Direito Penal e Processual Penal
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INSIGNIFICÂNCIA GEORGE MARMELSTEIN LIMA Juiz Federal da 9ª Vara Federal (Plantonista) de Fortaleza – CE
Comunicação de prisão em agrante referente ao IPL nº 1.517/2007 e pedido de relaxamento de prisão recebidos em regime de plantão.
INQUÉRITO Nº 1.517/2007 INDICIADA: “MARIA” DECISÃO Trata-se de pedido de relaxamento de prisão em agrante, movido pela Defensoria Pública da União em favor da mulher de nome MARIA, sobre a qual não se têm maiores dados para qualicação, presa em agrante delito em razão da suposta prática do ilícito previsto no art. 163, inciso III do Código Penal, que prevê pena de detenção de no mínimo de 06 meses e no máximo de 03 anos, e multa. Narra o auto de prisão em agrante que, no dia 31 de outubro de 2007, após denúncia de populares, populares , uma viatura da Guarda Municipal dirigiu-se ao prédio do DNOCs, 2ª DR, na rua dos Tabajaras, nº 11, agrando uma mulher que, segundo informações, teria danicado torneira de uma fonte localizada na área frontal daquele prédio para tomar banho. A referida mulher, mulher, identicando-se apenas como MARIA e armando ser moradora de rua, não possuía quaisquer documentos e tendo oferecido resistência no momento da abordagem dos policiais da Guarda, foi algemada e encaminhada à Superintendência Regional da Policia Federal, onde até então encontra-se recolhida. A Defensoria Pública, em contundente exordial, pontua pela ilegalidade da prisão em agrante, ante a ausência de delito se considerada for a insignicância do dano patrimonial. Postula assim o relaxamento da prisão de MARIA, com a expedição de alvará de soltura. Eis um breve relatório, passo a decidir. decidir. Em primeiro lugar, lugar, a fundamentação utilizada pela autoridade policial para não arbitrar a ança, ou seja, a ausência de residência xa, por ser a acusada moradora de rua, não me parece correta, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. No caso, o fato de ela ser moradora de rua e, portanto, não ter residência xa não é motivo suciente para negar-lhe o direito à liberdade, já que ela está nessa condição, não por vontade própria, mas m as em razão de o Poder Público não lhe permitir gozar goz ar dos mais básicos direitos para uma vida digna, como por exemplo o direito à moradia.
R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 287-288, 2008
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Além disso, mesmo que se dissesse que a Senhora Maria, por não ter resi dência xa, não teria direito à liberdade, ainda assim ela deveria ser solta, pois não há justicativa para a instauração de inquérito policial. Analisando os fatos narrados na comunicação de prisão em agrante, bem como da argumentação trazida na peça formulada pela Defensoria Pública, é inegável que razão assiste ao defensor público. Submeter a todo um procedimento criminal uma pessoa, inegavelmente desassistido pelo Poder Público e totalmente desprovido de condições mínimas de higiene e saúde, simplesmente pelo dano causado a uma torneira plástica de um órgão como o DNOCS, foge a qualquer parâmetro do razoável, ainda mais se considerarmos que MARIA, a moradora de rua em questão, somente assim procedeu com o intuito de tomar um simples banho. Dessa forma, a conduta de MARIA é totalmente atípica, uma vez que o bem jurídico ora violado (patrimônio publico) o foi de maneira tão insignicante que não justicaria assim a prisão em agrante procedida pela autoridade policial, nem sequer a instauração de inquérito para apuração de fato. A Constituição Federal garante ao Magistrado a possibilidade de conceder a ordem de habeas corpus, de ocio, ante a ilegalidade de prisão, conforme se observa
nos incisos transcritos a seguir: Art. 5º. [...] LXVII – conceder-se-á hábeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofre violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Além disso, indiscutível a consagração do principio da insignicância à jurisprudência pátria, referendada em inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal, dentre as quais faço menção a colacionada pela Defensoria Pública em sua peça, que destaca muito bem a atipicidade do “crime de bagatela”, em face da insignicância jurídica do ato, em clara aplicação do referido principio. Assim, pelos argumentos acima expostos, entendo por ilegal a prisão em agrante realizada pela Autoridade Policial, CONCEDENDO ORDEM DE HABEAS CORPUS no sentido de que se proceda ao trancamento do inquérito policial nº 1517/2007 , e consequentemente que seja expedido alvará de soltura para a imediata liberação da requerente qualicada como MARIA, presa e indiciada no referido IPL. Ocie-se. Oportunamente, vista ao representante do Ministério Público Federal. Expedientes necessários e urgentes. Fortaleza, 1 de novembro de 2007.
GEORGE MARMELSTEIN LIMA Juiz Federal Plantonista
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R. SJRJ, Rio de J aneiro, n. 22, p. 287-288, 2008