maiores escândalos mundiais envolveu uma distribuidora de energia nos EUA, a Eron, e a empresa de auditoria e consultoria Andersen, quando esta, na condição de prestadora de serviços, mascarou o balanço financeiro do cliente para que este obtivesse vantagens com investidores.
Reputação como percepção A percepção tratada neste tópico ocorre por parte dos stakeholders , mas não aquela focada em um julgamento de natureza moral, mas nas impressões pessoais sobre as empresas, movidas as primeiras pelas características psicológicas de cada um. O significado emocional de uma marca é capaz de blindar uma organização inteira em relação a possíveis julgamentos desfavoráveis, dirigidos a determinados aspectos dessa mesma organização. A construção de marca, ou branding, quando bem conduzida, pode gerar impacto positivo sobre a reputação da organização. A seleção, organização e interpretação de estímulos são processos relacionados à percepção. Traços identitários como cor, textura de embalagens, design, preço e imagem da marca concorrem para gerar uma percepção altamente significativa no julgamento da performance do produto, por assim dizer, e, por extensão, da empresa.
Mensuração por Brand Equity Brand Equity , ao pé da letra, “valor de marca”: valor adicional de uma marca resultante do entrecruzamento de elementos tangíveis e intangíveis relacionados a ela. Assim, a marca não é apenas um nome ou um logotipo, mas um conceito construído ao longo do tempo como a própria reputação da empresa. No âmbito organizacional brasileiro, marcas como “Itaú”, “Claro” ou “Petrobras” estão entre as mais valorizadas financeiramente, cifras que, no entanto, não se confundem com o patrimônio físico dessas entidades.
138
Reputação institucional
Os elementos tangíveis de uma marca são representados por aqueles referidos no tópico anterior, entre eles logotipo e embalagem; os intangíveis, sua reputação, história, sua “mística”, traduzida pela sua carga emocional, afetividade, e a experiência que o público mantém com ela. A reputação alcançada pela marca estende o efeito à organização, provavelmente percebidas como uma só entidade, um só signo pelos stakeholders. O construto de elementos tangíveis e intangíveis pode produzir alto recall (memorização), uma das mais desejáveis virtualidades da marca. No Brasil, o Top of Mind, pesquisa de lembrança de marca promovida pelo jornal Folha de S. Paulo e pelo DataFolha, analisa 41 categorias de produtos e serviços.
Atitude de marca Ultimamente, uma nova estratégia de marketing vem cristalizando seu campo conceitual. Trata-se da “atitude de marca”: [...] Toda interação de uma marca com seus públicos por meio de causas e conteúdos sociais, culturais, ambientais, esportivos, de comportamento e entretenimento. As marcas agem principalmente por meio de patrocínios, apoios e parcerias; programas, projetos, eventos de marca; investimentos sociais, marketing de causas e promoções com conteúdos. Com essas atitudes, as marcas alinham a prática ao discurso, concretizam seus atributos e propiciam experiências aos seus públicos”10.
É certo que a maioria das ações acima produz algum tipo de julgamento moral sobre a organização, como efeito do investimento sobre a marca. Eis um motivo pelo qual a “atitude de marca” produz um tipo de percepção que vai além da psicológica ou emocional, inclinando-se para o lado da razão. No entanto, não nos esqueçamos do vínculo proporcionado pela experiência com a marca durante a interação que ocorre, por exemplo, durante um concerto patrocinado por uma empresa de telecomunicações. Quem participa de um evento como esse experimenta a marca também por intermédio de um processo de fruição em que a experiência do momento e o significado da marca podem se contagiar mútua e emocionalmente.
Quanto vale uma reputação? Na Universidade do Texas – EUA, realizou-se uma comparação entre dez grupos de empresas com níveis similares de risco e de retorno, mas com diferentes níveis de reputação. Os resultados mostraram que uma diferença de 60% no resultado do nível de reputação estava associada a uma diferença de 7% do valor de mercado dessas empresas. Considerando-se que o valor 139
10
Disponível em : . Acesso em: 3 out. 2009. Em agosto de 2008, ocorreu o 6.º Seminário de Atitude de Marca, em São Paulo. O evento possui um site: . Acesso em: 3 out. 2009.
Reputação institucional
médio das corporações avaliadas era de US$3 bilhões, isso significa que cada um ponto de diferença no resultado de reputação (de 6 a 7 numa escala de 10 pontos) equivaleria a um adicional de US$53 milhões no seu valor de mercado. Outro projeto foi conduzido na Universidade de Kansas – EUA, sugerindo que o “capital reputacional” pode envolver retornos ainda maiores. Um grupo de professores estudou a correlação entre valor de mercado, book value, rentabilidade e reputação de todas as empresas listadas na revista Fortune – as mais admiradas empresas, pesquisadas entre 1983 e 1997. A conclusão foi que cada mudança de apenas um ponto em reputação estaria associada a uma média de US$500 milhões em valor de mercado. Portanto, o que esses e outros estudos têm sugerido é que a reputação corporativa é um valioso ativo, ainda que intangível. E que esse “ente” intangível, quando abalado para o bem ou para o mal, consegue impactar diretamente inclusive os valores tangíveis da organização. Consequentemente, as conhecidas e não pouco frequentes “crises de reputação” objetivamente alteram o valor de mercado das empresas. (Disponível em: . Acesso em: 5 out. 2009.)
Sustentabilidade e responsabilidade social Os dois conceitos que dão nome a este tópico são convergentes, pois partem das mesmas premissas, a saber, que os vários agentes sociais como um todo, e a empresa em particular, devem responder a certas demandas da sociedade, mesmo que, no caso da empresa, em decorrência, em boa parte das vezes, da pressão dos seus públicos ou em atendimento a estratégias da comunicação empresarial. Não se sabe ao certo a origem da expressão “desenvolvimento sustentável”, mas aponta-se como hipótese um documento intitulado World Conser-
140
Reputação institucional
vation Strategy11, publicado em 1980. Anos depois, em 1987, a expressão foi utilizada pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD). Desde então, governos, empresas e outras instituições parecem sempre adotar como referência de suas políticas e ações em torno do tema a mesma conceituação: “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem suas próprias necessidades”. Fica evidente a obrigação de todos em responder a essas demandas, não por pura convocação protocolar, geralmente limitada a efeitos epidérmicos, mas por uma questão de sobrevivência do planeta e das gerações vindouras. Notam-se no conceito dois hemisférios: um social, ligado aos indivíduos, como se destacou, e outro, orientado por questões ambientais, aliás, tema em permanente debate nas agendas das mais diversas instituições. O caráter sistêmico do conceito parece ter ficado mais evidente com a adoção da expressão “sustentabilidade”, sobretudo depois que governos e sociedade civil, aos poucos, estabeleceram os quatro eixos do empreendimento tido como sustentável: ecologicamente correto; economicamente viável; socialmente justo; e culturalmente aceito. Portanto, a sustentabilidade pressupõe um equilíbrio entre meio ambiente, economia, comunidade e cultura, princípios que acabarão por nortear o debate sobre responsabilidade social corporativa, embora suas raízes sejam bem anteriores ao pensamento da sustentabilidade. Já no século XIX, em 1899, Andrew Carnegie, presidente da U.S Steel Corporation, publica O Evangelho da Riqueza, livro que lança as raízes do conceito de responsabilidade social das empresas. Carnegie, fortemente orientado por um sentimento cristão, de extração protestante, defendia os princípios da caridade e da custódia, os quais, sob uma visão mais crítica, construída ao longo das décadas, deixam evidente sua natureza paternalista. Segundo o princípio da caridade, cabia aos membros mais afortunados da sociedade ajudar, com despojamento, os menos aquinhoados (favorecidos); de acordo com o princípio da custódia, empresas e pessoas abastadas deveriam se entender como guardiães, ou zeladores da humanidade, daí a visão de custódia, para a qual as propriedades de uns e outros resultavam em benefício da sociedade como um todo.
141
11
Publicado pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) e o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) por solicitação do PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Reputação institucional
Essa visão foi francamente assumida por empresas estadunidenses nas décadas de 1950 e 1960, havendo mesmo por parte do governo certas gestões para que um maior número de entidades tomasse para si parte da responsabilidade de trabalhar em prol de uma sociedade mais equânime. Vários pesquisadores apontam H. R. Bowen, em 1953, como o introdutor de uma nova concepção sobre responsabilidade social. Segundo esse autor, as organizações tinham o dever moral de pôr em prática políticas em sintonia com os valores amplamente desejáveis por segmentos expressivos da sociedade e com o endosso dos governos. Em oposição a esse tipo de intervenção das empresas na sociedade, já então, na década de 1960 cristalizada pelo conceito de responsabilidade social , Milton Friedman, numa hoje clássica passagem de um artigo publicado no fim daquele período, afirma que Há uma, e apenas uma, responsabilidade social das empresas: usar seus recursos e sua energia em atividades destinadas a aumentar seus lucros, contanto que obedeçam às regras do jogo [...] [e] participem de uma competição aberta e livre, sem enganos e fraudes. (FRIEDMAN apud STONER; FREEMAN, 1985, p. 73)12
12
O famoso artigo de Milton Friedman foi publicado em 13 de setembro de 1970, no New York Times Magazine, com o título de “The social responsability of business is to increase its profits”.
Vale lembrar de que o prêmio Nobel de Economia de 1972, Kenneth Arrow, em artigo publicado no ano seguinte, rechaçou a lógica de seu colega, argumentando que os mercados não distribuem a riqueza de forma igualitária e, prova dessa imperfeição, por exemplo, encontra-se na formação de monopólios e oligopólios. Portanto, a concentração da riqueza nas mãos de poucos, com toda a sua opulência, mostra-se como fenômeno que o mercado por si só não teria condições de corrigir.
13
Balanço social é um documento publicado anualmente que reúne um conjunto de informações sobre as atividades desenvolvidas por uma empresa, em promoção humana e social, dirigidas a seus empregados e à comunidade. Por intermédio dele, a empresa demonstra suas ações no campo social, incluindo empregados, econômico e ambiental.
Dezenas de teóricos reservaram muito espaço para a reflexão sobre o conceito de responsabilidade social ao longo de toda a década de 1970 e 1980. Do ponto de vista oficial, para a consolidação dessa prática como um dever da empresa, no entanto, a França deu um passo decisivo. Exigiu que as empresas fizessem periodicamente um balanço de seu desempenho social, mormente nas áreas de mão de obra e condições de trabalho, dividido em: emprego, remuneração e aposentadoria, saúde e segurança, condições de trabalho, treinamento e relações industriais. No Brasil, a primeira empresa a publicar um balanço13 dessa natureza foi a Nitrofértil.
14
O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é uma organização sem fins lucrativos, caracterizada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Sua missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável. (Disponível em:
O Instituto Ethos14 (2005, p. 25) define responsabilidade social como: [...] forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos e promovendo a redução das desigualdades sociais. 142
Reputação institucional
Há unanimidade entre os vários interlocutores de que a responsabilidade social participa dos ativos da organização, já que evidencia compromissos, revela convicções e, efetivamente, no caso de parte dos projetos, emancipa os indivíduos ou atua como um vetor amenizador da pobreza, fato que gera impacto positivo na percepção dos públicos. Há, no entanto, uma espécie de vício acadêmico como podemos denominar a excessiva preocupação que centenas de pesquisadores demonstram ao repisar essa preocupação com os ativos. O pesquisador Adriano Gomes (2005) identificou cerca de 400 artigos15, principalmente em língua inglesa, que insistem em comprovar ou defender a posição estratégica da responsabilidade social. O nexo entre ações em prol da sociedade e o aumento da reputação mostra-se, para muitos desses autores, mais representativo, como tema, do que a análise dos processos de desenvolvimento de ações sustentáveis e de responsabilidade social. Muito mais importante do que constatar pela enésima vez de que há ganho de reputação para empresas que desenvolvem projetos de responsabilidade social, é identificar referenciais com rigor científico para parametrizar projetos de responsabilidade social e relatórios de sustentabilidade. De acordo com Igalens e Gond (2005 apud LERNER, 2006), os modelos de mensuração de desempenho social corporativo podem ser divididos em cinco categorias:
medidas baseadas em análises de relatórios anuais;
índices de poluição;
medidas de percepção baseadas em questionários;
indicadores de reputação corporativa;
dados produzidos por agências classificadoras.
A Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa – adotou o Triple Bottom Line (ou Três Resultados Líquidos) como a principal ferramenta do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). O Triple Bottom Line – ou 3 Ps: People, Planet, Profit (Pessoas, Planeta e Lucro) – é um modelo de gestão empresarial que articula os três eixos da sustentabilidade: a viabilidade econômica, a consciência ambiental e a responsabilidade social. Trata-se do tripé conceitual que orienta todas as práticas de desenvolvimento sustentável. Com ele, a organização passa a trabalhar com um enfoque de crescimento sistêmico, reconhecendo que a sociedade depende da economia, que a economia de143
15
Gomes pesquisou em dois bancos de dados: EBSCO (Disponível em: ) e JSTOR (Disponível em: ).
Reputação institucional
pende do ecossistema global e que o ecossistema depende da sociedade. Os “três resultados líquidos”, da tradução para o português, vêm aos poucos sendo denominados de “tripolaridade”. . o l e M e d s a i D o t r e b o R z i u L
Sustentabilidade econômica
Crescimento econômico Sustentabilidade corporativa
Proteção ambiental
16
O download do documento pode ser efetuado em:.
Sustentabilidade ambiental
17
Em 2008, eram estas as empresas que adotaram o modelo GRI para Relatório de Sustentabilidade: Aracruz Celulose; ArcelorMittal; AES Eletropaulo; AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia; AES Tietê; AES Uruguaiana; Alcoa Alumínio; AmBev; Ampla Energia e Serviços; Banco ABN Amro Real; Banco Bradesco; Banco Itaú Holding Financeira; Bunge; Celulose Irani; Cia Energética de Minas Gerais; Comgás; Companhia Energética do Ceará – Coelce; Companhia Paranaense de Energia; Copesul; CPFL Energia; CST-Arcelor Brasil; Ecorodovias; Grupo Gás Natural Brasil; Holcim; Itaipu Binacional; McDonald’s; Medley; Natura Cosméticos; Petrobras; Philips do Brasil; Samarco Mineração; Santander; Serasa; Shell Brasil; Siemens; Souza Cruz; Suzano Papel & Celulose; Suzano Petroquímica; Takaoka; Telecomunicações de São Paulo; Telesp Celular Participações; Unimed; Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais; Unilever; Veracel Celulose S/A; Votorantim Celulose Papel; Walmart.
Comunidade e equidade Sustentabilidade social
Figura 3 – Modelo do Triple Bottom Line.
Nascido em 1997, o Global Reporting Initiative (GRI) é um núcleo oficial de colaboração do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Autodenominada rede de multistakeholders, o GRI, segundo informações coletadas no site da entidade (), possui milhares de colaboradores ao redor do mundo e sua metodologia foi adotada por cerca de mil empresas em todos os continentes. De acordo com o documento intitulado Diretrizes para Relatório de Sustentabilidade16, Elaborar relatórios de sustentabilidade é a prática de medir, divulgar e prestar contas para stakeholders internos e externos do desempenho organizacional visando ao desenvolvimento sustentável. “Relatório de sustentabilidade” é um termo amplo considerado sinônimo de outros relatórios cujo objetivo é descrever os impactos econômicos, ambientais e sociais (tripple bottom line) de uma organização, como o relatório de responsabilidade social empresarial, o balanço social etc.
No Brasil, um número crescente de empresas17 vem adotando o modelo GRI de relatório de sustentabilidade. No âmbito da comunicação interna, como todos os funcionários são envolvidos numa dinâmica transversal, do tipo p-a-p (do porteiro ao presidente), cabe ao comunicador o papel de edu-
144
Reputação institucional
comunicador. Nessa condição, o público interno não é apenas ouvido, mas contemplado com estratégias de comunicação adaptadas à sua linguagem – com a percepção, por parte do comunicador, dos processos dos quais o público participa – e envolvido em programas de educação corporativa com base nos princípios da sustentabilidade. Para encerrar, apresentamos um quadro idealizado por Corrêa (1997), que evidencia o modo pelo qual cada stakeholder se relaciona com empresas socialmente responsáveis. O quadro pode ser comparado com o formulado por Fombrun (quadro 3) e citado por Castro ao longo do capítulo. Quadro 5 – Relação mantida entre stakeholders e empresas socialmente responsáveis Stakeholders
Acionistas
Empregados
Fornecedores
Clientes
Comunidade / sociedade
Contribuições
mão de obra
criatividade
ideias
mercadorias
lucros e dividendos
preservação do patrimônio
salários justos
segurança e saúde no trabalho
realização pessoal
condições de trabalho
respeito aos contratos
negociação leal
segurança dos produtos
dinheiro
boa qualidade dos produtos
fidelidade
preço acessível
propaganda honesta
respeito ao interesse comunitário
contribuição à melhoria da qualidade de vida na comunidade
conservação dos recursos naturais
proteção ambiental
respeito aos direitos de minorias.
Governo
Concorrentes
capital
Demandas básicas
infraestrutura
suporte institucional, jurídico e político
competição
referencial de mercado
. o l e M e d s a i D o t r e b o R z i u L
bediência às leis
O
pagamento de tributos
lealdade na concorrência
145
Reputação institucional
Ampliando seus conhecimentos
Imagem é diferente de reputação (CREDIDIO, 2003)
A responsabilidade social empresarial, como se sabe, está na pauta do dia neste início de século. Muito mais que atos isolados de benemerência e filantropia, trata-se, na verdade, de uma consolidada estratégia de integração de empresas e seus consumidores, sob o ponto de vista da comunicação de marketing. Isto ocorre porque, atualmente, o consumidor está muito mais consciente. Mesmo nas pequenas cidades ou nos bairros de periferia, as pessoas já passam a adotar uma postura de cobrança em relação às empresas, porque quando uma companhia se localiza em um determinado espaço, ela deve criar um vínculo com essa comunidade, uma ligação de envolvimento e não apenas no sentido de gerar empregos. É uma espécie de aliança de saber o que se passa e ocorre na sociedade situada no entorno da corporação e, principalmente, de conhecimento a respeito de quais sejam as suas necessidades. Tal posição tem despertado tamanho interesse, a ponto de muitas empresas que até então não adotavam qualquer prática de responsabilidade social passarem a fazê-lo, pressionadas pela sociedade e demais stakeholders, com o objetivo de seguirem o exemplo das primas maiores. Não pretendo afirmar, com isso, que a atuação das companhias deva ser substituta das ações governamentais, ainda que os governos, desde o descobrimento do país, venham se mostrando incompetentes para promoverem, sozinhos, o desenvolvimento social e do potencial humano. As empresas não devem assumir o papel do Estado. Elas têm, isto sim, de estabelecer uma parceria com seus diferentes públicos, especialmente com a comunidade. Nos Estados Unidos, várias empresas passaram a ganhar consumidores devido à postura socialmente correta que adotaram. Em contrapartida, marcas e produtos perderam mercado por não terem programas de apoio a causas sociais, por exemplo. Dois fatores ajudam a acelerar o processo: globalização e um novo comportamento da sociedade. As pessoas de bem estão tendo de se isolar em condomínios fechados para fugir da violência.
146
Reputação institucional
Como viver está se tornando uma atividade perigosa, entendem que é preciso ter um conjunto harmônico de desenvolvimento, e não ilhas de progresso. Na hora de comprar, esses indivíduos têm o poder da escolha. Como muitos produtos possuem vários similares, o que os diferencia são os valores agregados. Para esses consumidores, abandonar uma marca e adotar outra é bastante simples. Pelo exposto, é fácil concluir que a perfeita equação entre empresa e consumidor deve se apoiar, fundamentalmente, na imagem e reputação que ela possui. Contudo, seus executivos têm de ter em mente que a reputação corporativa é algo extremamente difícil de ganhar e muito fácil de se perder. Na maioria das vezes, uma empresa não terá uma segunda chance para causar uma boa primeira impressão. Ainda que andem juntas e que muitas vezes sejam confundidas, até por alguns profissionais de comunicação, é importante destacar que imagem é diferente de reputação. Imagem é um conjunto de símbolos associados a uma determinada marca, construída, em geral, por uma agência de propaganda, e que pode ser manipulada de acordo com os interesses da empresa. A reputação, por outro lado, se conquista, e é formada a partir da interação da empresa com seus stakeholders, sendo de difícil manipulação, ainda que muitas companhias e publicitários se arvorem nessa tentativa. Por que isso é importante? Até há pouco tempo, a aura corporativa podia ser analisada como um ativo intangível, incapaz de ser medido. Isto não acontece mais. Quanto mais públicas se tornam as empresas, maiores são as suas responsabilidades, bem como a de seus executivos, responsáveis diretos por sua imagem e reputação no mercado. O Brasil é um dos países onde a responsabilidade social mais contribui para a imagem e reputação de uma empresa. É o que tem sido revelado por diversas pesquisas de mercado.
[...]
Para conquistar – e manter – uma boa imagem e reputação, a empresa deve usar de honestidade com todos os seus diferentes públicos, ser cuidadosa com o meio ambiente, lidar bem com as reclamações recebidas, ser verdadeira em seus anúncios, prestar bons e consistentes serviços, não sonegar impostos, ter a ética como eixo principal de sua conduta e, sobretudo, ser aberta 147
Reputação institucional
e transparente. Ao resolver adotar políticas de responsabilidade social, a empresa passa a integrar um processo de mudança social, em lugar de somente fazer doações e mostrá-las a sociedade por meio de uma bem engendrada campanha de comunicação ou lobby junto à mídia. Somente dessa forma será possível alcançar bons resultados que, invariavelmente, serão traduzidos na maior proximidade com seus colaboradores, fornecedores, consumidores e, notadamente, no incremento de sua imagem e reputação. Entretanto, para que essa prática seja efetiva, as empresas devem, antes de qualquer medida, “arrumar a casa”, descobrir sua verdadeira vocação social e permitir que tais valores sejam incutidos em seu “DNA”. Somente a partir desse ponto é que ela deve partir para voos de maior amplitude. “Arrumar a casa” significa, entre outros fatores, criar uma consciência efetiva de seu público interno em relação a um trabalho socialmente responsável. É importante ressaltar, também, que as ações devem ser permanentes e consistentes, para que angariem e promovam credibilidade interna e externa. Ainda no quesito credibilidade, o estabelecimento de parcerias intersetoriais é, sem dúvida, um dos principais aliados de uma postura corporativa cidadã, pois permite programas mais ajustados à realidade que se deseja atingir, pois a ligação com organizações sérias do terceiro setor mostra-se muito proveitosa, por proporcionar benefícios diretos à comunidade.
Atividades de aplicação 1. Costuma-se afirmar que a imagem corporativa é volátil, transitória, enquanto que a reputação é um processo que se confunde com o próprio tempo. Explique. 2. Explique resumidamente o que é RepTrak. 3. Os relatórios de sustentabilidade vêm se tornando uma prática entre as empresas de grande porte e, aos poucos, sua natureza interdisciplinar passa a ser foco de discussões que superam os limites da empresa. Explique.
148
Reputação institucional
Referências ALMEIDA, Ana. L. de C. A Influência da Identidade Projetada sobre a Reputação Organizacional. Tese de Doutorado – UFMG, Belo Horizonte, 2005. BOWEN, H. R. Social Responsabilities of the Businessman. New York: Harper & Brothers Publishers, 1953. CAIXETA, C. G. F. Competitividade Brasileira: um estudo de reputação de empresas nacionais por meio das dimensões de governança, desempenho e produtos e serviços. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008. CASTRO, D. J. Como se Constrói uma Reputação Corporativa? Dissertação de Mestrado – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2008. CORRÊA, S. H. Projetos de Responsabilidade Social : a nova fronteira do marketing na construção de uma imagem institucional. Dissertação de Mestrado – COPPEAD/UFRJ, Rio de Janeiro, 1997. CREDIDIO, Fernando. Imagem É Diferente de Reputação . Publicado em: 30 jul. 2003. Disponível em: . Acesso em: 6 out. 2009. FOMBRUN, C. J.; RINDOVA, V. Reputation management in global 1000 firms: a benchmarking study. Corporate Reputation Review, London, v. 1, n. 3, p. 205-212, 1998. FOMBRUN, C. J.; RINDOVA, V.; SHANLEY, M. What’s in a name? Reputation building and corporate strategy. Academy of Management Journal , v. 33, n. 2, p. 233-58, jun. 1990. GOMES, A. Responsabilidade Social das Empresas e seus Desdobramentos : pesquisa realizada junto às empresas do setor financeiro, associadas ao Instituto Ethos de Responsabilidade Social no período de 2001 a 2002. Tese de Doutorado – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2005. INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL. Processos Gerenciais: responsabilidade social empresarial. São Paulo: Instituto Ethos, 2005. LERNER, E. B. A Relação entre Reputação Corporativa e a Responsabilidade Social Corporativa. Dissertação de Mestrado - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2006. STONER, J. A. F.; FREEMAN, R. E. Administração. 5. ed. Rio de Janeiro: Prentice Hall do Brasil, 1985.
149
Reputação institucional
Gabarito 1. Diz-se que a imagem corporativa é efêmera porque geralmente é limitada a um momento específico da empresa. Como efeito da comunicação, essa imagem pode, inclusive, dotar a organização de um atributo ligado a uma campanha publicitária, em específico, cujos significados são, por definição, passageiros. Por outro lado, a imagem pode ser também uma visão parcial, desenvolvida por uma categoria de público, e não por vários, como seria determinante para a consolidação da reputação. Esta última é uma construção, com frequência lenta e cuidadosa, ao longo dos anos. Traduz o compromisso com os diversos públicos e a capacidade de resposta a questões, de diversas naturezas, que lhe dizem respeito. 2. Trata-se de uma metodologia para aferição da reputação que vem ganhando notoriedade internacional, graças à presença do Instituto de Reputação em mais de 20 países. O RepTrak analisa a reputação organizacional em sete dimensões: desempenho, produtos e serviços, inovação, ambiente de trabalho, governança, cidadania e liderança. Cada uma das dimensões é caracterizada por atributos, totalizando 23 itens. 3. O relatório de sustentabilidade é um instrumento para a aferição e divulgação do desempenho organizacional para os públicos internos e externos. É um modo de a empresa comprovar seu compromisso com os parâmetros norteadores do desenvolvimentos sustentável: ecologicamente correto; economicamente viável; socialmente justo e culturalmente aceito. Esses princípios, por sua vez, encontram relação com o chamado triple bottom line (ou “três resultados líquidos”), a base conceitual utilizada, por exemplo, pelo Global Reporting Initiative – GRI, organização parceira da ONU.
150
Comunicação interna
Cultura organizacional, diálogo e engajamento A primeira grande questão sobre comunicação interna é identificar, com rigor estratégico, o público envolvido no processo comunicativo. Ninguém terá dificuldade em apontar os funcionários como o principal público dessa subárea da Comunicação Empresarial, incluindo-se nesse grupo os estagiários, trainees e terceirizados, mas nem sempre essa percepção dá conta do quadro de forças em jogo. Acionistas, conselheiros, fornecedores, revendedores, e até – dependendo da ótica pela qual se analisam as relações – clientes podem integrar o público interno, embora vários autores limitem-se a considerar apenas funcionários e acionistas como os agentes da comunicação no interior da organização. O que parece ser um exercício de topografia, na medida em que demonstramos preocupação em avaliar as dimensões do terreno por onde vamos caminhar, revela-se também, continuando a metáfora, uma especulação de fundo geológico, porque há interesse na análise qualitativa do solo; assim, o estudo da anfractuosidade (as variações de nível) do relevo, representada aqui pelas interações dos agentes, não deixará nunca de fora o desafio de interpretar a composição e estrutura do solo, encarnadas pelo ambiente interno da organização. Serviços baseados no conceito de Web 2.0 1 – como os portais das redes sociais: Facebook, Orkut, MySpace – parecem embaralhar a imagem que tínhamos sobre cliente, fato que não pode ser explicado apenas pelo acesso gratuito àqueles serviços. Nessas redes, a interatividade em meio eletrônico não é apenas uma resultante das relações, mas a matéria-prima dos serviços, a sua razão de ser, pois são os internautas que os alimentam de conteúdo, redimensionando a cada dia a arquitetura das interações, já que esse conteúdo gera visita e novas interconexões. E o caso do Youtube? É um serviço de compartilhamento de vídeos, basicamente caseiros, que podem ser assistidos no próprio site ou a partir de outros, e de blogs; uma inclinação para rede social delineia-se com mais nitidez, no Youtube, a partir de uma anunciada
1
Conceito utilizado pela primeira vez em 2004, para designar uma concepção segundo a qual a internet teria passado a ser uma plataforma para o funcionamento de softwares, propiciando maior grau de interatividade entre os usuários e, consequentemente, entre estes e o sistema. Os ambientes virtuais, como o das redes sociais, disponibilizam funcionalidades (recursos de informática), utilizando a rede como plataforma.
Comunicação interna
parceria, em 2009, com Facebook e Twitter (uma rede social formada por “miniblogs”), fortalecendo a convergência dos meios2.
2
O Twitter permite o envio e a leitura de mensagens pela internet, do site do serviço, pelo SMS (Serviço de Mensagens Curtas ou Short Message Service ), via celular, e RSS (designa cada um dos padrões: Rich Site Summary, RDF Site Summary, Really Simple Syndication), um tipo de protocolo de internet, utilizado em portais e agências de notícias e blogs para compartilhar as últimas novidades ou textos completos.
O painel apresentado acima possibilita-nos duas reflexões: uma, em torno do conceito dinâmico de cliente e, outra, sobre o impacto dos meios digitais em uma cultura, cuja face globalizada a um só tempo beneficia-se da rapidez dos meios, mas também em consequência dessa condição vive sob o signo da instabilidade, da incerteza e da imprevisibilidade. Ainda que seja mais acertado considerar o cliente como público externo à organização, o fato é que, por ele parecer estar mais próximo da empresa, interagindo das mais diferentes formas3, sente-se a sua intervenção, no ambiente interno, de modo mais sensível. Um autor como John E. Marston, em Modern Public Relations (apud FRANÇA, 1997), afirma que “públicos internos são as pessoas que, de alguma forma, estão ligadas a uma organização e com esta mantêm um contato diário de trabalho. São os empregados, os acionistas, fornecedores, revendedores, clientes e até mesmo a comunidade próxima à empresa”.
3
Em que medida os membros de uma rede social podem ser considerados clientes? O Facebook fechou uma parceria, em setembro de 2009, com a empresa de consultoria Nielsen, para o desenvolvimento e exploração de uma ferramenta denominada de BrandLift , cuja função é a de medir o impacto dos anúncios publicitários veiculados no site e, assim, tentar amenizar a resistência das empresas em anunciar em redes sociais. Por meio de enquetes, será possível mensurar a lembrança de anúncios, a associação da mensagem, da marca, e o retorno em compras. Por outro lado, o Youtube tende a remodelar incessantemente os anúncios, criando novos formatos para anunciantes diferentes.
Pertencer ao público interno de uma organização, conclui-se, independe de ligações socioeconômicas e jurídicas mantidas com ela, o que durante anos mostrava-se como fator decisivo para caracterizar a condição desse público diante da empresa. Há autores que incluem também os familiares de seus colaboradores entre os agentes da comunicação interna; isto demonstra como a visão sobre a especificidade do público interno fora motivo de dúvida e de hesitação dos primeiros Relações Públicas (RPs), afinal os pioneiros na identificação dos grupos intervenientes da empresa. A inclusão de determinado grupo em uma subárea da comunicação empresarial (institucional, mercadológica e interna) não significa que se compartilhará com ele todo o volume de informação gerado pela organização, mas sim que será encarado conforme o lugar que ocupa no interior dessa subárea, a qual, por sua vez, tem seus códigos, políticas e prioridades previstos no planejamento estratégico. A outra reflexão, suscitada pelo painel ao qual nos reportamos, considera as mídias digitais como componentes e, em vários momentos, como protagonistas de uma cultura em vertiginosa mudança, cuja sintaxe segue a lógica da descontinuidade do tempo e do espaço, da fragmentação de ambos, da flutuação de valores, da desmaterialização de certezas, da ruptura acentuada com modelos éticos dominantes, a lógica do provisório, portanto, e do deslocamento ou esvaziamento de papéis. 154
Comunicação interna
Não exatamente nesse diapasão, mas com pontos de convergência, e de elevação do grau de complexidade dos fatores apontados acima, o sociólogo e historiador Richard Sennett, em seu livro A Cultura do Novo Capitalismo (2006), analisa de forma crítica e contundente o sistema capitalista como um modelo cultural. Sennett (2006) reivindica para essa operação o reconhecimento e a problematização de duas dimensões umbilicalmente ligadas ao trabalho, mas não suficientemente estudadas: o emprego e a possibilidade de realização dos indivíduos pelo trabalho. Antes de avançar em breves apontamentos sobre o livro de Sennett, salientamos que esse esforço de contextualização, com a matéria tratada neste capítulo, deve-se à necessidade de oferecer um contraponto ao sentimento por vezes eufórico de vários autores, da área de comunicação organizacional, que parecem tratar das questões de sua competência sem levar em conta os fatores macroestruturais com os quais se deparam. Por terem perdido o registro do complexo, do enraizamento tensivo e imbricado do panorama global, esses autores acabam tratando a comunicação como uma técnica, um conjunto de procedimentos de natureza utilitária, afinado com o racionalismo tecnocrático que pretende dominar o mundo do trabalho. Todavia, o empenho desses agentes – daí o estado de euforia – surge como força triunfante, como panaceia, como fórmula para neutralizar tensões, com longo lastro histórico, a partir de intervenções pontuais e burocráticas. É talvez a ilusão de se estar seguindo os princípios de uma falsa praxiologi4, o motivo da verdadeira paixão, demonstrada pelo mercado, pelos cases de comunicação. Em sua obra, Sennett procura descrever as consequências que as transformações técnicas, sociais e culturais do capitalismo impõem à organização do trabalho. Embora sua reflexão considere a atividade econômica contemporânea como um todo, seu objeto sobrevém de um “ângulo de corte” da nova economia, identificado no fenômeno das empresas que se situam na vanguarda do capitalismo atual. Daí o status de paradigma alcançado por essas entidades no centro da organização do trabalho, produção e difusão de mercadorias. 155
4
Segundo o Dicionário de Filosofia, de Abbagno (1998), “termo criado por Kotarbinsky, para designar ‘a teoria geral da atividade eficaz’, que deveria compreender a totalidade dos domínios da atividade útil dos sujeitos agentes, do ponto de vista da eficácia de suas ações.
Comunicação interna
O perfil dessas organizações parece ser facilmente discernível: participam com desenvoltura da globalização, de vez que suas atividades estendem-se mundo afora, fortalecidas pela autonomia do capital. Ao mesmo tempo, certas operações ou conjunto de operações dessas empresas são transferidas para países com mão de obra mais barata, tal como faz a Nike, cuja produção está ou esteve espalhada por alguns dos países mais pobres do mundo como Indonésia, Vietnã, Camboja e Afeganistão. Nesse universo, o poder de pressão não é exercido apenas pelos gestores, mas pelos acionistas que reclamam por resultados sistematicamente mais compensadores. Por fim, essas organizações investem pesadamente em automação e informatização. Opõe-se esse modelo de organização às formas clássicas do taylorismo, com seu pendor burocrático, hierárquico e mecanicista, de onde a vanguarda capitalista atual vangloria-se de ter substituído o segmentado pelo relacional e o mecânico pela invenção. Ora, um exame das transformações mais incisivas do novo capitalismo demonstra que a gestão de pessoas, em sintonia com os parâmetros estruturais das empresas, lança mão de três modelos de administração do trabalho que, de acordo com Sennett, não promovem vínculos sólidos entre os indivíduos, e destes com a empresa, enfraquecendo o sentimento de lealdade mantido durante décadas:
casualização – terceirização ou contrato por tarefa, cujo período varia de três a seis meses.
dessedimentação – o trabalho linear (começo, meio e fim) cede lugar ao trabalho fragmentado.
sequenciamento não linear – flexibilização do modelo de produção.
5
Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) – filósofo alemão, estudioso da cultura e das religiões, tornou-se um dos maiores críticos do idealismo, propondo como modelo para superá-lo uma genealogia dos valores. Crítico dos mais contundentes dos preconceitos, e ateu, em um mundo ainda preponderantemente religioso, Nietzsche põe em xeque a moral dominante à sua época, esta mesma que instigava as classes operárias à revolta e ao mesmo tempo punha a nu a má consciência burguesa, encastelada em seu mundo de ilusão. Entre muitos clássicos, Nietzsche escreveu: Assim Falou Zaratustra; um Livro para Todos e para Ninguém; O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música e a Gaia Ciência.
Como não poderia deixar de ser, essas transformações têm um preço que, para Sennett (2006), estariam sendo pagas pelo assalariado, com a precarização das condições de trabalho, onde passam a imperar a insegurança e a instabilidade. Não será o caso de se fazer o elogio do modelo taylorista em detrimento do atual; Nietzsche5 foi um dos filósofos que viu no primeiro modelo uma forma de destruição da individualidade e de domesticação; no entanto, Sennett enxerga no modelo burocrático do taylorismo, idealizado à feição de uma máquina de guerra ou um exército – tal como fora descrito por Weber – uma estrutura piramidal em que todos, do soldado ao general, tinham seus papéis demarcados por funções bem-definidas. A disciplina, código genético do taylorismo, refinaria assim o talento, impondo-se no lugar deste, o 156
Comunicação interna
que, em termos de processo social, garantiria a integração, pelo trabalho, de todos os que não tinham nenhum talento em particular; nem por isso, contudo, teriam ficado sem a proteção do emprego e, em consequência, sofrido a humilhação pública como ocorre hoje com os desempregados. Sennett (2006) vai mais a fundo que o próprio Weber na análise da estrutura piramidal do taylorismo: assim como no exército, essa rígida disposição de funções até certo ponto seria capaz de, no processo de transmissão das ordens, dar margem a uma “modulação interpretativa”, encarnada pela iniciativa dos indivíduos. O reconhecimento desse espaço para o indivíduo decorre da sua experiência profissional, do saber institucional (o conhecimento do funcionamento da empresa – já que o funcionário conservava a memória organizacional – o quem é quem e o significado das palavras numa ordem de serviço), e à representação das metas e dos meios da empresa. Enfim, a estabilidade da pirâmide permitia a cada um programar a sua vida ao longo dos anos e viver em certa segurança. Essa resistência por parte de Sennett ao discurso dominante e apologético da teoria das organizações, segundo o qual a nova economia fortalece a liberdade, promove o desenvolvimento dinâmico das competências, potencializa a criatividade e a realização do indivíduo, encontra um ponto alto no argumento do teórico (na contramão dos críticos do taylorismo) de que no passado “o dom do tempo organizado” (SENNET, 2006 p. 36) taylorista permitia ao empregado construir uma narrativa de vida. A matéria-prima desse tempo humanizado, já se sabe, é a estabilidade do emprego, a previsibilidade e a proteção que esse sistema garantia em termos de conforto psicológico e emocional. Com a destruição desses parâmetros, resta viver sob as regras de um jogo, cuja ética não se deixa interpretar em sua inteireza, já que por demais provisória, moldada que é pela impaciência do capital em busca de ganhos não necessariamente oriundos do setor produtivo ou de processos organizacionais de médio ou longo prazo. A inovação, o dinamismo, a mudança, como projeto organizacional, apresentam-se como artefatos dotados de apelo sedutor para investidores e ao mesmo tempo sugerem-se como campo de ação de uma personagem em evidência nesse cenário. Sennett identifica na figura do consultor esse agente de reforma e desmontagem das estruturas tidas como arcaicas. Caberia a ele o “trabalho sujo” das demissões, do enxugamento da máquina, o que denuncia, por sua vez, a cisão entre poder e responsabilidade. O consultor faz seu trabalho e vai embora; o discurso 157
Comunicação interna
competente, que domina, é seu código, e os efeitos de sua intervenção, a gramática de sua eficácia. De forma ainda mais radical, Sennett (2006) aponta que a “modulação interpretativa” torna-se ainda mais fora de cogitação por conta da tecnologia da informação, a qual reforça a centralização, pois seus recursos possibilitam a transmissão de ordens sem intermediários. Por outro lado, a tecnologia pulveriza postos de trabalho e indo no sentido inverso de uma política social responsável, ela não prevê a inclusão das massas no mercado de trabalho, antes pelo contrário. Por fim, Sennett (2006) reconhece no princípio da meritocracia, adotado pelo novo capitalismo, mais uma das reversões de um ideal pelo qual no passado era possível lutar, mas hoje, ela, a meritocracia, é imposta como produto de um “eu idealizado”, independente, empreendedor e dinâmico. No “velho” capitalismo, o mérito se dava por antiguidade e pela correspondência a certos padrões de comportamento e produtividade nítidos; no atual, desdobram-se os procedimentos de avaliação que transformarão qualquer falha em fracasso, e numa espécie de marca que se poderia dizer indelével, inapagável, se não for compensada talvez pela invenção e pelo empreendedorismo. Por outro lado, o trabalhador agora faz parte de um composto em que estruturas fluidas com funções desconectadas (o sequenciamento não linear referido acima) são a moldura de um ambiente de permanente concorrência, gerando relações pessoais tensas entre colegas e dando lugar à subjetividade de gestores, responsáveis pelas avaliações de pessoal. Essa subjetividade revela-se no julgamento da personalidade dos indivíduos e não na experiência profissional, já que esta talvez apareça menos do que o empreendedorismo, por exemplo. O leitor talvez esteja surpreso com a radicalidade, ou pessimismo, das considerações de Sennett (2006), mas justamente por isso, pelo eventual “exagero” e pela insistência em reconhecer que as antigas formas do capitalismo eram, em verdade, dos males o menor – diante das novas regras do jogo econômico – , que essas reflexões nos oferecem a possibilidade de dosar, conforme nossa perspicácia, o peso de cada uma delas na análise do emprego e do trabalho a que nos obrigamos, inspirados ou não por Sennett (2006). Como alertamos acima, comunicação não se dá em abstrato, sem contexto, sem moldura, pois o meio participa da produção de conteúdo a ser compartilhado, do conhecimento como forma de emancipação na empresa e, por isso, é obrigação do comunicador deslumbrar a complexidade do conjunto e o tipo de injunção diante da qual o contexto nos coloca. No próximo tópico, começamos a estudar o ambiente interno para entender melhor as forças em jogo e, enfim, o cenário em que os agentes da comunicação operam. 158
Comunicação interna
Cultura organizacional Caso não tenha como referência o cenário da complexidade, o comunicador interpretará o quadro a seguir de forma reducionista, um risco a que talvez, e involuntariamente, os elementos nele constantes tenham precipitado. Uma visão mais bem equipada pelo olhar crítico evitará enxergar no quadro a oposição entre velho e novo, como se estivéssemos diante de negatividades versus positividades. Aliás, fora essa justamente nossa intenção ao ter reservado espaço ao livro de Sennett. Daft (1999, p. 15), em obra que se tornou referência na área de teoria das organizações, monta o painel para pôr lado a lado componentes da antiga e da nova ordem econômica mundial, mas com uma percepção diferente, em alguns pontos, da de Sennett, além de deixar evidente o caráter mais comparativo do que analítico. Quadro 1 – Paradigmas Organizacionais Modernos versus Pós-Modernos Paradigmas Modernos Estável Dinheiro, prédios, máquinas Rotineira Grande Crescimento, eficiência Presença esperada de empregados
Variáveis contextuais Ambiente Forma de capital Tecnologia Dimensão Metas Cultura
Paradigmas Pós-Modernos Turbulento Informações Não rotineira Pequena e média Aprendizagem, eficácia Empregados com poder de decisão
) 5 1 . p , 9 9 9 1 , T F A D (
Resultado organizacional Rígida e centralizada, fornteiras distintas Autocrítica
Estrutura Liderança
Flexível e descentralizada, fronteiras indistintas Liderança funcionária
Formais, escritas
Comunicações
Informais, verbais
Burocrático
Controle
Descentralizado, autocontrole
Gerentes
Planejamento e tomada de decisões
Todos
Patriarcais
Princípios de orientação
Igualitários
Daft (1999) chama a atenção para o advento de estruturas organizacionais flexíveis na pós-modernidade, mas vê nisso uma vantagem e uma forma de descentralização, além de pressuposto da cooperação horizontalizada (em franco desacordo com Sennett). Vários outros fatores presentes no quadro merecem nossa atenção, como o papel da informação. Mas antes devemos nos deter na análise do conceito de cultura organizacional para compreen159
Comunicação interna
der em que medida os fenômenos constituintes influem na comunicação interna e, afinal, como a cultura da organização responde aos influxos do exterior. Cultura é um conjunto de valores, de crenças, de interpretações, de visões de mundo característico de certo grupo humano. É próprio de uma cultura o de ser partilhada ao longo do tempo com indivíduos desse mesmo grupo; e de fato é isso que ocorre no interior de uma organização: a cultura organizacional é partilhada com todos, envolvendo aos poucos os ingressantes na empresa, embora ela seja uma espécie de texto não escrito, mental e psicológico, atitudinal e sentimental, capaz de cimentar as relações entre os funcionários sem, no entanto, ser percebida. Aliás, passa a sê-lo por ocasião da implantação de políticas, programas etc. que porventura contrariem esses valores. Mais uma vez um esquema oferecido por Daft (1999, p. 243) ajuda a visualizar a integração entre duas ordens de elementos da cultura organizacional. Símbolos observáveis, cerimônias, histórias, lemas, comportamentos, trajes, estruturas físicas
Valores subjacentes, premissas, convicções, atitudes, sentimentos
Figura 1 – Níveis da cultura corporativa. 160
) . o d a t p a d A . 3 4 2 . p , 9 9 9 1 , T F A D (
Comunicação interna
Os elementos observáveis, como os símbolos e cerimônias, entre outros, podem ser considerados pela sua plasticidade e concretude, enquanto que os valores subjacentes integralizam-se na intimidade e subjetividade dos indivíduos. Uns e outros concorrem no sentido de promover um senso de identidade entre os atores, fortemente arregimentador, no caso de certas organizações. Como lembra Daft (1999), as ideias que participam da formação da cultura organizacional podem originar-se de qualquer parte da entidade, embora comumente elas sejam postas em curso pelo fundador. São duas as missões da cultura organizacional: integrar os membros da comunidade organizacional, configurando o sistema hierárquico; ajudar a empresa a se adaptar ao ambiente externo. Os dois tópicos interpenetram-se e é nesse fluxo que a comunicação como processo de permanente troca deve ter seu papel estratégico reenfatizado. Ninguém pensaria em uma comunicação interna fechada em si mesma, alheia ao ambiente externo, como se ele não fosse o substrato do que se faz dentro da empresa e sua razão mesma de existência. Do ponto de vista da integração dos membros da organização, deve-se reconhecer que sem esse poder de coesão, a empresa não obtém o engajamento do funcionário e perde triplamente, porque além dessa condição, ele também é cliente e formador de opinião. Parece não haver dúvida sobre o poder de persuasão que funcionários, que acreditam na empresa, exercem sobre as pessoas ao seu redor, fora do trabalho, e isso vale mais do que um anúncio sobre a empresa, por exemplo. O engajamento como resultado do processo de aculturação, por assim dizer, pode ocorrer por força de:
Ritos e cerimônias – eventos que têm como função demarcar a natureza extraordinária de determinado processo organizacional: iniciação de novos gerentes, entrega de prêmios, divulgação de valores organizacionais na forma e no cumprimento de metas etc. O importante é que o evento tenha um grau considerável de formalização, conservado ao longo dos anos. Inclusive no Brasil, o Walmart adota o grito de guerra (me dê um W, me dê um A etc.) em ocasiões especiais.
Histórias – narrativas que têm como referência fatos marcantes na tra jetória da empresa, sistematicamente evocados entre os veteranos e compartilhados com os novatos. Entram nessa categoria histórias inspiradoras que envolvem os fundadores da organização ou de antigos gestores. As muitas histórias sobre Amador Aguiar, ex-presidente do Banco Bradesco, sempre ratificam sua personalidade forte e determi161
Comunicação interna
nada, que o conduziram de menino pobre do campo a gráfico e depois bancário, condição que lhe proporcionou ascensão profissional e uma das maiores fortunas do país.
Símbolos – não são os que compõem a identidade da organização, como logotipos e elementos da programação visual dos escritórios, mas elementos que representam uma intenção, um sentimento, um valor. Daft (1999, p. 246) relata o caso do presidente de um hospital que havia mandado retirar as portas de seu escritório e as colocado presas no teto para simbolizar que ele estava de portas abertas a quem necessitasse procurá-lo. “Comer à mesma mesa” com todos os funcionários pode simbolizar, por parte do presidente da organização, que se acredita na horizontalização de cargos e em princípios igualitários de orientação.
Linguagem – as organizações podem lançar mão de metáforas e de outras figuras de linguagem para sintetizar valores e conceitos na forma de lemas. Daft (1999) dá o exemplo da empresa que disseminava entre os funcionários o seguinte lema: “Você não tem de agradar ao patrão, mas sim ao cliente”.
Além desses fatores observáveis, há outros de natureza abstrata, vários deles ligados a padrões éticos da organização, estabelecidos por códigos, assim como à reputação da empresa, a convicções formadas ao longo dos anos e a valores de foro íntimo.
Planejando a comunicação interna: política, objetivos e metas As considerações do tópico anterior reforçam o sentimento de que organizações não são uma coisa objetiva, no sentido de possuírem uma autonomia construída por algo que não seja o trabalho de seus membros, o seu empenho de natureza cognitiva na formação de sistemas e fluxos comunicativos e a partilha e reinvestimento de valores organizacionais no espaço interno, com impacto no externo. Como linha de força do engajamento dos indivíduos, a cultura organizacional é o pano de fundo e o esteio da comunicação interna. Tanto é assim que a primeira função desta é justamente a difusão da visão, missão e valo162
Comunicação interna
res corporativos. Como referido acima, uma cultura não é “percebida” como tal, mas a todo momento a comunicação interna alimenta-se de seus conteúdos, instituindo-se como um texto, tema ao qual retornaremos a seguir. Como agente de coadunação entre os membros, a comunicação interna é o meio ideal para a equalização de interesses. Não fosse isso, a integração entre equipes e departamentos no desenvolvimento do trabalho conjunto não seria possível. Aliás, esse entendimento entre as partes depende muito, mas não apenas, da capacidade da empresa em formalizar os processos de comunicação interna. Trata-se de raciocinar no interior de uma rede de comunicação com uma arquitetura própria e fluxos de comunicação, abaixo relacionados, que regulam o maior ou menor grau de formalização das mensagens:
Descendente – as mensagens originam-se nas altas chefias, com poder de decisão, e fluem por diferentes canais, atingindo chefias subalternas e seus subordinados; isto, até o exato ponto previsto para a fluição dessas mensagens, embora, não raro, a informação nelas contidas atinja outras chefias e seus subalternos – não diretamente o alvo da comunicação – por canais informais. Há de se lembrar de que nas grandes organizações o volume total de informação gerado não se destina a todos os funcionários.
É a comunicação oficial (falada, impressa ou eletrônica) portadora de “ordens” (sobretudo quando na forma oral), normas e todo tipo de procedimentos, o que inclui distribuição de tarefas, atribuições, compartilhamento de estratégias e de planos etc.
Ascendente – a comunicação tem início na base da organização (e de forma indistinta, envolvendo funcionários administrativos e operacionais) e flui em direção aos níveis mais elevados na estrutura organizacional. Enfeixam-se nesse fluxo comunicacional opiniões, críticas, elogios ou reclamações de funcionários. Os canais de veiculação dessas manifestações podem ser uma pesquisa de clima organizacional ou uma caixa de sugestão. Elas podem também ser captadas em reuniões e conversações formais e informais, e serem sistematicamente registradas pelas chefias que as encaminharão às esferas decisórias. Há autores que valorizam o caráter informal das mensagens como modo de tornar o fluxo de comunicação mais eficiente; assim, eventos
163
Comunicação interna
organizacionais, dentro ou fora da empresa, excursões, entre outros, são ocasiões propícias para a percepção do clima organizacional e a eventual análise dos ânimos. Esse conjunto de manifestações tem o valor de feedback aos vários processos da empresa, sobretudo àqueles de caráter mais estrutural como o modelo de gestão e procedimentos administrativos enraizados no dia a dia.
Horizontal – comunicação interpessoal entre os membros do mesmo nível hierárquico. É comum, em empresas de grande porte, com processos mais formalizados, o resguardo ou mesmo retenção de informações como uma espécie de patrimônio do grupo, manipuladas, conforme interesses.
Transversal – esse processo ocorre nas organizações com estruturas menos centralizadas e com maior flexibilidade, conforme os paradigmas pós-modernos do quadro 1. A interação entre os membros se dá de forma mais dinâmica em todas as direções sem a necessária intermediação de chefias.
Circular – as pequenas empresas geralmente possuem um fluxo de comunicação como este, que envolve todos os membros, indistintamente.
O processo de comunicação deve ser suficientemente formal para documentar processos, implantar e ratificar códigos de conduta, oferecer esclarecimentos, cristalizar regras e veicular pelo menos parte da informação de alto interesse da organização; mas, de igual modo, “estrategicamente” informal para dinamizar a troca de informações, evitar excesso de papéis, o excesso de informação, investir no fortalecimento das relações interpessoais e do sentimento de grupo, além de favorecer a iniciativa. Na verdade, a informalidade do processo é algo sobre o qual não se tem controle, já que flutua ao livre-arbítrio dos membros da organização; cabe, no entanto, à empresa, posicionar-se com suas ferramentas internas de comunicação para tentar “contagiar” esse processo com maior grau de exatidão quanto às informações por ele veiculadas. Empresas que não sabem fazer o balanço entre a informalidade e a formalidade perdem em dinamismo e credibilidade, com esvaziamento de alguns significados da cultura organizacional apontados por Daft (1999).
164
Comunicação interna
Organizações cujos processos são muito precariamente formalizados ou, por outro lado, excessivamente formalizados, estão mais sujeitas aos efeitos do que no mundo organizacional se denomina de “rádio-peão”: um sistema informal de comunicação baseado na interceptação de informações (geralmente oriundas da alta cúpula, mas não necessariamente) que serão passadas à frente, no entanto, com algum grau de contaminação gerado por interesses de difícil classificação. Com frequência essa rádio “clandestina” veicula informações inteiramente falsas (demissões, promoções, reformas administrativas etc.), os famosos boatos, e pode ser o veículo de muitos mal entendidos entre funcionários, de ansiedades e outros fenômenos fora do controle da organização. É apenas provável que a rádio-peão, como entendem alguns teóricos, tenha nascido no chão de fábrica, já que se associa o seu poder de difusão (rádio) à condição de funcionários subalternos (os “peões” operacionais), mas a verdade é que ela funciona com a energia gerada em toda a parte da organização e assim potencializa sua cobertura. Talvez seja melhor compreendê-la sobre a imagem do tabuleiro de xadrez, onde os peões têm consciência da sua condição de guerreiros e seus movimentos alteram as relações em jogo. Nas organizações burocratizadas, cujos processos são muito demarcados e controlados, a rádio-peão parece identificar-se com essa metáfora do xadrez, na forma de uma reação à formalidade imperante. É como se os funcionários reagissem à agulha hipodérmica das teorias positivistas, essa estratégia comunicacional para controle das massas. É possível, então, controlar a rádio-peão? Não há uma resposta absoluta, pois a necessidade de especular (e daí inventar...) sobre os rumos da empresa ou de certos processos internos é um sentimento tão absolutamente espontâneo, e aparentemente coletivo, que se torna pouco produtiva a neutralização de todos os focos irradiadores de boatos. A transparência mostra-se sempre uma política das mais valiosas, no combate aos efeitos da rádio-peão, mas nesse caso os gestores devem demonstrar suficiente agilidade para debelar o incêndio causado pelo boato ainda quando os danos são pequenos. Especialistas em gestão de pessoas consideram boa estratégia identificar lideranças entre os funcionários de escalão inferior6 e torná-las parceiras na divulgação de informações oficiais e dos necessários esclarecimentos em situações de boato.
165
6
Priorizando, portanto, o fluxo de comunicação ascendente.
Comunicação interna
Alinhamento estratégico da comunicação interna A comunicação interna é o lugar por excelência para se enxergar a organização como um todo. Esse seu campo de visão ampliado tem a ver com o lugar que ocupa no planejamento estratégico. Com efeito, o poder integrador da Comunicação Empresarial tem na comunicação interna o seu teatro de operações por definição, para se usar linguagem militar, mas sem as conotações tayloristas. Afinal, todas as ações da empresa são gestadas a partir do seu interior, o que pode ser óbvio, mas não o é se colocarmos o acento na necessidade de se alinhar recursos humanos e os administrativos, processuais e materiais a serviço do cumprimento de metas. Alinhar significa, portanto, reconhecer a necessidade de integração de todos esses elementos, pensar estrategicamente como fazê-lo, elegendo atores, identificando necessidades etc. e, finalmente, formalizar esses processos numa ação metódica para o cumprimento de objetivos, o que prevê a constante monitoria de todo o processo. Naturalmente, o maior objetivo é alcançar alto nível de eficácia na comunicação e dinamizar o desempenho da organização como um todo, daí o caráter estratégico. O significado e o êxito do alinhamento estratégico das ações de comunicação devem, a nosso ver, nunca subjugar a necessidade de se colocar o fator humano como prioridade. É a partir desse reconhecimento que podemos pensar a Comunicação Empresarial como uma disciplina integrada à gestão de pessoas, área também demarcada no planejamento estratégico. Para não deixar dúvida sobre essa opção pela pessoa como centro, propomos que se dê a devida atenção à “competência comunicativa” dos indivíduos. Há, no âmbito dos estudos linguísticos, uma formulação de Noam Chomsky (1998)7 que se tornou célebre. Todos os usuários da língua são dotados de uma competência linguística representada pelo saber interiorizado na forma de mecanismos de produção de sentido, estruturas frasais, regras gramaticais etc.; por outro lado, a performance (desempenho, realização) revela-se no uso que o usuário faz desse saber. No entanto, Chomsky não situava o usuário em um contexto socioeconômico específico, e assim sua teoria não se propunha a verificar qual o discernimento desse usuário em relação ao contexto, isto é, como ele mobilizava o conhecimento prático, não necessariamente explícito, das regras psicológicas, culturais e sociais do mundo que o cercava. É um modo de se observar que usuários competentes (e capazes de desempenhar com eficácia sua competência), da língua, são poliglotas dentro da sua própria língua, quer por identificarem os diferentes registros linguísticos (norma
7
Noam Chomsky (7 de dezembro de 1928-) é linguista, professor do Massachussets Institute Tecnologic (MIT) e ativista político dos mais participativos. Seu nome sempre é associado à criação da gramática gerativo-transformacional, de forte influência nos estudos linguísticos.
166
Comunicação interna
culta, coloquial e popular) quer por interpretarem os componentes de natureza diferenciada, presentes no contexto social em que se comunicam, e articulá-los com propriedade durante a comunicação. A “competência comunicativa”, entendida nos termos contextuais e pragmáticos referidos acima, é um conceito proposto por Hymes (apud SILVA, 2009) que considera a primazia do contexto sobre a mensagem; criticando e ampliando o conceito de competência/ performance, de Chomsky, Hymes nota que os dados da vida sociocultural afetam não apenas a performance (desempenho) do usuário da língua, mas sobretudo a competência, pois é essa que os articula na forma de repertório. A competência comunicativa, portanto, mobiliza ao mesmo tempo competência e performance, ambas agora emolduradas pelos significados do ambiente socioeconômico e cultural, o que exige do usuário a capacidade de adequação de sua realização linguística ao contexto a partir da interpretação de seus diferentes elementos. Naturalmente, não estamos sugerindo que a competência comunicativa seja mais uma forma de seleção de candidatos a ingresso na empresa; se há um modo de integração da comunicação com a gestão de pessoas, não seria essa de impor mais um complicador em um mercado de trabalho turbulento, apenas para não nos esquecermos das reflexões de Sennett. No entanto, pensamos que possa ser papel da organização estimular o adensamento dessa competência na busca do aumento de eficiência do sujeito diante da língua pensada por meio dos pressupostos da competência comunicativa. Adequar a linguagem às diferentes situações vividas na organização significa antes de tudo, por parte do usuário, ter maior consciência dos usos que as diferentes comunidades culturais e linguísticas fazem da sua língua. Por possuir uma cultura organizacional e um código de conduta mais ou menos assimilado por todos, a própria organização já estabelece, tacitamente, como se comportar, inclusive linguisticamente, de modo que os indivíduos usam uma língua no refeitório, um registro menos formal da língua portuguesa, e outro, diante de um diretor, por exemplo8. Contudo, esse saber não chega a constituir uma forma de conhecimento com grau elevado de consciência, embasado na consolidação de políticas de gestão de pessoas que o favoreçam. E por que a empresa adotaria tais políticas? Resposta: para tornar o processo de conversação e de coorientação, nos termos de James R. Taylor, mais eficazes. Como os indivíduos vislumbrariam o contexto socioeconômico e cultural pelo filtro da organização, e de acordo com o seu planejamento estratégico, ter maior consciência da língua significaria também aumentar o conhecimento sobre os repertórios da empresa, ordenados segundo sistemas com alto grau de pragmatismo. 167
8
É claro que, neste caso, usar diferentes registros (formal/informal; culto/ coloquial/popular) já demonstra capacidade de adequação ao contexto, embora essa mudança de registro ainda se limite ao maior ou menor afastamento da norma culta; no entanto, esse cuidado não necessariamente revela a capacidade de reflexão do indivíduo sobre o conjunto de regras sociais que mobiliza para a comunicação.
Comunicação interna
Seguindo uma observação de James R. Taylor ( apud VILAÇA, 2009), apreendida em Durkeim, as tarefas desenvolvidas no trabalho ocorrem colaborativamente, lançando as bases da unidade entre os funcionários. Por outro lado, e de acordo com mais uma referência de Taylor, Karl Wick, para quem pensar e agir são inseparáveis, de modo que o conhecimento surgiria das ações, o primeiro defende que “temos certo conhecimento de base, o conhecimento prático, sobre o qual sequer falamos – por ser tácito – e o conhecimento simbólico, assim definido por ser possível formulá-lo em linguagem e a linguagem seria o meio simbólico da comunicação”. Taylor (apud VILAÇA, 2009, p. 6) As teorias de Taylor, representante da Universidade de Montreal, situam no diálogo, na conversação e na coorientação de dois ou mais indivíduos em relação a um objeto, o modo de conceder ao texto (escrito ou falado) uma importância inédita nos processos organizacionais, conforme argumentam o teórico canadense Taylor e Robichaud, citados por Vilaça (p. 7): Coorientação (1) é negociada através do diálogo, (2) produz a coordenação de crenças, ações e emoções com alguns objetos mutuamente compreendidos, e (3) é mediada pelo texto. Coorientação é um tripé (de pelo menos) dois atores e um objeto, em que o termo objeto refere-se à prática mundial de articular atividades que envolvam as pessoas de atenção e cuidados. Atores podem ser individuais ou coletivos. Por conveniência, se nós chamamos os atores de A e B, e o objeto no qual a atenção deles está focada, X, o tripé forma uma unidade relacional simples A – B – X.
Ora, um dos ganhos institucionais desse permanente encaminhamento da conversação, do diálogo negociado entre dois ou mais agentes – pois na medida em que geram versões diferentes sobre um mesmo objeto, impõe-se a necessidade de um consenso (daí a negociação) – é que se quebra a monologia, sistema institucional em que a metáfora do monólogo encarnado pela “voz do dono” ecoa(va) linearmente, na organização, de forma autoritária e ancestral, considerando-se a cultura do patriarcado na sociedade brasileira; no lugar desse sistema, traçam-se caminhos, muitas vezes tortuosos, para a polifonia, o concerto das muitas vozes, representadas pelos múltipos agentes em diálogo. Ao inserirmos a teoria da competência comunicativa, de Hymes, na arena dos conceitos em trânsito sobre a dialogicidade na organização, pretendemos oferecer uma referência já cristalizada no âmbito dos estudos linguísticos; e com isso suscitar a atenção para um campo de discussão que se reporta diretamente ao desempenho linguístico dos indivíduos, muito além das marcas de certo/errado na produção textual. Caso a abordagem de Taylor vá aos poucos ganhando lugar nas empresas brasileiras, eis o ponto de partida para o plano de ação da comunicação. 168
Comunicação interna
Plano de ação da comunicação O plano de ação da comunicação deve levantar as necessidades internas de cada departamento, com participação das diretorias, momento em que o comunicador, é claro, tem papel decisivo. Esse esforço conjunto tem mão dupla, pois será capaz de apontar as expectativas da empresa para com os colaboradores e destes para com a empresa. Haverá, numa primeira etapa, sobreposição de tarefas e de resultados, falha somente notada com o “andar da carruagem”, mas mesmo assim o esforço é indispensável, pois a perda da visão do todo, tal a complexidade de certas empresas, é fenômeno recorrente na experiência das organizações, mas pode ser superada com essa iniciativa. Para termos duas referências de um plano de ação, selecionamos uma, cuja visão parece ser mais macroestrutural, sugerida pela Associação Brasileira de Agências de Comunicação (ABRACOM 2008) e outra, mais identificada com o estabelecimento de tarefas no plano da comunicação interna (CAPELLANO. In: SILVA NETO, 2010, p. 57). Quadro 2 – Etapas do plano de ação da comunicação
Atender às metas do planejamento estratégico da organização, buscando identificar de que maneira a comunicação interna pode colaborar com o alcance dos resultados desejados;
Realizar um diagnóstico (por meio de desk research, ou pesquisa com os públicos internos);
Estabelecer os objetivos da comunicação interna;
Estabelecer os atributos da comunicação interna que correspondam aos atributos da marca;
Criar o plano de ação da comunicação, estabelecendo processos e atividades;
Estruturar os canais: veículos, eventos e ações;
Gerir os conteúdos comunicáveis;
Mensurar resultados a partir de um sistema de indicadores com base no que é relevante para o sucesso do negócio. 169
) 8 0 0 2 , M O C A R B A (
Comunicação interna
Quadro 3 – Etapas do plano de ação da comunicação interna
Mapear e conhecer as audiências internas;
Monitorar a eficiência dos canais e o nível de retenção de mensagem que eles proporcionam;
Segmentar os veículos conforme seu conteúdo, periodicidade e formato, direcionando-os adequadamente às diversas audiências;
Utilizar uma linguagem acessível, evitando o uso de termos e siglas que não sejam do domínio dos colaboradores;
Exercer a repetição das informações de maneira inteligente para que não haja desgaste do canal ou do conteúdo;
Fazer monitoramento periódico – formal e informal – do ambiente interno em relação à comunicação interna.
O levantamento dos tópicos acima, ainda mais em organizações atentas à importância da coorientação mediada pelo diálogo, lança as bases de uma arquitetura da comunicação melhor preparada para evitar um elemento que pode interferir no processo, mas em relação ao qual frequentemente se silencia. O alerta é de Capellano (SILVA NETO, 2010, p. 56), quando alude ao ruído, como é designado esse elemento interferente no processo de comunicação; costumam-se evocar os quatro elementos que compõem este último, também eles presentes no ambiente interno, quais sejam, o emissor, a mensagem, o canal e o receptor, como se tal esquema estivesse imune a complicadores, representados pelo ruído. A eficácia da comunicação interna agrega valor de mercado à empresa e seus efeitos são sistematicamente percebidos:
170
engaja os indivíduos, mas a partir dos conteúdos já solidamente plantados pela cultura organizacional;
por integrar-se na coorientação, o funcionário é convocado a dialogar e a se perceber como agente de transformação na empresa e a se contextualizar;
em virtude desse processo de criação colaborativa e compartilhada de consciência (sensemaking), diminui-se a distância entre a organização
) 7 5 . p , 0 1 0 2 , O T E N A V L I S : n I . O N A L L E P A C
Comunicação interna
e o funcionário. O fato de na empresa existirem interlocutores, como afirma Kunsch (2003), “sociais e de conflitos”, uma maior consciência da língua, como código do texto, eleva a empresa a uma instância reflexionante, que pode até dar margem a lideranças indesejáveis, mas que de um modo geral democratiza as relações e humaniza os processos; além disso, pode influir na redução dos índices de rotatividade (turnover ) porque tende a construir uma atmosfera de respeito e de entendimento.
Ferramentas de comunicação interna: do quadro de avisos às mídias digitais A comunicação interna conta com uma ampla variedade de ferramentas, distribuídas em categorias, que devem ser pensadas como componentes de uma rede e como tal atender a necessidades específicas sem perder a visão do todo, sustentada pela cultura organizacional e traduzida pelo plano de ação da comunicação interna. Quadro 4 – Ferramentas de comunicação interna Ferramentas de comunicação interna Periódicos
Jornal (newsletter ) Revista Boletim Folhetos TV interna Rádio empresarial
Comunicação operacional
Intranet Telefone Quadro de avisos Correio eletrônico Manuais Relatórios Vídeos Videoconferência Conferências e seminários internos
Eventos
Programas de incentivo
Integração de funcionários Festas Esportes Cultura e educação (teatro, coral etc.)
Concursos internos Premiações e brindes Caixa de sugestões Campanhas motivacionais
) 8 0 0 2 , O N A I R A M ; R E Y A M (
Embora os públicos não sejam os mesmos, no âmbito das grandes organizações, e o uso que se faz de um evento não é, obviamente, o mesmo que se faz de um relatório, é preciso que se experimente uma sensação de organicidade proveniente da gestão dessas ferramentas. Não se trata de reconhecer, apenas, que os periódicos, por exemplo, devam possuir uma programação 171
Comunicação interna
visual padrão, que crie links entre eles, como se fosse uma campanha publicitária. Mas sim de atribuir-lhes um foco, uma linha editorial consistente, em sintonia com objetivos bem-delineados, sustentados por conteúdo em linguagem adequada aos públicos, “leve”, sem exagero no tom oficial. Uma política de transparência não combina com textos artificiosos e redundantes ao enfatizar as virtudes organizacionais. Por outro lado, periódicos com mais densidade editorial, como revistas ou programas de mídia eletrônica (TV e rádio corporativos), com certo cuidado, podem investir não apenas na informação, como também na formação do funcionário, quem sabe já delineando as diretrizes de uma educação corporativa. Mas tudo, repita-se, dentro de um planejamento bem articulado do conjunto. Caso não se tenha consciência da especificidade de cada veículo, bem como das suas possibilidades e limites, o fracasso dessas iniciativas é inevitável, com o consequente prejuízo financeiro. De acordo com Torquato (apud MAYER; MARIANO, 2008), as mensagens nas publicações internas devem abranger os mais diferentes conteúdos e gêneros, envolvendo áreas como jornalismo, educação, lazer, entre outras:
172
Matérias institucionais – normas, regulamentos, portarias, avisos, produtos, serviços, projetos de expansão, recordes de produção etc.;
Matérias de motivação – planos assistenciais, benefícios, promoções, concursos, prêmios, planos de sugestão;
Matérias de orientação profissional – segurança, higiene, saúde, conselhos úteis, programas de treinamento;
Matérias educativas – história, geografia, conhecimentos gerais.
Matérias associativas – esportes, festas, concursos, bailes, casamentos, nascimentos, falecimentos.
Interesse feminino – culinária, conselhos de beleza, moda.
Entretenimento – palavras cruzadas, quadrinhos, curiosidades, adivinhações, testes.
Matérias operacionais – processos de fabricação, inovações técnicas.
Família do empregado – além das matérias de interesse feminino, concursos infantis etc.
Comunicação interna
De forma sumária, podemos formular nos seguintes termos as funções de algumas das ferramentas de comunicação interna:
Jornal – publicação denominada genericamente de organ house, o veículo funciona como porta-voz da empresa. Geralmente, não excede o limite de 12 páginas, com frequência em formato tabloide. Tem como pauta o cotidiano da empresa, com destaque para questões da alta diretoria, inovações, reformas, inaugurações, agenda do grêmio dos funcionários, agenda cultural, dicas etc. Além disso: cumprimento de metas; cobertura das filiais; entrevistas com pessoal administrativo, técnico e operacional, mas também com outros stakeholders. Por isso, torna-se perfeitamente adequada a publicação de mídias segmentadas: fornecedores, acionistas e investidores e clientes. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) em 2007, apontou o jornal como o principal veículo de comunicação interna em 26,6% das empresas pesquisadas.
Newsletter – publicação digital que em várias empresas vem substituindo jornais e revistas, entre outros motivos, devido ao baixo custo para a produção. Há vantagens e desvantagens na adoção de newsletters como veículo para o público interno. Entre as vantagens, citamos o dinamismo oferecido pelo meio eletrônico, multimídia, capaz de integrar som e imagem. A intertextualidade (o diálogo entre textos) oferecida pelo hipertexto pode motivar leituras mais integradas e proveitosas. Como desvantagem, coloca-se o fato de ainda ser uma mídia restritiva, porque dependente do meio eletrônico e de um tipo de leitor com alguma vivência com ele. Exige-se do redator de newsletter domínio da “gramática” digital, a qual prevê textos enxutos e habilidade de criar relações entre os textos.
Revistas – como organ house, a revista exerce papel similar ao do jornal, porém tende a desenvolver pautas mais robustas, com textos com maior inclinação analítica e programação visual mais sofisticada. Em empresas que publicam jornal, a revista costuma ter periodicidade bimestral. Como o jornal, integra os funcionários, talvez até com mais eficiência, já que, conforme o caso, há uma preocupação em se dialogar com outros públicos, além dos funcionários, daí maior cuidado com a edição de textos, aumentando o interesse. A revista corporativa 173
Comunicação interna
mostra-se muito apropriada para empresas com várias filiais, algumas mesmo fora do país. Há revistas corporativas com primorosa edição de fotografias, linha editorial madura e de bom gosto, valorizando a inteligência do leitor e a imagem da empresa.
174
Boletim – a periodicidade dos boletins deve ser de preferência bem curta, semanal ou quinzenal, caso se apresente como mídia impressa. Se for digital, há empresas que publicam um, diariamente, na intranet. São publicações bem mais sintéticas que os jornais, às vezes reduzidos ao formato de uma folha de papel sulfite, no formato A4, frente e verso. Noticiam fatos mais pontuais, alguns em caráter de urgência, daí a possibilidade de edições extraordinárias.
Folhetos – mídia impressa utilizada em certos departamentos para veicular informações sobre funcionamento, normas etc. Colocados em pontos estratégicos da empresa, os folhetos podem ser muito úteis para a divulgação de campanhas, valorização de determinados hábitos ou de alerta em relação a outros.
TV corporativa – esta é uma poderosa ferramenta de comunicação interna, assumindo múltiplas funções, quando bem orientada por uma política verdadeiramente integradora. A TV participa de programas de treinamento, de educação corporativa, divulga campanhas, é uma forte aliada do endomarketing, veiculando programas ao vivo, e pode ainda envolver funcionários na apresentação de programas, o que concede maior autenticidade à programação. Programas televisivos, no sentido clássico da palavra, vão aos poucos encontrando seu formato adequado na TV corporativa, assim como sua periodicidade. Ao contrário da TV aberta, o maior objetivo desse meio de comunicação não é, naturalmente, o entretenimento. Bem por isso, por não possuir a mesma leveza de uma programação dessa natureza, a periodicidade dos programas será sempre espaçada, evitando excesso de informação para não suscitar resistências, por parte dos funcionários, diante de programas “sérios” demais. Uma parte da programação pode ser dirigida a fornecedores, acionistas e investidores. Não confundir TV corporativa com a mídia digital instalada em supermercados, farmácias, shopping centers, entre outros, cuja função é veicular propaganda de produtos e serviços do estabelecimento e boletins noticiosos. Petrobras e supermercados Carrefour estão entre as empresas que fazem uso dessa ferramenta.
Comunicação interna
Rádio – o modelo predominante de rádio corporativa é o on-line, portanto, o conceito de rádio web, o qual vem se tornando muito comum na rede desde 1995, e ocasionando de lá para cá o surgimento de milhares de rádios no mundo. Existem duas modalidades de rádio web: ao vivo (streamming) e gravado (on demand). Assim como a televisão corporativa, promove a interatividade com o meio, a integração entre funcionários, em programas de treinamento, em programas de incentivo etc. A Porto Seguro possui rádio web e transmite diariamente, para os funcionários espalhados por todo Brasil, das 12 às 14h.
Intranet – de acordo com pesquisa da Aberje, de 2007, é a segunda ferramenta mais utilizada pelas empresas na comunicação com os funcionários. A rede local de computadores integra tantos recursos tecnológicos quanto logísticos-administrativos-educacionais, a ponto de estudiosos considerarem a ferramenta como o mais importante dispositivo de transformação organizacional. Um teórico como Humeau (apud RECH, 2008, p. 110) vê a intranet como “pedra angular da interação sócio-organizacional das tecnologias da informação e da comunicação, e, por consequência, o braço armado da e-transformação”. A ênfase dada à rede interna deve-se ao fato de ela encarnar idealmente o dispositivo para o autorreconhecimento da empresa como uma comunidade que reúne todas as condições para sua própria transformação.
Ao promover a troca constante de informação, a intranet pode aprofundar identidades de estruturas internas (secções, departamentos, gerências) como também proporcionar a atualização da identidade organizacional em contato com o ambiente externo. Esta última potencialidade ocorre, sobretudo, quando a intranet se conecta à internet, um estimulador da criatividade e da pesquisa, mas que depende, no ambiente organizacional, de políticas que se mostrem capazes de refinar esse potencial e traduzi-lo como vantagem competitiva. Aliás, esse seria um dos pressupostos para a constituição de uma extranet, a rede que permite o acesso a fornecedores e outros parceiros. No ambiente interno, a rede local pode garantir a partilha de escritórios, compreendidos como células da empresa espalhadas pelo país ou pelo mundo.
Manuais – empresas de grande porte, com processos complexos, e que exigem estrita metodologia, fazem uso de manuais para demarcar 175
Comunicação interna
etapas, reforçar normas e, enfim, constituir a memória desses percursos. Nos EUA, o Wallmart possui 60 mil fornecedores e por isso criou um “guia de empacotamento” para estimular a racionalização desse processo e a consequente economia de espaço nos depósitos da empresa. Organizações estatais possuem, muitas vezes, manuais de redação; entre estes, um se tornou referência das mais importantes e aguarda atualização ortográfica, pois sua última edição é de 2002: o Manual de Redação da Presidência da República, cujo download 9 pode ser obtido no site da Casa Civil.
9
Disponível em: . Consulta em: 5 nov. 2009.
Vídeos – são utilizados para treinamento de funcionários e para divulgação de conteúdos considerados não apenas importantes, mas merecedores de ênfase e repetição. Como recurso didático, exigem bom domínio de princípios e técnicas de ensino-aprendizagem traduzidas para esse meio.
Programas de incentivo – conjunto de estratégias de caráter motivacional englobadas pelo endomarketing, tema do próximo tópico.
Há empresas que possuem um “código de conduta” como a Aracruz 10 , uma das maiores produtoras de celulose do mundo. Esse documento, sempre aberto aos vários públicos, já que estabelece os padrões éticos no relacionamento com eles, pode dar origem a protocolos, de igual natureza, mas de acesso restrito ao público interno. Tal é o caso do uso do “correio eletrônico” que tanta polêmica tem gerado, pois, pelo ângulo jurídico, como alerta Calvo (2003), não “se trata somente de discutir os princípios protetivos do empregado versus o poder diretivo do empregador perante o Direito do Trabalho”. Essa autora, no início de seu artigo, levanta uma série de questões que nem sempre estão claras para empregadores e empregados:
10
Disponível em: .Acesso em: 20 out. 2009.
[...] a primeira questão que se coloca é a análise da natureza técnica do correio eletrônico. O correio eletrônico seria entendido como uma correspondência? Em caso positivo, correspondência fechada ou aberta? Comercial ou pessoal? Pode ser equiparado a um cartão-postal, uma vez que a internet é um veículo aberto? Ou seria equiparado a uma conversa telefônica? Seria um conjunto de dados (informática)? Há os que argumentam que não havendo legislação regulando o assunto, a sua natureza seria sui generis.
De imediato, a natureza escorregadia da questão está colocada, pois não se consegue responder com segurança àquelas perguntas. Há tantos autores, na área jurídica, que defendem a inviolabilidade do correio eletrônico, como em contrário, os que sustentam o acesso às caixas de correio, pois a consideram um bem da empresa. Se o problema for encarado do ponto de vista dos prejuízos que o mau uso do correio, e da internet como um todo, 176
Comunicação interna
causam às instituições, não sobraria dúvida quanto à necessidade da tomada de medidas enérgicas para evitá-los. Calvo alude a pesquisas realizadas nos EUA, em 2000, pela revista Management , em empresas com acesso livre à internet: [...] 87% das pessoas usam o correio eletrônico para assuntos que não relacionados ao seu trabalho, 21% dos empregados divertem-se com jogos e piadas, 16% planejam viagens, 10% mandam dados pessoais e procuram outros empregos, 3% conversam (ou namoram) em sites de bate-papo, 2% visitam sites pornográficos.
Muito provavelmente esses percentuais não correspondam à realidade brasileira, em 2009, até mesmo porque o número de empresas que não proporcionam acesso à internet cresceu de modo considerável. Há várias que disponibilizam o acesso à rede apenas na hora do almoço, outras, nem isso, limitando-se ao uso da rede local, a intranet. Os prejuízos causados pelo mau uso nos EUA chegaram a US$85 bilhões, em 2002, e um fato que torna essa quantia ainda mais astronômica ocorre quando comparada ao valor do pre juízo, em 2005/2006, com vírus e spams: US$7 bilhões. Uma pesquisa desenvolvida, em 2009, pela Websense11, intitulada Web@ Work América Latina, entrevistou 700 funcionários de empresas com, no mínimo, 250 funcionários, instaladas na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e América Central (100 entrevistas em cada país: 50 com funcionários e 50 com gerentes de TI). O estudo fornece o panorama das práticas corporativas de segurança e dos hábitos de navegação na internet dos funcionários, incluindo a percepção dos gerentes de TI quanto à utilização. No Brasil, funcionários admitem navegar 21 minutos por dia em sites não relacionados ao trabalho, mas esse tempo sobe consideravelmente na concepção dos gerentes de tecnologia, para os quais funcionários navegam 5,3 horas por semana em sites sem ligação com o trabalho. Sites do governo, de bancos e de notícias estão entre os endereços mais procurados. Sabe-se, no entanto, que o tempo gasto em sistemas de mensagens instantâneas, como o MSN, é bem significativo, além daquele gasto no Orkut, sem contar a atenção, não se sabe até que ponto desviada, com a audição de rádios na internet. Esse panorama demonstra como a matéria preocupa as empresas, as quais ficam entre uma atitude radical, de não oferecer o acesso à rede, e outra, de permitir o acesso de forma monitorada, e com ajuda de um código de conduta, mas assim mesmo com frequentes dúvidas quanto à legalidade de certos procedimentos. 177
11
Disponível em: .
Comunicação interna
A nosso ver, o correio eletrônico deve ser alvo de documentação própria e para que esse protocolo não se detenha excessivamente sobre as possíveis irregularidades no uso da ferramenta, deve contemplar tópicos sobre gestão do ponto de vista técnico: escolha de software, memória, criptografia etc.; e administrativo: como criticidade (informações confidenciais, corporativas e públicas), agentes envolvidos em segurança da informação etc. Fora isso, a empresa deve saber avaliar o quanto o acesso à internet é importante na análise estratégica de informações de variada natureza e quais seriam os funcionários capazes de fazê-la. Quanto à linguagem adotada nas mensagens da intranet, há empresas que estabelecem modelos, padrões – registrados em códigos de conduta – que podem chegar a vetar expressões, abreviaturas, e até mesmo o uso de estrangeirismos, no caso dos órgãos oficiais, sobretudo do governo federal, critério aplicado a toda correspondência.
Endomarketing Naturalmente, o ponto de referência do endomarketing é o marketing realizado pela empresa. Uma forma bastante simples de caracterizar o marketing é destacar sua natureza sistêmica ao tentar dar conta das demandas do cliente. Sempre se evoca a missão do marketing de atender às necessidades e aos desejos dos clientes a partir de processos que vão desde a identificação dessas demandas, estendendo-se pelo planejamento de estratégias e táticas para tornar a empresa apta a satisfazê-las, à implementação e controle destas últimas. Drucker (apud KOTLER, 2006, p. 4) afirma que “[...] o objetivo do marketing é tornar supérfluo o esforço de venda. O objetivo do marketing é conhecer e entender o cliente tão bem que o produto ou o serviço seja adequado a ele e se venda sozinho”. Ora, se a empresa se obriga a conhecer tão bem o cliente, o que se dirá então em relação ao público interno, cuja missão é tornar possível esse envolvimento? O endomarketing sustenta-se no tripé incentivo, motivação e resultados, articulados dessa forma por Vinícius Carvalho de Carvalho, de onde se conclui que as duas primeiras palavras são um meio para se alcançar os efeitos aludidos pela terceira: Endomarketing é um processo gerencial, cíclico e contínuo, direcionado ao propósito da organização, e integrado aos demais processos de gestão, para cuja efetivação utilizam-se, eticamente, ferramentas multidisciplinares de incentivo, com o objetivo de promover a motivação das pessoas com seu trabalho e garantir seu compromisso com os objetivos estratégicos, contribuindo com a obtenção de melhores resultados, econômicos e humanos, a partir de desempenhos superiores. (CARVALHO, 2008) 178
Comunicação interna
Esse autor, provavelmente inspirado nas leis do posicionamento, de Ries e Trout, propôs as “25 Leis do Endomarketing”, as quais têm sido bem aceitas por especialistas de RH e Comunicação Empresarial. A primeira dessas leis, a do “diferencial humano” constata, como pedra angular de todas as demais, que “As pessoas são a base de tudo. Não importa qual o valor que pretende agregar ao seu negócio, sempre serão as pessoas que o farão tornar-se realidade perante o seu cliente, quer seja de forma direta ou indireta”. E a partir daí alinham, de acordo com o tom peremptório das leis, princípios que tentam cobrir todos os quadrantes das relações humanas na empresa, tendo como pano de fundo a necessidade de coesão e integração dos agentes no processo de entrega de serviço. Fala-se sobre unidade organizacional, discurso voltado para os funcionários, princípios de reciprocidade, segmentação de públicos internos, entre outros. É ainda Carvalho (2008) que propõe um composto de endomarketing que procura fazer analogia com os 4 Ps do mix de marketing. Assim, ambiente está para ponto: o espaço da empresa onde se reúnem funcionários, configura-se como cenário onde se desenvolvem todas as operações organizacionais, tudo envolvido em duas dimensões: a tangível e a intangível. Aquela, identificada aos recursos físicos da empresas, entre os quais equipamentos, mobiliário, materiais de segurança, estoques etc.; esta, ligada ao clima organizacional, produto das relações humanas no trabalho. Empresa está para produto, pois o público interno deve “comprar” a empresa como conceito, instituição e valor simbólico, mas também como ente formador de perspectivas, propiciador de conforto psicológico, segurança financeira etc.; Trabalho está para preço: valor investido em salários e que naturalmente gera “significado” do ponto de vista institucional se for recompensador ou justo, de acordo com certos contextos; Comunicação interna está para promoção: a integração dos recursos materiais e processos de comunicação, com vistas ao alcance de objetivos, tendo como princípio, sempre que estratégico, a segmentação de públicos e a percepção dos resultados obtidos. Mais importante do que a analogia com o mix de marketing é aprofundar os sentidos subjacentes de cada elemento do composto e compreender sua natureza dinâmica no conjunto, ou seja, analisar a influência de cada um dos elementos do mix de endomarketing na sua interação com os demais. 179
Comunicação interna
Ampliando seus conhecimentos
A importância da comunicação interna na construção da imagem corporativa (RIBEIRO, 2007)
Um bom planejamento de comunicação deve basear-se na clareza, transparência e simplicidade da linguagem para alcançar a compreensão dos funcionários e conquistar o comprometimento da equipe. Uma das principais preocupações dos gestores atualmente é a comunicação interna nas empresas. Os processos mais estratégicos relacionados à construção ou à demolição da imagem empresarial passam pela forma como as pessoas da organização (incluindo seus gestores) trabalham e se relacionam com seus públicos. De nada valem as estratégias modernas e sofisticadas de construção de imagem se elas não atingem os funcionários da organização – ou não são compreendidas por eles. Em Nassar (2003), a atividade da comunicação interna, uma das áreas da Comunicação Empresarial, vem ocupando espaço cada vez mais relevante dentro das empresas. Não se concebe mais que uma organização moderna omita a informação de seus funcionários. E nesse ambiente interno, a confiança entre gestores e colaboradores é a base para uma comunicação eficaz, pois na comunicação, a confiança dá consistência às mensagens. As empresas melhores classificadas pelo Guia Exame – “As melhores empresas para se trabalhar” – em suas três últimas edições valorizam a comunicação interna nas organizações e acreditam que ela estreita os laços de confiança da equipe na gestão e promove o seu comprometimento com o sucesso do negócio. Enfatiza-se que, enfim, as empresas descobriram o quanto é imprescindível seus colaboradores saberem o que os líderes projetam para a organização no futuro e o que cada um pode fazer para que as metas sejam alcançadas. Nesse aspecto, a comunicação transformou-se em um indicador de desempenho de pessoas e de empresas. É comum a realização de pesquisas e auditorias de opinião com o objetivo de saber como anda o clima organizacional interno e os fatores que podem provocar barreiras entre a direção e os empregados. 180
Comunicação interna
A comunicação interna é aquela dirigida ao público interno da organização – principalmente funcionários – cujo principal objetivo é promover a máxima integração entre a organização e seus empregados. A comunicação organizacional é também conhecida como uma questão de cultura, ou seja, a cultura organizacional, que segundo Baldissera (2000, p.15), “é o conjunto de crenças e valores específicos de uma determinada organização”. Essas crenças e valores referem-se aos hábitos, mentalidade, estilo de liderança, comportamentos e padrões adotados pela organização e que criam uma identidade única perante os demais. Então, a cultura organizacional é mais facilmente construída e reforçada a partir de uma comunicação interna eficaz, com metas e objetivos comuns que motivem os colaboradores e, desta forma, influenciem na produtividade da empresa. Os meios de comunicação corporativa se profissionalizaram, a preocupação em informar aumentou de forma inovadora e criativa, atuando como fator estratégico nas organizações. Porém, a realidade das empresas brasileiras indica que comunicar é uma tarefa árdua. De acordo com Balerini (2003), em muitos casos, as organizações não se comunicam de forma clara e objetiva. Não basta, portanto, abrir espaço para que as informações circulem pelo interior da empresa. É preciso assegurar que elas sejam recebidas e compreendidas pelas pessoas certas. Uma comunicação eficaz requer habilidades para interpretar, ouvir, usar e aceitar estilos diferentes de comunicação, que tendem a proporcionar atitudes mais adequadas em diferentes situações na rotina da empresa. A excelente comunicação interna pode ser considerada um ativo da empresa, pois tende a criar um ambiente propício à criatividade, à inovação e à aprendizagem. Como também a comunicação interna pode ser um indicador de modernidade da cultura organizacional, devendo ser encarada como responsabilidade de todos, em todos os níveis hierárquicos. Nesse sentido, a comunicação é utilizada para preservar ou impulsionar as transformações desejadas na empresa. E pode ser considerada uma grande aliada na consolidação da imagem corporativa quando trabalha profissionalmente valores como missão, visão, identidade, parceria, cooperação e cidadania empresarial. As empresas modernas, cada vez mais, vêm tratando a comunicação empresarial como uma ferramenta estratégica, onde sua gestão pode transformar-se em vantagem competitiva. 181
Comunicação interna
Finalmente, as empresas começaram a perceber que a comunicação interna pode produzir uma ligação forte entre os colaboradores e um vínculo com a organização, criando uma força produtiva que tende a influenciar a definição de suas metas e objetivos. Afinal, ainda de acordo com Belerini (2003), o lucro obtido do vínculo com o cliente externo é gerado pela relação com o cliente interno. Então, a existência de um processo de comunicação bem planejado e executado tende a provocar impacto positivo no desempenho individual dos empregados. Esse planejamento, contudo, deve basear-se na clareza, transparência e simplicidade da linguagem. Quanto mais efetiva e próxima a comunicação interna se revelar maior será o envolvimento, dedicação e empenho dos colaboradores, ocasionando maior motivação e, consequentemente, aumento no grau de produtividade. E é isso que irá influenciar positivamente na lucratividade da empresa e na satisfação de todos. Por outro lado, os problemas de comunicação podem produzir uma modificação negativa na atitude dos funcionários, tanto em relação ao seu próprio trabalho como em relação à empresa. Quando não existe uma comunicação clara, a tendência é que os funcionários desenvolvam uma sensação de abandono, o que os desmotiva profundamente. Pesquisas recentes mostram que os executivos das maiores empresas americanas já investem 80% de seu tempo em comunicação. Vê-se que a comunicação é entendida, cada vez mais, por diretores e presidentes de organizações, não só como instrumento de preservação e realce da imagem da empresa, mas, sobretudo, como elemento indispensável e capaz de agregar valor à conquista da competitividade. Em Nassar e Figueiredo (1995, p. 19): “Neném Prancha, criatura imortal citada pelo jornalista João Saldanha, dizia que o pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube”. A comparação é válida: a comunicação interna é, hoje, tão fundamental que deveria envolver diretamente o presidente da empresa. Conclui-se, então, que a comunicação empresarial não pode mais ser encarada pelos gestores apenas como uma ferramenta técnica, meramente tática, mas sim como uma ferramenta estratégica, permanente.
182
Comunicação interna
Atividades de aplicação 1. Com base nas diferenças entre os paradigmas organizacionais modernos e pós-modernos, do quadro proposto por Daft, e no livro de Richard Sennett, A Cultura do Novo Capitalismo, reflita sobre as transformações que o modelo econômico das últimas décadas tem proporcionado às organizações. 2. Quais as relações entre cultura organizacional e comunicação interna? 3. Como as ferramentas de comunicação interna podem denotar uma forte ligação entre si?
Referências ABBAGNO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2. ed. Tradução de: BOSI, Alfredo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ABRACOM – Associação Brasileira das Agências de Comunicação. Como Entender a Comunicação Interna . Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2009. CALVO, Adriana Carrera. O Uso Indevido do Correio Eletrônico no Ambiente de Trabalho. 2003. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2009. CARVALHO, Vinicius C. As 25 Leis do Endomarketing . Disponível em: . Publicado em 29/09/2008. Acesso em: 22 out. 2009. DAFT, Richard L. Teoria e Projeto das Organizações. 6. ed. Tradução de: ALENCAR, Dalton Conde de. Rio de Janeiro: LTC, 1999. CHOMSKY, Noam. Linguagem e Mente. Brasília: Universidade de Brasília, 1998. FRANÇA, Fábio. Comunicação Institucional na Era da Qualidade Total . Dissertação de Mestrado – Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1997. KOTLER, Philip; KELLER, Kevin L. Administração de Marketing. 12. ed. Tradução de: ROSEMBERG, Mônica; FERNANDES, Brasil Ramos; FREIRE, Cláudia. São Paulo: 183
Comunicação interna
Pearson Prentice Hall, 2006. KUNSCH, Margarida M. K. Relações Públicas e Modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997. KUNSCH, Margarida Maria Krokling. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. 4. ed. revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Summus, 2003. MAYER, Verônica Feder; MARIANO, Sandra R. H. Técnicas de Comunicação e Negociação. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2008. v.1. RIBEIRO, Rosemeri. A Importância da Comunicação Interna na Construção da Imagem Corporativa. Publicado em: 7 ago. 2007. Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2009. SENNET, Richard. A Cultura do Novo Capitalismo. 2. ed. Tradução de: MARQUES, Clovis. São Paulo: Record, 2006. SILVA, Vera L. T. Competência Comunicativa em Língua Estrangeira: que conceito é esse? Disponível em: . Acesso em: 19 out. 2009. VILAÇA, Wilma Pereira Tinoco. Comunicação Organizacional: um olhar brasileiro sobre o pensamento da Escola de Montreal. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2009.
184
Comunicação interna
Gabarito 1. O primeiro fator que merece atenção é que o quadro proposto por Daft é comparativo, como é próprio dos esquemas, enquanto as reflexões de Sennett são de cunho analítico e crítico. Este autor analisa o novo capitalismo a partir do que chama de “ângulo de corte”, ou seja, as empresas da vanguarda econômica, inseridas na globalização e com extensões mundo afora. Além dessa característica, essas organizações são grandemente influenciadas por acionistas e respondem a esse impacto de forma peculiar, além disso, investem grandes recursos em automação e informática.
Sennett compara o paradigma taylorista com o atual e identifica no primeiro – não obstante seu caráter mecanicista e desumanizador, tantas vezes lembrado pelos críticos – certas características que o colocam, do ponto de vista do projeto social, mais sensibilizado com o fator humano. Tomando como referência as análises de Weber, que aproximam o taylorismo à estrutura do exército prussiano, Sennett argumenta que essa estrutura piramidal, fortemente hierárquica e disciplinar, era capaz de dotar o indivíduo de uma identidade profissional, via trabalho, que o atual sistema está longe de fazê-lo ao eleger o talento e a meritocracia como fatores de reconhecimento e ascensão. Para Sennett, a nova economia é desumanizadora, fonte de permanente insegurança e de exclusão, ao contrário do passado, quando se obtinha do trabalho segurança psicológica e um sentido para a vida, o qual o autor considera em termos de narrativa. O quadro montado por Daft deixa entrever dois sistemas com diferenças marcantes, no qual estruturas organizacionais horizontalizadas, da atualidade, substituíram estruturas burocráticas e centralizadoras do passado. Quando comparado ao livro de Sennett, chamam atenção as divergências entre o modo como os dois autores encaram certas facetas, do ponto de vista organizacional, da atual fase do capitalismo. Por exemplo, Sennett não acredita na descentralização e no sistema participativo propalados pelas organizações, características presentes no quadro de Daft.
185
Comunicação interna
2. A comunicação interna faz parte do planejamento estratégico e este, por sua vez, é diretamente influenciado pela cultura organizacional. A cultura organizacional é um conjunto de fatores concretos e abstratos, tais como procedimentos com caráter de ritual e os valores éticos, com grande impacto no modo como os indivíduos (base da comunicação) se comportam no interior das organizações. 3. Na medida em que forem pensados de forma planejada, sempre sob a força coesiva da cultura organizacional. Códigos de conduta, protocolos, manuais, sem, no entanto, cair em excessos, são importantes ferramentas para monitorar procedimentos.
186
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
Há um campo de debate no pensamento científico e filosófico contemporâneo em torno do qual se organizam diferentes vozes, enraizadas em várias partes do mundo, e que vêm alterando profundamente as estruturas do pensamento ocidental, constituídas ao longo dos séculos. Essas vozes, pertencentes a alguns dos mais respeitados estudiosos da área de filosofia, biologia, química, física, antropologia e sociologia, juntam-se na intenção de transformar as bases desse pensamento com reflexões capazes de responder a demandas de um mundo de dificultosa apreensão. No mundo contemporâneo, o indeterminismo e a incerteza são nuances das forças que dissolvem modelos e pressupostos arraigados nos sistemas sociais. O “pensamento complexo” – expressão posta em curso pelo sociólogo e filósofo Edgar Morin e vários outros pesquisadores – é uma forma de resistência a que o estudioso denominou, no hoje clássico Introdução ao Pensamento Complexo (1999)1, de “progresso cego e descontrolado do conhecimento (armas termonucleares, manipulações de todas as espécies, desequilíbrio ecológico etc.)”. Diante da teia hiperintrincada de fenômenos sociais, psicológicos e econômicos da contemporaneidade, a matriz do pensamento ocidental demonstra não possuir um suporte epistemológico2 abrangente e suficientemente entrelaçado (complexo), não para “combater”, em termos reducionistas e simplistas, o caos, a incerteza, o aleatório, o multifacetado do mundo contemporâneo, mas para assimilá-los como forma de superação. Essa aparente conformação à matéria do que pareceria “inevitável” ou “fatal” é, pelo contrário, a estratégia complexa de transformar os complicadores, os fenômenos causadores da “cegueira” e da desumanização, em caminho do resgate da natureza não separada, não fragmentada do saber. A lógica aristotélica, elevada a método, com modificações, por René Descartes – daí falar-se em lógica aristotélico-cartesiana – que domina o pensamento ocidental, estruturou-se como um dispositivo linear, baseado no modelo lógico do terceiro-excluído. Por esse modelo, A só pode ser igual a A,
1
O original – Introduction à la Penseé Complexe – é de 1990.
2
Referente à “epistemologia”, a teoria do conhecimento que tem por finalidade estudar a origem, a estrutura, métodos e validade do conhecimento, como sistema lógico, coeso e comprometido com a explicação do real.
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
motivo pelo qual se deve excluir , por carente de lógica, tudo o que não se adequar a essa dinâmica. Por isso que em Morin, e em outros autores, faz-se referência a uma lógica, a aristotélica, do “ou/ou”, que deixa de lado o “e/e”, isto é, que exclui a complementaridade e a diversidade. Dent (apud JARDIM, 2006, p. 24) ressalta que tal concepção linear de causa-efeito (A -> B), própria da ciência moderna, pressupõe que:
exista uma ordem temporal (mudanças em A devem preceder mudanças em B);
as variações sejam associativas (mudanças em A devem estar associadas a mudanças em B);
exista associação genuína (não pode haver outras causas, ou seja, a associação entre A e B não pode ser explicada por C);
haja suporte teórico (a relação causal entre A e B deve ser consistente com a teoria proposta).
Segundo os críticos dessa relação, não haveria sempre, na prática, uma contiguidade mecânica (causa e efeito) entre o primeiro e o segundo termo, como propôs Descartes. Tal visão “imediatista” dificulta e, muitas vezes, torna impossível, a compreensão de fenômenos complexos, como os de natureza bio-psicossocial. Embora tenhamos que reconhecer a eficácia do modelo cartesiano para a resolução de problemas mecânicos, objeto das ciências exatas e da tecnologia, o mesmo não podemos dizer de sua capacidade para a resolução de problemas de natureza humana (como a gestão de pessoas nas empresas), que mobilizam emoções e sentimentos, a dimensão não linear do fato psicossocial. Assim, o modelo cartesiano-linear identifica formas eficazes de aumentar a produtividade industrial, ou de outro setor produtivo, por meio da automação, mas não dá conta do problema do desemprego e da exclusão social por ela gerado, porque se trata de questão não linear. O pensamento de Morin configura-se como uma epistemologia do “abraço”, por ser orientada pela inclusão, pela abertura, contrária à fragmentação, à separação entre os saberes e, em consequência, da perda da complexidade dos objetos. Daí o pensamento complexo encontrar na arquitetura da rede sua metáfora e sua materialização, pois como objeto que se autoalimenta, a rede inclui, abraça, não hierarquiza de forma autoritária, pois ela não tem centro, embora possamos pensar na figura do nó dos nós como pontos-chave da rede. 190
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
Critica-se a iconicização da sociedade, a redução de conjuntos de significação inteiros à imagem e símbolo, estes últimos, formas convencionais, chapadas, “sem fundo”, ao contrário da palavra, cuja natureza aberta e nuançada fortalece a razão. A potencialização da imagem, em detrimento da palavra, implica também perda da capacidade de dialogar; daí a unidimensionalização, a visão única que se impõe de forma absoluta, tão criticada por Morin e outros estudiosos. Devemos reconhecer nas imagens, nos símbolos, fatores importantes da perpetuação de lendas, mas não nos esqueçamos de que num contexto de enfraquecimento da palavra, tal poder das imagens redunda na incapacidade de se identificar no mito, na lenda, e em outros tipos de linguagem figurada, sua natureza metafórica, não literal. Daí, portanto, a ação e o sucesso, em termos de mercantilização, da onda fundamentalista encarnada pelas igrejas eletrônicas, por exemplo, entronizadas na televisão como portas da espiritualização. A banalização do milagre e a leitura rasteira das escrituras são um dos sintomas do fenômeno da unidimensionalização. As considerações acima servem para introduzir um conceito recorrente, neste capítulo, que é o da integração, e compreendê-lo em seu contexto mais amplo. Ora, o esforço organizacional, entenda-se, boa parte do investimento logístico e cognitivo das empresas, aplica-se no sentido de integrar processos, adotar estruturas administrativas e físicas, nas instalações, que favoreçam esse movimento, e realimentar o processo com controle e novos investimentos. Essa inclinação, porém, tem sido percebida, pelos pensadores da complexidade, como uma versão mecanicista do verdadeiro pensamento complexo, embora reconheçam, como não poderia deixar de ser, que as empresas demonstram sensibilidade para uma cultura que privilegia um modo de pensar e agir sistêmicos. Como se sabe, sistemas são estruturas comunicantes, um conjunto de elementos interconectados que forma um todo organizado. Ora, e por que a ideia de integração na empresa – sempre segundo esse olhar crítico dos pensadores da complexidade – posta em prática pela comunicação empresarial, pela comunicação de marketing, e demais disciplinas organizacionais, ficam a meio caminho do pensamento complexo? Justamente por não se armarem como estruturas includentes, abertas para a não linearidade das relações humanas, para o caos, para a desorganização, a descontinuidade e a toda diversidade que esses fenômenos evocam. Como ainda fortemente marcadas pelos paradigmas funcionalistas, mas ao mesmo tempo abertas para as inovações das estruturas horizontais na administração, as organizações criam um caldo de cultura híbrido, uma espécie de deus bifronte 3 que ainda titubeia entre passado e futuro. Assim, parecem promover a autonomia dos indivíduos, mas adotam muitas vezes instrumentos internos, cuja heteronomia (o contrário de autonomia) reativa os processos de 191
3
Jano ( Janus, em latim) é um deus romano, com duas faces, que deu origem ao nome do mês de janeiro, a janela, ou porta, do ano novo. Como toda porta possui dupla face, Jano olhava para o futuro e também para o passado.
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
controle excessivo, de burocratização, de linearização das relações humanas e assim por diante. Eis, a nosso ver, as virtualidades que estão por ser exploradas, a par do discurso do alinhamento, da integração e da suposta abertura para o novo, propalada pelas empresas. O paradigma interpretativo, no interior do qual se operam as teorias da Escola de Montreal, identifica-se com a complexidade, é antipositivista por definição, e valoriza o componente humano e dialógico das relações (portanto, reconhece o feedback como essencial), embora não parta dos mesmos pressupostos dos pesquisadores da complexidade e tampouco tenha feito uma opção radical por uma “teoria da mudança”, tão cara ao pensamento complexo. Por outro lado, não devemos simplesmente reprovar o que as organizações mais adiantadas estão fazendo hoje, pois afinal tentam aperfeiçoar a gestão de pessoas e romper com postulados arcaicos, entre outras iniciativas. Mas também não devemos cair no erro de supor que o estágio em que se encontram já corresponda ao que o novo paradigma reivindica como possível e factível. Do ponto de vista da propaganda, da comunicação de marketing, o alinhamento das estratégias é uma técnica que nos coloca em contato com a marca por mais tempo; isto, por um prisma funcionalista, de causa-efeito básico, implica mais consumo, mas não o aprimoramento de nossa capacidade de entender as leis do mercado e as do próprio consumo, ou ainda, como dado concreto e inalienável, a melhor percepção daquilo que consumimos, como premissa de uma visão crítica em relação ao consumo. A verdadeira integração, no sentido da complexidade, deve ocorrer pela compreensão e prática de uma série de fatores sintetizados por Mariotti (2000) nos seguintes termos:
Alguns princípios do pensamento complexo
192
Tudo está ligado a tudo;
O mundo natural é constituído de opostos ao mesmo tempo antagônicos e complementares;
Toda ação implica um feedback ;
Todo feedback resulta em novas ações;
Vivemos em círculos sistêmicos e dinâmicos de feedback , e não em linhas estáticas de causa-efeito imediato;
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
Por isso, temos responsabilidade sobre tudo o que influenciamos;
O feedback pode surgir bem longe da ação inicial, em termos de tempo e espaço;
Todo sistema reage segundo a sua estrutura;
A estrutura de um sistema muda continuamente, mas não a sua organização;
Os resultados nem sempre são proporcionais aos esforços iniciais;
Os sistemas funcionam melhor por meio de suas ligações mais frágeis;
Uma parte só pode ser definida como tal em relação a um todo;
Nunca se pode fazer uma coisa isolada;
Não há fenômenos de causa única no mundo natural;
As propriedades emergentes de um sistema não são redutíveis aos seus componentes;
É impossível pensar num sistema sem pensar em seu contexto (seu ambiente);
Os sistemas não podem ser reduzidos ao meio ambiente e vice-versa.
Alguns benefícios do pensamento complexo
Facilita a percepção de que a maioria das situações segue determinados padrões;
Facilita a percepção de que é possível diagnosticar esses padrões (ou arquétipos sistêmicos, ou modelos estruturais) e assim intervir para modificá-los (no plano individual, no trabalho e em outras circunstâncias);
Facilita o desenvolvimento de melhores estratégias de pensamento;
Permite não apenas entender melhor e mais rapidamente as situações, mas também ter a possibilidade de mudar a forma de pensar que levou a elas;
Permite aperfeiçoar as comunicações e as relações interpessoais; 193
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
Permite perceber e entender as situações com mais clareza, extensão e profundidade;
Por isso, aumenta a capacidade de tomar decisões de grande amplitude e longo prazo.
O que se aprende por meio do pensamento complexo
Que pequenas ações podem levar a grandes resultados (efeito borboleta);
Que nem sempre aprendemos pela experiência;
Que só podemos nos autoconhecer com a ajuda dos outros;
Que soluções imediatistas podem provocar problemas ainda maiores do que aqueles que estamos tentando resolver;
Que não existem fenômenos de causa única;
Que toda ação produz efeitos colaterais;
Que soluções óbvias em geral causam mais mal do que bem;
Que é possível (e necessário) pensar em termos de conexões, e não de eventos isolados;
Que os princípios do pensamento sistêmico podem ser aplicados a qualquer sistema;
Que os melhores resultados vêm da conversação e do respeito à diversidade de opiniões, não do dogmatismo e da unidimensionalidade;
Que o imediatismo e a inflexibilidade são os primeiros passos para o subdesenvolvimento, seja ele pessoal, grupal ou cultural.
Teoria Organizacional e Complexidade Considerando-se a estrutura organizacional das empresas, Daft (1999, p. 148) chama atenção para o fato de a organização matricial oferecer a mobilidade própria de um desenho horizontal: “A matriz é uma poderosa forma de ligação horizontal. A característica especial da organização matricial é a 194
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
implementação simultânea das divisões de produto e das estruturas funcionais (horizontais e verticais)”. Adequada para instituições de médio porte, a estrutura matricial também é a mais indicada para ambientes de alta incerteza, como parece ser a dominante no caso brasileiro, e para empresas com dupla exigência no cumprimento de metas de produtos e metas funcionais. Como se nota na figura abaixo, cada um dos gerentes de produto acaba por responder a mais de um chefe, ainda que estejam sob a coordenação geral do diretor de operações de produtos. Presidente
Diretor de operações de produtos
Vice-presidente de projetos
Vice-presidente de produção
Vice-presidente de marketing
Controller
Gerente de obtenção
) 9 4 1 . p , 9 9 9 1 , T F A D (
Gerente de produto A Gerente de produto B Gerente de produto C Gerente de produto D
Figura 1 – Estrutura de dupla autoridade numa organização matricial.
Uma estrutura organizacional por si só não instaura um programa administrativo baseado na complexidade, embora seu desenho possa favorecer o trânsito inerente ao projeto do pensamento complexo, tal é o caso da estrutura matricial. Como todas as estruturas estudadas por Daft, a matriz possui pontos fortes e pontos fracos. Entre os primeiros, o teórico aponta o fato dela se mostrar adequada “para decisões complexas e modificações frequentes em ambientes instáveis”, além de compartilhar de forma flexível os recursos humanos; entre os pontos fracos, há o risco de que, na experimentação da dupla autoridade, ou seja, a subordinação a mais de um chefe, isso se torne frustrante e confuso. Por outro lado, Daft (1999, p. 149) reconhece que a matriz “consome tempo; envolve frequentes reuniões e sessões de solução de conflitos”. 195
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
A nosso ver, a estrutura matricial talvez esteja melhor preparada para responder ao que Dent (a pud JARDIM, 2006) identifica como redes de feedback e causalidade mútua geradas pela empresa em contato com os públicos. Na verdade, Dent afirma que as empresas, por colocarem em prática a causalidade linear (causa-efeito), não estariam preparadas para dar conta dos efeitos que elas próprias geram, sustentados em causalidade mútua, portanto, não linear. Jardim (2006, p. 25) destaca o exemplo a seguir, que Dent oferece para demonstrar a inadequação entre os dois modelos (linear e não linear): [...] uma empresa de construção de casas decide implementar um sistema de controle de custos, esperando que o resultado direto seja casas com baixo custo. No entanto, a empresa não percebe que a política de controle de custos gera feedback , que pode consistir em desvalorização das casas da região, ou que os corretores prefiram negociar outros imóveis que gerem uma melhor remuneração, dentre outras situações, implicando em um resultado oposto ao desejado pela empresa.
O trajeto das organizações dispostas a se beneficiar com o paradigma da complexidade deve ser integrado a processos experimentais, obrigatoriamente dinâmicos, mutacionais, em que uma hologramática (de holos = todo), na expressão de Morin, comprometida com a reintegração dos saberes, não seja apenas um objeto referencial e teórico, mas o próprio trajeto. É dessa descompartimentalização dos saberes que surge a adoção da transdisciplinaridade como sistema organizativo e epistemológico. Numa rápida abordagem, podemos divisar três grandes sistemas de formação do conhecimento: a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Tomando como referência o universo escolar, a multidisciplinaridade é o sistema dominante, com a disposição das disciplinas lado a lado, com pouca ou nenhuma conexão entre elas. Eis o máximo nível da compartimentalização do saber e, infelizmente, o modo como aprendemos a pensar, separando Língua Portuguesa de História e esta de Geografia, por exemplo. Aos poucos, no entanto, um projeto interdisciplinar vai se instaurando na escola, com nexos construídos entre algumas disciplinas. Por exemplo: é possível fazer relações entre Língua Portuguesa, Matemática, Educação Física e Artes Plásticas. Do ponto de vista genérico, todas são linguagens, e daí ser possível propor relações entre as disciplinas a partir dessa natureza em comum. Como sistemas convencionais, as linguagens possuem regras e elementos diferenciados (letras, números, movimentos corporais, materiais), que articulados de determinada forma geram sentido ou um tipo de expressão, caso das Artes Plásticas.
196
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
Os limites da interdisciplinaridade, contudo, residem na verificação de que ao se fazer relação entre diferentes áreas do saber, com maior ou menor abrangência, permanecem ainda as fronteiras, os limites entre uma e outra. Assim, ainda que sejamos capazes de relacionar Biologia e Química, numa operação interdisciplinar, permaneceriam “intactas” as demarcações ou recortes epistemológicos entre ambas durante esse diálogo. Já na transdisciplinaridade, esses territórios de conhecimento, uma vez mobilizados, tendem a ir além dos (daí o prefixo trans, que significa além de) limites, desmaterializando as fronteiras entre um e outro para construir um novo saber. No mundo organizacional, tomando como referência as ciências e disciplinas que lhe são próprias, temos a maior parte do tempo a multidisciplinaridade como imperativo; assim, Contabilidade, a Ciência da Administração, a Economia, a Gestão de Pessoas, a Comunicação Empresarial e os saberes provenientes das ciências e tecnologias com as quais a organização opera – para a entrega de valor – permanecem mais ou menos perfilados, per filados, com conexões pontuais entre uma área e outra para gerir o sistema. Por outro lado, com o advento das discussões sobre sustentabilidade, o Triple iple Bottom Line (Pessosurgimento de metodologias de avaliação como o Tr as, Planeta e Lucro), ou “três resultados líquidos”, tornaram-se práticas que vêm aos poucos se instalando nas empresas como território agregador, agregador, mobilizador e integrador de todos esses saberes em benefício dos valores da sustentabilidade. Portanto, a sustentabilidade, sistematicamente, torna-se esse valor comum às ciências e saberes que dão suporte à empresa como sistema organizacional e também àquelas inerentes ao seu modo de produção (engenharia, por exemplo); eis o território a partir do qual ciências e saberes se articulam em um projeto interdisciplinar. interdisciplinar. Não devemos nos esquecer de que a comunicação integra diferentes diferentes departamentos dentro de sua especialidade, embora os efeitos de tal operação sejam percebidos por toda a organização. À medida que a comunicação potencializa o diálogo e se alinha como um operador da gestão de pessoas, promovendo a interação em vários níveis, integrando os fazeres, processos e gestões, ela se torna a força aglutinadora, por excelência, das partes em contato. Contudo, o projeto interdisciplinar da empresa é mais sentido no âmbito da Comunicação Empresarial Empresarial do que em outros. Por exemplo, exemplo, no
197
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
âmbito da Gestão de Pessoas, um plano de carreira transparente transparente aos funcionários propiciaria a percepção de um projeto interdisciplinar interdisciplinar entre administração, educação corporativa, gestão financeira, missão, valores etc. A transdisciplinaridade constitui-se num estágio adiante, de integração, de definição e indefinição, ao mesmo tempo, das áreas em contato. A construção de um novo saber decorre dessa sinergia, altamente catalisadora, do reconhecimento de que tudo é fluxo, transformação transformação e mudança. O esquema abaixo demonstra cada um dos modelos Multidisciplinaridade
Interdisciplinaridade
Marketing Contabilidade Administração Finanças Engenharia, Informática, Química etc.
Gestão
Marketing
Sustentabilidade
Gestão
Administração Contabilidade etc. Transdisciplinaridade
. o l e M e d s a i D o t r e b o R z i u L
Marketing Administração Contabilidade Economia, Comunicação Social Tecnologia etc.
Nova visão, concepção e/ou saber
Gestão
O alto padrão de conectividade entre funcionários e departamentos e saberes em um projeto.
Figura 2 – Esquemas da multi, inter e transdiciplinaridade na organização. 4
Humberto Maturana (14 de setembro de 1928, em Santiago de Chile) é um biólogo (Neurobiologia) chileno, crítico do Realismo Matemático e criador da Teoria da Autopoiese e da Biologia do Conhecer, junto com Francisco Varela, e faz parte dos propositores do pensamento sistêmico e do construtivismo radical.
A seguir, destacamos características de uma organização sustentada no modelo da transdisciplinaridade. Bauer (1999) sintetiza essas características com precisão, articulando conceitos de diferentes pensadores da complexidade, entre eles Maturana4. A organização com projeto transdisciplinar transdisciplinar deve ser auto-organizante, autopoiética e dissipativa, conforme detalhamos a seguir: 198
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
Auto-organizante
Uma organização com ricos padrões de interação e conectividade entre as pessoas, de modo a permitir e fomentar o surgimento espontâneo de sinergias catalisadoras catalisadoras de novas possibilidades.
Uma organização que reconhece ser inevitável a existência de contradições, de ambiguidade e de conflitos (ou seja, de “desordem”), e que procura utilizá-los em seu proveito proveito,, como fonte de aprendizado, criatividade e inovação.
Uma organização onde seus elementos constituintes constituintes apresentam alto grau de diferenciação, sem prejuízo de um alto grau de integração que confere identidade à empresa como um todo.
Autopoiética
Uma organização que compreende residir em seus próprios recursos internos todo o potencial necessário para sua evolução.
Uma organização que busca permanentemente atualizar sua identidade, em congruência com as mudanças em seu ambiente externo.
Uma organização que faz uso da criatividade, da inovação e da experimentação para desenvolver e aprimorar seus estoques de conhecimento.
Dissipativa
Uma organização na qual a sinergia entre seus membros pode, a partir de uma determinada massa crítica, vir a produzir autonomamente alternativas e caminhos inovadores.
Uma organização que interpreta as possibilidades de vir a sofrer uma “quebra de simetria” (uma ruptura estrutural) imposta pelo ambiente externo, sendo capaz de tirar partido de tal eventualidade para redefinir sua estruturação interna.
Comunicação Empresarial como texto Argenti (2006) enumera as principais funções da comunicação empresarial: gerenciamento da reputação; propaganda corporativa; relações com a mídia; comunicações de marketing; comunicação interna; relações com in199
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
vestidores; responsabilidade social corporativa; relações com o governo e gerenciamento de crise. Reenfatizar a necessidade do alinhamento dessas funções no interior de um capítulo como este, voltado para a reflexão sobre as relações entre organização e o pensamento complexo, significa considerar essa perspectiva por um outro ângulo. É possível ponderar a respeito das relações entre um texto, como unidade básica de sentido, e a empresa, como um tecido microssocial, cujos padrões de interação apresentam-se em graus diferenciados. A etimologia da palavra complexo (do latim: complexus: o que é tecido junto) remete à imagem do texto, cujo étimo, também de origem latina (textum: tecido), associa-se ao entrelaçamento de fios, ou de palavras, no caso da construção textual, e, portanto, da ordenação e da organização de ideias. Um texto é um todo gerador de sentido e, para vários teóricos, ele articula um mecanismo macroestrutural, que é a coerência, e outro, microestrutural, a coesão. A consulta a um dicionário nos mostra m ostra que a palavra “coerência” diz respeito à ligação ou harmonia entre situações, acontecimentos ou ideias; coerência é uma relação harmônica, é uma conexão, um nexo. No dia a dia, percebemos seu emprego quando, por exemplo, se quer realçar que uma pessoa teria agido de modo adequado em certa situação, de acordo com alguns pressupostos, demonstrando uma atitude íntegra, em harmonia com determinados valores pessoais (de natureza moral, ética, política etc.) ou com o momento. O conceito de coerência é um dos mais complexos entre aqueles relacionados aos estudos do texto. A coerência é uma relação que se estabelece entre as partes de um texto, gerando uma unidade de sentido, como podemos verificar no texto abaixo: A arte liberta o homem da lógica implacável do cotidiano competitivo, consumista, reificante, em que somos manipulados e massificados, lógica que vai desembocar no vazio existencial. É bem verdade o que dizia [o poeta] Mario Quintana – que a poesia não é uma fuga da realidade e sim uma fuga para a realidade. Mas tal verdade precisa ser experimentada de modo criativo, ou não será experimentada de modo algum. A arte propicia e estimula uma visão realista que supera em muito o realismo redutor (e antiestético) a que somos submetidos diariamente, realismo que por vezes chega a reduzir também a própria arte em mero (e cansativo) entretenime entretenimento, nto, em manifestação vaidosa de status social ou poder econômico, em instrumento de marketing e em outras “coisas” “coisas”.. (PERISSÉ, 2000, 2 000, p. 50)
A unidade de sentido é obtida pela manutenção de um só foco temático. O autor inicia o texto com uma afirmação sobre o poder liberador da arte e mantém sua atenção voltada para o desenvolvimento de um pensamento completo a respeito daquele poder. O autor não se afasta do seu “compro200
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
misso” de comunicar o que pensa sobre o tema, não faz associações distantes do campo semântico (da área de sentidos) delimitado pelo tema, que é a arte. Portanto, podemos dizer que o conceito de coerência, na base do qual está o de unidade, é o resultado da solidariedade, da continuidade do sentido, do compromisso das partes que formam esse todo. A coerência liga-se, assim, à compreensão, à possibilidade de interpretação daquilo que se fala, escreve-se, ouve-se, canta-se etc. No entanto, é importante que se frise bem, há certos textos, os literários, às vezes, que negam a “possibilidade de compreensão” exercida pelo leitor. São textos fechados, “opacos”, que não se deixam penetrar pelo olhar do leitor. São intencionalmente incoerentes, quebram determinados princípios de inteligibilidade. Por outro lado, não temos direito de dizer que tudo que não entendemos é “confuso”, “não tem sentido”. Antes de um texto ser rotulado de “confuso”, de incoerente ou coisa parecida, será necessário fazer uma reflexão sobre as intenções do autor, sobre a natureza do texto que estamos lendo, ou, o que é mais difícil, voltar-nos para uma reflexão sobre nossa capacidade de leitura. Nossa capacidade de compreensão pode não estar “à altura” da complexidade de um determinado texto, daí às vezes a sensação de que estamos diante de um objeto estranho. Por outro lado, devemos levar em conta o contexto em que determinado texto se insere. Há situações em que apenas o contexto extralinguístico (que está fora do texto) ativa a capacidade de um texto informar com precisão sobre as intenções de seu autor. Uma placa com os dizeres “não pise na grama”, pendurada em um escritório, ganharia sentido diferente daquele que somos capazes de entender quando vemos essa placa posicionada em um jardim público. O outro conceito que nos interessa de perto é o de coesão. No dicionário, dicionário, aprendemos que coesão é uma “união íntima das partes de um todo” e, portanto, a exemplo da coerência, é um nexo, uma ligação. Do ponto de vista linguístico, essa ligação é de natureza gramatical ou lexical (vocabular). Observe que no texto de Gabriel Perissé, sobre arte, encontramos na segunda linha uma preposição e um pronome – em que – os quais têm como função a retomada de todo o segmento anterior (“lógica implacável do cotidiano com petitivo, consumista, consumista, reificante reificante”), e assim a projeção do sentido desse segmento, dessas palavras, para adiante, assegurando a continuidade do texto; logo à frente, a palavra lógica é repetida para se incorporar a ela novo segmento: 201
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
que vai desembocar no vazio existencial. Note-se como o pronome que se liga imediatamente à palavra para fazer a “ponte” entre ela e o segmento destacado em itálico. Da mesma forma, a palavra verdade é repetida (Mas tal verdade [...]) para retomar o que fora afirmado antes sobre um pensamento do poeta Mario Quintana. A essas considerações podemos somar outras que compreendem o texto como um objeto orientado por princípios de “gestão da coerência”, para usar palavra (gestão) recorrente no mundo organizacional. Charolles (1978), integrante de um dos ramos dos estudos linguísticos, a Linguística Textual, propõe quatro metarregras que vão nos ajudar a fazer analogia com o funcionamento da empresa e, no interior dela, do sistema de comunicação comunicação..
Metarregra de repetição “Para que um texto seja (microestruturalmente e macroestruturalmente) coerente, é preciso que contenha, no seu desenvolvimento linear, elementos de recorrência estrita”(CHAROLLES, estrita”(CHAROLLES, 1978, p. 49). É necessário, para que o texto articule uma parte à outra, retomar o sentido de determinadas palavras, frases ou parágrafos inteiros, processo que se dá por meio de vários recursos: pronomes, sinônimos, termos-síntese, termos-síntese, transformação de verbos em substantivos, entre outros. E, por outro lado, criar nexos sintáticos.
Metarregra de progressão “Para que um texto seja microestruturalmente ou macroestruturalmente coerente, é preciso que haja no seu desenvolvimento uma contribuição semântica constantemente renovada” (CHAROLLES, 1978, p. 57). O texto precisa sistematicamente inserir novas ideias, informações, argumentos, para que avance linearmente. Caso contrário, acabará se perdendo em redundâncias redundâncias..
Metarregra de não contradição Para que um texto seja microestruturalmente ou macroestruturalmente coerente é preciso que no seu desenvolvimen desenvolvimento to não se introduza nenhum elemento semântico, que contradiga um conteúdo posto ou pressuposto por uma ocorrência anterior, ou deduzível desta por inferência. (CHAROLLES, 1978, p. 62) 202
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
Um texto não deve afirmar e ao mesmo tempo negar algo. É como se um autor reconhecesse em um parágrafo uma nova categoria de elementos no estudo do objeto de pesquisa e pouco depois afirmasse que a mesma categoria é conhecida há muito tempo pelos estudiosos. Além desse tipo de contradição há vários outros, entre os quais a da exclusão mútua de conceitos, quando se defende, por exemplo, a livre concorrência e em outro ponto do texto reivindica-se a intervenção sistemática do Estado nos mercados.
Metarregra de relação “Para que uma sequência ou um texto sejam coerentes, é preciso que os fatos que se denotam no mundo representado estejam diretamente relacionados”. (CHAROLLES, 1978, p. 66). Os fatos do texto deverão manter relações lógicas com o mundo representado no texto, ou seja, com as regras de lógica interna desse mundo.
Contextualização De forma simplificada, podemos afirmar que as discussões em torno do esforço de integração dos serviços de comunicação demonstram o modo pelo qual as partes se integram umas às outras e juntas tentam cumprir metas. Por exemplo, se formos considerar as relações entre a gestão da reputação e a comunicação interna, veremos que necessariamente ambos os projetos se obrigam a se manter fiéis a textos – conjunto de discursos e práticas específicos – produzidos na dinâmica que os une, embora os próprios agentes, às vezes, não se deem conta do grau de interação que operam entre as áreas. Essa manutenção de elementos convencionais, convencionais, mobilizados ao longo dessa relação, é uma forma de demonstrar coerência ao se conservar o foco para onde convergem os esforços. Por exemplo, exemplo, não há como pensar em uma reputação que não seja vivida como processo de atendimento a diferentes fatores (apelo emocional sobre os indivíduos, qualidade de produtos e serviços etc.), medidos entre outros pela metodologia conhecida como RepTrak. Mas além desse processo ter sido gerado no relacionamento com os diferentes públicos, no que diz respeito à comunicação interna, ele se alimenta das práticas desta área (o alinhamento dos vários recursos de comunicação: jornais, revistas, revistas, videoconferências, intranet etc.) e, ao mesmo tempo, a própria eficácia da comunicação interna (empenho dos profissionais da área, diversidade de recursos) é fruto 203
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
de uma reputação organizacional sintonizada com as demandas dessa área. Eis uma predisposição para a “auto-organização”, o princípio defendido pelo pensamento complexo. Essa unidade de sentido, gestada pela coerência de procedimentos, mostra-se análoga à coerência textual, que é uma forma de se manter a estabilidade semântica de um texto. Textos que mudam de “assunto” quase que de uma frase para outra demonstram baixa capacidade de manutenção do foco temático, denunciando alto grau de instabilidade de sentidos 5. Assim também ocorreria nas interações entre gestão da reputação e comunicação interna se uma não assimilasse, por assim dizer, o código da outra; ou seja, se os componentes da reputação não pudessem ser “lidos” pela comunicação interna e traduzidos em mensagens, e, por outro lado, se a inteligibilidade da segunda, como projeto, não pudesse ser entendida como resultado da primeira.
5
Esse julgamento nunca pode ocorrer de forma absoluta, pois devemos sempre levar em consideração as intenções do autor. Um texto humorístico, por exemplo, poderia fazer dessa instabilidade uma estratégia para suscitar o riso.
Pelo ângulo da coesão, lembremos de que esta opera como um sistema recursivo, de reiteração, de retomadas de palavras etc., participando da progressão textual, uma vez que a retomada nada mais é que uma forma de “projetar” sentidos, de encaminhá-los; além dessa sua propriedade referencial (faz-se referência aos elementos sequencialmente citados antes), a coesão também aponta para a frente em exemplos como este: “a propaganda corporativa é utilizada nos seguintes casos: fortalecer a reputação da empresa, persuadir investidores etc.” A frase disposta depois dos dois-pontos foi anunciada pela anterior, com a qual mantém vínculo. Ora, a empresa é um grande sistema recursivo na medida em que repete processos guiados por metodologias, reitera procedimentos, e também faz notar essa propriedade na conservação da memória organizacional. Na verdade, Charolles, citado anteriormente, concentra-se no estudo da coerência por não fazer grande distinção entre ela e a coesão. Suas metarregras, bem entendidas, dão conta dos dois mecanismos, embora o teórico faça referência nominalmente apenas à coerência. A repetição, a primeira dessas regras, em se tratando de um texto, ocorre em sua linearidade, espacialmente, observando a disposição das palavras no papel. Não seria, portanto, esse aspecto espacial da concretude do texto que nos interessa. Estamos nos reportando à recuperação de sentido, comum tanto a ele quanto à empresa por meio de seu sistema de comunicação. Portanto, o sistema textual e organizacional não funcionam sem certo grau de redundância, daí a reiteração. 204
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
A progressão se dá por soma (o que implica também, no texto, a dimensão espacial), por inserção de conteúdo materializado pelas palavras; no caso da empresa, a progressão ocorre pela via da realimentação dos componentes da reputação e da imagem, pela renovação de processos, pela comunicação de marketing, pela propaganda corporativa, e pela via mais significativa, que é a da produção de conhecimento. Todas essas formas são investimentos discursivos sobre a performance da empresa, gerados por ela mesma, numa inclinação autopoiética, conforme Maturana, citado anteriormente. A não contradição, outra metarregra, evoca o pensamento aristotélico-cartesiano e sua epistemologia linear. Em um texto, a ocorrência de contradições põe em risco todo o raciocínio, e, conforme seu lugar na argumentação, pode invalidar todo o percurso. Na empresa, devemos evitá-la também, afinal, o que seria de uma organização, cujos processos fossem conflitantes ou excludentes? Uma ordem de serviço, por exemplo, contradiria outra, de mesmo teor. No entanto, a contradição é inerente às organizações, independentemente do porte, pois são todas movidas por pessoas, com suas idiossincrasias, seus interesses e seus temores. Isso no nível pessoal. No nível sistêmico, as decisões de uma organização, com alguma frequência, contradizem seu discurso ou até outras decisões originadas por um mesmo tipo de análise sobre os caminhos da empresa. Argenti (2006, p. 170) relata o caso da AT&T que, em 1996, demitiu 40 mil funcionários e dias depois bonificou seu presidente com cerca de US$10 milhões em ações da empresa. Mesmo que a bonificação tenha sido prevista em contrato, os dois acontecimentos geram a sensação de uma terrível falta de coerência em um momento de extinção de postos de trabalho. Compare-se o fato com outro, também ocorrido naquela empresa, quando o CEO seguinte, C. Michael Armstrong, teve que demitir mais 18 mil funcionários, em 1998; no entanto, Armstrong tomara o cuidado de congelar também o salário de executivos e eliminar mordomias, como limusines com choferes para os executivos seniores. A contradição, em uma empresa auto-organizante, é um momento de desordem que poderá se oferecer como matéria de superação. Daí o sentido de se aprender com os próprios erros, os quais poderão compor um arquivo instrucional da memória da organização. Sabe-se de uma empresa brasileira, do segmento lojista, que se propôs a distribuir agasalhos a pessoas carentes durante um dos mais rigorosos invernos de São Paulo. Ironicamente, a mesma empresa não tinha percebido que vários de seus funcionários do 205
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
atendimento vinham passando muito frio naquele inverno. Exemplos como esse ou mais sutis parecem a todo momento abalar a coerência de certos procedimentos, gerando prejuízos para a reputação da empresa. Quanto à metarregra de relação, a contínua referencialização aos processos que a própria empresa põe em curso é por demais evidente. A empresa fala o tempo todo de si e, se não fosse assim, talvez perdesse a consciência de quem é. Quem sabe essa metarregra seja a mais análoga à missão e visão da empresa porque, se posta em curso com propriedade, reativa certezas e fortalece convicções. É claro que nossa analogia deve ser entendida como uma metáfora, pois diferentemente de um texto, uma organização, embora tenha um começo, certamente não poderá antever o seu “meio”, e tampouco o “fim”, a não ser em casos muito particulares. A ênfase da analogia deve permanecer na predisposição de texto e empresa gerar sentido, emitir sinais sobre suas intenções, de forma organizada e entrelaçada, motivo pelo qual articulam mecanismos de coesão e coerência equivalentes. Neves (2000, p. 67), criticando a comunicação segmentada em “[...] três conjuntos de esforços: a comunicação de marketing, para falar com clientes e consumidores; a comunicação institucional, para cuidar basicamente da instituição; e a comunicação interna, voltada para o público interno [...]” argumenta que essa, segundo ele, divisão clássica, originou-se no tempo em que cada público tinha interesses específicos. Em seguida, relaciona quem trabalha com comunicação nas empresas: Desenvolvendo “estratégias de comunicação”, temos os departamentos de marketing, as agências de propaganda, os relações públicas, os departamentos de recursos humanos, consultores etc. “Comunicando-se” com os públicos, temos, além da diretoria e dos profissionais da linha de frente (vendedores, gerentes, secretárias, atendimento técnico etc.), os relações públicas, ombudsman, telemarketing, calls centers, lobistas, advogados, assessoria de imprensa, relações com a comunidade etc.
Logo após, Neves insiste na tese, exposta no início de seu livro, de que a empresa necessita adotar um Colegiado de Comunicação com acesso direto ao que denomina de “decision making”; as atribuições desse colegiado passam pelo Planejamento Estratégico da Imagem (PEI), pela Gerência de Comunicação Programada (GCP), pela Comunicação Simbólica (GCS) entre outras. A criação de um colegiado, nos termos acima, bem como a adoção de nomes e siglas diferenciados do mercado, denota a preocupação de Neves em integrar ao máximo as atribuições ou, dito de outra forma, manter co206
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
erentemente o foco nos objetivos. Por outro lado, ainda está por se fazer uma análise mais profunda da abrangência e interpenetração das funções no modelo proposto pelo autor.
Ampliando seus conhecimentos
Pluralismo e complexidade na administração (CARDOSO; SERRALVO, 2009)
[...] Como afirma Genelot (2002), no ambiente das organizações, embora as lógicas sejam distintas, elas não podem ser separadas da realidade da qual fazem parte, pois incorreríamos no mesmo erro incutido no pensamento clássico. Genelot (2002) procura na sua obra demonstrar como a aplicação dos conceitos simplificação, isolamento e lógica cartesiana pode ser prejudicial no processo de gestão empresarial, pois tendem a manter a empresa sempre no mesmo plano, evitando sua evolução e podendo até comprometer sua sobrevivência. A esse modelo o autor dá a denominação disjunção-exclusão. Considerando esse modelo ainda pertinente, mas limitado para resolver as complexas questões de gestão das organizações, o autor propõe um modelo mais evoluído de gestão, o da distinção-conjunção, que reforça o conceito da complexidade nos processos e mostra como ela pode ser benéfica para as organizações. Assumindo a existência e coexistência de diferentes níveis de lógicas e suas articulações, como forma de se tratar questões administrativas, o autor defende que esse modelo é mais amplo e pode proporcionar soluções mais consistentes e mais enriquecedoras para as organizações. Genelot (2002) permite compreender que a gestão de uma organização não pode mais ser baseada em princípios cartesianos, newtonianos e positivistas, bases da ciência clássica, que têm como um de seus principais ob jetivos a busca da verdade absoluta, pronta e acabada. As organizações são dinâmicas e sofrem influências internas e externas em diversos níveis, provocando mutações constantes; por isso seus modelos de gestão devem ser mais alinhados aos princípios da complexidade. 207
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
A complexidade das estruturas socioeconômicas e a consequente complexidade dos mercados em que as organizações interagem, praticamente obrigam as organizações a adotar uma visão mais ampla de suas estruturas e métodos de gerenciamento. Na constante busca de competitividade em mercados cada vez mais globalizados, precisam saber adaptar modelos de gerenciamento que integram valorização do ser humano com uso de tecnologia como forma de alcançar um diferencial competitivo. O diferencial de uma organização não pode ser determinado por lógicas parciais e isoladas de um contexto mais amplo. Ele será a conjunção de fatores técnicos, mensuráveis com fatores subjetivos e intangíveis, logo, algo mais complexo. O desafio que se coloca é saber conciliar os dois fatores, aparentemente distintos, mas que podem gerar resultados altamente satisfatórios se trabalhados e interpretados com competência. Esses novos pontos de vista diante dos eventos organizacionais se refletem na área de administração, que passa a desenvolver ferramentas diferenciadas, que visam não mais prever como será o futuro de uma organização, mas delinear diferentes possibilidades a partir das quais os gestores possam elaborar diversas alternativas de ação. Nessa perspectiva, há uma tentativa de se valorizar o fator humano sobre o desempenho das organizações, com o surgimento de abordagens que incluem a variável em suas análises, tais como o empreendedorismo, o estabelecimento de perfis gerenciais, o empowerment e a participação nos resultados. Nota-se, no entanto, que todas essas iniciativas estão atreladas às metas financeiras das empresas, que são fatores determinantes no processo de avaliação e que impacta a qualidade e os resultados da gestão, enquanto o ser humano torna-se um elemento periférico nesse processo. As novas abordagens em gestão devem buscar, desse modo, a convergência entre racional (metas financeiras, eficiência, produtividade) e o irracional (fator humano), por meio de novas dinâmicas (MORIN, 2002). Assim, a teoria da complexidade também é responsável pela disseminação da importância de promover uma adequada interação entre as diversas partes que compõem um empreendimento, de modo a definir objetivos que atendam às necessidades básicas das partes, potencializem seus esforços e levem a um melhor atingimento das metas propostas. O debate sobre as interações e interferências das partes com o todo, especificamente no âmbito gerencial, é promovido por Genelot (2002), que defende que as organizações são compos-
208
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
tas de metassistemas que englobam sistemas de níveis inferiores, ao mesmo tempo em que os controlam e lhes atribuem sentido. É interessante notar que a noção de tempo se diferencia nos quatro metassistemas das organizações, partindo de um primeiro nível, responsável pelas decisões em tempo real; passando por um segundo nível, que se volta às ações de curto prazo; indo para um terceiro nível, que vislumbra questões de médio e longo prazos, mas já passíveis de apresentar suas primeiras evidências; até alcançar um quarto nível, no qual se estabelece uma estrutura mental voltada ao longo prazo, às mutações e quebras de conceitos e teorias. As diferentes noções de prazos fazem com que cada metassistema funcione sob uma lógica própria e diferenciada. O entendimento da heterogeneidade presente na estrutura interna das organizações, na qual estão inseridos componentes que atuam segundo diferentes modelos mentais, culmina em discussões sobre como as lógicas divergentes acabam influenciando no modo como os gestores interpretam a realidade do mercado em que a empresa atua. Essa constatação impacta diretamente a forma como são estabelecidas as estratégias organizacionais, trazendo a necessidade de ferramentas inovadoras. A dinâmica da sociedade moderna traz a necessidade de que as diversas áreas do conhecimento adotem uma abordagem cada vez mais aberta, plural e flexível, efetuando relações entre diferentes lógicas de análise. Diante das diversas evidências nesse sentido, torna-se interessante notar o elevado número de teóricos em administração que ainda adotam uma abordagem instrumental positivista como base para a formulação de estratégias engessadas, bem como a tendência à quantificação das atividades empresariais, amplamente visíveis nas mais diversas esferas das organizações e com presença marcante na academia. Mesmo após ter havido, por teóricos e estudiosos, um reconhecimento das limitações do pensamento racional, determinista e matematizado, promover uma ruptura com esses conceitos parece ainda ser um desafio para a área de administração. Esse é um caminho difícil de percorrer, pois significa abrir mão de juízos e prejuízos enraizados e sedimentados nos referenciais teóricos tradicionais. Vale destacar aqui a afinidade da ideia de “conversa” do pensamento de Morgan, com princípio do diálogo expresso por Morin. Morgan (1983) estabelece como objetivo da pesquisa para os estudos organizacionais, diálogos e conversações. Fundamentos que se encontram no livro Beyond Method , e que jus209
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
tificam uma estratégia de pesquisa na exploração da conversação como meio de se alcançar a interação social e compreender as estratégias como diferentes vozes em uma conversação sobre a natureza e o status do conhecimento. A proposta de Morgan tem afinidade com o pensamento de Popper quanto aos objetivos da ciência, que é o de produzir verdades ou declarações provisórias e não conhecimentos objetivos e cabais. Além da afirmação de procedimentos plurais e reflexivos, Morgan (1983, p. 374-375) coloca ênfase na importância da reflexão crítica como base para a ação. Morgan (1983) ao transgredir os ditames normativos da área e fazer uma proposta que vai “além do método” e ao invés de estabelecer cânones de procedimentos, aponta a necessidade de se enxergar o estudo das organizações como conversações. Sem dúvida, a estratégia de pesquisa proposta por Morgan, já formulada há mais de duas décadas, mesmo não tendo grande impacto na área e entre os pesquisadores, permite um procedimento plural sobre os aspectos metodológicos, além de se sustentar na transdisciplinaridade das “diferentes vozes”, possibilitando o desenvolvimento da criatividade e a produção de um conhecimento humano e comprometido com a sociedade.
Atividades de aplicação 1. De acordo com o texto, o que teria suscitado os postulados do pensamento complexo? 2. Na sua opinião, por que uma reflexão sobre o pensamento complexo mostra-se importante no âmbito das organizações? 3. Considerando os três sistemas de formação de conhecimento (multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade), indique qual dos três está mais próximo da experiência das empresas.
Referências ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial : a construção da identidade, imagem e reputação. Tradução de: RIECHE, Adriana. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 327p. BAUER, Ruben. Gestão da Mudança : caos e complexidade nas organizações. São Paulo: Atlas, 1999. 210
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
CARDOSO, Onésimo O.; SERRALVO, Francisco A. Pluralismo e complexidade na administração. In: Pluralismo Metodológico e Transdisciplinaridade na Complexidade: uma reflexão para a administração. Revista de Administração Pública. FGV. EBAPE, Rio de Janeiro, v. 43, n. 1, p. 49-66. jan./fev. 2009. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2009. CHAROLLES, Michel. Introduction Aux Problèmes de la Coherence Textuelle . Langue Française, 38, p.7-42, 1978, Paris, France. DAFT, Richard L. Teoria e Projeto das Organizações . 6. ed. Tradução de: ALENCAR, Dalton Conde de. Rio de Janeiro: LTC, 1999. JARDIM, Paula Esteban do Valle. Uma Contribuição Teórica para a Utilização do Pensamento Complexo na Formulação Estratégica . Dissertação de Mestrado – Ibmec, Rio de Janeiro, 2006. KUNSCH, Margarida M. K. Relações Públicas e Modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997. 160p. MARIOTTI, Humberto. As Paixões do Ego: complexidade, política e solidariedade. São Paulo: Palas Athena, 2000. MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo . Tradução de: MATOS, Dulce Matos. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. 177pp. NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral : como gerenciar imagem, questões públicas, comunicação simbólica, crises empresariais. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2000. 270p.
211
Pensamento complexo na empresa e na comunicação
Gabarito 1. A impossibilidade do pensamento moderno, baseado na lógica aristotélico-cartesiana, de responder às demandas de um mundo complexo por definição, turbulento, no qual a fragmentação do conhecimento impede uma visão holística sobre a realidade. 2. Entre outros motivos, porque a empresa também vive em um ambiente de incertezas para o qual não encontra respostas com a necessária amplitude para superá-las. O pensamento complexo não se sustenta na lógica do “terceiro excluído”, das polarizações cartesianas, e por isso lança mão de um maior número de hipóteses na apreensão do real. 3. De um modo geral, as empresas fazem uso da multidisciplinaridade no seu dia a dia. Os vários sistemas da empresa (administração, finanças, contabilidade, gestão de RH e comunicações) mostram-se como segmentos mais ou menos isolados, com algumas conexões pontuais. A sustentabilidade apresenta-se como um dos meios de promover a interdisplinaridade, já que as diferentes áreas tendem a encontrar, nos valores da primeira, componentes comuns que permitam o diálogo entre as áreas ou disciplinas. Sobre a transdisciplinaridade, podemos identificar certas características nas organizações (como a da auto-organização), mas o projeto encontra-se em lenta construção.
212
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa Duas visões que revelam uma posição radical sobre o papel social da empresa – e tanto mais quando se nota a data em que a primeira fora compartilhada – são citadas por Cândido Teobaldo de Souza Andrade em um dos seus mais conhecidos livros: Curso de Relações Públicas: relações com os diferentes públicos. A velha filosofia de que uma empresa privada é principalmente um meio para conseguir um fim pessoal precisa ser substituída pelo conceito de que ela é um serviço público merecedor de recompensa somente até onde possa contribuir para o bem-estar público. (NIELANDER; MILLER, 1951 apud ANDRADE, 2003, p. 83) Nos próximos anos, portanto, o administrador terá que estudar mais atentamente suas decisões e determinar não apenas sua lucratividade, como também o provável efeito dela sobre a vida dos acionistas, dos empregados e do público em geral. Não estou falando apenas do que ficou conhecido como responsabilidade social dos negócios. Esta, na maioria das vezes, é um ato passivo: uma diretoria resolve doar tanto para esta como para aquela como ato comunal e entrega a questão para o seu departamento de Relações Públicas. Contribuir para a qualidade da vida humana é um ato de grande envolvimento e complexidade maior. (BHARAT RAN, 1977 apud ANDRADE, 2003, p. 83)
Recuados no tempo mais de 50 e 30 anos, respectivamente, ambos os depoimentos antecipam algumas correntes de pensamento sobre o papel das organizações, redimensionando o compromisso com o público em geral. Cada vez mais fica evidente que compreender a anatomia dos públicos vai bem além do reconhecimento da capacidade da empresa em atender às necessidades e desejos dos clientes. Esta última, missão primordial do marketing, como atividade mercadológica, parece apenas reenfatizar a questão da lucratividade como algo mais ou menos desconectado da dimensão social em sentido estrito. Não será necessário insistir que uma empresa deva gerar lucros como cumprimento de sua missão, pois são esses que viabilizam a sua sobrevivência como ente social. No entanto, para fazer jus à sua recompensa, como querem Nielander e Miller, citados acima, as organizações terão que encontrar um sentido maior, justificando sua permanência no mercado na disposição para responder a demandas complexas, ligadas à sustentabilidade. E isso de forma autêntica, o que exige a superação de uma visão instrumental sobre o assunto.
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
O empoderamento do terceiro setor é um dos vetores mais ou menos recentes que a empresa terá que considerar no quadro de forças com o qual convive. Não se trata somente de tomar para si o patrocínio de projetos sociais sob responsabilidade de Organizações não Governamentais (ONGs) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), ou, de forma mais abrangente, investir em ações para fortalecer a “atitude de marca”, como veremos mais abaixo. Nisso, as palavras de Bharat Ran (apud ANDRADE, 2003) parecem ressoar não apenas como um alerta, mas como prova de uma apreensão sobre o papel da empresa que somente anos depois começaria a ser vislumbrado. É necessário, antes, desenvolver a sensibilidade para entender criticamente o significado da intervenção do terceiro setor, a abrangência de suas ações e a legitimidade das instituições que o integram. Eis o compromisso ético do qual a empresa não pode fugir, sob o risco de reificar suas ligações com a dimensão social e fazer desta mais uma oportunidade para aparecer. O refinamento ético depende da convicção em se saber protagonista da mudança e capaz de intervir no seu meio com a agudeza crítica indispensável, a eficiência de quem conhece seu negócio e a determinação de quem alcançou um entendimento maior sobre a vida no planeta. Nas linhas seguintes, vamos conhecer diferentes formas de propaganda e de interação com os públicos. A propaganda tem papel de destaque no contexto, motivo pelo qual devemos conhecê-la em sua diversidade.
Comunicação de marketing Uma distinção de imediato se impõe: a comunicação de marketing, como a expressão sugere, é função desse departamento e dele participam os profissionais da área, fato que não deixa de fora o comunicador. Já a propaganda institucional e corporativa são de responsabilidade da comunicação empresarial, embora na experiência brasileira tudo fique a cargo do departamento de marketing e agências de propaganda. Um autor como Argenti (2006) faz distinção entre os dois gêneros, assim como outros autores, no entanto, as agências, no Brasil, costumam adotar a designação genérica de propaganda institucional. Para Kotler e Keller (2006, p. 532), a comunicação de marketing [...] é o meio pelo qual as empresas buscam informar, persuadir e lembrar os consumidores – direta ou indiretamente – sobre os produtos e marcas que comercializam. Num certo sentido, a comunicação de marketing representa a ‘voz’ da marca e é o meio pelo qual ela estabelece um diálogo e constrói relacionamentos com os consumidores. 216
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
Para tanto, o departamento de marketing lança mão de várias ferramentas, não apenas da propaganda, embora muitas vezes a maioria do público, devido à penetração das mídias impressas e eletrônicas, acabe tomando conhecimento apenas dessa forma de divulgação. O chamado brand equity (ao pé da letra: valor de marca) faz a gestão da marca, dotando-a de identidade, um diferencial capaz de gerar significados na mente do consumidor. A percepção que temos da marca Nestlé não é apenas resultado de um julgamento racional dos seus produtos. Junto com os significados relacionados à qualidade de produtos, assimilamos uma carga emocional que transcende os limites do racional, graças ao modo como a marca foi se instalando em nossa mente, à feição de uma arquitetura, cujo traçado se mostra harmonioso e coerente com os seus objetivos. A comunicação de marketing articula de forma integrada, segundo Kotler (2006, p. 533), uma série de estratégias, configurando um mix assim alinhado:
Propaganda – mensagens pagas, com carga argumentativa e/ou persuasiva, sobre produtos e serviços, em diferentes suportes, e orientadas pela necessidade de se resolver um problema de comunicação do anunciante.
Promoção de vendas – ativação de estratégias, por prazo determinado, com a finalidade de provocar a experimentação ou venda de produtos e serviços.
Eventos e experiências – patrocínio, pela marca, de atividades e programas caracterizados pela grande interação que proporcionam aos públicos-alvos. Abaixo, verificaremos o conceito de “atitude de marca”, diretamente ligado a este tópico.
Relações Públicas (RP) e assessoria de imprensa – na visão de Kotler e Keller, a ênfase recai nas relações mantidas com o ambiente externo, com a finalidade de fortalecer a imagem da empresa. Hoje, Relações Públicas e Comunicação Empresarial são duas faces de uma mesma moeda, mantendo entre si relações de abrangência ligeiramente diferentes, segundo determinados autores. Há quem defenda que o comunicador empresarial, por excelência, seja o profissional formado em RP.
Marketing direto – mobilização de diferentes meios (telefone, correio, internet) para uma comunicação direta com o cliente. Malas diretas e telemarketing são ferramentas dessa modalidade de marketing. 217
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
O quadro a seguir associa as modalidades anteriores com as ações e suportes de que lançam mão. Como lembram Kotler e Keller, essas “plataformas” não esgotam todo o potencial comunicativo das empresas. Elementos ligados à identidade organizacional (embalagens, estilos, cores, uniformes, instalações, desempenho dos funcionários) possuem forte carga comunicacional e, portanto, articulam-se como um feixe de informação a ser decodificado pelo público-alvo. Kotler e Keller não fazem referência diretamente ao merchandising, que é um conjunto de ações quase sempre realizadas no ponto de venda, como a degustação de produtos alimentícios, por exemplo; inclui-se na categoria a apresentação de produtos ou serviços em programas de televisão, o chamado merchandising editorial1, a cargo dos animadores desses eventos ou de profissionais especialmente destacados para essa finalidade. A inserção de produtos, com sutileza2, em filmes e novelas também é classificada, no Brasil, como merchandising.
1
No exterior, essa modalidade inclui-se em uma categoria chamada de tie-in. 2
Como elemento de cena, às vezes o produto ou serviço é incorporado na trama de filmes e novelas, sendo, portanto, citados. Talvez o maior exemplo de merchandising com essas características seja verificado no filme O Náufrago, com Tom Hanks, no qual a empresa de remessas expressas, FedEx, torna-se praticamente uma personagem na trama.
Vendas pessoais – relacionamento pessoal (cara a cara) com intenção de venda de produtos ou serviços. As revendedoras dos perfumes Avon são exemplos desse tipo de atividade.
Abaixo, tabela com as estratégias da comunicação de marketing e os itens que as compõem. Quadro 1 – Estratégias da comunicação de marketing Propaganda
Promoção de vendas
Eventos/ experiências
Relações públicas
Vendas pessoais
Marketing direto
Anúncios impressos e eletrônicos
Concursos, jogos, loterias e sorteios
Esportes
Kits para a imprensa
Apresentações de vendas
Catálogos
Espaços externos das embalagens
Prêmios e brindes
Diversão
Palestras
Reuniões de vendas
Malas diretas
Encartes da embalagem
Amostragem
Festivais
Seminários
Programas de incentivo
Telemarketing
Filmes
Feiras setoriais
Artes
Relatórios anuais
Amostras
Vendas pela TV
Manuais e brochuras
Exposições
Causas
Doações
Feiras e exposições
Mala direta via fax
Cartazes e folhetos
Demonstrações
Passeios pela fábrica
Publicações
218
E-mail
) 3 3 5 . p , 6 0 0 2 , R E L L E K ; R E L T O K (
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
Propaganda
Promoção de vendas
Eventos/ experiências
Relações públicas
Catálogos
Cupons
Museus corporativos
Relações com a comunidade
Reimpressão de anúncios
Reembolsos parciais
Atividades de rua
Outdoors
Financiamento a juros baixos
Lobby
Painéis
Diversão
Mídia de identidade empresarial
Displays nos pontos de venda
Concessões de troca
Revista corporativa
Material audiovisual
Programas de fidelização
Símbolos e logotipos
Promoção nos pontos de venda integrada com a propaganda
Vendas pessoais
Marketing direto
Correio de voz
) 3 3 5 . p , 6 0 0 2 , R E L L E K ; R E L T O K (
Fitas de vídeo
Kotler e Keller (2006) em seu livro Administração de Marketing apontam oito etapas para uma comunicação eficaz na utilização das modalidades acima:
identificação do público-alvo;
determinação de objetivos;
elaboração da comunicação;
seleção dos canais de comunicação3;
estabelecimento do orçamento;
decisão sobre o mix de comunicação;
mensuração dos resultados da comunicação;
gerenciamento da comunicação integrada de marketing.
3
TV, rádio, jornal, revista, mídia exterior como outdoor , frontlight , backlight, top sight, (pintura, ou equivalente, de mensagens publicitárias na lateral de prédios) e mobiliário urbano: display ecológico, placas em postes de nome de ruas, relógio urbano, luminosos em pontos de ônibus etc.), internet, entre vários outros, denominados genericamentedemídiaalternativa: cartão-postal, bike door , indoor , painéis de metrô etc.
219
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
A decisão do mix de comunicação leva em conta que cada uma dessas ferramentas promocionais tem custos próprios, características, alcance e efeitos peculiares. Por exemplo, a propaganda geralmente é utilizada para sustentar uma imagem, tal como ocorre com as campanhas da Coca-Cola ao longo de várias décadas; ou acelerar vendas, com a veiculação de promoções etc. Cada meio de comunicação possui suas especificidades, assim como cada veículo4 (emissoras de televisão, de rádio, jornais e revistas, cuja cobertura geográfica e tiragem variam entre os veículos e influem decisivamente nos efeitos obtidos pela propaganda) as suas. Porém, é possível identificar na propaganda as seguintes qualidades:
4
Um meio de comunicação, como uma revista, é um canal; já uma revista, em específico, é um veículo, e assim sucessivamente.
5
Expressão usada em sentido genérico. Os banners, como são chamados os dispositivos publicitários inseridos em sites e portais na rede, quase sempre estimulam o internauta à interação, momento em que esse dispositivo dará acesso a uma página com informações sobre o produto ou serviço.
Penetração – gera grande número de impactos sobre o público-alvo, devido à repetição da mensagem nos veículos, à sua cobertura geográfica e, no caso da mídia impressa, à tiragem de jornais e revistas. No caso da mídia exterior, como outdoors, não há metodologias inteiramente eficazes para mensurar o número de impactos sobre os transeuntes. Mas as empresas que operam no setor, responsáveis pela locação de espaços para a afixação dos cartazes, escolhem vias de grande circulação para garantir o máximo de visibilidade às peças.
Aumento da expressividade – marcas, serviços e produtos ganham maior visibilidade, graças ao composto de texto, cor, imagem e som presentes em cada meio.
Impessoalidade – ainda que a internet tenha concedido certo grau de interatividade aos anúncios 5, a propaganda não obriga o público a prestar atenção a ela e a responder a seus estímulos; portanto, como destaca Kotler, a “propaganda é um monólogo e não um diálogo com o público”.
Propaganda institucional e corporativa Pinho (1990, p. 23) faz as seguintes considerações sobre propaganda institucional: Denominada por alguns autores americanos como propaganda de relações públicas (Public Relations Advertising), a propaganda institucional é uma área onde as atividades de Relações Públicas e Propaganda interagem. A propaganda institucional tem por propósito preencher as necessidades legítimas da empresa, aquelas diferentes de vender um produto ou serviço. 220
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
Segundo o Publishers Information Bureau (PIB), dos EUA, a propaganda pode ser definida como corporativa quando preenche um ou mais destes propósitos:
divulga e informa ao público as políticas, objetivos, funções e normas da empresa;
constrói uma opinião favorável sobre a empresa, destacando a sua administração, know-how , corpo técnico, tecnologia, melhoria de produtos, sua contribuição para o progresso social e o bem-estar público; por outro lado, contrabalanceia a propaganda desfavorável e as atitudes negativas; e
desenvolve uma imagem de confiabilidade para os investimentos em ações da empresa ou para o fortalecimento de sua estrutura financeira.
A adequação a normas internacionais, como as estabelecidas pela ISO (International Organization for Standardization), a inauguração de filiais, de fábricas, o anúncio da adoção de um código de ética ou da criação de um SAC ou serviço de ombudsman, e várias outras situações, são matéria da propaganda corporativa. Enquanto que a comunicação de marketing divulga bens tangíveis, como um refrigerador, e os seus diferenciais em relação aos concorrentes, a propaganda institucional detém-se na divulgação de valores, crenças e sentimentos, muitos dos quais compartilhados pela comunidade. Costuma-se ressaltar a responsabilidade social, o desenvolvimento de projetos nas áreas de educação e cultura, bem como certas esperanças em relação ao futuro do país etc. Outro ponto recorrente é a síntese da trajetória da empresa como um movimento permeado de conquistas, muitas delas compartilhadas com o próprio país, para o qual o trabalho e o empenho institucionais sempre se fizeram perceber. Por tudo isso, talvez seja certo afirmar que, mais do que a propaganda corporativa, a institucional tende a lançar mão de recursos emocionais. Por razões óbvias, não se deve denominar a propaganda do Estado de corporativa, expressão reservada para o mundo empresarial. A propaganda institucional dos governos geralmente é chamada de governamental , e tem como objetivo “ [...] criar, reforçar ou modificar a imagem de um determinado governo, dentro e fora de suas fronteiras” (PINHO, 1990, p. 22). No Brasil, como se destacou, as agências de propaganda não costumam fazer diferença entre uma categoria e outra, provavelmente por questões 221
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
pragmáticas, já que ambas tentam igualmente informar ao público o papel da empresa em relação a certos compromissos firmados com o cliente ou com toda a comunidade. E assim valorizam a imagem e a reputação corporativas. Um dos mais famosos comerciais de natureza institucional já produzidos no país foi o de uma destilaria, a Seagram 6, a maior do mundo, produtora de uma famosa marca de whisky nacional na época (1973). O comercial enfatizava a responsabilidade dos adultos durante o consumo de bebidas alcoólicas e para isso fazia um apelo emocional, exibindo a imagem de um garoto, associada à de um filho, que poderia ser o de um consumidor. Uma voz em off chamava atenção para o significado da relação entre pai e filho e reconhecia o golpe sofrido por uma criança ao perceber que o pai havia bebido demais. Ao final, a empresa se dizia responsável por muito do que aqueles “olhinhos” viam e convocava os adultos a beber com “sabedoria e moderação” para que a futura geração pudesse saber que “bebida é só pra dar prazer e alegria”.
6
Disponível em: . Acesso em: 1 nov. 2009.
Como se vê, a propaganda institucional não tem como finalidade vender um produto, mas um conceito de organização, criar identificação com valores, visões de mundo, causas de diferentes naturezas e abrangências, e para isso faz uso de mensagens em que a argumentação, quase sempre, tem papel preponderante. Como a propaganda institucional não reativa no leitor, ouvinte ou espectador, a memória das experiências da recepção de propaganda comercial, imagina-se que as mensagens institucionais até certo ponto desautomatizem essa recepção e por isso tornem o destinatário mais sintonizado com o conteúdo. É como se a empresa, intermediada pela agência de propaganda, abrisse mão, por momentos, de certas fórmulas consagradas pela comunicação de marketing, para adotar outra dicção e estilo, em parte desviantes do habitual. Há uma necessidade de legitimação da empresa, na forma de adoção de um discurso mais identitário que, ao se revelar diante da comunidade, torna mais justificável a aceitação da instituição como um ente público, consciente de seu papel. Gracioso (1995, p. 66) destaca cinco temas institucionais recorrentes a partir da década de 1990:
222
Valorização do consumidor – respeito aos compromissos assumidos com o mercado – abertura ao diálogo.
Ecologia (respeito à natureza) – preocupação com a proteção e preservação do meio ambiente.
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
Cidadania – integração na comunidade. Intervenção nas causas de interesse coletivo e associação da marca a momentos de decisão: aprovação de leis, movimentos sociais de grande representatividade etc.
Ética nos negócios – a reflexão sobre o significado e o papel da ética transcende os conceitos de legalidade ou ilegalidade.
A empresa como parceira – respeito e estímulo à participação dos funcionários, revendedores e fornecedores. . s n a e J m u r o F o ã ç a g l u v i D
Figura 1 – Campanha institucional da Forum sobre temas polêmicos como o desarmamento.
A propaganda institucional não se limita a dialogar com os clientes, pois coloca em seu horizonte uma espécie de “público universal”, formado por funcionários, acionistas, fornecedores, comunidade, distribuidores, representantes e educadores. Por essa longa enumeração, como veremos, ela acabaria desenvolvendo parte das funções da propaganda corporativa, distinguindo-se, contudo, na abordagem, pois esta última demonstra, de modo geral, atitude mais pragmática e focada em temas e assuntos. Argenti (2006, p. 61 ss.) afirma que a propaganda corporativa tem as seguintes funções:
atrair investimentos, influenciar opiniões;
reforçar a identidade ou melhorar a reputação;
aumentar as vendas, recrutar e manter funcionários. 223
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
É o autor ainda que destaca que a propaganda corporativa é administrada diretamente pelo CEO da empresa, e foi ela que, nos EUA, mais cresceu entre os anos 1980 e 1990. Vásquez (2006, p. 208) apresenta um quadro comparativo entre propaganda de produto (comercial) e corporativa, destacando os objetivos de cada uma. Note-se como a autora adota os verbos informar , persuadir e lembrar , utilizados por Kotler e Keller (2006) para conceituar a comunicação de marketing. Quadro 2 – Objetivos da publicidade comercial e da publicidade corporativa Objetivos
Publicidade de produto
Publicidade corporativa
Informar
Introdução de um novo produto. Descrição dos atributos do produto. Educar o consumidor no uso do produto. Desfazer mal-entendidos. Sugerir novos usos do produto. Mudanças de embalagem. Reduzir os temores ou medos dos consumidores quanto às propriedades ou uso do produto. Comunicar o preço ou as mudanças de preço do produto. Comunicar e apoiar as promoções de vendas. Comunicar os locais de vendas.
Fusões e aquisições de empresas. Comunicação da marca corporativa. Desfazer mal-entendidos. Apoiar programas sociais. Comunicação dos logros da empresa. Incorporações de novos diretivos. Mudança de endereço e rede de endereços. Aquisição de equipamentos e novas tecnologias.
Persuadir
Criar uma preferência de marca. Animar o consumidor a mudar sua marca pela nova proposta. Evitar a substituição. Atrair novos consumidores. Adoção de novos hábitos de consumo. Incrementar a frequência de uso. Incrementar a quantidade comprada. Convencer o consumidor para que compre já. Propor uma visita ao estabelecimento. Convencê-lo a fazer uma ligação telefônica. Aceitar a visita de um vendedor. Mudar a percepção do produto.
Criar uma preferência de marca. Animar o consumidor a mudar de marca pela nova proposta. Desarraigar maus hábitos. Adoção de uma forma de pensar, filosofar ou tomar consciência a respeito de um assunto. Mudar a percepção da empresa.
224
) 8 0 2 . p , 6 0 0 2 , Z E U Q S Á V (
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
Objetivos
Lembrar
Publicidade de produto
Publicidade corporativa
Lembrar a existência e as vantagens do produto. Manter o produto fora de temporada. A possibilidade da necessidade do produto no futuro.
O portfólio de marcas. A identidade conceitual da marca corporativa. A participação da empresa em programas sociais.
) 8 0 2 . p , 6 0 0 2 , Z E U Q S Á V (
Há duas linhagens de propaganda corporativa referidas por Bendit (apud SILVA NETO, 2010, p. 36): propaganda de imagem e propaganda temática ou de defesa. A primeira parece corresponder ao que no Brasil chamamos genericamente de propaganda institucional ; investe em mídia de massa para notificar seu envolvimento com assuntos econômicos/sociais de seu interesse e assim fortalecer sua imagem. A imagem, nesse caso, é um dos componentes do posicionamento da empresa, um diferencial no mercado. Essa abordagem parece deixar transparecer uma postura bastante utilitarista da empresa perante as causas sociais, mais focada na busca de dividendos para a imagem corporativa do que na expressão de um sentimento legítimo. O modo pelo qual o Banco Itaú administra um conjunto diversificado de ações sociais e socioambientais7 não apenas “influencia opiniões”, mas parece ajudar a formar uma consciência em torno dessas duas dimensões, provavelmente com abrangência inédita, no Brasil, entre organizações da livre-iniciativa. No site socioambiental do banco, há o detalhamento de uma política de integração de ações e envolvimento de acionistas, investidores, clientes, funcionários, fornecedores, entre outros. Em 2008, uma campanha institucional do banco pôs no ar o comercial “Bossa Nova”8; um dos clássicos desse gênero musical que completava 50 anos na época – “Samba de uma nota só” – teve a letra modificada para anunciar o crescimento do banco, o processo de melhoria, a expansão mundo afora e a política de responsabilidade social e cultural. Após a fusão com o Unibanco, em 2008, uma campanha corporativa é veiculada pela televisão9 (em maio de 2009), agora tendo como argumento a necessidade de se “pensar grande”, como os dois bancos, cuja aliança os tornou a maior instituição financeira do “hemisfério sul”. A propaganda corporativa de defesa posiciona-se diante de assuntos polêmicos, diretamente relacionados à empresa. Empresas do setor petrolífero, tabagista e farmacêutico muitas vezes são centros de controvérsia e por isso investem em propaganda na qual podem ratificar certos pontos de vista, neutralizar visões em contrário e ao mesmo tempo compensar sua “dívida” com a comunidade com a adoção de políticas sustentáveis. No anúncio, ase, 225
7
Disponível em: e . Acesso em: 3 nov. 2009.
8
Disponível em: . Acesso em: 3 nov. 2009.
9
Disponível em: . Acesso em: 3 nov. 2009.
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
a seguir, Souza Cruz reafirma seus compromissos éticos. . z u r C a z u o S o ã ç a g l u v i D
Figura 2 – Anúncio corporativo da Souza Cruz.
Como ação interessada em “vender a própria empresa”, na expressão de Argenti (2006), a propaganda corporativa, quando voltada para investidores, foca seus esforços na publicação de relatórios financeiros, auditados por empresas de referência do setor. Não raro, os relatórios tomam a forma de volumes com programação visual a cargo de profissionais, como os da agência de propaganda, fortalecendo, pela forma, o significado do conteúdo. Quanto a aumentar as vendas, outra função da propaganda corporativa, é fator de difícil mensuração; no entanto, se bem identificada com determinado componente da reputação da empresa, a propaganda corporativa pode influir nas vendas. Um supermercado que consiga demonstrar sua política de preços baixos em períodos de incerteza econômica, mesmo com uma mensagem caracterizadamente corporativa (não comercial), poderá obter bons resultados nas vendas. O aumento de reputação, com uso da propaganda corporativa, ocorre, com frequência, em situações em que o anunciante revela interesse pelo bem-estar do público, embora este nem sempre se dê conta disso. Uma empresa de cabos e fios elétricos, por exemplo, poderá argumentar que sua marca está presente no sistema de distribuição de energia das cidades, e no interior dos lares, iluminando o cotidiano de cada um, sem, no entanto, ser percebida pela maioria. Em 2009, a Unilever lançou uma campanha corporativa para comemorar seus 80 anos. A campanha pretendia reforçar a missão da empresa: levar vitalidade para o dia a dia e atender às necessidades diárias de nutrição, higiene e cuidados pessoais, com marcas que procuram ajudar as pessoas a se sentirem bem, ficarem bonitas e aproveitarem mais a vida. Para tanto, a 226
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
Unilever dividiu o conceito de vitalidade10 em quatro “lentes”: envolvimento comunitário, saúde e bem-estar, autoestima e potencial humano. A intersecção entre uma abordagem de natureza celebrativa e a mobilização das marcas enfatiza o caráter corporativo da campanha.
10
A campanha, criada pela agência Ogilvy&Mather, previa uma série de ações, como veiculação de comerciais e o lançamento do site .
Quando completou 100 anos, em 2005, a Bunge, empresa de agrobusiness e alimentos, adotou como slogan de sua campanha corporativa o seguinte lema: “Só quem olha para o futuro chega aos 100 anos”. Como é usual em celebrações, a organização fazia alusão ao seu percurso no país, marcado pelo compromisso e dedicação ao trabalho e ao consumidor, ambos sentimentos orientados pelo espírito visionário da empresa. Devido ao grande número de marcas de propriedade da empresa, o público era levado a perceber que instituições como a Bunge fazem parte do dia a dia das pessoas, embora nem sempre se associe uma das suas marcas ao nome do anunciante. Em sociedades democráticas, em que pontos de vista divergentes podem conviver dentro de uma atmosfera de tranquilidade, não é de admirar que uma multinacional pudesse ser atacada no ano de seu centésimo aniversário. O Greenpeace11 aproveitou as festividades para protestar contra a produção de soja transgênica, que a Bunge12 produzia em larga escala e, segundo a organização ambientalista, utilizava em duas marcas de óleo. Levando adiante os protestos, o Greenpeace criou a campanha “Encha o SAC da Bunge”, instigando manifestações contra a empresa. Transmídia é um conceito ainda relativamente novo que vem chamando a atenção dos departamentos de marketing. Trata-se de uma prolongação de filmes e seriados na forma de jogos, games, sites, downloads de imagens, toques para celular, entre outros, que exploram o núcleo narrativo dessas produções e promovem a interação do público com elementos pertencentes a esse universo. É como se as produções extrapolassem os seus limites e tivessem uma continuação diferenciada em outras plataformas. A Natura lançou uma campanha, da linha infantil Natura Naturé, em 2008, com o conceito de transmídia e abordagem corporativa. Não se perde de vista no site13 a linha de produtos, mas a interação não se concentra nela, pois o internauta – pais e filhos – é estimulado a participar de jogos, ouvir música, entre uma série de atividades relacionadas ao cuidado com a água, tema do vídeo A Grande História da Água. Assim, outra vez, a empresa, já há vários anos envolvida em projetos socioambientais, reforça sua reputação, agora tendo crianças como público-alvo. 227
11
Disponível em: . Acesso em: 3 nov. 2009.
12
O relatório de sustentabilidade da empresa pode ser consultado em: . Acesso em: 3 nov. 2009.
13
Disponível em: . Acesso em: 4 nov. 2009.
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
O recrutamento e conservação de funcionários, por meio de propaganda corporativa com objetivos bem delineados e precisos na descrição do perfil da empresa, pode redundar em vantagens para ambos os públicos, interno e externo. Eleva-se indiretamente o moral dos funcionários, que se sentem mais integrados a certos objetivos organizacionais. Por outro lado, a empresa tende a atrair candidatos mais qualificados para as vagas. Um conceito que vem ganhando notoriedade no país é a “atitude de marca”14 , que se alimenta dos repertórios das duas vertentes: a comunicação de marketing e a propaganda corporativa. Ao potencializar a interação da marca com seu público, por meio de causas e conteúdos, o conceito circunscreve uma diversificada arena de ações que abrange: patrocínios, apoios e parcerias, projetos e eventos de marca, marketing de causa, investimento social e empresarial e promoções com conteúdo. Os segmentos de intervenção das marcas também são múltiplos: nas artes, nos esportes, no lazer e gastronomia, no design, nos shows para promover conscientização e educação.
14
Disponível em: . Acesso em: 4 nov. 2009.
Por sua vez, as marcas, em busca de reputação e credibilidade, oferecem valor para os públicos de interesse, aprofundando vínculos afetivos e reforçando a identidade. Além de demonstrar a relação necessária com a sustentabilidade.
Ampliando seus conhecimentos
Crise de identidade (SILVA, 2005)
1
O de identidade e imagem.
[...] Levando-se em conta o cenário de incertezas e ameaças no qual as empresas atuam, pode-se notar uma certa complexidade na prática e vivência destes conceitos1. O que conduz algumas empresas à chamada crise de identidade. Divididas entre o objetivo maior de seus acionistas – o lucro – e as exigências de seus consumidores, algumas empresas perderam o rumo nos seus negócios o que fez surgir uma série de conflitos internos dificultando ainda mais todo o processo. Esta é a condição de muitas empresas que hoje lutam para permanecer no mercado. Por meio de um breve levantamento dos diversos fatores que 228
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
interferem na tomada de decisão das empresas, pode-se ter uma noção do contexto onde elas estão inseridas e também conhecer mais de perto as principais ameaças aos seus negócios. Para Aaker (1996, p. 40): [...] alguns concorrentes novos ou desesperados podem ser motivados a assumir riscos ou experimentar abordagens incomuns. O resultados pode ser desestabilização da dinâmica competitiva. Existe ainda uma motivação ampliada para se copiar qualquer coisa bem-sucedida, em parte porque os riscos da cópia são compensados pela dificuldade de criar novas alternativas brilhantes.
Observa-se que há realmente uma crise de identidade vivida por algumas corporações que, procurando agradar e até encantar seus clientes por meio de ações diferenciadas, seguindo a máxima vigente do “cliente tem sempre razão” imposta pela acirrada concorrência, perderam a direção dos seus negócios e isso fica evidente nas suas estratégias de comunicação. Muitas delas não sabem mais quem são, no que acreditam, como querem ser vistas e nem onde querem chegar. Esqueceram da sua missão, visão e valores, conceitos básicos para qualquer empresa bem posicionada no mercado. Um dos setores que mais sofre com isto atualmente é o setor bancário. Pode-se observar que os bancos abraçam abordagens de marketing voltadas a valores humanos e esquecem que são instituições financeiras. São considerados como parte dos primeiros colocados no ranking anual de reclamações dos órgãos de defesa do consumidor, e esta realidade ainda vem acompanhada pela imagem pública extremamente negativa (percepção) de que o mercado bancário acumula crescimento recorde no país. E para piorar, a grande maioria das marcas deste segmento não faz uma comunicação que clarifique e/ou solucione os problemas dos clientes. No início dos anos 1990, essas instituições foram as primeiras a se tornarem eletrônicas e mandarem os clientes para casa. O problema, segundo o sócio-diretor de planejamento da Agência Martins + Andrade, Arthur Bender2, “[...] é que pouco tempo depois as marcas descobriram que isto deixava a relação fria, ao passo que o marketing exige um relacionamento duradouro que não acontece sem atenção e contato”. Depois disso, tudo ficou cordial e os consumidores foram chamados de volta às agências porque eram únicos e exclusivos. Agora, parece que todos os bancos caminham para dizer que não são mais bancos, oferecendo algo muito próximo do conceito de bem-estar. Basta ver os novos slogans adotados para as campanhas publicitárias que estão estampadas nos mais variados veículos de comunicação de massa. 229
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
O resultado pode até ser esteticamente bonito, mas é carente do que mais se busca na construção de uma imagem de marca forte em uma sociedade de excessos e de iguais: diferenciação e relevância. A justificativa dessas marcas, para esse estilo de comunicação, é que se faz necessário enfrentar a imagem negativa por parte da população com relação às empresas deste setor. Com tudo isto, fica evidente que cabe ao consumidor perceber e escolher entre a marca que faz uma comunicação de dentro para fora (identidade X imagem), mostrando o que realmente acontece na empresa que representa, e as outras, que fazem uma comunicação e não honram as promessas apresentadas. “Embora a imagem da marca seja habitualmente passiva e voltada para o passado, a identidade da marca deverá ser ativa e contemplar o futuro, espelhando as associações desejadas em relação à marca” (AAKER, 2001, p. 82). Recentes pesquisas publicadas na Revista Exame, uma de opinião pública e outra com o empresariado, mostram a discrepância de visões sobre o papel das empresas privadas no Brasil. Missão das empresas, segundo os empresários. O que diz uma pesquisa feita pela FAAP com 102 grandes empresários.
Dar lucro aos acionistas
82%
Ser ética nos relacionamentos
63%
Ajudar a desenvolver o país
50%
Aliar crescimento à justiça social
47%
Gerar empregos
34%
Recolher os impostos devidos
14%
Desenvolver trabalhos comunitários
5%
Sem ferir a ética, derrotar a concorrência
5%
Missão das empresas, segundo a opinião pública. O que diz uma pesquisa de opinião pública do instituto Vox Populi.
230
Gerar empregos
93%
Ajudar a desenvolver o país
60%
Desenvolver trabalhos comunitários
42%
Aliar crescimento à justiça social
31%
Recolher os impostos devidos
29%
Ser ética nos relacionamentos
19%
) 5 0 0 2 . r a m . 1 2 . p , 6 . n , 9 3 o n a , 9 3 8 . d e . E M A X E A T S I V E R (
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
Sem ferir a ética, derrotar a concorrência
10%
Dar lucro aos acionistas
10%
Pode-se observar que há uma divergência entre a visão que os empresários têm de suas empresas e a visão da opinião pública. Segundo 82% dos empresários, a missão das empresas é dar lucro aos acionistas e de acordo com 93% da opinião pública a missão é gerar empregos. Esse resultado demonstra que a imagem das empresas para o público é incompatível com a imagem das empresas para os empresários. Vê-se que para o público, o papel social da empresa ganhou mais importância que o econômico. Em razão dessa realidade, os empresários acabam muitas vezes adotando uma postura tímida ao defender o papel das companhias que dirigem. Parece que se sentem mais à vontade discorrendo sobre projetos sociais do que sobre os projetos econômicos da empresa. Por tudo isso, é que as relações públicas, por intermédio das comunicações, têm o propósito de estabelecer com os públicos da empresa uma comunhão de ideias e opiniões, que resulte em uma verdadeira interação entre organização e públicos. Segundo Grayson, diretor de uma consultoria de assuntos públicos no Reino Unido: As ações de toda instituição ou organização provocam certo efeito numa série de pessoas – chamadas stakeholders –, “partes interessadas” no resultado destas ações. Para a empresa os stakeholders são os que podem influenciar no sucesso do negócio, como acionistas, empregados, clientes, parceiros, fornecedores, comunidades, governos e órgão reguladores e, cada vez mais, grupos com preocupações específicas, como os ambientalistas. Suas expectativas de negócios têm mudado, e sua capacidade de se fazer ouvir vem crescendo. (GRAYSON, 2002, p. 74)
As expectativas de alguns stakeholders podem ser diametralmente opostas às de outros, forçando as empresas a escolherem entre um grupo ou outro. Para garantir contratos e, às vezes, não perder negócios existentes, as companhias precisam provar a seus clientes que obedecem a certos padrões de desempenho em áreas como meio ambiente, práticas trabalhistas e relações comunitárias. Pode-se ver que, ao adicionar às suas competências básicas um comportamento ético e socialmente responsável, as empresas estão, na realidade, buscando o respeito das pessoas e comunidades que são impactadas por suas atividades e esperam ser gratificadas com o reconhecimento e engajamento dos seus colaboradores e, principalmente, a preferência dos consumidores.
231
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
Segundo a publicitária Christina Carvalho Pinto – presidente da Full Jazz Propaganda “[...] empresas voltadas à construção de uma personalidade social estão desenvolvendo sólidas pontes de empatia com os consumidores”. O reforço da imagem institucional das organizações, a partir de práticas socialmente responsáveis, é algo a ser conquistado e trabalhado pelos profissionais de comunicação, de uma forma planejada e articulada, fortalecendo os valores e objetivos organizacionais, ou seja, se a empresa deseja ser percebida como socialmente responsável, as metas da área da comunicação deverão perseguir esses objetivos. Para Francisco Paulo de Melo Neto e César Froes (2001, p. 40): [...] o exercício da responsabilidade social é orientado para a melhoria da imagem institucional da empresa, o que se traduz na melhoria da sua reputação. São os ganhos institucionais da condição de empresa-cidadã que justificam os investimentos em ações sociais.
Pode ser facilmente constatado que, no intuito de seguir essa tendência, algumas empresas estão mais preocupadas com a imagem de marca do que com a causa. Há diversas incoerências nas tomadas de decisão de certas empresas, algumas realizam projetos insignificantes e superficiais, não escutam as partes interessadas, não estabelecem indicadores para avaliação e gastam milhões em divulgação. Há ainda outras que operam na área social de uma maneira despreparada, com várias dúvidas e incertezas. Em certos casos, até sem uma meta clara ou uma estratégia de ação definida. Percebe-se que é cômodo, para certas companhias, embelezar a imagem por meio de ações sociais ou culturais. Estas, muitas vezes, são apenas superficiais, não fazem parte da essência da empresa, ou seja, não houve uma verdadeira mudança na cultura organizacional. É só aparência, as práticas não foram incorporadas e assumidas pela empresa, isto é, não fazem parte de sua identidade. Como a responsabilidade social empresarial depende do envolvimento de todos os membros da organização e deve fazer parte dos procedimentos e cultura organizacionais, cabe às relações públicas desenvolver as estratégias de comunicação e de relacionamento que tornem concretas essas iniciativas, interna e externamente. Dentre as possibilidades, encontram-se ações paralelas de assessoria às políticas de recursos humanos, desde a seleção de pessoal até o encaminhamento e apoio em situações de demissão ou aposentadoria, eventos de cons232
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
cientização e esclarecimento, preparação de material de apoio, campanhas internas e externas, estabelecimento de canais diretos de relacionamento, como ombudsman e grupos de clientes, permitindo um estreito relacionamento de mão dupla, sempre buscando maximizar as relações entre os grupos através do melhor conhecimento de suas expectativas e necessidades. Pode-se dizer que a solução pode estar na análise das relações das organizações com seus diversos públicos. Em primeiro lugar, com aqueles que contribuem para a sua constituição, fundamentando sua estrutura como uma organização coesa, produtiva e competitiva. Em seguida, entram em cena os públicos que contribuem para viabilizar os negócios da empresa, fornecendo-lhe tecnologia, matéria-prima, assistência técnica etc., por fim, os públicos que com ela colaboram e a promovem como organização responsável que contribui de modo positivo para a sociedade, criando empregos, pagando impostos etc.
Considerações finais Segundo Kunsch (2003, p. 74) “[...] é exatamente no âmbito desses cenários mutantes e complexos que as organizações operam, lutam para se manter e para cumprir sua missão e visão e para cultivar seus valores [...]”. Em épocas de globalização, torna-se cada vez mais relevante o uso de todo ferramental que a comunicação disponibiliza para edificação de marcas fortes e duradouras, superando todas as barreiras. A comunicação se faz presente com o importante papel de contribuir para a construção de imagens positivas das corporações, mesmo em tempos de grandes desafios. Conforme afirma Aaker (1996, p. 83): Enquanto a imagem de marca tende a ser tática, sua identidade deverá ser estratégica, refletindo uma estratégia empresarial que conduza a uma vantagem sustentável. Como qualquer identidade, a identidade de marca representa as características básicas que persistirão ao longo dos tempos.
Com as mudanças sociais, pode-se perceber que hoje há uma preocupação no sentido de se dar uma dimensão social às organizações, nas quais, além de unidades econômicas, se passa a ver também unidades sociais. O trabalho do profissional de relações públicas é também o de alertar e conscientizar a direção da empresa para sua responsabilidade para com a sociedade. Pode-se notar que a comunicação “cidadã”, construída sobre valores éticos e planejada estrategicamente, além de agregar valor à imagem corporativa e contribuir para a fidelização de clientes e consumidores, motiva funcionários 233
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
e colaboradores e ajuda a construir um melhor relacionamento com as comunidades interna e externa. A comunicação se torna peça-chave para qualquer mudança de posicionamento. Tendo por base esses princípios e trabalhando-os de forma consciente como necessidade e não como mera possibilidade e diferencial mercadológico, as relações públicas estarão dando sua real contribuição à responsabilidade social das organizações e à construção de uma sociedade mais justa e humana, princípios que fazem parte da própria definição dessa profissão e do seu fazer diário.
Atividades de aplicação 1. Tente oferecer uma visão geral da comunicação de marketing. 2. Francisco Gracioso, em seu livro Propaganda Institucional: nova arma estratégica da empresa, faz o levantamento de temas institucionais recorrentes. Aponte pelo menos dois. 3. Existem duas linhagens de propaganda corporativa: a de imagem e a temática ou de defesa. Explique.
Referências ANDRADE, Cândido T. de Souza. Curso de Relações Públicas : relações com os diferentes públicos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. Tradução de: RIECHE, Adriana. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 327p. BENDIT, Zilda Patrícia. Propaganda Corporativa. In: SILVA NETO, Belmiro Ribeiro da. (Coord.). Comunicação Corporativa e Reputação : construção e defesa da imagem favorável. São Paulo: Saraiva, 2010. GRACIOSO, Francisco. Propaganda Institucional: nova arma estratégica da empresa. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. KOTLER, Philip; KELLER, Kevin L. Administração de Marketing. 12. ed. Tradução de: ROSEMBERG, Mônica; FERNANDES, Brasil Ramos; FREIRE, Cláudia. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. 234
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
PINHO, José Benedito. Propaganda Institucional: uso e funções da propaganda em relações públicas. São Paulo: Summus, 1990. SILVA, Danielle P. Crise de Identidade . In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 28. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. UERJ, 2005. VÁSQUEZ, Ruth Peralta. Comunicação de Marca : aportes da publicidade impressa na comunicação da identidade de massa. Tese de Doutorado – ECA/USP. São Paulo, 2006.
235
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa
Gabarito 1. Trata-se de um sistema de comunicação que tenta informar e lembrar o público-alvo sobre as especificidades de produtos e serviços, num processo em que a persuasão também exerce um importante papel. O modo como o marketing põe em prática essas ações nem sempre ocorre de modo direto, pois eventos patrocinados, por exemplo, são formas de experimentar a marca de modo diferenciado, indireto. O marketing reúne plataformas tão diferenciadas quanto propaganda, promoção de vendas, relações públicas, marketing direto, entre outras, que por sua vez lançam mão de ferramentas (mídia impressa, mídia eletrônica e digital), amostras, malas diretas etc. 2. Os temas recorrentes são: valorização do consumidor; ecologia; cidadania; ética nos negócios e parceria entre a empresa e seus públicos, como: funcionários, fornecedores e revendedores. 3. A propaganda corporativa de imagem, como a expressão já indica, investe em mídia de massa para notificar ações relacionadas a assuntos sociais e econômicos do interesse da empresa; é uma forma de alinhar essas ações com o posicionamento da empresa, fazendo disso um diferencial. Já a propaganda corporativa temática ou de defesa posiciona a empresa diante de temas polêmicos, diretamente ligados aos interesses dela. O eventual apoio à aprovação de uma lei no congresso, por exemplo, expõe uma perspectiva da empresa e, como tal, com significado que pode não agradar a muitos, daí o risco desse tipo de propaganda.
236
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
Comunicação Empresarial na sociedade da informação Um retorno às origens do conceito de sociedade da informação leva-nos ao ano de 1973, quando Daniel Bell1, sociólogo estadunidense, cunha a expressão em seu livro Sociedade Pós-Industrial; este último conceito é contemporâneo das reflexões em torno do fim das ideologias, uma espécie de lema do neoliberalismo, cuja forma simplificada de enunciação é o “pensamento único”, sempre relacionado à condição pós-moderna. Os amigos e inimigos do pós-moderno analisam-no por diferentes prismas: ou como uma nova etapa do capitalismo – talvez já um “pós-capitalismo” – marcada por uma sociabilidade que experimenta nos recentes modelos de produção e consumo sua forma de emancipar os indivíduos, ou como rendição ao mercado, com sua avidez descontrolada e sedutora.
1
A tradução brasileira do livro de Bell (O Advento da Sociedade Pós-Moderna) é de 1977. A referência completa encontra-se no final do capitulo.
Uma crítica como Maria Ciavatta (2001, p. 132) observa que: [...] este núcleo de negativas onde se insere a metáfora do “fim da história”, é, ele próprio, produto histórico de mudanças materiais e simbólicas, de modo especial no Ocidente, rumo a uma nova forma de capitalismo, marcado pelo efêmero e o descartável, pela sedução da imagem e o paroxismo da velocidade, pelo consumismo, pela indústria cultural, financeira, de serviços e de informação, pela presença das tecnologias em todas as formas de sociabilidade, inclusive no cotidiano dos setores mais pobres, tradicionais ou atrasados em relação ao padrão hegemônico.
Daniel Bell anunciava que na sociedade da informação o conhecimento se estruturaria como determinante e que, em consequência, os serviços baseados nele se colocariam como fundamento da nova economia, diluindo ou mesmo neutralizando o significado das ideologias. Fator decisivo para que o conceito se espraiasse mundo afora foi sua assimilação por parte de órgãos internacionais ao longo dos anos 1990 sob influência da internet – surgida nos EUA em 1990 – e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Em 1995, o conceito integrou a pauta da reunião do G7, depois G8 2,
2
G8: em inglês, Group of Seven and Russia: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá (antigo G7).
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
de fóruns da União Europeia, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)3, além de ter sido adotado pelos EUA, por agências das Nações Unidas e pelo Banco Mundial.
3
Reúne os 30 países mais desenvolvidos do mundo.
O ambiente marcado pelos influxos neoliberais rapidamente movimentou formidáveis cifras e já no final do século passado dava sinais de saturação, motivo pelo qual havia pressões para que a busca de novos mercados não encontrasse obstáculos protecionistas. A globalização com discursos, políticas e práticas afinados, instaurava, de fora para dentro dos países periféricos, novas necessidades e desafios, instigando a obrigação destes acertarem os ponteiros com o relógio do novo século com sua linguagem peculiar. Há resistências quanto à adoção do conceito de sociedade da informação no meio acadêmico, onde se prefere “sociedade do conhecimento” ( knowledge society ), conforme se verifica em Toffler (1995, p. 176), possivelmente o criador da expressão, dissociando o segundo conceito do seu lastro econômico: A forma de alcançar desenvolvimento e poder econômicos no século XXI já não será a exploração de matérias-primas e do trabalho manual do homem, mas [...] a aplicação dos recursos da mente humana. [...] Visto que reduz a necessidade de matérias-primas, trabalho, tempo, espaço e capital, o conhecimento passa a ser o recurso central da economia avançada.
Outra expressão que surge no final da década passada é a de “sociedade de saberes”, menos utilizada, mas também identificada com o esforço da universidade em reivindicar uma abordagem não apenas econômica para a questão do conhecimento. Em língua portuguesa, como em outras línguas latinas, “saber” é diferente de “conhecimento”, ao contrário do inglês, em que a mesma palavra (knowledge) denomina os dois processos. Em consequência, podemos considerar uma dimensão mais globalizante e analítica para “conhecimento”, e outra, mais prática, para “saber”. Um rápido esboço das transformações ocorridas no Brasil, no tocante ao impacto da informática no contexto delineado acima, evoca o período da reserva de mercado, em vigência entre 1984 e 1992. Ao final da reserva, iniciaram-se importações durante o governo Collor, embora universidades já tivessem acesso a computadores vindos do exterior antes do início da gestão. Sempre sob a influência da globalização, um Plano Nacional de Desestatização é colocado em prática a partir de 1991 e depois reestruturado no governo Itamar Franco. Em agosto de 1995, no governo Fernando Henrique, é abolido o monopólio estatal das telecomunicações e, em julho de 1996, o 240
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
senado aprova a Lei Mínima das Telecomunicações, a partir da qual ocorreu a venda de licenças para a concessão de exploração do serviço de celulares. Um ano depois, em julho de 1997, nova legislação traça o caminho de entrada do Brasil na era dos celulares, wireless, banda larga, na universalização da telefonia e das telecomunicações. Já em 1985, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) estava conectada à chamada internet acadêmica; dez anos depois, em 1995, têm início as operações da World Wide Web (Teia de Alcance Mundial), a plataforma gráfica da internet. Em cerca de 10 anos, de 1998 a 2008, as empresas de telecomunicações investiram cerca de R$140 bilhões para modernização e expansão do sistema. O número de celulares, em 2009, chegou a mais de 170 milhões e o de internautas a 65 milhões. O quadro acima mostra-se indispensável para uma visão global sobre a questão da sociedade de informação ou de conhecimento. De um modo geral, há uma tendência para se reconhecer na primeira um nexo com o trabalho, e daí os processos de captação, processamento e transmissão têm seu papel reiterado; na segunda, uma ênfase na produção de conhecimento e na formação de agentes econômicos capacitados para esse fim. Percorrendo uma trilha de caminhos que se bifurcam, podemos afirmar que as duas vertentes coexistem nas organizações e em vários pontos se tangenciam. O modo como a empresa vive na sociedade da informação pode ser nitidamente verificado no uso integrado da internet, dos dispositivos próprios desse meio, como sites, MSN, blogs e “miniblogs” , o Twitter, redes sociais, como o Orkut , bancos de dados, entre outros, sobre os quais vamos discutir no próximo tópico. Quanto ao impacto da sociedade do conhecimento, vamos encontrar no conceito de “gestão de conhecimento” (knowledge management ) nas empresas o processo de construção colaborativa de saberes, de acordo com uma avaliação segundo a qual esses saberes são um bem estratégico da organização. Como esse dispositivo é uma via de mão dupla, vamos dizer que o saber dos agentes é uma propriedade da empresa, mas, por outro lado, todos se beneficiam com seus resultados. Em primeiro lugar, faz-se necessário contextualizar a gestão de conhecimento no quadro geral das “visões” sobre a empresa, utilizando-se aqui de uma expressão genérica para englobar os modelos de gestão empresarial. 241
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
Pereira et al. (2001) esquematizam a evolução dos modelos de gestão em três níveis conceituais:
Conceito de “Ondas de Transformação” (TOFFLER, 1980, p. 24) – representadas por momentos históricos de evolução da sociedade humana, cada qual com seus paradigmas próprios relacionados aos aspectos político, econômico, social, tecnológico e organizacional.
Conceito de “Eras Empresariais” (MARANALDO, 1989, p. 60) – trata-se dos estágios de evolução empresarial, a partir da Revolução Industrial (Segunda Onda de Transformação), cada um com seus paradigmas gerenciais próprios.
Conceito de “Modelos Emergentes” – trata-se do conjunto próprio de concepções filosóficas e ideias administrativas que operacionalizam as práticas gerenciais nas organizações. ) 1 0 0 2 . l
O cenário ambiental da evolução dos modelos de gestão
a t e
I – Ondas de transformação (macroambiente socioeconômico) Revolução Agrícola
Revolução Industrial
até 1750 d.C.
Revolução da Informação
1970
II – Eras empresariais (ambientes organizacionais) Era da produção Era da Eficiência em massa 1950 1920
Modelos tradicionais de gestão
• Administração
científica • Administração
das relações humanas
242
Era da Qualidade 1970
Era da Competitividade 1990
Novos modelos de gestão
• Administração • Administração japonesa
burocrática • Administração participativa • Outros
modelos • Administração empreendedora tradicionais da Administração • Administração holística
Era 2000...
Modelos emergentes • Empresa virtual • Gestão do
Conhecimento • Modelos biológicos/
quânticos/ teoria do caos/complexidade
Figura 1 – Evolução dos modelos de gestão com destaque para a Gestão d o Conhecimento.
A R I E R E P (
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
gente e com o qual a Comunicação Empresarial mantém uma proximidade estratégica, porque se alimenta do êxito de suas políticas e, antes, contribui na definição de metas. Da segunda metade dos anos 1990 para cá, assistimos à sistemática construção do conceito de Gestão do Conhecimento (GC), sintetizado por Pereira et al. (2001) a partir de várias fontes: Processo organizacional focado em resultados estratégicos, visando agregar valor (intangível) aos produtos e serviços, portanto, em benefício dos clientes, através de funções (subprocessos), como a identificação, a criação, a organização, a disseminação e compartilhamento, a avaliação, a mensuração, a retenção e proteção, além da aplicação do conhecimento no âmbito dos seus negócios e abrangendo toda a sua cadeia de valor. Na essência, Gestão do Conhecimento converte conhecimento tácito em conhecimento explícito.
De forma resumida, a GC inicia-se na coleta de dados, e a partir daí eles são sistematicamente analisados e orientados segundo determinadas diretrizes e interesses até a obtenção de resultados. A conversão de conhecimento tácito em conhecimento explícito é a tônica das proposições de Nonaka e Takeuchi (1997); conhecimento tácito é um conjunto de saberes de natureza intuitiva, sentimental, interior, vazado em uma escala de valores e de crenças, difícil de ser verbalizado, como indica a palavra tácito, cuja origem latina (tacitus) significa “não expresso por palavras”; mas que todos os indivíduos possuem em algum grau, confundindo-se com a própria experiência, por isso é identificado como um conhecimento cotidiano: sabemos mais do que somos capazes de expressar . O conhecimento explícito, por sua vez, apresenta-se como uma forma racionalizante, articulada e verbalizada, facilmente socializada de diferentes formas, como manuais, relatórios, análises etc. O desafio da organização revela-se no traçado da conversão do primeiro no segundo, visando sua sociabilização e o decorrente ganho institucional. A conversação, pensada nos termos da Escola de Montreal, com o seu sistema de versões, e orientada para o consenso como meta, mostra-se como um dos modos de “provocar” a tradução de um conhecimento em outro. Na linguagem da GC, costuma-se usar o conceito de narrativa para se referir às técnicas utilizadas no processo para descrever assuntos complicados, expor situações e/ou comunicar lições aprendidas, ou ainda interpretar mudanças culturais. Podem envolver tradição oral ou relatos retrospectivos de pessoal envolvido nos eventos ocorridos. 243
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
Na visão de Takeuchi e Nonaka é necessário produzir na empresa uma “espiral de conhecimento” que compreende um movimento de tácito para tácito, de tácito a explícito, de explícito a tácito e, finalmente, de explícito a tácito, como interiorização do conhecimento e etapa de realimentação do processo. Preveem-se etapas gradativamente mais complexas de acordo com as necessidades estratégicas da empresa, o que implica a necessária circulação dos conhecimentos. A espiral do conhecimento é representada pelo seguinte esquema: TÁCITO
EXPLÍCITO PARA
O T I C Á T
Socialização
Externalização
Conhecimento compartilhado
Conhecimento conceitual i
i
i
i g
i i
) 0 8 . p , 7 9 9 1 , I H C U E K A T ; A K A N O N (
i i
E D
o
g
g O T I C Í L P X E
g
O
g
i g Internalização
Combinação
Conhecimento operacional
Conhecimento sistêmico
i: indivíduo
g: grupo
o: organização
Figura 2 – Espiral do conhecimento.
Qual é o papel da Comunicação Empresarial no contexto da Gestão do Conhecimento? Ora, como um dos agentes promovedores da conversação, o comunicador pode acompanhar o processo de “externalização” do conhecimento. Sociabilizar (tácito para tácito) é compartilhar, valendo-se da observação, da imitação ou da prática. Porém, se se mantiver em estado de 244
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
isolamento, a sociabilização revela-se uma forma limitada de criação de conhecimento. Em outros termos, a imitação permanece em estado “silencioso”, tácito. Por outro lado, a “explicitude” do conhecimento compartilhado na forma de um relatório, produto do levantamento de dados, ou a compilação de um manual, como percepção e sistematização de procedimentos, é a etapa da externalização (de tácito para explícito), um conhecimento novo, mas não necessariamente ligado à criação de conhecimento. Há, contudo, uma etapa mais refinada, mais exigente, na qual o manual externalizado converte-se em instrumento de combinação (de explícito para explícito), porque não apenas objeto de observação da equipe ou externalização por parte de um gerente, mas de incorporação pela equipe; uma nova abordagem do material pode ocorrer nessa fase, aprimorando-o pela prática; finalmente, a internalização (de explícito para tácito) como incorporação, ampliação, extensão e reformulação dos conhecimentos tácitos. A empresa criativa convive com todos esses padrões de forma dinâmica e interativa, num movimento espiral incessante. Compete ao comunicador tornar a partilha mais eficaz, com o uso adequado das ferramentas de comunicação ao seu dispor, bem como com uma parceria com a gestão de pessoas. A empresa capaz de fazer uso da gestão de conhecimento estratégico encontrará com mais nitidez formas de mensurar sua eficiência, influenciando a tomada de decisão perante os diversos públicos, a começar pelos clientes, e também em relação aos canais de distribuição. Como passa a contar com equipes mais comprometidas, a visão de conjunto da organização estará menos sujeita a distorções ou à indiferença por parte dos agentes e, pelo contrário, tenderá a ser produto do esforço de análise de grupos. Nesse sentido, as fontes de informação das quais depende passam por criterioso refinamento, já que esse processo mostra-se mais participativo.
BICC e ferramentas de mídia on-line O conjunto de dados de uma empresa transforma-se em informação quando se torna uma matéria inteligível e dele se possa extrair uma compreensão sobre determinada realidade. Desde a Antiguidade, persas, fenícios e egípcios, entre outros povos orientais, cruzavam informações em busca de um melhor entendimento sobre agricultura, condições climáticas e navegabilidade. O que há cerca de 30 anos se chama de business intelligence nada mais é que o cruzamento estratégico de dados para ajudar a empresa a se 245
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
posicionar com mais precisão e eficiência diante de uma enorme variedade de questões. Empresas de grande porte, como bancos, seguradoras e financeiras, necessitam de dados precisos sobre a situação, logisticamente considerada, considerando-se nesse caso as demandas dos clientes, geralmente na casa de centenas de milhares. O armazenamento de dados exige a aquisição de tecnologia adequada e criação de um projeto holístico e coerente com a natureza e a dimensão do planejamento estratégico da empresa. O Business Intelligence Competency Center (BICC) reúne as ferramentas de tecnologia e pessoal treinado para a análise dos dados. As informações originárias dos hábitos de compra dos clientes, assim como de seus contatos com a empresa e de suas reclamações, devem ser criteriosamente armazenadas em bases de dados de forma classificada e ordenada, para, quando necessário, a empresa possa lançar mão de indicadores precisos no apoio à tomada de decisões. Com o registro de todas as informações do cliente, um fabricante de sucos naturais pode saber em pouco tempo a região do estado ou do país que deverá ser foco de uma campanha de estímulo às vendas. Com a ajuda de softwares especiais, pode-se acessar um gráfico na tela do computador sobre o consumo da marca em supermercados de diferentes portes em um mesmo bairro. Os softwares combinam dados de consumo com mapas e informações de natureza geográfica. Por conta da capacidade de cruzamento de dados, com muitas variantes, a marca de sucos de nosso exemplo poderá ser encontrada ao lado de salgados e pizzas congelados ou próxima da seção de material para festas (guardanapos, pratinhos etc.) como resultado de um posicionamento (físico) estratégico nas prateleiras de supermercados. Eis uma estratégia que o fabricante poderá oferecer ao setor supermercadista a partir do cruzamento e análise de dados.
Cultura de rede e ferramentas de mídia on-line Refletir sobre o uso de ferramentas on-line, em um capítulo como este, e em perspectiva com o escopo da Comunicação Empresarial, coloca-nos, de imediato, a exigência de ir além da simples relação do nome dessas ferramentas, acompanhado de alguma informação sobre sua natureza e alcance. O motivo
246
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
disso é, outra vez, a condição imposta pelo alinhamento de políticas, processos e práticas que o objeto de estudo deste livro sugere. Nas linhas a seguir, procuramos aludir, não apenas às ferramentas, mas, sobretudo, compreender seu contexto político e filosófico no qual a necessidade de produção de conhecimento, como diferencial e estratégia de mercado, ultrapassa os limites do ganho na forma de capital monetário e evoca outras forças sociais. Vamos dizer que estamos procurando encontrar as bordas do quadro que nos interessa e, assim, visualizando o traçado de sua moldura, enxergar melhor o conjunto e o contorno de cada objeto; o todo é mais que a soma de suas partes e, numa tentativa de compreensão baseada no pensamento complexo, admitimos que o todo está na parte e também esta se faz notar no todo em permanente dinâmica de diferenciação e indiferenciação dos objetos. A primeira aresta dessa moldura é o conceito de capital social.
Capital social Em um mundo no qual a comoditização 4 é um fenômeno que despersonaliza indivíduos, passa-se a valorizar o seu “capital social”, representado pela rede de contatos sociais, validada pela expectativa de reciprocidade e comportamento confiáveis, favorecendo o indivíduo e fortalecendo os laços sociais. Empresas geram valor diferenciando-se no mercado e a comunicação percorre caminhos para anunciar essa condição com eficiência: ser diferente = + identidade; no entanto, um outro teorema este século tem-nos ensinado: “você é o que você compartilha”. Empresas devem saber compartilhar, o que, nos termos do assunto deste tópico, significa: acesso a downloads de interesse do público (e não apenas da empresa) a partir de sites e blogs e twitters corporativos; ambientes virtuais de Educação a Distância (EAD) compartilhados com o público mediante certas condições. Há instituições com universidades corporativas, no sistema de EAD, com cursos que tentam suprir necessidades dos funcionários e da empresa, e que poderiam ser facilmente compartilhados com o público. Existem cerca de 250 universidades corporativas no Brasil, entre as quais a Motorola University, Universidade do Hambúrguer do McDonald’s, Escola Amil, Instituto de Formação Carrefour, Universidade Algar, Unite da Telemar, Universidade TAM, Academia Accor, entre outras. Uma programação de chats com especialistas em temas afins da empresa (ou não) é bastante fácil, do ponto de vista técnico, de se promover a partir do site.
247
4
Commodity , em inglês, significa “mercadoria”; é um termo utilizado nas transações comerciais de origem primária nas bolsas de mercadoria. Os produtos de origem primária são representados por matérias-primas ou produtos com baixo grau de industrialização. Os produtos in natura, cultivados ou minerais são exemplos de commodities. “Comoditização” é uma expressão utilizada para enfatizar o caráter indiferenciado de objetos, processos ou mesmo indivíduos, em recorte metafórico.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
Cauda longa Segundo o conceito de cauda longa, de Chris Anderson, a internet, em particular, e a cultura digital, genericamente, fizeram despencar preços de produção e distribuição de serviços e produtos. Durante mais de 150 anos, devido aos altos preços de ambos os processos, as empresas concentraram seus esforços na oferta de uns poucos produtos que poderiam, numa economia de massa, pagar os custos de seu lançamento e permanência no mercado. Anderson compara essa economia ao corpo de um cão, cuja cabeça é representada pela economia de massa; porém, à medida que o público necessitasse de produtos especializados, ele teria que deslocar tempo e dinheiro para encontrá-la, percorrendo uma longa cauda – que se afastava da cabeça do cão – em direção ao mercado de nichos. Os bens culturais, os chamados bens do imaginário, como livros e músicas, favoreceram-se com o barateamento de sua produção e distribuição. A nova economia deverá instigar a criatividade das empresas para compreenderem a ocupação de centenas de pequenos mercados – a cauda – o que, entre outras coisas, exigirá novo modelo de comunicação, talvez mais centrado nas redes sociais.
Rede social Uma rede é um sistema de conexões e talvez, como objeto e como metáfora, seja uma das imagens mais antigas da humanidade. O corpo humano é uma rede, assim como os ecossistemas. As redes sociais interconectam indivíduos e instituições a partir de interesses diversos, entre os quais, os profissionais e os afetivos. Como um campo aberto para a troca de informação, as redes on-line possuem um poder de propagação com o qual as redes off-line, fora do mundo virtual, não conseguem competir. Não se confunda o site do Orkut com a rede formada pelas pessoas cadastradas nesse portal. São estas que tecem a rede com a ajuda das funcionalidades oferecidas pelo serviço. Várias empresas de pequeno porte estão no Orkut e um estudo com rigor científico sobre essa performance ainda está por se fazer. Há centenas de redes sociais na internet, em relação às quais as empresas devem desenvolver uma opinião e eventualmente participar com ideias e ações.
Co-working Trata-se de uma atitude laboral baseada na partilha de ideias, experiências e projetos comprometidos com novas formas de pensar. Profissionais libe248
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
rais e empreendedores encontram-se em um espaço previamente definido (cafés, escritórios colaborativos, eventos etc.) para compartilhar valores sem, necessariamente, trabalharem juntos nos mesmos projetos; o que se procura é a sinergia, a troca, um ponto de vista inesperado. Não apenas pessoas participam dessas experiências, mas um número crescente de empresas ao redor do mundo. É um formato colaborativo diferenciado, já que o contato pode ser esporádico e até pontual, de modo que, deseja-se e reconhece-se a colaboração, mas submetida a um outro design. O Hub (www.the-hub.net) é uma das entidades (autointitulada de ecossistema) promovedoras desse tipo de atitude laboral, estruturada como uma rede com unidades espalhadas em mais de 20 cidades5 ao redor do mundo.
Blog Abreviação de weblog, é um artefato digital que permite a publicação de textos em processos ágeis e bastante simplificados. O blog integra o que no mundo digital é conhecido como personal knowledge publishing (publicação de conhecimento pessoal), revelando nessa inclinação uma afinidade com o diário, já que, muitas vezes, são registradas anotações intimistas, gosto, e outras marcas da subjetividade. De acordo com Escobar (2009, p. 217), três atributos caracterizam um site como blog: [...] a) Facilidade e agilidade para a publicação de conteúdos, dispensando o conhecimento de linguagens de programação como HTML, PHP ou JavaScript; b) Disposição do conteúdo (cuja unidade mínima denomina-se post ) em ordem cronológica inversa, de modo que as publicações vão se sucedendo da mais antiga para a mais recente. Esta, situada no topo da página, é a primeira a ser visualizada pelo internauta na tela de seu computador. Alguns estudiosos consideram que esse atributo é o que diferencia os blogs de outros tipos de publicação on-line (PAQUET, 2002; BLOOD, 2003); c) Data, hora e autor de cada post registrados automaticamente.
Na empresa, os blogs podem ser utilizados para substituir, pelo menos em parte, jornais e boletins, além de atualizar o site, artefato digital menos dinâmico e com outras finalidades. São funções dos blogs: gestão de relacionamento com o cliente; suporte ao cliente; releases sobre eventos; divulgação de premiações e sucesso de metas da empresa; valorização de funcionários com a divulgação das suas boas práticas profissionais; notícias de interesse dos funcionários; divulgação de cursos de especialização e convênios; divulgação de reuniões de confraternização do grupo; apresentação de formandos de curso de especialização patrocinados pela empresa; releases de lançamentos de novos produtos; notas oficiais da empresa e carta aberta do CEO (Chief Executive Officer – Diretor Executivo); divulgação de Promoções e 249
5
O site do Hub São Paulo é: . Acesso em: 10 nov. 2009.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
concursos; divulgação de entrega de prêmios; divulgação de eventos patrocinados pela empresa; entrevistas e aparição da empresa em reportagens na mídia.
Comunidades de Prática (CoP) São grupos formados em torno de interesses comuns à sua profissão, dentro ou fora das organizações, ao longo de qual processo constroem-se condições de compartilhamento de conhecimento e relações de aprendizagem. A intranet pode ser uma ferramenta útil para essa dinâmica, embora as comunidades frequentemente não prescindam dos encontros presenciais. Há várias empresas que estimulam essa experiência, entre as quais, no Brasil, uma estatal, a Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
Comunicação Empresarial e ética Há uma indagação de fundo eminentemente ético e moral que nos remete ao tema deste tópico: “como agir na relação com os outros?” Do ponto de vista das relações interpessoais, o problema encerra em si considerável grau de complexidade e talvez ainda maior pelo ângulo da experiência das organizações. Empresas possuem públicos diferenciados e, como se verá, a ética organizacional é uma prática de relacionamento que exige a assinatura de múltiplos contratos – um com cada público – diferentemente do que ocorre nos relacionamentos interpessoais. Nestes, vigora a intersubjetividade, ao contrário do diálogo da empresa com os seus públicos, orientado, no plano ideal, pela objetividade, que se quer inerente ao mundo organizacional. 6
Para a redação deste tópico, valemo-nos, entre outras fontes, da leitura do volume dedicado ao “tema transversal” ética, integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC: Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2009.
Moral e ética6 são palavras que nos surgem, habitualmente, como sinônimas. Ambas indicam o conjunto de princípios ou padrões éticos. Etimologicamente, mores (do latim) e ethos (do grego) remetem à ideia de costume. Costumes são práticas ou regras sociais reiteradas ao longo do tempo, conforme a predisposição de certa sociedade e a sua convicção em julgar esses costumes como algo valioso e provido de sentido no relacionamento entre os indivíduos. Por sua vez, esse sentido se sustenta como uma referência a partir da qual os indivíduos se guiam ora afastando-se, segundo seu arbítrio, ora reconhecendo e acatando os seus sinais.
250
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
Costumes são invenções sociais, convenções que se fundamentam em valores; valores são formas específicas de interpretar o mundo, impondo-se como substrato na formação das culturas; como tal, os valores são, a um só tempo, produto de subjetividades e de uma objetividade atribuída às vezes a uma racionalidade superior como a do próprio Deus. Nenhuma cultura sobrevive sem valores e sem sua cristalização na forma de costumes. A partir deles, as sociedades estabelecem direitos e deveres, diferem o certo do errado e julgam seus membros e as instituições. Mesmo os teóricos, que aludem a uma racionalidade divina, não deixam de reconhecer que os valores (pelo menos a maioria deles, segundo essa visão) não existem em si mesmos. A exemplo dos costumes, sua materialização plástica, os valores são construções sociais, produto da convivência entre os indivíduos, os quais atribuem significado, escala e abrangência a cada um deles. Assim, podemos pensar em uma hierarquia entre os valores, que é reflexo das necessidades, desejos, condições e circunstâncias que suscitaram a sua criação como algo valioso que deve ser respeitado. Esse processo é dinâmico, portanto, mutável ao longo da história de uma cultura ou de uma sociedade, de modo que determinados valores ora possuem maior importância ora menor, transformando-se incessantemente, dando origem a novos valores. Contudo, não basta determinar valores e reconhecê-los como válidos no aqui e agora; é necessário projetá-los no tempo como uma prescrição a todos os membros de uma sociedade. Eis o campo da moral e da ética como um conjunto de valores que se mostram também decisivos para a constituição das leis. A par de sua origem etimológica que identifica uma a outra, aceita-se, modernamente, que enquanto a moral encarna bem o seu significado original, como um corpus de princípios, crenças e regras que orientam a conduta dos indivíduos, a ética constitui-se como uma reflexão crítica da moral. Naturalmente, essa diferenciação não é uma dissociação, muito pelo contrário, pois a reflexão empreendida pela ética é, digamos, “solicitada” pela moral em vários momentos. Não há nenhum fenômeno da vida em sociedade que se mostre desligado de uma moral. É por nos valermos dessa moral que podemos julgar fatos,
251
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
atitudes, políticas e sua relação com uma realidade em particular. No entanto, o cotidiano às vezes nos coloca diante de situações-limite, para cuja reflexão necessitamos da intervenção crítica da ética, embora não obrigatoriamente nossa reflexão ética dependa de fatos extraordinários para se manifestar. Contextualizando fora do âmbito pessoal: uma empresa (leia-se: seus gestores e, eventualmente, o comunicador) deve lançar mão de estratégias de marketing agressivas, cujos princípios são polêmicos, pois de modo contrário perderá terreno para a concorrência? A opção por essa linha de “defesa” é justificável diante do argumento de que a perda de mercado resulta em demissões? Como dimensão crítica da moral, a ética não se caracteriza por um caráter normativo. A ética se preocupa em analisar a consistência e a coerência dos valores que embasam as ações, com o objetivo de esclarecer e questionar os princípios que norteiam essas ações, visando dotá-las de um significado autêntico nas relações humanas. Nesse sentido, toda discussão que vise avaliar a moral de determinado procedimento leva em conta a coerência entre práticas e princípios, evidenciando o caráter ético dessa operação. Dito de outra forma: a ética reformula ou fundamenta os valores e as normas componentes de uma moral, sem ser em si mesma prescritiva. Daí a relação profunda entre uma e outra, motivo pelo qual certos autores reconhecem na ética uma função “atualizadora” da moral. Como um saber não normativo, a ética detém-se sobre princípios e não sobre regras; no caso das organizações, a ética parte da perspectiva de que as empresas são justas e agem segundo um arcabouço de princípios legais (as regras), visando ao cumprimento de sua missão em consequência do qual geram lucro. Nesse caso, a pergunta ética é: “o que é ser justa?”, considerando a missão da empresa e a realidade dos diversos públicos com suas necessidades e exigências específicas? Como agir de forma a atender a todos os públicos sem ferir os direitos e expectativas de nenhum? Para responder com clareza à pergunta, precisaríamos conhecer os valores que estão em jogo, momento em que perceberíamos que, por serem diferentes, fundamentam interesses diversos, os quais podem gerar conflitos na sua gestão. Uma postura verdadeiramente ética não se dispõe a apaziguar as diferenças e seus respectivos interesses, pois toda tentativa mostrar-se-ia deslocada e artificiosa; problematizar a questão significa antes de tudo reconhecer que não há uma resposta absoluta, “pronta”, e mecanicamente aplicável 252
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
na prática. Esse reconhecimento é próprio de uma postura crítica diante do objeto instalado no cotidiano. Depreende-se disso a natureza teórica da ética, que, no entanto, não se reduz a uma abstração; a ética “organiza o conhecimento”, como é peculiar à teoria, mas para favorecer o procedimento moral na prática cotidiana. Qual é o papel da comunicação empresarial, considerando-se essa discussão? Uma pista é revelada no momento em que se alude aos vários públicos da empresa. Como agente de interlocução, o comunicador não poderá lançar mão de “respostas prontas” de natureza moral para levar a bom termo sua gestão. Isto porque alguns, ou vários dos interesses em jogo, são conflitantes, o que exige disposição para a análise contínua dessa dinâmica. Por exemplo: em um cenário econômico instável, em que o corte de gastos e o adiamento de projetos surgem como medida preventiva e austera da gestão (motivo de aplauso dos acionistas), será ético tratar do assunto, perante a imprensa e os funcionários, como uma estratégia de rotina? Ressalte-se que, eventualmente, aos olhos da presidência, anunciar os reais motivos (a contenção de gastos) implicaria assumir uma posição contraditória à imagem pujante da empresa com reflexos negativos sobre investidores, fornecedores e comunidade financeira. No caso, quem tem mais direito a uma relação inspirada pela confiança? Em síntese, se formos considerar as três subáreas da comunicação organizacional – mercadológica, institucional e interna – devemos insistir sobre a necessidade de uma permanente disposição para avaliar as políticas de comunicação que as integram e o alcance e os efeitos de cada ação. A começar pela comunicação de marketing, muitas vezes desmesuradamente persuasiva e divorciada de uma abordagem racional com base na argumentação. O marketing direto7 incisivo demais passará a ser sufocante e certamente invasivo; o marketing social e o marketing cultural (integrantes da subárea institucional), se destituídos de uma visão esclarecida sobre sustentabilidade, acabarão reduzidos a artifícios pontuais e inócuos para a empresa e para a sociedade. Quanto à comunicação interna, o uso de ferramentas muito voltadas para a valorização da imagem da empresa, por meio da divulgação eufórica e repetitiva do cumprimento de metas e da voz da presidência, torna-se inoportuno e insensível na avaliação do clima organizacional e das demandas dos funcionários. Por mais que a comunicação não se limite à condição de um composto de ferramentas e, por outro lado, participe do planejamento estratégico como 253
7
Sistema interativo de marketing capaz de gerar respostas mensuráveis ou transações em qualquer localidade. São ferramentas de marketing direto: malas diretas, e-mail marketing e telemarketing.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
um ativo, a verdade é que ela por si só não cria valor ético. Ainda que a comunicação possa influir nas decisões organizacionais e favoreça a tessitura de relações éticas entre as partes. A ética é, antes de tudo, a matéria-prima da cultura organizacional e depende em grande parte da inclinação de seus dirigentes em reconhecê-la e aplicá-la como fundamento das suas decisões. A convicção para adotar referenciais éticos, claros e coerentes está diretamente ligada à reputação da empresa. Ora, a reputação pressupõe relações de confiança com os públicos, processo construído ao longo da história e balizado sempre pela observação de princípios éticos. A empresa luta pelos melhores resultados financeiros e econômicos, mas seus públicos têm o direito de conhecer os meios pelos quais obteve êxito e as políticas inerentes a esses resultados. Vista por esse ângulo, a ética empresarial seria mais um dos fatores – o fundamental – desse ativo intangível que é a reputação. Como destacado acima, os interesses dos públicos são diversos e não raro conflitantes. No entanto, a ética não perde de vista sua pergunta fundamental: como agir de forma justa na relação com os outros? A constituição de um “contrato social” entre a empresa e os públicos (os stakeholders) é uma proposta do Instituto Brasileiro de Ética nos Negócios8. Trata-se de uma abordagem, portanto, multistakeholders, pois tenta observar as demandas dos vários públicos e, para tanto, a entidade que o adotar deverá se comprometer com seis tópicos propostos pelo Instituto, integrantes da “gestão da qualidade ética-social”9 da empresa:
8
A instituição, uma OSCIP, foi fundada em 2003, em Campinas (SP), com o ob jetivo de fomentar a ética no meio empresarial e na comunidade de modo geral. O site da organização é: . Acesso em: 20 nov. 2009.
9
O Projeto RSC Brasil, que dispõe as diretrizes da gestão de qualidade ética-social, é inspirado no Progetto R-Ques (Qualità della Responsabilità Ético-Sociale d’Impresa), de 1999, desenvolvido por um centro ligado a uma universidade italiana.
visão ética da empresa;
código de ética;
formação ética;
sistemas organizacionais de atuação e controle;
balanço social corporativo;
verificação externa.
Sobre um desses instrumentos – o código de ética – o Instituto assinala que ele reflete a noção de responsabilidade ética-social da empresa e como ideal teve um notável desenvolvimento em vários países, entre os quais os 254
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
EUA, como demonstram as pesquisas. Em 1980, apenas 8%, das 500 empresas, entre as maiores identificadas pela revista Fortune, possuíam um Código de Ética, percentual que sobe para 77%, em 1985, e 90%, em 1990. Hoje, praticamente 100% das 500 maiores empresas estadunidenses possuem um código. No Brasil, temos vários bons exemplos de entidades que instituíram um código de ética, entre as quais o Grupo Pão de Açúcar, cujo documento pode ser acessado no site10 da empresa. No âmbito da propaganda, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar)11 , fundado em 1980, tem como missão [...] Impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas. [...] Sua missão inclui principalmente o atendimento a denúncias de consumidores, autoridades, associados ou [às] formuladas pelos integrantes da própria diretoria.
O Conar não tem poder de censura prévia de propaganda, pois seu trabalho prende-se à análise das campanhas que estão sendo ou foram veiculadas. Julgada pertinente a denúncia de publicidade enganosa ou abusiva, o órgão recomenda alteração de peças publicitárias ou suspende sua veiculação. Como não poderia deixar de ser, a discussão sobre ética ocupa o centro das atenções e mobiliza diversos representantes dos setores comunitário, educacional, político, jurídico e empresarial. Afinal, a ética como reflexão e prática diz respeito a todo cidadão. Há, contudo, no país, um fenômeno entranhado em várias instituições que causa a angustiante sensação de uma cultura perversa, arcaica e anticidadã por definição: a corrupção. Existem mecanismos de combate a essa mazela da vida nacional – no setor público e privado – programas e ações de todo tipo que investem nos princípios da cidadania e educam crianças e jovens com os valores mais legítimos da vida em sociedade. No entanto, para que o país possa dar como certo o compromisso com a superação ou amenização do fenômeno, a criação de políticas públicas de combate à corrupção é fator indispensável, porém ainda insuficiente. O processo depende sempre da firme convicção dos cidadãos e das empresas em repudiar e mesmo denunciar o fenômeno onde quer que ele se manifeste. Esse é um trabalho árduo, complexo, pois, como se destaca, envolve todas as instituições num empenho conjunto e decisivo para a consolidação dos valores e seu enraizamento em um projeto de nação.
255
10
Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2009. 11
Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2009.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
O Brasil ocupa, infelizmente, a 75.ª posição num ranking sobre “percepção de corrupção”, divulgado em novembro de 2009 pela ONG Transparência Internacional. A lista, de 180 países, traz em 1.º lugar a Nova Zelândia, país considerado menos corrupto. O estudo sobre a percepção de corrupção dos países deu nota 3,7 ao Brasil, o que indica um problema grave de corrupção, segundo a entidade. As notas atribuídas pela Transparência vão de 0 (países vistos como muito corruptos) a 10 (considerados pouco corruptos), com base em análises de especialistas e líderes empresariais de pelo menos dez instituições, entre elas Banco Mundial, Economist Intelligence Unit e Fórum Econômico Mundial12.
12
A ONG relata que o índice não é uma medição real da corrupção em cada país, mas da forma como os governos são vistos por analistas e por homens de negócios. Dados completos da pesquisa podem ser obtidos no site da organização: . Acesso em: 20 nov. 2009. O Museu da Corrupção é um portal do Diário do Comércio que expõe e analisa vários aspectos sobre o fenômeno no Brasil: . Acesso em: 20 nov. 2009.
Relações com o cliente Tendo ainda como referência as três dimensões da Comunicação Empresarial (mercadológica, institucional e interna), podemos fazer um rápido exame de dois grupos de fatores que dizem respeito ao relacionamento com clientes. No primeiro grupo são levados em conta o Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC e o ombudsman13 que podem ser relacionados à criação de um código de ética que ratifique os termos do Código de Defesa do Consumidor14 e o contextualize com a filosofia da empresa. Embora não se faça menção ao SAC e às funções do ombudsman no tópico anterior, cremos que a reflexão em torno dos vários fatores ligados à ética sirva como apoio para se entender como ela está presente em cada uma dessas dimensões.
13
Ombudsman é o profissional contratado por um órgão, instituição ou empresa, que tem a função de receber críticas, sugestões, reclamações e deve agir em defesa imparcial da comunidade. 14
O download do documento pode ser efetuado a partir do site do Ministério da Justiça: . Acesso em: 20 nov. 2009.
No segundo grupo podemos considerar uma abordagem própria da área de marketing, a qual, por sua vez, associa-se às especulações realizadas neste capítulo sobre sociedade da informação. Trata-se do que Kotler e Keller (2006, p. 148) referem como “Valor do Cliente ao Longo do Tempo” (VCLT) ou “customer lifetime value”, que podemos entender como o valor presente de lucros futuros que a empresa espera obter com o cliente em compras ao longo do tempo. É possível calcular, com base no custo médio de uma visita do cliente à empresa (salários dos funcionários, comissões etc.), mais o número médio de visitas de vendas e o custo para atrair esse cliente, o valor dele, em termos de ganho, ao longo do tempo. Na verdade, o VCLT servirá como um índice que deverá ser gradativamente aumentado pela Gestão do Relacionamento com o Cliente ou Customer Relationship Management (CRM). Quanto ao CRM, 256
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
Trata-se do gerenciamento cuidadoso de informações detalhadas sobre cada cliente e de todos os “pontos de contato” com ele, a fim de maximizar sua fidelidade. Por ponto de contato com o cliente, entende-se qualquer ocasião em que o cliente tem contato com a marca ou produto – isso inclui desde uma experiência em si até uma comunicação pessoal ou de massa, ou mesmo uma observação casual. (KOTLER ; KELLER, 2006, p. 151)
Não é uma tarefa simples identificar o cliente; por exemplo: qual ou quais são os clientes da cadeia de lanchonetes McDonald s? E de uma determinada loja dos Supermercados Pão de Açúcar? O CRM é um ciclo que compreende três etapas básicas, continuamente ativas: conhecimento do cliente; planejamento de campanhas de marketing e ações de marketing e vendas, as quais serão contempladas e melhoradas abaixo por um modelo proposto por Kotler e Keller. A tecnologia da informação tem papel importante no processo, pois dinamiza a coleta e recuperação de dados, embora, naturalmente, não seja a tecnologia a portadora de inteligência, mas os responsáveis em identificar as informações de interesse da empresa e determinar os critérios de cruzamento de dados. ’
No âmbito das grandes empresas, as ferramentas e processos a seguir são administrados pelo BICC – cuja finalidade e características expusemos em tópicos anteriores – e em diversos pontos mantêm ligações com o CRM.
Softwares de call center – o call center é um sistema que recebe e efetua chamadas telefônicas com a intermediação de operadores.
ERP – Enterprise Resource Planning – sistemas de informação que integram todos os dados e processos de uma organização em um único sistema.
Datawarehouse – sistema de computação utilizado para armazenar informações relativas às atividades de uma organização em bancos de dados, de forma consolidada.
Datamining – (mineração de dados) é o processo de varrer grandes bases de dados à procura de padrões como regras de associação, sequências temporais, para classificação de itens ou agrupamento.
São quatro as etapas que, segundo Kotter e Keller, os autores de Administração de Marketing, devem ser observadas para um eficiente relacionamento com o cliente:
identifique seus clientes atuais e potenciais;
diferencie os clientes em termos de (1) suas necessidades e (2) seu valor para a empresa; 257
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
interaja com os clientes individualmente para melhorar seu conhecimento sobre as necessidades de cada um e construir relacionamentos mais sólidos;
customize produtos, serviços e mensagens para cada cliente.
Ferro (2003) adaptou um modelo de gestão de relacionamento que articula elementos da cultura organizacional, da área de gestão do conhecimento e da área de informática, todos eles temas deste capítulo, e com a demonstração do qual encerramos nossas considerações. ) .
Criar cultura corporativa que conduza ao cliente, ao aprendizado e à inovação. Identificação e criação de conhecimento, disseminação e uso na organização.
Tornar o valor do cliente um componente-chave da estratégia corporativa.
Colecionar, armazenar e transformar informações em dados competitivos.
Desenvolver uma segmentação clara de mercado e portfólios de clientes. Uso de campanhas e gerenciamento de canais como parte do valor agregado.
Definir, desenvolver e entregar valor agregado.
Mensuração da performance a cada estágio do processo para substituir a tomada de decisão.
Figura 3 – Gestão de relacionamento do cliente – uma visão do processo.
258
o d a t p a d A . 8 1 . p , 3 0 0 2 , O R R E F d u p a
S A K O Z T ; I K A N N A Y N O K A L P (
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
Relações com investidores O tema deste tópico será tratado de forma bastante sucinta, a partir da referência a três fontes, apenas para oferecer ao leitor uma visada sobre os principais fatores envolvidos na relação com investidores, referida no meio financeiro pela sigla RI. O material reunido, no entanto, deverá servir como base para a pesquisa mais pormenorizada. As relações com investidores foram, durante décadas, tarefa exclusiva dos departamentos financeiros, porém, novas necessidades dos mercados globalizados, principalmente nos últimos 10/15 anos, conduziram a atividade à sua atual condição estratégica. Assim, as RI combinam o uso das diferentes ferramentas das subáreas da Comunicação Empresarial com o conhecimento financeiro para prover aos mercados informações a respeito do desempenho da empresa e de suas perspectivas. Cabe a esse composto de comunicação e finanças criar e aplicar estratégias, com o objetivo de valorizar as ações da empresa no mercado, o que, por sua vez, exige a adequada pro jeção e melhoria da imagem institucional. O fornecimento de informações sobre o desempenho institucional, atividades e projetos faz-se indispensável como forma de tornar o processo transparente aos acionistas e potenciais investidores O esquema abaixo demonstra bem todo o processo, indicando, à direita, os alvos da comunicação. O RI é a voz do mercado dentro da empresa e a voz da empresa no mercado
Empresa
Mercado
Áreas da empresa Coletar, analisar, sintetizar e uniformizar informações internas.
RI
Disseminar informações transparentes, democráticas, tempestivas e acessíveis.
) 8 1 . p , 8 0 0 2 , A P S E V O B I R B I (
Analistas Acionistas Investidores Mídia Reguladores Academia
Retroalimentação Figura 4 – Relações com os investidores integradas à Comunicação Empresarial.
259
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
Bifulco (In SILVA NETO, 2010, p. 70) alinha diversos pontos para a formulação de um plano de comunicação, com base nas RI, cuja pertinência merece reprodução na íntegra:
informar os investidores com clareza sobre os fatos relevantes que afetam de forma substancial a empresa;
conhecer as necessidades e os formatos de informações dos mais importantes investidores e da mídia para melhor atendê-los;
submeter todo o processo de comunicação à legislação que regula as relações da empresa com os investidores;
conhecer a situação da empresa em seus mercados de atuação e os agentes de sua cadeia de suprimentos: fornecedores, concorrentes e clientes;
verificar se o processo de comunicação está alinhado de forma coerente às premissas do planejamento estratégico;
visualizar com clareza qual é a situação financeira e econômica da empresa para atender seus pontos fortes e fracos;
coordenar o processo de comunicação de forma que todas as áreas usem uma linguagem comum com os públicos internos e externos da empresa;
disponibilizar as informações sobre a empresa de modo equânime para todos os públicos;
buscar usar sempre formas claras e objetivas de comunicação;
procurar decodificar as mensagens do pessoal técnico da empresa para que esta seja compreendida por todos os públicos;
divulgar de forma sempre correta as marcas e os produtos da empresa;
monitorar a forma como a empresa é percebida pelos seus diferentes públicos e, em especial, funcionários, acionistas, clientes, sindicatos e entidades governamentais.
Como alerta Argenti (2006, p. 211), a função de RI não se limita à produção e distribuição de relatórios anuais e trimestrais, tampouco ao atendimento de acionistas e remessa de informações para analistas de títulos. Sobretudo com a nova abordagem que se faz pelo viés da Comunicação Empresarial, deve-se estar preparado para ir em busca de investidores com oferta de ações da empresa, bem como de atualizações regulares, o que de resto implica uma meticulosa exposição sobre o desempenho para o mercado. Portanto, é preciso bater nas portas, com convicção e espírito empreendedor, além de se mostrar disponível para uma agenda de almoços com 260
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
o cliente e principais executivos da empresa para estreitar relações entre todos. Uma série de eventos de diferentes portes, dentro e fora da empresa, vai se tornando rotina para o comunicador; Argenti (2006) destaca ainda que as instituições com grandes recursos de RI podem desenvolver pesquisas para delinear de forma mais precisa o perfil dos investidores e, em consequência, obter dados sobre suas motivações. O objetivo dessa coleta é analisar o impacto potencial de determinados informes sobre o preço das ações. Há boas iniciativas do governo brasileiro na área de RI como a criação do Portal do Investidor15 que reúne uma série de informações, muitas das quais para jovens e crianças, distribuídas por diferentes suportes e ferramentas. O objetivo do portal é oferecer subsídios para a educação do investidor e se divide em quatro áreas: investidor, acadêmico, jurídico e investidor estrangeiro. As referidas ferramentas permitem consultar fundos de investimento e acompanhar o mercado. O público jovem tem à disposição histórias interativas, vídeos com especialistas, testes de conhecimento, e-learning e versões eletrônicas das publicações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)16.
Relações com o governo Há uma percepção sobre o relacionamento entre empresas e o governo que sempre aponta para dois fatores: a presença do Estado em praticamente todos os segmentos da economia, até meados da década de 1990, e o “cipoal de leis” que rege a vida social no país. Ambos os fatores estariam na base da criação de instrumentos de defesa por parte das empresas e também da constituição de grupos de pressão sobre o governo. Historicamente, há uma forma, por meio da qual, cidadãos e/ou empresas, valendo-se das vias legais, organizam-se para exercer a referida pressão sobre o governo. Trata-se da formação de lobby , palavra de origem inglesa que significa “antessala, átrio, vestíbulo, entrada” para onde se dirigiam os “grupos de pressão” sobre a Câmara dos Comuns, na Inglaterra, e para a qual reivindicavam a participação no plenário do Parlamento. Nos Estados 261
15
Disponível em: . Acesso em: 21 nov. 2009.
16
Disponível em: . Acesso em: 21 nov. 2009.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
Unidos, usa-se a palavra com a mesma acepção, embora a ênfase recaia em “vestíbulo” de hotel, referência ao local onde o presidente eleito se hospedava antes de tomar posse na Casa Branca e, portanto, o momento em que ele e sua futura equipe de comando, bem como parlamentares em visita, viam-se frente às reivindicações do público. Portanto, dentro da tradição dos dois países deve-se entender como lobby , de acordo com Fahrat (2007, p. 50), “[...] toda atividade organizada, exercida dentro da lei e da ética, por um grupo de interesses definidos e legítimos, com o objetivo de ser ouvido pelo Poder Público para informá-lo e dele obter determinadas medidas, decisões, atitudes.” No Brasil, a atividade não é regulamentada, razão pela qual é desenvolvida de modo informal e, frequentemente, é relacionada à corrupção; isto, em parte, seria decorrência da “blindagem” proporcionada pelas leis com as quais o Poder Público reveste os assuntos de Estado, mas que, contrariamente aos seus ideais, acabaria por abrir brechas para a corrupção. Fahrat (2007, p. 54) faz um levantamento exaustivo, em várias fontes, que ratifica o objetivo e a condição do lobby como esforço coletivo para influenciar decisões, mas sempre dentro de parâmetros éticos e legais. Das várias fontes citadas, vale a pena transcrever a opinião de Laerte Setubal, um industrial e exportador, citado por Fahrat e, como tal, um sagaz lobista do comércio exterior brasileiro perante o Congresso estadunidense: Lobby não significa necessariamente ter amigos influentes, mas ideias consistentes, e levá-las, de forma constante e sistemática, aos formadores de opinião. O principal objetivo do lobista é vender credibilidade, [o que] requer sequência e presença, mais do que contribuições financeiras.
O Programa Internacional em Relações Governamentais, ocorrido em junho de 2008, mostrou-se uma das importantes iniciativas da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), em parceria com a The George Washington University , para reforçar a legitimidade do lobby como um dos vetores de uma sociedade democrática e aberta ao diálogo entre Governo e empresa. A política empresarial, exercida pelas associações e sindicatos patronais, a exemplo da Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, o chamado Sistema S – Sesi, Sesc, Senai, Senac 17 – e a Confederação Nacional das Indústrias, tem peso nas decisões do Governo Federal; seus agentes,
17
Serviço Social da Indústria, do Comércio, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e Aprendizagem Comercial, respectivamente.
262
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
embora não sejam chamados de lobistas, desenvolvem uma ou mais atividades, como as relacionadas abaixo, apontadas por Fahrat (2007) entre as que são postas em prática pela comunicação. No contexto que nos interessa, vale reconhecer a necessidade de adequação da linguagem, por parte do “comunicador-lobista”, a cada um dos interlocutores: legisladores e representantes do executivo nas três esferas governamentais (municipal, estadual e federal), ministros de Estado, líderes e técnicos de estatais entre muitos outros. Mais uma vez, Fahrat (2007, p. 118) é preciso em suas considerações: No contexto dos pleitos controversos, a utilização da comunicação social será tanto mais recomendável e necessária quanto os resultados esperados da ação dos lobistas possam intervir em formar, consolidar, melhorar – ou, conforme o caso, mudar – a imagem da empresa, corporação, produto, pessoa, serviço, entidade proposta, ideia, ideologia ou quaisquer outros interesses divisíveis – econômicos, políticos, sociais, regionais – no âmbito de determinada sociedade.
[...]
Usada dentro dos parâmetros de veracidade, sinceridade, transparência e respeito ao público, a função da comunicação é expor e detalhar as propostas dos lobistas e os interesses por eles servidos, e, na medida do seu sucesso, torná-las aceitáveis. O uso adequado das técnicas, métodos e instrumentos de comunicação social cria adeptos, alerta opositores, abre controvérsia.
Essa versatilidade do lobista nada terá de oportunismo e não se confundirá nunca com tráfico de influência ou intercâmbio de interesses; jogadas escusas, “por baixo do pano”; uso de dinheiro para “obter favores”, “tratamento especial”, exceções às regras gerais e, sobretudo, não terá sua natureza deturpada e confundida com a corrupção, essa praga que assola as relações sociais, em geral, e a vida política em particular.
Ampliando seus conhecimentos
A sociedade do conhecimento, a democratização do conhecimento e o desenvolvimento (TEIXEIRA, 2006�
Atualmente vivemos a transição para a sociedade do conhecimento. Esta expressão, criada por Alvin Toffler, é utilizada para denominar um novo cenário que se configura visivelmente por, principalmente, modificações no campo econômico. A sociedade industrial, período anterior ao atual 263
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
(1750-1950), caracterizou-se pela busca da eficiência, fazer o maior número de coisas no menor espaço de tempo; tornando o ritmo da vida mais dinâmico. Nessa sociedade o ativo tangível está no centro das organizações, são valorizados os commodities, bens móveis e produtos que criam valor. Na sociedade do conhecimento os ativos intangíveis ganham importância – o capital intelectual. A característica preponderante das organizações da era do conhecimento são seus ativos intangíveis, formando o conjunto de conhecimentos que consegue agrupar-se em função do seu quadro de colaboradores capacitados e bem relacionados, interna e externamente à instituição. Nesta sociedade, cabe ao homem uma tarefa que é insubstituível: ser criativo, ou seja, ter novas ideias. Assim, numa empresa, a rede de relacionamentos (networks), a carteira de clientes, o nome da organização, a sua marca e, principalmente, o conhecimento existente na mente dos funcionários são reconhecidos e gerenciados com o objetivo de responder às mudanças enfrentadas pelas organizações nesta nova era. É importante configurar que na sociedade do conhecimento, ele (o conhecimento) é caracterizado pela capacidade de agir. Dessa forma, difere-se da informação, porque o conhecimento é dinâmico e está em constante mutação. É inerente ao ser humano e está sempre presente nas experiências adquiridas, valores, crenças e know how, os quais ajudam a discernir e julgar o uso apropriado da informação. Quando uma pessoa dá sentido àquela informação ela a transforma em conhecimento. Já que fluxos de informações imperfeitos, bem como ambientes pobres em informações, são limitativos da inovação e do desenvolvimento das organizações o valor do conhecimento está diretamente relacionado à capacidade das pessoas, para aplicarem essas experiências e competências na realização dos negócios e estratégia empresarial, trazendo benefícios diretos à capacitação dos profissionais. Dessa forma, o conhecimento torna-se o novo motor da economia, fazendo com que pessoas, empresas e países, tendo acesso a esse ativo, adquiram condições de redefinir seus papéis a fim de se adaptarem às novas regras do jogo. Surge, assim, a oportunidade de um novo direcionamento, como a de transformar o Brasil num país desenvolvido e menos desigual. Para lograrmos esse objetivo, não podemos dar exclusividade a setores claramente intensivos de conhecimento, como a indústria da informática, setor aeroespacial, a cultura ou o turismo, mas sim crescer com mais conhecimento e menos desigualdade, ou seja, dar formação, informação e crédito adequado 264
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
e condições de sobrevivência aos nossos micro e pequenos empresários. O crescimento só acontecerá com a democratização do conhecimento e da informação, capacitando melhor nossa juventude, sendo compartilhado por todos e ao alcance dos funcionários pertencentes às empresas. É visível que alguns países largaram na frente nessa democratização do conhecimento. As nações desenvolvidas já estavam de certo modo preparadas para essa transição, porém muitos países em desenvolvimento conseguiram criar políticas desde a década de 1980 visualizando essas transformações, como a Coreia do Sul, por exemplo. A educação é indiscutivelmente um dos maiores problemas em nosso país, e é essencial atacá-lo para redefinirmos nosso papel no mundo. Melhorar a educação pública do Ensino Fundamental e Médio, dar maior acesso à Educação Superior, tornar mais efetiva a utilização dos recursos públicos, são alguns fatores que devem ser tratados para atingirmos essa meta, através das políticas públicas mais adequadas para a nossa realidade. Sendo assim, na sociedade do conhecimento, cabe a nós, administradores, identificar e gerir inteligentemente o conhecimento das pessoas nas organizações, criando as adaptações necessárias para se gerir o conhecimento possibilitando manter e incrementar os negócios. Para nós esta sociedade cria uma imensa oportunidade de disseminar, democraticamente, as informações, utilizá-las para gerar conhecimento que nos leve a uma sociedade mais justa e desenvolvida.
Atividades de aplicação 1. Que relações você pode fazer entre os conceitos de sociedade da informação e sociedade do conhecimento? 2. Nonaka e Takeuchi desenvolveram o conceito de “conhecimento tácito”. Como podemos descrevê-lo? 3. Quais relações você pode fazer entre moral e ética?
Referências ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. Tradução de: RIECHE, Adriana. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. 265
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
BELL, Daniel. O Advento da Sociedade Pós-Industrial : uma tentativa de previsão social. São Paulo: Cultrix, 1977. BIFULCO, Carlos Alberto. Comunicação com os Investidores. In: SILVA NETO, Belmiro Ribeiro da. (Coord.) Comunicação Corporativa e Reputação : construção e defesa da imagem favorável. São Paulo: Saraiva, 2010. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais, ética, Brasília, MEC/SEF, 1997. CIAVATTA, Maria. O conhecimento histórico e o problema teórico-metodológico das mediações. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. (Orgs.) Teoria e Educação no Labirinto do Capital. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. ESCOBAR, Juliana. Blogs como nova categoria de webjornalismo In: Blogs.com: Estudos sobre Blogs e Comunicação . Adriana Amaral, Raquel Recuero, Sandra Montardo (orgs). São Paulo: Momento Editorial, 2009. IBRI-BOVESPA. 2008, p. 18. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2009. FAHRAT, Said. Lobby. O que É. Como se Faz : ética e transparência na representação junto a governos. São Paulo: Aberje, 2007. FERRO, Wanderson Roberto. Contribuição ao Estudo da Implantação da Gestão do Relacionamento com o Cliente em Bancos Sediados no Estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado - FEA/USP, São Paulo, 2003. KOTLER, Philip; KELLER, Kevin L. Administração de Marketing. 12. ed. Tradução de: ROSEMBERG, Mônica; FERNANDES, Brasil Ramos; FREIRE, Cláudia. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. PEREIRA, Heitor José et al. Gestão do Conhecimento: uma experiência para o sucesso empresarial. Curitiba: Universitária Champagnat, 2001. v. 1 TEIXEIRA, Caio M. A Sociedade do Conhecimento, a Democratização do Conhecimento e o Desenvolvimento . 2006. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2009. TOFFLER, A. El Cambio del Poder . Barcelona: Plaza y Janés, 1995.
266
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos
Gabarito 1. Ambas as expressões valorizam as respectivas dimensões (informação e conhecimento) e o modo pelo qual se tornam fundamento da sociedade. Ocorre que a segunda expressão surge como esforço em se dissociar o fenômeno de um enfoque econômico e, num certo sentido, limitante. A segunda expressão ganha curso no ambiente acadêmico como área de reflexão e estudo. 2. Conhecimento tácito é um conjunto de saberes de natureza intuitiva, sentimental, interior, vazado em uma escala de valores e de crenças, difícil de ser verbalizado, como indica a palavra tácito, cuja origem latina (tacitus) significa “não expresso por palavras”. 3. Moral e ética são palavras que nos surgem, habitualmente, como sinônimas. Ambas indicam o conjunto de princípios ou padrões éticos. Etimologicamente, mores (do latim) e ethos (do grego) remetem à ideia de costume. Costumes são práticas ou regras sociais reiteradas ao longo do tempo, conforme a predisposição de certa sociedade e a sua convicção em julgar esses costumes como algo valioso e provido de sentido no relacionamento entre os indivíduos. Por sua vez, esse sentido se sustenta como uma referência a partir da qual os indivíduos se guiam ora afastando-se, segundo seu arbítrio, ora reconhecendo e acatando os seus sinais.
267
Relações com a mídia e gestão de crise
No futebol, há uma frase antológica de um antigo roupeiro do Botafogo, Neném Prancha1, que serve como ponto de partida para um dos temas deste capítulo; dizia essa personagem lendária que “pênalti é uma coisa tão importante, que quem devia bater é o presidente do clube”. O mesmo pode-se dizer sobre a relação entre empresa e mídia: tão especial que quem devia pôr em prática é o presidente da organização... ou pelo menos um bem preparado porta-voz. Vários são os motivos para esse juízo, entre eles os muitos mal-entendidos, consequência, quase sempre, de erros de gestão da comunicação cometidos por porta-vozes inexperientes ou desatentos às exigências da atividade. Reis (In: SILVA NETO , 2010, p. 167), perguntando-se “[...] de quem é a culpa quando o resultado da comunicação não é bom?”, lembra de que resmungos, por parte de entrevistados, segundo os quais o jornalista “não entendeu o que foi dito”; ou que o profissional “tirou as frases do contexto”, ou ainda “colocou na minha boca coisas que eu não disse”, geralmente poderiam ser evitados se a “lição de casa” fosse feita com rigor e foco. No caso, o exercício é representado pelo esforço em se preparar para cumprir com êxito a comunicação: [...] uma entrevista ou manifestação pública requer que o porta-voz revisite previamente os principais pilares que norteiam a vida de sua organização. Assim, poderá calibrar devidamente o discurso a ser adotado (exemplos: missões e valores; números relativos ao negócio; iniciativas recentes bem-sucedidas; planos para o futuro) ( REIS, In: SILVA NETO, 2010, p. 167).
O que vamos desenvolver nas linhas abaixo é apenas um esboço das principais diretrizes para um relacionamento harmonioso com a imprensa, por meio da qual a prestação de contas aos públicos da empresa torna-se fator dos mais destacados no planejamento estratégico. E por isso mesmo extrapola os limites do treinamento de porta-vozes para entrevistas e afins, já que na primeira situação o making decision da organização é diretamente envolvido em seu cotidiano e dele depende o dimensionamento e o tônus dessa relação. Chama-se de midia trainning, um programa voltado à forma-
1
Pseudônimo de Antonio Franco de Oliveira (19061976). Célebre autor de algumas das mais famosas “máximas” do futebol, tinha esse seu talento reconhecido por todos os comentaristas esportivos da época.
Relações com a mídia e gestão de crise
ção de porta-vozes e há diversas empresas da área de comunicação que o oferecem. Como se enfatizou, contudo, programas de treinamento capacitam os integrantes e põem em relevo os pontos-chave a serem explorados em entrevistas e eventos de um modo geral. Mas jamais conseguirão prever todas as situações em que a empresa será chamada a se pronunciar e, tampouco, serão capazes de analisar a empresa em profundidade, identificando os componentes, da cultura organizacional, merecedores de atenção.
É preciso saber orientar a mídia Não se saberá orientar a mídia sem, antes, ter-se cultivado um bom relacionamento com ela. Assessores de imprensa e relações públicas costumam valorizar demais o envio de releases2 para jornalistas na esperança (muitas vezes vã) de que aqueles sejam lidos e seu conteúdo aproveitado em diversos veículos. Contudo, não é difícil de imaginar, sobretudo hoje, quando os meios digitais elevaram exponencialmente a carga de informação gerada todos os dias, de que não apenas jornalistas, mas todos nós tornamo-nos muito mais seletivos em relação à leitura de textos que nos chegam de toda parte.
2
Texto jornalístico, de caráter noticioso, distribuído por jornalistas e assessorias de imprensa para a mídia impressa.
Ainda que isso pareça evidente, insiste-se na estratégia do envio de releases, pois uma média de “adesão” na ordem de 1% a 2% entusiasma muitos comunicadores e, provavelmente, na ótica deles, justifica o tempo e o esforço reservados para a atividade. Mas, nesses casos, quase sempre acaba-se não levando em conta o perfil dos meios que veicularam o informe sobre a empresa, o contexto editorial (caderno, seção, coluna etc.) em que foi inserido e, mais importante, os efeitos gerados pela publicação. Por isso, uma pesquisa sobre os jornalistas mais adequados para a destinação dos releases, embora mostre-se um processo bem mais trabalhoso, é também mais compensador do ponto de vista dos efeitos da comunicação. Parte-se da evidência de que os mesmos jornalistas não estarão sempre dispostos a publicar informes sobre a empresa, principalmente aqueles destituídos de maior interesse para o público, como promoções da média gerência e outros fatos rotineiros. Quanto mais se esquadrinha o perfil dos jornalistas nas diversas redações, maior será a oportunidade de uma aproximação cordial e estratégica com eles. Estamos, portanto, pensando num tipo de relacionamento cooperativo que difere bastante de um relacionamento instrumental. Neste, a empresa aparece na última hora, esperando a divulgação de seus informes, sem antes ter criado condições que favorecessem esse diálogo. 270
Relações com a mídia e gestão de crise
Mas, afinal, a relação com a mídia ocorre apenas nesse ciclo de “abastecimento”, cujos papéis dos atores já são de per si definidos? De um lado, a empresa geradora de “notícia” e, de outro, a mídia com os seus canais de veiculação? Neves (2000, p. 36) detém-se no estudo do que denomina de “questões” – a tradução que utiliza para a palavra inglesa “issues” – integrantes do universo organizacional na forma de pressões originárias de dois âmbitos, ou de “famílias”, como prefere o autor, distintos. Ambas as dimensões, podemos inferir, são matéria-prima da comunicação a ser contextualizada de algum modo com a mídia, embora não preponderantemente, de vez que elas possuem valor macroestrutural e não se reduzem pura e simplesmente a uma espécie de “produto noticioso” de rotina: questões relacionadas à imagem da empresa e, completamos nós, diretamente ligadas à sua reputação de forma positiva: transparência, agilidade, qualidade de produtos e serviços, qualidade da gerência, tecnologia, boa administração, seriedade, responsabilidade social etc. E os atributos negativos: arrogância, lucros exagerados, insensibilidade social, lentidão, manipulação, caixa-preta, atuação predadora, maus produtos e serviços etc. A outra família de issues diz respeito às “questões públicas”, as quais demonstram, também, elevado coeficiente de pressão sobre a empresa, podendo mesmo transformarem-se em um campo minado na hipótese de não se ter posições bem pensadas em relação a elas. Neves (2000, p. 93) lembra de que essas questões “[...] podem afetar o funcionamento da organização ou seus interesses futuros [...]” e subdividem-se nas seguintes categorias:
econômico/financeiras – política econômica: crescimento econômico, inflação, taxa de juros, câmbio etc.; orçamento público: impostos, controle orçamentário, tarifas públicas, controle de preços etc. Ações sobre o mercado: práticas monopolísticas, defesa do consumidor, ações sobre capital estrangeiro (remessas de lucro, compras de governo, medidas protecionistas); privatização/estatização, reservas de mercado etc.
políticas – eleições, novos governos, mudanças de ministério etc.
sociais – questão agrária, direitos trabalhistas, política salarial, reflexos do avanço tecnológico, direitos humanos, previdência social, questões religiosas, meio ambiente, abuso sexual etc.
271
Relações com a mídia e gestão de crise
internacionais – blocos de comércio, propriedade intelectual, conflitos de fronteiras, narcotráfico, terrorismo, acordos de comércio, relações bilaterais etc.
O diálogo produtivo com a mídia depende em grande parte do esclarecimento do comunicador (relações públicas, assessor de imprensa ou diretorias) diante da máquina de notícias. A começar pelo funcionamento das redações; o comunicador não pode desconhecer estruturas, cargos, hierarquias das mídias impressas e eletrônicas. Abaixo, a reprodução do organograma de uma redação de rádio e TV. A estrutura da redação de jornal não é muito diferente, devendo-se dar destaque às diversas editorias (política, cotidiano, cultura etc.). Diretor de jornalismo
Editor chefe
Editor de texto
Apresentador
Chefe de reportagem
. o l e M e d s a i D o t r e b o R z i u L
Rádio escuta Produtor Repórter Cinegrafista/técnico
Figura 1 – Organograma da redação de rádio e TV.
Dada a hierarquia acima, é de se concluir que até a notícia chegar ao jornalista ela passe por diversas áreas de decisão; cabe ao jornalista escolher determinado assunto para ser divulgado. É de se reconhecer também o lugar da subjetividade do jornalista, sustentada em valores éticos, orientação política, experiência e nas expectativas quanto ao rendimento da notícia como item de valor jornalístico. Para organizar a cobertura dos principais eventos, as empresas de comunicação consideram: a atualidade, a distância da redação, o interesse da comunidade e a audiência. Os profissionais encarregados do relacionamento com a mídia devem se responsabilizar, basicamente, pelos seguintes itens: sugestão de pauta, entrevista coletiva, notas e artigos. Reis (In: SILVA NETO, 2010, p. 171) cita o “IPRA3 Charter on Media Transparency” que sugere a partilha de compromis-
3
International Public Relations Association (IPRA).
272
Relações com a mídia e gestão de crise
sos entre os profissionais de comunicação corporativa, de um lado, e jornalistas e órgãos de imprensa, do outro:
materiais editoriais devem ser gerados exclusivamente a partir de interesse jornalístico;
informações publicadas em função de pagamento devem ser claramente identificadas como publicidade ou publieditoriais;
produtos devem ser oferecidos a jornalistas apenas quando se tratar de análise ou teste destinado a formar opinião sobre o desempenho dos mesmos, e por tempo preestabelecido;
provedores de conteúdo (imprensa tradicional ou agentes do mundo digital) devem criar regras claras acerca do recebimento de brindes e presentes, bem como obtenção de descontos que possam vir a obter, na condição de formadores de opinião, junto a qualquer organização.
É preciso saber responder à mídia Chega a hora de se conversar com a mídia. Uma série de pressupostos deve guiar o porta-voz, os quais exigem reflexão e tranquilidade na sua abordagem, evitando-se um tom enfático, repetidas vezes, nas respostas, e tre jeitos, sobretudo quando estiver diante das câmeras. Repórteres experientes notam com muita facilidade a ansiedade de seus entrevistados ou o despreparo para a tarefa. Por isso, é um pecado capital “embromar”, fazer uso de circunlóquios, reflexões aparentemente filosóficas, mas, no fundo, destituídas de conteúdo. A tranquilidade depende, em grande parte, da lição de casa, em termos de revisão da missão da empresa e itens diretamente relacionados. Da mesma forma, é necessário que o porta-voz conheça em profundidade o assunto a que se propõe debater para que não seja surpreendido com informações de última hora, ministradas pelo repórter. Esse domínio sobre a matéria permitirá ao porta-voz abordar o assunto de vários lados e, em detalhes, se for necessário. Nesse sentido, uma vez estabelecida a faixa de atuação do profissional, cabe a ele procurar tornar-se referência para a imprensa. Para tanto, criará compromisso consigo mesmo de manter-se bem informado sobre sua área: reunirá informações de diferentes fontes, encarregando-se da atualização de dados e combinando-os com a análise da substância dos temas, sua consis273
Relações com a mídia e gestão de crise
tência, os aspectos de interesse público e o preparo para apresentá-los com eficiência. Há necessidade, ainda, de se orientar o jornalista sobre a especificidade dos temas de sua reportagem e mostrar, quando necessário, que ele está no caminho errado. De forma esquemática, arrolamos algumas regras e princípios pelos quais o comunicador deve se pautar: Nunca se diz não à imprensa . Isto significa que se deve receber um repórter mesmo quando não se tem nada de novo a noticiar. Nesse caso, o comunicador será direto quanto a essa “falta de assunto”, mas poderá encaminhar o repórter à assessoria de imprensa para criar certa sensação de que a “casa é sua”. Não se deve cometer o erro da ingerência nas prerrogativas do repórter e seu veículo. Portanto, além de não confundir entrevista com propaganda, o porta-voz não vai sugerir e, muito menos indicar, onde e quando a notícia será veiculada.
A diferença entre uma abordagem sóbria e a “marqueteira” é que a segunda é identificada de imediato pelos públicos mais críticos e poderá, consequentemente, ser alvo de indiferença ou desdém. O trabalho do porta-voz está a meio caminho do excesso e da parcimônia. Em outras palavras: se falar demais, acabará cansando o repórter e, depois, o editor da notícia, além de correr o risco de dizer o que não deve, como a revelação de assuntos guardados em sigilo. Sempre é bom lembrar de que em situações como essas o entrevistador pode ter seu interesse aumentado pela hipótese de transformar o sigilo em “furo”de reportagem. Se falar de menos, o porta-voz dificilmente terá oportunidade de criar “gancho” para conduzir o repórter a fazer uma pergunta de interesse da empresa. Além disso, a sensação no ouvinte ou leitor é de que a resposta foi intencionalmente lacunosa. É preciso saber definir mensagens prioritárias . Cada entrevista é uma valiosa oportunidade para transmissão de mensagens. O comunicador deve estabelecer previamente o objetivo a ser alcançado em cada uma delas e selecionar as mensagens capazes de ter o efeito desejado. As mensagens-chave (entre uma e quatro) serão pensadas com rigor, bem como o modo de enfatizá-las de diferentes formas. Cada mensagem deve ser preparada a partir da fórmula ICCO: Interessante (capaz de despertar a atenção do públi274
Relações com a mídia e gestão de crise
co); Clara (simples, compreensível, fácil de entender e lembrar); Consistente (densidade, crível, convincente, concreta); Objetiva (breve, curta, direta). Uma resposta pode ser estendida se a pergunta que a suscitou for utilizada como “ponte” para a inserção de mensagens estratégicas. No entanto, devem-se evitar clichês afeiçoados, aparentemente, a filigranas da cortesia do porta-voz; diante de uma pergunta tida como inteligente, o entrevistado deve proibir a si mesmo de fazer comentários como “quero render minha homenagem à perspicácia dessa pergunta”: o efeito é retórico e cheira à bajulação. A ênfase bem dosada nas palavras quebra o tom monótono da fala e revela certa intenção do falante, como a de se conceder mais importância a determinadas passagens da entrevista. As palavras devem ser bem articuladas , efeito que se obtém com a escansão (divisão) dos vocábulos; no entanto, se excessivo o recurso, retira-se a espontaneidade da fala, tornando evidente o artifício.
Há pessoas que falam velozmente, mas essa peculiaridade da expressão não deve ser mecanicamente corrigida. Isto é, com um pouco mais de atenção, repórter e, eventualmente, telespectador ou ouvinte, acompanharão sem dificuldade o sentido das frases. Melhor do que o entrevistado tentar falar lentamente e se perder no raciocínio. Termos técnicos devem ser utilizados somente quando não puderem ser substituídos por palavras do cotidiano . Nesse caso, o entrevistado deve procurar dar uma rápida explicação sobre o sentido da palavra. Contudo, é necessário considerar o veículo e seu público. O termo stakeholder não gera estranheza na revista Exame, mas na revista Veja, sim. Preciosismos de linguagem (o presidente Collor chamou certa vez seus opositores de “bonifrates”– títeres, fantoches) podem ser interpretados como arrogância ou uma forma de encobrir o vazio do conteúdo. O jornalista não se obriga a saber tudo o que o porta-voz sabe, pois este profissional vive em um meio especializado que o coloca diariamente na ponta de temas relacionados ao universo da empresa. Repórteres atentos às exigências de seu trabalho levarão consigo dados sobre a empresa e outros tantos sobre o assunto em específico. Mas isso pode não ocorrer, o que não causará reação no porta-voz, antes pelo contrário, ele deverá ver nessa situação uma oportunidade para conduzir a entrevista. 275
Relações com a mídia e gestão de crise
Desconsiderar a presença do repórter de televisão e responder à pergunta olhando para a câmera é uma falta grave . Não raro, no entanto, vê-se o deslize na televisão. O olho da câmera é o olho do telespectador, mas este deve ser uma espécie de testemunha ou observador da conversa desenvolvida entre repórter e seu entrevistado.
A entrevista concedida para qualquer meio ocorre porque se tem interesse nos negócios da empresa e não na opinião do porta-voz; portanto, este não irá jamais confundir seu ponto de vista com o da organização, razão pela qual não defenderá, de forma apaixonada, a visão da empresa sobre os fatos. Roteiros sacados do bolso do paletó são interpretados como “cola” e denunciam a insegurança do entrevistado . Esse roteiro deve ser mental e estará sujeito a modificações, as quais ocorrerão tão espontaneamente quanto o depoimento como um todo.
Na televisão, entrevistas no noticiário têm duração média de 20 segundos. Tempo suficiente para o entrevistado articular, também em média, 85 palavras, o que exige disciplina, concentração e foco. Se o tema central de uma entrevista mais longa tangenciar assuntos do noticiário, é indispensável ter-se de forma precisa a dimensão e a especificidade de cada um e a sua exata relação com aquele tema. A noção de proporção evitará que o entrevistado dê demasiada importância aos assuntos ou, ao contrário, pouca, parecendo negligenciá-los. Na eventualidade de o entrevistador tornar-se agressivo em suas perguntas, provavelmente o que ele objetiva é gerar polêmica e causar impacto. O porta-voz não esquecerá nunca de que, no momento de seu pronunciamento, ele é uma “pessoa jurídica”, da qual se espera racionalidade nos procedimentos.
É preciso se preparar para o cara a cara com a mídia Este tópico dá ênfase à necessidade de o porta-voz criar um sólido repertório, consubstanciado na cultura organizacional, mas também em elementos de outra origem, pertencentes ao universo da cultura geral. No contexto referido por Neves (2000) o porta-voz pode basear-se nos itens ali mencionados
276
Relações com a mídia e gestão de crise
para a sugestão de pauta, entrevista coletiva, notas e artigos. Reunidos em blocos, os itens podem ganhar a seguinte configuração e, assim, cristalizarem-se como fundamentos do aludido repertório, base para a realização das tarefas e também do fortalecimento da imagem corporativa:
Transparência – a comunicação deve ser considerada insumo estratégico em todas as ações da empresa, com a função de não apenas divulgar, mas também ouvir e compreender. Se o princípio da transparência não estiver consolidado desde os processos internos da empresa, jamais se fundamentará como valor da cultura organizacional aos olhos do público. Por tudo que vimos até agora, sabemos que a comunicação não se limita à divulgação jornalística ou publicidade. O porta-voz e a organização que representa sempre têm diante de si a imbricação de múltiplas linguagens e procedimentos: os gestos, as ações, os eventos simbólicos, a fala, a ação de sua equipe, a capacidade de escuta e de compreensão no relacionamento interpessoal. O entrecruzamento de todos esses elementos exige, por definição, elevado grau de transparência para sua legitimação diante da sociedade e é dever inapelável da organização garantir tal princípio.
Relacionamento com a comunidade – a abordagem multistakeholder é o princípio mais adequado: saber com quem se fala, como e quando se fala, sempre preservando a coerência entre discurso e ações.
Normas de governança corporativa – governança corporativa é o conjunto de processos, costumes, políticas, leis, regulamentos e instituições que regulam a maneira como uma empresa é dirigida, administrada ou controlada. O termo inclui também o estudo sobre as relações entre os diversos stakeholders e os objetivos pelos quais a empresa se orienta. Os principais públicos, via de regra, são os acionistas, a alta administração e o conselho de administração. Outros agentes da governança corporativa incluem os funcionários, fornecedores, clientes, comunidade financeira e outros credores, instituições reguladoras (como a Câmara de Valores Mobiliários, o Banco Central etc.), o meio ambiente e a comunidade em geral.
O modo como a organização empenha-se para administrar os diferentes componentes desse universo requer o estabelecimento de critérios e princípios e sua sistemática observação pelos agentes em cujas mãos concentra-se o poder de decisão. 277
Relações com a mídia e gestão de crise
Conceito de crise institucional A noção de crise evoca a ideia de conflito, tensão, imprevisibilidade, incerteza e desequilíbrio. Aplicada à vida da empresa, pensamos naquelas situações inesperadas que fogem ao controle dos administradores e sobre cujo desenvolvimento aceita-se que é de difícil apreensão; os desdobramentos de uma crise podem ser mais ou menos pontuais e momentâneos, quanto prolongados e de efeitos devastadores. Há empresas que sucumbem a crises, tal o caso mais estrondoso da história recente das organizações: a Eron. Gigante do setor energético dos EUA, com faturamento, em 2000, que ultrapassava US$100 bilhões, a Eron foi acusada de mascarar balanços que ocultavam dívidas na ordem de US$25 bilhões, processo fraudulento que contou com a intervenção de uma das maiores empresas de auditoria do mundo, além de diversas outras entidades. Neves (2000, p. 115) indica situações tipicamente de crise:
produtos e serviços com problemas;
conflitos com empregados: demissões em massa, greves;
escândalos envolvendo altos executivos: corrupção, fraudes etc;
processos legais de várias naturezas;
atos de terrorismo contra a organização;
catástrofes: queda de avião, desastres ecológicos etc.;
panes sistêmicas: falhas de computadores, erros de softwares etc.
falhas humanas.
Podemos incluir nessa lista pelo menos mais um item: a reação em massa do público a mudanças na forma, no conteúdo ou na fórmula de produtos. Em 1985, a Coca-Cola lançou, nos EUA, a New Coke, versão mais adocicada e suave do tradicional refrigerante, para fazer frente à Pepsi-Cola que apresentava pequena vantagem de vendas em supermercados, mas suficientemente expressiva para justificar a mudança do sabor de um refrigerante, ícone de gerações e de uma cultura. Com a ajuda de estrondosa campanha publicitária e investimento de US$ 4 milhões em pesquisas de mercado e a realização de cerca de 200 mil testes, a empresa obteve, bem ao contrário do que planejara, a reação de centenas de milhares de consumidores que chegaram a fazer 1 500 telefonemas, por dia, em protesto à iniciativa. Em três meses, a “antiga” Coca-Cola estava de volta e os fatos ocorridos em seguida entraram para a história do marketing. 278
Relações com a mídia e gestão de crise
No Brasil, a Nestlé, em junho de 2008, alterou o sabor do achocolatado Nescau, um dos mais conhecidos e importantes produtos da empresa, presente agora no mercado há mais de 70 anos. Houve protestos de 70 mil consumidores no Orkut, que chegaram a criar a comunidade “Dependentes do Nescau”, onde 50 mil deles se reuniram para exigir o “retorno” do antigo sabor. O presidente da Nestlé, Ivan Zurita, tratou de enviar uma mensagem a todos e prometeu atendê-los em sua reivindicação, fato ocorrido logo em seguida, em agosto. Um conceito de crise adotado por Argenti (2006, p. 259) parece-nos suficientemente amplo para captar os vários elementos em jogo: Uma crise é uma catástrofe séria que pode ocorrer naturalmente ou como resultado de erro humano, intervenção ou até mesmo intenção criminosa. Pode incluir devastação tangível, como a destruição de vidas ou ativos, ou devastação intangível, como perda de credibilidade da organização ou outros danos de reputação. Estes últimos resultados podem ser consequência da resposta da gerência à devastação tangível ou resultados de erro humano.
O teórico ressalta as características mais marcantes das crises, embora reconheça o caráter exclusivo de cada uma:
o elemento surpresa – caso da descoberta, por parte da Philip Morris, fabricante de cigarros, de carcinogênicos nos filtros de seus produtos;
informações insuficientes – a empresa demora algum tempo para se dar conta de que está em situação difícil em decorrência da falta de informações precisas sobre determinado evento. Uma grande empresa da área de buffets, no Brasil, precisou aguardar quatro dias para a confirmação de que a intoxicação alimentar, da qual foram vítimas 50 convidados de um evento, fora causada por certa variedade de salgados servidos na ocasião;
o ritmo acelerado dos eventos – antes mesmo do centro de uma crise ser meticulosamente identificado, reações de todo lado podem surgir;
investigação detalhada – o chamado apagão aéreo no Brasil mobilizou uma dezena de personalidades, abertura de CPI e produção de relatórios.
Quem está preparado para a crise? Comunicação de risco é a expressão utilizada pelo mercado para designar um conjunto de estratégias à disposição das empresas e gestores para auxiliá-los na comunicação com o público em situações potenciais ou reais 279
Relações com a mídia e gestão de crise
de conflito de interesses. Não se trata propriamente de uma “crise”, no sentido exposto acima, mas sim do reconhecimento de um clima inamistoso, contrário aos interesses da empresa. Julgamos importante, no entanto, comentar essas estratégias de passagem, pois elas são recontextualizadas em momentos de crise. A base conceptual das estratégias é de natureza comportamental e tem como finalidade obter respostas positivas dos interlocutores. De acordo com Silva Neto (2010, p. 184), o entrecruzamento de determinadas teorias4 oferece um caminho para a emissão de mensagens com credibilidade, potencial de convencimento, claras, concisas e positivas. Há diferentes modelos de comunicação com o público que se beneficiam dessas teorias, entre os quais o Modelo de 6 Passos:
4
São estas as teorias: teoria da determinação da confiança ou credibilidade; teoria da percepção de risco; teoria do ruído mental e teoria da dominância negativa.
expresse empatia e atenção ao seu interlocutor;
forneça uma conclusão positiva sobre o assunto em discussão;
forneça um elemento de apoio e endosso de uma fonte com credibilidade;
forneça outro elemento de apoio e endosso de uma segunda fonte;
repita a conclusão;
coloque-se à disposição do interlocutor para mais informações.
É ainda Silva Neto (2010) que alude a três etapas que as empresas devem seguir na preparação para a gestão de crises:
280
Auditoria de vulnerabilidade – envolve abordagem multidisciplinar para a identificação e avaliação de riscos e os pontos fracos de natureza operacional que exigem providências, caso contrário podem gerar emergências ou crise.
Planejamento de crises – elaboração de planos de gestão e comunicação de crises para os principais problemas identificados.
Preparação para responder às crises – com base nos planos existentes, treinar periodicamente os funcionários envolvidos para lidar com os aspectos relativos à incerteza e à liderança, e refinar competências com base nas melhores práticas em gestão e comunicação de crises.
Relações com a mídia e gestão de crise
Comunicação durante a crise O plano de crise, propriamente dito, subdivide-se em vários itens; entre os quais, os mais importantes são:
Objetivos do plano – com base na auditoria de vulnerabilidade, deve estabelecer o que a empresa almeja com o plano, para si e para seus públicos, no caso de impactos negativos ocasionados por crises; quanto mais específico o plano, maior a agilidade para gerar respostas naquelas situações.
Escopo ou tipo de crises considerados no plano – há dois tipos de crises: intencionais (terrorismo, sabotagem, violência no trabalho, sequestro, má relação com empregados etc.) e incontroláveis (desastres, epidemias contaminação, catástrofes etc.).
Legislação, normas e políticas – toda ação relacionada à crise tem que ser sustentada por dispositivos legais, inclusive para o eventual atendimento a vítimas.
Comitê de Gestão de Crises – cabe a esse órgão a detecção de vulnerabilidades da empresa e adoção de práticas para a resolução dos problemas. Integram o comitê: gerentes das áreas de comunicação corporativa, produção, finanças, marketing, jurídica, recursos humanos, pesquisa, segurança, entre outras.
Comunicação interna e externa – todos os quadrantes da organização devem ser sistemática e cuidadosamente informados. O público externo deve ser impactado com materiais especialmente idealizados para a situação: posicionamentos corporativos a cargo de porta-vozes; declarações preliminares para mídia; releases para a mídia e a intranet; relação de veículos e jornalistas; relação de fontes de apoio; perfis e fotos das unidades e dos executivos; perguntas e respostas sobre o incidente.
Por último, como esforço de sintetizar, não os procedimentos e políticas acima delineados, mas os princípios que devem nortear a ação do comunicador com base nesse quadro, vale a pena relacioná-los em dez tópicos. 1. Reconheça a crise; 2. Analise o fato e tenha explicações ou justificativas razoáveis; 3. Não minta nem disfarce; 281
Relações com a mídia e gestão de crise
4. Não negligencie o público, principalmente os jornalistas; 5. Nunca responda de imediato, sem conhecer a crise; 6. Seja claro e objetivo; 7. Não fuja das respostas com frases evasivas; 8. Prepare material especial para a imprensa, como comunicados e boletins; 9. Se prometeu, responda; não deixe o repórter aguardando por muito tempo; 10. Mantenha relacionamento interpessoal com todos da empresa assessorada.
Ampliando seus conhecimentos
Implantação dos princípios organizacionais para o gerenciamento de crises (ESPUNY, 2008)
Introdução 1
SANTOS FILHO, Daniel R. FERREIRA, Edson; LIMA, Eduardo O.; ESPUNY, Herbert G. Princípios Organizacionais para o Gerenciamento de Crises. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade AnhembiMorumbi, como requisito parcial à aprovação no curso de MBA em Gestão Estratégica de Segurança Empresarial. São Paulo, 2008.
Num trabalho anterior1, feito por mim e mais três postulantes ao título de especialista em Gestão de Segurança Empresarial, foi discutido o que seriam os princípios básicos que qualquer organização precisaria observar para obter um padrão adequado na difícil tarefa de gerenciar riscos. Aquele trabalho foi baseado no que a literatura nacional e estrangeira sugere como instrumentos para o gestor de riscos. Analisando o que se produziu até então, estabelecemos os cinco princípios organizacionais para o gerenciamento de crises: Princípio da Prevenção (que chamaremos, simplesmente de PP); Princípio da Estrita Legalidade (PEL); Princípio da Qualidade (PQ); Princípio da Ética e da Moralidade (PEM) e Princípio da Interdisciplinaridade (PI). Estes princípios teriam a qualidade de ser tanto orientadores da própria atividade gestora de riscos quanto fortes norteadores de toda a prática empresarial, que quanto mais comprometida com eles, menos suscetível seria às crises de qualquer natureza. Apenas para deixar mais precisa a ideia do parágrafo anterior, reproduzo algumas linhas do trabalho citado (SANTOS FILHO, 2008, p. 33-34): 282
Relações com a mídia e gestão de crise
Talvez a empresa não consiga evitar suas crises nem resolvê-las completamente. Contudo, o gestor de crises poderá dar maior segurança aos funcionários, diretores e acionistas, se pautar suas ações dentro destes cinco parâmetros. Contudo, antes de discorrer sobre cada um deles, é necessário fazer algumas observações. A primeira delas e, talvez a que mais incorpore todo o espírito deste trabalho, é a questão da prevenção. Os gestores de crises são (e precisam ser) pessoas naturalmente dotadas de uma visão antecipada das coisas. Alguns chamam de dom, outros acreditam que tal faculdade possa ser desenvolvida com o hábito, mas o que é observável – ainda que empiricamente – é que certas pessoas são mais previdentes que outras. E esta capacidade de previsão, muitas vezes, interfere diretamente na sua capacidade e desempenho profissionais. O primeiro princípio abrange talvez o que seja o abecedário de um moderno gestor de crises: a previsão. É através dela que a organização será mais ou menos suscetível aos efeitos de determinadas crises. De certa forma, o primeiro princípio é tão importante, que – independente de alguns instrumentos que serão discutidos no próximo tópico – a prevenção deve ser incutida em todos os setores da empresa, como um princípio norteador, componente comum e vivenciado desde a alta administração até o chão de fábrica. Cursos; instrumentos básicos que possam materializar a prevenção nas atividades profissionais; a exploração das múltiplas facetas da prevenção, inclusive aquelas que permitem um viver mais tranquilo e saudável para o próprio funcionário; enfim, tudo o que possa auxiliar a compreender a ideia, a subentender as vertentes, a materializar a ação preventiva deve ser implementada na organização. A segunda observação é que os princípios seguintes, o segundo, o terceiro e o quarto são, de certa forma, subsidiários do primeiro. Sim, pois se manter na legalidade, servir-se de padrões de qualidade e, ainda, estruturar a organização na ética e na moralidade, sem dúvida alguma, previne a organização de crises tais como a de deterioração do ambiente organizacional. Apesar de estes princí pios estarem, neste contexto, a serviço do gerenciamento de crises, eles próprios são capazes de – aplicados a toda empresa – prevenir a maior parte das ocorrências que possam colocar em risco a organização. Já o quinto princípio é fruto dos tempos atuais: o conhecimento e a prática das mais diversas atividades já não estão focados em departamentos únicos, estanques, isolados... A informação flui pelos mais diversos ramos do conhecimento e o gestor moderno deve ser capaz de rastrear tais informações, processá-las e aplicá-las em sua área específica. Gerir crises é vivenciar um conhecimento e uma prática interdisciplinares, às voltas com fatos, pessoas, objetos, patrimônio, riscos e... Prevenção! 283
Relações com a mídia e gestão de crise
Finalmente é importante ressaltar que os princípios citados atendem a duas finalidades distintas, difíceis de serem separadas no dia a dia da gestão de crises: a primeira finalidade, como já extensamente citado, é a da prevenção no sentido mais amplo, que tem a ver com toda a organização e estrutura da empresa; e, a segunda finalidade, está na aplicação direta destes princípios no gerenciamento das crises propriamente ditas.
Estabelecidas tais observações e, ainda à guisa de introdução, gostaria de delimitar a área de interesse deste trabalho: buscarei discorrer sobre a possível implantação destes princípios em quaisquer organizações, sejam as mais simples – como microempresas, sejam as mais complexas – como aquelas de múltiplas atividades. É evidente que os detalhes táticos e operacionais só poderão ser efetivamente explorados e planejados pelos gestores que se propuserem a desenvolver o trabalho na empresa real. Mas, a exploração das vantagens e desvantagens estratégicas da utilização destes princípios podem e devem se constituir em exercício intelectual dos administradores e empresários modernos. E, também, por que não, dos trabalhadores preocupados com a manutenção de seus empregos... Pois a atividade de gerir crises, com competência, pode, muito bem, representar a sobrevivência da organização no mundo moderno.
A implantação dos princípios O desenvolvimento de uma nova área na empresa depende da vontade política. Esta vontade advém, primeiramente, da alta direção. Não parece possível desenvolver novas posturas diante de alguns problemas se a alta direção não deixar bastante claro que esta é uma decisão estratégica da empresa. E esta realidade pode ser explicada pela inércia com a qual, habitualmente, desenvolvemos as atividades cotidianas. Se as coisas estão fluindo... Por que modificá-las? E assim, passa o tempo e ninguém faz nada de efetivo para mudar. Os novos paradigmas do mundo moderno tendem a transformar a mentalidade da acomodação numa postura proativa. E esta realidade é ainda mais observada nas especificidades que compõe a área de gerenciamento de crises. Neves (2002, p. 17), tratando da velocidade da comunicação nos dias atuais, observa: Na madrugada de 31 de agosto de 1997, estava eu assistindo, na minha casa, no Rio de Janeiro, à CNN quando a programação foi interrompida para
284
Relações com a mídia e gestão de crise
mostrar imagens diretamente da Pont l’Alma, em Paris, onde acabara de acontecer o acidente com a Ladi Di. É bem provável que eu e a torcida do Flamengo tenhamos ficado sabendo da morte da princesa antes do pessoal do Palácio de Buckinghan, em Londres. Vale dizer que ficamos sabendo do fato antes daqueles que iriam gerenciar a crise recém-iniciada. Ou seja, a velocidade da informação num mundo globalizado já é por si mesmo, se não uma espécie de crise, uma forte contribuição para que a crise se instale rapidamente. Se o gestor de crises não possuir mecanismos que ele possa imediatamente acionar para diminuir a intensidade dos efeitos causados pelos fatos geradores da crise, esta pode se intensificar e, até, sair do controle. São conhecidos os efeitos de boatos ou mesmo notícias que influenciam fortemente o desempenho de ações nas Bolsas de Valores do mundo inteiro. Mas, de qual mecanismo poderá dispor o gestor de crises para lidar com tais fatos? É evidente que o tamanho da organização e o conjunto das ocorrências serão os determinantes para a melhor atuação do gestor de crises. Mas, algumas recomendações as organizações poderão levar em consideração, qualquer que seja a natureza da crise: a) Observância do Princípio da Estrita Legalidade. O que seria óbvio em qualquer lugar do mundo, mas não é tão evidente assim no Brasil. Qualquer crise é mais duradoura e mais suscetível de criar situações que comprometam a atividade-fim de uma empresa se o ambiente organizacional da mesma não estiver conformado com os valores do princípio citado. É absolutamente comum grandes organizações descuidarem de detalhes que podem comprometer sua imagem e reputação. Um exemplo disso é a prática de crimes contra o consumidor (Folha de São Paulo, jul. 2004), que sugerem muito mais descuido administrativo que uma vontade de delinquir, uma vez que determinadas áreas possam ficar nas mãos de terceiros, sem o mesmo comprometimento do empreendedor. Contudo, a falta de controle adequado é um elemento que compromete a seriedade do negócio, pois quem terceiriza não está isento de fiscalizar o que o seu contratado faz, pois é corresponsável, de qualquer forma. Mais preocupante ainda, para o gestor de crises, são as formulações deliberadas para a obtenção de resultados financeiros à custa de manobras pouco éticas ou criminosas, como a sonegação fiscal (Folha de São Paulo, jul. 2005).
285
Relações com a mídia e gestão de crise
Portanto, a observação da estrita legalidade é fundamental como um poderoso instrumento de gestão de crises, seja nas micro-organizações, seja nas mais complexas do mundo. Porque – desde que fundamentado neste princípio – o empresário terá suas crises se não evitadas, pelo menos abreviadas. A estrita legalidade não poderá evitar algumas crises oriundas de desastres naturais ou ocorrências absolutamente fora do controle da empresa. Por exemplo, uma tempestade atípica, capaz de inundar uma área, que até então não era de risco e comprometer, por exemplo, uma entrega da empresa é um exemplo de fato imprevisível. Mas, se a empresa – na sua política de gestão de crises – tiver todos os seus aspectos bem estruturados, o que inclui um seguro operacional, poderá – além de ter sua imagem muito pouco arranhada por se tratar de uma ocorrência fora de seu controle – ainda recuperar qualquer prejuízo financeiro que a não entrega prevista poderia gerar. A primeira vertente para a efetiva implantação dos princípios organizacionais para o gerenciamento de crises parece passar pela efetiva fundamentação legal de todos os setores e atividades da empresa. Esta será, sem dúvida, a base ideal para uma boa gestão de crises. b) Planejamento. Crises podem não ser evitadas, mas sua minimização deve ser buscada pelo gestor das mesmas. Mas, isso depende de um certo sentido de antecipação, de uma postura prática diante de fatos que possam representar ameaças à organização. Inicialmente, pode-se pensar em tudo o que poderia representar uma ameaça à continuidade do negócio. Um marceneiro, por exemplo, poderia se preocupar em listar possíveis fornecedores, caso o seu deixe de fornecer sua matéria-prima. Ou pensar em fazer uma pequena reserva financeira para a manutenção das suas máquinas. Enfim, cada negócio exigirá providências diferentes, mas o espírito da prevenção é o que se deve enfatizar. A organização que pretenda estabelecer um setor que gerencie crises precisa pensar nelas. Providências como a instalação de um Comitê de Crises e Planos de Contingência, são fundamentais para que a atividade possa crescer nos mais diversos setores da organização. Um bom
286
Relações com a mídia e gestão de crise
exercício para todos os envolvidos é listar – setor por setor – todos os possíveis problemas e criar planos de contingência para lidar com os mesmos. Alguns tipos de crises não são facilmente listáveis, pois não fazem parte da nossa cultura. Por exemplo, terremotos. Ninguém precisa listar o terremoto como fonte de suas preocupações. Mas, poderia listar – por exemplo – a incapacidade de utilização da planta da empresa. Qual a solução? As atividades poderiam ser transferidas para um outro local? Onde seria? A fabricação, se for o caso, de determinado produto poderia ser contratada? Enfim, o gestor de crises pode ter planos de contingência genéricos, que se preocupem com possíveis efeitos danosos que uma ampla gama de crises possa gerar para a organização.
Conclusão A organização moderna que quer dar os primeiros passos no gerenciamento de crises deve, em primeiro lugar, ver estabelecida esta meta como estratégica da alta direção. Em seguida, revisar todas as suas atividades, externas e internas, sob a ótica da legalidade e, efetivamente, corrigir quaisquer desvios neste sentido. O conjunto de leis às quais o mercado é exposto, no Brasil, com certeza não facilita o desenvolvimento desta tarefa. Mas não é um assunto que deva ser relegado a um segundo plano quando se fala na gestão de crises. Geri-las não é fácil... Se a empresa não estiver absolutamente dentro da estrita legalidade é, praticamente, impossível. Finalmente, os primeiros exercícios da organização devem ser no sentido de mapear as principais crises, ou todas as que podem comprometer a continuidade da atividade-fim da empresa. Com este primeiro mapeamento em mãos, a confecção dos planos de contingência vão se desenvolvendo, até criar uma cultura organizacional propícia ao pleno gerenciamento de crises, com a possibilidade da implantação de todos os demais princípios.
287
Relações com a mídia e gestão de crise
Atividades de aplicação 1. Segundo Neves, quais são as duas famílias de questões pertencentes ao universo organizacional e que são objeto do relacionamento com a imprensa? 2. Ainda de acordo com Neves, indique situações típicas de crise institucional. 3. Indique algumas regras e princípios que devem ser atendidos pelo porta-voz em seu contato com a imprensa.
288
Relações com a mídia e gestão de crise
Referências ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. Tradução de: Adriana Rieche. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. ESPUNY, Herbert G. Implantação dos Princípios Organizacionais para o Gerenciamento de Crises. Disponível em: . Publicado em: 18 jul. 2008. Acesso em: 8 dez. 2008. NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral: como gerencial imagem, questões públicas, comunicação simbólica, crises empresariais. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2000. NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral : como gerenciar imagem, questões públicas, comunicação simbólica, crises empresariais. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2000. REIS, Ciro Dias. Comunicação com a Mídia – Mídia Training. In: SILVA NETO, Belmiro Ribeiro da (Coord.). Comunicação Corporativa e Reputação: construção e defesa da imagem favorável. São Paulo: Saraiva, 2010. SILVA NETO, Belmiro Ribeiro da. Gestão e Comunicação de Risco e de Crises. In : SILVA NETO, Belmiro Ribeiro da (Coord.). Comunicação Corporativa e Reputação: construção e defesa da imagem favorável. São Paulo: Saraiva, 2010.
289
Relações com a mídia e gestão de crise
Gabarito 1. Questões relacionadas à imagem e questões públicas. As primeiras relacionam-se diretamente à imagem e reputação da empresa e podem ter um julgamento positivo ou negativo; as segundas podem afetar o funcionamento da organização ou seus interesses futuros, entre as quais destacam-se questões públicas de natureza política e econômica. 2. Algumas situações típicas de crise institucional podem ser:
produtos e serviços com problemas;
conflitos com empregados: demissões em massa, greves;
escândalos envolvendo altos executivos: corrupção, fraudes etc.;
processos legais de várias naturezas;
atos de terrorismo contra a organização;
catástrofes: queda de avião, desastres ecológicos etc.;
panes sistêmicas: falhas de computadores, erros de softwares etc.;
falhas humanas.
3. Nunca se diz não à imprensa; não se deve cometer o erro da ingerência nas prerrogativas do repórter e seu veículo. Não exagere demais e nem seja sucinto. É preciso saber definir mensagens prioritárias. No entanto, deve-se evitar clichês afeiçoados. A ênfase bem dosada nas palavras quebra o tom monótono da fala. As palavras devem ser bem articuladas.
290
Fundamentos da comunicação interpessoal
Há uma famosa frase do filósofo Ortega y Gasset com a qual desejamos abrir este capítulo: “[...] eu sou eu e a minha circunstância e se não salvo a ela não salvo também a mim”. O autor de as Meditações do Quixote (1967) refere-se ao entorno do “eu” como um conjunto de elementos (pessoas, fatos e relações) ao qual o primeiro se plasma de forma indissociável; e, de tal modo, que cumpre ao eu descobrir-se na multidão, saber-se feito dessa matéria heterogênea e comunal, mas ao mesmo tempo marcado pelo traço diferenciador que o realça e o dota de forças para criar e alterar o conjunto e a si mesmo. A salvação, pois, ocorre quando nos dispomos a não aceitar passivamente o que muitos chamam de “destino”, e nos inclinamos a transformá-lo com – na visão do pensador espanhol – os recursos da educação e cultura em sentido amplo, dimensões que, por sua vez, são patrimônios da sociedade. Por outro lado, há uma máxima, ouvida à exaustão, e como lugar-comum, segundo a qual os direitos de um indivíduo terminam quando começam os dos outros. Afirma-se equivocadamente isso, como se fosse possível pensar em direito e liberdade à imagem de círculos fechados em si mesmos, impenetráveis, e cujas superfícies se tocassem em determinado ponto, o limite da individualidade de uma pessoa e início do de outra. Ora, direito e liberdade são construções interpessoais e, assim, necessariamente, movimentos com várias áreas de intersecção. Estamos, portanto, no universo das trocas simbólicas, das circunstâncias de cada um e de todos indiferentemente. São essas as dominantes, que devem ser consideradas no relacionamento entre os agentes da empresa, e as quais merecem nosso exame.
Melhorando o relacionamento no trabalho O ambiente de trabalho é um local onde se cruzam os mais variados significados das relações humanas, mas com uma diferença crucial em relação à maioria dos lugares: em nenhum outro ambiente, pessoas mantêm entre
Fundamentos da comunicação interpessoal
si, e de forma prolongada, relações hierárquicas, de poder, mediadas por um objetivo comum, cuja realização (mas não obrigatoriamente) torna os indivíduos aptos a uma contrapartida pecuniária, regulada por leis e deveres para as partes envolvidas. Incluem-se nessa relação, com bastante frequência: humilhações, jogo de interesses, tensões, desavenças, frustrações e expectativas infundadas em relação a desempenhos; mas também: prazeres, êxitos, valiosa recompensa financeira, eventualmente, fortalecimento de amizades, processos de maturação pessoal, aperfeiçoamento profissional, sentimento de dever cumprido e de realização no trabalho, experiências sempre evocadas como indispensáveis para uma vida íntima e profissional harmoniosas. Aliás, o tema da “realização profissional” preenche-se de tantos significados que chega, para muitos, a confundir-se com o próprio sentido da vida. Sabemos de pessoas que permaneceram no mesmo emprego durante toda a existência e, dele, não tiraram somente o sustento para si e para suas famílias: reconheceram-se como membros ativos e transformadores na empresa, e na comunidade de modo geral, e por meio da atividade laboral constituíram a parte mais proeminente de sua identidade, razão pela qual sua presença se enraizou na memória da empresa como uma espécie de símbolo. Esse conjunto de experiências, saberes e emoções está como que “à disposição” dos indivíduos, na empresa, para dele fazerem o melhor uso, de acordo com a percepção de que serão capazes de obter das partes e do todo. O esquema abaixo relaciona diferentes dimensões que, juntas, constituem o “processo cognitivo de filtragem” da realidade.
Sentidos
Percepção
Atenção
Sensação
Necessidades Memórias Crenças Modelos mentais Valores Objetivos
Interpretação Sentido Intenção Atitude Ação Tradução
Viés
Figura 1 – Processo cognitivo de filtragem. 294
) . o d a t p a d A . 8 0 0 2 , O N A I R A M ; R E Y A M (
Fundamentos da comunicação interpessoal
Considere-se o papel dos sentidos, com diferentes pesos de pessoa para pessoa, na medida em que umas são mais sensíveis à luz, outras, ao som, e assim por diante, embora haja uma hierarquia entre os sentidos, no alto da qual se coloca a visão, que domina os demais. A interpretação exerce seu poder judicativo, de julgamento, análise, classificação, entre outros processos, que redundará em uma intenção, ou seja, na capacidade de decidir como agir. A decisão depende de uma interação com o mundo externo, a qual se dá de diferentes formas: hábitos, reações, intuições etc. No entanto, decidir ainda não é agir; essa etapa ocorrerá na tradução, processo do qual fazem parte as palavras (nem sempre capazes de expressar o necessário) e ações físicas. O viés é a tendência a se privilegiar determinada informação em detrimento de outra; induzir ou influenciar deliberadamente um ponto de vista; ter propensão a favorecer certos dados, ao invés de outros também válidos; e, em muitos casos, chega a tomar a forma de um preconceito (como preconceito de classe, sexual, racial, entre outros). Todas as etapas – de percepção à tradução – submetem-se à influência de um composto de elementos (necessidades, memórias, modelos mentais etc.) de grande importância em todo o processo de leitura do mundo. Os mapas ou modelos mentais são as imagens, reais ou supostas, e narrativas, que formamos ou construímos em relação ao mundo, a nós mesmos, aos outros e às instituições, ou seja, estruturas de sentido com as quais convivemos e realimentamos, incessantemente, de conteúdos. A teoria sobre os modelos mentais tem como origem as especulações de psicólogos cognoscitivistas e construtivistas, para quem os seres humanos vivem em um mundo “real”, mas não operam direta e imediatamente sobre esse mundo e atuam em seu interior usando “mapas”, “representações”, “modelos” ou interpretações codificadas dessa realidade. As considerações sobre o processo cognitivo de filtragem mostram-se úteis para conhecermos os pressupostos de outro conceito, o da competência interpessoal, de acordo com Moscovici (2001). Para essa estudiosa, competência interpessoal é a habilidade de lidar eficazmente com outras pessoas de forma adequada às necessidades de cada uma e à exigência da situação. Tal competência exige um permanente exercício de autopercepção e autoconhecimento. A autopercepção concentra-se na estrutura emocional, na anatomia dos sentimentos e dos afetos, e no modo como se percebem as crenças ou se desenvolve ou não uma atitude orientada por valores morais e 295
Fundamentos da comunicação interpessoal
metafísicos. O autoconhecimento depende sempre dos outros para se integralizar; necessitamos dos sinais externos, oferecidos por aqueles com quem convivemos. É claro que esses sinais, por sua vez, são também respostas que enviamos aos outros, na forma geral de um comportamento, de atitudes em contextos específicos: os gestos, a forma de se vestir, de falar, de se movimentar, de demonstrar sentimentos ou a quase ausência deles etc. Autopercepção e autoconhecimento podem ser contextualizados em nossa inclinação em formular três perguntas: como me vejo? Como acho que sou visto? Como gostaria de ser visto pelos outros? Ao mesmo tempo em que nos detemos naquelas duas dimensões, a competência interpessoal exige-nos, ainda, flexibilidade perceptiva e comportamental . Flexibilidade para enxergar o mesmo fenômeno por diferentes ângulos ou considerar os aspectos distintos em jogo, uma forma diferenciada de agir, não rotineira, expressando novas condutas, como alternativa diante de certos estímulos. A outra capacidade é o feedback , sobre o qual é necessário se deter um pouco: trata-se da retroalimentação do processo de comunicação na forma de uma resposta ao emissor da mensagem. O feedback é indispensável na empresa, quanto mais naquelas em que o paradigma interpretativo (do qual faz parte a Escola de Montreal) é uma referência da administração. Como se busca o consenso a partir do diálogo e do confronto de ideias e opiniões, o feedback surge como pressuposto para a continuidade da negociação entre os agentes. Portanto, a retroalimentação se faz presente para aprovar ou reprovar uma mensagem, bem como para dar ciência do entendimento sobre os termos e o sentido geral da mensagem. Assim procedendo, demonstra-se inteligência e/ou habilidade na interação em curso, o que por si só reveste-se de certo nível de respeito pelo interlocutor. O feedback pode ser também usado para repreender ou elogiar ou, ainda, para reforçar o acerto ou uma sucessão de acertos no interior de um processo. Moscovici (2001) defende algumas diretivas para o feedback:
296
Descritivo ao invés de avaliativo – sem julgamento, apenas o relato de um evento;
Específico ao invés de geral – explicar o significado: quando se diz a alguém que ele é “dominador” isso tem menos significado do que indicar seu comportamento numa determinada ocasião. “[...] nesta reunião você não ouviu a opinião dos demais e fomos forçados a aceitar sua decisão para não receber suas críticas exaltadas [...]”.
Fundamentos da comunicação interpessoal
Compatível com as necessidades de ambos, comunicador e receptor – pode ser altamente destrutivo quando satisfaz somente às necessidades do comunicador sem levar em conta as necessidades do receptor.
Dirigido– para comportamentos que o receptor possa modificar: em caso contrário, a frustração será apenas incrementada se o receptor reconhecer falhas naquilo que não está sob seu controle mudar.
Oportuno– logo após o comportamento em questão.
Solicitado ao invés de imposto – será mais útil quando o receptor tiver formulado perguntas que os que o observam possam responder.
Esclarecido– pedir para que o receptor repita o feedback recebido para ver se corresponde ao que o comunicador quis dizer.
Estilos interpessoais Joseph Luft e Harry Ingham, cientistas sociais, propuseram, em 1961, um modelo conceitual ou perceptivo para uma visão do relacionamento interpessoal. Os estudiosos partem da perspectiva de que, nos relacionamentos, todos nós precisamos de feedbacks em relação àquilo que somos ou fazemos; por outro lado, estamos continuamente nos expondo diante do olhar dos outros no momento em que emitimos nossos feedbacks a respeito do modo pelo qual entendemos como suas ações nos afetam ou são por nós decodificadas. A “Janela de Johari”, como designam o modelo (fusão das iniciais do nome dos cientistas), articula diferentes áreas como demonstra o esquema abaixo: Conhecido do EU
Não conhecido do EU
Conhecido pelos outros
Eu aberto
Eu cego III
Não conhecido pelos outros
Eu secreto
Eu desconhecido
. o l e M e d s a i D o t r e b o R z i u L
Figura 2 – Janela de Johari.
O desequilíbrio da Janela de Johari pode apresentar-se no sentido vertical ou no sentido horizontal; quando um deles é preferido em detrimento do outro haverá consequências prováveis em termos de reações emocionais negativas e disfuncionalidade da dinâmica interpessoal. 297
Fundamentos da comunicação interpessoal
Estilo interpessoal I – “Eu desconhecido” Predomínio da área desconhecida: denota criatividade reprimida e relacionamento praticamente impessoal. O indivíduo parece protegido por um escudo ou uma carapaça, o que o leva a esboçar comportamentos rígidos, retraídos, daí porque observa mais do que participa. Esse estilo parece estar relacionado a sentimentos de ansiedade interpessoal e busca de segurança. Tende a gerar hostilidade nos outros, pois a falta de relacionamento é, geralmente, interpretada em função das necessidades das outras pessoas. Normalmente esse estilo é encontrado nas organizações disfuncionais e burocráticas, onde parece ser conveniente evitar abertura e envolvimento.
Estilo interpessoal II – “Eu secreto” Há uma notável necessidade de feedback , pois o julgamento dos outros impõe-se como determinante nas suas relações com o grupo. Contudo, essa necessidade não é acompanhada pela necessidade de exposição. A diferença principal em relação ao estilo I é a vontade expressa de manter relações com nível razoável de participação no grupo, mas sempre baseada na solicitação de feedbacks. Quanto mais utilizado o processo de solicitar feedback e menos o de autoexposição, mais aumenta e se consolida o “eu secreto”, o que pode levar o grupo a julgar o indivíduo como superficial e distante. O estilo representado pelo “eu secreto” teme o julgamento negativo de sua pessoa e, como não se dispõe a emitir feedbacks, caso ela ocupe cargo de chefia, poderá gerar um clima permissivo, exagerado e injustificável, já que todos emitem feedbacks sobre desempenhos, inclusive os da chefia, mas não recebem nada em troca, como decorrência de um processo natural de autoexposição do chefe.
Estilo interpessoal III – “Eu cego” O indivíduo utiliza intensamente o processo de autoexposição, mas solicita pouco o feedback . Tem sua atuação no grupo destacada, pois se dispõe a dar informações. Corre o risco de ser rotulado de egocêntrico, já que concede exagerada importância para as próprias opiniões, sempre valorizando sua autoridade. Trata-se de um estilo interpessoal que poderá gerar comportamentos semelhantes à medida que o grupo chegue à conclusão de que o indivíduo sonega informações e, por esse motivo, passa-se a adotar o com-
298
Fundamentos da comunicação interpessoal
portamento por precaução. No trabalho, esse estilo prejudica a produtividade em decorrência do ressentimento que possa gerar, além da hostilidade ou apatia, refreando a confiança mútua e a criatividade.
Estilos interpessoal IV – “Eu aberto” Caracteriza-se pelo equilíbrio de busca de feedback e de autoexposição. O comportamento da pessoa é claro e aberto para o grupo, provocando, assim, menos erros de interpretação por parte dos outros. O objetivo principal dos processos de busca de feedback e autoexposição consiste em deslocar informações das áreas cega e secreta para a área livre, onde serão úteis a todos.
Gestão de conflitos Embora os sentidos da palavra “conflito” evoquem tensões, desentendimentos, enfrentamentos, discussões acaloradas e demais situações críticas, todos os dias o fenômeno repete-se no mundo corporativo e, às vezes, como dado surpreendente, com um grau de radicalidade que parece negar o ambiente, o qual tem como cenário. Para Morgan (apud MAYER; MARIANO, 2008, p. 247), conflitos são: “[...]um conjunto complexo de predisposições que envolvem objetivos, valores, desejos, expectativas e outras orientações e inclinações que levam a pessoa a agir em uma e não em outra direção”. Muitos são os motivos ou fatores que geram conflitos nas empresas e, embora seja impossível fazer um levantamento exaustivo de todos eles, podemos apontá-los com certo grau de generalidade: competição por recursos disponíveis, mas escassos; divergência de alvos entre as partes; perda de autonomia ou seu cerceamento; direitos não atendidos ou não conquistados; mudanças externas acompanhadas por tensões, ansiedades e medo; luta pelo poder; necessidade de status; insatisfação com o perfil das funções atribuídas; incompatibilidade de gênios; percepção de que a chefia é inexperiente ou incompetente; sentimento de que se foi injustiçado em situação de promoção; excesso de funções ou de trabalho; exploração de terceiros (manipulação); necessidades individuais não atendidas; expectativas não atendidas; carência de informação, tempo e tecnologia; escassez de recursos; marcadas diferenças culturais e individuais; divergência de metas; emoções não expressas/ inadequadas; obrigatoriedade de consenso; meio ambiente adverso e preconceitos etc. 299
Fundamentos da comunicação interpessoal
A gestão de conflito muito focada no confronto entre “litigantes” provavelmente se limitará a dissolver de forma simplista a tensão e não identificará a raiz do problema. Pior: poderá causar a sensação de que se agiu com indiferença, insensibilidade ou paternalismo ao não se ocupar com uma discussão aprofundada sobre as verdadeiras causas do embate. Impõe-se a necessidade de se conhecer os vários ângulos da situação: o perfil das pessoas envolvidas, cargos ou funções que ocupam, o histórico de cada uma na empresa, a relação que costumam manter com os colegas, as circunstâncias em que ocorre a crise (a empresa trabalha com produtos sazonais, cuja produção e venda ocorre em determinadas épocas do ano? O acúmulo de trabalho vem se prolongando há muito tempo?), o contexto propriamente dito, o motivo em específico etc. Considera-se também se os funcionários trabalham em grupo ou de forma mais ou menos isolada, além das relações entre as funções que ocupam. Cada vez mais os gestores de pessoas fazem referência à assertividade como um padrão de comportamento maduro, construtivo e emancipador. Assertividade é a qualidade daquilo que é assertivo, isto é, afirmativo, no sentido de se enfatizar um ponto de vista, o que, por sua vez, e necessariamente, abre-se para o ponto de vista do outro. Boff (2000), em outro contexto, defende que “todo ponto de vista é a vista de um ponto” e isto vale muito para o princípio da assertividade, pelo menos para os que compreendam que sua atitude afirmativa não se confunde com a afirmação prepotente do eu. A assertividade é um modo direto de expressão, por meio do qual se indicam as necessidades ou preferências, registram-se emoções e opiniões, sem ansiedade indevida ou excessiva e sem hostilidade contra o outro. É um comportamento que permite defender os próprios direitos sem violar os direitos de quem nos comunicamos, o que nada tem a ver com o divisar limites entre a liberdade de um e de outro. Como destacado anteriormente, liberdade é uma construção interpessoal e, assim sendo, depende de trocas simbólicas e intersecção de interesses, portanto, negociação. A defesa de direitos legítimos é um ato de afirmação da individualidade, mas isso não é usado contra o outro, mas sim em benefício da relação; se adotada com o equilíbrio e maturidade inerentes ao conceito, a assertividade coloca-se como aliada da conversação, da exposição de pontos de vista, e favorece uma atitude também respaldada nesses valores por parte dos demais funcionários. Um comportamento não assertivo, por exemplo, ocorre quando se cala contra os próprios princípios e direitos individuais, principalmente se o resultado de tal atitude provocar a repressão de emoções com consequências 300
Fundamentos da comunicação interpessoal
marcadas pelo ressentimento. No entanto, não se deve confundir a assertividade com o chamado “sincerocídio” do qual se valem determinadas pessoas para exibir, a todo momento, o que qualificam de “sinceridade”, quando na verdade a atitude parece mais próxima do “acerto de contas”, da exposição de julgamentos, da reprimenda, do deslocamento de culpas e da crítica implacável. O comportamento impositivo, acompanhado de críticas, muitas vezes desconcertantes, fatalmente gera ressentimentos, mas não só: empresas com climas organizacionais pesados têm uma natural predisposição para gerar mais conflitos, em um tipo de fórmula como a da velha charada proposta por uma conhecida marca de biscoitos: o clima é tenso por que os funcionários não se entendem ou os funcionários não se entendem por que o clima é tenso? Não há como deixar de notar que uma comunicação interna deficiente, ainda que não seja ela a causa primeira da crise das relações, acaba agravando a situação como um todo; isto porque os agentes, em processo de contínuo desgaste, tornam-se mais reativos a críticas, como também se mostram mais intolerantes a falhas, não importando a origem e os cargos envolvidos. Bee (2000) propõe dez passos para reduzir o risco da geração de conflitos na empresa por meio da crítica construtiva. 1. Análise da situação – identifica-se o problema, o que, especificamente, necessita ser alterado e por quê. 2. Determinação do(s) efeitos(s) e objetivo(s) pretendido(s) – estabelece-se o que o(s) envolvido(s) deve(m) fazer. 3. Ajuste à receptividade – o encarregado de realizar a crítica deve observar se um ou mais envolvidos estão abertos a críticas. 4. Criação de ambiente propício – o ambiente no qual se realiza a crítica deve oferecer tranquilidade a quem se responsabiliza em fazê-la. 5. Comunicação efetiva – consideram-se alguns aspectos fundamentais na efetuação de uma crítica, tais como: o que se diz, a maneira como se diz, a linguagem corporal; e, ainda, a escuta e observação da pessoa criticada, além de se ter disposição para cooperar com o indivíduo criticado na relação com o problema, objeto da crítica. 6. Descrição do comportamento que deseja mudar – é fundamental que a pessoa que recebe a orientação tenha em mente o ponto exato do problema. 301
Fundamentos da comunicação interpessoal
7. Descrição do comportamento desejado – é imprescindível orientar o indivíduo criticado em direção a um padrão ou referência de desempenho ou comportamento. 8. Busca de soluções conjuntamente – o indivíduo que critica deve procurar ajudar o criticado, dando-lhe sugestões e/ou ideias. 9. Concentração naquilo que julgue satisfatório – consiste em alternar mensagens positivas às negativas. 10. Realização de acordo – esse, talvez, seja o item mais difícil, na medida em que ninguém muda o comportamento ou desempenho sem que concorde com a mudança.
Mapa de conflitos na empresa A expressão “mapa de conflitos” se aplica às tensões em torno da demarcação de fronteiras espaciais e étnicas, da problemática divisão de terras e às questões ligadas ao meio ambiente, sempre com o escopo de se traçar uma topografia da incidência dos litígios. Na empresa, tem um sentido metafórico (na medida em que não existe uma cartografia do fenômeno), embora não se possa desconsiderar a hipótese de se propor a representação cartográfica dos conflitos em empresas de médio e grande porte. É possível que uma abordagem como essa ajudasse a visualizar, no sentido próprio, as zonas (secções, setores, departamentos, chefias etc.) suscetíveis a conflitos ou que de alguma forma enfrentem ou tenham enfrentado o fenômeno. Uma cartografia como essa acabaria, supostamente, demonstrando não apenas o caráter abrangente, complexo e dinâmico dos conflitos, como possivelmente a relação indissociável entre eles e a cooperação, como querem os teóricos do estruturalismo. Entre as teorias da administração, o estruturalismo representa o momento, a partir dos anos 1950, em que se tenta integrar pressupostos da Escola Clássica (Burocracia – Taylor, Fayol, Weber) e das Relações Humanas (Mayo), como, por outro lado, superá-los em sua maior parte. O estruturalismo evidencia as relações entre o todo e as partes na constituição desse todo. A interdependência das partes e o fato de que o todo é maior do que a simples soma das partes colocam-se como traços determinantes dessa corrente.
302
Fundamentos da comunicação interpessoal
Para os estruturalistas, não existe harmonia entre os interesses de patrões e empregados, como afirmavam, talvez de forma simplista, os defensores da teoria clássica; ou, ainda, de que seja possível preservá-la ou cultivá-la pela administração, por meio de uma atitude humanista, compreensiva e terapêutica de reconhecimento das necessidades do funcionário, como defendiam os teóricos das relações humanas. Ambas as teorias não se detinham na reflexão sobre o problema do conflito, talvez por se formularem como teorias eminentemente prescritivas. Para os estruturalistas, os conflitos são os elementos geradores de mudanças e do desenvolvimento da organização. Conflito, portanto, ainda que seja visto como um momento de crise, também revela outra faceta: a de ser um processo favorável ao surgimento de ideias, sentimentos, de revelação de uma atitude inovadora e criativa. Sempre que se fala em acordo, aprovação, resolução, consentimento, deve-se lembrar que essas palavras pressupõem a existência ou a iminência de seus opostos, como desacordo, desaprovação, desentendimento, oposição – o que significa conflito. O conflito é condição geral do mundo animal. Conflito e cooperação são elementos integrantes da vida de uma organização. Hoje, há uma inclinação de certos teóricos da área de gestão de pessoas em considerar o conflito e a cooperação como dois aspectos da atividade social, intimamente ligados na prática. Tanto que a resolução do conflito é muito mais vista como uma fase do esquema conflito-cooperação do que um fim do conflito. O pensamento administrativo dominante, no entanto, empenha-se muito mais na direção de obter cooperação e neutralizar ou superar conflitos. Uma das situações conflitivas mais complexas, diante da qual as organizações modernas nem sempre dão respostas satisfatórias, é aquela representada pela produção de conhecimento sem que isso redunde em um abalo da estrutura hierárquica da organização, já que muitas vezes o conhecimento traz conflitos com a hierarquia. O mapa de conflitos, idealizado segundo as técnicas e as metodologias afluentes na área de cartografia, ofereceria uma visão matizada e dinâmica do problema, já que perfeitamente atualizável com os recursos da informá-
303
Fundamentos da comunicação interpessoal
tica, além de aprofundar, como talvez nunca se tenha feito antes, a relação conflito-cooperação. É claro que a metodologia para a confecção de uma carta, com esses objetivos, teria que partir de conceitos bem-definidos de conflito e cooperação, bem como de extensão espacial, no interior das instalações da empresa, e de estrutura hierárquica e organogramática. Nesse caso, teríamos sempre um número bem razoável de variáveis, mas justamente o esforço em refletir sobre cada uma é que dotaria a empresa de uma inteligência sobre gestão de pessoas e comunicação interna em um aspecto dos mais importantes na vida organizacional. Aliás, as variáveis por si só talvez apontassem para a necessidade de se produzir diferentes mapas1, de acordo com o surgimento de peculiaridades dos movimentos internos e das relações entre grupos.
1
A exemplo dos mapas pertencentes aos dois ramos da Geografia: mapas físicos: mapa geomorfológico – representam as características do relevo de uma região; mapa climático – indica os tipos de clima que atuam sobre uma região etc.; mapas humanos: mapa político – aponta a divisão do território em países, estados, regiões, municípios; mapa econômico – indica as atividades produtivas do homem em determinada região etc.
Mayer e Mariano (2008) dividem os conflitos entre objetivos e emocionais e os relacionam em um quadro que poderia servir de ponto de partida para um mapa como propomos. Quadro 1 – Conflitos objetivos e emocionais Conflitos objetivos
Conflitos emocionais
Definição de metas
Distribuição de tarefas
Choque de personalidade
Alocação de recursos
Crenças e valores divergentes
Distribuição de recompensas
Antipatia
Definição de políticas
Ressentimento
Designação de funções
) 3 7 2 . p , 8 0 0 2 , O N A I R A M ; R E Y A M (
Conflito como processo Um autor como Robbins (2002), citado por Mayer e Mariano (2008), vê o conflito como um processo que tem início no momento em que uma parte faz algo que a outra julga incompatível com seus interesses; o conflito ocorre quando ambas as partes percebem a divergência, cujas consequências podem tomar caminhos inesperados. O teórico divide o conflito em cinco estágios bem demarcados e propõe técnicas de superação do problema. A figura a seguir sintetiza os estágios.
304
Fundamentos da comunicação interpessoal Estágio I
Estágio II
Estágio III
Estágio IV
Estágio V
Oposição potencial ou incompatibilidade
Cognição e personalização
Definição de estratégia ou intenção
Comportamento
Resultado
Conflito percebido
Intenção ou estratégia para lidar com o conflito • competição • colaboração • compromisso • evasão • acomodação
Condição antecedente • comunicação • estrutura • variáveis pessoais
Conflito sentido
No conflito aberto
Aumento de desempenho do grupo
• comportamento
dos envolvidos • reação de outras
pessoas
Redução de desempenho do grupo
Figura 3 – O processo de conflito.
Estágio I: oposição potencial ou incompatibilidade Presença de condições geradoras de conflitos. Essas condições são sintetizadas em três categorias gerais: comunicação, estrutura e variáveis pessoais. Comunicação – o modo pelo qual as partes comunicantes fazem uso das palavras e do gestual. Uso de jargões, de gírias, de termos técnicos, a troca insuficiente de informações e o ruído no canal de comunicação podem ser obstáculos para a comunicação e potenciais antecedentes para os conflitos.
Portanto, certifique-se sobre o sentido das palavras; verifique a acepção que determinado vocábulo ganha no contexto. Aja com assertividade e peça esclarecimento sobre o uso das palavras sempre que julgar necessário. Em certas ocasiões, a consulta a um dicionário faz-se necessária, caso de secretárias incumbidas da correspondência de um setor. Palavras parônimas (semelhantes), como ratificar e retificar; tráfego e tráfico, podem dar margem a problemas bem além da troca de letras. No anedotário hospitalar, conta-se que uma muito mal instruída auxiliar de enfermagem teria injetado suco de laranja na veia do paciente; na verdade, o que o médico receitara, no prontuário, era uma refeição matutina leve à base de suco de laranja e aveia... Estrutura – os grupos dentro das organizações possuem metas diferentes. Essa diversificação de objetivos entre os grupos é uma grande fonte de conflitos. Quando os grupos buscam metas diferentes, algumas sendo divergentes, o potencial de conflito cresce muito. Tal é o caso, por exemplo, da divergência entre grupos que produzem bens e os que os vendem. Estes desejam maior número de funcionalidades para os objetos, tornando-os mais atraentes aos olhos do público e, portanto, mais competitivos; os grupos que produzem insistem em conservar as características para tornar a produção mais ágil e enxugar custos. 305
) 6 7 2 . p , 8 0 0 2 , O N A I R A M ; R E Y A M (
Fundamentos da comunicação interpessoal
Variáveis pessoais – o sistema de valores de cada um é o responsável por estabelecer o modo individual de julgar fatos e pessoas com os quais se interage. É a raiz de preconceitos e desacordos, quando não de reações mais intensas. Assim, o julgamento que se faz sobre determinado processo pode depender de um viés moral que diverge de outros também convocados a participar do julgamento.
Estágio II – cognição e personalização A percepção do conflito propriamente dito ocorre nesse estágio. Como se destacou, a divergência, se notada pelas partes envolvidas, tem-se o antecedente para o conflito. Há o nível em que o conflito é percebido e o nível em que o conflito é sentido. Conflito percebido é a consciência, de uma ou mais partes envolvidas, da existência das condições que geram oportunidades para o surgimento de conflitos. Conflito sentido é o envolvimento emocional em um conflito, gerando ansiedade, tensão, frustração ou hostilidade.
Estágio III – intenções A tomada de decisão dá-se nesse estágio; para tanto, apreende-se a intenção dos outros e toma-se uma atitude a respeito. As inclinações da personalidade do indivíduo revelam-se aqui, assim como sua capacidade de resposta ou disposição para interagir durante a divergência. Habilidades pessoais são ativadas nesse estágio e postas a julgamento. Robbins (2002) identifica cinco intenções para a administração de conflitos: competir, colaborar, evitar, acomodar-se e conceder. Competir – desejo da pessoa em satisfazer seus próprios interesses, independentemente do impacto sobre a outra parte em conflito. Colaborar – situação em que as partes conflitantes pretendem satisfazer os interesses de todos os envolvidos. Evitar – desejo de fugir de um conflito ou tentar suprimi-lo. Acomodar-se – disposição de uma das partes em conflito de colocar os interesses do oponente antes dos seus próprios. 306
Fundamentos da comunicação interpessoal
Conceder – situação na qual cada uma das partes de um conflito está disposta a abrir mão de alguma coisa.
Estágio IV – comportamento É nesta etapa em que o conflito se desenvolve e os comportamentos diante dele se cristalizam na forma de declarações, ações e reações. É também um estágio de certo grau de indeterminação, pois, dada a “estratégia” posta em prática pelos agentes, a explicitude de uma posição pode dar lugar, gradativamente, a significados implícitos ou mesclados; ou, simplesmente, a ação explícita mudar de rota e seguir outra, inesperada, de natureza bastante diferente daquela esboçada no início da tensão.
Estágio V – consequências Os conflitos resultam em consequências. Essas consequências podem ser funcionais ou disfuncionais. Consequências funcionais – os conflitos são construtivos quando melhoram a qualidade das decisões, estimulam a criatividade e a inovação, encorajam o interesse e a curiosidade dos membros do grupo, oferecem um meio para o arejamento dos problemas e a liberação das tensões e estimulam mudanças. Consequências disfuncionais – os conflitos podem reduzir a eficácia dos grupos, podem causar deficiências de comunicação, redução da coesão do grupo e subordinação de metas. Podendo, assim, paralisar o grupo e ameaçar sua sobrevivência.
Técnicas de resolução de conflitos Robbins (2002) propõe diferentes estratégias para a resolução de conflitos. O caráter prescritivo de todas as estratégias deve, a nosso ver, ser relativizado pela observação atenta de cada situação conflituosa. Assim, o encarregado da resolução deve ser dotado de boa capacidade analítica, o que prevê aguçada visão de conjunto, representada pelo conhecimento de estruturas físicas, hierárquicas e processos, entre os quais o provisionamento de recursos.
307
Fundamentos da comunicação interpessoal
Resolução de problemas – encontros entre as partes conflitantes, com o propósito de identificar o problema e resolvê-lo por meio de discussão aberta. Metas superordenadas – criação de uma meta compartilhada que não possa ser atingida sem a cooperação entre as partes conflitantes. Expansão de recursos – quando o conflito é causado pela escassez de um recurso, a expansão do recurso pode criar uma solução ganho-ganho. Não enfrentamento – suprimir o conflito ou evadir-se dele. Suavização – minimizar as diferenças entre as partes conflitantes, enfatizando seus interesses comuns. Concessão – cada uma das partes abre mão de algo valioso. Comando autoritário – a administração usa sua autoridade formal para resolver o conflito e depois comunica seu desejo às partes envolvidas. Alteração de variáveis humanas – utilização de técnicas de mudança comportamental, tal como treinamento em relações humanas, para alterar atitudes e comportamentos que causem conflitos. Alteração de variáveis estruturais – mudanças na estrutura formal da organização e nos padrões de interação entre as partes conflitantes, por meio de redesenho de atribuições, transferências, criação de posições coordenadas etc.
Diferenças culturais, sociais e etnocentrismo Apenas de passagem, os três fatores presentes no título deste tópico podem também ser fontes de conflitos. Há duas formas de entender a questão da diferença cultural: a de origem étnica e a de formação cultural, ou seja, o processo pelo qual o indivíduo teve acesso aos bens culturais de seu país: como se deu o contato com literatura, artes de um modo geral, história etc., e com qual intensidade, além da habilidade com que se articula esse conhecimento. Estrangeiros, principalmente os recém-chegados a um país, podem fazer julgamentos de determinadas situações a partir do viés étnico e cultural, não levando em conta as diferenças, de
308
Fundamentos da comunicação interpessoal
mesma natureza, presentes na questão. É comum, no Brasil, ouvir comparações entre uma formação rígida, luterana, e outra, nossa, católica e piedosa, que poderia estar na base de uma atitude paternalista das chefias. Assim como alusões a um traço genérico de acordo com o qual “o brasileiro” é passivo, preguiçoso, moralmente permissivo e politicamente conservador ou alienado. Uma visão estereotipada como essa não é um fenômeno exclusivamente de estrangeiros, já que o retrato poderia ser ratificado por muitos brasileiros; a diferença é que o estereótipo não seria levado em conta no posicionamento que um patrício adotaria, contra outro, diante de crises de relacionamento na empresa. A inclinação em direção ao estereótipo pode ocorrer, isto sim, quando se julgam os estrangeiros ou descendentes de outras etnias em determinadas situações. Japoneses e alemães tendem a ser associados a trabalho árduo e de qualidade; estadunidenses, à inteligência, em geral, e a uma visão pragmática sobre as coisas, mas todos eles, ao mesmo tempo, podem ser alvo de uma antipatia que transforma essas virtudes em defeitos, na medida em que são relacionadas a um intempestivo e suposto caráter dominador e etnocêntrico, peculiar a esses povos. A natureza volúvel dos preconceitos pode dar o tom, também, ao modo como pessoas de diferentes níveis culturais convivem na empresa. Antes, não deixemos de reconhecer que educação formal e cultura geral são fatores bastante valorizados no mundo organizacional e uma das maneiras de identificá-los é a análise da redação. Um texto dotado de abordagem segura e precisa em relação aos objetivos, com linguagem adequada aos seus fins, e estruturado de acordo com os padrões de coesão e coerência, revela muito sobre a formação escolar do autor e um tanto de sua visão de mundo. Contudo, essa competência por si só não assegura, como se sabe, uma posição de vantagem nos conflitos, tampouco dota a pessoa, necessariamente, de razão diante de situações limite. É importante destacar isso, pois o tema sobre certa visão de cultura e formação escolar tomou grande relevo durante o governo do presidente Lula. O antigo torneiro mecânico e sindicalista é ainda hoje acusado de ser “analfabeto” ou semi, falar “mal” e, por consequência, mostrar-se incompetente para ocupar o cargo de presidente. O cantor e compositor Caetano Veloso, em entrevista ao Caderno 2 do jornal O Estado de S.Paulo2, reacendeu a discussão ao elogiar Marina Silva, do Partido Verde, provável candidata ao Governo Federal, e criticar duramente Lula, embora Caetano não tenha associado, diretamente, incompetência linguística à política: 309
2
Disponível em: . Acesso em: 6 dez. 2009.
Fundamentos da comunicação interpessoal
Não posso deixar de votar nela. É por demais forte, simbolicamente, para eu não me abalar. Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro. Ela fala bem.
Mesmo tendo, em outra situação, relativizado sua declaração3 e acusado a edição sensacionalista de suas palavras, própria “da nova direita”, Caetano acabou, “involuntariamente”, como disse, causando um pequeno escândalo no país ao tocar em uma questão que julga ser tabu em certos círculos, o de criticar o chefe de Estado:
3
Reportagem sobre a repercussão da fala do compositor e suas considerações sobre o fato Disponível em: . Acesso em: 6 dez. 2009.
O fato de Lula falar assim é uma coisa que [...] os linguistas louvam. Eu me contraponho ao elogio dos linguistas, mas eu mesmo o considero um sinal dessa originalidade brasileira, que vem de sermos portugueses, de sermos colonizados dessa maneira.
Tomando como referência a polêmica, pode-se avaliar como o “falar bem”, na concepção, talvez, da maioria, é um sinal de cultura, “de inteligência” e de outros valores relacionados à distinção da pessoa. A referência de Caetano aos linguistas merece comentário: trata-se de uma visão, a dos linguistas, que não valoriza a oposição certo versus errado, em termos gramaticais, como ocorre em uma abordagem que já se tornou rotineira nos meios de comunicação e em livros do tipo “não erre mais”. Os linguistas preocupam-se com a “realização linguística”, cujo modelo de relação é dado, entre outros, pela dicotomia competência/ performance (desempenho). Carlos Ceia4 oferece a seguinte explicação sobre os conceitos:
4
E-dicionário de termos literários de Carlos Ceia, crítico português: verbete disponível em: . Acesso em: 6 dez. 2009.
Conceitos ingleses da gramática generativa que respeitam à competência ou saber interiorizado que os falantes de uma língua possuem e que lhes permite comunicar, produzir e compreender ( performance) enunciados novos. A distinção foi introduzida por Noam Chomsky e teve o mesmo efeito que outra célebre dicotomia: língua e fala, proposta por Saussure. A competência ( competence) traduz não só um conhecimento interiorizado e enraizado culturalmente, mas também indica a intuição do falante para se poder pronunciar sobre a validade dos enunciados produzidos numa dada língua, pelo que a competência é também gramatical. À competência opõe Chomsky a performance (termo de tradução difícil, que significa literalmente “desempenho”, “realização”), “aplicamos esse conhecimento linguístico, geralmente traduzido em atos de linguagem ou de fala. Nos seus trabalhos mais recentes, como Knowledge of Language (1986), Chomsky usa já expressões como “sistema de conhecimento” (system of knowlegde) ou l-language em substituição do conceito de competência.
Ora, Lula parece realizar uma língua “do povo”, pela qual se faz entender e se comunica muito bem. Deve ferir suscetibilidades estéticas Brasil afora, mas reconheçamos que, provavelmente, a maior parte das reações ocorra devido aos erros de concordância nominal e verbal, aqui e ali ouvidos nos pronunciamentos presidenciais. Contudo, essa realização linguística não nos parece distante da observada em grande parte (ou talvez na maioria) dos brasileiros, inclusive naqueles com escolaridade acima da de Lula, a da escola média. 310
Fundamentos da comunicação interpessoal
O que é importante notar no fenômeno em torno de um presidente é que o primeiro se manifesta contra alguém que parece ter dado inúmeras provas de habilidade política, tendo, inclusive, ganho, em 2009, prêmio de Estadista do Ano, da Chatam House, o Real Instituto de Assuntos Internacionais do Reino Unido. Se é assim com um indivíduo que tem demonstrado que o seu “falar mal” não afeta em nada sua capacidade de governar, o que se dirá, então, quando os desvios linguísticos da norma culta manifestam-se por parte de certos agentes no interior das organizações? O valor excessivo concedido às marcas de “certo” e “errado”5, sobretudo às representadas pelo mecanismo da concordância verbal e nominal, expressa uma visão estreita de língua, tão ou mais alienada que outra, de acordo com a qual “escrever bem” confunde-se, quase que exclusivamente, com o domínio da ortografia. Um dos nossos mais importantes gramáticos, Evanildo Bechara (2002), costuma dizer que a “[...] língua é o que os falantes fazem dela”. E prossegue, defendendo que, todos nós, deveríamos ser “[...] poliglotas dentro da própria língua [...]”; isto é, reconhecer que há diferentes modalidades linguísticas e usá-las nos diferentes contextos.
A linguagem corporal traduz emoções e pensamentos A transcrição de um trecho do livro de Allan e Barbara Pease (2005, p. 17-8), sobre linguagem corporal, oferece uma visão geral sobre o tema deste tópico: Albert Mehrabian, pioneiro da pesquisa da linguagem corporal na década de 1950, apurou que em toda comunicação interpessoal cerca de 7% da mensagem é verbal (somente palavras), 38% é vocal (incluindo tom de voz, inflexão e outros sons) e 55% é não verbal.
Os autores oferecem ao leitor uma gramática descritiva dos gestos, a partir da constatação de que a “[...] linguagem do corpo é o reflexo externo do estado emocional da pessoa”(PEASE; PEASE, 2005, p. 19). O intuito do livro, segundo os autores, não é o de oferecer uma ferramenta de domínio sobre o outro, mas aprimorar a comunicação. Para tanto, há o que eles consideram “três regras para uma leitura precisa” da linguagem corporal.
311
5
Marcos Bagno escreveu inúmeras obras sobre o tema da realização linguística, visando ao estudo do prisma ideológico presente em certa concepção de língua idealizada pelas classes dominantes. Uma das obras a se ocupar do assunto é Dramática da Língua Portuguesa: tradição gramática, mídia e exclusão social . São Paulo: Loyola, 2000. O autor possui um site: . Acesso em: 6 dez. 2009.
Fundamentos da comunicação interpessoal
Entendendo a gramática do corpo Regra I Leia os gestos em grupos. Não se deve nunca isolar um gesto dos demais e da circunstância em que ocorre. Portanto, “coçar a cabeça” pode ter vários significados (suor, incerteza, caspa, mentira etc.) e depende sempre dos gestos que venham a seguir. Os grupos gestuais revelam as emoções e pensamentos, como no caso de um indivíduo que parece demonstrar que não está satisfeito com o que ouve: sua mão, colada ao rosto, com o indicador apontado para cima, enquanto outro dedo cobre a boca e o polegar apoia o queixo. Esse gesto deve ser lido em conjunto com outros: pernas firmemente cruzadas, o braço passado sobre o estômago (postura defensiva) e a cabeça e o queixo inclinados para baixo (negatividade/hostilidade). Um significado possível dessa frase gestual é: “não gosto do que você está me falando”.
Regra II Fique de olho na coerência. Constatam-se que os sinais não verbais têm um efeito cinco vezes maior do que as palavras pronunciadas; no caso de não haver coerência entre uns e outros, há uma forte inclinação, principalmente por parte das mulheres, em se considerar apenas os primeiros. A observação dos grupos gestuais e da coerência entre as mensagens verbais e gestuais é a chave da interpretação correta das atitudes por meio da linguagem corporal.
Regra III Leve em conta o contexto. Uma pessoa curvada em determinada situação não significa, necessariamente, uma atitude de derrota, mas, talvez, o sinal de que sente frio. Portanto, o contexto é fator decisivo para a leitura do gesto.
Gestos no dia a dia Um dos gestos mais significativos no cotidiano é o aperto de mão. Por isso, vários estudiosos analisam-no. Um aperto de mão equilibrado e inspirador de confiança é aquele em que a palma da mão de ambas as pessoas permanece na posição vertical; nesse caso é preciso, ainda, regular a pressão do aperto pela pressão aplicada pela outra pessoa. 312
Fundamentos da comunicação interpessoal
Há uma série de apertos de mão desagradáveis, entre os quais o chamado “peixe morto”, caracterizado pela frouxidão do gesto; geralmente, as pessoas o associam à fraqueza de caráter. O sorriso é outro desses gestos recorrentes que denuncia muitas intenções. Ele exerce uma influência sobre a pessoa para a qual sorrimos, suscitando uma resposta de mesma natureza. Dos cinco tipos de sorrisos analisados por Allan e Barbara Pease, o “sorriso de lábios cerrados” caracteriza-se por emitir a mensagem segundo a qual a pessoa tem uma opinião ou atitude secreta, contida, que não quer compartilhar com o outro. Os sinais com os braços também são alvo de leitura. Cruzar os braços diminui a credibilidade, porque é geralmente associado à formação de barreira entre os interlocutores. A barreira formada pelos dois braços sobre o peito é uma tentativa inconsciente de bloquear tudo o que se julga ameaçador ou circunstancialmente indesejável. Pesquisas nos EUA demonstraram que o cruzamento de braços durante aulas ou palestras leva a reter menos informação na ordem de até 38%. O rosto, afirmam os autores, mais do que outras partes do corpo, é capaz de encobrir mentiras. Sorrisos, gestos com a cabeça e piscar de olhos fazem parte do jogo da dissimulação; no entanto, mais uma vez, a incoerência entre palavras e gestos indica uma forma de desmascaramento da pessoa que mente. Os gestos mais usuais de quem mente são: tapar a boca (o cérebro instrui, subconscientemente, a reprimir as palavras enganosas); tocar o nariz; coçar o nariz; esfregar os olhos; pegar na orelha; coçar o pescoço; afrouxar o colarinho; dedo na boca.
Os 13 gestos mais frequentes Assentir com a cabeça – gesto presente na maioria das culturas e indica quase sempre concordância com o interlocutor. Assentir com a cabeça geralmente “contagia” o outro e faz com que ele retribua o gesto, além de incentivar a colaboração e a concordância. Balançar a cabeça é tido como um gesto inato e, provavelmente, o primeiro a ser desenvolvido pelo recém-nascido ao recusar o seio da mãe quando se sente farto. Cabeça erguida – atitude neutra em relação ao que está sendo dito.
313
Fundamentos da comunicação interpessoal
Cabeça inclinada para um lado – sinal de submissão porque expõe a garganta e o pescoço e faz a pessoa parecer menor e ser menos ameaçadora. Cabeça baixa – o queixo abaixado indica uma atitude negativa, crítica ou agressiva. Encolher o pescoço – no contexto profissional, geralmente indica atitude submissa.
Catar fiapos – há pessoas que não concordam com o que se está falando, mas o corpo acusa a discordância com gestos como o de catar fiapos imaginários na própria roupa, enquanto se olha para baixo ou para os lados.
Mãos nos quadris – geralmente indica disposição para o enfrentamento. Além de ocupar mais espaço, os cotovelos salientes têm aspecto ameaçador.
Posição de caubói – polegares dentro do cinto ou no alto do bolso das calças, ao mesmo tempo em que se enquadra a região genital é um gesto masculino que denota virilidade.
314
. A . S l i s a r B E D S E I
. A . S l i s a r B E D S E I
. A . S l i s a r B E D S E I
Fundamentos da comunicação interpessoal
Perna sobre o braço da cadeira – atitude agressiva que quase sempre significa indiferença e despreocupação.
Montar na cadeira – as costas da cadeira servem como escudo protetor para o indivíduo, reforçando seu caráter agressivo e dominador.
A catapulta – gesto eminentemente masculino: sentado, mãos atrás da cabeça com cotovelos lançados para fora e perna dobrada em quatro sobre a outra: intimida ou demonstra relaxamento, nem sempre real. Gesto característico de financistas, advogados, gerentes de vendas ou de pessoas que se sentem superiores.
Posição de largada – inclinar-se para a frente com as mãos no joelho ou lançar-se para a frente com as mãos agarrando a cadeira sinalizam o desejo de concluir uma reunião.
. A . S l i s a r B E D S E I
. A . S l i s a r B E D S E I
. A . S l i s a r B E D S E I
. A . S l i s a r B E D S E I
315
Fundamentos da comunicação interpessoal
Ampliando seus conhecimentos
A qualidade e a importância das relações interpessoais (SZACHER; COSTA FILHO, 2007)
Viver hoje é uma tarefa árdua e difícil, levando-se em consideração as constantes mutações do mundo moderno e as pressões intelectuais e emocionais que o ser humano vê-se obrigado a enfrentar. O ser humano moderno se acha de tal modo envolvido nesse ritmo acelerado das descobertas científicas e das mudanças tecnológicas que se aliena cada vez mais de si mesmo e de seus semelhantes. É necessário resgatar a dimensão humana e até mesmo nosso próprio significado. A maior parte dos esforços empresariais é direcionada para o aumento e o aprimoramento da produção, deixando de perceber a importância do plano das relações interpessoais e dentro dela a importância desse processo para a obtenção da qualidade. É mais fácil treinar tecnicamente do que conseguir mudanças comportamentais. Aprender a aprender é uma aquisição de hábito muito importante em qualquer processo educativo. O desenvolvimento das relações interpessoais é a mola existencial que os indivíduos possuem para alcançar uma integração real e um rendimento efetivo no ensino-aprendizagem. Dois pontos tornam-se fundamentais para o sucesso de qualquer processo de educação permanente. São eles:
316
desenvolvimento contínuo da relação interpessoal, ou seja, saber relacionar-se bem com as pessoas, de uma maneira saudável;
comunicação forte e positiva para haver interações satisfatórias entre instrutor e treinando.
Fundamentos da comunicação interpessoal
Nos grupos em treinamento, o instrutor tem um papel muito importante além de ensinar. Ele é o responsável pela orientação do grupo para que o mesmo alcance a aprendizagem, exercendo também um papel social de orientar indivíduos, não apenas como instrumentos de produção, mas também para que se desenvolvam como pessoas. Carl Rogers, Jean Paul Sartre, Erich Fromm e outros afirmam que o relacionamento humano é precioso demais em suas potencialidades para ser reduzido ao nível de funcionamento de uma máquina. Se tivermos sempre presentes em cada um de nós a preocupação e o cuidado de aprimorar nossas habilidades no relacionamento interpessoal, os resultados obtidos gerarão condições favoráveis para o trabalho de grupo e um clima de confiança entre os participantes, permitindo que a qualidade das pessoas flua. Myron R. Chartier nos apresenta cinco elementos críticos que contribuem para uma comunicação interpessoal eficaz. São eles:
autoimagem;
saber ouvir;
clareza de expressão;
capacidade para lidar com sentimentos de contrariedade;
autoabertura.
Vamos destacar aqui dois desses elementos: Autoimagem – é o centro do seu universo, seu quadro referencial, sua realidade pessoal. Funciona como um visor através do qual o ser humano percebe, ouve, avalia e compreende as coisas; é seu filtro individual do mundo que o cerca. Autoabertura – todo indivíduo que possui capacidade de falar francamente sobre si mesmo estabelece uma comunicação eficaz. Powell coloca muito bem essa questão: “A capacidade de alguém para se autorrevelar é um sintoma de personalidade sadia”.
317
Fundamentos da comunicação interpessoal
Sem esses dois elementos, torna-se impossível uma integração grupal, que é o que todo instrutor busca para que o treinamento possa ocorrer num clima harmônico, onde os treinandos desenvolvam relações interpessoais abertas e confiantes. A comunicação adequada com outra pessoa, ou seja, reencontrá-la psicologicamente e estabelecer um diálogo, não é um dom inato, mas sim uma atitude adquirida por aprendizado. O processo ensino-aprendizagem não pode ser encarado de maneira simplista, como se apenas dependesse dos objetivos do educador, pois diversas variáveis agem como componentes externos, tais como psicomotora, cognitiva e humanística. O desenvolvimento interpessoal pode ser planejado para atender a objetivos tanto individuais como grupais. Dar ajuda e ter uma participação eficiente promovem o crescimento de um grupo e, consequentemente, abrem caminho para que o objetivo, ou seja, a aprendizagem, seja alcançada. A vivência e a carga de experiência que cada um carrega são muito importantes, pois uma experiência vivenciada e traduzida para o grupo não só é sentida pelo grupo, como deve ser aproveitada pelo instrutor como motivação e ser transformada em um pequeno debate. À medida que um treinamento evolui, a estrutura do grupo inicial vai se modificando gradativamente, dependendo da maneira como o mesmo está sendo conduzido. O importante é treinar sistematicamente. Somente através de repetições e análises é que adquirimos novos valores e hábitos. Novos valores, novas aquisições de hábitos, novas ideias, novos conceitos vão, sem dúvida alguma, gerar novos comportamentos que em muito contribuirão para uma aprendizagem plena, pois um grupo bem integrado alcança seu objetivo técnico e, mais importante, sua verdadeira dimensão pessoal.
318
Fundamentos da comunicação interpessoal
Atividades de aplicação 1. Considerando-se o processo de feedback nas relações interpessoais, aponte algumas características e o modo ideal de ser desenvolvido. 2. O que são estilos interpessoais e como podem auxiliar na análise das relações humanas na empresa? 3. Descreva, em linhas gerais, as etapas do “conflito como processo”, segundo Robbins.
319
Fundamentos da comunicação interpessoal
Referências BECHARA, Evanildo. Ensino de Gramática. Opressão? Liberdade? 11 ed. São Paulo: Ática, 2002. BEE, Roland; BEE Frances. Feedback . Tradução de: Maria Cristina Fioratti Florez. São Paulo: Nobel, 2000. BOFF, Leonardo. A Águia e a Galinha. 35. ed. São Paulo: Vozes, 2000. MAYER, Verônica Feder; MARIANO, Sandra R. H. Técnicas de Comunicação e Negociação. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2008. v. 1. MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal: treinamento em grupo. 11. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. ORTEGA Y GASSET, J. Meditações do Quixote. São Paulo: Iberoamericana, 1967. PEASE, Allan; PEASE, Barbara. Desvendando os Segredos da Linguagem Corporal. Tradução de: Pedro Jorgensen Junior. Rio de Janeiro: Sextante, 2005. ROBBINS, Stephen Paul. Comportamento Organizacional. 9. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002. SZACHER, Maurício Luiz; COSTA FILHO, Joel Bueno. A Qualidade e a Importância das Relações Interpessoais . Disponível em: . Publicado em: 5 jul. 2007. Acesso em: 7 dez. 2009.
320
Fundamentos da comunicação interpessoal
Gabarito 1. Para Moscovici (2001), o feedback deve reunir as seguintes características:
Descritivo ao invés de avaliativo – sem julgamento, apenas o relato de um evento.
Específico ao invés de geral – explicar o significado: quando se diz a alguém que ele é “dominador” isto tem menos significado do que indicar seu comportamento numa determinada ocasião. “[...] nesta reunião você não ouviu a opinião dos demais e fomos forçados a aceitar sua decisão para não receber suas críticas exaltadas [...]”.
Compatível com as necessidades de ambos, comunicador e receptor– pode ser altamente destrutivo quando satisfaz somente às necessidades do comunicador sem levar em conta as necessidades do receptor.
Dirigido – para comportamentos que o receptor possa modificar: em caso contrário, a frustração será apenas incrementada se o receptor reconhecer falhas naquilo que não está sob seu controle mudar.
Oportuno – logo após o comportamento em questão.
Solicitado ao invés de imposto – será mais útil quando o receptor tiver formulado perguntas que os que o observam possam responder.
Esclarecido – pedir para que o receptor repita o feedback recebido para ver se corresponde ao que o comunicador quis dizer.
2. Estilos interpessoais são categorias de um modelo conceitual, proposto por Joseph Luft e Harry Ingham, denominado de Janela de Johari. De acordo com o modelo, existem quatro estilos, cada um com características marcantes: I. Eu Desconhecido; II. Eu Secreto; III. Eu Cego; IV. Eu Aberto. Os estilos ajudam a compreender o modo como os indivíduos interagem, tendo como dominante a necessidade de feedback e de autoexposição. 3. Na visão de Robbins, conflito é um processo desenvolvido em cinco etapas: oposição potencial ou incompatibilidade; cognição e personalização; definição de estratégia ou definição; comportamento e resultado. 321
Efcácia na comunicação oral
Falar em público com segurança – fundamentos de oratória Em vários momentos, falar em público é tão decisivo quanto garantir a sobrevivência da democracia. Tem sido assim desde a Antiguidade, nascedouro dos grandes oradores, e ainda hoje, quando um país como o Brasil se vê em um longo processo de estabilização e consolidação dos valores democráticos. Em uma sociedade em que as vozes podem (e devem) ser ouvidas1, falar em público com propriedade, com o domínio do tema e dos recursos de expressão da fala e dos gestos constitui um dos momentos mais importantes de partilha da informação e do conhecimento. Desde oradores como Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), Cícero (106 a.C. - 43 a.C.) e Quintiliano (30 d.C. - 95 d.C.) até os oradores modernos, ler o mundo, a palavra escrita, acompanhada pelo pensar, escrever e bem dizer apresenta-se como uma harmoniosa continuidade. Demonstrar a virtude da oratória significa ser dotado de um conjunto de valores que formam o caráter do homem de bem. A virtus, na Antiguidade, não se limitava a uma fase da vida, como o senectus (velhice) ou o iuventus (juventude), já que era um valor de toda uma existência e, como tal, referendado nas doze Tábuas da Lei, do Direito Romano, como um equivalente da valentia, a areté no pensamento grego. A areté encerra todo o ideal da educação grega; para além do guerreiro valoroso, valente, corajoso e honrado, Aquiles é o protótipo do cavaleiro da época homérica: cortês, refinado e de senso ético apurado. Na Idade Média, dir-se-á sobre o cavaleiro que ele deve ser douto em letras e em armas, como tenta ser, em suas fantasias, o Cavaleiro da Triste Figura, Dom Quixote. A areté é uma superioridade ou uma excelência, própria da nobreza, um conjunto de traços físicos, de características espirituais e morais, filtrados na forma de bravura, coragem, destemor, observados na destreza do guerreiro,
1
No entanto, não devemos confundir o direito à fala com uma deformação desse valor, encarnada pela impertinência de que todos devem opinar sobre tudo, a todo momento, sem nenhuma hesitação, sem reflexão sobre o contexto, a oportunidade e, principalmente, sobre aquilo que se deseja compartilhar.
Eficácia na comunicação oral
na eloquência de sua fala e na persuasão de sua palavra. O orador grego deveria imbuir-se desses valores para, quando se apresentasse em público, não apenas seu pensamento inspirasse a reflexão e a tomada de decisão, mas, antes, para que sua figura fosse a prova viva dos mais altivos significados da urbanidade. Na Antiguidade grega, o cidadão sentia-se em profunda harmonia com a polis, a cidade, em cuja gestão influía com o uso da palavra, posta em intenso debate. A virtude do conhecimento encontra sua boa forma na retórica e na oratória; esta última, um campo de especulação originariamente romano, como tradução da retórica grega. A oratória teve origem na Sicília no século V a.C., mas foi na Grécia que encontrou meios para seu desenvolvimento. A retórica, como idealizada por Aristóteles, é a arte da palavra, do falar bem, da persuasão, do raciocínio e do argumento. Com o passar dos anos, foi tendo seu caráter ornamental (uso de figuras de linguagem: metáforas, metonímias, antíteses; figuras de ritmo etc.) enfatizado demais e, a partir do século XVIII, entra em declínio para voltar a ser objeto de interesse na segunda metade do século XX. A oratória, por sua vez, identificou-se desde cedo com a eloquência, com a capacidade do orador em expressar, com certo grau de dramaticidade, o tônus dominante do pensamento. Hoje, o orador continua fazendo uso do manancial da oratória, mas não é tão pujante sua eloquência, nem mesmo no meio político. Modernamente, para buscar referência na área da psicologia, o orador de talento deve ser dotado de algumas das nove “inteligências múltiplas” 2, estudadas por Howard Gardner (1995), psicólogo da Universidade de Harvard:
2
Lógico-matemática; linguística; musical; espacial; corporal-cinestésica; intrapessoal; interpessoal; naturalista; existencial; essas duas últimas foram acrescentadas depois da primeira edição do livro.
Inteligência linguística – os componentes centrais da inteligência linguística são uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem. É a habilidade para usar a linguagem para convencer, agradar, estimular ou transmitir ideias. Inteligência interpessoal – pode ser descrita como uma habilidade para entender e responder adequadamente a humores, temperamentos, motivações e desejos de outras pessoas. Ela é melhor apreciada na observação de psicoterapeutas, professores, políticos e vendedores bem-sucedidos. Inteligência intrapessoal – é o equivalente interno da inteligência interpessoal, isto é, a habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos
324
Eficácia na comunicação oral
e ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de habilidades, necessidades, desejos e inteligências próprias, a capacidade para formular uma imagem precisa de si próprio e a habilidade para usar essa imagem para funcionar de forma efetiva. Essas inteligências estruturam-se de forma dinâmica, bem por isso sempre é possível perceber com mais nitidez a proeminência de uma ou mais de uma delas. No caso do orador de talento, a inteligência linguística é, naturalmente, aquela que se destaca e também a que se mostra indispensável para aqueles que necessitam ou pretendam fazer do falar em público algo além de uma experiência pontual. Entre parênteses, salientamos que ao nos depararmos com as características da inteligência linguística é possível lembrar do conceito de “instinto de linguagem”, desenvolvido por Noam Chomsky e retomado por Pinker (2002). Para esse pesquisador, a linguagem não é um artefato cultural, estruturado de acordo com processos baseados em estímulos exteriores. Ao contrário, é nitidamente uma peça da constituição biológica de nosso cérebro. A linguagem é uma habilidade complexa e especializada, que se desenvolve na criança sem nenhum esforço consciente ou instrução formal, manifestando-se sem que se perceba sua lógica subjacente, que é qualitativamente a mesma em todo o indivíduo. Em sendo de fato uma propriedade inata, é o caso de se admitir que muitos indivíduos nasçam com essa habilidade mais desenvolvida que outros. Voltando a Gardner (1995), temos que a inteligência interpessoal realça a capacidade de se “entender e responder” melhor aos estímulos enviados pelos outros. Parece-nos indispensável também possuir essa inclinação para o desenvolvimento, em alto grau, da aptidão de falar em público. A interação, a empatia com a plateia, provavelmente ocorrerá de forma mais fluida, se suscitada por indivíduos dotados por esse tipo de inteligência. Por outro lado, a inteligência intrapessoal relaciona-se ao autoconhecimento, que propicia ao indivíduo a oportunidade de vislumbrar algo sobre a natureza humana a partir do exame de suas próprias possibilidades e limites. Já que estamos especulando sobre as especificidades de cada inteligência, devemos, ainda, lembrar de uma dimensão que é sustentada por essas estruturas, mas se mostra capaz, também, de alimentá-las de conteúdo. Referimo-nos ao repertório.
325
Eficácia na comunicação oral
A palavra repertório tem a seguinte etimologia: é uma “matéria metodicamente disposta”; uma “coleção”, um “conjunto”; um “inventário” ou “compilação”. O leitor já ouviu essa palavra ser relacionada ao universo da música, quando se diz que certo cantor ou compositor possui (ou não) bom repertório. Ao se emitir tal opinião, adota-se um juízo de valor de acordo com determinado critério de qualidade. No caso de um cantor, ainda que se reconheça o valor intrínseco do repertório, pode-se dizer que este não se ajusta bem ao intérprete por uma série de razões: exigências técnicas de voz não correspondidas; baixa capacidade dramática; inadequação à sua personalidade etc. Essas considerações valem em parte para a discussão que nos interessa em torno da noção de repertório. Há uma relação íntima entre o cantor e seu repertório, o seu “conjunto de canções”, na medida em que este, guardadas certas diferenças de personalidade dos artistas, é produto de uma intensa disposição para o experimento, para o ensaio, para a repetição, cujo resultado concorre, também, para configurar a identidade do intérprete no mundo do espetáculo. A noção de inventário de experiências, que constitui uma prática de vida, é útil para compreendermos o sentido mais extenso da palavra. O repertório, nessa última acepção, é resultado do esforço de autoconhecimento do indivíduo, de uma determinação em saber de si e saber sobre o mundo, de uma capacidade a um só tempo de reflexão, de projeção e conservação de uma matéria que se impõe como decisiva e confirmadora de uma existência. Nossa experiência na família e na sociedade, nossa educação escolar, nossas leituras, nosso trabalho, nossa memória e imaginação, a matéria efetivamente vivida ou ludicamente inventada, tudo isso se articula como um conjunto de informações organizadas na consciência, que servirá de substância para o ato da escrita e da fala em público. Ao contrário do cantor eventualmente mal-adaptado ao repertório musical, a constelação de elementos acima indicada nunca está em desarmonia conosco, pois que somos o próprio repertório. Podemos pensar o modo de convívio entre as partes integrantes do repertório individual como uma rede, um sistema de relações na forma de linguagem, capaz de assimilar e gerar conhecimento. 326
Eficácia na comunicação oral
Sem um repertório suficientemente diversificado ou especializado em determinados temas, dificilmente se obterá êxito na missão de falar com propriedade em público. Outro livro de Gardner (2005) detém-se na reflexão sobre o modo pelo qual líderes tão diferentes como o indiano Mahatma Gandhi e Jack Welch, ex-presidente da GE, conseguiram influenciar seu público e, assim, levar adiante suas ideias. Gardner enumera sete componentes que ajudam os líderes a persuadir pessoas, sejam elas políticos, executivos ou artistas. O foco de Gardner não é o desempenho do orador, mas como a mente funciona para persuadir; no entanto, já que discutimos a questão do papel do orador no âmbito da Comunicação Empresarial, não nos parece impertinente fazer uma referência de passagem àquele instrumental, o qual o autor denomina de 7Rs. O convencimento, afirma Gardner, ocorre quando o argumento (reason) e a pesquisa (research) são reforçados por múltiplas formas de representação (representation), eventos do mundo real (real world events), ressonância (resonance) e recursos (resources). Todos esses elementos caminham em uma única direção, de forma que as resistências (resistances) possam ser identificadas e mensuradas de forma satisfatória. O argumento é a apresentação lógica das ideias; a pesquisa: utilização de informações relevantes na argumentação; a ressonância: o modo pelo qual a ideia deve “parecer apropriada” para o público; representação: capacidade de relatar uma boa história ou experiência: eventos do mundo real : crises, guerras, furacões, tudo isso pode facilitar a mudança de pensamento; recursos e prêmios: a audiência precisa ser seduzida e achar que ganha ao apoiar o chefe; resistências: o líder deve estar preparado para elas e saber como combatê-las. Considerando-se os limites deste capítulo e o caráter didático de que se reveste, a abordagem que se fará em seguida, sobre apresentação em público, limita-se a alinhar determinadas regras e princípios, frequentemente estruturados na forma de tópicos. Tomamos como referência alguns títulos de Reinaldo Polito (2005a; 2005b; 2006a; 2006b) para coligir o texto. Polito é, provavelmente, o nome de maior evidência nos estudos de oratória, autor de vasta obra sobre o assunto, além de palestrante talentoso e dos mais prestigiados. As vantagens de falar em público são muitas e certamente a relação a seguir está incompleta: projeta a personalidade; propicia a autoanálise; gera cooperação; estimula a criatividade; intensifica o autoconhecimento; conso-
327
Eficácia na comunicação oral
lida o prestígio; inspira a credibilidade; exercita o raciocínio lógico; mostra-se um valioso instrumento de persuasão; contribui para a disciplina mental; favorece a prática das habilidades de liderança; permite melhorar o plane jamento e organização das ideias; impulsiona as negociações; fortalece o marketing pessoal e profissional; potencializa as habilidades latentes; estabelece interação; aumenta a produtividade; valoriza o poder da argumentação criativa; revela a inteligência e a sensibilidade; aprimora a linguagem verbal e não verbal; proporciona melhores relações interpessoais. Não precisará se enfatizar o quão necessário é que o comunicador saiba falar em público e claramente se posicione diante dos assuntos com os quais se envolve no cotidiano das organizações.
Princípios gerais Domínio sobre o tema A maior parte da segurança de se falar em público provém do conhecimento sobre o tema. Portanto, é necessário ter uma visão geral sobre ele, mais ainda quando houver possibilidade de a plateia fazer perguntas. Deve-se lembrar que a credibilidade do orador está diretamente associada ao atendimento dessa condição. O ritmo da exposição, a espontaneidade dos gestos e das palavras, a escolha dessas palavras e a inovação na abordagem do tema decorrem desse domínio.
Conhecer a audiência Deve-se saber previamente com quem se irá falar e buscar informações sobre seu perfil. Cada audiência demanda uma abordagem diferenciada, porque tem características e expectativas próprias. Quem fala com estudantes da escola superior pode ter um comportamento diferente do que se sua comunicação fosse dirigida a experientes profissionais de uma determinada área. A linguagem e os exemplos seguramente serão distintos em cada situação.
Conhecer o espaço físico Visitar com antecedência o ambiente no qual se irá discursar. Avaliação das suas dimensões e o impacto sobre a acústica, a disposição dos assentos em relação ao palco ou ao local em que o orador ficará postado, o índice 328
Eficácia na comunicação oral
de luminosidade, as áreas de circulação. Elementos do espaço físico podem influir negativamente nos resultados de sua apresentação.
Uso correto da expressão corporal Uma pesquisa conduzida por Albert Mehrabian, psicólogo da Universidade da Califórnia (UCLA), deu origem à Teoria 7-38-55. O estudo indica que, no processo de comunicação, somente 7% do impacto da mensagem decorre de seu conteúdo, 38% da comunicação verbal (intensidade e velocidade da voz) e 55% da linguagem não verbal (gestos, postura, contato visual).
A naturalidade pode ser considerada a melhor regra da boa comunicação É verdade que todos nós possuímos máscaras sociais que nos ajudam a interagir com as pessoas em sociedade e ao mesmo tempo cristalizar certos significados sobre o modo como nos veem. Em outras palavras, dizemos que construímos e exibimos nossa personalidade em uma permanente dinâmica com o nosso interior e os estímulos do exterior. No entanto, nada justifica tentar ser em público aquilo que não se é. Não se deve exagerar na impostação da voz, evitando-se que o resultado fique distante do timbre natural do orador; também não se deve exagerar na precisão prosódica, isto é, pronunciar as palavras como se elas devessem ser articuladas da exata forma como são escritas. Se o orador cometer alguns erros técnicos durante uma apresentação em público, mas se comportar de maneira natural e espontânea, os ouvintes ainda assim poderão acreditar nas suas palavras e aceitar bem a mensagem. Entretanto, se ele usar técnicas de comunicação, mas apresentar-se de forma artificial, a plateia poderá vê-lo como afetado ou arrogante. A técnica será útil quando preservar as características do orador e respeitar seu estilo de comunicação. Apresentando-se com naturalidade, irá se sentir seguro, confiante e suas apresentações serão mais eficientes.
Não confiar na memória – leve um roteiro como apoio Na Grécia Antiga, em um tempo anterior à escrita, os aedos memorizavam obras extensas com a ajuda de chaves mnemônicas, ou seja, constru329
Eficácia na comunicação oral
ções que criavam “rotas” pelas quais a memória se guiava. Definitivamente, essa não é a melhor estratégia para levar a bom termo uma apresentação hoje, pois vivemos em um mundo em tudo diferente daquele, e nossa percepção e atitude diante da memória mudaram muito. O risco de tentar memorizar palavra por palavra de um discurso é o de se esquecer de algum vocábulo importante e assim não se conseguir fazer a conexão entre duas ideias. O presidente Lula, em discurso3 durante a escolha da sede dos jogos olímpicos de 2016, parece ter memorizado toda a mensagem, fato que por si só não desmerece o orador, embora tenha com isso perdido um pouco da naturalidade. No entanto, o presidente é um homem acostumado a se apresentar em público e, caso tivesse esquecido alguma palavra, provavelmente saberia improvisar.
3
Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2009.
Ao decorar uma apresentação, você poderá não ter se preparado psicologicamente para falar de improviso e, ao não encontrar a informação de que necessita, ficará sem saber como contornar o problema. Nessas horas, um roteiro oferecerá a oportunidade de se relacionar as principais etapas da exposição e frases com ideias completas. Quase como se fosse um mote, um tema, o orador lerá, diante da plateia, a frase, a ideia ou conceito-chave e a seguir comentará a informação, ampliando, criticando, comparando, discutindo, até que essa parte da mensagem se esgote. Caso deseje, poderá orientar-se por essa trilha, bastando, em seguida à primeira leitura, repetir o procedimento: ler a frase e fazer outros comentários apropriados à nova informação, estabelecendo outras comparações, introduzindo observações diferentes até concluir essa etapa do raciocínio; agindo assim até encerrar a apresentação.
Cuidado formal com a linguagem Os desvios da gramática, em determinados momentos do discurso, podem até conceder certa fluidez ao texto, mas há desvios que serão colocados na conta dos erros grosseiros, que devem ser a todo custo evitados. Erros de concordância, quando sujeito e verbo estão distantes um do outro, não são muito raros, ou quando há inversões como “chegou as compras”; fora esses, há vários outros que podem ocorrer, sobretudo quando se fala de improviso, como é o caso da redução de ditongos (dexe ao invés de deixe; robo ao invés de roubo) e daqueles que já se tornaram “clássicos” de tão frequentes: fazem dez anos; a funcionária chegou meia atrasada; casa germinada; o gerente não 330
Eficácia na comunicação oral
sabia aonde havia colocado os documentos; cerca de onze cheques foram devolvidos; os clientes esperavam-o no lugar combinado; a entrega, cuja qual me referia etc.
A fala deve ter começo, meio e fim O ensino de redação na escola nos habituou a adotar as três etapas do texto dissertativo, quando intencionamos defender ideias por meio da argumentação: introdução, desenvolvimento e conclusão, o que equivale aos três tempos referidos acima. Dito de outra forma: anuncie o que vai falar, fale e conte sobre o que falou. No entanto, uma apresentação está sujeita a recuos, paradas, atalhos improvisados, digressões e a outros elementos intervenientes não presentes em uma dissertação. Ao anunciar qual o assunto que irá desenvolver, a plateia acompanhará seu raciocínio com mais facilidade, porque saberá aonde deseja chegar. Em seguida, transmita a mensagem, sempre facilitando o entendimento dos ouvintes. Se, por exemplo, deseja apresentar a solução para um problema, diga antes qual é o problema. Se pretende falar de uma informação atual, esclareça inicialmente como tudo ocorreu até que a informação nova surja. Na tradição retórica, Aristóteles aludia a quatro etapas para os discursos: exórdio, narração, provas e peroração, mais ou menos correspondentes aos três estágios do texto dissertativo atual.
A postura certa comunica bem quem você é Se o orador se apoiar apenas sobre uma perna, denotará certa atitude relaxada que, na maioria das vezes, não será bem recebida pela plateia. Nesse caso, estamos nos referindo aos oradores que fazem uso de microfone fixo ou da tribuna, o estrado atrás do qual se colocam os oradores. Sobretudo nessa última situação, os gestos exagerados de mãos ou braços serão mais percebidos, pois apenas parte do corpo do orador permanece à vista da plateia. Caso o microfone não esteja fixo em um ponto, o deslocamento pelo palco, ou equivalente, deve ocorrer, mas sempre de modo natural, demonstrando que há algum objetivo nessa intenção como, por exemplo, destacar uma informação, reconquistar parcela do auditório que está desatenta etc., 331
Eficácia na comunicação oral
caso contrário, é preferível ficar parado. Deve-se ainda evitar o efeito “fera enjaulada”, causado pelos oradores que se movimentam de uma ponta a outra do palco e de forma constante. A falta de gestos pode dar a impressão de que o orador não tem vitalidade ou está inseguro. Contudo, é preciso ter cautela para evitar o excesso de gesticulação. O orador deve olhar para todas as pessoas da plateia, girando o tronco e a cabeça com calma, ora para a esquerda, ora para a direita, para valorizar e prestigiar a presença dos ouvintes, saber como se comportam diante da exposição e dar maleabilidade ao corpo, proporcionando, assim, uma postura mais natural. Na empresa, diante da hipótese da presença de uma pessoa com cargo hierárquico mais elevado, o contato visual deve se prolongar um pouco mais sobre ela, mas apenas o suficiente para que essa deferência seja notada.
Bom humor O bom humor concede leveza à apresentação e cria empatia com o público, além de, se adequado e na dose certa, provoca o riso, que é uma forma de avaliar a resposta da plateia à certa intenção do orador. No entanto, o bom humor pode se transformar pura e simplesmente em humor, a predisposição para se fazer graça a partir de qualquer pretexto e colocar a credibilidade do orador em risco.
Prepare-se para falar Não se contente apenas em se preparar sobre o conteúdo, treine também a forma de exposição. Faça exercícios falando sozinho na frente do espelho, ou, se tiver condições, diante de uma câmera de vídeo. No entanto, o treinamento sugerido, embora possa conceder fluência e ritmo à apresentação, de maneira geral, não garante naturalidade. Para que a fala atinja bom nível de espontaneidade fale com pessoas. Reúna um grupo de amigos, familiares ou colegas de trabalho, ou de classe, e converse bastante sobre o assunto que irá expor.
Apresentação pessoal Nunca alguém perdeu algo por se apresentar bem em público. A atenção com a apresentação pessoal envolve um número não muito extenso de cuidados, mas que se for negligenciada poderá pôr em risco a figura do orador e seu empenho em benefício da plateia. 332
Eficácia na comunicação oral
O orador é o ponto de convergência dos olhares que o percorrerão de cima a baixo, fazendo julgamentos sobre sua aparência, roupa, dicção, tom de voz, modo de sorrir, de se movimentar no palco, gesticular, entre outros. Portanto, para que o primeiro pensamento sobre o orador não seja algo relacionado ao seu descuido com a apresentação pessoal, seguem algumas regras que devem ser observadas.
Vestimenta
Corretamente ajustada ao corpo (nem muito colada, nem larga demais);
Corretamente ajustada ao tamanho (nem muito curta, nem comprida demais);
A mais sóbria possível, a roupa não deve chamar mais atenção do que a pessoa;
Evitar alças, decotes e excesso de transparência.
Sapatos
De preferência baixos, para um conforto maior;
Limpos e em perfeito estado de conservação, o que inclui graxa e solado em boas condições.
Cabelos e barba
Cabelos bem cortados; limpos, de preferência presos;
Barba bem aparada.
Unhas
Devidamente tratadas, limpas;
Não se admite esmalte danificado;
Dê preferência a cores rosadas.
333
Eficácia na comunicação oral
Maquilagem/perfume
Sóbria;
Perfumes florais, coloniais;
Desodorante seco.
A cabeça O semblante é a parte mais expressiva de todo o corpo. Funciona como uma tela onde as imagens do nosso interior são apresentadas em todas as dimensões. Trabalha também como identificador de coerência e de sinceridade das palavras. Deve demonstrar exatamente aquilo que se está dizendo.
A boca A boca comunica tanto quando fala, quanto quando cala. É ela que determina a simpatia do semblante.
A importância do sorriso O sorriso sincero poderá quebrar barreiras aparentemente intransponíveis. Ele conquista adversários, desarma inimigos, transforma opiniões, cultiva vontades e emociona. É um elemento especial na comunicação e deve ser largamente utilizado.
A comunicação visual De todo o semblante, os olhos possuem importância mais evidenciada para o sucesso da expressão verbal.
Atitudes que devem ser evitadas
334
Fugir com os olhos (para baixo, para cima, para todos os lados), pois dá a impressão de que não se tem a atenção do orador;
O extremo também deve ser evitado, pois olhar insistentemente deixa o ouvinte pouco à vontade;
Eficácia na comunicação oral
Olhar desconfiado (de um lado para outro), pois gera incerteza da atenção merecida pelo ouvinte;
Olhar fixo, pois dá a impressão de comportamento hostil do orador;
Olhar de “limpador de para-brisa” (por cima, para os lados);
Olhar perdido.
Como fazer apresentações Uma tentativa de oferecer um roteiro ou estrutura dos elementos relacionados nos tópicos anteriores, juntamente com outros, a serem desenvolvidos no atual, chega à seguinte ordem:
Conteúdo
• • • • •
Abertura Sequência Motivação Repetição Clareza de conceitos e ideias
Aspectos formais ligados ao orador
• • • • • •
Aparência Movimentação Posicionamento Tom de voz, inflexão Contato visual (visualização) Símbolos de autoridade
Outros aspectos formais
• • • •
Suporte visual Controle do ambiente Controle do tempo Controle do auditório
. o l e M e d s a i D o t r e b o R z i u L
Na abertura de uma apresentação, deve-se cumprimentar o público de modo cordial e sincero, mas não efusivo, pois não se trata de um show . Dependendo do contexto, agradeça à pessoa ou à entidade que o convidou para o evento. Inicie sua fala com uma breve exposição sobre o tema e os objetivos da apresentação. Não faça piadas, pois não há clima para isso, já que a interação propriamente dita ainda não teve início. Outra proibição: nunca comece a apresentação pedindo desculpas porque não conhece bem o tema ou porque está com algum problema de saúde que o impede de dar o máximo de si. Agindo assim, criam-se, de antemão, certas reservas em relação ao conteúdo a ser desenvolvido ou uma atitude de concessão que põe em xeque a credibilidade do orador.
335
Eficácia na comunicação oral
Ainda que possa parecer muito impositivo de nossa parte, vale lembrar de que o orador não deve fazer uso de linguagem chula, principalmente em determinados ambientes, bem como se posicionar perante temas polêmicos (aborto, uso de drogas etc.), a não ser que o tema exija esse posicionamento. Declarar-se favorável ou contra uma causa estabelece um alinhamento ideológico a partir do qual certos preconceitos da plateia podem vir à tona.
Voz, dicção e vocabulário A voz é uma espécie de radiografia da pessoa. Por isso, exige procedimentos específicos para educá-la e torná-la um eficaz meio de comunicação, utilizado também para aumentar o grau de aceitação das ideias do orador. O chamado colorido com o qual se reveste a voz diz respeito a uma diversidade de elementos que incluem tonalidade, altura, articulação das palavras entre outros, responsáveis pela musicalidade. O modo de começar as frases, formar vogais, fazer pausa não se reduz a mero aspecto formal, pois ele é capaz de dotar a expressão de certa carga dramática, irônica, histriônica, ou supostamente neutra, reforçando ou suavizando determinada ideia. Nesse sentido, o exercício com leitura em voz alta é indispensável e, na verdade, um hábito que se perdeu muito nas últimas décadas. Leia para você mesmo. Mas quais são os elementos que você deve trabalhar na sua voz para melhorar a dicção? Existem alguns fatores que podem ser analisados separadamente na sua voz:
336
Volume – esse elemento está associado à modulação do discurso. Caso sua apresentação dure mais de três minutos, é necessário modular o volume vocal (falar mais alto e mais baixo, mais depressa e mais devagar). Em pequenos intervalos, de 45 segundos a um minuto e meio, fale mais baixo e mais lentamente. Lembre-se, porém, que sempre a sua voz deve ser ouvida por todo o auditório. Após esse intervalo, volte ao seu ritmo normal de forma brusca e energética. Isso vai tornar suas apresentações mais atraentes. Tome cuidado com a implementação dessa técnica, pois ela requer muito treino para que você obtenha êxito. Porém, ao falar mais alto, a sua voz tende a sair mais fina e desarmoniosa, exigindo bastante cuidado.
Eficácia na comunicação oral
Andamento e ritmo – esse elemento está associado a quão rapidamente você articula as palavras e sons, ou seja, sua dicção.
Ênfase – esse elemento diz respeito à tonicidade de suas palavras e sílabas. É necessário que as pessoas consigam captar realmente sua intenção. Existe uma parte da oração (ou do contexto) que, quando enfatizada, melhora a representação da sua ideia. Você poderá dar ênfases da seguinte forma:
dê uma pequena pausa antes do trecho que você quer enfatizar;
aumente o volume vocal no trecho a ser enfatizado.
Pausa – a pausa pode ser usada de muitas maneiras pelo orador: para dar ênfase, efeito, humor, para chamar a atenção do auditório, para fazer com que as pessoas que estão conversando durante a palestra parem de falar etc.
Velocidade – você já deve ter ouvido alguém falar sem pontos ou sem vírgulas. São pessoas que tentam falar na velocidade em que pensam. Há também aquelas que falam tão lentamente que acabam criando certa ansiedade em relação à conclusão do raciocínio. Qual é a velocidade ideal para o discurso? Será que depende da velocidade dos pensamentos do orador?
A velocidade do pronunciamento deve estar de acordo com o tema da palestra e com o preparo dos ouvintes. Quanto mais difícil for o assunto da palestra, ou quanto maior for seu desconhecimento por parte da plateia, mais lento deve ser o discurso. Para que ninguém fique entediado nessas circunstâncias, é necessário usar modulação de voz: falar mais alto, mais baixo, mais depressa ou mais devagar. É necessário aprimorar todos esses elementos por meio de muitos exercícios. Simule várias combinações e escolha a melhor para dar o efeito que você deseja.
Local e recursos didáticos Como se destacou, o local onde ocorre a apresentação exerce influência sobre o evento como um todo. O orador deve estar preparado para se adaptar ao ambiente, motivo pelo qual, sempre que possível, procurará conhecê-lo com antecedência. 337
Eficácia na comunicação oral
O maior inimigo do orador é a acústica deficiente, ocasionada por problemas estruturais do ambiente ou por sistemas de som precários. Ambos os complicadores podem prejudicar bastante a apresentação ou mesmo inviabilizá-la. Tanto no caso do problema estrutural – que pode estar ligado ao projeto arquitetônico do ambiente – quanto no outro, relacionado ao sistema de som, a intervenção do orador pode amenizá-los, contanto que se tenha sensibilidade e abertura na comunicação com a plateia. Ao se notar o incômodo causado pela acústica deficiente, o orador pode perguntar à plateia se ela o ouve bem. Às vezes, a equalização do som pode ser reajustada ou efetivamente realizada, corrigindo o balanço entre os níveis e a distribuição de som pelo ambiente. Outras vezes, e em situação extrema, poderá ser o caso de se dispensar o microfone, se o lugar não for muito grande ou não estiver lotado. Ambientes mal iluminados e com má ventilação também causarão incômodo aos presentes. A ventilação insuficiente poderá causar o abandono do ambiente por uma parte da plateia. Nesse caso, o orador poderá se sentir desprestigiado, e psicologicamente afetado, por não ter a devida dimensão do problema, além de ter sua fala entrecortada pelo ruído de pessoas em retirada. Também em casos muito particulares, a má ventilação poderá ser amenizada pela abertura de portas e eventuais janelas, ainda fechadas, ou mesmo pela colocação em prática de um “truque”. Vimos um palestrante, em situação análoga, solicitar que fossem apagadas algumas lâmpadas do ambiente, pois atribuía, com convicção, a causa do calor ao excesso de iluminação. Deu certo. Aos poucos, percebemos um número menor de pessoas na plateia improvisando abanadores. Ao final do evento, fomos cumprimentar o palestrante pela apresentação e pela iniciativa de apagar as luzes e este revelou que o efeito fora muito mais de origem psicológica do que “sensória”, na sua expressão. Ainda brincou, dizendo que havia repetido a experiência de Hawthorne4, só que ao contrário.
4
George Elton Mayo, especialista em psicopatologia, em Harvard, e criador da vertente conhecida como Escola das Relações Humanas, coordenou a conhecida “Experiência de Hawthorne”, em 1927, que analisava a relação entre a melhoria das condições de trabalho e o aumento de produtividade em uma fábrica da Western Eletric Company. A principal intervenção ocorreu sobre a iluminação: quanto melhor iluminado o ambiente, maior a produtividade.
Os recursos disponíveis para apresentações são bastante conhecidos: quadro-negro, retroprojetor, flipchart , televisor e reprodutor de DVD, epidiascópio5 e datashow, o principal deles, e o preferido por palestrantes. Borges (2003, p. 13-15) faz uma abordagem bastante útil sobre eles:
5
Aparelho para projeção fixa de diapositivos, de imagens impressas, em suportes opacos, ou mesmo de pequenos objetos.
338
Eficácia na comunicação oral
Quadro 1 – Quadro-negro Vantagens
Disponível em quase todos os locais; Desenvolvimento progressivo durante a apresentação/aula; Facilmente apagável; Fácil participação do ouvinte/aluno.
) . o d a t p a d A . 5 1 3 1 . p , 3 0 0 2 , S E G R O B (
Desvantagens
Maçante quando usado em demasia; Prática exigida para o layout ; Facilmente desordenável; Tendência a escrever fora de nível.
Indicações Método espontâneo; Bom para grupos pequenos (2 a 20 pessoas) em salas iluminadas; Desenhos e gráficos devem ser simples e de fácil cópia. Dicas Cuidado com o giz e seu pó; Use cores para ênfase; Escreva legivelmente; Leia alto o que escreve, mantém a atenção do grupo; Não deixe muita coisa sempre escrita; Limpe-o para a próxima apresentação; Escreva da esquerda para a direita, apagando-o na mesma sequência.
Quadro 2 – Flipchart Vantagens
Desvantagens
Fácil de preparar antes ou durante a apresentação/aula; Desenvolvimento progressivo durante a apresentação/aula; Sequência flexível, pode folhear para a frente e para trás; Folhas removíveis para colocar na parede ou quadro-negro; Portátil; Colorido ou preto e branco; Atua como roteiro.
Armazenagem; Não muito durável; Tendência do apresentador de ler para o público.
Indicações Uso recomendado em grupos pequenos (2 a 20 pessoas) e salas bem iluminadas; Bom meio informal; Facilmente preparável; Podemos ter acesso em qualquer ordem, embora seja usado numa sequência preparada.
339
) . o d a t p a d A . 5 1 3 1 . p , 3 0 0 2 , S E G R O B (
Eficácia na comunicação oral
Dicas Não mais de um ponto-chave por folha (pode conter até quatro subpontos); Tamanho de letra não deve ser menor que 3cm; Máximo de 4 linhas por folha (+título) (expositivo); Deixe amplo espaço entre as linhas para melhor legibilidade; Assinale os pontos principais; Identifique palavras principais com cores; Não use cores demais; Mude o tipo letra; Evite charts complicados ou ornamentados; Mantenha-os no mínimo necessário; Use folhas brancas entre certos charts que podem desviar a atenção; Notas escritas levemente a lápis podem ajudar o apresentador; Se os enrolar, o lado escrito deve ficar para fora; Planeje sua posição relativamente ao auditório e pratique; Tenha um chart de resumo no fim.
) . o d a t p a d A . 5 1 3 1 . p , 3 0 0 2 , S E G R O B (
Quadro 3 – Retroprojetor
6
Deformação, em forma de trapézio, da imagem projetada na tela, resultante da inclinação do eixo do feixe de projeção, em relação à normal, ao plano da tela.
Vantagens
Desvantagens
Variedade de material disponível para fazer transparências, com ou sem máquina de copiar/impressora; O apresentador olha para o público de frente; Sala iluminada; Progressivo; Baixo custo; Facilmente disponível. Facilmente duplicado ou corrigido; Colorido ou preto e branco; Portátil; Durável.
Distorção trapezoidal6; Arranjo na sala onde se realizará a projeção; Tendência a copiar figuras de manual ou livros que sejam pequenos demais para reproduzir uma transparência legível.
Indicações Grupos pequenos e médios (2 a 50 pessoas) em sala escurecida ou não; Pode ser projetada em qualquer superfície clara; Bom meio informal; Fácil de preparar; Ideal para acesso aleatório; Permite ao apresentador olhar para os ouvintes todo o tempo.
340
) . o d a t p a d A . 5 1 3 1 . p , 3 0 0 2 , S E G R O B (
Eficácia na comunicação oral
Dicas Regras que concernem a linhas e cores do flipchart também se aplicam aqui; Evite transparência de cópias de páginas digitadas. Se absolutamente necessário use tipo de letra arial, com tamanho 20, no mínimo; Considere a possibilidade de usar transparências superpostas; Utilize cores, canetas para retroprojetor são facilmente encontradas; Lembre-se de usar cartão adequado para tampar a transparência toda vez que não esteja em uso ou então desligue o projetor; Coloque-as em molduras para facilitar o manuseio; Mantenha-as em número reduzido; Leve um indicador e se possível use-o na tela e não no aparelho; Lembre-se de utilizá-la como o quadro-negro para efeitos de construção.
) . o d a t p a d A . 5 1 3 1 . p , 3 0 0 2 , S E G R O B (
Quadro 4 – DVD Vantagens
Desvantagens
Excelente qualidade do visual produzido; Uso de cores; Movimentação; Permite edição; Fácil transporte; Produção instantânea; grava e reproduz na hora; Não necessita processamento em laboratório (como nos filmes); Troca rápida e fácil de disco; Permite avanço rápido, câmera lenta e cena parada; Permite autoinstrução.
Custo do equipamento (câmera + vídeo); Exige prática do operador da câmera; “Projeção” deve ser feita em um televisor ou telão; Preparo de um “filme” é demorado; Edição exige dois aparelhos.
Indicações Recomendado para grupos pequenos e médios (2 a 50 pessoas). Dicas Prepare sempre um roteiro antes de filmar; Identifique as fitas e faça índice dos conteúdos; Leia periódicos e livros que dão “dicas” mais especializadas e ideias simples de utilização para o videocâmera.
341
) . o d a t p a d A . 5 1 3 1 . p , 3 0 0 2 , S E G R O B (
Eficácia na comunicação oral
Quadro 5 – Epidiascópio
7
Instrumento de medida eletrônico que cria um gráfico bidimensional visível de uma ou mais diferenças de potencial.
Vantagens
Desvantagens
Permite mostrar diretamente figuras ou textos de livros ou qualquer documento; Reproduz na tela o documento com suas cores originais; Economiza tempo, evitando preparar visuais elaborados; Baixo custo. Fácil de operar.
Exige sala completamente escura; Tende a distrair o público; Leva o apresentador a não preparar visuais, pois usa diretamente as fontes bibliográficas; Obriga o apresentador a ficar ao lado do aparelho para colocar os originais.
) . o d a t p a d A . 5 1 3 1 . p , 3 0 0 2 , S E G R O B (
Indicações Recomendado para grupos pequenos ou médios (2 a 50 pessoas). Indicado para reprodução, em tela, de livros ou documentos diretamente, sem necessidade de produzir outras matrizes. É indicado também para mostrar o conteúdo de telas de equipamentos de medida, tais como osciloscópios7, mediante uso de lente adaptadora (similar ao “telão de TV”). Dicas Evite uso prolongado; Não reproduza figuras pequenas ou textos com letras pequenas; Prefira usar transparências para manuscritos.
Quadro 6 – Datashow Vantagens
Desvantagens
Permite uso de cores; Movimentação; Permite maior sequência, mediante escolha de Alto custo do equipamento; opções; Exige conhecimento de operação de softwares Fácil transporte; de apresentação. Permite alterações até mesmo na hora; Permite uso individual (autoinstrução). Indicações Recomendado para grupos pequenos e médios (2 a 50 pessoas) ou para uso individual; Recursos auxiliares ao computador como datashow e vídeo projetores podem também auxiliar na exibição de filmes. Dicas Planeje o roteiro do que se quer mostrar e os caminhos a serem escolhidos; Faça sempre backup da apresentação a ser realizada; Informe-se antecipadamente se a configuração disponível no microcomputador é compatível com o software da sua apresentação; Chegar com antecedência suficiente para instalar no microcomputador a apresentação e testá-la; Verificar a existência de lâmpadas sobressalentes do equipamento de reprodução da tela do computador (datashow, videoprojetor, canhão etc.).
342
) . o d a t p a d A . 5 1 3 1 . p , 3 0 0 2 , S E G R O B (
Eficácia na comunicação oral
Preparação de discursos A maioria dos oradores concorda com o princípio de que não se deve ler um discurso. Ironicamente, no entanto, uma das peças de oratória mais citadas – “A oração aos moços”, de Rui Barbosa8 – veio à luz como texto para ser lido; não por seu autor, que se encontrava adoentado na ocasião e impedido de assumir a tribuna, como paraninfo, de uma turma de Direito do Largo São Francisco em São Paulo, mas por um representante que, emocionadamente, leu o texto diante dos formandos daquela inesquecível cerimônia de 1920. Há, por outro lado, quem diga que o texto se interpõe entre o orador e o auditório, dificultando a verdadeira interação. Como já se salientou, falar de memória é um grave risco, além de o orador encobrir-se de um fino tecido, diáfano e quase imperceptível, mas que embaça o brilho das palavras e entorpece os movimentos. Alguns oradores escrevem os discursos, para depois esquecê-los, de propósito, mas não inteiramente, conservando deles a ossatura, por assim dizer. Abaixo, um esquema, talvez um tanto extenso, motivo pelo qual o leitor poderá suprimir o tópico C, da parte principal, quando julgar dispensável.
I. Introdução A. Agradecer ao apresentador; B. Introdução que desperta a atenção da audiência; C. Por que a audiência deve ouvi-lo; D. Prévia do tópico.
II. Parte principal A. Primeira ideia principal 1. Pontos de apoio; 2. Pontos de apoio.
343
8
Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2009.
Eficácia na comunicação oral
B. Segunda ideia principal 1. Pontos de apoio; 2. Pontos de apoio. C. Terceira ideia principal; 1. Pontos de apoio; 2. Pontos de apoio.
III. Conclusão A. Resumo das ideias principais; B. Ponto culminante ligado à introdução.
Cada ideia principal é acompanhada de “pontos de apoio” que podem tomar a forma de provas concretas (estatísticas, pesquisas, referência a autores, fatos) sobre a exatidão e pertinência dos conceitos referidos em cada ideia principal. Um discurso de forte impacto, ainda hoje, é o do final de O Grande Ditador (1940), de Chaplin, autor de uma obra central na história do cinema e criador de uma linguagem corporal, de interação com objetos em cena, muitas vezes apontada como uma das maiores contribuições à sétima arte. Notemos como o orador – um modesto barbeiro, que, após uma reviravolta, acaba ocupando o lugar do ditador do título – faz uso da estrutura do discurso aristotélico, conforme estudado na Arte Retórica, dividido em quatro etapas, como referido anteriormente: exórdio, narração, provas, peroração.
Exórdio Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades. 344
Eficácia na comunicação oral
Narração O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido. A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis!” A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
Provas Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é o que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!
345
Eficácia na comunicação oral
Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
Peroração
9
Exemplos do uso da estrutura do discurso aristotélico: Steve Jobs, da Apple, em formatura de estudantes da Universidade de Stanford. Disponível em: . Martin Luther King, o famoso “Eu tenho um sonho”. Disponível em: . Encenação do discurso do deputado Marcio Moreira Alves, causa da decretação do AI-5. Disponível em: . Por ocasião do 79.º aniversário do apresentador Silvio Santos, na data registrada adiante, lembramo-nos da defesa que fez do cantor Roberto Carlos, mesclando narração e provas, há cerca de 40 anos. Disponível em: . Todos os vídeos foram acessados em 12 dez. 2009.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos! Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!
Aristóteles classificou os discursos em três gêneros: o deliberativo (persuade ou dissuade); epidítico (elogia ou censura) e jurídico (acusa ou defende). O discurso do nosso herói pertence ao gênero deliberativo9, pois tenta convencer o auditório sobre as benesses da paz. No exórdio, o orador comunica de imediato o tema de seu discurso. No filme, a situação em que se encontra o barbeiro, sósia do ditador, já suscitava nos ouvintes a expectativa por outro discurso eloquente e belicista, ao 346
Eficácia na comunicação oral
estilo de seu soberano, mas foram surpreendidos pela renúncia ao poder e o apelo à paz. Na narração, o orador deve relatar tudo o que sabe sobre o tema; perceba como o nosso orador evoca os avanços da ciência e, em contraste, o aumento da opressão; nas provas, o orador apresenta elementos concretos que fortalecem seu ponto de vista; no início dessa etapa o barbeiro argumenta que os soldados não devem se entregar aos tiranos: “[...] que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos”; finalmente, na peroração, o orador retoma e reforça um ou mais temas e faz um apelo ao auditório (“Lutemos...”); no filme, o barbeiro convoca à resistência, além dos soldados, também Hannah, a mocinha da história.
Excelência em improviso Em primeiro lugar, ninguém é convidado a falar de improviso sem um motivo para isso. De um modo geral, julga-se o convidado capaz de dirigir a palavra aos presentes, ainda que se saiba que ele não se obriga a criar uma brilhante peça de oratória na ocasião. A expectativa da plateia, portanto, dificilmente será elevada, o que de saída já deve tranquilizar o orador. Justamente pelo fato dessa pessoa, você, por exemplo, fazer jus ao convite, não é impertinente sugerir que sempre tenha consigo um tema “na manga”. Esse tema deverá, necessariamente, ser um dos que você domina para ajudá-lo a encaminhar um discurso de improviso com naturalidade e segurança. Por isso, tente refletir sobre os assuntos que podem compor esse, digamos, portfólio informal: algo ligado à sua profissão, um acontecimento inusitado, um acontecimento bombástico ocorrido por aqueles dias, uma curiosidade, uma leitura que esteja fazendo, uma conversa com um amigo etc. O importante é que você possa abraçar o tema escolhido e, se necessário, analisá-lo de mais de um ângulo. Contudo, o tema que você domina não é aquilo propriamente que os ouvintes esperam ouvir, pois, afinal, há um contexto que estabelece certas condições para sua fala. Esse tema deve ser considerado “paralelo”, ou seja, sua função é prepará-lo para o desenvolvimento do tema que suscitou sua convocação ao palco ou equivalente. Comece por ele, mas se prepare para fazer a transição a partir de um mote, uma passagem, palavra ou ideia associada que se ligue “naturalmente” ao tema principal. A partir daí, entra seu repertório em cena. Mas lembre-se: a expectativa da plateia, como se salien347
Eficácia na comunicação oral
tou, de um modo geral não é alta, pois para eles também foi uma surpresa o convite feito a você. Siga as etapas abaixo e atente para o tempo de sua fala que nunca deverá ser longa.
Discurso de improviso
Planeje;
Saiba como começar e terminar;
Seja breve;
Não tenha pressa para começar;
Utilize um assunto paralelo;
Ordene mentalmente a apresentação do tema central;
Não peça desculpas;
Fale mais baixo no início;
Fale apenas sobre temas que você domina;
Não recuse convites;
Agradeça a oportunidade.
Timidez Se tivermos que apontar a mais persistente das causas da timidez diante do desafio de falar em público, certamente seria o sentimento de inferioridade. É claro que há outras razões, e bastante significativas, mas o fenômeno apontado é um complicador que não pode ser negligenciado, quando se fizer uma análise apurada sobre o problema. Comecemos por reconhecer outra vez que, para o comunicador, falar em público se confunde mesmo com o processo de fortalecimento de posições de liderança. Afinal, cabe a ele promover a conversação em diversos níveis, e daí que será impossível chegar a bom termo sem algumas ou muitas comunicações públicas. Deixando de lado um pouco a figura do comunicador, qualquer pessoa na empresa deveria estar preparada para falar em público, mas basta aventar essa possibilidade para muitas delas, de imediato, serem tomadas pela timidez e rejeitarem a hipótese. 348
Eficácia na comunicação oral
A timidez é uma forma de reação do corpo e da mente para se proteger de situações que parecem ameaçadoras; como um mecanismo de autopreservação do eu, cabe saber se ele se manifesta de modo pontual ou crônico. Como se mencionou, o sentimento de inferioridade é uma posição extrema do indivíduo diante de uma situação que lhe parece limite; pensamentos que expressam a insegurança afloram e superam a sensação aparentemente análoga em que o indivíduo se sente acanhado porque não domina o tema. Os pensamentos negativos sobre a autoimagem às vezes podem ser tão paralisantes a ponto de a pessoa, em última instância, acabar protelando seu compromisso em falar em público. O primeiro desses pensamentos pode ser traduzido assim: “por que as pessoas precisam me ouvir?”, seguido de uma percepção sobre a condição financeira superior da plateia e o preparo intelectual dela, também acima do desempenho do orador; por fim, o modo como a plateia vai julgar sua aparência, o seu modo de falar e de se movimentar. Daí em diante, a desnutrição emocional tende a se acentuar, deformando a autoimagem e exagerando as dificuldades como um olhar obsessivo para os pequenos erros, sintoma da supervalorização do olhar do outro. No entanto, há formas de enfrentar a timidez, o que certamente exigirá uma boa dose de ousadia e determinação em adotar certos procedimentos. O primeiro é a aceitação de uma verdade que, embora óbvia, não é levada muito em conta: a maioria das pessoas tem medo de falar em público. Isso decorre da responsabilidade que se assume tacitamente perante o outro, na forma da entrega de algo valioso: a sua fala, portadora de conteúdos. A hipotética hostilidade da plateia deverá ter como correlato inverso o bom acolhimento de sua fala, afinal, você terá se preparado para a ocasião e se foi convidado para se colocar diante da plateia é porque há um bom motivo para isso. Imagine-se diante dos ouvintes, os quais demonstram interesse em sua fala e demonstram aprovar seu desempenho como um todo. A formulação de algumas perguntas, em um processo intenso de autoanálise, ajuda a se ter um retrato a partir do qual algumas imagens podem trazer à tona certas angústias e ansiedades, o primeiro passo para superá-las.
Como me vejo quando estou em presença do público?
Como acho que as pessoas me veem?
Como gostaria de me ver?
Como gostaria que as pessoas me vissem? 349
Eficácia na comunicação oral
Tenho medo de falar em público por quê?
Tenho a sensação de que meu corpo e cérebro atuam de forma desordenada. Quando?
Por que sinto que a plateia é ameaçadora?
Por que minha voz, quando falo em público, parece soar estranha?
É necessário motivar-se, investir na recuperação da autoestima, o que não raro envolve apoio terapêutico, mas não necessariamente. Algumas iniciativas são notavelmente benéficas:
resgate imagens positivas, enumerando com detalhes as situações em que foi possível administrar conflitos e superar dificuldades;
falar com amigos mais próximos sobre a ansiedade; representá-la; situar os momentos de maior tensão. Depois disso, você sentirá que o peso dos medos ficou menor e que é possível expressar-se com mais calma: esse já será um bom exercício na busca da autoconfiança;
analisar as características das pessoas que você admira quando falam em público: tom de voz, fluência, coerência, objetividade, carisma, expressividade, espontaneidade, argumentação, dicção, interação. Procurar ter acesso a essas pessoas e perguntar-lhes o caminho que percorreram para atingir esse resultado.
Palestra de negócios A palestra de negócios nunca será um texto para ser lido e, diferentemente de um discurso em uma cerimônia, de uma fala na empresa ou no ambiente acadêmico ou ainda de uma fala de improviso, em qualquer situação, ela possui caráter didático, além de ser resultado de uma ação comercial. Estamos nos referindo a um produto no mercado das palestras e eventos para empresas e executivos e, portanto, a expectativa em torno dela é grande, maior mesmo que o preço pago pelo evento. Os ouvintes esperam ser esclarecidos sobre determinado tema e muitos, senão a maioria, almejam colocar os conhecimentos apreendidos em prática ou no mínimo aumentar o repertório sobre esse tema, redimensionando os saberes que já possuíam. Dado esse caráter diferencial, o orador será duplamente julgado: pelo seu desempenho como tal, pela eficácia de sua fala como instrumento de comunicação, e pelo teor do conteúdo e seus efeitos, agora medidos por uma 350
Eficácia na comunicação oral
perspectiva utilitária. Portanto, eis uma situação em que falar em público é coisa para gente muito bem preparada, para profissionais acostumados a serem julgados por um tipo específico de desempenho e que, na eventualidade de não receberem a aprovação da plateia ou de parte dela, saberão como se corrigir sem se deixar abater. O princípio número um dos oradores deve ser ainda mais observado: só se proponha a falar sobre um assunto que você domina. Depois, tente seguir os seguintes passos: 1. Identificação do público-alvo – caso você tenha planejado a palestra, essa terá sido sua primeira reflexão. Quem será atraído pela “oferta” que se faz? Independentemente de você ter promovido o evento ou uma empresa que contratou seu serviço, é importante conhecer o perfil do público: sexo, faixa etária, cargos, formação universitária, empresas de origem e o interesse em específico em relação à palestra. 2. Administração do tempo – a palestra, propriamente dita, tem duração média de 1h30min. Aquelas três fases (introdução, parte principal ou desenvolvimento e conclusão), já referidas, podem ter os seguintes tempos: introdução – 5 minutos; desenvolvimento – 70 minutos e conclusão – 15 minutos. A partir daí, há um período de tempo de até 30 minutos para perguntas da plateia. 3. Já sabemos da importância do espaço físico do evento; por isso, se puder, não deixe de visitá-lo antes da apresentação. 4. Quais os resultados que você pretende obter com sua apresentação? Identifique-os em uma frase completa iniciada com verbo no infinitivo: demonstrar como a comunicação empresarial participa do plane jamento estratégico. 5. Elaboração da palestra – escreva no alto de uma folha o título da palestra e as palavras e conceitos-chave de cada etapa. Título: Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão. 6. Os conceitos-chave não devem ser muito longos, mas nada impede que você os desenvolva com mais detalhes em uma folha à parte, a qual poderá ser consultada durante a palestra. 7. Os “pontos de apoio”, do esquema a que nos referimos, equivalem, como vimos, a provas concretas sobre a aplicação dos conceitos que você expõe e defende. 351
Eficácia na comunicação oral
8. Estabeleça relações entre o conteúdo e o perfil e experiência do público. 9. Faça uso de datashow, se necessário. Mas nunca, em momento algum, limite-se a ler uma sequência de slides, isso significaria assumir que sua presença é dispensável. 10
Um hilariante exemplo de como não fazer boa apresentação encontra-se disponível em: . Acesso em: 13 dez. 2009.
10. Na parte final da apresentação10, retome e reforce os principais conceitos, de forma bastante sucinta, e extraia deles uma conclusão que reforce no espírito do ouvinte a certeza de que serão úteis para sua vida profissional.
Ampliando seus conhecimentos
Evite riscos e melhore suas apresentações (POLITO, 2009)
Meu pai foi um excelente motorista. Aprendi muito com ele. Por exemplo, ele me ensinou que ao dirigir à noite, em estrada de pista simples, ao cruzar com outro veículo eu não deveria olhar para frente, na direção dos faróis, mas sim para a faixa divisória pontilhada, pois dessa forma não teria a visão prejudicada. Uma dica maravilhosa! Outra orientação muito boa: não olhe apenas para os três ou quatro veículos que estão à sua frente, preste atenção até onde sua vista puder alcançar. Assim, se perceber que as luzes de freio dos veículos que estão a centenas de metros derem sinal, diminua a velocidade, pois você deverá parar em pouco tempo. Sem dúvida, uma dica nota dez! Esses conselhos têm me ajudado muito, não só para dirigir nas estradas, como foi possível adequá-los como boas regras de comunicação. É impressionante como situações tão distintas podem apresentar pontos comuns e mostram utilidade nas mais diferentes circunstâncias. Veja como os bons resultados de uma apresentação dependem muito dos cuidados que devemos tomar no momento da preparação. Além de usar esses conselhos preciosos para dirigir nas estradas, você poderá adaptá-los perfeitamente para conquistar sucesso em suas apresentações de projetos e propostas, seja nas reuniões internas, seja nos contatos com profissionais de outras organizações, como clientes e fornecedores. 352
Eficácia na comunicação oral
De maneira geral, as pessoas se preocupam em montar uma boa linha de argumentação quando precisam fazer apresentações. Escolhem e selecionam com critério os bons argumentos, como as estatísticas, as pesquisas, os exemplos, os estudos técnicos e científicos, as teses defendidas e aprovadas diante de bancas avaliadoras renomadas. Enfim, preparam o melhor arsenal para a batalha. Quase sempre, entretanto, se esquecem de observar o que meu pai me ensinou para dirigir nas estradas, olham de frente para as luzes dos faróis que vêm em direção contrária e deixam de avaliar os movimentos que ocorrem mais à frente, e que trarão consequência, mais cedo ou mais tarde. Para ser bem-sucedido em suas apresentações tome esses dois cuidados básicos e tão importantes: não estabeleça confrontos desnecessários com os ouvintes e avalie as resistências que terá pela frente. São duas cautelas simples, mas que não podem ser negligenciadas. Se você perceber que um dos ouvintes se mostra contrariado, como se fosse um veículo vindo em sua direção com os faróis acesos, não tente digladiar com ele nesse momento. Não é hora de duelar. Não enfrente o olhar adverso, olhe rapidamente na testa dele e dê atenção aos outros ouvintes. O “contrariado” também terá a impressão de que você olha para ele. Agindo assim, não se escravizará a uma pessoa, tentando fazê-la mudar naquele instante o comportamento resistente, e correndo o risco de não dar atenção aos outros ouvintes, que, sem dúvida, esperam que você os considere olhando também na direção deles. E olhar a estrada lá na frente? Acima de tudo esse cuidado. Você não pode ser surpreendido com objeções que poderiam ser previstas. Se der para saber que encontrará resistência com relação a custos, prazo de entrega, limitação de estrutura técnica etc., saiba antes que tipo de refutação você deverá apresentar. Peça ajuda. Discuta com seus companheiros os problemas que poderá enfrentar e as melhores saídas para cada caso. Estando preparado, ao ser contestado, você terá a resposta certa para o momento. Ouvirá o argumento contrário com mais tranquilidade, de forma mais serena, e defenderá sua tese com confiança e maiores chances de se sair vencedor. Além disso, sabendo que a resistência irá ocorrer, desde o princípio já poderá aos poucos minar a objeção, facilitando assim seu trabalho de defesa. 353
Eficácia na comunicação oral
Atividades de aplicação 1. Considerando a teoria das inteligências múltiplas, de Gardner, indique aquelas que parecem ser indispensáveis na formação de oradores. 2. Indique os elementos relacionados diretamente à voz do orador. 3. Quem é convidado a falar de improviso pode lançar mão de uma estratégia que lhe dá tempo de organizar o pensamento. Explique.
354
Eficácia na comunicação oral
Referências BORGES, Roberto C. M. Técnicas de Apresentação . UFRGS, 2003. Disponível em: . Acesso em: 14 dez. 2009. GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Tradução de: Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. _____. Mentes que Mudam. Porto Alegre: Artmed, 2005. PINKER, Steven. O Instinto da Linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002. POLITO, Reinaldo. Seja um Ótimo Orador. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005a. _____. Vença o Medo de Falar em Público . 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005b. _____. Como Falar Corretamente e sem Inibições . 111. ed. São Paulo: Saraiva, 2006a. _____. Assim É que se Fala: como organizar e transmitir ideias. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2006b. _____. Evite Riscos e Melhore suas Apresentações . Publicado em: 2 dez. 2009. Disponível em: .
355
Eficácia na comunicação oral
Gabarito 1. Inteligência linguística, sobretudo, pois ela caracteriza as pessoas que possuem uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial percepção das diferentes funções da linguagem; inteligência interpessoal, já que ela realça a capacidade de se “entender e responder” melhor aos estímulos enviados pelos outros. Finalmente, a inteligência intrapessoal, considerando-se a capacidade para formular uma imagem precisa de si próprio e a partir disso, desse estado instrospectivo, encontrar subsídios para entender melhor o outro. 2. Volume, andamento e ritmo, ênfase e pausa. 3. O orador deve fazer um breve relato sobre um fato do cotidiano, uma referência a um amigo, a menção a uma curiosidade ocorrida naquele dia e, a partir de certo momento, fazer a ligação com o tema suscitado pelo contexto.
356
Anotações