Série As Ciências Criminais no Século XXI
Série As Ciências Criminais no Século XXI - v. 11
11. A expansão do direitopenal. Jesús-María Silva Sánchez.
JESÚS-MARÍA SILVA SÁNCHEZ
Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002.
Obraspublicadas nesta série, p. 153.
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL Aspectos dapolíticacriminal nas sociedadespós-industríais
Tradução da2°edição espanhola: Luiz Otávio de Oliveira Rocha Revisão:
Luiz Flávio Gomes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Silva Sánchez, Jesús-María
A expansão do direito penal : aspectos da política criminal nas sociedades pósindustriais / Jesús-María Silva Sánchez ; tradução Luiz Otávio de Oliveira Rocha. -
-c
SSo Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002. - (Série as ciências criminais no século 21 ; v. 11)
Título original: La expansiãn dei derecho penal: aspectos de Ia política criminal en
-, O CK.'C
•Afe ~-
Ias sociedades postindustriales ISBN 85-203-2287-5
1. Direito penal. 2. Direito penal - História 3. Política criminal I. Título. II. Série. 02-3410
índices para catálogo sistemático: 1. Direito penal c política criminal 343
CDU-343
re? REVISTA DOS TRIBUNAIS
EDITORA
Série As Ciências Criminais no Século XXI - v. 11
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
Aspectosda política criminalnas sociedades pós-industriais Jesús-María Silva Sánchez
Tradução da 2."edição espanhola: La expansión dei derechopenal-Aspectos de Ia política criminal èn Ias sociedades postindustriales. Segunda edición, revisada y ampliada. Espanha.
Tradução: Luiz Otávio de Oliveira Rocha Revisão: Luiz Flàvio Gomes
40
© desta edição: 2002
EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA. Diretor Responsável: Carlos Henrique de Carvalho Filho Visite nossa Home Page: http://www.rt.com.br CENTRO DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR: Tel. 0800-11-2433 e-mail do atendimento ao consumidor:
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Luiz Flávio Gomes,
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Wili.iam Terra de Oliveira, Luiz Antoinio Orlando,
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Roberto Barbosa Alves e
Impresso no Brasil (10 - 2002) ISBN 85-203-2287-5
Nereu José Giacomolli.
Jesús-Ma
ha efectuado una excelente y documentada labor de tra Barcelona, 13 de junio de 2002.
Gomes, William Terra de Oliveira y a Luiz Otávio de Ol
edición espanola vea ahora Ia luz en lengua portugues este texto a todos mis amigos brasileiios y, en particul
Este libro nació, en parte, en ei Brasil, como se ind via a Ia primera edición. Es para nu' unagran satisfacci
PRÓLOGO A LA EDICIÓN
NOTA DO TRADUTOR
O fenômeno da globalização, que intensifica toda sorte de relações humanas, já foi comparado às grandes navegações que, a partir do século XV, proporcionaram enorme difusão do comércio e das ciências. Mas, enquanto as descobertas daquele período (circunavegação da
África, chegada às índias e descoberta daAmérica) trouxeram como prin cipal conseqüência o alargamento dos horizontes alé então conhecidos, a
globalização, ao contrário, provoca um encurtamento relativo dos espaços, especialmente nos âmbitos científico e cultural. Essa característica se manifesta de forma bastante clara nas Ciências
Jurídicas, que se vêem afetadas por um influxo crescente -e provavelmen te irreversível - de idéias de origem multinacional. Contudo, no transcurso de todo o século passado, no Brasil, não hou
ve no mercado editorial jurídico espaço significativo para a tradução de obras jurídicas estrangeiras, quer as clássicas, quer as propagadoras das novas idéias.
Essa realidade, somada a fatores históricos, políticos e lingüísticos fomentadores, em alguns momentos, de excessiva crença na auto-suficiência -, sugere uma possível defasagem evolutiva do Direito Criminal brasi leiro, justamente no momento em que se faz necessário afrontar os desa fios da internacionalização do crime.
É, pois, motivo dejúbilopara toda a comunidade jurídica brasileira a iniciativa da Editora Revista dos Tribunais e do diretor desta Coleção, o
Prof. Luiz Flávio Gomes, de abrir espaço à publicação no país de tradu ções de obras de juristas estrangeiros, uma vez que o preenchimento da lacuna até então existente nesse campo certamente enriquecerá o debate dos grandes temas da criminalidade na era da globalização. Considero, ainda, um motivo adicional para júbilo a escolha da obra do Prof. Jesús-María Silva Sánchez como uma das primeiras traduções a serem publicadas nesta série. Um dos mais jovens e proeminentes penalistas da atualidade, o Prof. Silva Sánchez elaborou um retrato concentrado c
extremamente preciso das transformações do Direito Penal hodierno, que se converte em um guia filosófico capaz não somente de orientar aqueles que desejam aprofundar-se nos diversos lemas nele abordados, como tam-
10
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
bém em baliza extremamente útil àqueles que detêm o poder de elaborar as leis penais e o dever de aplicá-las com isenção e justiça. São tais qualidades que explicam a grande receptividade que teve a obra desde o lançamentoda primeira edição na Espanha, da qual nos chega a notícia que se fez tradução também para o italiano e o alemão. Parabeni zo, assim, o Prof. Silva Sánchez, desejando que sua obra alcance o mesmo
NOTA PREVIA A 2.a EDIÇÃO ESPANHOLA
sucesso em nosso país^ que me atrevo a antecipar em vista do quão prazerosa revelou-se a tarefa de traduzi-la. Setembro de 2002.
*.
A primeira edição desta obra foi publicada em fevereiro de 1999,
Luiz Otávio de Oliveira Rocha
sem que então eu tivesse a intenção de continuar me ocupando das ques tões que nela abordava. Sem embargo, a amável acolhida que teve a obra desde o primeiro momento me animou a continuai refletindo sobre al guns dos temas nela abordados, a introduzir outros novos temas relacio
nados com aqueles e, enfim, a oferecer agora, passados dois anos, um texto substancialmente ampliado, e não apenas uma mera reedição, cuja necessidade se fez presente com o esgotamento da primeira edição e das reimpressões feitas com urgência. Nesse sentido, deliberei, por um lado. pela introdução de novas refe rências bibliográficas que aparentemente confirmam, segundo minha per cepção, algumas das hipóteses fundamentais contidas no livro; e, por ou tro, pelo desenvolvimento de argumentos antes apresentados de forma de masiadamente concisa, com o propósito de evitar mal-cniendidos e tam bém aclarar idéias que careciam de uma melhor formulação em razão de estudos realizados subseqüentemente. Em terceiro lugar, optei por dar con tinuidade, ainda que de modo breve, a análise de alguns dos problemas relativamente aos quais antes não havia feito mais do que referências ini ciais. E, põr fim, acrescentei partes inteiramente novas. O resultado é um texto cujo conteúdo é amplamente coincidente com o da primeira edição, mas ao mesmo tempo significativamente mais extenso e, como acredito, também mais completo. Espero que esta edição, como a pri meira, sirva para fomentar a discussão sobre questões relacionadas à teoria da Política-Criminal, que na Espanha tem merecido atenção limitada. Barcelona, fevereiro de 2001. O Autor
NOTA PRÉVIA À 1." EDIÇÃO ESPANHOLA
J
Algumas das reflexões contidas nesta obra foram expostas em Buenos
Aires, em julho de 1998, durante conferência feita na Uni versidad Austral.
I
Outras, em São Paulo, durante palestra proferida em setembro de 1998 no
|
IV Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
|
Estas páginas são dedicadas a ambas instituições, assim como aos profes sores integrantes das áreas de Direito Penal das universidades espanholas Pompéu Fabra e Navarra. O Autor
SUMARIO
* t
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Prólogo ala edición brasileha •
'.
Nota do tradutor
7 9
Nota prévia à segunda edição espanhola
11
Nota prévia à primeira edição espanhola
13
i
'
•
Lista de abreviaturas
17
Introdução
19
1. Sobre algumas causas da expansão do direito penal
27
1.1
Os "novos interesses"
27
1.2 O efetivo aparecimento de novos riscos
28
1.3 A institucionalização da insegurança
30
1.4
32
A sensação social de insegurança
1.5 A configuração de uma sociedade de "sujeitos passivos"
41
1.6 A identificação da maioria com a vítima do delito
50
1.7 O descrédito de outras instâncias de proteção
57
1.8 Os gestores "atípicos" da moral ("atypische Moraluntemeltmer")
62
1.9 :A atitude da esquerda política: a política criminal social-democrata ina Europa
1.10 Um fator colateral: o "gerencialismo"
65
69
1. A globalização econômica e a integração supranacional. Multipli cadores da expansão
2.1
Introdução
75
75
2.2 Globalização econômica, integração supranacional e delinqüência...
79
2.3
80
A política criminal diante da delinqüência da globalização 2.3.1
As vias de configuração de um Direito Penal da globaliza ção
2.3.2
A dogmática diante da delinqüência da globalização
81 84
16
A expansão do direito penal
2.3.3
Os princípios político-criminais do Direito Penal da glo balização.
3. A política criminal e a teoria do Direito Penal diante dos aspectos socioculturais e políticos da globalização
93
97
3.1
Questionamento
97
3.2
Globalização e modificações na estrutura social
98
3.3
A globalização política e cultural e o Direito Penal
102
LISTA DE ABREVIATURAS
ADPCP — Anuario de Derecho Penal y Ciências Penales AFD
-
Anuario de Filosofia dei Derecho
4. Excurso: sobre a limitada influência —sobre o último aspecto —de certas construções teóricas
105
.5. Mudanças de perspectiva: a "administrativização" do Direito Penal..
112
DS
-
Déviance et Sociétc
112
GA
-
Goltdammer's Archiv für Strafrecht
5.1
Introdução
APC ARSP -
JD '. -
5.2 Mais que uma anedota: o paradigma dos Kumulationsdoikte (ou "delitos de acumulação")
121
5.3
A proteção penal do "Estado da prevenção"
125
JZ KrimJ -
5.4
A gestão dos riscos de origem pessoal e a neutralização no Direito 130
KritV -
Penal atual
Kriü
-
ArchivesdePolitiqueCriminelle Archiv für Rechts- und Sozialphilosophie
Jueces para Ia Democracia
Juristenzeitung Kriminologischcs Journal Kritische Justiz
Kritische
Vierteljahresschrift
für
Gesetzgebung
Rechtswissenschaft
6. A impossibilidade de "voltar" ao velho e bom direito penal liberal ("gutes, altes liberales Strafrecht")
MLR
-
Neue JuristischeWochenschrifl
PJ
-
Poder Judicial (Revista)
Questionamento
136
6.2
Contra a consolidação de um único "Direito Penal moderno"
143
Direito Penal de duas velocidades? Um ponto de partida: a manu tenção de garantias qualificadas em caso de cominaçâo com penas privativas de liberdade
144
7. Terceira velocidade do direito penal? Sobre o "Direito Penal do ini migo"
Obras publicadas nesta Série
The Modern Law Review
NJW
6.1
6.3
-
136
148
153
RAP . -
Revista dadministración Pública
RCSP -
Revista Catalana de Seguretat Pública
RDM
-
Revista de Derecho Mercantil
R1DPP
-
Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale
RTDPE
-
StV ZRP -
ZStW
-
Rivista Trimestrale di Diritto Penale deli 'Economia
Strafverteidiger. Zeitschrift für Rechtspolitik
Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaf t
und
que um grupo de colegas italianos, entre ele os professores
Bundesrepublik Deutschland. 2. Halbband. Frciburg, 1988. No momento em que redigia a primeira edição desia obra se
Kriminologische Forschung in den 80er Jahren, 1'roje
Ferrajqli, El Derecho penal mínimo, Poder y Conirol (19S6), Barattá, Prinzipien des minimalen Strafreclus. EincThcorie ais Schutzobjekte und Grcnze des Strafreclus. cn Kaiscr/Ku
89 e ss, com referências.
lapolítica criminal, eiderechopenaly eiprovesupenal, Valc
Von Rw,Geschichtc des detttschen StrafreclusundderStrafre 1882 (reimpr. Aaalen, 1992), p. 334. Cf. a postura crítica em relação ao minimalismo de Roxin, dogmáticajurídico-penal en Iaactualidad(trad. Gómez Rive
mesmo, tampouco se acha conceitualmente 'muito disia formuladas por Beccaria há dois séculos,4 entre outros.
Penal mínimo",3 que,em suma, de acordo com algumas
peito que não se tenha muito claro onde se acham os limi
deformada- frasede Radbruch relativa a substituição do algo melhorque ele. Efetivamente, parece não importar
teúdo concreto, de modo semelhante ao que aconteceu
correr inclusive o risco de converter-se em um tópico d
reconduzira intervenção punitiva do Estado na direção nal mínimo. Esta expressão, a força de sua repetição por doutrina - que não correspondem em absoluto a totalid
radicalizadas em razão do contexto atual, nunca se tinha nos círculos intelectuais, como na última década, d
os que a exigiram da forma mais ruidosa -, ali se pode Tácito: péssima respublica, plurimae leges."' Provavel rações semelhantes às transcritas de CarI Ludvvig v
missão na liberdade, cujas conseqüências serão perceptí
motivo surge entre p público um clamor geral de que as com novas leis penais ou agravando as existentes, aí nã lhores tempos para a liberdade - pois toda lei penal é u
"Ali onde chovem leis penais continuadamente,
IN
20
A expansão do direito penal
Certamente, em princípio, parece que a expressão "Direito Penal mínimo" engloba propostas diversas cujo denominador comum é uma vocação restritiva do Direito Penal, mas sem que exista uma coincidên cia totalquantoao alcanceexato das mesmas.5 Nocaso de Baratta, o ponto de partida da orientação minimizadora vem sendo a avaliação da radical injustiça e inutilidade da pena, cuja função seria a reprodução das rela
INTRODUÇÃO
21
mente internos do sistema, oraà quantidade e qualidade das proibições e penas nele estabelecidas".10
Nos dois últimos anos, a defesa do "minimalismo" tem sido associa
da sobretudo às posturas defendidas por alguns dos mais significativos autores da denominada "Escola de Frankfurt". Esses, voltando-se à defesa
ções de domínio preexistentes, recaindo fundamentalmente sobre as clas
de um modelo ultraliberal do Direito Penal, vêm propondo sua restrição a
ses inferiores. A partir daí, esse autor tem pretendido desenvolver uma. teoria da "minimização" da intervenção tomando como referência os di reitos humanos e, acredito, desde uma visão conflitiva de nosso modelo
vida, a saúde, a liberdade e a propriedade, com manutenção das máximas garantias na lei, na imputação de responsabilidade e no processo. Nessa
social.6 O conteúdo que Baratta atribui a sua proposta, todavia, não pare
um "Direito Penal básico" que tenha por objeto as condutas atentatórias a ótica, caracterizam a evolução do Direito Penal oficial como uma "cruzada
ce coincidir com a visão que tem do "Direito Penal mínimo" o máximo
contra o mal", desprovida de uma mínima fundamentação racional."
difusordessaexpressão, LuigiFerrajoli, que tambémo denominagaran-
Pois bem, ante tais posturas doutrinárias, realmente não é nada di fícil constatar a existência de uma tendência claramente dominante em
tista, cognitivo ou de estrita legalidade,7 ém especial porque este último autor considera que se trata "de um modelo limítrofe, apenas tendencial e nunca perfeitamente satisfatório".8 O termo "Direito Penal mínimo" e
seu contraposto (Direito Penal máximo9) configuram-se em Ferrajoli por referência "ora aos maiores ou menores vínculos garantistas estruturalMoccia, assumiu o desafio deredigiro Código Penalcujainstauração propugnariam os defensoresdo Direito Penal mínimo. Isso resultava especialmente.interessante, uma vez que essa linha de pensamento tem padecido até o momentode uma faltade concreção de suas propostas. Sem embargo, não parece que referida iniciativa teve
todas as legislações no sentido da introdução de novos tipos penais, as sim como um agravamento dos já existentes,12 que se pode encaixar no marco geral da restrição, ou a "reinterpretação" das garantias clássicas
do Direito Penal substantivo e do Direito Processual Penal. Criação de novos "bensjurídico-penais", ampliação dos espaços de riscos jurídicopenalmente relevantes, flexibilização das regras de imputação e relativização dos princípios político-criminais de garantia, não seriam mais do que aspectos dessa tendência geral, à qual cabe referir-se com o termo
"expansão''.13 Tal "expansão" é, porcerto, uma característica inegável do
seguimento.
'" Cf. adescrição ecrítica das diversas propostas emMarinucci/Dolcini, Diritto penale "minimo" e nuove forme di criminalità, RIDPP, 1999, p. 802 e ss, 808 e ss.
!4' Cf. Baratta, Kriminologische Forschung, p. 518 e ss, integrando em tal teoria a privatização c a politização dos conflitos, assimcomoa não utilização dos concei tosde criminalidade e pena. Cf.aindaBaratta, Kriminologische Forschung. p. 534 e ss, p. 536 e ss.
'" Como novamente ressalta Baratta, La política criminale e il Diritto penale delia Costituzione. Nuove riflessioni sul modello integrato delle scienzepenali, em Canestrari (ed.), // Diritto penale aliasvolta difine milênio, Torino, 1998, p. 24e ss, 44-45 e nota 51.
m Ferrajoli, Derecho y razón. Teoria dei garantismo penal (trad. Andrés Ibánez, Ruiz Miguel, Bayón Mohino, Terradillos Basoco y Cantarero Bandrés), Madrid, 1995, p. 93.
"' Ferrajoli, Derecho y razón, p. 105: "o modelo de direito penal máximo, isto é, incondicionado e ilimitado, é o que se caracteriza, além de sua excessiva severi
dade, pela incerteza e imprevisibilidade das decisões e das penas; e que, conse qüentemente, se configura como um sistema de poder não controlável racional mente, por ausência de parâmetros certos e racionais de convalidação e de neutralização".
'"" Ferrajoli, Derecho y razón, p. 104; mas, entre osdois extremos, "'existem diversos sistemas intermediários, aléo ponto dequemais adequadamente deverá falar-se, a propósito das instituições e ordenamentos concretos, detendência aodireito penal mínimo ou de tendência ao direito penal máximo".
"" Cf. as. mais relevantes manifestações dessa postura em Instituto de Ciências
Criminales de Frankfurt (ed.) (Área de Derecho Penal de Ia Universidad Pompeu
Fabra - ed. esp.), La insostenible situación deiderecho penal. Granada, 2000. uma obra que constitui a versão espanhola da publicadana Alemanhaem 1995; ainda, nos diversos tomos deLüdersscn (Hrsg.), Aufgeklárte Kriminalpolitik oder Kampfgcgen das Bòse?, Bd. I, Legitimationen, Baden-Baden, 1998; Bd. UNeue
Phanomene der Gewalt, Baden-Baden, 1998; ///, Makrodelinqucnz, BadenBadcn, \99%;Bd. IVLegalbewührung undIcli-Strukiur, Baden-Baden, 1998;Bd. VLernprozesse im Vergleich derKulturen. Baden-Baden 1998; ou, também, em
Instituí für Kriminalwissenschaften und Rechtsphilosophie Frankfurt a.M. (Hrsg.), Irrwege der Strafgesetzgcbung, Frankfurt a.M., 1999.
"J> Poderia afirmar que esse é o leitmotiv do texto de Hcttinger, Eiuwicklungen im Strafrecht und Strafverfahrensrecht der Gegenwart. Versuch ciner kritischen Bestandsaufnahme, Heidelberg, 1997, passim.
"" C{.,potCKcmplo,Kindhnuser,Sicherheiissirafncht.GefahrendesStrafrechtsinder
Risikogesellschaft, Universitas 3/1992, p. 227: "El Derecho Penal se expande sin
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
INTRODUÇÃO
Código Penal espanhol de 1995, e a valoração positiva que importantes
submetê-los às regras gerais do concurso de delitos - com o princípio de intervenção mínima (!). A primazia dos elementos de expansão se faz des
22
setores doutrinários têm realizado sobre o mesmo deixa patente como a
tópica "fuga (seletiva) ao Direito Penal" não é apenas um problema de legisladores superficiais e frívolos, mas que começa a ter uma cobertura ideológica de que carecia até a muito pouco tempo. Em todo caso, o le gislador de 1995, de fato, não pôde subtrair-se nem sequer a um reconhe cimento expresso - ainda que parcial - desse fenômeno, ao aludir na Exposição de Motivos do texto legal à existência de uma "antinomia en tre o princípio de intervenção mínima e as crescentes necessidades de tutela em uma sociedade cada vez mais complexa", antinomia que se re
solveria no texto, segundo o próprio legislador, "dando prudente acolhi da a novas formas de delinqüência, mas eliminando, ao mesmo tempo,
figuras delitivas que perderam sua razão de ser". Em realidade., sem em bargo, o evidenteera a acolhida de "novas formas de delinqüência" e a agravação geral das penas imponíveis a delitos já existentes (sobretudo, socioeconômicos); em contrapartida, a transcendência da eliminação de certas figuras delitivas resulta praticamente insignificante. De efeito, o que resulta verdadeiramente significativo são os fenôme
nos que o legisladorapontacomo expressivos de um e outro aspecto: "Em primeiro lugar, merece ser destacada a introdução dos delitos contra a or dem socioeconômica ou a nova regulação dos delitos relativos a ordenação do território e dos recursos naturais; em segundo, o desaparecimento das
figuras complexas doroubo com violência e intimidação das pessoas que,NT1 surgidas no marco da luta contra o 'bandoleirismo', devem desaparecer deixando passo a aplicação das regras gerais". A vinculação do primeiro aspecto comas novas "necessidades" de tutela (penal?) de uma sociedade complexa resulta bastante clara, segundo o discursodoutrinário e ideoló gico quese está consagrando como dominante. Em contrapartida, não há como resistir a tentação de perguntar qual relação existe entre a reforma
23
se modo evidente.
• Não é infreqüente que a expansão do Direito Penal se apresente como produto de uma espécie de perversidade do aparato estatal, que buscaria no permanente recurso à legislação penal uma (aparente) solução fácil aos pro blemas sociais, deslocando ao plano simbólico (isto é, ao da declaração de princípios, que tranqüiliza a opinião pública) o que deveria resolver-se no nível da instrumentalidade (da proteção efetiva). Sem negar que à tal expli cação possa atribuir-se alguma razão, creio que seria ingênuo situar as cau sas do fenômeno de modo exclusivo na supercstrutura jurídico-política, na instância "estatal".14 Ao contrário, é minha opinião que em boa medida nos encontramos aqui ante causas mais profundas, que fundam suas raízes no modelo social que vem se configurando no decorrer, pelo menos, das duas • últimas décadas, na conseqüente mudança da expectativa que amplas cama das sociais têm em relação ao papel que cabe ao Direito Penal. Realçar esse último aspecto me parece essencial. Com efeito, dificil mente poderá interpretar a situação de modo correto e, em conseqüência, fixar as bases da melhor solução possível dos problemas que suscita, se se desconhece a existência no nosso âmbito cultural de uma verdadeira de
manda social por mais proteção. A partir daí, questão distinta é que desde a sociedade se canalize tal pretensão em termos mais ou menos irracionais como demanda de punição. Neste ponto, provavelmente não seja demais aludir à possível responsabilidade que os formadores de opinião possam ter em tal canalização, dado o seu papel de mediadores. Como ainda con vém questionar o fato de que as instituições do Estado não somente aco lham tais demandas irracionais sem qualquer reflexão, em vez de introdu
zir elementos de racionalização nas mesmas,15como ainda as realimentam em termos populistas."1 Tudo isso é certo, sem dúvida. Mas a existência de
técnica dos delitos classicamente denominados complexos - destinada a "•"
freno"; Seelmann, Risikostrafrecht, KritV 4/1992, p. 452 e ss; Palazzo, Lapolítica criminale nelfltalia repubblicana, em Violante (ed.), Storia d'ltatia,Annali 12,La
Criminalitâ, Torino, 1997, p.851 c ss, 868. É fundamental oestudo de Moccia, Im perenne emergenza. Tendenze autoritarie nelsistema penale, 1. ed., Napoli, 1995, 2. ed., Napoli, 1997, contendo um profundo exameda situação italiana. '"™ A expressão "roubo com violência e intimidação" não configura redundância, umavezque na terminologiado Código Penalespanhol-Lei Orgânica 10/1995, de 23 de novembro - o termo "roubo" também é utilizado para definir o furto
qualificado por escalada, rompimento de obstáculo, uso de chave falsa e corn violação de sistemas de alarme, que são modalidades do "robôcon fuerza en Ias cosas" - art. 238 -, recebendo a denominação de "hurto" somente a conduta que no Código Penal brasileiro corresponde ao "furto simples".
Beckett, Making crime pay. Law and order in contemporary American polities. New York/Oxford, 1997, p. 62 c ss, 108. se aproxima-cm minha opinião-a essa interpretação, quando estabelece que o apoio popular às "cruzadas" governamen tais contra o delito deve-se a nada mais do que a difusão da ideologia do governo por meio dos meios de comunicação. De não ser assim, a seu entender, as concep ções que tomam como ponto de partida a existência de causas sociais do delito c propõem programas de reabilitação teriam o apoio total do público. "" Cf. Paliero, Consenso sociale«e diritto penale, RIDPP. 1992, p. 849 e ss. 868-869. "*' Em realidade, se não houvesse uma demanda social pela pena, mais ou menos condicionada pelos meios de comunicação, não se entenderiam realmente as pro postas expansivas da legislação penal elaboradas por uns partidos políticos que governam-ou pretendem governar-com a única referência axiológicadas pes quisas de opinião.
24
INTRODUÇÃO
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
uma demanda social constitui um ponto de partida real, de modo que a proposta que acabe sendo acolhida no que se refere a configuração do Di reito Penal não poderia desconsiderar a necessidade de dar a ela uma res posta também real. Em particular, e para evitar desde logo interpretações equivocadas, convém ressaltar, sobre esse aspecto, que a profundidade e a extensão das bases sociais da atual tendência expansiva do Direito Penal não têm nada -a ver com as que na década de 70 - e posteriores - respaldavam o movimento, inicialmente norte-americano, de law andorder." Por isso seria errôneo pre tender analisar sob esse prisma a expansão do Direito Penal característica de nosso particularfin de siècle, cujas "causas" se pretende esboçar neste tex to.18 Efetivamente, as propostas do movimento de lei e ordem se dirigiam basicamente a reclamar uma reação legal, judicial e policial mais contunden te contra os fenômenos de delinqüência de massas; da criminalidade das ruas (patrimonial e violenta).19 Assim as coisas, uns setores sociais - para simpli ficar, os acomodados -, apoiavam tais propostas; outros.-os excluídos, mas também os intelectuais e os movimentos dos direitos humanos - se opunham a elas.20 Nesse particular, o debate em tomo do referido movimento constitui seguramente o último exemplo da concepção convencional do Direito Penal como instrumento de restrição de direitos individuais, particularmente sofri do pelas classes "emergentes", e a cuja intensificação estas, assim como os
25
A representação social do Direito Penal que comporta a atual tendên cia expansiva mostra, pelo contrário, e como se verá, uma rara unanimida de. A divisão social característica dos debates clássicos sobre o Direito Penal
foi substituída por um consenso geral, ou quase geral, sobre as "virtudes" do Direito Penal como instrumento de proteção dos cidadãos. Desde logo, nem as premissas ideológicas nem os requerimentos do movimento de "lei . e ordem" desapareceram: ao contrário, se integraram (comodamente) nes
se,novo consenso social sobre o papel do Direito Penal.22 As páginas que seguem se dedicam a formulação de algumas hipóteses sobre o porquê da cristalização desse consenso.
movimentos de direitos civis e políticos, se opõem frontalmente. É funda mental sublinhar que a representação social do Direito Penal que dimana da discussão sobre o movimento de lei e ordem não era em absoluto unívoca,
senão, pelo contrário, basicamente dividida.2' Cf. a ampla exposição de Arzt, Der Rufnach Recht und Ordnung. Ursachen und Folgen der Kriminalitatsfurcht ia den USA und in Deutschtand, Tubingen, 1976, o qual situa convencionalmente a origem do tema em 1963, e seu conteúdo na pe tição de uma intervenção policial mais contundente, assim como de um Direito Penal (substantivo, processual e penitenciário) mais rigoroso (p. 1). Dessa maneira, a meu entender, com razão Von Hirsch, Law and Order: Die Politik
der Ressentiments, em Liiderssen (Hrsg.), Aufgeklãrte Kriminalpolitik, Bd. V,
p. 31 e ss.
*
Arzt, Der Ruf, p. 5:'segurança dos cidadãos em casa, no trabalho e tias ruas. O movimento de lei e ordem propugna, pois, um "punitivismo", que não implica
necessariamente em expansão no sentido exposto, senão em concreto em uma maior intensidade da reação. Cf. Beckett, Making crime pay, p. 12,28 e ss, 62 e ss, 80 e ss. Uns e outros discrepavam radicalmente quanto as causas dos delitos c, portanto, também quanto as possíveis formas de afrontá-los (mais controle, os conservadores; mais bem-estar, os progressistas). São muito significativos os dados que aporta Arzt, Der Ruf p. 17, sobre a represen tação radicalmente diversa de brancos e negros norte-americanos em relação a in tervenção da polícia.
O consenso surge porque, por diversas razões, o movimento "conservador" de lei c ordem converge com propostas ou interesses próximos, procedentes dos setores so ciais anteriormente céticos ou diretamente contrários a intervenção do Direito Penal.
SUMÁRIO: 1.1 Os "novos interesses" - '1.2 O
O Direito Penal é um instrumento qualificado de
t
Os "novos interesses"
crata na Europa - 1.10 Um fator colateral: o "
Os gestores "atípicos" da moral ("atypische 1.9 A atitude da esquerda política: a política
mado delito- 1.7 O descrédito de outras instâ
sensação social de insegurança- 1.5 A configu de de "sujeitos passivos" - 1.6A identificação
de novos riscos - 1.3 A institucionalização d
plo, o patrimônio histórico-artístico. Entre outros fator
des que sempre estiveram aí, sem que se reparasse nas
pondia, ao menos de modo expresso; por exemplo, o terceiro lugar, háquecontemplar o incremento essenci rimentam, comoconseqüência da evolução social e cul
outro lado, deve aludir-se à deterioração de realidad abundantes queem nossos diascomeçam a manifestarsos", aosquais se atribui agora um valor queanteriorm
indivíduo, que se vê influenciado poruma alteração da título deexemplo, as instituições econômicas de crédit
tiam - oü não com a mesma incidência -, e em cujo co
já a aparição de novos bens"jurídicos - de novos interes rações de interesses preexistentes -, já ao aumento de poralguns dos queexistiam anteriormente, que poderia ção por meio do Direito Penal. As causas da provável bens jurídico-penais são, seguramente, distintas. Por u rara conformação ou generalização de novas realidade
rídicos especialmente importantes. Fixado esteponto, pa em conta a possibilidade de que sua expansão obedeça,
1.1
SOBRE ALGU
DA EXPANSÃO DO DI
28
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
A doutrina já se ocupou detalhadamente desses fenômenos - bens
coletivos,1 interesses difusos - que realçam a crescente dependência do ser humano de realidades externas ao mesmo, como é o caso da normal
atividade de determinados terceiros. O que não significa, em absoluto, que se possa afirmar, de momento, a existência de um consenso total sobre
quais devem ser protegidos penalmente e em que medida. De qualquer modo, seria ocioso dedicar aqui mais espaço a essa discussão. Oque in
teressa ressaltar neste momento é tão-somente que existe, seguramente, um espaço de "expansão razoável" do Direito Penal, ainda que, com a mesma convicção próxima dacerteza, sedeva afirmar quetambém sedão
importantes manifestações da "expansão desarrazoada". A título pura
mente qrientativo: a entrada maciça de capitais procedentes de ativida des delitivas (singularmente, do narcotráfico) em um determinado setor
da economia provoca uma profunda desestabilização desse setor, com
importantes repercussões lesivas. É, pois, provavelmente razoável que
os responsáveis por uma injeção maciçade dinheiro negro em um deter
minado setor da economia sejam sancionados penalmente pela comissão » de um delito contra a ordem econômica. Mas, vejamos, isso não faz, por si só, razoável a sanção penal de qualquer conduta de utilização de pe
quenas (ou médias) quantidades de dinheiro negro na aquisição de bens ouretribuição deserviços. A tipificação do delitode lavagem dedinheiro é, enfim, uma manifestação de expansão razoável do Direito Penal (em seu núcleo, de alcance muito limitado) e de expansão irrazoável do mes mo (noresto dascondutas, em relação as quais nãose possa afirmar em absoluto que,de modo específico, lesionema ordemeconômica de modo
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
29
do risco" ou "sociedade de riscos" (Risikogesellschaft)? Com efeito, a so ciedade atual aparece caracterizada, basicamente, por um âmbito econô mico rapidamente variante e pelo aparecimento de avanços tecnológicos sem paralelo em toda a história da humanidade. O extraordinário desen
volvimento da técnica teve, e continua tendo, obviamente, repercussões diretas em um incremento do bem-estar individual.4 Como também as têm
a dinâmica dos fenômenos econômicos. Sem embargo, convém não igno rar suas conseqüências negativas. Dentre elas, a que interessa aqui ressal tar é a configuração do risco de procedência humana como fenômeno so
cial estrutural.5 Isso, pelo fato de que boa parte das ameaças a que os cida dãos estão expostos provém precisamente de decisões que outros concida dãos adotam no manejo dos avanços técnicos: riscos mais ou menos dire tos para os cidadãos (como consumidores, usuários, beneficiários de servi ços públicos etc.) que derivam das aplicações técnicas dos avanços na in dústria, na biologia, na genética, na energia nuclear, na informática, nas comunicações etc. Mas, também, porque a sociedade tecnológica, crescen temente competitiva, desloca para a marginalidade não poucos indivíduos, que imediatamente são percebidos pelos demais como fonte de riscos pes soais e patrimoniais.
O progresso técnico dá lugar, no âmbito da delinqüência dolosa tradi cional (a cometida com dolo direto ou de primeiro grau), a adoção de novas técnicas como instrumento que lhe permite produzir resultados especial mente lesivos; assim mesmo, surgem modalidades delitivas dolosas de novo cunho que se projetam sobre os espaços abertos pela tecnologia. A crimi
penalmente relevante).
nalidade, associada aos meios informáticos e à internet (a chamada ciber-
1.2 O efetivo aparecimento de novos riscos
delinqüência), é, seguramente, o maior exemplo de tal evolução. Nessa medida, acresce-se inegavelmente a vinculação do progresso técnico e o
Desde a enorme difusão daobra deUlrich Beck,2 é lugar comum ca racterizar o modo social pós-industrial em que vivemos como"sociedade
'" Cf. Alexy, Derechos individuales ybienes colectivos, em sua obraEl conceptoyIa
validez dei derecho (trad. J.M. Sena), Barcelona, 1994, p. 179 e ss, 186-187: "Um bem éum bem coletivode umaclasse de indivíduos quando conceitualmente, fáctica oujuridicamente, é impossível dividi-lo em partes è outorgá-las aos indivíduos. Quando esse éocaso, obem tem umcaráter nãodistributivo. Osbens coletivos são
bens não-distributivos".
'" Istoé, umasociedade na qualosriscosse referema danosnãodelimitáveis, globais e, com freqüência, irreparáveis; que afetam a todos os cidadãos; e que surgem de decisões humanas. Uma descrição resumida em Beck, De Ia sociedad industrial a Ia sociedad dei riesgo (trad. Del Rio Herrmann), Revistade Occidente 150, novem bro de 1993, p. 19 e ss.
'" Desde logo, como se reconhece de modo praticamente unânime, dito progresso aumentou de modo relevante a segurança dos homens perante os riscos de origem natural: cf. Kuhlen, Zum Strafrecht der Risikogesellschaft, GA, 1994, p. 347 e ss, 360; Schünemann, Kritische Anmerkungen zur geistigen Situation der deutschen Strafrechtswissenschaft, GA, 1995, p. 201 e ss, 211.
Cujos livros emblemáticos são textos de cabeceira da moderna teoria social:
151 Cf. a esse respeitoas considerações gerais de LópezCcrezo/Luján López,Ciência
Gegengifte. Dieorganisierte Unverantwortlichkeit, Frankfurt, 1988; Politik inder Risikogesellschaft,Frankfart, 1991; DieErfindung des Politischen.ZueinerTheorie
vpolítica dei riesgo, Madrid, 2000, passim, p. 24-25. Em relação ao Direito Penal em particular, Pércz dei Vallc, Sociedad de riesgos y derecho penal, PJ 1996, n. 43-44,. p. 61 e ss; López Barja de Quiroga, El moderno derecho penal para una sociedade de riesgos, PJ, 1997, n. 48, p. 289 e ss.
Risikogesellschaft. Aufdem Weg in eine andere Moderne, Frankfurt, 1986; reflexiver Modernisierung, Frankfurt, 1993.
30
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
desenvolvimento das formas de criminalidade organizada, que operam internacionalmente econstituem claramente um dos novos riscos para os indivíduos (e os Estados). Mas é, ainda assim, fundamental - e, dependen
do do ponto de vista, mais ainda que no âmbito das formas intencionais de
delinqüência - aincidência dessas novas técnicas na configuração do âm
bito da delinqüência não intencional (no que, desde logo, ésecundária sua
qualificação como dolosa-eventual ou culposa). Isto é, as conseqüências lesivas da "falha técnica", que aparecem como um problema central nesse
modelo, no qual se parte de que um certo porcentual de acidentes graves?
resulta inevitável6 à vista dacomplexidade dos desenhos técnicos. Assim se trata de decidir, entre outras coisas, a questão crucial dos critérios de
localização das "falhas técnicas", ou no âmbito do risco penalmente rele vante, ou no âmbito próprio do risco permitido.
1.3 Ainstitucionalização da insegurança Asociedade pós-industrial é, além da "sociedade de risco" tecnoló
gico, uma sociedade com outras características indivtdualizadoras que contribuem àsua caracterização como uma sociedade de "objetiva" inse
gurança. Desde logo, deve ficar claro queo emprego de meios técnicos
acomercialização de produtos ou a utilização de substâncias cujos pos síveis efeitos nocivos são ainda desconhecidos e, última análise, mani-
festar-se-ão anos depois da realização da conduta, introduzem um im portante fatorde incerteza navida social.7 Ocidadão anônimo diz: "estão
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
31
Tudo isso evidencia que, inegavelmente, estamos destinados a viver em uma sociedade de enorme complexidade,9 na qual a interação indivi dual -pelas necessidades de cooperação e de divisão funcional - alcançou níveis até agora desconhecidos. Sem embargo, a profunda correlação das esferas de organização individual incrementa a possibilidade de que alguns desses contatos sociais redundem na produção de conseqüências lesivas.10 Dado que, no mais, tais resultados se produzem em muitos casos a longo prazo e, de todo modo, em um contexto geral de incerteza sobre a relação causa-efeito," os delitos de resultado/lesão se mostram crescentemente in
satisfatórios como técnica dê abordagem do problema. Daí o recurso cada vez mais freqüente aos tipos de perigo, assim como a sua configuração cada vez mais abstrata ou formalista (em termos de perigo presumido).12 A crescente interdependência dos indivíduos na vida social dá lugar, por outro lado, a que, cada vez em maior medida, a indenidade dos bens jurídicos de um sujeito dependa da realização de condutas positivas (de controle de riscos) por parte de terceiros.13 Expressado de outro modo, as esferas individuais de organização já não são autônomas; produzcm-se, de modo continuado, fenômenos - recíprocos - de transferência e assunção de funções de proteção de esferas alheias. Em Direito Penal, isso implica na tendência de exasperação dos delitos de comissão por omissão que inci de diretamente em sua reconstrução técnico-jurídica.14
nos 'matando', mas não conseguimos ainda saber com certeza nem quem
"'
novos riscos, significando que é preferível aprofundar-se noscritériosde
,u" Cf., por exemplo, K. Günther, Kampf gegen das Bõse? Zehn Thesen wider die
nem como, nem aque ritmo". Em realidade, faz tempo que os especialis tas descartaram aexcessivamente remota possibilidade deneutralizar os
distribuição eficiente ejusta dos mesmos - existentes eem princípio não
neutrahzáveis.8 O problema, portanto, não radica mais nas decisões hu manas que geram os riscos, senão também nas decisões humanas que os
distribuem. E se é certo que são muitos os que propugnam a máxima participação pública nas correspondentes tomadas de decisão, não é menos
certo que, de momento, as mesmas têm lugar em um contexto de quase total obscuridade.
* ?f' l reffência de ^P** Cerezo/Luján López, Ciência ypolítica, p. 28 ess, àtese das catástrofes normais" (de Charles Pcrrow, Normalaccidents: living with high-
risk technologies, New York, 1984).
(" Oproblemadas denominadas "vacas loucas", que se acha em pleno apogeu quan do escrevo estas linhas, émais um exemplo dessa situação. Cf. López Cerezo/Luján López, Ciência ypolítica, p. 173 e ss.
A relação entre a crescente complexidade social e o incremento de disposições penais que, a seu juízo, prosseguirá no futuro, é estabelecida por Roxin, El desarrollo dei derecho penal e ei siguiente siglo, Dogmáticapenal ypolítica criminal(trad. Abanto
Vásquez), Uma, 1998, p. 435 e ss, 448-449. ethische Aufrüstung der Kriminalpolitik, KritJ, 1994-2, p. 135 e ss, 151: "O mode lo liberal de uma sociedade de indivíduos tinha que aparecer, desde a perspectiva de uma sociedade que se integrava no essencial sobre diferenças de status e obriga ções de reciprocidade, como uma 'sociedade do risco'". "" Cf. López Cerezo/Luján López, Ciência vpolítica, p. 138, 170 etc. "2> Nisso constituindo a tradução jurídico-penal do denominado "princípio de precau ção", seguido na gestão política de riscos: cf. López Cerezo/Luján López, Ciência y política, p. 139 e ss. Sobre outras razões do recurso aos tipos de perigo, cf. infra. "" Aponta-o claramente Schlüchter, Grenzen strajbarer Fahrlassigkeit, Thílngersheim/
Nümberg, 1996, p. 3, quandodestacaa diferençaentreos riscos vinculados à impru dência de um cocheiro do século XIX e a de um piloto de avião na atualidade.
"*' Até o ponto em que algum autor manifesta que a comissão imprudente é o novo
paradigma do conceito de delito: cf. K. Günther, De Ia vulneraciónde un derecho a Ia infracción de un deber <.Un "cambio de paradigma en ei derecho penal?" (trad. Silva), La situação insostenible, Instituto de Ciências Criminales de Frankfurt, p. 489 e ss, em especial 502 e ss.
nsicherung, em Frehsee/Lòschper/Smaus (Hrsg.), Konstruktion
ém Hitzler/Goschl, Reflexive Reaktionen. Zur Bewaltigung •
ersitas 3/1992, p. 229: "primãrer Risikofaktor istder Merisch
ências e indústrias.
a de quadrilhas - basicamente, de indivíduos marginalizados, - dedicadas a delinqüência de apossamento (furtos e roubos),
enormas bem assentadas sobre sesuaconduta é correta ou não. amente deve aludir-se nesse âmbito à "outra" criminalidade or e com força nas grandes cidades. Concretamente, aque se mani
social seria que ohomem deve comportar-se arriscadamente ("er erhalten") também em um sentido moral, isto é,sem poder cer
che Denken, München, 1994, p. 232-233. Uma dascaracterísti
ciativa, possam ser dirigidos de maneira radical contra ele me
sche Risikogesellschaft" (sociedade de riscos pluralista) alude Grundprobleme der Rechtsphilosophie. Eine Einführung in das
que caberia acrescentar também as estruturas sociais.
xão devida o que põe em perigo as estruturas políticas atual
crescentecomplexidade e de uns menoresprazospara tomard
do, dé 12.12.2000, p. 10-11, destaca que "c precisamente a c
politique du pire. Paris, 1996. Naliteraturajurídico-penal me Schultz, DeIaaceleración deIas condiciones deIavida. Reflexio adecuada deiderecho penal (trad. Ragués), La sítuación insos Ciências Criminales de Frankfurt, p.447 e ss,com numerosas da,A.- y H.Toffler, Crisis de Iademocracia de masas em EEUU
dumoieur. Paris, 1993: La Vitcsse de liberation, Paris. 199
significativos, a esse respeito, ostrabalhos do pensador francê
convertendo em um importante objeto de estudo das ciência
Otema da aceleração do ritmo de vida pela revolução das co
que seus produtos, naturalmente não todos ctampouco amaio e precisamente osque contêm uma parte especial desuageni
E, portanto, como se indicava mais aci ma, omedo pode ter um real. Nesse sentido indicou João Paulo II, cm sua cncíclica F Capítulo IV, n. marg. 47: "O homem, portanto, vive cada vez co
cação emocional do risco existente".
Ainda que ofenômeno psicológico social dasensação de inse dentes: sobre otema Arzt, DerRuf, p. 13 ess, 33, descrevendo
139:"(...) cadavez mais pessoas partem dequepodem confia gente c cmcircunstâncias cadavezmais excepcionais e dequ confiar profilaticamente cada vez em mais ocasiões e de mais
der Wirklichkeit durch Kriminalitàt und Strafe, Baden-Bade
fonte dedúvidas, incertezas, ansiedade e insegurança. Três aspectos concretos, atítulo puramente exemplifi trar essa idéia. Por um lado, é inegável que a população crescente dificuldade de adaptação a sociedades em cont Desse modo, depois da revolução dos transportes, a atuai municações dá lugar a uma perplexidade derivada da falta velmente real -de domínio do curso dos acontecimentos,
mau, sobre em que se pode e em que não se pode conf
que se soma a falta de critérios para a decisão sobre oq
queos "novos riscos"-tecnológicos e nãotecnológicos é assim que a própria diversidade e complexidade socia pluralidade de opções, com a existência de uma abundâ
uma forma especialmente aguda de viver os riscos. É
industrial é a sensação geral de insegurança,18 isto é,
Com efeito, um dos traços mais significativos das soci
como asociedade da"insegurança sentida" (ou como aso
Desde essa última perspectiva, nossa sociedade pode s
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃ
maneira, mais importante que tais aspectos objetivos é ensão subjetiva de tal modelo de configuração social.
ocial de insegurança
nos anos 60 e posteriores.
, amulticulturalidade e os novos bolsões de marginali ambém que, a raiz de tudo isso, a ideologia deleie or em setores sociais muito mais amplos do que aqueles
blemas de vertebração atéa-pouco porelas desconheci
specto - oda criminalidade de rua ou de massas (segu s em sentido estrito) - converge com as preocupações entos como o de "lei e ordem". Nesse sentido, o fenô O novo é que as sociedades pós-industriais européias
o".
constitui a outra dimensão (não tecnológica) de nossa
a própria convivência aparece como uma fonte de con ais. O fenômeno da "criminalidade de massas" determi e mostre muitas vezes, precisamente e sobretudo, como
utras manifestações16) mais ou menos explícita. Nesse
sua acepção mais ordinária de "criminalidade de rua"
ões de desemprego ou marginalidade - especialmente eis, de migrações voluntárias ou forçadas, dechoque de iedade, em suma, com importantes problemas de vertentre outros efeitos, que não precisamos analisar neste é que todos esses elementos geram episódios freqüentes
o modelo do Estado do bem-estar, uma sociedade com
sociedade pós-industrial européia é uma sociedade qué
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
34
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
duzir-se senão em termos de insegurança. Por outro lado, as pessoas se acham ante a dificuldade de obter uma autêntica informação fidedigna em uma so ciedade —ada economia do conhecimento—caracterizada pela avalancha de
informações.,21 Estas, que de modo não infreqüente se mostram contraditó rias, fazem em todo caso extremamente difícil sua integração em um contex
to significativo que proporcione alguma certeza.22 Em terceiro lugar, deve ser ressaltado que a aceleração não é somente uma questão da técnica, mas, precisamente, também da vida. A lógica do mercado reclama indivíduos sozinhos e disponíveis, pois estes se encontram em melhores condições para acompetiçãomercadológicaou laborativa.De modo que, nessa 1inha, as novas realidades econômicas, às que se somaram importantes alterações ético-sociais, vêm dando lugar a uma instabilidade emocional-familiar que produz
uma perplexidade adicional no âmbito das relações humanas.23 Pois bem, nesse contexto de aceleração e incerteza, de obscuridade e confusão,24 se produz uma crescente desorientação pessoal (Orientierungsverlusi), que se manifesta naquilo quejá se denominouperplexidade da "relatividade"P Em realidade, porém, seria provavelmente mais expressivo falar da
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
35
ou a busca da solução consensual, sem premissas materiais a partir das quais se possa buscar o consenso. Agora vejamos, comojá se disse, se tudo é igualmente verdadeiro, então acaba a força impondo-se como o
argumento mais poderoso.27 E,ante tal constatação, é forçoso convir que é difícil não sentir insegurança.
Visto de outra forma, tampouco cabe negar que a relação de interde pendência entre esferas de organização e a necessária transferência a ter ceirosde funções de respaldo da própria esferajurídica,como correlato da
perda de domínio real, constitui uma base efetiva da sensação de insegu-
rança.28.Sobretudo, quando tal interdependência tem lugar emum contexto
fortemente atomizado, isto é, anônimo, após o desaparecimento ou, pelo menos, o importante retrocesso das estruturas orgânicas de solidariedade mais tradicionais.29 De fato, não deixade ser intranqüilizador o manifesto
paradoxo de que o incremento da interdependência social tenha lugar no contextode uma sociedadede massas na qual se experimentauma"desso-
lidarização" estrutural, como patente retorno ao privado segundo critérios deinteresse individual.30 Ecertamente esse é o modo social hoje dominan te do "individualismo de massas", no qual "a sociedade já não é uma co
perplexidade do "relativismo". De fato, a perplexidade da relatividade tem também - e talvez mais do que tudo - uma dimensão filosófica e éti ca, pela perda de referências valorativas objetivas. Vivemos em uma so ciedade na qual se constata a ausência de referências de "auctoritas" ou de princípios generalizaveis,26enquanto prevalece o pragmatismo do caso
mente inclinados a uma íntima satisfação dos próprios desejos e interes-
1211
,27' Marina, Crônicas, p.48; outambém p.222: "Se não existem valores, a liberdade
Lledó Real, La inseguretat com a causa dei racisme i Ia xenofobia, RCSP2, abril 1998, p. 19 e ss, 22: "Potser mai com ara em aquesta societat 1'ésser humà ha estat més informat i ai mateix temps més sol. Alie ais altres, i sobretot alie a si mateix, perplexdavant dei irióni perplexdavant de si mateix, no comprèn que Iainformado sense teoria es um obstacle per ai pensament, tant com mancar d'informado". (2!' Cf., de forma genérica, Bell, Eladvenimientode Iasociedadpós-industrial, Madrid, .1991, tratando da transformação do industrialismo,dando lugar ao advento da so ciedade da informação. A caracterização de nossa sociedade como "sociedade da informação" (lnformationsgesellschaft) pode ser vista também em Luhmann, Die Gesellschaft der Gesellschaft, Frankfurt, 1997, II, p. 1.088 e ss, com múltiplas re ferências. No raciocínio de Luhmann, a sociedade da informação aparece, junto a sociedadedo risco, como fórmula de expressão da autocompreensão e autodescrição de nossa sociedade.
""
Cf. Marina, Crônicas de Ia ultramodemidad, Barcelona, 2000, p. 100, 108.
a" Ao que se alude com o afortunado título da obra de Habermas, Die ncue Uniibersichtlichleit, 1. ed., Frankfurt, 1985.
,m Smart, Postmodernity, London/New York, 1993, p. 111.
•»» Destaca-o João Paulo II, Fides etRatio, Capítulo VIÍ, n. marg. 91, em que, ao alu dir ao pós-modemo e suas correntes de pensamento, observa criticamente que "(...) segundo algumas delas, o tempo das certezas ficou para trás irremediavelmente; o
munidade, mas um conglomerado de indivíduos atomizados e narcisistica-
homem deveria agora aprender a viver em uma perspectiva de carência total de sentido, caracterizada pelaprovisioriedade e pelafugacidade". do ditador é tão válida como a do cidadão, embora mais forte".
'"' Também H. Lübbe, Moralismusoderfingierte llandlungssubjektivitat in komplexen
historischen Prozessen, em W. Lübbe (Hrsg.), Kausalitat undZureclinung, p. 289
e ss,293, emque seobserva que a tendência a expansão da imputação sevincula a perdas de auto-suficiência c,portanto, a dependência e susectibilidade a ações de terceiros socialmente marginalizados.
lí" Cf. Lledó Real, RCSP 2, abril 1998, p. 21: "La complexitat de 1'cstructura social actual potência raíllament de les persones i les famílies. Lcs rclacions de grup són superficiais i poc freqüents, ja que no esplanifica res a Thàbitat per afavorir-les. Es van perdem valors tan importants comodeIa solidaritat iIa comunicacióinterpcrsonal; s'cstàndeshumanitzantels costums, mentreque Ia tecnologia envaeix lanostra vida". Emtalsentidojá seobservou, a meu vercom razão, queassociedades modernas são "sociedades doseguro", porque este vem a satisfazer um importante aspecto dade manda por segurança que se verifica nesse contexto deanonimato c atomizaçâo. O seguroestariagerando, assim, um conceito moderno de "solidariedade". Cf. Ewald, Die Versichérungs-Gesellschqft, KríU, 1989, p. 385e ss, 387.
,y" Produzindo-se uma monetarização de qualquer relação que, em lugar de relações de reconhecimento recíproco, gera relações de "indiferença" recíproca. Cf. Barcellona, Postmodernidady comunidad. Elretorno deIa vinculación social (trad.
Silveira/Estévez/Capclla), Madrid, 1992, p. 112, 121, 123etc.
de natureza bastante diversa, mas que provavelmente não sejao
nte e de modo imediato.34 Além disso, como observado'
1998. Como observa Contreras, Aceprensa, 126/98, 23.09.19
lténs der Gastarbeiternachkommen, KrimJ, 1.985, p. 169 e ss. Cf. remdenhafials Ursache von.Gewa.lx?Staatliche(Des-)lnformaiion , em P.A. Albrecht/Backes (Hrsg.), Verdeckte Gewalt. Plãdoyers brústung ", Frankfurt, 1990, p. 100 ess.
tadas ousofram manipulações. Nasociedade alemã, umdostemas iscussão foi sempre o da criminalidade dos jovens filhos de imi xemplo Mansel, Gefahr oderBedrohung? DieQuantitat des '
sações violentas, é muito significativo que as estatísticas delitivas
vai lograro plenodomíniode seu destino.
das maiores ameaças neste fim deséculo éatentação a desespe e, curiosamente, como o próprio Pontífice constata, junto a isto itivismo que ainda crêque o homem, com suas conquistas cien
o Paulo II, Fides et Ratio, Capítulo VII, n. marg. 91, "Ante esta ática, ootimismo raciònalista que via na história o avanço vito nte de felicidade e de liberdade, não. pôde manter-se em pé, até o
tros termos,as relações (sociais e) individuais são intermediadas
gicamente, "corresponde a necessidade desegurança que se
ir alguma coisa emface deoutro não com base emrazões morais, ão com base naexistência de uma norma legal que justifica sua
"M Muito preciso, Francesc Barata, Las nuevas fábricas dei mied dia" y Ia inseguridad ciudadana, Munagorri Laguía (ed.), La
"muito rrienos dores que anos atrás, mas tem muitomaissofrimen
suprimi-la. Quando essa doré inevitável, ohomem sesente desc se pode dizer qúe nesse tempo, emnosso mundo superdesenvol
comoumestímulo paratomarosremédios adequados coma finali
Masohomemde hoje está pouco preparado para 'sofrer'; qualque
talidade segundo aqual o homem pode dominar todas as coisas
propagandistas da recompensa imediata". Mas aquestão 6se se t sos jovens enão também de nós mesmos. Apropósito da discuss o explica muito convincentemente R. Termes; De Ia disponibil diário El País, de 06.04.1998: "O desenvolvimento da tecnologia
Como, por certo, também sucede relativamente à dor, aosofrim etc. Marina, Crônicas, p. 147, oressalta: "Estamos educando no baixo nível de tolerância a frustração. Todos nos convertemos
Innere Unsicherheit? Kriminologische Aspekte, Chur/Zürich
in Schweizerische Arbeitsgruppe für Kriminologie (Hrsg.),
Kunz, Die innere Sicherheit: SchlUsseldimension eincr nene
Sludien zur Vorverlegung des Strafreclttsschutzes in den G Heidclbcrg, 1990, p. 50, aludindo que o Direito Penal, conte
Cf. Hcrzog, Gesellschaftliche Unsicherheit undstrafrevhtlich
quer trivialidade que possa afetar a nossa saúde".
melhor que jamais se viveu antes, e nada obstante ficamos intr
sociedadsentimentalizada, em sua resenha dessaobra, "nenh menosrazões que a nossapara estar obcecadapelaenfermida
dividualidadpostmodema, AFD, 1999, p. 321 e ss, 327, 322. 99, p. 324, e nota 2 (citando P. Barcellona): "A única forma dç tre o indivíduo e a sociedade é o Direito: isto significa que úm
ável quea aparição dos novos riscos está,de certaforma, radical reduçãodos perigos procedentes de fontes natu-
ntroláveis (os próprios da Risikogesellschaft), que lhes
contrasteespecialmente intenso coma realidade social atual. E t
cia - é oque seconvencionou chamar de"sentimentalização" Cf. Faking it. Thesçntimentalisation ofmodemsovietv, Londo
controlar inclusive o futuro, com certeza herdada do positivis
'*" Uma causa adicional seria nossa pretensão, antes aludida, d
tem de modo concentrado grupos humanos numerosos.
inseguras) determinem que os fenômenos naturais -osterremot
ção depopulação em cidades, inclusive eventualmente em sub
Isso écerto, apesar de que as estruturas sociocconômicas (por e
Em todo caso, à vista do que vem acontecendo n
incontestável acorrelação estabelecida entre a sensação rança diante dó delito eaatuação dos meios de comunic
ma "sensibilidade ao risco".38
. avivência subjetiva dos riscos é claramente superior a objetiva dos mesmos?1 Expressado deoutro modo, exist
rais (assim, as conseqüências lesivas de enfermidades ou tal motivo, é mais razoável sustentar que, por fnúltiplase
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃ
nça sentida pelos cidadãos secorresponda de modo exato istência objetiva de riscos dificilmente controláveis, ou
o acima permite intuir que é realmente duvidoso que a
riente Médio e dos Bálcãs, assim como do terrorismo caso espanhol-, constituem uma renovada vivência do e angustia.33
XX. Ainda não silenciaram os ecos das duas guerras essão ininterrupta de conflitos locais propiciados pela ocesso de descolonização. Mas a barbárie das guerras
cessão de guerras e destruição quecaracterizou o recém-
do significativo tem sido possível experimentar ao largo
intensa experiência do malcomo elemento de nossa exis
stância, a insegurança e a angústia podem também guar
segurança) tenda a mostrar-se mais e mais intensa.
os, em tal modelo, em que a vida social subordina-se à modo que as ações somente se explicam em termos de ensões jurídicas,32 é até certo ponto razoável que asensa
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
haver sido submetido a tratamento".
mente pelo Tribunal Supremo, mas sem vdar mostras dearrepen
aviacumprido suapenade acordocoma legislação vigente, inter
poca dos fatos. Em 1999, anunciou-se que seria ele libertado], de
amos aprimeira edição deste livro vi venciávamos mais um episó o dessa influência, relativo a questão da libertação definitiva do olador dei ensanche" [NT: Trata-se de indivíduo que foi preso e spanha pelaprática dediversos crimes sexuais, quetiveram grande
tativos, sem que se possarefletir sobre a maneirade contabilizá-los.
l fazos homens mais próximos; não parece, porenquanto, queos antes, mas certamente mais próximos. Aomesmo tempo, persis s de organização políticaem setoresestanques, aindaquécada vez ste entreambas realidades produzsensação de desordem, umcer nte daausência de meios.instituições, procedimentos, para fazer emas que supõe a proximidade gerada pela técnica". esellschaft, II, p. 1.099, ressaltando a forma como sedáprioridade
veros, Desorden mundial, nodiário ElPais, 12.11.1998, p. 20: "A
ocesso de "construção da notícia".
revalência de modelos de eleição racional diante do papel do am .Demodo geral, osdiversos trabalhos contidos novolume Mitjans i seguretat pública, RCSP, n. 4, junho de 1999, com referências
do, uma imagem demasiadamente positiva da polícia e dajustiça
Die Gesellschaft, II, p. 1.096e ss. dia made criminality: therepresentation ofcrimeinthcmass media, ndbook of Criminology, 2. ed., Oxford, Maguire/Morgan/Rciner, s,eraquedestacaa formacomoa imagemque transmitem os meios idade; se transmite umadesproporção de delitosviolentos, autores
PJ, Madrid, 1999, p. 73 e ss.
mesmo sentido, M. Rodrigo Alsema, El conocimiento dei sistema socialy médios decomunicación, em Larrauri Pijoan (dir.). Políti
adana, Ofiati Proceedings 18,Onate, 1995, p. 83e ss,comamplas
propagar uma sensação de medo e de vitimização e intro-
a cólera públicas, podem acelerar a invasão da democra
r dosilícitos e catástrofes,43 gerandoumainsegurança sub corresponde com o nível de risco objetivo.44 Assim, já se ãoque "os meiosde comunicação, que são o instrumento
om a qual se examinam determinadas notícias atuam como
o seio de uma concepção do mundo como aldeia global, imagem da realidade40 na qual o que estádistante e o que uma presença quaseidêntica na forma como o receptor em. Isso dá lugar, algumas vezes, diretamente a percep , emoutras, pelosmenosa umasensaçãode impotência.42 ,poroutrolado,a reiteraçãoe a própriaatitude(dramatiza
ição privilegiada que ostentam no seio da "sociedade da
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
de crianças se convertem em acontecimentos nacionais para
por 100.000 habitantes -, essedado não é ressaltado com f que,aocontrário, aparentemente prestigia astesesdeque"o pr
o caso brasileiro. Nada obstante tenha a ONU divulgado e sobre a criminalidade que o Brasil possui o segundo maior ín planeta- 23,9por 100.000 habitantes; a Espanha é o paísque
fascinada pela morte e a transgressão. Sua exasperação pel fazer crer ao cidadão menos avisado que este tipo decrime é é o caso" (p.99). [NT: O fenômeno inverso lambem pode da
Garapon, Juez y democracia, Barcelona. 1997, p. 94,que a
e tribunais.
a difusão de notícias oblíquas provoca a impressão de que a sãoexcessivamente suaves, com aconseqüente desconfiança e
m Cf. Hough/Roberts, Sentencing Trends in Britain.Public Kn Opinion, em Punishment &Society, 1999, n. I,p. 11 ess, ressa
ensanche", foram dadas claramente nessa linha.
cm tomo da criminalidade organizada". As declarações do M meios de comunicação, relativamente ao caso supracitad
Wirklichkeit durch Kriminalitat und Strafe. Baden-Baden, 19 • •criminal oficial refere-se prazerosamente aofato deque a po • aceita esta tendência, senão que inclusive apropugna. Esta é c mentação pérfida, pois a disposição dapopulação a uma restri favor dasegurança germina exatamente sobre o terreno deu rança (Sicherheitspanik) criado por tal política criminal ofic
reporting, em Crime, Law &SocialChange. 27/1997, p. 87 e ma, Frehseè, Fehlfunktionen des Strafreclus undder Verf Freiheitsschutzes, em Frehsce/ LOschper/ Smaus (Hrsg.
'"' Conforme descrevem Baer/Chambliss, Generating fear: T
tado, revoltas populares, governos ditatoriais etc.
vidual característica dos momentos de incerteza política gera
""" Essa última expressão éclaramente empregada para significa
'•"'
em certas ocasiões, também as próprias instituições pú da criminalidade transmitem imagens oblíquas da rea buem com a difusão da sensação de insegurança.46 Umexemplo suficientemente comentado e critica tas páginas- é o relativo a forma como são apresentada delitos cometidos porjovens imigrantes (ou, melhor, fil na República Federal da Alemanha. Mas o fenômeno é Contudo, o que foi aludido acima nãodeveria con de de pensar que o medo da criminalidade é criado pel
Além disso, juntocom osmeios de comunicação,
expiatório que se acreditava reservado aos tempos revol
duzir de novo no coração do individualismo moderno o
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃ
40
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
nicação ou pelas instituições públicas. É, ao contrário, mais razoável a hi pótese de que eles, em todo caso, reforçam ou estabilizam medos já exis tentes. Como, também, a idéia de que o medo da criminalidade constitui, fundamentalmente, a concreção de um conjunto de medos difusos dificil mente perceptíveis que, como apontado páginas atrás, de algum modo são inerentes à posição das pessoas nas sociedades contemporâneas. Expres sado de outro modo, o medo do delito aparece como uma metáfora da inse gurança vital generalizada.48
Seja como for, o caso é que, em medida crescente, a segurança se converte em uma pretensão social à qual se supõe que o Estado e, em par ticular, o Direito Penal, devem oferecer uma resposta.49 Ao afirmar isso, não se ignora que a referência à segurança está contida em nada menos que o art. 2 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.50 Simplesmente se trata de destacar, como observa Prittwitz, seguindo o so"" Nesse sentido, Imbert, Los escenarios de Ia violência, Barcelona, 1992, p. 43, já
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
41
ciólogo Franz Xaver Kaufmann,51 que, apesar de incontestável a afirma ção de que os homens nunca viveram tão bem e tão seguros como agora, o certo é que "Angst und Unsicherheit (semd) zum Thema des 20. Jahrhunderts geworden".52 A Solução para a insegurança, ademais, não se busca em seu, diga mos, "lugar natural" clássico - o direito de polícia -, senão no Direito Penal. Assim, pode-se afirmar que, ante os riiovimentos sociais clássicos de restrição do Direito Penal, aparecem cada vez com maior claridade demandas de uma ampliação da proteção penal que ponha fim, ao menos nominalmente, a angústia derivada da insegurança. Ao quesiionar-se essa
demanda, nem sequer importa que seja preciso modificar as garantias clássicas do Estado de Direito: ao contrário, elas se vêem às vezes tacha
das de excessivamente "rígidas" e se apregoa sua "flexibilização". Ape nas como exemplo, vale aludir a demanda de criminalização em matéria meio ambiental, econômica, de corrupção política, no âmbito sexual (es pecialmente nas hipóteses de abuso sexual ou pornografia infantil), ou da
apontava que o medo que a pessoa experimenta em nossas sociedades é difuso, é
violência familiar etc.
um medo diante do imprevisível; Kube, Verbrechensfurcht-ein vernachlàssigtes kriminalpolitisches Problem, em Festschrift für Koichi Miyazawa, Baden-Baden, 1995,p. 199e ss 201. Esse autor, seguindo a Kierkegaard, distingue o alcance dos termos "Angst", como expressão do medo a algo indeterminado, e "Furcht", como medo vinculado a um objeto concreto; de modo que a "FCriminalitatsfurcht" redun daria em "Ângste" mais difusos. Com mais detalhes Kunz, Innere Sicherheit und Kriminalitãtsvorsorge im liberalen Rechtsstaat, em Kunz/Moser (Hrsg.), Innere Sicherheit und Lebensangste, Bern/Stuttgart/Wien, 1997, p. 13 e ss, 18-19, 21, observa que tanto a criminalidade como o medo a ela são objetivizações de outros
E é fato que, em um mundo no qual as dificuldades de orientação cognitiva são cada vez maiores, parece mesmo razoável que a busca de elementos de orientação normativa - e, dentre eles, o Direito Penal ocupa um lugar significativo - se converta em uma busca quase obsessiva. Com efeito, em uma sociedade que carece de consenso sobre valores positivos, parece que corresponde ao Direito Penal malgré lui a missão fundamental
riscos do sistema, estes menos perceptíveis; no mesmo sentido, M. Walter, Kriminalpolitik imZeichender Verbrechensfurcht: vonderSpezial- überdie Geralzur "Ubiquitats"pravention?, em Festschrift für H.J. Hirsch zum 70. Geburtstag, Berlin/New York, 1999, p. 897 e ss, 902.
1.5 A configuração de uma sociedade de "sujeitos passivos"
de gerar consenso e reforçar a comunidade.
da Alemanha, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, Innere Sicherheit. Herausfor-
A sociedade do Estado do bem-estar se configura cada vez mais como uma sociedade de classes passivas, no sentido amplo da expressão. Pen sionistas, desempregados, destinatários de serviços públicos educacionais,
derungen an den Rechtsstaat, Heidelberg, 1993, passim. Mas o tema da "innere Si
sanitários etc, pessoas ou entidades subvencionadas (beneficiários, enfim,
cherheit"(segurançainterior,ou, melhor,segurança cidadã) está se convertendoem
da transferência de riqueza, mais que criadores dos excedentes objetos de transferência) se convertem nos cidadãos, os eleitores por excelência. In clusive com relação ao cidadão abstrato se realça sua dimensão "passiva" de consumidor, ou de sujeito paciente dos efeitos nocivos do desenvolvi
"" Bastante reveladores sãoo título e o conteúdo do trabalho da ex-Ministra de Justiça
uma questão recorrente nos últimos anos de discussão político-criminal: cf. a obser
vaçãocrítica de Kniesei, 'Innere Sicherheit' undGrundgesetz, ZRP, 1996,p. 482 e ss; vide nesse sentido Schneider, H. J., Kriminalpolitik an der Schwelle zum 21. Jahrhundert. Eine vergleichende Analyse zur innerenSicherheit, Berlin, 1998.
15<" "O objeto de toda sociedade política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segu rança e a resistência a opressão". Como, de resto, observa Kindhauser, Universitas, 3/1992, p. 229, 233, "naturalmente, a aspiração por segurança não é ilegítima"; o quesüonável é que se converta na idéia matriz do Direito Penal, quando este, com seu instrumental, dificilmente pode atender de modo razoável a tal requerimento no modo em que o mesmo é formulado.
mento (sobre o meio ambiente, por exemplo). Diante disso, e certamente, ao menos em parte, pelo fenômeno da concentração do capital, as classes Sicherheit ais soziologisches und sozialpolitisches Problem,!. ed., 1973. "O medo e a insegurança se converteram no tema do século XX": Prittwitz, Strafrecht und Risiko. Untersuchungen zur Krise von Strafrecht. und Kriminalpolitik in der Risikogesellschaft, Frankfurt, 1993, p. 73.
42
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
ativas, dinâmicas, empreendedoras, são cada vez menos numerosas. E, de
qualquermodo, sua relevância - e inclusive seu prestígio - nocenáriosocial sãoinferiores; desdelogo, muitoinferiores a de cemou cinqüenta anosatrás. O modelo da pós-industrialização53 resulta, desse modo, diretamente
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
43
contrário, na sociedade da pós-industrializaçãò se constata com clareza uma tendência ao retrocesso da incidência da figura do risco permitido.55 Dessa maneira, se há um século o estado de coisas predominante no pensamento
contraposto ao da sociedade do desenvolvimento industrial do século XIX e
europeu "desenvolvimentista" podia aproximar-se à máxima "navigare necesse est, vivere non necesse",56 neste momento - em que poucos "nave
provavelmente da primeira metade do século XX.. Realmente, a industriali
gam", isto é, apostam decididamente pelo desenvolvimento - debate-se em
zação, noâmbito dadogmática jurídico-penal, havia trazido consigo a cons trução doconceito derisco permitido como limite doutrinário (interpretativo) a incriminação de condutas, assimcomoa determinação de seu alcance básico. Em linhas gerais, a idéia era a seguinte: a coletividade háde pagar o preço do desenvolvimento, admitindo que as empresas não adotam as máxi
mas medidas de segurança nemempregam materiais de máxima qualidade.
Do contrário, não se poderá obter o beneficio que permita a acumulação, de . capital necessária parareinversão e crescimento; ouentão nao progredirá no ritmo esperado. Eisso sedeve admitir ainda que sesaiba déantemão, ejá não mais de modo genérico, quese produzirão lesões e mortes, senão que espe cificamente em uma determinada indústria elas haverão de ocorrer.54 Pelo
'"' Da concentração econômica, daimigração e emigração, daglobalização. IS" Sobre a vinculaçâo daevolução doconceito derisco permitido com a industrializa ção,Prittwitz, StrafrechtundRisiko, p.301e ss.Aindasobreo temaSchultz,Kausalitat
torno da prioridade da necessidade de "viver" e, por extensão, a redução das fronteiras do risco permitido.57 Gomo é sabido, o conceito de risco permitido expressa uma pondera ção dos custos e benefícios da realização de uma determinada conduta.58 Mas também é evidente que tal cálculo depende de uma valoração prévia, na que necessariamente se haverá de incluir como premissa maior a autocompreensão da sociedade e a ordem relativa de valores (ou preferências) na qual aquela se plasme.59 Na mudança significativa da autocompreensão (isi prittwitz, Strafrecht undRisiko, p. 310-311. comentando como se produziu uma re visão dos princípios sobre cujabase tem lugar o tratamento social no que respeita aos riscos. A mudança de enfoque produzida nos últimos anos recebe uma valoração positiva em Fabricius, Rechtsdogmatische Waiuilungen ais Enmennungen gesellschaftlicher Risikozuteilungen, em ARSP-Beihefl, 71, Groschncr/Morlok (Hrsg.), Rechtsphilosophie und Rechtsdogmatik in Zeiten des Umbruchs. Stultgart, 1997, p. 119 e ss, 121, para quem o desenvolvimento do "Direito penal do risco" é um intento de reparar de maneira forçada uma situação na qual se havia tolerado o sacrifício maciço do bem jurídico "vida" em prol do progresso. Um exemplo de seu modo de ver as coisas em p. 128, nota 43: "se a velocidade máxima dos veículos na zona urba
und strafrechtliche Prodúkthaftung. Materiell- undprozessrechtliche Aspekte, em W. Lübbe (Hrsg.), Kausalitat undZurechnung. Über Verantwortung in komplexen kulturellen Prozessen, Berlin/New York, 1994, p. 41"e ss, 42-43; do mesmo,
Perspcktiven der Normativierung des objektiven Tatbestandes (Erfolg, Handlung, Kausalitat) am Beispiel der strafrechtliclien Prodúkthaftung, in Lüderssen (Hrsg.), Aufgeklartc Kriminalpolitik, III, p.43 e ss,48-49, aludindo cmparticular a questão das ferrovias nos Estados Unidos. Com a industrialização, pois, o risco permitido deixou de serexceção paraconstituir-se emregra.As referências clássicas sãoas de
Binding, Die Normen und ihre Übertretung, tomo IV, Leipzig, 1919, p. 432 y ss, 437,440, vinculando expressamente riscopermitido e desenvolvimento industrial;
ainda, p.445, nota 42: "uma indústria possivelmente não será rentável ou, pelo me nos, o seráde modo insuficiente seempregar o melhor material". Já antes, Von Bar,
Die Lehre vom Causalzusammenhange im Rechte, besonders in Strafrechte, Leipzig, 1871, p. 13, aludindo ao modo como a vida exige um certo risco, de maneira que a
na fosse reduzida a 30 km/h, os acidentes mortais diminuiriam em 90%".
(íw Amáximaé a versão latinado textogregode Plutarco e foiadotadacomolemapela Liga Hanseática. ,J11 Sobre a idéia de que o conceito de "risco" é um conceito cultural, assim como de que na percepção e aceitação do risco incide a posição social que se ocupa, cf. Schultz, em Lüderssen (Hrsg.),Aufgeklarte Kriminalpolitik, III, p. 50-51; Duelos, Quand Ia tribudes modernes sacrifte au dieu risque (Mary Douglas et le risque comme concept culturel), DS, 1994. vol. 13. n. 3. p. 345 e ss, 348, 353 c ss; López Cerezo/Luján López, Ciênciay política, p. 72 e ss.
"8I Cf. a obrabásicade ParedesCastanón,Elriesgopermitido enderecho penal,Madrid.
adoção de cautelas que poderiam evitá-lo, por sua vez, excluiriam toda atividade
1995, passim, em especial, p. 483 e ss. Da mesma forma. Paredes Castanón, El limite entre imprudência y riesgo permitido en derecho penai, ^es posible deierminarlo con critérios utilitários?, APDCP, 1996, III (2000), p. 909 e ss.
industrial (Gewerbebetriebe). Assim, conclui que háindústrias perigosas, mas ne cessárias paraa vida, dasquais sesabeporestatísticaque,como transcurso dosanos, um número de homens, e não somentedos que trabalham voluntariamente nelas, perderão avida. Denovo aqui também aparece a consideração doexemplo da ferro
via. Expressando um fenômeno atécerto ponto paralelo, a vinculaçâo das doutrinas da culpa civil nos Estados Unidos entre fins do século XIX e meados do século XX
comodesenvolvimentoindustrial ecom apretensão dediminuição decustos daclasse empresarial é ressaltada por Bisbal, La responsabilidad extracontractual y Iadistribución de los costesdeiprogreso, RDM, 1983, p. 75 e ss, 86, nota 16,95.
""
Nesse sentido, Jakobs, La imputación objetiva en derechopenal (trad. Cancio Meliá), Madrid, 1996,p. 119-170: "óQué valor corresponde ai riesgo existente para Iasalud en ei puesto de trabajo en comparación con unas condiciones de produeción rentables?"; Duelos, DS, vol. 18, n. 3, p. 350. "11 y a certains risques que nous ne percevons pas et d'autres que nous hypertrophions, et cela moins à partir de nos tendances personelles que par notre position dans les institutions socialles, qui 'pensént' le monde à travers d'une metaphoreprivilégiée". Crítico com os proce-
44
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
social produzida nas últimas décadas seencontra, pois, a base também da
modificação do produto do referido cálculo. Assim, a diminuição dos ní veis de risco permitido é produto direto da sobrevaloração essencial da segurança - ou liberdade de não-padecer- diante daliberdade (de ação).60 Ou, em outro sentido, da concepção de muitas liberdades como "liberda des perigosas" (riskante Freiheiten).Tal predomínio écaracterística deuma sociedade desujeitos pacientes mais quede agentes.61 ' Dessa forma, nos vemos, pois, diante de um modelo de sociedade
orientado auma restrição progressiva das esferas de atuação arriscada.62
Em outras palavras, como se indicava supra, um modelo social em que, na ponderação prévia aoestabelecimento da fronteira entre risco permitido e risco desaprovado, a liberdade deação cede claramente ante a liberdade de não-padecer.63 Seguramente, não são em absoluto alheios a essa circuns
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
45
te dos perigos, como estivemos indicando, já não pode ser concebida sem algum tipo de intermediação de decisões humanas, de natureza ativa ou omissiva.64 Mas, seja como for, o efeito é uma crescente tendência a trans
formação áoUnglück (acidente fortuito, desgraça) em Unrecht (injusto),65 o que inevitavelmente conduz a uma ampliação do Direito Penal.66 O tema é suficientemente importanteparajustificar uma breve incur-
•são sobreele. Comojá aludido, o núcleodo problema radicaem que, uma
vez produzido o resultado lesivo, nos inclinamos a rechaçar a idéia de que ele pode não ter se originado de qualquer comportamento descuidado de alguém.67 Agorainteressaobservar como issosupõeumcuriosofechamento do círculo aberto pelo Direito Penal moderno. Com efeito, no Direito Pe nal primitivo, e ainda hoje em certas sociedades, as catástrofes, a morte,
uma enfermidade ou uma diminuição física ou psíquica freqüentemente
tância os modernos progressos da-jurísprudència (e, eventualmente, da
eram vistas como expressão de delitos de alguém. Por um lado, de um ani
gerência", como fundamento daimputação de responsabilidade a título de
mal ou coisa, o que corresponde a uma visão anjmista do mundo.68 Mas, por outro,tambémde uma terceira pessoa(qualquer umaou, em particular,
doutrina) tendentes auma concepção bastante ampliadora da figura da "in comissão por omissão.
Mas, vejamos, o que foi até agoramencionado não é tudo. Na socie
dade de sujeitos passivos existe também uma resistência psicológica ante a aceitação do caso fortuito, ante a admissão da possibilidade de produção
dedanos por azar. Seguramente, isso tampouco é casual e se relaciona de
modo direto com autocompreensão de uma sociedade na qual amaior par-
os pais ou familiares) ou inclusive da própria pessoa afetada. Nesse último '"' Esse dado é essencial na delimitação que Beck realiza dos conceitos de risco e de perigo, Cf., nesse sentido, Esteve Pardo, Técnica, riesgo v derecho, Barcelona, 1999, p. 43.
"" Éinteressante a apreciação de Prittwitz, Strafrecht und Risiko, p. 108. relativa a que os acontecimentos negativos são mais fáceis de assumirse c possível atribuir
dimentos de definição do risco permitido, Fabricius, ARSP-Beiheft, 71, p. 137,
aludindo aintroduçãodeelementos míticos como "asociedade", "oordenamento" "o Estado" etc.
m Que no risco permitido se tratade um conflito de liberdades enão da mera proteção de uma liberdade éobservado por W. Lübbe, Eraubtes Risiko - Zur Legitimationsstruktur eines Zurechnungsauschliessungsgrundes, em Lüderssen (Hrsg.) Au fgeklarte Kriminalpolitik, I, p. 373 ess, 381, entendendo, nada obstante, que nem
aanálise decusto-benefício nem a perspectiva histórica fundamentam convincen
temente a instituição.
Como observa K.Günther, La situación insosteníble. Instituto deCiências Crimi-
nales de Frankfurt, p. 503, "(...) aliberdade de ação deriva de um perigo abstrato
em simesma. Em campos deação densamente entrelaçados, como è característico
nas sociedades de risco, opróprio uso individual da liberdade é perigoso em si".
,m Na percepção de Van Swaaningen, Criticai criminology. Visionsfrom Europe, London, 1997, p. 174, a nova sociedade do risco "is no longer oriented towards positive ideais, but towards the negative rational oflimiting risk" (já não estáorientada aideais positivos, senão aracionalidade negativa da limitação de riseqs).
(MI Aliberdade de ação se vê, sobretudo, como fonte de riscos: cf. otexto, de expressivo título, de Beck/Beck Gersheim (Hrsg.), Riskante Freiheiten. ZurIndividualisierung ' von Lebensformen inderModerne, Frankfurt, 1994.
a um terceiro responsabilidade por eles. Daí (p. 379) a tendência a encontrar um
autor - e de modo emabsoluto inútil - inclusive nos casos clássicos de desgraças provenientes danatureza. Aludindo aestefenômeno de"imputation déplacée" nas culturasprimitivas,Duelos,DS, vol. 18,n. 3, p.349. Diantedisso,sustenta Fabricius
quenoDireito Penal tradicionalmente temocorrido ocontrário: dadaafé noprogres soc nocrescimento própria dosjuristas, se pretende explicar o "injusto" como"des graça", esquecendo o mandamento de não sacrificar vidas humanas e não justificar talproceder emnenhum caso; desse modo tem sido possível o sacrifício maciço de vidas humanas como assentimento dospenalistas (ARSP-Beiheft, 71, p. 138). '"' Afrase relativaa transformação do "Unglück" cm "Unrecht" éempregada por vários autores: cf., por exemplo, Rrittwitz,Strafrecht undRisiko, 107 e ss, 113. 378 e ss; também em Seelmann, Socielat de risc i dret. em luris. Quaderns de Política Jurí dica, 1, 1994, p. 271 ess.
"" Isso, damesma forma que - vice-versa - a não produção dodano, freqüentemente abarca uma tendência ànegação daexistência dequalquer imprudência ou, emgeral, a infravaloração do risco.
'"' Cf., sobreotema, genericamente, asinteressantes observações deFauconnet, Warum édie Ihstitution "Verantwortlichkeit" gibi,em Lüderssen/Sack (Hrsg.), Seminar: Abweichendes Verhaltenll. Die gesellschafiliche Reaktion aufKriminalitãt. Bd. I Strafgesetzgebung und Strafrechtsdogmatik, Frankfurt, 1975, p. 293 e ss, p. 301e ss, aludindo às sociedades nas quais a morte nunca se considera "natural".
umresponsável paratudo,começando pelomaisabsurdo,
e insegurança sesoma, pois, emnosso niodelo social, a rotótipo de vítima que não assume a possibilidade de reu derive de uma "culpa sua" ou que, simplesmente, ar. Parte-se do axioma de que sempre há de existir um el aquem imputar ofato e suas conseqüências, patrimo A isso se tem referido com o significativo termo Z«-
ente elucidativa.
o de 1999 nacosta norte-americana, trouxe àtona essa questão
a Egypt-Air, fabricado pelaempresaestadunidense Boeing, que
discussão sobre aquemdevia imputar-se oacidente deum avião
sua produção. Cf., sobre otema, Esteve Pardo, Técnica, riesgo
ha humana", preferencialmente a versão mais intranqüilizadora ecidos, científica ou tecnicamente, osprocessos desencadeados
onjecturarsobre omodo pelo qual as próprias empresas promo
fenômeno generalizado. Da mesma forma, diante de qualquer
Barccllona, p. 54.
mento, com acorrespondente aglomeração de pessoas, que de nos sejam hoje muito superiores aos de outrora. Por outra parte, da fome epidêmica à política das grandes multinacionais, cf!
nente dos fenômenos naturais adiciona-se emnossos dias ofator
nos Aires, 17.10.2000, p. 25. Aidéia central deste trabalho éque
trofes naturais. Cf.P.Walker, Nohaycatástrofes "naturales", no
namente estão assolando determinadas zonas do planeta sejam,
e sepretende fazer recair sobre uma ou várias pessoas concretas, r com as teses modernas que questionam aidéia de que as catás
em seus pais...'" (J. 9,1-3).
ego de nascença. Os discípulos perguntaram-lhe: 'Mestre, quem ou seus pais, para ele nascer cego?' Jesus respondeu: 'Ninguém,
Evangelho segundo SãoJoão: "Jesus estava passando c viu um
, o teor dapergunta que seus discípulos formulam aJesus Cristo,
falta não somente responsáveis, mas também culpáveis
a força da natureza.70
199J,p. 341 ess.
ante-Beurteilung imStrafrecht und inderMoral, em Jung/Mü (Hrsg.), Recht undMoral. BeitrügezueinerStándortbestim
concreto para o Direito Penal, Kuhlen, Zur Problematik de
presente já passado se tomou uma decisão tão cuidadosa o
posteriori de modo diverso. Aposteriori já nãose entende
haja produzido um dano ou as coisas tenham saído bem,
de Luhmann, Soziologie des Risikos, Berlin, 1991: "Na de
durante muito tempo enfocado osfenômenos históricos com hoje semove para sentido inverso: daruma explicação huma fes naturais. Todos os sofrimentos vinculam-se a alguns res tam todo seu peso: não estamos com isto diante de um meca 107). Sobre a busca a posteriori - e a qualquer custo - de u casos emque haja ocorrido um resultado lesivo, são mais re
"4> W. Lübbe, ern W. Lübbe (Hrsg.), Kausalitat undZurechnung, '"' H. Lübbe, em W. Lübbe (Hrsg.), Kausalitat und Zurechnim '"' Garapon, Juez ydemocracia, p. 104, ao que se aduz: "Enqu
que constitui umadas possíveis "técnicas de neutralização" d
bilidade ao autor, este tende adescarregar sua responsabilidad
dor (tanto mais seeste éavítima). Enquanto oobservador ten
pensão a excluir ou, em todo caso, atenuar a responsabilidad Isso, dètodo modo, responde alógica dadiferença entre osjuíz
'"' Atendência auma hipertrofia da responsabilidade dos terceir
Lübbe (Hrsg.), Kausalitat und Zurcchnung, p. 223 e ss. 22 Moralismus oderftngierie Handlungssubjektivitat in ko Prozessen. ibidem, p. 289 e s*s.
"2> W. Lübbe, Handeln und Verursachen: Grenzen der Zurevh
tiva, sempre se pode imputá-la a uma negligência".76
sea evolução da sociedade democrática recuperasse a i ma morte é natural e que, se não é possível atribuí-la a
e, como tal, de dever.74 Daí que a "expansão da imput lugar a processos de despersonalização e, sobretudo, a de perda de conteúdo moral) na imputação.75 Expressando a tendência caracterizada, tem-se afi
resposta correta é que "ninguém é responsável". É verd pio, não cabe falar em responsabilidade sem capacida cimento. Mas tampouco a mera concorrência de capac nhecimento pode fundamentar a responsabilidade, que é
como característica cultural da sociedade contemporân pre se pergunta por um responsável,73 ainda que seja c
rechnungsexpansion, isto é, a expansão da imputação
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANS
lo XIX, e desde logo em todo oséculo XX, proliferaram das a contemplar todo delito como uma catástrofe (so uém seria individualmente responsável (ao que contri ministas de diversos matizes, assim como o marxismo). sefecha nos últimos anos, nos quais parece manifestarrrefreável acontemplar acatástrofe como delito e impu do ou de outro, a um responsável: nesse caso já a uma
ções deenfermidade e ilícito, de catástrofe e delito. Sem
e da conseqüente imputação de culpabilidade, separa
tida.65 ODireito Penal moderno, partindo doracionalis-
üências eram entendidas como um castigo de Deus por
onseqüências do azar eram imputadas à pessoa que as
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
conseguiu explicarcompletamente.
fato, permite introduzir em um contexto significativo ("enten
stão noâmbito do puramente cognitivo.
o, educação etc.) não exclui por sisóeautomaticamente a"impu de responsabilidade. Aseujuízo, para que aimputação seexclua exista e se formule uma "regra de exculpação", segundo a qual isso (p. 325-326,340). Uma regra que varia historicamente ecujo erá dos conceitos depessoaque seleve em conta (p. 328 ess). De ito perfeitamente essa proposição, pois a mesma, na realidade, jo exculpatório deexplicações empíricas "incompletas", isto é, s não seconsegue afastar por completo o agente como tal (assim las enfermidades mentais: cf. asreferências de Günther, p. 340bstaque aexplicação empírica completa (aquela em que oagente plenamente como tal) deva determinarperse adesnecessidade improcedência daimputação deresponsabilidade, para situar o
erantwortlichkeit aufderGrundage des Verstehens, emLüderssen rte Kriminalpolitik, I, p. 319e ss. Günther, comefeito, entende o" das conseqüências de um comportamento (por enfermidade,
eja "aceita pela sociedade como tal". Creio que não é substancial ente entre essa proposição e a de K.Günther, Die Zuschreibung
da responsabilidade, toda sanção, asquais devem ceder
ecisamente o intento de obviar a existência de fenôme xpressão de nenhuma "causa libera", senão meramente mos empíricos. Relativamente a estes, deve ser excluída
substancialmente ao âmbito da normatividade. O pro que, nessas últimas décadas, a "expansão da imputa
putação, o certoé quea conduta humana sempre resistiu e fato, ditaconduta, enquanto procedente de umsujeito
atria ou às ciências sociais), e de abandonar a dimensão
favor de explicações (e soluções) causais: a história da (ou misterioso). Contudo, ainda que o positivismo tenha mente, deexplicar inclusive oatuar humano segundoúm terminista, buscando reconduzi-lo sempre aoâmbito do
erta forma, ahistória da tentativa deredução dos espaços
amente, o fato há que ser inserido em um contexto her m o proporcionaé a imputação78). A história da humani
tão é preciso imputá-la a alguém, sejaàsociedade como um agente individual concreto. Pois, já que não pode ser
pinião, a imputação (normativa) e a explicação (empíri os que seexcluem reciprocamente. Isso quer dizer que a a e atribuição de sentido sótêm lugar com relação àque ra osquais não sealcança uma explicação empírica com não sepode explicar alguma coisa (atribuí-la a natureza)
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
novas podem serreinterpretados segundo o modelo das impr em relação as quais não se exigiria o requisito de punibilidad
"" Cf. supra. No mais, obviamente, nem todos os tipos de peri
como um mero reflexo da atividade policial, senão que se co cujo asseguramento pode ser exigido do Estado".
underecho penalfuncional (trad.Cancio/Feijó), Madrid, 19 dênciaàjuridicialização,comindependênciade qual seja sua pelo menos em um Estado prestador de benefícios, que a segu
furt, 1989, passim, p. 280. Tb. Jakobs, Sociedad, normayper
perigoabstrato,se tratade "normasde segurança",que protege Verfügung überGüternotwendigen (hcteronomen)Sicherhei é, as condições de segurança- heterônomas- necessárias par disposição sobre bens): nesse sentido KindhSuser, Gefahrdu
p. 54. Muito significativa é a construção de Kindhauser, para
m Cf. essa hipótese, por exemplo, Herzog, Geseílschaftliche
tender explicar" (a delinqüência juvenil, por exemplo). Cf. cias, a exposição de K. Günther, KritJ, 1994-2, p. 136, 149.
09> Nesse campo circunscrevem-se as declarações no sentido d
res, jáantes mencionados81 -a irrefreável tendência à tip
apreciar o modo pelo qual as vítimas potenciais dessas c uma e outra vez, até onde é possível, a meios de assegu (autoproteção fáctica). O que ocorre é que, em uma soc anônimos, os meios de asseguramento cognitivo das víti simplesmente, impraticáveis, o que sem dúvida explica -
rança, não se pode deixar de advertir a inconseqüência p delitivos imprudentes de resultado de lesão. Pois estes i sagem de que o sujeito ativo do delito somente será obj verifica o resultado lesivo; e, segundo a concepção d imprudente se caracteriza precisamente pela confiança produçãq°do resultado. Assim, a contribuição da sanção dentes de resultado ao reforço (contrafáctico) das expe segurança deve ser valorada como muito relativa: basta
delitos de perigo.80 Com efeito, se o problema consiste
por omissão em virtude de "ingerência". Mas, nesse m ral, certamente deve-se também introduzir o increment
dico. Já se aludiu a eliminação de espaços de risco per qüente incremento da apreciação de infrações de dever mesmo modo, a tendência à construção cada vez mais
Tudo isso, obviamente, não carece de conseqüênc
sempre necessário, diante da produção do dano, o valo nicativo da imputação.79
pondentes a taisprocessos empíricos. É comose em noss
seu lugar a aplicação de medidas cognitivas de reação
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃ
ojusticeiro mais que com o legislador" (Garapon, Juezy demo
perfeitamente com isto".
tado, Sabe-se dependente doEstado e lhetransfere a necessidade rantia de sua existência, quejá não encontra satisfeitas em sua idual".
o vital dominado edas reservas existenciais que oacompanham
mente nos acostumamos acontemplarcom Franz vonLiszto
te como a Carta Magna do delinqüente, que protege da onipot dãos que se lançam contrao ordenamento jurídico. O Estado gar ali onde previamente se haja cominado de forma expressa do de que as soluções que favorecem o réu são inquestionáv
moderno não somenteviveno Estadosenãotambém do Estado.
caráter permitido sem os problemas da chamada redução te mente favorece o autor. Ocorre que não se castigao que em teor literal - seguiria sendo punível. Supõe-se que isto há de em favor do réu - inquestionável. De minha parte, gostaria d
IBÍ) Hillenkampi Der Einflufi, p. 13: "Certamente no Direito Pen
BeurteilungderTat, Bielcfeld, 1983, p. 13.
inaceitável proceder; o mesmo, DerEinfluJides Opferverhalte
mitar a imputação de fatos típicos ao autor incorreria nesse
ll" Criticamente, Hillenkamp, Vorsatztat und Opferverhalten, G 135, observando que a consideração de certos comportame
social (movimento associativo, mass media etc).
'**' Vale dizer que se começa a constatar a operatividade do D powerful, e não somentecontra os powerless. Ao passoque powerlessvão alcançando crescentes parcelas de influência,
tem.ss Pois bem, desde uma perspectiva queentenda quea
modo pacífico, especialmente na Espanha, o recurso a das eximentes e atenuantes (em particular, nas causas fundamento de tal forma de atuar é, naturalmente, a apr penal constitui uma garantia para o delinqüente, de mod a reduçãointerpretativa do âmbitodo punível nem a anal
em natural correlação com o anteriormente referido -, e
interpretação restritiva (normalmente, de base teleológica própria"redução teleológica".87 Do mesmo modo,é por m
qüências no modo de conceber o princípiode legalidad do conceito clássico, está afirmado que os tipos penais são
Uma concepção da lei penal como "Magna Chart delinqüente - segundo a caracterização de Von Liszt -, incluso especialmente - da vítima, desde logo não pode
puniendi): de uma situação em que se destacava sobr Estado contra o delinqüente desvalido", se passa a u mesmo como "a espada da sociedade contra a delinq sos".86 Isso provoca uma transformação conseqüente ta Direito Penal objetivo (iuspoènale): em concreto, se te destecomo instrumento de defesados cidadãosdianted va do Estado. E, desse modo, a concepção da lei penal c ta" da vítimaaparecejunto à clássicada "Magna Chart isso sem prejuízo de que esta última possa ceder priorid
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃ
citado por Herzog, Gesellschaftliche Unsicherheit, p. 59): "Des
cremento da dependência. Bastanteatrativo o modocomo o ex
relacionaria, efetivamente, com aperdado domínio, de uma orien
bretudo "direitos" materiais.
os sujetos dei bienestar, no diárioABC, segunda-feira, 29.12.1997, materialmente equivalentes Sartori, La democracia después dei rid, 1993, p. 118 ess, alude a"sociedade das expectativas", aqual
eito Substantivo como no do Direito Processual.
s. Tal fenômeno tem repercussões claras, como o crescimento nteresse pela vítima dodelito e a proteção deseus direitos, tanto
síveis modelos de identificação da comunidade, Paliero, RIDPP,
).
ica se inclina hoje aidentificar-se mais com a vítima que com o vernado mais que com ogovernante, com ocontrapoder mais que
ras condicionantes concretas.
ação dedelitos de"perigo" contra bens supra-individuais decará ico, respondendo aomesmo paradigma geral daluta contra ainse
lta perfeitamente coerente no plano do modelo social da videncial.85 Com efeito, nesse plano seestá produzindo gressiva na concepção do Direito Penal subjetivo (ius
ern-estar".84 Pois bem, aatitude desses sujeitos perante o
guração de uma sociedade majoritariamente de classes istas, desempregados, consumidores, aposentados. Tra lçado com a expressão a meu modo de verafortunada,
do sistema do Direito Penal, assentada nos aspectos já onde ainda a um fenômeno geral de identificação social eito passivo) dodelito, mais doque com o autor (sujeito meno sevê favorecido pela conjuntura, analisada no item
ção da maioria com a vítima do delito82
ão de uma legislação simbólica.
esponsabilização do sujeito ativo, pode propiciar ainda
ilícito penal -, sentida pelosujeito passivo emum critério
vejamos, a impossibilidade jurídico-penal ou processual uitas ocasiões, tal percepção deinsegurança - ou asensa éamera casualidade que determina asujeição de alguém
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
m exemplo, H. L. Günther, Das vikLodogmaScne Spaís
esmo sucede com oconteúdo das regras de imputação típica Cf '
?? ***com pr°V°Ca es~ que Magna somenteOuse suficiente oduploflSSUras sentidoemdauma imagem de Carta silenciaarespeito, mas nãodeveriapassardesar^rTebidofmuma ssume como tarefaodescobrimento da vítima" "
0^™^^np,DerEinfluj3,p. 13-14: "Todoindivíduo qUaÍSEsta°S função abuS0s contraos protegeÓÊs£ s °,C^g° do DireitoPenaI Penal. do Direitoquais Penallhenão deveria ser ntribui de modo essencial aum sentimento de segurTça vTal ea cidadão aautodefender-se caarmar-se em todas direções Run? -usj. °fTS"mCSpaÇ0de P32Penal mínima1"efi« «vre da atmosferade Este efeito do Direito estatal não deveriasersubest macado de psicologia social. Com ele não se concilia oenJncS- ' deaperspectiva do Estado de Direito-do mero favoredmemodo 0,uçõesfavorecedoras^
-3er uma Einflf' I3: "Sem embarS°' se oIvida «>m ^to que o também CartaP" Magna davítima".
nteS' 9- a°det6mp0 ^ aPróPria fefibiíidade d"s üpo extensão seu alcance.
interpretação admissível! De fato, nos^ífimos ternas rticas C°nS;atarÍnterPretaSões de baseno te.eoógfca hipóteses de reduçãorestritivas teleológica, campo das
o dominante se entende que não é interpretação senão
ãH° da."inteiPretaÇão extensiva"maisfalénidoSS-
clusão no respectivo âmbito de regulação, oque mpiica-
, 3qUeÍtã° POderia S6r VÍSta de m0d0 distinto Em part V*^ qU6'cía«mente f6 °C3SO £mexcluído qU6Stã0doresP°nde ao"&*enO" eiíe nao Vem teor da mesma
clusão no mesmo (deslocando-seaanalogia d"anteda aiída etação extensiva do teor literal). Para tfmo sem dúvida nsiderações derivadas da idéia da legalidade ctmog^at s, em um Direito Penal entendido (fambém) comoS
legal, tradicionalmente tem havido uma tendência anão
, nos casos duvidosos, pertencentes a"zona cinzenta" do
^^^ das fronteiras entre ainterpretação extensiva modificação ibida analogia in malam partem. Ç eXtensiva
glCaí°S tiP^S nem aaplÍcaÇã0 analóêica dasprocedimento^ eximemes, em US-5 í Justlficacã°. se manifestariam como ação. Em contrapartida, se proporia como questão LTonsí
ta" da vítima,8' algo que parece estar em clara consonância
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
autoresquehaviamcaracterizado a progressi vacristal izaçãodo
"" Em minha opinião, aevolução social está refutando radicalment
",! J. Ph. Rcemtsma, citado porJerouscheck. JZ. 2000. p. 194.
quer força simbólica: Jerouscheck, ibidem.
'"' Excluindo-se, salvo cm âmbitos de aplicação muito subsidiári da pena como oarresto domiciliarou aproibição de ver televis
"J1 Jerouscheck, ,/Z, 2000, p. 193.
193 ess.
RehabiliticrungderStrafe aus viktimologischcr Perspektive,
tribuem para o fato, discrepa de que isso deva conduzir some clusão dapena para o autor (linha seguida pela maioria dos ocupado dachamada "vitimodogmática"). Assim, propõe qu dogmático" seja utilizado como caminho para incrementar a que oautor seaproveita deuma determinada reação para obte tima. Parece-me que essa idéia, que, por outro lado, resulta pe expressa uma tendência de a doutrina não ver as regras dei "regras degarantia do autor", senão também como "regras de "" Jerouscheck, Straftat und Traumalisierung. Übcrlegungcn zu
constatação vitimológica de quehá casosnosquais tantoo aut
anderor Perspektive: Opferschutz statt Entkriminalisicrung, Lenckner zum, 70. Geburtstag, MUnchen, 1998, p. 69 e ss. E
tos setores sociais antes reticentes aoDireito Penal, quea umaespéciede reação contraa criminalidade dos poderos
sive, a violência conjugai do denominado "tirano domés xual aparecem no primeiro plano da discussão social sob política criminal intervencionista e expansiva recebeas b
nômicos), a corrupção político-administrativa ou o abus
tra o meio ambiente, contra as relações de consumo - saú
terrorismo, pornografia), a criminalidade das empresas (
sofresse o trauma causado pelo delito, tem, ao menos dívida perante ela, consistente nocastigo do autor.93 No sadívida, além disso, somente as penas de prisão e mul jadafunção simbólica.94 Apena-se afirma -significa "Não porque satisfaça necessidades de vingança, pois sosnão o faz. Senão porque a pena manifesta solidaried para com a vítima. A pena deixa fofa o autor e, assim, r Seja como for, o certoé quea criminalidade organ
rama proposto por alguns autores, a entender a própria como mecanismo de.ajuda à superação porparte da víti do pelo delito (na denominada viktimologische Strafth nio é o seguinte: já que a sociedade não foi capaz de
Ofenômeno daidentificação com a vítima condu
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A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
um momento cultural em que areferida criminalidade dos poderosos pre
side adiscussão doutrinária, etambém aatividade dos tribunais que trans5nn^P°rJntermédÍ° d°Scompreensível maSS media^quePortanto> arepresentação social do dehto, éseguramente amaioria se incline acontemÍST^tÍ S1 mCSma maisJcomo vítima Potencial do que como autor poten
cial. Isso, de novo, redunda na conformação de um consenso restritivo enquanto ao alcance dos riscos permitidos. Pois o sujeito que precipuamente se contempla.como vítima potencial não encontra resposta aceitavel na qualificação de certos riscos como "riscos permitidos". Etal se mani festa de modoclaroem uma definição social-discursiva tendenciosamente
expansiva do âmbito das condutas criminais.
va ^° mor"ento atual'em suma. otema no debate social não éacrimi na idade dos despossuídos, leitmotiv da doutrina penal durante todo osé" °.XÍX.e boa Parte do séc"lo XX, senão, preponderantemente, acrimi nalidade dos poderosos edas empresas (crimes ofthepowerful - corporate and busmess crime). Agora vejamos, isso supõe aintrodução de um tmportanteerro de perspectiva sobre oqueconvém alertar. Comefeito aqui eagora, continua sendo possível afirmar que os 80% da criminalidade (ao menos, da definida como tal e perseguida) permanecem manifestando-se como criminalidadedos marginalizados (lowerclass cnV«e),98de modo que
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
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se corre o risco de tomar a parte (menor, mas muito difundida pelos meios de comunicação) pelo todo. Daí que a aposta, que parece decidida, por uma expansão do Direito Penal, que conglobe a relativização dos princípios de garantia e regras de imputação no âmbito da criminalidade dos poderosos,99 sendo criticável em si mesma, pode incorrer ademais no erro adicional de repercutir sobre a criminalidade em geral, incluída a dos powerless, algo que aparentemente se ignora na hora de propor as reformas antigarantistas.100 Certamente, não parece que iremos assistir à configuração de uma representação social segmentada do Direito Penal, que distinga entre po derosos e marginalizados e mantenha um duplo referencial. Independente mente do rechaço a que possa dar azo tal concepção do Direito Penal, o certo é que a mesma, de acordo com todos os indícios, não vai se produzir. Pelo contrário, os fenômenos referidos parecem conduzir - como antes apontávamos - a uma transformação global na representação da criminali
dade de signo inequivocamente defensista. As teses da co-responsabilidade social no delito (muito características dos anos 60 e também 70im),que dos" (extracomunitários, basicamente). [NT: a expressão "extracomunitários" é empregada para aludir aos imigrantes oriundos de países não-membros da União Européia-EU.]
""
benefícios, máxima participação emáximas garantias" (isto é, Estado do bem-estar uTfST5 ^ mínÍ^°U Penal meIh°r'mínimo r£SSaIta-se «ue uma aPre» ^ haToníaV um Estado máximo eum Direito constitui "contradictio in termi-
aL "P?88amplo: por umcompreendendo motivo: Ainsegurança relação apercepção' dos ^'"?qUe/°SSe benéficos (em sentido os afetosemaorganização territo°
r^alome,oarnbienteconsumo,ordemeconôniica:enãosomenteasrelativi;aquestao dos benéficos sociais propnamente ditos - educação, sanidade, desemprego pen sões) provenientes direta ou indiretamente do Estado conduz aque se promova a
coSo1P'.^ã° d° DÍrCÍt° PCnal Para(in^-almente) garanti-las. oTúpáti!
co converte no simpático eaproteção radical dosEstado-Polica interesses das seAdmin.strações Públicas Estado-Previdcncia, se explica não em íennos de au.oritaS mo-como se fazia relativamente aos Códigos Penais de origem decimonônica [NT-
otermo, pouco usual na linguagem jurídica brasileira, serve para designar oque é pertencente ao século XIX] - senão em termos de democracia eigualdade Por isso em realidade, parece razoável pensar que um Direito Penal mínimo somente mssà
ser geradono marcode um Estadomínimo...
"" H?tW^'Strafrecf""táMstto, p. 318: "assim, nãoéque somentenasociedade do nsco se incrementem os nscos, senão que oque varia acima de tudo é oconheci
mento e a percepçao'de tais riscos".
ÍÜní ívVC acre?c,c"tar-.se.aq«i."ma importante consideração. Asaber, ocresci-
Z 11 „VnCnCltdacnnunalldadeorganizada que se projeta em fatos de peque na ou media gravidade ecujos integrantes são recrutados entre os "marginaliza-
Cf., inclusive, Naucke, Die strajjuristische Privilegierung staatsverstãrkter Kriminalitàt, Frankfurt, 1996, passim, que o propõe a partir do Direito Natural ou por meio de uma interpretação "conforme os direitos humanos" do ordenamento positivo, o que lhe conduz a rclativizar princípios como os de irretroatividade ou proibição de analogia nesse âmbito. De igual modo, o mesmo autor, Normales Strafrecht und die Bestrafung staatsverstãrkter Kriminalitàt, cm Festschriftfür Günter Bemman, Baden-Baden,'1997, p. 75 e ss, 84-85. '""' Isso realça a "perversidade" - sit venia verbo - das teses antigarantistas, por mais "setorial" que seja sua origem. Com efeito, tais teses, ainda que sejam construídas pensando somente na criminalidade organizada ou na criminalidade de empresa, sobre a base da idéia - em si mesma criticável - de que "os poderosos não precisam de garantias", ou de que "as garantias se conformaram pensando cm um delinqüen te débil frente a um Estado forte e não vice-versa", acabam incidindo sobre todo o
Direito Penal. Ressalta-o Kunz, Kriminologie, Bern/Stuttgart/Wicn. 1994, p. 302 n. marg. 7: "Incrementos claros da eficiência no controle somente se podem alcan çar mediante um enérgico Direito Penal especial do perigo, que corre o risco de extravasar os âmbitos da criminalidade tradicional c gerar uma transformação essen•ciai do modelo, desde o Direito Penal do cidadão ao Direito Penal do inimigo". As soluções ante as eventuais desigualdades no trato com a criminalidade não passam, assim, pela eliminação das garantias na repressão da delinqüência dos poderosos, senão, pelo contrário, por lograr que os marginalizados desfrutem realmente - e não apenas teoricamente - das mesmas garantias daqueles.
"°" Cf., por exemplo, Lüderssen, Koltektive Zurechnung - individualisierende Ilaftung, em Lüdcrssen/Sack (Hrsg.) Vom Nutzcn und Nachtcil der sozialwissenschaíten für das Strafrecht, 2, Frankfurt, 1980, p. 737 e ss., 740: "A criminalidade é um
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SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
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haviam alcançado certamente excessos reprováveis, na medida em que ceder passo aoutras centradas exclusivamente na responsabilidade pessoal (que vao se assentando nos anos 80 e 90).»» Indubitavelmente, isso res ponde auma mudança de mentalidade que transcende oâmbito da questão do delito: em concreto aascensão progressiva de uma ética da responsabili
a responsabilidade individual pelo delito cometido pelo jovem se vê ate
vas e, conseqüentemente paternalistas, no que tange arelação entre os cida
nuadapor uma certaco-responsabilidade social.107 Pois bem,a eliminação desse aspecto,ou ao menosseu significativo questionamento, poderiacon
excluam praticamente oelemento de responsabilidade pessoal,102 parecem
dade individual, que haveria de prevalecer sobre concepções mais "coleti
dãos eoEstado (saúde, educação, previdência).'« Mas certamente se deve alertar sobre o.perigo de que também nessa linha se incorra em excessos desconsiderando-se que junto ao elemento central da responsabilidade indi vidual do agente deve-se considerar também ocontexto social do delito.105
Provavelmente, um indício de tudo isso - ainda não mais que um in dício - pode ser reconhecidona mudançade perspectiva com a qual parece que se começa a abordar a criminalidade infantil e juvenil nos diversos países.106 De fato, no meu entender, o fundamento último da existência de
uma legislação penal de menores mais suave que a comum reside em que
duzir a um redimensionamento (provavelmente indesejável) do tratamen
to mais benigno dos jovens delinqüentes. Assim, as propostas de imposi ção de sanções mais graves aos jovens autores de atos violentos, e em con
creto de rebaixamento da fronteira da "maioridade penal", que permitiria impor a tais jovens as sanções do Direito Penal comum, se acham cada vez
produto social (.„)-ç aela não se adequa o fato de que para a luta contra esta
mais difundidas e encontram acolhimento em todos os foros.108
Essa idéia sempre esteve na base das reflexões do círculo dos denominados "pro
1.7 O descrédito de outras instâncias de proteção
Diez-Picazo), Madnd, 1994, p. 91.
O que foi mencionado acima, contudo, ainda não explicaria de modo suficiente a demanda de punição e a conseguinte expansão precisamente
criminalidade se utilize como instrumento aresponsabilidade individualizadora"
fessores alternativos :cf areferênciacríticadcDahrendorf,Leyyorden(trad.LM.
""" Sl.ÜfÍdadC' 3^ relativas V?m-de mUÍt° atrás eenlaCa com aconcepção("Tout sociológica do delitoe as expressões a"KollektivschuldderGesellschaft" lhe monpolittkund,hrekriminologische Grundagen, 3. ed., Stuttgart, 1944 p 248
""' í«HjSfTlí?yífíT' PJ ,05; Hess' Die Zukunft des Verbrechens, KritJ, rítnc rC S,ií chamada "terceira via" parece pretendercontornarambos u?ícm S
T fdara Sraflcamente ° tituiar do Home Office britânico, otraba
lhista Siraw (...) amensagem dupla sobre ocrime éonúcleo que nos leva aTer ceira Via: adireita era dura com ocrime mas se esquecia das causas, eavelha esSZ°« " °°m " CaU?.?(noma? "ã0ElCOm ° crime" Nós embatemos ocrime mas também oque oprovoca" diário Mundo, 26.09.1999, p. 7). Questão distinta eque se consiga atingir tal virtuoso ponto intermediário. oaispnta
quea atribuição de umaúnicaculpabilidade sejasuperadaem umaco-responsabilidadc do conjunto da sociedade. Istoimplicacm uma certa contençãodo podersancionador, que por um lado corresponde a um dever de tolerância da generalidade relativamente aos riscos da reinserção dos condenados e, por outro lado, com um dever geral de ajuda, de apoio a sua ressocialização.A contenção do poder de sancio narse manifestapermanentemente narenúnciaàdeprcciáção da honraque se vincula a caracterização do condenado como único culpávcl". Em função do delito que se cometa, essa consideração conduziria desde a impunidade cm alguns casos, passan•do pela atenuação da responsabilidade em outros, até a plena sanção nos restantes (mais. graves), embora sempre acompanhadade uma oferta de terapiasocial.
,W1 Essamentalidadeé, seguramente,aquedealgum modocorrespondecomossegmen tos sociais que suportaram acandidatura de Bush àpresidência dos Estados Uni dos. Cf. M. Trujillo, iEl fin de Ia "Great Society"?, ABC, 07.11.2000 p34
'"*' Cf., por exemplo, o informe de Pipper, The Crime and Disorder Act 1998: Child
^ IZ^ZZi0?™Tí^f0 ^'escfwski- Auswirkungen von Umbruch und Krise
"°" Em realidade, portanto, a exceção de toda responsabilidade penal que o Direito
ARSpS «iffl'SChhafta"f^Strafrecht-eineHegelianischePerspektive,em íí<£>n"Sf* ^^"P^^P^undRechtsdogmatikinZeitendesUmbruchs), ininI'P' e.SS' 152l aP.r°Póslt0 de delitos que respondem auma situação de mjustiça social contraditória com os próprios princípios da sociedade na qual se
produzem: Os delitos que, nada obstante consistirem em auto-realização de justi
ça, configuram um clamor por participação no bem-estar geral, executam algo a CStá°brÍg-daSegUnd0 sea$-uma. PráPri0S Princípios/Sob este ponto de Im vista, oT^ fato aparece precisamente como atuação da.voriiade geral para ' resolver esta contradição em si mesma. Disto resulta que acriminalidade já nãoé
aqui somente umaobraem razãodaqual se deva apenaravontade especial do agente senão que se converte desde esta vertente, em um fenômeno que gera responsabi-' hdade social. Avista disso, deve ser relativizado oprincípio retributivo de modo
and Community 'Safety', MLR, 62, 1999, p. 397 c ss.
espanhol vigente prevê para os casos de delitos cometidos por menores de catorze anos tem seu fundamento em que o fato cm questão é imputado totalmente à socie dade; por isso, o mecanismo previsto para tais casos é o mesmo que se estabelece para os menores desprotegidos. E o Direito Penal dos menores encontra um impor tante fundamentode sua existência na idéia de uma imputaçãoparcialà sociedade. Ainda que isso, naturalmente, não implique deixar de levarem conta outros fato res, como a maior impulsividade do jovem, sua maior propensão ou, enfim, as maiores possibilidades de reinserção por meio de tratamentos educativos.
.<•*» -Na Espanha nos encontramos ainda no processo inverso ditado pela promulgação da Lei de Responsabilidade Penal do Menor. [NT: O autor se refere a Ley Orgânica 5/2000, de 12 de janeiro, "Reguladora de Ia Responsabilidad penal de los meno res", que entrou em vigor somente em 11.01.2001, por força de sua "disposición
bem disseminada, equiparem os conteúdos do Direito Penal aos
íez Ripollés, Exigências sociales ypolítica criminal, em Claves a,,85, setembro de 1998, p. 48 ess, 48-49: "O fracasso na conso oral social civil e autônoma tem conduzido aque as opiniões
icas, p. 106.
frustração de tais expectativas nocontato anterior.
bei kindlicher Gewaltkriminalitat, JZ, 2000, p. 600 ess. redefinição das próprias expectativas diante de cada novo contato
m termos críticos, relativamente arevisão do status quo em ma bilidade penal juvenil, com importantes argumentos, Hefendehl,
enores do âmbito da legislação penal dosjovens demonstra como rtos delitos, não há disposição para admitir atese da co-responsa-
sentido um conhecido diário barcelonês noticiou aaprovação na to de lei penal juvenil pelo Conselho de Ministros indicando com es: "O governo rebaixa amaioridade penai para os treze anos" No zação - que agora começa aser debatida - dos atos de terrorismo
Ia responsabilidad penal dei menor en Ias casos ycon los requisi onga".] Mas isso não impede que se afirme que em muitos países eçou precisamente a fase de refluxo. Provavelmente não foi por
meta un hecho delictivo, podrán aplicársele Ias disposiciones de
ser responsable con arreglo aodispuesto en Ia ley que regule Ia penal dei menor" e "Al mayor de dieciocho anos y menor de
tivamente, que "Cuando un menor de dicha edad cometa un hecho
95, de 23 de noviembre", isto é, oCódigo Penal espanhol, os quais
que também alude aentrada em vigor dos artigos 19 e69 da "Lev
e teorizou Durkheim.
ão dos bens jurídicos.111 Isso expressa uma situação pró
mas de moralização, de criação de uma ética social que
onstante redefinição das mesmas. Pois bem, as socieda s quais durante décadas se foram demolindo os critérios aliação do bom e do mau, não parecem funcionar como
mo normas que são - desempenham uma função de orien r predizer em certa medida aconduta dos demais, de modo iar assim ao permanente processo de asseguramento cog tão, aausência defuma ética social mínima torna, de fato nduta alheia eproduz, obviamente, aangústia110 que cor rço permanente de asseguramento fático das próprias ex
que, deixando de lado outras considerações, as normas da
trativo.
pções ou são inexistentes, ou parecem insuficientes, ou se giadas. Referimo-nos à ética social, ao Direito Civil e ao
os mecanismos deproteção não jurídicos, ou inclusive dos ão necessariamente dos jurídico-penais. Ocorre, sem em
l. Com efeito, tais dados poderiam conduzir certamente a
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
1114)
(uj)
Apud Marina, Crônicas, p. 196.
exprimos agora.
A malfadada "judicialização" no fundo não é senão um corre
religião etc. Cf. Messner/Rosenfeld, Crime and lhe America
cia e fragilização das instituições não econômicas como a
Garagorri, 1988, p. 198-199. Ortega y Gasset, La rebelión, p. 200. Como realça a denominada "teoria institucional de anomia incremento da delinqüência é a predominância da economi
Ortega y Gasset, La rebelión de Iasmasas (1930), cm Obras
de sua competência".
dessa moral social pouco definida, e que em conseqüência minal quese pronuncie sobreaspectos conflitivos éticosqu
afirmam que deles se exige uma tarefaimpossível: não
cem, é o Código Penal que os substitui. Se você fala com
dos - e sobretudo uma definição elementar do bem e d
uma sociedade perde pontos de referência, quando os v
delinqüência.114 Mas, ao mesmo tempo, determina q correto o diagnóstico dos que pensam que é, em parte, a bições morais que conduz ao incremento de proibições que a carga que o Direito Penal sofre com tal transferência insuportável a meu juízo já é algo bastante negativo para dade."5 Jean-Claude Guillebaud116 o expressa do segui
como é natural, produz o efeito de favorecer o própr
direitos"."112 Aduzia, ainda, de modo interessante no co no qualjá se fez alusão mais acima ao individualismode "O homem-massa simplesmente carece de moral, que é cia, sentimento de submissão a algo, consciência de ser Assim, tende a converter-se em excepcional o fa duta, não considerada contrária ao Direito, seja reprovad imoral, adotando-se contra ela as reações sociais cor
ção e sentir-se, sem que ele mesmo suspeite por que, s
tas, seu estado de ânimo consistirá, decisivamente, em
volucionário: ativamente ou com passividade, ao cabo d
nenhuma obrigação. É indiferente quese dissimule de r
encontraremos entre os que representam a época atual u atitude diante da vida não se reduza a acreditar que deté
Gasset concluía: "A Europa está sem moral (...). Se deix já fizemos neste ensaio - todos os grupos que podemos ventes do passado - os cristãos, os 'idealistas', os velh
A questão não é tão nova como pode parecer. Já
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANS
60
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
reito, que é sua função natural, senão também a de produzir valores, para a qual não se sentem qualificados.Corresponde a sociedade traçar a fronteira entre o bem e o mal, entre o que está permitido e o que não está. Em uma palavra, a elacorrespondeequacionaro âmbitodo proibido,o que renunciou fazerhá trintaanos". Certamenteserá necessárioesperar para ver se a ten dência que parece manifestar-se agora - no marco da chamada "terceira via" - no sentido de uma revitalização da sociedade civil (Zivil Bürgergesellscliaft), atribuindo-lhe um novo protagonismo, frutifica nesse campo. Em segundo lugar, no que respeita ao Direito Civil de ressarcimento por danos, é maisque discutível que ele, dada a sua tendênciaa objetivização da responsabilidade, possa expressar a reprovação que é necessário
manifestar diante de determinados fatos.117 Algo que está patenteado de modo particular na evolução do Direito indenizatório, desde um "modelo
da responsabilidade" até um "modelo do seguro". De fato, a partir desse modelo, é de duvidar que o Direito Civil esteja em condições de garantir dois dos aspectos,a meujuízo fundamentais, de sua função político-jurídica clássica. Assim, por um lado, se o dano está segurado, é quase inevitável que diminuam os níveis de diligência do agente, pois a seguradora respon derá pelo montante da indenização, sendo sua repercussão individual, na piordashipóteses, a correspondente a umaumento geralde valores de prê mios de seguro.118 Logo, o modelo do seguro temcomoconseqüência um decréscimo da eficácia preventiva que o direito de responsabilidade civil por danos119 poderiater em relação a condutas individuaisdanosas. Por outro
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
61
lado, o modelo do seguro tende a configurar montantes padronizados de indenização que se afastam mais e mais do objetivo de garantir aos sujeitos passivos Oma compensação, se não integral (cuja própria possibilidade prática é questionável), ao menos minimamente próxima disso.120 O que, além de tudo, intensifica a perda de conteúdo valorativo da responsabilida de civil, imediatamente provocada pelo abandono da idéia de culpa. Em terceiro lugar, no que se refere ao Direito Administrativo, o recur so ao princípio de oportunidade, ao que se vem somando a incontrolável burocratização e, sobretudo, a corrupção, se perde em meio a um crescente descrédito em relação aos instrumentos de proteção específicos desse se tor (sejam preventivos, sejam punitivos).121 Desconfia-se - com maior ou menor razão, de acordo com as situações - cias Administrações Públicas nas quais se verifica uma tendência a buscar, mais do que meios de prote ção, cúmplices de delitos socioeconômicos de várias espécies.122 O resultado é desalentador. Por um lado, porque a visão do Direito Penal como único instrumento eficaz de pedagogia político-social, como mecanismo de socialização, de civilização,123 supõe uma expansão ad absurdum da outrora ultima ratio. Mas, principalmente, porque tal expansão é em boa parte inútil, na medida em que transfere ao Direito Penal um far do que ele não pode carregar. Isso, mesmo se mantido um modelo mais ou menos análogo ao clássico de garantias e regras de imputação. E, com maior razão, se tal modelo sofrer fraturas que o desnaturalizem por completo.124 Pois ocorrem fenômenos (os chamados "macroproblemas": grandes ques tões sociopolíticas) cujo caráter macroscópico,125 estrutural ou sistêmico
"'" Cf., já nesse sentido, Von Bar, Geschichte, p.343, diante decertas observações de Ihering, e p. 344:"Ebenweildas Schuldmoment aberinder Civiljustizzurücktritt, ist letztere auch nicht gegeignet, den nothwendig auch moralischen Charakter des Rechtes für sich allein genügend zu wahren".
"I8> Observe-se como isso implica em uma "socialização" do dano individualmente causado.
"'" Cf.J.Simon, Theemergence ofa risksociety: insurance, law,andtheState,Socialist Review, 95 (1987), p. 61 ess, 73, que sublinha o papel distributivodo seguro, dian te da atribuição de reprovação e responsabilidade. Sua conclusão (p. 75): "(...) modem social insurance techniques undermine deterrence by breaking the link between compensation andfault". Cf. também, Luhmann, Soziologie desRisikos, Berlin, 1991. Sobre tudo isto, de forma instrutiva, Arroyo Zapatero, Derecho y riesgo, emlniuria. Revista deResponsabilidadCivil ySeguro, 8,oct.-dic. 1995, p. 57 e ss. Concludentemente, SalvadorCoderch/Castineira Palou, Preveniry casti gar, Madrid, 1997, p. 157: "(...)os estudosempíricos realizados sobre as legisla ções que passaramde umsistema de responsabilidade civil por acidentes de tráfico automobilístico a outro,administrativo,de seguroobrigatórioindependentemente de qualquer aferição de culpa não são - de modo algum - conclusivos a favor da hipótese de que os segundos resultem mais eficientes que os primeiros desde o ponto de vista da redução dos custos primários e terciários dos acidentes".
"M> Com efeito, se se consagra legalmente um sistema de "parâmetros" gerais de inde nização, com limites máximos, parece óbvio que isso, por mais que se trate de fun damentar com razões de segurança jurídica, restringe consideravelmente as fun ções político-jürídicas de um Direito Civil de danos de configuração não punitiva, como é o continental.
<1!" Cf. neste sentido Marinucci/Dolcini, RIDPP, 1999, p. 804. ""' A título de mero exemplo, bastaria aludir à tipificação de "prevaricações específi cas" em matéria urbanística ou meio ambiental. Mas convém ainda observar o modo
pelo qual a "luta" contra a criminalidade organizada se canaliza em boa medida por meio da configuração de tipos delitivos de corrupção de funcionários.
""' Cf. Palicro, L'autunno do patriarca. Rinnovamentoo trasmutazione do diritto penale dei codici?, RIDPP, 1994, p. 1.228-1.229. Sobre essa função do Direito Penal. cí.. de modo geral, MtiWcT-Tuckfdd,Jntegrationspravention. Studien zu einer Theorie der gesellschaftlichen Funktion des Strafreclus. Frankfurt, 1997. ""' Cf. Dahrendorf, Ley y orden, p. 95 c ss, 104: "Uma sociedade sem freios é uma sociedade que se encontra ante o dilema entre anomia ou o poder frio. E, natural mente, não se trata propriamente de um dilema, pois ambas as alternativas se ali mentam reciprocamente". 111)1 Paliero, RIDPP, 1994, p. 1.238.
STF - BIBLIOTECA
62
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
faz com que - e ainda que se possa identificar neles uma natureza global mente "criminal" - o Direito Penal não se constitua - então conceituai-,
mente - no mecanismo adequado para uma abordagem razoavelmente sa tisfatória dos mesmos. O debate acerca da Zukunftssicherung, isto é, da atribuição ao Direito Penal da responsabilidade de proteger os interesses fundamentais das gerações futuras sobre a Terra, é um exemplo suficiente mente ilustrativo a esse respeito.12é Mas podem ser mencionados outros que realçam o modo pelo qual, em geral, se trata de remeter ao Direito Penal as grandesquestões do funcionamento da comunidade como tal,.questõesque, em última análise, nem as instituições políticas nem os grupos sociais são capazes de resolver.
1.8 Os gestores "atípicos" da moral ("atypische Moralunternehmer")
Além dos fatores anteriores, tampouco se pode perder de vista a mudança de posição de pelo menos boa parte da criminologia de esquerda. Com efeito, a partir de um determinado momento se percebe que o enfo que dessa linha de pensamento é o de que os sujeitos pertencentes aos ní veis inferiores da sociedade também são, acima de outras considerações, titulares "reais" de bens jurídicos (individuais127 ou "difusos"); que tam bém os mesmos começam a ver a si mesmos mais como vítimas potenciais do que como autores potenciais. Com isso, aquela aliança um dia pretendida por um certo marxismo, entre delinqüência e proletariado, se mostra absur
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
63
de de não desprezar as demandas de maior proteção (e, em todo caso, de não deslegitimação da proteção existente) que surgem de tais setores. Sem embargo, as coisas não se detêm aí, tendo já ido além desse pon
to. É nessecontexto que adquire todoseu sentido a referência a existência de "atypische Moralunternehmer", expressão com a qual se designam al guns novos gestores da moral coletiva (e do recurso ao Direito Penal, na quilo que aqui especialmente interessa). Se os tais "gestores" vinham sen do tradicionalmente determinados estamentos burgueses-conservadores, hoje adquirem tanta ou mais relevância em tal papel as associações ecolo-
gistas, feministas,129 de consumidores, de vizinhos (contra os pequenos tra ficantes de drogas), pacifistas (contra propagação de ideologias violentas), antidiscriminatórias (contra ideologias racistas ou sexistas, por exemplo) ou, em geral, as organizações não governamentais (ONGs) que protestam con tra a violação de direitos humanos em outras partes do mundo. Todas elas encabeçam a tendência de uma progressiva ampliação do Direito Penal no sentido de uma crescente proteção de seus respectivos interesses.130 Quanto a esse último aspecto, aparentemente não vem sendo dada muita atenção ao fato de que tais demandas de criminalização, certamente em boa parte aten didas, se mostrem inadequadas, vulneradoras de princípios gerais do Direito Penal (como as que se referem àcriminalização da pura expressão de idéias).
da.128 Pelocontrário, desdea perspectiva da esquerda se insiste na necessida-
como "violação de direitos humanos" (de restojapresente nessas correntes: Cardarelli/ Hicks, The Journal of Criminal Law & Criminology, 84, 1993, p. 513) me parece
(1!" Cf.o trabalho que,sobessetítulo,publicou Stratenwerth, Zukunftssicherung durch
"2" Cf., sem embargo, Arrauri, cm Arrauri/Varona, Violência doméstica y legítima defensa, Barcelona 1995, p. 11-12, 145 e ss, 175, propondo a compatibilidade de
Strafrecht?, ZStW, 105 (1993), p. 679 e ss.
uma mudança radical de linha de pensamento.
abolicionismo e feminismo, assim como criticando as teses de Scheerer.
"2" Muitosignificativaa famosa frase do criminólogobritânico Young: '*Go and tell a
'"" É imprescindível citar aqui os trabalhos de Scheerer, Neue soziale liewegungen
worker robbed of his weeks wages or a raped woman that crime does not exist!".
und Strafrecht, Kriü, 1985, p. 245 e ss; o mesmo. Atypische Moralunternehmer, Kritische Kriminologie heute, KrimJ, 1. Beiheft, 1986, p. 133 c ss; também K. Günther, Natürlich semd wirfür die Abschaffung des Strafreclus! Sind wir es wirklich?, em Gamm/Kimmerle (Hrsg.), Vorschrift und Autonomie. ZurZivili-
Sobre esse tema, Silva Sánchez, Aproximación ai derechopenal contemporâneo, Barcelona, 1992, p. 23 e ss.
''l28) Chegou-sea afirmarque"a lutade classesentreos quepossueme controlam os meios de produção e distribuição c os que carecem de tais meios (é) a fonte de todo delito
nas sociedadescapitalistas".Cf. a, aliás, muito instrutivadescrição histórica do sig nificado da criminologia radical e dos "Criticai Legal Studies" em Cardarelli/Hicks,
Radicalismin Law and Criminology:aretrospective View of Criticai Legal Studíes and Radical Criminology, em TheJournalofCriminalLaw &Criminology,84, n. 3, 1993, p. 502 e ss, 519iMuito expressiva da crise da denominada "criminologia en rica"desde finsdos anos 80 é a reação de Van Swaaningen/Taylor, Rethinking criticai
criminology. A panei discussion, em Crime, Law &Social Change, 21, (1994), p. 183e ss. Em especial, resulta significativaa manifestação que aproveita de John Lea: "What is left for the left is to take rights seriòusly. This also implies, according to Lea, taking crime seriòusly, especially if crime is to be defined as.the violation of
human rights" (p. 185).A extração de novas conseqüênciasda concepção do delito
sationsgeschichte der Moral, Tübingen, 1989, p. 41 e ss, 42, 46-47; Lüderssen, Die Krise des õffentlichen Strafanspruchs, Frankfurt, 1989. p. 21, sobre a idéia de coinoos novos movimentos sociais pretendem servir-se do Direito Penal como meio para a consecução de seus fins; Hess. Kriininologen ais Moralunterneh mer, em Bollinger/Autmann (Hrsg.), Vom Gulcn. das noch stets das Bõsc schafft. Kriminalwisscnschaftliche Essays zu Ehren von Herbcrt Jiiger. Frankfurt. 1993. p. 329 e ss. Cf., ademais, a descrição de Van Swaaningcn. Criticai Criminology, •p. 170 e ss, aludindo a aparição de "an inçrcascd belicf in pcnally", p. 238-239: "a common orientatioh towards social defensc, an alieged 'nced' to correct thc
misguided philanthropy of preceding decades, an authoritarian populism about law and order in the mass media in polities (...)'*; e ainda Paliero, RIDPP, 1992, p. 875-876, 880, 882 e ss.
64
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
ouinclusive contraproducentes.131 É significativo que se ressalte inclusive a contribuição que a criminologia crítica - antes defensora do abolicionismo -
vem prestando aos novos processos de çriminalização.132
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
65
1.9 A atitude da esquerda política: a política criminal social-demo crata na Europa
A reviravolta tem sidotamanha queaqueles queoutrora repudiavam
A tendência a que acabamos de fazer referência tem manifestações
o Direito Penal como braço armado das classes poderosas contra as "su balternas" agora clamam precisamente por mais Direito Penal contra as classes poderosas. Produz-se, segundo se tem afirmado, um fenômeno de
diretas na política cotidiana. Com efeito, o típico do modelo preexistente (isto é, do debate em torno da ideologia de lei e ordem) era que os partidos e grupos vulgarmente qualificados como "de direita" assumissem as teses do incremento da segurança por meio de uma maior pressão punitiva, en quanto os partidos e organizações "das esquerdas" defendessem aparente mente a postura contrária: a da diminuição da pressão punitiva. Assim, a
fascinação dediversas organizações sociais pelo Direito Penal, fascinação essa daqual carecem todos seus equivalentes funcionais.133 Assim, "já não estáem primeiro plano a negativa às estruturas de poder, senão a interven ção nelas mesmas. O rechaço dos meios de poder cede diante da vontade "de servir-sedeles em seu próprio interesse".134
Ou, como aponta Lüderssen de modo mais preciso, "aproximadamente os mesmos grupos políticos, por um lado - diretamente ou estribando-se na correspondente tradição -, não se cansam de afirmar a inutilidade e
nocividade da coação estatal através da pena (ou do Direito Penal), mas, por outro lado, pretendem utilizar o Direito Penal para o logro de seus fins emancipativos".135 Sobre esse extremo, muito importante, será necessária alguma consideração nas próximas páginas. "»" Cf. Díez Ripollés, em Claves de razón práctica 85, setembro de 1998, p. 51: "as simocorre com o novo delito deassédio sexual, bandeira certa dos partidos políti cos paraatrairo feminismo e quelogrouqueatualmente asameaçascondicionadas a realização de umcomportamento sexual recebam um tratamento privilegiado diante das restantes (...)". [NT: aparentemente, a recente çriminalização do "assé dio sexual"no Brasil não escapa a tal observação.]
""' Van Swaaningen, Criticai criminology, p. 241:"(...) criticai criminologists sensitiséd new criminological therhes: from sexual and family violence, corporate and environmental crime, to violations of human rights and other crimes of thc stalc".
<"') K. Günther, em Vorschrift und Autonomie, p. 48. A SAP Sevilha (sec. 4."), de 12.07.1993, relator De Paul Velasco, a propósito de sua decisão absolutória no processopordelitoecológicoconhecidocomo "casoDonana" [NT:trata-sedo maior
derramamento deresíduos tóxicos em águas fluviais dahistória recente daEspanha], o expressava nos seguintes termos: "A emergência de novos bens jurídicos de titularidade coletiva, aparição de meios de ataque diversos dos tradicionais, e in clusive adesejável forçaadquirida por determinados movimentos sociais de eman cipação, provocam umaespéciede entusiasmo punitivoem importantes setoresda
opinião pública, e também em conspícuos operadores jurídicos, que parecem propugnar, ao invésdo benemérito princípio de intervenção mínima, outro de 'in tervenção máxima' (aspas do autor)".
"Ui Scheerer, KrimJ Beiheft, 1, p. 139, 144.
<1M> Lüderssen, Neuere Tendenzender deutschen Kriminalpolitik, èm Eser/Cornils • (Hrsg.), Neuere Tendenzen der Kriminalpolitik, .Freiburg, 1987; p. 161 e ss, 165.
Cf., nomesmo sentido, Sáez Valcárcel, Elnuevo Código: maximalismo penal; JD,
mudançafundamental se produzquandoa social-democracia européia passa
àassumir, emsüa'totalidade]To discurso dasegurança. Um dos5/050/15 mais populares no congresso do Labour Party britânico de setembro de 1997 foi precisamente esse: "Tough on crime, tough on the causes of crime".136A
idéia fundamental da proposta se mostra bastante coerente com o que foi aludido anteriormente: deve ser realçada a segurança por meio do Direito Penal, pois ela favorece sobretudo os mais débeis; certamente - se mani
festa -, enquanto os ricos habitam em bairros tranqüilos com segurança privada, a delinqüência das ruas ameaça principalmente as pessoas mais humildes que vivem nos bairros mais perigosos. Essa idéia de segurança (o que poderíamos denominar "ideologia de lei e ordem na versão da esquer da") foi assumida a seu tempo diante dos meios de comunicação, expressa mente, tanto pelo então Ministro do Interior do governo socialista francês, 26.07.1996, p. 3 e ss, 5: "Esse paradoxo político, movimentos alternativos que vieram a confiar no sistema penal e a propiciar sua expansão, tornou-se possível entre nós graças ao novo cenário formado pelo acesso dos partidos socialistas ao poder nos países do sul da Europa, e tende a afirmar ou impor esses valores éticos
de cima para baixo (...)"; "(...) os que antes lutavam pela restrição do sistema agora promovem a çriminalização de novas condutas,:afastando-se de programas mais consentâneos com os direitos humanos, como os que propugnavam a intervenção mínima": Garapon, Juezy democracia, p. 97: "Por uma curiosa inversão, estes novos acusadores têm freqüentemente saído dos quadros da extrema esquerda, isto c.
daqueles que ainda ontem pregavam a derrubada de toda formade censura burgue sa. Compreende-se com facilidade que a extrema esquerda se encontre nesta luta contra as instituições, que sem embargo alterou-se no aspecto de que esses militan tes associativos utilizam agora a instituição judicial para lograr seus fins. Esta in versão de posição é particularmente perturbadora, na medida em que os militantes daesquerda tradicional compartilham estas causas espontaneamente, sem compreen der que justificam um incremento da repressão".
"*" Expressando assim os dois aspectos da questão (o delito cm si como ato de liberda de; e as causas sociais do delito) que pretende abordar a proposta da chamada "ter ceira via". Cf. seu programa, publicado em Safer communities, safer Britain,
'Labour's proposalsfor tough action on crime, London, Labour Party, 1995.
Direito Penal. Por um lado, se negava legitimidade to Penal, partindo da co-responsabilidade social na gênes dical inutilidade do mesmo para alcançar suas supostas f sociedade fragmentada. Sem embargo, por outro lado,
spanhol, e atendo-nos ao Código Penal de 1995, são reveras de Sáez Valcárcel:"(...) quando alguém analisa oCódido como perspectiva o material legislativo que o antece
, JD, 26.07.1996, p. 4. riam aalgum dos fenômenos sociais descritos mais atrás.
entes juvenis.
bém se produzia um considerável incremento nas reações puniti
ropeus as pessoas que invadem propriedades alheias desocupadas],
tters [NT: Otermo eqüivale a "ocupas", designação que édada em
entre outras coisas se incrementava significativamente apena im
11.1997,p. 3-4.
ales, London 1997. Eainda oinforme de Aréchaga, emAceprensa
to No More Excuses-A NewApproach to Tàckling Youth Crime in
eições setembro de 1998, nas quais obteve amaioria parlamentar.
a semovia claramente o programa de política criminal do SPD ale
tos populistas de puro caráter eleitoreiro,141 poder-se-ia
tar em matéria de política criminal. Contudo, e deixando
aventurar explicações profundas sobre aevolução da es
Direito Penal".140
Nenhuma dessas opções implicou em questionar a prisão
alizar ofensas aos valores coletivos que estiveram em as a década de 80: os direitos dos trabalhadores e das mulhe o meio ambiente, os interesses das minorias, a discrimina osdelitos docolarinhobranco. Mas seuâmbito dediscus
incidiu sobre os valores tradicionais, já representados com igo Penal, ao passo que os diversos matizes da esquerda
versa natureza das posturas que pretendiam castigar.
s se mostrassem mais propícias a sua restrição, mas, sim
em debate não era que umas defendessem a intervenção
enos caracterizar-se como liberal. O aspecto que diferen
ojeto do governo, as emendas elaboradas pelos grupos par intervenções de seus porta-vozes na Comissão de Justiça, diante da impossibilidade de identificar um discurso que
tabelecida pelos conservadores.
bem como ameaçaem suasconfrontações; por outraparte,par ção doscomportamentos expressivos da própria condição social dos próprios interesses, mas percebidos como danosos pelos o
para vetar os comportamentos daqueles pertencentes aos outros
"*" Com certeza, isso pode ser expressado de maneira mais gen Haferkamp(apudPaliero,RIDPP, 1992,p. 861,nota53),"os gr interessados de modo vital na çriminalização e na despenaliz
Constituciónespanolay su filosofia de Ia pena, no diário El M p.4-5.
• • garantismo não teria por que amparar econômicaou politica ""'' Essa visãodas coisas está latente,segundo acredito, também
pensos a desvios, arbitrariedades e injustiças (...)". Mas, seg
de luta da imaginaçãojurídica contra a onipotênciae prepotê uma sociedadeguiadapelosdesígniosdo capital,de pòdcres
255) conclui que ambas as linhas de pensamento conformam
ai garantismo: unaevoluciónparadojica, AFD, 1998, p. 23
sucessivas transformações estratégicas, cf. Souza, Del uso alt
portanto, nunca se deixou de propor uma aplicação desigual
,H2) Creioque sob essa perspectiva semprese leve umaconcepçã mental doDireito, a pártirdeconsiderações estritamente polít
lado os poderosos, se tratava então de modificar sua or que não incidisse sobre os marginalizados (para os quai ria o recurso às políticas sociais) e sim, ao contrário, s Nesse último âmbito justificar-se-ia a partir de qualquer ta a intervenção - mais ampla possível - do Direiro Pen
cava o aspecto de que incidia unicamente sobre os powe
gresso da mesma até formas mais avançadas e igualitári democrática.143 Esse modelo abonava uma utilização sel antigarantista - dos instrumentos punitivos em termos dos pelo Direito Penal convencional. Se em relação a e
mação da sociedade e de intervenção contra os que obst
multaneamente o recurso ao Direito Penal como meca
discursos que, regidos certamente por um leitmotiv de e
ses", revelavam um duplo critério no momentode valor
culminante no início dos anos 70, sustentavam-se sim
Efetivamente, em tal corrente de política jurídica, que
mo do movimento do uso alternativo do Direito?*2 mas
perfeitamente aludir a uma certa esquizofrenia (ou, mai bivalência) em sua relação com o Direito Penal, que se
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃ
om o Criminal Justice and Public Order Act de 1994.139 O ue opartido trabalhista tenha prosseguido na mesma linha
r cético pode querer comparar o teor do Criminal Justice
como pelo Ministro do Interior e Justiça britânico, o traba quem, denunciando o "relativismo moral" e a "cultura da se declarava, por exemplo, partidário da "tolerância zero" qüência juvenil.138 Em realidade, no âmbito do Direito Pe a ePaís deGales, atendência é bastante evidente enão muito
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
policiais.
penderde autorizaçãojudicial, são levadas acabo exclusivamente
utor refere-seao "agente infiltrado" eàs "escutas telefônicas" que
ontraPompeu.
ula itálica, cuja travessia por César no ano 46 a.C. marcou oinício
ria de acrescentar aconsideração de qual "justiça" seria essa. ão habitual em nossa língua, expressa aidéia de limite máximo e que demarcava afronteira entre aItália eaGália cisalpina, no nor
logie, p. 306-307, n. marg. 19.
Kunz, Kriminologie, p. 305, n. marg. 16., p. 328, n. marg. 11.
modo limitado".rm
adotação das instituições de persecução penal de compe dos serviços secretos, que somente podem sercontroladas
ndividual; mediante inversão do Ônus da prova edelitos de desprezam apresunção de inocência eoprincípio in dúbio
eito: mediante intervenção profilática qüe não espera apro e direitos; mediante responsabilidade coletiva, que renun
odo conseqüente esem atenção ao lastrados formalismos
epode em seguida dar azo a 'luta' contra as percebidas me-
s cínicos podem aceitar que a legislação penal contra ma jáultrapassou o 'Rubicón' ™da vinculaçâo pelos princí
ja demais recordar aqui as palavras de Kunz quando afirma
as do gênero de um "fiat iustitia,147 pereat mundus", prova
inalidade.14* Mas talvez seja ocaso então de assumir tais e sentido, ediante dos riscos que nesse âmbito poderiam
idual, presunção deinocência etc.) para combater fenôme
ssidade de modificar, ao menos em certos casos, as "regras influi, sem dúvida, aconstatação da limitada capacidade do ássico de base liberal (com seus princípios de taxatividade
, uma vez alcançado este ponto, é possível retomar odiscurso nterior sobre acriminalidade dos poderosos, para constatar o l a introdução neste momento de reformas contrárias às ga nais do Direito Penal redunda em sua própria extensão atodo ordenamento punitivo. Somente uma firme persistência na manter escrupulosamente as garantias político-criminais do o145 eas regras clássicas de imputação, também na luta con ou inclusive "odiosa" macrocriminalidade, poderia evitar tos determinantes em maior medida da "expansão" do Direi ão parece que atendência aponte em tal sentido. Eprovavel ocioso expressar aqui que as divergências, que quanto aesse am-no seio da própria doutrinàjWdicõ^ehái:se"rn?3sTrám ente profundas. Pois já proliferam as vozes daqueles que
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
dicional doprocesso e a transação penal introduzidas no Brasil
,mS) Refere-se aqui oautor atodas as formas de justiça negociada, co
etiológico e posta inteiramente em nossas mãos".
nãonosobriga atomar partido sobre a verdade ejustiça. Aorde é a ordem constituída, convencional, uma ordem desprovi
tido da completa desresponsabilização: a via do artifício, da
penal)". E, da mesma forma: "A modernidade (...) ensaia uma
isenção ouredução dapena]. Caminha-se cada vez mais em di casuística, aumajustiçaprivada, contratual(oque cespecialme
pressão "arrependidos" é empregada aqui para referir-se a toda boraçãode criminososcom a Justiça Penal, para o fimde obte
que 'pactuam' (com os arrependidos sobre a culpae sobre a p
acerca dacrise dajustiça, dofato deque háuma tendência cad
"4" Cf. Barccllona, Postmodernidad, p. 94: "Seria necessário refl
03.03.1998, e 9.807, de 13.07.1999.
""" As figuras do "arrependido" e do "colaborador" foram recent no ordenamento jurídico brasileiro com as Leis 9.080, de 19
riores.
•MunozConde/ArroyoZapatero), Barcelona, 1984, p.400ess, que, desde então, o próprio Hassemer vem destacando emmu
• . Valencia, 1989, p. 174-175; e Hassemer, Fundamentos dei
'"*' Cf. Hassemer/Munoz Conde, Introducción a Ia criminologia
Diante do modelo de justiça penal clássico surge dejustiça negociada, nosquaisa verdade e ajustiçaocu to, um segundo plano.A penetraçãoda idéia de justiça profunda e temmanifestações muito diversas, nem sempr partidários. Assim, compreende desde os pactos de imun torias com certos imputados (por exemplo, os "arrepen diversas formas de mediação, passando pelasjá generali dades"entreas partes. 149"NT5 O DireitoPenalapareceassim
processo è a jurisdicionaíidade, passando pela totalidad teoria do delito, osprincípios do Direito Penal emconjun dos como sutilezas que se opõem a uma solução real do
como obstáculos, como problemas em si mesmos, qu gestão eficiente das questões de segurança. Assim, des
to com valores (acomeçar com a"verdade" e a "justiça") tal trato por meio de procedimentos formais. Uns e out
ção a alguns dos elementos característicos do Direito Pe
A aspiração natve (ingênua) de eficácia na obte segurança e satisfação porparte deuma coletividade que s antes de mais nada como vítima conduz a uma verdadei
1.10 Um fator colateral: o "gerencialismo"148
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃ
70
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
mecanismo degestão eficiente de determinados problemas, semconexão alguma com valores.
Paradoxalmente, esse elemento de desprezo pela forma epelo con teúdo, que se manifesta de modo significativo na demanda por instrumen tos rápidos e eficazes para lutar contra a criminalidade dos poderosos,
aparece igualmente no seio deconcepções pretensamente conducentes a' erradicação, ouaomenos a limitação; dos efeitos nocivos doDireito Pe
nal edo processo penal. Refiro-me, entre outros fenômenos análogos, às propostas de privatização dos "conflitos que chamamos delitos" pela mediação, como manifestação de uma "justiça doce".150 Nesse ponto encontra-se um surpreendente ponto de convergência entre umas e ou
tras perspectivas.151 Critica-se o Direito Penal pública e sua aplicação
processual-jurisdicional ao modo clássico como excessivamente suave
ou, aqui, excessivamente severo: em todo caso, ineficiente. Observe-se,
enfim, que oque se pretende écontornar os estreitos atalhos dos princí
pios de igualdade egeneralização para implantar uma "justiça do cádi", que dê a cada situação a solução queseja "necessária", sem vinculações externas. 152-NT6 (150)
Muito significativo, Bonafé-Schmitt, La médiation: unejusticedouce, Paris 199?
passim. (1SII
Cf. Naucke, Schwerpunktveragerungen im Strafrecht, KritV, 1993-2, p. 135 ess 139 e ss. Certas referências em Van Swaaningen, Criticai criminology. Visions
from Europe, London, 1997, p. 239, 250-251. 032)
Semembargo, somente oprocesso formal pode assemelhar-se - ainda que muito
remotamente - auma comunidade ideal dediálogo, na qual aspartes seesforcem
pelabusca da validez mediante aexposição racional de argumentos. As soluções informais se apresentam asi mesmas como expressão de uma "justiça negocia da . Mas, como expressa Marina, Crônicas, p. 167-168, "A negociação éuma variedade do tratamento. Com ela ninguém quer encontrar avalidez nem ajusti
71
Considerações de ineficiência são também as que conduzem alguns a propugnar prisões privadas e a polícias privadas.,133 As divergências ideoló gicas dos que realizam umas e outras propostas desformalizadoras ou privatizadoras não obstam a que todas elas tenham uma raiz comum: a descon fiança frente ao públicoe oformalizado e sua conseqüente deslegitimação. A privatização e a desformalização são, ainda, uma conseqüência certamente inevitável da expansão. Com efeito, se o sistema do Direito Penal
(em concreto, o sistema penitenciário, mas também outros aspectos) cres ce, e o setor público -que adicionalmente se acha em retrocesso - não se mostra apto para geri-lo, então o recurso a instâncias privadas se revela
inevitável.154 Isso se acha sem dúvida na mesma linha que o recurso cada vez mais freqüente a critérios informais ou, ao menos, de oportunidade, para tratar de fazer frente ao colapso dos tribunais penais133 em sociedades como as nossas, desmoralizadas apesar de "judicializadas". Tudo isso ape nas conduz a um esvaziamento do Direito no que respeita ao conteúdo que lhe é próprio (de sua pretensão de validade), reduzindo-o a uma pura ma nifestação administrativo-executiva.
Os fenômenos de desformalização e privatização vêm sendo criti
cados classicamente desde a perspectiva da diminuição de garantias que podem implicar. Assim, se alude aos déficits de legalidade ou de impar cialidade que geram, para opor-se aos que os defendem a partir de pers pectivas de eficiência no equacionamento dos problemas. Subscrevendo
plenamente essa linha,l36 desejaria referir-me adicionalmente a essa ques tão sob a perspectiva da própria capacidade preventiva do sistema.A partir da aceitação da existência de uma "praventive Wirkung des Nicht-wissens" (isto é, do efeito preventivo da ignorância), segundo a tão citada obra de Popitz,157 é uma convicção bastante geral a de que boa parte da
lei é derivada, elaborada e controlada pela religião - cf. Lippman, Matthew e
Cf., cm Espanha, com amplas referências bibliográficas, sobretudo ao âmbito anglosaxão, Sanz Delgado, Lasprisiones privadas: Iaparticipación privada en Ia ejecuciónpenitenciaria, Madrid, 2000. Mesmo antes, as referências de Del Rosai Blasco, Las prisiones privadas: un nuevo modelo en una nueva conccpción sobre Ia ejecución penal, ADPCP, 1990, p. 557 c ss; Arrauri Pijoan, Inlroducción ai de bate de Ia privatización dei sistema penal: Ia policia privada, cm Estúdiospena/es v crintinológicos XIV, Santiago de Composiela, 1991. p. 177 e ss. Cf. Sanz Delgado, Lasprisiones privadas, p. 147 e ss. Cf. Ludwig-Mayerhofer, Das Strafrecht im Zeilalier seiner administrativen
Wiechman, Jerry D. Kendall eMoharnmad K. Azarian, do Office ofInternational
Rationalisierung. Kritik der informalen Jusliz. Frankfurt/New York, 1998. A qual se deve acrescentar a p^rda, já aludida, da fundamental vinculaçâo do Direi to Penal a considerações de verdade e justiça.
create new options andideas to solve ncwproblems associated with crime". •>
Tübingen, 1968, passim.
ficação racional, senão o triunfo. Quem quer que tenha estudado as técnicas da negociação sabe que a primeira regra é: 'Procure ter uma posição forte quando começar a negociar'". tKTi)
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃO
Cádi - ou Quadi, na grafia inglesa - éonome que se dá ao juiz encarregado de amplos que os juizes da Common Law ou da Civil Law. Uma vez que nos países onde predomina areligião islâmica não há separação entre oEstado eareligião a administrar ajustiça entre os muçulmanos, o qual detém poderes bastante mais
McConnviIle, Sean eYerushalmi, Mordechai. Islamic CriminalLawandProcedure and Introduction. New York, Pracger, 1988, p. 66-68. No dizer de Denis J CriminalJustice atthé UniversityofIllinois: "Judges under Islamic Law are free to
Popitz, Überdie Pràventivwirkung desNichtwissens. Dunkelziffer, NormundStrafe,
rd-Portand (Or.), 2000, p. 243 e ss, 250.
ial dynãmics ofcrime and control. New theoriesfor a world in
n: an evolutionary theory of crime and control, em Karstedt/
amente necessária para conter razoavelmente a violência social ssada em delitos eem reações informais aos mesmos). to comunicativo, cf. recentemente Bussmann, Variation, sclection
reito Penal é, precisamente, situar-se no limite da coação - estatal
enas são cumpridas em sua totalidade eproduzem efeitos jurídicos
em liberdade e voltaria a ostentar acondição de primário após a velando que aquase totalidade dos cidadãos, inclusive boa parte is da mídia, desconhece os benefícios legais da execução de pena e
da assassinou -juntamente com sua mulher- aatriz Daniela Peres,
e 2001 ao ser noticiado que oex-autor Guilherme de Pádua, que há
exemplo desse desconhecimento, aenorme repercussão havida no
s, como, enfim, de prevenção de integração, sem neces-
s tanto de prevenção dissuasória como de contenção de
uário, cenário) com respeito aocotidiano, constituem um de prevenção. Em concreto, um fator que permite amanu
se lhe associa, a distância que geram as formas rígidas
ais a certeza e a própria severidade docastigo podem en uestionamento, a dimensão pública do Direito Penal, a
atese que sustenta que boa parte da dimensão preventiva radica em seu significado comunicativo.159 Pois bem, em
uação.
ontecimentos está nos conduzindo de modo decidido a
gável -capacidade preventiva do sistema exigirá reações uito mais severas. Provavelmente éocioso apontar que a
princípios gerais que oafastem de uma aplicação arbitrá o, á manutenção da mesma - como é. sabido, modesta,
distanciamento dàs tensões sociais eenquanto se respeite
no limite de sua eficácia preventivo-integradora.158 Pois
(16!)
maior valor a bens menos transcendentes c, desde logo, me afastados do "pessoal". Garapon, Juez y democracia, p. 171.
Nessa progressiva redução dos conteúdos sancionatórios do penha também um papel importante o fato de que na socieda
Garapon, Juez y democracia, p. 197.
de uma violência deliberada e legítima".
zia Durkheim, e interromper o ciclo da vingança mediante
Com efeito, a função de comunicação não se associa de ant concreto de punição. Cf., ainda, Garapon, Juezy democraci da justiça é reparar uma perturbação profunda 'da consciênc
um elemento potencializador da expansão das reações pu na medida em que se reage contra o delito de modo im mal, será possível ir reduzindo progressivamente o cont si; isso até o dia, em um futuro distante, em que a pura fo ração simbólica da comissão de um ato delitivo, surta perseguido.162 Porque, como já foi dito, "antes mesmo de sua fu violência legítima, a justiça é uma palavra, e o process mento público (...) o momento do julgamento se bast vincular e permitir que a vida continue. Quanto mais de a ordem simbólica, mais essencial será esse pronuncia Nesse contexto, a privatização e, mais genericam zação, a renúncia à dimensão, de igualdade e generalid
Isso é, no meu entender, a priori positivo. Seu rec
e o público, entre o sujeito de carne e osso e o sujeito d
vencional da democracia. As formas do processo pare como cenografia do outro, da democracia por urna par marco pára o debate. Este espaço vazio da sala da audiências manifesta ra tanto do sujeito como da comunidade política. A fun paço judicial é instaurar uma distância entre dentro e fo
va". Áartificialidade da audiênciaé, sem embargo, condiç
nião é quelogrará manter tal eficácia exatamente se man,formalizado, namedida emqueo Poder Judiciário man-
aproximar-se do ideal de redução máxima da violência
lugar impressionante. A comunicação do processo é fru formal e portanto artificial. Parece estar nas ahtípodas da uma comunicação direta, instauradora de uma espécie d
sidade de aumentar o sofrimento efetivo dos sujeitos a venção do Direito Penal.160 Já se afirmou que "O mundo judicial é um mundo tado da vida cotidiana. A comunicação nele é o contrári dos meios. As partes estão longe do juiz e devem falar
SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA EXPANSÃ
e encontra provavelmente - e, diga-se, ass:-n deve estar
ivo com que na prática se persegue odelito, as limitações o modo de execução das penas, as coisas poderiam ser s.™ E possível, pois, afirmar que o modelo público de
odelito. Se, pelo contrário, seconhecesse detalhadamen
tiva.do Direito Penal se assenta no desconhecimento por ade dos concretos "mecanismos por meio dos quais oEsta
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
74
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
imparcialidade emfavor desoluções "dèemergência" redirecionam asre ações contra o delito ao âmbito do cotidiano. Com isso, privam-lhes da sacralizaçao tradicionalmente própria do que é público, de seu conteúdo simbólico, as deslegitimam e conduzem a uma diminuição da eficácia preventiva, quepode requerer, comocompensação, umincremento da san ção em seu sentido fático.165
A GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA EA INTEGRAÇÃO SUPRANACIONAL. MULTIPLICADORES DA EXPANSÃO SUMARIO: 2.1 Introdução-2.2 Globalização econômica, integra ção supranacional e delinqüência - 2.3 A política criminal diante da delinqüência da globalização: 2.3.1 As vias de configuração de um Direito Penal da globalização; 2.3.2 A dogmática diante da delinqüên cia da globalização; 2.3.3 Os princípios político-criminais do Direito Penal da globalização.
2.1
Introdução
Os aspectos comentados até aqui sofrem um espetacular impulso devido a dois fenômenos que se mostram como típicos das sociedades pósindustriais: a globalização econômica e a integração supranacional. Com efeito, as peculiares exigências da reação jurídico-penal à delinqüência
própriade um e outrocampo parecemcapazes de acentuarsubstancialmente as tendências que, como já foi dito, se acham patentes nos ordenamentos
jurídicos nacionais, no sentido de uma demolição do edifício conceituai da
"^ Cf285ra°CaS° ^ priVatÍ2açSodas Prisões'SanzDelgado, Lasprisionesprivadas,
Daí que se deva contemplar, de novo - epor outro motivo - como muito negativa
a profunda ingerência dos meios de comunicação nas questões da aplicação da justiça Os meios" - escreve Garapon, Juezy democracia, p. 81 - "desqualificam as mediações institucionais de duas maneiras aparentemente opostas: com uma desconfiança sistemática ou, contrariamente, mantendo com elas uma perigosa
proximidade. Estes dois mecanismos procedem em realidade de uma mesma distorção. Trate-se da suspeita ou da fusão, oque se questiona em cada caso éuma perturbação adistância". Assim, atelevisão faz com que "tudo fique dessacralizado
menos ela, que se apresenta, diversamente, como onovo Demiurgo" (p 91) (NTDemiurgo, no platohismo, representa a entidade divina que organiza a "matéria eterpae configuraosentesdo universo.]Jsso supõe, ainda,-umaerrôneaconcepção~
da democracia: pois ha democracia a transparência não é dos homens, senão dos procedimentos (p. 83).
teoria do delito, assim como o do constituído pelas garantias formais e materiais do Direito Penal - e do Direito Processual Penal.1
Meu prognóstico é que, de fato, o Direito Penal da globalização eco nômica e da integração supranacional será um Direito já crescentemente unificado,2 mas também menos garantista, no qual se flexibilizarão as re
grasde imputação5 e se relativizarão asgarantias político-criminais, substanCf. Dannecker, Strafrecht in der Europiiischcn Gcmeinschaft, JZ, 1996, p. 869 e
ss, 871,873! Neste sentido, Roxin, em Dogmática penal, p. 446.
Contra, Tiedemann, DerAllgemeine TeildesStrafreclus imLichte dereuropãischen
-RechtsvergleichungiemFestschriftfi4r-T,Lencknerzum70.Geburtstag,München, 1998, p. 411 ss, 433-434, que sustenta que a integração há de conduzir à limitação da punibilidade que se derivadas construções da Parte Geral de tradiçãoalemã.
• P; 2? e ss' 246: Molor der
te presctadfve™
™dcJu,Same<"<> porjura-
ídico £SS££% £5 íiT^T*? d° manej° d° Concei. Em contrapartida tZhI^Í M? d° qUe se dá- P°r exem" ção enSSS^^Sií^rí5'P"423'424, assigras e para a S™„ t^ 5fb^áade édesnecessária para a tiei levado em Zta S d° I?,re"° se8undo Pe"P«tivas
piJosu^raninat àl^T mS"t,ndo "* necessi<^e dessa
J^^S^^S^' R"ckbcsin"u"g «-f das ngderW^s^í-ÍIvA^r^ ' '" d'e Notwendigkeiten der nenfpSSer ^50rderungc» «"*»europãischeStrafrecht
echtseinhcit ist nirhí hu
1 ess, 336; uSÍtS^^^^"^*'^"^*.
,emtodoc^^^^
o lugar, adelinqüência da globalizado 4„™ - •
s^tema^on^;^ ™"T?? C* em partÍCllIar' com °
o-Dènais i„nZ • x '•ãS de constru" concretas n^SS^iU^^^^ia SC P6de S-P'esmente tível com ar ^ f ? "'6SSa S,tUação éessencial-
as de aplicação inHi^i a~W- exigencias do Poder político
maisqueU, 2e"spo de,í'ZS^^S^0,!^
tonSSr eficaz*• «Wnalidade.' Expw-
de u™ abórd»L™ de™?ndas fundamentalmente práü-
^sKSáísr eníodolsS naTdíi™«? °Dritopenai J S° T!ehe da•"*"-*> nas '««""«çaes
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
vo da expansão.
em combater a criminalidade organizada, estabelece o pe
em combater a criminalidade massificada dás ruas. unid
as conseqüências marginais de tal macrocriminalidade (o e a violência associada ao consumo de drogas, os ajustes drilhas, e muitos outros). Seja como for, a superposição do
objeto de preocupação do mesmo. Este, em geral, carece a macrocriniinalidade, a qual somente lhe alcança de modo sujeito passivo. Sem dúvida, lhe preocupa mais - geran rança - a criminalidade de rua descontrolada (mais ou me já está inserida a criminalidade patrimonial organizada de vidade. Ainda que também é certo que recebe, pelos mei cobertura relativa à criminalidade organizada e. ainda, exp
etc.) seja, per se. fonte de insegurança para o cidadão in
Na realidade, é discutível que a macrocriniinalidade o paradigmático, o grande narcotráfico, a lavagem de capita
KritJ, 1998, p. 145 ess.
qüência, em particular os fluxos migratórios. Hess, Die Zuk
ZStW 110 (1998), p.417e ss,420. Sobre outros aspectos da
Neste sentido, paraoDireito Penal daunificação européia, Palie desAllgemeinen Teilsfürein europâisches Sanktionenrecht.
vo da repressão) se veja compensada com uma maior (isto é, com um reforço dos aspectos simbólicos da sa Por fim, em quarto lugar, na resposta à delinqüênci parece possível que o Direito Penal da globalização pr
qüência jurídico-penal (ou, em outras palavras, o inevi
do paradigma clássico (o homicídio ou a delinqüênci cional). Trata-se de delitos qualificados criminologica ofthe powerful; de delitos que têm uma regulaçãoleg assentada; e de delitos cuja dogmática se acha parcial elaboração.E tudo isso há de redundarem uma config sobre bases significativamente diversas daquelas do Di (da delinqüência passional ou dos crimes ofthepowe Em terceiro lugar, a exigência de responder à glo linqüência seconcebe,emgeral,em termos punitivista de hipotéticaslacunas,assim como de reequipamento j te de modelosde delinqüência que criam uma fortesen ça, não somente aos indivíduos,9 mas também- e de - aos própriosEstados.Se a isso se adicionao evidente (Vollzugsdefizit) da legislaçãopenal em tais âmbitos,d tarefa assumida, parece razoável pensar que a menor
primeira vez como objeto essencial de estudo delitos
outros bensjurídicos).8 Isso significa quea reflexão jurí
MULTIPLICADORES DA EXPANSÃO
78
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
MULTIPLICADORES DA EXPANSÃO
jurídico-penal anglo-saxã (da Common Law), significativamente distinta da
continentaleuropéia.10 De fato, no Direito Penal da integração européia pa rece impensável uma imposição linear da tradição jurídica alemã que nos é mais próxima, ignorando as perspectivas britânicas (e também as francesas).'' Em uma resposta global à delinqüência mundial, parece ainda assim impos sível prescindir dos países anglófilos e, portanto, de seu Direito.12 Se esse elemento se sobrepõe aos anteriores, parece razoável a propo sição de que em cada uma das matérias debatidas no sentido da sua configu ração "global" se deva optar pela solução mais singela13 e, com isso, prova velmente, também a mais branda. Em tal extremo, não parece que venha a
influk somentea[mentalidade punitivista ou defensista com a qual se propõe
a globalização do Direito Penal. Também se devem íevar em contaas resis tências psicológicas de cada cultura (ou variante cultural) jurídico-penal arenunciar a instrumentos repressivos nela assentados.14 O risco que se assu
me com tudo issoé evidente: descontextualizada uma determinada solução de direito substantivo de seu marco processual e institucional, é bem prová vel que o Direito Penal global resulte em conjunto mais repressivo qualquer quer que seja dentre os sistemas o que haja contribuído com sua gênese.15 Para aqueles que continuam pensando que as divergências não sâó tantas é aconse lhável a leitura da aclaradora descrição de Ashworth, Grunderfordernisse des
Allgemeinen Teilsfürein europáisches Sanktionenrecht. Landesbericht, England,
ZStW 110 (1998), p;461 e ss, 472. Mais orientada ao Direito Processual a anglo-saxã; mais caracterizada pelo legalismo, a francesa. Ambas, menos preocupadas com os aspectos sistemáticos das regras de imputação. Adverte-o com razão Perron, Lenckner-FS,p. 228; e, ainda, Arzt, ZStWIIl (1999), p. 768-770, identificando internacionalização com "americanização", c esta com um empobrecimento sob perspectivas do Estado de Direito. Perron, Lenckner-FS, p. 239: "(•••) der ohnehin unvermeidliche KompromiB (kõnnte) auch zugunslen einer noch einfacheren, wescntlich pragmatischeren Anordnung der Strafbarkeitsvoraussetzungen getroffen werden (...), wie sie
beispièlsweise in Fránkreich oder Engand Ublich ist".
Como observa, ZStW 111 (1999), p. 769: "Strafbarkeitsausdehnúhg ist der Wcg
2.2
79
Globalização econômica, integração supranacional e delinqüência
A "globalização" econômica - como salto qualitativo da internacio nalização - é, como antes se indicava, uma das características de definição dos modelos sociais pós-industriais. Nessa medida se trata, obviamente, de um fenômeno em princípio econômico, que se define pela eliminação de restrições às transações comerciais e ampliação dos mercados. Questão distinta é que, a partir dessa consideração, se possa ter em conta, junto a globalização da economia, outro importante fenômeno, qual seja o da glo balização das comunicações, como conseqüência das inovações técnicas. Mas, em última instância, a globalização das comunicações não é senão um correlato da globalização da economia, que torna necessário baratear os custos das transações (e requer, portanto, essa maior rapidez de comuni cações). Por sua parte, também a integração é basicamente uma noção econômica. A integração aparece inicialmente guiada pela idéia de conse guir uni mercado comum de vários países, com livre trânsito de pessoas, capitais, serviços e mercadorias e a conseguinte eliminação das barreiras alfandegárias internas e outros obstáculos ao livre comércio. A integração regional não é, pois, senão um aspecto da globalização geral, que dá conta de uma especial intensidade das relações.16 Os fenômenos da globalização econômica e a integração supranacio
nal têm um duplo efeito sobre a delinqüência. Por um lado - ainda que isso interesse aqui em menor medida -, dão lugar a que determinadas condutas tradicionalmente contempladas como delitivas devam deixar de sê-lo, pois o contrário se converteria em um obstáculo às:próprias finalidades persegui das com a globalização e a integração supranacional. Em efeito, condutas violadorâs de barreiras e controles estatais à livre circulação passam de puníveis a não-puníveis. Um exemplo recente é o da legislação penal espanhola em matéria de transações econômicas com o exterior, que o Tribunal de Jus
tiça das Comunidades Européias declarou inaplicável no ano de 1995.17 Mas, por outro lado, os.fenômenos econômicos da globalização e da integração econômica NT1 dão lugar à conformação de modalidades novas
des gsringsten Widerstands".
Novamente aqui tenho que discrépar de Tíedemánn, Lenckner-FS, p. 433. Esse autor ressalta a ausência de construções e primor sistemáticos na França c Inglater ra, embora aponte que no primeiro isso se supre com uma orientação ao mesmo tempo prática e legalista-positivista, enquanto no segundo o mecanismo de com pensação é a unidade do pensamento substantivo e processual. Mas, ainda que tais compensações fossem suficientes—o que é discutível -, o certo é que parece difícil que se consiga, em um Direito Penal da integração, respeitar a unidade orgânica que uma determinada instituição tem em seu país de origem, de modo que o esperávcl é que as transações e compromissos redundem cm assunção de aspectos parciais
que poderiam ter o efeito que se aponta no texto. Como indica, aliás. Pieth, Internationale Harmonisierung von Strafrecht ais Antwori auf transnationate Kriminalitàt, ZStW 109 (1997), p. 756 c ss, 758, harmonização do Direito Penal significa com freqüência expansão do Direito Penal. Pieth, ZStW 109 (1997), p. 756. Em sentenças de 23 de fevereiro (assunto Bordcssa) e de 14 de dezembro de 1995 (assunto Sanz de Lera).
O autor utiliza essas duas expressões para abranger tanto os efeitos espontâneos de incremento do comércio internacional relacionados com o fenômeno da globalização
cia da corrupçãoJntemacional de funcionários públicos e os es atê-la, cf. a detalhada exposição de Pieth, ZStW 109 (1997), p.
der, Thousand Oaks/ London/New Delhi, 1997.
inis (ed.), Global crime connections. Dynamics and control, 993; Ryan/Rush (ed.), Understanding organized crime in global
erung?, 3. ed., Frankfurt, 1997, p.73 e ss, 168 e ss.
Weltrisikogesellschaft (sociedade mundial do risco) em Beck,
ia.
erivados dos processos de integração econômica formal, como o
za econômica dos fenômenos da globalização e da inte enal é, obviamente, um produto político e, em particu-
iminal diante da delinqüência da globalização
veis.20
rrupção de funcionários e governantes,, são traços da'
a capacidade de desestabilização geral dos mercados,
iminalidade de sujeitos poderosos, caracterizada pela efeitos, normalmente econômicos, mas também polí
oespaço como no tempo, da ação dos sujeitos mais re delitivo. Do pontode vista material,a criminalidade da
uz entre execução material direta e responsabilidade que oresultado lesivo possa aparecer significativamente
a na forma estrita da organização criminal. A dissocia
letivos de pessoas estruturadas hierarquicamente, seja'
s da criminalidade da globalização. Por um lado, tra inalidade, emsentido amplo, organizada. Vale dizer,'
lobalização.19 do ponto de vista estrutural, são duas as características
s expressões que melhor definem os traços gerais dá
ômeno marginal; em particular, os elementos deorga ionalidade e poder econômico.18 Criminalidade organi de internacional e criminalidade dos poderosos-são,
m elementos tradicionalmente alheios à idéia de delin
a corrupção de funcionários das instituições da integra gera a aparição de uma nova concepção de objeto do
fandegária -, fraude às subvenções), ao mesmo tempo
cos, assim como à aparição de novas formas delitivas. tegração gera uma delinqüência contra os interesses fi unidade, produto da integração (fraude orçamentária -
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
p. 3.145 e ss.
portação" jurídica: Cf. VonMUnch. Rechtsexporiund Rechts
Emquedesempenham um importante papel os fenômenos de
constitua um fator perturbador da livre concorrência.
Cf.,parao casoeuropeu, Delmas-Marty, Vers um Droitpenal em APC. 19, 1997, p. 9 e ss, 12e ss; Pagliaro. RTDPE 6. 19 Cf., por exemplo, Foffani, / reatísocietari nelnuovo Códice 1995, RTDPE, 1999, p. 65 c ss, 86, cm que sustenia a euro Penaleconômico como fim de evitar que a desigual distribui
theory), 1998, p. 123 e ss, 126 e ss.
Nclkeri, The postmodern frontiers of law: regionalism, glo em Rechtstheorie, Beiheft 19(Consequences ofmodernity i
RTDPE 6, 1993, p. 199 e ss, 203.
cação. Cf.,porexemplo, PagVmo.LimitiaU'imificazione doDi
Precisamente nessa questão é onde comumente se situa o ma
simbólicos (p. 155-156).
. Sobre.a debilitação do Estado diante dadelinqüência daglob . 1998, p. 153; mas, ao mesmo tempo, sobre o endurecimento minalcom o objetivo de enfrentara questãoda insegurança
do lugar e momento dos atos de execução.25 Contudo, resposta de tendência uniforme não é fácil. Desde logo, gar suficientes os processos de harmonização das legisla correspondentes26 (dosquais a integraçãoeuropéiajá ofe
responsáveis das organizações pode estar significativa
ter uma modalidade de delinqüência na qual a interven
que evite a conformação de "paraísos jurídico-penais". "paraísos" resulta problemática, especialmente quando
O objetivo fundamental do Direito Penal da global dicado no princípio, eminentemente prático. Trata-se de resposta uniforme ou, ao menos, harmônica, à delinqüê
2.3.1 A?viasde configuração de um Direito Penal da
ante importantes dificuldades adicionais.21
à caracterizaçãoda maneira pela qual, de um Direito na como o últimobastiãoda soberania nacional.22 afronta nacional. Com maior evidência,-os Direitos nacionais mas ocasiões apresentam semelhanças, e no mais das importantes divergências culturais oude tradições jurídi quer abordagem conjunta do problema da criminalida
tima conformação nas codificações respectivas.21 Dessa
lar, um produto dos Estados nacionais do século XIX,
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A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
pios).27 Semembargo, essaalternativa, nadaobstante necessária e importan
te, não resulta suficiente.28 Épreciso, também, homogeneizar as regras legais da ParteGeralque determinam essencialmentea aplicação que deve corres ponder a tais preceitosespecíficos.29 E mais, com relação ao referido ante riormente, também resulta insuficiente se não se trabalha de modo simultâ
neo em uma construção supranacional relativamente homogênea do sistema
do Direito Penal, dos conceitos e categorias da teoria jurídica do delito^ as sim como dos princípiose garantias político-criminais fundamentais.30 Aqui surgem dificuldades muito importantes. Por um lado, nem assi milação nem harmonização legislativas garantem em nenhum caso a ho mogeneidade das respostas, além de apresentarem dificuldades de índole
Constitucional.31 Isso nem sequerse garante com a adoção de tratados de unificação setorial doDireitoPenal,que não possamabordarsua aplicação uniformeporpartedos órgãosjurisdicionais nacionais.Enfim, a atribuição do iuspuniendi, tanto em sua dimensão legislativa como jurisdicional,32 a instâncias supranacionais tropeça ao menos de momento com os déficits
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democráticos das instituiçõessurgidas dos processosde integração, quan to mais se se trata de outro tipo de instâncias supranacionais. Na medida em que ás penas que se imponham sejam privativas de liberdade (não tanto
se se tratade penas pecuniárias ou de penas privativas de direitos), não parece possível hoje em dia atribuirá órgãos de instituições supranacionais o exer cício do ius puniendi contra a delinqüência da globalização. NT2 "*"' A propósito desse tema, é importante mencionar que os trabalhos da Comissão de Direito Internacional da ONU voltados a cdificar as bases para a criação de um Tribunal Penal Internacional de caráter permanente foram reativados- depois de um longo período de estagnação, pela Resolução 44/39, de 04.12.1989 -, a partir de propostaapresentadapor Trinidade TobagoaAssembléiaGeralcuja final idade não era propriamente impulsionar o exame dos projetos da CDI relacionados ao
tema, senão exatamente o estabelecimento de um Tribunal Internacional para jul gar os acusados de delitos vinculados ao tráfico de drogas, modalidadeessa que não integrou a competência do Tribunal Penal Internacional cujo estatuto foi apro vado em 17.07.1998 na Conferência de Roma. A* esse respeito, C. Escobar Hernández, La progresiva institucionalización de Ia jurisdieción penal internacio nal: La Corte penal internacional, em Crimen internacional yjurisdieción univer-
'"' Cf. Kühl, EuropãisierungderStrafrechtswissenschaft,ZStW 109(1997), p.777e ss, 784, aludindo aos conhecidos exemplos da lavagem de dinheiro, a sanção do insidertrading, a proteção dos interesses financeiros da União Européia e, enfim,
" ' sal - èt caso Pinochet, Mercedes Garcia Aran c Dicgo Lopes Garrido (Coord.), Valencia, Tiram Io Blanch, 2000, p. 227-228, observa que "O interesse por um Tribunal Penal Internacional se viu posteriormente reforçado pelos problemas
a assimilação do tratamento da corrupção de funcionários comunitários ao dos
suscitados em torno do caso Lockerbie e a repressão ao terrorismo internacional.
funcionários nacionais.
Curiosamente, ambas as categorias de crimes acabaram ficando excluídas da com petência da Corte Penal Internacional por falta de consenso suficiente sobre os crimes
I28> Tralar-se-iacom issode superar, ouaomenos complementar, o método comparatista com o de um discurso com pretensões unitárias. Cf. as observações de Courakis, Strukrur-und Auslegungsaspekte des angelsüchsischen Strafrechts, GA, 1981, p. 533 e ss, 533. Sobre a origem do método do "Direito Comparado" no fenômeno codificador que põe fim ao predomínio do IusCommune, Perron, Sinddie nationalen
Grenzen desStrafrechts überwindbar?, emZStW 109(1997), p. 281 c ss, 284-285.
"" V. o importante esforço construtivo de Tiedemann, DerAllgemeine Teil des europãischen supranationalen Strafrechts, em FS für Jcscheck, II, Berlin, 1988,
; p. 1.411 e ss; assim como de seus discípulos Vogel, JZ, 1995, p. 331 e ss; e Dannecker, JZ, 1996, p. 869 c ss.
O0' Aessesdoisaspectos aludem Kühl, ZStW 109(1997), p.784;Perron, Lenckner-FS, p. 227-228. Naturalmente, isso não quer dizer que a configuração de um modelo dogmático unitário sejasuficiente (crítico, Perron, ZStW 109 (1997), p.300), pois os aspectos práticos e de funcionamento do sistema penal em seu conjuntodesempe nhamum papel essencial se do que se trata é obterumajustiça penalsupranacional. Mas, desde logo, o modelo dogmático constitui um aspecto fundamental.
"" Por exemplo, emrelação aos mandatos deçriminalização, discutidos já háalgum tempo no âmbito da União Européia.
'"' Essa é a linha dochamado Corpus luris (Delmas Marty, dir.). Paris, 1997, germe de um Código Penal modelo para a União Européia. Cf. o documentado comentá rio de Choclán Montaivo, Hacia Ia unificación dei derechopenal comunitário. El Corpus luris europeo (I e II), em La Ley. Revista Jurídica espanola, n. 4.475 e 4.476, segunda-feira, 09.02.1998, e quarta-feira, 10.02.1998.
em questão". Não se ignora, contudo, a possibilidade de que, no futuro, superadas as dificuldades a que alude o autor, tais crimes possam ser incluídos na competên cia do TPI, se e quando vier a ser instalado. Como realça Juan Antônio YánezBamuevo, La Conferência de Roma y ei Estatuto de Ia Corte Penal Internacional: balance y perspectivas, em Creación de unajurisdieción penal internacional...".
cit, p. 24, o estatuto do TPI resultou de um acordo de mínimos, ou seja. sua apro vação foi possível exatamente porque os distintos grupos formados pelas delega ções participantes da Conferência de Roma entenderam necessário diminuir o es
paço de conflito sobre os temas mais polêmicos do projeto, convergindo a favor da reduçãoda competênciamaterial da Corte "ao núcleocentral constituídopelos mais graves crimes de transcendência internacional, entendendo como tais os que já se encontravam nos Estatutos dos Tribunais anteriores... ao custo de deixar de lado,
de momento, outras categorias de crimes que diversas delegações desejavam incluir, especialmente o terrorismo e o narcotráfico - que ficarão para uma futura conferên cia de revisão do Estatuto". Em outras palavras, o estatuto do Tribunal Penal Interna cional abrangeu em sua competência apenas os crimes "internacionais cm sentido estrito", evitando os "transnacionais ou fronteiriços"- ou "internacionais em sentido
amplo"—que, semque haja consenso,a doutrinainternacionalista relaciona,respec tivamente,como os que afetam bensjurídicos de suma importância para a comunida de internacional e por tal razão são objeto de proteçãodireta pelo Direito internacio nal por meio de tribunais internacionais - como os criados após a 2." Guerra Mun
dial, e os tribunais ad hoc para a ex-Iugoslávia e Ruanda e o próprio TPI -, cujo rol é composto basicamente pelos crimes de guerra, de genocídio e lesa-humanidade,
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A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
Portanto, pareceque o mais provável será a adoção de tratados de uni
formização, também em temas de Parte Geral,33 acompanhados de esforços paragarantirdefato uma aplicação a mais homogênea possíveldos mesmos. 2.3.2 A dogmática dianteda delinqüência da globalização
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Penal. Ocorre, sem embargo, que, como é sabido, tal convicçãoesteve as sentada durante longo tempo nacrença de queo Direito Penal se faz supra nacional por sua vinculaçâocom determinadasestruturas lógico-objetivas (como as de ação, da culpabilidade ou de autoria36), das quais se derivaria o conjunto do sistema dogmático de modo dedutivo-axiomático.37 Isso de terminaria que nossa ciência fosse não somente transnacional, senão, mais
O Direito Penal da globalização não é, sem embargo, todo o Direito Penal. Como aludido no início, concentra-se na delinqüência econômica ou organizadae em modalidadesdelitivasconexas. Daí que se produza unia mudançasignificativaquanto ao modelo de delito que serve de referênciaa
ainda, global, universal, desvinculada de referencias espaço-temporais, in dependente deculturas e sistemas devalores. Modernamente, emcontrapar tida, se rechaça por muitos a possibilidade de construir demodo completo o sistema dogmático doDireito Penal sobre a única base dasverdades - supos
construção dogmática: em lugar do homicídio do autor individual, tratá-se,
tamente permanentes e imutáveis- inerentes às estruturas lógico-objetivas. Dessemodo, sem negara importantefunçãode limiteque tem a realidadedo ser38 - em particular o conceito de pessoa c os direitos que lhe são inaliená veis-, a que obviamente não pode opor-se à construção dogmática, tende-se de modo crescente a construir o sistema, no seio de um campo ontológico
porexemplo, de abordar atosde corrupção realizados porumaempresaque, -por sua vez, comete delitos econômicos. A partir de tal constatação, depa ra-secomduas importantes alternativas: ou se acomete uma setorialização =das regras da Parte. Geral do DireitoPenal,34 ou se assume que, devido à poderosa força atrativa da nova criminalidade, também as modalidades clás
que se estima bastante amplo,39 sobre a base de conceitos normativos. Estes
sicas de delinqüência devam refletir a modificação das regras pelas quais vêm sendo regidas. A primeira, que viria a configurar o que de modo grá fico pode expressar-se como "Direito Penal de duas velocidades" (vide infra), significa na realidadea renúncia à teoriado delito como teoriageral
adquiririamseu conteúdoconcretosob perspectivas teleológicas, conforma
e uniforme do ilícito penal (e, nessa medida, aparentemente um retrocesso
histórico); masa segunda, por sua vez,supõe a desativaçãodo sistemageral de regras configurado, com uma mais que óbvia vocação garantista, a par tir da constatação da gravidade das conseqüências jurídico-penais, com referência em particular ao homicídio. Colocadas dessa forma as alternati
vas, no meu entender, deve-se optar com reservas pela primeira, como tra tarei de expor ao final deste texto.
Em todo caso, a homogeneização das regras legais da Parte Geral e
das a partir das finalidades político-criminais do Direito Penal. Umas finali
dadespolítico-criminais que não se reduzem a meras considerações utilitaristas-sociais de eficiência empírica, senão que compreendem de modo es sencial considerações valorativas específicas que se trata de extrair de um princípio de respeito à dignidade humana e às garantias fundamentais do indivíduo (definitivamente, são culturais)?0
penalistas de língua alemã) de 1997 foi. ainda assim, o da "Intcrnationalisierung des Strafrechts".
Finalidade, poderatuarde outro modo, domínio final do fato, respectivamente. Assim em Armin Kaufmann, Das Übernationale und Überpositive in der
dos próprios critérios dogmáticos de imputação em um planoglobal pode ria, além do mais, confrontar em teoria com a natureza "cultural" da dog
Strafrechtswissenschaft, emGedachtnisschriftfürZong Uk Tjong, Tokio, 1985,
mática. Com efeito, da minha parte, comparto a convicção, profundamente arraigada entre os penalistas,35 do caráter supranacional daciênciado Direito
Mais uma vez sobre isso, Kühl, ZStW 109 (1997). p. 787. Sobrea redução do Direito Natural a umasériede princípios gerais, Perron, ZStW
p. 100 ess.
109 (1997), p. 283.
e os que, maximizados pelo fenômenoda "globalização"- expansãodos meiosde comunicação e transportes, com o conseqüente aparecimento de novas formas de delinqüir-, tomamaconselhável ou necessária a coordenação dos paísesafetados em prol de uma repressão mais eficaz- como o tráfico internacional de drogas, a falsificação de moeda, as fraudes financeiras, o tráfico de mulheres, os danos a cabos submarinos e outros.
Assim também Vogel,JZ, 1995, p. 334.
A favor da setorialização, Tiedemann, Lenckner-FS, p. 419. Ao "sonho" de Von Liszt com uma ciência penal universal alude Perron, ZStVJ 109 (1997), p. 282, nota 6. O tema da Strafrechtlehrertagung (jornadas anuais de
Cf. o modo como observa, esse é o ponto de vista do qual se trata de construir uma aproximação comum aos problemas. Fletcher, em Criminal thcory as an international discipline, em Eser/Fletcher (Hrsg.), Rechtfertigung und Entschuldigung. Rechtsvergleichende Perspektiven, II, Frciburg, 1988, p. 1.595 e ss, r-621: "The most significam conscqucncc of the conference was thc recognition that we share a common discipline. Both German and American
thinkers, itturns out, arecommiltcdtosystematic as well as to pragmaticanalysis. It may bethatmany Americans arediscovering lhevirtues ofsystematic thought as manyGermanscholars are finding ncw insights in pragmatic, case analysis. The Germans may be importing Bentham, and we, Kant and Hegel. If we sense that we are becoming one intellectual community, we can only be confident that the discussions of the future will be even dceper and more searching".
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A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
Da relação dialética entre um e outro haverão certamente de surgir enunciados valorativos concretos, cuja aptidão para dotar de conteúdo às
categorias sistemáticas deve ficar estreme dedúvida.41 Com efeito, a ado ção dessa perspectiva pode permitir dotar osistema do Direito Penal deum inegável caráter supranacional, sesetoma como ponto central de referên cia a comunidade cultural e de valores subjacente às constituições ociden
taisatuais.42 Mas isso implica em um fatorde relativização. Uma ciência do Direito Penal baseada exclusivamente nas estruturas lógico-objetivas,
ou que se limite a construir o sistema de problemas ou de estruturas de imputação,43 pode ser plenamente universal. Em contrapartida, uma ciên^enrpénal detraços teleológico-valorativos, emque possa sersupranacioTiâirihdèpendentemente dos ordenamentos jurídicos nacionais, não pode alijar-se das culturas, dos sistemas derepresentações valorativas: tem, por tanto, Óbvfõs condicionantes espaço-temporais.44 Para exemplificardemodo evidente, dificilmente sechegará a umacordo valorativo completo enquanto
a atribuição de finalidades político-criminais ao Direito Penal, e portanto '*" Cf.aesserespeito Silva Sánchez, Aproximación aiderechopenal contemporâneo, Barcelona, 1992, p. 103-178.
que no consenso obtido no intercâmbio internacional de opiniões acerca das fina
lidades reitoras dapolítica criminal, assim como nadiscussão comum das diversas
possibilidades de solução dos problemas. Que distintos ordenamentos jurídicos
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tampoúcocom relação a concreta atribuição de conteúdo às categorias e conceitos do sistema dogmático, entre o mundo ocidental, o mundo islâmi co e o do Extremo Oriente.45 De fato, a relação entre racionalização de prin cípios e racionalização utilitarista, assim como a articulação da relação indivíduo-sociedade, entre outras questões, têm lugar em uns e outros âmbitos culturais de modo substancialmente distinto.46 Daí que, desse ponto de vista, a dinâmica da ciência penal não somente se manifestaria no mar co gerado pelas estruturas ontológicas e no que estabelece, em virtude do princípio de legalidade, o respectivo Direito Positivo nacional?7 senão que se veria evidentemente limitada por fatores condicionantes derivados de um determinado horizonte valorativo comum. Dessa forma, o penalista pode dèdicàr-sé, sém margem alguma para constrangi mento, a elaborar de modo universal as estruturas lógico-objetivas que podem condicionar - a meu juízo, de modo não determinante até os mínimos detalhes - a posterior construção doutrinária. Da mesma maneira, e em idênticos termos, a ela borar os sistemas de problemas e as estruturas formais de imputação. Con tudo, quando pretenda construir o concreto sistema de proposições (de soluções aos problemas) no qual se expressam os conteúdos últimos da dogmática como disciplina prática, haverá de mover-se em um contexto valorativo determinado (além dos óbvios marcos, antes indicados, do pla
no ontológico e do Direito Positivo). A partir daí, a questão radica em de terminar os que podem chegar a compartilhar um "contexto valorativo" de uma dada configuração. Sem prejuízo de esludos mais concretos a respei to, por ora me inclino a recorrer ao termo ambíguo "o ocidental" para de-
adotem, se o caso, decisões valorativas divergentes não impede a crítica destas
soluções apartir do estado do conhecimento alcançado no plano internacional,so
'4S)
bre a dogmática jurídica penal".
'*" Não se pode ignorar, com efeito, que existe outra via metodológica distinta daque la das estruturas lógico-objetivas sob as quais a ciência do Direito Penal se faz autenticamente universal. Trata-seda propostade Hruschkade centrar-sena con
formação do sistema de casos problemáticos ede estruturas de imputação, deixan do para um nível secundário, ede discutível estatuto científico, otema das respos tas aos problemas, isto é,emsuma, otratamento valorativo das estruturas de impu
tação. Cf. Hruschka, Das Strafrecht neu durchdenken! Überlegungen aus Anlafl
des Buches von GeorgeP. Fletcher, Rethinking Criminal Law, GA 1981, p.237 e ss; o mesmo, Kann undsollte die Strafrechtswissenschaft systematisch sein?, JZ,
1985, p. 1ess. Ainda, do mesmo autor, a"Vorbemerkung" das duas edições de sua Strafrecht nach logisch-analytischer Methode, Berlin, 1983 (1.°) e 1988 (2.*). ***' Contrariamente, ainda que partindo obviamente deuma concepção segundo a qual
a teoria do delito não é um produto teleológico-valorativo, senão puramente
'"'
A importância da diversidade das representações valorativas, com concreta refe rência ao Extremo Oriente, é ressaltada por Courakis, GA, 1981, p. 534-535. Por isso é discutível que se possa afirmar, em termos categóricos, como fazem agora alguns, que o mundo está globalizado não somente na economia, no co
mércio ou rias comunicações, senão também em considerações humanitárias básicas. Em seu polemico c transcendente trabalho Thc clash of civilizations, publicado na revista Foreign Affairs, Sumtner, 1993, p. 22 e ss, 25, observa o Prof. Samuel P. Huntington que "as pessoas de diferentes civilizações têm pon tos de vista diversos sobre as reações entre Deus e o Homem, o indivíduo c o grupo, o cidadão e o Estado, pais e filhos, marido e mulher, assim como perspec tivas distintas sobre a importância relativa de direitos e responsabilidades, liber dade e autoridade, igualdade e hierarquia". Cf. de modo extenso. Huntington. El choque de civilizacionesy Ia reconfiguración dei orden mundial, Barcelona, 1997.
Nesse ponto,.e em relação ao Direito Penal, não c irrelevante que vários países,
como a índia ou China, proponham "exceções culturais" na instauração, por
ontológico, Hirscrí, Gibt eseine national unabhangige Strafrechtswissenschaft ?, emFSfíir G. Spendel,Berlin, 1992, p. 43 y ss, 50-51, 53: "(...) as diferenças cul
exemplo, de regulações internacionais básicas em matéria de direitos humanos
turais não têminfluência alguma noâmbito emquesetratadaelaboração científica
'*" Marco este que na construção conceituai da teoria do delito resulta especialmente
das doutrinas gerais do delito".
ou, cm concreto, de um Tribunal Penal Internacional.
amplo c flexível.
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A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
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sim como, obviamente, ideológicas e científicas. Em realidade, trata-se de estabelecer uma referência negativa segunda a qual não poderiam tomar
signar a comunidade de sujeitos na qual nos encontramos compreendidos.48 Isso, com as obrigatórias reservas de que, em primeiro lugar, o ocidental não é uma referência estática, senão dinâmica, na medida em que seu sig nificado varia com o tempo49 e sua extensão espacial também pode ser va riável. E, em segundo lugar, que o estabelecimento de um marco valorativo comum não implica pretensão de uma construção definitiva (fechada) do sistema, senão que, ao contrário, deve aceitar-se de antemão a existência presente e futura, no seio de dito marco, de discrepâncias culturais relati vas,50 de configuração técnica e prática do sistema do Direito Penal,51 as-
Desde logo é evidente que esse modelo construtivo supõe obstáculos nada desprezíveis, derivados dadificuldade tanto da determinação dos pres supostos valorativos de referência53 como das condições de sua uniformi zação para os diversos países. Assim se explica que as primeiras críticas a tal modo de proceder tenham se centrado na insegurança de um sistema
.'"'.. Taltermo, certamente, é suscetível, a meu juízo, de compreender não somente o
baseado em considerações valorativas desse gênero, e inclusive em sua menor cientificidade (!)^Sem-embargo, issoéT>erfeitamente"contestável.
. Ocidente europeu, senão também os países eslavos do Leste da Europa, assim como os países americanos(do norte, centroe sul da América). Issosupõeadotarumapostura distinta ade Huntington, para quem a eivilizaçâo ocidental se contrapõe não somente às orientais (confuciana, japonesa, hindu), à islâmicae africana, senão também à eslavocrtodoxa e à "Iatino-americana". A razão para acolher esse ponto de vista é a existênciade inegáveis vínculos nos valores sobre os quais se assentam as estruturas estatais vigentes - ou as que se aspiram a construir -, assim como a evidente base cristã das
culturas de todos esses povos. De qualquer maneira isso não implica desconsiderar a existência de possíveis divergências relativas no seio de "o ocidental" por razão de
parle na trabalhosa construção dessa ciência comum aqueles que não par ticiparam do horizonte valorativo também comum.52
Como, lamberão é, claramente, a afirmação54 de que o sistemateleológico tem um caráter nacional (por sua vinculaçâo a um determinado ordena mento constitucional) que se opõe frontalmente às pretensões transnacionais da dogmática.55 Estou convencido de que é uma virtude das obras da dogmática de cunho normativfsta o realçar a maneira pela qual esse caráter transnacional, e ainda assim valorativo. é possível nos países que perten cem a um mesmo âmbito de cultura: a ocidental, no nosso caso.56
peculiaridades culturais. Mas são divergências no seio de um sistema cujos traços gerais são compartilhados. O mesmo se dá com as diferenças ideológicas, que obvia mente também incidirão em aspectos concretos da configuração das categorias
dogmáticas, contra o que pretende Hirsch, Spendel-FS, p. 53, para quem se trata da "busca de soluções materialmente corretas de modo geral, sem que as valorações ideológicas desempenhem papel algum nisto".
ameaça ou lesão iminente. A battered woman 'ssyndrome c também utilizada como atenuante do juiz no momento da fixação da pena.)
'"'
cional Crítica yjustificacióndei derecho penal en ei cambio de siglo. El análisis
<
"J^Um exemplo simples, que cita Würtenberger, Zeitgeist, p. 108 e ss, é o da dife
crítico de Ia escuela de Francfort, Universidad de Castilta-la Mancha, Toledo, 13-15.04.2000 (no prelo).
A partir de declarações muito genéricas ou de modelos culturais relativamente difusos.
'"' Que encontramos em Hirsch, Die Entwicklung der Strafrechtsdogmatik nach Welzel, em Festschrift der Rechtswissenschaftlichen Fakultat zur 600-Jahr-
rente atitude dos cidadãos alemães c norte-americanos em torno da noção de Estado social, apesar de que, como ele constata, se observam aproximações relativas
Feierder Universitat zu Kõln, Kolri, 1988. p. 399 c ss, 416; propondo também como única possibilidade de modelo transnacional do sistema do Direito Penal
nos últimos anos.
o supostamente assentado em realidades ontológicas. Küpper, Grenzen der normativierenden Strafrechtsdogmatik, Berlin, 1990, p. 34 e ss, 44 c ss; de novo
"" Émuito revelador oestudo relatado porPerron, ZStW 109 (1997), p.291 e ss,so bre a diversa maneira de resolver tecnicamente um caso típico de homicídio sob o battered woman 's syndrome em oito países da Europa ocidental e Estados Unidos,
muito embora em todos os casos haja coincidência no sentido de impor uma pena de gravidade intermediária. [NT: a síndrome da mulher agredida, como se deno minam no mundo anglo-saxão os sintomas psicológicos da mulher que sofre agres sões contínuas e sistemáticas do companheiro - redundando às vezes em atos de contraviolência por parte da vítima —, é freqüentemente usada como defesa em processos criminais (especialmente nos casos de homicídio), em que as evidências de que a mulher estava submetida a agressões constantes são empregadas para demonstrar que a autora do crime atuou em legítima defesa, apesar de não existir
Da necessidade, contudo, de estabelecer uns mínimos padrões comuns a todas as culturas me ocupei com mais detalhes em minha palestra. Silva Sánchez, Retos científicos y retos políticos de Ia ciência dei derecho penal, no seminário interna
Hirsch, Spendel-FS, p. 44, 49.
"" Cf. o intento de Baldo Lavilla, Estadode necesidady legítimadefensa, Barcelo na, 1994, p. 43 e ss, de construirá resolução dos conflitos de interesses que ge ram as situações de necessidade mediante princípios operativos de segundo ní vel, derivados das idéias reitoras de liberdade e solidariedade, ressaltando o ca
ráter transnacional de tal ordenação (p. 44, nota 32).
""
Cf. também neste sentido Schünemann, Lapolítica criminalyei sistemadei derecho penal (trad. Martínez Escamila), ADPCP, 1991, p. 693 c ss, p. 712-714: "(...) há que constatar atualmente, pelo menos nàs sociedades ocidentais, uma nivelação
Entendendo, sem embargo, que essas figuras, anglo-saxã e mente, constituem a correspondência da autoria em co Tiedemann, Lenckner-FS, p. 431. [NT: A figura da vicario mente presente no Direito inglês c norte-americano e consist
iência deiderecho penal (no prelo).
erísticas da divergência entre atradição jurídica continental eada cf. a palestra supracitada. Silva Sánchez, Retos científicos e retos
PC, 18, 1996, p. 7 e ss, 31 e ss.
o-criminais característicos daprevenção de integração. , Grasso, Lesperspectivesdeformationd'un Droitpenalde l'Union
ximação a modelos sistemáticos como a crescente acolhida de
ecisões fundamentais econvicções básicas político-criminais (...) comunhão nas convicções básicas político-criminais, inclusive m mais favoráveis que outrora as perspectivas de nivelaçâo dos jurídicos nacionais assim como dos sistemas jurídico-penais". O s países anglo-saxões, em relação aos quais Schünemann detecta
ta de que - no marco deum Direito Penal global - seacabe
was responsible for everything elsc lhai happehed in the co I6°' Com efeito, convém não ignorar a existência de uma disti recklessness e objective recklessness. Enquanto a primeira diferenciação entre dolo eventual c culpa consciente, a segu to da culpa inconsciente (como forma qualificada da mes adoção configuraa discussãosobrea imputação subjetivac distintos. Cf.adescrição emPerron, Vorüberlegungen zueine Untersuchung der Abgrcnzung vonVorsatz undFahrlassigk Hartio Nishihara zum 70. Geburtstag, Baden-Baden, 1998, [NT:Nodireitoda Common Law a expressãoreckless disreg teempregadaparadesignara condutadescuidada do agenteq desejea produçãode resultadodanoso,é indiferente a ele - o 2.02) trata a recklessness exatamente como uma atitude de i às conseqüências de um ato previsivelmente danoso -; é, p
vel pela manutenção das condições sanitárias (como se ele responsável por tudoo mais que acontecesse na empresa -
a condenação com base na mera demonstração "teórica" de q
dos alimentos adulterados, decidiu que o interesse maior da s
incumbia a empregados subalternos, por delegação, provid
ormando ao aplicar-se ao âmbito dos delitos de empresa ou anizadas (como infração do dever de vigilância). Existe a
Corte, ante a alegação do réu de que não agirá sequer cul
entidade estrutural noplano normativo coma comissão ati
decisão criticável proferida no caso U.S. v. Park, 421 U.S. aplicaçãode pena de prisão de até um ano para a primeirac para uma segunda- ao presidente de uma rede de supermer providenciar a suspensão da comercialização de alimentos i lojas de sua rede, apesar de tomar conhecimento da impro
Emanuel Publishing Corp., 3. ed., 1988, p. 29, a Suprema
ra, porém, a vicarious liability tende a ser rechaçada quan pena de prisão (sem embargo, como observa Steven L. Em
701 etc), oú o comerciante pela venda de alimento imprópri lenha fisicamente sido realizada por um empregado (na Ingl 1984, embora admitida a responsabilidade conconútante do raramente é processado —cf. Oxford dictionary of law, 4. 492). Outro caso comum é o da responsabilidade criminal veículos pelo mau uso desses bens por terceiros. Tanto nos E
ponsabilidadecriminal por ato de terceiro. Em ambosos paí -.--—sabilizar^riminalmente odpnq-deum barpelaconduta..de.se nista - que serve bebida alcoólica para um menor de idade 175Pacific Repórter, Second Series, 832; South Eastem Re
""
culpa consciente pode dissolver-se na ampla figura da re
assimilando as figuras, muito mais flexíveis, da vicariousl ou a résponsabilité dufait d'autrui francesa.59 Algo par na imputação subjetiva, em que a trabalhosa distinção en
MULTIPLICADORES DA EXPANSÃO
s exigências com vocação de aplicação restritiva (sobre a
bilidade em comissão por omissão, submetida em nosso
tre outras, em matéria de meio ambiente).
m si é provavelmente correta, pode todavia adquirir um o antigarantista na medida em ganhe espaço aproposta de e proceder a uma inversão do ônus da prova nesse ponto
etamente depuras relações (normativas) decoerência. Essa
ugar, se propõe a suficiência derelações de probabilidade
o com relações de necessidade conforme as leis físico-na-
putação objetiva tende a perder -já nos Direitos nacionais
batórias adquirem por outro lado uma transcendência ex-
como características dadogmática da globalização, na qual
esa e atradição da Common Law?s tensão de esgotar o tema, podem ser mencionadas as se
te^EuropeuJti^
que nos interessa, semanifestam na contraposição de uma continental deimportante influência alemã (países dalín-
edade", quanto dadiversidade detradições jurídicas.57 Estas,
s conceitos de pessoa e sociedade se vissem mais implica a, oproblema não deriva tanto da contraposição de mode endidos como "conjuntoderepresentações valorativas sobre
ito inferiores às que se suscitariam em relação com situa
o (basicamente econômico-empresarial) da delinqüência alização, convém ressaltar que as diferenças culturais são
qui nos interessa, sem embargo, e considerando o caráter
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MULTIPLICADORES DA EXPANSÃO
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No âmbito das formas de intervenção no delito, tende a prevalecer fórmulas de não distinção entre autoria e participação, algo que já se veIhança do instituto com o dolo eventual, na medida em que a recklessdisregard implica na disposição de assumir o risco com plena consciência - previsibilidade
- do dano ("consciousness of danger and a willingness do assume the risk", cf. 305, Pacific Report, Second Series, 752, 757) e é mais intensa que a negligência, semqueseexija a intençãode causar dano aoutrem ("... does not necessarilyrequire na intenttocauseharm,either ingeneralor to a particularvictim",cf. Lawdictionary by Steven H. Gifis, Barron*s, New York, 1996, p. 419) ou, como afirma nà Ingla terra, Clarkson, C. M. V., Understanding CriminalLaw,Sweet & Maxell, London, 2«edzA99!&rp. 69, enquantoa reckleness envolve um estado mental reprovávelra negligênciaenvolve um fracasso "puramenteobjetivo" em atuar de acordo com um determinadopadrão de conduta ("Thus while recklessness involves a blameworthy stateofmind, negligenceinvolvesa 'purely objective' failurcto act accordingtoaset standar"). O mesmoautor, exemplificando a diferença entre a reckleness c a negli gência,acresce(p. 64)que "um agente,momentaneamentedistraído,pode ser negli gente mas não será criminalmente descuidado- recklessness - se, por exemplo, abre subitamente a porta de seu veículo sem antes cientificar-se de que ninguém está passando; por outro lado, um trabalhador sobre um andaime que arremessa para baixo tijolos demonstra uma atitude de indiferença - recklessindifference para a segurança de transeuntes que possam ser atingidos. Por outro lado, Clarkson (op. cit, p. 60) observa que nada obstante a lei inglesa sempre tenha considerado o malfeitor descuidado - reckless wrongdoer—merecedor de censura e pena, nunca
houveconsistência nadefiniçãodo significado da recklessness, advertindo quanlo
rifica no plano da pura tipificação se se examinam os tipos delitivos em matéria de tráfico de estupefacientes ou de branqueamento de capitais ("la vagem de dinheiro").61 . Por outro lado, a tendência a contemplar as eximentes em termos pro
cessuais como defences (à maneira anglo-saxã) conduz a que as causas de exclusãoda antijuridicidade e da culpabilidade se concebam comoelemen
tos que não somente devem ser razoavelmente alegados, senão inclusive provados pelo imputado.62 Isso, a partir da idéia de que a acusação somente
deve provara tipicidade, e não a antijuricidade ou a culpabilidade, poisas eximentes (causas de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade) devem serprovadasporquem as alega-emsua-defesa
2.3.3 Osprincípios político-criminais do Direito Penal da globalização Como já indicamos, o paradigma do Direito Penal clássico é o ho micídio de um autor individual. Não parece desarrazoado sustentar que a
maior parte das garantias clássicas do Direito Penal adquire seu funda mento nessa constatação. O paradigma do Direito Penal da globalização é o delito econômico organizado tanto em sua modalidade empresarial convencional como nas modalidades da chamada macrocriminalidade:
terrorismo, narcotráfico ou criminalidade organizada (tráfico de armas,
mulheres, ou crianças). A delinqüência da globalização é delinqüência
a existência de uma tendência, inaugurada com a decisão do caso Caldwel1/Lawrence
(1982),de prestigiaros aspectosobjetivos do instituto- admitindo a responsabili dadepenalindependentemente da verificação de queo agente pôdepreveras con seqüências danosasde sua conduta, ante a constatação, suficiente, de que o risco "era óbvio do ponto de vista de uma pessoa razoavelmenteprudente" (obvious to a 'reasonably prudént person') -, que a despeito da crítica feroz da doutrina (Williams, 1981; Smith, 1981), levouasuareintrodução no DireitoPositivoinglês (Law Comission, 1989; Law Comission, 1993). Clarkson reconhece (p. 64), con- tudo, ainda haver espaço para a aplicação da subjectiverecklessness, como demons tra o caso Reid (1992), no qual se afirmou a ausência de reckless de um motorista
que causou um acidente, conduzindo um veículo com a direção no lado esquerdo (diferente, pois, dos veículos ingleses), ao atravessar um cruzamento sem poder visualizar o tráfegonaoutra via, masacreditando plenamentena informação pres tada pelo passageiro de que não havia risco na travessia. Também observa Paul
Dobson, Criminal Law, 5. ed., London, Sweet & Maxell, 1999, p. 16,que, "a des peito de uma reação inicial contrária a que a Caldweilrecklessness[referindo-se a decisão do caso Caldweil, de 1957, que privilegiava o aspecto subjetivo darecklessness, sobre a base de que "é necessário que o agente tenha percebido o risco da sua conduta" para que seja responsabilizado - acrescentei] pudesse ser aplicada a casos de estupro, uma série de decisões posteriores demonstraram que tal era possível. O Sexual OffencesAct 1976 foi baixado exclusivamentepara in troduzir no ordenamento positivoo conteúdoda decisãodo caso D.P.P.v. Morgan (1976), em que se afirmouque uma honesta, ainda que desarrazoada crença no
consentimento da vítima, excluía o dolo do agente". Seja como for, conforme ob serva Edmundo S. Hendler, Derechopenal y procesal penal de los Estados Uni
dos, Buenos Aires, Ad-Hoc, 1996, p. 56, a ausência de um instituto idêntico ao "dolo eventual" no sistema da Common Law aparentemente não impede que se
aplique a mesma solução do Direito Continental noque respeita aocastigo impos to, "embora considerando-o um fato culposo, na variante de culpa consciente ou
culpa com representação naqual concorre um elemento especial de tendência" (o comentário refere-se aocrime de homicídio). Esseautor aduz, também, que "Lo curioso
es que, en Espafia, una de las posturas doctrinarias sobre cl lema sostiene precisa mente eso: queIaestruetura deidolo eventual noes otraque Iade Iaculpa, pero con ei agregado de un elemento subjetivo deiinjusto, lo cual no quita, paraesa postura, que setrata deuncaso deverdadera culpa yno dedolo. Laequiparación aeste último sería solo a losfines de Iapena" (Juan Bustos Ramírcz, Manual de Derecho Penal espanol, p.214, con citas en apoyo deRodríguez Munoz y Ferrcr Sama)".] (6" Cf. Hassemer/Munoz Conde, Laresponsabilidadporelproducto en derechope nal, Valcncia, 1995, p. 35. Outros temas, incluindo menção aos sistemas sancionadores, em Pagliaro, RTDPE 6, 1993. p. 202-203. '"' Assimocorrena França,Inglaterrae inclusive naEspanhae najurisprudênciatra
dicional italiana. Isso é o que, aparentemente, leva Tiedemann, Lenckner-FS, p. 433, à propor seu abandono, a partir daafirmação daexcepcionalidade dasolução contrária alemã (!).
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A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
econômica, à qual se tende a assinalar menos garantias pela menor gravi dade das sanções, ou é criminalidade pertencente ao âmbito dá classicamente denominada legislação "excepcional", à qual se tende assinalar menos garantias pelo enorme potencial de perigo que contém. Ocorre aqui, portanto, algo similar ao sumariamente patenteado com relação às regras dogmáticas de imputação. A título, mais uma vez, puramente exemplificativo, aludiremos a al guns aspectos dos princípios de legalidade, culpabilidade e proporcionali dade. Quanto ao primeiro, não vou me deter em questionar se ele - em sua concepção continental - tem um equivalente funcional na regra stare deci-
_sis_(ou de vinculaçâo pelo precedente) do âmbito anglo-saxão; ainda que
ser discutido sob perspectivas de culpabilidade.60 Em terceiro lugar, pa rece evidente a dificuldade de rechaçar figuras que implicam uma pre
sunção de culpabilidade, mas que se achamabsolutamente arraigadas em suas tradições jurídicas de origem, como a strict liability ou as infractions matérielles?1
Por fim, o princípio de proporcionalidade não deixa de se ver com
prometido pela sanção penal decondutas meramente imprudentes em rela ção aos bensjurídicos coletivos (assim, por exemplo, no caso da lavagem de dinheiro).^3 Ainda assim, pela evidente proliferação de tipos de perigo <4
por fatos cometidos por indivíduos integrados cm sua estrutura, deve-se insistir em queé preciso determinar comclareza qual éó círculo depessoas físicas integradas em tal estrutura,cujas açõesdesencadeiam a responsabilidade da pessoajurídica. Alémdisso, é preciso determinar comoseconstrói a imputação subjetiva dapessoa jurídicaem casode atuações de órgãos coletivos, nas quais uns membros atuam
afirmarei que isso não é tão evidente como alguns asseveram.63 Mais rele vante é, a meu juízo, o manifesto abandono do mandato de determinação nos tipos que, com toda probabilidade, passarão a configurar o Direito Penal da criminalidade transnacional.64
No plano processual, a configuração do Direito Penal da globaliza ção, como um instrumento repressivo que dá resposta a exigências da po lítica, determina que o conflito entre os sistemas orientados ao princípio de legalidade processual e a busca (tendencial) da verdade material e aqueles nos quais imperam, de modo geral, o princípio de oportunidade, a possibi lidade de acordos e, enfim, critérios dispositivos, presumivelmente acabem inclinando-se para o lado desses últimos.65 No que se refere ao princípio de culpabilidade, em primeiro lugar, é certo que existe no plano internacional um consenso quanto à admissão da relevância do erro de proibição. Mas também que isso, apesar da sua im portância, não é o decisivo; pelo contrário, o determinante é o que se enten de por erro (diante de conhecimento) e qual é o referencial da evitabilidade. Por outro lado, está clara a acolhida no Direito Penal da globalização da
Tésponsabiljaããepéhàl das próprias péssòàsjurídicas, òqüè não deixa de
com dolo e outros não; se cabe uma soma de conhecimentos individuais, cada um
porsi mesmo insuficiente, paraconformar o dolo daempresa; se causas deexclu sãoda responsabilidade concorrentes no membro daempresa podem beneficiar a esta ou não etc. Alude a isto Vogel, JZ, 1995, p. 341.
'"'
Com efeito: é sabido que na França e na Inglaterra se reconhece a existênciade
infractions matérielles ou ilícitos de strict liability, o que, de nossa perspectiva constitui uma violação do princípio de culpabilidade. Cf. Ashworth, ZStW 110 (1998), p. 467c ss. Poisbem,inclusive o Tribunal Europeu de Direitos Humanos as admite na medida emquese configurem como presunções iuris tantum de cul pabilidade (isto é, contestáveis processualmente). Cf. sobre isso Ticdemann, Lenckner-FS, p. 428-429. Masé evidente que issodesnaturaliza nossaconcepção substantivo-processual do princípio de culpabilidade, da mesmaformaque se po deriaafirmara propósito da responsabilidade por fato de outremetc. Sem querer
alongar-me em instituições que estimamos violadoras do princípio de culpabilida denadoutrinaconünental atual, às-já mencionadas sepodeacrescentar aconstruetive
liability(equivalente ao versari in reillicita):-Ashworúi, Principies ofCriminal Law, 2. ed., Oxford, 1995, p. 85-86, embora concebendo-a comorestrita a delitos dolosos contra a vida ou a integridade física.
'*" Talvez, por exemplo, Pagliaro, RTDPE 6, 1993, p. 200-201. Cf., no sentido do texto, a descrição de Ashworth, ZStW110 (1998), p. 464-465. '"' Sobre o fato de que uma concepção demasiadamente estrita do mandato de deter minação pode ser oposta às exigências de efetividade e praticabilidade do Direito da integração (por exemplo, na matéria dos atos realizados em fraude à lei), Vogel, JZ, 1995, p. 338.
'"'
HassemeF/Munoz Conde, La responsabilidad..., p. 36. Trata dessa questão, ain da que sem efetuar:prognósticos, Perron, Lenckner-FS, p. 245. Tampouco no que se refere à relevância do testemunho de co-imputados. assim como à validade do emprego de réus confessos, parece que o Direito Penal da globalização esteja em condições de desviar-se do que já é tendência' consolidada nos diferentes ordenamentos nacionais.
|NT" ASuíça, que já foi apontada como a principal destinatária do "dinheiro sujo" do narcotráfico - cf. Carla Del Ponte, Crimen organizado y lavado de dincro, artigo
publicado zmNarcotráftco.políticaycorrupción. Bogolá, Colômbia, Temis. 1997, p. 143-, na década90 introduziu duas importantes modificações no sistema penal
voltadas aocombate da "lavagem de dinheiro". Em 1°.0S. 1990 foram tipificados oscrimes de"lavagem dedinheiro" (Código Pena! suíço. art. 305./j/í) e de "falia de vigilância em maléria de operações financeiras" (art. 305/tv) e,em 1.".8.1994. odelito de"participação emorganização delitiva" (art. 2Q(>.icr). No caso docrime de"falta devigilância em matéria deoperações financeiras", conforme nota Javier Alberto Zaràgoza Aguado (Instrumentos para combalir ei lavado de activos y ei enriquecimiento proveniente dei narcotráfico, artigo publicado emNarcotráfico, política vcorrupeión, Bogotá, Colômbia, Temis, 1997, p. 190-192), fica evidente
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A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
muitas vezes standard, tanto imputados em comissão ativa comaem co missão por omissão. Em suma, a atribuição ao Direito Penal de papéis relevantes na res posta aos ilícitos próprios da globalização e da integração supranacional implica uma flexibilização de categorias e relativização de princípios: abona a tendência geral no sentido da expansão.68
A POLÍTICA criminal
E A TEORIA DO DIREITO PENAL
DIANTE DOS ASPECTOS SOCIOCULTURAIS
E POLÍTICOS DA GLOBALIZAÇÃO
SUMÁRIO: 3.1 Questionamento-3.2 Globalização emodificações na estrutura social - 3.3 A globalização política e cultural e o Direi
que esse país optou pela alternativa adotada há tempos nos EUA, de "sancionar o descumprimento ou violação de obrigações exigidas pelo ordenamento jurídico dos operadores financeiros com independência do seu resultado ou de suas conseqüên cias", criando tipo penal de "mera atividade", que se caracteriza com o simples descumprimento de determinadas obrigações de verificar atribuídas às instituições financeiras", tal como a responsabilidade imposta aos operadores financeiros norteamericanos que deixam de comunicar às autoridades do tesouro transferências de numerário que envolvam somas superiores a USS 10.000 (v. "Section 5316(a) of United States Code, Title 31 (Bank Sccrecy Act)"). Ao comentar tais modificações, Carla Del Ponte (op. cit., p. 167) observa também que "o legislador suíço não definiu o que é 'organização criminal' propositadamente", não se preocupando em esconder que optou por essa alternativa por entender que a inclusão de uma definição estreita a esse respeito poderia dificultar a eficácia prática da norma, já que as "organizações criminais estão em condições de adaptar suas estruturas com rapidez e flexibilidade para subtrair-se ao perigo de uma incriminação demasiadamente minuciosa". O caso suíço bem exemplifica como a preocupação excessiva com a eficácia da repressão serviu parajustificar um aparente menoscabo aos princípios orientadores do Direito Penal dito "garantista", em especial o princípio da taxatividade.
Expansão que, ademais, se trata de garantir diante dos que não a adotam, mediante a progressiva modificação dos critérios de aplicação da lei penal no espaço. Nesse sentido, e em concreto para adelinqüênciaeconômica, a qual é a que neste momen to interessa, se assiste a uma importante crise do princípio de territorialidade, em detrimento do qual se pretende dar azo a novos âmbitos de incidência dos princí pios de proteção (é esse princípio que informa o direito de um Estado de julgar infrações praticadas fora do seu território, independentemente da nacionalidade do agente, quando afetam interesses nacionais; v. o artigo 7.", I, a, b e c, do Código Penal brasileiro) e de justiça universal (com base no qual os Estados reservam-se o direito de julgar em seu território as infrações que afetam bens c interesses da comunidade internacional —os delicia iuris gentium, como a destruição de cabos submarinos, o tráfico internacional de entorpecentes, o terrorismo etc. - indepen dentemente da nacionalidade do agente ou o local da comissão; y. artigo 7.°, I, d, e II, a, do Código Penal brasileiro). Desse modo, as legislações mais intervencionistas tendem, ainda, a aplicar-se de modo extraterritorial.
to Penal.
3.1
Questionamento
No capítulo anterior tratou-se deexaminar a incidência daglobaliza ção econômica sobre o Direito Penal, levando em conta sobretudo a ma
crocriniinalidade oucriminalidade organizada. Agora vejamos, a globali zação, como já indicado, não se reduz a sua influência sobre a proliferação de formas de criminalidade organizada. Nesse sentido, convém não des prezar outros aspectos de grande transcendência que também se devem aos
processos de concentração e integração próprios da globalização.1 Assim, '" Segundo noticiado pordiversos meios de comunicação, o Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos prognostica que aglpbalizaçaolirnitará deforma dramática o tradicional poder de governos e Estados para regular fluxos de todo tipo (emigrantes, armas, drogas, informação, tecnologia c enfermidades) por meio desuas fronteiras, assim como a erosão irresistível defiguras jurídicas como asda "nacionalidade" ou "filiação" [NT: Parece estai- relacionada ao fenômeno da globalização a tendênciaatual de muitos países de flexibilizar a "nacionalidade"
pela admissão de dupla ou múltipla nacionalidade. Com relação a"filiação adeter minado grupo social", trata-se deum dos critérios estabelecidos na "Convenção de
Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados"-adotada cm 28.07.1951 e que entrou em vigor em 22.04.1954 -, para definir o status de refugiado de um indivíduo a fim de submetê-lo ao sistema de proteção do Alio Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados - ACNUR. Diz oart. 1." dacitada Convenção que
seconsidera"refugiado" qualquer pessoa"que,em conseqüência de acontecimen tosocorridos antesde 1.°.01.1951, e receando comrazãoserperseguida em virtude
dasua raça,- religião, nacionalidade.yi/iapão a certo grupo social ou das suas opi-
insuficiente. Fazia-se necessária uma concepção desançã
ltantes crescerão tanto a criminalidade como o puiutivismo .
apopulação pobre de modo adicional pela imigração. Com os confli
ess, Die Zukunft des Verbrechens, KritJ, 1998, p. 145 e ss, U1:_"A íebàixárá o padrão de vida de amplas camadas da população e
nkfurt 1999, p. 157 e ss, 158.
inação corresponde a"pertencia adeterminado grupo social .J r Vielfalt und Wandel. Offene Horizonte eines interkulturellen m Hõffe, Gibt éein interkulturelles Strafrecht? Ein phiiosophischer
ca umaelevadíssima sensibilidade ao riscoe umaobsessã
essas que de resto surgem em anos nos quais, como menci
Européia. Não sedeve olvidar, ademais, que essa situação c coma aparição de dúvidas dos cidadãos europeus acerca do modelode "Estado de prestações" ou "Estado do bem
já nessa altura, um problema estrutural das diversas soci
oscilamentre a "habitualidade"e a "profissionalidade". C
.diversas nações européias. Trata-se, portanto, de uma cr raramente é ocasional, manifestando-se mais precisament
(grifo nosso; no texto em espanhol - que éuma das línguas oficiais
acontecimentos, não possa ou, em virtuoe do dito receio, aele nao
monial) de sujeitos extracomunitários, que operam de m nos estruturado, em geral em grupos ou bandos, começa
variando segundo os países, o fenômeno dacriminalidade
No momento atual, cabe afirmar que, em maior o
que consiste em um fator de conflito adicional.
porque se trata de pessoas pertencentes a culturas distinta
de de países estrangeiros, em concreto de países não m Européia ("extracomunitários"), e, ademais, muitos dos cem de permissão de residência no país correspondente
lo XIX, ou inclusive mais transcendente. Mais transcen se trata de üm movimento interno dosEstados nacionais,
mente a um fenômeno migratório tão importante como o
lugar uma reavaliação da questão. Com efeilo, na Europ
diversas circunstâncias têm contribuído para que nos úl
espanhol é uma clara manifestação de tal estado de coisa
não queimais que isso, da teoria da prevenção especial c do século XIX tão-somente restava a idéia da orientaçã da execução das penas e as medidas de segurança. O te
Certamente, as décadas posteriores -sobretudo a Mundial;- evidenciaram que não somente nãodesaparec
de do delinqüente.
mando corno ponto dereferência não a culpabilidade, m
qüente incorrigível. Com isso assentavam-se as bases p segurança que, am realidade^ tinham a vocação de.subst
tasse o cumprimento de fins empíricos com relação ao delinqüido. Assim, se elaborou a concepção da "pena f mos preventivo-especiais (Zweckstrafe). Esta, por su manifestações: como meio de intimidação individual s qüente ocasional; como instrumento de ressocializaçã habitual corrigível; e, enfim, como mecanismo deneutr
e orientada tão-somente a retribuição da culpabilidade p
Nesse contexto, a concepção clássica da pena, desv
POLÍTICA CRIMINAL EA TEORIA DO DIREITO
s, se encontre fora do país de que. tem anacionalidade enao possa ou, quele receio, não queira pedir aproteção daquele país; ou que; se nao lidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual
eto, a delinqüência patrimonial.
seu lugar de procedência. Por outro lado, as viciss.tudes trabalho contribuíram para que muitos migrantes caíssem e epassassem ase dedicar adelinqüência reiteradamente.
deiitivas (socialização, identificação com.o meio, religião)
o aestes de boa parte dos elementos de integração eimbi-
o, a proletarização dos camponeses migrados provocou a
Direito Penal. Como conseqüência da industrialização, se vimento maciço de emigração do campo para as cidades. em as estruturas urbanas nem as próprias industrias esta para aavalancha humana que se projetou sobre elas. As
bido, no último terço do século XIX a Europa vivenciou ue haveria de modificar substancialmente o conceito ate
apital e de mão-de-obra, que derivam da globalização da inam aaparição no ocidente de camadas de subproletanae proceder um incremento da delinqüência patrimonial de gravidade. Para uma caracterização mais precisa desse fe er conveniente efetuar um breve excurso histórico.
inaUdade,ejKiuanwj:riminalidadede^massas.3 Assim, os
ção como fenômeno econômico não se limita, efetivamen facilitar aatuação da macrocriminaiidade. Também incide
ão e modificações na estrutura social
; e outros mais.2
m ampla medida, também da cultura; eaprópria globali
ovimentos migratórios e a conformação daquelas como entemente multiculturais; a globalização das comunica
ncremento de bolsões de marginalidade nas sociedades
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
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emnossas sociedades; assim como, enfim, concorre também comumcres
cente desencanto, fundado ou não, em torno das possibilidades de uma intervenção ressocializadora do Estado sobre o delinqüente. Como resulta evidente, essa criminalidade não sediferencia substan cialmente da criminalidade tradicional. Mas sua intensidade e sua exten são se vêem incrementadas pela marginalidade aque estão relegados aque
les que, dentro dás sociedades pós-industriais, vivem à margem de rela ções laboratícias estáveis.4 E, ainda assim, pelos choques sociais ecultu rais que aimigração produz entre as camadas inferiores da sociedade re^ceptorae os grupos Imigrantes.5 Não parece caber dúvida acerca de-que iÊSo.^projétodòiòbre da autocompreensâo do cidadão das sociedades contemporâneas - redun
da em demandas emprol de uma mais intensa intervenção do Direito Penal e abona o punitivispio como forma específica deexpansão. No mais, a imigração depessoas procedentes depaíses pertencentes a outros âmbitos socioculturais que acedem aEuropa do bem-estar em busca de uma melhoria de suas condições vitais nos converte em sociedades plurietnicas emulticulturais. Nelas se manifesta, certamente edemodo muito cla ro atensão entre integração e atomização, entre homogeneização e diversi ficação As sociedades pós-industriais, com efeito, tendem a integração su pranacional, mas seatomizam em seu interior; sofrem um processo crescen te de desvertebração. Por outro lado, as formas de vida são cada vez mais homogêneas;6 mas existem sérios indícios deque, em tensao.com.o anterior,
POLÍTICA CRIMINAL E A TEORIA DO DIREITO PENAL
101
Tal violêncianãoé, certamente, unilateral. Na realidade, como aludi do no começo destas páginas, é discutível que se possa afirmar de modo geral e em termos empíricos que os estrangeiros ("extracomunitários") delinqüem em proporção superior àquela em que delinqüem os nacionais
dos países europeus.8 Mas, vejamos, certamente se deve admitir que os delitos cometidos porimigrantes são mais vistos-? o quetambém determi na que os meios de comunicação lhes dediquem mais atenção e, por isso, lhes dêem mais difusão. Mas, assentado esse ponto, também será difícil negar que tais delitos podem despertar uma maior necessidade social de
estabilização da norma que vulneram. E o incremento de penas que pode
resultar disso encontrará apoio, ainda assim, tia constatação de uma diminuição dos termos do acordo social que é característica das sociedades multiculturais.10 Seja como for, a política criminal oficial dos diversos Es
tados parece tender, a marchas forçadas, a aplicar também aqui o critério de "tolerância zero". Assim, por exemplo, é seguramente uma manifesta ção detal tolerância zero a possibilidade de deliberar pela expulsão - como
forma de "neutralização" mais barata - tão logo o estrangeiro adquira a condição de imputado em um procedimento penal.
Nesse estado de coisas, a questão é se o Direito Penal pode proceder, ao tratar os delitos nos quais se expressa a criminalidade dos imigrantes, com a sutileza que é própria da teoria das normas e do delito." O tema sé suscita em particular quando se trata de ilícitos (coações, lesões etc.) vin culados com o contexto cultural do país de origem, ou, expresso de outro
cionais.7 Atensão entre integração eatomização, homogeneização ediversi dade ou multiculturalidade é desde logo criminógena: produz violência.
modo, com a lei,"o costume ouaconvicção social ou religiosa que obrigam pessoalmente o sujeito e lhecolocam diante da norma de vigência territo•rial.m. Europa.12 Desde logo, poder-se-ia pensar que o imigrante, uma vez queestrangeiro semdireito a voto, queporissomesmo nãopode contribuir
« Odesemprego estrutural eofenômeno da crescente marginalização de grupos so——,ciais-sâo-vinculados pormuitosà globalização: cf. Silva Franco, Um prognostico
J° Aludindo ao efeito criminalizante da desintegração cultural inerente aemigração,
os grupos humanos tendem aagarrar-se acertos elementos culturais tradi
ousado. As perspectivas do direito penal por volta do ano 2010, em Messutti (dir.). Perspectivas criminológicas en ei umbral dei. tercer milênio, Montevidco, 1998, p. 13 e ss, 17,citando Zaffaroni.
15> Hess Kriü 1998, p. 154: aenergia da frustração (dois receptores) se canaliza em
um punitivismo agressivo, que "sich allerdings auch noch aus anderen Quellen
speisf aus eigenerOpfererfahrung, aus sekundarer Information überdie tatsãchlich ansteigende Kriminalitàt, aus der dramatischen Art und Weise, wie diese lnfor-
mationen in den Medien dargeboten wird, und schliesslich vor aliem auch aus dem
Àrger über den wachsenden Aufwand, derzumSchutz gegen Kriminalitàt geboten scheint oder ist".
<" Ironicamente, não poucos sociólogos aludem ao fenômeno com a expressão "macdonaldização".
<" Assim, auma "religião sociológica", por exemplo. Oqual poderia interpretar-se no sentido de busca da segurança que a aceleração das formas de vida poe em perigo.
HÕTfe, Gibt esein interkulturelles Strafrecht? Ein philosophischer Versuch, Frank furt, 1999. p. 16.
'" Assim, Kersten, Gibtes ein interkulturelles Strafrecht? Kulturwissenschaftliche und kriminalsoziologischc Anmerkungen, em Hõffe. Gibt es ein interkulturelles Strafrecht?, p. 141.
,,ei Comefeito, a penaé, segundo entendo, umsubstitutivo funcional doassentimento
ou acordo social emface da norma. Assim, quando diminui o grau de acordo ou assentimento social, a tendência seráo incremento de penas, a fim de isolar a infra ção (ou dissenlimento) e evitar que este se generalize ainda mais.
"" Hõffe, Gibt es ein interkulturelles Strafrecht?, p. 11, 13, 42, considera concretamente a questão: pode-se castigar um imigrante pelarealização deum fato queem seu país de origem não é delito?
im Cf. de modo geral Hassemer, Interkuliurelles Strafrecht, em Festschriftfür E.A. Wolffzum 70. Berlin,Geburtstag, 1998, p. 101 e ss. 104e ss.
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
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com a gêneseda normajurídico-penal (nem de nenhuma outra similar em seu paísde origem),não pode ser submetidoa vigência de uma normaque lhe é alheia como pessoa em direito. O que eqüivale a dizer que em tais casos se produziria umaespéciede exceção pessoal ao princípio de territo rialidade. Sem embargo, parece claro que, em uma sociedade com impor tante presença de imigração, a criseda vigência da norma queissoimplica ria não seria fácil de assumir. De modo que, por razões-funcionais,13 em princípio se toma como sujeitodo Direito Penal - destinatário da norma quem não é sujeito do direito de sufrágio. De qualquer modo, inclusive levando em conta esse último aspecto, erte^PqTKfíÊfn^
prometer de modo irreparável ã vigênciaT territorial da norma estatal, responder ao conflito produzido pela atuação do sujeito (basicamente, a ex clusãoda culpae o erro de proibição).14 Mas, pelos mesmos motivos antes mencionados, é discutível que o recurso explícito e geral.a tais.expedien tes, nos casos em que o delito aparece associado a uma cultura divergente, não provocasse quebras insustentáveis daconfiança geralnosistema'.15 Daí que, de novo, se possa chegara prognosticar - comasressal vas óbviasnesse tipode juízo - que o Direito Penal das sociedades multiculturais não so mente tenderá a ser mais repressivo para suprir os déficits de assentimento social, mas também, provavelmente, se mostrará contrário a excluir a con
corrência dos pressupostos de imputação da culpabilidade por razões de índole cultural.
3.3 4 globalização política e cultural e o Direito Penal
POLÍTICA CRIMINAL E A TEORIA DO DIREITO PENAL
103
do Direito penal. Entretanto, a tendência no sentido da universalização é, em princípio, neutra, o que significa que ela poderia ter como efeito o pro gressivo desaparecimento de certos tipos ou sanções penais existentes em alguns países; ou, ainda, a eliminação das barreiras de punição existentes em outros. Vale dizer: a tendência no sentido da universalização e a maior homogeneização cultural poderia expressar-se em uma maior restrição ou em uma maior expansão do Direito Penal.
Não obstante, a globalização política está se manifestando, de mo mento, somente em intentos de proceder a uma aplicação extraterritorial ^deJLeiSj^statais^ccüBjaJlrjxd
réxtiriçaõ de responsabilidade penal ditadas^^pèlõs Estados em cujo terrifòrio se cometeu o delito. Certamente, da mesma forma que se dá com a cri minalidade organizada, trata-se aqui da pretensão de que a vocação do Direito Penal de proteção de seus direitos fundamentais não tenha barrei ras intransponíveis na idéia de soberania estatal em relação aos crimes dos
poderosos. Mas deve sublinhar-se que esse princípio somente se aplica quando se trata de castigar o que o Estado, em cujo território se cometeram
os fatos, decidiu deixar impune (em virtude, por exemplo, de leis que, por razões político-sociais, declaram inexistente ou extinta uma determinada
responsabilidade).16 Com apelo ao Direito Penal. Não parece, em contra partida, que os Estados insistam no referido princípio quando o tema é excluir da sanção penal fatos que o Estado do território onde foram cometidos quer castigá-los e cuja sanção, sem embargo, viola direitos fundamentais; aqui incide ainda um claro relativismo cultural, seguramente em parte forçado pelas circunstâncias,17 que realmente dificultam que uns Estados impeçam
A globalização política e cultural provoca, como indicado anterior mente, uma tendência no sentido da universalização do Direito, também Eseguramente também porconsiderar queo conteúdo da norma emquestão goza de umalegitimação material própria quejustifica sua imposição ao estrangeiro procedente deuma cultura naqual - indevidamente, segundo seentende - elanão é reconhecida.
Cf. Hassemer, em Hõffe, Gibt es ein interkulturelles Strafrecht?, p. 162 e ss; o mesmo, FS f. Wolff, p. 108e ss, distinguindo entre a exclusãoda antijuricidade e
daculpabilidade. De modo concreto sobre oerro deproibição, cf. Aubenthal/Baier, Durch die Auslãndereigenschaft bedingte Verbotsirrtumer und die Perspektiven
europaischer Rechtsvereinheitlichung, GA, 2000, p.205 e ss,216,218-219, prog nosticando uma maior incidência de casos de erro de proibição culturalmente con
dicionadoe sustentando a tese de que eles devessem ser apreciados, aindaque como rvencíveis:(pr220).-
Paraocasode umaaplicação maciçado errode proibição o ressalta Hassemer, FS f.Wolff,p. 109.
Sejamjá determinadasformasde prostituiçãoinfantil,ou mesmomutilações genitais femininas; já, em outraordem de coisas, formas de delinqüência por meiode apa ratos estatais. [NT: como exemplo dessas situações, podemos elencar a demora de algumas legislaçõescm criminalizarde forma mais severa a prostituição infantil, apesar do estabelecimento de um certo "turismo sexual"; da excisão -ou "circuncisão feminina", como alguns denominam a prática, mais incidente no mundo
muçulmano, de mutilação do órgão genilaí feminino -, que é tolerada por motivos culturais; e, finalmente, às leis de anistia que beneficiaram os violadores dos direilos humanos e desempenharam relevante papel na transição para a democracia após o fim das ditaduras dos países sul-americanos nas últimas duas décadas.] Mas que tem recebido apoio em certa opinião contrária ao etnocentrismo, que cri ticava ironicamente Finkielkraut, Laderrotadeipensamiento (trad. Jordá), Barce lona, 1988, p. 109-110, nos seguintes termos: "Que em uma determinada cullura
se infligem castigos corporais aos delinqüentes, a mulher estéril é repudiada e a mulher adúltera condenada a morte, o testemunho de um homem vale como o de
duas mulheres, a irmã só obtém a metade dos direitos sucessórios que cabem ao seu irmão, se pratica a excisão - mutilação genital feminina -. os matrimônios mistos
If
104
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
a aplicação de normas penaisde outrosEstados,'com as quais se violam ou restringem direitos humanos básicos.18 De novo se observa que, inclusive nesse âmbito, a tendência à universalização de qualquer modo favorece ao produzir-se de modo parcial - umprognóstico global mais de expansão do que de restrição do Direito Penal. EXCURSO:
SOBRE A LIMITADA INFLUÊNCIA* - SOBRE O ÚLTIMO ASPECTO JDEXJptTA^mNS^
Anteriormente aludíamos à existência de uma certa opinião voltada a atribuir a inegável expansão do Direito Penal exclusivamente a uma espécie de perversidade estatal. As páginas anteriores trataram de realçar que. muito embora seja certo que o recurso ao Direito Penal, em certas ocasiões, pode constituir-se em expediente fácil ao qual os poderes públicos recorrem para
fazer frente a problemas sociais de grande envergadura- que não podem ou não querem resolver de outro modo -, se fazem presentes outros elementos que transcendem em muito aquela opinião. Assim, mesmo havendo em vá rios casos reações distintas da penal ou reações penais de menor intensidade, o que parece inegável é que a autocompreensão da sociedade em que vive mos dirige demandas significativas de intervenção punitiva ao Direito do
Estado. Que estas demandas em ocasiões respondam a fenômenos de psico
estão proibidos e a poligamiaautorizada? Pois bem, o amor ao próximoordena expressamente orespeito desses costumes. Oservodevepodergozardoknut: priva lodelesignificaria mutilar seuser,atentarcontrasua dignidade humana, emsuma dar mostras de racismo".
A únicaviaaqui, à margemda óbvia,de denegara extradiçãonoscasoscm quese solicitasse por parte do Estado cujas leis.penais violam direitos humanos, seria outra vez - o mesmo que sancionarao^govemantes de tal-Estado.-Gom q que^lenovo estaríamos em uma universalização expansiva do Direito Penal.
logia social sem base "real" não é nesse ponto tão decisivo. O decisivo é que tudo isso coloca o Direito Penal em uma posição singular. Por um lado, deve aportar respostas funcionais, isto é, que não obstam o funcionamento da so ciedade tal como esta se autocompreende, evitando estalidos disfuncionais. Contudo, por outro lado, tal não implica que o Direito Penal deva converterse no "porta-bandeira" das dernandas sociais mais conjunturais, superficiais, ou meramente verbalizadas. Ao contrário, é nesse ponto que a concepção de um Direito Penal funcional há de se fazer compatível com uma vocação a mais restritiva possível da intervenção punitiva. Para lanto, tratar-sc-ia, com efeito, de proteger penalmente somente aquelas expectativas essenciais (as sociadas ao núcleo da identidade normativa da sociedade) cuja desproteção penal daria lugar a reações disfuncionais, e na medida em que exista o risco de que elas ocorram. Não se mostra incoerente, portanto, a defesa de um Di reito Penal funcional e a de um Direito Penal com vocação auto-restritiva.1 ~m Cf. Jakobs, Norma, p. 44: "(...) o funcionalismo jurídico-penal está em perfeitas condições para distinguir entre normas funcionais e normas intervencionistas":
106
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
LIMITADA INFLUÊNCIA DECERTAS CONSTRUÇÕES TEÓRICAS
Isso nos leva a desmentir outra das freqüentes atribuições de "culpa bilidade" com respeito a expansão do Direito Penal que temos tentado ca racterizar. Certamente, a importantecritica doutrináriadirigida à proposta que entende que a missãodo Direito Penal é o "asseguramento da vigência
107
ção do rol de proteção do Direito Penal. Mas insiste-se em que não cabe atribuir à idéia de bem jurídico uma transcendência que, desde logo, não
alcança o conceito tal como ele se forjou historicamente3 e tal como é em sua configuração atual.
das normas" é por muitos feita como se esta constituísse o fator determi
Na realidade, a proposta que assinala ao Direito Penal a função de estabilização da vigência das normas essenciais não incide tanto no "al cance" daquele como no modo de entender a missão (ou modo de operar) do mesmo no âmbito que previamente se defina como o seu próprio.6 As sim, a referida doutrina não obriga sequer necessariamente a prescindir da
nante de uma concepção maximalista e carente de limites para o Direito Penal, como a que tende a plasmar-se em nossos dias na legislação dos diversos Estados.2 Com isso, nada obstante, se ocultam alguns dados fun damentais: que a dominante teoria do Direito Penal de proteção de bens jurídicos surgiu no século XIX com vocação ampliadora diante da teoria de um Direito Penal protetor exclusivamente de direitos subjetivos (como
idéiajdobemjurfdico, entendido como icorii^o conteúdo (dajegitimação)
t^^JP^^^^^^^P^^S^WrWaWny,qW,¥mqúe p^s^à^WíaalTécBá-^ ço,a teoria do bemjurídico foi assumida inclusive pelos penalistas nacio-
mátèffãTdás hõm
to que impõe uma perspectiva relativista, pois faz com que o conteúdo dessas normas dependa da configuração concreta da sociedade de que se trate e, portanto, exclui a introdução de critérios com validade universal e atemporal8(que, por outro lado, tampouco está em condições de aportar a doutrina do bern jurídico).' Mas, firmado tal ponto de vista, na medida em que se
nal-socialistas da Escola de Kiel; que não é possível controlar lei penal alguma sob a perspectiva de uma hipotética vulneração do princípio de exclusiva proteçãode bensjurídicos,3 senão somente (e no máximo) a par tir do princípio de proporcionalidade. E que a ninguém tenha ocorrido afir mar que esse princípio não prevaleça na hora de determinar as normas cuja
vigênciadeve-seassegurar por intermédiodo Direito Penal. Em suma, aqui não se nega que a persistência na afirmação de que o Direito Penal deve proteger exclusivamente bens jurídicos pode manifestar uma certa atitude
Sobre a relati vidade do mesmo, Tiedemann, S tand und Tendenzen von Strafrechtswis-
scnschafl und Kriminologie in der Bundesrcpublik Dcutschand, JZ. 19S0, p. 489 ss.
490:"(...) que os bens jurídicos são valores somente relativos, concretamente depen
dos autores4 propensa à permanente revisão dos pressupostos de amplia-
dentes do respectivo sistema de dominação (unidades funcionais) e que, conseqüen temente, os efeitos disfuncionais (socialmente danosos) são diversos cm função do
sistema global respectivo, não apenas tem se convertido cm questão fechada na dog mática penal, senão que, também para ojulgamento quanlo ao merecimento c neces sidade de pena ao comportamento humano, isto é, para a política jurídico-penal c a reforma do Direito Penal, atinge um significado diretamente fundamental". Um âmbito cujadeterminaçãb é, como o próprio Jakobs reconhece, derivado da ado ção de um determinado ponto de partida político: cf. recentemente, Jakobs, t.Qué
ainda, na p. 49, sobrea ilegitimidade de determinados delitosde perigo abstrato. [NT: Diversos autores brasileiros consideram os tiposde "perito abstrato"incom patíveiscom a orde constitucionalvigente,destacando-seDamásioEvangelista.de Jesus e Luiz Flávio Gomes. Para o primeiro, Crimesde trânsito, São Paulo, Sarai
va, 1998, p. 5, "não são admissíveis delitos de perigo abstrato ou presumido cm
nossa legislação". É,para o segundo, CTB: Primeiras notas interpretativas, artigo publicado noBoletim doInstituto Brasileiro deCiências Criminais, n. 61,p.4-5, Idéz7J997),òJégisladòrnão podelegislar coma técnicado tipo de perigoabstrato, porqueíãlIrfiplica "violaro princípio daofensividade, quecontacomassentocons titucional indiscutível".]
protege cl derecho penal: bienesjurídicos o Ia vigênciade Ia norma? (trad. Cancio »—
Mélia), em Jakobs/Cancio, El sistema funcionalista dei derecho penal. Ponencias
presentadas enelIlCuríoTntenlãc^iõnaldeD Ainda que, na concepção de Jakobs, isso seja certo somente para uma parte das
121 Reciprocamente, Lesch, Der Verbrechensbegriff. Grundagen einerfunktionalen
normas penais. Cf. a convincente exposição c ponderada crítica de Peíiaranda/
Revision, KOIn etc, 1999, p. 182-183, nota 45, interpreta que a causa docrescimento desarrazoado do Direito Penal que se manifesta nas sucessivas leis de luta contra determinados fenômenos deliti vos (Kampfgesetze) se acha precisamente na
Suárez/Cancio, Consideraciones sobre Ia teoria de Ia imputación de Günther Jakobs. em Jakobs. Estúdios de derecho penal (trad. Penaranda/.Suáre//Cancio). Madrid. 1997, p. 36-39.
dissolução, própria das teorias preventivas clássicas, da diferença enire Direito Policial e Direito Penal, assimcomo na instrumentalização do Direito Penal para obter genuínos fins de Direito Policial.
"' Pois, uma vez criado um preceito penal, em geral não terá custado muito definir qualé o bemjurídico protegido pelo mesmo. A intensaatividade da doutrinaespa nholacomrelação aosnovostiposdo Código Penalde 1995 constitui umexemplo especialmente próximo a esse respeito... '*' Embora pouco mais que uma atitude.
Éjustamente emrelação aesseaspcclo quesetoma plausível uma crítica atalmodelo, na medida cm que não reconhece critério de legitimidade/ilegitimidade algum trans cendente ao sistema de que se trate, nem sequer a partir dos direitos fundamentais da pessoa. Müssig, Schutz abstrakter Rechtsgüter undabstrakter ReclUsgüterschutz, Frank furt. 1994, p. 145-146: "A configuração da sanção, sua severidade, assim como,
cm geral, a necessidade de ter que responder com uma pena e não permitir o recur so a outros mecanismos de processamento, devem ser determinadas a partir da
108
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
CIM1TADA INFLUÊNCIA DECERTAS CONSTRUÇÕES TEÓRICAS
109
indica quea determinação das normas passíveis de proteção - e â concreçãodos processos deçriminalização - é de competência exclusiva dapolí
ciasjurídico-penais-de referidas normas. Mas, nesse ponto,os problemas
ticajurídica, não se lhe pode atribuir uma orientação consubstancialmente
daquela em que incidem sobre a teoria dominante acerca do bem jurídico como objeto de proteção do Direito Penal. Tais problemas são, em primei ro lugar, a indefiniçãodo critério em virtude do qual se determina que cer
"reacionária", nem "estática", nem "conservadora".10
A perspectivaanterior realmente não se lhe pode negar consistência, que por sua vez não tem sido na prática- como antes indicado - a principal
característica do conceito de bemjurídico. Comefeito, a mesma parte de queaoDireito Penal nãocompete - nemtampouco possui a força paratan to - transformar os princípiosde organizaçãoda sociedade; por isso se re chaça de modo amplamente majoritário a denominada função promocio nal do mesmo. O qu&oconeàe fato é que a Direito Penal reflete a ordem -social,de maneira que sua legitimaçãoderiva da legitimidade das normas cuja vigência assegura. Outro Direito Penal distinto, necessariamente dis
funcional, simplesmente nãoseria viável. O que, sim, é possível e desejá vel é que.emmeio a tudoque não sejadisfuncional ao sistema (marco cujo abandono seria, ademais, o germe do desaparecimento do modelo jurídi co-penal existentee suasubstituiçãopor outro funcional ao sistemasocial), dopontc de vista do Direito Penal se introduzam os máximos elementos de
racionalidade." Isso conduziria não somente a deslegitimação das normas contidas no ordenamento jurídico-penal positivo que não respondam, seja por insuficiência, seja por excesso, às necessidades que surgem de autocompreensão social,12 ou, mais ainda, à discussão acerca da maior ou me
nor legitimação de umas opções normativas perante outras, todas elas in
cluídas nocampo do "nãodisfuncional". Umextremo sobreo qual, segun do entendo, é certo que o funcionalismo não se aprofundou tantd quanto seria preciso.
Uma vez firmadas as premissas anteriores, cabeacrescentar que, no meu entender, a adoção da teoria que centraliza a função do Direito Penal
na proteção da vigência das normas nãoimplica na eliminação do esforço -emproHe uma legitimação material daproteção -associada a conseqüên-concreta configuração da sociedade, isto é, " sie sind Produkt der 'normativen
Verstandigung' in einer konkreten Gesellschaft und damit abhüngig von der normativen Kriterien der Identitat dieser Gesellschaft".
'"" Ao que caberia acrescentar que, em um momento em que odinâmico caexpansão da legislação penal e a motorização dos processos de çriminalização, provavel mentea manutenção da ordem punitivapreexistente seja a melhordas opções. "" Creioquesemovem em umalinhapróxima Penaranda/Suárez/Cancio, emJakobs, Estúdios, p. 37 e ss.
,m Müssig, Schutz abstrakter Rechtsgüter und abstrakter Rechtsgüterschutz, Frank furt, 1994, p. 167: "Die matcrielle Legitimation von Straftatbestanden bedeutct eine Aktualisierung der Identitatskriterien der konkreten Gesellschaft".
que afetam a proposta de Jakobs o fazem em medida não muito distinta
tas normas pertencem ao núcleo da identidade normativa da sociedade (isto
é, na outra terminologia, a indefinição acerca de quais sejam exatamente
os bensjurídico-penais). Em segundo lugar, a indetermi naçãodos elemen tos que hão de concorrer em uma dada conduta para desestabilizar tais normas (isto é, a falta de concreção da teoria da proteçãofragmentária). E, em terceiro lugar, a ausência de um critério claro acerca do porquê de res ponder a tal desestabilização (lesão) precisamente com umapena concreta (o que, aliás, afeta igualmente ambas as propostas). Sob a perspectiva do delito como lesão da vigência da norma, a busca dos critérios nucleares de identidade da sociedade que se plasmariam nas expectativas normativas essenciais, assim como dos critérios de sua tangibilidade mediante condutas concretas, acaba projetando-se sobre a consti tuição política do sistema social de que se trate.ü Isso é materialmente sa tisfatório e, ademais, concorda com o dado formal-prático de que, nos sis temas do constitucionalismo moderno, somente podem impugnar-se pre ceitos penais quando resultam inconstitucionais por defeito ou por exces
so.14 Se não se dá nenhum nem outro, nos encontramos no campo da polí tica criminal defensável, mais ou menos plausível, mas em todo caso não radicalmente impugnável. Que isso não seja demasiadamente preciso ou que não ofereça argumentos concretos sobre quais são as expectativas nor mativas que devem ser asseguradas recorrendo à pena e não mediante ou
tros meios,15 nãoé, em realidade, umdéficit específico dessaproposta, seMüssig, Schutz abstrakter Rechtsgüter, p. 167: "A questãoacerca da legitimação de determinadas normas jurídico-penais se refere aos princípios constitucionais como critérios normativos 'juridificáveis' da identidade de uma concreta socieda de, sejam tais princípios simplesmente postulados ou já institucionalizados". Con vém indicar que isso não implica a adoção da teoria do "ancoramento constitucio nal dos bens jurídicos" (Bricola), que já foi superada por sua própria vagueza ou incapacidade explicativa; com efeito, junto ao catálogo de direitos fundamentais, seriam determinantes nesse ponto os critérios organizativos essenciais.
Por isso nãd estou de acordo com a conclusãode Müssig. Schutz abstrakter Rechts güter, p. 205, de que a função do bemjurídico na concepção expressada c exclusiva
mente dogmática e nãocrítica, político-criminal. ÉcertoqueMüssig parece utilizar o teimo dogmáticano sentido de interna ao sistemajurídico e, portanto, isto valeria para uma teoria constitucional. Mas tal terminologia não está de acordo com a com preensão que se tem usualmente dessaquestão. Não em vão, uma das mais relevantes teorias críticas do bem jurídico tem sido a de orientação constitucionalista. E porquê. .
110
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
não que, novamente, poderia atribuir-se a todas as teorias da incriminação distintas de uma personalista-radical do bem jurídico, que somente permi tisse proteção penal (ao menos com penas privativas de liberdade) dos bens pessoais essenciais, e de uma concepção da ofensividade estreitamente li gada ao harmprincipie (princípio do dano). Dessa forma, parece que a objeção fundamental que caberia dirigir a Jakobs se centra em que, diante uma determinada norma cuja vigência se protege em uma lei penal, sua proposta dispensa o esforço de busca de um bem (realidade valorada positivamente) jurídico-penal que a respalde; pu que seu modelo facilita a afirmação de que uma determinada conduta pôs em xeque a norma, diante do que seria necessário constatar para afirmar -que houve lesão ou colocação em perigo relevante do bem correspondente. Mas nenhum nem outro parecem suficientes para uma atribuição de co-
responsabilidade na expansão do Direito Penal. É certo que a determina ção do que pertence ao núcleo da identidade normativa de uma certa socie
dade não é evidente assim sem mais:16 aqui cabe, pois, inclusive no campo de perspectivas funcionalistas, um debate jurídico-político, nao em último lugar, porque a identidade normativa de uma sociedade nem é estática, nem pacífica, nem única, senão dinâmica, controvertida e plural. De modo que surgirá sempre o debate acerca de se a resposta escolhida pelo legislador a do Direito Penal - como meio de estabilização de uma determinada nor ma é correta ou não. Por outro lado, tampouco é evidente que uma dada conduta desestabilize a norma em questão, tornando-se merecedora de uma pena: aqui a discussão teria que abarcar, por exemplo, casos como os de tentativa inidônea (em suas diversas variantes), as infraçõesde muito pou quíssima relevância (assim, os casos de bagatela nos delitos patrimoniais) ou os ilícitos de acumulação ou repetição.17 Enfim, resulta mesmo assim questionável que somente uma concreta opção punitiva - precisamente a escolhida pelo legislador - cumpra a função dessa estabilização pretendiPor certo que a falta de um esludo profundo sobre os elementos da identidade
normativa da sociedade e, em concreto, do que é nuclear na mesma e o que não o
LIMITADA INFLUÊNCIA DE CERTAS CONSTRUÇÕES TEÓRICAS
111
da; se a identidade normativa é dinâmica, plural e controvertida, apresentar-se-ão imediatamente opções alternativas de tipificação e sanção penal. Com o anteriormente mencionado se quer afirmar, portanto, que a discus são político-criminal sobre o que pertence ao núcleo da identidade norma
tiva de uma determinada sociedade (em permanente mudança), a discus são acerca dos pressupostos da desestabilização de tal núcleo, assim como sobre o que é necessário para estabilização das normas que o integram, se acha absolutamente aberta. Quiçá se encontre então no "deve" de Jakobs o
rechaço de qualquer critério complementar ao da "funcionalidade" (e que seria operativo no campo do "não disfuncional") como reitor do debate sobre a legitimação das normas è das reações a sua desesiabilização. Mas isto tem uma importância relativamente escassa para essa atribuição de "res
ponsabilidade científica" que tem sido um lugar comum. De resto, signifi cativamente, as posições concretas de Jakobs enquanto ao alcance do Di reito Penal, dos delitos e das reações perante eles, não resultam substan cialmente distintas das posições de outros autores que permanecem vincu lados a uma visão clássica do delito como "lesão de um bem jurídico".18 Inclusive resultam menos extensivas em alguns pontos. Assim, em última instância, essa perspectiva deveria ser discutida an tes de tudo sob a óptica de uma concepção universalista-ontológica acerca do bem jurídico-penal e daquilo que, ao contrário, de nenhum modo poderia constituir objeto de proteção penal. Essa é, em todo caso, a crítica que, junto com as ponderações anteriores, aqui é subscrita.19 Mas parece claro que, ao menos no que concerne aos processos atuais de çriminalização no Ocidente,
a discussão se encontra de momento em um âmbito de disposição estrita mente normativo que não se vê afetado por tais conceitos-limite. Em qual quer caso, o aludido acima deve ter ensejado a constatação de que a percep ção crítica do processo de expansão do Direito Penal não resulta em absoluto incompatível com a sua defesa de um modelo funcional. Muito ao contrário, às considerações efetuadas deve acrescentar-se, para concluir, que referido modelo abre a porta a considerações críticas sobre a possibilidade de uma disfuncionalidade por excesso de punição que não são nada desprezíveis.
é, me parece um importante déficit que, até hoje, segue obstruindo a teoria do Di reito Penal de Jakobs.
Em relação aesse ponto, poderia parecer que, dada uma determinada conduta, é mais
fácil sustentar que ela questiona a vigência da norma (que afeta a confiança da popu lação nessa mesma norma como critério de orientação vinculante), que afirmar que a mesma lesiona ou põe em perigo um bem jurídico. Em outras palavras, poderia pensar que, se a referência é a vigência da norma, fatos com menos consistência ob jetiva ou menor relevância quantitativa podem ser considerados desestabilizadores quando, sob a perspectivado bem jurídico, caberia negar sua "ofensividade" (lesividade ou periculosidade). Sem embargo, a realidade é que a teoria da proteção frag mentária de bens jurídicos, nesse ponto, tampouco tem sido especialmente "crítica".
Isto é assim porque a teoria moderna de afetação de um bem jurídico tem se distan ciado radicalmente do modelo liberal associado ao liarmprincipie (princípio do dano). Mas a mesma incide principalmente sobre a crescente desprotcçâo jurídico-penal dos direitos fundamentais da pessoa, cujo conceito sofre uma reelaboração assen tada exclusivamente sobre os interesses da economia.
A "ADMINISTRATIVI2AÇAO" DO DIREITO PENAL
MUDANÇAS DE PERSPECTIVA:
A "ADMINISTRATIVIZAÇÃO" DO DIREITO PENAL* SUMARIO: 5.1 Introdução - 5.2 Mais que uma anedota: o paradig ma dos Kumulationsdoikte (ou "delitos de acumulação") - 5.3 A pro teção penal do "Estado da prevenção" —5.4 A gestão dos riscos de origem pessoal e a neutralização no Direito Penal atual.
5.1
Introdução
O conjunto de fenômenos sociais, jurídicos e políticos comentados nos apartados anteriores vem experimentando no Direito Penal um acú
mulo de efeitos, que configuram o que convencionamos chamar "expan são". A algumas das manifestações da "expansão" já se fez alusão exemplificativa anteriormente, como a flexibilização dos princípios políticocriminais ou das regras de imputação. Em outras manifestações, em parti cular as relativas ao incremento e ampliação das sanções, não nos fixare mos demoradamente.1
Como é sabido, entretanto, a modificação da própria estrutura e do conteúdo*material dos tipos penais é a sua primeira expressão. Assim, a combinação da introdução de novos objetos de proteção com antecipação das fronteiras da proteção penal vem propiciando uma transição rápida do modelo "delito de lesão de bens individuais" ao modelo "delito de perigo (presumido) para bens supra-individuais", passando por todas as modali dades intermediárias.2 Os legisladores, por razões como as expostas, pro mulgaram e promulgam numerosas novas leis penais, e as respectivas rationes legis, que obviamente não deixam de guardar relação - ao menos indireta - com o contexto ou com as condições prévias da fruição dos bens jurídicos individuais mais clássicos, são elevadas de modo imediato a con dição de bens penalmente protegíveis (dado que estão protegidos).Assim, junto aos delitos clássicos, aparecem outros muitos, no âmbito socioeconômico de modo singular, que recordam muito pouco aqueles. Nesse pon to, a doutrina tradicional do bem jurídico revela - como mencionado ante riormente - que, diferentemente do que sucedeu nos processos de despenalização dos anos 60 e 70, sua capacidade crítica no campo dos processos de çriminalização como os que caracterizam os dias atuais - e certamente o futuro -r é sumamente débil.3
A proteção penal do meio ambiente é um dos exemplos mais claros dessa tendência. Com efeito, provavelmente poucos negarão que a prote ção do meio ambiente deve constituir um dos princípios organizacionais fundamentais de nossa civilização, senão o básico.4 Certamenle, o meio ambiente constitui por antonomásia o "contexto" de bens pessoais do má ximo valor. Portanto, o ordenamento jurídico em seu conjunto tem diante de si um desafio essencial, na linha de garantir o que alguns caracterizam como "desenvolvimento sustentável". Nada obstante, é temerário situar o
Direito Penal nà vanguarda da "gestão" do problema ecológico em sua
Cf. Paazzo, Legislazione penale, Dizionario storico deli'Itália imitei. Roma/Bari,
vista como fundamento principal da petía. Tome-se como exemplo a afirmação de Santiago Mir Puig. Derecho penal - Parte general, 5.ed.. Barcelona, Reppertor. 1998, p. 56, no sentido de que, "em relação aos delinqüentes convictos, políticos, terroristas, não é cabível a tentativa de persuasão pela força de um tratamento. Ademais, em um Estado democrático, a ressocialização nunca deve ser obtida con
Bongiovanni/Tranfaglia, 1996, p. 30. Apesar de que é inegável que a evolução histórica do Direito Penal se define por uma progressiva diminuição do rigor das sanções que impõe, na sociedade da in segurança se observa, de modo quiçá passageiro, mas em todo caso claramente perceptível, uma orientação no sentido do incremento das sanções e, ainda assim,
a sua execução rigorosa. A mesma insegurança determina, aparentemente, o defi nitivo abandono de teses ressocializadoras e a primazia dos aspectos de prevenção especial negativa, isto é, de intimidação individual e neutralização. Tudo isso em um contexto defensista, expressão do claro assentamento de políticas de "lei e or dem". [NT: De fato, como observa Antônio García-Pablos de Molina, Criminologia - Unaintrodueción a susfundamentosteóricosparajuristas, 3. ed., Valencia, Tiram lo Blanch, 1996. p. 65-66, desde os anos 70 vem se formando na doutrina um con senso em tomo da idéia de que a ressocialização é utópica c por isso não devesér
113
tra a vontade do condenado".]
(:>
Sobre a evolução, com um juízo positivo, Schüncmann. Consideraciones criticas sobre Ia situación espiritual de Ia ciência jurídico-penal alemana (trad. Cancio Meliá). Bogotá, 1996, p. 28 e ss.
'" É muito claraa caracterização de Moccia, DeIatuiela de bienes a Ialutelade fun ciones: entre ilusiones postmodemas y reflujos ilibcralcs (trad. Ragués), Política criminal y nuevo derecho penal, Barcelona. Silva Sánchez, 1997, p. 113 c ss.
'•"
Segundo a frase de Al Gore, citado por Ulrich Beck. Die Erfindung des Politischen, Frankfurt, 1993, p. 144-145: "Menschhcitsprojekt der Rettung der Umwelt".
114
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
globalidade.5 Isso, ainda que seja reiterada por alguns a necessária contextualização do meio ambiente, isto é, a idéia de que o meio ambiente não merece proteção penal enquanto tal mas somente enquanto condição ne cessária para o desenvolvimento da vida humana.6 Pois, afinal, se tornou majoritária a tese de que neste, como outros bens supra-individuais, a refe rência aos interesses individuais que se vêem contextualizados por aqueles é mera ratio legis, não sujeito a comprovação quando aplicado o tipo ao caso concreto. Em outras palavras, o protegido é simplesmente o contex to,7 com o que se assenta progressivamente a tendência de provocar a inter venção do Direito Penal tão logo seja afetado um certo ecossistema em termos que superam os standards administrativos estabelecidos.
De fatOi essa orientação à proteção de contextos cada vez mais gené ricos (no espaço e no tempo) da fruição dos bens jurídicos clássicos leva o Direito Penal a relacionar-se com fenômenos de dimensões estruturais, globais ou sistêmicas, no que as aportações individuais, autonomamente contempladas, são, ao contrário, de "intensidade baixa". Com isso, tem-se
produzido certamente a culminação do processo: o Direito Penal, que rea gia a posteriori contra um fato lesivo individualmente delimitado (quanto ao sujeito ativo e ao passivo), se converte em um direito de gestão (puniti va) de riscos gerais e, nessa medida, está "administrativizado".8 Vejamos o que se quer indicar com tal expressão. "' Como realça Seelmann, Rechtsphilosophie, MUnchcn, 1994, p. 200 e ss, é discutí vel que uma ética c um direito orientados à idéia de liberdade e autonomia sejam capazes de garantir os interesses ecológicos das gerações presentes e futuras. E, não obstante, não se pode deixar de reconhecer que no caso do Direito Penal a fun damentação na responsabilidade individual é inevitável. t6> O bemjurídico meio ambiente se entende, assim, como o conjunto de fundamentos" •-——-naturais-elenientares da vida do homem: Steindorf, em Jescheck/Russ/Willms
(tírsg.),LeÍpzlgerKommeniarzumStGB, 10.ed.,tomo7, Berliri/NéwYork, 1988,
•'"
n. marg. 9 prévio ai parágrafo 324. Como sustenta Arth. Kaufmann, Gibt es Rechte der Natur,?, en Festschrift für G. Spendel zum 70. Geburtstag, Berlin-Ncw York, 1992, p. 59 e ss, 72-73, o tema não é de direitos da natureza, senão de deveres dos homens perante ela, "um Sorge des Menschen um die Natur, das heiBt die Sorge um sich selbst, die Sorge um die Menschen, die nach uns kommen werden...", A tendência a "estabelecer âmbitos de proteção que se configuram como contor nos do que originariamente justifica a regulação jurídica de que se traia" na legis lação administrativa setorial é destacada por Esteve Pardo, Técnica, riesgo y derecho, p. 78 (o texto entre aspas é de minha autoria).
"' Aludecriticamenteà "administrativização"do Direito PenalMir Puig, Bienjurídico y bien jurídico-penal como limites dei ius puniendi. Estúdiospenalesy criminológicos
XIV, Santiago de Compostela, 1991, p. 203 e ss, 213, como expressão de uma prima zia excessiva das perspectivas de ordem coletiva sobre a grave afetação individual. Já em Mir Puig, Sobre ei principio de intervención mínima dei derecho penal en Ia
A "ADMINISTRATIVIZAÇÃO" DO DIREITO PENAL
115
Como é sabido, as teses clássicas (ou do aliud) distinguiam entre ilí cito penal e ilícito administrativo, atribuindo ao primeiro o caráter de lesão eticamente reprovável de um bem jurídico, enquanto o segundo seria um ato de desobediência ético-valorativamente neutro.'' Posteriormente, toda via, foi se consolidando como doutrina amplamente dominante a tese da diferenciação meramente quantitativa entre ilícito penal e ilícito adminis trativo, segundo a qual o característico desse último é um menor conteúdo de injusto.
Como resumo desse ponto de vista, pode-se citar Welzel,10 quando observa: "A partir do âmbito nuclear do criminal deflui uma linha contínua
de injusto material que certamente vai diminuindo, mas que nunca chega a desaparecer por completo, é que alcança até os mais distantes ilícitos de
bagatela, e inclusive as infrações administrativas (Ordnungswidrigkeiten) estão a (...) ela vinculados".
A perspectiva que se centra somente no injusto e sua conformação para distinguir o âmbito do penal e do administrativo é, a meu juízo, errô nea. Por isso era errônea a teoria clássica de base ética. Mas também resul
ta incompleta a moderna teoria da diferenciação (meramente) quantitati va. Com efeito, o decisivo da referida diferenciação não é (somente) a conreforma penal, Revista de Ia Facultad de Derecho de Ia Universidad de Granada, Homenaje ai Prof. Sáinz Cantero, 12, 1987. tomo I, p. 243 e ss, 248-249, reivindi cando uma diferença qualitativa para a regulação penal, que a distancie do interven cionismo estatal que se expressa na legislação administrativa. Ambos os trabalhos estão contidos em Mir Puig, El derechopenal en ei Estado social y democráticode derecho, Barcelona, 1994, p. 151 e ss, 159 c ss.
Nesse sentido Gqldschmidt, Das Verwaltungsstrafreclu, Berlin, 1902, p. 539 e ss, 548, 576, para quem ao Direito Penal compete á proteção de bens individuais, en quanto à administração corresponde assegurarbèns coletivos, o bem-estar coletivo; Enky^olf^DieStelliãrgderVerwãltüngsdélikiélm^ R. v. Frankzum 70. Geburtstag, tomoII.Tübingen. 1930, p. 516c ss. 525,565; tam
bém Ebcrhard Schmidt, Das neue westdeutsche Wirtschaftsstrafrccht, Tübingcn,
195Ó, p.20e ss. Atualmente, por exemplo. Kindhduser, acerca dalegitimidade dos delitos de perigo abstrato no âmbito do Direito Penal econômico, em Havia un Derecho
penal econômico europeo. Jornadas en honor dei Prof Klaus Ticdcmann. Madrid,
1995. p. 441 e ss. 442. em que alude à idéia do reprovação, assim como à pena. en quanto expressão de uni fracasso pessoal, como critérios de diferenciação. Welzel, Der Verbotsirrtum im Nebenstrafrecht. JZ, 1956, p. 238 e ss, 240. Cf. cm •nossa jurisprudência recente a STS 3.a.secc. 5.a.de 09.04.1996 (Lu Ley 6926): "A
teoria geral do ilícito, como supraconceito que compreende lanto o penal como o administrativo, estabelece que o poder saneionador da administração há de exerci tar-se ajustando-se aos princípios essenciais inspiradores da ordem penal, já que dito poder tem como suporte teórico a negação de qualquer diferença ontológica entre sanção administrativa e pena".
move em uma linha próxima a construção de E. A. Wolff, Die n Kriminalunrccht zu ahderen Ünrechtsformen, cm Hassemer
rativas.
estos paraIareforma dei sistema de sanciones), Estúdios sobre Ia spaiiola. Homenajeal Prof. Eduardo Garcia deEnterría, tomo III, .2.529 e ss,2.536: as diferenças entre injusto penal c administra icas, nem tampouco meramente quantitativas: sãohistórico-cultu-
róxima semanifesta Torío López, Injusto penal einjusto adminis
a estrutural" ou "sistêmico").12
l pessoalmente a um sujeito determinado, senão que o visão macroeconômica ou maçrossocial (as "grandes ci
ta aqui do risco concreto, como risco em si mesmo rele
e, epor isso tipifica infrações esanciona sob perspectivas
o. Seuinteresse reside naglobalidade do modelo, nosetor
a ordinária gestão da administração. Assim, também cabe ireito sancionador decondutas perturbadoras de modelos
omo já mencionado, o Direito Administrativo sanciona-
qualitativa entre Direito Penal e Direito Administrativo
otivo, quiçá proceda, em suma, introduzir algum gênero
egida por critérios de oportunidade e não de legalidade).
itérios de Iesividade ou periculosidade concreta, senão que lmente atender aconsiderações de afetação geral, estatís , não tem por que ser tão estrito na imputação, nem sequer
determinado modelo degestão setorial). Por isso não tem
dividual de um injusto próprio. Osegundo persegue aor o geral, de setores da atividade (isto é, oreforço, mediante
segue critérios de Iesividade ou periculosidade concreta e
O primeiro persegue a proteção debens concretos emca
eguem, respectivamente, o Direito Penal e o administrati-
os critérios utilizados para sua imputação. erá, odecisivo aqui volta aserocritério teleológico: afina
do, na forma de entender aiesividade de uma eoutra classe
ação penal", convergem favoravelmente àidéia de que pro uma perspectiva de diferenciação qualitativa que há de ter
ercussão comunicativo-simbólica daafirmação deque con
njusto, senão os critérios desde os quais se contempla, os putação desse injusto e as garantias de diverso signo (for is) que rodeiam a imposição de sanções aomesmo. A esse ente que a sujeição a um juiz é uma diferença qualitativa ossibilidade de que administração imponha sanções priva de. Tais garantias especiais, que rodeiam openal eque têm
A EXPANSÃODO DIREITO PENAL
a abstração do perigo, sendo este um dado meramente estatís
"4). Daí tçr razão Torío López, Homenaje ai Prof Garcia de E . quandopropõe a descriminalização dos deiitosde perigoabst
sançãoadministrativa de umdeterminado fato. Paraisso(p.2.5 critério(dinâmico c histórico-cultura!) do significado do bemjur queestimomuito maisdiscutível -ao da significação élico-soci
"" Por isso, Torío López, Homenaje ai Prof. Garcia deEnterría. I queé necessário proceder a umavaloração sobre o merecimento
Verhaltnis zur staatlich verbundenen Gemcinschaft". Cf Strafrecht AT, Berlin, 1997. p. 30 e ss.
in ihren Beziehungen zur bürgerlichen Ge.sellschali. son
(Hrsg.), Strafrecluspolitil, Frankfurt. 1987, p. 137 e ss. Ordnungswidrigkeiten gehl es niclu mehr um das Vcrhültnis de
constatável nacondula emvirtude deumjuízoexanteP Si presumido, perigo estatístico ou -ainda melhor - perigo gl
concreto, nem perigo abstrato entendido como perigo r
do Direito Penal, uma sanção exiniuria tertii. Nela não há dade de introduzir elementos de Iesividade concreta: nem
Naturalmente, talpergunta (puramente genérica, estat seu sentidosob perspectivas de gestãode umdeterminado tráfico de veículos, o da possede armasde fogoou o do d Masé inadmissível comocritério para imputação penaldc um determinado sujeito, pelo concreto significado da con nha realizado; pois uma sanção assim fundamentada não d
fosse considerada lícita?".
nientes neste setor de atividade realizassem a conduta ademais, uma séria probabilidade de que muitos del
minado gênero de condutas que viesse a ser consider tras palavras, a pergunta-chave é "o que aconteceria s
tição,que dispensa uma valoraçãodo fatoespecífico, re uma valoração acerca de qual seria a transcendência g
te o Direito do dano cumulativo ou, também, do dano
menos tecnocráticos, paia a boa ordem do setor de ativid Nessa medida, o Direito Administrativo sancionad
rio, maisque tudo,é que o gênero de condutas represente, cos, um perigopara o modelo setorial de gestão ou, se se
cução dosilícitos, senão porpuros critérios deoportunida
Administrativo sancionador não seoriente por critérios de
Do mesmomodo, tampouco parece haver óbices a aceita
tal razão tampouco é necessária umaanálise de Iesivida
Precisamentepor ser essa sua perspectiva própria, o tivo sancionador não precisa, parasancionar, que a cond mesma concebida, sejarelevantemente perturbadora deu
A "ADMINISTRATIV1ZAÇÃO" DO DIREITO P
118
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
Essa diferença é substancial, e explica, em primeiro lugar, que a tipi ficação de infrações administrativas, ainda que pretenda certamente cum
prir funções de proteção social - e de fato as cumpram desde essa pers pectiva global, macroeconômicaou macrossocial -, muitas vezes somente
adquire referido tom material se as infrações se contemplam em conjunto. Em contrapartida, contempladas uma a uma revelam-se, certamente, for mais, isto é, muitas vezes nem sequer de perigo abstrato, senão de mero perigoglobal, estatístico, presumidoetc.
Tais afirmações podem ser ilustradas com múltiplos exemplos: a) O limite da infração administrativa em matéria de tráfico de veí
culos é de 0,5 mg de álcool por litro de sangue, segundo anormativa espa nhola. Obviamente, tal limite, ou inclusive um inferior, pode estar plena
mente justificado sob perspectivas globais deordenação dosetor, inclusive
com base em dados estatísticos. Desde logo, a maioria das pessoas repre
senta um perigo para a circulação se seu sangue apresenta essa concentra ção de álcool. Mais ainda, em termos de gestão administrativa do riscoda circulação - redução das enormes cifras anuais de mortes nas estradas -
pode ter inclusive sentido o limite absoluto de 0 mg de álcool por litro de sangue, cuja superação conduziria ainfração administrativa. Mas, vejamos, tal critério porsi só não é operativo no âmbito jurídico-penal. Pois aí não -interessa o aspecto estatístico, senão se a pessoa cuja conduta estásobexa
me judicial pôs realmente em perigo bens jurídicos ou não. E aqui a apre ciação estatística pode somente constituir uma presunção contra reo, aqual,
em princípio, não constitui base suficiente para imputação.NTI
,NTI> Apropósito desse tema, oSupremo Tribunal Federal recentemente extinguiu in
tensa polêmica instaurada com aedição daLei 9.503, de 23.09.1997, que instituiu ° Çódjgojte Trânsito Brasileiro, O Informativo doSTF'den. 230, de 28.05 a
I.o.06.200I, tornou pública adecisãodamais altacortedejustiçado Brasil, profe
rida no RHC 80.362-SP, acatando a tese, também defendida por este tradutor, de
A "ADM1NISTRATIVIZAÇAO" DO DIREITO PENAL
119
b) Um segundo exemplo pode ser encontrado no âmbito tributário. Uma única fraude tributária, ainda que seja de mais de 15 milhões de pesetas (caso espanhol) - que é o que se julga no âmbito penalNT2 - não põe realmente em perigo relevante o bem jurídico, já se entenda este no sentido do patrimônio da Fazenda Pública, já no das funções sociais dos tributos. O perigoso seria aqui o efeito acumulativo. Logo, não é a conduta individual a lesiva, senão sua acumulação e globalização. Sob perspectivas de Iesividade concreta, não há base para a intervenção penal, ainda que o significado global, setorial do "gênero" de condutas, possa justificar claramente a intervenção do Direito Administrativo (e isso a partir de uma fraude de pouca monta que, multipli cada pelo número de contribuintes, poderia já começar a ter um enorme sig nificado: assim, uma fraude por contribuinte de dez mil pesetas- equivalen te a R$100,00 -, multiplicada por uns 25 milhões de contribuintes, daria a enorme cifra global de 250 bilhões de pesetas (ou 2,5 bilhões de reais). O que implica que, obviamente, a fraude de somente 10.000 pesetas deva ser con siderada ilícito administrativo e sancionada."
c) Um terceiro exemplo pode ser extraído da proteção do meio ambien te. Os resíduos de uma empresa - de apenas uma -. por muito que superem amplamente os graus de concentração de metais pesados estabelecidos na normaliva administrativa, não têm como colocar em perigo - por si sós - o equilíbrio dos sistemas naturais. Se somente se tratasse dos resíduos de uma
empresa,não existiria problema ambiental. O problema se deriva da genera lização de resíduos com certos graus de concentração de metais. Nessa me dida, é lógico que sob a perspectiva global do Direito Administrativo sancio
nador se considerem pertinentes a intervenção e a sanção. Pois o somatório de resíduos teria—aliás, tem - um inadmissível efeito lesivo. Mas, novamen
te, não se mostra justificável a sanção penal da conduta isolada que. por si só, não coloca realmente em perigo o bem jurídico que se afirma proteger.
: d) Um quarto exemplo, em matériade entorpecentes, poderiaser dado pelos casos em que a quantidade com a qual se trafica não tem, por si mes-
que o art. 309 do CTB revogaraa primeira parte do art. 32 da Lei das Contraven
ções, tornando cxigível a constatação da ocorrência de "perigo concreto" como conseqüência da conduta descrita no tipo respectivo. No "voto vista" que provo
. buições. no particular, de Luiz Flávio Gomes. Luiz Otávio de Oliveira Rocha c Luiz Vicente Cernicchiaro.
coua mudança do entendimento anteriordo STF sobrea matéria, da lavrado Min.
Sepúlveda Pertence, constou oseguinte:"(...) Testemunha Ruy de Barras Monteiro - de notória contribuição intelectual à elaboração do Código, como assessor do
(NT!, o código pcnal espanhol, de 1995, adotou o critério do valor monetário para diferenciaro ilícito administrativo do penal relativamente aalguns tipos. Somente as fraudes tributárias superiores à cifra citada - que corresponde a aproximada
relator da matéria no Senado Federal -, com relação ao art. 309, que 'aintegração do tipo, dependentemente de produção de perigo concreto, resultou de proposta de substitutivo do Senado Federal, ao contrário do que preconizara aComissão Espe
cial daCâmara dos Deputados'". E explica qué a solução atendeu, de um lado, à opção de elevar a crimes "todos os delitos pertinentes (ao trânsito), inexistindo, assim, a dicotomiacrime-contravenção" e, deoutra banda, à repulsa doutrinária à çriminalização de fatos geradores de perigo abstrato. Lembra apropósito as contri-
mente quinze mil reais - configuram infrações penais; as demais são ilícitos ad ministrativos.
<151
Obviamente, parece redundante observar que. em matéria tributária, o lato de que uma Iesividade relevante derive só da acumulação de ações individuais não tem se constituído em obstáculo para a incriminaçâo das fraudes de mais de 15 milhões de pesetas.
120
A "ADMINISTRATIVIZAÇÃO" DO DIREITO PENAL
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
ma, expressão capaz de pôr em perigo a saúde pública (por isso tem sentido
distinguir entre o pequeno traficante e o grande traficante!). Aqui também o decisivo para sanção seria a proteção de um determinado modelo de ges tão da saúde pública e não o desvalor da ação isoladamente considerada. e) Enfim, caberia aludir, como quinto exemplo, ao da lavagem de di nheiro, como delito contra a ordem econômica. Pois um'ato de lavagem que ponha em perigo, por si só, a ordem econômica há que se referir a enor mes quantidades de dinheiro; e esse fato somente pode ser cometido pelos chefes das quadrilhas do crime organizado. Ocorre que os atos de lavagem de menor envergadura, que isoladamente não põem em perigo a.ordem econômica, contemplados em seu conjunto certamente constituem uma impõMhte perturbação do sistema econômico. E è isso o que justificaria talvez sua sanção administrativa; mas não sua sanção penal. Os exemplos,[corno se pode perceber, poderiam multiplicar-se. Pois bem, é possível afirmar que é uma característica do Direito Pe nal das sociedades pós-industriais a assunção, em ampla medida, de tal forma de racionalizar, a da Iesividade global derivada de acumulações ou repeti
ções, tradicionalmente própria doadministrativo.16 É isso que sequer indi car quando se alude ao processo de "administrativização", em que, a nosso juízo, se acha imerso o Direito Penal. E tal poderia nos levar ainda mais longe: assim, não somente a afirmar que o Direito Penal assume o modo de racionalizar próprio do Direito Administrativo sancionador, senão que in clusive, a partir daí, se converte em um Direito de gestão ordinária dé gran des problemas sociais. •• A progressiva transformação do Direito Penal, nas modernas socie dades de comportamentos massificados, em um elemento a mais do direito de gestão, se mostra bastante evidente do ponto de vista que se acaba de explanar^Parece claro que, também para o Direito Penal, o fator decisivo começa a ser oproblema das grandes cifras e não a dimensão de Iesividade do comportamento individual."
121
5.2 Mais que uma anedota: o paradigma dos Kumulationsdoikte (ou "delitos de acumulação") O paradigma anterior é a difusão da tese que entende que é possível sancionar penalmente uma conduta individual ainda quando esta não seja em si mesma lesiva do bem jurídico (nem o ponha por si só em perigo rele vante), se se conta com a possibilidade certa de que dita conduta - não lesiva deper se - se realize também por outros sujeitos, de modo que o conjunto de
comportamentos culminará certamente lesionando o correspondente bem jurídico.18 São estes os chamados "delitos cumulativos (ou acumulativos)" (Kumulationsdoikte, accumulative harms), cuja relevância penal se preten de assentar na adoção de uma perspectiva aparentemente alheia ao modo de pensar do penalista: What ifeverybody did z'/?19 O que ocorreria se todos fi zessem o mesmo? Pois se trata de casos em que a conduta individualmente considerada não provoca um risco relevante (ou seja, harmless), enquanto,
por outro lado, se admite que "general performance would be harmful"20 e que sua prática por uma pluralidade de pessoas não constitui simplesmente uma hipótese, senão uma realidade atual ou iminente.
Essa concepção, relativamente conhecida nas diversas culturas jurí dicas, foi desenvolvida ultimamente por Lothar Kuhlen, cuja fundamenta
ção, mais além do concreto tipo penal do Código alemão sobre o qual se projeta, merece consideração. Com efeito, esse autor parte em sua análise " '. do tráfico viário perigoso que, aliás, se deseja manier; o do furto em grandes super mercados, como meio de contribuir com a manutenção do modelo de compra em auto-serviço. < .
""
Kuhlen, Umweltstrafrecht-aufderSuchenach einerneuenDogmaiik,ZS(VJ, 105 (1993), p. 697 e ss, 716: por isto é preciso considerar a contaminação das águas como "Kumuationstatbestand",."(...) der auch für sich genommen ungefahrliche
Einzelhandlungen deshalb erfaBt, weil ohne ein sanktionsbewehrtes Verbot derartiger Handlungendamit zu rechnen wãrc. dalisic ingroBerZahl vorgenommen würden und danneine StõrunggeschütztcrGewasscrfunktioncn zurFolge halten".
É preciso distinguir os delitos de acumulação (Kumuationsdelikte) dos casos de "causalidade cumulativa": com efeito, nos primeiros não se requer a constatação
"" Cf. Seelmann,Verantwortungszuweisung, Gefahrensteuerung und Vcrteilungsgerechtigkeit. Zielkonflikte bei der Akzessorietal des Strafrechts gegenübcr anderen Rechtsgebieten, em Orsi/Seelmann/Schmid/Steinwonh (Hrsg.), Gerechtigkeit, Frankfurt, 1993, p. 109 e ss, 120, quem, referindo-se à praxe dos delitos contra o meio ambiente na Alemanha, observa que "também para os tribunais parece estar claro que aqui se trata mais de uma direção estatal da economia que de uma atribuição individual de culpabilidade".
"" Muito interessantes nesse sentido são as apreciações de Naucke, Konturen eines
==hach-prâveniiven Strafrecht, KritV, 3/1999, p.336ess,346, sobre o delito defuga após um acidente de trânsito (§ 142 StGB), como contribuição à melhoria da posi ção jurídico-civil do lesionado e, com isso, à minoraçâo das conseqüências lesivas
da efetiva acumulaçãode cursos causais como contribuições ao mesmodano con creto, senão que se trata de uma contemplação - como já ressaltado anteriormente - absolutamente "global".
""
Feinberg, The moral limits ofthe Criminal Law. Volume One. Harm to Others. Oxford, 1984, p. 225 e ss.
(M' Favorável á proibição Feinberg, Harm to Others, p. 226, sempre que se constate empiricamente a disposição de uma maioriade pessoas a realizartal conduta, ou inclusive ainda que muitos se abstenhamde realizá-la, apesar do interesse em fazêlo,porescrúpulo moral ouespírito cívico. Também o aceita cm princípio Ashworth, Principies, 2. ed., p. 53.
122
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
do§ 324StGB(delito decontaminação de águas,Cewãsserverunreinigung), de que se devemsubsumir no tipo determinadosatos concretos, ainda que eles,contemplados em si mesmos,não ponhamem perigonem sequer abs trato o bemjurídico protegido.21 Na medida em que a acumulação de tais atos concretos podem realmente produzir conseqüências lesivas, entende
que se deve sustentar não somente sua tipicidade formal, senão a própria tipicidade material. Emqualquer caso,e importante, para exatacompreen são do seu ponto de vista, realçar que, na concepção de Kuhlen - tal como
A "ADMINISTRATIVIZAÇAO" DO DIREITO PENAL
123
dade, ao passo que os ilícitos concretos de natureza autenticamente crimi nal por sua maior relevância escapam a sua ação. A réplica de Kuhln a tais objeções é evasiva, ainda que contundente: se trata de "realizar uma contribuição a solução de grandes problemas mediante a proibição, sob ameaça de sanção, de ações que em suma forne
cem pequenas contribuições a constituição destes problemas".24 Como se pode observar, a frase resulta certamente afortunada. Apenas em absoluto pode dela depreender-se que a contribuição deva constituir-se em regra para
manifestada em réplica às críticas dirigidas a sua opinião -, a acumulação
o Direito Penal, salvo naqueles casos em que a conduta isoladamente con
não aparece como um elemento hipotético dos Kumulationsdoikte, senão
templada constitua, já de per se, um risco juridicamente relevante para o bem jurídico de que se trate. Expresso de outro modo, os problemas das "grandes cifras" raramente podem ser considerados problemas para os quais a proteção penal seja adequada. Esse extremo é visto de outra maneira por Kuhlen, para quem os problemas do meio ambiente se mostrarão no futu ro, predominantemente, como de grandes cifras, derivados da industriali zação e do crescimento da população. Daí que considere que o Direito Penal, introduzindo custos que superem os benefícios de ação individual, pode ser um instrumento adequado e necessário?s Quanto àproporcionalidade do recurso a tal mecanismo, o problema não merece especial atenção em vista da importância extraordinária que lhe corresponde na manutenção de nossas condições naturais de vida.26 Sem embargo - mais uma vez - essa não é a questão: os termos de comparação no juízo de proporcionalidade são a pena que se impõe e o conteúdo de risco próprio da conduta (é óbvio dizer: isoladamente considerada) de quem recebe essa pena. Pois a pena não se "distribui" entre o conjunto de aportações individuais, senão que
um elemento real (isto é, considera-se de antemão com a realização atual ou iminentede fatos similares por uma múltipla variedade de sujeitos).22 As objeções fundamentais dirigidas contra essa proposta são certa mente conhecidas: por um lado, que se viola o princípio de culpabilidade, ao fundamentar-se a sanção ex iniuria tertii; por outro lado, qüe se trata nesses casos de "grandes riscos", os quais não podem contemplar-secomo problemas de um atuar individual, senão sórhente como problemas sistê micos, que não cabe reconduzir eqüitativamente a ações de pessoas. Em
definitivo, quenão háuma lesão (ou perigo) para o bem jurídico atribuível pessoalmente à conduta do sujeito concreto, com o que a sanção penal vio laria o princípio de proporcionalidade.23 Enfim, que novamente parece manifestar-se uma fixação do Direito Penal com os ilícitos de menor enfi ai)
Kuhlen, ZStW 105(1993), p. 715:"DaB ctwadieEinleitungvonHaushaltabwãssern ineinenFlu8dessenFunktionaisLebensgrundlage fürMenschen, TiereoderPflanzen beeintrachtigen kõnnte, ist praktischausgeschlossen; die Handlung ist also nicht einmal generell oder abstrakt geeignet, eine Stõrung von Gewâsserfunktionen herbeizufUhren".
Kuhlen, ZStW 105 (1993), p.716nota91.Cf.também Kuhlen, DerHandlungserfolg derstrafbarenGewasscrverunreinigung (§ 324 StGB),GA, 1986, p. 389y ss, 399: "Ein Kumulationstatbestand fordert nicht, daB eine einzelne Handlung zu cincr Verletzung oder Gefahrdung führt, sondem nur, daB die Einzelhandlung zu einer Art von Handlungen gehõrt, die, wenn sie ingroGer Zahl vorgenommen würden, eine Verletzung oder Gefahrdung herbeiführen würden"; "Erst wenn dcrartige Einzelhandlungen ingroBcr Zahl vorgenommen werden, entstehteineõkologische Gefahrdung".
Crítico, sob a perspectiva do conceito pessoal de bem jurídico, Hassemer, cm Neumann/Schild (Gcsamtred.), NomosKommentarzum StGB, Baden-Baden,1995, n. marg. 230, prévio ao § 1. Detalhadamente, Herzog, Gesellschaftliche Unsicherheit,
p. 141 e ss; Prittwitz,Strafrecht undRisiko, p. 249, 366,371; também Kindhauser, LH-Tiedemann, p.446,indicando que implicaem violação do princípio de culpabi lidade fundar aIesividade deumfatopartindodequeumamaciçarealização domesmo impediriao.funcionamento do sistema (se serve do exemplo das fraudes no crédito ao consumidor). *•
afeta precisamente cada sujeito por separado.27 Kuhlen, ZStW 105 (1993), p. 720. Kuhlen, GA, 1986, p. 402-403.
Kuhlen, GA, 1986, p. 404 nota 71: firmada a necessidade e adequação, "das dritte Element des VerhãltnismaBigkeilsgrundsalzcs, die Proportionalitat oder Verhâltnismüssigkeit im engeren Sinn. wirft angesichts der überragenden
Bedeutung, die man dem Schutz unserer natürlichen Lebensgrundlagen zusprcchen muG (...) keine Schwierigkeiten auf*. Cf. lambem Botlkc, Sobre Ia legitimidaddei derecho penal econômico en sentido estricto y de sus descripeiones típicas especí ficas, em LH-Tiedemann, p. 637 c ss, 641,645-646. indicando que c certo que uma fraude contra o crédito ou investimento isolada não lesiona nem põe cm perigo o sistema creditício, mas que "o fato de que um único comportamento (...) não para lise ainda as condições de funcionamento ou o subsistema da economia de merca do" não é óbice à çriminalização do mesmo. A seu juízo, também aqui - no âmbito da economia financeira-bastariao argumento da generalidade ou da massificação. O que referido anteriormente não pretende afirmar que a acumulação careça de
qualquer sentido parao Direito Penal. Écerto queemtaiscasos cabe sopesar o fato
iada co-autoria,é impossívelatribuir a um autor acessórioa con
ar de que, ao não semanifestarem os pressupostos da imputação
sulta questionável aqualificação deautoria acessória como auto
mitir fatos dessas características se mostraria como amplamente que não poderia impor penas deprisão. Sobre isso v. infra.
ativas, essafunção que já assumiu e que emtermos puros não lhe ve-se deixar claroquenãocabeintegrá-la noDireito Penal nuclear a de liberdade, senão, em todo caso, emumDireito Penai frontei
e, por suas características, melhor seadapta acasos dessa configu Administrativo. Sesepretende que oDireito Penal mantenha, por
delIMnformazione societária, Pavia, 21-23 de septembro d publicação).
nistrativos de ínspección y evolución de Iapolítica criminal, ai II Convegno italo-spagnolo di Diritto penale commerci
"Estadode laPrevención". Art.294 CP, protección penal de
1331 Sobretudo o quesegue, comdetalhe, cf.Silva Sánchez, Haci
de considerações formalistas de infração de deveres.
gadado que àprimeira vista poderia parecer, pois normalmen
"" Em suma, segundo sugeríamossupra, é evidenteque a lógi somentese suscitaa propósito dos novos riscos, mas també mais tradicionais (como em matéria fiscal), acha-se, portant
çãoougeneralização damesma serelaciona com aprodução
dera
ibuições decadaumsão, isoladamente, insignificantes. Osetor do
würe,
cípio de proporcionalidade. Assim, amagnitude do problema glo ncajustificaraimposição deuma pena grave asujeitos individuais,
Gewasserverschmutzung angemessencr Ordnungswidrigkeiten hcrabzustufen".
autet, ob é nicht dem Unrechtsgehalt bloIJer Kum
"" Kühlcn,GA, 19867pT408: "Die"de legêferenda praktisch
keynesiano. Deixando de lado outras características qu
o modelo de Estado que alguns denominam regulatory St ria como sucessor do Estado policial liberal e do Estad
ca de "polícia", cujo objeto, ademais, se vê consideravel
do sua condição de prestador de benefícios -, recuperou a
reduzindo consideravelmente - da mesma forma, ainda,
economia como sujeito produtor de bens ou serviços (set
da privatização e da desregulamentação, o Estado, cuja
siderada. Realmente, no âmbito dos processos econômic
entreseusobjetos de proteção da atividade administrativa
A mentalidade "administrativizada" desse Direito se manifesta também em outros âmbitos. Muito particular
5.3 A proteção penal do "Estado da prevenção"32
' impor penas privativas de liberdade.3'
acumulativo - fossem contempladas como infrações a sim, a "Einleitung der Haushaltabwàsser").29 Mas deve-s momento atual, os códigos e leis penais de todos os paíse delitos regidos pela lógica da acumulação.30 E é certo que naturalmenteconstituiuma conseqüênciacoerented sivo do Direito Penal, não pode ser aceita se o que se p
tipo fundamentalmente estudado por ele como manifes
A "ADM1NISTRATIVIZAÇÃO" DODIREITO PE
'"' Considerações similares teriamqueser feitas a propósito da l da reiteração, ou da generalização, que preside boa parte d cia".Denovo aqui o argumento é que, embora sejacerto que é relevantemente perigosa, ocorre que as grandes cifras evid
ações, irrelevantes por separado, podem em seu conjunto serrele ivas, Mas emnenhum caso pode desconsiderar-se aqui aconfronta
dalidades de contaminação de águas do § 324 StGB - o
cativamente"que, délégéferéndã,ttnãcóm^
empos da categoria dos Kumulationsdoikte acabe reco
deidéias, não é acidental que um dos.principais difuso
ue nada tem a ver com autoria acessória.
l. Odecisivo emtais casos éo fenômeno docomportamen
mulaçãoimpede falar de modo racional de um único fato e oao qualse teriacontribuído. Assim,noscasosde acumula mos diante uma espécie de autoria acessória universal de ermanente... impossívelde abarcarcomo tal nos limitesde
. Adispersão no espaço eno tempo das condutas integradas
de umúnico fato sobreo qual se projetam várias contribui s, senão de uma pluralidade de fatos que constituem um
o. Nos casos de delitos de acumulação, em contrapartida,
s diante umúnico fato, que se projeta sobre um determina
outra. Para mencionarsomente uma, nos casos de autoria
eio ser possível sustentar que existem diferenças substan
ria acessória não está em absoluto isenta de dificuldades
utor acessório. Contudo; deixando de lado o fato de que a
lada com outras, se torna perigosaresponderia do.mesmo
strutura dogmática deautoria acessória. Com efeito, segun iva, aquele que realiza uma conduta com conhecimento de
edesvirtuar umapretendida equiparação dosdelitosde acu
ação atodos os setores do novo Direito Penal) setêm dirigi vista do modelo clássico de imputaçãojurídico-penal. Como
ções quea tal proposição (que, de resto, temumaclaravoca
sso, nenhuma daquelas manifestações desvirtua, segundo
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
126
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
A "ADMINISTRATIVIZAÇÃO" DO DIREITO PENAL
sam, ocaso éque nesse modelo de Estado, eem determinados setores espe cialmente propensos aprodução de riscos importantes para bens pessoais ou
patrimoniais, a prevenção comunicativa ou contrafáctica (cominação com sanções penais ou administrativas para quem crie o risco) não parece sufi ciente, senao sevê complementada com algum reforço cognitivo33 isto é se
nao se busca ocontrole permanente das atividades lícitas mais perigosas34 (enquanto espaços que se definem como de "liberdade condicionada"). Tal reforço cognitivo está constituído pelas diversas vias de controle
administrativo preventivo (por exemplo, os procedimentos de autorização ou licença), entre as quais desempenha um papel essencial aatuação preventivo-pohcial, de vigilância ou inspeção. Os aparatos estatais aparecem assim, conformando em boa medida oque seconhece já como um Estado da prevenção", um Estado "vigilante":35 um Estado que assume novas
funções de inspeção evigilância,36 que faz coleta earmazenamento perma nente de informação que possa ser relevante.37
- Nesse particular, sem embargo, dá-se que omecanismo cognitivo de
proteção passa a serprotegido daspossíveis interferências mediante outro
mecanismo comunicativo-contrafáctico.38Assim, aatuação sem licença ou Anecessidade de que as reações contrafácticas do Estado sejam acompanhadas de reforçoscogmtivosparaserverdadeiramenteeficazesvemscndo destacadade modo crescente por Jakobs. Cf. seu texto mecanografado "Das Selbsverstandnis der strafrechtswissenschaft vor der Herausforderungen der Gegenwart", 1999.
A«liberdades perigosas" se alude no texto de Beck/Beck Gernsheim (Hrsg )
127
a obstaculização dos procedimentos de inspeção se definem como infra ções, a cuja comissão se associam sanções penais ou administrativas; des se modo, o eixo do sistema volta a ser a prevenção comunicativa, substan cialmente mais afastada, isso sim, do momento de lesão.39 A "sociedade do risco" ou "da insegurança" conduz, pois, inexora
velmente, ao "Estado vigilante" ou "Estado da prevenção".40 E os proces sos de privatização e de liberalização da economia, em que nos encontra mos imersos, acentuam essa tendência.41 Nesse contexto policial-preventivo, a barreira de intervenção do Estado nas esferas jurídicas dos cidadãos se adianta de modo substancial. Com efeito, as intervenções de inspeção
(supervisoras, de controle) podem ser puramente "rotineiras": de fato, para iniciar uma inspeção não se exige a justificativa da existência de indícios concretos de perigo para a ordem administiativo-policial. O procedimento de inspeção - intensificando ainda mais o princípio fundamental que se expressa no procedimento sancionador de infrações administrativas for mais - aparece então claramente norteado por um critério "gerencial" em relação aos riscos (Risikomanagement). A distância existente enire esse procedimento de inspeção, que pode ser realizada de modo perfeitamente rotineiro, seguindo critérios aleató rios ou outros (atuariais) sobre a gestão dos riscos, e os bens jurídicos em última instância merecedores de proteção é enorme. Assim, podem-se de
terminarao menos quatro fases do afastamento progressivo relativamente aos objetos de proteção:
Fr^nkfart 1994 ^ ~^ Inmdua^iemaS^'^^nsformen4n^er^odep (Ml
CfRivero Ortega, El estado vigilante. Consideracionesjurídicas sobre lafunctón inspectora de Ia Administración, Madrid, 2000, passim e p. 25 css 26" "No limiar doséculo XXI afunção inspetora do Estado eseu poder de vigilância se
Assim ocorre com as infrações de atuar sem autorização, que ou são interpretadas como atuações desprovidas dos pressupostos materiais de autorização, ou se con vertem em ilícitos formais, aos quais não se justifica associar uma sanção penal de
tecnológicos e os cada vez maiores níveis de risco e complexidade do sistema
Cf. o trabalho pioneiro de Denninger, Der Pravcniionsstaat, Kriü, 1988, p. 1 e ss. No mesmo sentido Baratta/Wagner, Risque, securite et democratie, DS, 1994, vol. 18, n. 3, p. 331 e ss, 332: "La société du risque entraínc avec ellc / 'Eiatdeprévention (Erhard Denninger). II faut souligner que 1'Etat de prévention et de sécurité est caractérisé par Ia tendance a Ia produclion normative et par des mécanismes décisionnels qui se réorganisent sans cesse comme réaclion à une situation d'état d'urgence structurel. Ledangerquien resulte, savoir lamisecn placcde limitations inacceptables des liberteseivilespar un pouvoirincontrôlé, pardesagencesctatiques de controle, est aussi un aspect central de Ia civilisation du risque". Rivero Ortega, El Estadovigilante,p. 28:"(...) a iniensidade da função inspetora está vinculada a repartição de responsabilidades entre o poder público e os sujeitos priva dos: se o poder público assume a prestação direta de numerosos serviços aos cida dãos,é ele mesmoo responsávelporsuacorreta execução,enquantoseé a sociedade, ou a economia privada, a encarregada da realização dos serviços básicos para a co munidade, a necessidade de serviços administrativos de inspeção c maior".
potencia.izam, devido ao crescimento do Estado que estimula os avanços
social . E, p. 27: (...) em uma sociedade naqual oconhecimento éo verdadeiro
poder, um Estado computadorizado não pode funcionar sem dados, pelo que deve tornar-se indiscreto, vigiando oscidadãos e as organizações". (M)
Ainda que aseu turno essas funções com freqüência sejam delegadas aempresas
privadas. Cf. Esteve Pardo, Técnica, passim, em especial p. 77 ess. (»>
Sobre aidéia da "sociedade da vigilância", que enfatiza principalmente arestrição
de direitos denvada da provisão de dados relativos aesfera pessoal edo controle permanente queentidades públicaseprivadas exercemsobre os indivíduos, cf. Lyon
Elojo electrónico. Elauge de Iasociedadde Ia vigilância, (trad. Alborés), Madrid' 1995, passim.
(U)
'
Observe-se ocaso da atuação clandestina no tipo qualificado do delito contra o meio ambiente (art. 326), mas também no tipo básico do delito urbanístico (art.
iW) ouno transporte deprodutos perigosos (art. 359).
privação de liberdade.
ais, nem coletivos.
o. Parte general, Valencia, 1998, p. 98 e ss. Cf. também a exposi anteriormente por Rodríguez Montafiés, Delitosdeperigo, dolo e adrid, 1994, p. 300 e ss. Portanto, a questão da legitimidade da ns com função representativa nãoé outra quenãoa legitimação da ndutas que nem lesionamnem põemem perigo por si sós bensju
de Compostela, 1995, p. 123 e ss, 169 e ss; O mesmo, Derecho
dedefraudación tributaria, emEstudiospenales y criminológicos
er, é nesse ponto que se situa toda a tendênciado Direito Penai a ações dos chamados "bens com função representativa". Deve ser a doutrina que trata de fundamentar a legitimidade de sancionar silícitos admite explicitamente quenessas hipóteses nãoé possível igirapresença deumalesão, nemdeumperigoparao bemcoletivo ado), senão que tais lesões e perigos somentedecorreriam de uma umulação de condutasprocedentes de sujeitosdiversos. De modo é somente o bem "representante", emboranão se possa deixar de nta sobrequalbem é este (quenãoé nemindividual, nemcoletivo). ente, Martínez-Buján Pérez, Los delitos contra Ia Hacienda pú idad social, Madrid, 1995, p. 25;O mesmo, Elbienjurídico prote
rocedimento sancionador.
formal ou presumido podemos denominar também vio de polícia" e a ela correspondem os procedimentos ad cionadores de infrações formais. A apreciação de indí orram alguns de tais indicadores permitiria à administra
etos), senão a perigos presumidos ou formais.42 Essa si
fase, se trata de estabelecer uns indicadores (indícios) a derivar hipoteticamente a possível concorrência de ris es contextoshípicos, já por uma ação isolada, já, em todo ulação das condutas daqueles que operam em um deter atividade. Tais indicadores são os que comumente a nor rativa estabelece como pressupostosde aplicação daque que não se acham vinculadas a perigos reais (nem abs
l.
, secaracteriza o contorno típico de tais condutas perigosas ição de contextos nos quais, genericamente, poder-se-iam idos comportamentos; a essescontextosse podereconduzir nominados benscoletivos. A lesão oucolocação em perigo ve abstrato desses contextos típicos é,emalguns casos,objeto inistrativa e, de modocrescentemente importante, também
da progressiva extensão do Direito Penal.
lusiveabstratamente perigosas para os mesmos. Esse vem
dá lugar a descrição de condutas lesivas, concretamente
a, a pretensão de evitaçãoda iesãode um interesse-pessoal
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
mentações queconfiguram a ordemda economia, quandonão intromissão em esferas de liberdadegarantidas,pode ser alcan comsanções severasde multaou de inabilitaçâo, massema rep dica que expressa um "fracasso pessoal" (pena criminal).
Cf. Kindhauser, LH-Tiedemann, p.452, emque indica que a p
pacto do Direito Penal.
idêntica a beniclassiei, controcomportamenti dannosi o perico do quea "gente per bene" (boagente) não podeencontrarna i lesão de um bem jurídico uma cobertura para suas pretensões
sentenciaque aqui "di nulPaltro si tranache delia tuteladi nuovi b
teinfuturo: ilgoverno diprocessi economici sempre piü comp Ia creaziòne di nuovi enti e Pattribuzione di nuovi compiti preesistenti, confreqüente ricorso aIasanzione penale perrepri cheimpediscano o ostacolino l'esercizio di quelle funzioni".
cresciuta negli ultimi decenni, e verosimilmente è destinata a cr
já ressaltado aqui -que "Ia presenza neirordinamento di alti regolate, cherappresentano 1'esercizio delle funzioni di enti
nuovo millenio, RIDPP, 1999, p. lOe ss, 18. Esse autor, de fa
Cf., sem embargo, Dolcini, Principi costituzionali e Diritto p
e em condições higiênicas":
ção pública do mesmo. O exemplo que põe é muito express produtos alimentícios para comercialização tem que perm controlesobre se tai elaboraçãoacontececom materiaisaptos
1997, p.293c ss, p.310.Jakobs situaessescasos naquilo qu de responsabilidade pelo perigo de um comportamento futur sujeito que renuncie a um fragmento de sua privacidade e p
em seus Estúdios de derecho penal (trad. Penáranda/Suárc
Cf.Jakobs, Criminalización en ei estádio prévio a Ia lesión
cos incorporando tipos que correspondem a essa estrut
de.45 Mas é fato que os diferentes ordenamentos jurídic
desobediência que não deveria dar lugar a penas priv
que cada perturbação isolada de atuação inspetora cons
somente resultaria, de novo, da acumulação (reiteraçã de condutas).44 De modo que, conseqüentemente, ter-s
to para um bem jurídico-penal daqueles que se deno
admite, de modo expressoou implícito, que nesses caso
perigo relevante de um bem jurídico-penal ou. em outro titui a desautorizaçâo de uma norma que pertence ao n de normativa da sociedade atual.43 Pois bem, praticame
A questão é se a perturbação do correto funciona são ou inspeção estatal constitui, em si mesma, lesão
cedimento administrativo de inspeção.
Porfim, naquarta fase, ainda que não exista suspe masobre a concorrência dos referidos indicadores, pod
A "ADMINISTRATIVIZAÇÃO" DO DIREITO PE
130
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
ções com as quais se comina a realização do tipo delitivo são, apesar de tudo, privativas de liberdade.
5.4 A gestão dos riscos de origem pessoal e a neutralização no Direito Penal atual46
Se o delito se contempla como um risco social, é razoável que, ao afrontá-lo, se levemem conta critérios observados para a gestão de outros riscos. Em particular, resulta coerente com tal representação recorrer acritérios de prevenção cognitiva. Entretanto, o Direito Penal, na medida em
que incorpora mecanismos de asseguramento cognitivo, encaminhados a neutralizar facticamente (e não còmunicativamente) o fenômeno delitivo, se "administrativiza". Essa é, pois, uma terceira dimensão47de administrativizaçãodo Direito Penal: o redescobrimento da neutralização. ~\ A vinculaçâo da idéia de neutralização com o positivismo criminológico43 havia praticamente determinado seu abandono na teoria dos fins do Direito Penal do último meio século. Diante disto, como é sabido, a neutralização (incapacitation) nunca esteve fora da discussão norte-ame ricana em relação com os fins da pena. Bem ao contrário, ao tratar-se ali de um debate no qual a ponderação de custos e benefícios econômicos sempre tem desempenhado um papel relevante, também subsistiu a dis
posição no sentido de considerar argumentos que justifiquem a utilidade Cf. sobre isso, com mais detalhe, Silva Sánchez, El retomo de Ia inocuización, em
Libro-Homenaje ai Prof Barbero Santos, 2001, p. 683 e ss (no prelo). Umaquartadimensão, na qualaquinão vamos nos deter, é dadapela proliferação de soluções de auto-regulação, que se apresentam como alternativa eficiente à es trita legalidadee àjurisdicionalidade (mediação,negociação). Estas,que configu ram uma "administração" da "justiça" penal sem Direito Penal, constituem, como
observado anteriormente, umaclaríssimamanifestação de um direitode gestãode problemas. Provavelmente, o tema da cada vez mais ampla remissãodas normas jurídicas a regras técnicas emanadas dos próprios setores socioeconômicos afeta dos por um determinado problemadeva inscrever-se em um marcopróximo. Comoé sabido, em Von Liszt constituíaum dos três fins da "pena funcional" em termospreventivp-especiais (Zweckstrafe): a intimidaçãoindividual se dirigia ao delinqüente ocasional; a ressocialização, ao delinqüente reiteradocorrigível; e a neutralização, ao delinqüente de estado incorrigível. Cf., por exemplo, Von Liszt, DerZweckgedankeim Strafrecht (1882),em Strafrechtliche Vortrage undAufsãtze, 1,Berlin, 1905, p. 126e ss, 164 e ss, 166 e ss, com palavras duríssimas: "Wie ein krankes Glied den ganzen Organismus vergiftet, so frisst der Krebsschaden des rapid zunehmendenGewohnheitsverbrechertums sichimmertieferin unsersoziales Leben". Portanto: "Gegen die unverbesserlichen muss die Gesellschaft sich
schützen; undda wjrkõpfenund hàngennichtwollenunddeportierennichtkõnnen, so bleibt nur die Einsperrung auf Lebenszeit (bezw. auf unbestimmte Zeit)".
A "ADMINISTRATIVIZAÇÃO" DO DIREITO PENAL
131
da neutralização de determinados grupos de delinqüentes. Nas últimas décadas, essa tendência vem atingindo uma considerável proeminência, a partir de dois fenômenos: um, legislativo, a proliferação das leis three
strikes;i9'mi o outro, doutrinário, a difusão das teorias da neutralização seletiva (selective incapacitation)?0 Pois bem, essa é, como os fenôme
nos comentados em páginas anteriores, a manifestação de uma visão "administrativizada" da intervenção do Direito Penal.
A premissa maior da teoria da neutralização seletiva é a de que é possível identificar um número relativamente pequeno dedelinqüentes (high risk offenders), concernente aos quais cabe determinar que têm sido res ponsáveis pela maior parte dos fatos delitivos e predizer, a partir de crité rios estatísticos, que eles seguirão fazendo o mesmo. Desse modo, se en
tende que a neutralização ou incapacitação de tais delinqüentes - isto é, sua retenção em prisão pelo máximo período possível - provocaria uma radical redução do número de fatos delitivos e, por extensão, importantes benefícios ao menorcusto. Expresso em termos contábeis: segregar 2 anos 5 delinqüentes cuja taxa previsível de delinqüência é de 4 delitos porano, gera uma "economia" para a sociedade de 40 delitos e lhe custam 10 anos
de prisão. Em contrapartida, se esse mesmo custo de 10 anos de prisão se emprega para segregar 5 anos 2 delinqüentes, cuja taxa prevista de delin qüência é de 20 delitos por ano, a "economia" social é de 200 delitos; e
assim sucessivamente. De ser admitida a correção do anterior modus operandi, a selective incapacitation mostraria significativas vantagens econô micas perante a indiscriminada, ou cega, geral incapacitation?1 Sobre as leis three sirikes nosEstados Unidos, que incorporam o conhecido prin cípio"three strikes andyou're out", cf., de modo geral, Rotman, El conceplo de prevención dei delito,AP, 43/1998, p. 839e ss, 854e ss; Grasbcrger, Threestrikes and you are out. Zu neuen Strafzumessungsansãtzen bei Wiederholungstatern, ZStW, 110 (1998), p. 796 ess.
A expressão refere-seas leis penaisque começaram a surgir nos EstadosUnidos nos anos 90 - e que estão hoje presentes em mais de vinte Estados norte-america nos-, que prevêem a fixação da maisgravepenacorporal - prisãoperpétua, onde é cabível- para os criminososque cometem três infrações penaissucessivas. Cf. Greenwood/Abrahamse, Selective incapaciiaiion, Santa Mônica, 1982; um resumo dos critérios de Greenwood podeser encontradocm Von Hirsch/Ashworth (ed.), Principled sentencing, Boston, 1992, p. 163, nota 5. Evidentemente, a teoriada neutralização seletivaapresenta-como, cm geral,as leses inoculadoras - problemas de fundamentação empírica, por um lado, e de legitimação axiológica (proporcional!dade), por outro. Sobre o debate a esse res peito, cf.BackmoreAVelsh, Selective incapacitacion: sentencing according torisk. Crime & delinquency, outubro de 1983, p. 504 e ss; também, os trabalhos de Wilson, Von Hirsch e Tonry, Principled sentencing, Von Hirsch/Ashworth, p.
132
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
Desse modo, a neutralização do delinqüente, se é que alguma vez
deixou deestarpresente nasdiscussões norte-americanas, o que- comojá indicado - é mais que duvidoso, voltou a situar-se no centro do debate
político-criminai daquela cultura jurídica. Para os fins aqui pretendidos, não é necessário examinar com profundidade os aspectos que distinguem a inclinação contemporânea à neutralização da que teve lugar nos Estados Unidos em princípios do século XX. Ao contrário, deve ser suficiente res
A "ADMIN1STRATIVIZAÇÂO" DO DIREITO PENAL
133
nominada - graficamente- managerial oradministrative criminology, que lenta, mas inexoravelmente,'vai sedifundindo pelo continente europeu.54 Seja como for, minha opinião é que o fenômeno não é casual. Ao
contrário, o "retorno".da neutralização encontra-se em perfeita sintonia com a evolução ideológica geral da política criminal; e não somente da
política criminal norte-americana. Em tal evolução constatam-se vários
saltarque o método da predição de periculosidade para determinar preci
elementos determinantes. Assim, a título demero exemplo, por um lado, o
samente os sujeitos que devem ser neutralização alterou-se radicalmente.52 Essa questão, certamente, há de ser objeto de um comentário detalha
crescente desencanto, fundado ou não,em torno das possibilidades de uma
do, pois nelase manifesta com claridade a medida de administrativização do Direito Penal nesse âmbito. Comefeito, na horade adotarconseqüên cias jurídicas inoculizadoras, os métodos de previsão baseados na análise
intervenção ressocializadora do Estado sobre odelinqüente.55 E, por outro lado, aelevadíssima sensibilidade ao risco eaobsessão pela segurança que custo possível. Assim, se indica(Beekett, Making crimepay. I^iw andorder in contemporary American politics, New York/Oxford, 1997, p. 103) que "This
psicológica individual de responsabilidade ou periculosidade foram subs
tituídos por outros de naturezaatuarial (actuarial justice),de modo que o delito passa a serabordado comas mesmas técnicas probabilísticas e quan titativas que no âmbito dos seguros, por exemplo, se utilizam para gestão
approach. has been called 'managerial' or 'administrative' criminology, the
*check'em out* approach, and, most simply, thc 'new penology'. Advocates of the new penology profess no ideological affiliation, but see themselves asplanncrs and system cngineers seeking to implement crime control politics aimed at the
de riscos. Isso supõe recorrer ao método estatístico, tomando como base
determinados indicadores, cujaquantificação é o ponto de partida paraemitir prognósticos de periculosidade sobre grupos ou classes de sujeitos (low riskoffenders, médium risk offenders, high risk offenders), sem necessida
de deentraremestudos da psicologia do indivíduo concreto(diagnóstico e prognóstico clínico). Essa ideologia "gerencial" é, seguramente, a caracte rística mais chamativa da New Penology norte-americana,53 também de-
efficient management (ratherthanelimination orreduction) ofcriminal behavior".
"*\ O diário El Mundo, de 11.12.2000, em sua edição da Catalunha, contém umas declarações do prefeito socialista de Barcelona, Joan Cios, nas quais insiste em que ospequenos delitos que provocam alarme social na cidade "os cometem um grupo de umas 400 pessoas, 100 das quais são menores, que logo depois de serdetidos são postos em liberdade". Aisso acrescenta que setrata de"delinqüentes habituais que se dedicam a este modo de vida" e que a legislação espanhola "não dá uma resposta adequada a este tipo de delinqüência".
148e ss, 158e ss, 165e ss. Em línguacastelhana, é excelente a análisede Ottaviano,
"Selective incapacitation". El retomo de Ia inocuización ai pensamiento penal norteamericano contemporâneo, Prudentia luris (Revista de Ia Facultad de
Derecho y Ciências Políticas de Ia Pontifícia Universidad Católica Argentina "Santa Maria delos Buenos Aires ")49, maiode 1999,p. 137e ss, especialmen te 150 ess, 154-155.
Cf. Pratt, Dangerousness, risk and technologies of power, Australian and New Zealand Journal of Criminology, 28, 1995, p. 3 e ss; o mesmo, Governing the
dangerous: anhistorical overview ofdangerous offender legislation, Social &Legal Studies, 5 (1996), p. 21 e ss.
Sobreessa noçãoexistejá uma bibliografia bastante extensa. Cf., por exemplo, Reichman, Managing crime risks: toward an insurance based model of social
control, Research in Law, Deviance and Social Control, 8, 1986, p. 151 e ss; Feeley/Simon, The newpenology:noteson theemerging strategyofcorrections andits implications, criminology, vol. 30, n. 4, 1992,p. 449 e ss; Feeley/Simon, Actuarial Justice: the emerging new Criminal Law, Thefutures of criminology, London,Nclken, 1994,p. 173e ss; Ottaviano, Prudentia iuris, 49, p. 146.-147. A crítica a essa corrente destaca que a mesma não mostra interesse pelas causas (individuais ou sociais) do delito, mas unicamente pelo seu controle ao menor
<»>
ITSÍ Um desencanto que è ideológico, mas não somente ideológico. Vale dizer, que
também é possível que influa na vontade de reduzir os investimentos em trata
mentos de ressocialização (o que explica, por exemplo, o fato de que nunca chagaram a ser implantados na Alemanha os estabelecimentos de terapia social previstos na reforma penal daquele país dos anos 60e70). Tal redução de inves timentos no âmbito penitenciário écoerente com aredução do gasto público pró
pria dacrise dos Estados do bem-estar. Claro éque sepensará que oinvestimento em ressocialização éeficiente, no sentido de que, ao menos amédio prazo, reduz oscustos sociais derivados dacomissão dedelitos. Mas as análises a médio pra zonemsempre sãopróprias dapolíticadegestão dacrisequevivenciamos. [NT:
A tendência ao abandono das teses ressocializadoras inclina-se a ser abraçada sem maior esforço pelos países que não possuem tradição de sua aplicação prá tica,como, emparticular, o Brasil, emquejamaischegou-se a concretizar a reco mendação- inseridajá na Constituiçãodo Império, de 25.03.1824,item 21."do
art. 179 - de manter-se separados oscondenados por crimes brandos e graves, para evitar a perniciosa contaminação que pode resultar da não separação. Ao contrário, na última reforma do Código Pena! suprimiu-se a norma - artigo que determinava essa separação -, conforme já tivemos oportunidade de observar emFiança criminal e liberdade provisória, 2. ed.. São Paulo. RT. 2000, p.204, nota 1, era co-autoria com Marco Antônio Garcia Baz.]
134
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
A "ADMINISTRATIV1ZAÇÃO" DO DIREITO PENAL
135
mostram amplos grupos sociais.5' Desse modo, parece estar assentada a
O verão e o outono do ano 2000 foram especialmente pródigos em
base ideológica das proposições neutralizantes. O retorno da neutralização está se manifestando nas formas mais diversas. A mais notável é, certamente, a adoção de medidas de segurança
acontecimentos marcados por essa idéia. Assim, na Grã-Bretanha, embora
(privativas de liberdade ou consistentes em uma liberdade vigiada), que se impõem uma vez cumprida a pena ajustada à culpabilidade do sujeito e que podem chegar a durar toda a vida do condenado. A legislação norte-ameri cana sobre as conseqüências jurídicas aplicáveis aos delinqüentes sexuais violentos e perigosos é um bom exemplo dessa tendência; mas também o Direito alemão contém, desde 1998, uma boa expressão desse tipo de con seqüências jurídicas para delinqüentes sexuais violentos.57 Contudo, junto a esta, vão aparecendo outras muitas instituições. Dentre elas, uma das mais chamativas é a publicação de listas de ex-delinqüentes, regulada nos Esta dos Unidos^para o caso dos delinqüentes sexuais e cuja introdução, inclu sive em termos muito mais genéricos, começa a ser proposta por grupos já não tão inexpressivos na Europa.58 Na fixação da fronteira dos riscos assumívcis pelo indivíduo c pela sociedade, o princípio de neutralização se manifesta como o contraponto do princípio de ressocialização. Esse último supõe um incremento do risco socialmente assumi
tivesse o governo rechaçado promover a chamada Sarali 's Law, que permi tiriao conhecimentopúblicodas listasde pederastasmantidaspela polícia,o periódico News ofthe World deliberou publicar tal relação. E algumas polí cias locais têm adotado iniciativas parecidas. Por sua parte, o semanário luxemburguês L'Investigateur, em sua edição de meados de agosto de 2000, também publicou uma lista de pederastas belgas. Na Espanha, o debate mais recente girava em tomo da pretensão da Associação de Defesa do Paciente de publicar na internet as listas com os nomes dos médicos condenados por negligência; e, sobretudo, em torno da pretensão do presidente da Comuni dade Autônoma de Castilla-La Mancha de fazer o mesmo com os nomes dos sujeitos condenados por terem praticado atos de violência doméstica.59 A idéia de neutralização se plasma,ademais, na tendência crescente
de adotar medidas prévias a condenação, já cautelares, já estritamente pre ventivas (predelituais, na terminologia mais clássica). A expulsão dos es trangeiros, sem necessidade de que exista qualquer condenação, se insere, a meu juízo, nessa corrente geral na qual o Direito Penal, além da imputa ção de culpabilidade pelo fato cometido, parece corresponder, em medida determinante, à gestão administrativa do delito como risco social.
do para além do prescrito pelo princípio de culpabilidade. Não é expressão de um Direito Penal neutro, senão de um Direito Penal de prestações, do bem-estar. Em contrapartida, o princípio da neutralização segue o critério oposto: a fronteira se fixa de modo que supõe um incremento do risco assumido pelo indivíduo apenado
para_alémdOLprescrito pelo princípio de culpabilidade. m
Cf., de modo detalhado, Silva Sánchez, Libro-Homenaje ai Prof. Barbero Santos,
p. 683 e ss. Na Espanha o debate sobre essa questão começa a ser discutido princi palmente no âmbito da delinqüência do terrorismo. Desse modo, o presidente do Conselho Geral do Poder Judicial [NT: O Conselho Geral do Poder Judiciário é o
órgão máximo de governo do Poder Judiciário espanhol - art. 122da Constituição espanhola de 1978- que, ao contrário do Judiciário brasileiro; é formado por um corpo único, federal, assim como o Ministério Público; o Conselho é formado pelo Presidente do Tribunal Supremo e por vinte membros nomeados pelo Rei.para um mandato de cinco anos, dos quais doze devem ser juizes "de todas las categorias
judiciales, en los términos que establezca Ia ley orgânica", quatro indicados pela Câmara dos Deputados e quatro indicados pelo Senado - em ambos os casos elei tos por maioria de três quintos dos membros de cada casa legislativa - entre advo gados e juristas, "todos ellos de reconocida competência y con más de quince anos de ejercicio en su profesión" - art. 122, apartado 3] se mostrava partidário da im posição de medidas de segurança posteriores ao cumprimento da pena para os ter roristas que se acredite que não estão reinseridos (El Mundo', 15.11.2000). '"'
Cf. o relatório do Home Office britânico, Managirjg dangerous people with severc pessoality disorder. Proposals for Policy Dcvclopmcnt, , apud Ragués I Vallès, Proyectodo cente, Barcelona, 2000, inédito. Como assinala H. J. Albrecht, Die Determinanten
derSexualstrafrechtsreform, ZStW, 111(199<)). p.863e ss.865,"a legislação penal sexual poderia, assim, ser expressão também de uma reordenação dos interesses da coletividade, do autore da vítimaou. em outras palavras,nem mais nem menos que a expressão de uma reordenação da sintoniaentre interesses pela segurança e interes ses pela liberdade, na qual a segurança claramente se converte cm dominante".
'"' Cf. uma ampla referência no periódico F.l País, edição de 14.10.2000, p. 28, com o artigo-contrário atai iniciativa-de PérezTrivifio. Las medidas avergonzanlcs y Ia dignidad humana; e El Pais (edição internacional), 17.10.2000. p. 23, com o artigo favorável Varela Portela, Lapublicidade de Ia condena.
A IMPOSSIBILIDADE DE "VOLTAR"
ria como poderia tersido, e não como realmente transcorreu.
re aqui a utopia aplicada à história, isto é, ao exercício mental de
chegar a propor uma radical redução do Direito Penal à da saúde, dáliberdade e do patrimônio; parecem de fato
sos dias.
era possível observar não representava senão ocontrape rio rigor das sanções imponíveis. Averdadeira imagem do século XIX não é, pois, aquela que alguns pretendem
ção social. Por outro lado, porque a rigidez das garantias
Por um lado, porque tal reconstrução ignora a presença rígida proteção do Estado, assim como de certos princí
s autores pretendem reconstruir agora, na realidade nunca
tros, nessa pretensão se dão elementos não somente ana precisamente ucrônicos.NTI Efetivamente, o Direito Penal
nção repressiva do Estado. Sem embargo, como tem sido
Aintenção que rege tal proposta é,sem dúvida, a derecu uração como um Direito estrito de garantia dos cidadãos
alistas edo patrimônio, com estrita vinculaçâo aos princí
nômenos que vêm sendo constatados e que redundam em expansão do Direito Penal, há quem advogue pela volta liberal, um Direito centrado na proteção dos bens essen
mento
o de cominação com penas privativas de liberdade.
HJm ponto de partida; amanutenção de garantias qualificadas em
co^pireito Penal moderno" - 6.3 Direito Penal deduas velocida-
MARIO: 6.1 Questionamento - 6.2 Contra aconsolidação de um
TES, ALTES LIBERALES STRAFRECHT')
LHO E BOM DIREITO PENAL LIBERAL
valore, Napoli, 1992, p. 19: "Com efeito, é precisamente po
relação as quais o Direito Penal não deveria perder seu caráter De modo geral, a propósito do Direito Penal, Moccia, // diritt
esse pontode vista, Van Weezel,em sua resenha da primeiraed dessaobra, Revista Chilena de Direito, vol.26,l999,p.783ess "(...) o núcleoda propostase acha inevitavelmente condicionad política,a de que não será possível interporuma limitaçãomais "modernizadora" mediante o fortalecimento de outras instânc
política criminal en una teoria funcional dei delito, em Jakob funcionalista dei derecho penal. Lima, 2000, p. 17 e ss, 17 not
Tomo a palavrado juízo que minha posição merece de Cancio
69 e ss, 87.
Creioentender que é isso o que, na linhada doutrinatradicio Gómez Tomillo, Consideraciones en torno ai campo limite en nistrativo sancionadory ei Derecho penal,Actualidadpenal,
configuração e sua teleologia? Expresso de outro mod
O ponto de partida que adoto é a direta relação exi rantias que incorpora um determinado sistema de imput das sanções que resultam de sua aplicação. Com efeito, c sustentar a idéia de que a configuração dos diversos sist imputação dõfato ao sujeito, assim como ãdas garanti sistema, têm umaclara dependênciadas suas conseqüên
teção precisamente "penal". A seguir, são expostos os tr
vocação racionalizádora, há de acolherem-se as deman
tue, certamente com alguma resignação,2 em uma prop ou, se se prefere, plausível, na medida em que, de um
todo o "novo" Direito Penalé, sem dúvida, uma postura pectivas acãdêmicisfas,masevita. afrontar as razões pel se essa inflação penal, assim como buscar soluções que das, mostrem a máxima racionalidade possível. Daí que
prosseguir nessa linha, em termos corrigidos e aumenta to, deve admitir-se que propor a "devolução" ao Direito
no campo de princípios político-criminais flexibilizado
o Direito Penal vigente na maioria dos países de nosso cominação de penas de prisão de gravidade média em "administrativizados", com regras de imputação de rigi
pretado como uma argumentação orientada nesse sentid nos mantivéssemos em um plano abstrato-teórico, sem r espaciais e temporais concretas. Mas ocorre que - e con lo para interpretar o que segue em seus exatos termos -,
realidade, todo o exposto ao largo das páginas anteriore
ser, sem mais, reconduzido ao Direito Administrativo
sugerir que a maior parte do fenômeno expansivo do Dir
IMPOSSIBILIDADE DE "VOLTAR" AO DIREITO
138
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
sistema jurídico deve haver as mesmas garantias,4 nem em todo o sistema
do Direito sancionatório tem que haver as mesmas garantias,5 nem sequer em todo o sistema sancionatório penal há que exigirem-se as mesmas ga rantias, pois asconseqüências jurídicas são substancialmente diversas (tam bém no seio dopróprio sistema do Direito Penal emsentido estrito).6 Nes sa linha, a minuciosidade própria da dogmática do delito, assim como a
rigidez dos princípios de garantia tradicionalmente vigentes no Direito Penal, relacionar-sé-iam com o fato de que suas conseqüências jurídicas foram tradicionalmente as penas de morte e corporais, e ainda hoje uma pena tão intimamente vinculada aoser- e não aoestar ou aoter - dapessoa
IMPOSSIBILIDADE DE "VOLTAR" AO DIREITO PENAL
139
rar outra questão: certamente, o problema não é tanto a expansão do Direi to Penal em geral, senão especificamente a expansão do Direito Penal da
pena privativa deliberdade.8 É essa última quedeve realmente sercontida.9 Com efeito, a diminuição de garantias e de "rigor" dogmático pode ria ser explicada (e inclusive legitimada) no Direito Penal contemporâneo se isso fosse o elemento correspondente a generalização de sanções pecu niárias ou privativas de direitos, ou - mais ainda - da "reparação penal" (nos casos em que esta fosse concebível) em lugar das penas privativas de liberdade.!0 Na realidade, isso não teria que causar preocupação, pois não seria senão manifestação do mesmo fenômeno que faz com que a dogmá-
como é a privativa de liberdade.7 Posto isso, também se torna cabível valoanstandigenKemstrafrecht?,emBõllinger/Lautmann(Hrsg), VomGuten,dasnoch
—podeincidir em direitos fundamentais do indivíduo que se dedica um cidãdâõTWticulara definição dos pressupostos desuaaplicaçãó7sèjá emfase geral c abstrãtã-
a previsão legislativa -, sejaem fase individual e concreta - o juízo individual".
1 Isso semanifesta com grande claridade nas regras devaloração daprova no Direito norte-americano. Aesserespeito incide noDireito Penal a fórmula, mais garantista, beyonda reasonable doubt, que requer uma plena convicção do Tribunal, para mais além detodadúvida razoável. No processo civil, contudo, basta npreponderance ofthe evidénce, isto é, uma maior probabilidade de que as coisas tenham ocorrido deurri determinado modo. No Direito Civil dos punitive damages, a seu turno, asregras são vacilantes, como poroutro lado secorrespondem com a pecu
liaridade da instituição.
Otrabalho essencial na Espanha sobre esse ponto édeCid Moliné, Garantias ysan ciones (Argumentos contra Ia tesis de Iaidentidad de garantias entre las sanciones punitivas), /M/>, 140, maio-agosto, 1996, p. 131 ess. emespecial 141 ess. Já ante
riormente próximo aessa linha, Donini, Ildelitto contravenzionale, Milano, 1993, p. 361-362, distinguindo, porém, basicamente entre delitos de lesão eperigo concreto, edelitos de perigo abstrato. Com relação aesses últimos propõe orecurso asanções nãoprivativas de liberdade, nem sequerpecuniárias. Sobrea idéiada necessária"di
ferenciação" interna deumsistema penal moderno, cf.também Donini, Lariforma
dellalegislàziõnepehalecompléméntare: ilsüpsigmficato "consütuente"períariforma dei códice, La riforma delia legislazione penale complementàre. Studi di diritto comparato, Padová, Donini, 2000, p. 3 e ss, 52.e ss, 56 e ss. Entre os clássicos se
encontra essaidéia, porexemplo, em Von Bar, Geschichte, p. 350-351.
Nãoentendo osentido daobjeção deGómezTomilio,Actualidadpenal, tomo 20002001,p. 84-85, relativaa que não estájustificadoser "restritivono maisnecessita
do ou merecedor de pena eexpansivo no menos". Do que setrata, sem mais, éque quando há que determinar sealguém cometeu um delito muito grave, de modo que
a pena aserimposta é,porisso mesmo, muito grave, o bom senso conduz a apurar com maior precisão, recorrendo a subsunção, a imputação ea prova deque setrata de uma infração leve cominada com uma multa. Eofato de que isso "é" assim não tornacm absoluto desarrazoado sustentartambémque "deva ser" assim.
Apropósito dos argumentos em prol davolta ao"bom evelho" Direito Penal liberal, lal aspectoérealçado com precisão por Lüderssen, Zurück zum guten alten, liberalcn,
stetsdasBõseschafft.KriminalwissenschaftlicheEssayszuEhren vonHerbertJager, Frarücfurt, 1993,p. 268 ess, p. 271-272. Em concreto,observa esse autor que a pre tensão de tal retorno constitui uma utopia; pois o Direito Penal que se pretende have ria deter as propriedades positivas do Direito Penal de tempos pretéritos (determina
ção, imputaçãoindividual),mas nenhumade suas característicasnegativas(cm par ticular, a extrema dureza das sanções), concluindo que o Direito Penal hoje proposto por alguns não é sequer concebível, pois a "aulol imitação" do Direito Penal clássico era o contraponto lógico da dureza e autoritarismo daquele. Contrariamente ao ponto de vista acolhido no texto se mostra Zúniga Rodrígucz. Bases para un modelo de imputación de responsabilidadpenal a las personas jurídicas, Pamplona, 2000, p. 204, para quem as garantias especiais não mantêm relação com a privação de liber dade, senão com a vontade de limitar o iuspuniendiem todas as suas manifestações; em tal sentido, entende (p. 202) que as garantias do Direito Penal e do Direito Admi nistrativo sancionador devem aproximar-se. Nesse sentido, Eusebi, Dibattiti sulle teoric dela pena e "mediazione"', Immediazione neí sistemapenale minorile, Padova, Picolti, 1998, p. 61 e ss, 7S-79: "Fermores tando Vorientamento inteso a limitarc 1'area dei penalmente significativo,
essenziaie, tuttavia, non apparetanto Ia questione diprincipiose undeterminato itlecitosia o meno inquadrabile nell' orbitapenalistica, bensi Ufano che —lunghi daWesseredilatata - vengacircoscritta ilpiiipossibile Iacomminazionedelia pena detentiva..." (ressaltado no original). •Gómez Tomillo, Actualidadpenal, 2000-2001. p. 83, opõe o argumento de que há • penas tão ou mais graves que a privativa de liberdade (as inabililações, a expulsão, inclusive algumas multas). As preferências psicológico-individuais sempre são discutíveis. Mas, cm termos de sistema normativo, essa consideração não se sus tenta: basta aludir à copiosíssima literatura sobre a prisão como instituição total para desmentir essa idéia. De resto, o art. 25.3 da Constituição subtrai à administra ção somente a possibilidade de impor sanções que, direta ou subsidiariamente, impliquem privação de liberdade [NT: Eis o texto do artigo 25.3 da CE: "La Administración civil no podrá imponer sanciones que, directa o subsidiariamente, impliquen privación de libertad".] Algo que deve possuir algum significado. E certo, contudo, que existe uma tendência ao progressivo abandono da pena pri vativa de liberdade. Que tal tendência prosseguirá é o prognóstico de Roxin, Dogmática penal, p. 452.
140
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
IMPOSSIBILIDADE DE "VOLTAR" AO DIREITO PENAL
tica no Ordnungswidrigkeitenrecht (Direito das Infrações da Ordem; Di reito PenalAdministrativo alemão) seja mais flexívelou que, em todo caso, no Direito Administrativo sancionador espanhol não se manifestem os cri tériosde imputação e princípios de garantia que reivindicamos para o nú
ção de danos, se deveria pensar na construção de um sistema jurídico, que tivesse elementos absolutamente penais (poenale), mas que estivesse orien tado em termos estritamente preventivos e, em todo caso, renunciasse a reprovação pessoal e a imposição de penas privativas de liberdade. Uma classe de Direito de Intervenção assim configurada poderia integrar for mas de imputação coletiva".14 Na minha opinião, contudo, e aparentemente ao contrário da propos ta do "Direito da Intervenção", não haveria nenhuma dificuldade em admi tir esse modelo de menor intensidade garantística dentro do Direito Penal, sempre e quando - isso sim - as sanções previstas para os ilícitos corres
cleo do Direito Penal; ou não na mesma medida. Nessa linha, como é ób
vio, um sistema jurídico que prescindisse por completo da sanção - inclu sive da pecuniária -, como é o da responsabilidade civil, puramente reparatório, poderia reduzirão mínimoas exigências de garantiapolítico-jurídiças. Mas, observe-se, tão prontocomo o DireitoCivil assume elementos puniti vos (comoocorrenotort law,o direitode danosanglo-saxão, com ospunitive damages), admite-se quetambém esteteria quecomeçar a termais garan tias, assimcomosermaisrigoroso nahorade efetuarjuízosde imputação," _ O ponto-chave reside, pois, em admitir essa graduação da vigência das^regras de imputação e dos princfpios de garantia no próprio seio do Direito Penal, em função do concreto modelo sancionatório que este acabe assumindo. Algo que tem muitos pontos de contato com a proposta, certa mente ainda muito imprecisa,12efetuada por Hassemer e outros, de cons truir um Interventionsrecht (Direito da Intervenção), entre o Direito Penal nuclear e o Rechtder Ordnungswidrigkeiten, entre o Direito Civil e o Pú blico, para ilícitos em matéria de drogas, econômicos, ecológicos etc. Tal Direito seria menos pretensioso no que se refere as garantias materiais e processuais, mas, ao mesmo tempo, disporia de sanções menos intensas
que as penaistradicionais.13 Muito expressiva é, a esse respeito,a seguinte frase do próprio Hassemer: "Para combater as formas modernas de causaCreio que o fato de não haverem percebidoesse aspecto é o que determina que Marinucci/Dolcini, RIDPP, 1999, p. 812, considerem preocupante a diminuição degarantias coma queHassemercaracteriza seu"DireitodeIntervenção" (v.infra). Comefeito, há queprecisar exatamente qual teriaquesero conteúdo e quala confíguração de tal Interventionsrecht. Para Lüderssen, Kriminalwissenschaftliche
Essayszu Éhren von HerbertJager, p. 274, tratar-se-iade um Direito não punitivo orientadoà reparação e,em sendonecessário, à ressocialização (incluídaaevitação dadessocialização). Mas segue deixando em aberto a"questão se não seria melhor ceder espaços, com as correspondentes modificações processuais, ao Direito Pri vadoe ao DireitoAdministrativo e, vice-versa, se isso não representaria um incre
141
pondentes não fossem de prisão.15 A opção político-jurídica pelo Direito Penal continua tendo, com efeito, vantagens relevantes, não vinculadas necessariamente a dureza fática da sanção. Diante do Direito Civil com - - t —-
pensatório, o Direito Penal aporta dimensão; sancionatória, assim como a força do mecanismo público de persecução de infrações, algo que lhe atri bui uma dimensão comunicativa superior, inclusive de modo independente da conexão ético-social tradicionalmente inerente a todos os seus ilícitos.16
Hassemer, Person, Wettund Verantwortlichkcit. Prolegomena einer Lehre von der Zurechnung imStrafrecht, cm Festschriftfür Günter liemman, Baden-Baden, 1997,
p. 175 c ss, 188. Convém ressaltar que, para Hassemer, o Direito de Intervenção tcriaque contemplar preceitos que atualmente encontram-se no Direito Penal. Não se trata, pois, de ampliar a intervenção punitiva do Estado, senão reduzi-la. Uma .pretensão que converge para a minha proposta. Outros autores, entretanto (creio que é o caso de Martínez-Buján, Derecho penal econômico, PG, Valência, 1998,
p. 29) parecem acatar a idéia de Direito de Intervenção, mas para ilícitos que ainda hoje estão fora do Direito Penal. O que determina que o conteúdo de sua posição seja absolutamente diverso. Cf., proximamente às idéias que estão contidas nesse ponto de vista, Frisch, Anden Grenzen des Strafrechts, em Beitrãge zur Rechtswissenschaft. Festschriftfür W. Stree undJ. Wesselszum 70. Geburtstag, Heidelberg, 1993, p. 69 e ss, 81, indican do que o âmbito do punível depende do que se associe a a idéia de pena: "Legt man in diese Sanktion viel an Gewicht, wird der Kreis des Strafbaren enger; vedünnt man sie zum bloBen Rechtseingriff wegen cines Fehl verhaltens, kann man sie auch reichlich einsctzen - die Sanktion unterscheidet sich. dann nicht mclir wescntlich von einer schlichten GeldbuBe. Wer Klarhcit über die Grenzen der Strafbarkeit
mento global do "controle social".
haben will, mufi sich dcmentsprechend zunãchst klar werden über das, was cr mit
Hassemer, Kennzeichen und Krisen des modernen Strafrechts, ZRP, 1992, p. 378 ss,383(versão espanhola: Crisisy características dei modernoderechopenal,trad.
Strafe verbindet —vielleicht auch verbinden muíj".
Munoz Conde, Actualidadpenal, 43,1993, p. 635 e ss). Ainda, Hassemer/Munoz
Conde, Laresponsabilidad, p. 41 e ss. Sobre a graduação das garantias constitu cionais, em particular o mandato de determinação, em função da gravidade das conseqüências jurídicas, cf. também, com citação de reiteradas sentenças do Tri bunal Constitucional alemão, Tiedemann, Verfassungsrecht und Strafrecht, Heidelberg, 1991, p. 46.
Nesse ponto, o juízo poderia variar se em nosso sistema existisse um Direito Civil de punltive damages, pois está claro que os denominados punies têm uma função sancionatória-preventi va. Ao mesmo tempo, parece que os mesmos cumprem uma função de incentivar a persecução privada dos fatos danosos, ao dar azo ü obtenção de consideráveis quantias em dinheiro, além da compensação do dano. para fazer frente, entre outras coisas, aos importantes custos da defesa jurídica dos próprios interesses.
tias do Direito Penal. Opor-se à "modernização", ade eqüivale a propugnar um "Direito Penal de classes",21 convencional continue sofrendo uma pena, enquanto o d
opções: a primeira, que taisdelitos se integrem no núcleo com as máximas garantias (no relativo a legalidade, a e, a Iesividade, a prova etc.) e asmais rigorosas regras de putação objetivarautoria,a comissãorpórórrus:sãoèTã);,íi
dos princípios às novas formas decriminalidade (p. 205).
acontinuação ressalta que pode ser necessária a "flexibilização"
inclinar-se-ia poressa primeira opção Zúniga Rodríguez, Bases de imputacián, p. 203, paraquem se tratade que "os poderosos" os a penas privativas de liberdade, ainda que com as "máximas
qui, em relação à possibilidade de que o Direito Administrativo ssa acolher a "devolução" do novo Direito Penal, Donini, La
merecedora dareprovação deatavismoque dirige Schün
acompanha tais delitos, em cujocaso se deveria renun das penas de prisão que agora existem.
(!" Cf. Roxin. Strafrecht AT. í,3. ed., p. 21, n. marg. 30.
La responsabilidad, p. 22 e ss.
'*" O termo "modernização" é utilizado aqui no sentido de Hass
âmbitos parciais que não guardam relação alguma uns com
"" Uma possível caracterização qomehrspurigcs Strafrecht emN p. 352-353, coma conclusão umtanto radical deque"o Direit
ambiente, "em um momento de constante sobrexp!or
ao mesmo tempo em que pretendem restringir os fato
situam os delitos contra o patrimônio no núcleo principa
oposição a "modernização" integral do Direito Penal n
emantenha a linha de relativização deprincípios de ga
mico ou ecológico ficaria à margem do Direito PenalrCo
que nunca existiu nos termos em que agora é apresenta deaceitarsemreparos o processo dedesnaturalização d
uaisrsem embargo, os princípios político-crimirianTsõ^
da perda derigor. Senos ativermos aomodelo sugerido,
privativas de liberdade. Não se trata de voltar a um Di
O que foi referido anteriormente pretende assenta de uma linha de pensamentooposta a tendência que co dernização" do Direito Penal.20 Uma modernização car deve esquecer - pela expansão e pela flexibilização do co-criminais e regras de imputação também no Direit
6.2 Contra a consolidação de um único "Direito P
dos pressupostos clássicos de imputação de; responsab
nas quais têm se flexibilizado os pressupostos de atribu lidade. Mas, sobretudo, exigirque ali onde se impõem especialmente penas de prisão de larga duração, se ma
de liberdade, como mal menor dadas as circunstância
va. Considerando improvável (talvez impossível) um penalização, propõe-se que as sanções penais que se i têm seflexibilizado as garantias não sejampenas de pr conseqüências. Por um lado, naturalmente, admitir as p
diversas. A partir da referidaconstatação, postula-se u
regras de imputação, princípios processuais e sançõe
Definitivamente, portanto, a propostacontida nes constatação de uma realidade a respeito da qual se co voltar atrás. Essa realidade é a expansão do Direito Pe portanto, de "vários Direitos Penais distintos"," co
IMPOSSIBILIDADE DE "VOLTAR" AO DIREITO
privativas de liberdade, deconsiderável duração em al
pansão do Direito Penal continuam sendo delitos sancio
o exato de tal proposta podeser apreendido se se leva em tos - muito especialmente socioeconômicos - nos quais
a de dois níveis.
sistema doDireito Penal, com regras deimputação e prin
ão, tudo isso pode ser encarado a partir de uma configu
vativas de direitos, assim como para um eventual Direito
oria clássica do delito e ás instituições processuais, que tem acorrespondente vocação polftico-crirninal degaran>i^ pena de. prisão, não teriam que expressar de exigência em um Direito Penal moderno com vocação e "regulamentàdora""baseado, por exemplo^ nas penas
entes - é umaconstatação fundamental. Porumlado, como strado, queserá difícil frear uma certa expansão doDirei configuração e aspiraçõesdas sociedades atuais. Por ou
dministrações públicas.'7 o de tudo o que foi dito anteriormente - e examinando nos
aquelese servecom freqüência diante da atividade san-
o do juízo de desvalor (reprovações de parcialidade, po-
rna mais difícil para o infrator a utilização das técnicas
à política, assim como a imparcialidade própria do juris-
nte ao Direito Administrativo, e portanto dentro do âm atório, o Direito Penal aporta sua maior neutralidade no
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
ita sanção se execute efetivamente em um número limitado dê ênciade figurasde suspensãoou substituição.
1999, p. 814 e ss.
nsideraciones críticas, p.23.Cf.também, nesse sentido, Marinucci/
e privação de liberdade.23 De fato, esseé o único tipo
ireito Penal vigente em nosso âmbito cultural é, sem
tivas de liberdade
l de duas velocidades? Um ponto de partida: a ma garantias qualificadas em caso de cominação com
putação e princípios de garantia; pois, dadaa natureza dos proteção, ditatutela seriapraticamente impossível nomarco os clássicos. Tudoissonãose questiona substancialmente, ugar nomarco geral doqueé necessário emtermos de pre ão e demanutenção domáximo nível degarantias possível ortante destacar, porém, que essaampliação do Direito parte.conio dado constatado - não pode basear sua reunicativa na imposição> dê/Jéms^privãtivãs^dê liberdade. "
ão. Aseuturno, é mais que provável que tal expansão fle
zido a seunúcleo principal. A ordenada resposta à demanda , resolver-se por intermédio de uma ampliação do Direito a proteção de interesses que não pertenciam a seu âmbito
—»-——
-.r
apoderando-se pouco a pouco de todos os âmbitos do Direito
'"' Aseparação deâmbitos 6,provavelmente, como destacam Ha de, La responsabilidad, p.44, aúnica forma de impedirque a"
'"' Cf. Donini, La riforma, p. 39 e ss, com referências.
jurisdição, poder-se-ia confiar namanutenção deuma relevan nicativa, ainda no caso de que as penas que se impusessem econômicos nos quais se flexibilizem as regras de imputação garantia - distintas dapena privativa de liberdade. Ainda que comunicativa não fosse da mesma intensidade daquela que é
moderno Direito Penal soeioeconômico. Sem embargo, lev osmoseexistenteentre ambos gruposde infrações enquanto
reito Penal nuclear (vinculado a penas de morte, corporais referência aum mínimo ético. Ambos aspectos faltariam em
°" Certamente, tal força expressiva-comunicativa está relacion
-- ~deilícito.- —
administrativa como medida coercitiva-preventiva, nao co
vm> Aobservação também se aplica ao sistema brasileiro, que s
sim, trata-se de salvaguardar o modelo clássico de imp pios para o núcleo intangível dos delitos, aos quais se
por um lado, funcional e, por outro lado,suficienteme
sobre a demanda social depunição pode dar lugar a um
modelo de Direito Penal máximo. A função racionali
figuração dualista.26 Com efeito, não parece que a soci disposta a admitir um Direito Penal orientado ao para Penal mínimo". Mas isso não significa que a situação
O conflito entre um Direito Penal amplo e flexí um indesejável softlaw) e um Direito Penal mínimo c te impossível - deve achar assim uma solução no "pon
utação e garantias político-criminais. A grande transcen m realidade abonaa tese contrária/Agora, tambémé cer , que a demanda social de proteção por meio do Direito nte não se veria satisfeita de um modo funcional com um
repercussão pessoal da pena de prisão.25
do "penal" dos ilícitos e das sanções, sem que estas, c
imparcialidade máxima), da mesma forma que amanut
critérios de imputação e as garantias político-criminai essencial cie tal setor continuaria sendo a judicializaçã
multas, sanções que recaem sobre pessoasjurídicas) se
penas mais próximas às sanções administrativas (pri
. diferente daquela, como a reparação).24 Por isso, seria r •Direito Penal mais distante donúcleo docriminal;e no q
manteria, mesmo que a conseqüência jurídica impost
tivo que tem a intervenção dos tribunais penais (e q
Isso, naturalmente,abandonandoo significadosi
espanhoI).NT2
de sanção que não pode impor a administração (ao
IMPOSSIBILIDADE DE 'VOLTAR" AO DIREITO
l da pena deprisão deva afastar-se domodelo Iiberal quan
com penas de prisão. O segundo, o dos que se vinculam a nções. Posto isso, não parece queexista razão alguma para
stancial, contém dois grandes blocos deilícitos. Oprimeiro,
em face do caráter jurídico-penal comum. certamente énecessánoreiterar queo Direito Penal, dentro
deve haver discussão, obviamente, corno ocorre sempre o valorações sociais. Nada obstante, urna vez ultrapassa r, resulta mais que clara a necessidade de distinguir os emfunção dequais sejam asconseqüências jurídicas que
de conseqüências jurídicas e a decisão sobre o regime
o relativo dos "fatos" - anterior adistinção entreos mes
tinguir - nem me pareceque alguémo tenhapretendido senão segundo fatos e segundo conseqüências jurídicas.
bito das infrações administrativas.22 Conforme entendo,
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
'
o a elementos valorativos etc.
E pelas razões supra-indicadas.
Isto é, sem efetuar análise alguma deacumulação ourepetiçã
magistratura) penale".
speziale autonomiae imparzialkà delPorgano deputato agiu te materic o, in genere, esigenze di prevenzione generale, r anche inaree estranee aisuo núcleo originário - Iacompeten
disso, Cid Moliné, RAP, 140, p. 144. Também, segundo creio
oz Conde, La responsabilidad, p. 44. pios admitem uma graduação oudemonstra adiferente taxatividade tipos penais, odiverso alcance das remissões normativas, omaior
Em sentido similar, Eusebi, Dibattiti sulle teoric dela pena mediazione nelsistema penale minorile, Padova, Picolti,
"(...) puòessere che ragioni di garanziadel chtadino recepite mente intenso nclle procedure tipiche dei sistema penale,
querida razoabilidade político-jurídica.
pansão, que aparece acompanhada dos traços de flexibi mente aludidos, exigiria inevitavelmente que os refe recebessem penas de prisão. Na medida emique essa e sendo respeitada pelos ordenamentos jurídicos de div momento, a expansão do Direito Penal carece, em min
Paralelamente a isso, pode-se admitir resignadamente produzida - do Direito Penal até os ilícitos deacumula sumido, isto é,a condutas distanciadas da criação de u bens individuais (einclusive supra-individuais, desde q um mínimo rigor). Mas a admissão da razoabilidade
da de todos os critérios clássicos de imputação e prin
âmbito, ademais, arazoabilidade da expansão requereri
to de bens supra-individuais, sempre que efetivament locados sob perigo real pela conduta do sujeito em
pela existência de condutas que, por si sós, lesionam o real um bem individual; eventualmente, cabe admitir o
Oespaço daexpansão razoável do Direito Penal da pe
Em conclusão, pode-se afirmar que certamente cionado no princípio, um espaçode expansão razoáve
nada tivesse uma significativa repercussão em termos de idade individual; ao mesmo tempo, seria procedente ue foi aludido - manter um claro sistema de imputação
r, pode ser dito que, na medida em que asanção seja ade consideração de proporcionalidade requereria que acon
Direito Penal, ainda que não vinculada a pena deprisão
penal nos casos alheios ao núcleo. Mas isso éuma hipó ão se presta adesqualificar um presente no qual a força
também produzindo uma maior facilidade de neutraliza
tivamente a possibilidade deque a distância entre ilícitos
ais reprováveis em termos ético-sociais. Nesse ponto não
mente patrimonial, assim como da associação de seusálí-
idora doDireito Penal provenha desuaclássica incidência
garantia. Quanto ao segundo, provavelmente ocorreto seja
s no núcleo intangível do Direito Penai e, como princípio r intento de flexibilizar nesse âmbito regras de imputação
ar é que, relativamente ao fato de que aos delitos socioeribuam penas de prisão, nãocabe outracoisasenãoconsi
s legais penas de prisão (e não precisamente leves); e, ain nstitui uma incógnita oprognóstico da força comunicativa stigmatização) de um submodelo de Direito Penal no qual enas de prisão. Em relação ao primeiro aspecto, o que se
o, também aos novos delitos sqcioeconômicos assinala-se
àmos, fixada apremissa anterior, deve-se frisar que hoje,
nas de prisão.
sível) os elementos de estigmatização social e de cap comunicativa próprios do Direito Penal.
Penal e o Direito Administrativo sancionador, não teriam rados em idêntica medida nos dois níveis deDireito Penal,
ma acolhida gradual e, da mesma, forma que se dá hoje
razoabilidade, realmente seria importante que asançã uma instância judicial penal, de modo que preservasse
tão abertamente pessoal. Aausência de penas "corpora bilizar o modelo de imputação.29 Contudo, para que at
individual (pessoal). Mas, vejamos, na medida em que de prisão, mas privativa de direitos ou pecuniária, pare seexigir tão estrita afetação pessoal; e a imputação tam
IMPOSSIBILIDADE DE "VOLTAR" AO DIREITO
ípio de culpabilidade). Tais princípios, efetivamente, são
plo, o princípio de legalidade, o mandato de determina
contrapartida, a propósito do Direito Penal econômico, aberia uma flexibilização controlada das regras de impu responsabilidade penal das pessoas jurídicas, ampliação autoria ou da comissão por omissão, dos requisitos de o erro etc), como também dos princípios político-crimi
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
O "DIREITO PENAL DO INIMIGO"
149
Penal da primeiravelocidade,com certeza, é, em algunsâmbitos excepcio nais,^ por tempo limitado, inevitável.
;A questão anterior guarda uma estreita relação com o denominado, a
TERCEIRA VELOCIDADE DO DIREITO PENAL? SOBRE O "DIREITO PENAL DO INIMIGO"
No capítulo anterior ficaram caracterizadas as que, a meu juízo, se riam as "duas velocidades" do Direito Penal. Uma primeira velocidade, representada pelo Direito Penal "da prisão", na qual haver-se-iam de man ter rigidamente os princípios político-criminais clássicos, as regras de im putação e os princípios processuais; e uma segunda velocidade, para os casos em que, por não tratar-se já de prisão, senão de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experi mentar uma flexibilização proporcional a menor intensidade da sanção. A pergunta que há que elaborar, enfim, é se é possível admitir uma "ter ceira velocidade" do Direito Penal, na qual o Direito Penal dapena de prisão concorra com uma ampla relativização de garantias político-cri minais, regras de imputação e critérios processuais. Como se pode facilmente depreender do exposto nas páginas ante riores, um Direito Penal da "terceira velocidade" existe já, em ampla me dida, no Direito Penal socioeconômico. E, como pode também se extrair -do qiie-fni-flliididrii anteriormente, meu ponto de vista é que, nesse caso, seu âmbito devé^sér reconduzido ou à primeira, ou à segunda velocidade mencionadas. Mas, vejamos, significa isso que não deve sobrar espaço
algum para um Direito Penal de terceira velocidade"? Isso já é mais dis cutível, se levamos em conta a existência, para não dizer mais, de fenô menos como a delinqüência patrimonial profissional, a delinqüência se xual violenta e reiterada, ou fenômenos como a criminalidade organiza da e o terrorismo, que ameaçam solapar os fundamentos últimos da so ciedade constituída na forma de Estado. Sem negar que a "terceira velo cidade" do Direito Penal descreve um âmbito que se deveria aspirar a reduzir a mínima expressão, aqui se acolherá com reservas a opinião de
que a existência de um espaço de Direito Penal de privação de liberdade com regras de imputação e processuais menos estritas que as do Direito
partir da difusão dessa terminologia porJakobs, "Direito Penal do inimigo" (Feindstrafrecht),1 que se contrapõeao dos cidadãos (Biirgerstrafrecht).1 Se nos restringirmos à definição desse autor, o inimigo é um indivíduo que, mediante seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmen te, mediante sua vinculaçâo a uma organização, abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não somente de maneira incidental. Em todo caso,
é alguém que nãogarante mínimasegurançacognitivade seu comportamen to pessoal è manifesta esse déficit por meio de sua conduta. As característi cas do Direito Penal de inimigos seriam então, sempre segundo Jakobs, a ampla antecipação da proteção penal, isto éra mudança de perspectiva do fato passadoa um porvir;a ausênciade uma reduçãode penacorrespondente
a tal antecipação; a transposição da legislação,jurídico-penal à legislação de combate; è o solapamento de garantias processuais.3
Mas, vejamos, se a característica do "inimigo" é o abandono dura douro do Direito e ausência da mínima segurança cognitiva em sua condu ta, então seria mais plausível que o modo de afrontá-lo fosse com o empre go de meios de asseguramento cognitivo desprovidos da natureza de pe nas. A transição do "cidadão" ao "inimigo" iria sendo produzida mediante a reincidência, a habitualidade, a delinqüência profissional e, finalmente, a integração em organizações delitivas estruturadas. E nessa transição, mais além do significado de cada fato delitivo concreto, se manifestaria uma
dimensão fática de periculosidade,4 a qual teria que ser enfrentada de um '" Cf. seu artigoCriminalización en ei estádio prévio a Ia lesión de un bienjurídico (trad. Pefiaranda), Estúdios, 1985,p. 293 e ss, 298, em que já caracteriza o Direito Penal de inimigos como um Direitoque otimizaa proteçãode bensjurídicos, en quanto o de cidadãos ólimiza as esferas de liberdade. Comentários a tal texto em
Kindhãuser, Gefahrdung ais Straftat, Frankfurt, 1989. p. 177 c ss.
"' Direito Penal doscidadãos, aoqual, noplano aqui proposto, pertence à primeira e à segunda velocidades.
"' Cf. o manuscritodéJakobs, DieStrafrechtswissenschaft vorden Herausforderungen der Gegenwart. Ainda assim, a descrição e as observações críticas de Schulz, Die
deutsche Strafrechtswissenschaft vorderJahrtausendwende. Bericht von einerTagung und Anmerkungcnzum "Feindstrafrecht",ZStW 112 (2000), p. 653 e ss, 659 e ss. "' Cf. Dencker, Gefahrlichkeitsvermutung statt Tatschuld ?- Tendenzen demcueren Strafrechtsentwicklung -, StV, 1988, p. 262 e ss, 263. sublinhando esse aspectoe identificando conseqüentemente "Feindstrafrecht" y "Gefahrlichkeitsstrafrecht": "(...) cs geht nicht in erster Linie um die Ahndung einer vorwcrfbaren
Sozialschadensverursachung, sondem um vorbeugende Ausschallung der Gefahrenquelle, die der so ais gefahrlich definierte Mensch darstellt" (p. 264).
StV, 1988, p. 266.
Cf. Hansen, Eine Wiederkehr des "Leviathan"? Starker Staat und eitsgesellschaft, KritJ, 1999, p. 231 e ss,239.
in aller Welt ist zu gewahrleisten, daB der Einsatz der sch
Cf. Laperenne emergenza. Tendenze autoritaric nelsistema 1997, passim. .
meno, deveria ser ressaltada essa dimensão de "mal".
Todo o Direito Penal é um mal, mas aqui, pelas especiais c
wirklich nurden bõsen 'Feind' trifft'.'".
Schüler-Springorum, Kriminalpolitikfiir Menschen,Frankf
crítica de Ferrajoli, Derecho y razón, p. 820e ss,828 e ss.
ilegitimamente, a estabilizar-se e a crescer.
za,12 da perenne emergência. A vista de tal tendência, n merário prognosticar que o círculo do Direito Penal dos
mesmo considerando o Direito Penal da terceira velocid se configura como o "mal menor". Mas é evidente que es ga uma revisão permanente e especialmente intensa d pressupostos de regulações dessa índole. Pois bem, em não está se verificando, senão que os Estados, ao contr mente acolhendo comodamente a lógica, que Moccia c
Direito Penal "da normalidade",10 seria certamente o c
"não-Direito", uma pura reação defensiva de fato pera dos". Tratando-se de reações ajustadas ao estritamente n frente a fenômenos excepcionalmente graves, que pos termos de proporcionalidade e que não ofereçam perigo
contexto de emergência. Mas remanesce a questão co Direito Penal do inimigo persiste sendo "Direito" ou se
O "DIREITO PENAL DO INIMIGO"
ito, não deixa de ser digno de nota que algum autor haja manifestado alidade organizada passou adesempenhar em nossas sociedades oci el que durante as décadas dachamada "guerra fria" representou oPacto
qual não imperem os princípios de legalidade ou irretroatividade.
um Direito Penal de inimigos para a criminalidade de Estado ou de
r G. Bemmann, Baden-Baden, 1997, p. 74 e ss, 81 e ss, defende a
males Strafrecht und die Bestrafung staatsverstãrkter Kriminalitàt.
ra exposição de Munoz Conde, Política criminal ydogmáticajurídi a República de Weimar, Doxa, 15-16(1994), p. 1.025 ess, 1.031 ess.
novo, senão, ao contrário,jámuito patente no primeiro terço do século
s-funaãmenMFdãTóHe^^
a os habituais) surgem para enfrentar, na terminologia de Von Liszt,
as medidas de segurança para delinqüentes imputáveis perigosos (em
e absoluta necessidade, subsidiariedade eeficácia,9 em um
itimidade do mesmo. Certamente ela teria que sebasear em
ão parece caber dúvida alguma -, a discussão fundamental
a a existência real de um DireitoPenal de taiscaracterísticas
portar os custos da liberdade de ação.
ade da situação excepcional deconflito, renuncia de modo
a espécie de "Direito de guerra"8 com oqual asociedade,
ento deabordagem defatos "deemergência",7 uma vez que
enal da terceira velocidade não pode manifestar-se senão
ivas e processuais. Porém, em todo caso convém ressaltar
s de prisão concomitantemente a da relativização'das ga
nais de persecução e prova. Daí por que, nesses âmbitos, ta delitiva não somente desestabiliza uma norma em con o ò Direito como tal, se possa discutir a questão do incre
nvivência. Damesma forma, emcasos dessa natureza (cri stado,6 terrorismo, criminalidade organizada) surgem difi
s princípios políticos ou socioeconômicos básicos de nos
cia da "segurança cognitiva mínima" das condutas, njosuns casos uma dimensão adicional, complementar, de ne
, éprovável que oâmbito dos "inimigos", caracterizado até
ito "Penal", em sentido estrito, de inimigos.
osos.5 Isso, ainda que tais medidas se revelassem com fre parência formal de penas. Expresso de outro modo, não
te eficaz. ODireito do inimigo - poder-se-ia conjeturar retudo o Direito das medidas de segurança aplicáveis a
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
SÉRIEAS CIÊNCIAS CRIMINAIS NO SÉCULO XXI Obras publicadas nesta Série
1.
Crimesprevidenciários: apropriação indébita, sonegação,falsidade documental, estelionato, a questãodo prévio exaurimento da via administrativa. Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2001.
2.
Crimes de responsabilidadefiscal: Lei n. 10.028/00: crimes contra asfinan çaspúblicas, crimes de responsabilidadefiscal deprefeitos, legislação na ín-
—
———fe£raf^W0.02*e£eiW//00)rI^ir RT, 2001. •
3. Erro detipo e erro deproibição: erro detipo esuasmodalidades, erro deproibi çãoe suas modalidades, erro de tipo permissivo (CP, art. 20, § }."), evolução da teoria causal-naturalista para a teoriafinalista daação, teorias sobre a culpabi lidade, conceito complexo deculpabilidade. 5.ed. rev., atual, c ampl. Luiz Flávio .
í
Gomes. São Paulo: RT, 2001.
4. Presunção de violência nos crimes sexuais: naturezajurídica da presunção legal deviolência nos crimes sexuais, limites constitucionais daspresunções em Direito
ji;"
]| '
penal, legítimo alcance ereinterpretação constitucional do art. 224 do CP, adis-
f
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|j • • ' . - - . !M_--'•-. pi.:..
IL
! !
linção entre agressão sexual e abuso sexual, a questão doconsentimento (válido)
nos crimes de abuso sexual. Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2001. 5. Norma e bemjurídico no direito Penal: normas penais primárias esecundárias,
normas valorativas e imperativas, introdução ao princípio da ofensividade, lineamemos dateoria constitucional dofatopunível, teoria dobemjurídico-penal, o
-'í
bemjurídico protegido nasfalsidades documentais. Luiz Flávio Gomes. São Pau lo: RT, 2001.
6.
PrincípioTdaofensividade ncfdireiiò~Pèliãl7^ão~hà^crimesem lésãoouperigo concreto delesão ao bemjurídico (Nullum crimen sineiniuria), funções políticocriminal e dogmático-interpretativa, o princípio da ofensividade comolimite do iuspuniendi, o princípio da ofensividade como limite do itispocnale. LuizFlávio Gomes. São Paulo: RT, 2001.
7.
Pressupostos materiais mínimos, da tutela penal.A1 icc Bianchini. São Paulo: RT,
8.
Ju izados criminaisfederais, seusreflexos nosjuizados estaduais e outros estudos: juizadoscriminaisfederais: Lei 10.259/01 e seus reflexos nos Juizados criminais
2001.
estaduais, comentários aos Enunciadosdos Coordenadoresdos Juizados Crimi
nais, têm futuro os juizados especiais criminais?, nova disciplina jurídica da inviolabilidade e das imunidades parlamentares: ECn. 35/01, inviolabilidade dos vereadores c princípio da proporcionalidade, cancelamento da Súmula 394 do STF. Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT. 2002.
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9.
A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL
Conceito e Método da Ciência do Direito Penal: conceito de direito penal, concei to de ciência do direito penal, método da dogmática jurídico-penal, considera ções sobre a cientificidade da dogmáticajurídico-penal. Enrique Gimbemat Ordeig, Tradução de José Carlos Gobbis Pagliuca, Revisão de Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2001.
10. O Direito Penal na era da globalização: hipertrofia irracional (caos normativo), instrumentalização distorcionante, imperatividade, seletividade e simbolismo, excessiva antecipação da tutela penal (prevencionismo), descodificação, disfor-
malização e fúncionalização do Direito criminal (flexibilização das garantias penais, processuais e execucionais), prisionização (explosão cercerária), enfo que crítico do Direito Penal e da legislação criminal brasileira pós-1988. Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini. São Paulo: RT, 2002.
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