UNIVERSIDADE DE SOROCABA PRÓ-REITORIA ACADÊMICA CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E INGLÊS
Hellen Fernandes
A IDEOLOGIA DO GRAFITE URBANO
SOROCABA/SP 2012
Hellen Fernandes
A IDEOLOGIA DO GRAFITE URBANO
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para a obtenção do Diploma de Graduação em Letras Português e Inglês, da Universidade de Sorocaba.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes
SOROCABA/SP 2012
Hellen Fernandes
A IDEOLOGIA DO GRAFITE URBANO
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para a obtenção do Diploma de Graduação em Letras Português e Inglês, da Universidade de Sorocaba.
Aprovado em: BANCA EXAMINADORA:
Ass. ______________________________ 1º examinador ______________________
Ass. ______________________________ 2º.examinador ______________________
Ass. ______________________________ 3º.examinador ______________________
Dedico este trabalho à minha família
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me sustentado em todos os momentos de minha vida.
À minha família que me apoiou e cooperou durante todo o curso. Aos amigos que influenciaram de maneira direta e indireta para a conclusão deste trabalho.
A todos os meus professores da UNISO que marcaram minha vida e contribuíram para minha formação.
Ao querido Prof. Luiz Fernando, que me orientou tão sabiamente.
Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância (Sócrates)
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a abordagem ideológica do grafite urbano. Inicia-se com a pesquisa de sua origem desde os tempos remotos até o período contemporâneo, na revolução estudantil de Paris, na década de sessenta. Sua chegada aos Estados Unidos acompanhado do movimento hip-hop e surte grande repercussão nos bairros periféricos de Nova Iorque. Na década de setenta surge no Brasil durante a ditadura e age como forma de protesto. Examina-se como ele pode refletir a realidade do meio no qual ele é gerado e sua evolução, até os dias de hoje, considerado uma forma de arte democrática. Como se deu esse desenvolvimento e qual a ideologia abordada por alguns grafiteiros da cidade de Sorocaba-SP, em especial, analisei algumas imagens do grafiteiro Will, que aborda comportamentos e atitudes do ser humano - para ele, essas atitudes são resultantes de regras impostas pela sociedade na qual se está inserido. A ideologia representada por cada grafiteiro será definida por sua forma de enxergar a sociedade à sua volta, a consolidação de suas posições e opiniões irá definir a ideologia defendida por esses artistas.
Palavras-Chaves: Grafite, Ideologia, Arte, Cultura.
ABSTRACT
This study aims to analyze the ideological approach of urban graffiti. It begins with the search for its origin from ancient times to the contemporary period, the student revolution in Paris in the sixties. Reaches the United States accompanied by hip-hop freak and great repercussion in the suburbs of New York. In the seventies arrives in Brazil during the dictatorship and acts as a form of protest. It examines how it can reflect the reality of the environment in which it is generated and its evolution to the present day, considered a democratic art form. How did this development and which ideology approached by some graffiti in the city of Sorocaba-SP.
Key Words: Graffiti, Ideology, Arts Culture.
LISTA DE FIGURAS Figura 1
Grafite da série "esgotos" – São Paulo ......................................
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Figura 2
Grafite em São Paulo, Marcela Besson .........................................
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Figura 3
Grafite feito pelos irmãos "Os Gêmeos"......................................
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Figura 4
Bask, 323, East, Detroit “Nos crimes de seus pensamentos” ...
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Figura 5
Máscaras – Will ..............................................................................
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Figura 6
Imagem no estilo Bomb ................................................................
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Figura 7
Muro de Berlim ................................................................................
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Figura 8
Grafite "Os gêmeos" ......................................................................
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Figura 9
Grafite Will - Muro de uma escola ................................................
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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 9 1.2 Justificativa ................................................................................................................................ 9 1.3 Objetivo .....................................................................................................................................10 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................................11 2.1 Grafite .......................................................................................................................................11 2.2 Estilos de Grafite ......................................................................................................................16 2.2.1 Grafite e hip-hop ...................................................................................................................18 2.2.2 Grafite no Brasil ....................................................................................................................21 2.3 Grafite x pichação ..................................................................................................................22 2.4 Ideologia ..................................................................................................................................23 2.4.1 Luta de classes .....................................................................................................................26 3 METODOLOGIA ........................................................................................................................28 4 ANÁLISE DE DADOS ................................................................................................................29 4.1 Grafite na escola ......................................................................................................................30 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................31 REFERÊNCIAS ..............................................................................................................................33
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1 INTRODUÇÃO
O grafite urbano tem tomado grandes proporções em todo o mundo. Pesquisar sua origem é de fato indispensável para entender essa arte que vêm assumindo papel de grande importância na sociedade. Entender o panorama ideológico que o permeia e seu processo cultural desde sua origem contemporânea, por meados dos anos 60 faz com que entendamos um pouco mais sobre sua intencionalidade por meio de seu discurso. Quais são as abordagens usadas por grafiteiros, em especial, da cidade de Sorocaba e qual a ideologia que eles pregam por meio de seus desenhos. Como isso afeta a sociedade e como a sociedade influencia o meio de produção. De que maneira é consolidada a ideologia que os artistas tomam por base para exprimir seus ideais. A análise de algumas imagens de grafites espalhados por ruas da cidade de Sorocaba será uma forma de me aprofundar melhor no tema escolhido, e entender as diferentes formas de expressão através do grafite.
1.2
Justificativa
A escolha do tema deu-se pelo interesse em entender e decifrar as imagens impressas nos muros de cidades urbanas, em especial, da cidade de Sorocaba. O número de grafites espalhados em vários pontos da cidade vem crescido, e por esse motivo, o efeito dessa arte expressa torna-se maior. Ao observar alguns grafites e não entender ao certo o que aquela imagem expressava, um grande questionamento em relação à sua produção foi gerado, a curiosidade em entender o que os autores querem expressar, e qual a ideologia que eles defendem. Para essa pesquisa, observei imagens e fotos de vários grafites, de diferentes autores ao redor do mundo, analisando como o meio pode influenciar o processo de
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produção - e em especial, do grafiteiro sorocabano Will, conhecido por seus desenhos que mostram o homem como uma máquina. Suas obras estão localizadas em diferentes pontos da cidade, a grande maioria na Zona Norte da cidade. Procurei analisar como a ideologia do autor pode interferir em suas produções.
1.3
Objetivo
A Ideologia do Grafite têm como objetivo abordar o Grafite Urbano contemporâneo como meio de manifestação ideológica, os aspectos históricos que influenciaram sua consolidação, explorar seu processo cultural e discurso através do desenho e texto, sua intencionalidade e os efeitos causados na sociedade por meio do grafite urbano.
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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este capítulo tem por finalidade abordar o início do grafite, desde suas criações mais remotas (pinturas rupestres) até o período atual; como essa atividade consolidou-se com o tempo e quais as mudanças e/ou alterações sofridas em sua prática. Em sua fase atual (contemporânea) quais são as ideologias tomadas por artistas, em especial, da cidade de Sorocaba – qual é o impacto desses desenhos e frases espalhados em diversos pontos da cidade na sociedade.
2.1
Grafite
O termo grafite veio do Grego graphien que inicialmente significava sulcar, arranhar. Como era desta maneira que se escrevia em tabletes de argila, o sentido da palavra passou a escrever e hoje compõe outras como caligrafia, datilografia e estenografia. Em 1904, foi lançada a primeira revista a abordar o grafite de banheiro: Antropophytea. Esteve presente durante a segunda guerra mundial, com os nazistas que utilizavam de inscrições em muros como meio de propaganda para provocar o ódio contra os judeus e demais divergentes (GANZ, 2010, p.9). Na década de setenta, o grafite esteve presente em manifestações estudantis, distribuído em muros e cartazes, carregado de ideias ideológicas. Em seu processo de maturação e a chegada aos Estados Unidos, o grafite ganhou forças e associou-se ao movimento Hip-Hop nos bairros da periferia de Nova Iorque. Com a disputa de gangues por territórios, a imagem do grafite logo esteve vinculada a marginalização e assim se manteve por muito tempo. Chega ao Brasil com a mesma contestação durante a ditadura militar. O Grafite é uma arte gráfica de comunicação visual, capaz de transmitir mensagens através de símbolos, letras e desenhos elaborados, a partir de um repertório simbólico, que pode ser comum à sociedade geral ou de conhecimento restrito a grupos específicos. Sua compreensão depende também de sua elaboração. A leitura pode ser clara e entendida, quando sua finalidade é transmitir
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ideias especificas, em alguns casos sua leitura procede apenas do imaginário de cada sujeito, quando não se é possível decifrar códigos e letras contidos no grafite. O impacto visual causado por essa miscelânea de cores altera a estética da cidade e gera diferentes posições acerca dessa modalidade artística. Geralmente a criação tem como suporte muros, metrôs ou em estabelecimentos onde é permitida sua elaboração. Na imagem abaixo, a rua serviu como suporte para o grafite. A tampa de bueiro torna-se então uma imagem colorida e criativa. Figura 2- Grafite da série "esgotos" – São Paulo
Fonte: http://mesquita.blog.br/arte-pintura-grafite-4.
Obs.: Nota-se a alteração do cenário original
Nessa outra imagem, a estação de metrô foi a base utilizada para o grafiteiro Rui Amaral compor seu trabalho. As cores misturam-se ao cinza da rua e consecutivamente o cenário original é alterado.
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Figura 3 - Grafite em São Paulo, Marcela Besson
Fonte: http://vejasp.abril.com.br/materia/grafites-em-sao-paulo Obs.: O Metrô recebe novos desenhos e formas, sendo assim, alterado o cenário original por meio do grafite.
O grafite urbano, geralmente é uma atividade exercida principalmente por uma minoria social composta por jovens menos favorecidos financeiramente. Embora autoral, o grafite é arte democrática, uma vez que exposto a toda população sem distinção ou restrição. A noção de posse da obra é eliminada, e também levanta questões sobre de quem é a cidade. Por muito tempo o grafite esteve ligado aos bairros e sujeitos periféricos, entretanto, nos últimos anos essa característica tem tomado novas dimensões com a difusão dessa arte. Muitos jovens de classe média alta tem se interessado por essa atividade por ser esse um meio de comunicação, expressão e arte, deixando essa de ser somente um ato considerado então de vandalismo para se tornar arte democrática. Um exemplo dessa redefinição pode ser visto por meio das obras dos irmãos “Os Gêmeos”. Nascidos em São Paulo, Otávio e Gustavo Pandolfo são formados em desenho de comunicação, começaram a pintar grafites em 1987, no bairro do Cambuci. O trabalho da dupla pode ser encontrado por diversas cidades ao redor do mundo.
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Figura 4 - Grafite feito pelos irmãos "Os Gêmeos"
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Gêmeos Obs.: Em um prédio da cidade de São Paulo. A imagem chama a atenção por suas Proporções e cores. Funde-se ao cinza da cidade, o que altera a estética original do lugar.
“A pintura feita nas ruas e as criações feitas para obras e instalações em galerias partem do mesmo mundo onírico que existe dentro da mente da dupla, mas tomam rumos distintos. A primeira é o próprio dialogo dos artistas com as ruas, com cada pessoa que passa e de forma direta ou indireta interage com a pintura, isso é o grafite. A segunda é a materialização de sonhos, ideais, críticas sociais e políticas que retratam o universo vivido dentro em contraste com que se apresenta fora no dia-a-dia dos próprios irmãos. No momento em que todas estas ideias entram em uma galeria, elas deixam de pertencer ao grafite e passam a fazer parte do mundo que envolve a arte contemporânea”. (RALSTON, 2011)
Um olhar mais atento permite concluir que o grafite feito pelos irmãos mantém pouca semelhança com aquele feito no início da década de sessenta, no bairro do Bronx. Pode-se notar a identidade de cada grafiteiro por meio de seus traços. Em suas artes são embutidas características pessoais, o que permite que o grafite aja como meio identificação. No caso dos irmãos, o grafite pode ser identificado pelo uso do traço fino. "O jeito de a gente usar o spray, a linha, o contorno...", explica Gustavo. "A gente faz fininho -- isso também é estilo nosso".
Essa arte está sujeita a influências culturais que acabam moldando suas características. Outro exemplo dessa influência pode ser notada na obra do grafiteiro
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Bask. “Quando tinha oito anos, o tcheco Bask fugiu do regime comunista com sua família para os EUA, se inspirou em culturas e paisagens urbanas e adotou ideias de estilos convencionais para criar seu próprio estilo de pós-grafite”. Suas imagens geralmente têm um elemento político ou social. (GANZ, p.31). Figura 5 - Bask, 323, East, Detroit – “Nos crimes de seus pensamentos”.
Fonte: http://baskinyourthoughtcrimes.com Obs.: Essa é uma das expressões usadas por Bask para ilustrar sua ideologia
Pode-se notar a evidente influencia que o meio exerce sobre a arte construída. Diferentes culturas influenciam na produção do grafite, como é no caso do Grafiteiro Bask, que segue uma linha político-social nos discursos de seu trabalho. Com o tempo o grafite ampliou sua forma tipográfica, o que gerou espaço para diferentes estilos. Cada grafiteiro faz uso de determinadas técnicas, dando uma característica particular ao seu grafite. O grafiteiro sorocabano conhecido como Will emprega na maioria de seus trabalhos pessoas mascaradas. “Em meus trabalhos a máscara representa atitudes, comportamentos, e não a falsidade, mas a maneira das pessoas agirem em cada momento de suas vidas”. (Will, 2010)
Figura 6 – Máscaras – Will
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Fonte: willartes.blogspot.com Obs.: Nessa obra do Will fica evidente a ideologia por ele abordada – o Homem assume diferentes máscaras para diferentes momentos da vida.
Ao observarmos os trabalhos desses três grafiteiros aqui apresentados, vemos o contraste de suas obras. Cada um apresenta um estilo próprio; em seus traços, desenhos, letras e ideias. O discurso e a ideologia por eles abordada reflete a sociedade na qual isso se condiciona.
2.2
Estilos de Grafite
Abaixo, os diferentes estilos usados no Grafite e suas imagens que demonstram a variação de formas usadas na produção artística.
Tag (etiqueta) Assinatura do nome do grafiteiro pelas ruas. Toy (brinquedo) É aquele cara que não respeita os outros escritores. King/Queen (rei/rainha) Escritor respeitado na cidade.
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Writer (escritor, autor) Escritor de muros, grafiteiro na atividade que rabisca os muros da cidade. Bomb (bomba) Grafite 98% das vezes ilegal feito em portas, muros, geralmente feito na noite.
Bomber (bombardeiro) Aquele que faz Bombs pela cidade.
Throw-up (vomitar) Vomitar, estilo simples de letra. Sopa de letras Amontoado de letras, geralmente throw-ups. Cap (capa) Bico do spray, pode ser Fat (traço grosso para coberturas) ou Skinny (para contornos ou detalhes). Marker (fabricante, criador) Marcadores usados para fazer tags.
Piecebook (livro) Livro de sketches (rascunhos) do escritor. Insides (Interior) Bombardear, encher de tags os trens ou ônibus por dentro. Piece (partes) Grafite bem pintado e com um fundo.
Top-to-bottom (de cima para baixo) Trem que é pintado de cima até embaixo.
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End-to-end (de ponta a ponta) Trem que é pintado de um lado até o outro. Whole Car (carro completo) É a fusão do Top-to-bottom com o End-to-end, quando o trem é pintado por completo. Crew (equipe) Equipe/grupo de amigos que pintam juntos.
Wildstyle (estilo selvagem, agressivo) Estilo agressivo de letras entrelaçadas e complicado de ler.
Produção Pintar um muro por completo com alguma temática, letras e personagens.
Figura 7 - Imagem no estilo Bomb
Fonte: http://wap.uol.com.br/entretenimento/album/bancasdejornalgrafitadas
2.2.1 Grafite e hip-hop O grafite hoje é definido como arte de rua democrática, uma arte expressa nos muros na cidade, revela um pouco da cara da sociedade. O grafite, antes considerado arte marginal, hoje transpõe esses limites e descola-se para vários os
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pontos da cidade. Ele era utilizado como um meio para marcar um território, ou demonstrar domínio. Vê-se na sua chegada aos Estados Unidos e sua ligação ao movimento HipHop, uma espécie de cultura das ruas, um movimento de reivindicação de espaço e voz das periferias, traduzido nas letras questionadoras e agressivas, no ritmo forte e intenso e nas imagens grafitadas pelos muros das cidades. O hip-hop como movimento cultural é composto por quatro manifestações artísticas principais: MCing, que anima a festa com suas rimas improvisadas, a instrumentação dos DJs, a dança do breakdance e a pintura do grafite.Tendo começado no Bronx, a cultura hip hop emergiu rapidamente para o mundo todo. A música hip hop não deve ser confundida com o rap (rhythm and poetry), pois este tem estrutura divergente da música hip hop em vários pontos, apesar de terem pontos em comum. (HISTORIA... , 2011) O hip-hop emergiu em meados da década de 1970 nos subúrbios negros e latinos de nova Iorque. Estes subúrbios enfrentavam diversos problemas de ordem social como pobreza, violência, racismo, tráfico de drogas, carência de infraestrutura e de educação, entre outros. Os jovens encontravam na rua o único espaço de lazer, e geralmente entravam num sistema de gangues, as quais se confrontavam de maneira violenta na luta pelo domínio territorial. As gangues funcionavam como um sistema opressor dentro das próprias periferias - quem fazia parte de algumas das gangues, ou quem estava de fora, sempre conhecia os territórios e as regras impostas por elas, devendo segui-las rigidamente. (HISTÓRIA... , 2011) Durante a década de sessenta nos subúrbios do Bronx, Harlem e Brooklyn, gangues formadas principalmente por negros e latinos, vivenciavam o racismo, violência, tráfico de drogas e extrema pobreza. Essa exclusão da sociedade resultava em confrontos bélicos. Uma gangue (derivado
da
palavra
inglesa gang)
é
um
grupo
de indivíduos que compartilham de uma identidade comum e, na concepção atual, se envolvem em atividades ilegais. Historicamente o termo refere-se tanto à grupos criminosos como grupos de pessoas comuns. Alguns antropólogos acreditam que
esta
estrutura,
de organização humana.
a
gangue,
é
uma
das
formas
mais
antigas
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[...] Cada gangue tem o seu stacking o que ajuda a identificação de membros de cada gangue. Utilizam também cores, carros e até grafites para se identificarem. (GANGUE... ,2011).
[...] Movidos pela necessidade de consolidar no grupo a ideia de pertencimento, as turmas de jovens “organizaram-se” como o objetivo de deixar marcas territoriais. (DIÓGENES, p.105).
Como não pertencentes a nenhum grupo da sociedade, esses jovens achavam nas gangues um meio de autenticar-se. O grafite, por sua vez entra nesse cenário como um meio de identificação desses grupos, revelando sua ‘cara’, ocupando lugares de onde fora excluídos ou afastados; uma forma de chamar a atenção da sociedade para a realidade por eles vivida. [...] Para “ganhar destaque”, já não vale a pena deixar vestígios no lado de lá da cidade, é necessário sinalizar a coragem e ousadia, atingindo pontos, aparentemente intransponíveis de acesso. Os registros espalhados por todos os cantos da cidade tornaram-se, inicialmente, apenas um modo de enunciação dos esquecidos, até atingirem, com a estratégia de “pichar enrolado”, um modo, definitivamente, outsider de “inscrição social”. (DIÓGENES, p. 67).
O grafite começa a sair dos limites da periferia e alcançar centros urbanos, territórios residenciais e os ‘não-lugares’, assim definido por Marc Augé. Em oposição, os não-lugares não se definem como identitários, relacionais ou históricos. Através dos não-lugares se descortina um mundo provisório e efêmero, comprometido com o transitório e com a solidão. Os não-lugares são a medida de uma época que se caracteriza pelo excesso factual, superabundância espacial e individualização das referências, muito embora os lugares e não-lugares sejam polaridades fugidias. [...]O não-lugar é exatamente o contrário do lugar pois não é relacional, não é identitário e nem histórico.Para Marc Auge não-lugar é definido como: “O espetáculo dos outros sem a presença dos outros, o espaço constituído em espetáculo...” (NÃO-LUGAR... , 2011).
Os considerados não-lugares, espaços não habitados, apenas usados como local de passagem, passam a obter um aspecto particular e uma estética especifica por meio do grafite.
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Os desenhos e letras deixados nos muros da cidade constituem nova ideia para aquele lugar, até então, considerado de “ninguém” e sem identidade histórica, e passa a auferir de um novo contexto. O grafite produzido passou por um processo cultural, ideológico e autêntico, conferido por seu criador. A partir daí, aquele lugar ganha uma nova percepção no imaginário de cada pessoa que possa contempla-lo. Sendo assim, o grafite urbano entra nesse cenário como arte democrática, podendo encontra-lo em vários pontos da cidade. Sua chegada ao Brasil na década de setenta, durante a ditadura militar, logo cidades como São Paulo e Rio de Janeiro tem seus muros pintados com frases e desenhos que protestavam contra a ditadura predominante. A arte difunde-se até chegar a seu ápice na década de 90.
2.2.2 Grafite no Brasil
O fenômeno do grafite chegou ao Brasil em meados da década de setenta. As intervenções artísticas sofriam restrições devido à posição da política vigente na época. No período estava implantado o regime da ditadura militar e uma de suas ações repressivas era a coibição de toda ação artística individual ou coletiva que revelasse mínimas intenções contestatórias diante do sistema governamental. Por outro lado, essas inscrições também cumpriam outras intenções que condiziam com o perfil e o interesse de seus produtores, em sua maioria artistas ou estudantes de artes, caracterizando uma forma de divulgação de sua arte feita às escuras. [...] Os problemas econômicos e sociais, o abuso de drogas e os conflitos entre gangues que existem nessa parte do mundo exerceu grande impacto na cena sul-americana do grafite. E assim em seus primórdios em Nova York, o grafite sul-americano reflete uma forte oposição contra as classes sociais altas por parte daqueles que vivem nos guetos (GANZ, p. 19).
O cenário artístico, naquele momento, também favorecia a valorização dessa arte e suas produções acabam por ser identificadas por um mercado que buscava por novos acontecimentos para as publicações culturais vigentes, isto é, um período caracterizado pela ânsia por fatos que revelassem novas possibilidades para a arte e para que esta se abrisse em novas formas representativas da classe. Sobre esse acontecimento, Frederico Morais declarou: “O artista hoje é uma espécie de
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guerrilheiro. A arte é uma forma de emboscada. Atuando imprevisivelmente, onde e quando é menos esperado, o artista cria um estado permanente de tensão constante” (CULTURA..., 2011). Desde então, muitas vezes o grafite liga-se à política. Sobre esse assunto, Alexandre Pereira, antropólogo da USP afirma: “A pichação é um meio de participação política nova”, “Não acredito que só haja política na disputa partidária ou de governo – as pessoas criam e inventam diferentes formas de participação ou de manifestação política”. Pereira também diz que os grafiteiros criam uma rede de encontros de espaço para trocas, o que pode ser entendido como uma forma de organização política. O antropólogo Arthur Lara, professor de arquitetura da USP afirma que na época da ditadura militar os jovens pichavam frases políticas e poéticas e clamavam por uma nova ordem social mais flexível, e que atualmente a expressão política das ruas foi prejudicada (BAND...2011) A representação política e social mediante as inscrições no muro da cidade refletem a contestação e o protesto de alguns jovens mediante essa situação. Sendo assim, o grafite pode ser considerado um fenômeno articulador de diferentes questões pertinentes à dado momento vivido pela sociedade. Atualmente, cidades de todo o País estão tomadas por grafites em seus muros, o que passa a ser objeto de subjetividade, já que todo cidadão que passa por essas ruas, acaba por contemplar o desenho e letras estampados nos muros. A partir daí cabe a cada individuo decifrar aquela imagem segundo seu imagético e construir um conhecimento próprio sobre aquele desenho ou letra contemplado.
2.3
Grafite x pichação
Tanto o grafite como a pichação usam o mesmo suporte – a cidade – e o mesmo material (tintas). (GITAHY, P. 20).
Pichação é o ato de escrever ou rabiscar sobre muros, fachadas de edificações, asfalto de ruas ou monumentos, usando tinta em spray aerossol, dificilmente removível, estêncil ou mesmo rolo de tinta. (DEFINIÇÃO..., 2011) A pichação é uma prática que interfere no espaço, muitas vezes desagradando os que são alvos de comentários, donos de paredes brancas, muros
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de estabelecimentos etc. A pichação subverte valores, é espontânea, efêmera e gratuita. Prática que tem como sua base letras e formas diferentes que podem significar protestos políticos, xingamentos, protestos de gangs ou simples vontade de sujar o espaço alheio. A pichação esteve presente desde as antigas civilizações, concluindo que está não é uma prática contemporânea. A cidade de Pompéia, vítima de um vulcão chamado Vesúvio, que entrou em erupção no dia 24 de agosto de 79 d. C. possuía muros em que a pichação era notável - xingamentos, propagandas políticas, anúncios e poesias estavam impressos no muro. Na Idade Média, a pichação também esteve presente com a Inquisição, época em que bruxas eram queimadas e cobertas por piche e padres manifestavam suas ideologias pichando paredes de conventos rivais. Pichação é o ato de desenhar, rabiscar, ou apenas sujar um patrimônio (público, privado) com uma lata de spray ou rolo de tinta. Diferentemente do grafite, cuja preocupação é a ordem estética, o piche tem como objetivo a demarcação de territórios entre grupos. No geral, consiste em fazer algo que para eles é uma arte e para a sociedade é o ato de vandalismo.
2.4
Ideologia “O Grafite é ideológico, representando o pressuposto implícito de inverter a ordem; expressa oposição espontânea e simbólica à convenção social e à expressão da cultura dominante disseminada por museus, galerias de arte, mídia e propaganda”. SCHLECHT, N. E. Resistance and appropriation in Brazil: how the media and “official culture” institutionalized São Paulo´s grafite. Studies in Latin American Popular Culture – SLAPC, n. 14, p. 37-67, 1995.
A origem do termo ocorreu com Destutt de Tracy que criou a palavra e lhe deu o primeiro de seus significados: ciência das ideias. Posteriormente, concluíram que esta palavra ganharia um sentido novo quando Napoleão chamou De Tracy e seus seguidores de "ideólogos" no sentido de "deformadores da realidade". No entanto, os pensadores da Antiguidade Clássica e da Idade Média já entendiam ideologia como o conjunto de ideias e opiniões de uma sociedade. Ideologia é um termo que possui diferentes significados e duas concepções: a neutra e a crítica. No senso comum ideologia é sinônimo a ideário, contendo o
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sentido neutro de conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou de visões de mundo de um individuo ou de um grupo, orientado por suas ações sociais e principalmente políticas. Para autores que utilizam o termo sob uma concepção crítica, ideologia pode ser considerada um instrumento de dominação que age por meio de convencimento. O Francês Auguste Comte, criador da doutrina positivista compartilha da definição de Tracy e considera a ideologia como uma atividade filosófico-científica, que estuda a formação de ideias a partir da observação do homem no seu meio ambiente. Émile Durkheim considera os fatos sociais como objetos únicos para estudo da sociologia. Na perspectiva de Durkheim as ideias e valores individuais (ideologia) são irrelevantes, porque os fatos sociais são manifestações externas, estão fora e acima das mentes de cada sujeito que integra a sociedade. Portanto, para ele a ideologia é negativa porque nasce de uma noção pré-científica. A ideologia, para Althusser, é a relação imaginária, transformada em práticas, reproduzindo as relações de produção vigentes. Na realização ideológica, a interpelação, o reconhecimento, a sujeição e os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). Para ele a dominação burguesa só se estabiliza pela autonomia dos aparelhos ideológicos de Estado. Marilena Chauí declara que a ideologia não é um processo subjetivo consciente, mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da existência social dos indivíduos. (CHAUÍ, pg. 78). Karl Marx, por sua vez, desenvolveu a teoria da ideologia na qual é considerada uma consciência falsa, proveniente da divisão do trabalho manual e intelectual. Nesse sentido, a ideologia enquanto falsa consciência geraria a inversão ou a camuflagem da realidade, para os ideais ou interesses das classes dominantes. Para Marx a produção das ideias não pode ser analisada separadamente das condições históricas e sociais nas quais elas surgem. Ao se referir à ideologia burguesa, Marx entende que as ideias e representações sociais predominantes numa sociedade capitalista são produtos da dominação de uma classe social (a burguesia) sobre a classe social dominada (o proletariado). Sobre isso, Chauí afirma que as classes sociais não são coisas nem ideias, mas relações sociais determinadas pelo modo como os homens na produção de suas condições materiais de existência se dividem no trabalho, instauram formas determinadas da propriedade, produzem e legitimam aquela divisão e aquelas formas por meio das
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instituições sociais e políticas, representam para si mesmo o significado dessas instituições através de sistemas determinados de ideias que exprimem e escondem o significado real de suas relações. (CHAUÍ, pg.53). Se a produção das ideias não pode ser analisada separadamente das condições históricas sociais as quais elas surgem, deve-se levar em consideração o contexto histórico social no qual se desenvolveu o grafite urbano. Ora, se a ideologia sendo a luta de classes que tem por função esconder essa luta, é possível criar uma ligação intrínseca dos ideais do grafite urbano as suas contestações. Consideremos o meio no qual ele foi concebido, seu desenvolvimento e maturação. Chega-se então ao ponto de partida do grafite atual, revelando as queixas da luta de determinada classe social. Figura 8 - Muro de Berlim
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Muro_de_Berlim Obs.: Lado Ocidental grafitado demonstra um pouco da realidade vivida do lado Capitalista do País.
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2.4.1 Luta de classes
“A vitória das ideias é a vitória dos portadores materiais das ideias” Brecht “Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual.” (MARX E ENGELS).
A teoria marxista da luta de classes baseia-se na concepção da hegemonia do proletariado. Defendendo essa teoria da hegemonia do proletariado no movimento de libertação, Marx e Engles moveram uma luta incessante contra o desprezo pelas camadas não proletárias das massas trabalhadoras, especialmente o campesinato, bem como contra a tendência oportunista, pequeno-burguesa, da social democracia que substituía a concepção de povo pela divisão da sociedade em classes e colocava em último plano a luta de classes . (Marxistis... 2012). Marx e Engels demonstraram que de todas as classes que se opunham à burguesia, só o proletariado era uma classe revolucionária consequente até o fim. Quanto
às
camadas
intermediárias
(camponeses,
artesãos),
tornam-se
revolucionárias na medida em que abandonam seu próprio ponto de vista de aceitar o ponto de vista revolucionário. Mas isto não só não nega como pressupõe que a classe operária pode ter aliados nessa camada. Analisando as concepções marxistas em relação à luta de classes, observamse as teorias levantadas por Marx, ao afirmar que a o proletariado sustenta a burguesia e que o fim da contradição de classes se daria no momento em que o proletariado se apoderasse do poder político por meio da revolução, não para reconciliar e perpetuar as classes, mas para liquidar as classes em geral. Ao fazer um paralelo por meio da concepção marxista da luta de classes e o grafite, vemos por meio da arte expressa em muros de cidades urbanas uma forma de gesticular a “revolução”. Analisando obras de diferentes grafiteiros, nota-se sua identidade histórica e social embutida em seus desenhos e frases, a ideologia por eles defendida vai refletir nos muros da cidade o processo histórico resultante em seus trabalhos.
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Podemos analisar diferentes autores de grafites espalhados ao redor do mundo, e analisar diferentes posturas e discurso por eles expresso. Se a ideologia é um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da existência social dos indivíduos, (CHAUÍ, pg. 78) o grafite é resultado de uma ideologia consolidada por meio do tempo, que será expressa, em sua maioria nos centros urbanos. Por discorrer entre o contexto histórico que permeou o grafite em toda sua fase de criação atual, nota-se através dele o discurso que é caracterizado por uma classe. Surgido em meados da década de sessenta e setenta, o grafite apresentava a reivindicação de uma minoria, ora feito por estudantes em manifestações de caráter político e social, ora feito por jovens da periferia. Em todo caso, não apresentava o apoio de toda a massa. Sua notoriedade começou pelos bairros menos favorecidos de Nova York, e o ato de grafitar era, até então considerado uma atitude marginalizada. Sua imagem liga-se a movimentos indômitos, ignorado pela burguesia. No Brasil sua imagem também se associa aqueles que estão à margem da sociedade.
Sendo assim, por muito tempo o grafite foi visto com olhos de
discriminação. Figura 9 - Grafite "Os gêmeos"
Fonte: http://www.fernandonardelli.com.br/blog/?p=411 Obs.: Feito na cidade de São Paulo, esse grafite retrata cenas cotidianas da cidade.
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METODOLOGIA
O objetivo do presente capítulo é descrever a metodologia de pesquisa escolhida para orientar minhas investigações. Optei por uma pesquisa bibliográfica e visual de caráter qualitativo, que abrange questões teóricas sobre a ideologia – sua influência sobre o grafite urbano contemporâneo e os reflexos dessa arte sobre a sociedade. Para a pesquisa, escolhi imagens de grafites da cidade de Sorocaba, São Paulo e outras cidades ao redor do mundo. Teoricamente, trabalhei com o livro de Marilena Chauí, O que é Ideologia, tomando alguns pontos citados nos livros como referência norteadora para analise das imagens. As análises foram feitas a partir de trechos citados neste e livro, explorando os conceitos de ideologia, fazendo assim, um paralelo com as imagens indicadas, em especial do grafiteiro sorocabano conhecido como Will – seu trabalho consiste em apresentar o homem como um objeto, manipulado pela sociedade. O grafite, em seu início no período contemporâneo passou por uma fase de desenvolvimento. No começo da década de sessenta, jovens parisienses protestavam a reforma cultural, e o grafite ali teve grande participação, desde então, ele está presente em grandes metrópoles, assumindo diferentes papeis, podendo ser um transmissor de ideias, grupos e territórios. Hoje, o grafite pode ser considerado como arte democrática, estando ela acessível a todos, geralmente em muros. O foco principal de minha pesquisa é analisar o conceito por trás dessa arte urbana. Averiguar qual a posição e intenção dos grafiteiros, dentro de seu contexto (cidade, sociedade, meio) e qual a ideologia por eles anunciada. Para análise da ideologia, observei grafites do artista Will. A influência do meio sobre a obra relatada, e as diversas abordagens. Cada indivíduo ou grupo apresenta uma ideologia. Para alguns, o grafite é um meio de protesto e reivindicação, para outros, uma maneira de expor suas ideias e ideários – como é o caso do grafiteiro sorocabano, Will, que expõe nos muros da cidade seu olhar em relação à humanidade, já no caso dos grafiteiros Os gêmeos, a abordagem artística é muito maior do que qualquer forma de protesto.
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ANÁLISE DE DADOS
Esta análise de dados investiga como as técnicas de produção dos grafites foram avaliadas e relacionadas com a ideologia expressa por seu autor. Escolhi examinar imagens do grafiteiro sorocabano Will, dos irmãos paulistanos, Os Gêmeos – como cada artista aborda os temas escolhidos, a maneira como eles desenvolvem sua arte e expressam sua ideologia em seus grafites. Cada um desses grafiteiros apresenta diferentes posturas mediante ao trabalho realizado, mesmo compartilhando da mesma técnica, eles diferem na abordagem ideológica. Cada indivíduo ou grupo irá apresentar suas ideias de diferentes maneiras. A expressão através dos desenhos e frases é composta de valores e ideários, que variam de acordo com a vertente ideológica de cada um. A arte realizada por Will é feita em barros da zona periférica da cidade de Sorocaba, e é voltado para a análise comportamental do ser humano, quando este é mostrado nesses desenhos como homem aprisionado, infeliz ou injustiçado, entra em vigor a ideologia do produtor/grafiteiro – que o homem é aprisionado pelas manipulações da sociedade na qual está inserido. Ao retratar cenas cotidianas da cidade de São Paulo, abordando temas como a imigração, violência etc. o trabalho dos irmãos gêmeos ultrapassou os limites da cidade de São Paulo, onde o tudo começou. Hoje o trabalho da dupla já pode ser encontrado em exposições e galerias ao redor do mundo. Em muitos de seus trabalhos (a maioria feita na cidade de São Paulo) a representação conota a pessoas do cotidiano, em cenas diárias, tendo grande expressividade o artifício visual. Nos trabalhos realizados em outros países, como no Castelo escocês e em exposições em galerias de arte, a estética de seus trabalhos é pertinente. O grafite, apesar de representar uma arte democrática – acessível a todos, presente em vários pontos de uma cidade urbana, não dialoga de maneira direta com a população. As imagens podem ter diferentes técnicas, traços e intenções, e mesmo assim, não ser diferenciada por aqueles que as veem. Por esse motivo, essa analise visa levantar pontos que diferem nas obras de diversos grafiteiros, facilitando assim, a interpretação e leitura dessas imagens.
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A meu ver, ainda hoje, apesar da grande difusão que o grafite vem tomado (pontos de destaque da cidade de São Paulo encontram-se grafitados) um olhar preconceituoso ainda prevalece ao considerar o grafite urbano uma expressão artística, já que muitos o confundem com a pichação, que tem por finalidade defender/divulgar determinado grupo com diferentes ideologias (gangues, times, estilo musical etc.) e delimitar um território. O grafite por sua vez age, prioritariamente com intenção artística, carregado da ideologia de seus produtores, seja ela expressa como protesto, divulgação ou manifestação artística, que a expressam nos muros de cidades urbanas, um local acessível a toda população, o que faz dessa arte democrática arbitraria.
4.1
Grafite na escola
Vemos nessa imagem a presença do discurso escolhido por Will para divulgar seu trabalho e proferir seu discurso ideológico. Fixada no muro de uma escola estadual em um bairro da Zona Norte da cidade, ele deixa impresso seu ponto de vista em relação à humanidade. Aqui podemos ver o desenho do “homem-máquina”, que está presente na maioria de seus trabalhos, evidenciando sua principal ideologia – A manipulação, o uso de máscaras, a fuga da realidade. Essa ideologia por ele exposta, evidencia suas posições pessoais em relação à humanidade.
Figura 10- Grafite Will - Muro de uma escola
Fonte: http://www.facebook.com/will.ferreira.336?fref=ts Obs.: A imagem é composta por desenhos e letras, mostra o homem conectado a fios e máscaras que o aprisiona em si mesmo.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O grafite hoje tem tomado grandes proporções no País – lugares de destaque (prédios, conjuntos habitacionais, lojas, escolas) têm aderido a essa técnica artística. Essa arte que tem por principal material tintas e spray, tem se deslocado de bairros periféricos para locais privados – como já citados: prédios, residências, galerias e lojas. Considerando sua retomada no período contemporâneo (artifício usado para proferir interesses de determinado grupo) e seu desenvolvimento em bairros de classe média baixa, o ato de grafitar não era/é considerado expressão artística, mas foi considerado ato criminal por determinado tempo. Baseado em suas origens do período moderno (pichação) o grafite era realizado por jovens menos favorecidos financeiramente, que encontravam no grafite uma maneira de expressar suas frustrações e anseios dentro da sociedade que os excluía. Com o passar do tempo, grafiteiros com proposta em comum se uniam, e expressavam suas ideias e ideais nos muros da cidade. A partir daí, grafiteiros solidificaram suas ideias, criando suas ideologias e propostas. Hoje é possível encontrar grafites com uma enorme diversidade de temas – alguns apontam para o crítico social, ao comunicar comportamentos e atitudes que julgam impróprios, outros vertem para o aspecto religioso, com frases bíblicas e/ou versículos, outros denunciam características do lugar em que vivem e atuam como grafiteiros (geralmente, bairros), e alguns o fazem como reprodução de desenho. Em todos esses casos, a ideologia está presente – se abordados, cada grupo mostrará que seu trabalho tem uma ideia, uma função e um objetivo. Nisso se vê que a ideologia de cada indivíduo/grupo é manifesta por base em suas crenças e valores (ideologia). Apesar de não mais ser um artifício apenas dos mais pobres financeiramente, já que hoje não é difícil encontrar locais em que são oferecidos cursos de grafite, exposições em galerias e desenhos em locais em que antes, era pouco provável, o grafite continua sendo mediador do artista para com a população. Ficou claro neste estudo que o grafite contemporâneo pode assumir diversas vertentes, dependendo do apelo ideológico de seu produtor, este consolidado a
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partir do contexto no qual o artista está inserido – seu contexto histórico-social irá influenciar de maneira direta em seus trabalhos. A maneira como eles enxergam a realidade e sociedade, é expressa por meio de seus trabalhos, revelando seus ideais, sejam eles políticos, sociais, religiosos ou comportamentais. Sendo assim, a ideologia do grafite vai depender do processo de formação do grafiteiro, enquanto indivíduo, que expressará sua visão do mundo através de suas impressões em relação ao meio em que vive.
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REFERÊNCIAS
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