ALGUMAS NOTAS SOBRE A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
ADMINISTRATIVA
DA
REGIÃO
António Correia Marques da Silva
1. Breve enquadramento histórico
A reforma da Administração Pública é um dos enfoques de qualquer Governo, seja qual for a sua orientação política, porque os governos buscam nos serviços públicos a sua fonte de legitimação, através da satisfação das necessidades colectivas. Contudo, a natureza do poder político tem consequências na estrutura da Administração Pública, designadamente ao nível da descentralização e da desconcentração dos serviços e da autonomia e da tutela. Quanto menos democrático é o regime maior é a concentração de poderes e menor a descentralização, a desconcentração e a autonomia, sendo o contrário, tendencialmente, igualmente verdadeiro1. Os regimes autoritários assentam numa filosofia política desfavorável à descentralização. Sendo que a descentralização consiste no aligeiramento da administracão central directa do Estado, através da transferência de atribuições dos serviços centrais para outros de âmbito mais restrito, com autonomia de decisão e capacidade de auto-determinação. A centralização apresenta evidentes aspectos negativos como sejam a lentidão, o distanciamento dos problemas reais e a adopção de soluções uniformes para problemas não absolutamente coincidentes. Macau, após a transferência de soberania, não foge à regra, com tentativas de alteração das estruturas, umas melhor outras nem tão bem sucedidas. (A meu ver dois exemplos de modificações mal sucedidas são o IACM e a Direcção de Serviços da Reforma Jurídica, entretanto extinta e integrada na Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça). Assim, para entendermos a organização da Administração Pública da Região Administrativa Especial de Macau, devemos atentar no facto de a RAEM não ser um país soberano, tão só uma região administrativa especial da República Popular da China, após a transferência de soberania ocorrida a 20 de Dezembro de 1999, na sequência da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da Veja-se o artigo 267.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa de 1976: “A Administração será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva”, ou o n.º 2: “A lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativa”. 1
República Popular da China sobre a questão de Macau, assinada em Pequim em 13 de Abril de 1987, e antes um território chinês sob administração portuguesa. Na verdade, após a Revolução dos Cravos ocorrida em Portugal na alvorada do dia 25 de Abril de 1974, no sentido de afastar o território chinês de Macau do processo de descolonização, o n.º 4 do artigo 5.º da Constituição da República Portuguesa aprovada em 2 de Abril de 1976 pela Assembleia Constituinte e promulgada pelo Decreto de aprovação do Presidente da República de 10 de Abril, nessa mesma data, prescreve o seguinte: “O território de Macau, sob administração portuguesa, rege-se por estatuto adequado à sua situação especial”. Ou seja, este normativo constitucional reconhece Macau como território chinês por um lado, e por outro, atenta essa sua situação especial, antecipa a necessidade de elaboração de um estatuto especial para o Governo de Macau. Estatuto esse denominado Estatuto Orgânico de Macau (EOM) que veio a ser aprovado, pelo Conselho da Revolução de Portugal, como Lei Constitucional, pela Lei n.º 1/1976. Assim, no seu artigo 2.º o EOM atribui a Macau o gozo de autonomia administrativa, económica, financeira e legislativa face ao Governo da República. E, no artigo 3.º, estabelece que os órgãos de soberania da República, com excepção dos tribunais, são representados em Macau pelo Governador, o qual é nomeado e exonerado pelo Presidente da República (n.º 1 do artigo 7.º) e tem as competências executivas constantes do artigo 15.º). Sendo que o artigo 6.º atribui as funções executivas ao Governador, coadjuvado por Secretários-Adjuntos, em número não superior a 5, igualmente nomeados e exonerados pelo Presidente da República, mediante proposta do Governador (artigo 16.º). Veja-se que (tal como hoje) os Secretários-Adjuntos não tinham competências próprias mas apenas aquelas que o Governador neles delegasse através de Portaria (n.º 4 do artigo 16.º). Quanto ao resto a estrutura da Administração Pública era em tudo semelhante à actual, sobre a qual falaremos mais adiante. 2. Lei Básica2 e Estatuto da Região Administrativa Especial de Macau Como já deixámos dito, a Declaração Conjunta previa que o Governo da República Popular da China voltaria a assumir o exercício da soberania sobre Macau em 20 de Dezembro de 1999, estabelecendo 2
A Lei Básica é uma lei constitucional de valor superior a todas as outras leis, regulamentos e diplomas normativos da RAEM.
nesta data e nos termos do disposto no artigo 31.º da Constituição da RPC a Região Administrativa Especial de Macau3. Assim, um ano depois da assinatura da Declaração Conjunta, foi aprovada em 13 de Abril de 1988, pela Primeira Sessão da Sétima Legislatura da Assembleia Popular Nacional a criação da Comissão de Redacção da Lei Básica da RAEM, a qual (Lei Básica) foi aprovada no dia 31 de Março de 1993 pela Primeira Sessão da Oitava Legislatura da Assembleia Popular Nacional e promulgada nessa mesma data pelo Presidente da RPC. E, de acordo com o artigo 1.º da Lei Básica, Macau é parte inalienável da RPC gozando, no entanto, de alto grau de autonomia com poderes executivo, legislativo e judicial independentes. O denominado “um país, dois sistemas”. Note-se aqui que a autonomia regional consagrada na Lei Básica nunca pode alargar-se ao ponto de colocar em causa a unidade do Estado. O Executivo e a Assembleia Legislativa da RAEM são compostos por residentes permanentes da Região, nos termos da Lei Básica. O sistema e as políticas socialistas não são aplicáveis na RAEM durante pelo menos 50 anos (até 2049) e mantêm-se inalterados o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes (artigos 3.º e 5.º da Lei Básica). 3. Predominância do poder executivo Como já acontecia durante a Administração Portuguesa, vigora em Macau a prevalência do poder executivo, não se podendo falar em verdadeira separação de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), no sentido em que este conceito é usado por Montesquieu, em “O espírito das leis”, de 1748. Isto apesar da existência da Assembleia Legislativa e de Tribunais relativamente independentes do Governo. Isto porque a ideia central da teoria dos três poderes é a de equilibrar a autonomia desses poderes, criando uma harmonia na organização dos Estados, o que não acontece em Macau por virtude da preponderância e omnipresença do poder executivo, centralizado na figura do Chefe do Executivo, eleito por um colégio eleitoral pouco representativo (400 membros). Na verdade, em Macau prevalece uma ideia de predominância do poder executivo. Como anota Ieong Wan Chong, Anotações à Lei Básica da RAEM, página 101: “Dá-se ênfase à direcção administrativa, com o Chefe do Executivo como núcleo, à restrição e coordenação mútua entre a administração e a legislação e à independência relativa da administração da justiça, o que é bem diferente do princípio da
3
“O Estado pode estabelecer, quando necessário, regiões administrativas especiais. Os sistemas a aplicar nessas regiões são estipulados em leis pela Assembleia Popular Nacional segundo a situação concreta”.
“independência dos 3 poderes”, vigente em muitos países do Ocidente, como também é diferente da direcção administrativa do Governador, como anteriormente existia em Macau”. Nos termos do disposto no artigo 45.º da Lei Básica, o Chefe do Executivo da RAEM é o seu dirigente máximo. “O Chefe do Executivo e o ex-Governador de Macau são essencialmente diferentes. O Governador de Macau era o representante directamente enviado pelo Governo Central de Portugal, que governava Macau com características colonialistas e só era responsável perante o Presidente da República de Portugal. O Chefe do Executivo não é representante mandado pelo Governo Popular Central na Região Administrativa Especial de Macau, mas sim é eleito pelos próprios residentes da Região Administrativa Especial de Macau e nomeado pelo Governo Popular Central. Por isso, além de responsável perante o Governo Popular Central, o Chefe do Executivo deve responder perante a Região Administratriva Especial de Macau, bem como perante toda a população de Macau.”, Ieong Wan Chong, obra citada, página 104. Como principal responsável político e executivo da RAEM, o Chefe do Executivo tem competências variadas (Artigo 50.º da Lei Básica), destacando-se: - Competência para mandar executar as leis; - Competência para assinar as leis aprovadas na Assembleia Legislativa sob proposta sua e também as de iniciativa da própria AL e elaborar os regulamentos administrativos, as ordens executivas e os despachos normativos; - Competência administrativa: 1) Dirigir o Governo e 2) Definir as políticas; - Competência para nomear e exonerar: 1) Submeter ao Governo Popular Central, para efeitos de nomeação e de exoneração, os titulares dos principais cargos: Secretários, Comissário contra a Corrupção, Comissário da Auditoria, responsável pelos Serviços de Polícia Unitários e responsável pelos Serviços de Alfândega; - Nomear parte dos deputados à Asssmbleia Legislativa (7, Anexo II à Lei Básica); - Nomear e exonerar os membros do Conselho Executivo; - Nomear e exonerar os juízes, sob proposta de uma Comissão Independente (Artigos 87.º a 89.º) e os magistrados do Ministério Público sob proposta do Procurador (Artigo 90.º);
- Competência para fazer cumprir as directrizes emanadas do Governo Popular Central, designadamente em matéria de relações externas; - Outras competências: 1) Decidir se os membros do Governo ou outros funcionários responsáveis pelos serviços públicos devem testemunhar e apresentar provas perante a Assmbleia Legislativa ou as suas comissões, em função das necessidades de segurança ou de interesse público de relevante importância, 2) Conceder medalhas e títulos honoríficos, 3) Indultar pessoas condenadas por infracções criminais ou comutar penas, nos termos da lei e 4) Atender petições e queixas (Lei n.º 5/94/M, de 1 de Agosto Exercício do direito de petição). Artigo 52.º - Poder do Chefe do Executivo de dissolver a Assembleia Legislativa. Mais uma demonstração da predominância do poder executivo sobre o legislativo. Artigo 75.º- Restrições dos deputados em apresentarem propostas de lei, em determinadas matérias. Igualmente uma demonstração da predominância do poder executivo. Poderemos, penso, concluir que a Administração Pública de Macau é uma administração muito centralizada. O que, em nossa opinião não é bom. É que, como já em 1910, defendeu o Professor Fernando Emídio da Silva, no discurso proferido no Primeiro Congresso Internacional de Ciências Administrativas, realizado em Bruxelas 4 : “A centralização – na sua figuração tentacular de absorvente asfixia periférica pela rarefação dos seus meios autóniomos de vida – é pelo menos uma obra medíocre e ilegítima do medo: medo da desordem administrativa e financeira, medo das tendências separatistas, medo do enfraquecimento da autoridade”. Note-se que existe uma enorme diferença entre a descentralização e a desconcentração (geográfica) de serviços. Criar um posto de atendimento de uma qualquer direcção de serviços na Zona Norte de Macau não é descentralizar atribuições é tão só desconcentrar serviços. Desconcentração de serviços é distribuir os serviços pelo espaço territorial (processo interno que visa a melhor colocação dos serviços, nada tendo a ver com a tomada de decisão), ou seja, colocar as unidades orgânicas mais ou menos afastadas da sede dos serviços, descentralizar traduz-se num processo de transferência de objectivos (atribuições) de um serviço central para outro de âmbito mais restrito (processo externo de transferência de atribuições). Dir-se-á que a Administração é descentralizada quando parte significativa das atribuições são cometidas a pessoas colectivas autónomas. 4
Cfr. Joaquim S. Coelho de Lima, Descentralização e Desconcentração, Autonomia e Tutela, Lisboa, 1985, página 16.
4. Órgãos da Região Administrativa Especial de Macau Conforme o estatuído pela Lei Básica são os seguintes os órgãos da RAEM: - Chefe do Executivo: Dirigente máximo executivo representa igualmente a Região no plano externo e é responsável perante o Governo Popular Central, a RAEM e a população (Artigo 45.º da Lei Básica); - Conselho Executivo: É o órgão destinado a coadjuvar o Chefe do Executivo na tomada de decisões (Artigo 56.º da LB). O Regulamento Administrativo n.º 1/1999, aprovou o Estatuto dos Membros do Conselho Executivo e foi alterado pelos Regulamentos Administrativos n.º 2/2005 e n.º 3/2012. Por seu turno, o Regulamento Administrativo n.º 2/1999, alterado pelos Regulamentos Administrativos n.º 2/2005 e 25/2011, aprovou o Regulamento do Conselho Executivo. O Regulamento Administrativo n.º 26/2011, aprovou a Organização e o Funcionamento da Secretaria do Conselho Executivo. - Comissariado contra a Corrupção e Comissariado da Auditoria: Funcionam como órgãos independentes que, contudo, respondem perante o Chefe do Executivo, o que vinca a natureza de predominância do poder executivo na RAEM (Artigos 59.º e 60.º da LB). Para além dos serviços de provedoria o CCAC é um órgão de combate à corrupção, sendo a sua competência principal investigar e prevenir a corrupção nos serviços do Governo. O CCAC sucedeu ao Alto Comissariado contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa do tempo da Administração Portuguesa, mas estando na dependência do Chefe do Executivo difere daquele que era um órgão judicial independente e não dependia do Governador, nem respondia perante a Assembleia Legislativa. A Lei n.º 10/2000, alterada pela Lei n.º 4/2012, aprova a Lei Orgânica do CCAC e o Regulamento Administrativo n.º 3/2009, alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 3/2013, aprova a Organização e o Funcionamento dos Serviços do Comissariado contra a Corrupção. Ao Comissariado da Auditoria que sucedeu ao Tribunal de Contas da Administração Portuguesa, compete fiscalizar e examinar as contas da Administração Pública.
“O Comissariado da Auditoria da Região Administrativa Especial de Macau é diferente do Tribunal de Contas originalmente existente antes do retorno da soberania de Macau, no que diz respeito à posição jurídica. Não é um órgão judicial e não pertence ao sistema de organização judiciária. De acordo com o disposto neste Artigo, o Comissariado da Auditoria, idêntico ao Comissariado contra a Corrupção, é um órgão independente e responde apenas perante o Chefe do Executivo. Isso também constitui um reflexo da estrutura do poder de direcção executiva”, Ieong Wan Chong, obra citada,. Página 126. A Lei n.º 11/1999, aprova a Lei Orgânica do Comissariado da Auditoria e o Regulamento Administrativo n.º 8/1999, determina a Orgânica e o Funcionamento do Serviço do Comissariado da Auditoria. ************************************************* Governo: É o órgão executivo e dispõe de Secretarias, Direcções de Serviços, Departamentos e Divisões e pode criar os órgãos consultivos considerados necessários (Artigos 61.º, 62.º e 66.º da LB). A Lei de Bases da Orgânica do Governo consta da Lei n.º 2/1999 e o Regulamento Administrativo n.º 6/1999, com as múltiplas alterações de que foi alvo: Determina a organização, competências e funcionamento dos serviços e entidades públicos. Órgão legislativo: A Assembleia Legislativa é o órgão legislativo da RAEM (artigo 67.º da LB). A Lei n.º 3/2001, alterada pelas Leis n.º 11/2008, 12/2012 e 9/2016 (republicada por ordem do Despacho do Chefe do Executivo n.º 21/2017) aprovou a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa. O Regimento da Assembleia Legislativa foi aprovado pela Resolução n.º 1/1999, alterado pelas Resoluções n.ºs 1/2004, 1/2013, 1/2015 e 2/2017. A Lei Orgânica da AL foi aprovada pela Lei n.º 11/2000, alterada pelas Leis n.º 14/2008, 1/2010 e 3/2015. A Resolução n.º 2/2004, alterada pelas Resoluções n.ºs 2/2007, 3/2009 e 3/2017, regula o processo de interpelações sobre a acção governativa. O Regulamento n.º 4/2000, regula o processo de audições.
Órgãos judiciais: Os órgãos judiciários da RAEM são os tribunais e o Ministério Público. A RAEM dispõe de tribunais de primeira instância, de um Tribunal de Segunda Instância e de um Tribunal de Última Instância (Artigos 82.º e 90.º da Lei Básica e Lei n.º 9/1999 - Lei de Bases da Organização Judiciária). O Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público foi aprovado pela Lei n.º 10/1999.
5. Estrutura Orgânica da Região Administrativa Especial de Macau Em sentido orgânico, a Administração Pública de qualquer país ou território, independentemente das suas diferentes estruturas, é um sistema constituído por órgãos e serviços, entidades públicas e seus agentes, que desenvolve e regula um conjunto de actividades no sentido de assegurar a satisfação regular das necessidades colectivas da população. Neste sentido, a Administração Pública da RAEM é exercida por órgãos e serviços instituídos por diploma legal (Regulamento Administrativo independente, nos termos do disposto na alínea 3) do artigo 7.º da Lei n.º 13/2009 - Regime Jurídico de Enquadramento das Fontes Normativas Internas), que desta recebem a indicação dos seus objectivos e os fundamentos das suas atribuições e competências. 5.1.
Administração directa A Administração Directa é assegurada pelos órgãos e serviços do Governo hierarquicamente dependentes do Chefe do Executivo ou dos Secretários, aos quais, no entanto, podem ser conferidos graus variáveis de autonomia:
5.1.1.
Serviços simples: Constituem unidades orgânicas com um vínculo hierárquico de subordinação ao Chefe do Executivo ou a um Secretário, sem autonomia administrativa e financeira. Exemplos: Direcção dos Serviços de Finanças; Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública.
5.1.2.
Serviços com autonomia administrativa: Correspondem a unidades orgânicas com competência própria para a prática de determinados actos administrativos, ainda que hierarquicamente subordinadas ao Chefe do Executivo ou a um Secretário, mas sem autonomia financeira. Entidade autónoma administrativamente é, pois, aquela que possui poderes para tomar decisões definitivas e executórias. Contudo este tipo de autonomia não afasta o controlo por parte dos tribunais administrativos. Exemplos: Direcção dos Serviços de Educação e Juventude e Instituto do Desporto.
5.1.3.
Serviços com autonomia administrativa e financeira: Aliada à competência própria para a prática de actos administrativos, gerem um orçamento privativo com receitas próprias. O Professor Teixeira Ribeiro, Lições de Economia Política, entende que têm autonomia financeira os serviços “cujas despesas não são custeadas pelo Tesouro Público, mas sim pelos seus recursos privativos,
pelas receitas que eles mesmo cobram ou para eles são cobradas, e que elaboram o seu orçamento, prevendo as receitas que irão obter e as despesas a que irão destiná-las”.
Presentemente parece não existirem, na administração directa, serviços deste tipo em Macau.
5.1.4.
Fundos públicos A diferença essencial entre o serviço público e o fundo público é que enquanto o serviço é um complexo de recursos humanos, materiais e financeiros estruturado para atingir determinados fins, o fundo é um mero instrumento financeiro, sem suporte humano relevante. Exemplo: Fundo dos Pandas e Fundo das Indústrias Culturais.
5.2.
Administração indirecta: Institutos Públicos Os Institutos Públicos podem ter graus variados de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. A intervenção do Chefe do Executivo ou dos Secretários, para além da nomeação dos dirigentes, não é directa e consubstancia-se nos poderes de orientação e de tutela (Ver artigo 4.º da Lei n.º 17/2001-IACM). Existem várias espécies de Institutos Públicos:
5.2.1.
Serviços Personalizados Também denominados Institutos Públicos em sentido restrito: a sua organização e funcionamento diferem pouco dos serviços públicos em geral. No entanto, a atribuição de personalidade jurídica confere-lhes, de facto, uma maior autonomia de funcionamento, designadamente em termos de gestão de recursos humanos, podendo ter estatutos privativos de pessoal. Exemplo: Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) - Lei n.º 17/2001 e Regulamento Administrativo n.º 32/2001.
5.2.2.
Fundações Públicas São institutos criados nos termos do Código Civil (Artigos 173.º a 185.º) em que predomina o elemento patrimonial e os respectivos rendimentos, e que asseguram a gestão de um fundo especial cujo capital resulta das receitas afectadas a determinado fim público.
Exemplo: Fundação Macau, receitas provindas da indústria do Jogo. 5.2.3.
Empresas Públicas São organizações do tipo empresarial, dotadas de personalidade jurídica de direito público, cuja actuação é disciplinada por um regime específico, misto de direito público e de direito privado. Caracterizam-se pelo facto de gerirem capitais exclusivamente públicos e de estarem sujeitas à direcção e à fiscalização de entidades públicas. Exemplo: Comité Organizador dos 4.ºs Jogos da Ásia Oriental- Macau, S.A, entretanto liquidado em 2006. CAM- Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, SARL.
5.2.4.
Associações Públicas São organizações personalizadas de natureza associativa, basicamente constituídas por um agrupamento de entidades públicas e privadas, incumbidas de prosseguirem interesses públicos. Exemplo: Laboratório de Engenharia Civil de Macau (LECM).
5.3.
Organização dos Serviços Públicos: Secretarias, direcções de serviços, departamentos e divisões O artigo 3.º da Lei n.º 2/1999 – Lei de Bases da Orgânica do Governo, o Regulamento Administrativo n.º 6/1999 - Determina a organização, competências e funcionamento dos serviços e entidades públicos, o Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto – Estabelece as bases gerais da estrutura orgânica da Administração Pública de Macau, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 8/87/M, de 30 de Julho, definem as bases da estrutura orgânica da Administração Pública da RAEM, institucionalizando uma grande flexibilidade de estruturação dos serviços como característica essencial da sua organização. Os princípios organizativos constantes dos diplomas acima referidos aplicam-se a todos os serviços públicos, incluindo os serviços autónomos, com excepção das Forças de Segurança de Macau (pessoal militarizado) e, com as necessárias adaptações, aos tribunais, aos serviços de registos e de notariado, aos serviços de saúde, aos estabelecimentos correcionais e de ensino, bem como à Polícia Judiciária (carreiras especiais) e aos serviços da Assembleia Legislativa. A organização administrativa da RAEM, subordina-se ao princípio da flexibilidade necessária para satisfazer os objectivos da eficiência e da eficácia dos serviços públicos, adaptando as estruturas e os quadros de pessoal aos trabalhos necessários à satisfação das necessidades da população.
Os Regulamentos Administrativos que criam ou reestruturam serviços devem conter capítulos sobre a natureza e atribuições dos serviços, as unidades e sub-unidades orgânicas, respectivas atribuições e competências e normas de funcionamento; pessoal, com eventual remissão para a legislação aplicável às respectivas carreiras e, nos casos de serviços com autonomia administrativa e financeira, devem definir o regime de administração financeira e patrimonial. 5.4.
Modelos estruturais Como vimos atrás, o Governo (órgão executivo) da RAEM estrutura-se nos seguintes níveis: 1) 2) 3) 4)
Secretaria; Direcção de serviços; Departamento; Divisão. As Secretarias orientam e tutelam um conjunto de serviços públicos (Regulamento Administrativo n.º 6/1999) que lhe estão subordinadas na gestão de determinadas áreas da acção governativa. A RAEM dispõe de cinco secretarias, respectivamente, no domínio da administração e justiça, da economia e finanças, da segurança, dos assuntos sociais, turismo e cultura e das obras públicas e transportes. As Direcções de Serviços são unidades orgânicas directamente dependentes dos Secretários, com atribuições e áreas determinadas; Os Departamentos constituem sub-unidades orgânicas, de natureza predominantemente técnica das direcções de serviços; As Divisões são sub-unidades orgânicas, de natureza essencialmente técnica, das direcções de serviços ou dos departamentos. Os serviços antigamente dispunham ainda de sectores e de secções, mas estas estruturas estão a ser abandonadas. Para a realização de projectos especiais de natureza transitória, podem ser constituídas, por Despacho do Chefe do Executivo, equipas de projecto integradas por funcionários ou por pessoal especialmente contratado para o efeito.
O despacho referido deve fixar o objectivo, a duração previsível, a cobertura orçamental e a designação da chefia do projecto, bem como a respectiva remuneração. 5.5.
Sistemas de coordenação Os serviços e entidades da Administração Pública da RAEM, como em qualquer outro ordenamento, possuem mecanismos que permitem aferir o grau de cumprimento dos seus objectivos e de satisfação das necessidades da população, assim como a conformidade da sua actuação com a lei (princípio da legalidade- artigo 3.º do CPA). Assim, podemos distinguir três domínios fundamentais de coordenação e de controlo da actividade administrativa:
5.5.1.
Coordenação e controlo técnico-administrativo: Exercidos pelos serviços de controlo e de coordenação próprios, em matéria técnico-jurídica, de gestão financeira e de fiscalização administrativa; - Direccção dos Serviços de Administração e Função Pública - Regulamento Administrativo n.º 24/2011- Organização e Funcionamento da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) - Artigo 2.º (atribuições); - Direcção dos Serviços de Finanças - Decreto-Lei n.º 30/99/M, de 5 de Julho: Estabelece a nova lei orgânica da DSF, Artigo 2.º (atribuições); - Comissariado contra a Corrupção; - Comissariado da Auditoria.
5.5.2.
Controlo jurisdicional5: Exercido pelos tribunais: Administrativo, TSI e TUI. Lei de Bases da Organização Judiciária (competências) e Código do Processo Administrativo Contencioso (CPAC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
5.5.3.
Controlo político: Exercido pelo Chefe do Executivo e pela Assembleia Legislativa da RAEM.
5.6.
Delegação de poderes “A actividade jurisdictional não é uma actividade política, circunscrevendo-se esta às actividades do poder executivo e do poder legislativo”, J.J.Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 2.ª Edição, Coimbra, 1980, págian 75. 5
A matéria da delegação de poderes está prevista nos artigos 37.º a 43.º do Código de Procedimento Administrativo de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro. Nas administrações centralizadas como é a de Macau, a delegação de poderes é uma boa e quase única maneira de desbloquear os serviços e de facilitar o seu bom e eficaz funcionamento. Contudo o seu uso imoderado pode conduzir à desordem nos serviços públicos, motivada pela falta de controlo na execução dos poderes delegados. A delegação de poderes tem de ter uma lei habilitante: “sempre que para tal estejam habilitados por lei” – n.º 1 do artigo 37.º do CPA - e deve ser praticada através de um acto publicado no Boletim Oficial: Ordem Executiva do Chefe do Executivo nos Secretários e Despacho dos Secretários nos directores de serviços e demais dirigentes. O artigo 38.º, permite a subdelegação de poderes. O acto de delegação ou de subdelegação deve especificar os poderes delegados (n.º 1 do artigo 39.º do CPA). Os actos praticados pelos dirigentes no uso de poderes delegados ou subdelegados devem mencionar esse facto (Artigo 40.º). O delegante pode emitir directrizes ou instruções vinculativas para os delegados ou subdelegados sobre o modo como estes devem exercer os poderes delegados ou subdelegados e mantém o poder de avocar, caso a caso, os poderes delegados (Artigo 41.º do CPA). A delegação extingue-se por revogação do acto de delegação e por caducidade resultante de se terem esgotado os efeitos da delegação (Exemplo: delegação de competências para a celebração de determinado contrato de aquisição de bens ou serviços ou de empreitada) ou da mudança dos titulares dos órgãos (Artigo 42.º). O exercício de funções em regime de substituição abrange os poderes delegados no substituído (n.º 2 do artigo 43.º). Só não são delegáveis os poderes que uma lei considere indelegáveis. A competência continua a pertencer, de raíz, ao delegante, o delegado tem apenas o exercício de um ou de vários poderes originários do delegado. 5.7.
Tutela
Charles Eisenmann na sua obra “As estruturas da Administração, em Tratado das Ciências Administrativas”, Paris, 1966, distingue na tutela administrativa, dois tipos de poderes distintos. Por um lado, os poderes de tutela ou controlo da legalidade dos actos e, por outro, os poderes de tutela ou controlo da sua oportunidade. Como já se disse, os serviços públicos, por força do princípio da legalidade6, têm de desenvolver a sua actividade nos termos e em obediência à lei. Por isso, dos actos praticados em contravenção à lei, cabe recurso contencioso para os tribunais.
“Acontece, porém, que a intervenção resultante deste meio de impugnação não é capaz de assegurar, só por si, o adequado funcionamento dos serviços públicos. A tanto se opõem os princípios da passividade e de mera anulação a que, por regra, os tribunais administrativos se encontram sujeitos. Por isso, embora podendo fazer desaparecer da ordem jurídica os actos administrativos ilegais, estes tribunais não conseguem estimular de forma directa, muito menos impor, uma actuação activa da Administração Pública mais conforme com os seus verdadeiros interesses. Não se quer com isto dizer que os actos contenciosamente anulados não tenham de corrigir as situações por eles reguladas, mas apenas que os referidos tribunais não podem tomar a iniciativa de apreciar a actividade dos órgãos administrativos, de emitir directrizes ou de praticar os actos pelos mesmos considerados indispensáveis à satisfação das necessidades do Estado ou de qualquer outra pessoa colectiva pública. Tal função cabe exclusivamente à Administração Pública enquanto responsável pela prossecução dos objectivos e concretização das políticas fixadas pelo poder político.”, Joaquim S. Coelho de Lima, obra citada, páginas 105 a 107. Ora, este desiderato é conseguido através da atribuição a um órgão a prerrogativa de intervir, nas circunstâncias em que a lei o determinar, na gestão de um outro órgão da Administração com autonomia relativa, ou seja, da tutela administrativa ou de supervisão tutelar. Cumpre, no entanto, referir que a tutela ainda que limite a autonomia do órgão tutelado, não a elimina porquanto a este continua a pertencer a iniciativa para a prática dos actos. Ao órgão tutelar cabe apenas o poder de orientar, de autorizar, de aprovar ou de fiscalizar, consoante os casos, a actuação do órgão sob a sua tutela.
Assim, no dizer de Freitas do Amaral, Lições de Direito Administrativo, 1983/84, página 120, a tutela 6
Artigo 3.º do CPA: 1. Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos. 2. Os actos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas neste Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados têm o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração.
traduz-se: “No conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva pública, a fim de controlar a sua acção administrativa”. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª Edição, Tomo I, página 230, ensaia uma definição ainda mais perfeita: “A tutela é o poder conferido ao órgãio de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa autónoma, autorizando ou aprovando os seus actos, suprindo a omissão dos seus deveres legais ou fiscalizando os seus serviços, no intuito de coordenar os interesses próprios da pessoa tutelada com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar”. Reafirma-se, não existe tutela se a lei não o prever expressamente e, o âmbito e a intensidade da tutela variam conforme a natureza da pessoa colectiva tutelada e o grau da sua autonomia. A tutela é maior nos serviços dependentes do que nas entidades autónomas. Contudo a tutela opera-se entre duas entidades autónomas, logo é totalmente distinta da hierarquia.
Modalidades de tutela:
Tutela directiva: Consiste no poder de orientar a actividade do órgão tutelado, indicando-lhe os objectivos e critérios de oportunidade político-administrativa e, eventualmente, no poder de emitir circulares e instruções sobre a forma como as leis devem ser aplicadas. Contudo o órgão tutelar não pode substituir-se ao ógão tutelado e praticar os actos da sua competência. Tutela correctiva: Aquela que tem por objectivo obviar aos inconvenientes que possam advir do conteúdo dos actos planeados ou praticados pelos órgãos tutelados. Este tipo de tutela pode incidir sobre uma proposta de acto – tutela “a priori” ou preventiva, ou sobre uma decisão já tomada, mas cujos efeitos jurídicos estão condicionados pela aprovação – “a posteriori” ou repressiva.
Tutela substitutiva ou supletiva: Quando o órgão tutelar tem o poder de suprir as omissões do órgão tutelado, praticando, em vez dele, os actos vinculados que não tenham sido praticados na ocasião e nos termos legalmente devidos.
Tutela inspectiva: Consiste no poder da entidade tutelar fiscalizar o funcionamento dos serviços tutelados para verificar se existe gestão ilegal ou inconveniente para os interesses da entidade tutelar, no sentido de detectar irregularidades ou prevenir situações danosas e assegurar um correcto funcionamento dos serviços.
Este tipo de tutela engloba a possibilidade de ordenar inquéritos e sindicâncias por parte do órgão tutelar e de solicitar as informações reputadas necessárias a manter a tutela informada sobre o funcionamento dos serviços tutelados.
Tutela indirecta: Controlo exercido pelo facto de os meios financeiros e técnicos necessários ao funcionamento do órgão tuelado dependerem em exclusivo de decisão do órgão tutelar.
Diga-se, a finalizar, que o exercício dos poderes de tutela deve revestir sempre um carácter excepcional porquanto se traduz numa restrição da autonomia do órgão tutelado. Bibliografia
Administração Pública da RAEM, SAFP, 2003. Ieong Wan Chong, Anotações à Lei Básica da RAEM, Associação de Divulgação da Lei Básica, 2005. Joaquim S. Coelho de Lima, Descentralização e Desconcentração, Autonomia e Tutela, Lisboa, 1985.