Ciências da educação e pedagogia 1
Philippe Meirieu “É verdade que as ciências da educação trazem, cada uma em seu campo, a colheita de fatos verificáveis. Mas a pedagogia não é, exatamente, a ciência da educação. Ela é uma prática da decisão concernente a esta última. A incerteza é seu prêmio. Incerteza conjetural, aumentada pela mobilidade vertiginosa das referências contemporâneas; mas incerte rteza essencial ial desde que o conhecimento e a ação sejam conjugados numa teoria da prática.” (Daniel Hameline e Jacques Piveteau. Prefácio ao livro de Neil Postman, Ensinar é resistir (Paris: Le Centurion, 1981, p. 6).
A relação entre as ciências da educação e a pedagogia não é simples e a reflexão sobre essa relação é cada vez mais importante. Somente esta reflexão bem conduzida pode nos permitir superar as polêmicas estéreis que são desenvolvidas, desde alguns anos, em torno dessa questão e que, apesar de absorverem uma energia considerável, contribuem muito largamente para ‘embaralhar as cartas’ no campo educativo. O que é o pedagogo?
Sabe-se que o pedagogo era, na Grécia antiga, o primeiro dos escravos; aque aq uele le qu quee tin tinha ha a co conf nfia ianç nçaa do me mest stre re,, já qu quee de deve veria ria cu cump mprir rir um umaa mi miss ssão ão particularmente delicada: acompanhar a criança à escola. Mas ele não agia somente para decidir o itinerário para levar à classe (as classes não existiam ainda, ao menos ta tall co como mo nó nóss as con onhe hece cemo moss - elas elas nã nãoo têm têm ma mais is qu quee do dois is sé sécu culo los! s!). ). Sua Sua responsabilidade era de outra importância, porque o pedagogo devia escolher as disciplinas a serem ensinadas à criança (esgrima ou matemática? Natação ou poesia?), assim como os preceptores encarregados de ensinar. Na realidade, de acordo com seus mestres, ele decidia o tipo de homem que se queria formar, o equilí equ ilíbrio brio do doss sab sabere eress que dev deveria eriam m ser ens ensina inados dos,, bem co como mo os mé métod todos os e pessoas que lhe convinham melhor 2.
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Disponível em . Tradução livre. Pode ser que haja algum exagero no papel desempenhado pelo pedagogo na Grécia. Mas, se é possível possível que a exatidão exatidão histórica da descrição descrição seja contestada contestada por alguns, alguns, todos reconhecem reconhecem que essa apresentação tem o mérito de constituir uma imagem forte e chamar à reflexão. Ela investe a pedagogia, como dito por Daniel Hameline, sob o signo do guia: “Todo o educado, de qualquer sorte, é uma pessoa deslocada que, sob a conduta de outro deve deixar um lugar para ganhar outro”. (Enciclopédia universal, artigo pedagogia, tomo 17, Paris, 1992, p. 725). 1
Vê-se que uma tal ‘função pedagógica’ não é, atualmente, tornada desusada, na medida em que se agita sempre - mais que que nunca? - de saber saber qual homem nós vamos formar e como nós podemos conseguir isso. Pois, se há um fenômeno maior que caracteriza a modernidade, é o acabamento das grandes ‘teorias de referência’ que permitiram fundar a educação. Com efeito, quando existe, numa sociedade, uma ‘verdade revelada’, reconhecida consensualmente ou imposta por um poder qualquer - que esta verdade seja da ordem mitológica, teológica, filosófica ou política - sabe-se ‘a quem e como educar as crianças’. Isso é tão pouco discutido que alguns originais como Durkheim, no século 19, qualificava de perigosas utopias. Mas, atualmente, ‘onde o céu é visto’, onde as grandes explicações histórico-filosóficas do mundo (como o marxismo) não funcionam mais, onde a economia das nossas sociedades liberais não são mais capazes de assegurar a inserção de todos e a restauração do laço social pelo emprego, a questão de saber ‘a quais valores, a quais saberes e por quais métodos ensinar as crianças’, tornou-se uma questão maior para as instituições públicas e uma questão privada a qual se vê confrontado to todo do ed educ ucad ador or e a qu qual al ele ele de deve ve,, ne nece cess ssar aria iam men ente te,, resp respon onde derr - ao me meno noss implicitamente - desde que tenha ‘uma criança sobre seus braços’. Salvo a nos precipitarmos nos novos ‘sistemas de pensamento’ suscetíveis de nos aportar as respostas todas prontas - tentação que não cessa de renascer e do que as múltiplas formas de ‘integralismos’ é um signo inquietante - nós somos ‘condenados à reflexão pedagógica’, mesmo que não tenhamos alguma ideia sobre o que queremos para nossas crianças. O que caracteriza os escritos pedagógicos?
Mas, Ma s, pa para ra av avan ança çarr so sobr bree es esta ta via via e no noss ajud ajudar ar na refl reflex exão ão,, afir afirmo mo qu quee dispomos, essencialmente, de ‘tratados de pedagogia’ que emanam, sobretudo, de filósofos, aos quais se ajuntaram ‘ensaios pedagógicos’. Estes foram redigidos, na maio ma iorr pa parte rte,, po porr ho home mens ns en enga gajad jados os e mi milit litan ante tes, s, ho home mens ns preo preocu cupa pado doss co com m dificuldades educativas do quotidiano e que nos dizem da sua revolta relacionada às inju injust stiç iças as co come metid tidas as pa para ra co com m a infâ infânc ncia ia,, de su suaa inqu inquiet ietud udee so sobr bree os me meio ioss perigo perigosos sos ou ins insufi uficie ciente ntess po posto stoss à su suaa dis dispos posiçã içãoo para para edu educar car os ‘pe ‘peque queno noss homens’, de sua preocupação de respeitá-los e prover-lhes ‘alimentação intelectual’ e afeição necessárias ao seu desenvolvimento. Para simplificar e clarificar um pouco as coisas, podemos chamar esses homens de pedagogos. 2
Se considera, em geral, Rousseau como o primeiro dos pedagogos da época moderna. Parece ser possível pensar que Rousseau é, sem dúvida, o primeiro a have ha verr insi insist stid idoo so sobr bree a ne nece cess ssid idad adee de ac acom ompa panh nhar ar as cria crianç nças as no se seuu desenvolvimento, desenvolvimento, de estimular sistematicamente sistematicamente sua curiosidade e de por a situação de construir, ele mesmo, os conhecimentos mais que receber passivamente. É verdad verdadeir eiro, o, tam também bém,, porque porque Rou Rouss sseau eau com compre preend endee o laç laçoo profun profundo do que un unee ‘pedagogia’ e ‘política’, métodos educativos e construção da democracia. Ele foi capaz de devolver ao indivíduo a capacidade de se emancipar de toda forma de tutela e associar-se livremente livremente com outros no seio seio de um ‘pacto social social (não se nega que uma primeira versão do contrato social existe já no Emílio). Mas Rousseau é um teórico da educação que inscreve suas especulações educativas numa filosofia coerente sem, no entanto, executá-las ele mesmo. Foi preciso a ação de seu discípulo suíço Pestalozzi, para vermos como alguns se bateram concretamente para por em prática suas ideias, conseguir teorizar e comprometer-se a descrever suas dificuldades. Assim, Pestalozzi, ao tentar educar os órfãos de Stans (o exército bonapartista havia arrasado a cidade e matado a maior parte dos adultos quando Pestalozzi, adepto das ideias da revolução francesa, aceita abrir um orfanato), como Dom Bosco, ao recuperar ‘crianças das ruas’, ou Korczak, ao recolher crianças judias do guet gu etoo de Vars Varsóv óvia ia,, po pode de se segu guir ir o me mesm smoo traço traço de um disc discur urso so pe peda dagó gógi gico co emanente de práticos que se envolviam com a rude tarefa de ‘educar sem obrigar’, de de dese senv nvol olve verr as pe pers rson onal alida idade dess au auto tono noma mame ment ntee e de da darr as ferra ferrame ment ntas as necess nec essári árias as para para se int integr egrare arem m na socied sociedade ade,, des desper pertar tar as inte intelig ligênc ências ias dos moleques e de socializar todos. Isso também se pode perceber no discurso mais contemporâneo, de Freinet e Montessori: a mesma preocupação em propor métodos e atitudes educativas que permitam à criança crescer livremente por meio da associação a seus semelhantes, numa relação nova em que a violência e arbitrariedade não regeriam mais as rela relaçõ ções es en entr tree os ho home mens ns.. Esse Esse disc discur urso so é, mu muititoo larg largam amen ente te,, o disc discur urso so conv co nven enie ient nte, e,
geral eralm ment ntee
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contem con tempor porâne âneos os com comoo partic particula ularm rment entee ing ingên ênuo, uo, ple pleno no de ‘bo ‘bons ns se senti ntimen mentos tos’’ e mesmo de boas intenções (daquelas que se diz que ‘o caminho para o inferno está pavimentado’). Se não são, evidentemente, discursos científicos, mas sim ‘discursos liter literár ário ios’ s’,, os te text xtos os qu quee fa faze zem m so some ment ntee ap apel eloo à em emoç oção ão,, qu quee diab diabol oliz izam am os nomead nom eados os ‘mé ‘métod todos os tradic tradicion ionais ais’,’, são dis discur cursos sos que servem servem,, um pou pouco co,, para para 3
registrar uma época e que tentam ganhar a adesão do leitor a fim de que, como o autor, acabam por achar ‘insuportável a injustiça feita à infância’ e o leva com ele para combater. Seguramente, os pedagogos propuseram ferramentas, inventaram o ‘material peda pe dagó gógi gicco’; o’; mas eles eles o fize fizera ram m se sem mpre pre nu numa ma pe pers rspe pect ctiv ivaa glob global al e su suas as ferramentas não são simples tecnologias; são meios a serviço de um fim que não cessa de relembrar e mostrar sempre que eles devem se encarnar nas atitudes profundas do educador, sem as quais as ferramentas não serão mais que cascas vazias ou pior, perigosos instrumentos de domesticação. Ao se tentar estudar ‘os sistemas pedagógicos’ que são propostos, se observa que se sobressaem várias arquiteturas ‘teórico-práticas’ estranhas, que articulam sempre, mais ou menos explicitamente, três pólos: 1) um pólo de finalidades: que reenvia a um projeto geral de educação, a uma imagem de homem ideal, da sociedade perfeita; 2) um pólo de estágios objetivos: que reenvia a um conjunto de dados, sobretudo variados, emprestados às ciências humanas (da psicologia em part pa rtic icul ular ar)) e, en enfifim; m; 3) um pó pólo lo de ins instr trum umen ento tos: s: qu quee prop propõe õem m ferra ferrame ment ntas as e prescreve os métodos. O aspecto compósito dá, evidentemente, um aspecto um pouco curioso às doutrinas pedagógicas: elas escapam da filosofia pura (ela se defin de finee co como mo co colet letaa de um umaa ve verd rdad adee fund fundad adaa na se sens nsat atez ez), ), e da dass pe pesq squi uisa sass cientificas ‘duras’ (que se interessam, particularmente, pelas provas). Mas também elas não são simples ‘receitas’ que permitiriam agir ‘com segurança’. Sobre o plano literári lite rárioo não são são,, com alg algum umas as exceç exceções ões,, grande grandess êx êxito itoss est estéti éticos cos:: o caráte caráter r compósito do discurso lhe dá um
status
de ‘verdade média’, que pertence mais a
uma retórica específica, que pode ser definida como ‘convicção ponderada’. A emergência das ciências da educação marcam a morte da pedagogia?
No qu quee lhes lhes co conc ncer erne ne,, as ciên ciênci cias as da ed educ ucaç ação ão fora foram m ob obje jeto to de um umaa institucionalização universitária relativamente recente e, no momento em que foram reconhecidas, alguns, como Gilles Ferry, num artigo estrondoso de 1967, não deixa de afirmar que elas marcavam ‘a morte da pedagogia’: “A substituição pedagogia pelas pel as ciência ciênciass da educaçã educação, o, se
não for uma con conces cessão são purame puramente nte formal formal da
linguagem anglo-saxã, significa, de todo o modo, o abandono de especulações normativas em proveito de estudos positivos de um campo de pesquisas orientadas sobre a compreensão do fato educativo.” (L’éducacion nationale, n. 820, mars 1967.) 4
Pensava-se na época, com efeito, na esteira dos grandes psicólogos do início do século, que imaginavam ser possível substituir o discurso geral e generoso sobre a ed educ ucaç ação ão po porr um ve verd rdad adei eiro ro disc discur urso so cien cientí tífic fico. o. No Noss prim primei eiro ross temp tempos os,, se considerava que o discurso devia se apoiar exclusivamente sobre a psicologia, que nos entregaria a chave do conhecimento do desenvolvimento das crianças, nos permitiria saber exatamente o que convinha fazer para os ensinar. Foi a época em que a ‘psicopedagogia’ dominava o que alguns consideravam como a ciência da educação. Ferdinan Buisson, autor do famoso ‘dicionário’, havia afirmado: “Eu não hesitaria em definir a pedagogia simplesmente como a ciência da educação.” Após ele e como ele, outros sonharam em ‘fundar’ uma verdadeira ciência da educação. E assim como alguns (Binet, Claparède ou Bouchet) falaram de pedagogia científica, outros out ros,, com comoo Dot Dottre trens, ns, de ‘pe ‘pedag dagogi ogiaa ex exper perime imenta ntal’, l’, e out outros ros tam também bém,, com comoo Debesse, evocaram a constituição de uma verdadeira ‘ciência pedagógica’, todos carregavam o desejo de desobstruir a educação das incertezas, dos tateamentos dos educadores, de métodos aleatórios e de debates ideológicos estéreis para estabelecer o convinha fazer, em verdade, para o bem ‘ensinar as crianças’. Perc Perceb ebeu eu-s -se, e, no en enta tant nto, o, mu muititoo de depr pres essa sa,, qu quee so sozi zinh nhaa a ps psic icol olog ogia ia nã nãoo permitia compreender o conjunto conjunto os elementos que contam contam no desenvolvimento desenvolvimento da criança: descobriu-se a importância da sociologia, da antropologia, da linguistíca, da economia ou da história. Os departamentos de ‘ciências da educação’ foram então criados, entre 1967 e 1970, com a perspectiva de reunirem-se em torno de um objeto de trabalho comum - a educação - com especialistas que emanavam de difere dif erente ntess dis discip ciplin linas as ‘cient ‘científic íficas’ as’ já con consti stituí tuídas das.. As pes pesqu quisa isass fei feitas tas nes nesses ses departamentos deviam permitir um aporte plural e mais completo das realidades educativas, graças à colaboração de pesquisadores de formação pluridisciplinar. As pesq pe squi uisa sass de devi viam am se su subm bmet eter er à ad admi mini nist stra raçã çãoo da prov prova, a, ga gara rant ntia ia de su suaa cientificidade. As ciên ciênci cias as têm têm o mono monop pólio ólio da elab elabo oraç ração de ferr ferram amen enta tas s da inteligibilidade da ‘coisa educativa’?
A pedagogia não tem então mais o direito de cidadela? Se o afirma, ela poderá dizer diz er que não se reconh reconhece ece com comoo ‘ciênc ‘ciência’ ia’ cap capaz az de fornec fornecer er ferram ferrament entas as de inteligibilidade do mundo e dos homens. Mas isso é verdadeiramente possível? Não se deve aceitar a ideia que Rimbaud nos abre o mundo tanto Newton, Saint-John 5
Perse quanto Durkheim, Picasso quanto Heisenberg e Mozart quanto que Freud? Sim, sem nenhuma dúvida. Mas os textos pedagógicos não estão à altura, a olhos vistos, da qualidade de inspiração, da força estética das grandes obras artísticas. É verdadeiro dizer que, sob certos aspectos, eles são medíocres. É preciso, portanto, abandoná-los ou dedicar-se a melhorá-los? Isso é, aos meus olhos, em grave erro, pois a pedagogia, enquanto discurso literário, ou melhor, enquanto ‘retórica de verdades educativas medi me dian anas as’,’, co como mo diss dissee Da Dani niel el Ha Hame meliline ne,, no noss ap apor orta ta indi indisc scut utiv ivel elme ment ntee as ferramentas para uma compreensão ativa da coisa educativa: ela nos devolve às cont co ntra radi diçõ ções es co com m resp respei eito to a no noss ssas as cria crianç nças as e es estu tuda dant ntes es e ab abor orda da es essa sass contradições que, sem cessar, se reinstauram nas teorias e práticas. Ela nos permite viver de maneira menos solitária e com mais lucidez ‘o metier impossível’ do qual, precisamente, falava Freud para designar educação? As doutrinas pedagógicas encontram também o seu valor, paradoxalmente, na sua fragilidade, no seu caráter de bricolagem obstinada, na sua vontade de pensar em conjunto acerca das dimensões que, geralmente, são pensadas em campos diferentes e sem conexões. Depois que este aspecto compósito e estrangeiro pôde, legitimamente, aparecer como uma ‘desvantagem vantajosa’ e olhar belos discursos homogêneos produzidos noutros locais, desviou-se dessa para um trunfo maior: assumiu-se como complexidade das realidades com as quais o educador deve compor simultaneamente sua ação. Simultaneamente ... a grande dificuldade e a legitimidade de ‘uma retórica das verdad verdades es me media dianas nas’’ que nad nadaa tem hav haver er com um umaa ‘so ‘sofis fistic ticaçã açãoo me medío díocre cre de aproximações: enquanto que a segunda cultiva o compromisso sedutor para não causar dificuldades às pessoas, a primeira aceita as contradições com o seu lote de inquietudes e, às vezes, de sofrimento. Pois, na distinção e partilhas as quais se entregam os especialistas, quando distribuem o direito de pensar num tal ou qual registro, esquecem a necessidade de agir no quotidiano, no aperto, na dificuldade do momento, de exigências múltiplas e contraditórias, ao exercer o julgamento para se centrar sobre o que estimam importante, sem para tanto, excluir o resto ou negar por decreto a sua existência. Simultaneamente ... tudo é, me parece, querer compreender a realidade da pedagogia. A simultaneidade não é a justaposição de diferentes pontos de vistas, nem ne m me mesm smoo o es esfo forç rçoo pa para ra pe pens nsar ar em co conj njun unto to dife difere rent ntes es dime dimens nsõe õess de um problema. Ela é, também menos, a dedução mecânica de uma solução por adição 6
de elementos combinados. A simultaneidade é a ação em ação, quando é preciso ter todas a exigências ao mesmo tempo, agir no instante porque compreende um pouco do que se passa ... sabendo que não compreende tudo o que se passa mas que deve, ele mesmo, procurar obstinadamente compreender e sem, em nome da prévia compreensão, prorrogar indefinidamente à ação. Assumir a simultaneidade é aceitar que os imperativos contraditórios possam se apresentar; que eles têm, cada um, sua justificação e sua lógica, mas que eu devo ‘fazer com eles’, sob o risco de empobrecer a relação educativa ou de perder o que ela comporta da aventura propriamente humana. Essa é uma das manifestações essenciais das contradições que expressa, de maneira um pouco estranha e, geralmente mal compreendida, o que se pode nomear como ‘astúcia pedagógica’. Com efeito, no dizer dos pedagogos, não se pode deixar de ser surpreendido por essa dupla vontade, constantemente afirmada aquela de organizar as situações de aprendizagem diferentemente: por um lado, as variáveis aleatórias para que a criança aprenda de ‘forma segura’ e, por outro, aquelas de fazer de maneira que aprenda ‘por si mesmo’, segundo as próprias regras e em desenvolvimento progressivo de sua autonomia. Respeitar as regras do desenvolvimento pessoal supõe por em lugar situações extremamente extremamente obrigatórias e, por isso mesmo, completamente artificiais. Aqui, pelo menos um paradoxo, mas que é, na realidade, a linha essencial da inventividade pedagógica: obrigar para respeitar. Obrigar e respeitar ... numa tensão sem nenhuma dúvida difícil de viver e que não se resolve jamais sobre o plano puramente especulativo, mas que se sente no co cotidi tidiano ano da ges gestão tão col coleti etiva va dos êx êxito itoss e fracas fracassos sos,, nos tat tateam eament entos, os, nas negociações, incertezas e no aleatório das situações pedagógicas; na inventividade, sobretudo. É po porqu rquee as ciê ciênci ncias as da edu educaç cação ão produz produzem em ilum ilumina inaçõe çõess partic particula ularme rmente nte precisas sobre as realidades educativas, que a pedagogia permite pensar a questão do ‘passar ao ato’ em educação, o ir e vir interrogativo entre os fins e os meios. Ela se esforça, como diz Daniel Hameline, para percorrer os canais de finalidades às práticas obstinadamente e nos dois sentidos. Sem imaginar, todavia, que as práticas sãoo co sã cont ntid idas as no noss fin finss co como mo a no nozz na ca casc sca, a, ne nem m de dedu dutív tívei eiss de ilum ilumin inaç açõe õess científicas, como o crê o prejulgado aplicacionista: as práticas pedagógicas fazem apel ap eloo à cria criaçã çãoo indi indivi vidu dual al e co cole letiv tiva, a, cria criaçã çãoo po porr ce cert rtoo es escl clar arec ecid ida, a, av aval alia iada da lucidamente; mas criação, irredutível a tudo o que lhe ‘seja’ próprio. 7
Os discursos pedagógicos, por serem cheios de rupturas estilísticas e de mudança de registros em que as referências filosóficas coabitam com experiências pessoa pes soais, is, com apo apoios ios cie cientí ntífic ficos, os, com propos proposiçõ ições es de ferram ferrament entas, as, com vô vôos os proféticos e com apelos à racionalidade... são os discursos em que nada, por definição, funda-se em ‘verdade’ e que não nos fornecem, em nenhum caso, uma ‘segurança a todo risco’ contra a aleatoriedade da ação, os conflitos internos e externos, as incertezas das situações e as necessidades de agir eu mesmo no meio, de julgar, sem ser jamais certo agir com ‘segurança’. Compreende-se também porque se fala, plagiando a bela fórmula de Milan Kundera, de ‘insustentável leveza da pedagogia’. Nessa perspectiva, um dos grandes méritos da pedagogia é de nos explicar, bem ou mal, porque o fracasso é, na atualidade, fundamentalmente inscrito no coração das práticas educativas: porque nós nos situamos entre o ‘desejo de toda maestria’ e o de dar liberdade a outro - esta tensão é essencial. A pedagogia nos entrega, nos seus melhores textos e experiências as mais fecundas, essa nostalgia de tudo aplanar e que poderá bem ser uma ‘paz dos cemitérios’, bem como nos permite esperar entrever o que pode se constituir, talvez, a chave da modernidade: inteligência nas contradições. Enfim, a pedagogia jamais dirá o suficiente - e, em particular, aos didaticistas e tecnocratas da educação - que os instrumentos não são mais que ferramentas e que precisam, sem cessar, se referir aos fins que visam. Ela nos diz também que nada se faz, em educação, sem adesão a valores e, todavia, no melhor dos seus textos, ela contribui para nos dar a coragem de buscar todos as manhãs o caminho da classe com interesse e mesmo com alegria. Diga-se, também, que assim definida, a pedagogia pode ser perigosa, na medida em que ela parece excluir toda a racionalidade e reenviar unicamente à sentimentalidade e aos afetos. É preciso que esta crítica mostre, verdadeiramente, quee ne qu nenh nhum umaa af afet etiv ivid idad adee na at ativ ivid idad adee cien cientí tífifica ca inte interf rfer eree no ex exer ercí cíci cioo da racionalidade. Aquelas e aqueles que pregam uma única racionalidade e fazem com uma tal fogosidade - e todavia uma tal raiva - que nos demonstrem eles mesmos, vigorosamente, o contrário. São, no entanto, belos jogadores e aceitam reconhecer uma questão fundamental!
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Como Como o mili milita tant nte e peda pedagó gógi gico co pode pode ser ser defe defere renc ncia iado do dos dos outr outros os militantes?
Pois resta a necessidade de não se deixar arrebatar por um entusiasmo pedagógico ingênuo sem exercer o espírito crítico, com o risco de passar depois à cegueira e ao fanatismo. É lá onde, precisamente, interroga a literatura pedagógica que o trabalho das ciências da educação pode ser fecundo. É importante para o militante pedagógico sair-se bem para diferenciar-se de todos os outros militantes. Para que se deferencie e não balance para um ceticismo, ou
a fortiori ,
para o
fatalismo, é preciso ler e reler os pedagogos. E, para que não reste patética ameaça que ainda prende convicções ao primeiro degrau, ela [a leitura dos pedagogos] deve, sem cessar, nos impregnar de aportes científicos e nos deixar interrogar para pensar filosoficamente em educação. Assim, o diálogo entre a pedagogia e as ciên ciênci cias as da ed educ ucaç ação ão po pode derá rá no noss brin brinda darr be belo loss dias dias dian diante te do doss qu quai aiss no noss felicitaremos. É preciso tudo fazer para prosseguir, na exigência recíproca e na dignidade, afim de que a empresa educativa persista no círculo humano.
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