O r to n
H. W ile y
A EXCELÊNCIA DA NOVA ALIANÇA em C risto CENTRAL
GOSPEL
C
E x a u st iv o ao s H ebreus
o m e n t á r io
da
C
arta
Copyright 1959 Beacon Hill Press Copyright 2009 por Editora Central Gospel
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) GERÊNCIA EDITORIAL E DE PRODUÇÃO
A excelência da nova aliança em C risto
—
C om entário
exaustivo da Carta aos H ebreus / O rton W iley
Jefferson Magno Costa Titulo original: The E pistle to The H ebrew s
TRADUÇÃO Petrôneo Leone PESQUISA E COPIDESQUE Patrícia Nunan Patrícia Calhau
568 páginas ISBN: 978.85.7689.114-7 1. Bíblia - Comentário I. Título II.
As citações bíblicas utilizadas neste livro foram extraídas das 1* REVISÃO Joseane Cabral REVISÃO FINAL Patrícia Nunan Patrícia Calhau CAPA E PROJETO GRÁFICO Marcos Henrique Barboza DIAGRAMAÇÃO Luiz Felipe Rolim Marcos Henrique Barboza IMPRESSÃO E ACABAMENTO Ediouro
Versões Almeida Revista e Corrigida (a r c ) e Almeida Revista e Atualizada (a r a ), salvo indicação específica, e visam incentivar a leitura das Sagradas Escrituras. Eventualmente, para fins de explicações exegéticas, também foram citados termos e expressões traduzidos de versões inglesas, como a King James (kj), a American Standart Version e a Authorized Version. As duas últimas versões não estão disponíveis em língua portuguesa.
> É proibida a reprodução total ou parcial do texto deste
Iívfo
por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos, fotográficos etc), a não ser em citações breves, com indicação da fonte bibliográfica. Este livro está de acordo com as mudanças propostas pelo novo Acordo Ortográfico, que entra em vigor a partir de janeiro de 2009. 1a edição: março/2008 3a reimpressão: abrit/2013 Editora Central Gospet Ltda Estrada do Guerenguê, 1851 - Taquara Cep: 22713-001 Rio de Janeiro - RJ TEL: (21) 2187-7000 www.editoracentralgospel.com.br
Su m á r io ' D e d ic a tó ria ............. ...............................................................................................1 9 A presentação ............................................................................................................21 A dvertência d o a u t o r ......................................................................................... 2 3 P refácio .....................................................................................................................2 5 I n t r o d u ç ã o ..................................... .......................................................................2 9
Observações gerais..................................................................................31 1. A importância da Epístola aos Hebreus......................................... 31 2. A Epístola fo i dirigida a cristãosjudeus.......................................34 3. A autoria, da Epístola.....................................................................35 4. O idioma original em que a Epístolafo i escrita............................. 36 5. A data da composição............................................. ...................... 37 6. A finalidade da Epístola................................................................ 38 Princípios de interpretação...................................................................... 39 A natureza exortativa da Epístola.............................................................40 C apítulo 1 - A majestade d o F il h o d e D eus .............................................. 4 3
O preâmbulo: Havendo Deus, outrora, falado........................................43 1. A introdução eufònica......................................................... ........45 2. A revelação divina: Deusfalou..................................................... 47 3. O caráter dos mediadores: pelos profetas [...] pelo Filho.................49 4. A natureza das alianças................................................................ 51 5. Dois períodos históricos de revelação..............................................52 6. Dois níveis de experiência cristã.................................................... 53 7. Dois estágios de progresso espiritual...............................................54
O Filho de Deus na Sua glória primeira................................................... 56 1. O significado da palavra Filho...................................................... 57 2. Cristo como Herdeiro de todas as coisas..........................................59 3. O Filho como Criador: Pelo qual também fe z o universo...... ......61 A Porta Formosa do templo.............................................................62 1. O Filho é o resplenãor ou efitlgência da glória do Pai.............. 64 2. O Filho é a expressão exata do Pai na Sua pessoa ou essência.......65 3. O Filho sustenta todas as coisaspela Palavra do Seu poder............. 68 4. O Filho fez a purificação dos pecados...... ...................................... 69 5. Cristo assentou-se à direita da Majestade, nas alturas.....................70 A majestade do Filho de Deus como Mediador.......................................72 O argumento sétuplo do Antigo Testamento........................................... 76 1. O Filho de Deus e a Sua herança....................................................78 2 .0 Filho de Deus e a aliança de D avi...............................................82 3. O Filho de Deus e o Seu segundo advento.......................................83 4.0 Filho de Deus e a majestade do Seu Reino................................. 86 5-0 Filho de Deus e a perpetuidade do Seu Reino............................. 88 6.0 Filho de Deus e a imutabilidade do Seu Reino........................... 91 7.0 Filho de Deus e a consumação triunfal.......................................93 N otas........................................................ .............................................. 97 Capítulo 2 - A humanidade e a humilhação de C risto ........................99 Primeira advertência: contra a negligência.............................................. 100 1 .0 significado do termo negligência................................................101 2. A palavrafalada por anjos............................................................ 102 A grande salvação......................................................................................104 O anúncio da grande salvação.................................................................. 106 A confirmação do evangelho................................................................... 107 A atestação divina da Verdade ................................................................108 A emergência de uma nova humanidade em Cristo................................112 1.0 uso da palavra emergência ou aparecim ento.......................... 112 2. A supremacia de Cristo................................................................ 113 O homem no seu estado original, como Deus o fez................................116
1. Tu ofizeste um pouco menor do que os anjos................................ 116 2. De glória e de honra o coroaste e o constituíste sobre as obras de tuas mãos........................................................................118 3. Todas as coisas sujeitaste debaixo dos seuspés. Ora, desde que lhe sujeitou todas as coisas, nada deixoufora do seu domínio...................118 O homem após a Queda..........................................................................120 Jesus como Representante do novo homem, ou do homem redimido........................................................................... 121 O paralelo entre o homem e Cristo........................ a .............................122 1. Jesus, um pouco menor do que os anjos..........................................123 2. Jesus, coroado de glória e de honra................................................124 Vislumbres da expiaçáo........................................................................... 125 1.Por causa do sofrimento da morte..................................................126 2.
Para que, pela graça de Deus, provasse a mortepor todos.......... 127
O Capitão da nossa salvação.................................................. .................128 A natureza da santificação........................................................................129 1. Aquele que santifica e os santificados vêm de Um só......................130 2. O significado da palavra santificação..........................................131 Cristo não se envergonha de chamar-nos irmãos.................................... 132 A ideia de fraternidade no Antigo Testamento....................................... 133 1. Anunciarei o teu nome a meus irmãos...........................................134 2. Cantar-te-ei louvores no meio da congregação............................... 134 3. E outra vez: Porei nele a minha confiança.................................... 134 4. Eis-me aqui a mim e aosfilhos que Deus me deu.......................... 135 Um misericordioso e fiel Sumo Sacerdote.......................... ....................136 A encarnação de Jesus e a libertação do temor da morte.........................137 1. A necessidade da encarnação........................................................ 137 2. O propósito da encarnação .......................................................... 138 A encarnação de Jesus e a libertação de nossos inimigos..............................140 A encarnação de Jesus e o fortalecimento contra as fraquezas e enfermidades............................................................................ 141 A encarnação de Jesus e a nova ordem de sacerdócio..................................143 1. A descendência de Abraão............................................................ 143
2. Cristo como Sumo Sacerdote.......................................................... 145 3. Cristo como nossa Propiciaçâo ...................................................... 145 4. Cristo e a tentação........................................................................ 148 Notas.........................................................................................................151 Capítulo 3 - 0
apostolado e o sumo sacerdócio de C risto...........
155
O templo espiritual.................................................................................. 156 1. Santos irmãos................................................................................ 157 2. Que participais da vocação celestial..................................... ........157 3. Considerai atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão............................................................................... 158 4. Cristo, nosso Apóstolo.................................................................... 159 5. Cristo, nosso Sumo Sacerdote.........................................................160 A casa de D eus...........................................................................................161 Cristo é superior a Moisés......................................................................... 162 A casa somos nós................................ .................... ............................... 164 Primeira advertência; náo negligenciar a grande salvação....................... 166 Segunda advertência: não endurecer o coração........................................ 169 A voz na casa .................................. ......................................................... 169 1. Se ouvirdes hoje a Sua vo z.............................................................170 2. Não endureçais o vosso coração...................................................... 171 A situação no deserto................................................................................ 172 A provação no deserto.............................................................................. 174 Deus se indignou contra aquela geração incrédula..................................175 1. Assim, jurei na minha ira: Não entrarão no meu descanso............176 Uma exortação e uma advertência............................................................177 1. Perverso coração de incredulidade................................................. 178 2. Exortai-vos mutuamente cada dia..................... ........................... 180 3. A fim de que nenhum de vós seja endurecido..................................181 Participantes de Cristo..............................................................................182 O paralelo e as exortações finais............................................................... 185 Notas........................................................................................................ 187
Capítulo 4 - 0 repouso da fé............................................................... 189 O alvo da obra apostólica de Cristo........................................................190 Terceira advertência: contra a incredulidade...........................................191 1. Temamos, portanto, que, sendo-rtos deixada a promessa de entrar no descanso de Deus.......................................................... 192 2. Suceda parecer que algum de vós tenhafalhado............................193 3. Porque também a nósforam anunciadas as boas-novas, como se deu com eles.......................................................................... 194 4. Mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou........................... 195 5. Nós, porém, que cremos, entramos no descanso..............................196 Os quatro descansos................................................................................ 197 1 .0 descanso da criação....................................................................198 2 .0 descanso do Sábado....................................................................199 3 .0 descanso de Canaã.....................................................................199 4 .0 descanso divino.......................................................................... 201 A natureza do descanso divino.;.............................................................. 202 A indicação de outro dia..........................................................................204 Um repouso para o povo de Deus — a terra..........................................205 A obra redentora de Cristo..................................................................... 207 O descanso redentor em Cristo.............................................................. .208 O cessar das obras — o trono na terra................................................... 210 Uma exortação à diligência..................................................................... 213 A viva e eficaz Palavra de Deus............................................................... 215 1. Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz.....................................216 2. E mais cortante do que qualquer espada de dois gumes.................216 3. Epenetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas.............................................................. ;.............. 216 4. Alma e espírito............................................................................. 217 5. E é apta para discernir ospensamentos e propósitos do coração.........................................................................218 6. E não hã criatura que não seja manifesta na sua presença............219 Trecho de transição..................................................................................221 Temos um grande Sumo Sacerdote........................................................222
A compaixão de Jesus............................................................................... 224 A tentação de Jesus................................................................................... 226 O trono da graça.......................................................................................229 1. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente......................................230 2. A fim de recebermos misericórdia e acharmos graça....................... 232 A exortação final........................................................................................233 N otas.................. ..................................................................................... 235 C apítulo 5 - 0
cargo e a obra do sacerdote..................................... 237
As qualificações e a obra do sacerdote......................................................238 1. Porque todo sumo sacerdote, tomado dentre os homens...................239 2. E constituído afavor dos homens nas coisas concernentes a Deus........................................................................... 239 3- Para oferecer tanto dons como sacrifícios pelospecados................... 240 4. E é capaz de condoer-se dos ignorantes e dos que erram..................240 5. E, por esta causa, deve ele, tanto pelo povo como também por si mesmo................................................................243 6. Ninguém, pois, toma esta honra para si mesmo, senão quando chamado por Deus....................................................... 244 Cristo e a nova ordem do sacerdócio........................................................ 245 1. Assim, também Cristo a si mesmo não se glorificou para se tomar sumo sacerdote..............................................................245 2. Mas o glorificou aquele que lhe disse: Tu és meu Filho,
'
eu hoje te gerei....................................................................................247 3. Como em outro lugar também diz: Tu és sacerdote para sempre........................................................................................ 248 4. O qual, nos dias da sua carne........................................................ 250 5. Tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas.................................................................................251 6. A quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade........................................................ 254 7. Embora sendo Filho.......................................................................257 8. Aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu................................258
9. E, tendo sido aperfeiçoado, tomou-se o Autor da salvação eterna...................... ..........................................259 A salvação eterna.................................................................................... 262 1. Tornou-se o Autor da salvação eterna...........................................263 2. Para todos os que lhe obedecem.................................................... 263 A quarta advertência: contra a indiferença.............................................265 A advertência é dirigida a cristãos............................... .......................... 266 Por que era necessária esta advertência?..................................................266 Crianças ou mestres?...........................................•*.................................267 Inexperientes na Palavra da justiça......................................................... 269 Alimento sólido para os perfeitos........................................................... 270 C apítulo 6 - Perfeição cristá.............................................................273 Os princípios da doutrina de Cristo....................................................... 273 A natureza da perfeição a ser alcançada.................................................. 275 1. A perfeição cristã comopadrão de experiência neotestamentdria............................................................................. 275 2. A perfeição e seus termos escriturísticos..........................................277 3. O aspecto legal da perfeição cristã................................................279 4. As características da perfeição cristã.............................................. 281 4.1. A perfeição cristã é subsequente à regeneração........................... 282 4.2. A perfeição cristã não excluiposterior crescimento ....................282 4.3. Perfeição cristã e graus de maturidade.......................................285 4.4. A perfeição cristã não remove as imperfeições naturais...............285 4.5. A perfeição cristã não suplanta a necessidade da expiação......... 286 A quinta advertência: contra a indolência e o perigo da apostasia......... 286 1. Aqueles que uma vezfiram iluminados....................................... 288 2. Provaram o dom celestial............................................................ 289 3. E, se tomaram participantes do Espírito Santo............................290 4. Provaram a boa Palavra de Deus ............................................... 291 5. E ospoderes do mundo vindouro..................................................292 O perigo da apostasia..............................................................................292 1. A construção gramatical do texto................................................ 293
2. A advertência contra a apostasia extraída do Antigo Testamento.............................................................................295 3. Erros associados a esse texto.............................................................296 4. Uma ilustração com base na natureza...........................................297 5. Palavras de confiança e conforto.................................................... 298 6. Clímax da admoestação contra a indolência..................................299 A Aliança com Abraão...............................................................................300 O juramento de confirmação....................................................................302 1. O propósito do juramento............................................................. 303 As duas coisas imutáveis........................................................................... 304 1. O Refúgio da esperança................................................................. 305 2. A Âncora da alma......................................................................... 306 3■ O Precursor divino........................................................................ 308 C apítulo 7 - 0 fiador de um melhor testamento..............................313
A ordem de Melquisedeque: um sacerdócio eterno.................................313 1.0 evento histórico........................................................................... 314 O salmo profético..................................................................................... 316 A grandeza de Melquisedeque...................................................................318 1. Abraão pagou dízimos a Melquisedeque........................................ 319 2. Melquisedeque abençoou Abraão...................................................319 A superioridade da nova dispensação: um sacerdócio espiritual..............321 1 .0 insucesso da ordem levítica.......................................................... 321 2. A expressão parentética.................................................................. 322 3. A pergunta do autor da Epístola................................................... 322 4. Uma mudança de sacerdócio impõe alteração na Lei.....................326 O surgimento da nova ordem de sacerdócio...........................................327 1. Pois é evidente que nosso Senhorprocedeu de Judá........ ...............327 2. E isto é ainda muito mais evidente, quando, à semelhança de Melquisedeque........................................................ 328 A anulação do mandamento....................................................................330 A esperança superior......................................................................... ......333 1. A esperança objetiva..................................................................... 333
2. A esperança subjetiva................................................................... 334 O Fiador de uma aliança superior: um sacerdócio perpétuo..................334 1. A natureza do juramento..............................................................335 2. O Fiador de superior aliança........................................................ 337 3. A perpetuidade da aliança........................................................... 340 A salvação perfeita: um sacerdócio eficaz.................................................341 Perfeitamente salvos................................................................................ 342 Outro uso da palavra totalmente.............................................................. 343 O poder da intercessão....................................... . t ................................ 344 As características da nova dispensação: um sacerdócio idôneo...............344 1. Cristofo i perfeito quanto ao Seu caráter e à Sua vocação.............345 2. Cristo fo i perfeito como oferta saarificial....................................... 346 3. Cristo e a Sua obra intercessória perfeita......................................347 N otas....................................................................................................... 349 C apítulo 8 - 0 m inistério superior da nova aliança ..................__ 3 5 1
A transição............................................................................................... 351 1. Ora, o essencial das coisas que temos dito é que possuímos tal sumo sacerdote............................................................. 352 2. Que se assentou à destra do trono..................................................353
3■ 0 trono da Majestade nos céus............ ..............................................1......... 3 Um Ministro do santuário.......................................................................355 1. 0 sumo sacerdote e sua oferta.......................................................356 2. 0 santuário celestial.................... ................................................. 357 3. 0 original e a sombra...................................................................357 4. Uma apologética cristã................................................................. 358 O Mediador de uma aliança melhor.......................................................359 1. Cristo como o Mediador de superior aliança..................................359 2. As superiores promessas.................................................................. 361 3. 0 insucesso da primeira aliança...................................................362 4. 0 oráculo do Antigo Testamento e a nova aliança........................ 363 5. Comparação entre antiga e nova alianças.....................................364 As provisões da nova aliança....................................................................366
1. A bênção central da aliança............................................................367 2. A bênção suprema da aliança......................................................... 368 3. A bênção inicial da aliança............................................................369 4. A conclusão do capítulo................................................................. 370 C apítulo 9 - 0
grande capítulo da expiação-------........................ 373
A primeira aliança: as ordenanças e o santuário........................................374 O santuário ou Santo Lugar......................................................................375 O Santíssimo ou Santo dos Santos............................................................ 379 A arca da aliança......................................................................................... 381 O conteúdo da arca da aliança.................. ................................................382 1. Dessas coisas, todavia, nãofalaremos, agora....................................383 O sacerdócio levítíco e a sua ineficácia......................................................384 O acesso ao Santo dos Santos era velado na primeira aliança...................385 A parábola e a reforma...............................................................................386 O ministério mais excelente.......................................................................387 1. Qual a essência do sacerdócio de Cristo?......................................... 387 2. Qual o santuário em que Cristo opera como Sacerdote? .................389 3. Que se entendepelos bensj á realizad os ou bensfuturos?............391 A oferta sacrificial de Cristo.......................................................................392 O sangue da expiação................................................................................ 392 O sacerdócio e o sangue............................................................................. 393 1. [Cristo] pelo seu próprio sangue entrou no Santo dos Santos........394 A eficácia do sangue de Cristo como expiação........................................ 395 . 1. Muito mais o sangue de Cristo........................................................ 396 2. Que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus............................................................................. 397 3. Para servirmos ao Deus vivo........................................................... 398 A purificação da consciência......................................................................400 O sangue da nova aliança.......................................................................... 401 O Mediador do Novo Testamento........................................................... 401 Aliança ou testamento............................................................................. 403 A primeira aliança foi ratificada com sangue.......................................... 405
1. Pelo que nem a primeira aliançafo i sancionada sem sangue............................................... :.....................................405 2. Porque, havendo Moisés proclamado todos os mandamentos.......................................................................... ....406 3. Igualmente também aspergiu com sangue o tabemáculo e todos os utensílios.......................................................................... 406 4. Sem derramamento de sangue, não hd remissão.......................... 406 O sangue da purificação....................................................................... 408 A purificação dos céus.......................................................................... 408 A entrada de Cristo no céu por nós..................................................... 410 A Oferta de uma vez por todas............................................................411 A morte e o juízo..................................................................................412 A segunda vinda de Cristo...................................................... ............ 413 Notas..................................................................................................... 416 C apítulo 10 - A nova aliança e
o vivo caminho ...............___ ...... 417
A Lei como sombra........................................... ....................................418 Os dois sacrifícios comparados..............................................................420 A perfeita vontade de Deus.................................................................. 422 A santificação como vontade de D e u s .............................................426 A exaltação e a consumada expiação de Cristo.................................... 427 1. Os levitas eram sacerdotes “depé”..............................................427 2. Cristo como Sacerdote assentado................................................. 428 3. O triunfo total de Cristo............................................................428 4. Santificação e perfeição............................................:..................429 A reafirmação da nova aliança................................................................ 435 Diz o Espírito Santo...............................................................................436 Os dois tratamentos da nova aliança......................................................437 O Santo dos Santos................................ ............................................. 439 A exortação............................................................................................ 440 O Santo dos Santos na experiência cristã............................................. 441 O novo e vivo caminho........................................................................ 442 l.Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou.......................... 442
2.Pelo véu, isto é, pela sua carne........................................................443 Um grande Sacerdote sobre a casa de Deus.............................................444 A exortação para aproximarmo-nos................... ......................................446 1. As condições subjetivas...................................................................446 2. Os estados objetivos preliminares...... ............................................ 447 A vida santa.............................................................................................. 449 Exortação à firmeza..................................................................................450 O cultivo da consideração....................................................................... 451 Exortação ao culto coletivo...................................................................... 451 Exortação ao auxílio mútuo....................................................................452 A sexta advertência: contra o pecar voluntariamente.............................453 Estudo crítico das palavras do texto.......................................................454 A expectativa dos adversários....................................................... ;......... 455 Uma ilustração da Lei Mosaica.............................................................. 456 Os três pecados dos apóstatas................................................................. 457 1. Calcou aos pés o Filho de Deus..................................................... 457 2. Profanou o sangue da aliança com o qualfoi santificado.............. 457 3. Ultrajou o Espírito da graça..........................................................458 A certeza do castigo.................................................................................. 458 Palavras de consolação.......................... .................................................459 1. Um convite à recordação..............................................................460 2. Exortação à perseverança da f é ......................................................461 Os versículos de transição...................................................................... 462 N otas......................................................................................................463 Capítulo 11 - Os heróis da fé.............................................................465 A natureza da fé........................................................................................ 466 O texto como descrição da fé...................................................................468 O texto como definição da fé...................................................................469 A esfera da fé............................................................................................ 473 As testemunhas da fé ............................................................................. 476 A fé de Abel.............................................................................................477 a
A fédeEnoque........................................................................................479
A fé de N oé........................................................................................... 480 A fé de Abraão....................................................................................... 482 1. O chamado de Abraão representa a obediência da fé ..................482 2. A permanência de Abraão em Canaã representa a paciência da fé .............................................................................483 3. Abraão e o herdeiro prometido.................................................... 484 4. Abraão e a entrega de Isaque em sacrifício.................................. 485 A fé de Isaque, Jacó e José..................................................................... 486 1. Pelafé, igualmente Isaque abençoou a JacáPe a Esaú...................487 2. Pelafé, Jacó.................................................................................488 3■ PelaJe, José................................................................................. 488 A fé de Moisés....................................................................................... 489 1. Pelafé, Moisés, já nascido...........................................................489 2. Pelafé, Moisés, sendojá grande.................................................. 490 3. Pelafé, deixou o Egito................................................................. 491 4. Pelafé, celebrou a Páscoa e a aspersão do sangue......................... 491 5. Pela fé, passaram o mar Vermelho.............................................. 492 A fé da conquista....................................................................................493 A fé de Raabe............................................................................ ............ 494 O poder da fé.........................................................................................494 A fé da realização................................................................................... 495 A fé da paciência.....................................................................................496 A recompensa da fé.................................................................................498 1. Por haver Deus provido coisa superiora nosso respeito................ 499 2. Para que eles, sem nós, nãofossem aperfeiçoados.....:....................500 N otas......................................................................................................502 C apítulo 12 - A nuvem de testemunhas.............................................503
A nuvem de testemunhas....................................................................... 504 A corrida cristã....................................................................................... 505 Olhando para Jesus.................................................................................508 1. Considerai aquele.......................................................................510 A santidade em relação à experiência pessoal.........................................511
A natureza da disciplina cristã.................................................................. 512 1. Filho meu, não desprezes a correção do Senhor..................... 513 2. E não desmaies quando, por ele, fores repreendido................ 513 A necessidade da correção........................................................................ 514 A índole da disciplina cristã..................................................................... 515 1. E, na verdade, toda correção, ao presente, não parece ser de gozo.........................................................................516 2. Portanto, tomai a levantar as mãos cansadas e osjoelhos desconjuntados................................................................... 516 A santidade em relação à Igreja................................................................517 A santificação como princípio conservador da Igreja..............................518 A necessidade de pureza na Igreja............................................................519 O perigo do lugar-comum....................................................................... 520 O contraste final entre as duas dispensações............................................522 A dispensaçáo do Antigo Testamento..................................................... 523 1. Porque não chegastes ao monte palpável....................................... 523 2. Aceso em fogo.................................................................................524 3. E à escuridão.................................................................................524 4. E às trevas..................................................................................... 525 5- E à tempestade.............................................................................. 525 6. E ao sonido da trombeta...............................................................525 7. E à voz daspalavras...................................................................... 525 A dispensaçáo neotestamentária...............................................................526 1. Mas chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial.......................................................................... 527 2. E aos muitos milhares de anjos, à universal assembléia e igreja dos primogênitos....................................................................528 3. A universal assembléia e igreja dosprimogênitos, que estão inscritos nos céus.................................................................529 4. E a Deus, oJuiz de todos...............................................................530 5. E aos espíritos dosjustos aperfeiçoados........................................... 530 A sétima e última advertência..................................................................531 Palavras de admoestação......................................................................... 531
A advertência contra a apostasia..............................................................532 O Dia do Juízo............................................. •:......................................,.532 O Reino inabalável e o fogo consumidor............................................... 535 Capítulo 13 — Fora do arraial___ ..............
............................... 537
Princípios éticos gerais.............................................................................538 1. Amorfraternal............................................................................538 2. Hospitalidade............................................................................... 538 3. Solidariedade na aflição........................... *................................538 4. Castidade................................................................................... ..539 5. A cobiça versus o contentamento...................................................540 6. Considerai os vossos mestres............................................................541 7. Jesus Cristo imutável......................................“............................ 542 8. Doutrinas várias e estranhas............................ ............................ 543 9. O coração confirmado.................................................................. 544 10. Possuímos um altar...... ..............................................................545 O propósito supremo do sacrifício de Cristo.......................................... 546 A obra suprema da santificação............................................................... 547 Fora do arraial..........................................................................................551 A cidade que tem fundamentos..............................................................552 Deveres religiosos..................................................................................«.553 1. O sacrifício de louvor................................................................... 553 2. O sacrifício de beneficência........................................................... 555 3. O sacrifício da obediência............................................................ 556 4. O sacrificio da oração.................................................................. 557 A bênção................................................................................... ..............559 1. Ora, o Deus da paz..........................................................:........... 559 2. Que tomou a trazer dentre os mortos a Jesus,nosso Senhor........... 560 3. O grande Pastor das ovelhas.........................................................560 4. Pelo sangue da eterna aliança....................................................... 560 5. Vos aperfeiçoe em todo o bem,para cumprirdes a sua vontade........ 561 6. Operando em vós o que é agradável diante dele............................. 561 7. PorJesus Cristo.............................................................................562
8. A quem seja a glória para todo o sempre........................................562 9. Amém........................................................................................... 562 Os pós-escritos......................................................................................... 562 1. Rogo-vos, porém, irmãos, que suporteis a palavra desta exortação................................................................... 563 2. Sabei que já está solto o irmão Timóteo.........................................563 Notas........................................................................................................564 Bibliografia................................................................................................565
D e d ic a t ó r ia
D
edico este livro, com sincera gratidão, ao Dr. A. E. Sanner, que tornou possível a minha primeira exposição desta Epístola, a partir da qual se desenvolveu o presente estudo
A
p r e se n t a ç ã o
Pensando no crescimento espiritual, intelectual e acadêmico dos leitores è pesquisadores brasileiros, a Editora Central Gospel tem o privilégio de apresentar aos leitores de língua portuguesa este exaustivo comentário da Epístola aos Hebreus, publicado original mente pela Beacon Hill Press, em 1959, com o título IheEpistle tolhe Hebrews. Os comentários do autor são enriquecidos com esclarecimentos de respeitados comentaristas de Hebreus — entre os quais Calvino, Wesley, Westcott, Ebrard, Stuart e Lange. Orton Wiley, fazendo uso da exegese e da hermenêutica bíblica, analisa o texto original em grego da Epístola, e comenta o significado de inúmeros termos e elementos simbólicos do Antigo Testamento, reinterpretados à luz da nova aliança em Cristo, assi nalando que a chave para a compreensão dessa carta neotestamentária se encontra não no simbolismo do antigo tabernáculo, como antes se supu sera, mas em uma nova ordem do sacerdócio em Cristo. Nesta obra inspirada, em que a Epístola aos Hebreus é analisada versículo por versículo, a pessoa e o sacerdócio de Cristo são ressaltados e analisados como as colunas centrais da verdade cristã. Jesus não é;^
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ApffiSEHTAÇÀO
mostrado apenas como o Líder e Autor da salvação, o Messias e Mestre mais sábio e mais piedoso entre os homens. E retratado como o divino Filho de Deus, o Sumo Sacerdote sem pecado, eterno e de uma ordem superior que se ofereceu como a oferta perfeita pela expiaçáo do pecado, o resgate e a salvação do homem, abrindo o caminho para a nova humani dade, da qual Ele foi o Primogênito. Cristo está à destra da Majestade, de onde intercede por nós em consonância com o Espírito Santo que conce deu a todos os que o Pai lhe deu, podendo levá-los à perfeição. A despeito da erudição e do formato acadêmico, nesta atual edi ção deste comentário, procuramos tornar o texto mais claro, direto e arejado; inserimos notas explicativas, a fim de auxiliar os leitores co muns; e incluímos uma bibliografia para permitir um vislumbre melhor das obras utilizadas pelo autor em sua pesquisa. É uma leitura indispensável para pregadores, pastores, evangelis tas, professores, seminaristas e estudiosos que desejam aprofundar-se nas Escrituras Sagradas e fundamentar sua fé em Cristo, nosso Salvador, Líder e Sumo Sacerdote eterno!
— Os editores
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A
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d v e r t ê n c ia d o a u t o r
ste comentário da Epístola aos Hebreus teve sua origem em uma nova iluminação espiritual quanto à natureza do sacerdócio de Cristo, segundo a ordem de Melquisedeque, e quanto à relação da nova aliança com a obra intercessória de Cristo, o Filho de Deus. Verifiquei que a chave para a compreensão desta Epístola se acha não no simbolismo do antigo tabernáculo, como antes supusera, mas em uma nova ordem do sacerdócio em Cristo. Minha primeira tentativa de exposição da Epístola foi no antigo acampamento Weiser, no Estado de Idaho, sob a supervisão do Dr. A. E. Sanner. Quando fui comissionado a preparar o manuscrito que deveria interpretar esta Epístola, para leitura geral e como livro de consulta para estudantes, meu primeiro pensamento foi fazer uma análise do simbolismo do Antigo Testamento. Mas o estudo desse simbolismo, que constitui grande parte do alicerce do texto da Epístola, logo se tomou vasto demais para o espaço que me era concedido, e abandonei o projeto. Portanto, a obra é meramente uma interpretação da Epístola do ponto de vista do padrão bíblico de experiência cristã, reduzidas a um mínimo as notas documentais.
Gamo meus principais auxiliares na preparação, reconheço a contri buição dos grandes comentários críticos de Westcott, Sampson, Vaughan, Lenski, Robertson, 'Whedon, Clarke, Calvino, Cowles, Ebrard, Chadwick, Lindsay, Lowrie, Stuart e Lange. E sou grato ao Dr. Ross E. Price e ao Dr. Joseph H. Mayfield pela assistência que me foi dada no uso das formas gregas; ambos são autoridades neste campo. Também foram consultadas as seguintes obras: Entire sanctification, de William Jones; The twofold life, de A. J. Gordon; The holiest o f ali, de Murray; The tvay into the holiest, de Meyer; The rest offaith, de Isaac M. See; Arminian magazine, de Wesley; Purity and maturity, de J. A. Wood; Compendium o f Christian Theology, de Pope, e Systematic Theology, de Miley. Sou profundamente grato ao Rev. Norman R. Oke, editor do livro, pela preparação do prefácio e pela assistência na preparação do manuscrito, e à senhorita Louise Hoffman, que datilografou e preparou o índice. Aos editores, estendo os meus agradecimentos pela esplêndida apresentação deste trabalho ao público, e minha oração é que ele seja uma bênção espiritual para muitos. H. Orton W Pasadena, Califórnia
P r e f á c io
nr
■ odo peregrino — se quiser chegar ao seu destino — deve . A . estar com os olhos sempre postos na distante porta que é seu alvo, não esquecendo, porém, o cajado bom e forte, que o ajuda a subir o monte. Existe a glória do alvo, mas existe também o mérito dos meios pelos quais o atingimos. Ambos devem estar em mente e serão fortalecidos por uma leitura completa deste livro. A pessoa de Cristo e o sacerdócio de Cristo são as colunas centrais de nossa cidadela da verdade cristã. Em Sua pessoa, Jesus não é apenas um entre muitos, nem mesmo um líder mais sábio e mais piedoso. De todos os que palmilharam as estradas da terra — que isto fique claro —, só Ele foi Deus. É o que Orton Wiley proclama neste livro. E o sacerdócio de Cristo também é um princípio fundamental na estrutura de nossa fé. Ele foi o Sacerdote superior, eterno, o único Sacerdote sem pecado. Sim, encontramos a certeza do céu, afinal, tão-somente por causa de Sua obra intercessória. O apóstolo Paulo sentiu o pleno impacto desta verdade e as manifestou-se francamente ao escrever aos Romanos:
Quem os condenará? Pois é Cristo quem morreu ou, antes, quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós. Romanos 8.34 Esta verdade o arrebatava, e suas sentenças, cuidadosamente construídas, irrompiam em um cortejo de louvores: Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a an gústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor! Romanos 8.35,38,39 E esta clássica explosão de entusiasmo do coração apaixonado de Paulo se deu depois que ele teve uma nova visão do sumo sacerdó cio de Cristo. É um privilégio recomendar este livro aos cristãos em toda a parte. Cristo irá tornar-se ainda mais precioso; o Seu sacerdócio será elevado ainda mais e irá colocar-nos de joelhos. Quando H. Orton Wiley publicou a sua Teohgia cristã em três volumes, garantiu para si a reputação de um dos mais proeminentes teólogos no mundo do cristianismo conservador. Agora, ao dar-nos este tratado completo sobre Hebreus, sua erudição se focaliza sobre o campo da exposição bíblica. Por vezes, seremos obrigados a fazer um esforço maior de con centração, pois o autor é muito profundo em suas análises, o que ga rante densidade ao seu texto. Ficaremos emocionados ao galgarmos picos de montanhas da verdade divina, contemplando paisagens jamais sonhadas, e pode ser
que nos envergonhemos um tanto ao ver descritos os dignos heróis de outrora, que sofreram sem lamentações. ' Por essa razão, insisto: leiamos o livro! Quando o tivermos terminado, veremos que nos transformamos para melhor. Talvez nos sintamos envergonhados por descobrirmos tanta coisa que recebe o rótulo de cristã na vida moderna [não o sendo], mas nos sentiremos profundamente orgulhosos de Jesus Cristo. *
Norman R. Oke
Intro dução
Epístola aos Hebreus é um comentário divinamente ins pirado sobre o Antigo Testamento e trata, em especial, do Pentateuco e dos Salmos. Nessa carta, o autor interpre cado da viagem pelo deserto, do tabernáculo e de várias ofe ços no culto israelita no Antigo Testamento à luz de Cristo. A Epístola aos Hebreus inicia-se, entretanto, náo pela história contada no capítulo 12 de Êxodo [a instituição da Páscoa], mas a partir do capítulo 24 [a instituição da Lei]. Ela náo aborda a Páscoa, porque se dirige a um povo redimido; é endereçada aos irmãçs santos, partici pantes da vocação celestial (Hb 3.1). Náo explora a saída de Israel do Egito, e sim o que significa a introdução israelita na terra da promessa. Se houver qualquer dúvida quanto a isso, há de dissolver-se com a declaração de Paulo:
A
Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem; e todospassaram pelo mar, e todosforam batizados em Moisés, na nuvem e no mar, e todos comeram de um
mesmo manjar espiritual, e beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo. 1 Coríntios 10.1-4 Por conta disso, torna-se evidente que o povo daqueles dias tinha alguma relação espiritual com Cristo, e tal fato é ainda confirma do pela eficácia daquela fé que caracterizou os patriarcas mencionados no capítulo 11 de Hebreus. O simbolismo usado nesta Epístola não se aplica fundamentalmente ao que chamamos conversão, pois não é dirigida a pessoas nãoconvertidas, pecadoras, admoestando-as a aceitar o perdão pela fé em Cristo, mas àquelas que já são cristãs. Trata o segundo estágio crítico na obra da salvação: a entrada dos filhos de Deus na plenitude da nova aliança. Esta aliança, que é duas vezes descrita na Epístola, compreende: 1. A Lei de Deus escrita na mente e no coração do Seu povo — cora ção tão transformado que é levado à perfeita harmonia com a vontade de Deus. 2. A remissão dos pecados, que inclui não apenas o perdão das transgressões reais, mas a purificação do pecado inato ou da mente carnal — purificação de todo o pecado. 3. A exaltação a Deus como o único e supremo objeto de culto e ado ração, sendo o coração [humano] tão purificado que suas afeições se inclinam para as coisas do alto; sua vontade se torna sempre obediente à de Deus, e sua mente, a mente de Cristo (1 Co 2.16). A Epístola aos Hebreus é singular, pois principia sem as sau dações de costume, sem o nome do autor e das igrejas às quais ela é dirigida. Esse feto cria muitos problemas, mas estes pertencem espe cialmente ao campo da análise neotestamentária. Visto que a nossa atenção irá concentrar-se em uma série de estudos exegéticos e exortativos na própria Epístola, será suficiente
aqui fazer apenas algumas observações gerais a seu respeito, acres centando-lhes uma exposição geral dos nossos princípios básicos de interpretação. O bservações gerais
1. A importância da Epístola aos Hebreus Disse o Dr. Adam Clarke:
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A---------------
Sem sombra de dúvida, a Epístola aos Hebreus é o mais impor tante e útil de todos os escritos apostólicos. Todas as doutrinas do Evangelho nela estão incorporadas, ilustradas e impostas como Lei de maneira mais lúcida, por alusão e exemplos, os mais impressionantes e ilustres, e, por argumentos, os mais convincentes. E um epítome das dispensações de Deus aos homens, desde a fundação do mundo até o advento de Cristo. Náo é somente a súmula do Evangelho, mas súmu la e complemento da Lei, da qual é também o mais belo e brilhante comentário. Sem esta, a Lei de Moisés náo teria sido jamais compre endida na íntegra, nem os desígnios de Deus ao entregá-la. Com esta, tudo se torna claro e simples, e os caminhos de Deus com os homens, coerentes e harmoniosos. Parece que o autor tomou certa porção de uma de suas próprias Epístolas como teto: “Cristo é o cumprimento da Lei para justiça daqueles que crêem” [cf. Romanos 10.4, na versão Revista e Corri gida: Porque o fim da Lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê] e demonstrou sua proposição da maneira mais ampla e admirável. Todos os ritos, cerimônias e sacrifícios da Lei Mosaica, demonstra ele, tiveram Cristo por seu objeto e finalidade; não tiveram intenção nem significado, senão com referência a Ele; sem Ele, como sistema, náo têm fundamento; como Lei, são destituídos de razão; e seus decretos são impossíveis e absurdos se tomados fora desta referência e conexão [Cristo].
Nunca as premissas foram mais claramente expressas; jamais foi um argumento tratado de modo mais magistral, e a conclusão apre sentada, mais legítima e satisfatoriamente. O assunto, do princípio ao fim, é o mais cativante e persuasivo, e a linguagem é a que se adapta, da maneira mais bela, ao todo; a cada passo apropriada, sempre vigorosa e energética; possui a dignidade do seu assunto; é pura e elegante como a dos autores gregos mais esmera dos; tem a harmonia e a diversidade da música das esferas [superiores]. Tantas são as belezas, tão grande a excelência, tão instrutiva a matéria, tão agradável a maneira e tão sumamente interessante o todo, que a obra pode ser lida cem vezes sem denunciar monotonia^ e sempre com acréscimo de informações a cada nova leitura. Essa última qualidade pertence ao todo da revelação de Deus, mas a nenhuma parte dela de modo tão peculiar e supereminente como à Epístola aos Hebreus. (C larke, Preface to the Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 701) ---- r
O quanto é verdadeira e bela a apreciação acima desta Epístola só podem saber os que passaram anos no seu estudo náo apenas nas traduções para suas próprias línguas, mas na força, na riqueza e na vivacidade do original grego. Observou também o Dr. Clarke: Para explicar e ilustrar esta Epístola, multidões labutaram e demons traram muita operosidade, muita erudição e piedade. Também eu darei minha opinião e pode ser que dez mil me sucedam e ainda descubram coisas novas. Que foi escrita para os judeus, que o eram por natureza, a estrutura toda da Epístola o prova. Se fora escrita paia os gentios, nem apenas um entre dez mil deles poderia ter compreendido o argumento, porque não são familiarizados com o sistema judaico; conhecimento que o autor da Epístola a cada passo deixa perceber. Aquele que está familiarizado com a Lei Mosaica entrega-se ao estudo desta Epístola com dupla vantagem, e é mais provável que aquele que
conhece as tradições dos anciãos e as ilustrações mishnaicas da Lei escrita e da pretensa Lei oral dos judeus penetre e assimile as intenções do apóstolo. Ninguém adotou método mais apropriado para explicar a sua fra seologia do que Schoetgen, que atribuiu o seu estilo peculiar a fontes judaicas. Segundo ele, a proposição da Epístola é esta: Jesus de Nazaré é o verdadeiro Deus, e, a fim de convencer os judeus da verdade desta proposição, o autor usa apenas três argumentos: (1) Cristo é superior aos anjos;
(2)
Ele é superior a Moisés;
(3)
é superior a Arão.
(C larke ,
Preface to the Commentary Epistle to the Hebrews, IV, p. 701) ---- r
Prosseguindo na análise da importância da Epístola aos Hebreus, escritores mais modernos produziram muitas obras em seu louvor, tanto no que se refere à forma quanto ao conteúdo. Em Lectures on the Epistle to the Hebrews, Lindsay disse: j ------A Epístola aos Hebreus é um dos livros mais importantes do Novo Testamento. Contém exposição minuciosa de algumas das principais doutrinas do cristianismo; o plano é construído com grande beleza e exatidão lógica, e está escrita em um grego superior a qualquer outro livro do volume sagrado, (p. 1)
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Talvez uma das melhores apreciações da Epístola seja a de John Owen, que disse: j -----Verifiquei que a beleza da carta era tal, a profundeza dos mistérios nela contida tão grande, o âmbito da verdade afirmada, desenvolvida e explanada tão amplo e tão difuso em todo o conjunto da religião cristã, a utilidade das discussões nela contidas tão importante e tão indispensável, que logo me senti grato porque a sabedoria, a graça e verdade guardadas neste depósito sagrado estão longe de ser exauridas pelos esforços de todos os que precederam. Tão longe pareciam essas verdades de serem perfeitamente ilumi nadas por eles, que me certifiquei de que havia terreno suficiente, não
apenas paia renovada investigação de rico m inério nesta m ina para a geração presente, mas para todas as que se sucederam até a consum ação dos séculos. (O w en , An exposition ofthe EpistU to the Hebretus)
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Como afirmamos anteriormente, estas opiniões acerca da Epístola náo parecerão ilusórias ou exageradas ao estudioso paciente e atento.
2. A Epístolafoi dirigida a cristãosjudeus Embora se tenham adotado várias opiniões quanto aos destina tários da Epístola, náo pode haver dúvida quanto a ter sido originalmente escrita para os cristãos judeus. Mas a questão é: a quais deles? Alguns julgaram que ela foi escrita aos cristãos judeus em geral, mas pós-escritos — como os que denotam o conhecimento do autor sobre Timóteo ter sido posto em liberdade e a intenção do autor de visitá-lo (Hb 13.23) — indicam que a Epístola foi endereçada a uma comunidade local; talvez na Ásia Menor, ou na Galácia, em Corinto, na Tessalônica, na Espanha, em Roma, na Antioquia, em Alexandria ou na Palestina. O uso do método alegórico e espiritualizante aplicado ao Antigo Testamento tem levado à suposição de que a Epístola aos Hebreus foi dirigida a uma grande comunidade judaica de Alexandria. A teoria mais antiga e mais comumente aceita é a de que os destinatários seriam os judeus palestinos, especialmente a Igreja em Jerusalém. A evidência interna parece favorecer esta opinião, principal mente por náo aludir a perigo algum pelo contato com o paganismo. Outra evidência se encontra no fato de que havia milhares de judeus palestinos que criam na Lei e eram zelosos dela (Atos 21.20). Estes estavam em constante perigo de serem novamente colocados sob o jugo do culto ritual mantido no templo e, com toda probabilidade, não tinham compreendido, até então, que a aceitação do cristianismo significava o fim dos sacrifícios levíticos. E ainda mais, uma carta dirigida
à Igreja em Jerusalém proporcionaria uma circulação mais ampla da Epístola, pois os judeus dispersos se mantinham em íntimo contato com Jerusalém, sua cidade sede, isto é, sua verdadeira capital.
3. A autoria da Epístola A sua autoria tem sido grandemente discutida desde os tempos remotos. Tertuliano a atribuiu a Barnabé; Clemente de Alexandria a atribuiu, em parte, pelo menos, a Lucas. Ele achava que Paulo era o autor, e Lucas, o tradutor. Lutero estava entre os que a atribuíam a Apoio, que era poderoso nas Escrituras (At 18. 22-28; 1 Co 1.12, 3.4, 3.6, 16.12; T t 3-13). Outros ainda atribuíram a autoria dela a Silvano ou Áquila, ao passo que o Dr. Robinson achava que foi obra de algum outro autor, que não os escritores conhecidos do Novo Testamento. A Igreja no Oriente universalmente aceitou a Epístola como sendo de Paulo; e, na Igreja Latina, foi geralmente recebida como paulina até o fim do século 2. Em alguns dos catálogos e manuscritos antigos, tais como o Código de Alexandria, do Vaticano, de Efraemi e outros, a Epístola aos Hebreus se encontra imediatamente após 2 Tessalonicenses, entre as Epístolas paulinas. Isto deu origem, no início do século 2, à teoria de que Gálatas foi escrita para os gentios, e Hebreus, para os judeus da mesma região. Assim, a principal seria a Epístola aos Gálatas, e a Epístola aos Hebreus, um anexo. Eusébio, citando Clemente, afirmou que a razão pela qual Paulo náo subscreveu seu nome na Epístola aos Hebreus teria sido o fato de ser o apóstolo dos gentios, e não dos judeus. Mas, provavelmente, a maioria dos eruditos concorda com Orígenes, que disse, no século 3: “Quanto ao autor da Epístola, só Deus sabe a verdade”. Disse o bispo Chadwick: j -----Náo obstante, é obra de algum membro da Escola Paulina. As semelhanças com o seu estilo são notáveis e só se podem reconciliar
com as diferenças notáveis se acreditarmos que foi o escrito de um discípulo que entesourava com amor o pensamento de seu mestre e, às vezes, até reproduzia suas expressões, ao passo que sua individualidade permanecia intacta. E isto é a um tempo edificante e interessante. Vemos as grandes convicções pelas quais o apóstolo vivia, a encar nação, a expiação, a intercessão de nosso Senhor, a fé, a justificação e o julgamento, influenciando outra mente, assumindo outra forma e cor, expressando-se de outra maneira, encontrando seu apoio no Antigo Testamento e, contudo, permanecendo a mesma. É um óti mo exemplo de quanta diferença de expressão, quanta originalidade e independência são compatíveis com o amor e a fidelidade ao mesmo Evangelho. (C hadwick, The Epistle to the Hebrews, p. 1,2) ---- r
4. O idioma original em que a Epístolafoi escrita Existem duas opiniões gerais quanto à língua em que esta Epístola foi escrita em um primeiro momento. Acredita-se que foi original mente: (1) escrita ou ditada em hebraico e, depois, traduzida para o grego; e (2) escrita em grego, tal como ela se apresenta hoje. Os estudiosos da antiguidade adotavam o primeiro ponto de vista; os modernos se inclinam para o segundo. Como no caso da Epístola aos Romanos, que foi escrita em grego, provavelmente o autor [da Epístola aos Hebreus] julgou que melhor serviria ao uso comum se ela fosse escrita em grego, se bem que dirigida aos judeus. Aqueles que acham que foi originalmente escrita em grego apresentam os seguintes argumentos: 1. Não tem a rigidez de uma tradução; 2. Invariavelmente, cita a Septuaginta, o que não seria provável se escrita em hebraico; e 3. Em alguns casos, traduz as palavras hebraicas. A Epístola em grego entrou cedo em circulação, e não existem provas de que tenha havido um original hebraico — o que se infere para explicar as supostas diferenças de estilo das outras Epístolas paulinas.
Ao proceder ao estudo do idioma original, é importante dedicar atenção também ao vocabulário', ao estilo e às imagens usadas na Epístola. W estcott afirma que a Epístola, em sua lin guagem, quanto ao vocabulário e estilo, é mais pura e vigorosa do que qualquer outro livro do Novo Testamento: (1) o estilo, ainda mais que o vocabulário, é característico de um erudito experimentado; (2) o vocabulário é singularmente copioso e inclui numerosas pa lavras náo-encontradas em outra parte dos escritos apostólicos e algumas que não são citadas de outras fontes4ndependentes; (3) o simbolismo da Epístola é extraído de muitas fontes. Algumas das imagens, tratadas mais ou menos em detalhe, são singularmente vividas e expressivas.
5. A data da composição É evidente que a Epístola aos Hebreus foi escrita antes da destruição de Jerusalém, se foi escrita ou ditada por Paulo, pois o apóstolo morrera antes dessa data. Isto se evidencia também em certos textos (Hb 9.9; 13.10), bem como em todo o escopo da Epístola, o qual implica que o templo ainda subsistia, e o seu culto era mantido. Todavia, não pode ter sido escrita muitos anos antes desse tempo, pois havia aqueles que há muito eram cristãos (Hb 5.12), e pode-se também inferir, pelo capítulo 13, versículo 7, que os seus primeiros mestres estavam já mortos. A calamidade iminente, pela queda de Jerusalém, parece estar indicada nas palavras: E tanto mais quanto vedes que se vai aproximando aquele Dia (Hb 10.25d). Porque ainda um poucochinho de tempo, e o que há de vir virá e não tardará (v. 37). A data provável da redação é situada entre os anos 64 e 67 d.C., quando começou a guerra na Judéia e, mais provavelmente, pouco antes da destruição de Jerusalém [pelos romanos, em 70 d.C.]. Este último evento assinalou, em sentido peculiar, o término da antiga
dispensação; os cristãos o consideraram como o julgamento final de Deus e o sinal da vinda do Senhor.
6. A finalidade da Epístola Como se afirma em geral, o propósito da Epístola aos Hebreus é firmar os cristãos judeus em sua fé e protegê-los contra um retomo apóstata ao judaísmo. Sampson, em seu Commentary, observou que eles estavam particu larmente expostos a este perigo e que isto chegou ao seu conhecimento: 1. Pelos antigos preconceitos e pela sua educação anterior — o juda ísmo fora a religião de seus pais desde gerações imemoriais; 2. Pelo esplendor das cerimônias do templo, que apelavam aos sentidos e que os inimigos asseveravam estar em esplêndido contraste com a simplicidade nua do culto cristão; 3. Pela influência das relações sociais: os parentes, vizinhos, amigos e patrícios eram judeus; 4. Pelo ódio devotado à cruz. [A religião cristã] não poderia ser rival do judaísmo, como pedra de tropeço; 5. Pelas perseguições, as quais, embora não trouxessem a morte, eram severas. O propósito do autor [da Epístola aos Hebreus] é levado a termo por uma revelação da verdadeira natureza do cristianismo, que ele apresenta como a religião final e perfeita. E o faz não somente por exortação e advertência, embora estas recebam lugar impor tante, porém, mais especialmente, por um tratado esplêndido e erudito, em que se detém na glória de Cristo, o Filho, em contraste com os anjos, Moisés e Arão. Nesse ponto, também se estabelece, com notável contraste, a distinção entre a antiga aliança das obras e a nova aliança da fé.
Uma das peculiaridades da Epístola é a apresentação de Cristo como sacerdote — verdade não encontrada em nenhum a outra Epístola, embora nelas se mencionem Suas ministrações sacerdotais. A chave para a compreensão desta Epístola, portanto, é contemplá-la à luz de Cristo, nosso grande e eterno Sumo Sacer dote. Todas as outras verdades giram em torno deste pensamento. Tão erudito é o tratam ento do material desta Epístola, que é frequentemente considerada um tratado sobre o sumo sacerdócio do Salvador. * P
r in c íp io s d e in t e r p r e t a ç ã o
Na interpretação desta Epístola, salientaremos os seguin tes pontos: (1) o objetivo primordial dela é levar os homens à presença de Deus; (2) para que possam permanecer na presença delè, os homens têm de ser santos. A nota dominante da Epístola, portanto, é a santidade, e esta experiência pessoal, espiritual, é apresentada sob diferentes aspectos e com terminologia apropriada com relação à pessoa e obra de Cristo. O terceiro ponto a ser des tacado é: o povo de Israel é considerado como símbolo da obra de Cristo sob a nova aliança. A ênfase, entretanto, não é dada à libertação do jugo do Egito, mas à recusa em entrar em Canaã, sua herança prometida. Por isso, a referência à sua história se confina, principalmente, à jornada do Egito para Canaã, às suas peregrinações no deserto, ao tabernáculo com seu mobiliário, ao sacerdócio e ao grande Dia da Expiação — todos eles interpretados segundo a obra redentora de Cristo. Esta experiência de redenção é apresentada, sob vários aspec tos, no que se relaciona com Cristo e, em cada um destes aspectos, há uma advertência ou exortação apropriada. Assim analisada, a Epístola fornece a seguinte terminologia aplicada à experiência — experiência esta conhecida por muitas expressões escriturísticas, mas que Wesley geralmente chamava perfeição cristã.
A spec to s
de
C r ist o
E x p e r iê n c ia
e s p ir it u a l
A d v e r t ê n c ia s
contra
1- Divindade de Cristo 2—Humanidade de Cristo
A grande salvação
Negligência
Santificação
Endurecimento do coração
3 - Cristo como Apóstolo
O descanso da fê
Incredulidade
4 - Cristo como Sumo Sacer
Salvação eterna
Indiferença
5 - Cristo e as promessas
Perfeição cristã
Indolência
6-
Pecado voluntário
santuário
Apostasia
Herança
dote
Cristo e o Santo dos Santos
7—Cristo e a santidade
Observa-se que as advertências aparecem em escala gradualmente descendente: negligência, endurecimento do coração, incredulidade, indiferença, indolência, pecado voluntário e apostasia. A expressão salvarperfeitamente (Hb 7.25) apresenta-nos outro aspecto desta graciosa experiência, mas nenhuma advertência está a ele ligada. Em vez disso, o autor expõe os predicados de Cristo como nosso Sumo Sacerdote para a restauração do Seu povo rumo à plenitude da herança que este recebeu(Hb 7.26,28). A NATUREZA EXORTATIVA DA E
p ís t o l a
A Epístola aos Hebreus tem caráter exortativo do princípio ao fim. Mesmo os seus argumentos mais profundos e as descrições mais sublimes são todos oferecidos em espírito de exortação. Como anteriormente indicamos, frequentemente [os argu mentos] assumem a forma de advertências e admoestações. O inte resse supremo do escritor é impedir que os cristãos judeus retornem ao judaísmo e, para alcançá-lo, roga-lhes que explorem os mistérios da graça divina em Cristo Jesus. O escritor tem sempre em mente as duas grandes dádivas de Deus ao homem para sua salvação: (1) Deus ofertou Seu Filho ao mundo para redimi-lo; (2) Cristo deu o Espírito
Santo à Igreja para sua santificação e purificação. Como o Espírito é recebido pela fé, Jesus também o é. Apesar de o autor [da Epístola] salientar as crises da experiência cristã, jamais permite que elas excluam o crescimento e o desenvolvi mento. Como a conversão é uma experiência decisiva que inaugura a vida de paz com o Senhor, assim também a santificação é a crise que conduz à vida de santidade. Esta tem significado especial por oferecer lugar à habitação de Cristo na plenitude do Espírito. Permanecer em crise como fim em si, em vez de meio, é a origem de muita debilidade no coração dos cristãos. Nosso descanso não é em um coração santo, mas naquele que habita o coração santificado. Tampouco trabalhamos com a nossa própria sabedoria e com as nossas forças, mas mediante Aquele que opera em nós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade (Fp 2.13). Como veremos mais adiante no estudo da Epístola, seu autor está profundamente interessado em que aqueles que entraram além do véu, no Santo dos Santos, levem uma vida de devoção plena a Deus. Para ele, estar cheio do Espírito é, literalmente, estar possuído por Deus; ser ungido pelo Espírito é, em certo sentido real, identificar-nos com Cristo, para que, em nossa medida finita, sejamos verdadeiros representantes de Cristo para o mundo e para a Igreja. Que Deus nos conceda a ajuda do Espírito Santo ao estudarmos esta grandiosa Epístola, não apenas para que melhor compreendamos as riquezas da graça em Cristo Jesus, mas para que nos beneficiemos dessas riquezas por intermédio daquele que é o nosso Mediador, nosso grande Sumo Sacerdote, que é, ao mesmo tempo, a garantia da aliança e o Ministro do Santuário.
1 A do
MAJESTADE
F ilh o
de
D eu s
autor da Epístola aos Hebreus, em uma curta introdução de quatro versículos, expõe sucinta e dogmaticamente certas teses básicas como preliminares do seu argumento p objetivo de toda a Epístola é provar, por alusão às passagens Testamento, que Jesus é o Cristo, o verdadeiro Messias que os judeus esperavam. Além disso, os dois primeiros capítulos podem também ser considerados como, em certo sentido, introdutórios da tarefa dialética principal, que é demonstrar que Jesus Cristo cumpriu perfeitamente a Lei e, em seu lugar, introduziu uma nova aliança espiritual da graça. Daí ele dedicar dois capítulos a este assunto do Deus-Homem, um tratando da Sua divindade; outro, de Sua humanidade e humilhação.
O
O preâmbulo: Havendo Deus, antigamente, falado... Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho. Hebreus 1.1,2
Disse o Dr. Adam Clarke: A ---------------
Dificilmente poderemos conceber algo mais solene que as pala vras iniciais desta Epístola: os sentimentos são em extremo elevados, e a linguagem é a própria harmonia. De imediato, apresenta-se o Deus infinito, não em nenhum dos atributos essenciais à natureza divina, mas em Suas manifestações de amor ao mundo, dando uma revelação de Sua vontade relativa à salvação da humanidade. Assim, preparou o caminho, por meio de uma longa série de anos, para a apresentação daquele Ser glorioso, o Seu próprio Filho, que, na plenitude dos tem pos, manifestou-se em carne, para que pudesse completar toda visão e profecia, suprir tudo o que faltava para aperfeiçoar o grande plano da revelação, para instrução do mundo. Ele morreu para livrar o homem do pecado pelo sacrifício de Si mesmo. A descrição que [o autor da Epístola] fez deste personagem glorioso é de uma elevação incomparável. Mesmo em Sua humilhação, excetu ados os sofrimentos da morte, Ele é infinitamente exaltado acima de toda a hoste angelical; é o objeto de incessante adoração; permanece no Seu trono eterno à direita do Pai. Dele, todos recebem ordens para ministrar aos que redimiu com Seu sangue. Em suma, este primeiro capítulo, que pode ser considerado a intro dução de toda a Epístola, é, pela importância do assunto, dignidade da expressão, harmonia e energia da linguagem, concisão e, ao mesmo tempo, distinção de idéias, igual, se não superior, a qualquer outra porção do Novo Testamento. (C larke, Commmtary on lhe Epistk to the Hebrews) ---- r
A Epístola aos Hebreus prescinde de saudação; daí colocar-nos imediatamente diante da maravilhosa mensagem de Deus. Nisto, tem notável semelhança com as primeiras palavras em Gênesis 1.1 — onde lemos: No princípio, criou Deus. Em Hebreus 1.1, consta: Havendo Deus, antigamente, falado. Visto ser endereçada aos judeus, o autor exibe notável sabedoria devido ao fato de a sua primeira sentença conter um reconhecimento
da autoridade divina dos textos do Antigo Testamento: havendo Deus, antigamente, fa lad ol. A palavra é o veículo de comunhão e fraternidade; por ela, o homem revela os pensamentos e as disposições de sua mente e seu coração. Assim, Deus, também, o qual habita na luz inacessível(1 Tm 6.16), fala-nos para revelar-se mediante os infinitos propósitos de Seu amor. O pecado do homem interrompeu sua comunhão com Deus, mas, pelo dom de Seu Filho, ela foi restabelecida.
1. A introdução eujonica No original grego, a Epístola se inicia de modo sonoro, com dois eufônicos advérbios ligados por uma simples conjunção — polumeros kai polutropos (ra)Àu|i£Q©ç ka í noAviQÓnQç). Estas palavras chamam imediatamente a atenção do leitor. Traduzidas pela expressão muitas vezes e de muitas maneiras, as palavras iniciais perdem a eufonia e muito da solenidade. Esta expressão introdutória, porém, não se destina apenas a cha mar a atenção imediata; apresenta, de maneira majestosa, o tema fun damental de toda a Epístola. As muitas vezes e muitas maneiras pelas quais Deus se revelou nos profetas e por intermédio deles são, aqui, sintetizadas como preparatórias para a revelação perfeita no evangelho, que é um e indivisível, porque é a revelação de Deus em uma pessoa, que é o Filho. Muitas vezes e de muitas maneiras (Hebreus 1.1) — Alguns escri tores antigos, como Crisóstomo, consideravam as palavras polumeros ( tio à U|uI£Q cDç) e polutropos (u o A v tq ó tiG )ç ) como sinônimos indicando a ideia única de inacabado. Escritores subsequentes acham que estes termos expressam ideias diferentes. O primeiro, traduzido como muitas vezes, costumava referir-se, então, às porções separadas em que Deus entregou o Antigo Testamento aos judeus — distribuídas durante mais de mil anos, desde Moisés até Malaquias.
O segundo, traduzido como de muitas maneiras, remete-se à variedade de maneiras que Deus usou para tornar a Sua vontade conhecida — visões, sonhos, vozes audíveis, Urim e Tumim, e os pronuncia mentos proféticos. Stuart, embora adotando a opinião de que cada termo possui um significado separado, observa que a antítese é mais eficaz se tradu zirmos o versículo do seguinte modo: j ------Deus, que nos tempos antigos fez comunicações aos pais pe los profetas, em diversas partes e de várias maneiras, fez-nos agora uma revelação pelo Seu Filho, isto é, completou toda a revelação que pretendia fàzer sob a nova dispensaçáo, pelo seu Filho - por Ele tão — somente e náo por uma série contínua de profetas, como outrora. (Stuart, A Commentary on the Epistle to the Hehrews, p. 278) ---- r
Isto é confirmado pelo fato de que a revelação cristã se com pletou naquela única geração, que foi contemporânea à vida de nosso Senhor sobre a terra. Antigamente [...] nestes últimos dias (Hb 1.1,2a a r a ) — Estas expressões denotam períodos distintos. A palavra palai (TtóÀaí), que literalmente significa antigamente, ou nos tempos antigos, não significa apenas anteriormente, mas sempre descreve algo completado no passado. Westcott disse que palai se refere aos ensinamentos antigos, há muito selados. O escritor, portanto, com o uso deste termo, evitou a inferência de que aquelas revelações tivessem continuado até o tempo então presente. Isto excluiria como literatura inspirada tudo desde o tempo de Malaquias até o período evangélico. Nestes últimos dias parece logo se ter tornado designação técnica para o tempo do Messias e Seu reinado. Mas, como geralmente ocorre nas profecias do Antigo Testamento, o intervalo entre os dois adventos se perde de vista, e os dias do Messias são considerados como uma manifestação única. Quando, entretanto, o intervalo entre o primeiro
e o segundo adventos começou a estender-se em anos, a expressão foi modificada. Mesmo nesta Epístola, as expressões aquele mundo ou aqueles dias são usadas como de um período futuro, embora o Messias tivesse vindo. Sabemos que os judeus dividiam o tempo em a presente era e a era por vir, referindo-se esta ao reinado perfeito de Deus. Entre es tes períodos, colocavam o Reinado do Messias, às vezes, em conexão com o primeiro, às vezes, com o segundo. Comumente, acreditava-se, contudo, que a passagem de uma era para outra seria assinalada pelas dores do parto de um novo nascimento, um período de provação e sofrimento.
2. A revelação divina: Deusfalou A linguagem é, a um tempo, a base da revelação e da comunhão. Como as palavras de alguém revelam o seu interior, assim também Deus, que habita na luz inacessível (1 Tm 6.16), revela-se mediante Sua Palavra em santidade é amor— santidade que repele todo pecado; amor que sempre atrai a Si o pecador. Declara-se aqui que a revelação de Deus foi dada em estágios sucessivos — o primeiro por intermédio dos profetas, o segundo mediante o Filho. Quanto ao primeiro, a palavra lalesas (AaÀi]aaç), havendo falado, é um particípio aoristo1 e, como tal, resume, em um único ato, todas as revelações anteriores, sejam patriarcais, mosaicas ou proféticas. A última é expressa pelo termo elalesen (éAóAt\qzv), falou, que, como um indicativo aoristo2, reúne em uma só palavra a revelação por intermédio do Filho, embora não se refira a acontecimento particular algum na vida de Cristo. O ponto a ser notado grama ticalmente é que a expressão no particípio [passado] — Havendo Deus, antigamente, falado — anuncia o verbo principal com seu aoristo [aspecto verbal] de finalidade — Deus falou. Essas palavras, pois, não significam tão-somente que o Deus que falou nos tempos
passados é o mesmo que agora fala [pelo Filho]; existe um significado mais profundo. Significam que, tendo Deus falado, esta revelação anterior, agora completada [em Cristo], torna-se a preparação para a revelação posterior e final. Deus falou, e a mensagem é para nós, nestes últimos dias, tão verdadeira como quando anunciada pelos apóstolos e profetas da antiga dispensação. Que complacência maravilhosa teve o infinito Deus para conosco! Isaías exclamou: Ouvi, ó céus, e presta ouvidos, tu, ó terra, porque fala o SENHOR (Is 1.2a). Dispensemos, por isso, o entusiasmo de nossa atenção a essa Epístola [aos Hebreus] e, com reverência e temor piedoso, sejamos obedientes às palavras que Deus falou. Lindsay afirmou que: j ------A inspiração das Escrituras é distintamente afirmada neste ver sículo inicial da Epístola aos Hebreus: foi Deus quem íàlou aos ho mens pelos profetas e pelo Seu Filho. Por isso, os escritores do Antigo Testamento e aqueles que foram usados por Cristo para escrever o Novo foram infalivelmente dirigidos pela sabedoria do céu; e o que escreveram é a verdade de Deus. [...] Reivindica-se inspiração, alega-se infalibilidade; devemos admitir essas pretensões. ( L i n d s a y , Lectures on lhe Epistle to the Hebrews, p. 28,29) —
—
r
Em grego, a palavra que se traduz como últimos na expressão nestes últimos dias é eschatou ( é o x « t o u ) em nossa atual versão e significa aofim destes dias. No texto recebido, a palavra últimos é eschaton (éoxázO v). Vaughan sugeriu que a primeira significa uma época, e a segunda, uma era. Stuart achava que ambos os termos, sendo usados na Septuaginta [ou Versão dos Setenta], foram considerados sinônimos, e o sentido do texto é indiferente a qualquer que seja a versão usada. Westcott disse que a expressão nos últimos dias foi moldada pela tradução na Septuaginta de textos como Gênesis 49.1 — nos dias vindouros (a r a )
ou nos derradeiros dias (a r c ); Números 24.14 — nos últimos dias (a r a ) e textos similares.
3. O caráter dos mediadores. pelos profetas [...] pelo Filho (Hb 1.1) A profundidade e a magnitude da revelação que Deus fez de si mes mo dependem do caráter do instrumento pelo qual essa revelação é feita. Sem uma língua comum, pouca comunicação e pouco entendimento pode haver. As palavras, como as conhecemos, são apenas símbolos. As verdades que elas expressam têm mais profundidade. Consideradas com este significado mais profundo, as palavras são espírito e vida (Jo 6.63). Do contrário, são apenas o véu que encobre a Verdade da mensagem e a pessoa do Revelador. As palavras podem dizer-nos algo sobre a Verdade, mas, so mente quando se tornam espírito e vida, a glória do Revelador irrompe além do véu. Somente, então, somos levados à presença daquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Se, portanto, deve haver uma revelação perfeita de Deus ao homem, deve existir um meio perfeito de comunicação por meio do qual o Senhor possa revelar-se. A perfeição do Filho, por intermédio de quem Deus falou, toma a mensagem perfeita. Como uma palavra, falada ou escrita, é uma representação audível ou visível de um pensamento que se não vê, assim Cristo, como Filho, é a imagem visível do Deus que não vemos — o que se verifica claramente, ao dizer-nos o escritor [da Epístola aos Hebreus] que Deus falou, no passado, pelos profetas, mas, a nós nestes últimos tempos, pelo Filho. É evidente, pois, que a revelação é contínua, à medida que Deus é o Autor de ambas, mas a última é nova e distinta por ter como mediador Cristo, o Filho, e não os profetas. O ministério dos profetas poderia apenas preparar o caminho para o Filho; jamais poderia satisfazer o coração de Deus ou a alma hu mana. Nem Deus nos fala [somente] por meio das palavras do Filho. Isto seria apenas reduzi-lo ao nível dos profetas, que só podiam usar meios externos de comunicação.
É por intermédio do Filho, o Verbo divino, a segunda pessoa da Trindade, que Deus se revela aos homens. O próprio Filho, que habita no seio de Deus (Jo 1.18), teve de vir para habi tar com e nos homens, trazendo-lhes a profundidade e a riqueza da vida divina e comunicando-lhes, interiormente, as chamas de Sua santidade e o Seu amor abundante. Deste modo, é somente mediante o sangue de Jesus, em que há expiaçáo do pecado, e o amor de Deus, derramado no coração humano pelo Espírito Santo, que Deus fala aos homens em uma amizade restaurada e santa comunhão. O texto grego diz év t o íç uqcx |)títouç e év vío>, isto é , nos pro fetas e num Filho. Stuart observa que o uso freqüente de év com o dativo3, em lugar de aiá com o genitivo4, no Novo Testamento, é um hebraísmo, pois év corresponde à palavra hebraica que é usada com grande latitude de significação e, em casos da mesma natureza como o em questão, por exemplo, em Oséias 1.2a — “Falou o Senhor por intermédio de Oséias” [cf. versão a r c da Bíblia Sagrada, Palavra do SENHOR que fo i dita a Oséias]. Apenas um uso ocasional de év deste modo se encontra nos escritores gregos clássicos. Assim, a palavra aparece, tanto na Authorized Version como na Revised Standard Version como by (por), em vez de in (em). Vaughan disse que o contraste entre év vícó, ou no filho, sugere o sentido de nas pessoas de, em lugar de nos escritos de. Westcott, usando a palavra em em vez de por, afirmou que não foi simplesmente por meio deles, como Seus instrumentos, mas neles (4.7), como o poder vivificante de sua vida. Qualquer que fosse o modo pelo qual Deus se lhes desse a conhecer, eles eram Seus mensageiros, inspirados pelo Seu Espírito, não em suas palavras apenas, mas como homens; e como quer que a vontade divina lhes fosse comunicada, eles a interpretavam ao povo. W
e stco tt
(V a u g h a n ,
e S t u a r t , Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 23)
4. A natureza das alianças Com a diferença no caráter dos mediadores, chegamos de ime diato à consideração das distinções essenciais entre as duas alianças ou os dois testamentos. Talvez ninguém compreenda a importância desta distinção sem a iluminação especial do Espírito. Sem dúvida, ela não será compreendida sem uma visão profunda da natureza da pessoa e da obra de Cristo. Às vezes, entendemos, por um lampejo especial da verdade divina, que o Antigo Testamento significa Deus falando por meio dos profetas, ou seja, pela mediação humana. Tendo homens por instrumentos, [o Antigo Testamento] foi necessariamente externo; sendo externo, devia tomar forma de algu ma espécie, e foi cerimonial. Sendo cerimonial, só poderia referir-se às verdades mais profundas por meio de símbolos e, portanto, nada mais poderia ser senão preparatório. O Novo Testamento, por outro lado, teve como instrumento o Filho e foi, pois, interior, ao invés de exterior; sendo interior, foi espiritual, em vez de cerimonial; e, sendo espiritual, não foi meramente preparatório, mas perfeito. Essas distin ções serão apresentadas para nós com mais clareza se dispostas como a seguir: A
P R I M E I R A A L IA N Ç A
A A L IA N Ç A
S U P E R IO R
1- Mediadores humanos (os profetas)
1 - Mediador divino (o Filho)
2 - Externa (na administração)
2 - Interna (na administração)
3 - Cerimonial (no caráter)
3 - Espiritual (no caráter)
4 - Preparatória (no propósito)
4 - Perfeita (na expressão)
-
Verifica-se assim que a superioridade da nova aliança se deve à superioridade do Mediador. A primeira, feita por instrumentos huma nos, os profetas, só poderia ser externa e parcial; a segunda, tendo por instrumento o Filho, é espiritual e perfeita. Somente pela mediação do Filho poderia ser perfeita a revelação do Novo Testamento, e só pelo
mesmo Mediador se poderia introduzir uma aliança que suplantasse a anterior. O Antigo Testamento é ainda uma revelação de Deus, mas preparatória da revelação superior do Novo Testamento. O Antigo Testamento, portanto, serviu como preparação para aquele que, de pois, haveria de ser dado por intermédio de Cristo. O Novo Testa mento, selado com o sangue dele, repousa solidamente sobre o alicerce seguro de um sacerdócio superior e eterno. Devemos, então, entender com clareza e ter constantemente no espírito a diferença entre as duas alianças — uma, em que o elemento humano é mais proeminente; outra, em que é o divino; uma mais externa, outra mais interna e espiritual. Deus, falando mediante a vida de Seu Filho, traz-nos ao contato vivo consigo mesmo. É a glória desta Epístola que ela indique o caminho desde o estágio inicial da vida cristã até o do acesso pleno além do véu, onde habita a luz gloriosa da presença divina. Reconhecendo, pois, a diferença essencial entre os testamentos, seguem-se três coisas: 1. As alianças representam dois períodos históricos na revelação de Deus aos homens: a Lei e a graça; 2. Representam dois níveis de experiência cristã: vida e amor; e 3. Representam dois estágios no progresso espiritual do cristão: a Palavra e o Espírito. Estes três aspectos das duas alianças têm implicações de grande alcance, mas só podem receber, neste texto, tratamento sucinto.
5. Doisperíodos históricos de revelação Deus nos falou tão verdadeiramente no Antigo Testamento como o faz no Novo. Os profetas foram mensageiros de Deus tanto quanto o Filho o é. Mas, no primeiro, a Palavra foi falada a nós; no último, é gravada e pronunciada em nosso interior pelo Espírito que em nós habita. A finitude dos profetas impedia uma revelação plena.
Um Deus infinito só pode ser plenamente revelado por um Mediador da mesma natureza. Todavia, as Verdades do Novo Testa mento têm suas raízes no Antigo e não podem ser compreendidas sem ele. O Espírito operou em ambas as dispensaçóes, e Seus propósitos, em qualquer era, só podem ser conhecidos à medida que surgem em todas as eras. O Antigo Testamento foi uma dispensação da Lei. O Novo, da graça. O primeiro foi, ao mesmo tempo, um instrumento preparatório e disciplinar para a plenitude dos tempos; foi um mestre-escola, um preceptor para levar-nos a Cristo (G1 3.24). Esta é ainda a função do Antigo Testamento, pois a disciplina deve sempre preceder a liberda de; o arrependimento, o perdão (1 Jo 1.9). Este, por sua vez, precede a nova vida de santidade (Ef 4.1)
6. Dois níveis de experiência cristã Não somente os dois testamentos representam dois estágios na revelação histórica [de Deus]; também representam dois níveis de ex periência cristã: vida e amor. A vida é concedida na regeneração ou no novo nascimento [do homem] e é algo santo, abrangendo todas as graças [carismas] do Espírito, manifestando-se em amor a Deus e aos homens. Essa vida, porém, é implantada em uma alma que, por he rança da humanidade, está contaminada por uma natureza depravada, comumente conhecida como pecado inato ou mente carnal. O que é regenerado ou nascido de novo compreende aquilo que João ensinava tão claramente, [quando disse] que o medo pode existir no coração paralelamente ao amor. Compreende também que existe uma experiência em que o amor perfeito lança fora o temor, que contém tormento (1 Jo 4.18). Essa experiência tem de ser vivida por aquele que deseja estar salvo no Dia do Juízo. E nesse ponto que o significado dos dois testa mentos se torna intensamente pessoal. Se buscarmos sinceramente esta
experiência de amor aperfeiçoado, perceberemos de novo aquilo que o Antigo Testamento pretendia: demonstrar-nos a nossa impotência e levar-nos àquele plano humilde de desamparo no qual apenas pode operar a graça. Mediante o Espírito, perceberemos, então, a verdade da expressão do piedoso Fletcher: “O teu desamparo não é obstáculo à minha bondade amante”, e pela fé entraremos na vida superior além do véu, onde o perfeito amor lança fora o medo. Assim, à purificação do coração segue-se um período de pro vação após a conversão, para ver se a alma recém-nascida entregará ou não, com alegria e voluntariamente, tudo [a Deus], a fim de obter a plenitude da bênção. Esta experiência de amor aperfeiçoado é operada pela graça apenas, mediante o sangue expiatório de Jesus e o poder santificador do Espírito Santo (At 15.8,9). O amor se torna assim o motivo dominante da vida santificada, e este amor é capaz de cresci mento infinito.
7. Dois estágios de progresso espiritual Os dois testamentos estão igualmente relacionados, de forma vital, com o progresso na graça. A vida concedida no novo nascimento tem capacidade de crescimento e desenvolvimento contínuos. Quan do os obstáculos são removidos, sendo purificado o coração do pecado inato, o crescimento é mais rápido, e a experiência cristã é mais estável e segura. O progresso é essencial ao bem-estar de todo cristão, que precisa não apenas ser salvo dos seus pecados, mas conhecer Cristo pelas experiências profundas da vida espiritual. O grande desejo de Paulo se voltava para conhecê-lo [a Cristo], e à virtude da sua ressurreição, e à comunicação de suas aflições, sendo feito conforme à sua morte (Fp 3.10). No desenvolvimento progressivo da graça, os dois testamentos representam a Letra e o Espírito, ou, em um sentido mais profundo, a Palavra e o Espírito.
Dois perigos sáo evidentes. Há os que descansam na Letra, e logo se tornam desprovidos de vida espiritual, porque a letra mata, mas o espírito vivifica (2 Co 3.6c). Por outro lado, existem aqueles que, sendo de uma tendência mais mística, progridem no Espírito, porém esquecem-se da necessidade fundamental de simplesmente confiar na Palavra de Deus. Jamais se pode alcançar uma intimidade real com o Espírito sem primeiro passar pela exterioridade da Letra. Isso é tão real para cada pessoa, no que se refere à revelaçáo histórica em geral, que outra alternativa não há. -* A fé singela na Palavra de Deus escrita traz o auxílio do Espírito e, com ele, a verdadeira intimidade da oração e súplica. Talvez exata mente aqui se encontre o maior obstáculo ao progresso cristão. Nossa tendência é meramente orar com esperança, em vez de com fé. Mas a fé é somente o método divino de responder à oração, quer para a salvação, quer para o progresso na vida cristã. Lutarmos, com nossos próprios esforços, a fim de crermos, não é o plano de Deus. Seu plano é a confiança singela na Palavra escrita, que Ele, a seguir, transforma em espírito e vida para a nossa alma (Jo 6.63). Após o preâmbulo, o autor da Epístola aos Hebreus inicia o seu argumento em favor da superioridade do Filho, que é apresentado em três estágios: 1. O Filho na Sua glória antiga (Hb 1.2b), que se refere primordial mente ao Filho em Suas relações cósmicas como Herdeiro de todas as coisas e Criador dos mundos. 2. A Porta Farmosa do templo (At 3.10), que se refere mais às relações pessoais do Filho para com o Pai. Estas se distribuem em cinco características principais e proporcionam a mais enérgica demonstração da divindade de Cristo que se pode conceber. Aqui, como no prólogo do Evangelho de João (jo 1.1-18), o Filho é visto como a Palavra que forma, ao mesmo tempo, o fundamento da revelação de Deus ao homem e o acesso deste a Deus. Ele é a Porta para o templo da presença divina.
3. A majestade do Filho em Seu trono intercessório ( Hb 1.4-14). Este é o argumento da superioridade do Filho; primeiro, sobre os anjos, por causa do Seu nome superior, e depois sobre os homens, por ser o Cabeça redentor da raça humana. Nos próximos tópicos, esses assuntos receberão maior desenvol vimento. O F il h o d e D e u s n a S u a g l ó r ia p r im e ir a
A quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fe z também o mundo. Hebreus 1.2 Vimos que a distinção entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento se fundamenta no caráter dos mediadores. A nova aliança, tendo o Filho de Deus como Mediador, não apenas cum priu e encerrou a antiga dispensação, mas é, em si mesma, o estágio final da revelação. O leitor atento observará que o autor da Epístola aos Hebreus dispôs de tal modo sua breve comparação entre as dispensações que a declaração termina com a menção do Filho, o qual ele passa a enaltecer em um fluxo contínuo de pensamento. E característica singular e interessante do autor desta Epístola o fato de que, quando menciona o nome do Filho, detém-se longamente, quer para elaborar o tema, quer para meditar sobre ele em humilde devoção. Por isso, detém-se na glória do Filho de Deus, Mediador da nova dispensação. As glórias assim apresentadas, para aqueles que, como o autor, meditam longa e tranquilamente sobre elas, irromperão em glória espiritual interna e encherão de luz os amplos horizontes da alma do cristão. Não fiquemos, então, contentes meramente com o que Cristo fez por nós, mas procuremos entrar em comunhão mais profunda e perfeita com Ele.
Mr. BramweU disse: “Ser justificado é grandioso, ser santifica do é grandioso, mas quão glorioso não é estar cheio de toda a pleni tude de Deus!” Permita Deus que continuemos a contemplar a glória divina até que todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito (2 Co 3.18 a r a )!
1. O significado da palavra Filho * O autor da Epístola aos Hebreus usa uniformemente a palavra Filho para Cristo, ao passo que João, no prólogo do quarto Evangelho 0o 1.1-18), usa a palavra grega Logos, traduzida como Verbo. Pode-se dizer que, em geral, a palavra bgos é usada para Cristo em Seu estado pré-encarnado, enquanto Filho é usada para o Logos ou o Verbo encar nado. Ambas têm implicações trinitárias básicas. Conforme João usa o Logos ou Verbo, é eterno e pessoal: No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (Jo 1.1). [O Filho] É, portanto, a plena objetivação do Pai como Deus. Assim usado, o Verbo tem uma relação apenas necessária, e não livre para com o Pai, exceto se for considerada em relação a uma terceira pessoa, o Espírito, o qual, como vínculo de unidade ou perfeição, glorifica esta relação necessária em liberdade e amor perfeitos. Uma vez que a palavra é o meio necessário de comunicação, a Encarnação, ou o Verbofeito carne, toma-se a única porta de comunhão e amizade com Deus. E também o acesso para o pleno significado da vida humana. Por isso, o Senhor podia dizer: Quem me vê a mim vê o Pai (Jo 14.9b). Na Epístola aos Hebreus, a palavra Filho é usada, porém, com as mesmas implicações trinitárias. As ideias são geradas na mente, de forma tão real como plantas produzem plantas, e animais geram ani mais. A diferença reside em que, na mente, a geração é espiritual. A ideia ou pensamento é, antes de sua expressão, uma obra interna e, embora distinta da alma, não é separada dela. A mente pode gerar
pensamento sem perder nada de si mesma. Assim, o Verbo ou o Filho é contemporâneo e coeterno com o Pai. Este náo existe primeiro para, depois, pensar, pois, como uma pessoa, Deus nunca deixa de refletir. E este pensamento ou esta palavra de Deus, como o Filho, é igualmente distinto do Pai, sem estar separado dele, da mesma maneira como um pensamento é distinto da minha alma sem estar separado dela. Como um objeto diante do espelho revela-se sem destruir o original, assim, de maneira infinitamente sublime, o Filho é eternamente gerado pelo Pai eterno e, apesar de distinto — o que náo quer dizer separado — , o Filho jamais diminui as perfeições do Pai. Por isso, o Pai pode dizer: Tu és meu Filho, hoje te gerei (Hb 1.5b). No eterno presente, Deus gera Seu Filho em um ato que jamais terminará. j ------A doutrina das Escrituras (Jo 1.14) náo é a de que o Filho [de Deus] se uniu a um filho de Maria, a uma natureza humana no sen tido concreto, mas que o Logos eterno, hipostático, tornou-se homem, assumiu natureza humana no sentido abstrato, concentrou-se por um livre ato de autolimitação, movido pelo amor, em uma vida humana embrionária, em uma alma de criança a dormitar e, como tal, formou para si mesmo inconscientemente — todavia com energia criado ra— um corpo no ventre da virgem e, daí, Aquele que nas Escrituras é chamado VÍÓÇ [Filho], que, encarnado, é um e o mesmo com Aque le que, com respeito à relação de unidade com o Pai, é chamado Ó
Àóyoç (Logos ou Verbo) ou ó [Jovoyevfíç (o Unigênito). Náo somente isto, mas que encarnado Ele só pode ser chamado Filho de Deus, porque o fJ.0V0y£Vf]Ç [Unigênito] tornou-se homem. E daí, em segundo lugar, devemos precaver-nos contra o fàto de procurar mos explicar a idéia contida em VÍÓç [Filho] pela relação do Homem encarnado para com o Pai, como se Ele [Cristo] fosse chamado Filho no mesmo sentido em que outros homens piedosos são cha mados filhos de Deus. the Hebrews, p. 15,16)
(E br a r d ,
Biblical Commentary on the Epistle to
John Wesley escreveu em suas Notas [Notes]: “Tu és meu Filho, Deus de Deus, Luz da Luz. Hoje te gerei, gerei-te desde a eternidade, a qual, por sua permanência inalterável de duração, é um dia contínuo, sem sucessão”. A esse respeito, comentou o Dr. Adam Clarke: “Pondo de lado a questão da controvérsia, eis algo expresso de maneira sublime, e não me consta que este grande homem jamais tenha alterado suas opiniões sobre o assunto”. Wesley conservou a declaração do Dr. Adam Clarke no artigo An Arian antidote, no IV volume do Arminian Magazine-, publicado em 1781. j---------
Embora a essência iníinita do Verbo esteja unida numa pessoa com a natureza do homem, não existe idéia de prisão ou confinamento. Pois o Filho de Deus desceu miraculosamente do céu, porém de maneira tal que jamais deixou o céu; quis ser milagro samente concebido no ventre da virgem, viver sobre a terra até ser pendurado na Cruz; contudo, jamais cessou de encher o universo, da mesma maneira como no princípio.
(C a l v in o ,
Institutes, 2, 13,4,
vol. 1, p. 525, 526) Como em Cristo a união pessoal das naturezas divina e humana é realizada da maneira mais perfeita, conquanto as duas naturezas de modo nenhum se confimdam, as duas assim permanecem distinguíveis, sem, contudo, serem jamais concebidas como realmente separadas. Devemos considerar, portanto, como errônea, a linguagem de tantos escritores antigos, que limitam a exaltação exclusivamente à natureza humana de Cristo. Ela se aplica antes à pessoa do Deus-Homem. (L a n g e ,
Commentary on Hebrews, p. 31)
2. Cristo como Herdeiro de todas as coisas (Hb 1.2a a r a ) A palavra herdeiro se refere ao propósito original da criação. Deus não fez os mundos primeiro e colocou-os sob domínio do Filho
depois. Por isso, o direito de herança é mencionado antes do propósito da criação. E visto que o Filho foi constituído herdeiro de todas as coisas antes da criação, o próprio Filho deve ter assim existido. O vocábulo herdeiro, conforme é usado neste contexto, não traz em si a ideia de entrar na possessão após a morte de um primitivo possuidor; ao contrário, parece ser derivado de uma palavra hebraica que significa simplesmente adquirir ou possuir. Em sua forma mais simples, significa senhor, possuidor ou soberano. Parece evidente que existe outra conexão entre a herança aqui expressa e o seguinte trecho: Havendofeito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da Majestade, nas alturas (Hb 1.3b). Existe uma herança dupla. O Filho é herdeiro por criação-, isto é, per sonificou em si mesmo o propósito do Pai e é herdeiro pela redenção da possessão comprada também. 1
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Quão próprio e natural que A quele, por interm édio do qual o universo foi feito, depois de ter-se hum ilhado e realizado a vontade graciosa do Pai, com o recompensa, fosse também investido do domínio do universo com o herança permanente. (Ebrard , Biblical Commentary
on the Epistle to the Hebrews, p. 19) ---- r
A palavra herdeiro, portanto, traz em si algo mais do que o poder universal concedido a Cristo, pelo qual Ele capacita o Seu povo a triunfar sobre o pecado e a pregar eficazmente às nações durante a era evan gélica. Significa também que este poder chegará ao cumprimento perfeito, segundo a promessa messiânica em Romanos 4.13, quando, no segundo advento, Cristo banirá da humanidade o pecado e suas conseqüências, removerá a maldição da terra e reinará com poder e glória universais. j -----A palavra herdeiro assinala o propósito original da criação. O domínio originalmente prometido a Adão (Gn 1.28; SI 8.6; 2.7) foi conquistado por Cristo [...] O termo é usado em relação à posse, as sinalando a plenitude do direito, baseado em conexão pessoal, e não
indicando transferência e sucessão em relação a um possuidor presente. O herdeiro, como tal, reivindica o título" com referência àquilo que possui [...] O direito de herança do Filho foi realizado pelo Filho encarnado por meio de Sua humanidade, mas o escritor [da Epístola aos Hebreus] fàla do Filho simplesmente como sendo herdeiro. Em tal linguagem, vemos a indicação da verdade que é expressa pela declara ção de que a encarnação é, em essência, independente da Queda, embora condicionada por ela quanto às suas circunstâncias. (W estcott, Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 8)
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3. O Filho como Criador: Pelo qual tambémfez o universo (Hb 1.2b a r a ) Tendo declarado o propósito da criação, o autor [da Epístola aos Hebreus] começa a demonstrar que o Filho é também o Criador. Não apenas os mundos foram feitos por Sua causa e de acordo com Seu propósito, mas por Ele, como causa instrumental de Sua existên cia. E isso o que João afirma enfaticamente: Todas as coisasforamfeitas por ele, e sem ele nada do quefoi feito sef i z (Jo 1.3). É evidente que as relações de Deus para com todas as coisas fora de si próprio são feitas mediante o Filho, que é o Princípio e o Fim de toda a existência. No fato de que fez os mundos reside a possibilidade de harmonia entre a revelação natural e a histórica. Esta harmonia não existe agora por causa do pecado do homem, nem pode ser efetuada meramente por desenvolvimento natural. Só pode ser realizada por meio dos atos divinos especiais da encarnação e do segundo advento, pelos quais o pecado e suas conseqüências serão removidos do mundo. Jesus não é o Cabeça da Igreja apenas, mas o Cabeça de todas as coisas para a Igreja. Se isto não fosse verdade, não haveria base sólida para a existência cristã nem segurança providencial para o Corpo de Cristo. O termo mundos, ou universo, é aionas (aítDvaç), as idades ou eras, enquanto na Septuaginta a palavra é gen (yfjv), terra. O universo pode ser considerado na sua constituição real [material] ou como uma
ordem que existe ao longo do tempo. O mundo, com o matéria, é cosmos (kóv|j.oç);
o m undo
temporal é aion (aífDv), as idades ou eras.
Essas duas palavras gregas [aionas e cosmos] são usadas na Epístola aos Efésios (2.2), onde Paulo falou do tempo-estado, aiona (aícDva), deste mundo material, kosmou ( kóct|j .o u ) . Quando é usado o singular — deste mundo — , geralmente significa idade. Quando é usa do o plural — como no caso dos mundos — , sugere a ideia não de uma duração contínua, mas agregada, o mundo caracterizado por períodos sucessivos, eras distantes umas das outras. Paulo falou das eras por vir. O Filho, como Verbo encarnado, é aquele que fez todas as coisas e, se Sua glória estava oculta, enquanto no tabernáculo da carne, devemos ter em mente que Ele é sempre o Criador e, portanto, precisamos aprender a reconhecê-lo nesta aparência humilde. Essas duas afirmações a respeito de Cristo como Herdeiro e Criador, quando tomadas juntamente, formam transição importante no pensamento do autor da Epístola. Não devem ser consideradas se paradamente. A expressão herdeiro de todas as coisas é uma declaração universal sob a qual se deve classificar a declaração particular pelo qual também fez o universo [ou as eras]. Isto coloca o Filho na condição de Agente (ou Autoridade) soberano, preparando o caminho para um dos principais objetivos da Epístola: a inauguração de uma nova Era a suplantar a antiga. O autor da Epístola contempla a posição gloriosa do Filho que, tendo subido ao Pai, recebeu dele o Espírito prometido, que Ele derramou sobre os discípulos à espera no Pentecostes, o gran de dia do recebimento do Espírito Santo.
A PORTA FORMOSA
D O TEMPLO
Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sus tentando todas as coisaspela palavra do seu poder, depois de terfeito a purificação dospecados, assentou-se à direita da Majestade, ms alturas. Hebreus 1.3
(a r a )
Tendo sido estabelecida a glória do Filho de Deus em Suas re lações cósmicas, o escritor da Epístola passa agora a apresentar a glória do Filho em Suas relações pessoais com o Pai. Demonstra ser Ele [o Fi lho], a um tempo, o Verbo de Deus que revela e capacita. Tendo Deus falado conosco por intermédio de Seu Verbo como o Filho encarnado, esta Palavra se torna a porta de entrada do templo de comunhão e ami zade com o Senhor. Por isso, o Filho é descrito sob a figura da Porta Formosa do templo. Josefo nos conta: * j ------O templo tinha nove portas, que eram revestidas de ouro e prata em todos os lados, mas havia uma porta, que estava fora da casa santa e era de bronze de Corinto e muito excedia aquelas que eram apenas revestidas de ouro e prata. A magnitude das outras portas era igual em todas. Contudo, a da porta de Corinto, que abria para o Oriente, em oposição à porta da própria casa santa, era muito maior, pois sua altura era 50 côvados, isto é, cerca de 25 metros, e era adornada da maneira mais rica, tendo placas mais ricas e mais grossas de prata e ouro do que as outras. Esta última é, provavelmente, a porta chamada Formosa, porque era no exterior do templo, para a qual havia facil acesso e visto que era, evidentemente, a de maior valor. ---- r
Por esse comentário, podemos concluir que o resplendor da glória de Deus, Cristo, é simbolizado pelo bronze polido, que “muito excedia aquelas que eram apenas revestidas de ouro e prata”, e. a expressão exata do seu Ser (Hb 1.3b a r a .), pelo material da porta, que aponta para o seu rico e sólido fundamento, pois a palavra hypostasis significava originalmente o alicerce, o substrato, que veio a ser interpretado como fir meza, propósito, resolução ou determinação. Assim, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder é uma alusão clara aos batentes que sustentavam a coroa da estrutura. A luz gloriosa que brilhava na porta deveria revelar imediatamente as trevas do mundo no pecado e o ato supremo de redenção pelo qual
Cristo nos purificou das nossas iniquidades e voltou para a Sua exaltada função intercessória à direita da Majestade, nas alturas. A glória do Filho, conforme a apresentam as expressões subli mes e elevadas em Hebreus 1.3, é digna do mais cuidadoso e profundo estudo. Será seguida a ordem escriturística neste exame preliminar da pessoa e obra do Filho. O fato de o Mediador histórico da revelação final de Deus ser o Mediador antemundano da criação do inundo [que existia antes da criação do mundo] comunica-lhe uma majestade e dignidade especiais, além das de todos os criadores intermediários. A comparação do Filho com os anjos mostra que Ele não é, neste sentido, concebido como cau sa inconsciente, intermediária, mas exerceu ação intercessória em uma existência pessoal. E a declaração de que é o resplendor e a imagem da glória de Deus e a expressão exata do seu Ser mostra que o Mediador, que se destina acima de todos os seres e mesmo acima dos anjos pelo nome de Filho, não traz Sua designação filial em um sentido convencional e teocrático. (Lange, Commentary ort Hebrews, p. 31) ---- r
W estcott afirmou que a posição da partícula cóv, que sig nifica sendo ou levando [em H b 1.3 a r c ] , dá ênfase à expressão resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser e indica ainda que “esta partícula descreve a ação e essência absolutas e não apenas presentes do Filho. Em particular, acautela-nos contra a ideia de adoção em filiação e afirma a permanência do Filho durante a Sua obra histórica”.
1. O Filho é o resplendor ou efulgência da glória do Pai A palavra apaugasma (án aú y ac|ja), que ocorre nas Escrituras somente aqui, significa a irradiação de luz que flui de um corpo lumi noso. Ela provém de um radical que significa brilhar ou emitir esplendor. A palavra efulgência talvez seja a que melhor expressa essa ideia. Alguns
têm achado que este resplendor ou efulgência deve ser interpretado como reflexão de luz, isto é, a imagem refletida sobre uma superfície lisa refletora. Outros o consideram como luz ativa, isto é, os raios que continuamente emanam de um corpo luminoso. Ebrard observou que o primeiro conceito pressupõe a existência hipostática distinta do Filho, sendo que a ênfase aqui é sobre a identi dade qualitativa dele com o Pai, e que o segundo ponto de vista, que parece ser o de mais valor, considera o Filho como o ato-vida perpétuo e contínuo do Pai. Para Ebrard, a palavra \efnlgênciã\ denota não o brilho recebido de outro corpo e devolvido como reflexo ou imagem espelhada, nem a luz que procede continuamente de um corpo bri lhante, como luz que flui e perde-se no espaço, mas denota uma luz ou um raio brilhante que se irradia de uma outra luz, tanto que é visto como se agora se tornasse uma luz independente. Vaughan também acha que a palavra [efulgênciã\ expressa os resultados, mais do que o ato de brilhar e é, portanto, mais apropriada como palavra para a Pessoa em quem todos os raios da glória divina se concentram. A-----Efulgênríã poderá ser a palavra de sentido mais aproximado, porém falta-lhe a idéia característica de incorporação do esplendor emitido. A expressão imagem de raio é a que melhor responde ao original; é uma imagem viva, composta de raios, não meramente os recebidos e refletidos, mas concebidos como independentes e permanentes. E mais que mero raio, mais do que mera imagem: um sol produzido de luz original. (E brard, BibUcal Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 21) ---- r
2. O Filho é a expressão exata do Pai na Sua pessoa ou essência Esta é a segunda declaração a respeito do Filho e está direta mente relacionada com a precedente, pois a substância ou essência está relacionada com resplendor ou brilho.
Expressão exata do seu Ser é, às vezes, traduzida como a im pressão de Sua substância, oriunda de charakter (xaQaKxr|Q), estampa, e hypostasis (Ú7ióaxaatç), substância, essência, pessoa. Assim como apaugasma (ánaüyaviaa), resplendor, brilho, refere-se à aparência de Deus externamente, hypostasis (07tócrtaÇtç), substância, essência, pes soa, remete-se ao Filho como expressão exata da substância ou essência do Pai internamente. Na linguagem dos teólogos, pode-se dizer que o primeiro é ad extra, o último, ad intra. A glória (arc) e a expressão (ara) estão, portanto, relacionadas entre si assim como o resplendor e a expressa imagem de Sua pessoa (arc) ou expressão exata do seu Ser (ara).
Essas palavras, porém, são de suma importância para exigir um tratamento mais completo. A palavra charakter (xctQaKxqQ) provém da ideia de selo ou gravação. Westcott disse não existir um vocábulo em inglês que traduzisse exatamente o significado desse termo: “Se houvesse um sentido de expressão (isto é, imagem expressa) que corres pondesse à impressão, esta seria o melhor equivalente”. A palavra [charakter] pode referir-se ao agente ou ao instrumen to de gravação, porém, mais comumente, refere-se à estampa, ou letra, e à figura gravada, que é usada para fazer impressão na cera. Significa, portanto, uma semelhança exata ou representação característica. Por isso, a tradução expressão exata do seu Ser parece comunicar a verdade mais especificamente do que a tradução impressão de sua substância. Esta última implica, antes, a cera do que o selo pelo qual a impressão é feita. Essa expressão exata do seu Ser sublime sugere, portanto, a exata semelhança de Cristo com o Pai em Sua substância ou essência, não meramente em aparência exterior. Essa imagem expressa, ou expressão exata, é um fato infinito e eterno, e não meramente algo estampado sobre Cristo e Sua encarnação. Cristo é investido dos mesmos atribu tos do Pai e é da mesma natureza e essência que Ele. Jesus é a objetivação plena do Pai e, visto que o Pai é infinito e eterno, o Filho, a fim de ser a imagem exata ou expressão perfeita dele, deve igualmente
ser infinito e eterno. Por esta razão, o Filho é o Mediador do mundo espiritual. Externamente para o mundo e ós homens, Ele é o Ser em quem todos os raios da glória divina se concentram para comunhão. Portanto, reflete a divindade em toda a Sua perfeição, sabedoria, Seu poder, bem como em Sua santidade e Seu amor. Internamente, a base desta revelação reside no fato de que Ele é participante da essência divina: O Filho unigênito, que está no seio do Pai (Jo 1.18b). j ------De modo geral, pode-se dizer que XPtQ&KTr]Q [caracter] é aquilo pelo que qualquer coisa se reconhece diretamente, por meio de sinais correspondentes, sob um aspecto particular, embora possa incluir apenas pouquíssimas características do objeto. É até aqui uma fonte primária, e náo secundária de conhecimento. XaçaKT^Q [caracter] traz em si os traços característicos apenas e, portanto, distingue-se de EÍKCJV [ícone, imagem], que dá uma representação completa sob a condição da terra daquilo que simboliza; e de |10Q
A palavra hypostasis (Ú7iocrtaaiç), que é traduzida como pessoa, literalmente significa ficar sob e foi usada pelos pais da Igreja no sen tido de substância ou essência. A palavra person, conforme é usada na Authorized Version, é melhor expressa pela palavra grega prosopon ( tcqó
que é a automanifestação de Deus. Parece evidente, pois, que não se poderia usar de linguagem mais forte para expressar a divindade do Filho. Westcott disse que a palavra hypostasis significa propriamente aquilo que fica em baixo, como um sedimento, alicerce, uma base de suporte. A-----Deste sentido geral, vieram os sentidos especiais de firmeza, con fiança, aquilo em virtude do que uma coisa é o que é, a essência de qualquer ser. Quando este significado de essência foi ao Ser divino, surgiram duas acepções distintas no curso dos debates. Se os homens olhavam para a Trindade santa sob o aspecto de uma só Divindade, havia apenas uma hypostasis, uma só essência divina. Se por outro lado olhavam para cada Pessoa na Trindade, então, aquilo pelo que cada Pessoa é o que é, a Sua hypostasis era necessariamente considerada como distinta e havia três hypostases. No primeiro caso, hypostasis, aplicada a uma só divindade, era tratada como equivalente a ousia; no outro caso, era tratada como o equivalente a prosopon. (W estcott , Commentary on the EpistU to the Hebrews, p. 13)
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3. O Filho sustenta todas as coisas pela Palavra do Seu poder O termo grego aqui traduzido como palavra não é logos (Àóyoç), o mesmo que foi aplicado ao Cristo pré-encarnado por João (Jo 1.1), mas remati (çq^axi), expressão ou dizer. A ideia não é de que Ele sustente todas as coisas por esforço, como um peso morto, mas naturalmente, pela simples emissão do Seu próprio poder. A expressão palavra do Seu poder parece ter sido um modo de falar comum entre os hebreus, sendo transmitido para o Novo Testa mento com o simples significado de palavra poderosa. Tem seu paralelo no E Deus disse, em Gênesis 1, em que os mundos vieram a existir em virtude de Seu pronunciamento ou expressão. A palavra pheron (
escritor da Epístola aos Hebreus coloca, assim, diante de nós, nesta afir mação — sustenta todas as coisaspela Palavra do Seu poder —, a infinita energia e o poder onipresente do Deus todo-poderoso, de maneira a inspirar-nos temor reverente e digno de nosso mais alto louvor. Adam Clarke observou que os escritores judaicos frequente mente expressavam a perfeição da natureza divina por frases como: “Ele sustenta todas as coisas em cima e embaixo”; “Ele conduz todas as Suas criaturas; Ele sustenta o mundo”; “Ele sustenta todos os mundos pelo Seu poder”. Isso é confirmado em Isaías 63.9, onde é dito que Deus tomou e conduziu o Seu povo todos os dias da antiguidade. Novamente, lemos algo parecido com isto, dito por Paulo em Colossenses 1.17b (a r a ): Nele, tudo subsiste. Lindsay expôs bem o assunto quando disse que: -------A preservação do universo, na verdade, requer o exercício contí nuo da mesmíssima força e do mesmo poder que lhe deram existência; e, se o braço mantenedor de Cristo fosse por um momento retirado, os inumeráveis sóis e galaxias que povoam o espaço ruiriam no pó e tornariam ao nada d o
qual
surgiram.
(L in d s a y ,
to the Hebrews, p. 37,38)
Lectures on the Epistle ____ _
4. O Filhofez a purificação dospecados Tendo declarado a glória do Filho, primeiro em Sua natureza absoluta (cóv) e, a seguir, em relação com os seres finitos ((j)£Qfflv)3 o escritor da Epístola aos Hebreus declara o propósito para o qual Cristo foi enviado ao mundo: para purificá-lo do pecado, para oferecer expiação por ele. A palavra katharismos (Ka0aQLUfj_óç) em Hebreus 1.3d — havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados ( a r c ) — geralmente significa purificação, como em Hebreus 9.14 — purificará a vossa consciência das obras mortas — e em 1 João 1.7 — o sangue de Jesus, seu Filho, nospurifica de todo pecado.
Na Septuaginta, katharismos, às vezes, tem o sentido de expiação, como em Êxodo 29.36 ( a r a ) — e purificarás o altar, fazendo expiaçáo por ele. Todavia, no grego helenístico, a palavra é frequentemente usada no sentido de expiaçáo e o texto em Hebreus 1.3d, então, seria: “Havendo feito por Si mesmo expiaçáo pelos nossos pecados”. Lowrie afirmou que katharismos significa a expiaçáo dos peca dos pelo ato de apagá-los. Este é, provavelmente, o sentido em que é usado em Hebreus 1.3d, segundo o indica uma afirmativa posterior: Mas este [Jesus], havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus (Hb 10.12). A expressão por si mesmo [em Hb 1.3d a r c ] indica que a expiação foi feita por Cristo sem a ajuda de anjos ou outros, sendo Ele, ao mesmo tempo, o Sacerdote e o Sacrifício, o Altar e o Incenso, e tudo o mais que é necessário para uma expiaçáo completa. Isto é demonstra do ainda pelo uso da voz média do verbo grego, indicando que o que Ele fez foi por Si ou de Si mesmo, por Seu próprio trabalho. A linguagem em que este fato da expiaçáo é apresentado é eviden temente uma referência à purificação pelo sacrifício sob a dispensação levítica e um cumprimento do que foi realizado simbolicamente no grande Dia da Expiação. A purificação [feita por Cristo] é, portanto, uma provisão e potência para a remoção dos pecados, sejam por ato, sejam por natureza. Aquilo que tem a virtude de purgar ou purificar o pecado foi feito, de uma vez por todas, pelo sacrifício vicário de Cristo na terra, antes de Sua ascensão aos céus. Isto prepara o leitor para o ensino principal da Epístola aos Hebreus: a obra sumo sacerdotal de Cristo.
5. Cristo assentou-se à direita da Majestade, nas alturas O herdeiro de todos os séculos e o criador dos mundos, tendo encarnado e, mediante Seus sofrimentos e Sua morte, feito expiação pelo pecado, conservou Sua natureza humana — continuou a ser
homem — , embora tenha sido exaltado novamente ao trono de Deus e esteja assentado à direita da Majestade nas alturas. Assentar-se à direita de Deus não significa apenas honra, apro vação e recompensa. Em um sentido mais profundo, significa a participação na dignidade e autoridade de Deus. Esta participação, bem como a ideia de uma obra terminada, é expressa pela ação assentouse. Nenhum sacerdote sob a antiga dispensação da Lei ministrava sem estar de pé, pois sua obra jamais terminava. ■f»
Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus, aguardando, daí em diante, até que os seus inimigos sejampostospor estrado dos seuspés. Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados. E disto nos dá testemunho também o Espírito Santo... Hebreus 1 0 . 1 2 - 1 5a a r a Convém que se entenda que a exaltação e a autoridade de Cris to foram concedidas a Ele como recompensa por Sua humilhação. Em Sua natureza divina, o Filho não poderia ser exaltado, porque já era infinitamente superior em majestade, glória e poder; por outro lado, se o nosso Mediador não fosse divino, não poderia assim ter partici pado da glória e do reinado divinos. A elevação de Cristo, portanto, ao trono do poder soberano à destra do Pai só pode referir-se ao que se chamou reinado intercessório, pois é descrito como resultado de Seu sacrifício expiatório: Tendo jèito expiação, assentou-se. A respeito da afirmativa asssentou-se à direita da Majestade, nas alturas, disse Ebrard: à ------------
Nunca e em pane alguma as Escrituras aplicam esta expressão [assentou-se] para denotar aquela forma de governo do mundo em que o Logos (ou Filho eterno) exerceu como eternamente pré-existente. O assentar-se à direita de Deus, antes, denota em todas as passagens apenas
aquela participação na majestade, no domínio e na glória divinos aos quais o Messias foi exaltado depois de consumada Sua obra. Portanto, é no tempo que [essa participação] é conseqüentemente exercida por Ele como o Filho do Homem gloriíicado sob a categoria de tempo. Já no Salmo 110.1, onde primeiro aparece a expressão, aplica-se ao futuro, ao segundo Davi, exaltado em um tempo futuro. (E brard , Biblical Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 27)
A MAJESTADE DO FlLHO DE DEUS COMO MEDIADOR
[Cristo foi] Feito tanto mais excelente do que os anjos, quanto herdou mais excelente nome do que eles. Hebreus 1.4 A partir de uma discussão sobre as glórias do Filho divino, em Seu estado primevo, e Suas relações pessoais com o Pai, o escritor da Epístola aos Hebreus passa a fazer uma consideração de Sua supremacia sobre os anjos como Deus-Homem. O modo repentino pelo qual o novo assunto é intro duzido pela primeira vez é um fenômeno peculiar da Epístola aos Hebreus. A despeito, porém, desse aparente caráter abrupto de tratamento, parece haver, na mente do autor da Epístola, suficiente motivo para a súbita transição. O Filho assentado à destra da Majestade nas alturas implica a ideia de miriades de anjos inclinados diante dele em adoração; daí a comparação formal entre eles. Os judeus tinham um alto conceito sobre os anjos. Acredita vam, como disse Estêvão, que sua Lei lhes fora dada por ministério de anjos (At 7-53 a r a ) , e Paulo afirmou que a Lei fo i posta pelos anjos na mão de um medianeiro (G13.19c). Os judeus, portanto, orgulhavam-se do fato de que milhares de anjos tinham sido empregados no estabe lecimento de sua Lei e, por essa razão, tinham grande estima por ela. Daí, porém, tiravam uma falsa conclusão. Argumentavam que, uma vez que a Lei lhes fora dada por seres tão gloriosos, jamais seria abrogada. O escritor da Epístola não nega as premissas dos judeus,
mas julga falsa a conclusão por eles tirada [ao afirmar que Cristo era mais excelente do que os anjos]. De acordo com Clarke: Os judeus tinham na mais alta estima a excelência transcendente dos anjos; chegavam a associá-los a Deus na criação do mundo, supondo que pertencessem ao concilio particular do Altíssimo. Assim é que entendiam Gênesis 1.26: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa seme lhança. O Senhor [teria dito], aos anjos que miniítravam diante dele, e que ibram criados no segundo dia, disse: “Façamos o homem à nossa própria imagem” (Targum de Jonatã ben Uzziel). E admitiam até que [os anjos] fossem adorados por causa do seu Criador e como Seus repre sentantes, embora náo admitam que sejam adorados por si mesmos. Como [os anjos] eram considerados logo abaixo de Deus (mas ne nhum com direito à adoração, senão Deus), o autor [da Epístola], com os próprios argumentos deles [dos judeus], prova que Jesus Cristo é Deus, porque Deus ordenou a todos os anjos do céu que o adorassem. Aquele, portanto, que é maior que os anjos e objeto de sua adoração é Deus. Mas Jesus Cristo é maior do que os anjos e objeto da adoração deles; portanto, Jesus Cristo tem de ser Deus. (C larjke, Commentary on the Epistle to the Hebrews, IV, p. 687)
Disse Lowrie: A maneira súbita pela qual este assunto de comparação [de Cristo] com os anjos é introduzido ocasiona certa perplexidade. Mas, a seguir, notamos que Moisés (Hb 2.2), Melquisedeque (Hb 5.10; 6.20) e Levi (Hb 7-5) são, por sua vez, alvo de comparação, num pequeno preâmbulo [...] Teremos também ocasião de observar, no autor [da Epístola aos Hebreus], maneira semelhante de introduzir mudanças de pensamento e aplicações óbvias e conclusões de declarações feitas. Podemos, portanto, considerar o fato como característica de estilo do autor. (Lowrie, An explanation o f the Epistle to the Hebrews, p. 11)
Os judeus acreditavam que Deus chegara a realizar julgamento na terra, a fim de enfatizar a grandiosidade da salvação, e confiara aos anjos a anunciação da Lei. Diziam: “A Lei do Senhor veio do Sinai [...], da Sua destra saiu uma Lei como fogo”; “os carros do Senhor são 20 mil, e os seus anjos, miríades”. Para os judeus, portanto, seria uma temeridade violar a santidade de uma aliança tão terrível. Tendo acompanhado a obra expiatória de Cristo até a Sua exal tação à destra do Pai, torna-se logo evidente que Aquele que ascendeu ao trono do poder soberano é manifestamente superior aos anjos em influência e autoridade. O escritor da Epístola, então, assegura aos judeus que a nova dispensação inaugurada [por Cristo] é superior à dos séculos anteriores e, qualquer que tenha sido a glória conquistada pela antiga dispensação por intermédio dos anjos, a nova é vastamente superior por ser administrada pelo Rei-Mediador. Contudo, o autor da Epístola aos Hebreus oferece também certo termo de comparação que possibilitaria aos judeus formar uma ideia quanto à extensão da superioridade de Cristo, que herdou mais excelente nome do que eles [os anjos] (Hb 1.4b a r a ) . Esse nome não apenas traz em si eminência, honra e distinção, como também mais eminência, mais honra e mais distinção. Além disso, o nome aqui usado não apenas indica uma diferença em grau, mas em espécie [entre Cristo e os anjos]. Ele está acima dos anjos, porque Seu nome lhe foi atribuído pelo Pai como herança por ser o Unigênito. Tendo-se tomado tão superior aos anjos (Hb 1,4a nvi). “Mas por que seria, para ele [o autor da Epístola aos Hebreus], de tanta importância efetuar essa comparação do Filho com os anjos?” Esta foi a pergunta feita por Ebrard, o qual, antes de dar a resposta, examinou as opiniões de Bleek, Tholuck e outros estudiosos. Ao passo que, para Bleek, “a crença dos israelitas na cooperação dos anjos quando da entrega da Lei no Sinai levou o autor [da Epísto la] a falar dos anjos”, para Ebrard, o verdadeiro motivo é mais profun do: “o Antigo Testamento inteiro está relacionado com o Novo, como os anjos estão com o Filho”.
Desde o Antigo Testamento, Deus condescendia em aproximar-se do Seu povo como o Anjo do Senhor. E, visto que Moisés foi exaltado a ponto de falar face a face com Deus (Ex 33.11 nvi), era necessário que o autor [da Epístola aos Hebreus] demonstrasse que es ses dois mediadores do Antigo Testamento deviam encontrar unidade superior em Cristo. Daí propor-se a demonstrar que o Filho foi maior que os anjos, como problema da primeira parte, e que Jesus tem sido considerado digno de tanto maior glória do que Moisés (Hb 3.3), como problema da segunda parte. * -!-----A mediação no Antigo Testamento é dupla; é uma cadeia con sistindo de dois membros, Moisés e o Anjo do Senhor. [Em Moisés], vemos um homem que foi exaltado acima dos outros e com os quais se coloca no mesmo nível como pecador; [logo, ele] aproxima-se de Deus, sem, no entanto, participar da natureza divina. [Já] o Anjo do Senhor possui uma natureza celestial e, por meio dele, Deus se revela ao Seu povo, tornando-se [em aparência, forma] semelhante aos homens, sem contudo tornar-se homem. Deste modo, Deus e o homem se aproxi mam, porém ainda não existe união reai de Deus com o homem. No Filho, contudo, a natureza divina e a humana se tornam uma só. Deus e o homem se tornam próximos um do outro não apenas na aparência [também na essência]. Assim, o Pai revela Sua plenitude em Jesus Cristo, Homem. E, na pessoa deste, encarnado, não foi um mero membro da humanidade que se aproximou de Deus, e sim um [co-eterno] nascido de uma virgem. Em Cristo, como as Primícias da nova humanidade, esta foi exaltada para a herança de todas as coisas. (E brard , Biblical Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 30) —
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Visto que o Verbo é o instrumento de comunicação entre Deus e os homens, a encarnação é a única porta para a comunhão e amizade com Deus. E uma vez que a divindade e a humanidade se combinaram na pessoa do Filho, Ele se toma não só a porta de acesso para a presença de Deus, mas também a porta para o pleno significado da vida humana.
O ARGUMENTO SÉTUPLO D O A n t ig o T
esta m en to
O autor da Epístola aos Hebreus, ao comparar o Filho com os dividiu o argumento em duas partes, com aquilo que se conhece como primeira advertência. A primeira seção (Hb 1.4-14) trata do Filho como superior aos anjos, em virtude de Sua existência eterna como Filho de Deus. Como existem sete declarações a respeito do Filho como a segunda pessoa da Trindade, temos sete declarações em defesa da superioridade do Filho sobre os anjos. Isto se refere especialmente ao Filho em Seu estado encarnado ou intermédiário. Segue-se a advertência quanto a negligenciar a tão grande salvação (Hb 2.1-4) e, depois disto, o argumento é retomado (Hb 2.5-8,16), onde se constata ser Cristo superior aos homens. Como os judeus tinham negado a filiação de Jesus, era neces sário que o escritor da Epístola demonstrasse que náo se tratava de uma revelação nova, mas que tinha como fundamento as próprias re ferências do Antigo Testamento. O argumento total é reforçado por sete citações das Escrituras, encontradas principalmente nos Salmos. E digno de nota que o autor da Epístola em parte alguma alude aos agentes humanos da revelação, mas apenas às fontes divinas. Nas sete citações usadas, aparece o verbo disse, explícito ou subentendido. Já em Hebreus 3.7, é ressaltado: como diz o Espírito Santo (Hb 3.7). Duas verdades estão intimamente relacionadas com essa ênfase sobre a au toria divina das Escrituras. Primeiro, estas exposições admiráveis devem ter sido inspiradas pelo Espírito Santo, pois só Ele poderia ter dado ao autor da Epístola a profundeza de significado e de visão para revelar as verdades sem par encontradas nesses textos do Antigo Testamento. Segundo, coordena do com a primeira premissa, está o fato de que a presença do Espírito, que inspirou estas verdades no Antigo Testamento, é igualmente necessária para revelá-las e interpretá-las no Novo. Daí a promessa culminante que nos foi dada no Novo Testamento de que Jesus, ao partir para o céu, enviaria outro Consolador, o qual, como Espírito da verdade, iria guiar-nos a toda a verdade (Jo 14.16).
A apresentação da divindade de Cristo, do ponto de vista do Antigo Testamento, teria importância peculiar para os judeus; tornaria completa e final a tese cristã. São citadas as seguintes passagens: 1— O Filho de Deus e a Sua herança: Proclamarei o decreto do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho; eu hoje te gerei. Pede-me, eeute darei as naçõespor herança (SI 2.7b,8 nvi ). 2— O Filho e a aliança de Davi: Eu lhe serétpor pai, e ele me serápor filho (2 Sm 7. l4a nvi). Expressão semelhante se encontra no Salmo 89.26,27: Ele me invocará, dizendo: Tu és meu pai, meu Deus, e a rocha da minha salvação. Também por isso lhe darei o lugar de primogênito;fá-lo-ei mais elevado do que os reis da terra. 3— O Filho de Deus e o Seu segundo advento: Confundidos sejam todos os que servem a imagens de escultura, que segloriam de ídolos inúteis; prostrai-vos diante dele todos os deuses (SI 97.7). 4— O Filho de Deus e a majestade do Seu Reino: Faz dos ventos seus mensageiros, dos seus ministros, um fogo abrasador (SI 104.4). 5— O Filho de Deus e a perpetuidade do Seu Reino: O teu trono, ó Deus, é eterno eperpétuo; o cetro do teu reino é um cetro de eqüidade. Tu amas a justiça e aborreces a impiedade; por isso. Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria, mais do que a teus companheiros (SI 45.6,7). 6— O Filho de Deus e a imutabilidade do Seu Reino: Desde a antiguidade fundaste a terra; e os céus são obra das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permanecerás; todos eles, como uma veste, envelhecerão; como roupa os mudarás, e ficarão mudados. Mas tu és o mesmo, e os teus anos nunca terão fim (Sl 102.25-27). 7— O Filho de Deus e a consumação triunfal: Disse o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés (Sl 110.1 nvi ).
1. O Filho de Deus e a Sua herança Feito tanto mais excelente do que os anjos, quanto herdou mais excelente nome do que eles. Porque a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, hoje te gerei? Hebreus 1.4,5a Nesses versículos, citados do Salmo 2, o pensamento flui com extraordinário brilho e força. Sem dúvida, as imagens evocadas são as da unção de Davi como rei de Israel, pois o Salmo, em si, é messiânico. Isto é evidente porque: (1) está em harmonia com numerosas outras passagens messiânicas e (2) foi explicitamente mencionado pelos após tolos, aplicado ao Messias (At 4.25-28). Para bem compreender o argumento que o autor da Epísto la aos Hebreus extrai dessas passagens veterotestamentárias, deve-se sempre ter em mente que a palavra Filho, conforme é empregada em Hebreus 1.5 — Tu és meu Filho, hoje te gerei?—, náo se refere primor dialmente ao Filho como segunda pessoa da Trindade, embora isto se ache implícito em cada uma das passagens antes citadas, mas ao Filho de Deus como Homem. Tal característica abrange náo somente a encarnação, em que o Filho assumiu a natureza humana, mas também todo o escopo e toda a dignidade do Homem-Deus, depois manifesto na Sua ressurreição, as censão e Seu assentamento à direita do Pai. Isto nos traz até o primeiro ponto a ser provado, isto é, a superioridade de Cristo sobre os anjos em Sua obra intercessória. O argumento, conforme é extraído deste texto, inclui três passos importantes: o nome, a herança e o primogênito. A referência ao Salmo 2 é a seguinte: Recitarei o decreto: O SE NHOR me disse: Tu és meu Filho; eu hoje te gerei (SI 2.7). A herança é mencionada no versículo seguinte: Pede-me, e eu te darei as nações por herança e os confins da terra por tua possessão (SI 2.8). Paulo aplicou o primeiro texto à ressurreição: Deus [...] ressuscitando a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo:
Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei (At 13.33 n v i ). Cristo foi declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos (Rm 1.4). João fez uma alusáo semelhante em Apocalipse 1.5: Jesus Cristo, que é a fie l testemunha, o prim o gênito dos mortos e o príncipe dos reis da terra. O argumento da herança se baseia no melhor nome [de Cristo] e na universalidade de Sua extensão. 1— A palavra onoma (óvo|aa), que aqui aparece como nome, é traduzida como título por alguns e como dignidade por outros. Nome é aquilo que coloca diante do nosso espírito o que uma pessoa é em si mesma, sendo o nome de Deus ou de Cristo aquilo que abrange o todo da natureza, dos atributos e da obra dele reve lados. Por isso, o nome designa o que o Messias deve ser segundo as Escrituras. Disse Westcott: j ------Pelo nome devemos compreender, provavelmente, náo o nome do Filho simplesmente, embora este seja aplicado a Cristo como parte dele, mas o nome que sintetizou tudo o que os crentes acharam que Cristo é, a saber, o Filho, Soberano e Criador, o Senhor do Antigo Testamento.
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A palavra kreitton ( k q e l t t c o t ] ) , traduzida como melhor ou mais excelente, não raro significa diferente (Rm 12.6) ou excelente (Hb 8.6), mas, na presente acepção, diferente por superioridade. O verbo genomenos (y£vó|aevoç), traduzido como tendo-se tomado ou feito [em Hebreus 1.4: Feito tanto mais excelente do que os anjos[ é prova adicional de que a alusão aqui é a Cristo como Filho encarnado. Todavia, como observamos anteriormente, não está excluída a natureza divina, pois ela está na base de Sua obra redentora, nesta e em todas as outras passagens.
2 — A herança explica como a designação Filho v pertencer a Jesus em um sentido peculiar, diferente do de outra criatura qualquer. Esta herança, pela qual Ele transcende os anjos em dignidade e glória, está diretamente ligada à Sua encarnação. A insígnia Filho lhe pertenceu desde toda a eternidade como se gunda pessoa da Trindade. Quando da encarnação, porém, Ele assumiu a natureza humana e tornou-se Deus-Homem — verda deiramente divino e humano. Sua natureza humana adquiriu ou herdou a qualificação de Filho também. Isto foi em virtude da união da natureza humana com a divina e também em virtude da obra feita nesta natureza [híbrida] e por meio dela. Assim, pois, registrou Lucas [as palavras do anjo Gabriel a Maria]: Este [Jesus] será [...] chamado Filho do Altíssimo (Lc 1.32). O uso do tempo perfeito [no verbo grego traduzido como] herdou implica que o título de Filho que Cristo recebeu na ordem eterna con tinua a ser Seu na ordem temporal de Sua vida encarnada. A natureza humana que Ele assumiu está tão inseparavelmente unida à Sua pessoa como Homem-Deus que é exaltada à destra de Deus e ali se torna uma presença capaz de interceder por nós. A essência do argumento [do autor da Epístola aos Hebreus], portanto, é esta: Jesus Cristo, como Filho encarnado do Pai, sobrepuja infinitamente em glória, pois a qual deles [dos anjos] Deus disse: Tu és meu Filho, hoje te gerei? (Hb 1.5a). O Filho é muito superior em excelência aos anjos. Nessa mesma proporção, a Sua administração celestial é superior à deles. Os anjos podem servir-nos; só o Filho pode ministrar o Espírito dentro de nós. -*
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perfeito kekleronomeken
(K £K A r|Q O V Ó |J.E K £V ),
herança,
dá
ênfase à possessáo presente do nome que foi herdado pelo Cristo que ascendeu aos céus. Aquilo que fora proposto no conselho eterno se realizou quando a obra de redenção foi completada. A posse do nome — eternamente dele — foi, em nossa maneira humana de falar,
conseqüente à encarnação e o resultado permanente dela. (W estcott ,
Epistle to the Hebrews, p. 17) ---- r
3 — O mesmo texto do Salmo 2 — Tu és meu Filho hoje, te gerei — usado pelo autor da Epístola em Hebreus 1.5a foi usado por Paulo, para referir-se à ressurreição de Jesus, em Atos 13.33 (a r a ) . O Filho foi, na verdade, o Unigênito do Pai antes de todos os mundos, e a divindade do Filho é necessariamente o ali cerce da encarnação e da ressurreição; do contrário, excluiria a Sua obra como Mediador. Mas o Filho também foi gerado novamente na ressurreição, o que assinalou a plena realização da humanidade de Jesus, desde o Seu estado de humilhação até o de glorificação e exaltação. Foi na ressurreição que Cristo venceu a morte como penalidade do pecado. Aqui o Filho de Deus, como Filho do Homem, entrou em Sua glória, o que se vê claramente na oração sumo sacerdotal de Jesus: E, agora, ghrifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse (Jo 17.5). Paulo fez afirmação semelhante quando falou de Cristo como sendo da descendência de Davi segundo a carne, declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos (Rm 1.3,4). As palavras este dia se referem mais propriamente, então, ao dia da ressurreição, em que Deus apresentou a prova mais cabal de que Jesus era tanto inocente como justo. O poder miraculoso pelo qual foi levantado dentre os mortos o declarou Filho de Deus, e o Seu corpo, que jamais viu a corrupção, foi ressuscitado em forma de corpo espiritual — o Primogênito dentre os mortos e as Primícias dos que dormem (1 Co 15.20). O problema com que se defrontam os judeus cristãos, a respei to da divindade do Filho em Seu aspecto messiânico, é talvez apresen tado da forma mais hábil por Ebrard, como segue:
Não devemos esquecer duas coisas, se quisermos bem apreender o significado e o argumento deste versículo: 1) que o autor simplesmente testifica quanto à divindade de Cristo (Hb 1.2-3) como coisa já conhecida pelos leitores por meio da pregaçáo apostólica e por eles reconhecida, sem julgar necessário apresentar provas para esta doutrina; 2) por esta mesma razão, o objetivo do versículo 6 não é provar que o Messias é o Filho de Deus, mas que Ele, sabendo-se idêntico ao Filho de Deus, é, mesmo na dispensação do Antigo Testamento, colocado acima dos anjos. Era neste ponto que os leitores precisavam ser instruídos. Não tinham eles dúvidas quanto ao caráter messiânico de Jesus, mas toda esta revelação messiânica lhes parecia ainda apenas um apêndice da revelação mosaica, concedida tão-somente por causa de Moisés e de Israel, apenas um ramo florescente da religião de Israel. Ainda tinham de ser levados a conhecer que a divin dade dAquele que era o Órgão do Novo Testamento e Sua revelação necessariamente envolvem Sua elevação divina acima dos órgãos do Antigo Testamento; que a velha dispensação terminou com a nova e esta visava a toda a humanidade; a antiga não. Isto é o que lhes tinha de ensinar e é precisamente o que se propóe a provar nestes versículos, sendo a prova extraída da divindade de Cristo, já reconhecida pelos leitores. (Ebrard, Biblical Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 46)
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2. O Filho de Deus e a aliança de Davi O escritor prossegue com outra citação, destinada a demons trar a superioridade do Filho sobre os anjos. O texto, contudo, aborda o assunto em ordem reversa: E outra vez: Eu lhe serei por Pai, e ele me serápor Filho'' (Hb 1.5b). Essas palavras evocam o episódio citado em 2 Samuel 7.8-1-7. O mesmo pensamento encontra-se no Salmo 89.26,27. Historica mente, elas estão associadas à aliança de Deus com Davi e à promessa que Ele lhe fez de um filho — Salomão — , que reinaria em lugar de Davi e cujo reino sobrepujaria qualquer outro em glória. Essas palavras, porém, sempre receberam um significado mais amplo, antecipando o
Filho [de Deus], preexistente, o Messias, o Cristo, que viria da Semente de Davi e edificaria um Reino glorioso. Este foi o Reino que nosso Senhor começou a estabelecer enquanto estava na terra: um reinado espiritual no coração dos homens. Assim, Paulo falou do Reino como algo interior — um reino de justiça, paz e alegria no Espírito Santo (Rm 14.17). Este Reino, po rém, há de chegar à sua plena consumação em um reinado náo apenas dentro do coração dos homens, mas também exterior e sobre todas as coisas. Só quando todas as coisas estiverem sujeitas a Cristo poder-se-á dizer que o Reino chegou à sua plenitude (Hb 2.8). E disto, então, que o autor da Epístola aos Hebreus trata no estágio seguinte de seu pensamento (Hb 1.6).
3. O Filho de Deus e o Seu segundo advento E, quando outra vez introduz no mundo o Primogênito, diz: E to dos os anjos de Deus o adorem (Hb 1.6). A peculiar construção em grego levou a muita controvérsia a respeito deste versículo. O Dr. Adam Clarke assim o traduziu: “Mas quando introduz de novo, ou pela se gunda vez, o Primogênito no mundo habitável...”. Talvez a paráfrase de Stuart apresente o pensamento com maior clareza: “Além disso, quando, em outra ocasião, introduz Seu Primogênito no mundo, diz: E todos os anjos de Deus o adorem ”. As provas de que o Filho é superior aos anjos, no versículo 3, com base na herança e em um nome melhor, com efeito estão encerra das, oferecendo-se agora argumentos de outra espécie. O primeiro diz respeito à majestade do Filho e refere-se ao Reino messiânico, em que o lugar atribuído aos anjos é meramente o de espectadores em adoração. Este novo aspecto do argumento se fundamenta em um ver sículo que se conhece como Salmo do Segundo advento (SI 97.7). Na versão Almeida Revista e Corrigida, mais fiel ao texto hebraico, a de claração é: Prostrai-vos diante dele todos os deuses. Mas, visto que o
autor da Epístola aos Hebreus se baseia na Septuaginta [a versão em grego das Escrituras], ele usa a palavra anjos, conforme se encontra em Hebreus 1.6. Evidentemente, o autor da Epístola usou as palavras no mesmo sentido que o salmista. Por isso, não se referiu a Cristo como o unigênito Filho de Deus em Sua divindade essencial, nem como o Filho de Deus encarnado em Sua humilhação, mas ao Filho em Sua volta gloriosa, o segundo advento. Duas palavras de grande importância dão respaldo a esta interpretação. A primeira, traduzida como mundo, é oikoumene (ó ÍK O V |a£yq ). Significa mundo habitável ou habitado. Ela se distingue, assim, de kosmos ( kóct[í o ç ) , que se refere à terra, à parte de seus habi tantes, e é usada quanto à vinda de nosso Senhor ao mundo ao tempo de Sua encarnação. Mas, em Hebreus 1.6, a palavra usada foi oikoumene para expressar a segunda aparição do Filho de Deus. A segunda palavra importante usada em Hebreus 1.6 foi traduzida como primogênito, vem de prototokos (nQOfoTOKOç), que se deve ter a cautela de distinguir de monogenes (^lovoyeríç), unigê nito. A primeira descreve as relações de Cristo para com os homens em Sua humanidade glorificada; a última, a relação peculiar do Filho para com o Pai na Trindade. Se tivesse sido usada neste texto a palavra Filho (víoç), poderia parecer que ela se referia à ressurreição, o que, em certo sentido real, era um segundo aparecimento de Cristo entre os homens. Todavia, a palavra primogênito é usada e, visto que se refere à ressurreição, a frase E, novamente, ao introduzir o Primogênito no mundo (Hb 1.6a n v i ) só se pode aplicar ao Seu aparecimento glorioso no segundo advento. A-----Gegenneka (y£y£VVT]Ktt), gerado, assinala a comunicação de uma vida nova e permanente representada, no caso do rei terreno, pela dignidade real e, no caso de Cristo, pela soberania divina esta belecida pela ressurreição do Filho encarnado em que a Sua ascensão estava também incluída (At 13.33; Rm 1.4, 6.4; Cl 1.18; Ap 1.5). (W e s tc o tt,
Commentary on the Epistle to the Hebrews, p.
21)
Eis como pode ser resumido o argumento do autor da Epístola Hebreus: 1. Tanto Paulo como João usaram o termo Primogênito ligado à ressurreição. 2. A citação indica, em outra ocasião, o Filho como o Primogêni to no mundo habitável. Isso só se poderia dar, portanto, após a ressurreição e ascensão. 3. As palavras E, quando outra vez introduz no mundo o Primogê nito (Hb 1.6) podem referir-se somente ao Cristo glorificado voltando ao mundo que redimiu e do qual chamou muitos filhos para a Sua glória. 4. A palavra mundo, conforme empregada em Hebreus 1.6, significa o mundo habitável dos homens. Um estudo atento do Salmo [97] mostra que o Senhor Jeová reinará sobre a terra habitada, os mon tes se derreterão como cera, os céus declararão a justiça de Deus e todo o povo verá a Sua glória. Tudo o que existe no céu e na terra se curvará diante dele. E admirável, pois, que os seres mais elevados que conhecemos — os anjos são, às vezes, designados como eloim (deuses) — recebessem igualmente ordem de adorar Aquele que é o resplendor da glória do Pai e a expressa imagem da Sua pessoa? 5. A maior prova, porém, de que o Salmo [97] se refere ao Reino mes siânico, e, como tal, foi citado pelo autor da Epístola aos Hebreus, encontra-se nas palavras de Cristo: E, quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os santos, anjos, com ele, então, se assentará no trono da suaglória. Porque o Filho do Homem virá naglóriadeseu Pai, com os seus anjos; e, então, dará a cada um segundo as suas obras (Mt 25.31; 16.27; 1 Ts 4.13-18; 2 Ts 1.7-10; Jd 14; Ap 1.7). Westcott afirmou: Todas as interpretações que relacionam esta segunda introdu ção do Filho no mundo com a encarnação são insustentáveis. Os
comentadores patrísdcos com razão detêm-se na diferença entre Unigênito, que descreve a relação absolutamente peculiar entre o Filho e o Pai, e Primogênito, que descreve a relação entre o Cristo ressuscitado em Sua humanidade glorificada e o homem. (Westcott, Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 22,23) ---- r
O Dr. Adam Clarke declara que a ressurreição foi, na verdade, náo uma segunda introdução do Filho no mundo, porém a primeira introdução do Primogênito, como o próprio nome sugere. Logo, a segunda introdução náo é a do Filho como tal, mas do Primogênito, a qual, como compreendemos, só se pode aplicar ao segundo advento, pois esta será a segunda vez que o Primogênito virá ao mundo.
4. O Filho de Deus e a majestade do Seu Reino E, quanto aos anjos, diz: O que de seus anjosfa z ventos e de seus ministros, labareda defogo. Hebreus 1.7 Tendo falado do advento glorioso do Filho, o autor da Epístola se adianta em relação à ideia da majestade do Seu Reino. Faz citação do Sal mo 104, conhecido por alguns como o Oratório da Criação. Neste Salmo, o nome Jeová ocorre dez vezes e, em cada uma, descreve a grandeza de Deus na criação: Ele égrandioso; está revestido de honra e majestade; cobrese de luz como de um vestido e estende os céus como cortina (v. 1,2). Põe nas águas os vigamentos das suas câmaras, fa z das nuvem o Seu carro e caminha sobre as asas dos ventos (v. 3). Chega, então, o grande clímax: Faz dos ventos seus mensageiros, dos seus ministros, um jbgo abrasador (v. 4). Isto náo po deria deixar de sugerir ao leitor judeu os fenômenos que acompanharam a entrega da Lei no Sinai e desenvolveram-se depois no contraste entre os montes Sinai e Siáo (Hb 12.18ss). Existem várias interpretações deste texto [SI 104.4] no que se refere à natureza dos anjos:
1. Os anjos servem a Deus de maneira táo verdadeira, no sentido espiritual, como os ventos e os relâmpagos, no reino físico. 2. O texto se refere ao caráter da obra dos anjos: Deus faz os Seus anjos velozes como os ventos e os Seus servos rápidos, terríveis e irresistíveis como o relâmpago. 3. O texto fala de mensageiros no sentido geral, abrangendo todos os ministros de Deus, desde as forças impessoais mais ínfimas às inteligências mais elevadas próximas ao trono. Verifica-se ser esta posição do bispo Martensen, o qual achava que os anjos di ferem dos homens por representarem um grande poder único, enquanto no homem, embora em medida finita, entram todas as forças da natureza divina. 4. Os anjos seriam seres evanescentes que Deus pode transformar em ventos e relâmpagos, não sendo, portanto, imutáveis, como o é o Filho. Contudo, o propósito do autor da Epístola não é discutir a natureza dos anjos, mas exaltar a soberania do Filho e o ministério dos anjos em sujeição a Ele. A grandeza dos anjos, ágeis como os ventos na obediência e destruidores como os relâmpagos no poder, serve para exaltar a majestade do Rei e as forças poderosas ao Seu dispor. O Dr. Adam Clarke citou o seguinte texto, extraído de escritos judaicos, e comentou-o em relação a Hebreus 1.7: j -----O anjo respondeu a Manoá: “Não sei em que imagem sou feito, pois Deus nos transforma a todas as horas; às vezes, em fogo, às vezes, em espírito, outras vezes em anjos”. É muito provável que aqueles que são chamados anjos não estejam confinados a nenhuma forma específica, mas assumam vários aspectos e aparências segundo a natureza da obra em que são empregados e a vontade de seu empregador soberano. Esta parece ter sido a antiga doutrina judaica sobre o assunto. (C larke,
Commentary on the Epistle Hehrews).
5. O Filho de Deus e a perpetuidade do Seu Reino Mas, do Filho, diz: Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos, cetro de eqüidade é o cetro do teu reino. Amaste a justiça e aborreceste a iniqüidade; por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria, mais do que a teus companheiros. Hebreus 1.8,9 Essa passagem assinala outro passo na gradação de pensamento do autor da Epístola a respeito da dignidade do Filho. Primeiro, há uma referência à gloriosa volta de Cristo, depois uma descrição de Sua majestade e de Seu poder como Rei, e agora uma alusão ao esplendor de Seu Reino milenar. Esta citação é do Salmo 45, que tem sido con siderado como inteiramente messiânico. O Targum caldaico interpreta o segundo versículo assim: “A tua beleza, ó Rei-Messias, é maior do que a dos filhos dos homens” (Sl 45.2), enquanto Teodureto, falando pela Primeira Igreja Cristã, disse: “Este é um salmo do Amado, isto é, para o amado Filho de Deus”. O autor da Epístola aos Hebreus endossa, de maneira enfática, o Salmo, citando os versículos 6 e 7 na íntegra. Três coisas lhe desper tavam a atenção: a perpetuidade do Reino, o Reinado justo do Rei e a unção com óleo de alegria. 1— A perpetuidade do Reino está expressa nas palavras: O teu trono subsiste pelos séculos dos séculos (Hb 1.8a). Aqui o Filho é invocado como Deus — declaração de grande significado. Observou Lowrie: É digno de nota que, no versículo 8, o autor não hesite em escrever inequivocamente: Ó Deus, dirigindo-se ao Filho, no vocativo. E à medida que entretece a linguagem citada, envolve de
tal modo o versículo 9 que se conserva a mesma construção ali e temos de ler: Deus, o teu Deus. A aplicação, nos versículos 10-12, da linguagem originalmente usada para Deus está no mesmo espírito. Os versículos 8-12, portanto, são testemunho apostólico do mais inequívoco da divindade de Jesus Cristo”. (L ow rie , An explanation ofthe Epistle to the Hebrews, p.23,24)
Aqui encontramos também outro contraste entre o Filho e os anjos. O Filho tem um trono divino; os anjos; nenhum. Ele é o seu Senhor; eles são Seus súditos. 2 — A justiça do Reino se baseia no verdadeiro caráter do Filho, como se vê em Sua humilhação: Amaste a justiça e aborreceste a iniqüidade (Hb 1.9a). Nos versículos que precedem a passagem do Antigo Testamento, o salmista descreve a majestade do Rei em linguagem inflamada: Cinge a tua espada à coxa, ó valente, com a tua glória e a tua majestade. E neste teu esplendor cavalga prosperamente (SI 45.3,4a). Esta exibição bélica não é meramente por causa da posse do poder, mas, como o salmista tem o cuidado de acrescentar: Pela causa da verdade, da mansidão e da justiça (SI 45.4b). Em suma, a glória do reinado de Cristo está no fato de que Ele é uma influência moral sobre os súditos. Ele é o Fundador de um Reino de justiça. Em todo o Seu Reino, onde quer que Ele empunhe o cetro, é um cetro de justiça, e todos os tronos e domínios, humanos e angélicos, exercem justo poder sob o Seu Reinado majestoso de justiça. 3 — A unçáo com óleo de alegria sobre os Seus companheiros simboliza, para o autor da Epístola aos Hebreus, o Cristo a quem o Espírito foi concedido sem medida. Primeiro ele falou de Cristo como Rei eterno e como Rei de justiça; agora o apresenta como Rei ungido.
Existem duas palavras que significam unçáo: uma vem do verbo aleipho (áA£Í0ffi), que significa ungir com óleo, festiva ou medicinalmente, ou como homenagem a alguém; a outra é de chrio (xç»lcD), que se refere à concessão de poder, como no caso de sacerdotes ou reis. No Novo Testamento, esta última sempre se refere à unção do Espírito Santo, o qual, durante a vida do Senhor na terra, teve lugar quando do Seu batismo. Foi, então, que Ele ingressou oficialmente em Seu ministério. Logo, o significado das duas palavras parece estar presente nas expressões óleo de alegria ou óleo de gozo. Contudo, Cristo não foi ungido somente com o óleo de alegria acima de Seus companheiros; foi ungido também para dar o óleo de alegria, em lugar de pranto (Is 61.3 nvi). A palavra echrisen (éxQLcr£V)> ungido, conforme é usada no texto, parece provir da cerimônia de co roação de um soberano com alegria, como em um banquete real. As sim, o autor da Epístola tornou claro que Cristo foi ungido pelo fato de ter amado a justiça e aborrecido a iniqüidade. Esta justiça não era Sua apenas por causa de Sua divindade, mas também por causa de Sua fidelidade [ao Pai] na terra. Igualmente, o trono foi Seu por ser Ele o herdeiro de todas as coisas. Mas, como Filho do Homem, foi exigido de Cristo que o con quistasse de novo. Assim, pois, quando da ascensão, sentou-se à destra do Pai, e devemos considerar a unção dele como a consumação da Sua glória real; como a ocasião em que Ele recebeu a promessa do Pai. Foi a este respeito que Pedro falou no sermão do Pentecostes, quando disse: De sorte que, exaltado pela destra de Deus e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis (At 2.33). O dom do Espírito Santo, então, é dádiva de Cristo para a Igreja, e não para o mundo. Esta verdade, que é tão claramente apre sentada no Evangelho de João, aparece na expressão: Por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria, mais do que a teus companheiros (v. 9b). A palavra companheiros vem de metochos (|J£ toxoç ), que significa participante, sócio ou associado e, embora
às vezes seja aplicada aos anjos, pode também aplicar-se àqueles que Cristo redimiu de pecados. Em suma, como Ele' próprio foi ungido com óleo de alegria, do mesmo modo, unge o Seu povo, pois o Seu Reino é um reino de justiça, paz e alegria no Espírito Santo.
6. 0 Filho de Deus e a imutabilidade do Seu Reino E: Tu, Senhor, no princípio, fundas$e a terra, e os céus são obra de tuas mãos; eles perecerão, mas tu permanecerãs; e todos eles, como roupa, envelhecerão, e, como um manto, os enrolarás, e, como uma veste, se mudarão; mas tu és o mesmo, e os teus anos não acabarão. Hebreus 1.10-12 Esta passagem é uma citação do Salmo 1 0 2 ( n v i ) , que tem por título: Oração do aflito que, desfalecido, derrama o seu queixume perante o Senhor. É o apelo de um exilado que, do profundo de sua aflição, espera confiantemente de Jeová a Sua intervenção em favor de Siáo. No texto da Septuaginta, usado pelo autor da Epístola, a pala vra Senhor se encontra na primeira parte da sentença (SI 102.1), dando origem à tradição de que Deus estava assim se dirigindo ao Messias como Deus. Este é claramente o parecer do escritor. O Salmo encontra seu cumprimento perfeito nos sofrimentos de Cristo. O clamor do aflito, seu momento de maior intensidade nas palavras: Deus meu, não me leves no meio dos meus dias (SI 102.24a). Que semelhança com o clamor agonizante do Salvador no Getsêmani, ao enfrentar a ignomínia da Cruz! Em meio ao forte clamor e às lágrimas, vêm as palavras reconfortantes: Tu, cujos anos alcançam to das as gerações (SI 102.24b), novamente se dirigindo a Deus. A seguir, enaltecendo a preexistência eterna do Criador dos céus e da terra, [o salmista] lembra: Desde a antiguidadefundaste a terra; e os céus são obra,
das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permanecerás (Sl 102.25,26a). Elas serão enroladas por Ele como roupas e serão transformadas, mas Deus é para sempre o mesmo, e os Seus anos jamais terão fim (v. 26b,27). Existe em Hebreus 1.1-12, como nas citações anteriores, um notável progresso na linha de pensamento, que reside no fato de que, como Jesus enfrentou a morte e triunfou sobre ela, sendo gerado em uma ordem nova e eterna, assim também, como Criador, tem poder para transformar os céus e a terra, para que se harmonizem com esta nova ordem de ser. Cristo é asprimícias dos que dormem (1 Co 15-20b). Na ressurreição, os santos receberão um corpo como o corpo glorioso, imortal e incorruptível de Cristo. Essa nova ordem exige um novo ambiente. Como um vestido, os céus e a terra atuais envelhecerão; já terão cumprido a sua finali dade. Mas Cristo, que sempre teve poder para dar a Sua vida e para tornar a tomá-la, tem poder também para enrolar a presente ordem qual um vestido, transformá-la e, a partir dela, inaugurar, segundo a Sua promessa, novos céus e nova terra, em que habita a justiça (2 Pe 3.13b). Mas, seja na crise da morte, seja na do universo, nosso Senhor permanece imutável e inalterado. j
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A palavra diamenein (&UX|1€V£LV) indica a permanência, em uma só condição, ao longo de todas as vicissitudes do tempo (Sl 119.90; 2 Pe 3.4). As Escrituras, na verdade, ensinam um telos (T£ÀOÇ), o fim do mundo (Mt 24.14), uma transformação da forma presente (dxf] (-i£X) (1 Co 7.31); o passar do céu e da terra (Mt 5.18; Lc 21.33; 1 Jo 2.17; Ap 20.11); a dissolução dos elementos (2 Pe 3.12), mas, de modo algum, ensinam o aniquilamento de sua existência, mas antes uma regeneração, um novo nascimento do mundo, com a transformação que naturalmente o acompanhará. A doutrina da eternidade do mundo deve igualmente ser repudiada com a do aniquilamento futuro. Sua transformação em uma for ma de existência nova e mais nobre, por intermédio do mesmo
Senhor, é efetuada, e isso de acordo com o propósito e a von tade divina, de sorte que a sua destruição não deve associar-se à exaustão das forças primitivas, operada pela corrupção natural do tempo, nem por quaisquer ciclos regulares de revolução, pelos quais, a intervalos definidos e de acordo com leis imutáveis, a criação se resolva em seus elementos e seja remodelada em novas formas e combinações para outras finalidades.
(L a n g e ,
Commentary
on Hebrews, p. 41)
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Assim como o mundo náo foi criado por uma evolução natural, também não será transformado por um processo de exaustão. Como o corpo natural do homem há de transformar-se em um corpo glorificado pela ressurreição operada pelo Senhor, assim também a terra (da qual o corpo do homem foi criado) passará por uma transformação semelhante, envolvendo tanto o mundo físico, que será glorificado, como a ordem moral, pois na nova terra habitará a justiça.
7. O Filho de Deus e a consumação triunfal E a qual dos anjos disse jamais: Assenta-te à minha destra, até que ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés? Não são, porventura, todos eles espíritos ministradores, enviados para servir afavor daqueles que hão de herdar a salvação? Hebreus 1.13,14 Essa citação final é do Salmo 110, a respeito do qual disse uma vez Lutero que “era digno de ser recoberto de pedras preciosas”. Este é o Salmo que menciona o sacerdócio de Cristo segundo a ordem de Melquisedeque, ao qual o escritor da Epístola dá muita atenção nos capítulos posteriores de Hebreus. E também aquele sobre o qual Jesus meditou e que citou aos fariseus para provar que o Messias era o Senhor de Davi. O mesmo texto foi citado
por Pedro no Dia de Pentecostes como prova da ascensão de Jesus e do prometido dom do Espírito Santo (At 2.33-35). Foi mencionado duas vezes nesta Epístola (Hb 1.13; 10.12,13). E evidente que a alusão em Hebreus 10.12,13 não é apenas ao Logos eterno ou Filho preexistente, mas ao Filho encarnado, o qual, mediante Sua humilhação, morte e ressurreição, voltou ao trono de Seu Pai; e no trono de honra, à destra do Pai, espera até que Seus inimigos sejam feitos estrado dos Seus pés no Dia de Sua segunda e gloriosa aparição. A respeito da promessa Até que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seuspés (Hb 1.13b nvi ) surge a questão: o autor da Epístola pretendia assinalar o término do ministério intercessório ou referia-se meramente à consumação do triunfo anterior? Paulo, em sua Primeira Carta aos Coríntios, evidentemente se referiu a isto quando disse: Depois, virá o fim , quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império e toda potestade eforça. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés (1 Co 15.24,25). O Reino que o Filho entregará ao Pai tem de ser tomado por força. No estágio inicial, é o Reino da graça no coração dos crentes; na sua consumação, é o Reino de glória, inaugurado no segundo advento de Cristo. O presente Reino da graça é a prepa ração para o vindouro, da glória. O u seja, as profecias messiânicas não se cumprirão de maneira cabal até que tenha sido removida toda a maldição do universo criado e o domínio perfeito de Deus seja restabelecido, pois como observou Lange: “A cristocracia é a forma plenamente revelada de teocracia que abrange o mundo todo”. Paulo fez outra declaração: E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas [a Cristo], então, também o mesmo Filho se sujei tará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos (1 Co 15.28). Aqui devemos entender que a referência não é ao Filho como o Logos eterno, mas ao Filho como o Cristo
encarnado, cuja dispensação redentora chegará ao término quan do de Sua segunda vinda. Ele virá, então, não mais como oferta pelo pecado, mas como Juiz para julgamento, e o governo deste mundo voltará a ser aquele que existia antes do presente primado de misericórdia. Deus será tudo em todos, e a Trindade reinará em um universo completamente redimido e restaurado; uma pátria melhor, a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor éDeus (Hb 11.10). Finalmente, em Hebreus 1.14, temos g menção dos anjos como espíritos ministradores, enviados para servir àqueles que serão os herdeiros da salvação. Existe uma distinção aqui. A primeira palavra para ministrar é leitorgika (ÀeixouQyiKá), que indica um serviço sagrado ou litúrgico (Hb 8.6—9.21); enquanto a segunda palavra é diakonian, (óiaKOViav), que denota ajuda pessoal. Eis como se poderá bem traduzir a frase: Espíritos ministradores, envia dos para serviço. O particípio presente apostellomenoi (aTtocxT£ÀAó|a£voi) signi fica habitualmente enviados, isto é, comissionados para servir naquela forma habitual de ação que provém de sua natureza e corresponde ao seu destino. A súmula do argumento, portanto, é que Cristo é maior do que os anjos, porque é o Filho de Deus encarnado; os anjos são apenas espíritos ministradores que refletem o cuidado providencial do Senhor para com os remidos. Jacó teve a visão de anjos de Deus subindo e descendo; o servo de Eliseu, com os olhos espirituais abertos por Deus pela oração do profeta, viu montanhas cheias de carros dos exércitos celestiais e os Seus cavaleiros. Sem dúvida, se os nossos olhos assim fossem tocados pelo Senhor, também veríamos o que o autor da Epístola aos Hebreus ensinou tão claramente: que os ares estão cheios de anjos como mensageiros de misericórdia, servindo ao povo de Deus. As Escrituras estão cheias de alusões aos anjos, o que deveria dar-nos uma nova visão do cuidado protetor de Deus. O anjo do Senhor
acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra (SI 34.7). Porque aos seus anjos [o Senhor] dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos (SI 91.11). Os anjos vieram e serviram Jesus após a Sua tentaçáo no deserto (Mt 4.11). Eles também nos servem nos mo mentos cruciais, quando Deus envia ajuda do alto.
N
otas
1— O ao risco é um aspecto verbal na língua grega usado para exprimir uma ação pura e simples (aspecto zero, momentâneo ou pontual). No particípio passado, como é o caso no versículo, denota que a açáo ocorreu em um certo momento não especificado do passado. (Fonte: http:// pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_grega_antiga) 2— O aoristo exprime a açáo pura e simples sem que se cogite a duração ou o término dessa ação. 0 aoristo indicativo exprime um fato passado, tio qual a duração breve ou longa não tem nenhu ma importância para o sujeito falante. Ao empregar o aoristo, o sujeito falante objetiva apenas a ação em si mesma, sem lhe importar o grau de conclusão da mesma. (Fonte: http://www. filologia.org.br/anais/anais%20III%20CNLF33.html)
Na língua grega, as desinências unidas à raiz da palavra (afixos) indicam, além do gênero e do nú mero da palavra, a função sintática dela na frase. Basicaniente, o nominativo é o caso do sujeito; o acusativo marca a extensão no tempo e no espaço; o dativo, a atribuição; o genitivo, a origem. Acusacivo, dativo e genitivo podem ser complementos verbais ou complementos nominais. O caso dativo é um caso gramatical geralmente usado para indicar o nome a que algo é dado. O termo deriva do latim dativus, significando próprio ao ato de dar. A coisa dada pode ser um objeto tangível — como um livro — ou alguma coisa abstrata, intangível, como uma resposta ou uma ajuda. O dativo geralmente marca o objeto indireto de um verbo, embora em alguns casos seja usado para o objeto direto de um verbo diretamente relativo ao ato de dar algo. (Fon te: http://wapedia.mobi/pt/Caso_darivo) O caso genitivo é um caso gramatical que indica uma relação, principalmente de posse, entre o nome no caso genitivo e outro nome. Em um sentido mais geral, pode-se pensar esta relação de genitivo como uma coisa que pertence a algo, que é criada a partir de algo, ou de outra maneira derivando de alguma outra coisa. (Fonte: http://wapedia.mobi/pt/Caso_dativo)
2 A HUMANIDADE E A HUMILHAÇÃO DE CRISTO
imos que o primeiro capítulo da Epístola aos Hebreus trata da majestade do Filho de Deus, quer no Seu es tado antigo, quer nas Suas relações pessoais com o Pai. vê-se que o Filho é maior do que os anjos em dignida mesmo no estado encarnado ou intercessório. O escritor da Epístola considera agora outro aspecto de Cristo — não a Sua divindade, mas a Sua humanidade como o Filho do Homem em relação ao mundo dos homens. Este capítulo de Hebreus se inicia com uma admoestação e uma advertência: Portanto, convém-nos atentar, corri mais diligência, para as coisas quejá temos ouvido, para que, em tempo algum, nos desviemos delas (Hb 2.1). A conjunção portanto, ou a expressão por esta razão (a r a ) , liga o ensino do primeiro capítulo a respeito da glória do Filho e Sua suprema dignidade como Mediador à admoestação para com maisfir meza (a r a ) , o u com mais diligência (a r c ) , apegarmo-nos às coisas que foram ouvidas não apenas por causa da superioridade da própria revelação, mas também por causa da suprema grandeza do Revelador divino.
V
O advérbioperissoteros (7i£Qiaa0T£Q0ç), mais abundantemente, está na forma comparativa e indica, como observou Westcott, o exces so absoluto, em vez de meramente relativo. O autor da Epístola aos Hebreus se deteve, entáo, e reiterou as conseqüências práticas desta grande verdade. Lowrie fez a seguinte traduçáo e comentário: A-----“Por esta razão, devemos mais abundantemente dar ouvidos (ou atenção) às coisas que foram ouvidas, para que, por acaso, não nos desvie mos delas”. A expressão mais abundantemente denota comparação, mas não se trata de atenção mais zelosa do que fora dada à revelação anterior nem mais do que seria necessária se a presente revelação tivesse sido feita por um agente náo superior aos agentes anteriores. Existe progresso no pensamento no sentido de um motivo adicional para ouvir, derivado do que se descreveu quanto ao serviço dos anjos. O significado é: mais abun dante atenção do que seria necessária se o anjo náo fosse incumbido de tal serviço. (L o w r ie , An explanation o f the Epistle to the Hebrews, p. 31) ---- r
P
r im e ir a a d v e r t ê n c ia : c o n t r a a n e g l ig ê n c ia
Portanto, convém-nos atentar, com mais diligência, para as coisas que já temos ouvido, para que, em tempo algum, nos desviemos delas. Hebreus 2.1 Esse aviso contra a negligência é o primeiro de uma série de advertências com significado cada vez mais profundo espalhadas pela Epístola. A veemência crescente destes avisos assinala os estágios de de clínio natural nas coisas espirituais e pode somente provar ser de valor para aqueles que guardam firm e a confiança e a glória da esperança até ao fim (Hb 3.6b). A advertência se encontra em meio à discussão sobre os anjos e separa o argumento da primeira parte, em que Cristo é apresentado
como superior a eles (Hb 1.4-14), da última parte, em que os anjos são considerados superiores aos homens (Hb 2.5-7). Stuart (p. 285) disse que a palavra negligência (á[i£Àr|aavT£ç) é claramente enfática e significa tratar com completo desrespeito ou desdém, qual o que faz supor a apostasia. A palavra salvação (crcoTT|QÍa) refere-se à religião cristã com todas as suas bênçãos prometidas e tre mendas ameaças.
1. 0 significada do termo negligência „ A palavra amelesantes (áfi£Àf|aavT£ç); traduzida como negligência, significa literalmente desviar-se, apartar-se ou errar o alvo, como “um navio que, na violência dos elementos, não consegue chegar ao porto” (Lutero). A -----------
A idéia náo é simplesmente de esquecimento, mas a de ser arre batado quando se estava perto de ancoradouro seguro. A imagem é singularmente expressiva. Todos nós estamos continuamente expostos à açáo de correntes de opinião, de hábitos, de ações, que tendem a arrebatar-nos da posição em que devíamos manter-nos.
(W
estc o tt,
Commentary on the EpistU to the Hebrews) ---- r
Vaughan observou que essa palavra [amelesantes, negligência] designa o descaso dos convidados para as bodas, na parábola contada por Jesus em Mateus 22.5, e traz em si a ideia de menosprezo, mais do que a noção de recusa ao convite. No caso dos cristãos judeus, suas recorrentes associações às tra dições judaicas levavam-nos de volta ao judaísmo, o sistema religioso a que tinham renunciado para abraçar a fé cristã. [Por isso, ao instar que os cristãos judeus atentassem com mais diligência para as coisas que tinham ouvido sobre Cristo e a salvação] Advertiu o escritor da Epístola de que um dos maiores perigos para o cristão é precisamente
estar ocioso em Sião, deixando que a alma fosse removida aos poucos, imperceptivelmente, dos hábitos de oraçáo, meditação, comunhão es piritual, perdendo a clara consciência da presença de Deus. Como um quadro que desbota, a experiência cristã [sem a diligência quanto às coisas espirituais] vai tornando-se sutilmente vaga e insatisfatória. Esse fato leva a crer que um número maior de almas se arruina ao desviarse, descuidada e inconscientemente, de sua ancoragem, mais do que as que são tomadas por súbitos conflitos satânicos.
2. A palavrafalada por anjos (Hb 2.2) Porque, se a palavra falada pelos anjos permaneceu firme, e toda transgressão e desobediência recebeu ajusta retribuição. Hebreus 2.2 A comparação entre Cristo e os anjos continua neste trecho, mas sob um ponto de vista diferente. Náo é uma comparação entre duas classes de sujeitos. Propóe-se, porém, a salientar a grande diferen ça essencial entre suas manifestações. A principal característica da instrumentalidade dos anjos, que o autor da Epístola sugere, é a de proibições e ordens, pois isto se acha implicado nas palavras transgressão e desobediência (Hb 2.2). Os israelitas haviam recebido justo castigo, pelo qual o autor da Epístola evidentemente dá a entender os julgamentos punitivos que lhes foram infligidos durante o período da peregrinação no deserto (Hb 3.7-19). Contudo, a obra de Cristo, o Filho, é de salvação, daí ser adiante expressa como tão grande salvação (Hb 2.3a). O contraste entre as palavras faladas pelos anjos e por Cristo traz em si a mesma ideia que os termos Lei e graça, usados no sentido mais abstrato por Paulo na Epístola aos Gálatas. Em Hebreus, todavia, os termos anjos e Cristo são mais concretos e pessoais. Como a Lei foi o mestre-escola para levar-nos a Cristo, a dispensação dos anjos, que introduziu a Lei com todas as suas gloriosas sanções, foi a preparação
para a obra do Filho de Deus. E, como a Lei foi dada pela dispensação dos anjos, assim também foram eles incumbidos da sua execução. Isso foi ilustrado com clareza por duas parábolas de Jesus: (1) a do joio: Mandará o Filho do Homem os seus anjos, e eles colherão do seu Reino tudo o que causa escândalo e os que cometem iniqüidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali, haverá pranto e ranger de dentes (Mt 13.41,42); e (2) a da rede, em que nosso Senhor diz: Assim será na consumação dos séculos: virão os anjos e separarão os maus dentre osjustos. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali, haverá pranto e ranger de dentes (Mt 13.49,50). Está claro que os anjos reunirão os ímpios para o castigo, de sorte que se pode dizer, em certo sentido real, que a grande salvação de Cristo é uma concretização da palavra falada pelos anjos e a redenção, pela graça, daqueles que estão sob a Lei. O vocábulo transgressão, parabasis (7taçá|3acriç), vem da raiz da palavrapara-baino (rcaçapaívov). Significa cruzar a linha, trans gredir, e também partir ou desertar (At 1.25). O termo desobediência, par-akoe (7 ta Q -a K Ó T ]), provém de par-akouo (jta Q -a K O Ú w ), que sig nifica ouvir negligentemente ou com desrespeito (Mt 18.17). O justo castigo (Hb 2.2b a r a ) foi para aqueles que cruzaram a linha, trans grediram; desertaram da fé; que ouviram com negligência a palavra anunciada pelos anjos. O autor da Epístola indaga: Como escaparemos nós, se não aten tarmospara uma tão grande salvação? (Hb 2.3a). F. B. Meyer chamou essa colocação de a “pergunta irrespondível”. Não existe possibilidade de fuga. Os olhos divinos veem todo pecado, e todo pecador está debaixo da ira de Deus. Onde o sangue do cordeiro não estava na ombreira das portas, morreu o primogênito de toda família do Egito; quando os israelitas se recusaram a entrar na Terra Prometida, os seus corpos caíram no deserto. Alguns pressupõem haver uma indevida brandura na religião neotestamentária, isto é, a crença de que um Deus de amor não pu nirá a impiedade e que a fé é somente uma consciência luminosa de
que tudo, de algum modo, há de terminar bem. Ao contrário, a vida cristá é severa e intensa, o oposto mesmo da divagaçáo nas correntes deste mundo. Se os da dispensaçáo antiga, a quem Deus falou por intermédio dos profetas, foram punidos com cruel destruição por seus pecados, como esperaremos nós, que vivemos na dispensação daquele que é a Luz do mundo e o Autor de tão grande salvaçáo? E a advertência não se refere apenas às transgressões e aos pe cados realmente praticados; é especificamente contra o simples desviar-se. Não dispensar a devida atenção, deixar de confiar no sangue de Jesus que expia os pecados, não dar a Deus Sua medida plena de devoção — são estas coisas que não somente tornam a fuga do juízo impossível, mas intensificam a severidade do castigo para aqueles que negligenciam tão grande salvação.
A GRANDE SALVAÇÃO Como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salva ção? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram; dando Deus testemunho juntam ente com. eles, por sinais, prodígios e vários milagres, e por distribuições do Espírito Santo segundo a sua vontade. Hebreus 2.3,4 a r a Faber, com seu profundo espírito devocional, disse: Salvação! Que música existe nesta palavra; música que sempre desperta, ainda que sempre nos repouse! É-nos vigor durante as manhãs e paz ao anoitecer. É uma canção que está sempre soando no mais profundo da alma satisfeita. Os ouvidos angélicos sio ar rebatados por ela no céu, e mesmo o nosso Pai eterno a ouve com adorável satisfação. E agradável a Ele, cujo espírito é a música de milhares de mundos. Que significa ser salvo no sentido mais
completo e absoluto? O olho não viu, e o ouvido não escutou. É salvação, e de que naufrágio! E descanso, e em que mansão inima ginável! É reclinar para sempre no seio de Deus em um êxtase sem fim de contentamento insaciável.
-------r Esta tão grande salvação é a resposta a todos os problemas huma nos. Nasceu da majestade do Filho à destra do Pai; ocorreu mediante o sangue expiatório de Jesus e foi administrada na Igreja pelo Espírito Santo como o dom do Cristo glorificado. É o*amor de Deus derrama do no coração que lança fora todo o medo (1 Jo 4.18). E apaz de Deus que excede a todo entendimento e que conserva o coração e a mente em Jesus Cristo (Fp 4.7). E a unção que em nós habita. Essa tão grande salvação é a resposta para o problema do afrouxamento e enfraquecimento na Igreja, para a mornidão na experiência pessoal e para a falta de unção no ministério da Pala vra. Tem transformado cristãos fracos em torres de fortaleza. Tem dado esplendor aos semblantes e colocado alegria no coração dos que a recebem. Tem transformado Seus ministros em chamas de fogo santo e inspirado aquela devoção a Jesus Cristo que fez dos mártires a semente da Igreja. Deixar de tomar posse desta tão grande salvação pela fé em Cristo é apenas revelar a enormidade do pecado da negligência ou o desencaminhamento na vida cristã. Como, pois, escaparemos se negli genciarmos tão grande salvação? E a pergunta irrespondível. Náo existe possibilidade de fuga. Três coisas se destacam claramente no sumário que o autor da Epístola aos Hebreus faz dos elementos que entram nesta tão grande salvação: seu anúncio pelo Senhor, sua confirmação pelos ouvintes e sua atestação divina por milagres e dons do Espírito Santo. Adam Clarke, em seu comentário sobre esse versículo, salientou a grandeza desta salvação [pela graça, em Cristo] em comparação com a que foi concedida aos judeus [pela Lei].
1. A dispensação judaica foi proporcionada somente aos judeus; a dispensação cristã, a toda a humanidade. 2. A dispensação judaica estava cheia de símbolos e cerimônias significativas; a cristã é a substância de todos esses símbolos. 3. A dispensação judaica referia-se, principalmente, ao corpo e ao estado exterior do homem, por meio de lavagens e purificações ex ternas da carne; a cristã remete ao estado interior, à purificação do coração e da alma (do pecado) e da consciência das obras mortas. 4. A dispensação judaica prometia felicidade temporal; a cristã, bem-estar espiritual eterno. 5. A dispensação judaica era temporal; a cristã, eterna. 6. A dispensação judaica teve sua glória, mas ela nada é quando comparada com a glória excelsa do evangelho. 7. Moisés administrou a primeira dispensação; Jesus Cristo, o Criador, Governador e Salvador do mundo, a última. Esta é uma grande salvação, infinitamente além da judaica; é tão tre menda que nenhuma língua ou pena pode descrevê-la! O ANÚNCIO DA GRANDE SALVAÇÃO
A qual [salvação], começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos, depois, confirmada pelos que a ouviram (Hb 2.3b), ou, mais literalmente, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor (a r a ). Os profetas foram chamados às cordas por meio das quais se faz soar a música celestial, mas o Filho foi o instrumento perfeito que deu aos homens a melodia do céu. Cada profeta acrescentou o seu próprio toque ao quadro glorioso dos dias do Filho do Homem até que, após a elaboração da figura principal, os “pintores” todos se retiraram, e a cortina desceu por um pouco de tempo. Mas a Pessoa que levantará novamente a cortina já se revelou e traçará com Sua mão, para os con temporâneos, o cumprimento final de toda a profecia.
No entanto, a expressão tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor traz em si algo mais do que a expressão de Suas palavras durante o ministério terreno. Implica que o Seu ensino foi a verda deira origem do evangelho, e seria fácil mostrar que todas as doutrinas apresentadas e ampliadas nas Epístolas tiveram sua origem em alguma verdade encontrada nos Evangelhos. Podemos, razoavelmente, crer que qualquer verdade que os apóstolos tenham-nos dado saiu, primeiramente, dos lábios do Filho do Homem. Os ensinos dos profetas qüe o precederam foram interpretados e selados pelas Suas próprias palavras, enquanto o futuro, aberto por Suas declarações sucintas e pelo desenvolvi mento feito pelos apóstolos, é-nos certificado pelas manifestações da presença divina. Assim é que os profetas, por um lado, e os apóstolos, por outro, são para sempre justificados e confirmados em seus ensinos pelas palavras daquele que permanecia entre eles [Cristo].
A CONFIRMAÇÃO
D O EVANGELHO
Foi-nos, depois, confirmada pelos que a ouviram. Hebreus 2.3c O anúncio da grande salvação começou a ser feito pelo Senhor, mas o autor da Epístola aos Hebreus náo queria que entendêssemos que estas palavras se limitaram àquelas que o Senhor falou durante o ministério terreno. Jesus mesmo disse: Ainda tenho muito que vos dizzr, mas vós não opodeis suportar agora (Jo 16.12). O ministério terreno foi apenas o início da grande salvação, o que é confirmado por Marcos, que começa o seu Evangelho com as palavras: Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus (Mc 1.1). Lucas, também, em seu primeiro escrito (o Evangelho), fala das coisas que lhe foram entregues pelos que [as] presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra (Lc 1.2) e, no seu segundo
escrito (Atos), escreve das coisas que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar, até ao dia em quefo i recebido em cima (Atos 1.1,2), ao que se seguem estas palavras: Depois de ter dado mandamentos, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que escolhera. Isto só pode significar que os apóstolos e outros, mediante a inspiração do Espírito Santo, deviam dar continuidade à revelação que Deus manifestara no Filho. A palavra inspirada destes, que ouviram e foram testemunhas oculares, tornase também, no Novo Testamento e em seus ensinos, a Palavra do Senhor. A palavra ebabaiothe (èpapako0rj), traduzida como confirmada, expressa o aspecto enfático do pensamento em Hebreus 2.3c e é a for ma verbal da mesma palavra traduzida como firm e em Hebreus 2.2. O autor da Epístola aos Hebreus enfatiza, pois, que esta salvação, que Deus anunciou por intermédio do Filho, tornou-se tão firme como a palavra falada pelos anjos, que tornou justo o castigo de toda transgressão e desobediência. Deve-se dispensar especial consideração para o fato de que é a salvação que se confirma, não a mera declaração dela, pois o evangelho é opoder de Deus para salvação (Rm 1.16). A confirmação, por aqueles que o ouviram, está na firmeza da salvação e é assim justificada por suás próprias reivindicações da vida dos que a recebem. A ATESTAÇÃO DIVINA DA V ER D A D E
Testificando também Deus com eles, por sinais, e milagres, e várias maravilhas, e dons do Espírito Santo, distribuídos por sua vontade. Hebreus 2.4 O autor da Epístola considerou a origem da grande salvação no Filho, sua confirmação na experiência dos ouvintes, e agora volta sua atenção para o método pelo qual esta salvação é comunicada aos outros: quando aqueles que tinham ouvido pessoalmente o Senhor
começaram a pregar esta grande salvação, testificou também Deus com eles, no sentido de apoiá-los com testemunho adicional. A expressão testificar com eles, no grego, é oriunda de um palavra composta, synepimartyroüntos (cruvetlijoaoT U Q Ó uvT oç) , que ocorre no Novo Testamento apenas aqui. Nesta palavra, sun (cruv), com, é asso ciativo, mas é frequentemente usado com a ideia de apoio adicional; epi (È7ii), sobre, traz a ideia do próprio testemunho de Deus acrescentado à Palavra pregada; ao passo que marturoyntos (nctQTUQOi;VTOç), testemunho, é dado de quatro maneiras: por sinais, prodígios, milagres vários e dons do Espírito Santo. A palavra semeiois (arreioiç), sinais, refere-se ao propósito de um milagre, significando alguém ou alguma coisa, e é o termo mais amplo por causa de sua natureza ética. O termo terasin (neQaaiv), prodígios, é mais limitado e não ocorre sozinho no Novo Testamento. Refere-se, principalmente, ao caráter maravilhoso do milagre ou ao es panto que ele produz no que o contempla. Já dunamesin (òuva|aeaiv), milagres, significa poderes ou exercício do poder e assinala especial mente a instrumentalidade super-humana que o acompanha aqui combinada com poikilais (tuhkíàcxiç), que significa variado, sendo corretamente interpretado como poderes múltiplos ou vários atos de po der, aparecendo em nossa tradução como diversos milagres. O meio final de atestação divina mencionado em Hebreus 2.4 é expresso pelos dons do Espírito Santo [concedidos por Deus]. A pala vra traduzida como dons ou distribuições é merismois (fi£Qia|aoíç). Westcott observou que existe progresso interior a partir daqui lo que é mais notavelmente exterior, como os sinais e as maravilhas, para aquilo que é mais decisivamente interior, o Espírito Santo. Maior do que os sinais, as maravilhas e os diversos milagres é o dom do Es pírito Santo, concedido à Igreja no Pentecostes. O Filho se assentou à destra de Deus e é o nosso Advogado lá do alto. O Espírito Santo tem o Seu trono na Igreja e é o nosso Advogado interior. A palavra grega parácleto, traduzida como Consolador, vem de para, ir com, e cletos, os chamados, significando, portanto,
aquele que vai com os chamados para fazer qualquer coisa que necessite ser feita. O Espírito Santo é Deus habitando na Igreja. E a terceira pes soa da Trindade, é o Senhor e o Doador da vida; o agente da purifica ção, inspiração, orientação e do consolo. O Espírito Santo é o dom e o Doador. Ele é o dom do Cristo glorificado e, por sua vez, distribuiu os próprios dons, isto é, charísmata, segundo a Sua vontade. Ebrard (em Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 68) tem uma excelente interpretação da palavra synepimartyroüntos ((TUvem^aQTUQOUVTOç). Ele afirma que martyrein (|aaQTTjQ£Ív) significa dar testemunho de uma coisa sobre a qual ainda se está em dúvida; epimartyrein (fra|oaQTUQ£i.v) é testificar sobre algo já confir mado; e synepimartyréõ (crw£7ti^aQru绣CL>) é dar testemunho adicional a uma coisa em si mesma certa e confirmada por provas de outras fontes. Vaughan assevera que falta o artigo em Hebreus 2.4 (nv£U|LtaTOç ayun;) — e dons do Espírito Santo, distribuídos por sua vontade — , como geralmente acontece quando o que se tem em vista é a comunicação do Espírito Santo. Este, pessoalmente, é xòáyíov ou TÒnv£U|na ayíov. Lenski diz que é preciso mais do que o plural distribuídos e a ausência do artigo grego com o Espírito Santo para que isto seja um genitivo objetivo1, que considera o Espírito Santo como o que recebe os dons, que Deus distribui em porções. Contudo, palavras terminadas em fioç, que expressam ação, tornam óbvio que este não é um genitivo objetivo, e sim subjetivo2; o Espírito Santo se manifesta exatamente como quer. Em 1 Coríntios 12.11, é dito que Ele reparte particu larmente a cada um como quer os diferentes dons procedentes dele. Westcott concorda com isso, mas considera que é Deus quem dá o Espírito Santo em diferentes graus. Acerca da frase final — segundo a sua vontade (Hb 2.4 a r a ) — geralmente se supõe que se refira a tudo o que a antecede. Lenski diz que ela modifica o particípio do genitivo absoluto e que isto faz que se aplique a todos os dativos3. W estcott também
afirma que se aplica a tudo o que a precede. Lowrie, contudo, assevera que:^ A frase [segundo a sua vontade - Hb 2.4 aka ] se aplica somente às distribuições do Espírito Santo, e náo a todos os outros particulares que ' a precedem e visa a denotar náo apenas que estas distribuições livres procederam da graça livre de Deus, mas que fbram, em grande variedade, quanto à natureza e ao grau e em grande abundância. O que são relata das principalmente são as manifestações milagrosas que acompanharam a pregação dos apóstolos e foram a prova da presença do Espírito Santo e, a seguir, charismata, em geral (At 2.1-4; 4.31; 10.44; 1 Co 12.4-11). (W e st c o t t ,
Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 41) ---------- " “ r
Embora algumas autoridades no assunto tenham discordado quanto à interpretação, foi aprovado por todas que a expressão distribuições do Espírito Santo denota os dons que as Escrituras nos dizem que foram concedidos aos cristãos primitivos para a divulgação do evangelho. Estes dons, conforme se acham enumerados em 1 Coríntios, eram diversos e, contudo, obra daquele mesmo Espírito [...] distribuindo-[os],,£omo lhe apraz, a cada um, individualmente (1 Co 1 2 .1 1 a r a ) . A expressão como lhe apraz é geralmente entendida como se referindo a tudo o que a precede. Quão solenes, pois, devem ser estes grandes ensinos com respeito à advertência que Paulo apresenta com tanta instância [especialmente em 1 Co 12.3]! Se a negligência da Lei ministrada pelos anjos foi punida com tanta severidade, náo é impossível supor que um sistema introduzido pelo Filho, atestado pelo Pai e tornado eficaz pelo Espírito Santo ficaria impune se os homens o rejeitassem. Como, pois, escaparemos se negligenciarmos táo grande salvação? De modo nenhum escaparemos. Westcott afirmou que thelesis (OáÀqoxç) é o exercício ativo da vontade, que se distingue de thelema (0éÀr||J.a), uma expressão definida da vontade. Thelesis ( 0 £ À T j o a ç ) é a vontade em ação-, thelema (0éÀr)}j.a) é o objeto desejado — uma ordem ou desejo.
Lenski observou que a palavra thelesis (QéÀrjoiç;) é usada para expressar a ação como lheapraz, e não thelema (0éÀr]|aa), como objeto desejado. Os apóstolos jamais operaram milagres segundo sua própria vontade, mas somente pela vontade de Deus, e esta quanto ao tempo, ao lugar e à maneira dele. j ------Tendo descrito a urgência da situação que exige de seus leitores fugir à palavra pronunciada pelos anjos, dito de outra forma, esquivar-se das conseqüências inevitáveis da transgressão e desobediência àquela palavra e tendo apontado para o evangelho de Cristo como a única sal vação, em termos que demonstram a sua grandeza, o autor [da Epístola] passa a descrever como vem a ser tal salvação, isto é, uma dispensação que é fuga da anterior, revelada pela instrumentalidade dos anjos. (L o w r ie ,
An explanation o f the Epistle to the Hebrews, p. 42)
A EMERGÊNCIA D E UMA NOVA HUM ANIDADE EM C R IS T O
Tendo advertido os seus leitores do perigo da negligência da Lei e apresentado a grande salvação como o remédio para a Queda, o escritor da Epístola aos Hebreus volta ao tema dos anjos, desta vez não para apresentar a majestade do Filho, mas para enfatizar o domínio do homem, e não dos anjos, sobre a criação: Porque não fo i aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de quefalamos (Hb 2.5). Deus concedeu este domínio ou soberania ao homem (Hb 2.6-8). A seguir, no versículo 9, o escritor da Epístola traça um paralelo entre o homem em sua condição original, antes da Queda, e a emergência de uma nova humanidade em Cristo, após a salvação. Estes pontos de vista serão analisados de maneira minuciosa.
1. O uso da palavra emergência ou aparecim ento Em nosso estudo sobre a humanidade de Jesus, usamos a pala vra emergência em um sentido ponderado e cauteloso. Cristo não foi
criado separada e distintamente da raça adâmica, mas foi uma nova criação resultante da encarnação do Verbo.- Deus e o homem não se reaproximaram um do outro por intermédio do Anjo do Senhor ou de Moisés, como na antiga aliança. Pela nova aliança, Deus e o homem se reconciliaram pela pessoa de Cristo, um ser teantrópico4, que era Deus e homem ao mesmo tempo. O homem não evoluiu de outras espécies. Seu corpo foi criado por Deus do pó da terra, mas sua natureza espiritual foi divinamente inspirada. Assim, também, Cristo não evoluiu da humanidade. Ele foi gerado pelo Espírito Santo no ventre de Maria (Lc 2.35), ou seja, sendo di vino, tornou-se humano (Fp 2.7); o Verbo se fez carne 0o 1.14). Como homem, tendo unido em si o físico e o espiritual, Cristo reuniu em Sua pessoa o divino e o humano. Paulo fez esta distinção quando disse que Adão foi alma vivente, e Cristo, espírito vivificante (1 Co 15.45). Por um lado, Cristo é um só com o Pai em majestade e poder; por outro, elevou o homem a um novo nível de redenção. Tendo-o vivificado, tornou-o santo e trouxe-o de novo à comunhão com o Pai.
2. A supremacia de Cristo O escritor da Epístola aos Hebreus falou da superioridade de Cristo sobre os anjos e da revelação por meio deles [a Lei]5. Agora, discorre sobre outro ponto: a supremacia de Cristo sobre aquela revelação [ver Hb 1.1-4]. Esses princípios são o fundamento das reivindicações do evangelho que o escritor da Epístola tão eloquentemente apresentou nos primeiros versículos do capítulo 2 [ver Hb 2.1-4], Esse contraste entre a posição dos anjos e a do homem em Cristo é enfatizado a partir do versículo 5: Porque não fo i aos anjos que [Deus] sujeitou o mundo futuro, de que falamos. Aqui, o autor da Epístola preenche o espaço entre a majestade do Filho e a fragilidade e fraqueza do homem, e o faz sugerindo que Cristo transcende os anjos, que o domínio do Reino futuro ou do mundo.
futuro não será dado aos anjos, mas ao [novo] homem. Este per manecerá à frente da nova dispensação, mas em Cristo, como se verá nos versículos seguintes. A expressão mundo futuro tem sido alvo de intenso debate, e muitos comentadores antigos têm achado que se refere à idade do evangelho. A palavra mundo, como é aqui usada, não é kosmos, universo (como em João 3.16), nem aeon, eras (como em Mateus 13.49 e Hebreus 9.26), porém oikomenen (oÍKOuf|£vr|v), dispensação. E, como observamos no capítulo anterior, isso se dará na terra ha bitável. É possível, pois, que se refira ao Milênio, sendo o mundo que há de vir a terra renovada e redimida da maldição (do pecado) e completamente sujeita ao Filho do Homem. Esta segunda vinda de Cristo será súbita e gloriosa: Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do Homem (Mt 24.27). Deve-se compreender, então, que não apenas Cristo, como o Unigênito, é maior do que os anjos, mas que o homem em Cristo é também superior, porque lhe é possível ter íntim a comunhão com Deus, uma potencialidade que não pertence aos anjos [O novo homem possui a natureza de Cristo, sendo um com Ele e, consequentemente, com o Pai, o que não ocorre com os anjos. Ver Jo 17.21]. Essa superioridade do homem em Cristo sobre os anjos encontra-se em Hebreus 1.14: Não são porventura todos eles [os anjos] espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação? Quando o homem se assentar com Cristo no Seu trono, continuará sendo servido pelos anjos. Um passo além na transição dos anjos, como mediadores, para o novo homem, como mensageiro da Palavra de Deus, encontra-se na admiração do salmista de que Deus visite a fragilidade do homem: Mas, em certo lugar, testificou alguém, dizendo: Que é o homem, para que dele te lembres? Ou o filho do homem, para que o visites? (Hb 2.6; compare com SI 8.4).
Esse versículo foi tirado da Septuaginta palavra por palavra, ex ceto uma expressão que foi omitida. É provável que a omissão se deva ao fato de ser mera repetição da última expressão, e não se encontre no texto original, escrito em hebraico. A identificação vaga nas palavras em certo lugar, testificou alguém, de maneira alguma implica que o escritor da Epístola fosse ignorante quanto à identificação própria; trata-se, antes, de um tributo à familiaridade dos judeus com suas próprias Escrituras. Esta ausência de caracterização se encontra em Hebréús 4.4 (e também foi usada nos escritos de Fílon6). Crisóstomo7 disse que [a expressão em certo lugar, em Hebreus 2.6] “não pretende esconder nem revelar aquele que testifica, porém, in dica que a fonte era bem conhecida pelos leitores versados nas Escrituras”. Acima de tudo, é questão irrelevante para o autor da Epístola quem disse tais palavras; elas se encontram nas Escrituras Sagradas e são, portanto, a Palavra inspirada de Deus. Este é o fato de importância absoluta. Para referir-se ao homem, é usada uma palavra que indica um serfrágil, talvez o homem depois da Queda. Isto apenas aumentaria a admiração do salmista de que Deus visitasse o homem. Os termos homem e Filho do Homem talvez sejam usados para formar o paralelismo poético tão comum na literatura hebraica. Surge a pergunta: Por que o escritor da Epístola usou o Salmo 8, em vez de a declaração sobre a criação do homem que se encontra em Gênesis 1.26-28? E porque no primeiro texto se encontra a palavra anjos, que o au xilia em sua tarefe de marcar o contraste que estamos analisando. No Salmo 8.5b, a distinção entre os anjos e o homem torna claro que este tem uma glória peculiar. Isto destrói a suposição que poderia ser feita sobre a declaração que se encontra na primeira parte do versículo, de que o homem é pouco menor do que os anjos, ou seja, de que tudo o que concerne aos assuntos humanos estaria sujeito aos anjos. Não, o homem pertence a uma [espécie e] hierarquia disdnta[s], tem um campo de atuação próprio, e estas coisas, bem como o seu domínio sobre tudo o que foi criado, são o motivo de ele ser coroado com glória e honra.
O H O M EM N O SEU ESTADO O R IG IN A L, C O M O D E U S O FEZ
Tu o fizeste um pouco menor do que os anjos, de glória e de honra o coroaste e o constituíste sobre as obras de tuas mãos. Todas as coisas lhe sujeitaste debaixo dos pés. Hebreus 2.7,8a
1. Tu ofizeste um pouco menor do que os anjos (Hb 2.7a) No texto hebraico do Salmo 8.5, a palavra anjos é elohim, às vezes traduzida como filhos de Deus ou deuses [ver SI 82.1; 86.8]. A palavra hebraica comum para anjos é malak ou mensageiro, e o uso de elohim neste lugar pretendia evidentemente dar a ideia de anjos como seres sobrenaturais. Em uma tradução literal, o texto hebraico seria: “Tu o fizeste menos que Deus” [como vemos na n t l h ] , mas o autor da Epístola aos Hebreus cita o texto da Septuaginta, onde se lê: um pouco inferior aos anjos. Nosso Senhor Jesus, na controvérsia com os judeus, confir mou a primeira interpretação quando citou um versículo do Salmo 82: Eu disse: sois deuses? Se ele chamou deuses àqueles a quem fo i diri gida a palavra de Deus, e a Escritura não pode falhar, então, daquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, dizeis: Tu blasfemas; porque declarei: sou Filho de Deus? (Jo 10.34-36; SI 82.6a a r a ) . E provável que o significado real das palavras um pouco menor do que os anjos seja algo acima da natureza, porém menor que Deus, daí o uso da palavra anjos na Septuaginta. Todavia, esta tradução não revela com tanta força como em hebraico a ideia da natureza divina expressa na frase: O homem fo i criado à imagem e semelhança de Deus — palavras jamais pronunciadas a respeito de outra criatu ra, seja no céu, seja na terra. As palavras brachu ti (|3çax.ú t i ) , literalmente, um pouco, podem significar ou um pouco de tempo ou em menor grau. Westcott
e outros sustentaram que se referem ao grau, e esta parece ser a nossa primeira impressão ao ler o texto ou o Salmo do qual foi tirado. Muitos comentadores, contudo, opinam pelo aspecto temporal, sustentando que por um pouco se remete à condição atual do homem, mas não ao seu alvo final, que, em Cristo, transcenderá até a glória dos anjos. O verbo fizeste, elattosas (qÀáTraocraç), é curioso por conter a ideia de aumento daquilo que foi originalmente criado. E o mesmo verbo que João Batista usa quando diz: É necessário que ele cresça e que eu diminua (Jo 3.30). A despeito de os anjos serem dotados de maiores dons do que o homem e de terem um corpo espiritual, não sendo limi tados pela matéria, como o homem (2 Co 4.7), este terá algo em comum com os anjos: a imortalidade. Foi o que nosso Senhor dei xou claro quando, ao falar dos filhos da ressurreição, disse: Porque já não podem mais morrer, pois são iguais aos anjos (Lc 20.36ab). A expressão um pouco menor [em Hebreus 2.7], portanto, aplica-se mais provavelmente ao homem no estado decaído, estando sujeito à morte. Existem dois outros pontos a serem ressaltados sobre esse texto: 1. O feto de o homem ser comparado aos anjos indica que ele está mais intimamente relacionado com a ordem espiritual acima dele do que com a abaixo dele. Isto é prova de sua filiação divina, e contraria a visão do homem como fruto de um mero processo natural [de evolução da espécie]. 2. O homem pertence a uma categoria e tem uma glória pecu liar, que é distinta da dos anjos e, em sua finalidade última, transcende a deles. O homem é capaz de receber o Salvador na pessoa do Filho de Deus, que encarnou como ser humano, e, mediante Ele, entrar em uma comunhão íntima com Deus que os anjos jamais conheceram nem podem conhecer.
2. De glória e de honra o coroaste e o constituíste sobre as obras de tuas mãos (Hb 2.7b) Ser coroado significa ser elevado à mais alta posiçáo possível. Nas Escrituras, existem duas palavras que significam coroa-, diadema (ôux-&r]|_ia), que sempre simboliza realeza, e stephanos (crre^avoç), que significa grinalda festiva de vitória ou realização. É neste último sentido que a palavra é usada aqui: coroado como conquistador. Ser coroado de glória traz em si a ideia de verdadeira dignidade e esplendor externo; ser coroado de honra sugere a alta estima devida à excelência verdadeira. Por causa desta coroação de glória e honra, Deus colocou o homem sobre todas as obras das Suas mãos, dando, assim, o toque supremo à superioridade do homem sobre o mundo criado.
3. Todas as coisas sujeitaste debaixo dos seus pés. Ora, desde que lhe sujeitou todas as coisas, nada deixou fora do seu domínio (Hb 2.8ab a r a ) O Salmo 8, do qual foram tiradas essas palavras, é um salmo pastoral. Davi, fitando a vastidão dos céus, contemplando a lua e as estrelas como obras das mãos de Deus, sentia a pequenez do homem e quão frágil este é em relação às forças da natureza. Entretanto, o Senhor o tem em mente e visita-o. Depois, olhando todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo; as aves dos céus, e ospeixes do mar, e tudo o que passa pelas ve redas dos mares (SI 8.7,8), o salmista, com a pena da inspiração divina, escreveu: Fazes com que ele [o homem] tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seuspés (SI 8.6). O Dr. Adam Clarke observou que, se isto se referia ao homem, como obra das mãos do Criador, coloca-se à testa de todas as obras de Deus (Tu ofizeste um pouco menor do que os anjos). Deus disse: Tenha ele domínio sobre ospeixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais , domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela
terra (Gn 1.26 a r a ) . O homem, portanto, estava destinado a dominar este mundo presente, bem como o vindourb. O Dr. F. B. Meyer, comentando a condição original do homem, disse: Aí, tendes supremacia real! Era o plano de Deus fãzer o homem Seu vice-rei e representante. Era rei em um palácio repleto de tudo para agradarlhe; monarca e soberano de todas as ordens inferiores da criação: o sol para trabalhar para ele como verdadeiro Hércules; a luâ a iluminar suas noites ou para guiar as águas em tomo da terra nas marés, purificando os litorais; elementos da natureza para serem seus escravos e mensageiros; flores para perfumar as suas veredas; frutos para seu paladar; pássaros para cantar-lhe; peixes para alimentá-lo; animais para labutarem por ele e transportá-lo. Não um subserviente escravo, mas um rei coroado com a glória do poder e com a honra da supremacia universal. Só um pouco menor que os anjos, porque eles não têm, como o homem, o fàrdo da carne e do sangue. (M eyer,
lhe way into the holiest, p. 42,43)
A respeito do homem após a Queda, lembrou Meyer: Sua coroa jaz no pó, sua honra se obscureceu e manchou. Sua soberania é fortemente disputada pelas classes inferiores da criação. Se as árvores o nutrem, é depois de diligente cuidado, e não raro o desapontam. Se a terra lhe proporciona alimento, é em resposta tardia a labores exaustivos. Se os animais o servem, é porque foram laborio samente domados e treinados, enquanto inumeráveis deles vagueiam pelas clareiras das florestas, desafiando-o. Se quer apanhar os peixes do mar ou os pássaros dos ares, tem de aguardar ardilosamente oculto. Alguns traços da velha soberania ainda se evidenciam no terror que o som da voz humana e um relancear de olhos inspiram nas criaturas inferiores, como nas façanhas do domador de leóes e no encantador de serpentes. Pela maior parte, porém, a anarquia e a rebelião devastaram o belo reino do homem.
(M ey er ,
The way into the holiest, p. 42,43)
O HOM EM APÓS A Q U E D A
Mas, agora, ainda não vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas. Hebreus 2.8c Nessas breves palavras, há de encontrar-se a história da Queda do homem em virtude da incredulidade e do pecado. Aqui, a aplicação total é ao homem em seu estado presente; as referências a Cristo não começam antes dos versículos seguintes. O domínio concedido ao homem ao ser criado e a sabedoria de que foi dotado para governar como “vice-rei” de Deus perderam-se por causa do pecado. A vontade do homem tornou-se perversa, o intelecto dele obscureceu-se, e as afeições ficaram alienadas; e, em virtude do medo da morte, toda a sua vida ficou sujeita à servidão. Existe, porém, mesmo aqui, um raio de esperança. A palavra outo (oínco), traduzida como ainda não, também foi usada por Paulo em 1 Coríntios 3.2, e sugere que, apesar do pecado, a promessa poderá ser cumprida. Adiante, o escritor da Epístola aos Hebreus irá dizer-nos que, em um novo homem, a saber, Jesus, as palavras do salmista [SI 8] hão de encontrar, por fim, a plenitude, o seu cumprimento perfeito. Existem vislumbres proféticos disto na vida terrena de Jesus. Alguns milagres operados por Ele na natureza indicam o Seu poder transcendente. Por exemplo, Ele se dirigiu aos ventos e às ondas dizendo: Cala-te, aquieta-te (Mc 4.39d), e estes lhe obedeceram. Aos discípulos que tinham trabalhado toda a noite, Jesus disse: Lançai a rede à direita do barco e achareis [os peixes] (Jo 21.6b). Após fazerem isso, cardumes inteiros encheram as tarrafas quase a ponto de romper os barcos. A figueira secou à Sua ordem (Mc 11.14,20), e a água se transformou em vinho (Jo 2.7-9). A enfermidade e os demônios sentiram o poder de Jesus, e a morte não pôde conter o Senhor. N o fim de Sua vida terrena, deu a Grande Comissão aos discípulos, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra (Mt 28.18b). O escritor da Epístola aos Hebreus apressa-se a falar de mais este triunfo em Cristo.
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Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos. Hebreus 2.9 Aqui, o escritor da Epístola, em uma so declaração magistral, confronta todos os pontos de objeção à superioridade de Cristo em Seu estado encarnado. Que glorioso contraste! O homem, embora decaído em Adão, é redimido por Cristo. O Filho de Deus tomou sobre si a nossa natureza humana; por meio do Seu sofrimento e da Sua morte, alcançou a glória ao homem prometida. O que Ele realizou por nós pode ser nosso se estivermos unidos a Ele pelo Espírito Santo. Como o ser humano decaído em Adão é chamado de velho homem, a raça redimida em Cristo é chamada de novo homem, que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade (Ef 4.22-24; Cl 3.9,10). Aqueles que ouviram Jesus e aprenderam dele receberam, portanto, a ordem de despir-se do velho homem e, por meior da re novação da sua mente, revestir-se do novo, em Cristo. Tudo o que o homem perdeu na Queda será cabalmente restaurado em Cristo e ainda mais lhe será dado, pois onde o pecado abundou, superabundou a graça (Rm 5.20b). Em Hebreus 2.8,9, ocorre um uso interessante de duas palavras gregas que significam ver, e a mudança de palavras não é desprovida de significado. No versículo 8, a palavra é horomen (oçO|aev), do verbo horan (ôqâv), que significa o uso continuado da visão; enquanto, no versículo 9, a palavra é blepomen (pAeno^ev), que significa um exer cício particular da visão, como voltar a atenção para certa pessoa ou coisa. O que o escritor da Epístola estava, de feto, dizendo em Hebreus 2.9, portanto, é que o que vemos ou observamos constantemente diante
de nós náo é o todo; temos de voltar o nosso olhar e fixá-lo em Jesus, vendo nele a promessa e a garantia do triunfo final do homem. Mas estas palavras náo se aplicam apenas, em seu sentido último e final, à era vindoura. São também a base da fé pessoal para o desenvolvimento da experiência cristã. Em meio à fraqueza, perplexidade, dor e decepção, com as trevas e o desânimo à nossa volta, temos apenas de fitar os olhos em Jesus, que já está coroado de glória e honra, e lembrar que nós também participaremos dessa glória. Esta é a esperança decorrente de voltarmo-nos para Jesus em meio a um mundo confuso e decadente. O PARALELO ENTRE O H O M EM E C R IS T O
Como o primeiro homem, Adáo, deu origem ao homem natu ral, Cristo, o último Adão, deu origem ao homem espiritual. O escritor da Epístola, então, coloca os dois [Adão e cristo] em oposição entre si, em uma passagem paralela: o homem em seu estado original, antes da Queda, e Cristo em Sua missão redentora. A respeito do homem, escreve ele: Tu ofizeste um pouco menor do que os anjos, de glória e de honra o coroaste e o constituíste sobre as obras de tuas mãos. Todas as coisas lhe sujeitaste debaixo dos pés (Hb 2.7,8a). Em seguida, sutilmente aponta a grande defecção: Mas, agora, ainda não vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas [a Cristo] (Hb 2.8c). Em palavras mais sucintas ainda, diz: Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus... (Hb 2.9a). O autor de Hebreus cita aqui o nome do Salvador, e traça o paralelo entre este e o homem natural, lançando o fundamento da fé cristã: Jesus, o Ser divino-humano. Quanto ao homem natural é dito: Fizeste-o, por um pouco, me nor que os anjos, de glória e de honra o coroaste (Hb 2.7 a r a ). Jesus, sen do divino, foi feito humano. Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos. Por causa do sofrimento da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todo homem (Hb 2.9 a r a ).
As expressões um pouco menor que os anjos e coroado de glória e de honra (Hb 2.9a), conforme aparecem no Salmo 8, são consideradas como predicados do homem; assim, também devem ser consideradas como predicados humanos de Jesus, visto que ambos foram o resultado de um ato divino. No último caso, estas expressões, conquanto incluíam a humilhação e a exaltação de Cristo, são escritas com o objetivo primordial de provar que Ele foi tão verdadeiramente humano quanto Adão. Que existem distinções nos paralelos é verdade*, e estas serão abordadas agora.
1. Jesus, um pouco menor do que os anjos (Hb 2.9) O escritor da Epístola aos Hebreus se volta agora para a porção restante do paralelismo, que ele introduz com as palavras Vemos, porém, [...] Jesus, usando, de maneira significativa, o nome humano, em vez daqueles títulos que usou anteriormente para Cristo, tais como o Filho, o Primogênito e Senhor. Jesus, sendo a um tempo Filho de Deus e Filho do Homem, foi infinitamente superior aos anjos. Sendo assim, tornar-se momentanea mente inferior aos anjos [ao assumir a forma humana] significava para Cristo humilhação [de sua condição espiritual para material, limitada às contingências humanas]. Mas foi somente por meio de Sua encar nação, ao tomar voluntariamente sobre si a nossa natureza, que Ele pôde reivindicar e alcançar a glória que Deus prometera ao homem. Por outro lado, é tão-somente quando recebemos esta nova natureza de Cristo, tornando-nos templo do Espírito Santo, em virtude da obra redentora de Jesus na terra e no céu, que aquilo que Ele realizou por nós pode tornar-se, de fato, nosso. j -----Assimilemos bem, logo no início dessa Epístola, a verdade de que o que Cristo age por nós como nosso Líder e Sacerdote, nosso Redentor, não é algo externo. Tudo o que Adão operou em nós foi
interiormente, por um poder que governa a nossa vida mais íntima. E tudo o que Cristo efetua por nós, como Filho de Deus ou como Filho do Homem, é igual e inteiramente obra feita dentro de nós. E quando soubermos que Ele é um conosco, e nós um com Ele, como foi o caso de Adáo, saberemos quão verdadeiramente o nosso destino irá realizarse nele. Sua unidade conosco é o penhor, nossa unidade com Ele é o poder de nossa redenção.
(M urray,
The holiestofall, p . 73,74) ---- r
2. Jesus, coroado de glória e de honra (Hb 2.9) As palavras do versículo 9 — por causa do sojnmento da morte — Iigam-se à expressão tendo sidofeito menor que os anjos ou a coroado de glória e de honrai Se o fazem em relação à primeira, Jesus foi feito um pouco menor do que os anjos para que sofresse a morte; se em relação à segunda, o significado é que Cristo foi coroado de glória e de honra por causa do sofrimento da morte. A primeira expressaria o propósito de Ele ter sido feito humano, e a segunda, a conseqüência do sofrimento que experimentou na morte. Ambas as interpretações são igualmente verdadeiras e encontram confirmação na Epístola aos Hebreus. Cristo recebeu uma glória dupla: uma por direito, a de tornarse homem; e outra pela graça de Deus, a de realização pessoal. Deve-se ter em mente que o uso que o escritor da Epístola faz do Salmo 8 depende inteiramente desta concepção. Essa glória dupla de Jesus é revelada com clareza na resposta à oração dele: Pai, glorifica o teu nome. Então, veio uma voz do céu que dizia: Já o tenho glorificado e outra vez o glorificarei (Jo 12.28). Já o tenho glorificado (com a glória concedida ao homem na sua criação); outra vez o glorificarei (pela aceitação graciosa de Sua humilhação e de Seu triunfo). Q ue são esta glória e esta honra? Evidentemente, a honra foi concedida a Ele pelo Pai, enquanto a glória é a Sua manifestação pessoal e consiste na aceitação de Sua morte como propiciação
adequada pelos pecados de toda a humanidade. Isto nos conduz ao que pode ser chamado os vislumbres da expiação, assunto que receberá extenso tratamento em dois capítulos de grande importância. V
is l u m b r e s d a e x p ia ç ã o
Neste ponto, voltamo-nos para as expressões motivacionais do texto e perguntamos: Por que Jesus foi coroado de glória e de honra? A resposta é: por causa do sofrimento da morte. Qual o propósito deste sofrimento? Para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todo homem (Hb 2.9 a r a ) . Não é o objetivo do escritor da Epístola neste trecho discutir a expiaçáo, mas revelar a grandeza de Jesus. Quanto ao que se refere aos sofrimentos deste e ao Seu propósito, este versículo é apenas um vislumbre do que se há de seguir. O autor da Epístola apresenta aqui uma resposta magistral às duas principais objeçóes dos judeus, que: (1) acreditavam que Jesus era apenas um homem, e não o Filho de Deus; (2) questionavam a morte ignominiosa dele na cruz. Por essas razões, pensavam que Jesus não podia ser maior do que os anjos. Declara o autor da Epístola que essas premissas, longe de pro varem que Cristo era inferior aos anjos, pelos quais a Lei foi dada, atestam os que estavam imediatamente ligados à exaltação e glória de Jesus e à salvação do homem. Objeta-se, às vezes, que as duas últimas expressões neste paralelo entre o homem e Cristo, por causa do sofrimento da morte e provasse a morte por todo homem, são apenas repetições. Esta objeção, contudo, é apenas aparente. A primeira expressão é pessoal e fornece a base por meio da qual Jesus chegou à glória e à honra; a segunda é motivacional, salientando que Cristo provou a mortepor todo homem, a fim de prover a salvação para todos. Devemos, agora, examinar mais minuciosamente estas expressões motivacionais.
1. Por causa do sofrimento da morte (Hb 2.9)
O sofrimento da morte implica mais do que simplesmente morrer. I Significa que a morte de Cristo náo foi fácil, tranqüila, e sim sofrida, ] acompanhada de agonia interior e tortura exterior. Segundo expressam \ as palavras de Paulo: Sendo [Jesus] obediente até à morte e morte de cruz i (Fp 2.8c). ] Vaughan observou que as palavras tou thanatou (xou ôaváxou), da morte, sáo peculiares por definirem a palavra pathena (TtaÔTjjia)^ sofrimento, e podem, portanto, ser traduzidas como o sofrimento que \ consiste na morte. Deve-se observar também que as palavras sofrimento\ e morte estão precedidas pelo artigo definido, indicando que o sofri mento e a morte de Cristo são específicos, logo devem distinguir-se daquilo que concerne aos homens mortais. Jesus se submeteu a uma morte sacrificial, vicária, propiciatória. Foi uma morte tal que satisfez plenamente as exigências da santidade e da justiça infinita de Deus, e é por isso que Cristo foi coroado de glória e de honra. Isto é o que liga a Sua coroação à sujeição de todas as coisas a Ele e, assim, o Criador cumpre a promessa original, restaurando o homem ao seu reinado por intermédio de Cristo. Existe, porém, outra declaração de grande importância em Hebreus 2.9.O sofrimento e a morte singulares de Jesus foram devidos à graça de Deus, chariti Theou (x á Q L T L 0 e o ü ), ou por indicação de Deus. Essa declaração, pela posição enfática que ocupa, implica uma forte negação do oposto, isto é, que tenha sido uma morte sob a ira de Deus. Os homens decaídos e pecaminosos morrem sob a ira do Senhor, mas não Cristo; ao contrário. Sua morte não poderia ser em benefício dos que se acham sujeitos à morte. Esta é mais uma razão pela qual Cristo foi coroado de glória e honra. Deve-se observar que existe uma variação de texto aqui, e Ebrard afirmou que as palavras oscilam entre x^Q m ©eoü, que se traduz como a graça de Deus, e xwQlÇ @eoü, que significaria àparte de .ou exceto Deus.
2. Para que, pela graça de Deus, provasse a mortepor todos (Hb 2.9) No “concilio da graça divina” sobre a redençáo do homem, o principal desígnio da encarnação foi proporcionar Cristo como uma oferta propiciatória pela redençáo da humanidade [E ele é a propiciação pelos nossospecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo (1 Jo 2.2)]. Assim, tanto o nascimento quanto a morte de Jesus foram miraculosos, tendo sido o nascimento de Jesus algo inusitado (nasceu de uma virgem; foi gerado pelo Espírito Santo) por causa do Ofertante vicário e de Sua oferta. Voltando à questão da morte, provar a morte, como já vimos, é uma declaração mais forte do que simplesmente morrer, pois contém a ideia de submeter-se conscientemente a toda a terrível dor da morte e, no caso de nosso Senhor, à humilhação e ao opróbrio da morte na cruz. Como a expressão analisada anteriormente, sofrimento da morte diz-nos o que foi feito por nós para remover o obstáculo que impedia o homem de alcançar a glória prometida a ele por Deus (Hb 2.7). Aqui, o escritor da Epístola nos diz como isto se realizou: Jesus experimentou a morte por todos. Provou a morte não apenas sorvendo um pouco o conteúdo do cálice, mas bebendo-o até a última gota. As palavras hyperpantos (Úticq navxóç), por todos, tornam claro que esta morte vicária de Jesus foi em benefício de todos os membros da decaída raça de Adão. Ebrard observou que a palavra hyper, conforme é usada em Hebreus 2.9, não deve ser traduzida como em lugar de ou em vez de, mas como em favor de. Esta universalidade está expressa no indefinido singular por todo homem (ara), e a tradução Almeida Revista e Corrigida omite a palavra homem {provasse a mortepor todos), como no texto grego. Uma vez que, em Hebreus 2.8, o autor deu ênfase a ta panta (xa 7távxa), todas as coisas, no versícuo 9 encontramos todas as coisas reconciliadas, isto é, Jesus provou a morte por todos e por todas as coisas, incluindo os anjos. Embora eles não necessitassem.
de expiaçáo, desfrutam, em contemplação reverente, os resultados da morte de Jesus e regozijam-se por todo pecador que se arrepende. O C
a p it ã o d a n o s s a sa l v a ç ã o
[Na versão inglesa da Bíblia, a KingJames (KJ)] Jesus é chamado de o Capitão da nossa salvação, porque Ele marcha à nossa frente não somente como Líder5, mas também como Conquistador. Segundo Hebreus 2.10, porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas e mediante quem tudo existe, trazendo muitosfilhos à glória, consagrasse, pelas aflições, o Príncipe da salvação deles. [Na versão bíblica em língua portuguesa, a a r c , a palavra Capitão foi substituída por Príncipe, e, na a r a , por Autor da Salvação O vocábulo porque liga este versículo à ideia expressa no versículo anterior, a morte de Cristo, que nos deu livre acesso ao Pai e tornou Jesus o nosso Capitão e Líder. A palavra eprepen (inQ tnev), convinha, era conveniente, ex pressa o que Deus faz como algo que lhe convém, que lhe é próprio. Neste caso, o autor da Epístola apresenta o sofrimento e a morte de Jesus como algo necessário para salvar os homens, realizando-se mediante a graça de Deus, e não pela Sua ira. Embora Deus seja soberano, afirma-se, neste ponto, que o único caminho para assegurar a glória do homem era o sofrimento e a morte de Cristo. Uma explicação adicional do que convinha a Deus [fazer por intermédio de Cristo] reside nisto: (1) o que foi operado pela morte de Jesus: trazendo muitosfilhos à glória-, e (2) a maneira como se fez, ou seja, por meio dos sofrimentos e da morte de Cristo. Em vez, porém, de dizer que Jesus foi coroado de glória, diz-se que Ele conduz muitos filhos à glória; e, em lugar de falar da morte de Cristo, fala-se dele como sendo aperfeiçoado por meio de sofrimentos. Cristo é, ao mesmo tempo, o Fim ou Propósito de nossa vida e a Causa eficiente pela qual todas as coisas se realizam. Andrew Murray diz que isto se resume a um princípio de viver santo de amplo alcance, embora simples: “Tudo para Deus” e “tudo mediante Deus”.
Porque, assim o que santifica como os que são santificados, são todos de um; por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos, cantar-te-ei louvores no meio da congregação. E outra vez: Porei nele a minha confiança. E outra vez: Eis-me aqui a mim e aosfilhos que Deus me deu. * Hebreus 2.11-13 Quanto aos versículos acima, o autor continua a sua análise sob uma terminologia diferente. O Capitáo da nossa salvação se torna Aquele que santifica, e os muitos filhos conduzidos à glória são os santificados. Os particípios presentes hagiazon (óyiáÇaw) e hagiazomenos (áYiaCó^evoç), usados com os artigos, tomam-se substantivos, daí o que santifica (Santificante) e os que são santificados, sendo designadas estas par tes pelas suas posições relativas. E muito evidente, portanto, que Aquele que conduz muitos filhos à glória o faça santificando-os, e que o único caminho, para os filhos de Deus, até a glória é mediante a santificação. John Owen, um antigo escritor, diz: j -----Que ninguém se engane, a santificação é requisito indispensável àqueles que se colocarem sob a direçáo do Senhor Jesus Cristo para a salvação. Ele não conduzirá ao céu senão aqueles que santificar na terra. O Deus santo não receberá pessoas ímpias; esta Cabeça viva não admitirá membros mortos, nem os levará à posse de uma glória que não amam e da qual não gostam. to the Hebrews, p. 28)
(O w e n , An
exposition ofthe Epistle ------- r
Devemos compreender o termo santificação, conforme é usado aqui, no seu sentido fundamental, como a separação de uma coisa ou pessoa do uso comum, para consagrá-la ao santo, tal como convém à natureza de Deus e do Seu serviço.
A palavra koinon (kolvóv), comum, significa o que pertence a qualquer um; hagios (áyioç), santo, significa o que pertence somente a Deus. A pessoa santa é aquela que épossuída por Deus e, depois de ter sido purificada de todo o pecado e de toda a injustiça, torna-se intei ramente devotada a Ele.
1. Aquele que santifica e os santificados vêm de Um só
A expressão ex henos (e£ évòç) é um ablativo de origem9 e significa, literalmente, a partir de um ou originando-se em um, que é Deus-Pai. Assim, o Santíficador e os santificados, provindos de uma só Fonte, são, em certo sentido, todos de Um só. Alguns tentaram atrelar a expressão tão-somente à humanidade de Cristo, enquanto outros a ligam à Sua divindade, bem como à Sua humanidade. Calvino achava que a palavra henos (évòç) está no gênero neutro10 e, portanto, refere-se a uma natureza comum, como se dissesse: “Eles são feitos da mesma matéria”. Contudo, a palavra é considerada como masculina, referindo-se, pois, a Deus, o Pai de todos. Nosso Senhor, sendo a um tempo o Filho de Deus e o Filho do Homem, procede do Pai. Portanto, pode-se dizer igualmente que o Filho de Deus e os dos homens têm uma origem comum, procedendo do Pai, mas de maneira muito diferente. Cristo é o Unigênito, o Filho eterno do Pai, da mesma essência que Ele, igualado em poder e majestade. Os homens são filhos do Senhor por criação [e remissão/regeneração]. Já a filiação de Cristo é original, desde a eternidade; a do homem é derivada e finita, mas a existência de ambos procede de Deus. O homem, todavia, pecou e perdeu a imagem mora Deus; a comunhão se rompeu, e a depravação, como doença ter rível, transmitiu-se a toda a humanidade, tendo como resultado o sofrimento e a morte. Convinha a Cristo, portanto, participar da natureza dos homens, para que pudesse livrá-los de sua condição pecaminosa.
É um pensamento glorioso que Cristo, sendo o nosso Irmão mais velho, não pudesse descansar na glória enqüanto estivéssemos no pecado, sem prover a nossa redenção. Como o amor de Deus por nós tomou possí vel a encarnação de Cristo, assim também a nossa unidade com Jesus toma possível a nossa restauração espiritual. O poder santificador dele, por inter médio do Espírito Santo, e a restauração espiritual dos santificados são tão grandes que Jesus já não se envergonha de chamar-nos irmãos.
2. 0 significado da palavra santificação Visto que temos a declaração de que o Santificador [Cristo] e os santificados [os cristãos] são irmãos (Hb 2.11), devemos agora examinar mais de perto o significado destas palavras. A palavra hagiazein (áyiáCeiv), santificar, é usada em sentido objetivo e subjetivo. Na acepção objetiva, refere-se à obra que Cristo fez por nós ao expiar o nosso pecado. Este aspecto objetivo ou provisional é, às vezes, associado à obra consumada por Cristo. Mas este não é o sentido completo da palavra santificação, pois ela tem também o seu aspecto subjetivo, pelo qual se entende aquilo que Cristo opera em nós pelo Espírito Santo. Sendo assim, não é suficiente dizer que Cristo fez expiação por nós; necessitamos de Cristo em nós, tanto quanto necessitamos de Sua obra expiatória em nosso favor. Não é só o que Cristo fez na cruz que nos salva; é o que Ele faz em nós, em virtude do que fez por nós no Calvário. Cristo não só expiou os nossos pecados; Ele habita em nosso interior por intermédio do Espírito Santo, e é a Sua presença que nos santifica no sentido mais profundo da palavra hagiazein (áyiáCttv). Em suma, em Hebreus 2.11, a palavra hagios (ãyioç), santo, significa não só o ato de purificar ou limpar, mas a permanência de Cristo em Seu templo purificado; e é esta presença em nosso ser que nos santifica, tornando-nos Sua possessão. Devemos compreender, portanto, que a palavra santificar, con forme é usada em Hebreus 2.11 — porque, assim o que santifica como os
que são santificados, são todos de um — , refere-se, principalmente, à obra objetiva de Cristo de expiaçáo do pecado; a expiação que encontra o seu resultado final na declaração divina de que o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nospurifica de todo pecado (1 Jo 1.7c). Santificar indica o ato pelo qual Cristo separa os Seus do pecado e concede-lhes uma vida nova, que se baseia na Sua morte expiatória e na Sua ressurreição. O Dr. Adam Clarke observou que o Santificador, ho hagiazon (ó áyiáÇcúv), refere-se Aquele que fez expiação, e, portanto, concorda com a palavra caphar, que, em hebraico, significa expiar o pecado. Os santificados são os que receberam a expiação, a qual, em sua totalidade, inclui o perdão dos pecados, a nova vida por meio da regeneração, a purificação do coração e a presença permanente do Espírito Santo na vida dos purificados para a santificação completa; e ainda, na ressurreição dos justos, a glorificação dos santos juntamente com Cristo. C
r is t o n ã o s e e n v e r g o n h a d e c h a m a r - n o s ir m ã o s
Por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos. Hebreus 2.11b Quando consideramos a imensa diferença entre o Filho eterno, o Unigênito do Pai, e os filhos de Deus por adoção, e quando, acrescido a isto, vemos o pecado destes filhos, percebemos também claramente o amor maravilhoso e incondicional de nosso Salvador ao chamar-nos irmãos. Ele não considerou isto como rebaixamento de si mesmo, a despeito do fato de Ele estar infinitamente acima de nós. Como é o Santificador, santifica os Seus e torna-os semelhantes a Ele. A santidade, pois, é o sinal de união entre nós e Cristo, o alicerce da graça. A palavra santo guarda o mais profundo significado, sendo usada principalmente de três formas nas Escrituras: 1. Como atributo de Deus, sendo só Ele absolutamente santo, Fonte de todo bem, que se manifesta em amor e justiça. O Espírito de Deus é chamado Santo porque a Sua missão é tornar os
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homens santos. Ele é o Portador do amor divino, derramado no coração purificado dos homens, e o vínculo de comunhão não apenas na própria Trindade, mas igualmente entre Deus e Seus filhos. 2. Como atributo depessoas e coisas, a santidade é a salvação do comum e a devoção ao santo. Isto pode referir-se a coisas que são retiradas do uso natural e profano e, depois de purificadas, dedicadas ao serviço do Senhor. No caso de pessoas, refere-se ao afastamento da vida natural e pecaminosa e à consagração a um relacionamento íntimo com Deus. Nem sempre significa santificação completa, e isto explica o seu uso aplicado aos que se acham na Igreja, a qual, como organização, é separada para Deus. 3. Como sinônimo de experiência pessoal graciosa. E a purificação do coração de todo pecado com o preenchimento de amor divino pelo Espírito. Este amor se torna o motivo da devoção a Deus e abrange o que comumente se conhece como santifi cação completa. Santidade, portanto, significa ser possuído por Deus, e encontra sua conseqüência no qualificativo irmãos, que Jesus dá ao Seu povo redimido. A IDEIA DE FRATERNIDADE NO ANTIGO TESTAMENTO
Foi profetizado no Antigo Testamento que o Messias manteria relações de fraternidade com os súditos do Seu Reino e que os exaltaria à posição de filhos [de Deus] juntamente com Ele. O escritor da Epístola aos Hebreus se volta agora para o Antigo Testamento, para confirmar sua declaração de que Jesus nos considera Seus irmãos. O autor se fundamenta no Salmo 22, onde um rei sofre dor, que representa o Messias, como Ungido de Deus, chega aos Seus por meio do sofrimento; e em Isaías, onde um profeta, como cidadão de Israel, sofre junto com aqueles a quem profetiza. O escritor de Hebreus apresenta a verdade extraída destas passagens de uma maneira dramática, que é, ao mesmo tempo, singular e inspiradora.
1. Anunciarei o teu nome a meus irmãos (Hb 2.12a; cp. SI 22.22a) Neste trecho, o Filho é apresentado como aquele que possui a missão reveladora de declarar e manifestar o nome e a natureza do Pai. Pode-se verificar que esta missão foi plenamente cumprida na oração sumo sacerdotal de Jesus: Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste [...] e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja (Jo 17.6,26). Supõe-se que o Salmo 22 tenha sido escrito no tempo em que Davi foi perseguido por Saul. Embora Davi tenha sido rei [por eleição de Deus], seu reino foi conquistado com sofrimento e dor, os quais, depois, converteram-se em alegria. Isso era uma espécie de boas-novas. Esta mensagem, portanto, assume grande significado pelo fato de que o rei simbólico (Davi) e o verdadeiro (Jesus) atingiram sua soberania sob con dições análogas; ambos igualmente, ao triunfar, reconheceram sua afini dade com o povo a quem elevaram à fraternidade consigo mesmos.
2. Cantar-te-ei louvores no meio da congregação (Hb 2.12b; SI 22.22b) Aqui se acrescenta um novo particular. O Cristo glorificado não é somente o Filho que revela o Pai; é também o Chantre, o ministro que con duz o culto da Igreja. Acha-se no meio dela, que é uma unidade de Cristo com Seus irmãos, expressa de forma nova: a de um culto comum ao Pai. Na congregação, em que o rei simbólico e seus irmãos exercem seus privi légios como cidadãos da comunidade, eleva-se aqui o verdadeiro Rei e Seus irmãos, na comunidade divina e na glória da Igreja neotestamentária.
3. E outra vez: Porei nele a minha confiança (Hb 2.13a; Is 8.17; 2 Sm 22.3) Por meio desse texto, percebemos que o Filho náo é só um Irmão e Companheiro de culto, mas também Irmão na fé. Ele se
apresenta a nós nas mesmas condições que aqueles aos quais foi enviado, igualando-se a eles e declarando: Porei 'nele [em Deus] a minha confiança. Este nivelamento reside também na alusão a Isaias, por meio de quem veio a Palavra do Senhor. O profeta estava tão entregue à espe rança de que Deus cumpriria Suas promessas quanto o povo a quem falava. Como isto ocorreu com o profeta do Antigo Testamento, assim também no Novo Testamento ouvimos Jesus dizer: Eu não posso de mim mesmofazer coisa alguma [...], porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai, que me enviou (Jo 5.30). Nosso Senhor, durante a Sua encarnação, como Filho do Homem, viveu pela fé. Por isso, ao passo que no capítulo 2 de Hebreus Jesus é chamado o Capitão da nossa salvação (KJ), em Hebreus 12.2 é chamado o Autor e Consumador da nossa fé. Em grego, Capitão e Autor são desig nados pela mesma palavra [daí a diferença nas traduções, como vemos na a r c , na a r a , na n v i - versões em português do texto bíblico], porém a ênfase agora não é sobre a necessidade de liderança, mas sobre a qualidade da fé que torna essa liderança eficaz. Os patriarcas do Antigo Testamento representavam diferentes as pectos da fé. Cristo exibiu a fé na sua perfeição mais cabal. Por esta razão, Ele pode aperfeiçoar a nossa em todas as contingências da vida.
4. Eis-me aqui a mim e aosfilhos que Deus me deu (Hb 2.13b; Is 8.18a) Conforme se observa neste texto, o Filho volta para o Pai com os muitos filhos que conduz à glória. Novamente, a alusão é a Isaías e aos seus filhos, que se tinham tornado sinais a um povo incrédulo. Jesus volta para o Pai e apresenta Seus filhos no limiar da glória, em que antes estava sem eles. Saíra solitário; volta com a multidão dos Seus santos. Recorremos outra vez à oração sumo sacerdotal de Jesus, onde se acha o cumprimento desta profecia: E, agora, glorifica-me tu, ó Pai,
junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse. Manifistei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste, e guardaram a tua palavra (Jo 17.5,6). Além disso, Jesus disse: Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste;porque tu me hás amado antes da criação do mundo (Jo 17.24). Estar com Cristo para todo o sempre e contemplar a glória infinita que Ele tinha com o Pai antes que o mundo existisse — esta é a alta posição a que Cristo nos elevou como Seus irmãos; esta é a herança dos filhos de Deus. U M MISERICORDIOSO E FIEL SUMO SACERDOTE
O escritor da Epístola aos Hebreus falou de Jesus como o Autor (ou Capitão) da nossa salvação (Hb 2.10, 14-18 a s a ) e, assim, intro duziu o tema da obra apostólica de Cristo, que, no capítulo 3 (v. 1,2), tratará sob o símbolo de Moisés, o apóstolo do Antigo Testamento. O autor da Epístola também falou sobre a obra sacerdotal de Cristo, comentada no capítulo 5 por meio da analogia com o ministério de Arão e Melquisedeque. O homem, a fim de ser um fiel seguidor de Cristo, tem três neces sidades específicas: (1) ser salvo do pecado; (2) receber poder para vencer os adversários; (3) ser fortalecido pelo Espírito Santo, pois está sujeito a ser vencido no caminho por causa de sua própria fraqueza e enfermidade. Em Hebreus 2.16-18, Cristo é apresentado como Sumo Sacerdote misericordioso e fiel que satisfaz todas as necessidades do homem: (1) Ele nos redime do pecado e alça-nos ao nível da salvação e comunhão com Deus; (2) dá-nos vitória sobre os inimigos e eleva-nos ao plano da liberdade espiritual; e (3) fortalece-nos pelo Seu Espírito no homem interior, conduzindo-nos à graciosa segurança. Cumpre, assim, o que jurou a Abraão, nosso pai, de conceder-nos que, libertados das mãos de nossos inimigos, o servíssemos sem temor, em santidade ejustiça perante ele, todos os dias da nossa vida (Lc 1.73-75).
O trecho que será analisado agora é uma amplificação dessas grandes verdades, com especial atenção à necessidade e ao propósito da encarnação de Jesus. A ENCARNAÇÃO DE JESUS E A LIBERTAÇÃO DO TEMOR DA MORTE
E, visto como osfilhosparticipam da carne e do sangue, também eleparticipou das mesmas coisas, para que^ pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo. Hebreus 2.14 Duas coisas se destacam claramente nesse texto e merecem especial consideração: (1) a necessidade da encarnação e (2) o propósito da encarnação.
\.A necessidade da encarnação E, visto como osfilhos participam da carne e do sangue, também eleparticipou das mesmas coisas (Hb 2.14a). Já constatamos que, sob o aspecto divino, era necessário que Cristo encarnasse, a fim de tornar os homens Seus irmãos. De acordo com este versículo, porém, vemos a necessidade da encar nação sob o aspecto humano: Cristo deveria tornar-se como os Seus irmãos em todos os aspectos: nas provações, tentações, no sofrimento e na morte. Em Hebreus 2.14, deve-se observar que: 1. E reafirmada a realidade da encarnação. A humanidade de Cristo foi tão real como a nossa, e não mera cristofania11, como ensi nava o antigo docetismo12. Jesus tomou parte em nossa carne e em nosso sangue. 2. A encarnação se tomou a base da comunhão pessoal entre Cristo e os Seus discípulos: Jesus conheceu a fome e a fadiga corporal; foi
homem de dores, experimentado nos trabalhos (Is 53.3b). Em todas as coisas, foi semelhante aos irmãos, com exceção do pecado. 3. Esse texto [Hb 2.14a] preserva a singularidade da encarnação. O escritor da Epístola foi cauteloso em manter a distinção entre a natureza de Cristo e a do homem no seu estado decaído. Ele não disse que Cristo foi um participante da carne e do sangue como a humanidade é, mas que também elepartiápm das mesmas coisas [relativas à humanidade: as emoções e contingências, mas não pecou]. São usadas duas palavras gregas diferentes em Hebreus 2.14a. A primeira é kekoinoneken (ic£KOiv£ÍrvT]K£T]), que se refere à natureza humana compartilhada por todos os indivíduos como herança perma nente. A segunda palavra se refere a Cristo, meteochen (fJ£ T £ O X £ v ), e expressa a singularidade da encarnação como aceitação voluntária da humanidade em seu estado atual de humilhação, mas com o acréscimo da ideia de transitoriedade. Assim, as Escrituras Sagradas preservam a natureza distinta de Cristo como o Santo. Embora tenha sido tão humano quanto divino, foi diferente da humanidade em geral, porque Sua natureza não foi contaminada pelo pecado, como a do homem decaído. Desde o nascimento, Jesus foi chamado o ente santo (Lc 1.35 a r a ) , e ainda nesta Epístola é dito que Ele é santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores efeito mais sublime do que os céus (Hb 7.26).
2. O propósito da encarnação Para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo. Hebreus 2.14b Esse texto expressa outra razão pela qual nosso Senhor assumiu um corpo carnal: para aniquilar a autoridade daquele que tinha kratos (KQáxoç), força, poder ou domínio sobre a morte.
Assim como um homem é mantido prisioneiro pela sentença de um juiz, Satanás mantinha ps homens na servidão por força da Lei do pecado e da morte. Legalmente, não existia libertação. A única possibilidade de livrarmo-nos do maligno e da morte seria o despojamento da nossa natureza decaída, sobre a qual eles têm autoridade e poder. Isto o homem não poderia fazer. Então, Deus enviou o Seu próprio Filho em seme lhança de carnepecaminosa e no tocante aopecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado (Rm 8.3c a r a ). Cristo, suportando a morte como pena pelo pecado, reconheceu o julgamento justo de Deus e assegurou-nos a promessa da libertação: (1) da morte, como castigo pelas nossas transgressões, (2) da nossa própria natu reza pecaminosa, como vida na carne, e (3) do temor pelo qual Satanás nos mantinha em servidão. Jesus fez isto destruindo ou aniquilando o poder do inimigp sobre a morte. A palavra destruir, no uso em que se faz aqui, com frequência é interpretada como aniquilar, que, por esta razão, encontra-se em outras traduções. A palavra grega é katargesei (K a T a ç » y rjc rr]), usada muitas vezes por Paulo, e é traduzida como reduzir a nada, desfazer (Rm 3.3 a r a ); anular (Rm 3.31 a r a ) ; abolir, desistir; na sua forma mais intensa, destruir. Na Authorized Version, há pelo menos 17 traduções diferentes da palavra. Em Hebreus 2.14, é dito que, por meio da morte, Cristo aniquilou aquele que tinha o império da morte. Nota-se que não foi feito uso do possessivo, sendo as palavras gregas tou thanatou (t o ü Gavánou), a morte. O escritor não o usou porque queria salientar o fato de que o diabo foi vencido por aquilo que ele usava para manter o cativeiro. Assim, Cristo voltou contra Satanás a própria arma do inimigo e libertou-nos da servidão sem arma alguma; apenas resistindo a tudo o que o inimigo poderia usar para dominar-nos. Foi isto que levou Crisóstomo a dizer: “Eis aqui a maravilha: Satanás é derrotado por aquilo que ele conquistou”.
A ENCARNAÇÃO DE JESUS E A LIBERTAÇÃO DE NOSSOS INIMIGOS
E livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão. Hebreus 2.15 Cristo veio não apenas para expiar os nossos pecados, mas para nos livrar de nossos inimigos [o pecado, a morte e o diabo] e, assim, elevar-nos ao plano da graciosa liberdade. Em Hebreus 2.15, o triunfo de Cristo sobre o pecado é levado as ultimas conseqüências; e, tendo Ele vencido o derradeiro inimigo, que é a morte, o grande Capitão da nossa salvação nos libertou de todos os inimigos que impediam o nosso progresso no caminho da santidade. Não lemos que Cristo destruiu a morte, porém, vencendo-a na ressurreição, modificou de tal modo a nossa posição para com ela que a morte já não nos confina à servidão do medo. Ela ainda é o nosso inimigo, o último, vencido pelo Mestre, mas ainda inimigo. Existem poucos lares em que o terror causado pela morte não foi sentido, onde os vínculos do amor não foram partidos e a dor da separação não se fez sentir. Jesus chorou junto à sepultura de Lázaro. Mas, por meio da morte e ressurreição de Cristo, podemos exclamar triunfantemente: Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória? (1 Co 15-55). A morte ainda está entre nós, mas podemos dizer que tanto a vida quanto a morte nos pertencem e que aguardamos com confiança aquela patria melhor (Hb 11.16), onde não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor (Ap 21.4b). O aspecto da servidão, tanto à Lei do pecado quanto a Satanás, em geral não recebe, na Teologia, a proeminência que lhe conferem as Escrituras. Eis como o expõe o Dr. Pope: j ------A humanidade, como objeto da redenção, é, em primeiro lugar, resgatada do cativeiro do pecado; em segundo lugar e indiretamente,
do cativeiro de Satanás e da morte, que é o castigo do pecado. Este tem o homem na servidão, como condenação' e poder. 1) A condenação é a maldição da Lei. Como a força do pecado éa Lei, assim a força da Lei é o pecado, mantendo toda criatura moral em perfeita obediência; e, faltando esta, entrega o transgressor à sentença de condena ção, da qual, no que tange à ordenança legal, não existe livramento. 2) O pecado é um poder interno na natureza humana, escravizando a vontade, as afeições, a mente. 3) A intervenção expiatória de Cristo aniquilou o pecado como poder absoluto na vida humana. Ele obteve redenção eterna para nós-, uma redenção objetiva, eterna, suficiente, da maldição da Lei e da necessária rendição da vontade ao poder do mal. (Pope, Compendium o f Christian Theology, 2, p. 289)
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Continuando este pensamento, Dr. Pope diz que Satanás e a morte estão subordinados, mas são representantes reais do poder do mal, representando Satanás, a um tempo, a condenação da Lei e a servidão interior à iniqüidade. j ------Verifica-se quão intimamente relacionados estão o pecado e os nossos inimigos. A redenção de Cristo fez provisão para libertar o homem, tanto do pecado quanto do diabo, nosso inimigo que o administra por meio da morte. A Epístola aos Hebreus associa estas verdades à expiação, de ma neira notável.
(P o p e ,
Compendium o f Christian Theology, 2 , p. 289)
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A ENCARNAÇÃO DE JESUS E O FORTALECIMENTO CONTRA AS FRAQUEZAS E ENFERMIDADES
Além da libertação do pecado e do temor dos inimigos, o homem tem uma terceira grande necessidade: o fortalecimento em tempos de fraqueza eenfermidade. O pecado só pode ser removidonesta vida. Porém, suasconseqüências, taiscomofraqueza e enfermidade, só serão extintas na ressurreição.
Paulo reconheceu dois tipos de perfeição quando disse: Não que já a tenha alcançado ou que seja perfeito (Fp 3.12a) e pelo que todos quantos já somos perfeitos sintamos isto mesmo (Fp 3.15a): respectiva mente a perfeição da ressurreição e a perfeição cristã. A perfeição cristã consiste em Jesus purificar o nosso coração e habitar nele por intermédio do Espírito Santo, habilitando-nos a seguilo e a ter por alvo a perfeição concedida na ressurreição. Precisamos de Cristo não somente como nosso Sumo Sacerdote arônico, para expiar os nossos pecados; necessitamos dele também como Sumo Sacerdote da ordem de Melquisedeque, mediante o qual viveremos a nossa exis tência terrena; ou, em uma expressão mais profunda, que Cristo viva por nosso intermédio. E nesse sentido que não apenas vemos a necessidade de tal sa cerdócio; é aqui que temos a primeira menção de Cristo como nosso Sumo Sacerdote. Esta obra sacerdotal é realizada mediante a presença interior do Espírito Santo como Paracleto13 ou Consolador, a promessa do Pai e o dom do Cristo glorificado. Que dádiva graciosa à Igreja é este dom do Espírito Santo! Quando Satanás nos levar a pensar que jamais fomos perdoados dos nossos pecados ou purificados de toda injustiça, podemos, pela fé, lan çar mão da promessa de que o sangue de Jesus Cristo [...] nos purifica de todo pecado (1 Jo 1.7c). Quando estivermos cercados de inimigos, podemos ir ainda mais longe pela fé e alegar o juramento que [o Senhor] jurou a Abraão, nosso pai, de conceder-nos que, libertados das mãos de nossos inimigos, o servíssemos sem temor, em santidade ejustiça perante ele, todos os dias da nossa vida (Lc 1.73-75). E quando estivermos quase vencidos pela fraqueza, a ponto de perecer por causa das nossas muitas enfermidades, verificaremos que o Consolador ainda estará conosco, para nos fortalecer nos momentos difíceis, guiar-nos em nossas decisões, manter-nos firmes diante da ten tação e da provação, e consolar-nos em tempos de angústia e desolação. Graças a Deus, pois, pelo seu dom inefável (2 Co 9.15).
A ENCARNAÇÃO DE JESUS E A NOVA ORDEM DE SACERDÓCIO
Porque, na verdade, ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão. Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso efiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque, naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados. * Hebreus 2.16-18 Vimos que a encarnação, momento em que Cristo se tornou um ser humano, oferece a base de vários aspectos de uma só salvação: 1. Jesus encarnou para, padecendo, tornar-se o Capitão da nossa salvação, preparando o caminho de uma nova vida pelo qual pudesse levar muitos filhos à glória; 2. Encarnou para que, pela Sua morte e ressurreição, aniquilasse o poder de Satanás e libertasse o Seu povo do temor da morte; O escritor da Epístola aos Hebreus mencionou outro propósito da humanidade de Cristo: para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus (Hb 2.17b). E para este último aspecto que voltaremos nossa atenção agora.
1. A descendência de Abraão Porque, na verdade, ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão. Hebreus 2.16 Esse texto tem sido interpretado no sentido de que, por con traste, Cristo não assumiu a natureza dos anjos, mas apenas a humana,
conforme se depreende da expressão descendência de Abraão. Esta ideia evidentemente influenciou os autores de algumas traduções, nas quais a natureza [dos anjos] está em itálico, não se encontrando no texto grego. Conquanto seja verdade que Cristo assumiu uma natureza humana, não é este o ponto a salientar aqui. Lindsay, em Lectures on Hebrews (p. 106), declara que a palavra epilambanesthai (£7X iA a(_i(3ávea0ai), associada ao genitivo de pessoa14, denota tomar a pessoa para socorrê-la e, por isso, significa simplesmente ajudar, assistir ou sustentar. Não pode, portanto, significar assumir a natureza de uma pessoa. A mesma palavra é usada em Mateus 14.31, onde vemos que Jesus estendeu a mão para segurar Pedro, que afundava; e também em Marcos 8.23, em que é dito que Cristo tomou o cego pela mão. Por ter sido revelada à humanidade a Lei de que os anjos foram mediadores, era necessário que Cristo ajudasse a semente de Abraão, a fim de fazer propiciação por esta e por meio dela para o mundo todo. Paulo nos disse que a verdadeira semente de Abraão é Cristo, que os que são da fé são os filhos de Abraão e que nele todas as nações serão benditas (G1 3.7-9,14). Cristo, portanto, toma ou socorre todos os cristãos, para expiar os pecados deles e, como Capitão da salvação da humanidade, conduzir muitos filhos à glória. A palavra epilambano (èn:iÀa[i|3ávco), em suas várias formas, apa rece 19 vezes no Novo Testamento, sendo 12 destas no Evangelho de Lucas. Não há outra menção a anjos nesse sentido [de ajuda]. A palavra epilambanesthai (èrciAa|Jpáv£CT0cu), às vezes, ocorre como epilambanetai (èrciA a^áverai) e significa sempre lançar mão de, tomar, no sentido de prestar ajuda ou assistência. Contudo, vale ressaltar que, quando é dito que Cristo não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão, não existe a ideia de que os gentios não estejam incluídos no socorro de Cristo, mas sim que Israel necessita da mesma ajuda. Tampouco existe a ideia de eleição incondicional de Israel ou recusa em ajudar os anjos. [O que é enfatizado é que a ajuda é oferecida especialmente àqueles que se tornam filhos de Deus pela fé, como Abraão.]
2. Cristo como Sumo Sacerdote Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso efiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar ospecados do povo. Hebreus 2.17 A palavra archierus (àQXi£Q£Úç), sumo sacerdote, é usada aqui pela primeira vez. Ela não aparece em outra parte no Novo Testamento. Fornece, nesta Epístola, o tema central de discussão. O termo é signifi cativo por referir-se, primordialmente, ao ministério do sumo sacerdote no Dia da Expiação. Então, o sumo sacerdote era separado da sua oferta; em Cristo, os dois estão unidos. Jesus foi tanto o Ofertante como a Oferta. Como Sumo Sacerdote, ofereceu-se imaculado a Deus. E a oferta foi Ele próprio. O sacrifício foi Seu próprio sangue e, por meio desse sangue aspergido, a misericórdia se estende a toda a humanidade. Por esta razão, diz-se que Ele é misericordioso efiel sumo sacerdote. A palavra misericordioso é frequentemente utilizada para caracterizar Sua atitude para com os homens, em cuja semelhança Ele se fez. E a palavra fiel é empregada para se referir ao ministério de Cristo nas coisas per tencentes a Deus. Talvez uma interpretação mais exata salientasse o fato de que Cristo foi primordialmente misericordioso, sendo esta palavra, no grego, mencionada primeiro e com ênfase; e que, em conseqüência, Ele é fiel no sentido de ser digno de confiança.
3. Cristo como nossa Propiciação Reconciliação não é a melhor tradução do vocábulo grego hilasmos (íAacr|_ióç), que, quando usado como adjetivo, significapropiciatório ou expiatório. Ambas as palavras se referem ao propiciatório, que era a tampa da arca da aliança no Santo dos Santos. A palavra reconciliação vem do grego katallasso (K a x a A A á aa c o ) e refere-se ao estado de paz existente entre o homem e Deus.
As palavras gregas usadas em conexão com a expiação podem ser dispostas na seguinte ordem: 1. Propiciação ou expiação, hilasmos (íAaafióç), que é a oferta sacrificial feita a Deus como base para a expiação. A propiciação se refere principalmente ao sacrifício, e a expiação, ao resultado. A ira, ou desagrado de Deus, é propiciada; o pecado é expiado. 2. Redenção, lutro homens.
(à ú tq c o ),
é o resgate pela salvação dos
3. Reconciliação, katallasso (KaxaAAáCTcrco), é o estado de paz conseqüente à expiação do pecado. Também existe outra palavra, usada na Epístola aos Hebreus: anaphero (ava(j>£Qco), que significa tomar a si e sofrer os nossos pecados, a fim de fazer expiaçáo. Aqui, o ato e a oferta sacerdotais se combinam em uma só Pessoa, que é a nossa Propiciação. Assim também Cristo, oferecendo-se uma vez, para tirar ospecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para a salvação (Hb 9.28). Em Hebreus 2.17, contudo, a palavra propiciação deve ser con siderada principalmente do ponto de vista objetivo. A ênfase é sobre a expiação, pois, no Dia da Expiação, o pecado era expiado pelas ofertas sacrificiais oferecidas pelo sumo sacerdote. Mas este não é o sentido total do termo. Cristo não apenas nos redimiu pelo sacrifício de si mesmo na cruz, mas ressuscitou para se tornar o Executor de Sua vontade. Como tal, o Cristo ressuscitado torna-se o nosso misericordioso e fiel Sumo Sacerdote, ministrando a nós, do Seu trono nos céus, a salvação que operou por nós no Calvário. O que o autor da Epístola aos Hebreus procura salientar é que Cristo não apenas morreu por todos os homens, mas ministra, pessoal mente, esta salvação a todos os que confiam nele. É essencial, para uma plena compreensão de Cristo como nossa Propiciação, um entendimento profundo tanto da ctuz como do tro no. Isto se apresenta ainda na doutrina cristã da redenção, que afirma
que Cristo náo fez uma oferta propiciatória meramente para nos liber tar da servidão; ao contrário, Ele recupera para si mesmo aquilo que adquiriu. Como Deus, Ele nos resgata para exercer os Seus direitos reais sobre nós, e aí reside o significado da nova ordem sacerdotal de Melquisedeque, que foi, ao mesmo tempo, sacerdote e rei. Além disso, Cristo não apenas nos livrou da servidão, mas conduziunos à posição de Seus co-herdeiros. Esta é a restauração que o Espírito Santo faz no homem. Por meio dela, a comunhão com Deus, perdida * na Queda, restaura-se. Que maior herança o homem poderia possuir do que a presen ça de Deus e do Espírito Santo, terceira pessoa da Trindade, santificando, iluminando, vitalizando a alma e dando-lhe poder, trazendo-a à comunhão santa com o Pai e o Filho? j ------Redenção uma vez por todas efetuada na cruz e redenção em processo são descritas pelos mesmos termos, que podem ser dis postos em quatro classes: Ia) aqueles em que se inclui o ÀÚTQOV ou preço de resgate; 2a) aqueles que significam comprar de um modo geral, como áy o çáC si-V ; 3a) os que implicam apenas li vrar, como ÀÚ£IV; e, finalmente, 4a) os que indicam a noção de socorro forçado,
Q U £ C T 0 £ X I.
É óbvio que, como agora estamos examinando a expiação em re lação à obra consumada de Cristo somente, a primeira destas classes, mais do que as restantes, pertence mais estritamente ao nosso presente assunto. Às vezes, a distinção é expressa como redenção por preço e redenção por poder. Esta é uma bela e verdadeira distinção, embora convenha acautelarmo-nos do fato de fazer uma distinção dema siado rigorosa entre os dois, quer na obra externa do Senhor, quer na experiência interna que o crente tem dela. (P ope , Compendium o f
Christian Theology, 2, p. 288)
Paulo apresentou este aspecto duplo da propiciação muito clara mente em sua Epístola aos Gálatas:
Cristo nos resgatou da maldição da Lei, fazendo-se maldição por nós, porque está escrito: Maldito todo aquele qtiefor pendurado no madeiro; para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo e para que, pela fé, nós recebamos a promessa do Espírito. Gálatas 3.13,14
4. Cristo e a tentação Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, époderoso para socorrer os que são tentados. Hebreus 2.18 ara Encontram-se, neste versículo, duas ou mais teses distintas a respeito da tentação: 1. Que a solidariedade de Cristo se encontra no fato de que Ele sentiu a tentação sempre que foi exposto ao sofrimento; ou 2. Pode basear-se no fato de que Sua vida inteira foi de sofri mento, para o qual a tentação, agora mencionada, é apenas um fator a mais. Esta última interpretação é a mais plausível. No grego, a palavra autos (aúxóç), ele mesmo, precede a pala vra peirastheis (neiQaoOeíç), tentado, em vez de a palavra peiponthen ( T i £ 7 i o v 0 £ v ) , sofreu, que coloca a ênfase antes sobre a tentação de Cristo do que sobre o Seu sofrimento. Embora, em certo sentido, a palavra que significa ele mesmo possa propriamente ser aplicada a cada um dos termos, pois Cristo sofreu e foi tentado, anteriormente lemos que Jesus sofreu, e a ênfase aqui se transfere para a tentação como mais um motivo de sofrimento. Lenski observou que, neste versículo (v. 18), existe material interessante para o estudo dos tempos verbais gregos.
1. A palavra tentado está no tempo aoristo15, que simplesmente denota, como coisa passada, que Jesus foi tentado. 2. Sofreu está no perfeito16 e, portanto, refere-se a todo o período do Seu sofrimento até o tempo da morte. 3. A locução verbal époderoso está no presente17e expressa, pois, a capacidade contínua de Cristo de ajudar os que são tentados. 4. A expressão os que são tentados é um particípio iterativo18, significando sendo tentados repetidas vezes. 5. Epoderoso para socorrer os que são tentados é um aoristo final e efetivo19, que significa, literalmente, Ele é real e eficazmente capaz para ajudar. Apesar de o tema tentação ser da maior importância, não é crítico neste ponto, e receberá subsequente tratamento em conexão com Hebreus 4.15. No momento, o objetivo do autor da Epístola era apontar para as qualificações de nosso Sumo Sacerdote com vistas ao cuidado pessoal do Seu povo. Embora a obra principal de Cristo seja a expiação e a intercessão, uma realizada na terra, a outra, no céu, ambas culminam nele como misericordioso e fiel Sumo Sacerdote. Como é pelo sangue expiatório de Jesus que somos redimidos e santificados, assim também é pela intercessão sacerdotal dele que somos capazes de viver a vida de santidade e justiça [que Deus exige de nós]. Que pensamento glorioso é este, que possamos viver mediante o nosso grande Sumo Sacerdote! Não é pelo nosso próprio poder ou pela nossa santidade, nem por força de vontade ou sabedoria humana, que vivemos em triunfo espiritual, mas por Aquele que, por intermédio do Espírito, habita dentro do coração santo e, assim, vive em nós. Cristo assumiu a nossa natureza humana e sofreu, tendo sido tentado, para que comungasse plenamente de nossas experiências. Dessa forma, Sua vida terrena se tornou extremamente preciosa para nós. Sua
humanidade nos deu a certeza de Sua compreensão e solidariedade, e Sua divindade nos assegurou Sua presença constante e infalível. Ele é misericordioso Sumo Sacerdote, porque podemos aproximar-nos dele como estamos, com todos os nossos problemas e nossas tenta ções. Ele é fiel Sumo Sacerdote porque é plena e eficazmente capaz de socorrer os que são tentados (Hb 2.18). Vivemos, portanto, pela fé no Filho de Deus (G1 2.20 a r a ) , sempre tendo em mente que os que confiam inteiramente nele hão de encontrá-lo inteiramente fiel.
I
N otas 1— O genitivo objetivo representa o objeto (complemento) numa frase com um verbo. No caso em questão, dons do Espírito Santo, o Espírito Santo seria o objeto do verbo doar, representado pela palavra dons. Isto significa que o Espírito Santo não seria aquele que concede os dons, e sim que Ele os recebe de Deus. 2— O genitivo subjetivo representa o sujeito numa frase com um verbo. Logo, em dons do Espírito Santo, o Espírito seria o sujeito, aquele que possui os dons e os distribui. (Fonte: http://books.google.com.br. DUBOIS, Jean. Dicionário de Lingüística. São Paulo: Editora Cultrix, 1973, p. 303.)
O genitivo absoluto é um caso gramatical do grego que faz a oração inteira fun cionar como circunstância de uma oração principal. N o caso em questão, segundo a sua vontade (Hb 2.4 a r a ) seria a circunstância da oração principal dando Deus tes temunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo (v. 4). Quanto ao caso dativo, em certas línguas, assimilou as fun ções de outros casos já extintos. N o grego clássico o dativo indica também a posse. Logo, neste versículo, Deus seria o detentor de todos os sinais, prodígios, milagres e dons do Espírito Santo, e o Senhor mesmo, segundo a Sua vontade, os distribui ria. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_dativo) ^ Teantrópico deriva de Teantropia, tratado acerca de Deus feito homem. (Fonte: Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janei ro: Nova Fronteira, 1999.) O autor da Epístola aos Hebreus levou em conta a tradição dos rabinos de que a re velação da Palavra, no Antigo Testamento, foi mediada por anjos. Embora isso não esteja afirmado categoricamente na Bíblia, encontramos algumas passagens que se referem a esse ponto de vista, como Atos 7.53. E provável que o escritor da Epístola aos Hebreus tenha adotado esse entendimento para ressaltar o contraste entre os mediadores da Palavra na antiga aliança, os anjos, e o Mediador na nova aliança, Jesus Cristo. (Fonte: C h a m p l i n , Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. São Paulo: Hagnos, 2002, volume 5.) Fílon de Alexandria (25 a.C.—c. 50): filósofo judeu-helenista que viveu durante o período do helenismo. Tentou uma interpretação do antigo testamento à luz das categorias elaboradas pela filosofia grega e da alegoria. Foi autor de numerosas obras filosóficas e históricas, onde expôs a sua visão platônica do judaísmo. (Fonte: http://www.unísinos.br/ihuonline/uploads/edicoes/l 197028900.5pdf.pdf) São João Crisóstomo foi um teólogo e escritor cristão, patriarca de Constantinopla, no fim do século IV e início do V d.C. Sua deposição em 404 produziu uma crise entre a Santa Sé e a Sé Patriarcal. Pela sua inflamada retórica, ficou conhecido como Crisóstomo (que em grego significa boca de oitro). (Fonte: http://pt.wikipedia. org/wiki/S%C3%A3oJo%C3%A3o_Cris%C3%B3stomo) Na Revised Standard Version, lemos the pioneer, o pioneiro.
9 — O ablativo de origem, com ou sem preposição, expressa a origem ou a ascendência de uma pessoa. (Fonte: http://us.geocities.com/direitounifieo/latim/licao6.htm) 10— O grego possui três gêneros: o masculino, o feminino e o neutro. Tomás de Aquino, cujo pensamento filosófico e teológico explora muito as ricas possibilidades do neutro, afirma: "O gênero neutro é informe e indistinto; enquanto o masculino (e o feminino) é formado e distinto. E, assim, o neutro permite adequadamente significar a essência comum, enquanto o masculino e o feminino apontam para um sujeito determinado dentro da natureza comum" (1,31,2 ad 4). (Fonte: O Neutro m Gramática e na Metafísica. Artigo de Jean Lauand, professor titular da Faculdade de Educação da USP. http://www.hottopos.com/geral/neutrum.htm) 11— A cristofania é um conceito da teologia cristã utilizado para designar as aparições de Cristo pré-encamado ocorridas no Antigo Testamento. Segundo algumas posições teo lógicas, o Anjo do Senhor que fez vários contatos com personagens bíblicos, o sacerdote Melquisedeque, que recebeu o dízimo de Abraão, e o quarto homem visto por Nabueodonosor quando este condenou Sadraque, Mesaque e Abede-Nego seriam aparições de Jesus. (Fonte: http://ptwilapedia.oig/vviki/Cristofania) 12— Docetismo: doutrina gnóstica do séc. II segundo a qual o corpo de Cristo não era real, porém só aparente, negando que Ele tivesse realmente nasddo de Maria. (Fonte: B u a k q u e d e H o l a n d a , Aurélio Ferreira. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.) 13— O vocábulo parakletos provém do verbo parakalein. Há ocasiões em que parakalein signi fica consolar (Daí a designação do Espírito Santo como Consolador). Contudo, este não é o uso mais freqüente do verbo parakalein. O sentido mais comum no grego popular é chamar alguém para ficar ao lado de uma pessoa, a fim de ajudá-la e aconselhá-la Parakletos é uma palavra passiva em sua forma e significa literalmente alguém que é chamado em favor de uma pessoa. Visto como o mais importante na mente é sempre o motivo do chamamento, esta palavra, mesmo sendo passiva em sua forma, tem um sentido ativo, significando aquele que ajuda e, sobretudo, que testifica em favor de alguém, apoiando a sua causa, isto é, tomando-se o seu advogado de defesa. (Fonte: http://www.cpr.org.br/jesuscristo-nosso-advogado-propidacao.htm) 14— 0 genitivo de pessoa (ou subjetivo) representa o sujeito numa frase com um ver bo. Logo, quando se diz que Cristo tomou a descendência de Abraão, significa que
Abraão é o que possuía uma descendência, ou seja, Cristo tomou os descendentes de Abraão. (Fonte: http://books.google.com.br. DUBOIS, Jean. Dicionário de Lin güística. São Paulo: Editora Cultrix, 1973, p. 303.) 15— Os textos gregos valem-se do aoristo, tempo que exprime a ação pura e simples sem que dele se cogite duração ou acabamento. O aoristo indicativo exprime um fato passado, do qual a duração breve ou longa não tem nenhum interesse para o sujeito falante. (Fonte: Aspecto verbd no grego antigo. Artigo de Silvia Costa Damasceno, professora adjunta de Língua e Literatura Grega da UFF e coordenadora do setor de Grego da mesma univer sidade. http://www.fUologia.org.br/anais/anais%20ffl%20CNlI:33.html) 16— O tempo perfeito, no grego, é usado para descrever um processo irreversível, um fato consumado. (Fonte: http://www.airtonjo.com/grego_biblicol6.htm) 17— 0 tempo presente, no grego, é usado para descrever uma ação que se repete a in tervalos regulares. (Fonte: http://www.airtonjo.com/grego_biblicol6.htm) 18—
O aspecto verbal iterativo ou frequentativo exprime uma série de processos repe tidos. (Fonte: http://Www.portrasdasletras.com.br/pdtI2/sub.php7opNira_duvidas/docs/tira-duvidasa)
19— Aoristo efetivo: tempo verbal grego em que a ênfase está no fim ou resultado da ação. Portanto, entendemos a ação como confirmada completamente. (Fonte:http:// www.solascriptura-tt.org/Seitas/Pentecostalismo/So83ApostEEHscTiveramDonsSinaisHelio.htm)
3 O APOSTOLADO E O* SUMO SACERDÓCIO DE CRISTO
amos agora ultrapassar a Porta Formosa do templo em Jerusalém e entrar no templo espiritual. No capítulo 1, analisamos esta porta, que simboliza aspectos divinos e h de Cristo, citada pelo autor da Epístola aos Hebreus, e valiosas lições para a experiência cristã. Também vimos as sérias advertências que ele fez aos seus leitores, a fim de não negligenciarem a grande salvação pelo desprezo à divindade de Cristo, e o que disse sobre evitarem o endurecimento do coração, fazendo referência à humilhação de Cristo. Agora [dando prosseguimento ao nosso estudo de Hebreus], à medida que deixarmos a Porta para entrar no templo, verificaremos que é apenas a expansão da vida de Cristo, novamente considerada [pelo autor da Epístola] sob o duplo aspecto das naturezas divina e humana do Senhor. Contudo, [em Hebreus 3, veremos que] Jesus é analisado mais à luz do que fez por nós do que com base naquilo que é em si mesmo, embora este último fato seja sempre o fundamento do primeiro.
V
Por isso, santos irmãos, que participais da vocação celestial, considerai atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão, Jesus. Hebreus 3.1 ara A natureza divino-humana de Cristo é a “porta do templo” da comunhão com Deus, que manifesta Sua graça em Cristo, a qual está sempre em expansão. Ao entrarmos neste templo de graça e verdade, o autor da Epístola aos Hebreus deseja que consideremos a natureza e obra de Jesus em relação a Moisés, o apóstolo do Antigo Testamento, e a Arão, o sumo sacerdote veterotestamentário. O assunto, portanto, há de apresentar-se sob o simbolismo do antigo tabernáculo e seu ser viço, e o estudo pode ser considerado como um comentário inspirado do autor da Epístola sobre o Antigo Testamento, sua história e seu ritual, suas leis e seus precedentes legais. Sob o aspecto do escritor da Epístola, existe a ideia de trans cendência, que se resolve na graça reveladora e assinala mudança de relação. Sob o aspecto do Sumo Sacerdote, temos a ideia de imanência, que se manifesta na graça que dá poder e assinala mudança de condição. Estes dois aspectos se combinam na encarnação de Jesus e unem-se outra vez nos desígnios finais de Deus. No templo da comunhão espiritual em que entraremos, have rá, portanto, um crescimento constante de luz e de verdade, por um lado; e, comparável a ele, um crescimento constante de amor e poder, ambos revelados pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo. A expressão por isso — em por isso, santos irmãos, que participais da vocação celestial, considerai atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão, Jesus (Hb 3.1 a b a ) — marca a transição dos capítulos precedentes (1 e 2) para os outros dois que imediatamente os seguem (3 e 4). Essa transição deixa subentendido tudo o que foi dito nos capítulos anteriores acerca da superioridade de Cristo sobre os anjos,
mesmo no Seu estado encarnado, e lança também o alicerce da supe rioridade de Cristo sobre Moisés, o mediador da antiga dispensação e o “fundador” da teocracia terrena.
1. Santos irmãos (Hb 3.1 a r a ) Esta forma de saudação evidentemente é decorrente de uma declaração feita no capítulo anterior, onde lemos: Porque, assim o que santifica como os que são santificados, são todos de Mm;por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos (Hb 2.11). As duas afirmativas [sobre a santificação e a irmandade], portanto, estão combinadas na expressão santos irmãos, que forma uma caracterização apropriada daqueles que passarão pela porta de acesso ao templo espiritual. E Jesus quem nos santifica e, portanto, toma-nos santos; somos Seus irmãos por criação e redenção. O que, então, poderia ser mais natural do que estes dois grandes pensamentos \santos irmãos] ficarem juntos? A santidade é comum a Cristo e ao Seu povo e marca a união e a base da comunhão entre ambos. A ideia fundamental da santidade é aquilo que Deus separa para si mesmo, sendo, às vezes, usada em um senddo exterior e coletivo, como no caso da Igreja. Disto, porém, não devemos inferir que todos os membros de uma comunidade cristã es tejam na posse da santidade interior [que deveriam ter]. Mesmo entre os freqüentadores da igreja, existem pessoas que não experimentaram a pureza de coração ou o amor perfeito. A santidade interior depende da pureza interior. O que Deus separou para si mesmo, a fim de ser santificado na verdade (Jo 17.17), deve também ser interiormente purificado do pecado, para que se harmonize com a imagem do Filho, que é santo, inocente, imaculado, separado dospecadores (Hb 7.26b).
2. Queparticipais da vocação celestial (Hb 3.1 ara ) A vocação do cristão é celestial, não apenas porque do céu pro cede sua origem, nem ainda porque é um chamado para o céu, como
alvo supremo, mas porque é uma qualidade espiritual de vida que en contra sua realização plena no céu. Andrew Murray descreveu esta vocação como o poder de uma vida espiritual que opera em nós, para tornar nossa vida celestial. Em sua plena concepção, portanto, é o poder do Espírito Santo, primei ro derramado no Pentecostes, pelo qual os homens foram libertos de todo pecado e transformados à semelhança espiritual de Cristo. A palavra metochoi ((-iétoxol), participantes, literalmente sig nifica partícipes, isto é, os que tomam parte nas mesmas coisas. Os cristãos são os ungidos e, portanto, em certo sentido, os “cristificados” que participam com Jesus do poder de uma vida eterna. A voz do céu dirigida a Moisés foi uma vocação, o chamado para a expansão de uma teocracia na terra. Os cristãos são chamados para participarem do estabelecimento de um Reino espiritual, cujo es tágio inicial é uma condição interior de justiça, paz e gozo no Espírito Santo.
3. Considerai atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão (Hb 3.1 a r a ) Eis como essas palavras podem ser expressas de maneira mais enfática: “Portanto, porque Jesus é o Apóstolo e Sumo Sacerdote de nossa confissão, consideremo-lo bem” (Lowrie). Considerar é um termo usado na astronomia derivado da raiz latina sidus, que significa estrela ou constelação, e dela temos sideral, o que pertence aos astros ou ao céu. Considerai contém a ideia de que, como os astrônomos fitam longa e atentamente os céus, a fim de obter informações sobre o sistema solar, assim também, como cristãos, deve mos continuamente fitar Jesus Cristo com admiração e adoração. A palavra grega correspondente a considerar vem do verbo katanoeo ( K a x a v ó e c o ) , que n ã o significa principalmente levar a sério e em consi deração, mas também trazê-lo diante do espírito, no sentido de dedicar atenção a Jesus ou refletir sobre Ele integralmente.
Westcott disse que o verbo considerai remete à atenção e à observação, bem como ao respeito contínuo dirigido a Jesus como nosso Apóstolo e Sumo Sacerdote e, mais remotamente, à Sua fideli dade, quando comparada com a de Moisés. Estas coisas é que, agora, são objeto de análise. O verbo katanoesate (mxavoiíaaTE) está no imperativo, mas é, em geral, considerado não tanto uma exortação, como proposição destinada a exibir os assuntos que o escritor da Epístola aos Hebreus mais tarde tenciona discutir. Na verdade, a Epístola inteira, deste pon to em diante, forma um tratado lógico e conciso sobre os vários as suntos para os quais o autor chama a atenção no primeiro versículo do capítulo 3. É para esta discussão que ele pede atenção, por julgá-la digna de minuciosa e prolongada consideração.
4. Cristo, nosso Apóstolo (Hb 3.1 a r a ) A obra apostólica de Cristo se refere principalmente ao Seu aspecto objetivo como Revelador e Líder, este último já mencionado como o Capitão da nossa salvação (Hb 2.10 k j ). Como Moisés tirou Israel do Egito e conduziu-o pelo deserto às fronteiras de seu alvo material, o descanso em Canaã, assim Cristo, como nosso Apóstolo, não apenas nos traz até as fronteiras do des canso em Deus, mas, como Josué, nosso grande Salvador realmente nos introduz naquele descanso que aguarda o povo de Deus. Canaã, portanto, simboliza o descanso da fé, que Deus preparou para o Seu povo, no qual, porém, o antigo Israel deixou de entrar por causa da incredulidade e da dureza de coração. São apresentados quatro aspectos da obra apostólica neste capítulo e no seguinte, sob o simbolismo de (1) a casa, (2) a voz na casa, (3) a terra e (4) o trono na terra. Também o Sábado é mencionado como símbolo do descanso espiritual que Deus, desde o princípio, preparou para o Seu povo. Observaremos que estes símbolos representam uma concepção cada vez mais profunda e mais ampla da obra apostólica de Cristo.
Disse o bispo Chadwick: A ------------------
Não poderemos bem considerá-lo como Apóstolo sem antes nos lembrarmos da fidelidade, do patos [sentimento], da simplici dade do Seu ensino, das bênçãos que espalhou com ambas as mãos, da Sua longanimidade para com os pecadores e Seus inimigos; sem antes refletirmos sobre a amável majestade com que Ele revelou o Pai e nos lembrarmos de que todo o Seu ministério foi, para nós, no século 20, táo verdadeiro como o foi para a Galiléia e a Judéia no século 1.
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Jesus é o único que pode sondar e transformar o nosso coraçáo, levando-nos à paz que resulta da rendição total a Ele. Só o Senhor pode redimir-nos com o sangue expiatório de Seu sacrifício sacerdotal e, pelo Seu Espírito, fàzer morada em nosso interior. Sua obra profética sempre há de preceder Sua expiação sacerdotal. Ao receber Cristo e Sua salvação, devemos aceitá-lo em todos os Seus ofícios, como Profeta, Sacerdote e Rei.
5. Cristo, nosso Sumo Sacerdote (Hb 3.1 a r a ) Os dois títulos aplicados a Jesus em Hebreus 3.1, Apóstolo e Sumo Sacerdote, vêm acompanhados de apenas um artigo, assim indi cando que a Ele pertencem os dois ofícios, sendo Ele o grande objeto de nossa confissão. Como Apóstolo, Cristo tem acesso ao Pai e revela-o a nós; como Sumo Sacerdote, Ele pleiteia a nossa causa junto ao Pai e leva-nos à pre sença de Deus. Em ambos os cargos, Ele é misericordioso efiel (Hb 2.17). Misericordioso para com os homens, porque, tendo encarnado, com preendeu as nossas fraquezas e tentações; fiel a nós e a Deus, posto que só falou as palavras que ouviu do Pai durante o tempo em que esteve na terra [e cumpriu tudo o que prometeu e não se desviou de Seu propósito e missão]. E esta fidelidade que o torna digno de confiança.
Repousando nele, encontramos a confiança interior e a alegre certeza de que Ele cumprirá todas as promessas que Deus nos fez. Nos capítulos 3 e 4 de Hebreus, a obra apostólica de Cristo será apresentada sob quatro títulos principais: a casa, a voz na casa, a terra e o trono na terra, como já indicamos. Nos capítulos 7 a 10, a Sua obra sacerdotal será igualmente apresentada em quatro divisões: o sacerdócio, as promessas, o santuário e a herança. Estes símbolos do Antigo Testamento recebem interpretações espirituais à luz da nova aliança e, associadas a eles, encontramos quatro advertências: contra a indiferença, a indolência, o pecado voluntário e a apostasia. A casa d e D e u s
O autor da Epístola aos Hebreus descreveu Jesus como misericordioso e fiel sumo sacerdote (Hb 2.17), e, tendo mencionado sucintamente a Sua misericórdia, da qual falará mais à frente de forma detalhada, passa a considerar a Sua fidelidade. Cristo foi fiel ao que o constituiu, como também o foi Moisés em toda a sua casa (Hb 3.2). A palavra oikos ( o ik o ç ), traduzida como casa, não se aplica meramente a uma construção e à sua mobília, mas também à família que nela reside, incluindo os empregados. O texto que é a base desse argumento se encontra em Números 12.7, onde lemos: O meu servo Moisés, que éfiel em toda a minha casa. Casa, conforme se usa no Antigo Testamento, refere-se ao povo de Israel. No Novo Testamento, é a Igreja, a qual, no sentido amplo, inclui todos os cristãos, tendo-se derrubado a parede que separava o povo de Israel dos gentios, conforme consta em Efésios 2.14: o qual [Jesus] de ambos os povos [Israel e os gentios] fez um; e, derribando a parede de separação que estava no meio. Com relação a Deus, a casa é essencialmente uma só, mas, con siderada com referência à sua administração, são duas: a dispensação do Antigo Testamento, por meio de Moisés, e a neotestamentária, mediante Cristo.
C
r is t o é s u p e r io r a
M
o is é s
O objetivo do escritor de Hebreus é mostrar a superioridade de Cristo por meio de três argumentos: (1) o Construtor é maior do que a casa; (2) o Senhor é maior do que o servo; e (3) a Realização é maior do que o símbolo dela. 1— O primeiro argumento se fundamenta na superioridade do Construtor sobre a casa, sendo assim expresso: Jesus, todavia, tem sido considerado digno de tanto maior glória do que Moisés, quanto maior honra do que a casa tem aquele que a estabeleceu (Hb 3.3 a r a ). A glória da qual Cristo foi digno é uma referência à Sua fi liação, ao passo que a palavra doxes ( ò o £ t | ç ) , traduzida como glória na primeira parte do versículo, torna-se timen (xifuív) na segunda parte, por ser mais aplicável a uma casa. Moisés foi, na verdade, fiel, mas ele era parte da casa, não o fundador dela, daí termos uma significativa mudança de preposições: de em (év) para sobre (èrti). Moisés foi fiel na casa; Cristo foi fiel sobre a casa. As palavras maior honra do que a casa tem são kath hoson (ícaS' ô'aov), que significam quanto maior. Trata-se, contudo, de uma afirmação geral, sem o objetivo de comparar as honras concedidas. O escritor da Epístola aos Hebreus reforça o argumento no versículo seguinte, dizendo: Porque toda casa é edificada por alguém, mas o que edificou todas as coisas é Deus (Hb 3.4). Existe aqui uma profunda visão espiritual do Cristo encar nado como o Logos, ou Verbo eterno, pelo qual todas as coisas foram feitas. Portanto, Cristo, como o Filho divino, não é apenas o Soberano, mas o Fundador da casa, logo superior a Moisés, que era parte da dispensação sobre a qual presidia.
2— 0 segundo argumento, de que o Senhor é maior do que o ser vo, é extraído do contraste entre Moisés como servo e Cristo como Filho: E, na verdade, Moisés fo i fiel em toda a sua casa, como servo (Hb 3.5a). A tarefa de exaltar Cristo acima de Moisés era delicada, pois este era alvo de veneração por parte dos judeus. A vida reli giosa de Israel, a Lei com suas várias observâncias, o conhe cimento de Jeová e a esperança que os judeus tinham na vida futura estavam todos ligados a Moisés, o servo de Deus. Além disso, o próprio Jeová testificara: Moisés é fie l em toda a mi nha casa e boca a bocafalo com ele (Nm 12.7,8a). Contudo, a habilidade do escritor de Hebreus, inspirada pelo Espírito Santo, nunca falha. Ele toma as palavras casa, servo e Filho e desenvolve-as de maneira magistral. Moisés é um therephon (0£Qa7icov), servo livre, aquele que serve voluntariamente e executa os desejos do seu senhor na administração da casa; não é um doulos (òoüÀoç), escravo sem vontade própria. Moisés, portanto, é caracterizado por toda a dignidade que se ligava ao seu ofício. E ainda, Moisés era um servo fiel em toda a casa de Deus. Os outros servos eram usados em várias partes da casa. Profetas, sacerdotes e reis tratavam de aspectos diferentes e limitados da verdade e da vida; a Moisés, contudo, fora confiada toda a dispensação, o regime e o cuidado de toda a família de Israel. O alvo do argumento, pois, é este: Moisés foi servo em casa de servos, tendo sido ele próprio parte da casa; Cristo, todavia, é Filho sobre uma casa de filhos, sendo Ele mesmo o Autor e Fundador da dispensação sobre a qual é Soberano. 3— O terceiro argumento, de que a Realização é maior do que o símbolo dela, baseia-se na seguinte afirmação: o ministério de Moisés foi para testemunho das coisas que se haviam de anunciar (Hb 3.5b).
Moisés, portanto, não apenas deu testemunho quanto à verdade contida na Lei, mas prescreveu o culto simbólico em sua pró pria casa sob um feitio que, depois, testificaria aquele que seria mais plenamente exibido em Cristo. Por isso, nosso Senhor disse: Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim, porque de mim escreveu ele (Jo 5.46); e, em relação aos discípulos no caminho de Emaús, agiu da seguinte forma: E, começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras (Lc 24.27). A dispensação mosaica, portanto, era simbólica e dava testemunho tanto da pessoa como da obra de Jesus Cristo. A c a sa so m o s n ó s
Cristo, porém, como Filho, em sua casa; a qual casa somos nós. Hebreus 3.6a ara No sentido coletivo e no individual, somos a casa de Cristo, edificadospara morada de Deus no Espírito (Ef 2.22b). Visto que, nas coisas espirituais, cada parte é igualmente um todo, cada indivíduo, como pedra viva na casa espiritual, é habitado pelo Espírito e manifesta a santidade de Deus. Em um sentido cole tivo, estas pedras vivas entram juntas na edificação da casa de Deus e, por meio de suas relações pessoais umas com as outras, manifestam a glória do Senhor. Se, portanto, quisermos a fidelidade de Cristo e a alegria de Sua comunhão, devemos render-lhe o controle de nossa vida. Ele tem de ser a presença permanente em nosso coração; não como Hóspede, mas como Hospedeiro [como o dono da hospedagem que somos nós]. Somos Sua casa, e Ele [como nosso Senhor] deve ter acesso a todos os aposentos; a administração e o controle de ttudo têm de estar em Suas mãos.
O teste da consagração genuína ao Senhor é estarem as chaves da casa nas Suas mãos, não apenas durante os .períodos de êxito, mas também nos tempos de dor e adversidade. Somos Sua casa, da qual Ele cuida de maneira peculiar. Que honra grandiosa é esta! Desfrutamos da paz do Espírito e da libertação de todas as preocupações quando entregamos nossa vida nas mãos de Cristo! Ele não é apenas a Cabeça da Igreja, mas de todas as coisas sobre a Igreja, e administra o universo para o progresso eo cuidado dela. Confiemos, portanto, nele inteiramente e esperemos dele tudo o que realizou por nós. â ------------
A verdadeira consagração passa por uma entrega total a Deus de tudo o que temos, somos e esperamos ser; de nosso passado, presente e futuro (dizemos passado, porque há muitos que, secre tamente, desejam uma volta às rendições passadas). Tal entrega resolve todas as questões em favor do pleno controle de Deus em todos os interesses da nossa vida e em favor de Sua administra ção quanto ao tempo, lugar e à maneira das circunstâncias a eles ligadas [".] O leitor verificará imediatamente a diferença entre estar tudo ao dispor de Deus e apenas acharmos que depositamos tudo aos pés dele. O Pai é o Soberano e faz o que quer com os Seus, mas os homens nem sempre o reconhecem como tal [...] Ele precisa ter tudo em Suas mãos, porque dificultamos o Seu agir en quanto desejamos reter parte de nós mesmos ou de nossos bens. Isso porque tudo aquilo em que colocamos o nosso coração é um ídolo e nos faz cultivar a cobiça, que é idolatria, mantendo-nos, realmente, em uma condição em que Ele não pode realizar obra poderosa dentro de nós. Esta exigência de consagração completa não é uma regra arbitrária ou tirânica, mas o resultado necessário do amor puro. Deus deseja abençoar-nos, e só poderemos desfrutar do prazer real de Sua presença quando soubermos que Ele é o supremo Bem. (S ee , The rest o f faith, p. 17,18)
P
r im e ir a a d v e r t ê n c ia : n á o n e g l ig e n c ia r
A GRANDE SALVAÇÃO
Se guardarmos firme, até ao fim , a ousadia e a exultação da esperança. Hebreus 3.6b a r a Quando o escritor da Epístola diz a qual casa somos nós (Hb 3.6a a r a ) , acrescenta a significativa condição: se guardarmosfirme, até aofim , a ousadia e a exultação da esperança (Hb 3.6b a r a ) . Eis como se tem traduzido esta porção do versículo: “Se guar darmos a ousadia e gloriarmo-nos da esperança firmes até o fim” (Moulton). O bispo Chadwick afirmou: j ------------------
Nos nossos dias, náo há questão que aflija, como nos tempos an tigos, o ministro fiel do Evangelho mais profundamente do que aquilo que possa ser a razáo por que tantos convertidos esfriam na fé e caem e o que poderá ser feito para que tenhamos cristãos que permaneçam firmes e vençam. ---------- T
[Em Hebreus 3.6b] Talvez um estudo crítico das palavras parresian (TtaçQrjCTÚxv), traduzida como ousadia ( a r a ) o u confiança ( a r c ) , e kauchema (Kaúxnf-1^). como exultação ( a r a ) ou.glória ( a r c ) , dê-nos uma compreensão da natureza e da necessidade da firmeza na vida cristã. O primeiro vocábulo {parresian) denota o falar aberta e intre pidamente, sem temor das conseqüências, daí ter vindo a significar confiança ou ousadia. Não está ausente no vocábulo a ideia de liberdade de expressão, porém, na acepção de que tratamos, é liberdade sincera e reverente, que provém de um coração purificado, dilatado e posto em liberdade (SI 119.32). Para destacar com mais clareza o significado desse vocábulo, temos outra palavra grega, hedone (r]õovf|), que denota experiência
alegre, despertada por circunstâncias favoráveis, ao passo que parresian (naççr)aíav) é exatamente o oposto, significando aquela ousadia que vem de dentro e triunfa sobre todas as circunstâncias desfavoráveis. São essas qualidades — liberdade e ousadia — que vêm da unção do Espírito Santo, que habilitou de tal modo os discípulos no Pentecostes que eles anunciavam com ousadia a palavra de Deus (At 4.31c). Já a palavra kauchema (Kaúx1"]^)- traduzida como exultação (ara), e todas as palavras da mesma família trazem em si a ideia de jactarse ou gloriar-se. O fato de a palavra ser traduzida como regozijar-se na Authorized Version talvez se deva a que, na Septuaginta, as palavras hebraicas que denotam gozo e alegria são geralmente traduzidas pelos mesmos termos. A palavra kauchema (KaúxT](-ioO, como é usada em Hebreus 3.6b, refere-se mais especialmente ao sujeito, enquanto kauchesis (KaúxTjaiç) remete-se ao ato. Nossa esperança, pois, não é em nossos sentimentos, mas na quele que os inspira, e o objetivo do escritor da Epístola aos Hebreus é mostrar que alicerce abundante temos para ousadia e exultação na pessoa e obra de Jesus Cristo. Esta esperança está firme em si mesma e entesourada em Deus, mas o regozijarmo-nos nela com ousadia é nosso privilégio e dever. Westcott observou que “a esperança está relacionada com a fé, assim como a atividade energética da vida está relacionada com a pró pria vida”. A esperança só pode chegar à sua realização perfeita quando inspira ousadia naqueles que a possuem. E esta esperança abundante é o centro da intervenção ativa, o segredo da firmeza e a fonte de exulta ção corajosa. E esta esperança que devemos manter firme se quisermos viver cheios do Espírito. A palavra kataschomen (Kaxáxofiev), guardar, traduzida como se guardarmos firm e (Hb 3.6b), é um subjuntivo aoristo1, o qual Westcott traduziu como “se guardarmos firme”, e Vaughan, “se (quando o grande Dia vier) formos achados firmes”. O caminho para a firmeza, então, é o da fé singela. Este cami nho obtém de Deus, que é a nossa Vida, a alegria pela Sua presença,
e encontra o motivo de sua ousadia naquele que é a base infalível de toda esperança. O Senhor nos dá mel tirado da rocha (Dt 32.13), saú de no meio da enfermidade, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado (Is 61.3 a r a ) . Neste trecho do versículo, se guardarmos firme, até ao fim, a ousadia e a exultação da esperança (Hb 3.6b a r a ) , existe uma lição im portante para todos os que querem ter sucesso na vida cristã. A firmeza e a perseverança são traços marcantes e essenciais do caráter cristão, e encontram sua única raiz na ousadia da esperança. Pedro nos apresentou o fundamento desta esperança quando disse que Deus nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos (1 Pe 1.3c). Tanto Paulo quanto João associaram esta esperança ao amor divino. Paulo afirmou claramente que todos os que são justificados pela fé têm em Cristo também uma graça mais profunda e abundante, na qual estamosfirmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus. E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência (Rm 5.2,3). Acerca da ousadia ligada à experiência do perfeito amor, disse João: Nisto é em nós aperfeiçoado o amor, para que, no Dia doJuízo, mantenhamos confiança [...] No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lançafora o medo. Ora, o medoproduz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor (1 Jo 4.17,18 a r a ) . Aqui se torna claro que o medo pode estar confundido com o amor na experiência dos cristãos. Existe, porém, uma experiência mais profunda em que o medo, que vem da dúvida e da desconfiança, é lançado fora, e o amor, aperfeiçoado. Não permitiremos, então, como casa de Deus, que Ele puri fique o nosso coração, lance fora o medo e aperfeiçoe o nosso amor? Não nos é ordenado que amemos o Senhor nosso Deus com todo o coração, toda a alma, e todo o entendimento (Mt 22.37 a r a )? Odenou Ele alguma coisa impossível de ser realizada? Não. Então, guardemos, pois, firmes a ousadia e a exultação da nossa esperança até ao fim!
Se g u n d a
a d v e r t ê n c ia : n ã o e n d u r e c e r o c o r a ç ã o
Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvirdes hoje a sua voz, não endureçais o vosso coração, como na provocação, no dia da tentação no deserto. Hebreus 3.7,8 A rebeldia dos israelitas no deserto sob a liderança de Moisés se tornou o motivo dessa advertência feita pelo escritor de Hebreus aos cristãos judeus, os quais ele evidentemente considerou como em imi nente perigo de cair também por causa da incredulidade. O episódio no deserto era muito apropriado para preveni-los contra a increduli dade que destruiu os seus pais. Esta segunda advertência está no polo oposto ao da primeira, e é dirigida contra uma condição mais sutil e perigosa. A primeira foi feita contra o ato de negligenciar a grande salvação, vista à luz da majestade do Filho de Deus; a segunda denuncia o endurecimento do coração como conseqüência da subestimação da pessoa e obra do Filho, vistas em Sua humilhação. O Filho de Deus é o mesmo, quer como Rei em Sua majestade, quer como Servo em Sua humilhação; seja na força de um Leão, seja na mansidão de um Cordeiro; como o Ancião de dias ou como a Criança de Belém; como o Portador do cetro do céu ou como Carregador do fardo do mundo. Por esta razão, o escritor da Epístola se remete dire tamente à história de Israel como base de sua advertência. Esta se estende de Hebreus 3.7 a 4.13, com várias aplicações de uma só verdade aos cris tãos. Visto que esta seção envolve outras verdades importantes, deve ser analisada e considerada em suas diversas divisões.
Avoz
n a casa
Portanto, como diz o Espírito Santo... Hebreus 3.7a
O escritor da Epístola aos Hebreus, de acordo com seu cos tume, alude diretamente ao Autor das Escrituras, em vez de ao instrumento humano, expressando, assim, sua crença irrestrita na inspiração do Antigo Testamento. Ele parece aproximar-se desta advertência com cena hesitação e, considerando as Sagradas Escrituras como a voz de Deus a comunicar-se em cada passagem, introduz o assunto com esta expressão profundamente significativa: Como diz o Espírito Santo (Hb 3.7a). O Espírito Santo, que inspirou a Bíblia, é o Seu intérprete au torizado. O que é pronunciado por Ele só pode ser entendido quando Ele habita em um coração integralmente rendido e obediente. Observamos, em nossa discussão sobre os primeiros versículos da Epístola aos Hebreus, que antigamente Deus falava pelos profetas, e a revelação que provinha deles era, portanto, externa, cerimonial e prepa ratória. Nestes últimos dias, Deus nos íàlou por intermédio de Seu Filho, e esta revelação foi interna, espiritual e perfeita. Cristo, agora, habita no coração do Seu povo, mediante a presença do Espírito Santo, e, assim, fala não somente a nós, mas em nós. O Espírito Santo revela Cristo em nós e só Ele torna a Verdade vital e real em nossa experiência. Somente por intermédio dele é possível ter comunhão com o Pai e o Filho. O escritor de Hebreus quer deixar bem vivo em nós que o Espírito fàla tão-somente àqueles que, com o coração submisso e obediente, dão ouvidos à Sua voz.
1. Se ouvirdes hoje a Sua voz (Hb 3.7b) Há uma palavra e uma expressão importantes que o Espírito usa livremente: hoje e não endureçais o vosso coração. Satanás nos aconselha a postergar para amanhã [o que é para hoje], e a demora faz endurecer o coração (Pv 13.12). Com base nessa verdade, Wesley disse: “Eis como sabemos se estamos procurando pelas obras ou pela fé; se pelas obras, há sempre alguma coisa a ser feita antes; porém, se pela fé, por que não agora?”
Em Hebreus 3.7, a palavra hoje fala [náo apenas do presente, do dia de hoje, mas também] da eternidade de Deus, pois para Ele náo existe passado ou futuro; toda a Sua graça e todas as Suas bênçáos se acumulam em um único e eterno agora. Assim, todo cristáo que deseja desfrutar as riquezas da graça de Deus precisa corresponder a este agora com uma confiança presente. Essa verdade admirável sobre a qual o Espírito Santo fala por meio de Cristo, a Palavra viva, dirige-se a cristãos, e não a pecadores. E um chamado para o descanso da fé, assunto que o escritor da Epístola introduzirá e estudará mais minuciosamente no capítulo seguinte. O Espírito Santo, para os que o receberam como o Consolador presente, torna-se o Guia a toda a verdade. Em relaçao às promessas de bênçãos materiais ou espirituais, Ele diz hoje, e introduz em nós o espírito de fé, pelo qual podemos apossar-nos das promessas de Deus e tomá-las reais em nossa vida. Nesse sentido, o Espírito traz palavras de advertência, a fim de que não endureçamos o coração. Ele fala apenas a quem possui um coração confiante e obediente; endurecê-lo é inter ditar todos os meios de comunicação com Deus.
2. Não endureçais o vosso coração (Hb 3.7c) O escritor da Epístola não expressa essa advertência com suas próprias palavras. Ao contrário, usa o Salmo 95.7, apresentando-a com base na Palavra inspirada. A citação é retirada da Septuaginta, geralmente considerada como os próprios comentários do escritor ao aplicar esta passagem aos cristãos judeus. As palavras me sklerunte (|af] <7k At|OOÚt £), em não endureçais, estão no subjuntivo aoristo e expressam, do modo mais enérgico, um único ato de endurecimento. O uso do subjuntivo aoristo com a nega tiva me (|urj) significa coibir a manifestação do que quer que seja. Na verdade, esta expressão significa nem mesmo o comeceis ou não façais uma vez que seja. Em certo sentido, esta combinação é ainda mais forte do que o imperativo simples.
A imagem se prende à ressecação ou ao enrijecimento por doença, ou à rigidez fria daquilo que deveria ser maleável e macio. Nas Escrituras Sagradas, aplica-se (1) à própria açáo do homem de recusar a graça e (2) à sentença judicial, que finalmente a confirma (Vaughan). A raiz dessa palavra, sklerunthei ( c r K À T ] Q U v 0 f | ) , como é usada em Hebreus 5.13, expressa o estado de incredulidade empedernida ou oposição obstinada à Palavra de Deus. A palavra coração, kardias (KaQÕúxç), no Antigo Testamento, não se limita às afeições, mas é usada a respeito da pessoa na plenitude de seu intelecto, seus sentimentos e sua vontade (cf. Ef 4.18). Visto que o uso do aoristo com o subjuntivo denota exigências meramente negativas, estas palavras podem ser interpretadas não como as exigên cias peremptórias do imperativo, mas em um sentido de anseio ou desejo: “Oh, que hoje não endureçais os vossos corações!” Ellicott observa que o grego náo admite o sentido em que as palavras são naturalmente tomadas, por exemplo, pelo leitor de lín gua inglesa: “Se estais dispostos a ouvir”. O significado do hebraico é: “Hoje, oh, que deis ouvidos (isto é, obedeçais) à Sua voz!” ou “hoje, se derdes ouvidos à sua voz”. As palavras tornam-se, assim, mais brandas como ordem ou exortação. A SITUAÇÃO NO DESERTO
Já foi chamada a atenção para o fato de que não se menciona a Páscoa na Epístola aos Hebreus, pois Israel já havia sido liberto da morte no Egito, por causa do sangue do cordeiro, aplicado nas portas das casas, e deixado a servidão pela mão poderosa e o braço estendido do Senhor (Dt 5.15). Os israelitas eram um povo redimido, peregrinando pelo deserto em direção à sua herança prometida, a terra de Canaã. Jamais Israel estivera em situação mais favorável do que naquela manhã, quando, pelo poder de Deus, permanecera vitorioso sobre os inimigos na outra margem do mar Vermelho. O Egito e a servidão .tinham passado para sempre. Adiante dos israelitas, estavam a nuvem
e a coluna de fogo que os guiavam de dia e iluminavam-nos de noite. A glória da presença divina pairava sobre éles, e a terra da promessa estava diante dos seus olhos; a terra de vinhedos e bosques de oliveiras, de onde manava leite e mel (Dt 26.9). Mas os israelitas falharam e, daqueles 600 mil homens, entusiasmados com a primeira vitória, a apenas dois [Josué e Calebe] foi permitido entrar na Terra Prometida. Quanto ao restante de toda aquela geração, o que sabemos é que seus cadáveres permaneceram no deserto. Existem duas épocas distintas nesta história primitiva de Israel como nação. A primeira foi o livramento da servidão no Egito; a se gunda, o estabelecimento do povo em Canaã. Assim, também existem dois tipos de vida iniciados por estas crises: a vida temporária no de serto e a permanente em Canaã; ambas são necessárias ao crescimento e à glória do reino de Davi. E as Escrituras nos lembram que tudo isso lhes sobreveio [aos judeus] comofiguras, e estão escritaspara aviso nosso, para quem já são chegados osfins dos séculos (1 Co 10.1-4,11). Esses eventos históricos simbolizam duas crises na experiência cristã e dois tipos de vida cristã. À primeira das crises, Paulo chamou justificação, isto é, a libertação da culpa e do poder de nossos próprios pecados reais; a segunda é chamada o descanso da fé, sendo uma liber tação do conflito interior entre a nova vida em Cristo, comunicada na regeneração, e a antiga, de acorco com a nossa natureza carnal. O feto de que o pecado, a tendência para o erro herdada [de Adáo], permanecer no coração do regenerado é admitido por todos os grandes credos da Igreja, e é claramente apresentado nas Escrituras. Por esta razão, lemos que o Senhor nos tirou [...] para nos introduzir (Dt 26.8,9), ou, como disse Wesley: “somos justificados a fim de que sejamos santificados”. Cristo nos redime de toda iniqüidade, para que possa puri ficar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras (Tt 2.14). Se o pecador pode sentir-se cônscio da paz que se segue à justificação (Rm 5.1), assim também o cristão pode ter consciência de um estado interior de pureza quando santificado inteiramente (At 15.8,9). Além
disso, deve-se observar que os dois processos na consecução destes dois estágios da salvação são distintos e diferentes, passando do estado de rebelião para o de filiação, e do de imundície para o de pureza. Jamais se confundem os dois nas Escrituras; eles são indicados claramente por uma terminologia distinta. A PROVAÇÃO NO DESERTO
Náo endureçais o vosso coração, como na provocação, no dia da tentação no deserto, onde vossospais me tentaram, me provaram e viram, por quarenta anos, as minhas obras. Hebreus 3.8,9 O texto hebraico tem as palavras Meribá e Massá (SI 95.8), porém em Hebreus 3.8,9 são substituídas respectivamente por parapikrasmoi (TtaçaTUKQaa^ico), provação, e peirasmou (tteiqcict^ioü), tentação, seguindo os significados para aquelas na Septuaginta. Houve três eventos significativos na jornada desde o Egito até Cades-Barnéia, dos quais Deus se desagradou. O primeiro foi a revolta do povo contra Moisés e Arão no deserto de Sim, pois não havia pão. O segundo, a revolta em Refidim, pois náo havia água para o povo beber. O terceiro evento, o mais sério, foi em Cades-Barnéia, a partir de onde os israelitas entrariam no descanso prometido. Foi neste lugar que aquela geração de israelitas, recém saída do Egito, deu ouvidos à voz da incredulidade e do desânimo e, durante toda a noite, chorou e murmurou contra Moisés e Arão [alegando que eles incentivaram o povo a sair do Egito, a fim de vê-lo morrer no deserto] . Não obstante, em cada uma dessas crises, o povo de Deus tes temunhou as maravilhosas obras do Senhor. Os israelitas não tinham pão, mas Deus os alimentou com maná, o pão do céu. Não tinham água, mas da rocha ferida o Senhor lhes deu fontes no deserto. Além disso, Deus lhes deu inúmeras provas de que superariam todos os obs táculos e seriam introduzidos em segurança na Terra Prometida.
O caráter da incredulidade aparece nas palavras epeirasan (eneíçaaav), tentaram-me, e edokimasan (áôoKi|_iacráv), puseram-me àprova. A primeira vem do verbo que significa julgar, quer sem ante cipação do resultado [julgamento que o povo fez de Deus], quer com a presunção de achar o Senhor mau. A segunda palavra é provar (na expectativa de encontrar o bem). Mas, na sua acepção aqui significa os homens experimentando [duvidando da bondade dele e pondo à prova] Deus, o Seu poder e a Sua paciência, o que revela o orgulho e a autossuficiência que alimentavam no coração. Esta atitude do espírito está longe da reverência, humildade e confiança. Assim, o escritor de Hebreus, ao descrever Israel, usa o vocábulo planontai (TiAavGjvxai), errar, em estes sempre erram [ou são desviados] em seu coração e não conheceram os meus caminhos (Hb 3.10bc). D
e u s se in d ig n o u c o n t r a a q u e l a g er a ç ã o
INCRÉDULA
Por isso, me indignei contra esta geração e disse: Estes sempre erram em seu coração e não conheceram os meus caminhos. Hebreus 3.10 O verbo indignar-se, na acepção aqui usada, traduz-se, às vezes, como ser provocado ou agravar-se. Visto que a palavra grega é enérgica, alguns acham que deveria ser traduzida como ficar desgostoso ou aborrecer-se. O vocábulo é prosochthisa (TTQOCTCÓXÔI-Cra), composto de pros (nçóç) e ochte (ÕX0T]), cuja tradução literal seria banco de areia. No grego pós-homérico, o termo era aplicado aos navios que encalhavam. Em relação ao espírito, denota aversão ou hostilidade que uma pessoa nutre por outra, embora este significado só se encontre na Septuaginta. [Sendo assim, quando diz me indignei contra esta geração] Deus estava, pois, aborrecido, indignado, com aquela geração, com todos os que saíram do Egito com mais de 20 anos de idade.
O Espírito Santo indica que a sede dos erros deles e das pere grinações estava no perverso coração de incredulidade (Hb 3.12 ara), que não podia ver, compreender nem conhecer Deus. Por isso, sempre erravam no coração (Hb 3.10 a r a ) . A expressão erram no coração significa que, em todas as experiências e ocasiões, aquela geração de israelitas persistentemente se desviava de Deus, seduzida por vontades corruptas e afetos corrompidos. Em seu relacionamento com Deus, aqueles israelitas jamais se alçaram a uma concepção de fé na providência divina; tal é o poder do perverso coração de incredulidade.
1. Assim., jurei na minha ira: Não entrarão no meu descanso (Hb 3.11 a r a ) Uma vez que no versículo 10 é descrito o sentimento de Deus para com a geração incrédula do êxodo egípcio, em conformidade com este fato, no versículo 11 é anunciada a decisão que Deus pronunciou contra ela e que tal decisão era inapelável. Isto é justificado pelo emprego da pahm .jurei, em grego omosa (cójicxra), fazer um voto ou juramento, rogar uma maldição. A partícula condicional ei (d), se, na expressão se eles entrarem, era parte da fórmula hebraica de maldição, e pode ser interpretada da seguinte maneira: “Se eles entrarem, não sou Jeová”. Deus tem prazer em Seus filhos, mas desgosta-se com os que preferem os maus caminhos. Por isso, recompensa os que o servem e pune os incorrigíveis, sendo tudo feito de acordo com os princípios de jusdça e santidade. O vocábulo descanso vem da palavra composta katapausin (ícaxáraxuaiv), que deriva do verbo pauo (navcS), deter-se, cessar, dar descanso. Esse vocábulo com a preposição kata (jcaxá) contém a ideia de permanência ou radicação na herança prometida. E o oposto de anapausis ( à v á 7 i a u a i ç ) , que significa descanso por cessação de tra balho, e pode ser apenas temporário. O descanso que Deus tinha para os israelitas era em Canaã; o descanso de um tempo da servidão do Egito e das exaustivas
peregrinações no deserto. O Senhor chama meu descanso porque o prometera ao Seu povo, livrando-o da servidão no Egito para o introduzir em Canaã, como lugar de habitação permanente [não mais de peregrinação]. Proibido de entrar em Canaã por causa da incredulidade, Israel foi condenado a peregrinar pelo deserto por um período de 40 anos. Estas jornadas pelo deserto se caracterizaram pela falta de objetivo, inquietude e insatisfação. Falta de objetivo porque os israelitas não o tinham nessas viagens; inquietude porque se mudavam de um lugar para outro sem nada possuir; e insatisfação que vinha de profundos anseios por coisas melhores. Tudo isto é igualmente característico da queles que, tendo-se iniciado no caminho cristão e tendo mesmo feito certo progresso nele, voltam as costas, pelo medo e pela incredulidade, para o descanso da fé a eles prometido, dirigindo-se de novo ao deserto da desesperança. U
m a e x o r t a ç ã o e u m a a d v e r t ê n c ia
Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo. Hebreus 3.12 a r a Neste versículo a advertência continua, dando ênfase à incre dulidade como causa do endurecimento do coração. A advertência contra a incredulidade se completa no capítulo seguinte. A palavra irmãos indica o término da citação anterior do Salmo 95 e deixa claro que o autor de Hebreus está falando, do seu próprio coração, acerca da preocupação de que os cristãos judeus não sigam o mesmo exemplo de incredulidade. A palavra blepete (pÀénexe), traduzida como tende cuidado, está no imperativo presente, tempo verbal do grego que expressa du ração linear, contínua - tende [sempre] cuidado. O caráter abrupto da
introdução nãó está em harmonia com o interesse do escritor da Epístola pela suavidade de estilo, mas pode ter sido sua intenção despertar os leitores para a seriedade da advertência. A expressão en nvi humon (év ttv i úfiârv), em qualquer de vós, poderia ser traduzida igualmente como em algum de vós, e mostra pro fundo zelo por todos a quem escreve individualmente. Esta individualização do texto é um apelo do coração fraternal e amante que não deseja que um sequer se perca. Existe, porém, ainda outro significado. O autor da Epístola teme que algum dos cristãos comece a desviar-se e passe a influenciar os outros. É o mesmo pensamento que ele expressa depois, como te mor de que haja alguma raiz de amargura que, brotando, vos perturbe, e, por meio dela, muitos sejam contaminados (Hb 12.15 a r a ).
1. Perverso coração de incredulidade (Hb 3 . 1 2
a ra)
O escritor da Epístola aos Hebreus atribui o fracasso dos isra elitas quanto à entrada em Canaã a um perverso coração de increduli dade, por isso adverte os cristãos quanto à origem real do fracasso: o coração impuro, não-purificado [por Cristo]. O vocábulo perverso, neste caso, não é kakos ( k íx k ó ç ) , termo aplicado ao mal segundo a sua natureza, masponera {noveçà), isto é, o mal segundo os seus efeitos. Os sinônimos para perverso são depra vado, maligno e ímpio. A palavra original que significa perverso denota aquele que planeja a maldade, daí Satanás ser chamado ho poneros ( ó t t o v ê q ó ç ) , o maligno. A palavra traduzida como incredulidade é apistias (àmaríaç;), e está em oposição direta a pistis {nícnu;),fé, exibindo-se o contraste mais clara mente no grego do que em nossa língua. Pistis traz em si mais a ideia de descrença, ou de recusa em crer, do que a mera noção de incredulidade. O coração perverso, kardia ponera (ícaQÒía novegá), é mani festo pela incredulidade, ou desconfiança de Deus, pelo erro persistente
e pela perversidade na vontade e no intelecto obscurecido, fazendo com que a pessoa não compreenda os caminhos de Deus. Assim, pois, a perversidade não reside apenas na vontade, nas afeições ou no entendimento, mas na corrupção de todo o coração ou ser, segundo a acepção usada pelos judeus. O perverso coração de incredulidade é, portanto, apenas outro nome para aquela coisa odiosa que Paulo chamou de o velho homem, o corpo do pecado (Rm 6.6); a outra Lei nos seus membros (Rm 7.23) e a inclinação da carne, que é inimizade contta Deus (Rm 8.7). Nas palavras de Wesley, é a “tendência para pecar”, pois tende a resultar em pecados reais, que trazem culpa e condenação. Nosso Senhor tornou clara esta inclinação quando disse: Assim, toda árvore boa produz bonsfrutos, e toda árvore má produzfrutos maus (Mt 7.17). O caráter da árvore determina a qualidade dos frutos que ela produz. Ensinou que existe uma natureza que é a origem do ato, e ambos necessitam do sangue que Ele verteu na cruz para fazer expiação por nossos pecados; o ato, para ser perdoado, e a natureza pecaminosa, para ser purificada. O perverso coração, ou pecaminoso, manifesta-se, como obser vou o escritor de Hebreus, afastando-nos do Deus vivo (Hb 3.12 a r a ). O verbo afastar-se é apostenai (àrcocnfjvai), que, às vezes, é traduzido como desviar-se. Daí a nossa palavra apostasia, que sugere o fim terrível a que a descrença ou desconfiança de Deus naturalmente conduzem. A forma verbal [afaste] é uma palavra composta, apistemi (àTXÍcnc£(j.i), que, no infinito aoristo2, expressa um caráter definitivo ou real. Assim, a palavra incredulidade [nessa advertência em Hebreus 3.12] é compreendida [por influência do verbo afaste que a segue] como tendo crido e se desviado ou afastado do Deus vivo. A expressão Deus vivo é anarthous, não havendo artigo no grego. É um hebraísmo, comum no Antigo Testamento, por meio do qual Jeová era contrastado com os ídolos inanimados dos pagãos. Literal mente significa Deus cheio de vida-, um Ser benévolo, que ama e deve ser amado; cheio de bondade e verdade, benignidade e misericórdia, r
socorro bem presente na hora da angústia (SI 46.1). Essa expressão — Deus vivo — ocorre quatro vezes nesta Epístola. Alguns escritores modernos, seguindo uma psicologia superfi cial, têm asseverado que é impossível saber se o coração foi purificado do pecado, pois, dizem eles, o pecado pode estar oculto no subcons ciente e, portanto, fora do alcance da consciência. É uma tese falsa, porém antiga. O Dr. J. A. Wood, em Purity and maturity, publicado antes de 1876, afirma que o Dr. Curry, em uma conferência à Convenção de Pregadores de Nova Iorque, expressou dúvida quanto ao estado puri ficado ser consciente. Disse ele: “A consciência toma conhecimento dos processos da alma, mas o raio de sua observação não se estende aos estados latentes ou quiescentes”. Ao que o Dr. Wood replicou: Que são descarno, liberdade da condenação, p az e repouso, senão estados quiescentes da alma, dos quais podemos estar tão clara e posi tivamente conscientes como de qualquer outro dos processos da alma [...] Os santificados podem ficar tão positiva e plenamente conscientes de pureza, como os náo-santificados, da impureza. (W ood, Purity and maturity, p. 109)
2. Exortai-vos mutuamente cada dia durante o tempo que se chama Hoje (Hb 3.13a a r a ) Os cristãos viviam sob o perigo iminente de apostatar, pelo que o autor da Epístola aos Hebreus sugere um meio a ser empregado para prestar assistência a todos os indivíduos, a fim de que perseverem na fé. A base é a afeição fraternal que leva à admoestação mútua; assim é que se mantém a integridade de todo o Corpo. Logo, os cristãos de viam estimular-se reciprocamente. A palavra estimular ou encorajar [em Hebreus 3.13, traduzida como exortar] é parakaleite (rtaçaKaAdTe), derivada do substantivo Paracletos, Consolador, na acepção usada por nosso Senhor quanto ao Espírito Santo.
O pronome vos [em exortai-vos, é reflexivo; significa a vós mesmos] é heautõs (eairtouç), e é usado em lugar de allellous (òÀAqÀouç), conforme se encontra em Efésios 4.32. Praticamente, náo existe diferença entre os dois, acreditava Vaughan, pois o pri meiro é uma alusão ao conjunto unificado dos cristãos, e, quando cada um estimula a si próprio, está encorajando todo o Corpo do qual é membro. A expressão cada dia é hekasten hemeran (éKáorqv TjpÍQav) — literalmente todos os dias — e sugere que essas admoestações mútuas sejam freqüentes e contínuas. Na expressão durante o tempo que se chama Hoje, em grego usase o artigo definido, o Hoje. Evidentemente o autor se referia à citação anterior do Salmo 95.7, se hoje ouvirdes a sua voz. A expressão inteira significa enquanto se chamar o Hoje. Lindsay observou que o tempo a que essa expressão alude é a vida presente, a qual, por causa da sua brevidade e incerteza, pode bem ser apelidada de um dia. Disse ele: “O momento presente é nosso: não sabemos o que haverá amanhã; e, se desperdiçarmos o nosso dia de misericordiosa visitação, não teremos nova oportunidade de voltarmo-nos para o Senhor e alçarmo-nos à glória”.
3. A fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano dopecado (Hb 3.13b a r a ) A ênfase aqui não é sobre a qualidade moral do engano, mas sobre o engano como meio pelo qual o coração se ilude. A palavra apate (àTiáxr]), traduzida como engano, está no caso instrumental3 e significa fraude ou engano da mentira, pelo qual alguém é levado ao erro e ao pecado. Este engano, contudo, não é puramente passivo, no sentido de uma pessoa inocente ser enganada por outrem, pois está associado com tes hamartias (tí^ç á|aaQTÍaç), o pecado-, logo, significa engano próprio. A pessoa torna-se, a um tempo, a enganadora e a enganada, por isso esse engano acarreta culpa.
Alguns dizem que o pecado aqui mencionado deve ser iden tificado ou com a incredulidade, ou com a apostasia mencionada no contexto. Isto náo é possível, uma vez que as palavras apostemi (a7iooTT)vai) e sklerunthá ((7KÂT]QUV0rj) descrevem um estado de coração empedernido e, portanto, hamartia (á|_iaçTÍa) náo pode significar a mesma coisa, a menos que se suponha que o escritor de Hebreus confunda a causa com o efeito. Mas ele é específico; chama-o tes hamartias (xf|ç á|_iaQTÍaç), o pecado, e assim o identifica como a causa. E ao perverso coração, que se manifesta pela incredulidade, que ele se refere; é ao pecado inato ou à degeneração herdada, que permane ce mesmo no regenerado até que o coração seja purificado pelo sangue de Jesus Cristo (1 Jo 1.7,9). E ao pecado de que Paulo falou quando escreveu: Permaneceremos no pecado, para que a graça seja mais abun dante? (Rm 6.1). O próprio apóstolo apresentou a lacônica resposta: De modo nenhum! Nós que estamos mortos para o pecado, como vivere mos ainda nele? (Rm 6.2). Aqui temos outra vez o artigo usado com a palavra pecado, tei hamartiai (xr| á|aaçTÍa). O pecado mencionado neste trecho, diz-nos depois o escritor da Epístola aos Hebreus, é re movido pela santificação. P
a r t ic ip a n t e s d e
C
r is t o
Porque nos temos tomadoparticipantes de Cristo, se, defato, guar darmosfirme, até aofim , a confiança que, desde oprincípio, tivemos. Hebreus 3.14 A palavra metochoi ([íé t o x o l ) , traduzida como participantes, também pode ser traduzida como sócios, parceiros ou companheiros. A expressão companheiros de Cristo [como vemos na n t l h ] talvez pudesse referir-se ao fato de que, como Israel antigo, na jornada para a Terra Prometida, foi companheiro de Moisés, assim, na jornada espi ritual da vida, deveremos ser companheiros de Cristo. Todavia, parece haver base mais sólida para a tradução participantes, porque, como
Cristo, ao participar de nossa carne e de nosso sangue (Hb 2.14), tornouse um de nós, somos espiritualmente participantes dele. Este é um pensamento precioso, que a nossa salvação consiste na posse da natureza de Cristo. Ele é o nosso caminho, a nossa verdade e a nossa vida (Jo 14.6). Não somos meros companheiros em um sen tido exterior, mas participantes de uma vida comum. Cristo habita em nós mediante o Espírito, em uma comunhão mais rica e mais profunda; e esta comunhão interior, espiritual, é uma experiência contínua com as novas manifestações de Sua presença diarianíente. Existe um erro mais ou menos predominante de que a salvação operada por Cristo é algo a ser mantido independente de uma co munhão com Ele e dos méritos da expiação por meio do Seu sangue. E um erro perigoso que, por força, conduz às trevas e à confusão. A experiência cristã genuína é uma comunhão consciente com Cristo, e é tão-somente pelo reconhecimento dela que o sangue de Jesus vertido na cruz purifica o coração de todo pecador e mantém este inculpável diante do trono de Deus (1 Jo 1.7). Existe uma semelhança entre as expressões seguardarmosfirme, até ao fim , a ousadia e a exultação da esperança (Hb 3.6b a r a ) e se, de fato, guardarmos firme, até ao fim , a confiança (Hb 3.14b a r a ) . Em cada um dos casos, a referência é a indivíduos que receberam a salvação por Cristo, embora haja alguma variação na linguagem. A palavra kataschomen (KaTáCTXCuj-iev), guardarmos, é a mesma em ambos os versículos, como também bebaian ((3£|3aíav), traduzida no primeiro como firme, referindo-se à casa de Deus, e no segundo igualmente, sendo aqui um termo náutico que significa manter um curso firme (At 27.40). A palavra tomado, em porque nos temos tomado (Hb 3.14a a r a ) , referindo-se a participantes de Cristo, égegonamen (yeyóvaiaev), e náo é o equivalente de esmen (ècrfiév). Provém do verbo ginomai (yívo^ai) e, estando no perfeito, denota ação passada, cujos efeitos continuam até o momento presente. Em uma tradução literal, teríamos: temo-nos tornado e continuamos a ser participantes de Cristo.
A palavra confiança, usada no sentido anterior (Hb 3.6b ara), é parresian (naQQeaíav) e significa ousadia nofalar, aqui — em se, de fato, guardarmos firme, até ao fim , a confiança (Hb 3.14b ara) —, a palavra é hypostaseos (vnooxáoecoç), segurança. O princípio da nossa confiança foi pela fé em Cristo, sendo que o espírito de adoçáo nos habilitou a clamar do fundo do nosso ser: Aba, Pai (Rm 8.15). A isto se acrescentou outro testemunho, o do Espírito, que testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus (Rm 8.16). Mas o perdão dos pecados e o recebimento de uma nova vida sáo apenas o princípio da comunhão com Cristo. Outro vocábulo igualmente significativo, associado a este progresso na comunhão com o Senhor, é purifica, que nunca é usado indiferentemente com um e outro dos vocábulos precedentes. Referese, de maneira específica, ao ato completo de purificação, à remoção do pecado ou à purificação do perverso coração de incredulidade, que é a base de uma comunhão mais profunda e constante. Esse vocábulo encontra-se na seguinte passagem: Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz [só os cristãos têm a luz, e só os espiritualmente vivos podem andar nela], mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado (1 Jo 1.7 ara). Mas a conjunção condicional se envolve todo o pensa mento de progresso espiritual: se, de fato, guardarmos firme a confiança até ao fim; se andarmos na luz, então, esta comunhão com Deus será mantida, e o sangue precioso de Jesus será válido para limpar-nos de todos os pecados passados, cometidos por ignorância ou deliberação; de todas as impurezas passadas, contraídas ou herdadas; e de todas as fraquezas e enfermidades que o homem decaído herdou. Qual é o alvo que desejamos atingir? Na verdade, são dois: o imediato é o descanso da fé, para o qual o escritor de Hebreus agora dirigirá a nossa atenção, e o final é o descanso celestial em uma pátria melhor. O estudo técnico destes dois versículos — Cristo, porém, como Filho, em sua casa; a qual casa somos nós, seguardarmosfirme, até aofim,
a ousadia e a exultação da esperança (Hb 3.6 ara) e Porque nos temos tomadoparticipantes de Cristo, se, defato, guardarmosfirme, até aofim , a confiança que, desde o princípio, tivemos (Hb 3.14 ara) — serve para corrigir dois erros comuns e perigosos, segundo os quais: 1. É pela nossa perseverança que nos tornamos participantes de Cristo — uma salvação procurada pelas obras, e não pela fé; e 2. Os que deixam de perseverar até ao finvjamais principiaram verdadeiramente. Isto nega o testemunho do Espírito dado a todos os que nascem na família de Deus e, ainda mais, torna sem fundamento a necessidade destas advertências. O PARALELO E AS EXORTAÇÕES FINAIS
Enquanto se diz: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração, como na provocação. Porque, havendo-a alguns ouvido, o provocaram; mas não todos os que saíram do Egito por meio de Moisés. Mas com quem se indignou por quarenta anos? Não foi, porventura, com os que pecaram, cujos corpos caíram no deserto? E a quem jurou que não entrariam no seu repouso, senão aos queforam desobedientes? E vemos que nãopuderam entrarpor causa da sua incredulidade. Hebreus 3.15-19 Como nos versículos precedentes, o escritor da Epístola aos Hebreus dirige novamente a sua exortação e a sua advertência aos cris tãos judeus, mencionando mais uma vez o Salmo 95. Agora, contudo, a advertência é apresentada em forma interrogativa. Antes de Bengel4, mal ocorreu a alguém que a palavra tines (xiveç), no início do versículo, tinha forma interrogativa tines (tíveç), e náo tinés (tivèç), o pronome indefinido alguns, sendo a única diferença o acento. A série de perguntas dramáticas e retóricas é como segue:
1— Quem, tendo ouvido a voz de Deus, prevaricou? Náo foi o mesmo povo libertado do Egito? (Exceto Calebe e Josué.) 2— Contra quem o Senhor se indignou durante 40 anos? Nãofii, porventura, com os que pecaram, cujos corpos caíram no deserto? (v. 17b). 3— E a quem jurou que não entrariam no seu repouso, senão aos foram desobedientes? (v. 18). A esse respeito, Lowrie afirmou: A------Temos de admirar a sua habilidade. Ele [o autor da Epístola aos Hebreus] faz a aplicação com vigor lacônico e energético, de sorte que deve ter caído no coração dos seus leitores com impetuosidade desarmante, que nada poderia desviar, o que deve ter sido da maior eficácia junto aos que ainda não se tinham endurecido. (L ow rje, An explanation ofthe Epistle to the Hebrews, p. 109) --- r
N
o tas
1— Subjuniivo aoristo: aspecto verbal do grego que exprime uma açáo p ro v á v e l pura e simples, sem
duração ou acabamento. (Fonte: http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0l56) 2— 0 infinitivo grego é formado pelo acréscimo de um sufixo ao tema verbal. Tal como o particípio, o infinitivo náo expressa tempo, mas apenas aspecto. O infinitivo presente expressa açáo contínua ou repetitiva, ao passo que o infinitivo aoristo expressa a açáo ppntual. 3— Caso instrumental ou quinto caso é um caso gramatical usado para indicar que um nome é o instrumento ou meio pelo qual ou com o qual o sujeito realiza ou efetua uma açáo. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_instrumental) 4— John Albrecht Bengel (1687-1752) foi membro do clero protestante e pietista (filho de pais missionários protestantes) da Suábia. Escreveu várias obras sobre o Novo Testamento, e espe cialmente sobre o Apocalipse. Para Bengel, o Apocalipse daria a chave para se compreender a História, assim como também seria a Revelação da própria natureza de Deus. (Fonte: www. geocities.com)
4
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O DESCANSO DA FÉ
descanso da fé — que experiência maravilhosa aguarda o povo de Deus! Pode ser comparada a uma bela manhã de primavera no campo: a relva ainda orvalhada, as árvores es de flores, os pássaros gorjeando seus cânticos de louvor, f prestando sua beleza colorida à cena e, acima de tudo, a luz suave da madrugada e o silêncio santo de um novo e belo dia de descanso. Assim também, quando o Espírito Santo entra no mais íntimo santuário da alma, Ele a ilumina até os seus mais longínquos horizontes com um senso de pureza e enche-a com a presença de Deus. Não é de admirar que o piedoso Bramwell testificasse: “Minha alma é toda encanto, amor e louvor!”; ou que o bispo Foster exclamasse: “Que libertação maravilhosa Deus operou! Náo deveria louvá-lo? Não devo publicar esta grande salvação? Que descanso Ele deu à minha alma!” É neste quarto capítulo da Epístola aos Hebreus que o autor trata do descanso da fé como um aspecto importante e estrutural da vida de santidade. É descanso não apenas da culpa e do poder do pecado, mas também da presença do próprio pecado. Alguns chamam atenção para o contraste histórico entre o terceiro capítulo, com sua experiência do deserto, e o quarto, com o descanso prometido em Canaã, mas o contraste espiritual simbolizado
O
é muito maior. Foram-se as dúvidas e os temores, e, em lugar deles, amor de Deus está derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nosfo i dado (Rm 5.5). Eis o que nos diz desta experiência, em palavras entusiasmadas, a senhora Maxwell: j ------Eu descanso nele, nele habito. Mergulhando nele, perco-me a mim mesma e experimento uma vida de comunhão com um Deus tão divinamente doce, que não a trocaria por milhares de mundos. Quando olho para trás, regozijo-me de ver aquilo de que fiii salva; ao olhar para frente, o que vejo são puras expansões de amor ilimitado. Certamente, o Céu dos céus é o amor. ---- r
Passemos, agora, a um estudo exegético deste importante capítulo. O ALVO DA OBRA APOSTÓLICA DE C R IS T O
Ao considerar Jesus como o Apóstolo da nossa confissão (Hb 3.1), vimos que a comparação de Cristo com os anjos dá lugar à de Cristo com Moisés. Sob o simbolismo de Moisés como o apóstolo da antiga aliança, o escritor de Hebreus apresentou Cristo como o Apóstolo da nova aliança. O objetivo de Moisés, ao tirar o povo do Egito, era Canaã, sua herança prometida. Moisés, porém, náo introduziu o povo nessa terra, tarefa que foi deixada para Josué. Cristo, o Apóstolo da nova aliança, náo é apenas o nosso Moisés a livrar-nos da servidáo, mas o nosso grande Josué, o Capitão da nossa salvação, que nos introduz na nossa herança espiritual. Jesus nos libertou para nos introduzir neste descanso da fé, descanso em Deus, sendo este o alvo supremo de nossa experiência espiritual na terra. É preciso que compreendamos integralmente estes dois estágios dessa experiência, para alcançarmos o significado do maravilhoso plano de salvação de Deus.
O Calvário e o Pentecostes sáo os dois ápices da redenção, mas o segundo segue-se ao primeiro, vem após' este e extrai toda a sua virtude do sangue de Jesus derramado naquela rude cruz. O Calvário assinalou a consumação do ministério terreno de Cristo, a expiação completa. O Pentecostes assinalou o derramamento do Espírito Santo e o início do ministério celestial de Cristo. O rompimento do véu da carne de Cristo não apenas nos abriu o caminho para o Santo dos Santos, o acesso direto à presença do Senhor, mas, mediante o recebimento do Espírito, que purifica o nosso coração, também permitiu que Deus viesse habitar em nós. O descanso da fé, portanto, é o nosso descanso em Deus a partir do momento em que o Espírito dele repousa em nosso interior. T e rc eira a d v e r t ê n c ia : c o n t r a a in c r e d u l id a d e
Esta advertência é contra a incredulidade como fonte do endurecimento do coração. Tomadas em conjunto, essas advertências sáo as mais solenes de que a linguagem é capaz. O povo do êxodo não se quis deixar persuadir, voltando as costas para Deus às vésperas da vitória. Os israelitas tiveram fé para deixar o Egito, mas não para entrar em Canaã. Náo compreenderam que a murmuração em Meribá e Massá iria tornar-se a rebelião manifesta em Cades-Barnéia. Não perceberam também que estas formariam uma ponte para a disposição geral de incredulidade, que foi a razão de sua desobediência. Israel recusou o bem maior que Deus tinha-lhe reservado e pereceu miseravelmente no deserto. Os cristãos judeus, aos quais o escritor de Hebreus se dirige, sentiram-se tentados ainda a voltar à Lei Mosaica e não estavam esforçando-se para entrar na nova aliança em Cristo, segundo a qual, mediante o Espírito Santo, a Lei seria escrita no coração e na mente deles. Tendo diante de si o exemplo do que acontecera ao povo de Deus no Antigo Testamento, o escritor da Epístola advertiu os cristãos (e a nós), a fim de que não falhassem por causa da incredulidade.
Quando Deus fez a promessa a Abraáo e a renovou aos que tirara do Egito, realizou, de certa forma, um chamado para o descanso espiritual da fé. Deus poderia tê-lo feito por ocasião da posse de Israel em Canaã [ou quando Jesus, o Deus Emanuel, esteve na terra prometida, entre os seus irmãos israelitas. Mas isto não ocorreu]. Daí o lamento de nosso Senhor sobre Jerusalém: Ah! Se tu conhecesses também, ao menos neste teu dia, o que à tua paz pertence! Mas, agora, isso está encoberto aos teus olhos (Lc 19.42). Quem pode dizer o que teria acontecido se os judeus tivessem aceitado o Messias? Mas até mesmo a geraçáo que foi contemporânea de Jesus falhou em reconhecê-lo, e o resultado foi a queda de Jerusalém com todo o seu horror, toda a sua devastação e morte. Sendo assim, concluímos que não é uma questão de escolha para o cristão prosseguir ou náo até este descanso que aguarda o povo de Deus. Nada ímpio ou impuro, seja em ações, seja em condição, pode subsistir na presença da santidade flamejante do Altíssimo. É por isso que se ordena a todo cristão que possua o melhor que Deus tem para os Seus filhos, e isto porque, sem santidade, ninguém verá o Senhor (Hb 12.14b).
1. Temamos, portanto, qtte, sendo-nos deixada a promessa de entrar no descanso de Deus (Hb 4.1a ar a ) O escritor de Hebreus se dirigiu a seus leitores na primeira pessoa do plural, temamos, incluindo-se, embora imediatamente tenha mudado para a segunda pessoa do plural quando assinala que alguns cristãos poderiam falhar em alcançar a promessa (Hb 4.1b). O obje tivo do autor foi transmitir o temor que ele mesmo possuía aos seus leitores. Isto pode ser observado pelo fato de que o imperativo phobethomen ((J)OÍ3t]0cj[í£v) é um aoristo, que, se ingressivo1, poderia ser traduzido como: Tenhamos este medo. O autor da Epístola queria que os cristãos judeus compreendessem a gravidade da situação como ele a compreendia. Este interesse foi ainda
salientado pelo uso da palavra mepote (^ n o T c ), que, geralmente, indica ansiedade. Neste versículo, os cristãos judeus sáo instados à diligência e vigilância, com base tão-somente na pressuposição de que existe ainda uma promessa de descanso que os aguarda. Visto que a promessa, no capítulo precedente, referia-se dire tamente à herança dos israelitas, Canaã, da qual a primeira geração de israelitas libertada da escravidão egípcia foi excluída pela incredulidade, é evidente que o escritor de Hebreus concebeu a promessa como sendo mais ampla do que a herança material e contendo algo mais elevado e mais nobre — um repouso da fé ou descanso em Deus-, algo espiritual. Isto inclui um estado de pureza e santidade nesta vida e, na vida futura, um descanso perfeito de todas as causas e conseqüências do pecado: ignorância, fraquezas, enfermidade, sofrimento e morte.
2. Suceda parecer que algum de vós tenhafalhado (Hb 4.1b ara ) A palavra dokei (òokçÍ),parecer, é difícil e tem sido interpretada de muitas maneiras. Thayer disse que se trata de uma expressão polida, usada em lugar de uma declaração direta, realmente falhou. Westcott a considerou uma advertência extensiva de que a mera aparência ou suspeita de fracasso deveria ser sinceramente temida. Vaughan a analisou do ponto de vista forense, e achava que é usada no sentido de veredito, devendo-se, então, lê-la: “Para que nenhum de vós seja julgado como tendo errado ou falhado”. O uso da palavra mepote ([ar|7XOX£) talvez indique para que não continue a pensar ou imaginar que chegou tarde demais. Outra interpre tação, a qual, contudo, parece inadequada, é a de que a palavra parecer foi usada apenas para mitigar ou enfraquecer o termo que acompanha, a fim de evitar uma declaração direta. Palavra difícil também é husterekenai (úírteçTjKévai), que significa chegar no dia seguinte, chegar tarde demais, ficar atrás e, figurativamente, perder, não ter e não alcançar.
Segundo a interpretação tradicional, em suceda parecer que algum de vós tenha falhado, fica evidente que o propósito do autor da Epístola foi impedir que os leitores deixassem de atingir o descanso prometido. Contudo, o texto também poderia ser traduzido como: “Para que algum de vós náo suponha que chegou tarde demais”; então, o alvo do autor da Epístola aos Hebreus seria mostrar aos cristáos judeus que eles não estavam atrasados, pois o descanso de Deus ainda aguarda o Seu povo. Existe aqui, também, um tom geral de cautela e soli citude, implicando que tampouco é tarde demais para ser excluído do repouso cristão da fé, como foi para a geração de israelitas pósêxodo na antiguidade.
3. Porque também a nósforam anunciadas as boas-novas, como se deu com eles (Hb 4.2a ar a ) Essas palavras podem soar confusas em algumas traduções bíblicas, ao levar alguns a suporem que o que chamamos tecnicamente de boas-novas no Novo Testamento tivesse sido antes pregado, no mesmo sentido, aos que saíram do Egito e morreram no deserto. Mas não é este o sentido dessa palavra em Hebreus 4.2. A palavra euaggellion (eüayyéÀLov), evangelho, é usada em dois sentidos. O sentido primário é boas novas, ou seja, boas notícias; o secundário é boas-novas da salvação, que entendemos como o evangelho, a mensagem pregada por Cristo. Náo pode haver dúvida de que, no texto acima, o significado é o primário. Além disso, o verbo foram anunciadas] é empregado no perfeito, o que indica a continuação da mensagem e não um simples anúncio dela no passado. Portanto, devemos depreender dessa passagem de Hebreus que fomos agraciados, como o povo de Israel, com as boas notícias de um repouso prometido. Os israelitas, naturalmente, podiam dizer que estavam vivendo ;na Terra da Promessa. Mas, após sua entrada em Canaã, de modo
algum se cumpriu perfeitamente a promessa original. Com o descanso em Canaã, incluído na promessa original, liá um repouso espiritual que não se poderia realizar sob a antiga aliança. No entanto, tendo sido aberto por Cristo o caminho para nós até Deus, podemos atravessar o véu e penetrar no Santo dos Santos, chegando à presença de Deus, mediante o Espírito. Esse ponto será retomado mais à frente, quando analisaremos os quatro descansos mencionados nas Escrituras (Hb 4.3-11).
4. Mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé naqueles que a ouviram (Hb 4.2b ar a ) O termo palavra tem sido muitas vezes comparado ao alimento para o corpo, e afé, ao processo de digestão pelo qual a palavra se combina a ou tros elementos essenciais, para tomá-los nutrientes. Sendo assim, a palavra que [os israelitas] ouviram entrou em sua mente, mas não foi combinada à fe de tal modo que se tomasse um alimento saudável para a alma. Existem dois sentidos para o verbo grego sunkekerasmenos (cruvK£K£Qacr|-iévoç), traduzido como ter sido acompanhada, que fre quentemente se combina ou com o dativo de pessoa2 (instrumento), ou com o de coisa3(referência). O primeiro sentido, concordando com logos, a palavra, traz uma ideia negativa. Quer dizer que a palavra, nos ouvintes, não foi combinada com a fé, isto é, eles ouviram a mensa gem, mas, devido à falta de fé, não foram interiormente inspirados por • ela. No segundo sentido, significa que a palavra e a fé náo se misturaram no coração a ponto de tornarem-se eficazes na vida dos ouvintes. No primeiro caso, a fé está ligada mais intimamente com a palavra, ou seja, a própria palavra não foi vivificada pela fé no coração dos que a ouviram. Esta é a interpretação mais aceita do texto em questão. No segundo caso, sunkekerasmenous (cnjvKEKEQaaiaévouç), do mesmo radical, mas terminado em ous, mostra a concordância não com logos, ou palavra, mas com ekeinous ( èkelvouç), naqueles.
Segundo Ebrard, o texto, então, seria: “A palavra não aproveitou àquelas pessoas, porque não se uniram na fé àquelas que obedeceram”, a saber, Calebe e Josué. Lindsay fez uma tradução mais elaborada: “Não lhes aproveitou a palavra, não estando associados aos que a ouviram com fé; ficaram à distância dos ouvintes fiéis e, portanto, morreram debaixo da maldição”. Em cada uma das interpretações, contudo, observa-se que a fé é fundamental na aceitação e no cumprimento das promessas de Deus.
5. Nós, porém, que cremos, entramos no descanso (Hb 4.3a ar a ) Só a fé permite a entrada neste descanso de Deus, cujas obras foram concluídas desde a fundação do mundo (Hb 4.3c). Não pode referir-se, portanto, ao descanso de Canaã, pois foi repetido o jura mento à primeira geração de israelitas que saiu do Egito de que esta não entraria na terra da promessa (Hb 4.3b a r a ) . O descanso d a fé é um repouso pessoal, espiritual, da alma em Deus, e é prometido como herança a todos os que são filhos dele pelo novo nascimento — uma segunda crise definida na vida dos verdadeiros cristãos. Muitos supõem que esta doutrina seja peculiar da tradição wesleyana, porém comentadores das várias denominações têm, em seus estudos exegéticos, defendido as mesmas grandes verda des. Disse, por exemplo, John Owen, antigo escritor e enérgico calvinista: j ------O descanso mencionado (Hb 4.1) náo pode ser o descanso do céu e da glória, como alguns têm afirmado, equivocando-se inteiramente quanto ao argumento do autor da Epístola, que é a superioridade de Cristo sobre Moisés. O descanso ao qual se alude neste trecho é aquele a que os crentes têm acesso por meio de Jesus Cristo, neste mundo.
O bispo Westcott, um dos comentadores mais eruditos e equilibrado exegeta, observou que as palavras eiserchometha gar (£Ía£QX°H£9 a y à ç) — nós, porém, [...] entramos — pressupõem que a experiência real confirma a realidade da experiência. j - ---------
O escritor parece dizer: “Falo sem hesitação de uma pro messa que nos foi deixada, pois entramos, estamos entrando no descanso de Deus — nós, os que cremos”. O verbo acima não é tomado no sentidb futuro, mas como expressão de um fato presente. Além do mais, a eficiência da fé é aqui considerada em sua ação crítica, e não, como se poderia esperar, em seu exercício contínuo. Ao mesmo tempo, ele não diz simplesmente “entramos ao crer”, mas considera os crentes como classe definida que abraçou a revelação divina quando esta lhes foi oferecida. Esta fé eficaz opera o seu resultado pleno en quanto prossegue. (W estcott , Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 96)
_____I.
O s QUATRO d e s c a n s o s
Mencionam-se, no capítulo 4 de Hebreus, quatro descansos, aos quais devemos dispensar alguma consideração preliminar. São eles: 1. O descanso da criaçáo (Hb 4.4) 2. O descanso do Sábado (Hb 4.4,9) 3. O descanso de Canaã (Hb 4.8) 4. O descanso divino (Hb 4.1-3; 6-11) O Dr. Edwards4 lembrou que a mente grega estava sempre na expectativa de algo novo. A característica dela era o movimento. Con tudo, o ideal do Antigo Testamento era o repouso, e este encontra
sua realização mais genuína e elevada em Cristo, que começou o Seu ministério com um chamado para o descanso em Deus.
1. O descanso da criação Porque, em certo lugar, assim disse, no tocante ao sétimo dia: E descansou Deus, no sétimo dia, de todas as obras que fizera. Hebreus 4.4 ara A palavra descanso aqui não significa folga, para recuperação das forças físicas e mentais exauridas durante o trabalho, mas o cessar das atividades até então desempenhadas, para o gozo da paz, da tranqüilidade e da alegria decorrentes da conclusão de uma obra; o deleite por constatar sua perfeição. Assim, esse texto, citado de Gênesis 2.2, remete-nos à ideia de que Deus, no sétimo dia, descansou de Suas obras após constatar que tudo quanto ti nha feito era muito bom (Gn 1.31a). Aliás, não poderia ser diferente, visto que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos confins da terra, nem se cansa, nem se fatiga (Is 40.28). Além disso, em Hebreus 4.4, o verbo grego genetenton (y £ V T ]0 á v x c ü v ) está no particípio [que dá a ideia de uma ação acabada], e foi usado com o mesmo sentido de teleisthai (xeÀeíct0cu), terminar, levar a cabo, aperfeiçoar. A obra de Deus estava terminada não apenas exteriormente, mas interior e qualitativamente. Não havia pecado nem corrupção. Tudo estava novo em folha ao sair das mãos do Criador. Logo, em Hebreus 4.4, é indicado que Deus mantém duas espécies de relação para com a Sua obra. Primeiro, existe Sua atividade criadora, que cessou quando Ele terminou tudo o que tinha feito. Segundo, Seu descanso, que é apenas uma forma nova e mais elevada de atividade, isto é, a de deleitar-se em Sua obra aper feiçoada. E neste descanso, pela fé, na obra aperfeiçoada de Deus — um descanso como o Seu — que Ele chama o Seu povo a entrar.
2. 0 descanso do Sábado No relato sobre a Criação é dito ainda que abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra, que Deus criara e fizera (Gn 2.3). Fica evidente por esta passagem que existe uma relação íntima e vital entre o descanso da criação e o do Sábado. Duas coisas caracterizam este último: (1) é um descanso após seis dias de trabalho; e (2) é um descanso em que Deus habita, e esta presença constante santifica o descanso e o dia. ** Só aquilo em que o Senhor repousa é santo, e a alma em que Ele repousa, por intermédio do Espírito, é igualmente santa. Mas qual é o sétimo dia em que o Senhor descansa? E aquele que se segue aos seis dias de atividade criadora, caracterizados por um princípio e um término. Em Gênesis, porém, não se fala de noite ou manhã no sétimo dia. E um dia ilimitado, eterno, e o descanso também o é. Por esta razão, é mencionado como o descanso de Deus, meu descanso, este descanso, e, em mais de um caso, aquele descanso. Enquanto o descanso da criação é o Hoje eterno de Deus, o sétimo dia também foi apontado pelo Senhor, segundo o tempo humano, como Sábado santo, dia de descanso, símbolo do descanso eterno do Altíssimo.
3. O descanso de Canaã Porque, seJosué lhes houvesse dado repouso, nãofalaria, depois disso, de outro dia. Hebreus 4.8 Devemos esclarecer que as palavras Jesus e Josué sáo idênticas no grego, e que Jesus, conforme consta na Authorized Version, deveria ser traduzida como Josué. Isto se evidencia pelo contexto, sendo assim traduzida nas versões revisadas. Passamos a uma nova etapa do argumento sobre o descanso de Deus, tomando como base o versículo 6, que tenciona contestar a
afirmação dos judeus de que o descanso em Canaã era o cumprimento integral da promessa divina. Mas este descanso físico foi o cumprimento de uma promessa material que Deus fez a Abraão (ver Gn 15.7,13-16) de que sua descendência, após a libertação da servidão no Egito e a exaustiva jornada pelo deserto, moraria numa terra maravilhosa; terra de montes e de vales; da chuva dos céus beberá as águas; terra de que o SENHOR, teu Deus, tem cuidado; os olhos do SENHOR, teu Deus, estão sobre ela continuamente, desde oprincipio até aofim do ano (Deuteronômio 11.11,12). Por esta descrição, Canaã devia ser uma espécie de segundo jardim do Éden; um dos lugares mais belos e férteis do mundo antigo. Contudo, como observamos no capítulo 3 de Hebreus, a geração israelita contemporânea de Moisés se recusou a entrar nessa terra porque foi incrédula e dura de coração. E verdade que a segunda geração daqueles que foram libertos do Egito entrou na herança material recusada por seus pais, mas Canaã não é o descanso de que o autor da Epístola aos Hebreus trata. Josué propor cionou aos israelitas muitas coisas, mas não lhes pôde dar o descanso espiritual pelo qual ansiavam; do contrário, o Espírito Santo não teria falado por Davi acerca de um outro dia que denotaria este descanso. O salmista, habitando na conturbada Canaã, poderia bem compreender que este não era o descanso que Deus designara para o Seu povo de maneira definitiva, e, portanto, havia outro descanso ainda não atingido nem realizado, o qual aguardava Israel. Como o Sábado do Decálogo, Canaã só poderia ser um símbolo daquele descanso espiritual que Deus preparou para os que o servem. Assim, o estabelecimento de Israel em Canaá é frequentemente considerado uma alegoria do descanso prometido por Deus para o Seu povo. Contudo, os que se opõem a essa opinião observam que essa simbologia não é boa, porque os inimigos ainda permaneciam em Canaã. Necessitamos, pois, entender com clareza em que sentido a Terra Prometida se torna o símbolo do descanso dafé. Associa-se a cada um dos membros da Trindade uma obra con' sumada e uma contínua. Com relação ao Pai, a obra consumada é a
criação, e a contínua, a preservação dela e a providência para ela. A obra consumada do Filho é a expiação; a contínua, a intercessão pelos salvos. A obra consumada do Espírito Santo é a purificação da alma; a contínua é a Sua presença constante como Consolador, Revelador de Cristo, Guia à verdade e doador da unção à Igreja, para o crescimento espiritual e o serviço desta a Deus. Existem dois símbolos que representam a obra consumada e a contínua dos filhos de Deus: o Sábado e a terra. O sábado é o símbolo da obra consumada, o descanso da fé em que o cristão cessa suas prá ticas carnais, liberta-se da escravidão do pecado; a terra é o símbolo da caminhada contínua na vida cristã ou daquele estado de vitória constante sobre os inimigos por intermédio do Espírito. A Lei do Sábado é que creiamos no descanso e entremos nele; que cessemos de ocupar-nos com nossas próprias obras e que Deus possa operar em nós e por meio de nossa vida. A Lei da terra é: Todo lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado (Js 1.3). Disso deriva o fato de que devemos tomar posse de nossa herança. Mas estas vitórias não podem ser conseguidas por nosso próprio esforço, e sim pela fé em Deus e pela obediência à Sua Palavra. Canaã, então, é o símbolo de uma vida de êxito espiritual para aqueles que entraram no descanso da fé, o Sábado da alma. á------
Atrelada à promessa da Canaã material estava, para os israelitas que criam em Deus, a promessa da Canaá espiritual, sem a qual a pri meira teria sido transitória e ilusória. É o pensamento qúe perpassa o capítulo 4 de Hebreus e encontra um paralelo nas afirmações inequí vocas do capítulo 11 quanto à amplitude da fé dos santos das antigas dispensações.
(E br a r d ,
Epistle to the Hebrews, p.
73)
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4. O descanso divino (Hb 4.1-3; 6-11) O descanso divino é o tema central do capítulo 4 de Hebreus, e todas as outras alusóes a ele são meramente incidentais. O descanso
da criação é mencionado como seu alicerce, e também para explicar o Sábado, que mais plenamente define este descanso. O descanso em Canaã, após as peregrinações no deserto, é mencionado como símbolo também, mas não cumpriu a promessa do descanso espiritual, pois Abraão esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus (Hb 11.10). Em Hebreus 4.1-3, o autor da Epístola objetiva demonstrar que o descanso prometido por Deus não se limitava à posse da terra de Canaã. Há também, nesse texto, uma reiteração da superioridade de Jesus sobre Moisés. Na primeira comparação entre eles (Hb 3.2-6), o contraste focou as duas personalidades: Moisés como servo, e Cristo como Filho de Deus. Agora, na segunda comparação (Hb 4.1-3), o contraste é entre a obra destas duas pessoas. O escritor de Hebreus mostra a fragilidade de Moisés: (1) sua obra não foi suficientemente poderosa para realizar-se cabalmente; por isso, eie não pôde introduzir o povo no descanso prometido; (2) o descanso em que os israelitas penetraram posteriormente foi terreno e meramente representativo do verdadeiro descanso divino. Cristo é superior a Moisés em ambos os pontos: (1) Ele é capaz de, mediante o Espírito, realmente conduzir-nos a este descanso espiritual; e (2) este descanso é real e substancial e corresponde, em espécie, ao descanso sabático de Deus. Tendo analisado essa declaração a respeito do descanso divino, seria valioso examinar, da mesma maneira, o argumento do autor da Epístola a respeito da natureza desse repouso.
A NATUREZA D O
DESCANSO DIVINO
Visto, portanto, que resta entrarem alguns nele e que, por causa da desobediência, não entraram aqueles aos quais anteriormente foram anunciadas as boas-novas. Hebreus 4.6a a r a
Vimos que nem o descanso sabático nem o em Canaá alcançaram a plenitude da promessa de Deus — o qiie se salienta no versículo anterior pelos termos usados para o verbo restar. A cláusula infinitiva5 tinas eiselthein (Tivàç £Íü£À0£iv) é o sujeito do verbo resta e significa, literalmente, entrarem alguns. Estaria mais em harmonia com o contexto, entretanto, traduzi-la como que alguns entrem ( a r c ) . Embora Deus, em Sua infinita sabedoria, jamais proveja algo para o Seu povo sem estar implicado que alguns aceitarão a Sua misericórdia e descansarão nas Suas promessas, o texto em Hebreus náo contém essa ideia de necessidade. O versículo 6, convenientemente interpretado, oferece uma oportunidade nova, ainda não realizada, a todos os que crerem no descanso. A palavra apoleipetai (à7ioÀEÍ7i£Tai) está no indicativo presente passivo6 e significa restar, permanecer. A mesma ideia é transmitida pela palavra kataleipomenes (KaxaÀE mo |_iévr]ç), a qual, estando no presente, expressa uma transmissão sucessiva ou contínua para os outros até que a promessa seja finalmente cumprida: sendo-nos deixada a promessa de entrar (Hb 4.1). A oferta feita à geração do êxodo se repetiu à de Davi, cerca de 500 anos depois. Westcott observou que, embora o descanso seja o mesmo, existem agora duas condições, em vez de uma [obedecer à voz de Deus]. E determinado um outro dia. Isto nos remete de novo à comparação feita pelo escritor de Hebreus entre Cristo e Moisés. Visto que não se faz menção de uma nova promessa a Josué ou de sua aceitação por parte da geração de Davi, podemos concluir que o autor da Epístola tinha em mente apenas duas gerações: a de Moisés e a de Cristo. A de Moisés falhou porque não havia fé associada à palavra no coração dos que a ouviram; a de Cristo teve êxito porque Ele ministrou (e ainda ministra) o Espírito Santo aos que creram na obra expiatória do Filho de Deus e aceitaram Seu senhorio sobre sua vida. É a presença do Espírito que nos introduz naquele supremo descanso espiritual, que é a herança de todo filho de Deus.
De novo, determina certo dia, Hoje, falando por Davi, muito tempo depois, segando antesfora declarado: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração. Ora, seJosué lhes houvesse dado descanso, nãofalaria, posteriormente, a respeito de outro dia. Hebreus 4.7,8 ara O autor da Epístola aos Hebreus alude outra vez ao texto do Sal mo 95.7-11, não tanto para continuar o argumento principal, mas para confirmá-lo às Escrituras antes de expor a sua conclusão final (Hb 4.10). Também aponta alguns erros associados à interpretação do salmo: 1. Se o descanso divino for interpretado como o descanso em Canaã, alguém poderia supor que os que entraram na terra com Josué realmente gozaram do descanso prometido. Todavia, visto que depois é mencionado outro dia de descanso, o descanso físico em Canaã não poderia ser aquele à que Deus se referiu como meu descanso, citado no Salmo 95.11 (a r a ). 2. Por outro lado, se o descanso for compreendido como algo mais do que o que vemos em Canaã, o juramento Não entrarão no meu descanso (Hb 4.5b ara) significaria o cancelamento total da promessa feita por Deus. O escritor de Hebreus corrige essas interpretações equivocadas, afirmando que foi apontado outro dia com a promessa de Deus de entrar no Seu descanso (Hb 4.7,8 a r a ). O verbo determina aqui (Hb 4.7) significa definir, assinalar, fixar ou marcar, e pode ser interpretado como estipular uma promessa ou fixar uma instituição oficial. Quando Deus fala de outro dia, isto não deve ser entendido como um outro descanso, mas como o meu descanso do Salmo 95.11, que não se exaurira com tudo o que o precedera e ainda seria desfrutado pelo povo de Deus.
O sétimo dia para o descanso foi definido e fixado para a geraçáo do êxodo quando esta recebeu o maná (Êx Hj.22-30). Portanto, esse outro dia apontado em Hebreus 4.8 não se pode referir ao descanso após o estabelecimento em Canaã da nova geração de Israel liderada por Josué, pois esta ainda vivia sob a dispensação do sétimo dia (o Sábado). Logo, o autor da Epístola se referia ao novo e espiritual descanso — que ainda pode ser aceito ou rejeitado — , explicado no versículo 10, daí a exortação: Não endureçais o vosso coração (Hb 4.7c). Um
r e po u so para o p o v o d e
D
eus
—
a terra
Portanto, resta ainda um repouso para opovo de Deus. Hebreus 4.9 Este versículo marca a conclusão do argumento principal. A seguir, o escritor da Epístola aos Hebreus passará às provisões reservadas para a entrada neste descanso. Apalavra repouso, nesta passagem, ésabbatismos (cra(3(3aTicr|JÓç), que, em sua forma nominal, não se encontra em outra pane das Escrituras. E formada de uma palavra hebraica [shabat] com um sufixo do grego [ismos\, tornando-se, assim, um termo de amplo alcance. O vocábulo hebraico original significa descansar, e é usado em Gênesis 2.2,3, onde se diz que Deus descansou ou sabatizou no sétimo dia. A alteração de termos, portanto, pretende evidentemente identificar o descanso de Deus com aquele prometido ao Seu povo; do contrário, a palavra katapausis (tcaTárcaucriç) é que teria sido usada, como em Hebreus 3.11,18; 4.1,3,5,10,11. O autor de Hebreus, sem dúvida, vê em sabbatismos não um dia de Sábado isolado, mas uma vida de Sábado. É o próprio descanso de Deus em si mesmo — o deleite que Ele tem na Sua perfeição e a eterna satisfação em todas as Suas obras. Por isso, para expressar este sabatismo, ou vida sabática, definiu-se ou determinou-se a observância de um outro dia (Hb 4.8 a r a ), como penhor ou símbolo dele. Mas o
que é este descanso? É uma experiência real, prática, pessoal e espiritual de repouso em Deus, assinalada pelas seguintes características: 1. É um repouso para o povo de Deus, ou seja, é a rica herança de todo verdadeiro filho de Deus, o que exclui os ímpios. Como no capítulo 3 foi declarado que nos tornamos participantes de Cristo (Hb 3.14), aqui se diz que o povo de Deus entra com Ele no repouso. 2. É um repouso da fé. Por esta expressão, entendemos uma con fiança plena em Deus, mediante a obra redentora de Cristo. E um repouso perfeito em uma expiação consumada. Há alguns que parecem considerar a fé como um esforço próprio ou uma luta para crer; isto não é fé, mas uma forma sutil de obras. Fé é descanso e repouso, não esforço e luta. E descanso em Deus, porque é outorga Sua. A obra operada é toda dele. Náo existe mérito na fé. A fé em si mesma náo nos salva; Cristo nos salva por meio dela. O poder e a glória pertencem a Ele. 3. E um descanso da escravidão do pecado. Geralmente admite-se que a natureza carnal permanece no coração do regenerado [até a glorificação]. Desta tendência para o erro, o coração humano é continuamente purificado pelo Espírito Santo mediante a fé (At 15.8,9). Este descanso é, portanto, a vitória final de Cristo sobre o pecado, que põe fim ao domínio da carne, porque os que são de Cristo, no pleno sentido da nova aliança, crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências (G1 5.24). 4. É um descanso continuo em Deus, mediante a obra expiatória de Cristo. Somente os que têm um coração limpo verão a Deus (Mt 5.8), e apenas os que caminham na luz têm comunhão constante com Ele. 0 sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado (1 Jo 1.7b), isto é, purifica continuamente. Este descanso não é separado da expiação; ao contrário, é um descansar constante e contínuo nos méritos do sangue de Cristo.
Com tão preciosos privilégios a nós proporcionados, é de admirar que o escritor de Hebreus insista conosco para que dediquemos toda a atenção ao ato de entrar neste descanso. j ------As duas palavras gregas traduzidas comoJ?e crer ocorrem cerca de 500 vezes no Novo Testamento. Pistuo é a raiz verbal e expressa ação; ocorre 256 vezes no Novo Testamento, onde é traduzida como crer, significa um ato da criatura, nunca sendo atribuída a Deus. A outra forma do texto grego é pistis, traduzida convffé, e ocorre 247 vezes no Novo Testamento, onde o seu único significado legítimo é um ato de confiança realizado pela criatura. A idéia perfeita, compreendida nestas duas palavras, formula-se na mente como um ato da criatura, pelo qual a vontade subordina as paixões, ações e vida ao seu Criador. Implica a rendição do homem todo, no mais pleno sentido, ao seu Redentor, para Seu uso e glória. O erro mais fatal com respeito à fé é a pressuposição de que é um dom divino; que é uma influência indefinível, misteriosamente infundida na alma. O penitente esforça-se, aguarda e indaga-se a si mesmo, porém não progride. O professor analisa as suas mutações espirituais, procura estar atento às suas emoções e fica angustiado e desanimado porque Deus não lhe dá fé. Lamenta a sua pobreza e mor re de fome no meio da abastança, porque insiste em inverter a ordem divina da salvação. Recusamo-nos a aceitar o fàto de que ter fé em Deus e crer na Sua promessa é o mesmo ato expresso de duas maneiras diferentes.
(J o n e s ,
Entire sanctification, scripturally andpsychologically
examined, p. 63,64)
____ r
A OBRA REDENTORA D E C R IS T O
O descanso da criação foi perturbado e prejudicado pelo pe cado, e o homem perdeu aquele repouso interno, espiritual em Deus, o verdadeiro Sábado da alma. O ser humano já não podia encontrar descanso por meio das obras ou no cessar delas, pois tanto ele próprio
quanto o seu trabalho estavam internamente manchados pelo pecado. Por isso, Deus não descansa mais em Sua obra criada para o homem, da qual o sétimo dia é um símbolo; apenas na obra redentora mediante Cristo. Eis por que disse o salmista: Porque o SENHOR elegeu a Sião; desejou-a para sua habitação, dizendo: Este é o meu repouso para sempre; aqui habitarei, pois o desejei (SI 132.13,14). Deus descansa em Sua criação, que é interna e espiritual. É evidente que Isaías considerava o verdadeiro Sábado como um dia consagrado ao Senhor, e não às obras da carne: Se desviares o teu pé do sábado, de fazer a tua vontade no meu santo dia, e se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do SENHOR digno de honra, e se o honrares, não seguindo os teus caminhos, nem pretendendofazer a tua própria vontade, nem falar as tuas próprias palavras, então, te deleitarás no SENHOR Isaías 58.13,14a É por causa da natureza carnal, da tendência ao erro que os homens consideram o dia consagrado a Deus como um tédio. Somente quando fazemos a vontade do Pai e o Seu descanso é internalizado em nós somos capazes de conceber o Sábado como um deleite, o dia santo do Senhor. O DESCANSO REDENTO R EM C R IS T O
Porque aquele que entrou no descanso de Deus, também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das suas. Hebreus 4.10 a k a Neste trecho, percebemos claramente a mudança dos pronomes no plural para os pronomes no singular, o que torna a mensagem agora não geral, mas específica. Aquele que entrou no descanso não se refere aos homens, mas a Jesus. Ebrard disse que todo leitor imparcial “deve
katepausen (K O L T £ T t(X U (7 £ v ), e n t e n d e r descanso d a m e s m a m a n e i r a ” . O autor da Epístola náo mencionou em Hebreus 4.10, expres samente, o nome de Jesus porque, no versículo 8, a mesma palavra que corresponde a Ele foi usada para designar Josué. E evidente que Josué não deu o descanso que o escritor cita; do contrário, náo teria sido determinado um outro dia para o repouso. Já observamos que, quando Deus descansou no sétimo dia, Sua obra tinha sido consumada tanto interior como exteriormente. Foi a isto queJesus se remeteu quando disse: O quefez o exterior náofez também o inte rior.7(Lc 11.40). Este descanso, portanto, deve ser tomado qualitativamente, incluindo a obra da redenção realizada por Cristo, pois está escrito que as obras [estavam] concluídas desde afundação do mundo (Hb 4.3 a r a , final). João expressou esta mesma verdade: o Cordeiro que fo i morto desde a fundação do mundo (Ap 13.8). Isto indica que a obra da redenção foi planejada para o homem, no caso de uma possível Queda, antes mesmo da entrada do pecado no mundo. Ebrard comentou ainda que, quando as palavras do versículo 10 sáo traduzidas em sua exatidão gramatical, temos: “Porque aquele que entrou no descanso, ele próprio descansou de igual maneira de suas obras, como Deus das suas”. Nesse caso, notamos o paralelo entre a obra de Deus, na criação, e a obra de Cristo, na redenção. Esta se completou tanto externa como inter namente quando, na cruz, o Mestre exclamou: Está consumado (Jo 19.30b). Depois da expiação consumada e do fim da Sua humilhação, Jesus deixou o estado em que Sua alma estava separada do corpo na morte, ressuscitou e assumiu o corpo glorificado. Durante 40 dias, permaneceu sob certa forma transitória, visitando ocasionalmente os discípulos. Findos tais dias na presença deles, ascendeu aos céus, até que uma nuvem o escondeu da vista deles, achando-se, agora, assentado à direita do Pai nas alturas. Esse paralelo, contudo, deve ser analisado ainda mais profun damente, pois as aparições de Jesus estão relacionadas principalmente com a observância do Sábado. Com a ressurreição de Cristo, iniciou-se ta m b é m , p o r c a u s a d o a o r is t o
o
o Sábado do Filho. E porque a doutrina do Sábado exige que, após seis dias de atividade, seja dedicado um dia de descanso à nossa vocação celestial, a Igreja conta o sétimo dia não a partir do sábado de Deus na criação, mas do Sábado do Filho, que ressuscitou no primeiro dia da semana. O Sábado cristão, frequentemente chamado o dia do Senhor, assume grande significado. Em si mesmo, náo é apenas uma instituição estabelecida como memorial do descanso de Deus após a obra concluída da criaçáo, mas, celebrada em outro dia novo, torna-se também um memorial da obra consumada de Cristo na redenção. O Dr. Wardlaw, em seu tratado sobre o assunto, disse: “Como o fato de Deus descansar das obras da criaçáo deu origem ao antigo Sábado, assim a consumação por Cristo da obra deu origem ao Sábado que é agora observado na Igreja”. Declarou ainda: j ------Sou de opinião, como alguns críticos eminentes, que temos nestes versículos (Hb 4.9,10) uma sugestão inequívoca e autoridade expressa para a mudança do Sábado [do sétimo para o primeiro dia da semana]. Estou perfeitamente satisfeito no que se refere ao significado da passagem como declaração definida e explícita quanto à mudança do sábado. (W ardlaw, in: Lindsay, Lectures on the Epistle to the Hebrews, p. 177,178)
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Este assunto é também mencionado pelo Dr. Adam Clarke em seu livro Commentary on Hebrews. O CESSAR DAS OBRAS — O TR O N O NA TERRA
Também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das suas. Hebreus 4.10b a r a Após concluir Sua obra terrena e ascender ao Seu trono nos céus, Cristo continua a Sua obra de onde Ele se encontra, em um ministério de intercessáo mediante o Espírito Santo.
Do mesmo modo que anteriormente o escritor da Epístola aos Hebreus se referiu ao homem como aquele que náo tem todas as coisas sob o seu domínio, e a seguir disse Vemos, todavia, [...] Jesus (Hb 2.9a a r a ) , assim observamos aqui o Salvador entrando no descanso divino e abrindo o caminho para o Santo dos Santos a todo o Seu povo. Como o Capitão da nossa salvação, Cristo conduz muitos filhos à glória mediante a santificação (Hb 2.10,11 k j ) . Dessa forma, diz-se que Ele os conduz ao descanso da fé, isto é, àquele repouso eterno da alma que se encontra apenas na comunhão com o*Pai e com o Filho. Este é o aspecto profético de Cristo prefigurado por Moisés. Mais adiante, o autor de Hebreus apresentará a mesma verdade sob a tipificação de Aráo, o sumo sacerdote. Como o cristão entra neste descanso divino? (1) Cessando as obras da carne e (2) descansando em fé singela na obra consumada de Cristo. São atos concomitantes, pois é impossível, ao mesmo tempo, descansar em nossas próprias obras mortas e no sangue de Cristo oferecido como expiação por nós. A vida de Jesus nos proporciona um exemplo de dependência contínua e absoluta do Pai. O Mestre disse: O Filho por si mesmo não podefazer coisa alguma, se o não virfazer ao Pai, porque tudo quanto ele faz, o Filho ofa z igualmente 0o 5.19). Cristo é a luz do mundo, e tão transparente foi a Sua natureza durante o tempo de Sua humilhação, que tudo o que vinha de Deus por intermédio dele era transmitido, sem obstrução, ao homem, e tudo o que era apresentado a Deus mediante Cristo igualmente chegava intacto ao Pai. Cristo é luz, e até nas profun dezas infinitas do Seu ser náo existem trevas. Que significa, porém, o cessar de todas as nossas obras? Não quer dizer o cessar de toda atividade, como em uma vida de pura contemplação; é, antes, um viver ativo. É despojar-se das obras da carne, a fim de que os propósitos de Deus possam cumprir-se em nós. E uma rendição de nossa vontade, para que, como Jesus, vivamos integralmente a vontade de Deus. Da mesma forma que Jesus morreu para nos libertar da escra vidão do pecado, devemos morrer para a antiga vida, pois só assim
nossas obras cessarão. Tem de haver, portanto, a morte do eu pecami noso, a crucificação deste com Cristo, a santificação, ou qualquer que seja a terminologia escriturística usada para designar esta experiência. Em última análise, significa a purificação do coração por Deus, o qual opera em nós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade (Fp 2.13). Isaque M. See disse: “Não pode haver equívoco maior a respeito do viver santo do que julgar que nós é que vivemos. Não somos nós que vivemos; é Cristo vivendo em nós. E a vida que agora vivemos, na carne, vivemo-la pela fé no Filho de Deus (cp G1 2.20)”. Fé é descansar em Deus. Quantos há que se esforçam com suas próprias energias para ter uma vida digna de Cristo, deparando-se com decepções e fracassos! E Cristo que vive em nós e manifesta-se por meio de nós; vivemos pela fé naquele que habita em nosso coração. Paulo aprendeu o segredo do viver e do labutar santos: Para isto [apresentar todo homem perfeito em Jesus Cristo] também trabalho, combatendo segundo a sua eficácia [de Cristo], que opera em mim poderosamente (Cl 1.29). As palavras gregas usadas pelo apóstolo são enfáticas: agonizomenos (âycoviÇó|a£voç), agonizando segundo a Sua energeian (èvépyeiav), energia que vitaliza em mim dunamei (òuvá|a£L ), poder ou forças. Não é pelo nosso próprio poder e pela nossa força que havemos de afadigar-nos e viver, mas por Aquele que habita dentro do coração santo. Um dos grandes perigos que enfrentamos é descansar, antes, naquilo que Cristo fez por nós do que naquele que continuamente opera em nós. Somente quando somos purificados de todo pecado e cessam todas as nossas obras é que o poder de Deus flui por nosso intermédio, segundo a nossa própria medida, como aconteceu com Cristo em toda a Sua plenitude. Só assim é possível ter um viver santo , e trabalhar efetivamente pela expansão do Reino.
Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso, afim de que ninguém caia, segundo o mesmo exemplo de desobediência. Hebreus 4.11 a r a Esforcemo-nos é uma tradução de spoudasomen oun (ünouõácrGJi-iev 6üv), que significa ser diligente, apressar-se, estar zeloso e alerta. A alusão é principalmente à intensidade de propósito ou ao máximo de empenho em entrar naquilo que Deus tão ricamente proporcionou ao Seu povo. Náo se trata de uma bênção concedida pela observância dos Seus mandamentos, mas em observá-los — bênção que flui tão-somente da graça divina. As expressões temamos (Hb 4.1 a r a ) e esforcemo-nos (Hb 4.11 a r a ) sáo aoristos, portanto decisivas e ativas. A primeira tem sentido negativo implícito; a segunda é positiva. Uma apela para o motivo do medo; a outra, para a grandeza da esperança. E ainda, a palavra temamos toca o lado negativo, mas a palavra em (lv) — para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência ( a r c ) — náo significa exatamente se gundo (a r a ) , isto é, cair segundo o exemplo dos antepassados, como que, se alguém cair, estará acrescentando-se aos mesmos exemplos de desobediência dos israelitas, que se recusaram a entrar em Canaã por causa da incredulidade. Eis a tradução de Ebrard: “Acautelemo-nos, portanto, para não negligenciarmos o segundo e mais excelente e poderoso chamado da graça, para que nós também, por nossa vez, não nos tornemos um exemplo de advertência para os outros”. O descanso dafi, como demonstramos, é uma experiência pessoal e espiritual de repouso em Deus mediante o Espírito. Mas nota-se que não se trata do descanso final do cristão pelo fato de que ainda está associado à observância de um dia de Sábado típico. Acham alguns que as palavras aquele descanso (Hb 4.11 a r a ) são usadas, em vez de o descanso . de Deus, a fim de abranger, em uma única expressão, tanto o Sábado de descanso da alma como a observância do dia para comemorá-lo.
Existe uma semelhança entre o ensino de Paulo sobre o penhor da nossa herança e a entrada no descanso da fé. O penhor náo é meramente um símbolo, mas uma verdadeira porçáo daquilo que depois será concedido em medida mais rica e plena. É uma porçáo da herança, náo a porção inteira. Assim também este repouso da fé é apenas o princípio daquilo que se fundirá depois no repouso da glória, o objetivo último ao qual o Capitão da nossa salvação conduz aqueles que santifica aqui (Hb 2.10,11 k j ) . E o antegozo daquilo que h á de vir, quando “a esperança se transformará em alegre fruição, a fé em contemplação, e a prece em louvor”. O Sábado celebrado no sétimo dia comemorou o descanso de Deus pela criação e o Seu selo de propriedade em todas as Suas obras. O Sábado celebrado no primeiro dia comemora a obra redentora de Cristo e é a certeza de nossa ressurreição e glória final. Haverá um outro Sábado no mundo vindouro, o Sábado do Espírito Santo. Como no dia em que Deus descansou náo teve noite nem manhã, assim o Sábado do porvir será um eterno dia, pois não haverá noite. Será um repouso eterno, pois, no novo céu e na nova terra, só habita a justiça. O descanso da fé e o repouso final na glória se encontram e fundem-se nos portais da morte e nas glórias da ressurreição primeira. Por isso, João escreveu: Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que des cansem das suasfadigas, pois as suas obras os acompanham (Ap 14.13 a r a ) . A palavra aqui traduzida como fadigas é kopon ( k ó t c c o v ) , que significa trabalho, labuta, lutas. Naquela terra gloriosa, todas as conseqüências do pecado serão removidas, pois Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas (Ap 21.4). Descansaremos para sempre no lugar que Jesus foi preparar-nos, mas, acima de tudo, repousaremos com Ele em glória resplandecente: Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos (1 Jo 3.2b).
Novamente perguntamos: é de admirar que o escritor de Hebreus nos exorte a sermos diligentes, para entrarmos neste descanso da fé, que encontrará o seu resultado último nas glórias do porvir, ou que nos advirta contra tornarmo-nos um exemplo de incredulidade, como os que primeiro ouviram as boas novas? Wesley7 sustentava que, como somos justificados pela fé, assim também pela fé somos santificados. Ao fazer distinção entre buscar esta bênção pelas obras e pela fé, dizia ele: “Se pela fé, por que não agora?” Não existe outro caminho para este descanso da fé que não seja uma confiança simples, sincera, naquele que derramou o Seu sangue como expiação pelos nossos pecados. Uma das melhores ilustrações do poder da fé singela se encontra nas Memórias de Carvosso, antigo líder metodista, que escreveu: Bem naquele momento, uma influência celestial encheu a sala, e mal tinha balbuciado ou pronunciado as palavras do meu coração: “Hei de ter a bênção agora”, um fogo refinador atravessou-me o cora ção, iluminando-me a alma, permeando-me por toda parte e santificando tudo. Recebi, então, o pleno testemunho do Espírito de que o sangue de Jesus me purificara de todo pecado. Exclamei: “Isto é o que desejava. Recebi agora um novo coração! Fui esvaziado de mim mesmo e do pecado e fiquei cheio de Deus”.
A VIVA E EFICAZ PALAVRA DE Ü E U S
Os versículos 12 e 13 de Hebreus 4 devem ser considerados como um reforço da advertência e da exortação precedentes. Neles, a alusão é principalmente à Palavra de Deus escrita. Deus, porém, jamais se separa da Sua Palavra; por isto, existe sempre uma relação íntima entre o Verbo (Jo 1.1,14) e a Palavra de Deus falada ou escrita (Lc 5.1; Mc 7-13). Podemos observar as seguintes características da Palavra de Deus:
1. Porque apalavra de Deus é viva, e eficaz (Hb 4.12a a r a ) A palavra grega zon (t©v), viva, está colocada em primeiro lugar na sentença por uma questáo de ênfase. As Escrituras recebem esta qualificação porque sáo a Palavra do Deus vivo, a efusão da vida divina. Jesus salientou esta grande verdade quando disse: As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida (Jo 6.63b a r a ) . A palavra energes (ÈVEQyrjç), traduzida como eficaz, significa po der em ação, em contraste com poder em potencial. É expressa, portanto, por palavras como ativo, vigoroso, eficiente. O escritor de Hebreus se referia à Palavra escrita que os judeus possuíam e a considerou como o poder ativo de Deus, o que se observa pelos pronomes pessoais do versículo seguinte [suas, daquele]. Que presunção, portanto, falsificar a Palavra de Deus ou sujeitá-la às opiniões limitadas, senão enganosas, dos homens! E insensatez criticar aquilo pelo que nós mesmos seremos julgados diante do universo reunido.
2. E mais cortante do que qualquer espada de dois gumes (Hb 4.12b a r a ) A palavra distomon (õicrtofiov) significa literalmente de duas bocas, e é uma alusão à espada curta, machaira (^áxaiQci), usada pelos legionários romanos (Ef 6.17). A palavrapasan (nâaav) pode ser tra duzida como toda, em vez de qualquer, e é mais enfática. Essa espada é usada como ilustração do poder penetrante da Palavra de Deus. Assim como a espada atravessa a carne e corta os ossos, expondo a medula, a Palavra de Deus pode atravessar a alma e o espírito até os pensamentos e desígnios mais íntimos do coração.
3. Epenetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas (Hb 4.12c a r a ) O v e r b o t r a d u z id o c o m o
penetrar é diikoumenos ( õ u k õ ú j í e v o ç ),
q u e s ig n if ic a c o r t a r a o m e io o u i r d e p r in c íp io a f im . O
u s o d a p a la v r a
merismou (|j£Qiojioü), dividindo ou separando, em conexão com as palavras te kai (te kíxi), tanto, como, não pode significar a separação entre a alma e o espírito, mas a divisão tanto da alma como do espírito, e também das juntas e medulas (no plural).
Westcott afirmou que a explicação mais simples do texto é con siderar as duas cláusulas compostas como ligadas pelo te, de sorte que os dois primeiros termos [alma e espírito] representam a parte imaterial do ser do homem, e os últimos [juntas e medidas\, a material. Pode-se, então, dizer que a Palavra ou a Revelação divina penetraíodo o ser do homem. Eis como Ebrard bem parafraseia o encadeamento de ideias contido nesse texto: j ~ -----------
A Palavra de Deus é mais afiada do que toda espada de dois gumes, pois penetra a ponto de dividir ao meio o espírito bem como a alma, lembrando assim uma espada, que penetra até a separação das partes, tanto da medula como das juntas. ---- r
4. Alma e espírito (Hb 4.12c a r a ) O emprego dos termos alma e espírito exige consideração adi cional. Sabe-se que a palavra grega psiche (t^uxq) não é o equivalente exato da palavra alma, sendo usada pelos gregos para significar me ramente a vida que anima o corpo, compreendida como a fonte dos apetites e desejos carnais. Para nós, o vocábulo alma está associado a uma ideia mais profunda como a parte imaterial ou espiritual do ho mem, que, portanto, compóe-se de uma dimensão material, o corpo, e de uma imaterial, conhecida como alma ou espírito. Todavia, a parte imaterial é considerada pelo escritor da Epístola aos Hebreus de duas maneiras: a alma, que anima o corpo, e o espírito, que é a fonte de nossas relações para com Deus. E isto que dá origem ao seu ensino sobre a tricotomiafuncional8, embora adote uma dicotomia essencial Convém ter em mente que a alma é espiritual em relação ao corpo, sendo o espírito o princípio da vida, e a alma, a sede da vida.
Quando, entretanto, distinguem-se estes dois termos um do outro, a alma, psiche (4>uxq), é a vida do corpo que o espírito lhe dá; e o espí rito, pneuma (rtveüfia), a mesma porçáo imaterial considerada como divinamente inspirada e, portanto, a esfera do poder regenerador e santificador de Deus. O pecado operou a desordem moral no homem e produziu um estado de injustiça em que o princípio superior do espírito foi dominado pela psiche ou vida natural. A esta condiçáo, o autor da Epístola aplica o termo psíquico ou da alma, sendo a psiche a sede dos pensamentos, sentimentos e volições no que tange somente à existência física. Mas a Palavra de Deus penetra muito além disto, e, assim, é capaz de renovar e santificar o entendimento do homem (Rm 12.2). A esta última condiçáo, o escritor de Hebreus aplica o termo espiritual, em oposição ao meramente psíquico.
5. E é apta para discernir ospensamentos epropósitos do coração (Hb 4.12d a r a ) Esta declaração se adiciona materialmente à ideia do poder pene trante da Palavra. O termo usado neste contexto é coração, e não alma e espírito, como antes, sendo aquele o centro ativo da existência pessoal. Do coração, do ser interior procedem enthumeseis (èv0u[ar|a£Lç), os desejos naturais, as paixões, reflexões e meditações que se manifestam livremente na mente natural; e ennoiai (ewoai), a vida mental do consciente, as opi niões, os princípios e as ideias formados com base nas reflexões anteriores, que têm como resultado a atividade intencional. Assim, temos a Palavra sondando os pensamentos e propósitos do coração. A expressão apta para discernir não é krites ( K Q i T r j ç ) , que significaria julgar, e sim kritikos ( k q i t i k ò ç ) , que denota o que é hábil no julgamento. A Bíblia, portanto, exerce um efeito distintivo e crítico sobre todo o caráter moral do homem, e o discernimento, os julga mentos, as advertências e as consolações que traz são sempre infalível e impecavelmente verdadeiros.
A Palavra de Deus nos permite distinguir entre o que é natural e o que é operado em nós pelo Espírito. Como as juntas que unem os membros ficam mortas sem a medula, assim a alma está morta em delitos e pecados antes de ser vitaüzada pelo Espírito vivificador. A transmissão da vida espiritual na regeneração, contudo, náo remove a natureza carnal, que Paulo chama carne e condena como inimizade contra Deus (Rm 8.7). Todavia, a Palavra penetra nos recônditos do coração e manifesta o que é espiritual e o que é carnal. Esta penetração, este rasgar a carne, é cirurgia dolorosa, mas resulta na saúde da alma e na inteireza ou santidade do coração e da vida. É da maior importância identificar estes dois estágios da experiência cristã e do conhecimento pessoal de Deus. O primeiro é o recebimento do dom da vida, que nos dá poder para caminhar no Espírito e permite que náo atendamos aos desejos da carne, embora o conflito na alma permaneça (G1 5.16,17). O segundo é o início da caminhada para um plano mais elevado, em que a natureza carnal é crucificada, sendo removidas as suas manifestações de maus desejos e paixões desordenadas. Dessa forma, a pureza se dissemina em todo o ser, e a alma entra na plenitude da bênção de Cristo.
6. E não hd criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas epatentes aos olhos daquele a quem temos deprestar contas (Hb 4.13 a r a ) Nesta passagem bíblica, Deus e a Sua Palavra parecem estar identificados pelo uso dos dois pronomes pessoais autou (aüxoü), o que pode ser uma síntese do pensamento do versículo anterior, em que é usada a expressão Palavra de Deus. A transição da manifestação de Deus por meio da Sua Palavra para a manifestação de Deus por meio da Sua pessoa é perfeitamente natural, sendo ainda confirmada pela última sentença. O termo aqui é pros {nQÒç),face aface, o que torna claro que estamos sempre sujeitos à
onisciência do Todo-poderoso. Náo há dúvida de que esta declaração liga eficazmente Deus à Sua palavra e substancia o que é dito neste sentido. A frase manifesta na sua presença, no grego, está expressa na forma negativa aphanes (à
incólume, perdoa e julga o mesmo pecado no coração do homem, a um e mesmo tempo, e por um e mesmo ato. Na cruz de Cristo, a culpa foi expiada, e o pecado que levou Cristo à cruz ao mesmo tempo condenado e exposto como objeto de repulsa a todos os que amam o propiciador. Assim, tem esta Palavra, de prodígio, o prodígio de todas as palavras, o poder para consolar sem seduzir à leviandade; abalar sem mergulhar no desespero. Atrai enquanto repreende; esquadrinha enquanto atrai. Quem a ouviu uma vez náo pode libertar-se dela; sua afabilidade náo lht permitirá lançá-la fora e, ao apegar-se a ela, não escapará ele também de sua severi dade perscrutadora. Em uma palavra, é como se ela tivesse farpas. A Lei de Moisés censura o mal praticado; a Palavra do Evangelho opera sobre a fonte de onde procedem as açóes, a mente, o coraçáo. Julga antes de a ação ser praticada, não depois. É viva; seu julga mento consiste em tornar melhor, em santificar o homem interior do coração, estendendo a sua eficácia à vida exterior.
(E b r a r d ,
Biblical Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 163) ---- r
T
r e c h o d e t r a n s iç ã o
Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossasfraquezas; antes, fo i ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, afim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna. Hebreus 4.14-16 a r a Essa é uma passagem de transição que resume as anteriores e prepara o leitor para as grandes verdades a serem reveladas a respeito do sumo sacerdócio de Cristo e da oferta que fez de si mesmo pelos nossos pecados. A primeira verdade compreende a superioridade de
Jesus sobre os anjos, comparada à coluna de uma grande arcada10; a segunda verdade, sobre o sacrifício perfeito dele, corresponde à superio ridade de Jesus sobre Moisés, e pode ser comparada a outra coluna. 0 arco que passa por cima das duas é a nova e eterna ordem do sacerdócio. A pedra angular do arco é Cristo, que reúne em si mesmo tanto o sacer dócio da ordem de Aráo como da de Melquisedeque, e, assim, torna-se um verdadeiro Sumo Sacerdote para o homem nas coisas pertencentes a Deus. Vemos ainda que se trata de um trecho de transição pelo fato de que o versículo 14, que inicia esse trecho, é introduzido pela palavra grega oun (6úv), pois, funcionando como uma inferência do que o precede, a palavra gar (yócQ), porque (v. 15), a qual indica que esses versículos são uma preparação para a análise mais extensa do sacerdócio no capítulo seguinte. Lutero, contudo, achava que o versículo 14 devia ter assinalado o início do capítulo seguinte. Observamos que a maneira incidental de introduzir novos temas é peculiar da Epístola aos Hebreus (cp. 1.4; 3.2). Todo o trecho de transição é exortativo, e suas verdades estão entre as mais ricas do livro inteiro. T em os um grande S um o Sacerdote
Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote quepenetrou os céus, conservemosfirmes a nossa confissão. Hebreus 4.14 ara Mencionam-se quatro características que constituem a grandeza de Jesus como nosso Sumo Sacerdote: 1. Ele não é um sumo sacerdote subordinado. Ele pertence à elevada ordem de Melquisedeque, sendo, portanto, um ReiSacerdote. Como Rei, consente em ministrar como Sacerdote; como Sacerdote, ministra com autoridade de Rei.
2. Ele penetrou os céus. A alusão é ao sumo sacerdote passando pelo véu interior até o Santo dos Santos, em que habitava a presença de Deus. Assim, Jesus também ascendeu em presença dos Seus discípulos e, passando pelos céus físicos, ocultou-se por uma nuvem semelhante a um véu. Atrás dela, os céus físicos que conhecemos eram apenas o átrio pelo qual Ele passou à glória inefável e à luz inacessível; à presença imediata de Deus. O que os sacerdotes da ordem de Arão não podiam fazer, a não ser simbolicamente, Jesus realizou dê fato, atravessando não um véu material, mas os céus superiores, penetrando no próprio trono de Deus. Por esta razão, o escritor de Hebreus feia em seguida que Cristo foi feito mais alto do que os céus (Hb 7.26c). Jesus é grande como Sumo Sacerdote porque tem acesso a Deus, estando assentado como nosso Mediador à direita da Majestade nas alturas, ministrando por nós em um tabemáculo muito mais amplo e mais perfeito, isto é, o próprio céu. 3. Jesus é um Sumo Sacerdote compassivo. O escritor da Epístola aos Hebreus menciona o nome terreno do Mestre, Jesus, antes de chamá-lo pelo sublime título de Filho de Deus. O primeiro nos dá a certeza de Sua presença solidária; o segundo, a base de nossa confiança. 4. Ele é o Filho de Deus, a segunda pessoa da Trindade, e, não ob stante, tornou-se carne, a fim de oferecer-se como propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo (1 Jo 2.2; 4.10). O autor da Epístola, tendo apresentado o nosso grande Sumo Sacerdote como ideal do sacerdócio plenamente realizado, passa a considerar, de maneira incisiva, os benefícios aos quais, por intermédio de Cristo, temos acesso. O Espírito Santo nos diz que este grande Sumo Sacerdote é nosso, pertence-nos. Deus mesmo o indicou para este propósito.
Devemos depositar nele toda a nossa confiança e seguir a Sua orien tação e direção ao nosso espírito. Não somos de nós mesmos; fomos comprados por um alto preço. Jesus ordenou que vivamos mediante o Seu sacerdócio; e de tal modo devem as nossas vontades se identificarem com a Sua que se possa dizer que Cristo vive em nós e por nosso intermédio manifesta a Sua vida (G12.20). Conservemos, então,firmes a nossa confissão, exorta-nos Hebreus 4.14 (a r a ), e não nos permitamos ser afastados de nossa herança pelos enganos de Satanás. O Espírito Santo energicamente nos afiança a Sua ajuda, usando as duas designações do nosso grande Sumo Sacerdote: Ele é Jesus, o Filho do Homem, que nos compreende integralmente e se compadece de nós; e Ele é o Filho de Deus, com poder soberano, capacitando-nos para triunfar em todas as coisas. A c o m p a ix ã o d e J e su s
Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecerse das nossasfraquezas. Hebreus 4.15a Este versículo é introduzido por uma dupla negativa, a fim de salientar e fortalecer a posição contrária. Cowles observou que isto é um tanto fora do comum, sendo adotado por motivos que não são difíceis de encontrar. E possível que nos perguntemos se, de fato, alguém tão superior em dignidade e glória poderia compadecer-se dos humildes, frágeis e sofredores. A resposta é: jamais o coração de Jesus deixaria de ser tocado pela solidariedade para com as nossas fraquezas. Existem dois verbos traduzidos como solidariedade ou compadecerse. Cada um ocorre apenas duas vezes no Novo Testamento, nunca na Septuaginta. O primeiro é sunpaschein (cruvraxox^v), que significa literal mente sofrer com ou com outrem. Não vai além de tomar parte no sofrimento dos companheiros. O segundo verbo, sunpathein (ovvnaôeív), usado no versículo acima e em Hebreus 10.34, vem de pathos (náQoç)
e sumpathes (crur|7ta0r|ç). Assume, assim, um significado superior, o de sentimento comum, em vez de sofrimento comum. Entre os homens, é possível que a solidariedade se extinga por falta de compreensão, mas Jesus, como Deus-Homem, com Sua cons ciência teantrópica mais profunda, compreende-nos integralmente e é infalível em Sua compaixão e solidariedade, j ------O leicor da Epístola aos Hebreus há de notar que a negativa dupla é um tanto incomum, mas náo é adotada por razóes "difíceis de localizar. Talvez, mesmo na linhagem de Aráo houvesse sumos sacerdotes que interpretassem a sua dignidade pessoal em tal sentido, que sufocava toda a solidariedade natural para com os humildes. Os hebreus, que tinham tido experiência com tais sumos sacerdotes, talvez retrocedessem diante de alguém que vinha recomendado pela sua grandeza, dignidade e glória superlativas. Antecipando e prevenindo este temor, o autor diria: “Sim, poderia haver sumos sacerdotes que náo se condoessem das nossas enfermidades, porém, nós náo temos tal. Jamais devemos temer que Jesus seja insensível, incompassivo, porque fo i ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado (Hb 4.15b aba). (C owles, Epistle to theHebrews, p. 55,56) ------ r
Miley, em seu capítulo sobre a compassividade de Cristo, disse: Chegamos, assim, aos próprios alicerces da compaixão de Cristo que sáo revelados nas Escrituras e apreendidos no mais profundo pensamento e sentimento cristãos. Estes alicerces não jazem nas experiências de mera consciência humana, com todas as limitações e incapacidades humanas, nem estão sujeitos à Lei do tempo e da variação de condições, como o estão todas as bases da solidariedade humana. As provações de Cristo, que constituem a base de Sua simpatia, têm lugar na Sua consciência teantrópica. Ali, perma necem sempre, e para todas as exigências de Sua compassividade são ainda fatos vivos, exatamente como o eram nas horas de sua
provação. [...] É aqui que encontramos, na solidariedade de Cristo, a verdadeira doutrina de Sua personalidade. Ele tem de ser uma Pessoa teantrópica; do contrário, não teria tido a consciência da provação e do sofrimento que é necessária à Sua compaixão. Ele é uma Pessoa teantrópica, pois, em unidade pessoal, associa a natureza humana com a Sua natureza divina e, por meio da humana, entra na consciência da provação e sofrimento como os nossos. A consci ência teantrópica de Cristo é a verdade central de Sua personalidade. [...] A consciência divina do humano é um fato intrínseco do caráter teantrópico de Cristo. [...] Ele é teantrópico em Sua personalidade, não em Suas naturezas. Nestas, Ele é divino e humano, mas, na unidade da personalidade, Ele é divino-humano, Deus-Homem. Na unidade de personalidade, deve haver a unidade da consciência, mas, na consciência teantrópica, é preciso que existam íàtos divinos e humanos. Na consciência teantrópica de Cristo, os fãtos divinos vêm com a divin dade do Filho; os humanos, mediante a natureza humana em que Ele encarnou.
(M iley ,
Systematic Theology, 2, p. 40,41)
A TENTAÇÃO DE JESU S
Antes, fo i ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Hebreus 4.15b ara As palavras choris hamartias ( xcoqlç á |_ ia Q T ia ç ) , aqui traduzidas como sem pecado, encontram-se também em Hebreus 9.28, mas com uma conotação inteiramente diferente. Ali, aludem à segunda vinda de Cristo, que será isenta de todo pecado e toda oferta propiciatória. Por esta razão as palavras sem pecado são interpretadas no sentido de que Ele virá naquele tempo sem oferta pelo pecado. Em Hebreus 4.15, contudo, as palavras sem pecado significam um afastamento pessoal do pecado, seja por contato ou contágio, seja
por ato ou condição. Podem significar: (1) que Jesus suportou a tentação sem, de modo algum, contaminar-se com o pecado; ou (2) queJesus foi tentado em todos os pontos, como seriamos nós se, como Ele, fôssemos sem pecado. Westcott disse que o primeiro destes pensamentos não está excluído da expressão sem pecado, mas o último parece ser a ideia dominante. Outros exegetas assumem a mesma posição. Von Hofinann observou: “Não apenas a tentação não produziu pecado nele, mas não se ligou a pecado algum”. E Vaughan afirmou que Jesus “foi tentado em todos os pontos como nós, mas com absoluta separação, sem a mínima admissão de pecado”. Para Lowrie, a expressão sem pecado limita a noção de seme lhança de Cristo conosco. Não se trata apenas de que Ele não pecasse, “mas que a tentação foi inteiramente desacompanhada do pecado nele”. O Dr. Adam Clarke chegou à mesma conclusão, traduzindo as palavras kath homoioteta (ica0' ó^OLcm"|ra), segundo a semelhança, como “até onde a Sua natureza humana poderia ter afinidade com a nossa”. As expressões à nossa semelhança e sem pecado marcam a distinção entre a humanidade verdadeira de Jesus e a nossa em estado decaído. Cristo não apenas não cedeu sob a pressão da tentação; nele náo havia pecado para corresponder a ela. Tampouco havia hábitos pecaminosos a vencer, como é comum na humanidade. Todavia, Ele tinha todos os desejos inocentes que pertencem à natureza humana e foram dados por Deus. Esses desejos humanos, em contraste com a natureza divina, são chamados astheneia (áaQéveux), fraquezas, pois as Escrituras nos dizem que Jesus foi crucificado em fraqueza (2 Co 13.4 a r a ) . Foi por causa de Sua humanidade que Ele foi tentado, experimentou a fome, a sede, o cansaço, o opróbrio e sofreu com a rejeição por parte dos pecadores. • Satanás procurou perverter os desejos inocentes de Jesus, tornandoos desordenados, a fim de levá-lo a pecar. Mas não conseguiu. Jesus
pôde reconhecer, em todos os pontos, a malícia do tentador e desafiarlhe o poder, pois não conhecia pecado. Assim, aquele que se tornou o supremo Sumo Sacerdote no céu compreende as nossas tentações, e a grandeza de Sua simpatia e de Seu auxílio excedem em muito as necessidades do Seu povo. Eis outro comentário do Dr. Adam Clarke sobre a expressão à nossa semelhança, referindo-se a Cristo: j ------Pois, embora Ele tivesse um corpo humano perfeito e uma perfeita alma humana, esse corpo era perfeitamente equilibrado, isento de impulsos mórbidos e, conseqüentemente, livre de qual quer movimento irregular. Sua mente ou alma humana, estando limpa de todo pecado; sendo em todos os aspectos perfeita, náo poderia ter impulsos irregulares, nada que fosse incongruente com a pureza infinita. Sob todos esses aspectos, Ele foi diferente de nós, náo podendo, como homem, solidarizar-se conosco em sentimentos desta espécie. Mas, como Deus, ofereceu amparo ao corpo sob todas as suas provações e fraquezas; para a alma ofereceu a expiaçáo e o sacrifício purificador, de sorte que limpa o coração de toda impureza e enche a alma do Espírito Santo, transformando-a em Seu próprio templo e habitação contínua. Ele assumiu a nossa carne e o nosso sangue, um corpo e uma alma humana, e viveu humanamente. Eis a semelhança da carne pecaminosa (Rm 8.5). E, assim, assumindo a natureza humana, Ele habilitou-se perfeitamente para fazer expiaçáo pelos pecados do povo. (C larke, Commentary on the Epistle to the Hehrews 2, IV, p. 733 ss.)
j.------
------ r Como nós, Jesus se cansou do trabalho, desfaleceu de fome, sentiu
frio e foi oprimido pelo calor do verão, não tendo onde reclinar a cabeça. E, passando destes a outros males muito mais difíceis de serem suportados, Ele enfrentou a rejeição por parte dos pecadores; calúnias de uma vida irrepreensível; maquinações contra os apelos mais afaveis
e os mais fortes argumentos; repulsa persistente, tanto às Suas críticas mais dedicadas como às Suas.súplicas banhadas de lágrimas. Veio para o que era Seu, e os Seus não o receberam. Além disso, tudo o que pode haver de mais horrível nas mais ferozes tentações de Satanás Ele sofreu repetidas vezes; toda aquela fragilidade humana que toma a ministraçáo angélica tão preciosa Ele, certamente, sentíu, e teve ocasião de bendizer a Sua suave consolação e conforto. (C owles, Epistle to the Hebrews, p. 55,56) *
---------------- r
Ora, é muito claro que um homem poderá, desta maneira, achar-se na situação de ser tentado, sem ser necessário supor que haja nele, por isso, uma inclinação maligna [...] Assim foi com referenda à tentação de Cristo. Ele foi tentado em todos os aspectos, na alegria e na dor, no temor e na esperança, nas mais variadas situações, mas sempecado. Ser tentado, para Ele, era questão puramente passiva, pura mente objetiva durante todo o período da Sua vida. Ele renunciou aos prazeres da vida em relação aos quais tinha uma natural suscetibilidade, porque náo poderia alimentá-los apenas em consonância com as esperanças carnais do Messias acalentadas pela multidão. E Ele manteve Sua norma de conduta a despeito da perspectiva, que se tornava cada vez mais certa, de que a Sua fidelidade e [a conseqüente] perseguição [que sofria] o conduziriam ao sofrimento e à morte, dos quais Ele sentia um medo natural. Aquela suscetibilidade ao prazer e este medo foram os que o tentaram; não as inclinações pecaminosas, mas afeições puras, inocentes, que pertenciam essencial mente à Sua natureza humana. (Ebrard, Biblical commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 169,170) O TRONO DA GRAÇA
Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna. Hebreus 4.16 a r a
O autor da Epístola, tendo descrito Cristo como o Sumo Sacerdote ideal, Sua tentação e Sua solidariedade para com o povo, considera-o agora a ministrar a graça do Seu trono no céu. Rico como é este versículo ao coração do povo de Deus, assume significado ainda mais profundo quando as palavras gregas são analisadas em seus vários matizes de significado. O vocábulo trono vem de uma antiga palavra grega que passou para o nosso idioma com o significado de lugar onde se assenta o rei. Este trono da graça corresponde ao da Majestade, nas alturas (Hb 1.3), mas apresentado sob aspectos diferentes, visto que o Filho, como nosso Mediador, é apresentado à destra do Pai para administrar graça e verdade. Devemos, pois, aproximar-nos de Deus não como de nosso Juiz, mas como nosso gracioso Pai celestial. A alusão a Cristo nesse texto é à entrada do Sumo Sacerdote no Santo dos Santos no grande Dia da Expiaçáo; contudo, a grandeza de Jesus como nosso Sumo Sacerdote não consiste em atravessar um véu material, mas o próprio céu, para ali administrar no tabemáculo maior e mais perfeito. Tendo feito Sua oferta propiciatória, Cristo penetrou os céus até a presença de Deus, para comparecer por nós naquele local. Assim, todos os homens podem, agora, aproximar-se com confiança deste trono da graça e com ousadia.
1. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente (Hb 4.16a a r a ) O verbo proserchometha (7tQoaeQxc^,|-l£0 a )> aproximar-se, aqui traduzido como achegar-se, tem o mesmo significado em Atos 7.31 e também em Hebreus 10.22. E usado no Antigo Testamento para designar o serviço dos sacerdotes no santuário, especialmente o do sumo sacerdote.
Em Hebreus 4.16, o verbo está no tempo presente, ativo e volitivo, e significa continuemos a aproximar-nos de Deuspor intermédio do nossogrande Sumo Sacerdote. Cristo fez infinita provisáo por nós e o homenageamos quando nos aproximamos confiadamente do trono de Deus para receber a graça adquirida e a nós prometida. A palavra confiadamente vem do radical parresias (rcaQQTjcríaç), que significa dizer tudo, mas sem presunção. O convite, portanto, é para nos aproximarmos como estamos, di zermos o que desejamos e pedirmos com confiança aquilo de que necessitamos. Que gracioso convite é este! Os que se aproximam do trono da graça com vacilação e medo demonstram pouca con fiança nas provisões maravilhosas que Cristo fez por nós por meio da graça. O uso da palavra proserchometha, achegar-se, é significati vo por ser mais uma alusão ao descanso da fé , sob o simbolismo do santuário celestial, e salientar mais especialmente o processo de sua realização do que a obra consumada, pois o autor da Epístola, indiretamente, alude ao véu rompido do corpo de Cristo, à Sua entrada como Precursor no tabernáculo celestial, maior e mais per feito, e ao caminho que Ele abriu para nós até o Santo dos Santos, a presença de Deus. Como a obra apostólica de Cristo conduz ao descanso da alma em Deus, assim a Sua obra sacerdotal proporciona a nós, dentro do véu, a plenitude da vida e da bênção. O escritor de Hebreus ainda não chegou aos ensinos sobre a oferta sacrificial do nosso grande Sumo Sacerdote, às promessas melhores e ao santuário celestial. Devemos, portanto, considerar este primeiro acheguemo-nos à luz da oração singela, que o mais frágil dos crentes não pode deixar de compreender. Mas os que se mantêm aproximando-se do trono da graça serão logo levados ao segundo achegar-se em que a vida aquém do véu é passada à plenitude da bênção de Cristo (Rm 15-29 a ra ).
2. A fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna (Hb 4.16b) O verbo labomen (Àá(3oü|J.ev), aqui traduzido como recebermos, na sua forma mais simples, significa tomar. Cristo provou a morte por todo homem e, agora, todo homem é livre para ir ao propiciatório da cruz e tomar livremente da misericórdia que lhe foi assegurada e que o aguarda ali. A palavra misericórdia refere-se mais especialmente ao per dão dos pecados, enquanto graça é aquilo que procuramos para purificar o coração e sustentar-nos em todas as provações e decep ções. Por isso, o verbo heuroman (fÕQtofiev) significa achar no sentido de descobrir ou encontrar por teste em tempos de necessidade. Porque Jesus consumou a obra de expiaçáo de nossos pecados, temos certeza de misericórdia, e porque Ele é o nosso Sumo Sacerdote à destra de Deus, é apto para fazer toda graça abundar para nós em todas as coisas. A expressão em ocasião oportuna é uma tradução da palavra grega eukairon (euKaiçov); eu significando bem, e kairon, oportunidade, de sorte que o termo significa ajuda em tempo próprio ou oportuno, isto é, socorro necessário, quando necessário. Isto é o que o Rev. WiU Huff, um dos grandes pregadores da geração passada, chamou “graça para o momento oportuno”. A palavra boetheian ((3ofj0euxv), socorro, pode igualmente ser bem traduzida como assistência ou apoio. Existe, porém, um signifi cado mais profundo e ainda mais precioso: correr ao grito de socorro. Podemos compreender, portanto, que, mesmo do trono da graça, o apoio ou socorro não será concedido sem o grito, sem o clamor. Mas quão bom é saber que, quando em dificuldades e tribulações clamamos por socorro, o nosso grande Sumo Sacerdote, cheio de solidariedade e compaixão, corre ao nosso encontro e jamais deixa de conceder graça em tempos de necessidade!
Lembremo-nos também de que o clamor há de ser por socorro imediato, e náo quanto a algo num futuro distante e desconhecido. A única justificativa para aproximar-nos deste trono da graça é o fato de que temos uma necessidade urgente. Seja qual for a necessidade, grande ou diminuta, Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra ( 2 Co 9.8 a b a ). A EXORTAÇÃO FINAL *
Ao findar esta exortaçáo, faz-se necessária uma palavra final a respeito da ousadia com que devemos aproximar-nos do trono da graça. Vimos que a palavra grega traduzida como confiadamente náo admite o sentido de presunção, tampouco pode ser interpretada como mero estado ou condição produzida em nós por esforço próprio ou determinação. Ela é usada em Hebreus 4.16 e ocorre em dois outros lugares na Epístola (Hb 3.6; 10.35), onde aparece como ousadia e confiança, respectivamente. Em Hebreus 3.6, somos exortados a guardar firme a ousadia, e em Hebreus 10.35 somos advertidos a não abandonar a nossa confiança. Esta implica fé em outrem, não sendo, portanto, nossa meramente. Nossa fé e confiança foram asseguradas pelo sangue de Jesus e inspiradas em nós pelo Espírito Santo. João nos disse que a fé procede de um perfeito amor — o qual lança fora o medo do coração purificado — e que é isto que nos asse gura a ousadia no Dia do Julgamento. Isso também é ilustrado por Pedro e João, os quais, ao ministrar cura a um coxo, negaram que o milagre fosse devido ao seu próprio poder e à sua santidade. No entanto, a ousadia deles espantou os sacerdotes e saduceus, que observaram terem eles estado na companhia de Jesus (At 3.12; 4.13).
Sendo assim, o segredo da ousadia e confiança na obra de Deus é a constante comunháo com Jesus, que inspira na alma a força e a coragem do perfeito amor: Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna (Hb 4.16 a r a ).
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N
o tas
1— Aoristo ingressivo: tempo verbal do grego que indica uma ação tomada de uma vez por todas. (Fonte: http://www.ragnet.org/autores/monografias/Pdf/Portugues/0012mopor.pdf) 2— Caso gramatical usado para indicar que um nome é o instrumento ou meio pelo qual ou com o qual o sujeito realiza ou efetua uma ação. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_instrumental) 3—
Caso gramatical geralmente usado para indicar o nome referente a um lugar. (Fonte: http://pt.wikipedia. org/wiki/Caso_!ocaõvo)
4—
Provavelmente Jonathan Edwaids, pastor congregacional que viveu no século XVIII, considerado hoje pelos historiadores um dos maiores teólogos e pensadores da história dos Estados Unidos. Ele foi náo somente um dos instrumentos do primeiro grande reavivamento ocorrido naquele país, mas o maior estudioso e intérprete desse fenômeno. (Fonte: http://www.mackenzie.br/7078.98.html)
5— No grego, cláusula infinitiva é a sentença em que o verbo aparece no infinitivo sem estar acompanhado da preposição. (Fonte: Projeto de Marcela Zambolim de Moura pela USP. “As cláusulas encaixadas na função de sujeira”. In: http://www.fflch.usp.br/eventos/simelp/new/pdf/slpl l/05.pdf) 6_ Tempo verbal do grego que substitui alguns sentidos próprios do futuro. (Fonte: http://www. airtonjo.com/grego_biblicol6.htm) 7— John Wesley (1703-1791) foi um clérigo anglicano e teólogo cristão britânico, líder precursor do movimento metodista. 8— A tricotomia fundonal afirma que o homem consiste de espírito (cpraçáo), alma (mente, intelecto) e corpo. (Fonte: CHEUNG, Vincent. Teologia Sistemática. Boston: Reíbrmation Ministries Intemational, 2003. http:ZAwwwjnoneigismo.com/tieKtos/livros/teologia_sistemanca_completa_cheung.pd6 9— A dicotomia essencial afirma que o homem consiste de alma (mente, intelecto, coração ou espírito) e oorpo. (Fonte: CHEUNG, Vincent. Teologia Sistemática. Boston: Refbrmarion Ministries Interna tional, 2003. http://vmw.monergismo.com/teMos/livros/teologia_sistemarica_completa_cheung.pdf) 10— Estrutura que constitui um plano divisor de espaços. É formada por uma seqüência de arcos que se assentam em colunas, os quais são firmados sobre estas por uma pedra angular, maciça. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Arcada)
5 O CARGO E A OBRA DO SACERDOTE
eixando o capítulo 4 da Epístola, entramos na sua terceira e maior divisão. Acabamos de estudar a obra profética de Cristo, tipificado por Moisés, e a herança pro pretada como o descanso da-fé. Ingressamos, agora, na div da obra sacerdotal de Cristo, tipificado por Arão, a qual compreende três subdivisões principais: o sacerdócio, o santuário e o serviço. Conquanto estes assuntos sejam tratados nos capítulos 5 a 10, é difícil oferecer um esboço definido, pois os assuntos se desvanecem e fundem-se uns nos outros. Primeiro, há uma análise do sacerdócio; depois, do santuário, como local de sua ação, e, por fim, do serviço prestado no santuário, das ofertas e dos sacrifícios. Em geral, pode-se dizer que o sacerdócio é considerado principalmente nos capítulos 5, 6 e 7; o santuário, nos capítulos 8 e 9 (incluindo a aliança), e o sacrifício, no capítulo 10. Assim, como Levítico 16 é o grande capítulo da expiação do Antigo Testamento, Hebreus 9 e 10 são os grandes capí tulos neotestamentários da expiação; o capítulo 9 mostra Cristo como o Ofertante sumo sacerdotal, e o capítulo 10 mostra-o como a Oferta sacrificial. O capítulo 5 de Hebreus continua o assunto iniciado na passagem de transição do anterior (Hb 4.14-16), mas a maneira como.;^
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os dois textos estão relacionados depende da interpretação da palavra porque, cabendo perguntar se o capítulo 5 é mera explanação da passagem anterior ou se é uma seção independente na continuação do argumento. Na primeira hipótese, as declarações anteriores a respeito do sacerdódo de Cristo são confirmadas, demonstrando que elas satisfazem plenamente todos os requisitos do sacerdócio de Aráo; na segunda, o capítulo 5 é uma declaração independente dos requisitos básicos do sacerdócio de acordo com as qualificações exigidas da linhagem de Arão. Analisaremos o capítulo 5 em conformidade com esta última hipótese. A S QUALIFICAÇÕES E A OBRA D O SACERDOTE
Existem seis qualificações essenciais ao sumo sacerdote arônico, em conformidade com a primeira divisáo do capítulo (Hb 5.1-5). Estas podem ser assim enumeradas: 1. Ele deve ser tomado dentre os homens (Hb 5.1a) e, portanto, deve ser da mesma natureza que aqueles a quem serve; 2. Ele é ordenado ou indicado a favor dos homens; é um rep resentante deles e, apesar de seu cargo pertencer a Deus, está sempre interessado em interceder pelos homens (Hb 5.1b); 3. Ele não deve comparecer à presença de Deus de mãos vazias; deve, porém, oferecer tanto dons como sacrifícios pelos pecados (Hb 5.1c a r a ); 4. Ele deve manifestar uma atitude de compaixão e moderação para com os que são ignorantes e os que erram (Hb 5.2a); 5. Porque é tomado dentre os homens e compartilha de suas fraquezas e pecados (Hb 5.2a), ele deve fazer oferta por si mesmo, bem como pelo povo (Hb 5.3); 6. Não toma para si a honra de ser sumo sacerdote, mas é cha mado e constituído por Deus, com Arão (Hb 5.4).
É evidente que estas seis qualificações podem ser facilmente redu zidas a duas principais e essenciais: ele deve ser escolhido dentre os homens e constituído por Deus. Neste caso, os outros atributos são meramente explicativos. Todavia, em nosso estudo mais completo do sacerdócio de Arão, para maior simplicidade, seguiremos a ordem encontrada na primeira seção (Hb 5.1-3), conforme anteriormente indicamos.
1. Porque todo sumo sacerdote, tomado dentre os homens (Hb 5.1a) * Esta é a principal qualificação para o sumo sacerdócio! Ebrard declara que tal sentença pode ser disposta logicamente como segue: “Todo sumo sacerdote pode comparecer diante de Deus a fàvor dos homens, somente em virtude de ser tomado dentre eles”. O fato de ser tomado dentre aqueles que representa é necessário para a verdadeira comunhão, compreensão e simpatia [entre o sumo sacerdote e aqueles por quem intercede e oferece sacrifício]. Por esta razão, o escritor de Hebreus anteriormente declarou que Cristo não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão (Hb 2.16). Esta mesma expressão, porém, tomado dentre os homens, sugere a ideia de que existe um outro Sumo Sacerdote de quem poderia ser feita uma descrição diferente — Cristo, o qual, embora, como homem, esteja associado à humanidade, é ao mesmo tempo de origem celestial (Hb 7.28).
2. E constituído afavor dos homens nas coisas concernentes a Deus (Hb 5.1b) A palavra kathistatai ( kocG lcttoltcíl) é o vocábulo usual para designar indicação para um cargo. Aqui, trata-se principalmente da natureza do cargo, daí as palavras constituído ou ordenado como próprias para expressar o cargo assim estabelecido. A expressão constituído a favor dos homens é parte enfática da declaração. O sumo sacerdote, embora tomado dentre os homens a
fim de agir nas coisas concernentes a Deus, continua vitalmente associado aos homens. Ao comparecer diante de Deus no desempenho das funções de seu cargo, o sumo sacerdote agirá a favor dos homens Desviar-se deste propósito, ou mesmo ser negligente nele, seria violaj a própria natureza do cargo.
3. Para oferecer tanto dons como sacrifícios pelos pecados (Hb 5.1c a r a ) Muitas autoridades no assunto acham que thusia (Guctúx), sa crifícios, fazia referência aos animais mortos [para exiação do pecado e da culpa]; e dora (ôcòça), dons, às ofertas voluntárias, tais como as ofertas de manjares, ofertas de bebidas e de ações de graças. Contudo, embora a palavra sacrifícios se restrinja aos sacrifícios ou ofertas de san gue, o termo dons náo tem essa limitação nas Escrituras e é, às vezes, aplicado também aos sacrifícios de animais, como em Hebreus 8.4, em que a palavra dora abrange os dons e sacrifícios, conforme se verifica no versículo precedente. A teoria geralmente aceita é que dora é um termo geral aplicado a todas as ofertas e que thusia é um vocábulo específico aplicado às ofertas pelo pecado. Contudo, usadas juntas, dora serve para distinguir as ofertas voluntárias das ofertas pelo pecado. A palavraprospherei (7tQocj0£Qr|i) significa apresentar e é o termo que, com frequência, aplica-se ao ato do sacerdote de levar a vítima até o altar do sacrifício. Tecnicamente, a obra do sumo sacerdote não era sacrificar a vítima, o que era muitas vezes feito pelos outros [sacerdotes ou levitas], e sim apresentar o sacrifício diante de Deus no altar das ofertas queimadas.
4. E é capaz de condoer-se dos ignorantes e dos que erram (Hb 5 . 2 a a r a ) Esta qualificação está relacionada ao estado de espírito que o sumo sacerdote deve ter ao apresentar sua oferta e tem a ver com a
d e c la r a ç ã o
de que ele é tomado dentre os homens, podendo sofrer como
eles [e compadecer-se deles]. A palavra metriopãthein (|J .£ X Q iO T ia 0 siv ) [traduzida c o m o condoer-se (a r a ) o u compadecer-se ( a r c )] não ocorre em outra parte do Novo Testamento nem se encontra na Septuaginta. E de origem rega posterior e parece ter sido usada, primeiro, em oposição aos estoicos, que achavam que o homem sábio deveria estar isento de paixão, apático, apathes (ãrcaOrjç). A formação da palavra metriopãthein indica que é um meio termo entre a ausência de paixão e a entrega violenta a ela. Implica, portanto, o exercício da paciência e a demonstração de sentimento moderado; o oposto da ira violenta e da completa indiferença. É assim [com paciência e moderação] que o sumo sacerdote deve condoer-se dos que são ignorantes e dos que erram. A diferença entre a palavra sumpathesai (crup7ta0^aai), atribuída a Cristo (Hb 4.15), e metriopãthein (|i£TQiO7ia0£Ív) é que a primeira indica solidariedade como um sentimento positivo de bondade, enquanto a última indica mais especificamente a contenção de sentimentos impiedosos. Lindsay observou que: Talvez, a seleção das palavras tenha visado a expressar a idéia de que reinava no seio de Cristo uma bondade mais positiva e mais pura, uma solidariedade náo produzida pelo sentimento de Sua própria fragili dade [humana], mas resultante da compaixão divina de Sua natureza. No caso do sacerdote terreno, a moderação de sentimentos de desprazer contra o pecador é produzida pela consciência de seus próprios pecados.
(L in d s a y ,
Lectures on Hebrews, 1, p. 201)
Pelas expressões os ignorantes e os que erram, entendemos que o escritor de Hebreus não afirmou que a obra do sacerdote visava apenas aos pecadores moderados; os demais estariam ex cluídos. Ao contrário, as expressões os ignorantes e os que erram
incluem todos os pecadores; aludem a todos os tipos de pecado cometidos [por vontade e por omissão], pelos quais o sacerdote oferece expiação. O primeiro termo, ignorância, agnoousin (cxyvoouoiv), é usado na Septuaginta em suas várias formas no lugar das palavras hebraicas que indicam um conteúdo de maior ou menor transgressão e pecado, como no Salmo 25.7, em que Davi suplica o perdão dos pecados da sua juventude e de suas transgressões. A palavra agnoousin provavelmente está relacionada com a expressão engano dopecado (Hb 3.13), em que a ideia não é de absoluta ignorância, mas de concepção confusa, engano, ocasionada pelo pecado. Já a expressão os que erram, planomenois, (nAavcü^évoiç), traz em si a ideia de extraviar-se ou afastar-se do verdadeiro dono ou do caminho certo. Por esta razão, na Authorized Version, aparece os que saíram do caminho. O sentido de planomenois é o mesmo na frase estes sempre erram no coração; eles também não conheceram os meus caminhos (Hb 3.10 a r a ). Stuart sugeriu que as duas palavras, agnoousin e planomenois, são usadas a fim de designar transgressores de várias espécies. Assim, o sumo sacerdote deve condoer-se tanto dos que se desviam como dos que erram, bem como procurar, por todos os meios possíveis, restaurá-los ao caminho da verdade. Lindsay salientou que: A escolha desta palavra [metriopathein, condoer-se] foi das mais felizes, como se verá ao lembrar que os homens têm uma inclinação freqüente para a curiosidade acentuada no sentido inverso da sua própria bondade. O pior dos dois ladróes [crucificados ao lado de Jesus] foi o mais impiedoso contra Cristo. O [sumo] sacerdote terreno, com todos os seus pecados e imperfeições, inclina-se mais à severidade do que o celestial e, por esta razão, deve habitualmente recordar-se de que é um pecador, como aqueles a favor dos quais ministra. (Lindsay, Lectures on the Epistle to the Hebrews, 1, p. 201) --- -r
5. E, por esta causa, deve ele, tanto pelo povo como também por si mesmo, fazer oferta pelos pecados (Hb 5.3) A referência aqui é ao grande Dia da Expiação, em que o sumo sacerdote oferecia sacrifício por si mesmo e, depois, pelo povo. A preposição regular usada emfazer ofertapelospecados é peri (k e q I ) e ocorre três vezes neste versículo: pelo povo, por si mesmo epelospecados. A palavra deve é opheilei (òcf>£ÍÀ£i) e traz em si a noção de obri gação, no sentido de que as relações que o sumè sacerdote assumira exigiam que ele fosse coerente. As palavras pois também ele mesmo está rodeado de fraquezas (Hb 5.2 a r a ) , pronunciadas a respeito do sumo sacerdote, tornam-se, neste contexto [do versículo 3], o fundamento da necessidade de uma oferta por si mesmo. O termo rodeado é perikeitai ( t c ê q lk e it c ii ) , que significa ficar em volta, cercar, enquanto que fraquezas é astheneian (àcr0£v£uxv), que significa, fundamentalmente, fraqueza, mas é aqui usada no sentido de fraqueza moral ou pecado. Duas grandes verdades destacam-se claramente aqui: 1 .0 sumo sacerdote náo tinha quem fizesse a expiação pelos pecados dele e, por isso, estando rodeado de fraquezas, como o povo do qual fora tirado, deveria fazer expiaçáo por si mesmo. Isto naturalmente chama atenção para as imperfeições do sumo sacerdócio arônico e prepara o caminho para a apresentação da perfeição de Cristo, como o Filho de Deus. 2. Relacionada a isto está a necessidade de aptidão pessoal como quali ficação para o sacerdócio. O sumo sacerdote deveria comparecer diante de Deus isento de culpa e ser aceitável ao Senhor antes de apresentar as necessidades do povo. No caso do sacerdócio levítico, esta era uma purificação cerimonial e apontava para a necessidade de Alguém que fosse sem pecado pessoal e inerente: o Filho de Deus.
O sumo sacerdócio arônico, portanto, é simbólico e temporário; o de Cristo, real e eterno.
6. Ninguém, pois, toma esta honra para si mesmo, senão quando chamado por Deus, como aconteceu com Arão (Hb 5.4 a r a ) Em Hebreus 5.1-3, é analisado o cargo de sumo sacerdote e são enumeradas as suas qualificações e funções. Agora, no versículo 4, enfatizase a característica final e suprema do sumo sacerdote: ele é especificamente rham adn por Deus para servir nesta qualidade. Para confirmar isto, o escntor da Epístola apela para Arão [o primeiro sumo sacerdote consdtuído por Deus] e, ao fãzê-lo, refere-se ao sumo sacerdócio conforme foi original mente constituído e, portanto, em sua pureza e simplicidade. Aquilo que aperfeiçoa as qualificações de um sumo sacerdote, então, é o chamado de Deus. Isto tão-somente é o que poderia dar ao antigo sumo sacerdote arônico ou levítico confiança para aproximar-se de Deus. E só esse fator poderia criar aquela confiança no povo, que lhe permitiria colocar nas mãos do sumo sacerdote os seus interesses eternos. Sendo assim, ninguém poderia legitimamente tomar para si esta honra [a de autoconstituir-se sumo sacerdote], e os que presumiram fazê-lo sofreram o castigo divino. Isso porque, uma vez que Deus é o ofendido, só Ele pode nomear o sumo sacerdote por intermédio do qual o povo poderá achegar-se a Ele. Estes três versículos (1 a 3, de Hebreus 5), com o versículo de transição (v. 4), demonstraram que Cristo satisfez plenamente todas as qualificações de sumo sacerdote, como foi apresentado em Hebreus 4.14-16, e com uma dignidade e uma glória maiores do que aquelas que se associavam ao antigo sacerdócio levítico. Cristo, isento de todo defeito moral, exibe muito maior compaixão e capacidade intercessória do que Arão jamais foi capaz. Hebreus 5-4, que ofereceu a qualificação suprema do sumo sacerdote, torna-se, agora, a introdução de uma nova seção: Cristo e a nova ordem do sacerdócio (Hb 5.5-10).
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r is t o e a n o v a o r d e m d o s a c e r d ó c io
Assim, também Cristo a si mesmo não se glorificou para se tomar sumo sacerdote, mas o glorificou aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei; como em outro lugar também diz: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeqtie. Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem opodia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da suapiedade, embora "sendo Filho, aprendeu a obediênciapelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tomouse o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem, tendo sido nomeado por Deus sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque. Hebreus 5.5-10 a r a Embora o tema aqui seja uma continuação do assunto nos versículos que precedem essa pasagem — a apresentação de Cristo tipificado por Aráo — , lembremos que as seis qualificações e fun ções do sumo sacerdócio mencionadas em 5.1-4 podem reduzir-se a duas: ser tomado dentre os homens (Hb 5.1) e ser chamado por Deus (Hb 5.4). Assim, nesta seção, isto será considerado em ordem inversa, sendo mencionado primeiro o chamado de Deus e depois a natureza humana do sumo sacerdote, à luz de um novo elemento introduzido no último versículo: o da nova ordem de sacerdócio segundo a ordem de Melquisedeque, e não segundo a atônica ou levítica.
1. Assim, também Cristo a si mesmo não se glorificou para se tomar sumo sacerdote (Hb 5-5a a r a ) Esta é uma continuação do versículo anterior e completa o paralelo entre Aráo e Cristo. Visto que ninguém, pois, toma esta honra para si mesmo, senão quando chamado por Deus, como aconteceu com Arão (Hb 5.4 a r a ) , Cristo não glorificou a si mesmo para tornar-se
Sumo Sacerdote. Existe uma elipse em Hebreus 5.4, que completa a contraposição de ideias: “Deus glorificou Cristo”; ou “mas Deus o glorificou”; ou “mas Deus o glorificou em virtude de ter-lhe falado”. [Essa antítese deixa de ser elíptica em Hebreus 5.5: mas o glorificou aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei.] Em Hebreus 4.14 , o nome Jesus é mencionado como o grande sumo sacerdote que penetrou os céus ( a r a ) , Já em Hebreus 5.5, o autor da Epístola usa o título Cristo associado ao sumo sacerdócio talvez porque o sumo sacerdote era ungido com óleo, e a palavra Cristo significa o Ungido, sendo este o termo que melhor expressa Seu ofício. Além disso [em Hebreus 5.4], em conexão com o sumo sacer dócio, o autor da Epístola usa o termo honra. Mas [em Hebreus 5-5], especificamente para Cristo, usa um vocábulo mais rico: glória [subentendido pelo verbo glorificou]. O fato de que Deus considerasse uma honra para Seu Filho tornar-se o Sumo Sacerdote — por meio de quem todo aquele, perdido e culpado, que nele cresse seria salvo (cf. Jo 3.16) — manifesta um amor que excede todo entendimento, pois procede do coração infinito de Deus. E difícil para o homem mortal entender que Cristo deixou a glória que tinha com o Pai, antes que o mundo existisse, considerando uma glória maior redimir-nos por Sua morte na cruz, purificar-nos de todo pecado por meio do Seu precioso sangue e conceder-nos o Espírito para habitar em nós como Consolador constante. O homem nunca compreenderá isso plenamente; apenas se maravilhará e adorará a Deus. Sua admiração e a adoração não cessarão; pelo contrário, hão de aumentar no decorrer dos séculos eternos. j ------O cerimonial da consagração, conforme a Lei de Moisés, iniciava-se com a lavagem à porta do Tabernáculo e seguia-se a colocação das roupas sacerdotais. Sobre a pessoa consagrada, lavada e vestida, derramava-se o óleo da unção. Em conexão com isto, era feito um sacrifício para remoção da culpa; uma oferta era queimada para expressar consagração completa e fazia-se uma oferta pacífica para
demonstrar a aceitação da parte de Deus. Mas o óleo era para a santificação: Depois, derramou do azeite da ünção sobre a cabeça de Aráo e ungiu-o, para santificá-lo (Lv 8.12). O sumo sacerdote estava acima de seus irmãos; [era aquele] sobre cuja cabeçafo i derramado o azeite da unção em abundância (Lv 21.10). Nosso Senhor foi consagrado para o Seu cargo pelo Espírito Santo que Ele recebeu sem medida; porque a este o Pai, Deus, o selou (Jo 6.27d). Todos os outros particulares da consagração caíram, a náo ser que o batismo de Cristo correspondesse à lavagem do sumo sacerdote. Con tudo, a diferença essencial estava em que Cristo, enquanto encarnado, recebeu o Espírito da unção, consagrando-se a si mesmo: Epor eles me santifico a mim mesmo (Jo 17.19a). Pela glória divina de Sua filiação, Ele dedicou Sua pessoa e Seu ser à propiciação dos pecados dos homens. (P o pe , Compendium ofchristian theology, 2, p. 219,220)
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2. Mas o glorificou aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei (Hb 5-5b a r a ) Não há menção específica aqui a uma indicação para o sumo sacerdócio. Alguns acham que o ofício messiânico compreende em si mesmo o profético, o sacerdotal e as funções reais. Bruce considerou o sacerdócio contemporâneo da filiação. Para ele, os termos estão tão interligados que dizer 7 u és meu Filho eqüivale a proclamar “Tu és sacerdote”. Ebrard sustentou que a referência ao Salmo 2 contém palavras dirigidas àquele Filho de Davi que logo viria ser identificado com o Messias. E, visto que este seria sacerdote, Jesus, sendo o Messias, era também Sacerdote. Todavia, é provável que a verdade esteja em um nível bem mais profundo. O escritor da Epístola aos Hebreus apresentou, na primeira parte da Epístola, o Filho como o Herdeiro de todas as coisas; disse que os mundos foram feitos por Ele, que Ele é o resplendor da glória e a expressão exata da pessoa do Pai, que o Filho sustenta todas as
coisas pela palavra do Seu poder e que, tendo por si mesmo purificado os nossos pecados, sentou-se à destra da Majestade nas alturas (Hb 1.1-3). O Filho, portanto, é a única Porta de entrada para o templo da comunhão com Deus. Somente o Filho tem as necessárias qualificações para o sacer dócio espiritual que Ele exerce, tornando-nos participantes de Si mesmo e da glória que Ele tem com o e no Pai. Por esta razáo, ninguém poderia ser o nosso grande Sumo Sacerdote, senão o Filho de Deus. Esse testemunho do Pai — Tu és meu Filho — não apenas revela a obra sacerdotal de Cristo fundamentada na Sua filiação divina, mas também a natureza dessa obra que, por meio da filiaçáo, restaura os homens à comunhão com Deus. As palavras Eu hoje te gerei são da máxima importância tam bém neste sentido. Paulo e João consideraram a expressão primogênito como se referindo à ressurreição de Cristo (Cl 1.18; Ap 1.5). Tendo sido feita a oferta de Si mesmo sobre o altar da cruz, a ressurreição “foi a investidura oficial de Cristo no sacerdócio. O seu exercício aguardava a ascensão, que estava para a ressurreição como a coroação está para a ascensão de um soberano ( V a u g h a n , Epistle to the Hebrews, p. 92).
3. Como em outro lugar também diz: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 5.6 a r a ) Tendo sido lançado o fundamento nas palavras Tu és meu Filho — que formam a um tempo a base e a natureza do sacerdócio de Cristo — , o escritor da Epístola agora confirma a Sua designação direta. Faz isso com outra citação dos Salmos, o Salmo 110 — um dos que sempre foram considerados messiânicos, e ao qual tanto nosso Senhor como os apóstolos se referiram como profético a respeito das reivindicações de Cristo. As palavras Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque são enfáticas. Demonstram que Deus constituiu o Messias no cargo sacerdotal, confirmando Sua autoridade. Mas este texto, do Salmo 110.4, não apenas confirma o fato de que Cristo foi
táo verdadeiramente designado para o sacerdócio (assim como Aráo), mas introduz um elemento inteiramente novo: Cristo era Sacerdote de uma ordem diferente [como Melquisedeque, rei de Salém e sacerdote do Altíssimo, cuja nomeaçáo e autoridade provavelmente náo foram conferidas por outro homem, mas por Deus (cf. Gn 14.18; Hb 7.1,10-17)]. A ênfase, então, é tão-somente sobre a ideia da designação. Em Hebreus 5.6, a palavra sacerdote, hiereus (Í£Q£Uç), foi usada em lugar de sumo sacerdote, archiereus (àçxi£Q£úç), pois não havia sacerdotes subordinados a Melquisedeque. * Em hebraico, eram usadas duas palavras significando ordem. A que foi usada no Salmo 110.4 [para designar o sacerdócio segundo a ordem de Melquisedeque] difere da que era empregada para designar o sacerdócio segundo a ordem levítica, conforme a Lei de Moisés. [Em grego] A palavra taxin (xaCiv) foi usada na tradução de ambas as pala vras [hebraicas para ordem]. Ela aparece em Lucas 1.8 e muitos outros textos neotestamentários. Mas essa palavra grega, taxin, também significa qualidade, espécie, hierarquia ou posiçáo; e estes significados sáo os que melhor expressam a verdade sobre a ordem de Melquisedeque, sumo sacerdote que não teve predecessor nem sucessor. O autor da Epístola citou todo o versículo [do Salmo 110.4], em parte para uma melhor compreensão dele, mas, principalmente, por ser um princípio pedagógico deste escritor mencionar sucintamente, de ante mão, o assunto que tenciona tratar de maneira extensa. Por isso, a frase Tu és sacerdotepara sempre é usada três vezes (Hb 5.6,10; 6.20) antes de ser discutida no capítulo 7, onde é usada mais duas (Hb 7.17,21). As seguintes características a respeito de Melquisedeque ilustram o caráter de Cristo como o verdadeiro Sacerdote daquela ordem [divina]: 1. Melquisedeque era sacerdote por seu próprio direito, e não em virtude de suas relaçóes com os outros; 2. Era sacerdote para sempre, sem substituto nem sucessor; 3. Ele não foi ungido com óleo, mas com o Espírito Santo, como sacerdote do Altíssimo;
4. Não ofereceu sacrifícios de animais, mas pão e vinho, símbolos da Ceia que Cristo depois instituiu; 5. E (talvez o principal pensamento na mente do escritor da Epístola) ele uniu em si as funções sacerdotais e reais, coisa estritamente proibida em Israel, mas a ser manifesta em Cristo, Sacerdote no Seu trono (Zc 6.13). Foi na véspera do sacrifício na cruz que nosso Senhor solenemente assumiu a função sacerdotal; primeiro, pela instituição da Santa Ceia, o sacrifício memorial do cristianismo; e segundo, pelo que se costuma chamar Oração sumo sacerdotal— sendo a lavagem simbólica dos pés interposta em uma relação que afeta ambas. A instituição sacramental [da Santa Ceia] está permeada de idéias sacrifíciais: exibe o verdadeiro Cordeiro pascal, cujo sangue é, ao mesmo tempo, derramado pela remissão dos pecados, em virtude de ama nova aliança ratificada com sangue [de Jesus] para a propiciaçáo [do homem] pelo benefício [advindo] da morte [do Cordeiro de Deus], que é celebrado em uma contínua festa de ofertas pacíficas. A Oração sumo sacerdotal foi a autoconsagração de Jesus para a submissão final às dores inerentes à expiação [do pecado do homem]. Todos os cargos messiânicos são santificados nessa oração suprema: o profético — Dei4hes a tua palavra (v. 14a); o real — Assim como lhe destepoder sobre toda carne (v. 2a); o sacerdotal — Epor eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade (cp. Jo 17.19). Mas trata-se, preeminentemente, da oração de consagração do Sumo Sacerdote; a assunção formal, na cruz, Seu altar, Sua obra expiatória. (P ope , Compendium ofchristian theology, 2, 217,218)
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4. O qual, nos dias da sua carne (Hb 5.7a a r c ) O autor da Epístola, tendo abundantemente demonstrado que Jesus é Sumo Sacerdote por designação divina, passa agora à segunda característica essencial do sacerdócio: a da solidariedade humana
mediante a posse dessa natureza. Verificar-se-á, neste contexto, que Cristo cumpre esta qualificação tão perfeitamente como a primeira, tendo aprendido, pela experiência real do sofrimento, a solidarizar-se perfeitamente com a fraqueza do homem. Como é comum ao escritor de Hebreus, o assunto é introduzido casualmente pelo pronome o qual, hos (ôç), que se refere a Cristo, no versículo 5. [Na a r a , o pronome o qual foi substituído por Ele, seguido do aposto Jesus, a fim de reiterar quem é o sujeito da oração: Ele, Jesus, nos dias da sua carne.] * A expressão nos dias da sua carne refere-se a todo o período da vida terrena de Cristo, incluindo também a Sua morte. A palavra sarx (oáçQ assinala a distinção entre a criatura e o Deus invisível. Refere-se não tanto aos elementos essenciais da humanidade quanto às condi ções da vida presente. É um termo que se remete à natureza humana em sua fragilidade e seu sofrimento. Paulo usou o termo sarx (Q para aludir à natureza humana pecaminosa ou tal qual passou a existir após a Queda. Contudo, visto que o escritor, em Hebreus 4.15, declara que Jesus era sem pecado, devemos excluir todo vestígio de pecado em Sua natureza, atribuindo-se somente as fraquezas isentas de pecado da natureza humana, tais como as dores e aflições da vida. No quadro todo da existência da humanidade, com suas fragilidades e seus sofrimentos, Cristo cabe perfeitamente, com esta única exceção: era sem pecado.
5. Tendo oferecido, comforte clamor e lágrimas, orações e súplicas (Hb 5.7b a r a ) Parece haver um paralelo com a afirmação anterior do autor da Epístola de que o sacerdote deve oferecer dons e sacrifícios [Hb 5.1], reforçado pelas palavras com forte clamor e lágrimas. Dissemos que com o dom , doron (b&QOv), honramos a Deus, e com sacrificio, thusia (0uaía), somos libertos do perigo que só Deus pode evitar. No caso do pecador, este perigo surge do pecado, que
deve ser perdoado; no caso de Cristo, origina-se do fardo esmagador das iniquidades da humanidade, em meio às quais só Deus poderia sustentá-lo e preservá-lo até a consumação de Sua missão. Parece haver na mente do escritor de Hebreus também um paralelo entre o sacer dócio levítico e o da ordem de Melquisedeque. O sacerdote levítico era um representante pecaminoso de um povo no pecado, que necessitava de purificação. Por isso, tinha de sa crificar por si mesmo antes de oferecer sacrifício pelo povo. Cristo era sem pecado, mas, na agonia de Sua súplica, Ele suou, por assim dizer, grandes gotas de sangue; o início do derramamento daquele sangue que depois verteu de Sua fronte coroada de espinhos, das mãos e dos pés pregados na cruz e da lança que atravessou o Seu lado. Este san gue derramado no Calvário é que é a propiciação pelos nossospecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo (1 Jo 2.2). Quem poderia compreender a profundeza infinita das palavras: Àquele que não conheceu pecado, o f i z pecado por nós; para que, nele, fossemos feitos justiça de Deus (2 Co 5.21)? A palavra comum para oração é proseche (rcçoaexn). e a que significa simples petição ou pedido é aitema (aÍTT|fia). A que é usada aqui, no versículo 7, porém, é deeseis (òerjcraç), que significa rogos ou pedidos humildes e piedosos, sendo, por isso, às vezes traduzida como súplicas (Fp 4.6). A palavra usualmente traduzida como súplicas é hiketerias (ÍK£TT]QÍaç) e, em geral, é tida como mais formal. É o termo usado quando se enviam embaixadores com insígnias externas de instância. Com substantivo, denota o costume de um suplicante atar um ramo de oliva a um pedaço de lã e exibi-lo como sinal de seu caráter ou missão. Trata-se, portanto, de uma súplica humilde e modesta, traduzindo-se, às vezes, como instância [rogo insistente]. A palavra traduzida como clamor é krauges (K Q airy í]ç ); a traduzida como forte é ischuras (laxuQaç), que significa forte, poderoso, veemente; e a traduzida como lágrimas é dakruon ( ò c i k q ú c o v ) . Estas expressões devem, sem dúvida, referir-se a alguma ocasião particular,
ea nossa mente naturalmente se volta para o jardim do Gecsêmani— local emque, segundo o relato dos evangelistas, o Senhor sofreu grande agonia. Mateus conta que as palavras do Mestre foram: A minha alma está cheia de tristeza até à morte (Mt 26.38b). Marcos revela que Ele começou a terpavor e a angustiar-se (Mc 14.33b), enquanto Lucas enfa tiza que, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tomou-se emgrandes gotas de sangue que corriam até ao chão (Lc 22.44). Julgam alguns que as palavras krauge ischura (K Q a u y r) ia^u çá) , forte clamor [em Hebreus 5.7], referem-se à crucificação, quando Jesus exclamou: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?(Mt 27.46c), bem como aos instantes quando, pouco antes de morrer, clamou em alta voz: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23.46b). E a despeito de essas cenas nos últimos momentos de Jesus se adaptarem bem às descrições feitas em Hebreus 5.7, náo há razão para eliminar a hipóstese de que o autor da Epístola náo tivesse em mente também outros momentos de dor e sofrimento na vida terrena de Jesus, referindo-se a todas essas ocasiões ao afirmar que Ele ofereceu, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas. Ao usar essas palavras enfáticas, o propósito supremo do escritor de Hebreus era descrever a agonia de Jesus em sua intensidade máxima. É uma descrição dele no abismo mais profundo da humilhação. As lágrimas brotam espontâneas, à medida que lemos acerca de Suas instâncias e Seus rogos, Suas súplicas humildes e reiteradas, os altos clamores, as lágrimas que acompanharam a agonia de Sua alma e o suor que brotava de todos os poros, caindo ao chão como grandes gotas de sangue. Especialmente no Getsêmani, o véu se levanta um pouco e começamos a ver o Seu ser santo recuar pelo puro temor da maldição. Jesus via a morte como castigo. Dentro de poucas horas, haveria de enfrentar a cruz, e não lera Ele nas Escrituras: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro? (G1 3.13; cp. Dt 21.23). Todavia, Ele deveria ser pregado no madeiro e, assim, tornar-se maldito em nosso lugar, para redimir-nos da maldição da Lei e para que recebêssemos pela fé, o Espírito prometido (G1 3.14 a r a ).
Jesus era peculiarmente sensível ao sofrimento, e Sua própria pureza, em um mundo como o nosso, expunha-o a angústias às quais somos alheios. E tudo o que lemos nas Escrituras, em consonância com isto, leva-nos a supor que as cenas finais da vida dele foram acompanhadas por sofrimentos jamais experimentados por alguém neste mundo. Quem não pressente o fato de que, se cenas como a do Getsêr mani não tivessem sido registradas, seriamos inclinados a supor que, de alguma maneira, a divindade de Jesus o teria impedido de sentir toda agonia do Seu fardo? E não se teria, então, perdido para nós o Seu exemplo de sofrimento paciente? Além disso, havia outra peculiaridade nos sofrimentos de Cris to: Ele conhecia de antemão cada passo do caminho áspero que havia de palmilhar. Os sofrimentos que se desenvolvem gradualmente ja mais podem exercer a mesma influência sobre o espírito que os que são previstos desde o princípio. “Devemos admirar-nos, então”, disse Lidsay, “que os sofrimentos previstos de Jesus tenham enchido a Sua alma de tão grande agonia?” Náo se pode duvidar que, quanto mais Jesus se aproximava do Calvário, mais agudo se tornava o Seu sofri mento, até que a ministraçáo angélica trouxe-lhe a quietude de alma com que Ele se aproximou da cruz. O escritor de Hebreus propôs-se a provar a segunda caracterís tica essencial do sacerdócio de Cristo nele cumprido: Ele foi tomado dentre os homens, nutrindo a mais profunda solidariedade para com aqueles que deveria representar. Aqui se demonstra que Ele sofreu o peso dos pecados de toda a humanidade e, ao fazê-lo, sofreu como nenhum outro, manteve-se íntegro em Seu ofício.
6. A quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade (Hb 5.7c a r a ) Tendo falado da intensa agonia de Jesus, que envolvia súplicas com forte clamor e as lágrimas de um coração dilacerado pela angústia, o autor da Epístola refere-se à natureza das súplicas e à resposta que Jesus recebeu.
Pelo que Cristo orou? Qual foi a resposta? Ha várias conjec turas quanto a isso por parte dos comentadores bíblicos. As diferen ças residem na interpretação das duas expressões principais: a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade. Concernente à primeira, na expressão ek tbanatou ( e k 0 a v a T O u ) , da morte, a preposição ek, de, indica separação, egresso ou estar fora de, sendo usada aqui em lugar de apo (ànò), que também significa de, mas indicando origem ou procedência. Destacam-se, assim, dois significados diferentes para ek thanatou: (1) ser salvo da morte? de modo a escaparlhe ou ser isento dela; ou (2) trazer da morte para uma nova vida. [Neste segundo caso, a súplica de Jesus não era para ser livre da morte (no sentido de não morrer); era para escapar dela pela ressurreição.] A segunda sentença principal é apo tes eulabeias {à n ò t t ] ç £UÀa(3eíaç). [Traduzida como quanto ao que temia, na a r c , e como por causa de sua piedade, na a r a ] . [Isso porque] A palavra eulabeias (euÀapeíaç) tem dois significados: (1) pode denotar temor piedoso ou reverência; (2) pode significar medo, temor ou terror ante a calamidade iminente. E usada em ambas as acepções no grego clássico e também em diferentes traduções da Bíblia. O primeiro significado, temor piedoso, foi adotado na Vulgata, bem como pelos escritores gregos em geral e na maior parte das versões inglesas, incluindo as notas marginais da Authorized Version. De um modo geral, é preferível à segunda ideia, de temor ou terror. Esse sentido, por influência de Calvino e de Beza, foi usado no texto da Bíblia em genovês, na Bíblia dos Bispos, e na. Authorized Version, de 1611. A tradução de eulabeias como temor [godlyfear) consta tanto na American Revised Version (1881) como na Revised Standard Version. E evidente que qualquer interpretação desse texto há de levar em consideração os vários significados das duas expressões participiais: quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade ( a r a ) , ou quanto ao que temia ( a r c ) . Eis a seguir algumas das tentativas de solução dos problemas implicados no texto:
1— A primeira interpretação depende do uso de ek, traduzido como de (da morte), e eulabeias (eúÀapeúxç), como piedade. A oração de Jesus, portanto, náo era para ser isento da morte física, mas para ser liberto dela pela ressurreição. A oração foi respondida, pois, ao terceiro dia, Ele ressuscitou e surgiu a clamar: Eis que estou vivo pelos séculos dos séculos (Ap 1.18). Esta é a solução apresentada no Commentary de Ellicott em que lemos: “A oração, estamos convencidos, não era para que a morte fosse afastada, mas para que houvesse libertação em meio à morte. A oração foi respon dida: a morte foi o início da Sua gjória” (Hb 2.9). 2— A segunda interpretação, que difere muito da precedente, é a de Lowrie (em A n explanation ofthe Epistle to the Hebrews, p. 155-157). Ele acha que a frase a quem opodia livrar da morte acrescenta noções importantes ao texto. Não lemos que Cristo orou pedindo libertação da morte física, mas que orou Àquele que o podia livrar da morte, mas com a consciência de que não o livraria, pois foi criado para o sofrimento da morte (Hb 2 .9 ). Assim, o termo a seguir, eulabeias (eúÀ a(3E Íaç), teria sido usado no sentido de temor ou terror. O autor da Epístola já falara de Cristo como sendo um que, como nós, em tudo fo i tentado, mas sem pecado (Hb 4.15b). Estaria descrevendo-o agora [em Hb 5.7] submetido àquela tentação que se tornara o temor contínuo dos que viera salvar (Hb 2.14-15). Cristo se permitira ser oprimido pelo temor da morte, como os outros homens, solidarizando-se com as fraquezas deles ao participar da natureza humana. A razão pela qual Ele recuou [apelando a quem o po dia livrar da morte] só pode ser explicada pela suposição de que Ele viu na morte a pena da maldição e o confronto com todas as forças do pecado e até com o próprio inferno. A segunda parte da cláusula participial nos diz não apenas que Ele foi ouvido, mas também como a Sua oração foi respondida:
E tendo sido ouvidopor causa da suapiedade (Hb 5.7 a r a ) ou quanto ao que temia (a r c ) . A resposta, então, foi a libertação daquele temor que o oprimira. Um anjo veio e fortaleceu Jesus. A partir de então, Ele enfrentou os embates finais de Sua vida terrena com per feita serenidade; até mesmo a cruz. Tendo Cristo triunfado sobre a morte, ela deixou de ser motivo de temor para o povo de Deus. 3— A terceira interpretação diz que Jesus orou apenas com um se [sabendo que poderia ou náo ser livre da morte], de sorte que o objetivo real de Sua oração era o cumprimento da vontade de Deus. Esta tese considera eulabeias (eúAa|3£Íaç) como temor reverente ou piedoso, e não o temor da morte, mas o de Deus, que recua ante a transgressão da vontade de Deus. A verdadeira oração de Jesus, portanto, foi: “Seja feita a Tua vontade” — oração que foi plenamente respondida em Sua vida. 4— A quarta interpretação foi sugerida por Westcott. Ele observou que a oração de Cristo foi pela vitória sobre a morte como fruto do pecado e que o atendimento da oração, que ensina obediência, não é tanto a concessão de pedidos específicos; é a certeza de que o que é concedido conduz, da maneira mais eficaz, ao objetivo. Cristo assim aprendeu que cada detalhe de Sua vida e paixão contribuía para a obra que veio cumprir e, portanto, Ele foi perfeitamente atendido. Neste sentido é que Jesus foi ouvido em Sua oração piedosa ( W e s t c o t t , Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 128,129).
7. Embora sendo Filho (Hb 5.8a a r a ) Existe necessariamente uma íntima conexão entre este e o ver sículo precedente. O Filho é mencionado aqui não apenas para defen der Sua dignidade e glória, mas também para enaltecê-las. Mesmo a .palavra Filho sendo em geral usada quanto ao Cristo encarnado, aqui se refere ao Filho eterno, isto é, ao Filho como segunda pessoa na
Trindade santa. Isso, porém, está sempre ligado ao uso da palavra Filho em conexáo com a encarnação. O autor da Epístola, tendo anteriormente declarado que o Filho é o resplendor da glória [do Pai] e a expressão exata do seu Ser (Hb 1.3 a r a ) , descreve-o agora como humilde suplicante, achegando-se ao Pai com forte clamor e lágrimas. Esse período de humilhação não diminuiu a glória do Filho, pois se constata que esses sofrimentos são vicários e propiciatórios e encontram sua perfeição na morte de Jesus na cruz. A obra redentora de Cristo é mais uma nova glória, posto que, sendo Ele Filho de Deus, foi obediente ao Pai até a morte: Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. Filipenses 2.8-11
8. Aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu (Hb 5.8b a r a ) Essas palavras, no grego, são uma aliteração: emathen aph hon epathen (èfiaGev áty á>v ènaQ ev), isto é, Ele aprendeu pelo que sofreu. A ênfase, no entanto, deve ser colocada sobre o último termo, ephaten, sofreu. Não é dito aqui que o Filho aprendeu a obedecer, pois sempre foi obediente; tampouco que lhe foi imposta uma lição de obediência por meio do sofrimento, pois a respeito dele está escrito: Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu (SI 40.8a; Hb 10.7). Observa-se também que foi usado o artigo definido a com a palavra obediência, ten hupakoen ( t t ] v Ú7iaKor|v), que lhe dá o sentido de uma obediência especial ou completa, em contraste com a obediência comum. [Já em Embora sendo Filho] O artigo definido é omitido antes
da palavra Filho. O texto poderia ser traduzido como: “Embora fosse (o) Filho, aprendeu obediência”. Lindsay comentou sobre o verdadeiro significado do texto: j - ---------
Ele [Jesus] adquiriu experiência real do que significa obedecer em circunstâncias de angústia esmagadora. Uma grande obra lhe foi confiada; surgiam dificuldades umas após outras no Seu cami nho. Sofrimentos inauditos se acumularam sobre Ele ao aproximar-se o fim. Então, a alma encheu-se-lhe de agonia, porém, nem por um momento Ele hesitou na obediência a Deus. Com perfeita resignação, enfrentou a hora e o poder das trevas e, assim, a Sua obediência foi cabalmente provada. Por dolorosa experiência aprendeu Ele o que é obedecer. Que amargor, que provação, quando o sofrimento e a morte colocam-se no caminho do dever! (L ind say , Lectures on the Epistle to the Hebrews, p. 219)
Podemos dizer, então, que aprender obediência é experimentar toda a extensão e profundidade daquele sofrimento que Ele, como Salvador, exigiu de si mesmo e a que se submeteu, a fim de assegurar a plena redenção da humanidade.
9. E, tendo sido aperfeiçoado, tomou-se o Autor da salvação eternapara todos os que lhe obedecem (Hb 5 . 9 a a r a ) Esta é a segunda vez que o autor da Epístola usa a expressão aperfeiçoado em relação a por aquilo que padeceu (Hb 5.8 a r c ) o m pelas coisas que sofreu ( a r a ) . Em Hebreus 2.10, a palavra é teleiosai ( teàeiojctoci) , que está no aoristo ativo e com respeito ao Pai, de quem lemos que aperfeiçoou, por meio de sofrimentos, o Autor da salvação deles (Hb 2.10 a r a ) . Em Hebreus 5.9, porém, a palavra é teleiotheis (xEÀeicóSelç), que, usada passivamente a respeito de Cristo, indica o efeito destes sofrimentos sobre Ele.
Além disso, em Hebreus 2.10, a declaração é feita tendo como base a tipificação de Cristo por meio de Moisés; é uma referência à obra apostólica de Cristo, que se identifica com o Seu povo e vai adiante dele como um grande Líder, para levar muitos filhos à glória. Em Hebreus 5.9, a tipificação de Cristo é por meio de Arão. Assim, Cristo, como Sumo Sacerdote, oferece-se como propiciação pelos pecados do povo. A frase tendo sido aperfeiçoado não pode referir-se ao aperfeiçoa mento do caráter moral de Cristo, pois isto seria contraditório a tudo o que anteriormente se descreveu a Seu respeito. Tampouco pode referir-se ao relacionamento do Filho com o Pai, visto que esta comunhão era inerente e eternamente perfeita. Se o Filho tivesse permanecido como era na glória original do Pai, jamais teria se tomado o Autor da salvação, e náo poderia conduzir muitos filhos à glória. Foi o amor ao Pai que constrangeu o Filho a tornar-se homem, pois essa era a vontade do Pai (Jo 14.31). E Cristo, por amor de nós, tendo também assumido a nossa natureza e experimentado nossas condições de vida, o caminho da glória para Ele, assim como para nós, era mediante os sofrimentos da morte e da ressurreição. A perfeição do Deus-Homem deve ser considerada sob os aspectos natural e sobrenatural.
1— Sob o aspecto natural ou humano, convinha que C fosse aperfeiçoado, não com relação à moral, mas no sentido de estar inteiramente qualificado para Seu ofício. Era-lhe necessário, como Fi lho do Homem, oferecer a Deus o sacrifício exigido de uma humani dade perfeita. Que se compreenda claramente isto: o Salvador, como DeusHomem, recuperou para nós, pelas Suas perfeições positivas e pela excelência pessoal, tudo o que o primeiro Adão perdera na Queda e mais. Durante todos os Seus dias na terra, Ele enfrentou, dia a dia, as correntes adversas de um mundo pecaminoso, sofreu com elas e, por Sua obediência ativa ao Pai, sobre elas triunfou.
Jamais Cristo se apartou da vontade de Deus, mas foi obe diente até a morte, e morte de cruz. Suá luta foi mais severa quando enfrentou a morte, porém, por meio da morte, Ele venceu aquele que tinha o poder sobre ela e se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus (Hb 9.14b). Essa obediência total à vontade de Deus e a submissão perfeita ao castigo da morte por parte daquele que não conheceu pecado tornaram a oferta vicária dele a base da expiação de todo pecado da humanidade. * Sendo voluntária essa oferta perfeita, recebeu Cristo, como re compensa do Seu grande feito, autoridade para administrar a salvação que adquirira com Seu próprio sangue derramado. E, com Sua obediência, mediante o sofrimento, mostrou aquela solidariedade necessária para com preender e rogar pelas necessidades daqueles que cressem que Ele os salvou pelo Seu sacrificio vicário. Essas três coisas: a natureza humana aperfeiçoada (como sacri fício vicário), a autoridade (conferida a Cristo para administrar esta salvaçáo como recompensa pela Sua oferta voluntária e perfeita) e a solidariedade (Sua capacidade para compreender, pela experiência humana real, aqueles a quem haveria de salvar) tinham de ser adqui ridas pelo Homem-Deus, pois não lhe pertenciam apenas como Filho de Deus eterno. Neste ponto, reside o intenso significado da natureza humana aperfeiçoada de Cristo como fundamento de Sua obra intercessória e sacerdotal. 2— Sob o ponto de vista sobrenatural ou divino, as p vras tendo sido aperfeiçoado (Hb 5.9a a r a ) indicam um estado ou condição que transcende aquela que existia nos dias da sua carne (Hb 5.7). Durante a Sua vida terrena, Cristo foi participante da natureza humana e, embora Ele próprio fosse sem pecado, lemos que foi feito em semelhança da carne do pecado (Rm 8.3). [Ou seja, Ele era de fato humano e podia pecar, como qualquer ser humano, mas náo pecou.]
A natureza humana que Cristo assumiu [antes do Seu sofrimento] ainda náo havia sido levada à perfeição para a qual fora divinamente criada. Assim, Ele próprio, igualmente, não chegara ao fim designado para o qual viera ao mundo. A perfeição última [como homem completo] adveio somente quando Cristo ressuscitou dentre os mortos, assumiu um corpo glorificado, ascendeu ao santuário celeste e assentou-se à destra de Deus. Então, Ele se tornou as primícias da humanidade, sendo aperfeiçoado, exaltado e glorificado. Em Cristo, a nossa natureza humana libertou-se da maldição; nele foi exaltada até o trono de Deus. Tendo a natureza humana sido aperfei çoada no Homem-Deus, este se tomou o Autor da salvação eterna. E, de Sua posição exaltada no trono de Deus, Cristo comunica esta vida celestial a nós e, sacerdotalmente, assegura obediência ao Seu povo; a obediência pela fé. Essa nova humanidade em Cristo foi chamada por Paulo de o novo homem, sendo ela o penhor da nova humanidade redimida, como o velho homem é o penhor da raça pecaminosa e depravada. Do Deus-Homem procedem duas correntes nesta grande obra redentora: a nova e redimida humanidade e o espírito que nele habita sem medida. Estas se combinam na nova vida que Cristo comunica aos que lhe obedecem. Mas esta vida só pode chegar à plenitude quando a velha vida do eu é crucificada, para que Cristo possa ser tudo em todos (1 Co 12.6). Por isso, somos exortados a despojar-nos do velho homem e a revestir-nos do novo homem, que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade (Ef 4.24). A SALVAÇÃO ETERNA
Ey tendo sido aperfeiçoado, tomou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem. Hebreus 5.9 ara A expressão salvação eterna é usada pelo autor da Epístola para denotar o quarto aspecto da salvação completa sob as provisões da
nova aliança. Esta salvação em Cristo é chamada eterna para assinalar o contraste dela com a obra sacerdotal de Aráo, que devia fazer expiação pelo pecado [dele e do povo] todos os anos. Os antigos sacrifícios judaicos não podiam remover a contami nação moral, tirar o pecado [apenas cobri-lo]; portanto, não podiam assegurar a salvação eterna. Mas a oferta de Cristo foi de validade eterna, proporcionando perdão para todo pecado e uma libertação eterna para os que andam em obediência à verdade divina. 1.
Tornou-se o Autor da salvação eterna (Hb 5.9b a r a )
O Sumo Sacerdote aperfeiçoado tomou-se o Autor da salvação, realizando, assim, em virtude de ter sido aperfeiçoado, aquilo que, sem essa perfeição, jamais poderia ter realizado. Novamente aqui, as palavras do texto sagrado assumem grande significado. Tomou-se, egeneto (èyévçTo), e náo se toma, pois, do lado divino, a obra propiciatória de Cristo fora cabalmente completada, razão pela qual a ela nos referimos como expiaçáo concluída. A palavra aitios (aíxioç) não ocorre em outra parte do Novo Tes tamento. O vocábulo traduzido como autor (Hb 12.2) é idêntico ao que é traduzido como capitão em Hb 2.10 em algumas versões, não sen do o mesmo que se usa aqui. Como Autor da nossa salvação, Cristo é, no mais pleno sentido, o nosso Salvador, porque a proporcionou por Sua oferta propiciatória e a administra por intermédio do Espírito Santo. A palavra aioniou (aitovíou) torna-se enfática nesta sentença, e pasin (raxcriv), todos, inclui todos os que, sejam judeus, sejam gentios, foram salvos pela fé e, por isso, aderiram a uma vida de obediência a Cristo.
2. Para todos os que lhe obedecem (Hb 5.9c a r a ) Tendo em vista que a nossa salvação é somente pela fé, não nos devemos deixar trair pelo erro de supor que a fé suplanta a obediência a Deus. Esta é, antes, a prova daquela. Aliás, o que náo conduz à obe diência não é fé, mas presunção.
O verbo hupakouousin ( ú r a x K o u c r i v ) , obedecem, é usado em Hebreus 5.9 no sentido de obediência da fé, como Jesus assinala em João 6.29: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que ele enviou. A salvação é fruto da graça de Deus. Há os estágios preliminares operados pelo Espírito Santo no despertamento, na convicção e no arre pendimento do pecador (Jo 16.8-11), mas estes devem ser considerados como condições da fé. A graça opera tão-somente sobre o plano do desam paro humano. O homem tem de despir-se de toda justiça própria antes que possa receber a justiça que pertence à fé; deve despojar-se de toda confiança própria antes de poder confiar exclusivamente em Cristo. Posto que esses estágios preliminares de rendição a Deus possam, em certo sentido, ser chamados obediência, não são a obediência de um cristão. Unicamente a conversão, o novo nascimento, é que caracteriza o início da vida cristã e, portanto, da verdadeira obediência. Devemos ter em mente também que o autor da Epístola se dirigia a cristãos judeus que se haviam convertido, mas ainda não se tinham apossado de tudo aquilo que a nova aliança proporciona. Ao falar sobre Cristo como tendo sido aperfeiçoado, parece ser o objetivo do autor de Hebreus preparar a mente de seus leitores para o imperativo seguinte: Prossigamos até a perfeição (Hb 6.1). A vida cristã plena não se inicia antes de ser resolvida a questão do pecado, pois os que são de Cristo sob as provisões da nova aliança não apenas se despojaram das obras da carne na conversão, mas igual mente crucificaram a própria carne como fonte de todas as paixões e desejos desordenados. N a conversão, o poder do pecado é dominado; na santificação completa do crente, o próprio pecado, com todas as suas contradições internas, é removido pelo sangue purificador de Jesus (G1 5.24; 1 Jo 1.7,9). Pecar ainda é possível após a conversão. Contudo, a natureza carnal não tem mais domínio sobre o novo homem, como tem sobre o velho homem, que tem a natureza adâmica. Assim, a luta contra o pecado continua. Como a obediência de Cristo a Deus levou-o à morte na cruz, a nossa obediência a Ele deve conduzir o nosso eu carnal à morte. Isto
é ser crucificado com Cristo. Nossa carne deve estar de tal modo pregada à cruz que façamos apenas a vontade de Cristo, nosso Senhor. Assim, nossos pés já não andarão pelos nossos próprios caminhos; nossa fronte haverá de curvar-se humilde à grandeza de Deus, negando as pretensões da lógica meramente humana; e o nosso coração será governado pelo Espírito, e nada procederá dele, senão vida e amor a Cristo e aos que perecem. Paulo usou outra ilustração relacionada à crucificação da carne: Porque, sefomosplantadosjuntamente com ele [Cristo] na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição ;(Rm 6.5). Ora, é evidente que a palavra ressurreição aqui náo se refere à ressurreição futura do corpo, assim como o fato de estarmos unidos a Cristo na Sua morte não se refere à morte do corpo físico. Significa a morte da mente ou do eu carnal e a ressurreição para a santidade. Como o Pai deu o Filho ao mundo para redimi-lo por meio do Seu sangue vertido na cruz, também Cristo deu a si mesmo à Igreja, para a santificação e purificação dela (Ef 5.26,27). E, como a fé em Cristo nos assegura a redenção operada na terra, assim a fé no dom prometido do Espírito Santo assegura-nos esta salvação aperfeiçoada no céu. Como uma é recebida pela fé, assim também a outra. A QUARTA ADVERTÊNCIA: CONTRA A INDIFERENÇA
A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de ex plicar, porquanto vos tendes tomado tardios em ouvir. Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são osprincípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tomastes como necessitados de leite e não de alimento sólido. Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. Mas o alimento sólido épara os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suasfaculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal. Hebreus 5.1 I a r a
Esta quarta advertência é uma humilhante censura ao fato de os cristãos judeus terem-se tornado tardios em ouvir. A palavra traduzi da como tardios é nothroi (vcoGqól), sendo a mesma que se traduz por indolentes em Hebreus 6.12 [ou negligente na arc] . O sentido geral da palavra é preguiçoso e ocorre apenas nessas duas passagens. Pode-se dizer que a palavra nothroi, na presente acepção, aplica-se apenas ao fato de a pessoa deixar de assimilar as verdades mais pro fundas e significativas do cristianismo, ao passo que em Hebreus 6.12 é uma advertência contra o deixar de agir em conformidade com as verdades conhecidas. No primeiro caso, concerne à compreensão apenas; no segundo, às atividades da vida. Esta distinção é importante. A ADVERTÊNCIA É D IR IG ID A A CRISTÃOS
Que os destinatários eram cristãos evidencia-se pelo fato de que tinham a faculdade de ouvir, embora enfraquecidos pela falta de aten ção; eram crianças e, portanto, capazes de crescimento. Podiam andar, mas não tinham feito progresso sensível. No versísulo 9, são chamados amados e elogiados por suporta rem grande aflição e aceitarem com alegria a espoliação de seus bens. Contudo, eles estavam sujeitos à tentação de retomar às exterioridades do judaísmo e necessitavam de firmeza para manter a fé. Em suma, não pode haver dúvida de que tinham vida espiritual, pois o escritor de Hebreus não exortaria pecadores à firmeza. Conveniente mente interpretadas, estas palavras são uma censura à negligência dos cristãos judeus. P O R QUE ERA NECESSÁRIA ESTA ADVERTÊNCIA?
O escritor acabara de falar de Cristo como Sumo Sacerdote e, ao fazê-lo, reforçara a expressão pelo uso do particípio aoristo — chamado por Deus (Hb 5.4), sumo sacerdote (Hb 5.5), sacerdote eterna mente segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 5.6).
Esta nova ordem [a de Melquisedeque], muito mais significativa do que a de Aráo, reflete a grandeza e a eternidade do sumo sacerdócio de Cristo. O significado desta grande verdade tinha passado desperce bido pelos cristãos judeus, que não compreendiam que a profundidade e o mistério residiam não em Melquisedeque, mas em Cristo, a quem Melquisedeque [como rei e sacerdote do Altíssimo] prenunciara. Essa ordem, conhecida desde o tempo de Abraão, teve o seu perfeito cumprimento em Cristo, o Autor da salvação eterna. A este respeito, o autor da Epístola aos Hebreus afirmou que havia muito a dizer. É isto que este assinala em Hebreus 5.11: A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tomado tardios em ouvir (a r a ). C
r ia n ç a s o u m e s t r e s ?
Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tem po decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tomastes como necessitados de leite e não de alimento sólido. Hebreus 5.12 a r a O autor da Epístola censura seus leitores pela indolência de espírito de que deviam envergonhar-se. E como se dissesse: “Olhem para si mesmos: embora sejam cristãos há muito tempo, espiritual mente ainda são apenas crianças, que precisam de leite e não podem ingerir alimento sólido; e mesmo esta dieta leve precisa ser administrada por outros!” Diversos vocábulos gregos são de interesse nesse texto. A palavra chronon (xpóvov), em mestres pelo tempo, significa tempo em extensão ou duração. Fossem judeus palestinos ou os da Dispersão, eles deveriam conhecer as Escrituras veterotestamentárias, que propor cionam as bases para a interpretação cristã.
O verbo gegonate (yeyóvaTe), traduzido como haveis feito fizestes ( a r c ) , indica que aqueles a quem era endereçada a Epístola já tinham estado atentos à verdade antes, mas negligenciaramna devidos à indolência mental. Também indica que aquele estado infantil era decorrente de deixarem de prosseguir até a plenitude da bênção de Cristo (Hb 6.1). A palvra logion (Àoyííov) significava a princípio meramente dizeres, a seguir, oráculos de Deus e, finalmente, revelação divina. A palavra stoicheia (crroixsía) significa elementos, rudimentos, e é aqui traduzida como elemetares (a r a ) e rudimentos (a r c ). Neste sentido, a palavra refere-se aos elementos mais simples de que uma coisa consiste; como o alfabeto é o princípio elementar da linguagem. Outro termo relevante é o que relaciona o ensino cristão ao Antigo Testamento: arches (áçxfjç), traduzido como princípios ( a r a ) . Os princípios do cristianismo se encontram no Antigo Testamento. O problema não é que os cristãos a quem a Epístola aos Hebreus foi endereçada não estivessem familiarizados com o simbolismo do Antigo Testamento. Eles náo tinham sido capazes ainda de interpretar esses símbolos como osprincípios elementares da doutrina de Cristo (Hb 6.1 ara ). Não tinham percebido que a insistência das Escrituras quanto ao arrependi mento e à fé eram os princípios da doutrina cristã do perdão real dos pecados e da justificação pela fé. Tais cristãos conheciam as doutimas básicas, como a do batismo e da imposição das mãos [o autor da Epístola lembra sobre isso em Hebreus 6.2], mas provavelmente eles não tinham compreendido que estas lavagens deviam cumprir-se na pureza cristã real, interior e exterior, e que a imposição das mãos indicava o elemento divino, a comunicação da vida e da pureza mediante o Espírito. Também fica evidente pelo texto em questão que o judaísmo dos dias de Cristo acreditava na ressurreição dos mortos, conforme é demonstrado pelos seus ensinos e pelos milagres de Cristo, nada sendo mais claro do que os judeus acreditarem também no juízo eterno. [Contudo, os cristãos judeus ainda precisavam aprofundar-se no significado real (a ra ) o u
por trás de cada um desses rudimentos do judaísmo e do cristianismo. Essa é a proposta do autor da Epístola aos seus leitores quando assinala que estes precisavam ser novamente ensinados sobre quais são osprincípios elementares dos oráculos de Deus.] I n e x p e r ie n t e s
na
P alavra
d a ju s t iç a
Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. * Hebreus 5.13 a r a O escritor de Hebreus usa a forma inversa para salientar o fàto de que aquele que náo progrediu mais espiritualmente, estando sua dieta espiritual ainda baseada no leite, é criança. Como tal, é apeiros (áneiQOç), inexperiente; só podendo falar de coisas de menino (1 Co 13.11). Eis o estado a que os cristãos judeus se tinham permitido ficar desde a conversão! Usando cada vez menos seus dons e suas habilidades espirituais, o desenvolvimento desses cristãos se embargara tanto, que se tornaram incapazes de distiguir entre o bem e o mal. Não estavam, portanto, preparados para as grandes verdades que o autor da Epístola queria apresentar-lhes. A expressão logou dikaiosunes (Àóyou òi>caiocrúvr]ç), palavra da justiça, tem sido fonte de várias interpretações. Lenski achava que o tem o justiça, na presente acepção, tem sentido adjetivo e, portanto, significa apenas que, como crianças, os judeus tinham progredido insufi cientemente para entrar em um estudo/wío ou próprio. A maioria dos comentadores, porém, julgou o termo justiça como um genitivo que se refere à justiça que Cristo comunica pela fé. Westcott adotou uma posição intermediária, pois considerou que a palavra justiça aqui não aludia a toda a doutrina cristã (2 Co 3.9), e sim ao fato de que Cristo é a Fonte da justiça e o Meio pelo qual os homens participam dela.
Ebrard deu grande ênfase ao tema e o aplicou aos cristãos judeus, alegando que a linha de pensamento [do autor da Epístola] é esta: “Vós ainda precisais de leite; o alimento forte não vos serve, pois quem quer que (como vós) não tenha assimilado nem mesmo a doutrina fundamental da justiça em Cristo (quem quer que ainda faça a sua salvação depender dos serviços e sacrifícios do templo) ainda precisa de leite, é ainda criança, detendo-se nos primeiros elementos do conhecimento de Cristo”. ã------A distinção entre o KOÀÓV e KíXKOV náo pertence, como alguns estranhamente supõem, ao alimento sólido, mas o hábito já adquirido de distinguir o verdadeiro do falso é, antes, o fruto imediato da correta com preensão da palavra dajustiça, e forma com esta a condição indispensável que deve ser satisfeita antes que se possa pensar em alimento sólido. Aquele que tomou o leite do evangelho, isto é, a doutrina funda mental da justificação [...], de sorte que pode espontaneamente e por percepção imediata (consequentemente sem exigir longas reflexões e raciocínio prévio) distinguir o certo do errado, o caminho em que o cristão deve andar dos atalhos judaicos, a verdade evangélica da justi ça farisaica da Lei, de modo a poder encontrar o caminho certo, por assim dizer, embora dormindo — aquele que tornou a digerir comple tamente estes elementos, não mais necessita ser instruído neles (o leite). Consequentemente, já não é VT]7UOÇ, mas TÉAelOÇ, e pode agora receber o alimento sólido, as doutrinas difíceis da simbologia mais elevada da Nova Aliança e da eterna natureza melquisedéquica do Sumo Sacerdote do Novo Testamento. (Ebrard, Biblical Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 194)
A l im e n t o s ó l id o para o s p e r fe it o s
Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suasfaculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal. Hebreus 5.14b ara
A palavra traduzida como adultos é teleion (xeÀeícov), perfeitos, vocábulo que aparece em Filipenses 3.15 como perfeitos. É possível que o autor da Epístola aos Hebreus tenha introduzido este termo a fim de preparar a mente dos leitores para a posterior discussão do termo perfeição no capítulo seguinte, onde ocorre o mesmo radical na primeira sentença: Deixemo-nos levar para o que é perfeito (Hb 6.1 a r a ). Podemos dizer, então, que o escritor de Hebreus não pretendia ministrar o “leite da Palavra” ao tratar com os cristãos judeus. Tampouco tendonou oferecer-lhes alimento sólido. Sua intenção era conduzi-los de um estágio de infância para o de teleion, isto é, perfeitos, aqui traduzido como adultos. Para esta caminhada à maturidade nas coisas espirituais, o tempo não séria essencial, como para o desenvolvimento natural, pois, como adiante demonstraremos, esta maturidade consiste na devoção sincera do crente, levado pela graça divina às plenas provisões da nova aliança em Cristo. A cláusula participial — aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal — evidentemente visa explicar a condição dos teleion, perfeitos. A palavra prática é hexin (â£iv), às vezes traduzida como hábito, mas náo necessariamente no sentido estreito da palavra. O termo provém da fraseologia aristotélica e significa uma dada condição natural ou habitus. Por isso, Lenski assim traduz o versículo: “Aqueles que, por sua condição, treinaram (ou exercitaram) os próprios sentidos para discriminar tanto o que é excelente como o que é mau”. Wesley afirmou que “hábito, aqui, significa força de compreensão espiritual, que provém da maturidade ou idade espiritual. Por causa deste hábito ou em conseqüência dele, [as pessoas] exercitam-se nestas coisas com facilidade, prontidão, alegria e proveito”. O verdadeiro significado do texto, pois, parece ser quase o oposto da impressão dada pela nossa tradução. O nível dos teleion (xfAeúüv), perfeitos, não é atingido por esforço humano, mas pela fé em Cristo. E a partir desta condição espiritual que os sentidos, aistheteria
(alCT0rjTr|Qia), ou órgãos dos sentidos, são exercitados espontânea e facilmente para discriminar entre o bem e o mal.
Essa interpretação é confirmada por João, que escreveu: A unção que dele recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine (1 Jo 2.27a). Em outras palavras, a presença do Espírito primeiro fornece a pedra de toque para o discernimento da verdade t a seguir serve de guia a toda a verdade. Os teleion, portanto, são os que se acham cheios do Espírito, e desta condição espiritual interior procedem tanto o discernimento como o progresso cristão.
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P e r f e iç ã o
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hegamos ao quarto termo que o autor usa para caracterizar a experiência espiritual que se consegue sob a dispensação da Nova Aliança. E o que se conhece comumente como perfeição cristã. Junto a ela, temos a advertência contra a negligência. O autor de Hebreus [no fim do capítulo 5 e, agora no capítulo 6] reprova os cristãos a que se destinavam a Epístola por sua falta de progresso espiritual. O fato de muitos terem sido iluminados, enfrentarem grande luta esofrimentos e serem expostos como em espetáculo (Hb 10.32-33) é prova sufi ciente de sua conversão, mas alguns não tinham ainda alcançado a perfeição cristã. Eram ainda crianças, alimentando-se do leite da Palavra, não tendo chegado à plena estatura da maturidade cristã (Ef 4.13). Em certo sentido, tinham perdido o entusiasmo pelos primeiros princípios dos oráculos de Deus, o que se pode entender como inaptidão para interpretar corretamente o significado simbólico dò judaísmo. Estes cristãos escavam, pois, em meio ao perigo de retomar às exterioridades, em vez de avançar até os padrões espirituais da Nova Aliança em Cristo. O s p r in c íp io s d a d o u t r i n a d e C r i s t o
O escritor de Hebreus, tendo exortado os leitores a não aban donar os princípios elementares da doutrina (Àóyov), a palavra de Cristo, e a prosseguir até a perfeição, faz primeiro uma pausa paraj
enumerar os princípios sobre os quais se fundamenta esta perfeição: Não lançando de novo ofundamento do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus, e da doutrina dos batismos, e da imposição das mãos, e da ressurreição dos mortos, e do juízo eterno (Hb 6.1b,2). Estes princípios se resumem em três títulos principais, represen tados por três importantes termos gregos: (1) metanoias (|a£xavoíaç), arrependimento; (2) pisteos (nícrrecoç), fé; e (3) didaches (óiôaxrjç), doutrina ou ensinos. Essas palavras estão todas no genitivo e, subordi nados à última, estão classificados quatro outros genitivos: do ensino de batismos, da imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno. Observa-se que são os ensinos associados a tais símbolos, como o batismo e a imposição das mãos, que lhes dão valor, ao passo que a res surreição e o juízo, sendo futuros, são as coisas em que a Igreja encontra sua consumação e, portanto, são o objeto da esperança do cristão. O autor das Epístola, ao enumerar estes princípios, dispôe-nos em três pares inter-relacionados: (1) arrependimento de obras mortas e da fé em Deus; (2) o ensino de batismos e da imposição das mãos; (3) os ensinos concernentes à ressurreição dos mortos e ao juízo eterno. O primeiro par — arrependimento &fé — pode ser considerado como puramente pessoal. Nenhum deles é mencionado sob o título de dou trina ou instrução. Arrependimento implica desviar-se do pecado, enquanto a fé em Deus traz o perdão ou a justificação. O arrependimento pode ser considerado condição da fé, pois a justificação é tão somente pela fé. A expressão obras mortas ocorre novamente em Hebreus 9.14, significando obras separadas do Deus vivo e, portanto, na esfera da morte. E evidente, contudo, que, em Hebreus 6.1,2, a alusão é aos judeus e às suas cerimônias inanimadas. Destas, os cristãos devem desviar-se pelo arrependimento, a fim de obterem salvação pela fé em Cristo. O segundo par — batismo (no plural, batismos) e imposição de mãos — refere-se à confissão pública de fé. Ambas as palavras são, portanto, de natureza eclesiástica. Acompanham a seqüência histórica, pois a salvação pelo arrependimento e fé deve ser publicamente confessada na Igreja. A imposição de mãos na era apostólica era o símbolo da concessão do Es pírito Santo, vindo depois a ser usada para a ordenação dos anciãos. Era,
no entanto, apenas um símbolo, pois o Espírito jamais foi comunicado de um indivíduo para outro. A imposição das mãos simplesmente assinalava o candidato como objeto pelo qual se faziam orações intensas. O terceiro par — a ressurreição dos mortos e o juizo eterno — é de natureza escatológica e refere-se às perspectivas futuras do crente na vida. A ressurreição assinala a continuação da vida individual do cris tão em uma ordem nova e eterna; ao passo que o juízo, que é eterno, marca a permanência dessa ordem. Sem o conhecimento dessas verdades fundanjentais, mal poderia alguém se chamar cristão. Elas são essenciais para um conhecimento de Deus, bem como para a experiência espiritual do indivíduo. Repare também que essas verdades abrangem toda vida cristã, desde a cena primeira do arrependimento e fé até a final, a da ressurreição e do juízo. Mais ainda, esses princípios fundamentais assinalam os dois estágios na obra redentora de Cristo. O arrependimento, o batismo e a ressurrei ção pertencem a Cristo sob o símbolo de Arão, o sacerdote da morte e da expiação; enquanto a fé traz salvação, a imposição das mãos, símbolo da recepção do Espírito Santo com os Seus dons e poderes e o Juízo, que é eterno e imutável, pertencem a Cristo sob o símbolo de Melquisedeque, o sacerdote da vida. Os primeiros foram realizados mediante o ministério terreno de Jesus, o Filho encarnado que foi o Dom do Pai ao mundo; as segundas foram realizadas por Cristo mediante o Espírito Santo e admi nistradas do trono nos céus. E para esta profunda verdade do sacerdócio de Cristo, segundo a ordem de Melquisedeque, e a vida do Espírito, que o autor chama a atenção dos leitores. A NATUREZA DA PERFEIÇÃO A SER ALCANÇADA
1. A perfeição cristã como padrão de experiência neotestamentária Por isso, pondo departe osprincípios elementares da doutrina de Cristo, deixemo-nos levar para o que é perfeito [...] E issofaremos, se Deus opermitir. Hebreus 6.1 a , 3 a r a ?
O assunto da perfeição cristã tem sido fonte de muita contro vérsia na Igreja. Portanto, um estudo crítico torna-se necessário. Com base nesta exposição, será apresentado depois o conceito teológico da doutrina e da experiência. Em Hebreus 6.1a, a palavra por isso, dio (Aío), traduzida como por isso, liga este versículo à exortação do capítulo anterior, que salienta a vergonha da falta de progresso espiritual entre os cristãos hebreus. A locução pondo de parte, aphentes (â(|)évxeç), é por alguns traduzida como tendo deixado. O vocábulo grego significa deixar ir, não no sentido de desfazer-se, mas de tomar como certo, partindo desse pressuposto para realizações mais altas. O verbo traduzido como prossigamos, na versão a r c , é melhor traduzido na a r a como deixemo-nos levar, pois o termo pherometa (cf>£QO)fi£0a) está na voz passiva, denotando o efeito. Deixar-se levar não exclui o uso ativo de meios. A ideia é a de um navio impulsionado a todo vapor pelo vento. Sobre o termo, Westcott comentou que se trata de “uma rendição pessoal a um poder ativo. O poder está operando; resta-nos apenas render-nos a ele”. Em deixemo-nos levarpara o que éperfeito, as palavras são muito enfáticas. Devem ser postas de lado a negligência e a indolência, e os cristãos devem deixar-se levar com toda a inclinação de suas mentes até o alvo. A palavra epi (ám) é interessante, pois significa ir até, isto é, até chegar ao alvo. E como se o escritor dissesse: “Agora, até a perfeição!” As palavras se Deus o permitir não podem ser interpretadas no sentido de sugerir que Deus proibisse um dever que Ele ordenou. An tes, o significado é com a ajuda de Deus, isto é, pelo Seu Espírito e por Suas providências orientadoras. Disse o Dr. Whedon: j ------Quando Hebreus 6.1 é traduzido como exortação para avançar até o caráter cristão aperfeiçoado, não se trata de erro de citação. Está na forma nominal do adjetivo grego traduzido como adultos em Hb 5.14.
j.-----
O original é muito enfático. Deixemo-nos levar até esta perfeição. Deus está sempre pronto, pelo poder do Seu Espírito, para levar-nos avante até todos os degraus da vida; fornece luz e amor necessários para preparar-nos para o valor eterno da glória. Pouca dificuldade pode haver para conseguir o alvo de nossa fé. A salvação de nossa alma de todo o pecado, se Deus nos levar até isso, é o que Ele há de realizar ao Seu próprio modo e sob Suas próprias tondiçóes. Muitos levantam violento clamor contra a doutrina da perfeição, isto é, contra ser purificado o coração de todo pecado nesta vida, enchendo-se de amor a Deus e aos homens, porque o julgam impossível. Será demais dizer que esses não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus? ---- r
2. A perfeição e seus termos escriturísticos Por isso, pondo de parte os princípios elementares da doutrina de Cristo, deixemo-nos levarpara o que éperfeito, não lançando, de novo, a base do arrependimento de obras mortas e dafé em Deus. Hebreus 6 . 1 a r a A palavra perfeição aqui usada é teleioteta (TEÀEÍOTrjTa) e ocorre apenas neste contexto e em Colossenses 3.14. O verbo teleioo (teAeióco) significa aperfeiçoar, no sentido de concluir ou completar, e aplica-se unicamente ao assunto que se discute. Por exemplo, se uma pessoa viaja para certa cidade e chega ao seu destino, diz-se que ela completou ou aperfeiçoou a sua viagem. Paulo usou o termo nesse sentido, mas com dois objetivos bem diferentes. Falando da perfeição da ressurreição, disse: Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição (Fp 3.12a a r a ). Aqui a palavra traduzida como perfeição é teteleiomai (x £ T £ À e íü J|_ ic u ). Uma vez que a per feição da ressurreição náo pode ser alcançada antes da própria ressurreição, é evidente que Paulo ainda não fora aperfeiçoado neste sentido.
Náo obstante, no versículo 15 do mesmo capítulo, ele falou de outra perfeição, usando a palavra teleioi ( t £ À £ io i ): Todos, pois, que somos perfeitos (Fp 3.15). Neste trecho, ele fala da maturidade cristã e daquela estabilidade de caráter e de propósito que o mantêm firme no seu desejo de alcançar a perfeição mais remota que se encontra somente na ressurreição dos redimidos. A palavra teleiois (-teAeloiç), perfeitos, é usada por Paulo no sentido análogo de maturidade: Todavia, falamos sabedoria entre os perfeitos (1 Co 2.6 a r c ) o u expomos sabedoria entre os experimenta dos (1 Co 2.6a a r a ) . A perfeição cristã, por conseguinte, significa a conquista do alvo da maturidade, segundo se reconhece na presente dispensação do Evangelho. No sentido espiritual, isto não envolve tanto o elemento tempo como posse da plenitude da Nova Aliança, oferecida mediante o sangue de Jesus e administrada pelo batismo do Espírito Santo. Assim, essa idade adulta não tem só um aspecto cronológico, mas também legal; realiza-se não apenas por crescimento, mas por pronunciamento divino. Existe outra palavra traduzida como perfeito, o que merece atenção antes de passarmos a uma análise do aspecto legal do termo. Esta palavra neotestamentária é katarisai ( K c r t a Q Í a a i) , do verbo kat-artizo (x/XT-agrí£
Verifica-se, entáo, que, enquanto teleioteta salienta o aspecto do caráter ou da perfeição do coração, a palavra katarisai deve ser con siderada sob o aspecto funcional ou coletivo. Contudo, existe íntima relação entre os dois termos, pois convém que os que se tornaram perfeitos de coração mediante o Espírito Santo de igual modo se unam perfeitamente à Igreja e aperfeiçoem-se em todo o bem, para cumprirem a sua vontade, operando o Espírito Santo neles o qtie ê agradável diante dele, por Jesus Cristo (Hb 13.21). $
3. O aspecto legal da perfeição cristã Por perfeição cristã, entendemos a idade adulta espiritual, aquela maturidade de experiência que o autor contrasta com a “infância em Cristo” (Hb 5.12-14). No reino natural, o crescimento e o desenvolvimento estão de tal modo associados com a maturidade, que o aspecto legal é, muitas vezes, ignorado. Como os católicos romanos confundiram as doutrinas da justificação e a da santificação, assim também os reformadores em geral confundiram as doutrinas da regeneração e a da santificação. A regeneração ou novo nascimento é a comunicação de vida à alma morta em delitos e pecados; a santificação é a purificação daquilo que impediria o desenvolvimento da nova vida na alma. O crescimento é um fator de vida espiritual, bem como natural. Quando, porém, pode-se dizer que uma pessoa que cresce atin giu a idade adulta? Para determinar quando alguém chegou, ou se supóe que ela tenha chegado à idade adulta, a Constituição de alguns países estabelece a maioridade aos 21 anos. Assim, entende-se que, antes disso, o indivíduo é menor, e outros é que respondem juridicamente por ele. Depois disso, diz-se que ele atingiu a maioridade e, aos olhos da Lei, tornou-se adulto, com plenos direitos e deveres de um cidadão, sendo responsável por si mesmo e por suas ações. A
maioridade neste sentido particular náo é questão de amadurecimento, mas de imposição legal. A perfeição cristã tem também o seu aspecto legal; é a parti cipação em uma aliança com Deus — aspecto que é apresentado por Paulo na Epístola aos Gálatas, onde ele fala do filho como herdeiro que ainda não se apossou da herança. Embora sendo filho, está sob tutores e curadores até o tempo designado pelo pai (G14.1-3). No sentido espiritual, o tempo designado pelo Pai para os que nasceram de novo é o momento do batismo com o Espírito Santo, pelo qual eles são investidos na plenitude da Nova Aliança. É, então, que atingem a sua maioridade ou idade adulta espiritual. Estando o coração deles purificado do pecado, agem agora unicamente por iniciativa do amor divino; e estando a Lei de Deus escrita em seu co ração, servem a Ele com suprema devoção. Andrew Murray, no Holiest ofall, disse que: A---A virilidade, o homem desenvolvido, maduro, perfeito, náo vem com os anos, como na natureza, mas consiste da integridade de coração com que o crente se entrega totalmente a Deus. E o coração perfeito que toma o homem perfeito. Os 20 anos necessários para que uma criança se torne adulta náo constituem regra no Reino de Deus. Existe, é certo, uma maturidade ou madureza mais sazonada que vem com a experiência dos anos. Mas mesmo um cristão jovem pode pertencer aos perfeitos de que fàla a Epístola, com o coração sedento pelas verdades mais profundas e espirituais que ela vai ensinar, com uma vontade que, de feto, rompeu, finalmente, com o pecado, reputando todas as coisas como perda pelo conhecimento perfeito de Cristo Jesus.
(M urray ,
Holiest ofall, p. 199)
----- r Tem-se tentado provar que a expressão ir até a perfeição não significa entrar na experiência espiritual mais profunda das coisas de Deus, mas apenas progredir das verdades elementares de Cristo para as que são mais profundas. Ebrard apresentou um dos argumentos mais convincentes contra tal interpretação:
Muitos há que náo consideram pherometha (íj)£Q6ü|J.£0íX), na primeira pessoa do plural, insinuativa, sendo a passagem inteira exortativa, mas entendem que essa primeira pessoa é comunicativa e que se trata de uma sugestão da parte do autor [da Epístola], que, agora, pretende passar a uma consideração do alimento sólido. (E brard , Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 194,195).
Ao que Ebrard apresenta as seguintes objeçóes: 1. A palavra Dw (Aiò) liga esta passagem a Hebreus 5.12-14. Como poderia o autor [da Epístola] extrair do fato de que os leitores ainda não podiam tolerar alimento sólido, precisando do leite dos rudimentos, a conclusão: “Por isso, pondo de parte os princípios elementares, prossigamos para as doutrinas mais difíceis?” 2. Essa própria interpretação leva adabsurdum [redução ao absurdo; impossível], pois, segundo ela, teleiotes (x£À£ÍOTT]ç) [perfeição] tem de ser tomado em sentido completamente diverso de teleios (TáÀEiOç) [maturidade]. Em 5.14, teleios (tÉAeioç) denotava
o
estado subjetivo dos que são exercitados na palavra da justiça e no discernimento entre o bem e o mal, a fim de poderem com preender o que é mais difícil. Em Hebreus 6.1, teleiotes (xeAeiórrjç) de repente passa a denotar as difíceis declarações doutrinárias objetivas a respeito da semelhança entre o sacerdócio de Melquisedeque e o de Cristo. (E brard , Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 194,195).
---- r
4. As características da perfeição cristã O termo perfeição recebeu nova ênfase no ensino de Wesley, que o adotou porque achava que era um termo escriturístico e considerava os apóstolos Paulo e João como autoridades suficientes para o seu uso.
A palavra e seus correlativos ocorrem 138 vezes nas Escrituras e, em pelo menos 50 casos, referem-se ao caráter cristáo sob a operaçáo da graça divina. Deve ser considerada como mais específica do que o vocábulo santidade, que é mais geral e amplo, referindo-se à salvação do pecado e à posse da imagem moral de Deus. Visto que esta perfeição tem sido assunto controvertido, apresentamos, nos parágrafos seguintes, o que acreditamos ser os ensinos da Epístola aos Hebreus sobre este importante assunto.
4.1. A perfeição cristã é subsequente à regeneração Por isso, pondo de parte os princípios elementares da doutrina de Cristo, deixemo-nos levar para o que éperfeito. Hebreus 6.1 a a r a Vimos que o processo da redenção tem dois aspectos, porque o pecado também é assim: (1) é um ato que requer perdão; (2) é um estado do coração (conhecido como pecado inato ou depravação herdada), que só pode ser removido pela purificação. Como Déus ofereceu à humanidade o Seu Unigênito para redimi-la (Jo 3.16), assim Cristo se deu a Si mesmo à Igreja, para que, mediante o Espírito Santo, santificasse-a, tendo-a purificado com a lavagem de água pela palavra (Ef 5.25-27). E, como Cristo, o Dom de Deus, é recebido pela fé, assim o Espírito Santo, o Dom do Cristo ressurreto e glorificado, é igualmente recebido por meio dela. É por esta razão que falamos da perfeição cristã como uma segunda bênção, propriamente dita.
4.2. A perfeição cristã não exclui posterior crescimento A perfeição cristã tem início quando Cristo derrama sobre o crente o Espírito Santo, o qual purifica o coração do pecador (At 15.9) e enche-o de amor divino (Rm 5.5).
Wesley apresentou a tese escriturística de maneira admirável quando disse: j ------Meu irmão, bem como eu, sustentamos que a perfeição cristã é aquele amor a Deus e ao semelhante que implica libertação de todo pecado [...] É amar a Deus com todo o coração, toda a mente, a alma e todas as forças. Isto implica que nenhuma inclinação errônea, nada que seja contrário ao amor, permanece na alma [do cristão], e que todas as suas palavras, todos os seus pensamentosae todas as suas ações sejam governados pelo puro amor. (W esley, Works, 6, p. 500).
Esse amor não apenas se torna o impulso dominante da vida e o cumprimento da Lei (2 Co 5.14; Rm 13.10), mas é suscetível de crescimento eterno, pois faz parte do fruto do Espírito (G1 5.22). Esta condição em que o perfeito amor governa o coração do cristão é chamado nas Escrituras de maturidade espiritual ou perfeição Cristã. Como observamos antes, teleioteta (xeÀeiÓTT]Ta.), perfeição, também se encontra em Colossenses 3.14, onde o amor é chamado de o vínculo da perfeição. Isto significa que o amor não apenas eleva todas as graças ou virtudes individuais à perfeição, mas enfeixa todos estes fatores separados em um todo unido, de sorte que o amor, em sua própria natureza, atribuiu-lhe todas as virtudes coletivas, que veste como uma roupa exterior. “Ele se acha, então, apto a unir-se à sociedade dos arcanjos”, observou o Dr. Daniel Steele, “e, nestas vestes reais, a ser apresentado ao próprio rei Jesus”. Não são só os da tradição wesleyana que acreditam em uma obra da graça subsequente à regeneração. O Dr. A. J. Gordon, pregador batista e escritor de notável capacidade, em sua obra intitulada The twofold life, disse: j -----As Escrituras parecem ensinar que existe um segundo estágio de desenvolvimento espiritual distinto e separado da conversão, às vezes muito separado dele, e, às vezes, contemporâneo a ele; estágio ao qual
nos alçamos por uma renovação especial do Espírico Santo, e não pelo processo do crescimento gradual [...] Existe uma transação descrita no Novo Testamento por expressões como o dom do Espírito Santo, o selo do Espírito, a unção do Espírito etc. As alusões a ela em Atos e nas Epístolas caracterizam-na inequivocamente como algo diferente da conversão. (G ordon , The twofold life, p. 12)
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O Dr. Gordon afirmou ainda que chegou a esta conclusão após um “novo estudo dos Atos dos Apóstolos e, por causa da convicção gerada por este estudo, de que existe mais luz a raiar daquele livro do que até agora aprendemos em nossos credos” (G o r d o n , The twofold life, p. 12). O Rev. John McNeil observou: “Este encher-se do Espírito é uma bênção distinta, muito diferente de ser nascido do Espírito [...]; ter o Espírito e estar cheio do Espírito são duas coisas diversas”. Andrew Murray, que difere em muitos pontos da teologia wesleyana, chegou, por seu profundo espírito devocional, a um reconhe cimento da necessidade de uma experiência além da regeneração: j ------Nunca será demasiado instar para que codos os leitores cristãos aprendam bem os dois estágios do cristão. Existem os carnais e os espirituais; há os que permanecem na infancia e os que chegam à idade adulta; os que saíram do Egito, mas ainda permanecem no deserto de uma vida mundana e os que seguem o Senhor integralmente e entram na vida de descanso e vitória.
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Eis como John Fletcher definiu a perfeição cristã: j
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O amor puro de Deus, derramado no coração pelo Espírito Santo que nos é concedido para purificar-nos e manter-nos limpos de toda imundície da carne e do espírito, habilitando-nos a cumprir a Lei de Cristo, segundo os talentos que nos foram confiados e as circunstâncias em que nos encontramos no mundo.
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4.3. Perfeição cristã e graus de maturidade Vimos que o amor é suscetível de crescimento infinito. Aqui, voltamos ao aspecto do crescimento e desenvolvimento. A vida comunicada na regeneração é santa e compreende todas as graças do Espírito. Quando, por meio do ato purificador do Espírito Santo, as contradições interiores e os obstáculos ao crescimento, ou o que quer que impeça o crescimento do amor, são purificados, a vida espiritual expande-se mais rapidamente. Este^é o sentido das pa lavras de Jesus: E todo o que dâ fruto limpa, para que produza mais fruto ainda (Jo 15.2b). Por isso, Joáo nos disse que, nesta experiência da perfeição cristã, existem crianças, jovens e pais. Crianças são aqueles cristãos que se apossaram recentemente da bênção, mas ainda não se firmaram na graça; jovens são os que progrediram de tal modo no conhecimento de Deus, que venceram o maligno nas batalhas da vida; ao passo que apenas os que passaram pela experiência amadurecedora e enriquecedora ao longo dos anos é que fazem jus a serem chamados pais na fé (Jo 1.12-14). A perfeição cristã é bênção que se pode experimentar imediatamente pela fé, porém, a maturidade só vem com o enriqueci mento ao longo dos anos.
4.4. A perfeição cristã não remove as imperfeições naturais Deve-se distinguir bem pecado de enfermidade ou imperfeição. Cristo jamais tomou sobre si os nossos pecados no sentido de Ele próprio tornar-se um pecador, pois estava separado dos pecadores. Mas assumiu, isto sim, as nossas fraquezas e enfermidades e foi cruci ficado por causa delas. Essa é a distinção entre o pecado e as suas conseqüências. O pecado, quer como ato, quer como estado, é removido nesta vida presente pelo sangue expiatório de Jesus, mas as conseqüências do
pecado, manifestas na fraqueza e nas imperfeições, só serio removidas na ressurreição. Nesta vida, podemos encontrar a perfeição cristã, que é o amor que procede de um coração puro; mas, na perfeição da ressurreição, os redimidos entrarão na glória e irão tornar-se como o Cristo glorificado. Chamar pecados aos enganos inocentes de julgamento, aos lapsos de memória e à falta de compreensão devido às faculdades humanas enfraquecidas, é abrir guarda para todas as espécies de pecados reais.
4.5. A perfeição cristã não suplanta a necessidade da expiação Depois que alguém se coloca sob o sangue expiatório de Cristo, em um clímax de experiência que o purifica de todo o pecado, esse mesmo sangue mantém o estado de pureza da alma daquele que anda na Luz. Vemos, pois, a um tempo uma crise de purificação e um estado continuado de pureza. Assim, em 1 João 1.7, temos a palavra katharizei (K a 0 a Q Í£ ,£ i), que, estando no presente, significa purificar e manter purificados, como experiência presente, todos os que andam na luz, enquanto no mesmo capítulo (v. 9), temos as palavras aphei (çccj^f]), perdoar, e katharisei (K a G a Q tc r r ]), limpar, sendo ambas aoristos, denotando atos definidos no passado. Eis a comparação de Fletcher: “Dizer que a doutrina da per feição cristã suplanta a necessidade do sangue de Cristo não é menos absurdo do que afirmar que a perfeição da navegação torna as grandes profundezas reservatórios inúteis de água” (p. 574).
A QUINTA ADVERTÊNCIA:
CONTRA A INDOLÊNCIA
E O PERIGO DA APOSTASIA
A segunda divisão deste capítulo (Hb 6.4-12) inicia-se com uma das passagens mais discutíveis de toda a Epístola, onde lemos:
E impossível, pois, que aqueles que uma vez foram ilum i nados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia. Hebreus 6.4-6 a r a * Esta passagem está relacionada e, em certo sentido, é uma con tinuação da que se encontra em Hebreus 5.11-14, culminando na advertência contra a preguiça, a apatia e a falta de progresso nas coisas espirituais (Hb 6.10-11). A fim de chamar atenção para os perigos da indiferença, o autor passa em revista todo o escopo da experiência cristã, desde o primeiro raiar da luz espiritual até a provação dos poderes do mundo vindouro. Deste modo, náo apenas censura a negligência em prosseguir até a perfeição cristã, mas também, com a preparação que esta experiência traz, a negligência em prosseguir até a glória da perfeição da ressurreição, em que veremos e seremos como o Cristo glorificado. Em uma série de palestras pastorais que se estenderam durante semanas, O D r. Phineas F. Bresee usou estes versículos como base de seus estudos expositivos e doutrinários. Deixou cla ro que não apenas revelam a perfeição cristã no que se refere ao padrão normal de experiência cristã, mas também o alto nível de vida que deve caracterizar homens e mulheres santos. Apresenta mos a seguir um resumo de seus pareceres sobre a controvertida passagem; pareceres que os nossos estudos posteriores confirmam integralmente. 1. Iluminação e despertamento —Isto é o que ele considerava a obra do Espírito, concedida incondicionalmente a todos como resultado da expiaçáo universal.
2. O dom da vida eterna - Este é o dom da vida eterna concedido aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial (Hb 6.4). As Escrituras sáo claras a respeito disto. É a regeneração ou o que se chama comumente conversão. 3. Ser participante do Espírito Santo (Hb 6.4c) - Trata-se da vinda do Espírito como Consolador em Seu poder de santificação. 4. Provar a boa palavra de Deus (Hb 6.5a) - A boa palavra de Deus refere-se à plenitude da vida, resultante da purificação do coração de todo pecado. E a vida de santidade que resulta do ato da santificação. 5. Os poderes do mundo vindouro (Hb 6.5 b) - Estes poderes se referem às manifestações do Espírito em resposta à fé obediente do cristão. O precedente é relativo à natureza ou ao caráter da vida; estes, às atividades dessa vida. 6 .0 perigo da apostasia - Quando aqueles que fizeram tais pro gressos, como os que sáo mencionados nas cinco proposições precedentes, desviam-se de Deus, torna-se impossível renová-los para o arrependimento. Por esta razão, de novo estão cruci ficando o Filho de Deus e expondo-o à afronta da morte no madeiro (Hb 6.6). Eles, portanto, rejeitam as misericórdias expiatórias manifestadas por Cristo na cruz, mediante as quais somente a salvação é possível.
1. Aqueles que uma vezforam iluminados (Hb 6.4a) Estas palavras fazem referência àquela operação do Espírito Santo pela qual os homens são despertados para a consciência do pecado e a necessidade da salvação. Baseiam-se nas palavras de Jesus sobre o Consolador: E, quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça, e do ju ízo (Jo 16.8). Sem este Espírito da graça, concedido previamente a todos os homens, a salvação seria impossível.
A palavra iluminados, conforme aqui é usada, é photisthentas (4>CúTiCT0£Vxaç). Significa literalmente emitir luz ou brilhar sobre alguma coisa de modo a levá-la ao conhecimento dos homens. No grego comum, a palavra se aplicava somente a objetos, mas, no grego helenístico, aplicava-se também a pessoas no sentido de instrução. Este é o significado neste contexto. A expressão traduzida como uma vez é hapax (âna£), usada mais freqüentemente nesta Epístola do que no restante do Novo Testamento. Na presente acepção, não significa íima vez no sentido de preparação para algo a seguir, mas de uma vez por todas. Deve observar-se também que a expressão uma vez não modifica meramente o primeiro particípio, iluminados, mas aplica-se a todos os particípios seguintes. Existe, pois, a ideia de gradação ou amplificação em toda a passagem, e isto torna necessária a experiência de todos os fatores antes que possa ocorrer a apostasia. Não é a insignificância, mas a magnitude das realizações e dos privilégios que caracteriza o destino do apóstata.
2. Provaram o dom celestial (Hb 6.4b) O dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 6.23b; cp. Jo 3.15; 10.28; 17.2). Nosso Senhor falava desta vida como o Pão vivo e a Água da vida — um, o símbolo da Sua carne (Jo 6.51); o outro, o símbolo do Espírito (Jo 7.38-39). Em pri meiro lugar, Cristo é o Pão do céu; depois, a Água da vida. Primeiro, vem o Calvário; a seguir, o Pentecostes. Esta nova vida é comunicada pelo Espírito na regeneração, sendo, portanto, escrituristicamente conhecida como novo nascimento ou nascimento do alto. A palavra geusamenous (yeucra^évouç), traduzida como provaram, tem sido alvo de muita controvérsia, e as ideias a ela ligadas são de grande importância para a compreensão correta desta passa gem. Uns acham que significaprovar levemente, como se esse movimento fosse feito apenas com a ponta dos lábios.
Calvino assim a interpretava, achando que os indivíduos aqui mencionados provaram apenas um pouco da graça de Deus e rece beram algumas centelhas da Luz. A Igreja da Reforma, sempre preo cupada com a perseverança final dos santos, aderiu, de forma corajo sa, à opinião de Calvino. Contudo, Lindsay disse que significa antes provar “no sentido de participar, recebendo plena e copiosamente”. Chamou a atenção para o uso da palavra em Hebreus 2.9, onde lemos que nosso Senhor provou a morte, “o que, certamente, não significa que Ele tivesse tocado apenas de leve o sofrimento, mas, antes, que sentiu toda a amargura da morte”. Outros, entre os grandes comentadores da Epístola, sáo da mesma opinião. Alford interpretou provaram como “tendo participado pessoal e conscientemente”. Grimm afirmou que significa “sentir, ter a experiência de, experimentar”. Westcott disse que o vocábulo expressa “uma fruição real e consciente de bênçáo apreendida em seu verdadeiro caráter”. Já, para Adam Clarke, o termo significa “provar significa experimentar ou ter a prova cabal de uma coisa”; enquanto Cremer opinou que significa “praticamente e, na verdade, a experiência de qualquer coisa”. Por conseguinte, a afirmativa provaram o dom celestial náo pode ser enfraquecida, passando a implicar a mera apreciação mental ou estética de Cristo por um observador náo-regenerado. Não! Significa o dom da vida espiritual dado a uma alma, antes, morta em delitos e pecados; vida que só o verdadeiramente regenerado conhece.
3. E, se tomaram participantes do Espírito Santo (Hb 6.4c) Os últimos ensinamentos de nosso Senhor diziam respeito à vinda do Consolador, isto é, o dom do Espírito Santo: E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre (Jo 14.16). Aqui, encontramos três considerações de grande importância sobre o Consolador: (1) Ele é o Dom do Pai (Jo 14.26); (2) é o Dom do Filho (15.26 e 16.7); e (3) Ele viria com Sua própria autoridade (Jo 16.13).
Como Cristo foi o Dom redentor de Deus ao mundo, assim o Espírito Santo é o Dom santificador de Cristo à Igreja (Ef5.25-27). Como Cristo é recebido pela fé, assim também o Espírito. Tornar-se participante deste, então, é recebê-lo como o Espírito pessoal de Deus que vem habitar em nós, a Promessa do Pai e o Dom do Cristo ressuscitado e glorificado. Assim, uma vez recebido: 1) o Espírito manifesta-se em nós como Espírito santificador, 2) por nosso intermédio, como Espírito carismático que nos con cedeu dons; e 3) sobre nós, como Espírito que ungezfortalece. O Espírito Santo, muitas vezes, é menciortado como Selo, sen do os Seus dons e poderes uma evidência da exaltação e glória de Cris to, testemunho da aceitação do crente e penhor da herança futura. Com base nisto, Westcott, em seu Commentary on the Epistle to the hebrews, considerou as expressões dom celestial e participantes do Espírito Santo (Hb 6.4) como duas bênçãos. A primeira descrevendo a posse consciente do princípio da vida; a segunda, a consciência da comu nhão em uma existência mais vasta. O primeiro elemento é aquele que o crente tem pessoalmente em si mesmo; o segundo, aquele que tem participado de alguma coisa que possui uma ação muito mais ampla. A palavra metochous (^ietóxouç) é, às vezes, traduzida como companheiros, especialmente, quando usada como substantivo no genitivo, denotando pessoa. Está corretamente traduzida como parti cipantes em Hebreus 6.4c, porque existe uma comunhão mística entre Cristo e os cristãos. Então, quando a palavra está combinada com estes nomes no genitivo, participantes é o termo próprio no sentido de que algo é recebido deles.
4. Provaram a boa Palavra de Deus (Hb 4.5a) O autor da Epístola volta a usar a palavra provaram, mas não por pobreza de linguagem. Seu propósito é antes salientar a experiência de provar e desfrutar da plenitude da vida nova e abundante. Esta vem do Espírito Santo, que, por Seu ato de santificação, purifica o coração do pecado (At 15-9), tornando possível a vida de santidade.
O vocábulo hrema (Qfj^ia) é, às vezes, usado para denotar toda a Palavra de Deus, mas, aqui, significa mais especialmente as promessas, que, para os que as abraçam, tornam-se a fonte de ininterrupta vida e poder. O u so da palavra kalon (k o à ó v ), boa, parece favorecer esta inter pretação. Quando a Palavra de Deus é expressa pelo termo logos (Àóyoç) diz respeito mais particularmente à mensagem ou ao conteúdo da Palavra. Mas, quando expressa por hrema (Qrjfja), refere-se principalmente à palavra expressa ou fãlada. O primeiro termo salienta a mensagem; o último, quem prega. Por intermédio do Espírito Santo, como o Espírito da verdade, Deus nos feia de novo mediante a Sua Palavra, tomando as promessas vitais, ricas e reais; assim, provamos a boapalavra de Deus.
5. E ospoderes do mundo vindouro (Hb 4.5b) Se provar a boa palavra de Deus refere-se à vida de santidade, que se origina de sermos participantes do Espírito Santo em Seu poder santificador, então, os poderes do inundo vindouro referem-se às ativi dades dessa vida. Para os judeus, o mundo vindouro era a vinda da era messiânica, com seus dons e suas manifestações miraculosas; para nós, contudo, não pode significar nada menos que o Milênio e a ordem eterna. Mesmo agora, as glórias daquele Reino superior penetram o reino da consciência, e embora as contemplemos como em um espelho, vagamente, então, os justos resplandecerão como o sol, no Reino de seu Pai (Mt 13.43a). O cristianismo é uma religião do mundo futuro e tem poder paia elevar o presente. Devemos, portanto, com o rosto descoberto, contemplar como em um espelho a glória do Senhor e ser transformados de glória em glória, na mesma imagem, comopelo Espírito do Senhor (2 Co 3.18). O PERIGO DA APOSTASIA
Tendo mostrado a natureza da experiência cristã sob a Nova Aliança, o autor da Epístola declara a seguir que, se os
iluminados apostatarem, é impossível outra vez renová-los para arre pendimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o filho de Deus e expondo-o à ignomínia ( 6 . 6 a r a ). Visto que esta grande verdade, ou a perversão dela, tem inquietado tantos crentes tímidos e demasiado escrupulosos, dispensaremos especial atenção à estrutura gramatical do texto, analisando a seguir alguns dos erros que se associaram a ele.
1. A construção gramatical do texto
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O Dr. Adam Clark, cita Macknight, erudito calvinista que apresenta uma das interpretações mais escriturísticas destes versículos: j ------Os partícípios photisthentas (OortLcQévTaç), foram ilumi nados; geusamenous (yeUOTlliévouç), provaram, e genethentas (y ev rjô év T aç), se tornaram participantes, sendo aoristos, foram o corretamente traduzidos pelos nossos tradutores no passado, pelo que parapesontas (raXQaKECTÓVTíXÇ), deveria igualmente ter sido traduzido no passado, caíram. Náo obstante, os tradutores para a língua inglesa, segundo Beza, o qual, sem autoridade nenhuma de manuscritos antigos, inseriu em sua versão a partícula se, traduziram esta expressão como se eles caírem, para não parecer que o texto contradizia a doutrina da perseverança dos santos. Como, porém, nenhum tradutor deveria tomar a si o adicionar ou alterar as Escrituras, por causa de qualquer doutrina predileta, traduzi parapesontas (TtOQíXTiecrÓvtaç) no passado, tendo caído, segundo o verdadeiro significado da palavra, estando, como está, em conexão com os outros aoristos dos versículos precedentes. E evidente, pois, em vista da estrutura gramatical do texto, que o autor [da Epístola] pretende dizer ser possível que os cristãos, mesmo após altas realizações espirituais, caiam da graça de Deus para a apos tasia total. A respeito deles, diz que é impossível outra vez renová-los para arrependimento (Hb 6.6 a ra ). A chave desta impossibilidade reside nos dois partícípios seguintes, agora não aoristos, mas presentes
e durativos. O primeiro é anastaurontes (àvaCTTaUQOÜVxaç), e o segundo é paradeigmatichontas (7TaQaÒ£tY(_iaTÍ^O\"taç), sendo o primeiro traduzido como crucificando, e o segundo, expondo-o à ignomínia, como os judeus fizeram com Cristo no Calvário. O que o autor da Epístola disse, portanto, é que é impossível renovar outra vez para arrependimento os que caíram, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus (ádUTOÍç) e expondo-o à ignomínia. Em palavras simples, se alguém naufragasse e fosse parar em uma ilha, sendo-lhe oferecido apenas um meio de transporte para a terra firme e sendo este rejeitado, náo lhe restaria outra possibilidade de fiiga. Ora, visto que debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos (At 4.12), é evidente que o arrependimento é im possível enquanto crucificamos o Salvador para nós mesmos e enquanto vilipendiamos o Nome pelo qual somente poderemos ser salvos. Sem dúvida, em todo pecado, existe um processo de endureci mento contínuo, que pode finalmente conduzir ao lugar em que a penitência é impossível, porém, neste texto, está implicado um ato judicial de Deus, uma condenação do apóstata que não permite retorno. Existe um pecado contra o Espírito Santo que o Salvador disse não ter jamais perdão e que culmina na apostasia total.
Ao comentar essa exposição de Macknight, disse o Dr. Adam Clarke: j ------O Dr. Macknight era um calvinista, um erudito consumado e homem honesto, porém, pretendendo dar uma tradução da Epístola, consultou não o seu credo, mas a sua sinceridade. Se os nossos tradutores, homens excelentes e estudiosos, inclinassem-se menos para os seus próprios credos peculiares na atual Authorized Version, a Igreja de Cristo neste país não se teria agitado e dilacerado tanto como foi pela teologia polêmica. Disto se evidencia que, qualquer que seja a opinião que prevaleça, existe uma temível possibilidade de afastar-se da graça de Deus. E, se esta passagem [Hb 6.46] não o dissesse, há muitas outras que o fazem. E, se houvesse Escrituras
expressas sobre o assunto, a natureza do estado pessoal do homem, que é deprovação ou experiência, deveria necessariameiite implicá-lo. Aquele, pois, que cuida estar empé, olhe que não caia [Cf. 1 Co 10.12]. ---- r
Visto que esta porção das Escrituras [Hb 6.4-6] tem sido usada por muitos para desencorajar especialmente os cristãos jovens, deve-se fãzer uma distinção clara entre o ato de desviar-se e a apostasia total. Neste sentido, as palavras do Dr. Adam Clarke, em seu comentário da Epístola aos Hebreus, são muito pertinentes: * Antes de passar a explicar os diferentes termos destes versículos, é necessário dar minha opinião quanto ao seu propósito e significado: (1) Não acho que se refiram a nenhuma pessoa que professe o cristianismo-, (2) não pertencem nem são aplicáveis aos desviados-, (3) aplicam-se aos apóstatas do cristianismo, aos que rejeitam o sistema cristão e o seu Autor, o Senhor Jesus; (4) reporta-se somente àqueles que se unem aos judeus blasfemos, que chamam Cristo de impostor e justificam os Seus assassinos, porque o crucificaram como um malfeitor; tornam, assim, a própria salvação impossível por rejeitarem voluntária e maliciosamente o Senhor que os comprou. O texto não visa a ninguém que creia no SenhorJesus como o grande Sacrifício pelo pecado e reconheça o cristianismo como a revelação divina. Embora se refira àquele que, infeliz mente, possa ter caído de algum grau da salvação de Deus. ---- r
A advertência contra a apostasia extraída . do Antigo Testamento 2.
Assim como o autor da Epístola aos Hebreus usou Canaã como símbolo do descanso espiritual, usou a rebelião de Cades-Barnéia como base para uma de suas mais severas advertências. Na véspera de entrarem na Terra Prometida, os israelitas recusaramse a ir adiante e retornaram ao deserto. Não se tratava de insucesso comum; era rebelião das mais extremas, sobre a qual Isaías disse: Mas
eles foram rebeldes, e contristaram o seu Espírito Santo; pelo que se Ujes tomou em inimigo, e ele mesmo pelejou contra eles (Is 63.10). Devolta ao deserto, uma geração inteira, com exceção de Calebe e Josué, pere ceu, e seus cadáveres caíram ali (Hb 3.17). Prontamente se há de admitir que os cristãos judeus tinham especial propensão para apostatar [crendo mais nas ordenanças da Lei do que na graça revelada em Cristo], pois tinham vivido desde a infancia sob a Lei, que tinha a sanção exterior do nome de Deus e que se repu tava como concedida pela dispensação dos anjos. Como os judeus se consideravam como o único verdadeiro povo de Deus, os que perten ciam à Igreja cristã devem ter sido constantemente tentados desprezar o sacrifício de Cristo. Daí a severidade da advertência. Afinal, se conse qüências tão terríveis seguiram-se à rejeição dos símbolos e imagens sob a dispensação mosaica, de quanto mais severo castigo — pergunta o autor da Epístola — julgais vós será considerado digno aquele que calcou aos pês o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança com o qualfoi santificado, e ultrajou o Espírito da graça? (Hb 10.29). Essa é uma advertência grave e visa prevenir os cristãos contra o terrível estado de perdição que poderia resultar de serem desviados de Cristo quer pela persuasão dos judaizantes, quer pelo temor da perseguição. E evidente que, além disso, os abismos irrecuperáveis em que um apóstata é capaz de afundar-se são proporcionais às alturas cristãs das quais ele caiu.
3. Erros associados a esse texto Vimos, pela construção gramatical da passagem [Hb 6.4-6], que o particípio tendo caído [traduzido como caíram (a r a ) , o u como recaíram (a r c )] náo admite negativa da grave possibilidade de apostasia. Sendo isto verdade, a fim de sustentar a doutrina da perseverança final, geralmente conhecida como segurança eterna, aventam-se falsas interpretações a respeito das palavras iluminados, provaram eparticipantes, que lemos nos versículos 4 e 5, de Hebreus 6. O valor dessas interpre tações é equivalente a uma tentativa de provar que estes textos não se
a alguém que seja completamente cristão, mas apenas àquele que é quase cristão. Ebrard comentou o absurdo de tal teoria:
referem
>---Quem quer, porém, que náo se tenha obscurecido por preconceitos dogmáticos deve perceber que o objetivo do nosso autor [da Epístola aos Hebreus] náo é, evidente e certamente, dizen quanto menos se provar os dons da graça, mais facilmente se pode perder de maneira irrecuperável. Ele disse precisamente ao contrário: quanto mais já se tenha penetrado no santuário do estado da graça, tanto mais irrecuperavelmente alguém estará perdido no caso de vir a cair. (Ebrard, BibUcalcommentary on the Epistle to the Hebrews, p. 200).
______
Por outro lado, como se poderá renovar alguém outra vez para o arrependimento se tal pessoa jamais se arrependeu de verdade? E que terrível doutrina teríamos se, estando alguém quase persuadido a ser cristão, recaísse desse ponto, não podendo jamais ser levado de novo para o arrependimento! Tais são algumas das fiíteis tentativas de har monizar passagens claras das Escrituras com outras mal interpretadas, tudo no interesse de uma posição dogmática positivamente desmentida pelo teor geral das Escrituras Sagradas!
4. Uma ilustração com base na natureza Porque a terra que absorve a chuva quefreqüentemente cai sobre ela e produz erva útil para aqueles por quem é também cultivada recebe bênção da parte de Deus; mas, seproduz espinhos e abrolhos, é rejeitada eperto está da maldição; e o seufim é ser queimada. Hebreus 6.7,8 O autor da Epístola toma agora uma ilustração do mundo material — sem dúvida, sugerida pela parábola de nosso Senhor sobre os terrenos — e vai até o julgamento divino necessariamente implicado. Um lavrador lança a semente no campo, uma porção se prova frutífera; a
outra, estéril. Ambas as sementes foram igualmente beneficiadas pelas mesmas dádivas. Ambas foram plantadas numa terra que absorve (no aoristo; um fato) a chuva que freqüentemente cai (no particípio presente; iterativo) sobre elas, isto é, que continua a cair. Mas a semente que produz (particípio presente) erva útil para aqueles que a culti vam na terra recebe a bênçáo de Deus; a outra semente, a despeito de todas as boas condições para se tomar frutífera, produz abundantemente espinhos e abrolhos [sendo rejeitada e amaldiçoada\. Esta é uma alusáo à esterilidade espiritual, simbolizada pelos espinhos e abrolhos do pecado. Sobre essa segunda semente, o autor da Epístola diz que ela perto está da maldição. Náo se pode interpretar que a maldiçáo resulte na queima da terra e de seus produtos nocivos; o que é claro é o juízo de Deus. A ilustração mostra que os que foram uma vez iluminados e passaram pelas ricas experiências do Espírito e provaram a boapalavra de Deus, com Suas muitas provas infalíveis, mas descambaram para a apostasia, devem sofrer o tríplice castigo: a rejeição, a maldição e a queima. O escritor de Hebreus não nos oferece nenhum outro comentário. Para Lenski, o autor da Epístola estava falando do mesmo campo, a princípio produtivo, mas, a seguir, tão degenerado que só produziu espinhos e abrolhos. Ele baseou seu argumento no uso dos particípios presentes encontrados no texto. Que isto é possível, sabem os que vivem em lugares áridos, tornados produtivos pela irrigação. A água, que no início traz enorme produção, a menos que se faça drena gem subterrânea apropriada, logo seca e torna-se inútil.
5. Palavras de confiança e conforto Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes a salvação, ainda que falamos desta maneira. Porque Deus não ê injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome, pois servistes e ainda servis aos santos. Hebreus 6.9,10 a r a
Tendo falado dos perigos da apostasia e feito uma severa advertência contra ela, o autor da Epístola passa agora às palavras de encorajamento e conforto. Ao introduzi-las com o vocativo amados, ele assinala que náo deseja que os leitores o julguem áspero por usar fortes palavras de advertência, uma vez que está persuadido de que se dirige a fiéis, que dão evidências em sua vida de coisas [o trabalho e o amor] que acompanham à salvação. O escritor de Hebreus relembra que, no passado, aqueles irmãos em Cristo receberam os ministros de Cristo com^alegria e partilharam do seu opróbrio, até a espoliação dos próprios bens. Porque, por amor do nome de Jesus, eles serviram a outros santos e continuavam a ser vir, o autor da Epístola assegura-lhes de que Deus náo é injusto para esquecer-se do trabalho e do amor deles. Embora demonstrando ansie dade por eles, o escritor torna claro que, de maneira alguma, classifica estes cristáos-judeus com os apóstatas, pois neles vê um amor ativo: prova de que Deus ainda está com eles.
6. Clímax de admoestação contra a indolência Desejamos, porém, continue cada um de vós mostrando, até ao fim , a mesma diligência para a plena certeza da esperança; para que náo vos tomeis indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela longanimidade, herdam as promessas. Hebreus 6.11,12 a r a A palavra traduzida como indolentes é a mesma que foi usada anteriormente com respeito a serem tardios em ouvir (Hb 5.11). O escritor teme que a mesma negligência, que se alojou neles impedindo-os de ouvir, impeça-os de progredir mais tarde. Ao contrário, fervorosa mente, ele deseja que o mesmo zelo que antes tais cristãos manifestaram na caridade também caracterize o seu progresso espiritual. Os cristãos são chamados a serem seguidores e imitadores daqueles que, pela fé e obediência, herdam as promessas [ em Cristo].
A indolência fez feito muito mal aos judeus; e, após tê-los advertido quanto ao mau procedimento dos pais, que se recusaram a prosseguir até a terra da promessa, mas retornaram para o deserto, o autor da Epístola estimula seus irmãos na fé a seguir aqueles que, tendo her dado o que Deus lhes prometera, entraram na posse da terra. Assim, volta sua atenção para Abraão, a quem foram feitas as promessas. A A l ia n ç a c o m A br a ã o
Pois, quando Deus f i z a promessa a Abraão, visto que não tinha ninguém superior por quem jurar, jurou por si mesmo, dizendo: Certamente, te abençoarei e te multiplicarei. E assim, depois de esperar com paciência, obteve Abraão a promessa. Hebreus 6.13,15 Tendo advertido seus leitores contra o perigo da apostasia, exortando-os a não se tornarem indolentes, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela longanimidade, herdam as promessas (Hb 6.12), o autor de Hebreus volta a atenção deles para Abraão, que, depois de esperar com paciência, obteve a promessí (Hb 6.15). Ele escolheu para apreciação o último de uma série de quatro acontecimentos em que a fé inabalável de Abraão ajudou-o a enfrentar e a vencer todas as crises de sua alma, sendo recompensado com a promessa confirmada pelo juramento solene de Deus. Eis os acontecimentos: 1. Deus chamou Abrão: Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei (Gn 12.1). Era um chamado para abandonar a idolatria, pois Tera, o pai de Abraão, era um idólatra. Neste contexto, a promessa foi feita a Abrão no sentido de que nele seriam benditas todas as famílias da terra, mas não houve juramento associado à promessa (Gn 12.1-4,7). 2. A seguir, temos a oferta de consagração de Abrão. Caindd num sono profundo, ele contemplou uma fornalha fumegante e uma
lâmpada ardente que passava entre os pedaços dos animais, santificando toda sua oferta queimadá a Deus. Acrescentava-se assim confirmação ao cumprimento da promessa, mas, nem assim, houve juramento de Deus a ela ligado (Gn 15-8-18). 3. Depois e, sem dúvida, em íntima conexão com aquilo, houve o chamado de Abrão à perfeição: Apareceu o SENHOR a Abrão e disse-lhe. Eu sou o Deus Todo-poderoso [.EIShaddai, Aquele que nutre ou sustenta]; anda em minha presença e sêperfeito (Gn 17.1-8). Aqui as promessas são chamadas aliança, e o nome Abrão é mudado para Abraão, pai de uma multidão. A íntima relação entre os termos perfeito e aliança antecipa a perfeição da nova aliança, para a qual o autor da Epístola chama a nossa atenção nos capítulos subsequentes. Nem ainda se associa juramento às promessas, mesmo quando consideradas como aliança. 4. O último evento escolhido pelo autor da Epístola foi o fato de Abraão ter oferecido como holocausto Isaque, seu único filho. Tendo o Anjo do Senhor bradado do céu e detido a mão de Abraão, chamou-o pela segunda vez e disse: Por mim mesmo, jurei, diz o SENHOR, porquanto fizeste esta ação [...] que deveras te abençoarei e grandissimamente multiplicarei a tua semente como as estrelas dos céus e como a areia que está na praia do mar [...] E em tua semente serão benditas todas as nações da terra, porquanto obedeceste à minha voz (Gn 22.16-18). Eis o que disse a respeito o bispo Chadwick: “Após o sacrifício de Isaque, quando a fé triunfante do patriarca tinha cumprido todas as condições das promessas, recebeu nova confirmação, o primeiro juramento de Deus que lemos”. O Dr. Adam Clarke apresentou um interessante relato das teorias ligadas à mudança do nome de Abrão para Abraão. A palavra Abrão significa pai elevado ou exaltado-, Abraão, conforme é usado aqui, denota pai de uma multidão (Gn 17.5). Isto levou alguns a sustentarem que a palavra deriva de Ab-hamom-goyim, pai de uma
multidão de nações, enquanto outros acham que é contração da palavra Ab-rab-hamam, que significa o pai de uma grande multidão. O Dr. Clarke, comentando as palavras sê perfeito (Gn 17.1), disse que as palavras hebraicas veheyeh tamim significam: ã ----------------
E tu serásperfeição, isto é, totalmente perfeito-, sê como o Deus santo quer que tu sejas, como o Deus Todo-Poderoso pode fazer-te, e vive como o Deus Todo-Suficiente te sustentará, pois só Aquele que pode tornar a alma santa pode preseivá-la na santidade. Nosso Senhor parece ter tido essas palavras bem em mente quando disse: Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai, que está nos céus (Mt 5.48). (C larke, Commentary on the Epistle to the Hebrews 1, 79). ---- r
O JURAM ENTO DE CONFIRMAÇÃO
A palavra juramento vem do grego horkomosias (ÓQKCOfKKJÍaç) e pode significar, ou o próprio juramento ou o ato de prestarjuramento solene. A acepção aqui é a primeira: Pois, quando Deus fe z a promessa a Abraão, visto que não tinha ninguém superior por quem jurar, jurou por si mesmo, dizendo: Certamente, te abençoarei e te multiplicarei. E assim, depois de esperar com paciência, obteve Abraão a promessa. Pois os homensjuram pelo que lhes é superior, e ojuramento, servindo de garantia, para eles, é ofim de toda contenda. Hebreus 6.13-16 Comumente, os homens prestam juramento solene diante de Deus, a fim de validar sua palavra e pôr fim uma disputa, controvérsia ou contenda. O Senhor de igual maneira, porque não podia jurar por ninguém superior a Ele, jurou por si mesmo, confirmando Suas promessas com o mais solene e sagrado de todos os juramentos. Visto que Deus, que não pode mentir, ratifica as próprias promessas com voto solene, esta confirmação deveria despertar em nós : a mais profunda apreciação do Seu amor compassivo.
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Os homens juram por um Ser que lhes é superior, que possui a onisdência para conhecer a pessoa perjura e poder e justiça para puni-la. O juramento consiste em que a pessoa que jura invoca o Ser superior para testemunhar a um tempo a promessa e o seu cumprimento, ou o náocumprimenco, e paia ser o eventual Juiz do último. Por isso, para o cristão purificado, toda palavia é um juramento tácito, à medida que é pronun ciado com a consciência do testemunho do Deus onipresente e onisciente. Daí proibir Cristo o juramento por coisas inanimadas (Mt 5-34) e colocar aquele estado de espírito em que todo sim é sim —íisto é, cada palavia, seja Deus expressamente invocado paia testemunhá-la ou náo, é pronunciada com a consciência de que o Senhor é testemunha —, em lugar daquele juramento que era a um tempo supersticioso e felso. Cristo, portanto, náo proíbe o juramento, mas quer que o cristão fale somente juramentos, desparecendo, assim, a diferença entre o jurar e o náo jurar (Ebrard, Biblicalcorrtmentary on the Episde to the Hebrews, p. 206,207).
1. O propósito dojuramento Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade do seu propósito, se interpôs comjuramento. Hebreus 6.17 a r a Por isso — que eqüivale a sendo isto assim ou em conexão com o juramento — indica que Deus estava disposto a demonstrar mais abundantemente aos herdeiros da promessa, por uma evidência irre sistível, a imutabilidade do Seu conselho [a r c ] , o u propósito [a r a ]. A palavra conselho é usada no sentido de sabedoria infinita. Era, pois, um ato positivo de Deus, que determinara em si mesmo náo tornar o Seu conselho imutável, mas declará-lo assim, para que Sua promessa fosse sem reservas, e o Seu propósito inalterável. Parece mesmo haver um significado mais profundo do juramento nesse texto do que o que se acha expresso nos versículos 13 a 16, pois
neste conselho ou propósito Deus interveio, interpôs-se, no grego emesiteusen ( £ | 1 £ c t lt£ U C T £ v ). Assim, Deus náo é apenas Aquele que fez o ju ramento, mas a Testemunha também, empenhando-se como garantia do cumprimento da promessa. De acordo com a tradição judaica, o sentido expresso na íntegra com o juramento do Senhor que Ele mesmo se interpõe como teste munha é: “Se eu não cumprir a promessa, então, não Sou Deus”, a promessa permanecerá enquanto o Deus eterno viver. Sendo assim, Seu conselho ou propósito é perfeito e permanente. Deus quer sanar, de maneira abundante e plena, todas as dúvidas e temores de cada um e de todos os herdeiros da promessa.
AS DUAS COISAS IMUTÁVEIS Para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós quejá corremospara o refúgio, afim de lançar mão da esperança proposta. Hebreus 6.18 a r a As duas coisas imutáveis são a promessa e o juramento. A res peito de Deus, que fez a promessa a Abraão, é dito que é impossível que minta; e a respeito do juramento, Deus jurou por si mesmo e, portan to, interpôs a si e a todas as perfeições da Sua divindade como penhor do cumprimento das promessas. O juramento aponta para outro que o autor da Epístola vai apresentar: o juramento que se ligava à aliança com Cristo, isto é, o de que Ele seria sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 5.6; SI 110.4). Um juramento é paralelo ao outro; o que foi feito a Abraão e à sua semente confirmou a promessa da redenção; o que foi feito a Cristo, a Semente de Abraão (G1 3.18), confirmou a instrumentalidade sacerdotal pela qual as promessas vieram a ser cumpridas. Um juramento se liga à natureza da aliança; o outro, à sua administração.
E como duas coisas imutáveis [a promessa e o juramento] estavam ligadas à primeira, assim o autor da Epístola vai mostrar que as duas se ligam à segunda, pois o Filho encarnado é, sob o aspecto divino, o Mi nistro do santuário e, sob o aspecto humano, a Certeza da Aliança. A promessa, portanto, repousa seguramente na aliança oom Cristo, o qual, como nossa Oferta propiciatória, tornou possível a Deus ser justo Juiz e [ao mesmo tempo] o Justificador do que crê em Jesus. Deste modo, Deus concedeu aos herdeiros da promessa a dupla confirmação da vali dade da aliança e da infalibilidade de Sua administração. E os herdeiros náo são meramente os descendentes naturais de Abraão, mas a sua prole espiritual, visto que, em Cristo, Semente de Abraão e Herdeiro de todas as coisas, foram benditas todas as nações da terra. As duas coisas imutáveis oferecem motivo de forte consolação para os herdeiros da promessa. O escritor de Hebreus, ao afirmar para que [...] forte alento tenhamos (Hb 6.18), usou a primeira pessoa do plural, incluindo a si próprio na promessa, em vez de fazer uma declaração genérica e impessoal. Em outras traduções, como a Revista e Corrigida, a palavra alento é traduzida como consolação (naQáKAr|CTiç); outra alusão à palavra Paracleto ou Consolador, termo que nosso Senhor aplicou ao Espírito Santo, que devia vir no Dia de Pentecostes. Na American Revised Version, alento é traduzido como encorajamento, em vez de consolação. Isto parece estar mais de acordo com o pensa mento do autor da Epístola, cujo propósito é encorajar os seus leitores a firmar-se na fé e na esperança da promessa feita com juramento de Deus até que recebam o que lhes foi prometido. Para reforçar a nossa convicção, são apresentadas três ilustrações: (1) 0 Refugio da esperança, (2) a Ancora da alma e (3) o Precursor divino.
1. O Refúgio da esperança Nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança proposta. Hebreus 6 . 1 8b a r a
Evidentemente, esta é uma alusão às cidades refúgio em Israel, para as quais poderia fugir do vingador de sangue o responsável pela morte de alguém. Chegando à cidade, ele estaria a salvo dentro de suas muralhas e, quando da morte do sumo sacerdote, recuperava a liberdade (cf. Nm 35). Em vez de nós quejá corremospara o refugio, a fim de lançar mão da esperança proposta, na Authorized Version, lemos “nós que fugimos para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança colocada diante de nós". Isto porque o verbo kratesai (KQax^aai), no infinitivo, traz a ideia de fina lidade, tomando possível traduzir a frase como: “Nós que encontramos refugio de modo a apegar-nos firmes à esperança oferecida”. Cristo é o nosso Refúgio, e o uso das palavras quefugimos indica a urgência de fugir para Cristo em busca da salvação. É em Cristo que a esperança é colocada diante de nós e da qual devemos lançar mão. A esperança pode ser: ou um objetivo, um alvo colocado diante de nós, ou uma graça ou disposição interior que anima nossa alma. Em Hebreus 6.18b, é usada em ambos os sentidos: (1) é algo colocado diante de nós, que esperamos; e (2) algo que necessita de uma experi ência interior, isto é, fé e paciência. Portanto, a esperança é, ao mesmo tempo, o dom de Deus e a experiência interior do homem.
2. A Ancora da alma A qual temos como âncora da alma segura e firme e que penetra até ao interior do véu. Hebreus 6.19 Esta é uma referência náutica. A âncora é um símbolo da espe rança. A palavra âncora náo ocorre no Antigo Testamento e, no Novo, apenas aqui e na descrição do naufrágio de Paulo na ilha de Malta (At 27.29,40). Sobre a âncora como símbolo da esperança, comentou o bispo Chadwick: “ela passou a ser parte integrante do nosso pensamento;
com tal exatidão expressa a nossa concepção da promessa, firme em si mesma, forte, mas exigindo [...] que nós [...] nos apeguemos firme mente àquilo que se firma nas coisas eternas”. Como a âncora pesada de ferro afunda nos grandes mares e fixa-se entre as rochas inabaláveis, mantendo o barco seguro e firme, assim a esperança, a âncora do cristão, é lançada e penetra até ao interior do véu. Mas o que está além do véu, dentro do Santo dos Santos do templo terreno, que era apenas um símbolo do celestial? O trono da autoridade e poder, onde Jesus [o nosso Sun^o Sacerdote] achase assentado à destra do Pai, após ter-se toxnado a nossa Oferta propiciatória, purificando o povo dos pecados com o Seu próprio sangue sacrificial. Em Hebreus 6.18, as promessas vêm a cumprimento, e os sím bolos e figuras passam a verdades eternas. O símbolo da âncora é, às vezes, usado em outro sentido. Sabemos que, em muitos dos mares interiores dos tempos antigos, ha via grandes rochas no fundo* ao longo da praia, onde as embarcações menores geralmente atracavam. Mas, com frequência, por causa dos ventos adversos, os barcos maiores náo podiam atingir o porto. Era costume, então, abaixar um barquinho e enviar um precursor à praia, com um cabo forte, que ele fixava a uma dessas pedras, conhecidas como anchoria e, bem seguro por aquele cabo, o navio podia ser con duzido a salvo à ancoragem. A peculiaridade da esperança cristã, pois, reside nisto: que ela não encontra ancoragem nas águas rasas deste mundo, mas penetra o véu e, mediante os fortes cordames da graça e da verdade, prende-se à anchoria celestial, o trono eterno de Deus. O Espírito Santo é o Espírito da graça e da verdade e, apegandonos em obediência a Ele, chegaremos, no tempo próprio, a ser trazidos a salvo às costas e às praias douradas da luz e do amor eternos. Esta é a esperança do cristão, tornada segura e firme pela promessa e pelo juramento.
É desta passagem que se deriva o nosso uso simbólico da âncora que jamais é mencionada no Antigo Testamento e em nenhuma parte do Novo, exceto no sentido literal, em conexão com o naufrágio de Paulo. E, no entanto, passou a ser parte integrante do nosso pensa mento, tal a exatidão com que expressa a nossa concepção da promessa, firme em si mesma, mas exigindo (como no início deste capítulo afir mou tão solenemente) que nós nos apeguemos firmemente àquilo que se firma nas coisas eternas. De pouco adianta a âncora quando a cadeia se partiu. Lemos que náo é a âncora, e sim a esperança segura e firme que penetra no véu (de sorte que a interpretação como metáfora mista é sem fundamento). Contudo, a expressão é um tanto influenciada pela idéia da confiança do marinheiro naquilo que passou além da sua visão, mas que apreende realidades abaixo da mutação das marés; realidades que ele conhece e em que confia, ainda que não possa defini-las. Assim, a nossa esperança penetrou além do véu. E há mais em que confiar do que qualquer esperança. (C hadick , The Epistle to the Hebrews, p. 82).
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3. O Precursor divino Onde Jesus, como precursor, entrou por nós, tendo-se tomado sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque. Hebreus 6 .2 0 ara Do pensamento anterior — da esperança como âncora da alma — , o autor da Epístola volta agora sua atenção para Aquele que leva aquela esperança até o interior do véu. Bruce observou que a maioria dos comentadores deixa de per ceber, ou pelo menos deixa de expressar adequadamente, o significado do termoprodromos (nçóÒQOfiOç), precursor, que, neste versículo, assume um novo significado espiritual e torna-se a tônica do capítulo. Foi demonstrado que Cristo é o Capitão da nossa salvação, conduzindo-nos ao descanso da fé como nossa herança terrestre e
«m, até o descanso eterno de nossa herança celestial. Aqui, contudo, expressa-se uma nova ideia: a de que Cristo, como nosso Precursor, ntr0U e abriu o Santo dos Santos para nos. C O sumo sacerdote levítico entrava no Santíssimo, mas apenas uma vez por ano [no Dia da Expiaçáo] e meramente como represen tante do povo. Entrava em lugar deles, e não como seu precursor. A elória da nova aliança e seus privilégios residem nisto: que Cristo não apenas entrou no Santo dos Santos, como nosso grande Sumo Sacer dote, mas rompeu o véu, para que entrássemos também. Assim, Cristo não apenas, como Moisés, libertou-nos da servi dão e, como Arão, fez expiação por nós. Em Cristo se fundem estes dois cargos [libertador/capitão e sumo sacerdote] em uma ordem nova e eterna: a de Melquisedeque, que foi, ao mesmo tempo, rei e sacerdote. Cristo exerceu este ofício duplo por nós. Durante a Sua humilhação terrena, Ele foi a nossa Oferta propiciatória e derramou o Seu sangue por nós, para que fôssemos purificados de todo pecado e toda injustiça. Após penetrar além do véu, Sua oferta é ainda aceita em benefício nosso e, do trono intercessório, Ele ministra o Espírito que prometeu aos Seus discípulos, a promessa que se cumpriu no Dia de Pentecostes, assinalando a inauguração de uma nova dispensaçao espiritual, em que vivemos e servimos mediante o poder do Espirito que em nós habita. O Calvário sem o Pentecostes é incompleto. A entrada do nos so Precursor além do véu traz em si estes significados profundos e de largo alcance: (1) estabeleceu o culto perfeito, do qual o judaísmo era apenas uma sombra; e (2) proporcionou a comunhão universal e irres trita com o Pai e o Filho por intermédio do Espírito. Eliminou, assim, a existência de lugares tecnicamente chamados santos. Jesus disse à mulher samaritana: Mulher, crê-me que a hora vem em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade,.
porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade. João 4.21,23-24 Antes que se estabeleça esta comunhão de perfeito amor, proce dente de um coração puro, o cristianismo não pode chegar à sua expressão plena. Isto, lembra-nos o escritor de Hebreus, realiza-se por intermédio de nosso prodomos, Precursor, divino-humano, por meio dele e nele. E significativo que o autor da Epístola aos Hebreus, ao falar da entrada triunfal de nosso Precursor nos céus, use a palavra Jesus, o nome humano de Cristo, e não o divino, Senhor. Aquele que foi o Deus-Homem na terra é agora, em sentido real, o Homem-Deus nos céus, e assim é que temos um dentre nós mesmos sobre o trono intercessório. Visto que a divindade e a humanidade se acham tão inti mamente amalgamadas na pessoa do nosso Precursor divino-humano, também podemos ter nele a comunhão mais íntima e irrestrita com o Pai e o Filho por meio da presença constante do Espírito Santo. Outrossim, o termo prodomos, que expressa a relação que Cristo mantém com Seu povo como Precursor, também denota: 1. O corredor mensageiro, aquele que corre para transmitir as boas novas. Assim como o cuxita correu mais depressa do que o mensageiro oficial, indo a Davi e exclamando: Boas-novas ao rei, meu senhor (2 Sm 18.31a a r a ), Cristo desceu dos céus sozinho, solitário, para ser a Propiciação pelos nossos pecados e, para lá, voltou triunfante e clamando: Eis-me aqui a mim e aosfilhos que Deus me deu (Hb 2.13c). 2. O mestre quarteleiro, aquele que vai adiante fazer preparações para o exército. O nosso grande Mestre quarteleiro foi adiante de nós fazer preparativos para as convidados sacramentais, formidável como um exército com bandeiras (Ct 6.10). No grande exército de Deus, todos os soldados ganharam o seu distintivo por bravura em serviço, o qual exibem como bandeira em testemunho à sua fidelidade.
3. O arauto, aquele que vai à frente preparando a passagem ou chegada da realeza. Os membros da Igreja de Cristo náo apenas sáo descritos como os irmãos de Cristo, membros da família, ou como um exército marchando em triunfo contra o inimigo, mas também como nação de reis, sacerdotes para o seu Deus e Pai (Ap 1.6): Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pe 2.9).
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O FlADOR DE UM MElHOR T e st a m e n t o
este capítulo intermediário da Epístola aos Hebreus, o autor dela inicia um estudo minucioso da nova ordem de sacerdócio e de suas relações para com a aliança de Arão e a Tendo despertado o interesse pelo assunto nas suas três alusões ao sacerdócio segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 5.6,10; 6.20), passa agora a estudá-lo intensamente. O estudo continua no decorrer da maior parte de três capítulos, e trata dos vários aspectos do sacerdócio. Esta nova ordem sacerdotal, portanto, toma-se o ponto central, o eixo em tomo do qual o autor da Epístola constrói o seu grande argumento temátioo em fàvor do sacerdócio de Cristo. O escritor extrai o material de um obscuro evento da antiga história dos hebreus: três versículos do Gênesis (14.18-20) e um dos Salmos (110.4). Das referências a Melquisedeque, podemos dizer que o Gênesis tem o relato histórico; a alusão, nos Salmos, é profética, e a de Hebreus é doutrinária (7.1-10).
N
A
ordem de
M
e l q u is e d e q u e : u m s a c e r d ó c io e t e r n o
O argumento que o escritor de Hebreus propõe em favor da superioridade da ordem de Melquisedeque só pode ser apreciado por aqueles que compreendem quão tenazmente os israelitas daqueles dias
se apegavam às suas ideias sobre o sacerdócio levítico e sua impor tância. Falhar aqui seria destruir o próprio fundamento do ensino do autor a respeito da superioridade de Cristo sobre Arão.
1.0 evento histórico O escritor da Epístola resume toda a passagem histórica do Gênesis 14.18-20 em uma única longa sentença: Porque este Melquisedeque> rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimoque saiu ao encontro deAbraão, quando voltava da matança dos reis, e o abençoou, para o qual também Abraão separou o dízimo de tudo (primeiramente se interpreta rei dejustiça, depois também é rei de Salém, ou seja, rei de paz; sem pai, sem mãe, sem genealogia; que não teve princípio de dias, nem fim de existência, entretanto, feito seme lhante ao Filho de Deus), permanece sacerdoteperpetuamente. Hebreus 7.1-3 ara Aqueles versículos do Gênesis são a única fonte histórica do argumento do autor de Hebreus, e, por estranho que pareça, grande parte do argumento é extraída do que náo se disse. Diversas informações se destacam claramente aqui: 1, O nome Melquisedeque se origina de Malchi tsedeck, que significa reijusto, provavelmente por causa do caráter reto de seu governo. O título rei de Salém significa rei depaz. Westcott observou que o geni tivo, em cada um dos casos, indica as características do soberano: ele é um rei dejustiça e um rei depaz, aquele em quem e por meio de quem a justiça e a paz se realizam. “O caráter pessoal do reisacerdote chama atenção para o reino que ele administrava; sendo justo em si mesmo, mantinha paz sob seu domínio”. 2. De Melquisedeque não se sabe a genealogia: Sem pai, sem mãe, sem genealogia; que não teve princípio de dias, nem fim de existência (Hb 7.3 a r a ) . Assim, toda a história de
Melquisedeque, exceto este único evento registrado, é oculta a nós, sem dúvida por desígnio divino. A base do argumento do escritor de Hebreus, portanto, é que Melquisedeque se destaca como rei-sacerdote náo por herança ou descendência, mas por seus próprios méritos. Além disso, náo havendo registro nem do início nem do término do seu reinado, torna-se um símbolo digno do sacerdócio eterno de Cristo. 3. O autor da Epístola disse ainda que Melquisedeque foi feito semelhante ao Filho de Deus. Assim, a vida dè Melquisedeque e a de Abraão em relação a Cristo mostram a ordenação provi dencial que lança os alicerces de um sacerdócio eterno fora da ordem levítica e no qual a realeza e o sacerdócio reúnem-se em uma só pessoa. Estes são os argumentos que o autor desenvolverá depois. É fato significativo que as sementes da decadência de Is rael e da inauguração da nova ordem jazem ocultas na literatura tida pelo povo judeu como sagrada e divinamente inspirada. j -----Suponhamos que aqueles três versículos de Gênesis não tivessem existido. A narrativa, em relação a outros aspectos, continuaria inalterada. Suponhamos que soubéssemos agora, pela primeira vez, pela decifração de alguma antiga inscrição, que o pai dos fiéis [Abraão] — ao qual todo o judaísmo contempla como seu fundador; o recipiente das pro messas que são o seu documento de propriedade — a quem Deus, como dissemos, revelou-se diretamente, o único que foi chamado Seu amigo, esteve realmente em contacto com um sacerdote mais antigo de sua própria religião, pagou-lhe tributo e curvou a cabeça sob sua bênção. Que uso fariam os assaltantes da fé de uma revelação como esta? Que agonias de sobressaltos torturariam aquela boa gente, tão fraca que empalidecesse quando soubéssemos que, exatamente por esta época, Hamurabi promulgou um código de Lei que pode ter influenciado as leis de Israel? Não obstante, sabemos que tais sobressaltos seriam ridículos e sem fundamento. Todo o bem procede de Deus, e os seus santos no Antigo e no Novo Testamento acolhem-no e tiram proveito dele. (C hadwick, Epistle to the Hebrews, p. 97)
A pessoa de Melquisedeque tem sido fonte de muita especulação. Já em 135 a.C., o rabi Ismael1 apresentou a teoria de que Melquise deque era filho de Sem, o filho de Noé, que preservara a verdadeira religião em sua própria pessoa e em seu próprio reino. Fílon achava que Melquisedeque era simplesmente a razão divina funcionando de maneira sacerdotal, exercendo controle sobre as paixões e inspirando pensamentos exaltados sobre Deus. Orígenes, do período cristão primitivo, julgava Melquisedeque um ser angélico; alguns diziam que era o anjo Miguel. Talvez o primeiro a sugerir uma teoria que recebeu alguma aceitação em tempos modernos foi Hierakas, cerca do século 3 d.C., que considerava Melquisedeque uma encarnação temporária do Espírito Santo; uma teofania com referenda especial à terceira pessoa da Trindade. Dentre as primeiras heresias da Igreja, tivemos a dos melquisedequitas (200 d.C.), que tinham Melquisedeque como o original de que Cristo era cópia. Em Hebreus 7.3, náo está escrito que Melquise deque náo tinha pai nem mãe, mas que era sem pai nem mãe conhecidos, sem genealogia, não havendo também notícia de seu nascimento e de sua morte — o que assinala decisivo contraste com o costume dos semitas, que mantinham registros minuciosos, como se verifica pe los capítulos genealógicos da Bíblia. Provavelmente, o esclarecimento para isso resida em que a verdadeira religião de Noé foi transmitida por meio da linhagem de Sem até Melquisedeque e seu reino, que compreendia em si o sacerdócio patriarcal. O SALMO PROFÉTICO
O SENHOR jurou e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque. Salmo 110.4 a r a Este salmo profético é o único elo entre o evento histórico em Gênesis e sua aplicação em Hebreus. O escritor da Epístola faz uso
dele da maneira mais completa, conferindo importância a cada palavra: 1)para sempre, com sua ideia de finalidade; 2) feito semelhante ao Filho de Deus (Hb 7.3 a r a ) , revelando a orientação providencial que veio a harmonizar Melquisedeque com o Redentor que havia de vir; 3) o juramento que confirmou o sacerdócio do Filho de Deus; e 4) o silêncio concernente à genealogia de Melquisedeque, que não somente fala do sacerdócio eterno de Cristo, mas cria uma atmosfera de mistério, que alça o acontecimento todo do reino natural para o espiritual. Notável também, naturalmente, é a conjugação de realeza e sacerdócio, fato conhecido em Israel, em que o sacerdócio dependia inteiramente da linhagem. Sendo a dispensação uma aliança ou pacto, o sacerdote é, por força, a figura central, pois a dispensação é, em certo sentido, um sacerdócio. A ordem sacerdotal, por conseguinte, é da maior importância. Por este motivo, quando se colocam a antiga e a nova dispensações em grande contraste, este focaliza as divergentes ordens de sacerdócio. A nova aliança está para a antiga como o sacerdócio segundo Melquisedeque está para a ordem levítica. Não obstante, a expressão sacerdote para sempre (SI 110.4 a r a ) é, provavelmente, de extrema relevância para o escritor de Hebreus, pois torna-se o selo da finali dade quanto aos atos sacerdotais de Cristo ao santificar o povo (Hb 10.10 ara) e assinala a eternidade da aliança (Hb 7.22 a r a ) , pertencendo-lhe ambos por virtude de Sua vida indissolúvel (Hb 7.3,8,16 a r a ). Esta Ele tem porque é o Filho de Deus (Hb 7.3 a r a ) . O sacerdócio, portanto, resolve-se na natureza da pessoa. Como Melquisedeque é apresentado sem conexões genealógicas e, todavia, era sacerdote, assim também Cristo é sacerdote por Seus próprios méritos, em virtude de Suas qualificações, e náo de Suas relações humanas, como o sacerdócio levítico. j ------
Quando Davi, com espírito profético, vê da semente que lhe é pro metida que, como Melquisedeque, Ele conjugará a dignidade real com a sacerdotal, certamente não prediz nestas palavras uma associação
meramente exterior e mecânica das duas dignidades, mas tem diante de si a figura de um homem em que, como em Melquisedeque, o poder real seria consagrado e penetrado pela virtude santificadora da dignidade e obra sacerdotais, a figura, portanto, de um Rei que verdadei ramente governaria em paz. (O lshausen, Biblical commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 218)
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A GRANDEZA DE MELQUISEDEQUE
Considerai, pois, como era grande esse. Hebreus 7.4a ara A palavra considerai traz em si a ideia de contemplação diligente ou de fixar a atenção nas coisas que estão para ser ditas. O escritor da Epístola aos Hebreus quer que consideremos Melquisedeque em sua dignidade e preeminência. Para isso, vai conduzindo-nos passo a passo. Ele sabe que uma compreensão adequada daquele que fo i feito semelhante ao Filho de Deus (Hb 7-3 a r a ) levará a uma apreciação mais profunda da nova ordem de sacerdócio, a qual, mediante uma nova aliança, eleva à perfeição tudo o que fora antecipado mas não se realizara sob a antiga aliança. Chegamos, assim, ao âmago da Epístola, o sacerdócio do Filho de Deus, que permanece para sempre. Vai demonstrar que Melquisedeque é superior a Abraão (Hb 7.4-10 a r a ), a Arão e ao sacerdócio levítico (Hb 7-13-14 a r a ) , e a Moisés e à Lei que foi dada pela dispensação dos anjos (Hb 7.15-19 a r a ) . Para os judeus, era como se uma auréola de glória envolvesse Abraão, o antigo patriarca. Ele era o pai da nação hebraica; a ele fo ram feitas as promessas que tornaram Israel o povo eleito de Deus. Por intermédio dele, viria a semente em que seriam benditas todas as nações da terra, e o seio de Abraão era conhecido como a morada dos bem-aventurados que partiram. Essa grandeza o escritor de Hebreus reconhece espontanea mente, mas declara que Melquisedeque é maior. Extrai o argumento em favor desta superioridade dos dois atos sacerdotais executados por
Melquisedeque em relação a Abraão. Assim, Melquisedeque ficou situado na história hebraica de maneira tál que jamais poderia ser posto de lado. Estes dois atos sacerdotais foram: (1) Abraão ter pago dízimos a Melquisedeque; (2) Melquisedeque ter abençoado Abraão.
1. Abraão pagou dízimos a Melquisedeque Era um antigo costume entre muitos povos antigos consagrar um décimo dos despojos de guerra aos objetos lie sua adoração. Este dízimo não era segundo alguma provisão de Lei, mas uma oferta eucarísüca àqueles que esses povos julgavam ter-lhes concedido a vitória. O argumento do autor pode ser resumido da seguinte maneira: 1. Melquisedeque, que não pertencia a nenhuma classe sacerdotal com direito legal de receber dízimos, agiu não por Lei, mas em virtude da grandeza de sua pessoa. 2. Os levitas recebem dízimos de seus irmãos, sendo eles próprios, no entanto, mortais. Contudo, Abraão pagou dízimos Àquele de quem se testifica que vive (Hb 7.8c a r a ). 3. Combinando os dois conceitos acima, o escritor de Hebreus consolida o argumento pela declaração de que o próprio Levi deve ter reconhecido a superioridade de Melquisedeque e, con quanto ainda não tivesse nascido, em certo sentido pode-se dizer que pagou dízimos em Abraão.
2. Melquisedeque abençoou Abraão O autor da Epístola pressupõe que os leitores aceitarão sem contestação que o menor é abençoado pelo maior. A bênção pronun ciada por Melquisedeque sobre Abraão e o fato de que este a aceitou colocaram suas posições relativas fora de dúvida. Não se considera aqui a natureza dessa bênção. O escritor tem em vista apenas mostrar a superioridade de Melquisedeque sobre Abraão.
Paulo, em sua Epístola aos Gálatas, evidentemente refere-se a isto quando diz: Para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a Jim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido (G1 3.14 a r a ) . O apóstolo reforça o argumento dizendo que as pro messas foram feitas a Abraáo e à sua semente, e interpreta esta semente como Cristo: Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo (G1 3.16 ar a ). E conclui dizendo: E, se sois de Cristo, então, sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa (GI 3.29). Como Abraáo se curvou submisso para receber a bênção de Melquisedeque, devemos curvar-nos em humilde submissão a Jesus, o nosso Sumo Sacerdote para sempre, e receber, pela fé, a Sua bênção, que é dom do Consolador, a presença constante do Espírito Santo. E interessante notar que o autor da Epístola aos Hebreus não faz menção do pão e do vinho, que se acham tão intimamente relacio nados com o sacerdócio no versículo: E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e este era sacerdote do Deus Altíssimo (Gn 14.18). Pode ser que tenha compreendido que o historiador considerasse este pão e este vinho como leve repasto para Abraão e seus homens, ou que estivessem fora do propósito de seu argumento. Mesmo assim, po rém, o pão e o vinho, tão intimamente relacionados com o sacerdócio, podem ter sido uma profecia dos elementos sacramentais que nosso Senhor haveria de usar como emblemas da nova aliança. A semelhança reside em que foi após a ligeira refeição da Ceia Pascal: [Jesus] tomando opão e havendo dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isso em memória de mim. Semelhantemente, tomou o cálice, depois da ceia, dizendo: Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue, que é derramado por vós. Lucas 22.19,20 As igrejas tradicionais, naturalmente, dão grande importância a isto, mas, mesmo nas em que não se dá grande ênfase aos sacramentos,
eles se tornam memoriais de toda a obra de Cristo. Assim, descorti nam-se diante de nós amplas perspectivas de realizações sob a nova ordem de sacerdócio, que encontrarão pleno cumprimento na gloriosa segunda vinda de Jesus. A SUPERIORIDADE DA NOVA DISPENSAÇÃO: UM
SACERDÓCIO ESPIRITUAL
Tendo provado a superioridade de Melquisedetjue sobre Abraão, a tarefa seguinte é prová-lo superior a Arão e à Lei que foi recebida sob o sacerdócio levítico. O argumento é dividido em duas seções: o fracasso da ordem levítica (Hb 7.11-13 a r a ) e o nascimento de um novo sacerdócio sob a ordem de Melquisedeque (Hb 7.14-19 a r a ).
1.0 insucesso da ordem levítica Se, portanto, aperfeição houvera sido mediante o sacerdócio levítico (pois nele baseado opovo recebeu a Lei), que necessidade haveria ainda de que se levantasse outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, e que nãofosse contado segundo a ordem deArão? Hebreus 7.11 a r a O objetivo do escritor de Hebreus não é discutir a natureza da perfeição; ele já o fez nos capítulos anteriores. Neste ponto, simplesmente visa a demonstrar que ela não poderia vir oom o sacerdócio levítico. Davidson observou que “a perfeição é sempre relativa. Uma instituição chega à perfeição quando realiza a finalidade para a qual foi instituída e produz resultado que corresponde ao seu ideal”. O que o autor da Epístola considerou perfeição em Hebreus 7.11 está claramente expresso no versículo 19, isto é, a aproximação dos homens com Deus. Isto o sacerdócio levítico não poderia conseguir porque não podia ipnover o pecado, e este é incompatível com a santidade de Deus. Tem de haver um sacerdócio superior, para que se obtenha uma melhor esperança.
2. A expressãoparentética A expressão parentética pois nele baseado o povo recebeu a Lei é introduzida pelo autor da Epístola para apontar para a pergunta original e salientá-la. O sacerdócio de Arão foi na verdade instituído por Deus, mas constituído com base na Lei. Conquanto as palavras nele baseado (con forme se encontram em nossa traduçáo) melhor expressem o poder formal ou formativo desta Lei concernente ao sacerdócio, as palavras em grego sáo epi autes (èm avTi)ç), significando literalmente acima ou em cima de. Por isso, devemos entender não que o povo recebia a Lei dos sacerdotes, mas que o próprio sacerdócio era constituído e preservado intacto pelas Leis que Deus impusera ao povo, a fim de manter a autoridade daquele. Diz-se, portanto, que o povo era legislado ou sujeito à Lei, e a palavra nenomothetetai (v£VO(^o0éxT]Tai), recebeu, no perfeito, indica que esta condição continuava até o tempo atual. É, pois, fácil com preender por que o escritor da Epístola aos Hebreus declara que um sacerdócio, precisando ser mantido pela Lei, é muito inferior àquele que procede do poder de uma vida eterna.
3. A pergunta do autor da Epístola Que necessidade haveria ainda de que se levantasse outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, e que náofosse contado - segundo a ordem de Arão? Hebreus 7.11b aba Haveria necessidade porque Deus mesmo proveu uma diferente or dem ou espécie de sacerdócio, tendo-a anunciado profeticamente por Davi e confirmado por juramento. Este fato indica, a um tempo, o insucesso do sacerdócio levítico para realizar o seu objetivo e a introdução de uma ordem nova e transcendente, que traz uma esperança superior.
Arão era o símbolo de Cristo, bem como Melquisedeque, pois Cristo foi chamado por Deus, como Arão o foi'(Hb 5.4). Mas a obra de Arão era apenas simbólica, não espiritual. Daí ser necessária uma nova ordem ou um novo tipo de sacerdócio: (1) para tornar real, em experiência espiritual, aquilo que fora tipificado por Arão e pelo sacer dócio levítico; (2) para levar o sacerdócio para além dos limites da vida terrena de Cristo. Arão simbolizou Cristo em Sua humilhação; Melquisedeque, em Sua vida glorificada no céu. Arão era sacérdote da morte; Melquisedeque, da vida. Arão representava a cruz; Melquisedeque, o trono. Arão representava a expiação consumada de Cristo na terra; Melquisedeque, a Sua intercessáo contínua no trono dos céus. Arão náo poderia concluir ou aperfeiçoar sua obra por motivo da morte; Cristo, porém, tem um sacerdócio imutável - Ele é sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque (SI 110.4 a h a ) . Torna-se claro que existe vasta distinção entre as duas ordens de sacerdócio realizadas por Cristo: uma que Ele realizou sob humi lhação na terra, como expiação pelos pecados da humanidade; outra administrada com poder de Seu trono nos céus. Mas a obra de nosso Sumo Sacerdote é uma, e a menor, a simbolizada por Arão, está compreendida na maior, que é simbolizada por Melquisedeque. O inverso é igualmente verdade, pois aquilo que é realizado por Cristo no trono é por virtude daquilo que, em Sua humilhação, Ele realizou na cruz. A obra operada por Cristo sob o símbolo de Arão diz respeito à remoção do pecado; a que se efetuou sob o símbolo de Melquisedeque, à vida eterna e ao amor. A verdade contida neste simbolismo é frequentemente expressa em termos mais abstratos, como os aspectos negativos e positivos de uma única experiência de santificação completa. Pela obra operada por meio de Arão, entende-se a purificação do pecado inato; pela operada por Melquisedeque, a plenitude do amor divino. Ambas são efetuadas ,pelo Espírito Santo, que purifica o coração, para que Ele possa assumir a Sua presença constante nele.
Tampouco devemos esquecer que náo é pelo coraçáo santifi cado que a obra de Deus avança, mas por Aquele que habita nele. Nisto, e náo no que Ele operou dentro de nós, é que reside o segredo do progresso na vida cristá. É por náo reconhecer esta grande verdade que muitos deixam de entrar neste pleno privilégio em Cristo, dando, ao mesmo tempo, origem a graves erros de doutrina. j ------A santificação é mais do que negação do pecado; tem um lado posi tivo ilimitado, em que a saúde moral promove o crescimento, a força e o engrandecimento [...] Existe uma diferença na santificação completa nos seus começos, na sua infância e na sua maturidade, como estado avançado, ratificado e confirmado de pureza [...] A santificação náo aniquila coisa alguma no coração, a náo ser a existência de prática do pecado. Perfeição em qualidade, como é o caso do perfeito amor, não exclui aumento em quantidade. (W o o d , Purity and maturity)
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____ r Recorda-se de termos verificado que a santificação implica tanto
a morte ao pecado como a vida de justiça. E quando falamos de santi ficação completa como a primeira parte dela, dizemos que é alcançada imediatamente — é uma obra instantânea [...] Mas, com relação à segunda parte desta grande obra, a saber, a vida de justiça, compreendendo todas as perfeições santas e esforços piedosos, é considerada como inteiramente progressiva. (P eck, Christian petfection, p. 212) ---- r
Sheridan Baker disse que, logo após entrar na vida santificada, começou a desviar sua atenção daquilo que fora feito por ele para as coisas que via diante de si. Via, como tantos outros, que o estado de pureza e plenitude geral do Espírito eram de pouca estima comparados com “toda a plenitude de Deus” e o viver no reino do fazer infinita mente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos (Ef 3.20 a r a ). Desde então, declarou ele, “tenho procurado continuamente não o perdão ou a pureza, ou a graça já recebida, mas cada vez mais da natureza de Cristo”.
Foi esta compreensão da plenitude da graça no sacerdócio de Melquisedeque que levou o piedoso John Fletcher a dizer: “Para mim, é pouca coisa ser purificado de todo pecado. Quero ficar cheio de toda a plenitude de Deus”. William Bramwell, um dos primeiros pregadores metodistas, exclamava: “Ser justificado é grandioso; ser santificado é grandioso. Mas o que náo será estar cheio da plenitude de Deus!” Há os que, tendo entrado nesta graciosa experiência da santificação completa, deixaram que sua mente se ocupasse tanto com a maravilhosa purificação interiormente operada que, por algum tempo, deixaram de compreender, em toda a sua extensáo, os seus privilégios em Cristo. Até entáo, Cristo era apenas o seu Arão, não a plenitude do sacerdócio de Melquisedeque. Que revelação maravilhosa foi para a minha alma quando, ao estudar esta preciosa Epístola aos Hebreus, esta grande verdade recaiu sobre mim como raios brilhantes vindos do céu! Cristo é Sacerdote para sempre! Sua obra sacerdotal não cessou quando fomos purificados do pecado. Seu propósito é fazer de nosso coração os aposentos de Sua presença divina, onde Sua glória se há de revelar cada vez mais. E como quando, da falência de uma casa comercial, diz-se que os bens vão para as mãos de um síndico [uma espécie de tutor], que se encarrega de todos os negócios dela. Assim, nossa vida, desde o encontro com Cristo em diante, deve seguir por intermédio do Síndico, nosso Sumo Sacerdote, que, como Filho, aperfeiçoou-se para sempre. Que transformação isso operou em meu pensamento; que fardo tirou do meu coração e que conforto e segurança trouxe à minha vida! Tampouco deixou Ele de guiar-me pelo Seu Espírito em tempos de perplexidade ou de fortalecer-me pelo Seu poder em todos os conflitos e em todas as aflições da vida. Que alegria saber que Ele cuida de nós melhor do que podemos cuidar de nós mesmos! Não se trata de nova obra da graça; é uma nova compreensão da verdade mediante o escla recimento do Espírito, uma das surpresas gloriosas da consagração do “fardo desconhecido”.
Alguns procuram o batismo do Espírito Santo como um dom de poder para o serviço, sob o símbolo de Melquisedeque, e esquecemse da obra preliminar de Cristo de purificação sob o símbolo de Arão. Todavia, a obra de Cristo sobre o trono é por virtude de Sua obra na cruz e do sangue ali derramado para a purificação do pecado. Cristo náo pode reinar integralmente no coraçáo do homem sem esta purifi cação, pois a carne náo está sujeita à Lei de Deus. H á os que consideram a santificação limitada à obra da purificação, compreendendo o batismo do Espírito Santo como obra adicional da graça, ou, pelo menos, um dom de poder. A santificação, porém, é mais do que purificação; é purificação a fim de que o Espírito venha habitar em nosso interior. Não pode haver santificação sem a presença santificadora dele.
4. Uma mudança de sacerdócio impõe alteração na Lei Pois, quando se muda o sacerdócio, necessariamente há também mudança de Lei. Porque aquele de quem são ditas estas coisasper tence a outra tribo, da qual ninguém prestou serviço ao altar. Hebreus 7.12,13 ara Visto que o sacerdócio levítico era constituído, regulado e manti do pela Lei Mosaica, uma alteração na espécie ou ordem do sacerdócio ocasionaria, necessariamente, uma alteração na Lei que o mantinha. Isto é evidente. O autor de Hebreus aborda o assunto cautelosamente, usando palavras suaves e gerais, como metatithemenes ()J£Ta'u0£|-iévr)ç)) sendo mtídado ou quando se muda, e metathesis (|J£ T á 0 E < 7 iç ), mudança. Tendo, porém, dado este passo inicial, o escritor mostrará depois (Hb 7.18) que esta alteração significa a anulação completa da Lei que afeta a constituição e o serviço do sacerdócio levítico. A respeito da palavra meteskeken ((-lETécxTlKEv), no versículo 13, que, nas versóes Almeida Revista e Atualizada e Almeida Revista e Corrigida, está traduzida como pertence a, sendo, às vezes, igualmente
traduzida como tem parte em, o bispo Westcott diz: “A escolha desta palavra aponta para a assunção voluntária da humanidade pelo Senhor. Náo se diz simplesmente que Ele nasceu em outra tribo; por Sua própria vontade Ele assim nasceu” (W estcott , Commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 184). O SURGIM ENTO DA NOVA ORDEM DE SACERDÓCIO
Pois é evidente que nosso Senhor procedeu de Judá, tribo à qual Moisés nunca atribuiu sacerdotes. E isto é ainda muito mais evidente, quando, à semelhança de Melquisedeque, se levanta outro sacerdote, constituído náo conforme a Lei de mandamento carnal, mas segundo o poder de vida indissolúvel. Porquanto se testifica: Tu és sacerdotepara sempre, segundo a ordem de Melquisedeque. Portanto, por um lado, se revoga a anterior ordenança, por causa de suafraqueza e inutilidade (pois a Lei nunca aperfeiçoou coisa alguma), e, por outro lado, se introduz esperança superior, pela qual nos chegamos a Deus. Hebreus 7.14-19 a r a O argumento em íavor desta ordem de sacerdócio é apresentado em duas seçóes. A primeira é caracterizada pelas palavras pois é evi dente (v. 14); a segunda, por e isto é ainda muito mais evidente (v. 15). Para destacar melhor o argumento, o escritor de Hebreus usa dois vocábulos gregos distintos. Para a primeira expressão, usa prodebn (7iqóòt]Àov ), que significa algo evidenciado por fatos; para a segunda, katadelon (KaTáõrjÀov), que expressa conclusão extraída de interfe rências apropriadas.
1. Pois é evidente que nosso Senhor procedeu de judá, tribo à qual Moisés nunca atribuiu sacerdotes (Hb 7.14 a r a ) Esta se trata de uma evidência claramente corroborada pelos re- , gistros genealógicos mantidos com tanta meticulosidade pelos judeus. E
também nada se destaca mais claramente nas Escrituras do que o fato de que o Messias deveria ser da linhagem de Davi e da tribo de Judá. No en tanto, Moisés nada disse a respeito desta tribo quanto ao sacerdócio. Só pode haver uma conclusão: a introdução de um novo tipo de sacerdócio, vindo da linhagem real, significa a exclusão de Arão e de sua casa do oficio sacerdotal.
2. E isto é ainda muito mais evidente, quando, à semelhança de Melquisedeque, se levanta outro sacerdote, constituído não conforme a Lei de mandamento carnal, mas segundo o poder de vida indissolúvel. Porquanto se testifica: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 7.15-17 a r a ) Esta evidência se encontra na declaração das Escrituras de que Deus mesmo testifica de Um que é sacerdote para sempre, segundo a nova ordem, a de Melquisedeque. Esta palavra das Escrituras nenhum judeu poria em dúvida. A nova ordem é mais espiritual do que legal; mais real do que sacerdotal; eterna, ao invés de transitória. O escritor da Epístola introduz também o pensamento de que, con quanto a perfeição não tivesse sido atingida pelo sacerdócio levítico, jamais houve desígnio de que ela fosse alcançada por esta ordem. Ele demonstrará depois que este sacerdócio mantido pela Lei era apenas a sombra das coisas por vir (Hb 10.1) e aguardava o de Cristo, cujo sacrifício expiatório poderia purificar os homens de todo pecado e levá-los à presença de Deus. O autor de Hebreus não diz que esta Lei náo tinha valor; diz apenas que era fraca e, portanto, poderia meramente preparar o ca minho para algo melhor. Paulo tomou deste pensamento e chamou à legislação mosaica nosso aio,para nos conduzira Cristo (G13.24). Este progresso do argumento faz com que a transitoriedade do sacerdó cio levítico repouse sobre dois contrastes notáveis: (1) entre a Lei e o poder; e (2) entre o mandamento carnal e a vida eterna. No primeiro contraste, demonstra-se que o sacerdócio leví tico assenta-se unicamente sobre a Lei formal ou positiva, pelo que
se entende uma segunda promulgação da Lei, visando a proteger ou perpetuar algo mais fundamental. É, portanto, transitória, e pode ser revogada quando o seu objetivo for atingido. Por isso, os sacerdotes levíticos eram apenas “legais”, enquanto o verdadeiro sacerdócio mes siânico de Cristo repousava sobre a Lei fundamental da qualificação espiritual e da capacidade inerente para o cargo. O segundo contraste, entre o mandamento carnal e a vida eterna, leva o pensamento ainda mais longe. Usa-se aqui a palavra mandamento, pois o escritor de Hebreus evidentemente não se está referindo a toda a Lei Mosaica, mas apenas àquela porção que se refere ao sacerdócio. A palavra carnal chama atenção para o fato de que todas as exigências do sacerdócio levítico eram de natureza física ou carnal. Não se faz menção a aptidóes morais ou espirituais. Caracteriza-se pela linhagem externa, perfeição física e pureza cerimonial. Um mandamento, portanto, baseado exclusivamente nos requisitos carnais de um corpo sujeito à morte deve, por força, ser transitório em sua própria natureza. Em contraste e oposição a isto se estabelece uma vida eterna e indissolúvel. Cristo, na verdade, entregou a Sua vida como sacrifício pelo pecado, mas teve poder também para retomá-la (Jo 10.18). Tu és sacerdote para sempre (Hb 7.17 a r a ) não significa apenas que, na perspectiva futura, o sacerdócio jamais cessará, mas também que, na passada, ele não teve princípio. O sacerdócio do Filho repousa na eternidade de Deus. Sacerdote para sempre, Ele vive e opera no poder da vida divina. j
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Quem quer que Leia Hebreus 7.18,19 lembra-se de Gálatas 4.9 e Romanos 8.3- “Não há que duvidar que se trata de uma daquelas coincidências que, dificilmente, poder—se-iam dar onde náo houvesse comunidade de pensamento e expressão” (Alford). Julgamos, contudo, ,
descobrir ainda mais; nada menos que um autor comum. A semelhança de nosso contexto estende-se a uma similitude entre o versículo 16
[de Hebreus 7] e Romanos 8.2, onde Porque a Lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da Lei do pecado e da morte parece ser a mesma verdade expressa ao chamar Cristo sacerdote, que não foi feito segundo a Lei do mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível (Hb 7.16). E a mesma verdade prestando serviço em Romanos 8, entre os cristãos gentios, como aqui presta serviço entre os cristãos judeus. É o mesmo autor falando em duas situações, como é a mesma verdade para duas relações diferentes. (Lowrie , An explanation ofthe Hebrews, p. 247,248)
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A ANULAÇÃO D O MANDAMENTO
Portanto, por um lado, se revoga a anterior ordenança, por causa de sua fraqueza e inutilidade. Hebreus 7.18 ara Esta passagem assinala a conclusão do escritor de Hebreus a respeito do sacerdócio levítico. Observemos sucintamente os estágios do argumento. 1. Iniciou-se com a simples pergunta: que necessidade haveria de outra espécie de sacerdócio? 2. Segue-se, então, a verdade óbvia de que, se fosse alterado o sacerdócio, teria de haver também uma alteração na Lei que o constituiu e regulou. 3. A evidência em favor de uma nova ordem de sacerdócio é apresentada da seguinte forma: (a) pelo fato de que o novo sacerdócio deveria provir de Judá, que não é da ordem levítica; (b) pela dedaração das Escrituras de que Deus testificou a respeito de Seu Filho: Tu és sacerdotepara sempre (Hb 7.21 a r a ) . 4. O argumento é, assim, reduzido ao caráter fundamental das duas ordens de sacerdócio: o levítico, constituído secundo a w
Lei da ordenança carnal; o messiânico, segundo o poder da vida eterna. A estes pode acrescentar-se um sumário geral: Pois a Lei nunca aperfeiçoou coisa alguma (Hb 7.19 a r a ) , servindo de transiçáo para o assunto seguinte. 5. Por outro lado, introduz-se esperança superior (v. 19b). Como no versículo 16, existe igualmente nestes dois um duplo contraste, em que o mandamento é suplantado por uma esperança superior, e sua fraqueza e inutilidade pelo poder por meio do qual nos aproximamos de Deus. Deve-se fazer, pois, clara distinção entre a Lei moral que procede da natureza de Deus e vigorou desde o tempo da criação do homem e o que aqui se chama ordenança, pela qual o sacerdócio de Aráo foi instituído e regulado. Paulo se referiu à Lei moral quando disse: Assim, a Lei é santa; e o mandamento, santo, justo e bom (Rm 7.12); o autor da Epístola (em Hebreus 7.18) está referindo-se à Lei cerimonial no que dizia respeito ao sacerdócio de Aráo, ao dizer que foi abrogada por causa de sua fraqueza e inutilidade. A Lei náo pode aperfeiçoar coisa alguma — seja a Lei moral, seja a cerimonial, mas por razões muito diversas. A Lei moral é perfeita por ser a vontade de Deus para o homem, mas estava enferma pela carne (Rm 8.3). Tais eram os seus padrões, que os homens pecaminosos náo lhe poderiam prestar perfeita obediência. Deus só poderia, portanto, condenar os desobedientes, náo os ajudar. Por outro lado, a Lei cerimonial era fraca em si mesma, e, sendo ela própria imperfeita, náo poderia tomar perfeitos os ofertantes (Hb 10.1 a r a ). Para compreender as diferenças, entáo, entre as ordens sacer dotais de Arão e de Melquisedeque e suas conseqüentes alianças, é necessário comparar a vida com a Lei. As criaturas de Deus agem de acordo com a natureza que lhes fdi dada. A árvore boa produz bons frutos, e a árvore má, maus. Assim também o homem, em seu estado original, agia de acordo com a
santidade de sua vida. Mas ele foi criado como ser moral e espiritual, capaz de escolher entre o bem e o mal, no estado probatório. Quando o homem caiu em pecado, sua vida se perverteu, pelo que lemos que a Lei fo i ordenada por causa das transgressões (G1 3.19), isto é, uma Lei chamada ordenança ou mandamento foi acrescentada, para fazer cumprir outra [a moral]. A Lei, pois, torna manifestos os erros de uma vida, mas é importante para corrigi-los. Uma vida santa irá manifestar-se em pensamentos e ações santos. A santidade sempre se manifesta em amor; o amor, quando genuíno, conduz sempre à santidade. Arão era sacerdote segundo um mandamento carnal; Cristo é sacerdote segundo a virtude da vida incorruptível (Hb 7 .16b). Ora, lemos que o mandamento era santo, justo e bom (Rm 7.12). A obra de Cristo, portanto, náo é adicionar mais itens à Lei, porém transformar de tal modo a vida que a leve a harmonizar-se com a Lei de Deus. Somente quando percebemos que esta nova ordem de sacer dócio age como vida dentro de nós, tornando-se a nossa própria vida, começamos a apreciar a profundidade do sacerdócio de Cristo segundo a ordem de Melquisedeque. Ficamos tão fortalecidos pela inspiração daquele que é a Vida, que a vida dele dentro de nós se torna a nossa existência; e, em Sua manifestação, a nossa vida é a dele manifesta por nosso intermédio. Quando a carne é crucificada, então, e só então, podemos dizer como o apóstolo Paulo: Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim (Gl 2.20). Podemos dizer, pois, que Arão ministrava exteriormente; Cristo, interiormente. Arão ministrava por meio de sacrifícios simbólicos; Cristo ministra o Espírito. O ministério de Jesus é a manifestação da santidade e da justiça procedentes de Seu ser. Visto que Ele tem a virtude da vida incorruptível (Hb 7-16), não é necessário haver interrupção ou enfraquecimento do Espírito naqueles nos quais Ele habita.
(Pois a Lei nenhuma coisa aperfeiçoou), e desta sorte é introduzida uma melhor esperança, pela qual chegamos a Deus. Hebreus 7.19 Ainda que a Lei não tenha aperfeiçoado coisa alguma, na verdade serviu para introduzir uma esperança melhor. Visto quê a esperança é obje tiva, esta melhor esperança deve ser assim considerada.
l.A esperança objetiva Esta esperança melhor introduz aquela perfeição que Deus providenciou para o homem por intermédio do Cordeiro que fo i morto desde a fundação do mundo (Ap 13.8). Inclui purificação de todo pecado e restauração da comunhão do homem com Deus. Isto foi realizado pelo nosso Sumo Sacerdote, mediante Sua morte na cruz. Sua ressurreição, ascensão e Seu assentamento no trono à destra do Pai. O sangue de animais oferecido pelo sacerdócio levítico náo podia remover o pecado, mas o sangue expiatório de Cristo, o Filho de Deus, purifica-nos de todo pecado (1 Jo 1.7). Os sacrifícios ceri moniais eram deficientes, pois dependiam inteiramente da eficácia do sangue de Cristo, que ainda havia de ser derramado. Os salvos sob a dispensação do Antigo Testamento não o foram pelos sacrifícios sacerdotais, mas pela fé no sangue de Cristo, o qual aqueles sacrifícios representavam. Quando, pois, o sangue de Cristo foi derramado na cruz, todo o sistema cerimonial de sacrifícios, com o sacerdócio por meio do qual eram oferecidos, tendo servido à sua finalidade simbólica, foi revogado. * Dissolveu-se na esperança superior, o sangue expiatório de Jesus Cristo, o Filho de Deus, nosso eterno Sumo Sacerdote.
2. A esperança subjetiva O escritor de Hebreus, tendo apresentado a esperança objetiva como o sacrifício expiatório de Cristo, dá atenção também à subjetiva, com as palavras pela qual chegamos a Deus (Hb 7.19). Sob o sacerdócio levítico, Deus se manifestou na forma de uma ordenança fixa; sob a nova ordem de sacerdócio, o Pai se une com o homem na pessoa do Filho, que assumiu a nossa natureza e habitou nela (Hb 2.16b). Assim, a esperança superior conduz os homens à presença de Deus mediante Jesus Cristo (1 Pe 3.18). As palavras chegamos a Deus também apontam o caminho para as verdades mais profundas que o autor da Epístola vai apresentar, concer nentes ao rompimento do véu e à entrada no Santíssimo, onde habitam a harmonia e a comunhão proporcionadas pelo Espírito Santo. O F
ia d o r d e u m a a l ia n ç a s u p e r io r :
UM
SACERDÓCIO PERPÉTUO
O paralelo seguinte que o escritor de Hebreus traçou entre as ordens levítica e a de Melquisedeque trata do juramento pelo qual este último sacerdócio foi confirmado: E, visto que não é sem prestar juramento (porque aqueles, semjuramento, sãofeitos sacerdotes, mas este, com juramento, por aquele que lhe disse: O Senhor jurou e não se arrependerá: Tu és sacerdotepara sempre); por isso mesmo, Jesus se tem tornadofiador de superior aliança. Hebreus 7.20-22 a r a Seguimos os passos pelos quais o escritor provou a fraqueza e inuti lidade (Hb 7.18 a r a ) do sacerdócio levítico, e, partindo daqui, analisaremos sucintamente os passos pelos quais ele chegou à conclusão de que Cristo é o Fiador de uma superior aliança, que torna possível a salvação total.
1. O sacerdócio levítico não alcançou a perfeição, portanto qualquer alteração nele demandou uma alteração na Lei. 2. O novo sacerdócio, pertencente mais à vida que à Lei, necessa riamente encontra expressão na nova aliança. 3. A perpetuidade do sacerdócio é confirmada por juramento; portanto, este sacerdócio torna possível uma aliança melhor. 4. Esta depende da continuidade da intercessão de Cristo junto ao Pai por nós; por conseguinte, esta aliança melhor torna pos sível a salvação total ou perfeita. Três tópicos exigem consideração aqui: a natureza do juramento; o significado da palavrafiador, e a perpetuidade da aliança. Estes tópicos, em conjunto, preparam-nos para o próximo assunto - a salvação total.
1. A natureza dojuramento E, visto como não é sem prestar juramento (porque certamente aqueles, sem juramento, foram jeitos sacerdotes, mas este, com jura mento, por aquele que lhe disse:Jurou o Senhor e não se arrependerá: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque). Hebreus 7.20,21 Em Hebreus 7.1-10, foi demonstrado que o sacerdócio segundo a ordem de Melquisedeque é representado pelo salmista como símbolo do sacerdócio messiânico e, por isso, superior à ordem de Arão. Em Hebreus 7.11-19, o escritor da Epístola prova que o sacerdócio levítico e a Lei Mosaica (pela qual foi constituído e regulado), sendo simbólicos e preparatórios, eram apenas um estágio imperfeito, desti nado a ser abolido. Em Hebreus 7. 20-24 e 28, o escritor demonstrará que Jesus é o Messias. Logo, em oposição tanto ao sacerdócio levítico como à Lei Mosaica, Ele é o Sacerdote perfeito, que introduz um testamento superior ou uma aliança perfeita.
A palavra juramento vem do grego horkomosias (oQKío|aoaíaç) e pode significar juramento ou a prestação de juramento, no sentido da declaração que o acompanha. As palavras pros auton (7IQÓÇ aúróv), na Authorized Version, estão traduzidas como a Ele, e, na American Revised Version, dele (unto him e of him, respectivamente). Westcott observou, contudo, que estas palavras têm um duplo significado com relação às duas partes do versículo citado (v. 21). A primeira tem Cristo como seu objeto, significando, portanto, com respeito a Ele, enquanto a segunda parte é dirigida diretamente a Ele, sendo, assim, corretamente traduzida como a Ele, lhe [a Ele disse; lhe disse]. Mas que necessidade de juramento havia? A Palavra de Deus não é em si mesma infalível e imutável, tanto quanto um juramento pode fazê-la? Podem-se apresentar diversas razóes: 1. Este novo sacerdócio, instituído com a solenidade de um jura mento, que não foi prestado com relação ao sacerdócio de Arão, indica que ele foi uma designação mais importante, introduzindo, pois, um testamento melhor. Visto ser um costume de longa tradição confirmar as nossas transações mais importantes com uma declaração juramentada, é evidente que Deus tencionou demonstrar com estas palavras solenes a importância do sacerdócio messiânico sobre o levítico. 2. A importância do juramento reside também na declaração à qual se ligava, a saber, que Cristo era Sacerdote para sempre — um sacerdócio imutável de vida indissolúvel. Quanto ao sacerdócio levítico, Deus não fez menção de perpetuidade. 3. Aos dotados de profunda visão espiritual, o juramento assinala a diferença entre a aliança das obras e a da fé; entre a obediência à Lei e as gloriosas promessas do evangelho. Referindo-se outra vez ao juramento que Deus fez a Abraáo — Jurei, por mim mesmo, diz 0 SENHOR [...] que deveras te abençoarei e certamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus e como a areia na praia do mar [...] (Gn 22.16,17 ar a ) — , o escritor de
Hebreus nos remete ao significado da declaração do Senhor Eu ofarei. Assim, a Lei externada pelas obras, que assinalou o insucesso da primeira aliança, é substituída pela Lei da fé. Nenhum mérito cabe ao homem, pois toda a jactância é excluída por esta Lei da fé (Rm 3.26-28). A justiça é o dom de Deus mediante Jesus Cristo, nosso Senhor (Rm 5.17).
2. O Fiador de superior aliança Por isso mesmo, Jesus se tem tomadofiador de superior aliança. Hebreus 7-22 a r a
A palavra grega egguos (eyyuoç), traduzida como fiador, encontra-se apenas aqui no Novo Testamento, sendo igualmente rara até no grego clássico. Sua origem é obscura, porém o uso de termos afins claramente lhe fixa o significado como fiador. Mas qual a impor tância desta palavra e qual o seu real significado? Quanto à importância, está indicada pela relação entre as palavras visto que (v. 20 a r a ) e por isso mesmo, nos presentes versículos: E, visto que náo ésemprestarjuramento [que Ele foi feito sacerdote] [...] por isso mesmo, Jesus se tem tomadofiador de superior aliança (v. 20,22). O juramento, assim, caracteriza o sacerdócio e o Fiador co sendo eternos e imutáveis, e a superioridade deste testamento sobre o antigo é o que o Dr. W hedon chama a medida da veracidade incomensurávelde Deus. Esta superior aliança, da qual Jesus é o Fiador, foi confirmada e reiterada com o Seu próprio sangue (Hb 9.15-17). A respeito destes versículos, disse o Dr. Sampson: j ------O fãto de que o autor da Epístola, expositor infalível, extrai o argu mento desta circunstância vem a favor da mais elevada teoria da inspiração das Escrituras. Parece indicar que devemos analisar todo e cada traço e característica da linguagem sagrada, cada aspecto, cada palavra, como ,
registrados por intenção divina, dela tendo o significado. (Sampson, A criticai commentary on the Epistle to the Hebrews, p. 275)
A palavra fiador tem sido teologicamente interpretada de forma errônea, devendo, portanto, receber cautelosa consideração. 1 - Cristo náo é o Fiador diante de Deus pela boa conduta do homem, mas o Fiador de uma aliança que Deus fez com o homem. Daí, como observou o Dr. Adam Clarke, o ensino “de que Cristo foi fiador da primeira aliança, para pagar o débito, e da segunda, para cumprir o dever”, é absurdo e perigoso. 0 testamento melhor ou a aliança superior não é fundamentado em obras — essa era a fragilidade da antiga aliança; ele o é no sentido de testamento em que Deus, mediante a morte de Seu Filho, fez provisão para o povo, a ser recebida exclusivamente pela fé. Assim, a fraqueza da carne é vencida pelo poder de Deus, que Jesus concede por intermédio do Espírito Santo em resposta à fé singela no sangue de Cristo, derramado por muitos, para remissão dos pecados (Mt 26.28). 2 - 0 texto (Hb 7.22) náo diz que Cristo será o Fiador da aliança; Ele o é. Isto foi realizado pela Sua encarnação — Sua vida, morte, ressurreição e ascensão. Visto, porém, que é o sacerdócio que estamos considerando, só se menciona a Sua intercessâo junto ao Pai como consumação. Cristo é o Fiador de uma superior aliança, pois, em Sua humanidade glorificada, foi até a presença de Deus por nós. Disse o bispo Westcott: j -----Diversas vezes, o fiador se compromete em que alguma coisa setá feita; porém, o Cristo ressurreto testemunha que alguma coisa é; a cer teza não é do futuro, mas do que é presente, embora não visto. Deve-se observar que não está escrito que Jesus é Fiador do homem perante Deus, mas de uma aliança de Deus com o homem. (W estcott , Commentary on The Epistle to the Hebrews, p. 191) --- r
Como o uso da palavrafiador (èyyuoç) tem sido feito de forma abusiva ou em sentido não-escriturístico e perigoso, náo será inopor tuno examinar um pouco mais do seu significado. O vocábulo grego significa penhor e supóe-se ser assim chamado porque fica alojado com ou nas máos do credor. É quase o mesmo significado que fiança ou caução [...] Dessa forma, portanto, a palavra que traduzimos como fiador náo pode ser aplicada no sentido acima, pois Cristo — como Fiador — jamais assegurou que faria todas estas coisas por eles, a me nos que os homens cumprissem as condições desta%ielhor aliança, isto é, arrependessem-se do pecado, desviassem-se dele, cressem no Filho de Deus e, tendo recebido a graça, caminhassem como filhos da Luz e fossem fiéis até a morte! Náo satisfazer essas condições seria absurdo e impossível; daí, a glosa e comentário de alguns aqui ser tam bém absurdo e perigoso, a saber, “que Cristo foi o Fiador da primeira aliança, para pagar o débito, e da segunda, para cumprir o dever”. (C larke ,
The Epistle to the Hebreivs, cap. 7 )
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Qual foi este juramento de Deus? Quando foi feito? Um antigo comentador responde: “Náo é outro, senão o propósito do decreto divino, que, de modo algum, deve ser subvertido”. Ele tem razão. Talvez, porém, possamos reconhecer no juramento também a cer teza imutável dada pelo Pai eterno à consciência do Filho eterno, a quem Ele se dirige. Náo tem data no tempo e náo é tanto um evento como a certeza permanente feita manifesta. E isto confere sublime força ao presente: T u és,(Hb 7.21). Por isso mesmo, Jesus se tem tornado fiador de superior aliança (v. 22), diz a Epístola, recorrendo ao nome próprio para maior ênfase, usando, para o mes mo objeto, a palavra fiador (que náo se encontra em outra parte do Novo Testamento em grego ou inglês), em vez de mediador, o que é freqüente, e introduzindo o pensamento, novo nesta conexão, de uma aliança a acestar, em lugar de causa a pleitear. Esta também está entre os pensamentos a serem logo renovados e amplificados. (C hadwick , Epistle to the Hebrews, p. 101,102)
Macknight diz que a palavra não é aplicável, neste senddo (isto é, fiador pelo bom comportamento de outrem), aos sumos sacerdotes judai cos, pois, para ser fiador idôneo, é necessário ter o poder para compelir a parte a cumprir aquilo pelo que tornou o outro seu fiador; ou, no caso de náo cumpri-lo, o fiador deve ser capaz de fazê-lo ele próprio. Sendo este o caso, quem dirá que os sumos sacerdotes judaicos eram fiadores dos israelitas diante de Deus, cumprindo a pane deles na aliança da Lei? Ou fiadores junto ao povo pelo cumprimento da parte de Deus na aliança? Tampouco, pois, é provável que, nesse sentido, Jesus fosse o Fiador da nova aliança. Isso porque, uma vez que esta não exige obediência perfeita, mas apenas a obediência da fé, se a obediência da fé não for prestada pelos próprios homens, por ninguém poderá ser prestada em seu lugar; a menos que suponhamos que os homens pudessem ser salvos sem fé indi vidual. Devo concluir, portanto, que os que falam de Jesus como o Fiador da nova aliança devem concordar que Ele requer obediência perfeita, a qual, não estando ao alcance dos crentes prestar, Jesus a prestou por eles. Mas não será isto o mesmo que fazer da aliança da graça um concerto de obras, contrariamente ao teor das Escrituras? Por estas razóes, acho que os comentadores gregos deram o verdadeiro significado a è y y u o ç nesta passagem, quando a explicaram como mediador (|a£CTtTr|Ç). (C iarke , Commentary on the Epistle to the Hebrews)
3. A perpetuidade da aliança Ora, aqueles são feitos sacerdotes em maior número, porque são impedidos pela morte de continuar; este, no entanto, porque continua para sempre, tem o seu sacerdócio imutável. Hebreus 7.23,24 a r a O escritor da Epístola aos Hebreus demonstrou que o novo sacerdócio é superior ao antigo por ter sido confirmado com um jura mento; e, sendo um sacerdócio superior, introduziu um testamento
ou uma aliança superior: a da fé, em vez de a das obras. O autor comenta agora, pelo uso da conjunção kai (ícaL), outro aspecto da nova aliança, isto é, a sua perpetuidade. As palavras ora, aqueles, referindo-se aos muitos sacerdotes da antiga ordem, destinam-se a dar ênfase àquilo que não poderia ser contestado: que são impedidos pela morte de continuar. O argumento, todavia, é apresentado não apenas para explicar a existência de muitos sacerdotes, mas também para provar a natureza temporária daquela ordem [levítica], devido à fraqueza e enfermidade (-inerentes à carne). Todo o sistema do sacerdócio levítico e a aliança que representava caracterizavam-se pela mudança, fragilidade e morte. Em contraste, Jesus tem um sacerdócio imutável em virtude de Sua vida indissolúvel. Seu ofício é perpétuo. Jamais poderá passar para outro. Assim, após discorrer sobre a suprema dignidade do sacerdócio de Cristo, por ter sido confirmado com juramento de Deus, o escritor de Hebreus evidencia que Jesus é o Autor de um testamento superior de uma vida indissolúvel; e Ele é soberano em capacidade, porque o Seu é um sacerdócio perpétuo, ininterrupto na administração e sem sucessor. A SALVAÇÃO PERFEITA: UM SACERDÓCIO EFICAZ
Em nossa interpretação das experiências espirituais, associadas aos diferentes aspectos da pessoa e obra de Cristo, examinamos o seguinte: 1.Em conexão com a divindade de Cristo, temos a grande salvação e a conseqüente advertência contra a negligência. 2.
Em conexão com a humanidade de Cristo e Sua humilhação, temo a santificação, com uma advertência contra o endurecer o coração.
3. A respeito de Cristo como apóstolo, temos o descanso da fé e uma advertência contra a incredulidade. 4. A respeito do sacerdócio de Cristo, temos a salvação eterna e uma advertência contra a indiferença ou o ser tardios em ouvir.
5. No que concerne às promessas melhores, remos a perfeição cristã e uma advertência contra a indolência ou falta de progresso. Chegamos agora ao aspecto da experiência espiritual conhecido como salvação completa ou perfeita; aqui, porém, não encontramos advertência. Em lugar disso, os versículos seguintes enumeram os atri butos de Cristo que o tornam perfeito, o Sacerdote eficaz que pode salvar totalmente. Seguem-se ainda dois aspectos e duas advertências: 1. O Santíssimo em conexão com a obra do Sumo Sacerdote no santuário. Aqui é que se menciona o sangue da expiaçáo, e a advertência que se segue é contra o pecado voluntário. 2. Finalmente, temos a palavra santidade e a exortação para seguir a paz com todos e a santificação [ou santidade], sem a qual ninguém verá o Senhor (Hb 12.14 a r a ) . Isto é ainda sintetizado no propósito supremo da Epístola: Por isso, foi que também Jesus, para santificar opovo, pelo seu próprio sangue, sofreufora da porta. Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério (Hb 13.12,13 a r a ) . Temos aqui a advertência: Tende cuidado, não recuseis ao quefala (Hb 12.25a a r a ) . Visto que tal se declara em conexão com a nossa herança etema e o Juízo Final, pode bem ser considerada advertência contra a apostasia final. P e r fe it a m e n t e salvos
Por isso, também pode salvar totalmente os quepor ele se chegam a Deus, vivendo sempre para intercederpor eles. Hebreus 7.25 ara Este versículo é introduzido naturalmente pelo que o precede, o qual apresenta o sacerdócio imutável de Cristo. E é porque Ele vive sempre para interceder por nós que nos pode salvar completamente, perfeitamente ou totalmente.
O escritor de Hebreus demonstrou que a perfeição náo veio pelo sacerdócio levítico, e disse, de fato, senão' por palavras, que a perfeição veio mediante Cristo. No versículo anterior, ele não usa a palavraperfeição ( t e à é lg j c t lç ) , mas o termo mais geral sozein (cxoÇeiv), salvar, ao qual acrescenta a expressão eis to panteles (eiç t o T ta v T e À é ç ), que significa completa mente, perfeitamente e totalmente, como antes indicamos. Trata-se de expressão enfática, atribuindo a Cristo uma salvação que inclui todas as perfeiçóes possíveis, todos os fins beneficentes, perdão dos pecados, santificação, e por fim a vida eterna (Rm 6.22b). Este texto [Hb 7.25] justifica a alusão a Jesus como o Santificador que aparece em Hebreus 2.11, e esta santificação, em seu significado mais amplo, inclui a purificação de todo pecado e a presença do Espírito Santo. O u tr o u so d a p a la v ra
to talm ente
A locução grega eis to panteles, aqui traduzida como totalmente, encontra-se em outro lugar no Novo Testamento, traduzida como de modo algum. Lemos que estava ali uma mulher que tinha um espírito de enfermidade havia já dezoito anos; e andava curvada e náo podia de modo algum endireitar-se (Lc 13.11 a r a ; grifo do autor), sendo a locução grega idêntica à encontrada em Hebreus 7.25. A mulher não podia endireitar-se completamente ou perfei tamente. Como, pela cura milagrosa, ela pôde endireitar-se até a sua plena estatura fisicamente, assim, o autor da Epístola aos Hebreus nos diz que Jesus possibilita aos homens endireitarem-se até a sua plena estatura espiritual. Deus jamais destrói nos homens uma faculdade que Ele criou. Mas, purificado de todo pecado e de toda injustiça, o homem pode endireitar-se até alcançar sua plena estatura. Não sabemos até que nível o Espírito de santidade pode elevar e manter a alma que se entrega inteiramente a Ele; sabemos, porém, que, quaisquer que sejam os
patamares atingidos, eles devem-se à nova vida, aperfeiçoada em Cristo pela obediência e pelo sofrimento, e agora transmitida ao Seu pOVo pelo poder do Espírito Santo. O PO D E R DA INTERCESSÃO
A palavra intercessão, que revela o meio pelo qual Cristo salva total e perfeitamente, está repleta de profundo significado e conforto espiritual. O vocábulo grego entu.gcha.nein (èvT u y x á v s i v ) , encontrado também no uso clássico, significa principalmente encontrar com ou tratar com alguém sobre assuntos de interesse comum. Encontra-se, em conexáo com a palavra hyper, em Romanos 8.26, onde lemos que o Espírito Santo faz intercessão por nós com gemidos inexprimíveis. Contrariamente aos sacerdotes levíticos, que precisavam oferecer sacrifícios todos os dias por si mesmos, Cristo fez um único sacrifício supremo para sempre; foi o que fez quando, por intermédio do Espírito eterno, entregou-se a si mesmo sem mancha a Deus (Hb 9.11). Eis o porquê de o Seu caráter e sacrifício serem perfeitos; resta-lhe agora apenas pronunciar a palavra, e a obra se faz. Como pela Sua palavra foram feitos os mundos e Ele agora sustenta todas as coisaspelapalavra do seupoder (Hb 1.3b), assim também, por aquela palavra, pode Ele salvar da perdição total para a salvação completa. Se com tal facilidade nosso Senhor nos céus atende às necessidades do Seu povo, não deveríamos com maior frequência e toda confiança ousa damente aproximar-nos do trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno? (Hb 4.16). A S CARACTERÍSTICAS DA NOVA DISPENSAÇÃO: UM SACERDÓCIO ID Ô N EO
O autor da Epístola chega ao clímax de sua escrita e descreve, para si mesmo e para nós, o Sacerdote ideal, que é Cristo (Hb 7.26-28).
o Sumo Sacerdote que se identifica conosco isto_é, que „„vém às nossas necessidades, deve ter três tipos de perfeição: a C 'rrr a de Sua oferta e a da intercessao. 'Antes de analisar estas qualificações, contudo, convem observar ^ p r i m e i r a vez que o autor da Epístola usa o termo su m « " “ Mld° m 3 ° rdem M d f — aiomco. ^ ' unicamente emC° conexão com ^o sacerdoco _ Cristo náo é apenas o antítipo do sumo sacerdoco aromco, í também o sacerdote de uma dispensação inteiramente diversa. < Z do portanto, estes dois aspectos de Cristo [rei e sacerdote] se combicomo acontece aqui, énecessário atentai para a distmçao. O escritor u " e “ g ^ d e q expiaçáo de Cristo, o Seu sacrificio supremo f „ SeuTngresso além do véu até a presença de Deus. Demonstrara °im que Cristo preencheu náo apenas o simbolismo que se ligava ao ^ n o sacerdócio dTordem de Arão. Cristo foi também Sacerdote de uma nova ordem, cuja distinção reside nisto: 1. Arão foi sacerdote na fraqueza da carne; Cristo é o Filho eterno de Deus. 2. Aráo tinha um santuário mundano ou terreno; Cristo ministra de Seu trono nos céus. 3 O sangue de sacrifícios de animais, que jamais poderia remover o p 2 d o , foi anulado no sacrificio de Cristo de uma vez por todas. Por isso, Cristo é o Ministro de um smtuario celestial OFiador de uma aliança melhor. Observemos as três perfeições deste Sumo Sacerdote ideal.
1. Cristofoi perfeito quanto ao Seu caráter e à Sua vocação Com efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo inculpável, sem mácula, separado dos pecadores efeito mais alto do que os ceus.
H ebreus 7.26
ara
Encontram-se neste versículo cinco declarações a respeito da perfeição de Jesus, nosso Sumo Sacerdote, e cada uma delas em aposição à palavra toioutos (toloutoç), um tal ou assim como este. 1. Cristo era santo interior e exteriormente. O vocábulo santo neste contexto náo é hagios (áyioç), que significa separadospau Deus, mas hosios (óaioç), que é separado da contaminação. 2. Ele era inculpável. A palavra grega é akakos (áicaKoç), o antô nimo de maldade e, portanto, afirma que nada do que fosse vil ou inferior estava ligado a Ele. Ele era sem mácula em todas as manifestações de Sua vida. 3. Ele era sem mácula, palavra que vem de amiantos (áfuíavroç), isto é, que não traz em si mancha devido ao pecado. Isto talvez seja uma alusão à necessidade de perfeição física nos sacrifícios do Antigo Testamento. 4. Ele era separado dos pecadores; e, realmente humano. Como Homem entre os homens, manteve-se isento dos pecados. Nota-se que as qualidades precedentes são apenas variações de ênfase sobre uma única qualidade suprema, a santidade como isenção de pecado. A elas, acrescenta-se que: 5. Ele foi feito mais alto do que os céus — sem dúvida, uma referência à entrada do sumo sacerdote no Santíssimo no Dia da Expiaçáo. Verificar-se-á adiante que uma das principais características do nosso Sumo Sacerdote é que Ele ministra do trono no santuário celeste.
2. Cristofoi perfeito como oferta sacrificial Que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios pe cados, depois, pelos do povo; porque fe z isto uma vez por todas, quando a si mesmo se ofereceu. Hebreus 7.27 a r a
Esta é a segunda evidência da perfeição de Cristo. Ao contrário dos sumos sacerdotes levíticos, Ele não tinha pecados a expiar e, por tanto, tornou-se a Propiciação única pelos outros. Os contrastes são distintos: os sacerdotes levíticos ofereciam sacrifícios diariamente; Cristo ofereceu um, de uma vez por todas. Os sacrifícios deles não podiam tornar os comungantes perfeitos; o sangue que Jesus derramou nos purifica de todo pecado e de toda injustiça. Como nos versículos anteriores, temos a primeira menção de um Sumo Sacerdote associado à ordem de Melquisedeque, em Hebreus 7.27 temos a primeira referência a Cristo como o Sacrifício perfeito. O verbo oferecer deve ser complementado pelas palavras a Deus, indicando, dessa forma, que Cristo se ofereceu sobre o altar de Deus. Cristo foi tanto o Ofertante como a Oferta perfeita. Em Hebreus 2.9 (a r a ) , lemos que Cristo, tendo sidofeito menor que os anjos, por causa do sofrimento da morte, fo i coroado de glória e de honra. Vemos que Sua glória e Sua honra se manifestaram quando Ele provou a morte por todos os homens.
3. Cristo e a Sua obra intercessóriaperfeita Porque a Lei constitui sumos sacerdotes a homens sujeitos à fraqueza, mas a palavra do juramento, que fo i posterior à Lei, constitui o Filho, perfeito para sempre. Hebreus 7.28 a r a Este versículo é uma recapitulação das verdades anteriores apresentadas, mas aqui resumidas e expressas em sua forma final: 1. A Lei constituiu como sumos sacerdotes homens sujeitos à fraqueza, a qual, na presente acepção, inclui tanto as limitações naturais da humanidade finita como as imperfeições pessoais do sumo sacerdote.
2. A palavra do juramento, pelo que se entende a prestação dejura mento, foi subsequente à Lei e, portanto, deve tomar conhecimento dela. E o que faz revogando-a (Hb 7.18), pois uma mudança no sacerdócio implica mudança da Lei (Hb 7.12). 3. Este Sumo Sacerdote maior é o Filho, perfeito para sempre. A palavra Filho, no original, está sem o artigo definido. Refere-se à filiação encarnada de Cristo; acepção que o escritor de Hebreus tornou clara nos capítulos anteriores da Epístola. O Verbo, o Filho eterno, tendo encarnado como Deus-Homem, viveu a vida de homem entre os homens, durante os dias da Sua carne e, por meio de Sua experiência humana, tornou-se misericordioso efiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus (Hb 2.17). A palavra consagrado, que aparece em lugar de perfeito na versão inglesa, é muito imprópria e causa grande confusão de ideias. O v o c á b u l o g r e g o teteleiomenon ( T e x e À E iO f ié v o v ) e s tá n o p a r t ic í p i o p a s s iv o p e r f e i t o d e teteleioo ( x e x e À e íc o ) e s i g n i f i c a fo i aperfeiçoado e a i n d a c o n t i n u a a s e r p e r f e it o .
A perfeição, teleiosis (xeÀéiüxniç), não foi atingida pelo sacer dócio levítico, mas foi realizada pelo Filho, que foi aperfeiçoado para sempre. Deste modo, a perfeição do Filho se torna a antítese direta da imperfeição dos sacerdotes arônicos. Como, porém, conseguiu Cristo ser indefectível? Ele aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tomou-se o Autor da salvação eternapara todos os que lhe obedecem (Hb 5.8b,9 a r a ). Agora, contudo, tendo enfrentado e vencido a morte como o último inimigo, tornando-se assim o Primogênito dentre os mortos, Cristo ascendeu aos céus, levando, em Seu estado glorificado, a Sua humanidade — e a nossa — ao trono de Deus. Por causa da Sua expiação, concluída sobre a terra, e Sua presença intercessória à destra de Deus, o Pai concedeu o Espírito Santo como Dádiva à Igreja de Cristo, querendo isto dizer que Ele habita no meio do Seu povo em poder santificador.
Quando Ele voltar segunda vez, nós também ressurgiremos no poder e na glória da ressurreição e seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos (1 Jo 3.2c). Que triunfo maravilhoso de Cristo! Que esperança gloriosa para o Seu povo!
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N o tas 1—
De acordo com o Talmud, Ishmael ben Elisha era descendente de uma rica família sacerdotal da Galiléia e um estudioso compilador da Mishná, uma das principais obras do judaísmo rabínico e a primeira grande redação na forma escrita da tradição oral judaica, chamada a Torá Oral.
8 O MINISTÉRIO SUPERIOR E A NOVA ALIANÇA JL
^ necessidade de uma nova ordem de sacerdócio, baseado escrituristicamente sobre as alusões a Melquisedeque, no Antigo Testamento. Demonstrará agora a necessidade de uma nova ordem de serviço, fundada em uma comparação entre Arão e Cristo. Esta nova seção é geralmente considerada como se estendendo de Hebreus 8.1 a 10.18 e inclui uma análise dos dois ministérios (Hb 8.3-6); as duas alianças ou dispensações (Hb 8.7-13); os dois tabernáculos (Hb 9.1-12); as duas ofertas (Hb 9.13-28); e os dois sacrifícios (Hb 10.1-18). Devem ser considerados também os dois véus (Hb 10.19-22), mas estes versículos em geral são classificados na seção exortativa. O presente capítulo será analisado dentro das quatro divisões seguintes: a transição; o Ministro do santuário; o Mediador da aliança superior; e as provisões da nova aliança. A TRANSIÇÃO
O escritor de Hebreus, tendo sintetizado o pensamento dos ' capítulos anteriores a respeito da perfeição do sacerdócio de Cristo, passa imediatamente a uma análise da perfeição do Seu ministério.
Ora, o essencial das coisas que temos dito ê que possuímos / sumo sacerdote, que se assentou à destra do trono da Majestade “ céus. n°s Hebreus 8.1 ah* Estes versículos de transição a respeito da realeza e do sacer dócio de Cristo são baseados no Salmo 110. lb,4b: Assenta-te à minha mao direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés. Tu es um sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque (v. 4b).
1 .Ora, o essencial das coisas que temos dito é que possuímos tal sumo sacerdote (Hb 8.1 a a r a ) A palavra kephalaion (K£cf)áÂaiov) tem sido interpretada pelos comentadores, tanto os antigos como os modernos, de duas maneiras direrentes: (1) como suma, no sentido de sumário [como vemos na ARC: Om, * suma do que temos dito]; e (2) como * essencial, no sentido d e p o n t o p r i n c i p a l d o a r g u m e n t o [ c o m o v e m o s n a a r a : Ora, o essencial das coisas que temos dito], Vaughan viu a última interpretação como um ponto-chave e assim interpreta esta porção do versículo: "Como ponto capital das coisas que estão sendo ditas”; ideia que constitui a pedra angular do pensamento; e ainda como “ponto principal que coroa nossa expo sição . Este ponto supremo é expresso nas palavras: possuímos tal sumo sacerdote. A palavra tal significa a dignidade e a glória da pessoa de Cristo, anteriormente descrito como santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e mais sublime do que os céus (Hb 7.26). É um Sacerdote tal que nos convém, que é próprio para nós. Gloriosa como é esta verdade, não raro é considerada mera mente como exposição doutrinária, e não como método prático de vida. O autor da Epístola, porém, não está tratando de abstrações, a, “ W. revelando ao coração de seus irmãos e a toda a humanidade
a plenitude da salvação que provém de Deus e procurando orientar convencionalmente a sua fé. Ele deseja que compreendam que, se pela confissão que fizeram do Senhor crucificado, que ressuscitou e ascendeu a0s céus, tornaram-se proscritos da comunidade de Israel e já não mais sáo considerados fiéis quanto às ministraçôes no templo terreno, náo ficaram, por isso, sem o eterno Sumo Sacerdote de sua confissão, que ministra no santuário celestial. Ministrando nos céus, tudo o que Jesus é e faz é celestial; e esta vida celeste Jesus revela ao coração do Seu povo', habitando nele mediante o Seu Espírito Santo. O trono a destra da Majestade, nas alturas (Hb 1.3) não deve mais, portanto, ser contemplado à distância e com temor; ao contrário, o povo é levado a aproximar-se de Deus com afeição filial. O nosso Sumo Sacerdote é tal que podemos fazer entrega total de nossa vida a Ele e viver, dia a dia, mediante a Sua intercessão sacerdotal. Temos tal sumo sacerdote não apenas em teoria, mas em experiência pessoal, e por Ele vivemos na presença de Deus dentro do Santo dos Santos, além do véu. 2.
Que se assentou à destra do trono (Hb 8 . lb a r a )
As declarações feitas a respeito do Sumo Sacerdote e Seu ministério parecem ter sido agrupadas de modo a serem imediata mente assimiladas e relacionadas umas com as outras. Daí termos o trono, a majestade e os céus, que representam a Sua autoridade real; e estão intimamente relacionadas às Suas funções sacerdotais no verdadeiro tabemáculo, igualmente nos céus. As palavras que se assentou a destra do trono sugerem um ato voluntário de Um que assume o trono em virtude da tarefa realizada ou de um alvo plenamente atingido; ao passo que à destra sugere lugar de honra e poder, bem como de satisfação e deleite. O direito de Cristo ao trono é a recompensa de Sua realização pessoal. , Vimos que o Filho tornou-se Homem e, por causa do sofrimento da morte, foi coroado de glória e de honra, para que, pela graça de Deus,
provasse a morte por todo homem (Hb 2.9 a r a ) . Recebeu Ele, portanto, duas glórias: uma por direito, a de tornar-se Homem, e a outra pela graça de Deus, a da realização pessoal (Jo 12.28). Quanto à primeira glória, disse Jesus de Sua vida humana: Tenho poder para a dar e poder para tornar a tomá-la (Jo 10.18b). Conquanto também tenha sido dito que Ele ressuscitou por Deus, o Pai da glória, e pela suprema grandeza do seu poder (Ef 1.19a ar a ), é claro que, pelo Seu Espírito, o Filho participou de Sua própria ressurrei ção, como o fez quando da encarnação e que nem uma nem outra foi por um poder alheio a si mesmo. O Pai concedeu ao Filho ter vida em si mesmo (Jo 5.26). Logo, quando Jesus ressuscitou dentre os mortos, triunfou, por realização pessoal, sobre a morte como Seu último inimigo, e teve tanto o direito como o poder de assentar-se à destra do trono do Pai, onde foi coroado de glória e de honra.
3. O trono da Majestade nos céus (Hb 8.1c a r a ) Neste momento, tudo converge para os céus. A atenção é diri gida para cima. O autor da Epístola coloca diante de nós uma série de contrastes, baseados em dois níveis: a substância celestial e a imagem ou sombra terrena. A expressão nos céus só pode referir-se à morada e manifestação da presença gloriosa de Deus, o lugar em que a vontade dele é perfeita e completamente atendida sem a operação de erro de qualquer pecado. Lemos que Jesus atravessou os céus (Hb 4.14), é mais sublime, superior, que os céus (Hb 7.26) e assentou-se sobre o trono da Majestade (Hb 8.1). O sofrimento que Ele experimentou e as lágrimas que verteu quando encarnado, a morte dolorosa que padeceu na cruz para a expiaçáo do nosso pecado, já haviam terminado. Do Seu trono nos céus, Ele reina com autoridade para levar a efeito a salvação operada sobre a terra. Como Sumo Sacerdote, Cristo representa a expiaçáo do pecado; como Rei, o poder da redenção. Como Sacerdote, reina com
a dignidade e autoridade de rei; como Rei, administra a aliança feita conosco nos dias da Sua humilhação. Cofno Sumo Sacerdote, na Sua humanidade glorificada, Ele representa o homem para Deus e, na Sua natureza divina, Ele simboliza Deus para o homem. Tudo o que fàz, quer como Sacerdote, quer como Rei, é celestial. E esta vida celestial Ele nos comunica por intermédio do Espírito. Assim é que estabelece dentro do coração do Seu povo o Reino dos céus, o qual, em seu estágio inicial, é descrito como justiça, epaz, e alegria no Espírito Santo (Rm 14.17). U
m M in is tro d o s a n tu á rio
Como ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem. Hebreus 8.2 Tendo sido apresentado o aspecto real de Cristo, a atenção é agora dirigida para o Seu sacerdócio ideal. Ele é ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo, o qual o Senhor fiindou, e não o homem (Hb 8.2). Embora assentado à destra do trono de Deus, Cristo é ainda Sacerdote, revestido de autoridade real; Rei com a paciente benignidade de um Sacerdote. O sacerdote náo deve apenas trazer a oferta; deve também mi nistrar num santuário, um local de aproximação de Deus. O santuário de Cristo está nos céus, no verdadeiro tabernáculo que Deus erigiu. Ministra Cristo conforme as realidades espirituais do céu, e ali repre senta Seu povo e leva-o à presença de Deus mediante o Espírito. O vocábulo grego para santuário em Hebreus 8.2 não é o ter mo comum ho naos (óvaóç), mas ton hagion (xcov áyícov), dos santos-, e, visto que as funções sacerdotais de Cristo estão em conformidade com todas as manifestações da presença divina, acrescenta-se o termo mais genérico skenes (cncr|vqç), tabernáculo. Disse Westcott: “A idéia geral é a da imediata presença de Deus (xàãyia) e a cena de Sua manifestação aos que o adoravam (t) OKT)vr|)”.
Tendo Cristo entrado no Santo dos Santos pelo Seu próprio sangue, o autor da Epístola mostrará, depois, que Ele preparou um novo e vivo caminho para o Santíssimo e habita além do véu. Nós também podemos entrar pelo Seu sangue ali, onde habita a presença santificadora do Espírito Santo. É para termos essa vida de santidade que o escritor de Hebreus nos insta a entrar.
1. O sumo sacerdote e sua oferta Pois todo sumo sacerdote é constituído para oferecer tanto dom como sacrifícios; por isso, era necessário que também esse sumo sacerdote tivesse o que oferecer. Hebreus 8.3 ara Segue-se, portanto, que Cristo, sendo Sumo Sacerdote, deve ter o que oferecer, e o escritor de Hebreus nos disse, de modo preliminar, que esta oferta é Ele mesmo (Hb 7.27). Mas será apenas quando tomar o assunto do tabemáculo maior e mais perfeito que o autor da Epístola completará o seu pensamento e apresentará, de maneira adequada, a oferta suprema de Cristo. E o que faz sob o simbolismo do grande Dia da Expiaçáo, de modo que Levítico 10 deverá estar sempre associado a Hebreus 9 e 10, sendo o primeiro o capítulo central da expiaçáo no Antigo Testamento, e os segundos os importantes capítulos neotestamentários da expiaçáo. É interessante observar que, no texto grego de Hebreus 8.3, evidencia-se uma verdade crucial, nem sempre perfeitamente reco nhecida nas traduções inglesas. A palavra prospherein (nQoofyÉQEVj), oferecer, na acepçáo aplicada aos sacerdotes judeus, é um iterativo, infinito presente, para expressar que eles levavam as suas ofertas repetidamente, jamais cessando de levá-las todos os anos. A palavra, contudo, aplicada à oferta de Cristo é prosenegkei (nQoacvÉyKT]), do mesmo radical, mas aqui usado no subjuntivo aoristo e, portanto, de sentido meticuloso, significando apenas uma oferta de Jesus,
sem repetição desse ato. Este fato o autor da Epístola trata mais inte gralmente nos capítulos 9 e 10.
2. O santuário celestial O versículo seguinte assinala um passo adiante no progresso do argumento: Ora, se ele estivesse na terra, nem mesmo sacerdote seria, visto existirem aqueles que oferecem os dons segundo a lei (Hb 8.4 a r a ) . O s sacerdotes levitas eram divinamente designados para servir no tabernáculo terreno; por isso, teria sido ilegal que outro, ainda que superior a eles, servisse em seu lugar. O argumento é este: 1. Cristo não poderia ser Sacerdote na terra, pois não pertencia à linhagem levítica. O escritor é enfático: [pela Lei], Ele não seria sacerdote de nenhuma espécie, muito menos sumo sacerdote, incumbido tão-somente daprosphora (TiQOcrcjjOQá), a oferta do sangue no Santo dos Santos no grande Dia da Expiaçáo. 2. Os dons e sacrifícios dos sacerdotes levitas eram também pres critos pela Lei Mosaica, entendendo-se que esta era de autoridade divina para a instituição como um todo, incluindo o ritual, bem como o dever. Visto que Jesus não poderia ser Sacerdote na terra, nem a Sua oferta ser aceitável no tabemáculo terreno, é muito evidente que o Seu sacerdócio superior demandava um santuário celeste, e a Sua oferta o maior e mais perfeito tabemáculo (Hb 9.11 a r a ) . Assim, a necessidade do santuário celeste é apresentada pela ineficiência e impropriedade do tabemáculo terreno.
3. O original e a sombra C ontinua a progredir o pensamento do autor da Epístola quanto aos sacerdotes levitas, os quais ministram em figura e som bra das coisas celestes, assim como fo i Moisés divinamente instruído, quando estava para construir o tabemáculo; pois diz ele: Vê que
faças todas as coisas de acordo com o modelo que te fo i mostrado no monte (Hb 8.5 a r a ) . Nesse versículo, há uma referência a Êxodo 25.9,40, onde se acha claramente expresso que o tabernáculo e o seu mobiliário, reve lados a Moisés, eram apenas uma cópia do que lhe fora mostrado no monte. O santuário celeste é que é o original; o terreno era apenas cópia ou sombra. Por esta razáo, o autor da Epístola descreve os sacerdotes levitas como prestando serviço em um reino de sombras e em um santuário feito por mãos humanas. Conquanto o serviço do tabernáculo terreno fosse apenas sombra da realidade celeste, era pelo menos isso. Seus sacerdotes simbolizavam o grande Sacerdote, e seus sacrifícios, o sacrifício de Cristo na cruz. O escritor de Hebreus sugere ainda que, como havia um sacer dócio com um sistema de sacrifícios instituídos por Moisés, assim deve haver um Sacerdote no santuário real (Hb 8.1), e Aquele que o ocupa deve ter o que oferecer (Hb 8.3). Os verdadeiros fatos, portanto, são um Sumo Sacerdote segundo a ordem eterna, um santuário celeste e um a oferta aceitável a Deus. Esta última, como já vimos, era Cristo, que, mediante o Espírito eterno, ofereceu-se sem mancha a Deus.
4. Uma apologética cristã Os versículos precedentes oferecem uma forte apologia da dou trina cristã em oposição ao judaísmo. Os judeus poderiam argumentar: (1) que o culto da tradição de Arão, com seu esplêndido ritual, tinha sido a sua inspiração desde a infancia; (2) que o Sacerdote cristão estava tão afastado e invisível, que nada havia para inspirar adoração. Contudo, como lembrou o bispo Chadwick: “A força e a magia de um culto pomposo, um conjunto complicado de vestes e incenso e um sacrifício visível, exerceram sempre influência sobre a Igreja, e ela, não raro, tentou incorporá-los aos seus próprios métodos”.
O escritor da Epístola aponta para um caminho melhor. Este caminho superior coloca o espiritual em oposição ao magnificente e enfrenta todas essas influências com uma fé vivificante no invisível, até que a oferta de Cristo se torne mais solene porque oferecida além do véu; é grandiosa demais, na verdade, para ter como cenário a terra. Cristo está onde o salmista predisse que Ele estaria, assentado à destra de Deus e invisível a nós, porque subiu àquele assento terrível na luz inacessível e ali permanecerá até que os Seus inimigos sejam postos debaixo dos Seus pés (cf. SI 110.1). # O M
e d i a d o r d e u m a a l ia n ç a m e l h o r
O autor da Epístola leva a sua discussão ao clímax, quan ministério de Cristo, com as palavras: Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas (Hb 8.6). Este versículo assinala a transição náo para um estudo da oferta ou do santuário, mas para Cristo como Mediador de uma aliança melhor. O autor da Epístola já falara de Cristo como o Fiador da aliança, pelo que se entende a garantia de sua validade; falara também de Cristo como o Ministro do santuário celeste pelo qual devemos achegar-nos a Deus. Fala agora de Cristo como o Mediador de uma aliança superior, sem o qual o homem pecaminoso não resistiria na presença de Deus.
1. Cristo como o Mediador de superior aliança Agora, com efeito, obteveJesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também Mediador de superior aliança... Hebreus 8 .6 a a r a Disse o Dr. Pope: A-----Nenhuma idéia é mais fundamental na reologia cristã do que a da incercessâo; e nenhuma tão obviamente depende, para uma concepção
adequada, de sua relação com a Pessoa única e indivisível de Cristo. Com referência ao nosso presente propósito, a palavra pode ser analisada sob três aspectos. Na união de Suas naturezas humana e divina, nosso Senhor é, no mais profundo sentido da palavra e em virtude de Sua natureza dupla, um Mediador, mas isto somente por causa da reconciliação intercessória das duas partes mediante o Seu sacrifício como um terceiro entre os dois. E, combinando estes, Sua pessoa encarnada é a Mediadora da aliança cristã em todos os seus atos. Por isso, a nossa doutrina pode relacionar-se com a encarnação, a expiação e o ministério redentor de Cristo. (Pope , The Person ofChrist, p. 43)
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Seguindo o esboço feito por esse escritor e colocando em proeminência parte do rico pensamento dele a respeito da importância do Mediador, ressaltamos que: 1 — Na encarnação, a intercessáo encontra o seu significado mais alto e mais pleno. A natureza humana é realmente levada à comu nhão com o Ser divino na pessoa de Cristo. Na união de Deus com o homem, a paz se torna “uma realidade consumada e bendita”. j -----Nunca é demais salientar isto, contanto que apenas nos lembremos de que o penhor eterno de reconciliação foi dado ao homem tãosomente no pressuposto de uma expiação, que, na natureza humana, Cristo ofereceria pela nossa raça. (Pope , The Person ofChrist)
2 — Cristo, sendo Deus e Homem em uma só pessoa, tornou-se o Reconciliador, pois a natureza humana que assumiu Ele ofereceu como sacrifício na cruz do Calvário para fazer expiação pelos pecados do povo. A Sua natureza humana, portanto, tornou-se o instrumento, bem como o penhor de nossa redenção. jt-----Este, porém, é o mistério da pessoa intercessória: que cada natureza dá a sua própria virtude à obra propiciatória, ao passo que essa virtude
é o resultado de sua intervenção como terceira pessoa [como mediadora]. [Essa pessoa intercessora] E divina em seu valór, humana em seu ca ráter apropriado, divino-humana ao reconciliar Deus e os homens. (P o p e, The Penon ofChrist )
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A divindade da pessoa divino-humana de Cristo confere à oferta que Ele apresentou na cruz um valor e uma aceitação ilimitados; a própria Oferta foi o preço de resgate pago “naquele ouro fino do santuário, a Sua vida” (P o p e , The Person ofChrist)?.
3 — Cristo se tornou, assim, o nosso Redentor vivo. A Sua o no sentido mais elevado, foi um sacrifício vivo, pois a Lei do Seu ser foi tal que, mesmo morrendo, Ele voltou a viver. Este é o aspecto mais amplo da intercessão “que representa a Pessoa de Cristo realizando, na terra e no céu, a união entre Deus e os homens” (Pope, The Person o f Christ). j Elevamo-nos, se tal palavra pode ser usada, da encarnação como penhor de paz e da expiaçáo como a redenção desse penhor, para o ministério intercessório do próprio Senhor, no qual ambas se acham unidas. (P ope, The Person o f Christ) —
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2. As superiorespromessas Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas. Hebreus 8.6b a r a A primeira aliança foi estabelecida sobre promessas humanas de obediência à Lei, contudo, como observa o apóstolo Paulo, isto falhou por causa da fraqueza da carne (Rm 8.3). A nova aliança se baseia em melhores promessas, isto é, nas promessas de Deus unicamente, e estas confirmadas , por juramento. Trata-se, pois, de uma aliança da graça, em vez de aliança das obras, em que a fidelidade de Deus substitui a fraqueza humana.
Contudo, ao falar da primeira aliança, deve-se ter em mente que, anteriormente à mosaica, houve outras: 1. Houve, primeiro, a aliança tácita entre Criador e criatura, assumindo Deus certas responsabilidades para com o homem e impondo-lhe as correspondentes obediência e confiança (Gn 1.26-30; 2.16,17). 2. A prim eira aliança [oficialmente] expressa foi com Noé (Gn 9.8-17), cujo sinal foi o arco-íris. Enquanto houvesse arco-íris, a aliança permaneceria. 3. A seguinte foi feita com Abraão e a sua semente, e era de natureza pessoal, dada na qualidade de uma promessa e condicionada à fé. Esta aliança foi comentada por Paulo: A Lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não a pode ab-rogar, deforma que venha a desfazer a promessa (G1 3.17 a r a ). 4. A posterior foi a mosaica, que foi á primeira aliança nacional. Por esta razão, é conhecida como a primeira ou a antiga aliança, embora, talvez, o significado fosse mais exato se a palavra prote (nçam]) tivesse sido traduzida como anterior. Contudo, era comum em grego que o termo primeiro fosse usado em contraste com deutera (òevtéqo .), e isto poderá explicar a sua acepção aqui.
3. O insucesso da primeira aliança Porque, se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para uma segunda. E, de fato, repreendendo-os, diz: Eis a í vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de fudá. Hebreus 8.7,8 O autor da Epístola observou que a primeira aliança foi falha e que isso ofereceu motivo de buscar-se uma nova.
Para as palavras repreendendo-os (Hb 8.8), há duas versões ou variantes: a primeira é autous (aúxoíç), que em nossa tradução aparece como o pronome átono os [= a eles]; a segunda é a forma neutra autois (aúxoíç), encontrada no texto do Vaticano. De acordo com a primeira variante, a falha da antiga aliança seria devido aos israelitas somente; de acordo com a segunda [palavra, autois], no neutro, a alusão seria aos particulares da Lei, que não podem levar à consumação os desígnios de Deus para a humanidade. Que uma das falhas residia na desobediência "humana, está clara mente expresso no pronunciamento divino: Como não permaneceram naquele meu concerto, eu para eles não atentei, diz o Senhor (Hb 8.9b). Contudo, visto que se buscava uma nova aliança, é evidente que a antiga era deficiente em certo grau, o que se verifica sob dois aspectos: (1) não tinha poder para habilitar os homens a cumprir a obediência requerida; (2) não podia apagar os pecados que se seguiam à deso bediência dos votos da aliança. Era inadequada e, embora concedida divinamente, não era o desígnio final de Deus para o homem. Sendo assim, a realização de uma nova aliança deve ser inter pretada como definitiva e na efetivação da qual deve estar incluída a consumação final. Esta consumação Cristo realizou quando, por Seu próprio sangue derramado na cruz do Calvário, Ele entrou no Santo dos Santos celeste e tornou-se o nosso Sumo Sacerdote para sempre.
4. O oráculo do Antigo Testamento e a nova aliança Indicar que a aliança de Deus com Moisés deveria ser rebaixada pelo valor de outra posterior pareceria, para a maior parte dos judeus, nada menos que sacrilégio. Perguntariam eles: “Como se poderia dizer que a primeira aliança não era infalível quando se sabia que fora concedida por ordenação divina?” O autor da Epístola tem de sustentar a sua tese por uma citação das próprias Escrituras hebraicas e, para isso, recorre ao oráculo de Jeremias, que declara: Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em
que firm arei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá (Hb 8.8 a r a ; cf. Jr 31.31 a r a ) . Deve-se observar que essas palavras não são mera inferência do oráculo, mas a própria declaração de Deus. Deus mesmo diz: Firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá; daí o autor da Epístola argumenta que, se a primeira aliança tivesse sido perfeitamente adequada, não haveria necessidade de uma segunda. A nova aliança é, pois, superior por operar uma experiência interior real de santidade mediante o dom do Espírito Santo, não se limitando a uma nação; podendo ser difundida universalmente. Paulo mencionou esses pontos quando disse que a Lei estava enferma pela carne (Rm 8.3) e os que são da fé são filhos de Abraão e, portanto, herdeiros das promessas (G13.7). Declarou ainda que a bênção de Abraão, que veio sobre os gentios por Jesus Cristo, foi para que, pela fé, nós recebamos a promessa do Espírito (G1 3.14). Em suma, a nova aliança ocupa um lugar não preenchido pela primeira e abrange toda a vontade de Deus para os homens.
5. Comparação entre antiga e nova alianças Efirmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não segundo a aliança quefiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os conduzir até fora da terra do Egito; pois eles não continuaram na minha aliança, e eu não atenteipara eles, diz o Senhor. Hebreus 8 . 8b,9 a r a A expressão não segundo deve ser compreendida no sentido de não à semelhança de ou não na escala da primeira aliança. A nova não deveria nem mesmo assemelhar-se à antiga, sendo de uma natureza inteiramente diversa. As palavras com seus pais transmitem a ideia de um benefício para os pais. Já a frase no dia em que os tomei pela mão evoca a ideia
do ato de estender a mão a uma criança ou pessoa idosa. Sugere que a aliança feita com Israel por ijntermédio de Moisés foi estabelecida com um povo imaturo e não era o plano definitivo de Deus para o Seu povo. A última sentença— pois eles não continuaram na minha aliança, e eu não atentei para eles, diz o Senhor — é uma citação de Jeremias 31.32, como aparece na Septuaginta. O bispo Chadwick observou que, no original hebraico, essas palavras têm este sentido literal: “Embora eu lhes fosse como marido, e com pesar o digo: Eií era!” A alienação e o divórcio são aludidos e reforçados pelas palavras que justificam a expressão: Eu não atentei para eles. O tempo verbal de emelesa (r)fiqÀqcra) expressa um ato de abandono único: “Deixei, desisti de cuidar deles”. Visto que a nova aliança não deveria, de forma alguma, assemelhar-se à antiga, podemos notar, sucintamente e com proveito, os seguintes contrastes antes de passar à análise completa das provisões do novo concerto: 1. A primeira aliança era falha; a nova é perfeita. A primeira era temporária e feita com vistas a um Outro que havia de vir; a segunda é a expressão final e duradoura da graça de Deus. 2. A antiga aliança era nacional e tratava com os homens coletivamente; a nova trata com o indivíduo e fundamenta-se, afinal, na promessa feita a Abraão pessoalmente e à sua semente, como indivíduos. 3. A aliança anterior relacionava-se a coisas materiais e baseava-se em promessas seculares. Devia haver uma herança material, a terra de Canaã. O Senhor entregaria os inimigos do Seu povo na mão deste e alargaria suas fronteiras. A nova aliança é espiritual, pois as coisas materiais não podem satisfazer a alma do homem. 4. A aliança mosaica estabeleceu um padrão ou regra de vida, mas não podia dar o poder nem a disposição para obedecer aos manda mentos que Deus impunha ao Seu povo. Pela nova aliança, a Lei
de Deus é escrita interiormente no coraçáo do homem; assim, náo apenas ilumina a mente com a possibilidade de conhecer o Sen hor, mas proporciona a disposição para obediência interior. 5. A antiga aliança não podia, com suas ofertas contínuas, remover o pecado. Os sacerdotes ofereciam o que nada lhes custara. A nova aliança foi estabelecida por Cristo, que se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, opecado (Hb 9.26 a r a ). 6. A antiga aliança se limitava aos filhos de Abraão segundo a carne; a nova é universal em seu escopo, pois os que são de Cristo são descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa (G1 3.29). Visto que a fé real era a única condição da aceitação de Abraão, é, portanto, a única condição exigida dos filhos espirituais desse patriarca. A aliança mosaica, com suas obras, é posta de lado para sempre como condição básica de aceitação da parte de Deus: Essa é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça (Rm 4. 1 6 a a r a ) . A S PROVISÕES DA NOVA ALIANÇA
Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. E não ensinarájamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior. Pois, para com as suas iniqüidades, usarei de misericórdia e dos seus pecadosjamais me lembrarei. Hebreus 8.10-12 As diversas linhas de pensamento traçadas pelo autor da Epístola encontram seu foco na gloriosa verdade da nova aliança. As provisões
desta são apresentadas, primeiro, como empreendimento do Mediador em Hebreus 8.10-12; e, depois, são comentados os benefícios advindos dela ao povo de Deus em Hebreus 10.15-18. Na presente passagem (Hb 8.10-12), o que o Mediador realizou é apresentado como preparação para um estudo da oblação perfeita de Jesus, apresentada sob o simbolismo do Dia da Expiação. Este era o exercício sacerdotal supremo sob a dispensação levítica e símbolo do que foi realmente feito ao achegarmo-nos a Deus. O melhor esboço deste texto (Hb 8.10-12) talvez seja o de Andrew Murray, que os dispõe divididos em três partes: (1) a bênção central da aliança; (2) a bênção suprema da aliança, e (3) a bênção inicial da aliança. Este esboço acompanha a disposição escriturística e ilustra também o método geral de apresentação da verdade. Nosso Senhor, na conversa que teve com Nicodemos, apresentou a necessidade do novo nascimento e, depois, da Sua própria morte como meio de torná-lo possível. E o apóstolo Pedro falou primeiro sobre as bênçãos do Pentecostes e, depois, sobre a maneira como esta graça é obtida. Paulo seguiu a mesma ordem em seu discurso em Antioquia da Pisídia. Esta ordem tem o endosso das Escrituras e da razão, pois os homens têm sempre de convencer-se das bênçãos, antes que empreendam esforços sinceros para consegui-las. Devemos agora voltar nossa atenção para a divisão do esboço supramencionado, de maneira mais particular.
1. A bênção central da aliança Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei. Hebreus 8 . 1 0 a a r a A Lei de Deus, escrita no coração e na mente dos homens, forma a ideia central da aliança. Na primeira, a Lei era imposta; ela
falhou porque não havia disposição de coração para obediência. A Lei era boa, mas o coração não estava voltado para ela. Pela nova aliança, Deus transforma a Lei externa em vida interior e, mediante o dom do Espírito Santo, de tal maneira purifica e renova o coração do homem que, do seu íntimo, este cumpre a vontade de Deus. Além disso, o feto de a Lei ser gravada na mente humana sugere uma tal comunicação da verdade divina, que possibilita ao homem aliançado não apenas amar o Senhor com todas as suas forças, mas também interpretar e expressar, com inteligência, esse amor por um viver santo. Uma vez que a característica vital da nova aliança é vida espi ritual no ser interior do homem, o coração deste se abre para Deus e entende o que é agradável ao Senhor. Isto o leva imediatamente ao conhecimento pessoal de Deus. E conhecê-lo contribuiu para o homem amar Aquele que é o próprio Amor. O amor que o Espírito Santo derrama no coração purificado pelo sangue de Jesus toma-se a energia que é a fonte de alegre obediência à Lei de Deus. O amor torna-se, assim, o cumprimento da Lei e, de modo algum, rebaixa o padrão divino ou enfraquece a lei moral.
2. A bênção suprema da aliança E eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Hebreus 8.10b a r a A bênção suprema da nova aliança é a comunhão pessoal com Deus. Ele se torna o objeto supremo da afeição do Seu povo, o qual recebe a certeza interior de pertencer inteiramente a Deus. Essa gloriosa comunhão é realizada por meio da Lei gravada na mente e no coração do povo de Deus. Visto, porém, que a mente carnal não está sujeita à Lei de Deus (Rm 8.7), o coração deve ser purificado antes que seja perfeitamente harmonizado com a vontade
de Deus. Afinal, só os puros de coraçáo veem a Deus, e sem a santidade ninguém verá o Senhor (Hb 12.14). Esse fato de ter o coração purificado de todo pecado e a Lei de Deus nele gravada é uma experiência consciente, pessoal, operada na alma pelo Espírito Santo. Mas o nosso descanso não é na experiência; repousamos em Deus, a quem a experiência da pureza de coração nos possibilitou ver e com quem o Espírito da santidade nos leva a uma comunhão consciente. Deste modo, o coração purificado e renovado se torna a “sala de audiências” de Deus, o único a quem adoramos e servimos. *
3. A bênção inicial da aliança Pois, para com as suas iniquidades, usarei de misericórdia e dos seus pecados jamais me lembrarei. Hebreus 8.12 a r a Visto que a misericórdia é o motivo não só da remissão dos pecados, mas da Lei de Deus escrita no coração e da conseqüente comunhão com Ele, é a primeira bênção da aliança, seguindo-se-lhe as bênçãos centrais e supremas. Se a remissão dos pecados parece ser um mero aditamento nestas duas apresentações da nova aliança, deve-se ter em mente que Israel foi redimido da culpa do pecado pelo sangue do cordeiro pascal aspergido sobre as ombreiras das portas, sendo conduzido liberto da servidão pela mão forte e pelo braço estendido de Deus. A Epístola aos Hebreus, conforme já explicamos, não aborda a Páscoa, apenas a aspersão do sangue sobre o altar e o concerto do Sinai (Ex 24). O propósito é revelar o verdadeiro Cordeiro pascal e o Dia da Expiação. O termo iniquidades, em Hebreus 8.12, pode referir-se princi palmente às transgressões de Israel, que pecou de maneira grave em especial no deserto, mas é suficientemente amplo para estender-se à purificação de todo pecado cometido, inclusive o original, herdado.
De qualquer modo, sugeriu-se que a frase para com as suas iniqüidades, usarei de misericórdia é uma revelação da graça divina, e a dos seuspecadosjamais me lembrarei fala do esquecimento divino em que estes pecados seriam lançados. O termo hileos (íAecuç), misericordioso, merece maior consideração. Tem um significado mais profundo em Hebreus 8.12 do que se lhe atribui comumente, pois aqui significa serpropício. No caso do publicano que batia no peito dizendo Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador (Lc 18.13c), a palavra usada foi hilastheti (íAáo6r]Ti.), que significapropiciar, isto é, mostrar misericórdia em virtude de um castigo pelo qual foi oferecido um substituto. Com efeito, eis o que o publicando disse: “Sou um pecador; náo sou o Cordeiro oferecido no altar de bronze; portanto, por amor ao Substituto que por mim morreu, sê propício, sê misericordioso para comigo, o pecador”. Houve casos no Antigo Testamento em que se demonstrou misericórdia sem exigir a punição legal pelo pecado, como a Abner e a Absalão. Contudo, em ambos os casos, os resultados foram desastrosos. Sob a nova aliança, porém, Cristo mesmo tornou-se a nossa Propiciação (íÀacrnÍQiov), de sorte que Deus pode ser, ao mesmo tempo, Justo e o Justificador daqueles que creem em Jesus (Rm 3.24-26).
4. A conclusão do capítulo Quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer. Hebreus 8.13 ara O grego tem dois pares de palavras para expressar o velho e o novo. Kainos ( k c u v ó ç ), novo, e palaios (naÁaioç), velho, são termos relativos, sendo nova uma coisa acrescentada a algo já existente. Assim, a nova aliança é kainos, nova, no sentido de que foi feita após
a primeira, que agora se torna palais, velha. J i as palavras neos (veóç) e geram (yeçaióç) denotam, respectivamente, que uma coisa é nova no sentido de ser jovem, fresca em si mesma, e velha ou idosa em si mesma. As palavras palaios e geraios, que significam velho, são usadas neste texto. Quando Deus falou de uma nova aliança (kainos), cerca de 600 a.C., declarou como velha (palais) a primeira. Não foi Jesus que fez a aliança envelhecer; há séculos, ela havia sido estabelecida. Por isso, o autor da Epístola usou a palavra geraios referindo-se ao envelhecimento desta aliança, prestes a desaparecer.* Indiretamente, ele estava dizendo aos leitores: “Vocês querem voltar à velha aliança, que envelheceu e está para desaparecer? Jesus é o Mediador de algo superior; no santuário celestial. Ele ministra não apenas as palavras, mas o Espírito”. A frase na sua mente imprimirei as minhas leis (Hb 8.10b a r a ) é, em seguida, amplificada na declaração: E não ensinarájamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior (Hb 8.11). No sentido mais imediato, é pela remissão dos pecados e pela inscrição da Lei divina dentro do coração humano que os crentes conhecem o Pai em experiência pessoal. Não se trata de mero conhecimento sobre Deus, como aquele que se poderia obter ouvindo a Lei externa, mas familiaridade com o próprio Deus em Cristo. Existe também um sentido mais objetivo em que esse texto pode ser interpretado. No Antigo Testamento, a revelação não foi completa, mas Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras (Hb 1.1); assim, as palavras dos profetas, de Moisés em diante, deviam ser transmitidas a grupos cada vez maiores. E ainda, a Lei de Moisés, sendo dada em preceitos e mandamentos, exigia interpretação, levando à formação dos escribas, que se dedicavam a esta tarefa. Em Jesus Cristo, contudo, a revelação tornou-se completa. E, mediante o Espírito Santo concedido no Pentecostes, a Palavra de Deus foi rapidamente anunciada e difundida. M^s esta, transmitida oralmente durante algum tempo, logo se fixou em um cânone de Escrituras, inspiradas pelo Espírito Santo.
A nossa Bíblia, pois, é a um tempo a Palavra de Deus e um registro dessa Palavra, e por isto tão-somente é que se torna o fundamento de nossa fé e prática. Por esta Palavra apenas, que náo é de interpretação particular, podemos até julgar os que se levantam para pregar. Neste sentido, então, podemos dizer que, desde o menor até o maior, desde as crianças até os teólogos e intérpretes, a Palavra de Deus, em Sua capacidade de salvar, é acessível a todos.
9 O GRANDE CAPÍTULO DA EXPIAÇÃO
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hegamos ao capítulo mais solene da Epístola aos Hebreus, o grande capítulo neotestamentário da expiaçáo. Consideramos Cristo como o Fiador de uma aliança melhor e o Ministro do santuário, sendo que estes atributos em conjunto tor nam possível a aliança superior estabelecida sobre promessas melhores. Desta aliança superior, Cristo é o Mediador, como Ele disse na última ceia: Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue, que ê derramado por vós (Lc 22.20b); e aqui lemos que por seu próprio sangue, entrou uma vez no Santuário, havendo efetuado uma eterna redenção (Hb 9.12). Deparamo-nos, agora, com uma apreciação do grande sacrifício expiatório de Cristo, o derramamento do Seu precioso sangue na cruz do Calvário para a nossa redenção. Em passagem anterior, lemos que, como nosso Sumo Sacerdote, Cristo tinha algo a oferecer, e que este algo era Ele próprio. Mas, conquanto as alusões tenham sido frequentemente ao sangue, não houve dele menção direta até o presente capítulo, em que apaseee 12 vezes: (1) abrindo o Santo dos Santos para a oferta propiciatória (Hb 9.11-14); (2) inaugurando a nova aliança (Hb 9.15-22); e (3) purificando as coisas do céu, onde Cristo intercede por nós junto a Deus (Hb 9.23-28).
Como vimos, a verdadeira distinção entre a antiga aliança e a nova reside em que a primeira era externa e material, e a segunda é interna e espiritual. O Ministro do santuário, portanto, exige um maior e mais perfeito tabemáculo (Hb 9.11), no qual prestará o Seu serviço e apresentará a Oferta. Então, o escritor de Hebreus passa ao estudo da cerimônia mais elevada que se fàzia no antigo tabemáculo: a do grande Dia da Expiação, e, partindo desse ponto, apresenta Cristo servindo no santuário celestial, para agora comparecer, por nós, perante aface de Deus (Hb 9.24). Este grande capítulo da expiação deve ser estudado com a mais pro funda reverência. A PRIMEIRA ALIANÇA: AS ORDENANÇAS E O SANTUÁRIO
O escritor interrompe a comparação entre as duas alianças e passa a uma análise dos dois santuários. Ele introduz o assunto com as palavras: Ora, a primeira aliança também tinha preceitos de serviço sagrado e o seu Santuário terrestre (Hb 9.1 a r a ). Deve-se ter em mente, contudo, que, ao referir-se ao tabemáculo e ao seu serviço, o escritor da Epístola o faz para realçar com mais clareza a relação destes com o sacrifício de Cristo e para descrever, com maior vigor, a supremacia de Jesus como nosso grande Sumo Sacerdote. O escritor se refere apenas ao tabemáculo original, cujo modelo foi revelado a Moisés no monte e no qual foram baseados os templos construídos depois. De modo algum procura diminuir-lhe a glória; ao contrário, admite-lhe a grandeza, a fim de, com maior destaque, apresentar a grandeza suprema do santuário celestial em que Jesus entrou, para comparecer diante de Deus por nós. j ------É característico da Epístola extrair das instituições do tabemáculo todos os seus argumentos sobre o culto divino do judaísmo. Estas instituições, que sáo tratadas como a manifestação direta no arquétipo celestial, devem ter sido preservadas em formas posteriores, dandolhes força. Jamais foram suplantadas, mesmo quando praticamente
modificadas. O templo, na verdade, náo menos que o Reino ao qual correspondia, foi o sinal de um declínio espiritual. Ambos foram tentativas de dar uma forma fixa e permanente, de acordo com as condições da vida terrena, à idéia que, em sua natureza essencial, conduzia os pensamentos dos homens para frente - para o futuro e o invisível. Aprouve a Deus usar, neste como em outros casos, as alterações ocasionadas pelas circunstâncias da vida nacional para o cumprimento do Seu bom conselho, porém o intérprete divino do Antigo Testamento necessariamente contemplava, além dos esplendores do edifício sagrado (Mt 24.1ss) edos triunfos da monarquia de Davi, a tenda sagrada do povo peregrino e a soberania cdesnal. (W est c o tt , Commentary on the Episde to the Hebrews, p. 235)
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O tabernáculo era uma combinação peculiar de beleza e aridez, de preciosidade e vulgaridade, de glória e vaidade. Foi erigido na areia movediça do deserto nu e estéril. Não havia pavimento de mármore para separar a mobília revestida de ouro do chão descoberto. No entanto, estas condições distintas representam a natureza de nosso Senhor Jesus Cristo, que foi a um tempo Filho de Deus e Filho do Homem. Nele, diferentes naturezas se encontram e harmonizam-se. Ele foi o Ancião de Dias e a Criança de Belém; o portador do cetro dos céus e do fàrdo do mundo; o Leão da tribo de Judá e o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Nele, todas as meadas enredadas da vida irão desenredarse um dia, todo o mistério será desvendado, todas as ambições contrariadas serão realizadas, todas as esperanças frustradas serão cumpridas e todos os desígnios não-realizados do Seu povo santo alcançarão fruição gloriosa. Eis aqui, então, o mistério que tem estado oculto desde os séculos, porém agora se manifesta — Cristo em vós, esperança da glória (Cl 1.27). O S a n t u á r io o u S a n t o L ugar
Porque um tabernáculo estava preparado, oprimeiro, em que havia o candeeiro, e a mesa, e os pães da proposição; ao que se chama o Santuário. Hebreus 9.2
Em Hebreus 8.2 — como ministro do Santuário e do verdad,' tabemáculo que o Senhor erigiu, náo o homem — , ta hagia (xà ay 7 ° sânto, refere-se ao santuário celestial, sendo que o neutro plur^ ’ idiomático; em Hebreus 9.1 — o seu santuário terrestre — , to ha * á Ylov)> o santo, refere-se a todo o santuário terreno, com fT* partes separadas por um véu interior. A parte da frente ou entrada chamada hagia (ãyux), o Santo Lugar, e, além deste, o hagia h a l l (ay ia ayicov), conhecido como o Santo dos Santos. Em hebraico, este lugar santíssimo se chama Santidade da Santidade Em Hebreus 9.2,3 (a r c ), cada compartimento do Santuário e chamado tabemáculo, e o Lugar Santo é descrito meramente como o primeiro (rj noúrr]) [a primeira tenda], por onde se entravadepois do segundo véu, estava o tabemáculo que se chama o Santo dos Santos (v. 3). O verbo kateskeuasthe (KateoKeúaaer,), fo i preparado, efn Com efeito, foi preparado o tabemáculo (Hb 9.2 ara), é vocábulo de sentido amplo, que inclui a preparação do tabemáculo, a arte, o mobi liário e tudo o que o tornava apropriado para o serviço divino. O Santo Lugar, aqui chamado o primeiro tabemáculo o santuário, tinha cinco metros de largura, cinco de altura e dez de com primento. Entrava-se pelo lado leste, sendo a cobertura sustentada por cinco pilares feitos de acácia, revestidos de ouro, coroados por capitéis dourados e colocados em encaixes de bronze. Dentre o capitel dourado e o encaixe de bronze, pendia o véu azul, púrpura e escarlate, conhecido como porta do tabemáculo. Neste Santo Lugar, onde os sacerdotes ministravam diariamente, estavam o candeeiro dourado, ou melhor, os candelabros adornados com flores, romãs e vasos em forma de amêndoa para o azeite. Situavase no lado sul e simbolizava Cristo como a luz do mundo (Jo 8.12). No lado norte, encontrava-se a mesa dos pães da proposição, com sua tampa dupla e os 12 pães simbolizando Cristo como o pão da vida U° 6.35). Próximo ao véu interior, estava o altar do incenso, um altar quadrado feito de acácia e coberto de ouro, pelo que era conhecido
c0mo altar de ouro. Sobre este, o incenso era oferecido diariamente, símbolo da oração, intercessão e culto 0 ° 4.24): Em Êxodo 38.21ss, encontramos um sumário oficial dos ma teriais usados na construção do templo. Eis como foram avaliados por alguns escritores modernos: ouro, 1.200 quilos; prata, 4.200 quilos; bronze, o mesmo que a prata. Além disto, havia cerca de 2.300 metros quadrados de linho, pelo de cabra, pelo de carneiro e texugo (talvez porco marinho) para o tabernáculo, e outras tapeçarias. O custo total foi calculado em aproximadamente dois milhões de dólares. Não se tratava, pois, de estrutura rude de materiais baratos e artesanato pobre, e sim de uma construção de rara beleza e riqueza, que seria digna do seu divino Artífice. O tabernáculo foi construído sob o plano geral de uma casa egípcia. Consistia (1) de um pátio aberto em frente da casa, (2) um lugar semiparticular onde se podia receber amigos e (3) o centro bem no interior, reservado apenas para a família. Os israelitas, familiari zados com este tipo de arquitetura, compreenderiam prontamente o seu significado. O tabernáculo era rodeado de uma área de 25 metros de largura por 50 de comprimento. As paredes desse pátio ou área eram de linho, de 2,50 metros de altura, afixadas por colunas de bronze com iiletes de prata (talvez hastes de prata). Estas colunas eram colocadas em encaixes de bronze e sustentadas por dentro e por fora por meio de cordames e estacas de bronze. Este metal simboliza o julgamento de Deus, e tudo o que tinha contato com a terra era de bronze, até as colunas que formavam a porta do tabernáculo. A prata simboliza a redenção, como, por exemplo, no caso do imposto de meio xéquel, pago tanto por ricos como por pobres. As cortinas de linho, bem como outros cortinados, pendiam de hastes de prata. Tocar no linho do adro era incorrer na pena de morte. Tudo o que ficava fora do tabernáculo, incluindo mesmo as colunas à porta, era de bronze — o altar e o lavabo. O tabernáculo era feito de tábuas de acácia revestidas de ouro e colocadas em encaixes de
prata. Eram firmadas por cinco hastes ao longo delas, quatro visíveis e uma invisível. As primeiras simbolizavam as quatro relações da vidaj a segunda, a unidade espiritual. Tudo dentro do tabernáculo era de ouro ou de acácia revestida de ouro. Esta madeira simbolizava a hu manidade de Cristo; o ouro, a Sua divindade. Cada uma das tábuas do tabernáculo tinha duas espigas que entravam nos dois encaixes de prata. Havia dois encaixes para cada tábua, e cada encaixe de prata pesava 47 quilos. Diz-se que, quando eles se juntavam, pareciam oferecer sólido alicerce de prata. O tabernáculo tinha também quatro coberturas: 1. A externa era de pele de texugo (provavelmente pele de porco marinho, uma espécie que abundava no mar Vermelho). Esta cobertura protetora tosca simbolizava Cristo, de quem o profeta escreveu: Náo tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse (Is 53.2 a r a ). 2. O véu seguinte era de pele de carneiro tingida de vermelho (literalmente, peles de carneiros vermelhos), e fala da obediência de Cristo, que o levou à cruz. 3. A cobertura seguinte era de pele de cabra, que fàla igualmente da expiação, mas sob outro aspecto. A oferta pelo povo no grande Dia da Expiação eram dois bodes — um que era morto para pagar pelos nossos pecados; outro, o bode expiatório, que os levava embora. Foi do segundo que João falou quando disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo! (Jo 1.29b a r a ) . Aqui é evidente que não apenas os pecados foram per doados, mas o próprio pecado foi removido. 4. A cobertura interior era de linho fino, bordado com formosas fi guras angélicas. Talvez daí tenham-nos vindo as palavras: Para as quais coisas os anjos desejam bem atentar (1 Pe 1.12). As cinco colunas à porta do tabernáculo eram de acácia, revestidas de ouro, ajustadas em encaixes de bronze e coroadas por um capitel de
ouro. Por isso, Pedro nos falou sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam (1 Pe 1.11 a r a ) . As colunas interiores, que sustentavam o véu propriamente, eram as mesmas, mas encaixadas em prata, e, conta-se, não tinham coroas de ouro, simbolizando que Cristo foi separado dentre o povo. É interessante notar também que o comprimento das cortinas que rodeavam o adro (280 cúbitos) era a extensão exata de dez cortinas que formavam a tenda em si. Estas dez cortinas tinham cada uma 28 cúbitos de comprimento (isto é, cerca de 140 metros ao todo). O fato de que existe uma conexão ritualístíca direta entre o altar do incenso e o Santo dos Santos se verifica pela declaração de Moisés em suas instruções, em que Deus disse: Porás o altar defronte do véu que está diante da arca do Testemunho, diante dopropiciatório (Êx 30.6aA R A ), e também: Porás o altar de ouro para o incenso diante da arca do Testemunho (Ex 4 0 .5 a r a ). Em 1 Reis 6.22, lemos de Salomão que cobriu de ouro toda a casa, inteira mente, e também todo o altar que estava diante do Santo dos Santos. O S a n tís s im o ò u S a n to d o s S a n to s
Por trás do segundo véu, se encontrava o tabemácub que se chama o Santo dos Santos, ao qual pertencia um altar de ouro para o incenso e a arca da aliança totalmente coberta de ouro, na qual estava uma uma de ouro contendo o maná, o bordão deArão, que floresceu, e as tábuas da aliança; e sobre ela, os querubins de glória, que, com a sua sombra, cobriam o propiciatório. Dessas coisas, todavia, nãofalaremos, agora, pormenorizadamente. Hebreus 9.3-5 a r a O Santo dos Santos era um cubo perfeito com cinco metros de lado. Era separado do Santo Lugar pelo véu interior, que pendia de quatro colunas revestidas de ouro encaixadas na prata da redenção. Lemos que estas colunas não tinham capitéis, indicando o fato de que Cristo fo i cortado da terra dos viventes (Is 53.8), para que pelo Seu
próprio sangue Ele nos abrisse o Santo dos Santos, onde habita a glória da presença de Deus. O fato de o escritor de Hebreus mencionar o incensário como estando no interior do Santuário tem sido fonte de muita discussão. Ele náo menciona o altar de ouro para o incenso. Isto implicou muito debate, pois não se trata de questão meramente verbal, mas teológica. A palavra grega usada aqui é thumiaterion (0U|auxTr|QLOv), derivada de thumiama (0u|iía^ia), incenso, significando aquilo sobre o que se coloca o incenso, que pode ser um altar ou um incensário. A Septuaginta traduz este vocábulo como altar do incenso, em vez de incensário de ouro, como se encontra na Autborized Version. A solução do problema parece estar no fato de que o autor da Epístola não está considerando o mobiliário e os utensílios na sua localização real no tabemáculo, mas nos seus lugares no serviço ritualístico. Por este motivo, usa palavras diferentes para expressar o seu ponto de vista. Em Hebreus 9.2, temos as palavras en hei (èv f|), em que, ao passo que, no versículo 4, temos echousa (exovera), que tinha, isto é, ao qual pertencia. Assim, o altar de ouro estava colocado no Santo Lugar, porém, em suas associações rituais, “pertencia ao” Santo dos Santos. Pode-se prontamente compreender como o último termo vem a incluir tanto o altar do incenso em frente ao véu como a arca da aliança além do véu. Portanto, quando o sacerdote oferecia o incenso da oração sobre o altar, ficava de frente para o propiciatório, e, embora estivesse oculto pelo véu, Deus dissera: E ali virei a ti (Êx 25.22). Quando o véu era levantado, para que o sumo sacerdote entrasse no Santo dos Santos, via-se o altar (do incenso), com sua nuvem de incenso, o qual era parte do ritual do santuário interior. Talvez a tradução incensário de ouro venha da tradição de ser usado um incensário especial de ouro somente no grande Dia da Expiação, e de que o sumo sacerdote tomava brasas do altar para o incensário e, estendendo a mão sob o véu, agitava-o diante do propiciatório até que, velado pela nuvem, ele próprio se permitia entrar.
Era assim chamada porque nela estavam as tábuas da Lei. A arca era o objeto central do tabernáculo, portanto o símbolo mais perfeito da pessoa e da obra de Cristo. Era o lugar da propiciaçáo e da comunhão, onde ardia a shekinah como centro da glória de Deus. Por isso, Paulo disse: Porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude (Cl 1.19 a r a ). O autor de Hebreus fala de Cristo como o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser (Hb T.3 a r a ) . A arca era feita de acácia e revestida de ouro por dentro e por fora (Êx 25.11). Tinha também uma coroa de ouro que a envolvia, destinada evidentemente a sustentar o propiciatório, que era a tampa da arca. Era feito de ouro maciço, e em cada uma das extremidades achava-se um querubim — todos eles de ouro batido, simbolizando o sofrimento de Cristo. Os querubins eram figuras angélicas, cujos pés representavam 0 propiciatório e cujas asas encobriam-no. Tinham os rostos voltados um para o outro, e o olhar se fixava sobre o propiciatório. Eram cha mados querubim da glória, e não querubim gloriosos, pois 0 genitivo aqui não é atributivo, mas possessivo, pelo que deveria ser traduzido querubim pertencentes à glória de Deus. É interessante observar que Ezequiel mencionou o querubim da guarda ungido (Ez 28.14 a r a ), em conexão com sua profecia a res peito de Tiro; mas este querubim caiu, pela sua sabedoria e beleza, e rebelou-se contra Deus (Ez 28.l4ss). Em Hebreus temos dois querubins guardando de tal modo o propiciatório espargido de sangue que se tornam uma alusão da recuperação redentora daquilo que o homem perdeu pela Queda. O assento da misericórdia era, na realidade, o propiciatório, onde se dava expiação tão plena que a misericórdia poderia estender-se, e Deus ser ainda justo e o Justificador dos que creem em Jesus. A glória da pre sença divina resplandecia acima do propiciatório entre os querubins (Êx 25 22), onde Deus se encontrava e comungava com o sumo
sacerdote no Dia da Expiação. É comum supor-se que a shekimh, ou glória da presença de Deus, simbolize o Espírito Santo; na realidade, são as gloriosas relações íntimas da Trindade, manifestas pelo Espírito Santo. O C O N TEÚ D O DA ARCA DA ALIANÇA
N a qual estava uma uma de ouro contendo o maná, o bordão de Arão, quefloresceu, e as tábuas da aliança. Hebreus 9.4b a r a A urna com o maná simbolizava Cristo em Seu poder como alimento e vida. Ele é o pão da vida para o Seu povo na terra e, pelos séculos vindouros, será o alimento celestial de um povo redimido e triunfante (Ap 2.17). O bordão (a vara) de Arão, que floresceu, representava a ressurrei ção de Cristo e transmitia a ideia de vitalidade e fecundidade. As tábuas da aliança eram o símbolo de Cristo, que disse: Deleito-me em fa zer a tua vontade, ó Deus meu; sim, a tua Lei está dentro do meu coração (SI 40.8); e ainda: Então, disse: Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de mim), parafazer, 6 Deus, a tua vontade (Hb 10.7). Estes objetos sagrados também representavam três coisas que todo verdadeiro cristão deseja; são todas oferecidas em Cristo, ocultas sob o sangue propiciatório e tornadas eficazes pela presença do Espírito Santo: 1. O cristão deseja vida espiritual abundante, e, para gozá-la, ele tem o maná escondido. 2. Deseja ser útil, e, para isto, tem o poder do Espírito que fez com que a vara de Arão florescesse e produzisse fruto em uma única noite. 3. Deseja viver em santidade interior, e, para isso, Deus escreveu a Lei no seu coração e em sua mente, de sorte que, com uma
natureza nova e redimida, o cristão se deleita em fazer a vontade do Pai.
1. Dessas coisas, todavia, nãofalaremos, agora, pormenorizadamente (Hb 9.5b a r a ) O escritor da Epístola aos Hebreus chama atenção para estes objetos sagrados com o objetivo de fornecer um cenário para a comparação entre o serviço dos sacerdotes e o ministério supe rior de Cristo. O autor sabe que muitas coisas poderiam ser ditas sobre os móveis do tabernáculo, mas não agora. Havia mestres naqueles dias que instruíam o povo nestes assuntos vitais; mas, a fim de tornar estes ensinos enfáticos e eficazes, havia necessidade de instrução completa nas coisas que, naqueles dias, eram bem compreendidas. E evidente que o propósito do escritor de Hebreus nesta breve descrição do tabernáculo é salientar o fato de que existem dois estágios em nosso acesso a Deus e dois graus de aproximação dele. O tabernáculo externo era conhecido como o Santo Lugar, onde se entrava por um véu, a porta do tabernáculo. Além deste, estava um segundo véu, através do qual o sumo sacerdote, uma vez por ano somente, passava até o Santo dos Santos. O Dr. Bresee costumava chamar o primeiro véu de “o véu dos pecados reais”, e o segundo, “o véu das condições ou do estado pecaminoso”. Quando o pecador se converte e lhe é proporcionada nova vida pelo Espírito, o perdão o admite além do véu dospecados reais, exterior, até o Santo Lugar, onde ele encontra luz, vida e comunhão com Deus, simbolizadas pelo candeeiro de ouro, a mesa dos pães da proposição e o altar do incenso. Contudo, quando o novo homem ora a Deus e cultua-o junto ao altar de ouro, que é antes do segundo véu, compreende que existe algo “mais profundo e mais além”, para usarmos a expressão enfática de Fletcher, que o impede de entrar no Santo dos Santos, onde habita
a glória da presença de Deus. Isto é o que se chama o segundo véu do estadopecaminoso, o pecado inato que permanece mesmo no regenerado e que deve ser purificado pelo sangue de Jesus antes que se possa entrar além do véu na presença de Deus. Só os puros de coração verão o Pai. O que se pode dizer com maior clareza é que os dois com partimentos do tabernáculo representam duas esferas de serviço: uma realizada à distância, do lado de fora do véu, e outra, na luz plena do semblante de Jesus. Além disso, é possível afirmar que existem dois degraus de comunhão com Deus: um, do pecador que foi perdoado e recebido como filho; outro, do filho que foi plenamente consagrado a Deus, com todas as suas faculdades redimidas. O SACERDÓCIO LEVÍTICO E A SUA INEFICÁCIA
Depois deste inventário da mobília do tabernáculo, o escritor de Hebreus coloca em destaque apenas um pormenor — o significado do Santo dos Santos, velado, e, a seguir, passa a uma descrição dos serviços sacerdotais, os quais não passam de ordenanças da came, baseadas somente em comidas, e bebidas, e diversas abluçóes, impostas até ao tempo oportuno de reforma (Hb 9.10 a r a ) . Que contraste! Lemos sobre os candeeiros de ouro, as mesas e os altares revestidos de ouro, a arca da aliança, os querubins de glória sobre o propiciatório e as ricas cortinas e tapeçarias do santuário; e, a seguir, acerca das ofertas e dos sacrifícios que jamais poderiam remover o pecado, nem tornar perfeitos os adoradores no que diz respeito à consciência. Eis como o escritor descreve o cerimonial: Ora, depois de tudo isto assim preparado, continuamente entram no primeiro tabernáculo os sacerdotes, para realizar os serviços sagrados; mas, no segundo, o sumo sacerdote, ele sozinho, uma vezpor ano, não sem sangue, que oferecepor si epelos pecados de ignorância do povo. Hebreus 9.6,7 a r a
Esta passagem toda é uma alusão ao cerimonial do Dia da Expiação, quando o sumo sacerdote deixava de lado as suas vestes de glória e beleza e, vestido do linho simples do sacerdote comum, sacrificava a vítima com suas próprias mãos — agora não um ato servil, mas sacerdotal. Em meio à nuvem de incenso, atravessava, então, o véu, com o sangue que aspergira diante do propiciatório e sobre ele; e isto ele fàzia primeiro por si mesmo e depois pelo povo. Ao término da cerimônia, o sumo sacerdote de novo vestia-se das roupagens de glória e beleza e surgia à porta, para abençoar a congregação que aguardava do lado de fora em jejum e oração. Este ritual, porém, embora inspirasse reverência, era ainda inadequado e ineficaz. Não podia aperfeiçoar os fiéis quanto à cons ciência, e não os podia levar à presença de Deus. O resultado era a falência espiritual. O
a cesso a o
Santo
dos
Santos
era velado
NA PRIM EIRA ALIANÇA
A entrada do sumo sacerdote no Santo dos Santos apenas uma vez por ano é explicada como puramente simbólica — Querendo com isto dar a entender o Espírito Santo que ainda o caminho do Santo Lugar não se manifestou, enquanto o primeiro tabemáculo continua erguido (Hb 9.8 a r a ) . O Espírito demonstra aqui as restrições que havia para os fiéis sob a primeira aliança. O povo prestava culto apenas à porta do santuário ou, quando muito, no átrio. Não tinha acesso ao próprio tabemáculo. Os sacerdotes adoravam no Santo Lugar, que era apenas o vestíbulo para o Santo dos Santos. Ali cuidavam das lâmpadas, trocavam o pão da proposição e ofereciam incenso sobre o altar de ouro, mas sempre com o sentido de que, entre eles e a glória da presença de Deus, havia um véu espesso, embora formosamente adornado. Além desse véu, náo podiam passar, sob pena de morte. Apenas uma vez por ano, era permitido ao sumo sacerdote entrar, embora não sem sangue, que oferece [primeiro] por si e [depois] pelos pecados de ignorância do povo (Hb 9.7b a r a ) .
Enquanto òs véus permaneciam, o povo estava separado tanto do Objeto de sua devoção como da comunhão da presença deste. As ordenanças carnais e as lavagens externas jamais poderiam atingir as profundezas da consciência nem satisfazer o coração dos homens. 0 clamor da alma é muito mais profundo e intenso; ela clama por um coração puro e um espírito reto, e só poderá ser atendida quando o véu das condições ou estados pecaminosos for removido e os homens entra rem no aposento da presença de Deus, para ali achar, dentro do véu, a plenitude da comunhão divina e a alegria do serviço consagrado. A PARÁBOLA E A REFORMA
É isto uma parábola para a época presente; e, segundo esta, se oferecem tanto dons como sacrifícios, embora estes, no tocante à consciência, sejam ineficazes para aperfeiçoar aquele que presta culto, os quais não passam de ordenanças da carne, baseadas somente em comidas, e bebidas, e diversas abluções, impostas até ao tempo oportuno de reforma. Hebreus 9.9,10 ara Embora o cerimonial levítico fosse ineficaz quanto à remoção do pecado, o escritor de Hebreus declara que era de origem divina e visava servir de instrução para aquela época. Aqui se usa o vocábulo parabole (7taQ a(3oÀ r)), em lugar de tupos (xúnoq), que significa tipo ou sombra, indicando, assim, que a ênfase devia ser sobre a instrução mais do que sobre a eficácia religiosa. Contudo, o vocábulo grego parece conter um duplo significado, pois não se tratava apenas de uma parábola para a época presente, mas contemplava o futuro, quando o alvorecer da dispensação cristã tornaria a parábola significativa no rompimento real do véu mediante a morte e ressurreição de Cristo. Estas ofertas e estes sacrifícios ineficazes da dispensação levítica foram impostos ao povo até ao tempo oportuno de reforma (v. 10). O vocábulo grego diorthoseos ( ò io q S ókjeojç ) significa reconstrução, e,
provavelmente, refere-se à nova diatheke ou aliança que Cristo administraria por intermédio do Espírito, levando à perfeição aqueles que sáo santificados. A parábola do cerimonial levítico, entáo, acha cumprimento e anulação em Cristo, que administra a graça desde o santuário celestial. O M INISTÉRIO MAIS EXCELENTE
Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bensjá realizados, mediante o maior e maisperfeito tabemáculo, nãofeito por mãos, quer dizer, não desta criação. Hebreus 9.11 a r a Chegamos a uma análise do sumo sacerdócio de Cristo, o maior e maisperfeito tabemáculo, e dos bensjã realizados (ou> segundo a versão Almeida Revista e Corrigida, dos bensfuturos), sendo tudo isto apenas uma introdução ao estudo a respeito do sangue da expiação. Talvez nenhum trecho da Epístola aos Hebreus contenha verdades mais profundas do que este (Hb 9.11-14) ou tenha dado origem a questões mais especulativas. Dentre elas, estão: qual a essência do sacerdócio de Cristo? Qual o santuário em que Ele opera como Sacerdote? Que se entende por bensjá realizados ou bensfuturos*. Estes questionamentos merecem um estudo sucinto.
1. Qual a essência do sacerdócio de Cristo? A verdade mais profunda e fundamental do sacerdócio é a capacidade de levar os homens a Deus: veio Cristo como sumo sacerdote dos bensjá realizados ou dos bensfuturos, devendo Ele, primeiro, achegar-se a Deus como Mediador divino-humano, e, ao fazê-lo, colocar a nossa natureza humana em contato com Deus, a qual Ele tem em si mesmo. Esta aproximação não se considera como meramente consumada, isto é, por imputação, mas por contato espiritual verdadeiro com o
Senhor, proporcionado a todos os cristãos mediante o Espírito. Esta foi a grande verdade revelada no Dia de Pentecostes. Mas quando Cristo se tornou Sacerdote? Enquanto estava na terra ou quando subiu ao céu? Gerhardus Vos1 observou que o sacerdócio pode significar indicação ou função. Caso se adote a última, então a indicação deve precedê-la. Não é, pois, uma questão de opção. Enquanto esteve na terra, Cristo foi Sacerdote sob o símbolo de Arão. Se não tivesse agido na qualidade de sacerdote, Jesus não poderia ter ministrado oferta, nem esta poderia ter sido o sacrifício perfeito e expiado o pecado com do Seu próprio sangue. Quando o escritor de Hebreus declara que, se Jesus estivesse na terra, nem mesmo sacerdote seria (Hb 8.4 ara), o contexto torna claro que Ele não poderia ser Sacerdote da ordem levítica — não que Jesus não pudesse ser Sacerdote de uma ordem. Existe, porém, um significado mais profundo nestas palavras: Ele não poderia ser sacerdote, isto é, Suas limitações terrenas impediam-no de tornar-se sacerdote de uma ordem universal e eterna. Isto não poderia realizar-se senão mediante o maior e mais perfeito tabernáculo (Hb 9.11 a r a ) , o próprio céu. Referindo-se à Sua morte, Cristo disse: Quanto me angustio até que o mesmo se realize! (Lc 12.50b a r a ) . E: V os convém que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se eu for, enviar-vo-lo-ei (Jo 16.7). Cristo era tanto por natureza como por designações Sumo Sacerdote desde o princípio; mas, somente após Sua grande oferta vicária no Calvário e Sua exaltação à destra do Pai entrou como Rei-Sacerdote na plenitude do Seu ministério pelo Espírito eterno (Hb 9.14). Eis um problema que deu origem à seguinte controvérsia no período medieval: se o pecado não tivesse entrado no mundo, Cristo teria encarnado? Alguns estudiosos modernos, dentre eles o Dr. Kuyper e os bispos Westcott e Martensen, acreditavam que Cristo teria vindo mesmo se o pecado não tivesse entrado no mundo. E o que se conhece como ponto de vista cosmológico.
O Dr. Kuyper opinou que, mesmo em um universo sem pecado, Cristo teria sido Sacerdote náo-ençamado, como Fora desde a eternidade. Visto que veio o pecado, todavia, Kuyper acha que o sacerdócio de Cristo náo poderia estar separado de Sua encarnação. O bispo Westcott, por outro lado, opinou que, uma vez que a encarnação e o sacerdócio seguem juntos, Cristo teria vindo encarnado, mesmo em um mundo sem pecado. Esta também é a opinião do bispo Martensen. O Dr. Olin A. Curtis era de parecer oposto, sustentando o ponto de vista soteriológico de que Cristo encarndu unicamente por causa do pecado no mundo. Aqui também achamos que não se trata de uma questão de alternativa, pois, admitindo que Jesus encarnou para nos redimir do pecado, cremos ainda que Ele virá outra vez, sem pecado, para buscar a Igreja. Pode-se considerar que esta segunda vinda, esta vinda sem oferta pelo pecado, tivesse sido a primeira, caso o pecado não houvesse entrado no mundo. Embora o autor da Epístola aos Hebreus destaque com primazia a obra redentora de Cristo, jamais omite o propósito último de Sua segunda vinda, a saber, a elevação do homem do seu estado probatório até a ordem nova e eterna.
2. Qual o santuário em que Cristo opera como Sacerdote? É o que as Escrituras descrevem-nos como o maior e mais per feito tabernáculo, isto é, o mesmo céu (Hb 9.11,24). Qual foi, então, o Santo Lugar pelo qual Jesus deve ter passado, como Arão, antes de entrar no Santo dos Santos? Alguns têm afirmado que, seguindo o padrão do tabernáculo, os céus eram divididos em duas partes: a inferior, em que os anjos ministravam, e a superior, em que Deus habita em luz inacessível. O ponto de vista geralmente adotado pelos patriarcas da Igreja, contudo, é que este Santo Lugar foi o próprio corpo ou a natureza .humana de Cristo, tendo sido a santidade de Sua vida na carne aquilo por meio do que Ele passou para o Santuário celestial, o que parece ser
mais aceitável, pois o corpo de Cristo foi conhecido como tabemáculo ou templo. E, ainda, quando levamos em consideração que a vida terrena de Cristo começou em um mistério, o do Seu nascimento por meio de uma virgem, e que igualmente se encerrou em um mistério, a Sua ascensão, quando desapareceu da vista dos discípulos, parece que o espaço entre os dois véus corresponderia perfeitamente à passagem de Arão pelo Santo Lugar até o Santo dos Santos no Dia da Expiação. Tem-se objetado que o corpo de Cristo foi uma criação tanto quanto o nosso. Isto é verdade, mas é claro que em um sentido diferente, pois as Escrituras explicitamente dizem [um] corpo mepreparaste (Hb 10.5). Embora nascido da virgem Maria, o corpo de Jesus foi especialmente preparado, em uma modelação peculiar e divina. Cristo foi Deus-Homem — uma só Páscoa, humana e divina, tanto no Seu corpo como na união das duas naturezas. A respeito do maior e mais perfeito tabemáculo, não feito por mãos humanas (Hb 9.1 lb), disse o Dr. Adam Clarke: a -----------------
Parece que se trata da natureza humana do Senhor. Aquilo em que habita corporalmente toda a plenitude da Divindade (Cl 2.9 ara) foi aptamente tipificado pelo tabemáculo e o templo, em ambos os quais habitava a majestade de Deus. Embora o corpo de nosso Senhor fosse um corpo humano perfeito, náo surgiu por meio da geração natural; a Sua concepção maravilhosa justificará suficientemente as expressões aqui usadas pelo apóstolo.
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Tudo depende de ser a palavra por, no trecho Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bensfuturos, por um maior e mais perfeito tabemáculo (Hb 9-11), considerada local ou instrumentalmente. No segundo caso, então, foi o corpo de Cristo, que era maior do que o tabemáculo ou templo terrestre, aquilo mediante o qual Ele realizou a nossa redenção. Realizada esta, Ele entrou no Santo Lugar não feito por mãos, porém no mesmo céu, onde intercede por nós no maior e
mais perfeito tabernáculo, de que o terrestre foi apenas uma sombra 0o 12.19,21; Hb 8.1,2; 9.24).
3. Que se entendepelos bensjá realizados ou bemfuturos? (Hb 9.11) Em Hebreus 9.11, Quando, porém, veio Cristo como Sumo Sacerdote dos bens já realizados, o escritor de Hebreus usa o nome de Cristo para salientar o Seu cargo. Visto que o verbo principal se en contra no versículo seguinte, entrou uma vez no Santuário (Hb 9.12), os dois, neste sentido, devem ser considerados conjuntamente. Temos aqui três aoristos: um particípio, um verbo e outro particípio. 1.A palavra paragenomenos (naQayevó^evoç), veio, foi assim traduzida por Moffatt: “Cristo veio à cena, e tudo se trans formou”; e por Vaughan: “Tendo chegado” ou “aparecido no cenário dos fatos e da História”. Assim expresso, refere-se ao maior evento da história, Deus, Aquele que fo i manifestado na carne (1 Tm 3.16 ara). A expressão já realizados, relativa a bem, aparece em duas diferen tes versões do texto original. Westcott usou a palavra genomenon (yevo^évcov),^ realizados, conforme se encontra no Manuscrito Vaticano, ao passo que Vaughan, Moffàt e outros usaram a pa lavra meüonton (}1£Aàóvtcov), segundo se acha nos manuscritos Alexandrino e Sinádco, traduzida comojitturos ou que estãopor vir. O primeiro interpreta as palavras por vir como futuro com respeito à Lei, mas pertencendo imediatamente à dispensação cristã; os últimos, como futuro seguindo-se à vinda de Cristo. A primeira interpretação é soteriológica; a segunda, escatológica. Robertson expôs a questão de maneira concisa, quando disse que Cristo é Sumo Sacerdote tanto dos bens que já foram Tecer bidos como daqueles que nos aguardam no glorioso futuro. 2. O segundo aoristo é eiselthen (èiofjÀ0£v), entrou, que é o verbo principal; e
3. O terceiro é heuramenos (eúpáfievoç), tendo obtido, ou melhor, obteve. Os aoristos são veio (Hb 9.11 ara), entrou e obteve (v. 12). Todavia, como aoristos, representam apenas uma seqüência de relações, não inter valos de tempo. O escritor de Hebreus, portanto, considera a redenção como um ato total composto de seqüências relacionadas. As boas coisas estão compreendidas na redenção eterna obtida por nós, a qual torna pos sível a contínua comunhão da aliança com Deus. É por Cristo e mediante Ele que todas as nossas orações, os nossos louvores e os nossos serviços são oferecidos a Deus, e é por Ele e por intermédio dele que todas as bênçãos nos são concedidas. Porque Cristo [...] entrou no mesmo céu, para agora comparecer, por nós, perante aface de Deus (Hb 9.24). A OFERTA SACRIFICIAL DE C R IST O
Da ideia de Cristo como nosso Sumo Sacerdote, ministrando bens do Seu trono nos céus, o autor da Epístola aos Hebreus passa imediatamente à do sacrifício de Cristo, pelo qual se consumou a nossa redenção. Este sacrifício é apresentado sob três aspectos principais: (1) osanguedaexpiação (Hb 9.12-14); (2) o sangue da aliança (Hb 9.15-21); e (3) o sangue da purificação (Hb 9.23-28). Veremos, depois, que ele fala ainda a respeito do (1) sangue do acesso (Hb 10.19-22) e do (2) sangue da comunhão (Hb 13.10-13). O SANGUE DA EXPIAÇÃO
Não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção. Hebreus 9.12 ara O escritor de Hebreus continua o paralelo entre as duas alianças, /sendo que os versículos desta seção têm apenas um objetivo principal:
colocar em contraste o Sumo Sacerdote Jesus, ao entrar no verdadeiro Santo dos Santos no céu, e os sacerdotes levitas, ministrando no tabernáculo terreno. As contraposições podem ser assim sintetizadas: 1. Os sacerdotes arônicos serviam em um tabemáculo terreno, que era apenas imagem do verdadeiro. Cristo serviu no maior e mais perfeito tabemáculo, isto é, no próprio céu. 2. Os sacerdotes terrenos ministravam apenas as sombras ou ima gens das coisas celestiais; Cristo ministrou a própria substância que lançava aquelas sombras — a vida e a luz eterna. 3. Os sacerdotes do tabemáculo terreno ofereciam o sangue de animais; Cristo ofereceu o Seu próprio sangue. 4. Os sacerdotes terrenos entravam no santuário, muitas vezes, porque ofereciam o sangue de animais pelos pecados do povo; Cristo entrou de uma vez por todas porque ofereceu o Seu sangue. 5 .0 ministério dos sacerdotes terrenos era contínuo e insuficiente; o de Cristo foi único e obteve redenção eterna para nós. 6. Os sacrifícios terrenos eram isentos apenas de mácula física; Cristo entregou-se a si mesmo sem mancha a Deus, isento de toda mácula moral e espiritual. Ele não conheceu pecado. 7. As bênçãos advindas por meio do tabemáculo terrestre eram temporais; as que Cristo oferece são espirituais e eternas. Assim, a oferta de Cristo pelo Espírito eterno (Hb 9.14) estava infinitamente acima das miríades de sacrifícios levíticos e de sua interminável sucessão de sacerdotes. O SACERDÓCIO E O SANGUE
Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já realizados [...] não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção. Hebreus 9.11,12
Nesse texto, o derramamento do sangue, em consonância ao sumo sacerdócio arônico, parece ser a condição básica para sumo sa cerdócio espiritual e celestial de Jesus e Sua administração dos bens vindouros. Note que a atenção é dirigida, principalmente, para o futuro. Foi pelo sangue da eterna aliança que Deus [...] tornou a trazer dentre os mortos a Jesus (Hb 13.20). Aqui o sangue é o motivo da ressurreição e o meio pelo qual ela foi realizada. Em Hebreus 9.11,12, vemos que foi por meio do Seu próprio sangue que Jesus entrou uma só vez no Santo dos Santos, tendo obtido redenção eterna para nós. Esse é o sangue do acesso. E mediante o sangue da aspersão, que fala coisas superiores ao quefala o próprio Abel (Hb 12.24 a r a ) , que so mos purificados do pecado. Este é o sangue da nova aliança, pelo qual nossa consciência é purificada das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo (Hb 9.14 a r a ). Tendo sido rompido o véu interior, também somos exortados a ter intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus (Hb 10.19 a b a ) , onde podemos permanecer pela eficácia de Sua expiação e pela comunhão com Sua presença.
1. [Cristo] pelo seu próprio sangue entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção (Hb 9.12) A ênfase aqui é sobre e o derramamento de sangue, sobre a morte sacrificial e expiatória de Jesus. Que poder admirável no sangue do Cordeiro! Sem esse sangue, não há remissão de pecados nem purifi cação do coração! Deus havia dito a Moisés: Porque a vida [...] está no sangue. Eu vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o sangue que fará expiação em virtude da vida (Lv 17.11 a r a ) . Pelo que devemos entender que, embora não possa haver derramamento total do sangue sem morte — na verdade, o sangue
derramado é a evidência da morte —, a ideia essencial do sangue não é a da morte, mas a da vida. Esta profunda verdade é funda mental para uma compreensão correta da Epístola aos Hebreus e da expiação em geral, visto que sem derramamento de sangue não há remissão (Hb 9.22). E por esta razão que o sangue era proibido como alimento no Antigo Testamento, sendo objeto de proibição também no Novo (At 15.29). O seu princípio misterioso e vital era reservado exclusi vamente para os ritos da expiação e purificação,-e isto porque a vida estava nele. Por isso, o derramamento de sangue como oferta a Deus representa a entrega de uma vida por outra, sendo, portanto, expiação por substituição. O sangue de Cristo, com o poder de vida eterna, quando derramado em morte sacrificial, foi o que nos assegurou eterna redenção (Hb 9.12). Trata-se também de expiação por substituição: Aquele que não conheceu pecado, ele 0fe z pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus ( 2 Co 5 . 2 1 a r a ). A EFICÁCIA D O SANGUE DE C R IS T O COM O EXPIAÇÃO
Portanto, se 0 sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito mais 0 sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! Hebreus 9.13,14 a r a A conjunção portanto introduz uma reafirmação de valor, pelo efeito comparativo dos sacrifícios de animais com o de Cristo, mas o faz de maneira mais ampla e pessoal. O sangue do touro era o que o sumo sacerdote oferecia por si mesmo; o sangue do bode era oferecido pelos pecados do povo — constituindo estes em conjunto a expiação pelo pecado.
Fala-se, porém, em Hebreus 9.13,14, de outro sacrifício além desses: as cinzas da novilha ruiva, que eram para a purificação individual dos que tinham entrado em contato com a morte. Estes sacrifícios não apenas serviam para a purificação ritualística exterior, porém, mantinham viva na consciência do povo a ideia do pecado e da impureza. Neste ponto, é evidente que o escritor está preparando a mente dos leitores para o estudo da purificação dos céus (Hb 9-23). Como veremos mais tarde, o valor de todos estes sacrifícios residia unica mente na associação com a eficácia do sangue do Novo Testamento, o do Cordeiro quefo i morto desde a fundação do mundo (Ap 13.8).
1. Muito mais o sangue de Cristo (Hb 9.14a) Essa expressão encerra uma pergunta explícita, com a qual o autor da Epístola torna o assunto uma questão pessoal para os leitores, conclamando-os a responder com a sua própria experiência. Ele faz um apelo para que eles percebam que no sangue de Cristo há uma eficácia muito maior do que a que havia nos sacrifícios levíticos, em que muitos tinham confiado. Se, por meio dos sacrifícios levíticos, os cultuadores podiam comparecer diante de Deus na terra, por que não poderiam ver a eficácia infinitamente maior do sangue de Cristo, o qual poderia de tal modo purificar a consciência do homem que este, já não possuindo consciência de pecado, jamais sentiria novamente a necessidade de retornar a estas ordenanças carnais? E o que Cristo foi, em Sua natureza divino-humana, tornou o Seu sacrifício de valor tão grande e significativo para o homem pecaminoso. Ele operou no reino da realidade absoluta, e o Seu sacrifício foi algo além do que qualquer coisa poderia ser, porque foi resposta ao espírito de Deus e à exigência deste em relação ao pecado. O sangue de Cristo é eficaz para todas as necessidades da alma humana. Isto foi claramente exposto pelo Dr. A. B. Simpson, que
afirmou que o sangue nas ombreiras das portas foi redentor, o no altar foi expiatório; o sobre o leproso foi purificador, o sobre o livro foi sangue da Aliança; o sobre os sacerdotes foi sangue da consagração; o sobre o propiciatório foi sangue da súplica. O sangue de Cristo é sangue da vida. [Disse Jesus:] Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu, nele (Jo 6.56). Os discípulos falaram que essa era uma palavra dura, porém, Ele lhes respondeu: O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida (Jo 6.63).
2. Que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus (9.14b a r a ) As palavras diapneumatos aioniou ( ò i á 7TV£Ú|jíx t o ç aícovícou), pelo Espírito eterno, têm sido fonte de muita controvérsia e muitas teorias especulativas. As mais importantes, entretanto, podem ser reduzidas a duas: (1) que o espírito eterno é o próprio espírito de Cristo; e (2) que o espírito eterno se refere ao Espírito Santo. A primeira interpretação afirma que o derramamento do sangue de Cristo foi acompanhado por Sua natureza eternamente divina, no mesmo sentido segundo opoder de vida indissolúvel (Hb 7.16). A segunda interpretação considera o espírito eterno como o Espírito Santo, a Terceira Pessoa da Trindade. Embora no grego não haja o artigo definido, que geralmente se usa com referência ao Espírito Santo, deve-se admitir que, mesmo sem o artigo, frequentemente o termo grego se refere a Ele, e por isso, em nossa tradução, a palavra Espírito está com maiúscula. Quando se toma esta interpretação, só pode significar que a entrega que Cristo fez de si mesmo foi de acordo com a vontade do Pai e realizada por meio do Espírito Santo. Como Cristo é a revelação de Deus, seja na terra, seja no céu, assim o Espírito Santo é o poder de vida interior comunicado aos que creem.
A verdade irá tornar-se mais clara se formos um passo além. Nos homens, o espírito, como dissemos, é aquilo pelo qual sáo capazes de ligação com Deus. Mas, em Cristo, que náo deixou de ser o Filho de Deus por tornar-se Homem, o espírito deve ser considerado como a sede de Sua personalidade divina na Sua natureza humana. Até aí, a pneuma aionion (o espírito eterno) incluía a pneuma (espírito) limitado da humanidade do Senhor. Este pneuma, tendo sua existência pró pria, estava em perfeita harmonia com o espírito eterno.
(W e s t c o t t ,
Commmentary on the Epistle to the Hebrews, p. 264)
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3. Para servirmos ao Deus vivo (Hb 9.l4d a r a ) A purificação da consciência de obras mortas é para servimos ao Deus vivo (9.l4d a r a ) . A expressão obras mortas é particularmente aplicável aqui por ser colocada em contraste com o Deus vivo, que não tem nem pode ter parte nenhuma com a morte. As obras dele são sempre as da vida, saúde, pureza e do poder — procedente do espírito eterno. O oposto é igualmente verdade. Obras mortas procedem de uma criatura destituída de vida divina, e o resultado é doença, deformidade e morte. A purificação da consciência não é só necessária para a comunhão com Deus, mas também para o serviço a Ele. A consciência do pecado impede o acesso a Deus e, portanto, serviço aceitável a Ele. Quando o termo santificação é usado em seu sentido principal, o de estar-se plenamente separado para Deus, a pureza é um concomitante essencial. O Espírito Santo deve, primeiro, purificar o coração para, depois, assumir a Sua presença permanente ali, mas o ato da purificação e a vinda do Espírito jamais se separaram na experiência real. Ser santificado inteiramente é ser possuído por Deus, tornando assim possível a plena devoção do coração. A devoção plena de um coração purificado deve encontrar sua expressão no serviço. Este é o seu propósito e a sua glória. Duas condições caracterizam este serviço:
1. É serviço para o Deus vivo. Seja o que for que tenha con tato com a morte — a pregaçáo sem unção, as orações sem meditação, o cântico sem entusiasmo e os testemunhos vagos e vazios, ou outros serviços meramente formais — , não são aceitáveis a Deus. 2. É serviço realizado no Santo dos Santos, que Cristo abriu para nós além do véu. Tendo entrado mediante o sangue do Cordei ro, passamos a habitar na presença da glória de Deus, manifesta por intermédio do Espírito Santo. Todo o nosso serviço, pois, não é apenas para sermos chei os de vida, mas tocados pela glória da presença divina. Este é o significado das palavras: Tu és o meu servo [...], aquele por quem hei de ser glorificado (Is 49.3). Esta é a promessa de nosso Senhor, quando disse: Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas (At 1.8a). O Espírito Santo habitando em um coração puro é o Guia para toda a verdade, o Revestimento de poder, o Sustentador da vida espiritual por renovações de Espírito e o Doador de novas unções para todo serviço de indicação divina. Existe, portanto, rico significado nas palavras: “Que a glória permaneça entre / » nos . Embora muito se possa dizer a favor de uma e da outra teoria, é melhor considerar as duas como sendo apenas os diferentes aspectos de uma só e grande verdade da redenção. A primeira, contudo, é a interpretação geralmente aceita, porque parece estar mais diretamente em harmonia com o propósito específico do escritor. As palavras pelo Espírito eterno elevam todo o processo dos planos carnal e material para acima das condições limitadoras de tempo e espaço, até o reino do Espírito, em uma ordem nova e eterna. 'A expressão, pois, significa o reino do espirito interior, aquele em que Cristo ministra, quer como Sacerdote, quer como Oferta.
Cristo foi o Deus-Homem e, como tal, infinitamente superior aos sacerdotes da ordem levítica. Como Filho de Deus, Ele foi o Sacerdote de uma ordem eterna; como Filho do Homem, Sua oferta foi diferente, porque foi o corpo e o sangue do Deus-Homem. Foi isto que emprestou eficácia absoluta ao Seu sacerdócio, validade e perfeição eterna à Sua Oferta. O sangue sacrificial de Cristo, derramado na cruz do Calvário, não foi só um acontecimento no tempo, mas também uma realização espiritual na ordem absoluta e eterna. E porque é a obra de uma Pessoa sem pecado no reino do Espírito é eficaz para a purificação do espírito humano de toda contaminação. Cristo ofereceu-se apenas uma vez e sem mancha a Deus, mas nesse ato único Ele realizou o que miríades de sacrifícios carnais jamais poderiam obter: a expiação dos pecados. A PURIFICAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
Purificará a nossa consciência de obras mortas. Hebreus
9 . 14c
ara
O verbo traduzido como purificar ou purgar é kathariei (ícaGaQieí), que é um antigo verbo helênico geralmente usado em sentido cerimonial. E a mesma palavra que se encontra em Mateus 3.12, onde lemos que Ele em sua mão tem a pá, e limpará a sua eira; em Tiago 4.8b: Limpai as mãos, pecadores. Além do nosso texto, a palavra só ocorre nessas duas passagens do Novo Testamento e torna claro que o sangue não apenas nos purifica de pecados reais, mas expurga a própria natureza do pecado. O contraste em Hebreus 9.14c é entre as cinzas de uma novilha, que purificava apenas exteriormente os que tocavam um corpo morto, e o sangue de Jesus, que, chegando até o interior da consciência, purifica-a de todas as obras mortas. O termo mortas naturalmente incluiria todos os crimes e todas as violações da Lei, mas não é isto que o autor da Epístola tem em mente.
Refere-se, antes, às falsas observâncias de ritos religiosos, formais, vazios e realizados na energia da carne. São obras mortas, porque não podem comunicar nem sustentar a vida e daí serem inúteis para o serviço do Deus vivo. O autor da Epístola, então, pronuncia sentença de morte sobre elas, para depois apresentar a nova aliança de vida e poder. O SANGUE DA NOVA ALIANÇA
Por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados. Hebreus 9.15 a r a Vimos que o sangue sacriíícial de Jesus teve seu resultado em uma redenção eterna, que purgou ou purificou a suneidesis, isto é, a cons ciência de pecado. E isto foi possível porque a expiação foi realizada por uma Pessoa sem pecado, que, por natureza, pertencia ao espírito eterno. A transição é natural e fácil: (1) porque o sangue de Jesus é o selo da nova aliança, que torna certa a realização da herança prometida; e (2) porque a alma purificada, passando a prestar um serviço novo e espiritual, necessita de uma nova aliança. A partir de então, o escritor de Hebreus passa de seu estudo do sangue expiatório de Cristo para os benefícios dessa expiação que advêm ao povo de Deus em um Novo Testamento, isto é, passa a falar da nova aliança. O M
e d ia d o r d o
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O autor da Epístola já examinou o assunto da intercessã Cristo em conexão com a melhor aliança estabelecida sobre promessas melhores (Hb 8.6); apresenta, aqui, a intercessão em conexão com a herança que Deus prometeu ao Seu povo. Trata-se de mais um passo ,
no progresso da exposição. Cristo é o Herdeiro de todas as coisas (Hb 1.2), e a herança, portanto, tem de ter a Sua medição. Lemos que Jesus fez um Testamento de Sua herança e, tendo morrido, tornou-o operante. Ele ressuscitou para tornar-se o Executor de seu próprio Testamento. Estando ainda vivo, o Seu povo se torna herdeiro de Deus e co-herdeiro com Cristo (Rm 8.17). Que maior segurança poderia ser concedida aos herdeiros da promessa do que o próprio Testador levantar-se dentre os mortos para fazer cumprir o Seu próprio Testamento? 0 escopo da obra intercessora apresentado neste versículo é muito amplo e pode ser apenas sucintamente apresentado a seguir. 1 - A nova aliança ( a r a ) , ou o novo testamento ( a r c ) , men cionada em Hebreus 9.15, é a execução da herança original prometida a Abraão e à sua descendência. Paulo tornou claro que esta descendência é Cristo (G1 3.14-16). A palavra nova usada não é neos (véoç), que significa novo quanto ao tempo, mas kainos (jauvóç), que significa novo em qualidade ou caráter. Logo, a aliança é nova por causa da novidade e eficácia que Cristo lhe conferiu. O que é chamada de primeira aliança é uma alusão à aliança mosaica, que foi feita 430 anos depois do tempo de Abraáo (G1 3.17-19). Paulo nos lembrou que ela foi adicionada por causa das transgressões (G1 3.19b a r a ) e que visava servir-nos de mestre-escola para‘levar-nos a Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. 2 - Lemos que essa nova aliança foi selada com a morte de Cristo que foi vicária e pôs em vigor o Novo Testamento, porque foi um resgate completo e perfeito. 3 - 0 escopo deste resgate estendeu-se aos pecados do primeiro testamento.
Temos aqui a expressão eis apolutrosin (eíç á 7 to À Ú T Q Q x n v ), para remissão ou redenção dos pecados sob o primeiro concerto, tornan do claro que todo o passado, o presente e o futuro descansam na obra redentora de Cristo sobre o Calvário. Sem a Sua mediação, não haveria herança eterna, nem povo chamado para recebê-la. A obra redentora de todas as eras tornou-se possível mediante o sangue derramado de Cristo como Sacrifício expia tório, o Cordeiro morto desde a fundação do mundo. A
l ia n ç a o u t e s t a m e n t o
Porque, onde há testamento, ê necessário que intervenha a morte do testador;pois um testamento só é confirmado no caso de mortos; visto que de maneira nenhuma temjbrça de Lei enquanto vive o testador. Hebreus 9.16 , 17 a r a
Esta é uma declaração geral, à qual se seguirá uma ilustração específica, extraída pelo autor da Epístola sobre o sacrifício inaugural da antiga aliança. A palavrapheresthai (cf>£Q£CT0ai) é uma expressão legal e, sendo um termo técnico, traz em si a ideia de anúncio ou proclamação, ou mesmo a prova da morte do testador, antes que o seu testamento possa tornar-se efetivo. As palavras me pote (|_n] noxe), traduzidas como de maneira nenhuma, significam simplesmente nunca. Foram usadas por João de forma interrogativa e, seguindo esta orientação, alguns dos antigos comentadores assim interpretam Hebreus 9.17: “Pois é jamais válida enquanto o testador vive?”0 sentido é o mesmo em um e outro caso. A palavra diatheke ( õ u x 0 t í k t |) é outro termo difícil da Epístola. É traduzida tanto por aliança como por testamento, sendo este último o significado no grego clássico, nunca, porém, no Antigo Testamento ,em grego nem no Novo, a não ser que o seja aqui. Em um e outro caso, contudo, a palavra implica morte, mas de maneira muito diversa.
Com base na dupla terminologia, oferecem-se duas explicações, nenhuma das quais, per si, parece suficiente. 1 - A primeira, que é a ideia hebraica, sustenta que o significado é sempre aliança, e que os sacrifícios que a acompanhavam eram meramente representativos das partes contratantes. O Dr. Adam Clarke disse que “onde haja uma aliança, é necessário que seja exibida a vítima indicada, visto que tal pacto se confirma sobre as vítimas sacrificadas”. Sintetizando esta interpretação, o bispo Chadwick esclareceu que, quando a aliança era ratificada, e a vítima, morta, cada uma das partes dizia virtualmente: ‘Com respeito a esta transação, a minha volição viva e livre escolha já não existem; neste assunto sou tão impotente para retratar-me ou retirarme como os mortos”’. 2 - A segunda explicação é a do bispo Lightfoot, para quem, no fim do versículo 15> quando se menciona a herança, o pensamento volta-se para a ideia de legado ou testamento, sendo este o significado até o final do argumento: “Mesmo no caso excepcional (Hb 9.15-17), o escritor parte do sentido de uma aliança e resvala para o de testamento, ao qual é levado por dois pontos de analogia: (1) a herança conferida pela aliança; e (2)a morte da pessoa que a celebra”. Moífatt sustentou que a resposta se acha nos versículos 16ss, onde o escritor de Hebreus joga com o duplo significado da palavra diatheke, usando-a nas acepções grega e hebraica, como o fez Paulo (G13-15ss.). A chave da ilustração do autor da Epístola está no uso legal de bebaia ((3e(3ctúx), confirmado, e ischuei ( lctxúel) , força, que os torna aplicáveis a testamentos, bem como a leis. Também usa as palavras ho diathemenos (ó òia0é^£voç), termo técnico que significa testador. Uma vez que a morte de Jesus era a prin cipal dificuldade dos judeus para o aceitarem como Messias, o
escritor de Hebreus apresenta a diatheke sob ambos os aspectos: como aliança e testamento, a fim de demonstrar o seu pleno significado. Embora Moffatt admitisse que esta interpretação tenha seus defeitos, parece ser a única solução real. E o que Vaughan tam bém admitiu quando disse que diatheke tem o sentido amplo de arranjo ou acordo, seja de relações (aliança), seja de posses (testamento). Embora Jesus esteja então vivo, houve morte e, daí, uma diatheke se tornou possível, tanto no sfentido hebraico de aliança selada com sangue, como no sentido grego de testa mento, devido à morte do testador. Os sacrifícios animais só poderiam assinalar a aliança de duas pessoas vivas e, portanto, forçosamente, uma de obras; só a morte de um dos pactuantes, que era o Herdeiro de todas as coisas, tornaria possível a herança da graça pela qual nos torna mos herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (Rm 8.17).
A PRIMEIRA ALIANÇA FOI RATIFICADA COM SANGUE Nenhuma aliança que Deus fez com o homem pecaminoso foi jamais inaugurada sem sangue. Chamamos já atenção para a passagem que declara que a vida está no sangue (Lv 17.11), de sorte que o jorrar do sangue era evidência de que a morte da vítima realmente se dera. O sangue sobre o altar evidenciava ainda que Deus aceitara o Substituto, podendo-se, então, dizer que os pecados foram cobertos pelo sangue sobre o propiciatório. O escritor de Hebreus cita a primeira aliança como ilustração.
1. Pelo que nem a primeira aliança foi sancionada sem samue (Hb 9.18 a r a ) Desperta-se aqui a atenção dos judeus para o fato de que a aliança sob a qual estavam vivendo foi sancionada com sangue; e,
visto que o uso de sangue pertencia praticamente a tudo a ela associado, náo deviam escandalizar-se com a morte de Cristo. Deviam, antes, reco nhecer que todos os sacrifícios anteriores se tornaram válidos pelo Seu sangue expiador e que só o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado.
2. Porque, havendo Moisés proclamado todos os mandamentos segundo a Lá a todo opovo, tomou o sangue dos bezerros e dos bodes, com água., e lã tinta de escarlate, e hissopo e aspergiu não só opróprio livro, como também sobre todo opovo, dizendo: Este é o sangue da aliança, a qual Deusprescreveu para vós outros (Hb 9.19,20 a r a ) Estes versículos referem-se à dedicação, ou melhor, à inauguração da aliança mosaica, que se encontra em Êxodo 24.1-8 e foi feita antes da construção do tabemáculo. Acrescentam-se diversos pormenores concernentes ao serviço.
3. Igualmente também aspergiu com sangue o tabernáculo e todos os utensílios ao serviço sagrado. Com efeito, quase todas as coisas, segundo a Lei, se purificam com sangue; e, sem derramamento de sangue, não há remissão (Hb 9.21,22 a r a ) A primeira aliança náo foi apenas inaugurada com sangue, mas do início ao término, os cerimoniais se baseavam no sangue sacrifiçial. Por esta razão, o escritor de Hebreus agora inclui o cerimonial do tabemáculo, no seu todo, naquilo que assinalou a inauguração da aliança.
4. Sem derramamento de sangue, não há remissão (Hb 9.22b) Quase todas as coisas eram, pela Lei, purificadas com sangue, mas havia algumas exceções, como, por exemplo, a água da separação.
Amorte era o castigo do pecado, e o pecado tem de ser removido antes de haver acesso a Deus ou comunhão com Ele. Deus enviou o Seu Unigêriito para redimir-nos, porém, não sem sangue; e todas as bênçãos da nova aliança sâo oferecidas exclu sivamente por causa do sangue derramado de Cristo. Devemos, portanto, exaltar esse sangue e procurar compreender, com todo o nosso entendimento e as nossas forças, o escopo infinito das bênçãos a nós proporcionadas pelo sacrifício vicário de Cristo. O autor da Epístola menciona aqui a água, a lã escarlate e o hissopo, usados na inauguração da primeira aliança. 1. A água é o símbolo do Espírito, especialmente em suas ativi dades purificadoras e vitalizantes. Jesus disse: Se alguém tem sede, que venha a mim e beba (Jo 7.37); rios de água viva correrão do seu ventre (v. 38). E isso disse ele do Espírito, que haviam de receber os que nele cressem;porque o Espírito Santo ainda nãofora dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado (v. 39). João também testificou que, quando Jesus foi crucificado, um dos soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água (Jo 19-34). Isto era indício da Sua obra expiatória e o dom do Espírito pelo qual era administrada. No tabernáculo, o primeiro era simbolizado pelo altar, o segundo, pelo lavabo. 2. A lã de escarlata era evidentemente a que se embebia em sangue, ou em sangue e água, e era usada para purificação quando não servisse à aspersão (Lv 14.51,52). 3- O hissopo era uma pequena planta ou erva, que, quando feita em tufos, era usada para aspergir o sangue sobre os impuros. (A aspersão do tabernáculo e de seus vasos, mencionada em Hebreus 9.21, não o é em Exodo 40. Contudo, uma vez que o óleo jamais era usado, exceto quando o sangue tivesse sido primeiro aplicado [Lv 8.23-30; 14.14-17], fica evidente que o autor tinha suficiente autoridade para o que. afirmava. Isto significa que o Espírito é dado somente àqueles que já aceitaram o sangue de Cristo.)
Era necessário, portanto, que asfiguras das coisas que se acham nos céus se purificassem com tais sacrifícios, mas as próprias coisas celestiais, com sacrifícios a eles superiores. Porque Cristo não en trou em Santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus. Hebreus 9.23,24 ara Parece haver um retorno aqui da ideia do sangue da aliança para o sangue da expiação, apresentado em Hebreus 9.11,12. 0 autor da Epístola demonstrou a relação entre os dois no sentido de que ambos foram válidos porque houve morte — o primeiro, como Substituto para a remissão dos pecados; o segundo, como Testador para a restauração da herança. Paulo tornou claro, entretanto, que, pelo selo do Espírito, temos apenas o penhor da herança nesta vida, sendo que a plenitude aguarda redenção final no mundo por vir (Ef 1.14). Somos redimidos do pecado nésta vida como indivíduos, mas as conseqüências naturais do pecado não serão removidas do Seu povo antes da ressurreição [por ocasião da segunda vinda de cristo]. E por esta razão que falamos de uma perfeição de amor nesta vida e de uma perfeição de glória no porvir.
A PURIFICAÇÃO DOS CÉUS Era necessário, portanto, que asfiguras das coisas que se acham nos céus se purificassem com tais sacrifícios, mas as próprias coisas celestiais, com sacrifícios a eles superiores. Hebreus 9.23
O autor da Epístola argumenta agora que, se asfiguras ou có das coisas celestiais no tabemáculo terreno e de seus rituais deviam ser purificadas pelo sangue, então, por força, as próprias coisas celestiais
deviam igualmente ser purificadas; e, se eram necessários sacrifícios temporários para as figuras, melhores sacrifícios eram precisos para as coisas celestiais e eternas. Visto que o poder purificador dos sacrifícios residia no sangue, o escritor de Hebreus usa, a partir de então, apenas o termo sacrifícios, em lugar de sangue. O plural aqui deve ser tomado no sentido geral do sacrifício de Cristo, embora alguns achem que o autor da Epístola tinha em mente os sacrifícios terrenos de uma vida de humilhação, bem como o sacrifício supremo de Sua morte na cruz.* 1 - Por que, porém, deviam os céus ser purificados? Grandes comentadores disseram que se tratava de mera figura de lin guagem, representando a purificação do homem necessária para entrar no céu, a qual foi transferida para o céu, onde este entraria. Vaughan, por exemplo, disse que o “céu não necessita de purificação em si mesmo; a necessidade mencionada é relativa, a fim de torná-lo próprio para a entrada do homem. A puri ficação mencionada é, pois, o sacrifício de Cristo pelo pecado do homem e a apresentação que Cristo faz de si mesmo no céu como Sumo Sacerdote do homem”. A interpretação de Westcott é muito diferente: até as coisas celestiais, tanto quanto compreendam as condições da vida futura do homem, contraíram pela Queda algo que exigia purificação. A necessidade — palavra forte e enfática — deve, portanto, encontrar-se na santidade de Deus; as pessoas ou lugares que Ele honra com a Sua presença devem ser santos. Ele não há de ignorar o mal nem contemporizar o pecado e a impureza. 2 - Até que ponto a entrada do pecado perturbou a ordem moral do mundo? As Escrituras indicam que a obra redentora de Cristo, em sua extensão, vai além da salvação de cada indi víduo, cristão, por mais grandioso que seja este triunfo.
Paulo afirmou que toda a criação geme e está juntam ente com dores de parto até agora (Rm 8.22) e que Deus, mediante Cristo, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliou consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus (Cl 1.20 a r a ). Este é um texto notável. Se há coisas a serem reconciliadas no céu, náo deveríamos surpreender-nos que elas existissem para serem purificadas também. Contudo, as Escrituras náo nos revelam plenamente toda a grandeza da redenção de Cristo, pois náo foram escritas para satisfazer a nossa curiosidade, mas para tornar-nos sábios no caminho da salvação. A ENTRADA DE CRISTO NO CÉU POR NÓS
Porque Cristo não entrou em Santuáriofeito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus. Hebreus 9.24 ara Em Hebreus 9.12, o autor da Epístola disse que Cristo entrou no Santuário celeste pelo Seu próprio sangue. Em Hebreus 9.24, afirma que entrou por nós. Jesus não entrou em um Santuário feito por mãos, ou seja, no tabemáculo terreno, que, com todo seu ouro e sua grandeza, era apenas uma figura ou sombra do verdadeiro tabemáculo, agora claramente definido como o próprio céu. A palavra traduzida como comparecer é emphanisthenai (é|j(})aviCT0Tyvm), um particípio, traduzido em outra parte como mostrar-se ou tornar-se manifesto; combinada com presença, prosopoi (7XQOCTÓ7XCOi), face. Assim é que Cristo compareceu perante a face de Deus (Hb 9.24 a r c ) . E, como Deus contempla d e modo ime diato a face do Seu Filho, também o Filho igualmente vê a face do Pai.
O aoristo indica um único ato de auto-apresentaçáo pela ascensão ao céu. A palavra agora implica que a condição de manifestação continua. E as palavras por nós representam a forma mais simples de intercessão. Cristo tem apenas de comparecer diante da fàce de Deus, e isso unicamente por nós; esse comparedmento, por causa do que Ele é e fez, representa-nos ali e intercede por nós. Aquilo, portanto, que foi prefigurado na terrena imagem é plena e finalmente realizado no Santuário celestial. A O ferta d e u m a v e z p o r t o d a s
Nem aindapara se oferecera si mesmo muitas vezes, como o sumo sacerdote cada ano entra no Santo dos Santos com sangue alheio. Hebreus 9.25 a r a Contrasta aqui o autor da Epístola as ofertas do sumo sacer dote levítico com as de Cristo. O primeiro, entrando com o sangue alheio, repetia o seu sacrifício todos os anos. Cristo entrou de uma vez por todas mediante o sacrifício de si mesmo. Os sacerdotes po diam entrar muitas vezes, porque entravam com o sangue alheio, Jesus entrou apenas uma vez, porque ofereceu o Seu próprio san gue em morte sacrificial. Cristo entregou-se em plena obediência à vontade de Deus e, portanto, as outras ofertas foram dispensadas, tanto por causa da eficácia do Seu sacrifício, como por causa da glória de Sua pessoa. 1 - 0 autor da Epístola prossegue em seu argumento, dizendo: Ora, neste caso, seria necessário que ele tivesse sofrido muitas vezes desde a fundação do mundo (Hb 9.26a a r a ) . Evidentemente, os judeus punham em dúvida a validade de uma só oferta. Se a oferta não tivesse sido de uma vez por todas, implicaria repetido sofri mento: a encarnação, a vida de sofrimento e uma morte cruel. O autor da Epístola olha exclusivamente para o passado. Se a Oferta de Cristo não tivesse sido de uma vez por todas,
teria sido válida apenas para a Sua geraçáo, como era o caso do sacerdote levita. A Sua Oferta, pois, tem de ser independente do tempo e válida como ato único. E ainda, visto que o aparecimento de Cristo se deu no fim dos tempos (cucóvlov ) , é evidente que o sacrifício foi eficaz para todos os que o precederam e assinalou a introdução de uma nova era ou dispensação baseada em superior aliança e estabelecida sobre melhores promessas. 2 - 0 propósito desta Oferta única era aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o pecado (Hb 9.26c). Esta declaração representa um clímax. O autor da Epístola afirma que Cristo aniquilou o pecado e tudo o que se acha ligado a ele — sua natureza e seus efeitos, suas raízes e seus frutos. Removeu-lhe a culpa, destruiulhe o poder e aniquilou-lhe a própria existência. O pecado era apostasia contra Deus. Ninguém era capaz de destruí-lo. Mas Cristo apareceu para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo. A expiação feita por Cristo anulou, can celou a Lei do pecado e da morte e introduziu a Lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus (Rm 8.2). Isto é transformação pelo Espírito Santo, que coloca a vida em harmonia com a vontade de Deus e torna possível a verdadeira obediência. As palavras aniquilar opecado, portanto, declaram não apenas o seu propósito, mas afirmam os seus efeitos. Cristo se manifestou para tirar os nossospecados (1 Jo 3.5), e este propósito Ele realizou plena e triunfantemente. A MORTE E O JUÍZO
E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, ojuízo, assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vezpara semprepara tirar ospecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação. Hebreus 9.27,28 a r a
Este é um trecho de transição. Na sua primeira parte, afirma i a eficácia da morte de Cristo uma só vez, enquanto que, na segunda, temos um relance do futuro, quando Cristo virá novamente para salvação. Em Hebreus 9.27, especificam-se duas coisas destinadas ao homem: a morte e o juízo. O que se traduz como ordenado é apokeitai {ánÓ Ktixai), que significa pôr de lado, resevar. Tem, então, a força de Lei inalte rável, que não pode ser transgredida e aplica-se igualmente à morte e ao Juízo. A porta encerra a porta da história da vida neste mundo e abre-a para o porvir. O que não foi feito antes da morte ficará por fazer para sempre neste mundo. A partícula de (5é), e, tem a força de certeza — se houver morte, deve seguir-se o juízo, e esta também é uma decisão irrevogável. Seria de crer que, em harmonia com o pensamento do autor de Hebreus, este julgamento deveria ser imediatamente após a morte; mas muitos comentadores acham que, ao contrário, refere-se à cena terrível que assinala o término da história do mundo. Provavelmente, o primeiro se refira a um julgamento inicial', que determina a condição de salvo ou perdido do indivíduo, devendo por força dar-se quando da morte; o outro, o Juízo geral, em que os homens são recompensados ou punidos na proporção do merecimento de suas obras. A SEGUNDA VINDA DE CRISTO
Assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar ospecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação. Hebreus 9.28 a r a O autor da Epístola agora encerra o seu paralelo. Quando o sumo sacerdote terminava o cerimonial no Dia da Expiação, tomava de novo as vestes de glória e beleza, e surgia à porta para abençoar a
congregação que aguardava. Assim também, Cristo, depois de ter feito a Oferta única pelo pecado e entrado no Santo dos Santos, voltará, agora não em humilhação, mas com Suas vestes de glória e formosura, com um brilho que excede o do Sol em todo seu fulgor: Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do Homem (Mt 24.27), e assim há de reunir os redimidos, os que ansiosamente o aguardam. A expressão tendo-se oferecido éprosenechtheis (tiqo<7£V£X0híç), um particípio passivo. Cristo foi o Ofertante e a Oferta; ao mesmo tempo Sumo Sacerdote e Sacrifício. A fr a s e assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos é n o t á v e l p o r q u e a s p a lav ra s prosenechtheis (7tQOCTEV£x.0£Íç)> tendo-se oferecido, e anenegkein ( a v £ V £ y K £ Í v ) , levar o u carregar, p r o v ê m d o m e s m o r a d ic a l, c o m a ú n i c a d if e r e n ç a d a s p r e p o s i ç õ e s pros e ana, e d e q u e a p r im e ir a está n a v o z p a s s iv a .
Cowles fez a seguinte paráfrase dela: “Cristo foi uma vez apresentado (isto é, diante do mundo e do Universo), para trazer (manifestar), diante de todo o céu e da terra (este é o significado da palavra), que levaria visível e publicamente os pecados de muitos”. Vaughan adotou mais estritamente o significado técnico do último termo levar ou trazer o sacrifício ao altar que, no caso de Cristo, era a cruz. Eis, pois, como ele parafraseia toda a expressão: “tendo sido trazido ao altar do sacrifício para que levasse até ele, em Sua própria pessoa, os pecados de muitos”. Assim, a cruz do Calvário foi a demonstração pública do sacrifício de Cristo para expiação do pecado do mundo. A palavrapollon (tioàAcov), os muitos, não se refere aos muitos escolhidos, mas em contrastes com o Único, Cristo, e a Oferta dele feita de uma vez por todas. Não é possível perverter estas palavras para ensinar uma expiação limitada — doutrina teológica em desar monia com todo o teor das Escrituras, que se acha explicitamente expresso em João 1.29c — Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado
do mundo — e em 2 Coríntios 5.15, onde se lê claramente que ele morreu por todos. Em 2 Coríntios 5.15, a palavra usada é todos (návTcov), e não muitos ( tioààcóv). Visto que, em Hebreus 9.5, é usada a palavra anthropois (áv0(XÚ7ioiç), significando a humanidade em geral; a palavra muitos poderia propriamente ser aplicada aos que creem e, assim, aproveitam-se dos benefícios da expiação. Em termos teológicos, a expiação é suficiente para todos os homens, mas eficiente apenas para os que creem. A expiação estende-se universalmente, mas os que, por sua própria vontade, rejeitam as suas provisões, limitam-lhe o significado aos que, pela fé, valeram-se do seu poder redentor. As palavras sem pecado também merecem especial atenção. Aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para a salvação (Hb 9.28b). Cristo mesmo era sem pecado e separado dos pecadores; no entanto, lemos: Àquele que não conheceu pecado, o fe z pecado por nós; para que, nele, fossemos feitos justiça de Deus (2 Co 5.21). Qualquer que seja a interpretação emprestada a este texto, quanto a Ele ter sido feito pecado, Sua segunda vinda, no mesmo sentido, será sem pecado. Interpreta-se esta passagem como significando que Cristo veio como Oferta pelo pecado. Então, da segunda vez, Ele virá sem Oferta pelo pecado. Se Ele veio como Expiador do pecado na primeira vez; na segunda, aniquilará o pecado. Se Ele veio por compaixão pelos pecadores em Sua humilhação, voltará em glória para julgar a terra. As palavras para a salvação referem-se à consumação última de todas as coisas. Quaisquer que sejam as teorias sobre o Milênio associadas à segunda vinda de Cristo, elas não são levadas em conta neste contexto: Quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os santos anjos, com ele, então, se assentará no trono da sua glória (Mt 25-31). Então, dirá Ele aos justos: Vinde, benditos de meu Pai, possui por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo (v. 34). Mas aos ímpios, ordenará: Apartai-vos de mim,
malditos, para ofogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos (v. 41). E, então, virá o fim , quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder (1 Co 15.24 a r a ) . Então, s e r á que todas as coisas chegarão ao seu estado final, em uma ordem nova e eterna.
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N otas 1— Teólogo reformador nascido em 1862 que contribuiu com seus estudos exegéticos sobre a teologia bíblica, a qual fundamenta-se na auto-revelação de Deus nas Escrituras. Autor do livro Teologia Bíblica, Velho e Novo Testamentos. (Fonte: www. bsmi.org/vos.htm)
A
10 NOVA ALIANÇA E O VIVO CAMINHO este capítulo, o autor de Hebreus fecha o assunto sobre a ordem levítica e passa à nova aliança e ao vivo caminho.
N
Ora, visto que a Lei tem sombra dos bens vindouros, não a imagem real das coisas, nuncajamais pode tomar perfeitos os ofèrtantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após ano, perpetuamente, eles oferecem. Doutra sorte não teriam cessado de ser oferecidos, porquanto os que prestam culto, tendo sido purificados uma vez por todas, não teriam consciência de pecados? Entretanto nesses sacrifícios faz-se recordação de pecados todos os anos, porque é impossível que o sangue de touros e de bodes remova os pecados. Hebreus 10.1-4 a r a
A conjunção ora, que inicia o primeiro versículo do capítulo 10, não implica necessariamente uma continuação do argumento no capítulo 9; apenas uma conexão geral com o estudo precedente. A respeito disso, Bruce, em sua Epistle to the Hebrews, opinou que o autor da Epístola está fazendo uma pausa, a fim de apresentar o 'veredito sobre o sacerdócio arônico:
"
De maneira solene, deliberada, peremptória, temos o veredito em pronunciamento rápido, tom elevado, partindo do estilo didático do doutor em teologia para o discurso oracular do profeta hebreu, como naquela sentença decisiva: Porque é impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados (Hb 10.4 ara). O notável neste capítulo [10] é a série de intuições espirituais que contém, expressas ou implícitas; associações como: a Lei, uma sombra; os sacrifícios levíticos constantemente repetidos, ineptos; a remoção dos pecados pelo sangue de animais, impossível; o único sacrifício que pode ter virtude real, aquele pelo qual a vontade de Deus é cumprida. (Bruce, Epistle to the Hebrews)
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O capítulo 10, portanto, corretamente considerado, é o epílogo de um momentoso e ponderado discurso. A L ei c o m o so m b r a
Ora, visto que a Lei tem sombra dos bens vindouros, nào a imagem real das coisas, nunca jamais pode tomar perfeitos os ofèrtantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após ano, perpetuamente, eles oferecem. Hebreus 10.1 ara A forma e a sombra foram anteriormente examinadas como pertencentes aos dois tabernáculos (Hb 8.5). No texto acima, con tudo, o contraste é entre a Lei e os bens vindouros. Nesta expressão, o vocábulo usado é mellonton ((aeAAóvTOv), que significa boas coisas que estão para chegar, o que pode ter um sentido mais imediato e mais remoto. As coisas imediatamente subsequentes à Lei são aquelas que, em Cristo, tornam-se acessíveis a nós nesta vida; as mais remotas são as que nos aguardam no estado futuro. Esta interpretação parece salientarse ainda por um contraste com os primeiros serviços ou rituais, que não podiam aperfeiçoar os que prestavam culto (Hb 9.9); ao passo que
sobre Cristo lemos que, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados (Hb 1 0 . 14 a r a ). As palavras gregas usadas nesta comparação são skian (cnciàv), sombra, e eikona (eucóva), imagem. A imagem aqui, contudo, não é mera cópia ou reflexo, sendo usada no sentido da forma em que as coisas reais existem. O autor da Epístola emprega a metáfora da estátua e da sombra que ela projeta, termos bem escolhidos para mostrar que o judaísmo era mera sombra das realidades da dispensação do evangelho. Entre os gregos, no entanto, a skia era entendida pelos comentadores como o primeiro esboço de uma figura, e eikon, como o quadro concluído com as respectivas cores. Westcott observou que esta é uma das poucas ilustrações da arte encontradas no Novo Testamento. Como a sombra tem certo valor por indicar a existência da substância ou forma real, assim o judaísmo teve o seu valor como sombra daquilo que se tornou realidade em Cristo. Entretanto, o escritor de Hebreus não é avesso à repetição de seus primeiros argumentos, a fim de reforçar o que agora expõe. Tendo dito que a Lei era apenas uma sombra das realidades vindouras em Cristo, eis como sintetiza a análise: l.Os serviços e sacrifícios da Lei nunca jamais [podem] tomar perfeitos os ofertantes, isto é, levá-los ao que Deus planejara para o Seu povo (Hb 10.1b a r a ). 2. Se estes sacrifícios tivessem levado o povo à perfeição, não teriam cessado de ser oferecidos? (Hb 10.2a a r a ). 3. Se os ofertantes tivessem sido realmente purificados, não estariam agora isentos da consciência do pecado? (Hb 10.2b). 4. Em vez disso, os sacrifícios oferecidos todos os anos não trariam outra vez à lembrança os pecados? (Hb 10.3). 5. Finalmente, chega-se ao pronunciamento final, em termos sucintos, mas enfáticos e categóricos: E impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados (Hb 10.4 a r a ).
O S D O IS SACRIFÍCIOS COMPARADOS
Por isso, ao entrar no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste; antes, um corpo me formaste; não te deleitaste com holocaustos e ofertas pelo pecado. Hebreus 10.5,6 ara 0 por isso pode ser substituído pelo porque. Assim, porque náo havia possibilidade inerente de que os sacrifícios de animais remo vessem o pecado, exigiu-se uma nova oferta, o sacrifício do corpo de Cristo. Ao entrar no mundo refere-se primordialmente à encarnação. A palavra é eiserchomenos ( £ l o £ Q X Ó [ í £.v o ç ) , no particípio, que literal mente significa nascido. É o termo mais genérico para expressar o ingresso na esfera da existência humana. N a linguagem rabínica, era a expressão usual para nascer. Contudo, as palavras possuem um sentido mais amplo, como vemos no prólogo do Evangelho de João, onde se lê quanto ao Logos pré-encarnado: Luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem (Jo 1.9 a r a ) . Estas palavras são uma evidência de que o escritor da Epístola aos Hebreus acredita na preexistência de Cristo. Quando unidas a diz, indicam uma atitude ativa — ao entrar, diz. 1 — O autor da Epístola encontra respaldo no Salmo 40.6-8 para o sacrifício superior. E, embora as palavras deste salmo tenham sido pronunciadas primeiramente por Davi, são citadas em Hebreus 10.5,6 como ditas por Jesus. Vaughan declarou como princípio de interpretação que, onde se ache escrito a respeito de um homem o que nenhum homem pode cumprir, ali se acha uma alusão Àquele que não é Homem somente. Delitzsch expôs a matéria claramente: “Não é como se Cristo falasse, e não Davi; mas Cristo, cujo Espírito habita e opera em Davi
e que, mais tarde, receberá de Davi a sua natureza humana, já fala nele”. É Davi, um tipo do Messias [como Rei escolhido e ungido por Deus], falando palavras que adquirem autoridade em Cristo, o grande Antítipo. O escritor de Hebreus disse que é impossível que o sangue de touros e bodes removesse o pecado. Isso é respaldado pelas palavras atribuídas a Cristo mesmo. 2 - 0 autor da Epístola comenta [no v. 8] a citação feita [nos v. 5-7]; comentários que assumem a forma de uma análise do texto: Depois de dizer, como acima: Sacrifícios e ofertas não quiseste, nem holocaustos e oblações pelo pecado, nem com isto te deleitaste (coisas que se oferecem segundo a Lei) (Hb 10.8 a r a ). A palavra acima, conforme é usada aqui, náo significa mera mente aquilo que precede, como geralmente usamos. A palavra é kephalis (K£(f>aAíç), que significa cabecinha, termo técnico para os nós ricamente ornamentados nas extremidades das hastes em que se enrolavam os pergaminhos. Vierám depois a ser aplicados aos próprios pergaminhos, no nosso caso, as Escrituras. O escritor de Hebreus salienta o seu ponto de vista, chamando aten ção para o fato de que a declaração negativa — Sacrifícios e ofertas não quiseste — , tanto no salmo como na citação, está colocada à fiente da declaração positiva a respeito da vontade de Deus. Em Hebreus 10.8, ele é específico e refere-se a todos os tipos de ofertas levíticas: (1) do ponto de vista material, sacrifícios de animais ou ofertas de sangue e de manjares ou ervas; (2) do ponto de vista dos símbolos, as ofertas queimadas inteiras (ofertas eucarísticas ou de louvor) e as ofertas por causa do pecado. Nestas últimas ofertas, Deus náo tinha prazer. Náo estavam, pois, de acordo com a perfeita vontade do Senhor, que se realizaria perfeitamente no corpo de Cristo. O versículo 9 é encerrado com a declaração enfatica: Remove o primeiro (que não estava conforme a vontade de Deus) para estabelecer
o segundo (que é a vontade de Deus). Faz-se, náo obstante, uma declaração concessiva: os primeiros sacrifícios eram pela Lei, embora apenas uma sombra do que seria concretizado, de maneira perfeita, em Cristo.
3 — Cristo, vindo ao mundo e dizendo: Eis aqui estou fazer, ó Deus, a tua vontade (Hb 10.9a a r a ) , deu expressão à grande verdade de que o único sacrifício eficaz que o homem pode oferecer a Deus é a obediência sincera à vontade dele. O único caminho para o Pai é por meio da Sua vontade, e apenas nesta o homem encontra justiça, epaz, e alegria no Espírito Santo (Rm 14.17). O pecado e toda a tragédia da vida humana resultaram desobediência do homem. Este infringiu uma ordem divina, des viando-se da vontade de Deus para a sua vida. Cristo redimiu o homem, voltando-o para o querer de Deus. Podemos dizer, então, que a vontade do Senhor expressa em Hebreus 10.8,9 era que fosse preparado para o Logos eterno um corpo, e neste Ele voluntaria mente deveria assumir tudo o que era exigido para a expiação dos pecados da humanidade. Para o autor de Hebreus, fazer a vontade do Altíssimo é um ato sacrificial que envolve Jesus em morte expia tória e vicária, livrando o homem de toda condenação. A PERFEITA VONTADE DE D E U S
Então, eu disse: Eis aqui estou (no rolo do livro está escrito a meu respeito), para fazer, ó Deus, a tua vontade. Hebreus 10.7 ara Podemos “ouvir” aqui algumas palavras da conversa mantida no céu, em que o Filho voluntariamente se oferece para assumir um corpo humano e, neste estado de humilhação, executar perfeitamente a vontade do Pai. Sua perfeição é ainda demonstrada pelo fato de que Ele usa as próprias palavras do Pai escritas a Seu respeito no rolo do
livro, e, desta maneira filial, expressa o Seu desejo de fazer a vontade de Deus. Tendo citado estas palavras, o escritor de Hebreus chama atenção para certos fatos proeminentes no texto: 1 - Então, acrescentou: Eis aqui estou para fazer, ó Deus, a tua vontade (Hb 10.9a a r a ) . Náo se trata aqui de mera repetição. Jesus, ao dizer Eis aqui, direciona o foco para Sua pessoa redentora. Ele deseja que todo olho se fixe nele, que todo ouvido se abra às Suas palavras. Este assunto é da máxima importância, pois sem a morte vicária de Cristo náo haveria expiação pelo pecado, e sem o rompimento do véu não haveria comunhão com Deus no Santo dos Santos. 2 - Quanto às relações entre a vinda de Cristo e a ordem levítica, o escritor de Hebreus dá-nos esta exegese: Se Deus não queria, não se agradava dos antigos sacrifícios levíticos (Hb 10.8), indicando que desejava outra coisa, isto é, que o corpo de Seu Filho seria o sacrifício perfeito e completo e anularia todos os sacrifícios anteriores, então é evidente que remove o primeiro [sistema de sacrifícios] para estabelecer o segundo (Hb 10.9b). O primeiro se refere a todas as ofertas judaicas de sangue e de manjares; o segundo, ao estabelecimento da vontade de Deus mediante aquela obediência que conduziu Jesus à crucificação, sacrifício em que Ele provou a morte no lugar do pecador. 3 - A morte de Cristo na cruz assinalou a consumação de Sua perfeita obediência, oferecida a Deus em Sua pessoa divino-humana. A palavra eireken ( è i ç r ] K £ v ) , acrescentou ou disse — literalmente então, disse ele — , é uma declaração permanente de que a vontade de Deus será continuamente cumprida; e as palavras aqui estou marcam a urgência de Sua resposta. , A obediência de Cristo, sendo a obediência do Deus-Homem, dá-lhe o infinito valor, o que a torna vicária para toda a humanidade.
Como obediência até a morte, ela se tornou o motivo de nossa justificação; como sacrifício voluntário ou autorrendição, tornou-se o motivo de nossa santificação. Como desígnio de Deus, esta satisfação proporcionada pelo amor divino deve, pois, ser considerada, por um lado, expiação do pecado e da culpa e, por outro, propiciação para aplacar a ira do Senhor e o Seu desagrado pelo pecado. Esta reconciliação [entre Deus e o homem] tem também dois aspectos: (1) é obra de Cristo, pela qual Deus é reconciliado com a humanidade pela expiação do pecado feita pelo sangue de Jesus; e (2) é a provisão pela qual cada indivíduo pode reconciliarse com Deus. Esta reconciliação individual é apenas a posse, pela fé, dos benefícios que se tornaram provisionais na reconciliação geral.
4 — Antes, um corpo meformaste (Hb 10.5b). - O con aqui é entre os animais que eram vítimas involuntárias e o sacri fício único de Cristo, que voluntariamente se ofereceu por todos. O escritor da Epístola aos Hebreus, nesta passagem, cita um texto da Septuaginta, como acontece com a versão em português (a r a ), mas a tradução literal do texto hebraico [SI 40.6-8] seria: “Meus ouvidos cavaste”. A explicação, no entanto, não está em um erro de tradução em que soma (cra>|j.a), ou corpo, seja substituído por otia (am a), ouvidos. Delitzsch provavelmente tinha razão quando disse que os tradutores da Septuaginta, buscando tornar a expressão cavou meus ouvidos mais intelegível aos leitores do idioma grego, traduziram como corpo me formaste. Visto que o principal objetivo do autor de Hebreus é salientar a necessidade de fazer a vontade de Deus, seria mais claro traduzir cavou-me os ouvidos, cujo sentido é ficar atento para ouvir a vontade do Senhor, como um corpo meformaste. Esse corpo corresponderia à vontade divina.
O termo corpo tem sentido mais amplo do que carne e sangue. Uma vez que o sangue é símbolo da vida terrena, vê-se que não tem lugar na ressurreição (Lc 24.39; ICo 15.50). Assim, a vida de Cristo é igualmente manifesta sob o corpo de Sua humilhação e sob o corpo de Sua glória. De igual modo, o homem tem uma relação dupla para com o corpo de Cristo, pois, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do celestial (1 Co 15.49). A negação do nascimento virginal de Cristo é, por força, uma negação de Sua verdadeira divindade. A própria construção do texto — um corpo me formaste — implica que o corpo de Jesus foi especialmente preparado (ou formado) por Deus, Seu verdadeiro Pai; portanto, a concepção de Jesus foi incomum [visto que Maria era virgem]. Jesus, o Filho eterno do Pai, o Logos pré-encarnado, foi feito carne. Ele recebeu toda a Sua humanidade da virgem Maria, a qual, pelo poder do Espírito Santo, concebeu. Assim, duas naturezas, a divina e a humana, foram unidas para sempre em uma só pessoa, o Deus-Homem. Este corpo preparado, que representa toda a humani dade, tornou possível o Seu sacrifício expiatório exigido pela santidade de Deus. O Dr. Pope observou que: j ---------
A alma do pecador náo poderia, ao mesmo tem po, ser oferecida na m orte e aceita com o viva; não podia ser, a um tempo, oferta pelo pecado destinada à destruição e oferta queim ada agradável a Deus. Mas, no Representante do hom em no altar santo, as duas coisas se encontram gloriosamente. Ele [Jesus] apresentou um sacrifício que era verdadeiramente arcar com as conseqüências da transgressão: Ele m orreu um a só vez para [expiar] o pecado (Rm 6.10). Mas essa m orte foi tam bém um sacrifício vivo de nossa natureza hum ana, restituída novamente a Deus em perfeição [...] Parecem paradoxos, mas expressam '
o próprio segredo e o mistério da redenção.
Nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas. Hebreus 10.10 a r a O escritor de Hebreus, tendo mostrado que a vontade de Deus foi perfeitamente manifesta na oferta que Cristo fez de si mesmo, volta agora a sua atenção para os resultados futuros deste sacrifício. A palavra hegiasmenoi (T]yiaa|i£voi), santificados, é o passivo perfeito indicativo perifrástico1 de hagiazo (óyiáÇcü), fomos santificados, isto é, somos incluídos na vontade do Senhor, que se torna operante pela oferta perfeita do corpo de Cristo. Aqui também se vê sob nova luz o ensino do autor da Epístola a respeito da herança administrada mediante Cristo como herdeiro de todas as coisas, tendo como primeiro item da vontade divina que sejamos santificados. A oferta de Cristo é modificada pelo advérbio ephapax (è§ána
Uma vez que falamos de justificação e regeneração como sendo concomitantes, isto é, dois processos da conversão, a purificação e a posse di vina são concomitantes na experiência única da santificação completa. Logicamente, o ato da purificação pelo Espírito deve preceder a plenitude de Sua presença permanente no novo homem, assim como a justificação deve preceder o novo nascimento na experiência da conversão. Só a pleni tude do Espírito Santo, com Seu poder purificador e Sua unção, habilita o cristão a prestar o mais alto e eficaz serviço ao Deus vivo. A EXALTAÇÃO E A CONSUMADA EXPIAÇÃO DE C R IST O
O escritor da Epístola aos Hebreus, antes de chegar ao clímax do seu argumento, apresenta agora mais uma fraqueza dos sacerdotes arônicos, e, em contraposição a ela, o pronunciamento supremo quanto à exaltação de Cristo e Sua expiação consumada.
1. Os levitas eram sacerdotes “depê” Ora, todo sacefdote se apresenta [de pé], dia após dia, a exer cer o serviço sagrado e a oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca jamais podem remover pecados. Hebreus 10.11 a r a O sacrifício do sumo sacerdote, no grande Dia da Expiação, náo proporcionava um contínuo estado de santificação, daí os sacer dotes postarem-se de pé oferecendo, todos os dias, muitas vezes, os mesmos sacrifícios. Esta oferta não se limitava ao sacrifício de todas as manhãs e tardes, pois incluía também os sacrifícios específicos para cada tipo de pecado, e isto continuamente. Era uma rotina tediosa. Cada novo pecado exigia um novo sacrifício. Por causa disso, conclui-se que estes sacrifícios jamais poderiam remover pecados. Vimos que o serviço do sumo sacerdote no Dia da Expiação apfenas apontava para Cristo e Seu sacrifício único e expiatório; assim também os sacrifícios dos sacerdotes comuns tinham validade unicamente
na aceitação pela fé naquele que havia de vir. Verifica-se, por conse guinte, que o escritor de Hebreus, aludindo aos sacerdotes comuns, intensifica o ensino de que seus sacrifícios, em si mesmos, nunca puderam remover pecados.
2. Cristo como Sacerdote assentado Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus. Hebreus 10.12 a r a A atitude de assentar-se indica autoridade. Os sacerdotes levitas permaneciam de pé e, depois, sentavam-se porque sua obra jamais terminava. Mas Cristo foi sacerdote de outra ordem, a de Melquisedeque, sendo, portanto, Rei-Sacerdote. Assentou-se como quem concluiu a tarefa, e cuja obra se acha completa. Todavia, o propósito do escritor da Epístola aos Hebreus aqui não é reafirmar a obra de Cristo como Sacerdote, e sim salientar a Sua exaltação como Rei. Por Sua única oferta sacrificial, Jesus elevou a nossa humanidade, de sua condição perdida e pecaminosa, até o trono de Deus! Que triunfo glorioso! Na presença do Homem-Deus temos um Representante, um dentre os nossos no trono. O Homem-Deus é Rei e Sumo Sacerdote. Como Sumo Sacerdote, encontra-se à destra de Deus intercedendo por nós; como Rei, estabe leceu o Seu reinado inicial no coração dos homens que lhe pertencem — um Reino de justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo (Rm 14.17). Mas o autor da Epístola se apressa em mostrar que este reinado inicial ainda se há de tornar um Reino universal, quando todas as coisas estarão sujeitas a ele.
3. O triunfo total de Cristo Aguardando, daí em diante, até que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seuspés.
O escritor de Hebreus se refere, novamente, ao Salmo 110, onde está escrito: Disse o SENHOR ao meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que euponha os teus inimigos debaixo dos teuspés (SI 1 10.1 a r a ), inferindo que Cristo agora só tem de aguardar até que todos os inimigos sejam colocados debaixo de Seus pés. O contraste aqui é en tre a atitude do sacerdote que fica de pé, sempre pronto para oferecer outro sacrifício, e a de Cristo, que se assenta com solene confiança, aguardando que sejam recolhidos os frutos do Seu triunfo. O autor da Epístola não diz quem são os ihimigos de Cristo, pois isto não está na orientação do argumento. E não deveríamos pensar que a atitude de sentar-se, embora com confiança, seja também tran qüila indiferença. Ao contrário, significa o pleno exercício do poder e da majestade. Independente de quais sejam os eventos do Milênio, parece claro em Hebreus 9.28, que assinala o término do serviço no Dia da Expiação, e em muitas outras passagens que Cristo surgirá uma segunda vez para a salvação do Seu povo, antes do dia aqui mencionado, que é o do Juízo. Então, todo joelho se dobrará e todo lábio confessará que Jesus Cristo é o Senhor (Rm 14.11), para a glória de Deus Pai. Paulo disse que o último inimigo a ser destruído no reinado de Cristo é a morte (ICo 15.23-26), e que a ressurreição ocorrerá em estágios: (1) Cristo, asprimícias; (2) Depois, os que são de Cristo, na sua vinda, e, a seguir, naturalmente, (3) os ímpios. A morte tem de ser inteiramente destruída na ressurreição, antes que haja um Juízo Final, porque convém que ele reine até que haja posto todos os inifnigos debaixo dos pés (1 Co 15.25). Neste trecho, é interessante o uso da palavra até, por mostrar a amplitude do sacrifício.
4. Santificação eperfeição Porque, com uma única oferta, aperfeiçooupara sempre quantos estão sendo santificados.
Essas palavras levam ao clímax a obra de Cristo como Sumo Sacerdote, expresso em uma simples sentença explanatória: Porque, com uma só oblação [ou sacrifício], aperfeiçoou [levou à perfeição] para sempre [perpetuamente] os que são santificados (a r c ) . Em Hebreus 10.10, as palavras temos sido santificados mostram o que Cristo realizou objetivamente e que nós, com Ele, fomos incluídos no testamento. Em H ebreus 10.10, as palavras tous hagiazomenous ( t o u ç á y i a C ó ^ i E v o u ç ) , os que são santificados, formam umparticípio articular no caso acusativo, presente passivo de hagiazo (áYuxÇco), santificar ou tomar santos. Isto implica não apenas que os herdeiros estão incluídos no testamento, mas que entraram realmente na posse daquilo que foi a eles legado. São santificados em uma experiência pre sente, interior, espiritual, operada por Cristo mediante o único sacrifício de si mesmo. Além disso, o escritor de Hebreus liga o termo santificados a teleiosis (t£À£Í£üctiç), perfeição, que o sistema levítico jamais poderia alcançar, mas que agora foi realizada por Cristo. A palavra aqui usa da é teteleioken (T eT £ À £ Íco K £ v ), o indicativo ativo perfeito de teleioo ( te à e ío c ü ) , que significa que Ele aperfeiçoou e continua a mantê-los perfeitos. E preciso que se diga algo mais a respeito da expressão quantos estão sendo santificados. Visto que a palavra santificados está no particípio presente, pode facilmente ser traduzida de diferentes maneiras, daí termos a admoestação de que a gramática não fala aqui à exegese com voz decisiva. 1. Como particípio presente, a palavra santificados pode ser consi derada como uma ação duradoura, isto é, ela transmite a ideia de tempo. Seria, então, traduzida como sendo santificados, no sentido de estarem no processo de santificação. Esta interpreta ção é adotada pelos que consideram a santificação um processo que se desenvolve ao longo da vida inteira, e não como ato de fé único, definido, no sangue de Cristo.
2. Como particípio presente, a palavra santificados pode também ser considerada algo iterativo, um atô repetido independente do tempo, referindo-se àqueles que, periodicamente, são santi ficados por um ato definido de fé. Robertson afirmou que o particípio presente, usado na expressão os que iam sendo salvos (At 2.47 a r a ), deve ser considerado iterativo e traduzido como “os que periodicamente eram salvos” [...], pois a repetição aqui, é evidente, é o que visa o presente”. í?
Assim, parece-me que o verdadeiro significado de sendo santificados também é iterativo e só pode referir-se aos que, dia a dia, estão sendo santificados. Do contrário, seria incongruente que o autor da Epístola dissesse que Cristo aperfeiçoou ou completou os que ainda estão em processo de serem santificados. A evidência mais conclusiva desta interpretação, entretanto, encontra-se nas palavras da oração sumo sacerdotal do Senhor: Santifica-os na verdade; a tua palavra éa verdade (Jo 17.17 a r a ). Aqui o verbo santificar é hagiason (áyíaaov), um imperativo ativo que, de modo algum, pode significar um processo incompleto, mas um ato decisivo e claro de santificação. Sem dúvida, o que o autor da Epístola aos Hebreus quer dizer é que aquilo pelo que nosso Senhor orou foi realmente realizado. Quanto ao uso do particípio presente no caso iterativo nesse texto, o Dr. Ross E. Price citou as seguintes autoridades: 1. O Dr. Moll, no Commentary de Lange (p. 170), disse que tons bagiazoumenous significa os que estão sendo santificados ou os que de tempos em tempos são santificados. 2. Whedon (sobre Hb 10.14) afirmou: “Ele aperfeiçoou todos, plenamente e para sempre, potencial e condicionalmente; mas a realidade plena se torna efetiva apenas naqueles que são santificados mediante Ele”.
Já Marcus Dods disse que esta expressão literalmente significa os que estão sendo santificados; todos que, no decorrer dos sécuios, pela fé (Hb 10.22), recebem como seu aquilo que foi obtido para todos os homens. Em seu Prolegomena, Moulton afirmou que: j ------Com o o restante do verbo, fora do indicativo, não se lhe associa sentido de tempo propriamente; a ação linear em um particípio, ligado a um verbo finito no passado ou presente, participa do tempo do seu princípio. Mas quando o particípio está isolado pela adiçáo do artigo, sua própria isenção de tem po está livre para manifestar-se. O parti cípio presente com o artigo torna-se virtualmente um substantivo.
(M o u lto n , Prolegomena, p. 127) --------r
Observou E. V. P. Nunn: j ------
O particípio presente pode também ser usado simplesmente para definir o seu sujeito como pertencente a certa classe que íàz ou sofre a ação denotada pelo verbo de que procede. Neste caso, torna-se equivalente a um adjetivo. É geralmente precedido por um artigo, sendo melhor traduzido em inglês por uma cláusula relativa.
------ r Burton, em seus Moods and Temes, é da mesma opinião: j ------O particípio presente usado sem referência de tempo ou progresso, simplesmente definindo o seu sujeito como pertencente a certa classe, isto é, à classe dos que praticam a ação denotada pelo verbo. O parti cípio, neste caso, torna-se simples adjetivo ou substantivo, e é, como qualquer outro adjetivo ou substantivo, isento de tem po e indefinido.
(B u rto n , M oods and Tenses, p. 56)
-----r
Robertson, em seu New Testament in the Light o f Historical Research (p. 892), observou que, com o artigo, “o particípio presente muitas vezes tem o sentido iterativo”.
Apresentamos o ensino da Epístola aos Hebreus sob vários aspectos: como a grande salvação, a santificação, o descanso da fé, a salvação completa ou total e a perfeição cristã. Quanto a esta última, talvez nos seja permitido agora apresentar uma exposição sucinta nas palavras de outrem. É provável que náo se tenha feito exposição mais clara ou mais exata e erudita da doutrina da perfeição cristã do que a que fez o gran de teólogo inglês William Burt Pope, em seu Compendium ofChristian lheology. Só podemos transcrever aqui alguns breves extratos, mas convém que se estude toda a obra. Disse ele: * j - ---------
A palavra perficcionismo é, às vezes, aplicada satiricamente aos que abraçam a doutrina que aqui sustentamos; os que o suportam fezem-no no opróbrio de Cristo. O termo perfeição, sozinho, náo deve ser adotado sem restrição. Mas, com os adjetivos protetores cristã ou evangélica, é irrefutável. É o ponto em que se dissipam todas as doutrinas, exortações, promessas e profecias do Novo Testamento. A perfeição cristã é relativa e probatória e, portanto, talvez em um sentido indefinível, limitada. 1.
Relativa — Esta [perfeição] pode ser considerada em relação à
consumação final. Na esperança daquela última tetelestai (T£T£À£OTOa), perfeição, todos os cristãos se unem: quando a santidade ao Senhor for a eterna Lei do homem glorificado em sua integridade. Nesta vida, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado (Rm 8.10
a r a );
não perece ele só, conforme
as
palavras do Livro da
Sabedoria (Bíblia Católica): “O corpo corrupuVel abate a alma, e o tabemáculo terreno faz pesado o espírito que medita sobre muitas coisas” (Sb 9.15). A perfeição cristã é o estado do espírito íntegro em todas as suas partes, mas ainda em um corpo enfermo e cuja-fraqueza é a parte principal de sua provação e experiência terrena. Cada um tem a sua própria ordem. Com respeito à ressurreição física, disse Paulo: Mas náo éprimeiro o espiritual, senão o animal; depois, o espiritual (1 Co 15.46). Esta ordem
é invertida quanto à ressurreição da alma: primeiro o que é espiritual. Mas, quando se alcança a perfeição da alma, o corpo ainda há de sub meter-se ao pó: os olhos espirituais vêem o Rei na suaformosura e verão a terra que está longe (Is 33.17); os olhos naturais descem para ver a corrup ção. E o corpo, a caminho da dissolução, prejudica de dez mil maneiras o caráter absoluto da libertação do espírito. A perfeição, sob este e todos os aspectos, é relativa. 2. Probatória — A perfeição cristã, na melhor das concepções, é um estado probatório. Náo há razão, pois, por que não possa perder-se de novo, e perder-se completamente, mesmo após a fruição do resultado de longos anos de bênçãos celesdais em diligência terrena. O princípio do pecado, extinto na alma, poderá inflamar-se e voltar a viver, como se inflamou em Eva. Não existe motivo para que se pense diferente: deve ser assim, é preciso que seja. Uma segunda qi ieda como essa seria real. Não é provável que tenha sido jamais testemunhada. E apenas a nossa teoria que exige a admissão de sua possibilidade. 3. Individual — [Fica sob provação] aquela parte de cada indivíduo, cuja relação para com a raça permanece. Embora pessoal e totalmente em Cristo, durante o estágio probatório, o homem ainda está sob a condenação genérida do pecado original, com uma concupiscência que não é pecado, mas cujo combustível está sempre pronto para ser reaceso e, de modo geral, sob a Lei de provação que é peculiar à nossa raça [...] herdeira de uma natureza pecaminosa, que, purifi cada em si mesmo, ele transmite, contaminada, aos seus filhos. Não perde de todo sua ligação com a humanidade pecaminosa. Em parte alguma, lemos de um rompimento completo com o primeiro Adáo como a prerrogativa dos que se encontram no Segundo. 4. Ética — Uma vez mais, é uma perfeição probatória na medida em que sempre está sob a Lei ética. É um estado de que se deve cuidar com vigilância, que está sujeito a uma infinita variedade de testes e deve ser mantido pelo exercício habitual e, pela graça divina, pelo perfeito exercício de todas as virtudes ativas e passivas.
5.
Intercessória — Por isso, esta perfeição necessita constante
mente da obra intercessória de Cristo; exige a Sua influência constante para preservar como estado o que é comunicado como dom. A inter cessão mediatória jamais é táo urgentemente necessária como para aqueles que possuem tesouro tão precioso em vasos terrenos; quanto maior a altura, a graça e quanto mais perfeita a santidade, mais alheia se acha do mundo que a cerca, mais odiosa ao tentador e mais graça exige para a sua proteção. (Pope, Compendium o f Christian Theology, 3, p. 54-60)
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Atente para o que Paulo disse em 1 Tessalonicenses 5.23,24: E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso SenhorJesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também ofará. Comentando esse texto, observou o Dr. Adam Clarke: Daí lermos: (1) que o corpo, a alma e o espírito são degradados e poluídos pelo pecado; (2) que cada um deles pode ser santificado, consagrado em todas as suas faculdades e tornado santo; (3) que o homem no seu todo deve ser preservado para a vinda de Cristo; que o corpo, a alma e o espírito podem ser, então, glorificados para sempre com Ele; e (4) que, neste estado, o homem pode ser santificado de modo a ser mantido inculpável até a vinda de Cristo. E assim vemos que a santificação náo é para realizar-se na morte, quando da morte ou após ela.
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A REAFIRMAÇÃO DA NOVA ALIANÇA
E disto nos dá testemunho também o Espírito Santo;porquanto, após ter dito [...] diz...
O escritor de Hebreus, tendo encerrado o argumento a respeito da ineficácia da aliança levítica, reafirma agora a nova aliança de ma neira um tanto mais livre do que anteriormente. Ele segue aqui o seu método usual de aludir ao agente humano da revelação, e atribui as palavras diretamente ao Espírito Santo, que as inspirou. Sua fé singela na inspiração das Escrituras e sua indiscutida confiança na autoridade delas como a Palavra de Deus devem ser seguidas. A declaração E disto nos dá testemunho também o Espírito Santo (Hb 10.15a a r a ) é , às vezes, associada ao versículo precedente, tornando-o testemunho da santificação; mas, na versão que usamos, é o ponto de transição para a introdução da nova aliança. Nos versí culos 15 e 16, é dito: E disto nos dá testemunho também o Espírito Santo; porquanto, após ter dito: Esta é a aliança que farei com eles, depois da queles dias, diz o Senhor: Porei no seu coração as minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei — declarando a autoridade objetiva do Espírito para o estabelecimento de uma nova aliança conforme a apresentam as Escrituras. D i z o E sp ír it o S a n t o
Esta é a aliança quefarei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei no seu coração as minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei. Hebreus 10.16 ara Além da autoridade objetiva para a nova aliança, ministrada pela Palavra, há também um aspecto subjetivo, porque é administrada imediatamente pelo próprio Espírito. Como existe um testemunho interior do Espírito quanto à filiação dos cristãos (Rm 8.16), assim também o Espírito testifica de Sua própria vinda ao coração dos filhos de Deus (1 Jo 4.13). Esta nova e espiritual aliança foi introduzida e tornou-se eficaz no Dia de Pentecostes, o grande dia do derramamento do Espírito Santo.
O nosso Rei-Sacerdote, assentado à destra do Pai, iniciou naquele dia profético o Seu reinado espiritual dentro do coração do Seu povo, purificando-o do pecado (At 15.9) e ungindo-o com o po der do Espírito Santo (At 1.8). Foi o que Pedro reconheceu no sermão do Pentecostes, ao dizer: De sorte que, exaltado pela destra de Deus e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis (At 2.33). Do Seu trono nos céus, Cristo ministra não apenas as palavras da aliança, mas o espírito interior dela. Portanto, pelojEspírito, escreve a Lei de Deus em nossa mente, para que a compreendamos, e coloca o amor a ela em nosso coração, para que ela seja o poder interior, impul sionador da obediência. Por isso, também, estas outras palavras de Pedro: Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo (1 Pe 1.2). A verdadeira santificação resulta em obediência e na aspersão do sangue de Cristo, e esta de tal modo purifica o coração que ele pode prestar a Deus a obediência do amor perfeito. O S D O IS TRATAMENTOS DA NOVA ALIANÇA
Esta é a aliança quefarei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei no seu coração as minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei [...] Também de nenhum modo me lembrarei dos seus pecados e das suas iniqüidades, para sempre. Hebreus 10.16,17 ara A citação do profeta Jeremias em Hebreus 8.10-12 é aqui [Hb 10.16,17] repetida de maneira um tanto abreviada e com certas alterações verbais, mas o propósito das duas declarações é diferente, e as alterações verbais visam a acentuar estas diferenças. A primeira declaração foi feita para mostrar que Deus tencionava anular a antiga Lei levítica e substituí-la por um tipo de aliança intei ramente diferente. A segunda é para mostrar que esta nova aliança é
ratificada pelo sangue de Jesus Cristo e, mediante o Espírito, tornada tão eficaz que removerá a lembrança dos pecados e das iniquidades. Antes disto, o escritor da Epístola aos Hebreus apresentou a obra de Cristo sob dois aspectos: (1) Sua obra na terra como Fiador da aliança — não que Ele garanta a nossa obediência a Deus, mas a fidelidade de Deus a nós; e (2) Sua obra no céu como Ministro do Santuário; obra pela qual, mediante o Espírito, as provisões da aliança se tornam efetivas na vida dos homens. Do ponto de vista do Fiador da aliança, o progresso é da terra para o céu: Porei as minhas leis [o espírito da aliança] no seu entendi mento e em seu coração as [as palavras da aliança] escreverei4 , e eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo [o alvo da aliança] (Hb 8.10). Do ponto de vista do Ministro do santuário, o progresso é do céu para a terra: Porei no seu coração as minhas leis [no ser interior deles]; sobre a sua mente as inscreverei [a expressão exterior da consciência espiritual interior]; também de nenhum modo me lembrarei dos seus pecados e das suas iniqüidades, para sempre (Hb 10.16,17 a r a ) . Assim, a aliança em Cristo permite que o homem tenha acesso à presença de Deus e que o Senhor se esqueça dos pecados e das iniquidades do homem. O escritor de Hebreus conclui este trecho e, em certo sentido, todo o argumento com esta declaração clara e positiva: Ora, onde há remissão destes, já não há oferta pelo pecado (Hb 10.18 a r a ) . A palavra aphesis (à^ecnç), traduzida como remissão, significa, literalmente, mandar embora. Aqui lemos que Deus manda os nossos pecados para tão longe que mesmo Ele não se lembrará deles. De dois fatos, é claro, o Espírito dá testemunho na nova aliança: uma obra feita por nós e uma realizada em nós. Ao primeiro, chama mos justificação', ao segundo, santificação, e esta, no seu sentido mais profundo e mais pleno, é um coração purificado de todo pecado e toda rebeldia, uma vida tão cheia do Espírito que, na verdade, pode-se dizer possuída por Deus. O autor da Epístola aos Hebreus considera como provadas estas .gloriosas verdades. O argumento não admite mais dúvidas. Não
somente dispensam-se outros sacrifícios, mas a própria apresentação deles. Isto, confirma o escritor, é testemunhado pelo Espírito Santo.
O Sa n t o
dos
Sa n to s
Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consa grou pelo véu, isto é, pela sua carne. Hebreus 10.19,20 a r a *
Desde o início do capítulo 7, o escritor de Hebreus se entregou a um argumento contínuo, baseado na exposição de certas passagens do Antigo Testamento. Tendo completado o argumento com êxito, passa a uma extensa série de exortações destinadas a fazer aplicação prática de suas interpretações doutrinárias. Contudo, os dois primeiros versículos desta seção exortativa têm também importante valor doutri nário, devendo merecer nossas considerações. O escritor apresenta agora um novo aspecto da plenitude da salvação adquirida por Cristo, que descreve como vida dentro do Santo dos Santos, ou, literalmente, a Santidade da Santidade. No inventário que faz da mobília do tabernáculo (Hb 9.1-5), o autor da Epístola menciona os dois véus do Santuário; o véu exterior, como a porta do Santuário, e o interior, como o véu da separação. São propriamente chamados véus porque ocultavam a glória do Santuário a todos, exceto aos que entravam nele pela aspersão do sangue expia tório. Por antecipação, falamos do véu exterior como o dos pecados reais, ou das transgressões pessoais, e do véu interior como o das condições pecaminosas, ou da natureza pecaminosa herdada. Antes que o pecador possa ter acesso ao Santo Lugar, precisa achar perdão, junto ao altar aspergido de sangue, e purificação da culpa e da natureza pecaminosa, junto ao lavabo da purificação. Esta experiência, na linguagem do tribunal, é a justificação-, na linguagem da família, é o novo nascimento, e na linguagem do templo, a santificação inicial. Então, e
somente então, teremos liberdade para atravessar o véu exterior até adentrar o primeiro tabemáculo, onde em Cristo achamos a vida, a luz e o amor. No entanto, o cristão “recém-nascido” logo verifica que ainda tem uma inclinação para o pecado, devido à natureza carnal herdada de Adão. Percebe que tem vida, porém náo a abundante; tem luz, que muitas vezes se mistura com a sabedoria do mundo; e que tem amor, mas não o perfeito, que lança fora o medo (1 Jo 4.17,18). Este véu da natureza pecaminosa herdada impede-lhe a entrada em uma comu nhão mais profunda com Deus, e contamina até o seu melhor serviço a Ele. Este véu tem de ser rompido; a carne, como eu carnal, tem de ser crucificada (G1 2.20; 5.24). E preciso que nos despojemos do velho homem (Ef 4.20-24; Cl 3.9,10) e que tenhamos o coração limpo e purificado do pecado (1 Jo 1.7-9). O caminho através do véu é o da morte do eu carnal. Não existe outro. Somente assim poderemos habitar no Santo dos Santos na presença de Deus mediante o Espírito. A EXORTAÇÃO
Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus. Hebreus 10.19 ara O escritor de Hebreus se dirige aos seus leitores como adelphoi (aÔEÀ^oí), irmãos, conforme se dirigiu a eles anteriormente chamandoos de irmãos santos (Hb 3.1), não escrevendo, portanto, a pecadores não-justificados, mas a cristãos. Mediante o perdão dos pecados, eles haviam atravessado o véu externo, entrando no Santo Lugar da vida, da luz e do amor em Cristo. São convidados, agora, a passar pelo véu interno das condições pecaminosas até o Santo dos Santos, testificando o Espírito Santo que o caminho não se acha mais fechado; o sangue sacrificial de Jesus abriu-o.
A p a l a v r a parresian (rmQQr|CTLíXv), à s v e z e s t r a d u z i d a c o m o liberdade, a c h a - s e n o t e x t o a n t e r i o r m e l h o r e x p r e s s a p e l o t e r m o m a is e n f á t ic o intrepidez, e, e m o u t r a t r a d u ç ã o , ousadia ( a r c ) . A palavra eisodon (áicroõov) significa entrada ou, às vezes, o ato de entrar. Portanto, não significa apenas o próprio caminho, mas con tém a ideia de usar a entrada, e isso com intrepidez, porque se realiza mediante a aspersão do sangue. O Sa n to
dos
Santos
n a e x p e r iê n c ia c r is t á
Qual será, porém, o significado do Santo dos Santos em Hebreus 10.19 a r a ? Não é o céu no sentido de lugar sobre a nossa cabeça [firmamento], separado e distinto da terra, como talvez jul guem muitos. O céu [em princípio] é qualquer lugar em que Deus se manifeste de maneira plena, pois onde Ele estiver será um lugar sagrado. Nesta acepção, o céu não se acha limitado pelo tempo e o espaço, como as coisas da terra, mas é tão onipresente como o próprio Deus. Sendo assim, o Santo dos Santos da experiência cristã é aquele lugar em que a alma é purificada de todo pecado pelo sangue de Jesus. E um local de pureza espiritual com Cristo, o nosso Sumo Sacerdote, onde vivemos e trabalhamos na presença de Deus, o nosso Pai. E a plenitude do Espírito, a promessa do Pai e o dom do Cristo ressuscitado e glorificado. E a vida dentro do véu, onde arde a glória da presença de Deus sobre o propiciatório, iluminando a mente, satisfazendo o coração e derramando o seu resplendor em todas as expansões do ser humano. Esta experiência gloriosa, comprada pelo sangue de Jesus e tor nada eficaz pelo dom do Espírito Santo no Pentecostes, é o padrão neotestamentário da vida cristã. Muitos têm testificado da sua plenitude que satisfaz, mas talvez ninguém mais efetivamente do que Andrew Murray em The holiest ofalL j ------
Oh, a bem-aventarança da vida no Santíssimo! Aqui se contempla ,
a face do Pai e se prova o Seu amor. Aqui se revela a Sua santidade, e a alma se torna participante dela. Aqui o sacrifício do amor e do
culto e da adoração, o incenso da oração e da súplica são oferecidos com poder. Aqui se conhece a efúsáo do Espírito como rio que corre e transborda sem cessar, procedente do trono de Deus e do Cordeiro. Aqui a alma, na presença de Deus, cresce em unidade mais completa com Cristo e de conformidade mais completa com a Sua semelhança. Aqui, em união com Cristo, com Sua incessante intercessão, somos encorajados a tomar lugar como intercessores, que podem ter poder com Deus e prevalecer. Aqui a alma ganha as alturas como nas asas da águia, as forças são renovadas; a bênção, o poder e o amor são comu nicados, e os sacerdotes de Deus podem sair para abençoar o mundo moribundo. Aqui, cada dia, podemos experimentar nova unção, em virtude da qual podemos sair para ser os portadores, as testemunhas, os instrumentos da salvação de Deus aos homens, canais vivos através dos quais o nosso bendito Rei opera o Seu triunfo pleno e fin a l.
(M
The holiest ofall, p. 355,356)
urray,
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O NOVO E VIVO CAMINHO
1.Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou (Hb 10.20a a r a ) Vimos que a nova aliança foi ratificada pelo sangue de Jesus e que se encontra aberto o novo e celestial Santuário. Agora, o escritor da Epístola aos Hebreus fala do sangue que abriu um novo e vivo caminho para o Santo dos Santos. A palavra prosphaton (7TQÓa(})aTOv), traduzida como novo, é encontrada apenas no Novo Testamento e, originalmente, significava morto ou sacrificado há pouco. Mas, tendo perdido esse significado de vítima há pouco sacrificada, passou a traduzir-se como feito há pouco, feito de novo, e no nosso texto significa simplesmente novo. A expressão visa a contrastar o cerimonial do Antigo Testamento no Dia da Expiação, cujo resultado durava apenas um ano, com o de Cristo, que não é apenas recente e novo, mas eternamente recente e novo.
A palavra enekainisen (éveicaívicrev), consagrou, usada no versículo acima e também em Hebreus 9.18 (a r c ) , literalmente signi fica pôr em uso pela primeira vez, inaugurar ou dedicar. A palavra zosan (Ç&crav), vivo, assinala o contraste entre a oferta de vítimas mortas sob a dispensação da Lei e o sacrifício vivo de Cristo. 0 vocábulo náo significa um caminho de vida; ao contrário, significa vivo no sentido de pessoa viva, sendo uma alusão a Cristo como o Caminho.
2. Pelo véu, isto é, pela sua carne (Hb 10.20b a r a ) O rompimento do véu da carne de Cristo é uma alusão à morte física que Ele sofreu na cruz, significando, por um lado, o derrama mento do Seu sangue como expiação vicária pelo pecado e, por outro, a inauguração de um novo e vivo caminho para o Santo dos Santos. Isto foi simbolizado, no tempo da crucificação, pelo rompimento do véu do templo de cima a baixo, marcando o término da dispensação da Lei e a inauguração de uma nova ordem espiritual. A Queda determinou o afastamento do Espírito Santo, deixando o homem sem vida espiritual, portanto morto em sua contaminação e corrupção. É evidente, pois, que a aquisição de vida espiritual no novo nascimento e a purificação da alma na santificação só podem dar-se quando o Espírito Santo passa a habitar no homem. Mas, como isto pode ocorrer? Parece haver apenas um caminho. O Filho de Deus teve de encarnar e, em Sua própria pessoa, trazer vida ao ser hu mano. Por isso, lemos que Deus não dá o Espíritopor medida (Jo 3.34 a r a ) e que em Cristo habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade (Cl 2.9 a r a ). Este Espírito, encerrado no Cristo encarnado, não poderia vir como a promessa do Pai ou o dom do Cristo glorificado antes que o véu da carne de Jesus fosse rompido pela Sua morte na cruz. E por esta razão que João disse: Pois o Espírito até aquele momento nãofora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado (Jo 7.39b a r a ).
Como o Filho eterno assumiu a natureza humana, para que se tornasse o nosso Redentor, assim o Espírito eterno, habitando em Cristo, o Deus-Homem, tomou para si uma experiência humana, para que se tornasse o nosso Consolador ou Paracleto. Cristo é o nosso Intercessor do alto; o Espírito Santo é o nosso Intercessor dentro de nós. Um assenta-se à destra do trono de Deus; o outro, na Igreja. Assim, a Trindade ocupa-se da salvação da humanidade. j
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Foi esta relação específica do Filho que tornou possível, conveniente e próprio que Ele fosse o Redentor da raça decaída, verdade sobre a qual se poderá meditar com proveito, se não for pervertida na noção duvidosa de uma encarnação necessária, sem pecado, da Segunda Pessoa [da Trindade]. Mas esta doutrina é incompleta sem a adição do dom sobrenatural do Espírito Santo, se é possível chamar sobrenatural o que pertenceu à união de Deus com a Sua criatura eleita. Ele náo acrescentou a imagem moral, mas orientou os princípios de ação da alma do homem criada naquela imagem. Isto resolve a dificuldade, por vezes expressa quanto à criação, de um caráter que, se diz, deve por força ser formado por Aquele que o traz. (P o p e ,
Compendium qfchristian theology, 1, p. 427)
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m g ra n d e S a c e rd o te so b re a casa d e D e u s
E tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus. Hebreus 10.21,22a a r a As palavras hiereus megas ( l e q e u ç \iéyaç), grande sacerdote, frequentemente ocorrem na Septuaginta como sinônimas de archiereus (àQxl£Ç£úç), sendo, às vezes, traduzidas também como sumo sacerdote e, em Hebreus 4.14, grande sumo sacerdote. Após discorrer sobre o sangue de Jesus derramado, o Santuário celestial e o Caminho vivo, o escritor analisa agora o último desses itens celestiais: a presença do grande Sumo Sacerdote. Grande como é a obra que Cristo fez por nós, que resultou na comunhão com a Sua
pessoa e na vida em Sua presença, as quais são as mais preciosas de todas as bênçãos. Foram estas o alvo de Seu sofrimento e triunfo. A ênfase primordial da exortação, contudo, parece ser esta: que, tendo feito provisão para a nossa salvação completa, Jesus agora se levanta como o Caminho vivo, a fim de atender a todas as nossas necessidades. A salvação não vem por esforço e luta, nem por sabedoria do mundo; não é uma questão de credos e confissões, mas a confiança singela, sincera em uma Pessoa viva— Aquele que se apresenta como digno de nossa fé e que, com amor, espera que creiamos na Sua graça infinita. " Todavia, existe outro significado nestas palavras. Cristo é tam bém o Sumo Sacerdote sobre a casa de Deus, da qual o escritor já disse: A qual casa somos nós, se guardarmos firme, até aofim , a ousadia e a exultação da esperança (Hb 3.6b a r a ) . Tendo-nos entregado a Jesus, Ele se nos torna o Sacerdote da vida e daí por diante devemos viver por intermédio dele. Vimos que o Filho se tornou Homem para nossa redenção e que o Espírito Santo, habitando no Deus-Homem, assumiu uma experiência humana, para se tornar o nosso Consolador ou Paracleto. O Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus (1 Co 2.10b a r a ), portanto conhece a fundo a nossa natureza. A palavra paracleto se compõe de para (com) e kUtos (chamados), significando, então, aquele que acompanha os chamados para fazer por eles tudo o que precisa ser feito. Aquele que guiou Jesus como o Capitão da nossa salvação desde o berço até o trono foi-nos concedido como o Espírito da verdade, para nos guiar pelos caminhos emaranhados da vida até o nosso lar eterno. Paulo disse: Andamos por fé e não por vista. Ele preferia deixar este corpo, para habitar com o Senhor (2 Co 5.7,8). Logo, como Cristo, um dia também teremos rasgado o véu da carne e, então, veremos Jesus face a face em Seu estado glorificado, pois igualmente seremos glorificados com Ele. Então, Ele se dará a conhecer a nós, em medida suprema, posto que na presença do Senhor há plenitude de alegria; na destra dele há delícias perpetuamente (SI 1 6 . 1 1 a r a ).
Aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza defé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Hebreus 10.22 ara Esta exortação é semelhante à que se encontra em Hebreus 4.16, onde se nos diz para achegarmo-nos com ousadia ao trono da graça. Consideramos estas declarações como a apresentação das condi ções para a entrada no Santo dos Santos, e náo como as características do verdadeiro adorador já dentro do véu. Estas o autor de Hebreus menciona nos versículos seguintes. Para melhor compreender a passagem acima, deve-se reconhecer certa simetria existente nela: 1. Há duas condições subjetivas, ambas expressas por preposições com seus objetos e modificadores: sincero coração eplena certeza defé. 2. Há também dois estados objetivospreliminares, que não oferecem apenas o motivo, mas, como se acha implícito, fornecem tam bém mais forte incentivo para a aproximação. Estão expressos por dois particípios passivos perfeitos, cada um com um acusativo e um modificador; sendo tempos do perfeito, indicam que os resultados de um ato passado continuam até o tempo presente. Estes estados objetivos são: um coração purificado de má consciência e um corpo lavado com água pura.
1. As condições subjetivas 1. Sincero coração, pelo que se entende, é um coração fiel, em contraste com o árido e hipócrita. Deus sempre olha o coração e vê além das retenções e superficialidades. O coração sincero é honesto diante de Deus e, com ardor e sem fingimento, deseja ser tornado santo.
2. A plena certeza defé, isto é, a fé que exclui toda dúvida e todo temor e repousa tão-somente na obra expiatória de Cristo.
2. Os estados objetivos preliminares Os particípios [purificado e lavado] usados em Hebreus 10.22 referem-se a acontecimentos passados, portanto não são tanto parte da exortação como motivo no qual é fundamentada. O escritor da Epís tola aos Hebreus, evidentemente, refere-se às duas fjinções do antigo sacerdote: a aspersão do sangue e a lavagem com água, as quais interpreta no sentido cristão como tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Esses particípios são importantes por que indicam claramente que só os regenerados têm os requisitos para entrar no Santo dos Santos. Embora o convite seja para todos, na linguagem do templo, apenas os que passam pelo Santo Lugar podem aproximar-se do véu rompido e entrar no Santíssimo. O particípio errantismenoi {kQQàvzicj\iívQ\), em tendo [o coração] purificado, é traduzido com mais clareza por Vaughan: “Tendo sido o nosso coração já aspergido [com o sangue expiatório] de [modo a remover] má consciência”. A palavra traduzida como má é poneras (7iovr]Qcxç). Refere-se à consciência iníqua ou ímpia, isto é, embaraçada e obstruída pelo pecado não perdoado. Esta má consciência é purificada pela aspersão do sangue, pois o sangue de Jesus, que não permite que Deus se lem bre dos nossos pecados, aniquila o pecado em nós, e assim remove a má consciência, que não apenas nos condena, mas impede a nossa aproximação do Senhor. O segundo particípio, lavado, em lavado o corpo com água também é típico da regeneração. Aqui o verbo usado é lehusmenoi (AeAoucruÉvoi), lavar, significa lavagem não das partes do corpo apenas, mas do corpo inteiro. Paulo falou da salvação mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo (Tt 3.5 a r a ) e também por meio da lavagem de água
pela palavra (Ef 5.26 a r a ). Há quem considere esta declaração como referente ao batismo nas águas, mas a construção gramatical dificil mente admitiria isto. Entretanto, sem dúvida, significa que deve haver uma conformidade da vida exterior com a natureza espiritual interior, quer na regeneração, quer na santificação. Uma natureza espiritual tem de expressar-se em uma vida espiritual, e o caráter e a qualidade desta vida são determinados pela Palavra de Deus. Bonar explicou Hebreus 10.22 da seguinte forma: “Como com a água, ocorre o mesmo com o sangue, pois são para aplicação interior, bem como exterior”. Já a exortação aproximemo-nos (Hb 10.22 a r a ) assume novo significado, agora que o escritor de Hebreus nos diz como nos aproximar. Vimos que o caminho para o Santo dos Santos é o do sincero coração e da fé confiante, ou, talvez, em termos mais familiares, o caminho da consagração e da fé. Somos justificados e santificados somente pela fé. Como na justificação a pré-condição da fé é o arrependimento, na santificação, é a consagração. Visto que estamos estudando o assunto com base na linguagem do templo, o autor da Espístola nos diz que entramos no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus, porém, antes disto, devemos ser justificados por esse sangue (Rm 5.9). Na terminologia bíblica, a palavra coração é usada no sentido amplo, que inclui toda a vida interior, especialmente do ponto de vista da atividade [intelectual, emocional e volitiva], e a exterior, como o corpo, constituindo as duas, em conjunto, o homem por inteiro. Não quer dizer, então, que o coração e o corpo possam ser purificados separa damente; a purificação deve afetar o homem em sua totalidade. Para esta finalidade, brotaram do lado ferido de Cristo na cruz tanto a água como o sangue — o sangue para expiar os nossos pecados, e a água para nos puricar da contaminação provocada por eles. Visto que Deus uniu, inseparavelmente, um coração plenamente limpo e um corpo purificado, entramos no Santo dos Santos não em espírito apenas, mas com o corpo também. A vida no seu todo, tanto
exterior como interiormente, deve ser experimentada na presença de Deus. Talvez isto explique por que alguns que buscaram tão fervorosa mente entrar no Santo dos Santos falharam; tinham algum ídolo que náo queriam expulsar do coração ou alguma prática do corpo que não foi colocada sob a aspersão do Sangue. Talvez ainda não tenhamos compreendido bem como o nosso comer e beber, a maneira como nos vestimos e conduzimos em público e na vida social, os nossos deveres diários e os nossos períodos de recreação afetam a nossa vida espiritual. Estas coisas, sabiamente usadas, sob a iluminação do Espírito, são fonte de bênçãos espirituais; usadas erroneamente ou em excesso, roubam-nos a vivacidade, desestimulam-nos e amortecem-nos o entusiasmo. Como Cristo recebeu um corpo para que o santificasse, e o entregou para ser santificado por Deus, também recebemos um corpo que pode ser santificado, de modo que cada pensamento, cada facul dade do ser, todo o amor do coração, nossas perdas, nossas lágrimas e nossos triunfos serão oferecidos para a glória do Senhor. A VIDA SANTA
Guardemos firm e a confissão da esperança, sem vacilar, pois quemfez a promessa éfiel. Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima. Hebreus 10.23-25 a r a Chegamos a um trecho que trata da vida e conduta do cristão que entrou no Santo dos Santos. Quando a expressão plena certeza de fé (v. 22), anteriormente analisada como uma das condições para a entrada no Santo dos Santos, passa a ser estudada no tocante à vida dentro do véu, verifica-se que toda a passagem acima foi construída sobre as três virtudes fundamentais: a fé, a esperança e o amor. Deve-se
observar ainda que os quatro conselhos aqui expostos compreendem todos os aspectos da vida cristã: 1. Guardemosfirm e a confissão da esperança [em inglês, da nossafé\ refere-se ao nosso relacionamento com Deus. 2. Consideremo-nos também uns aos outros refere-se ao nosso relacionamento com os irmãos. 3. Não deixemos de congregar-nos apresenta o aspecto da vida coleti va da Igreja [a importância da comunhão entre os membros do Corpo de Cristo]. 4. Façamos admoestações fala dos meios positivos de advertência entre os irmãos para o progresso espiritual. E xortação
à f ir m e z a
Guardemos firm e a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fe z a promessa éfiel. Hebreus 10.23 ara O uso da expressão confissão da esperança é uma inovação, contendo provavelmente a ideia de uma confissão defé, credo, que alguns, como Seeberg, interpretam como sendo um antigo catecismo adotado pelas igrejas. A palavra grega elpidos (èÀTiíõoç) é traduzida como esperança tanto na Almeida Revista e Atualizada (a r à ) como na Corrigida (a r c ) — assim como na American Revised Version e na Revised Standard Version1. A palavra katechomen (KaT£XW|-i£v), guardar, em devemos guardar firme, difere da que se acha em Hebreus 4.14, kratomen (KQaxoj|a£v), que significa usar as nossas forças para guardar firme a nossa profissão. Fé e confissão acham-se unidas, e esta última deve ser guardada sem vacilar. Aqui a palavra é akline (àicÂLvr]), que significa firme, sem dobrar-se. A tradução desse texto de Wycliffe é “Guardemos a confissão de nossa esperança sem pender para nenhum lado”. A imagem
evidentemente é a de uma bandeira hasteada com firmeza, para que náo caia. Em meio aos nossos desânimos, às nossas dúvidas, ou perse guições, devemos guardar firme a nossa confiante esperança; e isto pela melhor das razões: Pois quem fe z a promessa éfiel. O CULTIVO DA CONSIDERAÇÃO
Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimular mos ao amor e às boas obras. Hebreus 10.24 a r a A palavra katanoomen (Kon:avod}(_i8v), quando traduzida como considerar, conforme observamos em Hebreus 3.1, é um termo de astronomia e de grande intensidade. Significa observar diligentemente ou fixar a atenção sobre um objeto. No presente caso, significa ter os nossos irmãos em mente e cultivar um senti mento de consideração para com eles. Isto náo se relaciona apenas à influência de nossas atitudes e de nossa conduta sobre eles, mas sugere a ideia de que o cuidado para atender às necessidades de nossos irmãos abre em nosso coração todo um fluxo de amor e solicitude. A palavra traduzida como estimular é paroxusmon (7TOQC>4tX7|JÒv), de que se originou o vocábulo paroxismo. Trata-se, pois, de palavra inten samente enfática. Significa, no contexto de sentimentos ruins, incitar os outros à ira, à animosidade e à vingança; no versículo em questão é usada no bom sentido de possuir um amor tão intenso que inflamará os outros de entusiasmo e os incitará às boas obras. Quanto a estas, não há ideia de competição. E x o r t a ç ã o a o c u l t o c o letiv o
Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns. Hebreus 10.25a a r a
O escritor de Hebreus náo é um individualista ferrenho: vê no cristianismo uma vida social ainda mais ampla que a no judaísmo. Vê também que, a fim de incitar os outros às obras boas, por meio de um entusiasmo transbordante e da intensidade do amor divino, sáo necessárias as reuniões e os cultos na igreja. O culto coletivo é uma necessidade da vida cristã, e a comunhão entre os irmãos sempre foi considerada um dos principais meios pelos quais se manifesta a graça. A palavra episunagogen (ÈTTiouvayajyqv), reunião, pode signifi car ou a formação de uma assembleia, ou o ato de reunir-se. Por isso, egkataleipontes (èyKaTaAeÍ7TOVX£ç), abandonando, tem tido diversas interpretações. Pode significar o abandono completo das reuniões, ou a falta de assiduidade. Vários comentadores adotam a primeira interpreta ção, sustentando que o escritor da Epístola tinha em mente o desvio do cristianismo para o judaísmo. A grande maioria, no entanto, prefere uma interpretação mais branda, isto é, pautada na feita de assiduidade apenas. Como é costume de alguns pode referir-se aos gnósticos, os quais sustentavam que os “iluminados” eram autossuficientes e não precisavam da ajuda dos outros. Quanto aos descuidados e indiferentes, certo escritor sugere que, se fossem registradas as verdadeiras razões, poderiam ser facilmente reconhecíveis na Igreja moderna ou contemporânea. E x o r t a ç ã o a o a u x íl io m ú t u o
Antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima. Hebreus 10.25b a r a Foi lembrado que a expressão uns aos outros, que aparece em algumas traduções, deve ser considerada como objeto indireto defaçamos admoestações-, o texto, então, seria: “Admoestemo-nos (ou estimulemo-nos) uns aos outros a freqüentar as assembleias”. Contudo, é mais provável que o significado seja mais amplo, abrangendo todo o campo da vida cristã — em relação a Deus, ao mundo, à Igreja e a cada cristão.
O motivo da exortação se encontra nas palavras tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima. O Dia se refere ao Dia do Senhor, expressão que, além de referir-se ao Juízo Final, adquire outro significado. Jesus explicou aos discípulos que havia dois períodos diferentes: 1) o do julgamento de Israel, que se deu quando da destruição de Jerusalém até que os tempos dos gentios se completassem; e 2) quando a cidade seria pisada por eles (Lc 21.24). Esse tempo dos gentios terminará em Juízo, quando o Senhor virá em glória e todos os Seus santos anjos com Ele. * Guardemos, pois, firme a esperança de Sua gloriosa vinda. À medida que se aproxima o fim dos tempos, não abandonemos a nossa congregação, pois, quando Jesus voltar, a Igreja terá a sua gloriosa consumação na comunhão dos santos na luz (Cl 1.12). A SEXTA ADVERTÊNCIA: CONTRA O PECAR
VOLUNTARIAMENTE
Porque, se vivermos deliberadamente em pecado [ou, se pecar mos voluntariamente (arc )], depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrificio pelos pecados. Hebreus 10.26 a r a A menção do Dia do Senhor, com seus juízos, forma a transição para a severa advertência em Hebreus 10.26. Anteriormente, o escritor advertira os cristãos contra a negligência, o endurecimento do coração, a incredulidade, a indiferença e a indolência, mas aqui, pela primeira vez, usa a palavra pecado, e isto porque a coloca em contraste com o sangue expiatório de Jesus. Pecar contra a Lei é grave; pecar contra a Luz é mais grave. Mas pecar contra o amor é o mais grave de todos os pecados. Rejeitar Aquele que é o único remédio para o pecado, oferecido pelo amor de Deus mediante o sangue derramado de Cristo, é excluir-se para sempre de toda esperança de salvação, nesta vida ou na eternidade. Não se pode deixar de notar a semelhança entre Hebreus 10.26 e Hebreus 6.4-6, porém, como observou Riggenbach, a
segunda passagem é de caráter psicológico, porque o arrependimento e a renovação são declarados como impossíveis; contudo a primeira passagem é soteriológica?, náo havendo mais sacrifício pelo pecado. O versículo que estamos analisando é de tão grande importância que se torna necessário determinar com cuidado o significado das palavras. E s t u d o c r ít ic o d a s palavras d o t e x t o
Na frase se vivermos deliberadamente em pecado (ara) — em outra tradução: se pecarmos voluntariamente (arc) —, a palavra hekousios (éicoucrícoç), deliberada ou voluntariamente, acha-se no grego, por ênfase, em primeiro lugar. A palavra traduzida comopecar é hamartanonton (áfiaQTavóvTOjv), tendopecado, no particípio presente, e significa não um pecado, mas a prática contínua dele. Este texto, portanto, só pode significar a prática pecaminosa deliberada e determinada, cometida com intenção voluntária, por uma decisão constante contra a luz e a verdade. A frase depois de termos recebido opleno conheámento da verdade toma claros os dois aspectos da verdade: dada por Deus e recebida pelos homens. O vocábulo labem (Àa(3eív), depois de termos recebido, é um infinitivo aoristo, significando, portanto, (depois de) termos realmente recebido (a verdade). A palavra conhecimento, em Hebreus 10.26, não é o vocábulo comum gnosis (yvwaiç), mas o composto epignosin (ènLyvojaiv), que significa conhecimento pleno ou completo, ocorrendo de forma carac terística nas últimas epístolas de Paulo. Este é o conhecimento de Cristo por experiência pessoal, que foi revelado aos judeus pelo Espírito e tomou posse real deles. Disse Delitzsch: j - ----Pela própria escolha que faz da palavra, o escritor [da Epístola] | nos dã a entender que tem em mente não o mero conhecimento histórico e superficial da verdade, mas uma percepção viva da mesma pela fé, que o tomara e fundira em uma unidade consigo própria.
Westcott considerou o uso do verbo na primeira pessoa do plural [em se vivermos deliberadamente em pecado] como um abran damento da severidade das advertências, com um toque de profunda simpatia e solidaridade, como se o escritor de Hebreus, tratando dos perigos dos outros, náo se esquecesse do seu. Aplicando o mesmo raciocínio, a advertência pode referir-se a todos os cristãos genuínos, pois, embora as advertências em Hebreus 10.26 e nos seguintes versículos estejam em oposição a muitas falsas no ções de segurança e estimadas opiniões sobre a dispensação, só existe um modo honesto de apreciá-las: aplicando-as aos verdadeiros filhos de Deus. A EXPECTATIVA DOS ADVERSÁRIOS i
Pelo contrário, certa expectação horrível dejuízo efogo vinga dor prestes a consumir os adversários. Hebreus 10.27 a r a A palavra adversários é hupenantious (únevavTÍouç), que signi fica oposto, adverso. O que é dito neste e nos versículos seguintes é a respeito dos que rejeitaram o sangue expiatório de Cristo e continuaram no pecado voluntário. Depois deste repúdio, o escritor afirma que resta apenas certa expectação horrível de juízo. O adjetivo horrível é phobera ((j)o(3EÇ>á), terrível, e, intensificado pelo vocábulo grego tis, significa algo temível. Pode denotar .que o próprio julgamento é temível, ou a ideia dele, ou ambos. A palavra ekdoche (ÈKÒoxr)), contar com, aguardar, estar na expectativa, só se encontra aqui no Novo Testamento, sendo usada no sentido de expectação; significa que o que aguarda o pecador é uma expectação temível de juízo. O fogo vingador (cf. Is 26.11 a r c ) — puros (tívqòç), fogo, e , zelos (Cf)Aoç), fervor e zelo, ou ferocidade — significa que o juízo será administrado com a furia do fogo.
Zelos, de onde se origina zehte, é às vezes usada como o fervor, a intensidade do amor (Is 9.7). Contudo, sua acepção em Hebreus 10.27 sugere o grande amor que foi desdenhado. Este fogo vingador também é descrito como algo vivo com a boca aberta, pronto para devorar ferozmente todos os adversários. U
m a il u s t r a ç ã o d a
L ei M
o s a ic a
Sem misericórdia morre pelo depoimento de duas ou três testemunhas quem tiver rejeitado a Lei de Moisés. De quanto mais severo castigo julgais vós será considerado digno aquele que calcou aospés o Filho de Deus, eprofanou o sangue da aliança com o qualfo i santificado, e ultrajou o Espírito da graça? Hebreus 10.28,29a a b a Segue-se uma descrição do apóstata. A certeza e a justiça de Deus são aqui ratificadas por uma referência à Lei de Moisés, com a qual os israelitas estavam perfeitamente familiarizados (Dt 17.2-17). Quando duas ou três testemunhas depunham quanto à apostasia da pessoa que se desviava da aliança com Deus para adorar ídolos, está pessoa devia ser apedrejada até a morte. Independente de compaixão, a execução tinha de ser levada a cabo, e as próprias testemunhas atiravam as primeiras pedras. No versículo acima, o argumento é do menor para o maior, e o autor da Epístola responde com uma pergunta parentética4: “De quanto mais severo castigo julgais que sejam dignos os que rejeitam o amor de Deus, o sangue de Cristo, os ternos convites do Espírito Santo?”. O apelo é feito à inteligência dos leitores, deixando cada um julgar por si mesmo. A palavra axiothesetai (àEiCL>0r|cr£Tcu), considerado digno, geral mente aplica-se a uma pessoa de honra, porém aqui se refere a timorias (Ti|acoçíaç), justiça ou castigo retribuidor, assumindo extraordinário significado.
O s TRÊS PECADOS DOS APÓSTATAS
De quanto mais severo castigo julgais vós será considerado digrto aquele que calcou aospés o Filho de Deus, eprofan ou o sangue da aliança com o qualfoi santificado, e u ltra jo u o Espírito da graça? Hebreus 10.29 a r a Tem-se que o apóstata não apenas se desvia de Deus triuno (Pai, Filho e Espírito Santo), mas também manifesta a sua hostilidade de três maneiras: (1) por um ato: calcou aos pés-, (2) por pensamento: profanou e (3) por investida direta: ultrajou. Estas severas palavras se tornam ainda mais temíveis quando consideramos o significado origi nal de cada uma.
1. Calcou aospés o Filho de Deus O verbo katapatesas (KarníTarr)aaç), pisar, espezinhar, quando aplicado a uma pessoa, denota a pior forma de desdém possível. Alguns entendem que significa aquela forma de desprezo que ignora outrem, tratando-o como a poeira sobre a qual se pisa. A enormidade da falta se evidencia quando vemos que não foi apenas a Lei de Moisés que foi espezinhada, mas a pessoa que a deu, o infinito e exaltado Filho de Deus, que se identifica com o próprio Deus.
2. Profanou o sangue da aliança com o qualfoi santificado A palavra koinon ( k o i v ò v ) , comum, quer dizer profano, por tanto náo-sagrado. Este sangue, que [sendo sagrado] foi considerado profano, foi o da nova aliança, que nos assegurou o gracioso privilégio de redenção do pecado e a comunhão eterna com Deus. Foi por este mesmo sangue que aquele que vivia no pecado, tido como inimigo de Deus, foi santificado. O verbo grego hegiasthe (rjyiáaGr)), no particípio passivo aoristo, significa o que uma vez fo i
santificado. Este, que já havia sido santificado, passa a considerar esse sangue algo comum, como o de qualquer outra pessoa, inclusive o dos malfeitores crucificados ao lado de Cristo. Este seria o ápice do sacrilégio!
3. Ultrajou o Espírito da graça O termo charitos (xáçixoç), graça, usado aqui ao lado da palavra Espírito, é uma paráfrase de Espírito Santo, o Espírito que égraça, evidentemente visando a salientar a natureza pessoal e graciosa dele. A palavra enubrisas (evu(3QÍaaç), ultraje, só aparece aqui no Novo Testamento. Nela, o termo hubris (u|3qiç), mesmo sem a pre posição, é definido como combinação de insulto e injúria, ultraje insolente (por Vaughan), o que torna esse ato especialmente ofensivo quando em contraste com o caráter gracioso do Espírito. É este que administra a graça de Cristo e realiza o trabalho de santificação em nosso coração, e insultar um Espírito afável como este é um ultraje insolente, absurdo. Vimos claramente que, quando o sangue de Cristo é rejeitado, não resta mais sacrifício pelos pecados; assim também, depois que a graça do Espírito é desdenhada, não restam meios para aproximação com Ele. Este é o pecado contra o Espírito Santo, o qual jamais será perdoado (Mt 12.31,32; Mc 3.28,29; Lc 12.10). A CERTEZA D O CASTIGO
Ora, nós conhecemos aquele que disse: A mim pertence a vingança; eu retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo. Hebreus 10.30 a r a Aqui, a certeza do castigo é salientada. Essa passagem tem como referência dois textos extraídos de Deuteronômio: (1) A mim
mepertence a vingança, a retribuição, a seu tempo (Dt 32.35 a r a ; Rm 12.19); (2) Porque o SENHOR fará justiça aó seu povo (Dt 32.36; SI 135.14). O primeiro salienta antes o fato de que o Juízo será a recompensa exata, pois nele se fará a justiça absoluta, enquanto o segundo se refere mais à extensáo do julgamento que incluíra todos, até o povo de Deus. A frase nós conhecemos aquele indica que o autor de Hebreus e aqueles a quem se dirige conhecem, por experiência, o verdadeiro caráter de Deus. Tanto as advertências como as exortações pertencem ao evangelho, e Deus cumprirá cada palavra Sua. Há os que apresentam somente o aspecto misericordioso do evangelho, esquecendo que a justiça pertence também ao conceito cristáo de Deus. Uma vez que a palavra vingança significa justiça exata, retribuir tem a força de devolver o que é devido. Como os justos terão as recompensas da graça, assim também os ímpios receberão o que se lhes deve em justiça. No texto da Septuaginta, lemos: “No dia da vingança, eu da rei a devida paga”. Embora o termo juízo, aplicado ao povo, muitas vezes signifique a sua justificação ou defesa, em Hebreus 10.30 evi dentemente deve significar que o julgamento de Deus é tão universal que mesmo o Seu próprio povo se acha incluído. Estas palavras de condenação se encerram pelo que parece proceder de reflexão muito profunda da parte do autor da Epístola, levando à exclamação: Hor rível coisa é cair nas mãos do Deus vivo (Hb 10.31 a r a ). P
alavras d e c o n so l a ç ã o
O escritor da Epístola aos Hebreus passa das palavras da mais severa advertência para as de consolação e certeza. O trecho que segue tem sido para muitos a base do argumento da autoria paulina da epístola; seria endereçada aos judeus convertidos em Roma, e parece-me conter bastantes elementos para confirmar a hipótese.
1. Um convite à recordação Lembrai-vos, porém, dos dias anteriores, em que, depois de iluminados, sustentastes grande luta e sofrimentos. Hebreus 10.32 ara A memória é fator importante na religião, e a recordação das vitórias do passado nos dá forças para as lutas do presente. O escritor de Hebreus pede aos judeus que se lembrem das perseguições que se seguiram imediatamente à sua conversão e da força que obtiveram pela fé, as quais lhes possibilitaram suportar com bravura estas aflições. Como salienta o autor da Epístola, estas aflições foram em parte devido aos insultos e injúrias a que estiveram sujeitos, bem como a acusações injustas de crime e vício. Mais particularmente, o aguilhão da zombaria e do escárnio tinha de ser suportado abertamente. Os cristãos tinham sido expostos como em espetáculo, tanto de opróbrio quanto de tribulações (Hb 10.33 a r a ) , horrivelmente exibidos à população em toda sorte de indignidades. As aflições ocorreram, em parte, também porque eles não se tinham esquivado à lealdade para com os companheiros de fé, volun tariamente assumindo a responsabilidade de servir aos perseguidos e encarcerados. E não só isto, mas aceitaram com alegria o espólio dos pró prios bens— não meramente com paciência, mas com alegria, fosse por decreto das autoridades, fosse pela pilhagem das multidões. Isto, diz-nos o escritor de Hebreus, os cristãos fizeram por causa da rica herança que tinham em Cristo, a qual tornou as coisas do mundo menores, comparativamente falando, pois a sua cidadania era celestial, e não terrena. O vocábulo hyparxin (urtaç^iv), possessão, refere-se aqui às posses celestiais e eternas, em contraste com hyparchonton
(úrcaçxóvxcov), usado para designar as posses terrenas que tinham sido arrebatadas dos cristãos. O verbo tendo ciência (ou sabendo) tem aspecto judicial, eqüivale a dizer: “Vós, como juizes, pronunciando a sentença de que tendes para vós mesmos possessão mais duradoura do que a que perdestes”. O particípio é iterativo, o que sugere a ideia de “fazendo este pronunciamento judicial todas as vezes em que uma de vossas casas foi saqueada”. Visto que o sofrimento de danos materiais era considerado por muitos antigos como sinal de mente filosófica superior, isto conferia aos cristãos um lugar de alta consideração na mente dos pensadores.
2. Exortação à perseverança dafé Não abandoneis, portanto, a vossa confiança; ela tem grande galardão. Com efeito, tendes necessidade deperseverança, para que, havendo feito a vontade de Deus, alcanceis a promessa. Porque, ainda dentro de pouco tempo, aquele que vem virá e não tardará. Hebreus 10.35-37 a r a Temos aqui de novo a palavraparresian (naQQr|aíav), confiança, às vezes traduzida como ousadia. O termo traduzido como galardão é misthapodosian (jatfJ0cmoòocríav), recompensa do que nos é devido, a qual é grande; e a palavra que designa paciência é hypomones (ún;ojaovf|ç), ou perseverança, que nesse texto significa literalmente levar a carga com bravura e não se esquivar dela nem ceder sob pressão. Devemos, pois, ter confiança para levar o nosso fardo brava mente, a fim de que recebamos o grande galardão que nos é prometido. Sim, e este galardão não nos é devido por causa de nossas próprias obras, mas pela promessa e pela graça. Contudo, em certo sentido, é-nos devido, pois só será dado àqueles que preencherem as condições necessárias, os que fizerem a vontade de Deus.
O escritor de Hebreus apresenta outro incentivo à perseverança em relação à vinda de Cristo, que se dará breve. O vocábulo traduzido como pouco é mikron ( jaik q ò v ) . Visto que as palavras vedes que o Dia se aproxima (Hb 10.25b a r a ) têm sido por muitos interpretadas como alusão à queda de Jerusalém, julga-se que o incentivo seja o cessar das perseguições por parte dos judeus. No entanto, parece mais provável que se refira à segunda vinda de Cristo, que era o interesse principal dos primeiros cristãos. O versículo é citação livre da Septuaginta, onde se lê: “Mas se apressa para o fim, e não falhará; se tardar, espera-o, porque certa mente virá, não tardará. Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele mas o justo viverá pela sua fé” (Hc 2.3,4). Como Habacuque fala de uma visão que viria e não tardaria, assim o escritor de Hebreus a aplica com ênfase à fé do povo de Deus antes da queda de Jerusalém, e que o Senhor nos diz que há de provar a nossa fé ainda mais antes de Sua vinda no fim dos tempos. O S VERSÍCULOS DE TRANSIÇÃO
Todavia, o meu justo viverá pela fé; e: Se retroceder, nele não se compraz a minha alma. Hebreus 10.38 a r a Este e o versículo seguinte marcam a transição para o grande capítulo da fé, onde o autor da Epístola mostrará que a fé e a paciência são necessárias para herdar as promessas e citará alguns dos heróis da fé mais proeminentes do Antigo Testamento. Ele voltará sua atenção para uma grande lista de patriarcas notórios, mostrando não apenas vários aspectos da fé que os caracterizava, como também a grande paciência que tinham. O escritor de Hebreus termina com uma grande exclamação de confiança reanimadora: Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a perdição; somos, entretanto, da fé, para a conservação da alma (Hb 10.39 a r a ) .
N o tas A sp e c to v e rb a l q u e d e n o ta a c o n tin u id a d e d a ação. V ersões em inglês d a Bíblia, n ã o d is p o n ív e is em p o rtu g u ê s . Soteriológico é alg o re la tiv o à salv ação d a alm a h u m a n a . P arentético , re la tiv o a p a rê n te sis. N e ste caso u m a p e rg u n ta adicional, com o objetivo d e fazer os d e stin a tá rio s d a C arta , co n h ec e d o re s d a Lei, p e n sa r a resp eito d a g ra v id a d e d a apostasia.
11
OS HERÓIS DA TÉ
ebreus 11 é um dos textos mais grandiosos da Bíblia. Melhor será considerá-lo como uma galeria de retratos, cada um pintado com pena magistral e to em agrupamentos magníficos. Nele, estão os heróis e m judeus e cristãos se deleitam em honrar; o orgulho e a glória de todo filho e toda filha de Abraão. Todos esses heróis da fé creram nas promessas de Deus e confiaram no então invisível pelo que pacientemente esperavam e aguardavam. Dá-se testemunho de sua fé em promessas que tardaram muito a cumprir-se, em feitos notáveis, em torturas atrozes e até martírio, pois eles não reputavam a própria vida como preciosa. É como se o escritor de Hebreus tivesse o Antigo Testamento aberto diante de si e, principiando por Gênesis, perscrutasse toda a história, os nomes dos antigos heróis da fé, inscrevendo-lhes em um rol imortal. Parece que o autor da Epístola tinha em mente orga nizar uma lista completa, mas tão extensa ela se tornou que achou impossível continuar. Então, sem mencionar nomes, o escritor passa a dispô-los em grupos: primeiro, quanto aos seus grandes feitos; segundo, quanto ao seu paciente sofrimento, encerrando a lista com a citação de um grande grupo que peregrinou pelos desertos e pelas montanhas e em todas as covas e cavernas da terra. Todos estes, diz ele, obtiveram bom testemunho por sua fé.
H
Após uma palavra preliminar a respeito da natureza da fé, o escritor da Epístola aos Hebreus passa a nomear estas testemunhas his tóricas da fé, evidentemente colocando em proeminência as principais, escolhidas dentre os diversos períodos da história de Israel. A NATUREZA DA FÉ
O famoso capítulo 11 de Hebreus se inicia com as palavras: Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem. Pois, pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho (Hb 11.1,2 a r a ) . Na tradução Almeida Revista e Corrigida, lemos: Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não vêem. Porque, por ela, os antigos alcançaram testemunho. Na versão inglesa Revised Standard Version ( r s v ) , temos: “A fé é a certeza de coisas esperadas, a convicção de coisas não-vistas. Pois por ela os antigos receberam aprovação divina”. Temos também as importantes notas marginais: “Base ou confiança de coisas esperadas” ( r s v ) e “a prova dada de coisas que se esperam, o exame (ou verificação) de coisas não-vistas” (a r v ). O motivo dessas variantes é o fato de que as principais palavras são usadas em diferentes sentidos na literatura grega. A palavra traduzida como certeza (a r a ) ou fundamento (a r c ) é hupostasis (vnáoTaoiç), podendo significar base ou firm e alicerce; certeza, firm e confiança ou confiançafirmementefundamentada. A palavra traduzida como convicção é elegchos (lAeyxoç), que significa evidência, demonstração, pôr à prova, prova real, e até docu mento de propriedade ou escritura. Compreende-se facilmente, portanto, por que alguns consideram Hebreus 11.1 como uma descrição da fé, enquanto outros nele veem uma definição da própria fé. Ambas as interpretações, no entanto, que não se excluem; antes, contribuem para maior ênfase. Uma considera a fé do ponto de vista do que é realizado; a outra, do que a fé é em si
mesma. Uma náo fica completa sem a outra. É importante, então, que o escritor de Hebreus não apenas apresente a fé como regra de vida dos homens, mas que também defina com clareza o que entende por fé. Ela é necessariamente subjetiva, como o são os termos usados para expressá-la, confiança e convicção; no entanto, essas palavras implicam um aspecto objetivo. A fé, em sua forma mais simples, é um ato de confiança em alguém ou em alguma coisa. Não confia em si mesma, mas no seu objeto. Ela náo é um esforço mental; só se manifesta quando estes cessam. Cristo, o objeto de nossa fé, é, quem nos salva; e isto Ele faz pela graça mediante a fé. A graça opera no plano do desamparo humano, e é somente quando a alma se despoja de toda a confiança própria e entrega-se inteiramente à graça de Deus que nasce a fé. A diferença entre a fé verdadeira e a falsa náo reside na própria confiança, mas na dignidade ou indignidade da pessoa ou coisa em que se depositou esta confiança. Eva acreditou na mentira de Satanás e foi enganada; os que confiam integralmente em Cristo verificam que Ele é integralmente fiel. Existem três elementos essenciais na fé: a concordância do espírito, o consentimento da vontade e o que os teólogos antigos chamavam reclinação, mas que se expressa mais simplesmente pela palavra confiança. A fé, portanto, é o ato de todo o ser sob a influência do Espírito Santo. Esta confiança plena, este reclinar inteiramente em Cristo, priva a alma de qualquer reivindicação de mérito, quer de obras ou dela própria, tornando necessário atribuir toda a glória a Deus, mediante Jesus Cristo. Com estas palavras de precaução e explicação, passamos agora a um estudo exegético mais minucioso do texto. A------A fé tem um aspecto negativo e positivo, isto é, ela é receptiva e ativa. Como negativa, a fé esvazia a alma toda e a prepara para Jesus; como ativa, ela se estende com todas as suas forças para abraçá-lo e íàzê-lo em relação à Sua salvação. A fé, em seu aspecto negativo, pode
ser considerada como o entendimento afetando o coração; no seu aspecco ativo, é o entendimento afetando a vontade. O primeiro é operação do Espírito Santo, convencendo a mente do pecado e despertando no coração fortes desejos de salvação; o segundo é o instrumento ativo pelo qual a alma se apega a Cristo, tornando-se capaz para crer e ser salva. (W iley , Christian Theology, 2, 370) ---- r
O TEXTO COM O DESCRIÇÃO DA FÉ
Os que consideram Hebreus 11.1 como descrição da fé afir mam que o autor da Epístola estava interessado não tanto no que é a fé, mas no que ela faz. O segundo versículo, então, seria uma ponte para os exemplos dos heróis judeus, a fim de provar que sua atitude de fé, este estado de espírito que contempla as coisas espirituais como as verdadeiras realidades da vida, é aquilo pelo que os antigos obtiveram bom testemunho. Disse o bispo Chadwick: “E claro que se trata de uma descrição, náo de uma definição da fé”. Porém, admite que, mesmo como tal, exige uma explicação. Considerou ele a nota marginal da Revised Version como a que mais de perto expressa o significado do texto ori ginal, e eis como a parafraseou: “A fé é aquilo que dá substância, corpo e realidade às nossas esperanças e põe à prova as coisas não-vistas”. A fé é aqui usada no sentido de confiança ou certeza, sabendo que repousa sobre alicerce seguro. E a capacidade de ver as realidades que são invisíveis aos olhos naturais, mas, a menos que seja despertada por algo exterior, permanece latente, como os olhos sem luz ou o ouvido sem som. Cristo enviou o Espírito Santo para convencer o mundo do pecado, da justiça e dojuízo (Jo 16.8). E o Espírito que, por Sua graça preveniente, toma a iniciativa e desperta a alma para o conhecimento da verdade. Se nos submetermos a Ele e náo o rejeitarmos, a fé irá tornar-se ativa e con duzirá à realização manifesta das coisas invisíveis e eternas; e, tendo-se aproximado estas, o não-visto torna-se poder ativo na vida cristã.
A fé pode ser específica, quando conduz à justificação ou à santificação; em Hebreus 11.1,2, porém, é usada em sentido mais geral e amplo, e, assim, a fé salvadora se torna aquela que é a Lei de nosso ser, a atitude permanente da alma. Como Deus deu testemunho da fé de Seu povo da antiguidade, assim o autor da Epístola deduz que aqueles a quem escreve devem fazer algo mais do que reverenciar a memória dos patriarcas ou ornamentar-lhes os sepulcros. Devem andar em obediência como eles andaram e, de tal forma, reviver a fé, o sofrimento *e a paciência que conquistarão também para os cristãos do presente a aprovação divina. As coisas que, na sucessão do tempo, são ainda esperadas como futuras, têm uma existência real na ordem eterna; e a fé comunica esta existência ao crente como fato real. Assim também as coisas não-vistas não são meras fantasias arbitrárias: a fé experimenta-as, prova-as e traz convicção quanto à existência delas. (W estcott, The Epistle to the Hebrews, p. 353)
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O TEXTO CO M O DEFINIÇÃO DA FÉ
Observou Delitzsch: “Parece-nos que não se poderia conceber uma definição mais completa e exata de fé e de aplicação mais geral do que aqui nos é apresentada. Se isto não é uma definição, pergunto, que é então?” Ele acrescentou, a seguir, que era necessário, no início de tal sumário histórico, como o que se encontra neste capítulo, que se adicionasse uma “definição ampla e geral do que é a fé em si mesma” e “que esta era a única definição apropriada e possível”. A palavra substância, na Authorized Version, é um emprés timo de Santo Tomás de Aquino, que traduziu a palavra hupostasis {vnóoxaoiç) como substantia (Vulgata), em vez de fundamento (a r c ), certeza (a r a ) , ou confiança ( r s v ). A palavra latina substantia não se define com tanta agudeza quanto o termo grego, o qual inclui a ideia de ousia [substância] e
hypostasis [subsistência, realidade]. Foi esta confusão de termos que deu origem à prolongada controvérsia entre as igrejas do Ocidente e do Oriente quanto à Trindade. j ------O homem vive, move-se e é um ser, como criatura espiritual, em um elemento de crença ou confiança no invisível; nesse sentido, também, andamos porfé e não por vista [2 Co 5.7]. A crença é condição primordial de todo conhecimento e de todo raciocínio sobre o conhecimento. Pode-se dizer que, sem ela, não pode haver pleno assentimento a nenhuma propo sição que trata do que não seja matéria dos sentidos. Daí a propriedade do crede ut intelligas de Anselmo, em oposição ao intelMge ut credos de Abelardo, as duas palavras-chave da fé cristã e do racionalismo, respectivamente. (P ope ,
Compendium ofchristian theology, 2,
3 77)
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1 — O primeiro termo da definição de fé é a palavra subst Esta, contudo, náo pode ser usada no sentido de ousadia ou ser, isto é, a fé não empresta realidade dando existência criativa aos seus futuros objetos; a realidade destes deriva de Deus, que os criou. A palavra substância, pois, só pode ser compreendida no sentido de hypostasis, o lançar de um fundamento na alma, a confir mação para nós daquelas coisas que já existem pelo fia t [faça-se] de Deus. A fé pode ser chamada substância, então, apenas no sentido de que torna paupável as coisas reais na experiência do cristão. Por isso Plummer a chamou de “o reflexo das realidades ou recompensas eternas prometidas por Deus [...]; a fé pela qual o homem vive”. Logo, a fé constitui uma afirmação e um ato que declara a verdade eterna como um presente fato. Segundo Ebrard, a fé: j
-----Não é meramente uma convicção subjetiva de que aquelas possessões, embora não-vistas, são presentes, mas um ato que, em si mesmo, dá conhecimento e prova da existência das coisas não-vistas. O fato da fé
em si mesmo é a prova da realidade do seu objeto. Na fé, o poder real da coisa na qual se crê é já manifesto. Assim, o autor [da Epístola] teve motivo para usar, no primeiro versículo, precisamente a palavra hupostasis (UTlÓaxaaLÇ), [traduzida como] fundamento ou o estado de serfundamentado. ( E b r a r d , Biblical commentary to theEpistle to the Hebrews)
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Ebrard apresentou a fé não como algo teórico, mas como poder de vida, o qual tanto toma posse das coisas futuras e não-vistas como realmente fica assegurado delas. Ele deu continuidade à sua explanação dizendo que a natureza e a qualidade da fé residem em que “ela não se inicia com teorias ou argumentos, mas com atos”. Este poder de vida, então, é a capacidade do homem para transcender a percepção dos sentidos físicos e perceber o que é invisível. Andrew Murray, em seu The holiest ofall, tem a seguinte admoestação prática e devocional: j
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A fé é aquele ato incessante de procurar atingir, em direção ao celestial, aquele sentido espiritual ao qual as coisas futuras e não-vistas se revelam como próximas e presentes, como vivas e poderosas. A fé, na vida espiritual, tem de ser tão natural, tão incessante, como o nosso respirar e ver, quando executamos as nossas tarefas comuns [...], um contacto incessante com o mundo invisível que nos cerca. (M urray, The holiest ofall, p. 423)
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a------
Assim como o recém-nascido não recebe, primeiro, instrução quanto à necessidade de respirar e depois resolve fazê-lo, mas respira e posteriormente cresce e chega a compreender o processo da respiração, assim também aquele que é nascido do Espírito deve inalar profunda mente o hálito celestial da vida antes que possa chegar à idade de ter o pleno conhecimento disso. E assim como o respirar em si mesmo é «
a prova mais segura da existência de uma atmosfera vital que respiramos, assim é o ato daquela fé que se apossa das heranças futuras e não-vistas
e dela tira forças, a prova mais satisfatória do fato de que estas heranças são mais que meras fantasias e quimeras. (Ebrard, Biblical commentary on
the Epistle to the Hebrews, p. 328)
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2 — O segundo termo encontrado na última parte d sículo 1, em Hebreus 11.1, é elegchos (eÀeyxoç), traduzido como convicção ou prova. Em certo sentido, é paralelo ao primeiro vocábulo [hypostasis], mas é mais amplo e salienta mais fortemente o aspecto evidenciai da fé. Wesley disse que Hebreus 11.1 significa literalmente: “Uma evidência e convicçáo divina [...] Implica tanto uma evidência sobre natural de Deus como as coisas de Deus; uma espécie de luz espiritual exibida à alma e uma visáo sobrenatural ou percepçáo dela”. A mençáo a um elemento divino na fé nos leva logo à pergunta: a fé é dom de Deus? O Dr. Adam Clarke nos deu talvez a mais clara e mais razoável resposta: j ------Náo é dom de Deus a fé? Sim, quanto à graça pela qual é produzida; mas a graça ou poder para crer e o ato de crer são duas coisas diferentes. Sem a graça ou poder para crer, ninguém jamais creu nem pôde crer; mas com esse poder o ato de fé é do próprio homem. Deus nunca crê em lugar de ninguém; tampouco se arrepende por alguém. O penitente, mediante o poder desta graça, crê por si mesmo. E não é que creia necessária ou impulsivamente quando tem o poder; este pode estar presente muito antes de ser exercitado. Do contrário, por que as solenes advertências com que nos deparamos ao longo de toda a Palavra de Deus e as ameaças contra os que náo crêem? Não é isto prova de que tais pessoas têm o poder mas não o usam? [ C l a r k e , Commentary on the Epistle to the Hebrews]
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Que a fé deve ser considerada como forma de conhecimento é o que o escritor de Hebreus apresenta de maneira explícita nas afirma ções anteriores a respeito da nova aliança. Lemos em cada uma delas que a Lei de Deus está escrita em nossa mente e em nosso coração
— em nossa mente, para que a conheçamos, e em nosso coração, para que a amemos. E a união destes dois elementos que torna possível a verdadeira obediência da fé. O fato de Cristo habitar no coração mediante o Espírito é em si testemunho da realidade das coisas espiri tuais, e isto se realiza pela fé. Nenhuma forma de conhecimento pode ser mais inequívoca do que esta. 0 bispo Weaver simplificou essa interpretação, dizendo que “temos a faculdade de caminhar; esse poder é dom de Deus. Temos a faculdade de ver; isto também é dom de Deus. Mas gle não pode andar por nós, nem ver em nosso lugar. Podemos recusar-nos a andar ou pode mos fechar os nossos olhos” ( W e a v e r , Christian Theology, p. 158). A ESFERA DA FÉ
Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem. Hebreus 11.3 a r a Antes de descrever os feitos dos antigos heróis, o autor da Epístola se detém para observar que o próprio mundo em que estas testemunhas viveram e demonstraram a sua fé é a manifestação do que é invisível, e que esta convicção é ela própria um ato de fé. Portanto, a fé trata não apenas do futuro, mas do passado e do presente. A criação, sendo a primeira reve lação de Deus ao homem, torna-se, assim, a prova suprema da fé. 1 — Sabe-se que esta Epístola aos Hebreus inteira está escrita no grego mais excelente, porém, neste texto em particular (Hb 11.2), a escolha que o escritor faz das palavras é soberba. Na primeira porção do texto, a palavra é usada no dativo, pistei (m ata), que significa um ato de fé ou fé em seu exercício direto. Como no primeiro versículo, refere-se àquele poder do homem pelo qual ele é capaz de ver o invisível, diferindo, portanto, da mera percepção dos sentidos.
O verbo nooumen (vooüfiev), traduzido como entenderam, provém do termo nous (voüç), mente, e indica um ato mental. No grego helenístico cotrente, era a palavra usada para a compreensão de Deus na natureza (Rm 1.20). Em contraste, temos noesis (vórjao;), que significa percepção por meio dos sentidos, oferecendo notório contraste com pistis, fé. O verbo katertisthai (KaTr\çxíadai),fo i formado, significa adaptar perfeitamente ou ajustar; estando no perfeito, significa a permanência da criação. O termo foi particularmente bem escolhido porque, segundo Westcott, “expressa a multiplicidade e a unidade de toda a criação e, pelo tempo verbal em que se acha, indica que a lição original da cria ção permanece para uso e aplicação permanente”. A palavra traduzida como universo ou mundos é aionas (a úüjvaç), literalmente idades, ou aeons [eras]; mas, visto que o termo grego é frequentemente usado como metonímia, figura de linguagem empre gada para expressar não apenas vastos períodos de tempo, mas tudo o que existe nessas eras, traduz-se bem como mundos. João, no prólogo de seu Evangelho, usou a palavrapanta (rcávta), traduzida como todas as coisas — em todas as coisas foram feitas por ele...(]o 1.3) — , para expressar a criação das coisas materiais existentes. Contudo, o escritor da Epístola aos Hebreus, pelo uso de aionas, oferece-nos um conceito mais grandioso, porque não apenas incluiu a criação material, mas tudo o que entra nestas aeons para formar os mundos. O termo palavra [de Deus] usado em Hebreus 11.3 não é logos, mas hremati, que significa palavra falada ou enunciação. E um termo exato e retém o seu pleno significado como uma expressão única da vontade divina. Assim, entendemos pela fé que os mundos foram for mados exclusivamente pela enunciação de Deus, e que as coisas visíveis náo vieram a existir das coisas aparentes.
2 — A segunda parte do versículo 3 — de maneira q visível veio a existir das coisas que não aparecem — tem sido fonte de m uita perplexidade para os comentadores. Vimos que as palavras
pistei nooumen exibem a fé como poder espiritual ou ato da mente pelo qual apreendemos a verdade. Todavia, no caso em questão, o motivo para a fé na existência do mundo repousa inteiramente nas Escrituras como a Palavra de Deus. Quando os tradutores da Authorized Version verteram as palavras to me ek phainomenon (xò juf) £K (f>aivo}^évcov) como coisas que não aparecem, evidentemente pensavam que o mundo foi criado do nada, ex nihilo. Coisas não aparentes, porém, poderia também significar coisas agora não-aparentes, embora reais, e esta interpretação deu origem a pontos de vista científicos e filosóficos muito divergentes. As palavras específicas do escritor de Hebreus parecem indicar que ele tinha em mente refutar esses pontos de vista que considerava falsos, como, por exemplo, o dos gnósticos, que, por acreditarem no mal inerente à matéria, faziam distinção entre o criador do mundo (um demiurgo1) e o Deus supremo; e o de alguns que achavam que as coisas invisíveis se referiam ao caos de Gênesis 1.2, ou ao sistema platônico ou filônico de ideias. O uso da negativa (J.rj, em vez de oúk, torna claro que a criação não foi apenas das coisas que não se veem, mas daquelas que, por sua própria natureza, não podiam ser vistas. A palavra blepomenon ((3À£7io^évcjv) significa o que se discer ne pelos olhos, e, embora singular na forma, é um termo coletivo que reúne todos os particulares do ser visível em um todo uno. A declaração do autor da Epístola, portanto, é que o universo visível não foi feito de coisas que se podiam ver. O Criador não dispunha de materiais com que trabalhar, e o universo visível surgiu pela palavra — a sabedoria e a energia eternas de Deus, causalidades que jazem ocultas na natureza do Senhor, tornadas visíveis apenas em seus efeitos criadores. É claro, por conseguinte, que o autor da Epístola, pelo uso da negativa (nrj, refere-se unicamente ao reino espiritual, que normal mente não é percebido pelos sentidos, mas apreendido somente pela fé. Além disso, Hebreus 11.3 não é apenas uma afirmação da criação
ex nihiloi afirma que o reino espiritual é o único finalmente real. O escritor de Hebreus já observara isto ao falar do tabemáculo como sombra do real, e do sacerdócio Ievítico ministrando apenas como figura ou imagem do sacerdócio de Cristo. Logo, o verdadeiro culto tem de ser espiritual, e os adoradores, para serem aceitáveis a Deus, devem adorá-lo em espírito e em verdade (Jo 4.23). Por isso, o que adora tem de elevar-se das coisas visíveis para as coisas invisíveis do Espírito, e, nas “coisas que aparecem”, discernir o poder eterno e a divindade do Altíssimo. Aqui novamente devemos referir-nos à excelente obra de Ebrard ao distinguir entre o uso de me (^rj) e ouk ( o u k ) , ambos termos negativos e corretamente traduzidos como não. Disse ele que õu nega a existência; a qualidade. O u diz que uma coisa náo é objetiva mente; (aq nega uma coisa como concebida ou concebível. O uk õu denota aquilo que náo existe, que náo é; (ar) õu, aquilo cuja existência, com respeito à sua qualidade, é uma não-existência, uma coisa irreal. Em suma, ou, antes de adjetivos, é geralmente traduzido por não; |af| é traduzido por in, também antes de adjetivos. Assim, ou [3À£7tó|i£va seriam as coisas que, no presente, náo se veem; (ir) |3À£Ttó|a£va seriam as coisas que, sob condição alguma, em tempo algum, poderiam ser vistas. Oú (Jmvó|a£va seriam coisas que (ao tempo ou nas circunstâncias mencio nadas no contexto) náo se tornam manifestas; |ifj ({xxLvó(a£va sáo coisas que, por sua natureza, não se podem manifestar (ver Ebrard , Biblical commentary on theEpistle to theHebrews, p. 331). A s TESTEMUNHAS DA FÉ
Alguns pensam que Hebreus 11 foi originalmente preparado como documento à parte, para estimular a fé daqueles cristãos que, sob o peso da ignomínia e da perseguição, estavam pensando seria mente em voltar para o judaísmo. Quer esta teoria seja procedente, quer náo, o capítulo 11 é, sem dúvida, parte integral da Epístola aos Hebreus, sendo introduzido pelas palavras: Pois, pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho (Hb 11.2 a r a ).
Deve-se observar também que os nomes dos antigos heróis da fé náo são só mencionados, mas também catalogados segundo os principais períodos da história de Israel: 1) Antediluviano — Abel, Enoque e Noé; 2) Patriarcal— Abraão, Isaque, Jacó e José; 3) do Êxodo — Moisés; 4) da Conquista — Josué (não mencionado por nome, mas identificado pela queda de Jericó); 5) dos Juizes — Gideão, Baraque, Sansão e Jefté; e 6) do Reinado — Davi, o único rei mencionado; Samuel e os profetas (Samuel assinalou a transição dos juizes para os reis). A seguir, o autor da Epístola trata somente de grupos e encerra com os peregrinos e exilados — todos estes formando a nuvem de testemunhas mencionada no capítulo seguinte. Tão rica e variada é a obra da fé apresentada neste capítulo e tão digna de estudo minucioso e intensivo que livros inteiros foram escritos apenas sobre Hebreus 11. Faltam-nos, porém, o tempo e o espaço, e somos inclinados a destacar só as características distintivas da fé que as Escrituras atribuem aos que se acham no rol de honra de Deus. Deixando de lado quaisquer outras referên cias aos períodos históricos, seguiremos a ordem das Escrituras em nosso estudo do inspirador capítulo. Passemos, pois, àqueles relacionados na galeria da fé. A f é d e A bel
Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim;pelo qual obteve testemunho de serjusto, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, ainda fala. Hebreus 11.4 a r a
É fato significativo que, no rol dos que deram testemunho de Deus, Abel se acha à frente, com o seu sacrifício de fé. Assim, no alvorecer da história, a fé é revelada como o poder da justiça. Ora, a fé é a confiança na Palavra de Deus, e todo culto, para ser aceitável a Ele, deve ser inspirado pela fé. De que maneira, porém, revelou-se a vontade de Deus? Sem dúvida, mediante o protevangelium oferecido a Adáo e Eva — a reve lação de que um da Semente da mulher feriria a cabeça da serpente, e a serpente feriria o calcanhar dele (Gn 3.15). Desse modo, o mistério do pecado e o da redenção se encontraram no Éden. Abel, com a sua visão espiritual, reconheceu nessa promessa (Gn 3.15) a vinda de um Redentor, que, pelo Seu sofrimento e pela Sua morte, feria expiação pelo pecado da humanidade. Escolheu, então, como sua oferta, as primícias dos rebanhos e a gordura deles, enquanto Caim, o fruto da terra. Ao oferecer um cordeiro, Abel ofereceu a si mesmo com ele, confessando a sua própria indignidade e a sua fé na aceitação da oferta, e, assim, obteve testemunho de ser justo.
1 — Abel nos mostra que nos achegamos a Deus pela fé sacrifício e pela morte — verdade que encontra sua plena realização somente em Cristo. Todo acesso a Deus é pela oferta propiciatória de Cristo, aquela confiança certa no Seu sangue derramado, o qual é suficiente para trazer o perdão dos pecados e a nova vida. Disto o Espírito dá testemunho, a saber, de que somos Filhos de Deus. No entanto, a fé não pode participar desta nova experiência de vida sem entrar também no significado mais profundo do próprio sacrifício. Esta nova vida no Espírito procura alcançar conformidade plena com Cristo e vê que isto só se pode concretizar pela morte do eu carnal. Apenas quando somos crucificados com Cristo é que Ele vive plenamente em nós. Contudo, o sangue de Cristo não é apenas expiatório; é também purificador, santificador. Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou
para sempre quantos estão sendo santificados (Hb 10.14 a r a ) . O véu se rompeu, a fé agora nos dá ousadia para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus até a presença de Deus, e na comunhão com Ele mediante Cristo, o nosso grande Sumo Sacerdote. 2 — Abel foi o primeiro homem a sofrer morte física, pecado trouxe à humanidade como castigo; mas o escritor de Hebreus nos diz que, depois de morto, ainda fala. E comum ouvirmos dizer que o sangue de Abel dama por vin gança, e o sangue de Cristo, por perdão. Embora se possa concluir isto em Hebreus 12.24, não é a ênfase que o escritor dá ao texto. Em Hebreus 11.4, é Abel que fala, não o seu sangue; e fala não a Deus, mas a nós. O texto parece significar simplesmente que a fé de Abel, segundo as Escrituras nos relatam, ainda nos fala por meio da Palavra, e o fará até o fim dos tempos.
A FÉ DE E n OQUE
Pela fé, Enoque fo i trasladado para não ver a morte; não fo i achado, porque Deus o trasladara. Pois, antes da sua trasladação, obteve testemunho de haver agradado a Deus. Hebreus 11.5 a r a O relato histórico é: Andou Enoque com Deus ejá não era, porque Deus o tomou para si (Gn 5.24 a r a ) . N o hebraico, as palavras andou com Deus passaram para a Septuaginta como foi agradávela Deus. Enoque, portanto, representou o caminho dafé (no hebraico) e a vida da fé (no grego). A ênfase primordial deste texto é que Enoque, por meio da fé, escapou à morte mediante a trasladação. Abel, homem justo, sofreu morte violenta nas mãos de seu irmão; assim também Cristo sofreu morte violenta nas mãos do Seu povo. Enoque, por sua trasladação, representou a ascensão de Cristo à glória t
após a ressurreição. Deste modo, os dois primeiros testemunhos de que te mos notícia, da fé, simbolizam todo o escopo da obra redentora de Cristo. E provável, se o pecado não tivesse entrado no mundo, que o estado probatório de Adão e Eva terminasse como o de Enoque, sendo eles também trasladados para uma ordem nova e eterna. Mais segura mente, contudo, trata-se de uma profecia de nosso triunfo final sobre a morte revelado em Cristo, as primícias da glória da ressurreição. Temos, pois, diante de nós: o sacrifício da fé, o caminho da fé, a vida da fé e o triunfo da fé. Sobre a fé de Enoque, o escritor da Epístola aos Hebreus faz certas observações valorosas para os leitores. Deus diz que sem fé é impossível agradar-lhe; nenhum homem deve tentar Deus. Ao fazer a tentativa, Caim falhou, e todos os que se seguiram a ele falharam igualmente. Nossa fé deve descansar em um Deus pessoal, que responde às nossas orações. A fé repousa em Outrem e, a menos que esse Outrem seja uma pessoa compreensiva, a nossa fé é vã, e as nossas orações não serão respondidas.
A FÉ DE NOÉ Pela fé, Noé, divinamente instruído acerca de acontecimentos que ainda não se viam e sendo temente a Deus, aparelhou uma arca para a salvação de sua casa; pela qual condenou o mundo e se tomou herdeiro da justiça que vem da fé. Hebreus 11.7 ar a
Este versículo é uma condensação de toda a história do Dilúvio, que se encontra em Gênesis 6—8: Noé foi homem justo e perfeito em sua geração; caminhou com Deus e achou graça diante dos olhos do Senhor. Somente ele, dentre todos os seus contemporâneos, foi pronunciado justo. O verbo instruído ou avisado — em divinamente instruíd traz em si o significado de uma revelação divina, e, sendo um particípio, pode ser traduzido como “tendo recebido comunicação divina”.
O segundo particípio — em sendo temente a Deus — expressa o aspecto subjetivo da fé de Noé, “sendo movido por temor divino”, tanto por causa da severidade do juízo iminente como da condescendência de Deus ao poupar Noé e sua família. A geração incrédula contemporânea àquele homem de Deus julgava inconcebível que um dilúvio de águas cobrisse a terra, acredi tando ainda menos que um barco pudesse navegar sobre as turbulentas águas. Movido, porém, pela fé e pelo temor de Deus, Noé preparou uma arca para a salvação de sua família, tornandp-se, portanto, o representante náo apenas da obra da fé, como também da paciência dafé, suportando a tensáo longa e demorada, mas exemplificando a fé pelas obras. Cristo é a Arca da nossa salvação, na qual nos elevamos acima das ondas do dilúvio do mundanismo e do pecado. E, mesmo em nossas maiores desgraças, pela “janela de cima” podemos manter co munhão com nosso Senhor! 0 autor da Epístola faz duas observações sobre a fé de Noé: 1 — Noé, pela sua fé, condenou o mundo. A perseverança na obra que Deus confiara a Noé foi sem dúvida a principal fonte de condenação, embora Pedro fale do patriarca como pregador da justiça (2 Pe 2.5 a r a ) . Durante o período Antediluviano, Deus foi longânimo, e o Seu Espírito pelejou com os homens. Mas estes não deram ouvidos e continuaram no pecado até o dia em que Noé entrou na arca (Mt 24.38,39). Podemos dizer, então, que a obra de Noé condenou o mundo; sua vida santa condenou a dos que viviam em pecado, e suas advertências de juízo iminente os condenaram. 2 — Noé se tomou herdeiro da justiça que vem da fé. Assim como ele recebeu revelaçáo do Dilúvio iminente, é revelado a nós que q Dia do Senhor virá como ladrão [...] e que neste dia os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a
terra e as obras que nela existem serão atingidas. Daí a recomendação de Pedro: Por essa razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhaivos por serdes achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis (2 Pe 3.10,14 a r a ). Como Noé acreditou na Palavra de Deus quanto à iminência do Dilúvio, assim também devemos crer na Palavra quanto à condenação pelo fogo que há de sobrevir à terra e quanto ao fato de que enfrenta remos a mesma incredulidade que prevalecia nos dias de Noé. Que nós também, pela seriedade de nossa missão, condenemos a frivolidade do mundo; pela persistência no cumprimento da Grande Comissão, condenemos a incredulidade do ser humano, e, pelas adver tências incessantes, condenemos a insensibilidade das pessoas à verdade. Assim, também nos tornaremos herdeiros da justiça que vem da fé. A
fé d e
A
braão
E apenas natural que o autor da Epístola dispensasse especial atenção a Abraão, que foi conhecido como pai da fé e reverenciado tanto por judeus como por cristãos e muçulmanos. A sua fé é sintetizada em quatro manifestações diferentes: (1) o chamado para a herança futura; (2) sua permanência na Terra Prometida; (3) a promessa de um Herdeiro em quem seriam benditas todas as nações da terra; e (4) a oferta de Isaque em sacrifício.
1. O chamado de Abraão representa a obediência da fé Pelafé, Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receberpor herança; e saiu, sem saberpara onde ia. Hebreus 11.8 Abraão deixou: 1) sua terra natal, com sua adiantada civilização e suas práticas idólatras, bem como a casa de seu pai e o que lhe era precioso, para viver em tendas e levar a vida de peregrino. Foi uma
grande crise na vida de Abraão. No entanto, ele obedeceu a Deus; partiu sem saber aonde ia, pois o alvo da jornada hão lhe foi revelado antes de ele sair de Harã. Em Hebreus 11.8, o verbo traduzido como chamado, no parti cípio presente, kaloumenos ( k o A o Ú(J£ v o ç ) , salienta o caráter imediato da obediência de Abraão, que “obedeceu ao chamado enquanto (por assim dizer) este ainda lhe soava aos ouvidos” (Westcott). Mas, com este chamado, havia duas promessas: (1) de bênçãos temporais — uma descendência numerosa e uma terra em que esta habita/ia; e (2) bênçãos espirituais — mediante ele, viria a prometida Semente da mulher (Gn 3.15), Aquele em quem seriam benditas todas as nações da terra (Gn 12.3). O chamado de Deus para Abraão significava completo rom pimento com a antiga vida e o abandono de toda confiança própria, para que o patriarca aprendesse a lição da confianca plena no Senhor somente. A prontidão de obediência e a simplicidade da confiança no Deus invisível — eis as lições que temos de aprender se quisermos andar nas pegadas da fé de Abraão, porque este é pai de todos nós, crentes (Rm 4.12-16).
2. A permanência de Abraão em Canaã representa a paciência dafé Pela fé, habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com Isaque eJacó, herdeiros com ele da mesma promessa. Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus. Hebreus 11.9,10 Havia muitas cidades antigas e ricas em Canaã; contudo, o discernimento espiritual de Abraão lhe permitiu ver que estas estavam sujeitas à corrupção, como qualquer outra cidade fundada pelo homem. Estas coisas materiais não correspondiam à grandeza do ideal
de Abraão. Sua fé o lançava além das coisas terrenas, rumo ao reino espiritual e celeste, acima das coisas transitórias do mundo. Por esta razão, o patriarca contentou-se em habitar em tendas, sem ter uma residência fixa, pois a fé sempre olha para o além e vê mais longe. Abraão já era idoso quando Isaque nasceu, e mais velho ainda quando do nascimento de Jacó. No entanto, durante todo esse longo período, a sua fé jamais vacilou. Satisfazia-se Abraão por considerar sua vida terrena transitória, porque ele aspirava a uma pátria superior, isto é, celestial (Hb 11.16a). Deus guia o Seu povo pelo caminho da fé, apresentando pri meiro um alvo mais próximo, realizável, o qual tipifica algo melhor mais adiante. Assim, Abraão começou buscando uma herança terrena, para, depois, constatar que era apenas um estágio do movimento pro gressivo da fé, pois esta exige sempre mais à medida que a experiência se amplia e se aprofunda. As coisas materiais jamais podem satisfazer a alma. Logo, como Abraão, devemos recusar-nos a ser esmagados pelas decepções, para que a nossa fé possa elevar-se do terreno e temporal para o celeste e eterno.
3. Abraão e o herdeiro prometido Pela fé, também a mesma Sara recebeu a virtude de conceber e deu à luz já fora da idade; porquanto teve por fiel aquele que lho tinha prometido. Pelo que também de um [Abraão], e essejá amortecido, descenderam tantos, em multidão, como as estrelas do céu, e como a areia inumerável que está na praia do mar. Hebreus 11.11,12 Aqui a fé de Abraão é descrita como 2.fé da influência [a fé que contagiou os que estavam à sua volta, como se deu com Sara, que também creu em Deus, e recebeu a virtude de conceber, e gerações futuras]. Começando com o chamado de Abraão, a fé não se acha associada tanto com a justiça pessoal como com sua relação para com a estrutura social e a constituição do Reino messiânico.
Paulo deu grande importância a estes aspectos em seus tratados doutrinários. Abraão e Sara receberam a promessa de um filho, mas achavam que já estavam velhos para isso, e Sara, desanimando, foi repreendida com as palavras: Acaso, para o SENHOR há coisa demasia damente dificil? (Gn 18.14a a r a ) . Embora a fé nutrida por Sara não seja mencionada no relato do Gênesis, o escritor chama especial atenção para ela, ao dizer que, pelafé, também a mesma Sara recebeu a virtude de conceber e deu à luz já fora da idade; porquanto teve por fiel aquele que Ihg tinha prometido (Hb 11.11). Ora, é evidente que a fé dela, pelo menos em parte, foi inspirada pela do marido, de sorte que, do ponto de vista de Abraão, pode bem ser chamada a fé da influência. Quanto a Sara, quando seus olhos se elevaram de si mesma para Deus, a fé prevaleceu, sendo-lhe restauradas as forças que perdera pela idade. O nascimento de Isaque náo foi meramente carnal, pois tanto Sara como Abraão estavam já amortecidos; foi um nascimento miraculoso, pois Isaque foi o filho da promessa. Dele, descenderiam tantos, em multidão, como as estrelas do céu, e como a areia inumerável que está na praia do mar (Hb 11.12).
4. Abraão e a entrega de Isaque em sacrificio Pela fé, ofereceu Abraão a Isaque, quando fo i provado, sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigênito. Sendolhe dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dos mortos o ressuscitar. Hebreus 11.17,18 Temos aqui o teste da fé e o sacrifício da fé; um provando a realidade da sua fé, e o outro indicando a morte e a ressurreição de Cristo. Sem dúvida, esse foi o teste mais severo da fé de Abraão. E •certamente ele tinha em mente os destinos que pendiam do fio daquela única vida. As promessas deveriam cumprir-se em Isaque, e agora
vinha a ordem estranha de Deus para Abraão destruir o próprio meio pelo qual as promessas deveriam cumprir-se. Contudo, não parece ter havido hesitação da parte do patriarca, nem a ideia de uma intervenção divina de última hora. A p a la v r a prosepheren ( tiqock |>£Q£v ) , e s t a n d o n o im p e r fe ito , in d ic a q u e o s a c r ifíc io f o i e x e c u t a d o passo a passo, e n q u a n t o o partic íp io p r e s e n te peirazomenos (7t£içaÇófi£voç), sendo provado, parece su g e rir a p r o n t id ã o d a o fe r ta .
O motivo apresentado para a firmeza da fé de Abraão é que Deus era poderoso até para ressuscitá-lo [Isaque] dentre os mor tos (Hb 11.19 a r a ) . Embora Deus tenha interferido para impedir a morte de Isaque, Abraão provou toda a amargura do ato como se já o tivesse consumado. A estrutura do grego toma claro isto, pois a palavra prosenenochen (tiqoo£VT|VOX.£v), ofereceu, é um indicativo ativo perfeito, expres sando, assim, o caráter completo do ato. Por isso, o texto diz: Pelafé, ofereceu Abraão a Isaque, quando fo i provado (Hb 11.17a a r a ) . O ato foi completo; a oferta, perfeita. Deve-se observar que o juramento que se ligava à promessa feita a Abraão quanto ao sacerdócio de Cristo se encontra apenas aqui neste texto. Assim, a morte e a ressurreição simbólica de Isaque são uma profecia da morte de Cristo, sua ressurreição, ascensão e de seu sacerdócio eterno à destra do Pai. E de admirar, pois, que Abraão exclamasse: Jehovah-jireh (O Senhor proverá). Desse modo, proclamou a promessa de que o Anjo do Senhor surgiria, o sacrifício estaria ali e, assim, haveria um meio de salvação e escape em todas as tentações e provações. A fé d e I sa q u e , J a c ó e J o sé
Pela fé, igualmente Isaque abençoou a Jacó e a Esaú, acerca de coisas que ainda estavam para vir. Pelafé, Jacó, quando estava para morrer, abençoou cada um dosfilhos de José e, apoiado sobre
a extremidade do seu bordão, adorou. Pelafé, José, próximo do seu fim , fe z menção do êxodo dosfilhos de Israel, bem como deu ordens quanto aos seus próprios ossos. Hebreus 11.20-22 a r a Visto que as bênçãos deles foram pronunciadas próximo ao término da vida de cada um, a fé que havia no coração deles foi chamada “fé do leito de morte”. Isto, porém, não se deve interpretar no sentido de “arre pendimento de última hora”, ao fim de uma vida desperdiçada, mas a fé que foi regra de uma vida longa, cujas raízes penetraram tão profunda mente no passado, que ela triunfa sobre as fraquezas da natureza e arde como chama nítida e firme até ser coroada pela morte. Isaque e Jacó, como Abraão, continuaram a habitar em tendas e recusaram-se a procurar morada fixa na terra, enquanto todos os três falavam apenas das coisas por vir — na grande previsão futura de sua fé. Da acidentada vida destes homens, são escolhidos só os aconteci mentos intimamente ligados aos seus últimos dias, pois o propósito do autor da Epístola é mostrar que todos estes morreram crendo.
1. Pela fé, igualmente Isaque abençoou a Jacó e a Esaú, acerca de coisas que ainda estavam para vir (Hb 1 1 . 2 0 a r a ) O nascimento de Isaque foi miraculoso, e a ele foi feita nova mente a promessa. Confiando com a mais plena certeza de que as coisas ainda não presentes viriam a realizar-se, Isaque abençoou Jacó e Esaú. Sua fé repousava unicamente em Deus e na Sua Palavra. O fato de Jacó ser mencionado primeiro pode referir-se à riqueza do direito de primogenitura que lhe foi dado. Existe, porém, um toque de ternura nestas palavras, sugerindo a primitiva afeição de Isaque pelo filho amigo da natureza, que não foi deixado sem uma bênção do pai. A fé de Isaque via além da então presente inimizade dos filhos no tempo da sua reconciliação. Projetando-se no futuro, viu
que chegaria um tempo em que Esaú sacudiria o jugo e reinaria sobre os descendentes de Jacó (Gn 27.40), profecia que se cumpriu quando Herodes, o idumeu, reinou em Jerusalém.
2. Pelafé, Jacó, quando estava para morrer, abençoou cada um dosfilhos de José e, apoiado sobre a extremidade do seu bordão, adorou (Hb 11.21 a r a ) O autor da Epístola tomou dois eventos da vida de Jacó e condensou-os em um único versículo. Náo são aqui mencionados os seus filhos, mas a bênçáo pronunciada sobre Efraim e Manassés, os filhos de José que Jacó adotara como seus (Gn 48.5), para que tivessem uma porção da sua herança na Terra Prometida. Vemos aqui a bênçáo transmitida até a quarta geração. Jacó, estando próximo à morte, sabia que não poderia ver a promessa cumprirse, mas, pela fé, viu que Efraim e Manassés não permaneceriam no Egito; partindo com os israelitas, seriam os fundadores de duas tribos que habitariam em Canaã. No relato da adoração de Jacó, na Septuaginta, da qual a palavra bordão é traduzida, parece ter a concepção mais correta do que a do termo em hebraico, que significa leito, pois em Gênesis 32.10 faz-se menção ao cajado que Jacó levou quando deixou Canaã e que, portanto, veio a simbo lizar as experiências de sua vida, dando testemunho da bondade de Deus e das realidades da fé. E significativo, portanto, que, nas últimas horas de sua vida, Jacó adorasse apoiado sobre a extremidade do seu bordão — observa ção do autor da Epístola que não apenas completa o quadro da peregrinação de Jacó, mas assinala o início do fim da vida de Israel como povo nômade.
3. Pela fé, José, próximo do seu fim, fez menção do êxodo dos filhos de Israel, bem como deu ordens quanto aos seus próprios ossos (Hb 11.22 a r a ) José viveu a maior parte da sua vida como um egípcio, como vice-governante do Egito. Sem dúvida, ao morrer, seu corpo foi
mumificado e depositado em um luxuoso túmulo. Mas José cria nas promessas feitas a Abraão e, como seu pai, Jacó, deu instru ções para que, quando Israel partisse, seu corpo fosse levado com os israelitas e sepultado em Hebrom. Aqui a fé venceu as trevas, a distância e a morte. A fé d e M o isés
1. Pela fé, Moisés, já nascido, foi escondidp três meses por seus pais, porque viram que era um menino formoso; e não temeram o mandamento do rei (Hb 11.23) Moisés devia sua vida à robusta fé de seus pais, os quais, não temendo a ira do rei, esconderam-no durante os três primeiros meses de nascido. Eis aqui o exemplo notável de alguém cuja carreira gloriosa tem origem na piedade dos pais! A própria declaração do autor da Epístola parece chamar a atenção imediatamente para Moisés, cuja chegada ao lar, sem dúvida, inspirou fé nos pais. O adjetivo, traduzido como formoso — em viram que era um menino formoso — , é asteion (àcrTeíov), o mesmo que foi usado por Estevão em seu discurso (At 7.20), sendo que a expressão aos olhos de Deus também se acha no texto grego [formoso aos olhos de Deus]. Foi essa beleza incomum da criança que levou os pais, ambos da tribo de Levi, a crerem que Deus tinha alguma promessa a cumprir-se nela. Um decreto do faraó havia sido promulgado no sentido de que todo menino recém-nascido de família hebraica fosse lançado ao rio. Mas os pais de Moisés só o lançaram no rio quando o menino tinha três meses. Então, colocaram-no numa arca de juncos de forma que pudesse ser encontrado pela filha do faraó, que o chamou Moisés [que significa salvo das águas], porque ele foi tirado do rio.
2. Pelafé, Moisés, sendojá grande, recusou ser chamadfilho da filha de Faraó, escolhendo, antes, ser maltratado com o povo de Deus do que por, um pouco de tempo, ter o gozo do pecado; tendo, por maiores riquezas, o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa (Hb 11.24-26) Este é o primeiro ato de que temos notícia sobre Moisés como homem maduro, sendo que a fé que ele primeiro inspirou em seus pais agora se manifestava como uma decisão de fé individual. Moisés sentiu o chamado de Deus para devotar a vida à redenção do seu povo oprimido, escolhendo, antes, ser maltratado com opovo de Deus. O vocábulo grego, traduzido como maltratado, contém a raiz kakon (k íx k ó v ) , que significa humilhado ou ignominioso. Mostra que Moisés se identificava com os que eram escorraçados. E o motivo apre sentado para esta escolha é que ele reputou por maiores riquezas, o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensado 11.26). A palavra traduzida como recompensa ( a r c ) omgalardão (a r a ) , em grego, significa pesar em balanças ou restituir todo o equivalente da paga. E assim, colocado em balanças, o vitupério ( a r c ) o u opróbrio (a r a ) de Cristo contrabalançava infinitamente os tesouros transitórios do Egito. Moisés tinha conhecimento de Cristo, pois a promessa do Messias estava implícita no que Deus prometera a Abraão (Gn 12.3). Nosso Senhor disse que Moisés escreveu sobre Ele (Jo 5.46), e Pedro, reproduzindo as palavras de Moisés, disse: O Senhor, vosso Deus, levantará dentre vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos disser (At 3.22ss.). Estas palavras também foram citadas por Estêvão em sua pregação (At 7.37). Além disso, Moisés era um tipo de Cristo, e sua decisão [de rejeitar as riquezas do mundo] coaduna-se com a fé de Abraão, Isaque, Jacó e José. Flávio Josefo, em suas Antiguidades (II, 9.7), conta-nos que Moisés recusou a coroa do faraó quando criança. A filha do faraó
teria colocado a criança nos braços do governante egípcio. Este, para agradá-la, teria posto a coroa na cabeça da criança. Contudo, Moisés a teria atirado ao chão e pisado; ato que, para o faraó, parecia profético quanto aos perigos vindouros.
3. Pelafé, deixou o Egito, não temendo a ira do rei; porque ficou firme, como vendo o invisível (Hb 11.27) Temos aqui a coragem da fé. A antiga exegese patrística geral mente relacionava isto com a fuga de Moisés para Midiã, talvez porque esta ocorreu antes do êxodo. Mas tal interpretação é difícil de aceitar, pois aquela primeira fuga foi ocasionada pelo medo. O episódio aludido em Hebreus 11.27 parece melhor relacionado ao êxodo — o que é confirmado pelo uso do verbo katelipen (K a T £ Â i7 t£ v ), que significa partir para não mais voltar. Moisés, que uma vez fugira por medo do rei egípcio, voltou ao Egito como líder destemido, exigindo de faraó que deixasse os israelitas partirem. O motivo da força e da perseverança de Moisés deve encontrarse nisto: ele viu Aquele que é invisível.
4. Pela fé, celebrou a Páscoa e a aspersão do sangue, para que o destruidor dos primogênitos lhes não tocasse (Hb 11.28) Encontramos aqui o verbo pepoieken (ti£ 7 1 o ít|K £ v ), celebrou, instituiu a Páscoa, não meramente como ato único de libertação, mas como testemunho perpétuo dela. Antes disso, os acontecimentos (Hb 11.24-26), no tempo aoristo, são descritos como passados. Moisés se recusou; escolheu; teve [ a r c ] o u considerou [a r a ]; tinha em vista [a r c ] o u contemplou [a r a ]; deixou [ a r c ] o u abandonou [a r a ] ; ficou firme [a r c ] o u permaneceu firme [a r a ]. Seguiu-se a esses sucessos a instituição da Páscoa. Em Hebreus 11.28, a fé de Moisés assumiu proporções magníficas. Sendo expulso da presença do faraó, recebeu ordem de
Deus para náo mais voltar, e foi instituída a Páscoa. O ritual exigia que se sacrificasse um cordeiro, e o seu sangue fosse aspergido sobre as ombreiras das portas. Na verdade, isto era um desafio à superstição dos egípcios. Moisés sabia que a morte do primogênito da casa de faraó até o filho da cativa atrás do moinho e os primogênitos de todos os animais desper taria a ira do rei, ocasionando, quem sabe, um massacre. Por isso, os israelitas receberam essas instruções: Desta maneira o comereis: lombos cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão; comê-lo-eis à pressa; é a Páscoa do SENHOR (Êx 12.11 ara). Assim escapou o povo hebreu, enquanto os egípcios choravam a morte dos seus primogênitos. Mas Moisés teve o cuidado de proteger o seu povo, pois os israelitas foram salvos do destruidor apenas pelo sinal proposto por Deus: o sangue do cordeiro nas ombreiras das portas. Eles foram conduzidos [para fora do jugo da escravidão] tão-somente pela mão forte e pelo braço estendido do Senhor (Êx 6.6).
5. Pelafé, passaram o mar Vermelho, comopor terra seca; o que intentando os egípcios, se afogaram (Hb 11.29) Como a Páscoa e a fuga do Egito marcaram o início do êxodo, assim a passagem pelo mar Vermelho assinala o seu término no que concerne ao Egito. O destino dos egípcios que seguiram os israelitas é apresentado em uma simples frase: Intentando os egípcios [presumindo eles que poderiam, como os israelitas, passar pelo mar em seco], se afogaram. Estas duas frases assinalam o poder àaféz o destino à&presunção, e isto porque os israelitas tinham a promessa de Deus, enquanto os egípcios, não possuindo promessa, foram movidos meramente pela diligência humana e por uma falsa coragem. “A fé nos salva; a presunção nos deixa afogar”. A Páscoa, mencionada em Hebreus 11.28, indica a maneira pela qual os escravos hebreus foram libertos da servidão do Egito sob
a liderança de Moisés. Tão grande foi a libertação, que foi instituída uma festa comemorativa a ser observada anualmente. A travessia pelo mar Vermelho assinalou a plena libertação de Israel do Egito. Daí não haver mais menção de Moisés e sua obra. No entanto, coisas grandiosas foram realizadas no Sinai sob a administração de Moisés. Ali, foi entregue a Lei, e o povo israelita, organizado como nação, organizou-se também como a “Igreja no de serto”, com seus serviços sacerdotais. E ainda houve a unificação das tribos como um povo peculiar e único pelo sangüe da aliança, sendo Yehowah o seu único e verdadeiro Deus, e os israelitas, o Seu povo. A não ser o evento histórico da Páscoa, como sinal da libertação do Egito, não existe mais alusão a esta festa nem à instituição da Ceia do Senhor. AEpístola aos Hebreus é dirigida a um povo já liberto do Egito, a caminho da Terra Prometida. Mais dois eventos são necessários, contudo, para completar a história da fé desde a promessa feita a Abraão até a entrada na terra da promessa: afé da conquista, de Josué, e z fé de Raabe, que salvou a si e a sua casa da destruição de Jericó. A FÉ DA CONQUISTA
Pela fé, caíram os muros de fericó, sendo rodeados durante sete dias. Hebreus 11.30 Com Moisés, começou a fé da liderança, em oposição à fé da esperança paciente pela promessa. Nos 40 anos no deserto, fundou-se uma nação e foram instituídos os serviços religiosos. Estes anos ser viram também para disciplinar o povo nas agruras das peregrinações nesse lugar. O escritor de Hebreus nada comenta sobre esses anos. Josué se tornara o líder de Israel na conquista de uma terra que a esse povo foi divinamente prometida. O primeiro ponto de ataque foi Jericó, cidade murada e muito bem equipada. Os israelitas de nada dispunham para
atacar, mas, em obediência à ordem de Deus, marcharam em volta das muralhas, bradaram, e elas ruíram, de sorte que todos os conquista dores entraram na cidade franqueada à sua vista (Js 6.20). Foi pela fé na promessa de Deus que venceram, e é por essa fé que todos os cris tãos, desde séculos, têm igualmente sido vitoriosos. As armas de nossa guerra não são carnais, contudo são poderosas em Deus, para destruir fortalezas (2 Co 10.4 a r a ). A FÉ DE RAABE
Pela fé, Raabe, a meretriz, não pereceu com os incrédulos, acolhendo em paz os espias. Hebreus 11.31 Raabe era uma mulher gentia dona de uma estalagem nas mu ralhas de Jericó, como se evidencia pelo fàto de que os espias encontraram alojamento ali. Correndo o risco de ser considerada traidora, deu-lhes abrigo e, enquanto todos os habitantes de Jericó foram condenados à destruição, só ela se salvou, porque creu na palavra dos mensageiros de Deus e agiu conforme a sua fé, pela qual foi a única habitante da cidade a sobreviver e livrar sua casa. Não existe prova mais clara da salvação pela fé do que este acontecimento, que assinala que esta salvação é para os gentios também. Raabe posteriormente se casou com Salomão e deu à luz Boaz, que se casou com Rute; o filho desta, Obede, foi o pai de Jessé, e Jessé foi o pai do rei Davi (Mt 1.5,6). O PO D ER DA FÉ
Desde o chamado de Abraão até a ocupação de Canaã, a fé assume a natureza de uma disciplina, e, por esta razão, o escritor de Hebreus tem o cuidado de mencionar os nomes dos heróis antigos e indicar a natureza da fé deles. Este é primordialmente o período
da fé religiosa. Mas, com a vitória notável em Jericó e a salvação de Raabe, o escritor parece considerar este período de fé disciplinar como encerrado. É interessante observar que a última pessoa mencionada neste período é uma mulher gentia e proscrita, fato típico da fé redentora em Cristo e da universalidade do Seu Reino vindouro. O autor da Epístola passa agora para o período da história nacional de Israel e limita-se à sintetização do poder da fé sob dois títulos principais: (1) a fé da realização e (2) a fé da paciência. *
A FÉ DA REALIZAÇÃO
E que mais direi? Certamente, me faltará o tempo necessário para referir o que há a respeito de Gideáo, de Baraque, de Sansão, de Jefié, de Davi, de Samuel e dos profetas, os quais, por meio da fé, subjugaram reinos,praticaram ajustiça, obtiverampromessas,fecha ram a boca de leões, extinguiram a violência dofogo, escaparam ao fio da espada, da fraqueza tiraram força, fizeram-se poderosos em guerra, puseram em fuga exércitos de estrangeiros. Hebreus 11.32-34 a r a
Houve três classes de líderes no período de Israel em Canaã: (1) os juizes, que governaram no regime de teocracia; (2) os reis, no período do reinado; e (3) os profetas, nos períodos dos juizes e dos reis. Os juizes não foram mencionados na ordem histórica; os nomes de Gideão, Baraque, Sansão e Jefté são escolhidos talvez porque, no período de conquista, esses homens venceram diversos inimigos, a saber, os midianitas, os cananitas, os filisteus e os amonitas. O poder da fé, em suas várias manifestações, é habitualm exposto por Westcott em três jogos de tríades, cada um assinalando um progresso dentro de si próprio e na sucessão dos grupos em direção àquilo que é mais pessoal.
O primeiro trio descreve os amplos resultados que os crentes obtiveram: (1) vitória material [subjugaram reinos]; (2) êxito moral no governo [praticaram a justiça]-, (3) recompensa espiritual [obtiveram promessas]. O segundo trio observa formas de libertação pessoal: (1) de animais ferozes [fecharam a boca de leões]; (2) de poderes naturais [extinguiram a violência do fogo]; (3) da tirania humana [escaparam aofio da espada]. O terceiro trio assinala a consecução de dons pessoais: (1) força [da fraqueza tiraram força\; (2) o exercício da força [fizeram-se pode rosos em guerra]; (3) o triunfo da força [puseram em fuga exércitos de estrangeiros]. 0 escritor da Epístola, pressupondo que os leitores são versa dos na história bíblica antiga, não procura citar por nome os heróis que realizaram estas vitórias. A FÉ DA PACIÊNCIA
Mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos. Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição; outros, por sua vez, passaram pela prova de escdmios e açoites, sim, até de algemas eprisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos, maltra tados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra. Hebreus 11.35-38 ar a 1 — Não apenas homens fortes que conquistaram os triunfos da fé, mas também renomadas mulheres são incluídas nos anais da fé. Uma mulher desfavorecida de Sarepta, cidade pagã, con fiou que Deus a sustentaria se ela cuidasse de um servo dele.
Como recompensa especial, o filho dessa mulher foi ressuscitado. Igualmente, o filho da piedosa sunamita foi trazido de entre os mortos pela oração de Eliseu. Outros cristãos foram torturados e, quando se lhes ofereceu libertação, recusaram-na, a fim de obter uma melhor ressurreição. Os filhos dessas mulheres piedosas tiveram sua vida na tural restaurada, enquanto os que sofreram torturas aguardavam uma ressurreição final para uma vida eterna. Visto que a palavra alloi (õAAoi) — traduzida como uns em Hebreus 11.35, e como outros em Hebreus 11.36 — assinala a distinção de um grupo do outro [no caso entre os que foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição (v. 35), e os que passaram pela prova de escámios e açoites, [...] até de algemas e prisões (v. 36)]. 2 — O verbo torturados, no versículo 35 de Hebreus provém de tumpanizein (TU|i7iavíCeiv), bater como em um tambor, e, trazendo em si a ideia de golpes severos, era usado para descrever as várias formas de tortura: a fratura dos ossos, a marteladas, de uma pessoa presa a uma roda; o esticamento do corpo amarrado a um instru mento, com a dor excruciante que o acompanhava, sendo os braços e as pernas quebrados com pesadas clavas; ou o açoitamento com chicotes (azorragues) chumbados. O termo torturados é especialmente aplicável ao versículo 37, que está construído na forma de assíndeto, isto é, com a omissão dos conectivos, e, portanto, foi comparado a golpes de malho com seu efeito cumulativo. Assim, se estas cenas fossem projetadas na tela, com uma pausa entre cada uma, deveríamos ler: foram apedrejados... serrados pelo meio... provados... mortos ao fio da espada... andaram peregrinos... necessitados... afligidos... maltratados. Com todo horror da tortura e do sofrimento, existe algo magnificente na firmeza desses heróis antigos e na fé inabalável que nutriam por Aquele em quem confiavam. O escritor de Hebreus apontou de tal maneira estas cenas, e de tal modo dirigiu os golpes
do malho que estimulou os cristãos vacilantes do seu tempo e das eras vindouras a agirem da mesma forma que aqueles heróis. 3 — A descrição dos peregrinos que escaparam à morte ápice apropriado na lista dos que triunfaram na fé. Eles vagaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, não tendo nada melhor com que se vestir; peregrinaram pelo deserto em meio ao sol escaldante e pelas montanhas em meio às ventanias, tendo apenas covas e cavernas — meros buracos no chão — como moradia. São usados três particípios para descrever a condição desses peregrinos; particípios que expressam a duração, a continuidade do seu estado: (1) necessitados, constantemente não tinham o que comer e o que beber; (2) afligidos, ou seja, sempre oprimidos; e (3) maltratados, sempre tidos como malfeitores e, por isso, humilhados. Tal heroísmo dificilmente será compreendido em dias de facilidades e conforto. Mas tudo isso lhes sobreveio por causa da fé em Cristo. O mundo julgava-os indignos de viver, mas o autor da Epístola exclama: Homens dos quais o mundo não era digno (parênteses do versículo 38). Desse modo, pelas agruras da vida, fizeram-se cônscios da necessi dade de algo que permanece. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade (Hb 11.16b a r a ) . A RECOMPENSA DA FÉ
Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por suafé não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados. Hebreus 11.39,40 a r a Seguimos o autor da Epístola em seu eloqüente delineamento dos triunfos da fé, lento e deliberado a princípio, enquanto apontava
para as cenas da fé na vida dos primeiros heróis hebreus. A seguir, o número das testemunhas aumenta, precipitando-se com a velocidade de uma corrente torrencial até alcançar o clímax; e que clímax inesperado! Em vez de dizer que a fé daqueles realizou as promessas, que eles foram coroados e entraram na recompensa eterna, lemos: Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a con cretização da promessa, por haver Deusprovido coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, nãofossem aperfeiçoados (Hbl 1.39,40 a r a ). O motivo de os heróis da fé não terem recebidcf a promessa reside no desígnio de Deus defazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu, como as da terra (Ef 1.10 ara ). O propósito de Deus, então, é reunir todas as coisas sob um só Cabeça e ao mesmo tempo. Este tempo não chegou ainda, pois, além do Seu propósito quanto aos santos do Antigo Testamento, está a encarnação, a vinda de Cristo como oferta pelo pecado e Seu propósito subsequente de reunir um povo de todos os povos, de todas as línguas e de todas as naçóes; uma nova nação eleita, a Igreja do Primogênito. Deve-se fàzer distinção entre as promessas concedidas aos povos de todas as eras e a promessa de Deus, que é muito superior e reúne em si o cumprimento final e supremo de tudo o que se esperou durante todas as épocas. Isto só se poderá dar quando Cristo vier a segunda vez. Duas razões se apresentam para esta prolongada demora: (1) por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito e (2) para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados.
1. Por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito (Hb 11.40a a b a ) A coisa superior a nós prometida está intimamente relacionada com a perfeição retida dos que pertenciam ao período veterotestamentário. Vimos pelos argumentos anteriores do escritor de Hebreus qjie, mediante a morte, ressurreição, ascensão e intercessão de Cristo, possuímos uma aliança superior estabelecida sobre melhores promessas,
administradas por um sacerdócio melhor e em um Santuário superior. Duas espécies de perfeição se atribuem a Cristo: uma mediante o sofrimento, e outra, em glória. 1.1. Jesus foi aperfeiçoado pelo Seu sofrimento como preparação para a Sua obra redentora. Tendo sido aperfeiçoada a natureza humana dele por Sua obediência constante, Jesus se tornou o nosso grande Sumo Sacerdote, o qual, mediante o Seu Espírito, concede-nos esta nova natureza: a Sua. Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados (Hb 10.14 a r a ). Esta perfeição nos leva à presença de Deus e assim aperfeiçoa a nossa fé, para que [prossigamos] para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus (Fp 3.14 a r a ). 1.2. A segunda perfeição é a que Cristo menciona a respeito de si mesmo, quando diz: No terceiro dia terminarei (a r a ) ou sou consumado (a r c ) ou serei aperfeiçoado (Lc 13.32 k j ) — o que só pode significar a Sua ressurreição em glória, pela qual Ele se tornou as primícias dos que dormem. Quando o véu de nossa carne tiver se rompido pela morte ou pelo arrebatamento, nós também seremos transformados. Teremos um novo corpo à semelhança do corpo glorioso de Jesus; um corpo livre da natureza pecaminosa herdada de Adão, com as fraquezas que a acompanham, e seremos removidos do nosso estado de provação, para entrar com Cristo na ordem nova e eterna.
2. Para que eles, sem nós, nãofossem aperfeiçoados (Hb 1 1.40b a r a ) Isso de maneira alguma significa que as eternas esperanças dos que pertenciam ao período veterotestamentário dependiam de nós, mas apenas que devemos estar incluídos com eles na consumação final de todas as coisas.
Não obstante a perfeição prometida por nosso Senhor a cada indivíduo ser objeto de posse por parte dos membros do Corpo de Cristo, a perfeição da ressurreição não se poderá dar antes que todo o povo de Cristo participe desta glória. Como os antigos aguardavam com fé a vinda de Cristo como Redentor, pelo qual foi selada a validade da salvação deles, assim devemos aguardar, com a mesma fé, a Sua segunda vinda em glória. Como eles perseveraram “vendo” Aquele que era invisível, só aqueles que perseverarem pela fé até ao fim serão salvos e verão o Senhor em glória (Mt 24.13). Temos a mesma palavra que eles tiveram, e a nossa promessa é que, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até no ocidente, assim há de ser a vinda do Filho do Homem (Mt 24.27 a r a ) . Quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então, se assentará no trono da sua glória (Mt 25.31 a r a ) . Embora Paulo nos tenha informado de que os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro (1 Ts 4.16 a r a ) , isto se dará tão-somente para que se unam aos santos arrebatados para o encontro do Senhor nos ares, e, assim, estaremospara sempre com o Senhor (1 Ts 4.17 a r a ).
N o tas No mito gnóstico, o demiurgo teria sido gerado pelo eon Sophia [Sabedoria] após sua queda. Ao ser gerado, teria criado o mundo material com o objetivo de aprisionar e governar as partículas divinas provenientes de sua máe (Sophia) na matéria. Querendo que as almas do mundo sejam livres, Sophia teria se rebelado contra o demiurgo, e o verdadeiro Deus inefável enviado aos homens o seu filho mais querido, o eon Christós ou Cristo, que desceu ao mundo material com o objetivo de transmitit a Cnosis (conhecimento) às almas, para que elas tenham consciência de sua parcela divina e partam para o Pleroma (o Todo), libertando-se do jugo do Demiurgo. (In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Demiurgo)
A
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NUVEM DE TESTEMÚNHAS
autor da Epístola aos Hebreus, tendo colocado diante dos leitores as esplêndidas realizações dos heróis antigos, retoma agora a exortação iniciada no capítulo 10, reunin força acumulada no capítulo 11. A conjunção portanto, que inicia o primeiro versículo deste capítulo, representa a ligação com todo o capítulo precedente, mas de maneira especial com os versículos de transição: Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, con tudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados (Hb 11.39,40 a r a ) . Isto significa, de forma simples, que todo o rol dos heróis da fé seria incompleto sem o acréscimo dos santos do Novo Testamento. Significa, em um sentido mais profundo, que a perfeição veio somente pelo sacrifício de Cristo, e isto se aplica igualmente aos que viveram antes deste evento e aos que vieram depois. Neste sentido, os que pertenciam ao período veterotestamentário não poderiam ser aperfei çoados (ou completados) sem nós, pois um único e suficiente sacrifício englobaria todas as pessoas, de todos os tempos.
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Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta. Hebreus 12.1 ara Com o fim de intensificar a sua exortação à perseverança, o escritor de Hebreus descreve ele mesmo e os leitores como estando em uma grande arena, onde os grupos de testemunhas surgem como uma grande nuvem num anfiteatro. A palavra traduzida como testemunha é marturon (jJ.açTÚQCOv), de que se originou o termo mártires, embora não haja indicação de que seja usada aqui neste sentido mais estrito. Ela significa os que testificam, e, sem dúvida, refere-se ao tão grande número de heróis da fé cujas vitórias foram relatadas no capítulo anterior. O te r m o tr a d u z id o c o m o nuvem n ã o é nephele (v ecf)é À r|), uma única nuvem, m a s nephos (vec{)o ç ) , massa de nuvem que cobre o céu, s e n d o u s a d o p e lo s g r e g o s e la t in o s c o m o o s í m b o lo d e u m a m u ltid ã o .
O verbo traduzido como rodeados ou cercados denota que as testemunhas estão de perto cercando-nos, ou espalhadas diante de nós. A palavra martus (|uáQTUç) tinha para os antigos gregos, como tem para nós, dois significados: (1) pessoas que testificam uma verdade ou um fato anteriormente conhecido e (2) pessoas que estiveram presentes à cena, quer tenham testificado, quer não. De ardo com o primeiro sentido, a palavra se referiria aos antigos crentes, que deram testemunho da fidelidade de Deus por sua vida e pelas não raras mortes violentas que sofreram. Contudo, a palavra usada no versí culo acima é testemunhas, e não theatai (Gearou), espectadores, nem mesmo epoptes (£TTÓTnr)ç), testemunhas oculares. Segundo esta última interpretação, o sentido do texto é que aqueles que venceram os seus próprios conflitos estão agora presentes para contemplar os que ainda se acham na corrida.
Lindsay disse que a expressão a rodear-nos oferece decisiva evidência da multidão de testemunhas colocada à volta dós hebreus durante a luta destes, e a ideia de sua presença é empregada para estimular os seguidores de Cristo ao zelo e aos esforços inabaláveis. Qualquer que seja o ponto de vista adotado, o verdadeiro signi ficado é que os santos que partiram ainda testificam que a fé foi a força de sua vida, no mesmo sentido de que o legado de um ser amado que se foi pode ser um estímulo ainda maior ao viver santo do que a vida de alguém que ainda se encontra na carne. * A CORRIDA CRISTÃ
Desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta. Hebreus 12.1b a r a Após descrever a arena e a pista de corrida, tendo relanceado a nuvem de testemunhas, o autor da Epístola passa a uma análise da própria corrida: sua preparação, seu alvo e seus obstáculos. A palavra apothemenoi (aTtoOéjaevoi), traduzida como desembaraçando-nos, é um particípio médio do segundo aoristo e tem a força e a urgência da ação imediata: “faça-o e dê isso por terminado”. Esta prontidão se refere a duas coisas: (1) ao ato de despojar-se imediatamente de todo peso embaraçoso; e (2) ao ato de despojar-se do pecado que tenazmente nos assedia.
1 — A palavra traduzida como peso é ogkon ( õ y K O v ) , s aqui usada na acepção de embaraço ou estorvo. Seu significado primordial é de volume, seja em tamanho, seja em peso. Foi, pois, usada metaforicamente como confiança indevida, isto é, jactância ou pretensão. É duvidoso, no entanto, que, na presente acepção, tenha o sentido de despojamento do peso excessivo em virtude de
treinamento atlético; é antes usada no sentido de desfazer-se de coisas supérfluas, tais como excesso de vestimenta que impeça o progresso do corredor. No sentido cristão, é aquilo que é obstáculo ao progresso espiritual. Plummer, falando náo metaforicamente, disse que atingir ura alvo táo elevado de fé não é possível sem uma resolução firme, inabalável de desfazer-se de certas coisas. Davidson observou a distinção entre pesos e pecados, e chamou atenção para o feto de que o que pode ser inocente ou mesmo reco mendável em outros pode ser, para nós, um obstáculo. Ele sugeriu coisas como o apetite, que, embora legítimo, se nos dominar, torna-se gula; a devoção a algum interesse, com o perigo de absorver a mente [podendo tonar-se uma obsessão ou mania]; ou a afeição que ameaça desviar o coração [que pode tornar-se idolatria]. Tudo isso pode ser peso sem ser pecado. O autor da Epístola, contudo, náo insinua quais possam ser estes obstáculos ou embaraços, mas sugere que os cristãos que se colocam nesta solene corrida logo descobrirão aquilo que se lhes torna um obstáculo.
2 — O pecado que tenazmente nos assedia é uma frase que sido diversamente interpretada. O termo traduzido como pecado é hamartian (á|oaQríav), no singular, e não pecados. Refere-se ao pecado em si, ao estado de alma de que todos os pecados procedem. Vaughan afirmou que a alusão “náo é a certo pecado que seja especialmente perigoso, mas ao próprio pecado. O artigo é genérico”. Declarou ainda que a tradução àzAuthorized Version é admiravelmente pertinente, se não se perverter a expressão opecado que nos cerca, como algo diferente do corpo todo do pecado. Davidson confirmou esta interpretação dizendo que o que chamamos pecado qtie nos assedia não é o sentido exato da passagem, mas que se trata dele como coisa que pode envolver-nos como uma vestimenta pesada e impedir que corramos.
A palavra euperistaton ( e Ú 7 i£ Q ÍC T T a T O v ), traduzida como assedia, cerca, vem de statos (0xaxòç) eperi (7 t£ Q Í). E, às vezes, no grego, usada na forma passiva estrita, assediado, e, às vezes, na vòz média, que assedia ou que cerca. Na forma composta eu-peristaton vem a ser quefacilmente rodeia, assedia ou cerca. Sobre esta passagem observou o Dr. Adam Clarke: j ------Entendem alguns que [o pecado que tenazmente nos assediiz] seja o pecado original, como aquilo pelo que somos envolvidos no corpo, na alma e no espírito. Quer seja isto ou não, a palavra d&nos a entender que é o que se nos depara a cada passo; que sempre se nos apresenta; que, como o compasso descreve um círculo pela revolução de um dos braços, enquanto o outro permanece fixo no centro, assim este nos cerca de todos os lados; somos limitados por ele e não raro encerrados. E uma muralha circular, bem fortificada, sobre a qual temos de saltar ou através da qual devemos passar.
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Este pecado se manifesta segundo o temperamento, as condi ções ou circunstâncias, mas é do próprio pecado, no entanto, que se nos ordena desembaraçar-nos prontamente — “fazê-lo e de maneira cabal”. Isto, dissemos repetidas vezes, é realizado pelo Espírito Santo mediante a fé em Cristo.
3 — Corramos, com perseverança, a carreira que nos estápr (Hb 1 2 .1 a r a ) . Temos aqui o verbo trechomen (tq £ X £ 0 |» i£ v ), correr, no imperativo presente, cuja ideia é manter-se correndo. Provavel mente o autor da Epístola tinha em mente uma maratona, cujo longo e difícil percurso exige do atleta muito esforço e resistência, para completá-la. A competição não implica necessariamente ou tros competidores, como se sugeriu, a menos que o antagonista seja o pecado, contra o qual temos de lutar e vencer (Rm 12.4). Este tipo de corrida tem de ser feito com perseverança, hupomones ' (únojaovrjç), que também significa paciência.
Os obstáculos, neste caso, são as dificuldades externas da vida e o ultraje do mundo. Não devemos permitir que a fadiga nos detenha, nem que as decepções da vida nos desanimem; tampouco devemos olhar com inveja aqueles cuja vida parece mais fácil, cujo progresso parece maior ou cujas vitórias parecem menos difíceis. Não devemos comparar-nos uns com os outros, pois nessa maratona rumo ao céu todos devem correr, e Paulo nos exortou a correr de modo a alcançar o alvo (Fp 3.14). A frase que nos estáproposta (Hb 12.1) refere-se à estrada que se estende diante de nós e que está em oposição à alegria que lhe [a Jesus] estava proposta (cp. 1 Co 9.24; Hb 12.2). O l h a n d o pa r a J e su s
Olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estavaproposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus. Hebreus 1 2 .2 a r a O escritor de Hebreus pede agora aos seus leitores que voltem o olhar para Jesus, exaltado acima de todos e assentado à destra do trono de Deus. O verbo olhar — em olhando firmemente — é aphorontes (àc^OQCOVTeç), que significa tirar a vista das coisas que estão perto e des viam a nossa atenção e, conscientemente, fixar os olhos em Jesus como o nosso grande alvo. Significa ainda interesse que absorve por completo, perfeitamente expresso pelas palavras com olhos sópara Jesus. A expressão autor e consumador da nossafé tem sido interpretada de várias maneiras. A palavra traduzida como autor éarchegon (açxTlYÒy), líder, pioneiro, sendo o mesmo vocábulo traduzido como capitão (da nossa salvação) em Hebreus 2.10 ( kj). A palavra consumador é teleioten (t £ À £ lcott]v ), aperfeiçoador, que completa (cp. Hb 10.14). Em olhando firmemente para Jesus, o Autor e Consumador da nossa fé, o possessivo nossa [que aparece nas versões kj e na n v i , mas
não na a r a e na a r c ] , antes de fé, está em itálico ou entre parêntesis, pois no grego temos apenas a fé. No entanto, náo significa a fé no sentido objetivo, como o fundamento cristáo, mas subjetivo, como o princípio que rege o coração e a vida do ser humano. A escolha da palavra archegon, líder ou pioneiro, em vez de aitios (amoç), autor, no sentido de originador, é muito significativa. Como observou Davidson, na presente acepção, as palavras não “podem significar que Cristo, como Autor, originou a fé em nós e, como Aperfeiçoador, sustém-na e a leva a um resultadd perfeito”, isto é, incondicionalmente quanto ao conceder e ao aperfeiçoar; a ênfase é, antes, sobre Cristo como o grande Pioneiro da fé que, na Sua vida terrena, tendo perfeitamente alcançado o ideal e terminado a corrida, está agora assentado à destra do trono de Deus. Em Hebreus 2.10 a palavra archegon, como capitão (kj), refere-se em especial à preparação de Jesus para a liderança; neste caso, Ele se tornou o Alvo da realização, o Centro de toda a visão cristã. No entanto, é ainda o Líder, que do Seu trono nos céus ministra pelo Espírito a força, a perseverança, paciência e toda a graça necessária em meio ao sofrimento e aos conflitos. Para os que o seguem com confiança, Ele se tornará o aperfeiçoador, quando vier para ser gbrificado nos seus santos e ser admirado em todos os que creram (2 Ts 1.10 a r a ). A seguir, o autor da Epístola aos Hebreus passa a uma consi deração da experiência de humilhação de Jesus, vividamente descrita para encorajamento dos leitores — palavras que são apenas a amplificação de Sua obra como o autor e consumador da fé. O escritor encontra três semelhanças entre os heróis da fé e Jesus. Pela fé, aqueles passaram por grandes lutas e aflições, em parte porque foram exibidos como espetáculo ignominioso, em parte porque se tornaram companheiros dos que foram alvos daquelas tribulaçóes. Assim também Jesus, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia (Hb 12.2b). Esta oração é introduzida pela palavra anti (àvxi), que significa dar em troca ou, especialmente aqui, em consideração de.
O vocábulo traduzido como alegria é charas (Xaçãç) — náo aquilo a que Jesus renunciou ao encarnar, mas a alegria que lhe estava proposta. Era a alegria como recompensa do Seu autossacrifício pela salvação dos homens; um autossacrifício que em si mesmo era uma recompensa satisfatória. Mas significava também a alegria de ser exaltado ao trono de Deus e levar consigo a Sua natureza e a nossa, coro ando assim a obra redentora por toda a eternidade. Era a alegria de administrar do trono a Sua vida celestial mediante o Espírito Santo, e assim aperfeiçoar para sempre os que são santificados (Hb 10.14). Esta foi a alegria que lhefoiproposta — uma alegria que enche todo o céu e, quando da Sua segunda vinda, encherá toda a terra com a Sua glória. O que fez Jesus para ter essa alegria? Suportou a cruz. Temos aqui de novo a palavra hupemeinen ( Ú 7 i£ | a £ iv £ v ) , anteriormente traduzida como paciência, mas aqui mais propriamente traduzida como suportou com perseverança. A palavra traduzida como cruz é stauron ( cttocuq Ó v ) , viga ou poste introduzido no chão para execução de criminosos, vindo depois a significar a cruz. A frase náo fazendo caso da ignomínia ou desprezando a afronta (a r c ) foi chamada o grande paradoxo. Desprezar a afronta náo significa que Cristo a tinha por desprezível, mas por pequena, comparada com a alegria que lhefo i proposta. As palavras cruz e vergonha (n v i ) são usadas sem o artigo para salientar a qualidade — coisas como a cruz e a vergonha, e assim servem para colocar em maior relevo a profundidade da abnegação de Cristo. Jesus, sendo santo em si mesmo, foi intensamente sensível à vergonha da cruz, morrendo aos olhos da Lei como um criminoso, mas não permitiu que isso fizesse vacilar Sua lealdade à vontade do Pai.
1. Considerai aquele (Hb 12.3) As palavras de instrução do autor da Epístola, seguem-se outras de exortação: Considerai, pois, atentamente, aquele que suportou tamanha
oposição dos pecadores contra si mesmo, para que não vos fatigueis, desmaiando em vossa alma. Ora, na vossa luta contra opecado, ainda não tendes resistido até ao sangue (Hb 12.3,4 a r a ). Muitos têm suposto que a ilustração aqui se transfere de uma pista de corrida para uma competição de gladiadores, dizendo que, ainda que a luta contra o pecado seja mais severa, os cristãos ainda não [resistiram] até ao sangue. O autor da Epístola primeiro usou a palavra considerai em relação ao apostolado e ao sumo sacerdócio de Cristo (Hb 3.1). Em^ Hebreus 12.3,4, usa o mesmo termo enérgico em relação aos sofrimentos de Cristo nas mãos dos pecadores. E evidente, pois, que, como Jesus era sem pecado, a expressão oposição dospecadores não pode significar outra coisa senão que o pecado estava naqueles que condenaram e crucificaram Cristo. Qualquer comparação justa há de admitir que a luta dos cristãos era também objetiva; náo era tanto contra o pecado dentro ddes mesmos, por maior que fosse a luta, mas contra o pecado dentro daqueles que os perse guiam. Por mais severas que tenham sido as suas aflições e perseguições, não haviam de comparar-se com as qué Jesus sofreu. Estes cristãos ainda não ti nham resistido até ao sangue. Nenhum deles tinha sofrido o martírio ainda.
A SANTIDADE EM RELAÇÃO À EXPERIÊNCIA PESSOAL Já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como Jilhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor e não des maies quando, por ele, fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama e açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque quefilho há a quem o pai não corrija?Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois, então, bastardos e não filhos. Além do que, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos? Porque aqueles, na verdade, por um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso
proveito, para sermosparticipantes da sua santidade. E, na verdade, toda correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas, depois, produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela. Portanto, tomai a levantar as mãos cansadas e osjoelhos desconjuntados, efazei veredas direitas para os vossos pés, para que o que manqueja se não desvie inteiramente; antes, seja sarado. Hebreus 12.5-13 Do cenário das corridas e dos conflitos de gladiadores, o escritor de Hebreus passa rapidamente para a serenidade do lar. O filho está agora na casa de seu pai, onde deve tirar proveito das sábias admoestações e da benigna correção de um pai que ama. No entanto, a finalidade da exortação é a mesma, pois, embora menos rigorosa e com mais naturalidade, trata da questão do viver santo. Em Hebreus 12.5-13, esse assunto é apresentado sob a natureza, a necessidade e a índole da disciplina cristã. A NATUREZA DA DISCIPLINA CRISTÃ
O escritor inicia este trecho com uma pergunta e uma citação: Já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor e não desmaies quando, por ele, fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama e açoita a qualquer que recebeporfilho. Hebreus 12.5,6a Neste versículo, conforme tem feito, o escritor da Epístola náo menciona a autoria humana da citação — que parece ser as palavras de Salomão a seu filho (Pv 3.11,12) ou de alguém que se dirige paternal mente a uma pessoa em aflição — , mas a vê como na realidade é, em seu significado último, as próprias palavras de Deus aos Seus filhos em tempos de angústia e perseguição.
A palavra traduzida como exortação é parakleseos,paracleto, título aplicado no Novo Testamento ao Espírito Santo como Consolador. Nessa passagem, o Paracleto está personificado e discorre com o filho de maneira exortativa ou persuasiva. Ele diz que todas as aflições, angústias e mesmo perseguições devem ser consideradas como correções vindas da mão de Deus, visando unicamente ao treinamento prático do Seus filhos na vida de santidade. A advertência é contra dois perigos: a indiferença e o desânimo.
1. Filho meu, não desprezes a correção do Senhor (Hb 12.5b) Eis aqui uma advertência contra o tomar levianamente a correção do Senhor. Os escritores romanos contemporâneos do cristianismo primitivo assumiam uma atitude de mordaz ceticismo quanto a qualquer disciplina da providência divina. Personalidades fortes caem facilmente nesta disposição, e é a elas que estas palavras se dirigem. Essas pessoas pretendem vencer todas as tentações e suportar toda aflição pela força de vontade humana; deixam de ver a mão de Deus na repreensão e por isso perdem de vista o valor moral e religioso dela; deixam de humilhar-se e assim perdem a ajuda e a bênção que ela pretendia trazer.
2. E não desmaies quando, por ele, fores repreendido, (Hb 12.5c) Isto representa outra atitude extrema para com a repreensão do Senhor e, portanto, outra classe de pessoas a ser advertida. Estes indivíduos consideram a mão de Deus como demasiado pesada. Desa nimam diante das provações da vida, ficam impacientes quando oprimidos por elas e desfalecem nos tempos de perseguição. Esquecem-se de que Jesus foi aperfeiçoado pelos sofrimentos e de que Deus envia estas provações para que eles também sejam alvo do mais alto proveito. Não aprenderam integralmente a confiar nos cuidados do Pai; não
aprenderam com Paulo a dizer: Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte ( 2 Co 1 2 .1 0 a r a ). A NECESSIDADE DA CORREÇÃO
Porque o Senhor corrige o que ama e açoita a qualquer que recebeporfilho. Se suportais a correção, Deus vos trata comofilhos; porque que filho há a quem o pai não corrija? Hebreus 12.6,7 Prontamente compreendemos a íntima relação entre discípulo e disciplina, porém infelizmente não dispomos de vocábulos para mos trar a estrita conexão entre criança e correção. Em grego, temos paidion (naiôíov), criancinhas, traduzido como filhos, enquanto a palavra disciplina é paideian (naL & E Íav), do mesmo radical, significando o treinamento ou a educação das crianças — daí instrução, correção, disciplina. O escritor de Hebreus, portanto, diz que crianças e disciplina estão associadas e não podem ser separadas por um pai que é sábio e que ama seus filhos. Existe diferença, contudo, entre didaskein (Ô L Ô áaK E iv), instrução, e paideia, disciplina. A primeira se refere à instrução mental (aulas); a segunda, ao ensino moral (correção) de uma criança. Westcott observou que “o treinamento dado por um grande mestre é algo mais que o seu ensino”. O verbo mastigoi (laacmyoL), açoitar, é muito enérgico. Cristo preveniu ,os discípulos de que eles seriam açoitados nas sinagogas (Mt 10.17), e Ele próprio foi açoitado diante de Pilatos. O argumento, então, é este: como nenhum verdadeiro pai negligenciaria a instrução mental e o treinamento moral de seus filhos, tampouco Deus, como Pai que ama, negligencia a disciplina de Seus filhos. Este argumento é confirmado por uma declaração negativa no versículo seguinte: Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois, então, bastardos e não filhos (Hb 12.8). Os que
nasceram fora do casamento, nothoi ( v ó G ol ) , o s ilegítimos, bastardos — palavra encontrada no Novo Testamento somente aqui — , náo estão sendo reconhecidos como filhos pelo Pai, portanto, como tais, estão privados do treinamento moral que é o direito de todo verdadeiro filho. Logo, os que amam os prazeres carnais mais do que a disciplina da mente e do coração não são filhos de Deus. A ÍNDOLE DA DISCIPLINA CRISTÃ rf
Além do que, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos? Porque aqueles, na verdade, por um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. Hebreus 12.9,10 O escritor da Epístola mostrou a necessidade da disciplina; agora, indica a disposição em que tal disciplina deve ser recebida. Se tínhamos reverência por nossos pais terrenos, cujo castigo era apenas por uns poucos dias e ditado por um julgamento falível, quanto mais não devemos reverenciar nosso Pai espiritual e viver? Na passagem acima, Deus, como o Pai espiritual, é colocado em contraste com os nossos pais terrenos; visto que é pelo espírito que temos acesso a Deus e à ordem espiritual superior, devemos-lhe muito mais: a plena submissão de todo o nosso ser. Deus tem um ideal grandioso para nós; Ele nos disciplina para que sejamos participantes de Sua santidade. Os que se tornaram santos de cora ção pelo sangue de Jesus devem agora aprender a manifestar essa santidade em todas as vicissitudes da vida. Dela, Paulo falou como aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus (2 Co 7.1 a r a ) . Nunca será demasiado dizej que não é por meio de um coração santo que podemos viver uma vida santa, mas em virtude daquele que habita nesse coração santo.
1. E, na verdade, toda correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas, depois, produz um fruto pacífico dejustiça nos exercitados por ela (Hb 12.11) Aqui é aludida a severidade do castigo. As aflições podem ser mais ou menos severas, mas nunca alegres. Jesus não estava alegre no monte das Oliveiras, quando em seu suor foi achado sangue (Lc 22.44). Muitos, em profunda afliçáo, indagaram, senão por palavras, por pensamento, “Por que me aconteceu isto? Que fiz para merecer este sofrimento?” E somente depois, diz-nos o escritor de Hebreus, que a disciplina concede os frutos pacíficos da justiça. Quão leves parecem as nossas maiores aflições à luz da recom pensa eterna! Mas Deus não reserva todas as recompensas para a vida futura; temos aqui na terra o fruto pacífico da justiça, a consciência de corretas relações com Deus e com os homens. A palavra exercitados é uma volta à imagem do estádio e assinala a transição para a exortação que se segue.
2. Portanto, tomai a levantar as mãos cansadas e osjoelhos desconjuntados, e fazei veredas direitas para os vossos pés, para que o que manqueja se não desvie inteiramente; antes, seja sarado (Hb 12.12,13) O escritor chega a esta exortação, em que se descortina nova mente a arena: as mãos descaídas pelo cansaço do combate, os joelhos paralisados pela tensão da corrida. Essas são expressões metafóricas comuns significando desespero ou prostração, evidentemente extraídas de Isaías 35-3 (a r a ) , onde se lê: Fortalecei as mãosfrouxas [para o serviço] efirmai osjoelhos vacilantes [para o progresso]. O autor da Epístola emite a mesma ordem peremptória, usando a palavra anorthosate (àvoQ0cóaax£), um primeiro aoristo, imperativo ativo, traduzido ora como levantar, ora como endireitar, no nosso caso, restabelecer.
As palavras fazei caminhos retos para os pés (cp. Pv 4.26) são uma indicação clara de que havia cristãos vacilantes na congregação, provavelmente os que hesitavam entre o cristianismo e o judaísmo. O apelo, portanto, era pelo cuidado recíproco e pela dedicação especial aos fracos e desanimados. Estes são chamados mancos, do neutro to cholon (to x&^òv), aquilo que é manco, podendo referir-se a alguma fraqueza que permaneça no indivíduo ou, o que é mais provável, à porção manquejante da congregação. Essa indispensável ajuda deveria realizar-se fazendo-se caminhos retos para os pés. Alguns dizem fazendo caminhos retos pelos pés, salientando a necessidade de retidão no caminhar cristão, em vez de a preparação para a vereda reta. A palavra ektrapei ( Ê K T Q c m r ] ) é traduzida ora como desviar-se, ora como torcer ou deslocar as juntas. O ensino torcido e confuso, a conduta imprudente e o hábito da indecisão, diz o escritor de Hebreus, fazem que “se extravie o que é manco” (tempo aoristo). A retidão e o fervor espiritual oferecem a maior ajuda possível aos erradios. Mas a palavra ektrapei é também um termo médico para designar a junta deslocada, daí a leitura marginal “não seja desarticulado”. Seguem-se então, naturalmente, as palavras antes, seja curado. A SANTIDADE EM RELAÇÃO À IGREJA
Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor, tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus, e de que nenhuma raiz de amargura, brotando, vos perturbe, epor ela muitos se contaminem. Hebreus 12.14,15 Tendo o autor da Epístola dado instruções especiais concer nentes ao cuidado mútuo que deve haver entre cada um dos membros da* Igreja, passa agora a analisá-la como Corpo coletivo, bem como a examinar sua influência mais ampla sobre o mundo. O autor o faz por
meio de dois imperativos que servem como uma espécie de preâmbulo às instruções e advertências que se devem seguir. A SANTIFICAÇÃO COMO PRINCÍPIO CONSERVADOR DA IGREJA
Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor. Hebreus 12.14 Este versículo expressa tanto o objetivo da Igreja como as suas limitações com relação ao mundo. O verbo diokete ( ò ic Ok e t e ), seguir, traz em si não apenas o desejo de paz, mas a disposição de ir longe para obtê-la. O substantivo hagiasmon (áyiaajaóv), santificação, é uma advertência implícita de que não devemos buscar a paz a ponto de comprometer a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor. Por isso, Westcott observou: “O cristão busca a paz com todos igualmente, mas busca a santidade também, e esta não pode ser sacrificada por aquela”. O verbo seguir é às vezes interpretado no sentido da procura de um alvo fugitivo, daí a busca de uma paz que jamais pode ser encon trada e o empenho por uma santidade que nunca poderá concretizar-se. Nada está mais longe da verdade. O vocábulo se refere a um curso de ação a ser seguido ou a um padrão de vida a ser adotado, e isto com toda a diligência. Enquanto a palavra todos inclui os homens em toda parte, hagiasmon parece restringir-se aos santificados, visto que o autor da Epístola evita o uso da preposição sim (o t jv ) , com, e usa a palavra meta (]1 £tcx), junto com. A frase significaria então que, juntamente com os outros cristãos, os destinatários da Epístola aos Hebreus deveriam buscar a paz e a segurança que vêm do pleno devotamento a Deus. A palavra santidade é hagiasmon (áyiaajaóv) e expressa uma ação que, junto ao artigo ton ( t ò v ) , significa a santificação, conforme
aparece em nossas traduções. Como a justificação é um ato que resulta em paz, assim a santificação é um ato que introduz um estado de santidade. A palavra hagiasmos (áyittcruòç), que indica antes um ato que um estado ou uma qualidade, difere nisto das duas outras formas: hagiotes (áyiÓTriç), um agente ou uma fonte de santidade (v. 2), e hagiosune (áytcoCTÚvr|), a qualidade, o estado ou a condiçáo de santidade resultante do ato da santificação. O escritor de Hebreus quer dizer, pois, que, tanto quanto dependa de nós, devemos viver em paz com todos os homens; com relação a Deus, nossa vida deve conformar-se com essa santidade operada dentro de nós pelo ato da santificação, e participar dela. A NECESSIDADE DE PUREZA NA IGREJA
Atentando, diligentemente, por que ninguém seja faltoso, separando-se da graça de Deus; nem haja alguma raiz de amar gura que, brotando, vos perturbe, e, por meio dela, muitos sejam contaminados. Hebreus 12.15 a r a A e x p r e ss ã o atentando diligentemente (a r a ) o u tendo cuidado (a r c ) é episkopountes ( ètuotcotiouteç ) , d a q u a l n o s p r o v e io a p a la v r a bispo o u superintendente, s e n d o a q u i u sa d a n o s e n t id o g e r a l d e c u id a d o fr a te rn a l e c o n t í n u o u n s p e lo s o u tr o s .
São mencionados dois perigos a serem evitados: 1. O perigo de que cada cristão individualmente sejafa separando-se da graça de Deus. Segundo Vaughan, “a palavra husteron (ú o t e q w v ), com apo (cuiò), de, não pode significar ser faltoso no sentido de deixar de conseguir, falhar ou ser faltoso em algo que já foi conseguido”. Westcott adotou a mesma interpretação com respeito ao uso da ■ preposição apo com o particípio, descrevendo este último um estado contínuo, e não um simples ato de abjuração ou desvio. Impõe-se à
Igreja, pois, diligente cuidado para que esteja vigilante, no sentido de que nem um único indivíduo, que tenha recebido a graça de Deus, desvie-se dela. O Dr. Adam Clarke acha que serfaltoso significa apostatar do cristianismo para o judaísmo.
2. O perigo de que os outros cristãos sejam contami Daí a recomendação: nem haja alguma raiz de amargura que, brotando, vosperturbe, e, por meio dela, muitos sejam contaminados. Aqui o pecado do coração, que não foi purificado, manifesta-se na vida dos que querem introduzir alienação, contenda e confusão. É provável que o escritor da Epístola tivesse em mente uma alusão a Deuteronômio 29.18, onde se lê: Para que, entre vós, não haja homem, nem mulher, nem família, nem tribo cujo coração, hoje, se desvie do S e n h o r , nosso Deus, e vá servir aos deuses destas nações; para que não haja entre vós raiz que produza erva venenosa e amarga. Contra tais raízes de amargura a Igreja deve resguardar-se com toda a diligência. A admoestação é: resistir aopecado nos seuspróprios começos. O PERIGO D O LUGAR-COM UM
E ninguém seja fomicador ou profano, como Esaú, que, por um manjar, vendeu o seu direito de primogenitura. Porque bem, sabeis que, querendo ele ainda depois herdar a bênção, foi rejeitado, porque não achou lugar de arrependimento, ainda que, com lágrimas, o buscou. Hebreus 12.16,17 A palavra bebelos ((3é(3r]Àoç), profano, literalmente quer dizer franqueado à passagem, em contraste com sagrado a Deus. Na presente
acepção, significa ter as coisas santas por comuns ou irreligiosas. Pomos ( ix ó q v o ç ) , Jomicador, significa aquele que viola a santidade das relações matrimoniais e, assim, torna-se símbolo da infidelidade a Deus. Visto que o escritor de Hebreus acabou de falar em raiz de amargura, é muito provável que agora se refira ao caso de Rúben (Gn 35.22), que se deitou com a concubina de seu pai e foi, depois, privado do seu direito de primogenitura, sendo Levi e Judá, seus irmãos mais jovens, honrados em lugar dele. O uso da palavra ou torna claro que Esaú não era um impuro ou um fornicador no sentido físico, mas somente no sentido espiritual do adultério com relação ao Deus mantenedor da aliança com a sua fa mília. Era profano porque deixava de fazer justa apreciação das coisas sagradas. Ele buscou apenas alimento saboroso para satisfazer o apetite físico, e seu pecado consistiu em colocar a satisfação carnal acima das bênçãos espirituais da aliança, preferindo a primeira às últimas. Depois, Esaú apercebeu-se do que perdera - e que grande perda fora! Seu direito à primogenitura consistia em: (1) que ele fosse o admi nistrador da casa; (2) o sacerdote da família; e (3) que ele recebesse uma porção dobrada da herança de seu pai. Maior, porém, do que todas essas era a bênção de Abraão, mediante o qual viria o Messias. Esaú vendeu todas essas bênçãos por um repasto; depois, arrependeu-se amargamente e tentou reaver a herança, mas era tarde demais; já tinha sido concedida a outro. Há decisões na vida cujas conseqüências são irrevogáveis. A palavra vendeu é apedoto (ànéòoto ou ànéòezo) e, sendo usada no segundo aoristo médio, indica que aquilo que foi vendido era realmente de Esaú. Ele não fingiu nem foi enganado. A ele exclusiva mente coube a culpa. A atitude de irresponsabilidade que Esaú assumiu torna daro que era indigno e incapaz de corresponder à confiança nele depositada; por isso Deus o rejeitou. Hebreus 12.16,17, como Romanos 9-10-13, náo tem relação alguma com a salvação futura. Se Esaú foi salvo ou perdeu-se não é o assunto que se discute, mas apenas se ele era idôneo para a posição que herdara.
O CONTRASTE FINAL ENTRE AS DUAS DISPENSAÇÕES
Porque não chegastes ao monte palpável, aceso emfogo, e à escu ridão, e às trevas, e à tempestade, e ao sonido da trombeta, e à voz das palavras, a qual, os que a ouviram pediram que se lhes nãofalasse mais; porque nãopodiam suportar o que se lhes mandava: Se até um animal tocar o monte, será apedrejado. E tão terrível era a visão, que Moisés disse: Estou todo assombrado e tremendo. Mas chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, àJerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos, à universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, oJuiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma nova aliança, e ao sangue da aspersão, quefala melhor do que o deAbeL Hebreus 12.18-24 Esse texto é o grandioso final da série de exortações que visa a que os cristãos se mantenham firmes em sua confissão. É apresentado sob a forma de contraste entre as duas dispensações, ressaltando as vantagens da era do evangelho. A passagem está escrita em grego magistral e é rica de significado espiritual. Os substantivos são usados sem o artigo definido, assim expres sando a qualidade do ser, embora empregados de maneira descritiva. Não é nosso propósito analisar minuciosamente esses versícu los, mas tentar mostrar, por meio de oposições salientes e vigorosas, as glórias da dispensação neotestamentária. Delitzsch e Bengel observaram que sáo mencionados sete itens em cada uma das descrições, os quais podem ser comparados uns com os outros: Monte Sinai
Monte Sião
1 - Uma montanha material
1 - A Jerusalém celestial
2 - Fogo ardente (ameaças)
2 - Incontáveis hostes de anjos
3 - Escuridão (confusão)
3 - Universal assembléia e igreja dos primogênitos
4 - Trevas (desesperança)
4 - Deus Pai, o Juiz de todos
5 - Tempestade (inquietação)
5 - Espíritos dos justos aperfeiçoados
6 - Clangor da trombeta
6 - Jesus, o Mediador da nova aliança (chamada para a assembléia)
7- Som de palavras (entrega da Lei)
7 - 0 sangue da aspersão
A DISPENSAÇÁO D O A N T IG O TESTAM ENTO
Porque não chegastes ao monte palpável, aceso em fogo, e à escuridão, e às trevas, e à tempestade, e ao sonido da trombeta, e à voz daspalavras, a qual, os que a ouviram pediram que se lhes não falasse mais; porque não podiam suportar o que se lhes mandava: Se até um animal tocar o monte, será apedrejado. E tão terrível era a visão, que Moisés disse: Estou todo assombrado e tremendo. Hebreus 12.18-21 Aqui é apresentada a natureza inacessível de Deus, e a Sua santidade flamejante é descrita em termos de fenômenos terrestres. Como observamos, a completa ausência de artigo antes de qualquer dos termos acima enumerados é evidência clara de que visam ser gerais, sendo enumerados não por causa do significado particular de cada um, mas porque todos concordam em salientar o caráter terrível da presença de Deus. Hebreus 12.18-21 indica também, por esses símbolos, a experiência subjetiva dos que se acham sob a Lei.
1. Porque não chegastes ao monte palpável Neste trecho, é usado o particípio presente, indicando a possi bilidade de a montanha ser tocada, embora houvesse severas restrições contra a aproximação. E evidente que o escritor se refere ao monte Sinai, embora não o nomeie, e a cena a que alude está integralmente descrita em Deuteronômio 4 e Êxodo 19.
aconteceu ao terceiro dia, ao amanhecer, que houve trovões e relâmpagos sobre o monte, e uma espessa nuvem, e um sonido de buzina mui forte, de maneira que estremeceu todo o povo que estava no arraial. E todo o monte Sinaifumegava, porque o S e n h o r descera sobre ele em fogo; e a sua fumaça subia como fumaça de um forno, e todo o monte tremia grandemente. Êxodo 19.16,18 E
2. Aceso emfogo Literalmente, fogo que fo i ateado. E expresso pelo particípio perfeito passivo, indicando que o fogo, no passado, queimou apenas por certo tempo. Embora a montanha fosse apenas uma massa de rocha, o fogo vinha dos céus e assinalava a descida de Deus. E evidente também que os trovões e relâmpagos são incluídos aqui como ameaças pela trans gressão da Lei revelada. Observou Cowles: j ------Naquele dia portentoso, quando todo Israel [...] postou-se em frente de sua vasta muralha de rocha escarpada e terrível precipício, ardia ele em fogo envolto em trevas e escuridão e tempestade — como se mil nuvens trovejantes estivessem condensadas numa só e esta cingisse a montanha terrível em suas dobras — , trevas aterradoras interrompidas apenas pelo clarão do relâmpago; e o fragor contínuo da tempestade interrompido apenas pelo clangor mais terrífico e a voz mais terrível do Todo-poderoso, pronunciando as palavras de sua Lei de fogo. Ali se postavam os homens, aterrados por aquela voz jamais ouvida por mortais e suplicavam que não se lhes falasse mais. ( C o w l e s , Epistle to the Hebrews, p. 134)
------ r
3. E à escuridão A palavra aqui traduzida como escuridão é gnophoi (yvócfxjj), de nephos (vétjxx;), nuvem, ou seja, é a escuridão provocada por uma nuvem de tempestade, iluminada apenas pelos clarões ziguezagueantes do relâmpago. Tal escruridão simboliza a confusão do pecador diante das exigências da Lei.
4. E às trevas O termo skotoi ( ctkótco o u é enfático. É a mortalha impe netrável das trevas, que simboliza a desesperança da salvação pela Lei.
5. Eà tempestade A palavra traduzida como tempestade é thuellei (Qu é AAt]), à arremetida, daí o sentido de uma tempestade de furacão, que caracte riza a inquietude do pecador em sua luta contra as correntes em turbilhão do pecado. O monte é paupável, mas os elementos em fúria sobre ele mostram-se insubjugáveis ao ser humano; apenas a Deus.
6. E ao sonido da trombeta Essas palavras são citadas de Êxodo 19.16 (a r a ) , onde se lêforte clangor de trombeta, cujo som era ouvido acima do fragor da tempestade, fazendo com que todo o povo no arraial tremesse. Era a chamada do Senhor para todo o Israel, reunido na grande planície de Er Rahab, que se estendia ao norte do Sinai, símbolo da reunião final de todo o povo diante do grande trono do juízo de Deus.
7. E à voz das palavras Essa citação é de Deuteronômio 4.12,13: Então, o SENHOR vos falou do meio do fogo; a voz das palavras ouvistes;porém, além da voz, não vistes semelhança nenhuma. Então, vos anunciou ele o seu concerto, que vos prescreveu, os dez mandamentos, e os escreveu em duas tábuas de pedra. Como o som da trombeta foi a chamada para a assembleia »do julgamento, assim a voz de palavras será, por último, ouvida na sentença final — seja de recompensa, seja de castigo.
Assim é que todas as características desta cena visavam im pressionar o povo de Deus com o sentido de santo temor e profunda reverência. Palavras como essas, acumuladas dramaticamente para descrever uma das cenas mais sagradas e mais terríveis registradas em toda a história, náo podiam deixar de implantar, de maneira profunda no coraçáo do povo, o sentido da reverência à santidade de Deus e a necessidade de obediência aos mandamentos dele pronunciados de modo audível desde os céus. O autor de Hebreus se apressa em apresentar-nos uma descrição dos efeitos dessa cena aterradora. Em uma expressão parentética, explica: Porque não podiam suportar o que se lhes mandava: Se até um animal tocar o monte, será apedrejado (Hb 12.20). Eram a majestade e o temor da presença divina que levavam os israelitas a pedir que se lhes nãofalasse mais (Hb 12.19d). E foi a santi dade de Deus que impediu a aproximação de qualquer coisa imunda, mesmo de um animal. O clímax, porém, encontra-se nas palavras: Na verdade, de tal modo era horrível o espetáculo, que Moisés disse: Sinto-me aterrado e trêmulo! (Hb 12.21 a r a ). A palavra aqui traduzida como espetáculo [e como visão na a r c ) em grego corresponde a aparição (o mesmo termo, em Mateus 14.26, no relato sobre Jesus ter ido até os discípulos caminhando sobre as águas em meio à tempestade, é traduzido como fantasma ou espírito). A escolha dessa palavra indica que, para Moisés, tudo se evidenciava aos sentidos. O fato de o próprio Moisés, o servo eleito de Deus, não poder aproximar-se sem medo e tremendo dá-nos a mais elevada e vivida impressão do terror associado à revelação da Lei.
A DISPENSAÇÁO
NEOTESTAMENTÁRIA
Mas chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos, à universal assembléia e igreja dosprimogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, oJuiz de todos, e aos espíritos dosjustos aperfeiçoados; e a
Jesus, o Mediador de uma nova aliança, e ao sangue da aspersão, quefala melhor do que o de Abel. Hebreus 12.22-24 A transição de uma atmosfera de caos e terror para uma de con fiança e paz assinala claramente a mudança das dispensações — que transformação solene! Mas chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial (Hb 12.22a), e também a todas as coisas gloriosas que o autor da Epístola, agora, apresenta-aos em admirável desfile. O verbo proseleluthate (7 iQ o a£ À r)À u 0 ax £ ), traduzido como chegastes, é o predileto do autor de Hebreus para expressar a aproxi mação de Deus em adoração, e, estando no perfeito, tem a força de chegastes e permaneceis. O reconhecimento desse fato dá colorido ao trecho todo, pois as palavras são, às vezes, usadas no futuro, aplicando-se, então, exclusi vamente ao estado celestial. O verdadeiro significado é dos adoradores cristãos nesta terra, que, tendo sido redimidos por Cristo, agora se aproximam de Deus em culto espiritual. No entanto, a conexão entre o mundo presente e aquele que se acha acima de nós é muito íntima, pois Cristo, no trono de Deus, ministra a vida do céu ao Seu povo na terra, mediante o dom do Espírito Santo. A herança cujo penhor possuímos aqui é a mesma que des frutaremos no céu mais abundantemente, O céu e a terra sempre se acham muito próximos no verdadeiro culto espiritual.
1. Mas chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial (Hb 12.22a) É um engano separar essas duas declarações, pois o autor da Epístola afirma que os cristãos chegaram a Sião, onde se acha a santa cidade. Estabelece-se, aqui, forte contraste entre o monte Sinai e o monte Sião:
1. O Sinai está situado no deserto, com sua aridez e suas tempes tades de areia; o monte Sião, em Canaã, terra fértil, frutífera e irrigada desde os céus. 2. Deus visitou o Sinai apenas durante um curto período, mas prometeu habitar em Sião para sempre. 3. O Sinai ficou marcado como um monte de terror e medo, já Sião, como uma habitação de paz. 4. O Sinai, de rocha maciça e precipícios escarpados, jaz em meio à tempestade, solitário; Sião foi coroado a cidade do Deus vivo, símbolo da Jerusalém celestial, onde o Senhor se manifestava ao Seu povo. 5. Deus entregou a Lei no Sinai, mas proclamou o evangelho em Sião. 6. Israel foi tremendo de medo a um monte material; os cristãos vão com confiança a Sião, um monte espiritual, pois este é o fundamento de uma dispensação espiritual, nova e eterna.
2. E aos muitos milhares de anjos, à universal assembléia e igreja dosprimogênitos (Hb 12.22b) Nesse contexto, o fogo e os relâmpagos, os quais ameaçavam à volta do Sinai, são contrastados com as miríades de anjos no monte Sião — cada anjo é um espírito ministrante. A expressão traduzida como universal assembléia é panegurei (7iavr]YÚQ£i), que, em grego, significa ocasião festiva, estando em nosso texto ligada à sentença seguinte, permitindo-nos ler: à universal assembléia e igreja dos primogênitos. No entanto, os antigos ligavam-na à sentença anterior, como nas versões siríacas e latinas e em alguns dos manuscritos gregos. A expressão, então, seria assembléia festiva de anjos. Alguns associavam a palavra milhares ( a r c ) ou incontáveis (a r a ) a ambas as sentenças: à hoste inumerável de anjos e à igreja dos primo gênitos, reunidos em grande festa.
Para o escritor da Epístola aos Hebreus, essa assembleia gloriosa era uma cena sublime que ele desejava gravar vividamente na memória dos cristãos. O que poderia ser mais encorajador para um povo desa nimado e perseguido do que as realidades do mundo celestial que o evangelho lhe oferecia? Náo a evocação de um deserto, de solidão, mas da cidade do Deus vivo, povoada de miríades de anjos, espíritos ministradores (Hb 1.14), e pelos redimidos que haviam terminado sua carreira e entravam pelas portas na cidade eterna! Todavia, os anjos de Deus não estão ocupados apenas com os que atravessaram o rio (SI 66.6), mas com a Igreja sobre a terra também (Ef 3.10). Regozijam-se por todo pecador que se arrepende (Lc 15.7,10), servem aos herdeiros da salvação e já afinaram suas harpas para o cântico universal da redenção. E da parte de Jesus Cristo, que é a fiei testemunha, o primo gênito dos mortos e o príncipe dos reis da terra. Àquele que nos ama, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nosfe z reis e sacerdotes para Deus e seu Pai, a ele, glória e poder para todo o sempre. Amém! Apocalipse 1.5,6
3. À universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus (Hb 12.22c,23a) Cristo é o Primogênito dentre os mortos (Cl 1.18; Ap 1.5), e os que trazem Sua imagem são igualmente chamados de primogênitos e herdeiros da promessa. Este é o único lugar em que o termo é usado como referência aos cristãos. Esta Igreja ainda está na terra, mas os seus membros estão arrolados no céu, e esse arrolamento desfaz toda confusão e incerteza engendradas no Sinai, bem como traz em si os privilégios de cidadania. Não entrarão na Jerusalém celestial aqueles cujos nomes não estiverem inscritos no livro da vida do Cordeiro (Ap 21.27).
4. E a Deus, oJuiz de todos (Hb 12.23b) No grego, a ordem dos termos na sentença é ao Juiz, o Deus de todos. Em lugar das trevas profundas e do temor ocasionados na entrega da Lei no Sinai, os primogênitos da Igreja de Cristo, o Primogênito, foram regenerados mediante a ressurreição deJesus Cristo dentre os mortos (1 Pe 1.3 a r a ) . Por isso, os que fazem parte do povo de Deus náo se postam mais tremendo diante do Juiz de toda a terra, pois, mediante a obra redentora de Cristo, tornaram-se filhos de Deus e habitarão seguramente na casa do Juiz, seu Pai.
5.E aos espíritos dosjustos aperfeiçoados (Hb 12.23c) A palavra traduzida aqui como espíritos é pneumasin (n:v£Ú[mcri.v) e pode significar o espírito humano enquanto encar nado ou desencarnado, que volta a Deus que o deu (Ec 12.7). E o termo traduzido como justos é dikaion (bucaícov). Essa sentença, portanto, pode aplicar-se ao estado presente ou futuro do homem, e, na verdade, assim é. O Dr. Adam Clarke aplico u-a ao presente e disse que significa “os que são justificados pelo sangue e santificados pelo Espírito de Cristo”. Plummer observou que o vocábulo teteleiomenon (T£T£À £i£dfJÉvarv) é acrescentado “não no sentido dos santos que partiram, mas para sugerir a obra de Cristo que incluiu os justos”. É uma alusão à oferta de Cristo pela qual aperfeiçoou para sempre os que são santificados (Hb 10.14). Entretanto, existe uma perfeição dos santos no céu, libertos não somente do pecado, mas de todas as conseqüências dele. Já não são sacudidos pela tempestade; descansaram de suas obras, foram aperfei çoados na bem-aventurança diante do trono de Deus. Uniram-se em santa comunhão com Jesus, o Mediador de uma nova aliança (Hb 12.24a), e os patriarcas, profetas e redimidos de todas as eras — aos puros de coração cuja bem-aventurança é ver Deus.
Chegamos, agora, à última e mais temível de todas as adver tências contra a apostasia encontradas na Epístola aos Hebreus. Da primeira advertência em diante, temos notado um rápido e íngreme declínio, e, a cada passo, a penalidade se foi intensificando. O escritor inicia esta advertência com palavras de admoestação e, a seguir, des creve os severos juízos a serem pronunciados contra os incrédulos nos últimos tempos.
P alavras
d e a d m oestação
Tende cuidado, não recuseis ao que fala. Pois, se não escapa ram aqueles que recusaram ouvir quem, divinamente, os advertia sobre a terra, muito menos nós, os que nos desviamos daquele que dos céus nos adverte. H b 12.25 a r a A referência à severidade da Lei de Moisés forma a base dessa admoestação (Hb 10.26-31). O verbo traduzido como fala é chrematizonta (xpr) [.icít í£ovxa), comumente usado para uma comunicação divina de qualquer espécie. O autor da Epístola acabou de dizer que o sangue de Cristo fala melhores coisas do que o de Abel (Hb 12.24), e prossegue com as mesmas palavras, indicando, assim, que o sangue de Cristo é uma mensagem do céu. O escritor de Hebreus admoesta, pois, seus leitores a não pen sarem que, porque Deus fala por meio da graça de Cristo, tem-nos por menos responsáveis do que os que violaram a Lei. Se eles não escaparam, muito menos nós (enfático - f)|J£L ç), os que nos desviamos daquele que dos céus nos adverte. Aqueles que rejeitam a oferta do amor
A frase os que nos desviamos daquele que dos céus nos adverte (Hb 12.25b ara) implica a rejeiçáo final de Cristo, o pecado da apos tasia. Isso se mostra pelo uso que o autor da Epístola faz do particípio. Assim, em Hebreus 6.6 (ara), temos parapesontas (naçaneoóvTaç), caíram, “um particípio ativo do segundo aoristo, em que termina a lista dos privilégios”, segundo Westcott. A palavra usada pelo autor da Epístola para referir-se aos israelitas, nessa passagem, é paraitesamenoi (7 iaQ aix r|(7 á^i£ v o i), outro particípio aoristo, que significa recusaram-se e continuam a recusar-se. A fim de associar intimamente essa recusa dos israelitas em obe decer a Deus com a sentença de Hebreus 12.25, o escritor usou a mesma raiz verbal em sua admoestação, paraitesesthe (raxQaLTr)crr)<70£), aoristo conjuntivo passivo, que quer dizer vede que não recuseis aquele quefala. O particípio final neste sentido é apostrephomenoi (a7i0crTQ£cf)ó|a£V0L), particípio presente médio, cujo significado é se nos desviarmos e continuarmos no estado de rejeição. Esse desviar-se náo é o cair inadvertidamente no pecado, mas a rejeição deliberada e contínua de Deus. A necessidade dessa advertência é ainda acentuada pelo uso que o autor da Epístola fàz da palavra nós em uma forma específica e enfática. A frase os que nos desviamos indica que alguns cristãos estavam retornando ao judaísmo, com suas formalidades e seus símbolos. Mas essa tentação náo veio aos cristãos judeus somente; ainda existe nas atrações e seduções do mundo. O D ia d ò J u í z o
Aquele, cuja voz abalou, então, a terra; agora, porém, elepro mete, dizendo: Ainda uma vez por todas, farei abalar não só a terra, mas também o céu. Ora, esta palavra: Ainda uma vez por todas significa a remoção dessas coisas abaladas, como tinham sido feitas, para que as coisas que não são abaladas permaneçam. Hebreus 12.26,27 ara
O autor da Epístola se refere à cena aterradora do Sinai, quando o monte tremeu como se fosse um terremoto, e seu tòpo ardeu com as chamas da presença divina. A promessa, porém, é que a voz de Deus náo apenas fará com que a terra se abale outra vez, mas o céu também. O escritor de Hebreus se apressa em explicar que isso significa a re moção das coisas que podem ser abaladas, para que só as duradouras e eternas permaneçam. Os textos precedentes se acham intimamente relacionados — na verdade, fundamentados — com a revelação de Paúlo acerca do Senhor Jesus (2 Ts 1.7-10) e com a de Pedro, sobre o Dia do Senhor: Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas. Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do Dia de Deus, por causa do qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos abrasados se derreterão. Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça. 2 Pedro 3.10-13 ara Os diversos tipos de milenaristas, em geral, consideram esses versículos descritivos da grande conflagração que ocorrerá no fim do mundo. E a voz de Deus que remove tudo o que pode ser abalado. Este é o dia que assinala a consumação de todas as coisas temporais e inaugura a ordem nova e eterna. A chave desses versículos se encontra na palavra traduzida como desfeitas. Os termos luomenon (Auo(aéva)v), no versículo 11, e luthesontai (AuGriaovTai), no versículo 12, vêm do radical luo (Àúco), que significa soltar, desprender. E o mesmo vocábulo que Jesus usou ao envia{ os discípulos para buscarem o jumentinho, dizendo: Soltai-o e trazei-o (Lc 19.30).
A palavra desfeitas, portanto, náo significa o aniquilamento da terra e do céu, mas sim soltar, remover da servidão toda a criação, [a qual] a um só tempo, geme e suporta angústias (Rm 8.22 ara), e, a seguir, por um cataclismo, permitir-lhe emergir do seu estado presente e mutá vel para uma ordem nova e eterna. Assim lemos em Isaías: Pois eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá lembrança das coisas passa das, jamais haverá memória delas (65.17 ara). Pelo contexto, muitos concluíram que isso se refere à remoção da maldição e à introdução do Milênio, quando a maldição é removida como estágio final da ordem temporal. Como Cristo remove a maldição do pecado do homem neste mundo presente, assim também Ele removerá a maldição da terra antes de sua transição da ordem temporal para a eterna. Mas, a respeito da consumação da ordem temporal, de que o nosso texto feia, tanto Pedro, que a aguardava, como João, que disse vi um novo céu e uma nova terra (Ap 21.1), consideram-na uma emer gência, pois ambos usam a palavra kainos (kouvóç), a qual significa novo, no sentido de qualidade, e não neos (véoç), novo, no sentido do tempo, isto é, que jamais existiu. Uma escatologia sólida deve basear-se em uma sólida cristologia. Cristo não apenas morreu pela expiação do pecado, mas também para o pecado. Ele salva Seu povo do pecado neste mundo, porém é somente pela morte e ressurreição que Ele o coloca acima do estado probatório de Adão, pois eleva-o a um plano além da possibilidade de pecado, o plano da vida eterna. Ora, nosso corpo natural é substância material, terrena e corruptível, tanto quanto o solo sobre o qual anda. Não será possível — deveríamos dizer, não é o plano de Deus — remover, mediante Cristo, a maldição da terra, que geme e suporta angústias (Rm 8.22), antes do fim da ordem temporal, para, então, submeter este céu e esta terra a um cataclismo comparável à morte e ressurreição do corpo, de sorte que desse batismo de fogo emergirá uma ordem eterna, novos céus e nova terra, em que habita a justiça (2 Pe 3.13b).
Qual o ambiente apropriado para os corpos glorificados dos santos, senão os céus e a terra igualmente glorificados? Não disse Cristo que estes céus e esta terra envelhecerão qual veste; também, qual manto, os enrolarás, e, como vestes, serão igualmente mudados; tu, porém, és o mesmo, e os teus anos jamais terão fim (Hb 1.11,12 ara)? Que gloriosa habitação será essa, no novo céu e na nova terra, quando Deus, de novo, estabelecer o tabernáculo com Seu povo, e todos os remidos de todas as eras se reunirem naquela pátria superior, na cidade do Senhor! « O R
e i n o in a b a l á v e l e o f o g o c o n s u m i d o r
Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus éfogo consumidor. Hb 12.28,29 ara O Reino de Deus que inicialmente recebemos é aquele que está den tro de nós — dt justiça, epaz, e alegria no Espírito Santo (Rm 14.17 ara). Não pode ser abalado porque Deus o confirmou, e o progresso do Seu Reino não terá fim. Quem dentre nós habitará com ojogo devorador? Quem dentre nós habitará com chamas eternas? (Is 33.14b ara). A chama devoradora consome toda a escória do pecado e deixa apenas o ouro puro da justiça; e as chamas eternas caracterizam o poder inflamado da presença do Espírito de santidade, que nos pro tege de toda a aproximação do pecado. Aos que permanecerem santos, o profeta Isaías disse: Os teus olhos verão o rei na sua formosura, verão a terra que se estende até longe (Is 33.17 ara), e os horizontes cada vez mais amplos da alma revelarão a toda eternidade a glória do Senhor e a excelência do Seu poder. Faz-se com frequência a pergunta: quando chegarmos ao céu, conservaremos o nosso livre-arbítrio? E, se assim for, não haverá ainda a possibilidade de pecarmos? A Bíblia nos diz que muitos serão
purificados, embranquecidos e provados (Dn 12.10 ara), e a provação é parte integral de nossa preparação para o céu. Assim como Jesus foi aperfeiçoado pelo sofrimento — não no caráter, mas em Sua função como Redentor — , também nós, tendo sido libertos do pecado, devemos ainda, pela provação e pelo sofrimento, preparar-nos para a nossa morada celestial. Deve-se ter em mente que, embora o coração purificado esteja isento das tendências para a transgressão, conserva o livre-arbítrio, podendo fazer escolhas erradas ou certas, pecar durante o estado probatório; do contrário, a tentação seria impossível. Quando, pois, obtém-se uma vitória sobre qualquer tentação, fortalece-se um motivo ou grupo de motivos para per manecer justo e reto, e exaure-se um motivo ou grupo de motivos que levariam a pessoa de novo ao pecado. Esse processo continua ao longo da vida, e, por ele, lemos que somos confirmados na graça. Contudo, pela graça, é possível permanecermos fiéis a Deus em um ambiente de tentação. Assim, em meio às tentações de Satanás, facilmente é possível a nós, como cristãos, compreendermos que, quando formos levados para a pátria superior, onde o pecado náo existe, permaneceremos ali por nossa livre escolha, e teremos exaurido todos os motivos para de lá sair e fortalecido todos os que nos levam a ficar. Em suma, seja em Cristo, seja em nós, é a natureza interior que determina o ato exterior.
Fora
13 d o a r r a ia l
escritor de Hebreus praticamente completou o seu argu mento. Considerou Jesus como o nosso grande Sumo Sacerdote e como a Oferta sacrificial e vicária única pelo pecad uma só coisa a ser considerada: o local da Sua oferta, fora das p Antes do estabelecimento da antiga aliança, a tenda da congregação ficava fora do arraial, mas, quando o sangue da aliança foi aspeigido, foi construído o tabernáculo, e Deus habitou no Santo dos Santos. Assim também, por causa da desobediência do povo sob a Lei, o sangue da nova aliança foi derramado fora do arraial. No entanto, sob a aliança da graça, aguardamos o tempo em que Deus, de novo, falará ao Seu povo com grande voz, do céu, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serãopovos de Deus, e Deus mesmo estará com eles (Ap 21.3 ara). O cenário deste capítulo da Epístola aos Hebreus, portanto, estende-se para fora do arraial, e suas exortações são a um povo que rejeitou o mundo e, por sua vez, foi rejeitado por ele. Os deveres específicos aqui mencionados procedem desse novo relacionamento com Deus, embora o autor da Epístola, na porção central, de forma mais vigorosa, retome o propósito supremo do sacrifício de Jesus. A seguir, apresenta uma série de obrigações ligadas a este grande sacrifício único fora do arraial e que procedem dele. A bênção e as saudações pessoais assinalam o término desta notável Epístola.
O
P
r i n c í p i o s é t i c o s g e r a is
1. Amorfraternal Seja constante o amorfraternal. Hebreus 13.1
ara
Essa virtude é o alicerce da estrutura cristã. O fracasso em desenvolvê-la conduz rapidamente à desintegração do Corpo de Cristo, o que pode ocorrer devido à pressão das perseguições e da ignomínia do mundo; por isso, as repetidas exortações à vigilância e ao dever do cuidado mútuo. O amor fraternal mantém a Igreja pura e forte.
2. Hospitalidade Não negligencieis a hospitalidade, pois alguns, praticando-a, sem o saber acolheram anjos. Hebreus 13.2 ara A hospitalidade era considerada virtude cardeal na vida dos orientais antigos. Durante os dias de perseguição, os cristãos que tinham sofrido a perda de seus bens e os que tinham sido obrigados a fugir em busca de proteção dependiam inteiramente dos seus irmãos na fé. O escritor de Hebreus, ao sugerir que alguns, sem saber, hospeda ram anjos (Gn 18.1 -8; Jz 6.11 -24), deixa implícito que esses hóspedes podem trazer mais bênçãos espirituais do que a ajuda material que receberam. -
3. Solidariedade na aflição Lembrai-vos dos encarcerados, como sepresos com eles; dos que sofrem maus tratos, como se, com efeito, vós mesmos em pessoafósseis os maltratados. Hebreus 13.3 ara
Aqui, os irmãos são exortados a mostrar aos que se acham presos a mesma compaixão que desejariam para si estando em iguais circuns tâncias. E, quanto à adversidade, devem lembrar-se de que ainda estão no corpo e sujeitos às mesmas aflições. A solidariedade com relação aos aflitos é outra condição básica da vida cristã.
4. Castidade Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula; porque Deus julgará os impuros e adúlteros. Hebreus 13.4 ara
Essa declaração concisa, mas de caráter amplo, torna claro que o ser humano é responsável pela santidade do matrimônio e pelo cumprimento de sua finalidade divina. Afirma ainda que julgamentos severos aguardam os que perverterem ou violarem este princípio. N o texto grego, é possível a leitura digno de honra seja o casamento ou o casamento é digno de honra. Assim, o texto aci ma pode ser aplicado tanto aos que se acham dentro como fora das relações matrimoniais. O autor da Epístola, evidentemente, tencionou transmitir uma advertência contra a depreciação do casamento pela imoralidade e, talvez, também contra certa classe de gnósticos, os quais, por causa de suas tendências ascéticas, ti nham o casamento em pouca estima ou proibiam-no totalmente (1 Tm 4.3). A ênfase principal parece recair sobre o dever da castidade. O escritor de Hebreus quer que todos compreendam quão severos são os juízos de Deus contra os que transgridem a Sua santa ordenança, julgamentos que, frequentemente, ocorrem nesta vida, mas também , naquela que há de vir.
5. A cobiça versus o contentamento Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei. Assim, afirmemos confiantemente: O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderáfazer o homem? Hebreus 13.5,6 ara Como no Decálogo o sexto mandamento, contra o adultério, é seguido pelo sétimo, contra a cobiça, assim também o escritor de Hebreus, tendo advertido contra a fornicaçáo e o adultério, continua com uma advertência contra a avareza e a cobiça. O uso escriturístico da palavra grega tropos ( tqottoç) , costumes, viver, disposição, vida, é muito amplo. Essa disposição, ou esse modo de vida, diz-nos o autor da Epístola, deve ser isenta do amor ao dinheiro e às coisas que estão além da nossa capacidade de adquirir e manter. A cobiça, pois, em sua forma mais simples, é o desejo desmedido de ter mais, e nisso se consubstancia o descontentamento do mundo. Ela traz seu próprio castigo, pois o coração que cobiça é amaldiçoado pela insatisfação, e o espírito do descontente é amaldiçoado pela cobiça. Daí a exortação: Contentai-vos com as coisas que tendes. Paulo chama a cobiça de idolatria, e nós também, como ele, devemos aprender, qualquer que seja a condição em que estejamos, a estar contentes com ela, pois o motivo de nosso júbilo se acha nas promessas de Deus. A frase Porque ele tem dito encontra-se no passado perfeito, isto é, o que Deus disse é um fato e ainda permanece. No trecho De maneira alguma te deixarei, a palavra ano (àvcò) significa soltar o que se segurava, daí jamais te deixarei ir. Em nunca jamais te abandonarei, o verbo abandonar deriva de egkatalipo (èyKaTaÀL7ioj), deixar só em uma competição ou em um lugar de sofrimento; por isso, nunca jamais te abandonarei. Deus afirmou que jamais deixará de segurar-nos e sustentar-nos na luta nem nos
abandonará em tempos de pobreza e dor. Qual deve, então, ser a nossa resposta? Devemos afirmar confiantemente: 0 Senhor é o meu auxilio, não temerei; que me poderáfazer o homem,? (Hb 13.6 a r a ). Bela ilustração da ousadia da fé se acha na experiência de João Crisóstomo, o pregador conhecido como “Boca de ouro”, que foi levado à presença do imperador, o qual lhe disse: “Vou desterrar-te”. Crisóstomo respondeu: “Não podes fazê-lo, pois o mundo é a casa de meu Pai”. “Matar-te-ei”, disse então o imperador. De novo replicou o pregador: “Isto não está nas tuas forças, pois minha vida está escondida com Cristo em Deus”. O imperador ameaçou-o: “Privar-te-ei de tudo o que possuis”. Crisóstomo respondeu: “Isso também é impossível, pois o meu tesouro está no céu, e as minhas riquezas estão dentro de mim”. “Vou separar-te, então, de todos os teus companheiros e não te restará um único amigo”. Eis, então, a resposta do pregador: “Nem isso podes fazer-me, pois o meu Amigo divino jamais me deixará. Desafio-te, orgulhoso imperador. Não podes fazer-me mal algum”.
6. Considerai os vossos mestres Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vospregaram a palavra de Deus; e, considerando atentamente ofim da sua vida, imitai a fé que tiveram. Hebreus 13.7 ara O verbo lembrai é mnemoneuete (|avr||aovéu£T£), sendo traduzido também como lembrassem em Hebreus 11.15. As pessoas mencionadas três vezes como guias (Hb 13.7,17,24) eram os mestres dos cristãos, sendo considerados, pela maioria dos comentadores, os apóstolos já falecidos, que, pela primeira vez, transmitiram-lhes a Palavra de Deus. Argumenta-se o fato de eles já terem morrido pelo uso do verbo pregaram, no passado, e também pela expressão o fim da sua vida. Contudo, embora o termo traduzido como fim seja ekbasin
(£K|3a
ou morte triunfante, essa palavra não significa necessariamente martírio nem mesmo morte. Tem também o significado de fruto produzido pelo solo, e, por isso, poderia igualmente aplicar-se ao caráter e à produtividade dos atuais líderes dos cristãos, os quais estes devem imitar e de quem se devem lembrar. Todavia, o contexto parece in dicar que a alusão é aos primeiros líderes, os quais morreram na fé. Westcott considerou que se refere a certas cenas de martírio em que ficou patente a fé triunfante daqueles mestres ou guias. O autor da Epístola exorta, pois, os leitores a bem estimarem e a trazerem à memória aqueles nobres e inspiradores mestres do passado, cuja vida foi inteiramente dedicada à proclamação do evangelho e a considerar atentamente a firmeza de ânimo e a coragem com que enfrentaram a censura de seus amigos, bem como as perseguições dos inimigos. Tal fé, diz o escritor de Hebreus, é digna de ser imitada — fé tão robusta que, como a do seu Senhor, foi obediente até a morte.
7. Jesus Cristo imutável Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre. Hebreus 13.8 ara Na versão Almeida Revista e Corrigida, consta: Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente. Mas, de acordo com a Revista e Atualizada, o texto desse versículo é apresentado sem conectivos, destacando-se, pois, de maneira mais eficaz. Uma transliteração na ordem grega seria: Jesus Cristo, ontem e hoje, o mesmo e para todos os séculos [para sempre]. Os diferentes matizes de nossas versões representam as diversas interpretações do texto. KAuthorized Version, por exemplo, usa o verbo ser no presente, é, e separa esse versículo do precedente apenas por uma vírgula, fazendo parecer que os tradutores consideravam as palavras Jesus Cristo como em aposição com o termo fim , isto é, Jesus
Cristo é considerado como o fim da vida daqueles líderes, citados em Hebreus 13.7. Na Revised Version, lemos: Jesus Cristo é o mesmo ontem e hoje epara sempre. A adição do e faz com que o versículo se destaque mais independentemente e interpreta a expressão o fim da sua vida [Hb 13.7] como o término da sua vida piedosa. O vocábulo ontem é em Hebreus 13.8 usado no sentido histórico limitado, referindo-se ao tempo em que o evangelho foi primeiro pregado aos antigos líderes dos cristãos, e não no sentido igualmente real, porém mais amplo, do Logos eterno ou preexistente, o Filho unigênito. Hebreus 13.8 é um dos grandiosos versículos das Escrituras, e, tomado em seu sentido mais amplo, oferece teste para a verdadeira cristologia, pois como Logos, segunda pessoa da adorável Trindade, Cristo é eterno e existiu originalmente na forma de Deus (Fp 2.6). Como tal, nas profundezas infinitas do amor sacrificial, foi mesmo, então, o Cordeiro quefo i morto desde a Jiindação do mundo (Ap 13.8); assumiu a forma de homem (Fp 2.7) e a natureza humana, em uma união indissolúvel com Sua natureza divina, e tornou-se Deus-Homem — realmente Deus e realmente homem em uma só pessoa; foi cruci ficado pelos nossos pecados e passou para o reino dos mortos, do qual ressurgiu no terceiro dia; ascendeu aos céus e, agora, está assentando à destra de Deus como nosso Sumo Sacerdote, ontem, hoje e por toda a eternidade. Jesus não pode ser senão o mesmo. Mas a pergunta na mente do escritor de Hebreus é: a fé dos seus leitores igualmente permanecerá a mesma?
8. Doutrinas várias e estranhas Não vos deixeis envolver por doutrinas várias e estranhas. Hebreus 13.9a ara Que pensais vós do Cristo? De quem é filho? (Mt 22.42) foram as perguntas que nosso Senhor fez para testar os fariseus. Um Cristo
imutável requer uma doutrina imutável, pois, como Cristo vivo, Ele é a substância de todo verdadeiro ensino. Por isso, Paulo estava resolvido a nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucijicado (1 Co 2.2). O termo traduzido como várias provém de poikilais (TtOLKÍÀaLç) e significa multicolorido ou variado; estranhas é xenais (£évaiç), estranho ou forasteiro. Daí, a admoestação para não nos desviarmos da verdade pelas doutrinas “multicoloridas ”, pois a verdade é uma só e imutável, e acautelarmo-nos contra o que é alheio e estranho — que, como os estranhos e forasteiros, não apresentam as velhas faces conhecidas, mas despertam suspeita desde o início.
9. O coração confirmado Porquanto o que vale é estar o coração conjirmado com graça e não com alimentos, pois nunca tiveram proveito os que com isto sepreocuparam. Hebreus 13.9b a r a Havia entre os cristãos judeus, que estavam apegados ao antigo ritual do templo, alguns que buscavam manter obediência às leis judaicas a respeito do comer ou do abster-se de certas carnes. A inges tão delas estava naturalmente em íntima ligação com os sacrifícios, sendo, portanto, parte da antiga dispensação da Lei. Esse grupo cristão não se tinha ainda afastado das práticas judaicas, e muitos pareciam vacilar. O escritor de Hebreus procura confirmar-lhes o coraçáo na posição cristã, do que resultarão não somente convicções firmes, mas também força para defendê-las e propagá-las. Essa firmeza deve ser encontrada na graça cristã e divina, não em carnes de sacrifícios. Pelo termo alimentos, o escritor entende todo o sistema de observâncias externas, e adverte que práticas ritualísticas exteriores não podem manter a vida espiritual interior, a qual vem pela graça operada em nós por Cristo, por meio do Espírito. Somente a graça confirma o coração e torna-o firme no caminho cristão.
10. Possuímos um altar Temos um altar de que não têm direito de comer os que servem ao tabemáculo. Porque os corpos dos animais cujo sangue ê, pelo pecado, trazido pelo sumo sacerdotepara o Santuário, são queimados fora do arraial. Hebreus 13.10,11 Temos aqui uma declaração de privilégio, tnão uma exortação ao dever. Além disso, o texto é apologético no sentido de que é a defesa do autor da Epístola contra uma suposta deficiência da parte dos cristãos. Tanto os pagãos como os judeus censuravam os cristãos por estes não possuírem um serviço de culto aprimorado, com templo e altares e um ritual imponente. Os cristãos eram também censurados por não se identificarem com alguma forma de governo ou política terrena. Foi isso que levou Tácito a dizer que os cristãos estavam obcecados pelo ódio à raça humana. Por isso, também, o desconhecido autor da carta a Diogneto escreveu: “Os cristãos habitam em suas pró prias terras, mas apenas como peregrinos [...]. Toda terra estranha é a pátria natal para eles, e toda pátria natal é uma terra estranha”. O escritor da Epístola aos Hebreus se opóe a essas objeções, dizendo: Temos um altar de que não têm direito de comer os que servem ao tabemáculo (Hb 13.10). É evidente, contudo, que o escritor esteja mais interessado no sacrifício do altar do que na natureza e localização deste. Isso o leva a retornar ao ritual do grande Dia da Expiação. Embora o sangue dos animais mortos fosse levado ao Santuário pelo sumo sacerdote para purificação do pecado, os corpos desses animais, sendo por imputação considerados pecaminosos, eram queimados fora do arraial. Desses, os sacerdotes não podiam comer, mas os cristãos podem participar da Oferta pelo pecado, que é Cristo. Participando dela, têm vida mediante a morte de Jesus e alimento espiritual pela ressurreição e pelo dom do Espírito Santo.
No altar dos cristãos, só existe um sacrifício pelo pecado: Cristo; um meio de expiação: Seu sangue; e um elemento de nutrição e sustento: a presença de Cristo mediante o Espírito. Assim, realiza-se integralmente, por um único sacrifício, aquela semelhança com Cristo e aquela comunhão com o Pai, a qual não poderia ser alcançada pelos que se ocupavam dos rituais do sistema judaico. Conquanto anteriormente o escritor de Hebreus tenha demons trado que o cristão não necessita dos sacrifícios judaicos, aqui ele toma claro que estes devem ser abandonados. Essa seção inteira é um protesto contra a mistura da religião espiritual com o que é material e pertence aos sentidos. O PRO PÓSITO SUPREMO D O SACRIFÍCIO DE C R IS T O
Chegamos, agora, ao clímax de toda a Epístola, isto é, o alto e sagrado propósito de Jesus: santificar o povo com Seu próprio sangue, para o que Ele sofreu fora do arraial. Esse grande tema o escritor de Hebreus desenvolve sob vários aspectos, mas com um único pensamento: o poder de Jesus para santificar e a realização cabal desse propósito mediante o derramamento do Espírito Santo. Nas palavras eloqüentes do Dr. Finéias Bresee, esse derramamento: E a glória suprema da obra de salvação da alma. Tudo o que a precedeu foi em preparação para ela. Falaram e escreveram profetas? Queimaram-se sacrifícios? Fizeram-se ofertas? Morreram mártires? Jesus deixou a Sua glória? Ensinou e orou e estendeu os braços sobre a cruz? Ressuscitou dentre os mortos e ascendeu aos céus? Está Ele à destra de Deus? Tudo foi preparação para este derramamento. Os homens são convencidos do pecado, nascem de novo e tornam-se novas criaturas para que possam ser cheios do Espírito Santo. Esta obra completa a salvação da alma.
Todo o sistema levítico se rendeu em tributo para expressar as riquezas da graça de Deus sob as provisões da nova aliança. O altar e os seus sacrifícios, o sacerdócio com as aspersóes e lavagens, as cerimônias de apresentação e dedicação, a santificação e consagração, o selo e a unção, os jejuns e as festas solenes — todos culminam no grande ato único da santificação, pela qual Cristo purifica o coração do povo e faz Sua morada dentro de cada um pelo Espírito Santo. A doutrina da santificação completa, portanto, não ocupa lugar obscuro entre as verdades da Palavra de Deus. ?Pelo contrário, tem um lugar definido e distinto no grande organismo da verdade cristã. Luminoso, como é de glória divina, e patente em cada página das Escrituras, é o elemento vital e essencial da salvação do homem, pois é o decreto imutável de Deus de que, sem santidade, ninguém verá o Senhor (Hb 12.14). A OBRA SUPREMA DA SANTIFICAÇÃO
Por isso, fo i que também Jesus, para santificar opovo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta. Hebreus 13.12 a r a A locução conjuntiva por isso liga este versículo ao precedente, tornando claro o fato de que, embora os corpos dos animais mortos como oferta pelo pecado fossem queimados fora do arraial, o sangue era oferecido sobre o altar como expiação pelo pecado. Mesmo assim, o fato de que Jesus sofreu fora do arraial não é argumento contra as virtudes expiatória e santificadora do Seu sangue. O vocábulo santificar é o conhecido hagiasei ( á y i.á o T |), aqui encontrado no primeiro aoristo ativo subjuntivo, e só pode significar o ato da santificação — ato redentor supremo pelo qual Cristo, com Seu próprio sangue, torna Seu povo santo de coração e vida. A experiência da santificação completa, pela qual a alma entra em um estado de santidade pessoal, é obra da graça, tão solene e abrangente
que deve ser abordada com a mais profunda reverência. Ser purificado do pecado e entrar na presença de Deus, no Santo dos Santos, inspira tanto temor que, como Moisés diante da sarça ardente, postamo-nos com cabeças curvadas e pés descalços, “dominados pelo mistério, pelo amor e pela adoração”. Disse o Dr. Bresee: E evidente que o revestimento do Espírito Santo é a comunicação aos homens e através dos homens de todo o poder de Jesus Cristo — a revelação dele à alma. É como ser cheio da presença de Deus. É o queimar da palha, mas é também a revelação em nós e a manifestação a nós da personalidade divina, enchendo-nos o ser.
O Dr. E. F. Walker declarou: “A pureza perfeita, mais o perfeito amor no coração pela eficiência de Cristo e pelo poder da presença do Espírito, é igual à santificação pessoal”. A exposição oficial do credo que endossamos a respeito desse importante tema é a seguinte: j —----Cremos que a santificação completa é aquele ato de Deus, subse qüente à regeneração, pelo qual os crentes se tornam livres do pecado original ou da depravação e são levados a um estado de inteiro devotamento a Deus, à santa obediência do amor tornado perfeito. É operada pelo derramamento do Espírito Santo e compreende numa só experiência o ser o coração purificado do pecado e a presença interior, constante do Espírito Santo, capacitando o crente para a vida e o serviço. A santificação completa é oferecida pelo sangue de Jesus, operada instantaneamente pela fé, precedida pela consagração plena; e desta obra e estado de graça dá testemunho o Espírito Santo. Esta experiência é também conhecida por vários termos e expressões que descrevem os seus diferentes aspectos — “perfeição cristã”, “perfeito amor”, “pureza de coração”, “batismo do Espírito Santo”, “plenitude da bênção” e “santidade cristã”. (Artigos de Fé, Art. X)
Em oposição a esse ensino escriturístico a respeito da san tidade pessoal como transformação operada na natureza da alma, completando assim a obra de salvação, existe uma pervertida, porém popular, teoria de imputação. Pervertida porque está em desacordo com as Escrituras e com a experiência humana, e popular porque é uma alegação em favor da permanência do pecado no coração. Segundo tal teoria, a santidade não nos é comunicada pelo Espírito Santo, sendo-nos meramente imputada, de sorte que, pela nossa posição, somos reputados como santos, poréift, quanto ao nosso estado ou condição, permanecemos ainda na iniqüidade. Para usar a frase pertinente do Dr. Samuel Chadwick: “Deus torna o homem santo, dizem eles, por isenção, em vez de por justificação ou retidão. Mas Cristo veio não para isentar-nos da justificação, mas para que opreceito da Lei [ou justiça] se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito (Rm 8.4 a r a ) ” . Existe uma linha tênue de distinção entre a. justiça de Cristo a nós imputada para cobrir os nossos pecados, mas não removê-los, e a justiça de Cristo a nós comunicada, removendo assim o pecado e tornando-nos justos como Ele mesmo o é. E essa a sutil fronteira que diferencia a verdade salvadora do erro radical. Por essa razão, Wesley usava as seguintes palavras de maneira cautelosa e limitada: j ------Eu mesmo sou m uito parcim onioso quando falo dela (a justiça de Cristo), porque dela abusaram tantas vezes, e porque os antinom ianos a usam hoje para justificar as mais grosseiras abom inaçóes. E é m otivo de m uita pena que os que am am , pregam e seguem a santidade dispensem , sob o pretexto de h onrar a C risto, o seu apoio àqueles que co n tin u am en te o fazem “m inistro do pecado”, e de tal m odo interpretam a Sua justiça que vivem num a impiedade e injustiça que m al se encontra m esm o entre os pagáos. ( W e s l e y , Works, V I, p. 102)
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A santidade escriturística é a imagem de Deus; a m ente que estava em Cristo; a hum ildade, a benignidade, a temperança, a paciência, a castidade. E vós afirmais friamente que isto é apenas im putado ao crente e que ele náo tem absolutam ente nada desta santidade em si? [...] D e m aneira nenhum a é assim, porque o crente é realmente casto e temperante e, se assim é, ele já possui entáo bastante santidade em si mesmo. (W esley , Works, VII, p. 2 2 )
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Mas como reconciliar isto com aquela passagem do capítulo 7 do Apocalipse: São estes os que [...] lavaram suas vestiduras, e as alvejaram no sangue do Cordeiro? (Ap 7.14 ara). Dirão eles que a justiça de Cristo foi lavada e alvejada no sangue de Cristo? Fora com essa arenga andnomiana! O sentido claro não é por acaso este; foi do sangue expiatório que a própria justiça dos santos derivou o seu valor e a sua aceitação diante de Deus? [...] Sem a justiça de Cristo não poderíamos ter direito à glória; sem a san tidade, não estaríamos preparados para ela. Com a primeira, tornamo-nos membros de Cristo, filhos de Deus e herdeiros do Reino dos céus. Com a segunda, somos feitos idôneos à parte que nos cabe da herança dos santos na luz (cf Cl 1.12 ara). (Wjesley, Sermons, II, 457)
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Certos mestres sinceros, mas crassamente enganados, despre zam o simples fato de que a Bíblia diz: O sangue deJesus, seu Filho, nos purijica de todo pecado (1 Jo 1 .7 b a r a ). O pronome nos indica uma purificação pessoal. Esses mestres deixam também de compreendê-la quando leem: Sede santos, por que eu sou santo (1 Pe 1.16), o que pode significar apenas que a qualidade de estar em Deus (que chamamos santidade) deve existir em nós também. A santidade que existe em Deus, contudo, é absoluta e original; em nós, é relativa e derivada. Wesley afirmou: “Não podeis, portanto, negar que todocrente tem santidade em, embora nãode, si mesmo; do contrário, negais que ele possua qualquer santidade; e, se assim é, ele não poderá ver a Deus”.
F ora
d o a r r a ia l
Saiamos,.pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério. Hebreus 13.13 A pena capital no mundo antigo era sempre infligida fora da cidade; por isso, Jesus foi crucificado fora das portas de Jerusalém. A palavra porta é usada em Hebreus 13.13 com referência a uma cidade murada, historicamente muito distante do antigo arraial ou acampamento de Israel; por isso, o autor da Epístola volta o pensamento aos dias do tabemáculo, e assim usa aquela palavra em sua exortação. Lemos que Jesus sofreu fora das portas, a fim de cumprir-se mais integralmente a analogia com o Dia da Expiaçáo. O animal do sacrifício era imolado no altar, e somente seu corpo morto era queimado fora do arraial. Jesus sofreu e morreu fora das muralhas da cidade. O autor da Epístola vê, neste evento, um rico simbolismo, que não é meramente uma negação do judaísmo, mas uma chamada positiva à renúncia do mundanismo — uma rica comunhão espiritual, livre de sacrifícios materiais; fora do mundo, com sua cobiça e seu egoísmo, e fora da religião formalista, com seu cerimonial vazio. Para o escritor de Hebreus, o templo representava a religião, pois a expiaçáo não foi feita no seu altar, mas fora das portas da cidade, na cruz, no Calvário [ou monte Caveira]. A partir do dia da cruci ficação, o templo se tornou um local apenas cerimonial; e os que lá permaneceram sem Cristo ou desviaram-se da cruz hão de deixar a sua alma faminta e seca com as palhas do cerimonial sem vida. A cidade onde se achava o templo representava o mundo— aquela estrutura social e política em que o Senhor disse quanto ao Seu povo que, conquanto estivessem nele, não pertenciam a ele (Jo 15.19; 17.6,14-16). Para os judeus especialmente, sair do arraial significava ser banido, =>o que implicava a perda de sua cidadania e excomunhão do seu costu meiro lugar de culto.
Não foi à toa que Deus ordenou que Abraão saísse de sua casa, do meio de sua parentela e de sua terra natal (Ur dos caldeus); que Moisés teve de sair com os israelitas do Egito, porquanto considerou o opróbrio de Cristopor maiores riquezas do que os tesouros do Egito (Hb 11.26); e que Paulo teve sua vida divorciada de tudo o que era do mundo. A todos os que querem ser leais a Cristo, a chamada continua a ser para que saiam, pois, a elefora do arraial, levando o seu vitupério. No entanto, nesse vitupério, encontram o esplendor da cruz, que se alça imponente sobre as ruínas do mundo; e, em torno da fron te sublime daquele que sobre ela foi pendurado, reúne-se a história sagrada da redenção do homem da escravidão do pecado nesta vida e, no mundo vindouro, a dádiva da vida eterna. A CIDADE QUE TEM FUNDAMENTOS
Porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura. Hebreus 13.14 A admoestação do versículo anterior é melhor explanada nesse texto. Não existe razão para hesitar em sair das portas da cidade e su portar o opróbrio da cruz, pois a Jerusalém atual é apenas um símbolo da natureza temporal das coisas terrenas. Podemos ser pacientes diante de todas as perdas e ignomínias, pois, neste mundo, não possuímos cidade permanente nem lugar certo de repouso e satisfação. Somos apenas peregrinos que aqui se acham por curto tempo. Buscamos a cidade que há de vir; a que tem fundamentos eternos e imutáveis. A alusão em Hebreus 13.14 não é apenas a Jerusalém. Não existe cidade permanente aqui. Logo, os cristãos nada têm a perder. E a alusão à cidade futura (a r c ) o u que há de vir (a r a ) não deve ser entendida no sentido de uma cidade que ainda não existe, pois tal não é o significado de mellousan (fiáAAoucrav). E uma cidade que já tem existência agora, mas é considerada futura apenas enquanto os cristãos
viverem na terra. Náo deve, pois, ser considerada como mera esperança, mas como realidade eterna, pois é a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus (Hb 11.10). D
e v er e s r e l ig io s o s
O autor da Epístola, tendo apresentado certas normas gerais como a ética fundamental da vida cristã e tendo feito a apresentação final da obra suprema de Cristo — a de santificar » Seu povo com Seu próprio sangue — , alça à proeminência certas obrigações religiosas específicas pertinentes a este sacrifício supremo e procedentes dele. Tais obrigações o autor da Epístola classifica igualmente como sacrifícios.
1. O sacrifício de louvor Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que ê ofruto de lábios que confessam o seu nome. Hebreus 13.15
a r a
A palavra thusian (Gucríav), traduzida como sacrifício, pode signi ficar sacrifício de sangue ou defrutos. Nesse contexto, usa-se no segundo sentido, pois o autor da Epístola usou a Septuaginta. No texto hebraico, a expressão os sacrifícios dos nossos lábios (Os 14.2 a r a ) era considerada idiomática, mas os tradutores da Septuaginta substituíram-na por fruto de lábios, para melhor compreensão pelos leitores do grego. A expressão por meio de Jesus torna-se enfática por sua colocação no princípio da frase. Não devemos meramente sofrer por Cristo fora do acampamento; devemos a Ele também o sacrifício de louvor — as expressões de ação de graças a Deus e a beneficência aos homens. Tais sacrifícios já não são administrados pelos sacerdotes levitas em épocas estabelecidas, mas continuamente e por intermédio de Cristo, visto que somente Ele, mediante o Espírito, pode tornar o nosso culto e serviço aceitáveis no altar de Deus.
Tendo considerado Cristo como Oferta pelo pecado, o autor da Epístola volta a atenção para as ofertas de manjares ou cheiro suave e de louvor. O primeiro sacrifício era conhecido como oferta de paz, a qual, depois que o sangue era aspergido sobre o altar, devia ser comida, em conjunto, pelos sacerdotes e os da congregação. Tornava-se, assim, o símbolo da vida e da comunhão com Deus restaurados. O segundo era a oferta de manjares, composta de farinha fina e outros ingredientes, sendo o símbolo do sustento e do crescimento da nova vida espiritual. A oferta mais elevada, porém, dessas era a oferta queimada, que se consumia inteiramente sobre o altar. De maneira peculiar, essa oferta simbolizava a devoção plena a Deus da nova vida espiritual, estando especialmente associada ao louvor. Durante a reforma sob o reinado de Ezequias, lemos que, em começando o holocausto, começou também o cântico ao SENHOR com as trombetas, ao som dos instrumentos de Davi, rei de Israel. Toda a congregação se prostrou, quando se entoava o cântico, e as trombetas soavam; tudo isto atéfindar-se o holocausto (2 Cr 29.27b,28). Duas coisas se observam quanto ao sacrifício de louvor: 1. Ele era oferecido continuamente e, portanto, com uma atitude íntima de louvor a Deus. Sendo assim, os que vão até Jesus fora do arraial lamentam a perda da cidade com suas riquezas e prazeres mundanos e temporais? Não, a alma que se achega a Cristo, em real e profunda experiência, une-se ao grupo sobre o qual o profeta Isaías escreveu: Saireis com alegria e em paz sereis guiados (Is 55.12a a b a ). Em Cristo, o coração transborda de alegria, e tão constante é esse gozo interior do Espírito, que, no meio das mais profundas provações, a alma pode dizer: [fomos] Entristecidos, mas [estando] sempre alegres (2 Co 6.10a a r a ) . 2. Esse sacrifício é o fruto de lábios que confessam o seu nome (Hb 13.15). A alegria do coração precisa de expressão exterior
antes de completar-se o sacrifício de louvor. Deus deu aos homens o poder da palavra, e os lábios a Cristo consagrados devem alegremente expressar louvores a Ele. O autor da Epístola já descreveu Cristo, o Santificador, como o Chantre, o Mestre do Coro, regendo os corais do céu e da terra e cantando louvores no meio da congregação, a Igreja (Hb 2.11,12). A alegria do SENHOR é a vossa força (Ne 8.10) e, sem ela, a Igreja torna-se fraca e sem atrativos. Além disso, lemos que a função máxima do louvor é a exaltação do nome de Deus, porque é um ato de fé. Dar alegre testemunho do que Cristo fez por nós, mediante fé singela, é mais eficaz para a salvação de almas do que o que podemos fazer por Ele. Portanto, como o sumo sacerdote queimava incenso além do véu, no Santo dos Santos, no Dia da Expiaçáo, entremos no Santíssimo mediante o sangue de Cristo e prestemos continuamente o nosso sacrificio de louvor a Deus, tendo o coração inflamado pelo amor a Ele e os lábios preparados para prestar-lhe ação de graças.
2. O sacrificio de beneficência1 Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação; pois, com tais sacrifícios, Deus se compraz. Hebreus 13.16 a r a A palavra koinonias (K O iv a r v ía ç ) , que aqui aparece como mútua cooperação, significa principalmente comunhão espiritual, um povo reunido pelos laços da fé e do amor. Os que vão a Cristo fora do arraial recebem esse espírito de fé e amor, o qual elimina toda ansiedade pelo dia de amanhã. Assim, em vez do mero desejo de obter e guardar para si, eles concordam com seu Mestre que mais bem-aventurada coisa é dar do que receber (At 20.35b); fazem
o bem e distribuem alegremente o que têm — como pobres, mas enriquecendo a muitos (2 Co 6.10b). Os pagãos se espantavam com o cuidado que os cristãos do primeiro século tinham pelos seus pobres e maravilhavam-se de que fossem bondosos até com relação àqueles que os perseguiam. Lecky, em sua History ofeuropean morais, escreveu a respeito de Cristo: “O simples registro de três curtos anos de vida ativa fez mais para regenerar e abrandar a humanidade que todas as dissertações dos filósofos e do que todas as exortações dos moralistas”. Sacrifícios como esses, diz-nos a Palavra, são agradáveis a Deus: sacrifícios de louvor, que nos custam um pouco confessar Cristo; sa crifícios de dar, quando a dádiva empobrece o doador. Quão diferente é o espírito dos que vão a Cristo fora das portas do mundo que o dos que permanecem no mundo! Aqueles sofrem Seu vitupério, regozijamse no amor do Pai e não temem o Deus do juízo, que é um fogo consumidor.
3. O sacrifício da obediência Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros. Hebreus 13.17 a r a A palavra guias em Hebreus 13.7 [na a r c , consta pastores\ se referia, principalmente, aos primeiros guias dos cristãos hebreus. Em Hebreus 13-17,24, refere-se aos pastores atuais. Contudo, entre os dois trechos (Hb 13.7 e Hb 13.17), existe um completo ciclo de ideias. O autor da Epístola inicia trazendo à memória de seus leitores os primeiros líderes hebreus como exemplos de fé; depois, passa a falar propriamente da fé e exorta contra doutrinas estranhas; a seguir, enfatiza a salvação pela graça, e não por sacrifícios e
rituais religiosos, e, finalmente, aborda o sacrifício supremo de Gristo fora das portas da cidade e as obrigações do culto a Deus que se se guem. Isso o leva a falar da necessidade de ordem na Igreja, mediante o dom de pastores ordenados por Deus para cuidar das almas do povo. O verbo hupekeite ( úttekelte ) , traduzido como sede submissos, é usado com frequência na literatura clássica grega, mas, no Novo Testamento, ocorre apenas aqui. “Parece expressar aquela entrega da própria vontade ao julgamento de outrem que reconhece a autoridade constituída ao mesmo tempo em que mantém independência pessoal” (Vaughan). O verbo peithesthe (neíGeaGeJ, traduzido como obedecei, vem do radical que significa persuadir, sendo, pois, mais uma obediência por convicção do que por ordem, imposição. O Espírito, que derrama no coração aquela fé e aquele amor que conduzem à generosidade, cria também nos que se acham fora do arraial [do mundo] o espírito de humildade e submissão, obediência e confiança. A palavra autoi (amol) é enfática no que se refere aos líderes. Eles não se designam por si mesmos, mas são divinamente eleitos, como vigias; eles são pastores do rebanho, submissos ao Sumo Pastor, Jesus (1 Pe 5-4). Logo, os cristãos devem submeter-se a seus líderes, sa bendo que todos prestarão contas a Deus quanto àquilo que o Senhor lhes confiou como função no Corpo de Cristo. E o autor da Epístola espera que essa missão seja cumprida com alegria, e não com pesar; pois do contrário, de nada lhes aproveitaria.
4. O sacrifício da oração Oraipor nós, pois estamospersuadidos de termos boa consciência, desejando em todas as coisas viver condignamente. Rogo-vos, com muito empenho, que assim façais, a fim de que eu vos seja restituído mais depressa. Hebreus 13.18,19 a r a
Náo se sabe ao certo se o pronome nós é um plural meramente figurado ou se refere-se aos companheiros do escritor de Hebreus. E o pronome eu (oculto) do versículo 19 indica um pedido puramente pessoal de oração. Como o louvor e a ação de graças, a beneficência, a submissão e a obediência, a oração é também um sacrifício a Deus. Se Jesus, no monte das Oliveiras, ofereceu ao Pai orações e súplicas, quanto mais nós não deveríamos levar vida de oração e de súplica! O escritor de Hebreus deixa implícitas duas condições para que a oração tenha êxito: 1. A primeira condição é a sinceridade ou honestidade de propósito. É preciso estarmos persuadidos de que temos boa consciência, desejando honestamente viver diante de Deus e dos homens. A boa consciência é aquela que é esclarecida quanto aos seus deveres e às suas responsabilidades, e plenamente cônscia de suas justas obrigações. O verbo desejando, na presente acepção, não é simples con sentimento sob persuasão, mas desejo fervoroso no sentido de propósito intenso. O advérbio condignamente não se limita aqui à integridade nos negócios, em contraste com o engano e a fraude; antes, como observou Westcott, “o adjetivo kalos (kaÀ&ç) parece reter seu sentido característico daquilo que exige o respeito e a admiração dos outros”. 2. A segunda condição é o zelo e a persistência, ou, nas palavras de Tiago: Muito pode, por sua eficácia, a súplica dojusto (Tg 5.16 a r a ) . É evidente que o autor da Epístola deixou inacabada alguma missão importante, pois, por certos motivos, encarceramento ou outros, foi impedido de voltar a estar reunido com os irmãos. Contudo, ele conhecia o poder da oração e confiava nas orações da Igreja, esperando, pela intercessão desta, ser-lhe em breve restituído.
Ora, o Deus da paz, que tomou a trazer dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança, vos aperfeiçoe em todo o bem, para cumprirdes a sua vontade, operando em vós o que é agradável diante dele, por Jesus Cristo, a quem seja a glória para todo o sempre. Amém! Hebreus 13.20,21 a r a O escritor se aproxima agora do término de sua notável Epístola. Tinha um grande propósito em mente, e, para realizá-lo, fez jorrar uma corrente viva de argumentos, advertências e apelos. Tendo pedido as orações dos cristãos para que lhes fosse restituído logo, irrompe em uma bênção majestosa, em que resume toda a Epístola em uma só sentença: um desejo e uma oração dirigidos aos cristãos, mas, na reali dade, um fervoroso apelo a Deus. Para atingir a máxima eficácia, esta bênção será apresentada apenas com sucintos comentários, para que possa destacar-se em sua beleza como um todo. O leitor diligente, porém, observará que todos os pontos de destaque dos capítulos anteriores acham-se aqui reunidos em uma grande oração, uma prece de bênção.
1. Ora, o Deus da paz (Hb 13.20a a r a ) Sendo usado o artigo definido, a leitura literal seria essa que temos, ou o Deus da bem-aventurança salvadora. Quando o Espírito Santo realizou Sua obra perfeita, não restou no coração nenhum conflito entre a alma e Deus. Esta é, pois, a concepção cristã do homem reconciliado com Deus em Jesus Cristo. A paz é considerada como estado em que entramos, paz com Deus na justificação (Rm 5.1); a paz de Deus como dom do Espírito na santificação (Jo 14.27).
A paz é a emoçáo normal da vida cristá. Paz com base na justiça, elevando-se em plenitude de gozo: isso é o que constitui o Reino de Deus dentro de nós (Rm 14.17).
2. Que tomou a trazer dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor (Hb 13.20b a r a ) A ressurreição caracteriza o triunfo de Cristo sobre a morte e a aceitação do Seu sangue como expiaçáo pelo pecado. É a base única, mas segura, de nossa esperança de futura vida; só Ele traz vida e imortalidade mediante o evangelho. O Cristo ressurreto e ascendido aos céus, assentado à destra do trono de Deus, é o nosso grande Sumo Sacerdote, que ministra para nós, no céu, a vida eterna por meio do Seu Espírito.
3. O grande Pastor das ovelhas (Hb 13.20c a r a ) Cristo aplicou a si mesmo esta conhecida imagem do Antigo Testamento: Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas (Jo 10.11). O versículo seguinte é, muitas vezes, ligado a este, indicando que, pelo sangue da aliança unicamente, Jesus foi ressuscitado dentre os mortos. Em Sua morte, foi aplicado o castigo pelo pecado [e este foi expiado]. Tendo Jesus sofrido o castigo em nosso lugar, a morte não o pôde reter. Tendo Ele dado a vida pelas ovelhas, levantou-se da morte para tomar-se o bom Pastor, o sumo Pastor que conduz Suas ovelhas ao descanso espiritual da fé nesta vida e ao descanso eterno na vida do porvir.
4. Pelo sangue da eterna aliança (Hb 13.20d a r a ) O Senhor Jesus, tendo ressuscitado, apresentou Seu sangue como expiaçáo por todo pecado — expiaçáo suficiente para todos os homens; eficiente para todos os que creem. É pelo sangue que nos aproximamos de Deus, somos purificados de todo pecado e temos acesso ao Senhor além do véu, no Santo dos
Santos. Pelo sangue, os próprios céus sáo purificados para ser a nossa habitação eterna; e, como Cristo, nós também nos levantaremos dentre os mortos pelo sangue da aliança e nos uniremos ao corpo glorioso dos remidos que se encontrará com Ele nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor (1 Ts 4.17b a r a ) .
5. Vos aperfeiçoe em todo o bem, para cumprirdes a sua vontade {Hb 13.21a a r a ) Perfeição foi uma das palavras mais usadas na Epístola, pois assinala a entrada na plenitude da nova aliança ou o que se chama perfeição cristã. Todavia, é usada, neste trecho, uma palavra grega diferente, katartisai (KaTaQTÍcraO, a qual significa ajustar-se, no sentido de um organismo em perfeitas condições de funcionamento. Na ver dade, é um termo médico que implica a recolocação de uma junta após deslocamento. Quando somos purificados de toda injustiça, Deus de tal modo retifica as molas de ação do nosso coração que este passa a funcionar perfeitamente para fazer a Sua vontade. Precisamos ter em mente que não devemos somente fazer a vontade de Deus, mas que é Ele quem nos prepara para fazê-la. Isso é realizado pelo Espírito Santo quando confiamos inteira mente nele; portanto, pela fraqueza e pelo desamparo, somos feitos fortes.
6. Operando em vós o que é agradável diante dele (Hb 13.21b a r a ) A operação do Espírito Santo no coração dos homens é o dom do Cristo ressuscitado, ascendido e glorificado. Pelo Espírito, Cristo é entronizado no coração e passa a dirigi-lo. Para ser agradável a Deus, não é suficiente salientar alguns deveres especiais, mas abundar em toda boa obra. Os deveres que nos compe tem resumem-se em fazer a vontade de Deus revelada nas Escrituras e tornada eficaz pela presença de Cristo.
7. PorJesus Cristo (Hb 13.21c a r a ) Deus opera no coração e na vida do cristão por intermédio de Seu Filho. Cristo é o Fiador da aliança e o Ministro do Santuário. Como o primeiro, Ele age na terra; como o segundo, ministra do Seu trono nos céus. Cristo é, pois, o único Mediador entre Deus e os homens. E por Ele que temos acesso ao Altíssimo, e é por Ele também que o Espírito ministra à nossa vida interior, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade (Fp 2.13 a r a ). 8.
A quem seja a glóriapara todo o sempre (Hb 13.21d a r a )
A Epístola se encerra com a doxologia, em que o coração do escri tor, expandindo-se de adoração, expressa seus sentimentos em atribuições de louvor. Sem essa nota final, a Epístola náo estaria completa, pois, quem bebeu tão profundamente do espírito da verdade, como este escritor, tem de expressar a alegria do seu coração em palavras de gratidão e louvor. Tendo sintetizado nessa bênção a obra gloriosa de Cristo, o autor apresenta aos leitores a verdade graciosa de que aquilo que Deus operou em Jesus deseja completar na Igreja, que é Seu Corpo. Que essa verdade seja recebida humilde e confiantemente e que, da plenitude do Espírito dentro de nós, como o incenso na antiguidade, a cha ma do amor de Deus suba para o céu, e a alma “se extasie com o mistério, o amor e o louvor”. Ao Senhor, a glória para todo o sempre!
9. Amém Esta palavra hebraica significa verdade e é o selo da veracidade de Deus e a confissão de nossa fé. Amém, que assim seja!
Os PÓS-ESCRITOS Com a bênção, a Epístola aos Hebreus poderia ter terminado, mas o escritor acrescenta alguns pós-escritos pessoais, que, deve-se admitir, estão
sob a forma e o espírito paulinos. Estando mais na forma de tratado do que de carta, a adição dos pós-escritos dá à Epístola o necessário caráter epistolar.
1. Rogo-vos, porém, irmãos, que suporteis a palavra desta exortação;porque abreviadamente vos escrevi (Hb 13.22) O escritor faz enérgico apelo aos leitores para que sejam seriamente atentos às admoestações dele, indicando que nenhuma doutrina é bem compreendida antes de apelar para a consciência, atingir o coração e, assim, afetar a conduta é a vida. Esse caráter exortativo permeia toda a Epístola. O autor fàla das próprias exortações como escritas resumidamente, talvez não tanto com referência à extensão da Epístola, mas à natureza vasta e sublime do assunto estudado. Por essa razão, insta com os leitores para que não permitam que o tamanho do escrito os preconceba contra ele, mas que o usem para sua edificação e seu proveito.
2. Sabei quejá está solto o irmão Timóteo, com o qual (se vier depressa) vos verei. Saudai todos os vossos chefes e todos os santos. Os da Itália vos saúdam. A graça seja com todos vós. Amém! (Hb 13.23-25) Segue-se a informação sobre a soltura de Timóteo. O autor da Epístola afirma que, se este não for detido por muito tempo, ambos pla nejam visitar logo os irmãos. Ele envia saudações aos guias dos cristãos e a todos os santos, oferecendo, dessa maneira, suficiente prova de que a carta foi dirigida à Igreja como um todo. Inclui também saudações de seus companheiros: Os da Itália vos saúdam (Hb 13.24c). Em seguida, em uma breve palavra final de bênção, ora: A graça seja com todos vós (Hb 13.25). Termina, assim, essa riquíssima Epístola, escrita em grego impecá vel, a qual atinge as profundezas e as alturas da graça divina, o que só se torna possível sob a iluminação e inspiração do Espírito Santo. Soli Deo gloriai
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A qui, o que é d e n o m in a d o de sacrifício de beneficência possivelm ente é u m sin ô n im o das boas obras praticadas pelos salvos; obras q u e revelam a benevolência e a beneficência de D eus; a m arca do caráter dele im pressa n o coração de Seu povo red im id o .
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