A orquestra do século XIX O Romantismo foi um movimento estético cuja origem é didaticamente atribuída a Ludwig van Beethoven (1770-1827), por acrescentar à música valores e caracteres antes nunca pensados em em termos musicais. O aumento aumento da expressividade expressividade através de dinâmicas contrastantes, contrastantes, ritmos e timbres marcados e definidos, além de uma sutileza narrativa ímpar, fizeram de Beethoven o porta-voz de um novo pensamento musical. Do ponto de vista orquestral, o romantismo foi o responsável direto pela saída da música das cortes reais e salões aristocráticos para os teatros e as salas de concerto, acessíveis acessíveis a um número muito maior de pessoas, nobres e plebeus. Com isso, o pequeno espaço dos palácios antes destinado à uma pequena formação clássica, deu lugar agora a grandes teatros, que não só precisavam mas também pediam uma potência sonora maior. Beethoven começou, pela própria necessidade desta potência, a acrescentar instrumentos: a orquestra romântica começou aumentando as cordas e os metais: 14 primeiros violinos, 12 segundos, segundos, 8 violas, 8 cellos e 6 contrabaixos, além de 4 trompas ao invés de duas. O romantismo foi o grande responsável, ao acrescentar a dimensão dramática à música, por desvincular totalmente a música instrumental da ópera, fazendo delas duas instâncias muito diferentes. Foi justamente a partir do final do classicismo que ambas tomam rumos diferentes. No romantismo, outros compositores, compartilhando de ideias similares ou mesmo pensando em expressar uma nova dimensão musical - a potência sonora - como recurso estético, partiram em busca de novas combinações instrumentais. Em 1830, o compositor francês Hector Berlioz (1803-1869) compõe a Sinfonia Fantástica. Os princípios por ele enunciados do equilíbrio e uso da grande orquestra lhe valeram o título de "Pai da Orquestração" e fundador da orquestra moderna. Sim, Berlioz é o culpado de toda a extravagância das grandes orquestrações de Wagner, Mahler e Richard Strauss no pósromantismo. Mas seus esforços e delírios foram muito bem embasados, tanto na teoria quanto na prática, onde construiu obras de impressionante equilíbrio orquestral, considerando o tamanho do contingente exigido. Muitos fatores influenciaram tais recursos estéticos: o limiar entre o séc. XVIII e XIX foi a era das grandes revoluções, onde se inserem grandes movimentos científicos e sociais, como a Revolução industrial inglesa e a Revolução burguesa na França. A filosofia contava com nomes de peso, como Kant e os iluministas, Rousseau, Diderot, Voltaire, a literatura renova-se com Goethe, Schiller, Hoffmann, pouco mais tarde Tolstoi. A marca da expressividade de caráter, como se a música se tornasse um personagem, a saída para grandes salas de concerto, antes só destinadas à ópera, fizeram da música romântica um enorme gênero, de imensas proporções, variantes, estilos, particularidades. O século XIX foi a era dos instrumentos de sopro. No começo do século XIX, instrumentos de corda com arco como violino, viola, cello e contrabaixo já tinham atingido o ápice de sua evolução. Pouco viria a mudar nas décadas seguintes. Mas os instrumentos de sopro ainda estavam no começo de um grande período de mudanças. mu danças.
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Um instrumento novo introduzido por Beethoven na 5ª e 9ª Sinfonias foi o contrafagote, que já existia desde o século XVII, mas era usado com parcimônia. O seu uso era evitado porque ele tinha uma sonoridade deficiente e era muito difícil de tocar afinado. Quando Beethoven o usou ele ainda padecia desses problemas. Por isso ele foi utilizado apenas para reforçar os sons graves. Só no final do século XIX é que a sonoridade do contrafagote foi melhorada e ele pôde ser usado com mais destaque. Antes os trompetes e as trompas eram 'naturais', ou seja, só emitiam uma série de notas de acordo com sua construção, os harmônicos da nota fundamental. O trompete liso permitia que se tocasse só as notas mais agudas do instrumento e ainda assim sendo necessário para isso uma técnica dificílima. Uma boa extensão do instrumento correspondente às notas mais graves ou do registro médio simplesmente não podia ser usada. Era como se esta extensão não existisse. As notas estavam lá, mas não tinham como ser tocadas. Uma trompa, por ter vários metros de comprimento, inviabiliza a manipulação de orifícios (como nas flautas) que ficariam muito distantes uns dos outros. Restava aos músicos procurar outra maneira de obter o maior número de notas possível. E uma delas era usando apenas os lábios, a tal técnica que, além de dificílima, produzia notas com certa lentidão, colocar uma das mãos dentro da campana – assim alterando ligeiramente o tamanho da coluna de ar e, com isso, produzindo outras notas. Esse recurso, contudo, tinha as suas desvantagens, uma nota produzida com a mão dentro da campana tinha uma sonoridade completamente diferente de uma nota produzida sem esse recurso. Mas então no começo do século XIX as coisas começariam a mudar. Em termos de orquestração, o romantismo se valeu principalmente de avanços tecnológicos. E, graças a essas mudanças, o som sinfônico viria também a mudar muito. Em 6 de dezembro de 1814 o trompista Heinrich Stoetzel enviou uma carta ao rei da Prússia Frederico Guilherme III na qual reporta uma sua recente invenção; ele diz assim: “ vossa graciosa e poderosa Majestade, a trompa, à qual eu tenho me dedicado mais do que tudo, é muito defeituosa no que diz respeito à igualdade de suas notas e à impossibilidade de produzilas com a mesma pureza e força. Esse fato sempre me causou impaciência e me levou a fazer experimentos que pudessem amenizar esses problemas os quais inicialmente resultaram em fracassos, mas que finalmente levaram-me a uma invenção que recompensou todo o meu trabalho e satisfez minhas expectativas em relação ao instrumento. Agora minha trompa pode tocar todas as notas da mais grave à mais aguda com a mesma pureza e força sem que eu tenha que introduzir minha mão na campana. Minha invenção também pode ser aplicada ao trompete, que antes era capaz de trocar 13 notas e agora pode tocar mais 24 que soam tão belas e puras como aquelas 13, e para as quais os compositores podem escrever sem limites ”.
Essa invenção pioneira de Stoetzel funcionava da seguinte maneira: ao grande tubo original da trompa ou do trompete eram acrescentados pequenos tubos como alças. Esses pequenos tubos em princípio não ficavam ligados ao tubo maior. Havia entre eles uma válvula, e ao acionar essa válvula, uma ligação era feita. Na prática esse pequeno tubo era acrescentado ao tubo 2
principal que assim ficava ligeiramente maior e produzia uma nota diferente. Fechada a válvula, o tubo ficava mais uma vez isolado. Dois tubos com suas respectivas válvulas combinados, já eram suficientes para se conseguir um número grande de novas notas. Uma das primeiras peças escritas para essa nova trompa que explorou brilhantemente seus recursos foi “Auf dem strom”
de Franz Schubert. Foi em 1835 que as trompas de válvulas fizeram sua estreia em uma orquestra sinfônica. A obra foi a ópera La Juive do compositor Fromental Halévy. Ainda assim Halévy escreveu para quatro trompas misturando duas lisas e duas com válvulas. Muitos outros compositores fizeram o mesmo hesitando em romper definitivamente com a longa tradição das trompas lisas. O primeiro a fazer isso foi Robert Schumann com uma obra fenomenal que mostra toda a pujança do novo instrumento: a peça de concerto para quatro trompas e orquestra op. 86. Esta obra foi um marco que rompeu definitivamente com a tradição das trompas lisas. Com essa obra Schumann mostrou a grande possibilidade de naipe de trompas totalmente formado pelo novo instrumento retirando-o do fundo da orquestra e colocando-o na frente dela. Ele fez isso em 1849. Era exatamente metade do século XIX e passaram-se 35 anos da invenção pioneira de Stoetzel. Essa invenção foi estudada, modificada e melhorada por muita gente durante todo o século XIX e também o século XX, e todos os resultados dessas experiências foram aplicados não só à trompa, mas também ao trompete. A propósito, Hector Berlioz foi um dos primeiros a usar trompetes com pistões em suas obras. Berlioz foi, sem dúvida, o grande orquestrador e estudioso do som orquestral na primeira metade do século XIX, logo após Beethoven. As válvulas e pistões foram igualmente aplicados ao trombone também no comecinho do século XIX e durante todo esse século até meados do século XX, o trombone com válvulas e pistões foi largamente usado em orquestras. Só que nas últimas décadas houve uma clara preferência pelo trombone deslizante ou trombone de vara, como é costumeiramente chamado. Na opinião de muitos músicos, o trombone deslizante produz um legato mais bonito e não exige tantas correções de afinação feitas pelos lábios, o que compensa um pouco menos de agilidade e, aliás, para muitos músicos, essa falta de agilidade que resulta num efeito deslizante que nós chamamos de portamento, é a marca registrada, um charme a mais do instrumento. Com a invenção das chaves e pistões que possibilitavam a mudança do tamanho do tubo, estes instrumentos puderam tocar todas as notas, e tornaram-se porta-vozes de novas combinações melódicas. Beethoven já havia incluído o trombone, mas a tuba, antes destinada às bandas militares, passou também a ser incluída na orquestra. Esse instrumento que confere um enorme poder ao som de uma orquestra quase que fazendo o chão tremer, começou a surgir por volta de 1820 com as primeiras experiências de instrumentos graves com válvulas. Em A Sinfonia Fantástica, de Berlioz, são usadas duas tubas. Mas essas não eram ainda a nossa tuba baixo moderna, que só veio surgir mais tarde a partir de 1840. Muito importante na evolução da tuba nesse período foi o belga Adolf Sax, o inventor do saxofone. Ele, junto com outros fabricantes, desenvolveu a família dos saxhorns, primos muito próximos das tubas. A tuba foi sendo aceita bem aos poucos e só em 1874 passou a ser usada na ópera de Paris, um marco em sua
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existência. Ela é, portanto, um instrumento típico do som sinfônico, não da primeira, mas da segunda metade do século XIX. E, assim, muitos instrumentos foram adentrando o mundo orquestral, reforçando a sonoridade do Romantismo. As madeiras ganham os instrumentos auxiliares alternando ou dobrando suas notas: aos oboés juntou-se o corne inglês, aos fagotes juntou-se o contrafagote, às clarinetas juntaram-se a clarineta baixo ou clarone (criado por Adolph Sax) e a clarineta em mib ou ré (também conhecida como requinta), às flautas juntaram-se o flautim ou Piccolo e a flauta em sol (ou flauta contralto). Daí a imensa importância dos instrumentos de sopro na orquestra do século XIX. Richard Wagner (1813-1883)
precisou esperar a música se desvincular da ópera para poder uni-las novamente no ideal estético grego, a obra de arte total. Para isso, desenvolveu o drama musical, espécie de ópera cuja narrativa é sinfônica, e a orquestra um personagem, tanto quanto os cantores. Valendo-se das experiências de Berlioz, quem muito admirava, imaginou novas possibilidades de timbres baseado no ideal dramático que precisava representar. Para tanto, precisou ele mesmo projetar e mandar construir instrumentos específicos, variações de trompas e tubas, para poder representar suas ideias - extravagantes e geniais. Sua obra mais conhecida, o Anel dos Nibelungos, utiliza-se de um grande número de trompas (8), além de tubas tenor, 3 a 4 trompetes, 4 trombones, tubas contra-baixo, e 6 harpas. A partir de Wagner a orquestra nunca mais será a mesma. O romantismo a esta altura, por volta de 1840, já possui muitas facções. A música antes restrita ao eixo Alemanha - França - Itália é descoberta por compositores de diversos países, que unem sua tradição folclórica à escrita erudita, iniciando a escola Nacionalista. O primeiro representante foi Fréderic Chopin na Polônia, e seguiu-se Franz Liszt na Hungria (inventor do poema sinfônico), e em vários outros países do norte e leste europeu: na Tchecoslováquia, Smetana e Dvórak , na Rússia, Tchaikovsky, e o 'grupo dos cinco', formado por Rimsky-Korsakov, Mussorgsky, Borodin, Balakirev e Cui. Na Noruega, Edvard Grieg, na Finlândia, Jean Sibelius. A Alemanha reagiu com um compositor neoclássico, cujas ideias musicais eram materializadas por orquestras muito menores que as wagnerianas e suas variantes: Johannes Brahms (18331897) foi um caso à parte, pois conseguiu ser extremamente romântico sem nenhum exagero na potência sonora. Apesar de usar orquestras maiores que as de Beethoven, em comparação com Wagner a orquestra de Brahms é clássica, reagindo a excessos que considerava musicalmente inócuos. A morte de Wagner representou também, principalmente na Alemanha e Áustria, o fim do romantismo. Wagner levou a narrativa sinfônica a graus nunca antes imaginados de intensidade e duração, assim como de potência sonora. Os compositores que o seguiram diretamente foram Anton Bruckner (1824-1896) Gustav Mahler (1860-1911), e Richard Strauss (1864-1949). Eles representam o pós-romantismo, fase a que coube a responsabilidade de trazer toda a bagagem de uma imensa tradição musical para o século XX, e dar condições para o desenvolvimento da música moderna. Tais compositores exploraram todas as possibilidades 4
combinatórias instrumentais possíveis neste universo, desde o domínio das formas acadêmicas à ruptura e combinações inéditas de timbres. A título de comparação, vamos analisar a orquestração de 4 obras, duas clássicas, uma romântica, e uma representante do período pós-romântico:
Beethoven: Beethoven: 5a. Sinfonia 9a. Sinfonia 1 piccolo 1 piccolo 2 flautas 2 flautas 2 oboés 2 oboés 2 clarinetes 2 clarinetes 2 fagotes 2 fagotes 1 contrafagote 1 contrafagote 2 trompas 4 trompas 2 trompetes 2 trompetes 3 trombones 3 trombones 2 tímpanos 2 tímpanos Cordas (Violinos I, triângulo II, violas, cellos e pratos baixos) bombo Cordas (Violinos I, II, violas, cellos e baixos)
Berlioz: Sinfonia Fantástica 1 piccolo 2 flautas 2 oboés 1 corne inglês 2 clarinetes 1 requinta 4 fagotes 2 cornetas 2 trompetes 3 trombones 2 tubas 4 tímpanos Pratos Bombo Sinos 4 harpas Cordas (violinos I e II, violas, cellos e baixos)
Soprano solo Contralto solo Tenor solo Baixo solo Coro Misto (SCTB)
Mahler: Sinfonia nº 3 1 ou 2 piccolos 4 flautas 4 oboés 1 corne inglês 3 clarinetes em Sib 1 clarinete baixo 2 clarinetes em Mib 4 fagotes 1 contrafagote 8 trompas 4 trompetes 4 trombones 1 tuba contrabaixo 6 tímpanos pratos triângulo caixa clara (se possível mais de uma) 2 glockenspiels tamborim sinos tam-tam bombo caixa (tarol) 2 harpas fliscorne (à distância) Cordas (Violinos I, II, violas, cello, baixos com dó grave, todos em maior número possível) Contralto solo Coro feminino coro de meninos
Basta ver a tabela de orquestração para ver em que pé de excentricidade o pós-romantismo alcançou. É importante salientar que o padrão romântico normalmente descrito como sendo o número correto de instrumentos a ser utilizados é raramente satisfeito. Isso se dá porque, principalmente 5
no romantismo e nos períodos posteriores, as obras eram orquestradas em função das necessidades "pessoais" de cada obra. O compositor deveria ter apenas o bom senso de, após o estudo dos fundamentos acústicos e da formação clássica da orquestra, equilibrar corretamente as potências e os timbres para obter o melhor resultado previsto possível. A orquestra romântica tem, portanto, uma grande diversidade de formações, pois não há um número padronizado de instrumentos, variando segundo o gosto e a necessidade do compositor. Alguns exemplos de formações orquestrações: - Orquestras remanescentes da formação clássica padronizada, incorporando recursos extras mais próximos do modelo de Beethoven. Possuem de 60 a 80 músicos. Ex: Sinfonias de Mendelssohn (3ª 'Escocesa' e 4ª 'Italiana'), últimas sinfonias de Schubert e concertos de Brahms, Schumann, Mendelssohn. - Orquestras visando aos ideais românticos de diversidade timbrística, principalmente no acréscimo de instrumentos de percussão e metais. São orquestras que variam de 80 a 90 músicos. Ex: as 4 Sinfonias de Brahms, as 6 Sinfonias de Tchaikovsky, as primeiras 4 sinfonias de Bruckner, Sinfonias de Dvórak, aberturas e Sinfonia Fantástica de Berlioz, poemas sinfônicos de Liszt. - Grandes orquestrações que costumam se valer de propriedades acústicas específicas destas formações, obtendo, assim, efeitos sonoros extraordinários. É composta de 100 a 120 elementos. Ex: Wagner: 'O Anel dos Nibelungos', 'Tristão e Isolda'; as sinfonias de Mahler (1ª „Titan‟, 2ª „ Ressurreição‟, 3ª, 5ª, 7ª, 9ª ). - Imensas orquestrações que produzem efeitos sonoros monstruosos em salas de concerto. São raras e muito caras. Em geral utilizam-se de mais de 150 músicos (podendo chegar até 200). Possuem a mesma formação das grandes orquestrações, mas com número de executantes aumentado (ao invés de 6 trompas, 12; ao invés de 4 flautas, 6). Ex: „Réquiem‟ de Berlioz
(exige, por exemplo, 16 tímpanos), sinfonia nº 8 de Mahler (Sinfonia dos Mil). http://www.oliver.psc.br/musica/orquestra.htm
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