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NOTAS DE CONFERÊNCIA •
O que torna algo, mágico?
É muito importante que façamos o seguinte questionamento: O que, de fato, torna algo, mágico? Infelizmente, a maioria de nós não é estimulada a estudar filosofia, incorrendo na falta de hábito de refletir sobre diversos aspectos que compõe nossa arte. Seja na n a música, artes cênicas, plásticas ou o próprio ilusionismo. Mas nós temos que aprender a fazer esse tipo de pergunta o tempo todo. Somente desta forma podemos melhorar como artistas. O que torna algo mágico, independentemente do conceito mais óbvio, que é a concretização de um evento aparentemente impossível, é a percepção do sujeito que presencia tal evento. A mágica é uma via de duas mãos. O ilusionista, que produz o evento impossível, e o espectador, que presencia e processa mentalmente o que os seus sentidos estão lhe dizendo. Independentemente de termos um, cinco ou dez mil espectadores. Cada um deles é um sujeito. Você tem que compreender quem é seu público e tentar entender como eles vão compreender o que você tem pra mostrar .
No entanto, devemos fazer uma observação acerca de duas definições, Efeito vs. Mágica.
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Efeito é o que você, como mágico, enxerga. Efeito é o resultado de uma série de processos técnicos cada qual com um motivo específico. específico . Mágica, por outro lado, é O evento que seu espectador presencia.
Quem cria o efeito é justamente esse processo técnico. Quem cria a mágica é a sua comunicação com seu espectador. Suas palavras. Sua história. É o mundo que você cria e arrasta, impiedosamente, seu espectador para dentro dele. Compreenderam a diferença? O que é que vocês estão fazendo para os seus espectadores? Efeitos ou mágicas? A definição mais completa que encontrei para a arte mágica é de Charles Reynolds : “Mágica é a arte teatral de criar a ilusão da impossibilidade com o intuito de entreter”.
De maneira mais direta e simplificada , “Mágica é a arte de criar a ilusão da impossibilidade” O papel do ilusionista é justamente ser capaz de envolver seus espectadores em uma atmosfera mágica. Mas como criar essa atmosfera mágica? Bom, eu dividi em duas elementos básicos para se elaborar uma atmosfera mágica. 1. Elemento Subjetivo; 2. Elemento Objetivo;
O Elemento Subjetivo, diz respeito a como seu espectador compreende o que você faz. Segundo Simon Aronson, você pode conseguir dois resultados básicos depois de apresentar um número mágico. 1. Seu espectador pode não saber como você fez; 2. Seu espectador saber que não é possível fazer aquilo;
Já o elemento Objetivo, diz respeito ao objeto da apresentação, ou seja, o número mágico em si. Como ele é apresentado. Se há uma comunicação coerente da sua parte, bem como bons efeitos mágicos e estética adequada, você conseguiria, do ponto de vista técnico/objetivo, criar tal atmosfera. Bernard Beckerman, em seu livro Theatrical Presentations coloca shows de ilusionismo junto ao drama, na
mesma categoria de definição. Penso que é bastante coerente essa classificação. Quando você assiste a uma apresentação dramática, você está vendo alguém transmitir emoções como raiva, medo, dor, quando na verdade ela não está necessariamente sentindo aquilo, ou seja, uma ilusão. E essa relação se apresenta a nós como algo inerente à nossa arte. Ora, se você está contando uma história, e você não a viveu, você é alguém interpretando o papel daquela pessoa que viveu a história. Você, enquanto ilusionista, deve atuar. Você deve acreditar, antes da sua plateia, que você é capaz de fazer aquilo. Isso é criar um universo tangível para o seu espectador . De forma que ele consiga se ver vivendo ali dentro, nem que seja por poucos minutos.
Se você visse algo realmente estranho, qual seria sua reação? Fisicamente, como isso se refletiria nas suas expressões, faciais e corporais? Nossas expressões faciais respondem por um altíssimo percentual no que diz respeito à comunicação. Portanto, se você diz uma coisa, mas não convence que aquilo é “real”, você falhou em se comunicar com sua plateia. Portanto, não somente sua história é importante, mas sim como você a conta. O Script tem uma função técnica muito importante também. Se você não sabe o que falar, você corre o risco de fazer como fazem alguns mágicos em programas de TV aqui no nosso país. Mesmo mágicos profissionais, com anos de experiência, até tentam passar algum conteúdo mas não têm, de fato, um texto bem elaborado, e então, no meio da apresentação, o sujeito que está pondo fogo no papel, fica narrando o fogo queimando o papel. Qual é o sentido disso? Supõe-se que o sujeito assistindo um número mágico, não seja deficiente visual. Desta forma para que eu vou querer dizer ao espectador, o que seus olhos já estão lhe dizendo? “Então olha aqui, eu vou colocar sua carta no meio do baralho, agora, eu vou embaralhar deste jeito, todas as cartas, e agora eu faço este corte no baralho, corto uma, duas, três vezes, e a qui está sua carta”
E por este motivo, você deve ter uma história formada na cabeça. É claro que eu não estou dizendo para decorarem um texto e vomitarem o texto pra sua plateia. Você deve conversar com ela. Se você só for capaz de reproduzir um texto decorado, no momento em que alguém lhe desviar a atenção fazendo uma pergunta ou reagindo de forma inesperada, você está perdido. Por este motivo, é que você não deveria, jamais, falar pro seu espectador que seu baralho é normal! Pra todos os efeitos, não existe baralho “anormal”. É o mesmo que você dizer algo, no início do número de desaparecimento do lenço algo como “Vocês estão vendo este dedão? Ele é normal tá gente!” Imagina o número da mesa flutuante se eu começasse dizendo “Essa é uma mesa normal tá pessoal” . É claro que é normal! Por que não seria. Dizer que ela é “normal” vai estragar exatamente o que esse efeito mais precisa. Um dos elementos mais poderosos pra nossa arte e que poucos mágicos tem consciência e realmente o utilizam. A característica humana de presumir as coisas. É claro que na maior parte do tempo, a gente precisa mostrar que nosso baralho, nossa mesa e nossos dedos são reais, mas nós fazemos isso discretamente. Mostrando algo em cima da mesa. Dizendo que o baralho está misturado.
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Mágica para mágicos ou para leigos?
Outra coisa importante a se observar é a simplicidade ou complexidade do método. É óbvio que você deve respeitar a inteligência do seu espectador. Mas isso nã o tem necessariamente a ver com a complexidade do método. Ligando isso ao aspecto do espectador saber que o que você demonstrou não é possível, a gente pode fazer algumas considerações. Simon Aronson diz que se seu espectador sentir que ele perdeu algo, e que suas mãos são mais rápidas que os olhos dele, ou que algo ficou confuso então ele não atingirá a certeza, a convicção de que ele entendeu aquilo.
Por outro lado, se ele observou cautelosamente, mas ainda acha que existe uma forma de teorizar aquilo ele não atingirá a conclusão da impossibilidade. Você enquanto mágico deve destruir toda e qualquer possibilidade de solução que o espectador possa considerar. Ele deve estar com a mente e os sentidos engajados para eliminar qualquer tipo de solução. E isso trás uma ideia que eu busco todos os dias em que estudo ou crio algo. Quanto mais simples parece para o espectador, mais impossível parecerá. A simplicidade na apresentação é, a meu ver, a principal ferramenta para impedir seu espectador de elaborar uma solução. Não importa se ele descobriu a solução correta. Se ele acha que dá pra fazer, acabou a mágica. O método não precisa ser simples. Aliás ele pode ser ultra complexo. Mas sua apresentação DEVE ser clara e o mais simples possível para sua plateia. Pensando nisso, existe aquela polêmica de fazer mágica para mágicos. Já ouvi muitos mágicos dizendo que você não deve pensar em mágica para mágicos. E sim para leigos. Bom, isso é meio óbvio. Mas o erro está na construção desse raciocínio. Eu, por exemplo, sempre que vou criar um método, penso exclusivamente em um público composto por mágicos. Mas minha para apresentação e a estrutura do efeito, sempre penso no público leigo. Por que? Primeiro, porque somente assim eu posso contribuir para a nossa arte de verdade. Segundo, porque um mágico é alguém com a mente e os sentidos engajados em tentar descobrir meu método, e a gente sabe que, por mais que nós sejamos divertidos e simpáticos, sempre tem um sujeito incomodado porque a namorada/namorado dele tá curtindo seu show! Tomemos como exemplo o Any Card at Any Number . É um número relativamente polêmico. Já vi mágicos excepcionais alegando que ACAAN é mágica para mágicos. Eu penso que se você não tem a reação ideal do seu público leigo o problema é com você amigo, não é com o número! Pra mim, o número mágico com cartas que mais exemplifica a capacidade sintética de um número mágico é sem dúvida o ACAAN. Justamente por este motivo é que ele é tão amado e odiado. Quem sabe fazer, ama. Quem não sabe, diz que não presta! Vamos tomar como exemplo o efeito que mais atinge tais condições de apresentação, o ACAAN conhecido como Berglas Effect.
Condições para um ACAAN Perfeito – (Simplificação da descrição feita por John Born em seu livro Meant To Be)
a. b. c. d. e. f. g. h.
Só um baralho é usado; O Baralho é apresentado antes da seleção ser feita; O Baralho se mantém dentro da caixa para evitar suspeitas de manipulação; Uma carta é selecionada mentalmente e de forma livre, sem forces; Um número é selecionado de forma livre, sem forces; Ela pega a caixa da mesa e retira o baralho da caixa; As cartas são dadas com o baralho virado com as faces para baixo; As cartas são dadas virando-as com a face para cima;
i. j.
Não há pré-show; Não há stooges;
ACAAN é perfeito, do ponto de vista da apresentação por um motivo muito simples, a apresentação não pode ser mais clara que isso! Diga o nome de uma carta, diga um numero e boom, a carta está onde você disse. Mas as implicações que sua impossibilidade causam na mente de quem presencia são brutais! Não há manipulação aparente. O espectador pode trocar de carta e número. Ele conta as cartas. Eu publiquei um ACAAN no Youtube há uns três anos, e por um tempo eu recebia quinzenalmente, mensagens do mundo inteiro, França, Australia, Inglaterra, me perguntando se eu vendia o método. Mágicos são obcecados pelo ACAAN porque é realmente a síntese dos elementos que tornam um número mágico realmente bom. É simples e impossível. Juan Tamariz em seu livro Mnemonica (Versão em Inglês), demonstra um método extremamente eficiente para o ACAAN e hoje, é possível compreender o método usado por David Berglas em duas publicações, The Mind and Magic of David Berglas, publicado por David Britland e Berglas Effects, publicado por Richard Kaufman. Se você deseja aprender muito sobre diversos conceitos de teoria mágica, eu recomendo fortemente que estude o ACAAN pelos olhos do Berlgas Effect e todo mito gerado em torno desta belíssima peça da história da mágica. •
Por que Criar?
Os motivos para você criar um número mágico podem variar. Desde necessidade técnica até adaptação ao seu estilo. Para que a nossa arte continue a evoluir, é indispensável que nós criemos. Desde patters até técnicas. Se não pensarmos assim, teremos que nos contentar em ver mágicos em programas de TV apresentando o dado dinamite, a garrafa que some e bolinhas de espuma! Não há uma valorização de criação pelos mágicos daqui. Enquanto você entra em um site internacional de mágica e vê uma série de novidades, as coisas daqui parecem estáticas. Ainda que não criemos o número em si, é possível adaptar já que existe na literatura, números mágicos espetaculares, muitas vezes esquecidos. Se você adapta o texto, troca uma ou outra técnica, você já criou algo. E muitas vezes, é daí que surge algo revolucionário. Não estou dizendo que é fácil criar, muito pelo contrário. É muito difícil. Na grande maioria das vezes a gente acaba “criando” algo que já existe. Mas qual o processo? Por onde eu começo? Bom, a primeira coisa, e do meu ponto de vista, a mais importante é o conhecimento. Quanto maior o seu conhecimento, maior será sua capacidade de criar. Você nunca será capaz de criar algo, de fato, se você não tiver um bom background. Afinal, a chance de você inventar algo que já foi inventado é potencialmente maior na medida em que seu conhecimento é limitado, portanto, leia, assista, ouça tudo o que puder relacionado com a sua arte. Nós somos seres que copiam. Nós observamos e reproduzimos. Neste momento, pode haver algo que não se encaixa no nosso personagem ou personalidade e então adaptamos. É aí que surge a possibilidade de criar.
A partir daí, é uma questão de verificar a estrutura do efeito, se ele tem alguma relevância, se as técnicas usadas são as melhores para aquilo. No caso de um aprimoramento vale a mesma coisa. O número ficou melhor em que aspecto? Ficou mais fácil, tem um impacto maior, se encaixa melhor em um determinado contexto? O espectador usar as cartas o tempo todo é mais poderoso, a meu ver, porque sem a presença do ilusionista, aquilo não seria possível. É muito mais intrigante que você seja capaz de controlar as leis do universo do que um simples baralho. É claro que a criação também pode vir de uma adaptação técnica. Quando eu comecei a me enveredar mais para a cartomagia de mesa, eu notei que era muito ruim executar um passe. Pra mim, sem dúvida uma das melhores formas de se controlar uma carta. Eu pesquisei para ver se encontrava algo e não encontrei nada satisfatório. Foi quando eu criei o Peregrine Pass. O Peregrine Pass é uma técnica onde o passe é executado no movimento de pegar as cartas em um Ribbon Spread (Abrir o baralho em faixa) e você pode vê-lo em execução aqui. O objetivo principal do PP é de justamente ser algo natural. Primeiro, para não despertar suspeitas. Segundo, para que ele se combine com outros movimentos que você faz durante sua apresentação. Para encerrar, gostaria que compreendessem que sem uma prática extensiva nada será bom o suficiente. Mais importante que o objetivo, é a jornada. Se você tiver em mente que o que lhe dá prazer é estar envolvido com sua prática, sua viagem até o destino será muito mais prazerosa. Deixo-os então, com uma frase de Sun Tzu que carrego tatuado em meu braço como lembrete: “ Um bom viajante não tem planos fixos e tampouco está preocupado em chegar .” Obrigado.
Daniel Prado.