¹ “Apesar de sermos Marxistas, não estamos alheios ao que vos preocupa; porém, somos os únicos a dar às vossas velhas preocupações soluções novas”. O Marxismo queria se
fazer aceitar como renovação da tradição liberal, universitária ([...] os comunistas se apresentavam como os únicos suscetíveis de retomar e revigorar a tradição nacionalista). Pág. 2.
² Mas de qualquer forma vocês sabem com que facilidade a direção do partido, que não ignorava nada, podia lançar palavras de ordem, impedir que se falasse disto ou daquilo, desqualificar os que falavam... Pág. 3.
³ Numa ciência como a medicina, por exemplo, até o fim do século XVIII, temos um certo tipo de discurso cujas lentas transformações [...] romperam não somente com as proposições “verdadeiras” que a té
então puderam ser formuladas, mas, mais
profundamente, com as maneiras de falar e de ver, com todo o conjunto das práticas que serviram de suporte à medicina. Não são simplesmente novas descobertas; é um novo “regime” no discurso e no saber, e isto oco rreu em poucos anos. Pág. 3.
4
Esta rapidez e esta amplitude são apenas o sinal de outras coisas: uma modificação nas
regras de formação dos enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros. Não é portanto uma mudança de conteúdo (refutação de erros antigos, nascimento de novas verdades), nem tampouco alteração da forma teórica (renovação do paradigma, modificação dos conjuntos sistemáticos). O que está em questão é o que regem entre sim para
constituir
um
conjunto
de
proposições
aceitáveis
cientificamente
e,
consequentemente, susceptíveis de serem verificadas ou infirmadas por procedimentos científicos. Em suma, problema de regime, de política do enunciado científico. Neste nível não se trata de saber qual é o poder que age do exterior sobre a ciência, mas que efeitos de poder circulam entre entre os enunciados científicos; qual é seu regime interior de poder; poder; como e por que em certos momentos ele se modifica de forma global. Pág. 4.
5
Mas o que faltava no meu trabalho era este problema do “regime discursivo”, dos efeitos
de poder próprios do jogo enunciativo. Eu o confundia demais com a sistematicidade, a forma teórica ou algo como paradigma. Pág. 4.
6
(A.F. [...] você foi o primeiro a colocar ao discurso a questão do poder;...) Não vejo quem –
na direita ou na esquerda – poderia ter colocado este problema de poder. Pela direita estava somente colocado em termos de constituição, de soberania, etc., portanto em termos jurídicos; e, pelo marxismo, em termos de aparelho do estado. Ninguém se preocupava com a especificidade, suas técnicas e suas táticas. Contentava-se em denuncia-lo no “outro”, no adversário, de uma maneira ao mesmo tempo polêmica e global: o poder no socialismo soviético era chamado por seus adversários de totalitarismo; no capitalismo ocidental era denunciado pelos marxistas como dominação de classe; mas a mecânica do poder nunca era analisada. Pág. 6
7
Creio que o problema não é de se fazer a partilha entre o que num discurso revela da
cientificidade e da verdade e o que revelaria de outra coisa; mas de ver historicamente como se produzem os efeitos de verdade no interior de discursos que não são em si nem verdadeiros nem falsos. Pág. 7
8
O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem pode. A verdade é
deste mundo; ela é produzida nele graças as múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral”
de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. Pág. 12
9
Em nossas sociedades, a “economia política” da verdade tem cinco características
historicamente importantes: a “verdade” é centrada na forma do discurso científico e nas
instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica, quanto para o poder político); é objeto de várias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante de alguns aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exercito, escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto de debate político e de confronto social (as lutas “ideológicas”). Pág. 13
10
[...] Por verdade não quero dizer o conjunto de coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer
aceitar, mas o conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder. [...] E preciso pensar os problemas políticos dos intelectuais não em termos de “ciência/ideologia”, mas em termos de “verdade/poder”. Pág. 13
Nietzsche, a genealogia e a história:
11
[...] A verdade das coisas se liga a uma verdade do discurso que logo a obscurece, e a
perde. Pág. 18 Sobre a justiça popular:
12
A minha hipótese é que o tribunal [popular] não é expressão natural da justiça popular
mas, pelo contrário, tem por função histórica reduzi-la, dominá-la, sufoca-la, reinscrevendo-a no interior de instituições características do aparelho do estado. Pág. 39
Os intelectuais e o poder:
13
Parece-me que a politização de um intelectual tradicionalmente se fazia a partir de duas
coisas: em primeiro lugar, sua posição de intelectual na sociedade burguesa, no sistema de produção capitalista, na ideologia que produz ou impõe (ser explorado, reduzido à miséria, rejeitado, maldito, acusado de subversão, de imoralidade, etc.); em segundo lugar, seu próprio discurso enquanto revelava a verdade, descobria relações políticas onde normalmente ela não eram percebidas. Estas duas formas de politização não eram estranhas uma em relação à outra, embora não coincidissem necessariamente. Havia o tipo do intelectual maldito e o tipo do intelectual socialista. Estas duas formas de politização facilmente se confundiram em determinados momentos de reação violenta do poder, depois de 1848, depois da Comuna de Paris, depois de 1940: o intelectual era rejeitado, perseguido no momento mesmo em que as coisas apareciam em sua verdade, no momento em que não se devia dizer que o rei estava nu. O intelectual dizia a verdade àqueles que ainda não a viam e em nome daqueles que não podiam dizê-la: consciência e eloquência. Pág. 71
14
Ora, o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam
deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e saber. Poder que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade. Os próprios intelectuais fazem parte deste sistema de poder, a ideia de que eles são agentes da consciência e do discurso também faz parte desse sistema. O papel do intelectual não é mais o de se colocar um “pouco na frente ou um pouco de lado” para dizer a muda verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da “verdade”, da “consciência”, do discurso. Pág.71
15
Luta não para uma “tomada de consciência” (há muito tempo que a consciência
(conhecimento) como saber está adquirida pelas massas e que a consciência como sujeito (submissa) está adquirida, está ocupada pela burguesia), mas a destruição progressiva e a
tomada do poder ao lado de todos aqueles que lutam por ela, e não na retaguarda, para esclarecê-los. Uma “teoria” é um sistema regional de lutas. Pág.71 _________________________________________________________________ Citações para o novo tema