volume 4
CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
CAPÍTULO
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Esvaziamentos Esvaziamentos cervicais Alexandre Alexandre Bezerra dos Santos / Christ ana ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
1. Introdução e histórico Denomina-se esvaziamento cervical o procedimento cirúrgico por meio do qual é re trado todo o tecido fibroconectvo da região que compreende uma determinada cadeia linfonodal, com finalidade terapêu tca. Passou a ter importância com o conhecimento da história natural dos tumores do segmento cervicofacial, uma vez que se observavam metástases linfonodais para localizações especí ficas apresentadas por determinados tumores, e que um tratamento cirúrgico completo se dá pela re trada do tumor e seus possíveis sí tos de metástases. Obviamente, todas essas considerações são válidas para tumores que têm, caracteristcamente, a capacidade de cursar com metástases linfátcas. Curiosamente, o 1º autor a descrever os vasos linfá tcos foi Aselli, em 1622, ao dissecar cães após refeições e observar vasos linfátcos mesentéricos. Porém, o 1º tratado moderno sobre o sistema linfá tco humano foi feito somente em 1932, por Rouvière, que classi ficou os linfonodos de acordo com a sua topogra fia. Até meados do século XIV, a presença de metástase cervical consttuía sinônimo de incurabilidade, e algumas tentatvas de ressecção cirúrgica foram feitas sem sucesso. Em 1888, foi realizada a 1ª publicação de um esvaziamento cervical, na Polônia. No entanto, entanto, o verdadeiro difusor do procedimento cirúrgico foi G. W. Crille, em 1905, que u tlizou os conceitos de ressecção “em bloco”, propostos por Halsted para cirurgias de mama, e realizou uma grande série de esvaziamentos cervicais. A cirurgia consis ta na remoção de toda a cadeia linfonodal cervical, em conjunto com o músculo esternocleidomastóideo (MECM), o nervo espinal acessório (NCXI) e a Veia Jugular Interna (VJI), (VJI), num procedimento até hoje denominado “esvaziamento “esvaziamento cervical radical à Crille”. Esses conceitos foram amplamente sedimentados por Hayes Martn, em 1951, com a publicação de 1.450 casos operados, consolidando, de finitvamente, as indicações e a técnica. Na década de 1930, um importante estudo foi realizado no Memorial Hospital, em Nova Iorque, a par tr de tumores malignos de boca, onde se notou que as metástases linfono-
dais tnham um caráter “descendente”, e, com isso, criou-se uma classificação dos níveis linfonodais cervicais, tornando-se a classificação-padrão utlizada até hoje, a saber: - Nível I: submandibular; I: submandibular; II: jugulocaro deo deo alto; - Nível II: jugulocaro III: jugulocaro deo deo médio; - Nível III: jugulocaro - Nível IV: jugulocaro IV: jugulocaro deo deo baixo; - Nível V: posterior. V: posterior. Ressalte-se que o procedimento dito esvaziamento cervical radical clássico, tal como proposto inicialmente por Crille, consiste na ressecção em bloco de todos os 5 níveis linfonodais, em conjunto com o MECM, NCX e VJI. No entanto, observou-se que os pacientes subme tdos a essas cirurgias apresentavam sequelas, principalmente devido à lesão do nervo espinal acessório (XI par craniano, responsável por inervar o músculo trapézio), que acarretava uma “queda” do ombro ipsilateral, dor crônica pela distensão muscular e di ficuldade à elevação do membro superior, superior, tornando os indivíduos incapacitados de realizarem a tvidade profissional de carga, por exemplo. Esta observação associada ao raciocínio de que o NCXI, a VJI e o MECM não são estruturas linfátcas e, portanto, podem ser preservadas se não estverem acometdas, levou ao desenvolvimento dos esvaziamentos cervicais modimodi ficados. Iniciou-se, então, o estudo de outras formas de esvaziamento cervical que preservassem estruturas não linfonodais (MECM, NCXI e VJI), e estes esvaziamentos (esvaziamento cervical radical modificado ou “funcional”), em tese, preservariam a função do membro superior. superior. Vale salientar que o esvaziamento cervical radical modi ficado implica, por de finição, a remoção de todos os 5 níveis linfonodais (por isso, radical), porém, com preservação de 1 ou mais das estruturas não linfonodais. Com o avanço das outras modalidades terapêu tcas para esses tumores, no final do século XX, foi observado que nem todos os pacientes teriam a necessidade de serem submetdos à remoção de todos os 5 níveis linfonodais cervicais, em especial para casos mais precoces. Desta forma, criou-se outra modalidade de esvaziamento cervical, dessa vez com a preservação de estruturas linfá tcas, ou seja, re-
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇ PESCOÇO O trada apenas dos níveis linfonodais que são,
em geral, os 3 primeiros níveis de drenagem, a depender da localização do tumor primário. São os chamados esvaziamentos cervicais seletvos, ou parciais. Em outras palavras, são cirurgias mais econômicas, realizadas em pacientes que não têm evidência de metástases linfonodais macroscópicas. Por exemplo: em casos de carcinomas de cavidade oral, sem apresentarem sinais de metástases linfonodais, o esvaziamento compreenderá apenas os níveis I, II e III, que são a 1ª estação de drenagem linfá tca. Não são, portanto, esvaziamentos radicais, porque não implicam a remoção dos 5 níveis. É importante salientar que isso é válido para casos em que o pescoço é nega tvo, ou seja, quando não há evidências de metástase, e que, se durante o ato operatório for detectada a presença de metástases, passa-se a ampliar o esvaziamento, tornando-o radical. Por meio dos conhecimentos de linfonodo sen tnela e com o avanço dos tratamentos adjuvantes (quimioterapia e radioterapia), isso evoluiu para uma nova modalidade, os chamados esvaziamentos “supersele tvos”, em que é removida apenas a 1ª estação de drenagem. Essa modalidade não obteve, até o momento, aceitação universal e não faz parte da maioria dos protocolos de conduta dos serviços nacionais. Mesmo porque, em cabeça e pescoço, a técnica de linfonodo sen tnela não se aplica, uma vez que sempre o tecido inicialmente corado são os linfonodos intraparo dedeos, quase nunca doentes.
O esvaziamento cervical é um procedimento que exige, por parte do cirurgião, grande conhecimento anatômico do pescoço, pois os limites entre os diversos níveis, e mesmo os limites da própria cirurgia, estão baseados em referências anatômicas. Na literatura de língua inglesa, o procedimento é denominado neck dissect on, on, ou seja, dissecção cervical. Porém, também exige do cirurgião um conhecimento conhecimento especí fico das neoplasias das vias aerodigestvas altas, com o propósito de saber quais são as indicações especí ficas para cada tumor. Assim, trataremos do assunto de 2 maneiras: com base na anatomia e nos princípios oncológicos.
2. Anatomia do pescoço – níveis Como dito, a partr dos anos 1930, classificaram-se os linfonodos cervicais em níveis de 1 a 5, de cada lado. Grosso modo, o nível I é o submandibular, os níveis II, III e IV são os jugulocaro deos, deos, e o nível V é o posterior. Obviamente, cada nível tem seus limites anatômicos próprios, a saber: - Nível I - submandibular:
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Superior: borda Superior: borda inferior da mandíbula;
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Inferior: ventre Inferior: ventre anterior do músculo digástrico;
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Medial: linha Medial: linha média;
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Lateral: ventre Lateral: ventre posterior do músculo digástrico.
Nível II - jugulocaro deo deo alto: •
Superior: base Superior: base do crânio, forame jugular;
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Inferior: bulbo Inferior: bulbo da caró tda;
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Posterior: borda Posterior: borda posterior do MECM;
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Anterior: linha Anterior: linha média.
Nível III - jugulocaro deo deo médio: •
Superior: bulbo Superior: bulbo da caró tda;
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Posterior: borda Posterior: borda posterior do MECM;
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Inferior: músculo Inferior: músculo omo-hióideo;
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Anterior: linha Anterior: linha média.
Nível IV - jugulocaro deo deo baixo: •
Superior: músculo Superior: músculo omo-hióideo;
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Inferior: borda Inferior: borda superior da clavícula;
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Posterior: borda Posterior: borda posterior do MECM;
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Anterior: linha Anterior: linha média.
Nível V - trígono posterior: •
Anterior: toda Anterior: toda a borda anterior do MECM;
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Posterior: borda Posterior: borda anterior do músculo trapézio;
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Figura 1 - Drenagem linfá t ca ca cervical
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Superior: Superior: inserção do MECM no processo mastóideo; Inferior: borda Inferior: borda superior da clavícula (fossa supraclavicular).
ESVAZIAMENTOS CERVICAIS
Deve-se notar que o nervo cervical XI, devido à sua importância funcional, passou a ser divisor de 2 níveis, uma vez que ele sai do crânio no forame jugular, junto com a VJI e a artéria carótda interna, e cruza o pescoço nos sen tdos lateral e inferior, até a sua inserção no trapézio. Ele cruza o nível II (em sua porção medial ao MECM), passa pelo interior do MECM, para então cruzar o nível V, posterior ao MECM, dividindo esses níveis. Conforme o conceito de metástases linfonodais foi sens endo aplicado também para neoplasias malignas da glândula treoide, houve a inclusão de outros 2 níveis, a saber: - Nível IV – recorrencial, devido à presença do nervo laríngeo recorrente, posterior à glândula treoide – limites: Medial: traqueia; Medial: traqueia; Lateral: caró Lateral: carótda; Superior: inserção Superior: inserção da musculatura pré- treoidiana; Inferior: borda Inferior: borda superior do esterno. - Nível V – medias tnal superior – limites: Superior: borda Superior: borda superior do esterno; Inferior: vasos Inferior: vasos da base. • • • •
Figura 2 - Anatomia cervical ee Em 2006, o Commi e e for Head and Neck Surgery and American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery fez fez uma revisão dos níveis linfonodais, com subdivisões em 3 desses níveis: - Nível I – passou a ser dividido pelo ventre anterior do digástrico: IA: submentoniano; IA: submentoniano; IB: submandibular. IB: submandibular. - Nível II – passou a ser dividido pelo NCXI: IIA: subdigástrico; IIA: subdigástrico; IIB: s IIB: suprarretroespin uprarretroespinal. al. - Nível III – passou a ser dividido, também, pelo NCXI: VA: cervical VA: cervical transverso; VB: supraclavicular. VB: supraclavicular.
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Esses 2 níveis também são chamados, em conjunto, de compartmento central, já que estão na porção central inferior do pescoço.
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Figura 4 - Compar t m tmento ento central
3. Classificação Figura 3 - Níveis cervicais
Podem-se classificar os esvaziamentos cervicais de acora cordo com 2 critérios: quanto à extensão e quanto à indicação.
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E A Ç E B A O C Ç E O D C S A E I G P R U R I C
CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO A - Quanto à extensão a) Esvaziamentos radicais Compreendem a re trada de todos os 5 níveis linfonodais e podem ser subdivididos em 3 tpos: - Radical clássico: re trada dos 5 níveis linfonodais, em conjunto com a VJI, o NCX e o MECM; - Radical modi ficado: retrada dos 5 níveis linfonodais, porém com preservação de 4 ou mais estruturas ditas não linfonodais; - Radical ampliado (ou estendido): implica a ressecção, além dos 5 níveis, de 1 ou mais estruturas que não são parte dos esvaziamentos convencionais, como pele cervical, musculatura do soalho da boca, nervo hipoglosso ou vago etc. b) Esvaziamentos parciais ou sele tvos Compreendem a retrada de alguns níveis linfonodais especí ficos, para pacientes com pescoço nega tvo, por exemplo: - Esvaziamento supraomo-hióideo: consiste na remoção dos níveis I, II e III, ou seja, acima do músculo omo-hióideo, indicado para tumores de cavidade oral N0; - Esvaziamento jugulocaro deo: consiste na remoção dos níveis II, III e IV, ou seja, nas cadeias linfonodais da bainha jugulocaro dea, indicada para tumores da laringe ou hipofaringe; - Esvaziamento posterolateral: consiste na remoção do nível V, indicado para tumores de pele da face posterolateral do escalpo; - Esvaziamento do compar tmento central: consiste na remoção dos níveis VI e VII, para casos de tumores de treoide.
B - Quanto à indicação a) Esvaziamentos cervicais de necessidade ou terapêutcos Indicados a casos de pescoços posi tvos, ou seja, quando o paciente apresenta metástases diagnos tcadas no pré-operatório. Eles, então, têm a necessidade de serem esvaziados, daí o nome. Serão, obviamente, sempre esvaziamentos radicais. b) Esvaziamentos cervicais de princípio ou pro filátcos Indicados a casos em que o pescoço é clinicamente negatvo, mas, a depender da neoplasia inicial, sabe-se que a probabilidade de metástases ocultas gira em torno de até 30%. Isso porque alguns desses tumores são muito metas tzantes, como na língua, orofaringe, supraglote ou hipofaringe, em que estará indicado o esvaziamento “de princípio”. De maneira geral, será um esvaziamento seletvo. c) Esvaziamentos cervicais de oportunidade Indicados a casos em que a finalidade inicial não é a remoção dos linfonodos em si, mas um melhor acesso a de-
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terminadas localizações do pescoço. Por exemplo, para tumores na musculatura do soalho da boca, pode-se fazer um esvaziamento do nível I para melhor abordagem da região. Outro caso comum é o esvaziamento dito infraomo-hióideo (ou seja, nível IV) para a realização do tempo cervical de esofagectomias.
4. Estadiamento de metástases linfonodais – N As chamadas neoplasias de vias aerodiges tvas altas, que compreendem todas as regiões da cabeça e do pescoço (cavidades oral e nasal, faringe – naso, oro e hipo – e laringe – supragló tca, glote e infraglótca), apresentam um estadiamento linfonodal em comum: - NX - linfonodos não avaliáveis; - N0 - ausência de metástases linfonodais; - N1 - presença de um linfonodo acome tdo, menor do que 3cm; - N2A - presença de um linfonodo acome tdo, entre 3 e 6cm; - N2B - presença de mais de 1 linfonodo acome tdo, ipsilateral ao tumor, menor do que 6cm; - N2C - presença de linfonodos acome tdos bilaterais, ou contralaterais, menores do que 6cm; - N3 - presença de linfonodo acome tdo com mais de 6cm. As neoplasias da glândula treoide apresentam uma classificação linfonodal à parte: - NX - linfonodos não avaliáveis; - N0 - ausência de metástases linfonodais; - N1A - presença de metástases linfonodais no nível central; - N1B - presença de metástases linfonodais laterais (jugulocaro deas e nível V).
A - Condutas em linfonodomegalias Os linfonodos são estruturas do sistema linfá tco e imunológico, e seu aumento, na grande maioria das vezes, reflete uma reação do organismo a alguma agressão das vias aerodigestvas, como infecções virais ou bacterianas, alergias etc. De maneira geral, apresentam história aguda, de até 2 semanas, com rápido crescimento, dolorosas, que tendem a regredir espontaneamente. A conduta inicial reside apenas na observação dos linfonodos, com pesquisa do foco infeccioso/in flamatório inicial. Se houver linfonodomegalia persistente, deve-se fazer uma investgação mais minuciosa, para pesquisar doenças linfonodais especí ficas infecciosas (como tuberculose) ou neoplasias primárias de linfonodos (os linfomas), como veremos. A maior preocupação, porém, acontece quando é possível o linfonodo aumentado re fletr uma metástase de car-
ESVAZIAMENTOS CERVICAIS
cinoma. Deve-se ficar atento a algumas característcas da história do paciente, como o tabagismo e o e tlismo, além do fato de serem linfonodos de crescimento progressivo, sem períodos de regressão, muitas vezes dolorosos, endurecidos e arredondados, muitas vezes fixos aos planos profundos. Outros sintomas associados devem ser considerados, como disfagia, odinofagia, disfonia, otalgia re flexa, ou mesmo a presença de lesões ulceradas na cavidade oral, orofaringe. Ao exame f sico, deve-se avaliar o número de linfonodos, seu tamanho, sua consistência e sua mobilidade (metástases maiores tendem a ser mais fixas). A avaliação complementar inicial pode ser feita com ultrassonografia cervical, que fornece dados adicionais, como limites irregulares e extensão extracapsular. Em casos de metástases linfonodais, a tomogra fia é essencial para o planejamento terapêu tco. Outros exames devem ser solicitados de acordo com a clínica, mas, para os casos especí ficos de neoplasias, devem-se realizar, além da oroscopia e da laringoscopia indiretas, exames de naso fibrolaringoscopias diretas, além de endoscopias ou broncoscopias, para a pesquisa do tumor primário. Deve-se indicar a biópsia a casos suspeitos, que será inicialmente realizada com Punção Aspira tva por Agulha Fina (PAAF), fornecendo dados citológicos muitas vezes diagnóstcos. A realização de punção é importante por possibilitar o diagnóstco de metástases de carcinoma sem disseminação local da doença maligna. Quando um linfonodo metastá tco é submetdo a uma biópsia incisional, pode haver disseminação da doença localmente e piora do prognós tco do paciente. A PAAF de linfonodo é diagnós tca em casos de metástases de carcinoma espinocelular e em casos de carcinoma papilífero de treoide, ou em casos de linfonodos reacionais. Para linfomas, ou tuberculose linfonodal, a PAAF não costuma fechar o diagnós tco, porém pode sugeri-lo, sendo, por isso, exame fundamental na avaliação das linfonodomegalias. A biópsia incisional ou excisional dos linfonodos estará indicada nos casos de suspeita de doenças linfoprolifera tvas (linfomas, em que idealmente se deve ter uma avaliação de toda a arquitetura linfonodal, além do fornecimento de material para exame imuno-histoquímico), ou em casos de doenças infecciosas especí ficas, como tuberculose (em que se pode mandar material para cultura de micobactérias). Existem também outras doenças, mais raras e, muitas vezes, de diagnós tco dif cil, como doenças granulomatosas (sarcoidose) ou linfoproliferatvas (doença de Kikushi, ou de Kawasaki), em que a biópsia tem o seu papel diagnós tco. Porém, é importante atentar-se para o fato de que, nesses casos, outros métodos diagnós tcos (PAAF, sorologias) devem ser realizados previamente, ou seja, a biópsia de linfonodos não deve ser a 1ª abordagem diagnós tca na prátca clínica. Supondo que seja feita uma biópsia incisional de uma metástase de carcinoma espinocelular, esse será um procedimento que mudará o estadiamento linfonodal, acarre-
tando uma incisão cervical (que di ficultará o planejamento da incisão do próprio esvaziamento cervical), e fará um diagnóstco que poderia ter sido estabelecido por meio de uma PAAF. Assim, tal procedimento estará indicado apenas aos casos em que o diagnós tco é di f cil (às vezes, necessitando de exame de imuno-histoquímica) ou a casos de metástases extremamente volumosas, por vezes irressecáveis, para planejamento terapêu tco paliatvo. Muitas vezes, em metástases muito volumosas, ocorre necrose da porção central com supuração, e alguns pro fissionais menos avisados fazem o diagnós tco errôneo de abscesso cervical.
Figura 5 - Linfonodo com supuração central
No caso do diagnós tco de carcinoma de via aerodigestva, estará indicado o esvaziamento cervical. Em cabeça e pescoço, costuma-se dividir o tratamento cirúrgico em 2 frentes simultâneas: o tratamento de tumor primário e o tratamento do pescoço, ou seja, o esvaziamento cervical. Sempre que possível, o tratamento deve ser realizado com a ressecção em monobloco, ou seja, ressecção do tumor primário e do produto do esvaziamento cervical juntos. O tratamento do tumor primário consiste, obviamente, na
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO ressecção deste com margens livres, e cada cirurgia estará indicada a depender da localização do tumor. Em casos de pescoço negatvo, estará indicado o esvaziamento “de princípio” para casos de tumores primários de cavidade oral (em geral, a par tr do estadiamento T2 de língua, soalho, mucosa jugal), em que estará indicado o esvaziamento cervical seletvo supraomo-hióideo. Aos casos de tumores de supraglote ou de hipofaringe, estará indicado o esvaziamento “de princípio” dos níveis II, III e IV, chamados jugulocaro deos.
Figura 7 - Esvaziamento cervical radical clássico: laringe, carót da comum e músculo trapézio
Figura 6 - Esvaziamento selet vo supraomo-hióideo
Em casos de pescoço posi tvo, o esvaziamento deverá ser radical. A presença de metástases linfonodais é o fator isolado de pior prognós tco na sobrevida desses doentes e sempre implicará a indicação de tratamento radioterápico complementar. Para metástases pequenas (N1, N2A), pode-se indicar um esvaziamento cervical radical modi ficado. Para metástases com extravasamento extracapsular e invasão de estruturas adjacentes, indica-se o esvaziamento radical clássico.
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Alguns centros determinam que se realize um esvaziamento radical clássico para estadios acima de N2B (incluindo, obviamente, N3), o que não é uma conduta unânime, visto que se pode re trar apenas a estrutura comprometda (por exemplo, re trar o MECM e a VJI, acometdas, mas preservar o NCX se es tver longe da metástase, mesmo em casos N3). Em casos de metástases bilaterais, a extensão do esvaziamento deverá ser considerada lado a lado (por exemplo, em um caso de carcinoma de seio piriforme T3N2B, deve-se indicar o esvaziamento radical do lado acometdo, e jugulocaro deo do lado nega tvo). Importante exceção é a ocorrência de metástases volumosas bilaterais, com indicação de esvaziamento radical bilateral. A ligadura de uma veia jugular não causa nenhum tpo de prejuízo neurológico, mas a ligadura bilateral concomitante causa aumento signi ficatvo de pressão intracraniana, com risco de amaurose e edema craniano significatvo, no qual o doente perde a estabilidade ao ficar em pé. Se es tver indicada a ligadura bilateral, o ideal será fazer o esvaziamento em 2 tempos diferentes, com intervalo de aproximadamente 2 semanas entre as cirurgias para haver compensação e abertura de shunts. Um importante aspecto a observar em casos de esvaziamento cervical é o planejamento da incisão. Existem diversos tpos de incisão descritos, porém há 2 que são os mais utlizados: uma incisão “em colar”, ou seja, da mastoide ipsilateral até a linha média (ou com extensão contralateral em casos de esvaziamento bilateral), e a incisão com uma trifurcação (uma incisão longitudinal superior em que, em seu ponto médio, se traça uma linha perpendicular até o nível da clavícula). A trifurcação permite um acesso melhor ao nível V, estando indicada a casos em que as metástases, nesse nível, são predominantes; além disso, é a incisão de escolha em alguns centros. Porém, cursa com uma grande incidência de isquemia de pele no ponto exato da trifurcação, sendo frequentes as deiscências nesse ponto. Isso caracteriza quadros muito complicados em esvaziamentos radicais com ressecção do MECM, porque a deiscência total da cicatriz pode acarretar uma exposição total da caró tda,
ESVAZIAMENTOS CERVICAIS
o que exigiria uma reabordagem cirúrgica para cobertura do defeito (muitas vezes, com rotação de retalhos locais ou regionais). Nos casos de esvaziamento pós-radioterapia, esse tpo de incisão deverá ser evitado. Outra di ficuldade adicional do planejamento da incisão ocorre nos casos em que as metástases invadem a pele cervical, porque a incisão deverá compreender a área a ser removida, sendo necessária a rotação de retalhos em muitos casos para cobertura do defeito. Importante exceção é o caso dos carcinomas da rinofaringe, que tem altas incidências de metástases linfonodais. Esses tumores, mesmo se pouco diferenciados, têm uma excelente resposta ao tratamento radioterápico, combinado ou não com quimioterapia. A resposta costuma ser muito boa também nos linfonodos cervicais, de forma que o esvaziamento cervical estará indicado apenas a casos de persistência (ou recidiva) pós-tratamento. Todas essas consi derações são válidas para os carcinomas epidermoides da área de cabeça e pescoço. Porém, tais conceitos também são aplicados a outras neoplasias metastáticas cervicais, como tumores das glândulas salivares e da glândula tireoide. No caso das glândulas salivares, por exemplo, a maioria das neoplasias malignas é de baixo grau de malignidade, não cursando com metástases cervicais. Em casos de pescoço positivo, indica-se o esvaziamento radical e, no caso de pescoço negativo, apenas o esvaziamento seletivo de princípio em tumores com alto potencial de malignidade (como os carcinomas mucoepidermoides de alto grau). No caso específico da glândula tireoide, algumas diferenças básicas são observadas. Não há indicação do esvaziamento seletivo na ausência de linfonodos metastáticos confirmados, pois, especificamente para o carcinoma papilífero, a presença de metástase microscópica não altera o prognóstico. Na presença de linfonodos acometidos no compartimento central, indica-se só o esvaziamento central. Apenas a ocorrência de metástases laterais (ou seja, jugulocarotídeas) justifica o esvaziamento “radical” na teoria esvaziamento posterolateral (níveis II ao V). Esse procedimento, a rigor, não é radical em relação aos níveis e sim oncologicamente, porque o carcinoma papilífero de tireoide não causa metástases no nível I, que, então, não é esvaziado. Importante exceção é o carcinoma medular de tireoide, que pode causar metástases linfonodais (e hematogênicas), única situação em que está indicado o esvaziamento cervical radical bilateral de princípio. A exceção é o tratamento do carcinoma medular da tireoide, que cursa frequentemente com metástases linfonodais, tendo como indicação de princípio o esvaziamento do compartimento central.
B - Primário oculto Há uma entdade muito peculiar na área da cabeça e pescoço que se chama primário oculto. Como o próprio
nome indica, é o caso de metástase linfonodal de carcinoma espinocelular, porém sem que se diagnos tque o sí to primário após uma minuciosa inves tgação de toda a via aerodigestva alta (o que inclui exame f sico, sico, tomografia computadorizada contrastada, nasofibrolaringoscopia, endoscopia e broncoscopia). Isso ocorre pelo fato de que, em algumas regiões, o potencial de metástase do tumor é muito grande, e esta cresce muito rapidamente, antes que o tumor primário se manifeste. Há 4 localizações onde essa ocorrência é muito comum: rinofaringe, loja tonsilar, tonsilar, supraglote e seio piriforme. Obviamente, esses sí tos devem ser avaliados muito atenciosamente, em busca do tumor primário. Recentemente, o uso do PET-CT scan tem scan tem sido indicado nesses casos. O tratamento do tumor primário consiste no esvaziamento cervical radical, seguido de radioterapia que deve ser feita não só no território cervical, mas em toda a via aerodigestva alta, incluindo toda a rinofaringe. No seguimento, deve-se contnuar a avaliação de toda a região, uma vez que o primário pode “surgir” depois do tratamento, o que é fator de prognós tco desfavorável. Isso, obviamente, é válido para os casos em que a histologia confirma tratar-se de carcinoma epidermoide, porque, em geral, o sí to primário ocorre no território cervicofacial. Exceção à regra é a presença do linfonodo supraclavicular-metastátco, porque geralmente implica outros tumores primários (em especial pulmões, mama, ou trato diges tvo como estômago ou cólon – linfonodo de Virchow quando à esquerda). Em casos de tumores metastá tcos distantes, com outros tpos histológicos como adenocarcinoma, ou melanomas, deve-se procurar o primário de acordo com cada tpo. Nesses casos, consideram-se as metástases como metástases distantes, o que signi fica que não estará indicado o esvaziamento cervical, e sim o tratamento do tumor primário.
5. Conclusões O esvaziamento cervical é um procedimento cirúrgico complexo, com indicações muito claras no tratamento das neoplasias do território cervicofacial. A metástase linfonodal diminui muito as taxas de sobrevida, sendo importante fator de mau prognós tco. O planejamento terapêu tco deve sempre considerar o tratamento do tumor primário e o tratamento do pescoço; infelizmente, muitos pacientes apresentam desfecho mórbido devido às condições do pescoço. O tratamento combinado de quimioterapia com radioterapia, cada vez mais indicado, não tem resposta no pescoço de maneira tão eficaz como no tratamento do tumor primário, e é cada vez mais comum o esvaziamento cervical “de resgate” (pós-radioterapia), o que aumentou consideravelmente a dificuldade do procedimento e o índice de complicações pós-operatórias.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇ PESCOÇO O Tabela 1 - Caracterização dos linfonodos metastát cos cos ou in fl amaamatórios Caracterís tca
Metástase
Lesão inflamatória
Idade
>40 anos
Crianças e jovens
Duração
>15 dias
<15 dias
Lateralidade
Unilateral
Bilateral
Consistência
Endurecida
Elástca
Conformação
Esférica
Elíp tca
Dimensão
>1,5cm
<1,5cm
Localização
FSC, jugular, espinal
Jugular, occipital, submandibular
Rara
Frequente
Reduzida, fixa
Normal
Ulceração
Possível
Rara
Flutuação
Possível
Frequente
Supuração
Rara
Possível
Confluência
Frequente
Rara
Dor Mobilidade
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CAPÍTULO
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Tumores cervicais Alexandre Bezerra / Caio Plopper Plopper / Felipe Augusto Augusto Brasileiro Vanderlei Vanderlei / Christ ana ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
1. Introdução O pescoço, devido à sua anatomia peculiar, rica em estruturas musculares, vasculares e nervosas, pode ser acometdo por inúmeros tumores, tanto benignos como malignos, originários nesses tecidos. Trataremos, Trataremos, neste capítulo, principalmente, dos tumores benignos e malformações. Durante a anamnese e o exame f sico, sico, deve-se dar atenção especial à idade do paciente e à localização do tumor. As crianças, geralmente, possuem tumores in flamatórios ou malformações congênitas, e, quando malignos, ma lignos, geralmente são linfomas. Em adultos, a suspeita de neoplasia maligna deve ser feita especialmente se o paciente é tabagista e e tlista e tem antecedentes antecedentes familiares. Atualmente, há grande relação com tumores de orofaringe com a presença do HPV (papilomavírus humano tpos 16 e 18).
2. Malformações congênitas Geralmente, as malformações estão presentes ao nascimento, mas podem manifestar-se durante a infância e até na idade adulta. As lesões podem permanecer latentes, tornando-se sintomátcas após episódios infecciosos (IVAS, por exemplo). A história e a localização de cada tpo são peculiares e podem ser muito úteis no diagnós tco da massa cervical. Geralmente, são decorrentes dos arcos a rcos branquiais e da migração treoidiana.
auditvo externo é formado pela permanência da 1ª fenda branquial, a única que não se fecha. Já as bolsas vão dar origem a tecidos importantes: 1ª bolsa – cavidade tmpânica, 2ª bolsa – amígdalas faríngeas, 3ª bolsa – para treoides inferiores e tmo, 4ª bolsa – para treoides superiores e treoide. O desenvolvimento e o desaparecimento dos arcos e fendas branquiais terminam por volta da 10ª semana. Para facilitar o entendimento das anomalias congênitas cervicais, separamos os tumores em laterais e da linha média ou centrais.
4. Tumores laterais A - Anomalias do aparelho branquial Os tumores laterais podem ser divididos em 3 tpos: -
Cistos: formados Cistos: formados pelo desenvolvimento de células epiteliais sequestradas na formação do seio cervical, preenchidos por conteúdo líquido na maioria;
-
Fístulas incompletas ou sinus: formadas pela obliteração incompleta de parte da fenda branquial, apresentam comunicação com a pele (mais comum) ou com a faringe, saída de conteúdo espesso, normalmente sem odor, odor, a menos quando há infecção associada;
-
Fístulas completas: completas: formadas pela comunicação da pele (ectoderme) com a faringe (endoderme), muitas vezes com exteriorização de saliva e alimento.
3. Embriologia A origem das malformações congênitas pode estar na endoderme, ectoderme ou mesoderme, o que leva à possibilidade de encontrar malformações compostas por tecidos ósseos, musculares, nervosos, car tlaginosos ou vasculares. Durante o desenvolvimento do embrião, durante a 3ª semana de vida temos o desenvolvimento de um aparelho composto de faixas de tecido misto, conhecido como aparelho branquial por sua semelhança às brânquias dos peixes. Temos, inicialmente, a formação do arco mandibular, seguido pelo arco hióideo e pelos 3º, 4º, 5º e 6º arcos. Durante o desenvolvimento dos arcos branquiais, as fendas branquiais (espaço entre os arcos) são ocluídas. O conduto
Os cistos geralmente não estão clinicamente presentes ao nascimento, manifestam-se durante a infância ou na vida adulta, muitas vezes durante o curso de uma infecção de vias aéreas superiores. As f stulas stulas estão presentes desde o nascimento e, ao exame, apresentam-se como pequenos ori f cios cios situados na borda anterior do músculo esternocleidomastóideo. esternocleidomastóideo.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇ PESCOÇO O
Figura 1 - Fístula do 2º arco
Figura 2 - Tomogra fi a de cisto branquial do 2º arco
As malformações derivadas da 1ª fenda branquial são raras (menos de 1%) e podem ser divididas em 2 tpos: - Tipo I: I: contêm apenas elementos epidérmicos sem cartlagem ou estruturas anexiais, consideradas duplicação do conduto audi tvo externo, e podem passar próximo ao nervo facial; II: são mais comuns e têm elementos da ectoder- Tipo II: são me e mesoderme. Geralmente, aparecem após infecção como um abscesso abaixo do ângulo da mandíbula. Têm trajeto por meio da paró tda, passam próximos ao nervo facial e terminam no conduto audi tvo externo. As malformações derivadas da 2ª fenda branquial são as mais comuns. Essas anomalias aparecem na borda anterior do músculo esternocleidomastóideo, têm trajeto passando pelas estruturas derivadas do 2º arco como artéria caró tda e ventre posterior do músculo digástrico, e terminam na loja amigdaliana (Figura 1). Clinicamente, apresentam-se como massas fibroelástcas indolores abaixo do ângulo da mandíbula, mas podem crescer e apresentar dor durante uma infecção das vias aéreas superiores. Defeitos da 3ª fenda são raros e aparecem na região inferior do pescoço, também na borda anterior do músculo esternocleidomastóideo. A comunicação com a faringe se dá pelo recesso piriforme ou membrana treóidea. As malformações da 4ª fenda são as mais raras, sendo mais comuns à esquerda, e podem apresentar-se como abscesso na região inferior do pescoço ou treoidite recorrente. recorrente. A ressecção cirúrgica está indicada a todas as malformações do aparelho branquial. A ressecção completa, incluindo todo o trajeto, é necessária, mas deve ser realizada na ausência de infecção. Na presença de coleção purulenta, devem ser realizadas antbiotcoterapia e drenagem cirúrgica, caso seja necessário. Apenas após a resolução do quadro infeccioso agudo é que se deve realizar a ressecção da malformação. Com o tratamento adequado, é baixa a possibilidade de recidiva. Os índices de recidiva elevam-se sobremaneira quando a ressecção cirúrgica é realizada durante episódios infecciosos.
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Figura 3 - Correlação clínica
Figura 4 - Peça cirúrgica, com conteúdo rico em cristais de colesterol
B - Laringocele Em geral, a laringocele apresenta-se como massas cís tcas anteriores ao músculo esternocleidomastóideo. Tratase de uma herniação preenchida por ar, na região, no ventrículo da laringe. Acredita-se que seja formada, em indivíduos predispostos, pelo aumento constante da pressão
TUMORES CERVICAIS
intragló tca, como ocorre em musicista de instrumento de sopro ou sopradores de vidro, por exemplo. As queixas mais comuns são disfonia, tosse e sensação de corpo estranho. A tomografia computadorizada e a laringoscopia podem ajudar no diagnóstco. O tratamento cirúrgico está indicado na presença de sintomas, e, na maioria das vezes, a cirurgia é feita por via cervical. Pode-se tentar o tratamento endoscópico quando é feito o diagnós tco de laringocele interna.
5. Tumores centrais A - Cisto do ducto treoglosso O cisto do ducto treoglosso desenvolve-se a par tr de remanescentes das estruturas primordiais da glândula treoide durante a sua migração do forame cego (base da língua) para o pescoço, por meio do ainda não totalmente formado osso hióide, entre a 10ª e a 17ª semana de vida fetal. Clinicamente, apresenta-se como um cisto na linha média em qualquer porção do trajeto da migração da glândula treoide. O diagnós tco é feito durante a infância, mas o cisto pode manifestar-se em qualquer faixa etária. Assim, como as outras malformações cervicais, o cisto do ducto treoglosso pode aumentar durante a infecção de vias aéreas superiores que pode levar a abscesso e drenagem espontânea ou cirúrgica, surgindo, assim, a f stula do ducto treoglosso. É a única que não é congênita, ou seja, é adquirida. Ao exame clínico, o cisto do ducto treoglosso eleva-se à protrusão da língua (sinal de Sistrunk). O tratamento de escolha é cirúrgico, e a ressecção deve incluir a parte central do osso hioide e todo o trajeto até a base da língua (técnica de Sistrunk). U tlizando técnica adequada durante a ressecção, a possibilidade de recidiva é mínima, próxima a 3%.
B - Cisto dermoide O cisto dermoide é uma lesão benigna que contém elementos de origem na ectoderme e na mesoderme. Está localizado na linha média, geralmente na região submentoniana. O principal diagnós tco diferencial é com o cisto do ducto treoglosso, mas, no exame clínico, mais precisamente durante a inspeção e a palpação dinâmica, não se eleva à protrusão da língua, como acontece com o outro cisto. Outras localizações podem ser testa, base do nariz, rebordo orbitário, região geniana e supraesternal. O tratamento é cirúrgico, com elevado índice de sucesso.
Figura 6 - Cisto dermoide, correlação clínica e cirúrgica
C - Teratoma O teratoma é consttuído pelos componentes das 3 camadas germinatvas (ectoderme, mesoderme e endoderme). Geralmente, trata-se de massas na linha média, presentes ao nascimento, de grandes dimensões, e o quadro clínico está relacionado às estruturas que o tumor comprime, como traqueia, laringe, esôfago e vasos cervicais. O quadro clínico pode ser de insu ficiência respiratória aguda, portanto muitas vezes é necessária a ressecção cirúrgica emergencial.
D - Malformações linfátcas
Figura 5 - Cisto t reoglosso, f stula de ducto t reoglosso, demonstrat vo de técnica de Sistrunk com peça anatômica com a porção do osso hioide
As malformações linfátcas, linfangiomas ou higroma cístco, geralmente presentes desde o nascimento, são massas compressíveis, multloculadas e indolores. Localizam-se, preferencialmente, no triângulo posterior do pescoço, mas, pelas suas grandes dimensões, podem ocupar todo o pescoço, como no exame tomográfico. São compostas por endotélio linfátco em forma de cistos preenchidos por linfa e sangue e podem ser classi ficadas em: - Linfangioma capilar: cisto de até 1mm de diâmetro; - Linfangioma cavernoso: cisto de até 5mm; - Linfangioma macrocís tco: cisto de mais de 5mm.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO Causam grande deformidade esté tca, e essa é a principal razão do tratamento, mas também podem comprimir estruturas adjacentes, como a via aérea e o esôfago. Insuficiência respiratória aguda é incomum, mesmo em pacientes com massas enormes, e geralmente é consequência de infecção ou hemorragia em seu conteúdo. O diagnóstco é feito pelo exame f sico, mas a identficação de cistos mul tloculados de paredes finas ao ultrassom, tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnétca facilita o diagnós tco. São caracterizados por bolhas de sabão ou favos de mel, por serem mul tloculados. O tratamento de escolha é cirúrgico, com ressecção de todo o cisto que muitas vezes não é bem-sucedida. A característca multloculada associada ao tamanho dos cistos muitas vezes di ficulta a ressecção completa das lesões e pode levar a recidivas de di f cil ressecção. Alguns pacientes são submetdos por diversos procedimentos, e, devido à possibilidade de lesão de estruturas cervicais importantes, foram desenvolvidos tratamentos alterna tvos. O que apresenta melhores resultados é a terapia com injeção de OK-432, uma espécie de esclerose do tecido. O índice de recidiva não é insigni ficante, chegando a 50% em alguns estudos.
dotélio. Frequentemente, mais profundo e com di f cil involução espontânea; - Hemangioma arteriovenoso ou malformações arteriovenosas: composto por vasos espessados, shunts arteriovenosos e que ao exame clínico se apresentam como massas pulsáteis. A grande maioria dos hemangiomas involui espontaneamente durante os primeiros anos de vida, normalmente até os 5 anos, sem necessidade de qualquer tratamento invasivo. Há, porém, a necessidade de suporte à família, uma vez que podem ser grandes e causar desconforto esté tco. Aos hemangiomas que não desaparecem, está indicado o tratamento cirúrgico. Grande cuidado deve ser tomado para evitar lesões em estruturas importantes. O uso do laser e a injeção de cor tcosteroides podem auxiliar no tratamento.
Figura 8 - Hemangioma em criança de 8 meses
6. Tumores benignos - Paragangliomas Figura 7 - Tomogra fi a de criança de 1 ano
E - Hemangiomas Os hemangiomas são os tumores cervicais de origem vascular e os mais comuns durante a infância. Comumente, não estão presentes ao nascimento, mas aparecem nos primeiros meses de vida com crescimento durante o 1º ano. Localizam-se, preferencialmente, na pele ou na mucosa, mas também podem aparecer em estruturas profundas. Clinicamente, são placas bem delimitadas, macias à palpação, vermelhas ou vinhosas, mas podem ser dolorosas a ela. Podem ser classificados em: - Hemangioma capilar: como o próprio nome diz, formado por capilares. Pode involuir espontaneamente; - Hemangioma cavernoso: formado por grandes canais vasculares, geralmente tortuosos e compostos por en-
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Os paragangliomas, também conhecidos como quimiodectomas, são tumores raros, oriundos do sistema nervoso autônomo, que em geral se localizam na bifurcação caro dea (60%), na região jugulo tmpânica e, menos frequentemente, no nervo vago. Muito raramente, podem ser encontrados na laringe, nasofaringe, cavidade nasal, seios paranasais e glândula treoide. São tumores que se manifestam na 3ª e na 4ª décadas de vida. São benignos em sua grande maioria. Suas manifestações clínicas são derivadas da compressão de estruturas adjacentes pelo tumor, e apenas 1 a 3% têm evidência clínica de produção hormonal. A malignidade desses tumores é determinada pela presença de metástases, pois a diferenciação histológica, entre benigno e maligno, é virtualmente impossível. Alguns casos são familiares e relacionados à mutação do gene da succinato desidrogenase, nos quais tendem a ser mul tfocais (80%).
TUMORES CERVICAIS
Os tumores caro deos são os mais comuns; no exame clínico, o tumor é móvel horizontalmente e pode transmi tr o pulso da artéria e apresentar frêmito à ausculta. O diagnóstco é realizado pelo exame clínico associado a exames complementares. A arteriogra fia mostra uma massa vascular na bifurcação caro dea. A ultrassonografia com Doppler e a angiorressonância também podem ajudar no diagnós tco. Os tumores caro deos podem ser divididos, de acordo com a classificação de Shamblin, em 3 grupos: - Grupo I: tumores pequenos aderidos frouxamente à adven cia do vaso e removidos facilmente; - Grupo II: tumores maiores, mais aderidos ou até in filtrando a parede do vaso. A ressecção da adven cia é necessária para o tratamento; - Grupo III: tumores muito grandes, envolvendo toda a artéria que precisa ser removida parcialmente para a completa ressecção do tumor.
B - Neurofibromas Os neurofibromas tendem a aparecer em indivíduos mais jovens, em comparação aos schwannomas. Neurofibromas solitários são raros na região da cabeça e do pescoço, mas são muito mais comuns na neuro fibromatose. Ocorrem na pele ou nos tecidos moles e podem aparecer em qualquer região anatômica. São tumores benignos, e, quando solitários, a transformação maligna é incomum. Quando presentes na neuro fibromatose, há maior risco de transformação maligna. Os neuro fibromas superficiais não são de fácil ressecção e, em geral, não recidivam. Em casos de tumores profundos, o tratamento cirúrgico deve sempre considerar as estruturas adjacentes.
O tratamento recomendado é cirúrgico ou radioterápico. O tratamento primário com radioterapia ou radiocirurgia está indicado apenas aos tumores inoperáveis ou a pacientes com alto risco cirúrgico. Aos pacientes com tumores jugulotmpânicos ou vagais, é recomendada a embolização pré-operatória do tumor. Pode-se tentar o tratamento exclusivo com embolização em casos inoperáveis, mas com resultados pobres e temporários.
7. Tumores de origem nervosa A - Schwannoma ou neurinoma Os schwannomas ou neurinomas são tumores em sua grande maioria benignos, de crescimento lento, encapsulados, relacionados a um nervo especí fico. São mais comuns na 3ª ou na 4ª década de vida, sem preferência de sexo. A maioria desses tumores está no sistema nervoso central, principalmente com relação ao nervo acús tco. Dos tumores fora do SNC, aproximadamente 1/3 está na cabeça ou no pescoço. Os neurinomas cervicais podem ser divididos em laterais (mais comuns) e centrais. Os tumores laterais originam-se do plexo cervical, plexo braquial e troncos nervosos cervicais. Os mediais têm origem nos 4 úl tmos nervos cranianos e plexo simpá tco. Em grande parte das vezes, não se consegue identficar o nervo de origem, mas, quando isso é possível, os nervos mais afetados são os do plexo braquial ou plexo cervical e o vago. Clinicamente, apresentam-se como uma massa cervical indolor sem sintomas neurológicos. Dependendo da localização, os pacientes podem apresentar disfonia, tosse, di ficuldade respiratória e, mais raramente, síndrome de Horner. O tratamento é cirúrgico com ressecção do tumor, e deve-se, quando possível, tentar a preservação do nervo, o que melhora sobremaneira o resultado funcional do tratamento.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
CAPÍTULO
3
1. Introdução A glândula treoide é um órgão situado na porção anterior e inferior do pescoço, anterior à traqueia, e sede de doenças extremamente prevalentes nas populações em geral, principalmente no sexo feminino. A função da glândula é produzir os hormônios treoidianos, T3 (tri-iodo tronina) e T4 ( troxina), que são fabricados na sua unidade funcional – o folículo treoidiano. O conhecimento de suas diversas afecções morfológicas ou funcionais, cirúrgicas ou não, é fundamental para o cirurgião de cabeça e pescoço.
Figura 1 - Relações anatômicas da t reoide
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Doenças da glândula treoide Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei Christ ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
Baseando-se apenas no exame f sico, a incidência dos nódulos da treoide varia de 1,5% para homens a 6,4% para mulheres, porém a ultrassonogra fia (USG) aumenta essa incidência para 19 a 64% da população em geral, com uma tendência crescente devido ao avanço da idade. Em um famoso estudo no nosso meio, foi encontrada uma incidência de 36% de nódulos treoidianos em necrópsias de pessoas falecidas por outras razões. Qualquer que seja a metodologia empregada, encontra-se uma alta incidência de treoidopatas, em especial, na população feminina.
DOENÇAS DA GLÂNDULA TIREOIDE
2. Embriologia
3. Anatomia
A treoide desenvolve-se a par tr da 2ª e da 3ª semanas de vida embrionária, a par tr de uma invaginação do soalho da porção anterior da faringe primi tva, entre 2 estruturas chamadas tubérculo ímpar e cópula, que formarão a língua. Em nível do forame cego, que é o vér tce do chamado V lingual do adulto (ponto de con fluência das papilas circunvaladas), essa estrutura migra em direção caudal, formando um diver culo ectodérmico, atrás do futuro saco aór tco (de onde se formam os primórdios do coração e grandes vasos). Após a 5ª semana, gera-se um broto bilobulado, situado anteriormente à traqueia. O trajeto que liga a treoide à base da língua, denominado ducto treoglosso, oblitera-se ao redor da 10ª semana. No entanto, pode gerar um remanescente na própria treoide, que é o lobo piramidal, de Morgagni ou Lalolue e, que pode permanecer pérvio formando, futuramente, um cisto de ducto treoglosso; anomalia congênita de tratamento cirúrgico. Em seu estágio final, a treoide ainda recebe células da parte inferior da 4ª bolsa branquial (chamada corpo úl tmo-branquial), por mecanismos não bem compreendidos, penetrando em sua porção posterior e formando as chamadas células C, que são completamente diferentes dos treócitos. Essas células, também denominadas parafoliculares (devido à sua posição ao redor dos folículos treoidianos), são produtoras de calcitonina e, como veremos posteriormente, podem gerar um tpo diferente de tumor na treoide, o carcinoma medular. As glândulas para treoides e o tmo também se originarão das bolsas do aparelho branquial. As paratreoides superiores originam-se do 4º arco branquial, enquanto as inferiores se originam do 3º arco. A “migração” que a treoide faz no período embrionário é responsável por explicar a ocorrência de ectopias treoidianas na linha média, desde a língua ( treoide lingual) até o mediastno, ou seja, por todo o seu trajeto.
Do ponto de vista histológico, como se trata de uma glândula endócrina, consiste em um epitélio secretor ricamente embebido em vasos sanguíneos, porém com a característca de formar folículos, que são sáculos onde se armazena a secreção, facilmente percep veis à microscopia. Do ponto de vista macroscópico, trata-se de uma glândula bilobada, com lobos laterais predominantes, unidos medialmente por um istmo de tecido treoidiano, formando um “H”. Porém, em aproximadamente 70% dos casos, há um 3º lobo, chamado piramidal, que sai do próprio istmo, e dirige-se superiormente até o osso hioide (remanescente do trajeto embrionário) já mencionado. A glândula treoide situa-se na porção anterior da região cervical, à frente da traqueia, do nível da car tlagem treoide até o 5º ou o 6º anéis traqueais. Sua face anterior relaciona-se aos músculos pré- treoidianos (esternotreóideo e esterno-hióideo), sua face lateral relaciona-se à veia jugular interna, e a face posterior tem ín tma relação com o nervo laríngeo inferior, paratreoides e esôfago cervical. É chamado tubérculo de Zuckercandle um prolongamento posterior, de pequenas dimensões, porém com profunda relação com o nervo laríngeo recorrente, junto à sua penetração na laringe. A treoide tem uma cápsula própria, anatômica, que a separa das outras estruturas cervicais. Em 2 pontos, apresenta um espessamento que forma 2 ligamentos especí ficos: o ligamento de Gruber, ou suspensor, que liga a porção superior da treoide à cartlagem treoide, e o ligamento de Berry, ou lateral, que liga as porções laterais da glândula à traqueia.
Figura 3 - Relações anatômicas da glândula
Figura 2 - Possíveis localizações de tecido t reoidiano devidas a descida t reoidiana
A treoide é extremamente irrigada do ponto de vista de fluxo sanguíneo, sendo, junto com as glândulas adrenais, os tecidos do corpo humano que mais recebem sangue por
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO massa de parênquima glandular. Apresenta 2 pedículos arteriais e 3 venosos. A artéria treoidiana superior é o 1º ramo anterior da artéria caró tda externa, com algumas variações anatômicas. Ao se aproximar da glândula, ela se trifurca, penetrando na porção superior. Pode emi tr um ramo que se anastomosa com a artéria contralateral, formando a chamada arcada supraístmica, que irriga a pirâmide. É a principal fonte arterial da treoide, e sua ligadura deve ser feita com bastante cautela durante o ato cirúrgico. Já a artéria treoidiana inferior é ramo do tronco treocervical, por sua vez, ramo da artéria subclávia. Apresenta ín tma relação com o nervo laríngeo recorrente, uma vez que sempre o cruza. Cada pedículo arterial é acompanhado de um pedículo venoso, de mesmo nome. Porém, há um ramo venoso principal, que se localiza na face medial de cada lobo, que é a veia treoidiana média. Ela desemboca diretamente na veia jugular interna e geralmente deve ser ligada, no ato cirúrgico, logo no início da dissecção da treoide, para permitr que se luxe a glândula. Do ponto de vista linfá tco, a glândula é extremamente rica, sendo drenada para linfonodos regionais pericapsulares, pré ou paratraqueais, pré-laríngeos, do chamado nível recorrencial (nível VI), retrofaríngeos ou medias tnais superiores. Em relação à inervação, a treoide recebe fibras do simpátco que acompanham os vasos, e parassimpá tcas, que acompanham os nervos laríngeos. Porém, os nervos mais importantes que têm relação com a treoide são os laríngeos, superior e inferior, por sua proximidade com a glândula. Ambos são ramos do nervo vago. O nervo laríngeo superior apresenta trajeto descendente, curvando-se inferior e anteriormente em direção ao pedículo superior da glândula (por essa razão, a ligadura do pedículo superior deve ser feita muito próxima à cápsula da treoide, a fim de evitar lesões). Quando está próximo à glândula, divide-se em ramos externos, que têm função motora (inervam o músculo crico treóideo, que promove tensão nas pregas vocais), e interno, sensi tvo, que penetra na membrana cricotreóidea e dá sensibilidade da porção superior da laringe até a base da língua. Sua lesão (ramo superior), durante uma treoidectomia, causa sensação de “voz cansada”, ou seja, desconforto ao esforço vocal, além de dificuldade de manter a tensão da glote (com consequente dificuldade para emissão de sons agudos) e episódios de aspiração, uma vez que, pelo dé ficit de sensibilidade, nota-se a presença de alimentos ou líquidos na laringe depois que se ultrapassa a glote. Porém, o nervo mais importante é o nervo laríngeo inferior, ou recorrente, pois é o principal nervo motor da laringe. Chama-se recorrente porque, uma vez que sai do vago e se dirige para baixo, faz uma alça (“recorre”) sobre alguma estrutura vascular (do lado direito, a artéria subclávia e, do lado esquerdo, o arco da aorta), passando a adquirir trajeto ascendente, no sulco traqueoesofágico, sempre cruzando a artéria treóidea inferior (com trajeto lateral), até sua penetração na laringe, junto à membrana crico treóidea.
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Frequentemente, o nervo se divide em 2 ou mais ramos, antes de penetrar na laringe. Sua lesão, se unilateral, causa disfonia em diversos graus (devido à paralisia da prega vocal ipsilateral) e, se bilateral, causa insu ficiência respiratória e necessidade de traqueostomia.
4. Doenças benignas da glândula treoide Trataremos de 2 ocorrências muito prevalentes: os bócios e as treoidites. Ambas são doenças benignas, com repercussões locais baseadas no tamanho do bócio, ou sistêmicas, dependentes da in fluência que pode haver na produção hormonal.
A - Bócio a) Definição O bócio é o aumento da glândula não neoplásica e não in flamatória.
treoide,
de origem
b) Classificação É classificado sob 2 característcas: - Anatômica Bócio difuso: é o aumento difuso da glândula treoide, ou seja, sem haver nódulos. Pode ser fisiológico em alguns estados, como durante a adolescência, ou na gravidez. An tgamente, o bócio difuso mais comum era o chamado bócio endêmico, ou seja, prevalente em grande parcela da população de determinada localidade que fosse pobre em iodo, principalmente lugares longe da costa, como o sertão brasileiro. Do ponto de vista histórico, era muito comum em países da Europa Central, como a Suíça, onde grandes cirurgiões, como Theodor Kocher, desenvolveram a técnica da treoidectomia. É causada pela falta crônica de iodo, importante no mecanismo de produção hormonal, levando a aumento do TSH e, consequentemente, hiperplasia do parênquima treoidiano. Com a regulamentação de muitos países, inclusive do Brasil, de adicionar iodo ao sal de cozinha, a incidência dessa doença teve queda expressiva. Outra causa frequente, porém de e topatogenia completamente diferente, é o chamado bócio difuso tóxico, ou doença de Basedow-Graves, que se caracteriza por aumento difuso da glândula, acompanhado de sinais e sintomas de hiper treoidismo (taquicardia, exo almo, mixedema, tríade clássica da doença de Graves); Bócio nodular: é o aumento da glândula causado pela presença de nódulos treoidianos. É subdividido em 2 categorias, de acordo com o número de nódulos: uninodular (com a presença de nódulo único) e mul tnodular (com a presença de mais de 1 nódulo). •
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DOENÇAS DA GLÂNDULA TIREOIDE
Funcional Denomina-se função da treoide a sua capacidade de produção de hormônios. O eu treoidismo é a produção hormonal na quantdade adequada, o hipo treoidismo é a produção insuficiente (e não corrigida) de hormônios, assim como o hipertreoidismo é a produção excessiva de hormônio. Então, de acordo com a produção hormonal, os bócios são classificados em: Tóxico: é o aumento da glândula associado ao hipertreoidismo; Atóxico (ou bócio simples): é o aumento da glândula sem a ocorrência do hiper treoidismo. Devese notar, pois, que essa classi ficação coloca em um mesmo grupo os eu treoidianos e os hipo treoidianos. -
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Conjunta Ao unir as característcas morfológicas e funcionais, agrupamos os bócios em diversos grupos, a saber: -
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Bócio uninodular simples ou atóxico;
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Bócio multnodular simples;
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Bócio difuso tóxico (doença de Graves);
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Bócio multnodular tóxico etc.
c) Diagnóstco O exame-padrão para a avaliação da treoide é a USG em conjunto com a dosagem hormonal sérica. A dosagem hormonal permite, com grande con fiabilidade, avaliar a função treoidiana. Dosam-se o TSH (hormônio es tmulante da treoide), o T4L (fração livre do T4, a tva), o T3 e o T4 totais. O TSH é o teste mais sensível para a avaliação da função, por ser o 1º a alterar-se em casos de hipo ou hiperfunção. Por meio da USG, avalia-se a treoide como um todo, notam-se a presença, o número e o tamanho de nódulos, além de outras caracterís tcas ultrassonográficas, como ecogenicidade, contornos, presença ou não de macro ou microcalcificações, e padrão de vascularização (ao Doppler ). Outro exame fundamental para a avaliação dos nódulos treoidianos é o citológico, realizado por meio de uma Punção Aspiratva por Agulha Fina (PAAF), preferencialmente realizada sob orientação da USG. Por meio da PAAF, tem-se o diagnóstco citológico do nódulo, permi tndo o diagnóstco etológico com grande acurácia. Basicamente, a PAAF apresenta 3 possibilidades de diagnós tco: nódulos benignos (bócio ou treoidite), nódulos malignos (carcinoma papilífero etc.) ou nódulos inconclusivos em relação à malignidade (padrão folicular). Outra forma de avaliação da treoide é o exame de cintlografia com iodo, que tem baixa resolução para avaliação dos nódulos em si, porém é importante na veri ficação da função treoidiana, hoje com indicação restrita, mais usado para pesquisa de nódulos únicos e tóxicos (doença de Plummer).
d) Tratamento O bócio é uma doença benigna que, geralmente, não requer tratamento cirúrgico. É muito comum na população, e, uma vez diagnos tcado, a conduta é observá-lo. De maneira geral, indica-se cirurgia aos seguintes casos: Tabela 1 - Tipos de bócio para os quais há indicação de cirurgia Bócio compressivo Grandes dimensões, causando sintomas compressivos ou desvio de estruturas cervicais, notadamente, a traqueia (o que é facilmente percep vel ao raio x simples). Bócio mergulhante Insinua-se no estreito torácico, podendo atngir grandes dimensões. Chama-se intratorácico quando mais de 50% do volume es tmado do bócio estão no tórax. Para esses casos, deve-se realizar um exame tomográfico para programação cirúrgica, porque pode haver a necessidade de esternotomia para a remoção do bócio, e normalmente a vascularização se dá através de vasos medias tnais. Suspeita ou confirmação de malignidade Há casos de nódulos cuja benignidade não se pode afirmar por meio do exame citológico, então se indica o tratamento cirúrgico. Hipertreoidismo de intratabilidade clínica Casos de intolerabilidade às medicações anttreoidianas, crise treotóxica, ou no tratamento definitvo da doença de Graves, ou de Plummer. Estétco Nódulos volumosos, normalmente maiores de 4cm.
Figura 4 - Desvio de traqueia
Figura 5 - Alteração estét ca
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO Aos casos para os quais não há indicação cirúrgica, indica-se a observação com USGs periódicas para avaliar se há crescimento dos nódulos ou mudança das característcas deles, além de acompanhar a função hormonal. Alguns grupos consideram o tratamento de bócio com administração hormonal, causando um hiper treoidismo com supressão do TSH, o que levaria a uma diminuição do volume dos nódulos. Na prá tca, esse tratamento tem pouca efe tvidade e muitos efeitos colaterais, não sendo o de escolha. A ablação de nódulos com injeção de álcool tem sido usada por alguns centros, porém é de valor discu vel e não cons ttui, até o momento, opção terapêu tca aceitável. A cirurgia para o tratamento do bócio é a treoidectomia, que pode ser total ou parcial. A casos de doença nodular bilateral, indica-se a treoidectomia total; caso contrário, pode-se realizar a lobectomia. A ressecção isolada de nódulos (nodulectomia), muito realizada an tgamente, deve ser desencorajada, devido ao fato de que a recidiva é frequente e a reoperação se torna muito mais complicada, com especial dificuldade na dissecção do nervo laríngeo recorrente e paratreoides. Especial atenção deve ser dada aos casos de bócios tóxicos. O bócio difuso tóxico, também conhecido como doença de Graves, cursa com um hiper treoidismo que costuma ser de grande intensidade. O paciente apresenta-se tpicamente com um grande aumento da glândula, associado à exoalmia (por infiltração da musculatura retro-orbitária) e sinais e sintomas muito exuberantes de hiper treoidismo (tremores, sudorese intensa, taquicardia e perda ponderal significatva). O diagnóstco é feito com base em: - Quadro clínico; - Dosagem hormonal (TSH muito suprimido e T4L bastante aumentado); - Dosagem de autoan tcorpos antrreceptor de TSH (TRAB); - USG: treoide difusamente aumentada, sem nódulos e com intensa vascularização; - Cintlografia: treoide hipercaptante difusamente.
Figura 6 - Exol almo
O tratamento inicial é feito com a administração de anttreoidianos (classe das toureias, como o propil touracil, ou o tapazol) e beta-bloqueadores, algumas vezes benzodiazepínicos e cor tcoides em crises treotóxicas. Após o controle do hiper treoidismo, deve-se manter o tratamento até alguns meses subsequentes porque há alguns casos que
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apresentam regressão espontânea. Porém, de maneira geral, deve-se insttuir o tratamento de finitvo, que será feito por iodoterapia ou cirurgia. A radioiodoterapia consiste na administração de I 131, que é captado pelas células treoidianas, com posterior liberação da irradiação, “queimando-as”. Algumas semanas após a administração, o paciente se torna eutreóideo, mas cronicamente acaba evoluindo para hipotreoidismo persistente. Trata-se de um excelente método terapêutco, porém deve ser indicado com cautela àqueles com exoalmo importante, bócios muito volumosos ou impossibilidade de receber irradiação. O tratamento cirúrgico é outra forma de tratamento definitvo. Como se trata de uma doença difusa da glândula, a cirurgia preconizada é a treoidectomia total, embora isso não seja um consenso. Uma alterna tva muito usada até um passado recente era a treoidectomia parcial “funcional”, uma treoidectomia subtotal, com preservação de parte do parênquima glandular (4g de cada lado), de forma a tentar preservar a função da treoide. No entanto, o alto índice de recidiva da doença, associado à grande di ficuldade técnica de reoperação, tem desencorajado a técnica. Convém lembrar que, nos casos da treoidectomia total por Graves, o índice de complicações pós-operatórias é extremamente significatvo, principalmente o hipopara treoidismo (por lesão das para treoides, hipovascularização ou retrada junto à treoide), sendo alto o número de pacientes que necessitam de reposição de finitva de cálcio e em altas doses. Para casos de bócio mul tnodular tóxico, o tratamento deve ser o mesmo, ou seja, compensação clínica inicial, para tratamento cirúrgico de finitvo com treoidectomia total. Os sintomas são formigamento e parestesia, principalmente de membros superiores e lábio; clinicamente, apresentando os sinais de Chvostek e Trousseau. Outra doença par tcular é o bócio uninodular tóxico autônomo, também conhecido por doença de Plummer. Tratase de um hiper treoidismo associado à presença de nódulo único, que é o produtor aberrante de hormônio. Suspeitase do diagnós tco com o achado ultrassonográ fico de bócio uninodular, com TSH suprimido. À cin tlografia, nota-se um aspecto característco: o nódulo é “quente”, ou seja, capta iodo excessivamente, e o parênquima restante da glândula é suprimido, com captação muito baixa. O tratamento é cirúrgico e é o único caso em que se aceita a nodulectomia, embora geralmente se opte por uma lobectomia, pois esses nódulos, para terem a capacidade de causar hiper treoidismo, apresentam um tamanho su ficiente para ocupar grande parte do lobo treoidiano.
B - Tireoidites a) Definição São um grupo de doenças in flamatórias da glândula treoide. Algumas são muito comuns, como o Hashimoto, enquanto outras são raríssimas, como a treoidite aguda.
DOENÇAS DA GLÂNDULA TIREOIDE
b) Classificação - Tireoidites autoimunes: são doenças em que o processo inflamatório tem origem autoimune, sendo caracterizado histologicamente por um in filtrado inflamatório linfocitário, crônico e difuso. Como outras doenças autoimunes, são muito mais comuns em mulheres. A treoidite de Hashimoto é a mais comum, sendo a principal causa de hipo treoidismo no mundo inteiro. Tem origem autoimune, caracterizando-se pelo elevado tulo de autoantcorpos circulantes (an ttreoglobulina e antmicrossomal). Cursa com um processo lento e destrutvo da glândula, em que os folículos são gradualmente substtuídos por um infiltrado inflamatório linfocitário, de forma que toda a glândula se atro fia e fica com consistência mais endurecida. A treoidite por si só não causa sintomatologia cervical, mas a evolução da doença deflagra um quadro de hipo treoidismo, de instalação lenta, sendo necessária a reposição hormonal. Além disso, a treoidite não é doença de tratamento cirúrgico, mas, por ser muito prevalente, é frequentemente encontrada durante treoidectomias e se associa a um signi ficatvo aumento das complicações no pós-operatório. Há uma relação maior com esta doença e o carcinoma papilífero, quando há presença de nódulo; - Tireoidite subaguda, ou granulomatosa, de DeQuervain (rara): tem um quadro clínico bem caracterís tco e costuma acontecer algumas semanas após infecções virais, o que levanta a hipótese de uma reação cruzada an geno-antcorpo. Causa um quadro de forte dor na loja treoidiana, rebelde a analgésicos comuns (só responde a cortcoides) com quadro de hiper treoidismo associado. O hipertreoidismo é causado não por um aumento de produção hormonal, mas por um excesso de liberação de hormônio dos folículos treoidianos devido ao processo inflamatório. Esse excesso costuma ser discreto, e o tratamento deve ser de suporte, uma vez que a administração de anttreoidianos não tem efeito. Esse hiper treoidismo é transitório, durando poucos meses, quando então o paciente entra num quadro de hipo treoidismo definitvo. Tipicamente, uma cin tlografia mostrará uma glândula que pra tcamente não capta iodo; - Tireoidite aguda ou bacteriana: é extremamente incomum, pelo fato de a glândula ser muito rica em iodo e extremamente vascularizada. Causa dor intensa, abaulamento local, sintomas sistêmicos importantes, sepse e pode evoluir para um abscesso local, necessitando de drenagem cirúrgica; - Tireoidite de Riedel ou fibrosa: caracteriza-se por um processo inflamatório crônico que leva a uma intensa fibrose da treoide e dos tecidos adjacentes, que se tornam extremamente endurecidos (consistência pétrea); - Outras causas mais incomuns: a treoidite pós-parto, que costuma ser transitória, treoidites provocadas por agentes químicos (iodo – amiodarona) ou f sicos (pós-radioterapia).
C - Doenças malignas da glândula treoide A incidência do câncer de treoide tem apresentado aumento significatvo nas últmas décadas em diversas partes do mundo. A solicitação ro tneira da USG tem contribuído para um aumento dos casos, sendo cada vez mais comuns os diagnóstcos em assintomátcos. Normalmente, a sintomatologia é a presença de nódulo, em geral endurecido, na loja treoidiana, doloroso ou não, de crescimento lento. Ainda como sintoma inicial, pode haver linfonodomegalia metastá tca. Como o nódulo neoplásico não afeta a função da glândula, não há sintomas sistêmicos, a menos que, por exemplo, o câncer esteja acompanhado de treoidite prévia, com hipo treoidismo. Em casos mais avançados, pode-se ter massa cervical anterior endurecida, dolorosa, com sintomas respiratórios como disfonia ou estridor respiratório. No entanto, em muitos casos, os pacientes são assintomátcos, e o diagnós tco é feito por meio de exames de ro tna. a) Diagnóstco Em 1º lugar, destacamos novamente o fato de que o tumor de treoide não altera o funcionamento da glândula, ou seja, a dosagem hormonal é normal (a menos que seja previamente alterada). A USG é sempre o exame de imagem inicial e pode lançar suspeita sobre o nódulo maligno, especialmente se demonstra bordas irregulares, microcalcificações, aumento de vascularização no interior do nódulo, invasão de estruturas adjacentes, como a musculatura pré-treoidiana ou a presença de linfonodomegalia a pica. Também é importante para dirigir uma PAAF, que geralmente faz o diagnós tco, ou lança a suspeita de malignidade. Exames de imagem mais complexos, como tomogra fia computadorizada ou ressonância magné tca, são, em geral, desnecessários, exceto nos casos em que há suspeita de invasão de órgãos adjacentes, como traqueia, laringe, esôfago, ou grandes vasos. Neles, exames de endoscopia (em especial, laringoscopia e broncoscopia) são importantes para o planejamento cirúrgico. b) Patologia Os tumores malignos de treoide são divididos em 3 grupos: bem diferenciados, pouco diferenciados e indiferenciados. Bem diferenciados Os tumores bem diferenciados correspondem a cerca de 90% dos casos, sendo o mais comum o carcinoma papilífero (~80%), seguido do carcinoma folicular (~10%). Há ainda algumas outras variantes, como o carcinoma de células oxif licas (ou de Hürthle), de células altas, insular, entre outros. Do ponto de vista histológico, as células apresentam característcas marcantes: alterações nucleares, aspecto “em vidro fosco”, corpos psamomatosos, além de se agruparem em papilas. Por essa razão, o diagnós tco citológico (por meio de uma PAAF) é bastante con fiável. Já o carcinoma -
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO folicular corresponde a um tumor hipercelular com células agrupadas em microfolículos, cuja caracterís tca histológica principal é a invasão da cápsula do nódulo, ou invasão vascular. Em outras palavras, o critério para diferenciar um carcinoma folicular de um adenoma folicular é histológico, e não citológico (PAAF – padrão folicular), ou seja, seu diagnóstco preciso é dado apenas com a remoção cirúrgica e a verificação da cápsula do nódulo. Pouco diferenciados O grupo de tumores pouco diferenciados inclui o carcinoma medular da treoide, uma neoplasia originária das células C, ou parafoliculares, ou placa de Pearse, que não são propriamente células foliculares treoidianas, e sim células do sistema neuroendócrino. Sua função é a produção de calcitonina, um hormônio que tem o mecanismo de ação oposto ao do paratormônio, na regulação da excreção de cálcio, e que tem pouco valor no metabolismo humano. São tumores muito mais agressivos, com grande ocorrência de metástases linfonodais ou hematogênicas. Seu marcador tumoral é a calcitonina, enquanto nos outros tumores treoidianos o marcador é a treoglobulina. -
Indiferenciados Os tumores indiferenciados da treoide, também chamados de carcinomas anaplásicos, são de comportamento extremamente agressivo, invasão local extensiva, crescimento rápido, de apresentação clínica inicial em geral dramá tca. Podem originar-se de um carcinoma papilífero prévio, com muitos anos de evolução, por isso tpicamente um tumor de pessoas mais idosas, com história prévia de tumor endurado de treoide não tratado. Outro tumor indiferenciado de treoide, geralmente de pequenas células, é o linfoma, que tem prognós tco e tratamento bem diferentes. Por isso, nesses casos, é sempre recomendável biópsia com anatomopatológico seguida de exame imuno-histoquímico. -
Figura 7 - Evolução aguda do carcinoma indiferenciado
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c) Tratamento - Bem diferenciados Tireoidectomia total, seguida de avaliação intraoperatória de linfonodos cervicais. O esvaziamento cervical estará indicado apenas se houver evidências de metástase linfonodal. A 1ª estação de drenagem é o nível VI, ou recorrencial, que se encontra no leito treoidiano, no espaço compreendido entre as carótdas e a traqueia, englobando o nervo recorrente. A 2ª estação de drenagem é o nível jugulocaro deo (níveis II, III, IV e V), cujo esvaziamento exige uma incisão ampliada, até o processo mastoide. No tumor de treoide, o fato de haver metástases linfonodais não muda o prognós tco. Após a cirurgia, deve-se realizar uma cin tlografia/pesquisa de corpo inteiro, com I 131, para avaliar se há metástases a distância, e quantficar a presença de tecido iodocaptante residual no leito treoidiano. Esse exame deve ser realizado com o paciente com altos níveis de TSH, o que é ob tdo com a suspensão hormonal por 25 a 30 dias, ou com a administração exógena de análogo do TRH. Em alguns casos, é necessária a complementação do tratamento com radioiodoterapia, para os casos de tumores em estadios mais avançados, com infiltração da cápsula, metástases linfonodais ou sistêmicas, ou altos valores de captação de I131 no leito treoidiano; O carcinoma folicular é igualmente tratado com a treoidectomia total, porém sem a necessidade de esvaziamento cervical, uma vez que, diferente do carcinoma papilífero, causa preferencialmente metástases hematogênicas. As considerações sobre o seguimento e o tratamento complementar com iodo131 são as mesmas do carcinoma papilífero. Para ambos os casos, deve-se realizar a reposição hormonal em dose supressiva, isto é, causar um leve hipertreoidismo, de forma a manter latentes eventuais células neoplásicas que ainda podem estar presentes. O prognós tco dos carcinomas bem diferenciados da treoide costuma ser muito bom, pois são tumores de crescimento lento e apresentam altas taxas de cura. Diferentemente de outras neoplasias do corpo humano, o principal fator determinante de prognós tco é a idade, e aqueles com menos de 45 anos apresentam prognós tco mais favorável. Mesmo em casos de metástases distantes (pulmão, óssea, cerebral) conhecidas no pré-operatório, opta-se pela realização da cirurgia, já que a diminuição do tecido tumoral primário aumenta a efetvidade do tratamento sistêmico com radioiodo, que será mais absorvido pela metástase. Além disso, pacientes com metástases distantes costumam ser assintomátcos por um período muito longo. O seguimento é feito com exames f sico e ultrassonográfico periódicos, além de dosagem •
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DOENÇAS DA GLÂNDULA TIREOIDE
hormonal e dosagem da treoglobulina, pep dio usado na síntese dos hormônios treoidianos. Como as células treoidianas são as únicas do organismo a produzirem a treoglobulina e as células tumorais também a produzem, pois são células bem diferenciadas, a sua dosagem acaba servindo como marcador de recidiva. Também é conveniente a dosagem da anttreoglobulina, porque sua ocorrência interfere na dosagem laboratorial da treoglobulina, o que significa que altos tulos da ant-Tg tornam a dosagem da própria treoglobulina de pouca valia. Em casos de treoglobulina crescente, o principal síto a ser inves tgado é o próprio pescoço, em busca de recidiva local ou linfonodal, o que pode ser feito com USG cervical (e eventual PAAF de linfonodo). Se isso for inconclusivo, a inves tgação seguirá com nova cintlografia de corpo inteiro, para pesquisa de metástases distantes. Outros exames localizatórios, como ressonância magnétca ou PET-CT scan, são importantes em casos de di ficuldade diagnóstca. Pouco diferenciados O carcinoma medular de treoide é outro tpo de tumor, muito mais agressivo, que demanda um tratamento cirúrgico também mais agressivo e seguimento mais próximo. É de diagnóstco dif cil, pois o exame citológico (da PAAF) pode apenas sugeri-lo, não obtendo con firmação. Esta só pode ser feita com exame anatomopatológico seguido de imuno-histoquímica. O tratamento é a treoidectomia total, seguida de esvaziamento cervical (quanto ao esvaziamento, ainda há muitas controvérsias). Embora não haja um consenso, grande parte dos serviços preconiza o esvaziamento cervical, tanto recorrencial como jugulocaro deo bilateral, a princípio, ou seja, em todos os casos, a menos que já existam metástases distantes conhecidas. Do ponto de vista de histogênese, cerca de 80% dos casos de carcinoma medular são esporádicos, e 20% familiares, muitas vezes associados a outras neoplasias endócrinas múltplas, de forma que é necessária a inves tgação genétca familiar, o que pode levar ao diagnós tco genétco em crianças membros da família, e tratá-los na fase inicial. Diferente das outras neoplasias, a cintlografia de corpo inteiro com I131 não tem papel nessa doença, visto que o tumor primário não é de células foliculares treoidianas. O seguimento é feito com a dosagem de calcitonina, que também é marcador tumoral para esse câncer. Exames de imagem são importantes na busca de metástases. Frequentemente, metas tza para o f gado, além de ossos e pulmões. Além disso, responde muito mal à quimioterapia, a qual é indicada de maneira paliatva. Seu prognós tco é mais reservado.
irressecável já na apresentação inicial, e o papel da cirurgia, nesses tumores, é a realização de traqueostomia (em geral, transtumoral) e biópsia para con firmação do diagnóstco. Então, é programado tratamento quimioterápico e radioterápico complementar palia tvo. A imensa maioria dos pacientes vem a falecer dessa doença em 6 meses de diagnóstco.
5. Resumo Quadro-resumo História e exame físico
USG de tireoide / exame físico
= 1cm não suspeito
TSH
>1cm ou = 1cm suspeito
TSH NL ou?
TSH
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Follow up?
Benigno
PAAF
Maligno
Suspeito
Cintilografia
Lesão folicular
Cirurgia
Indiferenciados O carcinoma anaplásico de treoide é uma das neoplasias mais agressivas do corpo humano. Diferentemente dos outros tpos de câncer de treoide, não é de tratamento cirúrgico, por ser localmente avançado. É frequentemente -
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SUPORTE VENTILATÓRIO NÃOCIRÚRGICO
CAPÍTULO
4
1. Introdução Em número de 4, na maior parte dos indivíduos, as paratreoides são glândulas diminutas, com cerca de 5mm, anatomicamente relacionadas à glândula treoide, geralmente juntas à face posterior de cada lobo treoidiano e, por consequência, também relacionadas ao nervo laríngeo inferior. As paratreoides têm irrigação sanguínea bastante frágil, derivada dos mesmos vasos que irrigam a treoide. Sintetzam em suas células principais o paratormônio (PTH), um hormônio pep dico com 84 aminoácidos, a par tr de formas precursoras. A função do PTH é controlar a concentração de cálcio ionizado no sangue e fluidos extracelulares minuto a minuto, mantendo sua concentração sérica dentro de limites estreitos devido à sua grande importância fisiológica. Além das paratreoides, órgãos e tecidos como ossos, rins e intestno também partcipam da homeostase do cálcio. As afecções das glândulas para treoides decorrem do excesso de função do PTH (hiperpara treoidismo) ou da falta ou baixa deste hormônio (hipoparatreoidismo).
Doenças das paratreoides Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei Christ ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
As paratreoides têm receptores de super f cie sensíveis à concentração de cálcio (CaR), que controlam a síntese e a secreção do PTH. Assim, tanto a hipocalcemia quanto a hiperfosfatemia estmulam a secreção rápida desse hormônio, que atua aumentando o cálcio sanguíneo por meio da mobilização das reservas ósseas e aumentando o turnover ósseo (desmineralização). No rim, o PTH aumenta a reabsorção tubular de cálcio e diminui a de fósforo, e também aumenta a conversão de 25(OH) vitamina D para 1,25(OH) 2 vitamina D, que, no intestno, eleva a absorção de cálcio.
Figura 2 - Mecanismo do cálcio orgânico
Figura 1 - Relação das parat reoides com o nervo laríngeo inferior e a traqueia
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A molécula intacta de PTH tem meia-vida muito curta, por volta de 2 minutos, e seu metabolismo é feito principalmente no f gado (70%) e no rim (20%). Já o fragmento carboxiterminal é metabolizado somente pelo rim, o que eleva bastante a sua meia-vida. Dessa forma, a concentração sanguínea desse fragmento é muitas vezes maior que a da molécula intacta, e, se houver prejuízo do ritmo de filtração glomerular, essa duração poderá ser ainda maior. As doenças das paratreoides são basicamente relacionadas ao aumento ou à redução da produção do PTH, levando ao hiperpara treoidismo ou ao hipopara treoidismo.
DOENÇAS DAS PARATIREOIDES
2. Hiperparatreoidismo O hiperparatreoidismo é o aumento da secreção do PTH por 1 ou mais glândulas para treoides. Quando causado por doença primária da glândula para treoide, é denominado hiperparatreoidismo primário, cuja principal causa é o adenoma de uma única glândula para treoide, porém, mais raramente, pode ser causado por adenoma em mais de 1 glândula (adenoma duplo), hiperplasia das glândulas ou carcinoma da para treoide. Na grande maioria dos casos é assintomátco, e a doença é detectada através da medição da calcemia e do PTH elevado. É importante a avaliação dos órgãos-alvo (ossos, rins, aparelho diges tvo e sistema nervoso) para a confirmação da ausência de sintomas. O hiperparatreoidismo primário pode ser doença única não associada a outras alterações como no adenoma ou na hiperplasia isolada, mas também pode estar presente em síndromes, como nas Neoplasias Endócrinas Múl tplas (NEM). - NEM tpo I Síndrome de Wermer: * Tumor de hipó fise; * Paratreoide (90%); * Tumores endócrinos. - NEM tpo IIa Síndrome de Sipple: * Câncer medular de treoide; * Paratreoide (20 a 40%); * Feocromocitoma. •
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O hiperparatreoidismo secundário é consequência de um desequilíbrio metabólico preexistente, e, embora existam outras causas para ele, a mais frequente é a insu ficiência renal crônica. A origem dessa disfunção é mul tfatorial, mas os principais fatores parecem ser a hipocalcemia persistente associada à hiperfosfatemia e à de ficiência de vitamina D. Quanto aos pacientes com hiperpara treoidismo secundário que têm seu desequilíbrio metabólico corrigido, como acontece após o transplante renal, mas que mantêm o hiperparatreoidismo, há uma aparente autonomia persistente da paratreoide. Esses indivíduos são classi ficados, por alguns estudiosos, como portadores de hiperpara treoidismo terciário (como se houvesse uma autonomização da glândula, perdendo resposta ao feedback ). Os diferentes tpos de hiperparatreoidismo têm em comum o aumento da secreção de PTH, mas, clínica e laboratorialmente, são doenças bastante dis tntas.
seas, vômitos, confusão mental, cons tpação, poliúria e polidipsia. A sintomatologia relacionada ao aumento do cálcio sérico inclui tontura, cefaleia e ansiedade. Em muitos casos, os pacientes são assintomátcos e existe alteração apenas no exame laboratorial. As queixas mais frequentes dos sintomátcos estão relacionadas a alterações renais (cálculos de repetção) e ósseas (dor, deformidades esquelé tcas, fraturas patológicas, diminuição da densidade mineral óssea e a presença de “tumor marrom”, graus dis tntos de osteoporose). Os exames laboratoriais geralmente mostram aumento do nível de cálcio e PTH, associados à hipofosfatemia, com aumento da fosfatúria e da calciúria de 24 horas. Anemia e aumento de VHS são vistos em 50% dos casos. Em pacientes com doença mais avançada, a radiogra fia simples pode mostrar rarefação óssea difusa, crânio com aspecto denominado “sal e pimenta”, fraturas, absorção subperiosteal das falanges médias e os chamados “tumores marrons”. Outros exames são necessários para a programação do tratamento. É fundamental a realização de exames de localização das paratreoides. A ultrassonografia do pescoço consegue visualizar a glândula ou glândulas doentes e tem a vantagem de permitr a avaliação concomitante da glândula treoide. A medicina nuclear (cin tlografia de paratreoides com MIBI) também é de grande auxílio na iden tficação da paratreoide doente, tendo como vantagem permi tr a avaliação de tecido paratreoidiano na região cervical e na região medias tnal. Podemos utlizar exames de localização invasivos como venografia e arteriografia seletva com dosagem de PTH, mas estes consttuem exceções na avaliação de tecido para treoidiano.
Figura 3 - Raio x de crânio com aspecto “em sal e pimenta”
3. Hiperparatreoidismo primário O hiperparatreoidismo primário é cerca de 2 a 3 vezes mais comum no sexo feminino e a tnge seu pico de incidência por volta da 6ª década de vida, raramente encontrado antes dos 15 anos. Os pacientes podem apresentar sintomas muito pouco especí ficos, como letargia, fraqueza muscular, anorexia, náu-
Figura 4 - Tumor marrom
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
Figura 5 - Cintilografia de paratireoide hipercaptante inferior direita
O tratamento do hiperparatreoidismo primário é cirúrgico, com ressecção do tecido glandular doente. Nos casos de adenoma, a ressecção tem alto índice de sucesso no tratamento do hiperpara treoidismo primário. Nos casos provocados por hiperplasia, a ressecção de 1 ou 2 paratreoides não soluciona o problema, por tratar-se de doença de todas as glândulas, e o tratamento cirúrgico necessário é mais agressivo. Nesses casos, há indicação de para treoidectomia subtotal ou total com autoimplante (ou seja, re trar todas as paratreoides e reimplantar fragmentos de para treoides com aspecto mais saudável na região do antebraço ou pré-mediastnal, que serão irrigadas por inosculação e poderão ser mais bem monitoradas e ressecadas em caso de nova hiperplasia).
Figura 7 - Adenoma de parat reoide
4. Hiperparatreoidismo secundário Os indivíduos com hiperpara treoidismo secundário são clinicamente muito diferentes dos pacientes com doença primária. Por serem, na grande maioria das vezes, portadores de insu ficiência renal crônica, já possuem outras alterações clínicas decorrentes da doença de base. Há dores ósseas, prurido, mialgia, “tumor marrom”, deformidade facial (leon ase ou face leonina), fraturas, calci ficações distróficas e até calci filaxia (necrose de extremidades).
Figura 8 - Paciente renal crônico com deformidades ósseas
Figura 6 - Fragmentos de para t reoide que serão reimplantados
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O PTH fica aumentado, e, na maioria das vezes, os níveis são muito maiores se comparados aos de indivíduos com hiperparatreoidismo primário. O cálcio geralmente é normal ou baixo, mas, em raros casos, pode ser moderadamente elevado. O fósforo, por sua vez, costuma estar aumentado.
DOENÇAS DAS PARATIREOIDES
Exames de imagem também são importantes, pois podem localizar as glândulas doentes. Novamente, a cin tlografia é de grande ajuda nesses casos porque auxilia na localização das glândulas doentes.
Figura 9 - Cint logra fi a mostrando captação tardia de parat reoides hiperfuncionantes
O tratamento do hiperpara treoidismo secundário consiste na paratreoidectomia subtotal ou total com autoimplantes de maior preferência para a 2ª modalidade de tratamento. Na cirurgia, é re trado todo o tecido para treoidiano do pescoço, e é feito o implante de parte do tecido re trado no membro superior ou no tórax. Inicialmente, o paciente apresenta hipopara treoidismo e hipocalcemia, mas esse quadro clínico tende a resolver-se à medida que o tecido implantado começa a funcionar. Além de implantar parte das para treoides, o restante no tecido glandular deve ser criopreservado, pois, em alguns pacientes, a quantdade de tecido implantado não é suficiente para deixá-los com nível adequado de PTH, sendo necessário o implante de mais tecido das glândulas re tradas e preservadas.
de grande período de tempo para obter o resultado e incapacidade de medir apenas o nível da molécula intacta. Dessa forma, o resultado era sempre falseado pela grande concentração do fragmento carboxiterminal, resultando em dados incorretos sobre a concentração do PTH “biologicamente atvo”. No final dos anos 1980, com o desenvolvimento de métodos que quantficavam só a molécula intacta, um grande problema foi resolvido, porém ainda era necessário um longo período para obter o resultado. Mais recentemente, alterando os reagentes, seus volumes e a temperatura de incubação, foi desenvolvido o método de medida do PTH que fornece o resultado em menos de 15 minutos, sanando o problema de tempo, o que determinou o emprego intraoperatório da medida do PTH. O advento dos testes rápidos para essa medida revolucionou o tratamento do hiperpara treoidismo. O hormônio da paratreoide tem meia-vida menor que 5 minutos, assim o sucesso do tratamento cirúrgico do hiperpara treoidismo poderia ser determinado logo após a re trada da glândula ou das glândulas doentes, ou seja, antes do término do procedimento. Isso signi fica que, após a re trada da paratreoide hiperfuncionante, o valor de PTH deve cair em torno de 30% do valor inicial e, caso isso não ocorra, deduz-se que ainda há tecido hiperfuncionante. Com melhores exames localizatórios da paratreoide e dosagem rápida do PTH, atualmente, pode-se tratar o hiperpara treoidismo primário em ambiente ambulatorial, u tlizando anestesia local e pequenas incisões com segurança de sucesso do procedimento. A u tlização dos métodos rápidos de medida de PTH também é bastante difundida no tratamento do hiperparatreoidismo secundário.
6. Câncer de paratreoide O câncer das paratreoides é uma doença pouco frequente, com incidência entre 0,5 e 5% das lesões de paratreoide. Pode ser confundido com adenomas de para treoide, especialmente no início do seu desenvolvimento, pois também apresenta-se como alterações no tamanho da glândula associadas a aumento na produção do PTH. Pode cursar com metástases linfonodais e invasão de estruturas locais. O tratamento é cirúrgico, com ressecção da lesão com margem de segurança.
7. Hipoparatreoidismo
Figura 10 - Produto de parat reoidectomia total
5. Medida do paratormônio Os primeiros métodos para medir a concentração do PTH apresentavam 2 problemas principais: necessidade
O hipoparatreoidismo é caracterizado pela de ficiência de secreção ou ação do PTH, acarretando um quadro clínico característco: hipocalcemia, hiperfosfatemia, redução da 1,25-(OH)2-vitamina D e PTH baixo. Pode ser causado por alteração no desenvolvimento da para treoide, destruição das glândulas paratreoides, diminuição de função da glândula com produção alterada de PTH e alteração na ação do PTH, caracterizando os quadros de pseudo-hipopara treoidismo.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO A causa mais comum de hipopara treoidismo é iatrogênica, pós-cirúrgica. As para treoides, juntamente com seus vasos, são manipuladas durante as treoidectomias, acarretando, em alguns pacientes subme tdos à treoidectomia total, a hipocalcemia secundária ao hipopara treoidismo. Os sintomas são causados, fundamentalmente, pela queda do nível sérico de cálcio. A treoidectomia parcial, por não violar a integridade de todas as paratreoides, tem risco mínimo de hipocalcemia. Com causa multfatorial, como déficit de suprimento sanguíneo, lesão direta ou ressecção inadver tda de 1 ou mais paratreoides, a hipocalcemia decorrente do hipoparatreoidismo, mais de 90% das vezes transitório, ocorre em até metade dos subme tdos à ressecção completa da treoide. Os principais sintomas da hipocalcemia são, inicialmente, mal-estar, parestesia perioral e de extremidades, que podem evoluir para cãibras e, eventualmente, tetania, caso não sejam observados os sintomas iniciais e não seja administrada a suplementação de cálcio. Dependendo do nível de cálcio, o paciente pode desenvolver arritmia e parada cardíaca. Clinicamente, podem ser observados os sinais de Chvostek e Trousseau. - Sinal de Chvostek: à percussão do nervo facial no seu trajeto logo abaixo do arco zigomá tco e anteriormente ao pavilhão audi tvo, provoca contração ipsilateral involuntária dos músculos faciais (“repuxamento” da boca); - Sinal de Trousseau: a oclusão da circulação para o membro superior usando um manguito insu flado acima da pressão arterial sistólica durante 3 minutos desencadeia um espasmo do carpo que pode ser muito doloroso: a chamada “mão de parteiro” ou “em garra”. Nos pacientes com hipopara treoidismo persistente, os sintomas progridem, e pode aparecer catarata com correspondente dificuldade visual. Apesar do quadro clínico exuberante, a hipocalcemia, clínica ou laboratorial, geralmente não se desenvolve nas primeiras 24 horas de pós-operatório, e sim após 48 horas. Aparentemente, a presença dos sintomas de hipocalcemia não está relacionada diretamente ao cálcio sérico, e sim à velocidade no decaimento da calcemia. Por isso, não é raro, na prátca clínica, observar pacientes com sintomas de hipocalcemia e cálcio sérico normal e pacientes com cálcio sérico baixo assintomátcos. Com relação à hipocalcemia, há 2 principais condutas no manejo dos submetdos à treoidectomia total. Na 1ª, mais conservadora, sabendo que apenas 1/3 dos pacientes necessitará de intervenção, são feitas a observação e a coleta seriada de sangue para determinar a calcemia. A introdução da suplementação de cálcio, nesse caso, é feita apenas se há sintomas de hipocalcemia ou queda acentuada na concentração plasmá tca de cálcio. Essa conduta pode levar ao prolongamento da internação hospitalar
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e submete o paciente ao desconforto da coleta seriada de sangue e dos sintomas de hipocalcemia. A 2ª conduta preconiza a suplementação de cálcio a todos os pacientes subme tdos à treoidectomia total, porém, sabendo que boa parte deles não desenvolveria a hipocalcemia, tal procedimento parece não ser custo-efetvo e submete todos aos possíveis efeitos colaterais da suplementação de cálcio, como irritação gástrica, diarreia, náusea, vômitos e obstpação. Alguns médicos u tlizam a experiência para selecionar aqueles que receberão suplementação de cálcio. Dependendo da extensão da cirurgia, doenças prévias e aspecto das para treoides no intraoperatório, o indivíduo poderá ou não ter seu aporte de cálcio aumentado. Por ser um método de di f cil reprodutvidade, não pode ser considerado conduta-padrão. Alguns cuidados durante o ato cirúrgico devem ser tomados, com o obje tvo de diminuir o risco de desenvolvimento de hipocalcemia: conhecimento da anatomia cirúrgica do pescoço; dissecção cuidadosa da loja treoidiana, tomando cuidado para manipular o mínimo possível as paratreoides; ligadura dos vasos próximos à treoide; inspeção da peça cirúrgica, no caso a própria treoide depois da retrada; reimplante de para treoides com sofrimento vascular ou retradas inadvertdas. O tratamento da hipocalcemia é feito com suplementação via oral de cálcio e vitamina D nos casos leves, e com infusão intravenosa de cálcio em caso de sintomas muito severos ou alterações cardíacas.
CAPÍTULO
5
Traqueostomias Alexandre Bezerra dos Santos / Christ ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
1. Introdução Denomina-se traqueostomia a abertura da traqueia (cervical) para o meio externo, por intermédio de uma incisão cirúrgica. Tal abertura é mantida através de uma cânula curvilínea especificamente desenhada para essa função. Trata-se de procedimento já descrito no século I, mas em 1546 foi descrito em literatura médica especializada por Antonio Musa Bressavola. O grande pioneiro Chevalier Jackson publicou, em 1896, uma descrição da técnica de traqueostomia com menção a complicações e indicações. A traqueostomia é um procedimento cirúrgico, o que significa que deve ser feita em um centro cirúrgico, preferencialmente sob anestesia geral. Em algumas situações, pode ser realizada em um leito de UTI, desde que todas as normas cirúrgicas sejam respeitadas, ou seja, que todas as condições de assepsia e antssepsia estejam de acordo, e que toda a estrutura de materiais e iluminação seja adequada para o procedimento. Nesses casos, pode-se aplicar anestesia local, com o paciente sob sedação profunda e acompanhado pelo anestesista, ou mesmo pelo intensivista. Atualmente, também vem ganhando espaço a realização de traqueostomia percutânea, que será descrita em mais detalhes. Na prá tca clínica, essas normas algumas vezes não acontecem, principalmente em situações de emergência, nas quais o obje tvo principal é manter o doente com via aérea pérvia. Trata-se de um procedimento cada vez mais realizado nos hospitais, à medida que aumenta a sobrevida de pacientes crônicos em unidades de terapia intensiva e diminui o risco de estenose subgló tca decorrente de intubações prolongadas. Apesar de ser um procedimento relatvamente simples, sempre é de risco, e devemos nos atentar para situações de maior dificuldade ou complexidade.
Figura 1 - Anel traqueal aberto: traqueostomia (cirurgia para correção de estenose traqueal)
2. Indicações A traqueostomia é um procedimento que tem por base a intenção de manter, aguda ou cronicamente, a perviedade da via aérea. Assim, a indicação depende de como a doença de base a afeta, sempre que é necessária via aérea definitva.
A - Neoplasias obstrutvas das vias aéreas Compreendem as neoplasias malignas da laringe, orofaringe (base de língua), hipofaringe (seio piriforme) ou da própria traqueia. Eventualmente, tumores benignos também podem obstruir, mas esse fenômeno é raro, como bócios treoidianos volumosos. O tumor que mais acarreta esse tpo de situação é o carcinoma epidermoide, relacionado ao tabagismo e ao etlismo, e que apresenta outros sintomas, como disfonia, disfagia, odinofagia, antes de ser volumoso o su ficiente a ponto de causar obstrução. Em geral, essa obstrução é progressiva, e o paciente se apresenta com um sintoma muito característco, que é a cornagem, ou estridor alto, um ruído intenso e grave, sincronizado com a incursão respiratória, com caráter progressivo, além da incapacidade de dormir na posição horizontal.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO Nesses casos, a traqueostomia é mais di f cil, porque, em geral, não se consegue realizar a intubação orotraqueal, uma vez que o próprio tumor impede a visualização da glote durante a laringoscopia, e o paciente é incapaz de colaborar, devido à agitação causada pela hipóxia. Muitas vezes, aqueles que apresentam tumores que não são considerados obstrutvos quando iniciam a radioterapia evoluem para insuficiência respiratória decorrente do edema. Como esse tpo de situação é, em geral, progressiva, o paciente tolera algum tempo de desconforto respiratório, não sendo comumente necessária a crico treoidostomia. Muitas vezes, o procedimento acaba sendo realizado sob anestesia local.
Guedel e, eventualmente, intubação orotraqueal. Se nenhuma dessas técnicas funcionarem, deverá ser realizada a cricotreoidostomia. Por obstrução crônica não neoplásica, entendem-se as estenoses do complexo laringotraqueal, um grupo de doenças de dif cil tratamento e alta taxa de recorrência. Na imensa maioria das vezes, são causadas por intubação prolongada, e muitos têm algum tpo de sequela neurológica. São também progressivas e lentas e cursam com estridor respiratório, às vezes, crônico. Idealmente, se os pacientes chegam a ter necessidade de traqueostomia, esta deve ser realizada pelo especialista, que deverá fazer uma avaliação da árvore traqueobrônquica para conhecer o nível e a extensão da estenose, e já realizar uma programação de terapêutca cirúrgica definitva. Ao ser realizada pelo cirurgião ou médico capacitado, deve-se tomar o cuidado de não ressecar anéis traqueais durante a traqueostomia, pois isso dificultará a correção cirúrgica posterior.
Figura 2 - Tumor avançado com inúmeros implantes e ori f cio de traqueostomia
B - Obstruções não neoplásicas das vias aéreas As obstruções agudas são de tratamento imediato e na maior parte dos casos não necessitam de traqueostomia. Traumas com rebaixamento do nível de consciência e queda da língua, ou sangramento na orofaringe, são tratados com manobras clínicas posicionais, colocação de cânula de
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Figura 3 - Técnica da cricot reoidostomia
TRAQUEOSTOMIAS
C - Intubação prolongada Trata-se da indicação mais comum de traqueostomia, devido à grande quan tdade de doentes em ambientes de terapia intensiva que ficam intubados por muito tempo. A razão da indicação é justamente a prevenção das estenoses, que são de tratamento di f cil. A presença de uma cânula ven tlatória, com cu ff , na laringe e na traqueia, é lesiva à mucosa respiratória. A área de contato com a cânula causa uma compressão local, com isquemia da mucosa, ulcerações e processo in flamatório intenso. Se essa situação se perpetua por alguns dias, isso gera uma fibrose local que evolui para uma estenose, às vezes total, do segmento laringotraqueal. As cânulas an tgas, com balonetes (cu ff s) de baixo volume e alta pressão, causavam muitas estenoses de traqueia. Já as cânulas modernas, com alto volume e baixa pressão, têm evitado parcialmente essa complicação. No entanto, tem-se observado um aumento na incidência de estenoses laríngeas (por pressão não do balonete, mas da parte da curva no próprio corpo da cânula). Não existe um consenso sobre o momento mais oportuno para realizar a traqueostomia; a maioria dos serviços admite que, após 10 ou 14 dias, já se deve indicá-la. A tendência é que esse período diminua, mas que se considerem outros fatores do paciente. O principal e, às vezes, o mais dif cil de mensurar é o prognós tco do caso. Neuropatas, por exemplo, que ficarão por tempo prolongado sob o auxílio de ven tlação mecânica, podem ser traqueostomizados mais precocemente, enquanto aqueles em recuperação de alguma condição cardiopulmonar podem bene ficiar-se do aguardo pela melhora e ser extubados, não havendo, assim, a necessidade do procedimento. Os neuropatas, ou sem prognóstco de extubação, devem ser traqueostomizados o mais precocemente possível, mas há consensos que preconizam nas primeiras 48 horas. A higienização com traqueostomia, os custos, a possibilidade de alta hospitalar e o desmame ambulatorial são fatores que aumentam a divulgação da técnica, apesar de ser invasiva.
D - Higiene traqueobrônquica e aspiração Do ponto de vista da medicina intensiva, é mais fácil manipular um traqueostomizado do que um indivíduo com intubação orotraqueal, pois é mais fácil realizar a fisioterapia respiratória (em especial, a aspiração de secreções) e o próprio desmame ven tlatório. Isso porque se pode ter mais liberdade em manter o paciente respirando só com suporte, sem sedação, visto que, em caso de fadiga respiratória, não há a necessidade de reintubação, basta o aparelho de ventlação à cânula de traqueostomia, sendo esta plás tca, e com cu ff para possibilitar a ventlação compressão positva e evitar escapes. Assim, muitos pacientes que, no passado, necessitariam permanecer em UTI apenas por uma questão de suporte ven tlatório, podem permanecer com suas cânu-
las e respiradores até em ambiente domiciliar. Outra situação especí fica é a das aspirações, ou seja, aqueles que, por algum mo tvo, anatômico ou funcional, têm dificuldade de deglu tr líquidos (inclusive a própria saliva) e apresentam riscos de aspiração e maior chance de pneumonias aspiratvas. Os motvos anatômicos que geram essa situação são basicamente tumores cervicais, que causam compressão local, ou pós-operatórios de grandes cirurgias no segmento cervicofacial (por exemplo, glossectomias na base da língua), em ressecções parciais da laringe que acometem o mecanismo de fechamento da glote, ou doenças neurovegetatvas. Os motvos funcionais da aspiração são alterações neurológicas que cursam com uma incoordenação do complexo laringotraqueal, de forma que esses pacientes apresentam pneumonias aspiratvas de repetção. Isso pode ocorrer em 2 faixas etárias: crianças que nasceram com alguma neuropata grave ou idosos que sofrem de doenças degenera tvas do sistema nervoso central, sendo o mal de Alzheimer a mais comum. Esses pacientes, nos casos mais avançados, necessitam de traqueostomia para proteção da via aérea, de forma a prevenir as pneumonias aspira tvas.
3. Cuidados pré e pós-operatórios Pessoas saudáveis nunca devem ser traqueostomizadas, salvo em casos de traumas com lesão de face. Os candidatos, na maioria das vezes, serão portadores de 1 ou de uma série de doenças que precisam ser adequadamente avaliadas. Como a maioria dos casos é de pacientes em ambiente de terapia intensiva, cujas doenças de base nem sempre estarão devidamente compensadas, é preciso avaliar, juntamente com o médico intensivista, o risco inerente de um ato cirúrgico. É importante lembrar que se trata de um procedimento em geral programado e que deve haver um contato prévio com a família a fim de esclarecer a indicação e os bene f cios do procedimento. São fatores que determinam a avaliação: -
Instabilidade hemodinâmica: torna arriscado todo o ato cirúrgico, inclusive o transporte ao centro cirúrgico;
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Coagulopatas: contraindicações absolutas que devem ser necessariamente controladas;
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Prognóstco da doença de base.
Do ponto de vista cirúrgico, existem alguns fatores anatômicos aos quais devemos estar atentos antes de iniciar o processo: -
Obesidade: incisões maiores e afastadores mais profundos, às vezes, até cânulas especiais e a necessidade de mais auxiliares;
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Hiperflexão cervical: idosos tendem a uma acentuada curvatura cervical e, com isso, uma traqueia mais inferiorizada e profunda, de forma que ela deve ser tracionada para cima, possibilitando o posicionamento
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO da cânula. Alguns idosos podem também ser portadores de artrose cervical, di ficultando o posicionamento cervical ideal; -
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Presença de bócio: em especial, em mulheres, deve-se palpar a glândula treoide para descartar um bócio que se interporá ao trajeto cirúrgico. Nesse caso, deve-se planejar uma istmectomia, ou seja, a ressecção do istmo da treoide, para ter acesso à traqueia, além do cuidado com uma traqueostomia trans treoidiana que promoverá um sangramento volumoso e importante de dif cil controle; Presença de grandes tumores cervicais anteriores: a presença de uma massa cervical baixa pode di ficultar ou, até mesmo, impedir a traqueostomia.
No período pós-operatório, a principal atenção deverá ser em relação ao posicionamento da cânula, de forma a impedir que esta se movimente e fique em falso trajeto. Para isso, deve-se fixá-la com cadarço sempre justo, sem folgas, ou com pontos na pele. Assim, quando o paciente apresenta tosse, a cânula não sai da traqueia, assegurando sua posição intratraqueal.
Em alguns casos, a traqueostomia é de finitva, como tumores incuráveis, neuropatas graves, ou como parte de uma laringectomia total. Nesses casos, pode-se maturar o traqueostoma, ou seja, dar pontos unindo a pele à traqueia, o que facilita muito as trocas de cânulas e diminui a possibilidade de sangramento no pós-operatório. Observação: A cânula colocada no centro cirúrgico é plástca, ou de silicone, com cu ff , e o encaixe é adequado às traqueias dos respiradores. Enquanto o paciente se mantver em regime de suporte ventlatório, deverá permanecer com esse tpo de cânula (cujo tamanho, em adultos, varia de 7 a 9). Apesar de ser constantemente aspirada, pode apresentar obstrução por rolha de catarro, portanto, se notada resistência à ventlação, deve ser trocada com cuidado. Já a cânula metálica, de uso definitvo, não apresenta cu ff , mas possui intermediário que pode ser retrado e higienizado.
4. Técnica operatória A seguir, os detalhes técnicos de uma traqueostomia: - Posicionamento em DDH (Decúbito Dorsal Horizontal) com hiperextensão cervical; - Incisão horizontal arciforme ou transversa (em urgências, a linha média, apesar de ter um prejuízo esté tco, é avascular e está na rafe da musculatura), de acordo com a preferência do cirurgião; - Elevação dos retalhos miocutâneos de pla tsma, para aumentar o campo cirúrgico; - Abertura da rafe mediana e acesso à traqueia; - Revisão de hemostasia antes da abertura da traqueia; - Traqueotomia: abertura da traqueia, em geral, entre o 2º e o 3º anéis, em diversas opções: horizontal, ver tcal, em “H”, em “T” normal ou inver tdo, ou remoção de um anel; - Colocação (opcional) de fios de reparo traqueais (facilitam a troca da cânula); - Solicitação ao anestesista para que re tre o tubo (até o nível do traqueostoma, deve-se assegurar que a traqueia esteja bem exposta, para evitar complicações e óbito do paciente por anóxia); Colocação da cânula (previamente testada), insu flação do cu ff e avaliação da boa ven tlação; - Fechamento da incisão (opcional, nunca de modo a ficar hermetcamente fechada para não criar en fisema de subcutâneo); - Colocação do cadarço e cura tvo. -
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Figura 4 - Cânula metálica com fenestra: notar o intermediário
Conforme o paciente consegue respirar por conta própria, deve-se trocar a cânula por outro tpo, em geral metálica, sem cu ff e com uma peça denominada “intermediária”, que serve para a limpeza da luz da cânula. Com essa cânula metálica, o paciente não precisa mais de aspiração e pode apenas lavar a parte intermediária, sendo indicada inclusive para uso domiciliar. A mesma cânula pode durar semanas e só deve ser trocada se apresentar sinais de oxidação.
5. Complicações Podem ser divididas em 3 tpos, de acordo com o momento em que ocorrem:
A - Intraoperatórias Sangramento, mau posicionamento do tubo, laceração traqueal, lesão no nervo laríngeo recorrente, pneumotórax, pneumomediastno, parada cardiorrespiratória.
TRAQUEOSTOMIAS
B - Agudas Hemorragias: por vezes extensas, em especial de vasos treoidianos, especialmente em pacientes com insu ficiência cardíaca e estase venosa cervical; é a complicação mais comum, que geralmente se resolve com compressão local, porém pode necessitar de reabordagem cirúrgica; Dificuldade de ventlação: por inadequação da cânula, cu ff furado, secreção pulmonar ou estenoses abaixo do traqueostoma; obstrução da cânula por coágulo ou rolha de catarro, em geral, ocorre alguns dias após a traqueostomia, e o tratamento compreende a troca da cânula plás tca; Queimadura da árvore traqueal: a abertura da traqueia deve ser feita com lâmina fria, para evitar o contato do oxigênio (in flamável e às vezes em concentrações elevadas) circulante na traqueia com a faísca do bisturi elétrico; Falso trajeto: colocação da cânula em situação paratraqueal, ou em posição esofágica, nos raros casos em que há uma f stula traqueoesofágica não previamente diagnos tcada, ao nível do cu ff (da cânula prévia). Acontece por má fixação do cadarço ou manipulação indevida da cânula, e deve-se sempre observar se há resistência à ven tlação e, caso o paciente seja capaz de respirar, haverá saída de ar pela cânula; Enfisema de subcutâneo: é, em geral, autolimitado. Deve ser dada maior atenção, caso ele se torne progressivo: pode ser indício de infecção do sí to operatório.
C - Tardias Fístula traqueocutânea: em casos de traqueostomias temporárias, o próprio traqueostoma se fecha por 2ª intenção algumas semanas após a re trada da cânula. Quando isso não ocorre (geralmente porque a cânula permaneceu por tempo prolongado), forma-se uma f stula epitelizada, que deve ser tratada cirurgicamente; - Fístula traqueovascular: é a mais grave das complicações e, felizmente, muito incomum. Devido a uma pressão crônica, exercida pela parte inferior da própria cânula metálica à parede anterior da traqueia, pode-se ter uma ulceração profunda com comunicação com os grandes vasos da base (em especial, a artéria inominada), até que se exteriorize sangramento arterial, de al ssimo fluxo, pelo traqueostoma. Deve-se suspeitar de que essa situação possa ocorrer nos casos em que a cânula (metálica) de traqueostomia apresenta pulso, geralmente visível, ou se há sangramento, mesmo que discreto, de caráter arterial e tardio. Muitas vezes, a ruptura da f stula acontece no momento de uma troca de cânula e quase sempre é fatal, tanto pela perda sanguínea como pela aspiração de grande quan tdade de sangue. O tratamento é cirúrgico e emergencial, e deve-se colocar imediatamente uma cânula com cu ff , se possível, de alta pressão, na tenta tva de realizar a compressão (ao puxar a cânula com cu ff insuflado, além de proteger a via aérea, tenta-se comprimir o -
vaso contra a parede posterior do esterno), enquanto o paciente passa pela anestesia e é preparado para toracotomia e reparação arterial. E A Ç E B A O C Ç E O D C S A E I G P R U R I C
6. Tópicos especiais A - Traqueostomia percutânea Trata-se de uma modalidade cirúrgica recente, que consiste em realizar a traqueostomia por via retrógrada, em pacientes cuja indicação é a intubação prolongada. Por meio de um broncoscópio, estudam-se as condições da parede anterior da traqueia, e elege-se o local para a punção por orientação através da luz do broncoscópio. Por meio dessa punção, passa-se um fio-guia e usam-se cateteres de diâmetros progressivamente maiores, de forma a dilatar esse trajeto, até que se consiga passar uma cânula de traqueostomia por tal ori f cio, com mínima incisão de pele. Obviamente, tudo isso é possível graças ao desenvolvimento de kits especí ficos para essa finalidade. Trata-se de uma técnica que vem obtendo progressiva aceitação em diversas insttuições. Apresenta como vantagens a incisão mínima, a rapidez, a facilidade de ser realizada em leito de UTI (sem a necessidade de transporte). As desvantagens são as contraindicações (paciente com anatomia desfavorável), a eventual necessidade de conversão de urgência (sangramento), a necessidade de broncoscopia (embora já existam alguns grupos realizando-a sem o broncoscópio, fato que aumenta muito a possibilidade de complicações) e o custo (apesar de que o preço dos kits tende a ser compensado pela não utlização do centro cirúrgico). De qualquer forma, é uma técnica nova, em evolução, com vantagens e desvantagens, mas que, se efetuada corretamente, já provou ser segura.
Figura 5 - Técnica de Seldinger
B - Cricotreoidostomia Trata-se de um procedimento cirúrgico com profundas diferenças em relação à traqueostomia. Tem por finalidade
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO ser o acesso mais imediato à via aérea, uma vez que é realizada sobre uma membrana denominada crico treóidea, que está entre as car tlagens treoide (acima) e cricoide (abaixo). Ou seja, anatomicamente falando, é uma laringostomia. Essa membrana é delgada e avascular, e seus reparos anatômicos são facilmente palpáveis. Assim, logo que se procede à incisão cutânea cervical, palpa-se o espaço entre as cartlagens treoide e cricoide e, por meio de um instrumento rombo (em geral, um mosquito), perfura-se a membrana, dilata-se o trajeto e coloca-se a cânula (ou, em situações de emergência, qualquer tubo, por exemplo, uma caneta sem a carga). Portanto, é um procedimento cirúrgico absolutamente emergencial, que não deve levar mais do que poucos segundos e pode ser feito por qualquer médico capacitado. As indicações são as obstruções agudas de vias aéreas, em que a intubação orotraqueal é impossível, como traumatsmos com grande sangramento oral, edema de glote por anafilaxia, corpo estranho, impossibilidade de intubação em paciente curarizado. A cricotreoidostomia é um procedimento que salva vidas, porém temporário. Deve ser conver tda, assim que possível (ou seja, quando o paciente es tver estabilizado), para uma traqueostomia, porque o procedimento é lesivo à cartlagem cricoide, que é a única car tlagem completa (circunferencial) de todo o complexo laringotraqueal, e isso poderia levar a uma estenose laríngea de di f cil tratamento. Além disso, não deve ser realizada em crianças porque a membrana é extremamente pequena, e corre-se o risco de fratura da cartlagem cricoide, o que pode causar um desabamento da laringe. Em situação de absoluta emergência, pode-se proceder à punção traqueal com jelco, para ven tlação, enquanto se procede à traqueostomia.
7. Conclusão A traqueostomia é um procedimento da área de atuação do cirurgião geral ou muitas vezes do cirurgião de urgência, a quem cabe avaliar a indicação (muitas vezes, dada pelo intensivista), orientar os cuidados no pós-operatório, saber tratar as complicações e, sobretudo, saber reconhecer quais os casos em que determinadas di ficuldades ou complicações estarão mais propensas, de modo a exercer melhor a sua atvidade cirúrgica.
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CAPÍTULO
6
1. Introdução O abscesso cervical é uma infecção profunda no pescoço, também conhecida como coleção purulenta nos espaços profundos cervicais. É muito importante ressaltar a necessidade de a infecção ser profunda para diferenciar das infecções super ficiais (pele) que são de fácil tratamento e com mínimo índice de complicações. O tratamento adequado das infecções do pescoço e das vias aéreas superiores promoveu uma diminuição na incidência dessa doença e principalmente das suas complicações, como óbito, mas ainda é bastante presente, e a suspeita clínica deve ser feita diante de um paciente com quadro clínico e epidemiológico compa vel com a doença, pois o tratamento adequado e precoce tem alto índice de sucesso.
2. Epidemiologia O abscesso cervical pode estar presente tanto nas crianças como nos adultos, e os fatores e tológicos são diversos, dependendo da faixa etária. a) Crianças - Amigdalite: principal causa dos abscessos nessa faixa etária; - Malformações congênitas: cisto do ducto treoglosso, cisto branquial. b) Adultos - Origem dentária: após manipulação/tratamento dentário, principal causa nessa faixa etária; - Trauma cervical; - Infecção de vias aéreas superiores; - Drogas intravenosas; - Infecção de glândulas salivares. Apesar de ter fatores e tológicos bem conhecidos, em mais de 20% dos casos de abscesso cervical não é possível descobrir o fator etológico que deu origem ao quadro. As vias aéreas superiores são colonizadas por grande número de diferentes tpos de bactérias, sendo as infecções
Abscesso cervical Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei Christ ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
cervicais, na maioria das vezes, secundárias a infecções das vias aéreas superiores. Uma flora polimicrobiana também é identficada nos abscessos. Entre as bactérias Gram posi tvas, as mais frequentes são o Streptococcus e o Staphylococcus. Entre as Gram negatvas, as mais comuns são a Klebsiella, a Neisseria e o Haemophilus. Em se tratando de anaeróbios, os bacteroides, o Peptostreptococcus e o Fusobacterium são os mais comuns.
3. Fáscias cervicais Denomina-se fáscia cervical o tecido conjun tvo que envolve as estruturas cervicais, criando espaços virtuais e dividindo o pescoço. O conhecimento dos espaços cervicais é muito importante no entendimento e no tratamento do abscesso cervical. A fáscia super ficial é uma camada fina e frouxa de gordura, logo abaixo da pele que circunda os músculos pla tsma e da face. A fáscia profunda tem 3 lâminas: super ficial, média e profunda. A lâmina super ficial da fáscia cervical profunda circunda completamente o pescoço, incorporando o músculo esternocleidomastóideo e o músculo trapézio. Envolve a glândula submandibular, músculos da mas tgação e a glândula parótda. A lâmina média da fáscia cervical profunda pode ser dividida em visceral e muscular. O espaço visceral do pescoço – tubo diges tvo e respiratório, treoide e paratreoides –, cranialmente, é conhecido como fáscia bucofaríngea e recobre o espaço mucoso faríngeo (constritores da faringe). Posteriormente, está muito próximo à fáscia alar, correspondendo à parede anterior do espaço retrofaríngeo. A lâmina profunda da fáscia cervical profunda divide-se anteriormente em alar e pré-vertebral. O folheto pré-vertebral estende-se desde a base do crânio até o cóccix, e a fáscia alar, até a 7ª vértebra cervical. As fáscias alar e pré-vertebral são separadas por um tecido conjuntvo frouxo denominado danger space. A anatomia cervical possibilita disseminações infecciosas muito
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO partculares da região cervicofacial. A comunicação do espaço profundo cervical com o medias tno possibilita que uma infecção se dissemine diretamente da região cervical para a região mediastnal através do danger space. Com consequências catastróficas, esta possibilidade de disseminação não deve ser esquecida. As fáscias e suas lâminas originam diversos espaços no pescoço: - Espaço parafaríngeo; - Espaço mastgador; - Espaço mucoso faríngeo; - Espaço paro deo; - Espaço submandibular; - Espaço visceral anterior; - Espaço caro deo; - Espaço retrofaríngeo; - Danger space; - Espaço pré-vertebral.
Geralmente, a história é curta, associada a febre, aumento do volume cervical, dor à movimentação do pescoço, dor à deglu tção e trismo (di ficuldade de abertura da boca). Ao exame f sico, o paciente pode apresentar-se febril, e a área acometda pode estar hiperemiada e com aumento da temperatura. Algumas vezes, a drenagem tem conteúdo frustro, ou seja, pequena quan tdade e pouco pus, e apresenta ar (angina de Ludwig, quadro de abscesso submandibular grave), mas deve ser realizada mesmo assim, trazendo grandes benef cios ao paciente.
Entre esses espaços, os mais frequentemente acome tdos pelo abscesso cervical são o submandibular e o parafaríngeo.
Figura 2 - Abscesso submentoniano ou angina de Ludwig
Figura 1 - Cortes sagital e axial das fáscias cervicais
A - Quadro clínico Durante a anamnese e o exame f sico, devem-se investgar as principais e tologias do abscesso, como tratamento dentário e infecção de vias aéreas superiores.
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Figura 3 - Abscesso paro deo
ABSCESSO CERVICAL
O paciente não tratado corretamente pode evoluir com piora do quadro geral rapidamente, com aparecimento de sinais de má evolução, como dispneia por comprome tmento da traqueia e laringe, disfagia por comprome tmento de esôfago e faringe, disfonia por comprome tmento direto da laringe ou dos nervos recorrentes e sepse. Tabela 1 - Sinais de má evolução - Disfagia; - Disfonia; - Dispneia; - Sepse.
Figura 4 - Abscesso de espaço retrofaríngeo
B - Diagnóstco O diagnóstco é feito com base na história e no exame f sico, mas alguns exames complementares são importantes no planejamento terapêu tco e no acompanhamento dos pacientes. O hemograma geralmente demonstra leucocitose com o aumento das formas jovens, como acontece na maioria das infecções, e o acompanhamento do leucograma ajuda na evolução. As provas in flamatórias, como PCR e VHS, estão aumentadas, mas também são exames inespecí ficos. Os exames de imagem são de grande importância no diagnóstco e na programação terapêu tca, e a tomogra fia computadorizada é o exame de escolha. Nela, podem-se observar toda a extensão do abscesso e o comprome tmento das lojas do pescoço e das outras estruturas como esôfago, laringe e vasos. O abscesso geralmente apresenta uma maior concentração de contraste na sua periferia.
Figura 5 - Abscesso no chamado danger space, risco de mediast nite
Figura 6 - Abscesso em musculatura pré-t reoidiana
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO C - Tratamento O tratamento do abscesso cervical pode ser dividido da seguinte forma: a) Suporte O abscesso cervical vem acompanhado de dor com dificuldade de deglu tção e trismo, assim os pacientes podem estar desidratados e com algum distúrbio eletrolí tco. É importante corrigir qualquer distúrbio e tratar a dor. Os cuidados locais, como a higiene da boca e a aplicação de compressas mornas no pescoço, também auxiliam no tratamento. A manutenção da via aérea pérvia é fundamental em alguns casos. A progressão do quadro infeccioso leva a insu ficiência respiratória obstru tva. Nestas ocasiões, a realização de traqueostomia de proteção deve ser lembrada. O uso de oxigenoterapia hiperbárica, pode auxiliar no tratamento do abscesso cervical. b) Antbiotcoterapia O tratamento com antbiótco deve ser feito lembrando a grande variedade de bactérias que podem estar envolvidas, portanto está indicada uma an tbiotcoterapia de amplo espectro. O tratamento inicial pode ser feito conforme o esquema seguinte: - Clindamicina 2,4g/dia – adulto; 40mg/kg/dia. - Cefalosporina de 3ª geração Ceriaxona (2g/dia; 20 a 80mg/kg/dia). • •
•
Figura 7 - Abscesso parafaríngeo
Figura 8 - Abscesso submandibular
É muito importante notar que a tomogra fia define muito bem a área do abscesso e, em alguns casos, o comprometmento de várias lojas cervicais – essa informação é muito importante no planejamento cirúrgico.
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O uso associado de cor tcosteroides ainda é controverso; pacientes de menor risco e em bom estado geral podem se valer dele, pois “acelera” o processo de cura, diminuindo o edema e a dor. c) Drenagem A drenagem contnua a ser o padrão-ouro no tratamento do abscesso cervical, mas, em alguns casos, ela pode ser desnecessária. Pacientes em excelente estado geral, estáveis, com abscessos menores de 3cm, podem ser observados internados durante as primeiras 48 horas de an tbiotcoterapia. Após esse tempo, deve ser realizada nova tomogra fia. Se, durante a observação, houver piora do estado clínico e não houver melhora na nova tomogra fia, a drenagem estará indicada. Em se tratando de todos os outros doentes, a drenagem deve ser feita o mais rapidamente possível. As incisões devem ser amplas, e é necessária a comunicação de todas as lojas e espaços acome tdos, lavagem exaustva do pescoço com soro fisiológico e colocação de drenos no espaço para possibilitar a saída da secreção restante no pescoço, e além da observação. Caso não haja melhora, novas abordagens devem ser feitas com o obje tvo de resolver o quadro.
ABSCESSO CERVICAL
Dependendo da extensão do abscesso, podem ser necessárias a drenagem do mediastno e tórax e a traqueostomia. Em crianças com abscesso parafaríngeo, a drenagem do abscesso pela cavidade oral pode ser resolu tva, pois a cavidade oral é muito mais próxima do espaço parafaríngeo que o pescoço. E não se deve esquecer que o abscesso cervical geralmente é secundário a outra infecção. É muito importante procurar o foco primário e tratá-lo adequadamente. d) Complicações Na grande maioria dos casos, o tratamento cirúrgico, associado ao antbiótco, cuida adequadamente dos pacientes com abscesso cervical. Alguns podem evoluir de forma desfavorável. As principais complicações são: - Obstrução de via aérea; - Mediastnite; - Pneumonia; - Trombose de jugular; - Sepse.
da para traqueostomia emergencial; - Não retardar uma nova abordagem cirúrgica, se não houver melhora clínica ou se ainda houver sinais de necrose ou pus na CT; - Drenagem intraoral está indicada quando possível, principalmente na população pediátrica; - Ter atenção especial com o medias tno e a pleura; alguns espaços cervicais são con guos a essas estruturas; - Não se esquecer de coletar material para cultura e antbiograma; - Avaliar a necessidade de enviar o paciente a uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e de oxigenoterapia hiperbárica.
Alguns apresentam maior risco de complicações com maior risco de mortalidade: - Idosos; - Diabétcos; - Imunossuprimidos; - Pacientes com mais de 1 espaço comprome tdo. e) Orientações prá tcas e importantes Sempre prestar atenção às queixas; - Procurar e tratar o sí to primário da infecção; - A tomografia com contraste é muito ú tl e deve ser realizada no início do quadro; - Na maioria dos casos, o tratamento de escolha compreende a an tbiotcoterapia de amplo espectro e drenagem cirúrgica; - Idade avançada, DM, doenças sistêmicas e acome tmento de múl tplos espaços estão associados a maior índice de complicações; - Em casos selecionados, pode-se fazer teste terapêutco com antbiótco intravenoso antes da drenagem cirúrgica. A reavaliação clínica e nova TC após 48 horas determinarão a necessidade de abordagem cirúrgica; - Edema e gás são iden tficados em pacientes com fasceíte necrosante, e há necessidade de debridamento cirúrgico precoce e an tbiotcoterapia de amplo espectro; - Dispneia, disfagia e disfonia são sinais de mau prognóstco, e uma abordagem mais agressiva é necessária; - Grandes incisões são necessárias, portanto há indicação de anestesia geral. A programação da anestesia deve ser cuidadosa, e muitas vezes os pacientes apresentam intubação di f cil pelo trismo e o broncoscopista deve estar presente, assim como a equipe prepara-
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SUPORTE VENTILATÓRIO NÃOCIRÚRGICO
CAPÍTULO
7
Tumores de cavidade oral Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Christ ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
1. Introdução Apesar do fácil acesso à cavidade oral, infelizmente, ainda hoje não é comum o exame da boca como parte do exame f sico geral. O hábito de examinar a cavidade oral, no exame f sico realizado por pro fissionais de saúde ou pelo próprio paciente, aumenta a detecção precoce de lesões da cavidade oral, visto que o diagnós tco é iminentemente clínico. Anatomicamente, a cavidade oral é de finida como o espaço compreendido desde a mucosa labial até o istmo orofaríngeo, formado pela junção do palato, pilares amigdalianos e a transição entre o terço posterior e os 2/3 anteriores da língua. O arcabouço ósseo da cavidade oral é formado pelo rebordo alveolar superior e o palato duro superiormente, o contorno mandibular inferiormente, com o rebordo alveolar inferior se estendendo ao longo dos ramos horizontais da mandíbula e o trígono retromolar ao longo do ramo ascendente da mesma. As porções móveis e de partes moles da cavidade oral incluem a língua, o soalho da boca, as mucosas jugais, a mucosa dos rebordos alveolares e sulcos gengivolabiais e a mucosa do lábio, além da musculatura profunda a essas áreas de mucosa. Desembocam na cavidade oral os ductos das glândulas salivares maiores, parótdas (ductos de Stensen, junto aos segundos molares superiores na mucosa jugal), submandibulares (ductos de Wharton, no aspecto medial do assoalho da boca) e uma série de ductos das sublinguais junto ao assoalho da boca. A cavidade oral é reves tda totalmente por epitélio não queratnizado, com glândulas salivares menores distribuídas por toda a sua extensão. O suprimento arterial da cavidade oral se dá por ramos da artéria caró tda externa (artérias facial, lingual e maxilar), e a drenagem venosa a acompanha, levando ao sistema jugular. A drenagem linfá tca da cavidade oral é rica, sendo os primeiros sí tos de drenagem os linfonodos dos níveis I a III do pescoço. A imensa maioria dos tumores da cavidade oral é oriunda do epitélio escamoso, sendo o carcinoma epidermoide ou de células escamosas (CEC) o tumor maligno mais frequente. Outros tpos histológicos de tumores de cavidade oral incluem lesões benignas do epité-
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lio e da musculatura associada, além de lesões benignas e malignas de glândulas salivares menores, lesões e displasias ósseas e sarcomas. Devido à sua prevalência elevada, quando nos referimos a câncer de cavidade oral, trata-se do carcinoma epidermoide, salvo quando há menção a outro tpo especí fico.
Figura 1 - Cavidade oral e as estruturas que a compõem
2. Epidemiologia O câncer de cavidade oral tem sua incidência crescente com a idade, com predomínio a partir da 5ª década de vida. É mais comum em homens do que em mulheres, porém a relação de incidência entre os 2 sexos tem regredido. As queixas mais frequentes do paciente com doenças da cavidade oral são a presença de lesões e dor. Segundo dados do Ins ttuto Nacional do Câncer (INCA), ligado ao Ministério da Saúde, o câncer de cavidade oral é o 7º mais incidente no Brasil, com pouco mais de 15.900 casos novos estmados para 2010 no país. É o câncer de maior incidência na região da cabeça e pescoço. Em certas partes do mundo, como em regiões do subcon tnente asiátco, trata-se do tumor maligno mais comum. O principal fator de risco associado à incidência de carcinoma de cavidade oral é, sem dúvida, o tabagismo, ante-
TUMORES DE CAVIDADE ORAL
cedente encontrado em mais de 90% dos pacientes com a doença. Além do tabagismo convencional, o fumo reverso (hábito raro no Brasil, que consiste no uso de cigarro com a brasa voltada para a porção interna da cavidade oral) aumenta muito signi ficatvamente a incidência de tumores, especialmente de palato. O 2º fator de risco mais importante é o e tlismo que, associado ao tabagismo, aumenta expressivamente o risco relatvo, pois ambos são potencializadores um do outro. Outros fatores de risco associados à doença são a má higiene oral, o uso de próteses mal adaptadas com trauma frequente à mucosa, o hábito de mascar tabaco, a infecção por HPV (principalmente, o sub tpo 16) e fatores ocupacionais (como nos trabalhadores das indústrias têx tl e gráfica; exposição a níquel, ácido sulfúrico, metais pesados). Há trabalhos epidemiológicos que demonstram como fator protetor a ingestão de dieta rica em frutas, legumes e em óleos vegetais (dieta mediterrânea), em oposição ao consumo mais acentuado de gorduras animal e saturada.
çada e à transformação para neoplasia invasiva com mais frequência (cerca de 90% dos casos). As lesões pré-malignas devem levantar maior grau de suspeita de transformação quando apresentam crescimento ou mudança de seu aspecto, bem como irregularidades nas bordas e elevação, ulceração ou sangramento. O diagnóstco deve ser feito através de biópsia excisional sempre que possível.
3. Quadro clínico Figura 3 - Lesão eritroplásica em sulco gengivolingual
A - Lesões pré-malignas As principais lesões consideradas pré-malignas de cavidade oral são as leucoplasias e eritroplasias. As leucoplasias são placas brancas na mucosa da cavidade oral. Tipicamente, são regulares e não se modi ficam quando manipuladas, não destacáveis. São as lesões pré-malignas mais comuns, habitualmente associadas histologicamente a graus variados de displasia epitelial, porém com risco mais baixo de progressão para neoplasia maligna invasiva (cerca de 10%).
Figura 2 - Lesão leucoplásica de língua
As eritroplasias são lesões tpicamente mais irregulares, de aspecto avermelhado mais escuro que a mucosa normal, e tendem a ser aveludadas. São menos comuns que as leucoplasias, associadas normalmente à displasia mais avan-
B - Lesões malignas Toda lesão de cavidade oral, com evolução além de 2 a 3 semanas, por princípio, deve levar o médico à suspeita de um carcinoma epidermoide, especialmente em se tratando de pacientes com os principais fatores de risco descritos. É fundamental para diagnós tco e tratamento precoces, em casos de tumores, habitualmente, de fácil detecção ao exame f sico simples, sempre fazer biópsia e orientação para o fim do tabagismo e do e tlismo, se for o caso. O sí to mais comum dos tumores de cavidade oral é a borda lateral da língua, seguida pelo assoalho da boca. As lesões tumorais habitualmente têm bordas irregulares, aspecto infiltratvo e ulcerado ou vegetante, e são friáveis e endurecidas à palpação, além de dolorosas e algumas vezes fé tdas. Sangramentos episódicos e dor também são sintomas frequentes. Em casos de lesões mais avançadas, podem ocorrer fixação a estruturas ósseas (como a causada por invasão da mandíbula e da musculatura profunda), diminuição da mobilidade da língua, invasão de pele, disfagia e odinofagia. Apesar de o diagnós tco precoce ser rela tvamente fácil em decorrência da facilidade do exame e da percepção das lesões, boa parte dos pacientes se apresenta com tumores avançados e volumosos, estadios III e IV. Além disso, devido à rica drenagem linfá tca (em especial, dos sí tos mais comuns de acometmento tumoral), parte signi ficatva tem metástase linfonodal clinicamente evidente já à apresentação inicial. Nesse caso, palpa-se a linfonodomegalia (mais comumente, em níveis I, II ou III ipsilateral à lesão) endurecida, que pode ser dolorosa e fixa a planos profundos.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO 4. Outros tumores benignos e malignos
Figura 4 - (A) Tumor vegetante de borda lateral de língua e (B) tumor in fi ltrat vo e ulcerado da mesma região
Há uma série de possíveis tumores benignos de mucosa da cavidade oral. Habitualmente, caracterizam-se por lesões elevadas regulares, sem ulceração, sem sangramento ou dor e de crescimento lento, e que, apesar de serem benignas, apresentam tratamento cirúrgico como tumores ósseos, dentários, hematogênicos. Dentre o grupo de doenças benignas que devem fazer parte dos diagnós tcos diferenciais, estão as granulomatosas, como a tuberculose e as fúngicas, cujo tratamento é medicamentoso. Dentre os tumores malignos menos prevalentes, de outra linhagem histológica que não o carcinoma epidermoide, destacam-se os tumores de glândula salivar menor, melanomas de mucosa, tumores ósseos e sarcomas de partes moles.
Figura 5 - Tumor avançado, vegetante e in fi ltrat vo acometendo língua, soalho, trígono retromolar e mandíbula
Figura 8 - Melanoma de mucosa jugal: tumor agressivo e raro
Figura 6 - Tumor avançado de cavidade oral com extravasamento da pele do rosto e do pescoço
Figura 7 - Metástase tumoral
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Figura 9 - Peça cirúrgica de fi broma ossi fi cante juvenil do mento: lesão benigna
TUMORES DE CAVIDADE ORAL
As lesões são muito diversas, com quadro clínico rico, e podem apresentar linfonodomegalia que algumas vezes é reacional, portanto um exame f sico bem feito associado a exames de imagem e biópsia da lesão primária sempre deve ser feito para diagnós tco e tratamento precoces.
5. Estadiamento O estadiamento do carcinoma epidermoide da cavidade oral é feito com base no sistema TNM da União Internacional de Controle do Câncer (UICC).
Figura 10 - Tumor de glândula salivar menor, adenoma pleomorfo: lesão benigna
Figura 11 - Lesão de paracoccidioidomicose ou blastomicose sul-americana: lesão benigna
a) T - tumor primário, referente ao seu tamanho - TX: tumor primário não pode ser avaliado; - T0: não há evidência de tumor primário; - Tis: carcinoma in situ; - T1: tumor até 2cm em sua maior dimensão; - T2: tumor entre 2 e 4cm em sua maior dimensão; - T3: tumor com mais de 4cm em sua maior dimensão; - T4a: tumor com invasão de estruturas adjacentes (cortcal óssea – mandíbula ou maxila, pele da face, musculatura extrínseca profunda à língua); - T4b: tumor com invasão de fáscia pré-vertebral, artéria carótda, ou base do crânio. b) N - metástase linfonodal - NX: linfonodos não avaliáveis; - N0: ausência de metástases linfonodais; - N1: presença de um linfonodo acome tdo, menor do que 3cm; - N2A: presença de um linfonodo acome tdo, entre 3 e 6cm; - N2B: presença de mais de 1 linfonodo acome tdo, ipsilateral ao tumor, menor do que 6cm; - N2C: presença de linfonodos acome tdos bilaterais, ou contralaterais, menores do que 6cm; - N3: presença de linfonodo acome tdo com mais de 6cm. c) M - metástase a distância - MX: metástase a distância não pode ser avaliada; - M0: ausência de metástase a distância; - M1: metástase a distância.
6. Diagnóstco
Figura 12 - Miíase malcuidada na cavidade oral: paciente com paralisia cerebral
Deve-se suspeitar do diagnós tco dos tumores de cavidade oral, conforme descrito, em casos de lesão persistente, especialmente naqueles com antecedentes e risco para a doença. Nesses casos, o 1º exame, fundamental para o diagnóstco, a ser realizado, é a biópsia do tumor. Esta pode ser habitualmente realizada com anestesia local em ambiente ambulatorial. Em casos de di f cil acesso, pacientes com complicações clínicas ou dor signi ficatva e limitante para a biópsia, pode ser realizado exame sob anestesia ou sedação para firmar o diagnóstco.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO Devido à possibilidade sempre presente de mais de 1 tumor primário, a panendoscopia (oroscopia, naso fibroscopia/laringoscopia, esofagoscopia) deve ser realizada em todos com tumores de cavidade oral ou suspeita de lesão. Apesar de o estadiamento ser eminentemente clínico, exames subsidiários podem ser realizados para a complementação do estadiamento e a programação de tratamento. Dentre estes, destacam-se a tomografia computadorizada, com especial valor para avaliação de invasão de estruturas ósseas, além do acometmento de estruturas profundas, presença de metástases cervicais, e deve ser feita com contraste. Em centros mais modernos e, principalmente, ricos, usam-se a ressonância magnétca e o PET-scan, mas a ausência deles não prejudica em nada o nosso estadiamento e adequado tratamento. A ultrassonografia cervical com punção-biópsia (punção aspiratva com agulha fina guiada por USG, deve ser realizada com agulha fina para evitar a implantação de células tumorais no trajeto) pode ter papel fundamental na elucidação de suspeita de metástase linfonodal cervical. O principal sí to de metástase a distância, quando presente, é pulmonar. Alguma forma de avaliação radiológica pulmonar deve ser realizada, especialmente em pacientes com metástases linfonodais, seja ela raio x ou tomogra fia computadorizada de tórax; na dúvida, a broncoscopia com lavado ajuda no diagnós tco. Principalmente na especialidade cabeça e pescoço, existe uma entdade nomeada de tumor primário oculto. Normalmente, trata-se de tumores muito iniciais, pequenos, que não são vistos ao exame clínico e não são iden tficados nos exames subdisiários, mas apresentam metástases cervicais. Os sí tos em que isso acontece preferencialmente são rinofaringe, pilar amigdaliano, seio piriforme e supraglote. Deve-se lembrar que o diagnós tco é clínico, principalmente, confirmado pela biópsia. A tomogra fia ajuda a fazer o diagnóstco, mas quando é solicitada na maioria das vezes é para completar o estadiamento e programar o tratamento.
Figura 13 - TC de pescoço com captação de contraste na porção anterior da língua: área tumoral
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7. Tratamento cirúrgico Salvo em pacientes com condições clínicas extremamente precárias, que impeçam a sua realização, a cirurgia é o principal recurso no tratamento de carcinoma epidermoide da cavidade oral e é realizada na quase totalidade dos casos, seguida ou não de tratamento adjuvante (radioterapia e/ou quimioterapia), quando indicada. As bases do tratamento cirúrgico são a ressecção oncológica completa da lesão primária, com margens livres (ideal acima de 1cm), além da ressecção linfonodal adequada, em monobloco (peça cirúrgica única) sempre que possível. Indica-se um esvaziamento cervical a todos aqueles com evidência de metástase cervical (esvaziamento de necessidade ou terapêutco). Nesses casos, o tratamento-padrão é habitualmente o esvaziamento cervical radical ou radical modificado, incluindo os 5 níveis linfonodais do pescoço. Aos pacientes sem evidência de metástase linfonodal, indica-se um esvaziamento cervical quando o tamanho e a localização do tumor primário levam a um risco superior a 20% de metástase clinicamente não iden tficável, tumores T3 e T4 sempre (esvaziamento cervical de princípio ou pro filátco). Nesses casos, o esvaziamento cervical de escolha é o supraomo-hioide (de níveis I, II e III, pois estes são os níveis mais comumente acometdos por metástase de tumores de cavidade oral). A indicação de esvaziamento cervical para pescoço clinicamente negatvo se dá para tumores de cavidade oral a par tr do estadiamento T2 (para língua e assoalho de boca, há serviços e protocolos de atendimento que incluem os tumores T1 nesta indicação, devido ao per fil de risco mais elevado). Quando indicado, o procedimento cirúrgico deve ser iniciado pelo esvaziamento cervical por razões oncológicas (inicia-se pelos sí tos de drenagem linfá tca antes da manipulação do tumor primário, da região menos doente para a mais doente, de maneira centrípeta, sempre pensando em não disseminar o tumor) e infecciosas (o esvaziamento cervical é considerado tempo limpo da cirurgia, em contraste com a manipulação da mucosa da cavidade oral, que é contaminada pelas diversas bactérias na saliva). O acesso cirúrgico ideal para cada tumor de cavidade oral deve ser determinado individualmente, proporcionando acesso amplo e seguro para a ressecção com margens oncologicamente livres, com a menor morbidade possível. Nos casos de tumores pequenos, em áreas de fácil acesso e visibilidade completa do tumor e suas margens, pode ser realizada a ressecção transoral.
TUMORES DE CAVIDADE ORAL
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Figura 14 - Aspecto pré-operatório (A) e pós-operatório (B) de glossectomia parcial transoral
Em casos de pacientes com tumores de di f cil acesso transoral, outros acessos, como o retalho de bochecha (cheek- fl ap, fender o mento e o lábio e descolar a bochecha para expor a lesão) ou a mandibulotomia (secção da mandíbula para acesso, com síntese da mesma após a ressecção), podem ser usados. Nesses casos, é fundamental cer tficar-se da ausência de invasão óssea. Esta é mais bem avaliada por meio de exame, sob anestesia geral, imediatamente após a ressecção.
Figura 16 - (A) Lesão pré-operatória; (B) aspecto pós-operatório, esvaziamento cervical, cheek- fl ap e mandibulomia e (C) síntese/ fi xação da mandíbula com placas
Nos casos em que há suspeita de invasão da mandíbula, deve-se considerar a mandibulectomia (re trada de um segmento). Esta deve ser marginal (só uma lâmina, diminuindo em espessura) nos casos em que há proximidade do tumor com a mandíbula, porém sem invasão inequívoca, pela necessidade de margem adequada. Nos casos em que há clara invasão da mandíbula pelo tumor, deve-se realizar uma mandibulectomia segmentar. A Figura 17 ilustra uma peça de ressecção de tumor de cavidade oral (trígono retromolar e rebordo alveolar inferior) com invasão da mandíbula e a necessidade de mandibulectomia segmentar.
Figura 17 - Produto de mandibulectomia segmentar por invasão de tumor de cavidade oral Figura 15 - Cheek- fl ap
É importante programar, nos casos de grande ressecção, manipulação posterior signi ficatva ou risco maior para aspiração, a realização de traqueostomia de proteção durante o tratamento cirúrgico, prevenindo insu ficiência respiratória, dificuldade técnica de intubação pós-manipulação e distorção anatômica pós-operatória, assim como possibilitando desmame precoce do ven tlador. Da mesma forma, para pacientes em que se prevê a di ficuldade para nutrição oral precoce, deve-se considerar a passagem de sonda nasoenteral de nutrição no momento do tratamento ou gastrostomia. Depois de re trada a peça cirúrgica, as margens da lesão devem ser sempre analisadas pelo patologista no centro cirúrgico no ato operatório, pela técnica de congelação, e
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO posteriormente ser enviada para análise anatomopatológica. Dessa maneira, o cirurgião se cer tficará de ter ressecado toda a lesão, ou, se as margens forem comprome tdas, haverá a chance de aumentá-las, até não haver mais lesão residual. Os tumores benignos são tratados simplesmente com ressecção. Caso sejam muito volumosos, podem demandar a ressecção via transmandibular, quando pequenos a abordagem transoral é suficiente.
8. Tratamento adjuvante Aos casos de pior prognós tco, como tumores com invasão perineural, perivascular ou trombose, avançados com invasão de estruturas adjacentes (T4), ou casos em que há metástase linfonodal (linfonodos posi tvos, doentes, metastátcos) com extravasamento capsular ou para múl tplos linfonodos, há indicação de tratamento adjuvante. Classicamente, o tratamento adjuvante de tumores de cavidade oral é feito com radioterapia, incluindo o sí to primário e as cadeias linfonodais cervicais. O tratamento com radioterapia conformacional, IMRT tem ganhado espaço ultmamente. Estudos recentes têm demonstrado melhores resultados de controle locorregional e sobrevida livre de doença com a associação de quimioterapia e radioterapia concomitantes. Esse tratamento, apesar dos melhores resultados oncológicos, associa-se a maior morbidade e toxicidade.
9. Reabilitação e seguimento Especialmente nos casos de tumores avançados, a reconstrução dos defeitos cirúrgicos deve tentar refazer o diafragma orocervical, mantendo um volume adequado e a mobilidade das estruturas da cavidade oral. A par tcipação de equipe mul tprofissional (fonoaudióloga, nutricionista, fisioterapeuta, dentsta, protétco, psicóloga, cirurgião plástco) é absolutamente fundamental para a reabilitação de deglutção e fonação adequadas. Assim como a programação prévia, a cirurgia não só fornece ressecção tumoral oncológica como a reconstrução (fechamento primário, retalhos locais ou a distância, retalhos microcirúrgicos) do defeito, de maneira que o paciente não perde suas funções (deglutção, fonação) e esté tca para que possa ser reintroduzido à sociedade. O seguimento pós-operatório deve ser feito de perto e incluir especial atenção às potenciais recidivas locais e regionais (linfonodais no pescoço), metástases a distância, além do risco de incidência de 2º tumor primário no trato aerodigestvo alto.
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CAPÍTULO
8
1. Introdução A faringe é um tubo fibromuscular para a passagem de ar e de alimentos. Ela se localiza atrás das cavidades nasal, oral e laringe, portanto pode ser dividida em 3 porções: nasofaringe, orofaringe e hipofaringe. As neoplasias malignas dessas 3 regiões apresentam característcas distntas, por isso serão estudadas separadamente.
Tumores de faringe Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei Christ ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
2. Nasofaringe A - Epidemiologia O carcinoma de nasofaringe é uma neoplasia rara na maior parte do mundo, mas, em alguns locais, como China e Alasca, sua incidência é maior. O consumo de peixe salgado (conservado em sal e nitrosaminas) parece estar relacionado ao aparecimento dessa neoplasia. O vírus Epstein-Barr (EBV) também está fortemente associado a ela; aparentemente, esse vírus tem papel oncogênico, pois o genoma do EBV e seus an genos são frequentemente encontrados nas biópsias desses tumores.
B - Anatomia A nasofaringe é uma área de transição entre a cavidade nasal e a orofaringe. É um tubo trapezoidal e corresponde à parte mais cranial da faringe. Anteriormente, é limitada pelas coanas. O teto é formado pelo osso esfenoide, a parede posterior é limitada pelo atlas e áxis, e o assoalho está aberto para a orofaringe ou é formado pelo palato mole quando este se contrai. Na parede posterior da nasofaringe, medialmente aos óstos das tubas audi tvas, estão as fossas de Rosenmüller, onde mais comumente é encontrado o carcinoma de nasofaringe, posição onde se concentra a maior parte do tecido linfonodal.
C - Histopatologia
Figura 1 - Vista lateral da faringe
Trata-se de uma molésta rara em grande parte dos países do mundo, sendo mais frequente nas regiões já citadas. A classificação histopatológica mais aceita do carcinoma da nasofaringe é a da Organização Mundial de Saúde (OMS - WHO), que divide o carcinoma da nasofaringe em 3 tpos: - Tipo 1: carcinoma epidermoide quera tnizado; WHO 1; - Tipo 2: carcinoma epidermoide não quera tnizado; WHO 2; - Tipo 3: carcinoma indiferenciado ou pouco diferenciado; WHO 3.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO Alguns autores unem os carcinomas tpos 2 e 3 no mesmo grupo.
D - Quadro clínico O carcinoma de nasofaringe a tnge pacientes mais jovens, se comparado aos outros tumores da cabeça e do pescoço. O tumor é mais comum no sexo masculino (3:1), e os pacientes têm idade média de 50 anos. Os sintomas estão geralmente relacionados à localização e à in filtração dos tecidos adjacentes e também se relacionam com a presença de metástases, muito comuns. Inicialmente, o carcinoma de nasofaringe produz poucos sintomas, obstrução nasal, sensação de ouvido entupido, coriza ou epistaxe. A queixa inicial mais frequente é relacionada à presença de metástase cervical, unilateral e indolor. Linfonodomegalia bilateral também é comum, pois a nasofaringe é uma estrutura mediana rica em vasos linfátcos. Os linfonodos do nível 2 do pescoço são os mais comumente acometdos por essas metástases. Sintomas nasais, como obstrução e sangramento, são comuns quando a neoplasia já está mais avançada e ulcerada. Sintomas como perda audi tva, zumbido e otalgia podem aparecer pela perda de função da tuba audi tva (próxima à fossa de Rosenmüller). Dos pacientes, 40% apresentam secreção no ouvido médio no momento do diagnós tco, e 20%, comprometmento de algum nervo craniano. Uma pequena parte dos pacientes (5%) já apresenta metástase a distância no momento do diagnós tco. Quadro clínico dos tumores de nasofaringe: - Massas tumorais na nasofaringe; - Disfunção da tuba audi tva; - Invasão da base do crânio com acome tmento de nervos cranianos; - Metástase cervical (frequentemente, o paciente apresenta metástase cervical com tumor primário desconhecido).
Figura 2 - Metástase de carcinoma de rinofaringe
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E - Diagnóstco Como o quadro clínico inicial não é especí fico, dificilmente o diagnós tco é feito apenas com a história clínica. O exame clínico minucioso da cabeça e do pescoço deve ser feito e também, quando exis tr suspeita clínica, o exame detalhado da nasofaringe, rinoscopia anterior com espéculo, posterior com espelho de Garcia, e/ou telerinoscopia rígida ou flexível com naso fibroscopia.
Figura 3 - Fossa nasal por naso fi broscopia: seta na concha média
Se for iden tficado um tumor durante o exame da nasofaringe, este deverá passar por biópsia, o que poderá levar ao diagnóstco da neoplasia. A sorologia para EBV ajuda no diagnós tco, e a pesquisa do vírus na biópsia ou no produto da punção do linfonodo cervical é de grande ajuda na determinação. Os exames de imagem (TC e RNM) podem contribuir para identficar a lesão na orofaringe e a sua extensão às estruturas adjacentes. Atualmente, o PET-CT vem sendo usado para diagnóstco do tumor primário quando o paciente apresenta somente linfonodomegalia cervical.
TUMORES DE FARINGE
Figura 4 - Linfoma de Burki acometendo o seio paranasal
F - Estadiamento O estadiamento do carcinoma de nasofaringe é feito com base no TNM da União Internacional de Controle do Câncer (UICC). Tabela 1 - Estadiamento do carcinoma de nasofaringe T - Tumor primário - TX: o tumor primário não pode ser avaliado; - T0: não há evidência de tumor primário; - Tis: carcinoma in situ.
cirúrgica completa dos tumores dessa região é um grande desafio. Fato posi tvo é a elevada radiossensibilidade dos tumores de nasofaringe, razão que faz o tratamento com radioterapia e quimioterapia ser muito u tlizado nestes casos (denominado esquema de radioterapia associado a quimioterapia para essa região de Al Sarraf). Portanto, o tratamento atual dos tumores de faringe consiste de radioterapia associada a quimioterapia, o que diminui a possibilidade de recidiva local e regional e a distância. O tratamento cirúrgico é reservado a um pequeno grupo de pacientes com persistência do tumor após a radioterapia e sem o comprome tmento das estruturas adjacentes. O acesso e a técnica têm-se desenvolvido com o advento da cirurgia endonasal endoscópica e da cirurgia robó tca. Como na maioria dos edemas, os pacientes com tumores em estadio inicial apresentam bom prognós tco, que piora à medida que apresentam tumores em estadio mais avançado. - Pior prognós tco: Extensão tumoral; Comprometmento linfonodal; Manipulações prévias; WHO 1 (lesões queratnizadas); Radiorresistentes. - Melhor prognós tco: Sexo feminino; Menos que 40 anos; WHO 2 e 3. • • • •
Nasofaringe - T1: tumor confinado à nasofaringe; - T2: tumor que se estende às partes moles; - T2a: tumor que se estende à orofaringe e/ou cavidade nasal sem extensão parafaríngea*; - T2b: tumor com extensão parafaríngea*;
•
• • •
- T3: tumor que invade estruturas ósseas e/ou seios paranasais; - T4: tumor com extensão intracraniana e/ou envolvimento de nervos cranianos, fossa infratemporal, hipofaringe, órbita ou espaço mastgador. * A extensão parafaríngea indica in fi ltração posterolateral do tumor além da fáscia faringobasilar. N - Linfonodos regionais - NX: os linfonodos regionais não podem ser avaliados; - N0: metástases em linfonodos regionais estão ausentes; - N1: metástase unilateral em linfonodo(s), com 6cm ou menos em sua maior dimensão, acima da fossa supraclavicular; - N2: metástase bilateral em linfonodo(s), com 6cm ou menos em sua maior dimensão, acima da fossa supraclavicular; - N3: metástase em linfonodo(s) com mais de 6cm em sua maior dimensão ou na fossa supraclavicular; - N3a: com mais de 6cm em sua maior dimensão; - N3b: na fossa supraclavicular. Nota: os linfonodos de linha média são considerados homola-
terais. M - Metástase a distância - MX: a presença de metástase a distância não pode ser avaliada; - M0: metástase a distância está ausente; - M1: metástase a distância.
3. Orofaringe A - Epidemiologia O tabagismo e o e tlismo são os principais fatores de risco para o desenvolvimento do carcinoma de orofaringe. Infelizmente, os tumores da orofaringe são comuns e frequentemente malignos. O tabaco e o álcool são carcinógenos independentes, e a combinação dos 2 fatores aumenta consideravelmente a incidência dos tumores do trato aerodigestvo alto. O HPV (subtpos 16 e 18, principalmente) também parece estar relacionado ao aparecimento desses tumores, especialmente entre os indivíduos não fumantes. E, quando associado ao tumor, apresenta melhor prognóstco e melhores respostas à radioterapia. O carcinoma epidermoide representa mais de 90% dos tumores dessa região. Os outros 10% são divididos entre linfomas, sarcomas, melanomas, tumores de glândula salivar menor e carcinoma de pequenas células. O local mais comum de aparecimento do carcinoma de orofaringe é a loja amigdaliana, seguida por base da língua, parede da orofaringe e palato mole.
G - Tratamento
B - Anatomia
Devido ao dif cil acesso à nasofaringe e à presença de estruturas muito importantes ao seu redor, a ressecção
A orofaringe inclui o palato mole, as amígdalas, a base da língua e as paredes lateral e posterior, além de ter grande
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO importância na fala e na deglu tção. O palato mole separa a orofaringe da nasofaringe e, durante a deglu tção, previne a ida do alimento para a nasofaringe e cavidade nasal. A base da língua também par tcipa da deglutção, empurrando os alimentos para a hipofaringe. Há uma rica rede de linfáticos na orofaringe, e a drenagem preferencial dessa região se dirige para os linfonodos do nível 2 do pescoço. Os linfonodos retrofaríngeos e parafaríngeos também são importantes sítios de drenagem da orofaringe. A exemplo da nasofaringe, a orofaringe também é uma localização onde os tumores podem ter o diagnóstico firmado pela presença de metástase cervical sem identificação do tumor primário, ou seja, metástase cervical de tumor primário oculto.
Com o crescimento da lesão, o paciente pode queixar-se de dor intensa, sangramento, odor fé tdo, otalgia, disfagia e até trismo.
Figura 7 - Lesões de orofaringe
Figura 8 - Lesão amigdaliana com metástase cervical
D - Diagnóstco
Figura 5 - Anatomia da orofaringe
A avaliação dos tumores da orofaringe deve incluir história completa e exame f sico, visualização direta da cavidade oral e orofaringe, e laringoscopia direta ou indireta. O exame f sico também deve incluir inspeção e palpação cuidadosa do pescoço à procura de metástases cervicais. A alteração da voz e a di ficuldade de movimentação da língua ou de abertura da boca demonstram neoplasia mais avançada com infiltração de estruturas adjacentes, como a musculatura pterigóidea ou nervo hipoglosso. A biópsia da lesão primária é essencial para o diagnóstco do tumor, e exames de imagem como TC ou RNM são imprescindíveis para o estadiamento da lesão e a programação do tratamento.
Figura 6 - Principais sí to s de drenagem
C - Quadro clínico Os tumores de orofaringe também são rela tvamente assintomátcos nos estadios iniciais. Os pacientes podem apresentar queixas inespecí ficas, como odinofagia ou desconforto cervical. A presença de massa cervical como 1º sintoma não é incomum.
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Figura 9 - Paralisia do XII par de nervos cranianos: hipoglosso; nota-se a atro fi a do lado esquerdo do doente, lado paralisado
TUMORES DE FARINGE
Tabela 2 - Estadiamento do carcinoma de orofaringe T - Tumor primário - TX: o tumor primário não pode ser avaliado;
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- T0: não há evidência de tumor primário; - Tis: carcinoma in situ. Orofaringe - T1: tumor com 2cm ou menos em sua maior dimensão; - T2: tumor com mais de 2cm e até 4cm em sua maior dimensão; - T3: tumor com mais de 4cm em sua maior dimensão; - T4a: tumor que invade quaisquer das seguintes estruturas: laringe, músculos profundos/extrínsecos da língua (genioglosso, hioglosso, palatoglosso e estloglosso), pterigoide medial, palato duro e mandíbula; - T4b: tumor que invade quaisquer das seguintes estruturas: músculo pterigoide lateral, lâminas pterigoides, nasofaringe lateral, base do crânio ou adjacentes à artéria caró tda. N - Linfonodos regionais - NX: os linfonodos regionais não podem ser avaliados; - N0: metástase em linfonodos regionais está ausente; - N1: metástase em um único linfonodo homolateral, com 3cm ou menos em sua maior dimensão; - N2: metástase em um único linfonodo homolateral, com mais de 3cm e até 6cm em sua maior dimensão, ou em linfonodos homolaterais múltplos, nenhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão, ou em linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão; - N2a: metástase em um único linfonodo homolateral, com mais de 3cm e até 6cm em sua maior dimensão; - N2b: metástase em linfonodos homolaterais múl tplos, nenhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão; - N2c: metástase em linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão. - N3: metástase em linfonodo com mais de 6cm em sua maior dimensão. Nota: os linfonodos de linha média são considerados homolaterais. M - Metástase a distância - MX: a presença de metástase a distância não pode ser avaliada; - M0: metástase a distância está ausente; - M1: metástase a distância.
F - Tratamento
Figura 10 - TC de tumor de base da língua com comunicação com metástase cervical
E - Estadiamento O estadiamento do carcinoma de orofaringe é feito com base no TNM da União Internacional de Controle do Câncer (UICC).
O tratamento do carcinoma de orofaringe pode ser feito com cirurgia, radioterapia ou uma combinação das 2 modalidades. Uma abordagem mul tdisciplinar é de grande importância, pois os pacientes podem apresentar dificuldade de fala, deglu tção, dor, entre outras complicações, durante o tratamento. O melhor tratamento dependerá de múltplos fatores, como estadiamento do tumor, potencial biológico da doença e estado clínico do paciente. O acesso à orofaringe pode ser um desa fio, principalmente, àqueles com tumor muito volumoso ou com di ficuldade de abertura da boca. Quanto a eles, a ressecção do tumor pela boca pode não ser a mais indicada, por isso o cirurgião deve estar familiarizado com o manejo da mandíbula, tanto para ressecá-la como para somente seccioná-la
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO como via de acesso. A forma de reconstrução nesses casos é muito importante para a reabilitação do doente. É muito importante lembrar que a manipulação dos tumores dessa região pode ocasionar um edema local e di ficuldade de respiração, o que pode levar à necessidade de uma traqueostomia temporária apenas para garan tr a permeabilidade da via aérea. Mais modernamente tem sido u tlizada a abordagem transoral com laser de CO2 ou com métodos robó tcos de abordagem do tumor local (cirurgia minimamente invasiva que pode facilitar a abordagem dos tumores primários). Mesmo pacientes com tumores iniciais T1 e T2 apresentam considerável índice de metástase no pescoço, por isso se deve pensar na realização de esvaziamento cervical eletvo. Em caso de ausência clínica de metástase cervical e indicação de esvaziamento cervical sele tvo, os níveis de 1 a 3 devem ser abordados. A radioterapia e a quimioterapia complementares à cirurgia são feitas com base no estadiamento dos tumores. Os tumores avançados necessitam de tratamento complementar para aumentar a possibilidade de cura dessa doença.
para os homens e 60 para as mulheres. O câncer de orofaringe tem associação estreita a baixo nível socioeconômico e de escolaridade. A etologia está relacionada ao uso excessivo de tabaco e álcool, que são fatores e tológicos para todos os carcinomas epidermoides do trato aerodigestvo alto. Mulheres portadoras da síndrome de Plummer-Vinson têm maior risco de desenvolver o câncer de hipofaringe, especialmente da região pós-cricoide, mesmo sem exposição ao cigarro e ao álcool. Dos tumores dessa região, 90% são carcinomas epidermoides. Cerca de 70% aparecem no seio piriforme, 25% na parede posterior da hipofaringe, e o restante, na região pós-cricoide. Algumas peculiaridades dos tumores de hipofaringe como frequente disseminação submucosa, mul tcentricidade, metastatzação precoce para linfonodos bilaterais e apresentação inicial em estadios avançados faz destes tumores os de pior prognós tco entre as neoplasias da região cervicofacial.
B - Anatomia A hipofaringe está entre a orofaringe e o esôfago cervical, é posterior à laringe e a envolve parcialmente em ambos os lados. Está entre C4 e C6, e sua íntima relação com a laringe é de grande importância no diagnóstico e no tratamento dos tumores dessa região. A hipofaringe pode ser dividida em 3 áreas: recesso piriforme (região em forma de pera, onde se propulsiona o bolo alimentar para o esôfago), parede posterior e área pós-cricoide. A hipofaringe é rica em vasos linfáticos, e a drenagem é feita principalmente para os linfonodos dos níveis 2, 3 e 4.
Figura 11 - Retalho miocutâneo de músculo peitoral maior para reconstrução de parede posterior de orofaringe
G - Prognóstco Tabela 3 - Sobrevida de 5 anos nos diferentes estadios Estadio
Taxa de sobrevida
1e2
>80%
3
50 a 70%
4
<40%
4. Hipofaringe A - Epidemiologia O câncer de hipofaringe é muito mais frequente nos homens, porém a incidência no sexo feminino está aumentando, pois as mulheres fumam cada vez mais. A idade média dos pacientes com essa doença está por volta dos 55 anos
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Figura 12 - Regiões da hipofaringe: seta no seio piriforme
Os sí tos da hipofaringe podem ser divididos em: - Seio piriforme: representa 65% das lesões de hipofaringe, normalmente tumores de crescimento rápido e agressivo, com metástases cervicais precoces e disseminação submucosa; - Área pós-cricoide: responde por cerca de 20% dos tumores de hipofaringe, frequentemente ocorre invasão da cartlagem cricoide. Pode ter metástases para linfo-
TUMORES DE FARINGE
nodos paratraqueais. Relaciona-se à extensão para o esôfago cervical e síndrome de Plummer Vinson; - Parede posterior da faringe: 10 a 15% das lesões de faringe, pouco sintomá tcos e frequentemente in filtram estruturas profundas.
C - Quadro clínico Os pacientes com neoplasia na hipofaringe geralmente têm história de odinofagia, disfagia, otalgia re flexa, disfonia ou massa cervical, e a tríade clássica dos tumores dessa região é composta por linfonodo cervical, otalgia re flexa e odinofagia. Inicialmente, os sintomas são inespecí ficos e os sinais são mais precoces. Normalmente, quando há sintomas, o estágio da doença já é muito avançado, e os pacientes estão em péssimo estado nutricional, mas não podem ser desconsideradas queixas mantdas em tabagistas. A disfagia é progressiva, e os indivíduos também se queixam de aumento na quantdade de saliva (que pela massa tumoral fica dif cil de descer para o esôfago). A disfonia aparece quando há invasão direta da laringe ou do nervo laríngeo inferior. Esses pacientes geralmente estão desnutridos, o que, muitas vezes, compromete o tratamento. A presença de metástase cervical é muito frequente no momento do diagnós tco e, não raro, é o 1º sintoma, uma vez que a região possui rico sistema linfátco e não possui barreiras anatômicas naturais para evitar a disseminação da doença. Os tumores de hipofaringe frequentemente são diagnostcados em estadios avançados. - Otalgia reflexa – pode ser provocada por tumores da base da língua, amígdalas ou hipofaringe; a otalgia reflexa apresenta o seguinte substrato anatômico: Via nervo lingual – gânglio de Gasser – nervo auriculotemporal; Via nervo glossofaríngeo – gânglio petroso – nervo tmpânico de Jacobson; Via ramo interno do nervo laríngeo superior – gânglio jugular – nervo auricular de Arnold.
D - Diagnóstco A suspeita clínica cons ttui parte importante no diagnóstco dos tumores da hipofaringe e impõe a realização de uma faringolaringoscopia. Tal exame é fundamental para a identficação do tumor e da sua localização e para a avaliação do comprometmento da laringe. A correta avaliação da extensão do tumor é fundamental na proposta terapêu tca. O exame f sico também deve incluir inspeção e palpação cuidadosa do pescoço à procura de metástases cervicais, que são muito comuns. A biópsia da lesão primária é essencial para o diagnós tco do tumor, e exames de imagem como TC ou RNM são imprescindíveis para o estadiamento da lesão e a programação do tratamento, pois revelam a relação do tumor primário com os tecidos adjacentes e a presença de metástase cervical. A esofagoscopia é fundamental para detecção de invasão esofágica e melhor planejamento terapêutco.
•
•
•
Figura 14 - Tumor insu fl ando todo o seio piriforme direito
Figura 13 - Substrato anatômico da otalgia re fl exa
Figura 15 - Peça cirúrgica: notar o tumor na ponta do bisturi
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO E - Estadiamento O estadiamento do carcinoma de hipofaringe também é feito com base no TNM da União Internacional de Controle do Câncer (UICC). Tabela 4 - Estadiamento do carcinoma de hipofaringe T - Tumor primário - TX: o tumor primário não pode ser avaliado; - T0: não há evidência de tumor primário; - Tis: carcinoma in situ. Hipofaringe - T1: tumor limitado a uma sublocalização anatômica da hipofaringe e com 2cm ou menos em sua maior dimensão; - T2: tumor que invade mais de 1 sublocalização anatômica da hipofaringe, ou uma localização anatômica adjacente, ou mede mais de 2cm, porém não mais de 4cm em sua maior dimensão, sem fixação da hemilaringe; - T3: tumor com mais de 4cm em sua maior dimensão, ou com fixação da hemilaringe; - T4a: tumor que invade quaisquer das seguintes estruturas: car tlagem treoide/cricoide, osso hioide, glândula treoide, esôfago, compartmento central de partes moles*; - T4b: tumor que invade a fáscia pré-vertebral envolve artéria carótda ou invade estruturas mediastnais. * As partes moles do compar tm ento central incluem a alça muscular pré-laríngea (NT – omo-hióideo, esterno-hióideo, esterno reo-hióideo e reo-hióideo) e gordura subcutânea.
dical, em geral, inclui a ressecção completa da laringe mais parte da ou toda a hipofaringe e, com isso, traqueostoma definitvo, uma vez que descomunica o sistema respiratório com o digestório. Em alguns casos, também é necessária a ressecção do esôfago cervical. Os defeitos decorrentes da ressecção da faringe podem ser parciais, circunferenciais (totais) e ainda podem incluir o esôfago. Portanto, um passo importante no tratamento cirúrgico é a recons ttuição da via digestva, dependendo do tpo de defeito. Esta reconstrução pode ser feita u tlizando a faringe restante ou, no caso da ressecção de toda a faringe, u tlizando tecidos de outra localização (retalhos miocutâneos da região ou a distância, chamada faringolaringectomias circulares). Quando ocorre ressecção do esôfago cervical, pode ser necessária a u tlização de interposição de alças jejunais com anastomose microcirúrgica ou utlização de interposição gástrica. O tratamento cirúrgico do pescoço também é de suma importância, principalmente naqueles com alto índice de comprome tmento secundário dos linfonodos cervicais, sendo radical nos pescoços posi tvos e de 2 a 4 naqueles sem metástases linfonodais. Pode-se tentar o tratamento dos tumores avançados com radioterapia e quimioterapia em protocolos de preservação de órgãos, mas os resultados são pobres. Por outro lado, a associação de radioterapia e quimioterapia ao tratamento cirúrgico melhora a sobrevida e aumenta a chance de cura.
N - Linfonodos regionais - NX: os linfonodos regionais não podem ser avaliados; - N0: metástase em linfonodos regionais está ausente; - N1: metástase em um único linfonodo homolateral, com 3cm ou menos em sua maior dimensão; - N2: metástase em um único linfonodo homolateral, com mais de 3cm e até 6cm em sua maior dimensão, em linfonodos homolaterais múltplos, nenhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão, ou em linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão; - N2a: metástase em um único linfonodo homolateral, com mais de 3cm e até 6cm em sua maior dimensão; - N2b: metástase em linfonodos homolaterais múltplos, nenhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão; - N2c: metástase em linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhum deles com mais de 6cm em sua maior dimensão. - N3: metástase em linfonodo com mais de 6cm em sua maior dimensão. Nota: os linfonodos de linha média são considerados homolaterais.
F - Tratamento A abordagem cirúrgica con tnua a ser a mais indicada nos tratamentos dos tumores da hipofaringe, uma vez que respondem muito pouco ao tratamento radioterápico e possuem prognóstco muito ruim. As cirurgias parciais podem ser indicadas aos tumores pequenos, mas, por estes serem pouco frequentes, quase não são u tlizadas, e uma boa via de acesso seria uma faringectomia lateral. O tratamento ra-
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Figura 16 - Paciente após faringolaringectomia e esvaziamento cervical bilateral por tumor de seio piriforme
G - Prognóstco Os tumores da hipofaringe são geralmente diagnos tcados na fase avançada, o que piora muito o prognós tco. Pode-se dizer que a sobrevida de 5 anos não chega a 20 % e não há melhora signi ficatva no prognóstco, mesmo com o emprego de novas técnicas de radiação e de novas drogas quimioterápicas.
CAPÍTULO
9
Tumores de laringe Alexandre Bezerra dos Santos / Christ ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
1. Introdução A laringe é um órgão de estrutura e funcionamento extremamente complexos e frequentemente pouco compreendidos. Quando comemos, introduzimos alimentos em nossa cavidade oral, mastgamos e, depois, os impulsionamos em direção à nossa faringe, para então o bolo alimentar alcançar o esôfago. Quando respiramos, o ar entra na cavidade nasal (e/ou oral) e atravessa a faringe para alcançar a traqueia. Ou seja, após a passagem dos alimentos pela cavidade oral, e do ar pela cavidade nasal, ambos atravessam esse outro órgão complexo, que é a faringe (que, por sua vez, se divide em naso, oro e hipofaringe), que é uma estrutura comum a essas 2 vias: a respiratória e a digestva. Cabe à laringe, por meio de uma série de mecanismos a serem discutdos, efetuar a separação entre as vias aéreas e digestva, de forma que o alimento entre no esôfago cervical e o ar penetre a traqueia. Isto é, ajuda na deglu tção, respiração e fonação e previne aspirações. Tal conhecimento é importante ter em mente, uma vez que os tumores dessa região e seus tratamentos in fluenciam diretamente tal funcionamento.
mens (correspondendo popularmente ao pomo-de-adão). Anatomicamente, a quilha da car tlagem treoide – no sexo masculino, possui ângulo mais agudo que em mulheres, por isso é mais proeminente. Compõe-se de 9 car tlagens, musculatura intrínseca e extrínseca, seus pedículos vasculares e revestmento mucoso. Logo acima da car tlagem laríngea e “paralela” a ela, encontra-se um osso em forma de ferradura, chamado hioide, facilmente palpável, que anatomicamente não faz parte da laringe, mas tem um funcionamento intrinsecamente relacionado a ela, uma vez que é a inserção de diversos músculos envolvidos no ato da deglu tção e lhe serve de sustentação. - Cartlagens da laringe: são 3 pares de car tlagens e 3 cartlagens únicas/ímpares, a saber: Cartlagem treoide: é a maior de todas elas e única. Tem a forma de um escudo, daí o seu nome ( thyreos, em grego), e apresenta uma proeminência anterior, a “quilha”. É uma car tlagem chamada de incompleta na sua porção posterior (isto é, não apresenta toda a circunferência, só a porção anterior) e contém as estruturas internas da laringe. Externa e inferiormente à sua face anterior, situa-se a glândula de mesmo nome; Cartlagem cricoide: é a mais caudal de todas e a única que compreende um anel completo de cartlagem, mais espessa e mais forte, sendo por isso extremamente importante para a estabilização da laringe e a manutenção da perviedade da via aérea. Além disso, é o local onde se ar tculam as aritenoides; é, portanto, a base do arcabouço laríngeo. É também o limite inferior da laringe, pois logo abaixo dela se inicia a traqueia; Cartlagem epiglote: é a mais cranial de todas, sendo o limite superior da laringe. Facilmente visível à laringoscopia, sendo o ponto de reparo para a realização de intubação orotraqueal (deve-se levantar a ponta da epiglote com a lâmina, e logo abaixo serão vistas as pregas vocais – PPVV –, anteriormente está o esôfago). Sua porção superior é em borda livre e tem importante função no ato da deglu tção, uma vez que ela se horizontaliza para o fechamento do •
•
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Figura 1 - (A) Localização anatômica e (B) posicionamento das pregas vocais (PPVV) durante fonação e respiração
2. Anatomia e fisiologia A laringe situa-se na linha média do pescoço, sendo facilmente visível e palpável, principalmente em ho-
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
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ádito da laringe (entrada), impedindo a aspiração de líquidos durante a deglu tção; Cartlagens aritenoides: par de car tlagens que se situam no interior do arcabouço laríngeo e consideradas as unidades móveis e funcionais da laringe. Apresentam uma forma triangular, com um processo muscular (fixo à cartlagem cricoide, por onde a cartlagem “roda”, movimenta) e um vocal, que se junta ao ligamento vocal (e, consequentemente, às PPVV), permitndo a abertura e o fechamento delas. O fechamento da glote (ou seja, das PPVV) é um dos maiores responsáveis pela prevenção de aspiração de líquidos para a traqueia e apresenta importância vital no ato da produção sonora;
Cartlagens corniculada e cuneiforme: são 2 pares de cartlagens pequenas e rudimentares, localizadas superiormente às aritenoides, aparentemente desprovidas de função. Acredita-se serem remanescentes de car tlagens importantes em outros estágios evolutvos da espécie humana. - Musculatura da laringe: compreende os músculos intrínsecos e os extrínsecos: Músculos intrínsecos: estão localizados no interior da laringe e têm como função principal a alteração da forma da laringe, especialmente, a abertura e o fechamento das PPVV; Músculos extrínsecos: estão divididos em 2 grupos, os supra-hióideos e os infra-hióideos, que têm como função principal a mobilização da laringe como um todo. •
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Figura 2 - Car tl agens da laringe e suas relações: (A) vista posterior e (B) anterior
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TUMORES DE LARINGE
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Figura 3 - Fisiologia da voz: abertura e fechamento dos ligamentos musculares e vocais
Figura 4 - Sintopia (posição em relação à laringe como um todo) das cordas vocais
3. Pedículos vascular e nervoso O pedículo neurovascular superior consiste na artéria laríngea superior (ramo da artéria treoide superior que por sua vez é ramo do nervo vago), na veia superior (que drena para a veia facial) e no nervo laríngeo superior, além de vasos linfátcos acompanhantes. Ele penetra lateralmente na membrana reo-hioide, de cada lado, em ín tmo contato com o seio piriforme (porção da hipofaringe), por onde penetra na laringe. O nervo é o ramo externo do nervo la-
ríngeo superior, ramo do nervo vago (motor), que se divide ao nível da membrana; sua porção interna promove a sensibilidade da laringe e da hipofaringe (que gera tosse à aspiração e ordena a deglu tção). A sua porção externa é responsável pela função motora em apenas 1 músculo laríngeo, o crico treoide. Esse nervo pode ser lesado durante uma treoidectomia, de forma a causar uma sensação de fadiga vocal e di ficuldade para emitr sons agudos, visto que ele tem como finalidade manter a tensão nas PPVV.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
Figura 5 - Anatomia da região cervical - visão anterior
Figura 6 - Anatomia da glândula t reoide
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Porém, o nervo motor mais importante da laringe é o laríngeo inferior, que é essencialmente motor (sua pequena parte sensitiva é responsável pela sensibilidade da subglote), também chamado de laríngeo recorrente, pois, ao emergir do nervo vago, apresenta curto trajeto descendente, para então fazer uma alça nos grandes vasos da base (a saber, artéria subclávia arco da aorta à esquerda e tronco tireocervical artéria subclávia à direita), para adquirir trajeto ascendente, passando por trás da glândula tireoide, e então penetrar na laringe em nível da membrana cricotireoide. Ele também pode ser lesado durante uma tireoidectomia, causando a paralisia da hemilaringe (prega vocal) correspondente, e consequente disfonia grave. Existem variáveis interligações endolaríngeas entre os nervos laríngeos superior e inferior, denominadas em con junto “alça de Galeno”. Deve-se lembrar que o laríngeo superior, ramo externo, inerva o músculo crico treóideo, responsável pelo agudo e tensão das PPVV, e o laríngeo inferior inerva todos os extrínsecos (exceção crico treoide) e é responsável pela mobilidade da PPVV.
4. Sub-regiões da laringe Classicamente, a laringe é dividida em 3 regiões: glote, supraglote e subglote. a) Glote Compreende basicamente o nível das PPVV, com limite anterior na chamada comissura anterior, comum a ambas as PPVV, e limite posterior nos processos vocais das car tlagens aritenoides, e apresenta drenagem linfá tca extremamente pobre (pouquíssima metástase).
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Figura 7 - Anatomia da laringe e suas divisões
Essa classificação tem vital importância na apresentação dos tumores de laringe e implicações no plano de tratamento e no prognós tco. Além dessas regiões, a laringe compreende alguns espaços ou compartmentos, que têm sua importância na avaliação do plano de tratamento cirúrgico de tumores de laringe. -
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-
b) Supraglote
Inicia-se na borda inferior das PPVV e compõe-se de 2 partes: uma superior e móvel, que inclui o músculo treoaritenoide (recobrindo uma camada fibrosa, que se chama cone elástco), e uma inferior e fixa, que corresponde à cartlagem cricoide (originária da membrana quadrangular), até 1cm dela; resumidamente, vai das PPVV ate o início da traqueia. Também apresenta drenagem linfá tca bilateral.
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Espaço virtual, de tecido conec tvo frouxo, entre a mucosa da PPVV e o ligamento vocal, é a região que fica edemaciada nos fumantes e confere a eles uma voz rouca e abafada.
Espaço pré-epigló tco •
Inicia-se ao nível do ventrículo, que é uma dobra da mucosa entre as PPVV e falsas pregas (an tgamente chamadas de pregas ves tbulares). Portanto, compreende as falsas cordas vocais, o ligamento ariepigló tco e a car tlagem epiglote. Resumidamente, da epiglote até as PPVV. Além disso, apresenta rica drenagem linfá tca bilateral (muitas metástases). c) Subglote
Espaço de Reinke
É o espaço compreendido entre a face anterior da epiglote (fáscia lingual) ao osso hioide e contém gordura e tecido fibroareolar frouxo, além de vasos linfátcos; Se estver acometdo em um carcinoma de supraglote, poderá contraindicar uma cirurgia parcial supraglótca, porque pode favorecer a disseminação neoplásica entre as regiões da laringe.
Espaço paraglótco •
Como o nome diz, corresponde ao espaço lateral à glote, profundamente ao ventrículo, e sua invasão favorece a disseminação transglótica do tumor, além de extravasamento extralaríngeo. O acometimento dessa região já transforma o tumor em T3 e propicia uma chance elevadíssima de metástases.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
Figura 8 - Espaços e divisões
Do ponto de vista da fisiologia da laringe, ressalte-se a sua importância fundamental, que é proceder à separação entre as vias aérea e diges tva. Assim, ao promover a abertura da glote (região das PPVV), permite-se que o ar ganhe o interior da laringe e chegue a traqueia e pulmões. No sentdo contrário, o ar expirado também passa pela laringe. Se a glote está fechada, ou seja, com as PPVV abduzidas, passa-se a ter a oportunidade de produzir sons de intensidade e frequência variáveis pela vibração das pregas. Quando esses sons passam pela cavidade oral, por intermédio de complexas artculações de sua cavidade e da orofaringe, em especial a língua, são produzidas a ar tculação dos sons e a produção de palavras. Porém, ao ingerir alimentos, há uma série de mecanismos de prevenção de aspiração e direcionamento do bolo alimentar para o esôfago: -
Elevação do complexo laringotraqueal: por meio da musculatura que se insere no osso hioide, de forma a aproximar o ádito da laringe à base da língua, promovendo o fechamento deste;
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Abaixamento da epiglote: por meio da musculatura intrínseca (músculos ariepigló tco e treoepiglótco), obstruindo o ádito da laringe;
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Fechamento da glote: em conjunto com o fechamento das falsas pregas;
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Relaxamento da hipofaringe (recessos piriformes): de forma a permitr que o bolo entre no esôfago cervical.
relacionados são o tabagismo e o e tlismo, cujas ações são sinérgicas. O risco de desenvolver uma neoplasia da laringe é 3,7 vezes maior entre os e tlistas pesados. Entre os fumantes de 10 cigarros/dia, o risco de desenvolver um tumor de laringe é 4 a 5 vezes maior que na população em geral. Quando falamos em 20 cigarros por dia, esse risco sobe para 10 vezes e, caso o paciente também seja e tlista, existe uma multplicação desse risco, chegando a aproximadamente 100 vezes. Outros fatores relacionados são a inalação crônica de irritantes químicos, infecção pelo HPV, papilomatose laríngea e fatores gené tcos. Do ponto de vista clínico, as manifestações dependem da localização primária do tumor, por isso será analisada cada região. Diferentemente de outros tumores do organismo, a classificação TNM da laringe dá mais importância ao aspecto funcional da laringe, em relação às dimensões simples, ou seja, é o único órgão cujo estadiamento se baseia na função.
A - Tumores da glote A glote é, esta tstcamente, o sí to mais comum dos carcinomas. Como a lesão ocorre basicamente nas PPVV, a 1ª manifestação clínica é a disfonia que, aliás, pode ser extremamente precoce, favorecendo o diagnós tco desses tumores em estágios iniciais. Com o avançar da lesão, o paciente pode apresentar tosse com sangramento, piora da disfonia e dispneia se a lesão se torna obstru tva, havendo a necessidade de traqueostomia. Como a glote tem pobre vascularização linfá tca, metástases são incomuns (presentes em cerca de 6% dos casos). A 1ª linha de drenagem linfá tca se dá para linfonodos pré-laríngeos (linfonodos dél ficos, anteriores à cartlagem treoide). Uma característca importante dos tumores gló tcos é a possibilidade de cruzamento da linha média, com acome tmento bilateral das PPVV. Isso acontece por questões embriológicas e tem grande implicação no tratamento.
Figura 9 - Câncer de laringe na região glót ca
5. Carcinoma de laringe Os tumores da laringe representam cerca de 25% das neoplasias malignas do trato aerodiges tvo superior. Histologicamente, cerca de 90 a 95% das neoplasias malignas são o carcinoma epidermoide (CEC). Outros tpos são muito incomuns e compreendem os sarcomas e as neoplasias de pequenas glândulas. Os principais fatores de risco
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De acordo com a classi ficação TNM, os tumores gló tcos se estadiam em: - Tis: tumor in situ; - T1: tumores limitados às PPVV, com mobilidade normal da glote. Subdividem-se em: T1a: uma prega vocal, até o nível da comissura anterior; •
TUMORES DE LARINGE
T1b: ultrapassa a comissura anterior, acometendo ambas as PPVV. - T2: diminuição da mobilidade da prega vocal; - T3: fixação da prega vocal, invasão do espaço paraglótco, ou erosão da cor tcal interna da car tlagem treoide. - T4: extravasamento extralaríngeo, que se subdivide em: •
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trói-se a glote, geralmente, com rebaixamento da falsa prega. Faz-se traqueostomia de proteção temporária, e o resultado final costuma ser bastante sa tsfatório. No caso de um tumor maior no sentdo posterior em que, durante a cirurgia, se necessita remover a aritenoide ipsilateral (o que aumenta muito a di ficuldade da reabilitação pós-operatória), passa-se a considerar a cirurgia uma hemilaringectomia.
T4a: invasão da car tlagem treoide ou cricoide, musculatura pré-laríngea, treoide, esôfago; T4b: invasão da fáscia pré-vertebral, caró tda ou mediastno.
Em relação ao tratamento dos tumores da glote, há basicamente 2 modalidades, a depender do estadiamento e de opções a serem deba tdas com os pacientes: a modalidade cirúrgica e o tratamento com radioterapia, associado, ou não, à quimioterapia. A cirurgia para o câncer de laringe, basicamente, se divide em 2 opções: as laringectomias totais ou as parciais. De maneira geral, as laringectomias parciais horizontais e vertcais (vertcais: cordectomia por laringo fissura, laringectomia frontolateral, hemilaringectomia, frontal, laringectomia a 3/4; horizontais: laringectomia supraglótca ampliada ou não, laringectomia supracricoide) podem ser realizadas em casos de T1, T2 e alguns T3 selecionados. Os tumores de estadiamento T4 são, de maneira geral, tratados com laringectomia total. Para tumores in situ, pode-se proceder à cordectomia, realizada por meio de uma laringoscopia de suspensão, com ou sem o advento de laser , e de congelação de margens.
Figura 11 - Técnica da laringectomia frontolateral
Se o tumor tem grande acome tmento contralateral, ou com alteração de mobilidade da glote, pode-se proceder a outro tpo de laringectomia parcial, chamada laringectomia supracricoide, em que se remove toda a glote até o nível das aritenoides bilateralmente, e faz-se a pexia do remanescente laríngeo com o osso hioide, epiglote e musculatura da base da língua. A esse procedimento se dá o nome de laringectomia parcial supracricoide com CHEP (crico-hioide-epiglotopexia). Para tumores avançados, estadio T4, ou recidivados após tratamento com quimioterapia e radioterapia, está indicada a laringectomia total, com traqueostoma de finitvo.
Figura 10 - Ressecção por laringoscopia de suspensão ou microcirurgia de laringe
Para tumores T1a ou T1b com pequeno acome tmento da prega vocal contralateral, pode-se realizar uma laringectomia parcial chamada laringectomia frontolateral, em que se abre a car tlagem treoide (mediana ou paramediana), adentra-se a laringe, remove-se a prega vocal acome tda com margens livres, fixa-se a prega contralateral e recons-
Figura 12 - Técnica da cirurgia parcial: laringectomia supracricoide
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO Como os tumores gló tcos não costumam causar metástases linfonodais, o esvaziamento cervical estará indicado apenas se houver metástases con firmadas (esvaziamento de necessidade). A outra modalidade de tratamento é a combinação de quimioterapia com radioterapia, com intenção cura tva. Para estadios iniciais, apresentam resultado oncológico semelhante, porém com melhor qualidade vocal pós-tratamento, e sem a necessidade da cirurgia (e da traqueostomia), sendo, pois, a 1ª opção terapêutca. Mas o tratamento combinado também é muito importante em casos de tumores mais avançados, para os quais a cirurgia indicada seria a laringectomia total, porém a laringe ainda se apresenta funcionante. Nesses casos, costuma-se chamar “protocolo de preservação de órgãos”. Em casos de falha terapêu tca, estará indicada a laringectomia total de resgate.
T1: tumores localizados em apenas 1 sub-região da supraglote, com mobilidade normal das PPVV; - T2: invasão da mucosa de alguma sub-região adjacente da supraglote, ou da glote, ou da base da língua ou parede medial do seio piriforme, sem fixação da prega vocal; - T3: limitado à laringe, com fixação da prega vocal, ou invasão do espaço paragló tco, ou da área pós-cricoide, ou do espaço pré-epigló tco, ou erosão da cor tcal interna da cartlagem treoide. - T4: extravasamento extralaríngeo, que se subdivide em: T4a: invasão da cartlagem treoide ou cricoide, musculatura da base da língua ou pré-laríngea, treoide, esôfago; T4b: invasão da fáscia pré-vertebral, caró tda ou mediastno. -
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B - Tumores da supraglote No caso dos tumores da supraglote, a clínica e o tratamento são diferentes. Em 1ª lugar, existe uma diferença fundamental, que é a rica vascularização linfá tca dessa região que, além de ser independente do ponto de vista de lateralidade da drenagem, faz que a ocorrência de metástases linfonodais seja extremamente elevada, quando não há manifestação inicial. A clínica está mais relacionada à deglu tção, sendo a disfagia e a odinofagia sintomas iniciais mais comuns, geralmente acompanhados de linfonodomegalias cervicais. Outras queixas, como “dor de garganta” e otalgia re flexa, são comuns; alterações vocais iniciais são caracterís tcas (voz de tmbre anasalado), com progressão para disfonia franca (quando houver acome tmento por contguidade da glote, ou paralisia por invasão do espaço paragló tco), até a evolução para estridor respiratório devido à obstrução.
Figura 13 - Tumor acometendo a falsa prega e preenchendo o ventrículo (supraglote) à esquerda
O estadiamento de tumores da supraglote também considera os aspectos funcionais da laringe e o acome tmento de algumas sub-regiões especí ficas.
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O prognóstco dos tumores da supraglote é em geral pior, pois os tumores costumam apresentar-se em estadios mais avançados e apresentam grande potencial de metástases linfonodais, o que aumenta muito a falha terapêu tca. Do ponto de vista de tratamento cirúrgico, um importante aspecto a ser considerado é o fato de que o pescoço deve ser sempre abordado (esvaziamento de princípio), mesmo que seja nega tvo, pela alta incidência de metástases linfonodais conhecida. Em geral, procede-se ao esvaziamento radical no lado do pescoço posi tvo (ipsilateral ao tumor) e, se o lado contralateral for nega tvo, ao esvaziamento jugulocaro deo (níveis II, III e IV). Em conjunto, deve-se proceder à ressecção do tumor primário. Há um aspecto importante a ser ressaltado, do ponto de vista anatômico e oncológico. O espaço entre a supraglote e a glote, chamado valécula, é uma importante barreira à disseminação do tumor entre essas 2 regiões. Assim, se o tumor supraglótco não apresenta sinais de invasão da glote, pode-se proceder a uma laringectomia parcial denominada laringectomia supragló tca, em que se faz uma incisão horizontal na car tlagem treoide, se adentra na laringe ao nível das PPVV e se remove toda a supraglote a partr da valécula (ainda que a margem cirúrgica seja menor neste nível), suturando o remanescente laríngeo à base da língua. O paciente apresenta uma boa qualidade vocal no pós-operatório, pois a glote fica intacta, porém apresenta muitos episódios de broncoaspiração, até mesmo da própria saliva, exigindo um bom trabalho de fonoterapia para reabilitação. Obviamente, se o tumor apresenta invasão da glote, pela mucosa ou por acome tmento do espaço paraglótco (T3, T4), está indicada a laringectomia total. Os ditos “protocolos de preservação”, ou seja, o tratamento com quimioterapia e radioterapia associadas, também são usados para os tumores supragló tcos, segundo os mesmos princípios descritos. No entanto, a supraglote não apresenta o mesmo nível de resposta terapêu tca da glote, em especial, no tratamento das metástases.
TUMORES DE LARINGE
D - Tumores transglótcos Denomina-se transglótco o tumor que a tnge mais de 1 porção da laringe. Conforme o próprio estadiamento já adiantou, são lesões mais extensas, que requerem muitas vezes a laringectomia total, esvaziamento cervical bilateral e, frequentemente, radioterapia no pós-operatório, em casos de margens comprome tdas ou exíguas, linfonodos positvos, invasão perineural ou invasão de estruturas adjacentes. Lembrar que, após a laringectomia total, o sistema digestório ficará definitvamente separado do respiratório, o traqueostoma será definitvo, e o doente fonará através de voz esofágica, prótese vocal ou laringe mecânica.
Figura 14 - Laringectomia supraglót ca Figura 15 - Laringectomia total
C - Tumores da subglote Tumores primários da subglote são extremamente raros. Em geral, a subglote está acome tda por contnuidade de tumores gló tcos ou supragló tcos. Do ponto de vista clínico, a principal caracterís tca é a obstrução da via aérea causada pelo estreitamento da luz. No entanto, também costumam ocorrer manifestações vocais, como disfonia, por fixação da glote. - T1: tumores limitados à subglote; - T2: extensão para as PPVV, com mobilidade normal ou diminuída; - T3: fixação da prega vocal, limitada à laringe. - T4: extravasamento extralaríngeo, subdivide-se em: T4a: invasão da car tlagem treoide ou cricoide, musculatura pré-laríngea, treoide, esôfago; T4b: invasão da fáscia pré-vertebral, caró tda ou mediastno. •
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Em relação ao tratamento, é de caráter eminentemente cirúrgico, não estando indicado o tratamento com quimioterapia e radioterapia devido à baixa resposta terapêu tca e à obstrução. Não há alterna tva parcial, a única cirurgia indicada é a laringectomia total. Devido à intensa irrigação linfátca e à alta probabilidade de metástases, deve-se realizar o esvaziamento cervical bilateral. Além disso, ipsilateral ao tumor devem-se realizar a treoidectomia e o esvaziamento recorrencial (nível VI).
O estadiamento linfonodal do tumor de laringe é o mesmo para todas as regiões, bem como para os principais tumores da região cervical. Assim: - N1: metástase única, ipsilateral, menor do que 3cm; - N2a: metástase única, ipsilateral, entre 3 e 6cm; - N2b: metástases múltplas, ipsilaterais, menores que 6cm; - N2c: metástases bilaterais, ou contralaterais, menores que 6cm; - N3: metástases maiores do que 6cm. Em resumo, o diagnóstco dos tumores da laringe é facilmente sugerido pelo histórico do paciente e suas queixas. Após o correto diagnós tco e o estadiamento (panendoscopia, biópsia e tomografia computadorizada de pescoço), devem-se oferecer as 2 opções básicas de tratamento – cirurgia ou quimioterapia e radioterapia –, e explicar as vantagens e desvantagens de cada uma delas de acordo com cada caso, para então proceder ao tratamento e ao seguimento adequados. Infelizmente, a maioria tem grande dificuldade de aceitar a traqueostomia, mesmo temporária, pois naturalmente a associa a um mau prognóstco. O tratamento é sempre complexo e mul tdisciplinar, pois envolve 3 especialidades médicas (cirurgião de cabeça e pescoço, radioterapeuta e oncologista), além de fonoaudiólogo para reabilitação, nutricionista e psicólogo. São objetvos do tratamento: - Cura do câncer;
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO Manutenção da função laríngea, ou reabilitação de maneira a reintegrar à sociedade; - Manutenção da qualidade de vida. -
Figura 16 - Tumores de laringe
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CAPÍTULO
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Tumores da cavidade nasal e seios paranasais
1. Introdução A cavidade nasal e os seios paranasais são uma parte da anatomia humana de extrema complexidade e com uma origem embriológica comum (endodérmica) a par tr de quando as lâminas pala tnas dos processos maxilares se desenvolvem, fundindo-se na linha média, de modo a isolar a via aérea superior da cavidade oral. Conforme a face cresce nos sentdos anterior e inferior à base do crânio, há pneumatzação dos ossos, que acabam por circundar as estruturas das órbitas (formando os seios paranasais). Ocorre também a formação de uma abertura mediana com abertura anterior, que será a futura cavidade nasal.
Figura 1 - Seios da face
Figura 2 - Cavidade nasal
Alexandre Bezerra / Caio Plopper / Felipe Augusto Brasileiro Vanderlei Christ ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
Assim, a cavidade nasal e os seios paranasais acabam por consttuir uma estrutura única, frequentemente denominada de “maciço facial”. Dessa forma, os tumores que acometem essas regiões apresentam característcas histopatológicas comuns, muitas vezes, acometendo ambas as estruturas. Os seios paranasais são revestidos de mucoperiósteo, e, do ponto de vista histológico, cerca de 80% desses tumores são carcinomas epidermoides, o que já é uma percentagem menor em relação às outras áreas das vias aéreo-digestivas altas, porém há uma grande variedade de outros tipos histológicos, tanto benignos como malignos. Os tumores benignos são pouco frequentes e podem ser divididos em: - Ósseos ou esquelé tcos: osteomas, têm crescimento lento, pouco sintomátcos e têm e tologia desconhecida; - Tumores odontogênicos: o mais frequente é o ameloblastoma; acometem principalmente a mandíbula, mas em 20% dos casos podem acometer a maxila; - Tumores mesenquimais: os mais frequentes são os meningiomas, neuromas e hemangiopericitomas. A incidência é maior no sexo masculino, em brancos, sendo muito raro na infância e mais prevalente a partir da 4ª década de vida. Os principais fatores de risco são a exposição a inalantes carcinogênicos, como hidrocarbonetos, fuligem, derivados de petróleo, látex, tintas entre outros. Isso significa que, em muitos casos, o fator de risco está presente na atividade profissional do paciente, como em trabalhadores da indústria de refino de níquel. Curiosamente, a exposição a tabaco parece não representar fator de risco para tumores nasossinusais. A apresentação clínica depende da localização primária do tumor, do seu tpo histológico e do seu tamanho. A principal queixa, presente na metade dos casos, é a obstrução nasal, mas dor facial ou dentária de origem inexplicável, rinorreia e epistaxe também fazem parte do quadro clínico, além de edema ou deformidade facial. Como se pode notar, são queixas muito comuns na prátca clínica, que aparecem também em outras doenças benignas, como quadros in fla-
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO matórios ou alérgicos. Por isso, pra tcamente todos os portadores de tumores nasossinusais têm um rico histórico de consultas com vários outros médicos, em especial, otorrinolaringologistas, por serem tumores de di f cil diagnóstco, já que estão dentro de cavidades. Os casos em que a obstrução nasal é unilateral, em pacientes sem histórico de quadros imunoalérgicos, merecem atenção, assim como se há dor progressiva ou exposição a fatores de risco ambientais. Os tumores iniciais são assinto-
mátcos, mas a progressão da doença pode causar outros sintomas, como massas na face ou na cavidade oral, sinais oculares (amaurose, diplopia, proptose), trismo, dé ficit de pares cranianos (I, II, III, IV, V e VI) ou perda ponderal. Obviamente, o diagnóstco se torna mais rico e fácil de ser considerado, mas o prognós tco evidentemente se torna mais reservado. As disseminações linfátcas ou hematogênicas são incomuns, de forma que a ocorrência de metástases linfonodais ou distantes não costuma fazer parte do quadro clínico inicial.
Figura 3 - Nervos cranianos e seus locais de ação
2. Diagnóstco pelas avaliações clínica e radiológica O exame f sico deve incluir a inspeção da face e das cavidades oral e nasal e a avaliação de pares cranianos. Porém, em muitos casos, o exame pode ser muito frustrante, de modo que é absolutamente essencial a propedêu tca armada para a avaliação dos tumores.
Figura 4 - Cisto de maxila
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O exame de fibroscopia nasal pode ser ú tl na avaliação de extensão dessas lesões e fornecer material para a análise histológica (biópsia), porém é essencial o uso de métodos de imagem. As radiografias simples, em 3 incidências (Towne, Caldwell e Hirtz), são muito baratas e difundidas, porém apresentam baixa acurácia. Podem demonstrar lesões insuflatvas, destruição óssea ou preenchimento de cavidades naturais. Convém lembrar que alguns casos podem ser diagnostcados com radiogra fias usadas pelos dentstas, como panorâmicas de mandíbula que mostrem alterações suspeitas. Apesar disso, as radiogra fias simples são muito falhas em avaliar corretamente a extensão dessas lesões, e hoje é inaceitável que um planejamento cirúrgico seja feito apenas com base nelas. São essenciais a Tomogra fia Computadorizada (TC) de face e seios da face (a de pescoço não possui cortes da maxila) e, se necessário ou houver dúvida entre a existência de massa sólida ou secreção (nos casos de sinusite), complementação com ressonância magnétca.
TUMORES DA CAVIDADE NASAL E SEIOS PARANASAIS
A TC é o método de eleição para a avaliação do espaço nasossinusal. É também um método altamente difundido, que apresenta diversas vantagens, como avaliação total das cavidades, boa avaliação das estruturas ósseas, relação do tumor com estruturas adjacentes (como órbita ou base de crânio), possibilidade de reconstrução tridimensional (muito útl nos casos de programação de reabilitação com próteses) e ainda como controle pós-tratamento.
ção precisa das estruturas da base do crânio, além de evidenciar um possível acome tmento de estruturas cerebrais por contguidade. E A Ç E B A O C Ç E O D C S A E I G P R U R I C
Figura 7 - RNM com massa preenchendo a fossa nasal esquerda e invadindo o seio cavernoso
Figura 5 - Corte axial de TC de seios da face mostrando tumor ocu pando a cavidade nasal esquerda
As angiografias são muito úteis em casos de tumores com rica vascularização, como o nasoangio fibroma juvenil, uma neoplasia extremamente vascularizada, pois pode auxiliar não só no diagnós tco dessas lesões, como também no tratamento cirúrgico por meio de embolização prévia dos principais vasos nutrientes desses tumores.
3. Patologia dos tumores nasossinusais
Figura 6 - TC de seios paranasais com lesão heterogênea em seio maxilar esquerdo com alargamento do infundíbulo etmoidal, erosão da parede posterior e teto do seio maxilar e extensão para a fossa infratemporal
A Ressonância Magnétca (RM) também é um excelente método auxiliar, principalmente em conjunto com a tomografia. Não é tão e ficaz como a TC para avaliar as estruturas ósseas, entretanto é muito ú tl na diferenciação de material que preenche determinados espaços naturais (por exemplo, para distnguir se um seio esfenoidal está acome tdo pelo tumor ou pelo acúmulo de líquidos causado pela obstrução tumoral). Além disso, é muito importante na avalia-
Analisemos os tpos histológicos mais comuns de tumores dessa região, que apresenta uma vasta gama de lesões benignas e malignas: - Tumores de origem epitelial: são os mais comuns, sendo mais prevalente o carcinoma epidermoide, cujo prognóstco depende profundamente de seu tamanho. Compreende a maioria desses tumores e, como nasce em uma cavidade, é assintomátco em sua fase inicial, até adquirir um tamanho que o leve a invadir estruturas adjacentes, causando então sintomatologia especí fica referente à região afetada. Outros tpos de tumores de linhagem epitelial são os de origem em superf cie mucosa (como os adenocarcinomas mucosos, papilares, neuroendócrinos) e os de origem em epitélios de glândula salivar, que podem ser benignos (adenoma pleomórfico, oncocitoma) ou malignos (carcinoma adenoide cís tco, carcinoma mucoepidermoide). Esses outros tpos de tumores são bem mais raros, e o diagnóstco muitas vezes é di f cil, até para o patologista experiente. Di ficilmente geram metástases; - Papilomas: originam-se no próprio epitélio mucoso, espessando-o e adquirindo um caráter fungiforme. São classificados de acordo com a sua localização (lateral ou septal) e com o seu padrão arquitetural (exoftco, ou inver tdo, quando o crescimento epitelial se volta para a membrana basal). Têm forte relação com
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO o vírus HPV e, como caracterís tcas clínicas, são altamente recidivantes, podem erodir estruturas ósseas e necessitam de uma ressecção ampla; - Melanomas: no trato respiratório, originam-se nas porções superiores, como cavidade nasal e seios paranasais, sendo mais raros na laringe. Aproximadamente 0,5 a 1,5% de todos os melanomas se inicia nesses sí tos. Originam-se de melanócitos normalmente presentes na mucosa dos seios paranasais e da cavidade nasal. São muito agressivos; olfatório (estesioneuroblastoma): - Neuroblastoma origina-se do epitélio olfatório presente nas porções superiores da cavidade nasal (placa cribiforme) e forma tpicamente uma massa exo ftca polipoide, com aparência congesta e super f cie lisa. Tipicamente, causa obstrução nasal, inicialmente unilateral, e pode se tornar ulcerado se adquire grande tamanho. É localmente invasivo, altamente recidivante, e pode metastzar para linfonodos de tratamento cirúrgico complexo e de prognós tco ruim em casos avançados; - Sarcomas: o rabdomiossarcoma é muito agressivo e pode ocorrer em crianças. Existem vários outros tpos, a depender do tpo de célula que os origina: sarcomas neurogênicos, leiomiossarcomas, angiossarcomas, fibrossarcomas, osteossarcomas, condrossarcomas e o hemangiopericitoma. São de tratamento cirúrgico com excisão ampla, com grandes margens (muito di f cil na região da cabeça) e, em alguns casos, associação à radioterapia; - Outros tpos: raros, como carcinomas neuroendócrinos, teratomas (nasofaríngeos), ou metástases distantes (de carcinoma renal, o mais comum). Convém lembrar a ocorrência de tumores primários de pele, como os carcinomas basocelular ou espinocelular, que podem invadir a maxila, especialmente na região periorbitária. Isso é frequente em casos de recidivas profundas, muitas vezes em razão de ressecções incompletas, especialmente em áreas de dif cil reconstrução. Por isso, recomenda-se a ressecção com exame intraoperatório de congelação de margens, incluindo profunda e adequada reconstrução. A maioria dos casos de maxilectomia com exenteração orbitária se deve aos casos recidivados de carcinoma basocelular (CBC).
4. Classificação A divisão mais antga e tradicional dos tumores da maxila é a de Sebileau, em 1906, que dividiu o osso em 3 andares, a partr de 2 linhas paralelas, sendo a 1ª no nível do soalho da órbita, e a 2ª no nível do antro maxilar. - III - Supraestrutura: contém os seios etmoide, esfenoide e frontal e as células olfatórias; - II - Mesoestrutura: contém os seios maxilares e a porção respiratória da cavidade nasal; - I - Infraestrutura: contém os processos alveolares dos dentes superiores. Outra divisão clássica foi proposta por Öhngren em 1933, que traçou, em uma vista de per fil da face, uma linha entre o canto inferior do olho e o ângulo da mandíbula, gerando assim 2 compar tmentos: posterossuperior e anteroinferior. Essa linha (de Öhngren) foi chamada plano de malignidade, pois logo ficou claro que tumores originados na porção posterossuperior tnham prognóstco pior do que os de origem anteroinferior, além de signi ficar cirurgias de maior complexidade pela proximidade da base do crânio. Do ponto de vista oncológico, o estadiamento dos tumores dos seios paranasais é extremamente complexo, em razão das grandes diferenças entre os tumores, de acordo com os seus sí tos de origem e as estruturas adjacentes envolvidas, e algumas par tcularidades de estadiamento, sendo ainda mo tvo de discussão. O sistema TNM considera basicamente o sí to primário e a extensão do tumor. Tabela 1 - Estadiamento dos tumores dos seios paranasais Tumor de seios maxilares T - Tumor primário - TX: tumor não pode ser avaliado; - T0: sem evidência de tumor primário; - Tis: carcinoma in situ; - TT1: tumor limitado à mucosa antral, sem erosão ou destruição óssea; - T2: erosão ou destruição óssea da infraestrutura ou meato médio, exceto parede posterior antral; - T3: invasão de alguma das seguintes estruturas: pele ou subcutâneo, parede posterior do seio maxilar, soalho ou parede medial da órbita, seio etmoidal anterior; - T4: invasão da órbita, ou alguma das seguintes estruturas: lâmina crivosa, seio etmoidal posterior ou esfenoidal, nasofaringe, palato mole, fossa infratemporal ou pterigopala tna, base do crânio. Tumores de seio etmoidal - T1: tumor confinado ao etmoide, com ou sem erosão óssea; - T2: extensão para a cavidade nasal; - T3: extensão para a órbita anterior ou o seio maxilar;
Figura 8 - CBC de pele com crescimento há 30 anos e invasão da órbita e da maxila
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- T4: extensão intracraniana, ápice da órbita, invasão do seio esfenoide ou frontal e/ou pele do nariz.
TU T UMORES DA DA CA CAVIDADE NASAL E SEIOS PA PARANASAIS
N - Linfonodos regionais - NX: linfonodos NX: linfonodos não avaliáveis; - N0: ausência N0: ausência de linfonodos regionais; - N1: linfonodo N1: linfonodo único, ipsilateral, menor que 3cm; - N2a: metástase N2a: metástase para um linfonodo entre 3 e 6cm; - N2b: metástase N2b: metástase para mais de 1 linfonodo, entre 3 e 6cm, ipsilateral; - N2c: metástase N2c: metástase para linfonodo bilateral ou contralateral. - N3: metástase N3: metástase para linfonodo maior do que 6cm. M - Metástase a distância - MX: metástase MX: metástase não avaliável; - M0: ausência M0: ausência de metástases; - M1: presença M1: presença de metástases a distância.
5. Tratamento O tratamento dos tumores nasossinusais é basicamente cirúrgico, seguido frequentemente de radioterapia. Convém lembrar que, muitas vezes, a própria biópsia para a de finição histopatológica é um procedimento cirúrgico, sob anestesia geral, com diferentes e complexas, complexas, algumas vezes, vias de acesso. acess o. A utlização da radioterapia tem como fatores di ficultadores a tridimensionalidade da topogra fia da região e a proximidade de estruturas nobres e sensíveis a este tratamento. A cirurgia em questão é a maxilectomia, que pode ser parcial (maxilectomia de infra, meso ou supraestrutura, ou combinações), radical ou ampliada (outras estruturas além da maxila, pele, órbita). Historicamente, as primeiras abordagens eram realizadas por ori f cios cios naturais (acessos transorais, ou transnasal), hoje apenas usados para a ressecção de pequenos tumores, para a biópsia ou para cirurgias endoscópicas ou robó tcas, associadas a neurocirurgia que atualmente estão ganhando muito destaque pelos grandes benef cios, cios, não só como resultado esté tco, mas principalmente pela exposição e visibilização de todo o tumor. São cirurgias complexas, com grande potencial de sangramento. Do ponto de vista da abordagem cirúrgica, o acesso mais utlizado é a clássica incisão de Weber-Ferguson, paralateronasal e mediolabial. Essa incisão possibilita um amplo acesso à maxila e à cavidade nasal, e para tumores com extensão posterior, pode-se realizar prolongamento da incisão superior (supraciliar – Lynch) ou inferior (infraciliar – Diefenbach). Após a elevação do retalho facial, expõe-se totalmente a parede anterior da maxila, quando então se procede às osteotomias (com formão e martelo ou serra pneumátca) necessárias para o acesso à cavidade maxilar. Deve-se atentar para a artéria maxilar (ramo terminal da carótda externa) e do plexo venoso pterigóideo, que podem ser causas de volumosos sangramentos no intraoperatório. Em casos de extensão para a base do crânio, deve-se proceder a uma cirurgia craniofacial, ou seja, uma abordagem em conjunto com a equipe de neurocirurgia para completar a ressecção superior da lesão. Esses procedimentos apresentam uma complexidade bastante elevada, com índice de
complicações signi ficatvamente maior. Deve-se dar atenção ao fechamento da dura-máter, dura-máter, para evitar f stulas stulas liquóricas e consequente meningite (de 20 a 30% dos casos). Muitas vezes, a reconstrução do defeito intraoral é feita com próteses moldadas por equipes de proté tcos especializados, que podem trar o molde do paciente antes da cirurgia, para apenas ajustá-lo depois da ressecção, a depender do defeito ob tdo. Em casos de exenteração, exenteração, alguns serviços preconizam a enxer ta de pele ao nível das paredes residuais da órbita, de modo a proporcionar a colocação futura de prótese ocular. Porém, Porém, em muitos casos, é necessária uma reconstrução com uso de retalhos, sejam locais (por exemplo, retalho frontal ou indiano, para cobertura de órbita após exenteração), sejam distantes, eventualmente microcirúrgicos (como retalho de reto abdominal para reconstrução de defeito total de maxila). Para casos de estadios T3 ou T4, com margens comprometdas ou exíguas, ou in filtração perineural, deve-se complementar o tratamento com radioterapia externa. Deve-se lembrar que, em casos de extensão do tumor para os seios etmoidal ou esfenoidal, a radioterapia estará quase sempre indicada, porque é di f cil cil ter uma margem cirúrgica sa tsfatória pela proximidade das estruturas cerebrais. Em casos de tumores com grande extensão para a base do crânio, invasão do parênquima cerebral ou acome tmento ocular bilateral, considera-se que ele não é passível de tratamento cirúrgico. Nesses casos, ou no caso de o paciente recusar a cirurgia ou não apresentar condições clínicas, opta-se pelo tratamento radioterápico (com dose de até 7.000cGy), combinado ou não com quimioterapia, para tenta tva de controle local. Diversos esquemas de tratamento combinado têm sido utlizados, inclusive para a tenta tva de redução da massa tumoral (e, consequentemente, a realização de uma cirurgia de menor proporção), mas até o momento nenhum esquema de tratamento não cirúrgico apresenta resultados satsfatórios o suficiente para que se apresente como tratamento de eleição em oposição ao tratamento cirúrgico.
Figura 9 - Paciente preparado para cirurgia, com incisão paralateronasal: discreto abaulamento da maxila
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E A Ç E B A O C Ç E O D C S A E I G P R U R I C
CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇ PESCOÇO O
Figura 13 - Defeito cirúrgico pós-ret rada rada da lesão
Figura 10 - Estudo radiológico da lesão
Figura 11 - Pré-operatório de incisão de Weber-Ferguson Weber-Ferguson marcada
Figura 12 - Estudo radiológico prévio
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Figura 14 - Pós-operatório tardio
Figura 15 - (A) Lesão inicial; (B) aspecto pós-maxilectomia radical ampliada e (C) peça cirúrgica
Figura 16 - (A) Pós-operatório imediato e (B) pós-operatório de 6 meses após microcirurgia de reto abdominal, ainda precisando de retoques
CAPÍTULO
11
Doenças das glândulas salivares
1. Introdução As glândulas salivares são um grupo de glândulas exócrinas cuja função é a produção de saliva. São caracterizadas histologicamente por um sistema de ácinos-ductos e se agrupam em 2 tpos: as glândulas salivares maiores, compreendendo compreendendo os pares de paró tdas, de submandibulares e de sublinguais, e as menores, que são um conjunto de glândulas microscópicas presentes basicamente na cavidade oral (todo trato aerodiges tvo). Os ácinos salivares são de 3 tpos, com base na natureza da saliva que produzem: serosos (paró tdas), seromucosos (submandibulares) ou mucosos (sublingual). As glândulas salivares menores costumam ter ácinos mistos. As glândulas salivares são sede de inúmeros processos neoplásicos benignos ou malignos, além de serem sede de processos in flamatórios (sialoadenites) que se apresentam como lesões tumorais nestas glândulas.
Alexandre Bezerra / Caio Plopper Plopper / Felipe Augusto Augusto Brasileiro Vanderlei Vanderlei Christ ana ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
nome), fazendo parte do contorno facial. Apresentam íntma relação anatômica com o músculo masseter anteriormente e com a porção superior do músculo esternocleidomastóideo posteriormente, além do próprio conduto auditvo externo, e dos processos mastoide e es tloide. Porém, a relação mais importante é com o nervo facial (VII par), que emerge do crânio por meio do forame es tlomastóideo, e se divide em 5 ramos no interior da glândula. Desta maneira, a própria glândula é dividida em 2 porções: super ficial (ao nervo facial), correspondente a aproximadamente 80% do parênquima glandular, e profunda. Não há um plano de finido entre essas 2 porções, sendo essa divisão muito mais relacionada à abordagem cirúrgica que à anatomia propriamente dita. Da porção profunda da glândula emerge o ducto da parótda, denominado ducto de Stenon (ou Stensen), que apresenta orientação medial, anteriormente ao músculo masseter, penetrando nas fibras do músculo bucinador, para entrar na cavidade oral ao nível do 2º molar superior, de cada lado. Um importante fato é a ocorrência de diversos linfonodos pré-paro deos deos e intraparo deos, deos, o que tem extrema importância clínica.
Figura 1 - Glândulas salivares maiores
2. Parótdas As parótdas são as maiores glândulas salivares do corpo, localizando-se próximas às orelhas externas (daí o
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇ PESCOÇO O é secretada na boca por intermédio dos ductos de Rivinus; estes são em número de 8 a 30 e estão muito próximos às aberturas dos ductos de Wharton. Também apresentam relação anatômica com o nervo lingual e estão localizados superiormente ao músculo milo-hióideo.
Figura 2 - Anatomia e relação neurovascular
3. Submandibulares As submandibulares são um par de glândulas, de cada lado, que se localizam na borda inferior do ramo horizontal do arco mandibular, entre os ventres anterior e posterior do músculo digástrico. Apresentam ín tma relação anatômica com os vasos faciais (artéria e veia), nervo marginal da mandíbula (penúl tmo ramo do nervo facial, responsável por deprimir a rima do lábio inferior), nervo hipoglosso e nervo lingual, do qual recebe diretamente um ramo chamado “ramo secretório”, além dos músculos do assoalho da boca, em especial o milo-hióideo e o digástrico. O ducto da submandibular s ubmandibular,, chamado ducto de Wharton, emerge da porção anterior da glândula e apresenta progressão no sentdo superior e medial, para penetrar no assoalho da boca próximo ao freio lingual.
Figura 3 - Anatomia da glândula submandibular e suas relações
4. Sublinguais As sublinguais estão localizadas na submucosa do assoalho da boca, posteriormente ao arco mandibular. A saliva
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Figura 4 - Anatomia da glândula sublingual
5. Glândulas salivares menores São em número que varia de 400 a 700 glândulas, localizadas difusamente na cavidade oral, principalmente em lábios, língua, tonsila, palatos duro e mole e, em menor quantdade, região supragló tca da laringe, e por vezes podem estar presentes até na traqueia.
Figura 5 - Distribuição das glândulas salivares
A - Patologia dos tumores das glândulas salivares Poucas estruturas no corpo humano apresentam quantdade tão vasta de padrões histopatológicos diversos de neoplasias quanto as glândulas salivares. Frequentemente,
DOENÇAS DAS GLÂNDULAS SALIVARES
o diagnóstco preciso é altamente controverso, controverso, mesmo entre patologistas experientes. Analisaremos os tumores mais comuns na prátca clínica. Do ponto de vista clínico, deve-se atentar à diferença básica de apresentação desses tumores, que podem se manifestar como lesões mucosas sobrelevadas, inicialmente não ulceradas, nos casos dos tumores das glândulas menores ou sublinguais, ou como nódulos de crescimento lento e progressivo nas glândulas paró tdas e submandibulares. Geralmente, quanto menor a glândula salivar, maior a probabilidade de seu tumor ser maligno. Na paró tda, cerca de 80% dos tumores são benignos; na submandibular, aproximadamente 50%; na sublingual e nas menores, cerca de 20%.
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Tumor de Warthin (ou cistoadenoma papilífero linfomatoso): é matoso): é o 2º tpo mais comum, pra tcamente exclusivo da parótda. É um tumor de limites bem de finidos, com componente cís tco, de consistência amolecida. Acredita-se ser originário de remanescentes embrionários de tecido salivar no interior de linfonodos, o que explica por que podem ser múl tplos, bilaterais (em 10%) e apresentar, do ponto de vista histológico, estroma linfoide. Em exame citológico ob tdo a partr da punção, pode até ser confundido com um linfonodo reacional;
a) Neoplasias benignas das glândulas salivares -
Adenoma pleomórfico: co: é a mais comum, correspondendo a cerca de 70% dos tumores benignos das glândulas salivares maiores, e o tumor mais da paró tda. É também chamado tumor misto benigno, pois compreende uma mistura de células neoplásicas ductais, mioepiteliais e mesenquimais (daí o nome), apresentando grande variedade histológica, com diversos padrões dentro do próprio tumor. O estroma pode ser mucoide, mixoide, condroide, ou seja, também é pleomór fico, e explica a consistência firme desse tumor. Nem sempre apresentam uma cápsula verdadeira, e sim um espessamento peritumoral causado pela reação do organismo, e blocos de células tumorais podem estar presentes ao redor dessa pseudocápsula. Essa é a principal razão de ser absolutamente contraindicada a ressecção cirúrgica rente ao tumor (enucleação), pois tal procedimento apresenta taxas de recorrência inaceitáveis;
Figura 7 - Aspecto do tumor de Warthin -
Outros tumores benignos: são benignos: são muito mais incomuns e compreendem outros adenomas (monomór fico, de células basais, canalicular), os mioepiteliomas, oncocitomas, entre outros. Um tumor incomum, mas que merece especial atenção, no caso da glândula paró tda, é o schwannoma do nervo facial que, apesar de não ser propriamente um tumor da paró tda, se comporta como tal e deve ser tratado cirurgicamente, com planejamento de reconstrução do nervo facial com enxerto neural.
b) Neoplasias malignas das glândulas salivares
Figura 6 - Alteração clínica e achado cirúrgico de adenoma pleomór fi co co de parót da da
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Carcinoma mucoepidermoide: é o tpo mais comum e mais frequentemente observado nas paró tdas. Do ponto de vista histológico e clínico, apresenta uma divisão muito clara: os chamados de baixo grau de malignidade e os de alto grau de malignidade. Os de baixo grau, que correspondem a 90% dos casos, apresentam curso clínico muito semelhante ao dos tumores benignos, com crescimento lento e poucas recidivas. Já os de alto grau se apresentam com quadro clínico abrupto, ulceração local, rápido crescimento e dor local, e o controle clínico é mais dif cil, cil, exigindo tratamento cirúrgico mais radical e radioterapia complementar;
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Carcinoma adenoide cís tco: é co: é o 2º tpo mais comum e o tumor maligno mais frequente nas glândulas submandibulares. Classicamente, apresenta um curso clínico insidioso, podendo invadir estruturas vizinhas sem causar sintomatologia. Apresenta metástases predominantemente hematogênicas, sendo as mais importantes as dos pulmões, e pode aparecer até décadas após o tratamento do tumor primário e ser
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇ PESCOÇO O assintomátco por muito tempo. Outra caracterís tca primordial desse tumor é o seu tropismo pelo tecido neural, atngindo os nervos locais e se espalhando através deles, o que torna fundamental, durante o ato cirúrgico, o exame de congelação intraoperatório dos nervos para afastar essa possibilidade;
Figura 8 - Ressecção cirúrgica de glândula submandibular e massa tumoral -
Carcinoma de células acinares: pratcamente exclusivo das parótdas, apresenta-se clinicamente como tumor de baixo grau de malignidade;
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Outros tumores salivares malignos: malignos: são mais incomuns, como os tumores mistos malignos, sendo o chamado carcinoma ex-adenoma o mais recorrente após múltplas recidivas de adenoma pleomór ficos, em geral, das parótdas. Adenocarcinomas, carcinomas epidermoides, carcinoma mioepitelial ou outros tumores não epiteliais, como sarcomas, linfomas ou tumores metastátcos (em especial, de melanomas de couro cabeludo), são mais incomuns e costumam apresentar evolução desfavorável.
Figura 9 - Tumor maligno de parót da; da; realizada parot dectomia dectomia total com esvaziamento cervical
B - Doenças salivares não tumorais As glândulas salivares podem também ser sede de outras doenças, como cistos simples, cistos linfoepiteliais (comuns em pacientes com HIV), mucoceles (em glândulas menores, apresentando-se como cistos submucosos com conteúdo salivar) e linfonodomegalias reacionais.
Figura 10 - Mucocele no lábio inferior
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DOENÇAS DAS GLÂNDULAS SALIVARES
Outra ocorrência é a sialoadenose, que consiste em um aumento difuso das glândulas salivares, em especial as parótdas, que ocorrem em pessoas de meia-idade e com antecedente de desnutrição e alcoolismo. No entanto, a doença salivar mais comum é a sialoadenite, ou seja, inflamação das glândulas salivares.
de malignidade. Porém, como a maioria dos casos de tumores malignos é de baixo grau de malignidade, do ponto de vista clínico se tornam indistnguíveis dos tumores benignos, tornando-se indispensáveis os exames complementares para diagnóstco e, principalmente, planejamento terapêutco.
ase se com sialoadenite de submandibular Figura 11 - Sialoli a
Figura 12 - Ret rada rada de cálculo ambulatorial de submandibular
a) Quadro clínico dos tumores salivares A apresentação dos tumores salivares geralmente é bastante pica, pica, com crescimento lento e progressivo de um nódulo na topogra fia da glândula relacionada. Toda massa na loja paro dea, dea, o que inclui a região pré-auricular, o ângulo da mandíbula e a borda inferior da glândula (abaixo da mandíbula), deve ser considerada uma massa paro dea dea até que se prove o contrário, e isso tem implicações na inves tgação e no tratamento dessas massas. O mesmo vale para as glândulas submandibulares, com a diferença de que, na região submandibular, a ocorrência mais comum de nódulos se deve à presença de linfonodomegalia. Nos casos das glândulas com ín tmo contato com a mucosa, ou seja, as sublinguais e as glândulas menores, a apresentação mais comum é um nódulo, ou abaulamento submucoso, com integridade da mucosa (pelo menos na fase inicial, podendo tornar-se ulcerada em casos de tumores malignos). Uma apresentação partcular, em especial nos casos de tumores do lobo profundo da paró tda, é como uma massa do espaço parafaríngeo. Por estar em localização com oportunidade de crescimento sem causar compressão de estruturas vizinhas e por se tratar de tumores de crescimento lento, podem a tngir grandes tamanhos e ser rela tvamente assintomátcos, apenas com abaulamento na parede lateral da orofaringe, facilmente percep vel vel à oroscopia. Nos casos de tumores malignos, o quadro clínico pode ser diferente, em especial nos tumores de alto grau de malignidade, em que se podem encontrar massas de crescimento rápido, dolorosas, com otalgia re flexa, ulceração cutânea, linfonodomegalias a picas picas e, no caso da paró tda, acometmento do nervo facial, o que só acontece em casos
b) Diagnóstco Ao exame f sico, sico, notam-se as característcas palpatórias dos nódulos, como localização, consistência, tamanho, mobilidade e presença de linfonodos associados. O 1º exame de imagem a ser realizado é a ultrassonogra fia, que fornece outras informações como ecogenicidade, avaliação de bordas, extravasamento extracapsular, extracapsular, entre outros dados. Ocasionalmente, a USG ajuda a avaliar se o referido nódulo realmente é um tumor salivar, ou só um nódulo adjacente ao parênquima glandular. Porém, o exame importante para a avaliação desses tumores é o citológico, baseado na PAAF (Punção Aspira tva por Agulha Fina). Feito por um patologista experiente, o exame citológico pode fornecer o diagnós tco preciso, principalmente em casos de adenoma pleomór fico ou de tumor de Warthin, ou o diagnós tco sugerido, especialmente em casos de malignidade. Convém lembrar que, pela grande variedade de tpos de tumores e de apresentação, pode ser muito di f cil cil o diagnós tco citológico. No entanto, tem imensa valia para a condução desses casos, como de linfonodomegalia reacional em topogra fia salivar. Mesmo com PAAF, com exceção do diagnós tco de linfonodo reacional, os tumores salivares devem ser operados. Exames de imagem mais complexos, como tomogra fia computadorizada ou ressonância magné tca, são importantes em casos de tumores mais avançados, de forma a auxiliarem na proposta terapêu tca e no planejamento cirúrgico. Uma importan ssima ssima informação para o cirurgião geral é a absoluta contraindicação contraindicação da biópsia incisional desses tumores, infelizmente ainda muito presente em nosso
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO meio. Na imensa maioria dos casos, ela fornecerá muito pouca informação além do que a citologia por PAAF fornece, porém viola o tegumento do paciente, o que tem implicações na abordagem cirúrgica e, nos casos de malignidade, altera o estadiamento. Apenas estará indicada em casos de tumores avançados, irressecáveis, que serão submetdos a tratamento não cirúrgico, e que necessitem de material para biópsia e imuno-histoquímica. Outro pre juízo da biópsia incisional são as f stulas salivares de di f cil tratamento, assim como lesões inadvertdas do nervo e paralisia facial. Lesões benignas como os adenomas pleomórficos têm grande possibilidade de disseminação local e recidiva após tenta tvas de ressecção com anestesia local ou biópsias incisionais. Até alguns anos, usava-se um método diagnós tco denominado sialografia. Através da cateterização do ós to do ducto da glândula secretora, injetava-se contraste, e era feita uma série de raio x; assim, eram demonstradas a trajetória da saliva, a presença e a posição de cálculos e estenoses, e a partr daí programava-se a cirurgia. Esse método caiu em desuso pela di ficuldade técnica e pelo desconforto ao paciente, além de oferecer poucas informações comparadas à USG. Sua única vantagem é que por vezes mobilizava o cálculo. c) Tratamento Os tumores das glândulas salivares são de tratamento exclusivamente cirúrgico, a não ser em casos de contraindicação por razões clínicas ou irressecabilidade. O princípio cirúrgico é a ressecção total da lesão com margens. Nos casos de neoplasias benignas de glândulas salivares menores, realizam-se a excisão simples e o fechamento borda a borda, ou a rotação de retalho mucoso para o fechamento do defeito. No caso das neoplasias malignas, deve-se realizar ampla ressecção com congelação de margens. Isso implica cirurgias diferentes a depender do sí to primário do tumor. Por exemplo, em casos de tumores no palato duro, pode ser necessária uma maxilectomia de infraestrutura. Nos casos de tumores das glândulas submandibulares, o tratamento é a remoção da glândula. Se houver suspeita de malignidade, pode-se indicar, de princípio, o esvaziamento do nível submandibular, ou seja, a ressecção da glândula em conjunto com os linfonodos do nível IA. Se for um carcinoma adenoide cís tco, deve-se realizar a congelação intraoperatória do nervo secretório (e, eventualmente, do nervo lingual), para a obtenção de margens neurais livres, devido ao tropismo desse tumor pelo tecido neural. Isso implica, no planejamento pré-operatório, avisar ao paciente a possibilidade de anestesia permanente da hemilíngua. Em relação à paró tda, trata-se de um procedimento cirúrgico à parte. Qualquer abordagem do parênquima paro deo implica o conhecimento da anatomia do nervo facial, e é presente que se esteja apto a dissecá-lo, desde sua origem no forame es tlomastóideo até suas divisões terminais.
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Figura 13 - Variações anatômicas possíveis do nervo facial em relação à sua posição intraparo dea
Nos casos de adenoma pleomór fico, deve-se realizar a parotdectomia superficial, ou seja, a remoção da porção superficial da glândula (acima do nervo facial), exceto nos raros casos em que o tumor se localiza no lobo profundo da glândula, quando se deve realizar a paro tdectomia superficial para reparação dos ramos do nervo, para então trazer o lobo profundo da glândula. É impera tvo não realizar uma “enucleação” (somente a re trada do nódulo) desses tumores, por razões já discu tdas (persistência da lesão e recidiva). O adenoma pleomór fico, apesar de ser uma neoplasia benigna, pode ser recidivante, principalmente se a 1ª ressecção não foi regrada e as di ficuldades de uma dissecção do nervo facial envolto em fibrose de cirurgia prévia são muito grandes. Além disso, o risco de uma paralisia facial pós-operatória, mesmo em uma 1ª cirurgia, é muito grande nos casos de tumores recidivados. Mesmo com o uso do sistema de monitorização do nervo facial, com iden tficação e preservação de todos os seus ramos, as sequelas são inevitáveis por consequência da fibrose intensa e da manipulação excessiva.
Figura 14 - Paralisia facial pós-manipulação paro dea
DOENÇAS DAS GLÂNDULAS SALIVARES
Na cirurgia paro dea para a ressecção de tumor de Warthin, a dissecção do nervo facial se faz da mesma forma, porém se sabe que não há necessidade da remoção de todo o lobo super ficial da paró tda, apenas do tecido adjacente ao tumor. Nos casos de parotdectomia por tumor maligno, a cirurgia preconizada é a paro tdectomia total. É importante salientar que, como a paró tda faz parte do contorno facial das pessoas, sua remoção total implica uma deformidade facial pela ausência de substância na região. A grande discussão é a preservação do nervo facial, possível pelo fato de que a grande maioria dos tumores é de baixo grau de malignidade. Se a função do nervo facial é normal no pré-operatório, deve-se fazer o máximo esforço para preservá-lo, nem que seja necessário programar, já no mesmo tempo cirúrgico, a reconstrução microcirúrgica do nervo com enxerto neural (geralmente, u tliza-se o nervo auricular magno, já próprio da região, ou o nervo sural). Para tumores malignos volumosos, ou com acome tmento prévio do facial, indica-se a parotdectomia total radical sem preservação do nervo (entende-se por radical a re trada de todo tecido paro deo e de outra estrutura adjacente como órbita, pele). A avaliação pré-operatória com métodos de imagem deve ser feita para saber se haverá ressecção conjunta de estruturas adjacentes, como a mandíbula, o processo mastoide, a maxila, ou a pele, sendo às vezes necessária a rotação de retalhos para a cobertura do defeito. Se o tumor for de alto grau de malignidade, estará indicado também o esvaziamento cervical de princípio (ou seja, sem evidência de metástases), níveis I, II e III. Obviamente, se houver metástases linfonodais, será feito o esvaziamento cervical radical ipsilateral.
Figura 15 - (A) CEC de pele com invasão da mastoide e da paró t da e (B) visão pós-operatória
O tratamento radioterápico complementar estará indicado se houver doença macroscópica residual, metástases linfonodais, invasão de estruturas adjacentes, ou tpos histológicos mais agressivos. A quimioterapia não costuma estar indicada, exceto em casos de doença distante, ou em casos selecionados, como forma de potencializar a radioterapia. Outra situação em que há necessidade de paro tdectomia é a realização de esvaziamento linfonodal por neoplasia maligna de pele de região temporal, em especial, o melanoma maligno. Isso ocorre pelo fato de que os linfonodos paro deos são a 1ª estação de drenagem linfá tca. Como os linfonodos estão localizados na porção super ficial da parótda, deve-se realizar a paro tdectomia superficial para remover toda a cadeia linfonodal. A parotdectomia é uma cirurgia bastante complexa, devido à necessidade de dissecção do nervo facial, que deve ser muito cuidadosa, a fim de evitar paresias (podem persistr por até 9 meses) ou paralisias no pós-operatório. O paciente deve ser informado da possibilidade de acometmento facial, o que geralmente não acontece, e da resolução espontânea em algumas semanas ou meses. Nos casos de lesão do nervo, pode-se optar pela reconstrução deste, através de intervenção microcirúrgica com sutura epiperineural e fios muito finos. Quanto mais tardia a reconstrução, piores os resultados. Em casos de sacri f cio do nervo, espera-se a paralisia total da mímica da hemiface. Isso pode gerar incon tnência da cavidade oral por atro fia da musculatura labial, mas os maiores problemas estão relacionados aos olhos. A impossibilidade de oclusão total do olho acometdo causa irritação local, epífora, podendo evoluir para úlceras de córnea. O tratamento clínico deve ser imediatamente ins ttuído, com colírios ou pomadas, e colocação de esparadrapo ou micropore durante o período de sono. Em casos mais avançados, pode-se realizar uma tarsorrafia, que é a união, a par tr de uma escari ficação, das faces de contato das pálpebras superior e inferior, seguida de sutura para contenção. Esse procedimento diminui a rima ocular e costuma melhorar o quadro de dor local. Implantes de peso de ouro na pálpebra superior, para facilitar a oclusão, também podem estar indicados. Há cirurgias plástcas especí ficas para a paralisia facial total, como a anastomose hipoglosso-facial, só que devem ser muito estudadas para cada caso, levando em conta a situação oncológica do paciente. Uma complicação específica para a parotidectomia é a sudorese gustatória, ou sín drome de Frey, que acontece pela anastomose microscópica inadvertida entre ramos do sistema nervoso autônomo do coto do parênquima glandular aos ramos das glândulas sudoríparas da pele da região parotídea. Desta forma, quando o paciente se alimenta, o que é um estímulo ao pa rênquima salivar, ele cursa com sudorese localizada, de intensidade variável, em alguns casos, bastante desconfortável socialmente. O tratamento é feito à base de desodorantes antiperspi-
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO rantes aplicados localmente. Pode-se tentar correção cirúrgica, com interposição de algum tecido local, como retalho de fáscia ou músculo, ou injeção de gordura local. Porém, o tratamento cirúrgico é desencorajado porque implicará nova abordagem do nervo facial e sempre haverá a possibilidade de retorno da lesão. Recentemente, o tratamento dessa condição, com aplicação de toxina botulínica, tem mostrado resultados satisfatórios, ainda que transitórios.
Figura 16 - Paciente com síndrome de Frey: a área escurecida do talco é aquela que apresenta sudorese
dequação do diâmetro do ducto de Stenon, que se encontra mais fino do que deveria, causando uma sialoadenite obstrutva. Em geral, costuma melhorar com o crescimento da criança, não deixando sequelas na vida adulta, devendo ser contornado somente com medidas comportamentais (hidratação, higiene, ingesta de cítricos e ácidos). As sialadenites calculosas são muito mais frequentes nas glândulas submandibulares do que nas paró tdas. Isso se deve a 3 fatores: em 1º lugar, a secreção da submandibular é mais mucosa, ou seja, mais espessa, o que favorece a formação de cálculos. Além disso, há outros fatores anatômicos: a drenagem da glândula é an tgravitacional (o ducto de Wharton dirige-se para cima), e a penetração do ducto no assoalho da boca, entre os músculos milo-hióideo e genioglosso, forma um es f ncter muscular natural. Se o cálculo estver próximo ao soalho da boca, poderá ser removido, ou até exteriorizar-se sozinho. Porém, a re trada do cálculo não previne novos eventos, de forma que o tratamento preconizado é a ressecção da glândula submandibular acome tda. Por analogia contrária ao mecanismo formador de cálculos na glândula submandibular, nota-se que a formação de cálculos na paró tda é mui ssimo mais rara. Porém, diferente da submandibular, nos casos de obstrução paro dea por cálculo, prefere-se a remoção cirúrgica do cálculo, pela boca, sendo muitas vezes necessária a plas ta do ósto do ducto de Stenon.
C - Doenças inflamatórias das glândulas salivares As chamadas sialadenites são doenças in flamatórias agudas, recorrentes ou não, que acontecem nas glândulas submandibulares e nas paró tdas. Podem ter e tologia viral (como a caxumba) ou in flamatória inespecí fica (na verdade, idiopátca). Cursam com aumento difuso da glândula, doloroso, que podem piorar, em especial, se houver a ingestão de alimentos ácidos, o que es tmula a salivação. As sialadenite são divididas em calculosas e não calculosas. O tratamento das não calculosas é sintomá tco, com administração de ant-inflamatórios e analgésicos. O uso de antbiótcos deve ser recomendado caso o paciente venha a expelir secreção purulenta pela boca ou se há sinais de hiperemia local. A evolução para abscesso não é comum, mas pode ocorrer, sendo necessária uma avaliação tomográfica para diagnostcá-lo. No caso da glândula submandibular, se a sialadenite for recorrente e causar desconforto crônico, indica-se a ressecção da glândula submandibular. No caso da parótda, a cirurgia é a conduta de exceção, pois a parotdectomia, realizada devido ao processo in flamatório do parênquima glandular, fatalmente levará a um quadro de paralisia total do nervo facial que, ainda que sabidamente temporária, pode levar meses para regredir. Não muito incomum é a paro tdite recorrente da criança, que causa um aumento crônico da glândula, muitas vezes bilateral, com episódios de agudização com a ingesta alimentar. O mecanismo, nesse caso, acredita-se, é uma ina-
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Figura 17 - Abaulamento do soalho da boca, com diagnóst co por imagem de calculose de sublingual
DOENÇAS DAS GLÂNDULAS SALIVARES
Vale mencionar a síndrome de Sjögren como doença autoimune que acomete diretamente as glândulas salivares, principalmente as menores, gerando boca seca e substtuição do tecido glandular PR linfocitário, diagnós tco feito pela biópsia de glândula salivar menor.
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Tabela 1 - Critérios de classi fi cação da síndrome de Sjögren I. Sintomas oculares: pacientes devem apresentar resposta positva a pelo menos 1 das seguintes questões: 1 - Você tem apresentado algum problema de secura nos olhos, diariamente, nos últmos 3 meses? 2 - Você tem a sensação recorrente de areia nos olhos? 3 - Você usa lágrima artficial por mais de 3 vezes ao dia? II. Sintomas orais: pacientes devem apresentar resposta posi tva a pelo menos 1 das seguintes questões: 1 - Você tem apresentado a sensação de boca seca diariamente por mais de 3 meses? 2 - Você tem apresentado edema persistente na glândula salivar? 3 - Você frequentemente ingere líquidos para auxiliar na deglu tção de alimentos secos? III. Sinais oculares: envolvimento ocular detectado por pelo menos 1 dos 2 testes seguintes: 1 - Teste de Shirmer realizado sem anestesia (<5mm/5 min). 2 - Escore rosa-bengala ou outro escore para medir a secura ocular (<4, de acordo com o sistema de escore de Van Bijsterveld). IV. Histopatologia: presença de sialadenite linfocí tca focal detectada por um patologista experiente (1 ou mais focos de linfócitos periductais - 50 linfócitos/4mm²). V. Envolvimento da glândula salivar detectado por pelo menos 1 dos seguintes testes de diagnóstco: 1 - Ausência completa de estmulação do fluxo salivar (<1,5mL/15 minutos). 2 - Sialografia de parótda mostrando a presença de sialectasias difusas (padrão puntforme, cavitário ou destru tvo) sem evidência de obstrução do ducto principal. 3 - Cintlografia salivar mostrando absorção lenta, concentração reduzida e/ou excreção lenta do isótopo radioatvo. VI. Autoantcorpos: presença no soro dos seguintes autoan tcorpos: 1 - Antcorpos para an genos ant-SSA, ant-SSB ou ambos.
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SUPORTE VENTILATÓRIO NÃOCIRÚRGICO
CAPÍTULO
12
Complicações em cirurgia de cabeça e pescoço
1. Introdução Qualquer procedimento cirúrgico apresenta riscos, independentemente do tpo de cirurgia. A maioria deles está relacionada ao status do doente e principalmente às patologias de base que ele apresenta. Quando es tvermos diante de cirurgias de cabeça e pescoço, essas complicações se tornarão mais potenciais e especí ficas, por considerar: - Porte cirúrgico; - Estruturas envolvidas; - Cirurgias longas e oncológicas; - Perfil do doente. Algumas partcularidades anatômicas, funcionais e de tratamento especí ficas do território de cabeça e pescoço merecem destaque, sendo elas o assunto deste capítulo.
2. Hematoma cervical Complicações hemorrágicas são possíveis em qualquer sí to cirúrgico; entretanto, em par tcular nas cirurgias de cabeça e pescoço, estamos diante de vasos como a artéria carótda e a veia jugular, e ambas em um compar tmento pequeno que não comporta muito volume. Além da habitual revisão de hemostasia rigorosa com manobras de Valsalva associada (rever sangramentos venosos, por aumento da pressão intratorácica e compressão da cava, mantendo as veias turgidas), os pacientes devem evitar esforços abruptos e atvidade f sica no pós-operatório precoce, a fim de evitar complicações hemorrágicas. Isso se deve ao fato de que esforços abruptos podem levar à súbita elevação de pressão venosa torácica (devido à manobra de Valsalva) e por consequência cervical, colocando em risco a área operatória. Os hematomas cervicais apresentam riscos especí ficos e levam, potencialmente, a urgências e emergências, necessitando de imediato reconhecimento e condutas. Devido ao súbito aumento de pressão nos compar tmentos cervicais, em especial na loja visceral do pescoço, hematomas podem levar à diminuição do retorno venoso do complexo laringotraqueal, com edema signi ficatvo, especialmente na altura
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Caio Plopper / Christ ana Maria Ribeiro Salles Vanni / Rodney B. Smith
da glote, onde o diâmetro da via aérea é menor. Com isso, hematomas cervicais, mesmo que não sejam de grande volume, podem levar a insu ficiência respiratória alta de rápida progressão e virtual obstrução da luz respiratória. Isso é partcularmente importante para cirurgias que abordam a loja visceral do pescoço com pequenas áreas de descolamento, como treoidectomias e ressecção de cistos treoglossos (cirurgias de Sistrunk). Nesses casos, mesmo sangramentos de moderado volume podem levar a elevações grandes de pressão e restrição ao retorno venoso da laringe. Assim, é fundamental o reconhecimento precoce de hematomas cervicais e suas repercussões respiratórias. Salvo em casos de hematoma muito restrito, sem desconforto respiratório e com vigilância muito próxima, a reexploração cervical, a hemostasia e a drenagem de hematoma são as condutas preconizadas. A par tr do momento em que a intubação do paciente é realizada, a emergência respiratória cessa. Infelizmente, em certas situações, o edema da laringe e a dissecção de planos profundos pelo hematoma são tão grandes que a intubação se torna muito di f cil, sendo vitais a traqueostomia imediata, a abertura dos pontos e o esvaziamento do hematoma. Quando o cirurgião depara com um paciente no pós-operatório de cirurgia cervical com hematoma e repercussões respiratórias significatvas, a simples abertura da incisão cirúrgica e a evacuação do hematoma formam a conduta inicial recomendada, devendo ser realizada mesmo à beira do leito, caso o trânsito ao centro cirúrgico seja lento e dif cil. Em casos extremos, quando da impossibilidade de intubação em insu ficiência respiratória grave, deve-se realizar traqueostomia de emergência para o estabelecimento de via aérea adequada e segura. Isso é par tcularmente mais fácil no pós-operatório de treoidectomias, uma vez que a traqueia se encontra dissecada e de fácil acesso após a abertura da incisão prévia e da linha média. Na maior parte dos casos, porém, tal procedimento pode ser evitado pelo reconhecimento rápido e manejo adequado dessa complicação. Infelizmente, o não reconhecimento desta urgência é causa de óbito em nosso meio. Raramente, procedimentos não cirúrgicos, como punção-biópsia aspiratva, podem levar a hematomas e compli-
COMPLICAÇÕES EM CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
cações respiratórias semelhantes, cujo manejo é a cirurgia de urgência. E A Ç E B A O C Ç E O D C S A E I G P R U R I C
Figura 1 - Hematoma cervical e dreno obstruído
Figura 4 - Hematoma cervical no qual a paciente foi subme t da a traqueostomia
Figura 2 - Pré-abordagem de abaulamento cervical Figura 5 - Pós-operatório de drenagem de hematoma: observar até onde o hematoma dissecou (área amarela de reabsorção)
As situações são as mais diversas, mas sempre muito graves.
3. Fístulas e deiscência de suturas
Figura 3 - Hematoma pós-ressecção de glândula submandibular
Quanto aos pacientes com câncer de cabeça e pescoço, em cujo procedimento cirúrgico há comunicação entre a cavidade oral ou faringe e o pescoço, é fundamental a reconstrução do diafragma orocervical (soalho da boca), seja primária ou por meio de retalhos. Laringectomia total, operações pull-through, mandibulotomias e mandibulectomias, faringotomias, são exemplos de procedimentos em que acontece a comunicação da boca com o pescoço, deixando em contato um ambiente sujo, contaminado (boca) com um limpo (pescoço). O problema não é só a infecção, também o poder altamente corrosivo da saliva sobre os vasos.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO Devido à grande colonização bacteriana da cavidade oral e da faringe, essas suturas e reconstruções apresentam risco partcularmente alto de deiscências e f stulas salivares. Tal risco é ainda mais elevado nos casos de antecedente de radioterapia sobre o sí to cirúrgico, sendo subme tdos à cirurgia de resgate ou intervenção em 2º tumor primário ou mesmo em oncológicos, desnutridos e hipoproteicos. Essa situação é cada vez mais prevalente, com a melhora dos resultados de tratamento não cirúrgico (protocolos de preservação – RDT e QT) e a adoção de estratégias de preservação de órgãos progressivamente mais comuns. As f stulas pós-operatórias são habitualmente autolimitadas, e seu tratamento com curatvos compressivos e cuidados de higiene local geralmente é su ficiente. Em casos menos frequentes, com grandes rupturas de sutura e grande comunicação entre a faringe ou cavidade oral e o pescoço, é necessária a reoperação para nova reconstrução e lavagem exaus tva. Em f stulas persistentes e de di f cil tratamento não podemos nos esquecer da possibilidade de persistência tumoral e/ou recidiva tumoral, fatores que estão relacionados a não cicatrização de feridas, deiscências e f stulas. Especial atenção deve ser dada a ressecções craniofaciais extensas, em que o risco de f stulas liquóricas deve ser lembrado.
Figura 8 - Paciente desnutrido com f stula salivar e deiscência do retalho cervical pós-incisão inteira aberta
Figura 6 - Fístula cervical pós-operação composta
Figura 9 - Paciente jovem com f stula submandibular por manipulação dentária
Figura 7 - Laringectomia com deiscência e f stula faríngea pós-operação
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Figura 10 - Fístula palat na pós-ressecção de lesão no palato
COMPLICAÇÕES EM CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
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Figura 11 - Fístula do ducto t reoglosso pós-infecção
A - Complicações relacionadas a reconstruções À parte das f stulas salivares devido a deiscências, a perda de retalhos u tlizados para reconstrução de cabeça e pescoço é uma complicação importante, que requer intensa atenção. A isquemia de pedículo vascular de retalhos musculocutâneos, como o retalho peitoral maior (o mais difundido para reconstrução de cabeça e pescoço, extremamente confiável e seguro), é rara, mas acontece. Entretanto, a trombose venosa ou arterial do pedículo de retalhos microcirúrgicos livres é frequente, principalmente durante curva de aprendizado e serviços com volume cirúrgico mais restrito, assim como perda de enxertos livres de pele ou retalhos simples de rotação ou avanço. Cuidados com a posição cervical evitam: - Exposição de anastomoses microvasculares; - Garroteamento da área pela fixação de cânulas e sondas; - Transfusão de grandes quan tdades de concentrado de hemácias; - O uso de medicações an ttrombótcas pode auxiliar na prevenção da trombose destes vasos.
Figura 13 - Perda parcial de retalho do t po converse com mumi fi cação na área da região auricular prévia
Figura 14 - Perda parcial de enxerto de pele
Igualmente importantes são a vigilância e o reconhecimento precoces da hipoperfusão ou congestão venosa nos retalhos, com pronta reintervenção cirúrgica.
Figura 15 - Perda de retalho peitoral maior
B - Complicações das treoidectomias
Figura 12 - Perda de retalho microcirúrgico com exposição da placa
Devido ao grande volume cirúrgico e à prevalência das doenças treoidianas que necessitam dessa intervenção, o conhecimento das complicações de treoidectomias é fundamental. A relação anatômica ín tma entre a treoide e es-
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO truturas, como os nervos laríngeos e as paratreoides, eleva o potencial de complicações especí ficas. a) Hipoparatreoidismo A simples manipulação cirúrgica da treoide pode levar à deficiência transitória da vascularização das para treoides, a qual provém de ramos das artérias treóideas inferiores, habitualmente laterais às paratreoides. Os cuidados com a preservação dessas estruturas e de sua vascularização, além do reimplante de glândulas acidentalmente ressecadas, são passos importantes para evitar o hipopara treoidismo e a hipocalcemia transitória ou persistente. Mesmo com os cuidados necessários, pacientes submetdos à treoidectomia total (e que, portanto, sofreram manipulação bilateral das para treoides) podem desenvolver sintomas de hipocalcemia. Os mais signi ficatvos são parestesias (especialmente, de extremidades e de face), podendo evoluir para dores musculares, cãibras e até tetania, assim como agitação e sensação de morte iminente. O pronto reconhecimento desse conjunto de sintomas é essencial, e o tratamento com reposição de cálcio (IV, nos casos de sintomas mais significatvos, ou VO, nos casos mais leves) deve ser iniciado prontamente. Além da reposição de cálcio (gluconato de cálcio IV e carbonato de cálcio VO), o uso de análogos da vitamina D VO (rocaltrol) pode ser um adjuvante valioso nos casos de hipoparatreoidismo e hipocalcemia, aumentando a absorção e a disponibilidade do cálcio ingerido. Naturalmente, além das treoidectomias, as paratreoidectomias colocam o paciente sob o risco de desenvolver hipocalcemia, portanto a atenção para os sintomas deve ser redobrada. b) Paresia/paralisia de nervos laríngeos A treoide guarda íntma relação anatômica com os nervos laríngeos, responsáveis pela motricidade das pregas vocais. Estes são o ramo externo do nervo laríngeo superior (responsável pela inervação do músculo crico treóideo) e o nervo laríngeo inferior (ou laríngeo recorrente, principal responsável pela motricidade da prega vocal). O ramo externo do nervo laríngeo superior guarda relação com o polo superior da treoide, e a ligadura deste o coloca em risco, especialmente nos casos de bócios volumosos ou de grandes tumores. Sua lesão leva a alteração vocal significatva (incapacidade de a tngir agudos), de interesse especial para fonoaudiólogos e demais pro fissionais dedicados ao estudo da voz. O nervo laríngeo inferior, ramo do nervo vago, tem tra jeto, na maioria das vezes, recorrente do tórax em direção à laringe, correndo através do sulco traqueoesofágico, com íntma relação com a artéria treóidea inferior. É importante ressaltar que o nervo pode não ter trajeto recorrente à direita, variação anatômica rara, mas de identficação importante para evitar a sua lesão. A simples manipulação do nervo, em qualquer treoidectomia, e em especial nos casos de grandes bócios, tumores
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malignos e esvaziamentos cervicais de nível VI, aumenta o risco de paresia. Quando não há lesão anatômica do nervo, a sintomatologia, em geral, é transitória, com recuperação da função em até 6 meses da operação. Nesses casos, a reabilitação fonoaudiológica é fundamental. O sacrif cio do nervo laríngeo inferior por invasão tumoral e a sua lesão acidental (mais frequente junto ao ligamento de Berry) levam à paralisia de finitva da prega vocal ipsilateral. Nos casos de paralisia da prega em posição abduzida (aberta), há evidente repercussão sobre a função vocal, com voz soprosa e eventuais episódios de aspiração, além de dificuldades para a proteção de via aérea pela laringe. Nos casos de paralisia de prega vocal em posição mediana unilateral, as repercussões de voz podem ser menos percep veis, uma vez que não se forma fenda tão ampla a ponto de prejudicar gravemente a fonação.
Figura 16 - Paralisia de prega vocal direita em posição paramediana
Uma complicação rara, porém potencialmente fatal, é a paralisia bilateral de pregas vocais em posição mediana (fechada), decorrente da manipulação ou lesão bilateral de nervos laríngeos inferiores. Nos casos de paralisia bilateral, a formação de fenda gló tca para a respiração fica comprometda, podendo levar a insu ficiência respiratória imediata após a extubação. Assim, podem ser necessárias a pronta intervenção do cirurgião e a reoperação de emergência, com abertura da via aérea e traqueostomia de urgência. Essa situação dramátca é o mo tvo pelo qual a equipe cirúrgica deve estar atenta junto ao paciente, no momento da extubação, em casos com grande manipulação e/ou suspeita de lesão aos nervos laríngeos inferiores. Quando há paralisia de finitva em posição lateral (aberta) de uma das pregas vocais, ocasionando disfonia persistente, podem ser realizados treoplastas e procedimentos para a medianização da prega vocal, obje tvando a normalização da voz.
C - Complicações das cirurgias de glândulas salivares As glândulas salivares maiores têm ín tma relação com estruturas nervosas adjacentes. Sua iden tficação intraope-
COMPLICAÇÕES EM CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
ratória e preservação consttuem passos importantes nas operações sobre essas glândulas. A glândula submandibular guarda relação anatômica com os nervos hipoglosso, lingual e mandibular marginal (ramo do nervo facial). A lesão do nervo hipoglosso pode levar à hipomotlidade de metade da língua, facilmente identficada ao exame f sico. Já o nervo lingual é responsável pela função sensi tva da língua, e sua lesão leva à anestesia e à de ficiência de propriocepção do órgão. Por sua vez, a lesão do nervo mandibular marginal leva à paresia facial, com desvio da rima e consequente assimetria. A glândula paró tda tem estreita relação com o nervo facial, desde sua emergência do forame es tlomastóideo, sua bifurcação principal, até suas divisões terminais. O nervo facial perfura a paró tda, dividindo-a em uma porção superficial e uma profunda. Não é exagero dizer que as cirurgias sobre a paró tda são, em grande parte, cirurgias do nervo facial, portanto sua iden tficação e preservação são de conhecimento fundamental para o cirurgião de cabeça e pescoço. A manipulação cirúrgica do nervo facial ou de seus ramos pode levar à paresia facial. A lesão do nervo facial, ou seu sacri f cio devido à invasão tumoral, leva à paralisia facial completa (em caso de lesão do tronco do nervo) ou parcial. Quando iden tficada no intraoperatório, a melhor conduta é a tenta tva de reconstrução do nervo, com sutura terminoterminal em caso de secção transversa ou interposição de enxerto de nervo, nos casos de ressecção mais ampla. O ramo cuja paralisia deve levar a maiores cuidados é o o álmico, uma vez que a não oclusão completa do globo ocular pode levar à úlcera de córnea.
face da região paro dea operada por es tmulação cruzada parassimpátca das terminações ligadas às glândulas sudoríparas da face. Essa síndrome, apesar de frequente em quadros moderados, raramente é mo tvo de grande transtorno. Outra lesão nervosa comum às paro tdectomias é a lesão do nervo auricular magno, levando à hipoestesia da porção inferior da orelha ipsilateral. As operações sobre glândulas salivares, especialmente as parotdectomias, podem também levar a f stulas salivares. Estas se manifestam por abaulamento da região paro dea durante a alimentação, em razão da formação de coleção salivar. Na maior parte dos casos, essas f stulas são de débito baixo e autolimitadas, evoluindo bem com punções esvaziadoras e curatvos compressivos. A necessidade da reoperação para ligadura de ducto salivar mais calibroso é rara.
4. Fístulas linfátcas Uma complicação dos esvaziamentos cervicais que pode ter grande impacto pós-operatório é a f stula linfátca ou quilosa. Esta ocorre, principalmente, em subme tdos a esvaziamentos cervicais radicais (mais comum nos esvaziamentos com ligadura da veia jugular interna), e em especial no lado esquerdo devido à presença do ducto torácico. A causa da f stula é a lesão não reparada de grandes vasos linfátcos no nível IV, junto ao aspecto inferior da veia jugular interna. Nos esvaziamentos cervicais, é importante que sejam feitas ligaduras cuidadosas dos vasos linfá tcos, e eventuais lesões devem ser cuidadosamente procuradas e reparadas. O quadro clínico inclui drenagem de grande quan tdade de secreção clara, com aspecto quiloso (leitoso) no pós-operatório de esvaziamento cervical, que pode iniciar-se após o aumento do aporte dieté tco ao paciente, podendo levar, em casos de f stulas de grande débito, a desnutrição devido às perdas. Já em casos de f stulas de menor débito com dúvida diagnós tca, a dosagem de triglicerídios do líquido drenado pode fechar o diagnós tco. Na maioria dos pacientes com f stulas quilosas de baixo débito, a retrada do vácuo de drenos cervicais, cura tvos compressivos e o uso de dietas ricas em Triglicérides de Cadeia Média (TCM) são su ficientes para a resolução. Em casos mais graves, pode ser necessário tomar medidas mais agressivas, como a manutenção do paciente em jejum com o uso de terapia nutricional parenteral ou a reoperação para a tentatva de identficação e a ligadura do vaso linfá tco.
5. Estenoses digestvas Figura 17 - Paciente com paralisia facial completa após sacri f cio do nervo facial por invasão tumoral
As operações que envolvem a paró tda podem levar também à síndrome de Frey, ou sudorese gustatória. Esta se caracteriza pela sudorese durante a alimentação, na hemi-
O tratamento cirúrgico e o tratamento radioterápico sobre o trato diges tvo alto podem levar a diversos graus de estenose da via diges tva, o que é par tcularmente importante aos casos de subme tdos a grandes ressecções de tumores de hipofaringe, para os quais é necessária alguma forma de reconstrução do defeito cirúrgico com retalhos a distância.
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CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO O tratamento das estenoses diges tvas deve ser individualizado, de acordo com a programação terapêu tca, o prognóstco, as causas da estenose e a sintomatologia. Sessões de dilatação endoscópica de estenoses limita tvas e de pequena monta podem ser resolu tvas. Em casos de grandes estenoses, podem ser necessárias reconstruções cirúrgicas. Alguns pacientes pós-radioterapia apresentam disfagia por xerostomia e a confundem com alteração do diâmetro do esôfago.
Alguns erros ou falhas de conduta na manipulação ou realização da traqueostomia podem levar ao en fisema subcutâneo, que, apesar de ser angus tante para quem observa, tem resolução espontânea e não gera prejuízos ao paciente. Causas: - Fechamento hermé tco da pele pós-traqueostomia; - Pressão positva com cânula em falso trajeto; - Escape de ar pelo cu ff ou cânula pequena mal adaptada.
6. Estenoses/obstrução de via aérea Além das estenoses de via diges tva, estenoses de via aérea e sua obstrução podem ser complicações devastadoras e graves, levando a emergências cirúrgicas. Como abordado nos casos de paralisia bilateral de nervos laríngeos em posição mediana, outras causas de obstrução de via aérea (como crescimento e sangramento de tumores de laringe, estenose devida à radioterapia) devem ser prontamente identficadas, e eventuais procedimentos cirúrgicos de emergência podem ser necessários. Uma complicação pouco frequente, mas que pode levar a grandes desconfortos é a estenose de traqueostoma no pós-operatório de laringectomia total. Pacientes subme tdos à laringectomia total, com traqueostoma definitvo maturado na pele anterior do pescoço, podem desenvolver estenoses, geralmente associadas a tratamento radioterápico e de evolução tardia. Essas estenoses habitualmente não têm grande extensão, sendo relacionadas ao anel fibrótco superficial junto à pele. O tratamento é cirúrgico, com plás tca “em Z” para abertura do anel e ampliação do ori f cio do traqueostoma. A Figura 18 mostra um caso de estenose recidivada de traqueostoma, com a marcação de incisões para a realização de plástca “em estrela” (técnica descrita por Giacomarra), com mais de uma plás tca “em Z” para a ampliação do traqueostoma. Alguns pacientes não precisam ser reoperados, só a dilatação e o uso de cânulas maiores evitam a reoperação.
Figura 18 - Estenose de traqueostoma pós-laringectomia total
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Figura 19 - En fi sema subcutâneo pós-escape de ar pela traqueostomia em paciente com pressão posi tv a
7. Complicações vasculares Lesões dos grandes vasos do pescoço podem levar a complicações hemorrágicas de emergência, eventos raros, porém com necessidade de pronto reconhecimento e conduta e que muitas vezes evolui fatalmente. Submetdos a esvaziamentos cervicais e com complicações de deiscência de suturas ou f stulas podem ter exposição dos grandes vasos, com o risco de ruptura e sangramentos vultosos. Isso é especialmente importante para submetdos a esvaziamento cervical radical, em que é necessário que haja cobertura adequada da artéria caró tda comum e seus ramos, já que não há a proteção do músculo esternocleidomastóideo. As rupturas vasculares, principalmente arteriais quando reabordadas, são atos heroicos, uma vez que a maioria acontece no ambiente ambulatorial, na manipulação de curatvo ou de cânula traqueal. A manipulação da jugular interna bilateralmente e ao mesmo tempo cirúrgico pode evoluir com amaurose, hipertensão intracraniana, além de edema facial importan ssimo, enquanto 1 só ligada não gera complicações nem mesmo em tempos cirúrgicos diferentes. Por vezes, pode ocorrer a ligadura de um pedículo por invasão tumoral, lesão inadvertda ou trombose pela manipulação. O ideal é que a área de sofrimento fique ao máximo delimitada antes da reabordagem e da reconstrução cirúrgica. Outra complicação importante pós-tratamento oncológico e radioterapia e quimioterapia com bifosfonados é a
COMPLICAÇÕES EM CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO
osteorradionecrose, uma espécie de osteomielite por diminuição da oxigenação e suporte vascular ósseo com consequente necrose e infecção. A Figura 20 mostra o aspecto intraoperatório de reexploração cervical, de paciente no pós-operatório de laringectomia total com esvaziamento cervical bilateral, que evoluiu com f stula salivar e grande hemorragia cervical causada por ruptura de veia jugular interna.
E A Ç E B A O C Ç E O D C S A E I G P R U R I C
Figura 23 - Osteorradionecrose
8. Infecções Figura 20 - Ruptura da veia jugular interna
Como todos os procedimentos cirúrgicos, a infecção pós-operatória é uma complicação possível. Os pacientes portadores de neoplasias da região da cabeça e pescoço apresentam fatores que podem facilitar a instalação de infecções pós-operatórias, com os citados a seguir. Para uma diminuição do risco de infecções, seguem-se os princípios de an tssepsia e assepsia padrão, além da u tlização de antbiotcoterapia intraoperatória e pós-operatória. Fatores que facilitam a instalação de infecção em pacientes portadores de neoplasia cervicofacial: - Desnutrição; - Necrose local, necrose de retalhos; - Fístulas salivares; - Radioterapia pré e pós-operatória.
Figura 21 - Edema facial importante pós-ligadura bilateral das veias jugulares internas
Figura 22 - Necrose total da língua pós-ligadura vascular
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volume 4
OTORRINOLARINGOLOGIA
OTORRINOLARINGOLOGIA
CAPÍTULO
1
Anatomia em Otorrinolaringologia Vladimir Garcia Dall’Oca / Eric Thuler / Bruno Peres Paulucci
1. Anatomia nasal
B - Fossas nasais
A - Pirâmide nasal
a) Parede medial Contém o septo nasal, com sua porção car tlaginosa formada pela cartlagem septal e sua porção óssea formada pelo vômer e pela lâmina perpendicular do osso etmoide. O terço anteroinferior do septo, denominado zona de Kiesselbach, é importante pela presença de um plexo arteriovenoso, o que torna essa região a mais propensa a sangramentos, principalmente pós-traumá tcos e em rinites. A drenagem venosa dessa região acontece para a face e em direção intracraniana, favorecendo a disseminação facial e meníngea de focos infecciosos. Comumente, o septo nasal está desviado da linha média. Isso ocorre devido a desvios isolados da car tlagem ou nas regiões de ar tculação osteocartlaginosa. O tpo e o grau do desvio são variáveis, podendo chegar a obstruir o fluxo aéreo nasal.
Pirâmide nasal é a estrutura externa do nariz, visualizada como uma elevação piramidal na face, tendo em sua extremidade caudal 2 aberturas, as narinas. É formada por uma estrutura osteocartlaginosa revestda por pele e composta no terço superior pelos ossos próprios do nariz e pelos processos nasais da maxila e do osso frontal. Os 2/3 inferiores são cartlaginosos, sendo 2 cartlagens alares superiores, 2 alares inferiores e 2 sesamoides. O ves bulo nasal é a região de entrada do nariz, revestdo internamente por pele e pelos com função protetora, as vibrissas nasais. Logo após o ves bulo nasal encontra-se uma área de grande importância na regulação do fluxo aéreo nasal: a válvula nasal – projeção intranasal da união das car tlagens alares inferiores e superiores.
Figura 1 - Anatomia da pirâmide óssea: (A) osso nasal; (B) osso frontal; (C) processo frontal da maxila; (D) car tl agem lateral; (E) car tl agem alar maior; (F) car tl agens alares menores, (G) região de válvula nasal
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Figura 2 - Septo nasal, visão sagital: (A) lâmina perpendicular do osso etmoide; (B) osso vômer; (C) car tl agem septal; (D) zona de Kiesselbach; (E) seio esfenoidal; e (F) osso maxilar
ANATOMIA EM OTORRINOLARINGOLOGIA
b) Parede lateral do nariz Conchas Nessa região do nariz, encontram-se 3 projeções osteomucosas, denominadas conchas, e chamadas, de acordo com a localização, de superior, média e inferior. A concha inferior ocupa, horizontalmente, a maior parte da porção inferior da fossa nasal, cons ttuída por osso próprio. Quando aumentada de volume, é uma das principais causadoras de obstrução nasal. A concha média tem anatomia mais complexa e se estende de forma ver tcal e oblíqua. As conchas superior e média são formadas por lamelas ósseas das células etmoidais. Essas estruturas têm papel importante no aquecimento, na umidi ficação e na filtragem do ar inspirado. As células olfatórias encontram-se principalmente na região do teto nasal; durante a inspiração profunda, o fluxo aéreo aumenta nessa região, permitndo maior sensibilidade olfatória. - Meatos Abaixo das conchas, encontram-se espaços denominados meatos, classificados, de acordo com sua localização, em inferior, médio e superior. Meato superior: região de drenagem dos ós tos das células etmoidais posteriores e seio esfenoidal; Meato médio: formado anatomicamente por: * Processo uncinado (1ª lamela); * Bolha etmoidal (2ª lamela); * Concha média (3ª lamela). É região de drenagem dos ós tos do seio maxilar, das células etmoidais anteriores e do seio frontal. Esse meato tem especial importância, pois diversas patologias acometem a região cursando com obstrução dos ós tos, gerando sinusites de repetção. Meato inferior: localiza-se inferiormente à concha inferior. Neste espaço encontramos o ós to nasal do ducto nasolacrimal. -
Superiormente, tem-se o teto nasal, que é formado por uma fina placa óssea, denominada lâmina crivosa. Nessa região emergem as terminações nervosas do nervo olfatório (I par craniano). Essa fina placa óssea é vulnerável em casos de TCE, sendo um dos sí tos mais comuns de formação de f stulas liquóricas pós-traumá tcas. Lateralmente, separando a fossa nasal da órbita, tem-se a lâmina papirácea. Por ser muito delgada, pode permi tr a disseminação de infecções dos seios da face para as órbitas, sendo uma referência anatômica de extrema importância pela proximidade com o nervo ó tco. Posteriormente, têm-se as coanas, onde ocorre a transição com a faringe, podendo ser sí to de malformações congênitas (imperfurações coanais).
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Figura 3 - Visão sagital da parede lateral do nariz: observar as conchas inferior, média e superior; estão representados es t letes introduzidos nos óst os dos seios e do ducto lacrimonasal
c) Limites do nariz Anteriormente, têm-se as narinas, com seu ves bulo nasal e válvula nasal já citados.
Figura 4 - Limites da fossa nasal: notar a delgada lâmina papirácea separando a órbita do seio etmoidal (seta inferior); a seta mais acima mostra a fi na lâmina cribriforme da base do crânio
d) Seios paranasais - Seios frontais: localizados na região frontal e supraorbitária. Drenam para o meato médio, na região do hiato semilunar (Figuras 5 e 7); - Seios maxilares: estão abaixo da órbita e acima da cavidade bucal (palato duro). Drenam para o meato médio; a região afunilada onde se encontra seu ós to é chamada infundíbulo (Figuras 6 e 7); - Células etmoidais: situadas medialmente à órbita, em contato íntmo com a lâmina papirácea. São o principal foco de infecção disseminada para a órbita. A inserção da concha média divide as células etmoidais em anteriores e posteriores, ou seja, as posteriores localizam-se em posição posterossuperior à concha média, ou seja, no meato superior; - Seio esfenoidal: localizado na região mais posterossuperior da fossa nasal; tem contato ín tmo com a base do crânio. Em seu interior, há lateralmente a projeção dos canais ósseos da artéria caró tda interna (inferior) e do nervo óp tco (superior) (Figura 7).
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OTORRINOLARINGOLOGIA
Figura 7 - Meato médio, visualizado após remoção da concha média e inferior: (A) ducto frontal drenando para o meato médio; (B) bula etmoidal (célula etmoidal anterior); (C) seio esfenoidal; (D) projeção do ducto nasolacrimal e (E) hiato semilunar, região de drenagem do seio maxilar, frontal e etmoidal anterior
e) Vascularização
Figura 5 - Seio frontal: removida parede anterior do seio frontal; observar a relação com a órbita e a parede anterior do crânio
A vascularização nasal provém de ramos das caró tdas externa e interna. Os ramos arteriais mais importantes são as etmoidais anteriores e posteriores, que são ramos da caró tda interna, e a esfenopala tna, que é ramo terminal da caró tda externa, sendo o sí to mais comum das hemorragias nasais severas. A anastomose dos 2 sistemas caro deos acontece na zona de Kiesselbach. f) Inervação A inervação sensi tva da parede lateral é feita através do 1º e 2º ramos do nervo trigêmeo. O 1º ramo (o álmico) dá origem ao nervo ciliar. O ramo maxilar dá origem ao nervo nasopalatno. Esses nervos têm terminações livres espalhadas por toda a mucosa nasal e são estmulados por substâncias irritantes como pimentas, pó e amônia. A informação sensorial é transmitda ao núcleo espinhal do trigêmeo, tálamo e córtex somatossensorial e inicia um re flexo protetor, com espirros, lágrimas ou secreções nasais. A sensibilidade da parede medial e do palato duro é dada pelo nervo nasopala tno, também ramo do nervo trigêmeo. g) Rinofaringe
Figura 6 - Relações topográ fi cas do seio maxilar: (A) concha in ferior; (B) seio maxilar; (C) órbita e (D) concha média; observar a comunicação do seio maxilar com o meato médio. A região de comunicação também é denominada infundíbulo maxilar
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Localizada posteriormente às coanas e anteriormente à coluna cervical, já não faz mais parte da cavidade nasal. Duas estruturas destacam-se nessa região: a adenoide (ou tonsila faríngea) e o ós to tubário. - Adenoide: órgão linfoide localizado na região superior da rinofaringe. Tem especial importância na infância, pois, uma vez hipertro fiada, pode gerar obstrução to-
ANATOMIA EM OTORRINOLARINGOLOGIA
tal ou parcial do fluxo aéreo nasal, com consequente respiração bucal e suas complicações; - Óstos tubários: a tuba audi tva tem sua abertura nasal na região da rinofaringe, posteriormente à cauda da concha inferior. Tem relação muito próxima com a adenoide, principalmente quando esta está hipertro fiada, podendo obstruir o ósto tubário. A região posterior ao ósto tubário (fosseta de Rosenmüller) é a principal região de aparecimento dos tumores de rinofaringe.
B - Fluxo aéreo nasal O ar inspirado segue uma trajetória elíp tca dentro da cavidade, tendo como pontos mais baixos a narina e a coana, e o meato médio como ápice. Para passar no ves bulo, o fluxo toma uma angulação de 60° e torna-se horizontal após atravessar essa região. A maior parte do ar passa na altura do meato médio e nessa região o fluxo torna-se turbulento, o que é importante na função nasal de aquecer e umidificar o ar inspirado. Assim como para os olhos e ouvidos, é importante teR corrente de ar adequada em ambas as cavidades, permi tndo correto funcionamento do órgão e conforto do paciente.
Figura 8 - Rinofaringe e parede lateral do nariz: (A) adenoide (atró fi ca); (B) óst o tubário; (C) fosseta de Rosenmüller; (D) concha infe-
rior e (E) concha média
2. Fisiologia A - Batmento mucociliar A mucosa do nariz e dos seios é composta por 80% de células pseudoestratficadas ciliadas. Essa mucosa é recoberta por um muco composto por 2 camadas: a mais externa (maior viscosidade) é chamada de fase gel, e a mais interna (menor viscosidade), em contato ín tmo com as células, corresponde à fase sol. Os cílios celulares têm importante função de clareamento. Eles batem com uma frequência de 1.000 golpes por minuto, e esse ritmo é cons ttuído por uma ba tda rápida para a frente (na fase gel) e um retorno lento (ba tda de recuperação) na fase sol, movendo em fluxo unidirecional par culas sólidas aí presentes.
Figura 10 - Vias do fl uxo aéreo nasal
3. Anatomia da orelha Anatomicamente, a orelha pode ser dividida em externa, média e interna e pode ser localizada profundamente no osso temporal que faz parte da base do crânio.
A - Orelha externa
Figura 9 - Célula ciliar: observar o ciclo de bat mento do cílio
Compreende o pavilhão auricular e o conduto audi tvo externo. O pavilhão auricular é uma estrutura fibrocartlaginosa recoberta de pele e anexos e tem o formato de concha para auxiliar na captação de sons. O Conduto Auditvo Externo (CAE) é um canal osteocartlaginoso. Seu terço externo é car tlaginoso, e os 2/3 internos são ósseos (Figura 11). É recoberta por pele e anexos, e os pelos estão presentes apenas no seu terço externo. A pele também contém glândulas especiais ceruminosas, produtoras do cerúmen, sendo este últmo produzido e eliminado para o exterior de forma con nua.
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Figura 12 - Tuba audi tv a: (A) orelha média; (B) tuba (porção óssea); (C) tuba (porção car tl aginosa) e (D) óst o faríngeo da tuba
Figura 11 - Orelha externa: (A) pavilhão auricular; (B) CAE e (C) mpano
B - Orelha média Composta pelo espaço existente dentro da cavidade tmpânica, tuba auditva e células mastóideas. a) Tuba auditva A tuba audi tva é uma estrutura osteomusculocar tlaginosa que faz a conexão entre o ouvido médio e a nasofaringe (Figura 12). Sua porção óssea se abre na cavidade tmpânica, e a musculocar tlaginosa, na nasofaringe (óstos tubários). Seu ponto de estreitamento máximo está na junção dessas 2 partes. Fisiologicamente, essa tuba encontra-se fechada. Sua abertura é feita de forma a tva por meio de 3 músculos: o tensor do véu palatno (o mais importante nesse mecanismo), o elevador do véu pala tno e o salpingofaríngeo. Esses músculos estão intmamente ligados à deglu tção e à movimentação palatal. Sendo assim, durante a deglu tção ocorre a abertura transitória da tuba audi tva, com consequente equalização da pressão aérea dentro da orelha média e da pressão aérea na cavidade nasal (pressão ambiente). O fechamento da tuba se faz de maneira passiva. No adulto, a tuba é mais alongada e ver tcalizada do que na criança, daí a facilidade maior com que secreções da nasofaringe podem refluir em direção à orelha média nas crianças, predispondo-as às o ttes. O funcionamento adequado da tuba audi tva é essencial para a adequada fisiologia do ouvido. Disfunções no funcionamento da tuba, de quaisquer e tologias, refletem-se na orelha média, com consequentes o ttes e perdas audi tvas condutvas.
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b) Células da mastoide As células mastoides formam uma cavidade aerada que se localiza dentro do processo mastoide do osso temporal (Figura 13). A maior delas e a 1ª a surgir é o antro mastoide, que se comunica com a porção superior da cavidade tmpânica por meio de um canal chamado ádito ( aditus ad antrum). Na criança, o antro é a única célula mastoide, e a par tr dele se desenvolvem as demais células, por aeração e crescimento da porção mastoide. Patologias crônicas do ouvido podem prejudicar esse desenvolvimento e impedir a aeração adequada da mastoide, com consequente hipodesenvolvimento desta. Quanto à celularidade, a mastoide pode ser classificada em: - Pneumatzada (normal, composta de diversas células); - Diploica (composta de células muito pequenas e esponjosas); - Mista (mistura de pneuma tzada e diploica); - Ebúrnea (quase sem células e muito pouco desenvolvida). O antro mastoide é de grande interesse nas cirurgias otológicas, por ser um importante ponto de referência e ter relações anatômicas importantes.
Figura 13 - Mastoide: observar a aeração das células da mastoide
ANATOMIA EM OTORRINOLARINGOLOGIA
c) Caixa tmpânica A caixa tmpânica é uma pequena cavidade localizada entre a tuba audi tva (anterior) e as células da mastoide (posterior). Tem 6 paredes e, no seu interior, ossículos, músculos e ligamentos (Figura 14). Limites: - Superior ( tegmen t mpani ): assoalho da fossa cerebral média; - Inferior: relação com o golfo da veia jugular; - Lateral: membrana tmpânica; - Medial: tem diversas saliências de importância cirúrgica, como o promontório (que corresponde ao giro basal da cóclea), a abertura das janelas oval ou do ves bulo (onde se aloja o estribo) e a janela redonda ou da cóclea; - Anterior: relação com a caró tda interna e a tuba auditva; - Posterior: antro mastoide.
nica. Microscopicamente, é composta de células formando as 3 camadas descritas. A porção flácida é superior e tem somente 2 camadas celulares, não possuindo a camada intermediária. A MT tem a função de receber as vibrações sonoras e transmit-las para a cadeia ossicular.
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Figura 15 - Membrana t mpânica: os traços pretos indicam os ligamentos maleolares, que dividem a membrana em pars fl ácida (superior) e pars tensa (inferior)
Figura 14 - Caixa t mpânica: observar a relação da cadeia ossicular com a membrana t mpânica
e) Cadeia ossicular A Cadeia Ossicular (CO) é composta de 3 ossículos: o martelo, a bigorna e o estribo. 1 - Martelo: composto de cabeça, colo e manúbrio, está em contato com a membrana tmpânica. 2 - Bigorna: composta de corpo, apó fise curta e longa (esta últma se artculando com o estribo). 3 - Estribo: composto por 2 cruras (“pernas”) e a pla tna (ou base). Faz ar tculação com a janela oval por meio da platna, transmitndo os impulsos vibratórios da cadeia ossicular para os líquidos do ouvido interno. Os ossículos do ouvido médio estão suspensos por seus músculos e ligamentos.
d) Membrana tmpânica A Membrana Timpânica (MT) possui 3 folhetos celulares fundidos entre si, o mais externo formado por pele con nua com a pele do CAE, o intermediário formado por tecido fibroso, e o folheto interno formado por mucosa da orelha média. Divide-se em porção tensa (inferior) e porção flácida (superior). Essa divisão é feita pelos ligamentos maleolares anterior e posterior. Ligado à MT está o martelo, que faz na membrana uma umbilicação na região superior. Dessa umbilicação partem os 2 ligamentos em direção à periferia da membrana (Figura 15). A porção tensa, como o próprio nome diz, é mais estcada e compreende a maior parte da membrana tmpâ-
Figura 16 - Ossículos do ouvido: (M) martelo; (B) bigorna e (E) estribo
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OTORRINOLARINGOLOGIA f) Músculos e vascularização do ouvido Músculo tensor do mpano: liga-se ao martelo; - Músculo estapédio: liga-se ao estribo. Ambos, ao se contraírem, provocam rigidez da cadeia ossicular, protegendo o ouvido interno da transmissão de sons potencialmente lesivos. A vascularização do ouvido provém de ramos das artérias carótdas externa, interna e vertebral. -
C - Orelha interna Está localizada na profundidade da porção petrosa do osso temporal e é formada por um arcabouço ósseo, o labirinto ósseo, dentro do qual se encontra o labirinto membranoso. a) Labirinto ósseo O Labirinto Ósseo (LO), a região do ouvido interno que dá suporte ósseo e formato ao labirinto membranoso, apresenta os canais semicirculares (lateral, superior e inferior), o ves bulo e a cóclea (Figura 17). Dentro do LO há o labirinto membranoso e, separando esses 2 labirintos, há a perilinfa, de composição iônica semelhante à plasmá tca. A perilinfa tem composição iônica semelhante ao extracelular, rica em sódio e pobre em potássio; a endolinfa tem composição semelhante ao intracelular, com maior concentração de potássio e menor de sódio.
3 - Labirinto membranoso. 4 - Endolinfa. c) Estruturas do labirinto - Canais semicirculares (CSC) São canais dispostos nos 3 planos dimensionais e com angulação de cerca de 90° entre eles. São denominados (Figura 18): CSC lateral; CSC superior; CSC inferior (ou posterior). • • •
Em uma das extremidades, cada canal apresenta uma pequena dilatação denominada ampola, que é a região inervada. Esses canais têm a função de detectar movimentos rotacionais da cabeça do indivíduo. Tais movimentos geram uma corrente da endolinfa dos canais e consequente estmulação da ampola, com transmissão do es mulo ao nervo vestbulococlear (NC VIII). Utrículo e sáculo São dilatações na região intermediária entre os CSC (mais posteriores) e a cóclea (mais anterior), comunicando-se com essas estruturas (Figura 18). É responsável pela detecção de movimentos lineares da cabeça (como andar para frente, subir elevador). Os CSCs são os principais órgãos periféricos responsáveis pela manutenção do equilíbrio, com microcristais denominados otólitos, que são os responsáveis pela patogênese da ver tgem posicional paroxís tca benigna. -
Figura 17 - Labirinto ósseo
b) Labirinto membranoso O Labirinto Membranoso (LM) é formado por membranas extremamente delgadas que fazem o reves tmento interno do LO, separado dele pela perilinfa. Em seu interior, o LM é preenchido pela endolinfa, de composição iônica semelhante à intracelular. Portanto, em uma secção do labirinto, serão notadas as seguintes estruturas, progredindo de externa para internamente: 1 - Labirinto ósseo. 2 - Perilinfa.
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Figura 18 - Labirinto posterior, mostrando os CSCs (A - superior; B - inferior e C - lateral) e o ves bulo (sáculo e utrículo): as setas indicam as ampolas (região inervada) dos canais semicirculares
Cóclea A cóclea é um órgão canalicular ósseo em formato de espiral ao redor de um cone ósseo central, chamado modío-
ANATOMIA EM OTORRINOLARINGOLOGIA
lo. Deste partem lâminas ósseas que subdividem esse canal (cóclea) em subcanais: 1 - Rampa vestbular. 2 - Rampa média. 3 - Rampa tmpânica. As rampas vestbular e tmpânica são preenchidas por perilinfa e comunicam-se no ápice da cóclea. A rampa média é preenchida por endolinfa, e em seu interior está o órgão de Cor t, responsável pela detecção dos es mulos auditvos (Figura 19). -
Órgão de Cor t
O órgão de Cort situa-se ao longo de toda a rampa média. Em sua base, está a membrana basilar, sensível às vibrações das rampas ves tbular e tmpânica. Sobre a membrana basilar, há as células ciliadas (internas e externas), que recebem fibras neurais e são capazes de detectar os es mulos mecânicos (provenientes da vibração da membrana basilar) e de transformá-los em es mulos neurais, que atngem o SNC através do NC VIII. Portanto, quando o som chega à membrana tmpânica, esta vibra e, consequentemente, faz vibrar a cadeia ossicular justaposta. A vibração da cadeia ossicular é transmi tda pelo estribo à janela oval, que corresponde à abertura externa da rampa vestbular. Assim, a vibração do estribo faz a perilinfa da cóclea vibrar e, consequentemente, es tmula a membrana basilar e o órgão de Cor t, com transdução do es mulo mecânico em es mulo neural.
Figura 20 - Inervação do labirinto: (NC) Nervo Coclear; (NV) Nervo Vest bular; (C) Cóclea e (CSC) canal semicircular
b) Nervo facial (NC VII) De especial importância na anatomia do ouvido é o nervo facial (NC VII), que emerge do SNC no ângulo pontocerebelar e entra pelo CAI junto com o NC VIII. Ao emergir do CAI, curva-se posteriormente e depois inferiormente, tendo relação anatômica com a orelha média, o CSC lateral, a bigorna e a parede posterior do CAE (Figura 21). Emerge do osso temporal por meio do forame es tlomastóideo. Os principais ramos do nervo facial são o nervo petroso super ficial maior (1º ramo), e o nervo corda do mpano (3º ramo). Dessa forma, diversas patologias que acometem o ouvido podem cursar com paresia ou paralisia facial do tpo periférica.
Figura 19 - (A) Cóclea, desenho esquemá t co do espiral coclear e (B) secção transversa na cóclea, mostrando: (RV) Rampa Vest bular; (RM) Rampa Média; (RT) Rampa Timpânica e (OC) Órgão de Cor t
D - Inervação a) Nervo ves tbulococlear (NC VIII) O ouvido interno é inervado pelo nervo ves tbulococlear, que emerge da ponte, entra por um canal ósseo (Conduto Audi tvo Interno – CAI) e chega ao labirinto. Divide-se, então, em um ramo anterior (coclear), responsável pela inervação da cóclea, e em um ramo posterior (vestbular), responsável pela inervação do ves bulo e dos CSCs (Figura 20).
Figura 21 - Nervo facial (em amarelo): observar suas relações anatômicas com estruturas da orelha média
4. Anatomia da faringe, laringe e cavidade oral A - Faringe A faringe divide-se, anatomicamente, em nasofaringe, orofaringe e hipofaringe.
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OTORRINOLARINGOLOGIA Nasofaringe: localiza-se superiormente, tendo o esfenoide como limite superior, a coluna cervical posteriormente, a coana anteriormente e os ós tos tubários lateralmente. Suas principais estruturas são a tuba audi tva, a adenoide e as fossetas de Rosenmüller (região retrotubária); - Fossetas de Rosenmüller: são a principal região de origem de carcinomas de rinofaringe; - Orofaringe: o palato mole, com 2 pilares (o anterior: músculo palatoglosso, e o posterior: músculo palatofaríngeo), representa a transição entre a nasofaringe e a orofaringe. Entre esses pilares está a amígdala pala tna (Figura 23). Nesse espaço encontram-se os abscessos periamigdalianos. As infecções amigdalianas, dentárias ou linfonodais podem evoluir para a formação de abscessos nos espaços cervicais profundos, a maioria deles de tratamento cirúrgico. A parede posterior da orofaringe está em contato ín tmo com a coluna cervical. Essa região é formada pelos músculos constritores superior, médio e inferior da orofaringe, todos de especial importância na fonação e deglu tção (Figura 23); -
ridos, gerando resposta imunológica ao agressor. Esse anel é composto por: - Adenoide: localizada na rinofaringe ; - Amígdalas (ou tonsilas) palatnas: localizadas lateralmente na orofaringe; - Amígdalas (ou tonsilas) linguais: localizadas posteriormente na língua; - Tonsilas orofaríngeas: diversas pequenas estruturas localizadas na parede posterior da orofaringe. Essas estruturas desempenham papel de “barreira” imunológica, porém podem encontrar-se hipertro fiadas, por razões ainda não totalmente elucidadas. Essa hipertrofia, quando sintomátca, é uma das principais causas de abordagem do anel, com remoção principalmente das amígdalas palatnas e da adenoide.
B - Laringe A laringe localiza-se na linha média cervical, anterior ao esôfago, superior à traqueia e inferior à hipofaringe. Suas funções são proteção da via aérea, respiração e fonação. a) Cartlagens Ao todo, são 9 cartlagens. - Pares: aritenoide, cuneiformes e corniculadas. As aritenoides estão acima da cricoide, e nelas se inserem as pregas vocais; - Ímpares: epiglote, treoide e cricoide.
Figura 22 - Músculos constritores superior, médio e inferior da faringe -
Hipofaringe: nessa região localiza-se a transição da faringe com o esôfago posteriormente e a laringe anteriormente, sendo sua visualização feita apenas de forma indireta (espelho de Garcia ou laringoscópio).
Figura 23 - Orofaringe: (A) pilar amigdaliano posterior; (B) pilar anterior; (C) úvula; (D) amígdala e (E) língua
O anel linfátco de Waldeyer é composto por estruturas linfoides capazes de reconhecer an genos inalados ou inge-
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Figura 24 - Arcabouço laríngeo, visões anterior, lateral, posterior e superior (removida a epiglote): (A) epiglote; (B) osso hioide; (C) ligamento reo-hióideo; (D) car tl agem t reoide; (E) car tl agem cricoide; (F) anel traqueal; (G) prega (corda) vocal; e (H) aritenoide
ANATOMIA EM OTORRINOLARINGOLOGIA
b) Musculatura intrínseca - Músculos adutores das pregas vocais: treoaritenoides (compõem as pregas vocais), interaritenoide, cricoaritenoide lateral e crico treoide; - Músculo abdutor: cricoaritenoide posterior. c) Inervação - Motora: o nervo laríngeo inferior (recorrente) inerva todos os músculos, exceto o crico treoide, inervado pelo laríngeo superior; - Sensitva: nervo laríngeo superior. Todos esses nervos são ramos do nervo vago (NC X). As pregas vocais dividem a laringe em 3 porções anatômicas: - Supraglote: vai desde o ápice da epiglote até o nível superior das pregas vocais. Nesse ponto, encontram-se as pregas vestbulares e o ventrículo de Morgagni; - Glote: é delimitada entre as pregas vocais; - Subglote: fica abaixo das pregas vocais até a transição cricotraqueal. d) Fonação Ocorre pela vibração das pregas vocais quando o ar atravessa a laringe durante a expiração. Essa vibração das pregas vocais e de sua mucosa gera uma onda sonora de acordo com a tensão, a massa e a posição das pregas.
Figura 25 - Fonação: (A) as pregas vocais encontram-se abduzidas (movimento inspiratório); (B) adução das pregas durante a fonação (expiração); (1) glote; (2) pregas vocais; (3) epiglote; (4) comissura anterior; (5) aritenoides; e (6) comissura posterior
C - Cavidade oral e glândulas salivares A cavidade oral é delimitada anteriormente pela boca (músculo orbicular da boca), lateralmente pela região jugal, superiormente pelo palato (duro e mole) e inferiormente pelo assoalho da boca. - Palato: formado anteriormente pelo osso maxilar e posteriormente pelo músculo palatofaríngeo. Apresenta lateral e anteriormente a arcada dentária, sendo que esta estrutura apresenta ín tma relação com o assoalho do seio maxilar. Essa relação favorece a disseminação de bactérias para os seios maxilares durante processos infecciosos ou após cirurgias dentárias, gerando as sinusites odontogênicas; - Assoalho da boca: formado pelos músculos gênio-hióideo, milo-hióideo e digástrico. Apresenta anterior-
mente os óstos de drenagem das glândulas salivares sublinguais e submandibulares (região de carúncula lingual); - Língua: composta por musculatura intrínseca ( fibras musculares dispostas em diversas direções) e extrínseca (genioglosso, es tloglosso, hioglosso, palatoglosso). Em sua superf cie apresenta as carúnculas linguais e as papilas gustatvas. - Glândulas salivares maiores: são 3 pares principais, sendo elas: Parótdas: localizadas lateralmente ao ramo da mandíbula e anteriormente ao pavilhão auricular. Apresenta relação íntma com o nervo facial, que passa em seu interior e emerge em seu 1/3 anterior. O ducto de drenagem da glândula paró tda localizase na mucosa jugal, na região do 1º molar superior; Submandibulares: localizam-se inferiormente à mandíbula, seu ducto de drenagem corre inferiormente à língua até a carúncula lingual; Sublinguais: localizadas inferiormente à língua, drenam em conjunto com as submandibulares. •
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5. Resumo Quadro-resumo Nariz - O ves bulo nasal é a região de maior estreitamento nasal; - O septo nasal pode apresentar desvios causando obstrução nasal; - No meato médio drena a maioria dos seios da face, e sua obstrução pode causar sinusites de repetção; - O plexo de Kiesselbach é o sí to da maioria dos sangramentos nasais leves; - A artéria esfenopalatna, ramo terminal da caró tda externa, é o principal sí to das epistaxes severas. Orelha - A membrana tmpânica possui uma porção flácida, com apenas 2 camadas, mais sujeita a retração e perfuração; - A tuba auditva é responsável pela ventlação do ouvido, e sua obstrução está associada a ottes; - O nervo facial possui trajeto em canal ósseo intramastoide, sí to comum de compressão nas PFP; - O sistema ves tbular possui otólitos nos seus canais, cujo desprendimento causa VPPB. Faringe - Na rinofaringe, situa-se a adenoide, cuja hipertro fia pode causar obstrução nasal e da tuba audi tva; - O principal sí to dos tumores faríngeos é próximo ao torus da tuba auditva. Laringe - Os músculos intrínsecos são responsáveis pela movimentação das pregas vocais; - As paralisias de pregas vocais podem indicar compressão intramedias tnal do nervo laríngeo recorrente; - As cartlagens laríngeas são revestdas por pericôndrio espesso que dificulta a disseminação sistêmica de tumores.
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OTORRINOLARINGOLOGIA
CAPÍTULO
2
1. Introdução Neste capítulo serão discu tdos os principais métodos diagnóstcos usados na prátca diária do otorrinolaringologista.
2. Exames de imagem A - Raio x de cavum
Métodos diagnóstcos em Otorrinolaringologia Bruno Peres Paulucci / Eric Thuler
Não é indicado nem mesmo para avaliação de quadros agudos, já que não diferencia processos in flamatórios de infecciosos. As principais alterações que podem ser visualizadas são o espessamento, velamento do seio ou a presença de nível líquido. As principais incidências dos raios x de seios da face são: fronto-naso (usada para avaliar seios frontais e etmoidais) e mento-naso (usada para avaliação de seios maxilares). As incidências axial e per fil têm pouca utlidade na prátca clínica.
Radiografia simples da nasofaringe em per fil, de paciente com boca aberta e fechada, permite a visualização da adenoide e a avaliação indireta do grau de obstrução da fossa nasal pela hipertro fia adenoidiana (Figura 1).
Figura 1 - Raio x de cavum: as setas coloridas indicam o estreitamento em rinofaringe por hiperplasia adenoidiana
B - Raio x de seios paranasais Utlizada no passado para a avaliação de rinossinusites ou patologias nasossinusais (Figura 2).
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Figura 2 - Raio x de seios paranasais: (A) mento-naso e (B) fronto-naso
MÉTODOS DIAGNÓSTICOS EM OTORRINOLARINGOLOGIA
C - Tomografia computadorizada de seios paranasais (TC SPN) Segue os princípios gerais da obtenção de imagens tomográficas. As imagens mais u tlizadas são as ob tdas em cortes axiais e coronais, principalmente em janela de partes ósseas. Em geral, espera-se que as fossas nasais e os seios paranasais estejam ventlados (preenchidos por ar). Seu velamento indica retenção de secreções ou presença de lesão ocupando a luz das estruturas. As principais estruturas visualizadas e suas alterações são (Figura 3): - Septo nasal: presença de desvios; - Cornetos inferiores: hipertro fia ou atro fia; - Concha média: alterações anatômicas; - Meato médio: infundíbulo (região de drenagem do seio maxilar), seios etmoidais anteriores, drenagem do seio frontal. O velamento dessa região geralmente acontece em sinusites ou secundariamente à polipose e à papilomatose nasal. - Seio maxilar: seu velamento indica processo patológico; - Seios etmoidais: em geral estão acome tdos conjuntamente com a região do meato médio; - Seio frontal e esfenoide: seguem os princípios dos demais seios; - Órbita: avaliação de lâmina papirácea e seu acome tmento em sinusites; - Base do crânio: avaliação de lâmina cribriforme.
temporal. Normalmente, orelha média, mastoide e Conduto Auditvo Externo (CAE) estão bem aerados. As principais estruturas avaliadas são (Figura 4): - CAE: integridade óssea, tumorações; - Cadeia ossicular: integridade e con tnuidade; pode estar erodida; - Cavidade tmpânica: velamento e erosões. Observar a região de tegmen t mpani (base do crânio); - Esporão de Chausse: correspondente à projeção da parede superior do CAE no interior da caixa tmpânica. Sua erosão é suges tva de colesteatoma; - Mastoide: velamento e aeração; mastoides ebúrneas (poucas células aeradas) indicam processos crônicos.
As imagens obtdas com janelas para partes moles são úteis para a visualização de tumores e patologias não ósseas da região. No entanto, fornecem menos detalhes anatômicos. Os cortes sagitais são úteis na visualização do seio frontal e de seu ós to de drenagem.
Figura 4 - TC de mastoide, orelha média e interna normais
E - Tomografia computadorizada de pescoço
Figura 3 - TC SPN normal: a seta amarela indica uma célula etmoidal infraorbitária
D - Tomografia computadorizada de ouvidos Usam-se, predominantemente, as imagens em janelas de partes ósseas, uma vez que se avalia a região do osso
Utlizada para diversos fins, sendo que os cortes axiais em janela de partes moles com u tlização de contraste são os que normalmente nos fornecem maior número de informações. As principais estruturas avaliadas são: - Palato: deve apresentar-se na linha média, simétrico e sem abaulamentos; - Rinofaringe, orofaringe e hipofaringe: devem seguir os princípios já citados. Atenção especial deve ser dada às fossetas de Rosenmüller, devido à maior incidência de carcinomas da faringe neste local;
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OTORRINOLARINGOLOGIA Cavidade oral: avaliar a língua e as estruturas relacionadas; - Glândulas salivares: avaliar presença de tumorações, abaulamentos e cálculos em seus ductos; - Laringe: avaliar espaço aéreo, integridade das car tlagens e presença de tumorações; - Tireoide: avaliar posição, tamanho e presença de tumorações; - Vasos: os principais vasos são as artérias caró tdas internas e externas, e as veias jugulares internas, externas e anteriores; - Linfonodos: avaliar tamanho, número, forma e presença de necrose no interior; - Espaços cervicais profundos: em vigência de abscessos cervicais, avaliar a extensão e as estruturas relacionadas. -
É um dos exames mais comuns na prá tca diária, pois permite a visão detalhada das estruturas. Após anestesia tópica das narinas, introduz-se nelas o aparelho de modo a visualizar todos os cornetos, meatos, ós tos de seios e a presença de lesões ou de alterações anatômicas. Após a fossa nasal, progride-se com o aparelho em direção à rinofaringe, avaliando ós tos tubários, fossetas de Rosenmüller e palato mole; progride-se para a região da laringe (Figura 6), visualizando a base da língua, epiglote, aritenoides, pregas vocais e infraglote.
Figura 5 - TC de pescoço, corte axial em janela para partes moles em uso de contraste intravenoso: observa-se o corpo da mandíbula (mento), base de língua, glândulas submandibulares, osso hioide, epiglote, veias jugulares internas e espaço cervical profundo de morfologia preservada
F - Ressonância magnétca de mastoides/ouvidos Usada para o diagnós tco e o estadiamento de tumores locais (glomo, neurinomas), a avaliação pré-implante coclear e a suspeita de f stulas liquóricas otogênicas.
G - Ressonância magnétca de nariz e seios da face Usada geralmente para o diagnós tco e estadiamento de tumores locais (estesioneuroblastomas, carcinomas espinocelulares) e avaliação de extensão intracraniana de sinusites.
3. Exames endoscópicos A - Nasofibrolaringoscopia Com aparelho de fibra ótca flexível, acoplado à fonte de luz, podem-se examinar a cavidade nasal, a rinofaringe e a laringe com boa acurácia.
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Figura 6 - Etapas da naso fi brolaringoscopia
MÉTODOS DIAGNÓSTICOS EM OTORRINOLARINGOLOGIA
C - Telescopia laríngea rígida É realizada sob anestesia tópica com spray de lidocaína em orofaringe e introdução do aparelho pela cavidade oral. O endoscópio laríngeo rígido (Figura 10) também fornece imagem com mais detalhes do que o flexível, mas também tem mobilidade reduzida e desencadeia maior reflexo de náuseas, o que leva alguns pacientes a não tolerarem o exame.
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Figura 7 - Naso fi broscopia de nariz: (A) concha nasal inferior; (B) concha nasal média e (C) septo nasal
Figura 10 - Endoscopia laríngea com aparelho rígido
D - Telescopia laríngea com estroboscopia Figura 8 - Naso fi broscopia de laringe
B - Telescopia nasal rígida É realizada com a mesma técnica descrita anteriormente, porém o endoscópio é rígido, não permi tndo a visualização da orofaringe e da hipofaringe. Permite a visualização das estruturas nasais com maior detalhamento (Figura 9), porém a mobilidade dentro da cavidade nasal é reduzida.
Usa-se a mesma técnica descrita anteriormente, mas se associada a uma fonte de luz estroboscópica. Esse aparelho gera luz pulsátl sincronizada, através de microfone, com frequência fundamental da voz. Esse tpo de luz permite ver a vibração das pregas vocais com grande riqueza de detalhes, como se es tvesse em câmera lenta, o que confere maior acurácia ao diagnós tco de alterações estruturais mínimas de laringe e de outras pequenas lesões.
E - Videoendoscopia da deglutção O exame é usado em casos especí ficos e avalia a função de deglu tção do paciente por meio da naso fibrolaringoscopia realizada enquanto o indivíduo ingere alimentos corados. É possível observar a movimentação da língua levando o bolo alimentar, a elevação da laringe e o fechamento da glote.
4. Testes auditvos A - Audiometria tonal Figura 9 - Endoscopia nasal com aparelho rígido; aparelho em região de meato inferior: (S) septo nasal e (CI) corneto/concha inferior
A audiometria determina a menor intensidade sonora detectável pelo paciente. São testadas frequências sonoras
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OTORRINOLARINGOLOGIA que vão de 250 a 8.000Hz, e as intensidades são medidas em decibéis (dB). Gra ficamente, obtém-se uma curva em que, nas abscissas, estão as frequências sonoras testadas e, nas ordenadas, está a intensidade sonora (dB). Vale ressaltar que, no grá fico audiométrico, há uma “inversão” dos valores nas ordenadas, ou seja, as maiores intensidades testadas encontram-se na região mais baixa do grá fico, e as menores, na região mais alta. a) Audiometria por via aérea Determina a menor intensidade sonora detectada por sons transmitdos por via aérea, ou seja, por meio de fone colocado no ouvido (CAE) do paciente. b) Audiometria por via óssea Determina a menor intensidade sonora detectada por sons transmitdos por via óssea, ou seja, por meio de vibrador ósseo (diapasão) colocado na região retroauricular (mastoide). Assim, transmite-se o som diretamente à cóclea, sem o uso do complexo mpano-ossicular. Afecções que acometem somente a orelha média (por exemplo, o tte média secretora) cursam com diminuição do limiar por via aérea (diminuição da transmissão sonora na orelha média), sem alteração do limiar por via óssea (não acomete a orelha interna). As curvas das vias aérea e óssea são representadas no mesmo gráfico. Quando presente, a diferença entre os limiares ósseos e os aéreos é denominada gap aéreo-ósseo. O limiar normal de detecção dos sons é de até 25dB. Pacientes com detecção de sons em intensidades acima disso apresentam algum grau de perda audi tva (ou disacusia). Principais tpos de perda audi tva (Figura 11): Neurossensorial: os limiares aéreo e ósseo coincidem e são maiores que 25dB (Figura 11C). Geralmente esse tpo de perda decorre de lesões cocleares ou de estruturas posteriores na condução sonora (NC VIII, tronco, córtex); - Condutvo: o limiar aéreo está elevado, porém o ósseo está dentro do normal. É suges tvo de patologias de orelha média que não comprometem a orelha interna e as demais estruturas, como as o ttes médias crônicas simples, as ottes médias secretoras e desar tculação da cadeia ossicular pós-traumá tca (Figura 11B); - Misto: há diferença entre os limiares ósseos e os aéreos, porém ambos são maiores que 25dB (Figura 11D). É um tpo de perda menos comum, geralmente decorrente de patologias que acometem a orelha média e interna (como otosclerose, ou alguns traumas de osso temporal). -
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Figura 11 - Traçados audiométricos: os círculos simbolizam os limiares por via aérea, e os “<” indicam os limiares por via óssea. O nível audi tv o de 20dB foi grifado para melhor visualização: (A) normal; (B) disacusia condut va (gap); (C) disacusia neurossensorial e (D) disacusia mista
c) Audiometria vocal O examinador pronuncia palavras padronizadas em intensidades pré-determinadas (de acordo com a audiometria tonal) e solicita ao paciente que as repita. Tem a função de confirmar o limiar audiométrico por via aérea e determinar a capacidade de discriminação da fala.
B - Timpanometria ou impedanciometria Mede a complacência da membrana tmpânica em função de pressões aplicadas no CAE. As curvas de complacência podem ser dos seguintes tpos (Figura 12): - Curva A: normal; - Curva Ar: sugestva de rigidez da cadeia ossicular, como na otosclerose. Essa rigidez restringe a movimentação da membrana tmpânica de forma adequada; - Curva Ad: sugestva de desar tculação da cadeia ossicular ou de formação de cicatrizes no mpano (neo mpano). Nessa situação a ausência de pressão bariátrica na membrana permite intensa mobilidade da mesma; - Curva B: sugestva de secreção em orelha média. A secreção impede a mobilização tanto interna quanto externa da membrana, de forma a não haver formação de “pico” de mobilidade; - Curva C: sugestva de disfunção da tuba audi tva. A membrana encontra-se retraída em direção a caixa tmpânica. Por isso, quando aplicada pressão nega tva no CAE, a membrana é “aspirada” de volta à sua posição original, e assim tem seu pico de mobilidade em pressões negatvas.
MÉTODOS DIAGNÓSTICOS EM OTORRINOLARINGOLOGIA
Figura 13 - BERA: nesse exame, obtêm-se ondas denominadas de I a V, sendo as ondas I, III e V as mais notáveis
E - Emissões otoacústcas
Figura 12 - Curvas de t mpanometria
O órgão de Cort na orelha interna transforma o es mulo mecânico da vibração da endolinfa em es mulo elétrico que percorre o nervo acús tco (NC VIII). Nesse processo, o órgão de Cor t gera ruídos que podem ser captados por fones ultrassensíveis colocados no CAE. Para aumentar a sensibilidade do exame, pode-se es tmular o ouvido com pequenos clicks sonoros que fazem o órgão de Cor t gerar mais ruídos. Este teste é u tlizado como triagem audi tva neonatal (“teste da orelhinha”). A ausência de respostas nesse teste pode indicar perda audi tva de graus variados, mas precisa ser melhor avaliada por frequentemente apresentar falso negatvo.
C - Reflexo estapediano
F - Eletrococleografia
É gerado em intensidades sonoras elevadas e tem por função proteger a orelha interna contra traumas acús tcos. O desencadeamento desse re flexo em intensidades sonoras pouco elevadas sugere um fenômeno denominado recrutamento, sugestvo de disacusias neurossensoriais em presbiacusias. A ausência desse reflexo pode indicar patologia da orelha média ou do nervo facial.
Usado na suspeita da doença de Ménière ou hidropisia endolinfátca (distensão do compar tmento da endolinfa), testa os potenciais nervosos gerados no NC VIII após a es tmulação sonora. Seus principais parâmetros são a intensidade do Potencial de Ação (PA) e do Potencial de Somação (PS) gerados no nervo. A relação PS/PA maior que 30% sugere a doença.
D - BERA (audiometria de tronco encefálico) Ao chegar à membrana tmpânica, o som é transmi tdo através da cadeia ossicular à cóclea e desta ao SNC, por meio de es mulo nervoso gerado no nervo audi tvo (NC VIII). A partr do nervo, o es mulo percorre estruturas bem conhecidas no tronco, no hipotálamo e no encéfalo, até atngir o córtex cerebral, na região temporal. O BERA é realizado por meio da es tmulação sonora em CAE com fones de ouvido e captação do impulso neurológico gerado por tal som. Para isso, são usados eletrodos fixos à pele do paciente. Assim, obtém-se uma curva grá fica que demonstra os instantes em que o es mulo passou por essas principais estruturas/estações neurológicas da via audi tva (Figura 13). Aplica-se esse teste àqueles com suspeita de simulação de perda audi tva, pois é um teste que independe da resposta do paciente; também é ú tl em crianças de poucos meses, para determinar se há perda audi tva; assim como pode indicar lesões degenera tvas ou neurinomas através do aumento no intervalo entre as ondas III e V.
5. Teste otoneurológico A avaliação do comportamento do nistagmo é fundamental para o correto diagnós tco das vestbulopatas periféricas. Nesse exame, testam-se a mo tlidade ocular voluntária e involuntária, bem como a ocorrência e a intensidade no nistagmo em diversas situações. O principal passo desse teste é realizado quando se procede o aquecimento ou resfriamento unilateral do CAE com água corrente em temperatura de 30 e 44°C (pode-se também usar ar aquecido/ resfriado). Nessas situações, geram-se correntes de convecção nos canais semicirculares laterais e consequentes es tmulação labiríntca e geração de es mulo neurológico de sensação de rotação. Em seguida, há o aparecimento de nistagmo reflexo, cuja intensidade, associada às outras informações obtdas no exame, permite sugerir o tpo e a topogra fia da lesão labiríntca em curso.
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OTORRINOLARINGOLOGIA 6. Polissonografia
- Laringoscopia com estroboscopia permite a visualização de lesões estruturais mínimas;
Consiste na avaliação quanttatva de parâmetros variáveis durante o sono e da inter-relação entre esses parâmetros. É u tlizada em pacientes com suspeita de Síndrome de Apneia e Hipopneia Obstru tva do Sono (SAHOS) ou com outros distúrbios do sono. Nesse teste, o paciente dorme no laboratório, e monitorizam-se frequência cardíaca, frequência respiratória, oximetria, pressão arterial, tônus muscular, EEG, fluxo aéreo nasal e oral, expansões torácica e abdominal, decúbito, ocorrência e intensidade de roncos e movimentos oculares (Figura 14). Diante desses parâmetros, podem-se determinar a ocorrência e a frequência de apneia noturna e seu grau de interferência na qualidade do sono.
- Paralisia de pregas vocais na laringoscopia sugere inves tgar tórax e mediastno;
A apneia é classificada, quanto à origem, em: a) Obstrutvas: decorrem de colabamento das vias aéreas durante o sono, secundariamente à hipotonia muscular e a alterações anatômicas. Não há diminuição do es mulo neurológico para a respiração. b) Centrais: decorrem da redução da ven tlação por diminuição do es mulo nervoso para a respiração durante o sono. Comum em neuropa tas. c) Mistas: combinação das 2 anteriores (mais raras).
Figura 14 - Polissonogra fi a: notar que todos os parâmetros são gra fados paralelamente, para obter a correlação temporária entre eles
7. Resumo Quadro-resumo - Exames; - Raio x de cavum para hipertrofia adenoidiana; - TCSF é o padrão-ouro para a avaliação das rinossinusites; não solicitar no quadro agudo; - TC de ouvidos com erosão do esporão de Chausse é sugestva de colesteatoma; - Ressonância magnétca de ouvido interno é o melhor exame para investgar neurinoma;
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- Audiometria e tmpanometria permitem avaliar se a perda é neurossensorial ou condutva; - As otoemissões não fornecem diagnóstco definitvo da perda auditva do recém-nascido; - O exame otoneurológico permite diferenciar o tpo de labirintopata; - A polissonografia permite avaliar o tpo de apneia e a sua gravidade.
CAPÍTULO
3
Otologia Vanier Junior / Vladimir Garcia Dall’Oca / Eric Thuler / Bruno Peres Paulucci
1. Doenças da orelha externa
B - Pericondrite
Muito comum em locais de clima quente e úmido, principalmente nos meses de verão, a o tte externa bacteriana é a doença mais comum do conduto audi tvo externo e acomete com maior frequência os pra tcantes de esportes aquá tcos. Normalmente, a fisiopatologia da otte externa inicia-se com o conduto audi tvo externo úmido, associado ao acúmulo de cerume e um maceramento e descamação da pele local, o que cria um ambiente propício ao crescimento de micro-organismos, iniciando o processo infeccioso. Os agentes bacterianos mais comuns são Staphylococcus, Streptococcus e Pseudomonas aeruginosa. Podem também ocorrer infecção por fungos, principalmente Aspergillus e Candida.
Definida pela infecção bacteriana da car tlagem e pericôndrio do pavilhão audi tvo. Em geral, ocorre após trauma com solução de con tnuidade com meio externo ou em vigência de brincos ou piercings na orelha. Também pode ocorrer secundariamente às o ttes externas. Seus principais agentes são os germes de pele (Streptococcus, Staphylococcus) e a Pseudomonas aeruginosa. O quadro clínico caracteriza-se por ser de rápida evolução, com hiperemia, dor e edema de pavilhão auricular após trauma local. O diagnós tco é eminentemente clínico. O tratamento deve ser feito de forma agressiva, com an tbiotcoterapia oral (ciprofloxacino), associada a cor tcoterapia oral (prednisona). Em casos de formação de abscesso, o mesmo deve ser drenado, e mantendo dreno de Penrose e cura tvo compressivo. Deve-se também considerar o uso de pomadas com antbiótcos na região da laceração traumá tca. A principal complicação dessa patologia é a ocorrência de deformidades no pavilhão após a recrudescência da infecção.
A - Oto-hematoma Caracteriza-se por uma coleção sero-hemá tca entre o pericôndrio e a pele, geralmente ocorrendo após trauma local (comum em lutadores). O quadro clínico é de um abaulamento local com coloração vinho-acastanhada, flutuação e dor à palpação. O diagnós tco é eminentemente clínico. O tratamento deve ser através de drenagem local, seguida de curatvo compressivo por 48 horas. Em casos de maior extensão, um dreno de Penrose pode ser deixado no espaço formado durante o período. A an tbiotcoterapia oral deve ser estabelecida, cobrindo principalmente germes Gram positvos; utliza-se a cefalexina por 5 a 7 dias. A recidiva do hematoma pode ocorrer após a remoção do cura tvo, sendo necessárias em alguns casos novas drenagens.
Figura 1 - Oto-hematoma traumát co de orelha esquerda
Figura 2 - Sequela de pericondrite de orelha esquerda. Observe a perda dos contornos, hiperemia e edema de pele de pavilhão auricular
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OTORRINOLARINGOLOGIA C - Otte externa difusa aguda Patologia caracterizada pela infecção da derme e epiderme do conduto audi tvo externo, sendo seus principais agentes etológicos a P. aeruginosa, S. aureus e o Streptococcus proteus. Seus fatores predisponentes mais comuns são: - Exposição a umidade: daí sua maior incidência após uso de a piscina, banhos de imersão e em nadadores; - Traumas: os traumas externos (inclusive por uso de hastes de algodão e corpos estranhos) podem gerar pequenas lacerações da pele do CAE, gerando solução de contnuidade com o meio externo, facilitando a penetração bacteriana; - Composição do manto lipídico: a secreção das glândulas ceruminosas, quando ausente, ou alterações na composição da secreção das glândulas locais podem alcalinizar o pH e favorecer a penetração bacteriana. O quadro clínico caracteriza-se por intensa dor local, geralmente unilateral, que piora a compressão do trago. Não se observam alterações sistêmicas como febre e queda do estado geral. Eventualmente, o paciente pode se queixar de hipoacusia. À otoscopia observa-se, inicialmente, dor de moderada a intensa à palpação local e até mesmo à alocação do otoscópio. No CAE nota-se edema difuso de graus variáveis, podendo ser leve ou até mesmo intenso, chegando a ocluir o CAE. Hiperemia, descamação e secreção serosa ou purulenta também são observadas. Em paciente imunodeprimido a infecção pode se propagar para a região retroauricular, pavilhão auricular ou até mesmo em direção ao osso temporal. Adenopa ta cervical também pode ser notada. O diagnóstco é eminentemente clínico, não sendo necessária a complementação com outros métodos diagnóstcos. O tratamento deve ser feito de acordo com a gravidade da doença: - Casos leves: gotas tópicas contendo an tbiótcos (quinolonas, neomicina ou polimixina B) e cor tcoides, e pode-se fazer lavagem prévia com água, para remover restos descamatvos; - Casos graves: além das gotas tópicas, deve ser indicado antbiótco oral (cefalexina ou cipro floxacino). Analgésicos e ant-inflamatórios devem ser prescritos devido a intensa dor que a patologia gera. O paciente também deve ser orientado a proteger o ouvido contra a entrada de água no conduto audi tvo externo durante o tratamento. Deve-se reavaliar o paciente após 48 a 72 horas do início do tratamento, pois, caso não haja melhora com o tratamento inicialmente proposto, deve-se considerar a possibilidade de extensão da infecção para sí tos adjacentes (pavilhão, mastoide). Também deve-se considerar a ampliação
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do espectro antbiotcoterapêutco. Compensação das comorbidades clínicas é indispensável.
Figura 3 - Ot te externa difusa aguda
D - Otte externa circunscrita Causada por estafilococo, origina-se no complexo pilossebáceo e tem localização bem de finida e circunscrita no conduto auditvo externo. Quando acomete apenas 1 folículo, é chamada furúnculo; quando mais de 1 folículo é acometdo, chamamos carbúnculo. O quadro clínico caracteriza-se por dor intensa local, evolução rápida do quadro, algumas vezes com febre. À otoscopia, observa-se edema localizado com sinais flogístcos, muito doloroso ao toque. O tratamento é feito com antbiótcos com boa cobertura para Gram posi tvos, como cefalexina, durante 7 a 10 dias, analgésicos (dipirona ou paracetamol) e ant-inflamatórios por VO. Em casos com evolução desfavorável, pode ser necessária drenagem, podendo ser associadas ao tratamento gotas otológicas contendo cipro floxacino e cor tcoides. - Rolha de cerume/epidérmica Caracteriza-se pelo acúmulo de cerume no conduto auditvo externo, formando uma rolha que contém também debris celulares provenientes da descamação epitelial do conduto. Fisiologicamente, o cerume é produzido por glândulas ceruminosas localizadas no 1/3 externo do CAE. A disposição dessas glândulas, a anatomia do CAE e a movimentação da artculação temporomandibular permitem a eliminação fisiológica total do cerume produzido, permi tndo um constante turnover da secreção no terço externo do conduto. No entanto, as seguintes situações podem favorecer a formação da rolha de cerume: - Uso de hastes de algodão ou protetores auriculares: esses objetos podem descolar o cerume do terço ex-
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terno do CAE em direção aos 2/3 internos. Nessa região, o cerume não consegue ser eliminado pelo CAE através dos mecanismos fisiológicos; - Variações anatômicas: pacientes com CAEs estreitos ou tortuosos têm maior facilidade ao acúmulo de cerúmen, devido à maior di ficuldade de eliminação da secreção produzida. O quadro clínico caracteriza-se pela baixa audi tva progressiva, com sintoma de plenitude auricular. O diagnós tco é eminentemente clínico, através da observação de rolha ceruminosa ocluindo total ou parcialmente o CAE, di ficultando a condução sonora.
Figura 4 - Rolha de cerume ocluindo o CAE
O tratamento é feito através da remoção do cerume com uso de lavagem com água morna ou com uso de curetas especiais. Nos casos em que a lavagem mostra-se di ficultosa ou dolorosa, pode-se orientar o uso prévio de gotas emolientes (Cerumin®) para amolecer a cera e facilitar a remoção. Em pacientes portadores de perfuração tmpânica, a lavagem é contraindicada, pois não se deve molhar a caixa tmpânica. Nesses pacientes opta-se pela remoção com uso de cureta ou aspiradores.
E - Otte externa maligna Quadro infeccioso muito grave do ouvido externo caracterizado por infecção do CAE que se estende para as estruturas adjacentes como ATM, pavilhão auricular, orelha média, mastoide, base do crânio, orelha interna e osso temporal. Tem caráter bastante invasivo, gerando destruição tssular e intenso processo in flamatório. Seu principal agente e tológico é a Pseudomonas aeruginosa, e geralmente ocorre secundária a o tte externa difusa. Os principais fatores de riscos são: diabetes não controlada (90% dos pacientes), idosos e presença de doenças imunodepressoras como SIDA. O quadro clínico inicia-se como uma o tte externa aguda refratária ao tratamento clínico. A dor pode ser de moderada a de grande intensidade. Sintomas sistêmicos como
queda do estado geral, descompensação diabé tca, febre e cefaleia podem estar associados. Hipoacusia com plenitude auricular e otorreia são sintomas picos. Com a evolução, a doença pode progredir para regiões adjacentes, gerando dor à movimentação da ATM, restrição à abertura oral (acometmento de masseter) e adenopa ta cervical. Também pode ocorrer necrose dos tecidos e invasão do osso temporal, com complicações secundárias, como paralisia facial periférica por acome tmento do NC VII intratemporal e formação de abscessos intracranianos ou intratemporais. Ao exame f sico observamos intenso edema e hiperemia em pavilhão auricular. À otoscopia observamos secreção purulenta em CAE, edema e hiperemia das paredes do CAE, presença de ulcerações na derme, granulações locais, dor intensa ao toque. Em resumo, os principais sinais da doença são: - Diabetes mellitus descompensada; - Otalgia intensa; - Acometmento de nervos cranianos (principalmente NC VII); - Otorreia e tecido de granulação à otoscopia. O diagnóstco é feito por meio do quadro clínico (sinais e sintomas) e de exames complementares, sendo esses de fundamental importância: - Cintlografia com gálio 67: marca os polimorfonucleares, sendo um marcador de infecção a tva (osteomielite). Também u tlizado para monitorizar a resposta terapêutca; - Cintlografia com tecnécio 99: mostra regiões osteoblástcas presentes em osteomielites; - TC de mastoide: geralmente altera-se em estágios avançados da doença. Permite avaliar o grau de extensão da infecção; - RNM de mastoide: fornece informações complementares à TC. Também avalia possíveis alterações no SNC secundárias ao processo infeccioso. Outros exames que podem ser solicitados são a cultura da secreção do ouvido, hemocultura e exames gerais (hemograma, PCR, VHS, glicemia). O tratamento consiste em: - Compensação das patologias associadas, como diabetes mellitus e compensação clínica geral (paciente internado); - Antbiotcoterapia parenteral, sendo cipro floxacino o antbiótco mais comumente u tlizado (inicialmente IV, podendo ser seguida por VO) por, no mínimo, 6 semanas, porém outros agentes an t-Pseudomonas devem ser considerados; - Abordagem cirúrgica: nos casos refratários ao tratamento clínico, a abordagem cirúrgica com debridamento das áreas necrótcas deve ser considerada.
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OTORRINOLARINGOLOGIA da, mas acredita- se que seja decorrente de infecção viral (pós- IVAS) ou bacteriana (micoplasma). O quadro clínico caracteriza-se por intensa otalgia, geralmente unilateral, após IVAS. Febre e outros sintomas gerais na maior parte não são observados. Hipoacusia e plenitude auricular podem ocorrer devido a perda de capacidade de vibração da MT. No exame f sico, observamos uma bolha com conteúdo líquido na membrana tmpânica, com hiperemia local. CAE preservado. O diagnóstco é eminentemente clínico. O tratamento é feito através de proteção contra umidade, an tbiotcoterapia oral com macrolídeos (claritromicina ou eritromicina), analgesia e gotas tópicas contendo an tbiótcos. A punção da bolha tem validade ques tonável, sendo que muitos autores sugerem não realizá-la.
Figura 5 - Ot te externa maligna. Seta mostrando edema de tecidos e erosão óssea em região adjacente ao CAE esquerdo
F - Otomicose Neste caso, a infecção do conduto audi tvo externo é causada por fungos. Os principais envolvidos são os dos gêneros Candida e Aspergillus. O quadro clínico pode variar, desde pouco sintomá tco (prurido isolado, por exemplo) até com sintomas mais intensos. À otoscopia, observam-se os filamentos fúngicos, de coloração variável. O tratamento é feito com gotas tópicas contendo antfúngicos e limpeza local por aspiração. Figura 7 - Miringite bolhosa: notar a formação de bolha na região central da MT
2. Doenças da orelha média 2.1 - Doenças não infecciosas da orelha média A - Disfunção tubária
Figura 6 - Otomicose
G - Miringite bolhosa Patologia caracterizada pela infecção na camada externa (epitelial) da membrana tmpânica, formando bolha pela delaminação dessas camadas, contendo secreção serosa em seu interior. A e tologia não é ainda totalmente elucida-
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Patologia caracterizada pela incapacidade da tuba auditva abrir adequadamente e compensar a pressão no interior da orelha média com a pressão da cavidade nasal (pressão ambiente). Essa incapacidade pode ser secundária a processo inflamatório da mucosa da tuba em vigência de IVAS ou processos alérgicos. O quadro clínico caracteriza-se por sensação de plenitude auricular associada a hipoacusia e eventual zumbido. O diagnós tco é clínico e à otoscopia observa-se a membrana tmpânica retraída para orelha média. Ao orientar o paciente a realizar expiração forçada com oclusão oral e narinária, observa-se a volta da membrana à
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sua posição original e melhora temporária dos sintomas. O tratamento deve ser baseado na doença de base (an talérgicos e descongestonantes são bastante eficazes). Pode-se também orientar o paciente a manter movimentos repe ttvos de deglu tção, podendo chupar bala ou chiclete para auxiliar nessa manobra.
alterando seu metabolismo e funcionamento. Na curva audiométrica, pode ocorrer uma perda audi tva mais pronunciada na frequência de 2kHz, fenômeno conhecido como entalhe de Carhart. O tratamento inclui a readaptação audi tva por meio do uso de Aparelhos de Ampli ficação Sonora Individuais (AASI), o uso de fluoreto de sódio (com efeito inibidor na progressão da doença), e a terapia cirúrgica, em que se subs ttui o estribo por uma prótese.
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Figura 8 - Retração da membrana t mpânica, principalmente na região posterior
Figura 9 - Intenso foco de otosclerose na região anterior da janela oval
C - Traumas B - Otosclerose (otospongiose) A otosclerose ou otospongiose é uma patologia que acomete o labirinto ósseo (a cápsula ó tca) em diversos locais, notadamente na região da janela oval. Ocorre um processo degenera tvo ósseo com o surgimento de focos escleró tcos no tecido ósseo, o que pode levar, no final do processo, a uma fixação da platna do estribo na janela oval, com consequente rigidez da cadeia ossicular, que passa a não transmitr adequadamente as vibrações sonoras. Acomete, principalmente, mulheres jovens (com pico de incidência na 3ª década de vida) e tem caráter progressivo, bilateral e simétrico até por volta da 5ª década de vida, quando tende a estabilizar-se. Ocorre piora da doença durante a gestação. O quadro clínico caracteriza-se por hipoacusia progressiva, algumas vezes acompanhada de zumbidos e sintomas vestbulares. O exame f sico costuma ser normal, e os exames complementares incluem a avaliação audiométrica (audiometria tonal e vocal), que mostra perda audi tva do tpo condu tvo, geralmente acometendo inicialmente as frequências mais baixas (graves). A tmpaniometria evidencia curva tpo Ar e o re flexo do estapédio pode estar abolido nas perdas mais intensas. Com a evolução da doença, as demais frequências podem ser acometdas, e a perda audi tva pode tornar-se do tpo misto (perda condu tva e neurossensorial concomitante) pela invasão dos focos otoscleró tcos no ouvido interno,
Os traumas do osso temporal serão divididos dida tcamente: - Trauma do conduto audi tvo externo: geralmente secundário a uso de hastes de algodão ou outros corpos estranhos. Caracteriza-se por dor intensa e sangramento, sem alteração da acuidade audi tva. O exame f sico evidencia laceração de conduto audi tvo e membrana tmpânica íntegra. O tratamento deve ser feito através de proteção contra umidade, gotas tópicas contendo antbiótcos e analgesia; - Perfuração tmpânica traumátca: pode ocorrer também por penetração de corpo estranho ou por aumento súbito de pressão no CAE (tapa na orelha). O quadro clínico é de otalgia associado a otorragia e hipoacusia. À otoscopia observa-se MT lacerada e sangramento local. O tratamento deve ser feito também com proteção auricular e observação clínica, uma vez que 80 a 85% das perfurações traumá tcas cicatrizam espontaneamente. Caso não haja fechamento da perfuração, deve-se considerar a correção cirúrgica; - Desartculação de cadeia ossicular: em traumas penetrantes ou fechados de maior energia, pode haver desartculação da cadeia ossicular. O quadro clínico é de hipoacusia súbita após o trauma, podendo estar associado ou não à perfuração da membrana tmpânica. O diagnóstco é baseado na audiometria (disacusia condutva ou mista) com tmpanometria evidenciando
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OTORRINOLARINGOLOGIA curva Ad. Tomogra fia de mastoide também pode mostrar a região acometda. O tratamento pode ser feito com protetzação auditva ou cirurgicamente através da reconstrução da cadeia ossicular com próteses; - Fratura longitudinais de osso temporal: geralmente secundárias a trauma de moderada energia, seus sintomas variam de acordo com a estrutura acome tda, porém geralmente não cursam com lesão de estruturas nobres (nervo facial e cápsula ó tca). O diagnós tco é tomográfico e o tratamento pode ser conservador nos casos menos graves;
2.2 - Doenças infecciosas/inflamatórias da orelha média A - Otte média aguda A Otte Média Aguda (OMA) é de finida como o processo infeccioso da orelha média. Sua e tologia pode ser viral ou bacteriana e é, na maioria das vezes, secundária à IVAS. Embora possa acometer indivíduos de todas as idades, as crianças estão mais sujeitas a complicações, e alguns estudos sugerem que há 2 picos de incidência: entre 6 e 24 meses e entre 4 e 7 anos. A maior incidência em crianças deve-se, principalmente, a: - Número elevado de episódios IVAS; - Anatomia: a tuba audi tva mais curta e horizontalizada predispõe à aspiração de secreções da nasofaringe até o ouvido médio; - Hábito de mamar deitado: leite ou secreções gástricas podem refluir via tuba audi tva até o ouvido médio; - Interrupção do aleitamento materno; - Frequência a creches ou berçários (exposição à IVAS); - Tabagismo passivo; - Atopia.
Figura 10 - Fratura longitudinal do osso temporal à esquerda -
Fratura transversa de osso temporal: geralmente secundária a traumas de alta energia, a linha de fratura comumente acomete estruturas nobres como o canal do nervo facial, a cápsula ó tca e a base do crânio. Os sintomas variam de acordo com a estrutura acome tda, mas em geral envolvem paralisia facial periférica, hipo ou anacusia, ver tgem severa e até mesmo otorreia hialina em casos de fratura de base de crânio e formação de f stula labiríntca. O diagnóstco é tomográfico e o tratamento deve ser considerado de acordo com a estrutura acome tda. Nos casos de paralisia facial, deve-se considerar a mastoidectomia e descompressão do canal do NC VII.
Figura 11 - Fratura transversa de osso temporal direito
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Figura 12 - Ot te média aguda: notar a membrana t mpânica abaulada, opaci fi cada e hiperemiada
Os principais agentes e tológicos bacterianos da OMA são o S. pneumoniae, o H. in fl uenzae e a M. catarrhalis. Em crianças recém-nascidas ou com até 6 semanas de vida, a OMA pode ser causada, também, pelo S. aureus ou por microrganismos intes tnais, como E. coli , Klebsiella e Enterobacter. A infecção do ouvido médio por vírus também é bastante frequente, sendo os principais envolvidos o rinovírus humano e o vírus sincicial respiratório. O quadro clínico caracteriza-se por otalgia, plenitude auricular e febre. Em crianças menores, são possíveis sinais e sintomas menos especí ficos, como diarreia e prostração, além de dificuldade para mamar.
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A otoscopia é fundamental, devendo-se observar, basicamente, 4 parâmetros na membrana tmpânica: - Coloração; - Integridade; - Retração ou abaulamento e transparência. Na OMA, essa membrana está hiperemiada, abaulada (devido à secreção con tda no interior do ouvido médio) e com transparência diminuída, porém íntegra (Figura 12). Pode haver evolução para quadros mais intensos, com perfuração da membrana tmpânica e saída de secreção purulenta ou piossanguinolenta para o conduto audi tvo externo. Essas secreções podem ser removidas com algodão para permitr a observação da membrana tmpânica perfurada (nunca por meio de lavagens). Além da perfuração, pode-se observar secreção pulsátl no ouvido médio. O tratamento da OMA visa, fundamentalmente, aliviar os sinais e sintomas e prevenir complicações. A an tbiotcoterapia de 1ª escolha pode incluir amoxicilina, macrolídeos ou cefalexina. O paciente deve ser reavaliado em 48 a 72 horas após o início do tratamento e fatores como dor, febre e estado geral devem ser considerados. Nos casos em que não houver melhora dos sintomas, pode-se optar por ampliação do espectro an tmicrobiano, iniciando-se a associação amoxicilina + ácido clavulânico ou cefuroxima ou até mesmo ceriaxona IM em aplicações diárias. A miringotomia (microincisão de alívio na membrana tmpânica) tem por obje tvo a drenagem da coleção purulenta da orelha média e deve ser considerada em pacientes refratários ao tratamento clínico, em quadros de dor intensa ou na vigência de complicações. Vale ressaltar que a perfuração na membrana tmpânica cicatriza após a remissão do quadro infeccioso. Tratamentos adjuvantes podem ser adotados e incluem lavagens nasais com soro fisiológico a 0,9% e descongestonantes tópicos nasais (por breves períodos). Esses tratamentos visam, respectvamente, à desobstrução da tuba auditva (por meio da remoção de secreções da nasofaringe) e ao tratamento de IVAS concomitante. Ant-inflamatórios não hormonais, anttérmicos e remoção de secreções do ouvido complementam o tratamento. Gotas tópicas otológicas não são usadas de ro tna. No caso de perfuração da membrana tmpânica, deve-se optar por gotas contendo agentes an tmicrobianos não ototóxicos, como ciprofloxacino, e proteção auricular, para evitar entrada de água nos ouvidos. As complicações da OMA podem ser classi ficadas em intratemporais (mastoidite aguda, labirinttes, f stulas perilinfátcas, paralisia facial periférica e as petrosites) e intracranianas (meningite, abscessos extradurais e subdurais e hidrocefalia). - OMA persistente x OMA recorrente Na OMA persistente permanecem os sinais e sintomas mesmo após terapêu tca adequada; na OMA recorrente, episódios frequentes são intercalados por períodos de normalidade. Nesses casos, devem-se inves tgar os fatores
predisponentes já citados, veri ficar o estado imunológico do indivíduo e pesquisar doenças de base. Os agentes etológicos, basicamente, são os mesmos da OMA. Deve-se também atentar para tratamentos prévios feitos incorretamente ou para possível resistência a an tbiótcos. A quimioprofilaxia da OMA recorrente por meio do uso prolongado de antmicrobianos é muito controversa.
B - Otte média crônica Clinicamente, a O tte Média Crônica (OMC) pode ser definida como um processo in flamatório crônico do ouvido médio associado a uma perfuração da membrana tmpânica (Figura 13). Em geral, o quadro clínico inclui otorreia recorrente, principalmente ao molhar o ouvido, hipoacusia e zumbido; sintomas menos comuns são plenitude auricular, otalgia e otorragia. Essa inflamação crônica deve-se a diversos fatores, como mau funcionamento da tuba audi tva, mau estado nutricional, distúrbios imunológicos, hiperplasia adenoidiana e malformações craniofaciais. Nesses pacientes, o médico deve investgar cuidadosamente fatores predisponentes de otte e tratá-los.
Figura 13 - Otoscopia em OMC; notar a perfuração da membrana t mpânica
As OMCs são divididas em 3 subtpos: OMC simples, OMC supuratva e OMC colesteatomatosa. a) OMC simples Caracterizada por perfuração da membrana tmpânica associada a pouca ou nenhuma alteração na mucosa da orelha média. Em geral, a perfuração acontece após OMA supurada na qual não há fechamento total da perfuração ou após perfuração traumátca em que não há cicatrização espontânea total da perfuração. O quadro clínico inclui hipoacusia e otorreias em crises, principalmente ao molhar o
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OTORRINOLARINGOLOGIA ouvido e em vigência de IVAS ou exacerbações alérgicas. A otoscopia desses pacientes mostra perfuração na membrana tmpânica sem alterações signi ficatvas na caixa tmpânica. Retrações da membrana também são frequentemente observadas. O diagnóstco é basicamente clínico; o paciente apresenta gap audiométrico devido ao comprome tmento da condução sonora. Os casos de OMC simples dispensam exames de imagem quando não há dúvida diagnós tca. O tratamento das otorreias (reagudizações) é feito com gotas tópicas, como cipro floxacino, por exemplo. Antbiotcoterapia por via oral com associação de amoxicilina e ácido clavulânico, além de cor tcoides por breves períodos, pode ser u tlizada na tenta tva de controlar o processo inflamatório e infeccioso, embora não seja terapia de consenso. A proteção auricular deve ser sempre orientada. O tratamento em longo prazo pode ser feito com acompanhamento clínico-audiométrico periódico ou por meio de tmpanoplasta para reconstrução do defeito da membrana tmpânica. b) OMC supura tva É definida como processo in flamatório persistente da mucosa da orelha média, associada à perfuração da membrana tmpânica, sem lamelas de colesteatoma. O paciente apresenta crises repettvas de otorreia, muitas vezes refratária ao tratamento clínico com gotas; a hipoacusia também está associada. Ao exame f sico, nota-se perfuração parcial ou total da membrana tmpânica e mucosa com aspecto in flamatório, chegando, algumas vezes, à formação de pólipos, que podem extravasar para o conduto audi tvo externo e ser fonte de otorreias fétdas e persistentes. A audiometria evidencia gap auditvo, caso em que a investgação radiológica por tomogra fia é fundamental, principalmente para fazer o diagnós tco diferencial com colesteatomas. O tratamento das OMCs supuratvas, em geral, é cirúrgico, com mastoidectomia simples e reconstrução da membrana tmpânica. Durante a cirurgia, deve-se fazer uma cuidadosa inspeção da cavidade tmpânica, a fim de corrigir eventuais alterações anatômicas (como destruição de cadeia ossicular) provenientes do processo inflamatório crônico. c) OMC colesteatomatosa Uma definição simples de colesteatoma é a presença de pele tpo epitélio estra tficado no interior do ouvido médio, que, em condições normais, é revestdo por epitélio do tpo respiratório (colunar pseudoestra tficado). A presença de epitélio escamoso estra tficado queratnizado na caixa tmpânica iniciaria o processo. O colesteatoma produz, aos poucos, um aglomerado de quera tna, e seu epitélio vai crescendo. Além disso, promove destruição de estruturas do ouvido médio por meio de enzimas lí tcas, adotando um comportamento denominado pseudotumoral. O colesteatoma destrói o ouvido progressivamente por meio de sua produção de lamelas de pele e de sua distensão.
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Essas lamelas de pele podem infectar-se por diversas bactérias, como S. aureus e Pseudomonas, produzindo otorreias de odor muito fé tdo e característco, com grande prejuízo psicossocial ao paciente. Os colesteatomas podem ser classi ficados em: -
Congênitos
Não têm origem muito bem de finida e podem surgir em diversos locais do osso temporal. Dentre as diversas teorias que tentam explicar sua origem, a mais aceita é a que diz que se originariam da presença de restos epiteliais no interior do osso temporal após a embriogênese, chamados formações epitelioides. Têm crescimento lento e, quando descobertos, geralmente já a tngiram grandes proporções. À otoscopia, caracterizam-se por manter a membrana tmpânica intacta, crescendo por trás dela, como uma estrutura esbranquiçada. Com a progressão, podem também destruir a membrana tmpânica e as estruturas da orelha média. A perda audi tva resultante é progressiva. Seu tratamento, em geral, é cirúrgico. -
Adquiridos
Podem ser classificados em primários e secundários. Os primários decorrem de retração crônica da membrana tmpânica na sua porção flácida (também conhecida como membrana de Shrapnell). Tal retração permite o contato e a aderência do reves tmento epitelial da membrana tmpânica com o ouvido médio, depositando o mesmo na caixa tmpânica e dando início ao colesteatoma. Os secundários originam-se pelas OMCs de repe tção, com perfuração da membrana tmpânica, que permite a migração de tecido epitelial do conduto audi tvo externo para o interior do ouvido médio.
Figura 14 - Formação de colesteatoma
À otoscopia, pode-se observar secreção muito fé tda, de coloração variável, com perfuração de membrana tmpânica geralmente em sua porção flácida, formando bolsas de retração com secreção e descamação epitelial no seu interior. A complementação da inves tgação por meio de exames de imagem, como a tomogra fia computadorizada de osso
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temporal (cortes axiais e coronais), é obrigatória. O colesteatoma tem a característca de formar imagem coalescente de uma cavidade de bordos lisos, com destruição de estruturas do ouvido médio e até do ouvido interno (como do canal semicircular lateral). O tratamento é cirúrgico, por meio de mastoidectomia subtotal ou radical. Muitas vezes, é necessário mais de 1 procedimento, além do acompanhamento periódico ambulatorial.
C - Complicações das ottes médias a) Mastoidite aguda A mastoidite aguda é a complicação supura tva da OMA que afeta a porção mastóidea do osso temporal. A secreção presente no ouvido médio pode penetrar no antro mastóideo via ádito do antro e disseminar-se para as demais células mastóideas, muitas vezes com destruição das trabéculas ósseas da mastoide, gerando a coalescência das células (mastoidite coalescente). A infecção progride para o periósteo da mastoide através de sua drenagem venosa. Se a progressão acometer outros locais da mastoide, poderão ocorrer outras complicações intratemporais e até intracranianas. O quadro clínico caracteriza-se por sinais e sintomas de OMA associados à dor intensa e abaulamento retroauricular, que pode deslocar o pavilhão auricular anteriormente, com sinais flogístcos no local. Há também queda importante do estado geral e piora da febre. O principal agente e tológico é o S. pneumoniae. A avaliação radiológica por meio de tomografia computadorizada de mastoide (cortes axiais e coronais) é fundamental para avaliar a extensão da lesão e, principalmente, verificar se há a coalescência da mesma. O tratamento inclui, além de an tbiotcoterapia intravenosa, miringotomia para drenagem de secreções do ouvido médio (enviar material para cultura e an tbiograma). Incisão retroauricular para drenagem de grandes abscessos mastóideos também pode ser feita. Em casos extremos, pode-se optar pelo tratamento cirúrgico (mastoidectomia).
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Figura 16 - Mastoidite coalescente à esquerda (TC axial em janela óssea): observar a erosão da cor tc al óssea externa na mastoide
Figura 17 - Mastoidite à esquerda (TC axial em janela de partes moles com contraste): observar a coleção com realce periférico subperiosteal
Figura 15 - Mastoidite à esquerda: observar o rechaçamento anterior do pavilhão auricular
b) Abscesso de Bezold Como complicação da mastoidite, pode ocorrer o abscesso de Bezold. De fine-se pela formação de abscesso em região subperiosteal, na inserção do músculo esternocleidomastóideo. Esse quadro é mais comum em crianças de até 7 anos de idade. Além dos sintomas picos de mastoidite, o paciente apresenta também dor e di ficuldade à movimentação cervical. O diagnós tco é clínico-tomográ fico e o tratamento consiste em drenagem cirúrgica seguida de antbiotcoterapia parenteral e cor tcoterapia, além das medidas de suporte.
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Figura 18 - Abscesso de Bezold (setas) em região de esternocleidomastóideo esquerdo
c) Paralisia facial periférica Pode ocorrer por destruição do canal ósseo em que o nervo facial se aloja ou por invasão direta do mesmo por meio de deiscências naturais desse canal. Tais deiscências podem existr em algumas pessoas e deixam o nervo exposto diretamente na cavidade tmpânica. O tratamento pode ser feito com an tbiotcoterapia, cortcoterapia e miringotomia para remoção de secreção. Se houver progressão da paralisia, indica-se descompressão do nervo facial, com a abertura do canal de Falópio (onde o nervo se aloja dentro da mastoide). d) Labirinttes São definidas como processos infecciosos que acometem o ouvido interno, em geral, secundárias a OMAs ou OMCs. Há 2 tpos principais de labirin ttes a considerar: a serosa e a supuratva. Na 1ª delas, há a entrada de toxinas bacterianas nos líquidos do ouvido interno através da janela oval ou da redonda (mais comum). Na supura tva há a invasão dos próprios micro-organismos. O quadro clínico cursa com hipoacusia ou anacusia de rápida evolução, ver tgens severas e zumbido. Um 3º tpo menos frequente de labirin tte é o granuloso, caracterizado por processo in flamatório crônico de orelha interna, com formação de granulomas; pode ser também originado pela in filtração de colesteatoma. O diagnóstco é clínico, e podem-se solicitar um exame de imagem (TC, RNM) e audiometria. Podem evoluir com complicações intracranianas. O tratamento é feito com an tbiotcoterapia intravenosa (ce riaxona), cortcoterapia, depressores labiríntcos e monitorização da audição e da função vestbular. Nos casos mais severos, deve-se considerar a abordagem cirúrgica, com labirintectomia e debridamento do osso infectado.
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e) Complicações intracranianas Ocorrem por disseminação do processo infeccioso da orelha média em direção ao SNC. - Meningite A meningite é uma das principais complicações intracranianas e acontece por disseminação bacteriana hematogênica ou contguidade por meio da fina lâmina óssea (tegmen t mpani ) que separa o ouvido médio do SNC. Os principais agentes e tológicos são S. pneumoniae, H. in fl uenzae, S. aureus, estreptococo beta-hemolí tco. O quadro clínico é pico de meningite (febre, queda do estado geral, cefaleia com foto e fonofobia, vômitos em jatos) associado a um processo infeccioso de orelha média. Em casos suspeitos, deve-se inves tgar a possibilidade de meningite por punção lombar. O tratamento consiste em miringotomia, associado a antbiotcoterapia parenteral cobrindo principalmente Gram posi tvos e produtores de beta-lactamase. No caso de meningite secundária a OMC, devemos cobrir também Gram nega tvos e anaeróbios. - Abscessos Abscessos intracranianos secundários a o ttes comumente são extradurais, decorrentes de erosão da tábua interna do osso temporal ou por trombo flebite das vênulas de Brechet. Abscessos subdurais localizam-se entre a dura-máter e a aracnoide, sendo pouco frequentes em decorrência de ottes. Os sintomas são semelhantes aos das meningites, podendo também apresentar sinais focais dependendo da localização. Nesses casos é mandatória a realização de exames de imagem. O tratamento neurocirúrgico deve preceder os demais (Figura 19) e baseia-se na drenagem da infecção. A esse procedimento, associa-se an tbiotcoterapia parenteral (ceriaxona) por tempo prolongado.
Figura 19 - Abscesso intracraniano como complicação de o t te; a seta indica a região do abscesso, com realce periférico, e a ponta de seta mostra a região da mastoide com velamento e erosão da cor tc al óssea
OTOLOGIA
Abscessos no parênquima encefálico ou cerebelo ocorrem mais comumente como complicação de OMCs colesteatomatosas em estágio avançado de evolução. Nesses pacientes há erosão da tábua óssea interna do osso temporal, com formação de abscesso extradural e disseminação do processo infeccioso para o parênquima cerebral ou cerebelar e formação de abscesso. O quadro clínico é pico de infecção em SNC associado à piora dos sintomas otológicos crônicos, associado a sinais neurológicos focais (como paresia facial, paralisia facial, parestesias, afasia e descoordenação motora, dependendo da região acome tda). O diagnóstco é tomográ fico e o tratamento deve ser cirúrgico, com drenagem do abscesso e remoção da doença originária do quadro (mastoidectomia e remoção do colesteatoma). - Trombose de seio sigmoide A trombose do seio sigmoide pode ocorrer por con tguidade dessa estrutura ao osso temporal. A infecção pode se disseminar por via hematogênica local ou por erosão da cortcal interna da mastoide. O quadro clínico caracterizase por piora do quadro infeccioso otológico, associado a sinais de infecção em SNC e principalmente por sinais de hipertensão intracraniana (cefaleia intensa, papiledema) e toxemia. O diagnóstco é tomográ fico e o tratamento consiste em abordagem cirúrgica, com exposição do seio e antbiotcoterapia.
D - Otte média secretora Também denominada o tte média serosa, o tte média com efusão ou o tte média catarral, a O tte Média Secretora (OMS) caracteriza-se pela presença de líquido no interior do ouvido médio sem sinais ou sintomas infecciosos. Há também 2 picos de incidência: entre 6 e 13 meses e aos 5 anos. Deve-se lembrar que, sempre após um episódio de OMA, pode persistr certa quantdade de líquido no ouvido médio, que pode levar até 8 semanas para ser completamente reabsorvido. Esse líquido pode ou não ser o ponto de partda para a OMS.
piratórias e da tuba audi tva (para um adequado controle das pressões existentes no ambiente e no interior do ouvido médio). O mau funcionamento dessas estruturas geraria pressões negatvas no interior da caixa tmpânica, com secreção e extravasamento de líquidos para o seu interior. O líquido presente na OMS pode ser do tpo seroso ou mucoso. A presença de micro-organismos no líquido da OMS também é alvo de discussões, com estudos que apontam a sua presença e outros que a descartam. O quadro clínico caracteriza-se pelo histórico de o ttes recorrentes, que podem já ter sido controladas, em que a principal queixa é a diminuição da audição (hipoacusia), ocasionada pela dificuldade dos sons captados de atravessarem o ouvido médio (pela presença dos líquidos e pela rigidez da membrana tmpânica) e chegarem ao ouvido interno – a chamada hipoacusia de condução. Ao exame f sico, encontram-se diminuição da transparência da membrana tmpânica, aumento de sua vascularização radial, coloração variável e áreas de retração da mesma. Os exames complementares incluem os testes audiométricos, que indicarão a hipoacusia de condução, e a impedanciometria, que mostra alteração na capacidade de mobilização da membrana tmpânica com curva resultante do tpo B (Figura 21). O tratamento de início, nos casos mais leves, pode ser clínico, com associação de an tbiótcos e cor tcoides. Nos casos refratários ao tratamento clínico é indicada miringotomia com colocação de tubos de ven tlação na membrana tmpânica, associada à adenoidectomia quando necessário (para desobstruir o ós to da tuba auditva na nasofaringe e melhorar sua função), apresentando bons resultados, com resolução completa do quadro e retorno da audição aos níveis normais.
Figura 21 - À esquerda, curva audiométrica de orelha direita evidenciando gap audi tv o; à direita, impedanciometria dessa orelha, evidenciando curva t po B Figura 20 - Ot te média secretora
3. Distúrbios da orelha interna
A fisiopatologia exata da OMS ainda não está totalmente esclarecida. Sabe-se que, para um perfeito funcionamento do ouvido médio, deve haver uma função adequada de seu epitélio de reves tmento, que é o mesmo das vias res-
A - Presbiacusia A presbiacusia é a principal causa de perda audi tva do tpo neurossensorial na população e de finida como a piora
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OTORRINOLARINGOLOGIA dos limiares auditvos exclusivamente por processos degeneratvos, oriundos do envelhecimento das estruturas do ouvido interno. Várias teorias tentam explicar as alterações histopatológicas da doença. Enquanto alguns estudos mostram que ocorre uma degeneração das estruturas do órgão de Cor t, outros apontam degeneração dos neurônios que compõem o gânglio espiral (pertencentes ao VIII par craniano). Estlo de vida, dieta, exercícios f sicos, tabagismo, fatores genétcos e exposição prolongada a ruídos afetam o desenvolvimento da doença. O quadro clínico caracteriza-se por perda audi tva neurossensorial progressiva e simétrica na audiometria tonal (semelhante em ambos os ouvidos). O paciente frequentemente relata que ouve, mas não entende o que é dito. A audiometria vocal mostra prejuízo no entendimento das palavras, e a impedanciometria evidencia fenômeno denominado recrutamento (indica tvas de lesão coclear). Zumbidos e queixas ver tginosas também podem estar presentes (Figura 22). O tratamento consiste na correção de fatores associados, como exposição a ruídos, doenças metabólicas (diabetes), hipertensão arterial, dentre outros. A correção da perda auditva pode ser feita por meio do uso de Aparelhos de Amplificação Sonora Individuais (AASI).
dos ou com mais de 10 ou 15 anos de evolução. Caracterizase por lesão lenta e progressiva do órgão de Cor t, com destruição das células ciliadas externas e internas. O paciente queixa-se de hipoacusia, acompanhada muitas vezes de zumbidos intensos, alterações do sono, sintomas vertginosos etc. A audiometria tonal (Figura 23) mostra perda audi tva do tpo neurossensorial bilateral e simétrica, geralmente acometendo as frequências agudas (3.000 a 6.000Hz) em um 1º momento. Com a evolução da doença, a perda pode estender-se até frequências mais graves (500 a 2.000Hz). Acreditase que a perda inicial em agudos ocorra pela tonotopia da cóclea, onde as frequências agudas são captadas na espira basal, ao passo que as graves são captadas na borda terminal da lâmina basal. Sendo assim, todos os sons que chegam à cóclea acabam passando pela espira basal, enquanto apenas os sons graves chegam até o ápice da lâmina basal. O tratamento é predominantemente preven tvo, pois, uma vez instalada, a lesão é irreversível. Nos casos mais s everos, o uso do AASI pode ser necessário. Quando a lesão audi tva surge por exposição aguda e intensa a algum ruído (como uma explosão), é chamada trauma acústco.
Figura 23 - Audiometria em PAIR: notar o padrão de “gota acús t ca”, com perda mais intensa em 3 a 4kHz
Figura 22 - Audiometria em presbiacusia: notar o padrão neurossensorial, simétrico e descendente
B - PAIR PAIR é a sigla para a Perda de Audição Induzida pelo Ruído. É a 2ª maior causa de perda audi tva do tpo neurossensorial na população e acomete, principalmente, o sexo masculino. Na maior parte, é causada por exposição lenta e con nua a ruídos no ambiente de trabalho, embora ruídos de lazer também possam desencadeá-la. A intensidade sonora mínima necessária para o surgimento da lesão é de 85dB. A doença é progressiva, no entanto, se estabiliza após a interrupção da exposição aos ruí-
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C - Hipoacusia por ototoxicidade Diversos medicamentos podem ocasionar alterações no ouvido interno, produzindo perdas audi tvas do tpo neurossensorial chamadas ototoxicose. Podem ser citados, principalmente, os an tbiótcos aminoglicosídeos, como a gentamicina, a amicacina, a estreptomicina, a canamicina etc. Alguns diuré tcos e ant-inflamatórios também podem desencadear ototoxicose (geralmente reversível), além de drogas antneoplásicas, como a cisplatna. O quadro clínico inicia-se com zumbido uni ou bilateral, e a audiometria se caracteriza por perda audi tva do tpo neurossensorial uni ou bilateral simétrica. O critério para o diagnós tco é o surgimento de piora nos limiares auditvos da audiometria tonal superior a 25dB em
OTOLOGIA
1 ou mais frequências de 250 a 8.000Hz (quando já há uma audiometria prévia do paciente), em indivíduos na vigência do tratamento com alguma dessas drogas. Pode haver queixas de ver tgem se o sistema ves tbular também é afetado. Muitos pacientes apresentam regressão do quadro após a interrupção do uso da medicação. E a prevenção ainda é a melhor estratégia e se baseia no uso racional e monitorizado dessas drogas, com audiometria de controle e exames adicionais, como as otoemissões acústcas. As substâncias tóxicas geralmente exercem sua ação predominante em uma das porções da orelha interna, mas podem agir em mais de um local. Os 3 principais sí tos de ação são as células ciliadas na cóclea, o ves bulo e a estria vascular. - Células ciliadas: di-hidroestreptomicina, canamicina, neomicina, amicacina, etlmicina, cisplatna e salicilatos; -
Ves bulo: estreptomicina, gentamicina e sisomicina;
-
Estria vascular: diurétcos de alça, salicilatos e cisplatna.
SS, não há nenhuma evidência de imunidade prejudicada e da evolução clínica nem sempre é compa vel com uma patologia autoimune. Por outro lado, embora não seja uma SS idiopá tca, a “teoria da ruptura da membrana coclear” tem sido descrita devido a uma possível f stula perilinfatca, que parece ter relação com o exercício f sico, barotrauma ou manobra de Valsalva. Esta teoria poderia justficar a recuperação espontânea de alguns pacientes, pois a correção da f stula seria espontânea. Tabela 1 - Principais causas de surdez súbita Coclear - Inflamatória: vírus, bactérias, espiroquetas (sí filis); - Traumátca; - Vascular; - Hematológicas (anemia, derrame cerebral, alterações de circulação); - Imunomediadas: (Cogan, esclerodermia, colite ulcera tva, sarcoidose), vasculite; - Hidropisia endolinfátca, incluindo a doença de Ménière; - Doenças metabólicas (diabetes);
D - Surdez súbita A Surdez Súbita (SS) caracteriza-se por uma perda audiva de início súbito, ou de uma piora súbita de uma hipoat cusia preexistente. A fisiopatologia da SS ainda é muito controversa, e a maioria dos casos permanece como de causa idiopátca. São 3 os mecanismos conhecidos da surdez súbita: infecção viral do ouvido interno, patologias autoimunes afetando a orelha interna e alterações da microvascularização dessa região. - Teoria viral: esta é a teoria mais documentada, com descobertas relacionadas à infecção por vírus herpes-simples 1. No entanto, per fis sorológicos não especí ficos e resposta ao tratamento an tviral comum (aciclovir) têm sido relatados com boa e ficácia; Teoria da alteração na microcirculação do ouvido interno: alguns estudos têm encontrado certa suscetbilidade gené tca protrombótca, enquanto outros demonstraram maior incidência da SS em pacientes com risco cardiovascular especialmente com prolapso mitral ou síndrome antfosfolípide. Por outro lado, SS tem sido relatada após eventos isquêmicos transitórios no ouvido interno, como durante a anestesia geral ou após episódio de hemorragia intralabiríntca confirmada por MRI. Também foi relatado que a frequência de acidente vascular cerebral é maior nos 5 anos depois de ter SS. Essas alterações na microcirculação do ouvido interno têm sido a base dos tratamentos como a administração de heparinas de baixo peso molecular e uso de inalação em câmeras hiperbáricas; - Teoria da doença imunomediada: esta teoria é apoiada por estudos patológicos, e pela resposta ao tratamento com esteroides. No entanto, em alguns pacientes com -
- Doenças ósseas da cápsula ó tca (metástases, mieloma, histocitose X); - Agentes ototóxicos. Retrococlear - Meningite; - Esclerose múltpla; - Ataxia Friedreich; - Esclerose lateral amiotró fica; - Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada; - Xeroderma pigmentoso; - Tumores da fossa posterior (neurinoma do acús tco); - Surdez central. Idiopátca
Normalmente, o quadro é unilateral, e o paciente queixa-se de hipoacusia, plenitude auricular (sensação de ouvido cheio) e zumbidos. Queixas de ver tgem algumas vezes podem estar presentes. Quanto ao diagnós tco, inicialmente, a otoscopia deve ser normal. A con firmação é feita por meio de testes audiométricos, como as audiometrias tonal e vocal, que mostram perda auditva do tpo neurossensorial unilateral de intensidade variável (Figura 24). A inves tgação deve ser complementada por exames de imagem, como a ressonância magnétca, principalmente para descartar tumores do VIII par, que podem apresentar quadro clínico semelhante. Demais exames laboratoriais para inves tgar as diversas etologias devem ser solicitados. A audiometria deve ser feita o mais precocemente possível e repe tda a cada 2 dias até completar 10 dias do início do quadro. Após esse período, deve ser repe tda semanalmente, visando avaliar a evolução do quadro.
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OTORRINOLARINGOLOGIA - Tratamento Nos casos em que não é possível iden tficar uma causa especí fica para a surdez súbita, o tratamento pode visar as 3 hipóteses causais citadas, porém o tratamento da SS ainda é alvo de intensas discussões. Em geral, opta-se por tratamento visando: - Etologias virais: com uso de aciclovir oral; - Etologias inflamatórias: cortcosteroides; - Etologias tromboembólicas: uso de agentes hemorreológicos que melhoram a circulação no ouvido interno, como a pentoxifilina; - Outros: outras modalidades terapêu tcas incluem câmara hiperbárica e injeção intra tmpânica de cortcoides. Todos esses tratamentos parecem ter sua eficácia limitada. A maioria dos pacientes apresenta algum grau de reversão da perda audi tva, entretanto, em alguns, ela pode ser irreversível.
ção de ambas) ou insidiosas (surdez flutuante e ver tgens recidivantes, em um quadro semelhante ao da doença de Ménière). Em alguns casos, a comunicação entre os líquidos é de tal forma ampla que se caracteriza a síndrome da hipertensão perilinfátca. Casos de meningites recidivantes têm sido descritos em muitos casos, devido à quebra da barreira meningoencefálica. As f stulas perilinfátcas são provavelmente a causa mais frequente da surdez súbita. Geralmente, há um antecedente de esforço f sico, stress ou emoção intensa. Há também casos comprovados de f stulas em pacientes que acordam com surdez unilateral após cirurgias de vários tpos, possivelmente pela hiper-ven tlação anestésica ao término do procedimento, que em pessoas sensíveis pode causar rupturas de membranas pela via implosiva. O clássico sinal de f stula (nistagmo produzido pelo aumento de pressão no meato acús tco externo por meio de um especulo pneumátco) é altamente suges tvo quando presente, mas só é posi tvo em aproximadamente 20% das f stulas perilinfátcas cirurgicamente comprovadas. O tratamento é cirúrgico, consis tdo em um acesso transmeátco, com escarificação e fechamento da f stula com fragmento de tecido adiposo ob tdo do lobo da orelha. Essa cirurgia deve ser considerada uma emergência médica. Os resultados cirúrgicos são muito menos sa tsfatórios quando se passam mais de 3 semanas entre a ocorrência da surdez e a cirurgia.
5. Surdez na infância
Figura 24 - Audiometria em surdez súbita: curva normal acima (orelha direita) e sinais de disacusia neurossensorial severa abaixo (orelha esquerda)
4. Fístula perilinfátca Alguns pacientes apresentam aquedutos cocleares amplos ou defeitos no modíolo da cóclea, permi tndo uma comunicação mais ampla que a normal entre o líquido cefalorraquidiano e a perilinfa. Em momentos de hipertensão liquórica, que podem resultar de exercícios f sicos, emoções etc., pode ocorrer a ruptura de membranas da orelha interna, mais frequentemente no nível da janela coclear ou da janela ves tbular. Dessa maneira forma-se uma f stula perilinfátca através da via explosiva. Podem também ocorrer f stulas pela via implosiva, geralmente ao compensar variações de pressão da orelha média em mergulhos submarinos e mesmo em voos. A presença de f stula perilinfátca pode manifestar-se de forma súbita (surdez súbita, ver tgem súbita ou associa-
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A surdez infantl bilateral permanente é de finida como uma perda auditva bilateral, caracterizada por limiares auditvos superiores a 40 decibéis (dB) no melhor ouvido, considerando as frequências de 500, 1.000, 2.000 e 4.000Hz, sem recurso a prótese audi tva. Pode ser classi ficada quanto ao seu grau, à data do seu aparecimento e ao nível da lesão auditva. No que diz respeito à classi ficação segundo o grau de surdez, temos a considerar em 1º lugar os casos de surdez ligeira em que a palavra é percebida pela criança, apesar de alguns fonemas lhe escaparem. Por outro lado, nos casos de surdez moderada, os limiares de compreensão e de aprendizagem são superiores ao limiar audi tvo, o que condiciona várias dificuldades. Nestas situações, a u tlização de prótese auditva e a ortofonia permitem uma aprendizagem quase normal. O mesmo já não acontece quando a surdez é severa ou profunda, pois a palavra não é entendida, o que torna a educação especial e a ampli ficação indispensáveis. Tabela 2 - Hipoacusias neurossensoriais de causas genét ca e não genét ca Genétca Congênitas - Displasias (Michel, Mondini, Sheibe); - SNS genétca congênita não associada a malformações;
OTOLOGIA
Genétca Congênitas
Neonatais - Infecções congênitas TORCH;
- SNS genétca congênita associada a malformações: · Dismorfias cranianas (síndrome de Crouzon); · Dismorfias das extremidades (síndrome de Wildewanck); · Anomalias de pigmentação (síndrome de Waardenburg); · Doenças oalmológicas (síndrome de Jervell e Lange-Nielsen); · Patologia treóidea (síndrome de Pendred).
- Malformações anatômicas da cabeça e pescoço;
- Aberrações cromossômicas (trissomias e monossomias);
- Asfixia perinatal com Apgar <4;
- Síndrome do aqueduto vestbular largo;
- Internamento em UCIN;
- Fístula perilinfátca congênita.
- TCE no parto.
- Baixo peso (<1.500g); - Hiperbilirrubinemia grave; - Estgmas de síndromes associados à surdez; - Uso materno de drogas ou ototóxicos;
Pós-natais - SNS genétca pós-natal não associada a malformações;
- Meningite bacteriana, encefalite ou labirintte;
- SNS genétca pós-natal associada a malformações: · Doenças metabólicas (mucopolissacaridoses); · Malformações oalmológicas (síndrome de Cockayne); · Doença renal (síndrome de Alport, síndrome de Fanconi); · Malformações esquelétcas (síndrome de Klippel-Feil); · Doenças neurológicas (neurofibromatose).
- CMV perinatal;
Não genétca
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Durante a infância (>3 meses)
- Trauma acústco; - TCE; - Ototóxicos; - História familiar; - Ottes médias repetdas com derrame.
Pré-natais - Ototóxicos durante a gravidez (aminoglicosídeos, diurétcos, talidomida, álcool); - Infecções congênitas (rubéola, CMV, outras TORCH); - Outras causas (hemorragia do 1º trimestre, de ficiências vitamínicas, hormonoterapia, irradiação pélvica). Perinatais - Icterícia neonatal grave; - Baixo peso (<1.500g) e prematuridade; - Asfixia perinatal; - Traumatsmo no parto. Pós-natais - Infecções (labirintte, meningite, parotdite, sarampo etc.); - Traumatsmos cranianos; - Fármacos ototóxicos; - Neoplasias (neurinoma do acústco, leucemias); - Doenças metabólicas (hipo treoidismo, diabetes); - Doenças autoimunes; - SS idiopátca.
A - Triagem auditva Hoje em dia é consensual que a simples observação médica e a suspeita parental não são su ficientes para a detecção de surdez no 1º ano de vida. Devemos, no entanto, ter consciência de que a atenção não se deve limitar aos recém-nascidos, pois cerca de 10 a 20% das crianças que desenvolvem deficiência auditva profunda o fazem após os 3 meses de idade. Tabela 3 - Fatores de risco de surdez infan t l Neonatais - História familiar de surdez;
B - Métodos de triagem auditva a) Emissões otoacústcas (EOA) espontâneas e evocadas São utlizadas para os testes de triagem. Consistem no geral de registros de energia sonora gerada pelas células da cóclea em resposta a sons emi tdos no conduto audi tvo externo do RN, desaparecendo a resposta, quando existe qualquer anormalidade funcional no ouvido interno. Tornou-se uma técnica popular, pois não é invasiva para avaliar a função coclear, sendo independente do sistema neural e auditvo central. É também de rela tvo baixo custo e avalia a audição em uma larga frequência (500 a 6.000Hz), porém, nas perdas neurossensoriais maiores que 50 a 60dB, a resposta é ausente. A mais comum emissão otoacús tca utlizada é a emissão transitória, embora o produto de distorção também possa ser usado. A emissão otoacústca transitória apresenta uma sensibilidade de 90 a 100%, com especi ficidade variando de 82 a 84%. - Vantagens: mais rápido; não necessita de sedação; avalia frequência entre 1.000 e 6.000Hz (maior faixa); - Desvantagens: avalia, apenas, sistema audi tvo pré-neural. b) BERA (Potencial audi tvo de tronco encefálico) Avalia a integridade neural das vias audi tvas até o tronco cerebral e tem sido bem aceito. U tlizando-se técnicas com o ABR automátco, mostrou-se uma sensibilidade de 98% e especi ficidade de 96%. A ABR depende da maturação das vias auditvas centrais, sendo que aos 3 anos de idade alcançam o padrão do adulto. Logo, na faixa etária de RN até 4 meses, pode resultar em falsos posi tvos. O recém-nascido apresenta ondas I, III e V, com a onda V mostrando amplitude menor. A onda I alcança a latência do adulto com
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OTORRINOLARINGOLOGIA 3 meses de idade e a onda V mostra uma rápida diminuição da latência nos primeiros 3 meses de idade e con tnua a mudar gradualmente até os 3 anos de idade. - Vantagens: avalia a via neural até o tronco cerebral; - Desvantagens: grande número de falsos posi tvos até o 4º mês, pela imaturidade do SNC; avalia, somente, frequências entre 2.000 a 4.000Hz (as dos RN são em 6.000Hz), necessita de sedação e é mais demorado. De maneira geral, realiza-se as OEAs até 48 horas após o nascimento e, caso o teste seja nega tvo, deve ser repetdo até 1 mês de vida. Caso seja novamente nega tvo, realiza-se o BERA. Idealmente, o diagnós tco de de ficiência auditva deve ser feito até 6 meses de vida.
6. Vestbulopatas periféricas Inicialmente, devem-se diferenciar as ves tbulopatas periféricas das de origem central. As primeiras originam-se secundariamente ao acome tmento do órgão ves tbular periférico (labirinto), e as úl tmas têm sua origem em doenças que acometem as vias neurológicas centrais responsáveis pelo equilíbrio. As diferenças clínicas entre as 2 patologias, com relação às caracterís tcas do nistagmo, estão apresentadas na Tabela 4. Serão discu tdas algumas patologias de origem periférica. Tabela 4 - Característ cas do nistagmo nas vest bulopat as periférica e central Caracterís tca do nistagmo
Vestbulopata periférica
Vestbulopata central
Com a fixação ocular
Diminui ou desaparece
Geralmente não se altera
Direção
Horizontal
Múltplas direções
Latência após o Presente es mulo
Ausente
Nistagmo rotatório
Ausente
Pode ocorrer
Esgotamento após es mulo
Presente
Ausente
Pós-es mulo calórico
Hipo ou arreflexia
Geralmente hiper-reflexia, não inibe com fixação do olhar
sintomas autonômicos como cefaleia, mal-estar, náuseas e vômitos podem acompanhar o quadro. As crises podem ou não ter fator desencadeante evidente. - Diagnóstco Não existe nenhum teste que estabeleça o diagnós tco de doença de Ménière. Para tanto, são necessários anamnese acurada, exames audiológicos e ves tbulares. É muito importante lembrar que, ao pedir exames subsidiários, além de confirmar o diagnóstco de doença de Ménière, se pretendem afastar processos expansivos da orelha interna e do ângulo pontocerebelar, principalmente nos casos mais a picos da doença. Exames utlizados: - Eletronistagmografia: não existe um quadro patognomônico à eletronistagmogra fia. Se realizado durante surtos vertginosos (o que raramente acontece) podem mostrar hipo ou hiper-reflexia. Entre os surtos, os exames mais sensíveis são a prova pendular rotatória decrescente (PRPD) e a prova calórica que estão alteradas (hipo, hiper ou arre flexia) em aproximadamente 85% dos casos; - Eletrococleografia (Ecog): auxilia no diagnós tco de hidropsia endolinfá tca e apresenta uma sensibilidade de 70%. Se normal não exclui o diagnós tco. O Potencial de Somação (PS), que re flete o grau de deslocamento da membrana basilar, tem maior amplitude e é mais negatvo. Devido à variabilidade de amplitude absoluta, a medida isolada do PS não é ú tl. Desta forma utliza-se a relação potencial de somação/Potencial de Ação (PA). Esta relação está aumentada em 62% dos pacientes com Ménière. O tratamento deve visar ao controle das patologias associadas, quando existentes. Drogas seda tvas labiríntcas (beta-histna, dimenidrato) e diuré tcas (hidroclorotazida) são as mais consensualmente usadas. Em casos refratários ao tratamento clínico, pode-se considerar a abordagem cirúrgica (descompressão de saco endolinfá tco, neurectomia do NC VIII).
A - Hidropisia endolinfátca (doença de Ménière) A hidropisia endolinfá tca é definida como o acúmulo de endolinfa no labirinto membranoso. Sua etologia pode ser idiopá tca (chamado síndrome de Ménière) ou ter algum fator e tológico associado (doença de Ménière), como os metabólicos (DM, distúrbios de treoide, dislipidemia), os autoimunes ou os infecciosos (sífilis). O quadro clínico clássico cursa com crises de ver tgem, de curta a média duração (cerca de 10 a 60min), associadas à hipoacusia, diplacusia e ao zumbido uni ou bilateral. A plenitude auricular também pode estar presente. Outros
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Figura 25 - Síndrome de Ménière: notar o acúmulo de endolinfa e a consequente dilatação na região do labirinto membranoso
OTOLOGIA
B - Vertgem posicional paroxístca benigna
C - Neuronite vestbular
Crises vertginosas intensas durando poucos segundos, relacionadas a certos movimentos da cabeça, como olhar para cima ou virar-se rapidamente. Acredita-se que sua etologia esteja na migração das otocônias do ves bulo em direção aos CSCs, principalmente ao posterior. Durante a movimentação da cabeça, essas otocônias alterariam o fluxo da endolinfa, causando alteração na informação labiríntca e consequente desequilíbrio. O diagnóstco é clínico, sendo fundamental a manobra de Dix-Hallpike (Figura 26). A audiometria tem pouco valor diagnóstco, e o exame otoneurológico pode evidenciar hiper-rea tvidade unilateral.
A neuronite ves tbular apresenta-se como uma ver tgem dramátca, súbita, com sintomas neurovegeta tvos, com duração de dias e sem sintomas audi tvos. IVAS pode preceder ou acompanhar a doença. A melhora é gradual e geralmente definitva. Relaciona-se com movimentos rápidos da cabeça. A degeneração do nervo ves tbular acontece sem acometer os receptores periféricos. A causa não está bem estabelecida, e o tratamento é feito com a u tlização de sintomátcos (depressores labirín tcos, como dimenidrinato) e cortcoterapia.
D - Trauma O trauma pode ser craniano, cervical ou ves tbular, com sintomas vestbulares e/ou audi tvos que podem durar de minutos a semanas ou serem permanentes, proporcionais à intensidade da agressão. A fisiopatologia é multfatorial.
E - Ototoxicoses
B
A
Figura 26 - Manobra de Dix-Hallpike
O tratamento é feito com o uso de sintomá tcos nas crises (dimenidrato, meclizinida), porém a resolução acontece com as manobras de reposicionamento (Epley e Semont – Figura 27).
Determinados medicamentos exercem efeitos tóxicos sobre a cóclea e/ou o ves bulo, produzindo lesões tanto transitórias como definitvas. Podem manifestar-se em vigência do uso da droga ou dias após a sua interrupção.
7. Tumores do osso temporal e ângulo pontocerebelar A - Schwannoma vestbular
A
B
Figura 27 - Manobras de reposicionamento: (A) manobra de Epley e (B) manobra de Semont
O schwannoma vestbular é o tumor benigno do VIII par craniano, sendo o tumor benigno mais comum, com origem na fossa craniana posterior. Não se sabe com exa tdão a atual incidência do schwannoma ves tbular, tendo alguns trabalhos mostrado uma taxa que varia de 0,8 a 2,5%. a) Fisiopatologia Os schwannomas vestbulares têm origem na divisão vestbular do VIII par craniano. Derivam histologicamente das células de Schwann, mais comumente no interior do CAI. Schwannomas do ramo coclear do VIII par são extremamente raros e têm a propensão de invadir a cóclea. Podem ocorrer como variedade esporádica (95%), como também acometer bilateralmente, nos casos de neuro fibromatose tpo 2. O crescimento do tumor é lento, geralmente 0,25 a 0,4mm/ano. Quanto maior o tumor, ou mais jovem o paciente, maior é o índice de crescimento. O schwannoma é mais vascularizado nas mulheres e tem seu curso acelerado durante a gestação. Receptores hormonais ligados ao sexo foram identficados nos schwannomas ves tbulares. Tumores microscópicos podem permanecer assintomá tcos até a idade adulta. Entretanto, tumores não tratados podem levar à compressão do tronco cerebral, aumento da pres-
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OTORRINOLARINGOLOGIA são intracraniana e até morte em um período de 5 a 15 anos. Geralmente, o crescimento tumoral se faz em direção ao ângulo pontocerebelar, que é uma região de menor resistência. A degeneração maligna é excepcional e, muitas vezes, posta em dúvida. b) Etologia Há inúmeras teorias que tentam explicar os schwannomas. Uma delas seria a possibilidade de um trauma tsmo da região occipital predispor à formação do tumor. Há também uma associação com obesidade, relacionada, provavelmente, a mecanismos hormonais. Existem, ainda, casos hereditários, como na neuro fibromatose acústca familiar, uma doença autossômica dominante, relatvamente comum, que a tnge primariamente as células de crescimento de tecidos nervosos. Pode causar tumores em nervos, que crescem em qualquer época ou local. Essa doença divide-se em tpos 1 e 2. c) Quadro clínico A hipoacusia unilateral é o sintoma mais precoce e frequente (90% dos casos). Diminuição na compreensão da fala não compa vel com a perda audi tva é muito comum. SS é encontrada como sintoma em mais de 26% dos pacientes com schwannoma vestbular, enquanto em 1% a 2,5% dos indivíduos com SS a causa é o schwannoma. A perda súbita da audição ocorre provavelmente por uma oclusão repentna da artéria labirín tca devido à pressão causada pela expansão tumoral dentro da cavidade óssea que contém o CAI. Zumbido é a 2ª queixa mais frequente (56% dos casos) e pode aparecer como sintoma isolado ou associado à surdez. Geralmente precede a perda audi tva. Os sintomas vestbulares, embora estejam presentes na maioria dos casos, são descritos como uma tontura vaga e transitória que é exacerbada com mudanças de posição. Pode ocorrer nistagmo de posição, o que parece ser paradoxal, já que o schwannoma se origina a par tr do nervo vestbular inferior ou superior. A direção de crescimento tumoral é variável e determinará qual nervo craniano será afetado. Se o tumor crescer anteriormente, os V e VI pares cranianos serão acome tdos; se crescer posteroinferiormente, afetará os nervos IX, X e XI. Quadro de parestesias em face pode estar presente em casos de grandes tumores e geralmente começa pelo ramo mandibular do V par. O sinal mais sensível do comprome tmento do V é a diminuição do re flexo corneano. O acometmento do nervo facial ocorre em 10 a 30% dos casos, sendo na maioria deles uma paresia, muito raramente paralisia. Muitos pacientes são assintomá tcos, sendo o schwannoma um achado radiológico ocasional. d) Exame f sico geral O exame f sico compreende o exame completo de pares cranianos (principalmente V, VI, VII, VIII, IX, X e XI), pesquisa de coordenação cerebelar e do equilíbrio.
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Na otoscopia, pode determinar a sensibilidade da porção posterior do CAE ósseo pela palpação. O sinal de Hitselberger, que corresponde à diminuição da sensibilidade do CAE, ocorre nos tumores acústcos. Esse sinal pode ser encontrado mesmo em tumores relatvamente pequenos. e) Testes audiométricos A audiometria tonal e vocal com discriminação deverá ser realizada em todos os pacientes com queixas audi tvas ou vestbulares. Qualquer padrão audiométrico pode ser encontrado no schwannoma do VIII par, incluindo o normal. O baixo índice de discriminação (<60%), desproporcional aos níveis ob tdos com tons puros, aumenta a suspeita clínica. Observa-se grande di ficuldade do paciente em discernir a fala, ficando mais evidente quando conversa ao telefone, utlizando o ouvido acome tdo. Uma queda tpo neurossensorial em altas frequências é o mais encontrado (65%), pois as fibras nervosas sujeitas à compressão tumoral são as mais periféricas. O reflexo estapediano está ausente em 88% dos pacientes, sendo que tal exame tem uma sensibilidade de 85%. O BERA é o exame mais sensível e especí fico para o diagnóstco de schwannoma. Sua sensibilidade é maior que 95% e os falsos negatvos se encontram em 31% dos pacientes com schwannomas muito pequenos (inferiores a 1 cm). f) Testes vestbulares Os sintomas vestbulares manifestam-se sob forma de síndrome deficitária. Este déficit se estabelece lentamente e é camuflado pelo poder de adaptação do sistema ves tbular. A eletronistagmogra fia (ENG) pode ser u tlizada como screening, mostrando anormalidades em 70% a 90% dos pacientes com o tumor em questão. g) Exames de imagem Através da Tomografia Computadorizada (TC) passou-se a observar massas iso ou hipodensas dentro do CAI. Com o auxílio de contraste, 90% dos schwannomas realçam, podendo-se iden tficar tumores entre 3 a 5 mm de tamanho. Com os aparelhos atuais, somente os schwannomas intracanaliculares ou inferiores a 5mm não são visualizados. A RNM é o exame de escolha na suspeita de patologia do ângulo pontocerebelar. Quando realizado com contraste (gadolínio), apresenta uma especi ficidade de pratcamente 100%, mesmo para pequenos tumores (2mm).
OTOLOGIA
B - Meningiomas
Figura 28 - RNM corte axial e sagital em T1 evidenciando tumoração em ângulo pontocerebelar à esquerda, com captação homogênea de contraste, sugerindo neurinoma
h) Conduta Frente a pacientes com tumores pequenos, cujo único sintoma é a perda audi tva, a conduta é controversa. Quando vamos decidir como abordar o schwannoma, devemos ter como principal obje tvo a manutenção da vida. O 2º obje tvo é evitar grandes sequelas neurológicas: ataxia, hemiparesia e disfunções dos demais nervos cranianos próximos ao tumor. O 3º obje tvo é a ressecção completa do tumor. O 4º obje tvo, bastante dif cil, é a preservação da função do nervo facial. O 5º obje tvo é preservar a audição. Obviamente, o alcance desses obje tvos depende do diagnóstco precoce. Um grupo de pacientes que são muitas vezes candidatos a tratamento conservador são os que apresentam neuro fibromatose tpo 2 com neurinoma bilateral. Alguns cirurgiões indicam tratamento conservador para esses pacientes, até os mesmos apresentarem hidrocefalia ou outras complicações. Para escolha de tratamento clínico ou cirúrgico, existe um consenso de que: - Ressecção cirúrgica é a melhor opção em pacientes menores que 65 anos e saudáveis; - Em pacientes entre 65 a 75 anos é prudente avaliar o estado geral, exame neurológico, tamanho do tumor, localização, taxa de crescimento, status auditvo e história familiar. Nestes casos, costuma-se considerar a radioterapia (RDT) como bom método para controlar o crescimento do tumor; - Em pacientes maiores que 75 anos dá-se preferência à RDT; - Pacientes idosos, sem condições clínicas, com tumores pequenos, sem sintomas neurológicos, podem ser seguidos clinicamente, através de RNM a cada 6 meses. Caso seja observado crescimento evidente, indica-se a RDT; caso contrário, mantém-se o seguimento com RNM.
São o 2º tpo mais comum de tumor com origem no ângulo pontocerebelar, sendo responsável por 3% dos tumores dessa região. Originam-se de células da dura e da subaracnoide. Não dão metástases, mas podem recidivar com certa frequência, já que apresentam propensão à invasão óssea. Os sintomas dos meningiomas são referentes ao local de origem. Quando surgem do CAI, podem apresentar sintomas idêntcos ao de um tumor do VIII par. Como a maioria deles surge da super f cie posterior da porção petrosa do osso temporal, eles frequentemente não entram pelo CAI e podem atngir grandes proporções antes de causar perda auditva ou sintomas vestbulares. Tumores que crescem junto ao seio sigmoide ou bulbo jugular podem causar rouquidão, disfagia ou atro fia da língua. Meningiomas podem apresentar achados audiométricos semelhantes aos dos schwannomas. A audiometria tonal geralmente é melhor nos pacientes com meningioma do que em pacientes com schwannoma. A tomogra fia computadorizada revela que os meningiomas são mais densos (podem conter áreas de calci ficação) e homogêneos que os schwannomas. O osso ao redor do meningioma pode aparecer infiltrado, causando hiperostose associada. Tem-se como imagem na CT: CAI normal, massa geralmente maior que 7cm, extensão acima e abaixo do tentório e o centro da massa localiza-se fora do CAI. Na RNM os meningiomas são mais vascularizados e menos brilhantes que os schwannomas. A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha.
Figura 29 - RNM de encéfalo evidenciando meningioma de APC. Observe como a captação de contraste é mais intensa
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OTORRINOLARINGOLOGIA C - Tumores glômicos do osso temporal Apesar de não terem localização no ângulo ponto cerebelar, os tumores glômicos merecem destaque. Tais tumores, também denominados quemodectomas, são paragangliomas não croma fins, com origem nas células dos quimiorreceptores localizados ao longo dos IX e X pares cranianos, no bulbo da jugular. a) Anatomia Os quemodectomas podem ser encontrados na região da fossa jugular (adven cia do bulbo jugular), seguindo o nervo de Arnold (ramo cranial do X par), nervo de Jacobson (ramo cranial do IX par) e corpos glômicos (paragânglios) encontrados no canalículo tmpânico, promontório coclear e na área do gânglio geniculado no osso temporal. Pode ocorrer em outros locais da cabeça e pescoço: bifurcação da carótda (corpo caro deo), órbita (nervo ciliar), gânglio nodoso (corpo vagal), laringe e medias tno.
Observa-se uma coloração vermelho escura ou azul, sugerindo massa retro tmpânica intacta; - Quando o tumor já perfurou a membrana ou já se exterioriza pelo Conduto Audi tvo Externo (CAE). O exame f sico geral deve constar da medida da PA sentada e em posição supina, pois os pacientes podem apresentar sintomas adrenérgicos associados. -
f) Exames de imagem - Tomografia computadorizada: tem-se mostrado muito útl na visualização desse tpo de tumor. Observa-se uma massa no ouvido médio ou na região do bulbo da veia jugular com captação de contraste. A TC também mostra pequenas áreas de invasão intradural, assim como o forame jugular. Assim, a TC pode revelar uma destruição irregular caracterís tca do forame jugular; -
Arteriografia e venografia: são os principais exames no diagnóstco do tumor glômico. A arteriogra fia é também importante na detecção do suprimento arterial do tumor, fato de grande valor para determinação da abordagem cirúrgica. A venogra fia é interessante para se verificar as condições do bulbo da jugular. Quando uma veia jugular está comprome tda, deve-se avaliar a veia contralateral, com intenção de ligadura da 1ª;
-
Ressonância nuclear magné tca: tem-se boa avaliação do tumor com esse método, já que as densidades ósseas não são demonstráveis. Esse exame mostra imagem em sal e pimenta tanto em T1 quanto em T2;
-
Angiorressonância: método não invasivo muito adequado para lesões hipervascularizadas. O realce pós-contraste no glomo é rápido, intenso e homogêneo.
b) Patologia Os tumores glômicos apresentam considerável variação de comportamento. Os mais frequentes exibem crescimento lento, podendo, no entanto, causar erosão óssea. Um estudo mostrou que há 6,3% de tumores malignos de glomo jugular. c) Epidemiologia Há o predomínio da doença em indivíduos caucasianos e o pico de incidência ocorre na 5ª década de vida. Obser vase história familiar e pode estar associado a outras desordens, como carcinoma de treoide, desordens neurogênicas e síndrome neoplásica múl tpla. d) Quadro clínico O sintoma inicial é, na maioria das vezes, um zumbido pulsátl, principalmente nos casos de glomo jugular que não invadem o ouvido médio. A audição pode estar normal, porém em regra a invasão do ouvido médio pelo glomo pode levar a uma surdez de condução. Pode, eventualmente, ocorrer surdez neurossensorial, assimétrica, demonstrando um acometmento da cóclea, labirinto ou até mesmo do SNC. Paresia ou paralisia facial podem ocorrer em estágios mais avançados. Vertgem também pode estar presente. O paciente pode apresentar, ainda, sintomas adrenérgicos em casos de tumores secretantes, como cefaleia, transpiração excessiva, palpitações, nervosismo e tremores. Sintomas neurológicos são mais raros e aparecem mais tardiamente, como o acometmento dos pares IX, X, XI (rouquidão, disfagia e aspiração). Outros pares também acometdos são o VII e o XII (disfunção da mo tlidade da língua). e) Exame f sico A otoscopia é muito variável e depende da localização e do estadiamento do tumor. Três estágios de acometmento da membrana tmpânica podem ser visualizados: - Inicialmente, tem-se uma hipervascularização da membrana tmpânica;
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Figura 30 - RNM mostrando tumor glômico de origem jugular
g) Exames metabólicos Dentre os tumores glômicos, 2 a 5% são tumores secretantes. A avaliação laboratorial de um paciente com suspeita
OTOLOGIA
de glomo deve incluir: dosagem de metanefrina e ácido vanilmandélico (VMA) em urina de 24h e catecolaminas séricas. h) Tratamento - Radioterapia: há muitas controvérsias sobre a radiossensibilidade dos tumores glômicos. A radioterapia seria indicada nos seguintes casos: Pacientes que recusam tratamento cirúrgico; Tumores extensos em pacientes clinicamente instáveis; Tumores recorrentes em pacientes idosos; Como terapia adjuvante quando se tem massa tumoral restante após cirurgia. •
interior da paró tda, quando se divide em 2 ramos terminais que inervarão toda a musculatura facial. É um nervo misto com função principalmente motora. Em seu trajeto ósseo, dá origem a 3 ramos (Figura 32): o nervo petroso superficial maior (que inerva as glândulas lacrimais); o nervo do estapédio (que controla o músculo de mesmo nome); e o nervo corda do mpano (que irá colaborar na sensibilidade gusta tva dos 2/3 anteriores da língua).
• • •
Embolização arterial: pode ser usada no pré-operatório, propiciando menor sangramento durante a cirurgia e diminuindo o tamanho do tumor; - Tratamento cirúrgico: a monitorização intraoperatória é de fundamental importância: PA, cateter de SwanGanz, ECG e débito urinário. -
8. Paralisia facial periférica A Paralisia Facial Periférica (PFP) compreende a alteração da função do VII par craniano, o nervo facial, comprometendo as funções da mímica facial com sérios prejuízos psicossociais ao paciente. Vale ressaltar que o diagnós tco de paralisia facial deve sempre levar em conta sua origem central ou periférica. Nos casos de PF de origem central, o terço superior da face não está acome tdo, uma vez que fibras neurais de origem contralateral ao lado acome tdo não decussam e inervam a hemiface ipsilateral. Assim, ambos os lados do terço superior da face recebem es mulos provenientes dos 2 hemisférios cerebrais. Nos casos de PF de origem periférica (após o núcleo do VII par), a paresia de hemiface é completa, ou seja, o paciente apresenta movimentos de ficientes também no terço superior da face (Figura 31).
B - Causas de PFP A principal causa de PFP é a paralisia facial de Bell, uma paralisia unilateral e idiopá tca, ou seja, um diagnós tco de exclusão. Todas as possíveis causas de PFP devem ser descartadas, como trauma do osso temporal e neoplasias, para fechar esse diagnóstco. Estudos recentes sugerem que a etologia da paralisia facial de Bell possa ser viral, causada pelo herpes-vírus humano do tpo 1. O paciente queixa-se da PFP de início súbito. Ao exame, observa-se desvio da musculatura facial para o lado não acometdo; esse desvio se acentua ao sorrir e assoviar. O fechamento palpebral pode estar incompleto ou ausente no lado afetado, o que pode permi tr a observação de desvio do globo ocular do lado paralisado ao piscar os olhos. É o chamado sinal de Bell. Diante de um quadro de PFP, além do diagnós tco etológico, é necessário o diagnós tco topográfico, ou seja, a investgação do local afetado do nervo. Isso pode ser feito por meio de 3 testes: - Teste de Schirmer: avalia o lacrimejamento; se está diminuído, sugere lesão do nervo facial proximal à emergência do ramo petroso super ficial maior, que inerva as glândulas lacrimais; - Teste do re flexo do estapédio: feito na impedanciometria; alteração sugere lesão proximal ao ramo do estapédio, que gera esse re flexo; - Avaliação da gustação: sua alteração sugere lesão proximal ao ramo corda do mpano, responsável pela sensação gustatória dos 2/3 anteriores da língua.
Figura 31 - PFP à direita: notar a paresia de movimento na região da testa, na oclusão palpebral e na região perioral
A - Anatomia do NC VII O nervo facial emerge do ângulo pontocerebelar, juntamente com o VIII par, e penetra no osso temporal por meio do meato acústco interno. Daí, percorre um canal ósseo chamado canal de Falópio. Sua saída do osso temporal se dá pelo forame es tlomastóideo, de onde se dirige para o
Figura 32 - Anatomia do nervo facial: (1) nervo emergindo do CAI; (2) nervo curvando-se posteriormente; (3) nervo petroso super fi cial maior; (4) nervo do estapédio; (5) nervo corda do mpano e (6) nervo facial saindo do osso temporal
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OTORRINOLARINGOLOGIA Exames de imagem, como RNM, devem ser feitos nos casos de PFP quando se suspeita de patologias não Bell (tumores). O tratamento da PFP idiopá tca inclui o uso de cor tcosteroides, como a prednisolona, em altas dosagens, em associação a aciclovir oral. A maioria dos pacientes tem bom prognóstco, com retorno à normalidade em algumas semanas ou meses após o surto. Entretanto, uma parcela de pessoas não se bene ficia do tratamento clínico e pode necessitar de cirurgia para descompressão do nervo facial. Os critérios para de finir a cirurgia e os pacientes que dela necessitam ainda são controversos.
9. Resumo Quadro-resumo - Difusa aguda; Otte externa
- Circunscrita; - Otomicose; - Maligna. - Aguda;
Otte média
- Serosa; - Crônica. - Simples;
Otte média crônica
- Supuratva; - Colesteatomatosa.
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CAPÍTULO
4
1. Laringites As laringites podem ser classi ficadas em agudas ou crônicas. As agudas normalmente têm um período de evolução que pode durar até 15 dias, e geralmente sua e tologia é viral. As crônicas são aquelas cujos sinais e sintomas persistem por mais de 4 semanas. Podem acometer tanto adultos quanto crianças, embora nestas últmas a sintomatologia possa ser mais grave. Isso se deve ao fato de que, em crianças, as dimensões anatômicas do órgão são mais reduzidas, com grande repercussão no seu funcionamento quando afetado por processos inflamatórios, por mais discretos que sejam. O quadro clínico das laringites nos adultos geralmente tem como queixa a disfonia e, nas crianças, a dispneia.
A - Laringites infecciosas As infecções agudas geralmente ocorrem durante um período de até 7 dias, com febre e comprome tmento das vias aéreas, sendo mais prevalente na infância. A crônica geralmente persiste durante semanas, sendo a dor e a rouquidão os sintomas predominantes, a doença sistêmica é um fator importante, e ocorre mais frequentemente em adultos.
Faringolaringologia Vladimir Garcia Dall’Oca / Eric Thuler / Bruno Peres Paulucci
sa, podendo ocorrer de modo súbito em casos de obstrução por uma rolha de secreção ou laringoespasmo. A odinofagia que ocorre devido ao processo in flamatório supraglótco ajuda no diferencial com a crupe, que geralmente ocorre após um período de pródromo de vários dias, estridor progressivo e tosse seca característca. O diagnóstco presuntvo de supraglo tte aguda é realizado clinicamente com base na história e exame f sico. A radiogra fia lateral cervical revela espessamento de tecidos moles (sinal do “polegar” = epiglote edemaciada – Figura 1), mas os exames subsidiários não devem retardar o início da terapêutca. Crianças com suspeita de supraglo tte devem ser levadas para a sala de emergência, pois evoluem com maior frequência para obstrução respiratória que os adultos. O tratamento consiste em manutenção da via aérea pérvia e antbiotcoterapia (ceriaxona). O diagnóstco diferencial principal é com laringotraqueíte, além de corpo estranho da porção respiratória alta, asma e uma simples faringite. O diagnós tco errôneo é uma das principais causas de mortalidade. Vale lembrar que, com a introdução da vacina contra o H. in fl uenzae tpo B, houve uma grande queda dos casos de supraglo tte em crianças.
B - Laringites agudas a) Supraglotte pediátrica A supraglotte é uma in flamação aguda das estruturas supraglótcas que pode levar à obstrução respiratória e, portanto, ser fatal. Embora a epiglote represente as principais alterações, também há acometmento das pregas ariepiglótcas, das falsas pregas vocais e da aritenoide. Em crianças, o agente causal mais comum é o Haemophilus in fl uenzae B (epiglotte), ocorrendo mais frequentemente na faixa etária de 2 a 4 anos, nos meses de inverno e primavera. As crianças são protegidas contra a infecção até os 3 meses de idade através de an tcorpos maternos. A evolução é rápida, com instalação do quadro geralmente em 2 a 6 horas. Ocorre obstrução aérea pelo edema da epiglote e prega ariepiglótca, e pela produção excessiva de secreção espes-
Figura 1 - Seta indicando epiglote edemaciada (sinal do polegar)
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OTORRINOLARINGOLOGIA b) Supraglotte adulta O quadro em adultos costuma ser diferente do quadro em crianças, não levando ao comprome tmento das vias aéreas e os fatores predisponentes são desconhecidos. O diagnóstco é feito através da radiogra fia cervical e da visualização através da laringoscopia indireta, recomendada no adulto. Diferentemente da criança, a epiglote pode não apresentar-se avermelhada e brilhante, mas sim pálida, edematosa e “opaci ficada”. A faixa etária atngida é entre 18 e 40 anos de idade, não havendo prevalência sazonal. O agente causador nos adultos não é bem de finido; somente cerca de 20 a 30% apresentam hemocultura posi tva, a maioria para Haemo philus in fl uenzae B. O tratamento recomendado consiste em observação, hemocultura, antbiotcoterapia com cobertura para H. in fl uenza e manutenção da via aérea. c) Laringotraqueíte aguda A laringotraqueíte aguda (crupe) pode ser de finida como uma infecção viral subaguda de vias aéreas altas caracterizada por tosse ladrante ( tpo “latdo de cachorro”), febre e estridor. Os agentes mais comuns são o vírus parainfluenza 1 e 2, in fl uenza tpo A, adenovírus e vírus sincicial respiratório. Ocorre mais frequentemente em crianças de 1 a 3 anos, e possui duração média de 3 a 7 dias. O fator crucial da doença é o edema da área subgló tca. Em menores de 3 anos, esse é o ponto de maior estreitamento das vias aéreas altas, além de ser a única porção do trato respiratório alto onde existe um fechamento completo do anel car tlaginoso, tornando a obstrução do lúmen mais importante. É interessante lembrar que o estridor no repouso não ocorre até uma obstrução de 80% do lúmen, e que uma rolha de secreção pode ser fatal em uma via aérea já comprome tda. A manifestação clínica inicial costuma ser de congestão nasal, rinorreia e angina (quadro de IVAS), e, alguns dias depois, disfonia e tosse não produ tva, em “latdo”, piorando à noite, e sendo geralmente autolimitada. O diagnós tco geralmente é clínico, porém a radiogra fia cervical pode mostrar o sinal clássico da “torre de igreja”, causado pelo estreitamento subglótco. Geralmente a doença tem curso benigno com resolução gradual. O tratamento consiste em umidi ficação das vias aéreas, hidratação para facilitar a expectoração de secreção e repouso vocal. Se a dispneia for severa, pode-se aplicar adrenalina inalatória ou cortcosteroide (dexametasona) parenteral para regressão do edema. É importante observar alterações do estado neurológico, diminuição da frequência respiratória, aumento nos níveis CO 2, para eventual necessidade de intubação ou traqueostomia. Antbiótcos são indicados apenas no caso de infecções bacterianas secundárias. d) Traqueíte bacteriana Trata-se de uma infecção pulmonar pediátrica que, em seus estágios iniciais, pode ser di f cil de diferenciar da
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crupe. O principal sintoma inicial é o estridor. Geralmente acompanha febre alta, leucocitose importante, mas pode apresentar-se como uma sequela da crupe. Seu diagnós tco baseia-se na presença de secreção espessa, principalmente em uma criança que não apresenta melhora após tratamento medicamentoso para crupe, com febre alta e leucocitose. Nestes casos, sugere-se que seja realizada broncoscopia para observar presença de secreção, com coleta de material para cultura. O principal agente é o Staphylococcus aureus e o Streptococcus alfa-hemolí tco. O tratamento baseia-se na aspiração das secreções, an tbiotcoterapia, e eventual intubação ou traqueostomia. e) Dieria A di eria é uma doença infecciosa causada pela toxina produzida pelo Corynebacterium diphtheriae, bacilo aeróbio Gram posi tvo. Acomete crianças maiores que 6 anos de idade, e é atualmente rara devido à imunização. Embora a pseudomembrana seja o achado clássico, outras infecções também podem produzi-la. Raramente apresenta lesão laríngea isolada, e sua toxina pode causar paralisia de prega vocal sem acome tmento laríngeo direto. Os sintomas prodrômicos incluem febre baixa, tosse, angina de garganta e rouquidão, que evolui para progressiva obstrução respiratória. Ocorrem edema e eritema da mucosa laríngea e faríngea com exsudato em placa pseudomembranoso. O exsudato é di f cil de descolar e sangra quando removido. O tratamento consiste em an tbiotcoterapia com penicilina ou eritromicina, soro an ttoxina diérica, eventual remoção endoscópica das membranas, e manutenção das vias aéreas. f) Coqueluche Causada pela Bordetella pertussis, mais frequente em crianças abaixo de 6 meses de idade (pois não ocorre passagem intraútero de an tcorpos maternos e a criança torna-se imune apenas após vacinação) e adultos (a imunidade através da vacinação dura cerca de 10 a 15 anos). O paroxismo caracteriza-se por expirações rápidas seguidas por uma inspiração forçada, súbita e prolongada, acompanhada de ruído caracterís tco: o “guincho”. O diagnóstco é basicamente clínico, e o tratamento de suporte. Embora não altere o curso clínico da doença, a an tbiotcoterapia com eritromicina é recomendada. A eritromicina também apresenta efeito pro filátco em indivíduos expostos que ainda não desenvolveram a doença.
C - Laringites crônicas a) Tuberculose
É uma das principais causas de doença granulomatosa laríngea. As áreas mais acome tdas eram a porção posterior da glote, aritenoides, e o espaço interaritenóideo (regiões que estão próximas a linha de clearance mucociliar da tra-
FARINGOLARINGOLOGIA
queia). Podem apresentar-se também como disseminação via hematogênica ou linfá tca, originando-se de sí tos primários distantes (cerca de 20% dos casos). É inicialmente assintomátca. O 1º sintoma é a rouquidão, seguida por tosse e dor de garganta. Com a progressão, afeta caracteristcamente bandas ventriculares e supraglote, causando disfagia e odinofagia, levando a perda de peso importante. Diagnóstco de casos confirmados, segundo o Ministério da Saúde: - Tuberculose extrapulmonar: evidências clínicas, achados laboratoriais, inclusive histopatológicos compa veis ou paciente com pelo menos uma cultura posi tva de material proveniente de uma localização extrapulmonar. Para seu tratamento é u tlizado o esquema tríplice, com rifampicina, isoniazida e pirazinamida, por no mínimo 6 meses. Após o tratamento pode existr progressão para fibrose e estenose laríngea; Sí filis: o cancro laríngeo é raro, sendo mais comum o acometmento laríngeo em sua forma secundária. As lesões são nodulares ou ulceradas, podendo estar associadas com pericondrite, fibrose e deformidades cicatriciais levando a obstrução das vias aéreas. A identficação do treponema con firma o diagnóstco (realizada através de microscopia de fundo escuro). O diagnóstco sorológico baseia-se nas reações de VDRL (não treponêmica) e FTA-Abs (treponêmica). O tratamento de escolha é a penicilina benza tna; -
Leishmaniose: causada pela Leishmania brasiliensis, transmitda por um artrópode (mosquito palha). A forma mucocutânea é a mais comum, a tngindo secundariamente a mucosa das vias aéreas superiores. As lesões são ulcerogranulomatosas, mais comumente supraglótcas, podendo acometer também glote e subglote, levando à obstrução das vias aéreas. Os principais sintomas incluem disfonia, tosse, disfagia e dispneia, e geralmente apresenta porta de entrada cutânea em a tvidade ou cicatricial (úlcera de Bauru). O diagnóstco é baseado nos achados clínicos (história de lesão cutânea e nasal) associados à reação de Montenegro, no achado do agente via exame histopatológico e sorologia. O tratamento de escolha são os an tmoniais pentavalentes (Glucantne). A anfotericina B surge como 2ª opção de tratamento. -
D - Laringites não infecciosas a) Refluxo laringofaríngeo A laringite por re fluxo tem sido muito estudada nos últmos anos. Em virtude das descobertas sobre sua fisiopatologia, sugere-se o uso do termo re fluxo laringofaríngeo como mais adequado para descrevê-la. Anteriormente, havia a ideia errônea de que ela estaria associada ao re fluxo
gastroesofágico clássico. Hoje, sabe-se que muitos portadores sequer apresentam sintomas gástricos, como epigastralgia, pirose ou re fluxo, e que a endoscopia diges tva alta pode ser normal em muitos deles. O quadro clínico caracteriza-se por queixas de disfonia de grau variável, tosse seca, pigarro, sensação de bolus faríngeo ou de secreção presa na hipofaringe. Abuso vocal e tabagismo podem intensi ficar essas queixas. À endoscopia laríngea, pode-se observar edema das estruturas supraglótcas e glótcas, com hiperemia das mesmas. Esses achados normalmente localizam-se na porção posterior da laringe (aritenoides e região interaritenóidea). Nos casos mais crônicos podem ser encontradas lesões, como granulomas ou pólipos de pregas vocais. Todos os fatores de piora, como o abuso vocal e o tabagismo, devem ser afastados durante o tratamento. O tratamento é, de modo geral, empírico e u tliza inibidores de bomba de prótons de uso diário e prolongado. Medidas comportamentais e dieté tcas são fundamentais. Nos casos resistentes a tratamentos e associados a outras complicações (como hérnia hiatal), a cirurgia pode ser necessária. b) Crupe espasmódico Também chamado falso crupe, é uma forma não infecciosa de inflamação laríngea, relacionada com alergia ou refluxo gastroesofágico. Acomete crianças de 1 a 4 anos. Pode estar associada com infecção de trato respiratório. A criança acorda à noite com tosse, estridor e dispneia moderada de início súbito. Tosse paroxístca pode ser seguida de vômitos, que terminam o ataque, e estes episódios podem ser isolados, ou repe trem-se por 2 a 3 noites, sendo a criança geralmente assintomá tca durante o dia. Ao exame, a mucosa laríngea está eritematosa, com edema em subglote. Umidi ficação é útl para aliviar os sintomas. Oxigenação e antbiótcos são desnecessários. c) Laringites por doenças granulomatosas Patologias autoimune, como granulomatose de Wegener ou LES, podem cursar com acome tmento laríngeo. Clinicamente, os pacientes apresentam disfonia persistente, sensação de irritação crônica na faringe, pigarro, odinofagia, disfagia, dentre outros. Na granulomatose de Wegener, a estenose subgló tca desenvolve-se em cerca de 8,5% dos pacientes, e é sinal de mau prognóstco. O diagnós tco é feito pelo exame histopatológico (granulomas necro tzantes e vasculite), e o ANCA-c positvo, altamente especí fico (90%). O tratamento pode ser medicamentoso com cor tcoides, ciclofosfamida, azatoprina e metotrexato, e cirúrgico em alguns casos (traqueostomia e excisão de estenose subgló tca).
2. Patologias não inflamatórias da laringe A - Laringomalácia A laringomalácia é a malformação mais comum da laringe e a principal causa de estridor respiratório na infância, e
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OTORRINOLARINGOLOGIA acomete com maior frequência o sexo masculino. Consiste em um colapso das estruturas supragló tcas (epiglote, pregas ariepiglótcas e a mucosa aritenóidea) durante a inspiração, sendo caracterizada por um estridor inspiratório que pode estar presente logo após o nascimento, mas que comumente é notado pelos pais após alguns dias ou semanas de vida. O estridor é exacerbado por agitação, alimentação, choro ou na posição supina com flexão da cabeça e do pescoço, atenuando-se com a criança em decúbito ventral ou com extensão da cabeça e pescoço. Sua etologia é desconhecida, porém, teorias apontam para uma flacidez ou incoordenação das estruturas supraglótcas, as quais colabam durante a inspiração, causando o estridor e obstrução respiratória. Essa hipotonia laríngea é provavelmente uma disfunção fisiológica que se resolve com o crescimento, em geral, em torno do 2º ano de vida. O diagnóstco pode ser con firmado pelo exame endoscópico, no qual se observa a epiglote em ômega ou tubular (Figura 2), pregas ariepigló tcas curtas e mucosa supragló tca redundante que durante a inspiração colabam no introito laríngeo, sendo expelidas na expiração. A doença normalmente é autolimitada, com um aumento da intensidade do estridor nos primeiros 6 a 9 meses, seguido pela resolução gradual ao redor dos 18 aos 24 meses de vida. Essas crianças desenvolvem-se normalmente, sendo apenas acompanhadas clinicamente. No entanto, 10 a 15% dos pacientes apresentam estridor severo, di ficuldade respiratória intensa, apneia obstru tva do sono, crises de cianose, incapacidade de manter adequada saturação sanguínea de oxigênio acarretando hipóxia crônica e cor pulmonale, podendo ocorrer atraso no desenvolvimento ponderoestatural e pneumonias de repe tção. Essa pequena porcentagem dos pacientes é a que necessita de intervenção cirúrgica. A laringomalácia, geralmente, associa-se a outras doenças e/ou malformações, dentre elas a doença do re fluxo gastroesofágico que está presente em cerca de 100% dos casos, e o seu tratamento é de fundamental importância para o controle do quadro respiratório destas crianças.
B - Estenoses laríngeas As estenoses laríngeas podem ocorrer na região da supraglote, glote ou subglote. Estenose subglótca é a situação que mais apresenta necessidade de algum tpo de intervenção, seguida pela estenose glótca. Estenoses supragló tcas são raras em crianças, e decorrem na maioria dos casos de lesões térmicas ou químicas. a) Estenose laríngea congênita - Estenose subgló tca Define-se como estenose subgló tca congênita em neonatos uma luz traqueal de diâmetro menor que 4mm na região da cartlagem cricoide. As estenoses subgló tcas podem se apresentar desde “webs laríngeos” a estenoses, ou mesmo atresias. Um caso de estenose subgló tca laríngea pode se apresentar como infecções de vias aéreas superiores de repe tção (diagnostcadas como crupe), em que um leve edema mucoso resulta em diminuição da luz laríngea e obstrução abaixo das pregas vocais (2 a 3mm). Casos mais graves de estenose subglótca podem necessitar de abordagem cirúrgica de emergência ao nascimento (traqueostomia, ou intubação). Estenose subglótca congênita pode estar associada a outras lesões de cabeça e pescoço ou a doenças sindrômicas. Embora a classificação das estenoses subgló tcas varie, o diagnóstco é basicamente endoscópico. Tabela 1 - Classi fi cação de Co on das obstruções laríngeas
Grau de obstrução I II III IV
Obstrução laríngea <50% 51 a 70% 71 a 99% Obstrução completa
- Atresia A atresia supraglótca é a malformação laríngea mais grave. Geralmente, está associada a outras malformações, como atresia esofagiana, f stula traqueoesofágica, alterações do trato urinário, e malformações de membros envolvendo partcularmente a região do rádio. A presença de f stula traqueoesofágica permite a ven tlação pulmonar até que o tratamento cirúrgico (traqueostomia) seja realizado. - Webs (membranas laríngeas)
Figura 2 - Epiglote em ômega, pico da laringomalácia
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Webs laríngeos (formações diafragmá tcas) são malformações causadas pela falha na recanalização completa da laringe durante a 10ª semana da embriogênese. Dez por cento das crianças com webs laríngeos apresentam malformações congênitas associadas. Geralmente localizam-se na porção anterior da luz, permitndo a passagem de ar posteriormente. Os sintomas mais comuns incluem dispneia e disfonia. Webs glótcos correspondem a 90% de todos os webs laríngeos e geralmente se apresentam como alteração do choro ao
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nascer ou alteração respiratória. Virtualmente, todos os webs glótcos são anteriores e variam quanto ao grau de comprometmento laríngeo. A maioria dos webs glótcos é espessa e pode estar associada a um comprome tmento subglótco. Webs mais espessos requerem tratamento cirúrgico com traqueostomia em aproximadamente 40% dos casos e reconstrução da comissura anterior por via aberta. Webs subglótcos correspondem a 7% dos webs laríngeos e podem ser confundidos com outras causas de estenose subgló tca.
cam instrumentos de sopro. Tipicamente, ocorre em homens brancos e é com maior frequência unilateral e combinada. O aspecto à TC (Figura 3) e à Ressonância Magné tca (RM) das laringoceles já foi bem caracterizado na literatura. O tratamento é cirúrgico, com exérese da lesão, geralmente por acesso externo (cervicotomia).
b) Estenose laríngea adquirida - Estenose pós-intubação Atualmente, a incidência de casos de estenose subgló tca adquirida em neonatos por intubação por tempo prolongado é maior que a incidência das estenoses congênitas. O mecanismo já foi descrito anteriormente.
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- Estenose pós-operatória Existem vários estudos que demonstram a possibilidade de desenvolvimento de estenose subgló tca após procedimentos cirúrgicos laríngeos. Estudos demonstram que procedimentos tais como traqueostomias e crico treoidostomia podem apresentar complicações, dentre elas a estenose subglótca. Os principais fatores associados são infecções bacterianas, desenvolvimento de tecido de granulação e presença de doença de re fluxo gastroesofágico. c) Laringocele Os ventrículos da laringe estão limitados superiormente pelas bandas ves tbulares e inferiormente pelas cordas vocais. Eles possuem um apêndice, também chamado de sáculo da laringe, que se estende superiormente através do espaço paralaríngeo, a par tr de sua porção anterior, sendo limitado lateralmente pela car tlagem treóidea e medialmente pela parede da laringe. Possuem tamanho variado (5 a 15mm de comprimento), podendo ser observados normalmente em até 30% da população adulta nos exames de Tomogra fia Computadorizada (TC) de ro tna. Podemos definir a laringocele como uma dilatação anormal ou herniação do sáculo laríngeo preenchido por ar. Quando esta cavidade está preenchida por muco ou pus, de finimos, respectvamente, a laringomucocele e a laringopiocele. As laringoceles são classificadas em interna, externa e mista ou combinada. A interna está limitada lateralmente pela cartlagem treóidea e medialmente pela parede mucosa da laringe. Quando o saco herniário se estende através da membrana reo-hióidea, passando próxima à entrada dos vasos e nervos laríngeos superiores, é classi ficada como externa. Na mista ou combinada, os 2 componentes estão presentes. Alguns autores classi ficam as laringoceles apenas como interna ou externa, sendo o termo misto redundante, pois consideram que as externas têm sempre um componente interno associado. A etopatogenia das laringoceles é considerada mul tfatorial e está relacionada com o aumento da pressão transglótca, como em sopradores de vidro ou em músicos que to-
Figura 3 - (A) Laringocele em radiogra fi a simples de per fi l (setas) e (B) TC de pescoço
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OTORRINOLARINGOLOGIA 3. Lesões fonotraumátcas das pregas vocais São lesões provocadas pelo uso inadequado ou abusivo da voz. A queixa principal é disfonia, que pode ser con nua ou intermitente, estável ou progressiva. A voz tende a tornar-se mais grave, rouca, soprosa, com eventuais falhas. Outros sintomas laríngeos, como pigarro, tosse seca e bolus faríngeo podem estar presentes. Devem-se sempre inves tgar fatores associados, como tabagismo, atopia, refluxo, além do abuso vocal na gênese dessas lesões. Muitas pessoas podem ser portadoras de alguma dessas anormalidades e não perceberem seus sintomas. O diagnóstco é feito por meio da anamnese e do exame f sico, que inclui laringoscopia indireta para a visualização das lesões. Figura 5 - Pólipo vocal
A - Nódulo vocal São lesões bilaterais e simétricas, geralmente na porção média das pregas vocais. Acometem frequentemente mulheres e têm relação com o fonotrauma crônico e repettvo. A coloração do nódulo é variável, mais esbranquiçado em adultos ou em casos mais crônicos. É muito comum em profissionais da voz (como professores), que a usam inadequadamente. O tratamento geralmente se inicia com fonoterapia. Quando a lesão for resistente a tratamentos ou houver modi ficação importante da mesma, a fonocirurgia poderá ser necessária para a remoção da lesão e biópsia.
C - Edema de Reinke Notadamente relacionado ao tabagismo, onde ocorre acúmulo de substância fundamental amorfa numa região anatômica da prega vocal chamada espaço de Reinke. Geralmente é bilateral e pode acometer toda a extensão das pregas vocais, chegando a provocar dispneia nos casos mais intensos. Com a cronicidade da exposição ao tabagismo, podem surgir outras lesões, como leucoplasias (lesões brancas da mucosa laríngea), que devem ser monitorizadas e passar por biópsia na busca por degeneração maligna. O tratamento inclui o abandono do tabagismo e da exposição a outros fatores predisponentes, além de cirurgia para a remoção desse material do edema nos casos mais graves.
Figura 4 - Nódulos vocais (setas)
B - Pólipo vocal São lesões de morfologia muito variável, entretanto se caracterizam por serem unilaterais e, quando bilaterais, ao contrário dos nódulos, são assimétricas. Geralmente se localizam na porção anterior das pregas vocais. Estão relacionadas a abuso vocal intenso e agudo e as laringites agudas, sendo mais comuns em homens. O tratamento é cirúrgico, para remoção e biópsia das lesões. A fonoterapia pode complementar o tratamento após a cirurgia.
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Figura 6 - Edema de Reinke
4. Alterações estruturais mínimas das pregas vocais A laringoestroboscopia (uma laringoscopia indireta feita com iluminação especial que permite observar, com deta-
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lhes, as ondas vibratórias das pregas vocais) e mais recentemente a videoquimiogra fia permitem um estudo ainda mais detalhado da fisiologia e da fisiopatologia das pregas vocais. Esse tpo de avaliação permite a visualização de alterações estruturais mínimas das pregas vocais, que são:
A - Sulco vocal Trata-se de uma depressão longitudinal ao longo da borda da prega vocal. Sua origem, segundo estudos, pode ser genétca ou resultante do mau uso da voz. Pode ser assintomátco ou provocar disfonia. O tratamento não está bem definido, e os resultados são limitados. Estão propostas a fonoterapia e a cirurgia.
B - Cisto epidermoide Este cisto também é considerado uma alteração congênita, embora a e tologia fonotraumátca não esteja descartada. Trata-se de lesão de aspecto amarelado ou esbranquiçado, unilateral, no terço médio das pregas vocais. A diferenciação com pólipo pode ser di f cil. O tratamento depende do tamanho da lesão e de suas repercussões na voz, embora seja necessária muitas vezes a cirurgia para remoção da lesão, seguida de fonoterapia pós-operatória.
provocar disfonia e dispneia (por obstrução da passagem aérea). São os tumores benignos mais comuns de laringe. Pode acometer tanto adultos quanto crianças. Nos adultos, o quadro clínico principal é a disfonia, e nas crianças é a dispneia. O local mais afetado da laringe é a glote (pregas vocais), apesar de, em casos mais extensos, poderem ocorrer lesões em supraglote, subglote, traqueia e brônquios. Em crianças, uma das formas mais comuns de contaminação é o canal do parto, pela presença de condiloma vaginal. A doença pode desenvolver-se logo após o nascimento ou alguns poucos anos depois. O quadro clínico apresenta-se com choro abafado, estridores e disfonia nas crianças maiores. No adulto, a disfonia progressiva é a mais comum. O diagnóstco é feito por meio da observação das lesões pela endoscopia laríngea. O tratamento é cirúrgico, com a remoção das lesões utlizando o laser de CO2. A doença apresenta grande capacidade de recidiva, e deve ser feito acompanhamento detalhado no pós-operatório. Em casos muito graves (principalmente crianças), pode ser necessária a traqueostomia.
C - Ponte mucosa Trata-se de uma cobertura de tecido conjun tvo sobre a prega vocal ou sobre uma lesão da prega. Muitas vezes, não é observada nos exames indiretos, mas apenas durante uma laringoscopia direta. Seu tratamento consiste em remoção cirúrgica e tratamento das lesões associadas.
D - Vasculodisgenesias (ectasias vasculares) Dilatações vasculares encontradas sobre a super f cie das pregas vocais. São indica tvas de que outras alterações estruturais mínimas, já citadas, podem estar presentes. O médico deve estar atento ao diagnós tco dessas outras alterações.
E - Microdiafragma da comissura anterior das pregas vocais Trata-se de uma pequena membrana localizada na comissura anterior (web). Alguns acreditam que pode ser fator predisponente para a formação de nódulos nas pregas vocais. O tratamento, quando se trata de lesão única, é a fonoterapia.
5. Papiloma laríngeo Os papilomas laríngeos são lesões provocadas pelo HPV. Geralmente, apresentam-se como lesões vegetantes na região da glote e da supraglote que, com a evolução, podem
Figura 7 - Papiloma laríngeo
6. Paralisia de pregas vocais As pregas vocais têm seus músculos inervados principalmente pelo nervo laríngeo recorrente (ou inferior), que é ramo do nervo vago (NC X). À direita, o NLR emerge do NC X abaixo do nível do tronco braquiocefálico, contornando-o, de modo que o NLR ascende à laringe a par tr dessa região; já à esquerda, o NLR emerge do NC X abaixo da crossa da aorta, contornando-a e depois ascendendo à laringe. Clinicamente, pacientes com paralisia unilateral de prega cursam com disfonia, voz soprosa e cansaço ao falar. Já as paralisias bilaterais, quando em abdução (pregas abertas), cursam com disfonia intensa e cansaço ao falar; as paralisias em adução (pregas fechadas) podem não alterar signi ficatvamente a voz, porém é comum dispneia, devido à diminuição da luz laríngea durante a inspiração. Diante de um caso de paralisia de prega vocal deve-se investgar o acometmento da inervação local. Para tanto, é importante a solicitação de exames de imagem (TC ou RNM) do trajeto do NC X. Tumores ou lesões compressivas em mediastno alto ou mesmo em trajeto do NLR ou NC X podem cursar com esse tpo de paralisia. Além disso, trau-
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OTORRINOLARINGOLOGIA ma pós-IOT, doenças granulomatosas e mesmo TCE podem evoluir com paralisia vocal. O tratamento é feito com base na e tologia. A qualidade vocal pode ser melhorada com fonoterapia ou abordagem cirúrgica, realizando lateralização ou medianização da prega vocal. A traqueostomia é recomendada em casos de paralisia em adução e é mandatória em pacientes com dispneia.
Músculo esternocleidomastóideo: proteção lateral; - Coluna vertebral: proteção posterior; - Mobilidade laríngea: o movimento ver tcal e lateral permite que a laringe “fuja” do trauma; - Flexão cervical: contato mento-esterno com a interposição mandibular, associado à elevação dos ombros com proteção das cinturas escapulares; - Crianças: têm pescoço mais curto, laringe mais alta e mais flexível sendo menos propensas a fratura laríngea. -
A - Traumas fechados Comoção laríngea: manifestações locais e sistêmicas sem lesão macroscópica importante. Porém não menos graves, visto que um trauma em região de membrana reo-hióidea pode desencadear es mulo bulbar provocando laringoespasmo, síncope e até parada cardíaca. - Contusão laríngea: secundária a traumas moderados, inexiste fratura ou luxação. Podem ser: Pré-laríngeas: equimose, escoriações cutâneas, edema, hematomas, ruptura de mm infra-hióideos; Endolaríngeas: hematomas e edemas em espaços dissecáveis (subglote, bandas ventriculares), roturas ligamentares e musculares ( treoaritenóideo). -
•
•
Fraturas, luxações ou desinserção laringotraqueal: - Fraturas: sempre merecem ao mínimo observação, visto que qualquer fratura pode se acompanhar de descolamento mucoso e evoluir com edema importante; - Luxações: geralmente se associam com fraturas, as mais comuns são cricoaritenóidea e crico treóidea; - Desinserção laringotraqueal: rara, porém de alta mortalidade, geralmente ocorre com fratura anterior de cricoide e da parte superior da lâmina cricoide e desinserção traqueal. a) Lesões associadas - Vasculares – suspeitar principalmente em função do trajeto da lesão. Podemos dividir o pescoço em 3 regiões: Zona I: entre clavícula e cricoide; Zona II: entre cricoide e ângulo da mandíbula; Zona III: entre ângulo da mandíbula e base do crânio. • • •
Lesões vasculares são mais comuns em lesões da zona I. Figura 8 - Paralisia de pregas vocais: notar o granuloma na prega esquerda (assinalado com um X)
b) Cervical Fraturas podem ser suspeitas à palpação, e con firmadas com raio x e TC.
7. Trauma laríngeo
c) Pares cranianos Mais comum lesão dos pares IX, X, XI e XII, atentar em partcular para nervo laríngeo recorrente e superior.
Os traumas laríngeos são raros e apresentam somente 1/30.000 casos nos atendimentos de emergência (USA) e 1% de todos os traumas contusos. Predomina em homens adultos jovens. Mecanismos de proteção da laringe: - Estrutura laríngea de car tlagens hialinas móveis, com relatva elastcidade;
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d) Sistema digestvo Ocorre em 33 a 50% de traumas abertos. e) Lesões faciais Em partcular fraturas mandibulares, em que pode ocorrer queda da língua piorando a dispneia.
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B - Traumas abertos Em lesões por armas brancas geralmente ocorre secção de regiões com menos resistência: músculos infra-hióideos, membrana cricotreóidea, membrana reo-hióidea, traqueia. Feridas por degolação geralmente são supra-hióideas. A secção da membrana reo-hióidea pode se acompanhar de secção de epiglote, com potencial risco de lesão de nervo laríngeo superior. Traumas penetrantes são desa fiadores, com mais de 30% dos pacientes tendo múl tplas estruturas lesadas. Lesões por arma branca têm alto potencial de a tngir grandes vasos, geralmente com morte imediata. Tais lesões são mais fáceis de se delimitar, em relação a ferimentos por projétl de arma de fogo (FAFs), e di ficilmente acometem hipofaringe e esôfago. Quanto aos FAFs, têm lesões mais complexas, com di f cil delimitação, pequena lesão cutânea externa, lesões complexas internamente, e frequentemente lesões associadas.
C - Lesões não traumátcas Lesões provocadas por inalantes podem decorrer de aspiração de ar superaquecido, principalmente em ambientes fechados. Essas lesões estão na maioria das vezes relacionadas com acometmento em outras regiões do corpo tais como face e tórax. Deve-se realizar a intubação antes da reposição volêmica, pois o edema que se instala é muito intenso e pode levar a insu ficiência respiratória. - Conduta A prioridade na chegada do paciente à sala de emergência é o restabelecimento da via aérea. Caso o paciente se apresente em respiração espontânea, estável hemodinamicamente e sem lesões que obriguem à intervenção cirúrgica, podemos optar por observá-lo. Entre os pacientes desta categoria estão aqueles que apresentam mínimas lacerações mucosas, não envolvendo a comissura anterior e fraturas não desalinhadas da car tlagem treoide, sem exposição da mesma. Hematomas pequenos devem ser controlados da mesma maneira. A grande di ficuldade nestes casos está em quando intervir, sabendo que a região é altamente propensa a complicações obstrutvas. A intubação orotraqueal deve ser evitada a todo custo, uma vez que pode causar avulsão de tecidos, laceração mucosa, falso trajeto ou completar uma desinserção laringotraqueal incipiente. A traqueostomia com anestesia local e sem hiperextensão cervical é a técnica de escolha. Cuidados devem ser tomados para se evitar a manipulação e a movimentação cervical, devendo sempre ser colocado o colar cervical. Indicação de tratamento cirúrgico: lesões que envolvam a comissura anterior, exposição de car tlagem, múltplas fraturas, fraturas desalinhadas da car tlagem treoide, fra-
turas que causem comprome tmento da via aérea, fraturas da cartlagem cricoide que levem à paralisia completa ou parcial de pregas vocais, aritenoides deslocadas, lacerações mucosas extensas, encurtamento das cordas vocais, avulsão da epiglote, grandes hematomas. O tratamento consiste em exploração cirúrgica aberta e reparo das lesões. O tratamento cirúrgico inicia-se com a obtenção de uma via aérea permeável. A traqueostomia com o paciente acordado sob anestesia local é o método mais conservador e seguro. Atualmente a tendência é tentar o reparo precoce (primeiras 24 horas) das lesões mucosas, evitando o inconveniente de manter lesões abertas em região contaminada. Lesões abordadas precocemente teriam melhor recuperação vocal em longo prazo.
8. Massas cervicais congênitas Exceto pelas adenopa tas cervicais benignas, as massas cervicais congênitas são as causas mais comuns de edema cervical em crianças. Frequentemente têm aparência característca e geralmente re fletem anomalias cervicais no desenvolvimento de músculos, pele, vasos sanguíneos, linfátcos e aparato branquial.
A - Embriologia São diversas as afecções cervicais de caracterís tcas tumorais que podem se apresentar na região cervical da criança ou do adulto jovem. Elas podem ser representadas como variações anatômicas, funcionais e mesmo vir a ser neoplasias de desenvolvimento intrauterino. Quaisquer dos folhetos de formação embriológica da região pode ser fonte destas, portanto, encontram-se distúrbios vasculares, de epitélio de reves tmento, musculares, neurais e osteocartlaginosos. A partr da 3ª semana de vida intrauterina, começam a surgir as estruturas que formarão o pescoço do embrião. O 1º arco a se formar é o mandibular. É o que tem desenvolvimento mais rápido e intenso, sendo seguido pelo arco hióideo e pelo 3º, 4º, 5º e 6º arcos, todos menos desenvolvidos. Os arcos são responsáveis pela formação das estruturas osteocartlaginosas, musculares, neurais e vasculares do pescoço. Seu desenvolvimento faz com que as fendas e bolsas sejam ocluídas ou ocupadas por estruturas sólidas. A única fenda a não desaparecer é a 1ª, pois formará o conduto audi tvo externo. A 1ª bolsa faríngea vai dar origem à cavidade tmpânica. Já na 2ª bolsa, se observará o aparecimento de brotos linfoides que darão origem às amígdalas faríngeas. A 3ª bolsa acaba por invaginar no mesênquima vizinho, formando as paratreoides inferiores e o tmo, enquanto a 4ª bolsa dará início às paratreoides superiores e à glândula treoide. Tudo isso acontece da 3ª a 10ª semana de gravidez, sendo um período de intensa a tvidade embriológica, mas bastante curto.
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OTORRINOLARINGOLOGIA fibroelástca,
Figura 9 - Esquema de formação dos cistos e f stulas branquiais
B - Cistos e f stulas da 1ª fenda branquial É uma anomalia da infância, com cerca de 90% dos casos descritos abaixo dos 10 anos de idade. Subdividem-se em tpo I e tpo II. No 1º caso tem-se um abaulamento da região paro dea sem sinais flogístcos e sem sintomatologia mais significatva, já a do tpo II pode ser de di f cil diagnóstco, levando o paciente a apresentar diversos episódios de quadros infecto-in flamatórios da região cervical antes que surja a suspeita diagnós tca. Estranhamente, esses casos, não raro, fistulizam para a pele, fato não muito habitual em outros tpos de infecção cervical, o que deveria alertar o otorrinolaringologista para a possibilidade de um cisto de 1ª fenda. Uma 2ª característca notável da en tdade é chamada trave tmpânica. É uma prega epidérmica que se estende do assoalho do conduto até o umbigo do martelo. Um 3º sinal que pode ser sugestvo desse tpo de f stula é a imagem de TC apresentando uma lesão cís tca com um halo de característcas cartlaginosas ao seu redor. O tratamento das anomalias de 1ª fenda branquial pode variar de expectante, nos casos em que há apenas uma alteração cosmétca da região malar, cervical ou pré-auricular, até a exérese cirúrgica do seio, cisto ou trato fistuloso.
com mobilidade lateral, porém com redução de sua movimentação ver tcal. Sua localização preferencial é na parte mais alta da região jugulocaro dea, abaixo do ângulo da mandíbula e em frente dos grandes vasos. Os cistos branquiais da 2ª fenda, apesar de congênitos, raramente são visíveis ao nascimento, pois neste momento não há líquido no seu interior para distendê-lo. A idade de predileção para o aparecimento clínico desses cistos está entre os 10 e 20 anos de idade, em geral, após um quadro infeccioso da cavidade oral. Os cistos podem ter comunicação com a base da loja amigdaliana e se estender desde a fossa supraclavicular até a base do crânio. O diagnóstco dos cistos é feito pela história característca de uma massa de crescimento rela tvamente rápido, de 1 a 4 semanas, na região cervical lateral, com dor local e sinais flogístcos leves a moderados, associado a um processo infecto-in flamatório de boca e orofaringe. O principal exame radiográ fico é a tomogra fia, que pode mostrar uma massa cístca, de cápsula fina, com conteúdo líquido que se cora levemente com contraste e que pode formar septos. Geralmente a massa está circundada por linfonodos inflamatórios. O tratamento de seios e cistos branquiais é eminentemente cirúrgico. Feito após a remissão da resposta in flamatória, deve ex trpar completamente o cisto e suas comunicações, seja com a orofaringe ou a pele.
Figura 11 - Cistos e f stulas da 2º fenda branquial
D - Linfangiomas cervicais (higroma cístco)
Figura 10 - Cistos e f stulas da 1º fenda branquial
C - Cistos e f stulas da 2ª fenda branquial A fenda que fornece o maior número de casos clínicos é a 2ª. O exame clínico geralmente encontra uma lesão lisa,
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São tumores benigno infrequente, que se compõem de formações cístcas desenvolvidas a par tr do endotélio linfátco e ilhas de linfa e sangue. Em crianças, essa malformação congênita predomina em áreas cervicofaciais. Compõe-se de cistos limitados por endotélio vascular, ilhas de linfa e em ocasiões de sangue. Esses cistos se encontram rodeados por tecido fibroadiposo com formações linfá tcas e fibras musculares lisas. A apresentação clínica mais frequente cons ttui uma tumoração cervical assintomátca. Em 50% dos casos, o diagnóstco é feito ao nascimento.
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O diagnóstco é puramente clínico: tumefação cervical indolor, da consistência de lipoma, em uma criança ou adulto jovem. A transiluminação é patognomônica, mas sua ausência não permite descartar o diagnós tco. A pele sobre o tumor costuma ser normal ou tem uma aparência ligeiramente azulada, e pode parecer in flamada em caso de infecção. Necessitamos de exames de imagem quando existe dúvida diagnóstca, quando necessitamos avaliar a extensão e a profundidade da lesão e sua relação com outras estruturas anatômicas. Na tomogra fia computadorizada, as lesões cístcas apresentam densidade líquida. A RM é considerada técnica de escolha, e o higroma cís tco apresenta um hipersinal característco em T2. A literatura favorece a cirurgia como tratamento de escolha para linfangiomas cervicais. A regressão espontânea dos higromas tem sido ponto de discussão em muitos estudos. Existem evidências su ficientes para considerá-la como opção terapêutca, em casos em que uma massa assintomátca é o único problema.
E - Cistos do ducto treoglosso a) Embriologia A glândula treoide desce em frente à faringe como um diver culo bilobulado patente, o ducto treoglosso. Ela adquire sua posição normal ao redor da 7ª semana de vida intrauterina e o ducto treoglosso, por sua vez, desaparece na décima semana. A persistência de uma porção do ducto, com seu epitélio, resultará em lesão cís tca preenchida por material coloide. O osso hioide, que se origina do 2º e 3º arcos, está in tmamente envolvido com o ducto treoglosso. Como resultado, o ducto pode está localizado anteriormente, na sua substância ou atrás do osso hioide. b) Apresentação clínica O cisto do ducto treoglosso é a mais comum massa cervical benigna, excetuando-se as adenopa tas cervicais benignas. A maioria dos cistos surge antes do paciente completar 5 anos, mas pode surgir em qualquer idade. Apresenta-se como uma massa em linha média que se eleva a protrusão da língua e deglu tção, sendo essa úl tma sua mais constante característca.
Figura 13 - Cisto de ducto t reoglosso (seta) em TC sagital
c) Histologia Histologicamente, encontramos um canal unido ao cisto, intmamente relacionado ao corpo do osso hioide e reves tdo por epitélio escamoso glandular. Em alguns casos encontramos ilhas de tecido treoidiano associado à malformação; d) Tratamento Em 1920, Sistrunk recomendou a re trada de um bloco de tecido desde a base da língua envolvendo o ducto, o cisto e parte do osso hioide. Com essa técnica, a taxa de recidiva gira em torno de 3%.
F - Hemangiomas Os hemangiomas são as neoplasias de cabeça e pescoço mais comuns na infância. Embora sejam predominantemente localizados em super f cies cutâneas, podem ser também vistos em mucosas e vísceras. Chegam a acometer 10% das crianças. Cerca de 1/3 dos hemangiomas já estão presentes ao nascimento, mas eles tpicamente são notados durante o 1º mês de vida e progressivamente aumentam durante o 1º ano. As 2 técnicas de imagem mais frequentemente u tlizadas para o exame de anomalias vasculares são a RM e a ultrassonografia (US). Outros exames u tlizados são a RM angiográfica, a venografia, linfangiografia, e a TC. Os objetvos primários nos exames de imagem são caracterizar a lesão, determinar sua extensão anatômica, e determinar quais tecidos e estruturas adjacentes estão envolvidas. Em virtude da história natural de involução dos hemangiomas, terapia conservadora é regra para a sua maioria, mas observação está indicada para o possível desenvolvimento de complicações. Cerca de 10 a 20% dos hemangiomas requerem tratamento por várias razões.
G - Cistos dermoides Figura 12 - Possíveis maneiras de formação apresentação dos remanescentes ducto t reoglosso
Os cistos dermoides provêm de epitélio re tdo durante a embriogênese ou por implantação traumá tca. Cistos dermoides consistem de uma cavidade formada por epitélio e
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OTORRINOLARINGOLOGIA preenchida por apêndices de pele. Além do pescoço, podem ser encontrados na órbita, nasofaringe e cavidade oral. Tipicamente, cistos dermoides apresentam-se como massas em linha média do pescoço, frequentemente em região submentoniana. Movem-se com o deslocamento da pele, e são indolores – a não ser quando infectados. Ao contrário dos cistos do ducto treoglosso, não se movem com a protrusão da língua. O tratamento é feito com excisão completa.
9. Neoplasias de laringe A laringe é um dos órgãos mais importantes da região cervical, pois é fundamental na fala, respiração e deglu tção. Os tumores dessa região causam impacto nessas 3 funções, principalmente, na função vocal. A laringe é dividida em 3 regiões anatômicas: supraglote, glote e subglote. A região supraglote estende-se da ponta da epiglote ao ápice de ambos os ventrículos e incluem as falsas pregas vocais (bandas ventriculares), as super f cies lingual e laríngea da epiglote, a super f cie laríngea das aritenoides e as pregas ariepigló tcas. A região gló tca inclui as pregas vocais, o assoalho do ventrículo, a comissura anterior e a área interaritenoidiana. A região subgló tca se estende 5mm inferior à borda livre das pregas vocais até a borda inferior da car tlagem cricoide. A maioria das neoplasias tem origem nas pregas vocais verdadeiras (55 a 75%), sendo uma rouquidão que persista por mais de 2 semanas, um forte sinal de que uma investgação diagnóstca apropriada deve ser tomada. Quando sem tratamento, invariavelmente toma rumo letal (50% em 1 ano, com sobrevida em apenas 5% após 3 anos sem tratamento). O carcinoma espinocelular (CEC) representa aproximadamente 95% dos tumores desta região. Raramente há tumores de glândulas salivares menores. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de tumores laríngeos são o tabagismo seguido pelo e tlismo crônico, sendo que a associação desses 2 fatores gera uma potencialização dos riscos. O diagnóstco baseia-se na história clínica de disfonia, sensação de globus faríngeo, pigarro, odinofagia, disfagia, tosse, voz soprosa. À naso fibroscopia observa-se lesão invasiva, sendo nesses casos mandatória a realização de biópsia para confirmar a presença da lesão. Uma vez confirmado, deve ser solicitada TC cervical para avaliar a extensão da lesão e o acome tmento linfonodal. Avaliação de tórax (raio x simples ou TC) e de esôfago (EDA) também devem ser realizadas. O risco relatvo de metástase cervical é diretamente proporcional ao tamanho do tumor, por exemplo, há risco de 20% em tumores menores de 2 cm e risco maior que 80% em tumores extensos. É es tmado que cerca de 40% dos pacientes com metástase linfonodal ipsilateral decorrente de neoplasia supragló tca podem desenvolver doença cervical contralateral.
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Figura 14 - CEC de prega vocal direita
A - Estadiamento Tis: tumor confinado a mucosa laríngea, apresentando-se como uma lesão leucoplásica; - T1: tumor confinado a uma estrutura da laringe, com mobilidade normal da prega vocal (bandas ventriculares, aritenoides e epiglote). T1a: uma prega vocal; T1b: ambas as pregas vocais. -
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T2: tumor envolvendo mais que uma estrutura (supraglótca ou gló tca) com mobilidade normal das pregas vocais; - T3: tumor acometendo laringe fixando as cordas vocais ou envolvendo espaço cricoide posterior, piriforme medial ou espaço pré-epigló tco; - T4: Invasão de car tlagem ou tecidos adjacentes à laringe. -
Em relação ao acometmento linfonodal cervical, o American Joint Commi e e on Cancer classifica os graus de adenopata: - Nx: nódulos não podem ser avaliados; - N0: nódulos sem sinal de metástases; - N1: um único nódulo metastá tco ipsilateral menor ou igual a 3cm. N2a: um único nódulo metastá tco ipsilateral de 3 a 6cm de diâmetro; N2b: múl tplos nódulos ipsilaterais, nenhum maior que 6cm; N2c: nódulos positvos bilaterais ou contralaterais nenhum maior que 6cm. •
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N3: pelo menos um nódulo maior que 6cm.
Em relação às metástases à distância, podemos classi ficar os tumores em:
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M0: ausência de metástases evidentes; - M1: presença de metástases evidenciadas; - Mx: possível metástase, ainda não iden tficada. -
B - Tratamento O tratamento do carcinoma in situ é o mesmo que a da displasia severa – decor tcação cirúrgica endoscópica sob laringoscopia de suspensão. Os tumores iniciais podem ser tratados com bons resultados tanto com cirurgia como com radioterapia. Radioterapia resulta em um controle de 80 a 93% para tumores T1 e 65 a 78% para T2. Tumores supragló tcos avançados têm sobrevida em 5 anos de no máximo 50%, similarmente com tumores gló tcos T4 (40 a 49%). Tumores T3 glótcos podem ter sobrevida de até 80% em 5 anos.
10. Faringotonsilites As faringotonsilites são doenças in flamatórias e infecciosas envolvendo faringe, tonsilas pala tnas (amígdalas) e tonsilas faríngeas (adenoides). Cons ttuem um dos distúrbios mais frequentes nos consultórios otorrinolaringológicos. a) Imunologia As tonsilas são órgãos de tecido linfoide localizados para a proteção imunológica do trato aerodiges tvo. O epitélio escamoso das criptas tonsilares possui sistema complexo de transporte através de microporos que levam an genos ingeridos ou inalados ao tecido linfoide subjacente. Dentro do tecido linfoide, o an geno entra em contato com as células processadoras de an genos (APCs), responsáveis por apresentá-lo aos Linfócitos T (LT). Quando há uma concentração su ficiente de um an geno, é estmulada a diferenciação de Linfócitos B (LB) em plasmócitos e sua expansão clonal. Isso resulta na produção de imunoglobulinas, notadamente IgA, que é transportada à superf cie mucosa, fornecendo proteção imunológica local. As tonsilas são imunologicamente a tvas entre os 4 e 10 anos de idade. A involução do tecido linfoide ocorre após a puberdade, resultando na diminuição local da população de LB (que, na infância, correspondem a 50 a 65% do total) e no aumento da proporção de LT em relação ao de LB. Em relação às possíveis consequências imunológicas causadas pela amigdalectomia, há evidências de que ocorre redução dos níveis séricos de IgG e IgA após 1 mês de pós-operatório, com recuperação parcial desses níveis 3 meses depois. No entanto, essa queda, bem como a queda de IgG e IgA não parecem causar imunossupressão, já que os pacientes não apresentam doenças oportunistas no pós-operatório. b) Classificação clínica das faringotonsilites - Amigdalite aguda: febre, dor de garganta, disfagia, adenomegalia cervical com hiperemia de amígdalas, podendo haver exsudatos; - Amigdalite aguda recorrente: 7 episódios em 1 ano, 5
episódios por ano em 2 anos consecu tvos ou 3 episódios por ano em 3 anos consecu tvos; - Amigdalite crônica: dor de garganta crônica, halitose, cálculos amigdalianos excessivos, edema periamigdaliano e adenopa ta cervical amolecida persistente; - Hiperplasia amigdaliana: roncos, apneia obstru tva do sono, disfagia, voz hipernasal. Em casos extremos, se associada com obstrução nasal e muito intensa (quadro agudo), pode causar insu ficiência respiratória aguda.
A - Anginas eritematosas ou eritematopultáceas As anginas eritematosas são as mais comuns e correspondem a 90% dos casos. Podem ser de origem viral ou bacteriana. Caracterizam-se por uma mucosa orofaríngea de coloração arroxeada, com amígdalas edemaciadas e frequentemente aumentadas de volume. As faringoamigdalites eritematopultáceas apresentam, além do arroxeamento in flamatório das estruturas da orofaringe, exsudato esbranquiçado sobre as amígdalas. Este revestmento pultáceo forma manchas pun tformes ou confluentes que se desprendem facilmente da mucosa com o abaixador de língua. a) Origem viral As anginas de origem viral correspondem a 75% das faringoamigdalites agudas, mesmo em casos recorrentes. Os agentes virais são preponderantes nos 2 ou 3 primeiros anos de vida e menos frequentes após a puberdade. Agentes etológicos: os vírus mais associados são os rinovírus (20%), coronavírus (5%), adenovírus (5%), herpes-simples (4%), in fl uenza (2%) e parainfluenza (2%), entre outros (coxsackie, citomegalovírus, Epstein-Barr vírus, HIV). A faringoamigdalite causada pelo vírus Epstein-Barr cursa com quadro clínico com partcularidades e será discu tda mais adiante; Quadro clínico: o paciente com faringoamigdalite viral apresenta sintomas de leve intensidade. •
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Os principais são dor de garganta e disfagia. A maioria dos pacientes irá apresentar mialgia e febre baixa, associadas a coriza hialina e espirros. O exame f sico mostra eritema da mucosa faríngea. As tonsilas podem estar aumentadas, mas frequentemente não há exsudato; Tratamento: o tratamento das infecções virais não é especí fico e consiste em terapias de suporte com medicações analgésicas e an t-inflamatórios. •
b) Origem bacteriana As faringoamigdalites bacterianas correspondem a 20 a 40% dos casos. - Agentes etológicos O Streptococcus pyogenes (estreptococo beta-hemolítco do grupo A) é responsável por cerca de 20 a 30% das faringotonsilites agudas em crianças em idade escolar e adolescentes.
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OTORRINOLARINGOLOGIA Mycoplasma pneumoniae pode também ser causa de faringite na população entre 9 e 19 anos, embora alguns autores discutam o signi ficado do Mycoplasma pneumoniae e da Chlamydia pneumoniae como causa de faringite. Outras bactérias como Staphylococcus aureus, Haemo philus sp, Moraxella catarrhalis, são, por vezes, responsáveis por recaídas de infecções estreptocócicas e atuariam produzindo beta-lactamase, enzimas ina tvadoras de penicilinas, o que pode di ficultar a erradicação dos estreptococos piogênicos durante a terapêutca com beta-lactâmicos.
B - Faringoamigdalite estreptocócica A faringite aguda causada pelo estreptococo do grupo A é a causa mais comum das faringites bacterianas. A importância em Saúde Pública decorre não apenas da sua alta frequência, mas também das sequelas que trazem febre reumátca e glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocócica. As anginas estreptocócicas usualmente ocorrem após os 3 anos de idade, com pico de incidência entre 5 a 10 anos de idade, mas podem ocorrer em crianças menores de 3 anos e em adultos maiores de 50 anos. A principal sintomatologia da faringoamigdalite aguda é dor faríngea, odinofagia e otalgia re flexa. A febre é de intensidade variável e pode ser acompanhada de queda do estado geral. Náuseas e vômitos são sinais de alerta principalmente em crianças. Os sintomas que sugerem origem estreptocócica são: início brusco, febre alta, dor de garganta intensa, adenopa ta limitada em cadeia jugulodigástrica e ausência de sintomatologia nasal ou laringotraqueal. O exame f sico revela hiperemia, aumento de tonsilas e exsudato purulento, além de adenomegalia em cadeia jugulodigástrica, observada em 60% dos casos. O diagnóstco da faringoamigdalite aguda estreptocócica é basicamente clínico. Entretanto, as manifestações da faringite estreptocócica e não estreptocócica são semelhantes, o que di ficulta o diagnóstco especí fico. Existem alguns métodos diagnós tcos especí ficos para detecção e con firmação da faringoamigdalite estreptocócica. Destes, o padrão-ouro é a con firmação com cultura de orofaringe. Um dos grandes problemas da cultura é o tempo que decorre até o resultado do exame, que pode ser de 18 a 48 horas. Torna-se di f cil para o médico convencer os pais ou o paciente a aguardar o resultado para a introdução do antbiótco, principalmente quando o mesmo se encontra febril e com queda do estado geral. Se tratada prontamente, há diminuição do período de transmissão e diminuição dos sintomas e da incidência de complicações supuratvas; porém, adiar o tratamento até 9 dias após o início da faringite parece não aumentar o risco de febre reumá tca. Os testes rápidos para detecção do estreptococo, usando como métodos o ELISA, imunoensaios óp tcos (OIA) ou sondas (Probes) de DNA, apresentam a vantagem do diagnóstco rápido. Comparada à cultura de orofaringe, a pro-
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va rápida apresenta sensibilidade de 30 a 90% e especi ficidade de 95%, tendo, portanto, um valor elevado de falsos negatvos. Nos pacientes com grande suspeita clínica e resultado do teste rápido nega tvo, a cultura pode ser u tlizada para diagnós tco, uma vez que apresenta maior sensibilidade. Na prátca clínica, os exames sorológicos são de pequena u tlidade, uma vez que a elevação dos tulos de antcorpos (antestreptolisina O, ant-hialuronidase, ant-DNAse B, antestreptoquinase) ocorre 2 ou 3 semanas após a fase aguda. As complicações da faringoamigdalite estreptocócica podem ser supuratvas ou não supuratvas. a) Complicações não supura tvas - Escarlatna: decorre da produção de endotoxinas. Manifestações incluem rash cutâneo finamente papular e eritematoso, que confere à pele um aspecto áspero, linfadenopata, vômitos, cefaleia, febre, eritema de amígdalas e orofaringe. O sinal de Filatov consiste em palidez perioral, enquanto o sinal de Pas ta denota o surgimento, em linhas de flexão, de petéquias e hiperpigmentação, ambos sendo característcos dessa doença. O diagnóstco é clínico, mas o ideal é que a suspeita seja confirmada por teste laboratorial. O tratamento consiste na introdução de penicilina G intravenosa; - Febre Reumá tca (FR): doença endêmica nos países em desenvolvimento. O pico de incidência ocorre entre 5 e 15 anos e os sinais e sintomas manifestam-se 2 a 3 semanas após episódio de faringite estreptocócica. Os critérios de Jones modi ficados podem ser u tlizados como guia para o diagnós tco de FR, analisando-se critcamente cada caso. Sendo assim, pode ser diagnostcada FR quando existem 2 critérios maiores ou 1 critério maior e 2 menores, associados a evidência de infecção estreptocócica; Tabela 2 - Critérios de Jones para diagnóst co de febre reumát ca Critérios maiores - Cardite; - Poliartrite; - Eritema marginado; - Coreia; - Nódulos subcutâneos. Critérios menores - Febre; - Artralgia. - Antecedentes de FR: · VHS; · Proteína C reatva; · Intervalo PR. Escarlatna recente - Presença de antcorpos (ASLO, antestreptoquinase, ant-DNA, se B); - Cultura positva.
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Cardite e valvulite podem ser autolimitadas ou provocar degeneração valvar progressiva. A válvula mais acometda é a mitral, seguida pela aór tca. - Glomerulonefrite: ocorre após infecção faríngea ou de pele. A incidência gira em torno de 24% dos pacientes expostos a cepas nefritogênicas, mas estas cons ttuem apenas 1% do total. O paciente apresenta síndrome nefrí tca 1 a 2 semanas após infecção de orofaringe. Não há evidência que a administração de penicilina diminua a taxa de ataque ou altere a história natural da glomerulonefrite; - Síndrome do choque tóxico estreptocócico: ocorre após infecção ou colonização estreptocócica de qualquer sí to. Compreende hipotensão associada a pelo menos 2 dos seguintes: insu ficiência renal, coagulopata, anormalidades de função hepá tca, síndrome da angústa respiratória do adulto, necrose tecidual extensa e rash eritematomacular. b) Complicações supura tvas Abscesso periamigdaliano; - Abscesso parafaríngeo; - Infecções do espaço retrofaríngeo. -
Grande parte dos autores ainda advoga o uso de penicilina e derivados como 1ª escolha no tratamento de amigdalites não complicadas A penicilina G benza tna pode ser usada em dose única de 600.000 UI (peso <20kg) a 1.200.000 UI (peso ≥20kg). A amoxicilina é a droga mais usada por VO, na dose de 40 a 50mg/dia por 10 dias. Em caso de suspeita de germes produtores de beta-lactamase, pode ser associada ao ácido clavulânico. A u tlização de macrolídeos (eritromicina, azitromicina) fica limitada a casos em que há alergia à penicilina. Antbiotcoterapia realizada nas primeiras 48 horas dos sintomas está associada a melhora precoce dos sintomas como dor, febre e adenopa ta, de 12 a 24 horas antes se comparado ao não uso de an tbiótcos. Além disso, uso de antbiótcos minimiza a incidência das complicações supuratvas. Antbiotcoterapia deve ser u tlizada de 7 a 10 dias. Alguns autores advogam que o uso de an tbiotcoterapia por 10 dias está associado a menor taxa de recorrência. Medidas de suporte incluem hidratação oral, analgésicos, anttérmicos e o uso de an t-inflamatórios não hormonais e cortcoides.
C - Formas clínicas partculares a) Mononucleose infecciosa A mononucleose infecciosa é uma doença sistêmica que acomete principalmente adolescentes e adultos jovens (15 a 25 anos). - Agente etológico: a mononucleose é causada pelo Vírus Epstein-Barr (EBV). O EBV é um vírus da família
Herpesviridae que apresenta tropismo par tcular por linfócitos B e pelas células epiteliais da faringe e das glândulas salivares. Existem outros agentes infecciosos que podem simular um quadro de mononucleose infecciosa (síndrome mononucleose-like ou mononucleose-símile): citomegalovírus (CMV), Rubéola, Toxo plasma gondii , HIV, Tripanossoma cruzi , entre outros; - Quadro clínico: a transmissão ocorre principalmente pela saliva. A tríade clínica da mononucleose infecciosa é consttuída por febre, angina e poliadenopa ta. A febre pode ser alta e acompanhada de astenia intensa. A angina pode ser eritematosa, eritematoexsuda tva ou pseudomembranosa. Neste úl tmo caso, as pseudomembranas recobrem as amígdalas mas não a tngem a úvula. Edema de úvula e de palato são sinais característcos da mononucleose infecciosa. Podem ser encontrados sinais sistêmicos como linfadenomegalia, hepatomegalia (10%) e esplenomegalia (50%). Rash cutâneo pode ocorrer principalmente com os usos de penicilina/ampicilina. Inicialmente, a mononucleose pode simular uma amigdalite comum, porém com a evolução do quadro, sem melhora com uso de an tbiótcos, impõe-se essa suspeita; - Diagnóstco: é realizado pelo quadro clínico associado aos resultados de exames laboratoriais: linfocitose ao hemograma (linfócitos >50% da população de leucócitos), linfocitose a pica (10% ou mais dos leucócitos totais) e discreto aumento de transaminases. Pode ser realizado teste sorológico de Paul-Bunnel-Davidson (positvo após 10 a 20 dias de doença, com sensibilidade de 90% e especificidade de 98%) ou pesquisa de an tcorpos (Ac) IgM ou IgG contra an genos do capsídeo viral, que consttuem os exames de escolha. Os Ac IgM podem ser detectados desde o início do quadro clínico, a tngindo seu pico em 4 a 6 semanas. Em alguns doentes pode ocorrer uma forma de portador do EBV, com manutenção da produção de an tcorpos (IgG) no organismo; - Tratamento: a evolução do paciente com mononucleose costuma ser favorável, com resolução do quadro após alguns meses. O tratamento é baseado em terapias de suporte como hidratação e analgésicos, evitando-se o uso de ampicilina, pelo risco de provocar um rash cutâneo morbiliforme. Muitas vezes acontecem infecções bacterianas secundárias que necessitam de antbiotcoterapia. O uso de cor tcoides permanece controverso. b) Dieria Acomete principalmente crianças entre o 1 º e o 7 º ano de vida e, hoje em dia, é rara devido ao uso difundido da vacinação antdiérica. O agente e tológico é o Corynebacterium diphtheriae, um bacilo Gram posi tvo anaeróbio produtor de uma endotoxina, responsável pelos fenômenos locais e sistêmicos da doença.
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Quadro clínico: tem início insidioso com período de incubação de 2 a 4 dias. Ao exame, observamos pseudomembranas branco-acinzentadas, localizadas sobre as amígdalas e invadindo o terço superior dos pilares anteriores até a úvula. As falsas membranas aderem à mucosa, resistem ao descolamento (deixam leito sangrante ao se destacarem) e não se dissociam na água, como ocorre com o depósito piriforme da angina eritematopultácea. Em casos graves da doença, a membrana pode se estender até ocupar todo o trato aerodiges tvo alto, impedindo a eliminação de secreções e resultando em obstrução das vias aéreas superiores. Surge ingurgitamento linfonodal cervical, febre moderada, albuminúria, pulso rápido, hipotensão, palidez e adinamia (quadro toxêmico). Quando atnge a laringe (quase sempre localização secundária à angina di érica), surgem voz e tosse roucas, além de tragem intercostal. A exotoxina di érica tem tropismo pelo miocárdio, acarretando arritmia cardíaca, pelas cúpulas renais, podendo determinar hipotensão, astenia e dores abdominais e pelo sistema nervoso, acometendo primeiramente os pares cranianos, podendo causar diplopia e fenômenos paralí tcos do véu pala tno;
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Diagnóstco: o diagnóstco é con firmado pelo exame bacterioscópico direto e pela cultura de exsudatos faríngeos ou até de um fragmento de pseudomembrana em meio de Klebs-Löe ffl er. O diagnós tco diferencial é feito com as anginas estreptocócicas, de Plaut-Vincent e, partcularmente, a da mononucleose infecciosa;
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Tratamento: na suspeita da di eria, o paciente deverá ser internado e iniciar tratamento com soroterapia especí fica (soro antdiérico, IM ou SC; 50.000 a 100.000 unidades anttóxicas) o mais precocemente possível. A via intravenosa pode ser usada em casos de excepcional gravidade. Penicilina ou eritromicina devem ser utlizadas para assegurar a erradicação do foco infeccioso. Os comunicantes de um caso-índice de di eria não vacinados, inadequadamente vacinados, vacinados há mais de 5 anos ou com situação vacinal desconhecida deverão receber a vacina an tdiérica e serem submetdos à coleta de material de orofaringe para cultura. No caso de serem portadores do bacilo, está indicada a quimioprofilaxia com eritromicina.
D - Angina ulceronecrótcas - Angina de Plaut-Vincent - Agente etológico: causada por simbiose entre o bacilo fusiforme Fusobacterium plautvincent e o espirilo Spirochaeta dentuim, saprófitos normais da cavidade bucal, que adquirem poder patogênico quando asso-
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ciados. A má higiene bucal e o mau estado dos dentes e gengivas facilitam tal associação. Acomete principalmente adultos jovens e adolescentes; - Quadro clínico: caracteriza-se por disfagia dolorosa unilateral, geralmente sem elevação de temperatura e queda importante do estado geral. Deve ser a principal hipótese diagnós tca frente a uma angina ulceronecrótca unilateral. A oroscopia revela ulceração da amígdala, recoberta por pseudomembrana, facilmente desprendido e friável, sem tendência a estender-se, mas acarretando fenômenos de necrose e eliminação de exsudato de odor fé tdo; - Diagnóstco: baseia-se na unilateralidade das lesões e na presença de lesões gengivais concomitantes próximas ao 3º molar superior. O exame bacteriológico auxiliará a evidenciar a natureza fusoespiralar da angina nos casos de dúvida; - Tratamento: consiste em an tbiotcoterapia (penicilina via parenteral ou metronidazol), gargarejos com soluções antsséptcas para higiene bucal e dentária e sintomátcos.
E - Anginas vesiculosas A denominação de angina nestes casos é pouco adequada uma vez que acome tmento envolve a faringe e mucosa oral. As vesículas são vistas no início da afecção. Podem ser múltplas e disseminadas. Na mucosa bucofaríngea, as vesículas se rompem facilmente e dão lugar a ulcerações pouco profundas recobertas por exsudato esbranquiçado, disseminado ou con fluente. As anginas vesiculosas são principalmente de origem viral. a) Vírus Herpes Simplex (HSV) - Agente e tológico: existem essencialmente 2 sub tpos sorológicos: 1 e 2. O tpo 1 é considerado “oral” e o tpo 2 genital, mas devido à alteração dos hábitos sexuais isto tem se descaracterizado; - Quadro clínico: a infecção primária pelo HSV é geralmente uma gengivoestoma tte, mas pode se manifestar como uma faringite aguda. O vírus apresenta uma tendência a infectar células ectodérmicas na pele e mucosas, manifestando-se mais frequentemente em crianças entre 10 meses e 3 anos de idade. Antes dos 10 meses, os antcorpos maternos agem inibindo a manifestação dos sintomas relacionados ao HSV. Em adolescentes pode se manifestar como uma faringite exsuda tva posterior aguda. O vírus é transmitdo por perdigotos e contato com lesões atvas. O período de incubação é curto, durando de 2 a 12 dias, iniciando com um quadro sistêmico e evoluindo com lesões vesiculosas que sangram facilmente. Pode ser encontrada linfonodomegalia cervical e submental. O quadro agudo regride após 7 a 10 dias do pico das lesões.
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Após a infecção primária o vírus pode permanecer latente, aparentemente em gânglios nervosos sensi tvos por longos períodos, voltando em situações de estresse; - Complicações: apesar de o quadro costumar ser autolimitado, sem complicações, pode haver alguns casos de infecção disseminada, comprometendo o sistema nervoso central. Os pacientes imunodeprimidos, os pacientes com lesões cutâneas prévias (ex.: pên figo, impetgo bolhoso, eczema etc.), os com infecção bacteriana concomitante e sarcoidose podem apresentar um prognóstco pior com mortalidade atngindo até 80%; - Diagnóstco: o diagnóstco pode ser feito de diversas formas: clínico, microbiológico (através da cultura viral), com microscopia eletrônica e imunológico (ex.: “an tcorpo fluorescente” e ELISA de tecidos acome tdos). O tratamento se baseia em sintomá tcos, podendo ser u tlizado o aciclovir, 200mg 5x/dia por 7 a 10 dias. b) Herpangina - Agente etológico: vírus coxsackie A, provavelmente também coxsackie B e echovírus; - Quadro clínico: o paciente apresenta angina eritematosa com erupção vesiculosa (vesículas pequenas em palato mole, úvula e pilares amigdalianos). Ao se romperem, as vesículas deixam ulcerações esbranquiçadas circundadas por halo eritematoso espalhadas por toda orofaringe, poupando a região da mucosa jugal. Comum em crianças, principalmente no verão, acompanha-se de febre, cefaleia, micropoliadenopa ta cervical, disfagia e vômitos. Resolução espontânea em 5 a 10 dias; - Tratamento: sintomátco, com medidas analgésicas e hidratação via oral.
11. Hiperplasia tonsilar A hiperplasia das tonsilas faríngeas (adenoide) e/ou palatnas (amígdalas) é uma patologia de grande discussão nos dias atuais, muito comum na faixa etária pediátrica. Essas estruturas são tecidos linfoides que, associados às tonsilas linguais, formam o anel linfá tco de Waldeyer, responsável pela defesa imunológica local. A hiperplasia dessas estruturas acontece de forma idiopá tca ou por fatores genétcos, imunológicos, atopias e mesmo infecciosos, sendo que todos esses fatores têm papel controverso. Clinicamente, os pacientes apresentam obstrução nasal, respiração bucal, roncos e apneia noturnos, bruxismo, dentre outros. A cronicidade da hiperplasia pode gerar consequências, como alterações na morfologia craniofacial, ocorrência de o tte média secretora, distúrbios comportamentais, neurológicos e da fala. O diagnóstco é feito considerando a história clínica e o exame f sico e é complementada com exames de imagem. A hiperplasia amigdaliana pode ser visível à oroscopia. Já o aumento da adenoide pode ser comprovado por nasofibrolaringoscopia ou raio x de cavum em per fil.
O tratamento é alvo de grande discussão. As indicações principais acontecem quando há obstrução do cavum maior que 50%, com deformidade craniofacial, e apneia do sono, optando-se geralmente pela adenoamigdalectomia.
12. Tonsilites de repetção As amigdalites de repe tção são também bastante frequentes na faixa etária pediátrica. Trata-se de um quadro recorrente de odinofagia, febre e mialgia difusa, associado à hiperemia e à secreção purulenta nas amígdalas. O fator desencadeante das crises repetitivas não está totalmente elucidado, porém acredita-se que haja combinação de fatores imunológicos e de resistência bacteriana. O diagnóstco é clínico, com base nas queixas do paciente e no exame f sico. Vale ressaltar que a hiperplasia amigdaliana nem sempre está presente, pois as infecções podem acontecer em tonsilas de tamanho normal. O tratamento é eminentemente cirúrgico quando ocorrem mais de 4 episódios/ano.
13. Indicações cirúrgicas A - Indicações para adenotonsilectomia a) Obstrução É indicação amplamente aceita de adenoamigdalectomia. O aumento de tonsilas faríngeas e pala tnas pode causar respiração bucal, malformação craniofacial, dé ficit no crescimento ponderoestatural, anormalidades da deglu tção, roncos noturnos e distúrbios do sono, incluindo apneia obstrutva do sono. A criança pode apresentar fácies adenoidiana cujas característcas são boca permanentemente aberta, protrusão do maxilar e consequente hipotonia do lábio inferior e palato em ogiva. b) Disfagia e alteração da fala Tonsilas aumentadas ocasionalmente interferem na fase faríngea da deglu tção, podendo causar obstrução mecânica ou incoordenação entre a respiração e a deglu tção. c) Crescimento dentofacial anormal A obstrução nasal crônica devido a tonsilas aumentadas pode predispor a alterações dentofaciais. d) Halitose A presença de halitose pode ocorrer quando há acúmulo de debris e bactérias nas criptas das tonsilas pala tnas. No entanto, essa indicação é rela tva.
B - Indicações para amigdalectomia a) Infecção de repe tção Conforme já exposto.
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OTORRINOLARINGOLOGIA b) Abscesso periamigdaliano Um episódio de abscesso peritonsilar pode ser tratado eficazmente por uma punção aspira tva, incisão e drenagem ou tonsilectomia a “quente”. c) Profilaxia para febre reumá tca A realização de amigdalectomia por febre reumá tca não é um assunto bem esclarecido e ainda está sujeito a discussões. d) Suspeita de malignidade ou aumento de volume unilateral Processos malignos envolvendo essas estruturas são geralmente secundários a linfomas em crianças e carcinomas epidermoides em adultos.
C - Indicações para adenoidectomia a) Sinusite recorrente/crônica Para pacientes com sinusite recorrente ou crônica, os benef cios da adenoidectomia permanecem incertos, visto que nenhum ensaio clínico demonstrou que a cirurgia diminui a morbidade de sinusites em crianças. b) Ottes médias Estudos demonstraram que adenoidectomia, principalmente se for associada à colocação de tubo de ven tlação, em pacientes com aumento do volume das tonsilas faríngeas, foi eficiente em diminuir o número de episódios de o tte média aguda recorrente.
14. Roncos e síndrome da apneia do sono A Síndrome de Apneia e Hipopneia Obstru tva do Sono (SAHOS) caracteriza-se pela diminuição ou mesmo parada do fluxo respiratório, secundária a fatores obstru tvos nos períodos do sono, quando ocorre maior relaxamento muscular. Classicamente, há roncos noturnos, com períodos de apneia, cefaleia matnal e sonolência diurna. Em geral, há predisposição a doenças sistêmicas, como obesidade e hipertensão arterial. Durante o sono, conforme se progride em seus estágios (do estágio I ao sono REM), o tônus muscular diminui gradatvamente, sendo menor no período de sono REM. Nesse momento, o paciente fica mais susce vel ao colabamento da faringe durante a inspiração, com consequente apneia. Isso gera uma redução progressiva na saturação sanguínea de O2. Quando a tnge níveis crí tcos, ocorre uma atvação do SNC, gerando um microdespertar, com aumento do tônus muscular e melhora do fluxo aéreo, corrigindo a queda da saturação de O 2. Consequentemente, passa a haver uma alteração cíclica do sono, impedindo que este se dê de forma normal. Isso ocasiona a sonolência diurna e a perda de desempenho funcional dos apneicos.
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A polissonografia é fundamental ao diagnós tco e à avaliação da gravidade da doença. No exame clínico, as alterações anatômicas que predispõem à SAHOS são sobrepeso, obstrução nasal, pescoço curto, palato mole rebaixado, hiperplasia amigdaliana, retrogna tsmo, alterações craniofaciais e desproporção do volume da língua em relação à cavidade bucal. O tratamento é feito com base nas alterações anatômicas, mas principalmente em perda de peso e uso con nuo de CPAP nasal noturno. Em casos selecionados, opta-se pelo tratamento cirúrgico.
CAPÍTULO
5
Rinologia Vanier Junior / Vladimir Garcia Dall’Oca / Eric Thuler / Bruno Peres Paulucci
1. Rinossinusites As rinossinusites correspondem ao processo in flamatório da mucosa nasossinusal e podem ser classi ficadas, de acordo com a sua e tologia, em infecciosas (viral, bacteriana ou fúngica) ou não infecciosas (alérgica, vasomotora, química), e, pelo tempo de evolução, em agudas (até 4 semanas), subagudas (4 a 12 semanas) ou crônicas (mais de 12 semanas). O diagnóstco da rinossinusite é predominantemente clínico quando da presença de 2 ou mais dos sinais maiores, sendo a secreção purulenta um forte fator predi tvo, ou 1 maior e pelo menos 2 menores da relação a seguir: Fatores preditvos de rinossinusite aguda: a) Maiores - Tosse; - Febre; - Dor/pressão facial; - Obstrução ou congestão nasal; - Secreção nasal/retronasal purulenta; - Hiposmia/anosmia. b) Menores - Cefaleia; - Halitose; - Dor na arcada dentária; - Otalgia ou pressão em ouvidos.
2. Rinossinusite aguda A rinossinusite aguda corresponde ao processo in flamatório agudo da mucosa nasal e dos seios paranasais. Segundo o Consenso Brasileiro de Rinossinusites, os sinais e sintomas podem estar presentes por até 2 semanas nos quadros virais e não infecciosos, e os quadros bacterianos agudos podem durar até 4 semanas. A duração dos sintomas acima desse período, podendo chegar a 12 semanas, caracteriza uma rinossinusite denominada subaguda. O principal mecanismo desencadeante dos sintomas da rinossinusite aguda é o edema das mucosas, que provoca
a obstrução dos ós tos de drenagem dos seios paranasais, causando acúmulo de secreção e alteração da pressão aérea intrassinusal, o que cria um ambiente propício à instalação da infecção bacteriana. O quadro clínico pode caracterizar-se por febre e mau estado geral. As queixas nasais incluem congestão nasal e rinorreia mucopurulenta (amarelo-esverdeada), algumas vezes com odor fétdo. Muitas vezes observa-se, à oroscopia, secreção mucopurulenta pela orofaringe. A cefaleia geralmente tem localização frontal ou facial e é do tpo peso, com piora ao abaixar ou levantar a cabeça, e tosse também pode estar presente. Infecções virais podem provocar queixas semelhantes, entretanto o tempo de evolução pode ajudar no diagnóstco. Sintomas com mais de 10 dias de duração ou piora importante do quadro após o 5º ou o 7º dia de evolução sugerem infecção bacteriana. O diagnóstco é clínico, sem a necessidade de exames complementares. A naso fibroscopia pode oferecer auxílio diagnóstco, pois permite visualizar secreção nos meatos. A capacidade diagnós tca do raio x de seios paranasais é controversa. O exame deve ser feito nas incidências lateral, frontonaso e mentonaso. Os achados incluem opaci ficações dos seios acometdos e níveis hidroaéreos. Deve-se lembrar que quadros de rinossinusites virais e alérgicas também alteram o raio x, levando a diagnós tcos incorretos. Deve-se sempre considerar o tempo de evolução dos sinais e sintomas, na busca de um diagnós tco mais adequado. A TC só deve ser solicitada nos quadros agudos na suspeita de complicações. O tratamento dos quadros bacterianos pode ser feito considerando seus principais agentes, que são: - S. pneumoniae; - H. in fl uenzae; - M catarrhalis. A amoxicilina é o an tbiótco de 1ª escolha. Se houver indícios de resistência ao tratamento ou história de tratamento prévio, pode-se optar por amoxicilina + clavulanato, cefalosporinas de 2ª ou de 3ª geração, macrolídeos ou quinolonas.
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OTORRINOLARINGOLOGIA O tratamento adjuvante inclui lavagem nasal com soluções salinas isotônicas ou hipertônicas, cor tcosteroides orais por curtos períodos de tempo, cor tcoides tópicos e vasoconstritores. Nos casos de rinorreia purulenta unilateral em crianças, deve-se considerar sempre a hipótese da presença de corpo estranho, que deve ser inves tgada, se possível, com nasofibrolaringoscopia, já que alguns materiais são de di f cil visualização por exames de imagem.
e dor local importante (muitas vezes, com diminuição da motlidade ocular e alterações da visão). O tratamento inclui internação para an tbiotcoterapia intravenosa (amoxicilina + clavulanato ou quinolonas + cefalosporina de 3ª geração) e cirurgia para drenagem das secreções dos seios paranasais.
Figura 2 - Flegmão septal por sinusite complicada
Figura 1 - Naso fi broscopia de secreção em cavum na rinossinusite aguda
3. Complicações
A
Os processos patológicos das rinossinusites incluem as complicações orbitárias, as intracranianas e a osteomielite do frontal.
A - Complicações orbitárias É a principal complicação das rinossinusites, favorecida pela fina lamina óssea que separa o seio etmoidal da órbita. Anatomicamente, há o periósteo interno da órbita que, anteriormente, na região palpebral, é denominado septo palpebral. As rinossinusites em que a infecção se estende para a região palpebral anterior ao septo são denominadas complicações pré-septais (Figura 2) e são as menos severas. Além disso, podem cursar com flegmão ou formação de abscesso. Na região orbitária, o processo infeccioso pode estender-se por meio da lâmina papirácea (Figura 3). Quando não rompe o periósteo da órbita, é denominado flegmão/ abscesso subperiosteal. Quando o processo vai além do periósteo, passa a ser denominado flegmão/abscesso intraconal, uma vez que a tnge a gordura e os músculos do cone orbitário. Essa análise é feita mediante TC de seios paranasais (obrigatória na presença dessas complicações). O quadro clínico caracteriza-se por sinais e sintomas de rinossinusite, com evolução para edema de região orbitária
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B Figura 3 - Sinusite complicada: observar o velamento da região dos etmoides, com acomet mento da órbita; (A) formação de abscesso e, (B), o fl egmão formado
B - Complicações intracranianas Incluem os abscessos intraparenquimatoso, epidural e subdural, além de meningites, que ocorrem por extensão
RINOLOGIA
do processo sinusal para o SNC, por via hematogênica ou por contguidade. O tratamento consiste, em geral, na abordagem cirúrgica seguida de an tbiotcoterapia.
C - Osteomielite do osso frontal Raramente, pode-se evoluir com osteomielite do osso frontal, cujo diagnóstco é clínico e por imagem, e o tratamento é feito com an tbiotcoterapia e debridamento cirúrgico.
Aguda sem resposta após 72h de an tbiotcoterapia - Amoxicilina + inibidores de beta-lactamases; - Axetlcefuroxima; - Quinolonas (levofloxacino, gatfloxacino). Período: 10 a 14 dias. Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, descongestonantes orais e tópicos, analgésicos e an t-inflamatórios; cortcoterapia oral e tópica. Aguda com uso recente de an tbiotcoterapia (até 6 semanas) ou quadro intenso
4. Rinossinusite crônica
- Amoxicilina + inibidores de beta-lactamases;
Alguns autores de finem a rinossinusite crônica como sinais e sintomas de rinossinusite por mais de 4 semanas. Outros só a consideram quando passam de 12 semanas. De qualquer maneira, é muito importante que, nesses casos, sejam investgados possíveis fatores associados que podem estar contribuindo para a manutenção do processo infeccioso. O exame endoscópico nasal pode ser de grande valia na detecção de alterações anatômicas que possam levar à obstrução crônica dos ós tos dos seios paranasais, como hipertrofia de conchas nasais, desvio septal, polipose nasossinusal etc. A complementação diagnós tca deve ser feita pela TC de seios da face, que é o exame padrão-ouro. Doenças sistêmicas e possíveis alterações imunológicas podem ser investgadas. As bactérias envolvidas na rinossinusite crônica são basicamente as mesmas da rinossinusite aguda, além de micro-organismos anaeróbios. O tratamento pode ser feito com amoxicilina + clavulanato, claritromicina ou cefalosporinas associadas à cobertura para anaeróbios. Nos casos refratários, deve-se considerar a abordagem cirúrgica, com ampliação dos ós tos dos seios.
- Axetlcefuroxima;
Tabela 1 - Opções de an t biót cos em rinossinusites Aguda sem tratamento prévio ou alergias medicamentosas - Amoxicilina; - Cefalexina (casos leves); - Amoxicilina + inibidores de beta-lactamases (casos intensos); - Claritromicina; - Axetlcefuroxima. Período: 10 a 14 dias. Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, descongestonantes orais e tópicos, analgésicos e ant-inflamatórios; cortcoterapia oral e tópica. Aguda com alergia a beta-lactâmicos - Claritromicina; - Quinolonas (levofloxacino, gatfloxacino); - Sulfametoxazol/trimetoprima. Período: 10 a 14 dias. Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, descongestonantes orais e tópicos, analgésicos e ant-inflamatórios; cortcoterapia oral e tópica.
- Quinolonas (levofloxacino, gatfloxacino); - Ceriaxona (internado). Período: 14 dias. Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, descongestonantes orais e tópicos, analgésicos e an t-inflamatórios; cortcoterapia oral e tópica. Crônica - Amoxicilina + inibidores de beta-lactamases; - Axetlcefuroxima; - Quinolonas (levofloxacino, gatfloxacino). Período: 14 a 21 dias. Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, descongestonantes orais e tópicos, analgésicos e an t-inflamatórios; cortcoterapia oral e tópica são mandatórias nos casos crônicos. Complicada - Ceriaxona (internado); - Clindamicina (se origem odontogênica); - Associação de medicações. Período: a depender da gravidade e quadro clínico. Mínimo de 48h. Terapias adjuvantes: lavagem nasal com solução isotônica, descongestonantes orais e tópicos, analgésicos e an t-inflamatórios; cortcoterapia intravenosa e abordagem cirúrgica.
5. Rinossinusites não infecciosas (rinites) São os processos in flamatórios da mucosa de reves tmento das fossas nasais e podem ser desencadeadas por mudanças de temperatura (vasomotoras), baixa umidade, produtos químicos e poluentes, porém o mais comum, tanto em adultos quanto em crianças, é a causa alérgica. A rinite alérgica caracteriza-se imunologicamente por uma reação tpo 1 de Gell e Coombs e mediada por IgE especí fica, ou seja, o correto diagnós tco depende de uma positvidade no teste alérgico. Clinicamente, o mais u tlizado é o RAST sanguíneo. Basicamente, o processo inicia-se quando os an genos presentes na mucosa nasal desencadeiam respostas imunes que culminam com a conversão do linfócito TH 0 em TH2. Este, através de seus produtos de secreção (interleucinas), iniciará o processo atópico por meio da conversão de células B em plas-
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OTORRINOLARINGOLOGIA mócitos produtores de IgE que, ao ligar-se aos mastócitos, provocará sua degranulação com a liberação de histamina. O processo inflamatório crônico na mucosa acarreta edema e consequente hipertro fia persistente da mucosa, principalmente dos cornetos inferiores, cursando com obstrução nasal persistente. O quadro clínico caracteriza-se por congestão nasal (Figura 4B), rinorreia do tpo aquosa, prurido nasal e espirros. A rinite alérgica também pode ser o passo inicial para a instalação de IVAS. O diagnóstco é clínico. Exames complementares podem ser solicitados, e os mais importantes são os testes alérgicos de reação cutânea. A citologia nasal pode demonstrar eosino filia. O tratamento fundamenta-se na gravidade do quadro: - Rinite intermitente: na higiene ambiental adequada + lavagem nasal com solução salina isotônica; - Rinite persistente leve: mesmos cuidados de 1 + uso de cortcoides nasais tópicos ( flutcasona, mometasona, budesonida); - Rinite persistente moderada: mesmos de 1 e 2 + uso de ant-histamínico (loratadina, desloratadina, levocetrizina) e/ou an tleucotrienos (montelucaste); - Rinite persistente grave: mesmos de 1, 2 e 3, + imunoterapia subcutânea. Em relação aos cor tcoides nasais, devemos evitar seu uso ou usá-lo com cautela em pacientes portadores de glaucoma devido ao risco de descompensação da doença; em pacientes menores de 2 anos, o uso dos cor tcoides também deve ser evitado, geralmente optando-se pelo uso dos cromoglicatos. Os cortcoides sistêmicos podem ser u tlizados nos casos mais severos, sempre por curtos períodos de tempo, principalmente nos períodos de crises. A imunoterapia pode ser bastante e ficaz, desde que seja realizada por profissional capacitado. Quanto aos casos em que há grande refratariedade ao tratamento clínico, pode-se considerar o tratamento cirúrgico, com a exérese do excesso mucoso de conchas inferiores (eventualmente, da concha média) e a correção de eventuais desvios septais que contribuam para a diminuição do fluxo nasal.
A
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B Figura 4 - Rinoscopia de fossa nasal esquerda mostrando mucosa nasal normal (A) e com rinite (B). Note o edema, palidez e estado hipersecret vo da mucosa em B
6. Polipose nasal A Polipose Nasal (PN) é de finida pela presença de pólipos eosinof licos na cavidade nasal, principalmente na região do meato médio. A e tologia da doença ainda não está totalmente elucidada, porém observa-se que há grande associação a asma, alergia, intolerância ao AAS e doenças sistêmicas, principalmente a fibrose cístca. Clinicamente, os pacientes apresentam quadro semelhante ao da rinossinusite crônica. O diagnóstco baseia-se no quadro clínico e na endoscopia nasossinusal, com visualização dos pólipos bilateral e difusamente. A TC de seios paranasais tem grande importância na avaliação da extensão da doença (Figura 5B). O tratamento deve ser feito inicialmente de forma medicamentosa, com acompanhamento constante do paciente e uso de cor tcoides nasais em doses altas e limpeza nasal com solução isotônica frequente. Nos casos refratários ao tratamento clínico, pode-se optar pela polipectomia cirúrgica e pela ampliação dos ós tos de drenagem e limpeza dos seios da face, seguidas de cortcoterapia nasal con nua. No entanto a doença apresenta grande potencial de recidiva. Em geral, após 3 a 5 anos, há tendência de recidiva dos pólipos. A decisão sobre novas abordagens deve levar em consideração os sintomas do paciente e o potencial risco de complicações cirúrgicas.
A
RINOLOGIA
pelo meato médio e projetando-se na coana, podendo preencher parcial ou totalmente o cavum (Figura 6A). Na tomografia computadorizada, observa-se opacificação e preenchimento homogêneo da cavidade do seio maxilar, da cavidade nasal ipsilateral e, eventualmente, do cavum, podendo evidenciar também desvio das paredes nasais e, em especial, do septo nasal, mas sem destruição óssea (Figura 6B). O tratamento é exclusivamente cirúrgico com exérese da lesão e principalmente do seu pedúnculo de inserção. Recidivas são infrequentes e devem ser reabordadas quando sintomátcas.
Figura 5 - Polipose nasal: (A) endoscopia nasal com pólipos na fossa nasal esquerda e (B) TC de SPN em paciente com polipose nasal no meato médio bilateral
7. Pólipos antrocoanais (pólipo de Killian) O pólipo antrocoanal ou pólipo de Killian é uma lesão polipoide solitária benigna, que acomete principalmente crianças e adultos jovens. Estudos demonstram que o pólipo de Killian representa entre 4 a 6% de todos os pólipos nasais da população em geral. Contudo, na população pediátrica, esta porcentagem atnge 33%. Origina-se na mucosa do antro do seio maxilar próximo ao ós to e desenvolve-se, por es mulo desconhecido, através do ós to do seio maxilar para a cavidade nasal e em direção a coana e parte posterior da nasofaringe, podendo estender-se até a orofaringe. A etologia desta doença permanece obscura. Raramente tem origem em outra região, como nos seios esfenoidal ou etmoidal. Manifesta-se clinicamente por uma obstrução nasal, geralmente unilateral, mas que pode ser bilateral, especialmente nos casos em que o pólipo é extremamente volumoso, com importante desvio do septo nasal. Acompanha-se de secreção mucosa ou mucopurulenta e, excepcionalmente, pode obstruir o ós to da tuba auditva promovendo otte média secretora. Não há relação direta estabelecida com alergias especí ficas ou outras patologias, como ocorre na polipose nasal, sendo o pólipo de Killian considerado como uma en tdade patológica dis tnta da polipose nasal. Nota-se que o ósto do seio maxilar encontra-se aumentado de diâmetro, provavelmente devido à presença do pedúnculo do pólipo, o qual agiria aumentando suas dimensões. Na histopatologia, o pólipo de Killian apresenta-se com uma cavidade central cís tca rodeada por edema e com uma parede externa reves tda por epitélio respiratório normal. Ao exame f sico, através da rinoscopia anterior ou com o uso de nasofibroscópio, observa-se um pólipo único saindo
Figura 6 - (A) Rinoscopia de fossa nasal direita mostrando pólipo antrocoanal implantado no meato médio e (B) TC coronal do mesmo paciente, mostrando alargamento do óst o maxilar e velamento unilateral do seio maxilar e etmoidal à direita
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OTORRINOLARINGOLOGIA 8. Cisto de retenção mucoso Obstrução inflamatória de glândulas seromucinosas, causando retenção de muco. Muito comum e encontrado por acaso em raio x de face, afetando principalmente o seio maxilar (Figura 7). Geralmente sem sintomatologia, devendo-se apenas fazer seguimento, desde que não haja sintomatologia, caso contrário, realiza-se exérese.
consulta, sendo a procura mo tvada pela ansiedade com relação à causa e à eventual recorrência da hemorragia.
A - Considerações anatômicas A artéria esfenopalatna (ramo terminal da artéria carótda externa), as artérias etmoidais anterior e posterior (ramos da artéria o álmica) e a artéria labial superior (ramo da artéria facial) são as principais responsáveis pela irrigação sanguínea das fossas nasais. Uma extensa rede anastomótca entre as artérias palatna maior, esfenopalatna e labial superior na porção anterior do septo nasal cons ttui o plexo de Kiesselbach, de onde se origina a maior parte dos sangramentos nasais anteriores, uma vez que os vasos sanguíneos são reves tdos por uma delgada membrana mucosa nesse local. Já o plexo de Woodru ff localiza-se na região posterior da fossa nasal, junto à coana, e é origem da maior parte dos sangramentos nasais posteriores.
B - Fatores etológicos
Figura 7 - TCs coronais de seios da face mostrando cistos maxilares
9. Epistaxe A epistaxe é definida como o sangramento proveniente da mucosa nasal. Estma-se que cerca de 60% da população adulta já apresentaram ao menos 1 episódio, na maioria das vezes autolimitado. Aproximadamente, 6% dos casos de epistaxe necessitam de tratamento médico para a contenção do sangramento,e a taxa de mortalidade é de menos de 0,01%. A maioria dos pacientes que procuram atendimento médico não apresenta sangramento a tvo no momento da
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As epistaxes são classificadas, dependendo da origem do sangramento, em anterior e posterior. Mais de 90% dos casos de epistaxe decorrem de sangramento na região anterior, sobretudo em crianças e adultos jovens, enquanto a epistaxe posterior é mais habitualmente encontrada em pacientes hipertensos ou com mais de 40 anos. Alguns fatores podem predispor às epistaxes. Dentre os fatores sistêmicos, podem-se citar a hipertensão arterial (principal causa de epistaxe severa), coagulopa tas e doenças hematológicas. O uso de medicamentos an tcoagulantes e antagregantes plaquetários também pode ocasionar epistaxe. Os principais fatores locais são trauma (fraturas nasais ou manipulação digital), infecções de vias aéreas superiores, inalação de ar frio e seco, quadros alérgicos nasais, introdução de corpos estranhos na fossa nasal, inalação de irritantes químicos (cocaína, vapores de metais pesados) e a presença de perfuração septal ou desvio de septo. As perfurações e os desvios de septo ocasionam alteração do fluxo aéreo nasal, com ressecamento da mucosa e formação de crostas, propiciando os sangramentos. Na epistaxe posterior, os principais fatores e tológicos são a aterosclerose dos vasos sanguíneos, levando ao rompimento dos mesmos em picos hipertensivos. A doença de Osler-Rendu-Weber, ou telangiectasia hemorrágica hereditária, merece ser mencionada porque é uma das principais doenças vasculares que causam epistaxe intermitente. Nos casos de epistaxe recorrente, é extremamente importante a investgação com nasofibrolaringoscopia para descartar a presença de tumores, em especial o nasoangiofibroma nos jovens e os carcinomas nos pacientes acima dos 60 anos. O tratamento das epistaxes recorrentes ou severas pode envolver cauterização (química ou elétrica), tamponamento (anterior e/ou posterior) ou ligadura videoendoscópica das artérias esfenopalatna ou etmoidais.
RINOLOGIA
10. Fraturas nasais As fraturas da pirâmide nasal são muito frequentes, e aproximadamente 39% das que acometem a região maxilofacial são nasais. O pico de incidência é dos 15 a 25 anos e há uma predominância de casos do sexo masculino (2:1). Muitas fraturas dos ossos do nariz como do septo nasal passam despercebidas no 1º atendimento ao paciente traumatzado, necessitando de procedimento cirúrgico posteriormente para correção da obstrução nasal ou da esté tca nasal. Em todo sangramento nasal severo proveniente de trauma facial deve-se suspeitar de fratura nasal.
A - Fisiopatologia Os tpos de fraturas nasais e suas sequelas dependem de alguns fatores: - Idade do paciente ( flexibilidade das estruturas); - Intensidade e direção da força aplicada; - Natureza do instrumento causador do trauma. Lesões comuns de tecidos moles incluem laceração, equimoses e hematomas do nariz externo, assim como interno. Lesões ósseas correspondem a fraturas (cominu tva é mais comum em pacientes idosos), desvios (mais comum em crianças), fraturas-desvios. Os impactos laterais provocam mais fraturas que os frontais. A pirâmide óssea nasal fratura mais frequentemente em zonas fracas estruturais do osso. Os ossos nasais são espessos e rígidos em sua junção com o frontal e mais delgados na sua porção inferior, na ar tculação com as cartlagens laterais superiores. Assim, a maioria das fraturas ocorre na porção inferior dos ossos nasais. O septo nasal ósseo é frequentemente fraturado na junção condro-óssea que delimita a porção car tlaginosa móvel anterior com a porção óssea e fixa. Em casos severos é comum o acome tmento de outros ossos como frontal, etmoidal e orbital. As linhas de fratura septal costumam ser vertcais anteriormente e horizontais quando posteriores, com a extremidade anterior do septo desviando em relação à columela ocupando a Fossa Nasal (FN) de um lado e a extremidade posterior tendendo a ocupar a FN oposta, causando obstrução nasal. Se houver disjunção condro-óssea ocorre deformidade do esqueleto externo. Durante o processo de cicatrização após fratura nasal, devido à fibrose do septo, este pode sofrer torção de maneiras variadas, assumindo formato de “S”, “C” ou formação de esporão.
B - Diagnóstco História: - Mudança na aparência nasal ou obstrução nasal; - Característcas do impacto; - Epistaxe;
Dor; - Edema: é de evolução rápida sob a pele podendo estender-se à região orbitária, di ficultando o diagnós tco quando muito intenso. -
Exame f sico: é o principal elemento diagnós tco. - Laceração, ruptura da mucosa, equimose e hematoma intenso sugerem fratura (apesar da equimose orbitária ser frequente deve-se pesquisar também fratura orbitária associada); - Outros sinais na área orbitária são edema palpebral e hemorragia subconjuntval; - Enfisema subcutâneo; - Palpação: de forma delicada, bimanualmente, para verificar estabilidade nasal, uma vez que os achados de deslocamento nasal, depressão óssea e mobilidade (crepitação) con firmam o diagnóstco de fratura nasal. A pesquisa radiológica é feita com incidência em per fil para visualização do osso próprio do nariz e de Waters para avaliação do septo ósseo, pirâmide dorsal e paredes nasais laterais. É preciso cautela nas suas avaliações para não confundir com linhas de sutura, traços vasculares ou fraturas antgas. TC deve ser considerada em casos especiais e em dúvidas diagnóstcas (Figura 8).
C - Tratamento As indicações de tratamento são: fraturas que apresentem desvios e/ou instabilidade. A maioria dos autores considera que a redução da fratura nasal deve ser feita dentro dos primeiros dias após o trauma e, se possível, até 15 dias. A partr deste período, a consolidação espontânea torna a redução dif cil. a) Tratamento de urgência das fraturas nasais Fraturas nasais abertas, associadas a uma fratura na parte anterior da base de crânio, ou associadas a complicações (lesão de vias lacrimais, hematoma de septo, f stula liquórica, sangramento abundante, alteração visual). Deve-se previamente conversar com o paciente explicando as opções de tratamento, os riscos cirúrgicos incluindo a possibilidade de permanência da deformidade nasal e, nas crianças, a possibilidade de crescimento da pirâmide nasal com deformidade. b) Fraturas nasais em crianças Sempre tratar para um desenvolvimento adequado da pirâmide nasal. Na fratura perinatal, a redução é feita sem anestesia. O tampão é contraindicado devido à u tlização exclusiva da via nasal pelo recém-nascido para respirar. Em crianças maiores, o tratamento é semelhante ao do adulto. A septoplasta é raramente indicada, e quando realizada deve ser conservadora com relação à car tlagem e à mucosa.
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OTORRINOLARINGOLOGIA
Figura 8 - Diversos esquemas de fratura nasal
11. Tumores do nariz e seios da face Estas entdades não são comuns na ro tna do médico otorrinolaringologista. Apresentam sintomatologia inespecí fica, geralmente como quadro de sinusopa ta crônica rebelde a tratamento, sendo muitas vezes tratado como tal por longos períodos. O principal sintoma é a obstrução nasal unilateral, mas pode ocorrer sangramento, rinorreia purulenta e cacosmia. Dor e deformidades geralmente são mais tardias. O crescimento do tumor nasossinusal permanece silencioso até que tenha infiltrado algum par craniano, tenha levado a erosão óssea ou obstruído o ós to de drenagem do seio. O exame endoscópico é fundamental para uma adequada caracterização da massa tumoral e das alterações decorrentes da sua presença. A Tomografia Computadorizada (TC), em suas incidências coronal e axial, permite avaliar tanto estruturas ósseas como partes moles e tumorais, quanto a sua extensão e invasão de estruturas adjacentes, sendo geralmente o método de escolha para diagnóstco e estadiamento dos tumores.
A - Tumores benignos a) Papilomas de cavidade nasal (papiloma schneideriano) Tumorações benignas, derivadas de epitélio schneideriano, que podem ser únicas ou múl tplas, comumente encontradas no nariz e seios paranasais, consis tndo de massa fibrovascular coberta por epitélio sem a tpia celular. Os papilomas de cavidade nasal originados da mucosa da mesma podem ser de 3 dis tntas categorias: simples fun-
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giforme, simples cilíndrico e inver tdo; ou ainda, uma combinação destes. Embora sejam reconhecidos como clinicamente diferentes, todos apresentam histologia semelhantes. Também são semelhantes histologicamente às papilomatoses recorrentes encontradas no trato respiratório. Tipos histológicos: - Papiloma cilíndrico: é raro e contribuiu apenas com 3% dos papilomas nasossinusais; - Papiloma fungiforme (exo ftco): tem sua origem quase exclusiva no septo nasal anterior, tanto que é dito papilomas septais. Limitado, não apresenta progressão para transformação maligna, sendo normalmente assintomátco, mas pode causar irritação e epistaxe. O tratamento consiste na excisão e cauterização da base; - Papiloma Invertdo (PI) (endo ftco): compreende 47% dos papilomas nasossinusais, caracterizando-se pelo crescimento da super f cie (epitélio) para o estroma, e aparecem como grandes massas polipoides unilaterais em fossas nasais. Este tumor infrequente tem como aspectos principais a possibilidade de recidiva e malignização. O termo papiloma inver tdo é descritvo, pois se refere à impressão histológica da super f cie do epitélio que se inverte para dentro do estroma. O HPV tem sido implicado em sua gênese. Sua origem ocorre mais frequentemente a partr da parede nasal lateral, no nível do meato médio. Clinicamente, o sintoma mais comum é a obstrução nasal unilateral, frequentemente associada a rinorreia muco-
RINOLOGIA
purulenta, epistaxe, hiposmia, dor facial e deformidades, entretanto não existem sintomas picos para este tumor. Pode ser encontrado em todas as idades, todavia tem pico entre a 5 ª e a 6ª décadas de vida, com um predomínio masculino de 3:1. Macroscopicamente, na endoscopia nasal, toma forma de tumor polipoide, irregular, lobulado e que pode ser distnguido de pólipos in flamatórios devido a sua aparência grosseira que é mais firme, vascular, não translúcida, com tendência para base séssil. O diagnós tco só é confirmado pela microscopia (biópsia). Estudos radiológicos normalmente mostram destruição óssea e erosão da parede lateral nasal com alargamento do meato médio (Figura 9). Apesar de considerado benigno, é localmente agressivo; existe uma relação conhecida de papiloma inver tdo com neoplasia maligna. Não se sabe, no entanto, se essa associação se deve a uma degeneração maligna do próprio papiloma, ou à existência concomitante de carcinoma e PI. O tratamento desse tumor é cirúrgico, com necessidade de remoção completa do mesmo, para que se evitem recidivas.
Figura 9 - Imagens em TC de papiloma inver td o à direita. Observe áreas de lise óssea (seios etmoidais-setas pretas) e alargamento de infundíbulo maxilar
b) Tumores das glândulas salivares menores Desde que as glândulas salivares menores (serosas, mucosas e mistas) também estão presentes no nariz e seios paranasais, os tumores originários destas glândulas podem ocorrer nestas localizações, apesar de incomuns. Contudo, quando ocorrem, cerca de 50% são malignos (principalmente carcinoma adenoide-cís tco e adenocarcinomas). Desenvolvem massas intranasais que resultam em obstrução, epistaxe e destruição tecidual. Os adenomas nasossinusais são mais comuns em septo, apesar do fato de a maioria das glândulas salivares menores estarem localizadas em parede lateral. A maioria é encontrada entre 4 ª e 7ª décadas, sem predileção sexual. O tumor benigno mais comum é o adenoma pleomór fico, que aparece como uma massa de crescimento lento, geralmente ocorrendo a par tr do septo nasal. Também ocorrem outros, como adenoma de células basais e oncocitoma. Estes tumores podem expandir até alcançarem tamanhos significatvos dentro dos seios antes de serem detectados. O tratamento consiste em exérese local ampla, com boa margem de segurança. Há recorrência em 10% dos casos. c) Nasoangiofibroma O nasoangiofibroma juvenil (NAFJ) é um tumor que acomete quase exclusivamente jovens do sexo masculino. Apesar de ser considerada neoplasia benigna, o NAFJ não é encapsulado, apresenta potencial de destruição local e tem alta taxa de recorrência. Esse tumor vascular emerge principalmente do forame esfenopalatno e pode estender-se até a fossa craniana média. A tríade clássica de epistaxe, obstrução nasal unilateral e uma massa na nasofaringe sugerem o diagnós tco de NAFJ, sendo então complementado pelo exame de imagem. A tomografia computadorizada, a ressonância magné tca e a endoscopia nasal são os exames de eleição para de finir a
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OTORRINOLARINGOLOGIA extensão e a localização do tumor, permi tndo dessa forma um estadiamento preciso. Nos últmos 10 anos, o tratamento desta afecção vem sendo discutdo com a finalidade de desenhar um protocolo de manejo. Atualmente, a cirurgia parece ser a melhor forma de tratamento dos NAJ. Outros métodos como a hormonoterapia, a radioterapia e a quimioterapia são hoje modalidades terapêutcas usadas ocasionalmente como tratamentos complementares.
O tratamento de ressecção craniofacial (RCF) e de radioterapia (RT) parece associar-se aos melhores resultados. A quimioterapia (QT) é geralmente reservada a tumores localmente avançados, inoperáveis, recidivas ou doença metastzada.
B - Tumores malignos Os tumores malignos de nariz e seios paranasais são infrequentes, representando cerca de 3% dos cânceres em cabeça e pescoço e 0,8% de todos os cânceres humanos. A predominância é de pacientes do sexo masculino, à proporção de 1,7:1. A obstrução nasal, sangramento nasal, dor facial e infecção nasossinusal representam as queixas iniciais dos pacientes. A deformidade facial é um sintoma mais suges tvo da presença tumoral; entretanto, costuma ocorrer em estágios mais avançados da doença. O tpo histológico mais frequente é o carcinoma espinocelular (localizado principalmente em fossas nasais e seios maxilares), seguido dos tumores do sistema nervoso e dos sarcomas. O neuroblastoma olfatório é um tumor maligno da mucosa nasal cuja histogênese é incerta. O diagnóstco desses tumores baseia-se no quadro clínico, na endoscopia nasossinusal, em exames de imagem (TC e RNM) e na biópsia. a) Carcinoma espinocelular O carcinoma de seio maxilar é incomum e representa 0,2 a 0,8% das neoplasias, 3% dos carcinomas de cabeça e pescoço e 80% dos tumores dos seios paranasais. A maioria dos tumores que ocorrem no antro maxilar é de origem epitelial e os carcinomas epidermoides correspondem a mais de 80% de todos os casos das neoplasias malignas, sendo o adenocístco o 2º em frequência. A maioria dos pacientes tem a doença avançada quando do início dos sintomas. A TC e a ressonância magné tca são técnicas bem estabelecidas e úteis para avaliar a extensão do tumor para áreas adjacentes. O tratamento geralmente é feito com abordagem cirúrgica mantendo margens, seguido de radioterapia. b) Estesioneuroblastoma O estesioneuroblastoma é um tumor de origem provável no epitélio olfa tvo. Tem um pico de incidência entre os 40 e os 70 anos. Os sintomas são inespecí ficos e resultam do crescimento tumoral. Controvérsias quanto à sua origem, diagnós tco e tratamento estão associadas à sua baixa incidência, à ausência de um sistema de estadiamento universalmente aceito e à variabilidade do seu comportamento biológico. Os principais locais de metastzação são os gânglios cervicais e, seguidamente, os pulmões e o osso.
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Figura 10 - Estesioneuroblastoma, com aparente invasão e destruição de fossa olfatória
volume 4
CIRURGIA TORÁCICA
CAPÍTULO
1
Incisões torácicas Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olivio Sabbion
1. Introdução
2. Toracotomia posterolateral
A indicação do tpo de incisão varia de acordo com o procedimento a ser realizado no tórax. É importante lembrar que o tórax é uma caixa rígida devido à presença das costelas, ao contrário da elastcidade da parede abdominal, tornando o acesso à cavidade torácica mais di f cil. Por isso, a escolha correta da incisão e a localização de acordo com o procedimento a ser realizado são fundamentais. A incisão mais versátl para operações torácicas gerais é a toracotomia posterolateral, sendo comparada, grosso modo, com a laparotomia mediana para os cirurgiões gerais, pois, mesmo sendo bastante agressiva no sen tdo de secções musculares e tamanho de incisão, é a que mais expõe o pulmão e o hilo pulmonar. A esternotomia tem sido defendida por alguns grupos para a realização de vários procedimentos gerais, principalmente em cirurgias do mediastno anterior e pulmonares, mas ainda assim, é mais utlizada principalmente pelos cirurgiões cardíacos. Outro conceito fundamental é que, quanto menor a quantdade de músculos seccionados, maiores as vantagens para o paciente: - Menor dor pós-operatória: além do conforto propriamente dito, com menos dor, o paciente consegue fazer os movimentos respiratórios mais amplamente, não tem restrição respiratória, e, com isso, obviamente respira melhor e faz melhor as trocas gasosas. Além disso, retorna mais rapidamente às a tvidades diárias e ao trabalho; - Teoricamente, a função pulmonar retorna ao normal em menor tempo: os músculos têm papel fundamental na dinâmica respiratória, e, com isso, seccionando músculos, a média para retornar aos valores iniciais de qualquer prova de função pulmonar pré-operatória é de 6 meses após o procedimento cirúrgico. Para melhorar esta situação, surgiram a ideia e o conceito de “toracotomia poupadora”, sendo uma toracotomia lateral que não secciona o grande dorsal, trazendo os benef cios discutdos e explicados anteriormente por não seccionar musculatura.
Conforme já discu tdo, é uma incisão considerada grande para os padrões u tlizados hoje em cirurgia torácica, porém ainda é considerada a incisão clássica da cirurgia torácica, em geral, pois com ela conseguimos expor todas as estruturas torácicas e também tornar a dissecção das estruturas mais fácil e segura. O posicionamento é o mesmo para todas as toracotomias laterais, com o paciente em decúbito lateral, com os braços contralaterais ao decúbito apoiados em braçadeira na mesma altura do ombro, e colocação adequada de coxins na axila. Os coxins axilares têm a finalidade de fletr o tronco e afastar os espaços intercostais superiores para facilitar o acesso. Também é importante é o uso de coxins entre os joelhos, a fim de evitar o contato entre os mesmos e prevenir úlceras locais por contato, principalmente em cirurgias de grande porte e que levam tempo prolongado. A incisão começa na linha axilar anterior, curva-se a 4cm abaixo da ponta da escápula e direciona-se ver tcalmente entre a linha mediana posterior da coluna e a borda medial da escápula. Geralmente, não é necessário prolongar-se além da espinha da escápula. A ressecção de pequena porção da costela, no ângulo costovertebral em pacientes com mais de 40 anos, pode ser necessária, mas atualmente não é recomendada na rotna para evitar fraturas costais. Para tal finalidade, podemos lançar mão de outras técnicas, como seccionar todo o intercosto, desde o esterno anteriormente (com cuidado em relação à artéria e veia mamária) até a região da coluna posteriormente e, principalmente, abrir o finocheto lenta e compassadamente. Em reoperações, pode ser muito importante a ressecção de grandes porções da costela, com entrada na cavidade pleural por meio do leito da costela retrada. A principal vantagem da incisão posterolateral é a exposição para a maioria dos procedimentos torácicos gerais. A principal desvantagem é o tempo necessário para a sua realização, além da quan tdade de tecido transeccionado.
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CIRURGIA TORÁCICA Tabela 1 - Vantagens e desvantagens da toracotomia posterolateral Vantagens - Acesso a quase todas as estruturas; - Facilidade de dissecção das estruturas; - Versatlidade.
Desvantagens - Acesso restrito; - Dificuldade de acesso ao hilo; - Acesso principalmente às porções superiores pulmonares e cadeia simpátca.
Desvantagens - Tempo necessário para realização; - Tamanho da incisão e quantdade de músculo seccionado; - Aspecto estétco final.
Figura 2 - Toracotomia axilar
4. Esternotomia mediana Figura 1 - Toracotomia posterolateral
3. Toracotomia axilar Esta incisão foi originariamente desenvolvida para operações no sistema nervoso simpá tco superior (simpatectomia torácica – realizada para tratamento de hiperidrose), que atualmente foi totalmente subs ttuída pela videotoracoscopia. Em relação à incisão, foi modi ficada para a ressecção da 1ª costela, na síndrome do estreito superior do tórax. O posicionamento do paciente é o mesmo para todas as toracotomias laterais. As vantagens primordiais são a velocidade de abertura e de fechamento, a menor quan tdade de perdas sanguíneas e o reduzido desconforto pós-operatório. Os únicos grupos musculares realmente seccionados por essa incisão são os intercostais, pois a incisão na pele é feita sobre o intercosto desejado, da borda lateral do músculo grande dorsal até a borda lateral do peitoral maior. Com isso, não são seccionados grandes músculos: o grande dorsal é reba tdo posteriormente e o serrátl anterior é dividido no sen tdo de suas fibras. Essa divisão não deve estender-se muito posteriormente, para evitar a lesão do nervo torácico longo. Os intercostais devem ser abertos anteriormente até a curvatura anterior das costelas e, posteriormente, até a musculatura sacroespinhal.
Atualmente, é a principal incisão para os cirurgiões cardíacos, não para os torácicos. Suas maiores vantagens para procedimentos torácicos gerais são a velocidade de abertura e de fechamento (mesmo sendo necessário o acesso com serra, seccionando o esterno) e sua familiaridade, para muitos cirurgiões, à sua exposição a lesões do medias tno anterior. A maior desvantagem é sua exposição a estruturas posteriores do hilo pulmonar, principalmente do lobo inferior. A dor pós-operatória é considerada menor que da toracotomia lateral, pelo fato de não haver secção muscular, conforme discutdo previamente. O fechamento é realizado com fios de aço passados no espaço costal para esternal, na maioria das vezes, em “X”. Tabela 3 - Vantagens e desvantagens da esternotomia mediana Vantagens - Rapidez de acesso; - Não secção de músculos – menor dor; - Acesso a estruturas anteriores. Desvantagens - Cosmétca; - Secção óssea; - Acesso a estruturas posteriores.
Tabela 2 - Vantagens e desvantagens da toracotomia axilar Vantagens - Incisão menor; - Menor quantdade de músculos seccionados; - Melhor efeito cosmétco; - Menor dor pós-operatória.
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Figura 3 - Esternotomia mediana
INCISÕES TORÁCICAS
5. Toracotomia anterior A vantagem da toracotomia anterior é que o paciente pode ser mantdo na posição supina, com uma melhora na função cardiopulmonar. Tem sido u tlizada com menor frequência devido ao desenvolvimento de técnicas como esternotomia mediana, manuseio anestésico e procedimentos de estadiamento medias tnal (mediastnoscopia e mediastnotomia). Contnua a ser a incisão de escolha para biópsias de pulmão a céu aberto. A decisão entre ela e a videotoracoscopia tem 2 aspectos fundamentais: o 1º é quanto à possibilidade da ventlação monopulmonar, ou seja, bloqueando 1 dos pulmões. O 2º é a presença de áreas-alvo pulmonares para a realização das biópsias. Resumindo, quando a doença não for difusa e o paciente tver condições de suportar, deve-se preferir a videotoracoscopia. A exposição, nesse caso, será melhor para várias áreas pulmonares. A maior desvantagem é a exposição que oferece.
vezes, não tem necessidade de drenar no pós-operatório, pois não tem necessidade de penetrar na pleura. Tabela 4 - Vantagens e desvantagem da mediast notomia anterior Vantagens - Incisão pequena; - Infrequente necessidade de dreno. Desvantagem - Acesso mínimo, para a biópsia apenas.
A C I C Á R O T A I G R U R I C
Figura 5 - Mediast notomia anterior
7. Bitoracotomia anterior ( clam shell )
Figura 4 - Toracotomia anterior
6. Mediastnotomia anterior (Chamberlain) É um acesso descrito e desenvolvido essencialmente para investgação de tumorações na região do medias tno anterior, atualmente substtuída por biópsias guiadas por tomografia, pelo fato destas serem menos invasiva e não necessitarem de anestesia geral. O paciente é man tdo em posição supina, sob anestesia geral e ventlação bilateral. É feita incisão de 3 a 5cm no espaço a ser biopsiado (de preferência, entre o 2º e 3º espaço intercostal) lateralmente ao esterno, entrando entre as fibras do peitoral maior (divulsionando-as) e tendo acesso à cavidade torácica entre car tlagens costocondrais e ao mediastno anterior. Permite uma boa área de exposição, mediante a orientação da tomografia computadorizada, trazendo segurança para a realização de biópsias a céu aberto e, na maioria das
A bitoracotomia oferece excelente exposição a toda a cavidade torácica bilateralmente, e é também conhecida como esternotomia transversal. Em 1994, o Dr. Robert J. Ginsberg publicou sua experiência com essa via, após u tlização em larga escala no transplante pulmonar, aplicada às ressecções de grandes tumores do medias tno e do pulmão. Em sua opinião, a exposição para todo o medias tno, pericárdio, cavidade pleural e pulmões é excelente, par tcularmente nas patologias de lobos inferiores pulmonares e/ou aquelas com invasão mediastnal. É a maior das incisões torácicas, u tlizada principalmente para transplante pulmonar, devido ao seu acesso a todas as estruturas pulmonares, hilares e mediastnais bilateralmente. A incisão é grande, indo da linha axilar posterior até o mesmo reparo contralateralmente. O peitoral maior geralmente é desinserido e reba tdo superiormente. A cavidade pleural é aberta geralmente no 4º espaço intercostal bilateralmente, as artérias mamárias são ligadas e o esterno é serrado. Finochetos são colocados bilateralmente e adentra-se a cavidade torácica. Tabela 5 - Vantagem e desvantagens da bitoracotomia anterior Vantagem - Acesso bilateral a todas as estruturas. Desvantagens - Grande incisão; - Abertura ampla do intercosto bilateralmente.
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CIRURGIA TORÁCICA ridade do cirurgião com esta via de acesso. Atualmente, tal posição é pouco u tlizada, mas deve ser lembrada quando há dificuldade de bloquear o brônquio do pulmão a ser operado, como em crianças, por exemplo, por não dispormos de cânulas de intubação sele tvas ou bloqueadores de tamanhos pediátricos com facilidade. Atualmente, utliza-se uma variação dessa incisão para a ressecção de tumores do sulco superior (tumor de Pancoast), prolongando-se cranialmente a incisão na direção posterior – incisão de Shaw-Paulson. Tabela 6 - Vantagem e desvantagens da toracotomia posterior Vantagem - Proteção do pulmão contralateral. Desvantagens - Maior quantdade de músculo seccionado; - Necessidade de familiaridade do cirurgião com a incisão.
Figura 7 - Toracotomia posterior
9. Cirurgia torácica minimamente invasiva
Figura 6 - Bitoracotomia anterior
8. Toracotomia posterior (Overholt) Desenvolvida na década de 1950, foi descrita a posição, mais do que a própria incisão, u tlizada por William Overholt para o tratamento de casos supura tvos pulmonares. Isso porque na época não havia recursos, u tlizados hoje, para bloqueio brônquico, necessário nos casos de supuração para secreção não “escorrer” para o lado contralateral, isto é, ao virar o paciente em decúbito lateral, a secreção iria para o pulmão “de baixo”, trazendo infecção para o órgão sem acometmento da doença. Com este posicionamento, além de o brônquio adquirir uma angulação favorável, tnha-se um acesso rápido ao seu clampeamento. A desvantagem, no entanto, é a manipulação da artéria e veia pulmonares, que exige maior familia-
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A cirurgia torácica atualmente está quase totalmente vinculada à área médica chamada “minimamente invasiva”, com o uso principalmente da videotoracoscopia. O uso do vídeo, que até pouco tempo atrás era considerado um diferencial para os cirurgiões e u tlizado para procedimentos torácicos menores, como biópsias de pleura, tornou-se, hoje, arma fundamental e quase obrigatória aos cirurgiões torácicos por diversos mo tvos: - Menor dor pós-operatória, com retorno mais rápido às atvidades habituais; - Maior rapidez no retorno das funções pulmonares iniciais; - Este tcamente mais desejável. Além de tais bene f cios, o desenvolvimento da técnica tornou fac vel a realização de cirurgias maiores, como descortcações pulmonares e lobectomias, obtendo o resultado final muito parecido com a cirurgia aberta, porém com os benef cios descritos em relação à videotoracoscopia. Dentre as técnicas minimamente invasivas, a cirurgia com o auxílio do robô está em ascensão, e a cirurgia torácica está dando seus primeiros passos em relação a essa
INCISÕES TORÁCICAS
modalidade, que tem como vantagens, além das inicialmente citadas e idên tcas em relação à cirurgia videotoracoscópica, menor índice de perda sanguínea – devido a maior mobilidade dos braços do robô – e maior aumento do campo visual (segundo alguns trabalhos), pois teoricamente a dissecção dos vasos e estruturas torna-se mais segura e fac vel. Como nova tecnologia, ainda são necessários estudos pormenorizados até a completa aceitação do método, entretanto a dissecção mais acurada dos linfonodos medias tnais parece ser uma grande vantagem quando comparada à lobectomia videoassistda.
10. Mnemônico Incisão posterolateral: clássica; - Incisão axilar: substtuída pela videotoracoscopia; - Esternotomia: mediastno anterior; - Toracotomia anterior: biópsia pulmonar; - Mediastnotomia anterior (Chamberlain): biópsia; - Bitoracotomia anterior ( clam shell ): transplante; - Toracotomia posterior (Overholt): supurações. -
A C I C Á R O T A I G R U R I C
Figura 8 - Colocação de trocartes
Figura 9 - Exemplo de uso de robô
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CIRURGIA TORÁCICA
CAPÍTULO
Pneumotórax
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1. Introdução Pneumotórax pode ser de finido como a presença ou acúmulo de ar na cavidade pleural, resultado da solução de contnuidade da integridade das pleuras. A lesão pode ocorrer na pleura parietal (exemplo: trauma com perfuração da caixa torácica) ou na pleura visceral (exemplo: acidente de punção; blebs, também chamadas de vesículas en fisematosas subpleurais, geralmente localizadas nos ápices dos pulmões, desenvolvidas a partr da ruptura da parede alveolar, com dissecção intrapulmonar pelo ar livre para a super f cie pleural). O ar alcança o espaço pleural situado entre o pulmão e a parede torácica através da lesão, mais especi ficamente, entre os folhetos pleurais (visceral e parietal). A interposição gasosa causa o afastamento entre as pleuras visceral e parietal, e o espaço pleural, antes virtual, torna-se real. Em alguns casos o gás no interior da cavidade pleural é proveniente de fermentação pútrida, ou seja, ocorre formação de bolhas gasosas dentro da caixa torácica, situação observada no curso de empiema, produzindo pneumotórax de pequena proporção.
2. Classificação O pneumotórax é classificado como espontâneo (primário ou secundário) ou traumá tco:
A - Espontâneo Não resulta de ação traumá tca sobre a caixa torácica. Pode ser subdividido em: - Primário: ocorre em pacientes sem doença pulmonar subjacente; - Secundário: decorre de complicação de uma doença pulmonar preexistente.
B - Traumátco Consequente à presença de trauma tsmo torácico aberto ou fechado. Para alguns autores, o pneumotórax resulta de intervenções diagnós tcas ou terapêutcas; pneumotórax iatrogênico deve ser incluído nessa classe.
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Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
Pneumotórax catamenial: ocorre durante o período menstrual, devido à migração de células do endotélio uterino para o tórax. A teoria principal é de que as células uterinas caem na cavidade abdominal pelas trompas e são “sugadas” para o tórax devido à pressão negatva. Essas pacientes, geralmente, possuem alterações na integridade anatômica do diafragma, apresentando micro ou macroperfurações, que atuam como porta de entrada. A sintomatologia tem início após 24 a 72 horas do início da menstruação, e pode ter como causa a endometriose pulmonar. Acomete predominantemente mulheres com mais de 30 anos. Pode ser uni ou bilateral, sendo mais comum sua localização à direita; - Pneumotórax neonatal: ocorre após o nascimento, resultado da rápida variação da pressão transpulmonar, negatva nos casos de aspiração de mecônio, muco ou sangue, e positva nas situações de ventlação mecânica em portadores da síndrome da membrana hialina. Acomete principalmente neonatos nascidos a termo ou pós-termo, do sexo masculino, à proporção 2:1; - Pneumotórax iatrogênico: didaticamente, pode ser subdividido em: diagnóstico (punções), terapêutico (ventilação mecânica) e inadvertido (acesso central). -
Na Tabela 1, estão listados os tpos e as causas mais frequentes de pneumotórax. Tabela 1 - Classi fi cação e et ologia do pneumotórax Espontâneo primário - Rotura de bolhas subpleurais (blebs). Espontâneo secundário - Doença broncopulmonar obstru tva crônica; - Pneumonias (Staphylococcus, Pneumocyst s jiroveci ); - Tuberculose; - Abscesso pulmonar; - Bronquiectasia; - Fibrose cístca.
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Espontâneo secundário - Pneumocistose: · Micoses; · Asma; · Histocitose X. - Granuloma eosinof lico: · Sarcoidose: linfangioleiomiomatose pulmonar. - Esclerose tuberosa: · Fibrose pulmonar idiopátca; · Doença interstcial pulmonar; · Doenças do tecido conjuntvo (artrite reumatoide, espondilite anquilosante, esclerodermia, síndrome de Marfan, polimiosite, dermatomiosite). - Rotura espontânea do esôfago (síndrome de Boerhaave); - Neoplasias (primárias ou metastá tcas); - Catamenial (endometriose pleural/diafragma fenestrado). Pneumotórax iatrogênico - Punção de veia central; - Biópsia transbrônquica; - Biópsia transtorácica; - Toracocentese; - Biópsia pleural; - Bloqueio de nervos cervicais e intercostais; - Massagem cardíaca externa; - Acupuntura; - Assistência ventlatória mecânica (barotrauma); - Procedimentos abdominais (cirurgia laparoscópica, punção biópsia de f gado e rim). Traumátco - Trauma aberto; - Trauma fechado.
3. Fisiopatologia Os pulmões, em condições normais, tendem ao colapso, e isso só não acontece devido à ação das pressões atmosférica e pleural. Durante quase todo o ciclo respiratório, a pressão no interior dos brônquios é maior do que a pressão intrapleural, por conta da elas tcidade (retração elás tca) intrínseca do pulmão, assim, a pressão no espaço pleural é negatva em relação à pressão atmosférica. O gradiente de pressão resultante mantém a pleura visceral aposta contra a pleura parietal na parede torácica, em um equilíbrio dinâmico que é rompido quando se estabelece comunicação entre o meio externo e a cavidade pleural. A penetração do ar alterando todo esse equilíbrio pressórico torna a pressão na cavidade pleural posi tva. A interposição de ar entre as pleuras caracteriza o pneumotórax, que pode ter origem a par tr de rotura da pleura visceral, parietal ou por descon tnuidade da pleura mediastnal, na lesão do esôfago ou de vias aéreas. Em outras palavras: o sistema respiratório funciona em um sistema fechado de pressões, em que a caixa to-
rácica funciona como fole, “puxando” o pulmão e forçando a sua abertura (inspiração); após “aberto”, o pulmão, devido à sua elasticidade, retrai (expiração), finalizando o ciclo respiratório. Todo esse trabalho é feito em um sistema a vácuo (pressão negativa), com as pleuras interpostas. Qualquer alteração pleural que cause a perda desse “vácuo” faz que o sistema não funcione mais, as pleuras perdem o contato, e o pulmão se retrai, surgindo o pneumotórax. O pneumotórax causa a redução dos volumes e complacência pulmonar e da capacidade de difusão, levando a sintomatologia proporcional às suas dimensões.
4. Diagnóstco O diagnóstco do pneumotórax baseia-se na história clínica, no exame f sico e na análise dos exames radiológicos. Normalmente, a sintomatologia tem início com o paciente em repouso e, ocasionalmente, durante o exercício f sico. A dor torácica é o sintoma mais frequente, sendo referida como de início súbito e de localização ipsilateral. Outro sintoma importante é a dispneia, que pode variar de leve a grave, dependendo das caracterís tcas do pneumotórax. Raramente, a dor torácica é concomitante à dispneia, quando associadas, normalmente a queixa é de mal-estar generalizado. Conceito importante: a dispneia é proporcional: - À magnitude do pneumotórax; - À velocidade do acúmulo do ar; - Ao grau de colapso pulmonar; - À reserva cardiopulmonar do paciente. Em pacientes com doença pulmonar obstru tva crônica, a dispneia é um sintoma comum devido à limitação funcional produzida pela doença. Nesses casos, pneumotórax de pequenas proporções ocasiona quadros de importante insuficiência respiratória, com retenção de gás carbônico e queda da PaO2. Tosse e cianose podem estar presentes no início da sintomatologia. No exame f sico, esperam-se: - Diminuição da expansibilidade torácica no lado acometdo; - Diminuição ou abolição do murmúrio vesicular no lado acometdo; - Diminuição ou abolição do frêmito toracovocal no lado acometdo; - Hipertmpanismo à percussão. Em alguns casos, pode ser encontrado aumento da frequência cardíaca que, associado à cianose e à hipotensão arterial, sugere pneumotórax hipertensivo. Alguns sinais, como turgência jugular e desvio de traqueia, podem ser observados.
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CIRURGIA TORÁCICA motórax de pequenas proporções ou até de incidência lateral. A tomografia computadorizada de tórax fornece informações precisas sobre a presença ou não de bolhas apicais subpleurais (blebs), suas dimensões, disposição anatômica e existência ou não de doença contralateral.
Figura 1 - Pneumotórax extenso com desvio traqueal
Nos pacientes com pneumotórax secundário e nos portadores de doença pulmonar obstru tva crônica, o exame f sico não se mostra muito ú tl pelo fato de que os achados já estão, usualmente, presentes, sendo di f cil estabelecer diagnóstco com base em uma suspeita clínica. A possibilidade de pneumotórax em pacientes com doença pulmonar obstrutva crônica deve ser considerada nos casos de dor torácica súbita, agravamento da dispneia e descompensação respiratória. O pneumotórax pode ser con firmado por uma radiografia simples de tórax, sendo caracterizado pelo distanciamento entre as pleuras visceral e parietal, causado pela presença de ar no espaço pleural. O ar, ao raio x, apresenta-se como área hiperlúcida com ausência da trama vasobrônquica na periferia do hemitórax. A pleura visceral é visualizada como uma linha fina no hemitórax acome tdo. Em 10 a 20% dos casos, há um pequeno derrame pleural associado, caracterizado pelo apagamento do recesso costofrênico, do contorno diafragmátco ou da presença de nível hidroaéreo. Alguns desses casos são atribuídos a rupturas de aderências vascularizadas, com derrames hemátcos, embora se possa encontrar também piopneumotórax, em geral, por ruptura de uma cavidade infectada.
Figura 3 - Pneumotórax grande em hemitórax direito
Os pacientes portadores de Doença Pulmonar Obstru tva Crônica (DPOC) com pneumotórax espontâneo secundário apresentam aspectos radiológicos caracterís tcos da doença, com pulmão hiperlucente e mínima diferença de radiodensidade em relação ao pneumotórax, tornando di f cil a interpretação radiológica. Isso decorre da perda elás tca do pulmão e da presença de aprisionamento aéreo. Nestes casos, a tomogra fia computadorizada de tórax é de grande auxílio para a adequada diferenciação entre pneumotórax e doença bolhosa.
Figura 2 - Linha pleural em pneumotórax
Ocasionalmente, pode ser necessária uma radiogra fia obtda em expiração forçada para o diagnós tco de pneu-
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Figura 4 - Imagem tomográ fi ca de pneumotórax no lado direito
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5. Tratamento Importante: O tratamento do pneumotórax tem como obje tvos diminuir sintomas, restabelecer a função pulmonar, evitar complicações e prevenir recidivas. Consiste em condutas variadas, que incluem desde procedimentos conservadores como repouso e observação, oxigenoterapia suplementar; até procedimentos invasivos como aspiração simples, drenagem pleural fechada com ou sem instlação de agentes esclerosantes, videotoracoscopia ou toracotomia aberta com abordagem das bolhas, abrasão pleural e pleurectomia. Com o obje tvo de diminuir sintomas, restabelecer a função pulmonar, evitar complicações e prevenir recidivas.
A escolha da melhor opção depende de fatores como: - Intensidade dos sintomas; - Repercussão clínica; - Magnitude do pneumotórax; - Provável etologia; - Comorbidades pleurais associadas; - Doença pulmonar subjacente; - Persistência ou recorrência do pneumotórax.
da evolução para um quadro de pneumotórax hipertensivo com graves consequências. Se tais pacientes não estão em ventlação artficial, é prudente a internação com simples observação e drenagem torácica em situações de aumento da câmara aérea, o que denota a presença de f stula com a cavidade pleural. Os pacientes com pneumotórax espontâneo secundário, portadores de doenças subjacentes, com limitada reserva funcional pulmonar, na grande maioria dos casos, requerem a drenagem pleural fechada como fase inicial do tratamento, exceto nos pacientes estáveis com pneumotórax de pequenas proporções. No pneumotórax catamenial, a conduta terapêu tca inclui o fechamento das perfurações diafragmá tcas e hormonoterapia para o controle da endometriose, quando associada ao quadro. A videotoracoscopia deve ser u tlizada como via de acesso preferencial nesses casos, pois avalia com precisão os defeitos diafragmátcos, permitndo a sua abordagem cirúrgica direta e a realização de procedimentos associados para prevenir a recorrência, como pleurectomia para excluir os pontos de endometriose torácica ou pleurodese química ou abrasiva para manutenção do contato entre as pleuras.
Figura 5 - Dreno tubular t po pig tail
A possibilidade de recidiva, a par tr do 1º episódio, fica em torno de 30%, e, a par tr do 2º, aproximadamente 60 a 80% em média, com período de latência cada vez menor. A incidência de recorrência do pneumotórax secundário parece ser um pouco mais alta. A maioria das recorrências se manifesta no 1º ano. Embora alguns autores admitam conduta conservadora no pneumotórax traumátco, essa não é nossa estratégia terapêutca inicial. Independente de sua natureza, aberta ou fechada, é indicada a toracostomia com drenagem fechada no momento do diagnós tco, independente da magnitude, principalmente se em regime de ven tlação mecânica ou com hemotórax. Em situações de pneumotórax iatrogênico, os pacientes em regime de ven tlação mecânica com pressão posi tva devem, obrigatoriamente, ser subme tdos à drenagem torácica em selo d’água, pelos riscos inerentes, nestes casos,
Figura 6 - Perfurações diafragmát cas no pneumotórax catamenial
Figura 7 - Implantes de endotélio na pleura parietal
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CIRURGIA TORÁCICA Nos pacientes com pneumotórax espontâneo primário, os princípios terapêu tcos são os mesmos, entretanto é importante tecer algumas considerações sobre a magnitude do pneumotórax. Existem métodos para quan tficar o tamanho da câmara aérea que ocupa o hemitórax, mas nenhum é muito preciso. Estudos que associam tomografia de tórax a programas de computador apresentam maior precisão. Uma maneira prátca e simples, muito u tlizada, é a distância medida entre o ápice do pulmão e a extremidade apical da cavidade pleural. Distâncias inferiores ou superiores a 3cm sugerem pneumotórax de pequena e grande magnitude, respectvamente.
Figura 8 - Medida do volume de pneumotórax pela distância entre o ápice do pulmão e a extremidade apical da cavidade pleural
Os pacientes com pneumotórax espontâneo primário de pequena magnitude podem se bene ficiar, inicialmente, com medidas conservadoras, como repouso rela tvo, com ou sem oxigenoterapia suplementar, que auxilia na reabsorção da câmara aérea. Na maioria dos casos, os pacientes encontram-se hemodinamicamente estáveis, sem hipoxemia, com mínimas queixas. Em caso de qualquer indício de instabilidade hemodinâmica ou respiratória, deve-se considerar a possibilidade do aumento do pneumotórax com necessidade de procedimentos intervencionistas, como a drenagem pleural em selo d’água ou cateter conectado a uma válvula do tpo Heimlich, com acompanhamento ambulatorial. Conceito importante: o paciente só terá bene f cio com uso de oxigênio suplementar quando houver f stula aérea, pois a função do O 2 seria sair para a pleura (quando a lesão for na pleura visceral) e aumentar o poder de reabsorção do ar acumulado no espaço pleural, tendo em vista a maior capacidade pleural em reabsorver O 2 em relação ao CO 2.
Figura 9 - Dreno de pig tail com válvula de Heimlich
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Quanto aos pacientes com pneumotórax espontâneo primário em que a câmara aérea é de grande magnitude, há necessidade de alguma medida intervencionista, na maioria dos casos, que assegure a reexpansão pulmonar. Os procedimentos são os mesmos u tlizados quando da não reexpansão do pulmão, nos casos de pneumotórax de pequena magnitude. Nos casos em que não há expansão pulmonar adequada e manutenção da fistula aérea, pode ser indicada a aspiração con nua do sistema de drenagem com uma pressão média de 20cmH2O, com o objetvo de aumentar a vazão de ar dos espaços pleural e auxiliar na expansão pulmonar e cicatrização da f stula aérea. O objetvo com a aspiração seria tornar a pressão pleural ainda mais nega tva para “puxar” e “abrir” com mais força o pulmão, forçando o contato entre as pleuras e acelerando o processo de cicatrização da f stula. Pacientes com grandes colapsos pulmonares podem apresentar edema pulmonar de reexpansão, após a drenagem. A injúria de reperfusão é a principal causa, ocorrendo em pulmão reinflado rapidamente após um variável período de colapso, em média, superior a 72 horas de evolução. Esses pacientes apresentam insu ficiência respiratória, hipóxia, hipotensão arterial, instabilidade hemodinâmica, alguns exigem, também, ven tlação mecânica. Como medida preventva, recomenda-se a administração de oxigênio antes da drenagem pleural com reexpansão lenta e gradual do pulmão (conceito válido também para os derrames pleurais). Pacientes com pneumotórax espontâneo primário, no 1º episódio, e que foram subme tdos à observação, simples aspiração ou drenagem pleural fechada, apresentarão possibilidade de recorrência de aproximadamente 30%. A intervenção terapêu tca definitva é indicada após 2º episódio. Alguns pacientes, no 1º episódio, já possuem indicação de procedimento de finitvo, principalmente aqueles que exercem pro fissões de risco (aviadores, mergulhadores etc.) ou que residam em locais sem acesso rápido a serviço médico. Nesses casos, recomenda-se a abordagem cirúrgica através da videotoracoscopia, visando à pro filaxia da recorrência, procedimento também u tlizado naqueles que indicam cirurgia no 2º episódio. Para tratamento invasivo, a videotoracoscopia é o procedimento de escolha, por permi tr a identficação da causa (ex.: bolhas subpleurais), ressecção da área e realização de procedimentos que evitem a recorrência, como pleurodese por abrasão pleural ou pleurectomia apical. Conceito importante: o tratamento fundamental para o pneumotórax na cirurgia não é a segmentectomia, e sim a pleurodese. Indicações precisas da videotoracoscopia ou toracotomia: - Casos de pneumotórax espontâneo primário por ocasião do 1º episódio em indivíduos que exercem pro fissões de risco; - Casos de pneumotórax espontâneo primário por ocasião do 2º episódio;
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Insucesso no manuseio do pneumotórax com fuga aérea persistente; - Pneumotórax espontâneo contralateral simultâneo. -
Observação: O fator principal para indicação de intervenção pleural ou observação é o quadro clínico do paciente, independente da causa. Mesmo em situações de pneumotórax mínimo, porém com queda da saturação e dispneia, a indicação é a drenagem.
Figura 10 - Segmentectomia apical demonstrando blebs
Nos casos de insucesso da videotoracoscopia, dificuldade no manuseio anestésico (intubação sele tva em pneumonectomizados) e pneumotórax complicado com encarceramento pulmonar, a toracotomia axilar, apesar de provocar maior dor pós-operatória, tem indicação formal, com a mesma finalidade e estratégia cirúrgica. Independente da via de acesso u tlizada para a toracotomia, a analgesia adequada é de extrema importância para minimizar o tempo de internação hospitalar. A u tlização de anestesia peridural com permanência do cateter para uso no pós-operatório pode ser uma solução viável, sendo cada vez mais utlizada nos serviços especializados. No período pós-operatório, o manuseio adequado dos drenos torácicos é item primordial para uma boa evolução. Habitualmente, não devem ser clampeados, principalmente em casos com escape aéreo no sistema de drenagem. Para a retrada do dreno são fundamentais a ausência de f stula aérea, baixo débito de drenagem líquida e radiografia de tórax mostrando adequada expansão do pulmão. Com a recomendação de que, mesmo com a evidência do fechamento da f stula aérea, o dreno torácico só deve ser retrado cerca de 24 horas após sua colocação.
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Tabela 2 - Tratamento Tipos de pneumotórax Espontâneo primário – 1 episódio
Tratamento - Pequeno (<3cm) = observação; - Grande (>3cm) = drenagem.
Espontâneo primário – - Cirurgia (videotoracoscopia: segmen2 episódios tectomia + pleurodese). Espontâneo secundá- Drenagem. rio Traumático/iatrogê- Drenagem. nico
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CIRURGIA TORÁCICA
CAPÍTULO
3
1. Introdução Acredita-se que a incidência de derrame pleural no Brasil atnja mais de 1 milhão de pessoas por ano, e esse elevado índice é um re flexo da dificuldade de diagnós tco e tratamento inadequados de patologias pulmonares simples como a Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC), responsável por aproximadamente 50% dos casos. Tumores, tuberculose e, mais recentemente, as infecções oportunistas nos imunocomprometdos são alguns dos responsáveis pela outra metade dos casos. O diagnóstico precoce depende de uma história clínica minuciosa, exame físico correto e, principalmente, métodos de imagem. De acordo com as hipóteses formuladas, pode-se fazer o uso de um método invasivo para análise do líquido e/ou pleura para o tratamento apropriado.
2. Fisiopatologia Existe um equilíbrio entre a entrada e a saída de líquido na cavidade pleural, de modo fisiológico; de maneira a manter estável a quan tdade e concentração proteica do fluido pleural. Os movimentos respiratórios, pela variação da inspiração e expiração, proporcionam a reabsorção do líquido e das par culas, assim como a sua progressão nos linfátcos. O acúmulo de líquido no espaço pleural presume a alteração deste estado de equilíbrio. O líquido pleural acumula-se quando o seu desenvolvimento ultrapassa a sua absorção. Na maioria das vezes, o líquido penetra no espaço pleural a partr dos capilares da pleura parietal e é extraído pelos linfátcos também situados nessa região. Entretanto, espaços interstciais do pulmão, pleura visceral, cavidade peritoneal ou pequenos ori f cios no diafragma são alterna tvas para a entrada do líquido. Assim, o derrame pleural é a consequência do excesso da entrada do líquido pleural (da pleura parietal, dos espaços interstciais do pulmão, da pleura visceral, da cavidade peritoneal ou dos ori f cios diafragmátcos) ou da menor remoção de líquidos pelos vasos linfá tcos, resultando em acúmulo de líquido no espaço pleurí tco. Os mecanismos de entrada do líquido se relacionam com forças hidrostátcas, responsáveis pela filtração do lí-
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Derrame pleural Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
quido para fora dos vasos, e com forças oncótcas ou osmótcas responsáveis pela manutenção do líquido no interior dos vasos. Quanto aos fatores que di ficultam a saída do líquido, relacionam-se à redução da função dos linfá tcos pleurais, afetada pela permeabilidade dos vasos linfá tcos, disponibilidade de líquido e pressões de enchimento e de esvaziamento. A mecânica pulmonar e as trocas gasosas são pouco afetadas pelo derrame pleural, a não ser que este seja extenso o suficiente para comprimir uma quan tdade considerável de parênquima subjacente. Causas do acúmulo de volume anormal de líquido pleural: - Aumento da pressão hidrostá tca na microcirculação: resulta em aumento da filtração do líquido para fora do vaso, favorecendo o acúmulo desse líquido na cavidade (ex.: na insu ficiência cardíaca conges tva, o aumento da pressão dos capilares pulmonares parece ser o fator de finitvo do desenvolvimento do derrame pleural); - Redução da pressão oncó tca na microcirculação vascular: a pressão oncótca é a responsável pela manutenção do líquido no interior do vaso; com a sua redução, o líquido tem facilidade para sair do vaso (ex.: baixas taxas de albumina diminuem a pressão oncó tca e consequentemente aumentam o líquido inters tcial); - Aumento na permeabilidade da microcirculação: favorece a passagem de líquido, proteínas e células para a cavidade pleural; - Diminuição da pressão do espaço pleural: também facilita a passagem do líquido para a cavidade pleurí tca (ex.: neoplasia broncogênica com atelectasia); - Dificuldade da drenagem linfá tca: é um dos mecanismos mais importantes na formação dos derrames, acontece com o bloqueio da drenagem linfá tca desde os estomas até os gânglios medias tnais; - Passagem de líquido a par tr do espaço peritoneal: os casos de ascite, normalmente por cirrose hepá tca, podem originar derrame pleural, devido à passagem de líquido, por meio dos linfá tcos do diafragma ou por defeito deste.
DERRAME PLEURAL
3. Quadro clínico Os pacientes com derrame pleural têm sintomatologia variável, porém dispneia, tosse seca e dor torácica são os sintomas mais comumente encontrados: - Dispneia: o grau de dispneia está relacionado diretamente à velocidade de acúmulo do líquido pleural, pois, em derrames que se formam mais vagarosamente, o pulmão tem tempo su ficiente para se adaptar à perda volumétrica, como, por exemplo, em grandes derrames crônicos, em que os pacientes são assintomátcos. Pode ser consequência da restrição ven tlatória decorrente de dor torácica. É importante lembrar que a dispneia também pode estar ligada à doença de base do paciente (ex.: Insu ficiência Cardíaca Congestva – ICC) e também é proporcional à reserva cardiovascular do paciente; - Tosse: geralmente é seca, devido ao es mulo da pleura parietal; - Dor torácica: caracterizada por ser ven tlatório-dependente. Geralmente, localizada nas porções inferiores do hemitórax acome tdo ou pode ser ainda referida na região escapular.
Figura 2 - Raio x mostrando derrame pleural ocupando metade do hemitórax esquerdo A C I C Á R O T A I G R U R I C
Figura 3 - Derrame pleural no hemitórax direito Figura 1 - Exemplo de derrame pleural na base esquerda
4. Imagem A - Radiografia Na incidência posteroanterior, o exame inicial a ser obtdo é a radiogra fia de tórax, sendo necessário um volume de, pelo menos, 400mL para haver o apagamento do seio costofrênico e o derrame ser detectado. O decúbito lateral com raios horizontais (incidência de Laurell) pode auxiliar no diagnóstco de derrames menores ou em casos duvidosos devido à presença de condensação pulmonar. Nos casos com presença de derrame subpulmonar, a imagem, na posição ortostátca, pode simular elevação da cúpula diafragmátca, e a incidência em decúbito lateral está indicada para verificar se há escoamento de líquido.
B - Ultrassonografia Tem se firmado cada vez mais no dia a dia do cirurgião torácico, pois, além de trazer informações relevantes ao tratamento do paciente, tem suas vantagens em relação à tomografia: - É portátl, então, em pacientes graves de UTI não é necessário transporte até a máquina; - Custo baixo quando comparado aos outros métodos; - Possibilidade de fazer procedimentos guiados à beira do leito. A desvantagem é o fato de ser operador-dependente, necessitando, assim, de certa curva de aprendizado, além do fato de não ter a documentação do exame tão clara quanto a tomografia. Pode identficar a presença de fibrina ou debris, diferenciando derrames livres dos loculados, e ajudar na quan t-
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CIRURGIA TORÁCICA ficação
do derrame nos casos em que a radiogra fia deixa dúvidas devido à presença de grandes consolidações. Pode ainda auxiliar na localização do melhor ponto a ser realizada a punção pleural e, de forma dinâmica, avaliar a mobilidade diafragmátca. Estudos estão sendo feitos ainda para validar certas medidas ultrassonográ ficas realizadas atualmente para a predição de volume do líquido pleural e expansão pulmonar, firmando ainda mais o papel do USG nas patologias pleurais.
C - Tomografia Ainda considerada padrão-ouro para estudo do pulmão e doenças pleurais. Fundamental para diferenciar os derrames livres das coleções organizadas e abscessos, e detectar a existência de espessamento ou outras lesões pleurais. Ajuda também a determinar a natureza do derrame, examinando outras estruturas torácicas.
Figura 4 - Derrame pleural extenso bilateral
Cabem aqui 2 observações importantes: a) Pacientes que apresentam distúrbios de coagulação têm contraindicação absoluta para a realização do procedimento. b) Nos casos em que a obtenção de fragmento pleural pode auxiliar no diagnós tco, deve ser realizada biópsia pleural com agulha de Cope. Este pode ser ob tdo no mesmo ato da punção, pois, para a biópsia, necessitamos de quantdade razoável de líquido, a fim de obtermos uma boa interface entre a parede e o pulmão para que não ocorram lesões no parênquima. Ao esvaziarmos o líquido, observaremos: - Aspecto: o líquido pode ser límpido, turvo ou hemorrágico, com múltplas colorações, dependendo da etologia. Na maioria das vezes, o líquido tem aspecto seroso, mesmo nos neoplásicos. Quando turvo, deve-se pensar em empiema. O líquido hemorrágico pode ser pós-traumátco ou neoplásico (geralmente quando existem metástases macroscópicas na pleura); - Odor do líquido pleural: sua avaliação também pode ajudar, sendo, na grande maioria das vezes, inodoro (se o líquido pleural apresenta odor fé tdo, é provável que o paciente tenha um empiema causado por bactérias anaeróbias). E qual o volume máximo a ser re trado? Atualmente, não consideramos mais volume máximo de líquido de 1.500mL, e sim a sintomatologia dos pacientes. Paramos de esvaziar o tórax quando o paciente apresenta dor forte no hemitórax que está sendo esvaziado ou tosse incoercível, pelo risco de desenvolver edema de reexpansão. Após o líquido ser re trado, solicitaremos os exames descritos a seguir. - Os parâmetros laboratoriais que devem ser analisados no líquido pleural são: Dosagem de proteínas; Desidrogenase látca (DHL); pH; Glicose; ADA; Citologia diferencial e oncó tca; Microbiologia (incluindo bacterioscopia e cultura). •
D - Ressonância A Ressonância Nuclear Magnétca (RNM) geralmente não acrescenta mais informações ao derrame pleural que a TC na grande maioria dos casos, porém tem maior u tlidade na detecção do acome tmento pleural por metástases ou tumores primários, papel este muito bem desempenhado, também, pela TC de tórax.
5. Laboratório Importante: A toracocentese geralmente é o 1º procedimento indicado nos casos de derrame pleural de causa indeterminada, e tem como principais objetvos: - Análise do líquido pleural, solicitando bioquímica, citologia e culturas; - Verificar a expansibilidade do pulmão após a retrada do líquido; - Melhora sintomátca (quando sintomas estão presentes).
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• • • • • •
O 1º objetvo é diferenciar se o derrame é transudato ou exsudato, para isso, u tlizam-se os critérios de Light, em que a presença de 1 dos fatores determina o diagnós tco de um exsudato: - PT pleural/sérico >0,5; - DHL pleural/sérico >0,6; - DHL pleural >200U. Notem que o grande divisor de águas e norteador de conduta é a diferenciação transudato X exsudato, pois nesta diferenciação poderemos supor diagnós tcos e planejar o tratamento. Os conceitos mais importantes que devemos ter em mente são:
DERRAME PLEURAL
Exsudatos: são derrames com proteína alta, geralmente com causa pleural; - Transudatos: são derrames com proteína baixa, geralmente com causa sistêmica. -
A - Bioquímica a) Proteínas As proteínas estão diminuídas principalmente nos transudatos. Isso acontece devido ao extravasamento de líquido hipoproteico para o espaço pleural, como nos casos de hipoalbuminemia, cirrose alcoólica ou ICC. No caso dos exsudatos, geralmente tem causa pleural, em que as proteínas são “jogadas” na pleura, como nos casos de tuberculose, neoplasia com meta pleural, infecções. b) DHL A DHL, além de ajudar na diferenciação de transudatos e exsudatos, pode auxiliar na determinação e tológica. Toda doença que consome glicose de acordo com o ciclo do metabolismo da mesma faz que DHL seja produzido, aumentando sua presença na pleura. Exemplos de doenças que ocasionam tal fato são as infecções e as neoplasias, que apresentam acúmulo de DHL no líquido pleural, com valores maiores que 800U. Isso pode acontecer também no hemotórax, porém não pelo consumo, mas pela rotura das células no espaço pleural. c) pH O valor normal do pH no líquido pleural é alcalino em relação ao sangue arterial, variando de 7,4 a 7,6. Algumas patologias cursam com diminuição do pH do líquido pleural, entre elas, as infecções pleurais (empiema, tuberculose) de um modo geral, as doenças reumatoides, as neoplasias e o hemotórax. O pH é importante na análise dos derrames parapneumônicos, em que valores inferiores a 7,2 indicam maior número de complicações, pois geralmente indicam que o agente infeccioso a tngiu o líquido pleural. Deve-se lembrar que doenças com metabolismo alto no espaço pleural abaixam o ph por liberarem ácidos em seu ciclo, o melhor exemplo para tal são as infecções pleurais. d) Glicose A glicose pleural tem valores normalmente próximos à glicemia, e sua alteração pode signi ficar o aumento do consumo da glicose no líquido pleural ou a diminuição de seu transporte do inters cio para o espaço pleural. As principais doenças que consomem glicose são as infecciosas (tuberculose, derrame parapneumônico) e as neoplásicas, e, nesses casos, os valores encontrados no líquido pleural são normalmente abaixo de 50mg/dL. Convém lembrar que as doenças do colágeno e o hemotórax também apresentam redução da concentração de glicose por disfunção de transporte. e) ADA A adenosina deaminase (ADA) é uma enzima essencial para a metabolização das purinas e necessária para a di-
ferenciação dos linfócitos. Pode auxiliar no diagnós tco da tuberculose pleural, em que valores superiores a 40UI/L são altamente sugestvos de pleurite tuberculosa. Contudo, outras patologias, como a artrite reumatoide, o empiema e as doenças linfoprolifera tvas, podem apresentar elevação nos níveis de ADA pleural. Por morarmos em um país endêmico para tuberculose, notar que o valor predi tvo positvo do ADA é baixo, entretanto, ao depararmos com ADA baixo, este pratcamente exclui a doença tuberculosa.
B - Citologia Os 2 grandes grupos são os derrames linfocí tcos e neutrof licos. A citologia diferencial pesquisa o padrão celular do líquido nos derrames parapneumônicos complicados ou nos empiemas pleurais; o padrão é de predominância neutrof lica. A tuberculose pleural tem, como caracterís tca, um padrão com mais de 75% de linfócitos (líquido linfocí tco), como as neoplasias. Os transudatos apresentam-se com baixa celularidade, predomínio de macrófagos, poucas células mesoteliais e linfócitos. O derrame eosinof lico caracteriza-se pela presença de mais 10% de eosinó filos e está associado às pleurites idiopátcas. A citologia oncó tca pode ser posi tva para células neoplásicas nos tumores pleurais ou nas metástases para a pleura, e depende, fundamentalmente, do tpo histológico, do estadiamento e do sí to primário.
C - Microbiologia/culturas A análise microbiológica do líquido pleural baseia-se na bacterioscopia com coloração de Gram e nas culturas semeadas em múltplos meios. O achado de bacilos álcool-ácido-resistentes não é frequente na bacterioscopia (inferior a 10% dos casos), e a cultura apresenta positvidade entre 15 e 39%, levando de 30 a 40 dias para o resultado final. Nos empiemas, a bacterioscopia tem posi tvidade em torno de 60%, enquanto as culturas podem ser posi tvas em torno de 70 a 80% das vezes, e o uso de an tbiótcos de amplo espectro antes da obtenção do líquido pleural faz diminuir a positvidade na iden tficação do patógeno. Existem casos com indicação de pesquisa de outros elementos bioquímicos, levando em conta as hipóteses diagnóstcas. A quantficação da amilase pode ter uso nos derrames com suspeita de f stulas ou perfurações esofágicas ou nos derrames pleurais secundários à pancrea tte. Na suspeita de derrame pleural secundário a doenças reumátcas, como a atrite reumatoide ou o lúpus, elementos mais especí ficos como dosagem de fator reumatoide, an tcorpos antnucleares ou pesquisa de células LE devem ser ob tdos no líquido pleural. Os lipídios pleurais geralmente estão aumentados em doenças que comprometem o duto torácico, com o extravasamento de quilo para o espaço pleural (quilotórax). No quilotórax, o líquido tem nível de triglicérides
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A C I C Á R O T A I G R U R I C
CIRURGIA TORÁCICA acima de 110mg/dL, e relação entre o colesterol do líquido pleural e do soro abaixo de 1. A principal causa de quilotórax em adultos são os tumores que invadem ou obstruem o duto torácico.
D - Anatomia patológica Fragmentos pleurais para análise anatomopatológica podem ser ob tdos por meio de biópsia pleural fechada, realizada com a agulha de Cope. É um procedimento simples, que pode ser realizado em caráter ambulatorial. Todavia, se o diagnóstco não for determinado, estará indicada a biópsia pleural sob visão direta, podendo ser realizada por meio de videotoracoscopia. Na diferenciação entre os tumores, ainda podem ser realizadas técnicas imuno-histoquímicas para melhor iden tficação entre os tpos histológicos envolvidos, o que pode ser ú tl inclusive em diferenciar tumores primários ou metastátcos.
6. Empiema parapneumônico A - Fases evolutvas No início da década de 1960, a American Thoracic Society publicou a classi ficação do empiema em 3 fases distntas: aguda, fibrinopurulenta e crônica. Tal publicação, em 1962, permitu a identficação das fases evolutvas e suas característcas, servindo de base indispensável para o planejamento terapêu tco dessa patologia. - Fase aguda (exsudativa): caracterizada por um rápido acúmulo de líquido estéril como resposta à reação inflamatória pleural, com níveis de glicose, DHL e pH ainda dentro dos limites da normalidade; as mobilidades pulmonar e da pleura visceral estão preservadas; -
Fase de transição ( fibrinopurulenta): num período indefinido de tempo, seguindo a cascata in flamatória, que dependerá da relação entre as forças de defesa do organismo e a virulência do micro-organismo causador da infecção, o processo evoluirá para esta fase, na qual serão observados um líquido pleural mais turvo, um aumento progressivo dos valores da DHL e do número de leucócitos, contrapondo-se a uma redução dos níveis de glicose e pH, como resultado do metabolismo bacteriano e fagocitose dos leucócitos. Nessa fase, é possível a iden tficação de germes, e, caracteris tcamente, inicia-se a deposição de uma rede de fibrina sobre a pleura visceral e parietal. Há a formação de septações ou loculações pleurais e consequente imobilização parcial do pulmão. O organismo está buscando limitar o processo inflamatório, desencadeado no espaço pleural, a este compartmento;
-
Fase crônica (organização): não se adotando nenhuma attude terapêutca, em 3 a 4 semanas será evidenciada esta últma fase evolu tva. Líquido pleural espesso e francamente purulento. Níveis de glicose abaixo de 40mg/dL e pH <7 são caracterís tcas bioquímicas dessa fase. A fibrina é progressivamente subs ttuída por fibroblastos, o que determinará a imobilização do pulmão ou o “encarceramento pulmonar”. O organismo finalmente limita a infecção e se protege da sua disseminação hematogênica.
E - Etologia De acordo com a análise laboratorial do líquido, e principalmente diferenciando entre exsudatos e transudatos, podemos pensar em relação às possíveis e tologias para o derrame (Tabela 1). Tabela 1 - E to logias de derrame pleural - Insuficiência cardíaca congestva; - Cirrose hepátca; Transudatos
- Síndrome nefró tca; - Glomerulonefrite; - Mixedema; - Diálise peritoneal.
Neoplásicos
- Secundários; - Mesotelioma. - Pneumonia; - Tuberculose;
Infecciosos
- Vírus; - Parasitas; - Fungos. - Pancreatte;
Doenças gastrintestnais
- Abscesso subfrênico; - Abscesso intra-hepátco; - Rotura do esôfago.
Doenças do colágeno
- Artrite reumatoide; - Lúpus eritematoso sistêmico.
Embolia pulmonar Derrame benigno por inabalção de asbestos Reação medicamentosa Síndrome de Dressler Síndrome de Meigs Hemotórax Quilotórax
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B - Relação entre as fases evolutvas e opções terapêutcas a) Fase exsudatva – líquido livre, liquefeito (“líquido”) Para os empiemas na fase inicial (exsudativa), a drenagem fechada é a opção mais adequada, com o dreno introduzido às cegas no espaço pleural, na maioria das vezes, sob anestesia local. Os termos “drenagem fechada” ou “drenagem simples” referem-se à existência de uma coluna líquida interposta entre o espaço pleural
DERRAME PLEURAL
e o meio ambiente. Para os casos de derrame pleural parapneumônico não complicado, é possível evacuar o derrame pleural por meio da própria toracocentese diagnóstica. Esse método, no entanto, não deve ser utilizado nos casos de derrame parapneumônico complicado ou empiema purulento.
Figura 6 - Derrame pleural loculado, septado
c) Fase crônica – pleura espessada, pulmão encarcerado (“fibrose”)
Figura 5 - Derrame pleural livre
b) Fase fibrinopurulenta ou de transição – líquido com fibrina, espesso, septações presentes (“gelatna”) A evolução do processo infeccioso, com o surgimento de fibrina e de septações pleurais, caracterizará a 2ª fase. A fase fibrinopurulenta ou de transição é a que contém o maior número de opções terapêu tcas. A drenagem fechada com dreno tubular, u tlizada como método isolado, mediante as característcas desse período evolu tvo, tem uma possibilidade razoável de insucesso. Exceção é feita aos casos de urgência (paciente sép tco) e indisponibilidade de outros recursos cirúrgicos. Na tentatva de impedir a croni ficação do processo infeccioso e curar o empiema, outras técnicas foram propostas para a fase de transição. A u tlização terapêu tca da videotoracoscopia encontra, na fase de transição do empiema, uma grande área de aplicação. O método se interpõe entre a drenagem pleural fechada, realizada às cegas, e procedimentos mais extensos, como a toracotomia e a decor tcação pulmonar. Está indicada nas fases iniciais do empiema, mais precisamente, na fase de transição ou fibrinopurulenta. O método permite o adequado controle do processo infeccioso e a reexpansão por meio da remoção dos coágulos de fibrina, lise das locuções pleurais (caracterís tcas desta fase), lavagem da cavidade e posicionamento dos drenos. É o padrão-ouro para a videotoracoscopia.
A evolução para a fase crônica resulta de 2 circunstâncias: falha no diagnós tco precoce da doença ou falência dos métodos terapêutcos empregados nas fases iniciais. A decortcação tradicional, com pleurectomia parietal, foi introduzida nos casos de empiema, em fases tardias. Por meio da toracotomia convencional, a cavidade pleural é aberta, e são removidos o conteúdo purulento, coágulos de fibrina e a “casca” que envolve o pulmão, liberando-o e promovendo a ocupação do espaço pleural. Nesta fase, geralmente a necessidade é a toracotomia.
Figura 7 - Empiema crônico com espessamento pleural
7. Derrame pleural neoplásico Por definição, derrame pleural maligno é aquele no qual se detecta a presença de células neoplásicas malignas no líquido pleural ou na pleura parietal. Esse fato con firma a
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CIRURGIA TORÁCICA ocorrência de doença disseminada e sugere uma expecta tva de vida reduzida em pacientes com câncer. A sobrevida média dessas pessoas varia de 3 a 12 meses e depende do tpo e do estágio da doença de base. As sobrevidas mais longas são observadas nos pacientes com derrame pleural maligno por câncer de ovário e câncer de mama, em oposição aos casos de derrame por câncer de pulmão que apresentam as sobrevidas mais curtas. Atualmente, os tumores que mais frequentemente metastatzam para a pleura são o câncer de pulmão nos homens e o câncer de mama nas mulheres. Essas neoplasias são responsáveis por aproximadamente 50 a 65% de todos os derrames pleurais malignos. Por sua vez, os linfomas e tumores dos tratos geniturinário e gastrintes tnal correspondem a 25% dos casos. Os tumores primários desconhecidos são responsáveis por um grupo de 7 a 15% de todos os derrames pleurais malignos.
Entre os agentes esclerosantes, estão a tetraciclina, a bleomicina e o mais comumente usado, o talco. Atualmente, tetraciclina e bleomicina estão pra tcamente em desuso, ficando a maioria dos procedimentos realizados com talco, que tem sua ação fundamentada no contato e com as pleuras fazendo abrasão. Em voga atualmente, porém ainda em estudo, tem sido usado o nitrato de prata, com resultados teoricamente melhores por ter sua ação por descamação do mesotélio, porém ainda são necessários estudos. A pleurodese pode ser realizada por meio de um dreno de tórax simples ou, com maior e ficácia, de videotoracoscopia e visualização direta da cavidade. Do ponto de vista terapêutco, a pleurodese por talco através da toracoscopia é um método efe tvo para controlar os derrames pleurais malignos, com um índice médio de sucesso de mais de 90%.
Tratamento O principal obje tvo no tratamento do derrame pleural maligno é a melhora da dispneia, cuja intensidade, por sua vez, é dependente do volume do derrame e da condição do pulmão e da pleura (presença de linfangite carcinomatosa, obstrução brônquica ou encarceramento pulmonar por neoplasia).
A drenagem da cavidade pleural pode ser u tlizada para alívio da dispneia. No entanto, esse procedimento não é recomendado isoladamente para controle de finitvo do derrame maligno, uma vez que a recidiva do derrame após drenagem, quando não é realizado um procedimento concomitante de pleurodese, é elevada. A drenagem pleural com cateteres de fino calibre (10 a 14F) tem sido uma alternatva bastante interessante a pacientes com pulmão não expansivo após a toracocentese ou pacientes com baixos índices de performance status (Karnofsky <70). O procedimento alivia a dispneia, principal fator limitante nesses casos, é bem tolerado e permite o tratamento ambulatorial ou domiciliar supervisionado – com o uso da válvula unidirecional de Heimlich.
-
A - Toracocentese terapêutca A toracocentese terapêu tca de repetção proporciona o alívio temporário dos sintomas e pode evitar a hospitalização, em pacientes com performance status baixo e expectatva limitada de sobrevida, pois o índice de recidiva em 30 dias é de aproximadamente 100%. Seu uso frequente aumenta o risco de contaminação e infecção da cavidade pleural, bem como favorece o aparecimento de loculações – que pode prejudicar o uso de outros procedimentos de maior e ficácia. Esse procedimento, adequado aos casos em estadio terminal – expectatva de vida menor que 30 dias – também é empregado àqueles que recusam outros métodos ou em recidivas pós-pleurodese. Como descrito, é o 1º procedimento realizado para diagnóstco, e, em relação ao derrame pleural neoplásico, tem fundamental importância a expansão pulmonar para avaliação de posterior pleurodese.
B - Pleurodese A pleurodese está indicada apenas nos casos em que haja constatação anatomopatológica inequívoca de malignidade pleural. Para que a pleurodese aconteça, são necessárias uma reação inflamatória difusa e a atvação local do sistema de coagulação com deposição de fibrina. A condição mais importante para o sucesso da pleurodese é a con firmação radiológica de que existe contato entre as pleuras parietal e visceral. A expansão incompleta do pulmão pode ser causada por uma pleura visceral espessada, lojas pleurais, obstrução das vias aéreas, ou uma f stula aérea persistente.
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C - Drenagem pleural
Tabela 2 - Critérios para pleurodese - Derrame pleural com citologia oncó tca positva; - Derrame recidivante; - Derrame sintomá tco; - Expansibilidade pulmonar completa; - Melhora dos sintomas com esvaziamento do líquido; - Status performance >40.
CAPÍTULO
Abscesso pulmonar
4
1. Introdução Importante: - Por definição, o abscesso pulmonar é uma coleção de pus contdo em uma cavidade formada a par tr da destruição do parênquima pulmonar, ou seja, bolhas infectadas e cistos contendo pus não são abscessos pulmonares; - O tratamento do abscesso pulmonar é essencialmente clínico, com base em an tbiotcoterapia, com a cirurgia é indicada somente em casos especí ficos, de acordo com critérios discu tdos a seguir.
2. Classificação Os abscessos pulmonares podem ser classificados de acordo com sua duração, número, localização e e tologia. Quanto à duração: - Agudos: apresentam Agudos: apresentam tempo de evolução inferior a 30 dias; -
Crônicos: o Crônicos: o tempo de evolução ultrapassa 30 dias.
Quanto ao número: - Únicos: são Únicos: são mais comuns, geralmente, secundários à aspiração, localizando-se consequentemente nos segmentos posteriores; -
Múltplos: plos: decorrem de embolia sép tca na maioria dos casos, sendo denominados de pneumonia necrosante quando <2cm.
Quanto à localização: - Unilateral; - Bilateral. Quanto à e tologia: - Primários: provenientes Primários: provenientes de aspiração de material da orofaringe em indivíduos previamente hígidos; - Secundários: Secundários: associados à obstrução brônquica por carcinoma broncogênico ou corpo estranho, e a doenças sistêmicas ou procedimentos que comprometam o sistema imunológico (exemplos: síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) ou terapia quimioterápica, transplante de órgãos).
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
Tabela 1 - Classi fi cação cação Número
- Únicos ou múl tplos.
Localização - Unilateral ou bilateral. Tempo
- Agudo ou crônico (>30 dias).
Etologia
- Primário: · Aspiração: * Baixo nível de consciência (ex.: alcoolismo, anestesia geral); * Higiene oral precária; * Doença esofágica (ex.: acalasia). · Pneumonia necrosante; · Imunodeficiência (ex.: AIDS, esteroides, câncer, diabetes). - Secundário: · Obstrução brônquica; · Lesões cavitadas (neoplasia, infarto); · Extensão direta (ex.: amebíase, abscesso subfrênico).
3. Etopatogenia A causa mais prevalente na síntese de um abscesso pulmonar é a aspiração a spiração de secreções da orofaringe, o que justfica o maior acome tmento no segmento posterior do lado superior direito e no segmento superior do lobo inferior direito, ou esquerdo, denominado “segmento axilar”. Atualmente, sabe-se que a maioria dos abscessos pulmonares primários decorre de pneumonia aspiratva, sendo causada por micro-organismos anaeróbios oriundos da flora bacteriana da gengiva. Em estados normais o organismo possui mecanismos e ficientes de defesa, de tal modo que estas infecções só se manifestam quando as defesas encontram-se diminuídas. Nos países em desenvolvimento, os principais fatores predisponentes são o mau estado gengivodentário ou as situações que predisponham a broncoaspiração como alcoolismo, epilepsia mal controlada, drogadição, fármacos depressores do sistema nervoso central, anestesia geral e disfagia. No entanto, nos países mais desenvolvidos, observa-se maior incidência de fatores relacionados à depressão do sistema imunológico como doenças imunossupressoras (ex.: AIDS), terapia quimioterápica e transplante de órgãos.
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CIRURGIA TORÁCICA Doenças esofágicas, tanto as in flamatórias quanto as neoplásicas, são importantes causas de re fluxo gastroesofágico e consequente aspiração, além de aspiração direta por fistulização esofagotraqueal. Os abscessos pulmonares secundários à obstrução brônquica são menos frequentes, mas considerados importantes pela associação a carcinoma brônquico. A obstrução decorrente da aspiração de corpo estranho é descrita, porém pouco encontrada. A obstrução brônquica, devido à estenose brônquica (in flamatória ou neoplásica), deve ser lembrada como fator predisponente do abscesso pulmonar.
4. Microbiologia A grande maioria dos abscessos pulmonares é causada por bactérias, comumente anaeróbias, re fletndo a composição da flora gengival. Os anaeróbios são os micro-organismos de maior prevalência, e entre estes os mais comuns (40% dos casos) são Peptostreptococcus, Peptostreptococcus, Prevotella, Prevotella, Bacteroides Bacteroides sp e Fusobacterium sp. Fusobacterium sp. Vários outros tpos de micro-organismos são descritos como causadores de abscesso pulmonar: as bactérias aeróbias (K. (K. pneumoniae, pneumoniae, S. viridans, viridans, H. in fl uenzae, uenzae, S. pneumoniae), moniae), os oportunistas (Salmonella (Salmonella,, Legionella sp, Legionella sp, P. jiroveci ), ), a micobacteriose a pica pica e fungos em pacientes imunodeprimidos.
5. Quadro clínico O quadro clínico varia de acordo com o micro-organismo causador. causador. Nas situações s ituações em que a bactéria responsável é uma anaeróbia, a evolução é mais lenta, com sintomatologia menos exuberante e persistente por semanas, caracterizando um quadro crônico. A procura pelo atendimento médico pode ocorrer mais tardiamente por se tratar de uma doença insidiosa, com o paciente apresentando febre, tosse acompanhada de secreção pútrida, perda de peso e anemia. Nem sempre o odor fé tdo está presente numa fase inicial, quando há presença de mau cheiro, sugere que o abscesso tem contato com a árvore traqueobrônquica, sendo drenado por aí. Na anamnese, é importante valorizar antecedentes de perda de consciência, presença de disfagia e mau estado gengivodentário. Para um diagnós tco efetvo, deve-se, ainda, proceder com inves tgação radiográfica da região torácica e realização de outros exames complementares, excluindo doenças associadas como carcinoma brônquico, tuberculose, corpo estranho, entre outros. Em abscessos oriundos de micro-organismos não anaeróbios, a sintomatologia é mais exuberante, exuberante, com instalação aguda, que levam o indivíduo a buscar atendimento médico mais precocemente. Ao raio x de tórax, pode-se observar imagem característca de cavidade com nível líquido, e
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quando há comunicação com o brônquio, a secreção expectorada é abundante.
6. Diagnóstco O quadro clínico auxilia na elucidação do agente patológico, sintomas mais exuberantes e de instalação mais rápida são sugestvos de micro-organismo aeróbio, já sintomatolos intomatologia menos exuberante e de instalação mais insidiosa sugere um micro-organismo anaeróbio. A inves tgação radiográfica mantém sua importância ao demonstrar a lesão pulmonar além de ser ú tl para a determinação do tratamento. O abscesso pulmonar ao raio x de tórax é observado como uma imagem arredondada, em geral única, com nível líquido e de localização predominante nos seguimentos pulmonares posteriores.
Figura 1 - Lesão com nível hidroaéreo no ápice direito
Em alguns casos observam-se imagens suges tvas de cavidades múltplas, uni ou bilaterais, ao raio x de tórax, que podem ser indica tvas de disseminação hematogênica, situação infrequente. infrequente.
Figura 2 - Abscesso pulmonar em radiogra fi a
Em fases iniciais, quando ainda não há uma boa drenagem para a árvore traqueobrônquica, o diagnós tco radiológico pode ser confundido com processo pneumônico ou mesmo massa tumoral.
ABSCESSO PULMONAR
tanto na coleta de material para o diagnós tco etológico como na con firmação de broncoestenoses de obstrução brônquica tumoral ou mesmo por corpo estranho. Deve ser sempre lembrada, em nosso meio, a possibilidade de tuberculose, que pode ser diagnos tcada por meio do exame de escarro ou do lavado brônquico pela broncoscopia, além de outros processos cavitários como as bronquiectasias saculares infectadas, infecções fúngicas e até a granulomatose de Wegener.
7. Tratamento Figura 3 - Abscesso pulmonar sem nível hidroaéreo: pode ser con fundido com tumorações tumorações
A tomografia de tórax pode ser u tlizada para obtenção de melhor de finição de imagem, é par tcularmente ú tl nas cavidades não bem delineadas pelo raio x ou em suspeita de uma lesão tumoral. Também auxilia na dis tnção de uma lesão parenquimatosa de uma coleção pleural, assim como o ultrassom. Podendo ainda servir ser vir para direcionamento de procedimentos invasivos.
Figura 4 - Abscesso pulmonar em tomogra fi a
Lembrar que o tratamento é clínico em 85% dos casos. O tratamento clínico consiste em an tbiotcoterapia, introduzida empiricamente, suporte nutricional e fisioterapia respiratória com drenagem postural, na qual o paciente se posiciona de forma inclinada ou num ângulo determinado para auxiliar na eliminação das secreções pulmonares. Atualmente, a principal escolha é a clindamicina (600mg IV, IV, de 6/6 horas), que pode ser usada isoladamente ou em associação com metronidazol. Outra opção é uma cefalosporina de 3ª geração associada ao metronidazol. Sendo preconizado tratamento prolongado, podendo variar de 3 a 6 semanas, com taxas de sucesso de 85%. É importante destacar que o abscesso pulmonar é uma infecção causada por vários micro-organismos, o que jus tfica a variabilidade da an tbiotcoterapia, estando também indicados o cloranfenicol, cefoxi tna, gatfloxacino, imipeném, meropeném, entre outros. No caso de resposta inadequada ao tratamento t ratamento clínico, cerca de 15% dos casos, deve-se considerar o tratamento cirúrgico, principalmente àqueles em que há suspeita de neoplasia, broncoestenose, hemoptse, grandes abscessos (maiores que 6cm de diâmetro) ou micro-organismos resistentes. No tratamento cirúrgico, consideram-se diversas alternatvas, desde drenagens percutânea e endoscópica até ressecção pulmonar. A broncoscopia (rígida ou flexível) é considerada muito importante na fase diagnóstca do abscesso pulmonar, podendo também ser u tlizada no tratamento, tratamento, principalmente nos casos de broncoestenose, u tlizando a dilatação e a drenagem endoscópica.
Figura 5 - Abscesso maior apresentando nível líquido
Outra ferramenta importante no diagnós tco dos abscessos pulmonares é a broncoscopia (rígida ou flexível),
Figura 6 - Drenagem percutânea de abscesso pulmonar com sonda de Folley
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A C I C Á R O T A I G R U R I C
CIRURGIA TORÁCICA Na ausência de resposta a essas medidas terapêu tcas, na presença de hemop tse ou suspeita de neoplasia, está indicada a ressecção pulmonar. A lobectomia demonstra melhores resultados por acesso extrapleural devido à intensa reação inflamatória pericavitária. Pela possibilidade de formação de bronquiectasia secundária ao processo crônico, uma ressecção econômica (segmentectomia) poderia deixar parênquima doente. Tabela 2 - Tratamento Clínico: 85% dos casos - Antbiotcoterapia; - Fisioterapia respiratória; - Suporte nutricional. Cirúrgico: 15% dos casos - Drenagem percutânea – resolve 75 a 100% dos casos cirúrgicos; - Drenagem endoscópica; - Ressecção pulmonar.
Em resumo, os pacientes portadores de abscesso pulmonar apresentam boa resposta ao tratamento clínico (antbiotcoterapia) apesar da longa duração (3 a 6 semanas). Quando a resposta clínica é demorada, deve-se pensar em obstrução brônquica por neoplasia, broncoestenose ou presença de corpo estranho. Deve-se lembrar também a possibilidade de patógenos não usuais, como micobactérias ou fungos, assim como de bactérias resistentes. As cavidades maiores que 6cm de diâmetro também podem apresentar uma evolução arrastada, necessitando de antbiotcoterapia por mais tempo ou de drenagem percutânea precoce. Para facilitar a memorização das indicações, podemos considerar o abscesso pulmonar como “a doença dos 6”. 6”. Tabela 3 - Indicações de tratamento cirúrgico - Abscesso >6cm; - Falha terapêutca à antbiotcoterapia por 4 a 5 semanas (piora clínica, aumento do abscesso); - Impossibilidade de exclusão diagnóstca de neoplasia; - Sangramento; - Abscesso sob tensão; - Ruptura do abscesso para a pleura.
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CAPÍTULO
5
1. Introdução A hemoptse é definida como expectoração de sangue e pode variar de raias de sangue vivo no escarro até a eliminação de grandes volumes de sangue. A hemop tse maciça corresponde à eliminação de 200 a 1.000mL/24h. Uma vez que o espaço morto anatômico das grandes vias aéreas é de 100 a 200mL, a de finição mais adequada de hemop tse maciça é aquele volume que pode causar risco de vida em virtude da obstrução da via aérea por sangue. Entretanto, do ponto de vista prá tco, a eliminação de uma quan tdade ≥600mL de sangue em 24 horas é considerada hemop tse maciça. Evidentemente, em pacientes com reserva pulmonar comprometda, volumes menores podem determinar risco iminente de vida. A gravidade do quadro, e mesmo a morte, é determinada pela asfixia por inundação da via aérea, não por choque hemorrágico.
Hemoptse Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
Tabela 1 - Hemopt se maciça: frequência - Tuberculose: 20 a 50%; - Bronquiectasia: 10 a 30%; - Aspergiloma: 10%; - Carcinoma brônquico: 5 a 10%; - Fibrose cístca: 5%; - Miscelânea: >5%.
3. História e exame f sico A história pode determinar a presença de doença preexistente (por exemplo, tuberculose, carcinoma brônquico), duração, volume aproximado do sangramento e número de episódios semelhantes. Muitas vezes, o paciente informa com precisão o lado do sangramento. Ao exame f sico, o paciente pode apresentar sinais de hipoxemia e comprometmento respiratório, o que poucas vezes ajuda no estabelecimento da causa do sangramento.
2. Etologia
4. Estudo radiológico
A incidência depende da população estudada, mas na maioria dos pacientes o sangramento é secundário a doenças benignas, in flamatórias/infecciosas.
O radiograma de tórax pode determinar com precisão a causa e a localização do sangramento. No entanto, pode ser normal se todo o sangue foi efe tvamente expectorado. Nesta situação, a tomogra fia computadorizada pode igualmente não ser informa tva. Evidências de infecção (par tcularmente apical) ou de tumor podem ser diagnós tcas, mas opacidades atribuídas à aspiração frequentemente confundem a avaliação das imagens radiológicas. A Tomografia Computadorizada (TC) de alta de finição (cortes de 3mm) demonstra a maioria das causas de hemoptse maciça, embora o exato sí to do sangramento e a extensão da doença possam ser mascarados pela aspiração sanguínea. O maior problema em relação ao estudo radiológico é quando não deparamos com pacientes que apresentam lesões bilaterais, como em casos de bronquiectasias extensas ou cavernas tuberculosas em ambos os pulmões. Nesses casos, sinais radiológicos indiretos como opacidades em vidro fosco ao redor da caverna ou nível líquido dentro da mesma podem nos remeter ao provável sí to etológico,
Importante: Ao contrário do que se imagina, em 90 a 95% dos casos o sangramento é oriundo das artérias brônquicas, por in flamação ou necrose.
Nas doenças pulmonares, independente da causa, a circulação sistêmica aumenta na tenta tva de corrigir o equilíbrio locorregional de ven tlação/perfusão, o que jus tfica as hemorragias, na sua maioria, serem consequentes à erosão ou rupturas das artérias brônquicas e haver maior propensão a sangramentos maciços dada a pressão arterial nessas artérias. Nas hemoptses oriundas da circulação pulmonar (<5%), o sangramento não é severo, uma vez que os espaços alveolares podem acomodar um grande volume de sangue. Manifesta-se com sangramento moderado, anemia e in filtrado pulmonar evidenciado em raio x.
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CIRURGIA TORÁCICA porém, nestes casos, é sempre obrigatória a avaliação com broncoscopia ou, preferencialmente, arteriogra fia torácica.
5. Manejo do paciente com hemoptse maciça O manejo inadequado do paciente com hemop tse aguda, severa, tem alta mortalidade (acima de 80%). Esse mesmo indivíduo, aparentemente estabilizado, pode piorar rápida e fatalmente. Os pontos cardeais para o sucesso no manejo desse caso são: - Tratamento clínico de UTI; - Localização imediata da fonte de sangramento – broncoscopia; - Paliação com melhora clínica para permi tr a cirurgia eletva; - Ressecção cirúrgica no paciente estável com boas condições; - Lembrar que o tratamento inicial para pacientes com hemoptse sempre é clínico, no sen tdo de estabilização do paciente e tenta tva de parar o sangramento.
6. Tratamento clínico em UTI a) Repouso no leito: o paciente deve ser man tdo em decúbito lateral com o lado sangrante pendente (para baixo), reduzindo a tosse e prevenindo a aspiração e a as fixia. b) Antbiótcos: devem ser usados na pro filaxia da pneumonia e da sepse, resultantes da aspiração de sangue, evitando futuros sangramentos. Na tuberculose a tva, os tuberculostátcos promovem a regressão da lesão e do sangramento. c) Intubação orotraqueal sele tva: tubo endotraqueal de duplo lúmen para bloqueio do brônquio principal do pulmão sangrante – com isso, o lado sadio fica isolado da fonte de sangramento.
lado sangrante e deixadas em contato por 15 segundos, aspirando-se rapidamente e alternando com períodos de ventlação e de irrigação (mais de 1L de soro fisiológico pode ser usado); - Instlação tópica de epinefrina (1:20.000) ou de solução de trombina- fibrinogênio aplicados endoscopicamente: não tem resultados comprovados em hemoptse maciça nem o uso difundido; - Tamponamento brônquico: qualquer método de isolamento pulmonar deve ser precedido pela broncoscopia rígida, retrando os coágulos aspirados e garantndo que ao menos o lado sadio ven tle adequadamente, principalmente se a terapêu tca é a ressecção pulmonar. Para tal finalidade, podemos lançar mão de algumas armas: Intubação seletva do lado afetado: com isso, bloqueamos o lado do sangramento e impedimos que o sangue invada a árvore contralateral, protegendo assim o pulmão saudável; Bloqueadores brônquicos: podemos usar sondas de Fogarty 14 Fr, por exemplo, para bloquearmos o brônquio-fonte de sangramento; Tamponamento broncoscópico: com a u tlização de retalhos de celulose oxidada (Surgicel), podendo ser usado em brônquios menores, inclusive, lobares, segmentares ou subsegmentares. •
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7. Broncoscopia É o método mais e ficiente para iden tficar a fonte de sangramento e deve ser realizado na vigência do sangramento, especialmente em pacientes cuja radiogra fia demonstre doença bilateral. Deve-se começar com o broncoscópio rígido, propiciando uma toalete brônquica mais efe tva, além de nos fornecer a possibilidade de maior controle das vias aéreas do paciente. Este é colocado em Trendelemburg sob sedação, com o lado sangrante em posição pendente, e o tubo rígido permitrá a retrada dos coágulos e a manutenção de uma ventlação adequada. O controle endobrônquico pode ser feito da seguinte forma: - Irrigação brônquica com soro gelado: a camada muscular das artérias brônquicas é idên tca à dos vasos periféricos e responde ao frio com vasoconstrição. Sob broncoscopia rígida, quotas de 50mL são injetadas no
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Figura 1 - Sangramento advindo do brônquio principal esquerdo
8. Arteriografia A broncoscopia e a arteriogra fia brônquica permitem identficar o local do sangramento. Nos pacientes com hemoptse, é comum a neoformação vascular do plexo arterial brônquico; ramos da aorta torácica no nível de T5 ou T6 desenvolvem um shunt sistêmico-pulmonar. Por meio de aderências parietais arteriais sistêmicas, também penetram no pulmão. Os achados da arteriografia brônquica são hipervascularização regional por hipertro fia do plexo arterial brônqui-
HEMOPTISE
co, aneurisma de artéria brônquica, anastomose de artérias brônquicas com as artérias pulmonares e neovascularização brônquica (neoplasia). As artérias brônquicas comprome tdas podem nascer de um tronco comum com as artérias da irrigação medular, exigindo extremo cuidado na execução da embolização desses vasos, evitando a complicação mais temível, a lesão medular temporária ou de finitva. A resposta à embolização brônquica é dramá tca e imediata, permitndo que pacientes sem condições clínicas, até então, passem a ter chance de se bene ficiar do tratamento cirúrgico definitvo com risco muito diminuído. A recanalização pode ocorrer entre 2 e 7 meses, sendo maior o risco entre os pacientes com lesões cavitárias ou necrose pulmonar (abscesso, pneumonia necrosante) que, uma vez estabilizados, devem submeter-se à ressecção pulmonar.
edema perivascular, levando à oclusão vascular e ao controle da hemop tse. A mortalidade está relacionada: - Ao volume de sangue expectorado; - À frequência de sangramento; - Ao volume de sangue re tdo nos pulmões e das condições funcionais prévias, independente da e tologia do sangramento. A mortalidade é de 58% quando o sangramento excede 1.000mL/24h. Quanto aos pacientes com neoplasias malignas, a mortalidade de 59% se eleva até 80% se o sangramento excede 1.000mL/24h. Quando o sangramento é controlado e o paciente estabilizado com melhora das condições cardiorrespiratórias, a mortalidade cirúrgica fica em torno de 20%. O melhor momento de indicação do tratamento cirúrgico é a par tr de quando o paciente já apresentou parada do sangramento. Avaliação clínica
Antibióticos
Melhora clínica em UTI: - Repouso no leito; - Monitorização gases arteriais; - Estabilização
A C I C Á R O T A I G R U R I C
Corrigir coagulação
Broncoscopia (rígida, de preferência)
Toalete brônquica
Sítio de sangramento identificado
Cirurgia?
Considerar
Se cirurgia de alto ris co
Procedimentos endobrônquicos
Cirurgia eletiva
Figura 2 - Arteriogra fi a com extravasamento de contraste
9. Tratamento cirúrgico
Sítio de sangramento não identificado
Arteriografia
TC
Sangramento localizado
Sangramento não localizado
Embolização
Conservador
Figura 3 - Terapêut ca em hemopt se
Diante daqueles com sangramento não controlado por métodos conservadores, na indisponibilidade de arteriografia com embolização da artéria brônquica e com um banco de sangue impossibilitado para a reposição das grandes perdas sanguíneas previstas com o ato cirúrgico, a exclusão fisiológica do pulmão/lobo afetado pode ser a única medida salvadora possível. Alguns contnuam fora de possibilidade cirúrgica: aqueles com baixa reserva pulmonar/cardíaca ou com doença difusa, como pneumonia necrosante bilateral, ou com diátese hemorrágica incorrigível. Nos pacientes com câncer irressecável, a radioterapia provoca trombose vascular e
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CIRURGIA TORÁCICA
CAPÍTULO
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Pontos essenciais Lesões com risco de morte: Pneumotórax hipertensivo; Tamponamento cardíaco; Hemotórax maciço; Tórax flácido. - Toracotomia de reanimação e de emergência. -
Trauma torácico Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
Tabela 1 - Lesões torácicas com risco Exame primário 1 - Pneumotórax hipertensivo.
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2 - Pneumotórax aberto.
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3 - Tórax instável.
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4 - Hemotórax maciço.
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5 - Tamponamento cardíaco.
1. Introdução A mortalidade por trauma torácico é de cerca de 10%. Dos óbitos por trauma, 25% se devem a lesões do tórax. É necessária toracotomia em cerca de 15 a 30% dos doentes ví tmas de traumatsmos penetrantes e em menos de 10% das ví tmas de trauma contuso de tórax. As mortes precoces, ainda no local do trauma, acontecem por contusão miocárdica e ruptura de aorta. O trauma torácico pode resultar em 3 alterações fisiopatológicas: a) Hipóxia: oferta inadequada de oxigênio. - Causas: obstrução de vias aéreas, hipovolemia, alterações ventlatórias, contusão pulmonar, pneumotórax ou hemotórax. b) Hipercarbia: ventlação inadequada. - Causas: alterações pressóricas intratorácicas e rebaixamento do nível de consciência. c) Acidose: hipoperfusão tecidual. - Causa: choque.
2. Diagnóstco e tratamento do trauma de tórax Habitualmente, dividem-se as lesões torácicas entre as com risco de vida, que devem ser diagnos tcadas e tratadas durante a avaliação primária; aquelas que apresentam risco de vida, mas que podem ser tratadas no exame secundário; e as demais lesões sem risco de vida.
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Exame secundário 1 - Pneumotórax simples. 2 - Hemotórax. 3 - Contusão pulmonar. 4 - Lesões da árvore traqueobrônquica. 5 - Traumatsmo cardíaco contuso. 6 - Ferimento transfixante do mediastno. 7 - Ruptura diafragmá tca. 8 - Ruptura da aorta. Outras lesões 1 - Enfisema subcutâneo. 2 - Lesões torácicas por esmagamento. 3 - Fraturas de costela, esterno e escápulas. 4 - Ruptura esofágica por contusão.
As prioridades no atendimento do paciente com trauma de tórax seguem a mesma ordem preconizada para o politraumatzado. Inicia-se pela avaliação da via aérea (A), que pode estar obstruída se houver lesões de laringe associadas ou luxação esternoclavicular. Na avaliação da respiração (B), suspeita-se de lesões torácicas em doentes com movimentos respiratórios super ficiais e taquipneia. Não se deve aguardar pela cianose, que é um sinal tardio de hipóxia. Na avaliação circulatória (C), é importante a monitoração eletrocardiográfica do doente ví tma de traumatsmo torácico com risco de contusão miocárdica, já que podem ocorrer arritmias, frequentemente associadas à hipóxia e acidose. O doente pode apresentar A tvidade Elétrica Sem Pulso (AESP), que acontece em casos de tamponamentos cardíacos, pneumotórax hipertensivo, hipovolemia profunda e ruptura cardíaca.
TRAUMA TORÁCICO
No exame secundário, realizam-se radiogra fia de tórax anteroposterior, gasometria arterial, monitoração da oximetria de pulso e eletrocardiograma. Nesta fase, devem ser diagnostcadas as lesões citadas na Tabela 1, que, se passadas despercebidas, podem ser letais.
3. Lesões letais tratadas no atendimento primário A - Pneumotórax hipertensivo
b) Tratamento A toracocentese descompressiva deve ser realizada imediatamente. Insere-se uma agulha calibrosa no 2º espaço intercostal na linha hemiclavicular do lado afetado, o que transforma uma emergência médica, o pneumotórax hipertensivo, numa urgência. O tratamento de finitvo consiste na drenagem torácica no 5º espaço intercostal, entre as linhas axilares anterior e média.
B - Pneumotórax aberto Ocorre nos casos de ferimento da parede torácica com diâmetro maior que 2/3 do diâmetro da traqueia. Assim, há menor resistência para entrada de ar por esse ori f cio. É também conhecido como ferida torácica aspira tva ou soprante. A entrada de ar no espaço pleural leva a um colabamento do pulmão e só cessa quando a pressão intrapleural se equilibra com a pressão atmosférica. A ven tlação fica pre judicada, com consequente hipóxia e hipercarbia. Ocorrem também diminuição do retorno venoso e hipotensão. a) Quadro clínico Traumatopneia (saída de ar pelo ferimento torácico); - Dispneia; - Desconforto respiratório; - Taquicardia; - Hipotensão. -
Figura 1 - Aspecto radiológico do pneumotórax hipertensivo
Ocorre quando há um vazamento de ar para o espaço pleural por um sistema de “válvula unidirecional”. Acontece o colapso do pulmão com deslocamento do medias tno para o lado oposto, levando à diminuição do retorno venoso e à compressão do pulmão contralateral. As causas mais comuns de pneumotórax hipertensivo são: - Ventlação mecânica com pressão posi tva em doente com lesão pleuropulmonar; - Pneumotórax por trauma penetrante ou contusão na qual a lesão no parênquima pulmonar não cicatrizou; - Tentatvas de passagem de cateter central; - Lesões traumátcas da parede torácica; - Fraturas com grande desvio da coluna torácica. a) Quadro clínico O diagnóstco do pneumotórax hipertensivo é clínico, e seu tratamento nunca deve ser postergado à espera de confirmação radiológica. Os sinais e os sintomas são: - Dor torácica; - Dispneia importante; - Desconforto respiratório; - Taquicardia; - Distensão das veias do pescoço; - Cianose tardia; - Hipertensão; - Desvio de traqueia; - Timpanismo à percussão do lado afetado; - Ausência de murmúrio vesicular no lado afetado.
b) Tratamento O tratamento inicial é a realização de um cura tvo de 3 pontas, que consiste em um cura tvo quadrangular fixado em 3 lados, passando a funcionar como válvula unidirecional, permitndo a saída do ar durante a expiração e colabando na inspiração, impedindo a entrada de ar no espaço pleural. Um erro poderá acontecer se o cura tvo for fixado nos 4 lados, e, nesse caso, o doente evoluirá com pneumotórax hipertensivo. A seguir, drena-se o tórax afetado no 5º espaço intercostal. Após a estabilização do doente, deve-se realizar o tratamento definitvo com síntese cirúrgica da lesão na parede torácica.
C - Tórax instável (tórax flácido) Ocorre quando um segmento da parede torácica perde contnuidade óssea com o restante da caixa torácica. É necessária fratura de 2 ou mais costelas em pelo menos 2 pontos. Acontece em 10 a 15% dos traumatsmos torácicos. A origem desse tpo de ferimento é um trauma tsmo de alta energia, que leva à lesão importante do parênquima pulmonar, resultando em hipóxia grave. A repercussão maior decorre da contusão pulmonar grave e da dor, que restringe a movimentação respiratória, levando a complicações respiratórias mecânicas e de troca gasosa.
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CIRURGIA TORÁCICA a) Quadro clínico - Movimento torácico assimétrico e descoordenado (movimento paradoxal); - Dificuldade respiratória; - Taquipneia; - Crepitação à palpação de costelas.
Indica-se toracotomia de urgência se houver drenagem imediata de mais de 1.500mL de sangue ou mais de 200mL por hora nas 2 a 4 horas seguintes à drenagem. Essa indicação depende também do estado clínico do paciente e não somente desses critérios.
b) Tratamento O doente deve receber oxigênio suplementar, reposição volêmica adequada e analgesia. A ven tlação, muitas vezes, é inadequada devido à dor causada pelas fraturas, daí a importância de analgesia adequada. Se o doente apresentar insuficiência respiratória, poderá ser necessária a ven tlação mecânica. Os critérios de indicação são: - FR >35 ou <8irpm; - pCO >55mmHg; 2 - pO <60mmHg com FiO >50; 2 2 - Relação PO /FiO <300; 2 2 - Shunt >0,2.
Ocorre por um acúmulo de sangue no saco pericárdico, estrutura inelástca, levando à compressão cardíaca, comprometmento do retorno venoso e choque cardiogênico. É mais frequentemente causado por ferimentos penetrantes, porém pode acontecer por trauma contuso. A cavidade mais comumente lesada é o ventrículo direito, por sua localização mais anterior.
D - Hemotórax maciço
E - Tamponamento cardíaco
a) Quadro clínico I - Tríade de Beck: - Hipotensão; - Abafamento de bulhas cardíacas; - Estase jugular (não acontece em caso de hipovolemia significatva). II - Pulso paradoxal: diminuição da PAS <10mmHg durante inspiração espontânea. III - Sinal de Kussmaul: aumento da pressão venosa na inspiração espontânea. IV - AESP: na ausência de hipovolemia ou de pneumotórax hipertensivo. Se for realizada uma ultrassonogra fia na sala de emergência, será possível avaliar a presença de líquido no saco pericárdico. O exame que oferece diagnós tco de certeza é o ecocardiograma, porém di ficilmente está disponível no serviço de emergência.
Figura 2 - Radiogra fi a evidenciando hemotórax maciço
Acúmulo de mais de 1.500mL de sangue na cavidade pleural, mais frequentemente causado por ferimentos penetrantes que ocasionam lesão em vasos sistêmicos e hilares. Pode estar associado ao pneumotórax hipertensivo. a) Quadro clínico - Choque; - Ausência de murmúrio vesicular do lado afetado; - Macicez à percussão do lado afetado. b) Tratamento Realiza-se reposição volêmica agressiva, com cristaloide e sangue. A cavidade torácica é descomprimida com a drenagem de tórax. Se es tver disponível o equipamento necessário, será possível realizar autotransfusão do sangue aspirado.
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b) Tratamento Está indicada, em caso de suspeita clínica, a realização de pericardiocentese na sala de emergência. O doente deve estar monitorizado para realizar a punção subxifóidea. Quando a agulha toca o epicárdio, ocorre arritmia ou aumento de voltagem da onda T no eletrocardiograma. A punção é posi tva se há aspiração de sangue não coagulado presente no saco pericárdico, sendo indicada a toracotomia. O sangue não coagulado se deve à presença de substâncias an tcoagulantes no saco pericárdico. Após a re trada da agulha, deixa-se o cateter que a envolvia (Jelco®) conectado a uma torneira de 3 vias para eventuais re tradas de sangue, que, porventura, acumula-se novamente, até que seja realizada a toracotomia. Pode-se fazer o diagnós tco, no paciente estável, por meio de uma janela pericárdica (pericardiotomia aberta) subxifóidea sob anestesia geral, no bloco cirúrgico, ou por via transdiafragmátca em caso de laparotomia. A sensibilidade da janela é de 100% para o diagnós tco de lesão cardíaca. Se for con firmado o tamponamento, a toracotomia para reparo da lesão deverá ser preferencialmente por esternotomia mediana, por também permi tr o acesso cirúrgico aos vasos cervicais e subclávios.
TRAUMA TORÁCICO
4. Lesões diagnostcadas no exame secundário A - Pneumotórax simples
Ocorre por laceração pulmonar, ruptura de um vaso intercostal ou da artéria mamária interna, ou fratura-luxação da coluna torácica. A maioria dos sangramentos é autolimitada e não necessita de tratamento cirúrgico hemostá tco especí fico, apenas de drenagem pleural. Pode-se classi ficar o hemotórax da seguinte forma: - Pequeno: 300 a 500mL; - Médio: 500 a 1.500mL; - Grande: >1.500mL. a) Quadro clínico - Diminuição do murmúrio vesicular do lado afetado; - Macicez à percussão; - O raio x de tórax evidencia hemotórax a par tr de 200mL de volume.
Figura 3 - Radiogra fi a evidenciando pneumotórax simples
Resulta da entrada de ar no espaço pleural, entre as pleuras visceral e parietal. Pode ocorrer por trauma penetrante ou contuso, neste úl tmo, geralmente devido a vazamento de ar por laceração pulmonar. a) Quadro clínico - Diminuição do murmúrio vesicular no lado afetado; - Hipertmpanismo à percussão. O diagnóstco pode ser feito ou con firmado com uma radiogra fia de tórax em expiração, bem mais sensível que em inspiração para o pneumotórax. b) Tratamento A drenagem de tórax é o tratamento a todos os casos de pneumotórax traumátco e deve ser realizado no 4º ou no 5º espaço intercostal anterior à linha axilar média, adaptado ao sistema de selo d’água. O tratamento conservador, comum no pequeno pneumotórax espontâneo, deve ser evitado no traumátco, sendo proibido ao paciente que será submetdo à ventlação sob pressão positva. Doentes com pneumotórax que necessitem de transporte aéreo devem ser drenados previamente.
b) Tratamento Consiste na drenagem de tórax que remove o sangue, monitoriza o sangramento e diminui o risco de formação de coágulo. Em 85% dos casos, tal tratamento é su ficiente, e o sangramento cessa espontaneamente. Há indicação de toracotomia se há drenagem inicial de mais de 1.500mL de sangue ou mais de 200mL de sangue nas 2 a 4 horas subsequentes. O tratamento conservador não é recomendado.
C - Contusão pulmonar Trata-se da lesão torácica potencialmente letal mais comum. É especialmente perigosa entre os idosos, cuja reserva funcional pulmonar é menor. A insu ficiência respiratória desenvolve-se progressivamente e decorre de hemorragia e edema do parênquima pulmonar.
B - Hemotórax
Figura 5 - Fratura de costela com contusão: radiogra fi a simples
Figura 4 - Radiogra fi a evidenciando hemopneumotórax
Figura 6 - Contusão pulmonar: radiogra fi a simples
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CIRURGIA TORÁCICA a) Quadro clínico - Insuficiência respiratória; - O raio x de tórax inicial pode ser normal e após 24 a 48 horas se evidenciar área de contusão; - Uma complicação possível é a pneumonia, que é mais frequente em idosos e doentes com DPOC; - A TC de tórax é o exame indicado para melhor avaliação da área de contusão pulmonar. b) Tratamento O doente deve ser monitorizado com oximetria, gasometria arterial e ECG. Se a insu ficiência respiratória for importante (PaO2 <65mmHg, SatO2 <90%), estará indicada a ventlação mecânica com pressão posi tva. A u tlização de PEEP, pressão positva das vias aéreas em valores supra-atmosféricos no final da expiração, é bené fica, pois aumenta o recrutamento alveolar e melhora a capacidade residual funcional, as trocas gasosas e a hipoxemia. É fundamental a restrição de líquidos intravenosos após a estabilização hemodinâmica.
D - Lesão da árvore traqueobrônquica Lesão incomum que costuma passar despercebida no exame inicial. As lesões mais frequentes acontecem próximas à carina no trauma contuso, como a avulsão do brônquio-fonte direito. Acarreta alta mortalidade, geralmente, no local do acidente. a) Quadro clínico - Hemoptse; - Enfisema de subcutâneo; - Pneumotórax; - Dispneia; - Cianose; - Associação a fraturas de costela e esterno; - Desvio do medias tno; - Grande vazamento de ar após drenagem torácica. - O diagnóstco é con firmado por broncoscopia. Mais recentemente, tem sido u tlizada a TC mul t- slice por ser menos invasiva. b) Tratamento Em doentes com insu ficiência respiratória, pode ser necessária a intubação sele tva do pulmão oposto ao lado da lesão. A intubação pode ser di f cil, em razão dos hematomas, lesões orofaríngeas associadas ou da própria lesão traqueobrônquica. A esses casos, indica-se a intervenção cirúrgica imediata. Nos doentes estáveis, o tratamento cirúrgico pode ser adiado até a diminuição do processo in flamatório local e do edema. Em lesões menores que 1/3 do diâmetro da traqueia e lesões brônquicas, pode-se optar por tratamento conservador. Lesões maiores que 1/3 do diâmetro da traqueia em geral são tratadas com reparo primário. Lesões
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maiores de traqueia, carina e brônquio-fonte direito devem ser tratadas por toracotomia.
E - Trauma cardíaco contuso Podem ocorrer lesão cardíaca no trauma fechado por contusão da musculatura cardíaca, ruptura de câmara (em geral, apresentam tamponamento cardíaco) ou laceração de válvula. Ocorre em 15 a 20% dos traumatismos de tórax graves. A lesão mais frequente é do ventrículo direito, que está mais próximo ao esterno em posição anterior. a) Quadro clínico Desconforto torácico; - Hipotensão. Ao ECG, presença de extrassístoles ventriculares múltplas, taquicardia sinusal, fibrilação arterial, bloqueio de ramo (principalmente à direita) e alteração dos segmentos ST e T. Deve ser realizado um ecocardiograma para avaliação diagnóstca, e a dosagem de enzimas cardíacas após politraumatsmos não auxilia no diagnós tco de contusão miocárdica. -
b) Tratamento O doente deve permanecer sob monitoração eletrocardiográ fica por, pelo menos, 24 horas, pelo risco de desenvolvimento de arritmias.
F - Ruptura traumátca da aorta
Figura 7 - Trauma de aorta: radiogra fi a com alargamento do mediast no
A maioria das ví tmas com ruptura da aorta morre no local do trauma. As que chegam ao pronto-socorro apresentam lesões incompletas, mais comumente próximas ao ligamento arterioso, apresentando hematoma restrito ao mediastno. Se houver hipotensão, provavelmente se deverá ao sangramento de outro local e não da aorta, que certamente causaria o óbito.
TRAUMA TORÁCICO
a) Diagnóstco - Geralmente, sem sinais e sintomas; - História de trauma por desaceleração, como nas quedas de altura, ejeção de veículo ou grandes colisões automobilístcas. A radiografia de tórax não é um exame con fiável, principalmente se realizada em decúbito dorsal. Em 1 a 2% dos casos de lesão, o raio x é normal. Os sinais radiológicos que indicam uma probabilidade de lesão são: - Alargamento do medias tno; - Borramento do botão aór tco; - Desvio da traqueia para a direita; - Desvio do esôfago (SNG) para a direita; - Desvio do brônquio-fonte principal esquerdo para baixo; - Obliteração do cajado aór tco; - Obliteração do espaço entre a artéria pulmonar e a aorta; - Alargamento da faixa paratraqueal; - Alargamento das interfaces paraespinhais; - Presença de derrame pleural, apical ou não; - Hemotórax à esquerda; - Fratura do 1º e 2º arcos costais ou da escápula. Em caso de alteração radiográ fica sugestva, está indicada a arteriografia, o método diagnóstco padrão. A arteriogra fia evidencia lesão em apenas 3% dos trauma tzados com alargamento do medias tno. Outros exames que auxiliam o diagnóstco são a tomogra fia de tórax simples ou mul ts lice com contraste (que isoladamente pode fornecer o diagnóstco de certeza), a angiotomografia e o ecocardiograma transesofágico. Por serem menos invasivos e mais acessíveis, os exames tomográficos são bem mais solicitados do que a arteriogra fia. b) Tratamento Deve ser realizado por um cirurgião quali ficado em operações cardiovasculares. Pode-se realizar sutura primária da aorta ou ressecção com interposição de enxerto. Inicialmente, administra-se beta-bloqueador associado ou não ao nitroprussiato, para reduzir a pressão arterial, diminuindo o risco de ruptura do hematoma. Mais recentemente, o tratamento cirúrgico que implica alta morbimortalidade (15% de paraplegia) tem sido subs ttuído pelo tratamento endovascular minimamente invasivo, com colocação de stents intra-aórtcos.
G - Ruptura traumátca do diafragma Ocorre mais frequentemente do lado esquerdo. No lado direito, devido à presença do f gado, a frequência de lesão é menor ou muitas vezes não diagnos tcada. Dados de necrópsia sugerem uma frequência semelhante dos lados di-
reito e esquerdo. Nos traumas contusos, em geral, ocorrem rupturas radiais grandes, com herniação. As lesões por trauma penetrante são mais comuns, acontecem, em sua maioria, perfurações pequenas que resultam em hérnias diafragmá tcas tardias.
Figura 8 - Ruptura diafragmát ca TC: observar o estômago na cavidade torácica
a) Diagnóstco Os sinais radiológicos de lesão são: - Elevação, irregularidade ou obliteração do diafragma; - Densidade de partes moles acima do diafragma (“pneumotórax loculado”); - Desvio do medias tno para o lado oposto; - Derrame pleural. Para aumentar a sensibilidade diagnós tca, é possível passar uma SNG e realizar raio x de tórax para visualização na cavidade torácica. Pode-se realizar tal exame com contraste injetado pela sonda. Entretanto, nem mesmo a ressonância magnétca pode fornecer o diagnós tco definitvo; somente a toracoscopia ou a laparoscopia. b) Tratamento O tratamento é sempre cirúrgico e consiste na sutura primária das lesões menores e na u tlização de prótese (tela) nos ferimentos maiores. Nos casos agudos, a indicação cirúrgica é por via abdominal, e, nos casos crônicos, a melhor via de entrada é pelo tórax, devido à presença de aderências entre os órgãos herniados e o pulmão.
H - Ferimento transfixante do mediastno Este tpo de ferimento pode causar lesões de coração, grandes vasos, árvore traqueobrônquica ou esôfago. O diagnóstco é feito pela presença de ori f cio de entrada em um hemotórax e saída no outro ou presença do pro jétl ao raio x no hemotórax contralateral ao do ori f cio de entrada.
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CIRURGIA TORÁCICA A presença de en fisema do mediastno sugere lesão esofágica ou traqueobrônquica. Hematoma do medias tno ou extrapleural apical sugere lesão traumátca de grandes vasos. Os pacientes com instabilidade hemodinâmica devem ser encaminhados ao centro cirúrgico, assim como os que preenchem os critérios de toracotomia de emergência. Nos pacientes estáveis, a TC contrastada de tórax ou, preferencialmente, a angiotomogra fia, é o exame de escolha para a avaliação diagnóstca inicial associada ou não ao ecocardiograma, reservando a endoscopia ou o esofagograma e a arteriografia para os pacientes com suspeita tomográ fica de lesão esofágica ou vascular, respec tvamente. O protocolo anterior, que consista em radiografia de tórax com esôfago contrastado, endoscopia diges tva alta e respiratória e angiografia, vem sendo progressivamente subs ttuído pelo anterior. A mortalidade dessas lesões é de 20%, e 50% dos doentes são admitdos instáveis. Dos estáveis, a maioria terá avaliação diagnóstca positva que indica uma intervenção cirúrgica. - Tratamento O tratamento dessas lesões varia com a situação hemodinâmica do paciente. Assim, se o doente es tver estável, deverá ser realizada inves tgação diagnóstca completa. Já nos casos de instabilidade, deve ser realizada drenagem de tórax bilateral. Indica-se toracotomia de drenagem de mais de 1.500mL de sangue ou mais de 200mL/hora por 2 a 4 horas. A toracotomia é realizada inicialmente do lado em que há maior dreno de sangue. Na suspeita de tamponamento cardíaco, realizam-se pericardiocentese ou janela pericárdica. Ferimento transfixante do mediastino
Instável Drenagem de tórax bilateral
Estável Radiografia do tórax
Tratamento cirúrgico
Ecocardiografia Angiotomografia Angiografia/radiologia intervencionista Endoscopia ou esofagograma Observação clínica
Figura 9 - Conduta no ferimento trans fi xante do mediast no
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5. Outras manifestações de lesões torácicas A - Enfisema subcutâneo Pode ocorrer por lesão de via aérea, laceração pulmonar ou, raramente, por explosão. Se o doente necessita de ventlação mecânica, é prudente realizar a drenagem de tórax pelo risco de desenvolver pneumotórax hipertensivo.
B - Lesões torácicas por esmagamento (asfixia traumátca) O paciente com esse tpo de trauma apresentará pletora em tronco, face e membros superiores, e petéquias secundárias à compressão aguda e transitória da veia cava superior. Podem estar presentes edema maciço e até edema cerebral.
C - Ruptura esofágica por contusão É uma lesão bastante rara que acontece em casos de golpe de forte intensidade no abdome superior, levando à explosão do conteúdo gástrico no esôfago. Deve-se suspeitar dessas lesões nos seguintes casos: - Pneumotórax ou hemotórax à esquerda sem fratura de costela; - Golpe esternal inferior ou epigástrio, com quadro de dor interna e choque; - Eliminação de material suspeito como dieta, pelo dreno de tórax; - Diagnóstco feito por esofagoscopia ou esofagografia. Tratamento Realiza-se ampla drenagem pleural e medias tnal. A lesão esofágica pode ser suturada, porém, se houver mais de 24 horas da lesão, será indicada esofagostomia. -
D - Fraturas de costela, esterno e escápula Estas fraturas causam dor que restringem os movimentos respiratórios, prejudicando a ven tlação e a tosse. Há risco aumentado de desenvolvimento de atelectasias e pneumonia. É frequente a presença de lesão associada a essas fraturas. As de esterno estão associadas a contusões miocárdicas, traumatsmos raquimedulares e cranioencefálicos; as de costelas inferiores, à lesão de órgãos intraperitoneais; as de escápula, a lesões de vias aéreas, grandes vasos ou contusão pulmonar pela alta energia envolvida. O tratamento consiste no alívio da dor. Em relação às fraturas, é conservador.
6. Indicação de toracotomia A - Toracotomia de reanimação (realizada na sala de emergência) Está indicada nas ví tmas de lesão penetrante sem pulso, porém com atvidade miocárdica. Não é indicada para
TRAUMA TORÁCICO
traumas contusos que não tenham sinais de vida após 5 minutos de RCP. Apesar da extensa controvérsia na literatura, deve ser realizada sempre que o paciente apresenta qualquer sinal de vida dentro do ambiente hospitalar ou relatado pelos profissionais de resgate, pois é a única possibilidade de sobrevivência. Os serviços com melhores resultados são os que selecionam os pacientes com critérios mais rígidos. Aqueles com maior possibilidade de sobrevida são os com parada decorrente de tamponamento cardíaco por traumatsmo penetrante. Realiza-se uma toracotomia anterior esquerda após a intubação traqueal. A seguir, realizam-se as seguintes manobras: - Evacuação de tamponamento cardíaco; - Controle de hemorragias intratorácicas; - Massagem cardíaca aberta; - Clampeamento da aorta descendente. Raramente apresenta sucesso.
Figura 11 - Toracotomia de emergência
B - Toracotomia de emergência (realizada no centro cirúrgico) As indicações são: - Hemotórax maciço: >1.500mL sangue ou >200mL/h por lesão penetrante com tamponamento cardíaco; - Grandes ferimentos abertos; - Lesões vasculares com instabilidade hemodinâmica; - Lesões maiores traqueobrônquicas; - Evidência de perfuração de esôfago.
C - Toracotomias não emergenciais Empiema não resolvido com dreno de tórax; - Hemotórax retdo; - Abscesso pulmonar; - Lesão do duto torácico; - Fístula traqueoesofágica; - Sequela crônica de lesão vascular. -
7. Drenagem de tórax
Figura 10 - Toracotomia de reanimação
As indicações de drenagem de tórax, além das inúmeras já citadas, são para: - Suspeita de lesão pulmonar grave, principalmente, em doentes que necessitem de transferência; - Doente que necessite de anestesia geral para tratamento de outras lesões com suspeita de lesão pulmonar significatva; - Doente que necessite de ven tlação mecânica com pressão positva com suspeita de lesão torácica.
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CIRURGIA TORÁCICA
CAPÍTULO
Tumores benignos do pulmão
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Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
1. Introdução
Tumor
Os tumores benignos do pulmão são neoplasias relatvamente raras. Podem se apresentar como nódulos pulmonares únicos ou múl tplos, indeterminados, sendo que cerca de 15% das lesões pulmonares ressecadas são benignas. A classificação dos tumores benignos torna-se mais didátca quando é u tlizada a origem da célula tumoral, sendo as mais comuns epitelial ou mesodérmica. Entretanto, considera-se um alto número destas lesões como de origem indeterminada ou in flamatória. Independentemente, localizam-se, mais comumente, no parênquima ou no brônquio. De acordo com a origem, segue a Tabela com a classi ficação dos tumores benignos pulmonares. Tabela 1 - Classi fi cação - Hamartoma; Origem desconhecida - Tumor de células claras; - Teratoma. Origem epitelial
- Pólipo; - Papiloma. - Fibroma, lipoma, leiomioma, condroma;
Origem mesotelial
- Tumor de célula granular; - Hemangioma esclerosante. - Histocitoma;
Outra origem – infla- - Pseudotumor in flamatório; matória - Xantoma; - Amiloidoma.
2. Tipos mais comuns de tumores benignos Vários são os tumores benignos e sua origem no parênquima pulmonar. Tabela 2 - Tumores mais comuns e graus de frequência
Tumor Hamartoma Pseudotumor inflamatório
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Frequência 77% 5,4%
Lipoma Leiomioma Hemangioma
Frequência 1,5% 1,5% 1%
A - Hamartoma Tumor benigno mais comum, é encontrado em até 0,25% nos pacientes subme tdos à necrópsia, como achado incidental, e corresponde atualmente a 8% do total das neoplasias de pulmão. Resultam da proliferação anormal e mista de células do parênquima pulmonar, e que, na histologia, demonstram composição de car tlagens, estruturas pseudoglandulares e signi ficatva quantdade de gordura. Usualmente, é diagnostcado em um raio x ocasional, principalmente em homens, dos 30 aos 60 anos, e a maioria está localizada na cor tcal pulmonar, e sua diferenciação com carcinomas é di f cil. São nódulos únicos, bem de finidos, com 1 a 2cm de diâmetro, podendo ter calci ficações em 50% dos casos, mais bem evidenciadas à tomogra fia computadorizada. A localização endobrônquica, com sinais de obstrução, é extremamente rara. Presença de grande porcentagem de gordura bem delimitada, com calcificações em sua periferia, é sinal de benignidade, conhecido também como “calcificação em pipoca”, sinal que pratcamente exclui neoplasia maligna. O hamartoma pode crescer até 3,2mm ao ano, o que acontece em 50% dos casos. Por essa razão, frequentemente é confundido com nódulo maligno e é tratado com ressecção. Mas, exceto hamartomas intrabrônquicos, não há indicação de ressecar um hamartoma intrapulmonar assintomátco, a menos que seja para excluir malignidade. Biópsia por agulha pode trazer diagnós tco definitvo quando se obtém car tlagem ou gordura, mas, na maioria das vezes, não é diagnóstca.
TUMORES BENIGNOS DO PULMÃO
C - Lipoma O lipoma é um tumor de origem na célula adiposa que se localiza frequentemente no interior do brônquio, produzindo pneumonias de repe tção no mesmo lobo. Nesse caso, o tumor se origina da gordura submucosa, presente entre as cartlagens, porém abaixo destas, causando sua elevação e consequentemente a oclusão do brônquio e causando principalmente tosse. À fibrobroncoscopia, evidencia-se uma elevação da mucosa, obstruindo parcial ou totalmente a luz brônquica. Por ser extramucosa, a ressecção endoscópica fica prejudicada.
D - Leiomioma Figura 1 - Nódulo bem delimitado na janela do pulmão
Mesmo sendo raro, o leiomioma é o tumor de tecidos moles mais comum no pulmão, composto quase exclusivamente por músculo liso. Mulheres entre 30 e 40 anos são os pacientes mais comuns (66%). Como outros tumores benignos, sua localização dita os sintomas e, por consequência, seu tratamento, embora o achado ocasional em um paciente assintomátco seja o mais frequente. O mais comum é, sendo o músculo liso encontrado em artérias, mucosa brônquica e outros tecidos normalmente encontrados no pulmão, que esse tumor tenha origem no próprio tecido intrapulmonar.
E - Hemangioma
Figura 2 - Nódulo bem delimitado, com densidade de gordura e calci fi cações no interior , na janela do mediast no
B - Pseudotumor inflamatório Existem vários sinônimos para este tumor: his tocitoma, fibroxantoma, granuloma plasmocí tco. São nódulos de natureza reacional, pois vários desses pacientes tveram história prévia de infecção, in flamação ou neoplasia pulmonar. São tumores não encapsulados e que contêm proporções variáveis de plasmócitos e his tócitos, que consttuem um abundante in filtrado inflamatório com componente também de mio fibroblastos. No maior estudo realizado com esses pacientes, 40% eram assintomátcos, enquanto 60% tnham tosse, febre, dor torácica ou dispneia. A idade média de aparecimento em adultos é por volta dos 30 anos, mas esse tpo de tumor é mais comum em crianças. E pelo fato de estar relacionado a patologias pulmonares prévias, pode ser representado por 1 ou vários nódulos. O tratamento é discutdo desde ressecção local até acompanhamento, de acordo com o tamanho e os sintomas.
Também raro, ocorre mais frequentemente em mulheres na meia-idade, e também é assintomá tco. Manifesta-se como nódulo bem circunscrito, de 1 a 8cm, periférico, único, e pode ser parcialmente calci ficado. Histologicamente, pode variar muito, mas apresenta 4 maiores variâncias: sólida, papilar, vascular e escleró tca.
F - Outros Lesões raras como teratomas e adenomas podem crescer no pulmão. Por serem muito infrequentes, seu diagnóstco se torna mais di f cil. Usualmente, assintomá tcos são encaminhados com um raio x, realizado de ro tna, com diagnóstco de um nódulo intrapulmonar. Quando possível, a biópsia por fibrobroncoscopia ajuda a esclarecer o diagnóstco. Mas, como a grande maioria dos nódulos é periférica, o rendimento esperado dessa forma de diagnós tco é muito pequeno.
3. Diagnóstco A grande maioria dos tumores benignos de pulmão é achado ocasional de pacientes assintomá tcos do ponto de vista respiratório, em raio x de tórax de ro tna ou outro raio x, como de coluna torácica. Usualmente são periféricos, mas podem produzir dor se tocam a pleura parietal. Quando localizados na via aérea, podem produzir sinais e sintomas como tosse, hiperinsu flação lobar, hemoptse, sibilos, expectoração de tecido tumoral e pneumonias de re-
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CIRURGIA TORÁCICA petção no mesmo local. Neste caso, o diagnós tco pode ser realizado por biópsia direta da lesão por fibrobroncoscopia ou, mais frequentemente, broncoscopia rígida. No caso de a lesão ser periférica, a biópsia por agulha fina orientada por tomografia computadorizada pode produzir o diagnós tco. Lesões bem de finidas, com calcificações e estáveis há pelo menos 2 anos, podem ser observadas, sem necessidade de biópsia ou ressecção, em jovens não fumantes. Entretanto, estudos retrospectvos demonstraram que pelo menos 25% dos nódulos benignos não têm calci ficação. Recentemente, o PEC-CT, uma tomogra fia computadorizada capaz de iden tficar lesões que captam glicose marcada, tem sido u tlizado na tentatva de esclarecer a e tologia do nódulo, sem que seja necessária biópsia ou ressecção. Nos trabalhos revisados, há uma acurácia diagnós tca, em média, de 81,7%, com falso negatvo de 11% para tais métodos.
4. Tratamento Em geral, a grande maioria dos tumores benignos de pulmão pode ser ressecada sem grande di ficuldade, diagnostcando e tratando a doença. Lesões endobrônquicas podem ser ressecadas com broncoscopia. Se não for possível ressecar endoscopicamente, o recomendado será apenas a ressecção do brônquio afetado, com a preservação da maior porção do parênquima possível. Com essa recomendação, a cura é ob tda em quase 100% dos casos. O uso da videocirurgia implementou a ressecção do nódulo como forma de diagnós tco e tratamento, com amostra tecidual representatva para a patologia, morbidade mínima e 1 a 2 dias de internação. A ressecção do nódulo u tlizando técnica videoassis tda com patologia de congelação diagnos tca e trata a grande maioria dos tumores benignos de pulmão. A inexistência de exames radiológicos anteriores, exposição ao fumo, história de neoplasia ou ansiedade do paciente que impeça acompanhar o nódulo em 60 a 90 dias podem justficar a ressecção do nódulo.
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CAPÍTULO
8
1. Diagnóstco e estadiamento O câncer de pulmão, frequentemente, é iden tficado pela radiografia do tórax como um nódulo pulmonar solitário, como uma massa pulmonar ou hilar, por pneumonia de evolução não usual ou pela presença de derrame pleural. O diagnóstco citológico ou histopatológico é desejável, embora nem sempre seja possível, e pode ser ob tdo por meio de diversos métodos: biópsia percutânea guiada pela radioscopia ou com auxílio da tomogra fia computadorizada, broncoscopia, mediastnoscopia ou toracoscopia. Nenhuma evidência foi iden tficada na literatura apoiando o uso de exames hematológicos, como os marcadores tumorais, no diagnóstco do câncer de pulmão. É a neoplasia responsável por mais mortes no mundo e no Brasil, embora não seja a mais comum em ambos. Isso decorre da natureza agressiva do tumor, com o diagnóstico sendo realizado em fases mais tardias na maioria dos pacientes. As melhores chances de cura residem nas neoplasias detectadas ainda com acometimento pulmonar exclusivo. As opções diagnósticas e terapêuticas para cada estágio da doença serão esmiuçadas ao longo do capítulo.
2. Fatores de risco O fumo é responsável por cerca de 90% dos casos de neoplasia pulmonar. Qualquer forma de uso do tabaco (cigarro, cachimbo e charuto) está relacionada. Acredita-se que o risco de desenvolvimento de câncer de pulmão é 20 vezes maior para tabagistas. O risco de desenvolver câncer está relacionado com o tempo de tabagismo e com o número de cigarros fumados por dia, porém o tempo de tabagismo é o fator mais importante, e, quanto mais jovem se inicia o hábito, maior a probabilidade de tornar-se um tabagista pesado e desenvolver um câncer. O tabagismo passivo, seja domiciliar ou pro fissional, é outro fator de risco. Não se sabe ao certo qual é a magnitude do risco, mas de qualquer forma é menor que no tabagismo atvo. Estma-se aumento do risco de 25 a 29% em mulheres não fumantes casadas com homens fumantes,
Câncer de pulmão Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
em relação a mulheres não expostas ao tabagismo passivo domiciliar. Quanto à exposição no ambiente de trabalho, o aumento do risco es tmado foi de 17%. Estma-se que existam fatores de exposição ocupacional, independente ou associado, em 9 a 15% dos casos de neoplasia pulmonar. Mas é di f cil determinar o impacto de cada exposição por haver associação com o tabagismo. As atvidades profissionais ligadas com o câncer de modo mais importante são a agricultura, construção e processamento de metais. Os principais carcinógenos são asbesto, metais pesados, hidrocarbonetos aromátcos policíclicos e tabaco, assim como a exposição a baixas dosagens de radiação, vistas em alguns trabalhadores. A poluição atmosférica tem papel na indução de neoplasia pulmonar, embora seja di f cil estmar seu impacto pelo efeito do tabagismo associado. As principais substâncias carcinogênicas derivam da combustão de combus veis fósseis. A associação entre desenvolvimento de neoplasia de pulmão e existência de doenças pulmonares existe, embora a análise do impacto seja di ficultada pela presença do fumo. Para Doença Pulmonar Obstru tva Crônica (DPOC), o principal fator é a queda do valor expiratório forçado no 1º segundo (VEF1), sendo maior para níveis de redução maiores. A asma também está correlacionada com maior risco, sendo o aumento 1,7 vez maior. Algumas Doenças Inters tciais Pulmonares (DIP) têm forte relação com cânceres de pulmão, entre elas as pneumoconioses (asbestose e silicose) e as DIPs fibrosantes, especialmente a Fibrose Pulmonar Idiopá tca (FIP) e a DIP relacionada à esclerodermia. Aspectos genétcos são importantes, sendo es tmado um aumento do risco de 2 a 2,5 vezes em fumantes com parentes que desenvolveram tumor de pulmão em comparação com fumantes-controles. A incidência de câncer de pulmão em não fumantes é es tmada em 10%. É maior em mulheres, com predomínio de adenocarcinoma. Em contrapartda, sobre os fumantes, há menor intensidade das alterações genétcas, maior sobrevida e melhor resposta a alguns tratamentos.
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CIRURGIA TORÁCICA 3. Epidemiologia O câncer de pulmão é o mais frequentemente diagnos tcado em todo o mundo desde 1985. Na esta stca mundial, em 2002, foi relatado 1,35 milhão de casos novos, ou seja, 12,4% de todos os casos de câncer e 1,18 milhão de mortes ou 17,6% das mortes mundiais por neoplasia. Metade dos casos ocorreu em países desenvolvidos. A incidência em homens foi 35,5/100.000 e em mulheres 12,1/100.000, com aumento proporcional maior em mulheres na linha do tempo, devido ao aumento do uso do tabaco pelo sexo feminino. No Brasil, a distribuição se assemelha à global. A incidência é maior nos estados mais ricos (regiões Sul e Sudeste). Houve aumento progressivo do número de casos novos tanto em homens quanto em mulheres, exceto por homens no Sul e Sudeste, onde ocorreu estabilização. A incidência nacional é 19/100.000 para homens e 10/100.000 mulheres. Excetuando-se cânceres de pele, a neoplasia pulmonar é a 2ª mais frequente em homens e 4ª em mulheres. Entre 1979 e 2004 foram registrados 287.484 óbitos por neoplasia pulmonar no Brasil, com aumento anual global de 1%, sendo 2,4% se olharmos somente para as mulheres. Houve redução da mortalidade em homens de algumas faixas etárias (20 a 49 anos, 50 a 59 anos e acima dos 70 anos), já nas mulheres houve aumento em todas as faixas etárias.
Figura 1 - Aspecto histopatológico em lâmina de CEC
O carcinoma de células escamosas apresenta a maior correlação com o tabagismo dentre os tpos histológicos de neoplasia pulmonar. Em sua maioria, surge junto ao hilo pulmonar, como massa central. Teoricamente, isso ocorre pelo fato de este tumor estar mais relacionado ao efeito direto da fumaça do tabaco, que incide mais em grandes vias aéreas, como carina e brônquios principais. O carcinoma de grandes células provavelmente representa adenocarcinomas ou carcinomas de células escamosas pouco diferenciadas.
4. Anatomia patológica A classificação do câncer de pulmão é fundamental do ponto de vista clínico. Fornece marcadores importantes de prognóstco e de conduta para o paciente com essa neoplasia. A classificação da OMS inclui mais de 20 tpos histológicos diferentes, mas daremos enfoque nos 4 tpos principais. Os carcinomas broncogênicos são classificados de acordo com o aspecto histológico predominante: carcinoma de células escamosas (ou epidermoide), adenocarcinoma, carcinoma de células grandes e os carcinomas neuroendócrinos. Os 3 primeiros compõem o grupo dos Carcinomas Pulmonares Não Pequenas Células (CPNPC), que conta ainda com representantes neuroendócrinos (tumores carcinoides pico e a pico e o neuroendócrino de grandes células). Representam 75 a 80% de todos os casos. Esse grupo apresenta manejo semelhante, incluindo um sistema único de estadiamento e condutas terapêu tcas similares. Estma-se que, no momento do diagnós tco de CPNPC, 20% estão localizados (acometmento somente pulmonar), 25% com doença localmente avançada (acome tmento linfonodal mediastnal) e 55% com metástases a distância. O Carcinoma Pulmonar de Pequenas Células (CPPC) apresenta outro sistema de estadiamento, além de terapêu tca e prognós tco distntos. O adenocarcinoma é o câncer de pulmão mais comum em homens e mulheres. A forma clínica mais costumeira é a de uma lesão pulmonar periférica.
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Figura 2 - Aspectos microscópicos do adenocarcinoma
Os carcinomas neuroendócrinos são divididos de acordo com o grau de diferenciação histológica. O tumor carcinoide pico é bem diferenciado; o a pico, moderadamente diferenciado, e o neuroendócrino de células grandes e o de células pequenas são indiferenciados. O carcinoide pico costuma se apresentar como tumoração central, muitas vezes com componente endobrônquico caracterís tco e dificilmente com acome tmento linfonodal inicial. Preferência por pacientes mais jovens, especialmente mulheres, e não está tão relacionado ao tabagismo. O carcinoide a pico normalmente aparece como lesão periférica, podendo já
CÂNCER DE PULMÃO
acometer linfonodos. O CPPC é a neoplasia pulmonar de maior malignidade, apresentando-se como tumor central e com acometmento linfonodal extenso à tomogra fia de tórax inicial. Está fortemente relacionado ao hábito de fumar. O carcinoma neuroendócrino de células grandes apresenta um comportamento clínico muito semelhante ao CPPC. Tabela 1 - Tipos de neoplasias Carcinomas broncogênicos (CNPC)
- Carcinoma epidermoide; - Adenocarcinoma; - Carcinoma de células gigantes; - Carcinomas neuroendócrinos.
Carcinoma de pequenas células (CPPC)
5. Métodos diagnóstcos e de estadiamento intratorácico A avaliação inicial do paciente inclui história detalhada e exame f sico. Deve ser dado enfoque para a iden tficação dos sintomas que sugiram doença localmente avançada como tosse, hemoptse ou dor torácica. Também ques tonar sintomas sugestvos de metástases como dé ficit neurológico, emagrecimento e dor óssea. Após a anamnese e exame f sico, quando foi feita a hipótese de neoplasia pulmonar, o prosseguimento na con firmação ou exclusão do diagnós tco de câncer, assim como o estadiamento do paciente, se faz necessário. Como veremos a seguir, muito dos exames nos fornecem informação sobre o diagnóstco e ao mesmo tempo sobre o estadiamento, ficando mais fácil tratar os 2 assuntos simultaneamente. A escolha do melhor método diagnós tco se dá baseado no quadro clínico e em exames de imagem. A obtenção da amostra citológica ou histológica deve, de modo geral, ser feita do método mais simples e menos invasivo, para o mais complexo e agressivo. Devemos considerar também a efe tvidade de cada método, evitando atrasos no diagnós tco e no início do tratamento. Como regra geral, métodos que forneçam o diagnós tco e ao mesmo tempo con firmem o estadiamento são preferíveis. Por exemplo, num paciente com massa pulmonar associado a derrame e espessamento pleural, a tomografia de tórax (TC) e a broncoscopia podem diagnos tcar a massa, porém a punção com biópsia pleural pode fornecer o diagnóstco e estadiar como doença metastá tca intratorácica. Isso é fundamental para de finir o prognóstco e a terapêu tca a ser empregada. Em outras palavras, é importante sempre tentar diagnos tcar e estabelecer o melhor estadiamento fazendo uso do método menos invasivo.
A - Radiografia e tomografia computadorizada de tórax Na sequência à anamnese, devemos prosseguir a investgação com exames de imagem. A radiogra fia simples de tórax (raio x de tórax) é o exame inicial mais realizado,
com alta disponibilidade e baixo custo. Contudo, quando se apresenta normal, não exclui a doença. Falha em 77% na identficação de lesões encontradas na TC de tórax e em 79% quando os tumores são menores que 2cm. A TC detecta 3 vezes mais tumores que a radiogra fia simples, chegando a 5 vezes quando analisamos somente as lesões passíveis de ressecção. A TC de tórax, como citado anteriormente, deve ser considerada exame padrão para inves tgação do paciente com suspeita de neoplasia pulmonar. Fornece informações sobre as característcas da possível lesão primária, como seu contorno, tamanho, densidade, localização, presença e padrão de calcificação, e se houve crescimento em casos de TCs seriadas. Também se faz ú tl no estadiamento intratorácico com dados sobre acome tmento de linfonodos hilares e mediastnais, existência de outras lesões pulmonares, derrame pleural ou pericárdio, aspectos di f ceis de avaliar na radiografia simples. Uma TC de tórax em suspeita de neoplasia deve incluir cortes e realizar avaliação das adrenais, fornecendo imagens que possam sugerir acome tmento dessas glândulas e do f gado. Os CPNPC apresentam acometmento mediastnal já ao diagnóstco em 28 a 38% dos casos. A TC mais uma vez é considerada o exame padrão para inves tgação do envolvimento mediastnal. Seus resultados apresentam grande variabilidade nos estudos, com sensibilidades entre 43 e 81%, e especi ficidades entre 44 e 91%. Apresenta boa resolução anatômica, sendo capaz de informar com precisão se há linfonodos medias tnais aumentados. Todavia, linfonodos benignos podem se apresentar com tamanho aumentado e linfonodos de dimensões normais podem conter metástases em até 20% dos pacientes. Sendo assim, usando como padrão de normalidade linfonodos com até 1cm no seu menor eixo, a sensibilidade da TC em detectar envolvimento medias tnal é de 57%, com especi ficidade de 82% e Valor Predi tvo Negatvo (VPN) de 83%. A nosso ver, esses números são insu ficientes para basearmos decisões terapêutcas na maioria dos pacientes, mas o exame ajuda a escolher o melhor método de obtenção de amostra cito-histológica. A TC de tórax e do abdome superior é indicada aos pacientes em caso de dúvida de neoplasia pulmonar (evidência D). Além disso, também é usada para o diagnós tco bem como para o estadiamento da doença. No entanto, o diagnóstco histopatológico nunca é de finido pela TC do tórax (evidência D). O exame deve ser feito antes de outros métodos diagnós tcos, incluindo a broncoscopia, e seu resultado é aproveitado para encaminhar os procedimentos que serão mais favoráveis para o diagnós tco e para o estadiamento da doença (evidência D).
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CIRURGIA TORÁCICA
Figura 6 - Metástases hepát cas
B - Tomografia por emissão de pósitrons Figura 3 - Massa pulmonar à radiogra fi a simples
Figura 4 - Nódulo pulmonar
A tomografia com emissão de pósitrons (PET-CT) tem sido cada vez mais u tlizada no diagnós tco e estadiamento do câncer de pulmão. O exame avalia todo o corpo, servindo ao estadiamento intra e extratorácico, além de ajudar na decisão sobre nódulos pulmonares suspeitos. Na caracterização de nódulos pulmonares solitários, a PET-CT apresenta sensibilidade de 87% e especi ficidade de 83%. Os resultados são piores para nódulos subcen tmétricos, não sendo um bom exame na inves tgação dessas lesões em função do alto índice de falsos nega tvos. Também podem ser vistos altos índices de falsos nega tvos em tumores carcinoides picos e nos adenocarcinomas mucinosos e bronquíolos-alveolares, por serem neoplasias com baixo metabolismo glicolí tco. Falsos positvos são vistos em doenças infecciosas e inflamatórias como micose, tuberculose, sarcoidose e nódulos reumatoides. Para o estadiamento mediastnal, apresenta sensibilidade de 84%, com VPN de 93%, a especificidade é de 89% e o valor predi tvo positvo, 79%. Tabela 2 - Achados falsos posi tv os e falsos nega t vos no PET-CT Falsos positvos - Nódulos subcentmétricos; - Tumor carcinoide; - Carcinoma bronquioloalveolar. Falsos negatvos - Micose; - Tuberculose; - Sarcoidose; - Nódulos reumatoides.
Figura 5 - Lesão (provavelmente metastát ca) em adrenal esquerda
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Desse modo, um exame de PET-CT negatvo, exclui com segurança acometmento mediastnal na grande parte dos pacientes, mas um exame posi tvo não é de finitvo, devendo ser confirmado por um método invasivo e que colha material para cito-histologia.
CÂNCER DE PULMÃO
broncoalveolar (LBA) material para citologia por escovado de lesão. Além disso, pode orientar punções aspira tvas transbrônquicas guiadas ou não por ultrassonogra fia (EBUS). O aparelho de broncoscopia flexível chega até os brônquios subsegmentares, portanto é um método preferencial para diagnóstco e estadiamento de lesões centrais. Nestes casos, apresenta sensibilidade em torno de 90%, podendo chegar a 100% quando a lesão é vista direitamente.
Figura 7 - PET com nódulo posi tv o Figura 8 - Lesão central no brônquio-fonte direito
C - Ressonância nuclear magnétca A Ressonância Nuclear Magné tca (RNM) do tórax não parece acrescentar ao diagnós tco de câncer de pulmão quando comparada à TC. Comporta-se do mesmo modo em relação ao envolvimento linfonodal e medias tnal. O exame se mostra útl em neoplasias do sulco superior (tumor de Pancoast) para avaliar acometmento vascular (vasos subclávios) e neural (plexo braquial) e em tumores próximos à coluna, avaliando melhor que a TC se há envolvimento do canal medular. O principal papel da RNM é o estadiamento extratorácico de metástases para o sistema nervoso central.
D - Citologia do escarro Método menos invasivo e de menor risco, usado em estudos de rastreamento mais an tgos em conjunto com radiogra fia de tórax. Apresenta rendimento maior em pacientes com lesão central, maior que 2,4cm, tpo carcinoma de células escamosas, com hemop tse e baixos valores de VEF 1. Nota-se um aumento da posi tvidade nas situações em que são obtdas 3 amostras ao invés de 1, e estas são colhidas de maneira induzida. Os estudos mostram que a sensibilidade do método varia de 42 a 97% e a especi ficidade, de 68 e 100%. No co tdiano, a broncoscopia, que permite colher material para citologia, histopatologia e contribui com o estadiamento, substtui a citologia do escarro, sendo esse método muito pouco usado.
Nas lesões periféricas, ou seja, aquelas não alcançadas diretamente pelo aparelho, a sensibilidade é mais baixa. O uso de radioscopia para guiar a biópsia transbrônquica pode aumentar esses valores, principalmente nas situações de lesões maiores. A associação do LBA pode melhorar os resultados em lesões periféricas, especialmente em carcinomas bronquioloalveolares. As complicações da broncoscopia são baixas e geralmente acarretam pouca morbidade. Incluem tosse, hipoxemia, arritmias cardíacas, hemorragias, infecção e pneumotórax. O uso recente da ultrassonografia endobrônquica (EBUS) permitu que a broncoscopia melhorasse seu rendimento nas punções transbrônquicas de tumores e, principalmente, de alguns linfonodos do medias tno e do hilo pulmonar. O equipamento nada mais é do que um broncoscópio com USG adaptado à sua extremidade, usado essencialmente para estadiamento mediastnal. A punção por agulha fina se dá sob visão da ultrassonografia em tempo real. A sensibilidade no diagnóstco e estadiamento linfonodal foi de 94%, com especificidade de 100%.
E - Broncoscopia Permite a visualização do acome tmento endobrônquico, informando sua extensão e localização, além de poder evidenciar também compressões extrínsecas. Possibilita realizar biópsia transbrônquica e endobrônquica, colher lavado
Figura 9 - Ponta do aparelho broncoscópico com USG acoplado
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CIRURGIA TORÁCICA H - Mediastnoscopia
Figura 10 - Visão esquemát ca da ut lização da EBUS
Outro avanço na área da broncoscopia foi a navegação eletromagnétca (BNE). O paciente tem seu tórax mapeado por uma TC acoplada a um sistema que gera um campo eletromagnétco. Este permite localização com precisão milimétrica, guiando o broncoscópio até lesão periférica através de um sensor na ponta do canal de trabalho estendido. A posi tvidade das biópsias transbrônquicas guiada por BNE chega a 59%.
A mediastnoscopia pode ser usada para diagnós tco e estadiamento de linfonodos nas regiões paratraqueais direita e esquerda e infracarinal. Em um serviço que disponha de EBUS e EUS, a medias tnoscopia não costuma ser usada inicialmente, ficando reservada para os casos em que esses exames não foram diagnós tcos. É realizada com anestesia geral e no centro cirúrgico, mas pode também ser realizada em caráter de hospital dia. Apresenta baixa morbidade (2%), sendo apenas 0,3% mais graves, no entanto a mortalidade chega a ser próxima de zero. Já a sensibilidade do método é de 90%. Com o advento de aparelhos mais modernos de mediastnoscopia, que permitem a ressecção quase completa da gordura medias tnal com os linfonodos, a sensibilidade do método chegou a 95%, mantendo a taxa de complicações baixa. As cadeias linfonodais acessíveis são: 2 (paratraqueal superior), 4 (paratraqueal inferior) e 7 (subcarinal). Cadeias 8 e 9 (ligamento pulmonar e esofágico) podem ser biopsiadas por EUS ou videotoracoscopia.
F - Punção transtorácica A punção transtorácica por agulha é, de modo, até intui tva, recomendada para lesões periféricas. Pode ser guiada por ultrassonografia, mas atnge seus melhores resultados quando guiada em tempo real por TC, especialmente em lesões menores e que não estejam em contato direto com a pleura visceral. A sensibilidade para nódulos pulmonares periféricos maiores que 2cm é de 90%, sendo a especi ficidade de 98%. Permite o uso de agulha grossa ( core biopsy ), o que não altera a sensibilidade, mas aumenta o diagnós tco especí fico em lesões benignas, permi tndo maior tranquilidade na exclusão de neoplasia. Um diagnós tco é alcançado em 98% dos casos. Porém esses números são alcançados em lesões maiores, e nos nódulos menores o rendimento do método diminui, podendo haver falsos nega tvos em até 30% dos casos. Complicações podem ocorrer em até 17% dos pacientes, sendo a mais comum o pneumotórax (11,5% dos pacientes, mas a minoria necessita de drenagem pleural) seguido por sangramento pleural ou endobrônquico.
Figura 11 - Mediast noscópio
G - Punção pleural Como exemplificado, aos pacientes com suspeita de câncer de pulmão e derrame pleural associado, a punção pleural (preferencialmente acompanhada de biópsia pleural por agulha) em geral se faz necessária. A posi tvidade da citologia oncótca do líquido pleural é de 63%. Assim sendo, um resultado nega tvo não exclui acome tmento pleural, mas um positvo confirma. A biópsia por agulha não aumenta muito a posi tvidade, mas fornece informações sobre o tpo histológico, que podem ser úteis na terapêu tca futura.
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Figura 12 - Cadeias acessíveis pela mediast noscopia: 2,4,7
CÂNCER DE PULMÃO
I - Mediastnotomia anterior Feita por uma incisão paraesternal esquerda (incisão de Chamberlain), permite acessar os linfonodos para-aór tcos e da janela aortopulmonar (cadeias linfonodais 5 e 6 nas janelas aortopulmonar e aór tca), aqueles mais importantes em neoplasias do lobo superior esquerdo. Com o advento da videotoracoscopia, esse tpo de abordagem vem deixando de ser u tlizado por vários serviços.
J - Videotoracoscopia A utlização de videotoracoscopia permite diagnos tcar nódulos e massas pulmonares, acometmento de várias cadeias linfonodais hilares e medias tnais, e da pleura. Permite associar o tratamento efetvo no mesmo tempo operatório em caso de nódulos pulmonares (estádios precoces tratados com lobectomia ou segmentectomia pulmonar por videotoracoscopia) e a paliação com pleurodese em casos de acometmento pleural sintomá tco. Pode ser muito di f cil a localização dos nódulos subcen tmétricos pela videotoracoscopia, especialmente se não adjacentes à pleura visceral. Alguns métodos podem ser usados para facilitar a localização e ressecção adequada dos mesmos. Punção por agulha no pré-operatório imediato, injeção de contraste perinódulo e colocação de micromola na lesão são alguns deles, todos métodos guiados por TC. Pacientes com risco moderado ou alto de neoplasia (pela história clínica e aspecto da lesão à TC de tórax e /ou à PET-CT) e com baixo risco operatório, de modo geral, dispensam outros métodos diagnóstcos pré-operatórios, devendo ser submetdos ao procedimento cirúrgico (por videotoracoscopia ou toracotomia) com diagnós tco por exame de congelação intraoperatória e cirurgia cura tva no mesmo ato.
K - Toracotomia É o úl tmo método a ser lançado para o diagnós tco de neoplasia pulmonar, a não ser em casos como discu tdos anteriormente na secção de videotoracoscopia (pacientes com alto risco de neoplasia e baixo risco cirúrgico), mas que apresentem alguma contraindicação à cirurgia por vídeo (como tumores centrais ou muito grandes).
6. Estadiamento extratorácico O diagnóstco de metástase a distância é fundamental no planejamento terapêu tco do paciente com neoplasia pulmonar. A existência da metástase muda todo o foco do tratamento, que passa a ser sistêmico. O controle do tumor primário fica apenas com caráter paliatvo na grande maioria das vezes. A presença de metástase é o principal fator determinante de prognós tco. Há grande debate sobre qual doente se bene ficia do estadiamento sistêmico: se este deve ser realizado em todo paciente diagnos tcado com câncer pulmonar, se apenas nos sintomá tcos sistêmicos, ou de acordo com característcas do tumor primário.
Os principais sí tos de metástases são ossos, cérebro, pulmões, f gado e adrenais. Não foi iden tficado nenhum marcador molecular ou bioquímico que seja e ficaz em detectar metástases precocemente. Desta maneira, o estadiamento se baseia em exames de imagem, que só são capazes de detectar doença macroscópica já instalada. Os exames que serão solicitados para o estadiamento extratorácico devem ser baseados na anamnese, exame f sico e nos exames séricos e de imagem torácicos já realizados. Há estreita associação entre presença de metástases e alterações iden tficadas durante a anamnese (emagrecimento, dor óssea, cefaleia, síncope, paresia e alteração do estado mental), exame f sico (linfonodomegalia, rouquidão, síndrome da veia cava superior, hepatomegalia, sinais neurológicos focais e papiledema) e exames séricos (anemia, elevação da fosfatase alcalina, gama-glutamil-transferase, transaminases e cálcio). A TC de tórax também ajuda na de finição do exame a ser solicitado para o estadiamento sistêmico, ou mesmo se este será necessário. Tumores maiores e com linfonodomegalias mediastnais possuem maior probabilidade de já apresentarem doença disseminada, sendo a investgação mais ampla nesses pacientes. Tumores precoces podem mesmo preceder da realização do estadiamento extratorácico. Os exames utlizados no estadiamento sistêmico são a TC ou RNM de cérebro, cin tlografia óssea, TC de abdome superior (muitas vezes já incluída na TC de tórax quando da investgação inicial de opacidades pulmonares) e, mais recentemente, a PET-CT. Não há grandes estudos comparando o estadiamento com PET-CT e o convencional. A PET-CT não parece ser um bom exame para avaliação de metástases cerebrais em função do alto metabolismo do sistema nervoso central (que faz todo o cérebro “acender” no PET, di ficultando a visualização de metástases) apresentando acurácia inferior à TC e RNM. A Cin tlografia Óssea (CO) com Tc-99m MDP é o principal exame para pesquisa de metástases ósseas. Seu grande inconveniente é o alto índice de falsos posi tvos em função das doenças degenera tvas e traumas ósseos. Assim, as lesões consideradas suspeitas à CO devem ser avaliadas por outros exames como RNM ou mesmo biópsia. A PET-CT parece apresentar sensibilidade semelhante à CO (93% versus 92%), mas com ganho na acurácia (93,5% versus 72,5%). A RNM deve ser considerada o melhor exame na investgação de doença secundária cerebral, sendo capaz de detectar maior número de metástases que a TC de crânio, embora não tenha fornecido ganho de sobrevida. Nódulos adrenais são comumente vistos em pacientes com neoplasias pulmonares; o grande desa fio é definir se estamos diante de um adenoma ou de uma metástase. Lesão bilateral, tamanho menor que 3cm e densidade de gordura à TC são suges tvos de adenoma. A RNM e a PETCT podem auxiliar em casos mais duvidosos, mas a biópsia pode ser necessária a despeito de todos os exames de imagem, dependendo do contexto clínico.
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A C I C Á R O T A I G R U R I C
CIRURGIA TORÁCICA A maioria das lesões hepátcas identficadas em TC de estadiamento corresponde a patologias benignas como hemangiomas e cistos. A PET-CT também pode ajudar, com acurácia entre 92 e 100%, mas persis tndo a dúvida pode ser necessária a realização de biópsia.
7. Sistema de estadiamento TNM do CPNPC A 7ª edição do estadiamento TNM para CPNPC, proposta pela Internat onal Associat on for the Study of Lung Cancer (IASLC), entrou em vigor em janeiro de 2010. Com a atualização constante do estadiamento, busca-se a adequação aos métodos diagnóstcos mais eficientes e às terapêutcas mais avançadas que vão surgindo no decorrer dos anos. Com esta 7ª edição, o tamanho do tumor primário ganhou maior importância, e a presença de nódulos tumorais adicionais e derrames pleural e pericárdico foi mais bem classificada, refletndo, de modo mais fidedigno, seus prognóstcos. A classificação linfonodal não sofreu mudança, embora 3 grupos prognós tcos tenham sido iden tficados para futuras reavaliações. Tabela 3 - TNM (tumor, linfonodos e metástases) Tumor primário (T) TX: tumor primário impossibilitado de avaliações, não pode ser diagnostcado pela apresentação de células malignas no escarro ou no lavado brônquico. Contudo, não é possível visualizá-lo por imagens ou broncoscopia. T0: nenhuma evidência do tumor primário. Tis: carcinoma in situ.
Figura 13 - PET-CT
T1: tumor ≤3cm no maior eixo, envolvido por parênquima pulmonar ou pleura visceral, sem evidência broncoscópica de invasão mais proximal que brônquio lobar. T1a: ≤2cm no maior eixo; T1b: ≤3cm no maior eixo. T2: tumor >3cm, mas ≤7cm ou tumor com quaisquer dos seguintes: - Envolvimento do brônquio-fonte, distando ≥2cm da carina; - II invasão da pleura visceral; - Associado à atelectasia ou pneumonite obstrutva que não envolva todo um pulmão. T2a: >3cm, mas ≤5cm no maior eixo; T2b: >5cm, mas ≤7cm no maior eixo. T3: tumor >7cm ou com envolvimento do brônquio-fonte <2cm da carina, mas sem acome tmento desta ou associado à atelectasia ou pneumonite obstrutva de todo um pulmão ou que possua outro(s) nódulo(s) tumoral(is) no mesmo lobo, ou invasão direta de algum dos seguintes: - Parede torácica (incluindo tumor de sulco superior); - Diafragma; - Nervo frênico; - Pleura mediastnal; - Pericárdio parietal.
Figura 14 - Ressonância nuclear magnét ca
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T4: tumor de qualquer tamanho que possua outro(s) nódulo(s) tumoral(is) em lobo diferente, mas ipsilateral ou que invada algum dos seguintes: - Mediastno; - Coração; - Grandes vasos; - Traqueia; - Nervo laríngeo recorrente; - Esôfago; - Carina.
CÂNCER DE PULMÃO
Tabela 5 - Estadios
Linfonodos (N) NX: linfonodos que não podem ser avaliados.
N0
N1
N2
N3
N0: nenhuma metástase para linfonodos.
T1a
IA
IIA
IIIA
IIIB
N1: metástases para linfonodo peribrônquico ipsilateral e/ou linfonodo hilar ipsilateral e linfonodo intrapulmonar envolvido por extensão direta do tumor primário.
T1b
IA
IIA
IIIA
IIIB
T2a
IB
IIA
IIIA
IIIB
T2b
IIA
IIB
IIIA
IIIB
N2: metástases para linfonodo medias tnal e/ou subcarinal ipsilateral.
T3
IIB
IIIA
IIIA
IIIB
T4
IIIA
IIIA
IIIB
IIIB
M1a
IV
IV
IV
IV
M1b
IV
IV
IV
IV
N3: metástases para linfonodo medias tnal contralateral, hilar contralateral, escaleno ipsilateral ou contralateral, ou linfonodos supraclaviculares. Metástase a distância MX: presença de metástases a distância não pode ser avaliada. M0: ausência de metástases a distância. M1: presença de metástases a distância: M1a: nódulo(s) tumoral(is) no pulmão contralateral, nódulos pleurais ou derrame pleural ou pericárdico neoplásico; M1b: metástases a distância. Tabela 4 - TNM (tumor, linfonodos e metástases) por estágio Estágio
Subgrupo TNM
0
Carcinoma in situ
IA IB
T1a N0 M0 T1b N0 M0 T2a N0 M0 T1a N1 M0
IIA
T1bN1 M0 T2b N1 M0 T2b N0 M0
IIB
T2b N1 M0 T3 N0 M0 T1a N2 M0 T1bN2 M0 T2a N2 M0
IIIA
T2b N2 M0 T3 N1 M0 T3 N2 M0 T4 N1 M0 T1a N3 M0 T1bN3 M0 T2a N3 M0
IIIB
T2b N3 M0 T3 N3 M0 T4 N1 M0 T4 N2 M0
M0
-
IV
Qualquer T, qualquer N M1
Importante: Saber identficar principalmente o T e ter o conceito em mente de que o que rege o tratamento do paciente e indica se ele é candidato cirúrgico ou não é o estadiamento linfonodal.
8. Tratamento Qualquer possibilidade de sucesso terapêu tco no carcinoma brônquico está invariavelmente baseada nos seguintes fundamentos básicos: - A cirurgia é o único tratamento potencialmente cura tvo; - A sua indicação está reservada, em princípio, aos tumores confinados ao pulmão, ou seja, sem linfonodos mediastnais comprometdos; - Todo o esforço propedêu tco e toda a tecnologia disponível devem ser empregados para evitar a toracotomia sem uma perspec tva definida. O comportamento biológico dessa neoplasia, o per fil psicológico do fumante e algum grau de inabilidade médica têm contribuído para o diagnós tco tardio do câncer de pulmão. Estma-se que, a cada ano, surjam 2 milhões de casos novos de câncer de pulmão em todo o mundo, e, destes, apenas 10 a 13% serão curados pela cirurgia isolada ou em associação a outras formas de tratamento. Há um consenso de que o tratamento cirúrgico alcançou, no carcinoma brônquico, o seu limite de competência como procedimento isolado, restando apenas a perspec tva de bene f cio na associação a outras formas de terapia. Há muito que se esperar, principalmente da quimioterapia e da imunoterapia.
9. Considerações cirúrgicas O objetvo final do tratamento cirúrgico para o CPNPC é a ressecção completa, ou seja, o tumor primário deve ser completamente removido sem deixar doença macroscópica, as margens cirúrgicas devem ser microscopicamente nega tvas, e linfadenectomia medias tnal realizada com o linfonodo mais alto negatvo ao exame patológico. Ressecções incompletas não oferecem bene f cio ao paciente, nem acarretam ganho de sobrevida. Assim sendo, ressecções parciais ou paliatvas não têm papel na ro tna terapêutca. A ressecção de estruturas adjacentes comprometdas por invasão tumoral deve, sempre que possível, ser realizada em bloco.
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A C I C Á R O T A I G R U R I C
CIRURGIA TORÁCICA A cirurgia padrão para o tratamento do CPNPC é a lobectomia pulmonar. É uma cirurgia anatômica, com a re trada de todo o lobo pulmonar onde a neoplasia se originou. Com tal ressecção, conseguimos, de modo geral, uma margem de tecido saudável sa tsfatória, além de extrairmos sua possível drenagem linfá tca (lembrando que as drenagens venosas e linfátcas se fazem entre os segmentos pulmonares, já os brônquios e artérias pulmonares correm no centro dos segmentos). Neoplasias mais centrais ou maiores em tamanho podem requerer cirurgias mais extensas que a lobectomia. Lobectomias associadas a bronco e /ou arterioplasta podem ser necessárias para a ressecção com margens livres de tumores mais centrais. Em outros casos, em que mesmo com o emprego dessas técnicas a margem é insu ficiente, as ressecções realizadas acabam sendo a bilobectomia ou mesmo a pneumonectomia. É importante ressaltar que a pneumectomia é contraindicada a casos de quimioterapia ou radioterapia prévia. Mais recentemente, vários estudos têm mostrado a possibilidade de ressecções sublobares para pacientes e tumores bem selecionados. Nesses casos são realizadas segmentectomias, cirurgias ainda anatômicas, nas quais se ressecam o segmento acometdo e sua drenagem linfátca. Ainda podem ser realizadas cirurgias não anatômicas, chamadas ressecções em cunha. São cirurgias tecnicamente mais simples, sem grandes dissecções de estruturas vasculares ou brônquicas. O tumor é re trado com uma margem de parênquima saudável, porém, sem respeito às anatomias pulmonar e linfátca. Ainda não foi provado nada em relação ao uso desta técnica, porém ela tem encontrado aplicabilidade em alguns serviços, em casos de nódulos pequenos (<2cm) e bronquíolos alveolares. O uso de técnicas por vídeo tem crescido muito em diversas áreas da medicina nas úl tmas décadas. Na cirurgia torácica, o seu emprego em doenças pleurais já é bem estabelecido, porém a u tlização da videotoracoscopia no tratamento do câncer broncogênico somente ganhou força nos úl tmos anos. Ressecções em cunha são facilmente realizadas por vídeo, mas, como foi dito, não são a cirurgia padrão para o tratamento do CPNPC. A lobectomia pulmonar videoassis tda vem sendo realizada cada vez mais por diversos serviços e apresenta resultados muito semelhantes à convencional quanto à e ficácia no tratamento do CPNPC e quanto ao índice de complicações cirúrgicas. Devemos lembrar que não se aplica para todos os tumores, ficando reservada principalmente para neoplasias em fase inicial, preferencialmente periféricas e sem grande acometmento linfonodal no hilo pulmonar. Em relação à abordagem do mediastino, há 2 grandes grupos de cirurgiões. Um grupo favorece a linfadenectomia mediastinal ipsilateral radical; nesta técnica são ressecadas todas as cadeias linfonodais do lado a ser operado, junto com o coxim gorduroso que as envolve. Em casos de cirurgia à direita, esvaziam-se as cadeias paratraqueais superior e inferior, infracarinal, periesofá-
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gica e do ligamento pulmonar inferior. Para cirurgias à esquerda, as cadeias esvaziadas são para-aórtica, janela aortopulmonar, infracarinal, periesofágica e do ligamento pulmonar inferior. O outro grupo de cirurgiões defende a amostragem de linfonodos de forma sistemática, nesse caso, pelo menos um linfonodo de cada cadeia citada anteriormente é amostrado para um adequado estadiamento mediastinal. Os estudos são controversos, alguns favorecem a linfadenectomia enquanto outros não mostram ganho de sobrevida com essa técnica. Recentemente, um estudo prospectivo randomizado em pacientes com CPNPC estadio IA não mostrou benefício na sobrevida quando realizada a linfadenectomia mediastinal radical em relação à amostragem linfonodal sistemática. Contudo, também não mostrou prejuízo da 1ª em relação à 2ª quanto à morbidade operatória. Além disso, ambas se equivaleram na capacidade de estadiar corretamente o mediastino desses pacientes operados.
10. Tratamento especí fico de acordo com o estadiamento inicial do tumor A - Estadio I Tumores no estadio IA compreendem os T1a e T1b, ambos N0. Portanto, são neoplasias na fase inicial, com a doença limitada ao parênquima pulmonar, sem acome tmento linfonodal nenhum. Para esses pacientes, a ressecção cirúrgica é fundamental no tratamento, desde que o doente tenha condições clínicas para tal. Os pacientes com estadio IB apresentam tumores T2a, ou seja, possuem um comprometmento do parênquima pulmonar maior, mas sem acome tmento linfonodal de qualquer espécie (N0). Ainda não possuem disseminação locorregional. A cirurgia padrão é a lobectomia pulmonar com linfadenectomia ou amostragem sistemá tca mediastnal. Caso o cirurgião esteja habituado, a cirurgia pode ser videoassis tda. Poucas vezes são necessárias ressecções maiores como bilobectomia ou pneumonectomia para esse estadio. Um ponto de discussão é o emprego de ressecções sublobares, especialmente nos tumores T1a. Em pacientes com reserva pulmonar limítrofe e que não suportariam a lobectomia, ressecções sublobares são bem aceitas e consideradas o tratamento-padrão. O único ensaio clínico randomizado mostrou haver maior índice de recidiva local (3 vezes maior) e sistêmica, e maior mortalidade por câncer (50% maior) em pacientes com reserva pulmonar adequada e submetdos a ressecções sublobares com tumores ≤3cm. Contudo, posteriormente vários estudos retrospec tvos mostraram resultados semelhantes entre as técnicas, especialmente se os tumores forem <2cm e do tpo adenocarcinoma bronquioloalveolar. Nota-se, na literatura, que pacientes mais idosos (>70 anos) também parecem se beneficiar de ressecções menores.
CÂNCER DE PULMÃO
Em relação à abordagem medias tnal, alguns cirurgiões têm realizado a linfadenectomia medias tnal seletva para pacientes com estadio I. Nesses casos, as cadeias abordadas variam de acordo com o lobo de origem da neoplasia, explorando somente as cadeias que receberiam a drenagem linfátca inicial daquele lobo. Os resultados não mostraram diferenças em relação à recidiva local, sobrevida global e livre de doença.
- A lobectomia por videotoracoscopia pode ser indicada com benef cios oncológicos semelhantes à lobectomia por toracotomia; - Nos pacientes que não possuírem condições clínicas para a cirurgia (mesmo ressecções sublobares) ou que recusarem esse tratamento, a radioterapia isolada deve ser empregada; - Não há benef cio com uso de quimioterapia ou radioterapia adjuvante.
B - Estadio II
A C I C Á R O T A I G R U R I C
Figura 15 - Corte tomográ fi co evidenciando tumor pulmonar central
Para pacientes com estadio IA e IB operados não há benef cio em realização de quimioterapia ou radioterapia adjuvantes. A quimioterapia posterior à cirurgia não acrescenta ganho de sobrevida, já a radioterapia nesse cenário acarreta em perda de sobrevida. Apenas um estudo, por meio de análise de subgrupo, demonstrou bene f cio em realizar adjuvância com quimioterapia no pós-operatório de tumores ≥ 4cm. Contudo, essa abordagem não é recomendada rotneiramente. Pacientes estadios IA e IB sem condições clínicas de serem submetdos à ressecção pulmonar, mesmo sublobar, ou que recusem o tratamento cirúrgico devem ter seus tumores tratados localmente com radioterapia. Esse método permite o controle local da doença com alguma sobrevida em longo prazo (15%). Devemos lembrar que os pacientes desses estudos apresentam performance pior que os operados, portanto os resultados obtdos não são comparáveis. A melhor sobrevida foi alcançada em estudo com maior índice de pacientes com condições, mas que recusaram a cirurgia, nesses a sobrevida em 2 anos foi de 76%. Pacientes com CPNPC estadio IA subme tdos à ressecção completa com linfadenectomia medias tnal apresentam taxas de sobrevida, em 5 anos, de 73%. Considerando somente os T1a a sobrevida em 5 anos é de 77%. Para o estadio IB completamente ressecados, a sobrevida em 5 anos fica próxima de 58%. Tabela 6 - Recomendações estadio I - Cirurgia é o tratamento-padrão (lobectomia com linfadenectomia ou amostragem sistemá tca recomendada); - Em casos selecionados, a ressecção sublobar pode ser oferecida, especialmente para pacientes sem reserva pulmonar para lobectomia;
Figura 16 - Corte tomográ fi co evidenciando tumor pulmonar de localização central com extensão para linfonodos hilares ipsilaterais
O estadio IIA agrega os tumores T1a, T1b e T2a (que vimos nos estadios IA e IB), mas que apresentem acometmento dos linfonodos pulmonares ou hilares (N1). Além deles, também compreende as neoplasias T2b (>5cm e ≤7cm), que não tenham linfonodos comprome tdos pelo câncer (N1). Esses mesmos tumores T2b, quando apresentam linfonodos hilares posi tvos para neoplasia, são alocados no estadio IIB. Este estadio também alberga os CPNPC T3, desde que N0. O tratamento-padrão para os tumores estadio II é o cirúrgico. A ressecção padrão é a lobectomia pulmonar com linfadenectomia ou amostragem sistemá tca mediastnal e, nesses casos, ressecções sublobares não devem ser encora jadas. Nota-se que mais pacientes acabam necessitando de lobectomia com bronco e /ou arterioplasta, ou mesmo bilobectomia e pneumonectomia no estadio II em função principalmente de tumores serem maiores ou mais centrais. Em relação à quimioterapia adjuvante, benef cios foram vistos para pacientes com N1. Grandes séries demonstraram ganho de sobrevida entre 10 e 15% com o uso de quimioterapia baseada em platna. A radioterapia adjuvante para estadio II completamente ressecado acarretou menor recidiva local, porém sem impacto na sobrevida, não sendo recomendada rotneiramente. A radioterapia exclusiva, assim como no estadio I, só deve ser u tlizada em pacientes sem condições cirúrgicas ou que neguem esse tratamento. Por apresentarem lesões maiores, a área irradiada acaba sendo maior, ou então mais
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CIRURGIA TORÁCICA central no pulmão, acarretando mais efeitos colaterais da radioterapia. Estudos mostram que a sobrevida em 5 anos para os doentes com neoplasia no estadio IIA, devidamente tratados, é de 46%, mas já para os IIB fica próximo de 36%. Tabela 7 - Recomendações estadio II - Cirurgia é o tratamento-padrão, sendo a lobectomia com linfadenectomia ou amostragem sistemá tca recomendada; - Quando necessárias e fac veis, lobectomias com bronco e/ou arterioplasta são preferíveis em relação à pneumonectomia; - Nos pacientes que não possuírem condições clínicas para a cirurgia ou que recusarem esse tratamento, a radioterapia isolada deve ser empregada; - Quimioterapia adjuvante deve ser oferecida para os casos com N1 patológico.
C - Estadio IIIA (N2)
Figura 17 - Corte tomográ fi co evidenciando grande tumor em pulmão esquerdo
O estadio IIIA é muito heterogêneo, mas engloba basicamente 2 tpos de tumores, neoplasias menores (T1 e T2), mas com disseminação para linfonodos medias tnais ipsilaterais (N2) e tumores maiores, localmente mais avançados ou com invasão de estruturas torácicas mais nobres (T3 e T4), mas sem acometmento linfonodal medias tnal (T4N0, T3N1 e T4N1). Esse úl tmo grupo é menos comum na prá tca clínica diária, já os tumores com N2 são ro tneiros. É talvez o estadio em que há mais controvérsias no tratamento, especialmente nos N2. Grupos realizam cirurgia com quimioterapia adjuvante, outros, quimioterapia neoadjuvante com cirurgia, vários optam por quimioterapia e radioterapia exclusivas, e, ainda outros, a combinação dos 3 métodos em casos selecionados. A di ficuldade em de finir o melhor tratamento está na grande heterogeneidade do grupo classificado como N2. Um paciente com metástase microscópica para apenas 1 linfonodo medias tnal ipsilateral e outro com metástases macroscópicas para várias cadeias distntas, ou mesmo com grande conglomerado linfonodal (bulky disease) são todos classificados como N2 e agrupados juntos em estudos.
200
A 7ª edição do estadiamento para o CPNPC não conseguiu número su ficiente de pacientes com linfonodos hilares e mediastnais bem avaliados para analisar e promover uma mudança no descritor N. As diferenças encontradas não obtveram força esta stca suficiente. Mas houve uma tendência dos pacientes hoje N1 e N2 de caírem em 3 categorias prognóstcas: N1a - N1 zona única (48% de sobrevida em 5 anos), N1b + N2a - N1 múl tplas zonas e N2 zona única (35 e 34% de sobrevida em 5 anos, respec tvamente) e N2b - N2 múltplas zonas (20% de sobrevida em 5 anos). Isso reforça o que alguns grupos já mostraram e que nos parece muito razoável, que no universo de doentes N1 e N2, há vários subgrupos com comportamento dis tntos e, possivelmente, com tratamentos ideais dis tntos. A ressecção cirúrgica, sendo a lobectomia com linfadenectomia ou amostragem sistemátca o procedimento padrão, mantém seu papel nos pacientes N2. Parece ter sua melhor indicação em doença N2 mínima, como aquela não descoberta em exames de estadiamento pré-operatórios ou mesmo aquela com acometmento de apenas uma cadeia linfonodal mediastnal. Nos pacientes N2 operados, a quimioterapia adjuvante baseada em platna se faz mandatória. Vários estudos mostraram ganho de sobrevida em 5 anos entre 5 e 10%. Por outro lado, o uso de radioterapia adjuvante após a quimioterapia em ressecções completas é controversa, promoveu diminuição da recidiva local, mas sem impacto na sobrevida. Outra estratégia terapêu tca fac vel é a realização de quimioterapia neoadjuvante, seguida de ressecção cirúrgica. As vantagens teóricas seriam o tratamento precoce das micrometástases, downstaging tumoral, melhor aderência à quimioterapia e avaliação in vivo da sensibilidade do tumor ao quimioterápico. A 3ª linha terapêu tca, e mais defendida por guidelines como do Chest e da NCCN, na doença N2 compreende a quimioterapia e a radioterapia combinadas. O melhor bene f cio dessa terapêutca se dá com seu uso concomitante. A radioquimioterapia di ficilmente torna uma lesão irressecável à 1ª apresentação, ressecável. Portanto, para esses doentes o uso exclusivo dessa combinação de tratamentos é uma boa estratégia, não sendo recomendada a cirurgia. Em pacientes com doença inicial ressecável, o tratamento trimodal com radioquimioterapia seguidos de cirurgia pode ser uma opção, desde que haja uma cuidadosa seleção do paciente. Estudo comparando trimodal com bimodal (radioquimioterapia exclusiva) mostrou bene f cio na sobrevida livre de doença e na sobrevida geral (quando excluídos os casos de pneumonectomia, que apresentaram alta mortalidade cirúrgica). Para os pacientes estadio IIIA não N2, ou seja, T3N1, T4N0 e T4N1, o tratamento cirúrgico, quando possível, é a melhor opção. Para o T3N1, a cirurgia é o tratamento-padrão e está bem estabelecida, com a quimioterapia adjuvante sendo recomendada.
CÂNCER DE PULMÃO
Alguns tumores T3, ou mesmo T4, apresentam-se como neoplasias do sulco superior ou tumor de Pancoast. Quando são N2 ou N3 (o que con figura um fator de mau prognóstco), o tratamento é radioquimioterápico exclusivo. Para aqueles Pancoast N0 ou N1 (estadio IIB e IIIA, respectvamente) o tratamento-padrão é radioquimioterapia concomitante seguida de cirurgia. Essa abordagem permite ressecção completa em 94% das vezes, com mortalidade operatória de 2,3%, além de sobrevida mediana de 94 meses para os completamente ressecados. Para os casos selecionados de T4 candidatos à ressecção, é fundamental a exclusão de acome tmento de linfonodos mediastnais no pré-operatório. Caso se mostre N2, o ganho de sobrevida com a cirurgia é mínimo (sendo considerada contraindicação).
pacientes com boa performance (ECOG 0 ou 1) e que não tenham perdido mais que 5% do peso corpóreo. Com o tratamento combinado houve redução do risco de morte em 13%, com benef cio absoluto de 4% em 2 anos e 2% em 5 anos. Em função de serem neoplasias já avançadas, a sobrevida em 5 anos é de apenas 9%, a despeito dos tratamentos realizados. Tabela 9 - Recomendações estadio IIIB - Cirurgia não deve ser oferecida; - O tratamento-padrão é a radioquimioterapia. A administração concomitante é preferível à sequencial, desde que o paciente tenha boa condição clínica; - Não há indicação até o presente momento do uso de quimioterapia de indução ou de consolidação.
Tabela 8 - Recomendações estadio IIIA - Cirurgia pode ser oferecida para pacientes com N2 mínimo, sendo o padrão a lobectomia com linfadenectomia ou amostragem sistemátca. Quimioterapia adjuvante é recomendada, mas o mesmo não ocorre com a radioterapia adjuvante;
E - Estadio IV A C I C Á R O T A I G R U R I C
- Nos N2 com doença extensa o tratamento-padrão é a radioquimioterapia. A administração concomitante é preferível à sequencial, desde que o paciente tenha boa performance; - O tratamento trimodal com radioquimioterapia seguida de cirurgia pode ser oferecido em pacientes N2 ressecáveis à apresentação inicial, desde que a cirurgia não seja pneumonectomia; - Nos tumores de Pancoast N0 ou N1, o melhor tratamento é a radioquimioterapia neoadjuvante seguida de lobectomia; - Nos tumores T4 N0 ou N1, a cirurgia pode ser indicada, após rigorosa seleção do paciente.
D - Estadio IIIB (N3) No estadio IIIB, encontram-se tumores avançados regionalmente, porém sem doença metastá tca a distância. Quaisquer que sejam as caracterís tcas do tumor primário se houver acometmento linfonodal contralateral ou ainda supraclavicular ou escalênico ipsi ou contralaterais (N3), a neoplasia é estadiada com IIIB. Outro grupo de tumores nesse estadio é o T4 com metástase linfonodal medias tnal ipsilateral (N2). Para esse grupo de pacientes as ressecções cirúrgicas não possuem papel. Acarretam grande morbimortalidade sem benef cio na sobrevida, uma vez que a possibilidade de já exis trem micrometástases em pacientes N3 é muito grande, e o controle regional oferecido pela cirurgia, pouco significatvo no contexto. Os estudos mostram que, mesmo após quimioterapia ou radioquimioterapia, a cirurgia não s e mostrou tratamento eficiente no controle da doença. O tratamento desses doentes é muito semelhante ao do estadio IIIA com doença N2 em múl tplas cadeias ou com bulky disease, sendo baseado em radioquimioterapia. A combinação de quimioterapia baseada em pla tna com radioterapia se mostrou superior à radioterapia isolada em
Figura 18 - Radiogra fi a pulmonar evidenciando grande derrame pleural à direita
No estadio IV, estão todos os pacientes com doença metastátca, seja ela intratorácica (M1a) ou extratorácica (M1b). Compreende grande variedade de doentes, desde derrame pleural neoplásico a metástase única cerebral ou adrenal e doença francamente disseminada com múl tplos sí tos secundários. Embora seja considerada palia tva, a quimioterapia é o tratamento primordial para esse grupo de pacientes, por seu caráter sistêmico. O uso de quimioterapia contra tratamento exclusivamente paliatvo foi analisado por 2 meta-análises. Na 1ª houve redução do risco de morte de 27%, e aumento absoluto da sobrevida em 1 ano de 10% (26% versus 16%). A 2ª também mostrou ganho de sobrevidas mediano (7 meses versus 5 meses) e em 1 ano (27% versus 18%). Num estudo fase III mais recente, houve ganho de sobrevida global superior a 2 meses (8 meses versus 5,7 meses), embora sem demonstrar ganho na qualidade de vida. Desse modo, a quimioterapia deve ser fornecida como tratamento-padrão para a grande maioria dos pacientes estadio IV.
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CIRURGIA TORÁCICA Em relação à quan tdade de drogas que deve ser u tlizada, uma meta-análise com 65 estudos e 13.601 doentes demonstrou que regimes contendo 2 drogas foram superiores ao tratamento monodroga. Neles, houve aumento significatvo da taxa de resposta (26% versus 13%) e de sobrevida global em 1 ano (37% versus 30%). Nesta mesma meta-análise, a adição de uma 3ª droga ao esquema acarretou pequeno ganho de resposta sem melhora de sobrevida global, mas com aumento da toxicidade hematológica. Outros estudos fase III analisaram tratamento com 3 versus 2 drogas, não havendo bene f cio comprovado na sobrevida global, além disso, aconteceu incremento signi ficatvo dos efeitos colaterais. Portanto, a u tlização de 3 drogas não é recomendada como tratamento inicial na grande maioria dos casos. Ficando reservado para pacientes extremamente sintomátcos, pela doença e sem contraindicação ao tratamento, nos quais uma resposta mais rápida resultará na melhora da condição clínica e da qualidade de vida. Não há esquema que se mostrou superior, diversos agentes e combinações podem ser usados. A experiência do médico, o perfil de toxicidade das drogas e, principalmente, as condições clínicas do doente e suas comorbidades são os fatores determinantes na escolha da terapia a ser empregada. Contudo, sempre que não houver contraindicação, deve-se dar preferência a esquemas com pla tna. Em relação à duração do tratamento, recomendam-se 3 a 4 ciclos de quimioterapia em 1ª linha, em virtude da ausência de benef cio demonstrado com uso de mais ciclos que está claramente associado a um aumento na toxicidade. Para os pacientes que falharam à terapia inicial, o tratamento de 2ª linha oferece ganho de sobrevida e qualidade de vida. Dentre as drogas estudadas estão o docetaxel, pemetrexede e os inibidores do EGFR (Epidermal Growth Factor Receptor ). Pacientes com doença avançada podem se bene ficiar de radioterapia paliatva para metástases ósseas. O objetvo é alívio de dor (com resposta em até 90% dos casos), preservação da função locorregional e manutenção da integridade óssea (102). Em ossos com impacto de carga (especialmente vértebras e ossos longos) a associação de métodos de fixação (principalmente a cirurgia e uso de órteses) com radioterapia minimiza a progressão de sintomas locais. Em pacientes com metástase cerebral o tratamento paliatvo padrão é a Radioterapia Cerebral Total (RCT). Os objetvos são prevenir ou retardar a progressão, restaurar a função neurológica e reduzir a dependência de cor tcosteroides. Pode apresentar grandes efeitos colaterais irreversíveis, portanto, deve-se pesar o risco /benef cio na indicação. Estudos mostraram aumento de sobrevida mediana de 2 até 6 meses com uso da RCT. Em metástase única, a combinação de cirurgia e RCT mostrou-se superior à RCT isolada, com melhora da sobrevida funcional independente. O uso da radiocirurgia ou da radioterapia estereotáxica fracionada mostrou benef cios semelhantes aos da cirurgia em casos selecionados (lesões até 3cm).
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A radioterapia externa torácica pode ser usada para paliar tosse, dispneia (por obstrução de vias aéreas), hemop tse, disfagia, pneumonia obstru tva e dor. Deve ser bem estabelecida a relação entre o tumor e o sintoma que deseja ser paliado. Usa-se o esquema padrão com 10 frações de 3Gy, a não ser em pacientes com menor expectatva de vida, quando há preferência pelos esquemas rápidos (16Gy em 2 frações). Um grupo especial de pacientes estadio IV é aquele que somente apresenta metástase cerebral. Quando as metástases cerebrais (até 3) são possivelmente ressecáveis (cirurgicamente ou por radiocirurgia), o tumor primário também é passível de ressecção e não há acome tmento linfonodal mediastnal, e o tratamento cirúrgico de ambos os sí tos pode ser recomendado. A sobrevida em 5 anos é de 21%, com mortalidade cirúrgica de 2%. O uso de RCT e quimioterapia adjuvantes não é bem estudado, mas merece ser considerado nessas circunstâncias. Pacientes com metástase isolada na adrenal, desde que com primário ressecável ou ressecado previamente, e sem acometmento linfonodal medias tnal, podem ser candidatos à adrenalectomia. A sobrevida em 5 anos desses pacientes fica entre 10 e 23%. Tabela 10 - Recomendações estadio IV - Quimioterapia é superior ao tratamento exclusivamente paliatvo; - O uso de 2 drogas foi superior ao monodroga, sendo o padrão; - Uso de 3 drogas não é recomendado ro tneiramente; - Nenhum esquema de drogas se mostrou superior, devendo a escolha dos quimioterápicos recair sobre a experiência do médico, o perfil de toxicidade das drogas e, principalmente, as condições clínicas do doente e as suas comorbidades. Contudo, sempre que não houver contraindicação, um esquema com platna deve ser usado; - O tratamento deve durar entre 3 e 4 ciclos; - Em pacientes com idade >70 anos ou baixo índice de desempenho, a monoterapia pode ser a melhor opção; - Segunda linha de quimioterapia deve ser oferecida após falha da 1ª quimioterapia; - Radioterapia pode ser usada para paliação de sintomas por metástases ósseas e cerebrais, além de poder paliar sintomas torácicos quando a causa é a neoplasia; - Pacientes selecionados com metástases isoladas para cérebro ou adrenal podem ser tratados com ressecção do primário e das metástases. Tabela 11 - Recomendações dos estadios - EI – Lobectomia ou segmentectomia (?) + linfadenectomia; - EII – Lobectomia + linfadenectomia + QT (para N1+); - EIIIA – Dependente da apresentação; - EIIIB – Radioquimioterapia; - EIV – Quimioterapia com 2 drogas (pla tna).
CAPÍTULO
9
Carcinoma de pequenas células Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
1. Introdução O Carcinoma Brônquico de Pequenas Células (CBPC) representa uma neoplasia com alta taxa de malignidade, crescimento rápido e metástases precoces, se comparado ao carcinoma brônquico de não pequenas células. O CBPC é a neoplasia pulmonar que apresenta comportamento mais agressivo, consttuindo o tumor com menor tempo de duplicação de toda a Oncologia. Assim, é tdo como sistêmico desde o início. Correspondem a 13 a 20% das neoplasias pulmonares. Identficado como uma neoplasia do sistema neuroendócrino, com origem a par tr das células de Kulchitsky, o CBPC foi assim denominado (oat cells ou avenocelular) pela semelhança de suas células com grãos de aveia. Um paciente que não recebe tratamento apresenta sobrevida mediana de 2 a 4 meses.
Figura 1 - Massa pulmonar e gânglios mediast nais coalescentes
O tumor tpicamente se origina nas vias aéreas centrais, infiltra a submucosa e gradualmente obstrui a luz brônquica. Acomete quase exclusivamente fumantes, especialmente os grandes fumantes, e sua apresentação radiológica mais comum é de uma grande massa hilar associada à linfonodomegalia mediastnal. Os sí tos mais comuns de metástases são f gado, adrenais, ossos, medula óssea e cérebro.
Na maioria dos casos, a punção aspira tva ou biópsias de lesões limitadas com pouco material podem falsamente sugerir CBPC. A confusão acontece principalmente em pacientes com tumores carcinoides a picos ou tumores mistos, pela semelhança histológica de uma linhagem celular comum (células do sistema neuroendócrino). A acurada avaliação da extensão da neoplasia e um adequado estudo dos linfonodos medias tnais e de metástases a distância são fatores determinantes no prognós tco. No momento do diagnós tco, cerca de 2/3 dos pacientes se apresentam com doença extensa e 1/3 com doença limitada. A média de sobrevida, se considerados todos os estadios clínicos, é de 1 ano para pacientes com CBPC.
3. Aspectos clínicos e diagnóstcos
4. Estadiamento
O modelo de apresentação clínica do paciente com CBPC é o de um homem com mais de 50 anos, tabagista “pesado”, com emagrecimento acentuado, sinais e sintomas respiratórios, que apresenta extensas adenomegalias mediastnais aos exames radiológicos, as quais frequentemente englobam a neoplasia primária. Atualmente, aproximadamente metade dos pacientes com doença inicial, que é o foco do tratamento cirúrgico, apresenta-se com sintomas no momento do diagnós tco.
O sistema de estadiamento é mais simples que no CPNPC, classificando os tumores em doença limitada e extensa.
2. Fisiopatologia
A - Doença limitada Engloba neoplasias con finadas ao hemitórax de origem, ao mediastno (tanto ipsi quanto contralateral) e aos linfonodos supraclaviculares ipsilaterais, em resumo, doença que possa ser incluída em um campo de radioterapia.
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CIRURGIA TORÁCICA Aproximadamente 30 a 40% dos casos de CBPC.
B - Doença extensa A neoplasia ultrapassa os limites descritos anteriormente. Pode-se ainda observar acome tmento de linfonodo no hilo pulmonar ou supraclavicular contralaterais e derrame pleural. Para pacientes com doença extensa, a sobrevida mediana fica entre 8 e 13 meses. Na doença limitada os doentes podem alcançar uma sobrevida mediana entre 15 e 20 meses, com 20 a 40% sobrevivendo mais de 2 anos. Ao falarmos de sobrevida em 5 anos, os números são ainda mais desanimadores, sendo 1 a 2% para doença extensa e 10 a 13% para limitada. Após con firmação histológica, todos os pacientes com CBPC devem ser estadiados, o que inclui o exame f sico completo e alguns exames: - Hemograma, função hepá tca, creatnina, desidrogenase láctca (DHL) e eletrólitos; - TC de tórax e abdome superior: para avaliar f gado e adrenais; - RNM de crânio: pode detectar metástases em até 15% dos pacientes com exame neurológico normal, sendo que a metade seria considerada com doença limitada sem o exame; - Cintlografia Óssea (CO); - Biópsia de medula óssea em casos selecionados: indicada em situações de hemograma alterado, na vigência de DHL aumentado ou CO evidenciando doença metastátca. Não é jus tficável sua realização apenas pela doença de base; - PET-CT: um estudo mostrou que é ú tl em detectar sí tos de doença metastá tca em pacientes até então classificados com doença limitada, além de detectar lesões adicionais no tórax, que acarretam modi ficação do planejamento da radioterapia em cerca de 1/3 dos pacientes. Proporciona o diagnós tco de doença mais avançada que a sugerida pelo estadiamento convencional em cerca de 8% dos pacientes e doença com extensão inferior à sugerida em 2,3% dos casos. Mostrou-se mais sensível e especí fico que TC na identficação de metástases a distância, exceto cerebral, mudando o estadiamento inicial em 17% dos doentes, com sensibilidade de 93% e especi ficidade de 100%.
5. Tratamento A - Tratamento na doença limitada O tratamento primordial é a radioquimioterapia. A associação da radioterapia à quimioterapia promove maiores controles locorregional e sobrevida, especialmente se concomitante e iniciada já no 1º ciclo. Numa meta-análise o aumento absoluto de controle locorregional foi de 25%, e a sobrevida livre de recorrência torácica em 2 anos foi 48%
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versus 23%, porém o ganho de sobrevida geral foi menor, sendo 5,4%, mas ainda signi ficatvo. Contudo, há aumento da toxicidade, sendo esofagite o efeito adverso mais observado. Em geral, pode-se dizer que a radioquimioterapia possibilita sobrevidas em 2 e 5 anos de 50 e 20%, respec tvamente. Os principais esquemas de quimioterapia são cispla tna ou carboplatna com etoposídeo. Combinações sem agentes platnantes se mostraram inferiores. Cerca de 4% dos casos de CBPC podem ser diagnos tcados na ressecção de nódulo pulmonar solitário. A sobrevida desses pacientes, que acabam por receber quimioterapia “adjuvante” com cispla tna e etoposídeo, parece ser de 40%. Em vários estudos retrospec tvos, o principal fator prognóstco nos casos operados é a ausência de N2, mostrando a importância do estadiamento medias tnal invasivo caso se avente uma cirurgia cura tva nesses pacientes. Se detectado no exame da peça comprometmento linfonodal, é indicado também associar radioterapia ao esquema de quimioterapia adjuvante. A incidência de metástase cerebral nos pacientes com CBPC, doença limitada que não recebe Radioterapia Profilátca Cerebral (RPC), é de 37%, aumentando para 100% nos que a tngem 2 anos de sobrevida, além disso, 60% dos pacientes que desenvolvem a doença falecem em decorrência delas. O uso da RPC aumentou a sobrevida em 3 anos de 15,3% para 20,7% numa meta-análise. Bene f cio semelhante foi visto em estudo randomizado realizado em pacientes com doença extensa que responderam à quimioterapia, independente do grau da resposta. Tabela 1 - Recomendações CPPC doença limitada - Radioquimioterapia concomitante é o tratamento de preferência para pacientes com boas condições clínicas; - Quimioterapia podendo associar radioterapia pode ser realizada em pacientes com condições clínicas ruins em decorrência direta do tumor. Caso a queda de desempenho seja por outra causa, o suporte clínico parece ser a melhor opção; - Nos raros casos T1-2 N0, deve-se excluir acome tmentos mediastnal e sistêmico, e a lobectomia pulmonar pode ser realizada. Quimioterapia adjuvante deve ser realizada, associando radioterapia se for N1; - RPC deve ser indicada a todos os pacientes com CBPC que apresentaram boa resposta ao tratamento inicial.
B - Tratamento na doença extensa A despeito do prognós tco ruim, a taxa de resposta ob jetva à quimioterapia varia entre 60 e 80%, com respostas completas sendo observadas em apenas 15 a 20 % dos doentes. A resposta à quimioterapia geralmente ocorre após o 1º ciclo e, infelizmente, possui curta duração, variando entre 6 a 8 meses. Os avanços foram pequenos nas úl tmas décadas, com ganho de sobrevida mediana de apenas 2 meses (de 7 para 9 meses) com o tratamento quimioterápico.
CARCINOMA DE PEQUENAS CÉLULAS
A partr de estudos randomizados, comprovou-se o benef cio em sobrevida global ao usar a associação de 2 drogas se comparadas à monoterapia ou ao uso sequencial dos mesmos agentes na 1ª linha do tratamento. Não há esquema superior, mas as combinações com platna são preferidas. Estes esquemas apresentaram maiores taxas de resposta (69% versus 62%) e redução do risco de morte em 1 ano (29% versus 24%) em relação aos esquemas sem cisplatna ou carbopla tna. Os esquemas com 3 ou mais drogas causam maior toxicidade que a combinação de cispla tna e etoposídeo, sem benef cio significatvo na eficácia, seja com adição de paclitaxel, ifosfamida ou epirrubicina e ciclofosfamida. Este úl tmo até aumentou a taxa de resposta de 61% para 76% e a sobrevida global de 9,3 meses para 10,5 meses, mas à custa de aumento de toxicidade hematológica (neutropenia febril de 18 para 70%). O uso de esquemas com duração prolongada (maior que os 4 ciclos ro tneiros) teve impacto na sobrevida livre de progressão da doença, mas sem impacto na sobrevida global. Assim sendo, não se indica terapia de indução prolongada ou de manutenção para os pacientes com CBPC. A taxa de resposta a esquemas de 2ª linha com droga única é em torno de 20 a 40% em pacientes quimiossensíveis e menor que 10% nos quimiorrefratários. A mediana de sobrevida após o início da 2ª linha varia entre 2 e 6 meses. Tumores com recorrência num período inferior a 60 a 90 dias após a úl tma quimioterapia são considerados quimiorrefratários. A RPC, conforme comentado no tratamento da doença localizada, deve ser realizada nos pacientes com doença extensa e que apresentaram resposta à quimioterapia de 1ª linha, independente do grau de resposta.
A C I C Á R O T A I G R U R I C
Tabela 2 - Recomendações CPPC doença extensa - Quimioterapia de 1ª linha melhora tanto a sobrevida global quanto a qualidade de vida. Regimes combinados de pla tna com 4 ciclos são a 1ª escolha; - Quimioterapia de 2ª linha pode ser ofertada, preferencialmente com topotecano; - RPC deve ser considerada para doentes com resposta ao tratamento inicial.
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CIRURGIA TORÁCICA
CAPÍTULO
10 1. Introdução Pleuras são membranas finas que recobrem e separam os pulmões do diafragma, medias tno e parede torácica. É derivada do mesoderma, e durante a embriogênese se desenvolve em duas super f cies serosas. As pleuras parietal e visceral se fundem na re flexão hilar e criam então o espaço pleural, que normalmente contém uma quan tdade mínima de líquido e que serve de lubri ficante para as pleuras durante a respiração. A pleura parietal recebe aporte sanguíneo das artérias brônquicas e artérias pulmonares, enquanto a pleura visceral recebe o aporte das artérias sistêmicas. A drenagem linfátca é feita através da pleura parietal e dos linfá tcos da parede torácica e seguem os vasos sanguíneos; lembrar também que somente a pleura parietal tem inervação somá tca e, portanto, somente ela é capaz de produzir dor. Histologicamente, cada membrana é composta por uma única camada de células mesoteliais, que é coberta por microvilosidades e assenta-se sobre tecido conec tvo. Sendo assim, poucas são as origens celulares dos tumores pleurais, vindo quase exclusivamente das células mesoteliais, e como todos os tumores, podendo ser benignos ou malignos. Tumores primários da pleura, benignos ou malignos, são raros, sendo que 75% de todas as lesões pleurais representam metástases de outros focos de câncer, principalmente câncer de pulmão, mama ou linfoma. Tumores benignos de pleura (tumor fibroso solitário) são raros, e o tumor maligno de pleura – o mais temido – é o mesotelioma, com prognóstco muito ruim.
Tumores da pleura Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
A maior parte dos tumores localizados de pleura é procedente benigna. O diagnós tco para diferenciar as variantes benignas e malignas é realizado apenas após a ressecção. O tratamento é cirúrgico nos 2 casos.
3. Tumor fibroso de pleura O tumor fibroso de pleura (anteriormente chamado mesotelioma localizado benigno) é um tumor raro. Não tem associação à exposição ao asbesto, ocorre mais comumente após a 5ª década de vida e é mais frequente no sexo feminino. O padrão histopatológico descrito é um misto de células fibroblástcas e tecido conec tvo, mas há uma variedade de outras formas, normalmente similares ao padrão do hemangiopericitoma, leiomiomas ou neuro fibromas. Uma mistura de padrões é comum e acontece em 40% dos casos, pois as células responsáveis pelo aparecimento são as mesenquimais pluripotentes, geralmente na pleura visceral, e crescem pedunculadas em área pequena, sem invasão de estruturas adjacentes. Macroscopicamente, são lobulados, de coloração acinzentada ou esbranquiçada com áreas amareladas. Na microscopia, o mais comum é a visualização de fibroblastos, colágeno e elastna, com raras mitoses e necrose. Importante: a posi tvidade para CD34 é vista na maioria dos casos de tumor solitário de pleura e é considerado como sendo marcador de finitvo.
2. Epidemiologia Nos Estados Unidos, a incidência de mesotelioma é de aproximadamente 2.200 casos por ano, quando comparada ao mesmo período da úl tma década, demonstra um acréscimo em cerca de 50%. Formas de apresentação do mesotelioma – clínica e anatomopatológica: - Benigno (tumor fibroso da pleura); - Maligno; - Difuso maligno.
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Figura 1 - Aspecto histopatológico
TUMORES DA PLEURA
São, normalmente, tumores pedunculados com origem na pleura visceral, de tamanhos variados, mas é infrequente a ocorrência de tumores benignos com mais de 10cm. São tumores relatvamente acelulares e com baixo índice de mitoses.
Tabela 1 - Sintomas extratorácicos associados ao tumor fi broso de pleura - Hipoglicemia (síndrome de Doege-Po er): 4%; - Baqueteamento digital: 20%; - Osteoartropata hipertrófica: 20%.
O exame radiológico mostra uma lesão arredondada ou ovalada, de bordas definidas e localizada na periferia do pulmão. Um achado interessante e que muitas vezes firma o diagnóstco é a mudança de localização da lesão com a mudança de posição no raio x. A tomogra fia mostra, normalmente, uma lesão de densidade heterogênea, limites bem definidos, e que, devido ao grande volume que estas lesões podem adquirir, possivelmente são visíveis áreas centrais de necrose (devido ao tamanho, não ao grau de divisão celular). O derrame pleural é encontrado em cerca de 8% dos pacientes no momento do diagnós tco, de origem benigna, ou por reação in flamatória local ou atelectasia do pulmão adjacente. A C I C Á R O T A I G R U R I C
Figura 2 - Sugestão de legenda: tumor fi broso solitário da pleura: (A) no raio x e (B) na TC
A maioria desses tumores acontece como achado incidental. Quando presentes, os sintomas mais frequentemente relatados são tosse, dor torácica e dispneia, ou a sintomas compressivos locais devido ao tamanho que esses tumores podem chegar, desviando o medias tno e traqueia, por exemplo. Mesmo sendo benigno, esse tpo de tumor pode vir acompanhado de sintomas extratorácicos. Importante: Um achado importante ao exame f sico é a presença de osteoartropata hipertrófica e baqueteamento digital, em cerca de 20% dos pacientes, principalmente naqueles em que o tumor é >7cm. O achado de hipoglicemia é importante e relatado em torno de 4% dos pacientes, costumando regredir com a ressecção da lesão.
Figura 3 - Imagem nodular em região pleural inferior que confunde com nódulo pulmonar
A ressecção é curatva. Normalmente, são ressecados por meio de segmentectomias, sendo importante respeitar uma margem cirúrgica adequada. A recidiva, quando
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CIRURGIA TORÁCICA acontece, costuma ser local, tornando necessária uma nova abordagem para ressecção mais ampla.
4. Mesotelioma localizado maligno Dados de revisões recentes mostram que cerca de 12% dos tumores localizados da pleura são malignos. Em comparação com o tumor benigno, a variante maligna tende a ser maior e a ter uma localização mais a pica, como o interior das cissuras lobares, podendo, também, ter um crescimento intralobar. A tomografia mostra, muitas vezes, áreas de necrose e hemorragia. Já os achados microscópicos revelam maior celularidade, pleomor fismo e número aumentado de mitoses em comparação à forma benigna.
Figura 4 - Tumor com áreas de necrose
Diferente da forma benigna, em que normalmente o tumor é encontrado acidentalmente, cerca de 3/4 dos pacientes com mesotelioma localizado maligno apresentam sintomas. Os mais comuns são tosse, dor torácica, dispneia e febre. A osteoartropa ta raramente ocorre nos tumores malignos, ao contrário da hipoglicemia, que se manifesta com mais frequência na forma maligna do que na benigna, em uma incidência de 11% contra 3% na forma benigna.
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O tratamento dessas lesões é cirúrgico e deve incluir sempre uma margem cirúrgica adequada. Quando há invasão de estruturas torácicas, a ressecção deverá incluí-las; quando a ressecção é completa, não há necessidade de tratamento adjuvante. No caso de ressecção incompleta, indica-se a complementação com radioterapia. A recidiva, quando localizada, deve ser tratada de forma cirúrgica sempre que possível.
5. Mesotelioma difuso maligno Com aproximadamente 80% dos casos localizados na pleura, o mesotelioma é um tumor procedente em super f cies serosas recobertas por mesotélio. Entretanto, também pode ocorrer no peritônio, no pericárdio e na tunica vaginalis. A principal causa do mesotelioma é a exibição ocupacional ao asbesto. Em cerca de apenas 30% dos casos de mesotelioma, não há evidência alguma de exposição ao asbesto. O tempo de latência entre a exposição ao asbesto e a ocorrência do mesotelioma é muito variável, com casos relatados de mais de 72 anos (média de 48 anos) variando, ainda, de acordo com o tpo de fibra e a intensidade da exposição, ou seja, teoricamente somente nesta fase é que diagnostcaremos mais casos de mesotelioma, pois o tempo de exposição sem proteção foi neste período em tempos passados, entre 1920 e 1950 que foram publicados os primeiros artgos correlacionando a exposição ao asbesto com o câncer pleural; hoje são diagnos tcados de 2.000 a 3.000 novos casos ao ano. O tumor cresce preferencialmente sobre as super f cies serosas, penetrando nas fissuras interlobares e podendo encarcerar completamente o pulmão. Geralmente, o diagnóstco de mesotelioma depende menos da a tpia citológica e em maior importância das alterações arquiteturais do tumor e da demonstração de invasão de gordura, músculo esquelétco ou pulmão. Importante: Os mecanismos envolvidos na gênese do mesotelioma são vários (predisposição genétca, exposição ocupacional), mas 2 fatores são relevantes: a exposição ao tabaco associada à exposição ao asbesto aumenta muito a incidência. O vírus SV40, achado em 60% dos pacientes, este vírus foi transmitdo inadvertdamente nos anos 1950 nos EUA por contaminação vacinal, e acredita-se que atua em sinergismo com o asbesto para causar os danos necessários ao DNA do mesotélio e, consequentemente, fazer surgir a doença.
A - Asbesto Asbesto ou amianto é o nome comercial de uma fibra mineral muito u tlizada na indústria como isolante para revestmentos e na fabricação de cimento, devido ao seu baixo custo e à resistência ao calor e à combustão. Por asbestos, entendem-se 6 tpos de silicatos: crisólita, crocidolita, amosita, antofilita, tremolita e ac tnolita. Somente 3 são
TUMORES DA PLEURA
utlizados como isolantes na indústria (crisólita, crocidolita e amosita); os outros são contaminantes. A crocidolita é a forma mais carcinogênica, associa-se a 90% dos tumores pleurais e peritoneais, e parece ser um fator de grande risco para o desenvolvimento de câncer de pulmão, partcularmente em fumantes. A potencialidade oncogênica das fibras de asbesto tem a ver com sua forma e tamanho; assim, as fibras da crocidolita são cristais retos e pontudos, que facilmente penetram a árvore brônquica e se alojam no espaço subpleural, onde é produzida a carcinogênese.
rede e extensão para o diafragma. A comparação da tomografia computadorizada com a ressonância magné tca não demonstrou vantagem signi ficatva desta últma na avaliação da extensão tumoral. Radiologicamente, apresenta-se de forma circular, com espessamento pleural, principalmente em ápice, com invasão da fissura e acometendo a pleura medias tnal. Todas estas característcas juntas aumentam muito o valor predi tvo positvo tomográfico para mesotelioma.
B - Manifestações clínicas A apresentação mais comum dos pacientes com mesotelioma maligno são a dor torácica e a dispneia. O exame f sico mostra diminuição do murmúrio pulmonar do lado afetado, o que sugere a presença de derrame pleural. Eventualmente, o achado pode ser incidental durante o exame radiológico. O mesotelioma sempre se apresenta com uma lesão pleural, mas esta pode estar omi tda caso haja derrame pleural associado. São incomuns metástases no momento do diagnós tco.
A C I C Á R O T A I G R U R I C
C - Radiologia Os achados radiológicos são variáveis, dependendo do estágio do tumor no momento do diagnós tco. Inicialmente, pode ser visto somente um derrame pleural de proporções variadas, que pode ocultar alterações pleurais menos grosseiras.
Figura 6 - Característ cas radiológicas do mesotelioma
Atualmente, o PET-CT ajuda muito no estadiamento e, inclusive, no diagnóstco no sentdo de diferenciar lesões pleurais benignas e malignas com sensibilidade maior que 90%.
6. Diagnóstco
Figura 5 - Derrame pleural volumoso à esquerda
Um pouco mais da metade dos tumores ocorre à direita, e o envolvimento bilateral aparece em 5% dos casos. Eventualmente, uma lesão tumescente na base pleural pode ser a manifestação inicial, mas o envolvimento pleural difuso é a regra. Na doença mais avançada, pode haver o comprometmento das estruturas medias tnais como pericárdio, diafragma, linfonodos e parede torácica. A tomografia de tórax é o método não invasivo mais apurado no diagnóstco e no estadiamento dos pacientes, embora muitas vezes deixe dúvidas quanto à invasão de pa-
Sempre que houver suspeita clínica ou radiológica de mesotelioma maligno, será imprescindível a obtenção de material para patologia. Os exames menos invasivos, como toracocentese e biópsia pleural, juntos, fornecem o diagnóstco em torno de 40% dos casos. Devido à di ficuldade em diferenciar o mesotelioma de outras neoplasias, como adenocarcinomas e sarcomas, a obtenção de maior quantdade de material se torna necessária, e, nestes casos, a toracoscopia é o método de escolha pela baixa morbidade e pelo alto rendimento (>90%). Apresenta os tpos histológicos: - Epitelioide: 50% dos casos. Deve ser cuidadosamente diferenciado de adenocarcinomas, e tem melhor prognóstco dos 3; - Sarcomatoide: 15 a 20%. É mais parecido com sarcoma, com diagnóstco mais reservado; - Misto: prognóstco e diferenciação mista entre os 2 primeiros.
7. Tratamento A cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia são, como nos demais tumores, as modalidades u tlizadas no trata-
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CIRURGIA TORÁCICA mento, entretanto, quando u tlizadas isoladamente, nenhuma delas consegue alcançar resultados sa tsfatórios de cura. Atualmente, o tratamento combinado, também chamado trimodal, é o que vem alcançando resultados mais favoráveis. Fazem-se quimioterapia neoadjuvante e cirurgia e radioterapia adjuvantes. No tratamento do mesotelioma, a cirurgia tem vez desde o diagnós tco até o tratamento de pacientes com intenções curatvas. A videotoracoscopia ou a biópsia pleural aberta é o método de escolha no diagnós tco do mesotelioma, pois consegue obter amostras maiores de tecido, ajudando o patologista na análise e no diagnós tco final, devido à di ficuldade na diferenciação entre mesotelioma, mesotelioma sarcomatoide e sarcoma. Para aqueles com doença avançada ou sem condições clínicas para um tratamento mais agressivo, a toracoscopia com pleurodese é o procedimento mais indicado no controle do derrame pleural, ou seja, tratamento paliatvo. A cirurgia de ressecção tumoral, pleuropneumonectomia, é a única modalidade terapêu tca que parece, de finitvamente, mudar o curso natural da doença. Consiste na ressecção em bloco da pleura parietal, pulmão, diafragma e pericárdio, promovendo uma ressecção pratcamente total do tumor. Pelas caracterís tcas do mesotelioma difuso maligno, a ressecção nunca é oncologicamente completa, sendo impossível obter margens cirúrgicas livres, pelo fato de os limites do tumor serem estruturas irressecáveis como a aorta e o esôfago.
8. Prognóstco Mesmo sendo raro, o mesotelioma é um tpo de tumor extremamente agressivo. Sem tratamento, a sobrevida varia de 4 a 12 meses. Mesotelioma é uma forma de câncer com um prognóstco pobre. A principal causa é o alongado período de latência do mesotelioma, além dos sintomas do mesotelioma precoce, que são indica tvos de várias outras doenças respiratórias e acabam por atrasar o diagnós tco correto. Também é dependente da idade, performance status e tpo histológico. Critérios menos importantes são dor torácica, dispneia, exposição ao asbesto, perda de peso, anemia, leucocitose, trombose etc. Trabalhos recentes com pacientes operados no centro brasileiro de maior experiência com a doença mostram taxa de sobrevida entre 8 e 12 meses nos pacientes operados.
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CAPÍTULO
11 1. Introdução A Mediastnite Aguda (MA) caracteriza-se como uma inflamação dos tecidos que se localizam no compar tmento mediastnal e, na maioria das vezes, é um processo secundário a um componente infeccioso, geralmente advindo da orofaringe, consttuídos por cepas polimicrobianas de aeróbios e anaeróbios que atuam sinergicamente. Tem mortalidade elevada, principalmente em razão da di ficuldade no diagnóstco e da velocidade rápida de progressão dos agentes causais no tecido conjun tvo do medias tno. Os pontos crí tcos da doença são o diagnós tco e tratamento precoce, com imediata administração de an tbiótcos de largo espectro, estudo com tomogra fia computadorizada e terapia cirúrgica precoce e agressiva, nas regiões cervical e torácica. Os melhores resultados são descritos quando o tratamento é realizado por cirurgiões torácicos em conjunto com cirurgiões de cabeça e pescoço, otorrinolaringologistas e den tstas. Sem o diagnós tco e tratamento precoce, a mortalidade é de 40 a 50%; com a melhora da an tbiotcoterapia e das técnicas de imagem, principalmente tomográ ficas (auxiliando no diagnóstco precoce), os índices atuais de mortalidade caíram. Existem 4 formas diferentes de medias tnite divididas didatcamente devido à sua e tologia.
2. Fisiopatologia Na mediastnite, as infecções são polimicrobianas, com mistura de aeróbios e anaeróbios, tpicamente consistndo de Staphylococcus e Streptococcus, que atuam em conjunto: os aeróbios vão ganhando acesso aos tecidos moles e provocando trombose dos pequenos vasos, o que muda a conformação tecidual e diminui o aporte de oxigênio, favorecendo, assim, o crescimento dos anaeróbios, ocorrendo tais fatores em qualquer tpo de inoculação, desde infecção de orofaringe até infecção de ferida operatória (por exemplo, via esternal). Dessa forma, a medias tnite é uma forma de infecção grave e agressiva que exige o tratamento cirúrgico preco-
Mediastnite aguda Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
ce e também bastante agressivo para o sucesso deste, com ampla exploração, debridamento e drenagem do local acometdo de forma prematura. A infecção cervical pode ser facilmente percebida por associar edema, eritema e tensão no local, além de dor, disfagia e odinofagia. A progressão da doença quando é originada em região orofaríngea se faz por celulite descendente, formação de abscesso e sepse sistêmica, fazendo que, dessa forma, somente a drenagem da região cervical se torne ineficaz, e torna mandatória a exploração torácica.
3. Considerações anatômicas Após entender a microbiologia, é importante ter em mente os planos faciais do pescoço e sua comunicação com o mediastno. As fáscias cervicais profundas separam o pescoço em 3 compartmentos: - Retrovisceral: é a mais comumente acometda e causa a infecção no medias tno posterior, pelo arremetmento da orofaringe; - Pré-traqueal: é a fáscia anterior à traqueia, e fica entre a face posterior do esterno e anterior da traqueia. Quando acometdo, este plano pode causar infecção da pleura e pericárdio, sendo descritos casos inclusive de pericardite purulenta e tamponamento cardíaco; - Perivascular: acompanha a bainha caro dea e pode causar potencialmente paralisia nervosa ou sangramento destes vasos por erosão dos mesmos. Conceito importante: tanto a gravidade quanto a pressão torácica negatva podem contribuir na descida e infecção mediastnal.
4. Avaliação radiológica Radiologicamente, a determinação do envolvimento mediastnal não é fácil. A tomografia com contraste das regiões cervical e torácica é fundamental para determinar o envolvimento dessas áreas. Na tomogra fia, o que se vê é edema de partes moles no medias tno com distorção dos planos faciais normais. Comumente, pode conter áreas lí-
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CIRURGIA TORÁCICA quidas e ter ou não a presença de bolhas de ar. Também podem estar presentes coleções pleurais ou pericárdicas, inclusive acometmento peritoneal ou retroperitoneal. O uso da tomografia é fundamental, portanto, para o diagnóstco, avaliação do nível de acome tmento da doença e planejamento do tratamento, tornando-se arma fundamental e mandatória na história natural da doença e no planejamento para sua intervenção.
5. Classificação e conduta Após as considerações iniciais, vamos discu tr separadamente cada um dos tpos de medias tnite e seus detalhes de acordo com sua causa e, consequentemente, as par tcularidades no tratamento de cada uma delas.
A - Esternotomia mediana As MAs secundárias à esternotomia mediana de acesso para cirurgias cardiovasculares traduzem-se como infecções de uma ferida operatória e são as mais frequentes atualmente, o que se deve ao grande número de abordagens cirúrgicas cardiovasculares por essa via. Hoje, são as mais estudadas das MAs e têm prognóstco melhor que a MA nas lesões esofágicas. Nos EUA, chegam a 600.000 casos por ano, comprometendo de 1 a 2% dos pacientes operados. Apesar do baixo percentl, são consideráveis a mortalidade e os custos. Tal incidência aumenta significatvamente em certas circunstâncias, como nos imunodeprimidos e nos transplantes cardíacos. Podem surgir em pós-operatório de cirurgias medias tnais, mais raramente em traumas anteriores, usualmente com fratura esternal. Os fatores de risco mais signi ficatvos são a utlização de ambas as artérias torácicas (mamárias) internas para revascularização miocárdica (diminuindo o aporte sanguíneo para o esterno), diabetes mellitus, operações de emergência, massagem cardíaca externa (ressuscitação), obesidade (20% acima do peso ideal), choque pós-operatório, múl tplas transfusões de sangue, prolongados períodos de circulação extracorpórea ou de operação, reoperação, deiscência esternal, fatores técnicos (abuso eletrocautério, cera óssea e acesso paraesternal) – fatores provavelmente sinergís tcos.
Figura 1 - Infecção da ferida e deiscência da pele
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A maioria dos casos (70 a 80%) de MA pós-cirurgia cardíaca indica infecção por cocos Gram posi tvos, usualmente, por Staphylococcus aureus ou Staphylococcus epidermidis. Infecções mistas por Gram posi tvos e negatvos acontecem em cerca de 40% dos casos, e os Gram nega tvos isoladamente são raros. A infecção por qualquer agente patógeno causa alguma inflamação das estruturas mediastnais, comprometendo a fisiologia por compressão, sangramento, sepse ou a combinação destes. A origem da infecção em operações cardíacas abertas é desconhecida em muitos pacientes. Autores acreditam que o processo se inicie como uma área isolada de osteomielite esternal, podendo levar à separação do esterno, e outros creem que os eventos iniciais sejam a instabilidade esternal e a migração de bactérias aos planos profundos. Uma drenagem medias tnal inadequada pode contribuir para a infecção torácica profunda. A própria flora bacteriana cutânea do paciente e do ambiente cirúrgico é uma possível fonte de infecção. Devido à contaminação bacteriana da ferida cirúrgica ser inevitável, os fatores de risco do hospedeiro, discutdos previamente, são crí tcos em promover uma infecção atva. A MA manifesta-se em um espectro que varia de pacientes com infecção subaguda a um quadro sép tco fulminante, que requer intervenção imediata para prevenir o óbito. No quadro mais pico na MA pós-operatória, o paciente apresenta-se febril e taquicárdico e refere infecção esternal (abaulamento, drenagem de secreção, dor etc.). Dois terços desses casos estão presentes dentro de 14 dias após a operação. Embora possa ser visto um retardo de até meses, os sinais costumam surgir dentro de 4 semanas da pós-operação. Os pacientes podem se queixar de dor esternal que aumentou dias após a operação, drenagem de secreção pela ferida e hiperemia progressiva na mesma (celulite). A dis tnção entre infecção super ficial e profunda pode ser complexa. Os sinais e sintomas de sepse sugerem fortemente o envolvimento medias tnal. E os resultados de exames de imagem (tomogra fia computadorizada, em especial) auxiliam nessa dis tnção e na conduta a ser tomada. O hemograma, em geral, mostra leucocitose de moderada a intensa, com desvio à esquerda. A anemia será proporcional à hemorragia caso exista, ou refletirá o consumo por infecção aguda. Nas fases iniciais da sepse, haverá plaquetose e, caso não seja contornada, haverá decréscimo quando da coagulação intravascular instalada. A bacteremia é encontrada em até 60% dos pacientes com MA pós-operatória. Os resultados de espécimes adequadamente colhidos poderão modificar os antibióticos já prescritos. A cultura de eletrodo de marca-passo provisório deverá ser útl caso não sejam mais necessários, e, quando a cultura for negatva, será um dado contrário ao diagnós tco de MA.
MEDIASTINITE AGUDA
O retardo no diagnóstco aumenta muito a morbidade e a mortalidade. Os exames de imagem são úteis no diagnóstco e no seguimento evolu tvo das MAs. A TC é mais confiável que o raio x simples na identificação do pneumomediastino e de níveis hidroaéreos; pode mostrar também a separação das bordas esternais e coleções subesternais. Realizada a partir da 2ª semana de PO, pode ter sensibilidade e especificidade de quase 100%. Esses dados devem ser somados a aspectos clínicos devido às alterações encontradas serem semelhantes ao aspecto normal em PO até 3 semanas em indivíduos sãos. A aspiração de coleção subesternal guiada por TC pode estabelecer o diagnós tco de MA mais precocemente, e a antbiotcoterapia bem direcionada é crucial para a cura. Na deiscência esternal não complicada, sem infecção, o tratamento efetvo é a ressutura esternal. O resultado em longo prazo é bom, e é necessário atentar para excluir infecção atva. Com mediastnite instalada, devem-se promover desbridamento e ampla drenagem regional. Geralmente, todos os materiais estranhos devem ser removidos da ferida cirúrgica. Quanto à medias tnite extensa, a drenagem com exaustva irrigação está indicada. Muitos preferem manter aberta a ferida esternal para novos desbridamentos, se necessários.
B - Perfuração de esôfago Apesar de não ser tão comum como a e tologia pós-operatória de esternotomia, a Perfuração do Esôfago (PE) contribui com um substancial número de casos de MA no EUA. As MAs em PE se devem a infecções anaeróbicas, por Gram negatvos e positvos. Geralmente, há alguma manipulação prévia do esôfago (etologia mais comum: após endoscopia, geralmente no nível do cricofaríngeo). A PE surge em locais de estreitamento anatômico e pode acontecer em qualquer segmento. São causas descritas erosão da parede esofágica por neoplasia ou de seu tratamento (radioterapia); pós-operatório – cirurgias esofágicas ou em cercanias; corpos estranhos; instrumentação endoscópica em procedimentos diagnós tcos ou terapêutcos; introdução de sondas nasogástricas para descompressão ou alimentação; ruptura espontânea (síndrome de Boerhaave); trauma – contusão do tórax ou abdome alto. Qualquer que seja a causa, a patogenia é a mesma, e as medidas terapêu tcas são semelhantes.
Figura 2 - Perfuração vista pela EDA
Na PE, o paciente pode referir dor cervical, torácica ou mesmo abdominal (conforme o segmento lesado) e en fisema subcutâneo ou profundo próximo ao local perfurado. A perfuração instrumental mais frequente está no nível do cricofaríngeo. A dor à deglu tção deve sempre ser valorizada no diagnóstco precoce. Os sinais vitais comumente mostram taquicardia e febre; em sepse instalada, a hipotensão poderá exis tr, e o paciente necessitará de suporte de grande volume de cristaloides e drogas vasoa tvas. O sinal de Hamman, uma crepitação de ba tmento cardíaco durante a sístole, pode estar presente e indicar in flamação (ar), embora sua ausência não afaste o diagnós tco de MA. Sinais de efusão pleural poderão surgir. À análise do líquido pleural puncionado, encontram-se pus fé tdo, restos alimentares ou apenas exsudato complicado citrino semiturvo (critérios de Light) e amilase elevada. Caso o diagnós tco não tenha sido feito, a drenagem torácica poderá mostrar um líquido estranho. A ingestão de alimentos brancos ou a oferta de corantes (azul de me tleno) saindo pelo sistema de drenagem indicam que o esôfago está perfurado, só não revelando o local da lesão. Geralmente, observam-se anemia variável, leucocitose com moderado a severo desvio à esquerda, plaquetose nas fases iniciais e plaquetopenia quando instalada coagulação intravascular disseminada. As radiografias, neste caso em especial, são importantes, pois dão indícios relevantes da perfuração esofágica e/ou acometmento pleural, poderão mostrar aumento do espaço retrotraqueal, enfisema cervical profundo, pneumomedias tno, pneumoperitônio, derrame pleural ou níveis hidroaéreos variáveis conforme o local da lesão, além de consolidações pulmonares (broncopneumonia coexistente). O esôfago contrastado (EED) está indicado na suspeita de perfuração esofágica, podendo demonstrar o local lesado. Deverá ser iniciado com ingestão de contraste hidrossolúvel; se nenhuma perfuração for notada, deverá ser feito
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A C I C Á R O T A I G R U R I C
CIRURGIA TORÁCICA com bário (gole cheio), que de fine melhor imagem das paredes esofágicas. A endoscopia diges tva alta pode não diagnos tcar pequenas lacerações esofágicas. A TC é o exame mais adequado para veri ficação de níveis, pneumomediastno e avaliação de complicações pulmonares e pleurais, orientando condutas a serem tomadas. É também o método de investgação evolutva no pós-operatório em busca de complicações infecciosas (abscessos e empiemas septados). A MA é uma condição secundária; todos os esforços devem ser feitos para determinar e tratar a causa primária da complicação mediastnal. Inicia-se com hidratação, combate à dor, antbiotcoterapia, com espectro também para anaeróbios. Empiricamente, podem-se iniciar piperacilina-tazobactam e vancomicina; em pacientes com ana filaxia à penicilina, podem-se indicar quinolona e clindamicina. A estratégia de tratamento das MAs por PE é in fluenciada pelos seguintes fatores: tempo decorrido entre a perfuração e o diagnós tco; o local e a intensidade da lesão; se a perfuração está contda ou há extravasamento na cavidade pleural, mediastno, pericárdio ou peritônio; idade e estado geral do paciente; presença de doença esofágica prévia, comorbidades etc. A abordagem tem sido a operação, o mais precocemente possível, porém alguns casos muito selecionados podem ser tratados mais conservadoramente. Recomenda-se o tratamento não operatório nas seguintes situações: ausência de crepitação, pneumotórax, pneumoperitônio ou extravasamento intraperitoneal; roturas do esôfago bem con tdas no mediastno ou numa loculação pleural; perfurações instrumentais em que o paciente nada recebe pela boca devido ao procedimento e a perfuração é detectada precocemente; pacientes clinicamente estáveis; perfurações há algum tempo antes do diagnós tco, nas quais o paciente desenvolve tolerância à perfuração. Operações são indicadas nas seguintes situações: perfuração espontânea (síndrome de Boerhaave); perfurações com contaminação do medias tno; PE associada a doenças esofágicas preexistentes – câncer e acalásia; PE intra-abdominal; PE com pneumotórax, com corpo estranho re tdo e no paciente instável em choque ou sinais de sepse sistêmica. A eliminação do foco contaminante é uma etapa essencial também no tratamento da MA por PE, fazendo cessar os insultos químico e bacteriano das secreções aí extravasadas. A maioria dos pacientes com diagnós tco precoce (nas primeiras 24 horas de lesão) é operada e tem prognós tco significatvamente melhor do que quando o diagnós tco é tardio (após as 24 horas iniciais). Nestas, há tendências de tratar os pacientes com várias estomias provisórias, deixando o local perfurado sem sutura. A esofagectomia precoce está indicada, geralmente, àqueles com lacerações extensas ou aos casos com doenças esofágicas severas (estenoses ou necroses extensas, neoplasias distais etc.). A esofagectomia, ao eliminar completamente o foco contaminante, produz notável e imediata recuperação do quadro sép tco.
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A drenagem adequada do medias tno é uma medida essencial no tratamento das MAs causadas por PE. Os derrames pleurais podem infectar, e o empiema pleural, levar à sepse sistêmica caso não seja drenado adequadamente. A nutrição de suporte é fundamental e poderá ser mantda por gastrojejunostomia ou jejunostomia (quando a exclusão do esôfago foi necessária). Se o esôfago foi preservado, a nutrição enteral é a ideal. A nutrição parenteral poderá ser necessária em alguns casos, temporariamente. Como medidas de suporte à ven tlação mecânica, são fundamentais drogas inotrópicas e an tbiotcoterapia. Um fator muito importante na condução do caso é a reavaliação permanente da evolução da MA, usando a tomografia computadorizada na busca de focos infecciosos não adequadamente drenados ou formados no pós-operatório. O raio x é o exame de seguimento ro tneiro, porém, em consolidações anormais ou na persistência de foco infeccioso, é imprescindível a TC torácica. Reoperações com desbridamentos pleurais e drenagens adequadas poderão ser necessárias. O prognóstco é variável e depende de diversos fatores descritos, porém pacientes com PE tratadas nas primeiras 6 horas podem chegar a 90% de sucesso. São também desfavoráveis comorbidades, como neoplasias, desnutrição crônica, diabetes, obesidade, hipertensão arterial, coronariopatas, idade avançada etc.
C - Mediastnite descendente necrosante A MA, cujo foco infeccioso primário é oriundo da boca ou da orofaringe, é uma das formas mais agressivas de infecção. Na maioria das vezes, o diagnós tco é tardio e realizado quando a sepse já está instalada. A mortalidade apresenta valores acima de 50%, mesmo com adequado tratamento. São causas desta medias tnite angina de Ludwig, infecção odontogênica progressiva (2º ou 3º molar); pós-operatório de cirurgias de cabeça e pescoço, vértebras e grandes vasos; extensão de infecção pulmonar ou de vértebras/costelas (TB, HIV) ou de punções venosas centrais etc.
Figura 3 - Abscesso retrofaríngeo
MEDIASTINITE AGUDA
A sepse sistêmica é a maior complicação da medias tnite descendente necrosante e manifesta-se por taquicardia, hipotensão e baixo débito urinário. Deve-se agir precoce e agressivamente para prevenir complicações letais. A infecção é polimicrobiana. As bactérias mais comuns são Streptococcus beta-hemolí tco, Peptostreptococcus, Fusobacterium, Bacteroides sp, Staphylococcus aureus e Haemophilus sp. Frequentemente, as culturas em aerobiose das secreções são nega tvas porque os causadores são germes anaeróbios. A suspeita destes é ainda maior quando a origem é o foco dentário e há gás em exame de imagem.
mediastnal é determinada pelos achados à TC. Quando a supuração envolve apenas o medias tno superior (altura da 4ª vértebra dorsal), a drenagem cervicomedias tnal apenas pelo pescoço pode ser cura tva, sendo uni ou bilateral cervical conforme o caso. Quando a supuração desceu a lém da referida altura, as drenagens pleuromedias tnais serão via torácica, de modo convencional aberto ou videoassis tdo – dependendo dos achados tomográ ficos, pode ser indicada inclusive a abordagem bilateral. A traqueostomia poderá ser empregada no manejo, mas não é obrigatória. A progressão da infecção, a erosão de vasos, as supurações distantes não são excepcionais. Sintomas abdominais agudos poderão indicar disseminação da doença.
D - Perfuração traqueobrônquica
Figura 4 - Coleção mediast nal com bolhas de gás
O quadro clínico no início é inespecí fico, e os sintomas que envolvem o medias tno são vagos. Dados de infecção ou manipulação dentária, infecção de orofaringe, corpos estranhos ingeridos ou ferimentos da garganta poderão ser referidos. A medias tnite descendente necrosante desenvolve-se entre 12 horas e 2 semanas após a infecção inicial. Dor cervical, trismo, edema, enduração, disfagia alta ou crepitação na região cervical estão presentes na maioria das vezes. O paciente poderá estar febril, confuso, obnubilado e com comprometmento hemodinâmico. O hemograma certamente terá leucocitose e desvio à esquerda importantes. A radiografia simples e a TC poderão evidenciar alargamento do espaço retrofaríngeo com ou sem nível hidroaéreo, anteriorização da coluna de ar da traqueia, en fisema mediastnal e perda da lordose anatômica da coluna cervical. Alargamento do medias tno, enfisema mediastnal, derrames pleurais ou pericárdicos, consolidações broncopneumônicas poderão surgir na progressão da doença. Precocemente, iniciam-se hidratação, combate à dor e cobertura antbiótca com cefalosporinas de 2ª ou 3ª geração associadas à clindamicina ou piperacilina-tazobactam e vancomicina. Em pacientes com ana filaxia à penicilina, deve-se substtuir por quinolona e clindamicina, em vez da piperacilina-tazobactam. Conforme a evolução clínica e os resultados de culturas, o esquema de an tbiótcos poderá ser adequado. A mediastnite descendente necrosante pode ser evitada por drenagem cervical e desbridamento precoces quando a infecção ainda não alcançou o medias tno. A drenagem
Bem como as lesões esofágicas, a perfuração traqueobrônquica poderá causar MA. A instrumentação durante broncoscopia, em dilatação de estenoses, re trada de corpos estranhos ou de tumores endoluminais (laser , cautério, saca-bocado etc.), a manipulação de próteses de traqueia ou de esôfago, o trauma, ferimentos ou contusões poderão causar solução de contnuidade nas paredes da via aérea com extravasamento de secreções para o medias tno. A hemoptse, a dispneia, a rouquidão ou o en fisema de partes moles poderão ser sugestvos. A bronco fibroscopia deve ser realizada quando se suspeita de perfuração de via aérea, pode permitr a identficação da lesão em brônquios maiores e programar a via de acesso para o tratamento ou mesmo para permitr a exclusão da laceração guiando tubos seletvos, evitando a contaminação maior dos tecidos próximos.
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A C I C Á R O T A I G R U R I C
CIRURGIA TORÁCICA
CAPÍTULO
Síndrome da veia cava
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Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
tercostais, lombares, sacrais e deságuam também na veia cava inferior;
1. Introdução A definição da Síndrome da Veia Cava Superior (SVCS) baseia-se em um conjunto de sinais e sintomas causados pela dificuldade do fluxo sanguíneo a par tr da Veia Cava Superior (VCS) a tngir o átrio direito. A gravidade do quadro é definida a partr da intensidade do fator de bloqueio e sua localização em relação ao ósto da veia ázigos. A VCS é a responsável por drenar o sangue do segmento cefálico, membros superiores e parte do tórax, e tem ín tmo contato com os nódulos linfá tcos (cadeia paratraqueal direita, ázigos, hilares, subcarinais) do tórax. No caso de alguma patologia que cause aumento de volume desses linfonodos, pode haver compressão da VCS devido às suas paredes finas e ao fluxo sanguíneo de baixa pressão.
2. Anatomia A VCS se origina da confluência das 2 veias inominadas no nível da 1ª cartilagem costal à direita, desce ao mediastino e entra no átrio direito, fazendo a junção cavoatrial (onde existe a válvula de controle, a tricúspide) junto do pericárdio, onde também existe o nó sinusal. É uma veia de 7cm comprimento e 2cm de diâ metro, e tem relação com a pleura e pulmão lateral e superiormente, além de estar encostada em outras estruturas vasculares grandes, como aorta e veia pulmonar superior no mediastino. Importante lembrar as 4 principais vias colaterais venosas para a veia cava em humanos: -
Sistema venoso ázigos: veia ázigos, que drena diretamente para veia cava superior no nível do brônquio-fonte principal direito;
-
Sistema venoso torácico interno: em que o sangue entra pela VCS advindo das veias torácicas internas que deságuam nas veias epigástricas superior e inferior;
-
Sistema venoso vertebral: o sangue do sinus venosus e as veias braquiocefálicas bilaterais passam pelas in-
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-
Sistema venoso torácico externo: o sangue vem do sistema venoso superficial, passa pelas subclávias e axilares, indo até a veia torácica lateral. Nesse ponto, tem-se a ligação com a veia femoral e, daí, para toracoepigástrica e veias epigástricas super ficiais.
Outro fator importante é a presença de vias colaterais de drenagem, que servem como conexões alterna tvas entre as veias cavas superior e inferior. No caso de obstrução da VCS, o sangue segue por essas vias secundárias, formando a chamada “circulação colateral”.
3. Fisiopatologia Devido à sua localização em compar tmento não distensível, com paredes finas e baixa pressão hemodinâmica, além de ser totalmente circundada por cadeias linfonodais, a veia cava superior pode ser obstruída por doenças e aumento de vários órgãos e estruturas ao redor: - Compressão de estruturas que circundam a veia por doenças benignas ou malignas; -
Invasão por tumores malignos;
-
Trombose por doenças hipercoagula tvas (neoplasias/ policitemia), danos da ín tma (cateteres), ou estase (compressão externa);
-
Constrição por tecido sante).
fibrótco
(mediastnite
fibro-
Todos esses mecanismos podem elevar a pressão venosa para até 500cmH2O e resultar na abertura da circulação colateral, sendo que a severidade de tais sintomas depende da rapidez da instalação. Na obstrução aguda, o sistema venoso colateral não consegue distender com rapidez para acomodar o sangue, fazendo com que o quadro clínico fique mais exuberante, ao contrário dos quadros mais arrastados, em que o paciente é oligossintomátco.
SÍNDROME DA VEIA CAVA
A presença de circulação colateral depende do grau de obstrução da VCS e do tempo de progressão da doença, e fica mais aparente quando há oclusão total do vaso, e as veias subcutâneas da parede anterior do tórax se ingurgitam e passam a apresentar insu ficiência e aspecto varicoso. As veias ázigos, torácicas internas, toracolaterais, paraespinhais e o plexo venoso esofágico também se transformam em vias alternatvas que visam retornar o sangue venoso dos segmentos superiores para o coração, sendo possível a visualização do aumento de calibre em exames vasculares contrastados.
Figura 1 - A fi lamento da veia cava e dilatação do sistema venoso superiormente
4. Quadro clínico A SVCS é de finida como a manifestação clínica da obstrução ao fluxo sanguíneo na VCS. O quadro clínico é diretamente proporcional ao grau de obstrução ao fluxo venoso. Uma história cuidadosa deve ser obrigatoriamente pesquisada, com investgação da presença de edema facial ao acordar, pois é um dos sintomas mais precoces e que pode até passar despercebido. Outro sintoma que pode ser relatado é a síncope que advém com uma crise de tosse; o paciente tem perda súbita de consciência ao tossir, resultado da elevação da pressão venosa intracraniana que aumenta ainda mais durante a tosse, equiparando-se a pressão de perfusão arterial, e, com isso, dificulta o fluxo sanguíneo capilar, causando isquemia transitória e perda de consciência. Esse quadro pode se estender mesmo após o tratamento e costuma melhorar após a elaboração da rede colateral de drenagem.
5. Etologia O câncer de pulmão é o principal responsável pela SVCS, com incidência de 70%. O sub tpo histológico mais frequente é o carcinoma de pequenas células, responsável por 38 % dos casos, devido às extensas metástases linfonodais que esses tumores acarretam. Os linfomas (principalmente do sub tpo esclerótco), os tmomas e os tumores de células germina tvas são outras causas neoplásicas primárias. O carcinoma metastá tco de mama é a mais frequente entre as causas neoplásicas secundárias. Em relação às lesões benignas, a fibrose mediastnal secundária à histoplasmose é a causa mais comum, com a característca de apresentar múl tplos linfonodos medias tnais calcificados. O bócio mergulhante de grandes proporções também pode se manifestar por SVCS. Devido à compressão da veia no espaço retroesternal, algumas doenças granulomatosas podem causar linfadenomegalia mediastnal e SVSC, mas isso ocorre raramente. Outra causa de SVCS é trombose venosa decorrente da implantação de cateteres ou fios de marca-passo no sistema cava superior. Esses elementos podem provocar tromboses localizadas, porém raramente evoluem com tromboses extensas e obstrução total ao fluxo sanguíneo. Tabela 1 - Causas da síndrome da veia cava superior Doenças malignas (95%)
Figura 2 - Anatomia da veia cava superior
Os sintomas mais comuns são a dispneia, a pletora facial e o edema cervicofacial, que a tngem até 60% dos pacientes. Com a evolução da doença, podem aparecer edema de membros superiores, disfagia e dor torácica. Tosse pode ser relatada devido ao edema vascular peribrônquico. Em casos mais graves, há o acome tmento do SNC resultante do edema cerebral, e o paciente pode queixar-se de cefaleia, vertgem, diminuição do nível de consciência e coma.
- Câncer de pulmão (80%): · Ca pequenas células. · Ca não pequenas células: * Linfoma; * Timoma; * Tumores mediastnais (mais comuns de células germinatvas); * Tumores sólidos com metástases medias tnais (mais comum Ca de mama). Outras (5%) - Iatrogênicas: marca-passo, cateteres centrais, pós-radioterapia; - Doenças infecciosas: mediastnite fibrosante secundária à tuberculose, sí filis, histoplasmose, actnomicose etc.; - Outros: mediastnite fibrosante, sarcoidose, colangite esclerosante etc.
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CIRURGIA TORÁCICA 6. Diagnóstco O diagnóstco da SVCS pode ser dividido em: - Diagnóstco da síndrome: Essencialmente clínico, devido aos sinais e sintomas do paciente, cujo tratamento é fundamentado na resolução dos sintomas, que estarão presentes em número e gravidade de acordo com o grau e rapidez da obstrução. Os pacientes apresentam edema e eritema facial, sudorese no pescoço e braços, dilatação do sistema venoso nos membros superiores e cabeça; também podem apresentar dispneia, tosse persistente e ortopneia. Em situações de progressão da doença, podem-se observar sintomas como: edema periorbital, disfagia, cefaleia, ver tgem, síncope, letargia e dor torácica;
de correlação patológica (como presença de linfadenomegalia supraclavicular). O material pode ser ob tdo por meio de Punção Aspiratva por Agulha Fina (PAAF) ou biópsia com agulha cortante. Caso haja necessidade de maior quan tdade de material para culturas ou imuno-histoquímica, está indicada a biópsia cirúrgica. Como métodos para esta biópsia, podem-se utlizar a mediastnotomia anterior, a mediastnoscopia ou a videotoracoscopia.
- Diagnóstco etológico: É importante por 3 mo tvos principais: algumas doenças que causam a síndrome são mais sensíveis a tratamentos especí ficos; pacientes com neoplasia não morrem pela síndrome, mas pela extensão da doença de base; menos de 5% das síndromes são causadas por doenças benignas. Na suspeita clínica, o 1º exame a ser ob tdo é a radiografia de tórax em PA e per fil, que pode demonstrar alargamento mediastnal. Em alguns casos, a radiogra fia simples pode estar normal. A investgação diagnóstca contnua com a TC de tórax com contraste, e a RNM está indicada a pacientes alérgicos ou com função renal deteriorada. A cavografia (método diagnós tco para estudo da VCS, por meio da injeção de contraste e raio x), muito u tlizada no passado, não tem mais indicação atual, pois a TC e a RNM, além de trazerem as mesmas informações quanto à obstrução, permitem o estudo das outras estruturas intratorácicas.
Figura 4 - Compressão da veia cava por massa mediast nal
7. Tratamento O tratamento divide-se em sintomá tco, ou seja, comum a todos os casos, e o especí fico da patologia que desencadeou a SVCS.
A - Tratamento sintomátco Para o tratamento sintomátco da SVCS, faz-se o uso de medidas clínicas, como elevação da cabeceira do leito, enriquecimento do ar inspirado com oxigênio, e de medicações, principalmente diuré tcos e cor tcosteroides, com o obje tvo de diminuir o edema no território drenado pela VCS, levando à melhora dos sintomas respiratórios e neurológicos. Está contraindicada a punção venosa dos membros superiores, devendo ser u tlizada a rede venosa dos membros inferiores para a infusão de drogas e volume.
B - Tratamento secundário
Figura 3 - Cavogra fi a normal
O próximo passo é diagnós tco etológico, na maioria das vezes, compreende obter material necessário para análise laboratorial. Isso pode ser realizado por meio da biópsia da lesão em si, ou de lesões a distância quando se suspeita
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Após a estabilização clínica, os esforços serão para obter o diagnóstco e iniciar o tratamento especializado. Nos casos com possibilidade de ressecção cirúrgica, deve-se verificar, por exames de imagem, se existe apenas compressão do vaso ou invasão local. A subs ttuição da VCS por uma prótese vascular em doenças malignas só está indicada aos casos em que haverá ressecção total da lesão. Nos outros casos, o risco cirúrgico alto não compensa o procedimento, pois não há aumento de sobrevida. Há contraindicação à cirurgia de substtuição da veia cava nos casos com circulação
SÍNDROME DA VEIA CAVA
colateral extensa e desenvolvida pelo risco de formação de trombos e embolia a par tr das veias colaterais varicosas. Nos casos de SVCS devido às doenças benignas, como da mediastnite fibrosante, o uso do enxerto vascular tem indicação e impacto na melhoria da qualidade de vida.
ção cirúrgica, o tratamento pela radioterapia está indicado, e o alívio sintomátco e a melhora clínica são vistos em até 70% dos casos. Tratamento apenas palia tvo. A angioplasta percutânea transluminal também é uma opção e é indicada, principalmente, quando há falha da quimioterapia ou a radioterapia e a instalação da síndrome é aguda e grave. A principal contraindicação é a invasão da VCS pela lesão tumoral; para as obstruções trombó tcas ocasionadas por cateter e outras doenças benignas, a indicação é discu vel; o procedimento é realizado por meio de inserção de balões in fláveis para obter a dilatação da luz vascular, seguida da colocação de stent metálico expansível para manter a perviedade da VCS. A heparina e os an tcoagulantes orais têm indicação para impedir a progressão do trombo e facilitar a recanalização. Tabela 2 - Indicações e contraindicações cirúrgicas na obstrução da veia cava superior Indicações
Figura 5 - Massa mediast nal causando síndrome da veia cava
O enxerto é usualmente realizado entre a veia braquiocefálica ou jugular do lado esquerdo e a aurícula direita, utlizando uma prótese em anastomose terminoterminal. A prótese de uso mais frequente é de PTFE (politetra fluoretleno). Primeiramente, é realizada a anastomose atrial e, posteriormente, a sutura à veia sistêmica.
Contraindicações
- Tumores irressecáveis; Neoplasias: - Câncer de pulmão operável; - Tumor não pequenas - Tumor de mediastno; células inoperável ou - Tumor primário de veia cava supe- que necessite de pneurior. mectomia. Vasculares: - Aneurismas primários saculares; - Malformações primárias.
- Paredes venosas anormais na proximidade da obstrução.
- Causas benignas.
- Síndrome causada pelo cabo do marca-passo.
Figura 6 - Prótese de PTFE
Quanto aos portadores de carcinoma de pulmão ou outros tumores radiossensíveis sem possibilidade de ressec-
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CIRURGIA TORÁCICA
CAPÍTULO
13
Tumores do mediastno anterior Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
1. Introdução O mediastno é um espaço virtual compreendido entre os 2 pulmões, delimitado pela re flexão da pleura sobre os hilos pulmonares, que é denominada pleura medias tnal. Para efeito mais didátco do que clínico, o medias tno é dividido em 2 grandes compar tmentos, superior e inferior, e este últmo ainda se divide em outros 3 compar tmentos (com base em planos imaginários sobrepostos à radiografia em perfil): anterior, médio e posterior. Essa divisão ajuda a caracterizar anatomicamente doenças e tumores de acordo com a localização e o órgão de origem. -
Mediastno superior: tem como limite superior o estreito superior do tórax e como limite inferior um plano, que vai do ângulo esternal até uma linha imaginária entre T4 e T5, chamado plano de Ludwig;
-
Mediastno anterior: tem uma forma alongada, grosseiramente triangular de base superior e se estende entre o esterno e o plano do pericárdio, a par tr do plano de Ludwig. Contém tmo, gordura e linfonodos;
-
Mediastno médio: tem como limite anterior o saco pericárdico e posterior à coluna vertebral (4ª vértebra torácica). Essa porção engloba o coração, o pericárdio, a traqueia, os hilos pulmonares e os linfonodos;
-
Mediastno posterior: está situado entre o pericárdio e a coluna vertebral. Contém, entre outras estruturas, o esôfago e a aorta torácica.
Os tumores do mediastno anterior perfazem cerca de 60% das massas mediastnais como um todo, e as neoplasias derivadas do tecido mico são os mais comuns ( tmomas, carcinomas e carcinoides micos). Outras neoplasias que podem acometer esse compar tmento são os tumores de linhagem germina tva, os linfomas, tumores mesenquimais e tumores da treoide e paratreoide.
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Figura 1 - Divisões do mediast no
Como auxílio para memorização, usualmente, diz-se que na região de medias tno anterior são comumente encontrados 4 tpos de tumores (os 4 “T”): - Timoma; - Terrível linfoma; - Teratoma; - Tireoide.
2. Diagnóstco Uma parcela significatva dos tumores do medias tno anterior é assintomátca ou oligossintomátca (as queixas são relacionadas a fenômenos compressivos ou invasão de
TUMORES DO MEDIASTINO ANTERIOR
estruturas; geralmente, são sintomas inespecí ficos e imprecisos como dor torácica e dispneia), sendo descobertos em exames radiológicos de ro tna.
Figura 3 - Massa no mediast no anterior
Figura 2 - Massa mediast nal em radiogra fi a de tórax
Embora não haja sinais patognomônicos, exames de imagem bem conduzidos interferem posi tvamente na acuidade do diagnós tco das lesões mediastnais. Diferenciar neoplasias de massas pseudotumorais do medias tno anterior exige um estudo por imagem adequado, associando o conhecimento de Epidemiologia integrado a outros exames. O achado de alargamentos da silhueta do medias tno em radiografias convencionais deve ser inves tgado com Tomogra fia Computadorizada (TC), o exame de imagem mais eficiente e com melhor custo-bene f cio para avaliar essa região anatômica. A TC mostra as relações entre as estruturas, de fine com precisão a localização, as dimensões e a densidade das lesões, e, embora não permita determinar a possível histologia, aumenta a suspeita diagnós tca e pode dirigir uma biópsia por punção (citologia ou fragmento). A ressonância nuclear magné tca, inicialmente considerada muito promissora, pouco acrescenta à tomogra fia, mas pode ser par tcularmente útl aos indivíduos alérgicos a contrastes intravenosos, na avaliação de lesões cís tcas e nas suspeitas de invasão de grandes vasos.
Estudos com radioisótopos, par tcularmente I131, são úteis para diferenciar tecido treoidiano de massas mediastnais e para diagnos tcar bócios mergulhantes ou intratorácicos ou tecido glandular ectópico. Os mapeamentos com gálio foram úteis na avaliação dos linfomas, principalmente na inves tgação de tumor viável em massas residuais, mas esse método está grada tvamente sendo substtuído pelos exames metabólicos, par tcularmente o PET-scan. O PET-scan ainda não tem um espaço bem determinado no estudo dos tumores do medias tno. Na avaliação e no estadiamento dos tmomas, parece ser útl na diferenciação entre tmoma e hiperplasia mica, na localização de lesões extracapsulares e de metástases a distância, mas tais estudos carecem de maiores casuís tcas e investgações clínicas, embora pareçam bastante promissores. Tabela 1 - Ident fi cação de tecidos com o auxílio de radioisótopos Iodo 131
Tireoide
Gálio
Linfoma
3. Biópsia As imagens de massas mediastnais associadas à dosagem de marcadores tumorais (beta-HCG, alfa-fetoproteína, hormônios treoidianos), em algumas circunstâncias, permitem prescindir da biópsia. Em outros casos, a amostragem tecidual é fundamental para a determinação do tratamento, principalmente em lesões potencialmente irressecáveis ou passíveis de neoadjuvância. Técnicas de biópsia cirúrgica são preferíveis às ob tdas por punção, pois fornecem um espécime maior, mais representatvo, e o diagnós tco diferencial (principalmente entre tmoma e linfoma) frequentemente exige uma amostragem mais ampla da lesão. A mediastnoscopia cervical aborda o medias tno médio e, normalmente, tem pouca efe tvidade nas lesões mediastnais anteriores. A cirurgia videoassis tda pode ser uma boa saída para a coleta de material necessário, mas a cirurgia convencional aberta é o passo lógico a seguir quando os
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CIRURGIA TORÁCICA métodos videocirúrgicos não a tngem o resultado esperado. Principalmente pelo acesso com a incisão de Chamberlain, com excelente custo-bene f cio ao paciente quando bem indicada (tumor grande e encostado na parede).
a) Patologia O tmo tem forma de H, com cornos superiores avançando cranialmente até os polos inferiores da treoide e os cornos inferiores se estendendo junto ao pericárdio anterior. É uma estrutura muito desenvolvida na infância e puberdade, podendo chegar a 40g. Involui na idade adulta, quando pesa de 12 a 15g, e tende à atro fia na senilidade. É no tmo que se diferenciam os linfócitos T que são liberados na circulação sistêmica, e tem papel importante na regulação das imunidades celular e humoral.
Figura 4 - Corte coronal em TC demonstrando massa no mediast no anterior
4. Principais neoplasias do mediastno anterior A - Timoma Os tmomas são as neoplasias mediastnais mais comuns em adultos, representando 20 a 30% de todas as neoplasias mediastnais e 50% dos tumores do compar tmento anterior do mediastno. A maioria dos pacientes tem entre 40 e 60 anos, e não há diferença signi ficatva entre os sexos. Em geral, apresentam-se como tumores lobulados e bem encapsulados, centrados na loja mica, mesmo quando muito volumosos – podendo inclusive se apresentar como lesões cístcas e com focos de calci ficação. Diferente de outras neoplasias, o diagnós tco de malignidade não é dado pela histologia, e sim pelas caracterís tcas de invasão da cápsula e das estruturas adjacentes.
Figura 6 - Peça cirúrgica de t mectomia por t moma
Timoma é um termo que designa apenas os tumores derivados do epitélio mico, com alterações neoplásicas dessas células epiteliais. Os tmomas também contêm linfócitos, mas não são considerados células tumorais por não apresentarem alterações neoplásicas. A proporção entre as células epiteliais e linfócitos pode variar dependendo de cada caso, ou em diferentes partes de um mesmo tumor. No tmoma, tal diferença é pouco importante, diferente de outros tumores epiteliais, em que a diferença entre tumores malignos e benignos pode ser feita com relatva facilidade pela observação morfológica das células. Os tumores micos com característcas histológicas malignas são classificados como carcinomas micos e não tmomas. Para ser considerado um carcinoma mico o tumor deve ultrapassar a barreira da cápsula, tornando-se microscópica ou macroscopicamente invasivo, mesmo mantendo característcas histológicas benignas, diferente de outros tumores epiteliais em que a diferença entre benignos e malignos pode ser feita com rela tva facilidade pela observação morfológica das células. b) Diagnóstco
Figura 5 - Timoma pequeno em mediast no anterior à esquerda
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Os tmonas são achados incidentais; cerca de metade deles é assintomátca. Os sintomátcos podem referir queixas vagas relacionadas ao efeito de massa ou compressão, como tosse, dispneia e desconforto torácico, ou sinais de in-
TUMORES DO MEDIASTINO ANTERIOR
vasão como paralisia frênica, rouquidão por acome tmento do nervo recorrente, dispneia relacionada a derrame pleural ou síndrome da veia cava superior. Os tmomas podem estar associados às doenças sistêmicas e autoimunes (Tabela 2), provocadas pela regulação anormal de linfócitos ou secundários à reação cruzada de antcorpos tmomas associados a proteínas de outros tecidos. A miastenia grave é a doença autoimune mais associada às doenças do tmo, acometendo simultaneamente entre 40 e 65% dos portadores do tmoma. Por outro lado, de 10 a 15% dos pacientes com essa doença possuem tmoma. Cerca de 30% dos pacientes com tmoma podem apresentar alterações imunológicas que não a miastenia grave, como aplasia de células vermelhas, lúpus eritematoso sistêmico e hipogamaglobulinemia. Tabela 2 - Síndromes sistêmicas associadas à neoplasia de t mo - Síndromes neuromusculares; - Miastenia grave; - Distrofia miotônica; - Síndrome de Eaton-Lambert; - Miosite; - Síndromes hematológicas; - Hipoplasia de células vermelhas; - Eritrocitose; - Pancitopenia; - Linfocitose de células T; - Leucemia aguda; - Mieloma múltplo; - Síndrome de imunodeficiência; - Hipogamaglobulinemia; - Síndrome da deficiência de células T; - Colagenoses e doenças autoimunes; - Lúpus eritematoso sistêmico; - Artrite reumatoide; - Polimiosite; - Miocardite; - Síndrome de Sjögren; - Esclerodermia; - Doenças dermatológicas; - Pênfigo; - Candidíase mucocutânea crônica; - Alterações endócrinas; - Hiperparatreoidismo;
Os pacientes com miastenia grave, aplasia de células vermelhas ou hipogamaglobulinemia devem ser inves tgados na busca de um possível tmoma assintomátco. Da mesma forma, todo paciente com massa medias tnal anterior deve investgar sintomas associados à miastenia grave, que podem passar despercebidos em um exame clínico super ficial, como fraqueza, diplopia, dispneia, ptose palpebral, distúrbios da deglu tção e disartria. Em caso de suspeita, é imprescindível uma avaliação neurológica antes de qualquer procedimento cirúrgico, diagnós tco ou terapêu tco. Pequenos tmomas podem não ser detectados em radiogra fias convencionais. A TC de tórax (o contraste intravenoso é aconselhável) é o método de imagem de escolha para a avaliação da loja mica. Fornece uma imagem precisa e determina a densidade e as relações com outras estruturas intratorácicas, como os grandes vasos, pulmão, pericárdio, coração e pleuras. Os tmomas normalmente são massas homogêneas que captam contraste. Em muitos casos, o diagnós tco clínico de tmoma é suficiente para indicar o tratamento cirúrgico, especialmente quando o tumor é pequeno e está associado a síndromes paraneoplásicas. Entretanto, quando o tumor é grande e a cirurgia implica ressecções extensas e riscos, ou quando se contempla a possibilidade de tratamento neoadjuvante, ou não é possível descartar a possibilidade de um tumor de células germinatvas ou de um linfoma, a biópsia prévia e o estudo anatomopatológico tornam-se necessários. c) Estadiamento e classi ficação Devemos considerar que várias classi ficações histopatológicas e morfológicas foram propostas tanto para os tmomas quanto para as outras neoplasias micas. Entretanto, ainda não se conseguiu, de forma sa tsfatória, relacionar a classificação a estratégias terapêutcas e prognóstco. É importante salientar que o prognós tco tem importante relação com a capacidade do tumor em invadir estruturas e com a sua etologia. Quanto ao estadiamento, a classificação dos tumores malignos (TNM) proposta pela OMS é válida. Importante: A proposta por Masaoka, em 1981, que visa determinar o grau da doença clínica e histopatologicamente. Essa classi ficação (Tabela 3), além de ser mais prá tca, está familiarizada com os cirurgiões torácicos, não havendo estudos que mostrem divisão melhor na avaliação de prognóstco. Tabela 3 - Estadiamento de tumores do medias t no anterior segundo classi fi cação de Masaoka Estadio
Critério
I
Tumor macroscopicamente encapsulado, sem invasão microscópica.
IIa
Invasão macroscópica na gordura ao redor do tmo ou pleura mediastnal.
IIb
Invasão microscópica da cápsula.
- Tireoidite de Hashimoto; - Doenças de Addison; - Doenças renais; - Síndrome nefró tca; - Nefropata por lesão mínima.
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CIRURGIA TORÁCICA Estadio
Critério
III
Invasão macroscópica de órgãos vizinhos.
IVa
Metástases pleurais ou pericárdicas.
IVb
Metástase linfátca ou hematogênica.
d) Tratamento Exceto em casos de doença metastá tca, a ressecção cirúrgica é a base do tratamento, e a ressecção completa, mesmo nos casos de doença extensa e invasiva, é um fator determinante na sobrevida – os trabalhos clássicos indicam uma ressecção que englobe todo o tecido localizado entre os nervos frênicos direito e esquerdo. Em casos de doença localmente avançada, o tratamento mul tdisciplinar é apropriado, com indicação de radioterapia e quimioterapia neoadjuvantes, seguidas de ressecção cirúrgica. Portanto, o tratamento em relação aos estadios: Estadios I e II Timectomia total. Se estadio I, não há indicação de tratamento adjuvante. Para pacientes com invasão capsular encontrada durante a cirurgia ou demonstrada patologicamente (estadio II), o uso de radioterapia adjuvante é aconselhado. -
Estadios III e IV Mesmo que potencialmente ressecáveis, é recomendado tratamento neoadjuvante com QT e posteriormente cirurgia agressiva, com ressecção do tumor com margens grandes, seguidas de radioterapia e quimioterapia adjuvantes. A maioria dos tratamentos neoadjuvantes reserva a radioterapia para estadios III quando ainda são considerados irressecáveis após a quimioterapia. Para pacientes com boa performance status, vale a pena cirurgia para ressecção de doença residual em pleura e pericárdio, ou mesmo novas metas após a cirurgia inicial, com prolongada sobrevida e tempo livre de doença. -
Figura 7 - Ressecção de t moma por esternotomia mediana
224
B - Linfoma Embora a maioria dos pacientes com linfoma apresente doença disseminada no momento do diagnós tco, cerca de 5 a 10% apresentam doença medias tnal exclusiva. Os linfomas mediastnais correspondem a cerca de 10 a 20% das massas mediastnais anteriores. a) Aspectos clínicos A maioria dos pacientes com linfomas primários do mediastno refere sintomas como febre, perda de peso e sudorese. Sintomas compressivos são menos comuns e incluem dor, dispneia, estridor, rouquidão, síndrome da veia cava superior e paralisia frênica. b) Diagnóstco Radiografias geralmente mostram massas lobuladas no mediastno anterior. A con firmação do diagnóstco é obtda por uma biópsia. c) Tratamento O tratamento do linfoma medias tnal em princípio não é cirúrgico, mas envolve quimioterapia e radioterapia. Massas residuais muitas vezes devem ser investgadas mais que 1 vez para avaliar a presença de doença residual a tva, e nisso são indicados a RNM, a cin tlografia com gálio e o PET-scan, não precisamente nessa ordem. Biópsias ou ressecções de massas residuais podem fazer parte da programação terapêutca, para diferenciar tecidos cicatriciais e massas residuais com doença em atvidade.
C - Tumores germinatvos do mediastno Os tumores de linhagem germina tva correspondem a aproximadamente 20% das lesões neoplásicas que acometem o compartmento mediastnal anterior. A ideia an tga relacionava os tumores extragonadais a metástases de tumores primários das gônadas, mas hoje se acredita que tais tumores correspondam à malignização de focos de células residuais da crista urogenital primi tva, que corre pela linha média do embrião. A patogênese dessas neoplasias não é conhecida, mas sabe-se que são lesões que acometem mais frequentemente indivíduos jovens e do sexo masculino. Alguns estudos epidemiológicos mostram serem mais frequentes em portadores de cariótpo anormal (XXY, síndrome de Klinefelter), entre os quais é acometda uma faixa etária ainda mais jovem. Normalmente, o quadro clínico dessa neoplasia está relacionado ao ritmo de crescimento. As massas com expansão lenta, como os teratomas e os tumores seminomatosos, mesmo quando volumosas, são oligossintomá tcas e identficadas em exames radiológicos de ro tna. Quando o crescimento é mais rápido, o que costuma acontecer com as lesões não seminomatosas, podem provocar sintomas secundários à expansão ou compressão, como tosse, dor torácica e dispneia, além de sintomas sistêmicos como febre, sudorese, astenia, perda de peso, anemia etc.
TUMORES DO MEDIASTINO ANTERIOR
Crescimento rápido: não seminomatoso; - Crescimento lento: seminomatoso. -
A classificação dos tumores de linhagem germina tva é baseada na histologia, embora se saiba que muitas dessas neoplasias têm celularidade mista. A divisão mais comum separa os teratomas benignos, as neoplasias seminomatosas e as neoplasias embrionárias ou não seminomatosas. Este últmo grupo inclui linhagens diversas, como os teratomas malignos, teratocarcinomas, carcinomas embrionários, coriocarcinomas e carcinomas do saco vitelino. Tabela 4 - Tumores de linhagem germinat va - Teratomas benignos;
cipalmente se associada à radioterapia. O papel da cirurgia, nesses casos, não está bem definido. O grupo de doenças não seminomatosas une diversas linhagens com prognóstco e tratamento semelhantes. Muitas vezes, são lesões heterogêneas, com múl tplas linhagens celulares, bastante invasivas, e com um espectro de marcadores (principalmente AFP) bastante elevado. Os tratamentos combinados, em que a quimioterapia e ressecções são agressivas (tanto com intuito citorredutor quanto de ressecamento de massas residuais), mostram resultados melhores que as indicações de tratamento isolado. Embora sejam menos radiossensíveis que os seminomas, as lesões não seminomatosas residuais ou irressecáveis podem ser controladas com irradiação de alta dosagem.
- Neoplasias seminomatosas (AFP- e B-Hcg-); - Neoplasias não seminomatosas (embrionárias) (AFP+ e B-Hcg+).
O quadro radiológico nos exames convencionais caracteriza-se por alargamento mediastnal, na maioria das vezes inespecí fico. A TC permite iden tficar detalhes da intmidade da lesão, suges tvos de linhagem histológica, principalmente nos teratomas, que apresentam densidades diferentes, característcas de gordura, tecidos moles e cistos, além de calcificações, muitas vezes grosseiras. Suspeita-se de tumores de linhagem germina tva em todos os homens jovens portadores de massas medias tnais anteriores. Marcadores tumorais beta-HCG e alfa-fetoproteína (AFP) são importantes na avaliação primária de qualquer tumor mediastnal anterior e podem ser quase patognomônicos nas linhagens não seminomatosas. A DHL, mesmo sendo menos especí fica, tem valor prognós tco e na avaliação da resposta ao tratamento. Embora não seja consenso, quando há aumento significatvo dos marcadores beta-HCG e AFP, a biópsia pode não ser necessária e o paciente pode ser tratado como portador de doença não seminomatosa. O tratamento e o prognós tco dependem, fundamentalmente, da linhagem. Os teratomas maduros, quando adequadamente ressecados, são potencialmente curáveis só com a ressecção, não havendo indicação de tratamento complementar. Mesmo os teratomas imaturos, extremamente raros, respondem favoravelmente à ressecção cirúrgica adequada, sendo discu vel a indicação de tratamento adjuvante. Os seminomas mediastnais primários são raros, como as metástases de seminomas testculares para o mediastno, mas, mesmo assim, a investgação testcular por USG é mandatória. A biópsia deve ser ampla o su ficiente para determinar se não há celularidade mista, o que piora muito o prognós tco. É importante pesquisar doença a distância, principalmente retroperitoneal. TC e mapeamento com gálio são efetvos para localizar outras lesões. O tratamento dos seminomas ainda causa controvérsias. Os seminomas histologicamente puros, sem outros elementos embrionários, são altamente radiossensíveis. Na doença disseminada, a quimioterapia é e ficiente, prin-
Tabela 5 - Tratamentos sugeridos para tumores do mediast no anterior Tumor
Tratamento sugerido
Teratoma
Ressecção
Neoplasia seminomatosa
Investgar outros sí tos. Quimioterapia ou radioterapia de acordo com a histologia
Neoplasia não semi- Quimioterapia neoadjuvante + cirurgia nomatosa
5. Outras massas mediastnais A - Tireoide Tecido treoidiano neoplásico retroesternal pode corresponder à contnuidade de um bócio mergulhante ou ao desenvolvimento anormal de tecido treoidiano intratorácico – a diferença é a nutrição vascular tecidual; nos bócios mergulhantes a vasculatura tem origem cervical, enquanto na treoide ectópica medias tnal o tecido é nutrido pelos vasos do mediastno. O diagnóstco radioisotópico geralmente elimina a necessidade de biópsia, e a indicação cirúrgica dessas lesões segue a sequência das doenças treoidianas cervicais. Ressecções marginais ou incompletas de neoplasias malignas desse tecido treoidiano ectópico podem receber ad juvância com iodo radioatvo. Importante diferenciar e ter em mente o conceito de bócio mergulhante e treoide intratorácica: a sua diferença está na irrigação sanguínea, pois enquanto o bócio mergulhante é uma “con tnuação” da treoide que desce ao mediastno, a treoide intratorácica é nutrida por ramos intratorácicos, geralmente advindos da aorta.
B - Paratreoide Adenomas de paratreoide podem estar presentes no mediastno anterior e geralmente se associam a alterações do metabolismo do cálcio. É possível que adenomas pequenos, dif ceis de localizar, provoquem distúrbios graves no ciclo do cálcio. A identficação intraoperatória dessas lesões pode ser dif cil e exigir uma exploração medias tnal extensa ou o uso de marcadores radioisotópicos para pesquisa intraoperatória.
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CIRURGIA TORÁCICA
CAPÍTULO
14
Tumores neurogênicos do mediastno Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
1. Introdução
3. Diagnóstco
Os tumores neurogênicos do medias tno localizam-se primariamente no mediastno posterior, entretanto podem atngir também outras áreas intratorácicas, mas com uma menor incidência. Podem originar-se de qualquer estrutura neural con tda no interior do tórax, sendo classi ficados de acordo com a sua origem: derivados das bainhas dos nervos periféricos, originados dos sistemas nervosos simpátco e parassimpátco (raros). São derivados da crista embrionária de células neuroectodérmicas que originarão as bainhas nervosas, os gânglios espinhais e o componente simpá tco do sistema nervoso autônomo. Os tumores que crescem da bainha nervosa são o neurilemoma (schwannoma) e o neuro fibroma. Os originários dos gânglios simpá tcos são o neuroblastoma, o ganglioneuroma e o ganglioneuroblastoma. Os originários do paragânglio simpá tco são o feocromocitoma e o paraganglioma não funcionante. Existem ainda os tumores que crescem do componente neuroectodérmico periférico, que em sua variante maligna é conhecido como tumor de Askin, e os tumores neurogênicos originários de outros nervos torácicos, como do nervo frênico, vago ou intercostal após a sua emergência da goteira costovertebral. Em geral, esses tumores se localizam nas outras divisões mediastnais. A incidência dos tumores neurogênicos do medias tno, quando comparada à dos outros tumores medias tnais, é de 15 a 25%. Nas crianças, essa incidência é maior, variando de 34 a 58% dos tumores medias tnais. A incidência de lesões malignas em adultos varia de 1 a 6%. Porém, nas crianças, a probabilidade de a lesão ser maligna pode chegar a 60%.
Os sintomas geralmente são atribuídos à compressão local – síndrome da veia cava superior, disfagia ou dispneia; à destruição óssea – dor intensa ou fratura patológica; ou ao envolvimento da medula espinhal por crescimento em ampulheta para dentro do canal medular – com parestesias ou paralisias. Em adultos, a localização mais frequente é a região de goteira costovertebral; são, na sua maioria, benignos e assintomátcos. Em crianças, mesmo tumores benignos e pequenos cursam com sintomatologia, devido ao espaço da caixa torácica ser proporcionalmente menor, sendo malignos em cerca de 60% dos casos. Os pacientes podem ainda apresentar sintomatologia relacionada à liberação de catecolaminas pelos tumores, tal como no feocromocitoma que produz sintomas hipertensivos e gastrintestnais relacionados à liberação dessas substâncias na circulação.
A - Imagem A radiografia de tórax é normalmente o exame que inicia a investgação, e na existência de tumorações pode, inclusive, demonstrar a porção medias tnal acometda, mas não revela detalhes importantes da lesão como densidade, invasão do canal medular ou estruturas adjacentes. O exame contrastado do esôfago pode auxiliar o diagnóstco ao demonstrar compressão extrínseca ou mesmo invasão do lúmen (subs ttuído pela tomogra fia).
2. Considerações anatômicas O mediastno possui tecido nervoso em todos os seus compartmentos, contudo há uma concentração maior na região da goteira costovertebral, no chamado compar tmento posterior do medias tno, pois, nela, estão as raízes nervosas.
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Figura 1 - Imagem nodular em ápice do hemitórax direito
TUMORES NEUROGÊNICOS DO MEDIASTINO
A tomografia computadorizada do tórax é o próximo passo na investgação. Com a TC é possível individualizar os órgãos intratorácicos, podendo, então, detectar sinais de invasão das estruturas adjacentes. Também obtêm-se informações sobre a consistência e densidade de massas, além da identficação de fluido e microcalci ficações.
Como a maioria dos casos na população adulta são tumores benignos, que cursam de forma assintomá tca sem o comprometmento do estado geral, a biópsia pré-operatória não se faz necessária. Já nas situações de tumores invasivos com acometmento extenso de estruturas vasculares, traqueia, esôfago ou coluna vertebral, a biópsia pré-operatória é indispensável para indicar terapêu tca neoad juvante. Pode ser realizada com punção de agulha fina ou videotoracoscopia.
4. Tipos tumorais A - Neurilemomas (schwannomas)
Figura 2 - TC demonstrando tumor em mediast no posterossuperior
A RNM é indicada quando há necessidade de maior precisão na detecção de envolvimento do plexo nervoso, das vértebras e do canal medular. Também se mostra como ferramenta no planejamento cirúrgico ao revelar informações importantes nos planos sagital e coronal.
São os mais comuns dos tumores neurogênicos. Os neurilemomas originam-se das células do sincício da bainha nervosa ou da célula de Schwann. São, na grande maioria dos casos, lesões encapsuladas, sólidas, e podem conter áreas cístcas. Apresentam crescimento lento e geralmente são assintomátcas. Acometem principalmente adultos jovens, de ambos os sexos. Sua incidência é rara na infância, e a degeneração maligna é infrequente. Com o crescimento tumoral, é possível a invasão de estruturas con guas. Em aproximadamente 10% dos casos pode haver crescimento para dentro do forame intervertebral e atngir o canal medular, sendo denominado tumor em ampulheta. O tratamento dos neurilemomas consiste na ressecção cirúrgica. O acesso à cavidade torácica pode ser por toracotomia ou videotoracoscopia. Nos casos de tumores em ampulheta com extensão para o canal medular, existe a necessidade de associação entre as especialidades de cirurgia torácica e neurocirurgia. Atualmente, tem-se usado cada vez mais a videotoracoscopia no tratamento das lesões do medias tno posterior, assim como a utlização de tátcas operatórias com o uso do bisturi harmônico para minimizar as lesões do tecido nervoso. Além disso, são consideradas, nos dias atuais, as indicações padrão-ouro para a cirurgia robó tca. As chances de recorrência são baixas quando a ressecção é completa.
Figura 3 - RNM demonstrando tumor em mediast no posterossu perior
A ressecção cirúrgica completa é tda como a melhor opção terapêutca quando sua realização é possível.
B - Biópsia Nos tumores invasivos com acome tmento extenso de estruturas vasculares, traqueia, esôfago ou coluna vertebral, a biópsia pré-operatória é necessária para indicar o tratamento neoadjuvante.
Figura 4 - Aspecto tomográ fi co schwannoma
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CIRURGIA TORÁCICA
Figura 5 - Aspecto cirúrgico da lesão
B - Neurofibromas Os neurofibromas são tumores geralmente associados à neurofibromatose de von Recklinghausen, uma síndrome autossômica dominante, caracterizada por lesões com pigmentação “café-com-leite” na pele, neuro fibromas e nódulos de Lisch na íris. São responsáveis por 25% dos tumores neurogênicos em adultos, e sua incidência é rara em crianças (3%). São benignos e encapsulados, semelhantes ao neurilemoma, o que torna di f cil o diagnós tco diferencial se não há outros elementos da síndrome. Podem se originar dos nervos intercostais e atngir outros compartmentos do mediastno. O tratamento compreende a ressecção cirúrgica com margens livres.
C - Neurilemoma maligno A degeneração maligna do neurilemoma é incomum, acometendo menos de 2% dos casos. A suspeita clínica é feita quando existe uma lesão de comportamento agressivo, inclusive com metástases para pulmão, f gado e ossos. É também associado à síndrome de von Recklinghausen e pode acometer até 4% dos portadores.
D - Neuroblastomas O neuroblastoma é um tumor que se origina dos neuroblastos primitvos, células que podem originar qualquer outra da linhagem nervosa. Geralmente, acometem o abdome, porém em 10% dos casos podem a tngir o medias tno. Consiste no tumor mais comum na 1ª infância, principalmente nos menores de 2 anos, e uma pequena proporção atnge crianças maiores e adolescentes. Podem estar associados a várias síndromes, dentre elas a doença de von Recklinghausen, neoplasias endócrinas múltplas, doença de Hirschsprung, entre outras.
228
Esses tumores secretam neuropep dios que podem auxiliar no diagnós tco e no seguimento dos pacientes, como a enolase neurônio-especí fica (ENS) (an tcorpos geralmente positvos para tecido neuroblás tco, podendo ser encontrados em pacientes com doenças avançadas) e os gangliosídios GD2 (molécula lipídica liberada na corrente sanguínea pelos tumores de origem neuroectodérmica), além dos metabólitos urinários das catecolaminas. O ácido vanilmandélico e o ácido homovanílico são metabólitos urinários das catecolaminas secretadas pelos neuroblastomas. Podem-se encontrar esses marcadores urinários elevados em até 90% dos portadores de neuroblastomas, porém nos tumores localizados no tórax, tal achado diminui para 75%. Isso acontece pelo local da origem do tumor, pois, quando acomete a raiz posterior do gânglio, não há a produção de catecolaminas. Os sintomas estão presentes em até metade dos pacientes no momento do diagnós tco, sendo os mais comuns insuficiência respiratória, sintomas neurológicos ou doença metastátca. A insuficiência respiratória acontece principalmente nos pacientes menores de 1 ano. Os sintomas neurológicos que podem ser encontrados são paresia ou paralisia relacionados à compressão medular ou síndrome de Horner. O tratamento do neuroblastoma torácico baseia-se na completa ressecção do tumor e na re trada dos linfonodos mediastnais para verificar o acometmento, que altera o estadiamento da lesão. A par tr do estadiamento, pode haver a necessidade de tratamento adjuvante.
E - Ganglioneuroma Tem origem nos gânglios simpá tcos, sendo tumores neuroendócrinos bem diferenciados. É o tumor mediastnal benigno mais encontrado em crianças. Em sua variante benigna, a ressecção cirúrgica é cura tva. Radiologicamente, é uma massa grande com áreas de calcificação, e dificilmente invadem o canal medular. Pode apresentar uma variedade maligna – o ganglioneuroblastoma –, um tumor intermediário entre o ganglioneuroma e o neuroblastoma, cujo tratamento é cirúrgico, porém pode haver a necessidade de terapia adjuvante. O prognóstco é tdo conforme a idade, pois quanto mais jovem melhor é o prognós tco, além do grau de diferenciação e da presença de padrão histológico difuso. A sobrevida em 5 anos é de 88% dos casos.
F - Paragangliomas Os paragangliomas não funcionantes são tumores originados dos tecidos quimiorreceptores mais comumente encontrados nos glomus caro deo ou aortopulmonar. Esses tumores são comumente encontrados incidentalmente na radiografia de tórax e, na maioria, são assintomátcos. Como queixas descritas, pode haver dor torácica ou sintomas relacionados à compressão tumoral, como disfagia, dispneia e síndrome da veia cava superior.
TUMORES NEUROGÊNICOS DO MEDIASTINO
O sexo masculino é o mais acome tdo, principalmente na faixa etária dos 40 anos. A degeneração maligna do paraganglioma é rara e a tnge menos de 10% dos pacientes. Nesses casos, pode haver metástases, principalmente para pulmão, ossos, f gado, coração e rins. São tumores intensamente vascularizados, e a RNM ou a arteriografia (drenagem venosa acelerada é um sinal frequente) na maioria das vezes revelam o diagnós tco. O estudo cintlográfico com MIBG-131I somente é diagnós tco para os paragangliomas funcionantes. O tratamento do paraganglioma não funcionante é a ressecção cirúrgica.
G - Feocromocitoma O feocromocitoma é um tumor incomum que se desenvolve no paragânglio, que são grupamentos celulares associados ao sistema nervoso autônomo. A grande maioria dos feocromocitomas acontece na glândula suprarrenal. O acome tmento mediastnal representa menos que 2% dos feocromocitomas e 0,3% dos tumores mediastnais (mediastno anterior, desenvolvendo a partr do paragânglio branquiométrico e visceral). Esses tumores também são chamados paragangliomas funcionantes. A maioria dos pacientes apresenta sudorese, taquicardia e cefaleia, geralmente associadas às crises paroxístcas de hipertensão arterial. Mas, raramente, podem ocorrer sintomas relacionados à compressão tumoral, como paralisia, síndrome de Horner, disfagia e dispneia. A pesquisa de feocromocitoma é feita inicialmente pela medida dos metabólitos das catecolaminas na urina, como ácido vanilmandélico e metanefrina. Geralmente, essas substâncias não estão presentes quando o feocromocitoma é extra-adrenal devido ao metabolismo hepá tco. O exame indicado para a localização dos paragangliomas funcionantes é a cin tlografia com metaiodobenzilguanidina (MIBG). A tomografia com emissão de pósitrons e glicose marcada (FDG) também pode ser u tlizada, mas a sensibilidade e a especificidade são menores do que a cin tlografia MIBG. Estudos de imagem, como a TC e a RNM, são úteis para o planejamento da ressecção dos paragangliomas do mediastno posterior. O tratamento deve consis tr, inicialmente, no controle dos sintomas, com bloqueio alfa-adrenérgico para as crises de hipertensão e beta-adrenérgico para a taquicardia. A volemia destes pacientes geralmente está abaixo dos níveis normais, assim podem ser necessários grandes volumes no preparo anestésico destes pacientes. Com a estabilidade do paciente está indicada a ressecção cirúrgica. Após a remoção do tumor, há uma diminuição abrupta dos níveis de catecolaminas, levando à queda do tônus vascular e hipotensão arterial. Esse aspecto do período transoperatório deve ser antecipado com a infusão de volume e drogas vasoatvas e a monitorização dos níveis glicêmicos, pois há tendência à hipoglicemia.
A manutenção de níveis pressóricos elevados no pós-operatório pode signi ficar a ressecção incompleta do tumor ou metástase não diagnos tcada. Novo rastreamento deverá ser realizado com MIBG.
H - Neuroepitelioma ou tumor de Askin O neuroepitelioma, ou tumor de Askin, desenvolve-se a partr dos tecidos neuroectodérmicos primi tvos periféricos e pode acometer periósteo, osso ou tecidos moles da parede torácica. Sua incidência é predominantemente em crianças e adultos jovens. Consideramos que são tumores com origem nas células to tpotenciais da crista neural, devido a uma translocação recíproca t(11,22) (q24 q12) similar à presente no tumor de Ewing. Clinicamente, a dor ou a tumoração na parede torácica são as queixas mais comuns. Em 25% dos pacientes, pode haver acometmento pulmonar devido à invasão local. As metástases são principalmente para pulmão, ossos e medula óssea, e podem a tngir até 20% dos pacientes no momento do diagnós tco. Nos exames de imagem, caracterizam-se por massa paravertebral, não calcificada, associada a derrame pleural e destruição das costelas adjacentes. Deve ser realizado estadiamento do corpo inteiro com TC e cintlografia óssea ou PET-scan. Na suspeita de acometmento do SNC, está indicada a RNM. A ressecção em bloco da lesão é o tratamento de escolha, associado à quimioterapia e à radioterapia adjuvantes. Estudos recentes demonstraram recidiva local em até 30% dos submetdos à ressecção completa em 3 anos. Nos casos avançados, a sobrevida com tratamento não a tnge valores maiores que 20% em 5 anos.
Figura 6 - Tumor de Askin invadindo a parede
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CIRURGIA TORÁCICA
CAPÍTULO
Miastenia gravis
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Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
1. Introdução A Miastenia Gravis (MG) é um distúrbio neuromuscular caracterizado por déficit motor e fatgabilidade da musculatura esquelétca. Consiste em uma doença crônica autoimune resultante da ação de an tcorpos contra os receptores nico nicos pós-sináptcos de acetlcolina na junção neuromuscular, o que resulta na diminuição das transmissões neuromusculares dos músculos e causa sintomatologia, que vão desde sintomas insidiosos até “crises miastênicas” (quando há comprome tmento dos músculos respiratórios com consequente dispneia importante). Devido a esse fato, foi criada uma escala para qualificar os sintomas e quantficar a gravidade da doença, chamada “escala de Osserman”, que pontua a doença de acordo com a gravidade dos sintomas apresentados. Tabela 1 - Escala da Osserman Classificação
Sintomas
0
Assintomátco.
1
Sintomas oculares.
2
Generalizada leve com lenta progressão, sem crises, responsiva às drogas.
2. Diagnóstco
3
Generalizada moderada.
4
Fulminante, aguda, com insuficiência respiratória.
A - Clínico
Figura 1 - Sintomas oculares ao fi nal do dia
Ao exame f sico, as alterações encontradas são limitadas ao sistema motor, sem perda de re flexos ou alterações na coordenação motora.
230
A MG não é rara, com prevalência de 1/10.000, podendo acometer pessoas de qualquer grupo etário, com picos de incidência em mulheres entre 20 e 30 anos e em homens entre 50 e 60 anos. No paciente miastênico, a menor e ficiência da transmissão neuromuscular, combinada com a exaustão pré-sináptca normal, resulta na a tvação de um número cada vez menor de fibras musculares pelos sucessivos impulsos nervosos e daí aumenta a fraqueza, ou fadiga miastênica. A musculatura esquelétca é envolvida, classicamente, de acordo com distribuição mais comum, sendo esta a ptose palpebral, que, inclusive, é o único sintoma em 15% dos pacientes. O mecanismo pelo qual a resposta imune é iniciada e mantda na MG ainda não é bem esclarecido, mas o tmo parece desempenhar um papel importante nesse processo. Sabe-se que o tmo se mostra anormal em 75% dos pacientes, e 10% dos pacientes apresentam tumores associados (tmomas).
O quadro principal é de fraqueza e fa tgabilidade muscular. A fraqueza aumenta durante o exercício repe ttvo e pode diminuir depois de um período de repouso ou de sono (aspecto flutuante). Durante os primeiros anos de doença, podem ocorrer exacerbações e remissões, di ficultando, às vezes, o diagnóstco e a possível indicação de uma intervenção cirúrgica. A distribuição da fraqueza muscular tem um padrão característco. A musculatura extraocular, sobretudo das pálpebras, geralmente é a 1ª a ser acome tda, gerando um quadro de diplopia e ptose. A di ficuldade à deglu tção pode decorrer da fraqueza do palato, da língua ou da faringe, dando origem à regurgitação nasal ou à aspiração de líquidos ou de alimentos. O dé ficit motor em membros é muitas vezes proximal e pode ser assimétrico, com preservação dos reflexos tendíneos profundos.
MIASTENIA
GRAVIS
Figura 2 - Junção neuromuscular normal
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Figura 3 - Junção muscular com miastenia
B - Eletroneuromiografia A estmulação nervosa repettva geralmente assegura a possibilidade diagnóstca na MG. A an tcolinesterase deve ser interrompida pelo menos 6 horas antes do exame. Nos miastênicos, há uma redução rápida (decremento) de amplitude das respostas evocadas de mais de 10 a 15% em relação aos es mulos elétricos repe tdos.
E - Tomografia de tórax Cerca de 75% dos pacientes miastênicos apresentam anormalidades no tecido mico, sendo a mais comum a hiperplasia folicular linfoide. Porém, 10 a 20% apresentam associação a tmomas, sendo por isso realizada, de ro tna, a investgação de tumores medias tnais nesses indivíduos.
C - Teste farmacológico O examinador deve focalizar 1 ou mais grupos musculares fracos e avaliar sua força obje tvamente (ex.: fraqueza dos músculos extraoculares). Por meio da administração de antcolinesterásicos (edrofônio, neos tgmina), avalia-se a melhora definida em relação ao quadro inicial.
D - Testes imunológicos Os antcorpos antrreceptores de ace tlcolina são detectados no soro de aproximadamente 80% dos miastênicos. Não há relação entre o nível sérico de an tcorpos e a gravidade da doença.
Figura 4 - Timoma na TC tórax
231
CIRURGIA TORÁCICA F - Avaliação treoidiana O hipertreoidismo pode ocorrer em 3 a 8% dos pacientes com MG e pode agravar a fraqueza miastênica.
3. Tratamento A - Sintomátco
- Pacientes com intolerância a outras formas de tratamento (efeitos colaterais importantes à cor tcoterapia crônica); - Pacientes com sintomas controlados dependentes de elevada dosagem de cortcosteroides e mais de 1 ano de tratamento clínico.
4. Timectomia
O uso de antcolinesterásicos alivia os sintomas na maioria dos miastênicos. A piridos tgmina oral é o mais amplamente utlizado. Inicia-se com uma dose moderada de 60mg, 3 a 5x/dia, adaptando a dose às necessidades dos pacientes. São possíveis efeitos colaterais diarreia, cólica abdominal, salivação e náusea que podem limitar a dosagem diária.
Diversas técnicas têm sido descritas para a realização da tmectomia. Porém, a ressecção de todo tecido mico, bem como em seus sí tos ectópicos, é o tratamento de escolha com melhores resultados em relação à remissão dos sintomas e menor dependência de drogas imunossupressoras, podendo ser realizada ressecção por esternotomia total, esternotomia parcial, videotoracoscopia ou mesmo cirurgia por meio de robó tca.
B - Etológico
Tabela 3 - Principais localizações de t mo ectópico e vias de abordagem cirúrgica
a) Clínico O uso de esteroides e de imunossupressores é e ficaz em quase todos os pacientes com MG. Os glicocor tcoides são mais amplamente u tlizados (prednisona), e devem-se utlizar doses progressivas de acordo com a resposta clínica do tratamento. Em geral, tem-se uma resposta satsfatória dentro de alguns meses; algumas vezes, depois desse período, consegue-se diminuir a dose mínima diária eficaz para controlar os sintomas. Porém, poucos conseguem ficar sem a medicação, devendo-se assim atentar para os possíveis efeitos colaterais do uso crônico dos glicocor tcoides. Outros imunossupressores utlizados são a azatoprina, a ciclofosfamida e a ciclosporina. A plasmaférese ou a administração de gamaglobulinas pode ser realizada em algumas situações, como pacientes em crise miastênica aguda grave com importante insu ficiência respiratória, ou em preparo pré-operatório para tmectomia. b) Cirúrgico Nos pacientes com tmoma, deve-se realizar a ressecção cirúrgica sempre que possível com esvaziamento de todo o tecido no espaço pré-pericárdico. Nos casos mais avançados, deve-se associar radioterapia complementar, reservando a quimioterapia a casos selecionados de acordo com o grau de invasão a órgãos adjacentes ou metástases a distância. Nos pacientes sem evidência clínica ou radiológica de tmoma, a tmectomia pode ser indicada como alterna tva de tratamento em situações especí ficas, como: Tabela 2 - Indicações de t mectomia - Formas clínicas generalizadas de di f cil controle; - Evolução rápida para sintomas generalizados; - Pacientes pós-púberes e idade <60 anos;
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Locais de tmo ectópico - Janela aortopulmonar: 6,9%; - Gordura peri mica: 6,9%; - Gordura pericardiofrênica direita: 5,2%; - Gordura pericardiofrênica esquerda: 3,5%; - Recesso aortocaval: 3,5%. Possíveis formas de abordagem cirúrgica - Transcervical (videoassistda ou não); - Transesternal (total ou parcial); - Videotoracoscopia (subxifoide, bilateral, direita ou esquerda); - Transcervical e esternal ( tmectomia máxima).
Cuidados perioperatórios O preparo pré-operatório em se tratando de MG deve ser rigoroso, com o obje tvo de deixar os pacientes o mais estável possível em relação aos sintomas motores. Para isso, em alguns casos de di f cil controle com imunossupressores, são preparados com plasmaférese ou gamaglobulina dias antes da operação. Deve haver uma equipe treinada (cirurgiões, anestesistas, intensivistas e neurologistas) com o intuito de minimizar ao máximo as chances de uma crise miastênica ou colinérgica no pós-operatório. Com esse obje tvo, algumas medidas são importantes, como: - Evitar o uso de benzodiazepínicos; - Evitar o uso de bloqueadores neuromusculares no intraoperatório; - Reduzir de 30 a 50% os an tcolinesterásicos a partr do pós-operatório imediato; - Manter a mesma dosagem de cor tcosteroide até, pelo menos, a 3ª semana. -
CAPÍTULO
Algoritmos de conduta
16 1. Introdução Para facilitar o estudo, seguem alguns algoritmos de conduta em alguns tópicos de cirurgia torácica. Levando em conta que condutas, de um modo geral, possuem par tcularidades em cada serviço. Importante: - Nódulo pulmonar solitário: opacidade esférica ou ovalada, de limites bem definidos ≤3cm no maior eixo, única e sem linfonodomegalias hilares ou mediastnais; - Massa pulmonar: opacidade de limites bem definidos >3cm no maior eixo, única; - Acometmento linfonodal clínico: linfonodos hilares ou mediastnais >1cm no seu menor eixo ou que sejam captantes à PET-CT; - Comprometmento mediastnal em zona única: acometmento linfonodal restrito a uma zona medias tnal; - Comprometmento mediastnal em zonas múl tplas: acometmento linfonodal de mais de uma zona mediastnal; - Comprometmento mediastnal extracapsular: acometmento linfonodal grosseiro no qual não se identfica plano separando a linfonodomegalia das estruturas medias tnais; - Comprometmento mediastnal bulky : massa linfonodal grosseira por coalescência de múltplas linfonodomegalias adjacentes, podendo acometer mais de 1 zona.
2. Algoritmos A - Nódulo Pulmonar Solitário (NPS) <1cm Geralmente incaracterístco. - Seguimento TC em 3 (ou 6) meses: Aumento → biópsia ou cirurgia; Estável → mantém seguimento; Diminuição → alta. - Totalmente calci ficado: alta. -
• • •
B - Nódulo pulmonar solitário ≥1cm sem diagnóstico NPS com baixo risco à TC de ser neoplasia: seguimento TC em 3 meses.
Carlos Eduardo Levischi Júnior / Rodrigo Olívio Sabbion
NPS à TC com risco moderado ou alto de ser neoplasia + paciente com alto risco cirúrgico: biópsia pré-operatória (transtorácica por TC ou broncoscópica). NPS à TC com risco moderado ou alto de ser neoplasia + paciente baixo ou moderado risco cirúrgico: ressecção cirúrgica. Exames de estadiamento e pré-operatórios. - Cirurgia: •
•
Lobectomia pulmonar com linfadenectomia hilar e mediastnal. Ressecções sublobares em situações especiais: * Paciente sem reserva pulmonar para lobectomia; * Idosos ≥70 anos e NPS ≤2cm.
C - Massa pulmonar ressecável (T2 e T3) sem diagnóstco e PET-CT com mediastno normal Biópsia pré-operatória por broncoscopia ou transtorácica guiada por TC; - Exames de estadiamento e pré-operatórios; - Cirurgia: lobectomia pulmonar com linfadenectomia hilar e mediastnal. -
D - Massa pulmonar ressecável (T2 e T3) sem ou com diagnóstco e PET-CT positvo no mediastno Confirmar diagnóstco de CPNPC pelo medias tno: EBUS; EUS; Mediastnoscopia. - Se o diagnós tco de CNPC for con firmado, será necessário discutr quimioterapia/radioterapia neoad juvantes. -
• • •
E - Tumor do sulco superior (Pancoast) sem acometmento linfonodal mediastnal -
Biópsia (transtorácica por TC ou broncoscópica) e exames de estadiamento;
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