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Émerson Émerson de Pietri Pietri
PRÁTICAS DE LEITURA LEIT URA E ELEMENTOS PARA A ATUAÇÃO DOCENTE DOCENT E
2a edição
Ediouro
SUMÁRIO
c. " opy rig 11 t @2007 by
Émerson Émerson de Pietri Pietri Todos Todos os direilos direilos reservad reservados os e prokgidos prokgidos.. Proibida Proibida a duplicaçil duplicaçiloo ou reproduçã reproduçãoo desta desta obra nu parles da mesma, sol> quaisquer quaisquer meios, meios, sem autorizaçâo autorizaçâo expressa expressa dos edilorcs. edilorcs.
EDIOURO PUIIUCAÇOfA~
LTIJ!I.
Rua Nova Jerusalém, Jerusalém, 345 - BOllSucesso BOllSucesso - 21042.235 Rio de janeiro janeiro - RJ - Brasil Brasil Te1.: (2i) (2i) 3882-8200 3882-8200
Texto Texto revisto revisto pelo novo Acordo Acordo Ortográf Ortográfico ico
I n t ro d u z in d o o t e m a
I
CAPiTULO '1
C1P.Hrasil C1P.Hrasil.. Catalogaçã Catalogaçãoo na fonte Sindicato Sindicato Nacional Nacional dos Editores Editores de Livros, Livros, RI
;
D468p
De Pietri, Pietri, Emerson Emerson
2.ed.
Práticas Práticas de leitura e elementos elementos para a atuaçâo atuaçâo docente docente Pietri. Pietri. - 2.ed .. Rio de Janeir Janeiro; o; Ediouro, Ediouro, 2009 2009.. 96p. 96p. : 21cm 21cm - (Tópic (Tópicos os em linguag linguagem; em; 2)
11
I
Émerson Émerson de
D ooii s m od od os os d e c on on si si de de rraa r a r el ela çã çã o l ei ei to to rr-- te te xt xt o 1. Conhe Conheci cimen mento to prév prévio io e estr estrat atégi égias as de leit leitur uraa 2. A produção produção do texto texto e a distribui distribuição ção social da leitura leitura
17 1R 23
C A P íT íT U L O 2
Inclui Bibliografia Bibliografia
ISBN 978-85.00.02523-5 1. Leitura. Leitura. 2. Leitura - Estudo Estudo e ensino. ensino. 3. Livros e leitura. leitura. 4. Professores Professores de línguas línguas - Formação. Formação. I. Titulo. Titulo.
Os materi materiais ais didáti didáticos cos e as as prát prática icass de leitura leitura na escola escola 1 . A a pr pr op op riria çã çã o d o t ex ex to to p el elo liv ro ro d id id át át ic ic o 2. A apro apropr pria iação ção do text textoo pelo pelo livr livroo para paradi didát dátic icoo 3. A media mediação ção edito editori rial al e a didat didatiz izaçã açãoo da leit leitur uraa
33 35 42 46
CDD: 372.4
CDU: 372.41 372.41
Revisão: Claudia
Diag rama ção:
V i c to to r i a
Ajuz R a b el el l o
Capa: Rossana Henriques
cAPínl1 0:-
As práticas práticas de leitura leitura em contexto contexto de ensino: ensino: as aç ões do profess or 1. Estra Estraté tégi giasd asdee leit leitur uraa em text textos os jorn jornal alís ísti ticos cos 2. Estratégiasde leitura. leitura. conhecimento textual e g ê n e r o s d e d is c u rs o 3 . A le itu r a d o t e x t o lite rá rio
65 72
C o n s id e r a ç õ e s f in a is
83
D e s d o b r a m e n to s d o t e m a
87
59 60
L e nd o m a is s ob re o te m a
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R efe rê n c ia s
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ín d ic e re m is s iv o
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Apresentação leitura: leitura: perspecti perspectivas vas para a atuação atuação docente Maria Augusta Reinaldo Angela Paiva Dionisio
Concepçõ Concepções es e práticas práticas pedagógic pedagógicas as de leilur leiluraa constituem constituem um binõmio, dentro do qual se movimentam os capítulo capítuloss deste deste livro. livro. Em cada cada um desses dois campos campos de estudo estudo movem-se movem-se as calegocalegorias com as quais Émerson de Pietri Pietri observa observa a relação relação leitor-te leitor-texto. xto. O tema das concepç concepções ões de leitura leitura constitui constitui o tema tema do primeiprimeiro capítul capítulo. o. Duas Duas concep concepçõe çõess se distin distingue guem. m. segund segundoo o foco foco da observação observação seja o leitor leitor ou o texto. texto. A primeira primeira concepçã concepção, o, de insins piração cognitiva. focaliza o leitor e sua rdação com três tipos de conhec conhecime imento ntoss necess necessári ários os para para a compr compreen eensão são do texto: texto: o conhecim nheciment entoo do sistem sistemaa linguí linguísti stico co e seu seu funcio funcionam nament ento, o, o coconhecim nheciment entoo textua textuall e o conh conheci ecimen mento to de mundo mundo.. Esta Esta con concep cep-ção considera considera o ato ato de ler como como um ato de soluciona solucionarr problemas problemas que vão sendo sendo apresenta apresentados dos ao leitor leitor pelo texto, e a proficiên proficiência cia do leitor está associada à previsã previsãoo dos obstáculos obstáculos e à busca de sua supera superação ção no próprio próprio texto texto ou em outras outras fontes fontes,, outros outros textos textos.. doutora em Lctras,é professor professoraa de nF . MACEDO REINAlDO, doutora língua língua portuguesa portuguesa da Universi Universidade dade Federal de Campina Campina Grande. Tem experiênc experiência ia na área área de Linguísti Linguística, ca, com ênfase em Linguísti Linguística ca Aplicada, Aplicada, com atuação principrincipalmente palmente nos seguintes seguintes temas: temas: Interação Interação verbal*tcxt verbal*tcxto-exp o-explica licação. ção.
~1ARLAAlJGtJSTA Go~ÇALVES
AN C; FI.A PA rv A DIO NIS IO. doutora
professora sora de língua língua p o r t u g u e s a da em Letras, é profes Universida Universidade de Federal Federal de Pernambuco, Pernambuco, com interesse interesse em investigações investigações nos seguintes guintes temas: temas: ensino de língua língua materna, gêneros textuais textuais,, formação formação de profesprofessor e variação linguística. linguística.
PRÂflCAS
DE LEITU LEITURA RA
[ fl[MENIOS
PARA PARA A AIUA AIUAÇÂO ÇÂO
DOCENT DOCENTE E
A segun segunda da concep concepção ção,, de inspiraçã inspiraçãoo sucio<. sucio<.:ul :ullur lural, al, observ observaa o texto, texto, com ênfase ênfase no papel papel social social dos agentcs agentcs (autor (autor,, editor editor c insins-
tfmcias tfmcias sociais) sociais) envolvidos envolvidos na sua elaboraçã elaboração, o, fabricaçã fabricaçãoo e disponibilização enquanto malerial escrito. As diversas intervenções intervenções desses agentes agentes nesse proccsso constituem constituem práticas práticas culturais, construídas construídas
social social e historica historicamente mente,, decisivas decisivas para as atividade atividadess de leitura leitura por diferentes diferentes pessoas, pessoas, em diferentes diferentes mon1entos mon1entos c lugares lugares na sociedade. sociedade. Pietri revisita revisita assim assim a tese tese dos conhecimentos conhecimentos prévios prévios necessáribs necessáribs
ção satis£1tó satis£1tória ria de leitura, leitura, que passa passa a considerar considerar os aspecà realiz"'ção tos materiais dos textos (imprc:t.'iose eletrônicos eletrônicos)) como constituticonstitutivos de sentido sentido.. Essaconsideraçã Essaconsideraçãoo da materialidad materialidadee dos textos aproaproxima as duas duas concepções, concepções, con1 a discussão discussão dos aspectos aspectos envolvidos envolvidos
nas práticas práticas de leitura leitura em sociedade sociedadess letradas letradas e os modos de relação relação dessas dessas pnít icas com com as prática práticass presentes presentes no contexto escolar. escolar. materiais didáticos didáticos e as práticas práticas de leitura leitura na No capítulo Os materiais escola, fund fundmne mnenta ntado do nessa nessa discuss discussão ão teárica teárica,, Émerso Émersonn observ observaa
como se dá a entrada entrada do texto na escola escola para construi construirr a didatização didatização
da leitura. leitura. O autor autor salienta salienta que as decisõ decisões es sobre sobre o que, que, quando e como ensinar são determi determinada nadass pelos objetivos objetivos específico específicoss e pelas pelas condiçõe cond içõess de ensino ensino e de de vida das pessoas envolvidas envolvidas no contexto contexto escolar. escolar. Esses elemento elementos, s, por sua vez, responde respondem m pela construçã construçãoo das imagen imagenss empobreci empobrecidas das do professor professor e do al\lno al\lno por parte das instância instânciass oficiais oficiais e dos elaborad elaboradores ores de materiais materiais didáticos didáticos.. Como consequê consequência ncia dessa dessa imagem, imagem, dois tipos de estratég estratégias ias ~ão identific~ldo-s
por Pietri Pietri no tratam tratament entoo
didáti didático co do texto. texto. As
estratégi estratégias as de facilitaç facilitação ão da leitura leitura sempre sempre se realiz realizam am "com a su pressâo de passagens que exigem a ativaçâo de um conhecimento prévio específico" (I'. 39), "com a seleção de textos que compõem as unid unidade adess temáti temáticas cas,, sem aprese apresenta ntarr proble problemas mas para para o leitor leitor pouco proficiente" (I'. 38). Já as estraté estratégias gias de fragmentação fragmentação do texto como recurso recurso didádidático tico expres express31 s31nn o ronlpime ronlpimento nto
"da orde ordeu1 u1 em que nos encontra encontra--
mos como produtores produtoreslleit lleitores ores em nossa nossa sociedade" sociedade"(p. (p. 42), dada dada a ideia ideia de estabilidad estabilidadee conferid conferida, a, entre entre outros outros fatores, fatores, pela retirada retirada da responsab responsabilida ilidade de pelo texto texto (desconstr (desconstrução ução da noç noção ão de au autotoria). Esse Esse fato, fato, no entender entender de Pietri, pode impedir impedir a inserção inserção do
ÊMERSO ÊMERSON N
DE PIETR PIETRII
9
aluno aluno nas práticas práticas de produç produção ão escrita escrita e de de leitura na sociedade. sociedade. Nesse Nesse sentid sentido, o, a fragm fragment entaçà açàoo dos textos textos e o apag apagame amento nto de suas suas caract caracterís erística ticass própri próprias as impede impedem m a perce percepçã pçãoo da unidad unidadee de uma uma obra e, enl consc conscqll qllênc ência, ia, sua alrib alribuiç uição ão a um um determina determinado do autor. autor.
A tese do autor é, portant portanto, o, a de que que os modos de apresen apresentatação dos textos não levam à formaçã formaçãoo de um leitor que saiba proproduzir duzir e ler ler textos textos escrit escritos os segund segundoo os modos modos que a produ produção ção e a leitura leitura de textos textos escritos escritos se organiz organizam am em comunidad comunidades es com níníveis altos de letramento. Em relação aos livros paradi paradidátic dáticos, os, o autor destaca destaca que "essas publicações se earacterizam por apresentar informações explicativas consistentes sobre referências referências de diversos tipos"(p. 45). O objetivo parece parece ser o de aperfeiçoar aperfeiçoar as habilida habilidades des dn al~no em rdação aos usos usos dos recursos materiais oferecidos pelo suporte. práticas de leitura leitura em contexto de ensi No lerceiro capítulo As práticas no: as ações do professor, Émers Émerson on mostra mostra as possib possibilida ilidades des ofereoferecidas cidas pelas pelas duas concepçõ concepções es para o trabalho trabalho com a leitur leituraa em sala sala de aula, aula, com atividades atividades de ensino ensino que considerem considerem os clois clois termos termos leitor-texto: de um lado, do par leitor-texto: lado, enfocando enfocando os aspect aspectos os cogn cognitivo itivossconhecim conh ecimento entoss prévios prévios linguístico linguísticos, s, textuais, textuais, de gêneros gêneros de discurso curso e de mundo, mundo, dentre dentre estes últim últimos, os, os relati relativos vos a questõe questõess e valores valores sociais sociais e polít políticns icns -; de outro, outro, salientand salientandoo os aspect aspectos os relacionados cionados a pnlticas pnlticas sociais sociais mais amplas, amplas, como as práti práticas cas de leituleitura determ determinada inadass pelos pelos aspectos aspectos materiais materiais dos textos. textos. Ainda Ainda neste capítulo, capítulo, lembra lembra Pietri Pietri que a partir partir do momento momento em que uma maior variedade variedade de gê gênero neross de discur discurso so pode fazer parte das aulas de língua portuguesa, evidenciam-se também as relações relações entre texto texto e suporte suporte e a participa participação ção deste na organiza organiza-ção do texto. texto. Conhecendo Conhecendo essas essas relações, relações, o professor professor pode atuar sobre sobre o texto, em seus modos modos de apresen apresentaçã taçãoo no suporte, suporte, de modo a evidencia evidenciarr aspectos aspectos da organizaç organização ão textual textual nem sempre percebipercebidos pelo leitor em formação. Essa Essa aprox aproxima imação ção para para o tratam tratament entoo didáti didático co do texto texto a ser lido, lido, no entender entender do autor, autor, parece parece não oferecer oferecer como resultado resultado apenas apenas a somató somatória ria dos recurso recursoss de uma uma e de outra outra concep concepção ção para O ensi ensino no da leitu leitura, ra, mas parece parece produz produzir ir também também result resultaa-
10
PRÁTICAS DF I FlTllR A r UE M EN IO S
P A RA A AIUAÇAO uOCENH:
du~ não pr~vistos por IlCnhl1l11adas duas perspectivas. tido, são apresentadas
contribuições
Nesse sen-
para as ações do professor,
enfocando a leitura de textos jornalísticos e literários. Pietri propõe a prática de leitura segundo a perspectiv" intertextual, em que se estabelece um texto principal de referência. Trata-se de uma alternativa para solucionar a questão da fragll1entação lanto na leitur.l no texto literário quanto na leitura do texto não literário. Nessa alternativa, a escolha do texto a ser trabalhado em sala de aula não se realiza em função de uma imagem empobrecida do leitor, mas segundo as contribuições que o fragmento escolhido pode oferecer para o desenvolvimento de estratêgias de leitura. Nessa visão, a fragmentação dos textos é revisitada, em função das condições escolares que compõem as aulas de leitura. Propõe o autor melhor aproveitamento
do tempo em sala de aula, (0111 a
exploração de recursos que aluno leitor possa utilizar em suas práticas de leitura fora da sala de aula. Aposta o autor que o trabalho com a fragmentação dos textos, quando não marcado pelas estratégias de facilitação, pode constituir um instrumento eficaz para ensinar ao leitor em formação como construir estratégias que façam parte das práticas de leitura valorizadas socialmente. Nesse contexto, Émerson reconhece ser a mediação do professor fundamental para a formação de leitor proficiente, puis ele "ocupa o mesmo lugar do editor em seu trabalho histórico de formação de objetos e de práticas de leitura" (p. 54). Nessa ótica, o bOln texto para Ieitul'l C:111 sala de aula
é aquele
que exige a presen-
ça de outros textos ou outras fontes que auxiliem na solução dos problemas apresentados para sua leitura. Para isso a mediação se
In t r o d u z i n d o o t e m a
A leitura é uma prática social escolarizada, ciedade como a nossa, as pessoas consideram
à escola, ou, 111esmOquem tenha aprendido
Para pessoas que convivem
e os conhecimentos
necessários
do leitor para lidar com esses materiais. Tem-se, com efeito, de uma obra quc oferece subsídios importantes para a atuação do professor no ensino fundamental c médio.
a ler na escola, pode
en1 comunidades
letradas (comupráticas
com base no uso de materiais escritos), o contato com atividades de leitura pode acontecer muito antes de sua vivência no período de escolarização. A leitura de um texto, em voz alta, para uma pessoa (criança ou não) que não sabe ler, é um exemplo de contato com a leitura que pode acontecer fora do ambiente escolar. Por sua vez, em comunidades não letradas (aquelas em que as relações sociais se fundamentam em usos orais de linguagem), a relação com a escrita pode ser garantida, muitas vezes, apenas através da escola. Se, de modo geral, a escola é a principal agêntas vezes, ctn nossa mesma sociedade,
escritos, os níveis de lctramento
que un1a das fun-
nidades en1 que as pessoas realizam, eIn seu cotidiano,
cia de letramento
social dos materiais
so-
desenvolver habilidades de leitura diferentes daq;lelas que a escola lhe apresentou, e ler textos pertencentes a gêneros com os quais não teve contato em contexto escolar.
sor deve envolver-se na busca de oferta de outros textos que se mostrem necessários durante a atividade de leitura. A tese subjacente ao livro PrátiClls de leitura e elementos para a atuaçclo docente é a de que o ensino nesse contexto deve considec distribuição
é, numa
ções da instituição escolar é ensinar a ler. Porém, a leitura não é uma prática escolar: uma pessoa pode aprender a ler sem ter ido
inicia antes da entrada do texto na sala de aula, quando o profes-
rar as relações com a produção
isto
cia de letramento, comunidades
numa sociedade
complexa como a nossa, muiela representa a única agên-
a única possibilidade
para determinadas
de terem acesso aos bens sociais c culturais mais
valorizados socialmente numa sociedade letrada, aqueles cuja produção se fundamenta na escrita. A noção de letramento (de que se pode obter mais informações com a leitura dos textos de Kleiman (1995) e Soares (2001)) é, portanto, fundamental para a discussão de questões relacionadas ao ensino da leitura.
~MERSON
PKÁ1ICAS DE LrITURA I:. I:.U:.MENTOS PARA A ATUAÇÃO DOC(N1l.
12
Pensar no ensino da leitura na escola, então, significa pensar à
nas relações sociais envolvidas com a possibilidade de acesso escrita, que se mostra muito ITlais complexa quando pensarllos
que nossa sociedade não se divide em comunidades comunidades
não letradas,
mas se constitui
com diversos níveis de letramcnto,
letradas e
de grupos sociais
em razão da quantidade
c das
caracteristicas do material escrito disponivel, e das funções que a escrita possui nas práticas cotidianas. Desse modo, não
é possi-
vcl pensar em escola e leiturlI no singular, mas enl escolas c em leituras, pois é necessário considerar as diferentes relações entre a
instituição
escolar c a conlúnidade em que ela se encontra,
tarnhénl, as diferentes
relações que cada comunidade,
pos sociais que as constituem,
estabelece
c,
e os gru-
com a escrita.
Pensar no ensino da leitura na escola, portanto, significa pensar na distribuição
social do escrito, isto é, considerar que os nli.l-
teriais escritos circulam na sociedade de modo desigual; considerar que, da mesma
maneira
social de delerminados
como
produtos,
acontece
COln a circulação
a que nem todos na sociedade
têm acesso, apenas uma minoria tem acesso aos produtos tos mais valorizados
escri-
socialmente.
As práticas de leitura realizadas na escola podem responder de modos diferentes a essa realidade: podem contribuir para a desigualdade, em função do valor dos materiais escritos disponibilizados, ou dos tnodos como esses materiais sao oferecidos aos alu-
nos; ou podem contribuir
para diminuir
essa desigualdade,
ao
oferecer aos alunos a possibilidade de terem acesso aos materiais escritos valorizados
socialmente,
e desenvolverem,
ses materiais, as práticas sociais consideradas
com base nes-
legítimas
em uma
sociedade letrada. Mas o acesso ao escrito e às pr,íticas de leitura valorizadas so-
cialmente não se constrói apenas com uma melhor distribuição dos produtos escritos. Se assim fosse, os problemas com o ensino da leitura em contexto escolar poderiam ser solucionados nas com a solução dos problenlas
econômicos.
ape-
O acesso ao mate-
DF PIElRl
rial escrito é necessário,
nlas não suficiente,
para a formação
de
leitores na escola. Fez-se referência anterionnenlc de letramento
encontrados
à questão dos diversos níveis
socialmente
em flln~~;}ro ia complexi-
dade de uma sociedade como a nossa, e das desigualdades econô' micas que essa sociedade apresenta. O nivel de letramento minante para o sucesso ou não da relação do aluno COHl
é deter-
() texto
na
escola. É necessário considerar que alunos vindos de grupos com alto nível de letramento já chegam
à escola
sabendo manusear o mate-
rial escríto com que úc:scllvulvcrão :sua:,: alividi:lde.s em .sala de aula.
Para alunos vindos de comunidades não letradas, cujas práticas sociais se baseiam na oralidade, o contato com o l11aterial escrito é algo que precisa ser construído
já naturalizadas
em contexto escolar: ações
para os que viven1 em comunidades
letradas, como saber manusear unllivro
altaulenlc
ou um jornal, por exem-
plo, conhecer as organizações internas desses materiais (como sa ber qual a função do índice em um livro), e as funções que possuem (em que consiste um editorial?), podem ser obstáculos intransponíveis para alunos de comunidades
não letradas, caso se parta do
princípio, na escola, de que o aluno já chega aos bancos escolares conhecendo esses materiais e as práticas que envolvem. A situação se complica quando nos lembramos dos diversos niveis de letramento existentes socialmente. A entrada do texto na escola e as atividades de leitura que serão desenvolvidas com ele em sala de aula pedem que o processo de escolarização desse texto - sua escolha para ser usado como material de ensino de leitura-, seja feito levando-se em conta as possibilidades de leitura do aluno. A escolha do texto exige, portanto,
que o professor conheça
quem é o aluno que se encontra ali, a sua frente, na sala de aula. A escolha dos textos a serem lidos numa aula de leitura não pode ser feita antes de se saber quais são os conhecimentos
que o aluno traz
para o interior da escola. É um contras senso, desse modo, estabelecer antes du início ou ano letivo os textos a serem lidos nas
aulas de leitura.
PRÁTICAS
14
O[ LEII URA
[ fi rMrNTOS
PAr~AA
ATUAÇÃO
DOCENTE.
Coloca-se eIll questão, portanto, os nlodos como os textos são apropriados
didaticamente,
as atuações realizadas sobre os
textos no processo de elaboração dos materiais didáticos. Se é necessário conhecer os alunos para que sejam escolhidos os textos a serenllidos
em sala de aula) uma primeira relação a ser
discutida é aquela que se estabelece entre o professor e o livro didático. Esse material apresenta ao professor uma coletânea de textos preestabelecida,
elaborada por alguém que não conhece os
alunos a quem os textos escolhidos se destinam. Nesse contexto, que usos podem ser feitos dos textos assim disponibilizados,
para
minimizar os problemas decorrentes de seu modo de produção? Como
realizar práticas de leitura interessantes
com base nos re-
cursos oferecidos pelo livro didático? Essas questões se relacionam ao papel desempenhado professor em seu trabalho em sala de aula. O livro didático tor, nas condições
pelo é sedu-
em que o ensino se encontra atualmente,
pelo
fato de que disponibiliza o material escrito, e apresenta atividades com base nesse material de modo a organizar o tempo da sala de aula. Se essa organização, metodologicamente,
é f.1cilitadora, é tam-
bém ela quem retira do professor a autoridade sobre seu próprio trabalho: a autoria sobre as ações realizadas em sala de aula pertence principalmente
ao autor do livro didático. Questionar o pa-
pel desempenhado pelo professor em seu trabalho significa questionar a responsabilidade que de assume nas decisões sobre que práticas realizar em sala de aula. Em relação ao ensino da leitura, essa responsabilidade
diz respeito aos modos como o professor
promove a mediação entre leitor e texto. Nesse sentido, o objetivo deste livro não
é oferecer
receitas so-
bre como desenvolver aulas de leitura na escola, mas o de pôr em discussão aspectos que envolvem as práticas de leitura em sociedades letradas como a nossa, e as maneiras c.omo essas práticas se
relacionam com aquelas desenvolvidas na escola. Espera-se que as discussões realizadas contribuam
para o desenvolvimento
ensino da leitura em contexto escolar.
do
ÉMERSON DE PI[lRI
15
As pnílit:a~ue leitura serão considerau(ls IIcste trabalho segundo duas perspectivas teóricas distintas. Pretende-se, com a aproxirnação dcssas duas perspectivas, evidenciar aspectos que uma e outra) sozinhas, talvez não eviucllciassenl. O objetivo é oferecer mais instrumentos para o trabalho com a leitura enl sala de aula.
CAPíTULO 1
D o i s m o d o s d e c o n s i d e ra r a relação leitor-texto
Nas considerações fcitas na Apresentação, tratou--se do ensi-
no da leitura na escola em função de suas relações com a produção e distribuição social do material escrito e com os níveis de letramento e os conhecimentos que o leitor telll Oll precisa ter para lidar adequadamente
com esse material. A abordagem
relação leitor-texto se fez, desse modo, considerando-se
da
os dois
termos que constituem essa relação, segundo concepções de leitura distintas. Quando a relação leitor-texto foi observada enfatizando-se seu primeiro lenno, istu é , U leitor,
<..:olocou-se em qUt:slãu
que recur-
sos esse leitor precisa ter para compreender satisfatoriamente
um
determinado texto. Considerar a leitura segundo essa perspectiva significa considerar o que se passa na mente do leitor no momento em que ele lê: que conhecimentos
prêvios precisa ter e que es-
tratégias precisa realizar, para que compreenda um determinado rexto. A observaçao das relaçoes do leiror com o lexlO nas atividades de leitura pode ser feita, portanto, com o objetivo de conhecer quais os aspectos cognitivos envolvidos no processo de leitura e compreensão de textos. Quando a relação leitor-texto foi observada enfatizando-se seu segundo termo, colocou-se em questão a produção e a distribuição social dos textos. Ao se considerar a leitura segundo essa pers pectiva, enfatiza-se o papel social que desempenham
o autor, o
editor e as diversas instituições sociais, na elaboração, fabricação e disponibilização do material escrito. A relação leitor-texto diada por esses agentes e as pdticas
é me-
sociais de leitura se consti-
i
18
PI<ÃTICAS O[ UIIURA
[UfM1:NTOS
PARA
A ATUAÇÃO OOCENT[
tuem elTIgrande parte com base nas intervclI\{Jes realizadas so-
bre o texto durante esse processo de mediação. Desse modo, as diversas intervenções realizadas, por diferentes agentes, no processo de elaboração e distribui,ão do texto, têm caráter decisivo para as atividades de leitura realizadas por diferentes pessoas, em diferentes momentos e em diferentes lugares na sociedade. A observação das relaçoes do leitor com o texlo, segundo essa perspectiva, tem o objetivo de considerá-las enquanto práticas culturais) construídas social e historicamcnte.
A seguir, cada uma dessas duas concepçoes de leilura será observada mais detalhadamcnte.
EMfRSON o r Pl[TRI
e, tambén1, de uso da língua,
Uma possibilidade de considerar a relação leitor-texto é questionar que conhecimentos o leitor deve ter para compreender um texto e COI110 esses conhecimentos
são usados no momento
da lei-
tura, isto é, que estratégias são utilizadas pelo leitor, no momento em que lê, para construir o sentido do texto. Trata-se de questionar, portanto, os aspectos cognitivos envolvidos nessa atividade. Segundo essa perspectiva - da qual se pode obter mais informações no texto de Kleiman (2000) -, a leitura de um teÀ10se faz com base na elaboração e verificação de hipóteses. O leitor, para elaborar as hipóteses e testá-las, durante o processo de leitura de um determinado texto, faz uso dos conhecimentos prévios que possui. Esses conhecimentos podem ser classificados em linguísticos, texlllaís e de mllndo (ou enciclopédicos). O conhecimento linguístico, enquanto conhecimento prévio necessário
para a compreensão
de um texto, mostra-se
de modo
bastante claro, por exemplo, quando nos encontramos face a um texto escrito em uma língua com a qual temos pouca ou nenhuma familiaridade. Conhecer os sons que compõem o sistema fonético dessa língua, ben1 como os 1110d05 como esses sons se organizam,
isto é, seu sistema fonológico, além de conhecimentos do vocabulário, das regras de rormação de palavras, das estruturas sintáticas
S;lO conhecimentos
cessários para a compreensão
Esses mesmos conhecimentos terna. Nesse caso, poréol,
lineuÍsticos ne-
de um texto. são colocados
mento de produzir e compreender
em jugo nu mo-
um texto em nossa língua ma-
luuitas vezes só ten10S consciência
de
que estamos usando esses conhecimentos quando algo nos coloca em lima situação dc distanciamento ses n10ll1Cntos ocorrem,
em relação à linguagem.
por exemplo,
Es-
quando. ao ler um texto.
nos deparamos com uma palavra cujo significado desconhecemos; ou com UIll conceito que (ainda) não dominamos; ou COlll
lima
estrutura sintática com um grau de complexidade que oferece dificuldade para nossa compreensão. As primeiras experiências com textos de áreas
1. Conhecimento prévio e estratégias de leitura
19
de conhecimento
em que estamos
nos ini-
ciando são as que revelam essas dificuldades de modo flagrante. Além do conhecimento linguístico, outro tipo de conhecimento prévio necessário à compreensão
de um texto no momento da leitu-
ra é o conhecimento a que denominamos textual. Conhecer os tipos de texto é um dos requisitos para a realização da leitura de modo satisfatório. As características do tipo de tex10 narrativo. descritivo
ou expositivo-argumentativo, por exemplo, pedem diferentes posicionamentos do leitor em relação ao que ê lido. O texto narrativo
pede do leitor uma atitude ll1enos tensa; a ênfase recai sobn: a
sucessão dos fatos e das ações, e o elemento temporal é fundamental para a estmturação do texto. É característica desse tipo de texto a prcvalência de verbo~ l1U pH:'lélitu tJc:1fc:itue iUlperfeito.
O texto expositivo-argumentatívo
pede do leitor um posicio-
namento mais constante, no que diz respeito às suas atitudes. dian-
te das tentativas de convencimento que o texto lhe apresenta a respeito do tema de que trata. O tempo verbal é um fator de menor relevância nesse tipo de texto em relação aos recursos de caráter argumentativo
que o caracterizaln) C0l110as relaçõcs lógicas
e a apresentação de evidências em favor da tese que está sendo defendida. J à o texto descritivo se caracteriza pelo alto nível informa cional e geralmente aparece em apoio à narração. Com base nas
- .,- - .
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20
D f 1 [l T UR A
E E L E ME N T OS PAHA A ATUAÇAO [)OClNTE:.
ÉMERSON DE PIETRI j-Z v.l
informações recebidas, o leitor pode elaborar um quadro do que está sendo descrito. Nomes (substantivos e adjetivos) podem exercer papel central na construção desse típo de texto. Nos últimos anos, à noção de tipo de texto veío se sobrepor a noção de gêmros de disClIrso, que leva em consideração os usos de linguagem em relação aos contextos sociais em que são produzi-
dos e, em função das características do contexto, as estruturações particulares que assumem. São as características particulares dessas estruturações que possibilitam reconhecer determinado gênero como senrln 11m di~lneo, Ilm::l C::lrt::l, 11m::! nntíc:i::l, 11m
um romancc, um formulário etc. O gênero /loticia, por exemplo, se caracteríza por ser produzi-
do em uma situação de comunicação social com características específicas: a notícia é feita para ser publicada enl um veículo, o jornal diário, que possui como uma de suas características o fato
de ((envelhecer" rapidamente; assim, a notícia infornla sobre algo recente e deve ser lida como algo que reporta um acontecimento recente; além disso, o espaço no jornal é bastante limitado, e a
notícia deve se adequar
J
esse espaço)
° que imprinle
ao texto ca-
racterísticas produzidas pela necessidade de concisão: o excesso de ínformações sobre pessoas e lugares, por exemplo, é algo que
não se encontra nesse gênero. A notícia prevê uma leitura rápida, pois o objetivo é informar rapidamente
sobre os fatos considerados
referente à edição do jornal
cnl
relevantes no período
que foi publicada; para isso, alguns
recursos são utilizados: os textos se dividem em colunas estreitas no jornal impresso, o que agiliza a leitura; os períodos geralmente
são simples e as frases curtas; há o uso de elementos
(01110
o Iead,
por exemplo, logo após o título, em que se apresentam as informações principais que serão encontradas ra, o que facilita <) trabalho dn leitor.
na sequência da leitu-
A noção de gêneros de discurso oferece, portanto, outros elementos para se considerar a atividade de leitura e, desse modo,
evidellcia outros lunhecimentus prévios necessários para a com preensão do texto. Para uma aproximação
mais fundamentada
. ; ~"~12j9"\ ' , .... Ui.~J •• ~?1
.,,,:._ •.••. .1
'~ ~ ~ '.'~ ~ ~ ~ -O ':-~ '}.\:. :--1~";'-';';"~"':.~
peCfe\0 . ;~ .1 Z . :! ') Y '. '( ~ ~ '~ \ ) '} ' l
dessa noção, sugere-se a leiturâ"1i8'cã-pftfl1ô r,Os gêneros de discurso", do livro Estética da criação verbal, de Mikhail Bakhtin (IJakhtin, 1997). Voltaudo ans três lipos de conhecimento
anteriormente.
prévio anunciados
resta tratar do conhecÍInento
denominado
enci-
clopédico, ou conhecimento de mwzdo. O conhecimento de mundo Seconstitui
nas experiências que a pessoa tem ao longo de seu
percurso d,' vida e pode ser adquirido tanto em situações contro-
ladas. fornlais, tais como as que se encontran1 na escola, quanto de
mudu informal. Compõem o conhecimento de mundo informações cotidianas, ou históricas, por exemplo, ou conhecimentos estruturados eventos típicos de determinada
sobre
sociedade, comó uma consulta
médica) uma refeição nUI11restaurante,
UHl
pagamento numa agên-
cia bancária etc. Ao conversar com alguém que participe de nossa sociedade, ou de nosso grupo social, não é precíso entrar em detalhes sobre o que se faz num restaurante e sobre como as pessoas
ageol nesse lugar. Ao dizcr((almocei no restaurante hoje': não é preciso informar sobre todas as ações realizadas, como escolher uma mesa, escolher um determinado prato, escolher as bebidas, pagar a conta etc. - a não ser que algo lenha fugido ao esquema. Esquema, aliás, é o nome que se dá a esse conhecimento estruturado sobre determinados eventos de que participamos
numa sociedade.
l icompreensão
do texto, portanto, é possível graças aos conhecimentos prévios que o leitor possui e à interação desses co-
nhecimentos no momento da leitura. Essa interação se torna nlais evidente quando, ao lermos Ull1 texto, nos deparamos com urna palavra desconhecida. Nesse momento, há pelo menos duas opções: ou o deixamos de lado e vamos procurar em outros lugares o significado da palavra (num dicionário, por exemplo), ou conti-
nuamos a lê-lo e tentamos) com base nas demais informações que esse texto apresenta, elaborar hipóteses sobre o significado daquela palavra. O exemplo acima apresenta uma situação limite, em que se desconhece
o sígnificado de uma determinada
palavra; mas o
22
Pr~ÁIICAS D E L E lT U 1{ A l L l I :. M EN T O S
P A R A A A T U AÇ Ã O
D O C E NT E
trabalho com a elaboração de hipóteses e a interal"o dos conhecimentos linguísticos,
textuais c de mundo, para a construção
do
senlido do texto, é uma atividade que percorre todo o processo de leitura. Essa interação de conhecimentos possibilita que o alo de ler não se realize como um processo de decodificação palavra a palavra, letra a letra: durante a leitura, os olhos não percorrem linear e continuamente
as marcas no papel, mas realizam sacadas
que recobrem partes maiores das marcas no papel. 1\ possibilidade de uma leitura ágil é garantida pela interação entre os conhecimentos prévios e, com base neles, por aquilo que o leitor antecipa, durante a leitura, sobre o que será informado a seguir. Caso contrário, ler seria uma atividade ITIuito demorada c cansativa. Notamos tenninado
mais nitidanlente
esse processo
111umenlo da leitura,
lemos
quando,
num dc-
de parar e voltar para
verificar se o que estamos compreendendo está de acordo com o que foi lido: interrompemos e retomamos a leitura já realizada, porque uma das hipóteses que elaboramos durante o processo da leitura não se confirnl0u e colocou
em risco a compreensão
do sentido do texto. Precisamos então testar novamente a hipótese que haviamos estabelecido e permanecer com ela, caso ela se confirme,
ou) se ela se mostrar equivocada,
elaborar outra) que
EMfRSON
Df
23
PlfTRI
estratégias para a elaboração portanto,
e testagon n e hipóteses.
que ler não se caracteriza como
ao contnírio:
ler é solucionar
Percebe-se,
llll1a atitude passiva;
continuanlcnte
um conjunto
de
problemas que vão senc!o "I're,enlac!os pelo texto. O leitor proficiente é aquele que consegue prever quais os obstáculos que o texlo lhe apresentará, para superá-los com mais facilidade; o leitor proficiente é também aquele que, diante de um obst,íClJlo não transposto, procura no próprio texto, ou em outras fontes de informação - que podem ser outros textos -, auxilio para compreender a pass~gem que apresentou problemas de Iuais di-
fícil solução para a leitura. Essa colJcepção de leitura desfaz a imagem do alo de ler como um processo passivo, de decodificação de informações, que é tanto mais bem-realizado
quanto lllellOS problemas
de compreensão
o
leitor tiver em rdação ao texto. A imagem de que o bom leitor é aquele que lê o texto de uma só vez, sem hesitações ou interrupções, e rapidamente, sem dificuldades, é uma falsa imagem, que pode levar a inadequações nas atividades de ensino de leitura. A atividade de leitura exige muito trabalho, e o prazer da leitura se origina das possibilidades de realizar esse trabalho. Essas possibilidades são constnlídas
- não nascemos com elas, mas as adquirinl0s e desen-
volvemos - e podem ser aperfeiçoadas continuamente.
permita compreender coerentemente o sentido do texto lido. A elaboração e testagem de hipóteses n"o se fazem, portanto, de modo aleatório. A relação entre as informações contidas no texto e os conhecimentos prévios pertencentes ao leitor não pode se fazer de modo desordenado, pois o objetivo da leitura é construir um significado coerente para o texto. Para que a relação leitor-texto se estabeleça de modo satisfatório é preciso que o texto
Um dos conhecimentos prévios necessários à realização satisfatória da atividade de leitura se refere às diferentes características materiais dos textos que encontramos na sociedade. Por
apresente uma boa organização
exemplo: a llunleração
interna - que nãu apresente pro-
blemas de coesão e coerência, por exemplo - e que o leitor estabeleça objetivos para sua leitura a fim de, com base neles, construir as estratégias que permitirão
elaborar e testar adequadamente
as
hipóteses. Esses procedinlentos é aquele
caracterizam
unlleitor
proficiente,
que
que consegue estabelecer objetivos de leitura e construir
2. A produção do texto e a distribuição social da leitura
de páginas; a existência
de um índice que
se fundamenta nesta numeração; a disposição de notas ao final da página ou de partes maiores do texto, como o capítulo, são
recursos que podem ou não ser utilizados em função do tipo de suporte em que se encontra o texto (um livro; um jornal; a tela do computador etc.). Mesmo a noção de capítulo, ou a noção de parágrafo, organizadoras do texto, são características produzi-
PRÁrlCAS
D[ lEITUI{A lo.ElfM(NTOS
das n pnrtir do desenvolvimento
ou seja, estão relacionados
PARA A ATUAÇÃO DOC!:.NTE
de novos recursos de impressão,
às possibilidades
materiais
de
produção dos textos.
ÉMmSON
25
Df PIEml
entre tipos de objetos, categorias de textos e formas de leituras. Essas relações provêm de três inovações ção do códex - texto manuscrito
fundamentais:
a inven-
enl um tipo de suporte sen1e-
As características nlateriais, enl nossa tradição ocidentaL mui-
Ih"nte ao livro moderno - nos séculos 11e I V (suporte que subs-
tas vezes ficam relegadas a segundo plano, em favor dos aspectos
titui um outro, o rolo); o surgimento do livro unitário (livro de
relativos ao sentido do texto e à intenção do autor. Esquecemos
um único autor, escrito em língua vulgar (séculos XI V e XV»; a invenção da imprensa (século XV).
que, para compreender
satisfatoriamente
Ull1
texto, precisamos nos
reportar ao seu suporte, isto é, à base material do texto impresso. A leitura de um texto de jornal, por exemplo, é um tipo de
e
Antes da invenção da imprensa, a produção e reprodução do texto escrito estavam submetidas às vicissitudes
do manuscrito
c à
kiturd que pode remeter a características próprias a esse suporte
precariedade dos materiais utilizados paril sua realização. A repro-
para que o sentido do texto seja construído
quando lemos numa notícia a informação sobre"um acidente ocor-
dução dos textos e mesmo sua permanéncia dependiam do trabalho dos copistas, que garantiam que o texto continmsse existindo
rido ontem de manhã", ll11litas vezes apenas podenl0s
saber a que
en1 sua luta contra a deterioração
data faz referência a palavra «ontem" se observarmos,
no alto da
satisfatoriamente:
página do jornal, a data ali impressa. O conhecimento
da~(araclerblicas
texto é algo construído
historicamente
rosa, de Umberto Eco, encontra-se
do suporte. (Na óbra O nome
da
uma representação do trabalho
realizado pelos copistas na Idade Média) m.ateriais da produção do
Se as coneJições de produção do escritu eram ~reGírias,as (uu-
e, por isso) não é natural, é
dições de sua reprodução também colocavam inúmeros obstácu-
um conhecimento aprendido. A escola muitas vezes se esquece deste fato e considera que o aluno que sabe ler - que é alfabetizado - já
los para a permanência do texto. Muitos fatores influenciavam no
sabe ler qualquer texto e sabe manusear qualquer suporte.
iluminação em que o trabalho do copista se realizava; as condi-
A não ser que o aluno aprenda em sua casa como se manuseia
trabalho de reprodução
do texto escrito: desde as condições de
um suporte como o do jornal escrito, por exemplo, ele chegará à
ções em que se encontrava o texto a partir do qual a cópia seria feita; os conhecimentos de escrita que o copista possuía; até as
escola sem saber como fazer uso desse material, e cabe à escola
crenças do copista e o que ele julgava de acordo com os parâme-
transmitir
tros morais de sua época ou de sua religião. Desse modo, um grande número de fatores atuava sobre a pro-
para esse aluno um conhecimento
referido anteriormente,
desse tipo. Como
a escola recebe alunos com diferentes ní-
veis de letramento e, para não ser excludente, ela não pode desconsiderar essas diferenças sob pena de esperar os mesmos conhecimentos prévios de alunos provindos de grupos sociais altamente
dução e a reprodução do texto escrito, o que impossibilitava atri buir os sentidos do texto a um determinado sujeito que o teria produzido originalmente. Não havia, então, a figura do autor como
letrados e de alunos provindos de comunidades tipicamente orais.
nós a conhecemos hoje: aquele a quem se atribui a produção do
Como aponta Chartier (2002) - em que se fundamentarão
texto eos sentidos que orientaram sua elaboração; aquele que conlere uma imagem de unidade, que permite atribuir características
as
considerações realizadas a seguir -, a relação do texto com seu su porte se constrói historicamente e é responsável pelos modos como
a uma determinada
concebemos a produção escrita, sua edição, publicação e os agen-
tem direitos e responsabilidades
tes envolvidos nesse processo: principalmente
o autor, o editor e o
que se apresenta como de sua autoria. A invenção da imprensa
relações próprias
possibilitou a existência das condições necessárias para a consti-
leitor. Na cultura impressa, se estabeleceram
tuição da
obra; aquele que, dados esses fatores, é quem
ão de autoria.
pelas ideias contidas no texto
PRÁTICAS UI:: U:IIURA
26
E ElEMENTOS
PARA
A AIUAÇAO OOGNH
A invenção da imprensa e o processo de mediação editorial A invençáo da imprensa no século XV tornou viável a produção do livro em quantidades desconhecidas até então. A possibilidade de reproduzir um mesmo texto inúmeras vezes, de modo
l11:uilO
mais nípido. conferiu
à unidade
textual uma esta-
bilidade diferente daquela que possuía na época do manuscrito. Porém, a noção de unidade de uma obra e sua atribuição à figura de um autor ainda não estavam consolidados
nos primeiros
teol-
pos da imprensa. No início, o editor possuía papel decisivo em relação ao formato final do texto, realizando alterações na sua organização de acordo com o que acreditava ser a melhor escrita, tanto em rela-
ção a aspectos formais quanto em relação aos sentidos do texto. Suas intervenções
eraITI feitas
com base
eO l
suas concepções
uu
que seria a boa linguagem; na imagem que tinha do leitor (suas competências de leitura); e com base nos recursos técnicos que possuía e nos custos das obras a serem produzidas. Nessas condições, o produtor do texto - o escritor - não tinha controle sobre a forma como seu texto seria publicado. A viabilidade econômica do trabalho dos editores exigia deles a elaboração de produtos acessíveis a públicos mais amplos. Isso significava editar e publicar livros não apenas para os que possuíam recursos financeiros e formação suficiente para adquirir obras mais sofisticadas do ponto de vista material e intelectual, mas tanlbém para os que não possuíam esses recursos. Um exem-
plo de publicação que procurava atender públicos com menos recursos, na França, entre os séculos XVI e XVII, foi a chamada Biblioteca Azul, que ganhou esse nome devido à capa dos livros serem feitas em papel azul. O que caracterizava essa Biblioteca era a baixa qualidade do material utilizado em sua fabricação, o que garantia um preço menor ao produto final, tornando-o acessível a um público mais amplo.
27
ÉMf:.RSON DE PIETRI
Além da ljualidade do material c seu baixo custo, caracterizam essas publicações também os modos como eram escolhidos os textos que compunham seus exemplares. Os textos que com punham a Biblioteca Azul eram retirados do repertório de textos já publicados e eram escolhidos em função do que os editores imaginavam
ser as competências
c expectativas
da clientela que
pretendiam atingir. O critério para a escolha dos textos se fundamentava no agru pamento segundo determinado gênero (novelas de cavalaria, por exemplo), determinadas práticas (coleçáo de receitas; cartilhas etc), ou ainda segundo determinadas temáticas. Esse procedimento garantia ao leitor uma orientação de leitura. Os editores não tinham a preocupação de cÜ;lláir ao texto publicado
uma unitlade ou unI acabamento
formal mais cuida-
doso. Ao contrário) eram livros feitos rapidamente,
o que muitas
vezes comprometia a coerência dos textos que os compunham. Com o objetivo de tornar a leitura mais fácil, as intervenções editoriais aUI11entavam o número de capítulos C de par:.ígrafos exis-
tentes no texto original; encurtavam os textos, eliminando partes consideradas inúteis; alteravaOl passagens consideradas sinlaticamente muito complexas. A figura do editor assume, portanto, papel fundamental na constituição de comunidades de leitores e práticas de leituras. O manuseio de um objeto como o livro exige conhecimentos e habilidades que se constituíram historicamente. O editor foi em grande parte o responsável pela construção desses conhecimentos e habilidades, uma vez que precisou formar o público que compraria seus produtos e, ao mesmo tempo, fornecer-lhe produtos acessiveis. É, portanto, um processo complexo, lento e gradual. Resultado desse processo histórico, o livro, como o conhecemos hoje, possibilita práticas impensáveis antes da invenção da imprensa c de sua evolução técnica. A leitura do texto no rolo, ou
no pergaminho, exigia que as duas mãos estivessem ocupadas em segurar o suporte do texto durante a leitura. Eram impraticáveis recursos de leitura comuns atualnlent~ como fazer anotações
nas
-
. -
PRÂnCAS DE UIIUHA
28
E HEMENIOS PARA A ATUAÇAO DOCENTE
margens da página; indicar destaques ao longo do texto (como
tMERSON DE PIETRI
29
pelo sentido do texto, pela intenção do alltor de determinada
deixar dobras de indicação no canLo das folhas.
obra, pode não ser o objetivo principal que esteja a direcionar a
Não existiam recursos de localização, como números de páginas
leitura do texto eletrônico. O leitor pode construir sentidos em
e índice; não havia textos de apresentação e direcionamento da
seu trabalho de leitura acessando os mais diversos textos, de acor-
leitura na contracapa ou nas orelhas dos livros etc.
do com o interesse que possui em determinado
os sublinhados);
Resultado desse processo histórico é também a constituição da noção de autoria. Quando as bases ,,,"[criai, de produção do texto impresso se estabilizam, quando o objeto livro tem seus formatos estabelecidos, diminui o poder do editor em intervir sobre fi""l dos textos. A responsabilidade pelas ideías presentes numa determinada obra passa a ser então daquele que o es" f U I l I I "
creveu: seu autor.
A in ve nç ão do te xt o el etr ôn ic o
e as
momento da lei-
tura, e em função das possibilidades de acesso a outros textos oferecidos pelo texto que está sendo lido. Isso é possível, pois o texto eletrônico se caracteriza pelo papel central que nele ocupa a /zipertextualidade, isto é: o leitor do texto eletrônico
trabalha com a expectativa
de que haverá links para
outros textos, e sabe que esses links lhe oferecem possibilidades de escolhas durante a leitura. O leitor do texto eletrônico sabe que não precisa seguir um padrão de leitura linear, preestabelecido, como se espera geralmente da leitura do texto impresso.
rupturas
A leitura do texto eletrônico se caracteriza pelas diversas or-
na ord em do impre sso
dens possíveis de acesso aos textos e, desse modo, pelo dcsccntra-
Se a invenção da imprensa, no século XV, possihilitou urna
menta e pela impossibilidade de prever quais os sentidos construí-
revolução em relação aos modos corno nos relacionamos com os
dos pelo leitor durante a leitura: não é possível prever quais links o
textos escritos} outra revolução
nas práticas de leitura teria acon-
leitor acessará durante sua leitura, nem mesmo se ele retornará,
tecido, no século XX,com a invenção do texto eletrônico, lido num
após acessar um novo texto, à leitura do texto que lia antes de
novo suporte: a tela do computador.
acessar o /ziperlink. Assim, dois leitores podem realizar percursos distintos de leitura, ainda que tenham partido de um mesmo texto.
ziu mudanças
O texto eletrônico introdu-
c rupturas nos modos
como produzimos
e lemos
textos na cultura impressa.
Além disso, a textualidade
A produção e a leitura do texto eletrônico se caracterizam pela
za pela abundância
eletrônica também se caracteri-
da oferta textual. Essa enorme disponibili-
ou
zação de textos apresenta desafios para a garantia da identifica-
seja, pelas possibilidades que o texto eletrônico oferece para o leitor de, com um simples clique num determinado lugar da pá-
ção das obras com base em sua estabilidade, singularidade e originalidade e para a manutenção do regime de propriedade
gina que está sendo observada
que protege os direitos dos autores e editures.
possibilidade
da não linediidilde
e pela fragrncnrariedade,
na tela do computador,
ou do
Pur exemplu,
há
gina} Ul11 outro texto, sem que a leitura do prinleiro texto tivcssc
textos disponibilizados em meio digital que não apresentam referências sobre suas fontes: não há referências aos nomes dos
sido realizada na íntegra. Essa mudança nas relações entre texto
autorCSj às edições a partir das quais foram reproduzidos; ao
e leitor promove algumas rupturas nas maneiras corno compre-
ano de publicação.
endemos a relação com os textos na cultura impressa.
tim idade do texto lido. Em casos mais extremos,
próprio texto que está sendo lido na tela, acessar uma outra pá-
A produção de sentidos pode se fazer, na textualidade eletrônica, de modo diverso ao que se faz na cultura impressa. A busca
disponibilizados
É muito difícil, nesses casos, confiar na legi-
há textos
e111meio digital aos quais se atribui falsa auto-
ria. É preciso, então, que o leitor esteja atento em relação fidedignidade
dos textos ofertados eletronicamente
à
30
PRATlC"~ Dr LEitURA E ELEMt:NrOS
PAtM
A ATUAÇÃO voei
NT[ EMERSON DE PlfTRI
Nesse sentido, as novas possibilidades oferecidas pela textualidade eletrônica apresentam desafios em relação aos modos como se organizam
o mundo
dos livros c
êl
produção
da escrita
na
cultura inlpressa. Muitos desses desafios têm sido vencidos com a elaboração de novos recursos para a proteção dos direitos dos autores sobre seus textos e dos editores sobre suas publicaçôes, bem como para garantir a legitimidade daquilo que é publicado. Revistas científicas publicam artigos em sites da internet após esses artigos terem sido aprovados por seu corpo editorial e seus pareceristas. Uma revista eletrônica, ou um jornal, que publiquem informações em seus sites na internet, por exemplo, podem restringir o acesso dos leitores a suas publicações - apenas assinantes podem acessar determinadas áreas, mediante a comprovação de suas identidades por intermédio de senhas. Mesmo recursos existentes para a leitura de textos ünprcssos
l
como a possibilidade de marcar passagens do texto, ou evidenciar alterações realizadas em sua escrita, já são possíveis com recursos disponibilizados pelos recentes programas de edição de texto. Ou
31
ção pela matéria. A reprodução
indefinida de um mesmo texto,
viabilizada pelas técnicas de impressão,
tornou invisível o traba-
lho realizado por diversos agentes para sua produção. A forma final, editada e publicada, apaga o trabalho do próprio autor, suas escritas c reescritas, suas hesitações e reelaboraçõcs,
até que consi-
dere ler um texto publicável. Essa estabilidade que o texto impresso aparenta ter contribuiu para construir a imagcm de que o texto, senlprc idêntico a si mes-
mu, seja qual for seu suporte, seria a forma pronta e acahada das ideias de um determinado autor. Além disso, possibilitou a invenção do copyrigltt, que estabelece a propriedade
do autor so-
bre scu texto, o que Icvou a se apreciar as obras em relação ao seu conteúdo,
desconsiderando-se
vas que tiveranl até atingirem
Essa"desmaterialização
as formas particulares
e sucessi-
sua versão impressa e publicada.
textual'; que se produziu nu Ocidente
com o advento da imprensa, regula tradicionalmente
o trabalho
com o texto enl sala de aula. A leitura de textos na escola tem como
ohjetivo, nessa tradição, a busca de um sentido único, aquele que
seja: as práticas de leitura produzidas na cultura impressa conti-
teria sido determinado
nuam fundamentando revolução digital.
sentido. A atuação sohre o texto se faz, assim, de modo a não atin-
nossas relações com o texto mesmo após a
pelo autor, e a tentativa de controle desse
gi-Ia em sua concretude,
Essa nova situação, porém, evidencia
e permite que se colo-
em sua materialidade,
o que confere à
leitura escolar um princípio de superficialização.
imprimem e leem. Permite que se coloque em evidência a impor-
Considerar a materialidade dos textos pede que se encontrem quais foram as diferentes decisões e intervenções que lhes deram suas diferentes formas materiais. Determinada condição material
tância do suporte para a construção do significado dos textos.
em que um texto é dado a ler pode produzir sentidos que não
que em questão o processo pelo qual os diferentes agentes envolvidos com a publicação
Apresenta-se,
;:I.OS textos
então, a possibilidade
mente à desmaterialização te da dissociação,
dão sf'ntido
que transmitem,
de se colocar contraria-
dos textos, desmaterialização
no Ocidente,
entre condições
resultan-
- técnicas e 1113-
tcriais - de produ\~ão dos suportes c os textos que transmitem. Como aponta Chartier (1996), a invenção da imprensa, uma grande revolução técnica que alterou as possibilidades materiais de produção da escrita, paradoxalnlcnte
aumentou a força) na cul-
tura ocidental, da Oposição entre a pureza da ideia e sua corrup-
seriam produzidos
em outras condições,
pois a atuação sobre a
materialidade textual pode, por exemplo, recortar de diferentes maneiras um determinado
texto; ou pode promover Su a aproxi-
mação de determinados textos e não eleoutros. Em consequência, diferentes relações intertextuais podem ser produzidas. (É im portante lembrar que a leitura de um texto é sempre modificada pela leitura de outros textos) Os modos como o ensino da leitura se faz nas atividades apresentadas no livro didático, por exemplo, mostram que as inter-
32
PRÁTICAS DF LEITURA [H[MENtoS
PARA A AIUAÇÀO DOCENTE
CAPíTULO 2
venções sobre a materialidade textual exercem um papel n.1l1damental na didatizaç"o da leitura em contexto de ensino. O questionamento da dissociação entre a ideia e os meios de sua realização material, e das mediações a que o texto é submetido em sua produção e circulação, oferece novas possibilidades para as considerações sobre a entrada do texto na sala de aula e para o trabalho de ensino/aprendizagem de leitura na escola.
Os materiais didáticos e as práticas de leitura na escola
No capítulo anterior
foram discutidas algumas questões re-
ferentes ao ensino de leitura na escola e apresentadas duas diferentes concepções de leitura. O objetivo neste momento é observar, lendo COI110 fundamentação essas duas concepções, como o texto entra na escola para compor materiais didáticos. Como discutido, a leitura não é uma prática escolar, mas uma prática escolarizada. As práticas de leitura podem se desenvolver independentemente
da escola, ainda que a escola seja, numa so-
ciedade como a nossa, a principal instituição responsável pelo seu ensino. A mesn1a relação entre práticas escolares e práticas escolarizadas alua sobre o material de leitura. Os textos que entram na sala de aula, em sua grande maioria, não são textos produzidos para serem lidos na escola, para fundamentarem atividades de ensino de leitura. Machado de Assis não escreveu Mem6rias P6stumas de linls Cubas para que fosse lido no Ensino Médio a fim de atenJel a questões de vestibular. Os textos, literários ou não, ao entrarem em sala de aula, passam por um processo de apropriação didática. Isso significa que eles são lidos na escola de modos diferentes de como são lidos fora da escola. Essa diferença é resultante dos objetivos específicos da leitura que são estabelecidos em contexto escolar, mas também em função das condições em que a leitura do texto se realiza na instituição escolar tal como esta se organiza em nossa sociedade: o currículo; as disciplinas; os programas; o número de aulas e de alunos em sala de aula; e a divisão do trabalho em função desses fatores e
ÊMERSON DE PIETRI
PRÁTICAS
34
DI:. U:t1UIV\
E Fl£ME.NIOS
PARA A ATlJ A(ÃO
das condições sociais c econômicas do contexto em que a unidade escolar se encontra. A entrada do texto na escula é fcita, portanto, de acordo com essa organização e COI11 os objetivos escolares de leitura e em função das condições de ensino c de vida das pessoas envolvidas nesse
contexto: as condições materiais en1 que vivem alunos e professores; a formação do professor; o nível de letramento
do aluno, do
professor e dos grupos sociais a que pertencem etc. Todos esses fatores estão envolvirlos C0l11 a concepção de lei-
tura que se encontra na escola e com a imagem das pessoas que participam das atividades relacionadas ao ensino da leitura, principahncnte a iInagcm do professor e do aluno. As instânci.ls oficiais e os elaboradores de material didático assumem papel funda-
mentai na construção
dessas imagens) no desenvolvimento
das
relações que se estabelecem em sala de aula entre professor e alu-
nos, c nas decisões sobre o quê, quando,
C01110
e por quê ensinar.
Os documentos oficiais atuam mais diretamente no estabelecimento dos conteúdos e dos objetivos do ensinu (o quê e por quê ensinar), ao passo que os elaboradores de material didático atuam mais diretamente sobre a organização dos conteúdos ao longo do ano letivo, e sobre os modos de realizar as atividades para o ensino de determinado
35
DOCi:.NTE
conteúdo (quando e como ensinar). Os materiais
didáticos realizam, portanto, a mediação entre o que é estabelecido oficialmente como conteúdo programático para determinada disciplina, e as atividades a serem realizadas em sala de aula. Viemos tratando da elaboração de materiais didáticos sem es-
pecificar quem são os responsáveis por sua realização. Entre os responsáveis, estão, principaln1ente, o professor) o autor e o editor de )TI
Dos três, o professor é o mais inlportante mediador entre o aluno e () conteúdo a ser ensin:ldo, pois é qucln decide. afinaL que material utilizar em suas atividades de ensino. Porém) dadas as condições de trabalho, geralmente o professor atribui a tarefa de
organizar as atividades de ensino ao autor do livro didático ou pa radidático.
Será observado. a seguir, como os livros didáticos e paradidáticos realizanl a mediação entre o alullo e aquilo que é estabelecido como objeto de ensino. Em relação ao ensino da leitura, a questão que se coloca díz respeito ao que acontece com o texto quando ele entra em sala de aula.
Mais especificamente)
neste momento,
° objetivo é observar
o
que acontece com o texto quando ele é selecionado para compor um dado livro didático ou paradidático: que critérios são usados para sua escolha?; que atuações são realizadas sobre o texto e com base em que concepções de leitura e de ensino/aprendizagem?;
que
leitores é possível formar com base nas atividades propostas nesses livros? Não serão referidos livros didáticos ou paradidáticos em particular, nem mesmo serão feitas referências a coleções especificas. As considerações realizadas se fundamentam trados recorrentemente
em aspectos encon-
em obras dessa natureza. Desse modo, os
aspectos aqui apontados podem ser encontrados valecer em determinadas
nlarcadamente
ou mesmo pre-
publicações e não se encontrarem
em outras. Todavia, todas as considerações
zadas se pautam em observações de obras
à disposição
tão
reali-
no mercado.
1. A apropriação do texto pelo livro didático O que acontece com o texto quando ele passa a compor um determinado
livro didático? A tentativa de responder a essa ques-
tão será feita com base em considerações
a respeito da relação lei-
tor-texto e na observação dc cada um dos termos que compõenl essa relação, segundo as concepções de leitura apresentadas no capítulo anterior. O objetivo
é conhecer
quaís estratégias de leitu-
ra se pretende ensinar com base nos textos escolhidos para com por o material didático e nas propostas de atividades a serem realizadas com base na leitura desses textos. Para isso, é necessário
I
PRÁTICAS Dl: lEITURA E El[M[NTOS
36
PARA A ATUAÇÃO DOCENTE
I
i
37
ÉMERSON DI: P1ETRI
'.
observar que intervenções
sn o
realizadas nos textos para que pas-
sem a compor um novo objeto, o livro didático. A apropriação do texto pelo livro didático é feita em função tias características
desse suporte; de seus objetivos; de seus leitores
As estratégias
de racililação
Uma organiza\~ão comUTll
aos livros didáticos é a divisão etn
unidades temáticas. As unidades geralmente se iniciam com a apre-
o professor e o aluno). O autor do
sentação de unl texto para lcilura e, com base nesse texto, outras
livro didático se orienta por esses fatores para produzir esse mate-
atividades são propostas, tais como atividades de discussão sobre
(nesse caso, principalmente
rial. A escolha dos textos precisa se pautar nas capacidades de lei-
a temática apresentada; o trabalho com a produção escrita; a apre-
tura que se suponha ter o aluno e nas capacidades que se pretenda
sentação
que ele venha a tcr. Além disso, essa escolha e as atividades a serem realizadas em sala de aula com base no texto escolhido precisam ser didaticamente
satisfatórias.
aluno à aprendizagem,
o que significa não apenas levar o
mas também organizar as atividades de
Como é o professor quem escolhe o livro didático a ser usado período letivo, o livro pre-
cisa atender às necessidades desse profissional e se adequar a sua formação, a suas concepções de el1Sino/aprendizagem, à expectativa que possui em relação a seus alunos e às condições de seu trabalho. Além disso, é preciso que o livro didático seja economicamen-
te viável, isto é. que se apresente como um produto satisfatório para os interesses de seu público-leitor,
a um custo acessível a esse
público. As editoras não se arriscariam a colocar um livro didático no mercado caso não fossem satisfeitos esses requisitos.
Ou seja: a mediação editorial é fator decisivo para a elaboração do livro didático, e interfere dirctamente no trabalho do autor Je:-;~e lllalerial, que precisa agradar não apenas ao professor, que é
qucm escolhe o livro didático, mas também ao editor, que não quer ter prejuízo. É no interior dessa relaçao de mediaçào exercida na elabora-
ção do livro didático que serão observadas as estratégias de apropriação dos textos que entranl para compor
esse nlateriat
beJll
como as atuações sobre a forma desses textos e as atividades de leitura propostas a partir deles.
gramaticais
a serem ensinados
naquele
materi
textos reproduzidos na íntegra, mas são apresentados ao leitor recortes, fragmentos de textos anteriormente
publicados com ou-
tros objetivos que não o ensino.
acordo com o espaço e o tempo da sala de aula. com suas turmas durante determinado
de conceitos
momento etc.
Com que finalidade se realizmTIsupressões nos textos que compõem os livros didáticos? Por que determinadas
passagens do tex-
to, e não outras, sãu rdiradas? Por que são escolhidos
tais textos c
não outros?
Uma primeira resposta pode sugerir a necessidade de economia de espaço, no livro, o que impede a reprodução
integral do
texto ou a publicação de textos mais longos. Porém, quando observamos materiais didáticos, percebemos que boa parte das páginas é preenchida com figuras que, muitas vezes, pouco acrescentam à leitura dos textos que acompanham. Mais do que isso: além de tornar um espaço que poderia ser utilizado para a apresentação integral do texto, são tiguras que em gerai dialogam minimarncute
com os sentidos que compõem o tex-
to ao qual são associadas. Desse modo, parece que a cscolha e/ou o recorte dos textos que compõem as unidades temáticas dos livros didáticos podem se realizar com basc cm outros objetivos que não a economia
de
espaço. A observação mais acurada de livros didáticos deixa perce ber que a escolha dos textos ou dos fragmentos que compõem suas unidades
se realiza de modo a não apresentar, nos texlos
dados a ler, passagens que colocariam problemas para um leitor
I' 38
Pf{ÁTICAS
Df lEtlU RA
r
El E ME N T OS
P A R A f i A TU A Ç Ã O D O C fN T E
O textu, lal ConlO apresentado
pouco proficiente.
no livro didá-
39
ÉMERSON DE.PIElRI
partir da leitura de Ull1 texto com as características
que assume
ti~o, exige geralmente o trabalho com esquemas, segundo o sigllIficaclo que se atnbmu a esse termo no capítulo 1) isto é: n (0-
em sua impressão no livro didático.
nhc~i:nento estruturauo
didática, com objetivos de facilitação da leitura, é muitas vezes rea-
soore determinados eventos de que
partICipamos numa sociedade. Passagen.s que façam referência excmpl.o,
lizada com a supressão de passagens que exigem a ativação de um a questões
eXlgenl uma leitura nlais elaborada
conhecllllento
Como referido, a atuação sobre os te..xtos, em sua apropriação
históricas,
por
do texto, pois o
dos fatos históricos referidos precisa ser ativado
conhecimento prévio específico, em favor do trabalho com conheciInentos prévios organizados
ctn esquemas. Com isso, evita-se o
trabalho com a intertextualidade,
uma vez que é suprimida deter-
minada passagem do texto que poderia levar à procura de infor-
ou adquirido, para que a leitura se realize satisfatoriamente. Iss~ pode_ exig,ir UIll Lrabalho de pesquisa, caso essas informações ainda nao sejam conhecidas pelos leitores do texto. Em situa\.iio de sala de aula, ou o professor ou os alunos precisariam ter ou huscar as informaçóes necessárias a fim de que a compreensão do
dúvidas, () 'Iue, se supostamente facilita o trabalho de compreen-
texto se realizasse satisfatoriamente.
são, prejudica o trabalho de interpretação.
Desse modo, é possivel afirmar que a escolha e/ou o recorte dos tex~os que compõem livros didáticos se fazem, em geral, com
mentos de textos, em nada contribui
~ obJetIVOde facilitar o trabalho de leitura, o que superficializa a II1terpretação dos textos. Considerando-se as atuações que se realizam sobre o texto, no processo de apropriação did,ítica, pode-se afirmar que o texto a ser lido em sala de aula é um novo texto, muito distante do texto que lhe deu origem. Esse distanciamento d:scontextuallzação
pode acontecer pela
por que passa o texto em relação às condi-
çoes de sua produção, o que inclui o distanciamento aO,raa que pertence; ou pela apresentação
em relação
à
de um recorte que su-
pnme caracteristicas que o autor conferiu ao texto que produziu.
maçõcs
CD1
outros textos. Devido a trahalhar com cSqUCttW5 de
conhecimento ruptanlente,
comum, a leitura do texto pode se fazer inintersem questionamentos
ou pausas para reflexão ou
A facilitação da leitura, tal como a proporcionada
pelos frag-
para ttue o aluno, leitor
eUl
formação, se constitua em leitor proficiente. Um leitor proficiente sabe que, ao se deparar com uma dificuldade imposta pela leitura, não deve deixar o texto considerando-se incapaz de realizar sua atividade de leitor. Ao contrário, o leitor proficiente sabe que ler é solucionar um conjunto de problemas '-Iue o texto oferece para sua compreensào e interpretação. E sabe também que o próprio texto pode contribuir para solucionar os problemas que lhe são apresentados, o que significa que a continuidade da leitura pode ajudar a elaborar hipóteses que ajudam na compreensao daquilo que ainda não é conhecido.
um livro didático seja o texto produzido por um d~terminado au-
O leitor proficiente procura em outras fontes as informações que não possui e que o texto lhe exige. lJeixar o texto de lado, sem
tor.
tê-lo lido na íntegra, e procurar outro texto que ajudará na conti-
É controverso, nesse sentido, afirmar que o fragmento lido em
? texto original
é
muito diferente do fragmento que aparece
na pagma d~ hvro didático, ainda que este seja produzido a partir
nuação da leitura daquele primeiro texto, é uma prática letrada,
daquelc, pOIS, dentre outros fatores, ronlpe-se com a forma origi-
necessária para o processo de leitura. e a escola em geral não leva o
nai que o autor conferiu à totalidade de seu texto.
aluno a se apropriar
. Nessas condições,
é necessário questionar
quc concepçüo
de
le'tur~ fu~d~,~,enta o tratamento conferido ao texto em sua apro pnaçao d,datICa e que formação terá o aluno, enquanto leitor, a
dessa prática, não o leva a saber que ela
existe e é necessária: é constitutiva do ato de ler. A escola, na maioria das vezes, não ensina ao aluno C0l110 esta-
belecer objetivos par" slla leitura de determinado
texto, o que
, ,
, 40 P~ATlCAS
OE lEITURA ~ n£MENIOS
PARA A ATUAÇÃO UOCENJ[
É M E RS O N
impossibilita que se construa uma referência para a elaboração e verificação de hipóteses, processo necessário para a construção de sentidos. A leitura é geralmente
rdativo
41
ao programa do Ensino Médio. Entretant~) enl muitas
dessas edições, boa parte das páginas, às vezes maIS de
concebida C0l110um processo
espaço destinado
de decodificação, em que o leitor OCupaullllugar passivo frente ao texto. Porém, a fi.mç
pouco contribuem
à impressão,
é lOI1~da por
para a interprctaçao
50%
do
figuras que..ml1ll~
do poema) ou pala o co
nhecimento das caracteristicas da escola literária que está sendo
produtor do texto, de ser autor. Ler envolve uma grande quanti-
apresentada. . '. '. . h'O 'lue explica que um grande espaço da pagllla seja pleenc I
dade de trabalho. A leitura de um romance, por exemplo, exige uma grande quantidade de conhecimentos prévios, linguísticos, textuais, de mundo, e exige também um complexo trabalho de Je\rantamenlo e tcstagclll de hipcltt"St'S ::. medida que o texto
D E P I E T RJ
do por ilustrações, e não por textos, p~r:ce ser a in~agen: do aluno com que trabalha o autor do livro dldatIco: alguem nao afel~o à
é lidu.
leitura e que, portanto,
não pode receber grande qua~l~<.la<.lcU I: '
texto para ler, sob pena de abandonar o livro e não adqUIrIr se~u~r
A fragmentação do texto como recurso didático
o mínimo que se espera de alguém que tenha o
A [ragmentaçao é um recurso bastante usado pelos livros didáticos corno estratégia para facilitar o trabalho de leitura em sala de aula. Isso se faz mesmo quando o tema em questão é o ensino de literatura.
É esse mínimo
. que se oferece para o aluno-leitor
do.s livros em
questão. Na organização comum a esses livros, há, depOISdos fragmco tos de "Profissão de fé", urna breve apresentaçào do que ... fOIo
Será discutido a seguir o modo corno muitas vezes o texto literário é tratado em livros didáticos para O Ensino Médio. Nesses
Parnasianismo e de seus objetivos estéticos, seguida das prInClpals
livros é possível perceber, com base na relação Co m o suporte c na
que, muitas vezes) não ocupam,
imagem de leitor em que se fundamenta a publicação, que os textos são escolhidos e alterados com o objetivo de tornar o processo
página. Depois de uma breve biografia de Olavo n"a~ e da 1I1dICa-
de leitura mais simples, de modo a supostamente
tos curtos ou fragmentos de textos do autor, e, a segUI!, ques.to:s de compreensão sobre algum desses textos. Ess~s.questoes se IUnI-
características da escola Parnasiana - geralmente dispostas em Itens cada unl, mais d.e uma h~h~ na
ção de suas obras principais, é possível encontrar maIs .alguns t:~-
agradar o leitor.
Na seção destinada a apresentar a escola literária parnasiana,
por exemplo, o autor geralmente escolbido para represent:i-Ia é Olavo IJilac. O texto que serve de base para a apresentaç
tam, na maioria, às características da forma poetIca (o s~neto'For exemplo), e do poema apresentado, em particular. Por fUl1,ha al-
ta e das características dessa escola é) na maioria das vezes, «Profis-
guma questão, muitas vezes de múltipla escolha~ retIrada de alguma prova de vestibular, em que se pede a mdlcaçao de quaIS carac-
são de fé': Essepoema é apresentado corno a síntese das principais características do Parnasianismo;
terísticas do parnasianismo se encontram no texto lIdo. . A escolha elou o recorte dos textos que compõem os lIvros
porém, apesar de sua importân-
cia, muitas vezes nem mesmo esse texto aparece na íntegra para o
aluno-leitor dos livros didáticos: são apresentados apenas os ver-
didáticos parece se fazer de modo a oferecer pa~a 0. leitor U111apas-
considerados, pelos autores do material didático, os mais representativos do fazer poético parnasiano.
sagem da obra que seja representativa
sos
das IdeIas d.o autor. A
disposição para a alteração do texto original, se~" maIOres questionamentos sobre a legitimidade dessa alteraçao, talvez se fun-
Uma justificativa para esse fato poderia ser a falta de espaço no suporte, unla vez que as edições reúnem um grande conteúdo
damente na dissociação entre o que seja a ideia de um determ,,~a-
do autor e a concretização
!
dessa ideia, sua realização matenal.
I
42
PRÁnCAS
D[ lEITURA
E ElEMfNTOS
PARA A ATUAÇÀO
DOCENTE ÉM£:RSON
I
Como vimos no capítulo anterior, essa é unla característica da
i
cultura ocidental,
i
característica
pio, pcla fragmentação c pela superficialidade ser encontradas em livros didáticos.
Paradoxalmente, se essa prática de fragmentação se fundamenta na noção de que o texto representa as ideias de um determina-
O livro paradidático,
do autor, o recorte dos textos coloca em questão a própria figura
autor, o livro didático
do texto. Nesse caso, o objetivo é levar ao aluno textos que sejam
ron1-
adequados a sua faixa etária, ou a sua capacidade enquanto leitor, c, ao mesmo tempo, garantir que a leitura dos textos, em seu suporte, seja realizada satisfatoriamente. Uma das estratégias para levar o alUDO a reconlíecer a organização de mTI suporte como o livro é separar os te:x.1osque o com-
pe com a unidade da obra desse autor c, ao mesmo tempo, retira dele a responsabilidade
por seu texto, uma vez que o texto repro-
duzido no livro didático sofreu alterações que modificaram
as
formas c os sentidos que seu autor desejou produzir. O livro didático, ao desconstruir
imagem de leitor - o alu-
no enl formação - e de acordo com as características do suporte
que possui em relação a ela. Ao
determinado
tais como podem
tal como o livro didático, também é
produzido segundo uma determinada
do autor, uma vez que este se caracteriza pela unidade de sua UO}
parece que os livros paradidáti-
cos - ao menos aCJueJe~ que são produzidos como coletâneas de textos de autores consagrados - não se caracterizam, a princí-
nou da reprodução dos textos sempre iguais a si IllCSrnos.
recortar o texto de
43
Dadas suas características,
que se tornou possível com a
invenção da imprensa e com a ideia de estabilidade que se origi-
obra c pela responsabilidade
D~ PJE1Rr
a noção de autoria, rompe
põem segundo deternlinadas temáticas. Elas, agrupadas, ajudam
como produtores c leito-
não apenas a organizar o interesse de leitura, aproximando textos
res de textos em nossa sociedade. Se um dos objetivos da escola é
que fazem referências a assuntos em comum, mas também a orga-
com a ordem em que nos encontramos
levar o aluno a se tornar um leitor proficiente e possibilitar que
nizar as ações que o próprio suporte requer ao ser manuseado, o
esse aluno faça parte das práticas de leitura valorizadas socialmente,
que exige saber que ele é dividido em partes; que cada uma dessas
apenas a leitura dos textos tais como se apresentam nos livros didáticos pode impedir que o aluno entre ne."a ordem que rege a
partes ocupa uma localização determinada no suporte; que essa localização é indicada pelos números das páginas; que o índice é o
produção da escrita e da leitura em nossa sociedade.
recurso para encontrar a localização do texto no suporte etc.
Isso exige que o professor utilize outros materiais para prepafar suas aulas: as alivicbrJes de enc:ino não podem ficar restritas às sugeridas pelo livro didático.
caracterização da figura do autor, seja através da escolha e apresentação de seus textos em paralelo aos textos de outros autores,
Além disso, um dos objetivos dos livros paradidáticos
o que uma temática 2. A a p r o p r ia ç ão
oferecendo
d o texto p e l o l i v r o p a r a d i d á t ic o
ajuda a evidenciar;
seja
sobre o autor com base em dados
Acompanham
O objetivo dessas publicações é o de
sui esse tipo de publicação e as concepções de leitura em que se funclan1enta.
gêneros (como
poesia, crônica, contos, ou nlesmo rOlllanccs), ou com a obra de autor. Ulll determinado
esses livros os suplementos de leitura, isto é,
encartes que têm o objetivo de auxiliar o leitor em seu trabalho. Esses suplementos revelam muitos dos objetivos que pos-
das questões relativas ao ensino da leitura na escola são os denominados livros paradidâticos.
em comum
biográficos, trechos de entrevistas, caracteristicas das obras etc.
Um material que precisa ser considerado quando são discuti-
levar o aluno a ter contato com determinados
informações
é a
I
!
A observação das questões que compõem esses suplementos de leitura mostra a preocupação
em levar o leitor a perceber
44
PRÁTICAS
f)r lEITURA
l
HlMI:N fOS
como o próprio livro se organiza. Ê pedido,
por exemplo,
que essas edições partem do princípio de que o leitor jé conhece
que o
a noção de autoria e sabe o que ela significa. Essas edições apre.
aluno aponte quais são as temáticas c qunÍS 0$ nomes dos autores que compõem o livro que acabou de ler. Para responder a eS~asquestões, sCI~vea capa e as primeiras
é suficicllte
4S
ÉMERSON DE PIETRI
PARA !I. ATUAÇÃO OOCrNTE
sentam textos que sejam representativos
da obra) c, ao mesmo
tempo, adequados às habilidades de leitura do leilor. Essas publicações se caracterizam por apresentar informa-
que o aluno ub-
páginas do livro. Em geraL j á na pró-
pna capa ele encontra os nomes do(s) autor(es), e, a seguir, nas
ções explicativas consistentes sobre referências de diversos tipos
primeiJas páginas, informações sobre c1e(s). A próxima parte do
- históricas,
livro é o índice, em que o leHor se depara com os modos como se
textos, ou mesmo interpretações para os textos que compõem a coletânea,
organiza a publicação. do leitor conhecimentos
como as notas dispostas ao final de partes do livro
ou no rodapé, ou as referências que pedem ao leitor a leitura de
gem a leitura de modo que o leitor perceba qual é o percurso necessário para lidar adequadamente com um suporte como o livro. 1 1 tarefa
etc. -, de apoio à leitura dos
foto.:., figuras, l11apus etc.L alérn do uso de elemento,>
hipertextuais,
sobre o suporte. Mais do que isso: diri-
culturais
fazendo para isso uso de e1ell1entos verbais e não ver-
bais (como
Ou >eja:em geral, as questoes iniciais dos suplementos pedem
geográficas,
\
outros textos, por exemplo.
Quando observamos questões apresentadas pelos suplemen-
de quem responde às questões propostas é simplesmente
buscar no local adequado as informações que o suplemento pede.
tos de leitura, nessas publicações voltadas a púhlicos com certa
Mesmo as questões de compreensão, em que são requeridas informações presentes nos textos lidos, exigem do leitor apenas a tarefa
propostas exige dos leitores habilidades com relação ao suporte
de localizar essas informações, caso não as tenba de memória em d_ete~minadaspassagens dos textos. Muitas vezes, as próprias q~es-
(como, por exemplo, a de saber se orientar por indicações hipertextuais). O percurso a ser realizado pelo leitor para responder às
toes mfonnam
questões consiste em que ele se dirija até o texto a que a questão
proficiência,
para o leitor a página do livro em que se encontra
que a procura
pelas respostas às questões
faz referência (e as questões do suplemento muitas vezes já infor-
a resposta pedida. Para responder a essas questões, portanto, basta saber manusear o suporte, tarefa que o próprio suplemento ensi-
mam para o leitor a página do livro em <]ueo texto se encontra - o que exige do leitor essa babilidade de manuseio do suporte), loca-
na a real izar.
lizar no texto a nota que possui as informações pedidas na questão
mesmo princípio é encontrado em coleções de livros paradldatlcos, que, dadas "las características materiais, são dirigidas .
notamos
.o
a ser respondida, e reprouuzir essas infoIDlaçõc.s I10 .suplelllelllu. Assim, ainda que exija habilidades de leitura mais sofisticadas,
para leitores que já possuam certas habilidades de leitura. Nesse de manusear um tipo específico de suporte, mas o de aperfeiçoar
os suplementos de leitura de coleções como essas também tém como princípio levar o leitor em formação a saber lidar com UlTl
as babilidades de leitura que esse aluno já possui em relação ao
determinado
uso dos recursos que o suporte pode oferecer. O que caracteriza coleções como essas é o fato de que elas exigem determinadas ha-
que as questões apresentadas sejam de compreensão do texlo, as
caso, o objetivo parece não ser o de tornar o aluno unlieitor
capaz
bilidades de manuseio do suporte, e levam o leitor a construir habilidades mais sofisticadas. Assim, os volumes
apresentar
dessas coleções
se destinam
geralmente
a
a obra de apenas nm autor - o que parece mostrar
I i I !
t
suporte, e as características que o compõem. Ainda
respostas requeridas exigem apenas que o leitor saiba se localizar enl relação à organização
dos textos no suporte, para que possa
cumprir adequadamente a tarefa proposta. Uma nota: é importante ressaltar que o termo hipertexto, ainda que tenha se evidenciado a partir do desenvolvimento
da
46
P R l\ T IC A S
l lE l E l lU R A
E : E : LE M I :N T O S P A R A A A T U A Ç ÃO
D O C EN T E É M l: R SO N
textualidade
eletrônica,
com as possibilidades hipertex(uais
D I '. P'ETRI
47
não refere algo que tenha se iniciado Quando pensamos no trabalho de escolha e recorte textual
oferecidas pelo meio digital; as relações
se constituíranl
realizado no processo
na cultura inlprcssa e as notas de
suas características
rodapé ou as referências que remetem o leitor a outros textos são & Xavier
do livro didático,
ou em
é difícil não associar sua
elaboração às práticas editoriais desenvolvidas nos momentos
exemplos de sua existência no meio impresso. Mais informações sobre o tema podem ser obtidas em Marcuschi
de con1posição
de fragmentaçâo,
iniciais da construção
(2004).
às preocupações mais avançado,
da cultura impressa, e, ao meSlllO tempo,
que a cOll1unicação provoca.
eletrônica,
em seu estágio
Em ambos os casos, com os olhos do
3. A m e d i aç ã o e d i to r i al e a d id a t i z aç ã o d a l e i tu r a
passado ou com os olhos do futuro, vemos a mediação editorial
rdaçao ao livro paradidático, percebe-se a relevância que possui o suporte
exercendo um papel fundamental nas decisões que configuram os materiais didáticos para o ensino da leitura e os objetos e as práticas de leitura que constituem.
Tanto
em
relação ao livro didático)
qUCllllu eIll
para a organização das atividades de leitura, o que se refere tanto
à
escolha dos textos que cornpõem
Em relação ao livro didático, as escolhas dos textos que en-
esses materiais) quanto às
tram em sua con1posiçâo,
atuações realizadas sobre esses textos. As atuações são realizadas de modo a adequar os textos às imagens de leitor com que trabalham os envolvidos na produção do material didático, e para a construção do prôprio leitor como alguém que precisa ter determinadas habilidades de leitura para podé'lidar com um produto específico da indústria editorial que é o livro. Talvez a publicação de livros paradidáticos, com as caracteristicas que foram apontadas acima, seja um indício da necessidade, percebida pelos próprios produtores outros instrumentos
de materiais didáticos, de
para formar, na escola, determinadas
dades de leitura que não são construídas,
habili-
I
I
r
e as intervenções
neles realizadas, se
parecem muito com as estratégias realizadas nos séculos XVI e XVII, pelos editores franceses, para produzir livros como os pertencentes à Biblioteca Azul. Como visto, nos livros didáticos, a escolha dos textos para Jeitura se faz em função da imagem do leitor, tanto em relação a suas competências de leitura, corno em relação às suas possibilidades
~
financeiras. Além disso, são considcrados também os aspectos re-
f
ferentes
I
na própria escola, se o
trabalho se restringe ao uso do livro didático, com as característi-
à situação
de ensino e às práticas realizadas em saJa de
aula, com suas características
espaciais e temporais.
Os objetivos das intervenções realizadas nos textos são facilitar a leitura, em função de urna determinada estratégia did:Hic". ou em função de se considerar o leitor sem competências suficien-
cas de fragmentação e superficialização que possui; ou fora da es-
tes para ler textos mais cOlnplexos, ou, mesmo, mais longos; e tam-
cola, se os alunos provêm de comunidades tramento.
bém em função da economia
com baixo nível de !c-
pessoas.
O que as observações sobre os livros didáticos e paradidáticos mostranl
Os textos que compõem os livros didáticos são escolhidos en-
é que esses produtos guardam car~!Cterísticas do proces-
so de construção
histórica do iivro em sua materialidade,
tre um repertório
e das
[unções - COll10a função do aUlor, por exen1plo -, que a imprensa tornou possíveis e que regulao1 nossas práti<.:asatuais de pro-
dução e de leitura de textos.
de espaço no suporte, (0111vislas a
tornar menores os custos, e o livro ser, desse modo, acessível a ll1ais
de textos já publicados com outros objetivos
que não os escolares,
I I
e, para fazer parte de uma determirwda
unidade didática, precisam estar de acordo com os objetivos dessa unidade, o que, em contexto escolar, geralmente se refere à abordagem de um determinado tópico gramatical; ou de um determi-
, 48
P R A TI C AS
D E L EI T U RA E E L r M fN T O S
nado gênero textual; ou de determinada raralnentc) de um determinado
P A R A A A l UA Ç Ã O
U O C lN I f
tM I::RSON
escola literária; Oll, mais
descaracte-rização
nado texto, isto é, seria referente
lema.
cação eletrônica,
Em função dessas condições. os textos são escolhidos para constituir o material didático segundo estratégias que envolvem recortes e fragmentação,
estratégias
~ 9
DE: PIETRr
que nllJitas vezes levam
à
do texto original, alterando seus sentidos. e,
assim, desfazendo a noção de autoria que confere unidade a que pertence esse texto.
à obra
Se essas características lembram muito a mediação editorial tal como realizada há quatro ou cinco séculos atrás, de algum modo
à figura
há a disponibilização
do autor. Na comuni-
de textos sem que sejam
referidas suas fontes. A possibilidade de oferta dos textos de for-
I
ma fragmentada
impossibilita
junto, de totalidade.
a construção
de U111a ideia de con-
necessária para a constituição
da noção de
autoria. Estaria em risco, desse modo. a própria identificação das obras segundo os critérios que conhecemos pressa, com base na est
na cultura ime originalidade.
Essa nova ordem que seria produzida pelo texto eletrônico, e que poderia oferecer riscos à ordem textual tal como a conhece-
elas também se aproximam bastante das mudanças que a comuni-
mos na cultura impressa. parece constituir a própria base de ela-
cação eletrônica trouxe para os modos como produzimos e lemos
boração dos livros didáticos. Porém. se mesmo na textualidade
textos nessa nova ordenl.
eletrônica se encontram
Um dos efeitos produzidos
pela cOJ11tlnicação eletrônica seria
a descontinuidade. A descontinuidade tornaria mais difícil a percepção da obra como obra: a leitura descontínua e fragmentada diante da tela produziria a falta da percepção da identidade e da coerência da totalidade textual - principalmente características relacionadas à fragmentariedade hipertexto com a disponibilização de lil/ks.
em função das produzida pelo
conhecemos
!
I
meios de garantir que a o'rdem tal como
na cultura impressa não se perca, o mesmo não acon-
tece na escola em relação ao ensino fundamentado
no livro didá-
tico. Nesse sentido. caso as atividades de leitura se limitem às oferecidas por esse material, os leitores em formação acesso, na escola,
à
organização
não terão
e às práticas desenvolvidas
pelos
leitores proficientes numa sociedade letrada. Num tipo de suporte como o que caracteriza o livro didático,
Além disso, não mais seria possível diferenciar os textos a partir de sua base material, como seu suporte, por exemplo,
uma vez
o espaço destinado aos textos a serem lidos ocupa geralmente a primeira parte da unidade, seguida de questões de compreensão
que os textos, de quaisquer tipos (narração; descrição; relato ete.),
do texto, de uma atividade de produção escrita, e do tópico de
de quaisquer gêneros (romances; reportagens; notícias; poemas etc.), apareceriam sobre um mesmo suporte, a tela do computa-
gramática. Mesmo que o livro didático não siga uma organização típica como essa, o espaço para textos a serem lidos tem seus limi-
dor, e segundo as características próprias a esse suporte: se um
tes impostos pelas próprias caracteristicas desse material. que pre-
romance) um conto ou lima reportagenl, se diferenciaol,
cisa ordenar o conteúdo a ser ensinado numa aula de língua portuguesa.
na cultu-
ra impressa. entre outros fatores, também em função de seus su portes, essas diferenças se desfazem na leitura realizada na tela do
No espaço destinado ao texto para leitura, espaço que é pra-
computador, em que utilizamos. para a leitura desses três gêneros,
ticamente o mesmo em todas as unidades do livro didático, po-
recursos próprios a um único suporte. Desse modo, desaparece-
dem aparecer fragmentos
rianl critérios imediatos,
conto; reportagem;
visíveis, materiais, que permitem
ao lei-
tor distinguir, classificar e hierarquizar os textos.
romance;
de canção popular ete. Não há uma regra para a escolha do tex-
Outra mudança que a textualidade eletrônica teria produzido seria referente à atribuição de responsabilidade
dos mais diversos gêneros:
texto de divulgação cientificai poema; letra
por determi-
to: ele é escolhido porque parece se adequar aos objetivos estabelecidos para aquele momento
do co~teúdo programático
a ser
so
PRÁTICAS Df lEITU/(A E £l EMENTas PA/(A A ATUAÇÃO DOCENTE
seguido, elou pela facilidade que oferece para se adequar ao es paço a ele dcstinado na página impressa.
É M ER S ON
DE
S1
PIORI
pode estar formando adequadamente dos de comunidades
apenas os alunos provin-
com níveis altos de letramento.
As práticas de leitura dcsenvolvidas com basc no livro didá-
Os modos de apresentação dos textos em livros didáticos não
lico não se diferenciam de gênero para gencro. Leenl-sc o puen13 e a notícia nluitas vezes cotn o rnesnlO objetivo, isto é, responder
levam á formação de um leitor que saiba produzir e ler textos escritos, de acordo com os modos que a produção e a leitura de tex-
às questões de compreensão de texto. Essa leitura não mostra as especificidades próprias ao jornal enquanto suporte, ou mesmo
de letramento. Saber manusear o livro didático não ímplica sa-
os modos de ler poemas em um livro de poen13S, com as caracte-
ber manusear outros suportes. A leitura realizada em livros di-
rísticas próprias a esse suporte (lê-se os poemas na sequência que
dáticos é apenas mais uma entre inún1eras práticas de leitura desenvolvidas na sociedade. Quem conhece outras práticas de leitura
aparecem IJU livro?; abre-se o livro nUlll ponto qualquer para encontrar ao acaso o poema que se dá a ler?; procura-se no Índice o pocma que se deseja ler naquele momento?; o poema pode ou Hão possuir um título - entáo, como encontrá-lo no livro?). A apropriação dos textos pelo livro didático desfaz essas diferenças materiais que nos permitem classificá-los.
Como é possível, a um aluno que tenha acesso apenas ao livro
tos escritos se organizam em comunidades
con1 níveis mais altos
pode se apropriar com facilidade das práticas de leitura realizadas com base no livro didMico; quem conhece apenas as práticas
de leitura baseadas no livro didático não necessariàlllente se apropriará de oulras práticas com base somente nos subsídios que esse material oferece.
didático como material de leitura, lendo apenas os fragmentos que
A mediação escolar e a leitura do texto em sala de aula
lhe são ai apresentados, diferenciar um romance de um conto, por exemplo? Nos fragmentos apresentados de um e de outro, não é possível reconhecer as características que de fato diferenciam es-
A fragmentação dos textos e o apagamento
de suas caracte-
rísticas próprias em função do novo suporte em que aparecem,
sesgêneros: as estratégias de leitura a serem realizadas no momento
isto é, o livro didático, também oferecem riscos quando se consi-
em que esses textos são lidos no livro didático serão muito seme-
deram o cstauelecimento
lhantes. Ou seja: a leitura realizada nessas condições não leva o
construídas
leitor em formação a desenvolver estratégias de leitura próprias a determinado gêncro.
da unidade de urna derenninada
de objetivos de leitura e as estratégias
para cumprir esses objetivos.
Como vimos, a fragmentação dos textos impede a percepção
Mesmo que a distinção entre os gêneros apareça indicada nas referências sobre a origem do fragmento reproduzido no livro di-
atribuição a um determinado
dático, apenas um leitor que já chegue à escola conhecendo
tivos que se complementam:
a
distinção entre os gêneros em questão pode reconhecê-la. Para isso, esse aluno teve accsso, fora da escola, aos diversos produtos da
ohra c, t'JI1 LUllsc:quência,
sua
autor. Essa situação apresenta obs-
táculos à construção de sentidos para o texto, devido a dois moapenas com base no fragmento lido
se torna difícil saber quais são os valores e opiniões daquele que
aSSIl11,reconhecer suas diferenças e as diferentes práticas de leitu-
escreve, isto é, torna-se difícil reconhecer um interlocutor, pois não é possível construir uma imagem satisfatória do autor do texto; em função de não se conhecer quem escreve) e seus objeti-
ra que cada urn desses gêneros requer.
vos,
cul.tura in1pressa, aos livros en1 que os textos se encontram, para)
. Se a escola trabalha com a expectativa de que o leitor já chega a sala de aula conhecendo a ordem própria á cultura impressa, ela
não é possível também estabelecer objetivos de leitura, e
desenvolver estratégias para realiZií-la, isto é, elaborar e testar hipóteses adequadas.
I I
52
PRÁTICAS Df: (fITlIRA
E [lEMENTOS
PAIM A ATUAÇAO OOCt:NI!: ÊMFI
Se não forem reconhecidos
produzir determinado
I
os motivos que levaram o autor a
texto, nãu é possível também estabelecer
objetivos para ler esse determinado
texto. Uma leitura sem ubjeti-
vos não se realiza satisfatorianlcnte.
53
(Ompl)e a cultura eJll que se encontra). A diferença, porém. é.que, na escola, a busca de UIll sentido ünico do texto, a bUSGl da leitura correta, muitas vezes se faz em condições
diversas da ordem que
cOlIsliluiu a LuiLura inlprcssa no Ocidente, principalmente
em re-
Se a função da escula é formar leitores proficientes, isto é, aqueles capazes de estabelecer seus próprios objetivus de leitura, é pre-
lação " figura do autor e " ideia de unidade de uma determinada
ciso realizar. na escola, leituras de textos
obra. Na escola, como vimos, há várias rupturas nessa ordem.
Com referência
às condi-
Desse modo, mesmo au se fazer de forma descontextualizada,
ções em que foram pruduzidos e aos envolvidos em Sua produção.
e com base em fragmentos de textos - ou seja, mesmu realizada
E necessário conhecer quandu foram produzidos os textus, onde, pur quem, para quem, com que ubjetivos. A leitura, para se realizar satisfatoriamente, mentar nessas informações,
que são encontradas
em condições 'lue dificultam u estabelecimento de objetivos -, a leitura de textos na eseula, paradoxalmente, exige do aluno a cons-
precisa se funda-
trução de um sentido único, predeterminado, para o texto que lhe é dado a ler. () denominado livro do professor é um exemplo
enllugares dife-
rentes em função das características dos diferentes gênerus: é possível responder a questões sobre quandu e onde foi publicada uma notícia observando-se
perior da folha do jornal; em relação a um conto, é preciso bu.'car as referências de sua publicação em outras partes: ou do suporte (na introdução, por exemplo, uu nas referências biográficas e bi bliográficas du autor, nu início ou no final do livro); ou em outras obras, quando as informações
procuradas
não se encontram
na
edição que está sendo lida. Apenas a leitura de textos COmbase em suas referências, em suas condições de produção, pode ser realizada de mudo a produzir sentidos de furma satisfatória. Cumo as condições de produção e as condições de leitura do texto se alteram com o tempo, não é possivel estabelecer um sentido único para o texto- o que não quer dizer, em contrapartida, que qualquer interpretação seja válido.Para sobre esse temíl, sugere-se a leitura do texto de Possenti (1999), relacionado na bibliografia. a ohtenção de mais informações
COD10
visto, uma das características da cultura ocidental após
a invenção da imprensa é a busca de um sentido único para o texto, de sua interpretação correta, das intenções 'lue o autor pretendeu comunicar
dessa inode'luaçãu: ele se caracteriza por trazer prontas as ques-
tões c as respostas de compreensão e interpretação dos textos, (onl0
o n0111C e a data de publicaçãu na parte su-
por intermédio
de sua obra. A crença na exis-
se elas fossem as únicas corretas e possíveis.
I
I
I
I
Desse modo, são apresentados
textos para leitura sem quol-
quer relação com suas condições de produção, sem qualquer referência "s práticas de leitura em que esses textus tumam parte na sociedade. Ainda assim, exige-se que u aluno se relaCIone com os materiais de leitura que lhe são apresentados
na sola de aula se-
gundo as maneiras como essa relação se efetua fora da escola, em práticas suciais que se caracterizam pelo alto nivel de letramento. Se o aluno não tem contatu com essas práticas fora da escola, torna-se difícil que elas se desenvolvam em sala de aula quando nesta há rupturas em reloçãu " urdem estabelecida na cultora Impressa. A mediação do professor é fundamental, portanto, para for-
mar o leitor proficiente. Isso significa que) para ~ leitor ainda, enl formação, é preciso que os objetivos de leitura sejam estabelecidos pelo professor, o que implico, em primeiro lugar, a escolha ad_equada dos textos a serem lidus em sala de aula. Se essa escolha nao é feita pelo livro didático, mas pelo professor, este passa a ocupar então o papel principal na mediaçãu entre o leItor e o text~.
as concepções de leitura
A vantagem de o mediação entre o aluno e u texto ser feita pelo
também na escola (o que nãu poderia ser diferente, afinal, a escola
professor é que este tem a possibilidade de conhecer prevlam~l!t~ o aluno e escolher textos adequados aos interesses e competencIas
tência desse sentido único fundamento
P R A TI C A S
D l : l I: n UR A
r f lE M E N TO S
f iA R A A AT U A Ç ÃO
que esse leitor eln formação possui. A escolha
du~textos
ÉMERSON DE PIETRI
D C ) (T N T E
lação de materiais impressos, ainda que exista) não possui grande
a serem
lido
relações entre o leitor en1 formação e o texto escrito, n que signIfica que não é possível estabelecer no lJrugrama de curso, ela borado no início do ano, os textos e objetivos das atividades a serem realizadas durante todo o período letivo. Essa prática, como
vinlos, leva à fragnlenta)ão c à superficia!ização, pois trabalha com uma imagem de leitor bastante empobrecida, uma vez que, a
55
f
I
variedade, a escola é o principal lugar social em que essa quantidade e essa variedade podem ser oferecidas para os alunos que a ela se dirigem. Essa oferta pode ser feita segundo os princípios das edições populares publicadas nas fases iniciais da imprensa, isto é, recortando,
de textos já publicados, as passagens que se julgue
estar de acordo com os leitores a quem elas se destinam.
O risco,
nesse caso, é não oferecer ao aluno a possibilidade de manusear
fim de não correr o rísco de lev'lr textos difíceis demais para o
suportes e desenvolver práticas de leitura valorizadas socialmente
aluno quc se cOl1ht:Lt~rá em sala de aula,
caso o trabalho com a leitura se restrinja a essas práticas.
s~o
escolhidos textos com
um grau mínimo de dificuldade. Corre-se o risco, então, de não
Há hoje recursos de cópia e impressão, além dos recursos disponibilizados pelo meio digital, que permitem tornar menos
formar leitores proficientes, pois a escolha dos textos a serem lidos se pauta em estratégías de facilítaçao.
custosa a reprodução de textos. Isso possibilita planejar a elabo-
Outro problema de se estabelecer previamente todos os textos a serem lidos durante o ano é promover práticas que caracte-
ração de lnateriais didáticos de forma que sejam acessíveis, tanto em sua forma, quanto em seus custos, aos alunos.
rizam a leitura como um trabalho imediato, de decodificação, a
lIá assim a possibilidade de mudança de perspectiva: um bom texto para ser lido em sala de aula não é aquele que não oferece
se_rrealizado ininterruptamente
- o bom leitor seria aquele que
dificuldades de leitura, aquele que não precisa de outros textos ou
nao encontrasse nenhum obstáculo à compreensão do texto du:ante sua leitura. Essa concepção de leitura apaga a natureza
outras fontes de infonnação
mtertextual constitutiva de qualquer texto, isto é, o fato de que
texto para ser lido em sala de aula é justamente aquele que pede a
um texto se constrói a partir de outros textos, e que a leitura de
presença de outros textos que auxiliem na solução dos problemas apresentados para sua leitura. O professor, enquanto mediador, precisa antever as necessidades que o texto a ser lido apresentará,
um mesmo texto se modilica em função da leitura, prévia ou posterior, de outros textos. Nesse sentido, reler um texto nunca é ler o mesmo texto. O trabalho de mediação do professor consiste, portanto, em n.ão apenas escolher os textos em função dos interesses, competenclas e necessidades de seus alunos, mas também em função de outros textos em relação aos quais a leitura será realizada. Esses textos são escolhidos entre textos já publicados, e a esco-
para ser lidai ao contrário: o bom
o que somente é possível de ser feito se o professor conhecer as habilidades de leitura de seus alunos.
Além disso, se a mediação acontece previamente
à entrada
do texto na sala de aula, ela não se limita a esse momento:
o
professor tem que estar pronto para procurar e ofertar outros textos que se mostrem necessários durante a atividade de leitura.
lha.é feita com base na imagem do aluno-leitor, dos objetivos de
Desse modo, a escolha de um texto para leitura em sala de aula
enSInO, e dos recursos materiais/econômicos
Nesse
implica sempre a escolha de mais de um texto, de outros textos,
sentido, o professor se encontra no mesmo lugar do editor em seu
para leitura. Facilitar de fato a leitura do texto para o aluno
trabalho histórico de formação de objetos e de práticas de leitura. Numa situação de baixo nível de letramento, em que há pouca
implica planejar atividades com base na maior oferta text ual possivel. A mediação do professor se faz, assim, no momento de
ou nenhunla circulação de materiais irnpressos, ou em que a CÍrcu-
prever que outras leituras serão necessárias para fundamentar
disponíveis.
leitura do(s) texto(s) lido(s) em sala de aula
a
56
P R Á TI C AS
DE l E lT U I< A E U E M EN T O S
P A R A A A f UA Ç Ã O
D O C EN T E
Essa mudança de perspectiva ajuda a solucionar os problemas colocados pelas rupturas na ordem de produção e leitura do texto impresso. Atenuando-se o processo de fragmentação que as condições
de leitura na escola tem a forçn de promover) c rea-
lizando-se a leitura dos textos segundo perspectiva intertextual, estabelecendo-se um texto principal de referência, diminuem-se os riscos de não ser construída
uma leitura coerente do texto.
Uma nota sobre a questão da fragmentação Nas considerações acima realizadas, discutiu-se a questão da fragmentação operada sobre os textos no processo de apropriação didática dos mesmos. É necessário observar, no entanto, que a fragmentação
do texto, em si mesma, não é uma prática satisfatória
ou insatisfatória. O que determina se a fragmentação dos textos ocasiona problemas para a formação do leitor são os modos como ela é realizada, em função dos objetivos a que atende: se pautada por estratégias de facilitação, a fragmentação não possibilita a inserção do leitor em práticas de leitura valorizadas socialmente, pois promove rupturas na ordem como lidamos tradicionalmente com o impresso em nossa cultura. Além disso, é preciso considerar
que, nas condições
escolares
tais como as conhecemos atualmente, o trabalho com fragmentos de textos é necessário: a organização do conhecimento em nossas escolas, enl função do tempo e do CSpdÇO. reyucJ o
li alhlllJu
lOHl
fragmentos dada a impossibilidade de ler textos mais longos, ou de maior complexidade, no tempo que compõe as aulas de leitura. Desse modo, o tempo em sala de aula precisa ser aproveitado da melhor maneira possível para oferecer ao leitor em formação recursos que cle possa utilizar em suas práticas de leitura fora de sala de aula. A escolha dos textos que serão lidos em aula e a atuação sobre sua materialidade precisam ser feitas com o objetivo de ensinar ao leitor em formação como resolver os problemas que o texto apresenta ao leitor em seu trabalho de construção de sentidos. O
ÉMERSON DE PlfTRl
57
objetivo da aula de leitura não ê, então, o de facilitar o trabalho do leitor, mas o de oferecer-lhe recursos para que ele mesmo desenvolva estratégias de leitura, o que pode significar ter que recorrer à leitura de outros textos. Por esse motivo
afirmou-se
anteriormente que o trabalho do professor consiste em oferecer ao aluno não apenas um texto para leitura, mas textos que subsidiem a leitura de um texto principal, de referência. Como ser<Ídiscutido no próximo capítulo, o trabalho com a fragmentação dos textos, antes de ser um problema, pode ser um excelente instrumento) nas atuais condições escolares, para ensi nar ao leitor em forn1ação como construir estratégias de leitura.
CAPíTULO
3
A s p rátic as d e leitu ra em c o n tex to d e e n s i n o : a s a ç õ es d o p r o f e s s o r
Nas considerações realizadas anteriormente, a abordagem da relação leitor-texto foi feita observando-se os dois termos que constituem essa relação, segundo concepções de leitura distintas. Quando o primeiro termo da relação leitor-texto foi enfiiizado, foram considerados
os recursos que o leitor precisa ter, isto é, seus conhe-
cimentos prévios, para compreender satisfatoriamente um determinado texto. Foram considerados, assim, os aspectos cognitivos envolvidos no processo de leitura e compreensão de textos. Ao ser enfatizado o segundo termo da relação leitor-texto, foram considerados os aspectos materiais envolvidos com as práticas de leitura, e, com base nesses aspectos, foram observadas as diferentes atuações realizadas socialmente para a produção, a distribuição e a apropriação dos textos. Foram enfatizados o papel social que desempenham o autor, o editor e as diversas instituições sociais, na elaboração, fabricação e disponibilização do material escrito para seu consumo social, e as práticas de leitura produzidas pelas características materiais do escrito e pelas mediações promovidas na relação leitor-texto. a objetivo neste momento é considerar as possibilidades para o trahalho com a leitura em sala de aula oferecidas pelas duas abor-
dagens de leitura apresentadas. Não se pretende apresentar as vantagens ou desvantagens de uma e de outra, mas ohservar as possi bilidades
que surgem
quando
aproximadas para o tratamento
ambas
as concepções
são
didático do texto a ser lido, isto é,
para a elaboração de atividades de ensino de leitura que considerem os dois termos do par leitor-texto. Essa aproximação parece
PRÁTICAS
60
OE UlTlJRA l:. ELEMENTOS
I'ARA A ATUAÇÃO
não oferecer conlO resultal10 apenas a somatória lima e ~e otltr~ concepção
OOCE:Nrr
dos recursos de
para o ensino da leitura, mas parece
ÉMERSON
61
DE PIETRI
o texto
a ser lido não deve ser entregue, de início, aos alunos,
uma vez que a atividade consiste em jogar com as adivi nhações,
produzir lambem resultados não previstos por ncnhU111a das duas
isto é,com a elaboração e teslagem de hipóteses. O objetivo é reve-
perspectivas. A apresentação das contribuições
Jar as estapas que preeisam ser cumpridas para a leitura adequada
de ambas as pe,,-
pcctJvas para o ensino da leitura será realizada com base em textos
sor precisa basicamente do quadro-negro
1. Estratégias de 'eitura em textos jornalísticos Uma possibilidade
de tratanlcnto uil1ático do texto numa aula
de leitura é apresentada
por Kleiman
&
Moraes (2003) em seu
- Isto é, a que leva em consideração
e de cópias dos textos
para os aJunos. Se houver condições, pode usar o retroprojetor, ou
livro Leitura e interdiscip/inaridade: tecendo redes nos projetos da escoh A atividade proposta pelas autoras se fundamenta em perspectiva cogmtlvlsta
do texto, e as estratégias que precisam ser elaboradas para solucionar os problemas que o lexto oferece para o leitor. Para o trabalho de apresentação das partes do texto, o profes-
jornalísticos e litedrios.
os recur-
outros recursos de projeção
((01110
O dHtu~./lUlV, t:11I t:'~Lula~4Ut:'
ofereçam essas condições). O desenvolvimento da atividade consiste em mostrar seletivamente para o aluno, qUt: aill
o texto a ser lido. a
sequência do texto a ser considerada em cada etapa.
sos de que o leitor precisa dispor para compreender satisfatoriamente um texto. Essa atividade, que prevê o trabalho lúdico com o
Consideremos a seguinte passagem:
texto, num jogo de adivinhação - isto é: elaboração e verificação
Vítimas ficaram levemente feridas; local foi intenlitado
de hipóteses -, foi planejada para o trabalho com o texto jornalístico infornlativo. A atividade de leitura apresentada
a seguir se baseia na pro-
posta das autoras, mas apresenta algumas variações em função das conSIderações rdati vas ao suporte do texto. O texto escolhido para leItura é u~la n~tícia publicada em jornal. As referências completas da pubhcaçao dessa notícia serão dadas a seguir, em função do dcscnvolvlIlleulo
da proposta de atividade.
Na proposta em questão, o trabalho com o texto em sala de aula consiste em lTIOstrarseletivamente
as partes que o constituem
e, com bas: nesse j.ogo de esconder e revelar, realizar a elaboração e venficaçao de hIpóteses. O objetivo é ativar gradativamente o conhecimento pr~vio de modo que o aluno perceba as estratégias que reahza para ISSO,e perceba também que essas estratégias se fundalnentam
nos recursos que o suporte oferece e !las caracterís-
ticas que o texto lido possui. As hipóteses elaboradas são escritas na lousa." mantidas ou descartadas após sua verificação com o prosseglllmento da leitura.
ra; causa do desabamento
pela prefeitu-
é desconhecida.
Essa passagem corresponde ao /ead da noticia, em que são oferecidas algumas das informações que serão detalhadas na sequência do texto. O /ead é um recurso do texto jornalístico para fornecer ao leitor informações
com base nas quais elaborar
suas
estratégias de leitura. É típica, ainda que não exclusiva, desse suporte c desse gênero, e seu uso precisa ser aprendido.
A partir da passagem acima o professor precisa elaborar questões que levem os alunos a formular hipóteses de leitura. Nesse caso, quem estabelece os objetivos de leitura do texto
é o
profes-
sor, e pode fazê-lo porque ocupa uma posição privilegiada em relação ao texto, afinal, é o único que o conhece (é importante, para uma atividade
essa, que se trabalhe com textos ainda não
lU IIlU
conhecidos dos alunos).lI.s hipóteses elaboradas e sugeridas pelos alunos são escritas na lousa para posterior verificação.
. Em relação à passagem acima, as queslões que podem ser colocadas dizem respeito a quando aconteceu o incidente referi-
62
P H Âl IC AS
D E l r nU R A
E E L EM E NT O S
P A RA A A T UA Ç ÃO
D O C EN T E
do; que incidente
seria esse; de que local se trata; onde se encon-
63
ÉM~RSON DE PIETRI
nhecimento
das características do suporte pode fomecer al-
tra esse local; quem são os envolvidos no evento. Dentre as hipó-
guns indicativos já, como o fato de que provavelmente o inci-
teses que podem ser formuladas, ternos:
dente ocorreu na cidade em que o jornal foi publicado.
à data
en1 relação
do incidente:
não é possível
estauelecer
em relação aos envolvidos
no evento:
CIll
funçao de cada uma
ainda hipóteses muito fortes, mas, por se tratar de jornal, é
das hipóteses elaboradas anteriormente,
possível dizer que o fato aconteceu no dia anterior à publicação ua eui,ão que está sendo lida; esta é uma formulação que
diversas pessoas envolvidas, desde moradores em locais de ris-
depende do conhecimento
co; até as pessoas que para o local se dirigiram em função do
das características do suporte, e
talvez o professor precise apresentar
co; frequentadores de determinado
é possível pensar em
espaço privado ou públi-
para o aluno essas ca-
ocorrido: quem da prefeitura compareceu ao lugar? que outros órgãos públicos - bombeiros, policia, defesa civil- com-
em relação ao tipo de incidente: se há vitimas, e há a palavra
pareceram? quem, dos responsáveis pelo local, estava lá e o
raLterLs tica~.
"desabamento': pode-se trabalhar com a hipótese de que uma
que fez? que pessoas tiveram suas considerações sobre o fato
encosta se deslocou, causando desabamentos; pode-se ainda pensar em desabamento de uma construção ou de parte dela
publicados no jornal?; cada uma dessas hipóteses está rela-
(o teto, por exemplo) etc. em relaçao ao local do incidente: talvez seja um local público, como um prédio ou outra construção
qualquer; ou, ainda,
pode-se pensar em moradias construídas em alguma encosta ou outro lugar de risco, o que a referência ao tato de a prefeitura intervir parece tornar uma hipótese forte; entretanto, apesar da intervenção da prefeitura, é possível que o local em que houve o íncidente seja uma propriedade particular, e não necessariamente
um espaço público;
em relação à localização geográfica em que houve o incidente: por se tratar de desabamento, e por haver referência à prefeitura, pode-se construir aconteceu
a hipótese de que o incidente
em uma área 111aispobre de uma determinada
cidade - esta hipótese se aproxima da que se refere
à questão
das moradias em local de risco, por exemplo; porém, como não há nenhum outro indicativo da situação social que envolve o incidente, é possivel formular hipóteses contrárias:
cionada a hipóteses anteriores; por exemplo: se o fato ocorreu em área nobre da cidade, quem da prefeitura compareceu?; se o fato ocorreu
na periferia,
que representante
a
prefeitura enviou ao local? Como visto, uma única passagem do texto da notícia possibilita elaborar inluneras hipóteses, que se relacionam com as característi-
cas do suporte e com conhecimentos prévios linguísticos, textuais e de mundo, dentre estes últimos, os relativos a questões e valores sociais e politicos. Ou seja, ainda que privilegiados os aspectos cognitivos no mOlnento da elaboração da ativiuatlt: Ploposta, ou-
tras questões, relacionadas a práticas sociais mais amplas, dentre elas, práticas de leitura determinadas pelas características do suporte, entram em jogo no momento da atividade de leitura. Os dois termos da relação leitor-texto são considerados. Voltando à leitura da notícia: a próxima etapa consiste em revelar outra passagem do texto e confirmar ou descartar hipóte-
que ele teria ocorrido na área central da cidade, ou em região
ses elaboradas, e/ou, ainda, elaborar novas hipóteses. Acima do
valorizada; para cada uma dessas hipóteses é possível sugerir
lead encontra-se
a data e o caderno em que foi publicada a notícia:
lugares diferentes em que o fato teria ocorrido; não há ainda como determinar
a cidade em que o fato ocorreu, mas o
(0-
"São Paulo, domingo, 09 de outuhro de 2005- Folha Colidiano"
64
PRÁTICAS
Df I EnURA
[
Com base nessas informações,
fi
EMENTOS
PARA A ATUAÇÃO
é possf"cl
DO([NH
elaborar hipóteses
lnaÍs consistentes sobre onde e quando aconteceu o incidente: por se tratar de texto jornalistico informativo, publicado em jornal-
e
uma das características desse tipo de texto e desse suporte ser a de
apresentar notícias recentes
I
provavelmente
o falo ocorreu no
dia anlerior ao da publicação do jornal, islo é, no dia 08 de outu bro de 2005, um sábado. Por eslar no caderno Cotidiano, no jornal Folha de São Palllo, é possível trabalhar com a hipótese de que o
fato ocorreu na cidade de São Paulo ou em sua região metropolitana, pois o jornal é produzido na cidade referida, e o caderno em questão apresenta ínformações do dia a dia - o que aumenta as chances de elas se referirem
à região
em que o jornal é publicado.
Essas novas hipóteses ainda esperam por confirmaçào com a se-
EMl:J~SOND[
65
PI(TRI
"Aqueda do teto de uma churrascaria no distrito do Morumbi, área nobre da zona oeste de São Paulo, deixou 16 pessoas levemente feri-
das no início da tarde de ontem. As causas do desabamento ainda são desconhecidas. O prefeito José Serra (PSDR) esteve no local, que foi interditado, e disse duvidar que o estabelecimento esteja regular nos órgãos da prefeitura que fiscalizam a segurnnça de construções, o que foi con. testado pela advogada do local. A prefeitura c os responsáveis pela churrascaria Morumbi Grill. que aluga o imóvel, no entanto, não apresentaram nenhuma documentação." A continuação da leitura da notícia permite considerar as hi póteses ainda não verificadas e a elaboração e verificação de novas hipóteses.
quência da leitura do texto. O professor precisa estar atento para apresentar essas caracte-
ríslicas do suporte, o jornal, caso os alunos ainda não as conheçam. Uma das funções da atividade proposla, inclusive, é apresentálas (ou explicitá-las, para quem já se utiliza delas em suas práticas de leitura). Após o lead, encontra-se a título da notícia e a atribuição de
sua autoria: "Teto de churrascaria cai e deixa 16 fcridos DA REPORTAGEM
LOCA I:'
2. Estratégias de leitura, conhecimento textual e gêneros de discurso As atividades de leitura precisam também destacar questões relativas a conhecimento
textual e sua relação com determinados
gêneros de discurso. Um dos recursos que podem ser utilizados para evidenciar essa relação é o trabalho com o suporte do lexto. Para isso, pode-se partir do tipo de texto que predomina num determinado género de discurso e, com base nas características desse tipo de texto, realizar atividades de leitura que evidenciem para o aluno a organização textual própria a determinado gênero,
teses e confirmar v;hias outras, principaln1entc as que se rcfcren1
além das caracteríslicas próprias ao texto que eslá sendo lido. É preciso, para tanto, haver uma ampliação dos modos como se compreende, em geral, o que é lipo de texto, e considerar o
ao local do incidente (uma churrascaria), e à cidade em que ocor-
fato de que os textos se organizam
reu (pois se informa que o texto foi produzido pelos respons:íveis,
Com essas informações já é possível descartar inúmeras hipó-
de modo mais complexo do
no jornal, pela reportagem local, isto é, relativa a São Paulo). Não
que geralmente se apresenta em conlexto escolar. Até que a noção de gêneros de discurso se tomasse mais divulgada
se sabe ainda em que região da cidade se encontra a churrascaria e
e fundamentasse propostas de ensino de língua portub'llcsa, ao se
quem da prefeitura esteve no local, o que envolve questões de va-
tratar de narração, em contexto de ensino, a referência era apenas a narração escolar, esse gênero produzido na escola em situações tipi-
lor social, político e econÔlllicu. Tanlbém não se sabe exatamente a data do acontecimento.
É o que informa a sequência do texto:
cas desse contexto: a partir da determinaçào ou não de um terna, o
r
,
66
PRÁTICAS
aluno deve produzir
DE LEITURA
E ELEMENTOS
PA R A A ATUAÇÃO
um texto, em que seja apresentada
DOCENTE
uma
sequêl1cia de fatos. As dimensões do texto podem ser predetermina-
das,
f, por
vezes, há instruções para constnlir os personagens, ou o
cenário. A situação caricaturai dessa pdtica escolar é a solicitação de uma narração com o tenla "minhas férias': O mesmo princípio pode ser considerado para a descrição e a
dissertação. A narração, a descrição e a dissertação, tais como se configuranl tradicionalmente em objeto de ensino, se caracterizam por serenl gêneros de discurso escolares, isto é , caracterizam-
67
ÉMERSON DE PIETRI
Quando consideramos outros gêneros, como a notícia ou o editorial, o mesmo princípio pode ser esperado: como muito bem aponta Silva (1999), mais de um tipo pode compor os textos que pertencem a determinados gêneros, A partir do momentu eIn que uma maiur v;.uiedade de gêneros de discurso pode fazer parte das aulas de língua portuguesa, evidenciam-se também as relações entre texto e suporte e a participação deste lia estruturação textual. Sabendo disso, é possível ao professor atuar sobre o texto, em seus modos de apresentação no suporte, de modo a evidenciar aspectos da estruturação textual
-se por serem produzidos apenas em situação escolar, não sendo valorizados, enquanto texto, fora da escola. Considerações inte-
que não seriam facilIllente percebidos
ressantes soure a caracterização da redação escolar como um gê-
racterísticas de determinado
nero de discurso específico podem ser encontracias no texto de Barros (I999).
nal, as particularidades do texto dirijanl as atuações possíveis de serenl fcitas, sobre esse texto, no momento de se elaborar uma ati-
A expectativa em relação
à produção
desses gêneros na esco-
la é a de que eles se constituem de apenas um tipo de texto: quan-
pelo leitor eUl fOlluatrãu. Essa atuação se torna mais flÍcil quando são conhecidas as cagênero de discurso, ainda que, ao fi-
vidade de leitura.
Uln exerllplo de C0l110essa atuação sobre a materialidade tex-
do se propõe a produção de uma narração na escola, a expecta-
tual pode ser realizada é apresentado a seguir. Encontram-se,
tiva é que o texto produzido
xo, dois fragmentos de texto.
apresente
apenas características
abai-
próprias ao tipo de te.xto narrativo; o mesmo para a descrição e Fragmento 1:
para a dissertação. Com base na noção de gêneros de discurso, e nas possibilidades que essa noção oferece para que textos de diversos gêneros
passem a compor atividades em sala de aula, evidenciou-se ter complexo que possui a estruturação ciJõ:l ser
considerado para o trabalho
Assim, é preciso considerar,
(UIII
o cará-
textual, caráter que preU texto eUI sala
de aula.
por exemplo, que os tipos de
texto (narrativos, descritivos, argumentativos, injuntivos ete.) não aparecem sozinhos na composição de um determinado texto: mais de um deles pode compor a estruturação
Se considerarmos
UITI
textual.
conto literário, podenl0s observar que
nele predomina o tipo de texto narrativo (com verbos no pretéri-
- Sabe-se que, no amuiente selvagem, os chimpanzés caçam juntos, particularmente quando as condições não permitem que um caçador solitário tenha sucesso. - Mas isto não prova que a espécie de primata mais próxima dos humanos entenda a cooperação da mesma maneira que nós: tais caçadas em grupo podem simplesmente ser o produto de ações independentes e simultâneas de muitos indivíduos, com pouca compreensão da necessidade de ação coordenada
para assegurar o sucesso. - Um estudo novo, porém, mostra pela primeira vez que os chiInpanzés entendem quando a cooperação é necessária e
em que pode prevalecer o tipo cie texto descritivo, ou, ainda, pas-
como assegurar sua eficácia. E outro estudo mostra que eles podem até estar dispostos a cooperar sem esperança de re-
sagens t:m que pode prcdon1Ínar o tipo de texto arguffientativo.
compensa.
to perfeito e imperfeito, por exemplo); mas há passagens no texto
68
PRÁTIC AS
Fragmento
OE LEITURA
E ElEME.N TOS
PARA
A ATUAÇÃO
DOCENTE
2,
com ele para puxarem as duas extrcnlidadcs
corda ao IllCSnl0 tempo, ambos seriam recompensados
da
com a
comida na bandeja. "Eles tinham nao apenas de saber quando precisavam de ajuda, mas também sair para obtê-la'; diz Melis. "Então eles tinham de esperar até que seu parceiro chegasse, e os dois preci-
ocorrência
69
PI l: .11<1
No segundo
O grupo de pesquisa de Alicia Melis, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, em Leipzig, Alemanha, submeteu os chimpanzés de urna reserva de Uganda a um desafio cooperativo. Para alcançar uma bandeja de comida atrás de barras, um chimpanzé precisava puxar as duas extremidades de uma corda que passava por aros de metal na bandeja. Se o chimpanzé simplesmente puxasse uma extremidade, a corda escorregaria pelo aro. Se, porém, o chimpanzé abrisse a porta para um aposento adjaeente, libertasse um colega chimpanzé e cooperasse
ÉMl:.I<~UN U l: .
caso, relata-se um experinlento
científico.
de verbos no pretérito e a apresentação
gundo uma sequência temporal determinada, ao texto narrativo.
Há tanlbénl a construção
os fatos narrados aconteceram:
Há a
dos fatos se-
o que é próprio do cenário em que
nessas passagens o texto descriti-
vo prevalece. Esses dois fragmentos
põem, na verdade, um único texto. Os fragmentos foram retirados de seu texto de origeln, c, sobre um deles, foram realizadas ainda outras pequenas
alterações.
Esse recorte, e as demais alterações
realizadas, têm o objetivo de evidenciar para o leitor em formação os aspectos da composição
textual. Desse modo. a composição
do
texto pode ser melhor percebida, quando, após conbeéer o debate que constitui a própria tessitura textual, o aluno se depara (0111 o texto reconstituído
eIU seu formato original. Vejanl0s
C0l110
esses
fragmentos se encontram no texto de onde foram retirados:
savam puxar a corda ao mesmo tempo. Os chimpanzés
realmente tinham de entender por que precisavam de seu par. celro. Quando as extremidades da corda eram colocadas perto o su"
ficiente para que um único chimpanzé
pudesse realizar a tare-
fa, este raramente pedia ajuda. Mas quando precisavam de ajuda - e quauuo tinham uma opção entre vários colaboradores potenciais - os chimpanzés rapidamente aprendiam a escolher os parceiros
mais colaborativos.
Em cada um dos fragmentos apresentados acima, predominam determinados tipos de texto. No primeiro caso, predomina o tipo argumentativo, num texto que se organiza como diálogo, em forma de discurso direto. IH duas vozes que se contrapõem em relação a um dcternlinado
tema. Observa-se,
nessa contraposição,
o uso de 0pcr::Idorcs argumcntativo:s, como o mas e o porém. Além disso, os tenlpOS verbais se encontram
no presente, e há o uso de
verbos na terceira pessoa do singular, fatores que carilcterizam texto dissertativo-argUlJlcntativo.
o
Sabe-se que, no ambiente selvagenl, os chinlpanzés
caçam jun-
tos, particularmente quando as condições não permitem que um caçador solitário tenha sucesso. Mas isto não prova que a. espécie de primata mais próxima dos humanos entenda a cooperação da mesma
maneira
que nós: tais caçadas em grupo
podem simplesmente ser o produto de ações independentes e simultâneas de muitos individuos, com pouca compreensâo da necessidade de ação coordenada para assegurar o sucesso. Um estudo novo. porém, mostra pela primeira vez que os chim-
panzés entendem
quando a cooperação
é necessária
e como
assegurar sua eficácia. E outro estudo mostra que eles podem até estar dispostos
a cooperar sem esperança de recompensa.
O grupo de pesquisa de Alicia Melis, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, em Leipzig, Alemanha, submeteu os chimpanzés de uma reserva de Uganda a um desafio cooperativo. Para alcançar uma bandeja de comida atrás de barras. unl chimpanzé
precisava puxar as duas extremidades
de uma corda que passava por aros de metal na bandeja. Se o
PRÁTICAS
70
DE LEITURA
E ELEMFNTOS
PARA A ATUI\ÇÃO
DOCENTE
71
ÉMERSON DE PIETRI
a corda
corte, reestruturação e colagem do texto impresso, e fotocópia do
escorregaria pelo aro. Se, porém, o chimpanzé abrisse a porta
texto reestruturado. O rearranjo de partes do texto, no suporte em que se encontra, torna-se) então, UOl recurso valioso para o professor no momento de elaborar uma atividade de leitura. Alêm disso, o conhecimento da organização textual, e das
chimpanzé
simplcsnlcnte
puxasse uma extremidade,
para um aposento adjacente, libertasse um colega chimpanzé e cooperasse com ele para puxarem as duas extremidades da corda ao mesmo tempo) ambos scrianl recompensados
com a
comida na bandeja.
características e funções do gênero de discurso, pode auxiliar no
"Eles tinham não apenas de saber quando precisavam de ajuda, mas também sair para obtê-Ia'; diz Mclis. "Então eles ti-
momento de se estabelecer os objetivos de leitura.
nham de esperar até que seu parceiro chegasse, e os dois precisavam puxar a corda ao mesmo tempo. Os chimpanzés realn~;nte tinham de entender por que precisavam de seu par-
ao gênero de divulgação científica, um dos gêneros que os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (MEC, 1997) propõem como objeto de ensino. Uma das características desse gê-
No exemplo
apresentado
acinla, temos um texto pertencente
nero é que ele promove um diálogo que contrapõe as perspectivas
CClfO.
Ql~ando as extremidades da corda eram colocadas perto o sufiCIente para que um único chimpanzé pudesse realizar a tare-
da ciência às perspectivas que um adversário da ciência teria sobre
fa, este raramente pedia ajuda. Mas quando precisavam de aju-
da, mas é encenada,
da - e quando tinham uma opção entre vários colaboradores potenciais - os chimpanzés rapidamente aprendiam a escolher os parceiros mais colaborativos. A passagem reproduzida acima corresponde â primeira parte de um texto de divulgação científica entitulado "Chimpanzés têm
determinado terna. Porém, essa contraposição
não é apenas relata-
numa encenação enl que as vozes da ciência c
as vozes dos adversários se apresentam em uma relação polêmica. Uma vez que o gênero de divulgação científica tem como objetivo levar o leitor a se aproximar da perspectiva científica, ao final do embate encenado, a vitória é sempre da ciência, obviamente. As alterações realizadas no texto original evidenciaram
noção de cooperação e altruísmo, diz estudo"; de autoria de David Biello, foi publicado na revista Scientific American, no mês de março de 2006.
perspectiva
Ao alterar a disposição do texto no suporte, de acordo com as particularidades desse texto, alteram-se as estratégias de leitura a
resultados apresentados. Além disso, as alterações evidenciaram
serem realizadas. Essas alterações, pensando-se em atividades de ensino, não podem ser aleatórias, mas devem auxilíar na percepção, pelo aluno em formação, das estratégias que precisam ser realizadas no momento da leitura, estratégias que podem ficar dificultadas, no texto original, devido ao seu nível de complexidade.
dade do texto em relação aos tipos que o compõem. Essas alterações são feitas em função das características
As possibilidades oferecidas pelo texto eletrônico permitem atuar mais facilmente sobre a organização do texto, e apresentá-lo segundo disposições distintas da original. Essas alterações podem ser realIzadas também
(0111 base
em outros recursos, Como o re-
essa
encenação ao nl0strar nlais claranlcntc as duas diferentes vozes que se contrapõem no diálogo entre os defensores da perspectiva apresentada pelos cientistas, e os que procuram invalidar essa com base em argumentos
gênero de discurso
que desautorizariam
os
tambêm a complexido
a que o texto pertence, mas também em rela-
ção às características particulares de um determinado texto. A apresentação de parte do texto em forma de discurso direto foi possível porque o texto em questão permitiu essa reorganização sobre o suporte. Um outro texto, mesmo que de divulgação científica, apresentará outras diferentes ao trabalho sobre sua organização.
possibilidades
e restrições
PRÁTICAS DE UrTURA [ , l[t;t[NTOS
72
PARA A ATUAÇAO DOC[NH
A noção de gêneros de discurso. e o conheciInento das características de um gênero CIn partil.:ular, possibilitam estabdeccr com mais facilidade o objetivo dos textos '1ue compõem esse gênero: no caso do gênero divulgllÇ"lÍo ciclltifiea, um dos objetivos principai~ é . o de apresentar as verdades da ciência; essa inforn13ção auxilia, nun13 atividade de leitura, a estabelecer objetivos, elaborar estratégias e verificar h: pó teses. Porém, cada texto. com suas particularidades, pede difel '1Iles estratégias de leitura. Essas estratégias são elaboradas, então, a partir dos elementos
que
compõem a m . -rialidadc do texto em '1uestão. 3. A leitura do texto literário Os Parâmetros Curriculares Nacionais propõem, para as ati-
vidades de leitura de textos liter<Írins na escola, dentre outrns gêneros, o trabalho com romances. Dadas as características
de um
gênero como esse (seu suporte; sua organização textual; as práticas de leitura que envolve etc.), e as especificidades da organização escolar (o currículn; os programas de disciplina; os planos de aula; a organização do espaço e do tempo etc.), coloca-se a questão da fragmentação textual e de como essa fragmentação pode auxiliar ou apresentar problemas para o trabalho com textos mais longos, como o romance)
eUI
sala de aula.
A leilura completa do texto, por motivos óbvios de tempo e espaço, precisa ser realizada fora da sala de au1
destinados, em classe, para esta atividade de leitura, não cnndiz com as práticas de leitura de textos de rn;lior fôlego realizadas em oulros contextos que não o escolar. Talvez seja mais interessante utilizar essas aulas para a leitura de partes do tcxto que auxiliem na continuidade da leitura, e em sua melhora qualitativa, fora
da sala de aula. Em função das restriçi)es de tempo e espaço, a entrada do romance
eUI
sala de aula, com o objetivo de viabilizar alividades
73
ÉMERSON DE PIEII{I
de leitura. leva, necessariamenle, a intervenções
em sua materia-
lidade textual. Como visto, na escola, essas intervenções se pautam tradicionalmente pela fragmentação e superficialização, porém direcionadas pelas estratégias de facilitação que muitas vezes deter-
minam a produção do material didiÍtico. Com o objetivo de não superficializar a leitura do texto, e, ao mesmo tempo, responder às exigências de tempo e espaço que a realidade da sala de aula impõe ao professor, uma possibilidade de solução do problema é trabalbar com a fragmentaçãn, porém ~egundo estratégias de leitura que não se palitem pela facdllaçao, mas por objetivos que promovam a necessidade de solUCIOnar os problemas que O texlO apresenta ao leitor no momenlD da construção dos sentidos. Em relação a um texto l11ais longo como o ronlance, a leitura de um fragn1ento do texto em sala de aula deve contribuir para a leitura da obra como um lodo. Isso pode ser
realizado com a elaboração de questões e a construção de hipóteses que sejam úteis para a compreensão de outras partes do te~to. A escolha do texto a ser trabalhado em sala de aula se realIzaria, portanto, não mais em função de uma imagem empobrecida do leitor, mas segundo as contribuições '1ue a passagem escollllda pode oferecer para a compreensão do romance eUl seu, todo, e CIn função das características da própria passagem escolhIda que podem contribuir para o desenvolvimento de estratégias de leítura. Um exemplo de como essa escolba pode ser realizada, e de corno n trabalho com a passagem escolhida pode ser feito sem se fundamentar em estratégias de facilitação, seriÍ observado com base na leitura de um fragmento do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. Parte-se de lima proposta de atividade elaborada pnr prnfessores participantes de um curso de formaç.ão, para, a seguir. serenl apresentadas sugestões de COI110essa atiVI-
dade pode ser ampliada de modo que a leitura do texto apresente a possibilidade de construção de novos sentidos. O objetivo é levar o leitor
à necessidade
de buscar outros recursos para a rea-
liz~ÇãOda leitura do fragmento e do romance como um todo.
PRÁTICAS DE LEITURA E ElEMENTOS
74
P"'RA A ATUAÇÁO DOCENTE
Encontra-se abaixo a passagem da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, em que é descrita a personagem Capitu, motivo dos amores de Bentinho, o narrador:
75
EMERSON DE PIETRl
vaV3 O gesto
mudado»;
«quis insistir que nada, mas não achei lítl-
gu a" ; "alta. forte e cheia"; «As nlãos, a despeito de alguns ofícios
rudes. eranl curadas com amor; não cheiravanl a sabões finos nem águas de toucador, mas
(... ) Caminhei para ela; naturalmente levava o gesto mudado, porque ela veio a mim, e perguntou.mc inquieta: - Que é que você tem?
- Eu? Nada. - Nada, não; você tem alguma coisa. Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo eu era olhos e coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca afora. Não podia tirar os olhos daquela criatura de catorze anos. alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita. meio desbotado.
Os cabelos grossos, feitos em duas tranças. com as pontas atadas uma à outra. à moda do tempo. ucsciam-Iht: pelas costas. Morena. olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amorj não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que da mesma dera alguns pontos. - Que c: q ,u e você tem? - repetiu. - Não é nada- balbuciei finalmente. Com
base no fragmento acima, foraol propostas, no rereri-
do curso de formação de professores, questões de compreensão do texto com base em seu tipo (narrativo; descritivo; dissertativo) e em seu gênero. Além disso) foram aprcscntad<..l~ 4ue~tões mais
especificas a respeito da própria passagem, em relação ao nÍlmero de personagens, "O que acontece na cena, à relação existente entre as personagens,
à
situação elnocional
do narrauor.
Em relação aos conhecimentos textuais e linguísticos, foram também elaboradas questões sobre as classes de palavras (adjetivos; verbos) que possuem função principal
CDl
relação à LU[lstru-
ção dos tipos de textos que predominam na passagem em questão. Foram também propostas questões sobre expressões que C0I11pÕel110 texto, tais como as destacadas a seguir:
com água do poço e sabão comum trazia-
as senl mácula': As questões apresentadas acima são interessantes para a cons-
trução de conhecimentos"
respeito de aspectos formais que ca-
racteriZalTIo texto) e para a elaboração) aprendizagCt11 ou ativação de conhecimentos necessários à compreensão satisfatória do texto. Com p.o:;.s::IsC)1le.."Hlf':S, é . possível dirigir a leitura do aluno a fim de evidenciar aspectos relativos a conhecimentos prévios (Iin-
guísticos, textuais e de mundo). O fragmento oferece recursos muito bons para" "tivi,hde de leitura proposta. Mas é possivel utilizar a passagem em questão para o trabalho com outros elementos presentes no texto, elementos que podem auxiliar na elabor"ção de hipóteses que contribuam para a realização da leitura do romance como um todo. O processo de leitura dessa passagem, junto aos alunos, pode ser semelhante ao que foi sugeri cio) llrn pouco mais acima, para o
texto jornalístico. Supondo-se que esse seja o primeiro fragmento da obre que esteja sendo lido pelos alunos, é possível elaborar algunlas hipóteses que necessitem ser verificadas em outras par-
tes do romance. Por exemplo: apresentando-se apenas a primeira frase do fragmento, em que o narrador afirma que "levava o gesto nludado", podem ser fornltl1adas
questões com o ohjt>:tlvo
de levar o leitor a elaborar hipóteses sobre o porquê de narrador estar "com os gestos mudados": o que teria acontecido para que \I
ele apresentasse
essa Illudança?; que mudança
seria essa?; qual
sua relação com a personagem com quem dialoga?; quem seria essa personagem?; por que ela ficaria inquieta? O diálogo apresentado não oferece muitos elementos que res-
pondam às questões elaboradas acima. Porém, na continuação do texto, as duas frases que aparecem após o breve diálogo já possibilitaIll verificar algunlas hipóteses, ou, pelo Incnas) escolher dentre as mais fortes: o fato de o narrador afirmar não ((achar língua», ser
1
I
ÉM~RSON Dl Plr.
PrlÁTICI\~ [)[
76
l[l1Ult/\
l
[LtM[NTOS
todo "olhos e coração", oferece indícios de que há entre os personagens, ou. pelo menos da parte do personagem
que narra a estó-
ria, um interesse amoroso. As questões sobre quem seria a personagem ga o narrador são respondidas,
77
TlH
I'MA A ATUAÇAO DOCENII:
e0l11 qucnl dialo-
em parte, na scquência
do texto,
em que aparece sua descrição. A revelação de outra parte do texto,
estar en10cionado descreve
POUCIll
-, os modos COl110ele refere a personagem
posição social. Além dos aspectos físicos, o narrador refere o fato
de que a personagem se encontrava "apertada em vestido de chita", c que:
As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor;
em que se faz referência a uma «criatura de catorze anos': pode
não cheiravam
levar à elaboração de questões que digam respeito a aspectos cul-
do poço c sabão comum
turais: que idade teria o narrador?; que tipo de relacionamento
duraque, rasos c velhos, a que ela mesma dera alguns pontos.
ele
que
ajuuar a revelar nnlitu sobre seus valores e sua
a sabões finos nem águas de toucador, mas com água tr.lzia-as
sem mácula. Calçava sapatos de
teria e/ou pretendia ter com a personagem que apresenta ao leitor?; conlO essa rclaçJo seria considerada os dois personagens
pela sociedade
em que
se encontram?
Ainda em relação aos aspectos sociais e culturais, o modo como
Uma das questões ,]ue podem ser colocadas é: por que essas características da personagem foram consideradas relevantes, pelo narrador, para que fossem apresentadas.
e não outras? Como ex-
é descrita a personagem pode levar à elaboração de questões sobre
plicar as escolhas do narrador cnl relação aos aspectos da perso-
como a mulher é apresentada no texto, com base nos
nagem que foram evidenciados na descrição? Teriam relação com
modos como a figura é construída: os modos de se vestir sugerem que a personagem se encontra em que período histórico? - há,
a posição social que ocupa o narrador? Sua posição social seria a
a perspectiva
inclusive, a referência à "moda do tempo": que Utempoll seria esse?;
mesma da personagem que é descrita? Partindo-se da hipótese de que o narrador e a personagem
a referência aos ofícios que realizava, à situação de suas mãos, e à
descrita possuem
qualidade de sua roupa, pode levar à elaboração de hipóteses a
o narrador as características
respeito da classe social a que ela pertenceria. Essas qoestões, e as hipóteses que permitem elaborar, colocam em jogo a figura do narrador, o que pode levar a um aprofunda-
gem? Seriam elementos importantes
mento de questões relativas aos modos como se constrói uma des-
nômica ocupada
crição. Um primeiro fator se refere ao ponto de vista segundo o qual é feita a descrição. No texto em questão, a personagem nos é
questões
apresentada
racterísticas da obra do autor de Dom
segundo
o ponto de vista do narrador-personagem:
sabemos da personagem
aquilo que esse narrador nos dá a ver.
Esse elen1ento pode ser usado para apresentar as características U In
de
romance escrito em primeira pessoa, narrado por um narrador
que é também personagem. A perspectiva com que os fatos e personagens são apresentados,
nesse caso, é sempre parcial.
que podern ser compreendidas
ele? Incomodariam
que ele apresenta
aquele que descreve,
ferença, para ele, esses aspectos relativos Essas hipóteses
pela personagem
para a persona-
para serem destacados por seriam vistos como dià posição
relativas ao narrador e a aspectos
de caráter social se sustentariam
A resposta a essas questões,
social e eco-
descrita? referentes
ao se considerar
r1
as ca-
Casmurro?
para serem encontradas,
rem a leitura de outras passagens do romance
reque-
e o (onhecinlento
das características da obra de Machado de Assis. Outro aspecto
que o fragnlcnto
em questão c : 0 1 0 e ; : l cnl evi-
dência se refere ao período histórico em que os fatos narrados te-
Essa parcialidade nos permite caracterizar o próprio narrador: além de características
a mesma posição social: ficariam evidentes para
com base
nas referências que o uarrador faz a si próprio - como o fato de ele
riam acontecido,
e aos aspectos referentes aos 1110dos de vida do
período eIn questão. Esses aspectos exigenl um tipo de. leitura que
P R AT I CA S V E l fn U RA
80
[ El EM f N1 0S
P A RA A A T UA Ç ÃO D O CE N H: .
Essa relação com a produção literária impede a apropriação crítica das ideias e valores da cultura que permeiam selecionados,
os textos
esv"ziados assim da ideologia e da critica que os
animava, e o professor passa a ser visto cOlno "um profissional de
civilização, de cultura". O ensino da literatura deixa de ser visto como
urna instância
distanciamento criticas frente
de discussão
de idcias, que pode levar ao
da situação imediata e à
à
construção de atitudes
realidade c "O contexto histórico e social em que
81
ÉMERSON DE PrrTRI
Ê preciso considerar
também
um leitor proficiente,
é também
lido numa detenninada
A alteração dos objetivos de leitura do texto literário, a fim de que não se limitem a apresentar aspectos da literatura ou frag-
fatores que
saber como um texto deve ser
instância social.
Nesse sentido, a leitura de textos literários é diferenciada já pelo fatu de que envolve modos de leitora especificas. Pensando na fonnação
do leitor em contexto de ensino, esses 1110dos de lei-
tura precisam ser considerados O illlt:lç~~eda literatura
se ClH.:ontra o leitor.
que h,l inúmeros
controlam socialmente a leitura dos textos. Muitos desses fatores se encontram na própria escola, mas não apenas nela. Saber ler, ser
na escola.
se ["z, então, duplamente:
auxiliar no desenvolvimento
de questões
POrc]lIC pode
relativas a aspectos so-
mentos de obras com objetivo de facilitação, ou de sllgerir que a
ciais e politicos, e o texto literário é um bom material para isso uma vez que sua produção pode revelar aspectos daS condições
leitura do texto literário seja mera fonte de prazer, pode ajudar
em que foi produzido; e porque possibilita o acesso a um trabalho
a transformar o trabalho com o texto literário em sala de aula de modo que ele, o texto, represente a possibilidade de produção de
com a linguagem que pode ser altamente elaborado. A noção de trabalho parece ser fundamental quando se pen-
sentidos, de trabalho do sujeito-leitor, e não seja visto apenas como
sa na qualidade do texto: trabalho com a linguagem, na ordem impressa tal cOIno conhecemos atualmente, implica elaboração
uma viagem a mundos
maravilhosos.
Essa mudança de perspectiva coloca em questão a produção de sentidos,
c coloca, em consequência,
a discussão
sobre a qua-
e reclaborac;ão textual por parte do autor - esse é um dos fatores que o constituem
enquanto
autor, se lembrarmos
dos modos
lidade da leitura. Durante algum tempo, tornou-se comum afirmar que qual-
como se processou sua constituição histórica. É importante lembrar que uma das funções da literatura é for-
quer leitura seria válida, tanto em relação
mar, e, nesse sentido, uma de suas tarefas é formar seu próprio
à escolha
do texto a ser
lido, quanto em relação à compreensão e à interpretação do texto pelo leitor. Para obtenção de mais informações sobre essa questãu, sugere-se a leitura de Possenti (2001). Se considerarmos que o texto é produzido em condições históricas, sociais e políticas determinadas, condições especificas, não
é
e que
é lido
também em
possível conceber que qualquer leitu-
ra seja válida, pois os sentidos produzidos na leitura do texto com preendem as condições em que ele se produz e em que ele é lido. Uma leitura que não leve em conta esses fatores é uma leitura su perficial. Além disso, se não há leitura de um só texto, isto é, se a produção e a leitura de um texto sempre se faz com base em ou-
tros textos. com base em relações intcrtextuais, a própria rede intertextu"l
impossibilita
que qualquer leitura seja válida.
leitor. Do exposto anteriormente, se pautar por eSlralégid5
a formação do leitor não pode
de facilitação,
uma vez que a leitura en-
volve a solução de problemas. A formação do leitor consiste em suas possibilidades de estabelecer objetivos e estratégias de leitura, a fim de superar as diliculdades que a leitura do texto (o que inclui as características do suporte) lhe apresenta. Portanto, é preciso que o professor saiba escolher o texto que
será lido em sala de aula, e que sua cscolha se paute pelas qualidades do texto. Na escola, o objetivo é formar o leitor proficiente, e há textos melhores e textos piores para se atingir esse objetivo.
C o n s i d er aç õ e s f i n ai s
Foram apontadas anteriormente as dificuldades que a superficialização, promovida pelas estratégias de facilitação, pode oferecer para o trabalho com a leitura e a formação de leitores na escola. Além da fragmentação, outros fatores influenciam no momento da escolha dos textos que constituirão o material didático, e das atividades propostas para a realização da leituta dos mes-
mos, j á em situação de ensino. A escolha do texto a ser lido na escola, em seu percurso que vai da obra em que foi publicado originalmente,
até o material didá-
tico em que será oferecido à leitura do aluno, se faz segundo um conjunto de critérios que tomam por base a imagem do aluno e suas competências
de leitura. Nesse percurso, muitas vezes o texto
passa por um processo de descontextualização,
tanto em relação
aos fatores históricos e sociais que envolvem sua produção e sua recepção, quanto em relação às características da obra em que está inserido. A possibilidade de considerar a leitura de um texto independentemente das condições que possibilitaram sua produção pode estar relacionada a uma concepção de leitura que não observa diferenças nas práticas que envolvem o ato de ler, e nos objetos que sustentam essas práticas. Em consequência, são apagadas as diferentes valorações sociais, políticas e históricas que possuem os textos e as práticas de leitura que os envolvem.
Temos, assim, uma ruptura em relação aos tnodos como os textos e as práticas de leitura são produzidos fora do contexto escolar, ruptura, como já mencionado, que se relaciona à ordem de produção, distribuição e recepção de textos tal como produzida pela cultura impressa. Ainda que a não consideração dos fatores
PRA.TlCAS DI:
84
lI:ll URA
I: fl[MENIOS
PARA
1\
ATUAÇÃO DOc[N1E
85
tMERSON DE PI[TRI
que envolvem a produção e a recepção do texto, e as característi-
põem, como ponto de partida - nunca de chegada -, o material de
cas do autor e de sua obra) pareçam não se relacionar a questões
materiais de produção, é preciso não se esquecer que todos esses
leitura que será utilizado em sala de aula. O próprio livro didático, em sua materialidade,
se torna ob-
fatores se produziram
jeto de leitura: é possível discutir o que pretendia
o autor do
res se tornaram que permitiu
e se produzem historicamente:
possíveis
a produção
esses fato-
a partir do desenvolvimento de materiais inlpressos
ticas sociais fundanlentadas
técnico
livro didático ao escolher determinado texto; ou ao propor determinadas atividades com base no texto escolhido; ou ao recor-
e de novas prá-
nesses materiais.
Nesse sentido, desconsiderar os aspectos sociais e políticos no momento da leitura de um determinado texto leva também
à rup-
tar o texto original e apresentar apenas aquele determinado
frag-
n1ento para os alunos; ao aproxin1ar do texto determinada
figura
que con1 ele dialoga; ou, ainda, ao propor determinada
com os aspectos lnatcriais que cnvolven1 a produção dos tex-
questão
tur~
sobre o texto (e não outras) c apresentar
tos e das práticas de leitura em nossa sociedade. Uma questão que se coloca para o professor de língua portu-
correta.
guesa, portanto, se refere a como ler o texto em sala de aula de modo a não permitir que, no percurso realizado por esse texto,
va S práticas de leitura com base no manuseio
entre sua publicação original e sua entrada na escola, sejam des prezados os aspectos relacionados à materialidade textual e às prá-
ambiente escolar, pois são colocados em questão fatos relativos à própria ordem de produção de materiais escritos e de práticas de
ticas de leitura que a envolvem.
leitura: nesse caso, não se esconde
a resposta considerada
Com essa mudança de perspectiva podem ser construídas nodático,
Essa questão se torna muito mais relevante quando o texto
práticas que se aproximan1
do próprio livro di-
daquelas
realizadas
do leitor em formação
fura do
que o
livro didático possui um autor, um editor, e que esses (vários) su-
entra em 5"la de aula por intermédio do livro didático, isto é, por
jeitos realizaram intervenções durante o processo de elaboração
intermédio de outro responsável pelo ensino da leitura que não o
do material que se encontra ali, em sala de aula. Desse modo, o livro didático se constitui em material de apoio para o trabalho em sala de aula. Como referido, a leitura dos textos que o livro didático apresenta, bem como das atividades que
professor. Supondo 'lue o principal material disponível em sala de aula seja o livro didático, que estratégias podem ser utilizadas pelo pro-
I
fessor para que as atividades de leitura, ainda que sejam desenvol-
I
vida" a p:Htir desse nlaterial. não fiquem submissas a ele?
O ponto de partida é não considerar o manual do professor o responsável por oferecer as respostas definitivas sobre o texto a ser lido. Partinc10 desse princípio, o livro didático se torna mais interessante por dois motivos: primeiro, porque oferece uma coletânea de textos, ainda que, por vezes, fragmentados com base em estratégias de facilitação; segundo, porque as questões apresentadas para o texto lido, e atividades propostas a partir da leitura realizada, podem funcionar como ponto de partida para as discussões a serem desen-
volvidas, podendo elas mesmas ser colocadas em discussão, e, nesse sentido, as próprias atividades propostas pelo livro didático com-
I
I
I
propõe sobre esses textos, se constitui em ponto de partida para atividades de leitura. e não em ponto de chegada para as mesmas.
Altera-se a perspectiva segundo a qual existe uma leitura única, correta, que deve ser estabelecida; em lugar da busca da interpreta~~;10 correta, do sentido
mentam
na elaboração
ünico, as estratégias de leitura se fundae verificação
de hipóteses
com base nos
elementos que o texto oferece. Temos então um processo de leitura C}1lP. se aproxitna bastante
do realizado
em práticas de letra-
menta extraescolares: o texto dialoga com outros textos (o diálogo pode se realizar, inclusive, entre o próprio texto para leitura e as questões
que o livro didático
apresenta
para ele), segundo
estratégias que precisan1 lidar com a complexidade,
facilitação.
e não (On1 a
86
PWAllCAS DE U:lIURA E ELEMENTOS PARA A ATUAÇÃO DOceNT[
A elaboração de uma aula de leitura exige então que o professor seja um bom leitor e que seja capaz de oferecer ao leitor em formação recursos para a solução dos problemas
encontrados
D e s d o b r am e n to s
d o T em a
noS textos que lê, o que inclui o acesso a outros textos que fundamentem sua atividade. Assim, não é possível considerar uma aula de leitura que se limite a apresentar um único texto, isoladamente, sem referência a outros textos. Não é possível considerar uma
Considere-se a seguinte passagem do livro A ideia de cultura,
aula de leitura que se esgote no tempo de uma aula. Do mesmo modo que a leitura de um texto não se restringe a
de autoria de Terry Eagleton:
um texto, uma aula de leitura não se restringe a uma aula.
"O que importa não são as obras em si, mas a maneira como são coletivamente interpretadas, maneiras que as próprias obras dificilmente poderiam ter previsto. Tomadas em conjunto, elas são apresentadas como evidência da unidade atemporal do espírito humano, da superioridade do imaginativo sobre o rcal, da inferioridade das ideias com relação aos sentimentos,
da verdade de que o indivíduo
está no centro do universo) da relativa desimportância do público com relação à vida interpessoal. ou do prático com relação ao contemplativo c outros preconceitos modernos desse tipo. Mas po-
der-se-ia igualmente bem interpretá-las de modo bem diferente. Não é Slmkespeare que não tem mérito, e sim apenas alguJls Jos usos sociais que têm sido feitos de sua obra." (Eagleton, 2005, p. 81)
A passagem acima pode suscitar algumas questões para quem se interessa pelo ensino da leitura na escola:
I. Quais textos estão autorizados a entrar em sala de aula? Qual a autonomia
do professor para escolher
os textos
que pre
tende ler com seus alunos? 2. O que pode ser feito com o texto na escola? Quais os limites da leitura? Até onde o professor e seus alunos têm liberdade
I,
para interpretarem os textos que escolheram ou que lhes foram dados a ler?
3. Se) conlO pode ser lido no fragnlento acima, "o que importa
não s ã o
a s obras CIU
vamente interpretadas';
si. filas a maneira como são coleti-
de que modo a escola, o professor
e seus alunos, compõem essa coletividade?
As intcrprcta-
88
PRÁ1ICAS
Dl: LEITURA
E I:lEMENT05
PAKA A ATUAÇÃO DOC[NI£
ções realizadas por professores e alunos são considerada~ relevantes socialmente
para o estahelecimento
do que e
um texto litedrio?
Lendo mais sobre o tema
CHARTlER, R. Os desafios da escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2002. Neste livro é discutido o impacto da textualidade eletrônica, do mundo digital, sobre a ordem com que tradicionalmente lidamos com o texto impresso na tradição ocidental. KLEIMAN,A.B. 'lexto e leitor: aspectos cognitivos da leitllra. - Campinas, SP: Pontes, 2000.
7ed.
Este trabalho trata dos processos cognitivos envolvidos na com preensão de textos, o que oferece ao leitor-professor subsidios para a e1ahoração de estratégias de ensino. PAULIUKONIS, M. A. L. & SANTOS, L. W. (Orgs.) Estratégias de leitllra: texto e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. Nesta obra, os autores discutem questões de ensino de leitura
fundamentando-se em teorias linguístico-cnunciativas.
como a
Linguístíca do Texto, a Pragmática e a Análise do Discurso. POSSENTI, S. A leitura errada existe. In: Valdir Barzotto. (Org.). Estado da leitllra. 1 ed. Campinas, SP: ALB - Mercado de Letras, 1999. O autor se contrapõe à ideia defendida por alguns pesquisadores de que qualquer interpretação do texto realizada pelo leitor é válida.
I
SILVA,J.Q.G. Gênero DisCllrsivo e tipo textllal. Scripta, Belo Hori. zonte: Editora Poc MG, v. 2, n. 2, p. 87-106,1999. Este artigo oferece interessantes considerações para a diferenciação das noções de gênero de discurso c tipo textual.
90
PRÁTICAS DE lEITUR •.••E ELEMENTOS PARA A ATUAÇAu OOCENTE
SOARES, M. Letrammto: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. A noção de letramento é apresentada, nesta obra, em três diferentes momentos, divididos em função do gênero apresentado em cada um deles. Em cada um dos três gêneros são apresentados diferentes aspectos do tema em questão.
Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BARROS, K.S.M. Redação escolar: Produção textual de um gêne-
ro comunicativo? In: CHARTIER, R. Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. Os desafios da escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
____
o
EAGLETON, T. A ideia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005. GONÇALVEZ FILHO, A.A. Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. São Paulo: Cortez, 1990. KLEIMAN, A.B. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 7 ed. Campinas, SP: Pontes, 2000. _ ..(org.) Os significados do letramenta: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995. ____ & MORAES, S.E. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas, SI': Mereadu ,Ie Letras, 2003. MARCUSCHI, L.A. & XAVIER,A.C.S. (orgs) Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção dos sentidos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. MEC - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 1997.
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